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FDV
MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
JULIANA CARLESSO LOZER
DEMOCRACIA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
A legitimidade democrática da jurisdição constitucional brasileira
VITÓRIA
2004
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FDV
MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
JULIANA CARLESSO LOZER
DEMOCRACIA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
A legitimidade democrática da jurisdição constitucional brasileira
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da FDV, como exigência parcial para a obtenção
do título de MESTRE em Direitos e Garantias
Constitucionais Fundamentais, na área de
concentração em Direitos Constitucionais
Fundamentais, sob a orientação da Profª.
Doutora Cristiane Mendonça.
VITÓRIA
2004
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FDV
MESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
JULIANA CARLESSO LOZER
DEMOCRACIA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
A legitimidade democrática da jurisdição constitucional brasileira
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
________________________________________
________________________________________
VITÓRIA, ____ de _____________ de 2004.
A Rosa e Reinaldo pelo apoio e eterno incentivo; a
vocês dois que me deram a vida, eu dedico esse
trabalho.
AGRADECIMENTOS
A presente pesquisa, fruto de dois anos de trabalho, não teria sido concluída sem a
ajuda de todos aqueles que me apoiaram neste mestrado.
Agradeço aos meus pais, Rosa e Reinaldo, e às minhas irmãs, Andréa e Fernanda,
pelo apoio incondicional e pelo incentivo durante todo o curso, sem os quais eu não
teria concluído mais esta etapa profissional. Ao Udno, pelo carinho e pela paciência,
por estar ao meu lado em todos os momentos e por me ajudar a enfrentar os muitos
obstáculos encontrados. Sem vocês, não teria conseguido.
À Cristiane Mendonça, professora desde a graduação na UFES, agradeço pela
participação na construção da pesquisa e pela dedicação na orientação.
A todos do escritório, em especial à Conceição, pelo incentivo, pela ajuda e pela
tolerância. É muito bom trabalhar e conviver com todos vocês.
Agradeço, ainda, à Adriana Zandonade, pela força e pelos conselhos nas horas mais
difíceis e, por fim, aos professores e aos colegas do mestrado, pelo aprendizado e
pela convivência.
RESUMO
Uma das principais metas do Estado contemporâneo consiste na conciliação do
constitucionalismo com a democracia. Com o objetivo de cotejar o controle
jurisdicional de constitucionalidade com a noção de democracia participativa, que se
sustenta na maior participação e no maior controle dos cidadãos sobre a decisão
estatal, a pesquisa propõe o exame de alguns aspectos que justificam o exercício
desse controle pelos órgãos jurisdicionais. Uma análise comparativa entre os
modelos de controle de constitucionalidade de diversos países mostra que os
Tribunais Constitucionais possuem sistemas específicos de designação de seus
membros, normalmente atribuída a agentes políticos eleitos pelo povo. A
peculiaridade da forma de investidura desses juízes demonstra que os Tribunais
Constitucionais não são inteiramente carentes de representatividade, pois se apóiam
no voto popular, ainda que indiretamente. Além disso, é possível justificar o exercício
do controle jurisdicional: (i) pela garantia de participação das minorias no processo
político, em observância às regras do jogo democrático; (ii) pela instauração de um
processo deliberativo, em que se propicia o debate sobre as questões
constitucionais; (iii) pela ampliação do acesso à justiça, que está relacionada à
abertura do processo de interpretação e de controle da Constituição à participação
de indivíduos e grupos distintos e (iv) pela tutela dos direitos fundamentais. Tratando
especificamente do controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro, embora a
legitimidade democrática do controle exercido pelo Supremo Tribunal Federal venha
sendo contestada pela doutrina, em razão da forma de designação dos membros
deste tribunal, não se pode deixar de reconhecer que algumas alterações
promovidas pela Constituição de 1988 e pela legislação infraconstitucional
imprimiram nova feição ao sistema vigente. Em primeiro lugar, é possível apontar a
ampliação do rol de legitimados ativos para propositura da ação direta de
inconstitucionalidade e a admissão pelo Supremo Tribunal Federal de mandado de
injunção coletivo como fórmulas de conferir maior abertura do processo de defesa da
Constituição às minorias. Em segundo lugar, nota-se que a exigência de publicidade
e motivação das sentenças judiciais e a permissão da instauração do controle
abstrato de constitucionalidade no âmbito estadual, incentivam a instauração do
processo deliberativo, de argumentação sobre as questões constitucionais. Em
terceiro lugar, constata-se que a abertura no procedimento de controle concentrado
de constitucionalidade, promovida principalmente pela Lei 9.868/90, alia-se também
à idéia da ampliação da participação na interpretação da Constituição. Por fim, a
legitimidade democrática decorrente da ampliação dos mecanismos de tutela dos
direitos pode ser constatada no sistema brasileiro pelo surgimento da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, do mandado de injunção e da ação de
descumprimento de preceito fundamental.
ABSTRACT
One of the main goals of the contemporary state is the conciliation of
constitutionalism and democracy. With the objective to confront the constitutional
jurisdictional control with the idea of participative democracy, which is supported by a
broader participation and larger control by the citizens over state’s decisions, the
research proposes the analysis of various aspects that justify this control by the
jurisdictional institutions. A comparative analysis among the constitutionality control
models from several countries shows that the constitutional courts have specific
systems of member designation, usually ascribed to political agents elected by the
people. The peculiarity of these judges way of investiture show that constitutional
courts do not entirely lack representativeness, because they are supported by
popular vote, even if indirectly. Furthermore, it is possible to justify the jurisdictional
control: (i) by the guarantee of minorities’ participation in the political process
according to the rules of democracy; (ii) by the establishment of a decision process
that favors the debate on constitutional matters; (iii) by the increase in access to
justice, which is related to the opening of the interpretation process and constitutional
control to individuals and different groups, and (iv) by the protection of fundamental
rights. Dealing specifically with Brazilian constitutional jurisdictional control, although
the democratic legitimacy of the control done by the Federal Supreme Court is being
contested by legal doctrine, due to the way its members are designated, the
acknowledgement of some changes made by the 1988 Constitution and various laws
gave the current system a new face. First, it is possible to point out the enlargement
of the legitimate list of people who can propose the “direct action of constitutionality”
and the admission by the Federal Supreme Court of the collective injunction writ as a
way to give minorities more access to the process of defending the Constitution.
Second, it can be noticed that the exigency of publicity and motivation of judicial
sentences and the allowance of creation of abstract control of constitutionality in the
federal state circuit favors the decision process on constitutional matters. Third, it can
be seen that the enlargement of the procedure of concentrated constitutional control
made mainly by the Law 9,868 is associated also with the idea of the enlargement of
participation in constitutional interpretation. At last, the democratic legitimacy of the
increase of rights protection mechanisms may be seen in the Brazilian system by the
appearance of the “direct action of unconstitutionality by omission,” the injunction writ
and of the “action of unfulfillment of fundamental precept.”
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10
2 O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE.........................13
2.1 FIXAÇÃO DO CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO.............................................13
2.2 O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E O ESTADO
CONSTITUCIONAL ATUAL...................................................................................16
2.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE...................................................20
2.3.1 Conceito de Inconstitucionalidade...................................................20
2.3.2 Espécies de controle de constitucionalidade..................................23
2.3.2.1 O Controle Político de Constitucionalidade...............................26
2.3.2.2 O Controle Jurisdicional de Constitucionalidade.......................28
2.3.2.2.1 Conceito de jurisdição................................................
.
.28
2.3.2.2.2 Espécies de jurisdição.................................................31
2.3.2.2.3 Controle jurisdicional de constitucionalidade:difuso
e concentrado.............................................................................35
2.4 QUEM DEVE SER O DEFENSOR DA CONSTITUIÇÃO?..............................38
2.4.1 A independência como critério de definição do defensor da
constituição..................................................................................................40
3 A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO CONTROLE JURISDICIONAL DE
CONSTITUCIONALIDADE........................................................................................47
3.1 TENSÕES ENTRE DEMOCRACIA E CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE....................................................................................47
3.2 O ATUAL SIGNIFICADO DA DEMOCRACIA..................................................49
3.2.1 A superação da idéia de democracia como regime da maioria e
como regime fundado na representação política.....................................49
3.2.2 A democracia participativa ou semidireta como parâmetro..........54
3.2.3 Da democracia representativa à democracia participativa............56
3.2.4 Democracia participativa e direitos fundamentais.........................60
3.3 NOÇÃO DE LEGITIMIDADE...........................................................................62
3.3.1 Legitimidade e participação..............................................................64
3.4 A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO CONTROLE JURISDICIONAL DE
CONSTITUCIONALIDADE SOB DIFERENTES ASPECTOS...............................66
3.4.1 Legitimidade de origem ......................................................................66
3.4.2 Legitimidade pela participação das minorias: em defesa do
regime pluralista............................................................................................70
3.4.3 Legitimidade argumentativa................................................................75
3.4.4 Legitimidade e acesso à justiça..........................................................80
3.4.5 Legitimidade pela defesa dos direitos fundamentais.......................86
4 ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO CONTROLE
JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL................................91
4.1 HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
BRASILEIRO.........................................................................................................91
4.2 A NOVA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: AS INOVAÇÕES
ADVINDAS COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL...................................................................................98
4.2.1 O papel do Judiciário na defesa da Constituição: a legitimidade
democrática do modelo brasileiro de controle de
constitucionalidade..................................................................................101
4.2.1.1 Os critérios de seleção dos magistrados e a legitimidade
de origem.........................................................................................103
4.2.1.2 O pluralismo, a participação das minorias e a jurisdição
constitucional brasileira....................................................................106
4.2.1.3 A configuração do Judiciário brasileiro como instância
argumentativa..................................................................................112
4.2.1.4 A abertura procedimental do controle concentrado de
constitucionalidade e a Lei 9.868/99................................................115
4.2.1.5 A ampliação dos instrumentos de controle de
constitucionalidade e a tutela dos direitos fundamentais.................120
5 CONCLUSÕES.....................................................................................................126
6 REFERÊNCIAS.....................................................................................................129
10
1 INTRODUÇÃO
Uma das principais metas do Estado contemporâneo consiste na conciliação do
constitucionalismo com a democracia. Enquanto o constitucionalismo prega a
supremacia da Constituição e a necessidade de serem estabelecidos mecanismos
de proteção da Lei Fundamental, a democracia assegura o governo de todos,
preocupa-se com a articulação entre a vontade popular e o exercício do poder do
Estado.
Dentre os mecanismos de proteção da Constituição, destaca-se o controle
jurisdicional de constitucionalidade, exercido tanto pelas Cortes ou pelos Tribunais
Constitucionais, quanto por órgãos ou membros da magistratura ordinária
(Judiciário). Este tipo de controle é adotado pela maioria dos países que
desenvolveram mecanismos de defesa das normas constitucionais.
No entanto, a configuração do controle jurisdicional de constitucionalidade muito
vem sendo objeto de discussões doutrinárias. As críticas normalmente dirigidas a
este tipo de controle estão relacionadas a sua feição antidemocrática. Por ser
exercido por juízes que não são eleitos pelo povo, os tribunais e juízes
constitucionais não possuiriam legitimidade para fiscalizar a constitucionalidade de
leis e atos normativos.
A jurisdição constitucional é acusada de antidemocrática também por impor
restrições à vontade da maioria, tradicionalmente identificada na maioria
parlamentar. O risco de ser atribuído o controle de constitucionalidade aos órgãos
jurisdicionais revela, portanto, uma concepção de democracia fundada na existência
de representantes eleitos e no princípio da maioria — que interpreta a maioria
parlamentar como representante da vontade de todos.
Ocorre que tal concepção de democracia foi superada pela noção de supremacia da
Constituição e pela evolução do direito de participação política. A idéia de
democracia como vontade da maioria parlamentar foi sufragada pela noção de
supremacia da Constituição: o princípio da maioria passa a encontrar na
11
Constituição seus próprios limites. Por outro lado, a evolução do direito de
participação política tornou claro que a representação não é condição suficiente para
a realização da democracia. A abertura de novos canais de participação do povo nas
decisões tomadas pelo Estado acentua a nova feição do regime democrático.
Esta nova concepção de democracia, que se sustenta na maior participação e no
maior controle dos cidadãos sobre as decisões estatais, implica uma necessária
reavaliação da questão da legitimidade do controle jurisdicional de
constitucionalidade. Trata-se da democracia participativa que constitui as bases de
um Estado democrático participativo.
Assim, surge uma nova questão a ser solucionada, relacionada à justificativa do
controle jurisdicional de constitucionalidade no seio de um Estado democrático
participativo. Com a finalidade de discutir o aludido problema, o presente trabalho foi
dividido em três capítulos.
O primeiro capítulo trata do controle de constitucionalidade. Partindo-se da noção de
supremacia e força normativa da Constituição, são abordados o conceito e as
espécies de controle. Dentre as espécies classificadas pela doutrina, é dada ênfase
ao controle jurisdicional de constitucionalidade. A posição dos órgãos jurisdicionais
como defensores da Constituição também é abordada, ressaltando-se as posições
de Hans Kelsen e de Carl Schmitt sobre a matéria.
O segundo capítulo inicia-se enunciando as críticas atribuídas ao controle
jurisdicional, pelo caráter antidemocrático. Em seguida, são demonstradas as
diversas concepções de democracia e fixada como parâmetro do presente estudo a
concepção de democracia participativa. Partindo-se da noção de legitimidade e de
participação, são apresentados alguns argumentos que conferem legitimidade
democrática ao exercício da jurisdição constitucional: (i) legitimidade de origem; (ii)
legitimidade pela participação das minorias; (iii) legitimidade argumentativa; (iv)
legitimidade e acesso à justiça e (v) legitimidade pela defesa dos direitos
fundamentais.
12
O terceiro capítulo realiza a análise do controle jurisdicional de constitucionalidade
brasileiro. Inicia-se com um breve histórico sobre os mecanismos de defesa da
Constituição, centrando-se no estudo da jurisdição constitucional brasileira a partir
da Constituição de 1988. Por fim, é examinada a legitimidade democrática do
controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil, à luz dos elementos
explicitados no capítulo segundo.
É importante observar que a análise de cada um dos diferentes aspectos da
legitimidade democrática do controle jurisdicional brasileiro é realizada com base no
ordenamento constitucional e infraconstitucional. O material de pesquisa é a
Constituição de 1988 e leis infraconstitucionais — em especial a Lei 9.868/90 e a Lei
9.882/90 apoiados na doutrina e na jurisprudência nacional principalmente do
Supremo Tribunal Federal.
13
2 O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE
2.1 FIXAÇÃO DO CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO
A fixação do conceito de Constituição é tarefa necessária na abordagem do tema do
controle de constitucionalidade; tarefa esta dificultada ante a pluralidade de
significados decorrente da diversidade de enfoques utilizados na compreensão da
Constituição.
Na opinião de Konrad Hesse
1
, a questão sobre o conceito de Constituição não pode
ser respondida recorrendo-se a um conceito estabelecido ou reconhecido pela
maioria, porque este ainda não foi esclarecido pela doutrina ou pela jurisprudência.
Para o autor, a resposta para a questão atinente ao conceito de Constituição
depende da tarefa que deve ser resolvida com o conceito a ser obtido.
Segundo Hesse
2
, a Constituição é entendida como a “ordem fundamental jurídica da
coletividade”. Cumpre à Constituição as seguintes tarefas: (i) determinar os
princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se a unidade política do Estado;
(ii) regular os procedimentos de solução de conflitos dentro da comunidade; (iii)
ordenar a organização e o procedimento da formação da unidade política e da
atividade estatal e, por fim, (iv) criar as bases e os traços fundamentais da ordem
jurídica.
3
Em síntese, na visão do autor, a tarefa da Constituição na realidade da vida
histórico-concreta é orientada tanto pela formação e conservação da unidade
política, quanto pela fundamentação da ordem jurídica. A unidade política é
necessária para atuação de atividade uniforme do Estado, ao passo que a ordem
1
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha.
Tradução de Luís Afonso Heck. Porto alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. pp. 25-26.
2
Ibid, p. 37.
3
CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1982. pp.
114-115.
14
jurídica serve não só para ordenar o processo de formação da unidade política
4
, mas
também para ordenar a vida econômica e social.
5
A função constitucional de regular a unidade política e fundamentar a ordem jurídica
está também relacionada à estrutura da Carta Maior. Para Hesse
6
, a Constituição
deixa intencionalmente abertas certas questões. Isso ocorre não porque os fatos
que são regulados estão sujeitos a alterações históricas, mas também porque a
própria Constituição reconhece a necessidade de deixar espaço à livre discussão,
decisão e configuração de determinadas matérias.
Contudo, embora seja reconhecida essa abertura e amplitude, a Constituição não
deixa de assumir a função constitutiva, estabilizadora e racionalizadora do processo
político e a função limitadora do poder. Nessa ordem de idéias, o autor salienta:
“Essa abertura e amplitude da Constituição naturalmente não significa dissolução em
uma dinâmica total, na qual a Constituição não estaria em condições de dar à vida
da coletividade apoio dirigente
7
. E continua, ao afirmar que: “Tanto por aquilo que
ela deixa aberto, como por aquilo que ela o deixa aberto, a Constituição produz
efeitos que formam sua função na vida da coletividade”
8
.
reside um dos pontos cruciais da teoria de Konrad Hesse: a força normativa da
Constituição. A força normativa da Constituição é entendida como a força ativa da
norma que influi e determina a realidade política e social. Segundo Konrad Hesse,
não se pode negar que a norma constitucional consiste numa das forças
determinantes da vida do Estado, isto é, que tenha potência para dominar
efetivamente o poder estatal. É certo, como admite o autor, que existem alguns
fatores que condicionam o reconhecimento da força normativa da Constituição, tais
4
É importante observar que o conceito de unidade política de Konrad Hesse não pressupõe uma
unidade a ser perseguida de índole étnica, religiosa e ideológica. Pelo contrário, Hesse reconhece a
pluralidade de interesses, de concepções de vida, e que o Estado democrático da atualidade não
mais conhece o sujeito uniforme de domínio. Para ele, a unidade política consiste apenas na unidade
de ação estatal, sem a qual não existiria Estado, mas sim anarquia ou guerra civil. A unidade política,
assevera, caracteriza-se por ser um processo permanente, de conciliação de interesses antagônicos,
que nunca está definitivamente concluído.
5
HESSE, 1998, pp. 29-37.
6
Ibid, p. 39.
7
Ibid, p. 40.
8
Ibid, p. 42.
15
como: (i) a necessária relação entre a norma constitucional e a realidade político-
social; (ii) a correspondência da norma com a realidade histórica, isto é, com a
situação histórica concreta e suas condicionantes e, por fim, (iii) o cumprimento dos
pressupostos de eficácia da Constituição. Os pressupostos que permitem à
Constituição desenvolver sua força normativa consistem tanto na correspondência
do conteúdo de suas normas com a consciência geral, quanto a existência da
vontade de Constituição, conceituada pelo autor como a disposição dos partícipes
da vida constitucional em orientar a própria conduta da forma estabelecida no texto
normativo. Contudo, observadas essas condições, a norma constitucional assume
força capaz de proteger e dirigir a vida do Estado.
9
A defesa da força normativa da Constituição, exaltada na obra de Hesse, surgiu em
contraposição à teoria de Ferdinand Lassale
10
, segundo a qual a Constituição
representa apenas a expressão de uma dada realidade, isto é, a expressão das
relações de poder dominantes.
É importante notar, como faz Paulo Ricardo Schier
11
, que entre os textos de Hesse e
Lassale — “A força normativa da Constituição” e “A essência da Constituição”,
respectivamente um lapso de 91 anos, sendo importante observar ainda o
contexto em que Ferdinand Lassale expôs suas idéias. Lassale foi contemporâneo
de Karl Marx, tendo proferido a conferência sobre a essência da Constituição em 16
de abril de 1862, período histórico em que, segundo o autor, “predominava certa
concepção que praticamente negava normatividade para a Constituição Jurídica (e
para a ordem jurídica, como um todo)”.
Na lição de Konrad Hesse
12
, a Constituição é analisada em seu sentido jurídico,
enquanto lei fundamental do Estado e da sociedade. É esse o sentido de
Constituição que será adotado neste estudo. O conceito elaborado pelo mestre
alemão mostra-se adequado ao presente trabalho por duas principais razões:
9
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. pp. 13-27.
10
LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001. pp.
5-11.
11
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 70.
12
HESSE, 1998. p. 11.
16
primeiro pelo reconhecimento da força normativa e segundo pela idéia da abertura
da Constituição.
A visão da Constituição dotada de força normativa propicia um resgate da dignidade
normativa da ordem constitucional, que, por sua vez, está diretamente relacionada
às técnicas de controle de constitucionalidade. Por outro lado, a noção de abertura
da Constituição serve para demonstrar que a ordem constitucional não consiste
numa unidade concluída, pois na verdade está em constante construção. É a
própria Constituição que possibilita a livre discussão, decisão e configuração de
determinadas matérias que, conscientemente, não foram reguladas pela Carta
Maior.
A força normativa e a abertura da Constituição consistem nas premissas
fundamentais para análise do controle de constitucionalidade e da democracia,
fundindo-se neste estudo na proposta de investigação acerca da legitimidade
democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade.
2.2 O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E O ESTADO
CONSTITUCIONAL ATUAL
A idéia da Constituição como norma suprema e fundamental é característica do
Estado contemporâneo.
O princípio da supremacia da Constituição surge com o aparecimento das
constituições escritas, de cunho liberal. Embora desde a antigüidade tenha existido a
idéia de supremacia do Direito, da supremacia da lei, a noção de constituição como
norma suprema, nos moldes entendidos atualmente, veio a vigorar no fim do
século XVIII.
17
Segundo Nelson Saldanha
13
, o princípio tem suas raízes na sociedade pós-feudal e
provem, em certa medida, do conceito mais racionalista, técnico e legalista do
direito. É como um tipo de lei que a constituição passa a prevalecer e a se sobrepor
às leis ordinárias. O direito costumeiro, fundado no jus naturale, foi substituído pela
Constituição, concebida como texto normativo que enunciava os fundamentos do
Estado e do Direito.
É sob este aspecto que o Estado de direito do século XIX foi concebido como
Estado Constitucional. Neste modelo de Estado Constitucional foi dada prevalência
à ordem ditada pelo poder constituinte sobre aquelas emanadas dos poderes
constituídos. Criou-se, no ordenamento jurídico, uma estrutura hierárquica na qual a
norma constitucional passou a ocupar o nível mais alto, situando-se abaixo os atos
legislativos, administrativos e jurisdicionais emanados dos órgãos do Estado.
Partindo da hierarquia e da prevalência do poder constituinte, foi delineada a noção
de supremacia da Constituição, impondo-se a observância da forma e do conteúdo
traçados na lei fundamental. A Constituição passa a ser dotada de uma
superlegalidade formal que determina competências e procedimentos para a
elaboração de leis ordinárias, e de uma superlegalidade material que permite que o
conteúdo dos atos normativos inferiores seja submetido ao comando
constitucional
14
.
O caráter supremo da Constituição impõe a observância das prescrições formais e
materiais não na construção ordenamento jurídico, mas também em qualquer
momento de sua aplicação. Essa é a posição de Eduardo García de Enterría
15
:
La supremacía de la Constitución sobre todas las normas y su carácter
central en la construcción y en la validez del ordenamiento en su conjunto,
obligan a interpretar éste en cualquier momento de su aplicación por
operadores públicos o por operadores privados, por Tribunales o por
órganos legislativos o administrativos en el sentido que resulta de los
13
SALDANHA, Nelson. Formação da teoria constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1982. pp. 128-
129.
14
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 164.
15
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Hermenêutica e supremacia constitucional: el principio de la
interpretación conforme la Constitución de todo el Ordenamiento. Revista de direito público, ano
XIX, n. 77, São Paulo, p. 33-38, jan./mar. 1986., p. 33.
18
principios y reglas constitucionales, tanto los generales como los específicos
referentes a la materia de que se trate.
16
Contudo, ao lado da noção de supremacia da Constituição, constata-se que o
Estado contemporâneo é caracterizado também pelo regime democrático. É o que
nota J.J. Gomes Canotilho
17
: “O Estado Constitucional, para ser um estado com as
qualidades identificadas pelo constitucionalismo moderno, deve ser um Estado de
direito democrático”.
Para o autor
18
, as duas grandes qualidades do Estado Constitucional atual se
resumem nas fórmulas do Estado de direito e do Estado democrático:
O Estado constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de direito.
Se o princípio do Estado de direito se revelou com uma “linha Maginot” entre
“Estados que têm uma constituição” e Estados que não têm uma
constituição”, isso o significa que o Estado Constitucional moderno possa
limitar-se a ser apenas um Estado de direito. Ele tem de estruturar-se como
Estado de direito democrático, isto é, como uma ordem de domínio
legitimada pelo povo. A articulação do “direito” e do “poder” no Estado
constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve organizar-se e
exercer-se em termos democráticos. O princípio da soberania popular é,
pois, uma das traves mestras do Estado constitucional. O poder político
deriva do “poder dos cidadãos”.
O Estado de direito serve à tarefa de limitar o poder político, enquanto a democracia
procura justificar o exercício desse poder. Conforme declara J.J. Gomes Canotilho
19
,
a conciliação entre Estado de direito e democracia atendeu aos reclamos de
legitimidade do poder, in verbis:
Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não
metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a
legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de
legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem
de domínio e da legitimação do poder político. O Estado impolítico” do
Estado de direito não resposta a este último problema: de onde vem o
poder. o princípio da soberania popular segundo o qual todo poder vem
16
“A supremacia da Constituição sobre todas as normas e seu caráter central na construção e na
validade do ordenamento em seu conjunto, obrigam a interpretar este em qualquer momento de sua
aplicação — por operadores públicos ou por operadores privados, por Tribunais ou por órgãos
legislativos e administrativos no sentido que resulta dos princípios e regras constitucionais, tanto
os gerais quanto os específicos referentes à matéria de que se trate”. (Tradução nossa).
17
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:
Almedina, 1998. p. 89.
18
Ibid, p. 93-94.
19
Ibid, pp. 95-96.
19
do povo” assegura e garante o direito à igual participação na formação
democrática da vontade popular.
No mesmo sentido acentua o mestre Oscar Vilhena Vieira
20
, ao afirmar que a
principal meta do constitucionalismo contemporâneo é a composição do
antagonismo que se verifica entre a democracia e o constitucionalismo. Para ele, à
democracia importa discutir o fundamento e o exercício do poder pelo povo,
enquanto o constitucionalismo moderno preocupa-se com os limites do poder, seja
esse poder exercido pelo rei ou pelo próprio povo. Assim, segundo o autor, é
possível afirmar que as democracias constitucionais contemporâneas representam
tentativas de conciliar essas duas concepções.
Para Nicola Matteuci
21
, democracia e constitucionalismo são doutrinas diversas,
facilmente separáveis no plano puramente conceptual. Contudo, assevera o autor:
“não são doutrinas contraditórias, porque embora tenha havido no passado regimes
constitucionais são democráticos, não conhecemos hoje outra forma possível de
democracia senão a constitucional”.
Esta posição, segundo a qual o Estado Constitucional atual deve se conciliar com o
postulado democrático, é defendida também por Manuel Aragon
22
ao afirmar que:
“[...] solo es Constitución auténtica, es decir, Constitución normativa, la Constitución
democrática, ya que unicamente ella permite limitar efectivamente, esto es,
juridicamente, la acción del poder”
23
. De acordo com Manuel Aragon esta é a tese
que vem sendo acolhida por inúmeros doutrinadores, inclusive europeus
24
,
ocasionando o condicionamento do reconhecimento da Constituição ao
reconhecimento da democracia.
20
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 26.
21
MATTEUCI, Nicola in BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfraco. Dicionário
de política. 5 ed. Brasília: Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.
v.1. p. 257.
22
ARAGON, Manuel. Constitución y democracia. Madrid: Tecnos, 1990. p. 25-26.
23
“[...] é Constituição autêntica, isto é, Constituição normativa, a Constituição democrática, que
somente ela permite limitar efetivamente, isto é, juridicamente, a ação do poder.” (Tradução nossa).
24
Dentre os doutrinadores europeus citados pelo autor tem-se o alemão Klaus Stern e o espanhol
Francisco Rubio Llorente.
20
É justamente esta simbiose entre democracia e Estado de direito, isto é, a
conciliação das duas linhas mestras do Estado Constitucional atual, que orienta o
presente estudo. Nesta perspectiva, primeiro se analisado o controle de
constitucionalidade, para depois serem analisadas as diferentes compreensões
oferecidas pela teoria democrática.
2.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
2.3.1 Conceito de Inconstitucionalidade
Embora seja atribuída à constituição força para regular a atuação dos órgãos
públicos, a norma constitucional sem sempre é observada. É possível a edição,
deliberada ou acidental, de atos infraconstitucionais incompatíveis com o parâmetro
designado pela norma suprema, o que resulta na inconstitucionalidade.
Para Flávia Piovesan
25
, o conceito de inconstitucionalidade depende do conceito de
Constituição que é adotado. Porém, na opinião da autora, isso não impossibilita que
seja identificado um núcleo mínimo, essencial e permanente neste conceito. Nas
suas palavras:
Não obstante o conceito de inconstitucionalidade esteja sempre a se formar,
acompanhando a dinâmica própria das mudanças constitucionais, detecta-
se um núcleo mínimo, essencial e permanente neste conceito. A
inconstitucionalidade advém sempre [sic] uma relação de contrariedade com
a Constituição: de um lado a Constituição e de outro um comportamento
ameaçador e violador à ordem constitucional.
Como se observa, de acordo com Flávia Piovesan, constitucionalidade e
inconstitucionalidade designam conceitos de relação, isto é, a relação que se
estabelece entre a Constituição e um comportamento, que lhe está ou não
conforme, que com ela é ou não compatível
25
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ão direta de
inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003. p. 86.
21
O conceito acima evidenciado aproxima-se do referido por Jorge Miranda
26
:
Constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação:
a relação que se estabelece entre uma coisa a Constituição e outra
coisa um comportamento que lhe está ou não conforme, que cabe ou
não no seu sentido, que tem nela ou não a sua base.
É possível observar que o conceito de inconstitucionalidade, para ambos os
doutrinadores, envolve a relação entre um comportamento e a norma constitucional.
Segundo Jorge Miranda, quando se trata de constitucionalidade e
inconstitucionalidade, não estão em causa simplesmente a adequação de uma
realidade e outra realidade, ou a desarmonia entre este e aquele acto, mas o
cumprimento ou não de certa norma jurídica. Para o autor
27
, a relação entre o
comportamento que pode ser adotado tanto pelos órgãos públicos, como pelos
particulares e a norma constitucional, não se trata de relação de mero caráter
lógico ou intelectivo, mas sim de uma relação de caráter normativo.
De fato, se é entendido que a norma constitucional é também norma jurídica e
possui força normativa, o problema da violação da supremacia constitucional traduz-
se em um problema normativo, isto é, em um problema de descumprimento de
norma. Se normas jurídicas têm como objeto uma conduta humana, o
descumprimento de tais normas só pode ser realizado por uma conduta.
No que se refere ao objeto das normas, afirma Hans Kelsen
28
:
O objeto de uma norma é aquilo que está prescrito numa norma, fixado
como devido, é a conduta de um ser dotado de razão e de vontade
segundo nossa concepção de hoje é a conduta de uma pessoa. Pois a
norma deve ser cumprida e aplicada
.
Assim, a inconstitucionalidade traduz-se na violação da norma constitucional
decorrente de um comportamento. Este comportamento pode consistir na prática de
um ato jurídico que infringe a Constituição o que constitui a chamada
inconstitucionalidade por ação ou na inércia, na ausência da prática de um ato
26
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: inconstitucionalidade e garantia da
constituição. Tomo VI. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. pp. 7-8.
27
Ibid, p. 8.
28
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução de José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1986. p. 113.
22
exigido pela Constituição —— que configura a denominada inconstitucionalidade por
omissão.
O fato do descumprimento da norma constitucional poder ser evidenciado pelo ato
normativo editado em desconformidade com a Carta Maior leva alguns autores a
conceituar a inconstitucionalidade como um vício atribuído à lei, e não à conduta do
legislador. Nesse sentido, observa-se o conceito veiculado por Marcelo Caetano
29
,
em sua obra Direito Constitucional:
A inconstitucionalidade é, pois, o vício das leis que provenham de órgão que
a Constituição não considere competente, ou que não tenham sido
elaboradas de acordo com o processo prescrito na Constituição ou
contenham normas opostas às constitucionalmente consagradas.
Para Clèmerson Merlin Clève
30
, a noção de inconstitucionalidade passa pela
avaliação do conteúdo e da forma de um ato normativo frente à Constituição. A
incompatibilidade normativa, afirma, pode decorrer da inadequação ou
desconformidade do procedimento de elaboração legislativa ou do conteúdo da
norma criada; por isso, a relação de incompatibilidade frente a Constituição pode ser
de natureza formal ou material. Nas palavras do autor:
Cabe, em resumo, dizer que a inconstitucionalidade (situação ou estado
decorrente de um ou de vários vícios) pode ser conceituada como a
desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou de
seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum
preceito ou princípio constitucional.
Contudo, a despeito da imprecisão conceitual, a inconstitucionalidade deve ser
entendida como afronta à supremacia da Constituição e como violação às normas
eleitas pela sociedade como fundamentais. Tais idéias remetem de imediato à
necessidade de um sistema de defesa da supremacia constitucional. E é com a
finalidade de garantir a observância do comando constitucional, seja pelos órgãos e
agentes públicos, seja pelos particulares, que surgiram as técnicas e os organismos
responsáveis pelo controle de constitucionalidade.
29
CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional. Forense: Rio de Janeiro, 1977. vol. I. p. 401.
30
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 30.
23
A partir dessas considerações, merece ser registrado que importa ao presente
estudo apenas a análise dos comportamentos adotados pelos órgãos públicos,
excluindo-se da apreciação, portanto, as ações e as omissões dos particulares.
Dentre os comportamentos atribuídos ao Estado, é possível diferenciá-los ainda de
acordo com o seu conteúdo, sendo estes normativos ou não normativos. Nesse
passo, que ser ressaltado que serão considerados apenas os comportamentos
normativos, ou a omissão destes que resulte em violação ao comando
constitucional.
2.3.2 Espécies de controle de constitucionalidade
Havendo desconformidade da conduta do órgão público ou do ato normativo editado
com o comando da norma constitucional, tem-se a violação da supremacia da
constituição. A permanência do status de supremacia da norma constitucional
depende da existência de mecanismos de controle dos atos infraconstitucionais, que
hoje constituem os diferentes sistemas de controle de constitucionalidade das leis.
Por isso, a idéia de supremacia constitucional conduz também ao problema de sua
defesa.
Os métodos de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos demais atos dos
poderes públicos servem como meios de defesa da norma constitucional. Neste
sentido, afirma Ronaldo Poletti
31
:
(...) o controle de constitucionalidade das leis, baseado no princípio da
supremacia da Constituição, implica colocar a Carta Magna acima de todas
as outras manifestações do Direito, as quais, são com ela compatíveis ou
nenhum efeito devem produzir. Se a lei ordinária, o estatuto privado, a
sentença judicial, o contrato, o ato administrativo etc. não se conformarem
com a Constituição, devem ser fulminados por uma nulidade incomum, qual
seja, aquela proveniente da Lei Maior, com base no princípio da supremacia
da Constituição.
31
POLETTI, Ronaldo. Controle de constitucionalidade das leis. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 1997. p. 03.
24
Sobre o postulado da supremacia e da força normativa da constituição, erguem-se,
portanto, os sistemas de controle de constitucionalidade das leis e dos atos do poder
público. O Direito Comparado mostra a diversidade de sistemas existentes e dos
instrumentos jurídicos adotados pelos países.
De acordo com J.J. Gomes Canotilho
32
, é possível obter uma visão global dos
diferentes tipos de controle, discriminando-se (i) quem exerce o controle; (ii) como se
exerce o controle; (iii) quando se controla; (iv) quem pede o controle e (v) os efeitos
do controle.
O primeiro critério considera o sujeito que exerce o controle e permite a
diferenciação entre controle político e controle jurisdicional. O sistema francês
geralmente é apontado como exemplo clássico de controle político. O controle
jurisdicional pode ser atribuído tanto a órgãos integrantes do Judiciário quanto a
outros exteriores a ele. No caso do controle jurisdicional, ainda é possível apontar
outras duas subespécies: o controle jurisdicional difuso e o controle jurisdicional
concentrado, que será melhor analisado adiante.
O segundo critério relaciona o modo como é exercido o controle, diferencia o
controle por via incidental, isto é, aquele invocado no curso de ação submetida à
apreciação também denominado controle por via de exceção —, do controle por
via principal ou controle por via de ação no qual as questões de
inconstitucionalidade são levantadas a título principal, como único objeto da ação.
Além dessas categorias, o modo como se exerce o controle, de acordo com o autor,
permite também a diferenciação entre o controle abstrato e o controle concreto.
Observa-se que Canotilho separa os dois primeiros tipos de controles (por via
incidental e por via principal) dos controles abstrato e concreto. Isso se justifica
porque, de acordo com o mestre português
33
, embora o controle por via incidental
esteja sempre associado ao controle concreto, o mesmo não ocorre em relação ao
controle por via principal:
32
CANOTILHO, 1998, pp. 832-839.
33
Ibid, p. 835.
25
O controle por via principal tanto pode conduzir-se a um controlo abstrato de
leis ou actos normativos (cfr. Art. 281º da CRP) como a uma garantia
concreta de direitos fundamentais. Este último caso é que se observa na
Verfassungbeschwerde alemã (acção constitucional de defesa) e no recurso
de amparo mexicano e espanhol.
O controle abstrato não é um processo contraditório que envolva partes, ou um caso
particular a ser decidido, como no controle concreto. A abstração denota a
objetividade do controle, que se dirige tão somente à averiguação da
constitucionalidade da lei ou ato normativo em tese. Na lição de Jorge Miranda
34
, a
fiscalização concreta ou subjetiva se diferencia da fiscalização abstrata ou objetiva
em razão dos interesses subjacentes, determinantes da iniciativa do respectivo
processo:
Diz-se subjectiva, quando se prende a um interesse directo de alguém, quando
tem por causa ou por ocasião a repercussão da ofensa de Lei Fundamental nas
esferas jurídicas de certas e determinadas pessoas, quando a ofensa da
Constituição se repercute na lesão ou ameaça de lesão de direitos e interesses
destas pessoas. Diz-se objectiva, quando, à margem de tal ou tal interesse, tem
em vista a preservação ou a restauração da constitucionalidade objectiva, quando
o que avulta é a constante conformidade dos comportamentos, dos actos e das
normas com as normas constitucionais.
De acordo com o terceiro critério, isto é, considerando-se o momento do controle, é
possível distinguir o controle preventivo do controle sucessivo, conforme se pretenda
evitar que a lei ou o ato normativo inconstitucional passe a integrar o ordenamento
jurídico, ou se pretenda retirar do ordenamento lei ou ato contrários à Constituição.
Pelo quarto critério apresentado, distinguem-se os tipos de controle de acordo com a
legitimidade ativa. Nesses termos, devem ser diferenciados o controle com
legitimidade ativa universal, hipótese em que seria reconhecida a qualquer pessoa a
legitimidade para impugnação da constitucionalidade, do controle com legitimidade
restrita a certas e determinadas entidades.
A respeito da distinção entre a legitimidade universal e restrita no controle de
constitucionalidade, Canotilho
35
faz a seguinte ressalva:
34
MIRANDA, 2001, p. 53.
35
CANOTILHO, 1998, p. 837.
26
Pela inflação dos processos de controlo que a ação popular universal
poderia originar, a regra é a da restrição da legitimidade, qualquer que seja
o tipo de controlo. No controlo abstrato de normas, os titulares de
legitimidade impugnatórias são certas e determinadas entidades (Presidente
da República, Provedor de Justiça, governos federais, uma fração de
deputados); no controlo difuso incidental a legitimidade está naturalmente
circunscrita ao juiz, Ministério Público e partes na causa submetida a juízo.
Por fim, o quinto e último critério permite a diferenciação das espécies de controle de
constitucionalidade segundo os efeitos da decisão. Sob este aspecto, Canotilho
diferencia o controle cuja decisão possui efeito geral (erga omnes) do controle de
efeito particular (inter partes); o controle com efeito retroativo (de eficácia ex tunc) do
controle com efeito prospectivo (de eficácia ex nunc); assim como o controle de
efeito declarativo e o controle de efeito constitutivo.
A análise realizada neste estudo sededicada ao aspecto subjetivo do controle de
constitucionalidade, isto é, aos órgãos aos quais é atribuída a tarefa de defender a
Constituição. Interpretado como verdadeira garantia contra arbitrariedades dos
poderes públicos, na defesa dos direitos consagrados nas Constituições, o controle
de constitucionalidade incide sobre atos que afrontam a Constituição e no que
concerne ao aspecto subjetivo pode ser exercido por órgãos políticos ou
jurisdicionais.
2.3.2.1 O controle político de constitucionalidade
O controle de natureza política se revela não pela origem dos membros que dele
fazem parte, mas também pela função exercida pelo órgão e ainda pelo
procedimento adotado na fiscalização. Assim, a definição do órgão que exercerá o
controle depende da composição do órgão e também do seu funcionamento. Esta
posição é defendida por Gabriel Bouzart citado por Ivo Dantas
36
, referindo-se ao
Conselho Constitucional Francês: “la función del Consejo es política y no judicial
36
DANTAS, Ivo. Constituição & Processo. Curitiba: Juruá, 2003. v.1. p. 284.
27
porque no persigue la resolución de controvérsias de derechos o interesses entre
personas, ni la protección de los derechos individuales de alguien em particular”
37
.
No mesmo sentido, afirma Mauro Capelletti
38
:
É suficientemente clara e de resto, mais ou menos reconhecida por numerosos
estudiosos franceses a natureza o propriamente jurisdicional da função
exercida pelo Conseil Constitutionnel: e isto não apenas, como escreve um autor,
pela natureza antes política que judiciária do órgão, natureza que se revela quer,
na escolha e no status dos membros que dele fazem parte, quer sobretudo, nas
diversas competências do próprio órgão e nas modalidades de seu operar; mas
também e especialmente pelo caráter necessário, pelo menos no que diz respeito
às leis orgânicas, do controle que se desenvolve, portanto, sem um verdadeiro
recurso ou impugnação de parte (ubi non est actio, ibi non est jurisdictio!), bem
como pelo caráter preventivo da função de “controle” por aquele órgão exercida.
Tal função vem, na verdade, a se inserir necessariamente, no que concerne às
“leis orgânicas”, e somente à instância de certas autoridades políticas, no que se
refere a outras leis no próprio iter da formação da lei na França; é, afinal de
contas, não um verdadeiro controle (a posteriori) da legitimidade constitucional de
uma lei para ver se ela é ou não é válida e, por conseguinte, aplicável, mas, antes,
um ato (e precisamente um parecer vinculatório) que vem a se inserir no próprio
processo de formação da lei e deste processo assume, portanto, a mesma
natureza.
O exemplo clássico de controle político de constitucionalidade é o vigente na França,
no qual a fiscalização é exercida pelo Conselho Constitucional, composto pelos ex-
Presidentes da República e de outros nove membros, três dos quais nomeados pelo
Presidente da República, outros três, pelo Presidente da Assembléia Nacional e
mais três, pelo Presidente do Senado.
39
No modelo francês, a fiscalização da constitucionalidade das leis é efetuada
mediante submissão do texto legislativo ou tratado ao Conselho Constitucional. A
obrigatoriedade da submissão ao Conselho é verificada apenas em relação às leis
orgânicas, antes de sua promulgação, e em relação aos Regulamentos das
Assembléias, antes de sua aplicação. Uma vez submetida à apreciação do Conselho
Constitucional, este emitirá seu pronunciamento de observância obrigatória, não
37
“a função do Conselho é política e não judicial porque não persegue a resolução de controvérsia de
direitos ou interesses entre pessoas, nem a proteção dos direitos individuais de alguém em particular”
(tradução nossa).
38
CAPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito
comparado. 2 ed. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 29.
39
Ibid, pp. 27-28.
28
podendo ser promulgada (ou aplicados, no caso dos Regulamentos das
Assembléias) a norma se o entendimento for pela inconstitucionalidade.
40
Sobre a apreciação do Conselho Constitucional, afirma Capelletti
41
:
O pronunciamento do Conseil Constitutionnel é emitido por maioria de
votos, depois de um procedimento que se desenvolve em segredo, sem
audiências orais, sem contraditório, um procedimento em que não existem
verdadeiras partes, embora seja admitida, na prática, a apresentação de
memoriais escritos por parte dos órgãos interessados.
Por fim, merece ainda ser registrado que o controle político não se resume àquelas
hipóteses de verificação da constitucionalidade por um órgão independente, como o
Conselho Constitucional francês que constitui órgão externo aos três clássicos
órgãos do Estado. Deve ser lembrado também que o processo legislativo pode ser
submetido a controle realizado pelo próprio Parlamento, normalmente confiado às
comissões parlamentares, bem como a controle exercido pelo Executivo no instante
da sanção ou veto do projeto.
Contudo, por não ser este o tema específico deste estudo, não será realizada uma
abordagem mais aprofundada sobre o tema. A fiscalização política, neste caso, é
analisada com a finalidade precípua de diferenciá-la da fiscalização jurisdicional.
2.3.2.2 O controle jurisdicional de constitucionalidade
2.3.2.2.1 Conceito de jurisdição
Pelo critério subjetivo de classificação das espécies de controle de
constitucionalidade, além do controle político, o outro tipo de controle é aquele
exercido por órgãos jurisdicionais. A função jurisdicional exercida por tais órgãos
40
CAPELLETTI, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 1999,
p. 28.
41
Ibid, pp. 27-28.
29
possui características próprias, que impedem, inclusive, que seja confundida com as
outras funções estatais.
Na opinião de Hans Kelsen
42
não três, mas apenas duas funções sicas do
Estado: a criação e a aplicação do direito. Ao lado da função legislativa, de criação
do direito, existem as funções administrativa e jurisdicional, que se rendem à
aplicação das normas jurídicas. Em regra, o Legislativo cria a norma jurídica,
cabendo ao Executivo e ao Judiciário aplicá-la aos casos concretos. Para o mestre
austríaco, a função exercida pelo Executivo não pode ser separada daquela
exercida pelo Judiciário.
Contudo, embora a distinção entre a função jurisdicional e a função administrativa
não seja tão fácil de ser estabelecida, a doutrina costuma apontar alguns critérios
que permitem diferenciá-las.
Cândido Rangel Dinamarco destaca na jurisdição as características da
imperatividade e definitividade. Para ele, é possível conceituar a jurisdição “como
função do Estado, destinada à solução imperativa de conflitos e exercida mediante a
atuação da vontade do direito em casos concretos”
43
. A função jurisdicional é a única
função pública com capacidade de decidir imperativamente, sendo também a única
que terá seus efeitos imunizados pelo instituto da coisa julgada.
Eduardo J. Couture
44
defende a existência de, pelo menos, quatro concepções
distintas do vocábulo “jurisdição”: (i) a jurisdição como âmbito territorial; (ii) como
sinônimo de competência; (iii) como conjunto de poderes de certos órgãos e (iv)
jurisdição no sentido de função pública. A primeira das concepções mencionadas é a
que relaciona a jurisdição com um âmbito territorial, isto é, quando se diz que “as
diligências que devem realizar-se em jurisdição diversa, serão realizadas por outro
juiz” emprega-se o termo jurisdição no sentido de território jurisdicional. A segunda
42
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 3 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. pp. 385-386.
43
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3 ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2003. v. 1. p. 309.
44
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Julio César Faria
Editor, 2002. pp. 23-27.
30
concepção equipara a jurisdição à competência. Para o autor, competência é uma
medida da jurisdição, é um fragmento de jurisdição atribuído a um juiz. A relação
entre jurisdição e competência é uma relação entre o todo e a parte, não de
equivalência. A terceira concepção, que emprega o termo jurisdição como poder, é
insuficiente por não demonstrar que além da faculdade de julgar, o juiz possui o
dever de fazê-lo. Para Couture “A noção de jurisdição como poder é insuficiente
porque a jurisdição é um poder-dever”
45
. Por fim, a quarta e última concepção atribui
à jurisdição a natureza de função pública. Esta é a idéia de jurisdição adotada por
Couture.
Segundo Couture
46
, a jurisdição deve ser entendida como:
Función publica, realizada por órganos competentes del estado, con las formas
requeridas por la ley, en virtud de la cual, por acto de juicio, se determina el
derecho de las partes, con el objeto de dirimir sus conflictos y controversias de
relevancia jurídica, mediante decisiones con autoridad de cosa juzgada,
eventualmente factibles de ejecución.
47
Eugenio Raúl Zaffaroni
48
, por sua vez, assinala que a jurisdição não pode ser
caracterizada como mera atividade de resolução de conflitos; trata-se, na verdade,
de uma função de resolução de conflitos com particularidades muito peculiares.
Dentre essas particularidades, o autor acentua a imparcialidade e afirma:
A jurisdição não existe se não for imparcial. Isto deve ser devidamente
esclarecido: não se trata de que a jurisdição possa ou não ser imparcial e se não o
for não cumpra eficazmente sua função, mas que sem imparcialidade não
jurisdição. A imparcialidade é a essência da jurisdicionariedade e não seu
acidente.
A mesma posição é assumida por Santi Romano
49
, ao afirmar que a distinção entre
a jurisdição e a função executiva deve fundar-se na afirmação de que a jurisdição é
um poder exercido por uma autoridade que não é parte nas relações e nas situações
45
COUTURE, 2002, p. 25.
46
Ibid, p. 34.
47
“Função pública, realizada por órgãos competentes do Estado, com as formas requeridas por lei,
em virtude da qual, por ato de julgamento, se determina o direito das partes, com o objetivo de dirimir
seus conflitos e controvérsias de relevância jurídica, mediante decisões com autoridade de coisa
julgada, eventualmente factíveis de execução.” (Tradução nossa).
48
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder judiciário: crises, acertos e desacertos. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1995. p. 86.
49
ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1977. p. 382.
31
a serem apreciadas, enquanto a autoridade executiva é parte interessada nas
relações e nas situações sobre as quais incidem seus atos.
Também para Canotilho
50
a jurisdição assume significado específico:
A jurisdição (jurisdictio, jus dicere) pode, em termos aproximativos, ser qualificada
como a actividade exercida por juízes e destinada à revelação, extrinsecação e
aplicação do direito num caso concreto. Esta actividade não pode caracterizar-se
tendo em conta apenas critérios materiais ou substantivos. Está
organizatoriamente associada ao poder jurisdicional, e é subjectivo-
organicamente atribuída a titulares dotados de determinadas características
(juízes). Está ainda jurídico-objectivamente regulada quanto ao modo de exercício
por regras e princípios processuais (processo).
Nota-se que Canotilho elabora o conceito de jurisdição com base em dois prismas:
subjetivo-orgânico e jurídico-objetivo. Evidencia, com isso, que deve ser considerado
no conceito não o órgão que é investido da função jurisdicional, mas também a
forma como se desenvolve o exercício da função.
2.3.4.2 Espécies de jurisdição
Apesar da jurisdição constituir expressão do poder soberano do Estado, devendo
nesse aspecto ser entendida como una e indivisível, é possível detectar múltiplas
manifestações dessa função estatal.
Inicialmente, é possível estabelecer a distinção entre a função jurisdicional e a
função judicial. Neste sentido, assevera Canotilho
51
que o poder jurisdicional
entendido como o conjunto de magistrados a quem é confiada a função jurisdicional
envolve conceito mais amplo que o conceito de poder judiciário ou de poder
judicial. O Judiciário abrange em sua estrutura apenas a magistratura ordinária,
também denominada magistratura comum. Por outro lado, verifica-se que a função
jurisdicional pode ser exercida tanto por tribunais integrantes do Judiciário, como por
50
CANOTILHO, 1998, p. 615.
51
Ibid, p. 616.
32
tribunais administrativos ou Tribunais Constitucionais que o estão inseridos no
esquema da clássica tripartição de órgãos.
Há, porém, outras classificações que demonstram as distintas manifestações da
jurisdição. Segundo Paolo Biscaretti di Ruffia
52
, a jurisdição pode ser empregada em
dois sentidos distintos: em sentido subjetivo destaca-se a jurisdição ordinária
formada por órgãos que constituem o Judiciário e as jurisdições especiais
constituídas por diferentes grupos de órgãos, como os tribunais do júri e o Tribunal
Constitucional. Em sentido objetivo, pode-se distinguir a jurisdição civil, penal,
administrativa e constitucional.
No que tange à classificação das espécies de jurisdição, destaca-se o estudo
realizado por José Alfredo de Oliveira Baracho
53
na obra “Processo Constitucional”,
em que é estabelecida a distinção entre: jurisdição ordinária ou comum, jurisdição
especial, jurisdição administrativa e jurisdição constitucional.
A jurisdição ordinária é aquela exercida pelos órgãos que integram a magistratura
comum, ou seja, é aquela exercida pelos órgãos dotados da competência geral para
o julgamento dos feitos submetidos às decisões dos tribunais.
54
A jurisdição especial, por sua vez, decorre da complexidade jurídica da vida
moderna, que passa a demandar a criação de colégios judiciários especiais que não
integram o Judiciário. A respeito da criação das jurisdições especiais, assevera
Baracho
55
:
Mesmo aceitando a consagração das jurisdições especiais, decorrentes da
complexidade jurídica da vida moderna, convém salientar que muitas
dessas fórmulas podem aparecer com finalidades políticas e particulares
que contrariam o significado unívoco de jurisdição e o seu espírito
democrático.
52
BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Direito Constitucional: instituições de direito público. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984. p. 423-426.
53
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. pp.
80-111.
54
Ibid, pp. 82-83.
55
Ibid, p. 83.
33
No ordenamento constitucional brasileiro, a função jurisdicional especial é exercida
pelo Senado Federal, no julgamento dos crimes de responsabilidade praticados pelo
Presidente, Vice-Presidente da República, dentre outras autoridades, segundo as
hipóteses e condições previstas na Constituição.
56
A jurisdição administrativa pressupõe a existência de tribunais especiais para
processar e julgar causas decorrentes da atividade administrativa. Conforme
assevera Baracho
57
, os atos administrativos estão sujeitos a controle administrativo,
legislativo e jurisdicional. O controle jurisdicional pode ser exercido pela jurisdição
comum ou pela jurisdição especial, sendo que, neste último caso o controle é
atribuído a órgãos independentes que exercem a jurisdição administrativa. O
exemplo clássico de tribunal administrativo é o Conselho de Estado francês.
A jurisdição constitucional, nas palavras de Baracho, é assim compreendida: “[...]
parte da administração da justiça que tem como objeto específico matéria jurídico-
constitucional de um determinado Estado”
58
. Vincula-se, portanto, à matéria
constitucional.
Na visão de José Afonso da Silva
59
, a jurisdição constitucional, em sentido estrito,
deve ser concebida como: “[...] entrega, aos órgãos do poder judiciário, da missão de
solucionar os conflitos entre as normas jurídicas ordinárias (e complementares) e a
constituição”. Portanto, no sentido estrito, a jurisdição constitucional abrange apenas
o controle de constitucionalidade. Por outro lado, num sentido amplo, jurisdição
constitucional para o autor seria: “[...] a entrega ao poder judiciário da missão de
solucionar conflitos constitucionais”.
Para Biscaretti di Ruffia
60
, a jurisdição constitucional, no sentido objetivo, evidencia a
função exercida para tutelar direitos e interesses atinentes à matéria constitucional.
56
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2004. pp. 53-54.
57
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. pp.
83-97.
58
Ibid, p. 97.
59
SILVA, José Afonso da. Tribunais constitucionais e jurisdição constitucional. Revista Brasileira de
Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 60/61, p. 495-524, jan./jul. 1985. p. 504.
60
BISCARETTI DI RUFFIA, 1984, pp. 441-442.
34
Embora seja variado o conteúdo e amplamente indeterminada a matéria
constitucional submetida a tal jurisdição, o mestre italiano aponta que, em geral, a
jurisdição constitucional aprecia atos inconstitucionais de órgãos do Estado
(mediante o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, a solução de
conflitos de atribuição entre diversos órgãos do Estado, os conflitos de atribuição
decorrentes de estrutura federal ou regional etc) ou atividades ilícitas de titulares de
órgãos constitucionais (com os procedimentos específicos penais de Chefes de
Estado, Ministros, parlamentares etc).
Diante disso, é fácil concluir que a jurisdição constitucional não abrange apenas o
controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos do Estado. É conceito
mais amplo, como ensina Mauro Capelletti
61
:
Na verdade, parece oportuno precisar, desde agora, que o tema controle
jurisdicional da constitucionalidade das leis não pode, certamente,
identificar-se com a jurisdição constitucional, a Verfassungsgerichtsbarkeit
dos alemães. Ele, ao contrário, não representa senão um dos vários
possíveis aspectos da assim chamada “justiça constitucional”, e, não
obstante, um dos aspectos certamente mais importantes.
A fim de demonstrar que a jurisdição constitucional não se resume ao controle de
constitucionalidade de leis, Canotilho
62
enumera os domínios típicos da justiça
constitucional, que, ressalvadas as particularidades de cada ordenamento
constitucional, consistiriam, em síntese:
(1) litígios constitucionais (´Verfassungstreitigkeitein´), isto é, litígios entre órgãos
supremos do Estado (ou outros entes com direitos e deveres constitucionais); (2)
litígios emergentes da separação vertical (territorial) de órgãos constitucionais (ex.:
federação e estados federados, estados e regiões); (3) controlo da
constitucionalidade das leis e, eventualmente, de outros actos normativos
(Normenkontrolle); (4) protecção autónoma de direitos fundamentais
(´Verfassungsbeschwerde´, ´recurso de amparo´); (5) controlo de regularidade de
formação de órgãos constitucionais (contencioso eleitoral) e de outras formas
importantes de expressão política (referendos, consultas populares, formação de
partidos); (6) intervenção nos processos de averiguação e apuramento da
responsabilidade constitucional e, de um modo geral, a defesa da constituição”
contra crimes de responsabilidade (Verfassungsschutzverfahren).
61
CAPELLETTI, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 1999,
pp. 23-24.
62
CANOTILHO, 1998, p. 831.
35
No âmbito deste estudo, dentre as diversas manifestações da função jurisdicional,
será considerada apenas a jurisdição constitucional, interpretada como instrumento
de garantia e defesa da lei suprema. Ademais, dentro da jurisdição constitucional, a
análise será limitada também ao controle de constitucionalidade das leis e atos
normativos. Embora tenha restado clara a amplitude conceitual da expressão
“jurisdição constitucional”, o objeto de estudo cinge-se ao controle de
constitucionalidade, que pode ser difuso ou concentrado, como demonstrado a
seguir.
2.3.4.3 Controle jurisdicional de constitucionalidade: difuso e concentrado
O controle jurisdicional admite duas formas básicas: o controle difuso e o controle
concentrado. O sistema difuso é aquele em que o poder de controle pertence a
todos os órgãos judiciários de um determinado ordenamento jurídico.
O controle difuso é de origem norte-americana, tendo como marco inicial o lebre
julgamento do caso William Marbury versus James Madison
63
, em fevereiro de 1803,
pelo juiz John Marshall. A decisão consolida a competência dos juízes para controlar
63
Tratou-se, no caso, da recusa da investidura de juízes nomeados no mandato do Presidente
Adams, o qual perdera as eleições para Thomas Jefferson. Willian Marbury e mais três indivíduos,
que haviam sido nomeados por Adams, não conseguiram a tempo serem investidos na função. Na
época, cabia ao Secretário de Governo cargo que era ocupado pelo próprio John Marshall
praticar os atos de investidura, o que não foi feito, pois o próprio Marshall havia sido nomeado para
Presidente da Corte Suprema. Assumida a presidência por T. Jefferson, este entendeu que aqueles
que não tivessem recebido o ato de investidura, não receberiam mais. Marbury e seus companheiros
impetraram um writ of mandamus em face de Madison (novo Secretário de Governo). No ano de
1802, após a propositura da medida, o Congresso resolveu suspender o funcionamento da Suprema
Corte, o que impediu o julgamento do caso. Contudo, em 1803, com a retomada dos trabalhos, John
Marshall avocou para si a decisão da matéria. Embora a decisão tenha concluído pela incompetência
da Suprema Corte para apreciar o pedido, em sua fundamentação, Marshall deixou clara a
possibilidade do Judiciário rever atos do Executivo, mesmo os omissivos, afirmando que os
impetrantes possuíam direito à investidura. Declarou, no entanto, a inconstitucionalidade do artigo 13,
da lei de 1789 ante o artigo III, da Seção II, do texto constitucional, reconhecendo que a Suprema
Corte não teria competência originária, mas apenas recursal para conhecer o pedido. Dessa forma,
embora sem decidir o caso concreto ante o reconhecimento da incompetência da Suprema Corte,
Marshall lança o princípio do controle judiciário da constitucionalidade das leis.
36
a constitucionalidade das leis, situando o Judiciário como supremo intérprete do
texto constitucional.
64
65
Note-se que as normas da Constituição norte-americana que poderiam servir de
fundamento para o controle judicial foram seriamente contestadas, até a prolação da
decisão do caso Marbury v. Madison. O artigo III, da Seção II, da Constituição dos
Estados Unidos previa que a competência do Judiciário se estenderia “a todos os
casos, de direito e de equidade, surgidos sob esta Constituição”, e se interpretado
juntamente com a cláusula de supremacia da constituição, prevista no artigo VI,
Seção II, fornecia assim a garantia do controle judicial. No entanto, foi da
jurisprudência, e não do texto constitucional, que surgiu o controle de
constitucionalidade das leis nos Estados Unidos
66
.
A doutrina que sustenta o controle difuso de constitucionalidade defende, em síntese
que (i) a função de todos os juízes é a de interpretar as leis, a fim de aplicá-las aos
casos concretos submetidos a seu julgamento; (ii) uma das regras mais óbvias da
interpretação das leis é aquela segundo a qual, quando duas disposições legislativas
estejam em contraste entre si, o juiz deve aplicar a prevalente; (iii) tratando-se de
disposições de igual força normativa, a prevalente será indicada pelos tradicionais
critérios “lex posterior derrogat legi priori”, “lex specialis derrogat legi generali”.
Contudo, conforme assevera Capelletti
67
, estes critérios não valem mais quando o
contraste seja entre disposições de diversa força normativa, pois a norma
constitucional, quando a Constituição seja “rígida” e não “flexível”, prevalece sempre
sobre a norma ordinária contrastante.
64
HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 3 ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey,
2002. p. 139.
65
BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel (org.). O controle de
constitucionalidade e a Lei nº 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. pp. 233-234.
66
CORWIN, Edward S. A Constituição norte-americana e seu significado atual. Prefácio,
tradução e notas de Lêda Boechat Rodrigues. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, [?]. pp. 172-174.
67
CAPELLETTI, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 1999,
p. 75.
37
Ao tratar do controle de constitucionalidade difuso, exercido pelo juiz singular,
ressalta Ivo Dantas
68
que tal espécie de controle não importa na declaração de
inconstitucionalidade da lei ou ato impugnado:
Neste caso, cabe que se observe um detalhe: não é correto dizer-se que o
magistrado (= juiz singular) declara a inconstitucionalidade. Tal ocorrerá
em decisões colegiadas, onde a derrogação terá efeitos erga omnes em
razão do julgamento que identificou a inconstitucionalidade do ato.
Para o autor, o juiz singular exerce a função jurisdicional negando-se a aplicar a lei
de menor hierarquia quando esta se choca com outra de superior posição no
ordenamento jurídico do Estado. Assim, como decorrência da supremacia da
constituição e da competência própria do Judiciário na interpretação das leis, os
magistrados estariam autorizados a o aplicar a lei ordinária quando representasse
afronta a dispositivo constitucional.
Ao sistema difuso de controle de constitucionalidade se contrapôs o sistema
concentrado. De inspiração kelseniana, o sistema concentrado, por sua vez, atribuiu
o controle da constitucionalidade a um único órgão, que pode ser tanto um órgão da
jurisdição ordinária (como um Tribunal Supremo) ou, ainda, um órgão especialmente
criado para exercer a fiscalização das leis (Tribunal ou Corte Constitucional, por
exemplo).
69
O sistema prevê a criação de um órgão composto por juízes não de carreira,
nomeados em escolha feita pelos órgãos legislativos ou executivos do Estado. Foi
instituído primeiramente na Áustria e, em seguida, nas Constituições italiana, alemã
e de outros países (Chipre, Turquia e Iugoslávia)
70
.
O chamado controle concentrado é aquele monopolizado por um único ou por
poucos órgãos competentes. De acordo com Ivo Dantas
71
, apesar das
particularidades que cada ordenamento adota, o sistema de controle de
constitucionalidade concentrado possui também algumas características comuns.
68
DANTAS, 2003, p. 295.
69
CANOTILHO, 1998, p. 833.
70
CAPELLETTI, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 1999,
p. 87.
71
DANTAS, 2003, p. 299.
38
Dentre elas é possível citar: (i) a criação de um órgão singular o Tribunal
Constitucional que mantém a separação do Legislativo, Executivo e Judiciário; (ii)
a natureza sempre judicial de sua atuação; (iii) a escolha de seus membros que
difere da escolha dos membros dos demais tribunais e, por fim, (iv) o período de
permanência, o qual é sempre determinado, não lhe assistindo o princípio da
vitaliciedade.
2.4 QUEM DEVE SER O DEFENSOR DA CONSTITUIÇÃO?
Dentre as duas espécies de controle de constitucionalidade político ou
jurisdicional verifica-se atualmente que a grande maioria dos Estados adota em
suas Constituições o controle jurisdicional. O modelo político o teve maior
acolhida, exceto em países como México, França e Itália
72
. Tal fato poderia levar a
supor que os debates relativos ao órgão competente para exercer o controle de
constitucionalidade estariam superados. Contudo, observam-se ainda hoje
controvérsias sobre a extensão da competência do juiz no papel de defensor da
Constituição.
Embora o desenvolvimento do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis
tenha contribuído não para a superação da concepção limitada da jurisdição, isto
é, da jurisdição como aplicação automática da norma jurídica ao caso concreto,
como também para uma maior aproximação entre a função jurisdicional e a política,
atualmente um retorno à discussão sobre quem deve ser o defensor da
Constituição.
Dentre os inúmeros debates travados pelos doutrinadores, destaca-se o clássico
embate travado entre Hans Kelsen e Carl Schmitt. Enquanto este último defendia o
controle político da constitucionalidade, atribuído ao Presidente do Reich, Kelsen
72
CAPELLETTI, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 1999,
pp. 26-38.
39
argumentava pela atribuição dessa função a um tribunal constitucional
independente.
73
Kelsen foi o idealizador do sistema concentrado de controle de constitucionalidade,
implantado inicialmente pelo Tribunal Austríaco em 1921 (com a promulgação, em
13 de julho deste ano, da Lei Federal sobre Organização de Procedimento do
Tribunal Constitucional), no qual ocupou o cargo de magistrado durante os anos de
1921 e 1930
74
. Desenvolveu a idéia do controle exercido por um tribunal
independente, com jurisdição política e jurídica. O Tribunal Constitucional, assim,
assumiria a função de “defensor da Constituição”.
Para Kelsen
75
, o defensor da Constituição seria um órgão cuja função é defender a
Constituição contra as violações, ou seja, contra condutas que contradizem a
Constituição, seja por ação, seja por omissão. Nas palavras do autor:
‘Defensor de la Constitución’ significa, en el sentido originario del término,
un órgano cuya función es defender la Constitución contra las violaciones.
De ahí que se hable también y por regla general de una “garantía” de la
Constitución. Dado que ésta es un ordenamiento, y como tal, en cuanto a su
contenido, un conjunto de normas determinadas, la “violación” de la
Constitución significa la verificación de un hecho que contradice a la
Constitución, sea por acción, seja por omissión; esto último se da sólo
cuando se trata del incumplimiento de una obligación y no una falta de
reconocimiento de un derecho concedido por un órgano de la
Constitución.
76
Afirma ainda que as diferentes Constituições consagram garantias para o controle de
constitucionalidade de formas distintas, mas que todas essas normas fundamentais
não podem deixar de reconhecer uma regra básica na instituição do controle,
segundo a qual: “ninguém pode ser juiz de sua própria causa”
77
.
73
GASIÓ, Guilhermo. Estudio Preliminar. In. KELSEN, Hans. Quién deve ser el defensor de la
constitución? BRIE, Roberto J. (tradução e notas). 2 ed. Madrid: Tecnos, 1999. pp. IX-XI.
74
Ibid, pp. XV-XVI.
75
KELSEN, Hans. Quién deve ser el defensor de la constitución? BRIE, Roberto J. (tradução e
notas). 2 ed. Madrid: Tecnos, 1999. p. 03
76
‘Defensor da constituição’ significa, no sentido originário do termo, um órgão cuja função é
defender a Constituição contra as violações. Daí que se fale também, e por regra geral de uma
‘garantia’ da Constituição. Dado que esta constitui um ordenamento, e como tal, em relação a seu
conteúdo, um conjunto de normas determinadas, a ‘violação’ da Constituição significa a verificação de
um fato que contradiz a Constituição, seja por ação, seja por omissão; esta última hipótese se
somente quando se trata de descumprimento de uma obrigação e não uma falta de reconhecimento
de um direito concedido por um órgão da Constituição. (Tradução nossa).
77
KELSEN, 1999, p. 04-05.
40
É basicamente a partir dessa premissa que Kelsen constrói sua teoria, que
fundamenta a necessidade do controle de constitucionalidade ser exercido por um
tribunal independente. Para Kelsen
78
, a idéia de atribuí-lo ao Presidente da
República, defendida por Schmitt, viola a regra acima enunciada porque do próprio
Presidente também emanam atos que podem ser violadores da Constituição.
É certo que em seus estudos Kelsen pretendia combater a tese de Carl Schmitt,
segundo a qual esse controle seria de atribuição do Chefe do Estado e seu governo.
Assim, utilizou a regra de que “ninguém pode ser juiz de sua própria causa”, para
repelir a assunção da tarefa de fiscalização da constitucionalidade pelo Executivo. É
certo também que Kelsen trata do controle de constitucionalidade exercido por um
Tribunal Constitucional independente
79
, e não analisa o exercício dessa função pelos
juízes dos tribunais ordinários. Contudo, ao defender a função dos juízes
constitucionais como defensores da Constituição, o autor antecipa algumas
respostas de questões atualmente colocadas na discussão sobre o papel da
jurisdição constitucional contemporânea. Uma dessas respostas consiste no caráter
independente do tribunal constitucional
80
. E é justamente essa independência
assegurada ao juiz constitucional que se apresenta como o principal argumento em
prol do controle judicial de constitucionalidade.
2.4.1 A independência como critério de definição do defensor da constituição
Num Estado Democrático de Direito, a defesa de um controle jurisdicional de
constitucionalidade amplo e efetivo pressupõe a independência do órgão
responsável pelo julgamento. Sem a independência do órgão fiscalizador, o
conteúdo da Constituição, em grande parte construído pela jurisprudência
constitucional, estaria comprometido. Por isso é possível afirmar ser a
independência o critério fundamental na definição do órgão incumbido de defender a
Constituição.
78
KELSEN, 1999, p. 74
79
Ibid, pp. 64-65.
80
Ibid, p. 66.
41
Nota-se que independência não significa isolamento das questões sociais, não quer
dizer que o órgão incumbido de exercer a fiscalização da constitucionalidade esteja
desconectado dos anseios dos cidadãos. Nesse passo, torna-se importante
distinguir os conceitos de independência, imparcialidade e neutralidade.
Na visão de José de Albuquerque Rocha
81
, independência seria a capacidade de
decidir livre de influências internas e externas; imparcialidade, por sua vez, traduz a
posição de distanciamento do juiz em relação às partes e neutralidade quer dizer
indiferença em relação aos valores, sobretudo aos valores político-ideológicos.
A importância da independência no estudo da jurisdição constitucional é destacada
também por Aroldo Plínio Gonçalves
82
: “Independência não é característica
exclusiva de um poder, mas é qualidade necessária à função jurisdicional e justifica
a instituição de um órgão especificamente destinado a exercê-la”.
Para Kelsen
83
, a garantia de independência do tribunal constitucional decorre
justamente da impossibilidade do exercício do controle de constitucionalidade pelo
próprio órgão violador da norma constitucional, impedindo-se, assim, interferências
dos órgãos envolvidos na prática do ato na decisão judicial.
Além disso, o mestre austríaco questiona a independência do exercício do controle
pelo Presidente que pode ser aplicada também aos integrantes do Legislativo
ante o caráter temporário de permanência no cargo e a inexistência de vedação à
participação de organizações políticas, que favorecem as intervenções de certos
grupos políticos na formação da vontade do Estado. E conclui que, caso se entenda
a independência como um atributo essencial ao defensor da Constituição, existe
uma certa vantagem do juiz constitucional sobre os demais órgãos do Estado.
84
De fato, a independência do órgão fiscalizador é essencial para o exercício do
controle de constitucionalidade. Embora não seja possível garantir o isolamento
81
ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o poder judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995.
pp. 28-32.
82
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Poder Judiciário. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo
Horizonte, v. 34, n. 34, 1994. p. 91.
83
KELSEN, 1999, pp. 65-66.
42
absoluto do magistrado frente a influências externas e internas (das partes)
85
, o
ordenamento jurídico resguarda aos órgãos jurisdicionais instrumentos de proteção
contra interferências que reflitam na decisão.
Além disso, a própria Constituição, em muitos casos, atribui garantias, limites e
responsabilidades que asseguram a liberdade no exercício de sua função. A esse
respeito, acentua Antonio Rovira
86
:
Para cumplir con esta importante y revaluada función de garantía última de
los derechos y control del ejecutivo, la Constitución rodea la judicatura de
una serie de principios, garantías, límites y responsabilidades que deben ser
mayores cuanto mayor sea su poder, porque la democracia se caracteriza
por poner a todo poder bajo el control de la soberanía ciudadana. No debe
haber poder incontrolado en democracia y ahora que la judicatura se está
revelando necesariamente como un poder cada vez con mayor pesos, no
podría subsistir el Estado de Derecho si no se define claramente su
naturaleza, titularidad, potestades, garantías y por tanto limites.
87
É o caso da Constituição brasileira que estabelece a garantia de vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios dos magistrados, além de instituir
vedações ao exercício de outro cargo ou função (salvo uma de magistério), ao
recebimento de custas, à participação em processos e à participação em atividades
político-partidárias.
A garantia de independência do Judiciário, que poderia ser interpretada a partir do
princípio da tripartição de funções contido no artigo da Constituição brasileira, foi
reforçada pelos chamados predicamentos da magistratura, conforme ensina Geraldo
Ataliba
88
:
84
KELSEN, 1999, pp. 62-65
85
JEVEAUX, Geovany Cardoso. A simbiologia da imparcialidade do juiz. Rio de Janeiro: Forense,
1999. p. 37.
86
ROVIRA, Antonio. Jurisdición y constitución. Revista de Estudios Políticos. Madrid: Centro de
Estudios Políticos y Constitucionales. n. 102. octubre-diciembre/1998. p. 52.
87
“Para cumprir esta importante e valiosa função de garantia última dos direitos e controle do
executivo, a Constituição rodeia a judicatura de uma série de princípios, garantias, limites e
responsabilidades que devem ser maiores quanto maior for seu poder, porque a democracia se
caracteriza por colocar todo poder sob controle da cidadania cidadã. o deve haver poder sem
controle na democracia e agora que a judicatura está se revelando necessariamente como um poder
cada vez com maior peso, não poderia subsistir o Estado de Direito se não fosse definida claramente
sua natureza, titularidade, poderes, garantias e portanto limites.” (Tradução nossa).
88
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2 ed. atualizada. São Paulo: Malheiros, 2001. p.
114.
43
(...) a Constituição brasileira não se contentou em ficar na afirmação do
princípio da tripartição do poder, nem em proclamar que o Poder Judiciário é
poder e é independente. Quis ir muito além: o próprio texto constitucional —
estabelecendo os predicamentos da magistratura, como instrumentos de
realização da independência do Poder Judiciário — ditou as condições
objetivas que quer ver plenamente realizadas para que seja garantida, sem
possibilidade de dúvida, a efetividade dessa independência.
Nota-se, aliás, que a amplitude das garantias conferidas à magistratura se relaciona
com o modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil, que concilia
controle difuso com o controle concentrado. A atribuição da função de fiscalização
de constitucionalidade a todos membros do Judiciário, além do Supremo Tribunal
Federal, implica também na extensão das garantias de independência a estes
agentes. A vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios garantem
a independência do magistrado, em relação aos demais órgãos do Estado,
independência esta necessária principalmente no exercício do controle de
constitucionalidade das normas.
É o que observa também Fernando G. Jayme
89
:
A Constituição, mantendo coerência com o modelo misto de controle de
constitucionalidade por ela encampado, pelo qual, através do controle
difuso, qualquer juiz tem competência para se pronunciar sobre a
constitucionalidade da norma, outorgou aos integrantes do Poder Judiciário
amplas garantias, visando a assegurar-lhe independência funcional.
Por fim, além das garantias previstas expressamente no texto constitucional, a
independência no exercício da função jurisdicional é também assegurada pela
observância das regras processuais que estabelecem limites à atuação do órgão
julgador, tais como os princípios do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa.
A par da amplitude conceitual, é possível afirmar que o princípio do devido processo
legal regula a conduta do magistrado, obrigando-o a seguir o que determina a
legislação no curso do processo de decisão. Impõe ao órgão julgador o dever de
fundamentar as suas decisões e de torná-las públicas. Abrange, portanto, as
garantias da fundamentação e da publicidade dos atos decisórios, dentre outras.
89
JAYME, Fernando Gonzaga. Tribunal constitucional: exigência democrática. Belo Horizonte:
Livraria Del Rey Editora, 2000. p. 79.
44
Os princípios do contraditório e da ampla defesa, por sua vez, traduzem-se na
obrigação de serem as partes cientificadas dos atos praticados no processo e na
possibilidade efetiva de se defenderem.
Além dos princípios acima referidos, ainda outras regras, tais como a que exige
que o juiz se abstenha de julgar em causa própria na hipótese de possuir algum
interesse na demanda — que encontra sustentação no aforisma latino nemo iudex in
causa propria ou também a que impede que o procedimento judicial se inicie de
ofício, sem provocação das partes.
Tais regras, embora de cunho eminentemente formal, adquirem suma importância
na defesa de direitos e liberdades fundamentais, na medida em que regulam o modo
como o processo judicial é conduzido, impedindo o arbítrio, transformando-se em
verdadeiros instrumentos de efetivação do Estado de direito.
No mesmo sentido, salienta Capelletti
90
:
As características em tela as ‘virtudes passivas’ do processo jurisdicional
exibem, certamente, natureza formal ou procedimental-estrutural.
Determinam, assim, não os conteúdos ou a substância, em relação aos
quais não se pode certamente falar de “passividade” do juiz, mas o modo
como se deve desenvolver a função jurisdicional ou se se preferir, os
contornos essenciais, a estrutura do modo. Mas essa sua natureza formal-
procedimental de modo nenhum diminui-lhe a importância. Como afirmou
Mr. Justice Douglas em 1971, falando para a Corte Suprema dos Estados
Unidos:
Tudo isso serve para demonstrar que os órgãos judiciais possuem um regime
jurídico específico que lhes garante o exercício de suas funções, de forma livre,
independente. E retornando à lição de Kelsen partindo-se da premissa de que
a independência do órgão fiscalizador é essencial para o exercício do controle de
constitucionalidade, a conclusão inexorável será que efetivamente existe uma certa
vantagem do juiz sobre os demais órgãos do Estado.
É importante observar, por fim, que a garantia de independência conferida à
magistratura não é absoluta, pois varia de acordo com a época histórica e o contexto
90
CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 79.
45
social existente. A esse respeito, é oportuna a lição de Capelletti
91
, ao constatar que
apenas em época relativamente recente, o princípio da imparcialidade judicial
implicou também na independência do juiz em face do Executivo. Note-se, por
exemplo, que na Inglaterra, até o início do século XVIII, os juízes eram considerados
funcionários do Executivo e nomeados pelo rei. Por outro lado, afirma o autor que
nas modernas democracias ocidentais o significado da independência judicial
assume implicações nunca imaginadas, passa a ser concebida também como
independência em face da sociedade, isto é, independência de pressões
econômicas, psicológicas e sociais.
Por isso, não se pode afirmar que sempre, em todos os casos, o modelo jurisdicional
de controle de constitucionalidade seja o mais adequado.
Ademais, deve ser igualmente considerado que a garantia de independência
conferida à magistratura também não é auto-evidente, que depende da opção do
constituinte, do tratamento constitucional oferecido a esses agentes. São as normas
constitucionais que definirão em que medida e condições será conferida liberdade
de atuação aos juízes, em face de ingerências avindas de outros órgãos.
Destarte, é possível concluir que, em se tratando de um Estado Democrático de
Direito, a garantia de independência serve como condição essencial na definição do
modelo de controle de constitucionalidade, político ou jurisdicional. Ademais, a
eleição do modelo de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis depende
não da forma como a independência deste órgão é concebida no sistema
constitucional, mas também do contexto histórico e social vigente
92
.
91
CAPELLETTI, Juízes Legisladores? 1999, p. 78.
92
MORO, Sérgio Fernando. Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais.
São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 35.
46
3 A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL
3.1 TENSÕES ENTRE DEMOCRACIA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Se a criação e o desenvolvimento do controle jurisdicional de constitucionalidade
serviu para consagrar a idéia da supremacia da Constituição, implicando na
limitação jurídica do poder político, gerou, em contrapartida, intensa controvérsia no
âmbito doutrinário. Nos Estados Unidos, a polêmica que dividiu a doutrina entre
defensores e críticos da jurisdição constitucional remonta à famosa decisão do juiz
Marshall:
Desde Marbury v. Madison (5 U.S. 137(1803)), a doutrina estadunidense se divide
entre aqueles que defendem a atividade judicial de controle de constitucionalidade
das leis, com maior ou menor intensidade, e outros que a atacam sob diversas
razões: a falta de sustentação constitucional, a sua feição contramajoritária e
antipopular, destacadamente por não ser o Judiciário provido de legitimidade
democrática para anular um diploma normativo elaborado pelos verdadeiros
representantes do povo; e até a inexistência de valores constitucionais
substantivos a serem promovidos ou interpretados pela Suprema Corte.
93
Normalmente, as críticas dirigidas contra o controle de constitucionalidade realizado
pelo Judiciário e pelos tribunais constitucionais estão relacionadas à justificação
dessa competência no seio de um Estado democrático de direito. Fala-se da feição
antidemocrática e antipopular da jurisdição constitucional, por não serem os juízes
eleitos diretamente pelo povo, e da natureza contramajoritária desses órgãos.
O risco de ser atribuído o controle da constitucionalidade a órgãos não eleitos pelo
povo, como o Judiciário, foi detectado por Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, citado por
Gustavo Binenbojm
94
:
Argúi-se, todavia, que a doutrina americana, acarretando a supremacia do
Judiciário, opõe-se aos princípios democráticos, pois, enquanto em relação ao
Congresso, de eleição em eleição, o povo pode escolher os seus representantes
de acordo com a filosofia política dominante, no caso do Judiciário a estabilidade
dos juízes impede que se reflita nos julgados a variação da vontade popular.
93
SAMPAIO, José Adércio Leite. Discurso de legitimidade da jurisdição constitucional e as mudanças
legais do regime de constitucionalidade no Brasil. In: SARMENTO, Daniel (org.). O controle de
constitucionalidade e a Lei nº 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. pp. 165-166.
94
BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e
instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 50.
47
Enquanto a sistemática do controle das decisões tomadas pelo Estado fica
evidenciada pelo modo de investidura dos membros do Legislativo e do Executivo,
que possibilita a estes se tornarem representantes diretos dos interesses das
categorias populares, o mesmo não ocorre em relação aos membros do Judiciário e
dos Tribunais Constitucionais. Por não estarem submetidos a instrumentos
democráticos de controle, como o voto popular e periódico, os juízes constitucionais
não possuiriam legitimidade para fiscalizar a constitucionalidade das leis emanadas
dos representantes populares. Nesta linha de argumentos, questiona José de Souza
e Brito
95
: “Por que razão deveriam os juízes, que não são legisladores eleitos pelo
povo, poder afectar a força duma lei democrática? Não é isto governo dos juízes em
vez de governo do povo?”
Além do argumento relacionado à representatividade dos juízes, a jurisdição
constitucional também é acusada de antidemocrática por impor restrições ao
princípio da maioria.
Ideologicamente o princípio da maioria representa a formação da vontade geral com
o maior acordo possível entre esta e as vontades individuais. Sustenta-se em uma
ficção segundo a qual a maioria também representa a minoria e a vontade da
maioria seria a vontade geral, atingindo o máximo de liberdade possível
96
. Nessa
concepção, a vontade da maioria encontra-se intimamente relacionada à
representação política, isto é, à atuação dos parlamentares.
A idéia da vontade geral como vontade da maioria parlamentar remonta ao modelo
de Estado de direito do século XIX, que se desenvolveu no seio da Europa
continental
97
. Neste contexto, dentre todas as manifestações do Estado, a lei
configurava expressão de centralização do poder político, consistia em ato normativo
supremo e irresistível. Esta força eminente da lei estava, por sua vez, vinculada a
um órgão legislativo soberano. Eram as assembléias parlamentares que assumiam o
95
SOUZA E BRITO, José de. Jurisdição constitucional e princípio democrático. In Legitimidade e
legitimação da justiça constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 39.
96
KELSEN, Hans. A democracia. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. pp. 68-69.
97
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos y justicia. Madrid: Editorial Trotta,
1999. pp. 24-27.
48
poder exclusivo de produção de normas jurídicas e, assim, submetiam os órgãos
administrativos e jurisdicionais ao seu comando.
98
A restrição ao princípio da maioria, alegadamente imposta ao sistema jurisdicional
de controle de constitucionalidade, se admite se a democracia for concebida
como regime da maioria, ou melhor, da maioria parlamentar. Tal concepção seria
adequada, portanto, ao Estado liberal e legalista do século XIX, firmado sobre o
princípio da supremacia da lei, mostrando-se também incompatível com a noção de
Constituição como estatuto normativo supremo.
3.2 O ATUAL SIGNIFICADO DA DEMOCRACIA
3.2.1 A superação da idéia de democracia como regime da maioria e como
regime fundado na representação política
Somente se partirmos do pressuposto de que a democracia está erigida sobre a
existência de representantes eleitos e sobre o princípio da maioria, é possível
entender a jurisdição constitucional como um limite ou uma restrição à democracia.
Limitar a democracia à regra da maioria, no entanto, é um risco. Afinal, as decisões
derivadas desse procedimento podem minar as regras fundamentais inscritas na
Carta Constitucional, que representa soberanamente a vontade popular. Na
verdade, a atuação dos órgãos estatais inclusive na criação das normas jurídicas
deve encontrar na Constituição seus próprios limites. Não basta que seja
alcançada a maioria de votos se a decisão não está em conformidade com a Carta
Maior. É o que nota Oscar Vilhena Vieira
99
:
os resultados da regra da maioria devem passar por um teste de
constitucionalidade para que não ameacem os direitos fundamentais, os
mecanismos que asseguram estes direitos, bem como os próprios procedimentos
que viabilizam a continuidade da democracia.
98
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. de
Carvalho. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. pp. 87-91; 345-348.
99
VIEIRA, 2002, p. 26.
49
No mesmo sentido, ao tratar do sistema norte-americano, afirma Ronald Dworkin
100
:
A teoria constitucional em que se baseia nosso governo o é uma simples
teoria da supremacia das maiorias. A Constituição, e particularmente a Bill
of Rights (Declaração de Direitos e Garantias), destina-se a proteger os
cidadãos (ou grupos de cidadãos) contra certas decisões que a maioria
pode querer tomar, mesmo quando essa maioria age visando o que
considera ser o interesse geral ou comum.
Para Francisco Lucas Pires
101
, o controle do princípio da maioria assumido pelo
Tribunal Constitucional deve ser interpretado como um reforço à democracia, pois ao
juiz constitucional cabe a tarefa de preservar e reconhecer o pluralismo de idéias e
não a vontade da maioria. Seguindo esta gica, o autor defende que o equilíbrio
entre o controle de constitucionalidade e o princípio da maioria pode ser encontrado
na seguinte fórmula: “quanto mais forte puder ser a vontade democrática e a
possibilidade de formação de maiorias num sistema político, mais forte pode e deve
ser a legitimidade do mecanismo de controlo de constitucionalidade”.
Da mesma forma, não se pode admitir como antidemocrática a atividade dos juízes e
tribunais constitucionais com base na falta de representatividade, por não serem
eleitos diretamente pelo povo.
Até o século XVIII, governo democrático significava governo diretamente dirigido
pelo povo, que se reunia em assembléias para deliberar os rumos da política
daquela localidade. A democracia se restringia, assim, às pequenas unidades, como
as cidades. Democracia teria que ser aquela exercida pelas assembléias
populares.
102
Essa visão foi superada pela visão do Estado-Nação. A perspectiva das pequenas
unidades foi substituída por uma escala maior, a dos países, e neste contexto surge
a necessidade de adaptação do regime democrático. Nas palavras de Robert A.
Dahl
103
:
100
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2002. p. 208-209.
101
PIRES, Francisco Lucas. Legitimidade da justiça constitucional e princípio da maioria. In
Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 171.
102
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001. p. 107.
103
DAHL, 2001, pp. 106-107.
50
Conforme o foco do governo democrático mudava para unidades em escala,
como nações ou países, surgiam questões: como os cidadãos podem
participar efetivamente quando o número de pessoas se tornar
exageradamente grande ou geograficamente muito disperso (ou ambos, o
que pode acontecer num país) para que possam participar de maneira
conveniente na feitura de leis, reunindo-se em um único lugar?
Por isso, conclui o autor, a única solução viável, embora bastante imperfeita,
consistiu na escolha pelos cidadãos dos funcionários mais importantes, mantendo-os
mais ou menos responsáveis por meio das eleições, descartando-os nas eleições
seguintes.
No modelo de Estado contemporâneo, a eleição de representantes políticos mostra-
se como um dos instrumentos de participação política dos cidadãos. Pela
sistemática da representação, as decisões estatais são tomadas pelos
representantes em nome do povo. Existe para possibilitar aos cidadãos conformar a
política do governo com as decisões que seriam tomadas pela própria sociedade se
estivesse encarregada desta tarefa.
Contudo, não se pode entender que a representação política seja condição
suficiente para a realização da democracia. Segundo Clèmerson Merlin Clève
104
:
A questão da democracia não pode ser posta apenas em termos de
representatividade. Não dúvida que em Estados como os modernos não
há lugar para a prescindibilidade de representação política. Os Estados
modernos, quando democráticos, reclamam pela técnica da representação
popular. A nação, detentora da vontade geral, fala pela voz de seus
representantes eleitos. Mas a cidadania não se resume na possibilidade de
manifestar-se, periodicamente, por meio de eleições para o Legislativo e
para o Executivo. A cidadania vem exigindo a reformulação do conceito de
democracia, racionalizando, até, uma tendência que vem de longa data.
Tendência endereçada à adoção de técnicas diretas de participação
democrática. Vivemos, hoje, um momento em que se procura somar a
técnica necessária da democracia representativa com as vantagens
oferecidas pela democracia direta. Abre-se espaço, então, para o cidadão
atuar, direta e indiretamente, no território estatal.
No mesmo sentido ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto
105
:
104
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional (e de Teoria de Direito). São Paulo:
Acadêmica, 1993. pp. 16-17
105
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: legislativa,
administrativa, judicial: (fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade). Rio de Janeiro:
Renovar, 1992. p. 37.
51
Com efeito, a eleição de legisladores, de administradores e, por vezes, de
juízes tornou-se uma contingência inarredável das sociedades de massa.
Não obstante, a mera concordância popular (eleição) no preenchimento
desses cargos é condição necessária mas não suficiente para realizar-se a
democracia: ela plenificará com a decisão democrática e com o controle
democrático. Será necessário que a decisão política, tomada pelos
escolhidos, seja também a expressão da vontade popular. Na verdade, é
mais importante que a decisão seja democraticamente tomada do que o
órgão decisório haja sido democraticamente provido.
Embora a representação seja condição necessária para o funcionamento dos
Estados contemporâneos, a implantação da democracia tem exigido, cada vez mais,
novas formas de participação. Com isso, nota-se que a realização da democracia vai
além da mera escolha de representantes.
A ausência de eleições populares e periódicas para escolha dos membros dos
tribunais, portanto, não retira a legitimidade do órgão jurisdicional para o controle de
constitucionalidade das leis. No que se relaciona ao poder conferido aos tribunais
constitucionais, tem-se verificado que a investidura dos seus membros é geralmente
atribuída a agentes políticos eleitos pelo povo, configurando assim a representação,
ainda que indireta. A legitimidade, nesse caso, ainda é entendida como legitimidade
de origem.
No entanto, além da representatividade evidenciada pelo modo de investidura no
cargo, é possível observar que a justificação da competência atribuída aos juízes e
aos tribunais constitucionais se fundamenta em pressupostos distintos: a
legitimidade, por vezes, é alcançada em razão do exercício da função, bem como
em razão dos resultados desse exercício.
Na esteira deste entendimento, nota-se que a função exercida pela jurisdição
constitucional seja aquela exercida pelas Cortes Constitucionais, seja a exercida
pelos juízes ordinários possibilita a representação dos interesses das minorias,
constituindo-se em instrumento de equilíbrio ao princípio majoritário. Além disso, no
exercício do controle de constitucionalidade, a jurisdição constitucional pode ser
aceita também como instância de reflexão do processo político, justificando-se não
como representante política dos cidadãos, mas como órgão dotado de
representação argumentativa. Ademais, não se deve olvidar que o controle exercido
por órgãos jurisdicionais possibilita a ampliação da participação dos cidadãos nas
52
decisões tomadas pelo Estado e, por fim, constitui-se em instrumentos de defesa do
Estado de direito, da supremacia da constituição e, consequentemente, do respeito
aos direitos e às liberdades fundamentais.
Todos esses argumentos servem para demonstrar que a forma de provimento do
cargo, no caso dos órgãos jurisdicionais responsáveis pelo controle de
constitucionalidade, pode não ser decisiva para a realização da democracia se
entendermos a democracia como regime fundado na participação que vai além da
mera representação política.
Tal ordem de idéias imprime uma “virada teórico-democrática ao problema de
legitimidade do controle jurisdicional da constituição”
106
. Imprime um tratamento
diferenciado da jurisdição constitucional, que passa a ser analisada sob o prisma da
democracia participativa.
O papel da jurisdição constitucional em sociedades pluralistas e complexas,
fundadas não no princípio de limitação jurídica do poder, mas também no
princípio democrático, assume nova conformação. Deixa de ser justificado pela
submissão cega do juiz à lei e passa a ser admitido como instância criativa.
Contra a concepção formalista e mecânica de interpretação da norma opõe-se parte
da doutrina constitucionalista, que entende que o ato jurisdicional, além de um ato
meramente cognitivo, constitui também um ato volitivo. De acordo com Cláudio
Pereira de Souza Neto
107
, a filosofia do direito contemporânea, denominada pós-
positivista, pretende superar a idéia de que a aplicação do direito é fruto
exclusivamente de um ato de subsunção
108
. Por isso necessita legitimar a jurisdição
constitucional.
106
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1. p. 326.
107
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição constitucional, democracia e racionalidade
prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 330.
108
Segundo Cláudio Pereira de Souza Neto, é possível apontar como pós-positivistas teorias diversas
como a tópica, a teoria dos princípios e a teoria do discurso. A tópica é defendida entre outros por
Theodor Viehweg, Peter Häberle, Friedrich Muller e Konrad Hesse; a teoria dos princípios pode ser
identificada nas obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy enquanto a teoria do discurso tem como
maior expoente o mestre alemão Jürgen Habermas. É importante registrar que a diferenciação entre
teorias positivistas e pós-positivistas situa-se no campo da metodologia jurídica e exige uma
53
Ocorre que a justificação da competência dos juízes e dos tribunais no âmbito da
jurisdição constitucional não pode partir de uma concepção de democracia
superada, deve acompanhar a evolução das idéias políticas e, inclusive, a evolução
do direito à participação política. Por isso, a idéia de democracia utilizada como
parâmetro no presente estudo corresponde à de democracia participativa.
3.2.2 A democracia participativa ou semidireta como parâmetro
Dentre os inúmeros estudiosos que se empenharam na tarefa de definir a
democracia, destaca-se Robert A. Dahl
109
que inicia sua empreitada afirmando que
grande parte da confusão que rodeia este estudo decorre do fato de que a
“democracia” se refere ao mesmo tempo a um ideal e a uma realidade.
O autor estabelece, no início de seu estudo a importante diferenciação entre o
ideal e o real, entre o que se deve fazer e o que se pode fazer. Ao se perquirir sobre
uma democracia ideal, devem ser buscadas as respostas a estas duas questões: o
que é democracia? Por que a democracia seria o melhor sistema político? As
respostas a estes questionamentos, afirma o autor, decorre de julgamentos de valor
ou julgamentos morais. Por outro lado, se se atém ao plano da realidade indaga-se:
que instituições políticas a democracia exige? Que condições favorecem a
democracia? Neste caso, as escolhas consistem em julgamentos práticos ou
empíricos
110
.
Aplicando-se a lição do mestre norte-americano no presente estudo, não se tratará
aqui do conceito de um regime democrático ideal, de julgamentos de valor acerca
das instituições democráticas. O enfoque precípuo será o da democracia real, da
democracia possível, da democracia como um regime de governo conectado com a
práxis e as exigências sociais.
abordagem filosófica que não será empreendida tendo em vista os limites e objetivos do presente
trabalho.
109
DAHL, 2001, p. 37.
110
Ibid, pp. 39-40.
54
Em geral, os teóricos da ciência política distinguem três modalidades básicas de
democracia: a democracia direta, indireta e semidireta
111
. De acordo com Jo
Adércio Leite Sampaio
112
, a teoria da democracia semidireta é defendida por autores
que passaram a assimilar elementos da democracia direta nos debates
rejuvenecedores da democracia indireta (representativa).
A noção de democracia participativa aqui referida equivale à concepção da
democracia semidireta que, embora seja caracterizada pelo sistema representativo,
possibilita em determinados casos a participação popular nos processos decisórios
pela via direta.
Parte-se do conceito de democracia participativa, que, segundo Paulo Bonavides
113
,
configura o chamado Estado democrático-participativo:
Com o Estado democrático-participativo o povo organizado e soberano é o próprio
Estado, é a democracia no poder, é a legitimidade na lei, a cidadania no governo,
a Constituição aberta no espaço das instituições concretizando os princípios
superiores da ordem normativa e da obediência fundada no contrato social e no
legítimo exercício da autoridade.
A participação política consiste no elemento central da democracia semidireta. Para
Diogo de Figueiredo Moreira Neto
114
, “participação é uma forma ativa de integração
de um indivíduo a um grupo”. A participação política, por sua vez, é a que se refere à
ação dos indivíduos e dos grupos sociais secundários nos processos decisórios do
Estado; distinguindo-se da participação antropológica, relacionada à integração do
homem na sua comunidade, e da participação sociológica, referente à integração do
indivíduo na sociedade.
A escolha da democracia semidireta como parâmetro orientador do presente estudo
decorre do crescente interesse no aperfeiçoamento dos métodos de participação em
inúmeros Estados contemporâneos e do reconhecimento da insuficiência da
111
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 268.
112
SAMPAIO, José Adércio Leite. Democracia, constituição e realidade. Revista Latino-Americana
de Estudos Constitucionais. [S.L.]. n. I. jan./jun. 2003. p. 789.
113
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito
constitucional de luta e resistência: por uma nova hermenêutica: por uma repolitização da
legitimidade. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 20.
114
MOREIRA NETO, 1992, p. 18.
55
representação política na realização da democracia. A substituição da democracia
parcial que, em regra, possibilita a participação apenas na escolha dos
representantes — por uma democracia plena
115
— com a abertura de diversos
outros canais de participação popular evidencia uma lenta e gradual evolução do
pensamento político.
3.2.3 Da democracia representativa à democracia participativa
A exigência de novas modalidades de participação política resultou da necessidade
de aprimoramento da democracia e da evidente superação da participação como
atividade adstrita à atividade legislativa e à escolha de representantes. Sob este
aspecto, é possível afirmar que a democracia participativa surgiu como contraponto
à democracia representativa
116
.
A idéia de representação política remonta ao Estado liberal. Embora a questão
principal a ser solucionada pelo liberalismo esteja relacionada à limitação do poder
monárquico, representando apenas uma resposta à forma intervencionista de
exercício das funções do Estado, é com a exaltação da liberdade, típica do Estado
liberal, que se propicia a participação popular nas decisões estatais.
A relação estreita entre liberalismo e democracia é ressaltada por Norberto
Bobbio
117
:
[...] o Estado liberal é o pressuposto não histórico mas jurídico do Estado
democrático. Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em
dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de
que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder
democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no
sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência
e a persistência das liberdades fundamentais.
115
MOREIRA NETO, 1992, pp. 27-28.
116
Sem ignorarmos que a democracia participativa ou semidireta fundamenta-se também na
representação política, o termo “democracia representativa” é empregado no texto como sinônimo de
“democracia indireta”, isto é, como regime em que a participação popular é exercida
fundamentalmente por meio da escolha dos representantes.
56
Nota-se que a possibilidade de decidir, ou de eleger aqueles que decidirão em nome
de todos, es alicerçada na liberdade de opinião, de expressão, de reunião, de
associação etc
118
. O reconhecimento dos direitos políticos do cidadão é, antes de
tudo, fundado na idéia de liberdade.
Na visão de Paulo Bonavides
119
, o Estado liberal possibilitou a construção do
princípio democrático: “Da liberdade do Homem perante o Estado, a saber, da idade
do liberalismo, avança-se para a idéia mais democrática da participação total e
indiscriminada desse mesmo Homem na formação da vontade estatal”.
A idéia de liberdade política, desenvolvida no seio do Estado liberal, culminou na
participação indireta dos cidadãos na formação da vontade do Estado. Fundada na
técnica da representação, a democracia dita liberal tornou possível a alienação da
soberania popular a uns poucos indivíduos eleitos.
Nesse contexto, assume relevo a posição dos partidos políticos. Na democracia
representativa liberal os principais atores do cenário político eram os partidos, que
deveriam refletir os anseios populares e, assim, direcionar as decisões políticas do
Estado. Segundo Juan Ferrando Badía
120
, as decisões estatais surgem como o
resultado do equilíbrio das forças partidárias ou da vitória do partido majoritário
sobre o(s) partido(s) minoritário(s). Nas palavras do autor:
En los regímenes democrático-liberales las decisiones que se toman son
resultado del equilibrio entre diversas fuerzas políticas o del predominio
mayoritario de una o de varias, según se trate de gobiernos homogéneos o
de coalición. Las fuerzas minoritarias tienen siempre la posibilidad de alterar
la situación gubernamental sustituyéndolas o coligándose con ella.
121
117
BOBBIO, Norberto.O futuro da democracia. 8 ed. rev. e ampl. Tradução de Marco Aurélio
Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2002. pp. 32-33.
118
Ibid, p. 32.
119
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7 ed. o Paulo: Malheiros, 2001. p.
43.
120
BADÍA, Juan Ferrando. Democracia frente a autocracia. Los tres grandes sistemas politicos: el
democratico, el social-marxista y el autoritario. Madid: Editorial Tecnos, 1989. p. 114.
121
“Nos regimes democrático-liberais as decisões que se tomam são resultado do equilíbrio entre
diversas forças políticas ou do predomínio majoritário de uma ou de várias, segundo se trate de
governos homogêneos ou de coalisão. As forças minoritárias têm sempre a possibilidade de alterar a
situação governamental substituindo-as ou coligando-se com elas” (Tradução nossa).
57
Assim, a democracia passa a se identificar com a regra da maioria.
Passa, também,
a se basear na idéia de representação política, nos moldes definidos pela teoria de
Montesquieu
122
, segundo a qual o povo sabe escolher, mas não governar.
Esse sistema, fundado na representação política dos cidadãos, autoriza alguns
autores a afirmar que a democracia no período liberal constituiu uma democracia
governada
123
, isto é, sujeita às escolhas efetuadas pelos poucos representantes
eleitos.
124
Acontece que a liberdade individual assegurada pelo liberalismo, livre da intervenção
estatal, o se mostrou apta a solucionar os problemas cio econômicos surgidos
nos séculos XIX e XX. O sistema é forçado a se adaptar às novas exigências de
redução das desigualdades, de justiça social, de participação ampla e efetiva nos
processos decisórios etc. O governo que, na época da democracia liberal se limitava
a regular a prática das liberdades individuais e políticas, se obrigado a sair da
passividade e intervir nas esferas econômica e social. Além dos direitos individuais e
políticos, são reivindicados direitos sociais e econômicos para a satisfação e o pleno
desenvolvimento da esfera de liberdade do cidadão.
Não se rejeita mais a atuação estatal para que prevaleçam as vontades individuais,
pelo contrário, passa-se a exigir do Estado uma participação ativa na promoção do
bem comum. As liberdades garantidas formalmente nas constituições passam a ser
exigidas efetivamente, implicando assim na necessária intervenção estatal para
assegurar as condições materiais de realização desses direitos.
É a partir desse contexto que a participação na vida política passa a ser cada vez
mais reivindicada. Além de serem asseguradas condições para o exercício real das
liberdades, inclusive políticas, passa a se exigir um maior controle sobre os atos
praticados pelos representantes do povo. Na visão de Diogo de Figueiredo Moreira
122
MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
123
Trata-se da classificação elaborada por G. Burdeau, citada por Simone Goyard-Fabre, que
diferencia a democracia governada da democracia governante, na qual maior e mais acentuada
participação dos cidadãos no processo político decisório.
124
GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia? A genealogia filosófica de uma grande
aventura humana. São Paulo: Martins Fontes, 2003. pp. 234-240.
58
Neto
125
, é justamente a hipertrofia do Estado que tem suscitado a necessidade de
aprimoramento da democracia por meio da ampliação da participação popular:
A própria hipertrofia do Estado e o surgimento de novos estamentos sociais
estatais, como a burocracia e a tecnocracia, a primeira, marca do
aparecimento do próprio Estado concentrador e, a segunda, do Estado
interventivo e planejador, estão distanciando os indivíduos e os grupos
sociais secundários da decisão que lhes dizem respeito.
Ademais, segundo o autor, é a consciência do distanciamento entre a sociedade e
as instâncias de decisão que tem provocado o crescente interesse em aperfeiçoar os
métodos de participação existentes em instituir novos, capazes de revertê-lo.
Na esteira desse entendimento observa-se também que a passagem dos modelos
de Estado marca a superação do individualismo, com o fortalecimento das
coletividades. O indivíduo deixa de ser considerado isoladamente e passa a ser
reconhecido como integrante de grupos sociais e políticos, surgindo, assim, novos
atores no cenário político, o que favorece também a participação política da
sociedade, agora organizada em grupos.
Além dos partidos políticos, vão sendo criados grupos de pressão igualmente aptos
a traduzir os interesses daquelas determinadas coletividades. Os denominados
grupos de pressão, reconhecidos atualmente no papel exercido pela imprensa, pelos
grupos anônimos ou institucionais (sindicatos, associações), emergem justamente
em face da insuficiência de instrumentos eficazes de participação política da
sociedade.
126
A democracia liberal tida como democracia governada passa, então, à condição de
democracia governante. Ao mesmo tempo, altera-se também a concepção de
liberdade: a liberdade, na perspectiva do liberalismo, consistia em instrumento de
oposição, de restrição ao poder do Estado; era a liberdade-resistência ou liberdade-
autonomia conferida ao indivíduo. Aos poucos, com a crescente exigência de
integração do indivíduo na organização política, a liberdade assume nova
125
MOREIRA NETO, 1992, p. 19.
126
MORAES, Alexandre. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema
da constituição. São Paulo: Atlas, 2000. pp. 42-63.
59
conformação, transforma-se em liberdade-participação
127
, que passa a atingir todas
as atividades do Estado, multiplicando-se as modalidades de participação
administrativa e de controle da função jurisdicional e legislativa.
128
3.2.4 Democracia participativa e direitos fundamentais
Para o propósito deste estudo, a evolução do conceito de democracia merece ser
ressaltada como a evolução da idéia de participação no processo político decisório.
Corresponde à superação do limitado conceito de representação política, dirigindo-
se ao aprimoramento das formas de intervenção popular nas opções de governo.
Aliás, como bem acentuado por Jean Rivero, citado por Diogo de Fiqueiredo Moreira
Neto
129
: “a democracia não é apenas um método de eleger ou designar quem
deverá exercer o poder, mas é também uma questão de como esse poder deverá
ser exercido”.
Essa nova postura da democracia, como regime aberto à ampla participação
popular, tende a aproximar o povo do exercício do poder político. Na democracia
participativa, a forma de exercício desse poder extrapola a limitada participação pela
eleição de alguns representantes e passa, efetivamente, a reconhecer a encarnação
da soberania pelo povo. Nas palavras de Paulo Bonavides
130
:
Na clássica democracia representativa o povo simplesmente adjetivava a
soberania, sendo soberano apenas na exterioridade e na aparência, na
forma e na designação; com a democracia participativa, aqui
evangelizada, tudo muda de figura: o povo passa a ser substantivo, e o é
por significar a encarnação da soberania mesma em sua essência e
eficácia, em sua titularidade e exercício, em sua materialidade e conteúdo,
e, acima de tudo, em sua intangibilidade e inalienabilidade; soberania da
qual o povo, agora, não conhece senão o nome, a falsa representatividade,
o falso testemunho, a falsa valorização.
127
Segundo Paulo Bonavides, as expressões liberdade-autonomia e liberdade-participação são
utilizadas por Georges Burdeau, em seu Tratado de Ciência Política.
128
BONAVIDES, 2001, p. 154.
129
MOREIRA NETO, 1992, p. 19.
130
BONAVIDES, Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional
de luta e resistência: por uma nova hermenêutica: por uma repolitização da legitimidade, 2003, p. 44.
60
Por isso, não se pode deixar de interpretar o modelo democrático-participativo
também no quadro da evolução dos direitos e das liberdades fundamentais. Para
Paulo Bonavides
131
, a democracia insere-se entre os direitos de quarta dimensão, ao
lado do direito à informação e do direito ao pluralismo. E é justamente a democracia
que constitui o ápice da pirâmide cuja infra-estrutura é formada pelos direitos de
primeira dimensão, os direitos individuais, os direitos de segunda dimensão, os
direitos sociais e os direitos de terceira dimensão, os direitos ao desenvolvimento, ao
meio ambiente, à paz e à fraternidade.
A nova cidadania que se inaugura propõe a conciliação entre o ideal da liberdade
com o da igualdade, como síntese dos modelos do Estado liberal e social. Possibilita
a limitação e a contenção do poder do Estado, além de permitir a ampliação do
número de participantes no processo de interpretação constitucional.
Nessa perspectiva, a democracia participativa mostra-se intimamente relacionada à
concretização dos direitos e liberdades fundamentais que foram sendo reconhecidos
ao longo da evolução do Estado e do Direito.
Esse é o modelo de democracia que, segundo Machpherson
132
, veio para ficar.
Apesar das inúmeras dificuldades existentes, o autor afirma que uma sociedade
mais equânime e mais humana exige um sistema de maior participação política.
133
3.3 NOÇÃO DE LEGITIMIDADE
A corrente acusação dirigida ao controle jurisdicional de constitucionalidade que,
na visão dos críticos, possuiria natureza antidemocrática remete-nos ao problema
do fundamento da jurisdição constitucional, mais precisamente, ao problema da
legitimidade de tal função.
131
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2003. pp. 571-572.
132
MACPHERSON, C.B. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1978. p. 97.
133
Ibid, p. 98.
61
Legitimidade e legitimação consistem nos dois termos-chave relacionados ao
problema da justificação do poder. Embora semelhantes, os dois termos se
diferenciam: podemos entender o termo legitimidade como o produto final de um
processo denominado legitimação. Nessa concepção, a legitimidade constituiria o
resultado de um processo de justificação, chamado de legitimação.
134
A legitimidade constitui tema de interesse de juristas, sociólogos, filósofos ou
cientistas políticos, tendo sido objeto, portanto, de estudos diferenciados.
Dentre a variedade de estudos existentes, destaca-se aquele empreendido por Max
Weber, que se propôs a analisar os possíveis fundamentos da dominação sob o
prisma sociológico. Para Weber
135
, toda dominação depende da autojustificação,
que se alcança mediante o apelo a certos princípios de legitimação, que se resumem
a três: o carisma, a tradição e a legalidade.
O primeiro princípio está relacionado à crença no carisma, isto é, à crença na
santidade, no heroísmo de uma pessoa, implicando na obediência às ordens dadas
ou reveladas pela autoridade santificada. O segundo princípio permite a justificação
do poder com base na tradição, na habitualidade do poder estabelecido há tempos,
que prescreve a obediência diante de determinadas pessoas. Por fim, o terceiro e o
último princípio, diferente dos demais, relaciona-se à legalidade, que descansa na
crença nas ordenações estatuídas; vincula o fundamento do poder não à pessoa,
mas sim ao sistema de regras existentes.
136
Por outro lado, segundo Norberto Bobbio
137
, a legitimidade encerra o problema do
justificação do poder político, que não se resume à pergunta sobre o que é de fato o
poder, pois abrange também a questão sobre o que deve ser. Sob o ponto de vista
filosófico, Bobbio afirma que a distinção entre poder legítimo e ilegítimo torna-se uma
134
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 94.
135
WEBER, Max. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. México: Fondo de
Cultura Económica, 1964. pp. 170-213.
136
WEBER, 1964, p. 172.
137
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 6 ed.
Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 86-87.
62
distinção axiológica. Afinal, acentua o autor
138
: “Se se limita a fundar o poder
exclusivamente sobre a força, como se faz para distinguir o poder político do poder
de um bando de ladrões?”
Semelhante é a posição do mestre Paulo Bonavides
139
, para quem o conceito de
legitimidade está contraposto ao conceito de legalidade. A legitimidade questiona a
justificação e os valores do poder legal:
A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração. É o critério que se
busca menos para compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a
adequação do poder às situações da vida social que ele é chamado a
disciplinar.
Em contrapartida, afirma o autor
140
, a legalidade se situa num domínio
exclusivamente formal, técnico e jurídico:
A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu
enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada; sua
legitimidade será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-
se de conformidade com as crenças, os valores e os princípios da ideologia
dominante, no caso a ideologia democrática.
para Juan Ferrando Badía
141
, todo poder político que se insere na sociedade
tende a enfrentar questionamentos sobre a estrutura, a organização e o fundamento
do exercício desse poder:
En efecto, todo Poder Político, en su inserción en una sociedad, plantea
como tantas veces se ha repetido— los problemas de cómo se eligen los
gobernantes, cómo se organiza o estructura el Poder y para qué se
gobierna.
142
A legitimidade, nessa concepção, orienta a resposta das questões sobre quem
manda e porque manda
143
:
138
Ibid, p. 87.
139
BONAVIDES, Ciência Política, 2003, p. 112.
140
Ibid, p. 112.
141
BADÍA, 1989, p. 36.
142
De fato, todo Poder Político, ao ser inserido em uma sociedade, suscita como tantas vezes se
verificou os problemas de como se elegem os governantes, como se organiza ou se estrutura o
Poder e para que se governa” (Tradução nossa).
143
BADÍA, 1989, p. 36.
63
Estas preguntas o problemas están en función de la cuestión básica de
quién manda y por qué manda. De la contestación que a ello se
depende la que se tenga que dar a las otras, pues se trata de los
fundamentos del Poder y de su legitimidad o justificación.
144
É este o sentido para o termo legitimidade adotado no presente estudo. Não se trata
da legitimidade equiparada à legalidade, assim como não se considera aqui a
legitimidade sob o referencial ético-moral. É a legitimidade como justificação do
poder que se pretende analisar.
Agregando-se ao termo legitimidade o adjetivo democrática e, considerando-se a
concepção de democracia participativa elucidada resta estabelecido, portanto,
que o critério orientador do estudo sobre a justificação do controle jurisdicional de
constitucionalidade será o da participação. É a legitimidade como justificação do
poder, à luz do paradigma da democracia participativa, que se pretende analisar.
3.3.1 Legitimidade e participação
Considerando-se a relação entre legitimidade e participação no processo de decisão
estatal, na esteira dos ensinamentos de Diogo de Figueiredo Moreira Neto
145
, é
possível distinguir a legitimidade originária, a legitimidade corrente e a legitimidade
finalística.
A legitimidade originária pauta-se pelo modo de investidura dos detentores do poder,
decorre da presunção de que são eles os adequados representantes do grupo, de
que são os condutores de seus interesses. No caso das instituições, a legitimidade
originária decorre da confiança nas tradições políticas.
A legitimidade corrente, por sua vez, não trata mais de presunção ou de imagem; é a
legitimidade aferida continuamente. “A legitimidade corrente é uma qualidade do
144
“Estas perguntas ou problemas encontram-se em função da questão básica de quem manda e por
que manda. Da resposta que se depende a que deva ser dada às outras, pois tratam-se dos
fundamentos do Poder e de sua legitimidade ou justificação.” (Tradução nossa).
145
MOREIRA NETO, 1992, pp. 24-27.
64
exercício do poder”
146
. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, é possível que
um representante originariamente legítimo exerça sua função de forma ilegítima;
assim como é possível que um governante originariamente ilegítimo conquiste a
legitimidade corrente se o exercício do poder coincidir com os anseios do grupo.
Por fim, a legitimidade finalística pode se referir ao resultado ou à destinação do
exercício do poder. Enquanto ligada ao resultado, a legitimidade seaferida pelas
tarefas concretizadas, pelo desempenho do detentor do poder; e enquanto ligada à
destinação, a legitimidade depende dos desejos futuros daquele grupo.
De forma semelhante, ao tratar especificamente da legitimidade da jurisdição
constitucional, fica evidenciada pelo mestre Paulo Bonavides a necessidade de ser
estabelecida a distinção entre a legitimidade da jurisdição constitucional e a
legitimidade no exercício dessa jurisdição. Segundo o autor
147
: “A primeira é matéria
institucional, estática, a segunda, axiológica e dinâmica; aquela inculca a adequação
da defesa da ordem constitucional, esta oscila entre o direito e a política”.
Tais posicionamentos permitem concluir que a questão da legitimidade da jurisdição
constitucional, assim como das demais formas de manifestação do poder do Estado,
não deve ser aferida apenas sob um único aspecto, geralmente ligado à forma de
investidura dos membros do poder. A justificação da competência dos órgãos
jurisdicionais, em especial no controle de constitucionalidade, deve ser investigada
também na dinâmica do exercício dessa função. Imprimindo-se a conotação
democrática, diríamos que deve ser investigada também de acordo com as
possibilidades de participação oferecidas.
3.4 A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO CONTROLE JURISDICIONAL DE
CONSTITUCIONALIDADE SOB DIFERENTES ASPECTOS
146
MOREIRA NETO, 1992, p. 26.
147
BONAVIDES, Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional
de luta e resistência: por uma nova hermenêutica: por uma repolitização da legitimidade, 2003, p.
318.
65
Os problemas relativos à legitimidade da jurisdição constitucional surgem em razão
da importância que assume o controle jurisdicional de constitucionalidade como
instrumento de proteção da Constituição, dos direitos e das garantias fundamentais.
A defesa dos órgãos jurisdicionais na posição de garantidores da Constituição e a
justificação democrática dessa competência assumem diferentes aspectos, alguns
dos quais analisados a seguir.
3.4.1 Legitimidade de origem
No tocante à representatividade de origem, que se relaciona com a forma de
investidura no cargo, o direito comparado nos mostra que os tribunais incumbidos de
exercer a fiscalização da constitucionalidade possuem sistemas específicos de
eleição de seus membros. Embora a escolha dos juízes o decorra de eleição
popular, a forma de investidura desses juízes difere dos demais tribunais em virtude
da participação de membros pertencentes aos demais órgãos do Estado.
A esse respeito, os levantamentos de dados efetuados pelos professores Marcelo
Rebelo de Souza
148
e Jorge Miranda
149
mostra a diversidade de sistemas de escolha
dos magistrados. Entre os procedimentos existentes nos diversos países do mundo,
é possível identificar oito modalidades de designação dos membros dos tribunais
constitucionais: (a) designação pelo Parlamento, na Alemanha, Portugal, Hungria,
Croácia, Cabo Verde, Peru e Polônia; (b) designação pelo Presidente da República
com o assentimento da Câmara alta do Parlamento, na República Checa e Rússia;
(c) designação pelo Presidente da República, sob proposta do Parlamento, na
Eslováquia; (d) designação pelo Parlamento, sob proposta do Presidente da
República e de outros órgãos, na Colômbia, Eslovênia e Lituânia; (e) designação em
parte de origem parlamentar e em parte pelo Presidente da República, na França,
Romênia e Albânia; (f) designação em parte de origem parlamentar e em parte de
148
SOUZA, Marcelo Rebelo de. Legitimação da justiça constitucional e composição dos tribunais
constitucionais. In Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Coimbra: Coimbra Editora,
1995. pp. 218-219.
149
MIRANDA, 2001, p. 122.
66
origem governamental, na Áustria e Espanha; (g) designação em parte de origem
parlamentar, em parte de origem presidencial e em parte de origem judicial, na Itália
e (h) designação conjunta pelo Parlamento, Presidente da República e por outros
órgãos, no Equador, Guatemala e Chile.
A característica comum a todas essas modalidades de designação dos juízes
constitucionais reside no fato de ser atribuída tal tarefa a agentes políticos eleitos
pelo povo. E, na lição de Jorge Miranda
150
: “É, justamente, por os juízes
constitucionais serem escolhidos por órgãos democraticamente legitimados [...] que
eles podem invalidar actos com força de lei”.
Segundo o autor português
151
, os tribunais constitucionais possuem uma
legitimidade de título, que justifica o poder de intervenção nos atos dos demais
órgãos políticos. Afirma que, embora por via indireta, os juízes do tribunal
constitucional têm a mesma origem dos titulares dos órgãos políticos. Ademais, o
fato de serem eleitos por representantes dos outros órgãos, não lhes tira a
legitimidade, pois não se tornam representantes daqueles que os elegeram;
adquirem independência com a designação.
Este também é o posicionamento de Jorge Hage
152
e Mauro Capelletti
153
que,
citando o professor Robert A. Dahl, afirmam que o Judiciário não é inteiramente
carente de representatividade. Para o mestre norte-americano, a Suprema Corte
norte-americana, assim como outros tribunais constitucionais, é composta por juízes
que são nomeados por um Presidente e aprovados pelo Senado, ambos eleitos pelo
povo, o que lhes confere, ainda que indiretamente, o caráter de órgão
representativo.
A representatividade dos tribunais constitucionais, apoiada de forma indireta sobre o
sufrágio universal, é ressaltada ainda por José de Souza e Brito
154
:
150
MIRANDA, 2001, p. 121.
151
Ibid, pp. 121-122.
152
HAJE, Jorge. Omissão inconstitucional e direito subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999. p.
84.
153
CAPELLETTI, Juízes Legisladores? 1999, pp. 96-97.
67
O princípio democrático seria negado se existisse um poder que não fosse
constituído e exercido pelo povo, mesmo que esse exercício consistisse
apenas na intervenção indirecta dos eleitos pelo povo na designação dos
titulares do poder. Isto vale também para a designação dos juízes
constitucionais. Eles também recebem a sua legitimação democrática do
sufrágio universal, embora indirectamente, através da intervenção dos
directamente eleitos no processo de designação dos juízes.
De fato, o postulado democrático da representatividade não constitui óbice ao
exercício do controle de constitucionalidade pelo tribunal constitucional que, ainda
que indiretamente, a origem da competência conferida ao juiz constitucional é a
mesma dos demais órgãos do Estado. A peculiaridade das formas de investidura
dos magistrados nas Cortes Constitucionais demonstra a preocupação do poder
constituinte quanto à representatividade desses agentes.
Contudo, é importante lembrar que essa legitimidade de origem decorrente do
tratamento diferenciado na composição dos tribunais constitucionais, embora seja
válida para os tribunais constitucionais, não justifica o exercício do controle de
constitucionalidade pelos juízes e tribunais ordinários. Nos países que adotam o
sistema difuso, o argumento não se sustenta que em regra não intervenção
dos órgãos diretamente eleitos pelo povo na investidura dos magistrados.
Além disso, o fato da investidura ser efetivada ainda que indiretamente mediante a
eleição popular, por si não significa que a decisão esteja revestida do caráter
democrático. Concordamos nesse ponto com o entendimento do eminente
conselheiro do Tribunal Constitucional português José de Souza e Brito
155
:
O sufrágio universal está, portanto, na origem de toda a decisão
democrática, mas ele não assegura o caráter democrático da decisão. De
outro modo, todas as decisões do povo ou dos órgãos designados pelo
povo seriam democráticas, independentemente do conteúdo. O caráter
democrático duma decisão depende, por um lado, da sua adopção directa
ou indirecta pela maioria, mas depende também da sua conformidade com
as próprias razões do princípio democrático, com a democracia como
sistema de princípios. E é isto que nos leva aos direitos do homem.
Diante disso, fica evidenciado que além da legitimidade de origem, a
representatividade dos juízes seja daqueles que integram as Cortes
Constitucionais, seja dos que compõem o Judiciário fundamenta-se também, e
154
SOUZA E BRITO, 1995, p. 42.
68
principalmente, no exercício da jurisdição constitucional. Esta é a posição de
Eugenio Raúl Zaffaroni
156
:
Pensamos que a legitimidade democrática não é julgada unicamente pela
origem, senão também, e às vezes fundamentalmente, pela função.
Segundo nosso ponto de vista, o prioritário no judiciário é sua função
democrática, ou seja, sua mencionada utilidade para a estabilidade e
continuidade democrática. É verdade que não é indiferente a forma de
seleção, mas neste aspecto o importante será decidir por aquilo que seja
mais idôneo ao cumprimento das tarefas democráticas, e isto não pode
depender de um dado meramente formal.
No mesmo sentido, destaca José Manuel Brandrés
157
que a legitimidade dos juízes
não reside em sua origem popular ou no caráter representativo, que, em regra, a
vontade popular não interfere no recrutamento dos juízes. Na verdade, os problemas
da legitimidade dos juízes se orientam a revelar o grau de adequação do
comportamento judicial aos princípios que a soberania nacional entende como
fundamentais.
Além do português José Souza e Brito, do argentino Eugenio Raúl Zaffaroni e o
español José Manuel Bandrés, merecem também citação as palavras de Antonio
Rovira acerca do tema
158
:
La legitimidad de origen, la autoridad, la competencia ya no es suficiente
para justificar la actuación de los tres poderes y en particular de la
judicatura, es imprescindible también la legitimidad de ejercicio, que exige
dar razón de los actos, no sólo razones jurídicas, es necesario justificarse
ante los ciudadanos demonstrando que van en buen camino [...].
159
Enfim, é a prática judiciária que possibilita a concretização da democracia como
participação dos cidadãos nas decisões estatais. E essa legitimidade adquirida pelo
exercício da função pode ser entendida de acordo com os demais argumentos
tratados a seguir.
155
Ibid, p. 42.
156
ZAFFARONI, 1995, p. 44.
157
BANDRÉS, José Manuel. Poder Judicial y Constitución. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1987.
p. 11.
158
ROVIRA, 1998, p. 53.
159
“A legitimidade de origem, a autoridade, a competência já não é suficiente para justificar a atuação
dos três poderes e em particular da magistratura, é imprescindível também a legitimidade de
exercício, que exige a fundamentação dos atos, não fundamentos jurídicos, é necessário justificar-
se ante os cidadãos demonstrando que se segue um bom caminho [...]” (Tradução nossa).
69
3.4.2 Legitimidade pela participação das minorias: em defesa do regime
pluralista
Para os críticos do controle jurisdicional da constitucionalidade, a origem, a estrutura
e o procedimento de funcionamento das Cortes Constitucionais não ofereceriam
garantias de participação de todos os atores sociais no processo democrático. A
objeção normalmente suscitada consiste no alegado caráter aristocrático-burocrático
do tribunal constitucional, incompatível com a idéia do pluralismo inerente à
democracia. Esta posição é defendida por Carl Schmitt
160
, ao afirmar que a criação
de tribunais para atuar como defensores da constituição significaria “[...] trasladar
tales funciones a la aristocracia de la toga“.
161
Contudo, em contraposição às idéias de Schmitt, observa-se que é justamente por
meio dos tribunais constitucionais que é viabilizada a participação das minorias na
formação da vontade do Estado. A concepção aristocrático-burocrática é superada
pelo fortalecimento das Cortes Constitucionais, que se apresentam como
instrumento de equilíbrio das forças de poder, possibilitando, assim, a contribuição
dos grupos minoritários na construção da vontade nacional.
É no exercício da jurisdição constitucional que os juízes e tribunais adquirem
representatividade, que por sua vez, mostra-se intimamente relacionada ao
pluralismo, à diversidade de atores sociais. Aliás, na prática, a própria idéia de
democracia rejeita a noção de uma sociedade unânime e homogênea, isto é, a idéia
de um soberano (o povo ou a nação) que expressa uma vontade geral. A concepção
aberta e pluralista do regime democrático está relacionada ao reconhecimento da
pluralidade de opiniões e, principalmente, à possibilidade de participação de todos
os grupos sociais no processo de formação da vontade do Estado.
A esse respeito, acentua Norberto Bobbio
162
que a democracia ideal foi concebida
conforme o modelo de sociedade monística, fundada na soberania popular, com um
160
SCHMITT citado por KELSEN, 1999, p. 73.
161
“[…] transferir tais funções à aristocracia de toga” (tradução nossa).
162
BOBBIO, 2002, pp. 34-36
70
único centro de poder (a vontade geral de Rousseau). Contudo o que ocorreu nos
Estados democráticos foi justamente o oposto. Com a criação de grupos
politicamente relevantes (associações de diversas naturezas, sindicatos e partidos
políticos das mais variadas ideologias) o modelo ideal democrático fundado no tipo
de sociedade centrípeta foi substituído por uma sociedade centrífuga, com vários
centros de poder. Assim, nos Estados democráticos, erguidos sobre uma sociedade
pluralista, “não existe mais o povo como unidade ideal (ou mística), mas apenas o
povo dividido de fato em grupos contrapostos e concorrentes”
163
.
Diante de uma tal sociedade pluralista, não se pode deixar de reconhecer que por
mais democrática que se apresente a composição de um Parlamento no exercício de
sua função soberana, por vezes, o legislador deixa de considerar a posição de
determinados grupos sociais, que não conseguiram se fazer representar nesse
órgão. Nesse caso, o tribunal constitucional assume papel de garantidor do acesso à
justiça também para aqueles grupos que não conseguiram obter acesso ao processo
político.
Ademais, a crise de representatividade por que passa o Legislativo
umbilicalmente relacionada, também, à crise dos partidos políticos agrava ainda
mais essa problemática. A instauração do Estado Social, em que o Executivo
assume cada vez mais o papel de empreendedor, relegou a segundo plano o
Parlamento, bem como os partidos políticos, fazendo surgir novos atores no cenário
político. Além disso, deixou demonstrada a incapacidade dos partidos em filtrar as
demandas e os reclamos de todos os setores sociais e transformá-los em decisões
políticas. Com isso, observa Alexandre de Moraes
164
: “[...] o partido político deixa de
constituir o único, e talvez, deixe também de constituir-se no mais importante, coletor
das aspirações populares e direcionador das decisões políticas do Estado”.
Uma das fórmulas possíveis de superação dessa crise de representatividade do
Legislativo consiste no fortalecimento do sistema de controle judicial de
constitucionalidade. Para Alexandre de Moraes
165
, a superação da crise do sistema
163
Ibid, p. 35.
164
MORAES, 2000, p. 49.
165
Ibid, p. 61.
71
representativo e a satisfação dos reclamos sociais por outros canais de pressão ao
governo (além dos parlamentares eleitos pelo povo) serão solucionadas pelo
fortalecimento da democracia. O fortalecimento dos instrumentos democráticos, por
sua vez, exige dois mecanismos distintos, porém complementares: a reforma política
do Estado (que efetivará a aproximação da vontade popular com a vontade expressa
pelo Parlamento) e a atuação do Tribunal Constitucional como árbitro da sociedade.
É importante que seja feita a ressalva de que o fortalecimento da jurisdição
constitucional constitui apenas uma das fórmulas possíveis de superação da crise de
representatividade do Legislativo. A justiça constitucional apresenta-se, assim, como
uma das vias aptas a possibilitar a participação das minorias no processo decisório
do Estado. Aliás, como afirma Jorge Miranda
166
, “seria impossível evitar que os
factores de crise mesmo se transitórios (espero), que atingem o Parlamento
não se repercutissem, de alguma sorte, sobre o Tribunal Constitucional”.
No tocante ao papel exercido pela Suprema Corte americana na proteção dos
interesses das minorias, afirma o professor Martin Shapiro, citado por Mauro
Capelletti
167
:
São exatamente esses grupos marginais, grupos que acham impossível
procurar acesso nos poderes “políticos”, que a corte pode melhor servir (...)
Enquanto, efetivamente, são essencialmente políticos os poderes da Corte,
pelo que os grupos marginais podem aguardar por parte da Corte o apoio
político que não estão em condições de encontrar em outro lugar, os
procedimentos da Corte, pelo contrário, são judiciários. Significa isso que
tais procedimentos se baseiam no debate em contraditório (“adversary”)
entre as duas partes, vistas como indivíduos iguais; dessa forma, os grupos
marginais podem esperar audiência muito mais favorável de parte da Corte
do que de organismos que, não sem boa razão, olham além do indivíduo,
considerando em primeiro lugar a força política que pode trazer à arena.
De fato utilizando-se dos argumentos de Shapiro é possível afirmar que a
garantia de acesso à justiça assegura o caráter dialético do processo decisório, com
a abertura de canais de expressão dos interesses das minorias. Note-se que o
acesso à justiça, neste caso, significa não o acesso ao órgão jurisdicional, mas
166
MIRANDA, Jorge. Nos dez anos de funcionamento do Tribunal Constitucional. In Legitimidade e
legitimação da justiça constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 98.
167
CAPELLETTI, Juízes Legisladores? 1999, p. 99.
72
também a garantia da igualdade entre as partes, o contraditório, a ampla defesa,
constituindo-se em mecanismo adequado à solução da controvérsia constitucional.
A proteção dos interesses das minorias que muitas vezes não são contempladas na
regulamentação infraconstitucional passa a ser concretizada pela justiça
constitucional e assegurada pelas regras processuais. Assim, o controle jurisdicional
mostra-se apto a corrigir os problemas não solucionados dentro do processo político.
Por outro lado, deve-se ressaltar que isso não significa, necessariamente, que os
órgãos jurisdicionais decidam sempre pela censura às decisões tomadas pela
maioria, pois a tutela dos interesses dos grupos minoritários deve ser concedida
apenas quando a pretensão estiver respaldada nos valores consagrados pela
Constituição.
A relação entre o princípio da maioria e a justiça constitucional é ambivalente. De um
lado apresenta-se como um limite ao princípio da maioria, isto é, da maioria
legiferante ordinária e, por outro lado, a justiça constitucional apresenta–se como
expressão do princípio da maioria, entendida como a maioria fundante e constituinte
da comunidade política.
168
Nessas condições, os órgãos incumbidos pelo controle de constitucionalidade
passam a representar a manifestação própria do poder constituinte. estão
autorizados a exercer a fiscalização da constitucionalidade dos atos dos poderes
públicos, inclusive das decisões majoritárias, na medida em que essa fiscalização
esteja alicerçada na Carta Suprema. Aliás, não se deve olvidar que os órgãos
Legislativo, Executivo e Judiciário, assim como as Cortes Constitucionais, integram
os órgãos do Estado, fundados sobre a vontade soberana constituinte à qual
encontram-se permanentemente vinculados.
A esse respeito, assinala Anderson Orestes Cavalcante Lobato
169
:
168
MOREIRA, Vital. Princípio da maioria e princípio da constitucionalidade. In Legitimidade e
legitimação da justiça constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 192.
169
LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante. Política, Constituição e Justiça: os desafios para a
consolidação das instituições democráticas. Revista de sociologia e política. Curitiba, n. 17,
novembro/2001, p. 48.
73
[...] Com efeito, a denominada jurisdição constitucional representa a
institucionalização de um espaço de controle da atuação do governo de
modo a evitar as arbitrariedades cometidas pelas maiorias eventuais. A
oposição, bem como os movimentos minoritários, encontra na jurisdição
constitucional um árbitro que deve ter como única preocupação o respeito
aos valores sociais e a idéia de Direito que se consolida no texto
constitucional.
É certo que no embate entre maioria e oposição parlamentar, o controle de
constitucionalidade assume a função de equilíbrio de forças. Contudo, este equilíbrio
pode ser obtido de acordo com os limites estabelecidos pelos dispositivos
constitucionais. Contra as maiorias momentâneas obtidas no Parlamento deve
prevalecer a maioria constituinte, em observância ao princípio da supremacia da
Constituição.
Por fim, merece ser registrada a advertência de Francisco Lucas Pires
170
que, ao
admitir a justiça constitucional como responsável pelo equilíbrio das forças políticas
observando-se sempre, como parâmetro, a norma constitucional —, adverte que
quanto maior a possibilidade de formação de maiorias num sistema político, mais
forte pode e deve ser a legitimidade do mecanismo de controle da
constitucionalidade. Assim, embora seja reconhecida a jurisdição constitucional
como benéfica ao princípio democrático, não se pode olvidar que a atuação dos
juízes e tribunais constitucionais deve estar adequada ao contexto de cada época,
em cada país.
Portanto, sob qualquer ângulo que se analise, que ser reconhecida, no exercício
da jurisdição constitucional, a concretização da concepção pluralista do regime
democrático, seja como mais um canal de participação dos grupos sociais excluídos
do processo político, seja como método de aproximação do Estado e da sociedade,
numa perspectiva de ampliação do acesso à justiça.
3.4.3 Legitimidade argumentativa
170
PIRES, 1995, p. 171.
74
Não menos importante é a legitimidade obtida por meio da argumentação, que
justifica o exercício da jurisdição constitucional pelo processo deliberativo e permite
a construção da interpretação constitucional a partir dos mais variados argumentos.
Essa legitimidade se sustenta tanto na aceitação da decisão pelos cidadãos,
alcançada mediante a exposição dos argumentos por parte do órgão jurisdicional,
quanto na argumentação implementada pelos próprios cidadãos, que se inserem
como partícipes no processo deliberativo.
A importância da representavidade conquistada pelo convencimento, pelo poder de
persuasão e pela racionalidade das decisões, supera aquela fundada na origem, na
forma de investidura dos juízes
171
.
A exigência de fundamentação e de publicação
das decisões judiciais aproxima o cidadão e o Estado-juiz, o que significa que a
legitimidade passa a ser conquistada pelo exercício da jurisdição, e não mais como
decorrência do título ou da origem dos membros dos tribunais. É a opinião de
Capelletti
172
:
Particularmente, de forma diversa dos legisladores, os tribunais superiores
são normalmente chamados a explicar por escrito e, assim, abertamente ao
público, as razões de suas decisões, obrigação que assumiu a dignidade de
garantia constitucional em alguns países, como a Itália. Essa praxe bem se
pode considerar como um contínuo esforço de convencer o público da
legitimidade de tais decisões, [...]
Essa legitimidade extraída do processo de argumentação da via judicial também é
analisada por Robert Alexy
173
. Segundo o autor, considerando que a jurisdição
constitucional subtrai da maioria parlamentar poderes de decisão, tem-se a
impressão de que a jurisdição constitucional é antidemocrática. Além de não serem
investidos com base no voto popular, aos juízes constitucionais é permitido interferir
no processo democrático ao interpretar e aplicar os direitos fundamentais.
171
HAGE, 1999, p. 85.
172
CAPELLETTI, Juízes Legisladores? 1999, p. 98.
173
ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático. Para a relação
entre Direitos do Homem, Direitos Fundamentais, Democracia e Jurisdição constitucional. Revista de
Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 217, jul./set. 1999, p. 55-66.
75
Tal contradição entre democracia e jurisdição constitucional, afirma Alexy
174
, deve
ser solucionada pela distinção entre representação política e representação
argumentativa do cidadão:
A chave para a resolução é a distinção entre a representação política e a
argumentativa do cidadão. O princípio fundamental: “todo poder estatal
origina-se do povo” exige compreender não o parlamento mas também o
tribunal constitucional como representação do povo. A representação
ocorre, decerto, de modo diferente. O parlamento representa o cidadão
politicamente, o tribunal constitucional argumentativamente.
De acordo com Alexy
175
, o tribunal constitucional também representa o povo, mas
diferentemente do parlamento tal órgão adquire sua representatividade pela via
argumentativa. Não significa que a decisão deva ser aceita, necessariamente, por
toda a sociedade. A legitimidade, nesse caso, decorre da instauração de um
processo de reflexão entre a coletividade, o legislador e os juízes constitucionais, ou
seja, da possibilidade de discussão da sentença e de seus fundamentos. A partir
dessas idéias, conclui o autor:
(...) A representação argumentativa certo quando o tribunal constitucional é
aceito como instância de reflexão do processo político. Isso é o caso, quando os
argumentos do tribunal encontram um eco na coletividade e nas instituições
políticas, conduzem a reflexões e discussões que resultam em convencimentos
examinados. Se um processo de reflexão entre coletividade, legislador e tribunal
constitucional se estabiliza duradouramente pode ser falado de uma
institucionalização que deu certo dos direitos do homem no estado constitucional
democrático.
Além de Alexy, Habermas também se destaca ao analisar a legitimidade e o papel
da jurisdição constitucional com base na deliberação, no processo argumentativo. A
justificação do poder de controle de constitucionalidade das leis pelos tribunais
encontra-se exposta em sua obra intitulada “Direito e Democracia: entre facticidade
e validade” e está intimamente relacionada ao modelo de democracia defendido pelo
autor a democracia deliberativa bem como ao modelo de constituição fundada
sobre o procedimento. A importância das idéias de Habermas no estudo da
legitimidade democrática da jurisdição constitucional é salientada por inúmeros
174
Ibid, p. 66.
175
Ibid, p. 66.
76
autores nacionais, dentre eles Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
176
, Gisele
Cittadino
177
, Cláudio Pereira de Souza Neto
178
e Gustavo Binenbojm
179
.
Na referida obra, Habermas consagra o seguinte entendimento
180
: “a constituição
determina procedimentos políticos, segundo os quais os cidadãos, assumindo seu
direito de autodeterminação, podem perseguir cooperativamente o projeto de
produzir condições justas de vida”. Habermas rejeita a concepção liberal de
constituição, bem como afasta a idéia de que a norma fundamental possa ser
entendida como uma ordem jurídica que impõe uma determinada forma de vida
sobre a sociedade. O modelo procedimental de constituição defendido por
Habermas constitui o meio termo das concepções liberal e republicana.
Habermas rejeita tanto a concepção do Estado como entidade superdimensionada,
como também não aceita o modelo do Estado mínimo típico do sistema liberal, no
qual os direitos fundamentais são primordialmente voltados contra a intervenção
estatal.
Na perspectiva liberal, a política tem a função de impor os interesses privados contra
o aparelho do Estado, sendo que, no âmbito do processo político, vige o modelo da
concorrência do mercado, prevalecendo assim a idéia de autonomia privada
181
. A
concepção da sociedade é marcada pelo pluralismo e pela pluralidade de modos de
vida. A democracia, por sua vez, fundamenta-se na representação da população por
aqueles poucos indivíduos eleitos que, mediante a regra da maioria, alcançam a
direção política do Estado.
na visão republicana, o processo democrático é concebido como processo
movido por cidadãos orientados pelo bem comum. uma inversão da autonomia
privada para a autonomia pública, ou seja, com a mudança do paradigma liberal
176
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2001. pp. 256-261.
177
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Elementos da filosofia
constitucional contemporânea. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000. pp. 170-182.
178
SOUZA NETO, 2002. pp. 269-326.
179
BINENBOJM, 2001, pp. 106-114.
180
HABERMAS, 1997, p. 326.
181
Ibid, p. 339.
77
para o republicano “a regra da maioria é substituída pela idéia de política deliberativa
que conforma uma vontade comum através de um entendimento ético”.
182
Embora
mediada pelo diálogo, pelo processo de deliberação, a democracia, na perspectiva
republicana, é orientada pela ética, ou seja, encontra sua base em um consenso
sobre o bom, o justo.
A partir das duas concepções, Habermas apresenta uma terceira: a compreensão
procedimentalista do direito e da democracia, que exige não só o reconhecimento do
pluralismo social e cultural, característico das sociedades modernas, mas também a
discussão, a deliberação que possibilita maior participação dos cidadãos na
formação da vontade estatal. A proposta de Habermas, segundo Gisele Cittadino
183
,
sustenta-se no chamado “paradigma procedimental do direito”:
Em oposição ao paradigma do direito liberal que procura assegurar a
igualdade jurídica e o paradigma do direito ao bem-estar configurado
em torno da igualdade fática —, Habermas propõe um paradigma
procedimental do direito que estabelece, ao contrário dos anteriores, uma
relação interna entre autonomia privada e autonomia pública.
Na visão procedimental, a democracia se realiza mediante os “pressupostos
comunicativos e procedimentos, os quais permitem que, durante o processo
deliberativo, venham à tona os melhores argumentos”
184
. A formação democrática da
vontade retira sua força do processo deliberativo, isto é, da própria controvérsia
discursiva.
Tal concepção procedimentalista do direito e da democracia é que determina o papel
da jurisdição constitucional. A função do tribunal constitucional consiste em proteger
o processo de criação democrática do direito, o que significa, nas palavras do
autor
185
, que “o tribunal constitucional precisa examinar os conteúdos de normas
controvertidas especialmente no contexto dos pressupostos comunicativos e
condições procedimentais do processo de legislação democrático”.
182
CITTADINO, 2000, pp. 144-145.
183
Ibid, p. 208.
184
HABERMAS, 1997, p. 345.
185
HABERMAS, 1997, p. 326.
78
No tocante à teoria de Habermas acerca da posição do Tribunal Constitucional,
assevera Gisele Cittadino
186
:
Com efeito, o Tribunal Constitucional, segundo Habermas, não pode ser
equiparado, como desejam os comunitários, a um guardião de uma suposta
ordem de valores substantivos; o seu papel é proteger o processo de
criação democrática do direito, o que pressupõe, portanto, reservar às
Cortes constitucionais a guarda do sistema de direitos que torna a
autonomia privada e a autonomia pública igualmente possíveis’.
Dessa forma, o controle de constitucionalidade atribuído aos órgãos jurisdicionais
deveria restringir-se ao procedimento e às condições de deliberação verificadas
durante a formação da vontade estatal, e, assim, estaria cumprindo a tarefa de
guardião do sistema democrático. Por isso, Habermas discorda que o Judiciário
possa assumir o papel de um regente que entra no lugar de um sucessor menor de
idade. Para ele, o tribunal constitucional poderia assumir, no melhor dos casos, o
papel de um tutor
187
.
Ao considerar a sociedade atual como uma sociedade pluralista, Habermas entende
não ser permitido aos tribunais efetuar o controle de constitucionalidade das normas
com base em determinados valores que seriam condicionantes da interpretação
constitucional. Contudo, embora a legitimidade do exercício da jurisdição
constitucional seja fundada sobre o procedimento, isto é, sobre as condições para a
instauração do processo deliberativo, não significa que os resultados obtidos com o
processo decisório sejam irrelevantes.
Nota-se que compreensão procedimentalista da constituição se funda na suposição
de que o próprio processo democrático propicia resultados racionais. Para o autor
188
:
“a razão incorpora-se nas condições pragmático-formais possibilitadoras de uma
política deliberativa, não sendo necessário contrapô-la a esta última como se fosse
autoridade estranha, situada além da comunicação política”. Em outras palavras, a
teoria discursiva aposta no caráter racional das decisões que serão tomadas por
aqueles que se submeterão a elas.
186
CITTADINO, 2000, p. 183.
187
HABERMAS, 1997, p. 347.
188
HABERMAS, 1997, p. 354.
79
Por fim, importa ainda observar que é pela participação dos cidadãos na formação
da vontade do Estado que se possibilita a concretização de uma sociedade
democrática. Nesse ponto, ao apresentar o indivíduo como cidadão que participa
ativamente da deliberação política, Habermas aproxima-se do conceito da
“sociedade aberta de intérpretes da Constituição” formulado por Häberle
189
, que
servirá também como uma outra forma de justificar democraticamente o exercício do
controle jurisdicional de constitucionalidade, abordado no item seguinte.
3.4.4 Legitimidade e acesso à justiça
Partindo-se da perspectiva da ampliação do acesso à justiça, é possível também
entender o exercício da jurisdição como uma função legitimada democraticamente.
Neste caso, o controle de constitucionalidade adquire maior legitimidade em razão
da proximidade dos órgãos jurisdicionais com os problemas e os anseios da
população que surgem dos casos concretos.
Para Capelletti
190
, este constitui um dos argumentos que reforçam a legitimidade
democrática do direito jurisprudencial. Para ele, a conexão direta da jurisdição com
as partes interessadas torna o processo jurisdicional o mais participativo de todos os
processos da atividade pública. Essa participação, por sua vez, permite ao
magistrado conhecer a realidade social e interpretar a norma jurídica de acordo com
essa realidade. Por isso, assevera o autor
191
: “embora a profissão ou a carreira dos
juízes possa ser isolada da realidade da vida social, a sua função os constrange,
todavia, dia após dia, a se inclinar sobre essa realidade”.
Na esteira deste entendimento, forma-se a convicção de que a independência
conferida aos juízes e aos tribunais não se traduz no distanciamento dos fatos e dos
problemas da vida cotidiana. Pelo contrário, a combinação entre a independência e
189
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução
de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
190
CAPELLETTI, Juízes Legisladores? 1999, p. 100.
191
CAPELLETTI, Juízes Legisladores? 1999, p. 105.
80
a sensibilidade às necessidades da população é que possibilita ao tribunal exercer
democraticamente suas atividades. Por isso, afirma Capelletti
192
:
[...], a legitimação dos juízes não é menos concreta e fundamental,
porquanto é, ou pelo menos tem a potencialidade de ser, profundamente
radicada nas necessidades, ônus, aspirações e solicitações quotidianas dos
membros da sociedade. Na descrição assaz vívida do professor Alexander
Bickel, existe realmente nos tribunais uma combinação única de dois
elementos: de um lado, o que ele denominou de “isolamento” típico do
estudioso, isolamento crucial na “descoberta dos valores duradouros da
sociedade”, e, de outro lado, a quotidiana obrigação de tratar “com a
realidade viva de controvérsias concretas”, diversamente do legislador que
tem de lidar “tipicamente com problemas gerais, abstratos ou vagamente
previstos”. Essa combinação única constitui também, pelo menos
potencialmente, a força única da função jurisdicional. Ela permite aos
tribunais a possibilidade de encontrarem-se continuamente em contato
direto com os problemas mais concretos e atuais da sociedade, mantendo-
se ao mesmo tempo, nada obstante, suficientemente independentes e
afastados das pressões e caprichos do momento.
Segundo Capelletti
193
, o exercício da jurisdição inclina-se sobre a realidade social e
por isso tem a potencialidade de ser altamente democrático. Porém, observa-se que
essa proximidade estabelecida entre o juiz e a sociedade necessita de certas
condições para se tornar realidade. Dentre as condições enunciadas pelo autor,
destaca-se a ampliação do acesso à justiça como fator preponderante na
legitimidade democrática do exercício da jurisdição constitucional, permitindo-se
cada vez mais a participação do maior número de sujeitos possível no processo
decisório.
A idéia da ampliação do acesso à justiça — entendida como fator que legitima
democraticamente o controle de constitucionalidade das leis mostra-se
intimamente relacionada à concepção aberta dos participantes do processo de
interpretação tratada por Peter Häberle. Em sua obra intitulada “Hermenêutica
constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: uma contribuição
para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da constituição”, o autor se propõe a
interpretar a constituição em consonância com a realidade social e com o modelo de
sociedade aberta, pluralista, pretendendo assim solucionar o problema relativo aos
participantes da interpretação constitucional.
192
Ibid, p. 104.
193
Ibid, pp. 105-106.
81
Para Häberle a interpretação constitucional não se restringe à interpretação
elaborada pelos juízes, nos procedimentos formalizados. O autor propõe a seguinte
tese
194
:
[...] no processo de interpretação constitucional estão potencialmente
vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os
cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado
ou fixado com numerus clausus de intérpretes da constituição.
A interpretação, nesta perspectiva, deixa de ser entendida como a atividade
consciente e intencional, dirigida à compreensão e à explicitação do texto da norma,
para assumir um sentido mais amplo. O processo interpretativo, como afirma o
autor
195
, passa a constituir “toda atualização da Constituição, por meio da atuação
de qualquer indivíduo”. Dessa forma, é possível observar que a interpretação
constitucional é entendida em seu sentido lato, transformando os cidadãos, os
grupos, os órgãos estatais, a opinião pública, enfim, todos os representantes das
forças produtivas de interpretação, em intérpretes constitucionais.
Na tentativa de apresentar de forma sistemática o catálogo dos participantes da
interpretação, Häberle
196
estabelece quatro grupos principais. O primeiro grupo de
participantes é constituído pelos órgãos estatais, representados não pela Corte
Constitucional, mas também pelos demais órgãos com poder de decisão, ou seja,
órgãos jurisdicionais, legislativos ou executivos. O segundo grupo de intérpretes da
constituição é representado os participantes do processo de decisão que não são
órgãos do Estado, como autor, o réu e os peritos nos processos judiciais, os partidos
políticos que atuam no processo legislativo, ou, as partes nos procedimentos
administrativos. O terceiro grupo referido por Häberle equivale à opinião pública e
aos estimuladores do processo político, como a mídia, as igrejas, os teatros, as
editoras, as escolas da comunidade etc. E, por fim, o quarto grupo representa a
doutrina constitucional que, segundo o autor
197
, “tem um papel especial por
tematizar a participação de outras forças e, ao mesmo tempo, participar nos diversos
níveis”.
194
HÄBERLE, 1997, p. 13.
195
Ibid, p. 13.
196
Ibid, pp. 20-22.
197
HÄBERLE, 1997, p. 22.
82
É importante observar ainda que a proposta de Häberle de ampliação do número de
intérpretes da constituição deve ser entendida como uma proposta de
democratização da interpretação constitucional. Aliás, o próprio autor reconhece que
a teoria da interpretação deve ser garantida sob a influência da teoria democrática e
que é impensável uma interpretação da Constituição sem o cidadão ativo e sem as
potências públicas mencionadas
198
.
Häberle rejeita a concepção de democracia vinculada apenas à representação
popular
199
:
[...], a democracia não se desenvolve apenas no contexto de delegação de
responsabilidade formal do Povo para os órgãos estatais (legitimação
mediante eleições), até o último intérprete formalmente “competente”, a
Corte Constitucional. Numa sociedade aberta ela se desenvolve também
por meio de forma refinadas de mediação do processo público e pluralista
da política e da práxis cotidiana, especialmente mediante a realização dos
Direitos Fundamentais (Grundrechtsverwirklichung) tema muitas vezes
referido sob a epígrafe do “aspecto democrático” dos Direitos
Fundamentais.
O autor acentua que aos cidadãos é conferido o direito de participar do processo de
decisão não apenas no dia da eleição
200
. É o cidadão quem confere legitimidade
democrática ao processo constitucional mediante sua participação na interpretação
da Constituição.
É importante observar que Häberle propõe uma relativização do conceito de povo
partir da idéia de cidadão. Segundo o autor a democracia não significa o domínio do
povo, mas sim domínio dos cidadãos. O ponto de referência para a Constituição
democrática deve ser o pluralismo, a liberdade fundamental. Diante disso,
assinala
201
: “A democracia do cidadão está muito próxima da idéia que concebe a
democracia a partir dos direitos fundamentais e o a partir da concepção segundo
a qual o Povo soberano limita-se apenas a assumir o lugar do monarca”.
198
Ibid, p. 14.
199
Ibid, p. 36.
200
Ibid, p. 37.
201
HÄBERLE, 1997, p. 38.
83
O direito de participação nas decisões estatais, em especial no exercício da
jurisdição constitucional, é entendido como um direito da cidadania, e, por sua vez,
como um direito fundamental. Isso leva o autor a afirmar: “os Direitos Fundamentais
são parte da base de legitimação democrática da interpretação aberta, tanto no que
se refere ao resultado, quanto no que diz respeito ao círculo de participantes”
202
.
A proposta de Häberle de conceber o povo como um conjunto de cidadãos, como
uma população heterogênea, aproxima-se das idéias de Friedrich Müller expostas na
obra “Quem é o Povo? A questão fundamental da democracia”. Para Müller
203
, a
unificação dessa população heterogênea, sem que sejam consideradas as
contradições sociais entre os indivíduos, transforma o “povo” em ícone. A iconização
impede que o povo seja concebido como sujeito político real e impede que a
construção de uma sociedade civil ampla e ativa.
Em síntese, Häberle sustenta que a legitimidade do exercício da jurisdição
constitucional se funda na livre discussão e participação dos indivíduos e de grupos
no processo interpretativo. Por isso, pode-se afirmar que esse modelo se aproxima
da democracia participativa. Tal como Habermas, Häberle concebe a legitimidade
advinda da participação no procedimento. Porém, em suas idéias, enfatiza a
participação popular efetiva no processo de formação da vontade estatal, pugnando
inclusive pelo aperfeiçoamento do direito processual constitucional com novas forças
de participação dos diferentes intérpretes da Constituição.
204
Portanto, a medida em que a jurisdição constitucional adquirir legitimidade por meio
da ampliação da participação com a conseqüente aproximação com as
necessidades e os anseios sociais, o controle de constitucionalidade das leis estará
legitimado. A esse respeito, cumpre citar as palavras proferidas pelo professor
Inocêncio Mártires Coelho
205
:
202
Ibid, p. 37.
203
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. 3 ed. rev. e ampl.
São Paulo: Max Limonad, 2003. pp. 72-73.
204
HÄBERLE, 1997, pp. 46-49.
205
COELHO, Inocêncio Mártires. As idéias de Peter Häberle e a Abertura da Interpretação
Constitucional no Direito Brasileiro. Revista de Direito Administrativo, 211, jan./mar. 1998, pp.
127-128.
84
Destarte, se a jurisdição constitucional, de forma natural e continuada,
conseguir preservar a sintonia entre o programa normativo e o âmbito
normativo, vale dizer, entre a interpretação constitucional e a realidade
constitucional tarefa que será tanto mais facilitada, quanto maior for a sua
capacidade para auscultar e compreender os anseios sociais —, as cortes
que exercem a jurisdição política estarão legitimando os resultados da sua
atividade hermenêutica e, provavelmente, até mesmo preservando sua
própria existência no marco do Estado Democrático de Direito.
Com base nessas idéias, conclui o autor
206
:
Por isso mesmo, sem que precisem andar a reboque das maiorias
ocasionais, embora não possam nem devam ignorar a sua existência, se
conseguirem preservar aquele equilíbrio instável entre norma e realidade
constitucional e na medida em que o consigam —, os tribunais
constitucionais continuarão a contar com o respaldo da opinião pública para
reescrever de fato a Constituição, sem que a ninguém, ocorra sequer
indagar sobre a legitimidade desse procedimento.
Analisada a legitimidade da jurisdição constitucional de acordo com o critério de
investidura no cargo; de acordo com a possibilidade de participação das minorias no
exercício dessa função estatal; considerando-se que o controle a cargo dos órgãos
jurisdicionais adquire legitimidade também pela via argumentativa e pela ampla
participação dos diversos intérpretes da Constituição no processo de decisão; resta,
ainda, analisar o exercício da jurisdição constitucional na perspectiva da tutela dos
direitos fundamentais.
3.4.5 Legitimidade pela defesa dos direitos fundamentais
Além de todos os argumentos mencionados, que pretendem justificar o exercício
do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, é possível ainda defender a
legitimidade democrática da jurisdição constitucional em razão da tutela dos direitos
fundamentais.
De acordo com José Adércio Leite Sampaio
207
: “A crescente adoção das
declarações de direito e o vertiginoso ganho de seu conteúdo criaram, sobre as
jurisdições de quase todo o mundo, uma extraordinária demanda de proteção”. Essa
206
Ibid, p. 128.
85
demanda, que recaiu sobre os órgãos jurisdicionais de diversos países, passou a
atingir não nos Estados Unidos, marcados pela tradição da jurisprudência da
Suprema Corte, mas também países acostumados à idéia da supremacia do
legislador. Nas palavras do autor
208
:
Sem falar dos Estados Unidos, que possuem desde 1791 um conjunto de
emendas constitutivas do bill of rigths com valor de direito positivo e de
remarcada influência na jurisprudência da Suprema Corte, bem como de
vários países da civil law que, em maior ou menor escala, também vêm o
Judiciário como uma instância de promoção e defesa dos direitos
fundamentais, alguns países da Common Law, mais acostumados com a
posição soberana do legislador, passaram a admitir que os juízes
realizassem relativo controle sobre os atos legislativos em face de tais
direitos.
Dissertando sobre o tema, José Adércio Leite Sampaio
209
assevera que a ampliação
da competência de órgãos jurisdicionais inclusive para o controle de
constitucionalidade sobre atos legislativos tem atingido também países da
Common Law. Exemplo disso é a Irlanda, país em que desde 1937 foi inserido na
constituição um sistema de controle de constitucionalidade das leis, inicialmente
restrito à Alta Corte e à suprema Corte, e posteriormente estendido a todos os
tribunais. Além da Irlanda, o autor faz referência ainda ao Reino Unido, o qual, com a
adesão à Convenção Européia de Direitos Humanos que instituiu órgãos
incumbidos de fiscalizar o respeito aos direitos nela declarados e julgar as violações
pelos Estados signatários
210
— teria se inserido nessa tendência.
Com a crescente adoção das declarações de direitos, a proteção dos direitos ditos
“inalienáveis” e “fundamentais” passa a ser considerada como índice de legitimidade
do sistema constitucional
211
. Conseqüentemente, assume crucial importância os
mecanismos de fiscalização da constitucionalidade, em especial aqueles atribuídos a
órgãos jurisdicionais.
Com a atribuição do controle de constitucionalidade a órgãos jurisdicionais, a
proteção dos direitos fundamentais deixou o plano exclusivamente político,
207
SAMPAIO, 2002. pp. 185-186.
208
Ibid, p. 186.
209
Ibid, p. 186.
210
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2 ed. rev. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2001. pp. 267-276.
86
passando a ser tratada como questão jurídica. Por isso, é possível afirmar que “a
proteção dos direitos fundamentais na sua dimensão subjectiva tenha começado
a ganhar sentido com o pontificado da Justiça Constitucional”
212
, iniciando-se, aí, a
luta pela juridicidade plena dos direitos fundamentais.
Segundo Baracho
213
, a jurisdição constitucional não se manifesta apenas com o
controle de constitucionalidade das leis, isto é, como forma de tutela do direito
objetivo. A tutela das situações jurídicas subjetivas do indivíduo frente às
autoridades públicas é também abrangida pela noção de jurisdição constitucional:
“A jurisdição constitucional tutela a regularidade constitucional do exercício ou
atividades dos órgãos constitucionais. Ao mesmo tempo, faz valer as situações
jurídicas subjetivas do cidadão, previamente consagradas no texto constitucional”.
Na visão de Robert Alexy
214
, no centro dos debates acerca da jurisdição
constitucional e da tutela dos direitos fundamentais, reside a questão de como
equilibrar as competências do Tribunal Constitucional e do legislador. O caráter
aberto do sistema jurídico decorrente da vigência das normas de direito fundamental
que se mostra de forma clara nos conceitos básicos de dignidade, liberdade e
igualdade coloca em discussão os limites da competência atribuída ao Tribunal
Constitucional.
Nessa ordem de idéias, embora se discuta o alcance da competência de controle do
Tribunal Constitucional, Alexy ressalta que não se põe em questão se o Tribunal
possui competência de controle dos atos dos poderes públicos. Se a Constituição
garante ao indivíduo direitos frente o legislador e para garantia desses direitos prevê
a existência de um Tribunal Constitucional, a intervenção do tribunal no âmbito da
legislação não constitui uma assunção inconstitucional de competências legislativas.
211
SAMPAIO, 2002, p. 186.
212
MORAIS, Carlos Blanco de. Fiscalização da constitucionalidade e garantia dos direitos
fundamentais. Revista de Direito Mackenzie,o Paulo, n. 1, jan./jun. 2000, p. 113.
213
BARACHO, 1984, p. 113.
214
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2002. p. 526.
87
Nesse sentido, assevera Alexy
215
que, em tais casos, o controle de
constitucionalidade exercido pelo Tribunal, e necessário para a garantia dos direitos
fundamentais, não está permitido, como também está ordenado pela
Constituição.
Sob este ponto de vista, os órgãos jurisdicionais aparecem como instrumentos de
defesa do Estado de direito, da supremacia da constituição e, consequentemente,
do respeito aos direitos e às liberdades fundamentais. E, para alguns doutrinadores,
é justamente a proteção aos direitos e às liberdades fundamentais que legitima
democraticamente o exercício da jurisdição constitucional.
Esse entendimento é compartilhado por Capelletti
216
, que refuta o alegado caráter
antidemocrático atribuído à atividade judicial: “a democracia não pode sobreviver em
um sistema em que fiquem desprotegidos os direitos e as liberdades fundamentais”.
Para o mestre italiano
217
, a democracia não se reduz ao princípio da maioria.
Democracia significa participação, tolerância e liberdade que são alcançadas com a
ajuda de um judiciário ativo, dinâmico e criativo, que seja capaz de assegurar a
preservação do sistema de checks and balances diante do crescimento dos poderes
políticos, bem como do controle dos outros centros de poder típicos das sociedades
contemporâneas.
No mesmo sentido, ao tratar da legitimidade da Justiça constitucional, entende
Alexandre de Moraes
218
que “a jurisdição constitucional retira sua legitimidade
formalmente da própria Constituição e materialmente da necessidade de proteção ao
Estado de Direito e aos Direitos Fundamentais”. Formalmente, o controle de
constitucionalidade é legitimado como expressão da vontade soberana do poder
constituinte originário. Por outro lado, sob o aspecto material, a legitimidade da
jurisdição constitucional está relacionada à garantia dos princípios, objetivos e
direitos fundamentais consagrados na Carta Maior
219
:
215
ALEXY, 2002, p. 527.
216
CAPELLETTI, Juízes Legisladores? 1999, p. 106.
217
Ibid, p. 107.
218
MORAES, 2000, p. 68.
219
Ibid, p. 74.
88
(...), o fundamento básico da legitimidade material da justiça constitucional está na
necessidade de consagração e efetivação de um rol de princípios constitucionais
básicos e direitos fundamentais tendentes a limitar e controlar os abusos de poder
do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos
princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado
moderno e contemporâneo, pois nos Estados onde o respeito à efetividade dos
direitos humanos fundamentais não for prioridade, a verdadeira Democracia
inexiste, como ensina Norberto Bobbio ao afirmar que sem respeito às liberdades
civis, a participação do povo no poder político é um engano, e sem essa
participação popular no poder estatal, as liberdades civis têm poucas
probabilidades de durar.
É nessa medida, portanto, que a defesa dos direitos fundamentais relaciona-se com
a preservação da democracia. Sem o controle do poder político, sem a existência de
um equilíbrio entre os poderes e sem a garantia de efetividade dos direitos e das
liberdades fundamentais não Estado de direito, nem tampouco Estado
Democrático de Direito, pois se inviabiliza o exercício da liberdade e a participação
popular nas decisões estatais.
A legitimidade da justiça constitucional passa a residir na exigência do cumprimento,
pelos poderes constituídos, dos princípios, objetivos e direitos fundamentais
consagrados pelo poder constituinte. A esse respeito, registra Alexandre de
Moraes
220
:
A legitimidade da justiça constitucional consubstancia-se, portanto, na
necessidade de exigir-se que o poder público, em todas as suas áreas, seja
na distribuição da Justiça, seja na atuação do Parlamento ou na gerência da
res pública, paute-se pelo respeito aos princípios, objetivos e direitos
fundamentais consagrados em um texto constitucional, sob pena de
flagrante inconstitucionalidade de suas condutas e perda da própria
legitimidade popular de seus cargos e mandatos políticos pelo ferimento ao
Estado de Direito.
Em tal perspectiva, os órgãos judiciais responsáveis pelo controle de
constitucionalidade das leis tornam-se instrumentos de concretização desses
direitos.
220
Ibid, p. 76.
89
4 ANÁLISE DA LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO CONTROLE
JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
4.1 HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO
A história do controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil é marcada por
uma fase inicial, em que prevaleceu o modelo de controle difuso da
constitucionalidade inspirado no sistema norte-americano, que se iniciou em 1890
com a edição dos Decretos 510 e 848, estendendo-se até 1965, com o advento da
Emenda Constitucional n. 16, que introduziu o controle concentrado de normas
perante o Supremo Tribunal Federal. A partir daí, inaugura-se uma nova fase: o
ordenamento jurídico brasileiro configura um sistema misto de controle,
possibilitando a fiscalização da constitucionalidade de leis ou atos normativos por
qualquer juiz ou tribunal e ainda pelo órgão de cúpula do Judiciário, que realiza o
controle da lei em tese, desvinculado de qualquer situação jurídica concreta. As
duas fases da história do controle de constitucionalidade brasileiro acima referidas
representam, em síntese, a evolução do sistema de controle neste país, desde a
primeira Constituição a “Constituição Política do Império do Brasil“ de 25 de
março de 1824 — até a Constituição atual de 1988.
No Brasil Imperial, sob a égide da Carta Constitucional de 1824, não houve previsão
de qualquer mecanismo de controle jurisdicional de constitucionalidade. Embora em
1829 tenha sido instituído o Supremo Tribunal de Justiça, não lhe foram conferidas
atribuições para apreciar a constitucionalidade dos atos legislativos. Ao Supremo
Tribunal de Justiça foi atribuída competência restrita, apenas para conhecer recursos
de revista, julgar ações penais contra determinadas autoridades e julgar conflitos de
competência
221
. Pelo contrário, determinou a Constituição do Império que a
fiscalização da constitucionalidade seria de incumbência do Legislativo, ao dispor,
em seu artigo 15, inciso IX, ser da atribuição da Assembléia Geral “velar na guarda
da Constituição, e promover o bem geral da Nação”
222
.
221
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 5 ed. São Paulo:
Atlas, 1981. p. 647.
222
Ibid, p. 632.
90
A respeito da posição do Supremo Tribunal de Justiça no Brasil Imperial, assinala
Carlos Mário da Silva Veloso
223
:
O Supremo Tribunal de Justiça da Constituição Imperial de 1824 não se
firmou, entretanto, como Poder Político. Ele não era, na verdade, um
tribunal às inteiras. É bem possível que os ilimitados poderes de moderação
do Imperador tenham impedido aquele Tribunal de exercer com largueza a
função jurisdicional. Talvez por isso, ou também por isso, o Supremo
Tribunal de Justiça não foi um Poder. É certo que concorreu para que tal
ocorresse a inexistência, na Constituição de 1824, do controle judicial de
constitucionalidade das leis. Sabemos que, por influência do
constitucionalismo francês, o controle de constitucionalidade, na Carta
Imperial, era do próprio Poder Legislativo.
A fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis foi introduzida no
ordenamento constitucional brasileiro com a Constituição de 1891, que repetindo
alguns dispositivos previstos no Decreto 510, de 22 de junho de 1890 e no Decreto
848, de 11 de outubro de 1890, passou a admitir que o Judiciário examinasse a
constitucionalidade de leis e atos do poder público.
O Decreto 510 fixou a apreciação da constitucionalidade de leis e atos do poder
público como competência do Supremo Tribunal Federal, atribuindo-lhe competência
para julgamento de recurso interposto contra decisões proferidas em última instância
pela justiça dos Estados, quando a decisão considerar válidos atos ou leis
impugnadas em face da Constituição. O Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, por
sua vez, ao tratar da organização da Justiça Federal, dispôs em seu artigo que:
“Na guarda e aplicação da Constituição e leis federais, a magistratura federal
intervirá em espécie e por provocação”.
224
Com base nos aludidos Decretos, o texto final da Constituição de 1891 inseriu a
fiscalização concreta da constitucionalidade no sistema brasileiro. Possibilitou-se a
qualquer juiz ou tribunal, ao conhecer do pedido da parte, apreciar a validade de lei
(federal ou estadual) ou ato do governo estadual em face da Constituição Federal.
Da decisão que considerasse válida a lei ou o ato do governo, em última instância,
223
VELOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 91.
224
BARBI, Celso. A evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil. Revista de Direito
Público. São Paulo, n. 4, 1968, p. 37.
91
havia possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Federal (artigo 59, §1º, “b”,
da Constituição de 1891).
225
A adoção do controle difuso nos moldes acima expostos demonstra a profunda
influência exercida pela doutrina norte-americana sobre o modelo constitucional de
1891, que, além de importar esse tipo de controle constitucionalidade das leis,
implantou no Brasil o sistema presidencialista, fundado no princípio da separação de
órgãos, bem como o federalismo, dotando os Estados de maior autonomia, inclusive
autorizando-os a elaborar uma Constituição própria.
Com a Constituição de 1934 foi mantido o controle difuso adotado pela Carta
Constitucional anterior, inserindo-se também inovações importantes no sistema de
controle de constitucionalidade. Uma das grandes inovações foi a criação da
representação interventiva, que deu início ao processo de introdução do modelo
concentrado de controle de constitucionalidade.
A chamada representação interventiva consistiu em medida destinada a possibilitar a
intervenção da União nos Estados. De acordo com o artigo 12, §2º, da Constituição
de 1934
226
, a intervenção decretada para assegurar a observância dos princípios
especificados no inciso I, do art. 7º, da referida Constituição
227
poderia surtir
efeitos após a declaração de constitucionalidade pela Corte Suprema da lei que a
tenha decretado, mediante provocação do Procurador Geral da República.
Tal instrumento foi incorporado na Constituição de 1946 com algumas modificações.
Ao invés da constatação da constitucionalidade da lei que deflagrava a intervenção,
passou a aferir diretamente a compatibilidade do direito estadual com os chamados
“princípios sensíveis”, isto é, o ato argüido de inconstitucionalidade passou a ser
apreciado pelo Supremo Tribunal Federal antes de decretada a intervenção.
225
CAMPANHOLE, 1981, p. 581.
226
Ibid, pp. 506-507.
227
Ibid, pp. 504-505.
92
A representação interventiva constitui verdadeiro mecanismo de fiscalização
concreta da constitucionalidade, embora exercitada por via de ação direta, pois
presta-se a solucionar um conflito federativo entre a União e um Estado-membro.
228
Para Celso Agrícola Barbi a representação interventiva se distingue do sistema de
controle de constitucionalidade por via de exceção, mas também não constitui
tipicamente uma declaração por via de ação. Segundo o autor
229
:
Não é por via de ação, porque lhe faltam algumas características desta: a
declaração da Suprema Corte não anula a lei, a ação não tem como objeto
anular a lei. Mas difere da declaração por via de exceção, porque não surge
no curso de uma demanda judicial qualquer, nem é simples fundamento do
pedido; o pedido é a própria declaração de inconstitucionalidade, [...]
O mesmo posicionamento é adotado por Regina Maria Macedo Nery Ferrari
230
que,
ao tratar da representação interventiva, afirma:
Vemos surgir, então, um processo de declaração de inconstitucionalidade
diferente daquele próprio da via de exceção; devemos porém, salientar que
não podemos identificar tal processo com a via de ação, visto que o objeto
de tal declaração não é anular a lei.
Além da chamada representação interventiva, a Constituição de 1934 inovou criando
a regra da maioria absoluta para a decretação de inconstitucionalidade nos tribunais,
ao dispor em seu artigo 179: “Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos
seus juizes, poderão os tribunaes declarar a inconstitucionalidade de lei ou de acto
do poder publico”
231
.
Estabeleceu também a possibilidade do Senado Federal outorgar efeitos erga
omnes às decisões do Supremo Tribunal proferidas em sede de controle difuso de
constitucionalidade. Tal competência foi estabelecida no inciso IV, do artigo 91, da
Constituição de 1934, que dispunha ser da competência do Senado: “suspender a
execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou acto de deliberação ou
228
CLÈVE, 1995, p. 70-71
229
BARBI, 1968, p. 38.
230
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4 ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 75
231
CAMPANHOLE, 1981, p. 551.
93
regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionaes pelo Poder
Judiciário”
232
. Na visão de Celso Agrícola Barbi
233
:
A inovação trazida pelo citado art. 91, n. IV, era feliz porque continha forma
de dar efeitos “erga omnes” a uma decisão proferida apenas “inter partes”.
Politicamente a fórmula encontrada era bil porque deixava de violar o
princípio da independência dos Podêres, uma vez que a suspensão da
execução da lei ficou na competência de um órgão do Legislativo.
A importância das alterações instituídas pela Carta de 1934 fica evidenciada pelo
reflexo nas Constituições posteriores. Nota-se que a regra que permite ao Senado
Federal a suspensão dos efeitos de lei declarada inconstitucional foi mantida nas
Constituições de 1946, 1967 e 1988; assim como a regra da maioria absoluta para a
decretação de inconstitucionalidade nos tribunais, que foi também repetida nas
referidas Constituições, e inclusive na Carta de 1937. No tocante à criação da
representação interventiva, escreve Ronaldo Poletti
234
:
A ão direta de controle de constitucionalidade, para fins de intervenção,
foi passo importantíssimo para a doutrina brasileira, pois a partir daquela
ação foi possível construir toda uma dogmática que acabou por desaguar no
atual sistema brasileiro de controle da constitucionalidade das leis, ajudando
a resolver os seus problemas.
A partir da Constituição de 1937, o controle exercido pelo Judiciário restou
enfraquecido, tendo sido possibilitado ao Parlamento suspender decisão judicial que
declarasse a inconstitucionalidade de lei. A medida representou a desconfiança
quanto à competência atribuída ao Judiciário, no controle do atos emanados pelo
Legislativo e pelo Executivo. Segundo o parágrafo único do artigo 96, da
Constituição de 1937, a declaração judicial de inconstitucionalidade possibilitava ao
Legislativo, mediante provocação pelo Presidente da República, tornar sem efeito a
decisão
235
:
Parágrafo único. No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma
lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem estar
do povo, à promoção ou defesa do interêsse nacional de alta monta, poderá
o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento;
se êste a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras,
ficará sem efeito a decisão do Tribunal.
232
CAMPANHOLE, 1981, p. 528.
233
BARBI, 1968, p. 38.
234
POLETTI, 1997, p. 84.
235
CAMPANHOLE, 1981, p. 433.
94
Além da atribuição conferida aos parlamentares, a prática revelou também ao
Presidente da República a possibilidade de suspender as decisões judiciais que
declarassem a inconstitucionalidade de leis, por meio da edição de decreto-leis. A
utilização desse expediente pelo Presidente da República pode ser constatada pela
edição do Decreto-Lei n. 1.564, de 05/09/1939, que confirmou os textos de lei que
sujeitavam ao imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos
estaduais e municipais, tornando sem efeito as decisões do Supremo Tribunal
Federal e de quaisquer outros tribunais e juízes que tenham declarado a
inconstitucionalidade desses mesmos textos.
236
Diante disso, o controle de constitucionalidade, sob a égide da Constituição do
Estado Novo, restou praticamente anulado em face da possibilidade aberta aos
órgãos sujeitos ao controle (Executivo e Legislativo) de decidirem, definitivamente,
sobre a declaração judicial.
Após esse período de retrocesso, segue-se com a Constituição de 1946 que em sua
redação original dispôs sobre o controle difuso de constitucionalidade das leis, além
da representação interventiva. A nova Constituição, de cunho democrático, não
manteve a possibilidade do legislador ou Presidente da República tornar sem efeito
decisão judicial que declarasse a inconstitucionalidade de lei. Além disso, elevou
novamente à categoria constitucional o mandado de segurança, importante
instrumento de controle difuso da constitucionalidade que havia sido criado pela
Carta de 1934 e não regulamentado pela Constituição de 1937.
Ainda sob a égide da Constituição de 1946, foi editada a Emenda Constitucional n.
16, de 16 de novembro de 1965, que consagrou o sistema de controle abstrato de
constitucionalidade. O sistema predominantemente difuso de controle de
constitucionalidade passou a assumir o caráter misto, conciliando-se com o sistema
concentrado.
A Emenda Constitucional n. 16, que tinha o objetivo de efetuar a reforma do
Judiciário, alterou o artigo 101, I, k, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal
236
MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato das normas no Brasil e na
Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.p. 32-33. nota 154.
95
competência para julgar a representação de inconstitucionalidade da lei ou ato de
natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da
República. Na Exposição de Motivos encaminhada ao Presidente da República, foi
acentuada a intenção da alteração constitucional: “a atenção dos reformadores tem-
se detido enfaticamente na sobrecarga imposta ao Supremo Tribunal Federal e ao
Tribunal de Recursos”.
237
O sistema abstrato de controle de constitucionalidade no Brasil surgiu com a criação
da representação de inconstitucionalidade, destinada à defesa geral da Constituição
contra leis inconstitucionais, atribuindo ao Procurador-Geral da República o papel de
advogado da Constituição.
A conciliação do modelo concreto e abstrato de constitucionalidade, este último
concretizado pela representação de inconstitucionalidade, vigorou durante as
Constituições de 1967 e a Emenda de 1969. Ocorreram poucas alterações no
controle de constitucionalidade no período de vigência da Carta de 1967. A Emenda
n. 1 de 1969
238
admitiu, pela primeira vez, a instituição de representação interventiva
pelos Estados-membros, tendo em vista a fiscalização da constitucionalidade da lei
municipal em face dos princípios elencados na Constituição Estadual, a exemplo do
modelo federal. Além disso, a Emenda 7 de 1977
239
, atribuiu competência ao
Supremo Tribunal Federal para julgar representação do Procurador Geral da
República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo
federal ou estadual.
Contudo, a concentração da legitimidade em sede de controle abstrato nas mãos do
Procurador Geral da República gerou controvérsias. De acordo com os registros de
Gilmar Ferreira Mendes, o debate sobre a amplitude das atribuições conferidas ao
Procurador Geral foi acirrado principalmente a partir de 1970, quando Xavier
Albuquerque, então Procurador Geral da República, recusou-se a instaurar
representação de inconstitucionalidade contra o decreto–lei que legitimava a
censura prévia de livros, jornais e periódicos. Passou-se a discutir a obrigatoriedade
237
MENDES, 1999, p. 70.
238
CAMPANHOLE, 1981, p. 15.
239
Ibid, p. 91.
96
de representação ao Supremo Tribunal Federal, sempre que o Procurador Geral
fosse provocado por qualquer interessado, ou a existência de um poder
discricionário conferido ao mesmo, possibilitando-o decidir se e quando deveria ser
oferecida a representação.
240
Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal se manifestou reconhecendo o poder
discricionário do Procurador Geral na avaliação e decisão pelo ajuizamento da
representação de inconstitucionalidade
241
, entendimento este que foi reiterado em
diversos outros arestos do tribunal
242
, embora existissem na doutrina opiniões
contrárias como as de Ivo Dantas
243
e Paulo Bonavides
244
.
4.2 A NOVA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: AS INOVAÇÕES
ADVINDAS COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL
A Carta Constitucional de 1988 inaugura um novo estágio na história do controle de
constitucionalidade brasileiro, promovendo um sensível aperfeiçoamento do sistema
anterior. Além do texto original de 05 de outubro de 1988, o controle de
constitucionalidade no Brasil sofreu reformas com o advento da Emenda
Constitucional n. 03 de 1993 e das Leis 9.868 e 9.882, ambas publicadas em 1999.
240
MENDES, 1999, p. 66.
241
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 849. Movimento Democrático Brasileiro e
Procurador Geral da República. Relator: Ministro Adalício Nogueira, Brasília, 10 mar. 1971. Disponível
em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 05 de julho de 2004.
242
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 121-1. Ordem dos Advogados do Brasil Seção
do Estado do Rio de Janeiro e Procurador Geral da República. Relator: Ministro Djaci Falcão, Brasília,
03 dez. 1980. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 05 de julho de 2004; BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. Reclamação 128-8. Julio SAR Martins e Procurador Geral da República. Relator:
Ministro Cordeiro Guerra, Brasília, 29 abr. 1981. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 05 de
julho de 2004;
243
DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da
supralegalidade constitucional. 2 ed. rev. e aumentada. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. pp. 98-101.
244
BONAVIDES, Curso de direito constitucional, 2003, pp. 331-332.
97
As mudanças no sistema de controle de constitucionalidade decorrentes da
promulgação do texto constitucional de 1988 foram assim resumidas pelo mestre
Clèmerson Merlin Clève
245
:
Com a Constituição de 1988, o sistema brasileiro (combinação do modelo
difuso-incidental com o concentrado-principal) de fiscalização da
constitucionalidade foi aperfeiçoado. Com efeito, (i) ampliou-se a
legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade
(antiga representação); (ii) admitiu-se a instituição pelos Estados-membros,
de ação direta para declaração de inconstitucionalidade de ato normativo
estadual ou municipal em face da Constituição Estadual (art. 125, §2º); (iii)
instituiu-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 102, §2º)
e o mandado de injunção (art. 102, I, “q”, quando de competência do STF);
(iv) exigiu-se a citação do Advogado-Geral da União que, nas ações diretas,
deverá defender o ato impugnado (art. 103, §3º); (v) exigiu-se, ademais, a
manifestação do Procurador-Geral da República em todas ações de
inconstitucionalidade, bem como nos demais processos de competência do
Supremo Tribunal Federal (art. 103, §1º); (vi) não atribuiu ao Supremo
Tribunal Federal competência para julgar representação para fins de
interpretação, instrumento que foi, portanto, suprimido pela nova Lei
Fundamental; (vii) previu a criação de um mecanismo de argüição de
descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição (art.
102, pra. Único) que não foi, ainda, regulamentado e, finalmente, (viii)
alterou o recurso extraordinário, que passou a ter feição unicamente
constitucional (art. 102, III).
Além dessas inúmeras e relevantes alterações, no ano de 1993, o poder constituinte
derivado, por meio da Emenda Constitucional n.º 03, introduziu no ordenamento
novo instrumento de controle: a ação declaratória de constitucionalidade. A ação tem
por objetivo exterminar a controvérsia sobre a constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal. As decisões de competência do Supremo Tribunal Federal, nesse
caso, produzirão efeitos erga omnes e vinculante relativamente aos demais órgãos
do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, como estabelecido no artigo 102, §2º que
foi acrescentado ao texto original da Constituição. O rol de legitimados para
propositura da ação declaratória, diferente da ação direta de inconstitucionalidade,
ficou restrito ao Presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à Mesa da
Câmara dos Deputados e ao Procurador Geral da República.
Posteriormente, com a publicação da Lei 9.868/99, foram inseridas novas regras
sobre o processo e julgamento das ações direta de inconstitucionalidade e
declaratória de constitucionalidade e, com a Lei 9.882/99, foi regulamentado o
processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental.
245
CLÈVE, 1995, p. 72.
98
Embora tenham sido trazidas importantes inovações ao sistema de controle de
constitucionalidade, com a edição dos referidos diplomas normativos, confirma-se a
tendência de reforço do controle concentrado de constitucionalidade.
Aliás, antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, a doutrina havia
detectado essa tendência, que fica evidenciada nas observações feitas por José
Afonso da Silva
246
em artigo publicado no ano de 1985:
atualmente um intenso movimento científico em torno da jurisdição
constitucional, mormente na América Latina, buscando novos rumos no
sentido de reformular o sistema existente, numa tendência muito nítida,
inclusive entre nós, como assinalado, para o sistema de controle
concentrado, que pressupõe o encaminhamento da questão da criação de
Cortes Constitucionais, por entender que elas exercem hoje um papel de
verdadeiro equilíbrio entre os demais poderes, uma espécie de poder
moderador, atualizado e sem predomínio.
O movimento tendente ao controle concentrado de constitucionalidade foi, assim,
reforçado pela introdução de diversos dispositivos em nosso ordenamento,
principalmente pelas Leis 9.868/99 e 9.822/99. De acordo com Walter Claudius
Rothenburg
247
, a edição dos referidos diplomas legais insere-se no processo de
“verticalização” do controle de constitucionalidade brasileiro:
Há, todavia, um dado conjuntural que não deve ser esquecido: a Lei 9.868
surge no bojo de uma série de inovações legislativas patrocinadas pelo
atual Governo Federal, de suspeitos propósitos. Citem-se a emenda
Constitucional 3, de 17 de março de 1993, que instituiu a ação
declaratória de constitucionalidade; a Lei 8.437, de 30 de junho de 1992,
sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público,
recentemente alterada pela Medida Provisória nº 1.984, que amplia a
possibilidade de suspensão de liminares concedidas por juízos inferiores e
que teve diversas inconstitucionalidades suscitadas, a maior parte delas
rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de 23 de agosto
de 2000; a Lei 9.494, de 10 de setembro de 1997, que, dentre outras
disposições, estabeleceu, para a sentença da ação civil pública efeitos
apenas nos limites da competência territorial do órgão prolator” (artigo 2º),
pelo que diversos especialistas sustentam a desconsideração da inovação
(veja-se André de Carvalho Ramos, “A abrangência nacional de decisão
judicial em ões coletivas: o caso da Lei 9.494/98”, in Revista dos
Tribunais 755/113); e sobretudo a Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999,
que “dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento
de preceito fundamental”. Todos esses diplomas traduzem tentativas de
“verticalização” do controle jurisdicional, visando restringir o poder dos
246
SILVA, 1985, p. 520.
247
ROTHENBURG, Walter Claudius. Velhos e novos rumos das ações de controle abstrato de
constitucionalidade à luz da Lei 9.868/99. In: SARMENTO, Daniel (org.). O controle de
constitucionalidade e a Lei nº 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 271.
99
juízos inferiores e concentrá-los nos tribunais, especialmente nos
superiores.
4.2.1 O papel do Judiciário na defesa da Constituição: a legitimidade
democrática do modelo brasileiro de controle de constitucionalidade
Como se observa, a história do controle de constitucionalidade brasileiro acompanha
o desenvolvimento da jurisdição constitucional. Partiu da completa ausência de
controle jurisdicional — durante a vigência da Carta de 1824 — passando ao sistema
difuso de controle de constitucionalidade a partir de 1891 sendo, aos poucos,
criados novos instrumentos até chegar ao modelo híbrido atual, que concilia a
fiscalização difusa e concentrada das leis e dos atos normativos, consagrado na
Constituição de 1988.
As alterações trazidas pela Constituição de 1988 revelam-se de grande importância
não para o fortalecimento do controle realizado por órgãos jurisdicionais, mas
também como forma de assegurar os postulados inerentes ao Estado democrático
de direito. A ampliação do acesso à justiça que foi evidenciada pelo fim do
monopólio do Procurador Geral da República e pela criação de inúmeros
instrumentos processuais, como o mandado de injunção, a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, a argüição de descumprimento de preceito
fundamental dentre outros — teve papel decisivo em tal processo.
Num panorama geral das mudanças operadas pela Carta de 1988, fica evidenciada
a nítida proposta de fortalecimento da função jurisdicional, em especial no que tange
à defesa da Constituição. A crescente importância assumida pelo Judiciário foi
despertada a partir da experiência brasileira de um legislador arbitrário, autoritário,
que, mediante leis e atos institucionais, desconheceu a noção de Estado
constitucional e democrático.
A promulgação da nova Carta Constitucional implicou na alteração da maneira de
conceber o Estado e o direito, transformando, conseqüentemente, o perfil do
Judiciário. Essa nova concepção do Estado e do direito, instaurada pela Constituição
100
de 1988, pode ser analisada pelo menos sob dois aspectos: quanto à dimensão
ideológica e quanto ao seu valor normativo. Do ponto de vista ideológico, ao fixar os
objetivos, as finalidades e os fundamentos da República Federativa do Brasil, a
Carta de 1988 proclamou um sistema de valores a serem realizados pelos poderes
públicos, inclusive pelo Judiciário. Ao prever como objetivos do Estado a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, assim como ao estabelecer como
fundamento do Estado a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, a
Constituição impõe ao Judiciário, assim como aos demais poderes públicos, a tarefa
de assegurar estes princípios.
248
Por outro lado, além do conteúdo valorativo, a preocupação do constituinte com a
força normativa dos seus preceitos impôs ao Judiciário uma nova postura. O caráter
normativo, isto é, a força vinculante da Constituição, atribuiu aos órgãos
jurisdicionais a tarefa de assegurar a concretização dos preceitos que integram a lei
fundamental.
249
Na Constituição de 1988, o reconhecimento de sua força normativa é evidenciado
por inúmeros dispositivos. Além da previsão de fiscalização das leis e atos
normativos, a Constituição vigente inseriu no sistema brasileiro o mandado de
injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que inovaram
permitindo o controle sobre os atos omissivos do poder público.
Nesse passo, observa-se paralelamente que também o Supremo Tribunal Federal, a
partir de 1988, vem assumindo um papel central no sistema político brasileiro.
Embora não tenha sido acolhida a proposta de criação de um Tribunal Constitucional
desvinculado da estrutura do Judiciário, com as alterações constitucionais, o
Supremo Tribunal Federal conquistou uma nova posição. Nesse sentido, acentua
Oscar Vilhena Vieira
250
:
As mudanças na esfera da jurisdição constitucional impostas pela
Constituição de 1988 tiveram um forte impacto sobre o papel do Supremo
Tribunal Federal no sistema político brasileiro. A ampliação do acesso, o
estabelecimento de novas competências, somada à própria extensão do
248
ROCHA, 1995, pp. 109-112.
249
Ibid, p. 111.
250
VIEIRA, 2002, p. 217.
101
direito constitucional sobre campos antes reservados ao direito ordinário,
transformaram o Supremo Tribunal Federal numa importante e cada vez
mais demandada arena de solução de conflitos políticos, colocando-o numa
posição central em nosso sistema constitucional.
Além de definir um novo perfil do Judiciário, a Constituição de 1988 acentuou o
papel de corte constitucional do Supremo Tribunal Federal. Criou o Superior Tribunal
de Justiça ao qual foram transferidas algumas atribuições, como a uniformização da
interpretação do direito infraconstitucional, mediante a apreciação do chamado
recurso especial.
251
Com a nova feição do Judiciário que se desvincula da submissão cega à lei e
passa a assumir a posição de garante da Constituição, devendo não protegê-la
contra os atos violadores, mas também promover e concretizar o conteúdo
axiológico estabelecido no próprio texto constitucional surgem também
questionamentos acerca da legitimidade democrática do controle jurisdicional de
constitucionalidade.
4.2.1.1 Os critérios de seleção dos magistrados e a legitimidade de origem
A questão da legitimidade democrática da jurisdição constitucional no Brasil remete,
de início, aos critérios de seleção dos magistrados. No sistema brasileiro, o
provimento dos cargos da magistratura é efetuada ora por concurso público de
provas e títulos, ora por escolha de autoridades e órgãos políticos.
Tais critérios de seleção o, por vezes, acusados de aristocráticos, por não se
fundarem na eleição popular, fazendo com que o Judiciário seja interpretado como
órgão carente de legitimidade democrática. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho
252
,
o Judiciário representa um “Poder cujos membros são escolhidos por um método
‘aristocrático’, e não democrático, de seleção, ou seja, não são eleitos pelo povo,
mas selecionados por concurso ou por escolha por autoridade pública”.
251
BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição brasileira. 5 ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 300.
102
Posição semelhante é adotada por Martonio Mont´Alverne Barreto Lima
253
ao afirmar
que a escolha de magistrados por autoridades públicas que equivale a eleição
indireta dos magistrados —, tem um só objetivo: o de afastar o povo do debate
político.
No caso específico do Supremo Tribunal Federal a controvérsia sobre a adequação
dos critérios de seleção é mais acirrada. Dispõe o parágrafo único do artigo 101 da
Constituição de 1988
254
que Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão
nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria
absoluta do Senado Federal”.
O critério da escolha pelo Presidente com aprovação
pelo Senado Federal — adotado inicialmente na Constituição de 1981 — é de
inspiração norte americana. A Constituição dos Estados Unidos da América, em sua
cláusula 2, da seção 2, do artigo II, estabelecia tal critério na escolha dos
membros da Suprema Corte.
255
A regra da escolha dos ministros mediante nomeação feita pelo Presidente da
República com aprovação do Senado Federal tem sido objeto de discussões
doutrinárias sob o fundamento de que, na prática, na apreciação a cargo do Senado
não se faria mais do que corroborar a indicação do chefe do Executivo.
A crítica
dirigida a este dispositivo põe em dúvida a independência do Supremo Tribunal
Federal, que o aludido critério de escolha propiciaria nomeações decorrentes de
uma relação pessoal entre o nomeado e o Presidente da República, implicando
ainda no compromisso com a ideologia governista, com interesses de determinados
grupos do poder.
Na lição de Paulo Bonavides
256
, o controle jurisdicional se compadece melhor com a
natureza das Constituições rígidas, com a sustentação do Estado de direito e
252
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo.
São Paulo: Saraiva, 2003. p. 242.
253
BARRETO LIMA, Martonio Mont´Alverne. A democratização das indicações para o Supremo
Tribunal Federal do Brasil. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. [S.L.]. n. I.
jan./jun. 2003. p. 600.
254
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 77.
255
MORAES, Alexandre. Jurisdição Constitucional: breves notas comparativas sobre a estrutura do
Supremo Tribunal Federal e a Corte Suprema Norte-Americana. Revista Latino-Americana de
Estudos Constitucionais. [S.L.], n. I. jan./jun, 2003, pp. 508-509.
256
BONAVIDES, Curso de direito constitucional, 2003, p. 301.
103
sobretudo com a garantia da liberdade humana e a proteção de outros valores que
as sociedades livres reputam inabdicáveis, inclusive no Brasil.
Contudo, afirma o
autor, no que se refere à escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal, a
relação pessoal que se evidencia na prática brasileira provoca uma reação
generalizada no país, que procede tanto do meio jurídico como da opinião pública.
257
É importante registrar que em cada país o sistema político deve se adaptar às
circunstâncias nacionais, inclusive no que se relaciona ao modo de investidura dos
cargos mais importantes. Além disso, deve-se considerar que um sistema de
designação pessoal no provimento de cargos da magistratura não se mostra
adequado a ao regime democrático participativo. Por isso, adotamos os
ensinamentos de Luís Nunes de Almeida
258
, que ao tratar da designação dos
membros do Tribunal Constitucional português, afirma:
Na verdade, a questão essencial, a propósito do Tribunal Constitucional, não é a
da sua composição, mas a das garantias de independência dos seus juízes. Ora,
entre essas garantias de independência, a mais importante consistirá talvez, em
não haver uma relação pessoal entre a entidade nomeante e o juiz nomeado.
Com base nesta observação, conclui o autor
259
: “A experiência passada demonstra
que o sistema da designação pessoal, sendo perigoso, deus provas e se revelou
inconveniente”.
Ademais, apesar da relevância da discussão, entendemos que a análise da
legitimidade democrática não se prende apenas à forma de investidura dos membros
na função, no caso, à forma de escolha dos magistrados. A legitimidade deve ser
julgada pela origem, mas também, e fundamentalmente, pelo exercício da função.
O Estado democrático-participativo sucedeu a promessa democrática sustentada
exclusivamente na representação, impondo também uma transformação substantiva
257
Idem, Teoria constitucional da democracia participativa, 2003, pp. 330-331.
258
ALMEIDA, Luís Nunes de. Da politização à independência (algumas reflexões sobre a composição
do Tribunal Constitucional). In Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Coimbra:
Coimbra Editora, 1995. p. 251.
259
Ibid, p. 251.
104
do papel do Judiciário. Por isso, mais do que a mera representatividade fundada no
voto popular, é a prática judiciária que possibilita a concretização da democracia
como participação dos cidadãos nas decisões estatais.
Considerando que diferentes aspectos de análise da legitimidade democrática,
passa-se à análise da atual conformação do controle de constitucionalidade
brasileiro. O estudo será orientado pelos parâmetros traçados no capítulo anterior,
com o objetivo de verificar: (i) a possibilidade de participação das minorias no
processo de decisão sobre a constitucionalidade de leis e atos normativos no
sistema brasileiro; (ii) se a configuração do Judiciário brasileiro permite a instauração
de um processo de deliberativo, de argumentação sobre as questões
constitucionais; (iii) se as recentes alterações normativas promovidas pela
Constituição de 1988 e pelas Leis 9.882/99 e 9.868/99 importaram na abertura
das vias de acesso ao controle concentrado de constitucionalidade, e, por fim, (iv) se
tais alterações normativas implicaram na ampliação dos instrumentos de tutela dos
direitos fundamentais.
4.2.1.2 O pluralismo, a participação das minorias e a jurisdição constitucional
brasileira
Com a Constituição de 1988, a democracia participativa e o pluralismo assumem a
condição de fundamentos do Estado brasileiro. O texto constitucional, em seu
preâmbulo, trata da sociedade brasileira como uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos. Em seu artigo primeiro, dispõe que a República Federativa do
Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, fundado na cidadania e no
pluralismo político, dentre outros princípios. Estabelece, ainda, no parágrafo único
deste dispositivo
260
: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
260
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 3.
105
Além disso, o constituinte cuidou de regular, no artigo 12 do texto constitucional, o
exercício da soberania popular, mediante o voto direto e secreto, com valor igual
para todos, e por meio da participação em plebiscito, referendo e iniciativa
popular
261
. Inseriu também na nova Constituição outros instrumentos de
participação, em especial na provocação do exercício da função jurisdicional, como o
mandado de segurança coletivo e a ação popular, regulados no artigo 5º, inciso LXX,
“b” e inciso LXXIII, respectivamente.
No caso específico do controle abstrato de constitucionalidade, a cargo do Supremo
Tribunal Federal, o constituinte ampliou o rol de legitimados ativos para propositura
da ação direta de inconstitucionalidade, possibilitando a iniciativa não ao
Procurador Geral da República, mas também ao Presidente da República, à Mesa
do Senado Federal, à Mesa da mara dos Deputados, à Mesa da Assembléia
Legislativa, ao Governador do Estado, ao Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, aos partidos políticos com representação no Congresso
Nacional, às confederações sindicais ou às entidades de classe de âmbito nacional.
A ampliação do rol de legitimados termina com as controvérsias sobre o monopólio
do Procurador Geral da República existente desde 1965. Na análise crítica de Oscar
Vilhena Vieira
262
, a ampliação na esfera dos atores legitimados a provocar o
Supremo, por via de ação direta, é um grande avanço em relação à situação de
monopólio concentrada no sistema anterior. Na esfera da União, passa a haver uma
maior possibilidade de controle intra-órgãos.
Para o autor, o funcionamento do sistema constitucional democrático exige não
apenas um controle vertical do poder, mas também um controle horizontal, entre os
diversos setores e grupos que ocupam o poder. Diante de tal constatação, assevera:
Essa estrutura inscrita no art. 103 da Constituição passou a permitir, além
do controle entre Executivo e Legislativo, também um maior controle dentro
do próprio Parlamento, ao legitimar as Mesas do Senado e da Câmara para
a propositura da ação de inconstitucionalidade [...].
261
O plebiscito, referendo e a iniciativa popular a que se referem os incisos I a II do artigo 14 da
Constituição de 1988, foi regulamentado pela Lei 9.709, de 19 de novembro de 1998.
262
VIEIRA, 2002, p. 139.
106
Por fim, conclui o autor
263
:
A garantia do pluralismo pelo sistema de controle adotado pelo texto de
1988 foi confirmada pela legitimação concedida aos partidos políticos com
representação no Congresso, à Ordem dos Advogados do Brasil e às
confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional, de
recorrerem ao Supremo, pela via de ação direta.
A extensão da legitimidade de provocação do Supremo Tribunal Federal a exercer o
controle abstrato de constitucionalidade importou no reconhecimento da participação
de outros grupos no processo decisório da justiça constitucional, bem como na
ampliação da competência do Supremo, passando este a conhecer as ações
ajuizadas por quaisquer dos legitimados previstos no artigo 103 da Constituição de
1988.
Especificamente no que tange à legitimidade dos partidos políticos com
representação no Congresso Nacional e das confederações sindicais ou entidades
de classe de âmbito nacional, resta clara a intenção de assegurar ampla participação
a diferentes grupos sociais. A outorga do direito de propositura a organizações
sociais e partidos políticos impossibilitou que, a partir de 1988, fosse fixado o
número exato de entes e órgãos autorizados a instaurar o controle abstrato.
264
Além disso, a possibilidade de propositura de ação direta pelas confederações
sindicais, pelas entidades de classe e pelos partidos políticos demonstra o propósito
de assegurar às minorias o direito de participação no processo de controle de
constitucionalidade. As categorias de indivíduos sem representatividade no órgão
Legislativo encontram na via jurisdicional um canal importante de manifestação de
vontade, por intermédio destes entes legitimados pela Constituição de 1988.
Nota-se que o reconhecimento da legitimidade ativa da Mesa do Senado Federal, da
Mesa da Câmara dos Deputados e da Mesa de Assembléia Legislativa implica no
reconhecimento do direito das maiorias (e não das minorias) parlamentares
deflagrarem o processo de controle abstrato de constitucionalidade — já que a
263
VIEIRA, 2002, p. 139.
264
MENDES, 1999, p. 130.
107
direção de cada Casa legislativa é eleita pela maioria dos parlamentares
265
. No
entanto, com a ampliação da legitimidade da propositura da ação direta de
inconstitucionalidade aos partidos políticos com representação no Congresso
Nacional, a Constituição de 1988 assegurou também à minoria parlamentar o direito
de suscitar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, ou a omissão de medida
para tornar efetiva norma constitucional, perante o órgão jurisdicional competente. A
outorga do direito de propositura da ação direta aos partidos políticos com
representação no Congresso Nacional permite que um partido com pequena
representação no Legislativo como um partido com apenas um representante um
uma das Casas do Congresso início ao processo de controle concentrado de
constitucionalidade.
266
Conforme ressaltado por Gilmar Ferreira Mendes
267
, em comparação com outras
constituições contemporâneas que asseguram esse direito a um número
determinado de parlamentares, nota-se que o constituinte brasileiro elegeu critério
amplo ao permitir que qualquer partido político com representação no Congresso
Nacional pudesse propor ação direta de inconstitucionalidade. De acordo com o
autor, a provocação do controle de constitucionalidade conferida a um número
determinado de parlamentares é prevista na Constituição Alemã e na Constituição
Austríaca, que outorgam o direito de propositura a um terço dos membros do
Parlamento Nacional; na Constituição portuguesa, que reconhece esse direito a um
décimo dos parlamentares representados na Assembléia da República, e na
Constituição espanhola que confere o direito de propositura a cinqüenta
parlamentares.
Da mesma forma, ao inserir no rol de legitimados as confederações sindicais e as
entidades de classe de âmbito nacional, a Constituição de 1988 possibilitou a
participação de diferentes grupos e categorias de indivíduos no processo de controle
jurisdicional de constitucionalidade.
265
MENDES, 1999, p. 133.
266
Ibid, pp. 133-134.
267
Ibid, p.133, nota 42.
108
Apesar da posição restritiva assumida pelo Supremo Tribunal Federal no que
concerne à definição e à identificação das confederações sindicais e das entidades
de classe de âmbito nacional, o reconhecimento da legitimidade ativa de tais entes
resultou em importante abertura do processo de fiscalização jurisdicional de
constitucionalidade a organizações destinadas à representação de interesses de
determinadas profissões.
A posição restritiva do Supremo Tribunal Federal no tocante ao direito de propositura
de ação direta de inconstitucionalidade por confederações sindicais e entidades de
classe é evidenciada pelo requisito da “pertinência temática”. Apesar da natureza
objetiva do controle de constitucionalidade suscitado via ação direta, o Supremo
Tribunal exige a existência de uma relação de pertinência entre o interesse
defendido pelo legitimado e o objeto da ação. Além dos entes referidos acima, a dita
“pertinência temática” condiciona o exercício da legitimidade ativa no controle
concentrado de constitucionalidade da Mesa da Assembléia Legislativa e do
Governador do Estado.
Pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal observa-se, também, que o
conceito de “entidade de classe” admitido tem sido limitado. A legitimidade da
entidade de classe equivale à da categoria profissional. Não abrange simples
associação de empregados de determinada empresa, deve possuir um grau maior
de representatividade, que alcance a categoria de membros
268
. Além disso, a
entidade de classe deve ser de âmbito nacional, e não estadual
269
. Ademais, pelo
entendimento do Supremo Tribunal Federal não são consideradas entidades de
classe para fins do artigo 103, da Constituição Federal as entidades que congregam
pessoas jurídicas. Apenas as entidades integradas por pessoas físicas “com
identidade de interesses corporativos profissionais”
270
.
268
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade 34-9. Associação dos
Empregados CAEEB ASEC e Presidente da República. Relator: Octavio Gallotti, Brasília, 5 de abril
de 1989. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de julho de 2004.
269
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade 43-8. Associação
Comercial de Porto Alegre e Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Sydney
Sanches, 04 de maio de 1989. Disponível em <www.stf.gov.br
>. Acesso em: 12 de julho de 2004.
270
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade 79-9. Associação
Brasileira de Teleprodutores independentes e outro e Presidente da República e Congresso Nacional.
109
No que se refere às confederações sindicais, fixou o Supremo Tribunal Federal o
entendimento de que não se incluem nestas as federações sindicais
271
. O conceito
de confederação adotado por este tribunal segue a regulamentação conferida pelo
artigo 535, da Consolidação das Leis Trabalhistas, que exige que sejam constituídas
de no mínimo três federações e tenham sede na Capital da República.
Conforme já assinalado, embora o Supremo Tribunal Federal venha admitindo certas
restrições quanto à definição e à identificação das confederações sindicais e das
entidades de classe de âmbito nacional, o se pode deixar de reconhecer a
abertura conferida ao controle abstrato de constitucionalidade, possibilitando-se a
participação neste processo de organizações destinadas à representação de
interesses de determinadas profissões.
Além disso, no que concerne ao controle concreto de constitucionalidade, é possível
vislumbrar no mandado de injunção coletivo mais um instrumento de expressão de
certas categorias de indivíduos sem representação.
A respeito da legitimidade ativa para impetração de mandado de injunção, o
Supremo Tribunal Federal
272
reconheceu o direito de propositura a partido político
com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe
ou de associação legalmente constituída e em funcionamento pelo menos um
ano, interpretando sistematicamente os dispositivos que tratam do mandado de
injunção e do mandado de segurança coletivo (artigo , incisos LXX e LXXI, da
Constituição Federal).
Relator: Celso de Mello, 13 de abril de 1993. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de julho
de 2004.
271
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ão direta de inconstitucionalidade 505-7. Confederação
Nacional dos Empregados nas Empresas de Geração, Transmissão e Distribuição de Eletricidade e
Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Moreira Alves, 20 de junho de 1990.
Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de julho de 2004.
272
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 361-1. Sindicato das Microempresas e
Empresas de Pequeno Porte do Comércio do Estado do Rio de Janeiro e Congresso Nacional.
Relator: Sepúlveda Pertence, 08 de abril de 1994. Disponível em <www.stf.gov.br
>. Acesso em: 12 de
julho de 2004.
110
Como visto, partindo-se da concepção da sociedade brasileira como uma sociedade
pluralista, é possível conceber o controle de constitucionalidade brasileiro como
expressão do exercício da função jurisdicional legitimada democraticamente.
A “Constituição Cidadã” configurou a jurisdição constitucional como mais um canal
aberto à participação de diferentes grupos e, reconhecendo a multiplicidade de
identidades sociais, inclusive das minorias, aprimorou o sistema democrático
brasileiro.
4.2.1.3 A configuração do Judiciário brasileiro como instância argumentativa
Sob outro aspecto, é possível avaliar a legitimidade democrática do controle
jurisdicional de constitucionalidade de acordo com a possibilidade de discussão e de
argumentação das questões constitucionais por toda a sociedade. Neste caso,
cumpre-se analisar se a configuração do Judiciário brasileiro permite a instauração
de um processo de reflexão entre a coletividade, o legislador e os juízes, de forma a
tornar aberto o processo de formação da vontade do Estado, inclusive no que tange
ao controle de constitucionalidade.
A exigência de fundamentação e de publicidade dos atos e das decisões judiciais
previstas no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal é um dos fatores que
tornam o processo judicial um processo deliberativo, possibilitando a discussão da
matéria não só pelas partes, mas também por toda a sociedade.
Na lição de J.J. Gomes Canotilho
273
, a exigência de fundamentação das decisões
judiciais radica na exclusão do caráter voluntarístico e subjetivo do exercício da
atividade jurisdicional e na abertura do conhecimento da racionalidade e coerência
argumentativa dos juízes.
273
CANOTILHO, 1998, p. 621.
111
Como a decisão judicial não decorre da mera aplicação mecânica do direito, é
preciso justificar as escolhas que fundamentam determinada sentença. A
argumentação característica do processo jurisdicional traduz-se, sem dúvidas, em
elemento democratizante do Judiciário.
Na visão de Cândido Rangel Dinamarco
274
, a motivação consiste na prestação de
contas do magistrado, que confere racionalismo e legitimidade à decisão prolatada.
Se a regra do livre convencimento possibilita ao magistrado valorar os elementos
probatórios do processo e se a ampla independência funcional do juiz deixa-o livre
para tomar suas próprias decisões, sem imposição nem interferências de outras
pessoas ou de outros órgãos, o princípio da motivação impõe limites à atividade
jurisdicional.
No caso do controle abstrato de constitucionalidade, a exigência de motivação torna-
se ainda mais importante, pois embora o tribunal esteja vinculado ao pedido
elaborado na petição inicial, não está vinculado à causa de pedir. A objetividade do
controle abstrato permite que a Corte Suprema não fique adstrita às razões jurídicas
invocadas pelo autor, cabendo-lhe examinar a constitucionalidade das normas
suscitadas em face de toda a Constituição Federal. A esse respeito observa
Clemerson Merlin Clève
275
:
[...], encontra-se o Supremo Tribunal Federal condicionado pelo pedido, mas
não pela causa de pedir. Ou seja, não constituindo ‘processo inquisitivo’,
mas sim ‘processo objetivo’, não pode o Supremo Tribunal Federal iniciar ex
officio o processo constitucional (nemo iudex sine actore; ubi non est actio
ibi non est jurisdictio). Todavia, uma vez provocado, embora não possa
ampliar o pedido, ‘que assim, se restringe ao exame dos dispositivos
invocados (ou de parte deles) impugnados pelo Procurador-Geral da
República e, igualmente, não pode alcançar outra lei ou correlata igual à
sob exame —, não está, porém, a Corte adstrita à fundamentação jurídica
por ele invocada, cabendo-lhe, pois examinar a constitucionalidade das
normas atacadas em face de toda a Constituição Federal’.
Outro fator que demonstra que a jurisdição constitucional brasileira facilita a
instauração do processo deliberativo reside na disseminação das vias de acesso ao
Judiciário, verificada principalmente após a Constituição de 1988.
274
DINAMARCO, 2003, p. 241.
275
CLÈVE, 1995, pp. 116-117.
112
O controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro, sob a configuração mista,
continuou admitindo que fosse suscitada inconstitucionalidade incidentalmente e, na
hipótese de ação direta de inconstitucionalidade, atribui competência não ao
Supremo Tribunal Federal como também aos Tribunais de Justiça estaduais. Ao
Supremo Tribunal cumpre processar e julgar originariamente a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da
Constituição Federal; enquanto aos Tribunais de Justiça dos Estados-membros
compete julgar as ações diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos
estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.
Como o concentração das decisões num único órgão, cria-se a possibilidade
do surgimento de diferentes focos de discussão. A deliberação sobre as questões
constitucionais decididas pelos órgãos jurisdicionais passa, gradativamente, a tornar-
se também objeto de discussão da opinião pública.
Ao lado de Marcelo Andrade Cattoni
276
, entendemos que a pluralidade das
interpretações, o jogo dos argumentos e até mesmo a diferença entre as decisões
fazem parte de uma sociedade democrática, em que o pluralismo jurídico é
assumido pela própria ordem constitucional.
Disso decorre, conseqüentemente, uma maior aproximação entre Judiciário e
opinião pública. A publicidade, motivação e a disseminação das vias de acesso ao
Judiciário demonstram, portanto, a título exemplificativo, que é possível imprimir
caráter democrático ao controle jurisdicional de constitucionalidade.
4.2.1.4 A abertura procedimental do controle concentrado de constitucionalidade e a
Lei 9.868/99
276
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e Estado democrático de
direito: três ensaios críticos. Disponível em: <www.fnd.pucminas.br>. Acesso em: 12 jul. 2004.
113
A aplicação das normas, no contexto do Estado de direito que se pretende
democrático, depende da participação dos cidadãos. É a cidadania participativa que
serve de fundamento e legitimação do poder estatal; que se adequa à concepção
pluralista da sociedade e que permite uma maior aproximação entre a Constituição e
a realidade vivenciada pelos destinatários da norma constitucional.
No entanto, a proposta de ampla participação dos cidadãos no processo
interpretativo implica também na necessidade de adequação dos instrumentos
processuais. Os instrumentos de informação dos juízes constitucionais devem ser
ampliados e aperfeiçoados, especialmente no que se refere às formas de
participação.
277
No Brasil, a abertura do processo de interpretação constitucional teve seu impulso
inicial com a ampliação do rol de legitimados à propositura da ação direta de
inconstitucionalidade.
Nesta mesma perspectiva, isto é, partindo-se da idéia de abertura da interpretação
constitucional, foi elaborado o Projeto de Lei nº 2.960 de 1997, por uma comissão de
juristas. A comissão foi criada com a incumbência de formular estudos para a
reforma de leis que dispõem sobre ação popular, ação civil pública, mandado de
segurança, e representação interventiva, assim como para elaborar projetos de lei
sobre mandado de injunção, habeas data, ação direta de inconstitucionalidade e
ação declaratória de constitucionalidade. Participaram da referida comissão os
juristas Ada Pelegrini Grinover, Álvaro Villaça de Azevedo, Antonio Herman
Vasconcelos Benjamin, Carlos Alberto Direito, Gilmar Ferreira Mendes, Jamyr
Dall’Agnol, Luís Roberto Barroso, Manoel André da Rocha, Roberto Rosas e Ruy
Rosado de Aguiar Junior, sob a presidência do professor Caio Tácito
278
. Embora o
referido projeto não tenha sido aprovado na íntegra, foi convertido na Lei nº 9.868/99
que alterou o processo da ação direta de inconstitucionalidade e da ação
declaratória de constitucionalidade.
277
HÄBERLE, 1997, pp. 46-47.
278
COELHO, 1998, p. 129.
114
Dentre os avanços promovidos pela edição da Lei nº 9.868/99, destacamos os
dispositivos relacionados à abertura do processo de interpretação constitucional, no
sentido conferido por Häberle.
Em relação ao elenco de legitimados para propositura de ação direta de
inconstitucionalidade, a Lei 9.868/99 reproduz o rol estabelecido no artigo 103 da
Constituição de 1988, acrescentando a este, porém, a Câmara Legislativa e o
Governador do Distrito Federal. A ampliação do número de legitimados registrada no
artigo 2º homenageia o princípio federativo e representa também adequação à
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, reconhecendo ser o Distrito
Federal um ente anômalo da federação que conjuga competências reservadas aos
Estados e Municípios, admitiu a propositura de ação direta pelo Governador do
Distrito Federal.
A participação no processo de controle de constitucionalidade restou fortalecida
também com a possibilidade de qualquer órgão ou entidade se manifestar no
processo, na condição de amicus curiae. Na lição de Steven H. Gifis, citado por
Gustavo Binenbojm
279
:
Amicus curiae é o ‘amigo da Corte’, aquele que lhe presta informações
sobre matéria de direito, objeto da controvérsia. Sua função é chamar a
atenção dos julgadores para alguma matéria que poderia, de outra forma,
escapar-lhe ao conhecimento. Um memorial de amicus curiae é produzido,
assim, por quem não é parte do processo, com vistas a auxiliar a Corte para
que esta possa proferir uma decisão acertada, ou com vistas a sustentar
determinada tese jurídica em defesa de interesses públicos ou privados de
terceiros, que serão indiretamente afetados pelo desfecho em questão.
O artigo 7º, da referida lei, dispõe que não se admitirá intervenção de terceiros no
processo de ação direta de inconstitucionalidade, mas prevê, em seguida, a
possibilidade do relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, admitir, por despacho irrecorrível, observado o prazo fixado no
parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
A proibição da intervenção de terceiros contraposta à permissão da intervenção de
interessados trouxe à lume a diferença entre uma intervenção subjetiva
279
BINENBOJM, 2001, p. 155, nota 295.
115
inadmissível por não existirem partes litigando em defesa de um direito subjetivo
concreto no controle abstrato de constitucionalidade e uma intervenção objetiva
que está condicionada por lei à avaliação pelo relator da relevância da matéria e da
representatividade dos postulantes.
Ao analisar a regra contida no parágrafo segundo do artigo 7º, da Lei 9.868/99,
afirma Walter Claudius Rothenburg
280
:
Trata-se — como esclarece a Exposição de Motivos nº 189, de 7 de abril de
1997, que acompanha o anteprojeto de lei original da positivação da
‘figura do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade’.
Poder-se-ia falar, assim, em uma intervenção de interessados (admitida),
por oposição à intervenção de terceiros (não admitida), embora
reconhecendo a limitação da linguagem, pois é sabido que os terceiros que
pretendem intervir são, na verdade, interessados; o que se quer acentuar é
a distinção entre uma intervenção subjetiva (não admitida no controle
abstrato de normas) e uma intervenção objetiva (admitida).
Nota-se, assim, que o legislador trouxe inovação benéfica ao controle de
constitucionalidade brasileiro, possibilitando a participação no processo decisório de
outras instituições ou órgãos interessados, legitimados ou não para a propositura da
ação direta de inconstitucionalidade. Na opinião de Inocêncio Mártires Coelho
281
:
Admitida, pela forma indicada, a presença do amicus curiae no processo de
controle de constitucionalidade, não apenas se reitera a impessoalidade da
questão constitucional, como também se evidencia que o deslinde desse
tipo de controvérsia interessa objetivamente a todos os indivíduos e grupos
sociais, até porque ao esclarecer o sentido da Carta Política, as cortes
constitucionais, de certa maneira, acabam reescrevendo as constituições.
A mesma lógica, aliás, foi seguida na redação do artigo e artigo 20, da Lei
9.868/99, que possibilitam ao relator — tanto na ação direta de inconstitucionalidade,
quanto na ação declaratória de constitucionalidade requisitar informações
adicionais; designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a
questão; ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria ou,
ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos
Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua
jurisdição.
280
ROTHENBURG, 2002, p. 276.
281
COELHO, 1998, p. 133.
116
A inovação é louvável por possibilitar que o Supremo Tribunal reúna informações
suficientes para que tenha conhecimento do caso sob julgamento, bem como da
amplitude e dos efeitos da decisão que será prolatada. É louvável também por
desmistificar a idéia de que o controle de constitucionalidade implica numa
apreciação exclusivamente jurídica pelo tribunal.
A possibilidade de produção de prova pericial ou de ser determinada a oitiva de
depoimentos e pessoas com experiência e autoridade na matéria deixa clara a
necessidade de serem conhecidas as situações concretas sujeitas à incidência da
norma cuja constitucionalidade é questionada. Ressalta-se, com isso, a importância
da interpretação aliada à realidade constitucional.
A abertura à instrução probatória no controle abstrato de constitucionalidade
evidencia o condicionamento recíproco entre o ser e o dever-ser, entre a
“Constituição real” e a “Constituição jurídica”. Traduz-se no reconhecimento de que
“A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade
282
.
Além disso, significa a superação da idéia de que o controle abstrato de
constitucionalidade não comportaria dilação probatória.
Nos Estados Unidos, desde 1908, com o caso Muller versus Oregon, foi
desmistificada a concepção dominante, segundo a qual a questão constitucional
configurava simples “questão jurídica”, tendo sido utilizado pelo advogado Louis D.
Brandeis memorial contendo duas páginas dedicadas às questões jurídicas e outras
110 voltadas para os efeitos da longa duração do trabalho sobre a situação da
mulher. Na Alemanha, a revisão de fato e prognoses legislativos vem sendo
discutida desde 1968, com a apresentação de projeto de lei sobre a matéria que
sequer chegou a ser aprovado. Enquanto no Brasil, apenas recentemente a doutrina
e a jurisprudência têm atentado para a importância da apreciação de dados da
realidade pela jurisdição constitucional.
283
282
HESSE, 1991, p.14.
283
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: hermenêutica constitucional e revisão
de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial. Revista de direito constitucional e
internacional. São Paulo, ano 8, n. 31, abr./jun. 2000, pp. 99-100.
117
Por outro lado, foi dada oportunidade ao relator de solicitar informações aos
Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da
aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição. A inovação deve ser
aplaudida pois reveste o Supremo Tribunal Federal do espírito democrático,
aproximando-o dos demais magistrados do país.
Enfim, embora a Lei 9.868/99 tenha sido aprovada apenas em parte, tendo sido
vetados inúmeros dispositivos importantes como o parágrafo primeiro do artigo
e do artigo 18 do Projeto, que ensejavam aos entes e órgãos legitimados para
propor ação direta de inconstitucionalidade o direito de manifestação por escrito, de
requerer a juntada de documentos reputados úteis, bem como apresentar
memoriais, ou ainda, o parágrafo único do artigo , que restringia a exigência da
“pertinência temática às confederações sindicais e às entidades de classe de
âmbito nacional, incluindo-se nestas agremiações as federações sindicais não se
pode negar que representou um significativo avanço na democratização do controle
jurisdicional de constitucionalidade brasileiro.
É cil observar, a partir dos dispositivos legais comentados, o propósito de conferir
maior abertura aos processos concernentes a ações direta de inconstitucionalidade
e declaratória de constitucionalidade; de serem reforçados os instrumentos de
informação dos juízes, assegurando-se, paralelamente novas formas de
participação.
Todas essas medidas, por sua vez, legitimam o exercício da fiscalização da
constitucionalidade pelos órgãos jurisdicionais. Na perspectiva da democracia
participativa, legitima-se o exercício da competência atribuída aos juízes e tribunais,
em especial ao Supremo Tribunal Federal.
Aliás, a proposta de adequação do processo a fim de assegurar maior participação
da sociedade coincide com a visão de Peter Häberle. Para ele, a sociedade aberta
dos intérpretes da constituição resulta na ampliação e aperfeiçoamento dos
instrumentos de informação dos juízes constitucionais (especialmente nas
audiências e intervenções), motivo pelo qual devem ser desenvolvidas novas formas
de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido
118
amplo da Constituição. Desta forma, “O direito processual constitucional torna-se
parte do direito de participação democrática”
284
.
4.2.1.5 A ampliação dos instrumentos de controle de constitucionalidade e a tutela
dos direitos fundamentais
Em matéria de direitos e garantias fundamentais a Constituição de 1988 ofereceu
tratamento especial. Além de transportá-los aos primeiros capítulos do texto, cuidou
de inserir nesta categoria os direitos sociais e políticos, estendendo esse rol, ainda,
a outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela
Constituição, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte.
285
Especificamente no que tange às garantias constitucionais, a Carta de 1988 inseriu
algumas inovações, ampliando o rol de instrumentos de tutela dos direitos
fundamentais. Tal aspecto não escapou à observação do mestre Paulo
Bonavides
286
: “A Constituição de 5 de outubro de 1988 foi de todas as Constituições
brasileiras aquela que mais procurou inovar tecnicamente em matéria de proteção
aos direitos fundamentais”.
287
A extensão do rol de garantias constitucionais reflete também a ampliação da
competência do Judiciário na guarda da Constituição. A jurisdição constitucional
brasileira, após 1988, avançou sobre a tutela dos direitos fundamentais, adquirindo
cada vez mais expressão ante os demais órgãos (Legislativo e Executivo).
284
HÄBERLE, 1997, p. 48
285
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 13.
286
BONAVIDES, Curso de direito constitucional, 2003, p. 547.
287
É importante notar que os direitos e as garantias não se confundem. Na esteira dos ensinamentos
de Paulo Bonavides, é possível afirmar que a garantia constitucional é o meio de defesa que se
coloca diante do direito; a garantia serve à realização do direito.
119
Para Jorge Miranda
288
, com a Constituição de 1988, o sistema brasileiro foi
aperfeiçoado com os novos institutos de controle de constitucionalidade,
compreendendo hoje um acervo de garantia de constitucionalidade quase sem
paralelo em outros sistemas.
Além da fiscalização difusa realizada por qualquer juiz ou tribunal, do recurso
extraordinário que permite ao Supremo Tribunal Federal julgar matéria constitucional
suscitada em casos concretos e da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, a Constituição de 1988 inovou criando a ação de inconstitucionalidade
por omissão, o mandado de injunção e a argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
Preocupando-se com a efetividade dos seus preceitos, a constituição vigente
introduziu dois mecanismos de controle da omissão do poder público. O primeiro
deles, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, está regulado pelo
parágrafo segundo, do artigo 103, da Constituição de 1988
289
que assim dispõe:
§2º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva
norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo
em trinta dias.
Embora se reconheça a importância da introdução desse instrumento no sistema
constitucional brasileiro, pelo referido dispositivo é possível observar a timidez do
constituinte na regulamentação dos efeitos da decisão. Em caso de omissão
atribuída ao legislador, a norma constitucional dispõe que o tribunal declarará a
inconstitucionalidade e apenas dará ciência ao órgão para que supra a referida
omissão. Sendo o órgão administrativo responsável pela prática do ato, o
constituinte possibilitou a fixação de prazo de 30 (trinta) dias para adoção das
providências necessárias. Nota-se, assim, que além de declarar a
inconstitucionalidade, a decisão do Supremo Tribunal Federal possui também
natureza mandamental, que determina a adoção das providências necessárias,
sendo que esse efeito mandamental é mais acentuado em relação ao órgão
288
MIRANDA, 2001, pp. 113-114.
289
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 79.
120
administrativo
290
. Contudo, é perfeitamente possível que subsista a omissão
inconstitucional, se descumprida a ordem judicial, que não foi conferida
competência ao Judiciário para suprir a omissão por decisão judicial normativa.
Além da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o constituinte criou ainda
o mandado de injunção, mecanismo de controle difuso de constitucionalidade contra
a omissão do poder público que torne inviável o exercício dos direitos e das
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania.
Mecanismo sem precedentes no direito comparado, o mandado de injunção constitui
arma importante na luta pela defesa dos direitos fundamentais, principalmente por
constituir instrumento de controle difuso de constitucionalidade e por não restringir a
legitimidade ativa a um rol específico de autoridades. Consoante os ensinamentos
de Clèmerson Merlin Clève
291
, dispõe de legitimidade ativa qualquer indivíduo
detentor de direito (em sentido amplo) conferido pela Constituição e cujo exercício
tenha sido inviabilizado pela falta de norma regulamentadora. Além disso, é possível
ainda o ajuizamento de mandado de injunção por entes coletivos, como organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída
292
.
A argüição de descumprimento de preceito fundamental foi outra novidade inserida
no texto de 1988. Dependente de regulamentação infraconstitucional, este novo
instrumento, que reforça o controle concentrado de constitucionalidade, teve seus
delineamentos traçados apenas em 1999, pela Lei 9.882. De acordo com And
Ramos Tavares
293
, em estudo aprofundado sobre o tema:
A argüição de descumprimento de preceito fundamental é uma garantia de
berço magno, de natureza processual, que visa a obediência devida às
regras e princípios constitucionais que, sendo considerados fundamentais,
290
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 1998, pp. 57-58.
291
CLÈVE, 1995, 251.
292
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de injunção. SIMPEC RJ - Sindicato das
microempresas e empresas de pequeno porte do comércio do Estado do Rio de Janeiro e Congresso
Nacional. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Brasília, 17 mar. 1994. Disponível em
<www.stf.gov.br
>. Acesso em: 08 de julho de 2004.
293
TAVARES, André Ramos. Tratado da argüição de preceito fundamental. Lei n. 9.868/99 e Lei
n. 9.882/99. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 85.
121
estavam, de muito, dentro de um quadro evolutivo, a demandar um
mecanismo próprio para tanto.
A Lei 9.822 criou uma nova ação constitucional ao estabelecer, em seu o artigo 1º, o
ajuizamento da argüição perante o Supremo Tribunal Federal, tendo por objeto
evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
No entanto, possibilitou que a argüição também fosse suscitada incidentalmente, ao
estabelecer, em seguida, o cabimento da argüição de descumprimento de preceito
fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre
lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à
Constituição (artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei 9.882/99).
Na opinião de Lênio Luiz Streck
294
, a argüição de descumprimento de preceito
fundamental abrange a ambivalência própria do sistema misto de controle de
constitucionalidade vigorante no Brasil, isto é, ao mesmo tempo em que é uma ação
autônoma, é também um mecanismo apto a provocar incidentalmente a fiscalização
da constitucionalidade.
A propositura da ação é restrita ao rol de legitimados para a ação direta de
inconstitucionalidade. Caso o descumprimento de preceito fundamental seja
suscitado incidentalmente, faculta-se ao interessado solicitar a propositura de
argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da
República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do
cabimento do seu ingresso em juízo.
É importante notar que o dispositivo constante do projeto de lei que permitia ao
cidadão ingressar diretamente com a argüição de descumprimento de preceito
fundamental perante o Supremo Tribunal Federal foi vetado pelo Presidente da
República. Considerando inconstitucional a restrição do acesso dos cidadãos à
tutela dos direitos fundamentais, o veto presidencial foi duramente criticado por
alguns doutrinadores.
295
296
294
STRECK, nio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 644.
295
TAVARES, 2001, p. 406.
122
Apesar de não restar expressa na Lei n. 9.882/99 a possibilidade de acesso direto
do cidadão ao Supremo Tribunal Federal, por meio da argüição de descumprimento
de preceito fundamental, não se pode deixar de reconhecer que o novo instrumento
reforçou o sistema de defesa dos direitos fundamentais.
Com a implantação recente desse novo remédio, além dos atos normativos, passa a
submeter-se a controle qualquer ato do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do
Ministério Público e dos Tribunais de Contas que importe lesão ou ameaça a
preceito fundamental da constituição. Além disso, dentre os atos normativos, torna-
se possível o controle de atos de natureza federal, estadual ou municipal.
De acordo com André Ramos Tavares
297
, a argüição insere-se no contexto de
autogarantia constitucional, confiando ao órgão jurisdicional proteção mais intensa a
um determinado conjunto de preceitos (os de cunho fundamental) integrantes da
Constituição.
Enfim, como se observa, é possível detectar a atuação da jurisdição constitucional
não só na tutela da regularidade constitucional do exercício ou atividades dos órgãos
constitucionais, mas também na tutela dos direitos fundamentais.
O ordenamento constitucional brasileiro, principalmente após a Carta de 1988,
fornece exemplos claros de que o controle de constitucionalidade alia-se à proteção
desses direitos. Os exemplos acima citados a ação de inconstitucionalidade por
omissão, o mandado de injunção e a argüição de descumprimento de preceito
fundamental representam novas vias abertas pelo constituinte de acesso à
justiça, em especial, à jurisdição constitucional.
A ampliação dos mecanismos de acesso à justiça, nesse passo, assume
fundamental importância, que o Judiciário atua quando provocado. E tratando-se
da legitimidade democrática do Judiciário, é importante registrar que a
democratização desse órgão passa também, e principalmente, pela facilitação do
acesso ao maior número possível de cidadãos.
296
STRECK, 2002, pp. 639-640.
297
TAVARES, 2001, p. 85.
123
Segundo André Ramos Tavares
298
, assegurando-se o acesso do cidadão,
principalmente em casos que envolvam direitos fundamentais, assegura-se maior
democraticidade do controle de constitucionalidade e, por conseqüência, adquire o
Tribunal uma maior legitimidade.
Nesta ordem de idéias defende Aroldo Plínio Gonçalves
299
que “A aristocratização
do Direito não está, [...], no Judiciário, como nele não está o conservantismo que
alguns hoje lhe imputam”. Para o autor:
Ele é um Poder que atenderá aos clamores que irrompem da sociedade se
esta se fizer presente. Nenhum outro poder, para se manifestar na ação,
necessita tanto como o Judiciário da conscientização do povo sobre seus
direitos e sobre a necessidade de resguardá-los. A via de acesso ao
Judiciário é a via técnica do processo, mas é também, o crescimento da
consciência da nação de que direitos ameaçados ou lesados serão objeto
de proteção. Essa via é, sobretudo, a consciência da sociedade de que a
proteção a direitos tem de ser reivindicada, porque o Judiciário não pode
atuar de ofício. Se os direitos não forem reclamados por seus titulares, não
há sequer possibilidade do próprio exercício da função jurisdicional.
Sob esse aspecto, o exercício do controle de constitucionalidade se torna
imprescindível à realização do Estado constitucional e democrático. Aliás, se a
democracia se realiza com a observância dos direitos prescritos na Carta Maior, não
se pode questionar a legitimidade democrática dos órgãos jurisdicionais incumbidos
da fiscalização da constitucionalidade e comprometidos com a tutela dos direitos
fundamentais.
298
TAVARES, André Ramos. Tribunal e jurisdição constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 1998.
p. 87.
299
GONÇALVES, 1994, p. 95.
124
5 CONCLUSÕES
Com o objetivo de cotejar o controle jurisdicional de constitucionalidade com a noção
de democracia participativa, foram desenvolvidas, ao longo deste trabalho, algumas
idéias centrais que, a título conclusivo, seguem abaixo indicadas.
Num Estado Democrático de Direito, a defesa de um controle jurisdicional de
constitucionalidade amplo e efetivo pressupõe a independência do órgão
responsável pelo julgamento. Como os órgãos jurisdicionais possuem um regime
jurídico específico que lhes garante o exercício de suas funções, de forma
independente além de serem amparados pelos princípios constitucionais do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa constata-se que o
modelo jurisdicional de controle de constitucionalidade é o mais adequado aos
Estados que consagram a democracia e a supremacia da Constituição como
preceitos fundamentais.
A relação entre jurisdição constitucional e democracia, no entanto, é alvo de críticas.
Partindo-se da premissa de que a democracia sustenta-se na existência de
representantes eleitos e no princípio da maioria em geral, identificado com a
maioria parlamentar o controle jurisdicional de constitucionalidade assume feição
antidemocrática.
Tal concepção de democracia foi superada não pelo advento do Estado
Constitucional, mas também pela evolução do direito de participação política.
Cumpre, dessa forma, compreender a jurisdição constitucional no contexto de um
Estado democrático participativo, baseado na supremacia e na força normativa da
Constituição, bem como na concepção de democracia semidireta ou participativa.
Partindo dessas considerações, foram analisados alguns aspectos sobre a
legitimidade democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade.
O primeiro deles diz respeito à legitimidade de origem, isto é, à forma de investidura
no cargo. Uma análise comparativa entre os modelos de controle de
constitucionalidade de diversos países mostra que a designação dos membros dos
125
Tribunais Constitucionais é submetida a critérios diferenciados, sendo normalmente
atribuída a nomeação dos membros a agentes políticos eleitos pelo povo. A
peculiaridade da forma de investidura desses juízes, portanto, não retira a
representatividade desses órgãos, escolhidos por voto popular, ainda que
indiretamente.
Além da legitimidade de origem, a jurisdição constitucional se fundamenta também
no exercício da função. Considerando a democracia como regime fundado na
representação política e também na participação direta dos cidadãos, constata-se
que a realização da democracia, no âmbito da jurisdição constitucional, depende não
da forma de provimento do cargo, mas também, e principalmente, da prática
judiciária. Por isso, a legitimidade democrática do controle jurisdicional pode ser
interpretada também de acordo com: (i) a garantia de participação das minorias no
processo político, em observância às regras do jogo democrático; (ii) a instauração
do processo deliberativo, em que se propicia o debate sobre as questões
constitucionais; (iii) a ampliação do acesso à justiça, que está relacionada à abertura
do processo de interpretação e de controle da Constituição à participação de
indivíduos e grupos distintos, e, por fim, (iv) a tutela dos direitos fundamentais.
No tocante ao controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro, embora a
legitimidade democrática do controle exercido pelo Supremo Tribunal Federal venha
sendo contestada pela doutrina, em razão da forma de designação dos membros
deste tribunal, não se pode deixar de reconhecer que algumas alterações
promovidas pela Constituição de 1988 e pela legislação infraconstitucional
imprimiram nova feição ao sistema vigente.
Sob o parâmetro da democracia participativa, e considerando-se que a análise dos
critérios de seleção de magistrados é insuficiente para aferir a legitimidade
democrática do controle jurisdicional, foram identificados, a título exemplificativo,
outros aspectos que permitem justificar a posição do Judiciário como guardião da
Constituição.
Em primeiro lugar, é possível apontar a ampliação do rol de legitimados ativos para
propositura da ação direta de inconstitucionalidade e a admissão pelo Supremo
126
Tribunal Federal de mandado de injunção coletivo como fórmulas de conferir maior
abertura do processo de defesa da Constituição às minorias.
Em segundo lugar, nota-se que a exigência de publicidade e de motivação das
sentenças judiciais e a permissão da instauração do controle abstrato de
constitucionalidade no âmbito estadual incentivam a instauração do processo
deliberativo, de argumentação sobre as questões constitucionais.
Em terceiro lugar, constata-se que a abertura no procedimento de controle
concentrado de constitucionalidade, promovida principalmente pela Lei 9.868/90,
alia-se também à idéia da ampliação da participação na interpretação da
Constituição.
Por fim, a legitimidade democrática decorrente da ampliação dos mecanismos de
tutela dos direitos, pode ser constatada no sistema brasileiro pelo surgimento da
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, do mandado de injunção e da
ação de descumprimento de preceito fundamental.
Apesar da posição restritiva assumida pelo Supremo Tribunal Federal em relação a
determinadas matérias e apesar da lentidão das conquistas em sede de controle de
constitucionalidade, marcadas ora por avanços, ora por retrocessos, não se pode
negar que a nova jurisdição constitucional brasileira alia-se à concepção de
democracia participativa em defesa da força normativa e da supremacia da
Constituição.
127
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