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UIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JAEIRO
Programa de Pós-graduação em História Social – PPGHIS
Andreas Valentin
Os “Indianer” na fotografia amazônica
de George Huebner
(1885-1910)
Rio de Janeiro
2009
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II
Andreas Valentin
Os “Indianer” na fotografia amazônica
de George Huebner
(1885-1910)
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em História Social – PPGHIS
da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
na linha de pesquisa “Sociedade e Cultura”
como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Doutor em História
Orientadora: Profa. Dra. Andrea Daher
Rio de Janeiro
2009
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III
Andreas Valentin
Os “Indianer” na fotografia amazônica de George Huebner (1885-1910)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social – PPGHIS
da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO na linha de pesquisa “Sociedade e
Cultura” como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História.
Rio de Janeiro,
Aprovada por:
_______________________________
Profa. Dra. Andrea Daher, UFRJ / Programa de Pós-graduação em História Social
Orientadora
_______________________________
Prof. Dr. Manoel de Oliveira Salgado, UFRJ / Programa de Pós-graduação em História Social
_______________________________
Profa. Dra. Ana Maria Daou, UFRJ / Instituto de Geociências, Departamento de Geografia
_______________________________
Profa. Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, UFRJ / Departamento de
Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
_______________________________
Profa. Dra. Lygia Segala, UFF / Programa de Pós-graduação em Antropologia e Ciência
Política.
IV
Valentin, Andreas
Os “Indianer” na fotografia amazônica de George Huebner (1885-
1910) / Andreas Valentin. Rio de Janeiro: UFRJ / PPGHIS, 2009.
xii, 297 f. : il. ; 29,7 cm.
Orientadora: Profa. Dra. Andrea Daher
Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Programa de Pós-graduação em História Social, 2009.
1. George Huebner 2. Fotografia 3. Theodor Koch-Grünberg
4. Representação do índio 5. Tese. I. Daher, Andrea.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, IFCS, PPGHIS. III.Título.
V
À memória de meus antepassados
e de meus pais, Gerli e Judy,
alemães brasileiros.
Ao amor de minha linda, Katia.
VI
Agradecimentos
Esta pesquisa jamais se realizaria sem o apoio, o incentivo, a crítica, a amizade, a
solidariedade e o carinho das pessoas que estiveram à minha volta durante os mais de quatro
anos nos quais me dediquei à produção deste trabalho.
Agradeço, inicialmente, à Profa. Andrea Daher, minha orientadora, que me incentivou a levar
adiante este projeto, apoiando-o e contribuindo com valiosas críticas e recomendações ao
longo de sua trajetória.
Da mesma forma, à Profa. Ana Maria Daou, co-orientadora, que me apontou caminhos e abriu
seu arquivo pessoal de fontes primárias.
Ao Prof. Manoel Salgado, de quem recebi preciosas sugestões que enriqueceram a pesquisa e
a estrutura do trabalho.
À Profa. Maria Laura Cavalcanti, com quem inicialmente discuti o projeto e me indicou
possíveis espaços e trajetórias para sua realização.
À Profa. Lygia Segala, cujos seminários enriqueceram meu conhecimento e de quem,
também, recebi críticas e sugestões.
Ao meu caro Daniel Schoepf com quem me comuniquei durante toda a pesquisa, que me
abriu suas fontes e me acolheu em sua residência em Genebra.
Ao meu amigo Luiz Carlos Joels que comentou e criticou a escrita.
No Rio de Janeiro, sou agradecido a Sergio Burgi, diretor do Instituto Moreira Salles, onde
consultei fotografias de George Huebner e de quem recebi detalhadas informações técnicas e
históricas.
A Elysio Belchior que me permitiu vasculhar seu acervo de cartões-postais e de quem,
também, obtive orientações sobre esse suporte.
Ao antropólogo Wallace de Deus Barbosa e à antropóloga Fátima Regina Nunes Nascimento
que me auxiliaram na interpretação de algumas das imagens de indígenas.
A Francisca Helena Araújo, da Biblioteca Nacional, que me possibilitou pesquisar naquela
instituição.
VII
A Eduardo Thiele, da FIOCRUZ, que me disponibilizou o acervo iconográfico daquela
instituição.
A Jose Americo Peret que me forneceu valiosas informações.
E aos meus colegas fotógrafos-pesquisadores Alcyr Cavalcanti, Antonio Fatorelli, Fernando
de Tacca, Joaquim Marçal, Marcia Mello, Milton Guran, Nadja Peregrino, Pedro Vasquez,
Ricardo de Hollanda e Zeca Linhares.
Em Manaus, agradeço ao Secretário de Cultura do Amazonas, Robério Braga, que viabilizou
uma viagem de pesquisa e dividiu comigo seu conhecimento do tema.
A Joaquim Marinho, que me abriu seu acervo de cartões postais.
A Abrahim Baze, Marlúcia Bentes e Tatiane Cruz, do Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas; a Antonio Auzier e demais funcionários do Centro Cultural Povos da Amazônia; a
Ângela Panzu, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia; ao Museu Amazônico da
Universidade Federal do Amazonas; ao Museu da Imagem e do Som do Amazonas em
cujos acervos e bibliotecas obtive informações fundamentais para a pesquisa.
Aos pesquisadores Renan Freitas Pinto e Selda Vale, da Universidade Federal do Amazonas.
A Vera Lúcia Ferreira, por sua entrevista e amizade de longa data.
Às arquitetas Ana Lucia Abrahim e à Elizabeth Chaves, do Projeto de Revitalização do
Centro Antigo de Manaus.
Aos Senadores do Amazonas João Pedro Gonçalves e Arthur Virgílio Neto e, in memoriam,
ao Senador Jefferson Peres, que, de formas diversas, incentivaram este projeto.
E a Tenório Telles, da Editora Valer, por ter me indicado e disponibilizado fontes de consulta.
Em Marburg, ao Prof. Mark Muenzel, à época diretor do Departamento de Antropologia da
Universidade Philipps-Marburg, que me possibilitou o acesso ao acervo de Theodor Koch-
Grünberg; ao pesquisador Michael Kraus que dividiu comigo seu conhecimento sobre os
etnólogos alemães; a Franziska Van der Welle e Barbara Alberts.
Em Basel, a Dorothée Ninck que gentilmente cedeu as transcrições das cartas de George
Huebner a Theodor Koch-Grünberg.
Em Genebra, a Marjan Garlinski, curador do Museu de Etnografia de Genebra, que
possibilitou a pesquisa naquele acervo; ao meu amigo Alain Tawil que me enviou o primeiro
exemplar da obra de Schoepf.
Em Giessen, a Karin Bautz, diretora do Museu daquela cidade e curadora da coleção Koch-
Grünberg.
VIII
Em Dresden, a Andreas Krase, diretor do Museu da Cidade; a Andreas Heine, diretor da
Coleção Krone da Universidade Técnica de Dresden; à Sra. Hillert, do Arquivo da Cidade de
Dresden.
Em Leipzig, a Heinz-Peter Brugiato, diretor do Instituto Leibniz de Geografia.
Em Amsterdam, a Frank Kohl, com quem venho trocando idéias e informações sobre os
fotógrafos alemães e que me ajudou a decifrar algumas escritas originais.
Em Munique, a Paul Hempel, da Universidade Ludwig-Maximilians, que me forneceu
valiosas informações sobre a fotografia antropológica alemã.
Em São Paulo, agradeço a Beatriz Pirotti, da USP, a Cristina Alberts e a Maria Helena
Machado.
Em Brasília, ao meu amigo David Pennington, com quem pude trocar informações e idéias.
Em Cambridge, Massachusetts, a Patricia Kervick, arquivista do Peabody Museum da
Universidade de Harvard, que me disponibilizou as imagens de Walter Hunnewell.
Em Baltimore, Maryland, à amiga de longa data, antropóloga Janet Chernela, do Centro de
Estudos Latinoamericanos da Universidade de Maryland, com quem troquei valiosas
informações sobre esse trabalho.
Aos colegas do Departamento de Artes do CAp/UERJ e do Instituto de Humanidades da
UCAM.
Ao meu irmão, Thomas Valentin, pelo apoio que possibilitou a realização do trabalho.
Da mesma forma, a Friedl Steisslinger, minha madrinha.
E, finalmente, à minha amada Katia, companheira de todas as horas, que me incentivou e
apoiou carinhosamente ao longo desses anos
IX
.
“Hoje em dia, tudo que existe, existe para terminar numa fotografia”.
Susan Sontag, maio de 1977.
X
RESUMO
VALENTIN, Andreas. Os “Indianer” na fotografia amazônica de George Huebner.
George Huebner (Dresden, 1862 - Manaus, 1935), fotógrafo alemão que se estabeleceu em
Manaus, Amazonas, no final do século XIX, abrangeu em sua obra todas as possibilidades
técnicas e representacionais daquele meio. Aproximando-se da ciência européia,
especialmente a botânica e a emergente etnologia alemã, Huebner dirigiu seu olhar também
para os indígenas da Amazônia, fotografando-os tanto no campo como em seu estúdio,
“Photographia Allemã”, instalado no centro da metrópole que se inseria na modernidade
durante o fausto da economia da borracha. Considerando-se os modelos, as convenções
estéticas e as tecnologias historicamente definíveis que fundamentam seu trabalho, a pesquisa
analisa as estratégias de produção e circulação, bem como a recepção pelo público europeu de
suas fotografias dos habitantes nativos da Amazônia, os “Indianer”. Através da reprodução
em álbuns comemorativos, circulação sob a forma de cartões postais, publicação em revistas
especializadas, essas imagens contribuíram para a formação de uma representação da
Amazônia e do Brasil. Seu relacionamento com as elites brasileira e alemã da cidade de
Manaus, seus contatos com cientistas e instituições européias e, principalmente, sua amizade e
parceria profissional durante mais de vinte anos com o antropólogo Theodor Koch-Grünberg
possibilitaram a inserção de Huebner no contexto internacional, bem como a preservação de
sua obra para estudos e pesquisa.
Palavras-chave: George Huebner; Georg Hübner; Theodor Koch-Grünberg; fotografia;
Amazônia; Manaus.
ABSTRACT
The German photographer, George Huebner (Dresden, 1862 - Manaus, 1935), who made his
home in Manaus at the end of the 19th century, established in his oeuvre the fundamental
technical and representational possibilities of photography in the Amazon basin. With close
connections to the botanical sciences and to the emerging field of German Ethnology,
Huebner’s interest was directed at indigenous Amazonians, who he photographed in both field
and in studio. The latter, his Photographia Allemã, was established in the Amazon port city of
Manaus at the height of the Brazilian Rubber Boom. This research considers the models,
aesthetic conventions and the landmark technologies which characterise his work in order to
analyse the strategies of production, circulation and reception of his Indianerphotographs.
Printed and reproduced in albums, postcards and scientific magazines, these images
contributed to a representation of the Amazon and Brazil. Huebner’s relationship with the
Brazilian and German elites of Manaus, his contacts with European scientists and institutions,
his friendship and collaboration with the ethnologist Theodor Koch-Grünberg provided
Huebner with international recognition and awarded his important work the prominent place it
now holds in historic research.
Keywords: George Huebner; Theodor Koch-Grünberg; photography; representation of
indians; Manaus.
XI
Os Indianer na fotografia amazônica de George Huebner
(1885-1910)
SUMÁRIO
Introdução ........................................................................................................................ 1
1 FOTOGRAFIA: DA SAXÔIA À AMAZÔIA
1.1 A fotografia alemã
1.1.1 Dresden, a Florença do Elba ................................................................................ 10
1.1.2 Fotografia e etnografia ......................................................................................... 27
1.1.3 O “outro” nas lentes alemãs ................................................................................. 38
1.2 A Amazônia de George Huebner
1.2.1 Manaus ................................................................................................................. 50
1.2.2 A riqueza da “árvore que chora”.......................................................................... 67
2 FOTÓGRAFO: DE GEORG HÜBER A GEORGE HUEBER
2.1 Hübner, fotógrafo saxão.
2.1.1 Dresden, Saxônia, Alemanha ............................................................................... 85
2.1.2 A descoberta da Amazônia .................................................................................. 96
2.1.3 A Amazônia a serviço da ciência ...................................................................... 118
2.2 O ateliê “Photographia Allemã”
2.2.1 O estabelecimento .............................................................................................. 123
2.2.2 Av. Eduardo Ribeiro, N.
o
11 .............................................................................. 129
2.2.3 Do outro lado do rio ........................................................................................... 144
2.3 O fotógrafo editor
2.3.1 Lembranças de Manaus e da Amazônia em postais .......................................... 158
2.3.2 A memória de Manaus e da Amazônia em álbuns ............................................ 169
XII
3 OS ALEMÃES EM MAAUS E OS “IDIAER” A “PHOTOGRAPHIA
ALLEMÔ
3.1 Do “boom” da borracha ao estouro da Guerra
3.1.1 O capital alemão ................................................................................................ 186
3.1.2 O “perigo Allemão” ........................................................................................... 195
3.2 George Huebner e Theodor Koch-Grünberg
3.2.1 Theodor Koch-Grünberg: o cientista fotógrafo ................................................. 204
3.2.2 Diálogos fotográficos e etnográficos ................................................................. 216
3.3 Os “Indianer” de George Huebner
3.3.1 As estratégias de contato e da captura fotográfica ............................................. 231
3.3.2 Os “Indianer” no estúdio ................................................................................... 246
3.3.3 A circulação e a recepção das fotografias dos “Indianer” ................................ 262
Considerações finais .................................................................................................... 278
Fontes e Referências .................................................................................................... 284
1
Introdução
Em outubro de 1981, era verão em Manaus. Naquelas tardes quentes e úmidas, visitei
com o poeta Thiago de Mello inúmeras casas de famílias vasculhando fotografias antigas para
ilustrar o seu livro “Manaus, amor e memória”
1
. Entre as centenas de imagens de pessoas,
casas, lojas, ruas, paisagens urbanas e rurais, sobressaíam-se umas poucas com seus ângulos
inusitados, sua composição apurada e a notável qualidade técnica. Um ano antes, eu havia
me deparado com algumas dessas mesmas fotografias, como consultor na Comissão Estadual
de Patrimônio Histórico, pesquisando e ordenando um vasto acervo iconográfico da cidade.
Para a pesquisa do livro, visitamos alguns estúdios fotográficos, entre eles, a “Fotografia
Artística”, de Ornan Correa que sucedeu à “Photographia Allemã”, de George Huebner. Ali, o
Sr. Ornan nos mostrou as excelentes reproduções fotográficas de vistas da cidade e de seus
arredores, afirmando que “foram feitas pelo Alemão”, embora as chapas originais já muito
tivessem se perdido na umidade e no tempo. Nesse momento, foram feitas dezenas de
reproduções de quadros de fotografias de alunos que freqüentaram a Faculdade de Direito nas
primeiras cadas do século XX, cuja autoria, mais tarde, pôde ser atribuída ao mesmo
fotógrafo alemão.
Como fotógrafo e pesquisador, interessavam-me, além de sua autoria, a excelência
formal e estética das fotografias de Manaus que vi e manipulei durante os anos em que ali
vivi.
1
Editado originalmente em 1982, com apoio da Superintendência da Zona Franca de Manaus, essa obra reúne
memórias do poeta, de seus antepassados e amigos em relação à cidade onde viveu e passou grande parte de sua
juventude. Foram reunidas ali, além das lembranças pessoais que ressurgem através dos sentidos, verbetes que
formam um “abecedário íntimo para uso público um abc que perdeu a voz, mas nos ensina a soletrar o
tempo”, bem como centenas de fotografias de épocas diversas. O livro teve várias reedições, sendo a última de
2004, pela Editora Valer, Manaus. O design, a pesquisa iconográfica e a produção gráfica da primeira edição
foram realizadas por mim em parceria com o próprio autor.
2
Em algumas, era possível ainda identificar a assinatura “Photographia Allemã”;
noutras, viam-se apenas as iniciais do litógrafo que as reproduzira; poucas eram aquelas que
traziam, no canto, os nomes “Huebner e Amaral” em letras miúdas e, geralmente, quase
ilegíveis
2
.
Se por um lado, a memória da “Manaus antiga
3
através da reconstrução imagética
desse espaço urbano foi sendo elaborada ao longo de várias décadas utilizando-se dessas
mesmas fotografias, supostamente anônimas, por outro, a memória de seu autor (ou autores)
apagou-se com o tempo. As imagens, mesmo que pálidas, transfiguradas e manipuladas pelas
inúmeras reproduções, ali ainda permaneciam como testemunhas silenciosas de uma época
distante, porém nostalgicamente próxima, configurando-se como “experiências que se
captaram”
4
.
Em 2001, me deparei com uma breve notícia de jornal a respeito de uma exposição no
Museu Etnográfico de Genebra e no Centro Cultural Palácio Rio Negro em Manaus, sobre um
fotógrafo alemão, George Huebner, que havia viajado pela Amazônia nas últimas décadas do
século XIX e se estabelecido na capital amazonense no início do século seguinte. Sabia que se
tratava do “Alemão”. Um amigo que mora em Genebra enviou-me o catálogo e, de fato, ali
estavam reproduzidas inúmeras vistas da cidade, muitas das quais eu reconhecera, seguidas de
outras que não conhecia. Havia nesse corpus um grande número de fotografias de indígenas,
realizadas em épocas diferentes no Peru, na Venezuela, no norte do Brasil e,
surpreendentemente, em seu estúdio, “Photographia Allemã”, em plena Avenida Eduardo
Ribeiro - centro social, comercial e cultural de uma cidade que vivia seu período de fausto no
apogeu da economia da borracha.
2
Os poucos e raros créditos faziam alusão não a um autor, mas às instituições ou coleções particulares de onde
advinham as fotografias e seus suportes impressos.
3
A idéia de uma “Manaus antiga” foi abordada por DAOU (1998, 1999) em sua análise sobre o “Álbum do
Amazonas 1901-1902”, composto de mais de cem fotografias realizadas por George Huebner para o Ateliê
Fidanza, de Belém.
4
SONTAG, 1981, p. 4.
3
Realizada por Daniel Schoepf, à época Conservador do Museu de Etnografia de
Genebra, essa magistral pesquisa resgatou do esquecimento e do anonimato não apenas
imagens marcantes, como grande parte da biografia do seu autor
5
. O próprio Schoepf
reconheceu que, longe de conclusivo, seu extenso trabalho ainda deixara muito a ser
conhecido. Na introdução, afirmou que seu objetivo era
reunir fragmentos da existência e da produção de Huebner e fornecer o essencial das
fontes existentes sobre o assunto. Reconstituímos sua vida e sua obra, recolhemos
testemunhos escritos e orais, reunimos o que foi possível
6
.
Outro aspecto da trajetória de Huebner chamou-me a atenção. Em sua obra, Schoepf
dedicou um espaço à amizade e à colaboração profissional entre o fotógrafo e o etnólogo
Theodor Koch-Grünberg que realizara três grandes expedições científicas ao Amazonas. Seu
relacionamento foi amplamente documentado na sua correspondência, entre 1905 e 1924, e
nos diários de viagem de Koch-Grünberg. Esse repertório que inclui também inúmeras
fotografias enviadas de Manaus configurou-se como importante fonte histórica para uma
compreensão mais ampla não apenas do fotógrafo e de sua obra, como principalmente dos
hábitos e sociabilidades de atores diversos. Interessou-me, portanto, buscar entender essas
relações que se explicitaram na vida e na produção artística e científica de um alemão com
profundas raízes amazônicas.
5
O nome de George Huebner só veio à tona após a publicação de Schoepf. Na pesquisa realizada por Pedro Karp
Vasquez e que resultou na sua obra “Fotógrafos alemães no Brasil do século XIX” (2000), Huebner não foi
contemplado, apesar de ter iniciado sua atividade no Brasil ainda naquele século. Da mesma forma, em sua tese
de doutorado, “A cidade, o teatro e o ‘paiz das seringueiras’: práticas e representações da sociedade amazonense
na virada do século” (1988), Ana Maria Daou analisa o “Álbum de Manáos: 1901-1902” creditado à
“Photographia Fidanza”, cujas fotografias, no entanto, foram realizadas por Huebner. Boris Kossoy, em seu
“Dicionário histórico-fotográfico brasileiro” (2002) dedica-lhe um breve verbete com poucas informações.
6
2005, p. 18
4
O fotógrafo-cientista George Huebner
Em 1898, George Huebner
7
(Dresden, 1862 - Manaus, 1935) estabeleceu-se em
Manaus onde implantou seu estúdio “Photographia Allemã”. São de sua autoria inúmeras
fotografias da transformação da cidade e sua inserção na modernidade, amplamente
divulgadas em álbuns, cartões postais, revistas e almanaques. Fotografou, também, indígenas,
paisagens amazônicas e produziu retratos de personalidades importantes de sua época.
Antes, havia passado pela cidade duas vezes: em 1885 a caminho do Peru e, em
1894, na sua expedição aos rios Orinoco e Branco. Na primeira viagem, ele se fixou em
Iquitos e, dali viajou pela região do rio Ucaiali, em plena atividade da extração e do comércio
da borracha. Lá, ele conheceu o fotógrafo alemão Charles Kroehle e, durante três anos, os
dois percorreram o território peruano, desde os altiplanos andinos, à costa do pacífico e de
volta à região amazônica. O resultado dessa expedição foram centenas de fotografias de
indígenas de etnias diversas, muitas das quais hoje extintas.
Em 1892, retornou a Dresden e publicou relatos ilustrados de suas viagens em revistas
de ampla circulação, como a Globus e a Deutsche Rundschau für Geographie und Statistik.
Em 1894, voltou a Manaus de onde se aventurou na região das nascentes do Orinoco, na
Venezuela, passando pelo rio Branco, no atual estado de Roraima. Nos oito meses em que
permaneceu na Amazônia, Huebner fotografou indígenas e se aperfeiçoou na observação,
documentação e coleta científica de espécies da flora amazônica, especialmente de orquídeas.
Através dessa atividade, ele teceu uma rede de contatos no meio científico europeu que lhe
assegurou sua sobrevivência em Manaus após o declínio da borracha e o encerramento de seu
negócio fotográfico. Em 1896, de volta a Dresden, foi admitido como “naturalista, sócio-
correspondente” do “Verein für Erdkunde (Sociedade de Geografia) de Dresden.
7
Quando se estabeleceu em Manaus, ele mudou a grafia de seu nome para “George Huebner”. Ao longo desse
trabalho, foi adotado o critério de utilizar a escrita original sempre que se trata do período antes de sua vinda
definitiva ao Brasil.
5
Em 1898, Huebner voltou definitivamente ao Brasil. Permaneceu alguns meses em
Belém e seguiu viagem até Manaus. Um ano depois, inaugurou seu primeiro estúdio, no
centro da cidade. Chegou ali no apogeu da economia da borracha, quando Manaus se
modernizava, atraindo empreendimentos comerciais de toda espécie, bem como um grande
número de estrangeiros, entre eles os alemães, principais negociantes da borracha. A
“Photographia Allemã” firmou-se como o maior e melhor estúdio fotográfico da cidade. Os
equipamentos utilizados eram então “de ponta”, trazidos da Alemanha, especificamente de
Dresden, que se especializara na manufatura de equipamentos e insumos para a fotografia. Em
1901, o professor de Belas Artes Libânio do Amaral associou-se ao negócio. Em 1906, eles
adquiriram, em Belém, o tradicional ateliê fotográfico “Fidanza”. Quatro anos mais tarde,
abriram uma filial no Rio de Janeiro, na Avenida Central.
Enquanto o estúdio se mantinha atendendo a encomedas públicas e particulares,
Huebner continuou prestando serviços à ciência. Em 1903, conheceu Theodor Koch-Grünberg
que lhe abriu novos contatos e possibilidades. Por conta própria ou a serviço do governo
estadual, empreendeu expedições ao interior amazônico, subindo a calha do rio Negro,
novamente a do rio Branco e penetrando na selva em regiões mais próximas a Manaus. Seu
olhar e suas ações apontaram para a flora amazônica e para o conhecimento dos índios que
sucumbiam com o avanço do homem branco pelo interior. Huebner fotografou indígenas no
campo, no estúdio e nos arredores da cidade.
Em 1914, com o advento da primeira guerra mundial e o aumento da produção das
seringueiras plantadas pelos ingleses no sudeste asiático, o preço da borracha despencou no
mercado internacional. Muitos empreendimentos faliram, provocando o êxodo da maioria dos
comerciantes e empreendedores manauaras. Huebner, no entanto, optou em permanecer no
Amazonas, fixando-se em seu sítio defronte a Manaus, na outra margem do rio Negro. Nas
várias viagens que ainda realizou ao interior, coletou orquídeas e palmeiras para o seu horto
6
particular. Durante os anos em que morou em Manaus, manteve e frutificou suas relações com
renomadas instituições botânicas internacionais e pesquisadores independentes. Em 1920,
passou adiante a “Photograhia Allemã” de Manaus e suas filiais em Belém e no Rio de
Janeiro; até a sua morte, em 1935, George Huebner dedicou-se exclusivamente ao manejo, à
coleta e envio para a Europa de plantas amazônicas. Em reconhecimento ao seu trabalho
dedicado à botânica, alguns gêneros de orquídeas prestam-lhe homenagem póstuma.
Apesar de sua trajetória ter sido bem delineada, seu corpus fotográfico ainda não foi
estudado a partir de uma abordagem histórica e sócio-cultural, permanecendo incertezas em
relação à sua obra e justificando, portanto, uma pesquisa mais aprofundada. Um ponto de
partida adequado nesse sentido foi problematizar sua fotografia de cunho antropológico e com
claras intenções científicas, inserindo-as nos padrões e cânones de sua época e, mais
importante, avaliar como deles, de certas maneiras, também se distanciou. Acrescenta-se,
ainda, a vasta produção da “Photographia Allemã” acompanhando e desvelando a cidade de
Manaus quando esta vivia o seu apogeu econômico e cultural. Na pesquisa aglutinaram-se as
várias facetas de um mesmo personagem: o fotógrafo, o pesquisador, o aventureiro, o alemão
e o caboclo amazônico George Huebner.
O problema central abordado aqui foi a representação fotográfica do índio da
Amazônia integrando a obra fotográfica de George Huebner realizada a partir do estúdio
“Photographia Allemã” em Manaus, no começo do século XX. Tratou-se de avaliar -
considerando os modelos, as convenções estéticas e as possibilidades técnicas historicamente
definíveis que fundamentam a obra de Huebner - as condições de produção, de circulação e de
recepção de determinadas imagens de habitantes da Amazônia, dos índios e caboclos à elite
citadina, representando a modernidade implantada a partir da economia da borracha. Esse
entendimento passou, necessariamente, pela interação de Huebner com os alemães em
7
Manaus e na Europa, além de suas relações com a ciência e os cientistas, particularmente,
com Koch-Grünberg.
A pesquisa, no entanto, confrontou-se com algumas dificuldades. Inicialmente, porque
parte da obra do fotógrafo perdeu-se e aquela que sobreviveu encontra-se dispersa em rios
países e instituições. De acordo com Schoepf
8
, os sucessores da “Photographia Allemã”, João
e seu filho Ornan Correa, não tiveram recursos suficientes para manter o acervo de negativos
e ampliações, que acabaram se decompondo devido às precárias condições de
armazenamento, especialmente nas condições de extrema umidade em Manaus. Acrescenta-se
que, durante a II Guerra Mundial, o estabelecimento sofreu represálias devido ao seu nome,
tendo sido, inclusive saqueado. Enquanto isso, na Europa, os bombardeios aéreos devastaram
Berlin e Dresden, cidades para as quais Huebner enviara fotografias e onde mantivera contato
com instituições científicas e empresas editoriais.
Por outro lado, coleções bem preservadas e mantidas, como as do próprio Museu
Etnográfico de Genebra, dos museus etnográficos de Hamburgo e Berlim e, principalmente,
no espólio de Theodor Koch-Grünberg organizado por sua neta Dorothee Ninck e doado ao
Departamento de Etnologia da Universidade Philipps-Marburg. Esse acervo inclui seus
diários e cadernos de anotações; mais de mil fotografias realizadas pelo etnólogo em suas três
viagens à Amazônia; fotografias de outros fotógrafos, entre eles George Huebner;
documentos diversos, como 84 cartas e 14 postais de Huebner. As cartas que ele recebera em
Manaus de Koch-Grünberg e de outros interlocutores, infelizmente, se perderam. imagens
e documentos, ainda, no Instituto de Geografia Leibniz em Leipzig e no Instituto Geográfico e
Histórico do Amazonas em Manaus, bem como em instituições e acervos particulares em
Manaus e no Rio de Janeiro
9
.
8
op.cit., p. 209
9
Ao final deste trabalho há uma listagem dos acervos e coleções pesquisadas.
8
O levantamento foi concentrado, portanto, na análise dos documentos nesses acervos.
Em Marburg, o acervo Koch-Grünberg foi fundamental, não pelas imagens originais de
Huebner e do etnólogo ali abrigadas, como, principalmente, pelas cartas, diários e listagens.
Da mesma forma, os arquivos da cidade, do Estado, as bibliotecas e os museus de Dresden
forneceram importantes informações para situar o fotógrafo no seu tempo cultural e social.
O entendimento da representação fotográfica da Amazônia a partir do corpus
fotográfico de George Huebner foi conduzido de forma multidisciplinar, abordando a história
cultural e suas interlocuções com a sociologia da cultura; a antropologia; a história e a
iconografia da fotografia.
Este trabalho foi dividido em três partes. Inicialmente, foi necessário estabelecer
como, em meados do século XIX, a tecnologia da fotografia, com sua rápida evolução e
massificação através de processos industriais, destacou-se na Saxônia, especificamente em
Dresden. A cidade onde George Huebner nasceu e viveu até jovem adulto tornara-se, também,
um eflorescente centro emissor e receptor da cultura européia. A seguir, foi examinado como,
a partir década de 1870, a fotografia começou a percorrer o mundo em busca do olhar sobre o
“outro”, aliando-se à etnografia então emergente. Na Alemanha, particularmente, a atenção se
direcionou para o conhecimento dos povos das Américas. Finalizando a primeira parte,
Manaus e a região amazônica no final do século XIX e início do XX foram abordadas,
situando-as na crescente economia da borracha.
Na segunda parte, foram tratadas a trajetória e a obra de George Huebner. A partir das
poucas referências existentes, foram estabelecidas suas conexões iniciais em Dresden e, após
suas primeiras viagens à Amazônia, sua aproximação com os círculos científicos alemães
através de seus escritos e das primeiras fotografias publicadas em revistas, bem como sua
aceitação em instituições e sociedades. A seguir, foi traçado um retrato de seu
estabelecimento em Manaus e analisada a rápida ascensão de seu estúdio “Photographia
9
Allemã”. Ao final, o fotógrafo-editor foi contemplado com uma visão de sua produção própria
de cartões-postais e álbuns, suportes para a publicação e circulação de seus “Indianer”.
A terceira e última parte tratou do objeto principal da pesquisa: as fotografias de
indígenas. Inicialmente, buscou-se compreender a significativa presença do capital e de
cidadãos alemães em Manaus, sua importância para a produção fotográfica de Huebner e sua
relação com eles, em especial sua parceria com o etnólogo e também fotógrafo Theodor
Koch-Grünberg. O trabalho foi concluído configurando-se as estratégias de contato e da
captura fotográfica dos “Indianer”, no campo e no estúdio, e as maneiras diversas de
circulação e recepção dessas imagens.
Tratando-se de uma pesquisa sobre a imagem fotográfica, foram concedidos espaços
às ilustrações, muitas das quais fontes primárias e que se entrelaçam e dialogam com o texto,
sempre que necessário.
10
Im Licht – Durchs Licht – Zum Licht
10
Hermann Krone
1 FOTOGRAFIA: DA SAXÔIA À AMAZÔIA
1.1 A fotografia alemã
1.1.1 Dresden, a Florença do Elba
Quando Georg Hübner vislumbrou pela primeira vez Belém, Manaus e Iquitos, as
cidades da borracha em meio à floresta amazônica, a fotografia havia se tornado prática
comum nos ambientes urbanos e evoluído tecnologicamente permitindo a produção e a
circulação de imagens de lugares remotos e povos exóticos. A trajetória do viajante-fotógrafo-
cientista saxônico deve ser compreendida como parte de um processo maior, inserida no
desenvolvimento científico, social e artístico da prática fotográfica e, mais especificamente,
em Dresden, sua cidade natal.
Dresden tornou-se conhecida em toda a Europa por seu estímulo às artes,
materializando-se na coleção de pinturas
11
, esculturas e objetos formada ao longo de vários
séculos pelos príncipes-eleitores
12
, em especial Friedrich August I (1670-1733) e seu filho
Friedrich August II (1696-1763) que se tornaram também reis da Polônia e se propuseram a
elevar a cidade ao status de capital imperial européia.
A alcunha “Florença do Elba” é atribuída a Herder quando, em 1802, em sua revista
Adrastea, referindo-se aos príncipes, ele escrevera:
10
“Na luz, através da luz, à luz.”
11
Essa coleção começou a ser formada durante o reinado de Friedrich August I e teve continuidade com seu
filho, responsável pela concepção daquela que hoje é conhecida como A Galeria de Pinturas dos Antigos
Mestres” (Gemäldegalerie Alte Meister). Trata-se não de um dos mais completos acervos de arte européia,
como também de um dos primeiros a ser disponibilizado para o público, recebendo visitantes ilustres de toda a
Europa. Em 1768, Goethe descreveu em “Poesia e Verdade” sua profunda emoção ao percorrer pela primeira vez
os salões brilhantes e repletos de grandes obras emolduradas em ouro (MARX, 2006, p. 7). Em 1855, a coleção
foi transferida para um complexo novo, projetado por Gottfried Semper, arquiteto da corte e responsável também
pelo prédio da ópera de Dresden.
12
Em alemão, “Kurfürst”; do século XIII até o início do XIX, os príncipes-eleitores escolhiam o imperador do
Sacro Império Germânico, onde mantinham, também, uma função política.
11
Acima de tudo, porém, os troféus de sua administração são as coleções de arte e
antiguidades que ele instituiu com custos notáveis. O que um Friedrich August
começara no início do século, um outro Friedrich August terminara ao final. Através
deles, no que diz respeito aos tesouros da arte, Dresden tornou-se a Florença alemã
[...] Floresça, Florença alemã, com seus tesouros do mundo das artes! (apud BECK,
2005, p. 43, trad. nossa)
Havia um fascínio por Dresden que para lá conduziu artistas, arquitetos, escritores,
poetas, filósofos e músicos de toda a Europa atraídos pela conjunção de diversos elementos
formadores do espírito romântico, entre eles a história, as artes, a cultura e a natureza. Aos
tesouros artísticos das galerias somavam-se a arquitetura esplendorosa das igrejas, a produção
musical, a biblioteca da corte e, sobretudo, a paisagem exótica e ainda selvagem ao longo do
rio Elba nos arredores da cidade, denominada Suíça Saxônia, com seus rochedos de arenito, a
luz suave do anoitecer e os vinhedos nas encostas do vale fluvial. Neidhardt
13
destaca, ainda,
a privilegiada posição geográfica da cidade-residência, na interseção de um eixo norte-sul
formado por Berlim, Dresden, Praga, Viena e Roma com uma fronteira leste-oeste entre a
contemplação da arte católica e a espiritualidade protestante. A Academia Real de Belas
Artes, estabelecida em 1764, projetava-se, também, como forte atrativo (Figs. 1 e 2).
Na cosmopolita Dresden, epicentro do romantismo alemão, cruzaram-se os caminhos
de dois dos maiores expoentes da sua pintura: Caspar David Friedrich (1774-1840) e Philip
Otto Runge (1777-1810). Ambos vieram do norte da Alemanha, tiveram formação protestante
e haviam estudado na Academia de Artes de Copenhagen. Os dois artistas praticaram na sua
arte a profunda relação com a natureza, expressada através da “elevada e sublime melancolia,
a solidão, a angústia existencial do homem diante de uma natureza mais misteriosa e
simbólica do que adversa”
14
. Atraídos física e espiritualmente pela natureza, essa relação
13
1999, p. 54
14
ARGAN, 1992, p. 169
12
Fig. 1: Johan Christian Clausen Dahl, “Vista de Dresden ao luar, 1839.
Óleo sobre tela, 92 cm x 58,5 cm.
Staatliche Kunstsammlungen, Dresden.
Fig. 2: Vista interna da antiga Galeria Real de Pinturas em Dresden, 1830. Gravura em aquatinta,
autor desconhecido.
13
provoca, necessariamente, também um “isolamento nostálgico do homem ‘civilizado’”
15
. Para
eles, a natureza não necessita de personificações além de seus sujeitos e objetos orgânicos e
inorgânicos. A verdade divina se expressa no visível e as paisagens naturais são vistas como
templos, enquanto suas pinturas podem ser lidas como peças de altar. A experiência da
natureza é, portanto, comparável à vivência dos sacramentos. Friedrich escreveu que “o artista
deve pintar não apenas o que ele diante de seus olhos, mas também o que ele enxerga
dentro de si próprio. Se, no entanto, ele não enxergar nada dentro de si, então ele não deve
pintar o que ele diante de si”
16
. Ou, conforme Schelling: “a obra de arte deve expressar o
infinito no finito de seus objetos”
17
. Enquanto Runge deixou a cidade e morreu de tuberculose
poucos anos depois, Friedrich a adotou como seu lar definitivo (Figs. 3 e 4)
18
.
Não foi, no entanto, somente a criação e a experimentação inovadoras nas artes que
afloraram na capital da Saxônia. Ainda na primeira metade do século XIX, desenvolveu-se
ali, também, um forte pólo industrial. A economia da região foi impulsionada por seus fartos
recursos naturais, alavancando a mineração e a metalurgia. Para acompanhar a crescente
industrialização e provê-la de mão-de-obra especializada, em 1828 foi criada a primeira
escola técnica da Saxônia que se tornaria um importante centro de ensino, pesquisa e
desenvolvimento tecnológicos, inclusive para a fotografia que buscava melhorias nos
processos, nos resultados e provocando significativas mudanças em sua prática
19
.
15
ibid.
16
apud TANSEY, KLEINER, 1996, p. 950, trad. nossa
17
apud NEIDHARDT, 1999, p. 56, trad. nossa
18
influências românticas na produção e no pensamento de Huebner, explicitadas tanto nos aspectos
pictóricos em algumas de suas fotografias de paisagens amazônicas, como também em seus escritos. Ele dedica
trechos de seus primeiros artigos à exaltação da natureza: “A própria foz era uma grande cachoeira de
aproximadamente 15 metros de altura, dividida ao meio por uma ilha de pedras repleta de plantas. Quão
maravilhoso era esse espetáculo da natureza e como eu lamento não ter podido tirar uma fotografia desse lugar”
(1898a, p. 20). Ou, ainda, na sua constante preocupação com o extermínio dos povos nativos, ressaltada nas
cartas enviadas a Koch-Grünberg e que será tratada mais a fundo no capítulo 3.
19
A vocação inventiva e empreendedora da cidade pode ser identificada em inúmeras outras instâncias, como em
produtos de consumo ali desenvolvidos e até hoje em uso, entre eles o filtro de café (criado pela dona-de-casa
Melitta Benz), o tubo de pasta de dentes e o cigarro com filtro (cf. RADER, 2005, p. 122).
14
Fig. 3: Caspar David Friedrich, “O andarilho acima de um mar de neblina”, 1818.
Óleo sobre tela, 98 cm x 74 cm.
Acervo Kunsthalle, Hamburgo.
15
Fig. 4: Hermann Krone, “Suíça Saxônica”, 1856-1858. Fotografia em papel albuminado,
10,1 cm x 15,1 cm.
Krone-Archiv, Technische Universität, Dresden.
16
na década de 1840, em Viena, o matemático Josef Max Petzval desenvolveu uma
lente que possibilitava a passagem de vinte a trinta vezes mais luz. Friedrich Voigtländer a
adaptou a uma câmera que, ao reduzir drasticamente os tempos de exposição, possibilitou,
pela primeira vez, a realização de retratos fotográficos. Em 1851, o escultor inglês Frederick
Scott Archer, apresentou um novo processo em chapas de vidro denominado colódio úmido.
Apesar de produzir imagens de alta qualidade e com menor tempo de exposição, o processo
era, no entanto, extremamente trabalhoso no seu manuseio, uma vez que exigia do fotógrafo
que sensibilizasse as chapas imediatamente antes de serem utilizadas e as revelasse logo após
a exposição. Os fotógrafos viajantes das décadas de 1850-1880, responsáveis por registrar e
disponibilizar em imagens o mundo visível e seus habitantes, levavam um equipamento
volumoso e pesado que incluía, além da câmera, chapas de vidro, produtos químicos, água
destilada, ferramentas e a tenda escurecida. Aliado à impressão sobre papel albuminado que
mantinha a precisão da imagem, o processo de colódio úmido massificou a fotografia
transformando-a em bem de consumo e impulsionando sua economia
20
.
A partir de 1880, as chapas de colódio úmido foram substituídas pelo processo de
gelatina de brometo de prata aperfeiçoado pelo médico inglês Richard Leach Maddox.
Aplicado, inicialmente, também em chapas de vidro e, no final do século, em filme de
celulóide, era de manuseio fácil e mais sensível à luz, permitindo, assim, tempos de exposição
ainda menores, além de um melhor registro tonal
21
. Ao mesmo tempo, foram aprimorados os
processos de impressão e reprodução com o desenvolvimento de papéis fotográficos mais
precisos e que asseguraram uma maior permanência da imagem. Somaram-se a essas
20
BLUMTRITT, 2000; GERNSHEIM, 1965; ROSENBLUM, 1997
21
As chapas e os filmes sensibilizados com brometo de prata eram ortocromáticos registravam, ou melhor,
“traduziam” para tons de cinza, inicialmente, todas as cores exceto os vermelhos e os azuis; somente em 1903
foram desenvolvidas as emulsões pancromáticas que possibilitaram o registro de todo o espectro cromático.
Apesar de ter sido inventado por ingleses (Richard Leach Maddox, John Burgess, Richard Kennet e Charles
Harper Bennet), durante toda a década de 1870, foram as indústrias alemãs que massificaram sua produção
industrial. A partir de 1880, empresas como a Agfa AG, de Berlin e Perutz de Munique, fabricavam chapas
secas de qualidade.
17
evoluções a crescente padronização e a automação industrial em todas as etapas do processo.
O resultado foi, por um lado, a definitiva popularização da fotografia, especialmente após a
impactante introdução no mercado das máquinas e filmes com a marca Kodak produzidos por
George Eastman
22
. Por outro, os fotógrafos profissionais começaram a se aprimorar cada vez
mais justamente para se diferenciar dos amadores. Com a chegada do processo de brometo de
prata, simplificou-se a cadeia de produção. Até então, o fotógrafo era ao mesmo tempo
criador e produtor de imagem, envolvendo-se, necessariamente, com todas as etapas, desde a
preparação do material sensível até a reprodução da fotografia. Agora, lhe era possibilitado o
aparentemente simples “ato fotográfico”
23
, qual seja, concentrar-se, unicamente na realização
da fotografia: procurar, olhar, enquadrar, disparar. As melhorias cnicas engendraram,
portanto, novas estratégias na criação da imagem, assegurando aos fotógrafos não mais
agilidade como, principalmente, uma maior especialização
24
.
Na segunda metade do século XIX, Dresden impulsionou, também, a indústria
fotográfica. Os primeiros empreendimentos remontam a 1865, com a implantação de
indústrias de papéis fotográficos. De acordo com Blumtritt
25
, em 1874, sete fabricantes
uniram-se para formar a empresa “Vereinigten Fabriken photographischer Papiere AG”, cuja
produção saltou de nove mil para 19 mil resmas em apenas quatro anos. A partir daí, a cidade
22
Em 1888, George Eastman lançou nos Estados Unidos seu primeiro modelo popular que consistia em uma
caixa simples utilizando filme de rolo. Seu slogan, “você aperta o botão e nós fazemos o resto” indicava a
facilidade do processo e refletia as possibilidades de massificação da fotografia.
23
Cf. DUBOIS (1993, p. 15): o fazer fotográfico não se resume apenas ao gesto de fotografar, da tomada, mas
passa, necessariamente, também pela recepção e contemplação: “a foto não é apenas uma imagem (o produto de
uma técnica e de uma ação, o resultado de um fazer e de um saber-fazer, uma representação de papel que se olha
simplesmente em sua clausura de objeto finito), é também, em primeiro lugar, um verdadeiro ato icônico, uma
imagem se quisermos, mas em trabalho, algo que não se pode conceber fora de suas circunstâncias, fora do jogo
que a anima sem comprová-la literalmente: algo que é, portanto, ao mesmo tempo e consubstancialmente, uma
imagem-ato [...]”
24
Um processo semelhante ocorreu com a pintura. O desenvolvimento das tintas industrializadas o tubo
maleável de tinta a óleo, inventado em 1841 pelo pintor John Rand - permitiu que os artistas comprassem tintas
em lojas, ao invés de prepará-las no estúdio. Além do barateameanto e massificação dos materiais de pintura,
foram também incorporadas novas tonalidades, aumentando a gama de cores disponíveis. Essa inovação
tecnológica livrou o pintor de uma atribuição artesanal fabricar seus próprios insumos possibilitando sua
dedicação exclusiva ao criar e fazer artísticos. Foi a partir daí que os caminhos da arte pictórica tomaram novos
rumos, com a pintura ao ar livre e, eventualmente, conduzindo ao impressionismo e aos movimentos da arte
moderna.
25
2000, p. 15, p. 211
18
acolheu inúmeros outros produtores de papéis, chapas secas e, mais tarde, filmes fotográficos.
Contribuíram para esse processo a oferta de grande quantidade de água limpa na região e o
fato de que havia ali muitas fábricas de massas comestíveis cujo principal detrito, a albumina
da clara de ovo, era matéria-prima essencial para a indústria fotoquímica
26
. Acrescenta-se,
conforme já notada, a vocação empreendedora histórica da Saxônia nas artes e nos ofícios.
A concentração de fábricas de insumos e as inúmeras indústrias de mecânica fina
estabelecidas ofereciam mão-de-obra especializada e acabaram atraindo comerciantes e
fabricantes de câmeras e produtos óticos que logo projetariam Dresden como um dos mais
significativos pólos produtores da Alemanha e do mundo. Muitos desses empreendedores já
haviam se estabelecido em outras cidades alemãs e optaram por transferir seus negócios para
Dresden. Foi o caso, por exemplo, de Richard Hüttig que, em 1887, mudou-se de Berlin e
fundou a Hüttig AG. No final do século, a empresa tornou-se a maior fabricante da Alemanha
e uma das primeiras a desenvolver uma câmera reflex com sistema de espelhos, utilizando 12
chapas no formato 9 cm x 12 cm (Fig. 5).
Outro importante personagem na história da indústria fotográfica de Dresden foi
Heinrich Ernemann. Na esteira do boom econômico vivido pela região, ele decidiu investir na
indústria fotográfica toda sua fortuna obtida com um promissor negócio têxtil. Em 1889
comprou uma fábrica artesanal de aparelhos fotográficos
27
que logo se transformaria num
grande empreendimento fotográfico. No final do século, a fotografia despertava grande
interesse na burguesia estimulando fotógrafos amadores a documentar o mundo e as pessoas,
próximas e distantes. A indústria, evidentemente, supria essas necessidades, oferecendo
equipamentos cada vez mais econômicos, leves e de fácil manuseio. Ernemann atendeu tanto
26
Gernsheim (1965, p. 34) cita esse empreendimento com outro nome, Dresden Albuminpapier Fabrik,
chamando a atenção para a grande quantidade de ovos consumidos: 60 mil por dia, aproximadamente 18 milhões
por ano.
27
Blumtritt (op. cit., p. 33) aponta para o fato de que, enquanto a produção de papéis e chapas - essenciais para o
desenvolvimento da fotografia utilizavam métodos industriais modernos, a fabricação de meras ainda era
realizada artesanalmente em pequenas marcenarias familiares.
19
ao mercado de câmeras profissionais em grande formato para utilização no estúdio como as
de pequeno formato, utilizando chapas 9 cm x 12 cm. Com lentes de aberturas maiores, sua
câmera reflex Ermanox inovou a prática fotográfica, possibilitando fotografias noturnas
como, por exemplo, a de espetáculos, além de outras aplicações documentais. A empresa foi
pioneira, também, na indústria do cinema, produzindo câmeras e projetores. Durante a I
Guerra Mundial forneceu equipamentos de reconhecimento e inventou uma câmera-
metralhadora.
Fig. 5: Instalações fabris da Hüttig A. G., 1907.
Reproduzido de BLUMTRITT, op. cit.
A imagem ilustrou um anúncio, com a legenda abaixo da foto: Maior e mais antigo fabricante de
câmeras do continente. 800 trabalhadores”
20
Em 1909, concretizou-se a fusão de diversos fabricantes de câmeras de Dresden com a
tradicional fábrica de lentes de alta qualidade Carl Zeiss, implantada em Jena, formando a
ICA A. G. (Internationale Camera Aktiengesselschaft). Esse conglomerado acabou se
consolidando, em 1926, num dos maiores produtores de equipamentos fotográficos, a Zeiss
Ikon. Os modelos de câmeras e lentes com a marca Zeiss (Contax, Contaflex, Tessar, entre
outros) tornaram-se sinônimos da boa fotografia.
Cabe mencionar, ainda, a Ihagee que produziu em larga escala uma das primeiras
câmeras especialmente desenvolvidas para o clima tropical, a Tropen-Klapp Camera, cujo
anúncio proclamava ser “a câmera confiável para os viajantes caçadores e pesquisadores”
(Fig. 6). A empresa foi responsável, também, pela Exakta, lançada em 1936 e que foi a
primeira câmera reflex utilizando filme 35 mm, com lentes intercambiáveis
28
.
Desde cedo, a indústria fotográfica em Dresden estabeleceu sólidas parcerias com as
atividades de ensino e pesquisa. Em 1908, Heinrich Ernemann liderou um grupo de treze
empreendedores para que, juntos, patrocinassem uma cátedra de fotografia científica e um
laboratório na Escola Politécnica. Os fabricantes apoiavam também uma escola de formação
de comerciantes, a “Photohändlerschule”. O sucesso dessa prática pode ser evidenciado pelo
grande número de empresas que se estabeleceram na cidade. Em 1902 estavam listados no
diretório de endereços comerciais de Dresden 136 fotógrafos e 90 fabricantes de insumos e
equipamentos fotográficos quando a população da cidade, conforme o censo de 1901, era de
399.740 habitantes
29
.
28
Após a II Guerra Mundial, Dresden continuou produzindo equipamentos e materiais fotográficos. As meras
com as marcas Praktica e Pentacon tiveram grande aceitação entre os fotógrafos amadores e profissionais.
29
Addressbuch und Geshäftshandbuch der Königlichen Residenz und Haupstadt Dresden, 1902.
21
Fig. 6: Ihagee, anúncio para a câmera Tropen-photoklapp, 1927.
Reproduzido de BLUMTRITT, op. cit.
“A câmera confiável para os viajantes caçadores e pesquisadores”.
22
Outro fator preponderante para o crescimento da fotografia em Dresden - e de para
toda a Alemanha - foi o trabalho de Hermann Krone e seu vínculo com a Escola Politécnica e
as sociedades científicas da Saxônia. Krone foi um dos primeiros a praticar sistematicamente
a fotografia na Alemanha. Sua formação como litógrafo e, mais tarde, também nas artes, na
filosofia e nas ciências naturais, o levou a buscar aperfeiçoamentos que permitissem a
reprodução e a ampla circulação das imagens fotográficas. Desde 1852, mantinha um estúdio
fotográfico em Dresden e, em 1869, fundou a Sociedade Fotográfica de Dresden. Em 1870,
foi designado para ocupar a primeira cátedra de ensino superior de fotografia na Alemanha,
no Instituto Politécnico de Dresden (hoje Universidade Técnica
30
), legitimando essa atividade
como campo de pesquisa científica
31
. ele desenvolveu seu “Historisches Lehrmuseum für
Photographie” (Museu Didático-histórico da Fotografia), a primeira metodologia de ensino da
fotografia. Trata-se de pranchas em cartolina nos formatos 94 cm x 67 cm e 50 cm x 58 cm
contendo: fotografias suas e de outros autores em diversos suportes, técnicas e tamanhos;
descrições ilustradas de processos, com especial atenção à reprodução de imagens e aos
experimentos com cores; e exemplos de paisagens urbanas, natureza, retratos e documentação
científica (Fig.7).
As pranchas do “Lehrmuseum” podem ser entendidas como peças com objetivos
didáticos, laboriosamente montadas, ano após ano, com a finalidade específica de propagar o
conhecimento técnico e estético da fotografia. Apontam, também, para uma leitura histórica,
contida já no próprio nome estabelecido por Krone. Como “museu”, retratam e guardam os
30
O acervo completo de Hermann Krone está abrigado no Instituto de Fotofísica da Universidade Técnica de
Dresden e compreende as 138 pranchas de seu “Historisches Lehrmuseum” compostas de 1.100 fotografias
individuais; 139 daguerreótipos realizados entre 1843 e 1858, além de 84 positivos e aproximadamente 900
negativos em vidro.
31
Vasquez (2000, p. 19) em sua extensa obra sobre os fotógrafos alemães no Brasil, destaca a importância da
Alemanha para a sistematização do ensino da fotografia, quando a prática mais comum era o aprendizado direto,
na tradicional relação mestre-aprendiz. Ele considera que foi o “primeiro país a encarar a questão do ensino de
forma profissional, profunda e conseqüente, criando as bases para sua destacada atuação na produção de
películas e, sobretudo, de equipamentos campos nos quais atingiu uma posição de excelência verdadeiramente
mítica”.
23
Fig. 7: Hermann Krone, Historisches Lehrmuseum für Photographie, Prancha 123, 1891: “Colorização
de uma imagem em prata”.
Krone-Archiv, Technische Universität, Dresden
24
avanços nas técnicas da representação, proporcionando uma visita imaginária. Ao visitante é
assegurada a certeza e a legibilidade do progresso: “é um livro aberto e, a cada nova página,
cada prancha, avançamos para um estágio seguinte de perfeição”
32
.
A importância da obra de Krone extrapola o “Lehrmuseum”. Ele foi atuante nos meios
científicos e na própria sociedade de Dresden, onde manteve seu estúdio e um próspero
comércio de lentes e produtos fotográficos. Seguindo os passos dos pintores românticos de
sua cidade, ele também foi buscar inspiração na Suíça Saxônica: suas fotografias das
paisagens naturais do vale do Elba tornaram conhecidos o seu trabalho e a região
33
. Dedicou-
se, ainda, aos desenvolvimentos técnicos da colotipia
34
, vislumbrando suas possibilidades
artísticas, educacionais e comerciais. Era, portanto, um profissional que conduzia a atividade
fotográfica em sua plenitude como artista, cientista, educador e homem de negócios.
Na multiplicidade de suas atividades, Krone foi membro do conselho administrativo
da Associação das Indústrias de Dresden e da sociedade científica Isis, fundada em 1833 por
doze “amigos da natureza”, entre os quais médicos, farmacêuticos, funcionários públicos,
artistas e estudantes
35
. Da Isis participou, também, Oscar Schneider, com quem, como será
32
AMELUNXEN, 1998, p. 22
33
Krone trabalhava, também, para a corte fotografando vistas das cidades e da natureza saxônicas. Em 1872, foi
publicado o “Königs-Album der Städte Sachsens” (Álbum real das cidades saxônicas), para celebrar as bodas de
ouro dos seus contratantes (ROSENBLUM, 1997; HESSE, 1998).
Gernsheim (op. cit., p. 111), no entanto, questiona a importância conferida à obra de Krone: “seus retratos e, em
particular, suas vistas da Suíça Saxônia (1853) e das cidades saxônicas são muito elogiadas na Alemanha, mas
não passam de medíocres quando comparadas com fotografias da Inglaterra e da França”.
34
Processo fotomecânico de impressão de imagens, inventado em 1855 por Poitevin na França e desenvolvido
na década de 1870 por Joseph Albert em Munique. A colotipia aliou, pela primeira vez, alta qualidade à
quantidade de impressões possíveis a partir de uma imagem fotográfica. Conhecido também por outros nomes,
como Albertipia, Lichtdruck (impressão de luz) e fototipia, tornou-se a principal tecnologia para reprodução de
fotografias, desenhos e pinturas em suportes diversos, como livros, cartazes, revistas, jornais e, principalmente,
cartões postais (HESSE, 1998; ROSENBLUM, 1997; TILL, 1992).
35
Conforme os diretórios da Sociedade (Mitglieder-Verzeichniss der Isis Gessellschaft für spezielle,besonders
vaterländische aturkunde in Dresden. Dresden, 1861, 1866, 1876), Krone é listado como membro-palestrante,
n
o
165, “fotógrafo, pintor acadêmico, admitido em 1852”. Em 1866, ele aparece, ainda, como membro do
Conselho Administrativo e, em 1876, é mencionado como editor e comerciante de arte e já como docente da
fotografia no Instituto Real Politécnico.
Cf., também, o sítio oficial da Sociedade: http://www.snsd.de/isis-dresden/.
25
discutido mais adiante, George Huebner se relacionou profissionalmente no início de sua
trajetória.
Em 1909, Krone esteve presente e foi homenageado na primeira exposição
internacional de fotografia, realizada em Dresden, onde apresentou 46 pranchas de seu
“Lehrmuseum” na seção de história da fotografia. Ali estavam representados os mais
importantes segmentos da indústria fotográfica mundial, legitimando economicamente a
atividade e afirmando a importância da Alemanha e, em especial, a capital da Saxônia como
um dos pólos irradiadores da prática fotográfica.
Entre 1850 e 1851, Krone cursou a Academia de Belas Artes de Dresden para obter
uma formação mais sólida que complementasse suas atividades essencialmente técnicas e
calcadas nas ciências naturais, em especial na química. Em uma palestra proferida em 1872 na
Sociedade Comercial e Científica de Dresden, ele proclamou que “a fotografia deve
concentrar-se em três pontos importantes: de que maneiras a imagem é produzida, como a
produção dessa imagem deve ser conduzida e qual é o objetivo da fotografia. Essas três
questões são respondidas pela ciência, pela arte e pela prática industrial”
36
. E foram essas as
questões que, na segunda metade do século XIX e início do seguinte, nortearam também a
produção fotográfica voltada para a documentação e a comprovação da alteridade, focando no
“outro” e no “alhures”.
36
apud HESSE, op. cit., p. 13, trad. nossa
26
Fig. 8: Krone no seu atelier, auto-retrato, 1858. Papel albuminado, 21 cm x 17 cm.
Krone-Archiv, Technische Universität, Dresden.
27
1.1.2 Fotografia e etnografia
A partir da segunda metade do século XIX e até o início do XX, fotógrafos
percorreram o mundo trazendo de volta para a Europa imagens de lugares e povos longínquos,
exóticos e estranhos. Com os avanços técnicos, tanto na ótica como na química da fotografia,
reduzindo consideravelmente os tempos de exposição, abriram-se novas possibilidades para a
realização de retratos e de vistas. Entre seus inúmeros atributos, foi a capacidade de retratar o
mundo real com precisão científica que possibilitou a inserção da fotografia no “movimento
genérico da modernidade”
37
, fenômeno caracterizado por Marshall Berman
38
como uma
“experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da
vida” e que é, ainda, compartilhada por todos. Experiência essa que, no século XIX,
aconteceu em uma nova paisagem urbana,
altamente desenvolvida, diferenciada e dinâmica [...] Trata-se de uma paisagem de
engenhos a vapor, fábricas automatizadas, ferrovias, amplas novas zonas industriais;
prolíficas cidades que cresceram do dia para a noite [...]
39
.
A fotografia foi e ainda é – uma prática essencialmente urbana, resultante dos
inúmeros avanços da ciência e do pensamento que se multiplicaram ao longo de todo aquele
século. À medida que a modernidade proporcionava novas sociabilidades nas cidades, a
imagem fotográfica passou a mediar, também, a percepção tanto da natureza, como do
ambiente transformado pela interferência do homem. Numa era dominada pelas ciências, pela
exploração e pela industrialização, a fotografia conduziu com sua aparente objetividade o
olhar cartesiano sobre o mundo natural que, na primeira metade do século, estendeu-se,
também, aos estudos sociais através do positivismo científico de Auguste Comte. Somente
37
HARDMAN, 2005
38
1986, p. 15
39
ibid., p. 19
28
através da observação direta dos fenômenos e da compreensão científica da realidade material
seria possível atingir um estágio mais avançado de progresso econômico e social.
A partir de 1850 houve um aumento significativo na circulação de imagens
fotográficas por todo o mundo. Fotógrafos atravessaram oceanos e continentes, montaram
seus equipamentos nos mais remotos pontos do planeta para produzir relatos visuais do
próximo e do distante, do conhecido e do desconhecido. Enquanto muitas dessas imagens, em
especial os retratos, tiveram sua circulação restrita principalmente aos locais onde foram
produzidas, um número cada vez maior de fotografias retornava à Europa para atender a uma
demanda que incluía, entre outras, representações de povos nativos, sítios históricos e
paisagens exóticas. Os suportes eram álbuns artisticamente encadernados, tiragens em papel,
imagens estereoscópicas
40
e, após a década de 70, também cartões postais, livros e revistas.
Surgiu nessa época, portanto, o fotógrafo-viajante que, por conta própria, contratado por
editoras ou acompanhando outros profissionais (cientistas, homens de negócio, funcionários
públicos etc) supria o moderno mercado das imagens (Figs. 9 e 10).
40
Na estereografia duas fotografias quase idênticas do mesmo assunto são vistas lado a lado em um visor
chamado estereoscópio causando um efeito de tridimensionalidade e buscando simular a visão do olho humano.
Apresentada pela primeira vez em 1851, na Exposição Universal de Londres, a partir da produção seriada dos
equipamentos, a estereografia popularizou-se rapidamente como forma de entretenimento doméstico e tornou-se
um dos principais veículos para o consumo de imagens. Em 1865 a London Stereoscopic Company vendeu
500.000 imagens, em sua grande maioria cenas de lugares distantes (cf. GERNSHEIM, 1965; PRICE, 2004;
ROSENBLUM, 1997).
29
Fig. 9: Estereoscópio com estereografia.
Coleção Keystone-Mast, California Museum of Photography, University of California, Riverside.
Reproduzido de ROSENBLUM, op. cit.
Nota-se que a imagem retrata uma aldeia de indígenas norte-americanos.
Fig. 10: Tenda fotográfica para processamento de chapas à base de colódio úmido, c. 1870.
Reproduzido de GERNSHEIM, op. cit.
30
Um daguerreótipo de 1850, “A Aula de Geografia”, realizado por Antoine François
Claudet, francês radicado em Londres, antevê as possibilidades e estratégias
41
da fotografia
nas décadas seguintes. Vê-se ali um jovem professor mostrando um globo terrestre para cinco
meninas de idades variadas. Enquanto três delas olham atentamente para o globo, a mais nova
folheia um livro com uma ilustração de um templo romano. A mais velha ajuda a segurar o
livro e, pensativa, olha para além da imagem. Trata-se de um retrato tecnicamente difícil para
a época, uma vez que envolve um grupo de pessoas, principalmente crianças, que precisavam
permanecer imóveis por um longo tempo. Claudet especializou-se nesse tipo de fotografia,
explorando ao máximo as ainda precárias potencialidades do meio para retratos. Não obstante,
ele nos apresenta o grupo com nitidez e uma composição cuidadosamente arranjada. O ponto
central da imagem é o globo - representação geográfica da Terra - para o qual devemos dirigir
nossos olhares. Ali, em destaque, a Austrália, o mais remoto bastião do Império Britânico. É o
mundo físico, porém distante e abstrato, atingível pela ciência e pela fotografia. A imagem,
sutilmente, nos conduz para a política colonialista da época (Fig. 11).
41
Cf. CERTEAU (1994): “estratégia” aqui entendida como as relações de força que se tornam possíveis “a partir
do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente’. Ela postula um lugar capaz de ser
circunscrito como um próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma
exterioridade distinta”. A construção da fotografia como prática social pode ser analisada nesse sentido.
31
Fig. 11: Antoine François Claudet, “A Aula de Geografia”. Daguerreótipo, metade de uma
estereografia, 1851.
Coleção Gernsheim, University of Texas, Austin.
Reproduzido de GERNSHEIM, op. cit.
32
Como se sabe, as diversas hipóteses raciais predominantes na Europa justificaram e,
de certa forma, legitimaram a dominação colonial. Idéias como as de progresso, regressão,
recapitulação e sobrevivência arcaica corroboravam esse processo. Nesse sentido, a
documentação fotográfica, compreendida em sua aparente objetividade, teve papel importante
na construção e significação dos impérios
42
. Referindo-se ao Império Britânico, Ryan ressalta
que
através de diversos recursos retóricos e pictóricos, de idéias do pitoresco a esquemas
de classificação científica, de paisagens a ‘tipos raciais’, fotógrafos representavam a
geografia imaginária do Império. Como prática de representação, a fotografia foi
além de apenas familiarizar a sociedade vitoriana com vistas do estrangeiro:
permitiu que ela simbolicamente viajasse, explorasse e se apoderasse também desses
lugares e dessa gente
43
.
Como exemplo, pode-se citar o álbum “Povo da Índia”, produzido entre 1868 e
1875
44
. São oito volumes que se propunham, inicialmente, a fornecer um completo inventário
da diversidade humana do subcontinente indiano, “uma memória das peculiaridades da vida
indiana”. Após a consolidação da conquista, tornou-se empreendimento oficial do serviço
colonial indiano. As centenas de imagens encaixadas na obra foram realizadas por oficiais
britânicos especialmente treinados para essa atividade - as fotografias demonstram pleno
domínio da técnica e do olhar fotográficos. As pessoas são vistas de frente ou de perfil,
geralmente do torso para cima e são identificadas através de suas roupas, ornamentos,
ferramentas, armas e utensílios. Acompanham as imagens textos descritivos com informações
detalhadas a respeito do povo retratado e reduzido àquele indivíduo e suas aparências.
42
Cf. HOBSBAWM (1988): entende-se como a “era dos impérios” o período compreendido entre 1875 e 1914,
marcado pela repartição do mundo entre um pequeno número de nações européias e os Estados Unidos. O
planeta foi dividido em “fortes e fracos”, em “avançados e atrasados”, estes passíveis de serem subjugados e
dominados por suas condições sociais e culturais inferiores.
43
1997, p. 214, trad. nossa
44
Cf. POIGNANT (1992): em seu ensaio, “Surveying the Field of View: the Making of the RAI Photographic
Collection”, ela se refere à obra original, “The People of India. A series of Photographic Illustrations with
Descriptive Letterpress”, editada por J. Watson e J. W. Kaye.
33
Poignant
45
ressalta que muitos dos fotógrafos/soldados que participaram do projeto
mantinham também atividades fotográficas próprias através das quais produziram centenas de
vistas pitorescas da Índia; suas paisagens; monumentos históricos; obras coloniais; cenas de
caça, além de retratos, formando um amplo repertório de “imagens construídas do desejo”
(Fig. 12).
Fig. 12: People of India, vol.1, prancha 34, Dooaneeah, 1868.
Coleção RAI Library, Museum of Mankind, Londres. Reproduzido de EDWARDS, op. cit.
45
ibid., p. 69
34
No processo de dominação colonial, a fotografia sustentou a superioridade do homem
branco e os deveres e direitos lhes conferidos. A grande circulação de imagens aproximou o
europeu com as diferenças culturais, atendendo a um desejo do “exótico”. Por outro lado,
simbolizou o relacionamento desigual entre o colonizador e os povos conquistados, um
“conhecimento controlador que se apropriava da ‘realidade’ das outras culturas na estrutura
organizada”
46
. A superioridade tecnológica evidenciava-se na ocupação e controle do mundo
físico, nos projetos de engenharia
47
, na exploração dos recursos naturais e na descrição e
classificação da população. Ao mesmo tempo, estabeleciam-se as aplicações da fotografia na
prática científica. Na segunda metade do século era utilizada como prova e evidência na
criminalística, nos avanços da pesquisa dica
48
, nos estudos de frenologia e da
antropometria, teorias que interpretaram as capacidades humanas a partir de medições e
comparações de aspectos físicos, inclusive o cérebro, de diferentes povos.
O desenvolvimento de técnicas e estudos fotométricos é atribuído a dois ingleses,
Henry Huxley e John Lamprey, ao final da cada de 1860. Huxley desenvolveu um método
no qual o sujeito era fotografado nu, de frente e de perfil, junto a uma régua; recomendava,
ainda, que a câmera deveria estar sempre na mesma distância para assegurar comparações
precisas. Seu método foi apresentado ao governo inglês com o objetivo de obter uma série de
fotografias das diversas raças existentes no Império Britânico. Lamprey determinava que os
nativos fossem fotografados nus defronte a uma malha quadriculada com linhas horizontais e
46
EDWARDS, 1992; 1996, p. 14
47
Cf. HARDMAN (op. cit., p. 141): ao se referir às grandes obras de engenharia, em especial as ferrovias,
destaca esse momento como a “época heróica dos engenheiros”, ávida por “expandir fronteiras, em domesticar
índios, em firmar as marcas da civilização baseada no valor de troca pelos quatro quadrantes do planeta”. Essas
“marcas da civilização” foram também amplamente registradas pela fotografia e se traduzem em imagens de
estradas de ferro, portos, pontes, usinas de tratamento de água e esgoto, usinas elétricas, fábricas, muitas das
quais realizadas pelos próprios engenheiros ou por técnicos, oficiais militares, missionários religiosos, entre
outros.
48
Fisiologia Humana, de John William Draper, de 1856, foi o primeiro livro de medicina publicado com
gravuras feitas a partir de originais fotográficos. Em 1852, Hugh Welch Diamond realizou retratos de doentes
mentais, para estudo, diagnóstico e terapia (ROSENBLUM, 1997, p. 178).
35
verticais em intervalos de duas polegadas, proporcionando a comparação da anatomia
estrutural entre, por exemplo, “uma boa figura ou modelo acadêmico com estatura de seis pés
e um Malaio de quatro pés e oito polegadas”
49
(Fig. 13). A fotografia antropométrica acabou
sendo incorporada a uma estética realista mais geral. São essas as primeiras referências que
aparecem nos retratos de tipo e em fotografias que se propunham a “exibir cultura”. De certa
forma, influenciaram, também, o modo de ver essas fotografias. Ao longo do século XIX e
início do XX, grande parte da produção fotográfica que retratou o “outro” utilizou-se desse
padrão.
Fig. 13: Estudo antropométrico: vistas de frente e de perfil de um malaio, fotografado por John
Lamprey, c. 1868.
Coleção RAI Library, Museum of Mankind, Londres.
Reproduzido de EDWARDS, op. cit.
49
SPENCER, 1992, p. 99-102
36
Quando a antropologia se estabeleceu como ciência, ainda nos seus primórdios, teve
na fotografia forte aliada e ferramenta para documentação e, num segundo momento, para
pesquisa. É importante, inicialmente, fazer a distinção entre “antropologia” e “etnologia”.
Schwarcz
50
indica que os estudos antropológicos estavam vinculados às ciências físicas e
biológicas, conforme uma interpretação poligenista da evolução e do comportamento
humanos. Já as análises etnológicas advinham de uma tradição monogenista e humanista. A
fotografia incorporou-se, portanto, à antropologia física e à etnologia, sustentada pela sua
intrínseca veracidade e, principalmente, pela presença física do fotógrafo como observador e
testemunha.
Desde sua concepção, a fotografia vislumbrava a capacidade de propiciar o
conhecimento. Conforme Sontag
51
,
Ao ser fotografada, determinada coisa torna-se parte de um sistema de informações
amoldado a esquemas de classificação e armazenamento que vão desde as
seqüências de instantâneos colados, em ordem, nos álbuns de família, até a
acumulação pertinaz e o arquivamento meticuloso necessários para a utilização da
fotografia nas previsões do tempo, na astronomia, na microbiologia, na geologia, nas
atividades policiais, no treinamento e diagnóstico dos médicos, no reconhecimento
militar e na história da arte.
A produção fotográfica de conteúdo antropológico do final do século XIX e início do
XX gerou um corpus de imagens cuja análise, conforme Scherer
52
, necessita de uma
contextualização sociocultural aprofundada. Fotografias etnográficas nos fornecem dados para
entender e significar tanto o objeto como o fotógrafo: “o que torna uma fotografia etnográfica
não é necessariamente o propósito de sua produção, mas como é (foi) usada para informar
etnograficamente”. Nesse sentido, vale ressaltar também que o fazer da fotografia, o próprio
50
1993, p. 53
51
op. cit., p. 150
52
1996, p. 72
37
ato de fotografar, guarda informações importantes para o conhecimento ao qual aquela
imagem (ou conjunto de imagens) se refere: “muitas vezes, são as próprias tensões de uma
fotografia, as circunstâncias de sua criação, que lhe conferem significado e estas qualidades
abstratas são documentos em si mesmo”
53
.
Deve-se considerar, finalmente, a utilização da fotografia como um paralelo visual
para as idéias antropológicas sobre a cultura
54
, entendida aqui na definição de Tylor como um
“todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”
55
.
Etnógrafos e fotógrafos - lembrando que, muitas vezes, essas atividades se confundiam, se
complementavam e se contrapunham - buscaram acompanhar as transformações das
sociedades não-ocidentais à medida em que eram incorporadas à “civilização” européia. Seus
olhares se dirigiam às representações de pessoas e culturas “exóticas”, às diferenças culturais
que fascinavam o mundo científico ao mesmo tempo em que atendiam ao gosto popular
56
.
Fotografias de lugares e povos distantes foram produzidas, reproduzidas e passaram a circular
sob as mais diversas formas: na troca de informações entre membros das comunidades
científicas, em artigos, livros, cartões postais, álbuns, atlas tipológicos, entre outros.
Em sua quase que totalidade, o que se evidencia nesse largo processo de captura visual
do “outro” é a tentativa de resgate e preservação de povos considerados ainda “primitivos” e
em estado de “pureza racial” - estado esse que as fotografias buscavam retratar, seja no campo
ou no estúdio. Ressalta-se, no entanto, que esse olhar sobre o “outro” acaba sendo, na
verdade, uma auto-descrição, um auto-retrato do próprio branco ocidental, fotógrafo.
53
EDWARDS, 1992, 1996, p. 23
54
MYDIN, 1992
55
apud LARAIA, 1999, p. 25
56
MYDIN, 1992
38
1.1.3 O “outro” nas lentes alemãs
As múltiplas vivências de fotógrafos em partes diversas do mundo resultaram num
olhar que, apesar das diferenças geográficas, culturais, sociais e políticas se traduziu em
imagens que se aproximam e apontam para práticas semelhantes, como demonstram os
exemplos analisados a seguir
57
.
Na década de 1870, em New South Wales, na Austrália, o fotógrafo alemão J. W.
Lindt retratou aborígines em seu estúdio. Em uma de suas fotografias, vê-se um pescador,
com seus utensílios defronte ao pano de fundo pintado com uma paisagem “genérica”. Ele é
mostrado de perfil, seu olhar mirando para longe, indicando o seu distanciamento e seu
deslocamento do território ocupado pelo europeu. Suas armas foram colocadas de lado e,
mesmo evidenciadas no primeiro plano, neutralizavam sua selvageria no ambiente de estúdio.
Como as plantas secas que compõem o cenário, ele também foi transformado em espécime.
Ressaltam-se os valores estéticos
58
que buscam romantizar e, de certa forma, mascarar o
“sacrifício da inocência pelo progresso”
59
(Fig. 14).
57
A maioria dos casos analisados foram de fotógrafos alemães, contemporâneos de Huebner, buscando uma
aproximação com o objeto de estudo.
58
Cf. JOSCHKE (2004): a fotografia antropológica, em especial aquela praticada pelos alemães ao redor do
mundo, privilegiava o senso estético, característica de um projeto maior de afirmação nacional. Ele aponta para a
importância da Exposição Fotográfica de Dresden (1909) que legitimou a parceria entre etnólogos e fotógrafos:
“tratava-se de algo muito maior do que a mera utilização da fotografia para a etnologia. Situava as imagens no
cerne do princípio de uma ação sobre a sociedade” enfatizando a educação estética.
59
POIGNANT, 1992, p. 54, trad. nossa
39
Fig. 14: J. W. Lindt, aborígine australiano, New South Wales, c. 1870.
Coleção RAI Library, Museum of Mankind, Londres.
Reproduzido de EDWARDS, op. cit.
40
Quando, em 1884, a Alemanha incorporou aos seus domínios a região da Namíbia, no
sudoeste africano, a fotografia foi largamente utilizada como ferramenta para o conhecimento
científico da região e a conseqüente legitimação da ocupação, através da ampla circulação de
imagens na sede do Reich. Em 1896, Karl Dove
60
publicou um livro, “Südwest-Afrika, Kriegs
uns Friedensbilder aus der ersten deutschen Kolonie”
61
, contendo principalmente fotografias
de tipos raciais e paisagens
62
. Ressalta-se, ainda, que na Namíbia foram realizadas inúmeras
pesquisas de campo com o intuito de comprovar cientificamente as teorias da superioridade
racial européia, em particular a alemã. O Serviço Colonial Alemão centralizou a produção
fotográfica, coletando sistematicamente a produção de exploradores, aventureiros e
funcionários imperiais. Com o avanço da dominação, era natural que se estabelecessem ali
também os estúdios fotográficos, produzindo retratos, vistas, fornecendo imagens para cartões
postais e até poses eróticas dos nativos. Hayes
63
aponta para a crescente economia da
fotografia unindo a Namíbia à Alemanha, especialmente durante as guerras de ocupação e
englobando a “etnografia, a imagem como bem de consumo, políticas públicas, missões
evangélicas, entre outros” (Fig. 15).
Muitos fotógrafos europeus vieram, também, para a América do Sul. A partir de 1850,
a região de Valdívia, no sul do Chile, recebeu um número significativo de imigrantes alemães,
entre os quais alguns fotógrafos que ali se estabeleceram. Em seus estúdios montados na
cidade ou no interior ainda selvagem, eles retrataram os europeus e os indígenas auracanos da
60
Entre 1892 e 1893, Karl Dove (1863-1922) viajou a serviço da “Deutschen Kolonialgesellschaft für
Südwestafrika” (Serviço colonial alemão para a África Sudoeste) para realizar pesquisas etnográficas e
levantamentos geográficos. De 1899 a 1907 foi professor de Geografia na Universidade de Jena. Em 1907
tornou-se diretor do Museu Etnográfico de Berlim.
Disponível em: http://www.freiburg-postkolonial.de/Seiten/Dove-Karl.htm
61
Africa do Sudoeste: imagens de guerra e paz da primeira colônia alemã
62
HAYES et al, 1998
63
ibid., p. 13, trad. nossa
41
Fig. 15: O estúdio fotográfico de Ernst Hecker na África Sudoeste Alemã, c. 1900.
Coleção National Archives of Namibia.
Reproduzido de HAYES, op. cit.
42
região. Pérez
64
lista diversos fotógrafos de origem alemã, entre os quais Christián Enrique
Valck e seus três filhos, Rodolfo Knittel Reinsh, Enrique F. Hermann e Hugo Rasmussen. A
análise de suas imagens revela olhares e estratégias semelhantes, direcionadas a presentificar,
evidenciar e, de certa forma, preservar o “estado de pureza racial e étnica” dos Mapuches
antes do contato com o homem branco e a mestiçagem.
Trabalhando em Taiguén, pequeno vilarejo próximo a Valdívia, destaca-se o chileno
Gustavo Milet Ramiréz que realizou uma vasta série de fotografias em formato cabinet
65
de
índios araucanos, abrangendo desde retratos individuais a grupos portando armas, utensílios e
outros objetos. Notam-se o chão de pranchas de madeira parcialmente coberto de palha, as
poses dirigidas e, particularmente, os fundos pintados com cenas que os deslocam para a
paisagem européia. Suas imagens possuem qualidades poéticas que criam uma atmosfera
expressiva e um cenário onde se desenrola o drama desses indivíduos e, eventualmente,
dessas culturas perdidas. Os códigos sociais para a fotografia em estúdio validavam-se tanto
para os europeus incluindo-se aqui os imigrantes, os chilenos e os mestiços como para os
nativos. Havia, porém, uma diferença de suma importância: enquanto os europeus
contratavam o fotógrafo para eternizar seu rosto e, portanto, assegurar sua identidade, os
indígenas eram levados para o estúdio e ali perdiam sua individualidade: pessoas se
transformavam em personagens anônimos representando outras realidades culturais (Fig. 16).
64
2001
65
Introduzido em 1866, o formato cabinet (aprox. 10 cm x 13 cm) foi uma alternativa mais sofisticada à carte de
visite (aprox. 6 cm x 9,5 cm), desenvolvida em 1854 por André Adolphe-Eugène Disdéri. Ambos eram montados
em cartão rígido, com fino acabamento artístico. Esses formatos permitiram a massificação e a popularização do
retrato, viabilizando, portanto, o estabelecimento dos estúdios fotográficos em todo o mundo (GERNSHEIM, op.
cit., ROSENBLUM, op. cit.;VASQUEZ, op. cit).
43
Fig. 16: Gustavo Milet Ramirez, Índios Araucanos, Chile.
Fotografia formato Cabinet, c. 1890
.
Reproduzido de PÉREZ, op. cit.
44
Fotógrafos alemães estiveram em atividade, ainda, no Peru e nas Américas do Norte e
Central. König
66
indica diversos deles atuando, também, como pesquisadores e se inserindo,
de maneiras diversas, na emergente Etnologia alemã do final do culo XIX que privilegiava
o trabalho de campo e a experiência vivenciada pelo próprio pesquisador. Nesse sentido, Paul
Hempel
67
reforça que os etnólogos alemães daquele momento tiveram uma relação muito
peculiar com o meio fotográfico. Através da estreita conexão da Etnologia alemã com os
Museus do final do século XIX e início do XX, o colecionismo influenciou a prática
etnográfica e o olhar fotográfico, valorizando a função da imagem tanto quanto a dos objetos
e artefatos. Inserem-se aí os “Atlas Tipológicos” produzidos e publicados por inúmeros
editores, fotógrafos e etnólogos, principalmente alemães. Trata-se de coleções de fotografias
de nativos, retratados, geralmente, de frente e de perfil, como os estudos antropométricos,
porém sem as escalas e réguas. Essas séries se massificaram em suportes diversos, como
álbuns, cartões postais ou mesmo as imagens individuais sendo disponibilizadas através de
catálogos e listagens
68
.
Essa prática é claramente exemplificada na publicação das imagens realizadas pelo
fotógrafo, pintor e etnólogo italiano Guido Boggiani na região do Chaco argentino, editada
em Buenos Aires (1904) pelo antropólogo alemão Robert Lehmann-Nitsche e intitulada “A
Coleção Boggiani de Tipos Indígenas da América do Sul Central”. Trata-se de um catálogo
em formato de cartão postal, com pranchas individuais que, conforme o editor destaca no seu
texto introdutório “permitem o manuseio [...], a comparação para fins educacionais”.
Lehmann-Nitsche exalta a qualidade artística das fotografias antropológicas que não “se
basearam nos princípios científicos estabelecidos” (Figs. 17 e 18).
66
2002
67
Em comunicado enviado ao autor (10/9/2008).
68
Conforme será abordado mais adiante, Huebner utilizou todos esses suportes para disponibilizar suas imagens
para os meios científicos e editoriais.
45
Fig. 17: Coleção Boggiani: folha de rosto e foto de grupo de índios Chamacoco, 1904
Arquivo Koch-Grünberg, Philipps-Universität, Marburg.
46
Fig. 18: Coleção Boggiani, Indio Chamacoco,
(Frente, perfil e costas), 1904.
Arquivo Koch-Grünberg, Philipps-Universität, Marburg.
47
Em contraponto, o atlas tipológico do antropólogo Theodor Koch-Grünberg,
“Indianertypen aus dem Amazonasgebiet nach eigenen Aufnahmen während seiner Reise in
Brasilien”
69
é um livro em grande formato, contendo 141 fotogravuras de alta qualidade
reproduzidas de fotografias realizadas por ele durante sua expedição de 1903-1905 ao alto Rio
Negro. Em sua viagem seguinte, a Roraima, em 1911-1913, Koch-Grünberg ordenou as
imagens em álbuns artesanais, seguindo a mesma lógica de agrupamento por tipos.
Comentando esse corpus fotográfico, Hempel
70
afirma que, mesmo contrariando algumas
tendências, a fotografia de tipos permaneceu até as primeiras décadas do século XX como
“elemento integrante da pesquisa etnográfica”. Em uma carta de 1921 a Karle Weule,
presidente do “Verein für Völkerkunde, Leipzig”, Koch-Grünberg reclama com o colega que
“as fotografias tipológicas de sempre são consideradas sem valor”, mas ressalta que “dentro
de algumas décadas, não sobrará quase nada desses povos e aí, talvez, ficaremos felizes de ter,
ao menos, algumas boas imagens suas”
71
(Fig. 19).
“Boas imagens” era, sem dúvida, o objetivo principal de todos os fotógrafos que se
dedicaram a registrar o exótico e o distante. Após sua primeira viagem ao Peru, em 1893,
Georg Hübner escreveu num artigo publicado em uma revista de viagens que o seu propósito
era reunir fotografias de lugares e tribos de índios desconhecidos. Esses empreendimentos,
geralmente, eram o resultado de esforços para superar dificuldades e mesmo perigos de toda
ordem, o que valorizava ainda mais as imagens. Eram comuns, no entanto, também alguns
momentos de descontração e alegria no fotografar. O etnólogo Karl Von den Steinen, em sua
viagem ao Brasil central, relatou detalhadamente alguns dos confrontos e encontros dos
nativos com a fotografia:
69
“Tipos indígenas da região amazônica, a partir de fotografias próprias realizadas durante suas viagens ao
Brasil”, editado em Berlim, 1906. Em 9/6/1903 ele comentou em seu diário que fotografara os índios Ipurinã, de
frente e de perfil, para o álbum de tipos indígenas que pretendia editar com Hübner na Alemanha. Essas fotos
foram realizadas no estúdio da “Photographia Allemã”, porém o álbum acabou sendo um projeto individual de
Koch-Grünberg.
70
2007
71
apud HEMPEL (2007) e KRAUS (2004), trad. nossa.
48
Somente após muita dificuldade o grupo de mulheres se posicionou. As mulheres
deixaram se arrumar e por em ordem, [o fotógrafo] Paul Ehrenreich estava pronto
para expor a chapa. Quando elas descobriram seu reflexo na objetiva, partiram para
cima da câmera para se ver mais de perto. As muitas agruras de um fotógrafo!
72
A obsessão pelo reconhecimento, a busca de prestígio e de realização impulsionou
grande parte dos fotógrafos a se aventurar aos lugares mais ermos do mundo. Georg Hübner
foi um deles, atraído à Amazônia, por sua natureza exuberante, seus povos ainda
desconhecidos e que ainda permanecia como um dos lugares do mundo a ser desbravado pelo
olhar fotográfico. Ao mesmo tempo, através da crescente produção e comércio da borracha,
ali se vislumbrava um futuro promissor.
72
1897, p. 94, trad. nossa
49
Fig. 19: Theodor Koch-Grünberg, Atlas Tipológico.
Acervo Museu da Cidade de Grünberg.
50
O sopro pestilento de uma pseudo-civilização anda por sobre os povos
morenos, que não possuem direitos. Como enxame de gafanhotos que tudo
destroem, penetram os bandos de desalmados coletores de caucho sempre
mais adiante. [...] Assim se destrói uma raça forte, um povo com excelentes
disposições de espírito e coração. Um material humano, capaz de
desenvolver-se, fica aniquilado pelas brutalidades desta moderna cultura
da barbárie.
Theodor Koch-Grünberg, 1908
1.2 A Amazônia de Georg Hübner
1.2.1 Manaus
Corria o ano de 1840. Enquanto nas metrópoles européias e mesmo na capital do
Império do Brasil, assegurava-se o pleno êxito técnico, econômico e social da fotografia, a
Amazônia emergia de um longo e violento conflito civil, conhecido como Cabanagem. A
revolta dos cabanos iniciou-se em 1832, na Província do Grão-Pará, alastrando-se nos anos
seguintes por grande parte da região. O abandono econômico, somado ao oportunismo
político pontuaram o embate ferrenho entre duas facções: de um lado, os brancos, portugueses
naturalizados e representados pelos presidentes do governo provincial nomeados do Rio de
Janeiro; e, de outro, todos os que a eles se opunham. Arthur Reis considera o movimento
como mais um “aspecto rudíssimo da falta de organização do Império, cujo governo regencial
não dispunha de recursos sérios para impor ordem, respeito às autoridades constituídas”
73
.
Para Márcio Souza, a Cabanagem, em seus aspectos políticos e militares, refletia a
desmontagem final do projeto colonial na Amazônia, indicando que “algo de muito profundo
havia acontecido em seu componente humano e apontava para o nascimento de uma
civilização original, sustentada demograficamente pelos novos amazônidas: os cabocos
74
.
73
1989, p. 170
74
2001, p. 42
51
Como “cabocos”, pode-se entender a população ribeirinha, pobre, explorada e que,
morando em cabanas ao longo dos rios, mal sobrevivia diante da precariedade do vasto
interior amazônico. Era composta de negros, mulatos, mamelucos, índios “aldeados” ou
“destribalizados”
75
, aos quais se juntaram alguns fazendeiros paraenses que, sob o comando
ideológico do cônego Batista Campos, derrubaram o presidente da província. Liderado,
sucessivamente, pelos cabanos Felix Malcher, Francisco Pedro Vinagre, Eduardo Francisco
Angelim, o movimento permaneceu no poder por quase oito anos.
A Cabanagem teve como conseqüência a catastrófica redução da população da região:
estima-se que morreram entre 12 e 40 mil pessoas, o que representava de 10% a 30% de toda
a população amazônica, além da extinção de tribos inteiras, vitimados em confrontos armados
ou por doenças devastadoras. Loureiro
76
ressalta que “nessa luta sem quartel, não se faziam
prisioneiros, nem se poupavam feridos”. Destruíram-se, ainda, os poucos ativos produtivos da
região: engenhos, fazendas, plantações e criações de gado. Acrescentando-se as péssimas
condições sanitárias, tanto nas duas emergentes cidades amazônicas Belém e Manaus
como no vasto interior ribeirinho, configurava-se um quadro nada promissor para a região
77
.
Até a primeira metade do século XIX, o Amazonas, como Comarca do Alto
Amazonas, ainda integrava a província do Grão Pará e Rio Negro. Em 5 de setembro de 1850,
foi elevado à categoria de província, com a capital instalada na vila de Manaus, ainda
conhecida como Barra do Rio Negro. Diferente de Belém, quase na foz do rio Amazonas e
contando, desde o século XVIII, com forte presença governamental, Manaus e o interior
amazonense permaneceram durante quase 300 anos isolados geografica, politica e
economicamente do resto do país e do mundo. Os lampejos iluministas da era pombalina do
75
Cf. LOUREIRO (2007): as populações indígenas continuavam sendo consideradas como “um grande estoque
de trabalhadores baratos e disponíveis, necessitando de subjugação, domesticação e adaptação à vida civilizada,
com a finalidade de trazê-los à produção carente de braços”. Mesmo não sendo submetidos à escravidão, muitos
indivíduos eram retirados de suas aldeias “destribalizados”, portanto - abandonando sua cultura e suas
tradições para trabalhos forçados a serviço do Estado ou de particulares.
76
ibid., p. 19
77
SOUZA, op. cit, p. 140
52
século anterior, que transformaram Belém e refletiram em parte do interior paraense, não
chegaram até os ermos da província
78
. A Amazônia imperial pós-cabana foi o “lugar da
sonolência e de exílios [...], uma terra que não mais provocará temores ao poder central,
subjugada e colocada na periferia pela conivência de seus líderes, como uma grande barca que
começava a adernar pela incompetência”
79
. Ali, conforme também aponta Silva
80
, construiu-
se a Amazônia brasileira, resgatando-se do “espírito colonial a feição de região bárbara e
inóspita, a condição de fronteira da Nação soberana, a situação de atraso econômico e
cultural, fundamentando, neste parâmetro, as diretrizes para a ocupação, para a civilização,
para a conformação da região à unidade dita nacional”.
A crescente atividade extrativista do látex da seringueira apontava para uma nova
forma de ocupação “civilizatória”. Entre 1850 e 1870, o governo imperial, buscando
fortalecer o vale do rio Amazonas, adotou medidas que visavam incorporar definitivamente a
região ao restante da Nação. Entre elas, destacaram-se: a criação formal da nova unidade
administrativa, a Província do Amazonas; a abertura dos principais rios a embarcações de
qualquer nacionalidade; e, talvez, a mais importante, a introdução da navegação a vapor
81
.
Em 1852, um decreto imperial concedia ao Barão de Mauá, através de sua Companhia
de Navegação e Comércio do Amazonas, a concessão da navegação a vapor no rio Amazonas,
estabelecendo a primeira linha regular na região
82
. O navio a vapor tecnologia que vinha
rasgando as distâncias oceânicas entre os continentes agora, ao subir o rio Amazonas e
78
Em meados do século XVIII, a capital paraense recebeu vultosos recursos para obras de infraestrutura e
modernização. Foram trazidos artistas e arquitetos europeus, entre os quais se destaca o italiano Augusto Landi,
autor do projeto de inúmeros prédios públicos e igrejas em estilo barroco tardio, porém antevendo em sua
concepção o neoclássico iluminista.
79
SOUZA, op. cit, p. 141
80
2007, p. 274
81
Diversos autores (DAOU, 1998, 2000; LOUREIRO, 2007; PENNINGTON, 2001; PONTES FILHO, 2000;
SILVA, 2007; SOUZA, 2001; REIS, 1982, entre outros) ressaltam a importância da introdução do transporte
fluvial a vapor, com repercussões geopolíticas, econômicas, sociais e culturais.
82
A primeira embarcação movida a vapor a subir o rio Amazonas foi o navio de guerra Guapiaçu da Armada
Nacional, perfazendo, em 1843, o percurso Belém-Manaus em nove dias. Loureiro (op. cit, p. 176) aponta que,
“apesar dos sombrios prognósticos” para essa viagem pioneira e desbravadora, ela foi realizada com relativa
facilidade.
53
penetrar nos seus afluentes, paranás e igarapés, começava, também, a posicionar o interior
amazônico no contexto mundial, permitindo a circulação mais rápida de pessoas, mercadorias
e informações. Em 1866, os rios da Amazônia foram abertos, também, à navegação
internacional e, no ano seguinte, foi criada a alfândega de Manaus. Loureiro
83
ressalta que
essas medidas impulsionaram a cidade para se tornar o mais importante pólo econômico da
região. Foram estabelecidas diversas companhias estrangeiras, principalmente inglesas,
implantando-se nas décadas seguintes as linhas regulares entre a Europa, os Estados Unidos e
Manaus
84
. Daou acrescenta, ainda, que, da mesma forma que em outros países e províncias as
ferrovias “tiveram caráter subsidiário e complementar aos corredores comerciais, a navegação
a vapor na Amazônia cumpriu inegavelmente este papel”
85
.
Vencidas, portanto, as enormes dificuldades de acesso ao interior amazônico abriram-
se os caminhos, ou melhor, os rios, para viagens e viajantes mais complexos. Muitas dessas
viagens pelo interior do Brasil foram parcialmente subsidiadas pelo imperador D. Pedro II,
inseridas em um empreendimento nacional de projeção da jovem nação brasileira. A partir da
segunda metade do século XIX, vieram inúmeros cientistas, fotógrafos e artistas europeus,
além de comerciantes que redesenharam um Brasil até então romantizado pelo olhar europeu
e que começava a construir sua memória e seus símbolos nacionais, civilizando-se como
anúncio do Novo Mundo”
86
(Fig. 20).
83
op. cit, p. 13
84
cf. PENNINGTON (2001): a Booth Steamship Company Ltd., incorporada em 1901, obteve um virtual
monopólio da navegação marítimo-fluvial entre a Amazônia e a Europa.
85
op. cit., p. 13
86
SEGALA, 1998, p. 146
54
Fig. 20: Embarcação a vapor “Cearense” no interior do Amazonas, c. 1870.
Acervo Museu do Porto de Manaus.
55
Em 27 de junho de 1859, desembarcava em Manaus o médico e naturalista alemão
Robert Ave-Lallemant
87
, após subir o rio Amazonas a bordo do navio Marajó que, seis anos
antes, fizera sua viagem inaugural. Em seu relato “Viagem pelo Norte do Brasil”, publicado
em 1860, ele tece rasgados elogios ao Barão de Mauá e à introdução da navegação a vapor na
Amazônia:
Então, um homem de raro tino comercial e arrojado espírito de iniciativa, a par de
sólida cultura, sentiu o que faltava ao rio e à sua longínqua província ocidental.
Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, a quem o Brasil, nos últimos tempos,
deve especialmente todos os seus progressos materiais, viu também que só pela
força do vapor se poderia tornar possível o impossível. Fundou a Companhia de
Navegação e Comércio do Amazonas sob dificuldades quase insuperáveis e seis
anos que navios a vapor sulcam a imensa rede fluvial do Amazonas
88
.
Antes, o trajeto de Belém a Manaus poderia levar mais de cinco meses, lutando contra
a violência da corrente que “só poderia ser vencida por velas; remos e varas não auxiliavam
muito contra a correnteza da massa de água do mar de água doce. Por isso, a viagem, subindo
o rio, era mais difícil do que para as Índias orientais”
89
. Loureiro
90
acrescenta que, até a
implantação das linhas regulares a vapor, o trajeto era percorrido por “40 a 50 barcos a vela”.
O comércio para o interior da Província era realizado por mais de duas mil canoas que
empregavam milhares de pessoas: “brancos e mamelucos, nas tarefas mais leves e de
comando; índios civilizados e gentios, cafuzos, negros e criminosos condenados às pensas de
87
Natural de Lübeck, Robert Avé-Lallemant (1812-1884), viajou extensivamente pelo mundo, em particular por
todo o Brasil, aportando aqui pela primeira vez em 1836. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde abriu um
consultório e, alguns anos depois, dirigindo um sanatório, desenvolveu pesquisas sobre a febre amarela. De volta
a Lübeck, manteve contato com o naturalista Alexander von Humboldt que o convidou a participar de sua
expedição para a América do Sul. No Rio de Janeiro, abandonou a expedição e prosseguiu sozinho suas viagens,
inicialmente por todo o sul, parte do sudeste e do nordeste do Brasil e, em 1859, pela Amazônia, subindo o rio
Amazonas de Belém aTabatinga. Seus relatos, ao mesmo tempo científicos e sentimentais, traçam um perfil
preciso de um Brasil que buscava se inserir no contexto mundial.
88
1980, p. 60
89
ibid., p. 60
90
op. cit., p. 173
56
galés temporárias ou perpétuas, como remeiros e tripulantes, num trabalho extenuante e
insuportável, com freqüentes motins e fugas”
91
.
Em 1856, Manaus tinha aproximadamente 9.000 habitantes. Lallemant
92
cita dados
demográficos compilados em 1852 pelo Capitão-tenente da Armada, Lourenço da Silva
Araujo e Amazonas: “900 brancos; 2.500 mamelucos ou descendentes de índio-europeus;
4.080 nativos (índios); 640 mestiços de negros e índios; e 380 negros escravos. 8.500 almas
ao todo, que tinham o seu variegado ménage em 900 fogos”. Assim ele descreveu o vilarejo
(Figs. 21 e 22):
Manaus está na verdade lindamente situada. As ruas da cidade, se é que se pode falar
de ruas ou duma cidade, consistem em meros lanços, términos, esquinas e
interrupções. Sobe-se e desce-se. Quase por toda parte, o largo, tranqüilo e escuro
rio, em baixo, ou segue-se por um caminho, descendo, para atravessar, por uma
modesta ponte de madeira, um igarapé, tão escuro quanto o próprio Rio Negro [...]
Um bando de meninos fuscos de tapuais (sic), banhando-se entraram de repente na
água, ou algumas sereias escuras saíram, nadando e rindo, da mata nas margens, o
corpo elástico meio escondido sob os cabelos negros, flutuantes, e sob o ligeiro
pardo-avermelhado da água, até desaparecer novamente sob a mata
93
.
Chamou-lhe a atenção, também, o grande número de indígenas e mestiços, que ainda
preservavam seus hábitos e costumes:
Nas verdes matas que descem até ao manso igarapé, espalham-se sem ordem as
plácidas malocas pardacentas, em cujo interior a rede, mbolo primordial, título de
nobreza da floresta, não cessa de balançar um momento, e embala, até finalmente
adormecer o dolce far niente herdado pelo tapuia dos seus antepassados
94
.
A abertura dos rios da Amazônia à navegação internacional e a introdução dos barcos
a vapor, certamente, provocaram expectativas nos habitantes da região. Lallemant previra
esse anseio, ao afirmar que “tudo parecia esperar alguma coisa, que deveria dar o verdadeiro
impulso [...]”
95
.
91
id.
92
op. cit., p. 103
93
ibid., p. 101
94
id.
95
ibid., p. 102
57
Figs. 21 e 22: Paul Marcoy, Manaus, 1848. Gravura a partir de aquarela
Acervo Museu Amazônico, Manaus.
58
Seis anos depois da viagem de Lallemant, aportavam na cidade outros viajantes, o
casal Louis e Elizabeth Cary Agassiz. Louis (1807-1873), naturalista, antropólogo e ictiólogo
suíço, fora atraído ao Brasil quando ainda muito jovem. Em 1829, por recomendação de
Alexander Von Humboldt
96
, com quem estudara, foi encarregado pelo botânico Karl Phillip
Von Martius de descrever os peixes colecionados no Brasil por ele e seu colaborador, o
zoólogo Johann Baptist Spix, na sua viagem no Brasil entre 1817 e 1820. Em 1848, tornou-se
professor de antropologia em Harvard e, em 1850, casou-se com Elizabeth Cary radicando-se
definitivamente em Cambridge onde fundou, em 1872, a Escola de História Natural.
No prefácio à sua obra Viagem ao Brasil 1865-1866
97
, ele relata as circunstâncias que
possibilitaram sua vinda:
No inverno de 1864-1865, senti a saúde tão abalada que os médicos me
aconselharam abandonar todo o trabalho e mudar de clima. Houve quem lembrasse
uma viagem à Europa; mas o interesse que deveria sentir um naturalista em se achar
de novo no meio do ativo movimento científico do Velho Mundo constituia
justamente um obstáculo. Não era que eu deveria procurar repouso para o
espírito
98
.
O “repouso para o espírito”, Agassiz encontraria em meio à natureza exuberante da
Amazônia. Mais adiante, ele refere-se ao importante apoio dado por D. Pedro II
99
que, em
outra ocasião, “havia testemunhado uma viva simpatia pela obra, a que eu me consagrara, da
fundação de um grande Museu zoológico nos Estados Unidos; cooperara mesmo para isso,
enviando coleções feitas por ordem sua, especialmente para tal fim”
100
. Tendo obtido,
96
Na primeira metade do século XIX, as viagens de naturalistas à América do Sul apontam, direta ou
indiretamente, para a obra de Humboldt.
97
Refiro-me, aqui, à edição brasileira, editada em 1938 pela Companhia Editora Nacional e com tradução e notas
de Edgar Süssekind de Mendonça.
98
AGASSIZ, 1938, p.9
99
cf. SCHWARCZ (1993) e SEGALA (1998): o monarca era conhecido como “mecenas da sciencia”.
Freqüentava pessoalmente e participava institucionalmente das exposições nacionais e internacionais, além de
incentivar a pesquisa científica, as expedições e construir os projetos de representação internacional do Brasil,
incluindo-se aí os fotográficos.
100
op.cit., p. 10
59
também, o apoio financeiro de Nathaniel Thayer
101
, “sempre um benfeitor solícito das
ciências”, Agassiz montou uma equipe que incluía amigos, colaboradores e homens da
ciência, entre os quais Jacques Burkhardt, desenhista; John G. Anthony, conquiologista;
Frederic C. Hartt e Orestes Saint-John, geólogos; John A. Allen, ornitólogo e seu aluno
William James, filósofo, fundador do pragmatismo e irmão do romancista Henry James;
contava, ainda, com a participação de Walter Hunnewell que iria realizar as primeiras
fotografias de tapuias em Manaus.
O minucioso relato é, ao mesmo tempo, diário e narrativa de viagem, descrição
científica e comentário histórico, social e cultural. A forma pela qual foi redigido merece
atenção. O livro foi, em grande parte, escrito por Elizabeth que se encarregou de acrescentar
impressões pessoais - muitas vezes carregadas de emoções - ao relato meramente científico.
No final do prefácio, Louis Agassiz dedica especial cuidado a essa concepção:
Um pouco para a satisfação de seus amigos, um pouco pela idéia de que me seria
util ligar umas às outras minhas observações científicas por meio de uma narrativa, a
Sra. Agassiz registrou dia a dia as nossas aventuras. Habituei-me desde logo a
fornecer-lhe a nota quotidiana do resultado dos meus trabalhos, bem seguro de que
ela nada deixaria a perder-se do que merecesse ser conservado. Devido a esse
sistema de trabalho, as nossas mútuas contribuições para o ‘Diário’ por tal fórma se
confundiram que nos foi de certo modo impossível distinguir a parte de cada qual
102
.
A Manaus que os viajantes encontraram não era muito diferente daquela descrita por
Lallemant: um vilarejo de casario baixo, em sua grande parte coberto de palha, formado por
ruas escuras e enlameadas em torno de uma fortificação há muito abandonada (Figs. 23 e 24).
101
A expedição é, muitas vezes, referida como a “Expedição Thayer”. A obra é dedicada a ele, com a seguinte
inscrição no frontispício: “Ao Sr. Nathaniel Thayer. Ao amigo cuja generosidade permitiu dar a esta viagem o
caracter duma expedição científica. A nossa gratidão oferece este volume”.
102
ibid., p. 14
60
Nas palavras de Elizabeth,
uma pequena reunião de casas, a metade das quais parece prestes a cair em ruínas, e
não se pode deixar de sorrir ao ver os castelos oscilantes decorados com o nome de
edifícios públicos: Tesouraria, Câmara Legislativa, Correios, Alfândega,
Presidência. Entretanto, a situação da cidade, na junção do rio Negro, do Amazonas
e do Solimões, foi das mais felizes na escolha. Insignificante hoje, Manaus se
tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação
103
.
Fig. 23: Jacques Burkhardt, “Brazilian Landscape: Manaos, 1865. Aquarela sobre papel.
Acervo Museum of Comparative Zoology Library, Harvard University.
Reproduzido de BELLUZO, 2000.
103
ibid., p. 247
61
Fig.24: Albert Frisch, Manaus - Rua Municipal, c. 1867. Fotografia.
Acervo Instituto Moreira Salles.
62
Quando escreveu seu relato, Elizabeth duvidava do futuro da Amazônia, condenada ao
isolamento e ao esquecimento: “parece bem longe o dia em que uma população numerosa
venha se fixar nas margens do Amazonas”
104
. Numa nota de rodapé (assinada “L.A.”), no
entanto, Louis exalta a abertura do Amazonas à livre navegação ressaltando que “aceleraria o
desenvolvimento da civilização nessas regiões desertas”
105
.
Na Manaus que Lallemant e Agassiz visitaram e descreveram ainda não se sentia,
portanto, o banzeiro
106
do progresso e da prosperidade que balançaria as estruturas
econômicas e sociais da região pouco mais de vinte anos adiante. Havia poucas escolas e até o
idioma português era rejeitado pela população, em sua grande maioria índios ou mestiços,
muitos dos quais ainda falavam nheengatu
107
.
Enquanto Louis se ocupava das observações e pesquisas científicas, Elizabeth
direcionava seu olhar para os hábitos e costumes dos habitantes da Amazônia ribeirinha e, em
Manaus, dos índios mestiços e semi-aculturados. Em uma passagem, intitulada “Passeios - os
aguadeiros”, ela descreve o prazer de, ao cair da tarde, caminhar na floresta vizinha e observar
os “aguadeiros”, “índios ou negros, que passam de volta por um estreito caminho trazendo na
cabeça um grande jarro vermelho de barro, cheio d’água”.
Elizabeth abre o nono capítulo da obra com um relato sobre um estúdio fotográfico em
Manaus, provavelmente um dos primeiros da cidade
108
. No trecho, intitulado “Atelier
fotográfico - Retratos de índios”, ela menciona que, enquanto aguardam a chegada de um
paquete vindo do Pará trazendo suprimentos para que pudessem prosseguir nas expedições,
104
ibid., p. 248
105
id.
106
Turbulência das águas dos rios e igarapés, provocada pela ventania ou fortes correntezas.
107
Trata-se da língua geral local, falada em algumas áreas do litoral e ainda hoje por algumas tribos da região
amazônica. A partir da Carta Régia de 1689 foi imposta como o idioma oficial da região pelos colonos
portugueses, a fim de facilitar a comunicação e de ampliar o poder dos portugueses sobre os índios.
108
Kossoy (2002a) lista os seguintes fotógrafos estabelecidos ou que tenham atuado no Amazonas na década
1860-1869: Albert Frisch, J. A. Herren, Walter Hunnewell, Guilherme Potter, Alberto Savot, Eduardo José
Sousa.
63
“tornou-se a ocupação dominante o estudo das variadíssimas misturas que se fazem entre as
duas raças, índios e negros, e dos cruzamentos tão freqüentes nesse país”
109
. Agassiz
110
e o
fotógrafo Walter Hunnewell
111
que, durante sua estada no Rio de Janeiro, aprendeu os
processos fotográficos e “adquiriu certa habilidade na arte da ‘semelhança garantida’”,
passam grande parte do tempo no estúdio improvisado na casa do Tesouro, fotografando os
tipos mestiços locais (Figs. 25a, b, c e d).
Ela comenta
112
que os preconceitos populares dificultavam o trabalho fotográfico, e
que
reina entre os índios e os negros a superstição de que um retrato absorve alguma
coisa da vitalidade do indivíduo nele representado e que está em grande perigo de
morte aquele que se deixa retratar. Tal idea está tão profundamente arraigada que
não foi fácil vencer as resistências. Aos poucos, porém, o desejo deles se verem em
figura vai dominando; o exemplo de alguns mais corajosos anima os tímidos e os
modelos vão se tornando muito mais faceis de conseguir do que a princípio
113
.
109
ibid., p. 343
110
Um dos objetivos da expedição de Agassiz era provar sua tese racial, anti-evolucionista, desmentindo, assim
Charles Darwin, cujo trabalho estava, à época, em grande evidência. Agassiz sustentava a teoria de que as
espécies eram imutáveis. O principal elemento de análise seria o crânio, servindo de prova entre a inter-relação
da inferioridade física e mental. Outro discípulo de Agassiz, Samuel George Morton, estudando os crânios de
diversas raças e múmias egípcias, classificou as raças humanas de acordo com a capacidade craniana. Em ordem
decrescente de volume, seriam os caucasianos os mais desenvolvidos, seguidos dos mongóis, dos malaios, dos
nativos americanos e dos negros; subdivisões mostravam que os teutônicos (alemães, ingleses e anglo-
americanos) tinham a maior capacidade craniana. Essas teorias comprovariam a inviabilidade de uma nação
composta de raças mistas. Era importante, portanto, retratar a variedade dos tipos humanos e a fotografia foi
importante para esse processo. Segundo Maria Helena Machado (2006), “a população brasileira, marcada como
era por um alto índice de miscigenação, tornava-se um laboratório ideal para o estudo das conseqüências dos
diferentes tipos de cruzamento na constituição dos indivíduos”.
111
Elizabeth relata que Hunnewell se aperfeiçoou na fotografia para prestar serviços à expedição quando não
fosse mais possível contar com os trabalhos dos artistas (op cit., p. 87).
112
ibid., p. 343-344
113
As imagens realizadas por Walter Hunnewell, em sua grande maioria de baixa qualidade técnica e indicando
claras condições de improviso, fazem parte do acervo do Peabody Museum, Harvard University (Cf.
http://www.peabody.harvard.edu/col). De acordo com Machado (op. cit.), “a coleção brasileira de fotografias
nunca foi divulgada, tendo para tal contribuído uma série de razões políticas e acadêmicas que acabaram por
inviabilizar o ambicioso projeto de Agassiz concernente ao estudo das raças humanas.” Essas imagens seriam,
certamente, as primeiras a retratar os habitantes da Amazônia in loco. Elas não mostram, no entanto, indígenas
“puros” e sim mestiços (caboclos e mamelucos). Ela descreve, ainda, a violência moral à qual foram submetidas
as pessoas fotografadas, tendo sido obrigadas a posarem nuas, contra sua própria vontade: “Não dúvida que
esta percepção estava correta, as fotografias do Bureau d’Anthropologie ainda hoje testemunham a violenta
apropriação de corpos e de almas, intentada em nome da ciência.”
Vasquez (2000, p. 82) atribui a Albert Frisch a autoria das primeiras imagens de índios brasileiros e, mais
importante, também as primeiras a terem ampla circulação, uma vez que foram exibidas na Exposição
Internacional de Paris de 1867.
64
Figs. 25 a, b, c, d: Walter Honnewell, Mestiços em Manaus, 1865.
Acervo Peabody Museum, Harvard University.
Vale lembrar, ainda, que, em 1844, E. Thiesson produziu cinco daguerreótipos de um casal de índios Botocudo
que foram levados para Paris como objetos de estudos científicos. Essas imagens foram pesquisadas por Marcos
Morel (2001); em seu artigo, ele ressalta que “estes daguerreótipos são, talvez, as primeiras fotografias de índios
feitas no mundo. Instaurar este tipo de primazia não é importante: outras fotos de seres humanos classificados
como índios podem ter sido tiradas antes e isso não alteraria em nada a dimensão destas imagens naquele
contexto e as interpretações que podemos fazer delas hoje. De qualquer maneira, vale ressaltar o pioneirismo
(sem nenhum sentido valorativo) da realização.”
65
Barthes
114
refere-se à íntima relação da fotografia com a morte, não daqueles que a
praticam - os fotógrafos (“não sabem que são agentes da morte”) - como da própria fotografia.
Ao procurar conservar e preservar a vida, a imagem produz a morte; não a morte ritual, mas
uma “Morte assimbólica, fora da religião, fora do ritual, espécie de brusco mergulho na Morte
literal. A Vida / a Morte: o paradigma reduz-se a um simples disparo, o que separa a pose
inicial do papel final”
115
.
Não foi apenas a fotografia que provocou temor nos indígenas. A segunda metade do
século XIX foi marcada por ações do governo provincial, entre as quais as inúmeras viagens
exploratórias ao interior, tanto de brasileiros como de estrangeiros. Já em 1852, num ciclo
iniciado pelo primeiro presidente da Província do Amazonas, Tenreiro Aranha, começavam as
primeiras expedições e comissões partindo de Manaus rumo aos altos rios, abandonados ou
até mesmo desconhecidos. Pouco a pouco, a presença brasileira foi se firmando nas
longínquas e vastas regiões do Solimões, do Negro, do Madeira, do Purus, do Japurá e das
outras calhas fluviais. Muitas dessas incursões visavam o reconhecimento e ocupação de áreas
onde já se iniciava a produção de borracha e a procura de novas zonas produtoras. Loureiro
116
aponta que, em 1857, “noticiava-se que 5.000 pessoas encontravam-se, no Madeira, no
trabalho de extração”. Era conhecida, também, a grande concentração de seringueiras no
Purus que, nos anos seguintes, se transformaria no maior centro produtor mundial de borracha
natural.
Através das “Diretorias dos Índios”, implantadas desde 1845
117
, os indígenas deveriam
ser protegidos das incursões dos brancos, organizando-os em comunidades produtivas, com o
intuito de prepará-los para a “assimilação”. Apesar das boas intenções, o regime foi um
114
1984, p. 137
115
ibid., p. 138, ênfase nossa
116
op. cit., p. 101
117
Os funcionários das Diretorias diretores, diretores parciais, encarregados de rios e missionários diretores
recebiam patentes militares e plenos poderes sobre os indígenas das áreas sob sua jurisdição.
66
fracasso. Segundo Reis, “os índios, em estado de selvageria, assaltavam embarcações,
atacavam povoados, depredavam, matavam”
118
. Em pouco tempo, as aldeias foram se
transformando em “núcleos de arregimentação de trabalhadores, alugados a particulares,
remetidos para as obras públicas provinciais ou usados em proveito dos próprios diretores”
119
.
As “Diretorias” foram extintas em 1866, tendo sido, no entanto, mantido o cargo de diretor-
geral e ampliada a catequese por missionários.
Além de acelerar a extinção de inúmeras etnias, o avanço para o interior foi, também,
afastando os indígenas das beiras de rios, empurrando-os para as áreas de terra firme, cada vez
mais distantes. Os viajantes europeus das últimas décadas do século XIX, em especial os
etnólogos alemães, foram influenciados por essas circunstâncias. O pioneirismo científico,
aliado à convicção de que os povos nativos e suas culturas estavam rapidamente se
extinguindo, são apontados por Kraus
120
como os objetivos mais significativos de suas
expedições científicas. Acrescenta-se, ainda, a descrição, a coleta de sua cultura material para
formar as coleções dos emergentes museus de etnografia e, claro, a fotografia como elementos
constitutivos desse impulso “preservacionista”. Em diversas ocasiões, Huebner em suas cartas
a Theodor Koch-Grünberg
121
apontou, também, para essas questões. Em 16/10/1905,
referindo-se aos indígenas na região do rio Jauperi, afluente do rio Branco, ele escreveu que
Uma grande quantidade de diferentes tribos deve existir rio acima. Estima-se que
sejam mais de 6.000 indivíduos. Por enquanto, os índios ainda são os donos desse
rio, mas logo serão desalojados pelos seringueiros.
118
op. cit., p. 210
119
LOUREIRO, op. cit., p. 67
120
2007, p. 98
121
Huebner e Koch-Grünberg se conheceram em Manaus em 1903, quando o antropólogo realizou sua primeira
viagem à Amazonia, para pesquisar os indígenas do alto rio Negro. A partir daí, eles estabeleceram laços de
amizade e colaboraram profissionalmente durante quase 22 anos, até sua morte prematura por malária, em 1924,
em Vista Alegre, no atual estado de Roraima. Esse relacionamento e seus desdobramentos serão abordados no
capítulo III.
67
1.2.2 A riqueza da “árvore que chora”
Por trás de todo esse processo está a borracha, produzida pela seringueira (Hevea
brasiliensis) e desde muito tempo conhecida pelos índios
122
. Através de cortes no seu tronco,
eles extraíam a seiva que, após ser cozida, se tornava elástica e impermeável. O nome
“seringa” foi dado pelos portugueses a um artefato como “uma bomba sem êmbolo, em forma
de pêra oca, feita de borracha, com orifício na extremidade, no qual se adaptava uma cânula.
Invenção dos índios, que tinham o hábito singular de utilizá-la, como limpeza de campo,
antecedendo aos jantares de gala...”
123
.
Após sua descoberta pelos europeus, a borracha começou a ser utilizada como
matéria-prima de produtos industriais. Em 1770, o cientista inglês Joseph Priestley descobriu
que ela se prestava para apagar riscos de grafite. Em 1823, o escocês Charles Mackintosh
permeou tecidos, lã e couro com borracha, tornando-os à prova d’água e resistentes à
umidade. Em 1839, o americano Charles Goodyear e, logo em seguida, o inglês Thomas
Hancock descobriram e aperfeiçoaram o processo de vulcanização, adicionando enxofre à
borracha quente, gerando um produto mais durável, estável e resistente às alterações da
temperatura ambiente. Na segunda metade do século XIX, multiplicaram-se as aplicações
práticas da borracha. Na Exposição Universal de 1876, em Paris, foi apresentada como
revestimento de pneus para carruagens, tornando a viagem mais macia e confortável para os
passageiros. Luvas cirúrgicas, bolsas, sapatos impermeáveis e preservativos começaram a ser
fabricados a partir do látex amazônico
124
.
122
Em 1743, o geógrafo e matemático francês Charles Marie de la Condamine percorreu todo o rio Amazonas,
da nascente até a foz. A ele é creditado o “descobrimento” da seiva da seringueira: “a resina chamada cautchu
(‘árvore que chora’) nas terras da província de Quito, vizinhas ao mar, é também muito comum nas margens do
Marañon e se presta para os mesmos usos. Quando fresca, pode ser moldada na forma desejada. É impermeável à
chuva, mas o que a torna mais notável é sua grande elasticidade. Fazem-se garrafas que não são frágeis, botas,
bolas ocas, que se achatam quando apertadas, mas retornam à forma original quando cessa a pressão” (LA
CONDAMINE, 1992).
123
TOCANTINS, 1982, p. 100
124
GHEERBRANT, 1988, p. 80; DAOU, 2000, p. 19
68
Em 1888, John Dunlop ajudou seu filho a ganhar uma corrida de bicicletas amarrando
uma tira de borracha em cada roda e inflando-as. Ele patenteou o pneumático, dando um
impulso à emergente indústria automobilística
125
: “enquanto o mundo corria sobre as quatro
rodas do automóvel, a Amazônia corria rumo a uma prosperidade jamais vista”
126
.
A
exportação de borracha foi aumentando significativamente, ocupando, no início do século
XX, lugar de destaque na pauta comercial brasileira (Quadro I).
QUADRO I
EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DE BORRACHA
ANO TONELADAS
1827 31
1850 1.467
1870
6.591
1890
16.934
1900
26.750
1909 42.000
1912 43.370
(fontes: TOCANTINS, op. cit., p. 113; BENCHIMOL, 1999, P. 211)
Foi através da economia da borracha que a Amazônia se inseriu na modernidade. A
borracha era um “material do progresso” que refletia os avanços da tecnologia e o “domínio
da natureza pelo homem”. Foi o “veículo do progresso material das elites amazônicas,
proporcionando-lhes uma inserção particular na dinâmica das trocas materiais e
simbólicas”
127
. Na Europa e nos Estados Unidos, os produtos fabricados a partir da matéria-
prima vegetal identificavam-se diretamente com os conceitos de “civilização
128
e
125
O primeiro automóvel movido a motor de combustão de gasolina foi construído em 1885 por Karl Benz.
126
TOCANTINS, 2000, p. 194
127
DAOU, op. cit., p. 21
128
cf. ELIAS (1994, p. 24). O conceito de “civilização” tem significados diferentes para ingleses e franceses, por
um lado e alemães, por outro: “para os primeiros, o conceito resume em uma única palavra seu orgulho pela
importância de suas nações para o progresso do Ocidente e da humanidade”. Para os alemães, Zivilisation” é
um “valor de segunda classe, compreendendo apenas a aparência externa dos seres humanos, a superfície da
existência humana”. Eles se interpretam e se orgulham em suas realizações e em sua existência no conceito de
Kultur”. Enquanto “civilizaçãoaponta para fatos políticos, econômicos, religiosos, técnicos, morais e sociais,
Kultur” alude basicamente a fatos intelectuais, artísticos e religiosos, traçando, inclusive, uma clara linha
divisória entre esses tipos de fatos.
69
contribuíram para “satisfazer os anseios de humanização e progresso, atingindo os povos, por
seu intermédio, novas metas de bem-estar e felicidade”
129
. As cidades e os seringais
amazônicos tornaram-se novos e promissores mercados para os produtos e serviços da era
industrial. Por outro lado, criou-se, também, uma nova elite que se orgulhava de fazer parte
desse processo civilizatório, calcado na “crença de que o progresso material possibilitaria à
humanidade resolver todos os problemas com razão e bom senso”
130
. Incluíam-se nesse
grupo, entre outros, os donos de seringais
131
; os comerciantes exportadores de borracha e de
outros produtos extrativistas, como a castanha, o cacau, os óleos essenciais e madeiras;
comerciantes importadores de produtos industriais e agrícolas nacionais e estrangeiros;
prestadores de serviços diversos, como artistas, artesãos e fotógrafos; profissionais liberais,
técnicos e burocratas; representantes de governos e empresas internacionais.
Enquanto as cidades acomodavam as elites e recebiam um grande número de
trabalhadores
132
, mais de 300.000 nordestinos
133
migraram para o interior, fugidos da seca e
vislumbrando oportunidades de trabalho na extração do látex na floresta. Nos seringais,
trabalhava-se duro para extrair o látex. Entregue ao dono do seringal que, por sua vez o
129
TOCANTINS, op. cit., p. 113
130
DAOU, op. cit., p. 22
131
TOCANTINS (op. cit., p. 114) destaca que os seringalistas - donos de seringais e, portanto, patrões,
aparecem como atores sociais inéditos na estrutura regional. Muitos foram, ainda, enobrecidos com o título de
“Coronel”, que “o dinheiro e a conseqüente posição social acabaram impondo ao consenso público”.
132
DIAS (2007, p. 30) aponta para a grande carência de mão-de-obra especializada nas cidades, em particular
Manaus, cuja população durante muito tempo era em sua grande maioria formada por índios destribalizados e
mestiços.
133
Cf. LOUREIRO (op. cit., p. 49): em 1876 a Província do Amazonas formulou um plano de imigração e
colonização através do qual seriam “contratadas famílias, com um ano de alimentação, casas e terras, além de
aproveitados os 30.000 índios existentes, pela catequese e pela formação de núcleos, ensinando-lhes a
agricultura”. Entre 1877 e 1878, afirma ele, chegaram em Manaus 827 cearenses, número que cresceu
significativamente nos anos seguintes. Não indicadores precisos, pois muitos imigrantes seguiam diretamente
para os seringais dos rios Purus e Madeira. No entanto, BENCHIMOL (1999, p. 136) aponta para as seguintes
estatísticas: “as secas de 1877 e 1878 deslocaram 19.910 retirantes. Em 1892 as entradas registraram uma
imigração de 13.593 nordestinos. No triênio 1898-1900 [...] entraram 88.709 migrantes. [...] De 1900, passando
pelo apogeu de 1910, até a depressão, estimamos que a Amazônia recebeu mais 150.000 cearenses, totalizando
assim 300.000 imigrantes nordestinos no período de 1877 a 1920”.
70
repassava aos regatões
134
, o produto percorria as longas distâncias dos rios amazônicos e
chegava às casas aviadoras de Manaus e de Belém valendo dezenas de vezes mais. Os
seringueiros, no entanto, acumulavam dívidas cada vez maiores com seus patrões. Numa
relação perversa e de semi-escravidão, retiravam nos barracões as mercadorias necessárias ao
seu sustento, pagando-as com a própria produção do seu trabalho: “O (seringueiro) era
aparentemente livre, mas a estrutura concentracionária do seringal o levava a se tornar um
escravo econômico e moral do patrão [...] um vegetal do extrativismo”
135
. Por toda a
Amazônia, nos longínquos meandros dos rios, os seringais configuravam-se em mais um
braço da ampliação da economia européia do final do século XIX.
O jovem Hübner fora também atraído pela borracha, quando empreendeu sua primeira
viagem à América do Sul e, após seu retorno à Alemanha, publicou, em 1893, na Globus seu
artigo, Iquitos e os seringueiros do rio Amazonas”, ilustrado com gravuras a partir de suas
próprias fotografias e onde ele descreve detalhadamente a coleta e comercialização da
borracha. São dele as primeiras fotografias que retratam a atividade (Figs. 26 a 30).
134
Comerciantes, geralmente, turcos, sírios, libaneses ou judeus, que partiam nos navios a vapor para os altos
rios carregando mercadorias e gêneros e regressando com os porões repletos de seringa.
135
SOUZA, op. cit., p. 183
71
Fig. 26: George Huebner, Seringal “Eldorado”, Rio Juruá. Cartão postal colorizado, c. 1902.
Coleção Elysio Belchior, Rio de Janeiro.
Fig. 27: George Huebner, Seringal “Japurá”, Rio Juruá. Cartão postal, c. 1902.
Coleção Elysio Belchior, Rio de Janeiro.
72
Figs. 28, 29 e 30: George Huebner, A Borracha no Amazonas, 1904. Cartão postal.
Coleção Joaquim Marinho, Manaus.
Huebner documentou detalhadamente o cotidiano nos seringais, bem como o processo de extração
da borracha. Algumas dessas fotografias foram reproduzidas em uma série de postais, divulgando e
massificando, pela primeira vez, essa atividade em todo o mundo.
73
A economia do extrativismo se implantou nas duas grandes cidades amazônicas,
Belém e Manaus, que se transformaram nas modernas capitais da borracha. Manaus recebeu
vultosos recursos oriundos dos impostos sobre a exportação, uma vez que medidas fiscais do
governo republicano asseguraram a permanência de tributos e taxas na Província do
Amazonas. A partir da década de 1890, começaram as primeiras obras públicas de
urbanização na cidade, visando adequá-la física e socialmente como centro produtor de
riquezas e, principalmente, inseri-la no contexto internacional do progresso e da civilização.
Onde “tudo ainda estava por ser feito”
136
, tornou-se missão dos governantes fazê-lo. O
primeiro a tomar si esse projeto foi o jovem engenheiro militar maranhense Eduardo Ribeiro
que, em seu segundo mandato de governo entre 1892 e 1896, transformou a rude e precária
aldeia em sua sonhada “Paris da Selva”. Chamado de “O Pensador” imaginava “projetar para
o mundo a imagem de uma cidade moderna e civilizada” onde antigos hábitos locais deveriam
ser expropriados e impondo-se os padrões vigentes no mundo europeu
137
.
A situação geográfica de Manaus imprensava-a entre o rio e a selva (Figs. 31 e 32). O
espaço urbano competia, ainda, com a presença da natureza, muitas vezes agressiva e
impertinente. Os igarapés que rasgavam a cidade alternavam-se entre a cheia e vazante,
acompanhando o ciclo anual dos rios. Eduardo Ribeiro poderia ter transformado Manaus
numa Veneza tropical, aproveitando o traçado dos caminhos de água. Preferiu, no entanto,
utilizar as mais modernas técnicas, aterrando e drenando a maioria dos canais naturais,
transformando-os em amplas vias públicas.
136
Cf. mensagem do Governador Eduardo Ribeiro, em 10/7/1893: “De grandes melhoramentos necessita
Manaus para seu bem-estar e progressivo desenvolvimento. Pode-se dizer, sem exagero, que tudo está por fazer”
(apud DIAS, op. cit., p. 55).
137
DIAS, op. cit., p. 34
74
Fig. 31: George Huebner: Porto de Manaus, c. 1904. Cartão Postal.
Coleção Museu da Imagem e do Som do Amazonas, Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas.
A cidade imprensada entre o rio no primeiro plano e a selva ao fundo.
Fig. 32: George Huebner: Lago nas margens do Rio Negro, c. 1901. Fotografia reproduzida no
“Álbum do Amazonas 1901-1902”.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro.
75
Tomando como modelo o plano urbanístico de Paris elaborado pelo Barão de
Haussman, Eduardo Ribeiro concebeu um traçado com vias paralelas e transversais, abrindo
ruas em direção à mata e transpondo os igarapés com pontes de ferro. As novas construções
buscavam o eclético moderno, de linhas arrojadas e utilizando novas tecnologias, como o
ferro e o vidro, além de pedras e tijolos, muitas vezes trazidos como lastro no porão dos
navios cargueiros na sua viagem de volta da Europa, após descarregar sua valiosa carga de
borracha.
As transformações da cidade foram realizadas a partir de planos e projetos conduzidos
por legislação própria. Dias
138
cita leis e regulamentos
139
que agiram não apenas sobre o
espaço físico, como apontavam, também, para uma nova sociedade, com hábitos e atitudes
apropriadas à nova ordem e ao progresso civilizado. A cidade foi, portanto, “pensada como
moderna”, onde os códigos de posturas legitimavam as ações e serviam de “artifício para a
consecução de uma nova sociedade”, “restringindo posturas e hábitos indesejáveis” e
“estimulando atitudes mais apropriadas a uma ‘cidade sonhada’ e adequada ao ‘progresso’ e à
ordem pretendidos”
140
.
Durante os governos de Ribeiro e de seus sucessores foram abertas largas avenidas,
ruas arborizadas e calçadas com paralelepípedos de granito português; foram construídas
praças com monumentos e fontes em bronze, mármore e ferro fundido; implantaram-se os
serviços de bondes elétricos (1894), eletricidade e iluminação pública (1895/1896),
abastecimento de água e redes de esgoto (1906); instalaram-se as redes de telefonia local e de
telégrafo interestadual e internacional através de cabo submarino conectando Manaus e Belém
à Europa e aos Estados Unidos. Em 1902 iniciou-se a construção do cais flutuante, conhecido
138
op. cit., p. 167
139
Entre outros, o Código de Posturas, 1890; Código Municipal, 1893; Regulamento para veículos na capital,
sessão, no. 55, 1893; Código de Posturas Municipais, 1896; Regulamento do Serviço Sanitário do Amazonas,
1903; Código de Posturas do Município de Manaus, 1910.
140
DAOU, op. cit., p. 35
76
como “Roadway” complexa obra de engenharia concluída em 1909 e formando o complexo
de transporte e de comércio importador/exportador com o prédio da Alfândega, construído em
1905 com materiais e equipamentos importados da Inglaterra. Acrescentam-se, ainda, o
Palácio da Justiça, o Palácio do Governo, a Penitenciária, a Biblioteca, escolas públicas e o
Teatro Amazonas, no alto da Avenida Eduardo Ribeiro, símbolos da nova sociedade
manauense: “Justiça, Poder, Cultura, Lazer, Ordem e Progresso valores da sociedade
capitalista que ganham materialidade nas prioridades eleitas para as construções e
investimentos públicos”
141
. A elite consolidada e abastada pela pujante economia da borracha,
agora “apropria-se da cidade que conquistou como lugar privilegiado da consagração da
distinção” e deslumbra-se na confirmação da “efetiva viabilidade de civilização em tão
remota paragem”
142
.
Era necessário, também, eliminar de uma cidade que se propôs e se fez “civilizada”
tudo que significasse possíveis ameaças ou temores para os investimentos de capitais e,
conseqüentemente, à sociedade. Segundo Dias
143
, foram criados mecanismos para “excluir do
espaço urbano os pobres, desocupados, doentes, pedintes, prostitutas, vadios etc”, uma vez
que na “cidade do fausto”, eles agrediam e ameaçavam a “ordem e a harmonia [...] que se
projetava na representação burguesa como limpa, ordeira e sem problemas”
144
(Figs. 33, 34,
35, 36, 37, 38, 39 e 40).
141
DIAS, op. cit., p. 70
142
DAOU, op. cit., p. 38
143
op. cit., p. 120
144
Cf. FOUCAULT (op. cit., p. 121): “A disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no
espaço”. O surgimento do pobre, do vadio, do pedinte e de outros marginalizados do processo social aconteceu
junto ao crescimento dos espaços públicos ordenado pela lógica do capitalismo moderno.
77
Fig. 33: George Huebner, Praça Tamandaré, c. 1901. Fotografia reproduzida no “Álbum do Amazonas
1901-1902”.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro.
Fig. 34: George Huebner, Rua Municipal, c. 1901. Fotografia reproduzida no “Álbum do Amazonas
1901-1902”.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro.
A cidade moderna em construção.
78
Figs. 35 e 36: George Huebner, Av. Eduardo Ribeiro, c. 1901. Fotografias reproduzidas no “Álbum do
Amazonas 1901-1902”.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro.
79
Fig. 37: George Huebner, Bombas electricas, c. 1901. Fotografia reproduzida no “Álbum do
Amazonas 1901-1902”.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro.
Fig. 38: George Huebner, Vista panorâmica de Manáos, c. 1906. Cartão Postal.
Acervo Museu da Imagem e do Som do Amazonas, Secretaria de Cultura do Amazonas.
80
Fig. 39: Cúpula do Teatro Amazonas. Fotografia Andreas Valentin,1996.
Fig. 40: Tampa de bueiro em ferro fundido. Fotografia Andreas Valentin,1996.
81
Em 1905, Euclides da Cunha
145
, em sua primeira passagem por Manaus, sintetizou os
contrastes que saltavam aos olhos dos visitantes e viajantes:
rasgada em avenidas, largas e longas pelas audácias do Pensador [...] uma grande
cidade, estritamente comercial, de aviadores solertes, zangões vertiginosos e
ingleses de sapatos brancos. Comercial e insuportável. O crescimento abrupto
levantou-se de chofre fazendo que trouxesse, aqui, ali, salteadamente, entre as
roupagens civilizadoras, os restos das tangas esfiapadas dos tapuias. Cidade meio
caipira, meio européia, onde o tejupar
146
se achata ao lado de palácios e o
cosmopolitismo exagerado põe ao lado do ianque espigado o seringueiro
achamboado [...] a impressão que elas nos incute é a de uma maloca transformada
em Gand...”
147
.
Por outro lado, em seu elogio ufanista às riquezas e belezas do Amazonas, o Barão de
Santa-Anna Nery
148
exalta na segunda edição do “Paiz das Amazonas”, editado em 1899, as
múltiplas marcas do progresso e da civilização implantadas na cidade e apresentando-as como
espetáculo da sociedade industrial:
Manaus, hoje, graças principalmente ao Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro [...] tornou-
se uma bela cidade de quarenta e cinco mil habitantes, com grandes possibilidades
de crescer e de se embelezar. [...] A iluminação a óleo foi substituída, sem transição,
pela eletricidade, da qual Paris ainda se acha privado em grande parte [...] O serviço
telefônico está igualmente instalado [...] conta com 300 assinantes e instalou 355
aparelhos em residências particulares ou nas administrações públicas. [...] Uma linha
de bondes a vapor, atualmente em vias de substituição pela tração elétrica, funciona
na cidade e nos arredores. [...] Grandes avenidas, largas e arborizadas, que com o
145
Cf. BRAGA (2002, p. 203): em agosto de 1904, Euclides da Cunha foi nomeado pelo Barão do Rio Branco
para chefiar a Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus, com a missão de fazer o levantamento
cartográfico das cabeceiras do rio em uma região de conflitos de fronteira com a Bolívia. Chegou a Manaus em
30 de dezembro e em abril do ano seguinte partiu para as nascentes do rio Purus. Em outubro voltou para
Manaus, onde permaneceu até dezembro, antes de retornar ao Rio de Janeiro. Conforme informação enviada por
email pelo pesquisador paraense Felipe Rissato, um dos retratos mais conhecidos de Euclides da Cunha foi
realizado por George Huebner no estúdio da “Photographia Allemã”.
146
Cf. Gilberto Freyre, “Sobrados e Mucambos”: um tipo de cabana ou palhoça, herança dos indígenas, porém
com traços arquitetônicos coloniais portugueses.
147
apud BRAGA, 2002, p. 43, 48
148
O teólogo e escritor paraense Frederico José de Santa-Anna Nery (1848-1901) mudou-se para Paris em 1874,
onde fundou a Sociedade Internacional de Estudos Brasileiros. Em 1885, publicou a primeira edição de Le Pays
des Amazones (Paris: L. Finzine), com versões posteriores em outras línguas e que marcou profundamente a
imagem do Amazonas na Europa na passagem do século. É seu o texto introdutório ao álbum “O Pará em 1900”,
comemorativo dos 400 anos do Brasil e a ele atribuído o texto ao final do “Album do Amazonas: 1901-1902”.
82
tempo se transformarão em esplêndidos boulevards, cortam o bairro central, e fontes
decorativas começam a refrescar a cidade
149
.
Atraindo gente de diversas origens sociais e geográficas, Manaus tornou-se cada vez
mais cosmopolita. Para vieram portugueses, italianos, ingleses, norte-americanos, sírios,
libaneses, franceses e alemães, chamando a atenção de viajantes e visitantes: “em que pese o
cosmopolitismo desta Manaus, onde em cada esquina range o português emperrado ou rosna
rispidamente o inglês e canta o italiano”
150
. Ou, ainda, nas observações de Theodor Koch-
Grünberg, anotadas nos seus diários de campo,
até as 23:30 h, sentado com Dusendschön e outros alemães na Avenida – uma bela e
larga rua que conduz ao Teatro e ao Palácio da Justiça – num café 24 horas, ponto de
encontro da ‘haute volée’ local
151
.
ou transcritas para seus livros:
Depois do pôr-do-sol, a gente se encontra aqui junto das pequenas mesinhas
redondas, para tomar um ‘chopp’ bem gelado, um ‘whisky com soda’ ou uma
limonada mais suave. Conversam, fazem barulho, fecham negócios, falam da
política, especialmente os senhores mais idosos. Fazem um joguinho, bilhar, xadrez,
dados e ainda encontram tempo para criticar as elegantes damas do mundo e do
submundo que passeiam para serem vistas entre as mesas colocadas nos largos
passeios
152
.
Essas novas formas de sociabilidade ampliaram “as esferas de contato social, de
exibição pública” implicando na ampliação dos espaços públicos e mudanças nos hábitos dos
habitantes locais daqueles que vieram de outras regiões. A belle époque amazônica mostrou-
se espetacular “no dinamismo da vida social e na multiplicação das interações sociais”
153
. O
clima quente e úmido, certamente, favoreceu o convívio e o contato ao ar livre. Como a
149
NERY, 1979, p. 104-105
150
Euclides da Cunha, em carta a Afonso Arinos de Mello Franco, apud BRAGA, op. cit., p. 42
151
KOCH-GRÜNBERG, diário, 3/6/1903
152
KOCH-GRÜNBERG, 2005, p. 29
153
DAOU, op. cit., p. 40, 41
83
remota Paris, também Manaus induzia ao hábito de flanar e de ver e ser visto, principalmente
nos teatros da cidade.
No alto da principal avenida, ergue-se o maior deles
154
, o Teatro Amazonas em cujos
palcos se apresentavam, regularmente, companhias estrangeiras, para o deleite das elites
manauaras. Inaugurado no último dia de 1896 pelo governador Fileto Pires Ferreira, que
sucedeu a Eduardo Ribeiro
155
, o prédio tem uma arquitetura eclética marcante, contrastando o
neoclássico da fachada com elementos art-nouveau e sobressaindo-se sua cúpula alegórica
revestida de azulejos vitrificados e representando a ordem republicana. Em frente ao teatro, na
Praça São Sebastião, um monumento homenageando a abertura dos portos da Amazônia à
navegação estrangeira e com alegorias simbolizando os quatro continentes. O calçamento de
pedras portuguesas pretas e brancas forma desenhos sinuosos que remetem aos meandros dos
rios e ao encontro das águas escuras do rio Negro com as mais claras do Solimões, próximo
ao sítio geográfico de Manaus
156
.
Como os palácios de vidro e ferro, erguidos nas exposições universais das cidades
européias e norte-americanas, o Teatro Amazonas, simboliza e traduz para a linguagem dos
trópicos a visão do moderno refletida no “otimismo ilustrado e ciclópico de seus
idealizadores”
157
. A casa de ópera (“opera house”), “catedral característica da cultura
burguesa”
158
, era o monumento mais emblemático das elites manauaras, “o grande salão da
‘alta sociedade’”
159
. Ainda conforme Hardman
160
, as elites brasileiras, a começar pelo próprio
imperador e, mais adiante, os sucessivos governos republicanos, “estavam propensas [...] a
converter cada elemento da paisagem em matéria-prima, a se deixar seduzir pela atmosfera de
154
“Grande demais”, anotou Theodor Koch-Grünberg em seu diário de campo, 1903.
155
A obra foi parcialmente concluída em 1898; em 1902 foi inaugurado o salão nobre.
156
O padrão pode ter servido de modelo para o calçamento da orla de Copacabana.
157
HARDMAN, op. cit., p. 70
158
HOBSBAWM, 1988, p. 53
159
DAOU, op. cit. p. 52
160
ibid., p. 101
84
‘chuva, vapor, velocidade’, enxergando, afinal, assim também, seu próprio país”. Em Manaus,
a paisagem urbana, na sua incompletude moderna
161
, confronta as forças da natureza. E, no
clima quente e úmido marcado por meses de intensas chuvas, vem à mente a imagem da
pintura de William Turner
162
. Vapor, sfumatto, aroma, sons: experiência multisensorial da
água em choque com o macadame escaldante.
Uma cidade com os confortos da vida moderna, cosmopolita e com reais
oportunidades comerciais; uma natureza exuberante, provocadora e relativamente acessível;
habitantes da floresta, cujas imagens, certamente, ainda causavam espanto nos europeus.
Seriam esses os atrativos que levaram o jovem saxão Georg Hübner a deixar Dresden e se
radicar, definitivamente, em Manaus? Ou, talvez, estimulado pelo relato idílico de Santa-
Anna Nery, para fazer parte e fruir do espetáculo da Amazônia, documentando e assistindo
ao despertar de um povo dos trópicos, lançando-se [...] para a via ativa da indústria e
do comércio, sulcando seu imenso rio e os outros numerosos rios com um sem
número de barcos a vapor [...] mostrando sua fé em um vida intensa e ousada: eis aí,
com certeza, um espetáculo que se tem muito raramente a ocasião de contemplar
nessa bela América do Sul
163
.
161
Conceito proposto por Milton Hatoum no prefácio à “Ilusão do Fausto” (DIAS, 2007). Hardman (op. cit., p.
120) também se refere à Amazônia como “um mundo inacabado, aquém da temporalidade histórica e da razão
iluminista, imerso na força bruta dos elementos e nos sonhos indecifráveis de raças esquisitas”.
162
“Chuva, vapor e velocidade The Great Western Railway”, 1844. Óleo sobre tela, 90,8 cm x 121,9 cm.
National Gallery, London.
163
op. cit., p. 233
85
“O olho se forma na luz e para a luz,
a fim de que a luz interna
venha ao encontro da luz externa.”
(Johann Wolfgang von Goethe)
2. FOTÓGRAFO: DE GEORG HÜBER A GEORGE HUEBER
2.1 Hübner, fotógrafo saxão
2.1.1 Dresden, Saxônia, Alemanha
Em 1862, quando nasceu Georg August Eduard Hübner, Dresden, a capital do reino da
Saxônia, se firmara econômica, política e culturalmente como uma das mais importantes
cidades alemãs. O censo desse ano indicava 128.728 habitantes, número que aumentou
significativamente nos anos seguintes (Quadro II).
QUADRO II
POPULAÇÃO DE DRESDEN
ANO HABITANTES
1862 128.728
1864 145.728
1867
156.024
1871
177.055
1875
197.295
1880 220.216
1900 399.740
1905 515.732
(fonte: Address und Geschäftshandbuch der Königlichen Haupt und Residenzstadt Dresden, 1861, 1864, ... 1905)
O incremento populacional refletiu o crescimento econômico da região. A máquina a
vapor chegou logo à cidade. Em 1837, movimentava barcos de transporte de carga e
passageiros no rio Elba e fez andar a primeira locomotiva da Alemanha, a Saxonia,
possibilitando a construção de linhas ferroviárias. A partir da segunda metade do século XIX,
implantaram-se indústrias diversas
164
, como cervejarias e a primeira fábrica de cigarros da
Alemanha. Em 1872, foi fundado o Dresdner Bank que se tornou um dos maiores bancos
164
Beck (2005, p. 82) destaca que gidas leis de postura e zoneamento impediram a implantação de fábricas de
indústria pesada poluentes, privilegiando-se aquelas de manufatura fina e de precisão, artigos de luxo e materiais
de construção.
86
privados da Alemanha. Reinava nesse período Johann (1854-1873), alcunhado de “O Sincero”
e admirado nos meios acadêmicos como estudioso e incentivador das Letras e das Artes. Sua
estátua eqüestre pontua a praça defronte à Ópera Semper, cuja construção foi concluída em
1878 (Figs.41 e 42).
A cidade se expandiu e novos bairros foram construídos nos arredores em ambos os
lados do Elba. Em 1871, os pais de Georg, o comerciante de madeiras Carl Benjamin e Marie-
Louise (nascida Knoefel), moravam na Ziegelstrasse, número 32. Em 1874, mudaram-se para
a Blasewitzerstrasse (atualmente Gerokstrasse), número 11, continuação da rua anterior numa
área recém-implantada com prédios residenciais e para pequenos negócios. Uma busca no
diretório de endereços de Dresden mostrou que ali se estabeleceram ateliês de escultores,
pintores, restauradores e fotógrafos, além de diversas oficinas de artesãos. Schoepf (op. cit., p.
203) indica que o primeiro andar da casa dos Hübner fora alugado a um fabricante de papel
fotográfico, enquanto que na casa vizinha morava e trabalhava um gravador litógrafo.
Pouco se sabe sobre a infância e juventude de Georg
165
. Na pesquisa realizada nos
diretórios e programas dessas escolas (todas distantes de sua residência) não constava seu
nome. Há, no entanto, uma conexão que talvez possa indicar, se não a sua formação, seu
interesse na fotografia e sua introdução no meio científico. Foi para Oscar Schneider que o
fotógrafo enviou suas primeiras cartas e imagens da América do Sul. Schneider (1841-1903),
doutor em filosofia, teólogo e naturalista, foi professor titular da prestigiosa escola
Annenrealschule e membro das duas mais importantes sociedades científicas de Dresden: a
mencionada Isis e a Sociedade de Geografia (Verein für Erdkunde zu Dresden). Nessas
sociedades, ele manteve contato com outros membros ilustres, como Hermann Krone, Louis
165
Conforme o diretório de escolas de Dresden, em 1875 havia na cidade cinco ginásios para rapazes:
Kreuzschule (Georgplatz, 6); Vitzthumsches Gymnasium (Dippoldiswäldergasse, 9); Annenschule
(Humboldstrasse, 3); Dreikönigsschule (Arminstrasse, 17); e Realschule zu Neustadt-Dresden. É possível que ele
tenha estudado em instituição pública, próximo de onde morava.
87
Fig. 41: Estátua eqüestre de Johann, o Sincero e, ao fundo, a Ópera Semper.
Fotografia Andreas Valentin, 2008.
Fig. 42: Hermann Krone, “Tableau: Malerische Reisebilder”, Dresden. Prancha impressa a partir de
fotografias de Krone e por ele comercializadas através de sua editora, c. 1855.
Deutsche Fotothek, Sächsische Landesbibliothek – Staats-und Universitätsbibliothek Dresden
(SLUB).
88
Agassiz e Alphons Stübel
166
. Em 1881, publicou em Dresden seu Atlas Tipológico
Schneider”
167
, um livro em grande formato, fartamente ilustrado e definido no sub-título
como “um atlas de mão das ciências naturais e da geografia para a escola e o lar”. Na seção
sobre a América do Sul aparecem desenhos de índios “Umauá”
168
realizados a partir de
fotografias feitas por Albert Frisch em Manaus em 1865 e que, conforme Kohl
169
, foram
adquiridas por Stübel da Casa Leuzinger no Rio de Janeiro. Na apresentação, um
agradecimento a seus diversos colaboradores, entre eles Krone e Stübel, afirmando, ainda, que
os desenhos das “cabeças e a maioria dos retratos de grupo nos quadros etnográficos foram
realizados a partir de fotografias originais e cuja credibilidade pode ser por elas
assegurada”
170
(Fig. 43). Schneider publicou artigos científicos na Isis e proferiu conferências
no Verein für Erdkunde e na Annenrealschule
171
. Foi ele quem introduziu Hübner no seleto
meio dessas associações científicas e recomendou a publicação de seus primeiros artigos.
166
Cf. KOHL (2005): Stübel foi um geógrafo alemão, natural de Dresden e que viajou entre 1868 e 1877 pela
América do Sul. Durante essa viagem e após o seu retorno, ele adquiriu imagens de fotógrafos sul-americanos
para montar sua coleção de duas mil fotografias atualmente preservada no acervo do Leibniz-Institut für
Länderkunde, em Leipzig. Na pesquisa realizada nesse acervo em janeiro de 2008, identifiquei inúmeras
fotografias atribuídas a ou assinadas por Huebner.
167
A versão consultada na Biblioteca Estadual e Universitária da Saxônia em Dresden foi a terceira edição,
publicada em 1885, com o título: “Schneiders Typen-atlas. Naturwissenschaftlich-geographischer Hand-atlas für
Schule und Haus.” No prefácio, o autor destaca a larga disseminação da obra, tendo sido publicada em inúmeros
países, traduzida para vários idiomas e, o que mais lhe orgulha, ter sido adotada nas escolas. Em 1909, teve sua
6ª edição, editada em cores. Durante mais de duas décadas, portanto, os alunos das escolas européias entenderam
a paisagem natural e a população do planeta através de ilustrações realizadas a partir do trabalho de fotógrafos
que percorreram o mundo na segunda metade do século XIX.
168
Conforme Luiz Carlos Joels, em comunicação pessoal, essa etnia, na verdade, é denominada Omaguá.
169
2005
170
SCHNEIDER, 1885, trad. nossa
171
Os artigos tratam, entre outros assuntos, de geografia, história cultural e natural; as conferências relatam suas
viagens à Grécia e ao Egito. Nas referências estão listados alguns artigos que foram localizados nos arquivos e
bibliotecas de Dresden.
89
Fig. 43: Oscar Schneider, Typen-Atlas, 1885.
Acervo Sächsische Landesbibliothek – Staats-und Universitätsbibliothek Dresden (SLUB).
Em destaque, a ilustração dos dois índios, baseada na fotografia de Albert Frisch.
90
Hübner fez parte de uma geração de alemães que atingiu a maioridade quando a
Alemanha começava a se firmar como nação, unificada em 1871, após a guerra franco-
prussiana. Nesse novo Estado abriram-se, ainda que tardiamente em relação às outras nações
européias
172
, os caminhos para o status de grande potência, juntando-se a Alemanha “ao
perigoso círculo mágico dos Estados lutando pela hegemonia
173
. Em poucas décadas, a
Alemanha expandiu suas fronteiras, incorporando colônias na África e na Oceania. Construiu,
ainda, sólidas parcerias comerciais em outras partes do mundo, incluindo-se também a
América do Sul e, em particular, a Amazônia.
Elias refere-se ao fato de que, após a vitória de 1871, foi preservada e fortalecida a
posição da nobreza militar e burocrática como o estrato mais elevado e poderoso da
sociedade. Acrescenta, ainda, que uma boa parte da classe média que dominava significativa
parcela da produção econômica e intelectual da Alemanha adaptou-se a essas condições,
conciliando-se com o Estado militar e adotando seus modelos e normas. Surgia, assim, uma
classe média diferente: “burgueses que adotaram o estilo de vida e as normas da nobreza
militar como seus próprios”
174
.
A unificação e a tardia configuração de “nação” aceleraram os processos de
modernização e provocaram a “vontade” de ultrapassar as outras grandes potências européias.
A força propulsora da pressão dessa rivalidade
175
“imprimiu um impulso decisivo aos grupos
172
Elias (1997, p. 19) considera esse atraso na formação do moderno Estado unitário como uma das principais
características do desenvolvimento alemão.
173
ELIAS, 1997, p. 166
174
ibid., p. 26
175
Sobre rivalidade e conflito, cf. SIMMEL, Conflito (Der Streit, 1908). Para Simmel, conflito é uma forma de
sociação, uma vez que ele pode modificar grupos de interesse, unificações e organizações. As relações sociais
são baseadas em harmonia e conflito, atração e repulsão, amor e ódio. Uma vez que as relações humanas são
caracterizadas pela ambivalência, justamente aquelas pessoas que estão ligadas por relações íntimas estão
propensas a nutrir entre si não apenas sentimentos positivos, mas também negativos. Dessa forma, o conflito
funciona como uma lvula de escape para atitudes e sentimentos negativos, fortalecendo os relacionamentos
existentes ou até mesmo estabelecendo novos laços. Por isso, ele deve ser considerado como uma força criativa e
não destrutiva. É, na verdade, a própria essência da vida social, um componente básico do convívio. A “boa
sociedade” não está livre do conflito; ao contrário, ela é “costurada” por uma variedade de conflitos que se
superpõem em seus diversos aspectos. Paz e rixa, conflito e ordem são correlacionados. Tanto a construção como
a quebra do hábito fazem parte da eterna dialética da vida social.
91
especializados da economia, às classes médias industriais e comerciais e à força do trabalho
industrial”, transformando “o antigo e intenso sentimento de fraqueza e vulnerabilidade (num)
ainda mais intenso sentimento de força invulnerável”
176
.
Essa “força invulnerável” traduz-se no nacionalismo que Elias
177
aponta como “um
específico fenômeno social característico das grandes sociedades-Estados industriais no nível
de desenvolvimento atingido nos séculos XIX e XX”. Ressalta-se que esse novo ethos
nacionalista constituiu a noção de pátria-mãe até mesmo nas colônias e, certamente, nas
diversas partes do mundo onde os alemães tinham interesses comerciais, como em Manaus,
por exemplo. Elias refere-se, ainda, ao sentido de
solidariedade e obrigação, não apenas em relação a determinadas pessoas ou a uma
única pessoa numa posição de mando, mas também em relação a uma coletividade
soberana que o próprio indivíduo forma com milhares ou milhões de outros
indivíduos [...] a imagem que um indivíduo faz da nação de que forma parte é
também, portanto, um componente da imagem que ele tem de si mesmo, a sua ‘auto-
imagem’
178
.
Os interesses da sociedade-Estado passam, portanto, a ser assimilados pelos indivíduos
como parte de seu habitus
179
, conduzindo, dessa forma, suas ações. Na Alemanha pós-
unificação houve um aumento da auto-estima e de outros valores constituintes do habitus
alemão. Elias
180
destaca que “um grupo previamente humilhado e oprimido, transformou-se,
Vale ressaltar, ainda, que Simmel, ao se referir à unidade alemã, propõe uma exegese da palavra alemã Einheit
que pode significar tanto unidade, como união ou coesão; ou seja, quase um paradoxo: tanto o indivíduo sozinho
sabendo que o conflito pressupõe mais de um indivíduo como o grupo unido do qual ele, enquanto unidade,
faz parte. Da mesma maneira em que o indivíduo não consegue a unidade de sua personalidade exclusivamente
através de uma harmonização do seu conteúdo, não existem unidades sociais onde as convergências e
divergências de seus membros não sejam inseparavelmente entrelaçadas: “um grupo absolutamente centrípeto e
harmônico, uma ‘unificaçãopura (Vereinigung) não apenas é empiricamente irreal, como também não poderia
jamais possuir qualquer processo vital”. Tal grupo seria estático e desprovido de vida. A harmonia existirá a
partir do conflito.
176
ibid., p. 61
177
ibid., p. 142
178
ibid., p. 143
179
Cf. ELIAS: “segunda natureza” ou “saber social incorporado”; referindo-se a uma nação, no caso os alemães,
o habitus nacional de um povo não é biologicamente fixado de uma vez por todas; antes, está intimamente
vinculado ao processo particular de formação do Estado a que foi submetido” (op. cit, p.16).
180
ibid., p. 166
92
com uma mudança em sua situação, num grupo arrogante e repressivo [...] uma nação de
senhores (Herrenvolk)”. Os alemães deixaram de ser indivíduos e cidadãos de diversos reinos
e principados com histórias e culturas diferentes unidos apenas pelo idioma
181
. Passaram a ser
membros de um império (Kaiserreich) conduzido e liderado pela aristocracia que tinha como
missão e obrigação atender aos requisitos de uma grande potência imperial, incluindo-se
o poderio militar e a aquisição de colônias. A burguesia que, historicamente, vinha lutando
para conquistar espaços nas posições de comando do Estado e buscava, agora, se inserir nessa
nova lógica social e política, precisou mudar “atitudes e códigos de comportamento”,
resultando num declínio do “componente idealista da tradição cultural burguesa alemã, que
ainda era dominante no final do culo XVIII, e que freqüentemente andou de mãos dadas
com uma atitude anti-cortesã e anti-aristocrática”
182
. Ou seja, a burguesia acabou adotando
valores aristocráticos e até mesmo guerreiros.
A nação alemã identificava-se com a própria imagem de seu governante, o Imperador
Guilherme II que reinou durante trinta anos, de 1888 até o final da I Guerra Mundial. Elias
183
aponta que, como Luis XIV, ele apreciava o “auto-retrato de sua própria grandeza e dignidade
através do cerimonial” e da formalidade que configuravam “símbolos visíveis do poder” e
instrumentos de domínio. Citando Fedor Von Zobeltitz
184
, que ao publicar um obituário do
professor de literatura alemã Erich Schmidt, destacou seu “galhardo espírito ariano” que
“dava forma a todos os seus movimentos”, Elias estabelece e analisa alguns critérios de
postura e comportamento através dos quais uma classe militar e aristocrática concedia valores
de juízo às pessoas. Esses elementos, entre eles, “aparência atraente, refinamento, elegância,
181
Ressaltando-se, ainda, que cada região da Alemanha tem dialetos próprios e marcantes.
182
ibid., p. 167
183
ibid., p. 79
184
Cronista da era Guilhermina, publicou suas reportagens no jornal Hamburger achrichten” e depois, sob a
forma de coletânea no livro Crônica da sociedade no reinado do último Kaiser, Hamburg: Alster Verlag, 1922.
93
gentileza, galhardia e um pouco de pose”, a princípio códigos da classe alta, acabaram sendo
absorvidos, seletivamente, pela burguesia alemã da era imperial.
No auto-retrato de Huebner (Fig. 44), realizado em 1910 e enviado para seu amigo
Theodor Koch-Grünberg na Alemanha, são aparentes alguns desses códigos. Formal, elegante
em seu terno de linho branco
185
, orgulhoso, de cabeça erguida e peito estufado, Huebner não
olha para a câmera ou para nós, espectadores. Ele mira o longínquo. Com o chapéu Panamá
numa mão e a outra apoiada na bengala, ele se mostra em postura como um bem sucedido
comerciante da burguesia alemã estabelecido nos trópicos. Os inúmeros retratos, tanto
pinturas como fotografias do Imperador Guilherme II apontam também para alguns desses
códigos (Fig. 45)
186
.
185
Elias (ibid., p. 88) lembra que sobreviveu na Alemanha a regra de que um homem deve andar sempre “muito
alinhado” e que “o modo de vestir de uma pessoa fornece toda uma gama de sinais para outras; sobretudo
assinala como uma pessoa se a si mesma e como, dentro dos limites do que seus recursos lhe permitem,
gostaria de ser vista pelos outros”. Ressalta, no entanto, que “como uma pessoa se e gostaria de ser vista
também depende da total estrutura de poder de uma sociedade e de sua posição dentro dela”. À época desse auto-
retrato, Huebner era não bem sucedido comercialmente, mas, principalmente bem posicionado na sociedade
manauara e no exterior, especificamente em alguns segmentos científicos na Alemanha.
186
O retrato sempre ocupou lugar de destaque na história da arte ocidental. Desde sua invenção pelos gregos no
período helenístico, retratar pessoas não é apenas produzir uma cópia fiel de sua fisionomia. Trata-se de buscar,
principalmente, aspectos de sua personalidade e, dessa forma, traçar no rosto do retratado seu perfil psicológico.
No auto-retrato, esse exercício torna-se ainda mais difícil, uma vez que o artista trabalha, necessariamente, um
processo de auto-reflexão e, no caso de retratos pintados, ultrapassa a imagem refletida no espelho. Atribui-se ao
pintor flamengo Jan Van Eyck (1390-1441) a realização do primeiro auto-retrato, um quadro diminuto (aprox. 26
cm x 19 cm) intitulado Homem com turbante vermelho, de 1433. Nesta obra-prima, Van Eyck indica claramente
como o próprio artista deve se auto-retratar: pose em ângulo de três quartos e um mapa fisionômico preciso
pontuado pelo olhar fixo (olhos como “janela da alma”, Galeottus Martius, De homine, citado por
BAXANDALL, 1991) - para o espectador e que, neste caso, é também o próprio artista. Os pintores do
Renascimento e do Barroco avançaram na arte do retrato, tornando-se prática comum e, em muitos casos,
assegurando boa parte de seus rendimentos.
94
Fig. 44: George Huebner, auto-retrato, com dedicatória para Theodor Koch-Grünberg, 1910.
Fotografia formato Cabinet, montada em cartão.
Arquivo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität, Marburg.
95
Fig. 45: Imperador Guilherme II. Fotografia Reichard & Lindner, Berlin, 1905.
96
2.1.2 A descoberta da Amazônia
Em 1885, aos 23 anos de idade, Hübner viajou, pela primeira vez, à América do Sul.
Não informações sobre os motivos que o levaram a deixar sua cidade e empreender o que
viria a ser uma jornada de mais de seis anos. Considerando-se que, nessa época, ele
mantivera contato com Oscar Schneider e, através das sociedades científicas, possivelmente
com outras personalidades acadêmicas, pode-se estabelecer algumas conexões. A família de
Hübner inseria-se numa burguesia comercial e empreendedora (Wirschaftsbürgertum) em
ascensão na Alemanha pós-unificação. Essa classe média cultivava também a formação
intelectual (Bildung
187
), cujos valores e virtudes incluíam, entre outros: parcimônia; diligência
e esforço; sinceridade e integridade
188
; apreço pelo trabalho, pelas realizações e
independência pessoais; respeito pela ciência. Em seu estudo sobre os etnólogos alemães na
Amazônia
189
, Michael Kraus aponta para algumas dessas características comuns aos cientistas
por ele pesquisados. Indica, ainda, que, aos acadêmicos que tinham como seu objetivo final a
etnologia e a antropologia praticada em instituições científicas, se juntaram alemães que
viajaram pelo mundo “também munidos de espingardas, de uma visão de mundo de poder e
com mercadorias de trocas e de estratégias”
190
. Suas intenções não se confundiam, no entanto,
com interesses militares, colonialistas ou religiosos, nem com a aquisição de ganhos
materiais. Seu propósito era “a coleta do saber” na América do Sul e em outras regiões, em
especial a cultura dos povos nativos. Hübner aglutina algumas dessas características às quais
se acrescenta, ainda, seu interesse comercial na exploração da borracha na selva peruana.
187
Cf. ELIAS (1994, p. 43), referindo-se à intelligentsia de classe média alemã que se originou no século XVIII
sustentada pelo que é chamado de “das rein Geistige” (o puramente espiritual), ou seja, a formação intelectual do
indivíduo, o seu enriquecimento interno através dos livros, da erudição, das artes, da filosofia etc.
188
Elias (ibid., p. 49) cita Nietzsche (“Além do bem e do mal”, Aforismo 244) que zomba dessas atitudes: “Quão
cômodo não é ser-se franco e probo! Talvez seja hoje o traje mais perigoso e mais feliz que o alemão sabe usar,
esse ar familiar, afável, esse pôr as cartas na mesa da honestidade alemã”.
189
O título em alemão é Bildungsbürger im Urwald”, “Cidadãos cultos na floresta”. Kraus analisou, entre
outros, os seguintes cientistas, expoentes da sulamericanística alemã do final do século XIX e início do XX: Karl
von den Steinen (1855-1929), Paul Ehrenreich (1855-1914), Konrad Theodor Preuss (1869-1938), Theodor
Koch-Grünberg (1872-1924), Max Schmidt (1874-1950), Fritz Krause (1881-1960).
190
2004, p. 29, trad. nossa
97
Sua entrada na Amazônia foi pelo caminho óbvio e natural: o rio Amazonas, passando
por Belém e Manaus. Em 1886 ele chegou a Iquitos. Dali, percorreu a região do rio Ucayali
envolvendo-se com a extração e o comércio da borracha, atividades em plena expansão nessa
região
191
. Depois de uma estada na colônia alemã de Pozuzo
192
, chegou a Lima onde se
estabeleceu durante alguns anos. Lá, em 1888, conforme Schoepf
193
e König
194
conheceu o
fotógrafo alemão Charles Kroehle com quem cruzou, durante três anos, o território peruano,
cobrindo desde os altiplanos andinos, à costa do Pacífico até a região amazônica. O resultado
dessa expedição foram centenas de fotografias, assinadas pelos dois, além de um profundo
conhecimento da geografia e dos costumes dos nativos
195
. Schoepf
196
indica que Hübner
possa ter aprendido a técnica da fotografia com seu conterrâneo e que, nesse trajeto por várias
regiões peruanas, eles permaneceram por temporadas mais longas em algumas cidades. Em
Iquitos, montaram um estúdio fotográfico; em Tarapoto realizaram projeções públicas com
lanterna mágica; e em Cajamarca, dedicaram-se ao trabalho de duplicação da documentação
fotográfica.
No início de 1891, Hübner partiu da cidade peruana costeira de Pacasmayo de volta
para Dresden. Em 1892, foi introduzido por Oscar Schneider no Verein für Erdkunde, onde
proferiu conferências ilustradas com projeções fotográficas e publicou relatos de suas viagens
191
Hübner (1893) menciona que, antes de sua viagem a Lima, ele se associara durante um ano e meio com o
seringalista alemão Guillermo (Wilhelm) Franzen em Chuchuras na região de Pasco, no alto Ucayali. Ele relata
que Franzen ensinou aos selvagens como se obtém a seringa e que para seu trabalho eles eram pagos com
mercadorias trazidas de Iquitos. Não maiores informações sobre os motivos pelos quais Hübner, depois de
uma prolongada estadia no seringal, abandonou essa atividade. Destaca-se, no entanto, seu interesse na extração
da borracha - certamente comercial - e, ainda, o fato de que ele, mais tarde, documentou detalhadamente em uma
série fotográfica todo o processo de extração da borracha.
192
Cf. ABENDROTH (1870): Pozuzo é uma cidade da Amazônia peruana situada na região conhecida como
Selva Alta. Foi fundada em 1859 por colonos prussianos e tiroleses, liderados pelo padre Joseph Egg.
193
op.cit., p. 203
194
2002, p. 60
195
Schoepf indica que foram realizadas de 160 a 180 fotografias; já König aponta para um número maior, cerca
de 220. As assinaturas são dos dois autores (“Kroehle y Huebner”, “Ch. Kroehle y Huebner”, “C. Kroehle y
Huebner”) ou de Kroehle (“C. Kroehle” ou “Ch. Kroehle”). Em algumas, aponta König, indícios de
manipulação posterior dos nomes nas fotografias. Nota-se que ambos simplificaram a grafia de seus nomes,
retirando o trema das vogais. Tiragens originais ou reproduções dessas fotografias estão guardadas em acervos
de diversas instituições européias.
196
id.
98
pelo Peru
197
. Hermann Krone também era membro do Verein; foi lá que Hübner o conheceu e,
possivelmente, tenha se aperfeiçoado nas técnicas e nas práticas fotográficas. Em 1893,
publicou seu primeiro artigo, Meine Reise von Lima nach Iquitos
198
na revista Deutsche
Rundschau für Geographie und Statistik
199
. Ali, ele explicitou o objetivo de sua primeira
viagem:
[...] formar uma coleção de fotografias de regiões dos Andes e de grupos de
indígenas ainda desconhecidos, através das quais eu espero conquistar o
reconhecimento de todos aqueles que se interessam pelos ermos do Peru
200
.
Ele estabelece que pretende “formar uma coleção de fotografias”. Grande parte das
coleções etnográficas e fotográficas dos principais museus ocidentais foi formada a partir de
acervos coletados por cientistas, viajantes e aventureiros. Piault
201
afirma que, ao longo do
século XIX, “há uma tentativa desenfreada de colecionar e conquistar o mundo para reduzir
aquilo que seria apenas uma aparente diversidade da ordem única das classificações
dominadas, em geral, pela idéia-força do evolucionismo”. Os objetos e imagens, reunidos,
classificados e expostos ilustravam as teses universalistas dos antropólogos sobre a origem e a
evolução da humanidade. Multiplicaram-se, assim, as coleções de curiosidades e exotismos de
todo o mundo, para que pudessem ser avaliadas “segundo a normalidade histórica
ocidental”
202
. A coleção produz uma mediação entre o visível dos objetos e o invisível dos
ritos, mitos, narrativas e histórias. No entender dos viajantes-cientistas do século XIX, objetos
acumulados e ordenados, portanto, traduziam e preservavam histórias e fatos sociais das
culturas dominadas pelos europeus. Nesse sentido, a coleção de objetos funcionava como
197
Os relatos e anais das conferências estão reunidos nos anuários (Jahresbericht) da Sociedade. Hübner é citado
nos de n
o
XXIII (1893) e XXIV (1894).
198
“Minha viagem de Lima a Iquitos”.
199
Publicada em Viena entre 1878 e 1915 pelo Prof. Dr. Friedrich Umlauft, a Rundschau, como outras revistas
dessa época, tinha grandes tiragens atingindo um público leitor amplo e diversificado.
200
HÜBNER, 1893, p. 9, trad. nossa
201
1995, p. 25
202
ibid., p. 26
99
importante ferramenta de representação e legitimação do outro: o “colecionamento está no
coração dos processos de formação de uma subjetividade moderna no ocidente, a partir da
relação deste com as chamadas sociedades ‘primitivas’ ou ‘exóticas’”
203
. Como uma
fotografia, um objeto etnográfico, “fosse ele uma ferramenta, uma estátua ou uma máscara,
era entendido como uma ‘testemunha’ particularmente confiável da verdade de uma sociedade
estranha”
204
.
O conhecimento antropológico associado às metáforas visuais, transformaram o outro
em objeto. Através das imagens, as especificidades e as diferenças tornaram-se
“transportáveis e observáveis, como o obelisco de Luxor, as múmias do Egito, os afrescos do
Pantheon”
205
e os povos nativos das Américas, da África, da Ásia e a da Oceania. Por sua vez,
o acúmulo dessas imagens, a partir de um processo seriado, formou arquivos
206
, que
cresceram e se ampliaram. “(Coleções) aspiram a completitude e através desse processo de
aquisição em massa, acabam por revelar um certo tipo de conhecimento”
207
. Paradoxalmente,
no entanto, arquivos e coleções, pressupõem o incompleto e jamais atingem a sua
totalidade
208
. O ato de colecionar implica numa constante tensão entre o uno e o infinito. Esta,
talvez, seja uma das características da própria fotografia que a associa à compulsão, ao ato
repetitivo
209
.
203
GONÇALVES, 2001, p. 26
204
CLIFFORD, 1998, p. 193
205
PIAULT, ibid., p. 27
206
Cf. “Arquivos do Planeta”, coleção do banqueiro francês Albert Kahn, cujo objetivo era “produzir um arquivo
de imagens do mundo inteiro que preservasse as diversas manifestações sociais e culturais ameaçadas de
desaparecimento, conseqüência de um mundo em via de uniformização” (PEIXOTO, 1999, p. 11). A apreensão
do mundo foi realizada a partir de três veis: observação, documentação e análise. De 1908 a 1909, ele e seu
motorista empreenderam uma longa viagem de volta ao mundo equipados com uma máquina fotográfica
estereoscópica, uma câmera cinematográfica e um fonógrafo. Foram registradas paisagens urbanas, cenas de rua,
monumentos, jardins, desfiles. Acreditava que a fotografia e o cinema eram reproduções quase exatas da
realidade e poderiam fazer o inventário das disparidades do mundo. A partir dessa viagem, teve a idéia de
elaborar um projeto duradouro de registro das atividades humanas em todo o mundo e que perdurou até 1931.
207
PRICE, WELLS, 2004, p. 62, trad. nossa
208
GONÇALVES, 2001, p. 26
209
No Seminário “Quando o Campo é o Arquivo” (FGV/CPDOC, novembro 2004), apresentei o trabalho
“Arquivo fotográfico: construção de imagem e desconstrução de processo”, onde foi analisado o processo de
100
Chama atenção a referência que ele faz ao “reconhecimento
210
que espera conquistar.
Nota-se que ele se preocupava em obter êxito com o trabalho fotográfico e com seu esforço
científico. Como homem de ciência, pensava ele, talvez o sucesso pudesse lhe chegar mais
rapidamente. Durante toda sua trajetória Hübner buscou a ciência e, antes de se reconhecer
como fotógrafo, ele se denominou cientista/pesquisador
211
. Schwarcz
212
enfatiza a
importância que a ciência teve nesse momento, sendo vista não apenas como profissão, “mas
(como) uma espécie de sacerdócio”. A partir de meados do século XIX o “scientista” seria
reconhecido profissionalmente, usufruindo elevado prestígio e maior independência. Noções
científicas arraigadas eram reformuladas e “faziam-se das pesquisas e experimentações
procedimentos de contestação às antigas concepções”
213
.
Seu segundo artigo, Iquitos und die Kautchuksammler am Amazonenstrom
214
foi
publicado em 1893 na Globus
215
. Em ambas as revistas, os textos eram ilustrados com apenas
algumas poucas fotografias, sob a forma de gravuras desenhadas em traço a partir dos
originais fotográficos. As descrições, no entanto, são minuciosas relatando os caminhos
percorridos e com informações precisas a partir de suas observações sobre a geografia, o
clima e aspectos naturais. Hübner dá destaque aos seringais que visitara e onde trabalhara
durante um período na Amazônia peruana, próximo a Iquitos. Ele descreve detalhadamente o
formação de um arquivo de fotografias, a partir de uma documentação sistemática durante oito anos do Festival
de Parintins, Amazonas.
210
Ele utiliza a palavra Beifall” que pode significar, também, “aprovação”, “aplauso” ou “aclamação”.
211
No anuário n
o
XXV do Verein (1896) Hübner é listado como “sócio-correspondente, naturalista
(aturforscher)” e residente em Riesa, cidade próxima a Dresden. nos diretórios de membros publicados de
1904 a 1907, ele é citado como fotógrafo, membro desde 1896 em “Manáos in Amazonas”.
212
op.cit., p. 28
213
ibid., p. 30
214
“Iquitos e os seringueiros do Amazonas”.
215
Publicada em Braunschweig entre 1862 e 1909 por Richard Andree, o conteúdo da revista abrangia desde
relatos de viagens a estudos e observações científicas. Abaixo do título “Globus”, trazia na capa o subtítulo
“Illustrierte Zeitschrift für Länder- und Völkerkunde” (Revista ilustrada de estudos geográficos e etnográficos).
Conforme levantamento realizado (cf., também, SCHOEPF e KÖNIG), Hübner publicou cinco artigos nas duas
revistas. Na Rundschau: “Meine Reise von Lima nach Iquitos” (1892), “Vom Amazonenstrom nach der
peruanische Westküste” (1895), “Reise in das Quellgebiet des Orinoco (1898) e “Nach dem Rio Branco”
(1898); na Globus, “Iquitos und die Kautschksammler am Amazonenstrom” (1893).
Koch-Grünberg também publicou na Globus alguns artigos, entre os quais, em 1904 (Vol. 85), um relato de sua
viagem a Roraima (“Dr.Theodor Kochs brasilianische Forschungsreise”).
101
processo de extração e beneficiamento da borracha, a dura rotina dos caucheros e comenta
sobre as condições sociais desses trabalhadores. Ao final do artigo, ele conclui que muitos
deixam seus lares e suas famílias acreditando que poderiam enriquecer através do trabalho na
extração da borracha, mas que, lamentavelmente, “retornam mais pobres e fisicamente
debilitados”
216
. Um resumo desse artigo foi registrado na ata da reunião mensal do Verein, em
7 de abril de 1893. A viagem ao Peru rendeu ainda outro artigo, na Rundschau, “Von
Amazonenstrom nach der peruanischen Westküste
217
, publicado em 1895.
As fotografias realizadas por Kroehle e Hübner
218
durante sua permanência no Ucayali
são as primeiras imagens de etnias das montañas, como os Campa, Maionixa, Caxibo,
Cunivo, Piro e Xipibo, muitas das quais extintas. São retratos dirigidos e produzidos,
geralmente sobre um fundo de lona ou defronte suas moradias. Schoepf considera que nessas
séries de imagens, os fotógrafos, devido aos inúmeros percalços encontrados o próprio
trajeto, as incertezas, a desconfiança e o medo dos nativos, o peso do equipamento, a pouca
sensibilidade das placas fotográficas – tiveram de se impor para obter o que desejavam:
o face-a-face com a objetiva só é conseguido com muita dificuldade [...] um trabalho
extenuante, uma preocupação constante em todos os momentos. A cada etapa, para
cada sessão, é necessário forçar os índios a posar e, sobretudo, obrigá-los à
imobilidade: colocar os modelos de tal forma que não se movam
219
.
À autoridade imposta pelos fotógrafos aos índios, contrapõem-se as críticas sociais
que Hübner inclui em seus relatos de viagem descrevendo a situação calamitosa das
comunidades por eles percorridas: indígenas expulsos de suas terras e caçados pelos
caucheros para obrigá-los ao trabalho escravo; crianças raptadas e vendidas como mão-de-
216
HÜBNER, 1893, p. 127
217
“Do rio Amazonas à costa oeste do Peru”
218
KÖNIG (op. cit., p. 62) questiona a “dupla autoria” dessas imagens. Teria sido um compromisso de
empreendimento em conjunto ou teria Kroehle fotografado para Hübner? De fato, as chapas originais dessas
fotografias permaneceram no Peru e, após a morte de Kroehle em 1902, ele distribuiu largamente tiragens,
mantendo, no entanto o nome do colega. Ressalta-se que todas essas tiragens eram pias em papel. Não se
conhece o destino dos originais.
219
op. cit., p. 26
102
obra; mulheres estupradas e mantidas reféns
220
. Se no texto ele se revelou humanitário e
explicitamente denunciou os maus tratos que ele próprio presenciara, nas imagens, por outro
lado, ele desenvolveu “um método de trabalho autoritário, um comportamento marcado não
tanto pela rudeza, mas pelo menos pela rigidez”
221
. Configura-se, portanto, uma dupla tensão:
entre retratado e retratista, característica de praticamente toda a fotografia de povos nativos
realizada na segunda metade do século XIX nas diversas partes do mundo colonizado por
europeus; e entre o retratista e sua própria intenção
222
, qual seja, a de obter a melhor
fotografia naquelas circunstâncias, ao mesmo tempo em que se depara com dificuldades e
condições extremas (Figs. 46 a 53).
220
“Como convivi com os seringueiros durante muito tempo, pude me convencer da monstruosidade desse
tráfico de crianças que se pratica ainda hoje. Poderíamos pensar que o comércio de seres humanos tivesse
desaparecido da América. Na verdade, vi muito bem, em Iquitos e à margem do Ucayali, que florescia como
antigamente” (HÜBNER, 1893, p. 61).
LOUREIRO (op. cit, p. 67) também cita essa prática no Amazonas. Referindo-se aos diretores de índios, afirma
que “uma de suas ações mais controvertidas foi a de tomarem as crianças indígenas, remetendo-as para as
famílias das cidades, reativando o tráfico de cunhantãs e curumins, as crias da casa, semi-escravizadas no serviço
doméstico”.
221
ibid, p. 24
222
Cf. BAXANDALL (2006, p. 81): intenção como “condição geral de toda ação humana racional, uma
condição que pressuponho quando organizo uma série de fatos circunstanciais [...] todo ator histórico e, mais
ainda, todo objeto histórico têm um propósito ou um intento ou, por assim dizer, uma ‘qualidade intencional’.
[...] A intencionalidade caracteriza tanto o ator quanto o objeto. A intenção é a peculiaridade que as coisas têm
de se inclinar para o futuro”.
103
Fig. 46: Os fotógrafos Kroehle e Hübner (à direita), índios e um jacaré abatido. Pucacuro, rio Ucayali,
1888. Coleção Museum für Völkerkunde, Hamburg.
Fig. 47: Acampamento e canoa dos viajantes. Rio Pachitea, 1888.
Coleção Museum für Völkerkunde, Hamburg.
104
Fig. 48: O fotógrafo Charles Kroehle (à esquerda da câmera) sobre uma plataforma construída para
fotografar a casa do seringalista e comerciante alemão Carlos Ganz. Rio Pachitea, 1888.
Coleção Museum für Völkerkunde, Hamburg.
105
Fig. 49: A casa do seringalista e comerciante alemão Carlos Ganz. Rio Pachitea, 1888.
Coleção Museum für Völkerkunde, Hamburg.
Fig. 50: Uma família Campa. Rio Escosacin, 1888.
Coleção Museum für Völkerkunde, Hamburg.
106
Figs. 51 a e b: Jovem Xipibo com pintura facial. Rio Ucayali, 1888.
Coleção Museum für Völkerkunde, Hamburg.
Fig. 52: Página de um catálogo ou mostruário com grupos indígenas peruanos, 1888.
Archiv für Geographie, Leibniz-Institut für Länderkunde, Leipzig.
107
Fig. 53: Página de um catálogo ou mostruário com retratos de indígenas peruanos,1888.
Archiv für Geographie, Leibniz-Institut für Länderkunde, Leipzig.
108
Em seu primeiro artigo, Hübner descreve um desses momentos, ao tentar fotografar os
Campa:
Enquanto fazíamos os preparativos para fotografá-los em frente à casa, eles nos
observavam com curiosidade a o momento em que atarraxamos a lente no
aparelho. Quando viram isso, eles se assustaram porque acreditavam que estávamos
lhes apontando uma arma de fogo. Eles se levantaram e correram, nos deixando
sozinhos. Somente através de minha capacidade de convencimento e da distribuição
de pequenos presentes, como lenços, miçangas etc, pudemos, finalmente, fazer com
que eles se posicionassem e ficassem quietos. Essa mesma história se repetiu
inúmeras vezes com outros selvagens
223
.
Em seu estudo sobre a documentação fotográfica dos índios canadenses, Silverside
descreve episódios semelhantes. Ao serem fotografados, muitos dos nativos reagiam com
hostilidade, medo e indiferença quando confrontados com a câmera. Chamavam-na de face
puller”, aquilo que arranca ou remove a face e, portanto, a identidade e a própria alma. Ele
cita alguns episódios relatados por fotógrafos que retrataram os habitantes das planícies
canadenses, como o de Humphrey L. Hime, de 1858, a respeito dos Ojibway:
Quando tentei tirar uma fotografia do interior de uma de suas cabanas, vários
squaws que estavam sentados em volta da fogueira com seus filhos imediatamente
se levantaram, levaram as crianças e fugiram para a floresta adjacente; nenhum
argumento nem presentes puderam fazer com que ficassem. Eles disseram que ‘o
branco queria tirar seus retratos e enviá-los para o grande chefe dos brancos e que
ele iria fazer magia para eles; quando as fotografias fossem enviadas de volta, os
índios retratados iriam todos morrer’. Eles achavam que era assim que o homem
branco iria se livrar dos Índios e tomar suas terras
224
.
Na visão indígena, a “caixa misteriosa do homem branco” certamente retirava algo do
retratado. É como se, ao partir, o fotógrafo levasse consigo algo que lhes pertencia. Esse
sentimento talvez se agravasse ainda mais quando ficava claro para os indígenas que o
223
HÜBNER, op. cit., p. 60, trad. nossa
224
1994, p. 6, trad. nossa
109
fotógrafo obteria retorno material e financeiro por aquelas imagens, enquanto que eles nada
receberiam em troca
225
.
O temor dos primeiros indígenas e mestiços de posarem para a lente da câmara
fotográfica, relacionado à morte, se sustenta diante da própria natureza da imagem fotográfica
como registro e captura do real e, portanto, física e simbolicamente capaz de retirar a vida do
mundo natural. Ao “tirar” uma fotografia
226
, apropria-se de algo do espaço e do tempo. Como
uma arma, a câmera é “apontada” para o objeto
227
.
Em incursões floresta adentro, rio acima, subindo e descendo montanhas e corredeiras,
os fotógrafos da Amazônia submeteram-se a toda sorte de adversidades
228
. Por trás de tanto
esforço, não estava apenas o “reconhecimento” a que se referiu Hübner em seu primeiro
artigo. Estavam em jogo, principalmente, interesses comerciais e empresariais onde a
fotografia era, ao mesmo, tempo meio e fim. A Europa do final do século XIX já se tornara a
civilização da imagem, através dos processos de reprodução, como a colotipia, a litografia ou
a fotogravura. Em livros, jornais, revistas, cartões postais, álbuns e inúmeros outros suportes,
o mundo se via através da imagem.
225
SILVERSIDE, op. cit.
226
Em inglês, “shoot a picture”: “atirar”, termo ainda mais significativo. Em alemão, fotografia é também
“Aufnahme”, fotografar é “aufnehmen”: palavras com múltiplos significados, entre eles, incorporação,
assimilação, admissão, absorção, gravação.
227
Cf. LANDAU, “Hunting with gun and camera: a commentary” (In HAYES et. al, 1994, p. 151), onde ele
analisa as fotografias realizadas no início do século XX na Namíbia colonial e faz uma reflexão sobre as
semelhanças entre a fotografia e caça, tanto na sua morfologia como no seu próprio desenvolvimento industrial e
tecnológico. Nas duas atividades o ponto central é a “captura”. Da mesma forma que uma arma, uma câmera
precisa ser “carregada”, “apontada” e “disparada”. Ressalta-se, ainda, que o primeiro slogan pensado por George
Eastman para as novas Kodaks portáteis era “Você aperta o gatilho e nos fazemos o resto”. Ele afirma, também,
que os avanços tecnológicos alcançados no final do século XIX pela indústria fotográfica refletiam as inovações
obtidas na manufatura de armamentos, uma das primeiras a utilizar o sistema de produção seriada.
E, ainda, ILLIUS (2002, p. 126) comentando as fotografias realizadas por Kroehle e Huebner na Amazônia
peruana: no idioma Xipibo, fotografar alguém é “foto-tsacati”, “tsacati” significando bater, espetar, ferir.
228
Em tempos mais recentes, outros alemães, aventureiros e caçadores de histórias e imagens, também andaram
pela mesma região percorrida por Kroehle e Huebner. O cineasta Werner Herzog situou ali um de seus mais
ousados projetos, “Fitzcarraldo”, onde é narrada a história do irlandês Brian Sweeney Fitzgerald, do tenor
italiano Enrico Caruso e que sonhava em construir um teatro em Iquitos. Herzog filmou grande parte das
seqüências na floresta amazônica e nos rios da bacia do Ucayali, com índios Campa e Maionixa como
coadjuvantes.
110
Um dos primeiros europeus a vislumbrar as possibilidades comerciais da imagem no
Brasil, em particular das fotografias realizadas na Amazônia, foi o suíço Georges Leuzinger.
Fotógrafo, editor e litógrafo, em 1840, ele fundou no Rio de Janeiro a Casa Leuzinger,
inicialmente como papelaria e estamparia e, em seguida, praticando a tipografia, a litografia, a
fotografia e, principalmente, a venda dessas imagens. Durante a década de 1860, Leuzinger
fotografou o Rio de Janeiro e seu entorno, como Niterói, Teresópolis e Petrópolis,
privilegiando imagens de paisagens urbanas e naturais. Outros fotógrafos, como os alemães
Albert Frisch e Franz Keller-Leuzinger foram também contratados para produzir trabalhos
para sua editora. Coube à Casa Leuzinger aproximar a produção visual brasileira da européia,
tanto em termos técnicos como estéticos e massificar a representação do Brasil imperial no
circuito internacional
229
.
Em 1867, Frisch realizou uma série de fotografias na Amazônia, incluindo várias de
indígenas, talvez as primeiras a terem ampla circulação pela Europa
230
. Ele viajou até Belém e
Manaus acompanhando a expedição do engenheiro alemão Joseph Keller e seu filho, o
fotógrafo, desenhista e pintor Franz Keller-Leuzinger, genro de Leuzinger. A serviço do
governo imperial, eles seguiram para os rios Madeira e Mamoré estudar a viabilidade da
construção de uma estrada de ferro. De Manaus, Frisch subiu de vapor o rio Solimões até
Iquitos, no Peru, para realizar seu próprio projeto fotográfico, conforme Kohl
231
, voltando por
Tabatinga e Tefé, “acompanhado por remadores num barco que se transformou em lar e
229
Cf. “Cadernos de Fotografia Brasileira”, Instituto Moreira Salles, 2006, p. 5: “Aos olhos pós-modernos,
saturados de signos virtuais, Leuzinger pode ser considerado um pré-moderno, para quem cada fotografia era
uma nova vivência do real, desvelando matizes e formas antes invisíveis [...] com Leuzinger, a fotografia tornou-
se ‘redenção da realidade física’, um veículo ideal para representar a experiência da modernidade”.
230
Cf. MARÇAL (2002): “não se conhece, até aqui, qualquer iniciativa no Brasil anterior à de Frisch que teria
realizado uma extensa documentação dos índios, em seu próprio habitat, ao longo do rio Amazonas [...]
(Leuzinger) pode ser considerado o primeiro a viabilizar a produção e o consumo de fotografias dos tipos
indígenas brasileiros, tão ansiadas pelos estudiosos europeus da etnografia e pelos viajantes estrangeiros em
geral.
231
2006, p. 196
111
laboratório por alguns meses” (Fig. 54). O resultado desse trabalho foram centenas
232
de
imagens que retratam índios e mestiços, a paisagem, a fauna, a flora e a vida ribeirinha nos
ermos da Amazônia
233
. Desse vasto repertório, Leuzinger selecionou 98 fotografias para
editar uma série destinada à comercialização no mercado europeu, sob a forma de tiragens em
papel montadas em cartão-suporte da Casa Leuzinger. Acompanham as fotografias um folheto
impresso, com a numeração das fotografias e legendas redigidas em francês
234
. Além das mais
antigas vistas fotográficas da cidade de Manaus, destacam-se as dos indígenas, em particular,
aquelas dos índios denominados por ele Umauá e Miranha. Essas imagens foram realizadas
através de um processo de montagem de duas fotografias originais. Os índios foram retratados
em locais bem iluminados e próximos às beiras dos rios, onde atracavam os vapores; ou na
periferia de Manaus, onde Frisch já havia fotografado famílias de indígenas
235
. Eles posaram
em um cenário produzido com lanças, arcos e flechas ou vasilhas de água, à beira de um
igarapé, talvez o de São Vicente ou Tarumã. As pessoas foram fotografadas em um local
diferente daquele em que aparecem na imagem final. Recortadas à mão, através de uma
montagem de superposição, elas foram reproduzidas sobre o fundo fotografado em outra
ocasião (Figs. 55 a 58).
232
KOHL (op. cit, p. 196) indica ter levantado mais de 400 fotografias, incluindo duplicatas.
233
KOHL (ibid.) ressalta as dificuldades técnicas e práticas de realização dessas fotografias utilizando o processo
de colódio úmido em meio às adversas condições climáticas e as enormes distâncias percorridas até que os
delicados negativos de vidro chegassem ao seu destino final, a Casa Leuzinger, para serem copiados para papel
fotográfico.
234
Nas legendas (cf. MARÇAL, op. cit.) destacam-se algumas descrições detalhadas dos assuntos retratados, tais
como: “N.
o
11: Miranhas Indiens Antropophages à la Chasse, ils gardent dans la bouche une boule composée de
feuilles, sèchées, pilées de l’arbre Cocca, mélées aux cendres du bois Embaúba et alors appelée Ipadú, qui les
soutients forts et vigoureux pendant 3 jours sans prendre d’autre nouriture”. Ressalta-se, também, a importância
conferida, nessa época, à borracha e ao seringueiro: “N.
o
52: Seringueira Arbre à Caoutchouc ou gomme
élastique (Siphonia elástica, Pers.) 100 pieds de haut. Les indiens Cambebas furent les premiers qui préparèrent
cette resine” e “N.
o
67: Hutte de Seringueiro (fabricant de caoutchouc)”.
235
Conforme o folheto, foto N.
o
79: “Manaós une famille de Tapuyas, à la porte de leur maison, dans une rue de
la ville.” LOUREIRO (op. cit., p. 88) indica que, em 1853, os indígenas foram classificados por Ferreira Pena,
conselheiro da Província, em três classes, sendo a terceira “os que adquiriram alguns princípios de civilização,
compreendendo mais ou menos a ngua, morando em sítios ou aldeias preparadas ou nas povoações,
empregados na agricultura, pesca, navegação e serviços públicos ou particulares”. Nesse caso, o nome “tapuya”
dado por Frisch refere-se a índios que deixaram a aldeia e se tornaram, portanto, destribalizados, incorporando-
se à vida urbana.
112
Fig. 54: Albert Frisch, auto-retrato no Igarapé do Tarumã, afluente do rio Negro, próximo a Manaus,
1867.
Acervo Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
Nota-se no primeiro plano uma índia ou mestiça deitada na areia, olhando para a câmera.
113
Fig. 55: Albert Frisch, Índios Umauá. Fotomontagem, 1867.
Acervo Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
114
Fig. 56: Albert Frisch, Índios Umauá. Fotomontagem, 1867.
Acervo Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
115
Fig. 57: Albert Frisch, Índias Miranha. Fotomontagem, 1867.
Coleção Stübel, Archiv für Geographie, Leibniz Institut für Länderkunde, Leipzig.
116
Fig. 58: Albert Frisch, A Cozinha da Maloca. Fotografia N
o
5 da série da Amazônia, 1867.
Acervo Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
117
A Casa Leuzinger colaborou, também, com a expedição de Agassiz. A edição original
de “Viagem ao Brasil” continha reproduções litográficas de fotos da casa editorial, elogiadas
pelos autores:
As belas vistas fotográficas de Leuzinger tiradas do alto do Corcovado, bem assim
como as de Petrópolis, da serra dos Órgãos e de todas as redondezas do Rio, se
acham atualmente à venda nas casas de negócio das grandes cidades. Sinto-me feliz
por dar a conhecer esse fato, pois que recebi do Sr. Leuzinger a mais solícita
assistência na ilustração das minhas investigações científicas
236
.
Havia, portanto, um interesse de Leuzinger pela Amazônia, parcialmente despertado
pela viagem de Agassiz. Kohl ressalta que “com seu espírito empreendedor e sempre em
contato com muitas pessoas de várias áreas, (ele) tinha entendido que a região do Amazonas
poderia virar um produto fotográfico muito rentável”
237
. Em 1875, foi procurado por Alphons
Stübel que comprou da Casa Leuzinger 150 fotografias brasileiras
238
, incluindo as 66 da
Amazônia realizadas por Albert Frisch. Em Belém, o cientista adquiriu ainda outras imagens
da região produzidas pelo estúdio Fidanza
239
. Após o seu retorno a Dresden em 1877, as
fotografias e sua vasta coleção de objetos foram classificadas e, posteriormente, abrigadas em
instituições na Alemanha. Stübel foi ativo no Verein für Erdkunde e ali, Hübner, através de
Oscar Schneider, certamente não o conheceu como também se interessou pela Amazônia e
pela ciência.
236
AGASSIZ, op. cit., p. 93
237
op. cit., p. 199
238
Kohl (2005) ressalta que esse número corresponde a 70% do total das fotografias brasileiras do seu acervo.
239
KOHL, 2005
118
2.1.3 A Amazônia a serviço da ciência
Nos dois anos após o seu retorno da Amazônia, além de publicar seus artigos, Hübner
manteve contato com instituições científicas alemãs para a venda das fotografias realizadas no
Peru. No livro de inventário da Sociedade de Antropologia de Berlin
240
elas estão listadas com
os números 3069 a 3086 e 3069 a 3128, tendo sido adquiridas em 1894 e com a observação
“Hübner phot.” Não menção do nome de Kroehle, o que deixa margem para algumas
indagações. Houve um acordo entre eles para a comercialização dessas imagens? Teria
Hübner se apossado delas? Ou, talvez, teria sido ele quem, de fato, contratou Kroehle para
fotografar, mantendo, portanto, os direitos sobre elas. Nessa época, os direitos autorais, em
especial das fotografias, ainda não tinham definição precisa. E aqui vem à tona, mais uma vez,
o nome de Krone que, em 1890, dedicou-se a preparar um projeto de lei que respaldasse os
direitos autorais de fotógrafos.
Foi Krone também que, em uma palestra proferida em 1893 na Universidade
Politécnica de Dresden, quando seu Lehrmuseum foi exposto publicamente pela primeira vez,
estabeleceu paralelos entre a ciência e a fotografia: “a fotografia é um fator científico,
destinado a espalhar a ‘assinatura da natureza’ em todo o vasto mundo”
241
. A fotografia surgiu
da experimentação, observação, do processo científico de tentativas e erros. a partir de
meados do século XIX, como vimos, era utilizada como prova e evidência na criminalística,
nos avanços da pesquisa médica, nos estudos de frenologia e antropometria, além de
amplamente difundida na etnografia e na antropologia. À medida que o conhecimento
científico se desenvolvia e se expandia em várias direções, acompanhando o crescimento
urbano e as profundas modificações sociais e culturais por ele provocado, surgiram novos
mecanismos e lógicas de compreensão e representação do mundo observável. A câmera
240
Verzeichniss d. Photographien der Berliner Anthropologischen Gesellschaft, no. 1 – 8200.
241
apud HESSE, op. cit., p. 12
119
fotográfica teve papel fundamental nesse processo, mediando a transformação da percepção
do mundo
242
.
Fato é que, nesse momento, havia uma troca de informações entre as “jovens”
instituições científicas alemãs, destacando-se os museus e universidades com seus
departamentos etnográficos e de estudos geográficos de Berlin, Dresden e Leipzig, cidades
muito próximas umas das outras. Ao publicar seus artigos nas revistas
243
, Hübner abriu uma
rede de contatos com geógrafos, etnógrafos e outros cientistas de seu tempo e de seu lugar
244
.
Foi a serviço da ciência que, em 1894, ele viajou novamente para a América do Sul.
De Manaus, ele foi para a região do Alto Orinoco, passando pelo rio Branco, afluente do rio
Negro, no atual Estado de Roraima. Foi lá que ele se aprimorou como botânico - atividade
essa que iria lhe assegurar o sustento nos seus últimos quinze anos de vida
245
, após o
encerramento de seu estúdio fotográfico. Nos dois relatos publicados na Deutsche Rundschau,
Hübner menciona inúmeras vezes seu principal objetivo, dessa vez a coleta de orquídeas.
Referindo-se a um local próximo de onde se encontrava, ele escreve que “[...] conforme as
orientações que recebi da Europa, ali seria o local onde Cattleyas muito raras foram antes
encontradas
246
. Ou ainda, após escalar o Cerro Servetana, na fronteira com a Venezuela,
acompanhado de guias indígenas: “Eu havia subido o suficiente para alcançar os objetivos
pelos quais eu para lá me dirigi a coleta de plantas e havia encontrado nessa altitude as
242
Nesse sentido, Rosenblum (op cit.., p. 95) refere-se à própria imagem fotográfica como fazendo parte desse
processo de mudança da tradicional abordagem para a moderna percepção da natureza e do ambiente modificado
pelo ser humano.
243
Os primeiros artigos de Hübner foram citados na bibliografia da tese de doutorado de Ludwig Koegel, “Das
Urwaldphänomen Amazoniens: eine geographische Studie”, defendida em 6 de junho de 1914, na Faculdade de
Filosofia da Universidade Ludwig-Maximilan em Munique.
244
Frank Kohl, em comunicação pessoal ao autor, aponta que, além de saber fotografar – e bem – Hübner, Frisch
e outros que buscavam atender ao emergente mercado de imagens do mundo, compreendiam as necessidades dos
pesquisadores e talvez, por isso, tenham alcançado o sucesso.
245
De acordo com Schoepf (op. cit, p. 204), ele fora contratado pela empresa do horticultor belga Jean Linden
(1817-1898). Botânico, horticultor, explorador e empresário, ele dedicou toda a sua vida à coleta, pesquisa,
cultivo e comercialização de orquídeas e outras plantas tropicais na Europa. Com o desenvolvimento das estufas
em ferro e vidro, ele passou a cultivar diversas espécies exóticas e comercializá-las por todo o continente.
(disponível em http://www.jeanlinden.info
)
246
HÜBNER, 1898b, p. 311, trad. nossa
120
esperadas representantes da família Odontoglossum, o que para mim era o mais
importante”
247
. Nesses dois artigos, nota-se claramente as práticas científicas a que se
dedicava Hübner: são constantes as referências às medições de temperatura e altitude; e, além,
de coletar orquídeas, bromélias e insetos (sempre identificados por gênero e espécie), ele
observava atentamente também outras famílias da flora e da fauna. Seu texto aprimorou-se e
tornou-se mais pessoal
248
, permitindo-lhe reflexões poéticas sobre a natureza, como nessa
descrição de uma grande cachoeira:
Que maravilha de cenário! A água se vaporizava nas pedras e formava uma chuva
fina e refrescante; as superfícies eram cobertas de musgos e cipós um quadro de
encantamento que deslumbraria um pintor de paisagem
249
.
Após aproximadamente oito meses de viagem, ele permaneceu em Manaus,
hospedando-se em um “novíssimo hotel alemão dirigido pela Sra. Mathilde Buntrock”
250
. Foi
nessa estadia que ele conheceu a emergente colônia alemã da cidade, a elite da borracha e
alguns fotógrafos
251
, entre eles o também pintor Arturo Lucciani de quem adquiriu uma
fotografia de paisagem do Rio Branco para publicação em seu artigo.
Ao retornar a Dresden, em abril de 1896, além das amostras científicas, levou na sua
bagagem uma série de 60 fotografias que retratavam as localidades por onde passara e
indígenas em poses diversas. Essa série foi adquirida por Oscar Schneider, para quem Hübner
enviou uma listagem detalhada, escrita a mão e contendo a numeração e uma breve descrição
de cada uma, agrupadas conforme a localidade onde foram realizadas (Orinoco, Guainia,
247
HÜBNER, 1898a, p. 59, trad. nossa
248
O primeiro, “Reise in das Quellgebiet des Orinoco” foi publicado em forma de carta para a mãe e a irmã. Ele
iniciou seu relato em Cucui, no Estado do Amazonas na fronteira com a Colômbia, em 11 de maio de 1895,
finalizando-o em Manaus a 3 de junho do mesmo ano. Os manuscritos foram enviados para Oscar Schneider.
249
ibid., p. 58
250
ibid., p. 65
251
Cf. KOSSOY (2002a): na década de 1890 havia, além de Huebner, pelo menos, nove fotógrafos estabelecidos
em Manaus e nas cidades próximas, como Manacapuru e Itacoatiara: entre eles, o italiano Lucciani e os
brasileiros Francisco e Manoel Lyra, B. Telles e Livraria Classica. Já na década seguinte, Kossoy lista mais dois
alemães, Franz Feigl e Carlos Klippgen.
121
Casiquiare, rio Negro; Rio Branco; Rio Madeira). A lista inclui, ainda, algumas fotografias
realizadas no rio Madeira, na localidade de Borba, e três fotografias da extração da borracha
realizadas em seringais. em todas elas um cuidado com o enquadramento e a perfeição
técnica que marcariam todo o trabalho de Huebner dali para frente. Algumas dessas
fotografias estão no acervo do Museu Etnográfico de Hamburgo e fazem parte da coleção
Adrian Jacobsen
252
. As imagens analisadas, no entanto, estão no acervo Theodor Koch-
Grünberg e são assinadas “George Huebner, Manáos-Brazil”, indicando, portanto, que quando
as tiragens foram feitas ele já havia se estabelecido em Manaus. Em 1897, Georg Hübner
retornou definitivamente ao Brasil
253
e passou a assinar suas fotografias e seus negócios com
a grafia do seu nome adaptada para o português (Figs. 59 a e b).
Não há pistas concretas que possam esclarecer os motivos dessa decisão importante de
deixar Dresden e se radicar no Brasil. Se durante doze anos ele freqüentou a Amazônia como
viajante, fotógrafo e homem de ciência
254
acumulando larga experiência profissional,
profundo conhecimento da região e principalmente contatos, agora, na Manaus que ele viu se
transformar de aldeia em cidade cosmopolita
255
, ele vislumbrava novas possibilidades de
crescimento profissional. Schoepf acrescenta que
ele não era um imigrante como os outros [...] Com 35 anos, não tem nada de
ingênuo. Desde 1885, teve tempo de adquirir o jeito, a competência profissional, a
252
Cf. KÖNIG (op. cit., p. 31): nascido na Noruega, Jacobsen (1853-1947) foi um empresário e colecionador
alemão. Seu acervo contém, entre muitas outras, mais de 1.700 imagens das Américas. Seu contato com
Schneider, de quem adquiriu as fotografias de Huebner, foi em Dresden, onde, de 1895 a 1907, ele foi dono de
um restaurante.
253
Conforme informativos de Oscar Schneider no Jahresbericht des Vereins für Erdkunde zu Dresden, n.
o
XVI
(1898).
254
Destacando, mais uma vez, a vontade de Huebner se inserir nos restritos círculos científicos, em 12/3/1907
ele escreveu para Koch-Grünberg: “De bom grado estou disposto a ingressar como membro da Sociedade de
Antropologia [Etnologia e História Primitiva de Berlim] e peço-lhe que, amavelmente, faça providenciar o que
for necessário”. Ele foi aceito, publicou artigos em conjunto com Theodor Koch-Grünberg e enviou fotografias
para a Sociedade. Ressalta-se que, em 1875, D. Pedro II também tornou-se membro honorário dessa instituição.
255
Logo após a sua chegada a Manaus, Koch-Grünberg escreveu em seu diário sobre seu primeiro contato com a
floresta nos arredores de Manaus, destacando o aspecto cosmopolita se contrapondo à natureza selvagem:
“Passeio com o bonde elétrico até ‘Flores’, nos arredores de Manaus, no meio da selva. Magnífico cenário. A
cultura e o selvagem lado-a-lado!” (3 de junho de 1903, grifo nosso).
122
experiência. Teve oportunidade de fazer contatos e, provavelmente também, de se
assegurar de alguns suportes indispensáveis
256
.
Fig. 59 a e b: George Huebner, India Pauxiana, frente e perfil. Rio Branco, c. 1895.
Arquivo Koch-Grünberg, Philipps-Universität, Marburg.
Nota-se a assinatura “George Huebner” no canto inferior esquerdo.
256
op. cit., p. 36
123
2.2 O ateliê “Photographia Allemã
2.2.1 O estabelecimento
A imigração para o Brasil teve início em Belém, quando Huebner desembarcou e,
inicialmente, colaborou com o fotógrafo Felipe A. Fidanza
257
e o editor Arthur Caccavoni
258
na realização de fotografias para o Álbum Descritivo Annuario del Stato de Parà 1898,
editado em Gênova. Schoepf
259
sustenta a hipótese de que, uma vez cumprido seu trabalho
para os italianos, ele tenha conservado alguns negativos aquelas imagens não incluídas na
edição final e que ele próprio publicou com o título Vistas do Pará
260
, em 1899, após já ter
fixado residência em Manaus. Esse trabalho, de alta qualidade técnica, consiste de 22
fotografias reproduzidas em colotipia, coladas sobre cartão, a respeito das quais Schoepf
comenta que
três ou quatro constituem verdadeiras obras primas, em particular, as que ilustram o
Reducto, um canal hoje desaparecido, o Ver-o-Peso, o famoso mercado de Belém,
ou a Rua Padre Prudêncio. A qualidade excepcional dos documentos não é devida
tanto a um assunto que seria novo ou inédito, mas ao enquadramento absolutamente
perfeito, quase rigoroso, preservando, entretanto, todo o sabor e a animação dos
lugares. Mereceriam, sem dúvida, figurar em uma antologia das melhores
fotografias antigas das cidades brasileiras
261
.
257
Felipe Augusto Fidanza (? 1904) foi um dos mais atuantes fotógrafos do norte do Brasil. Em 1867, ele
viajou para Belém acompanhando a comitiva de D. Pedro II que foi ao Pará celebrar a abertura dos portos da
Amazônia ao comércio exterior. Em 1873, abriu uma filial em Manaus. Sua ampla produção tornou-se conhecida
principalmente pela publicação de álbuns descritivos e oficiais, além de retratos da elite, de viajantes e de artistas
em Belém e Manaus. Na Exposição Universal de Paris de 1889, a Photographia Fidanza recebeu uma menção
honrosa. Em 1904, numa viagem de volta da Europa, Fidanza se jogou no mar (KOSSOY, 2002; SCHOEPF,
2005).
258
Schoepf (ibid., p. 40-47) faz uma extensa análise das relações de Huebner com os italianos e sua produção
fotográfica e editorial, diretamente ligada à divulgação da cidade como destino das linhas de navegação da
Ligure Brasiliana. Em sua estada anterior em Manaus, Huebner conhecera, também, o fotógrafo italiano Arturo
Lucciani que, de acordo com Kossoy (2002) e o próprio Schoepf, mantinha um estúdio na cidade desde o início
da década de 80. Lucciani é autor de um importante álbum fotográfico, o “Estado do Amazonas”, publicado em
Gênova, em 1899, também sob os auspícios da Ligure Brasiliana.
259
ibid., p. 44
260
No Rio de Janeiro há exemplares completos de Vistas do Pará no Instituto Moreira Salles e no IHGB.
261
ibid., p. 42
124
A publicação é encadernada em couro e, além das legendas impressas na parte inferior
das páginas, não contem textos descritivos. As pranchas são assinadas “Ediçaõ (sic) de
George Huebner” o erro de grafia indicando, talvez, que tenham sido produzidas no
exterior, possivelmente em Dresden onde Huebner havia estabelecido contato com
empresas gráficas. A tiragem deve ter sido pequena e Schoepf aponta para a possibilidade de
não ter sido concebida para venda e sim como uma espécie de portfolio, um “dossiê de
apresentação de aptidões, muito útil para um homem de carreira que está no ponto de se
estabelecer e procura trabalho”
262
. É a primeira incursão de Huebner numa produção autoral e
editorial própria
263
.
Alguns meses depois, portanto, ele chegava a Manaus e confeccionava seu primeiro
papel timbrado: “George Huebner, Photographo, Manáos, Amazonas-Brazil”, ainda sem
endereço. Kossoy
264
cita um anúncio publicado no Jornal do Rio egro em 7 de novembro de
1897 onde ele se apresentava como “membro correspondente da Sociedade de Geographia de
Dresden” e que prestava serviços em seu ateliê fotográfico “no antigo Hotel Cassina, junto ao
palácio do Governo”, com os melhores e mais modernos equipamentos. Dois anos depois, ele
inaugurou seu primeiro estúdio próprio, na rua São Vicente, também próximo ao Palácio do
Governo. Em outro anúncio, publicado no jornal Commercio do Amazonas em 28 de abril de
1900, Huebner divulgou os serviços que seu ateliê “Photographia Allemã” oferecia: entre
eles, a “realização de retratos em todos os gêneros, e em platinotypia
265
”, bem como
“contratos para fotos de estabelecimentos, interior e exterior”
266
.
262
ibid., p. 46
263
No Instituto Moreira Salles um álbum semelhante, “Vistas de Manaus”, com fotografias também em
colotipia, no formato cartão-cabinet (9,8 cm x 14,5 cm) e montadas sobre cartão com a inscrição “Edição de
George Huebner, Dresden, Alemanha”.
264
op. cit., p. 181
265
Reprodução fotográfica que utilizava papel sensibilizado com cloreto de platina, um material caro, porém de
alta qualidade, uma vez que assegurava maior durabilidade da imagem e uma escala tonal mais ampla
(ROSENBLUM, 1997, p. 443).
266
KOSSOY, 2002a., p. 181
125
Em sua divulgação comercial Huebner cita a fotografia de exteriores, na qual ele vinha
se especializando quase 12 anos. E foi justamente nessa atividade que o seu ateliê pode se
destacar no mercado fotográfico de Manaus. Schoepf aponta para algumas competências
necessárias para a realização desse tipo de trabalho, entre as quais “experiência prática,
flexibilidade de trabalho, adaptabilidade ao meio ambiente, equipamento apropriado”
267
. Com
o fechamento de outros estabelecimentos fotográficos, como o de Lucciani em 1899 (o único
que poderia competir com ele nesse campo), Huebner acabou não tendo concorrência e abriu
caminhos para nichos em crescimento, como a fotografia publicitária e de documentação
268
.
Merece atenção, ainda, o nome de fantasia de seu estabelecimento comercial. No
início do século XX, já era notória a competência dos fotógrafos e a alta qualidade dos
produtos fotográficos alemães. Em diversas cidades do Brasil e da América do Sul foram
criados estúdios com o mesmo nome, associando a atividade fotográfica à nacionalidade de
seu proprietário e à origem dos equipamentos e insumos
269
. Seguindo a mesma estratégia, as
lojas de moda de Manaus mantinham seus nomes em francês, como “Au Bon Marché”, “A la
Ville de Paris” e “Rouaix & Cia.”, cujo cartaz de divulgação era, também, redigido em
francês. Ou ainda, “Padaria Lusitania”, “Pension Française”, “Café Suisso” e “Bar High
Life”. Schoepf, no entanto, considera que “esse tipo de vitrine não tem outra finalidade [...] ao
não ser associar ao nome do estabelecimento a freqüência mínima de uma clientela de base” e
pode também significar o “inconveniente de afastar clientes em potencial que não se
identificam com a denominação comercial”
270
.
267
op. cit., p. 51
268
Schoepf (op. cit., p. 37) se surpreende com a rapidez com que Huebner se firmou comercialmente.
269
Vasquez (op. cit.) faz referência às “Photographias Allemãs”, de Carlos Hoenen em São Paulo; de Henschel,
em Recife e no Rio de Janeiro e à “Photographia Germânia”, de Pedro Hoenen, em São Paulo. Em seu
dicionário, Kossoy (op. cit.) lista 20 estabelecimentos com esse nome em todo o Brasil, sendo essa a marca de
fantasia de maior ocorrência.
270
op. cit., p. 37
126
Não parece ter sido esse o caso da “Photographia Allemã”, pois em apenas pouco mais
de dois anos, no início de 1902, Huebner se associou a Libânio do Amaral e expandiu os
negócios para uma nova sede na Avenida Eduardo Ribeiro, ponto nobre da cidade (Fig. 60).
Fig. 60: George Huebner, Avenida Eduardo Ribeiro. Cartão postal, c. 1904.
Acervo Elisio Belchior, Rio de Janeiro.
Localização do primeiro ateliê “Photographia Allemã”.
127
A “Avenida” foi a “coluna dorsal da cidade moderna, o palco de uma nova
sociabilidade e de um estilo de vida até então desconhecidos”
271
. Ali se firmaram os melhores
estabelecimentos comerciais de Manaus, como restaurantes, bares, confeitarias e lojas de
moda. A elite circulava e se exibia em suas largas calçadas, enquanto que na rua trafegavam
os bondes em direção ao Teatro
272
.
Amaral trabalhava como fotógrafo e colorista no ateliê fotográfico de Francisco C.
Lyra
273
. Era professor na Academia de Belas Artes e irmão de Crispim do Amaral que havia
realizado as obras de decoração, pintura, ornamentação e instalação do mobiliário do Teatro
Amazonas, inaugurado em 31 de dezembro de 1896. O sócio, bem estabelecido na elite
manauara, abriu novos espaços
274
para relacionamentos e proporcionou uma credibilidade
ainda maior ao estabelecimento.
Schoepf chama a atenção para a rápida ascensão do estúdio:
no período de três ou quatro anos, desde a data de implantação, a Photographia
Allemã adquiriu, na opinião pública de Manaus, o título de ateliê de referência, de
estúdio por excelência. Essa consagração se deve nem tanto ao renome ou volume
de negócios superior ao de outros estabelecimentos locais, mas, sobretudo, à
diversidade das atividades que desenvolve e, em conseqüência, aos contatos e
relações que isso pressupõe nos diferentes meios envolvidos
275
.
Desde o início e até o seu fechamento mais de vinte anos depois, a “Photographia
Allemã” de Huebner e Amaral obteve êxitos e conquistas marcados pela mobilidade de seus
271
DAOU, 1998, p. 200
272
Referindo-se aos estabelecimentos fotográficos no Rio de Janeiro, Segala (op. cit., p. 52) sugere que o
“endereço confere prestígio” e que os “deslocamentos no espaço urbano [...] refletem não um certo capital
econômico acumulado nessas oficinas, a mobilidade social e o reconhecimento dos artistas photographos que as
dirigem, como também as lógicas das parcerias e das sociedades de trabalho”.
273
Conforme Kosoy (op. cit.), Lyra atuava em Manaus desde 1886 e comparava seu trabalho aos “mais bellos da
Europa”. Seus anúncios informavam que utilizava “as chapas modernas mais rapidas para crianças, pessoas
nervosas e para todo e qualquer objecto em movimento”.
274
Sagne (1984, p. 246) afirma que o pintor ocupava um lugar privilegiado no ateliê fotográfico: “ele realça o
prestígio da fotografia e a avaliza junto ao público”.
275
op. cit, p. 38
128
sócios, em particular do alemão. Lygia Segala, em sua pesquisa sobre o militante republicano
francês Victor Frond
276
, aponta que, ali, também, além do significado de “percurso”,
trata-se de compreender as posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente
em espaços sociais em permanente transformação. Mais do que uma dimensão
sugestiva ou ilustrativa, interessa dessa história encarnada, esclarecer sentidos e
valores operadores dessas passagens
277
.
Através de sua produção na “Photographia Allemã”, Huebner não ocupou espaços
significativos
278
, como participou diretamente do processo de transformação de Manaus e da
sociedade amazônica, conferindo, ainda, visibilidade à cidade, à natureza selvagem que a
circundava e aos habitantes da região
279
. Chegou como estrangeiro, ali permaneceu e se
enraizou. Jamais, porém, deixou de ser estrangeiro numa terra estranha, pois, conforme
Simmel,
[o estrangeiro] está fixo dentro de um certo espaço ou dentro de um grupo cujas
fronteiras são análogas a fronteiras espaciais. Sua posição dentro desse espaço, no
entanto, é fundamentalmente afetada pelo fato de que ele, a priori, não pertence ali e
que ele leva para lá qualidades que não são e não podem ser inerentes àquele
espaço
280
.
276
Sob os auspícios do Imperador D. Pedro II, Frond trabalhou na Corte do Rio de Janeiro entre 1857 e 1862,
onde produziu um repertório de fotografias documentando a capital e o interior da província fluminense. Com o
escritor Charles Ribeyrolles editou, na França, o álbum “Brazil Pittoresco”. Segala (op. cit, p. 9) destaca que “o
projeto de Frond transcende a idéia de uma coletânea exótica de imagens”. É possível identificar semelhanças
entre a produção e a operação da produção de Huebner e Frond, apesar da distância temporal e espacial que os
separa.
277
1998, p. 7
278
Cf. BOURDIEU (2002, p. 29): toda trajetória é um processo de evolução social e deve ser compreendida
como “uma maneira singular de percorrer o espaço social, onde se exprimem as disposições do habitus” a
estrutura que organiza as práticas e a percepção das práticas e onde cada deslocamento para uma nova posição
marca uma etapa daquilo que ele chama de “envelhecimento social”. Ou, ainda, considerando-se sua noção de
“campo intelectual” como sistema de linhas de força, onde “a relação que um criador mantém com sua obra e,
por isso mesmo, a própria obra são afetadas pelo sistema de relações sociais nas quais se realiza a criação como
ato de comunicação ou, mais precisamente, pela posição do criador na estrutura do campo intelectual” (1966, p.
105).
279
Segala menciona ainda o “encurtamento das distâncias do país” e a importância que a fotografia teve para
tornar familiar e socialmente valorizadas, diante de nacionais e estrangeiros, a bizarrice dos costumes e as
lonjuras das serras e dos sertões” (op. cit., p. 61). Nos ermos amazônicos, acrescentam-se, também, a floresta e
seus habitantes.
280
1971, p. 143, trad. nossa
129
Ser estrangeiro implica, na verdade, numa relação positiva, uma entre as tantas outras
formas específicas de interação que Simmel estabelecera. O estrangeiro, geralmente
comerciante e/ou viajante, se destaca ainda mais se, ao invés de deixar o lugar de sua
atividade, ele ali se estabelecer. Huebner começou como viajante e, ao se fixar e estabelecer
em Manaus, tornou-se comerciante.
2.2.2 Av. Eduardo Ribeiro, .
o
11
Em seus aspectos físicos, técnicos e comerciais, a “Photographia Allemã”
caracterizava-se como um típico estúdio do início do século XX. Destacava-se, no entanto,
dos demais instalados em Manaus por suas qualidades artísticas e o esmero no acabamento de
sua produção. Até aproximadamente a década de 1870, a prática fotográfica ainda se
sustentava mais na técnica mecanicista que em suas potencialidades artísticas. O que era
esperado de um bom fotógrafo, em especial o retratista, era dominar com desenvoltura as
fórmulas químicas, além de saber direcionar e controlar a luz para que as imagens dos objetos
e, principalmente, das pessoas retratadas fossem as mais próximas possíveis do real. O
fotógrafo era um técnico, talvez um artesão, certamente muito distante do que, à época,
poderia ser considerado um artista. Segala menciona um anúncio do pintor e também
daguerreotipista Bautz que atuava no Rio de Janeiro, onde essas duas funções são claramente
separadas. A fotografia é referida como “machinismo”, em oposição à arte manual do desenho
e da pintura
281
.
Nas primeiras duas décadas após sua invenção, a fotografia se contrapôs à pintura em
vários níveis. Inicialmente, os fotógrafos foram considerados concorrentes dos pintores que
não consideraram a fotografia como arte porque era realizada através de um dispositivo
281
op. cit, p. 29
130
mecânico e processos físico-químicos e não pelas mãos e espírito humanos. Benjamin
282
refere-se à substituição dos pintores, especialmente os miniaturistas de retratos, por técnicos, a
partir da realização dos primeiros daguerreótipos. No caminho inverso, alguns pintores,
fotógrafos e críticos sustentavam que a fotografia poderia ser útil para a pintura, porém jamais
a igualaria em criatividade. O próprio Talbot, um dos inventores da fotografia, já entendia seu
trabalho como arte e não apenas como um processo mecânico de reprodução da natureza.
Acrescentam-se, também, as incursões e utilizações da fotografia por pintores como Ingres,
Delacroix, Courbet e Millet, na França; e, na Inglaterra, os pré-rafaelitas, entre eles, John
Everett Millais e Dante Gabriel Rossetti. Mais tarde, alguns pintores impressionistas também
fizeram uso da fotografia, seja como ferramenta ou até mesmo como modo de ver e retratar o
mundo, como Degas em suas cenas de ruas de Paris e de bailarinas na ópera ou Caillebotte no
quadro “Paris, dia de chuva” (Figs. 61 e 62). Argan
283
indica a larga utilização da fotografia
pelos pintores, uma vez que ela revela aspectos do verdadeiro que escapam à vista; como a
fotografia, a pintura deve ver e tornar visíveis coisas que o olho não vê. A fotografia, no
entanto, apresenta um instante e a pintura uma síntese do movimento; por isso, a pintura
jamais poderia ser substituída pela fotografia. Tanto que o fotógrafo Nadar, amigo dos
impressionistas, acolheu em seu estúdio, em 1874, a primeira exposição do grupo.
Finalmente, havia ainda aqueles que consideravam seriamente as possibilidades
artísticas da fotografia. Nesse sentido, comparando um daguerreótipo de um palácio em
Veneza com uma pintura do veneziano Canaletto, o pintor e pensador inglês John Ruskin
preferiu a imagem fotográfica, com sua maior precisão de detalhes. As sofisticadas montagens
282
1994, p. 97
283
1992, p. 81
131
Fig. 61: Gustave Caillebotte, Paris, dia de chuva”, 1877. Óleo sobre tela, 208 cm x 272 cm.
Acervo Art Institute of Chicago
.
Fig. 62: Henry Peach Robinson, “Fading away”, 1858. Fotografia composta, impressão em albumina.
Acervo Royal Photographic Society, Bath, Inglaterra.
O olhar fotográfico na pintura e o pictórico na fotografia.
132
pictórico-fotográficas, como as de Oscar Rejlander e Henry Peach Robinson; as inúmeras
naturezas mortas, como as de Roger Fenton; os nus artísticos, entre os primeiros os do
citado Hermann Krone; e as mais diversas composições e fotografias de gênero realizadas na
segunda metade do século XIX apontam para diálogos cada vez mais próximos entre os dois
meios, culminando no movimento pictorialista do final do século XIX
284
.
Em 1900, em meio ao crescente número de fotógrafos amadores
285
, destacaram-se os
profissionais, com seus estúdios, equipamentos e processos de ponta. O “machinismo” das
oficinas dava lugar à arte nos ateliês fotográficos. Sagne
286
menciona que os estúdios
começaram a incorporar em seus próprios nomes essas evoluções. Surgiam na Europa e por
todo o mundo estabelecimentos semelhantes aos brasileiros “Photographia Moderna”,
“Photographia Artistica” ou “Photographia Progresso” que anunciavam seus serviços como
sendo de alta qualidade artística” e técnica, justamente para diferenciá-los dos concorrentes,
mecanizados e amadores
287
. Enquanto incorporavam novas tecnologias, os ateliês retomavam
também processos artesanais - como colorização e pintura, retoque, encadernação e ilustração
- para valorizar artisticamente seus trabalhos.
Em seu auge, os ateliês fotográficos configuravam-se como verdadeiros templos
convidativos ao culto da imagem. Instalados em imóveis de grande porte
288
, nas fachadas e à
284
Bazin (2003, p. 127), buscando soluções para o problema realidade-pintura-fotografia, afirma que a
“fotografia vem a ser o acontecimento mais importante da história das artes plásticas. Ao mesmo tempo sua
libertação e manifestação plena, a fotografia permitiu à pintura ocidental desembaraçar-se definitivamente da
obsessão realista e reencontrar sua autonomia estética”.
285
Sagne (op.cit, p. 90, 91, trad. nossa) destaca que “associado às festividades, às viagens, a todos os ócios, o
aparelho fotográfico se torna o acessório indispensável da vida burguesa”. E é justamente nessa prática amadora
que se desenha o perfil da nova sociedade de final do século, a Belle Époque. Evocando Jacques Henri Lartigue -
fotógrafo desde os sete anos de idade e cronista de sua cidade e de seu tempo Sagne constata que a prática
fotográfica se “amadoriza” e se instaura em praticamente todas as camadas sociais. Num extremo, os artistas e
escritores, como Bonnard, Vuillard, Degas, Rimbaud e Zola; noutro, as classes operárias que se fazem fotografar
nos estúdios, nas ruas e nos autômatos em função do vertiginoso barateamento dos custos dos retratos; no centro,
a burguesia, descobrindo e desvelando o mundo.
286
1984, p. 98
287
Sagne cita, como exemplo, o fotógrafo Liébert que prometia sua clientela retratos “à la Rembrandt” (ibid.).
288
Os ateliers de fotógrafos como Nadar em Paris, Claudet em Londres e outros nas grandes cidades chamavam
a atenção por sua arquitetura monumental e utilizando os materiais e recursos da era moderna, como ferro, vidro,
letreiros em neon e iluminação noturna.
133
beira da calçada, o passante era atraído pelos letreiros e cartazes expostos do lado de fora.
Logo na entrada, estava a sala de espera, onde se folheava os inúmeros álbuns contendo
retratos e se escolhia aquela pose que melhor conviesse. Às damas, era reservado um camarim
para os últimos retoques no cabelo e na maquiagem. No trajeto até o estúdio, no andar de
cima, o cliente passava por coleções de objetos, pinturas, esculturas e mobiliários diversos:
como um gabinete de curiosidades, esse “universo onírico”, associava a prática fotográfica ao
espetáculo, ao exotismo e ao fascínio
289
. E, no alto, finalmente, o “salão de pose”, com seus
tetos envidraçados, clarabóias e amplas janelas, esbanjando luz por toda parte e indicando um
“lugar de práticas mágicas”
290
. Num cenário iluminado e repleto de aparelhos, acessórios,
cenários, cortinas e rebatedores, consumava-se o ato fotográfico
291
.
A iluminação é a essência da fotografia: não apenas sua quantidade, mas
principalmente sua qualidade. Por isso, os ateliês contavam com sofisticados sistemas de
controle da luz natural. Na Europa e nos Estados Unidos, as janelas e os tetos envidraçados
apontavam para o Norte, para melhor aproveitamento da luz solar. no hemisfério Sul, era o
inverso. E, nos trópicos, devido ao excesso de luz, havia ainda a necessidade de se reduzir a
iluminação através de difusores e rebatedores. Os fotógrafos atuantes no Brasil no século XIX
e início do XX precisavam lidar com a necessidade técnica de manipular e moldar
adequadamente a luz no estúdio. Para eles, o ideal era o tempo encoberto quando a luz era
naturalmente difusa, “macia”, eliminando sombras indesejáveis e permitindo que o retratado
pudesse se sentir mais confortável e, mais importante, ficar com os olhos abertos
292
.
289
ibid., p. 181
290
ibid., p. 189
291
Na “Photographia Allemã” o retratado se deparava com objetos etnográficos, coletados por Huebner durante
suas viagens ao interior.
292
Cf. KOSSOY (op. cit., p. 38): em Belém, 1893, o fotógrafo Antonio Oliveira relatou que “nos dias chuvosos
pode-se fazer todos os trabalhos photographicos”; ou Christiano Junior, no Rio de Janeiro, 1867: “não há
necessidade que o sol apareça claro para se fazerem bons retratos”.
134
Um importante desenvolvimento para a fotografia de estúdio foi a introdução das
lâmpadas elétricas. As primeiras tentativas de utilizar iluminação artificial foram feitas no
final da década de 1850
293
. No final da seguinte, já era prática comum aliada, no entanto, à luz
natural que ainda permaneceu sendo utilizada nos ateliês até o início do século XX. Em 1874,
Antoine Lumière, fabricante de material fotográfico em Lyon e pai dos irmãos Louis e
Auguste, inventores do cinema, montou um dos primeiros estúdios fotográficos que utilizava
exclusivamente a luz artificial. Funcionando aos domingos e à noite, sua “Photographie
Japonaise” fez enorme sucesso
294
.
Dependendo das finalidades e dos equipamentos utilizados, outra demanda
fundamental para um bom ateliê fotográfico era espaço físico. Para produzir exclusivamente
retratos, a câmera necessitava estar a uma distância de, no mínimo, três metros do sujeito.
Para eliminar sombras, acrescentam-se, ainda, alguns metros de afastamento do fundo, além
de mais outros para a circulação do fotógrafo e guarda dos equipamentos e acessórios. Ou
seja, a área mínima desejável era de 30 a 40 metros quadrados.
A “Photographia Allemã” na Avenida Eduardo Ribeiro atendia a todas as necessidades
de um “bom ateliê” do início do século XX. Apesar de Manaus ter sido uma das primeiras
cidades do Brasil a contar com o fornecimento de energia elétrica
295
, a “Photographia
Allemã”, no entanto, passou a utilizá-la no estúdio a partir de 1916, conforme anunciado
no jornal “Boletim Allemão”, de 13/12/1916
296
. Muito pouco é conhecido
sobre as instalações
293
Para gerar energia elétrica, eram utilizadas as baterias eletroquímicas inventadas pelo cientista alemão Robert
Bunsen. As primeiras fontes de luz artificial eram as lâmpadas de arco de carbono, até a invenção e
industrialização da lâmpada elétrica, na década de 1880. Luzes específicas para fotografia, chamadas de
“photoflood”, foram desenvolvidas a partir da utilização do tungstênio como filamento nas lâmpadas na
década de 1910.
294
FRIZOT, 2004, p. 122
295
Os serviços de geração e distribuição de energia, bem como iluminação pública foram contratados com a
firma inglesa Manaus Electric Lighting Company, constituída em 1895. O contrato obrigava a empresa a
fornecer luz elétrica para as vias públicas, edifícios públicos e particulares, das 18:00 h até as 5:00 h (DIAS, op.
cit., p. 69).
296
a “Photographia Telles”, de J. Valerio (sucessor e ex-gerente da Photographia Fidanza no Pará) anunciava
no Jornal do Commercio em 5/5/1904 que estaria oferecendo “brevemente a photographia de noite pela luz
arteficial”.
135
físicas do estúdio de Huebner. A pesquisa de Schoepf não apontou detalhes sobre a estrutura
interna do estúdio. algumas fotos da fachada que ilustram anúncios do empreendimento,
bem como uma fotografia externa com a sua equipe enviada por carta a Theodor Koch-
Grünberg. No prédio hoje uma loja de varejo. O amplo sobrado seria todo ocupado pela
atividade fotográfica. Em carta a Koch-Grünberg, de 10/5/1911, Huebner lhe escreveu que
quando ele chegasse para sua expedição, deveria se acomodar na casa do Sr. Sommerblad,
uma vez que
nosso negócio na Avenida não possui quartos próprios para morar, pois há pouca luz
e circulação de ar. Eu mesmo, por esses motivos, aluguei um quarto em outro lugar
[...] Suas refeições, porém, o Sr. fará conosco, se não se importar com nossa comida
simples
.
Analisando alguns dos retratos realizados na “Photographia Allemã”, é possível inferir
que a área de pose disponível tenha sido bastante ampla, uma vez que ali foram produzidas
fotografias de grupos com mais de vinte pessoas o que, para possibilitar o enquadramento,
pressupunha uma distância de aproximadamente cinco metros entre a câmera e os retratados.
No salão de pose, Huebner contava com um variado repertório de mobiliário mesas,
cadeiras, colunas e balaustradas além de objetos cenográficos, tais como tapetes, cortinas,
vasos, bibelôs e figurinos diversos. Sagne
297
compara o estúdio fotográfico ao palco do teatro,
onde o retratado se transforma em ator, imóvel, em meio a um espaço cênico. A relação da
fotografia com o teatro remonta às origens da prática fotográfica, quando inúmeros fotógrafos
da primeira geração de retratistas tiveram passagem pelo teatro, entre eles Disdéri, Carjat e
Atget. Os ateliês dispunham de acessórios que eram utilizados conforme o perfil do retratado
e a imagem desejada (Figs. 63 a 67).
Outro elemento importante na estrutura do estúdio era o pano de fundo, utilizado
desde as primeiras produções de retratos. Mais do que decoração, o fundo se tornava uma
297
op. cit., p. 198
136
Fig. 63: Carlos Dauer, Salão de pose do estúdio de Fidanza em Belém. c. 1906.
Fig. 64: Carlos Dauer, Sala de acabamento do estúdio de Fidanza em Belém, c. 1906.
(fonte desconhecida, reproduções de VASQUEZ, 1985)
Reparam-se as amplas janelas, a clarabóia, os rebatedores e a câmera para chapas em grande
formato. Na sala de acabamento, destacam-se os materiais e ferramentas necessários para uma boa
apresentação dos trabalhos encomendados.
137
Fig. 65: Anúncio da “Photographia Allemã” publicado no Annuario de Manáos, 1913-1914.
Acervo IGHA, Manaus.
138
Fig. 66: Nos fundos da “Photographia Allemã”, c. 1911: Huebner (em pé, à esquerda), seus
colaboradores e alguns amigos, entre eles, Eva e Paul Levinthal, comerciantes alemães em Manaus.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität, Marburg.
Fig. 67: O prédio da “Photographia
Allemã” em 2006.
Fotografia Andreas Valentin, 2006.
139
extensão ilusionista do espaço cênico, seguindo a tradição renascentista e barroca do trompe
l’oeil. Outros cenários evocavam paisagens idílicas, como parques, montanhas, cascatas,
jardins, romantizadas. Em fotografias realizadas na Europa viam-se jardins tropicais; por
outro lado, muitas das fotografias realizadas nas Américas, inclusive algumas do próprio
Huebner e dos fotógrafos que documentaram os Mapuche no sul do Chile, mostravam
indígenas defronte à bruma de uma varanda rococó
298
.
Por trás do sucesso comercial da “Photographia Allemã” estavam as aptidões técnicas
e artísticas de seus proprietários, a tecnologia de ponta dos equipamentos, o amplo espaço
físico e, certamente, o esmero de acabamento nos serviços realizados. O produto entregue ao
cliente era de alta qualidade. Schoepf lembra que Huebner,
por estar à frente de seu tempo, não tem nenhuma concorrência à altura no mercado
de Manaus [...] Quando os concorrentes estiverem em posição de contestar-lhe a
supremacia, será muito tarde: a situação econômica de Manaus estará degradada, os
negócios arruinados e as encomendas, indexadas ao preço da borracha, em baixa
299
.
Legitimando esse reconhecimento, a imprensa de Manaus lhe concedeu generosos
espaços de “mídia espontânea”, através de matérias publicadas nos jornais:
[...] a rapidez e a perfeição da machina que, com instantaneidade de um milésimo de
segundo, poude firmar todas as posições das pessoas que se agglomeravam no
momento, a ponto de sahir uma mulher coçando a cabeça [...] enche-nos de prazer
termos que registrar a perícia do sr. Huebner em dirigir o seu aparelho em posição
tão artística e difficil
300
.
298
Ressalta-se aqui, mais uma vez, a estreita ligação entre a pintura e a fotografia. Kossoy (2002, p. 38) cita
alguns anúncios de ateliês das décadas de 1860, 1870 e 1880 que procuravam se destacar da concorrência
oferecendo “lindas vistas de jardins e paisagens”, “fundos photographicos pintados pelos primeiros artistas de
Pariz e não por caiadores de casa de suburbios como aqui ha para vender”, ou ainda, “diversos fundos de
paisagens que mandou vir directamente de Berlim”.
Muitos ateliês comercializavam materiais, tanto para a fotografia como para a pintura. No citado anúncio da
“Photographia Telles”, publicado no Jornal do Commercio de Manaus em 5/5/1904, o fotógrafo destacava que
recebera “uma importante remessa de materiaes de primeira qualidade, tanto para a arte, pintura a oleo, pastel,
aquarella etc”.
299
op. cit., p. 51
300
“Quo Vadis”, 28/12/1902
140
Ou ainda, no mesmo jornal, em 26/11/1902:
Os americanos na Allemanha
Hontem foi assaltada a Photographia Huebener & Amaral por uma verdadeira
invasão de amadores do bom gosto, todos disputando o primeiro lugar do bem
montado atelier para tirarem o retrato. Não duvida que somente o Huebener &
Amaral conhecem o segredo de fazer caras bonitas de typos feios.
Pelos salões do ateliê de Huebner e Amaral, passaram representantes de praticamente
todas as camadas da sociedade manauara: políticos, como os governadores Silvério e
Constantino Nery, Jonathas Pedrosa e Antonio Ribeiro Bitencourt; a elite comercial,
principalmente os alemães, como Waldemar Scholz, Oscar Dusendschön, Moers e Schlee; o
Coronel Plácido de Castro e seus correligionários da campanha do Acre
301
; turmas inteiras de
formandos da Faculdade de Direito e da Escola Normal; e famílias anônimas que ali deixaram
seu registro. Os contratos de trabalho para fotografias externas incluíram os álbuns oficiais
patrocinados pelo Estado; documentação para as empresas concessionárias dos serviços
públicos, como a Manáos Harbour Ltd., a Manáos Tramways Ltd. e a Manáos Improvements
Limited; empresas de navegação, como a inglesa Booth Line e a alemã Hamburg Süd;
importadores e exportadores, como a Dusendschön, Zagres & Cia. e a Andresen & Cia; e
empreendimentos comerciais como cervejarias, restaurantes, farmácias e ateliês de costura.
No campo da publicidade, o ateliê atuava na produção das fotografias e criação gráfica dos
anúncios, muitos dos quais veiculados nos álbuns editados pela própria “Photographia
Allemã”. Durante pelo menos dez anos, o estúdio prosperou em praticamente todas as áreas
de atuação possíveis da fotografia àquela época.
301
Essa foto foi publicada no “Álbum do Rio Acre”, possivelmente de 1904, do qual se sabe, conforme seu
colophon, que foi “composto e impresso na Typographia do Annuario Commercial, Lisboa, com photogravuras
executadas nos ateliers dos Srs. Pires, Marinho & Cia. Lisboa”. Plácido de Castro aparece na folha de rosto da
publicação, ao lado do Coronel Gentil Norberto e debaixo do título “Heroicos Defensores do Território do
Acre”. A documentação fotográfica do Acre não foi feita por Huebner, uma vez que não registros de viagens
suas àquela região. Em uma entrada em seu diário, de 10/6/1903, Koch-Grünberg relata que Huebner fotografou
Placido de Castro e seus correligionários em seu estúdio: “os caras pareciam bandidos; Castro causa uma boa
impressão”.
141
Além do retorno financeiro e do capital simbólico
302
que essa abrangência profissional
proporcionou, na produção do ateliê configura-se, ainda, a fotografia como prática social, pois
como aponta Bourdieu,
através da mediação do ethos, interiorização das regularidades objetivas e comuns, o
grupo submete essa prática à regra coletiva, de tal forma que mesmo a menor das
fotografias expressa, além das intenções explícitas daquele que a produziu, o sistema
de esquemas de percepção, de pensamento e de apreciação comuns a todo um
grupo
303
.
O reconhecimento maior veio em 1908, quando Huebner viajou, pela primeira vez,
para o sul do país, acompanhando a apresentação dos trabalhos de seu estúdio na Exposição
Nacional do Rio de Janeiro. À “Photographia Allemã” foi concedido o Grande Prêmio, a
Medalha de Ouro. Em 7 de maio de 1908, ele escreveu para Theodor Koch-Grünberg:
Penso viajar ao Rio de Janeiro no início do próximo mês, quando será inaugurada
uma Exposição Nacional, onde serão apresentadas várias criações fotográficas de
nossos estúdios de Manaus e do Pará. Meu sócio Amaral irá me acompanhar. Em
1885, encostei pela primeira vez no Pará e em Manaus e, durante esse longo tempo,
conheço do Brasil essas duas cidades. Creio que é chegada a hora de conhecer o
Sul deste país
304
.
No Rio de Janeiro, onde permaneceu por alguns meses, Huebner mostrou especial
interesse em conhecer a coleção de antigüidades indígenas expostas no pavilhão da Bahia. Em
outra carta para Koch-Grünberg, de 18/9/1908, ele descreve detalhadamente algumas peças,
como uma machadinha de jade, considerando todo o acervo como de grande valor. Lamenta,
no entanto, não ter podido fotografar, uma vez que levara consigo a câmera estereoscópica
302
Bourdieu (2002, p. 292) refere-se ao capital econômico e ao simbólico como importantes componentes para a
compreensão da biografia de um autor ou artista: “é com relação aos estados correspondentes da estrutura do
campo que se determinam em cada momento o sentido e o valor social dos acontecimentos biográficos,
entendidos como colocações e deslocamentos nesse espaço ou, mais precisamente, nos estados sucessivos de
estrutura das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo, capital econômico e capital simbólico
como capital específico de consagração” (grifo do autor).
303
1965, p. 24, trad. nossa
304
trad. nossa
142
instantânea que não era adequada para esse tipo de serviço. Em outra carta, ele insinua que
Koch-Grünberg pudesse ter tido interesse em adquirir essa coleção.
Dois anos depois, seu trabalho recebeu mais uma medalha de ouro, do Congresso
Comercial, Industrial e Agrícola, reunido em Manaus, de 22 a 27 de fevereiro de 1910, obtida
com suas “photographias representando a extracção da borracha e seu beneficiamento”
305
.
Huebner se tornara, portanto, num dos inúmeros bem-sucedidos e, principalmente,
reconhecidos empresários de Manaus. Sua renda era ainda complementada pelo fornecimento
de equipamentos, materiais e insumos fotográficos para outros profissionais, além do envio de
plantas para museus botânicos na Europa. Seus negócios fotográficos se expandiram ainda
mais quando, em 1906, Huebner e Amaral adquiriram, em Belém, o ateliê de Fidanza,
falecido dois anos antes. Mantiveram o nome “Photographia Fidanza”, mas assinaram eles
próprios suas produções a partir daí. Huebner já havia colaborado com o italiano em outras
ocasiões, em especial na produção do “Album do Amazonas 1901-1902”. Em uma matéria
publicada no jornal “A Provincia do Pará”, de 27/4/1906, divulgando a reinauguração do
estúdio, foram exaltadas as qualidades técnicas e artísticas do empreendimento:
Os novos apparelhos e as mais bellas photographias estarão a disposição das pessoas
de bom gosto. Os trabalhos são perfeitos e inalteráveis como qualquer ateliê europeu
de primeira ordem. Os seus proprietários contam que muito em breve terão os
mesmos conceitos que possue a Photographia Allemã, em Manaus”
306
.
A filial paraense da “Photographia Allemã” funcionou até 1910, quando foi vendida a
outro alemão, Max Mauksch, antigo colaborador de Huebner. Nesse mesmo ano, eles abriram
um estúdio no Rio de Janeiro, na Av. Central no. 128, no edifício do jornal “O Paiz”. A
direção do estabelecimento foi confiada a Amaral que, junto com Paul Erbe, manteve o
305
Revista da Associação Comercial do Amazonas, Anno II, no. 21, 5 a 24/3/1910. Confrome já assinalado,
Huebner produziu a primeira série de postais retratando essa atividade, com ampla circulação em todo o mundo.
306
apud Schoepf, op. cit, p. 205.
143
empreendimento funcionando até o final de 1919
307
. A filial carioca especializou-se em
fotogravuras, tendo realizado inúmeras tiragens de vistas da cidade
308
(Fig. 68).
Fig. 68: Logotipo da
“Photographia Allemã”,
destacando-se a ilustração de
flores de orquídea e a
paisagem amazônica.
307
Após o fechamento do estúdio, Erbe continuou trabalhando no Rio de Janeiro, possivelmente como sucessor
da “Photographia Allemã”. Há séries suas assinadas “P. ERBE RIO” que retratam a cidade nos anos 1920-1930.
308
O Instituto Moreira Salles possui algumas dessas tiragens. Elas m a assinatura do editor, “Adolf Eckstein’s
Verlag, Berlin Charlottenburg” e trazem a inscrição “d’après photo Huebner Amaral, Rio de Janeiro”. Na
verdade, nem todas essas gravuras são atribuídas a eles - algumas não fazem referência aos fotógrafos. Trata-se
de um olhar idílico sobre o Rio de Janeiro, acompanhado de um texto em francês “Le Brésil Contemporain”, de
P. Rovelli. O conjunto de imagens examinado mostra vistas da recém inaugurada Av. Beira Mar e do Palácio
Monroe, com suas calçadas novas e a rua em primeiro plano; são ângulos muito parecidos com os das fotografias
de Huebner realizadas durante e após as obras de modernização de Manaus. Outras pranchas retratam o Jardim
Botânico, com sua fonte principal na aléia das palmeiras, propositalmente descentrada; o Corcovado e a Gávea,
paisagens ao gosto do alemão amante da natureza.
144
2.2.3 Do outro lado do rio
O fim da era da borracha já se anunciava desde 1910, quando as plantações inglesas do
sudeste asiático
309
começaram a oferecer um produto de melhor qualidade e, principalmente,
mais barato. O comércio exclusivamente extrativista da Amazônia não tinha como concorrer
com a produção sistematizada da Malásia e do Ceilão de tal forma que os mercados mundiais
migraram para o outro lado do mundo. Fora quebrado um monopólio que, até então, era
sinônimo de riqueza, fausto e progresso. Esse “fim” da era da borracha, na verdade, não
ocorreu de maneira brusca e rápida. Não houve um “desmoronamento imediato”
310
. Mesmo
que os sintomas tenham se manifestado muito claramente, a elite do extrativismo demorou a
reconhecê-los, esboçar reações e buscar alternativas
311
. A partir de 1913, a produção
amazônica de borracha despencou e jamais se recuperaria novamente. A I Guerra Mundial, no
entanto, com sua demanda de matéria-prima para a indústria bélica (pneus para caminhões e
aviões, amortecedores para vagões de trem, luvas cirúrgicas, entre outras aplicações) deu uma
breve sobrevida à borracha amazônica.
Daou aponta para o fato de que, com o agravamento da crise, alterou-se o estilo de
vida, em especial as “circunstâncias que aproximavam estrangeiros e amazonenses
promovendo as mútuas interdependências orquestradas pelos interesses de todos os que
309
Cf. PENNINGTON (2001): durante a década de 1880, o inglês Henry Wickham contrabandeou cerca de
70.000 sementes de seringueira para o jardim botânico Kew Gardens em Londres. Lá, elas foram aclimatadas,
pesquisadas e cientificamente plantadas. Duas mil cresceram e foram replantadas na Malásia: o suficiente para,
alguns anos depois, produzir um grande volume de borracha.
310
DAOU, 1998, p. 345
311
Em carta a Koch-Grünberg de 28/6/1911, Huebner comentou como que a crise já começava a lhe afetar
diretamente: “há 10 dias que o nosso negócio anda muito mal. Falta dinheiro em Manaus, porque o preço da
borracha não sobe. E aqui, infelizmente, tudo depende da borracha!”. Em 13/1/1914, ele previu que “as
perspectivas para o futuro são deveras tristes. Mais cedo ou mais tarde, isso acontecerá com todos os países que
dependem de uma monocultura como essa. Quando os preços do produto caem tão rapidamente como aconteceu
aqui, vem a desgraça, porque não outras alternativas”. Na mesma carta ele ainda comenta que se poderia
trabalhar outros produtos agrícolas e extrativistas como o cacau e as madeiras nobres.
145
realizaram o ‘acontecimento da borracha’”
312
. Muitos desses estrangeiros foram, aos poucos,
deixando a cidade; outros, porém, ali permaneceram ou mudaram suas trajetórias.
Huebner foi um dos que ali ficou. Em 1915, ele transferiu o estúdio para mais acima
na Avenida Eduardo Ribeiro no. 88, onde pagaria um aluguel mais barato. Em carta para
Koch-Grünberg de 5/6/1915, ele se lamentava que, devido à crise, os aluguéis haviam caído
pela metade. O proprietário do sobrado, porém, recusou-se a reduzir o preço e ele optou em se
mudar:
Assim aconteceu e hoje meu negócio está instalado em uma bela casa ao lado do
Teatro Odeon. Eu pago apenas Rs 4000,000 pelo sobrado e a metade do térreo para
exposição (dos trabalhos). No antigo endereço está tudo vazio e o proprietário não
conseguirá nem a metade daquilo que eu pagava
313
.
Os negócios, porém, iam de mal a pior. Na mesma carta, Huebner comentou a situação
desastrosa e os efeitos da guerra:
Mas, o que haveria de se escrever daqui? As condições são desesperadoras e não
poderia ser pior. Tudo em função da guerra. Primeiro, foi o preço da borracha que
não parou de cair, depois o câmbio e agora está tudo parado. O Sr. deveria ver como
está hoje aquela Manaus tão animada de antes; fileiras inteiras de casas nas ruas
mais freqüentadas estão vazias e cada vapor que zarpa para o sul sai lotado de
passageiros deixando Manaus. Os mais pobres que não podem arcar com os custos
da viagem, vão para seus sítios no interior e a cidade vai ficando cada vez mais
vazia. Agora, não se faz mais negócios; feliz é aquele que consegue pelo menos
equilibrar suas contas. E esse não é o caso da maioria, inclusive eu
314
.
Em 1919, Huebner e Amaral venderam o estúdio para um de seus funcionários, o
fotógrafo João Corrêa que, mais tarde, o passou para o seu filho, Ornan Corrêa. Até 1944,
continuaram trabalhando com o nome “Photographia Allemã”, mudando-o então para
312
Daou (op. cit., p. 348) sugere, ainda, que não se deve entender as transformações ocorridas na Amazônia em
função da “crise da borracha” apenas pela narrativa da história do capital, uma vez que tal entendimento
“significa perder de vista toda uma série de permanências caudatárias das posições particulares dos diferentes
agentes que promoveram o amplo ‘acontecimento da borracha’”. Já Souza (2001, p. 191) indica que, com a crise,
“a região torna-se um imenso território empobrecido, abandonado, atolando-se aos poucos no marasmo tão
característico das terras que viveram um fausto artificial”.
313
trad. nossa
314
trad. nossa
146
“Fotografia Artística”, empreendimento que perdurou até os anos 1980. Após o encerramento
das atividades fotográficas comerciais, Huebner dedicou-se à pesquisa, coleta e plantio de
espécies da flora amazônica, especialmente orquídeas. Em seus últimos quinze anos de vida,
Huebner conseguiu sobreviver graças a uma atividade que ele exercia desde a sua segunda
viagem à Amazônia em 1894. O fotógrafo-cientista passou a trabalhar quase que
exclusivamente a serviço da ciência.
Huebner, ocupou, durante um tempo, uma certa posição em seu campo intelectual
315
que, por sua vez, da mesma forma que um campo magnético, é constituído por um sistema de
linhas de força que se dispõem, opõem e compõem. Uma intricada trama social rege essas
relações de força que, conforme ocorrem mudanças, podem também mudar e se acomodar.
Durante duas décadas, o fotógrafo soube construir sua trajetória, negociando e reconvertendo
o seu capital social acumulado através de uma produção estável, reconhecimento e
tessituras
316
. Huebner sempre praticou a fotografia paralelamente a outras atividades:
comércio, consultoria para expedições científicas, intermediações comerciais, mediações
intelectuais e, principalmente, a botânica.
Ao longo de seus quarenta anos em Manaus, ele buscou maneiras para viabilizar
comercialmente sua produção botânica, tanto a de pesquisador como a de comerciante. Em
1912, ele adquiriu uma pequena chácara na Cachoerinha
317
, à época, um novo bairro que se
formava nos arredores da cidade, numa região ainda servida por igarapés de águas limpas e
cercada de mata. Era um “terreno abandonado e bastante arborizado” perfeito para o que
pretendia: cultivar frutas, legumes e iniciar um pequeno horto e uma criação de orquídeas. Em
carta de 24 de setembro de 1912, ele assim descreveu sua aquisição:
315
BOURDIEU, 1966
316
O que hoje, no capitalismo pós-moderno, é chamado de “networking”.
317
Muitas das fotografias incluídas no Álbum de Manáos 1901-1902 e legendadas como “paysagens” foram
realizadas nesse bairro.
147
Meu terreno na rua Cearense, situado diretamente na linha do bonde mede 58 metros
de frente por 270 metros de fundo. Razoavelmente grande! em baixo, no igarapé
que faz parte do terreno, um grupo de palmeiras miriti
318
e à frente delas existem
ainda algumas árvores grandes que ficaram de quando a área ainda era floresta
virgem. muito tempo vinha pensando em comprar um terreno para plantio de
árvores e de repente surgiu essa oportunidade. Custou-me, no entanto, mais de 30
contos
319
.
Dois anos depois, ele se associou a Paul Schlee, com quem comprou na
Alemanha uma pequena lancha a motor de gasolina para realizar excursões nos arredores e
coletar orquídeas para o nosso horto”
320
. Ele se queixou da monotonia do dia-a-dia - os
negócios não iam tão bem e de como essa nova aquisição “trouxe algo de novo”. Ele
mencionou pela primeira vez, sua intenção de trabalhar comercialmente com o cultivo e a
coleta de plantas para exportação:
Apesar de termos muitas plantas prontas para venda, no momento, por causa da
crise, não possibilidade de se fazer negócios. perdemos muito dinheiro, ainda
mais porque contratamos três jardineiros, dois alemães e um belga (este último
especializado em orquídeas
321
), além de mais três daqui
322
.
318
Um tipo de palmeira (Mauritia flexuosa), esbelta e de grande porte, encontrada nas áreas inundadas da região
amazônica, as várzeas e igapós. É também conhecida como buriti e de seu talo, macio como a madeira de balsa,
são feitos os conhecidos brinquedos de miriti, especialmente no Pará.
319
É notória a relação de artistas e fotógrafos com a jardinagem e o cultivo de flores. Claude Monet construiu
seus jardins em Argenteuil e Giverny, tema de muitas de suas pinturas. O fotógrafo e também pintor Edward
Steichen mudou-se para os arredores de Paris para pintar e cuidar de flores. Acabou tornando-se um grande
cultivador de flores raras, produzindo híbridas, uma das quais recebeu o nome de Monsieur Steichen.
320
carta de 13/1/1914, trad. nossa
321
Indicando que Huebner buscava não só manter, como reforçar sua conexão com os orquidólogos belgas.
322
trad. nossa
148
Fig. 69: George Huebner, Sítio no Cacau Pirera, 1921. À sua esquerda, seu empregado, o alemão
August Zagratzki e sua mulher. Na placa, acima do portão, está escrito “Georgenruh” (“Descanso do
George”).
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität, Marburg.
A foto foi impressa em um cartão postal e enviada para Theodor Koch-Grünberg em 28/4/1921 com
um breve texto.
Sua aquisição seguinte, em 1918, foi um sítio na localidade de Cacau Pirêra, defronte
a Manaus, na outra margem do rio Negro (Fig. 69)
323
.
Em carta a Koch-Grünberg de
20/3/1920, ele escreveu que,
quanto a mim, algumas mudanças. Desfiz-me totalmente do negócio fotográfico,
tanto no Rio como em Manáos [...] No sítio, com seu bonito nome “Uipiranga”,
venho trabalhando mais de dois anos e consigo constatar importantes avanços,
se bem que ainda sem lucros. Dentro de mais dois anos, no entanto, isso deverá
acontecer, porque plantei ali várias mudas de árvores frutíferas enxertadas que
obtive de graça do Ministério da Agricultura e que transportei para Manaus com
muito cuidado
324
.
323
Huebner provavelmente já conhecia esse lugar que fica a caminho da cidade vizinha de Manacapuru onde, em
1901, ele havia feito uma parceria com o fotógrafo e compatriota Carlos Klippgen.
324
trad. nossa
149
Decisivos para o crescimento de sua atividade botânica foram, também, os contatos com
instituições botânicas brasileiras e européias que ele mantinha e aos quais se somaram os
novos conquistados durante esse período
325
.
A partir da década de 1920, Manaus e todo o interior da Amazônia se viram
abandonadas e entregues à própria sorte. Benchimol
326
indica que, entre 1910 e 1932, a
Amazônia perdera “92% do seu produto regional bruto em libras esterlinas e 97% em termos
de milréis”, provocando miséria e levando a um êxodo
327
. Já Souza descreve a região como
“um imenso território empobrecido, abandonado, atolando-se aos poucos no marasmo tão
característico das terras que viveram um fausto artificial”
328
. Em Manaus, Huebner foi
testemunho dessa rápida transformação e, em diversas ocasiões, relatou a Koch-Grünberg o
impacto sobre a cidade:
De fato, você não reconheceria mais Manaus. O porto está sem vida. A população
está em situação miserável, porque o governo não consegue nem mesmo pagar os
salários, porque também não tem mais receita.
O Estado do Amazonas deteriora-se, porque a economia escompletamente parada
em função da queda do preço da borracha. Quando se lembra que houve uma época
em que o quilo custava 18.000 réis e que agora custa apenas 1.600 réis! Manaus,
hoje parece morta. Pelo menos é época da colheita da castanha-do-pará, cujo
comércio atenua um pouco o prejuízo da borracha. Mas em maio acaba e o que virá
depois, os deuses saberão. Muitos comércios fecharam, e muitos outros
deverão fazer o mesmo dentro de pouco tempo
329
.
Souza descreve uma situação ainda mais dramática:
uma manhã calorenta de Manaus, apareceram os quadros da falência: suicídios,
debandada de aventureiros, navios lotados de arrivistas em fuga, passagens
325
Seus contatos mais próximos foram com os Museus e Jardins Botânicos de Berlim, Leipzig, Londres (Kew
Gardens), Belém (Museu Goeldi) e São Paulo. Ele se correspondia com importantes pesquisadores no Brasil e no
exterior, como o alemão Rudolf Schlechter, o brasileiro Frederico Carlos Hoehne, o austríaco Adolph Ducke, o
suíço Jacques Huber, entre outros.
326
1977, p. 348
327
Os censos de 1920 e 1940 apontam para um declínio demográfico no estado do Pará e no território do Acre.
No Amazonas, no entanto, a população aumentou em cerca de 20%. Benchimol (id.) atribui esse fenômeno ao
fato do estado e, principalmente, Manaus, terem recebido os fugidos do Acre.
328
2001, p. 191
329
carta de 15/12/1920, trad. nossa
150
esgotadas, famílias inteiras em mudança, palacetes abandonados. Os que
permaneceram ou não tiveram forças para escapar foram contaminados pelos
sintomas da miséria crescente durante os trepidantes anos 20, como o mato que
assaltava as ruas calçadas com paralelepípedos importados.
[...]
Os palacetes começavam a ruir abandonados e as ruas enchiam-se de buracos. Toda
a infra-estrutura de serviços urbanos começou a entrar em colapso e o êxodo das
populações interorianas acelerava esse processo
330
.
Em suas freqüentes viagens pelo interior, Huebner se impressionou também com a
penúria e o desespero da população ribeirinha, obrigada a voltar a um regime de subsistência:
No interior, nas margens dos rios, a miséria gerou a anarquia. Os vapores e as
lanchas que ali chegam são atacadas pela população faminta. Se o governo federal
não encontrar rapidamente soluções para enfrentar essa calamidade, não sabemos o
que será do Estado do Amazonas. Até agora, o governo não tomou nenhuma
providência e todos os nossos apelos daqui para o Rio de Janeiro continuam sem
resposta. Algo precisa acontecer e, como o atual governo regional não tem a
confiança do Rio e é incapaz de enfrentar a situação, nossa esperança está numa
intervenção. A única salvação!
331
A intervenção por ele desejada acabou acontecendo, mesmo que tardia. Em 1924, após
a derrota da fracassada tentativa de revolta tenentista em Manaus
332
, o governo federal
nomeou o ex-chefe de polícia de Belo Horizonte, Alfredo de Sá, para apaziguar as lutas entre
as oligarquias locais pelo poder do Estado. Ele propôs a unificação partidária, levando à
recomposição das forças políticas do Amazonas e a um acordo entre os grupos antigos e os
mais recentes. No ano seguinte, elegeu-se governador o deputado estadual Efigênio Sales que,
330
op. cit., p. 193, 195
331
carta de 15/4/1921, trad. nossa
332
Acompanhando o movimento que se espalhou por todo o país, a revolta de 23 de julho de 1924 em Manaus
foi liderada pelo tenente Ribeiro Júnior que derrubou o governo de Rego Monteiro. Representante das antigas
oligarquias, sua administração foi marcada pelo autoritarismo, nepotismo e perseguições políticas, além de
coincidir com o auge da crise da borracha (PONTES FILHO, op.cit., p. 163). Souza (op. cit., p. 193) relata que a
deposição do governo ultrapassava a política: “era como se todos se vingassem dos humilhantes sofrimentos. As
tropas do jovem tenente, engrossadas pelos funcionários públicos e miseráveis braçais, tomaram conta de
Manaus. O clima de corrupção que a estagnação alimentara agonizava nos decretos do tenente libertário.
Palacetes foram invadidos e saqueados”.
151
nos quatro anos de mandato, procurou restaurar, dentro do possível, a ordem política e
econômica no Amazonas
333
.
Nesse quadro desolador, Huebner voltou-se para o interior: seu próprio e o amazônico.
Afastando-se da crise que se manifestava mais diretamente na cidade, ele retomou suas
primeiras – e solitárias – incursões à natureza, ao Hinterland amazônico em busca de espécies
de plantas, muitas das quais raras e até mesmo desconhecidas. Os trajetos pelas águas
amazônicas levaram-no a lugares tão distantes como Coari, Tefé, São Gabriel da Cachoeira e
Tarauacá, através de numerosos paranás, igapós, lagos e furos
334
.
Em sua última carta a Koch-Grünberg, ele relata que,
nesses últimos anos, retomei minhas antigas atividades, o estudo das orquídeas. Isso
aconteceu principalmente por estímulo do professor-doutor Rudolf Schlechter
335
, a
maior autoridade nessa área. Ele me solicitou coletar material para herbários, mesmo
as espécies menores e aparentemente sem importância, pois muitas são ainda
desconhecidas. Esses trabalhos visam melhorar o conhecimento das orquídeas do
Brasil e serão publicados em alemão e em português nos “Anexos das Memórias do
Instituto Butantan” pelo Exmo. Dr. Schlechter e pelo Dr. F. C. Hoehne
336
, em São
Paulo. Correspondo-me freqüentemente com este último [...] É verdade que me
dedico a atividades pouco lucrativas, mas fico contente ao saber que, dentre as
amostras coletadas, uma centena de espécies eram novas, o que me permite fazer
uma modesta contribuição para a ciência
337
.
333
PONTES FILHO, 2000, p. 167
334
Schoepf aponta que as plantas enviadas às instituições, em particular o Jardim e Museu Botânico de Berlin,
eram acompanhadas de registros precisos da data e local de sua coleta e que “ele registra as espécies com um
primor e uma meticulosidade que encantam aos que lhe encomendam trabalho, indica os nomes populares das
plantas e fornece informações sobre o uso local que delas se faz” (op. cit., p. 68).
335
Rudolf Schlechter (1872-1925) foi um dos maiores botânicos e pesquisadores da Alemanha. Sua curiosidade
e dedicação à pesquisa o levaram à África, à Ásia e à Oceania, em busca de novas espécies, principalmente de
orquídeas. Foi também exímio desenhista de flores. Ele descreveu mais de 1.331 tipos de plantas e classificou
687. Disponível em http://www.simones-hoyas.de/Schlechter.html
336
Cf. FRANCO (2002): Hoehne (1882-1959), filho de alemães, foi um importante pesquisador brasileiro e um
dos primeiros botânicos a empreender estudos sistemáticos, abrangentes e de longa duração sobre a nossa flora
nativa e a assuntos associados como biogeografia e ecologia. Em 1913, participou da expedição científica
Roosevelt-Rondon, para a qual Huebner também havia sido convidado.
337
carta de 7/12/1923, trad. e grifo nosso
152
Inicialmente, Huebner enviava apenas exsicatas
338
, passando, depois, a enviar também
plantas vivas para horticultores alemães e ingleses. Sua competência botânica obteve o
reconhecimento oficial quando Schlechter lhe prestou homenagem em um de seus últimos
trabalhos, “Beiträge zur Orchideenkunde des Amazonas-Gebietes”: “Jamais, sem dúvida,
alguém formou uma coleção de orquídeas exsicatas, na região Amazônica, tão rica quanto
aquela que o senhor George Huebner constituiu”
339
. Ele considera a coleção de Huebner como
a mais importante daquela região proporcionando uma ampla visão do conjunto das espécies,
muitas das quais desconhecidas e também por confirmar a existência de plantas anteriormente
descritas por outros pesquisadores, mas que nunca haviam sido catalogadas sistematicamente
em herbários.
Huebner, botânico autodidata, não se ateve, no entanto, apenas às orquídeas
340
.
Tornou-se conhecido, também, por seu vasto conhecimento e documentação fotográfica
341
de
palmeiras amazônicas, o que lhe rendeu, após sua morte, seguidas homenagens e publicações
em revistas e livros científicos
342
. A maior de todas as homenagens, no entanto, está no nome
de um gênero de orquídeas, Huebneria, (Fig. 70) e de outras espécies de plantas que fazem
referência a ele
343
. Ao cientista-fotógrafo fora, afinal, outorgado o merecido reconhecimento.
338
Exemplar de planta ressecada, para conservação em herbários.
339
apud Schoepf, op. cit., p. 208
340
Durante seus últimos anos de vida, ele continuou mantendo seu próprio orquidário, na chácara da
Cachoeirinha e levava novos espécimes para o Orchidario Amazonense do alemão J. Gunzburger (conforme
SCHOEPF, op. cit., p. 209).
341
Em carta de 25/10/1915, ele descreve o envio ao botânico E. Ule de fotografias e flores de uma palmeira
ainda desconhecida, para comparação e descrição da espécie. Ele refere-se, nominalmente, à utilização da
fotografia como prova científica: “acabei, então de fornecer uma prova irrefutável por meio da fotografia da
própria árvore”. É exatamente o mesmo conceito da fotografia como testemunho apresentado por Susan Sontag e
já citado anteriormente.
342
Schoepf (op. cit., p. 209) menciona Maximilian Burret, do Museu e Jardim Botânico de Berlim, um dos
maiores especialistas em palmeiras. Ele publicou vários artigos baseados nas coleções de Huebner, onde faz
referência às novas espécies por ele documentadas e às “belas fotografias de palmeiras, tiradas pelo Senhor
Huebner”. O autor lista, ainda, uma extensa bibliografia de artigos e livros sobre botânica onde foram
identificadas fotografias atribuídas a Huebner ou citações e comentários a seu respeito.
343
A busca na base de dados do Kew Gardens (disponível em http://www.kew.org/searchepic) apresentou três
gêneros “Huebneriae oito espécies “huebneri”.
153
Fig. 70: Huebneria yauperiensis, gênero de orquídea cujo nome presta homenagem a Huebner.
Reproduzida de SCHOEPF, op. cit.
154
Huebner buscava alguma forma de reconhecimento, seja pelas suas fotografias (como
ele próprio escreveu em seu primeiro artigo) ou pela sua “modesta contribuição à ciência”,
inúmeras vezes explicitada em suas cartas a Theodor Koch-Grünberg. Em Belém, Huebner
manteve contato permanente com o Museu Goeldi e em Manaus participou da fundação do
IGHA – Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, em março de 1917
344
. A sessão solene
de instalação do Instituto, no salão do Paço Municipal, onde funcionava a Câmara Municipal,
foi documentada pelo fotógrafo (Fig. 71). Compondo a mesa principal estava a diretoria que
seria empossada, junto às duas maiores autoridades políticas do Amazonas: o governador e o
superintendente municipal. Um detalhe chama a atenção: ao fundo, à direita, está o próprio
Huebner, em mais uma de suas auto-imagens
345
, em seu terno branco. Ele não se insere
apenas na fotografia; nesse ato deliberado, ele marca sua posição na alta sociedade manauara,
344
De acordo com Robério Braga, em entrevista ao autor, em 13/7/2006, o IGHA “almejava ser uma nova
universidade e suprir a lacuna da extinção da Universidade Livre de Manaus que, por falta de verbas, havia
encerrado vários de seus cursos”. Seu estatuto original sinalizava para uma instituição acadêmica muito mais
ampla do que apenas uma associação literária. Em seu segundo parágrafo estão descritas suas finalidades: “o
estudo, discussão, investigação, desenvolvimento e vulgarização da Geographia, da Historia e das sciencias a
ellas conexas, nos seus differentes ramos, principios, relações, descobertas, progressos e applicações, reunindo,
concatenando, publicando e archivando documentos e trabalhos concernentes ao Brazil e especialmente ao
Estado do Amazonas”. No artigo segundo é mencionada, até, a criação de “um gabinete de trabalho
photographicos e cinematographicos, de desenhos, plantas, cartas, mappas, etc”.
Schwarcz (op. cit, p. 135-137) ressalta que os Institutos, criados em todos os estados brasileiros ao longo do
século XIX e início do XX, foram responsáveis pela escrita de uma história oficial do país, com “um discurso
enaltecedor da nação”. Utilizando-se do slogan “Colletar para bem guardar. Guardar para bem servir”, essas
instituições contribuíram para formar, cientificamente, uma representação do país. Inúmeras fotografias de
Huebner, realizadas para o IGHA no início de suas atividades e publicadas no álbum Annuario de Manaus 1913-
1914, mostram coleções de objetos etnográficos, madeiras, peles etc, compondo um variado e disperso
inventário da realidade física e cultural da Amazônia.
345
Além do autoretrato discutido anteriormente, Huebner produziu várias fotografias onde ele aparece ao lado
de outras pessoas, em casa ou no estúdio. Ao se inserir em suas próprias imagens, o fotógrafo transmite um
sentido ainda maior de veracidade, “de estar lá” (cf. BARTHES, 1984), inerente à própria imagem fotográfica.
Muito antes da fotografia, a pintura já utilizava esse recurso. Um dos exemplos mais antigos é o quadro
“Giovanni Arnolfini e sua noiva”, de Jan Van Eyck, 1434; o reflexo do pintor num espelho atrás do casal e a
inscrição na parede, “Johannes de Eyck fuit hic” (Johannes van Eyck esteve aqui), conferem à obra um valor
testemunhal que ultrapassa os limites da imagem. Outra referência de auto-imagem marcante é “Las Meniñas”,
de Diego Velásquez, 1656.
155
uma vez que ali estavam presentes os principais representantes da política, da elite e da
intelectualidade da cidade e com quem ele, ao longo dos anos, soube construir duradouras
relações de amizade e de trabalho
346
.
Fig. 71: George Huebner, Sessão solene de instalação do IGHA Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas, 25 de março de 1917.
Acervo Museu da Imagem e do Som do Amazonas, Manaus.
Da esquerda para a direita: professor Agnello Bittencourt, segundo secretário; Coronel Bernardo de
Azevedo da Silva Ramos, presidente; Antonio Ayres de Almeida Freitas, superintendente municipal
de Manaus; Pedro de Alcântara Bacellar, governador do Estado; D. João Irineu Joffily, bispo
diocesiano do Amazonas; Vivaldo Lima, primeiro secretário. Ao fundo, destacado à direita, o próprio
Huebner, em seu elegante terno branco.
346
Robério Braga, comentando essa fotografia, destaca a importância do evento, uma vez que se tratava da
primeira instituição científica e cultural sendo fundada no Amazonas e que ali estavam reunidos vários ex-
governadores, a alta cúpula da maçonaria amazonense, além de inúmeros cientistas, escritores e intelectuais. Ele
ressalta, ainda, a forte relação política do Instituto, “tão forte que fez várias reuniões no prédio, na sala e com os
móveis da Câmara Municipal”.
156
Nada se sabe sobre a vida pessoal de Huebner. Suas cartas a Koch-Grünberg são
sempre muito formais e tratam quase que exclusivamente de assuntos profissionais ou de
amigos em comum, em Manaus, Belém e na Alemanha. Não qualquer menção a
relacionamentos mais íntimos, seja com mulheres ou com homens. Em algumas poucas
ocasiões, no entanto, ele se permite comentários mais pessoais, como em um extenso trecho
em 12/8/1907 onde ele comunica ao etnólogo que acabava de conseguir um “verdadeiro índio
do Japurá como creado”. Ele conta detalhadamente como o rapaz, à época com 15 ou 16 anos,
fora roubado ainda criança da aldeia e adotado por um português em Manaus. Junto à carta,
Huebner enviou algumas fotografias para que ele “pudesse ver como ele era um garoto bonito.
E, talvez dos tipos, o Sr. possa até descobrir sua etnia” (Figs. 72 e 73). Fato é que não se
casou e não deixou herdeiros. Schoepf menciona a Sra. Ema, uma alemã mais velha do que
ele e que, de acordo com Tirza Corrêa Peixoto, filha de João Correa, sucessor da
“Photographia Allemã”, teria sido sua “dama de companhia”
347
. Ornan Corrêa o descreveu
como “um solteirão que andou por aqui no início deste século (XX)”. Andou por ali eficou
até seus últimos dias de vida.
Em 3/4/1928, em sua última carta, enviada à viúva de Theodor Koch-Grünberg, ele
escreveu que,
quanto a mim, sinto-me ainda muito bem, apesar de meus 67 anos e continuo, como
sempre, fazendo minhas excursões aos diferentes rios para coletar orquídeas, cuja
exportação me garante o sustento. Na Alemanha, com todas as mudanças que
aconteceram, seria, sem dúvida, difícil de me adaptar novamente, apesar de minha
velha irmã, que ainda vive em Dresden, desejar tanto que eu volte. Vou, então,
acabar meus dias por aqui
348
.
347
op. cit., p. 70
348
Nessa carta, Huebner revela que, por um lado, ele ainda se sentia alemão, enquanto, por outro, não tinha mais
vontade de retornar à sua pátria. A Alemanha é referida como “Drüben”, cuja tradução é “além” ou “do outro
lado” - desejável, porém inatingível. um termo semelhante em inglês: “abroad”. Manaus, de onde ele
escreve e onde pretende terminar seus dias, é chamada de “hier draussen”, “aqui fora”, apontando para o
longínquo, mas liberto.
157
Huebner morreu no dia 20 de abril de 1935, aos 72 anos, vítima de uma úlcera no
intestino. Seu corpo está enterrado no Cemitério S. João Batista em Manaus.
Figs. 72 e 73: George Huebner, Theophrasio. 1907.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philips-Universität, Marburg.
158
2. 3 O fotógrafo editor
2.3.1 Lembranças de Manaus e da Amazônia em postais
Sobre a foto de um seringal no rio Juruá (Fig. 74), num dos inúmeros cartões postais
produzidos por Huebner
349
, lê-se a seguinte mensagem, em francês e escrita pelas mãos de um
jovem:
Manaus, 3 de dezembro de 1904
Caro Sr. Louis,
Eu não paguei nada a mais por seu cartão postal de (ilegível). Eu não lhe prometo
enviá-lo por todos os vapores, mas eu vou tentar conseguir toda a coleção da cidade
e do interior em cores que é composta de pelo menos 50 cartões e eu a lhe enviarei.
[...]
Seu amiguinho, aluno, Américo.
1904 foi o ano em que circularam, somente na Alemanha, mais de um bilhão de
postais, seis vezes mais do que, por exemplo, em 1892
350
. Comprar, enviar e, principalmente,
colecionar cartões postais ilustrados tornou-se uma verdadeira “mania” entre o final do século
XIX e as primeiras décadas do seguinte. Inventado na Alemanha
351
, o postal foi produto dos
avanços sociais, tecnológicos e barateamentos de custos em diversas áreas, como a fotografia,
a produção de papel cartão, processo de impressão e reprodução de imagens, correios,
comunicações, transportes e viagens. Fotógrafos mundo afora descobriram um novo, rentável
e vasto filão de negócios. Era enorme a demanda de imagens de lugares - em especial os mais
349
Não dados precisos sobre a quantidade de postais produzidos por Huebner. Os inúmeros motivos
reproduzidos, no entanto, indicam que a tiragem total possa ter chegado a centenas de milhares de exemplares.
350
TILL, 1992, p. 33
351
Cf. TILL (op. cit., p. 24): o primeiro cartão postal ilustrado foi produzido por August Schwartz, livreiro da
Corte em Oldenburg. Em suas memórias ele relatou que “no dia 16 de julho de 1870, 14 dias, portanto, após a
introdução da Carta de Correspondência’ oficial, eu escrevi um cartão postal ilustrado”. Ele enviou notícias à
sua família do front da guerra Franco-prussiana e incluiu no cartão uma imagem da artilharia alemã. Dois anos
depois, o litógrafo Zrenner, de Munique, produziu uma série de postais com fotografias e é, por isso, considerado
como o inventor dessa prática à qual foi dado o nome de “Ansichtskarte”, cuja tradução literal é “cartão de
vistas”. A partir daí, a Alemanha estabeleceu os padrões gráficos e técnicos, assumindo a ponta da produção
industrial de postais. Como exemplo, ele cita que em 1900, uma fábrica em Frankfurt empregava 1.200
funcionários enquanto que cem novos motivos eram produzidos a cada dia. Vasquez (2002, p. 59) indica,
também, a primazia da Saxônia e da Baviera, “na vanguarda dos processos de impressão”, atraindo, portanto,
uma vasta clientela internacional.
159
Fig. 74: George Huebner, Rio Juruá, Bocca do Gregorio. Cartão postal, c. 1902.
Coleção Elysio de Oliveira Belchior, Rio de Janeiro.
Fig. 75: George Huebner, Manaus, Porto de desembarque. Cartão postal, c. 1902.
Coleção Elysio de Oliveira Belchior, Rio de Janeiro.
Nota-se o crédito do impressor em Dresden.
160
longínquos – e de pessoas, priorizando, da mesma forma, os povos exóticos e desconhecidos.
O cartão postal possibilitou não o “conhecimento visual do mundo”
352
como também, com
seu “despudor [...] ofereceu democraticamente seu conteúdo à curiosidade alheia”, qualidade
essa que, certamente, contribuiu para seu rápido e grande sucesso
353
. Trata-se do principal
desdobramento da possibilidade de reprodução de uma imagem técnica, um “produto cultural
portátil”
354
.
Até o início do século XX, o importante a ser registrado era a imagem e não a
mensagem escrita. Por isso, os cartões não tinham um espaço no verso reservado para um
texto; ali eram colocados o endereço do destinatário, o selo e o carimbo dos correios. Breves
anotações, como “lembranças de”
355
ou “saudades”, ou comentários sobre a fotografia eram,
geralmente, escritos na parte da frente, abaixo ou até mesmo por cima da imagem. Somente a
partir de 1905 a fotografia passou a ocupar toda a frente do cartão, enquanto que no verso foi
destinado um espaço à direita para o endereçamento e à esquerda para a escrita, formato esse
que permanece até hoje.
Na produção de cartões postais, Dresden, mais uma vez, notabilizou-se como um
importante centro industrial. Várias empresas se implantaram ali, entre elas algumas das
maiores do mundo, como Stengel & Co. e Roemmler & Jonas, ambas com filiais em outras
cidades européias e nos Estados Unidos
356
. Menor, porém não menos importante, foi a editora
e gráfica O. Schleich Nachf., estabelecida na cidade desde 1886
357
e com a qual Huebner
352
KOSSOY, 2002, p. 64
353
VASQUEZ, 2002. p. 25
354
BENJAMIN, 1994
355
Em 1897, os alemães instituíram os cartões com a mensagem “Gruss aus” (“Lembranças de”) impressa na
frente de cartões que mostravam vistas de lugares; essa prática foi imediatamente copiada pelos fabricantes na
França, Inglaterra, Brasil e em outros países (TILL, VASQUEZ, op. cit.).
356
Destacam-se nesse crescimento a importância do já mencionado processo de colotipia; a partir de 1901, as
impressões em meios-tons e, em seguida, colorizadas.
357
Conforme fontes consultadas no Arquivo da Cidade de Dresden, a empresa foi fundada por Oskar Schleich
como atacadista de papéis de luxo (“Luxuspapier”), um negócio no qual a Alemanha também se especializou,
exportando sua produção para o mundo. Esses papéis serviam para produzir capas de livros, álbuns fotográficos
e também cartões postais. Os sucessores (“Nachfolger”) que assumiram a empresa em 1892 foram Hermann
161
manteve um importante relacionamento profissional. Foram localizadas algumas séries de
vistas de Dresden e de outras cidades européias publicadas pela editora, indicando que a
empresa também atuava no lucrativo comércio de cartões postais. Foi que ele editou suas
tiragens do álbum “Vistas do Pará”, o álbum “O Valle do Rio Branco” e alguns de seus
cartões, nos quais aparece o crédito do impressor (Fig. 75). Trata-se de uma estratégia
semelhante à adotada no nome do estúdio de enfatizar a origem alemã de seus produtos,
conferindo-lhes a garantia de qualidade. A empresa realizou, também, algumas tiragens
fotográficas de negativos de Huebner que ele enviara a Theodor Koch-Grünberg:
O pequeno valor de 19 marcos e 80 Pfennig pelas fotografias, o Sr. pode enviar
diretamente à empresa O. Schleich Nachfg., Dresden A9, uma vez que foram eles
que preparam as tiragens
358
.
Em outra carta, de 20/2/1909, ele comenta que não havia gostado das sugestões de
cores feitas pelo pintor Ernst Vollbehr
359
para impressão de uma nova série de postais
encomendados à empresa: “em minha opinião sua concepção de cores é moderna demais”.
Anexou à carta dois exemplares e, ironicamente, perguntou ao amigo: “O Sr. viu aqui
alguma vez uma água assim?”
360
.
As séries de cartões postais produzidas por Huebner abordaram praticamente todas as
temáticas possíveis e visavam uma ampla comercialização e circulação do arquivo de imagens
que ele vinha construindo durante suas inúmeras viagens. Constituem um repertório que reúne
Georg Rudolph e Gottfried Ferdinand ller, este sobrinho de George Huebner. A partir de 1894, expandiram
suas atividades para a edição de obras e livros de arte, bem como cartões postais. Em 1897, o comércio incluía,
ainda, “mercadorias coloniais”, listadas especificamente, como o tabaco, o café e a borracha. É possível que
Huebner tenha se envolvido com a empresa logo após voltar da sua segunda viagem à Amazônia.
358
carta enviada de Dresden, em 29/8/1906, trad. nossa
359
Pintor alemão (1876-1960) cuja principal temática abordava lugares e povos longínquos. Ele viajou por vários
países da África, principalmente nas colônias alemãs, da Ásia e das Américas, inclusive o Brasil entre 1906 e
1908, onde pintou quadros com vistas do Rio de Janeiro, Blumenau e Manaus. Durante as duas guerras
mundiais, alistou-se no exército para documentar o front de batalha. Algumas de suas pinturas foram
reproduzidas em cartões postais. Huebner o conheceu em Manaus quando iniciava a produção de seu álbum “O
Valle do Rio Branco”.
360
Os cartões anexados eram de paisagens de igarapés próximos a Manaus.
162
um mapeamento visual sistemático e documentação iconográfica da cidade de Manaus em
transformação
361
, além de fornecer raros testemunhos de regiões do interior amazônico, de
seus habitantes e, ainda, dos seringais nos rios Juruá e Javari. Sua ampla circulação, tanto no
Brasil, como no exterior, contribuiu para produzir uma representação abrangente da
Amazônia. Acrescenta-se, ainda, a alta qualidade de suas imagens de exteriores e sua
impecável reprodução nos diversos suportes, através das técnicas à época disponíveis. Nas
diversas coleções pesquisadas, os postais de Huebner se destacam dos demais, a partir do
próprio registro fotográfico. uma precisão com o enquadramento, a composição e, sempre
que possível, a cuidadosa inclusão de pessoas nas paisagens natural e urbana proporcionando
ao espectador tanto uma noção de escala como leitura e identificação imediatas das
fotografias (Figs. 76 e 77).
Schoepf indica que Huebner, além de sua motivação e de seu espírito empreendedor,
era “um homem espontaneamente curioso pela diversidade das coisas do país, dos habitantes
e suas criações”
362
e associa o sucesso de seus postais à sua grande experiência como
fotógrafo, suas qualidades de bom observador e interlocutor de confiança e que conferem,
361
Durante pelo menos duas décadas, Huebner fotografou a cidade sob os mais diversos aspectos e com variadas
intenções: em projetos comissionados pelo Governo e por empresas de serviços públicos, além de motivações
pessoais. Pode-se fazer um paralelo com o trabalho sistemático e quase que obsessivo do fotógrafo francês
Eugène Atget que, entre 1898 e 1927, produziu séries de imagens de Paris desvelando as ruas, os espaços
públicos e privados, seus habitantes e suas rotinas. Somente após a sua morte é que seu arquivo com quase
10.000 imagens veio a ser valorizado e reconhecido como importante documento de um lugar e um tempo.
Ou, ainda, o trabalho de Militão Augusto Azevedo que fotografou sistematicamente as transformações urbanas
ocorridas em São Paulo entre 1862 e 1887 e que foram publicadas como séries no seu “Album Comparativo da
Cidade de São Paulo”.
Nos três exemplos apontados uma vontade de utilizar a fotografia como preservação, buscando deixar intacto
aquilo que a modernidade e o progresso, inevitavelmente, irão substituir. Barthes (op. cit, p. 171) refere-se a essa
qualidade intrínseca à imagem, que permite passar para “além da irrealidade da coisa representada” e entrar
“loucamente no espetáculo, na imagem, envolvendo com meus braços o que está morto, o que vai morrer”.
362
op. cit., p. 58
163
Fig. 76: George Huebner, Manaus, Igarapé da Cachoeira Grande. Cartão postal, c. 1902.
Coleção Elysio de Oliveira Belchior, Rio de Janeiro.
Fig. 77: George Huebner, Manaus, Casa de Machinas. Cartão postal, c. 1902.
Coleção Elysio de Oliveira Belchior, Rio de Janeiro.
164
principalmente, credibilidade e autenticidade ao seu olhar documentarista. Ele destaca, ainda,
que
o verdadeiro mérito da Photographia Allemã deve-se mais à originalidade dos
lugares e assuntos propostos que ao fato de ter sido o primeiro estabelecimento a
produzir cartões postais da região
363
. Paradoxalmente, a Photographia Allemã
reforça a identidade e a imagem de marca afirmando-se mais brasileira, amazônica e
local que os concorrentes [...]
364
É possível identificar três grandes séries de postais produzidos por Huebner: a de
indígenas no campo e no estúdio
365
; a da borracha, incluindo o processo de extração e
beneficiamento; e a mais extensa de todas, as vistas de Manaus que podem ser subdivididas
em dois subgrupos: a paisagem urbana e a paisagem natural. Foi nesta última que Huebner se
superou, buscando não uma documentação abrangente da cidade, como também vistas de
ângulos inusitados e, ainda, as transformações urbanas ocorridas ao longo do tempo. Trata-se
de um valioso inventário histórico que, somado aos seus álbuns, reflete as intenções do
fotógrafo de mostrar uma cidade que se constrói como moderna ao mesmo tempo em que
exalta a natureza da qual foi extraída
366
.
Comparam-se, como exemplo da cidade que se insere na modernidade e do olhar
astuto e atento de Huebner, duas fotografias da Rua Municipal (atual Sete de Setembro),
tiradas praticamente do mesmo ângulo e mostrando uma esquina por onde passam o bonde e
transeuntes (Figs. 78 e 79). A primeira foi publicada no “Album do Amazonas 1901-1902”,
enquanto que a outra, reproduzida em cartão postal, foi realizada dois anos mais tarde. Na
363
Deve-se ressaltar, no entanto, que o ateliê de Huebner e Amaral foi o primeiro a produzir cartões-postais a
partir de fotografias. Na coleção de Joaquim Marinho alguns exemplares de postais realizados no final do
século XIX utilizando-se de desenhos de vistas da cidade.
364
id.
365
Esta série será analisada no próximo capítulo.
366
Cf. Rubens Fernandes Jr. (apud VASQUEZ, op. cit., p. 52): “perceber a cidade por meio de uma coleção de
postais fotográficos é uma experiência instigante para quem gosta de recuperar o passado dinamica, comparativa
e dialogicamente”.
165
Fig. 78: George Huebner, Rua Municipal. “Album do Amazonas 1901-1902”.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro.
Fig. 79: George Huebner, Rua Municipal. Cartão Postal, c. 1902.
Acervo Museu da Imagem e do Som do Amazonas
166
imagem de 1901, Manaus ainda se fazia: era uma cidade-cenário, com alguns vestígios de
obras na rua e poucas pessoas circulando. Já a outra aponta para uma Manaus urbana,
pulsante. As calçadas e a própria rua estão densamente povoadas; há vendedores ambulantes e
até mesmo um chafariz que não havia ainda sido implantado em 1901. Essas imagens se
contrapõem à foto de Albert Frisch realizada em 1865 desse mesmo local (Fig. 24), onde
estão em evidência a igreja Matriz em construção, uma precária ponte sobre o igarapé
posteriormente aterrado para dar lugar à Avenida Eduardo Ribeiro, ruas enlameadas, casas de
taipa e telhados de palha. Alguns anos mais tarde, na cada de 1910, ele registrou o intenso
movimento da mesma rua, na esquina com a Avenida Eduardo Ribeiro, repleta de automóveis
estacionados, pedestres e os cafés com mesas na calçada (Fig. 80).
Fig. 80: George Huebner, Av. Eduardo Ribeiro, Cartão Postal, c. 1920.
Acervo Museu da Imagem e do Som do Amazonas.
Repara-se o erro de grafia, “Avenido”, indicando que a tiragem possa ter sido realizada no exterior.
167
As séries de paisagens, por outro lado, demonstram o gosto de Huebner pela natureza
e sua representação pictórica. várias imagens dos igarapés que cruzavam a cidade ou
banhavam seus arredores. Privilegiando sempre o natural, ele se posicionava de tal forma a
colocar no primeiro plano a mata, a vegetação e as águas. O postal “Vitória gia” (Fig. 81)
mostra as plantas aquáticas e, mais adiante uma canoa com dois remadores. Numa outra
fotografia, realizada nesse mesmo local, Huebner aparece em uma canoa com o seu
equipamento (Fig. 82)
367
.
Um dos aspectos mais importantes no corpus formado pelas séries de postais de
Huebner é que através deles sobreviveu grande parte de sua produção fotográfica, podendo ali
ser mapeadas as estratégias que direcionaram seu trabalho como fotógrafo, editor e esteta. Os
postais configuram-se como fotografias manuseáveis, manipuláveis e, principalmente,
circulantes e colecionáveis, portanto, para serem guardadas e preservadas. Apontam tanto
para o “esmagamento do tempo”
368
como para os “prejuízos do tempo”, conforme indicado
por Talbot ainda nos primórdios da fotografia
369
. As imagens de Huebner, no entanto,
parecem eternizar-se, conduzindo-nos pela Amazônia através de seu olhar de flâneur que se
estende, com igual competência, da urbe à floresta e seus habitantes.
367
Essa fotografia foi localizada no acervo do Leibniz-Institut für Länderkunde em Leipzig, porém sem qualquer
referência de data. Como parte do acervo ali reunido foi levada para a Alemanha pelo ex-consul Oskar
Dusendschön, é possível inferir que ela tenha sido realizada durante sua estadia em Manaus, na década de 1900.
368
BARTHES, op. cit., p. 142
369
apud SONTAG, op. cit., p. 69
168
Fig. 81: George Huebner, Victoria Regia. Cartão postal, 1904.
Coleção Elysio de Oliveira Belchior, Rio de Janeiro.
Fig. 82: George Huebner fotografando vitórias-régias. Autor desconhecido, c. 1904.
Archiv für Geographie, Leibniz-Institut für Länderkunde, Leipzig.
169
2.3.2 A memória de Manaus e da Amazônia em álbuns
Se o cartão postal fotográfico suscita lembranças individuais, o álbum constrói
memórias coletivas
370
. Fotografias agrupadas cronologicamente e ordenadas nas ginas de
álbuns eternizam o presente do qual elas são testemunho e, quando lidas além do seu tempo,
reordenam o próprio passado. Ali, coladas ou reproduzidas, elas “solenizam e imortalizam
aspectos importantes da vida coletiva”
371
de um grupo social em determinado momento
histórico, assegurando-nos sua veracidade, pois, através das fotografias, conforme Barthes
372
,
o passado torna-se “tão seguro quanto o presente – o que se vê no papel é tão seguro quanto o
que se toca”
373
.
Os álbuns - outra invenção alemã - popularizaram-se a partir da segunda metade do
século XIX, quando fotografias impressas em formatos médios sobre papel albuminado
374
e
coladas individualmente sobre papel-cartão, começaram a ser reunidas em séries temáticas e
encadernadas, formando publicações, geralmente com refinado acabamento gráfico. Eram
chamados de “álbuns de apresentação”
375
e coincidem com o início das exposições
internacionais
376
, onde eram utilizados como um complemento à exibição física de produtos e
370
Cf. MAUAD (2008, p. 58): entende-se por memória coletiva “o passado que se perpetuou e ainda vive na
consciência coletiva”. Fotografias, como outros suportes, são, também, “objetos de memória” e, nesse sentido, o
álbum ocupa posição de destaque.
371
BOURDIEU, 1990, p. 20
372
op. cit., p. 130
373
Barthes (op. cit., p. 139) alerta, no entanto, para um paradoxo contido na própria constituição física da
fotografia: ao mesmo tempo em que ela eterniza o passado, ela é perecível e mortal, pois “como um organismo
vivo, nasce dos próprios grãos de prata que germinam, desabrocha por um instante, depois envelhece”. Mais
adiante, ele conclui: “O mesmo século inventou a História e a Fotografia. Mas a História é uma memória
fabricada segundo receitas positivas, um puro discurso intelectual que abole o Tempo mítico; e a Fotografia é um
testemunho seguro, mas fugaz [...]”.
374
Melhorias técnicas no processo de impressão da fotografia, em especial o papel albuminado, permitiram
imagens mais brilhantes e nítidas, com melhor contraste tonal e maior durabilidade. Foi a partir daí que se
viabilizou a impressão comercial em larga escala (ROSENBLUM, op. cit, p. 197).
375
ROSENBLUM, op. cit, p. 157
376
A primeira exposição universal foi a de Londres em 1851, para a qual foi especialmente construído o Cristal
Palace, obra-monumento à modernidade e às conquistas técnicas da civilização ocidental. Seguiram-se inúmeras
outras, destacando-se aquelas que celebravam efemérides, como a de 1876 em Filadélfia (centenário da
independência americana), de 1889 em Paris (centenário da revolução francesa), de 1893 em Chicago (quarto
centenário da descoberta da América). O Brasil participou de várias exposições internacionais e, a partir de 1861,
promoveu suas próprias, no Rio de Janeiro. Cf. HARDMAN, que dedica um capítulo de sua obra às exposições,
segundo ele “fantasmagorias da civilização capitalista” (2005, p. 73). Faz referência, ainda, no Brasil, aos
170
processos, além de proporcionar leitura clara e direta das diversas atividades relacionadas à
exhibitio universal da civilização burguesa”
377
. Surgiu na mesma época, também, a
fotografia documental que, em suas manifestações mais representativas, buscou aliar clareza e
detalhes de informação a preocupações de ordem estética e formal. Com o aprimoramento dos
processos de fotogravura e conseqüente melhoria de qualidade e redução de custos devido à
produção seriada industrial, os álbuns passaram a ter ainda maior demanda e penetração.
Sagne
378
destaca que, na virada do século, os ateliês se concentraram, cada vez mais, para os
catálogos ilustrados, para a edição e a “prática dos procedimentos modernos de difusão da
imagem fotográfica”. Adaptadas às mídias da época – jornais, revistas, livros, cartazes,
publicidade em geral essas técnicas “subvertem a função da imagem fotográfica e
inauguram a era da civilização da imagem”
379
.
Foi nesse sentido que, firmando-se em Manaus, Huebner buscou importantes nichos
profissionais e conquistou um capital social essencial para a sua trajetória futura. O primeiro
álbum produzido, “Vistas de Pará Brazil”, foi publicado em 1899 e assinado “edição de
George Huebner, Manaós”. Algumas imagens ali reproduzidas
380
merecem um olhar mais
aprofundado, pois apontam para a produção mais madura do fotógrafo alguns anos mais à
frente. A de número 10, intitulada “Chavariz”, mostra um monumento numa praça, com um
homem e uma mulher um pouco à esquerda do centro do quadro. Ela está de costas, enquanto
que ele está apoiado na base do chafariz, como se estivessem conversando descontraidamente.
Seria este um encontro casual, um flerte, talvez? A praça, o espaço público por excelência,
catálogos publicados pelos governos das províncias durante o segundo império e, depois, dos estados da
república.
377
HARDMAN, 2005, p. 62
378
op. cit., p. 95, trad. nossa
379
Segala (op. cit., p. 125) aponta para a larga aceitação dos álbuns de retrato em função, também, de sua
qualidade de aproximar “aqueles que, em geral, são admirados de longe ou de relance”. Reunindo e ordenando
imagens diversas selecionadas por “critérios intelectuais ou afetivos”, os álbuns “organizam homenagens e
lembranças”.
380
O exemplar consultado está na biblioteca do IHGB, Rio de Janeiro.
171
certamente, convidaria a essa sociabilidade. Nota-se aqui o cuidado de Huebner com a direção
de suas imagens: há uma clara indicação de que é ele, o fotógrafo, quem deve ditar o conteúdo
da imagem, do posicionamento preciso da câmera à pose dos retratados
381
. Não se trata aqui
de um flagrante, de um instantâneo de pessoas que ali estavam por caprichos do destino. Pelo
contrário, elas foram conduzidas àquela posição e manipuladas pelo fotógrafo. Se ali não
estivessem, a fotografia seria nada mais do que um mero registro atemporal de um
monumento público. Humanizando-a, no entanto, Huebner nos conduz de volta ao passado,
conferindo à imagem um sentido histórico mais apurado.
Estratégia semelhante pode ser encontrada em outras fotos dessa série, como a de
número 21, “Largo Baptista Campos”, onde é apresentado também um chafariz, com um
homem sentado na sua base, simulando outra situação de informalidade. Na fotografia
seguinte, de número 22, “Arraial de Nazareth”, vê-se um coreto em estilo neoclássico, onde
duas crianças aparecem brincando no primeiro plano. Na foto 28, o porto de Belém é
apresentado numa panorâmica que se desdobra em três ginas do álbum, cuidadosamente
coladas com tecido. O cuidado com a apresentação do trabalho manifesta-se, também, na
própria encadernação do álbum, com sua capa em couro e o título em letras douradas, em
baixo relevo.
Em 1901, ele foi comissionado pelo ateliê Fidanza de Belém para realizar em Manaus
diversas fotografias para ilustrar o Album do Amazonas 1901-1902, encomendado pelo
Governador Silvério Nery
382
. Esse álbum retrata as realizações dos governos constitucionais,
381
Schoepf (op. cit., p. 28), também, já indicara essa característica do fotógrafo: “o face-a-face imposto
condicionará e caracterizará em longo prazo a sua produção de fotógrafo profissional [...] O trabalho de retratista
e também toda a imensa e minuciosa produção iconográfica e de documentarista de campo encontram no face-a-
face os meios de uma forma de expressão pessoal plenamente realizada”.
382
Schoepf (op. cit, p. 48) sugere que Huebner, desde 1895, trabalhava sob encomenda para publicitários e
editores em Belém e Manaus, destacando o grupo de italianos citados anteriormente e que eram direta ou
indiretamente ligados à companhia de navegação Ligure Brasiliana. Ele afirma que as obras que realizaram eram
“pioneiras, concebidas como pequenos guias de informação destinados aos passageiros ou imigrantes, que
compreendiam geralmente dois cadernos: um descritivo, com ilustrações fotográficas, incluindo notas
documentárias sobre a economia regional, as perspectivas de emprego ou ainda as condições de estabelecimento;
o outro caderno, propriamente publicitário, reunindo anúncios de todos os tipos”. Ele considera que esses álbuns
172
de 1891 a 1902, revelando em suas 73 páginas os “sinais universais do progresso no início do
século XX”
383
: iluminação e bondes elétricos, praças e jardins, calçamento nas ruas, prédios
públicos novos e de traços modernos, usinas de tratamento de água e esgoto, pontes de ferro
etc. Esse tipo de publicação insere-se naquilo que Segala
384
denominou de “obras de serviço”,
realizadas por fotógrafos dotados de bons recursos técnicos e sensibilidade estética para
capturar imagens “expressivas da representação que pretendem consagrar os que demandaram
o serviço”
385
. Essa consagração, muitas vezes, era legitimada na participação em exposições,
tantos nas nacionais como nas internacionais, onde, através dos álbuns, o Brasil e suas regiões
se tornavam visíveis pela inserção “nesse universo do espetáculo”
386
.
A grande maioria das fotografias nessa publicação registra aspectos urbanos, muitos
dos quais retratados ainda em obras, enfatizando a cidade moderna em construção e em
processo de transformação. Há, no entanto, algumas imagens de igarapés, “paisagens”
naturais como o próprio Huebner as intitula. Há uma, em particular, que se destaca: no
primeiro plano, o igarapé circundado pela floresta; ao fundo, uma ponte metálica unindo as
duas margens, exaltando o espetáculo da modernidade em plena selva (Figs. 83 e 84). Daou
considera que um “distanciamento da natureza, ali constrangida em certos quadros de
amenidades e às aquarelas de orquídeas que se intercalam no conjunto das fotografias”
387
. o
se sabe, no entanto, quem foi o autor dessas aquarelas. Destacam-se no “Álbum”, também, vinhetas
com temas florais em estilo art-nouveau que servem de moldura para algumas fotografias com uma
temática mais bucólica como, por exemplo, a do Igarapé da Cachoerinha, onde uma catraia se impõe
no primeiro plano. Curiosamente, poucas referências à floresta e à seringueira, justamente a
descritivos foram os precursores dos álbuns comemorativos editados pelos governos locais e que, “graças à voga
dos álbuns, George Huebner, Arturo Lucciani, Arthur Cacavoni e Felipe A. Fidanza produziram, de 1896 a 1906,
a maioria das publicações ilustradas da região amazônica”.
383
DAOU, 1988, p. 216
384
op. cit.
385
DAOU, op.cit. p. 217
386
HARDMAN, op. cit., p. 83
387
op.cit., p. 221
173
fonte natural das riquezas que tornou possível o fausto ressaltado nas imagens do álbum.
Ainda, conforme Daou,
a ênfase no fato urbano, na cidade ‘civilizada’, parece ser expressiva da composição
social e das trajetórias desta elite, sem vínculos com as origens rurais que
caracterizam boa parte de outras elites brasileiras. Está associada à composição
social de uma elite oriunda de comerciantes, de segmentos burocráticos e de
profissionais liberais
388
.
É importante ressaltar que Huebner foi, além de exímio retratista, excelente paisagista,
conforme indicado pelas suas séries de postais. As poucas fotografias incluídas no Álbum
que mostram aspectos naturais dos arredores de Manaus foram por ele intituladas
“Paysagens”. Na leitura romântica alemã da representação da natureza, a paisagem, traduzida
esteticamente pelo olhar do artista, ultrapassa a descrição física do mundo natural, tornando-
se uma extensão de sua própria subjetividade. Paisagem pode ser, também, entendida no
contexto social, trazendo “em si natureza e sociedade, objetividade e simbolismo”
389
. A
natureza, por sua vez, precisa ser apreendida não apenas como técnica, objetiva, portanto, mas
também como cultura. Foi assim que a natureza, ao longo da história, foi sendo definida em
sistemas de representação, que a transformaram em artefatos materiais e simbólicos, ou seja,
em cultura. A elaboração do conceito de paisagem foi sua tradução mais completa: “longe de
ser apenas um modelo abstrato de compreensão do meio, é também a materialidade por meio
da qual a racionalidade humana organiza os homens e a natureza em territórios [...] Tomada
isoladamente, a paisagem é um vetor passivo. Somada ao valor social que lhe é atribuído,
transforma-se em espaço, processo ativo da dinâmica social”
390
. Sob o olhar do indivíduo, a
paisagem é “forma e aparência”. São suas funções sociais, ao longo da história, que irão
revelar seus vários “conteúdos”.
388
id.
389
LUCHIARI, 2001, p. 9
390
ibid., p. 11-12
174
Paisagem é, ainda, uma imagem cultural, uma maneira pictórica de representar,
estruturar ou simbolizar o ambiente
391
. Sendo imagem e símbolo, ela pode e deve ser
analisada também como iconografia.
391
DANIELS, COSGROVE, 1988, p. 1
175
Figs. 83 e 84: George Huebner:
“Paisagem” do álbum “Amazonas
1901-1902” e cartão postal de vista
semelhante.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de
Janeiro e acervo Museu da
Imagem e do Som do Amazonas.
176
As imagens contidas nesse álbum “reafirmam a importância que teve para a ‘elite da
borracha’ o entendimento (a representação) da cidade como lugar que irradia a civilização”
392
.
Acompanha o álbum um texto em três idiomas (português, inglês e francês), atribuído ao
Barão de Santa-Anna Nery, onde essa civilização em meio à selva é descrita em seus
pormenores técnicos:
É a cidade illuminada toda a luz electrica [...] Cerca de mil postes supportando
outros tantos arcos voltaicos, espalham luz desde as 5 horas da tarde até as 5 da
madrugada seguinte, com um consumo aproximado de 1.000 vélas por período de 11
horas. A maior parte das casas particulares e quasi todos os estabelecimentos são
egualmente illuminados pela electricidade”
393
.
Inúmeras fotografias colocam em evidência o maquinário necessário para movimentar
a infra-estrutura urbana. Destacam-se, por exemplo, as imagens das “Bombas electricas das
Aguas que abastecem a cidade”, das “Instalações das tracção electrica”, bem como diversas
outras onde o foco principal é o bonde elétrico também exaltado pelo Barão de Santa-Anna
Nery: “(...) liga-se elle com os ‘bonds’ electricos da Companhia Manaus Railway que
funciona(m) ininterruptamente das 5 ½ horas da manhã até as 12 da noite”
394
(Figs. 85 e 86).
Respaldado pelo êxito de sua primeira produção comissionada pelo Governo do
Amazonas - mesmo tendo sido contratado indiretamente, através do Ateliê Fidanza – Huebner
ampliou seus contatos profissionais com a elite política e social de Manaus. Em 1904, ele
acompanhou o Governador Constantino Nery
395
como fotógrafo oficial em uma excursão ao
Rio Branco, região que ele conhecera em sua viagem realizada dez anos antes. O resultado
desse trabalho foi uma ampla documentação fotográfica que incluiu, além das atividades do
governante, a vida ribeirinha, fazendas de gado, paisagens naturais e históricas do lugar, bem
392
DAOU, op.cit., p. 229
393
Álbum do Amazonas 1901-1902, p. 66
394
ibid., p. 70
395
O “Álbum Amazonas 1901-1902” foi encomendado pelo então governador Silverio Nery, irmão de
Constantino.
177
Figs. 85 e 86: George Huebner: “Álbum “Amazonas 1901-1902”: maquinário em evidência no primeiro
plano.
Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro
178
como a população indígena. Schoepf
396
indica ter sido o próprio Huebner que convencera
Nery a patrocinar a elaboração de um álbum comemorativo do seu governo: “trata-se de uma
publicação tão original no contexto editorial da época que mal se imagina que ela tenha sido
inspirada apenas pelo governador do Estado”. O álbum é o único que documenta
detalhadamente uma vasta região interiorana, diferente, portanto, de outros cujos temas
principais eram as vistas urbanas, o comércio da borracha e as atividades comerciais. Havia,
no entanto, uma intenção estratégica para a publicação. Além de chegar até a fronteira do
Brasil com a Venezuela, o caminho percorrido pela expedição vasculhou áreas ocupadas pelas
duas grandes fazendas nacionais
397
do Rio Branco, São Marcos e São Bento, de onde vinha
grande parte da carne que abastecia a população de Manaus. A edição impressa continha 85
pranchas de fotografias de Huebner, um mapa e um texto assinado pelo engenheiro Jacques
Ourique. Já em sua apresentação eram apontados os objetivos da publicação:
O Dr. Antonio Constantino Nery, governador do Estado do Amazonas, desejando
promover o povoamento e o progresso do alto Rio Branco, mandou fazer esta obra
pelo engenheiro Alfredo Ernesto Jacques Ourique, com o fim de tornar conhecido
(sic) essa uberrima região, e deu-se a imprimir aos Sñrs. G. Huebner e Amaral, que
a
illustrarão com vistas dos pontos mais interessantes, e um mappa de Ermanno
Estradelli. Manaos, 1906”
398
.
Esse foi o primeiro projeto editorial que Huebner conduziu desde a sua concepção até
o produto final, entregue ao Governo do Amazonas. Os serviços de impressão e acabamento
dos 500 exemplares foram realizados em Dresden
399
, nas oficinas de O. Schleich Nachf. e
396
op. cit. p. 58
397
As fazendas nacionais localizadas onde hoje é o estado de Roraima foram constituídas no final do século
XVIII, como parte de uma estratégia de ocupação do vale do rio Branco, principalmente através da pecuária nos
campos naturais da região. Conforme Loureiro (op. cit., p. 223), a partir de 1856, com a introdução de batelões a
vapor percorrendo o rio, o gado passou a ser levado para Manaus para ser abatido. duas fotos incluídas no
álbum que retratam o gado sendo embarcado, além de inúmeras outras que mostram a atividade pecuária.
398
vários erros ortográficos no texto. No próprio anúncio da “Photographia Allemã” o endereço do ateliê é
listado como “Av. Ed. Ribeira”.
399
Nessa viagem, Huebner contratou dois funcionários para seu estúdio em Manaus, conforme carta de
10/7/1906: “Ultimamente, tenho estado tão envolvido com a contratação de dois jovens rapazes para o nosso
179
acompanhados pessoalmente por Huebner durante cinco meses. De lá, ele se correspondeu
inúmeras vezes com Koch-Grünberg, comentando o andamento dos trabalhos e discutindo
com o colega detalhes da produção:
Finalmente, consegui receber do governo do Estado do Amazonas a autorização para
o conhecido álbum Rio Branco. Devo me apressar para concluí-lo o mais rápido
possível, para receber o dinheiro do Governo antes que se acabe novamente
400
.
Na carta seguinte, de 1/6/1906, ele solicitou ao etnólogo para ajudá-lo a identificar
algumas fotografias de índios que ele pretendia incluir na publicação:
[...]escrever nas cópias aqui anexas o nome das etnias, uma vez que na época não fiz
nenhuma anotação, enquanto que o Sr. as registrou quando esteve em Manaus.
Preciso incluir alguns tipos de índios no álbum Rio Branco que estou editando aqui
para o governo e não consigo distinguir quais são Uapixanas ou Macuxis. Vou usar
apenas quatro de cada, pois tenho ainda outros tipos e quero incluir também alguns
Pauchianas do rio Mucachaí
401
.
As fotografias de índios às quais ele se referia foram realizadas na expedição do Governador
Nery, como também na viagem anterior à região além de algumas produzidas no estúdio da
“Photographia Allemã”. Ele acabou por valorizar essas imagens, dedicando aos índigenas três
páginas da publicação, cada uma com rias fotografias. Estão incluídos ali os Macuxis de
frente e perfil e os Uapixanas no estúdio. Mencionou, também, desenhos que foram realizados
especialmente para a publicação, revelando o especial cuidado que teve com a apresentação
final do trabalho: “Quero juntar todos esses índios em grupos de dois ou três numa única
página. Vou precisar, portanto, reduzi-los bastante e ainda preparar desenhos para melhorar a
paginação”
402
. Trata-se de um conjunto de desenhos a bico de pena de artefatos e utensílios
indígenas, como arcos e flechas, remos, adornos e fundos de vegetação amazônica, assinados
negócio que precisei deixar tudo mais de lado”. Um dos jovens foi Max Mauksch que, em 1910, comprou a filial
paraense do empreendimento Huebner & Amaral. O outro, Schönbach, era também pintor e fazia cópias de
quadros no seu tempo vago (carta de 21/6/1910). Destaca-se aqui, mais uma vez, a importância que era dada à
presença de artistas nos ateliês fotográficos.
400
carta de 17/5/1906, trad. nossa
401
trad. nossa
402
trad. nossa
180
por Wilhelm von den Steinen
403
(Fig. 87). Huebner agradeceu a Koch-Grünberg a indicação
do artista em carta de 10/7/1906: “Recebi ontem os desenhos de G. W. von den Steinen.
Agradaram-me muito! Estou pedindo hoje a ele que me envie a fatura, pois nada foi falado
sobre esse assunto”
404
. Nessa mesma carta, ele refere-se à página publicitária da
“Photographia Allemã”, cujo desenho ele confiou a Ernst Lohse
405
, do Museu do Para (atual
Museu Goeldi) e que o acompanhou na viagem a Dresden. Nesse anúncio, magistralmente
realizado, eram exaltadas as características que Huebner desejava que fossem associadas ao
seu empreendimento. As imponentes fachadas dos sobrados, tanto da matriz em Manaus
como da filial Fidanza em Belém, indicavam claramente que eram estabelecimentos de grande
porte e, conseqüentemente, tecnicamente bem equipados. As fotografias são inseridas em
desenhos da flora amazônica, onde se sobressaem palmeiras de açaí, extensões de água
rodeadas de árvores de grande porte e detalhes de plantas. Ali estavam destacadas as marcas
de Huebner: a técnica alemã em meio à natureza exuberante (Fig. 88).
Ressalta-se aqui, novamente, a facilidade com que Huebner se inseriu no meio
científico de sua época, estabelecendo e mantendo estreitas relações de amizade e
profissionais com renomados pesquisadores, em especial os alemães e suíços. Nas cartas a
Koch-Grünberg, ele demonstrou inúmeras vezes, não apenas o conhecimento dessas pessoas,
403
Entre 1887 e 1888, Wilhelm acompanhou seu primo Karl von den Steinen em uma extensa expedição ao
Xingu, que resultou na obra “Unter den Naturvölkern Zentral-Brasiliens” (“Com os povos nativos do Brasil
central”). São de sua autoria as ilustrações e muitas das fotografias nesse livro. Conforme FRANK (2005), Karl
foi orientador de Koch-Grünberg no Museu Etnográfico de Berlin.
Cf., também, CHRISTINO (2006, p. 86): Capistrano de Abreu traduziu para o português os capítulos iniciais
dessa obra. “Com o titulo de “Na gema do Brasil”, sua tradução comecou a ser publicada no numero 203 da
Gazeta de Noticias, em 22 de julho de 1888. A impressão do trabalho teve continuidade nos números 204 a 215,
217, 218,220, 222, 225, 231, 254, 261, 264, 267 e foi interrompida no numero 302, de 29 de outubro do mesmo
ano.
404
trad. nossa
405
O desenhista e litógrafo suíço Ernst Lohse trabalhou no Museu Goeldi durante a gestão do botânico Jacques
Huber. Lohse projetou o prédio do aquário inaugurado em 1910 e ilustrou em cromolitografia a cores o “Álbum
de Aves Amazônicas” (“Die Vogelwelt am Amazonenstrom”), organizado por Emílio Augusto Goeldi e
publicado entre 1900 e 1906. Credita-se a ele, ainda, a realização de inúmeras fotografias da flora e da fauna
amazônicas hoje abrigadas no acervo do museu (disponível em:
http://www.museu-goeldi.br).
181
Fig. 88: George Huebner e Wilhelm Von den Steinen, página do álbum “O Valle do Rio Branco”, 1906.
Acervo Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Manaus.
Fig. 89: Ernst Lohse, Anúncio da “Photographia Allemã” no álbum “O Valle do Rio Branco”, 1906.
Acervo Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Manaus.
182
como também intimidade. Ele os recebia em suas casas em Manaus e em Belém e fazia
questão de manter essa rede em funcionamento, como pode ser inferido nesse cartão enviado
de Belém em 6/6/1908 e assinado por ele, por Jacques Huber e Wilhelm Kissenberth
406
:
Querido Sr. Dr.
Da casa hospitaleira do Sr. Hübner que tão carinhosamente me acolheu, envio-lhe
meus cumprimentos. Hoje ou amanhã seguirá para o Sr. um longo relato.
(ass.) Dr. W. Kissenberth
Congratulamos e ficamos felizes com o novo evento familiar. Esperamos que Sua
esposa esteja bem.
Com nossos cumprimentos
G. Hübner
Paul Erbe
Dr. J. Huber
O Álbum agradou tanto às autoridades do Estado que resolveram adiar sua divulgação
até 1908, quando foi utilizado como parte da representação oficial do Amazonas na Exposição
Nacional do Rio de Janeiro
407
, tendo tido larga aceitação e circulação. Huebner viajou para
para cuidar pessoalmente da apresentação e distribuição de sua obra e da produção de seu
estúdio. No catálogo do Estado do Amazonas estão listados todos os itens incluídos na
Exposição, entre eles, 300 exemplares do “O Valle do Rio Branco”, “uma collecção de vistas
panoramicas da cidade de Manáos e seus arredores, emolduradas em madeira (cedro) do
406
Conforme Kraus (op. cit., p. 41), Kissenberth (1878-1944) foi um intelectual alemão, cujo pai mantinha em
Landshut uma fábrica de tabaco brasileiro. Em 1908 obteve o apoio do Museu Etnográfico de Berlin (onde
Koch-Grünberg também trabalhava) para realizar uma expedição à Amazônia. Kraus cita, ainda, outros
pesquisadores alemães e com os quais Huebner, ao longo de sua vida, também manteve contato. Desses, um dos
mais significativos foi com o etnólogo Curt Unckel Nimunhendajú, mencionado por ele, pela primeira vez, em
carta de 17/8/1920, na qual ele enviou notícias de vários colegas em comum: “A Srta. Dra. Emilia Snethlage do
Museu no Paviajou recentemente a bordo do ‘Anselm’ para a Europa [...] Ela me informou que no Museu de
Berlin trabalha o Sr. Curt N. Ankel (sic) e que ele é um excelente etnógrafo e que também se correspondia com o
Sr. [...] seria um segundo Esdland Nordeskyöld”.
407
Cf. WRIGHT (1908). Na apresentação de seu livro sobre a Exposição: “In celebration of the centenary of the
opening of Brazilian ports to the commerce of the world by the Prince Regent Dom João VI of Portugal, in
1908”. Na p. 63 uma longa descrição da mostra dedicada aos estados do norte e uma menção a um catálogo
com 230 páginas. Mais de 1.200 artigos, entre eles inúmeros objetos indígenas, foram enviados para a
Exposição. A mesma autora também jornalista, escritora, historiadora e viajante - já havia publicado em 1907
um livro sobre o Brasil onde foram incluídas 20 fotografias de Manaus e da Amazônia realizadas por Huebner
sobre as quais ela comentou: “As may be seen from the illustrations of this chapter, made from photographs by
the artist and traveller, Mr. George Huebner, who has a most interesting collection of Amazon views” (apud
SCHOEPF, op. cit, p. 64).
O Estado do Amazonas participou de diversas outras exposições no Brasil e no exterior. Os catálogos e livros
publicados desses eventos eram sempre fartamente ilustrados, muitos deles com fotos de Huebner. No catálogo
da Exposição Comercial de Louisiana, em St. Louis, 1904, por exemplo, há cinco fotos suas de vistas da cidade.
183
Amazonas”, bem como uma “Galeria de retratos (bustos) a photo-crayon, dos governadores
do Estado do Amazonas no período de 1892 a 1908, todos em belas molduras doiradas”. A
grande maioria dessas imagens, inclusive as dos governadores Silverio Nery e Constantino
Nery, foram realizadas por Huebner.
Ele teve, no entanto, grandes dificuldades para receber do Governo do Estado seus
honorários pelo trabalho realizado. Em várias cartas ele se refere a esse fato, por vezes de
maneira ríspida:
Faz mais de um ano e meio que eu tenho contas pendentes no Thesouro. Agora,
desde que chegou o novo Inspetor da Alfândega consegui, finalmente, liberar meus
álbuns com taxas alfandegárias reduzidas e trazê-los para casa. Mas não os
entregarei ao Governo até que receba a última parcela de 10 contos o que, por
enquanto, nem se cogita. Seu eu fosse tão burro de entregá-los, iria esperar uma
eternidade para receber o meu dinheiro
408
.
Mais de um ano depois, ele relata que acabou entregando os exemplares, mesmo não
recebendo:
Até agora não recebi minha terceira parcela de 10 contos pelo Album Rio Branco,
mesmo tendo sido entregue tanto tempo e estar sendo distribuído aqui na
Exposição. Tristes relações!
409
Mais adiante, em 20/2/1909, ele elogia o novo governador, Coronel Antonio Ribeiro
Bittencourt (vice de Silverio Nery), “um cara decente”, ressaltando que
ele terá que dar duro para arrumar novamente as finanças do Estado. Até agora ele
pretende pagar os funcionários que estão sem receber os seus salários oito
meses e, depois, ele irá pagar contas antigas. Por enquanto, não tenho qualquer
esperança de receber minha parcela de 10 contos pelo Album Rio Branco.
Huebner e Amaral editaram ainda álbuns de formatura de turmas da Faculdade de
Direito e produziram ou forneceram fotografias para inúmeras publicações, entre outras, o
408
12/8/1907, trad. nossa
409
18/9/1908, trad. nossa
184
“Annuario de Manáos de 1913-1914”, com 304 páginas; o “Almanac Amazonense 1912-
1913”; e o “Almanaque Garnier 1907”
410
.
A produção fotográfica de Huebner, editada sob a forma de álbuns, pode ser entendida
como objetos “que carregam os usos de que podem ser investidos e as apropriações às quais
são suscetíveis” apontando para “significações plurais e móveis, que se constroem no
encontro de uma proposição com uma recepção” (CHARTIER, 1994, p. 8, 9). Reafirma-se,
nesse sentido, a importância que teve esse conjunto de obras, ao projetar para o Brasil, para a
Europa e para os Estados Unidos uma imagem do Amazonas e de Manaus que contrapõe a
civilização moderna ao selvagem (tanto a natureza como o homem), sendo o fotógrafo-editor
o mediador entre a produção e a recepção dessa representação. A configuração dos álbuns que
pressupõe séries fotográficas reforça ainda mais essa representação como “ensaios
combinatórios de imagens encadeadas”
411
.
Quando a fotografia se consagrou não apenas como meio de registro do presente, mas
logo também como uma importante ferramenta para desvelar e presentificar o passado, ela se
tornou aliada da história
412
. A partir do momento em que, em frações de segundo, a chapa, o
filme ou o sensor eletrônico são atingidos pela luz, registrando aquilo que o olho do fotógrafo
e a lente da câmara enxergaram, a imagem fotográfica já é passado.
Se a fotografia, por “lapidar e cristalizar determinado instante [...] testemunha a
dissolução inexorável do tempo”
413
, ela também nos conduz a uma escrita da história,
principalmente quando organizada seqüencialmente em ginas de álbuns fotográficos,
configurando-se como narrativa e registros de acontecimentos passados. O fotógrafo
410
Na maioria dessas publicações as fotografias de Huebner não são creditadas ao fotógrafo e sim ao
litógrafo/gravurista o que era prática comum na época. Nas fotos de vistas da cidade, por exemplo, destacam-se
as assinaturas “P. Marinho Gr.” Ou “P. Mar Gr.”.
411
SEGALA, op.cit., p. 126
412
Fotografias como as realizadas no Egito, em 1849, por Maxime du Camp ou de ruínas romanas e gregas e
publicadas em livros são um bom exemplo de como a circulação de imagens fotográficas ajudou a popularizar e
massificar a consciência histórica. Fotografias de lugares e tempos longínquos, na verdade, mediam o desejo
romântico pela história.
413
SONTAG, op. cit., p. 15
185
documentarista torna-se, também, um historiador, quando, conforme Bann, ele “une o passado
ao presente num nó existencial”
414
.
Fotografias, em especial as séries fotográficas, o, ao mesmo tempo, fonte histórica,
evidência histórica e a própria história. Sontag
415
ressalta que “a fotografia pode constituir
perfeitamente a prova irrefutável de que certo evento ocorreu”. Barthes, por sua vez, nos
sugere que a força de uma fotografia reside na sua referencialidade, remetendo-nos para além
daquilo que é mostrado ou ocultado.
Mais importante, ainda, é a fotografia como fato social. Baxandall
416
sugere que a
experiência do cotidiano desenvolve hábitos, mecanismos e formas visuais possíveis de ser
identificadas na produção e no consumo de imagens. Por isso, é necessário “entender as
imagens como coisas que participam das relações sociais e, mais que isso, como práticas
materiais”
417
. Trabalhar historicamente com imagens – e em especial com fotografias dadas as
suas peculiaridades formais e técnicas significa abordá-las socialmente. Meneses ressalta a
necessidade de se “percorrer o ciclo completo de sua produção, circulação e consumo e [...]
ação”, uma vez que é “a interação social que produz sentidos, mobilizando diferencialmente
(no tempo, no espaço, nos lugares e circunstâncias sociais, nos agentes que intervêm)
determinados atributos para dar existência social (sensorial) a sentidos e valores e fazê-los
atuar”
418
.
414
1995, p.14
415
op. cit., p. 5, 6
416
1991
417
MENESES, 2003, p. 4
418
ibid., p. 18
186
“O que começa com arrojo, bem sucedido será”.
(Theodor Koch-Grünberg, abertura de seu diário, 1903)
3. OS ALEMÃES EM MAAUS E OS “IDIAER” A “PHOTOGRAPHIA
ALLEMÔ
3.1 Do “boom” da borracha ao estouro da Guerra
3.1.1 O capital alemão
Em 1897, quando Huebner se estabeleceu em Manaus, ele encontrou um diversificado
e coeso grupo germânico que incluía, entre outros, imigrantes, viajantes, aventureiros e
empregados de empresas estrangeiras. Em seus escritos publicados após as viagens ao Peru e
ao Norte do Brasil, fez inúmeras referências aos alemães com os quais se relacionou. Da
mesma forma, em suas cartas a Theodor Koch-Grünberg, eram corriqueiros os comentários a
respeito de seu contato social e profissional com seus compatriotas, muitos dos quais se
tornaram conhecidos também do etnólogo. É importante, portanto, estabelecer Huebner como
cidadão alemão em Manaus
419
, uma cidade que já se fez cosmopolita e acolheu na última
década do século XIX e nas primeiras do XX um grande número de estrangeiros: portugueses,
espanhóis, turcos, libaneses, ingleses, franceses, italianos, norte-americanos, além dos
alemães.
O maior contingente foi de portugueses que, conforme Benchimol, vieram para a
Amazônia atraídos pela fortuna e “foram pioneiros na organização do sistema mercantilista de
intercâmbio, representado pelo comércio típico de casas ‘aviadoras’”
420
. Numerosos, também,
foram os espanhóis, italianos e ingleses atraídos principalmente pelas oportunidades de
419
Não está claro se Huebner naturalizou-se brasileiro ou manteve a nacionalidade alemã até sua morte. Fato é
que, pelos comentários em suas cartas, ele se manteve fiel aos ideais germânicos e, por vezes, revelou-se
nacionalista.
420
1999, p.70
187
investimentos nas obras de infraestrutura e serviços da cidade
421
. Entre 1908 e 1912, o Estado
do Amazonas recebeu 19.467 estrangeiros: 9.008 portugueses, 2.809 espanhóis, 1.294
ingleses, 974 turco-árabes e 907 alemães e franceses
422
. Desde as primeiras décadas do século
XIX, o Brasil vinha acolhendo imigrantes europeus de diversas nacionalidades. Referindo-
se especificamente aos alemães, Schapelle
423
estima em 475.000 o total de alemães que
emigraram para o Brasil desde a década de 20 do século anterior. Desses, aproximadamente
10.000 radicaram-se nos estados brasileiros do norte e do centro
424
.
Em 1903, recém-desembarcado em Manaus, Koch-Grünberg anotou em seu diário
suas primeiras impressões da cidade e comentou a grande quantidade de alemães ali
estabelecidos:
Manaus é uma cidade bonita e limpa, ao menos aqui no centro. Bondes elétricos
conforme o modelo americano; muitos alemães
425
, importantes casas comerciais. As
maiores: Düsendschön, Witt. Principais comerciantes de borracha e seringa dos
afluentes ao sul do Amazonas: Purus, Juruá, Javary e de lá também o Içá. O
comércio na região do rio Negro, ao contrário, desaparece rapidamente. Bom para o
etnógrafo! Pois, onde os caucheros chegam, aniquilam tudo, como um ataque de
gafanhotos
426
.
Foram os alemães de Manaus os maiores empreendedores da borracha. Em 1908, entre
os três principais exportadores estavam as empresas: Scholz & Cia. (483 toneladas exportadas
para a Europa, 112 toneladas para os Estados Unidos), Dusendschön Nommensen & Cia. (96
421
Empresas inglesas estabelecidas em Manaus e Belém foram responsáveis pela construção e administração dos
portos, do transporte urbano, do fornecimento de energia elétrica, das comunicações, dos sistemas de água e
esgoto, da navegação fluvial e do sistema financeiro (Cf. BENCHIMOL, 1999; PENNINGTON, 2001).
422
Anuário Estatístico do Brasil, Rio de Janeiro, 1916.
423
1915
424
Em Manaus, um espaço geográfico relativamente pequeno e restrito, as diversidades e diferenças culturais
provocaram conflitos, aproximações e sociabilidades. Nesse sentido, conforme Simmel (op. cit, p. 148, trad.
nossa), o estrangeiro “está, ao mesmo tempo, perto e longe, como em qualquer relação baseada apenas em
semelhanças humanas universais. Entre a proximidade e a distância, no entanto, surge uma tensão peculiar, uma
vez que a consciência de ter em comum apenas o absolutamente generalizado produz justamente o efeito de
destacar aquilo que não é comum”.
425
Em carta de 11/2/1907, Huebner escreveu que “chegaram muitos novos e jovens alemães, mas infelizmente
dois deles já morreram de febre amarela”.
426
5/6/1903, trad. nossa
188
toneladas para a Europa, 112 toneladas para os Estados Unidos) e Adelbert H. Alden (32
toneladas para a Europa, 248 toneladas para os Estados Unidos). Duas outras empresas
alemãs, S.A. Armazens Andresen e Ahlers & Cia., também constam da lista
427
. Waldemar
Scholz foi, ainda, presidente da Associação Comercial do Amazonas em 1911 e Oscar
Dusendschön, cônsul da Alemanha e ex-cônsul italiano, foi personagem importante na
articulação e mediação com a Alemanha dos viajantes, pesquisadores e outros cidadãos
alemães em Manaus (Fig. 90).
Fig. 90: Nota no Jornal do Commercio, de
1/5/1904.
Arquivo Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas, Manaus.
427
Revista da Associação Comercial do Amazonas, Anno I, n
o
5, 5/11/1908.
189
Dusendschön foi, também, agente em Manaus da Hamburg Süd-Amerikanische
Dampfshifffahrts Gesellschaft
428
, a empresa ale que mantinha linhas de navegação
regulares entre a Alemanha e o Brasil (Figs. 91 a 94). Através dele, Huebner enviava cartas,
fotografias e objetos para seus amigos e parentes na Alemanha. Na correspondência com
Koch-Grünberg, ele menciona a gentileza com a qual o cônsul e empresário atendia seus
conterrâneos:
Hoje finalmente posso cumprir com o prometido e lhe enviar tanto as fotografias
como o vocabulário dos Iauperis pessoalmente através do Sr. Dusendschön
429
.
Do amigo Ule ainda não tive notícias; de qualquer forma, ele deve estar bem, pois,
por inúmeras vezes, recebeu encomendas através do Sr. Dusendschön
430
.
Koch-Grünberg reconheceu sua hospitalidade na chegada em Manaus, em junho de
1903, quando Dusendschön o recebeu no navio e pessoalmente se encarregou de levar e
despachar sua bagagem de mão
431
. Nessa ocasião, o etnólogo hospedou-se na casa do vice-
cônsul Hugo Ohliger; suas refeições, no entanto, eram feitas na casa do cônsul, onde ele, em
sua viagem seguinte, em 1911, também se hospedou. De acordo com Schoepf
432
, em 1960, a
família de Dusendschön doou ao Museu de Etnografia de Genebra uma coleção de 350
objetos etnográficos por ele recolhidos durante o período em que viveu em Manaus. Parte da
coleção incluía dois álbuns de fotografias: “Peruanische Photographien”, com 105 reproduções
428
Três grandes empresas marítimas operavam no Rio Amazonas com linhas regulares transportando passageiros
e cargas entre Manaus e os portos europeus: a citada ale(também conhecida como Hamburg-Süd ou pela
sua afiliada Hamburg Amerika Linie), a inglesa Booth Line e a italiana Ligure Brasiliana. É interessante apontar,
ainda, que o consulado brasileiro em Hamburg emitiu, em 1905, um relatório sobre a borracha onde explicitava
que “devido à iniciativa da Hamburg America Linie, a qual durante os ultimos annos estabeleceu uma carreira
regular entre Hamburgo e os portos do Amazonas, começa esta praça a ser de certa importância na importação
deste gênero [...]” (Ministério das Relações Exteriores, Estados Unidos do Brasil, Relatórios Diplomáticos
Consulares, 1905).
429
2/3/1906
430
20/2/1909, trad. nossa
431
Nessa mesma entrada em seu diário, no entanto, Koch-Grünberg lamenta-se de não ter obtido recomendações
das autoridades brasileiras em Berlin, pois temia que os muitos caixotes da bagagem de sua expedição ficariam
retidos por um tempo na alfândega do porto de Manaus, o que realmente aconteceu.
432
op. cit., p. 16 e comunicação pessoal
190
Fig. 91: George Huebner: foto para anúncio da empresa de exportação de borracha de Dusendschön
no Indicador Illustrado do Estado do Amazonas, 1910.
Arquivo Centro Cultural dos Povos da Amazônia, Manaus.
Fig. 92: Anúncio de uma empresa de
câmbio de Dusendschön no Jornal do
Commercio, 5/5/1904.
Arquivo Instituto Geográfico e Histórico
do Amazonas, Manaus.
191
Fig. 93: Anúncio da Hambürg Süd no Indicador Illustrado do Estado do Amazonas, 1910.
Arquivo Centro Cultural dos Povos da Amazônia, Manaus.
Foi a bordo desse navio, o “Rio Grande”, um dos mais bem equipados da empresa, que Koch-
Grünberg e Huebner atravessaram o Atlântico.
Fig. 94: Folheto de boas-vindas para
passageiros da Hambürg-Süd.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-
Universität Marburg.
192
em albumina das imagens realizadas por Kroehle e Huebner; e “Venezuela und Brasilien”,
com 47 fotografias de Huebner feitas durante sua viagem aos rios Branco e Orinoco.
Os alemães não atuaram apenas no comércio da borracha. Scholz
433
, Dusendschön
434
,
Andresen, Schlee, Moers
435
(Fig. 95) e outros trabalhavam, também, com a exportação de
madeira e demais produtos da floresta, como cacau, castanha-do-pará, guaraná, peles, óleos
essenciais; com a importação e o comércio de bens duráveis e de consumo da Europa; e com
operações bancárias, mbio e seguros. À exceção de Huebner, foram poucos aqueles que se
aventuraram no interior amazônico, “recuando diante dos perigos da floresta virgem e dos
indígenas selvagens”
436
. Preferiam as facilidades e felicidades urbanas, recebendo em suas
amplas mansões os conterrâneos viajantes e buscando proporcionar, em plena Amazônia, os
confortos, sabores e aromas “como em casa”.
De acordo com Elias, “o mero som da palavra Deutschland parecia, para os alemães,
estar impregnado de extraordinárias associações, de um carisma que beirava o sacrossanto”
437
.
Esse grupo de alemães em Manaus era permeado pelo sentimento de unidade (a já mencionada
Deutsche Einheit”): a unidade do esrito e da vida alemães, depois da aniquilação da oposição
433
Agnello Bittencourt (1973) fecha seu dicionário dos grandes nomes da história política, econômica e social do
Amazonas com o verbete de Waldemar Scholz, o único alemão ali incluído. Ele o descreve como “homem culto
e de sobejantes energias” que, nos vinte anos de vida em Manaus, deu “provas de compostura e amor à terra”.
No auge de seus negócios, projetou e construiu uma das maiores residências da cidade, que veio a ser chamada
de Palacete Scholz. Com a queda do comércio da borracha, seus negócios faliram e ele acabou hipotecando a
casa e voltando para a Alemanha, em 1916, já durante a primeira guerra mundial. O prédio foi adquirido pelo
governo estadual e batizado de Palácio Rio Negro. Durante muitos anos, ali funcionou o executivo estadual até
ser transformado, na década de 1990, em centro cultural.
Cf., também, Governo do Amazonas, Série Memória, “Palácio Rio Negro”, disponível em:
http://www.bv.am.gov.br/portal/conteudo/serie_memoria/02_palacio.php
434
Shoepf (op.cit., p. 38) propõe que tenha sido Dusendschön que introduzira Huebner na sociedade alemã de
Manaus.
435
De acordo com Koch-Grünberg, “um agrimensor, ex-oficial e de todos os alemães, o que está aqui mais
tempo [...] é dono de uma fábrica de telhas” (diário, 4/6/1903). Mais tarde, envolveu-se com outros negócios,
entre eles plantações de seringa e uma fábrica de celulose.
436
SCHOEPF, op.cit, p. 82
437
2003, p. 288
193
Fig. 95: George Huebner, Sr. Moers, 1913. Formato cartão cabinet.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
No verso há uma dedicatória: “Ao Dr. Koch-Grünberg, lembranças de Manáos. 26-3-913 (ass.)
Moers”.
194
entre forma e conteúdo, entre interioridade e convenção”
438
. É possível imaginar, numa tarde
escaldante de domingo em Manaus, os alemães reunidos nos salões nobres do Rudderklub ou
do Kegelklub
439
, discutindo os rumos da economia da borracha e observados pelo Kaiser
Wilhelm II retratado em posição de prontidão na tela pendurada na parede ao fundo.
Koch-Grünberg, nas páginas iniciais de sua primeira obra sobre a Amazônia, “Dois
anos entre os indígenas” observa: “os alemães aqui em Manáos são bastante numerosos,
sendo alemãs as duas empresas comerciais mais importantes, com numeroso pessoal. O total
de borracha do ano 1905 foi de 23.529.566 kg”
440
. Mais adiante, ele cita a pista de boliche
(“os alemães têm até uma pista de boliche”) e os saraus musicais tocados pela banda da
polícia: “a maioria são rapazes morenos ou negros, que tocam bastante bem e não apenas bem
ritmadas marchas e danças, mas até as melodias mais difíceis das óperas de Wagner”
441
.
Em seus diários, ele relatou detalhadamente suas impressões sobre as sociabilidades e,
até mesmo, os fortes laços que uniam a colônia alemã em Manaus:
De manhã cedo, 7 horas, visita e café na casa da Sra. Bender no ‘Bosque’; algumas
fotografias estereoscópicas Huebner e seu assistente Schönbach, um homem
simpático e calmo, já haviam ido para lá mais cedo. O Sr. Schlee, um antigo
conhecido que vive aqui há mais ou menos catorze anos, também vem com a esposa,
uma bonita cearense de pele clara e uma amiga dela. Schlee é representante de
borracha e trabalha como intermediário nos negócios entre as várias grandes
companhias. Parece estar bem e de bem com a vida. Apesar de haver aqui, no
momento, uma crise da borracha [...]
Almoço com os Moers na casa dos Ruckert. Novamente uma conversa bastante
variada. A Sra. Ruckert é inglesa e fala pouco alemão. Pessoas muito agradáveis e
boas; uma casa fina e aconchegante. Amigos dos animais: um foxterrier, uma gata
adorável, um papagaio, um galinheiro com inúmeros habitantes, diversas orquídeas.
438
op. cit., p. 40
439
Clube de Remo e Clube de Boliche, fundados pelos alemães. Daou (2000, p. 44-45) refere-se aos vários
clubes “étnicos” fundados em Manaus, como “estratégia de interação social”, favorecendo a “construção de
identidade entre indivíduos que, embora oriundas de um mesmo país, não necessariamente tinha vínculos
anteriores entre si, o que é pertinente, sobretudo, no caso de ingleses, franceses e alemães”. Nesse sentido, é
importante, também, o contraponto que Elias (2000) faz entre “nós” e “eles”, quando analisa as relações entre
estabelecidos e “outsiders”.
440
2005, p. 28
441
ibid., p. 29
195
Comida fina: um ganso foi sacrificado para essa refeição um pouco pesado para
este clima [...]
À noite, na casa dos Ohliger, com Suter e um senhor Reuter da região de Magdeburg
que instala aqui a telegrafia sem fio. Reuter vai se estabelecer em breve em Iquitos.
A linha deve se estender até Lima. Outro dia conseguiram telegrafar 15.000 palavras
para o Pará
442
.
E, ainda, no diário de 14/11/1924:
Com exceção de alguns, os alemães daqui e do Pará não diferem em nada dos que
vivem em outros países. No Clube Alemão está pendurado um retrato a óleo de
Wilhelm, envergando uniforme enfeitado de ouro e de condecorações. Há um grande
quadro ornamentado com uma bandeira preta, branca e vermelha, e a famosa
máxima: ‘Nós os alemães, tememos Deus e nada mais!’” .
443
3.1.2 O “perigo Allemão”
Conforme Hobsbawm
444
, “o desenvolvimento tecnológico agora dependia de matérias-
primas que, devido ao clima ou ao acaso geológico, seriam encontradas exclusiva ou
profusamente em lugares remotos”. Incluem-se aí, entre outros, o petróleo cuja produção
começava a se diversificar dos campos dos EUA e da Rússia para ser iniciada no Oriente
Médio; e a borracha, “produto exclusivamente tropical extraída com uma exploração atroz de
nativos nas florestas equatoriais do Congo (sic) e da Amazônia”
445
.
Não é de se estranhar, portanto que, em 1902, um cruzador da marinha alemã, o
“Folke”, subiu o rio Amazonas com a missão de realizar um estudo da navegação para além
442
domingo, 4/6/1911, trad. nossa
443
Outra marca da forte presença germânica na cidade foi a descoberta de pedaços de jornais alemães no forro
do Paço Municipal, antigo Paço da Liberdade, erguido em 1874, para abrigar o governo provincial e,
posteriormente, o estadual. Em 1905, o Governador Constantino Nery construiu um anexo, onde foi realizado
recentemente um restauro com recursos do Projeto Monumenta, da UNESCO. Durante a obra, foram
encontrados restos de jornais que eram utilizados como matéria-prima para a confecção de papier maché na
moldagem dos ornamentos do forro de um dos grandes salões. Foi identificada uma página de um jornal de
Dresden, de 26 de janeiro de 1905, com vários anúncios classificados e notas sobre apresentações artísticas nos
teatros da cidade.
444
1988, p. 96
445
id.
196
de Manaus visando o prolongamento da linha de passageiros e carga da empresa “Hamburg-
Süd” até Iquitos, no Peru. Daou
446
ressalta que a chegada do “Folke” em Manaus foi
celebrada com um suntuoso banquete oferecido pela colônia germânica no salão nobre do
Teatro Amazonas. Os cardápios, em alemão e português, finamente impressos e decorados,
foram produzidos pelo estúdio de Huebner e Amaral e mereceram elogios da imprensa: “um
artístico trabalho fotográfico que representava a armada”
com uma vista de Manaus e onde
apareciam, lado a lado, o Imperador Wilhelm II, o Presidente da República Campos Salles e o
Governador Silvério Nery
447
. Esse foi um evento social de
expressão nacional em que o Teatro Amazonas tomou lugar central, selando-se no
banquete a satisfação mútua dos alemães e dos amazonenses que ali estreitavam
laços e potencializavam as trocas comerciais através da implantação de linhas de
navegação. Realizavam-se ali duas das antigas expectativas da elite amazonense:
o
comércio exterior e a presença de europeus no Amazonas, que muito provavelmente
seria facilitada pelas novas conexões
448
.
Em 29 de abril daquele mesmo ano, o governo do Amazonas retribuiu, oferecendo um
banquete para os alemães com mais de 275 convidados nos jardins do palácio. A presença
“imperial” dos alemães na Amazônia, representada pelo navio e seus tripulantes foi
legitimada pelos banquetes e honras mútuas. Curiosamente, alguns meses depois, em 25 de
novembro de 1902, o jornal “Quo Vadis”
449
, em sua edição número 6, destacou no meio da
primeira página a seguinte chamada: “AMANHÃ: O perigo allemão”.
No dia seguinte, foi publicada a matéria, trechos da qual estão transcritos a seguir:
De um despacho telegraphico, hontem inserto n’este jornal, consta que o governo
allemão dispõe-se a intervir com força na América do Sul.
446
1988, p. 297-302
447
O jornal “O Amazonas”, de 1/4/1902, traz uma longa matéria sobre o evento, detalhando, inclusive, o
cardápio que foi oferecido aos comensais, com pratos variados da típica culinária alemã (apud DAOU, op. cit).
448
op. cit., p. 299
449
Periódico publicado entre 1902-1904 e com um posicionamento editorial independente e de oposição ao
poder. Abaixo do nome do jornal, ostentava o slogan “Orgam de interesses populares”; no expediente designava-
se como “folha da manhã, diária e imparcial”.
197
Sendo o Brasil a nação sul-americana onde a Allemanha tem maiores interesses
radicados, segue-se que a intervenção planeada o ha como o seu principal objectivo.
[...]
Ao norte, a ocupação yankee ensaia os seus vôos com o syndicato arrendatário do
Acre; ao sul, os allemães preparam-se para ter uma terra americana que seja sua. São
duas tenazes a comprimir nos dentes aguçados o que é a pátria brasileira.
[...]
Quem conhece da politica alle dos últimos annos, facilmente não ficará
sorprehendido com as declarações do despacho hontem publicado. Guilherme II, na
hora actual o primeiro monarcha do mundo, não é homem que recue nas suas
empresas. A pretexto de impor ao Brasil os direitos dos seus súditos, desfraldará a
força necessária para se apossar dos territórios que lhe convem.
O texto continuou, em tom xenófobo, ufanista e saudosista em relação ao império,
terminando com a pergunta: “Perderei eu também o meu paiz, ficarei sem pátria? So o futuro
poderá responder. (ass.) M. DE BETHENCOURT”.
Em sua edição de número 19, de 10 de dezembro, o mesmo jornal publicou na íntegra
um discurso proferido pelo Dr. R. Jannasch no Congresso Colonial Allemão em Berlim, em
11 de outubro de 1902, em que abordou questões da imigração alemã em todo o mundo,
concentrando seu foco no Brasil. No texto, foram exaltadas as características físicas e
climáticas, as riquezas e as possibilidades do sul do país:
Os únicos territórios que o germanismo conservou agora na quarta geração e
onde implantou o sentimento nacional de sua patria são os da América subtropical e
especialmente o Sul do Brasil (...) Nestes districtos vivem agora 200.000 pessôas de
origem allemã. Magnificos e fortes nucleos coloniaes elles ahi crearam (...) que
offerecem hojem esplendidos pontos centraes para a colonisação allemã e valiosas
estações (étapes) para a avançada futura ao ‘Far-West’.
Ele terminou a matéria elogiando as potencialidades e os interesses econômicos
germânicos, instigando os leitores (e os congressistas) a “cuidar methodicamente dessas
relações extensas e dessas fundações optimas lançadas” para, no futuro, estarem
“habilitados a occupar o primeiro lugar no commercio de todo o continente sul-americano”.
Uma semana depois, o jornal voltava com o assunto, publicando o restante do discurso
do congressista. Ao final, afirmou que se devia unir a política colonial à comercial, para que a
198
Alemanha pudesse alcançar o primeiro lugar no comércio sul americano: “deve ser esta hoje e
para sempre, a alma de nossa política interna bara (sic) com o continente sul americano”.
Recomendou ao congresso que adotasse a resolução,
tanto para o interesse ideal da cultura, como para o interesse da emigração allemã,
que deve ser dirigida para os paizes de clima temperado da America do Sul e
especialmente o sul do Brasil. Por isso deve a colonisação de allemães, naquellas
paragens ser efficazmente auxiliada pelo espírito empreendedor, capital e política
commercial da Allemanha.
Nesse mesmo jornal, durante edições seguidas, em sua última página, reservada à
publicidade, generosos espaços foram ocupados por anúncios de empreendimentos alemães,
entre eles, alguns da “Photographia Allemã”
450
. Com suas posições políticas contraditórias e
controversas, o “Quo Vadis”, no entanto, refletia a importância da presença alemã no Brasil e,
em particular, na Amazônia durante o “boom” da borracha.
Huebner, também, mostrou-se ambíguo no seu posicionamento pessoal em relação à
Alemanha, oscilando entre o nacionalismo e a crítica. Ele inicia uma de suas cartas a Koch-
Grünberg, de 17 de maio de 1906 - escrita a bordo do vapor Rio Grande quando viajou para
Dresden para cuidar da edição do álbum “O Valle do Rio Branco” - com a frase “Como você
pode ver, estou a caminho da pátria
451
”, indicando fortes elos com sua terra natal. Em
29/11/1910, após o ataque de Manaus por tropas federais
452
, comentou: Aqui nós fomos
efetivamente bombardeados no dia 8 de outubro e todos os moradores tiveram de fugir para
fora da cidade. Eu também tranquei nossa casa e icei a bandeira alemã”. Alguns anos depois,
em 13/1/1914, voltando de uma viagem à Europa, comentou junto a Koch-Grünberg:
450
Um anúncio mostrava o logotipo do ateliê, acompanhado das chamadas “Preços resumidos” e “Especialidade:
retratos a crayon”. O outro, um classificado publicado no dia 26/11/1902, na mesma edição, portanto, da matéria
sobre o “Perigo Allemão” dizia: “CREADO. Precisa-se de um creado na Photographia Allemã, preferindo
menor, de edade de 14 a 17 annos. Paga-se bem.” Essa edição veiculou, também, a citada nota sobre as
qualidades e habilidades de Huebner e Amaral.
451
Em alemão, Heimat.
452
Cf. PONTES FILHO (op. cit., p. 162): o Governador Antonio Bittencourt (1908-1912), crítico de influentes
políticos da República, foi perseguido e rechaçado, culminando no bombardeio de Manaus em outubro de 1910 e
sua queda dois anos depois.
199
Compreendo muito bem que a Pátria não lhe agrade mais. Eu também, francamente,
não me senti muito bem lá
453
e ansiava realmente em voltar novamente para cá. Aqui
nos acostumamos à total liberdade, podemos fazer o que bem entendemos, não
precisamos estar sempre se preocupando com formalidades que são
imprescindíveis. Aqui, as pessoas podem ter mais liberdade e ser mais autênticas.
Esses são, penso eu, os principais motivos pelos quais elas se cativam por esse
lugar
454
.
Nesse mesmo ano, em julho, estourava a I
a
Guerra Mundial, afetando os negócios e o
cotidiano em Manaus. Em 5/6/1915, Huebner escreveu que
a guerra desgraçada tirou nosso fôlego. Aqui se ouve sempre que remessas postais
inteiras transportadas por navios neutros são simplesmente confiscadas; muitas das
cartas enviadas aos meus familiares em Dresden não chegaram (trad. nossa).
A guerra interrompeu a correspondência entre os dois até 1920. No confronto, no entanto, não
havia dúvidas de que lado ele estava. Em 2/5/1914, comentou sobre a sua antipatia à
expedição do ex-presidente Roosevelt e elogiou a visita da marinha alemã ao Rio de Janeiro:
Roosevelt não despertou por aqui qualquer simpatia. Muito pelo contrário: antipatia
no mais alto grau! Tão melhor para nós alemães! Através da visita da nossa esquadra
no Rio e acompanhada do Príncipe Heinrich
455
, nos impusemos aos brasileiros de
maneira infernal (trad. nossa).
Ainda na carta de 5/6/1915, acrescenta:
Pelos jornais constato que justamente Freiburg
456
sofreu muito com os ataques
aéreos. Deve ter sido terrível. Bem, esperemos que, ao final, nossa querida
Alemanha alcance a vitória (trad. nossa).
Alguns meses depois, em 25/10/1915, comenta a sorte de Koch-Grünberg não ter sido
convocado para a guerra, enquanto todos estavam no front:
453
Ele utiliza, novamente, a expressão “Drüben”.
454
Na mesma carta, ele se queixa de ter de dar opiniões sobre assuntos diversos relacionados à sua numerosa
família e satisfações sobre aspectos de sua vida pessoal, levando-o a se indispor (trad. nossa)
455
Príncipe Henrique da Prússia (1862-1929), irmão mais novo do Kaiser Wilhelm II. Oficial de carreira da
marinha imperial, durante a I Guerra foi comandante da esquadra do Mar Báltico.
456
Cidade onde Koch-Grünberg à época residia, trabalhando como professor-visitante de Etnologia.
200
O Sr. nunca foi soldado? Soube que dois de meus sobrinhos, mesmo sem qualquer
formação militar, foram chamados, provavelmente para trabalhos internos. Quando é
que esse terrível confronto de povos irá acabar? Parece que cresce a cada dia, pois
agora nossos homens já estão marchando e combatendo na Sérvia (trad. nossa).
E, em 20/3/1920, em uma longa carta, onde retoma sua correspondência, ele transmite
notícias de vários amigos em comum, entre eles o comerciante sírio Miguel Pecil que Koch-
Grünberg conhecera no alto Rio Negro, durante sua primeira viagem:
Vejo seu amigo Miguel Pecil de vez em quando em Manaus, onde ele agora mora
com sua família [...] Para mim, ele se tornou um pouco antipático, que durante a
Guerra se posicionou com os aliados e torceu entusiasticamente pela França
457
.
Em 25/10/1916 começou a circular em Manaus o jornal semanal “Boletim Allemão”,
com distribuição gratuita e apoiado no slogan Interesses da colonia Allemã”
458
. No editorial
introdutório, ficava clara sua posição nacionalista e germânica:
Não desejavamos ver-nos na obrigação de inaugurar a presente publicação.
Mas, diante dos insultos e das calumnias que os nossos inimigos teem espalhado
contra nós, pelas suas agencias telegraphicas, pelos seus periódicos, pelos seus
folhetos, por toda a sorte de publicações, procurando com isso envolver o povo
allemão em uma nuvem de ódios, e muitas vezes com isso conseguindo edificar uma
opinião hostil á Allemanha entre os espiritos mais cultos mas também mais fracos
dos paizes neutros, resolvemos fazer este movimento, restabelecendo a verdade, em
um gesto de legitima defesa. [...]
Em uma questão qualquer, o bom senso manda que, afim de apurar-se a verdade,
ouçam-se ambas as partes.
“Audiaturet altera pars”, preceituou a sabedoria dos antigos romanos.
Para esclarecer a verdade a nosso respeito, a respeito de nosso povo, repetimos, é
que fazemos a presente publicação, defendendo-nos das falsidades inimigas.
Sem qualquer indicação de editor ou diretor, nem de endereço
459
, o jornal abastecia-se
de informações oficiais do governo alemão e as transcrevia com pouca ou nenhuma
457
trad. nossa
458
Foi possível levantar no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas 13 números do jornal; o último foi
editado em 27/1/1917.
201
intervenção jornalística local. O editorial do segundo número, de 1/11/1916, confirmava suas
fontes:
Fazemos publico que s, não dizendo coisa alguma sem o mais seguro
conhecimento dos factos, fundamentamos todos os nossos assertos nos comunicados
officiaes germânicos e em outras fontes perfeitamente seguras.
As noticias transmitidas pelo estado maior allemão e outras nossas auctoridades
officiaes são absolutamente fidedignas e não admittem a menor duvida ou sophisma
a respeito de sua veracidade.
Pode portanto o publico prestar inteira fé ao que publicamos.
Ali eram publicados relatos detalhados das campanhas nos diversos fronts; as
atividades do imperador em visita aos comandos; notícias de “última hora” destacando, em
negrito, a tomada de cidades; e, no dia do aniversário de sua majestade imperial, uma
fotografia ocupando o centro da gina e um texto com sua biografia, enaltecendo suas
virtudes e justificando os avanços militares. Nitidamente um órgão de propaganda oficial
alemã, o jornal, no entanto, declarou-se, também, porta-voz dos alemães no Amazonas. Ao
final da longa matéria sobre o Imperador, na edição de 27 de janeiro de 1917, lia-se:
Venerando e amando profundamente o seu soberano, cujo perfil, dizemol-o sem
modestias culmina todos os cimos da Historia moderna, a colonia Allemã no
Amazonas deseja-lhe gloria e bençans infinitas e saúda-o pela passagem de seu
anniversario natalicio.
Na última página eram veiculados anúncios publicitários, em sua maioria dos comerciantes
alemães, sendo o de maior destaque o da “Photographia Allemã”.
Durante a recessão provocada pela queda do preço da borracha e demais
conseqüências da Guerra, Huebner reduziu o escopo de seu negócio fotográfico. Não sofreu,
no entanto, maiores represálias por seu posicionamento abertamente pró-Alemanha
460
.
459
Informava apenas que era “impresso e composto nas oficinas da Gazeta da Tarde” e que “toda
correspondência deve ser dirigida à Caixa Postal 37-A”.
460
Já durante a Segunda Guerra Mndial, a “Photographia Allemã”, bem como outros estabelecimentos de origem
germânica ou italiana sofreram ataques e tiveram de mudar seus nomes de fantasia.
202
Preferiu, conforme apontado anteriormente, voltar seus interesses para a botânica e
aprofundar seus relacionamentos com as instituições científicas européias.
Em sua última carta a Theodor Koch-Grünberg, em 7/12/1923, dedicou um longo
trecho para comentar sobre a guerra, os franceses e as tendências pacifistas
461
de seu amigo:
que falo da Guerra, gostaria de lhe fazer uma pergunta. O Sr. me escreveu certa
vez que se considerava um pacifista convicto. Hoje o Sr. ainda o é ou se convenceu
de que não podemos mais manter esse credo uma vez que nós fomos empurrados
nessa direção, pela total incompreensão dos outros povos? Hoje somente a força
decide, como podemos perceber tão claramente na França [...] E aqui ainda se trata
os franceses com tanta deferência!
Pronto, agora eu desabafei e gostaria de saber seus pensamentos, se o Sr. acha que
ainda podem ser obtidas soluções exclusivamente pacíficas
462
.
Se Huebner recebeu uma resposta, talvez jamais saibamos. É bem provável, porém,
que ela tenha sido uma fervorosa defesa do pacifismo. Superando suas diferenças ideológicas,
Huebner e Koch-Grünberg souberam cultivar uma amizade duradoura e uma parceria
frutífera.
461
Christino (2006, p. 50) cita uma carta de Koch-Grünberg onde ele se posiciona em relação à guerra: “Nós
queremos de coração ter a esperança de que haja, em breve, novamente paz no mundo! Essa guerra terrível, que
Deus sabe que não queríamos, aniquila tantas esperanças. Ela inflige também à nossa ciência, que é internacional
no melhor sentido, inestimáveis danos” (Theodor Koch-Grunberg a Alfredo Jahn, 2/10/1914).
462
trad. nossa
203
Fig. 96: Refeição na casa de Huebner; à direita, Theodor Koch-Grünberg, 1911-1913.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Notam-se os quadros na parede: à esquerda, um retrato do Imperador Wilhelm II; ao centro, uma
fotografia de palmeiras realizada por Huebner.
204
“Demonstrei-lhes até a câmera fotográfica e estranhei como eles
rapidamente mostraram sua compreensão. Logo eles reconheciam a
imagem invertida no vidro fosco. Quem não podia mais ser afastado
de por debaixo do pano preto era o Mandu. Ele mostrava uma
alegria infantil, quando via no vidro fosco um menino passando ou
um cachorro correndo.”
(Theodor Koch-Grünberg, Dois anos entre os indígenas do noroeste
do Brasil)
3.2 George Huebner e Theodor Koch-Grünberg: entre a etnografia e fotografia
3.2.1 Theodor Koch-Grünberg: o cientista fotógrafo
Em 1903, o jovem etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg chegava a Manaus para
iniciar sua expedição ao alto Rio Negro. No dia 2 de junho, ele anotou no seu diário: “conheci
hoje o Sr. Hübner que realizou grandes viagens aos rios Negro e Orinoco; antes colecionador
de orquídeas, agora fotógrafo”. A partir daí, eles se tornaram amigos e colaboraram
profissionalmente durante quase 22 anos, até sua morte prematura por malária, em 1924, em
Vista Alegre, no atual estado de Roraima (Fig. 96).
Koch-Grünberg nasceu no dia 9 de abril de 1872 em berço protestante na pequena
cidade de Grünberg, Estado de Hesse, onde seu pai era pastor. Sua formação inicial foi como
filólogo, historiador e geógrafo, o que lhe permitiu prestar exames para o magistério.
Segundo, sua filha Ursula, Koch-Grünberg sempre gostou de índios e brincava com os amigos
nos campos e florestas em volta de sua cidade natal
463
. Seu sonho de conhecer índios de
verdade se concretizou quando, em 1898, ele participou como fotógrafo e pesquisador da
segunda expedição de Hermann Meyer
464
ao Xingu. Em 1901, de volta à Alemanha,
463
Depoimentos de sua filha mais nova, Ursula Koch, em DVD produzido pelo Museu da Cidade de Grünberg,
2007.
464
Meyer (1871-1932) foi um pesquisador que se especializou na etnografia sul-americana. Empreendeu duas
viagens ao Brasil central (1895-1897, 1898-1899) e, em 1900, ao sul do país. Seus interesses foram mais
pessoais do que institucionais, uma vez que não chegou a exercer cargos docentes (KRAUS, 2004).
205
abandonou o trabalho como professor e se apresentou como voluntário no Museu Etnográfico
de Berlim. Em 1902, foi contratado como Pesquisador-assistente, trabalhando sob a tutela do
etnólogo Karl von den Steinen
465
. Nesse mesmo ano, obteve seu doutoramento na
Universidade de Würzburg e, em 1903, foi patrocinado pelo Museu para empreender sua
primeira viagem de pesquisa ao Brasil. Durante dois anos ele percorreu o alto rio Negro, com
o objetivo de coletar peças etnográficas, pesquisar os vocabulários de diversas etnias e,
principalmente, explorar uma região até então desconhecida (Fig. 97).
O principal resultado dessa expedição foi a publicação de diversos artigos em revistas
científicas e das obras “Começos da arte na selva” (1905); “Petroglifos sul-americanos”
(1907), “Dois anos entre os indígenas: viagens ao noroeste do Brasil (1903-1905)”
466
(1909,
1921). No proêmio desta última, Koch-Grünberg ressalta que
o objetivo principal da minha viagem não era o de um colecionador. Freqüentemente
demorando-me semanas, a meses em cada tribo e em cada aldeia, participando
intimamente da vida dos indígenas, eu pretendia especialmente conviver e
aprofundar mais a visão de suas concepções, pois o viajante que passa rapidamente
pela região de suas pesquisas consegue apenas impressões passageiras e
freqüentemente falsas
467
.
O etnólogo produziu, ainda, mais de 1.000 fotografias “reveladas imediatamente no
lugar” e que “reproduzem fielmente a grandiosa natureza, suas belezas e seus medos, a vida
465
Conforme Kraus (2004), foi com Steinen (1855-1929) que se iniciou na etnologia alemã a pesquisa
profissional da Amazônia. Com formação de psiquiatra, viajou pelo mundo entre 1878 e 1881. Em Samoa ele se
interessou pela pesquisa etnográfica e, ao retornar para a Alemanha, passou a se dedicar a essa área do
conhecimento. Fez duas viagens ao Brasil (1884 e 1887-1888) que resultaram em diversas publicações.
Cf., também, CHRISTINO (op. cit., p. 29): “fundado em 27 de dezembro de 1873, o Museu Etnológico de
Berlim desempenhou um papel de destaque dentre as instituições que promoveram e apoiaram a Sul-
americanística [nesse] período. Naquele momento, o museu berlinense financiou importantes viagens de
pesquisa à América do Sul e ajudou a tornar viável a publicação de seus resultados científicos. Para isso, muito
contribuiu o empenho de sul-americanistas de primeiro time que atuaram em sua Seção “America”, como Karl
von den Steinen, Theodor Koch-Grunberg, Konrad Theodor Preuss (1869-1938) e Max Schmidt (1874-1950)”.
466
Traduzida e publicada em 2005 pela Editora da Universidade Federal do Amazonas.
467
KOCH-GRÜNBERG, 2005, p. 7
206
Fig. 97: George Huebner, Theodor Koch-Grünberg e seu assistente Otto Schmidt, 1903. Formato
cartão cabinet.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
207
da expedição, tipos de cada tribo, os trabalhos dos indígenas em casa e na roça, suas
diversões, danças
468
. 141 dessas fotografias foram publicadas no já mencionado álbum de
tipos indígenas. Sua relação com a imagem vem desde muito jovem: ele aprendeu a
fotografar
469
e era um desenhista talentoso. Seus diários e cadernos são repletos de ilustrações
que retratam paisagens, animais, pessoas, utensílios e processos
470
.
As descrições minuciosas são pontuadas com comentários pessoais que demonstram o
carinho e apreço que tinha por “seus índios”:
Meus melhores amigos são as crianças. Em certos dias tenho trinta desses pequenos
acompanhantes morenos em minha cabana. Observam com interesse o que faço e
fazem suas observações a respeito, cochichando baixinho. Não me atrapalham.
Esperam até eu me dirigir a eles
471
.
Ao mostrar aos índios seus equipamentos científicos (câmeras, instrumentos, relógios
etc), observou que:
Apesar do seu entusiasmo por todas essas novidades inauditas, os indígenas
comportavam-se muito mais urbanamente do que os nossos habitantes das cidades
grandes, em condições semelhantes. Não havia empurrões, nenhuma briga feia
perturbava o aconchego. Tudo seguia segundo certa ordem e regradamente. Os
objetos iam de mão em mão e voltavam a mim pelo mesmo caminho
472
.
E, ainda, ao mostrar fotografias de seus parentes, comentou que “seus amigos” tinham
muito interesse nas fotografias de sua noiva:
468
ibid.
469
Como ele queria viajar com Meyer para a América do Sul, comprou um equipamento fotográfico completo e
treinou muito em casa antes da expedição (Michael Kraus, em comunicação pessoal). Em Marburg, no Arquivo
Theodor Koch-Grünberg manuais, livros e catálogos fotográficos adquiridos da empresa “Centralstelle für
Amateur Photographie” em outubro de 1898. Há, também, um pequeno caderno de anotações escritas a mão com
“receitas” para as químicas.
470
Paul Hempel, em comunicação pessoal, informou que os etnólogos alemães daquela época tinham uma
relação muito própria com a fotografia. Ele considera que a prática do colecionismo, importante para a
etnografia alemã do final do século XIX e início do XX, também influenciou o olhar pela câmera, estabelecendo
para as imagens valores iguais ou, por vezes, maiores do que os próprios objetos.
471
KOCH-GRÜNBERG, 2006, p. 63
472
KOCH-GRÜNBERG, 2005, p. 104
208
Mostra a tua mulher! - pediam sempre de novo e com a mesma freqüência voltava a
pergunta, causada por quatro retratos diferentes, se eu tinha então quatro esposas,
como seria conveniente para um chefe poderoso e rico”
473
.
Após seu retorno, entre 1905 e 1909, continuou trabalhando como pesquisador
assistente no Museu de Berlim, até prestar exame para docência na Universidade de Freiburg.
Em 1911, fez sua terceira viagem ao Brasil, patrocinada pelo Instituo Baessler de Berlim,
dessa vez à região dos rios Branco e Orinoco, na fronteira com a Venezuela. Koch-Grünberg
levou consigo apenas um auxiliar alemão, Otto Schmidt, que já o acompanhara em sua
expedição anterior, e guias indígenas de três etnias: Taurepáng, Arecuna e Maiongóng. Além
das descrições lançadas nos 14 cadernos de diários, da coleta de objetos etnográficos, ele
produziu novamente um grande número de fotografias, alguns preciosos minutos de filmes
cinematográficos e gravou ainda fonogramas com vocabulários e cantos. Dessa viagem, foi
publicada “Do Roraima ao Orinoco”
474
em cinco volumes, no período de 1916 a 1928. É
considerada obra de referência e de grande importância para a etnografia dos povos de língua
Karib (hoje conhecida por Pemon) e a etnologia do norte amazônico. Dela, Mario de Andrade
extraiu os mitos que lhe serviram de base para criar seu herói Macunaíma
475
.
Sobre a obra, ressaltam Nádia Farage e Paulo Santilli na introdução à edição brasileira:
“Oscilando, ao que tudo indica, entre uma bagagem teórica racista e um ideário político
liberal, Koch-Grünberg consegue retratar as tensões estruturais do universo social regional
que, àquela altura, se consolidava baseado na espoliação da terra e do trabalho indígenas”
476
.
473
ibid., p. 265
474
Em 2006, a Editora UNESP publicou o primeiro volume de “De Roraima ao Orinoco”, com tradução de
Cristina Camargo Alberts.
475
Cf. CHRISTINO (op. cit., p. 53): Koch-Grünberg manteve um relacionamento profissional com o historiador
Capistrano de Abreu (1853-1927), cuja obra sobre os Caxinauá do Acre, “ra-txa hu-ni-ku-~i”, publicada em
1914, muito lhe impressionou. Em carta enviada em 8/1/1920, ele declarou que estudou “minuciosamente no ano
passado sua excelente obra sobre os Caxinauas, realmente singular na pesquisa sobre a América do Sul. Eu
admiro o material imenso e valioso, que está contido no livro. [...] Alguns dos seus belos mitos traduzi para o
alemão e serão impressos no meu próximo livro a ser publicado, “Sudamerikanische Indianermärchen” [Lendas
indígenas sul-americanas], pelo que gostaria de lhe pedir, a posteriori, autorização” .
476
KOCH-GRÜNBERG, 2006, p. 16
209
Ele diariamente se admirava com a “índole indígena” e, sempre que pertinente, criticava os
brancos “civilizados”:
Alegria e paz reinam em toda esta grande aldeia. Aqui não discussões ou brigas,
nem entre os velhos, nem entre os jovens. Essa inofensiva gente morena tem
incomparavelmente mais cultura interior do que os brasileiros mestiços que
pretendem civilizá-la!
477
Para o etnólogo, mais do que a viagem em si, era a experiência que importava. Em seu diário
de campo, descreveu detalhadamente sua rotina de trabalho:
Levo uma vida idílica aqui. De manhã bem cedo, antes que o sol se levante acima
das montanhas, com meus meninos para o banho no riacho próximo, um lugar
sossegado e, ao mesmo tempo selvagemente romântico [...] Então começa o trabalho
do dia. Os índios são fotografados sozinhos e em grupos. Ninguém tem medo do
aparelho misterioso. Na verdade, eles até se atropelam para essa tarefa [...] O
inteligente Pitá demonstra grande interesse por todos os meus trabalhos. Sob o pano
negro e sobre o vidro opaco, ele observa os movimentos das pessoas e animais e
morre de rir quando as mulheres chegam correndo, de cabeça para baixo
478
.
Kraus
479
alerta, porém, para as enormes dificuldades que, naquela época, expedições
dessa natureza enfrentavam ao desbravar territórios amazônicos ainda desconhecidos pelo
homem branco: terrenos acidentados, correntezas, alimentação precária, variações climáticas
e, principalmente, doenças. Eram comuns os conflitos de interesses e necessidades entre o
pesquisador e seus colaboradores. Tanto que Koch-Grünberg admite no prefácio a “Do
Roraima ao Orinoco”: “devo acusá-los (os índios) porque, às vezes, não me compreendiam,
porque, freqüentemente, meus planos contrariavam suas inclinações e experiência?”
480
. Ele
tinha consciência de que o que praticava era “extenuante”.
Em 1915, Koch-Grünberg tornou-se diretor científico do Museu Linden em Stuttgart,
assumiu uma cadeira de antropologia na Universidade de Heidelberg e se propôs a não mais
477
KOCH-GRÜNBERG, 2006, p. 95
478
ibid., p. 58
479
2005
480
KOCH-GRÜNBERG, 2006, p. 27
210
realizar viagens de pesquisa. Em 1924, porém, perdeu seu posto no Museu que àquela época
passava por problemas financeiros. Ele se juntou, então, à expedição do americano Alexander
Hamilton Rice que iria percorrer a região do Orinoco. Poucos meses depois, faleceu (Figs. 98
a 104).
Fig. 98: George Huebner,
Retrato de Theodor Koch-
Grünberg, 1911.
Acervo Theodor Koch-
Grünberg, Philipps-
Universität Marburg.
No inventário do Acervo
são listados 13 retratos de
Koch-Grünberg realizados
por Huebner; desses,
apenas 7 foram localizados.
211
Fig. 99: Theodor Koch-Grünberg com os Macunas, no baixo Apapori, 1903-1905.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Fig. 100: Theodor Koch-Grünberg, maloca Kava na cachoeira Jurupari, rio Aiari, 1903-1905.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
212
Fig. 101: Theodor Koch-Grünberg, rapaz Tuiuca com adornos de dança, 1903-1905.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
213
Fig. 102: Theodor Koch-Grünberg, grupo Taulipáng, 1911-1913.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
214
Fig. 103: Theodor Koch-Grünberg, moça Taulipáng com boneca,1911-1913.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
215
Fig. 104: Theodor Koch-Grünberg mostra fotografias aos Tipiacá, rio Caiary-Uaupés, 1903-1905.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
216
3.2.2 Diálogos fotográficos e etnográficos
Grande parte da produção e da informação a respeito de George Huebner tornou-se
conhecida através das cartas enviadas por ele de Manaus, Dresden, Belém e Rio de Janeiro
para Theodor Koch-Grünberg. Huebner anexava às cartas fotografias, recortes de jornais,
transcrições de vocabulários indígenas, amostras de plantas e até objetos etnográficos. Outra
importante fonte de informação sobre o fotógrafo está nos diários de Koch-Grünberg. A partir
desses documentos, foi possível estabelecer a relação de amizade, a parceria e a estratégia de
troca de informações entre os dois alemães.
Nas cartas, escritas em linguagem erudita e sempre muito formais
481
, é possível inferir
que Huebner manteve contato com e trabalhou para vários cientistas e pesquisadores,
principalmente botânicos. Foi, no entanto, com Theodor Koch-Grünberg que se estabeleceram
laços mais profundos. O primeiro encontro foi em 1903, quando o etnólogo chegou a Manaus
pela primeira vez e permaneceu durante várias semanas. Em inúmeras passagens, no seu
diário, ele se refere ao fotógrafo:
Huebner é um cara ótimo. Ele se entusiasma pelo meu empreendimento e me ajuda
de todas as maneiras. Hoje de manhã, fui com ele ao mercado [...] Ele quer fazer
comigo uma viagem de oito dias para conhecer os Mura do rio Autaz
482
.
No dia seguinte, eles traçavam planos para uma viagem conjunta às nascentes do
Orinoco, passando pelo Rio Branco, justamente a viagem que Koch-Grünberg realizaria 8
anos mais tarde e que Huebner já havia feito. Em de julho, um elogio às fotografias
realizadas por Huebner e planos para publicar o atlas tipológico na Alemanha: “Hübner
realizou magníficas fotografias antropológicas dos Ipuriná (Fig. 105); um bom começo para o
481
Mesmo após muitos anos de amizade e parcerias, Huebner manteve o tratamento formal ao colega,
chamando-o de “Sr.” (“Sie”) e sempre assinando suas cartas de maneira elaborada, como, por exemplo, “seu leal
e sincero velho amigo” (“Ihres treu ergebenen alten Freundes”). Nesse sentido, Elias (1997, p. 78) aponta, na
Alemanha pós-unificação, para “o caráter da formalização que era típica das classes superior e média e associado
ao seu relativo potencial de poder”.
482
4/6/1903, trad. nossa
217
nosso álbum tipológico que pretendemos editar juntos”
483
. Na edição final de “Dois anos...”
484
, ele agradece ao fotógrafo:
[...] foi de grande valia para mim o meu amigo Georg Hübner, o dono da
‘Photographia Allemã’ que conhecera pessoalmente o Orinoco, o rio Negro e o alto
Amazonas e nunca se cansou de usar o seu rico tesouro de experiências para me
aconselhar ou me ajudar
485
.
Conforme abordado anteriormente, desde as suas primeiras viagens à América do
Sul, Huebner se envolvera com a atividade científica. Seria natural, portanto, a aproximação
com Koch-Grünberg em Manaus. Dos diários, infere-se que Huebner esteve presente desde os
primeiros dias de sua estada em Manaus: à tarde na Diretoria dos Índios, com Hübner que
tem se desdobrado para me ajudar” (5/6/1903); “à noite, com Holliger e Hübner, um passeio
[com o bonde] ‘Circulare’ [sic] em volta da cidade” (6/6/1903). Referindo-se a contatos de
pessoas nas localidades no alto Rio Negro, ele escreveu que “todos lhe foram recomendados
por Hübner” (1/7/1903). Antes de sua segunda viagem, Huebner também foi solícito,
ajudando no que fosse possível. Koch-Grünberg comentou em junho de 1911 que Huebner o
“arrastara” aos jornais para conceder entrevistas.
483
Esse álbum, no entanto, não foi editado.
484
KOCH-GRÜNBERG, 2005, p. 30
485
CHRISTINO (op. cit., p. 56) ressalta que “os estudiosos que traziam um pouco de luz a campo considerado
(inclusive por intelectuais sul-americanos) tão obscuro, retraçando mapas e oferecendo outras informações
confiáveis, podiam contar com a admiração de seus pares e, até mesmo, almejar a da sociedade, como um todo.
Nesse contexto, quanto mais inacessível a região visitada, maior relevo ganhavam os resultados científicos
obtidos e, conseqüentemente, maior era o prestígio de que se investia o pesquisador-viajante. Por conta disso, a
alusão a territórios dantes pouco ou nada explorados desempenhava papel importante nos textos de divulgação
científica”.
218
Fig. 105: George Huebner, série de índios Ipuriná, 1903.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
219
A primeira parceria direta entre os dois concretizou-se em 1906. Em outubro do ano
anterior, Huebner acompanhara o Governador Constantino Nery a uma viagem ao rio
Jauaperi
486
. Na sua volta, enviou sua primeira carta, onde expressou a preocupação com os
índios, comentando o envio de cinqüenta soldados para a região. Ele se ofereceu, também,
para colaborar com a pesquisa científica:
Logo teremos notícias mais precisas e não deixarei de comunicá-las ao Sr. Envie-me
novamente alguns cadernos para a transcrição de vocabulários, pois - e isso é
bastante provável – se alguns desses índios forem trazidos prisioneiros para Manaus,
quero aproveitar essa ocasião
487
.
Ele terminou a carta lembrando:
aqui fora o Sr. tem um amigo com quem pode contar sempre que precisar algo e,
quando quiser nos visitar novamente nesse nosso ermo, será para todos nós um
imenso prazer. Aí, espero que, junto às suas obrigações com o Sr. Cônsul da
Alemanha, talvez sobre um tempinho também para os outros amigos.
Na carta seguinte, de 2/2/1906, ele comunicou a Koch-Grünberg que enviaria as
transcrições lingüísticas e algumas fotografias dos Jauaperis (hoje conhecidos como Uaimiri-
atroaris). Em 2 de março, ele enviou outra carta, à qual anexou várias fotografias e as
anotações lingüísticas:
Hoje, consigo, finalmente, cumprir com o prometido e lhe enviar, pessoalmente pelo
Sr. Dusendschön, tanto as fotografias como o vocabulário Jaupery. Infelizmente, não
foram muitas palavras, porque nenhum dos índios entendia sequer uma palavra de
português. Por sorte, estava comigo um jovem tenente que havia participado da
expedição punitiva. Um rapaz inteligente, ele conseguiu pescar algumas palavras
dos Jauperys e pela escrita o Sr. pode perceber que ele também preencheu alguns
vocábulos. Transcrevi as expressões de acordo com a grafia portuguesa, o que me
parecia mais natural a uma pessoa que mora aqui. Será que tudo foi escrito
claramente?
488
.
486
Essa viagem, de seis dias, foi realizada para investigar notícias de confrontos entre seringueiros e índios
naquela região. Huebner escreve que “os índios teriam atacado os seringueiros, matando três homens e ferindo
gravemente outros dois”.
487
16/10/1905, trad. nossa
488
2/3/1906, trad. nossa
220
Destaca-se aqui o empenho de Huebner em fornecer a Koch-Grünberg não apenas
fotografias de etnias indígenas que se encontravam ameaçadas de desaparecer, como também
de ajudá-lo no seu trabalho de compilação de vocabulários. Nesse sentido, conforme ressalta
Christino
489
, essa era uma preocupação que dominou grande parte da pesquisa científica nessa
época, motivando não cientistas como inúmeros intelectuais da Europa e das Américas do
Norte e do Sul a coletarem o máximo de informações possíveis sobre esses povos. Ela
acrescenta que se tratava de “uma comunidade de especialistas realmente engajada em um
projeto coletivo e internacional de construção do conhecimento”
490
.
Em maio de 1906, Huebner viajou para Dresden, onde permaneceu até setembro para
supervisionar a edição do álbum “O Valle do Rio Branco”. Nessa estada ele se encontrou com
Koch-Grünberg duas vezes
491
e trocaram inúmeras cartas. Huebner ofereceu seus serviços e
conselhos, forneceu informações fotográficas, teceu elogios e fez consultas ao amigo. Em
10/7/1906, questionando o fato de Koch-Grünberg ter considerado caro o preço de 30 Pfenig
(centavos de marco) por cópia fotográfica de originais em vidro que ele havia levado consigo,
ele lhe alertou que achava
extremamente perigoso ficar enviando meus negativos de vidro para e para cá. O
Sr. pode imaginar como os pacotes são jogados pelo correio! E o que me restaria se
todos se quebrassem? Não me leve a mal, mas o Sr. também não confiaria ao correio
seus preciosos negativos
492
.
Mais adiante, pediu permissão para publicar algumas imagens de Koh-Grünberg:
Aproveito a oportunidade para me permitir lhe perguntar se me autorizaria utilizar
algumas de suas fotos de índios em cartões postais. A venda, é claro, ficaria restrita
exclusivamente ao Pará e a Manaus. O Sr. tem tantas imagens que se prestariam
magnificamente, sem que isso viesse a prejudicar o seu trabalho. Pense sobre isso e
depois me diga o que achou.
489
op. cit., p. 21
490
ibid., p. 48
491
Schoepf (op. cit.) afirma que, ao longo dos 22 anos de amizade, eles se encontraram em seis ocasiões: três em
Manaus; três na Alemanha, sendo duas em Berlin e uma em Freiburg, onde foi recebido pela família Koch-
Grünberg.
492
trad. nossa
221
Em 29 de agosto, pouco antes de retornar a Manaus com alguns álbuns O Valle do
Rio Branco” na bagagem, escreveu que a gráfica iria lhe fazer “chegar às mãos um exemplar
em tempo hábil, como lhe havia prometido à época”. E acrescenta: “De minha parte, reitero
minha promessa de que, como no passado, meus bons serviços pela causa da ciência serão a
você dedicados desde que me dê oportunidade”
493
.
Essa oportunidade viria logo em seguida, com a publicação do primeiro artigo
assinado pelos dois na revista oficial da Sociedade de Antropologia, Etnologia e História
Primitiva de Berlim, Zeitschrift für Ethnologie”,
494
intitulado “Die Yauapery”. Nele, Koch-
Grünberg descreveu detalhadamente os acontecimentos ocorridos com os índios dois anos
antes e relatados por Huebner. No texto foi incluído o vocabulário anotado por Huebner, bem
como publicadas várias de suas fotografias. Koch-Grünberg legitimou essa parceria, propondo
à Sociedade que acolhesse o fotógrafo como membro. Em 11 de maio de 1907, Huebner
agradeceu o recebimento das separatas dos artigos.
No ano seguinte, eles publicaram outro artigo, “Die Makushi und Wapischana”, na
mesma revista
495
. Nesse artigo, que descrevia essas etnias que habitavam a região do Rio
Branco, Koch-Grünberg utilizou inúmeras fotografias (Figs. 106 e 107) que Huebner
produziu durante suas viagens preparatórias para o álbum e fez uma referência direta aos
vocabulários por ele coletados: “Dos cinco vocabulários, que se seguem [...] dois deles,
Makuschi I e Wapischana I, foram registrados da boca dos índios por meu amigo Sr. Georg
Hübner de Manaus, um nativo de Dresden, durante sua última viagem aos rios Branco e
Uraricuera em agosto de 1903
496
. Em três notas de rodapé, citou o artigo anterior dos dois,
colocando o nome de Huebner à frente do seu; fez referência à sua participação nas duas
sociedades científicas, de Berlin e de Dresden; e citou seu primeiro artigo publicado na
493
29/8/1906, trad. e grifo nosso
494
n
o
39, 1907
495
n
o
40
496
KOCH-GRÜNBERG e HÜBNER, 1908, trad. nossa
222
Figs. 106 e 107: George Huebner: Cacique e índia mestiça Macuxi (Carolina), com anotações de
Koch-Grünberg no verso, 1903.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
223
Deutsche Rundschau. Ao final do texto, elogiou as “excelentes fotografias” especificando as
que foram feitas nas viagens ao interior e aquelas realizadas no estúdio.
A diversificada teia de relacionamentos que Huebner cultivou, bem como suas
habilidades de mediador de interesses de toda ordem, podem ser exemplificadas através de
um episódio envolvendo Bento Tenreiro Aranha, editor do “Archivo do Amazonas”, uma
revista de propósitos científicos que circulou durante dois anos, com oito edições. Na capa do
primeiro número, publicado em 23/7/1906, estão indicados seus objetivos:
Revista destinada à vulgarização de documentos geographicos e históricos do Estado
do Amazonas.
Publicação feita sob os auspícios do Exmo. Sr. Dr. Antonio Constantino Nery
Governador do Estado e direcção de Bento Figueiredo Tenreiro Aranha
A revista abre com uma fotografia do governador, assinada no canto inferior direito
com as iniciais “P. M.”, do litógrafo, e “g. H.”, do fotógrafo George Huebner. Durante sua
curta trajetória, o “Archivo” publicou principalmente textos do próprio Bento Tenreiro
Aranha
497
, entre os quais, “As explorações e exploradores do Rio Uaupés, idem Rio ana,
baseados em relatorios ‘rebuscados’ no Archivo Publico” e “Criação e fundação da Provincia
do Amazonas”, além de documentos, ofícios, termos de posse e ordens relativas à história da
Capitania do Rio Negro nos séculos XVII e XVIII.
Em 12/3/1907, Huebner enviou para Koch-Grünberg exemplares dos três primeiros
números da revista:
Envio-lhe hoje como “Impresso” 3 números (até agora saíram esses) do “Archivo
do Amazonas editados por meu amigo Bento Aranha. Como esses números trazem
muitas informações sobre o Rio Uapés, achei que pudessem lhe interessar e, com
esse envio, espero lhe proporcionar alegria. Expressei ao Aranha meu estranhamento
por ele não lhe ter citado como explorador científico, o que, no entanto, ele agora
fará [...] Numa das edições do “Amazonas” o Sr. encontrará um artigo muito
497
Ele foi sócio correspondente do IHGB.
224
interessante sobre os “Miranhas”. Deverá lhe interessar bastante, pois é muito bem
escrito e revela uma grande capacidade de observação
498
.
Na carta seguinte, de 23/3/1907, Huebner, mais uma vez comentou que Aranha o
visitou em sua casa e que lhe mostrou as publicações de Koch-Grünberg: “ele irá reconhecer o
seu mérito no número 4 e me solicitou listar todas as suas publicações, o que farei com o
maior prazer”.
Em 11/5/1907, Aranha procurou Huebner novamente e, juntos, acordaram o seguinte:
“o melhor será que ele publique no próximo número minha tradução de sua carta, com
pedidos de desculpas e alguns esclarecimentos”. Na edição de no. 5, de 23/7/1907, na matéria
“As explorações e os exploradores dos Rios Uaupés e Içana”, Aranha se redimiu:
A carta do illustrado Dr. Th.Koch Grunberg e a Revista “Archivo do Amazonas
Da carta do illustrado Sr. Dr. Koch-grunberg, explorador emerito do rio Uaupés,
datada de Berlim em 8 de Abril do corrente anno, cuja (sic) traduzi uma parte, que
publicarei in-fine destas linhas, deprehende-se que a “Revista Archivo do
Amazonas” mereceu a sua attenção e leitura, e orientou-o na parte historica dos
Uaupés e Icana, que lhe era desconhecida, fornecendo-lhe cabedal, quanto ao tempo
dos Missionarios, sobre os quaes ainda tenho muito a escrever, que lhe aproveitará
bastante no seu novo livro, que breve publicará referente ás mesmas explorações.
E continua:
Confesso que involuntariamente fui injusto, omittindo do numero dos exploradores
do Uaupés e Içana não o nome do Sr. Koch, mas tambem do sabio Dr. Johann
Natterer, cujas observações e estudos conscienciosos e criteriosos dos dois rios
primam, sobre tudo quanto á sua topographia e etnographia.
Volvendo ao illustre Sr. Dr. Koch me é licito declarar, que deixei de incluil-o na
lista dos exploradores dos dous rios por inqualificavel distracção minha, por quanto
na ocasião em que me occupava do assumpto tinha presente, sobre a minha banca de
trabalho, offerecido pelo Sr. Huebner, o itinerario de suas viagens (Reisewege der
expedition Koch am oberen Rio Negro und Yapura in den Jahren 1903-1905).
E transcreve, ainda, a sua tradução da carta que Koch-Grünberg enviara a Huebner:
498
trad. nossa
225
Berlim, 8 de abril de 1907
Pela remessa dos 3 numeros do Archivo do Amazonas V. me causou não somente
um grande prazer, senão também um grande serviço, em consequencia de ser-me
completamente desconhecida a historia do Uaupés e Icana, pelo menos quanto ao
tempo dos missionarios, da qual historia fiquei orientado para a minha obra.
Antecipando os meus agradecimentos, espero a remessa dos numeros seguintes.
O Snr. Bento Aranha não mencionou-me na lista dos exploradores dos Uaupés e
Icana, entretanto estive nessas paragens dous annos atravessando ellas em todas as
direcções chegando a conhecer como ninguem os seus Indios.
Achei um pouco injusto a meu respeito.
Ser-me-ia muito agradavel, até supplico-lhe, caro amigo, que o instrua sobre as
minhas viagens e itinerarios, o melhor que puder, e para facilitar-lhe junto a esta
uma carta geographica daquelles rios.
Essa edição foi enviada a Koch-Grünberg com o seguinte comentário de Huebner:
Nessa remessa postal envio-lhe novamente um mero do Archivo do Amazonas
que deverá lhe interessar muito, uma vez que traz a reprodução da carta que o Sr. me
enviou. É claro que Bento Aranha modificou algo de minha tradução e até incluiu
palavras suas, mas nada disso importa, pois não lhe compromete. De maneira geral,
acho que o artigo ficou muito bom. Ele o leu para mim com altivez e eu, claro, achei
tudo ótimo!
499
Quatro anos depois, Koch-Grünberg o encontrou pessoalmente na casa de Huebner e
comentou em seu diário:
à tarde conheci o bibliotecário Bento Figueiredo Aranha, um velhote que ficou todo
prosa e muito afável quando eu lhe mostrei uma citação do seu “Archivo” no meu
[artigo] “Línguas Aruaque”
500
.
A parceria entre eles se transformara em cumplicidade, que transparecia nas suas
cartas. É importante, no entanto, lembrar que Huebner não tivera qualquer formação superior.
Era de se esperar que um homem das ciências, para ser reconhecido como tal, tivesse uma
experiência acadêmica. Não foi este o caso de Huebner. A confiança que ele conquistou não
de Koch-Grünberg como também de outros cientistas e instituições, principalmente após
499
12/8/1907, trad. nossa
500
12/6/1911, trad. nossa
226
abandonar o negócio fotográfico, se deve aos seus próprios méritos, como profissional
dedicado não apenas à sua atividade-fim, mas também como investigador meticuloso e
sempre em busca do desconhecido
501
. Acrescenta-se, ainda, a postura que compartilhavam em
sua preocupação com a rápida extinção dos índios.
Apesar de jamais terem colaborado diretamente em projetos fotográficos conjuntos,
foi Huebner quem, em diversas ocasiões, mediou a atividade fotográfica de Koch-Grünberg.
Com sua experiência de muitos anos de fotografia em ambientes tropicais, sob altas
temperatura e umidade
502
, ele aconselhou a Koch-Grünbeg quanto aos materiais, produtos e
equipamentos que melhor suportariam essas condições extremas e, conseqüentemente,
produziriam os melhores resultados. Em, 21 de junho de 1910, em carta escrita de Dresden,
recomendou, detalhadamente, o que o etnólogo deveria levar em sua próxima viagem à
Amazônia
503
. Em outra ocasião, ele próprio forneceu o material e, mais importante, processou
no laboratório de seu estúdio centenas de fotografias do início da viagem de Koch-Grünberg
aos rios Branco e Orinoco. Fez questão de relatar detalhadamente como foi esse trabalho:
A caixa com os negativos me foi entregue em perfeito estado e imediatamente nos
lançamos o trabalho de revelá-los com todo o cuidado. [...] Os negativos, junto com
uma cópia de cada, foram enviados anteontem, no caixote original, à senhora sua
esposa pelo vapor “Rhaetia”
501
Em texto publicado no final do relato de Daniel Schoepf, Dorothée Ninck confirma essas qualidades: “O fato
de poderem confiar um no outro, em palavras ou em atos, permite que a relação entre ambos, ao longo dos anos,
se transforme em uma amizade que supera as crises e o tempo. A perenidade dos contatos tem outra razão
fundamental. Apesar das divergências ideológicas e da distância geográfica que os separa, a estima recíproca
nunca cessou, pois os dois lutavam por uma concepção da ciência na qual havia ainda o desconhecido a explorar
e o novo a descobrir” (in SCHOEPF, op. cit., p. 89).
502
O clima tropical é altamente prejudicial aos equipamentos e materiais sensíveis, que requerem cuidados e
tratos especiais. Considerando-se que cem anos atrás, tanto os materiais como os processos fotográficos eram
mais precários, tornam-se ainda mais importantes as recomendações e orientações oferecidas por Huebner a
Koch-Grünberg.
503
Koch-Grünberg, talvez, não tenha seguido à risca todos os conselhos fornecidos pelo fotógrafo. Em “Do
Roraima ao Orinoco”, ele relata que “[teve] muitos aborrecimentos com as chapas fotográficas que uma grande e
conhecida firma berlinense me forneceu. As chapas isolantes não são, nem de longe, tão resistentes quanto
deveriam ser. Embora eu proceda com o máximo cuidado, revelando fotos à noite e molhando-as no fresco
riacho da montanha, em algumas delas a camada se solta em grandes pedaços. [...] Para quem conhece os
trópicos, soa extremamente ridícula a seguinte informação, escrita em três idiomas nas caixas desse material:
‘seguro para os trópicos’” (KOCH-GRÜNBERG, 2006, p. 72).
227
[...] Agora, preciso parabenizá-lo pelas suas lindas fotos que, com raras exceções,
ficaram perfeitas. As chapas mais simples, as “Extra Rapid”, talvez tenham sido
expostas tempo demais, pois ficaram um pouco embaçadas; mas as ortocromáticas
ficaram excelentes.
[...] Nos três últimos meses, o calor aqui em Manaus estava o horrível que
temíamos que as placas não suportassem uma água tão quente. Mas, mesmo assim,
deu tudo certo, pois como lhe disse, as placas logo se endureceram no nosso fixador.
[...] Bem, desejo-lhe, então, sorte no início da grande viagem às regiões
desconhecidas! Que seus desejos se realizem e que o Sr. possa concretizar todos os
seus objetivos. Meus pensamentos o acompanham. Adeus, então, e até mais ver!
504
Em 1920, Huebner se surpreendeu ao receber uma carta do amigo que imaginara ter
falecido. Houve, então, os preparativos para a última e fatídica viagem. Eles se encontraram
mais uma vez, em 1924, antes de Koch-Grünberg se juntar à expedição de Hamilton Rice.
Durante a permanência de Koch-Grünberg no campo, Huebner escreveu uma carta para a Sra.
Koch dando notícias de seu marido. No dia 24 de outubro de 1924, enviou para ela a carta
com suas condolências e na qual relatou detalhadamente os eventos ocorridos durante a
expedição Rice que poderiam ter levado à morte do etnólogo e que ele acreditava pudesse ter
sido evitada:
Profundamente abalado pelas tristes notícias da morte de seu inesquecível marido,
meu muito estimado amigo uma notícia que até hoje ainda não consigo
compreender – me dirijo hoje à Sra. para expressar minhas profundas condolências.
Não tenho como traduzir em palavras o que sinto no meu âmago; é simplesmente
terrível e incompreensível que o destino permitisse que a morte nos arrebatasse um
de nossos melhores e mais preciosos homens. Uma revolta, no entanto, tomou conta
de mim ao me dar conta de que, nesse caso, o destino talvez tivesse sido desafiado,
pois estou convencido de que tudo poderia ter sido evitado
505
.
Nessa carta, Huebner menciona um artigo por ele escrito que gostaria que fosse
publicado em jornais na Alemanha, recomendando à Sra. Koch que o fizesse se assim
achasse conveniente e apropriado. Ali, ele descreveu resumidamente as condições da viagem
504
20/10/1911, trad. nossa
505
24/10/1924, trad. nossa
228
ao Orinoco, fazendo severas críticas à maneira pela qual essa expedição foi conduzida e ao
despreparo dos participantes, enfatizando que “avançar até as nascentes do Orinoco é para
outro tipo de pessoas, da estirpe do finado Dr. Koch”
506
. Como ele próprio já havia percorrido
essa região na década de 1890, sabia do que estava falando e se incluía nesse “tipo de
pessoas”.
Ele ainda se correspondeu algumas vezes com a Sra. Koch. Em 26/7/1925 enviou para
ela uma fotografia do marido, “possivelmente a última que existe dele” (Fig. 108). Na carta
seguinte, de 1/12/1926, ele relatou uma viagem de dois meses que realizara à região do Rio
Branco para coletar cactos para uma empresa alemã: “uma viagem extenuante que não
gostaria de ter de empreender novamente”. Ele comentou que, enquanto outrora gostara tanto
do rio Branco, após a morte do “nosso querido Dr. Koch” não lhe dava mais prazer. Visitou
duas vezes o túmulo do amigo, na ida e na volta, lamentando a triste impressão que causava o
cemitério de Vista Alegre, “perdido no campo sem sequer ter sido cercado”. Em sua última
carta, de 3/4/1928, Huebner comunicou que, com muita dificuldade, havia sido colocada
sobre o túmulo do marido a lápide trazida da Alemanha por um de seus colaboradores.
506
Huebner inicia o artigo - que não chegou a ser publicado - como um obituário: “Triste destino de um sábio
alemão. No dia 8 de outubro o conhecido etnólogo de Stuttgart, Prof. Dr. Theodor Koch-Grünberg faleceu aos 52
anos em Vista Alegre (no baixo Rio Branco) vítima da malária.” Ao final, ele termina de forma poética: “Longe
de todo o movimento mundial, o Dr. Koch descansa agora no seu pacato túmulo no ermo da savana nas bordas
do Rio Branco, sem ser esquecido pelos seus amigos e pela ciência alemã que tanto lhe tem a agradecer. Honra-
se a sua memória! Manaus, outubro de 1924.”
229
Fig. 108: George Huebner, Theodor Koch-Grünberg, 1924.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Nota-se a cuidadosa produção, característica marcante do fotógrafo: livros e documentos sobre a
mesa, iluminação e foco precisos no rosto de Koch-Grünberg que examina um exemplar da obra do
etnólogo sueco Erland Nordenskiöld sobre os indígenas da Bolívia, Peru e do atual estado de
Rondônia. Sua obra “Do Roraima ao Orinoco” foi dedicada ao colega, “amigo dos índios”.
Huebner fotografou Koch-Grünberg em suas três passagens por Manaus. Na carta de 1/11/1921, o
etnólogo agradece o recebimento de uma caixa contendo os negativos dessas fotografias,
acrescentando que “meus filhos e netos poderão constatar a aparência selvagem de seu
antepassado quando, depois de uma exaustiva viagem de dois anos, ele voltou novamente à casa de
seu querido amigo Hübner”.
230
Schoepf
507
refere-se, inúmeras vezes, a Huebner como uma pessoa sociável e “que tem
prazer em desempenhar o papel de intermediário e articulador”. Essas características,
associadas ao seu referido profissionalismo, fizeram dele um parceiro indispensável para
Koch-Grünberg. Parte do êxito e do reconhecimento do etnólogo ocorreu em função das
experiências de viagens anteriores, às mediações e contatos estabelecidos pelo fotógrafo.
Dorothée Ninck
508
resume essa relação:
Koch-Grünberg [...] não via a etnografia como uma disciplina etnográfica, mas
como uma ciência dos povos vivos e considerava-se mais como um pesquisador de
campo do que um homem de gabinete. Para ele, Huebner era a pessoa dos contatos
por excelência. Graças a Huebner, ele obtinha as últimas publicações dos institutos
locais, informações sobre as expedições estrangeiras de passagem por Belém ou por
Manaus e notícias dos amigos coisas que mantinham seu bom humor ao mesmo
tempo em que a frieza da Alemanha, tanto política quanto climática, apenas
conseguiam avivar a saudade da América Tropical.
Textos e imagens se entrelaçam na obra de Koch-Grünberg para formar o corpus
etnográfico. De forma semelhante, o corpus fotográfico-antropológico de George Huebner se
utiliza do texto - através, principalmente, das cartas trocadas com o etnólogo - para se
legitimar e se firmar como ciência. Em busca do conhecimento, seus olhares e suas
linguagens se encontraram e percorreram, também, a superfície das águas, florestas e campos
da Amazônia.
507
op.cit., p. 79
508
op.cit, p. 88
231
“[...] entre aquele rio e o Juruá ainda há cerca de 14 diferentes
tribos que, no entanto, por causa dos avanços dos caucheros e
seringueiros, logo serão aniquiladas. Ainda é tempo de visitá-las de
maneira pacífica; mais tarde será certamente impossível”.
George Huebner, 23/3/1907
3.3 Os “Indianer” de George Huebner
3.3.1 As estratégias de contato e da captura fotográfica
Ao longo de sua trajetória, a relação de Huebner com a prática fotográfica manifestou-
se de múltiplas formas. É possível identificar estratégias diversas que vão do comercial os
álbuns e os retratos de personalidades e famílias realizados no estúdio, por exemplo até o
seu interesse na produção de fotografias de indígenas, seus “Indianer”, como ele os chamava.
Trata-se aqui de procurar entender e estabelecer os mecanismos que possibilitaram a
constituição de um repertório de imagens de indivíduos e grupos indígenas tão variadas e, em
alguns casos, até inusitadas.
A evolução da fotografia de Huebner acompanhou seu próprio desenvolvimento
profissional e pessoal, com sua personalidade forte e impositiva, bem como através dos
caminhos percorridos para se tornar um homem da ciência inserido num contexto
multidisciplinar e internacional. Acrescentam-se nesse percurso, ainda, os avanços
tecnológicos na captura, no processamento e na reprodução de imagens fotográficas. Os
primeiros trabalhos, realizados em parceria com Charles Kroehle, já apontavam para olhares e
relacionamentos com o “outro” que transitavam entre o imposto, o oportuno e o negociado.
Em sua grande maioria, as fotografias realizadas no Peru refletem as dificuldades e as
precariedades do ato fotográfico naquelas condições, além da obstinação dos fotógrafos.
Schoepf indica procedimentos e rotinas de trabalho de Huebner aparentes nessa primeira
série peruana e que persistiram ao longo de toda sua carreira:
232
Huebner instaura as diretrizes de um relacionamento que inclui em uma mesma
operação o fotógrafo e o modelo, a consciência de ambos compartilhada; se não
chega a tornar-se uma intenção comum, pelo menos um envolvimento de ambos.
É no posicionamento diante da objetiva, no confronto com o retratista que tudo
acontece, se define e acaba sendo refletido na expressão e na própria plástica dos
indivíduos. O fotógrafo não gira ao redor do modelo, não procura ângulos inéditos:
mobiliza-o, envolve-o e, quando estão influenciados um pelo outro, capta a imagem
desse momento
509
.
Nesse sentido, uma presença marcante do fotógrafo que acaba se tornando visível no
retratado. O fotografado, na verdade, é também um reflexo daquele que o fotografa
510
:
a figura humana é, antes de tudo, um espelho da expressão consciente desse
relacionamento, da alquimia que se opera. Então para Huebner, a pessoa fotografada
não tem no fundo uma identidade em si
511
.
Comentando as séries peruanas, Illius ressalta, ainda, que as etnias ali documentadas tinham
as qualidades do bom-humor, do riso, da alegria e recorriam até mesmo a piadas sofisticadas.
Seus retratos, no entanto, revelam rostos sérios e contraídos e “mesmo quando um sorriso
fosse pretendido, exprimia cansaço, resignação e melancolia”
512
.
Em 1894, quando Huebner voltou novamente para a América do Sul e empreendeu sua
viagem à região do Rio Branco, seu objetivo maior era a coleta de espécimes de orquídeas
para venda na Europa. Nessa expedição ele realizou, também, cerca de 60 fotografias que,
conforme já mencionado, foram enviadas para Oscar Schneider acompanhadas de uma
listagem detalhada. Os indígenas fotografados nessa ocasião mostram-se em poses muito
diferentes daquelas observadas nas imagens peruanas. No grupo de Pauxianas (Fig. 109), é
possível identificar uma maior descontração por exemplo, um homem que sorri - e certa
cumplicidade entre o fotógrafo e os fotografados. Visivelmente, houve uma negociação bem
509
op. cit., p. 29
510
Cf. SCHERER (1992, 1996): fotografias etnográficas servem tanto para registrar e conhecer as culturas dos
fotografados como também e principalmente a do fotógrafo.
511
SCHOEPF, id.
512
op. cit., p. 125
233
sucedida, com benefícios para ambas as partes: de um lado, Huebner obteve a foto desejada,
mostrando indígenas com boa qualidade técnica e posando pacientemente (lembrando,
sempre, da grande dificuldade de se fotografar um número maior de indivíduos
principalmente, crianças); do outro, os índios foram “remunerados” com objetos e
utensílios
513
. Desse mesmo grupo de Pauxianas, Huebner também fotografou, separadamente,
homens e mulheres, simulando situações de estúdio, com a lona branca servindo como fundo.
Fig. 109: George Huebner, Pauxianas,1895. Foto no. 57 da listagem.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
No verso há uma anotação de Koch-Grünberg que reproduz a legenda da listagem: “Pauxianos.
Piauí, afluente do Mucaxahy (Rio Branco)”.
513
Em suas cartas, Huebner mencionou diversas vezes que, no contato com os indígenas, era de suma
importância levar materiais para troca. Comentando sobre uma expedição de suecos que se hospedaram em seu
sítio e para os quais ele mediou importantes informações e contatos, ele disse: “eles tinham poucos objetos para
troca com os índios, apesar de eu os ter alertado sobre a necessidade de levar o máximo possível. Não levaram,
por exemplo, machadinhas que os selvagens tanto necessitam” (7/12/1923).
234
Há, ainda, diversos retratos, como o rosto do homem Marqueritare (Fig. 110), um pouco
tremido, quase sorrindo, olhando atentamente para o fotógrafo (e, portanto, para o receptor);
já as duas meninas flagradas no meio da floresta, apesar de seu semblante sério, parecem estar
à vontade na presença do fotógrafo
514
(Fig. 111). Nessa viagem, Huebner aprimorou-se na
técnica e na prática de fotografar indígenas em situações e locações diversas. Transparece a
capacidade do fotógrafo de se aproximar e criar empatia com seus retratados
515
. Através dos
retratos desses indivíduos, somos atraídos para o desconhecido, para além da superfície da
imagem, conduzindo-nos à sua intimidade.
Ao se estabelecer definitivamente em Manaus e implantar o estúdio, Huebner
direcionou seu esforços para se firmar comercialmente e se inserir na sociedade manauara. As
fotografias de indígenas deixaram de ser um fim em si, especialmente considerando-as como
produtos destinados à venda. Tornaram-se, mais, um meio para a obtenção de outros
propósitos, entre os quais aqueles que o aproximassem da ciência européia e que pudessem
também atender à sua própria produção editorial. Nesse processo surgiram inúmeras
oportunidades, todas muito bem aproveitadas pelo fotógrafo.
514
Na listagem, as fotografias dos Marqueritare vêm acompanhadas de comentários de Huebner: as de n
os
27 a
31 (o retrato do homem é a de n
o
28) ele identifica como “semi-civilizados vivendo no rio Iguapo”; já as de n
os
33 a 37 (a fotografia das meninas é a de n
o
35) são identificadas como “vivendo no rio Padamo ainda intocados
pela cultura”. Em seu artigo na “Deutsche Rundschau”, comentando sobre esses índios, ele destaca sua
“autenticidade” e que “aqui em cima, onde acabaram os mosquitos, eles não usavam mais qualquer tipo de
vestimenta” (1897, p. 20).
515
Nesse sentido, Huebner comenta com Koch-Grünberg que uma viajante francesa, Mme. O. Coudreau, não
soube lidar com os índios e os ribeirinhos: “o que ela relata sobre os Mundurucus que não conseguira extrair
uma única palavra dessa gente demonstra que ela não possui o trato necessário para lidar com esse povo
simples. Para isso é preciso um talento especial e, principalmente, muita paciência, o que ela certamente não
teve” (25/10/1915, trad. nossa).
235
Fig. 110: George Huebner, Homem Marqueritare,1895. Foto no. 28 da listagem.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
236
Fig. 111: George Huebner, Meninas Marqueritare,1895. Foto no. 35 da listagem.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
237
Recém-chegado, Huebner vendeu para Oscar Dusendschön tiragens de suas
fotografias realizadas durante suas duas viagens anteriores. Pouco depois, ele viajou pela
calha do Juruá para fotografar os seringueiros e o processo de extração da borracha,
resultando em sua primeira série de cartões postais. Nessa expedição foram retratados,
também, alguns indígenas (Fig. 112). Tanto a venda para Dusendschön - futuro cônsul alemão
e um dos homens mais influentes na cidade - como a produção de postais foram importantes
para a legitimação de Huebner como um profissional sério, competente e empreendedor
qualidades certamente muito valorizadas junto ao exigente meio social de Manaus à época do
apogeu da borracha.
Fig. 112: George Huebner, Grupo de Bindiapás,1902?
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Nota-se aqui, mais uma vez, a descontração do grupo, que reflete a maneira pela qual Huebner
soube dialogar com seus sujeitos e induzi-los a poses “naturais”.
238
Os anos de 1903 a 1905 foram fundamentais para a trajetória de Huebner. Primeiro,
conheceu e estabeleceu parcerias duradouras com Theodor Koch-Grünberg que, como vimos,
passou a ser seu principal interlocutor em rias questões, inclusive a produção e o envio de
fotografias de indígenas. Em seguida, consolidou seu relacionamento com o governador do
Amazonas, Constantino Nery, com quem viajou à região do Rio Branco para produzir as
fotografias que iriam resultar no álbum “O Valle do Rio Branco” (Figs. 113 e 114). Também
com o governador, em 1905, viajou para o rio Jaupery onde presenciou as atrocidades
cometidas pelos seringueiros contra os índios que acabaram presos e levados para Manaus,
resultando em uma série de fotografias cujas condições foram extensamente documentadas
em cartas a Koch-Grünberg. Em 2/2/1906, ele escreveu:
As fotografias [dos índios Jauperys que estão em Manaus] já ficaram prontas
muito tempo [...] Como eu havia lhe comunicado, foi enviada ao rio Jaupery uma
expedição punitiva com 50 soldados-policiais; cerca de um mês eles voltaram
para Manaus trazendo 18 índios e uma índia prisioneiros. Imediatamente após a
chegada dessa gente que foi vestida com o uniforme de campanha dos soldados
daqui, fui com eles até o Igarapé da Cachoeira Grande para fotografá-los em grupos.
Tive de ir lá duas vezes, pois na primeira não havia ninguém que pudesse se
entender com eles; além disso, foi uma trabalheira danada tirar as roupas que lhes
vestiram: ceroulas, meias e até botas. Por volta das três da tarde partimos para a
Cachoeira debaixo da ponte que leva ao assim chamado museu
516
e, quando eu
finalmente consegui prepará-los para as fotografias, havia escurecido. Bem cedo
no dia seguinte voltamos para acompanhados por um jovem tenente que havia
acompanhado a expedição e que sabia se comunicar com eles. Aí, finalmente,
consegui tirar algumas boas fotografias, mesmo que com grande dificuldade. Como
eles logo se jogaram na água e não teve jeito de tirá-los dali, fotografei-os dentro do
igarapé. Mais tarde, com a ajuda do oficial, pude convencê-los a dançar e, com a
câmera Goerz-Anschütz
517
, consegui algumas boas imagens. Alguns dias depois,
516
Huebner mencionou a intenção de o Governador Nery construir um Museu de Etnografia e História Natural
em Manaus. Em 1905, no entanto, com a crise da borracha começando a afetar as finanças do Estado, esse e
outros projetos foram descartados. Ele produziu alguns trabalhos fotográficos para compor o acervo do Museu,
pelos quais não foi pago (16/10/1905).
517
Câmera alemã portátil de alta qualidade, com obturador de plano focal e lente anastigmática que eliminava as
distorções nas bordas, possibilitando aberturas maiores e, conseqüentemente, menores tempos de exposição.
Essas câmeras eram comercializadas com o nome de fantasia “Ango” as letras iniciais de Anschütz e Goerz
(ROSENBLUM, 1997).
239
pedi que fossem levados ao nosso ateliê para realizar as fotografias antropológicas,
todas bem sucedidas. Infelizmente, logo após nosso encontro na Cach. Gr. cortaram-
lhes os cabelos, apesar de meus enérgicos protestos. Por isso, pude realizar seus
retratos com aquela aparência modificada. Como já havia lhe dito, enfiaram os
coitados dos índios em uniformes, deixando-os com um aspecto ridículo
518
.
Dessas fotografias, só foram localizadas aquelas realizadas no igarapé (Figs. 115 e
116) e que demonstram, mais uma vez, a habilidade de Huebner em negociar com os
indígenas para obter os resultados desejados e mostrá-los de maneira mais natural possível.
Na história da fotografia etnográfica são raros os exemplos onde se vêem nativos sorrindo ou
até mesmo rindo, como nas imagens de Huebner produzidas no campo.
Sempre que indígenas vinham ou eram trazidos para Manaus, ele se esforçava para
fotografá-los. Em 1907, Macuxis e Uapixanas foram levados ao estúdio. As fotos foram
anexadas numa carta enviada para Koch-Grünberg, com o comentário de que “essas pessoas,
vindas do rio Branco, me chegaram pouco através de um amigo. Eu aproveitei a
oportunidade e os fotografei especialmente para o Sr.”
519
. Algumas dessas fotografias foram
incluídas no álbum “O Valle do Rio Branco” (Figs. 117 e 118).
518
trad. nossa
519
12/4/1907
240
Fig. 113: George Huebner, “Índios Macuxis e Uapixanas com o Tuixáua Macuxi Ildefonso”,1904.
Foto incluída no álbum “O Valle do Rio Branco”.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg (tiragem original) e Instituto Nacional de
Pesquisa da Amazônia (álbum).
Nota-se o chapéu de palha, provavelmente do fotógrafo, estrategicamente colocado no ponto central
das fotografias, marcando, fantasmaticamente, sua presença. Destaca-se nestas imagens, também, o
índio/caboclo em uniforme de soldado. Loureiro (2007, p. 88) cita que, no século XIX, indígenas
recebiam títulos e patentes com o objetivo de retirá-los da floresta e, dessa forma, inseri-los num
“processo civilizatório”. É interessante constatar que Huebner optou em publicar essa fotografia onde
os índios aparecem mais submissos, sentados e abaixo do soldado.
Fig. 114:
O mesmo
grupo,
fotogra-
fado em
outra
pose.
Acervo
Theodor
Koch-
Grünberg,
Philipps-
Universität
Marburg.
241
Fig. 115: George Huebner, Jauperys dançando,1906.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Fig. 116: George Huebner, Jauperys no Igarapé da Cachoeira Grande,1906
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Nota-se o ângulo aberto, buscando retratar os indígenas inseridos na paisagem amazônica. No lado
direito da fotografia há um homem sentado e vestido de terno. Huebner fez várias fotografias desse
grupo.
242
Fig. 117: George Huebner, menino Uapixana,1907.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Fig. 118: George Huebner, homem
Macuxi,1907.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-
Universität Marburg.
243
Somando-se à sua própria produção, ainda outro aspecto importante na relação de
Huebner com os “Indianer”: ele se preocupava em obter fotografias realizadas por terceiros e
enviá-las para a Europa, buscando atender necessidades diversas dos pesquisadores
520
. Foi
assim que ele enviou para Koch-Grünberg imagens dos Caiapó e Carajá realizadas nos rios
Tocantins e Araguaia, mencionando também que poderiam ser úteis a Kissenberth que, alguns
meses depois, realizaria uma expedição para essa mesma região, parcialmente financiada pelo
Museu de Berlim e com o objetivo de coletar informações e objetos etnográficos:
algumas dessas imagens são muito interessantes e certamente irão se somar à sua
coleção. Fico feliz de poder, dessa maneira, retribuir ao menos um pouco as muitas
gentilezas que o Sr. vem seguidamente me prestando. Peço apenas que as fotografias
sejam utilizadas apenas na sua coleção e que não sejam reproduzidas, uma vez que
as chapas originais não nos pertencem
521
.
Em 1920, ele mencionou fotografias realizadas sete anos antes na região peruana do
Putumayo pelo fotógrafo e cineasta Silvino Santos
522
. Huebner obteve algumas fotografias
520
Além de processar em seu laboratório as reproduções e tiragens das chapas de outros fotógrafos, ele se
interessou também no envio de objetos etnográficos coletados por ele ou por terceiros, algumas vezes
acompanhados também de fotografias. Referindo-se aos Jauperys, ele relatou que seria difícil obter qualquer
coisa, uma vez que “muitas pessoas estão aqui atrás disso. Mas vou dar uma olhada por e ver o que é possível
fazer” (12/3/1907). Já em 13/1/1921, ele escreveu que Miguel Pecil, conhecido de ambos, havia recolhido
flechas dos Jauperis e uma zarabatana dos índios da cabeceira do Orinoco: “Até agora o tive oportunidade de
enviar esses objetos; agora o poderei fazê-lo, já que o Sr. Curt Spranger da Casa Strassberger & Cia. viajará
amanhã no vapor português ‘São Jorge’”.
Cf., também, GONÇALVES (2001): a coleção de objetos etnográficos é uma mediação entre o visível e o
invisível, aproximando-se, nesse aspecto, da fotografia.
521
4/7/1908, trad. nossa
522
Cf. COSTA; LOBO (1987) e SOUZA (1999): Em 1890, aos 14 anos de idade e sozinho, o português Silvino
Santos chegou a Belém onde se iniciou na fotografia e pintura com Leonel Rocha. Viajou por grande parte da
região amazônica e ao Peru. Em 1910, fixou-se definitivamente em Manaus, onde montou um estúdio
fotográfico e ateliê de pintura. Em 1912, foi contratado pela empresa inglesa Peruvian Amazon Rubber
Company para realizar uma documentação dos índios do rio Putumayo. O principal acionista da empresa era
Julio Arana, acusado na época de escravizar, maltratar e até mandar matar milhares de índios. Foi, no entanto, o
próprio Arana que, em 1913, patrocinou um estágio de Santos na França para se aperfeiçoar na técnica do
cinema e, em seguida, o contratou para realizar um filme naquela região. A partir dessa experiência, ele se
tornou um dos primeiros cineastas da Amazônia, tendo realizado obras importantes, como “No Paiz das
Amazonas”, de 1922. Silvino tornou-se uma personalidade de destaque na sociedade amazonense e Huebner,
certamente, o conhecia antes de mencionar seu nome, pela primeira vez, em carta de 15/12/1920: “As chapas
pertencem a um jovem de nome Santos que foi comissionado por uma empresa cinematográfica aqui
estabelecida para captar naquele rio imagens em filme de índios”.
244
dos Uitoto e as enviou a Koch-Grünberg, observando que deveriam lhe interessar
“especialmente por causa dos bonitos ornamentos com os quais esses índios se pintam”
523
.
Na sua rede de conhecimentos e interesses pelos indígenas, manteve contato também
com o Coronel Rondon, em 1914, quando ele esteve em Manaus retornando do rio Branco
onde fora acompanhar a expedição Roosevelt
524
. Seus comentários foram críticos ao
americano e elogiosos ao brasileiro:
[...] não tivesse ele (Roosevelt) tido como acompanhante o digno e competente
Coronel Candido Rondon, não teria voltado vivo a Manaus. Esse Rondon é um
homem magnífico e certamente uma raridade entre os brasileiros. Prova de sua
honradez é que recusou todos os presentes que lhe foram oferecidos. A Associação
Comercial daqui queria dar à sua esposa um colar de brilhantes. Ele agradeceu e
declinou, dizendo que ela era uma cabocla e jamais usaria algo desse tipo
525
.
Se uma imagem que pode sintetizar as especificidades de seu processo de contato e
captura de fotografias de indígenas, seria a do jovem Bindiapá, realizada no Juruá (Fig. 119).
Recostado na árvore defronte à mata nitidamente visível ao fundo, o olhar ligeiramente
direcionado para longe, a fotografia desse rapaz ultrapassa o meramente visível, o físico. Aqui
o tema central não é a “etnia Bindiapá”: trata-se de um retrato de um indivíduo. Um bom
retrato, por sinal, pois, ao revelar algumas qualidades, como intimidade e personalidade,
possibilita imediata identificação do receptor. Resultados como este somente são possíveis
quando o fotógrafo consegue se relacionar diretamente com o seu sujeito, deixando de lado
possíveis filtros ou “interferências culturais”. Schoepf
526
define essa qualidade de Huebner
como “relacionamento conscientizado” ou “tipologia de relacionamento”, quando, em
523
15/12/1920
524
Em 13/1/1914 ele relatou que Roosevelt chegaria em fevereiro para visitar a ferrovia Madeira-Mamoré e
depois iria viajar para o Rio Branco. Ele acrescentou que lhe “ofereceram passagem de graça caso quisesse
acompanhá-los como fotógrafo, apesar de Roosevelt trazer seu próprio fotógrafo. Não sei se o farei, pois isso
tudo me parece demasiado propagandístico”.
525
22/5/1914, trad. nossa
526
op. cit., p. 29
245
algumas situações, ele deixou de lado a fotografia que privilegiava a descrição, a ilustração
ou a especificação dos tipos físicos da humanidade”.
Fig. 119: George Huebner, rapaz Bindiapá,Juruá,1902?
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
246
3.3.2 Os Indianer no estúdio
Pelo salão de pose da “Photographia Allemã” passaram inúmeros representantes da
sociedade manauara, de todas as classes. Foi ali que pessoas, com seus rostos, trajes e gestos,
foram retratados como “atores sociais”
527
. Além de lhes imortalizar, preservar sua história e
sua memória, a fotografia no estúdio lhes caracterizava socialmente conferindo-lhes
funções
528
, uma vez que a “pose faz referência à profissão, símbolo do sucesso”
529
. Em 1862,
Disdéri já ensinava que, para se fazer um bom retrato,
é preciso capturar e representar as intenções da natureza manifestadas nesse
indivíduo com as modificações ou as revelações essenciais trazidas pelos hábitos,
idéias, a vida social, pintar o tipo, o caráter, a própria alma.
[...] Compor um retrato é escolher o modo de representação apropriado ao modelo e
combinar todas essas partes
530
.
Os retratos de personalidades, de grupos e de famílias anônimas realizados por
Huebner no estúdio seguiram essa lógica que se manteve praticamente inalterada até as
primeiras cadas do século XX. Vemos, assim, o comerciante alemão Moers sentado numa
elegante cadeira, folheando uma publicação sobre uma mesa finamente trabalhada (Fig. 95).
Theodor Koch-Grünberg trabalhando à escrivaninha ou sentado numa cadeira segurando
livros de seus colegas etnólogos (Figs. 108 e 120). Um jovem casal mostra-se em ao lado
de móveis que emulam o ambiente doméstico: uma mesa coberta por uma toalha e um
aparador onde repousa um vaso de flores. Em seus retratos no estúdio, Huebner é detalhista,
preciso na técnica e no sentimento. Se houvesse uma “alma” que pudesse ser “pintada”, ele,
certamente, o faria. Ou, conforme Schoepf, mais do que seus colegas contemporâneos em
527
SAGNE, op. cit., p. 210
528
Cf. MAUAD (op. cit., p. 69): retratos são “um precioso suporte de relações sociais que, para se olhar com
precisão, há que se atentar para os detalhes: um olhar, um objeto, uma expressão, um deixar-se estar”.
529
ibid., p. 211, trad. nossa
530
“L’art de la photographie”, apud SAGNE, id., trad. nossa
247
Fig. 120: George Huebner, Theodor Koch-Grünberg, 1911
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Ele se apóia sobre dois livros de etnólogos alemães. O de cima, estrategicamente posicionado para
que se veja a ilustração do indígena, é a edição popular de “Unter den Naturvölkern Zentral-
Brasiliens”, de Karl von den Steinen, 1897. Huebner mantinha sua biblioteca atualizada com as obras
publicadas pelos cientistas alemães.
248
Manaus e Belém, ele “consegue apreender os seres e as coisas e a nossa relação com eles e
com elas, com a mesma amplitude e minúcia nos detalhes”
531
.
O estúdio fotográfico era um espaço cênico onde, através da representação, indivíduos
ou grupo se reinventavam socialmente “para se conformar aos modelos em vigor”
532
. Cabia
ao fotógrafo contratado realizar essa transformação com maestria, produzindo uma imagem
idealizada. Esse processo era voluntário, ou seja, as pessoas encomendavam seus retratos e
iam ao ateliê para serem fotografadas. Como, então, entender as fotografias de indígenas
realizadas nos estúdios em diversas regiões do mundo e, em particular, as de Huebner na
“Photographia Allemã” ou no ateliê “Fidanza?
Desde a temporada no Peru, Huebner vinha aprimorando suas estratégias e cnicas
para retratar nativos. Vale lembrar que, em Iquitos, ele e Kroehle chegaram a montar um
estúdio para atender à emergente clientela da cidade e para onde levaram também alguns
indígenas (Fig. 121). As duas fotografias identificadas
533
mostram um rapaz e uma moça da
etnia Cholo defronte ao mesmo fundo pintado; eles estão vestidos em trajes ocidentais,
porém, descalços
534
pisando sobre terra e folhas que foram espalhadas sobre o piso de madeira
do estúdio, procurando simular um ambiente natural. As imagens, no entanto, são cruas e não
revelam ainda toda sua habilidade de negociar com seus retratados, resultado que se mostraria
mais claramente nas fotografias realizadas depois, em Manaus e em Belém.
531
op. cit., p. 33
532
SAGNE, op. cit., p. 214, trad. nossa
533
Essas imagens estão no acervo do Archiv für Geographie, Leibniz-Institut für Länderkunde em Leipzig.
Ambas foram publicadas no livro de Schoepf.
534
Christiano Jr. (1832-1902) produziu uma série de fotografias no formato carte-de-visite retratando no seu
estúdio no Rio de Janeiro escravos em atividades diversas; alguns usavam terno, casaca, chapéu e guarda-chuva;
todos, porém, estavam descalços. É como se o sapato fosse o símbolo maior da incorporação definitiva de povos
exóticos na cultura ocidental: o civilizado não pisa diretamente no chão (Cf. MAUAD, 2008; VASQUEZ, 1985).
249
Fig. 121: Charles Kroehle e George Huebner, Menina de Iquitos, 1888.
Archiv für Geographie, Leibniz-Institut für Länderkunde, Leipzig.
250
Foi possível localizar e identificar com precisão duas fotografias produzidas no
estúdio de Manaus e que se destacam daquelas que ele próprio denominara de “fotos
tipológicas” (as dos Ipurinãs, Macuxis e Uapixanas mencionadas nas cartas e analisadas
anteriormente). Há, também, outras cinco realizadas no Estúdio Fidanza em Belém e que
podem ser atribuídas a Huebner (Quadro III)
535
.
QUADRO III
GEORGE HUEBNER: FOTOGRAFIAS DE INDÍGENAS EM ESTÚDIO, c. 1900-1907
536
.
ASSUNTO SUPORTE ACERVO ATELIÊ FIG.
Índios Uapixanas do rio
Branco, dois homens
Tiragem em papel;
Reprodução no álbum “O Valle
do Rio Branco”
Acervo Th. Koch-Grünberg;
Instituto Nacional de
Pesquisa da Amazônia;
Photog.
Allemã,
Manaus
124
Índios Uapixanas do rio
Branco, seis homens
Cartão Postal,
monocromático e colorizado
Acervo Elysio Belchior
Photog.
Allemã,
Manaus
125
Casal Indígena,
não identificado
Tiragem em papel
Musée d’Éthnographie de
Genève
Fidanza,
Belém
127
Índios Canelas
Tiragem em papel, montada em
cartão formato cabinet
Acervo Th. Koch-Grünberg
Fidanza,
Belém
128
Mascarados em traje
de dança Carajá
Tiragem em papel
Musée d’Éthnographie de
Genève
Fidanza,
Belém
129
Índios Carajás, dois
homens
Tiragem em papel
Musée d’Éthnographie de
Genève
Fidanza,
Belém
130
Índio não identificado
Tiragem em papel, montada em
cartão formato cabinet
Musée d’Éthnographie de
Genève
Fidanza,
Belém
-
Índios Ipurinãs
(“tipológicas”)
Tiragem em papel Acervo Th. Koch-Grünberg
Photog.
Allemã,
Manaus
107
Índios Macuxis e
Uapixanas
(“tipológicas”)
Tiragem em papel Acervo Th. Koch-Grünberg
Photog.
Allemã,
Manaus
108, 109,
119, 120
Examinemos, inicialmente, as duas fotografias dos Uapixanas. Na primeira (Fig. 122),
no formato vertical, dois jovens nos olham atentamente: um sentado sobre um banco feito de
tronco de madeira; o outro, em e segurando um arco e flechas. O cenário foi
cuidadosamente preparado com galhos, folhas secas e folhagens que dialogam com o pano de
fundo pintado simulando uma paisagem amazônica envolta em bruma e de onde se
535
Em comunicação pessoal ao autor, Schoepf aponta para o fato de que, estabelecido em Manaus, Huebner
continuou prestando serviços para Fidanza, no Amazonas e no Pará, de 1897 até a morte do italiano em 1904.
Mesmo após a compra do ateliê em 1906, ele manteve o nome do antecessor. Por isso, as fotos de indígenas no
estúdio podem ser atribuídas a ele, até mesmo porque não há registros que indiquem que Fidanza tenha
fotografado indígenas. Acrescenta-se, ainda, que algumas dessas fotos foram incorporadas ao acervo do Museu
Etnográfico de Genebra no mesmo lote das peruanas de Kroehle e Huebner.
536
Nos acervos pesquisados não foram localizadas fotografias realizadas no estúdio após 1907. Da mesma
forma, foi nesse ano, também, sua última referência nas cartas a fotografias de índios no ateliê.
251
sobressaem palmeiras de buriti e açaí. Como em todos os retratos de Huebner, a iluminação é
precisa e direcionada para realçar os rostos, corpos e adereços. Tudo está nítido; cada detalhe,
do primeiro plano até o fundo, é perfeitamente visível comprovando a excelência tanto do
fotógrafo como de seus equipamentos. Essa fotografia foi incluída no álbum “O Valle do Rio
Branco”.
Fig. 122: George
Huebner,
Uapixanas,
1900-1904.
Acervo Theodor
Koch-Grünberg,
Philipps-
Universität
Marburg.
252
A outra, horizontal, mostra seis indígenas no mesmo cenário que, no entanto, foi
ampliado para acomodar um grupo maior. Os adereços vegetais foram remanejados,
entrelaçando-se entre os indivíduos, buscando emular no estúdio a própria natureza. Talvez
antevendo uma tiragem em cartão postal também colorizado, foi dada maior ênfase a folhas
vivas, realçadas de verde na impressão final (Fig. 123).
Fig. 123: George Huebner, Indios Uapichanas, 1900-1904. Cartão postal colorizado.
Acervo Elysio Belchior, Rio de Janeiro.
253
Nota-se pelas suas feições e pela própria situação aliás, o que estariam fazendo eles
em Manaus? - que os “índios”, eram, na verdade, semi-aculturados. Aqui, diferente dos
clientes que procuravam o ateliê para serem retratados, o retrato e a pose eram impostos pelo
fotógrafo. Eles não deveriam estar ali e, muito menos, posando para o fotógrafo. Se, para o
“civilizado”, o ateliê era o “lugar onde se desempenha a representação de uma sociedade em
representação”
537
, para o indígena ali se operou o oposto, um distanciamento de sua
identidade através do deslocamento do indivíduo de seu espaço e de seu tempo. Em se
tratando de fotografias de pessoas, “o ato fotográfico pressupõe um consentimento, uma
aceitação tácita do fotografado em relação às regras do jogo da representação”
538
. Nessas
imagens, no entanto, as regras foram subvertidas e, mesmo sem o consentimento dos sujeitos
e impondo sua própria ordem. Por exemplo, no gesto dos braços cruzados, Huebner, obteve
resultados surpreendentes. Tanto que, reproduzidas em cartões postais, suas fotografias de
indígenas tiveram grande aceitação na Europa.
Imagina-se, ainda, a cena dos indígenas entrando no estúdio, em plena Avenida
Eduardo Ribeiro, centro de Manaus. Passaram, primeiro, pela sala de espera e exibição, no
térreo, com sua decoração elegante composta de sofás em veludo, vasos de plantas e inúmeras
fotografias expostas nas paredes e sobre os móveis. Subindo as escadas, foram conduzidos até
o salão de pose no andar de cima, com os equipamentos: câmeras, lentes, rebatedores,
espelhos e adereços. Configura-se aqui uma dupla alteridade: a do fotógrafo em relação aos
seus sujeitos e a destes em relação ao fotógrafo e à sua tecnologia (Fig. 124).
537
SAGNE, op. cit., p. 215, trad. nossa
538
MAUAD, op. cit., p. 87
254
Fig. 124: George Huebner, Sala de espera e exibição na “Photographia Allemã”, c. 1910
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Essa fotografia foi reproduzida num anúncio da “Photographia Allemã” veiculado na revista “Cá e Lá”,
de 24/1/1914. Na publicação uma breve nota sobre Koch-Grünberg e seu retorno da expedição a
Roraima, acompanhada de um retrato realizado por Huebner.
255
Essas alteridades manifestam-se de maneira ainda mais marcante nas fotografias
realizadas no estúdio Fidanza, talvez porque, ali, Huebner dedicou especial atenção à
produção, incluindo objetos etnográficos e conduzindo as poses e os gestos dos indígenas para
que parecessem “naturais”. Essa busca por um naturalismo excessivo acabou provocando o
efeito inverso. Na foto “Casal Indígena” (Fig. 125), por exemplo, vemos um homem
inteiramente nu, segurando um arco com uma flecha apontada para fora do quadro. Ao seu
lado, uma mulher está sentada por trás de um tronco e parcialmente coberta por palha,
deixando-lhe à mostra apenas os seios. Ela se apóia numa lança e fita o observador, atenta e
seriamente, como se ameaçando-o com sua arma e seu olhar. Ambos se adornam com cocares.
À sua frente, no chão, foram colocados utensílios diversos: remos, uma corneta e um arco
com flechas. A tela de fundo mostra uma paisagem de floresta que não é identificável como
característica da Amazônia. Trata-se aqui de uma representação alegórica, ou ainda, da
espetacularização de uma fantasia indígena
539
.
539
Em comunicação pessoal ao autor, Schoepf indica que não informações quanto à origem étnica dessas
pessoas e que elas “funcionam como modelos”. Da mesma forma, os objetos que eles seguram, posicionados no
primeiro plano, não permitem uma identificação precisa.
256
Fig. 125: George Huebner, Casal indígena, c. 1900-1905. (reprodução de Schoepf, op. cit.)
Acervo Musée d’Ethnographie de Genève (reprodução de Schoepf, op. cit.).
257
“Índios Canelas” (Fig. 126) retrata quatro jovens, dois rapazes e duas moças, também
inteiramente nus, porém cuidadosamente posicionados de forma a não expor suas genitálias.
Eles ostentam arcos e flechas, uma machadinha e um cesto. O fundo pintado mostra uma
bucólica e romântica paisagem de um jardim de inspiração européia, com flores e um banco
de pedra em meio à bruma contrastando com a aparente selvageria dos indígenas
540
. Estes, por
sua vez, tiveram sua etnia identificada por Koch-Grünberg com uma anotação no verso da
fotografia: “obviamente Canella (compare o penteado)”.
Completam a série as duas fotografias de índigenas Carajás, na qual se destaca aquela
onde dois indivíduos estão trajando elaboradas máscaras ornadas de plumas e palha utilizadas
em danças (Fig. 127)
541
. Eles estão sentados no chão do estúdio sobre o qual foi colocado um
tapete rústico. A tela de fundo é a mesma da foto do casal indígena; aqui, porém, com um
ângulo mais aberto, é possível ver uma área maior revelando que a paisagem é, na verdade,
um jardim de plantas tropicais, emoldurado por uma treliça e trepadeiras. Por trás das
máscaras, provavelmente, estavam os dois guerreiros fotografados nus e em no mesmo
cenário, empunhando arco e lança (Fig. 128). Dirigidos por Huebner, eles nos encaram, um
com a boca semiaberta, como se estivesse soltando um grito de guerra e o outro, sério e
ameaçador
542
.
540
Sobre panos de fundo, cf. SAGNE (op. cit., p. 217-228, trad. nossa): os fundos pintados conferem
profundidade e fantasia à cena, criando espaços fictícios. “A clientela do fotógrafo posa em meio a um parque,
paisagens montanhosas, defronte a cascatas, ou de paisagens tropicais [...] As lacunas e as incoerências do
cenário acentuam o caráter ficcional da representação [...] da fotografia como lugar de um imaginário”. Ele
afirma que, no início do século XX, o uso dos fundos se sistematiza e os motivos cada vez mais vaporosos e
fluidos sugerem parques românticos ou jardins floridos: “folhagens e nuvens se fundem para delinear um espaço
imaterial”. Essa foi a estética predominante nos cenários da “Photographia Allemã” e utilizada nas séries de
fotografias de indígenas ali produzidas. Cabe lembrar, novamente, que o sócio de Huebner, Libânio Amaral, era
artista e, possivelmente, possa ter realizado essas pinturas.
541
Em relação às máscaras, Schoepf comenta que se trata de “peças esplêndidas e autênticas dos índios Carajá da
região do Tocantins, ilha do Bananal” (em comunicação pessoal ao autor).
542
Sobre essa fotografia, Schoepf acrescenta que o homem da direita porta uma lança característica dos Carajá
do Tocantins, mas não é certo que eles próprios sejam dessa etnia (em comunicação pessoal ao autor).
258
Fig. 126: George Huebner, Índios Canelas, c. 1900-1905.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Nota-se no topo da fotografia a borda do pano de fundo e parte da estrutura do estúdio.
259
Fig. 127: George Huebner, Mascarados em traje de dança Carajá, c. 1900-1905.
Acervo Musée d’Ethnographie de Genève (reprodução de Schoepf, op. cit.).
260
Fig. 128: George Huebner, Carajá, c. 1900-1905.
Acervo Musée d’Ethnographie de Genève.
261
O que todas essas imagens traduzem e compartilham com outras realizadas na mesma
época e em diversas regiões do mundo é a tensão que transparece entre o fotógrafo e seus
sujeitos. Retirados de seu ambiente natural, eles foram levados para o espaço da civilização
que se configurava, por um lado, como incorporação, por outro como ameaça. Conforme
Mydin
543
, o fotógrafo operava uma espécie de “fechamento fotográfico incidental do tempo e
do espaço para que um presente etnográfico pudesse existir” e, assim, produzir uma “estrutura
do exótico” calcada na interação entre a ciência, a estética e a cultura
544
. E, para que os
consumidores pudessem receber essas imagens, era necessário que elas fossem realizadas a
partir das formas simbólicas e dos códigos visuais familiares à cultura ocidental
545
.
Se, por um lado, para realizar as fotografias do “exótico”, o ateliê precisava ser um
“lugar onde se fabricam duplos, identidades”
546
, por outro, era ali que se processavam,
também, as estreitas relações que uniam a fotografia à etnografia (em especial a alemã por seu
grande interesse na cultura material dos povos). Daí, talvez, o esmero de Huebner na
produção dessas imagens, com ênfase tanto no corpo
547
dos retratados como nos seus
utensílios. que se considerar aqui, novamente, a larga experiência por ele adquirida ao
longo de quase vinte anos viajando pela Amazônia em busca do conhecimento visual e da
compreensão das culturas nativas da região, resultando nas centenas de imagens das etnias
543
1992, p. 250, trad. nossa
544
Cf., também, EDWARDS (1996, p. 14), quando se refere ao “conhecimento controlador que se apropriava da
‘realidade’ de outras culturas, incorporando-a a uma estrutura ordenada”, como, por exemplo, a do estúdio
fotográfico. Ela acrescenta, ainda que enquanto o relacionamento fotógrafo/sujeito era, muitas vezes,
“temperado, a nível individual, por um desejo genuíno de compreensão amigável entre os povos, em termos
humanos essas intenções foram inevitavelmente confrontadas pelas dificuldades intelectuais de tal
empreendimento”.
545
Cf. PÉREZ (2001, p. 17, trad. nossa): referindo-se aos fotógrafos que atuaram no sul do Chile e
documentaram as etnias Mapuches, ela afirma que sua percepção desse estranho e selvagem mundo
“fundamentava-se no olhar de um criador, mais do que no de um etnólogo e pesquisador”. Eles construíram suas
fotografias “segundo os códigos estéticos e formais que eles operavam como artistas”, da mesma forma que
Huebner também o fizera com suas séries de indígenas no estúdio.
546
SAGNE, op. cit, p. 205
547
Frizot refere-se ao corpo “como lugar visível das diferenças”, ressaltando que “se uma estreita relação
entre a fotografia e a etnografia (o estudo do Homem pelo Homem) é também porque o corpo desvela algo e
justamente na sua nudez; é o último recurso, mas também o último obstáculo, ponto de ruptura sempre possível
na pesquisa do conhecimento, a barreira onde geralmente se fixa o olhar. É o olho fotográfico que perfura essa
tela” (op. cit., p. 171, trad. nossa).
262
peruanas e do norte brasileiro e em seus inúmeros textos publicados. Nessa trajetória, ele
acabou se tornando ao mesmo tempo “participante/nativo” e “observador”, na concepção
formulada por Baxandall
548
:
O nativo se move na esfera das normas da cultura com facilidade, tato e flexibilidade
criativa. A cultura é como a linguagem que ele aprendeu informalmente desde a
infância [...] O observador tem outra espécie de conhecimento de uma cultura.
Precisa decodificar os padrões e normas antes de poder explicitá-las, e nesse
processo perde de vista o refinamento, a flexibilidade e a sutileza desses padrões.
[...] Em compensação, o observador trabalha com um senso de perspectiva e é
justamente essa perspectiva que o separa da posição daquele que vive a cultura por
dentro.
As fotografias de indígenas de Huebner refletem o conhecimento do “nativo” e o
distanciamento do “observador”
549
. No entanto, certamente mais à vontade com seus
“Indianer” no campo, no estúdio ele precisava distanciar-se deles para obter os resultados
desejados e necessários às finalidades e intenções dessas imagens.
3.3.3 A circulação e a recepção das fotografias dos Indianer
Antes de sua primeira e extensa viagem à América do Sul (1885-1891), Huebner já
pensara numa estratégia que possibilitasse uma ampla circulação de suas fotografias, em
especial aquelas dos nativos da região. Conforme apontado anteriormente, através de Oscar
Schneider ele estabelecera os contatos necessários para esse empreendimento. Foi assim que,
ao retornar a Dresden, foi aceito como membro do “Verein für Erdkunde” onde, nos anos
548
2006, p. 162
549
Em relação à fotografia de um cacique Conibo da etnia do Ucaiali produzida na década de 1870 por Marc
Ferrez em seu estúdio no Rio de Janeiro, onde ele aparece coberto por uma indumentária e cercado de adereços
montados de peças de origens diversas, posicionado defronte a uma precária lona e em meio à “balbúrdia”
técnica do seu estúdio, VASQUEZ (1985, p. 202) afirma que ali foi adotada “uma postura de entomologista que
espeta um inseto diante de um fundo neutro para melhor examiná-lo”. Comparando-se essa fotografia àquelas
realizadas alguns anos mais tarde de indígenas da mesma região, porém in loco, por Huebner e Kroehle, notam-
se claramente as diferentes intenções de seus realizadores.
263
seguintes, proferiu conferências que eram acompanhadas de projeções de fotografias
550
. Nesse
período, publicou artigos nas revistas “Globus” e “Deutsche Rundschau für Geographie und
Statistik”, todos ilustrados com algumas fotografias de indígenas, reproduzidas através de
processos de gravura a traço (Fig. 129)
551
. Nessas revistas, com grandes tiragens e ampla
circulação, as primeiras imagens de Huebner obtiveram visibilidade e chegaram ao grande
público. Destaca-se aqui, mais uma vez, a erudição dos seus textos que, ricos em detalhes,
valorizavam-se também pelas reproduções fotográficas
552
.
Buscando ampliar e diversificar as possibilidades de distribuição de sua produção
fotográfica, Huebner desenvolveu alguns métodos que, mesmo não sendo inusitados,
apontavam para as aptidões comerciais do profissional emergente e suas intenções quanto ao
destino dessas imagens. Tanto as fotografias peruanas como as realizadas na viagem seguinte,
aos rios Branco e Orinoco, foram classificadas e agrupadas em duas listagens
(“Verzeichniss”) e enviadas para pessoas ou instituições que lhe encomendavam cópias em
papel. Foi dessa forma que Oscar Schneider, Koch-Grünberg e o Museu de Etnografia de
Berlin, por exemplo, adquiriram séries dessas fotografias. A primeira listagem,
“Photographien aus Venezuela u. Nord-Brasilien”, foi escrita a mão pelo próprio Huebner,
provavelmente logo após o retorno à Alemanha; a outra, “Verzeichniss der peruanischen
Photographien”, foi impressa posteriormente sob a forma de um folheto com quatro páginas,
550
Cf. BLUMTRITT (op. cit., p. 214): desde a década de 1880, eram produzidos na Alemanha e,
especificamente, em Dresden aparelhos para projeção de imagens em chapas de vidro transparentes. Ele cita,
entre outras, a empresa Unger & Hoffman que, além da produção dos equipamentos, mantinha, também, uma
editora que comercializava um grande volume de transparências para fins científicos e educacionais. Huebner
poderia ter atendido também a esse mercado.
551
Schoepf (op. cit., p. 22) aponta para a precariedade dessas reproduções, apesar de, nessa época, estarem
disseminadas as novas técnicas de fotogravura para impressão de fotografias.
552
Como as reproduções assemelhavam-se a desenhos, para assegurar-lhes sua devida veracidade, as legendas
mencionavam que haviam sido “realizadas a partir de fotografias tiradas por Hübner”.
264
Fig. 129: Reprodução de página da revista “Globus”, no. 7, 1893.
265
indicando que ele pretendia sua ampla distribuição (Fig. 130). O folheto era acompanhado de
um mostruário em folhas de papel fotográfico, no formato 18 cm x 13 cm, cada uma com
reprodução de seis fotografias cuja numeração correspondia à do impresso (Fig. 131)
553
.
Suas fotografias foram comercializadas e circularam também através dos álbuns
artesanais, montados por ele ou pelos compradores, como aqueles adquiridos em Manaus por
Dusendschön e que foram, posteriormente, doados por seus herdeiros ao Museu de Etnografia
de Genève (Figs. 132 e 133). Esses álbuns privilegiavam a representação do “exótico”, com
ênfase nas imagens de indígenas que habitavam lugares distantes
554
. Mydin, referindo-se ao
consumo de imagens fotográficas nessa época por indivíduos, grupos ou instituições, ressalta
que havia uma grande demanda no mercado da assim chamada “etnografia popular” para
representações “exóticas” de pessoas e paisagens em terras longínquas, especialmente
naquelas colonizadas pelos europeus. Ele acrescenta que “o ‘exótico’ era associado a uma
forma de apresentação imutável de um assunto que era percebido como não-dinâmico”,
conferindo, portanto, uma poderosa tenacidade a essa imagética
555
. Daí, o interesse pelas
fotografias de povos nativos nos meios científicos e também pelo público leigo, tanto nos
mais cultos como nas esferas populares.
553
Em 1905, após a morte de Charles Kroehle três anos antes, sua irmã Maria Kroehle correspondeu-se com o
Museu Etnográfico de Berlin e o Museu de Strassburg com a intenção de lhes vender o espólio do fotógrafo que
incluía, além de reproduções de suas fotografias, também um manuscrito do diário de viagem e uma coleção de
objetos etnográficos. As fotografias não foram comercializadas justamente porque alguns anos antes Huebner
as havia vendido ao Museu de Berlin, através de seu sistema de listagens e amostras. Em resposta à sua oferta, o
diretor do Museu, E. Seler, em 8/5/1905, respondeu que “as fotografias, eu já conheço, pois as possuo desde
alguns anos. O Sr. Hübner me vendeu, àquela época, uma série delas” (transcrição das cartas de Maria Kroehle,
no acervo do Museu Etnográfico de Berlin).
554
Schoepf (op. cit., p. 16) ressalta que esses “dois álbuns restituíam a imagem de um Peru, uma Venezuela e um
Brasil fora do comum. As fotos mostravam a Amazônia dos confins e dos altos afluentes, aquela das
comunidades indígenas, um interior com raros focos de colonização e freqüentado por seringueiros”.
555
op. cit., p. 249, trad. nossa
266
Fig. 130: Folheto com a listagem das fotografias peruanas.
Acervo Theodor Koch-Grünberg, Philipps-Universität Marburg.
Escrito a mão, abaixo do título: “13/18 cm cada peça 1.25 M, na aquisição de no mínimo 60 pçs. 1 M”.
267
Fig. 131: George Huebner, mostruário das fotografias peruanas.
Acervo Musée d’Ethnographie de Genève.
268
Fig. 132: George Huebner, álbum de fotografias peruanas, c. 1900-1905.
Acervo Musée d’Ethnographie de Genève.
Nota-se que o título e as legendas foram recortados da listagem impressa e colados nas folhas.
Fig. 133: George Huebner, álbum de fotografias da Venezuela e do Norte do Brasil, c. 1900-1905.
Acervo Musée d’Ethnographie de Genève.
269
Quando, em 1904, Huebner propôs ao Governador Constantino Nery produzir o álbum
“O Valle do Rio Branco” ele sabia que havia interesse por esse tipo de publicação, editado
como livro em tiragens maiores. Afinal, quatro anos antes, ele trabalhara para Fidanza no
bem-sucedido “Álbum de Manáos 1901-1902”, adquirindo experiência e know-how.
Conduzindo o projeto do começo ao fim, ele pôde incluir no “O Valle do Rio Branco” as
páginas com suas fotografias de indígenas realizadas no estúdio e no campo. Os 500
exemplares foram distribuídos como produto oficial do Governo do Estado do Amazonas para
um diversificado público local, nacional e internacional, além de ter sido premiado com a
medalha de ouro na Exposição Nacional do Rio de Janeiro de 1908
556
.
No campo da informação científica, suas fotografias tiveram uma recepção
privilegiada. As referidas aquisições e o envio de tiragens em papel a indivíduos e
instituições influentes somaram-se à publicação em parceria com Koch-Grünberg dos dois
artigos, legitimando Huebner e sua produção nesse restrito e exigente meio. Ambos os
trabalhos foram valorizados pela inclusão de um grande número de suas fotografias de
indígenas realizadas no campo e no estúdio. Separatas
557
desses artigos foram distribuídas no
amplo círculo de colegas do etnólogo e pelo próprio Huebner que, após receber aquelas sobre
os Macuxi e Uapixana, escreveu-lhe de volta agradecendo e informando que
foram distribuídas e muito elogiadas. De fato, elas também lhe fazem jus e o Sr.
teve a ótima idéia de escolher um papel de melhor qualidade, uma vez que o
resultado da impressão em autotipia no papel comum é bem diferente. Quanto ao
texto, o Sr. é, claro, um mestre. Não há como não se maravilhar com o seu cuidado e
a perseverança para trabalhar todo esse material
558
.
556
Em outro álbum oficial do Amazonas, “The City of Manaus and the country of the rubbertree”, produzido
para a “Columbian Exhibition - 1893” que celebrou os 400 anos da descoberta da América, também foram
incluídas fotografias de indígenas. duas fotos de indivíduos, vestidos e, portanto “civilizados”, em meio à
seqüência de imagens da atividade de extração da borracha no rio Purus. Duas outras fotografias mostram uma
jovem índia Pamary e uma maloca dos índios dessa etnia.
557
Cf. CHRISTINO (op. cit., p. 48): o intercâmbio de material publicado e/ou inédito era prática comum entre os
pesquisadores e a troca de separatas “consistia, então, em uma forma privilegiada de divulgação dos trabalhos
publicados. Não por acaso, na correspondência de Koch-Grunberg são numerosas as cartas comunicando,
solicitando ou agradecendo o envio de separatas”.
558
7/5/1908, trad. nossa
270
Esse “mercado” que Huebner procurou atender com suas imagens de “Indianer” pode
ser entendido aplicando-se o conceito de “troc” proposto por Baxandall
559
para analisar a
pintura “Retrato de Kahnweiler”, de Picasso. Inicialmente, ele estabelece que todo mercado
pressupõe “a existência de um contato entre produtores e consumidores de um bem com o
objetivo de permutá-lo”; há, geralmente, alguma competição entre produtores e consumidores
e, para eles, o mercado se configura como um “meio de comunicação não-verbal”. Ele
acrescenta, ainda, que “todo mercado pode ser definido geograficamente e pelo tipo de bem
permutado”. Ao contrário, no entanto, das relações definidas pelos economistas, onde a
recompensa do produtor é monetária, quando se trata de produtos e bens culturais, a moeda de
troca é mais abrangente e diversificada, pois ela
inclui a aprovação das pessoas e o sentimento de obter alento intelectual, aos quais
se somam, posteriormente, outros ganhos, como uma crescente confiança em si,
provocações e exasperações que renovam as energias, a possibilidade de sistematizar
novas idéias, habilidades visuais adquiridas numa prática informal, novas amizades
e mais importante ainda a afirmação de uma história pessoal ligada a uma linha
de hereditariedade artística.
Na troca de bens, mais do que o quadro em si (ou, no caso, as fotografias) e a recompensa em
dinheiro, importa a experiência proporcionada por essa transação,
a um só tempo lucrativa e prazerosa. O pintor pode preferir uma recompensa à outra,
privilegiar o sentimento de fazer parte da história da pintura, por exemplo, em vez
da aprovação ou do dinheiro. O consumidor, por sua vez, pode preferir um ou outro
tipo de gratificação. Qualquer que seja a escolha do pintor ou do consumidor, ela se
refletirá no mercado como um todo. Trata-se de um padrão de transações
principalmente de produtos intelectuais (grifo nosso).
Essa permuta intelectual, Baxandall qualifica como “troc”, conceito que considera “simples e
fluido”:
uma forma de relação em que duas classes de pessoas pertencentes à mesma cultura
são livres para fazer escolhas num processo de permuta, sendo que toda escolha
influi no universo da permuta e, por conseguinte, em todos os participantes.
559
2006, p. 88 - 90
271
As fotografias enviadas para a Europa em suportes diversos, sua publicação em artigos
científicos ou a produção de um álbum como o “O Valle do Rio Branco” não proporcionaram
para Huebner apenas ganhos financeiros. Por exemplo, após o sucesso da recepção dessa obra
na Exposição no Rio de Janeiro, Huebner comentou com Koch-Grünberg que, mesmo não
tendo ainda recebido a última parcela, “ela foi ali distribuída”
560
. Em geral, as reproduções e
tiragens de fotografias de indígenas ou de outros motivos antropológicos que distribuía a
outros não lhe traziam qualquer retorno monetário, porém lhe asseguravam outros ganhos
simbólicos e sociais, como a inserção e a credibilidade em outros campos, como o da nascente
disciplina da Etnografia
561
.
Sua produção de cartões postais com temática indígena pode também ser entendida
sob a forma de “troc”, com a ressalva, no entanto, de que sua intenção primeira, nesse caso,
visava o lucro, em especial nas séries da cidade de Manaus e da borracha, muito mais
numerosas e diversificadas. Na verdade, Huebner produziu poucos postais de índios. Foi
possível identificar nas coleções pesquisadas apenas quatro temas diferentes. A numeração,
porém, indica que deveria haver ainda um quinto. Aqueles que compõem a série em preto e
branco têm a numeração e a assinatura “G. Huebner e Amaral Photographia Allemã Manáos”,
enquanto que os colorizados são apenas identificados por seus títulos
562
(Quadro IV).
560
carta de 18/9/1908
561
Cf. BOURDIEU (1997, p. 60): nesse sentido, entende-se como “campo”, um “microcosmo social, no qual se
produzem obras culturais”, “um espaço de relações objetivas entre posições [...] e não podemos compreender o
que ocorre a não ser que situemos cada agente ou cada instituição em suas relações objetivas com todos os
outros”. Ou, ainda, cf. CHARTIER (1990, p. 52): é necessário compreender as “relações que existem, num dado
momento, entre os vários campos intelectuais” e “os laços de dependência recíproca que unem as representações
do mundo, as tecnologias e o estado de desenvolvimento dos diferentes saberes”.
562
Talvez, por isso, tenha solicitado a Koch-Grünberg permissão para utilizar algumas de suas fotografias,
conforme mencionado na carta de 10/7/1906. Permanece a dúvida, também, sobre as razões pelas quais ele não
tenha reproduzido em postais as fotografias peruanas, as da primeira viagem ao Norte do Brasil ou aquelas
realizadas no ateliê “Fidanza”.
Há, ainda, outro postal com sua foto do grupo de índios Ipurinás no Juruá, porém com a assinatura “Livraria
Internacional” e com a legenda “Amazonas - Índios Piranha”. Esse cartão foi produzido mais tarde, pois já
apresenta no verso áreas separadas para texto e endereçamento, inovação introduzida somente após 1907.
Huebner poderia ter vendido essa fotografia ou ela poderia ter sido apropriada para reprodução, lembrando que,
nessa época, as questões de direito autoral de fotografias ainda eram muito vagas.
272
QUADRO IV
GEORGE HUEBNER: CARTÕES POSTAIS COM TEMÁTICA INDÍGENA, c. 1903-1904.
TÍTULO NÚMERO FIG.
Indios Uapichanas
Rio Branco
4633 125
Rio Branco
Indio Macuchi
4635 134
Grupo de Indios
Macuchis – Rio Branco
4637 135
Rio Branco
Creanças Macuchis
4636 136
O “Índio Macuchi” (Fig. 134) nos conduz novamente ao campo do “exótico” e, nesse
aspecto, assemelha-se ao primeiro postal da série, o dos índios Uapixanas no estúdio. Com
semblante sério, ele está em sobre uma pele de onça e defronte uma mata desfocada, com
folhagens baixas e algumas árvores mais distantes; numa das mãos, segura um arco e flechas,
na outra, uma borduna ritualística
563
. Sobressaem, especialmente na tiragem colorizada, os
elaborados adornos de penas: o cocar, o manto e a tanga. Ele não nos encara: seu olhar é
desviado para a floresta, como se estivesse alerta para seus perigos e mistérios. Da mesma
forma que os índios conduzidos para o ateliê, este também foi extraído do seu habitat e
reinventado para criar uma representação do “exótico” onde a mata se transformou em um
estúdio ao ar livre
564
. É importante destacar, no entanto, o esmero com que Huebner realizou
essa imagem e as dificuldades dessa empreitada, novamente uma alegoria do universo
indígena.
563
Conforme a antropóloga Fátima Regina Nunes Nascimento (em comunicação pessoal), os adornos e adereços
utilizados pelo índio Macuxi, são “uma montagem típica do século XIX, utilizando várias peças de diferentes
origens, como o adorno de cabeça, provavelmente Kaiapó, servindo de manto; o que ele segura na mão é uma
borduna, mais próxima do modelo massa dos índios tupinambá, arredondada e achatada na ponta, ou seja, de uso
ritual.”
uma grande semelhança entre essa fotografia e um desenho inserido na folha de rosto, logo abaixo do título,
do volume III de “Von Roroima zum Orinoco”. Em comunicação pessoal, Cristina Alberts, tradutora da obra de
Koch-Grünberg, esclarece que na página VIII, sob o título “Abbildungen” (Ilustrações) está a descrição dessa
imagem: “Taulipáng in vollem Tanzschmuck und Keule (Titel)” (Taulipang em traje de dança completo e
borduna ou clava, como ela preferiu na tradução).
564
É provável que essa fotografia tenha sido realizada em Manaus, tendo a mata ao redor da cidade como
cenário. A variedade de objetos utilizados como adereços também aponta para uma fotografia urbana.
273
Fig. 134: George Huebner, “Indio Macuchi”, cartão postal, c. 1903-1904.
Coleção Joaquim Marinho, Manaus.
274
Os outros dois postais, “Grupo de Índios Macuchis” (Fig. 135) e “Creanças Macuchis”
(Fig. 136), por outro lado, no melhor estilo documental “huebneriano”, nos aproximam das
pessoas ali retratadas, despertando os sentimentos de empatia e compaixão. No primeiro,
aglomeram-se vinte indivíduos - adultos, uma única mulher, jovens e muitas crianças - em
ou sentados no chão, em frente ao fundo de mata rasteira, típica da região de Roraima. O mais
alto, posicionado exatamente no meio da foto, segura um arco e flechas, enquanto outros
ostentam alguns objetos de palha. A artificialidade da montagem dessa fotografia, retratando
um grupo de pessoas que, de outra forma, não estariam ali naquela pose típica da frontalidade
dos retratos ocidentais
565
, é, no entanto, superada por alguns gestos universais de humanidade.
Um garoto segura o braço e se esconde parcialmente por trás daquele ao seu lado (irmão,
primo, amigo?), outro põe a mão na boca; no rosto de alguns dos adultos em pé, ao fundo,
uma tentativa de um vago sorriso.
No último postal, onde vemos duas meninas e um menino, posicionados em
“escadinha”, em defronte a uma parede de uma casa de palha, os braços rentes ao corpo,
imóveis: poses de crianças em qualquer época ou lugar do mundo, universalizadas. As
cunhantãs e o curumim expressam inocência e graciosidade. No rodapé, abaixo da fotografia,
um viajante alemão escreveu em poucas palavras: “Como são os indiozinhos daqui”. Na série
de postais, que se considerar, novamente, sua grande capacidade de circulação. Aqueles
dos indígenas de Huebner, mesmo com sua reduzida variedade de apenas quatro (ou cinco)
modelos diferentes, certamente causaram impacto quando chegaram aos seus destinatários em
cidades brasileiras ou européias.
565
Cf. BOURDIEU (1990, p. 80-82, trad. nossa), referindo-se a fotografias de grupos de camponeses: “o
significado da pose adotada na fotografia pode ser compreendido em relação ao sistema simbólico na qual ele
ocorre [...] Fotografias geralmente mostram pessoas de frente, no meio do quadro, em pé, numa distância
respeitosa, imóveis e numa atitude digna. Na verdade, posar significa oferecer-se para ser capturado numa
postura que não é e não busca ser ‘natural’”.
275
A afinidade de Huebner com os índios, com essa “gente inocente que habita a
floresta”, como ele muitas vezes carinhosamente os descreveu, estava também marcada na sua
série de cartões. Pois, quando seus postais viajavam para além da Amazônia, para “Drüben”,
os índios ali estampados levavam consigo resquícios do espírito do fotógrafo alemão caboclo
que esteve lá, com seus olhos, sua câmera e seu coração como testemunho. É inegável que os
“Indianer” lhe cativaram, desde suas primeiras incursões pelas matas e rios da Amazônia. Em
seu relato de 1897 sobre a viagem ao Orinoco, publicado na “Deutsche Rundschau”, em meio
a extensas, detalhadas e, por vezes, enfadonhas descrições da paisagem física, ele se permitiu
uma poética e elogiosa digressão sobre os índios então considerados totalmente selvagens -
Marqueritare do rio Padamo:
Aqui nos deparamos, pela primeira vez, com os índios Marqueritare que jamais
haviam visto os brancos e que demonstraram muito medo quando nos aproximamos
deles. [...] Quando, no entanto, constataram que não havia motivo para ter medo,
eles se comportaram como crianças querendo tocar tudo aquilo que eles viam. [...] O
caráter destes selvagens é primoroso; a tudo que lhes pedíamos, eles nos atendiam
com zelo e a maior boa vontade. ão se pode realmente imaginar pessoas
melhores do que esses inocentes índios
566
.
566
HÜBNER, 1897, p. 55, trad. e grifo nossos
276
Fig. 135: George Huebner, “Grupo de Indios Macuchis”, cartão postal, c. 1903-1904.
Coleção Elysio Belchior, Rio de Janeiro.
277
Fig. 136: George Huebner, “Creanças Macuchis”, cartão postal, c. 1903-1904.
Coleção Joaquim Marinho, Manaus.
278
“A Amazonia é por excellencia a terra do indígena e é
também por excellencia a terra da riqueza”.
Alipio Bandeira, 1912
Considerações finais
Como no discurso proferido por Alipio Bandeira
567
quando tomava posse como diretor
no Estado do Amazonas do Serviço de Proteção aos Índios
568
, o “indígena” e a “riqueza”
foram as principais motivações que levaram George Huebner a se estabelecer em Manaus. Por
um lado, na Amazônia, ele vislumbrou a aproximação, o contato e o convívio com os povos
indígenas com o objetivo de capturá-los através de suas lentes fotográficas, fazendo em
seguida com que essas imagens tivessem ampla visibilidade e circulação, inclusive no meio
“científico’. Por outro, via provavelmente a possibilidade de se firmar socialmente e obter
ganhos comerciais com o ateliê fotográfico “Photographia Allemã” justamente no período
áureo da economia da borracha.
A prática fotográfica de Huebner, como vimos, alinhou-se às práticas científicas de
sua época. Com elas, o que se buscava, em última instância, era desvelar as origens dos seres
humanos. Nesse sentido, o evolucionismo social, propondo uma origem única e singular da
humanidade, pressupunha, também, “a unidade de um sujeito da história” e a necessidade de
se “conceituar o passado como alteridade”
569
personificada nos povos nativos que ainda
567
Alipio Bandeira (1872-1939) foi coronel do exército e atuou como naturalista, poeta, escritor e jornalista. Em
1903 o então tenente participou da ocupação militar do Acre, redigiu um diário de viagem dessa missão e vários
artigos sobre os personagens da Revolução Acreana. Participou da Comissão Rondon e, em 1905, pacificou os
Jauapery (Waimiri-Atroari), deixando um vocabulário do idioma desse povo (conforme João Americo Peret, em
comunicação pessoal ao autor).
568
O Serviço de Proteção aos Índios e Localização do Trabalhador (mais tarde, chamado apenas de SPI) foi
criado em 20 de julho de 1910 através do Decreto n.º 8.072 e inaugurado em 7 de setembro daquele ano.
Conforme TACCA (2001, p. 15), o órgão, subordinado ao Ministério da Agricultura, “já trazia a idéia de
integração das populações indígenas ao processo produtivo nacional”. Sob o comando de Rondon, positivista, o
SPI caracterizou-se pelo humanismo e aproximou-se da pesquisa científica. Sua representação no Amazonas
foi estabelecida em 16 de julho de 1911. Alipio Bandeira foi seu primeiro diretor, permanecendo no cargo até
1912. Em 24/9/1912, Huebner escreveu para Koch-Grünberg (que se encontrava em Roraima), que havia
recebido a carta do etnólogo endereçada a Bandeira, indicando que ambos o conheceram em Manaus,
provavelmente desde a missão de pacificação dos Jauaperys.
569
FARAGE, SANTILLI, 2005, p. 14
279
habitavam diversas regiões do mundo, em todos os continentes excetuando-se, claro, a Europa
ocidental. A fotografia tornou-se, portanto, ferramenta importante nesse processo.
Antropólogos e fotógrafos franceses e ingleses concentraram seus estudos e seus trabalhos nas
colônias na Ásia, África, Oceania, e parcialmente também nas Américas. Os alemães, por sua
vez, dirigiram suas pesquisas principalmente para a América do Sul, onde Theodor Koch-
Grünberg e outros praticaram uma antropologia que se construiu através da demorada
convivência com os índios, configurando-se numa “experiência etnográfica”. Baseou-se,
ainda, pelo colecionismo, visando prover as instituições européias de objetos que atestassem o
passado daqueles que os produziram, além de atender às prementes necessidades de
preservação do que se supunha prestes a desaparecer. Conforme Schwarcz
570
, “a palavra de
ordem era salvar o que mais se pudesse, uma vez que imperava a idéia de que essas culturas
se extinguiriam, estando os ‘vestígios’ mais bem preservados nos museus metropolitanos”.
Desde sua primeira viagem à América do Sul (1885-1891), quando, em parceria com
Charles Kroehle, Huebner percorreu vastas regiões do Peru, seus objetivos eram muito claros.
Ele próprio afirmara que pretendia “formar uma coleção de fotografias de regiões dos Andes e
de grupos de indígenas ainda desconhecidos”
571
, além de obter o reconhecimento dos meios
científicos
572
. Assim, foram fotografadas no campo dezenas de etnias e centenas de indígenas
ameaçados pela extinção, devido à rápida expansão da extração da borracha. E aqui o jovem
Huebner vislumbrou também possibilidades de ganhos materiais, tendo se envolvido
diretamente com essa lucrativa atividade.
Após seu retorno a Dresden, Huebner tratou de estreitar seus contatos com cientistas e
instituições científicas, publicando seus artigos em revistas de larga circulação, proferindo
570
1993, p. 69
571
HÜBNER, 1893, p. 9, trad. nossa
572
Em sua última carta a Theodor Koch-Grünberg, em 7/12/1923, ele escreveu: “É verdade que me dedico a
atividades pouco lucrativas, mas fico contente ao saber que, dentre as amostras [de orquídeas] coletadas, uma
centena de espécies eram novas, o que me permite fazer uma modesta contribuição para a ciência.
280
palestras em sociedades e institutos, além de comercializar suas fotografias para coleções. Ele
se preparava, portanto, para sua segunda expedição (1894), desta vez ao Amazonas.
Percorrendo no norte do Brasil territórios vastos e, em grande parte, ainda inexplorados, ele
viajou a serviço da Botânica, coletando orquídeas o que iria lhe assegurar a sobrevivência
após o fechamento de seu estúdio e produzindo fotografias de indígenas. Essas imagens
foram também disponibilizadas para instituições através de uma detalhada listagem, de álbuns
e de mostruários que Huebner fez circular. Mais tarde, foram enviadas para Koch-Grünberg, e
algumas foram publicadas no álbum “O Valle do Rio Branco”.
Seu retorno definitivo ao Brasil em 1897 e, alguns anos depois, a implantação de seu
estúdio “Photographia Allemã” no centro de Manaus caracterizaram o interesse de Huebner
em continuar viajando pela Amazônia a serviço da ciência e da fotografia. O ateliê foi o ponto
de partida para sua inserção na sociedade manauara, possibilitando-lhe ganhos comerciais e,
principalmente, a formação de significativo capital simbólico. Já nos seus primeiros anos de
funcionamento, ele estabeleceu e firmou duradouros contatos não com representantes do
Estado, como também com representantes das elites brasileiras e, em especial, a comunidade
alemã, cujos membros foram os principais negociantes da borracha.
No escopo da pesquisa aqui apresentada, as parcerias estabelecidas por Huebner nesse
período abriram novas possibilidades e estratégias de produção, exibição e circulação de suas
fotografias de indígenas. Suas fotografias de Indianermereceram destaque nas ilustrações
do álbum “O Valle do Rio Branco”
573
, ressaltadas por desenhos de objetos etnográficos e
paisagens amazônicas. Essa edição, bem cuidada, patrocinada pelo Estado do Amazonas e
produzida em Dresden, foi elogiada e premiada em 1908 na Exposição Nacional do Rio de
573
A inclusão no álbum de fotografias de índios Macuxis e Pauxianas, realizadas nas duas viagens que Huebner
fez à região, confere a essa publicação importância ainda maior quando se considera que essas etnias, como
também as do Jauaperys inúmeras vezes mencionadas por Huebner, vinham sendo vitimadas pela crescente
ocupação de suas terras pelos brancos. Bandeira (1919, p. 112) reforça essa questão afirmando que “são os
índios dessas tribus, repito, que trazem o seu esforço e a sua coragem ao civilizado que os explora, os despreza,
os maltrata, apezar de facilitarem ao civilizado alimentação, que este não produz, e offerecerem-lhe valor, que
também não passúe (sic).”
281
Janeiro, para onde Huebner viajou e pode receber o “reconhecimento” ao qual sempre se
referia, desde seus primeiros escritos. Ali, vislumbrou, também, a possibilidade de abrir uma
filial, expandindo seus negócios para a capital federal. Os “Indianerse destacaram, ainda, na
série de cartões postais, produzidos em grandes tiragens e alcançando um público
internacional. Finalmente, foram levados para dentro do espaço cênico do ateliê para ali serem
reconfigurados como objeto de estudo.
Destacam-se em sua trajetória a amizade e as parcerias profissionais de mais de vinte
anos com o etnólogo Theodor Koch-Grünberg. Juntos, publicaram dois artigos em revistas
científicas; cultivaram contatos que trouxeram benefícios para ambos; e, enquanto Koch-
Grünberg, de certa forma, legitimou a prática científica de Huebner, este influenciou e mediou
a fotografia do colega
574
. Da mesma forma que Koch-Grünberg, através da experiência
etnográfica, buscava estudar e conhecer os indígenas, antes que perdessem por completo suas
identidades, Huebner, também o fazia com suas fotografias. E, para ambos levarem a cabo
suas intenções, era necessário se tornarem amigos” dos indígenas, como eles próprios
atestaram em suas cartas e diários:
Estou curioso em saber que opinião o Sr. formou de meus amigos, os índios
Marqueritares. Preciso lhe dizer que, junto dos Pauxianas do rio Branco
(Mucashahy) são eles os melhores índios que conheci
575
.
Ressalta-se, ainda, a importância de Huebner no planejamento das viagens de Koch-
Grünberg, que percorreu alguns dos caminhos que o fotógrafo havia trilhado, tanto no alto
rio Negro, como nos rios Branco e Orinoco. Koch-Grünberg viajou, portanto, com
conhecimento prévio não da geografia, como também das culturas e dos problemas locais
574
É possível identificar semelhanças entre algumas fotografias de indígenas no campo realizadas por Koch-
Grünberg e as de Huebner. Notam-se, nas fotografias de Macuxis, por exemplo, o posicionamento da câmera, as
expressões e gestos dos retratados e, principalmente, a intimidade com seus sujeitos. Em 28/6/1911, Huebner
atendeu a uma solicitação de Koch-Grünberg que lhe pedira cópias de seus cartões postais de índios Macuxis:
“Infelizmente, dos cartões desejados de indígenas, tenho somente dois modelos, dos quais lhe enviarei alguns
exemplares. Das três crianças Macuxis, encontrei apenas um exemplar”.
575
Carta de 24/9/1912
282
envolvendo os indígenas e os brancos. Em carta enviada à esposa de Koch-Grünberg,
Huebner relatou que, uma vez que conhecia bem as condições do Orinoco, aconselhou o
etnógrafo a percorrer antes aquela região, e não a do Japurá, como havia previsto:
A viagem que ele se propôs a fazer é perigosa, mas se ele conseguir, lenta e
pacientemente, se aproximar dos índios que habitam a região das nascentes do
Orinoco acredito que sejam os Guahiribos [...] ele será reconhecido como um
dos mais importantes pesquisadores de sua época
576
.
Ambos dedicaram, ainda, espaços em seus escritos para comentar as atrocidades
cometidas contra os nativos, ao mesmo tempo em que se surpreendiam com algumas das
qualidades dos índios e caboclos com quem conviveram durante muitos anos. No início de
seu livro “De Roraima ao Orinoco”, descrevendo o ambiente na embarcação que o levava ao
rio Branco, Koch-Grünberg conta sobre os passageiros:
[...] em parte, funcionários públicos, em parte latifundiários, em parte lavradores
pobres do alto rio Branco; a cor de sua pele traz os matizes entre o branco e o negro.
Reina aí, coisa tão agradável nestes países, apesar de toda a cortesia, uma absoluta
irreverência para com toda e qualquer diferença social e racial. Quão benéfica seria
uma viagem dessas para muitos que, no Velho Mundo, andam por aí de nariz
empinado, tão cônscios de sua dignidade!
577
Finalmente, há de se considerar a importância da obra fotográfica de Huebner na
formação de uma representação da Amazônia e do Brasil num momento em que a jovem
República brasileira buscava se firmar como nação no cenário mundial. Nesse sentido, foram
importantes suas centenas de postais retratando a cidade de Manaus que se modernizava
avançando sobre a floresta; da mesma forma, a pioneira série que documentou
detalhadamente o processo de extração da borracha, naquela época o mais importante produto
576
Carta de 29/7/1911.
Ele escreveu comentários semelhantes em uma carta enviada cinco dias antes para o próprio Koch-Grünberg:
“me alegra muito saber que tudo está bem agora tenho certeza que o Sr. irá alcançar o seu objetivo e que seu
nome estará ao lado dos maiores pesquisadores de nosso tempo”.
577
2005, p. 30
283
da pauta de exportação do país; e, ainda, suas imagens reproduzidas em álbuns
comemorativos, livros e outros meios impressos.
Como tantos outros fotógrafos de seu tempo que se aventuraram nos ermos do planeta,
George Huebner também procurou, através de suas lentes, aproximar-se e conhecer melhor
aquela “estranha figura do saber que se chama homem”
578
.
578
FOUCAULT, 1999, p. XXII
284
Fontes e Bibliografia
1. Acervos consultados
1.1 Rio de Janeiro
Biblioteca Nacional: fotografias e álbuns de Huebner.
Coleção particular Ana Maria Daou: Álbum do Amazonas, 1901-1902.
Coleção particular Elysio de Oliveira Belchior: cartões postais.
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: fotografias e álbuns de Huebner.
Instituto Moreira Salles: fotografias de Huebner.
FIOCRUZ: fotografias de Huebner.
1.2 Manaus
Centro Cultural Povos da Amazônia: álbuns, almanaques e periódicos.
Coleção particular Joaquim Marinho: cartões postais.
Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas: fotografias e álbuns de Huebner e outros;
periódicos.
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Biblioteca de Obras Raras: álbuns de Huebner e
outros; livros originais de Koch-Grünberge outros.
Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas, Biblioteca de Obras Raras: álbuns
e almanaques de Manaus.
Museu de Imagem e do Som do Amazonas: fotos de Huebner.
1.3 Genebra, Suíça
Coleção particular Daniel Schoepf: artigos e listagens de Huebner.
Musée d’Étnographie de Genève: fotografias e álbuns de Huebner.
1.4 Basel, Suíça
Coleção particular Dorothée Ninck: transcrição das cartas de Huebner.
1.5 Marburg, Alemanha
Philipps-Marburg Universität, Institut für Vergleichende Kulturforschung –
Religionswissenschaft und Völkerkunde / Nachlass Theodor Koch-Grünberg: fotografias de
Huebner, Koch-Grünberg e outros; cartas de Huebner e Koch-Grünberg; diários de Koch-
Grünberg; documentos diversos.
1.6 Grünberg, Alemanha
Stadtmuseum Grünberg: álbum tipológico e outros documentos de Koch-Grünberg.
285
1.7 Dresden, Alemanha
Sächsische Landesbibliotek - Staats und Universitätsbibliotek Dresden: atlas tipológico de
Oscar Schneider; fotografias e cartões postais de Dresden; relatórios e anuários das
sociedades científicas Isis e Verein für Erdkunde.
Stadtarchiv Landeshaupstadt Dresden: catálogos de endereços e telefones; cartões postais
editados por O. Schleich Nachf.; anuários de escolas públicas e particulares; atas de
constituição de empresas; relatórios e anuários das sociedades científicas Isis e Verein für
Erdkunde.
Stadtmuseum Dresden – Technische Sammlung: fotografias de Huebner; fotografias de
Dresden; equipamentos fotográficos.
Technische Universität Dresden, Institut für Angewandte Photophysik - Krone-Sammlung:
acervo de Hermann Krone.
1.8 Leipzig, Alemanha
Leibniz-Institut für Länderkunde – Archiv für Geographie: Coleção Stübel - fotografias de
Huebner, Albert Frisch e outros.
2. Fontes manuscritas
Atas do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, 1917-1919
Cartas de Maria Kroehle com o diretor do Museu Etnográfico de Berlim
Cartas de George Huebner a Theodor Koch-Grünberg
Diários de Theodor Koch-Grünberg
Photographien aus Venezuela u. Nord Brasilien. Aufgenommen von G. Hübner. Zu beziehen
von Prof. Dr. O. Schneider, Blasewitz (listagem de fotografias de Huebner enviadas para
Oscar Schneider)
Verzeichniss d. Photographien der Berliner anthropologischen Gesellschaft, I, II e VIII
(listagem de fotografias no Museu Etnográfico de Berlim)
Verzeichniss der Peruanischen Photographien (listagem das fotografias peruanas de Kroehle e
Huebner)
3. Fontes impressas
ADDRESSBUCH UND GESCHÄFTSHANDBUCH DER KÖNIGLICHEN RESIDENZ
UND HAUPSTADT DRESDEN, 1871-1906.
ÁLBUM DO AMAZONAS 1901-1902. Edição F. A. Fidanza [s.l.] [s.d]
ÁLBUM DO ESTADO DO PARÁ -1908. Oito Annos do Governo (1901-1909). Paris:
Gráfica Chaponet (Jean Cussac) [s.d.]
ÁLBUM DO PARÁ EM 1899 [s.l.] [s.d]
ÁLBUM MUNICIPAL DE MANÁOS. Amazonas, Brasil, 1929.
ALBUM RIO ACRE 1906-1907
[s.l.] [s.d]
286
ALMANACH DO AMAZONAS Histórico, administrativo, commercial, estaiístico e
litterario. Organizado pelo bacharel José Feliciano Augusto d’Athayde e Arthur Cardoso de
Oliveira. Typ. do amazonas, Manáos, 1895.
ALMANACH PARA 1905. Brinde da Livraria Palais Royal, Lino Aguiar & Cia., Manáos.
ALMANAK AMAZONENSE 1912-1913. Obra editada pela empresa do Almanak-Henault,
Rio de Janeiro. Anno 1º.
ALMANAQUE BRASILEIRO GARNIER. Publicado sob a direcção de João Ribeiro, Rio de
Janeiro, 1907, Anno V.
ANNUARIO DE MANÁOS 1913-1914. Organizado por Heitor de Figueiredo. Editor e único
agente: Jorge Guidacci. Lisboa: Typographia de A Editora Limitada, 1913.
BANDEIRA, Alipio, Discurso de installação do serviço de protecção aos índios e
localisação de trabalhadores nacionaes. Manáos: Typographia da Livraria ‘Palais Royal’,
1912.
______________, Antiguidade e actualidades indígenas (catechese e proteção). Conferencia
lida pelo autor na Bibliotheca Publica da Capital Federal no dia 8 de março de 1919. Rio de
Janeiro: [s. ed.], 1919.
BRAZIL AT THE LOUISIANA PURCHASE EXPOSITION. St. Louis, 1904. St. Louis:
Myerson, 1904.
CATÁLOGO DO ESTADO DO AMAZONAS NA EXPOSIÇÃO NACIONAL DE 1908.
Organizado pela Comissão do mesmo estado em Manáos. Livraria Tipografia “Palais Royal”
de Lino Aguiar & Cia., 1908.
EINLADUNGSSCHRIFT ZU DEN ÖFFENTLICHEN PRÜFUNGEN IN DER LEHR UND
ERZIEHUNGS ANHALT FÜR KNABEN ZU FRIEDRICHSTADT-DRESDEN, 1874-1878.
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6. Periódicos
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os
1 a 5
Bolletim Allemão, n
os
1 a 13, 1916-1917
Jornal do Commercio, Manaus, n
o
104, 1/5/1904
Quo Vadis, Manaus, Anno I, n
os
2 a 25, 1902
Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n
os
2 a 24, 1908 a 1910.
Revista Cá e Lá, Manaus, 24 de janeiro de 1914
297
7. Teses de doutorado
CHRISTINO, Beatriz P., A rede de Capistrano de Abreu (1853-1927): uma na análise
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DAOU, Ana Maria, A cidade, o teatro e o “paiz das seringueiras”: práticas e representações
da sociedade amazonense na virada do século. Dois volumes, ilustrada, Tese de Doutorado,
PPGAS/UFRJ, 1998.
FRANCO, José Luiz de Andrade, Proteção à atureza e Identidade acional: 1930-1940.
Tese de Doutorado, defendida no Departamento de História da Universidade de Brasília.
Julho, 2002.
Disponível em
http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT16/gt16_hoehne.pdf
LOWNDS, Peter, In the shadow of Freire: popular educators and literacy in northeast Brazil.
Tese de doutorado, University of California, Los Angeles, 2005. Disponível em
http://www.paulofreire.org/Biblioteca/Artigos_em_PDF/tese_peter2.pdf
PENNINGTON, David Rodney, Manaus e Liverpool: uma ponte marítima centenária. Tese
de doutorado, Programa de Pós-graduação em História, Universidade de Brasília, 2001.
SEGALA, Lygia, Ensaio das luzes sobre um Brasil pitoresco: o projeto fotográfico de Victor
Frond. Tese de doutorado, PPGAS, Museu Nacional, UFRJ, Rio de Janeiro, 1998.
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