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FDV
MESTADO EM DIREITOS E GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
DANIEL ROBERTO HERTEL
TÉCNICA PROCESSUAL E TUTELA
JURISDICIONAL: A INSTRUMENTALIDADE
SUBSTANCIAL DAS FORMAS
Vitória - ES
2004
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2
FDV
MESTADO EM DIREITOS E GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
DANIEL ROBERTO HERTEL
TÉCNICA PROCESSUAL E TUTELA
JURISDICIONAL: A INSTRUMENTALIDADE
SUBSTANCIAL DAS FORMAS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
FDV, como exigência parcial para a obtenção do título
de MESTRE em Direitos e Garantias Constitucionais
Fundamentais - Área de concentração: Garantias
Constitucionais (Direito Processual), sob a orientação
do Prof. Dr. José Roberto dos Santos Bedaque.
Vitória - ES
2004
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3
DANIEL ROBERTO HERTEL
TÉCNICA PROCESSUAL E TUTELA
JURISDICIONAL: A INSTRUMENTALIDADE
SUBSTANCIAL DAS FORMAS
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________
Prof. Doutor José Roberto dos Santos Bedaque
(Orientador)
_____________________________
_____________________________
Vitória, ES, ____ de ______________ de _______.
4
Dedico esta dissertação:
Aos meus discentes, que constituem uma das
fontes de inspiração do meu contínuo
aprendizado;
À Jaqueline C. Saiter, companheira de todos os
momentos;
Aos meus pais, que, mesmo sem ter estudado o
Direito, sempre compreenderam o meu encanto
por essa Ciência;
A todos aqueles que, de qualquer forma,
contribuem para o enriquecimento da Ciência do
Direito.
5
Agradeço ao Prof. Doutor José Roberto dos
Santos Bedaque, meu orientador nesta
dissertação, pela atenção sempre dispensada e,
mormente, pelas diretrizes que me ensinou a
cultuar sobre o direito processual;
Agradeço, outrossim, aos demais integrantes da
Banca Examinadora pela gentileza em aceitar o
convite de estar participando da minha defesa.
6
"O processo sempre foi instrumental. Agora,
porém, vigorando como princípio, o
instrumentalismo se impõe de forma radicalmente
diferente do instrumentalismo clássico. O
instrumentalismo não é mais tão nominal e formal,
é instrumentalismo a serviço do material e do
substancial".
Rui Portanova, 1999.
7
RESUMO
Trata da instrumentalidade substancial das formas, isto é, da possibilidade
de aplicação do princípio da instrumentalidade das formas às condições
da ação e aos pressupostos processuais. Aborda, primeiramente, a
evolução dogmática do direito processual, destacando a fase sincrética, a
autonomista e a instrumental. Trata, em seguida, das perspectivas e das
diretrizes contemporâneas do direito processual, fazendo incursões nos
escopos da jurisdição e na relativização do binômio direito e processo.
Aborda, outrossim, os diversos conceitos doutrinários de tutela
jurisdicional, agrupando-os em classes e aduz, ainda, conceito
consentâneo às perspectivas e às diretrizes contemporâneas do direito
processual, inclinando-se pela restrição desse conceito ao plano do direito
material. Trata da técnica jurídica e, sobretudo, da técnica processual
como instrumento hábil à construção de mecanismos que conduzam à
tutela jurisdicional. Ressalta, nesse contexto, a instrumentalidade
substancial das formas como um mecanismo construído a partir da
técnica processual e apto à obtenção da tutela jurisdicional. Trata, em
seguida, exaustivamente da instrumentalidade substancial das formas,
apartando-a de outros princípios e institutos, esclarecendo, outrossim, a
sua aplicabilidade. Estuda a teoria geral das nulidades processuais,
diferenciando as nulidades de fundo e de forma, destacando a
possibilidade de aplicação do princípio da instrumentalidade das formas
àquelas espécies de nulidades. Conclui, ao final, de maneira
circunstanciada, inclinando-se pela necessidade de utilização do princípio
da instrumentalidade substancial das formas como um meio de efetivação
da tutela jurisdicional.
8
ABSTRACT
This research treats of the substantial instrumental in the ways, that is to
say, of the possibility of application of the principle of the instrumental in
the ways to the conditions of the action and to the procedural
presuppositions. This research treats, firstly, the dogmatic evolution of the
procedural right, highlighting the phase mixed, the autonomist and the
instrumental. Soon later, treats the perspectives and the contemporary
rules of the procedural right, making incursions in the objectives of the
jurisdiction and in the relativization of the binomial right and process.
Aproach, equally, the several concepts of the doctrine of the protection
jurisdictional, containing them in classes and adduces, still, concept
aligned to the perspectives and to the contemporary guidelines of the
procedural right, leaning on in the restriction from that concept to the plane
of the material right. Treats of the artificial technique and, mainly, of the
procedural technique as an experienced instrument to the construction of
mechanisms that guides to the protection jurisdicional. It highlights, in that
context, the substantial instrumental in the ways like an elaborated
mechanism the outburst of the procedural and capable technique when
obtaining the protection jurisdictional. It tries, soon later, a lot of the
substantial instrumental in the ways and separates it of other beginnings
and institutes, explaining, equally, his applicability. Treats the general
theory of the procedural nullities, differentiating the nullities of bottom and
form, highlighting the possibility of application of the principle instrumental
in the ways to those species of nullities. Conclued, at the end, highlighting
the necessity of use the principle of substantial instrumental in the ways
like a means to obtain the protection jurisdicional.
9
RESUMEN
Trata de la instrumentalidad sustancial de las maneras, es decir, de la
posibilidad de aplicación del principio de la instrumentalidad de las
maneras a las condiciones de la acción y a las presuposiciones
procesales. Aborda, primeramente, la evolución dogmática del derecho
procesal, destacando la fase sincrética, la autonomista y la instrumental.
Pronto después, trata de las perspectivas y pautas contemporáneas del
derecho procesal, haciendo incursiones en los objetivos de la jurisdicción
y en la relativización del binomio derecho y proceso. Acerca, igualmente,
los varios conceptos de la doctrina de la tutela jurisdicional,
conteniéndolos en clases y el aduce, todavía, concepto consentaneo a las
perspectivas y a las directrizes contemporáneas del derecho procesal,
apoyándose en la restricción de ese concepto al plano del derecho
material. Trata de la técnica jurídica y, sobre todo, de la técnica procesal
como un instrumento experimentado a la construcción de mecanismos
que conduzcan a la tutela jurisdicional. Destaca, en ese contexto, la
instrumentalidad sustancial de las maneras como un mecanismo
elaborado el arranque de la técnica procesal y capaz al obtener la tutela
jurisdicional. Trata, pronto después, exaustivamente de la
instrumentalidad sustancial de las maneras y lo separa de otros principios
e institutos, explicando, igualmente, la suya aplicabilidad. Estudia la teoría
general de las nulidades procesales, diferenciando las nulidades del fondo
y formulario, destacando la posibilidad de aplicación del principio de la
instrumentalidad de las maneras a esas especies de nulidades. Conclui, al
final, de manera circunstanciada, apoyándose en la necesidad del uso del
principio de la instrumentalidad sustancial de las maneras como un medio
de efetivación de la tutela jurisdicional.
10
LISTA DE SIGLAS
Ag - Agravo de instrumento
AgRg - Agravo regimental
CC - Código civil de 2002
CC/16 - Código civil de 1916
CCI - Código civil italiano
CF - Constituição Federal de 1988
CLT - Consolidação das leis trabalhistas
CPC - Código de processo civil de 1973
CPC/39 - Código de processo civil de 1939
CPP - Código de processo penal
EA - Estatuto da advocacia
LACP - Lei de ação civil pública
LAP - Lei de ação popular
LICC - Lei de introdução ao código civil
LJE - Lei dos juizados especiais estaduais
MP - Ministério Público
Resp - Recurso especial
Rext - Recurso extraordinário
RSTJ - Revista do Superior Tribunal de Justiça
RT - Revista dos Tribunais
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
11
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................. 7
ABSTRACT.............................................................................................................. 8
RESUMEN................................................................................................................
9
CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO..................................................................................
16
CAPÍTULO II - EVOLUÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO PROCESSUAL..............
21
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DO PROCESSO..............
21
2.2 FASES EVOLUTIVAS DO DIREITO PROCESSUAL........................................
25
2.3 FASE SINCRÉTICA............................................................................................
26
2.4 FASE AUTONOMISTA OU CONCEITUAL.........................................................
27
2.5 FASE INSTRUMENTALISTA..............................................................................
29
2.5.1 Instrumentalidade negativa...........................................................................
31
2.5.2 Instrumentalidade positiva............................................................................
32
2.6 PERSPECTIVAS E DIRETRIZES CONTEMPORÂNEAS..................................
34
2.6.1 Escopos da Jurisdição..................................................................................
35
2.6.1.1 Escopo jurídico..............................................................................................
35
2.6.1.2 Escopo social................................................................................................
36
2.6.1.3 Escopo político..............................................................................................
37
2.6.1.4 Análise dos escopos da Jurisdição: o escopo jurídico como síntese dos
demais.......................................................................................................................
38
2.6.2 Relativização do binômio direito x processo..............................................
40
2.6.2.1 Os dois planos do ordenamento jurídico.......................................................
41
2.6.2.2 A relação de instrumentalidade entre os dois planos...................................
42
2.6.2.3 A efetiva aproximação do processo ao direito material................................
44
2.7 A INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS NA ESTEIRA DAS
PERSPECTIVAS E DIRETRIZES CONTEMPORÂNEAS........................................
46
CAPÍTULO III - TUTELA JURISDICIONAL E TÉCNICA PROCESSUAL...............
47
3.1 TUTELA JURISDICIONAL..................................................................................
47
3.1.1 Relevância da delimitação conceitual da tutela jurisdicional para a
12
ciência processual..................................................................................................
48
3.1.2 Conceituação da tutela jurisdicional............................................................
49
3.1.2.1 Contribuição de Enrico Tullio Liebman......................................................... 49
3.1.2.2 Contribuição de José Roberto dos Santos Bedaque....................................
50
3.1.2.3 Contribuição de Cândido Rangel Dinamarco................................................
51
3.1.2.4 Contribuição de Luiz Guilherme Marinoni.....................................................
52
3.1.2.5 Contribuição de Teori Albino Zavascki..........................................................
53
3.1.2.6 Contribuição de Flávio Luiz Yarshell.............................................................
54
3.1.3 Classificação das diversas conceituações.................................................
56
3.1.4 Análise dos conceitos de tutela jurisdicional: o conceito consentâneo
às perspectivas e diretrizes contemporâneas do direito processual................
57
3.1.5 Tutela jurisdicional e a instrumentalidade substancial das formas.........
60
3.2 TÉCNICA PROCESSUAL...................................................................................
60
3.2.1 Técnica jurídica..............................................................................................
61
3.2.2 Técnica processual........................................................................................
62
3.2.2.1 Técnica de elaboração..................................................................................
63
3.2.2.2 Técnica de conhecimento.............................................................................
63
3.2.2.3 Técnica de interpretação...............................................................................
64
3.2.3 Auxílio da lógica: instrumento para raciocínio do processo.....................
65
3.3 EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL ATRAVÉS DA TÉCNICA
PROCESSUAL..........................................................................................................
66
3.3.1 Crise do Judiciário, tutela jurisdicional e técnica processual...................
67
3.3.2 A busca de soluções endoprocessuais através da técnica de
interpretação...........................................................................................................
67
3.3.3 A instrumentalidade substancial das formas como forma de efetivação
da tutela jurisdicional.............................................................................................
68
CAPÍTULO IV - INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS.............
69
4.1 TEORIA GERAL DAS NULIDADES PROCESSUAIS.........................................
70
4.1.1 Considerações iniciais: formas processuais e formalismo.......................
71
4.1.2 Sistemas que regem as nulidades............................................................... 73
4.1.3 Os planos da existência, validade e eficácia...............................................
75
4.1.4 Nulidades ou invalidades?........................................................................... 79
13
4.1.5 Espécies de nulidades...................................................................................
80
4.1.5.1 Consideração prévia: a inaplicabilidade do sistema das nulidades de
direito privado ao direito processual.........................................................................
80
4.1.5.2 Pluralidade de classificações ou sistematizações .......................................
83
4.1.5.3 Tipologia clássica das nulidades...................................................................
83
4.1.5.3.1 Inexistência................................................................................................
84
4.1.5.3.2 Nulidade absoluta......................................................................................
85
4.1.5.3.3 Nulidade relativa........................................................................................
86
4.1.5.3.4 Anulabilidade..............................................................................................
86
4.1.5.3.5 Irregularidade.............................................................................................
87
4.1.5.4 Tipologia simplificada das nulidades.............................................................
88
4.1.5.4.1 Inexistência................................................................................................
89
4.1.5.4.2 Nulidade absoluta......................................................................................
90
4.1.5.4.3 Nulidade relativa........................................................................................
91
4.1.5.4.4 Irregularidade.............................................................................................
91
4.1.5.5 Análise das tipologias das nulidades............................................................
91
4.1.6 As nulidades de forma e de fundo (substância).........................................
93
4.1.6.1 Conteúdo da classificação............................................................................
93
4.1.6.2 Relevância da distinção................................................................................
94
4.1.7 Princípios que regem as nulidades..............................................................
94
4.1.7.1 Legalidade e liberdade das formas...............................................................
95
4.1.7.2 Economia processual....................................................................................
96
4.1.7.3 Interesse....................................................................................................... 97
4.1.7.4 Preclusão......................................................................................................
98
4.1.7.5 Causalidade..................................................................................................
98
4.1.8 Princípio magno: a instrumentalidade das formas.....................................
100
4.1.8.1 Conteúdo.......................................................................................................
101
4.1.8.2 Previsão legal................................................................................................
102
4.1.8.3 Elevada carga axiológica e principiológica (princípio dos princípios)...........
103
4.1.8.4 Consideração proclamada no IX Congresso Mundial de Direito
Processual................................................................................................................
104
4.1.8.5 Aplicação do princípio da instrumentalidade das formas..............................
105
4.1.8.6 A limitação injustificável da sua aplicação às nulidades não cominadas
14
(nulidades relativas e anulabilidades).......................................................................
106
4.2 REPENSANDO O PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS.....
109
4.2.1 Justificativas.................................................................................................. 109
4.2.1.1 Solução endoprocessual para a efetivação da tutela jurisdicional................
109
4.2.1.2 Redimensionamento consentâneo com as diretrizes e perspectivas
contemporâneas do direito processual.....................................................................
110
4.2.1.3 Maximização do sentido e alcance das regras que relativizam as
nulidades processuais...............................................................................................
111
4.2.1.4 Forma de operacionalização do processo sem antepô-lo à justiça............. 113
4.2.2 A instrumentalidade substancial das formas..............................................
113
4.3 CONTEÚDO DA INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS.......
114
4.3.1 Conteúdo stricto sensu da instrumentalidade substancial das formas...
114
4.3.1.1 Horizontalização do princípio da instrumentalidade das formas...................
114
4.3.1.2 Advertência: permanência no sistema processual das condições da ação
e dos pressupostos processuais...............................................................................
117
4.3.1.3 A relevância do binômio prejuízo x finalidade...............................................
117
4.3.1.4 O prejuízo no plano processual (violação do contraditório) e no plano
material.....................................................................................................................
120
4.3.2 Instrumentalidade substancial das formas e instrumentalidade das
formas......................................................................................................................
122
4.3.3 Instrumentalidade substancial das formas e instrumentalidade do
processo..................................................................................................................
122
4.3.4 Instrumentalidade das formas e instrumentalidade do processo.............
123
4.4 APLICAÇÃO DA INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS.......
123
4.4.1 Advertência prévia: impossibilidade de generalização da sua
aplicação..................................................................................................................
124
4.4.2 Hipóteses de aplicação.................................................................................
125
4.4.2.1 Em relação aos pressupostos processuais...................................................
125
4.4.2.1.1 Petição inicial apta.....................................................................................
126
4.4.2.1.2 Citação válida.............................................................................................
129
4.4.2.1.3 Capacidade processual..............................................................................
132
4.4.2.1.4 Capacidade postulatória............................................................................
135
4.4.2.1.5 Competência.............................................................................................
138
15
4.4.2.1.6 Inexistência de litispendência e de coisa julgada
......................................
140
4.4.2.2 Em relação às condições da ação................................................................
142
4.4.2.2.1 Legitimidade ad causam............................................................................
143
4.4.2.2.2 Interesse de agir........................................................................................
148
4.4.2.2.3 Possibilidade jurídica do pedido.................................................................
151
4.5 INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS E O DEVIDO
PROCESSO LEGAL.................................................................................................
155
4.5.1 Devido processo legal como expressão do formalismo............................
155
4.5.2 A aparente incompatibilidade entre o princípio do devido processo
legal e o da instrumentalidade substancial das formas......................................
156
CAPÍTULO V - CONCLUSÃO..................................................................................
158
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 165
16
1 INTRODUÇÃO
Nos primórdios da civilização, quando o Estado ainda não estava consolidado, os
conflitos entre os particulares eram resolvidos por eles próprios. A inexistência de
um ente soberano, detentor do poder, culminou no regime da autotutela ou da justiça
privada, quando as próprias pessoas resolviam entre si os seus conflitos de
interesses.
Esse regime caracterizou-se pela imposição da decisão de uma das partes à outra,
ou seja, pela imposição da decisão do mais forte ao mais fraco. Caracterizou-se,
outrossim, pela inexistência de juiz distinto das partes envolvidas no conflito, que
pudesse alvitrar uma solução imparcial. Os males do sistema eram evidentes, que
nem sempre aquele que estava em situação regular tinha o seu direito tutelado.
Em dado momento da história, contudo, e com o Estado suficientemente
fortalecido, esse ente, prevendo que a sua própria existência condicionava-se à
solução de conflitos, avocou para si a atribuição de solucioná-los. Monopolizou-se,
então, a composição dos conflitos num ente soberano, passando o órgão estatal a
prestar, com exclusividade, uma atividade de solução dos conflitos, denominada de
jurisdicional.
Para prestar essa atividade, o Estado desenvolveu um instrumento, o qual se
convencionou denominar processo
1
. Tal instrumento seria deflagrado, ou seja,
inaugurado, através de um outro mecanismo - a ação. É bastante nítida a inter-
relação desses elementos - jurisdição, ação e processo
2
: a jurisdição é provocada
pela ação e, uma vez deslocada de sua inércia, desenvolve-se através do processo.
1
Note-se que o surgimento do processo está intimamente relacionado à necessidade de criação de
um instrumento para a prestação da atividade de composição de conflitos. A sua finalidade
teleológica é demasiado evidente.
2
Registre-se que as bases do direito processual estão edificadas sobre os três institutos citados:
jurisdição, ação e processo. A esse conjunto de conceitos, a doutrina denominou "trilogia estrutural do
direito processual". Essa é a orientação de PODETTI, J. Ramiro. Teoría y tecnica del proceso civil
y trilogía estructural de la ciencia del proceso civil. Buenos Aires: Ediar, 1963. p. 334 et seq. No
Brasil, orientação no sentido de que os institutos fundamentais do processo são quatro: jurisdição,
ação, processo e defesa. Nesse sentido é a orientação de DINAMARCO, Cândido Rangel.
Fundamentos do processo civil moderno. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001b. t. 1. p.
17
A finalidade para a qual esses institutos foram concebidos relaciona-se intimamente
à necessidade de composição dos conflitos entre os particulares ou entre os
particulares e o Estado. Nem sempre, porém, esse desiderato é atingido. Uma vez
não preenchidas as condições para o regular exercício do direito de ação ou mesmo
não preenchidos os pressupostos de existência e validade do processo, por
exemplo, o Estado-juiz deixará de solucionar o mérito do conflito levado à sua
apreciação.
Nota-se, nesse particular, que certos aspectos formais da atividade jurisdicional
poderão sobrepor-se à efetiva resolução do conflito, ou seja, à solução do mérito
com a respectiva aplicação do direito material. Assim, a finalidade para a qual
aqueles institutos foram idealizados, nesse caso, não será lograda. A lide
3
não será
solucionada, e o conflito permanecerá existindo, sem que tenha sido prestada a
tutela jurisdicional
4
. Desponta, aqui, a necessidade de efetiva aproximação do direito
processual ao material
5
.
No direito processual civil brasileiro existe uma norma de grande relevo, intitulada de
princípio da instrumentalidade da formas
6
. Tal princípio apregoa que se um ato
111. Essa mesma orientação pode ser encontrada na obra de MARCATO, Antonio Carlos.
Procedimentos especiais. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 17-33.
3
Lide é o "conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida". Essa é a orientação de
CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil. Tradução de Adrián Sotero de Witt
Batista. Campinas: Servanda, 1999. v. 1. p. 78. A alocação do conceito de lide como pretensão
resistida deduzida em juízo não é de Carnelutti, mas sim de Liebman. Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio.
Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976. p. 121. No
mesmo sentido: Cf. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 2. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 1. p. 30-31.
4
O tema da tutela jurisdicional será analisado no capítulo III desta dissertação. Por ora, adiante-se
que, havendo extinção do processo sem apreciação do mérito, não terá sido prestada a tutela
jurisdicional.
5
A efetividade do direito passa, dentre outros aspectos, pela idéia de aproximação do direito
processual ao material. Nesse sentido: "[...] Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva
de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida
em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que se constitua em instrumento eficiente de
realização do direito material" (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente
efetivo. Revista de processo, São Paulo, ano 27, n. 105, p. 181, 2002).
6
O princípio da instrumentalidade das formas esprevisto no art. 244 do CPC, que reza o seguinte:
"Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o
ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade".
18
atingiu o seu fim, ainda que não seja observada a forma que fora prescrita na lei, o
magistrado deverá considerá-lo como válido. Esse princípio está em perfeita
consonância com a finalidade para a qual foi concebida a atividade jurisdicional. A
sua aplicação, contudo, tem sido circunscrita estritamente à esfera de certas
categorias de nulidades processuais (as de forma - sobretudo, as nulidades relativas
e as anulabilidades). Essa limitação, como se demonstrará, é injustificável.
O que se pretende nesta dissertação, então, é defender a possibilidade de extensão
da aplicação do princípio da instrumentalidade das formas às condições da ação e
aos pressupostos processuais (nulidades de fundo). Como dito, não por que se
limitar a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas apenas ao campo
das nulidades de forma dos atos processuais.
necessidade, portanto, de horizontalizar, isto é, de maximizar a extensão do
princípio da instrumentalidade das formas: a instrumentalidade não deve ser
meramente formal, mas sim substancial
7
. Tal perspectiva, inclusive, como se verá,
coaduna-se com a evolução do direito processual, assim como com as suas
diretrizes contemporâneas, aproximando o direito processual ao material.
Para envidar tal desiderato, num primeiro momento, fez-se necessário adentrar no
estudo da evolução dogmática do direito processual. Na verdade, o estudo das fases
que trespassou o direito processual permite compreender, com segurança, as
perspectivas e diretrizes contemporâneas do direito processual
8
. Ressaltaram-se,
nesse particular, os escopos da Jurisdição, assim como a necessidade de
relativização do binômio direito x processo.
7
O termo "instrumentalidade substancial" vem sendo empregado por alguns autores. Cf.
PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado editora,
1999. p. 49; WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1987. p. 16; GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual (de acordo com
a Constituição de 1988). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 178; BEDAQUE, José
Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 2001a. p. 50; MESQUITA, Eduardo Melo de. As tutelas cautelar e antecipada.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 22.
8
Importantes diretrizes para o direito processual foram delineadas a partir da fase instrumental. É
relevante, pois, que todos os princípios e institutos processuais sejam repensados a partir da
perspectiva instrumentalista, adaptando-se a técnica desenvolvida a essa nova diretriz. Cf.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Nulidade processual e instrumentalidade do processo. Revista
de processo, São Paulo, ano 15, n. 60, p. 31-39, 1990.
19
Num segundo momento, o estudo da tutela jurisdicional e da técnica processual foi
realizado. As tendências contemporâneas do direito processual implicam na
necessidade de se delimitar o conceito de tutela jurisdicional em qualquer estudo
profuso que seja feito sobre o direito processual. Com efeito, sendo a tutela
jurisdicional um fim, é imprescindível bem compreendê-la e delimitá-la para que não
se enverede por sendas que atingirão fins não esperados.
Uma vez compreendida a essência da tutela jurisdicional, há necessidade de
compreender-se a técnica que permitirá atingir aquele fim. O estudo da técnica
processual, nesse particular, demonstrou-se como imprescindível. Na verdade, a
relação é de meio e fim: a tutela jurisdicional é o fim, que poderá ser alcançado
através de um meio - a técnica processual.
A partir do estudo da técnica processual, é possível perceber que algumas soluções
endoprocessuais
9
podem ser buscadas para alcançar-se a tutela jurisdicional. Nesse
contexto, desponta a possibilidade de redimensionamento do conteúdo do princípio
da instrumentalidade das formas. Eis o objeto do capítulo seguinte: construir a
instrumentalidade substancial das formas a partir de uma extensão do conteúdo
clássico do princípio da instrumentalidade das formas, de modo a aplicá-lo aos
pressupostos processuais e às condições da ação.
Destacou-se, então, nesse capítulo, algumas considerações sobre a teoria geral das
nulidades processuais. Concedeu-se, contudo, especial enfoque para o princípio da
instrumentalidade das formas, analisando-se a sua elevada carga axiológica no
direito processual. Em seguida, foi realizado um estudo sobre a necessidade de ser
repensado o princípio da instrumentalidade das formas, culminando-se na
construção de um outro princípio: o da instrumentalidade substancial das formas.
9
Refiro-me a uma solução endoprocessual, pois prescinde de reforma legislativa para sua efetivação.
Na verdade, algumas soluções para os problemas da efetividade do processo podem ser encontradas
dentro do próprio sistema, necessitando-se apenas de mudança na mentalidade dos operadores do
direito. Ressalte-se, inclusive, que um dos mitos do direito processual constitui-se na crença de que a
duração excessiva dos feitos decorre exclusivamente da legislação processual. Nesse sentido:
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns mitos. In:______. Temas de direito
processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 4. Registre-se, contudo, a existência de
orientação em sentido contrário: DIAS, Francisco Barros. A busca da efetividade do processo.
Revista de processo, São Paulo, ano 25, n. 97, p. 213-225, 2000.
20
O conteúdo do princípio da instrumentalidade substancial das formas, então, foi
aduzido, assim como a sua aplicação pragmática aos pressupostos processuais e às
condições da ação. Não se olvidou, outrossim, de proceder à diferenciação entre
instrumentalidade das formas, instrumentalidade substancial das formas e
instrumentalidade do processo.
Ainda, uma breve incursão em relação ao princípio do devido processo legal foi
realizada, tendo em vista que o redimensionamento da instrumentalidade das formas
pode aparentemente violar o precitado postulado. O devido processo legal, assim,
foi apresentado na sua exata dimensão, a fim de se evitar qualquer compreensão
em sentido diverso.
Ao final, esboçou-se conclusão de maneira circunstanciada sobre todo o exposto,
enfatizando-se a necessidade de aplicação da instrumentalidade substancial das
formas como um dos meios aptos a propiciar a tutela jurisdicional. Desde já,
ressalte-se o despropósito em esgotar, exaurir o assunto, o que seria demasiado
pretensioso para os limites desta dissertação.
21
2 EVOLUÇÃO DOGMÁTICA DO DIREITO PROCESSUAL
O direito processual sofreu, ao longo da história, profusas modificações. A clareza
da finalidade do processo - tão ostensiva, para alguns, nos dias atuais - foi resultado
de muitos anos de evolução. Na verdade, a dogmática processual migrou de um
critério eminentemente epistemológico para um critério de base utilitarista e
teleológico. E a importância dessa evolução é notória
10
.
Com efeito, o conhecimento das fases pelas quais o direito processual trespassou
permite ao operador do direito apreender a exata dimensão e finalidade do processo
nos dias atuais. E é a partir dessa evolução, isto é, da consciência dessas alterações
pelas quais o direito processual passou, que o processualista poderá redimensionar
certos institutos processuais, adequando-os à sua realidade. Nesse sentido,
inclusive, pode-se aduzir o seguinte:
Pela soma de informações que fornece à mais exata inteligência das instituições
processuais, faz-se utilíssimo o estudo da sua evolução histórica. Essa a razão deste
capítulo, que mais extenso e profundo mais proveitoso seria
11
.
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DO PROCESSO
Nem sempre a jurisdição apresentou-se como hoje ela é conhecida e apreendida.
Longa foi a sua evolução, migrando-se de um regime no qual preponderava a
autodefesa para o do monopólio estatal de solução dos conflitos. Nos primórdios da
civilização, os conflitos que surgiam entre as pessoas não eram solucionados pelo
Estado. Na verdade, nem mesmo Estado existia, a despeito de já existir o direito.
10
Destaque-se, inclusive, que a teoria do processo, como valor cultural, não pode escapar à idéia do
histórico. Os valores se expressam através de formas que se inserem dentro da consciência das
épocas. Nesse sentido é a lição de MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4.
ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 20-21.
11
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 20. ed. rev. atual. e ampl.
por Aricê Moacyr Amaral Santos. São Paulo: Saraiva,1998. v. 1. p. 37.
22
Nesse período, a solução dos conflitos era feita pelas próprias pessoas envolvidas
no estorvo, vez que inexistia um ente soberano, com poder para ditar a solução. A
solução para os conflitos de interesses, então, era adotada entre as próprias
pessoas envolvidas no conflito, o que nem sempre era feito num regime civilizado.
Com a formação do Estado, no entanto, este se apercebeu da necessidade de
avocar para si o monopólio da solução dos conflitos de interesses. Na verdade, a
própria existência do Estado estava condicionada à solução desses conflitos, vez
que estes poderiam, de fato, culminar até mesmo na própria destruição daquele.
Os relatos históricos, assim, demonstram que nem sempre o Estado exerceu o
domínio sobre o poder de dizer o direito no caso concreto. Ao contrário, no período
primitivo, a organização social limitava-se a estabelecer os direitos e as obrigações
dos indivíduos nos grupos sociais, sem a existência de uma estrutura organizada
apta a garantir a aplicação efetiva das normas.
Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente
forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da
vontade dos particulares: por isso, não inexistia um órgão estatal que, com
soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, ainda como não havia
sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares)
12
.
O regime então instituído era o da autotutela
13
. Não se assegurava a justiça, mas
sim um sistema aleatório e precário, no qual preponderava o interesse do mais
astuto ou forte. Esse regime caracterizou-se por dois fatores fundamentais: a
ausência de juiz distinto das partes e a imposição da decisão por uma das partes à
outra
14
.
12
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 21.
13
"No emprego da própria força dos litigantes se descobre outro meio de composição ou prevenção
da lide. Trata-se da autodefesa ou autotutela (tutela, tudo o que defende ou protege; de tueri, olhar,
ameaçar; logo, defender com força), através da qual um dos contendores subjuga o outro, para
satisfazer sua pretensão. Do uso das mãos ao tacape, da ameaça a toda sorte de atos de brutalidade
física ou psíquica, o homem sempre se valeu da sua força para alcançar seus propósitos O emprego
da força bruta, comum nos grupos primitivos, foi-se metamorfoseando, sofisticando, requintando,
através dos tempos, e, se ainda o abandonado de todo, como revela a observação do panorama
social, o homem se prevalece de métodos menos ostensivos mas igualmente eficazes para alcançar
os bens do mundo" (BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1996. p. 15.).
14
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO; loc. cit.
23
Nesse período, cada indivíduo que se achasse detentor de um direito tinha
legitimidade para exercer a justiça contra o seu devedor. Na realidade, a "justiça
privada" ou "autotutela" apenas servia como instrumento de vingança, com a qual o
mais forte sempre impunha a sua vontade contra o mais fraco e, conseqüentemente,
saía vencedor do conflito
15
.
Aos poucos, contudo, os indivíduos foram se apercebendo dos males desse sistema.
Como ressalta Calamandrei
16
, foi fácil compreender que "o emprego da força privada
como meio de defesa do direito constitui a negação de todo direito ou convivência
social pacífica". A partir dessa compreensão, começou-se a preferir não mais
soluções parciais, mas sim soluções amigáveis e imparciais prolatadas por árbitros.
No geral, essa tarefa era cometida a sacerdotes ou anciões do grupo social no qual
estavam inseridos os contendores. As decisões dos árbitros pautavam-se no
consenso da coletividade, ou seja, nos costumes.
O sistema evoluiu de uma arbitragem inicialmente facultativa, na qual as partes
escolhiam o árbitro para solucionar o litígio, para uma arbitragem obrigatória, com a
nomeação do árbitro pelo próprio Estado. Aos poucos foram surgindo regras
próprias para solução dos conflitos, desenvolvendo-se a atividade legiferante do
Estado
17
.
À medida que o Estado foi se consolidando e se afirmando, gradativamente foi ele
também absorvendo as soluções dos conflitos entre os particulares. O sistema da
justiça privada, então, evoluiu para o sistema da justiça pública. O Estado, uma vez
suficientemente fortalecido, pôde impor aos seus súditos, independentemente da
15
BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento.
São Paulo: Manole, 2003. p. 45.
16
CALAMANDREI, Piero. Instituições de direito processual civil. Tradução de Douglas Dias
Ferreira. 2. ed. Campinas: Bookseller editora e distribuidora, 2003. v. 1. p. 189.
17
Na verdade, como lembra Edson Prata, "somente com o surgimento da idéia de Estado, ainda que
organizado timidamente, em relação ao que hoje entendemos por Estado, é que foi desaparecendo a
autodefesa, primeiramente pelo advento da arbitragem e, depois, pela defesa assumida pelo poder
público. A história da luta contra a autodefesa, de certa forma, confunde-se com a própria história do
Estado e da civilização humana" (PRATA, Edson. Jurisdição voluntária. São Paulo: Livraria e
editora universitária de direito, 1979. p. 52).
24
respectiva aceitação, as suas decisões. Aos poucos, portanto, desenvolveu-se a
jurisdição
18
, e proibiu-se a autotutela
19
.
Com a consolidação da jurisdição, tornou-se imperiosa a elaboração de um meio, de
uma forma, ou seja, de um instrumento para o desenvolvimento daquela atividade
de composição de conflitos. Tal instrumento constitui-se no chamado processo
20
21
,
um dos pilares do direito processual, isto é, um dos elementos que compõe a trilogia
estrutural do direito processual.
Ora, o Judiciário para cumprir a função jurisdicional, precisa exercer uma atividade,
realizar um trabalho. Enfim, praticar uma série de operações tendentes a alcançar
essa finalidade, que é a concretização do direito em última instância.
Pois bem, essa atividade que o Judiciário realiza para concretizar o direito em ultima
instância é, exatamente, aquilo que denominamos de processo. Daí dizer a doutrina
que o processo é o instrumento da jurisdição, exatamente, porque é através do
processo que se cumpre a função jurisdicional
22
.
18
Como lembram Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 23 e 24) "é claro que essa evolução não se
deu assim linearmente, de maneira límpida e nítida; a história das instituições faz-se através de
marchas e contramarchas, entrecortada freqüentemente de retrocessos e estagnações, de maneira
que a descrição feita no texto constitui apenas uma análise macroscópica da tendência no sentido de
chegar ao Estado todo o poder de dirimir conflitos e pacificar pessoas".
19
No âmbito do direito ocidental, tem-se notícia de que a primeira proibição de autodefesa apareceu
no reinado de Marco Aurélio, com o "decretum Divi Marci", pelo qual se castiga com a perda do direito
o credor que, sem recorrer ao juiz, faz o devedor lhe pagar a dívida com o emprego da violência
(Digesto XLVIII, 7, 2), e em um reescrito posterior dos imperadores Valentiniano, Teodósio e Arcádio,
que estendeu a proibição também aos direitos reais (PRATA, 1979, p. 52).
20
Registre-se que o processo moderno deriva em grande parte do processo romano, mais evoluído
do que o germânico. Sobre o processo civil romano, conferir a obra de TUCCI, José Rogério Cruz e;
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. 254 p. De qualquer sorte, embora o processo romano tenha sido mais evoluído do
que o germânico, não se pode considerar que em Roma tenha existido uma literatura processual,
como lembra Alcalá-Zamora y Castillo (apud LARA, Cipriano Gómez. Teoría general del proceso. 7.
ed. México: Universidad Nacional Autónoma del México, 1987. p. 81).
21
Segundo Bedaque, "se a jurisdição é a atividade estatal destinada à atuação da lei; se a ação é o
poder de estimular essa atividade e fazer com que ela atinja seu objetivo; se a defesa é pressuposto
da legitimidade do provimento e imprescindível à correta imposição da norma ao caso concreto, o
processo, palco em que essas três atividades se desenvolvem, deve ser considerado o meio através
do qual se visa a um provimento justo, ou seja, que represente a correta formulação e imposição da
regra concreta" (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001b. p. 68). Segundo Couture, o processo "resulta
ser, en este sentido, en el cumulo de actos de la conducta jurídica, un medio idoneo para dirimir
imparcialmente, por acto de juicio de la autoridad, un conflito de interesses com relevancia jurídica"
(COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 4. ed. Buenos Aires: Julio César
Faria Editor, 2002. p. 9).
22
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991.
p. 167.
25
2.2 FASES EVOLUTIVAS DO DIREITO PROCESSUAL
Tecidas essas breves considerações sobre a história do processo, cumpre agora
analisar as fases evolutivas do direito processual
23
, ou seja, a periodização da sua
evolução histórica. Na verdade, o direito processual foi estudado, ao longo da
história, segundo perspectivas metodológicas diversas, o que lhe imprimia
finalidades e objetivos também distintos.
A importância da compreensão dessa evolução é ostensiva. Com efeito, ela
possibilita que o processualista não enverede, em seus estudos, por sendas
superadas, adotando premissas e métodos de análises já defasados. O estudioso do
processo que se arrisca a estudar a sua ciência, sem antes conhecer as suas fases
evolutivas, experimentará o risco de defender teses superadas e em manifesto
confronto com as tendências contemporâneas.
Várias são as periodizações alvitradas para o estudo da evolução da dogmática
processual. Lara
24
, citando Alcalá-Zamora y Castillo, divide a evolução do
pensamento e da literatura processual nas seguintes fases: a) fase primitiva; b) fase
da literatura romana; c) fase da escola judicialista; d) fase da escola praticista; e)
fase da escola procedimentalista e f) fase do processualismo científico.
De qualquer sorte, tendo em vista os objetivos deste trabalho
25
, adotar-se-á, aqui,
divisão um pouco diversa. De acordo com a doutrina
26
, as fases evolutivas do direito
23
Registre-se que a evolução da doutrina processual foi objeto de estudo em trabalhos científicos. Cf.
ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de teoría general e historia del proceso.
México: Universidad Nacional Autónoma del México, 1974. t. 2. 694 p. Conferir, também, a obra de
GOLDSCHMIDT, James. Direito processual civil. Tradução de Lisa Pary Scarpa. Campinas:
Bookseller editora e distribuidora, 2003. t. 1. 499 p.
24
LARA, 1987, p. 81.
25
Não se pretende, neste trabalho, estudar de modo meticuloso a evolução da dogmática processual.
Na verdade, o capítulo referente à evolução do direito processual tem a finalidade de propiciar ao
leitor o conhecimento das bases metodológicas das fases do direito processual. Esse conhecimento é
de suma relevância para a exata compreensão da idéia que será aqui defendida sobre a
instrumentalidade substancial das formas, vez que ela se alinha perfeitamente à terceira fase
evolutiva do direito processual, ou seja, a fase instrumental.
26
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2003a. p. 17-26. No mesmo sentido: CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p.
42-45.
26
processual podem ser agrupadas da seguinte forma:a) fase sincrética; b) fase
autonomista ou conceitual e c) fase instrumental
27
.
2.3 FASE SINCRÉTICA
A primeira fase metodológica do direito processual é a sincrética, que se estendeu
até meados do século XIX. Durante esse período, o direito processual foi
considerado como um mero apêndice do direito material. Na verdade, o direito
processual estava imiscuído no próprio direito material - daí a expressão sincrética -
apresentando cunho meramente secundário.
É dessa época que decorre o emprego da expressão direito adjetivo
28
para designar
o direito processual, em verdadeira contraposição ao direito substantivo, isto é, ao
direito material. Hoje, essas expressões - mormente, direito adjetivo - são
inteiramente defasadas, que não se coadunam com a autonomia que o direito
processual alcançou
29
.
Uma das mais sintomáticas características desse sincretismo inicial, responsável pela
colocação do sistema processual nos quadrantes do direito privado, era a visão do
processo como mero modo de exercício dos direitos. Para ilustrar esse pensamento
disse conceituado romanista nos albores do século XX: 'sendo proprietário de uma
coisa, eu posso vendê-la, doá-la, constituir servidões ou hipotecas sobre ela. Posso
enfim realizar uma longa série de atos jurídicos e ao realizá-los exerço a minha
propriedade, porque esta é o pressuposto da possibilidade de realizar tais atos
jurídicos [...] Está incluída entre estes a ação com a qual se garante a relação jurídica:
quem propõe a ação está a exercer o próprio direito, justamente porque a defesa do
direto é um elemento constitutivo dele próprio' (Vittorio Scialoja)
30
.
27
Essa divisão tem sido adotada por parte da doutrina. Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de
direito processual. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2002. v. 1. p. 8-10. No mesmo
sentido: SIQUEIRA, Cleanto Guimarães. A defesa no processo civil: as exceções substanciais no
processo de conhecimento. 2. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 27 et seq.
28
Segundo Siqueira (1997, p. 28), "os juristas não tinham um objeto específico para suas pesquisas,
daí falar-se no processo como apêndice ou compartimento do Direito Civil, sendo deste um adjetivo".
29
A rigor, apenas a expressão "direito adjetivo" é de todo inadequada. A expressão "direito
substantivo" pode ser utilizada para designar o direito material, desde que, ao se fazer uso dessa
expressão, não se entenda o direito processual como um "direito adjetivo".
30
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3. ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2003b. v. 1. p. 255.
27
2.4 FASE AUTONOMISTA OU CONCEITUAL
A fase autonomista ou conceitual compreendeu o período de meados do século XIX
até meados do século XX. O marco inicial dessa fase foi a publicação da obra de
Oskar von Bülow, intitulada Die Lehre von der Proze
β
einreden und die
Proce
β
voraussrzungen (Teoria das exceções dilatórias e dos pressupostos
processuais), datada de 1868
31
.
Em seu famoso livro, as ginas iniciais é que prestaram todo esse serviço ao direito
processual. Destacam-se três pontos básicos de seu pensamento inovador: a) crítica
ao excessivo peso tradicionalmente dado pela doutrina ao sentido etimológico do
vocábulo processo (pro-cedere - caminhar avante) e ao exame puramente formal
apenas daquilo que ele tem de mais visível (supra, n. 29, parte inicial); b) afirmação
de uma relação jurídica entre os sujeitos do processo, ou seja, a relação processual;
c) proposta de sistematização dos estudos processuais a partir da observação da
existência dessa relação, que com a res litigiosa não se confunde e merece trato
diferente
32
.
De qualquer modo, o principal mérito de low foi ter reconhecido a existência de
uma relação paralela à de direito material, na esfera do processo
33
. O
reconhecimento da relação jurídica de direito processual foi, incontestavelmente, de
suma relevância para a autonomia do direito processual. Na verdade, a relação
jurídica de direito material não se confunde com a relação jurídica de direito
processual em função de três elementos essenciais: os sujeitos, o objeto e os
pressupostos.
31
A doutrina é praticamente uníssona quanto a esse marco inaugural. Cf. ALCALÁ-ZAMORA Y
CASTILLO, 1974, p. 308; DINAMARCO, 2003b, p. 255; CÂMARA, 2002, p. 9; GUIMARÃES, 1997, p.
30-31. É bem verdade que alguns autores destacam também a célebre polêmica travada entre os
romanistas alemães Windscheid e Muther, em 1856 e 1857, sobre o conceito de ão. Essa, por
exemplo, é a orientação de LARA, 1987, p. 84. Nesse mesmo sentido, ressalta Bedaque (2001a, p.
23) que "tanto a polêmica Windscheid-Muther quanto a obra de Bülow tiveram também o mérito de
chamar a atenção para a existência do binômio direito-processo, ou seja, para a distinção entre o
plano material e o processual do ordenamento jurídico [...]".
32
DINAMARCO, 2001b, p. 87
33
Dinamarco (2001b, p. 88), no entanto, ressalta que "Von Bülow não foi, na realidade, o primeiro a
ter a intuição da existência dessa relação jurídica. Antes dele, tinha sido feita uma referência a ela,
na obra de Bethmann-Hollweg, que ele cita. Muito antes, dissera Búlgaro, e não constituía segredo
para os estudiosos, que judicium est actus trium personarum, judicis, actoris, rei. E as Ordenações do
Reino consignavam: 'três pessoas são per direito necessárias em qualquer Juízo, Juiz que julgue,
autor que demande e u que se defenda' (L. III, XXX, pr.)". No mesmo sentido, cf. BEDAQUE,
2001a, p. 23.
28
A relação jurídica de direito material tem como sujeitos o credor e o devedor; a de
direito processual, autor, réu e juiz. Eis, portanto, o primeiro traço diferenciador das
duas relações. Do mesmo modo, os objetos de ambas as relações também são
distintos: a de direito material tem por objeto o próprio bem da vida demandado,
enquanto a de direito processual, a atuação do juiz no processo.
Por fim, também não se confundem em função dos seus pressupostos, que os
pressupostos da relação de direito material o distintos dos pressupostos da
relação de direito processual. Os pressupostos da relação jurídica de direito material
são os mesmos pressupostos dos negócios jurídicos: agente capaz, objeto lícito,
possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Estão
elencados no art. 104 do CC. os pressupostos da relação jurídica de direito
processual são os seguintes: competência, petição inicial apta, citação válida e
regular, capacidade postulatória, capacidade processual etc.
A partir do reconhecimento da não identidade das relações de direito processual e
de direito material, o direito processual pôde desenvolver-se de modo autônomo e
ganhou foros de cientificidade. Por outras palavras: foi a partir do reconhecimento de
duas relações jurídicas situadas em planos distintos (material e processual) que o
direito processual deixou de ser um mero apêndice do direito material.
Nota-se, portanto, que essa fase caracterizou-se pelo extraordinário
desenvolvimento científico do direito processual. Na verdade, foi exatamente nesse
período que os institutos fundamentais do direito processual desenvolveram-se no
plano epistemológico. O direito processual ganhou plena autonomia científica, sendo
definitivamente apartado do direito material. Nesse sentido, pode-se trazer à colação
o seguinte:
[...] Essa postura autonomista transpareceu, ainda a partir do século passado, nas
investigações em torno do conceito de ação, permitindo chegar até à afirmação de
seu caráter abstrato, o que constitui o mais elevado grau de proclamação de sua
autonomia. Além disso, permitiu também toda a exploração desse campo fertilíssimo
e pouco conhecido até então, que é o dos fatos e situações jurídicas do processo:
surgiram os grandes tratados e importantíssimas monografias que são do
conhecimento geral e serviram para possibilitar o uso adequado do instrumental que
o direito processual oferece
34
.
34
DINAMARCO, 2003a, p. 20.
29
2.5 FASE INSTRUMENTALISTA
Na fase autonomista, o direito processual praticamente não se havia desenvolvido.
Em contrapartida, durante o período científico, o desenvolvimento da ciência
processual, como visto, foi extraordinário. De qualquer modo, deve-se ressaltar que
o extremo de uma ciência, ou seja, o grande desenvolvimento epistemológico, por si
só, pode desaguar em entraves de ordem pragmática
35
.
A extraordinária evolução científica do direito processual durante a fase científica, de
fato, redundou na adoção de perspectivas metodológicas separadas da realidade
sensível, isto é, do plano pragmático. Os institutos fundamentais do direito
processual passaram a ser estudados de maneira isolada da realidade social na
qual projetavam seus efeitos. Na verdade, a fase científica do direito processual
culminou na construção de um verdadeiro tecnicismo processual
36
.
Assim, a despeito de a fase científica ter contribuído para o desenvolvimento do
direito processual - com a respectiva construção de seus grandes institutos, como a
ação, a jurisdição e o processo -, faltou-lhe uma postura crítica, isto é, analítica do
seu objeto e finalidade. Na verdade, o encanto pela beleza dos institutos
processuais
37
apartou o processualista da necessidade de inserção do seu objeto - o
processo - na realidade social.
A necessidade de mudança, então, tornou-se evidente. O exagerado
desenvolvimento da ciência processual deveria ser redimensionado à luz da própria
finalidade dessa ciência e da realidade fática. A necessidade de compreensão do
35
Cf. RÚA, Fernando de la. Teoría general del proceso. Buenos Aires: Depalma, 1991. p. 8.
36
Não se está criticando, aqui, a técnica processual, mas sim o tecnicismo processual, isto é, a
utilização da técnica processual por si só, apartada da realidade social. Nesse sentido, pode-se,
inclusive, citar o seguinte: "[...] Renegar a técnica decididamente não é o melhor caminho para fazer
avançar nossa ciência, nem converter o avanço científico em fermento da Justiça" (MOREIRA, José
Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. In:______. Temas de direito
processual: sexta série. o Paulo: Saraiva, 1997. p. 23.). Sobre a técnica processual, cf.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE
editora, 2001. 219 p.; COUTURE, 2002, p. 395-403.
37
Ressalta Siqueira (1997, p. 39) que "os processualistas da fase autonomista, tal como os aldeãos
do romance de HERMAN BROCH, foram como que tomados pelo irresistível encantamento pela
riqueza e pelo ofuscante brilho de suas descobertas".
30
processo como instrumento de uma atividade - propiciadora de resultados ticos e
não meramente epistemológicos - impôs-se de modo absoluto.
Tornou-se, portanto, exigência premente o despertar de uma nova onda renovatória
nos estudos em processualística, na qual os juristas passariam a pensar e fazer o
processo de forma crítica, atentos na busca da real eficácia do sistema, tão
cuidadosamente erguido nas últimas décadas
38
.
A partir da segunda metade do século XX, então, os estudos sobre direito
processual passaram a direcionar-se em outra linha metodológica
39
. Na verdade, a
concepção teleológica, finalista, ou seja, instrumental do processo passou a ser
efetivamente o pólo metodológico da dogmática processual. O processo deve ser
analisado sob ótica de resultados.
Com tudo isso, chegou-se o terceiro momento metodológico do direito processual,
caracterizado pela consciência da instrumentalidade como importantíssimo pólo de
irradiação de idéias e coordenador dos diversos institutos, princípios e soluções
40
.
A importância dessa fase para os estudos de direito processual é notória. Na
verdade, hoje, qualquer estudo de direito processual que estiver apartado da
concepção instrumental estará fadado à inutilidade. Como registra Bedaque
41
, "o
caráter instrumental do processo constitui premissa inafastável de qualquer estudo
envolvendo temas relacionados a esse ramo do direito"
42
.
38
GUIMARÃES, 1997, p. 39.
39
Analisando essa mudança de enfoque, Grinover tece a seguinte consideração: "O processo, que
até então era examinado numa visão puramente introspectiva e visto costumeiramente como mero
instrumento técnico predisposto à realização do direito material, passou a ser examinado em suas
conotações deontológicas e teleológicas, aferindo-se os seus resultados, na vida prática, pela justiça
que fosse capaz de fazer" (GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. São Paulo:
Forense Universitária, 1998. p. 6.). No mesmo sentido, pode-se colacionar o seguinte escólio: "Nas
últimas décadas o estudo do processo civil desviou nitidamente sua atenção para os resultados a
serem concretamente alcançados pela prestação jurisdicional. Muito mais do que com os clássicos
conceitos tidos como fundamentais ao direito processual, a doutrina tem se ocupado com remédios e
medidas que possam redundar em melhoria dos serviços forenses. Idéias como a de
instrumentalidade e efetividade passaram a dar a tônica do processo contemporâneo" (THEODORO
JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 1. p. 8).
40
DINAMARCO, 2003a, p. 22.
41
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização). 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 11.
42
Na doutrina, de forma isolada, Calmon de Passos tece críticas veementes à concepção
instrumental do processo. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte: "[...] O que pode ter sido pensado
31
Nesse contexto, o operador jurídico passa a ter o dever de imbuir-se da mentalidade
instrumentalista
43
. Da mesma forma, a legislação processual deve ser sempre
adequada, através de reformas, à terceira fase da evolução dogmática do direito
processual
44
. De qualquer sorte, a tarefa mais importante cabe ao operador do
direito que deve, independentemente de reformas na legislação processual, adequar
o sistema processual ao pensamento moderno
45
.
2.5.1 Instrumentalidade negativa
A fase instrumental pode ser analisada sob duas óticas: a da instrumentalidade
negativa e a da instrumentalidade positiva
46
. Na verdade, essa dicotomia permite
apartar duas concepções da fase instrumental que muitas vezes são analisadas de
forma unitária.
A instrumentalidade negativa refere-se à necessidade de se considerar o processo
não como um fim, mas sim como um meio. Daí a idéia de instrumentalidade
com boas intenções, na prática, justamente pela 'viscosidade' da decantada 'instrumentalidade',
transforma-se em arma na mão de sicários, ou, para usar as expressões de um ilustre advogado
paulista - faz do direito e do processo, nos dias presentes, a pura e simples arte, ou artimanha, de se
colocar o punhal com precedência, na jugular do adversário" (PASSOS, Calmon de. A crise do poder
judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos. In: QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati
de (Org.). Acesso à justiça. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2002, p. 174.). O referido entendimento
parece equivocado que passa a tomar casos isolados, isto é, exceções como sendo a regra geral.
Não se deve generalizar a concepção sobre um determinado instituto a partir de casos isolados.
43
Essa necessidade é destacada por MARINONI, 2000, p. 27.
44
Deve-se ressaltar, outrossim, que as recentes reformas legislativas do CPC alinham-se
indubitavelmente à concepção instrumental do processo. Sobre a principiologia das reformas
processuais cf. DINAMARCO, Pedro da Silva. A segunda etapa da reforma do código de processo
civil e suas premissas hermenêuticas. In: COSTA, Hélio Rubens Batista Ribeiro; RIBEIRO, José
Horácio Halfeld Rezende; DINAMARCO, Pedro da Silva (Coord.). A nova etapa da reforma do
código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1-23. Sobre o espírito das recentes reformas
do CPC, conferir ainda: DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002a. p. 15-43; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Efetividade do processo e reforma
processual. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (Coord.). Processo civil: evolução - 20 anos de vigência.
São Paulo: Saraiva, 1995. p. 229-243.
45
Ver-se-á adiante que soluções dentro do próprio sistema podem ser encontradas a partir da
concepção instrumental de processo. A idéia que será defendida nesta dissertação - sobre a
possibilidade de aplicação do principio da instrumentalidade das formas às condições da ação e aos
pressupostos processuais - está toda ancorada na concepção instrumental do direito processual.
46
Essa dicotomia é sugerida por DINAMARCO, 2003a, p. 324 et seq.
32
negativa: o processo não é um fim, mas sim um meio de se chegar a um fim. Nesse
sentido, pode-se citar o seguinte:
[...] O lado negativo da instrumentalidade do processo é uma conquista
metodológica da atualidade, uma tomada de consciência de que ele não é fim em si
mesmo e portanto as suas regras não têm valor absoluto que sobrepuje as do direito
substancial e as exigências sociais de pacificação de conflitos e conflitantes
47
.
Deve-se ressaltar que a preocupação excessiva com aspectos do processo, como
queriam os processualistas da fase científica, conduz ao afastamento da idéia de
que o processo é, em verdade, meio para obtenção de fins. Esse, portanto, é o
aspecto negativo da instrumentalidade.
A excessiva preocupação com os temas processuais constitui condição favorável a
essas posturas inadequadas, com o esquecimento da condição instrumental do
processo. Favorece, inclusive, o formalismo no modo de empregar a técnica
processual, o que tem também o significado de menosprezar a advertência de que as
formas são apenas meios preordenados aos objetivos específicos em cada momento
processual
48
.
A idéia da instrumentalidade negativa deve nortear todos os operadores do direito.
Não se pode, de fato, operar o sistema processual com a concepção de que ele
constitui um fim em si mesmo. As regras processuais, na verdade, constituem um
veículo para viabilização de soluções apontadas pelo direito material.
2.5.2 Instrumentalidade positiva
A fase instrumental pode ser analisada ainda sob a sua ótica positiva. Por essa
vertente, considera-se que o processo, como visto, além de não se constituir um fim
em si mesmo, deve ser um instrumento de acesso à ordem jurídica efetiva, ou seja,
à ordem jurídica justa
49
.
O endereçamento positivo do raciocínio instrumental conduz à idéia de efetividade do
processo, entendida como capacidade de exaurir os objetivos que o legitimam no
contexto jurídico-social e político. O empenho em operacionalizar o sistema,
buscando extrair dele todo o proveito que ele seja potencialmente apto a
47
DINAMARCO, 2003a, p. 326.
48
Ibidem, p. 327.
49
A expressão "ordem jurídica justa" é de Watanabe (1987, p. 15 et seq).
33
proporcionar, sem deixar resíduos de insatisfação por eliminar e sem se satisfazer
com soluções que o sejam jurídica e socialmente legítimas, na ciência processual
da atualidade [...]
50
.
Como lembra Marioni
51
, o direito processual é imprescindível, em se tratando de
matéria atinente à efetividade, para a sobrevivência do direito substancial. Isso
representa a noção de instrumentalidade positiva: mais do que meio, o processo
deve ser um instrumento de efetiva atuação e realização do direito material.
A idéia de instrumentalidade positiva alinha-se perfeitamente à máxima de
Chiovenda
52
de que "o processo deve dar, no que é possível, a quem tem um direito,
tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter". De fato, o processo
civil moderno deve ser um "processo de resultados, porque sem bons resultados, e
efetivos, o sistema processual não se legitima"
53
. O processo deve, pois, ser um
instrumento de acesso à ordem jurídica justa
54
.
É nesse contexto que têm despontado os estudos modernos sobre a efetividade do
processo. A efetividade traz em si a idéia de um processo que atinja os seus fins; por
outras palavras: o processo efetivo é aquele que atinge o seu desiderato, realizando
a finalidade para a qual foi concebido, que é apresentar soluções no plano do direito
material, da forma mais justa possível.
Relegando a um plano secundário as construções de cunho teórico, que tanta
relevância ostentaram até há bem pouco tempo, os processualistas passaram a
preocupar-se com um valor fundamental, ínsito à tutela dos direitos, qual seja, a
imprescindibilidade da efetividade do processo, enquanto instrumento de realização
da justiça
55
.
50
DINAMARCO, 2003a, p. 326.
51
MARINONI, Luis Guilherme. Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1994. p. 1.
52
Trata-se de tradução da seguinte frase: "[...] il processo deve dare per quanto è possibile
praticamente a chi a un diritto tutto quello e proprio quello ch´egli ha diritto di consiguire".
CHIOVENDA, Giuseppe. Dell´azzione nascente dal contrato preliminare. In: Saggi di diritto
processuale civile. Milano: Giufrè, 1993. v. 1. p. 110.
53
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nasce um novo processo civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo
(Coord.). Reformas do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 1-17.
54
Cf. WATANABE, 1987, p. 15 et seq.
55
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 63.
34
Nesse particular, é de grande importância a tarefa dos operadores do direito. O
magistrado, por exemplo, deve conduzir o processo sempre de modo a obter
resultados. Para tanto, deve valer-se de um comportamento mais ativo na relação
processual
56
, primando sempre pela obtenção de soluções no plano do direito
material e que sejam substancialmente justas.
O afastamento de soluções exclusivamente processuais, nesse contexto, impõe-se
como um dos primados da instrumentalidade positiva. As sentenças terminativas
57
,
por não apresentarem soluções no plano do direito material, não se alinham, a rigor,
com a idéia de processo efetivo. Na verdade, nesses casos, a finalidade para a qual
foi concebido o processo deixa de ser lograda
58
. Como lembra Bedaque
59
, a própria
eficácia do sistema processual deverá ser aferida em função da sua utilidade para o
plano jurídico material e para a pacificação social.
2.6 PERSPECTIVAS E DIRETRIZES CONTEMPORÂNEAS
As perspectivas e as diretrizes contemporâneas do direito processual foram
estabelecidas a partir da própria concepção instrumental de processo. Na verdade, a
fase instrumental, tanto sob a sua ótica negativa, como sob a positiva, delineou a
senda a ser trilhada nos estudos sobre o direito processual.
O que se pretende, aqui, na verdade, é analisar quais são os escopos da jurisdição
que foram adornados na fase instrumental. Pretende-se, outrossim, abordar aquilo
que pode ser considerado, atualmente, como o fator de maior importância para o
56
Sobre o ativismo judicial, é mister a consulta de: LEITE, Evandro Gueiros. Ativismo judicial. In:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). O judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p.
145-165.
57
Refiro-me às decisões de extinção do processo sem julgamento de mérito nos termos do art. 267
do CPC.
58
O que se defende, aqui, não é a extinção das sentenças terminativas. Na verdade, prima-se pela
redução da prolação de sentenças terminativas, nos casos em que existe viabilidade de análise do
direito material. A técnica da instrumentalidade substancial, que será analisada no capítulo IV, prima
por essa finalidade; ou seja, reduzir os casos de extinção do processo sem julgamento de mérito, por
falta das condições da ação e dos pressupostos processuais, através da aplicação do princípio da
instrumentalidade substancial das formas nessas hipóteses.
59
BEDAQUE, 2001a, p. 16.
35
direito processual: a relativização do binômio direito e processo, ou seja, a efetiva
aproximação do meio (direito processual) ao seu fim (direito material).
Essas noções, acrescidas de algumas outras sobre a tutela jurisdicional e a técnica
processual praticamente encerram a base epistemológica necessária à sustentação
da instrumentalidade substancial das formas.
2.6.1 Escopos da Jurisdição
Os escopos do processo coincidem com os escopos da jurisdição. Na verdade,
sendo o processo o instrumento pelo qual se desenvolve a jurisdição, não poderia
aquele ter escopos diversos desta. Dinamarco
60
destaca que a jurisdição apresenta
três escopos: jurídico, social e político.
Com efeito, a jurisdição não tem apenas escopo de natureza jurídica; mais do que
isso, a função jurisdicional, ao ser prestada, deve atingir outros objetivos, de ordem
social e política
61
.
2.6.1.1 Escopo jurídico
O escopo jurídico da atividade jurisdicional consiste na aplicação da vontade da lei
ao caso concreto. Surgindo um conflito de interesses, caberá ao Estado-juiz, uma
vez provocado, dizer o direito aplicável ao caso submetido à sua apreciação. É, em
síntese, a declaração da vontade do direito objetivo, assim como a sua plena
realização no plano pragmático. Nesse sentido, inclusive, é oportuno trazer à baila
os seguintes excertos:
60
DINAMARCO, 2003a, p. 181-267.
61
ALVIM, J. E. Carreira. Elementos de teoria geral do processo. 7. ed. rev. ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1999. p. 41.
36
De quanto se assentou, resulta que o objeto do processo é a vontade concreta da lei,
cuja afirmação e atuação se reclamam, assim como o próprio poder de reclamar-lhe a
atuação, isto é, a ação
62
.
Na própria definição de Leo Rosenberg está explicitada a finalidade da jurisdição. São
suas estas palavras: "la jurisdicción, llamada también de función de justicia, poder
judicial, es la actividad del Estado dirigida a la realización del ordenamiento jurídico"
(Tratado de derecho procesal civil, Buenos Aires, EJEA, 1955, trad. Angela Romera
Vera, p. 54 do 1º vol)
63
.
O escopo da jurisdição é o de tornar efetiva a ordem jurídica e impor, através dos
órgãos estatais do Poder Judiciário, a regra jurídica concreta que, por força do direito
vigente, deve regular determinada situação jurídica
64
.
O escopo jurídico da jurisdição está intimamente relacionado com a finalidade para a
qual o processo foi concebido. Na verdade, o processo foi idealizado para ser um
instrumento de aplicação e realização do direito material. Essa é a sua finalidade
precípua: servir como meio para realização de um fim - que é a aplicação do direito
substancial. Em síntese, o escopo jurídico está em plena sintonia com a finalidade
instrumental da função jurisdicional.
2.6.1.2 Escopo social
Como visto, na concepção de Dinamarco
65
, a jurisdição o tem apenas um escopo
jurídico. Escopos de outras naturezas, quais sejam, social e político, são também
atribuídos à jurisdição e ao seu meio de atuação, o processo. Pretende-se, aqui,
apresentar exatamente os escopos sociais da jurisdição, que são dois: pacificar com
justiça e educar a sociedade.
O escopo da pacificação com justiça decorre do fato de que o processo, instrumento
da atividade jurisdicional, é um relevante meio de solução dos conflitos que surgem
na sociedade. A pacificação, de qualquer forma, deve ser feita sempre com justiça.
62
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio.
Campinas: Bookseller editora e distribuidora, 1998. v. 1. p. 71.
63
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 12.
64
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 1. ed. rev. atual. e ampl. por
Ovídio Rocha Barros Sandoval. Campinas: Millennium editora, 2000. v. 1. p. 261.
65
DINAMARCO, 2003a, p. 181-267.
37
Nesse particular, desponta o problema da relatividade do conceito de justiça, o que
dificulta sobremaneira o delineamento desse escopo.
Outro escopo social da jurisdição relaciona-se à educação. Através do exercício da
função jurisdicional, o Estado duas lições: ensina o que as pessoas não podem
fazer, sob pena de violarem o ordenamento jurídico e serem sancionadas; e, ao
mesmo tempo, ensina aos titulares de direito lesados ou ameaçados o que fazer
para obter a tutela de seus respectivos direitos. Nesse sentido, inclusive, pode-se
trazer à baila o seguinte escólio:
Outra missão que o exercício continuado e eficiente da jurisdição deve levar o Estado
a cumprir perante a sociedade é a de conscientizar os membros desta para direitos e
obrigações. Na medida em que a população confie em seu Poder Judiciário, cada um
dos seus membros tende a ser sempre mais zeloso dos próprios direitos e se sente
mais responsável pela observância dos alheios [...]
66
.
2.6.1.3 Escopo político
O terceiro escopo da jurisdição é de ordem política. Na verdade, como manifestação
do poder estatal, não poderia a jurisdição deixar de possuir objetivos e finalidades de
natureza política. O escopo político da jurisdição pode ser considerado sob três
prismas: afirmação do poder estatal; culto às liberdades públicas e garantia de
participação do jurisdicionado nos destinos da sociedade
67
.
Primeiramente, deve-se destacar que a jurisdição consiste em uma forma de
reafirmação do poder estatal. Ao decidir uma lide, o Estado-juiz impõe-se e reafirma
o seu monopólio de composição de conflitos. Ao jurisdicionado, nesse contexto, não
é dado optar entre a escolha ou não da decisão
68
.
O culto às liberdades públicas consiste em outro escopo político da jurisdição. O
Estado, ao exercer a função jurisdicional, tem por fim assegurar os direitos
66
DINAMARCO, 2003a, p. 197.
67
Ibidem, p. 204-208.
68
Essa idéia, inclusive, está consubstanciada no princípio da indeclinabilidade.
38
fundamentais dos jurisdicionados. O termo liberdade, aqui, é empregado não no
sentido de ir e vir, mas em seu sentido mais amplo possível.
Por fim, o escopo político da jurisdição relaciona-se com a possibilidade de
participação do jurisdicionado nos destinos da sociedade na qual ele está inserido. A
ação popular e a ação civil pública
69
, por exemplo, consistem em verdadeiros
instrumentos de manifestação do escopo político da jurisdição. Na verdade, esses
instrumentos são formas de manifestação da democracia, vez que esta não se
restringe apenas à participação política por meio do voto.
Democracia é participação e não pela via política do voto ou ocupação eletiva de
cargos públicos a participação pode ter lugar. Todas as formas de influência sobre os
centros do poder são participativas, no sentido de que representam algum peso para
a tomada de decisões; conferir ou conquistar a capacidade de influir é praticar a
democracia
70
.
2.6.1.4 Análise dos escopos da Jurisdição: o escopo jurídico como
síntese dos demais
A jurisdição, como visto, foi instituída com a finalidade de compor os conflitos entre
os particulares, através do processo. A sua finalidade precípua, portanto, é aplicar o
direito ao caso concreto. Quer-se, com isso, esclarecer que o escopo da jurisdição é
eminentemente jurídico.
Não se nega, entretanto, que a jurisdição tenha escopos outros além do jurídico, ou
seja, escopos de natureza social
71
e política. De qualquer forma, ao que tudo indica,
69
A ação civil pública está disciplinada na lei n7347/85 (LACP) e a ação popular na lei n.º 4717/65
(LAP).
70
DINAMARCO, 2003a, p. 208.
71
Não se nega, outrossim, que todos os processos possam projetar efeitos sociais. Nesse sentido:
"Creio o exagerar se disser que ao juiz, quando lhe cabe julgar uma causa, é impossível prever a
extensão integral do terreno que sua sentença direta ou indiretamente afetará, assim como o menino
que atira uma pedrinha ao lago é incapaz de advinhar até onde chegarão os círculos concêntricos
que seu gesto simples desenha na superfície da água [...]. Extraio sem exitar a conclusão: a rigor,
não processo que interesse exclusivamente às partes e não ecoe na paisagem da sociedade"
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. O processo, as partes e a sociedade. In:______. Temas de direito
processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 32). Isso, contudo, não significa dizer que a
jurisdição tenha um escopo social. Na verdade, o seu escopo é eminentemente jurídico e nele se
encontra imiscuído o escopo social e político.
39
esses escopos por si fazem parte do escopo jurídico. Por outras palavras:
aplicando a lei ao caso concreto, ou seja, realizando o seu escopo jurídico, a
jurisdição, por via oblíqua, realiza também o seu escopo social e político.
No escopo jurídico da atuação da vontade concreta da lei estão compreendidos os
escopos social e político, que parecem muito mais ligados ao próprio direito material a
ser atuado pelo juiz
72
.
Procede, entretanto, a idéia de que os escopos sociais e políticos da jurisdição estão
diretamente atrelados ao escopo jurídico (atuação da vontade concreta do direito
objetivo), e deste são conseqüência, visto que incumbe precipuamente ao direito
material (não contudo exclusivamente à lei) a tarefa de estabelecer a fórmula para
eliminação dos conflitos; ao atuá-lo, via jurisdição, o Estado estará promovendo a
pacificação com justiça e reafirmando sua própria autoridade
73
.
Ao aplicar a lei ao caso concreto, dando a interpretação adequada ao texto
normativo, o magistrado está pacificando com justiça. Não pode o magistrado, ante o
caso concreto, pacificar com justiça afastando-se pura e simplesmente do texto
legal
74
. Isso implicaria mesmo verdadeira injustiça. O que deve ser feito é a
adequação da norma, através das regras de hermenêutica, ao caso concreto. Essa
tarefa, não resta dúvidas, constitui o escopo jurídico da jurisdição.
No que concerne ao escopo político, outro não pode ser o entendimento. Através da
aplicação da lei ao caso concreto, com especial observância do princípio do
contraditório e da ampla defesa, a jurisdição estará realizando suas finalidades
políticas. Por outras palavras: não por que se falar em escopo político da
Jurisdição se ele já está contido em seu próprio escopo jurídico.
A garantia das liberdades públicas, assim como a reafirmação do ordenamento
jurídico, são obtidas através da aplicação da lei ao caso concreto. Ao realizar essa
atividade, o magistrado estará garantindo as liberdades públicas asseguradas pelo
ordenamento jurídico e, da mesma forma, estará reafirmando a ordem estatal. O
72
BEDAQUE, 2001a, p. 51.
73
YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional específica nas obrigações de declaração de
vontade. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 17.
74
O magistrado pode até afastar-se do texto legal, desde que se utilize de mecanismos próprios a
esse desiderato. A declaração de inconstitucionalidade pela via de exceção, por exemplo, pode ser
utilizada por qualquer magistrado como uma forma de afastamento de uma norma inconstitucional do
ordenamento jurídico. Ademais, pode também o magistrado buscar a solução mais justa para a lide
diretamente no próprio texto constitucional.
40
escopo jurídico da jurisdição - atuação da vontade da lei no caso concreto -, como se
vê, já contém em si o escopo social e político
75
.
2.6.2 Relativização do binômio direito x processo
Como ressaltado neste trabalho, o processo foi concebido como um instrumento
para a realização de um fim. Micheli
76
havia constatado que o fim do processo é
assegurar a observância do direito objetivo. o se pode, assim, pensar o processo
de forma dissociada do direito material, que a relação entre esses dois cortes
metodológicos do direito
77
é essencialmente instrumental.
Ademais, como lembra Theodoro Júnior
78
, não teoria alguma, dentre as
modernas, que consiga explicar a função do processo sem relacioná-lo com a
missão pacificadora dos litígios e com a realização efetiva da vontade da lei.
É nesse contexto que se pode ressaltar que uma das mais importantes diretrizes
contemporâneas do direito processual tem sido exatamente no sentido de reafirmar
a necessidade de aproximação do direito ao processo; ou seja, de efetiva
aproximação do meio (direito processual) ao seu fim (direito material).
75
A instrumentalidade substancial das formas, que será defendida adiante, permite a realização do
escopo jurídico da jurisdição. Está, portanto, em perfeita sintonia com a finalidade para a qual a
jurisdição foi instituída. Na verdade, com a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas às
condições da ação e aos pressupostos processuais estar-se-á propiciando, em sua plenitude, a
realização do escopo jurídico da jurisdição, que é a aplicação da lei ao caso concreto.
76
MICHELI, Gian Antonio. Derecho procesal civil. Tradução de Sentis Melendo. Buenos Aires:
EJEA, 1970. v. 1. p. 3-4.
77
Fala-se em corte metodológico do Direito tendo em vista que o ordenamento jurídico constitui-se
em uma unidade. Os vários ramos do Direito, na verdade, representam cortes metodológicos que
facilitam o seu estudo e compreensão. De qualquer modo, a divisão é meramente didática, que o
Direito não pode, a rigor, ser seccionado.
78
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito e processo: direito processual civil ao vivo
(aprimoramento e modernização do direito processual). Rio de Janeiro: AIDE, 1997. p. 24.
41
2.6.2.1 Os dois planos do ordenamento jurídico
O ordenamento jurídico constitui-se no conjunto de normas que disciplinam as
relações entre os indivíduos que compõe a sociedade. Segundo Gusmão
79
, é o
"complexo de normas jurídicas vigentes em dado momento histórico, numa
sociedade determinada". Trata-se, em verdade, de um sistema normativo, que não
está constituído apenas por normas, mas também por enunciados que se deduzem
das normas
80
.
A rigor, o ordenamento jurídico de um país é uno, no sentido de compreender o
conjunto de normas que regem as relações entre as pessoas daquele local. Essa
premissa, a princípio, não se coadunaria com a existência de vários planos dentro de
um mesmo ordenamento jurídico. É perfeitamente possível, contudo, identificar-se
no ordenamento jurídico normas que representam verdadeiros instrumentos para
realização de outras normas
81
: são as normas processuais ou instrumentais, que se
destinam à realização das normas materiais.
Assim, no ordenamento jurídico, é possível visualizar, ou seja, identificar dois
grandes planos de normas, embora o ordenamento seja ontologicamente unitário.
As normas processuais e as materiais constituem os dois planos normativos
fundamentais do ordenamento jurídico
82
.
79
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direto. 17. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense, 1995. p. 61.
80
Nesse sentido: SANTIAGO NINO, Carlos. Introducción al análisis del derecho. Barcelona:
Editorial Ariel S.A., 1991. p. 102. No mesmo sentido, considerando que o ordenamento jurídico não é
reduzido a um sistema de normas: REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. rev. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 190. Sobre a teoria do ordenamento jurídico, é imprescindível a consulta de
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Tradução de Maria Celeste Cordeiro
Leite dos Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. 184 p.
81
Destaque-se que, a rigor, toda norma é instrumental, tendo em vista que até mesmo as normas de
direito material têm a finalidade de ser um instrumento para a pacificação social. As normas
processuais, entretanto, são instrumentos por excelência, podendo-se sustentar inclusive que são
instrumentos de instrumentos.
82
Há, na doutrina, orientação no sentido de classificar as normas materiais como normas de primeiro
grau e as processuais como normas de segundo grau. Cf. FAZZALARI, Elio. Instituzioni di diritto
processuale. 8. ed. Padova: CEDAM, 1996. p. 96.
42
De qualquer forma, nem sempre as normas processuais terão aplicação diante de
um conflito de interesses. É possível que as partes solucionem o seu conflito através
da autocomposição
83
, sem se valer do Judiciário. Nesse caso, as normas materiais
terão cumprindo a sua finalidade independentemente do auxílio das normas
processuais ou instrumentais. Quando, porém, o conflito não é resolvido na esfera
extrajudicial, a utilização das normas processuais impõe-se como mecanismo
imprescindível à sua solução.
2.6.2.2 A relação de instrumentalidade entre os dois planos
Os dois planos do ordenamento jurídico - processual e material - mantêm relação de
instrumentalidade
84
. Na verdade, embora ambas as normas sejam instrumentais
85
,
no sentido de que se destinam à solução dos conflitos, ou seja, à pacificação social,
as normas processuais e as substanciais estão jungidas entre si pelo vínculo
instrumental.
Significa isso dizer que as normas processuais constituem instrumentos para a
realização das outras normas. Essa relação é de suma importância, vez que
explicita a finalidade para a qual as normas processuais foram concebidas. As
normas processuais, com efeito, têm a sua razão de ser exatamente nas próprias
normas materiais.
As normas processuais não existem por si só; constituem, como visto, meios para a
efetivação das outras normas, isto é, as substanciais. Assim, existe verdadeira
relação de instrumentalidade entre os dois planos do ordenamento jurídico. Sobre o
exposto, é oportuno trazer à colação os seguinte excertos:
83
A autocomposição é formada pela desistência, pela submissão e pela transação. A primeira é a
renúncia à pretensão, quando uma das partes cede e deixa de exercer o seu direito; a segunda
constitui-se na renúncia à resistência oferecida à pretensão; a última ocorre quando concessões
recíprocas.
84
BEDAQUE, 2003, p. 12.
85
As normas substanciais são instrumentais enquanto meio de convivência social. Cf. BARRIOS DE
ÁNGELIS, Dante. Teoria del proceso. 2. ed. atual. Buenos Aires: Julio César Faria Editor, 2002. p.
77.
43
Com efeito, o processo não prescinde e em momento algum deve tirar de mira o
direito material, porquanto ao desviar-se de seu precípuo escopo, nada realiza,
nulifica-se [...]. Gize-se, ainda, que o conflito, porventura, ocorrente é patológico, pois,
uma vez desviado o processo do direito subjetivo, a própria ontologia daquele esvai-
se, como se perdesse sua própria essência, reduzindo-se ao caso, ao nada [...]
86
.
Talvez a noção mais importante do direito processual moderno seja a de
instrumentalidade, no sentido de que o processo constitui instrumento para a tutela do
direito substancial
87
.
[...] O direito processual civil, não obstante tenha identidade, função, finalidade e
natureza próprias, serve, atende e volta-se para a aplicação concreta do direito
material. O direito processual civil realiza o direito material, e nesta condição se deixa
influenciar de forma mais ou menos intensa por ele. O processo é instrumento do
direito material
88
.
Destaque-se que a compreensão dessa relação permite uma melhor
operacionalização do sistema por parte do operador do direito. Na verdade, essa
visão da relação instrumental deve permear todas as interpretações a serem
realizadas das normas processuais. Não se pode, com efeito, interpretar uma norma
processual desconsiderando-se a finalidade para a qual ela foi concebida - ser
instrumento de realização do direito material.
Além da sua instrumentalidade e cogência, possuem as normas processuais
conteúdo ético, uma vez que buscam o aperfeiçoamento constante do processo,
como instrumento de realização da justiça
89
.
Registre-se, ainda, que, no que concerne à relação entre as normas processuais e
as materiais, existem basicamente duas teorias: a teoria unitária e a dualista. Pela
primeira corrente, o direito nasce com o processo, ou seja, o direito somente tem
existência a partir de um pronunciamento judicial. A sua existência está, portanto,
condicionada a uma sentença, que teria, então, cunho constitutivo. Segundo
86
MESQUITA, 2002, p. 141.
87
BEDAQUE, 2001a, p. 18.
88
BUENO, Cássio Scarpinella. Partes e terceiros no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 1.
89
COLUCCI, Maria da Glória; ALMEIDA, José Maurício Pinto de. Lições de teoria geral do
processo. 4. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 50.
44
Mortara
90
, o direito subjetivo é que nasce no processo, vez que a norma e a
pretensão, ainda estando bem próximas, não mantêm qualquer contato
91
.
De outro lado, para a teoria dualista, as normas processuais e materiais existem por
si só. Por outras palavras: o direito subjetivo existe independentemente de prévio
pronunciamento jurisdicional. A atividade do magistrado, nesse contexto, é
meramente declaratória de direitos existentes no ordenamento jurídico. Sobre o
exposto, pode-se acrescentar o seguinte:
O fato, porém, e aqui está a concepção dualista, é que o direito existe
independentemente da atividade do intérprete, seja o juiz, seja o particular, porque
encontra, já, uma norma concreta consumada. A atividade judicial, portanto, apenas
reconhece o direito já concretizado, e, ainda que a decisão se baseie em fatores
sociológicos ou teleológicos, não houve mais que o reconhecimento de que o direito
preceituava concretamente daquela maneira
92
.
De qualquer sorte, a inclinação pela teoria dualista não implica o reconhecimento de
que as normas materiais e as processuais estejam plenamente apartadas. Embora
as normas tenham naturezas distintas e inconfundíveis, elas continuam conexas
pelo nculo de meio e fim. Por outras palavras: o vínculo instrumental permanece
disciplinando a relação entre esses dois planos do ordenamento jurídico.
2.6.2.3 A efetiva aproximação do processo ao direito material
A aproximação do processo ao direito material constitui-se em postulado imperioso
nos dias atuais
93
. Muitos operadores do direito, no entanto, ainda estão arraigados à
90
Apud DINAMARCO, 2001b, p. 47.
91
"A concepção unitária do direito teve origem na posição de Windscheid, na famosa polêmica que
travou com Muther, e vai encontrar seu embasamento filosófico em Kelsen, com a repercussão em
filósofos do direito atuais, como Recaséns Siches, que entende a sentença judicial estabelecendo a
ponte entre a generalidade da norma e a particularidade do caso concreto controvertido" (GRECO
FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003a. v. 1. p.
31).
92
GRECO FILHO, 2003a, p. 31. São adeptos da teoria dualista: Liebman, Chiovenda, Fazzalari
dentre outros autores. Cf. DINAMARCO, 2001b, p. 51 et seq.
93
Ademais, pode-se dizer que os problemas decorrentes das relações entre direito e processo são
inatos à própria ciência processual. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte excerto: "El problema es
innato a la propria existencia del Derecho Procesal y creo que ningún autor, de cualquier tendencia
que sea, escapa de su tentación con motivo de cualquier tema concreto de la disciplina" (RAMOS
45
concepção que foi dominante na segunda fase evolutiva do direito processual,
apegando-se a questões de natureza exclusivamente processual e considerando o
processo como algo existente por si só.
As perspectivas e as diretrizes contemporâneas do direito processual, entrementes,
trilham outra senda. A fase instrumental, com efeito, pretende ressaltar a
necessidade de efetiva compreensão do processo como um meio, e jamais como um
fim em si próprio. Nesse contexto, a efetiva aproximação do processo ao direito
material torna-se imprescindível.
Como lembra Bedaque
94
, todos os institutos fundamentais do direito processual
recebem reflexos significativos da relação jurídica material, assim como as
condições da ação, as nulidades processuais, a coisa julgada e a prova. Isso revela,
na verdade, o caráter instrumental do direito processual e reforça a necessidade de
efetivamente relativizar o binômio direito x processo
95
.
De qualquer modo, a simples afirmação da necessidade de aproximação do
processo ao direito material pela dogmática processual, por si só, é inócua. Cabe ao
processualista afinado à sua ciência envidar esforços exegéticos para a construção
de mecanismos que efetivamente aproximem o processo ao direito material. O mero
destaque da necessidade de relativização do binômio direito x processo é
desprovido de um conteúdo efetivo. É preciso apontar mecanismos que conduzam,
de fato, a essa relativização.
Destaque-se que a efetiva aproximação do direito processual ao direito material,
aqui apregoada, não representa de forma alguma um retrocesso dos estudos sobre
o direito processual à sua fase sincrética. A efetiva relativização do binômio direito x
MÉNDEZ, Francisco. Derecho y proceso. Barcelona: Librería Bosch, 1979. p. 10.). o se pode
deixar de ressaltar, outrossim, a importância da tese de doutoramento que foi defendida pelo ilustre
prof. José Roberto dos Santos Bedaque (2001a) na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco
sobre a necessidade de aproximação do direito ao processo. A obra foi de suma relevância no
redirecionamento dos estudos processuais.
94
BEDAQUE, 2001a, p. 28.
95
Na doutrina, inclusive, orientação no sentido de que a atividade jurisdicional deve partir da
realidade de direito material e a ela retornar ao final. Cf. LUISO, Francesco P. Diritto processuale
civile. Milano: Giuffrè editore, 1997. v. 1. p. 5.
46
processo não implica a confusão desses planos do ordenamento jurídico e nem
mesmo o tratamento conjunto de ambos.
Na verdade, não se pretende realizar um sincretismo entre o direito material e o
processual; pretende-se, sim, uma efetiva aproximação dos dois planos, sem
contudo confundi-los ou reuni-los em um só. "Aproximar" não se confunde com
"sincretizar". Embora próximos os significados das expressões, elas não se
confundem na exata medida em que na "aproximação" não completa junção,
enquanto na "sincretização" verdadeira mistura ou confusão. A sincretização do
direito material e do processo representaria verdadeiro retrocesso científico.
2.7 A INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS NA
ESTEIRA DAS PERSPECTIVAS E DIRETRIZES CONTEMPORÂNEAS
Um dos mecanismos que pode ser considerado apto a aproximar o direito
processual ao material é a instrumentalidade substancial das formas
96
. Na verdade,
a horizontalização do princípio da instrumentalidade das formas, isto é, a sua
aplicação aos pressupostos processuais e às condições da ação permite que os
provimentos jurisdicionais sejam, na maioria dos casos, pronunciamentos de mérito.
Evita-se, com efeito, por meio dessa técnica, que o processo deixe de atingir o seu
fim e, por conseguinte, que a Jurisdição deixe de realizar o seu escopo jurídico, que
é a atuação do direito no caso submetido à sua apreciação. A aplicação do direito
material, através do processo, é facilitada.
A instrumentalidade substancial das formas está, portanto, em perfeita sintonia com
as perspectivas e as diretrizes contemporâneas do direito processual. Na verdade,
ela facilita a realização do escopo da jurisdição - que é jurídico -, permitindo que o
direito processual, efetivamente, aproxime-se do direito material.
96
A instrumentalidade substancial das formas será exaustivamente tratada no capítulo IV. Por ora, é
importante apenas que se compreenda que a instrumentalidade substancial das formas es em
perfeita sintonia com os postulados do processo civil contemporâneo.
47
3 TUTELA JURISDICIONAL E TÉCNICA PROCESSUAL
Compreendidas as fases evolutivas do direito processual, assim como as suas
perspectivas e diretrizes contemporâneas, cumpre, agora, fazer uma breve incursão
no tema da tutela jurisdicional e da técnica processual. Na verdade, a conceituação
da tutela jurisdicional sob o prisma da realização do direito material, assim como a
adoção de técnicas específicas no processo que permitam lograr esse fim, dão pleno
suporte epistemológico à adoção da instrumentalidade substancial das formas.
3.1 TUTELA JURISDICIONAL
O tema referente à tutela jurisdicional pode ser considerado como um dos mais
difíceis do direito processual. A sua complexidade decorre, em grande parte, da
pluralidade de concepções e de enfoques com que a matéria é tratada, não havendo
mesmo grandes perspectivas de se encontrar uma orientação uníssona.
Ademais, durante muito tempo, o tema da tutela jurisdicional foi abandonado da
dogmática processual, retardando os seus estudos. Essa restrição, contudo, não se
justifica mais no atual momento metodológico pelo qual passa o direito processual
97
.
Nesse sentido, inclusive, pode-se trazer à colação o seguinte excerto:
O atual momento metodológico da ciência processual autoriza o retorno às
especulações em torno da idéia de tutela jurisdicional, que fora banida dos estudos
dos processualistas de um século atrás e agora volta reabilitada e revigorada, em
novas vestes
98
.
97
Esse enorme repúdio ao tema da tutela jurisdicional só pode ser "adequadamente compreendido se
tivermos em mente que ela se resolvia na afirmação de que o processo seria um instrumento
institucionalmente predisposto à tutela dos direitos do autor - na mesma medida em que a ão seria
o direito deste a obter em juízo o que lhe fosse devido. A tutela de direitos erigida como escopo do
sistema constituía uma projeção da premissa imanentista então vigorante quanto ao conceito de ação
e, no máximo, compatibilizar-se-ia com a teoria desta como direito à sentença favorável (teoria
concretista). O que determinou o banimento da tutela de direitos do sistema e da linguagem do
processualista foi a óbvia descoberta de que o processo não é um modo de exercício de direitos pelo
autor, mas um instrumento do Estado para o exercício de uma função sua, a jurisdição"
(DINAMARCO, 2001a, p. 799-800). No mesmo sentido, ressalta Marinoni que, até pouco tempo, falar
da tutela jurisdicional dos direitos poderia constituir um verdadeiro pecado quase que mortal para o
processualista, vez que tal expressão poderia significar um compromisso com o imanentismo
(MARINONI, Luis Guilherme. A antecipação da tutela. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 23).
98
DINAMARCO, 2001a, p. 797.
48
3.1.1 Relevância da delimitação conceitual da tutela jurisdicional
para a ciência processual
O tema da tutela jurisdicional, como visto, durante longos anos quedou-se banido da
dogmática processual; a sua importância, contudo, hoje, tem sido reavivada pela
doutrina
99
. Na verdade, esse retorno justifica-se até mesmo porque a atividade
desenvolvida pelo Judiciário tem por escopo exatamente prestar a tutela
jurisdicional.
Nesse contexto, a conceituação da tutela jurisdicional aduz-se como de suma
relevância para a ciência processual. É que essa delimitação conceitual, de certa
forma, permitirá ao processualista conduzir os seus estudos e pesquisas por sendas
hábeis a lograr os seus fins. Ora, se a atividade jurisdicional tem o escopo de
conceder a tutela jurisdicional, é imperioso compreender, com minúcias, o sentido e
o alcance daquela finalidade.
Como lembra Yarshell
100
, não se tem, aqui, o propósito de examinar as diferentes
visões ou conceitos da Jurisdição
101
. Tal investigação foi relevante no passado para
extremar as diversas funções que o Estado deveria exercer. Na verdade, o que se
pretende investigar é no que consiste a tutela jurisdicional e qual é a forma como ela
pode ser obtida ou proporcionada.
99
A matéria, inclusive, foi objeto de tese de doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo. Cf. YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999. 202 p.
Destaque-se, ainda, que o Código Civil italiano contempla um capítulo destinado à tutela aos direitos
(arts. 2643-2969 CCI), que contém preceptivos sobre a tutela jurisdicional dos direitos. Uma análise
da utilidade e das conseqüências desse livro foi feita por TARZIA, Giuseppe. Problemi del processo
civile di cognizione. Milano: CEDAM, 1989. p. 17-41. Sobre a tutela jurídica, consulte, ainda
COUTURE, 2002, p. 391-394.
100
YARSHELL, 1999, p. 27.
101
Alvim (1999, p. 51-57) elenca, por exemplo, no mínimo dez teorias sobre a jurisdição. Sobre as
teorias da jurisdição cf. BAPTISTA, Ovídio Araújo; GOMES, Fábio Luis. Teoria geral do processo
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 60-82.
49
3.1.2 Conceituação da tutela jurisdicional
O conceito de tutela jurisdicional é objeto de grandes divergências na doutrina.
Basicamente, contudo, as diversas orientações poderiam ser reunidas em dois
grandes grupos: o dos que se alinham à idéia de que a tutela jurisdicional está
relacionada ao resultado do processo e o daqueles que perfilham a idéia de que a
tutela jurisdicional, mais do que ligada ao resultado do processo, relaciona-se
também aos meios postos à disposição do jurisdicionado
102
. De qualquer sorte,
antes de se proceder a qualquer análise a respeito do tema, é necessário apresentar
as diversas orientações doutrinárias.
3.1.2.1 Contribuição de Enrico Tullio Liebman
Liebman foi um dos grandes processualistas italianos que esteve entre nós no
período da segunda guerra mundial. Na verdade, o precitado autor exerceu profunda
influência na elaboração do nosso CPC, que o próprio elaborador do anteprojeto
dessa lei - o prof. Alfredo Buzaid - era um dos discípulos de Liebman.
Liebman adstringiu o conceito de tutela jurisdicional apenas àquelas situações em
que efetivamente houvesse amparo no campo do direito material. Por outras
palavras: "só tem direito à tutela jurisdicional aquele que tem razão, não quem
ostenta um direito inexistente"
103
.
Trata-se de conceituação da tutela jurisdicional como resultado favorável ao
vencedor. Assim, a tutela jurisdicional poderia ser prestada ou ao autor ou ao réu.
Na verdade, aquele que apresentasse a melhor razão, ou seja, que ostentasse um
direito, faria jus à tutela jurisdicional. Esta, então, poderia ser concedida ao autor ou
ao réu. Tudo dependeria do resultado obtido no plano do direito substancial.
102
Essa dicotomia é encontrada na obra de VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional
coletiva. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 42.
103
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Tradução e notas de Cândido
Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 1. p. 147. Para corroborar a asserção aqui feita,
conferir ainda: DINAMARCO, 2001a, p. 798; YARSHELL, 1999, p. 28.
50
3.1.2.2 Contribuição de José Roberto dos Santos Bedaque
Bedaque, da mesma forma que Liebman, considera que a tutela jurisdicional é
prestada apenas em relação àqueles que tiverem razão no plano do direito
substancial. Esclarece o precitado autor: "A tutela jurisdicional está reservada
apenas para aqueles que efetivamente estejam amparados no plano do direito
material"
104
.
Importa estabelecer o exato significado de tutela jurisdicional. É análise do fenômeno
processual do ângulo de quem tem razão. O escopo do processo é a tutela, seja da
situação material do autor, seja do réu. Somente com ela obtém-se a pacificação
definitiva. Está consubstanciada no provimento jurisdicional que acolhe a pretensão
de uma das partes
105
.
Assim, não há, a rigor, tutela jurisdicional nos casos de extinção do processo sem
julgamento de rito. O direito de demandar, por si só, é inócuo para a satisfação
dos consumidores da atividade jurisdicional. Na verdade, nos casos de extinção do
processo sem julgamento de mérito, com a respectiva prolação de uma sentença
terminativa, terá havido prestação da atividade jurisdicional, mas não concessão da
tutela jurisdicional.
É necessário, portanto, para haver prestação da tutela jurisdicional, que as decisões
estejam situadas no plano do direito substancial. Deve-se ressaltar que essa
orientação dogmática encontra-se em perfeita sintonia com a finalidade para a qual
o processo foi concebido: atuar e realizar o direito material.
O estudo do processo pela perspectiva do direito de acesso ao Poder Judiciário não
satisfaz. De que adianta, para o ordenamento substancial, para a efetiva pacificação,
assegurar-se o direito de demandar? Necessário que o consumidor do serviço
jurisdicional obtenha a satisfação total de seus interesses legitimamente postulados,
pois esse resultado atende à promessa estatal de proteção dos direitos
106
.
Ressalte-se, ainda, que a tutela jurisdicional, por essa concepção, pode ser prestada
tanto ao autor como ao réu. Na hipótese de inexistência do direito alegado pelo
104
BEDAQUE, 2001a, p. 26.
105
Ibidem, p. 25.
106
Ibidem, p. 26.
51
autor, a tutela jurisdicional será prestada exclusivamente ao requerido. Com efeito, o
provimento cognitivo que não acolhe o pedido do autor confere, na verdade, tutela
jurisdicional ao réu, pois elimina definitivamente a possibilidade de discussão a
respeito daquele direito considerado inexistente
107
.
3.1.2.3 Contribuição de Cândido Rangel Dinamarco
Dinamarco
108
consigna que a tutela jurisdicional é o amparo que o Estado ministra a
quem tem razão em um processo. Na verdade, essa orientação não difere
substancialmente da defendida por Liebman e por Bedaque, que foram objeto de
estudo, em momento anterior, neste trabalho. O autor, porém, acrescenta que a
tutela jurisdicional constitui apenas uma das espécies do gênero tutela jurídica
109
.
Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
Tutela jurídica, no sentido mais amplo, é a proteção que o Estado confere ao homem
para a consecução de situações consideradas eticamente desejáveis segundo os
valores vigentes na sociedade - seja em relação aos bens, seja em relação a outros
membros do convívio. A tutela jurídica estatal realiza-se em dois planos: o da fixação
de preceitos reguladores da convivência e o das atividades destinadas à efetividade
desses preceitos
110
.
Dinamarco, assim, esclarece que a tutela jurídica é prestada pelo Estado de duas
formas. Primeiramente, o Estado presta a tutela jurídica mediante a fixação de
preceitos gerais e abstratos que regulam a vida em sociedade. Trata-se da atividade
cometida aos órgãos legiferantes. Essa tutela pode ser considerada estática. De
qualquer sorte, a tutela jurídica não se exaure somente nessa atividade.
O Estado deve também tornar efetivas as normas por ele estabelecidas, ou seja,
deve propiciar meios de atuação das normas. Essa tutela jurídica é a tutela
107
BEDAQUE, 2001a, p. 29.
108
DINAMARCO, 2001a, p. 807.
109
Na doutrina italiana encontra-se orientação no sentido de estabelecer diferença entre a tutela
jurisdicional e a tutela dos direitos. A primeira é mais restrita que a segunda, já que esta atua também
fora da esfera processual. Cf. DENTI, Vittorio. La giustizia civile: lezioni introduttive. Bologna:
Società Editrice il Mulino, 1989. p. 111.
110
DINAMARCO, 2001a, p. 809.
52
jurisdicional, que é dinâmica
111
, e deve ser prestada pelo Estado, quando provocado,
para solucionar os diversos conflitos de interesses. A tutela jurisdicional, em
qualquer caso, é prestada ao homem e não aos direitos.
Destaque-se que existe uma verdadeira gradação na atividade processual, e no seu
ápice é que está situada a tutela jurisdicional. Na concepção de Dinamarco
112
, a
"escalada"
113
pode ser assim delineada: a) faculdade de ingresso em juízo; b)
exercício do direito de ação; c) direito ao provimento de mérito e d) tutela
jurisdicional.
De qualquer modo, a despeito de todo o exposto, o conceito de tutela jurisdicional
defendido pelo precitado autor também não deixa de passar pela idéia de realização
do direito material. Nesse sentido, pode-se trazer à baila o seguinte excerto:
A verdadeira tutela jurisdicional socialmente útil é aquela que se outorga, mediante o
exercício consumado da jurisdição, a quem tenha razão segundo o direito material
[...]. E, pelo aspecto substancial, não pode considerar-se tutelado aquele cuja
pretensão foi rejeitada. Por isso é que, como dito, tem direito à tutela jurisdicional
quem tiver razão perante o direito material [...]
114
.
3.1.2.4 Contribuição de Luiz Guilherme Marinoni
O autor adota conceito mais amplo de tutela jurisdicional que os anteriores. Na
verdade, considera que existe tutela jurisdicional mesmo quando o magistrado
declara inexistir o direito afirmado pelo requerente, ou mesmo quando constata a
ausência de condições da ação, extinguindo o processo sem julgamento de mérito.
Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
111
As expressões tutela estática e dinâmica são utilizadas por Dinamarco (2001a, p. 811). A
diferenciação entre essas modalidades de tutela pode ser colhida no seguinte excerto: "A tutela
jurisdicional e a administrativa inserem-se na ampla categoria da tutela jurídica, portanto, mas não a
exaurem. Constituem uma tutela dinâmica, em confronto com a atividade consistente na fixação de
normas, que é estática e por si nem sempre se mostra apta a produzir resultados concretos e
efetivos na vida das pessoas".
112
DINAMARCO, 2001a, p. 820.
113
A expressão "escalada" é empregada pelo próprio autor. Quer-se com o emprego desse termo,
significar a idéia de gradação, de etapas a serem vencidas para que se possa chegar à tutela
jurisdicional.
114
DINAMARCO, 2001a, p. 816-822 passim.
53
É óbvio que a tutela jurisdicional também é prestada quando o juiz declara não existir
o direito afirmado pelo autor, e mesmo quando é constatada a ausência de condição
da ação, valendo lembrar que, nesse último caso, a tutela jurisdicional é dada em
razão do direito incondicionado de ação [...]
115
.
Trata-se de concepção demasiado ampla, que confunde atividade jurisdicional com
tutela jurisdicional. Por essa concepção, na verdade, mesmo que ausente uma das
condições da ação, ou seja, mesmo que extinto o processo sem julgamento de
mérito, através de sentença terminativa, haveria tutela jurisdicional. Esse conceito, a
rigor, não apresenta nenhuma diferença se cotejado com o de atividade jurisdicional.
Ao que tudo indica, o autor desloca a conceituação da tutela jurisdicional do eixo dos
resultados para o eixo dos meios postos à disposição do jurisdicionado. Preocupa-
se, portanto, em caracterizar a tutela jurisdicional nos meios disponibilizados pelo
ordenamento ao jurisdicionado, ou seja, no modus procedendi; e somente por via
oblíqua, com o direito material. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
Deixe-se claro, porém, que a tutela jurisdicional, no nosso entendimento, não é
sinônimo de sentença, mas sim de procedimento estruturado (mediante, por
exemplo, sumarização formal e material, tutela antecipatória, sentença imediatamente
executável) para tutelar efetiva e adequadamente o direito material
116
.
É possível falar, assim, em tutela jurisdicional e tutela material. A tutela jurisdicional é
aquela que, no plano do processo, tem o compromisso de realizar plenamente a
tutela que decorre do direito material, ou seja, a própria tutela material
117
.
3.1.2.5 Contribuição de Teori Albino Zavascki
Tutelar é proteger; assim, tutela jurisdicional é a proteção que deve ser conferida
pelos órgãos jurisdicionais aos jurisdicionados. De fato, quando se fala em tutela
jurisdicional "se está a falar exatamente na assistência, no amparo, na defesa, na
115
MARINONI, 2000, p. 23.
116
Idem. Tutela inibitória (individual e coletiva). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 22.
117
Ibidem, p. 400.
54
vigilância, que o Estado, por seus órgãos jurisdicionais, presta aos direitos dos
indivíduos"
118
.
O Estado, ao avocar para si a atividade jurisdicional, vedando a autotutela, avocou
também o dever de solucionar os conflitos intersubjetivos, o qual deve ser realizado
de modo eficaz
119
, sob pena de se consagrar um verdadeiro descrédito em relação
ao Estado de Direito. É nesse contexto que se insere a atividade de prestar a tutela
jurisdicional, ou seja, não apenas como um poder, mas, sobretudo, como um dever
estatal.
De qualquer modo, Zavascki conceitua a tutela jurisdicional não somente a partir do
resultado da atividade dos órgãos jurisdicionais, mas também sob o prisma da
atividade que é desenvolvida por esses órgãos. Nesse sentido pode-se trazer à
colação o seguinte:
Bem se vê, do exposto, que o conceito de tutela jurisdicional está relacionado com o
da atividade propriamente dita de atuar a jurisdição e com o resultado dessa
atividade. Prestar a tutela jurisdicional, ou, para usar a linguagem constitucional,
apreciar as lesões ou ameaças a direitos, significa, em última análise, formular juízo
sobre a existência dos direitos reclamados e, mais do que isso, impor as medidas
necessárias à manutenção ou reparação dos direitos reconhecidos
120
.
3.1.2.6 Contribuição de Flávio Luiz Yarshell
Yarshell apresenta conceito, de certa forma, considerado amplo para a expressão
tutela jurisdicional
121
. De qualquer sorte, esse autor não nega que o emprego da
expressão tutela jurisdicional é comumente feito no sentido de designar a proteção
118
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 5.
119
Nesse sentido, inclusive, ressalta Manuel Ibañez Frocham que o Estado, ao interditar a defesa
pelas próprias mãos, assume um compromisso ético de resguardar a paz social e os demais valores
fundamentais da sociedade, como a justiça, a segurança e a ordem (apud PRATA, 1979, p. 53)
120
ZAVASCKI, 1999, p. 6.
121
Na doutrina, outros autores que defendem uma conceituação ampla da tutela jurisdicional.
quem considere, por exemplo, que a tutela jurisdicional pode significar: "a) qualquer forma de
proteção ao bem da vida; b) a sentença favorável que protege o bem da vida; c) o procedimento
estruturado para assegurar o resultado de um direito lesado ou ameaçado; d) todo ato judicial
tendente a proteger um bem da vida; e) atividade jurisdicional". Essa é a orientação de GAMA,
Ricardo Rodrigues. Efetividade do processo civil. Campinas: Copola editora, 1999. p. 13 e 14.
55
do titular de uma situação amparada pela norma substancial
122
. Ressalta, entretanto,
não lhe parecer incorreta a admissão de uma abrangência maior para a tutela
jurisdicional.
Não parece incorreto, contudo, admitir maior abrangência da examinada locução -
tutela jurisdicional - para com ela designar não apenas o resultado do processo, mas
igualmente os meios ordenados e predispostos à obtenção desse mesmo resultado.
A tutela, então, pode também ser divisada no próprio instrumento, nos atos que o
compõem e bem ainda nos "princípios", "regramentos" ou "garantias que lhe são
inerentes"
123
.
Cita, como exemplo, o fato de que, quando a doutrina faz menção à tutela
diferenciada, na verdade, está cogitando não apenas do resultado do processo, mas
também dos meios que o postos à disposição do jurisdicionado para a
consecução do resultado. A mesma observação pode ser feita em relação à tutela
específica, à tutela antecipada etc
124
.
Ante essas premissas, seria possível identificar-se a existência da tutela jurisdicional
mesmo em relação àqueles que não estivessem amparados no plano do direito
material. Por outras palavras: mesmo o vencido no processo obteve a tutela
jurisdicional, vez que os meios processuais lhe foram postos à disposição. É bem
verdade que essa tutela seria bem diversa daquela obtida pelo vencedor, mas nem
por isso deixaria de ser considerada tutela jurisdicional. Nesse sentido:
Aceita a premissa anterior (tutela contida nos meios que conduzem ao resultado), é
inafastável existir tutela para ambos os sujeitos parciais do processo. E, também
aceita essa premissa, o será difícil ir mais além para admitir - voltando, em parte,
ao resultado do processo - que o Estado também presta tutela jurisdicional ao
vencido, embora de forma diversa daquela prestada ao vencedor
125
.
122
YARSHELL, 1999, p. 30.
123
Ibidem, p. 31.
124
Ibidem, loc. cit.
125
Ibidem, p. 35. No mesmo sentido: YARSHELL, 1993, p. 19.
56
3.1.3 Classificação das diversas conceituações
Uma análise das diversas conceituações da expressão "tutela jurisdicional" permite
concluir pela possibilidade de reunir essas definições em três grandes grupos: a) o
dos que conceituam a tutela jurisdicional a partir do resultado obtido no plano do
direto material; b) o dos que a conceituam a partir dos meios colocados à disposição
dos jurisdicionados e c) aqueles que a definem a partir dos meios processuais
colocados à disposição dos jurisdicionados e, também, dos resultados obtidos no
plano do direito material.
No primeiro grupo, estão reunidos aqueles autores que defendem a conceituação da
tutela jurisdicional a partir da ótica dos resultados do processo no plano do direito
material. Nessa categoria são incluídos, por exemplo, Liebman, Bedaque e
Dinamarco. A expressão "tutela jurisdicional", ante essa vertente dogmática, queda
reservada apenas para aqueles que, de fato, têm razão na esfera do direito material.
A extinção do processo sem julgamento de mérito não pode ser considerada, à luz
desse entendimento, como verdadeira tutela jurisdicional, mas apenas como
atividade ou prestação jurisdicional. Trata-se de orientação que está em perfeita
sintonia com as perspectivas e diretrizes contemporâneas do direito processual,
sobretudo a de aproximação do direito processual ao material.
No segundo, enquadram-se as orientações dos autores que sustentam que a tutela
jurisdicional constitui-se nos meios postos à disposição dos jurisdicionados. Desse
pensar é, por exemplo, Marinoni. Por essa conceituação, haveria tutela jurisdicional
mesmo que extinto o processo sem julgamento de mérito. O mero direito de obter
um pronunciamento jurisdicional sobre a existência das condições da ação ou sobre
os pressupostos processuais constituiria, de per si, tutela jurisdicional.
No último grupo, ajuntam-se os autores que sustentam que a expressão "tutela
jurisdicional" é reservada não apenas para aqueles que têm razão no plano do
direito substancial, mas também para os que não a têm, vez que os meios
processuais foram postos à disposição para ambas as partes. Nesse caso, a tutela
57
jurisdicional é analisada não do ângulo do direito material, mas também sob a
ótica do direito processual, ou seja, dos meios processuais dos quais as partes
podem se valer. Nessa categoria, estariam, por exemplo, Zavascki e Yarshell.
3.1.4 Análise dos conceitos de tutela jurisdicional: o conceito
consentâneo às perspectivas e diretrizes contemporâneas do
direito processual
Como visto, existem basicamente três correntes dogmáticas sobre o conceito de
tutela jurisdicional. Apenas uma delas, contudo, alinha-se com mais exatidão às
perspectivas e diretrizes contemporâneas do direito processual. Na verdade, a
concepção de tutela jurisdicional a partir do resultado obtido no processo no plano
do direito material é a mais adequada. O conceito de tutela jurisdicional deve ser
estabelecido a partir da ótica dos resultados efetivos propiciados pelo processo.
Com efeito, não se pode admitir a conceituação da tutela jurisdicional a partir da
noção de meio. Por outras palavras: a expressão "tutela jurisdicional" não pode ser
empregada para caracterizar os meios processuais postos à disposição do
jurisdicionado. Esses meios não constituem a essência da tutela, que se relaciona a
outra noção: a de resultado no plano do direito material.
A conceituação de tutela jurisdicional de forma extensiva, abarcando os meios
processuais postos à disposição dos jurisdicionados - desconsiderando-se a
necessidade de obtenção de resultado no plano do direito material - é demasiado
ampla. Na verdade, é necessário delimitar o conceito de tutela jurisdicional para
aquelas hipóteses em que o processo realmente alcança o seu desiderato, que é a
apresentação da solução do conflito no plano do direito material. Nesse sentido,
pode-se trazer à baila o seguinte:
Parece-nos inconveniente formular conceito tão amplo de tutela jurisdicional, para
quase confundi-lo com o princípio do devido processo legal e seus desdobramentos
(princípios, garantias e regramentos). Yarshell afirma que "o próprio devido processo
legal - independentemente de quem vença - é forma de tutela". Entendemos tratar-se
58
mais de aparelhamento do sistema para proporcionar tutela, que de forma de tutela
jurisdicional
126
.
A conceituação de tutela jurisdicional de forma ampla, abarcando não só o resultado
do processo, mas também os meios postos à disposição do jurisdicionado, embora
solucione alguns problemas de ordem eminentemente teórico-científica, não é
adequada à idéia de processo de resultados. Melhor é, então, que a expressão
tutela jurisdicional fique reservada para os casos de pronunciamentos de mérito no
processo.
A incorporação dos meios postos à disposição do jurisdicionado no conceito de
tutela jurisdicional é, ademais, desnecessária. Esses instrumentos, ou seja, esses
meios postos à disposição do jurisdicionado, estão assegurados pelo princípio
fundamental do devido processo legal
127
. Assim, é de bom alvitre que não se mescle
o conceito de tutela jurisdicional com o de devido processo legal. A delimitação do
conceito de tutela jurisdicional, portanto, deve quedar circunscrita à noção de
sentença definitiva, ou seja, àquelas hipóteses em que seja apontada uma solução
no plano do direito material.
que se diferenciar, nesse contexto, a tutela jurisdicional da prestação
jurisdicional. A primeira está relacionada ao próprio resultado do processo no plano
do direito material, ou seja, está reservada para as hipóteses em que o processo
atinja o seu desfecho. A segunda, a seu turno, refere-se à própria atividade
desenvolvida pelo Judiciário para compor os conflitos.
Assim, nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito por ausência
de pressupostos processuais ou condições da ação, não há, a rigor, tutela
jurisdicional, mas sim atividade jurisdicional. Nesses casos, o Judiciário prestou a
atividade de composição de conflitos, mas ela não atingiu o seu desfecho, ou seja, o
seu desiderato - que é a apresentação de uma solução no plano do direito material.
Por outras palavras: embora tenha sido prestada a atividade jurisdicional, a tutela
126
SOARES, Roberto Aguiar Munhoz. Tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 123.
127
Sobre a diferença entre os princípios processuais fundamentais e informativos, cf. NERY JUNIOR,
Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. p. 30.
59
jurisdicional, na concepção aqui defendida, não o foi. Note-se que a tutela
jurisdicional pressupõe atividade jurisdicional, mas esta não pressupõe
necessariamente aquela.
Por fim, é oportuno ressaltar que a tutela jurisdicional é prestada tanto nas hipóteses
de procedência do pedido, como nas hipóteses de improcedência, desde que o
resultado tenha sido apresentado no plano do direito material. É que esta noção,
como visto, deve ser alocada no plano do direito substancial. Assim, havendo
provimento de mérito, a tutela jurisdicional terá sido concedida.
Não nenhum absurdo, portanto, em se considerar que a tutela jurisdicional foi
prestada ao réu no caso de improcedência do pedido. É que a solução da lide foi
apresentada no plano do direito material e o processo atingiu o seu desfecho. Ora,
mesmo ao réu, nesse caso, a tutela foi prestada, não se devendo associar
necessariamente essa noção à de uma situação ou de uma sentença favorável ao
autor.
A apresentação da solução no plano do direito material constitui a verdadeira tutela
jurisdicional. Corresponde, na verdade, ao fim para o qual o processo foi instituído. O
processo foi concebido como um meio para solucionar os conflitos, ou seja, para
conceder a tutela jurisdicional. Em determinados casos, é possível que isso o
ocorra, sendo prestada apenas a atividade jurisdicional, mas não a tutela
jurisdicional.
Assim, basta o resultado no plano do direito material para ser considerada prestada
a tutela jurisdicional tanto ao autor, como ao réu. Essa conceituação alinha-se às
diretrizes contemporâneas do direito processual de aproximação do processo ao
direito e à realização do escopo jurídico da jurisdição.
60
3.1.5 Tutela jurisdicional e a instrumentalidade substancial das
formas
Como se verá adiante, a instrumentalidade substancial das formas constitui-se em
importante mecanismo de concessão da tutela jurisdicional. É que este instituto
aproxima o processo do plano substancial e, desse modo, propicia a concessão da
tutela jurisdicional
128
. Antes de se adentrar no estudo da instrumentalidade
substancial das formas, entretanto, é imprescindível tecer algumas considerações
sobre a técnica processual, sobretudo a técnica de interpretação, que constitui um
outro pilar epistemológico para a construção da instrumentalidade substancial das
formas.
3.2 TÉCNICA PROCESSUAL
O estudo da técnica jurídica nem sempre gozou do prestígio da doutrina. Na
verdade, o ordenamento jurídico foi sendo edificado de modo nem sempre técnico, o
que pode ser corroborado pelas não raras vezes em que os textos legais são
apresentados de forma contraditória ou antagônica.
A antinomia, inclusive, é objeto de freqüentes estudos pela teoria geral do direito
129
.
Procura-se, assim, remediar as conseqüências que decorrem da inobservância da
técnica jurídica em vez de aprimorá-la. Melhor seria que ocorresse o inverso, ou
seja, que a técnica fosse aprimorada para que as antinomias fossem evitadas.
De qualquer forma, é no direito processual - mais do que em qualquer outro ramo do
direito - que a cnica ganha fundamental importância. De fato, o processo, como
instrumento de uma atividade, deve ser essencialmente técnico, para que os seus
fins sejam alcançados e realizados. A técnica processual, ademais, tem sido
128
Ressalte-se que o termo "tutela jurisdicional", doravante, será empregado no sentido que lhe foi
concedido anteriormente, ou seja, restrito apenas aos casos em que foi apresentada uma solução no
plano do direito substancial.
129
Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 430 et seq.
61
destacada pela doutrina como um dos fatores de maior relevância para a efetividade
do processo
130
.
Nesse contexto, intruje-se que a técnica processual merece abordagem ao menos
particularizada. De qualquer modo, antes de se adentrar no estudo dacnica
processual, é necessário aduzir o conceito de técnica jurídica, que aquela se
insere nesta.
3.2.1 Técnica jurídica
Segundo Pasquier
131
, a técnica jurídica é o "conjunto de procedimentos pelos quais
o Direito transforma em regras claras e práticas as diretivas da política jurídica".
Assim, a materialização do Direito é feita através da cnica judica. Por outras
palavras: é exatamente essa técnica que propicia a transformação das fontes
materiais do direito em fontes formais.
Ressalte-se, contudo, que a cnica jurídica o se restringe apenas ao
procedimento de criação das normas. Mais do que isso, a idéia de técnica jurídica
passa também pela de interpretação das normas criadas e de sua aplicação às
situações concretas da vida em sociedade. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte
excerto:
[...] Sob o título de Técnica Jurídica, a Ciência do Direito anunciava que havia uma
técnica de criação, uma técnica de interpretação e uma técnica de aplicação do
Direito, e passava à investigação detalhada e exaustiva dos procedimentos
intelectuais da construção jurídica
132
.
130
Ressalta a doutrina, inclusive, que a técnica bem aplicada pode constituir instrumento precioso a
serviço da efetividade. Nesse sentido: MOREIRA, 1997, p. 28.
131
Apud GONÇALVES, 2001, p. 32.
132
GONÇALVES, 2001, p. 31-32.
62
3.2.2 Técnica processual
A técnica processual é uma espécie da técnica jurídica. Na verdade, é na esfera
processual que a técnica desponta a sua importância. Já se ressaltou, inclusive, que,
no direito processual, renegar a técnica decididamente não é o melhor caminho para
fazer avançar a nossa ciência. Dessa forma, nenhum estudioso do processo que
preze pela sua ciência tem o direito de desinteressar-se pura e simplesmente pelas
questões técnicas
133
.
Desde já, portanto, afaste-se a idéia mal propalada de que, para obtenção da
efetividade no processo, deve-se afastar a técnica processual. Muito pelo contrário,
a aplicação da técnica processual contribui decididamente para a efetividade do
processo
134
. O que deve ser afastado é o tecnicismo processual, ou seja, a utilização
da técnica por si só, dissociada dos verdadeiros fins do processo. O emprego da
técnica processual de modo a conduzir o processo ao seu desfecho é extremamente
louvável.
A rigor, o conceito de técnica processual não é abordado por muitos autores.
Podetti
135
a conceitua, contudo, como o conjunto de procedimentos idôneos à
realização do direito processual, desde a elaboração e formulação da norma, até a
interpretação das normas processuais e jurídicas em geral. Assim, a técnica
processual vale-se não só de mecanismos para construção das normas processuais,
mas também de instrumentos para interpretação daquelas que já foram elaboradas.
O precitado autor destaca, ainda, que a técnica processual deve ser analisada sob
três aspectos: a) o da técnica adequada para elaboração do direito processual; b) o
da forma de ensinar o direito processual e c) o da interpretação das normas
136
. Nota-
se, assim, que a técnica processual, na verdade, subdivide-se em três outros tipos
de técnicas: a de elaboração, a de conhecimento e a de interpretação.
133
MOREIRA, 1997, p. 23-27 passim.
134
GAMA, 1999, p. 35.
135
PODETTI, 1963, p. 303.
136
Ibidem, p. 304.
63
3.2.2.1 Técnica de elaboração
A técnica de elaboração está relacionada à cnica legislativa de construção das
normas processuais. O seu campo de estudo não se adstringe apenas ao direito
processual, que é no direito constitucional que está delineado o procedimento
legislativo de elaboração das normas.
No direito processual, todavia, é que poderão ser encontradas as diretrizes das
normas processuais que serão elaboradas, ou seja, o efetivo conteúdo que elas
deverão veicular. Deve-se ressaltar que o conteúdo das normas processuais é de
suma relevância para a efetividade do processo e para o alcance de seus resultados
substanciais.
A criação de um sistema processual repleto de incidentes processuais
desnecessários e complexos, por exemplo, pode resultar na construção de um
processo lento e desprovido de efetividade. Para dar efetividade ao processo,
portanto, é necessário que as reformas legislativas do CPC estejam alinhadas à
técnica processual, de modo a aproximar sempre o processo do direito material.
Deve-se ter em mente que a efetividade do processo "depende fundamentalmente
da correspondência entre a forma e a realidade"
137
.
3.2.2.2 Técnica de conhecimento
A técnica de conhecimento está relacionada à forma pela qual o direito processual
deve ser ensinado nos centros de ensino, ou seja, nas faculdades e universidades
de Direito. Essa técnica é ressaltada por Podetti
138
a partir de escritos de
Calamandrei.
137
BEDAQUE, 2001a, p. 59.
138
PODETTI, 1969, p. 315 et seq.
64
Nesse aspecto, deve-se destacar que o número de disciplinas destinadas ao estudo
do direito processual deve ser maximizado. Podetti
139
sugere que, pelo menos, cinco
disciplinas de direito processual civil sejam lecionadas e que o estudo do direito
processual deve principiar desde o segundo ano letivo. O autor destaca, ainda, que
mais importante do que a fixação de artigos de lei por parte dos discentes, é a
compreensão da essência dos institutos processuais e de suas finalidades.
3.2.2.3 Técnica de interpretação
A técnica processual passa ainda pela interpretação das normas processuais.
Interpretar é avaliar, ou seja, analisar o sentido e o alcance de uma norma. Na
esfera processual, a técnica de interpretação a ser adotada deve sempre levar em
conta as finalidades para as quais o processo foi instituído.
Não se pode admitir que o processo seja interpretado de forma apartada da sua
realidade social. Ora, se o processo foi concebido para ser um instrumento de
solução dos conflitos, a interpretação das normas de natureza processual deve ser
feita, sempre, levando-se em consideração esse desiderato. Nesse passo, as
normas processuais devem ser interpretadas precipuamente pelo método
teleológico
140
.
A idéia de que o processo foi concebido como meio, e não como fim, deve orientar
toda a exegese dos institutos processuais. Não se pode mesmo admitir que as
normas processuais sejam interpretadas por si só, ou seja, de modo dissociado da
realidade para a qual elas foram concebidas.
139
PODETTI, 1969, p. 315 et seq.
140
Não se quer, com isso, sustentar que as normas processuais não devem ser interpretadas pelos
outros métodos de interpretação das leis, como o gramatical, sistemático, histórico etc. Já ressaltou a
doutrina, algum tempo, que a norma processual deve ser interpretada da mesma forma que as
demais. Nesse sentido: MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 2. ed. atual.
por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Millenium editora, 1998. v. 1. p. 79. De qualquer forma, o que
se quer aqui, na verdade, é enfocar a necessidade de utilização dos métodos de interpretação das
leis no direito processual sempre considerando a finalidade para a qual o processo foi instituído, ou
seja, a teleologia do processo.
65
Sendo a finalidade do processo aplicar e realizar o direito material, todas as
construções teórico-dogmáticas que primem pela aproximação do processo ao
direito material devem ser valorizadas. Nesse contexto, os institutos processuais
devem ser interpretados sempre de maneira a conduzir o processo ao seu desfecho
primordial, que é a apresentação da solução no plano do direito material.
Na técnica de interpretação, é possível que sejam encontradas soluções para o
problema da efetividade do processo. Na verdade, mais do que mudar as normas
previstas na legislação processual, é preciso que se mude a mentalidade dos
operadores do direito, de modo que eles passem a realizar exegeses de institutos
processuais sempre adequadas aos seus fins. Com relação a esse aspecto, pode-se
aduzir o seguinte:
É preciso, todavia, que tais iniciativas de reformulação não se limitem ao aspecto
legislativo do direito processual. Mais importante do que alterar a lei é mudar a
mentalidade dos operadores desse ramo do Direito, que devem se conscientizar dos
verdadeiros objetivos de sua ciência
141
.
3.2.3 Auxílio da lógica: instrumento para raciocínio do processo
O emprego da lógica
142
na esfera processual é de grande valor para que o processo
atinja os seus fins. Na verdade, a técnica processual deve ser utilizada sempre de
forma lógica, pretendendo-se alcançar a solução no plano do direito material. Não
pode o magistrado, por exemplo, ao aplicar a lei processual, resvalar do caminho
que conduza à apresentação da solução do conflito no plano do direito material.
A lógica pode ser considerada no Direito Processual como um instrumento para
raciocínio do processo. Não atende, por exemplo, às leis da lógica a não extinção do
processo sem julgamento de mérito - nos casos em que isso for necessário - logo no
início do procedimento. Como lembra Gama
143
, o juiz que não extingue o processo
141
BEDAQUE, 2001a, p. 60.
142
"A gica preocupa-se apenas com o raciocínio, que é uma espécie de pensamento em que se
inferem ou se derivam conclusões a partir de premissas, entretanto, não para estabelecer leis para o
seu desenvolvimento, mas tão-somente para verificar a correção do resultado já completado [...]"
(GONÇALVES, 2001, p. 40).
143
GAMA, 1999, p. 35.
66
sem julgamento de mérito, ao despachar a inicial ou no momento da decisão de
saneamento, comete erro grosseiro e promove o desperdício de tempo e dinheiro.
A lógica deve informar todo o raciocínio do processo. Nesse diapasão, as sentenças
de extinção do processo sem julgamento de mérito devem ser evitadas, que o
processo não foi concebido para esse fim. Deve-se primar, sempre que possível,
pela apresentação de soluções no plano do direito material para os conflitos de
interesses submetidos à apreciação do Judiciário.
Outro exemplo da utilização da lógica no processo pode ser encontrado na aplicação
do princípio da instrumentalidade das formas, previsto nos arts. 154 e 244 do CPC.
Por esse postulado, se o ato atingiu o seu fim, ainda que não realizado em
consonância com a forma prescrita em lei, deve ser admitido como válido. Nada
mais lógico do que esse princípio: ora, se o fim do ato foi alcançado, não seria lógico
desperdiçá-lo e repeti-lo somente porque a forma não foi observada.
Advirta-se, por fim, que, embora a lógica seja um importante instrumento para
raciocínio do processo, ela não esgota, por si só, a atividade do jurista. Na verdade,
como lembra Perelman
144
, o magistrado deve recorrer a raciocínios alheios à
matemática para solucionar as questões fáticas que lhe são submetidas à
apreciação. Em relação às questões de fato, as soluções apresentadas pelo jurista
não podem cingir-se a raciocínios puramente formais.
3.3 EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL ATRAVÉS DA
TÉCNICA PROCESSUAL
A tutela jurisdicional, ou seja, a apresentação da solução no plano do direito material
pode ser facilitada através do emprego da técnica processual. Por outras palavras: é
por meio da técnica de elaboração, conhecimento e interpretação que a tutela
jurisdicional pode ser efetivada.
144
PERELMAN, Chain. Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins
Fontes, 1999. p. 472.
67
3.3.1 Crise do Judiciário, tutela jurisdicional e técnica processual
O Judiciário, como é público e notório, trespassa por um momento de crise quanto à
sua verdadeira legitimidade. A jurisdição moderna está em crise. A lentidão dos
processos, a morosidade da Justiça e a ineficácia de muitos provimentos judiciais
estão conduzindo os jurisdicionados a uma verdadeira descrença no Poder
Judiciário. A doutrina tece a seguinte consideração a respeito desse assunto:
"Mesmo o Poder Judiciário, sempre intocável, já não merece a confiança popular"
145
.
Quiçá isso se justifique até mesmo pela abertura das portas do Judiciário para toda a
sociedade, o que implicou uma multiplicidade de demandas que o aparato estatal
não está sendo capaz de absorver com a devida propriedade
146
. De qualquer modo,
a necessidade de mudança torna-se evidente.
Nesse contexto, dentre outras mudanças, é de fundamental importância que a tutela
jurisdicional seja sempre efetivada na prestação da atividade jurisdicional, de modo a
resgatar a confiança do jurisdicionado. E a técnica processual constitui-se em um
dos instrumentos aptos a realizar tal mister.
3.3.2 A busca de soluções endoprocessuais através da técnica de
interpretação
Não se nega que a necessidade de mudança da legislação processual é ostensiva.
Nesse particular, desponta a necessidade de ser utilizada a técnica processual de
elaboração com maior cautela e meticulosidade. Ao processualista crítico e alinhado
145
BEMFICA, Francisco Vani. O juiz, o promotor, o advogado: seus poderes e deveres. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1992. p. 206.
146
Abertas as portas do Judiciário para dirimir todos os conflitos de interesses, com a respectiva
implementação da assistência judiciária para os pobres e a criação de mecanismos de tutela dos
direitos transindividuais, cumpre, agora, analisar qual o grau de satisfação dos jurisdicionados em
relação à atividade de composição de conflitos que está sendo prestada pelo Estado. Eis o grande
problema da terceira onda do acesso à justiça. Sobre o acesso à justiça, cf. CAPPELLETTI, Mauro;
GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris Editor, 1998. 168 p.
68
aos fins de sua ciência, contudo, não se reserva o direito de apenas tecer críticas
quanto ao sistema normativo
147
.
Com efeito, deve apontar soluções dentro do próprio sistema processual, de modo a
viabilizar alternativas para os problemas da efetividade do processo. Nesse contexto,
cabe ao estudioso do processo valer-se sempre da técnica processual de
interpretação e indicar soluções no sistema processual que efetivem a tutela
jurisdicional. Soluções endoprocessuais, portanto, devem ser encontradas pela
utilização da técnica de interpretação.
3.3.3 A instrumentalidade substancial das formas como forma de
efetivação da tutela jurisdicional
A partir do emprego da cnica de interpretação é possível construir-se a
instrumentalidade substancial das formas. Na verdade, a horizontalização do
princípio da instrumentalidade das formas, previsto nos arts. 154 e 244 do CPC, com
a sua respectiva aplicação aos pressupostos processuais e às condições da ação
pode ser admitida mediante o emprego da técnica processual de interpretação.
A instrumentalidade substancial das formas, obtida através da técnica de
interpretação, por facilitar a apresentação de soluções para a lide no plano do direito
substancial, constitui-se em forma de efetivação da tutela jurisdicional.
147
Ademais, a doutrina registra que os principais problemas do Judiciário não serão resolvidos por
meio de reformas legislativas, mas sim através da mudança de mentalidade dos operadores do
direito. Nesse sentido: FORNACIARI JÚNIOR, Clito. A reforma processual civil: artigo por artigo.
São Paulo: Saraiva, 1996. p. 12.
69
4 INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS
Tecidas as considerações sobre a evolução dogmática do direito processual,
delineadas as suas perspectivas e diretrizes contemporâneas, analisado o conceito
de tutela jurisdicional e a técnica para a sua efetivação, ostensivo suporte
epistemológico para cunhar-se a instrumentalidade substancial das formas. Na
verdade, a construção desse instituto tem origem no princípio da instrumentalidade
das formas, que rege as matérias referentes às nulidades processuais.
É imperioso, contudo, que, antes de se adentrar no estudo do conteúdo da
instrumentalidade substancial das formas, seja feita uma análise, ainda que
perfunctória, da teoria geral das nulidades processuais. Com efeito, como a
instrumentalidade substancial das formas foi cunhada a partir de um princípio que
rege a matéria das nulidades processuais, deve-se, primeiramente, aduzir um breve
estudo desse assunto.
Compreender, portanto, a teoria geral das nulidades processuais constitui-se em
requisito prévio para o trato da instrumentalidade substancial das formas. Ademais,
desde logo, é de bom alvitre consignar que esse instituto representa uma verdadeira
horizontalização do princípio da instrumentalidade das formas, previsto nos arts. 154
e 244 do CPC e que rege as nulidades processuais.
Por outras palavras: a instrumentalidade substancial das formas constitui-se em uma
extensão do princípio da instrumentalidade das formas às nulidades de fundo
148
, ou
seja, àqueles processos nos quais ausência de pressupostos processuais ou de
condições da ação.
As matérias referentes aos pressupostos processuais e às condições da ação, de
fato, não resvalam, no plano epistemológico, da categoria das nulidades
processuais. Assim, o estudo prévio desta matéria aduziu-se como imperioso.
148
As nulidades de fundo se contrapõem às nulidades de forma. A análise do conteúdo dessas duas
categorias de nulidades será realizada logo adiante.
70
4.1 TEORIA GERAL DAS NULIDADES PROCESSUAIS
Destaca Bedaque
149
que o problema das nulidades processuais foi relegado a um
plano inferior e poucos são os que se aventuram em enfrentar as dificuldades da
tormentosa matéria. A carência de estudos, contudo, justifica-se na sua própria
complexidade. Não foi por outra razão, inclusive, que Aragão ressaltou que o
capítulo referente às nulidades processuais do CPC constitui-se em um dos seus
capítulos de maior grau de dificuldade. Assim manifestou-se o citado autor:
Nulidades - É este um dos mais árduos capítulos do Código. Tanto faz que seja
encarado por um ou outro de seus ângulos, as dificuldades são grandes e pouco
variam. Complexo para o legislador, que tem de elaborá-lo, e para o magistrado, que
tem de aplicá-lo. Penoso para uma das partes, que perdido o seu esforço, e para
outra, que poderá sofrer os efeitos de um ato indevido
150
.
De qualquer sorte, modernamente, dadas as diretrizes e as perspectivas
contemporâneas do direito processual, mais importante do que envidar esforços no
sentido de se desenvolver uma teoria geral das nulidades processuais é avaliar e
desenvolver os mecanismos de convalidação das nulidades dos atos processuais. A
concepção instrumental do processo e o seu respectivo escopo jurídico demandam
essa orientação
151
.
Assim, não se pretende, aqui, desenvolver ou mesmo construir uma teoria geral das
nulidades processuais. Isso seria mesmo demasiado pretensioso. Pretende-se, na
verdade, abordar aspectos gerais da teoria geral das nulidades dos atos
processuais, imprescindíveis ao objeto desta dissertação, de modo a facilitar a
compreensão das premissas que serão desenvolvidas sobre a instrumentalidade
substancial das formas.
149
BEDAQUE, 1990, p. 35.
150
ARAGÃO, E. D. Moniz de. Comentários ao código de processo civil. 8. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1995. v. 2. p. 255.
151
Na doutrina, orientação sustentando a necessidade de construção de uma nova teoria das
invalidades processuais, desatrelada de conceitos importados de outros ramos do direito,
considerando as particularidades do direto processual, sobretudo, a especificidade do seu objeto, a
sua instrumentalidade, a perspectiva teleológica de suas normas etc. Essa necessidade é defendida
por FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (apud MATTOS, Sérgio Luis Wetzel de. Invalidades no processo
civil. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Org.). Elementos para uma nova teoria geral do
processo. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1997. p. 277).
71
4.1.1 Considerações iniciais: formas processuais e formalismo
O processo constitui-se em um instrumento da atividade jurisdicional. Como tal, é
composto de uma sucessão de atos processuais, que estão sujeitos a determinados
modelos legais, ou seja, a determinadas formas processuais
152
. Não se pode negar
a importância das formas processuais para o bom desenvolvimento do procedimento
e, sobretudo, como um meio de garantia para as partes quanto aos atos que serão
praticados durante o processo.
ressaltava Santos
153
, inclusive, que "a forma, convenientemente regulamentada,
o quanto possível simples, sem prejuízo da substância a que serve, é tão necessária
quanto é o corpo à alma que nele se encerra". As formas processuais, assim, desde
que utilizadas de modo racional, podem ser consideradas como imprescindíveis ao
bom desenvolvimento dos atos do processo
154
.
Entre os leigos abundam censuras às formas judiciais sob alegação de que as formas
ensejam longas e inúteis querelas, e freqüentemente a inobservância de uma forma
pode acarretar a perda do direito; e ambicionam-se sistemas processuais simples e
destituídos de formalidades. A experiência, todavia, tem demonstrado que as formas
são necessárias ao processo, tanto ou mais que em qualquer relação jurídica; sua
ausência carreia a desordem, a confusão e a incerteza
155
.
Não se deve admitir, contudo, a maximização do valor das formas processuais,
como se elas pudessem constituir um fim em si mesmas. O processo é
essencialmente formal, mas o deve ser considerado como o centro metodológico
da atividade jurisdicional.
152
"As atividades realizadas no processo, quer pelas partes, quer pelo órgão jurisdicional, não são
livres. Ao revés, toda e qualquer manifestação está condicionada a requisitos de tempo, lugar e modo
de exteriorização. É o que se denomina de 'formas processuais'[...]" (FUX, Luiz. Curso de direito
processual civil: processo de conhecimento, cautelar e execução. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.
359).
153
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 23. ed. rev. e atual. por
Aricê Moacyr Amaral Santos. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2. p. 61.
154
O próprio Montesquieu, na sua obra "Espírito das Leis", sustentava que "as formalidades da
justiça são necessárias para a liberdade" (apud TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de
processo civil anotado. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 172).
155
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Tradução de Paolo
Capitanio. Campinas: Bookseller, 2002. v. 3. p. 6.
72
Como lembra Oliveira
156
, "a mais grave miopia de que pode padecer o
processualista é ver o processo como medida de todas as coisas". Deve-se, assim,
evitar o formalismo processual
157
, ou seja, o apego injustificado e desnecessário às
formas processuais. Sobre o exposto, pode-se trazer à ribalta os seguintes escólios:
O juiz deve desapegar-se do formalismo, procurando agir de modo a propiciar às
partes o atingimento da finalidade do processo. Mas deve obedecer às formalidades
do processo, garantia do estado de direito
158
.
A finalidade do processo é instrumental, ou seja, fazer valer um interesse primário
aviltado. Exatamente por isso o processo não pode se constituir, ele mesmo, num
óbice a este desiderato, a ponto de confundir-se formalismo com formalidade
159
.
É bem verdade que as formas são de suma relevância para o procedimento e para o
regular desenvolvimento do processo. Não se deve admitir, contudo, que operador
do direito sujeite-se de modo irracional e incondicionado às formas processuais,
que elas somente se justificam enquanto meios de se lograr fins. Assim, logrado o
fim, ainda que não observada uma determinada forma processual, deve-se reputar o
ato como válido.
Ademais, entender de forma diversa, implicaria em desvirtuar a própria finalidade
para a qual foi concebido o processo judicial. Nesse contexto, portanto, as formas
processuais ganham relevância como meios para obtenção de fins, e qualquer
afastamento dessa idéia implicará formalismo e elevação do processo ao patamar
156
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva,
1997. p. 61.
157
A expressão "formalismo processual" não é empregada, aqui, no sentido que lhe imprime o prof.
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (1997, p. 6-9), ou seja, como forma em sentido amplo, a totalidade
formal do processo, compreendendo delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos
processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo,
com vistas a que sejam atingidas as suas finalidades. A precitada expressão é empregada nesta
dissertação em seu sentido negativo, para designar a superfetação da forma. Corresponde
exatamente àquilo que o prof. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (1997, p. 6) designa de formalismo
excessivo.
158
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. digo de processo civil comentado e
legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 618. No
mesmo sentido, destacando a necessidade de ser combatido o excesso de formalismo, que sacrifica
a realização da justiça, cf.: GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES
FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001. p. 19.
159
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 2. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 2. p. 74
73
de medida de todas as coisas. A realização da justiça não pode ser inviabilizada
pelo excesso de formalismo
160
.
4.1.2 Sistemas que regem as nulidades
Muito já se discutiu na doutrina sobre qual seria o melhor sistema sobre as nulidades
processuais. Na verdade, existem diversos sistemas, os quais apresentam suas
respectivas vantagens e desvantagens. Destaca Komatsu
161
que duas são as linhas
principais desses sistemas: a dos sistemas rígidos, que especificam rigorosamente
as nulidades e a dos sistemas genéricos, que proporcionam fórmulas abertas e
deixam ao intérprete a adequação aos casos concretos.
O mais antigo dos sistemas quedou conhecido como sistema do absolutismo da lei,
adotado pelos romanos, sobretudo no período das legis actiones. Por esse sistema,
qualquer resvalo à forma prescrita na legislação, por mais ínfimo que fosse,
redundaria na nulidade do ato.
As formas, nesse sistema, podem ser consideradas como sagradas e de
observância irrestrita e obrigatória. Santos
162
ressalta que, nesse sistema, "agarram-
se os animais pelos chifres e os homens pelas palavras". Exatamente por privilegiar
a forma em detrimento do seu conteúdo, ou seja, do fim do ato, esse sistema
propiciou a perpetração de grandes injustiças
163
.
160
Ademais, outra não foi a conclusão a que chegou o Min. Sálvio de Figueiredo, do Superior Tribunal
de Justiça, in verbis: "A concepção moderna do processo, como instrumento de realização da justiça,
repudia o excesso de formalismo, que culmina por inviabilizá-la" (BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Recurso especial n. 15713-MG. Relator Ministro Sálvio de Figueiredo. Turma. DJU
24.2.92, p. 1876. NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de processo civil
e legislação processual em vigor. 35. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 313).
161
KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.
76 e 77.
162
SANTOS, 2004, p. 62.
163
Registra a doutrina que no "direito romano primitivo vigorava o princípio do absolutismo da lei ou
da sacramentalidade das formas. As próprias palavras da lei deveriam ser reproduzidas sob pena de
nulidade. Conhecido é o exemplo dado pelo jurista Gaio: se a lide se referia a uma videira e o autor
usava o termo vitis (videira), mas a lei (no caso a Lei das XII Tábuas) prescrevia arbos (árvore), a
ação o podia ser acolhida" (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 16. ed.
atual. São Paulo: Saraiva, 2003b. v. 2. p. 11).
74
O segundo sistema é o judicial. De acordo com esse sistema, o tribunal fica
autorizado a apreciar os efeitos, ou seja, as conseqüências da nulidade do ato,
permitindo-se, inclusive, que se declare o ato nulo ou não. Esse sistema concede
aos juízes e aos tribunais poderes extremados e absolutos, criando um ambiente de
incerteza quanto aos pronunciamentos judiciais sobre as nulidades.
Certamente, esse sistema conduziria ao processo dito inquisitório
164
. Ademais, dele
decorreriam outros problemas de ordem pragmática. Como lembra Greco Filho, "a
individualidade de cada magistrado e tribunal geraria a desigualdade entre as partes
num processo e a desigualdade entre os diversos processos"
165
.
O terceiro sistema é chamado de legalista. Por essa concepção, não se admitem as
nulidades, senão nos casos expressamente previstos em lei. A declaração da
nulidade, nesse sistema, está condicionada à prévia determinação legal. Por outras
palavras, não nulidade sem lei que a determine. Vige, pois, o princípio pás de
nullité sans texte.
O quarto sistema é o da legalidade instrumental
166
. Por esse sistema, não
nulidade senão quando houver prejuízo para a parte. Vigora o princípio pás de nullité
sans grief, de modo que a decretação da nulidade de um ato processual está
condicionada à situação de o ato não ter atingido a sua finalidade e ter gerado
prejuízo. Trata-se do sistema mais moderno e que está em maior consonância com
as diretrizes contemporâneas do direito processual.
Na verdade, não existe uma razão lógica na decretação da nulidade de um ato
processual nos casos em que ele tenha atingido o seu escopo, isto é, a sua
finalidade. Como lembra Enrique Palácio
167
, não existe nulidade pela nulidade
mesma. Encampar entendimento diverso, inclusive, implicaria a sobreposição da
164
SANTOS, 2004, p. 63.
165
GRECO FILHO, 2003a, p. 10.
166
A expressão "legalidade instrumental" é de Greco Filho (2003a, p. 11).
167
ENRIQUE PALACIO, Lino. Manual de derecho procesal civil. 14. ed. Buenos Aires: Abeledo-
Perrot, 1999. p. 331.
75
forma ao conteúdo, idéia que preponderou no sistema do absolutismo da lei. Sobre o
exposto, pode-se expor o seguinte:
O sistema moderno, que pode ser chamado da legalidade instrumental, descreve,
também, os atos processuais em tipos ou modelos, mas admite, respeitado certo
mínimo fundamentado no interesse público, como válidos os atos praticados de
maneira diversa da prevista no Código se alcançarem sua finalidade essencial. A
forma, portanto, o existe para ser respeitada como bem em si mesmo. Ela existe
para alcançar determinada finalidade, a qual, se alcançada com outra forma,
assegura a preservação do ato. Em princípio, ela deve ser respeitada, mas se aceita
o ato que atingiu seu fim de outro modo
168
.
Uma análise do CPC, ainda que perfunctória, permite concluir que, no Brasil, adotou-
se o sistema da legalidade instrumental. Pontes de Miranda, em 1974, havia
consignado, ao tratar das nulidades processuais, que "o legislador traduziu bem o
seu propósito político de salvar os processos"
169
. Sobre o sistema que rege as
nulidades, encampado pelo CPC, pode-se trazer à ribalta o seguinte escólio:
Afastou-se o legislador, dessa maneira do sistema formalista, em que as
inobservâncias da forma sempre importam em nulidade. Também não seguiu o
chamado sistema judicial, do arbítrio exclusivo do juiz, que implicaria a adoção do
princípio da liberdade das formas processuais. Não abraçou rigorosamente o sistema
de que não nulidade sem previsão de lei ("ne pás de nullité san texte"). [...] Não
abandonou, de todo, o respeito às formas, visto que, no mencionado sistema, todas
as formas previstas em lei são relevantes. Mas veio temperado pelo princípio da
instrumentalidade das formas e da alegação adequada da inobservância da lei
processual [...]
170
.
4.1.3 Os planos da existência, validade e eficácia
Os planos da existência, da validade e da eficácia não podem ser confundidos.
Embora esses planos estejam estreitamente vinculados e sejam, de certa forma,
interconexos, eles não se confundem entre si. Realmente, como lembra Pontes de
Miranda
171
, os juristas, não raramente, incorrem no erro de confundir "ser, valer e ter
168
GRECO FILHO, 2003a, p. 11-12.
169
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao código de processo civil: arts. 154
a 281. 2. ed. São Paulo: Forense, 1974. t. 3. p. 321. Encampando esse mesmo entendimento, cf.
TUCCI, Rogério Lauria. Temas e problemas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1983. p.
156.
170
KOMATSU, 1991, p. 102.
171
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1954. t. 1. p. 22.
76
efeitos, como se fossem equivalentes ser, ser válido, ser eficaz, ou não ser, não ser
válido, ser ineficaz".
O primeiro, o da existência, é o plano do ser. Não se cogita, aqui, nesse plano,
quanto à validade ou quanto à eficacidade de um determinado ato. Na verdade,
analisa-se apenas a sua existência ou não. Inexistente, portanto, é o não-ser, ou
seja, é o ato que ainda não foi realizado.
A inexistência, contudo, pode estar no plano fático ou jurídico. Por outras palavras:
um ato pode não existir por circunstâncias fáticas, ou seja, por não ter sido ainda
realizado, ou pelo não preenchimento de circunstâncias jurídicas imprescindíveis. A
inexistência, no primeiro caso, está no plano dos fatos, enquanto, no segundo, está
no plano jurídico. Neste último caso, embora o ato possa até existir no plano
pragmático, ele não reúne um mínimo de elementos necessários à sua
caracterização na esfera jurídica. Por isso mesmo é ele inexistente.
A sentença que ainda não foi prolatada por um magistrado, por exemplo, é um ato
inexistente. Da mesma forma, se o requerido não foi chamado a juízo para
apresentar defesa em uma determinada ação, é porque a citação foi inexistente. A
inexistência, nesses casos, decorre pura e simplesmente da não realização do ato. É
uma inexistência fática.
Como dito, contudo, é possível também que o ato exista no plano fático, mas, dada
a ausência de certos requisitos essências à sua caracterização, ele inexista no plano
jurídico. Nesses casos, o ato é inexistente em decorrência da enorme mácula que o
impregna. Cite-se como exemplo a sentença prolatada por um escrivão ou por um
delegado de polícia. Embora esse ato possa existir materialmente, não tem qualquer
existência no plano jurídico.
O casamento realizado perante quem não tenha competência, por exemplo, por um
delegado de polícia, não configura fato jurídico; simplesmente, não existe como tal.
Não se de discutir, assim, se é nulo ou ineficaz, nem precisa ser desconstituído
jurisdicionalmente. A inexistência é o não-ser, não podendo ser, portanto,
qualificado
172
.
172
KOMATSU, 1991, p. 31.
77
O segundo plano é o da validade. Como lembra Komatsu
173
, "realmente, entre existir
e produzir efeitos, se interpõe a questão de valer". É no plano da validade que se
analisa a tipicidade do ato, ou seja, o seu tipo
174
. É possível que o ato exista, mas
seja inválido, por não preencher os seus respectivos requisitos para adentrar no
plano jurídico.
A validade do ato relaciona-se à observância das normas jurídicas. Se um ato
atendeu às normas positivadas, esse ato pode ser considerado como válido, ou seja,
em consonância com a ordem jurídica. No plano da validade, portanto, analisa-se a
tipicidade do ato à moldura legal. Esse plano relaciona-se às nulidades
175
. Nesse
sentido, pode-se citar o seguinte:
Diz-se inválido o ato processual quando este não se conforma com o esquema
abstrato predisposto pelo legislador (tipo). Em outros termos, ato processual atípico é
ato processual inválido. A lei estabelece uma série de ditames, os quais devem ser
respeitados por aquele que praticar um ato processual. O descumprimento do
ônus de praticar o ato processual de acordo com as regras estabelecidas em lei tem
como conseqüência a sua invalidade
176
.
Por fim, tem-se o plano da eficácia, que está correlacionado à produção de efeitos
pelo ato. Na verdade, como lembra Mello
177
, "o plano da eficácia, como o da
validade, pressupõe a passagem pelo plano da existência, não, todavia,
essencialmente, pelo plano da validade". De qualquer modo, nesse plano, não se
tem em mira a produção de quaisquer efeitos, mas sim a produção dos efeitos
esperados e previstos na norma.
173
KOMATSU, 1991, p. 33.
174
O conceito de tipo do ato é aduzido na doutrina da seguinte forma: "O tipo (fattispecie) do ato é,
pois, o modelo, ou também se poderia dizer a amostra do ato que o legislador constrói com o objetivo
de regular o procedimento, isto é, de fazê-lo idôneo para o fim" (PASSOS, Calmon. Esboço de uma
teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 78).
175
O plano da validade relaciona-se às nulidades do ato, enquanto o da eficácia, como se verá
adiante, relaciona-se à produção de efeitos. Nesse sentido: "Em primeiro lugar, antes de abordarmos
o tema 'nulidades' propriamente dito, cabe separarmos os planos de validade, a que dizem respeito
as nulidades, e o da eficácia, a que concerne o problema da produção de efeitos" (WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998. p. 110).
176
CÂMARA, 2002, p. 221.
177
Apud MATTOS, 1997, p. 265.
78
Discute-se, em sede doutrinária, se a expressão "eficácia" está relacionada à efetiva
produção de efeitos ou à aptidão para produzi-los. São partidários da primeira
vertente Pisanelli, Novelli e Pontes de Miranda; da segunda, Valles, Giannini e
Cretella Junior
178
.
Registre-se, primeiramente, que não possível, em boa lógica, identificar as duas
entidades sob a mesma designação"
179
, ou seja, o se pode, a rigor, utilizar a
expressão "eficácia" para designar a efetiva produção de efeitos e também a aptidão
para produzi-los. Assim, a expressão "eficácia" deve designar ou a efetiva produção
de efeitos, ou a aptidão para produzi-los.
O ato eficaz é aquele que, de fato, produz efeitos. Na verdade, a potencialidade para
produção dos efeitos não se relaciona, a rigor, com a eficácia, mas sim com a
validade do ato: se o ato é válido, ele tem aptidão para produzir os efeitos, o que não
significa dizer que irá produzi-los. Essa noção de produção efetiva dos efeitos situa-
se no plano da eficácia.
Diante dessa sistematização, é perfeitamente possível inferir que o ato inválido, a
despeito da ausência de tipicidade, pode produzir efeitos. Basta, para tanto, que a
sua invalidade não seja reconhecida. Registre-se, ademais, que, se o ato, malgrado
atípico, atingiu a sua finalidade, ou seja, produziu os efeitos esperados, não
porque se declarar a sua invalidade. Se o fim colimado foi logrado, pouco importa
que o ato não tenha se subsumido ao modelo legal.
Pelo exposto, infere-se a plena autonomia dos planos da existência, validade e
eficácia. Assim, é perfeitamente possível, como lembra Marcos Bernardes de
Melo
180
, serem encontradas as seguintes situações em que o ato: a) existe, é válido
e eficaz (ex. casamento de homem e mulher, sem qualquer impedimento e realizado
perante autoridade competente); b) existe, é válido e é ineficaz (ex. o testamento de
178
Apud KOMATSU, 1991, p. 36.
179
NOVELLI apud KOMATSU, 1991, p. 37.
180
Apud KOMATSU, 1991, p. 30.
79
pessoa capaz, feito com observância das formalidades legais, antes da ocorrência
do óbito); c) existe, é inválido e é eficaz (ex. casamento putativo, negócio jurídico
anulável, antes da decretação da anulabilidade); d) existe, é inválido e é ineficaz
(doação feita pessoalmente por pessoa absolutamente incapaz); e) existe e é eficaz
(nascimento com vida); f) existe e é ineficaz.
4.1.4 Nulidades ou invalidades?
Restou consignado que o plano da validade está intimamente relacionado à nulidade
do ato processual. Não se observando o tipo definido em lei, ou seja, afastando-se
da forma definida pelo legislador, o ato será considerado inválido. quem sustente
na doutrina que a nulidade equivale à própria invalidade do ato e à pena imposta
pela infração da lei
181
.
Intruje-se, nesse particular, que a nulidade pode estar relacionada com o vício do ato
em si, ou mesmo com a sanção para a inobservância de uma determinada forma.
Por outras palavras: a nulidade relaciona-se tanto com o defeito do ato, como com a
conseqüência desse defeito - a sanção -, que seria a declaração do vício.
De qualquer modo, se se considerar a nulidade como defeito do ato, de melhor
alvitre seria o emprego da expressão "invalidade". É que esta expressão é mais
ampla do que "nulidade". Na verdade, aquela constitui gênero do qual esta é uma
espécie. De fato, a invalidade, ou seja, a inobservância do tipo definido em lei, pode
culminar em atos viciados nos mais diversos graus, como a inexistência, a nulidade
absoluta, a nulidade relativa, a anulabilidade e a mera irregularidade. A nulidade
constitui-se apenas em um tipo de invalidade.
Dall'Agnoll
182
ressalta, nesse contexto, que melhor seria que a doutrina empregasse
a expressão "invalidades", exatamente pelo fato de ser ela mais ampla do que a
181
Essa é a orientação de Pimenta Bueno e Cunha Sales, encampada por Prata (PRATA, Edson.
Processo de conhecimento. São Paulo: LEUD, 1989. v. 2. p. 572).
182
Apud WAMBIER, 1998, p. 116.
80
expressão "nulidades". Contudo, como lembra Teresa Arruda Alvim Wambier
183
, o
vocábulo "nulidade" teve o seu uso consagrado no sentido de equivalência à
"invalidade", motivo pelo qual será adotado nesta dissertação.
4.1.5 Espécies de nulidades
As nulidades
184
são classificadas em categorias, as quais possibilitam a melhor
compreensão dos seus respectivos efeitos na esfera processual. Essas
classificações são estipuladas com base na intensidade dos vícios que acometem
certos atos do processo, de modo a possibilitar a definição das diretrizes para
tratamento desses atos maculados.
Assim, diz-se, por exemplo, que uma categoria das nulidades processuais é a
irregularidade. Essa categoria de nulidade não gera nenhum prejuízo às partes e
não demanda a prática de nenhum outro ato para a sua convalidação. De qualquer
forma, na doutrina pode ser encontrada uma pluralidade de classificações quanto às
nulidades processuais, as quais serão abordadas logo adiante.
4.1.5.1 Consideração prévia: a inaplicabilidade do sistema das nulidades
de direito privado ao direito processual
As nulidades processuais apresentam tipificação e sistema próprios. Na verdade,
não se deve mesmo transpor para o direito processual o sistema que rege as
nulidades na esfera do direito privado. As especificidades de cada ramo do direito
implicam a necessidade de adoção de sistemas específicos em matéria de
nulidades. Embora seja possível admitir-se a existência de uma teoria geral das
nulidades, a rigor, em cada ramo do direito, as nulidades ganham peculiaridades
próprias
185
.
183
WAMBIER, 1998, p. 116. A mesma ressalva é feita por MATTOS, 1997, p. 264.
184
Como visto, melhor seria que se fizesse uso da expressão espécies de "invalidades" e não de
"nulidades", já que aquela é gênero do qual esta é espécie.
185
É com base nessas considerações que Galeno Lacerda tece crítica à classificação das nulidades
proposta por Carnelutti. Na verdade, a sistematização proposta por este último autor tanto vale para o
81
A transposição das normas que regem as nulidades no direito privado para a esfera
do direito processual - que é público - pode gerar transtornos de ordem operacional.
O processo, enquanto instrumento de uma atividade estatal, demanda tratamento
diferenciado quanto às nulidades dos seus atos. Na verdade, os atos processuais,
que compõem o processo, apresentam requisitos específicos e objetivos próprios, os
quais os apartam dos demais atos jurídicos. Daí a necessidade de uma
sistematização peculiar.
A regulamentação jurídica das nulidades processuais não se identifica, assim, com
aquela contida no Código Civil para os atos jurídicos de direito privado. O ato
processual tem os seus aspectos peculiares, o que torna imperativa uma disciplina
legal própria para a sanção jurídica das nulidades processuais
186
.
Tendo em vista que existe diferenciação entre os sistemas de nulidades de direito
privado e de direito processual, não se pode, a rigor, transpor as regras daquele
sistema para este
187
. Assim, não serão os princípios que regem as nulidades de
direito privado que irão reger as nulidades processuais
188
. Como quedou
consignado, o direito processual pertence ao direito público, sendo regido por
princípios e regras próprias.
Para ilustrar essa diferenciação, basta citar o exemplo da citação inválida. Trata-se
de nulidade absoluta, cominada (art. 247 do CPC), que, pelo sistema de nulidades
do direito privado, não poderia ser convalidada. O próprio CPC, no entanto, permite,
no art. 214, § e 2º, a convalidação desse ato, a despeito de estar inquinado por
uma nulidade absoluta.
direito processual como para os demais ramos da ciência jurídica. Cf. LACERDA, Galeno. Despacho
saneador. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1990. p. 71-72.
186
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 1. ed. rev. atual. por Ovídio
Rocha Barros Sandoval. Campinas: Millennium editora, 2000. v. 2. p. 368.
187
Essa advertência é comum na doutrina. Cf. ALVIM, Eduardo Arruda. Curso de direito processual
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. v. 1. p. 306; WAMBIER, 1998, p. 116; CÂMARA, 2002,
p. 222; CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 340; NERY JUNIOR; NERY, 2003, p. 617;
RODRIGUES, 2003, p. 69. MARCATO, Antônio Carlos (Coord.). Código de processo civil
interpretado. São Paulo: Atlas, 2004. p. 676.
188
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003. v. 1. p. 505 e 506.
82
Com efeito, no sistema de nulidades processuais, tanto o ato anulável como o nulo
podem ser sanados; no direito privado, contudo, o mesmo não ocorre, que
somente o ato anulável pode ser sanado, mediante confirmação, o que não ocorre
com os atos nulos
189
.
Outra distinção entre o regime das nulidades de direito privado e de direito
processual reside na necessidade de pronunciamento judicial, o qual é
imprescindível no segundo sistema
190
. Assim, não nulidade processual sem
pronunciamento do magistrado, ou seja, não há nulidade processual pleno iure
191
.
Ressalte-se, outrossim, que essa diferenciação de sistemas não permite o emprego
da analogia às regras de direito privado para suprir eventuais lacunas do sistema de
nulidades de direito processual. o se pode, assim, tentar buscar soluções, em
matéria de nulidades dos atos processuais, nas regras de direito privado. É que as
relações jurídicas em que se estribam os sistemas são diversas: a relação de direito
privado é travada entre credor e devedor, sendo, portanto, linear; a de direito
processual, é estabelecida, entre autor, réu e juiz, sendo triangular
192
.
189
O art. 168 do CC, que trata dos atos nulos, dispõe o seguinte: "O negócio jurídico nulo não é
suscetível de confirmação, nem convalesce com o decurso do tempo". o art. 172 do citado codex,
que trata dos atos anuláveis, consigna que "O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes,
salvo direito de terceiro".
190
Há, para essa regra, uma exceção que está prevista no art. 39 da LJE (lei 9099/95). Segundo esse
dispositivo, ineficaz a sentença condenatória na parte que exceder a alçada estabelecida em lei".
Como lembra a doutrina (MARCATO, 2004, p. 680), nesse caso, a sentença o produzirá efeito, no
que concerne à parte excedente à alçada dos Juizados Especiais, independentemente de declaração
de nulidade.
191
Sobre o exposto, cf. CÂMARA, 2002, p. 222.
192
Registre-se que há, em sede doutrinária, divergência quanto aos elementos que integram a
relação processual. Segundo Kohler, por exemplo, a relação processual se estabelece apenas entre
as partes e seria linear. Por outro lado, para Carnelutti, Hellwig Plank e Jorge Alberto dos Reis, a
relação processual seria bilateral e angular, ou seja, o vínculo seria travado entre autor e juiz e entre
este e o u. Uma terceira corrente, contudo - que se pode dizer dominante -, defendida por Bülow,
Chiovenda, Calamandrei, Liebman, Zanzucchi e outros considera que a relação processual é
trilateral. Uma análise dessas teorias foi realizada na obra de SANTOS, 1998, p. 313 et seq.
83
4.1.5.2 Pluralidade de classificações ou sistematizações
Na doutrina são encontradas várias classificações das nulidades (rectius:
invalidades) dos atos processuais. Como lembra Teixeira
193
, "há muita divergência
doutrinária quanto à classificação dos atos viciados". Não se pretende, aqui,
contudo, fazer uma análise meticulosa de todas elas, até mesmo porque isso
resvalaria ao objeto desta dissertação.
De qualquer sorte, duas classificações o predominantes na doutrina. A primeira é
aquela que classifica as nulidades processuais em cinco grupos: a) inexistência; b)
nulidade absoluta; c) nulidade relativa; d) anulabilidade e e) irregularidade. Essa
classificação foi denominada clássica. A segunda, mais simples, agrupa as
nulidades processuais em quatro categorias: a) inexistência; b) nulidade absoluta; c)
nulidade relativa e d) irregularidade. Tal classificação foi, aqui, cognominada de
simplificada, por apresentar uma sistematização das nulidades menos complexa do
que a anterior.
4.1.5.3 Tipologia clássica das nulidades
A tipologia clássica das nulidades, como visto, agrupa os vícios do ato processual
em cinco categorias. Essa tipologia foi sistematizada por Galeno Lacerda
194
, ainda
sob a égide do CPC/39, e serviu como inspiração para muitos doutrinadores. Sobre
o exposto, pode-se citar o seguinte:
Tentativa de sistematização das nulidades do processo que merece citação foi a de
Galeno Lacerda, feita sob a égide do Código revogado. Fugindo da terminologia
habitual, diz Galeno Lacerda que, no processo, há nulidades absolutas, de que
cuidam normas que visam a alcançar fins ditados pelo interesse público; nulidades
relativas, tratadas por normas cogentes; anulabilidades, tratadas por normas
dispositivas (estas duas últimas, instituídas com vistas a proteger interesse da parte).
Há, também, no processo, as inexistências e as meras irregularidades, figuras estas
situadas em ambos os extremos da gradação
195
.
193
TEIXEIRA, 1996, p. 171. A mesma advertência é feita por FRIEDE, Reis. Comentários ao código
de processo civil: arts. 154 a 281. São Paulo: Forense Universitária, 1997. v. 3. p. 1198.
194
Essa sistematização foi apresentada na seguinte obra: LACERDA, 1990, p. 68-75.
195
WAMBIER, 1998, p. 134.
84
E parte da doutrina, como lembra Komatsu
196
, acolheu a sistematização de Lacerda,
vislumbrando nela a nota diferencial das nulidades de direito privado. Essa
orientação pode ser encontrada, por exemplo, nas obras de Edson Prata
197
, Moniz
de Aragão
198
, lvio de Figueiredo Teixeira
199
, Vicente Greco Filho
200
, Alexandre
Freitas Câmara
201
e Sérgio de Mattos
202
. As nulidades, nessa sistematização, o
agrupadas da seguinte forma: a) inexistência; b) nulidade absoluta; c) nulidade
relativa; d) anulabilidade e e) irregularidade.
4.1.5.3.1 Inexistência
A inexistência constitui o vício de maior gravidade do ato processual. De fato, está
situado no ápice da pirâmide de gradação dos defeitos dos atos processuais. A
inexistência pode ser fática ou jurídica. Nesse sentido pode-se colacionar o seguinte
escólio:
A inexistência pode assumir dois aspectos distintos: um meramente vocabular, que
significa não-ato; outro, jurídico, que significa ato existente no mundo dos fatos, mas
não existente no mundo do Direito
203
.
De qualquer sorte, a inexistência fática não apresenta grande relevância para o
direito processual. É que, não realizado um determinado ato processual, ele não
existe nos autos. Assim, se a sentença ainda não foi prolatada, ela não existe na
esfera jurídica. Nesses casos, inclusive, nem mesmo deveria cogitar-se de defeito do
ato processual, que, faticamente, ele inexiste. Citem-se, como exemplos de atos
196
KOMATSU, 1991, p. 209.
197
PRATA, 1989, p. 573.
198
ARAGÃO, 1995, p. 257.
199
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 65.
Deve-se ressaltar, no entanto, que, em obra posterior (1996, p. 171 e 172), o precitado autor parece
afastar da sistematização das nulidades processuais a categoria da anulabilidade, filiando-se, assim,
à teoria simplificada das nulidades processuais.
200
GRECO FILHO, 2003b, p. 42-44.
201
CÂMARA, 2002, p. 222 e 223.
202
MATTOS, 1997, p. 269.
203
ARAGÃO, 1995, p. 258.
85
inexistentes, no plano fático, os que são perpetrados em um processo simulado, tão
comum na esfera acadêmica.
Por outro lado, a inexistência na esfera jurídica apresenta maior relevância. Nesses
casos, o ato existe de fato, mas não de direito. Às vezes, o ato processual desviar-se
de forma tão intensa ao conteúdo das regras mínimas para a sua formação, que
esse ato nem pode ser considerado como existente na esfera processual. A
sentença prolatada por um escrivão, por exemplo, é considerada como um ato
inexistente; outro exemplo seria o da citação de uma pessoa diversa do citando; o
réu falecido que fora citado por edital etc. A inexistência constitui-se em vício que,
segundo a doutrina
204
, jamais pode convalescer
205
.
4.1.5.3.2 Nulidade absoluta
Outro vício do ato processual é a nulidade absoluta. Trata-se de vício situado logo
abaixo da inexistência em termos de gravidade. Nessa espécie de nulidade, o
interesse tutelado é exclusivamente de ordem pública. Por isso mesmo, essas
nulidades devem ser pronunciadas ex officio pelo magistrado. São exemplos de
nulidade absoluta: a não intervenção do MP nas causas em que deva funcionar
como custos legis, a incompetência ratione materiae etc.
Sempre que a norma tutela um interesse público, sobre o qual as partes não têm o
poder de disposição, a infringência acarretará a nulidade absoluta. É o que sucede,
por exemplo, com as regras sobre competência funcional, ditadas no exclusivo
interesse do Estado, cujo desrespeito redunda em nulidade absoluta
206
.
204
PRATA, 1989, p. 573.
205
É bem verdade que essa afirmativa não é absoluta. Como se verá adiante, até mesmo a
inexistência pode ser convalidada. Basta imaginar a situação em que o réu não foi citado no
processo. Trata-se de ato inexistente. Contudo, comparecendo o réu espontaneamente e
apresentando a sua defesa, o vício considera-se sanado. O próprio CPC, no art. 214, § 1º, reza que:
"O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação".
206
ARAGÃO, 1995, p. 261.
86
Destaque-se que a inexistência não se confunde com a nulidade absoluta pelo fato
de que a primeira jamais se convalesce, nem mesmo após o decurso do prazo
207
para propositura da ação rescisória
208
, enquanto a segunda pode convalescer após
o advento do termo para propositura da precitada ação. Na verdade, uma vez
escoado o prazo legal para propositura da ação rescisória, quedam sanadas as
nulidades, ainda que de natureza absoluta.
4.1.5.3.3 Nulidade relativa
Outra categoria de vício proposta na sistematização de Lacerda é a da nulidade
relativa. Nesse caso, o interesse tutelado é de ordem particular, mas a norma
violada é cogente, ou seja, indisponível para a parte. Pode ser, também,
pronunciada ex officio pelo juiz. A penhora de bem arrolado pela lei como
impenhorável (art. 649 do CPC) pode ser considerada como exemplo de nulidade
relativa. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
A nulidade relativa decorre de violação de norma cogente de interesse da parte. Deve
ser decretada de ofício pelo juiz, mas a parte pode expressamente abrir mão da
norma instituída em sua proteção, impedindo a decretação e aceitando a situação e o
prosseguimento do processo
209
.
4.1.5.3.4 Anulabilidade
A anulabilidade é outra categoria de vício do ato processual prevista na
sistematização de Galeno Lacerda. Na verdade, nesses casos, o interesse tutelado
é exclusivamente de ordem particular, havendo violação de normas de natureza
exclusivamente dispositiva. Exatamente por isso, não pode o magistrado agir de
ofício.
207
O prazo para propositura da ão rescisória é decadencial e de 2 anos, de acordo com o disposto
no art. 495 do CPC.
208
Nos casos de inexistência (por exemplo: ausência de citação) tem-se admitido a propositura da
chamada ação de querela nullitatis insanabilis, mesmo após o decurso do prazo para propositura da
ação rescisória. Assim, ainda que haja formação da "coisa soberanamente julgada", é possível ao
prejudicado valer-se da ação declaratória para obter a declaração da inexistência da relação
processual. Sobre a querela nullitatis insanabilis, cf. MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela
nullitatis: sua subsistência no direito brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2000. 81 p.
209
GRECO FILHO, 2003b, p. 43.
87
A violação de uma norma cogente, implica nulidade relativa do ato. Se a norma é
dispositiva, estaremos diante da anulabilidade. No primeiro caso, o juiz tem a
faculdade de proceder de ofício; no segundo, a atuação do magistrado depende de
provocação da parte interessada
210
.
A não alegação da anulabilidade no momento oportuno do rito processual, implicará
preclusão. Por outras palavras: se o alegada tempestivamente, a matéria resta
preclusa, de modo que o vício quedará sanado.
Cite-se como exemplo de anulabilidade a incompetência relativa (em razão do
território ou em razão do valor da causa). Nesses casos, o vício não poderá ser
reconhecido pelo juiz ex officio, por se tratar de anulabilidade. Caberá, assim, ao
prejudicado alegar o precitado vício, através do meio adequado, ou seja, mediante
exceção de incompetência. E, como visto, caso não seja alegado no momento
oportuno, haverá preclusão
211
.
4.1.5.3.5 Irregularidade
O último cio do ato processual é a irregularidade, que constitui o vício de menor
importância para o processo. Como anota Aragão
212
, trata-se de "infrações que não
comprometem o ordenamento jurídico nem o interesse da parte; tampouco afetam a
estrutura do ato a ponto de torná-lo inábil à produção dos efeitos a que é destinado".
Haverá irregularidade, por exemplo, quando o ato processual contiver espaços em
branco, entrelinhas, emendas ou rasuras, em ostensiva violação à regra do art. 171
do CPC. Da mesma forma, constitui exemplo de irregularidade o fato de o escrivão
olvidar-se de rubricar folhas dos autos, em desacordo com o disposto no art. 167 do
citado codex.
210
BEDAQUE, 1990, p. 32.
211
O art. 114 do CPC reza o seguinte: "Prorroga-se a competência, se o réu não opuser exceção
declinatória do foro e de juízo, no caso e prazo legais". Resta claro, pois, que, se o réu não argüir a
incompetência relativa (anulabilidade), haverá prorrogação da competência do juízo inicialmente
incompetente. Por outras palavras: o vício, uma vez não impugnado, convalidar-se-á.
212
ARAGÃO, 1995, p. 265.
88
4.1.5.4 Tipologia simplificada das nulidades
A tipologia simplificada das nulidades constitui-se em outra sistematização das
nulidades dos atos processuais. Na verdade, a expressão "simplificada" decorre do
fato de que existem menos tipos de nulidades se comparada à classificação exposta
anteriormente. Diz-se, pois, simplificada por ser ela menos complexa que a
sistematização defendida por Galeno Lacerda.
As nulidades processuais, aqui, são agrupadas em apenas quatro categorias. São
elas: a) inexistência; b) nulidade absoluta; c) nulidade relativa e d) irregularidade. A
categoria das anulabilidades não é destacada como uma classe autônoma nessa
sistematização, como o foi na anterior.
Essa classificação das nulidades tem contado com a adesão de grande parte da
doutrina, sendo adotada, por exemplo, por Cândido Rangel Dinamarco
213
, Frederico
Marques
214
, Theodoro Júnior
215
, Ovídio Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes
216
,
Eduardo Arruda Alvim
217
, Toufic Deebeis
218
, Calmon de Passos
219
, Antônio Carlos
Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Dinamarco
220
, Djanira Radamés de
221
,
Pedro da Silva Dinamarco
222
; na doutrina alienígena, podem-se citar Eduardo
Couture
223
, Barrios de Angelis
224
, Aldo Attardi
225
dentre outros.
213
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2002b. v. 2. p. 583-599.
214
MARQUES, 2000, p. 373-382.
215
THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 256.
216
SILVA; GOMES, 1997, p. 221.
217
ALVIM, 1999, p. 308.
218
DEEBEIS, Toufic Daher. Processo civil de conhecimento e procedimentos. São Paulo: LEUD,
1998. p. 198.
219
PASSOS, 2002, p. 141.
220
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 339.
221
SÁ, Djanira Maria Radamés de. Teoria geral do direito processual civil: a lide e a sua
resolução. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 214.
222
MARCATO, 2004, p. 681.
89
4.1.5.4.1 Inexistência
A primeira categoria de vícios dessa sistematização é, do mesmo modo que na
sistematização anterior, a inexistência. Diz-se que o ato é inexistente quando ele
não foi realizado (inexistência fática) ou mesmo quando o ato praticado não reúne
um mínimo dos requisitos jurídicos necessários à sua caracterização (inexistência
jurídica).
Pode-se dizer, assim, que o ato inexistente é aquele que "não reúne os mínimos
requisitos de fato para sua existência como ato jurídico, do qual não apresenta nem
mesmo a aparência exterior"
226
. O tratamento desse vício não apresenta grande
complexidade na esfera processual, que ele, como reiteradamente tem destacado
a doutrina, não se convalida
227
.
A lei processual não costuma fazer menção aos atos que são considerados como
inexistentes. Aliás, nem mesmo seria isso necessário, que o resvalo à forma é tão
grande nesses casos que dificilmente se duvidaria de que o ato é inexistente perante
o ordenamento jurídico.
São exemplos de ato processual inexistente: (a) decisão judicial (final ou
interlocutória) sem assinatura do juiz que a proferiu; (b) decisão prolatada por juiz
promovido ou aposentado; (c) sentença que não contenha a parte dispositiva (art.
458, II), sobre a qual normalmente incidiria a coisa julgada (art. 468 c/c art. 469, I e II);
(d) sentença ainda não publicada; (e) petição não assinada por advogado em pleno
exercício de seus direitos profissionais (art. 36; e EA, art. 4º) ou assinada por
advogado que não recebeu procuração (art. 37), o que substancialmente é a mesma
coisa; (f) demanda proposta por (ou em face de) pessoa inexistente; (g) decisões
proferidas em processo que correu à revelia do réu em decorrência de algum vício em
223
COUTURE, 2002, p. 307-309.
224
BARRIOS DE ÁNGELIS, 2002, p. 146.
225
ATTARDI, Aldo. Diritto processuale civile. Milani: CEDAM, 1995. v. 1. p. 403.
226
THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 256.
227
advertimos o leitor que essa impossibilidade de ser sanado o ato inexistente, tão
reiteradamente destacada pela doutrina, é relativa: basta lembrar que até mesmo a ausência de
citação (inexistência fática) pode ser sanada pelo comparecimento espontâneo do requerido, por
força do art. 214, § do CPC. Essa matéria será tratada mais adiante quando da análise das
tipologias das nulidades ante o princípio da instrumentalidade substancial das formas e a
necessidade de efetivação da tutela jurisdicional.
90
sua citação (art. 741, I); (h) sentença que condene a uma prestação materialmente
impossível (por exemplo, construir uma casa na Lua) etc
228
.
4.1.5.4.2 Nulidade absoluta
A nulidade absoluta é um vício de menor gravidade do que a inexistência. De
qualquer modo, trata-se de vício grave e que pode ser declarado de ofício pelo juiz.
Ademais, é exatamente nesse particular que a nulidade absoluta distingue-se da
nulidade relativa
229
.
Há, em relação às nulidades absolutas, nítido interesse público. Consigne-se que
essas nulidades não sofrem preclusão e, por isso mesmo, podem ser alegadas pela
parte em qualquer momento. Como dito, o juiz pode sobre elas pronunciar-se ex
officio. Com o trânsito em julgado da sentença, contudo, essas nulidades ficam
neutralizadas e a autoridade da coisa julgada incide sobre elas
230
.
vários exemplos de nulidade absoluta: (a) decisões proferidas por juiz que não
tenha competência funcional ou em razão da pessoa (art. 113, § 2º); (b) decisão
desprovida de motivação (CF, art. 93, IX e CPC, art. 165); (c) contrato entre partes
que inverta o ônus da prova em desacordo com o art. 333, parágrafo único; (d)
intimação publicada no Diário Oficial em que não constem 'os nomes das partes e de
seus advogados, suficientes para sua identificação' (art. 236, § 1º); (e) audiência
preliminar (art. 331) onde não seja saneado o feito, fixados os pontos controvertidos
ou apreciada a pertinência das provas requeridas; (f) penhora de bem absolutamente
impenhorável (art. 649 - por exemplo, bem de família), que pode ser alegada e
reconhecida a qualquer momento, enquanto não se consumar a arrematação do bem
etc
231
.
228
MARCATO, 2004, p. 677 e 678.
229
Essa distinção não está na lei, decorrendo de construção doutrinária, como lembra Dinamarco
(2002b, p. 595).
230
É bem verdade que, nesses casos, será possível ao prejudicado valer-se da ação rescisória (art.
485 do CPC), para desconstituir a sentença prolatada. De qualquer sorte, com o trânsito em julgado
da sentença, uma espécie de "sanatória geral", ficando as nulidades, ainda que de natureza
absoluta, sanadas naquele processo. Sobre a "sanatória geral", cf. LIEBMAN, 1985, p. 266.
231
MARCATO, 2004, p. 681 e 682.
91
4.1.5.4.3 Nulidade relativa
A nulidade relativa é vício de menor gravidade do que a absoluta. Essa categoria de
nulidade deve ser alegada pela parte, sob pena de preclusão. Assim, o seu
conhecimento não pode ser feito ex officio. Não sendo, pois, alegada opportuno
tempore, quedará sanada. Aqui, nítido interesse privado. Lembra Theodoro
Júnior
232
que as nulidades relativas constituem a regra geral, enquanto as absolutas,
as exceções.
São exemplos de nulidade relativa: (a) os atos praticados por juiz relativamente
incompetente; (b) penhora de bem desrespeitando a ordem de preferência contida no
art. 655; (c) extinção indevida do processo sem julgamento de mérito (art. 267); (d)
expedição de carta precatória ou de ordem por telegrama, radiograma ou telefone
sem que haja real urgência (art. 205) etc
233
.
4.1.5.4.4 Irregularidade
As irregularidades o defeitos de pouca monta e que não chegam a prejudicar o
bom andamento do feito. Constitui exemplo de irregularidade o fato de o advogado
ou o juiz apresentarem, nos autos de um processo, peças escritas com tinta colorida,
o que é vedado pelo art. 169 do CPC.
4.1.5.5 Análise das tipologias das nulidades
As classificações apresentadas, tanto a clássica como a tradicional, definem de
modo meticuloso os vícios dos atos processuais que podem surgir durante o trâmite
processual. É bem verdade que a primeira sistematização é mais meticulosa do que
a segunda, apresentando uma categoria a mais de invalidade - a anulabilidade.
A tipologia clássica, defendida, sobretudo, por Galeno Lacerda, entretanto, valeu-se
da distinção entre normas cogentes e dispositivas, para caracterizar,
respectivamente, a nulidade relativa e a anulabilidade. Essa diferenciação não
passou despercebida pela doutrina, que teceu a seguinte crítica:
232
THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 257.
233
MARCATO, 2004, p. 682.
92
A distinção não é compatível com a natureza do processo, que, como procedimento
que se realiza em contraditório para o advento do ato imperativo do Estado - a
sentença -, é disciplinado por normas de ordem pública. [...] Não como se admitir
que uma estrutura legal que formule um modelo abstrato de processo, prevendo os
atos do juiz e das partes, para a formação de um ato final, a sentença, possa ser
concebida em função do interesse da parte, que apenas em cada caso concreto
poderia ser identificado
234
.
De qualquer sorte, a tipologia clássica e a simplificada parecem não apresentar um
conteúdo pragmático no que concerne à possibilidade de convalidação dos vícios.
Com efeito, tanto na tipologia clássica, como na simplificada, considera-se que os
atos inexistentes (no plano tico ou no jurídico) ou imiscuídos de nulidade absoluta
não podem convalescer.
A própria legislação processual civil permite, porém, em certos casos, a
convalidação até mesmo de atos inexistentes. Basta citar, como exemplo, a
ausência de citação. Nesse caso, a seguir a orientação apregoada pelos defensores
da sistematização clássica ou simplificada das nulidades, por se tratar de ato
inexistente (ou nulo, para alguns
235
), o haveria possibilidade de convalidação do
vício.
O art. 214, § do CPC, contudo, reza o seguinte: "O comparecimento espontâneo
do réu supre, entretanto, a falta de citação". Assim, mesmo que não tenha ocorrido a
citação, ter-se-á a possibilidade de convalidação do ato se o requerido compareceu
espontaneamente e apresentou a sua resposta. Se o fim do ato foi atingido, ainda
que ele tenha sido realizado de modo diverso do previsto na lei, deve ser admitido
como válido.
Ora, a vingar integralmente a classificação da doutrina, não haveria a possibilidade
de convalidação de um ato inexistente ou nulo. No caso precitado - de ausência de
citação - é possível que um ato inexistente ou nulo seja convalidado, desde que ele
tenha atingido o seu desiderato.
234
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1993. p. 92 e 93.
235
Essa orientação, por exemplo, é adotada por THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 257
93
Advirta-se que não se pretende, com essa argumentação, renegar o valor das
classificações das nulidades. Pretende-se, sim, esclarecer que a sua relevância
relaciona-se, sobretudo, com a individualização dos atos viciados. No que concerne
à sanabilidade dos atos inválidos, contudo, as sistematizações esposadas estão a
merecer melhor estruturação epistemológica.
Como lembra Bedaque
236
, pelo exposto "conclui-se que a distinção entre nulidade
absoluta e relativa, em direito processual, é totalmente irrelevante para a questão da
sanabilidade do ato viciado". Assim, as classificações aduzidas, quanto ao aspecto
da sanabilidade dos atos viciados, devem ser repensadas por parte da doutrina.
4.1.6 As nulidades de forma e de fundo (substância)
Uma outra categorização das nulidades é a que as classificam em nulidades de
forma e de fundo
237
. Trata-se de sistematização que tem sido defendida pela prof.
Teresa Arruda Alvim Wambier
238
e que pode ser considerada, de certa forma,
recente na dogmática processual, mas que tem contado com a adesão de outros
autores
239
.
4.1.6.1 Conteúdo da classificação
As nulidades, segundo essa classificação, podem ser de duas espécies: de forma e
de fundo. As nulidades de fundo estão relacionadas à falta de pressupostos
processuais positivos ou à presença dos negativos; a ausência de condições da
ação, outrossim, conduz à nulidade de fundo. As nulidades de forma constituem as
demais nulidades do processo.
236
BEDAQUE, 1990, p. 36.
237
Registre-se que o tratamento em apartado dessa classificação, nesta dissertação, tem sua razão
de ser. Na verdade, essa sistematização é de suma relevância para esta pesquisa, como se verá,
sobretudo no que concerne à extensão da aplicação do princípio da instrumentalidade das formas às
nulidades de fundo.
238
WAMBIER, 1998, p. 159.
239
Cf. RODRIGUES, 2003, p. 70; COUTURE, 2002, p. 315.
94
As nulidades de forma podem ser, ainda, absolutas ou relativas. Se previstas em lei,
serão absolutas, não sofrendo preclusão; nesse caso, é dever do juiz conhecê-las ex
officio. De outro lado, se não previstas em lei, serão elas relativas, havendo a
possibilidade de preclusão. Aqui, não deve o magistrado conhecê-las de ofício.
as nulidades de fundo são consideradas absolutas, de modo que, em relação a
elas, não se opera a preclusão e são suscetíveis de serem decretadas
independentemente de manifestação das partes. Por outras palavras: em relação às
nulidades de fundo, o magistrado pode sempre se manifestar ex officio.
4.6.1.2 Relevância da classificação
A distinção estabelecida entre nulidade de forma e de fundo é de fundamental
importância para esta pesquisa. Na verdade, o que se pretende sustentar, aqui, é a
extensão da aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, previsto nos
arts. 154 e 244 do CPC, às nulidades de fundo. Por outras palavras: mesmo nos
casos em que existam nulidades de fundo, se o processo atingiu o seu desfecho,
não se deve declarar a nulidade.
Tradicionalmente, a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas queda
restrita às nulidades de forma, sobretudo em relação às não cominadas. A não
extensão da aplicação do princípio da instrumentalidade das formas às nulidades de
fundo, contudo, não se justifica diante do escopo jurídico da Jurisdição e, também,
diante da necessidade de efetivação da tutela jurisdicional.
4.1.7 Princípios que regem as nulidades
O direito é regido por normas, gênero do qual são espécies as regras e os
princípios
240
. O conceito de princípio, desde a década de cinqüenta, tem dado azo à
240
Para melhor estudo dessa matéria, é imprescindível a consulta da seguinte obra: ALEXY, Robert.
Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
2001.
95
elaboração de grandes estudos e reflexões. Tentou-se, inclusive, distinguir princípios
de leis, assim como de princípios gerais de direito. A LICC, por exemplo, apresenta
resquícios dessa tentativa, ao estabelecer em seu art. que: "Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito".
A tendência atual, contudo, que tem sido denominada de pós-positivista
241
, tem
concedido um outro espectro de análise aos princípios. De fato, os princípios
passam a ser considerados como normas encontráveis no ordenamento jurídico que
possuem forte carga axiológica. o normas, na verdade, de grande potencial
hermenêutico e que possibilitam a solução de diversos problemas de ordem
pragmática.
Assim, os princípios constituem-se em normas de grau de generalidade
relativamente alto e estão bastante próximos da noção de justiça. Constituem
verdadeiros mandados de otimização, vez que podem ser cumpridos em diferentes
graus de acordo com as possibilidades reais e jurídicas diante de cada caso
concreto
242
.
As nulidades o regidas por vários princípios. Dentre eles, podem-se destacar: o
princípio da legalidade e da liberdade das formas, o da economia processual, o do
interesse, o da preclusão e o da causalidade. Desde já, contudo, ressalta-se que o
princípio fundamental que rege as nulidades é o da instrumentalidade das formas,
que se constitui em verdadeiro vetor para todo o direito processual. Por isso, esse
princípio receberá tratamento apartado dos demais.
4.1.7.1 Legalidade e liberdade das formas
As formas são as prescritas em lei. Os tipos dos atos processuais são os
predefinidos em lei. Assim, vigora o chamado princípio da legalidade das formas.
241
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 237.
242
ALEXY, 2001, p. 83-86.
96
Nem sempre, contudo, a lei prescreve uma forma, ou seja, um tipo para o ato.
Nesses casos, o ato pode ser praticado de forma livre, obviamente, como lembra
Santos
243
, sempre satisfazendo "as condições mínimas indispensáveis à realização
da sua finalidade". É nisso que reside o conteúdo do princípio da liberdade das
formas.
O CPC, no art. 154, reza que "Os atos e termos processuais não dependem de
forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir [..]". Consagra-se,
nesse preceptivo, como regra geral, o princípio da liberdade das formas,
ressalvando-se aqueles casos em que a lei dispuser de modo diverso. Dispondo a lei
de modo diverso, vigorará o princípio da legalidade das formas.
De uma forma ou de outra, no entanto, esses princípios são atenuados por um outro
princípio, que é o da instrumentalidade das formas. Se o ato atingiu o seu fim, ou
seja, a sua finalidade, não se deve decretar a sua nulidade, ainda que o modelo
legal não tenha sido observado.
4.1.7.2 Economia processual
A economia processual, mais do que um princípio que rege matéria atinente à
nulidade, é um princípio que orienta todo o direito processual
244
. Por este postulado,
recomenda-se que seja obtido o máximo proveito da atividade jurisdicional com o
mínimo de atos realizados. Deve-se evitar, assim, a realização de atos processuais
inúteis ou meramente formalísticos.
243
SANTOS, 2004, p. 66.
244
Lembra Nery Junior (1999, p. 28), citando Mancipi, Pisanelli e Scialoja, que há, no direito
processual, princípios informativos e fundamentais. Os informativos são considerados verdadeiros
axiomas e não necessitam ser demonstrados. Derivam da própria ontologia do direito processual, não
se baseando em critérios diversos do da técnica e, sobretudo, da lógica. Os fundamentais, por outro
lado, são aqueles em relação aos quais o legislador faz, ou não, a sua opção política. Dependem do
sistema, que poderá adotá-los ou não. O princípio da economia processual pode ser enquadrado
dentro da categoria dos princípios informativos. É universal e incontroverso. Sobre os princípios
informativos do processo civil, cf. LIMA, Alcides de Mendonça. Processo de conhecimento e
processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 43-58.
97
Esse princípio, na verdade, está intimamente interligado a um outro, que é o
princípio da instrumentalidade das formas. Como ressaltado, o processo é meio
para obtenção de um fim, que é a realização do direito material. Não se deve, assim,
ater-se a aspectos meramente procedimentais ou de natureza essencialmente
formal, de modo a preponderar a forma em detrimento da substância.
Os atos processuais, nesse contexto, devem ser aproveitados ao máximo, de sorte a
viabilizar a realização do direito material. É importante que se obtenha o máximo
proveito do processo e dos atos processuais, sempre imbuído pela idéia de que o
processo é meio e jamais fim.
O princípio da economia processual (que, de resto, informa todo o direito processual)
tem diversas aplicações na teoria da nulidade. De certa forma, está presente nas
manifestações, examinadas, do princípio da instrumentalidade das formas; está
presente também na determinação de que os atos posteriores ao ato nulo não se
contaminam se não dependentes deste (CPC, art. 248, primeira parte entendido a
contrario sensu) e na disposição que salva as partes independentes de um ato
complexo, quando este for parcialmente irregular (CPC, art. 248, segunda parte);
presente estambém no aproveitamento dos atos do processo inadequados à ação
exercida (CPC, art. 250), ou dos atos o-decisórios do processo celebrado perante
autoridade absolutamente incompetente (CPC, art. 113, § 2º; CPP, art. 567)
245
.
4.1.7.3 Interesse
Salvo nos casos de nulidade absoluta ou de inexistência, a parte que deu causa à
nulidade não tem interesse em requerer a sua declaração. A nulidade, assim, não
pode ser argüida por quem lhe tiver dado causa. O art. 243 do CPC reza o seguinte:
"Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação
desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa". Nesse caso, como
destaca Greco Filho
246
, além da falta de interesse processual, o problema é também
de lealdade processual.
De qualquer modo, deve-se registrar que o princípio do interesse não é aplicado às
nulidades de fundo e nem tampouco às nulidades de forma absolutas
247
. Nos casos
245
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 343.
246
GRECO FILHO, 2003b, p. 45.
247
Ressalve-se, quanto às nulidades absolutas, a opinião de Pontes de Miranda. Para este autor, a
restrição do art. 243 também se aplica às nulidades absolutas (apud MARCATO, 2004, p. 685).
98
em que ao magistrado é lícito conhecer da nulidade ex officio, não incidência do
princípio em análise. O princípio do interesse constitui-se em manifestação do
princípio geral de direito turpitudinem suam allegans non est audiendus
248
, que veda
a invocação da própria torpeza.
4.1.7.4 Preclusão
As nulidades relativas ou as anulabilidades
249
, as quais não podem ser conhecidas
ex officio, devem ser alegadas opportuno tempore, sob pena de serem consideradas
sanadas. Sofrem, com efeito, preclusão: não alegadas no momento próprio, restarão
convalidadas.
Nesse sentido, dispõe o art. 245 do CPC que "A nulidade do ato deve ser alegada
na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de
preclusão". Consagra-se, nesse preceito, o princípio da preclusão. Como lembra
Greco Filho
250
, "a falta de alegação na primeira oportunidade carreia à parte o ônus
da aceitação do eventual prejuízo". De qualquer modo, esse princípio não se aplica
às nulidades de forma absolutas e às de fundo, as quais não sofrem preclusão.
4.1.7.5 Causalidade
Os atos processuais o conexos uns aos outros. Na verdade, o procedimento
constitui-se em uma seqüência de atos interconexos e interdependentes. Assim, a
contestação, no rito ordinário, depende de um ato prévio: a petição inicial. Não
sentido em se apresentar resposta sem a existência prévia do ato inaugural do
procedimento - que é a peça vestibular.
248
São expressões equivalentes: non auditor propriam allegans turpitudinem; nemo creditur
turpitudinem suam allegans. Sobre o exposto, cf. XAVIER, Ronaldo Caldeira. Latim no direito. 5. ed.
rev. e aumentada. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 271.
249
Deverá ser considerada a nulidade relativa, se se adotar a tipologia simplificada, e a anulabilidade,
se se adotar a tipologia clássica.
250
GRECO FILHO, 2003b, p. 46.
99
Como lembra Komatsu
251
, o princípio da causalidade consiste no fato de que, uma
vez declarada a nulidade de um ato processual, os demais atos também serão
contaminados; a conseqüência disso será a necessidade de anular-se todo o
processo, a partir do ato celebrado com vício (art. 248, primeira parte, do CPC). Na
verdade, a propagação do vício decorre exatamente da ordem lógica e concatenada,
além da interdependência, dos atos processuais.
Nesse contexto, a declaração da invalidade de um determinado ato pode vir a
prejudicar o ato posterior, se do anterior depender. Considerando-se que os atos
processuais são conexos e interligados, é possível que, sendo declarada a nulidade
de um determinado ato, os atos posteriores restem prejudicados.
Deve-se ressaltar, no entanto, que os atos posteriores somente serão atingidos se
do ato declarado nulo eles forem dependentes. Nesse sentido, inclusive, é oportuno
trazer à baila o escólio de Santos: "Porque os atos processuais se conexionam uns
aos outros, a declaração de nulidade de um ato não atinge senão os que lhe forem
posteriores e dele dependam ou sejam conseqüência"
252
.
O princípio da causalidade está previsto no CPC no art. 248, que reza o seguinte:
"Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele
dependam [...]". Os atos posteriores que sejam independentes do que foi declarado
nulo, entretanto, não deverão ser anulados. De fato, a segunda parte do citado
dispositivo consigna: "todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as
outras, que dela sejam independentes". Sobre o art. 248 do CPC, é oportuno, ainda,
trazer à ribalta o seguinte excerto:
[...] A segunda parte desse mesmo artigo tempera o rigorismo da primeira, limitando a
desvalia aos atos dependentes daquele viciado, devendo o Juiz, por isso, ao
pronunciar a nulidade de determinado ato, declarar aqueles subseqüentes que foram
contaminados (art. 249 do CPC)
253
.
251
KOMATSU, 1991, p. 253.
252
SANTOS, 2004, p. 70.
253
SILVA; GOMES, 1997, p. 229.
100
Exatamente por isso é que o art. 249 do CPC dispõe que o juiz, ao pronunciar a
nulidade de um ato, declarará também os atos que foram afetados. De fato, o
dispositivo citado reza que "o juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são
atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou
retificados".
4.1.8 Princípio magno: a instrumentalidade das formas
Outro princípio que rege a matéria das nulidades processuais é o da
instrumentalidade das formas
254
. Esse princípio é também denominado de princípio
da finalidade ou de princípio da intertrocabilidade das formas
255
. Lembra Calmon de
Passos
256
que as possíveis origens desse princípio estão no art. 745 do digo do
Cantão de Genebra e já estava insculpido em vários Códigos estaduais.
Na verdade, trata-se de princípio da maior relevância em sede de nulidades
257
, que
se encontra em perfeita sintonia com a fase instrumental e, sobretudo, com as
diretrizes e as perspectivas contemporâneas do direito processual.
Com efeito, o princípio da instrumentalidade das formas permite a realização do
escopo jurídico da jurisdição (que é a atuação do direito no caso concreto) e também
a efetiva aproximação do direito processual ao material. Na verdade, por valorizar as
formas processuais na sua exata dimensão - como meio e não fim - esse cânone
permite a aplicação do direito material de modo mais simples e efetivo.
254
Não se deve confundir o princípio da instrumentalidade das formas com o princípio da
instrumentalidade substancial das formas. A diferenciação será realizada adiante. Por ora, adiante-se
que o primeiro é aplicado às nulidades de forma, enquanto o segundo consiste em uma
horizontalização do primeiro, de modo a aplicá-lo às nulidades de fundo.
255
Denomina-o de princípio da finalidade: ARAGÃO, 1995, p. 271. A denominação de princípio da
intertrocabilidade das formas é de MIRANDA, 1974, p. 339.
256
Apud SILVA; GOMES, 1997, p. 230.
257
A rigor, o princípio da instrumentalidade das formas deve permear não apenas as nulidades
processuais, mas todo o processo, exatamente pela sua dimensão axiológica e finalística, estando
em perfeita sintonia com a própria origem do processo. Com efeito, o processo foi concebido para
solucionar os litígios, apresentando as respectivas soluções no plano do direito material. Essa a sua
finalidade precípua. O princípio da instrumentalidade das formas, a despeito de referir-se apenas às
nulidades processuais, deve ter o seu conteúdo estendido a todo o direito processual, já que o
processo é meio, ou seja, instrumento de realização do direito material.
101
4.1.8.1 Conteúdo
O conteúdo do princípio da instrumentalidade das formas é simplório
258
. Na verdade,
de acordo com esse postulado, não se deve pronunciar a nulidade de um
determinado ato se ele, ainda que realizado de forma diversa da prevista em lei, vier
a atingir o seu objetivo.
A instrumentalidade das formas consiste na reafirmação de que as formas não
existem por si mesmas, ou seja, de modo autônomo. Elas constituem apenas meios
para se lograrem fins. A elevação da forma ao patamar de categoria autônoma e
válida por si conduz o processualista, na feliz expressão de Alvaro de Oliveira
259
,
a considerar o "processo como a medida de todas as coisas".
A consciência de que as exigências formais do processo não passam de técnicas
destinadas a impedir abusos e conferir certeza aos litigantes (due process of law),
manda que elas o sejam tratadas como fins em si mesma, senão como
instrumentos a serviço de um fim. Cada ato processual tem um fim, ou escopo
específico, e todos eles em conjunto têm o escopo de produzir uma tutela jurisdicional
justa, mediante um processo seguro
260
.
Assim, deve-se analisar sempre se o escopo do ato foi atingido, de modo que pouco
importa se a forma foi observada ou não. Está superada, portanto, a tese de
elevação das formas a categorias que se sobrepõem à finalidade do ato
261
. Como
lembra Fux
262
, "a finalidade sobrepõe-se à simples obediência das regras
processuais".
258
A despeito de seu conteúdo simplório, o princípio da instrumentalidade das formas não vem sendo
aplicado pelos operadores do direto na sua exata dimensão. Trata-se, contudo, de problema relativo
à mudança de mentalidade dos operadores do direito e que resvala do campo normativo.
259
OLIVEIRA, 1997, p. 61.
260
DINAMARCO, 2002b, p. 599.
261
Essa altivez das formas, certamente, decorreu do positivismo jurídico, que valoriza de modo
demasiado o conteúdo das normas e, por conseguinte, das respectivas formas que nelas estão
previstas.
262
FUX, 2001, p. 360.
102
O princípio da instrumentalidade das formas determina que todos os atos
processuais sejam considerados sob um prisma teleológico e finalístico. E não
poderia mesmo ser diferente. Como destaca Pontes de Miranda
263
, "o processo não
é mais do que o corretivo da imperfeita realização automática do direito objetivo".
O processo (assim como os seus respectivos atos), em última análise, não tem
relevância por si só. A sua importância está intimamente relacionada à sua
finalidade de atingir um fim, que é a realização do direito material
264
. Logo, os atos
que compõem o processo não podem deixar de ser analisados exatamente sob esse
prisma finalístico.
4.1.8.2 Previsão legal
O princípio da instrumentalidade das formas está previsto no CPC, de forma
expressa, em dois preceptivos: no art. 154, parte final, e no art. 244. O primeiro
dispositivo reza o seguinte: "Os atos e termos processuais não dependem de forma
determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os
que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial". Já o segundo,
assim dispõe: "Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de
nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a
finalidade".
O princípio da instrumentalidade das formas, assim, é previsto em dois artigos do
CPC. Na verdade, os preceitos se complementam e devem ser interpretados sempre
de modo extensivo. Se o ato processual atingiu o seu fim, deve ser reputado como
válido, ainda que não tenha observado a forma prescrita em lei. Considerando-se
263
Apud CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 230.
264
Mais do que isso, pode-se dizer que o processo somente existe em função do direito material. Não
qualquer sentido em pensar o processo de modo desvinculado de seu fim, que é a realização do
direito material. Isso não significa, contudo, admitir que o processo não seja autônomo. Na verdade, o
processo inaugura uma relação jurídica autônoma da de direito material. Não se pode negar,
entretanto, que a própria ontologia do processo liga-o ao direito material: o Estado criou o processo
como um instrumento de solução dos conflitos de interesses. De qualquer sorte, a discussão, hoje,
quanto à autonomia do processo é meramente acadêmica. Como lembra Portanova (1999, p. 49), "a
preocupação quanto à autonomia na ciência do direito é menor do que sua vocação de instrumento
de justiça. É a instrumentalidade do processo que se faz princípio".
103
que a forma representa apenas um meio para se lograr um fim, não deve ela
preponderar se, por modo diverso, o fim for logrado.
A interpretação desse princípio deve, de fato, ser a mais ampla possível. Nesse
contexto, deve-se destacar que não apenas em sede de nulidades deve-se aplicar o
princípio da instrumentalidade das formas. Mais do que isso, o processo, por
natureza, é instrumental. Assim, também em relação ao processo como um todo
(conjunto de atos do processo) deve-se aplicar o princípio da instrumentalidade,
desde que não se verifique prejuízo. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
Como o processo não se compõe em um único ato, mas de um "conjunto de atos", a
instrumentalidade alcança cada ato e o conjunto, preservando o seu resultado (o
produto) que é a sentença, sempre que da eventual inobservância da forma não se
puder demonstrar prejuízo
265
.
4.1.8.3 Elevada carga axiológica e principiológica (princípio dos
princípios)
O princípio da instrumentalidade das formas deve ser considerado como uma
espécie de princípio dos princípios. Na verdade, essa norma possui alta carga
axiológica
266
dentro do ordenamento jurídico, informando todo o direito processual.
Essa altivez do princípio, em verdade, decorre do seu próprio conteúdo, que
redireciona a finalidade do processo como meio, permitindo que sejam alcançados
os resultados esperados do instrumento judicial.
se destacou, inclusive, em doutrina
267
, que os dispositivos mais importantes e
fundamentais de uma boa codificação processual relacionam-se à relativização das
nulidades. São esses preceptivos, na verdade, que asseguram ao processo cumprir
a sua missão, sem se transformar em um fim em si mesmo.
265
ALVIM, 1999, p. 4.
266
É bem verdade que os valores estão concretizados no plano da realidade sensível, isto é, no plano
fático, e não no jurídico. Nada impede, contudo, que o ordenamento jurídico absorva os valores e
propicie meios para concretizá-los.
267
LACERDA apud MATTOS, 1997, p. 278. Essa mesma observação pode ser encontrada na obra
de OLIVEIRA, 1997, p. 206.
104
Nesse contexto é que desponta o princípio da instrumentalidade das formas. Na
verdade, o postulado constitui-se em verdadeira norma relativizadora, ou seja,
mitigadora dos vícios dos atos processuais, os quais impedem que o processo
colime o seu fim de aplicação do direito material.
Assim, o princípio da instrumentalidade das formas representa, em última análise,
uma espécie de recondutor ou de redirecionador do processo ao seu verdadeiro fim -
que é aplicação do direito material. Trata-se de meio de efetivação da tutela
jurisdicional, consubstanciado em norma de suma relevância para o direito
processual, motivo pelo qual é aqui tratado como princípio dos princípios
268
.
4.1.8.4 Consideração proclamada no IX Congresso Mundial de Direito
Processual
Não foi por outro motivo, ou seja, considerando a relevância do princípio da
instrumentalidade das formas, previsto em nosso digo de Processo Civil, que, no
IX Congresso Mundial de Direito Processual, averbou-se conclusão no seguinte
sentido:
Segundo proclamou o recente IX Congresso Mundial de Direito Processual, é em
dispositivo de nosso CPC que se encontra a mais bela regra do atual Direito
Processual, a saber: a insculpida no art. 244, onde se proclama que 'quando a lei
prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido
o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade'
269
.
A regra do art. 244 do CPC pode ser considerada a mais bela de todo o direito
processual por estar em perfeita consonância com a finalidade do processo. Na
verdade, por não valorizar as formas processuais por si próprias, a regra é digna de
encômios. De fato, essa regra reitera a verdadeira dimensão das formas
processuais: meios para se lograrem fins.
268
Galeno Lacerda (apud MATTOS, 1997, p. 278) chega a afirmar que as normas sobre relativização
das nulidades processuais constituem o "sobredireito processual". São essas normas, na verdade,
que garantem ao processo cumprir a sua missão, sem se transformar em um fim em si mesmo. Tal
assertiva, em última análise, destaca a altivez dessas normas no direito processual.
269
Apud NEGRÃO; GOUVÊA, 2003, p. 314. Essa mesma conclusão é citada na obra de PAULA,
Alexandre de. Código de processo civil anotado: arts. a 269. 7. ed. rev. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998. v. 1. p. 1200 e 1201.
105
É incontestável que o princípio da instrumentalidade das formas contribui para a
efetividade da tutela jurisdicional. Sendo assim, como destaca Alvim
270
, esse
postulado é compatível com as mais modernas tendências do direito processual.
4.1.8.5 Aplicação do princípio da instrumentalidade das formas
As nulidades podem ser de duas espécies: não cominadas e cominadas. As
primeiras são aquelas que não são previstas expressamente na lei. Assim, estão
relacionadas mais à existência de prejuízo do que a uma previsão legal. As
segundas, ao revés, são expressamente previstas no texto legal. Na verdade, as
nulidades cominadas correspondem às nulidades absolutas, enquanto as não
cominadas, às nulidades relativas e às anulabilidades
271
.
O princípio da instrumentalidade das formas tem tido a sua aplicação circunscrita a
determinadas categorias de nulidades. De fato, invocando-se o texto do art. 244 do
CPC, pretende-se aplicar o precitado postulado somente às nulidades não
cominadas. É que o texto daquele preceptivo reza o seguinte: "Quando a lei
prescrever determinada forma, sem a cominação de nulidade, o juiz considerará
válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade".
A doutrina, em boa parte, tem perfilhado esse entendimento, realizando uma
exegese meramente literal do art. 244 do CPC, de modo a limitar a aplicação do
princípio do prejuízo às nulidades não cominadas, ou seja, às nulidades relativas e
às anulabilidades. Trata-se de interpretação demasiado restritiva da norma, mas que
tem contado com a adesão de muitos autores.
Coadunam, por exemplo, com essa orientação: Moacyr Amaral Santos
272
, Pontes de
Miranda
273
, Reis Friede
274
, Sérgio Sahione Fadel
275
, Vicente Greco Filho
276
e outros.
270
ALVIM, 2003, p. 506.
271
Essa correlação é encontrada na obra de GONÇALVES, 1993, p. 99.
272
SANTOS, 2004, p. 67.
106
O argumento central justificador da restrição relaciona-se à própria literalidade da
norma e à invocação da tese de que, quando a nulidade é cominada, interesse
público ostensivo e o ato não pode ser convalidado. Nesse sentido, inclusive, pode-
se trazer à colação o que segue:
[...] Essas excludentes, da obtenção da finalidade e da ausência de prejuízo, o se
aplicam, todavia, no caso de nulidade absoluta, conforme, aliás, se extrai do próprio
texto do Código: o art. 244 admite o reconhecimento da validade do ato quando
alcança seus fins, quando a lei prescreve determinada forma sem cominação de
nulidade, isto é, quando não considera os requisitos essenciais. Além disso, no caso
de nulidade absoluta, o prejuízo causado pelo desvio da forma é do interesse público,
presumido em caráter absoluto e, portanto, inafastável
277
.
4.1.8.6 A limitação injustificável da sua aplicação às nulidades não
cominadas (nulidades relativas e anulabilidades)
A restrição da aplicação da regra do art. 244 do CPC às nulidades não cominadas,
ou seja, às nulidades relativas e às anulabilidades, que tem sido realizada por
determinado segmento da doutrina, não se justifica. Na verdade, essa limitação não
se coaduna com a própria lógica que deve informar todo o raciocínio do processo.
Não se deve, de fato, afastar a incidência do princípio da instrumentalidade das
formas nos casos em que cominação de nulidade, simplesmente pelo texto do
art. 244 do CPC. Com efeito, se o ato atingiu o seu fim, ainda que realizado de outra
forma e mesmo havendo cominação expressa de nulidade, não se deve invalidá-lo.
Isso vai de encontro à lógica que deve permear todo o processo.
De fato, não se pode admitir que, havendo o ato logrado o seu fim, seja ele
declarado nulo em função de uma interpretação restritiva de um preceito. Na
verdade, pouco importa o tipo de nulidade que inquina o ato: se ele atingiu o seu fim,
273
MIRANDA, 1974, p. 339.
274
FRIEDE, 1997, p. 1209,
275
FADEL, Sérgio Sahione. Código de processo civil comentado. Rio de Janeiro: José Konfino
Editor, 1974. t. 2. p. 58.
276
GRECO FILHO, 2003b, p. 44.
277
Ibidem, loc. cit.
107
deve ser considerado como válido. É isso, inclusive, que representa a essência do
princípio da instrumentalidade das formas.
Pensar de modo diverso, ou seja, não se admitir a aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas às nulidades cominadas (absolutas) implicaria
verdadeiro apego ao formalismo processual. As formas não existem por si só. Se o
ato atingiu o seu fim, deve ser admitido como válido, ainda que a nulidade seja
absoluta.
O raciocínio contrário afasta o processo da sua essência e cria entraves à efetivação
da tutela jurisdicional. Em última análise, afasta o direito processual do material, o
que não se coaduna com as perspectivas e diretrizes contemporâneas do primeiro.
Como lembra Maria Lúcia de Medeiros:
[...] O rigor das formas deve ceder em face da instrumentalidade, de maneira que
prevaleça a interpretação que mais favoreça o conhecimento pelo juiz, de elementos
fáticos da lide e, dessa maneira, permitam-no julgar com base no que mais se
aproxime da verdade real
278
.
Assim, deve-se aplicar o princípio da instrumentalidade das formas também às
nulidades cominadas, ou seja, absolutas. A norma do art. 244 do CPC, nesse
contexto, deve ser interpretada de modo extensivo e conjuntamente com a do art.
154 do citado código. É que este último preceito não faz qualquer menção à
"nulidade cominada". Por isso, não se deve limitar o alcance do princípio da
instrumentalidade das formas às nulidades relativas e às anulabilidades.
Ademais, considerando a alta carga axiológica do princípio da instrumentalidade das
formas, não se deve mesmo restringir a sua aplicação; ao revés, a sua interpretação
e a sua aplicação devem ser maximizadas, amesmo por se tratar de postulado
que informa todo o direito processual. A sua utilidade no direito processual é
ostensiva, não sendo por outro motivo que a norma do art. 244 do CPC foi
considerada, como visto, em Congresso Mundial de Direito Processual, a mais bela
de todo o direito processual.
278
MEDEIROS, Maria Lúcia L. C. de. A revelia sob o aspecto da instrumentalidade. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p. 23.
108
Na doutrina algumas manifestações no sentido de estender a instrumentalidade
das formas às nulidades absolutas, considerando exatamente a natureza
instrumental das formas. Registre-se que esse entendimento está plenamente
alinhado às modernas diretrizes do direito processual. Nesse sentido, pode-se trazer
à ribalta os seguintes escólios:
O art. 244 do CPC diz que apenas as nulidades não cominadas podem ser
desconsideradas, caso o ato atinja o seu objetivo. Isto é, o dispositivo não se aplicaria
às nulidades absolutas, ou, pelo menos, aos casos de nulidade absoluta cominada.
Tal conclusão não parece correta, visto ser perfeitamente possível que o interesse
tutelado pela norma violada, inobstante público, seja atendido
279
.
A instrumentalidade das formas é uma regra de grande amplitude e não se limita às
nulidades relativas, como insinua o art. 244 do Código de Processo Civil. Diz ele,
literalmente, que 'quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de
nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a
finalidade'. O grande mérito desse dispositivo é a fixação da finalidade, ou escopo,
como parâmetro a partir do qual devem aferir as nulidades. A doutrina e os tribunais,
todavia, com todo o acerto desconsideram a aparente ressalva contida nas palavras
sem cominação de nulidade, entendendo que, mesmo quando absoluta a nulidade e
ainda quando esteja cominada pela lei, a radicalização das exigências formais seria
tão irracional e contraproducente quanto em caso de nulidade relativa
280
.
Mas, em qualquer caso, mesmo quando haja expressa cominação de nulidade para a
inobservância de forma, o juiz não decretará a nulidade nem mandará repetir o ato ou
suprir-lhe a falta: a) se não houve prejuízo para a parte (art. 249, § 1º); b) quando
puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de
nulidade
281
.
Parte da doutrina considera inaplicáveis estes princípios às hipóteses de nulidade
absoluta. Assim não nos parece, contudo. A tal conclusão, aliás, se chegaria por
interpretação a contrario sensu do art. 244; e tal critério é dos menos recomendáveis.
As nulidades, mesmo as absolutas, não escapam à incidência dos princípios da
finalidade e do prejuízo
282
.
Por fim, reitere-se que o próprio Código de Processo Civil permite a convalidação de
atos nulos ou até mesmo inexistentes, como é o caso de ausência de citação. No
art. 214, § 1º, do citado codex, com efeito, a previsão de que "O comparecimento
espontâneo do réu supre a falta de citação". Se o requerido, a despeito de ter sido
citado sem as formalidades legais ou mesmo de não ter sido citado, comparece e
apresenta resposta, não se deve declarar qualquer nulidade.
279
BEDAQUE, 1990, p. 35.
280
DINAMARCO, 2002b, p. 600.
281
THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 258.
282
SILVA; GOMES, 1997, p. 230.
109
4.2 REPENSANDO O PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS
FORMAS
A despeito de todas as considerações que foram aduzidas sobre o princípio da
instrumentalidade das formas, a sua aplicação, no campo pragmático, tem sido
demasiado restrita. De fato, como visto, tem-se circunscrito a sua aplicabilidade
apenas às nulidades relativas e às anulabilidades. De qualquer modo, essa limitação
injustificável, aos poucos, vem sendo vencida pela doutrina e pela jurisprudência.
Na verdade, dado o conteúdo do princípio da instrumentalidade das formas, não
parece haver nenhum óbice quanto à adoção de uma extensão maior de sua
aplicação. Não se trata, contudo, apenas de sustentar a sua aplicação às nulidades
de forma ditas absolutas. Mais do que isso: nada obsta, considerando o seu
conteúdo, que seja ampliada a sua aplicação também às nulidades de fundo
(ausência de condições da ação e pressupostos processuais).
4.2.1 Justificativas
Indaga-se, desde logo, o porquê da ampliação da aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas, se a própria lei, no art. 244, do CPC, diante de uma
exegese literal, parece ter limitado a sua aplicação às nulidades não cominadas. A
questão é relevante, na exata medida em que redimensiona um paradigma de
aplicação de um princípio. De qualquer modo, várias são as justificativas que podem
ser levantadas para realização da extensão a outras categorias de nulidades (as de
fundo).
4.2.1.1 Solução endoprocessual para a efetivação da tutela jurisdicional
Primeiramente, deve-se ressaltar que a extensão da aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas às nulidades de fundo constitui uma solução
endoprocessual - embora parcial -, para o problema da efetivação da tutela
jurisdicional. Isso se coaduna com as perspectivas contemporâneas do direito
110
processual. Por outras palavras: é uma solução que não precisa de mudança no
ordenamento jurídico; necessita, apenas, de mudança na mentalidade dos
operadores do direito.
Trata-se, assim, de solução que pode ser adotada de plano, por prescindir de
alteração legislativa. Não deve mesmo o processualista apenas destacar a
necessidade de realização de reformas legislativas no sistema processual
283
e
quedar-se inerte aos anseios dos jurisdicionados e ao escopo do processo. Ao
processualista afinado com as diretrizes de sua ciência cabe buscar soluções dentro
do próprio sistema e apontá-las.
4.2.1.2 Redimensionamento consentâneo com as diretrizes e
perspectivas contemporâneas do direito processual
Outro aspecto que deve ser ressaltado é que o redimensionamento da aplicação do
princípio da instrumentalidade das formas alinha-se perfeitamente às diretrizes
contemporâneas do direito processual. Em outras palavras: a extensão da aplicação
do citado princípio facilita a concessão da tutela jurisdicional e realiza o escopo do
processo.
A necessidade de efetiva aplicação do direito material, na esfera processual, foi
ressaltada neste trabalho e, de fato, constitui-se no escopo do processo. As
diretrizes contemporâneas do direito processual alinham-se exatamente no sentido
da maior aproximação do processo ao direito material e da sua efetiva aplicação,
para que a tutela jurisdicional seja prestada. Nesse contexto, não dúvidas de que
o redimensionamento da aplicação do princípio da instrumentalidade das formas
pode contribuir muito em relação a isso.
283
Não se ignora a necessidade de serem feitas reformas na legislação processual para adequá-la
aos anseios da sociedade. O que se repugna, entretanto, é a inércia do processualista em
simplesmente acomodar-se apontando a necessidade de mudanças no sistema processual.
111
É que, por tratar a forma como meio e não como fim, a instrumentalidade das formas
facilita a aplicação do direito material. Desse modo, a sua aplicação deve ser
maximizada exatamente em função disso. A única razão de ser do processo é a
aplicação do direito material. Como lembra Galeno Lacerda
284
, "o processo sem o
direito material, não é nada. O instrumento, desarticulado do fim, não tem sentido".
Nesse contexto, todas as técnicas que propiciem essa aproximação devem ser
valoradas e ter a sua utilização estimulada.
Repensar o princípio da instrumentalidade das formas, assim, pode contribuir em
muito para a efetivação da tutela jurisdicional. Na verdade, não se trata de repensar
o seu conteúdo, que é demasiado simplório, mas sim a extensão da sua aplicação,
com a respectiva mudança de concepção dos operadores do direito.
4.2.1.3 Maximização do sentido e alcance das regras que relativizam as
nulidades processuais
Deve-se consignar, outrossim, que a instrumentalidade substancial das formas
constitui-se em uma forma de flexibilização, ou seja, de mitigação do rigor das
nulidades. Coaduna-se com idéia de que o formalismo, por si , deve ser
rechaçado. Como lembra Bedaque
285
, "muito mais importante do que a atipicidade
do ato ao modelo legal, são os fins deste, é o seu escopo". Ora, essa idéia pode ser
perfeitamente estendida ao conjunto dos atos processuais, ou seja, ao processo
como um todo.
A relevância das regras que se destinam a relativizar as nulidades foi destacada
pela doutrina, sobretudo pelo aspecto de que elas representam fatores de facilitação
da justiça. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
284
LACERDA, Galeno. O código e o formalismo processual. Revista da associação de juízes do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano X, n. 28, p. 8, 1983.
285
BEDAQUE, 1990, p. 36.
112
A maior flexibilização das nulidades, tornando mais abrangente a possibilidade de
convalidação dos defeitos do procedimento, é apontada pela doutrina até mesmo
como fator importante na facilitação do acesso à justiça
286
.
No mesmo sentido, Galeno Lacerda
287
, no ano de 1982, em conferência proferida
em Porto Alegre, aventou a importância que detêm, no sistema processual, as
regras que relativizam as nulidades processuais. Partindo da premissa de que,
embora as normas processuais sejam de ordem pública, existe uma hierarquia entre
elas, concluiu que no ápice dessa pirâmide estão situadas as normas que relativizam
as nulidades processuais. Posto que longo, mas pela preciosidade e distinção de
seu conteúdo, cabe trazer à baila o escólio do citado autor:
No momento em que se descobre a verdadeira hierarquia de interesses tutelados
pelos textos de um Código, desvenda-se o sentido profundo e vital do sistema que o
anima. Neste sentido, tratando-se de um Código de Processo, o interesse público
superior, que o inspira e justifica, é que se preste ele a meio eficaz para definição e
realização concreta do direito material. Não outro interesse público mais alto, para
o processo, do que o de cumprir a sua destinação de veículo, de instrumento de
integração da ordem jurídica mediante a concretização imperativa do direito material.
Se assim é, como na verdade é, cumpre indagar quais as normas que, dentro de um
Código de Processo, tutelam a instrumentalidade, porque nelas reside e habita o
interesse público dominante. Fácil encontrá-las no capítulo destinado à disciplina das
nulidades processuais. Exatamente porque a preocupação maior consiste em tudo
fazer para salvar o instrumento, a fim de que alcance o objetivo, verifica-se que as
regras sobre nulidades possuem o necessário e indispensável condão de relativizar a
maior parte das normas imperativas processuais e, por conseguinte, as sanções
resultantes de sua infração. Por este motivo, o capítulo mais importante e
fundamental de um Código de Processo moderno se encontra nos preceitos
relativizantes das nulidades. Eles é que asseguram ao processo cumprir sua missão
sem transformar-se em fim em si mesmo, eles é que o libertam do contra-senso de
desvirtuar-se em estorvo da Justiça
288
.
Nota-se, assim, a relevância das normas processuais que relativizam as nulidades
no sistema processual. Elas reafirmam a própria ontologia do processo. Essas
regras devem ter a sua aplicação incentivada e maximizada. Nesse particular,
justifica-se a extensão da aplicação do princípio da instrumentalidade das formas,
previsto nos arts. 244 e 154 do CPC, às nulidades de fundo.
286
BEDAQUE, 1990, p. 35.
287
LACERDA, 1983, p. 10-11.
288
Ibidem, loc. cit.
113
Ademais, como lembra Carlos Alberto Alvaro de Oliveira
289
, é necessário evitar que
o instrumento processual possa "vir a sucumbir em virtude de erros de pura forma".
Assim, deve-se procurar salvar os processos, não somente se evitando a declaração
de nulidade de atos processuais, mas, sobretudo, evitando-se as extinções de
processos sem que haja julgamento de mérito.
Nesse contexto, não dúvida quanto à necessidade de extensão da aplicação da
norma prevista no art. 244 do CPC às nulidades de fundo. Com efeito, tal extensão
vislumbra exatamente evitar a prolação de sentenças terminativas, ou seja, que os
processos possam vir a "sucumbir em virtude de erros de pura forma".
4.2.1.4 Forma de operacionalização do processo sem antepô-lo à justiça
Por fim, como lembra Dinamarco
290
, é necessário "operacionalizar o processo, sem
antepô-lo à justiça". Nesse contexto, deve-se destacar que instrumentalidade
substancial das formas alinha-se a essa necessidade, vez que reduz o valor das
formas - com a respectiva operacionalização do processo - e maximiza o valor do
direito material - destacando a altivez da Justiça. Assim, a instrumentalidade
substancial das formas permite a anteposição da justiça em relação ao processo.
4.2.2 A instrumentalidade substancial das formas
O redimensionamento do princípio da instrumentalidade das formas representa um
instrumentalismo substancial. Na verdade, ao se maximizar a aplicação de um
princípio, está-se conferindo caráter substancial ao seu conteúdo. Por outras
palavras: a forma substancial de um princípio é aquela de máxima aplicação, de
efetiva realização de seu enunciado. E a necessidade de conferir-se caráter
substancial ao instrumento judicial já vinha sendo ressaltada pela doutrina, in verbis:
289
OLIVEIRA, 1997, p. 206.
290
DINAMARCO, 2003a, p. 329.
114
O processo sempre foi instrumental. Agora, porém, vigorando como princípio, o
instrumentalismo se impõe de forma radicalmente diferente do instrumentalismo
clássico. O instrumentalismo não é mais tão nominal e formal, é instrumentalismo a
serviço do material e do substancial
291
.
Nesse contexto, o clássico princípio da instrumentalidade das formas pode ser
considerado diante de dois prismas: o formal e o substancial. A sua concepção
formal implica o seu tradicional emprego somente em relação às anulabilidades e às
nulidades relativas. A sua maximização, contudo, ou seja, a possibilidade de sua
aplicação aos pressupostos processuais e às condições da ação, culmina na sua
vertente substancial. Eis aí o princípio da instrumentalidade substancial das formas.
4.3 CONTEÚDO DA INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS
FORMAS
Chega-se, agora, ao momento de esboçar o conteúdo da instrumentalidade
substancial das formas. Na verdade, uma incursão no seu conteúdo epistemológico
deve ser feita para que se possa compreender a sua forma de aplicação. Ademais,
essa incursão permitirá apartá-la de outros princípios que lhe são próximos, como o
da instrumentalidade do processo e o da instrumentalidade das formas.
4.3.1 Conteúdo stricto sensu da instrumentalidade substancial das
formas
4.3.1.1 Horizontalização do princípio da instrumentalidade das formas
A instrumentalidade substancial das formas consiste numa espécie de
horizontalização do princípio da instrumentalidade das formas. Por outras palavras: a
instrumentalidade substancial das formas é produto da extensão do princípio da
instrumentalidade das formas.
291
PORTANOVA, 1999, p. 49.
115
Na verdade, tradicionalmente, o princípio da instrumentalidade das formas tem a sua
aplicação circunscrita às nulidades relativas e às anulabilidades. A aplicação desse
princípio às nulidades absolutas, como visto, é controvertida na doutrina. De
qualquer modo, como se percebe, a sua aplicação tem sido circunscrita às nulidades
de forma.
O que se sustenta, aqui, é a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas
não somente às citadas nulidades, mas também às nulidades de fundo, ou seja, aos
casos em que há, no processo, por exemplo, falta de pressupostos processuais ou
mesmo de condições da ação. Trata-se de horizontalizar o princípio previsto no art.
244 do CPC.
De fato, mesmo nesses casos em que nulidade de fundo, se o processo vier a
atingir o seu fim, sem que haja prejuízo para uma das partes, havendo possibilidade
de aplicação do direito material, o deve o magistrado restringir-se a declarar a
nulidade. Na verdade, não deve o julgador inclinar-se pura e simplesmente à
declaração de extinção do processo sem julgamento de mérito - nos casos em que
há ausência de pressupostos processuais ou condições da ação.
Com efeito, não sentido em, sendo possível conhecer do mérito da questão, o
magistrado extinguir o processo sem julgamento de mérito. Na verdade, se o
processo atingiu a sua finalidade,o proporcionando prejuízo para as partes,
mesmo que ele esteja inquinado de algum vício processual grave (nulidade de
fundo, por exemplo), deve o juiz julgar o seu mérito.
O jurisdicionado almeja do Poder Judiciário uma solução para a questão que foi
submetida a sua apreciação. Nesse contexto, devem-se evitar pronunciamentos de
ordem eminentemente processual, como as sentenças terminativas (art. 267 do
CPC). É notório que o jurisdicionado espera do Judiciário a solução da sua lide, com
a respectiva aplicação do direito material; ou seja, aguarda-se a concessão da tutela
jurisdicional. Para esse fim é que o processo foi instituído.
116
Sobrepor a forma ao conteúdo, isto é, privilegiar-se soluções no plano processual
representa, valendo-se da feliz expressão utilizada pelo prof. Carlos Alberto de
Oliveira, citada neste trabalho, a verdadeira elevação do processo "a medida de
todas as coisas"
292
. O processo deve ser considerado como um meio para se atingir
o fim de realização do direito material.
Por fim, deve-se destacar que não cabimento para invocação do argumento de
que o art. 244 do CPC, a partir do qual foi delineado o princípio da instrumentalidade
substancial das formas, não faz menção às nulidades absolutas. Ou mesmo o
argumento de que a sua interpretação não poderia ser demasiado ampla por
implicar verdadeira realização de atividade legiferante por parte do operador do
direito. Sobre o exposto, oportuna é a lição de Carlos Maximiliano:
Existe entre o legislador e o juiz a mesma relação que entre o dramaturgo e o ator.
Deve este atender às palavras da peça e inspirar-se no seu conteúdo; porém, se é
verdadeiro artista, não se limita a uma reprodução pálida e servil: vida ao papel,
encarna de modo particular a personagem, imprime um traço pessoal à
representação, empresta às cenas um certo colorido, variações de matiz quase
imperceptíveis; e de tudo faz ressaltarem aos olhos dos espectadores maravilhados
belezas inesperadas, imprevistas. Assim o magistrado: não procede como insensível
e frio aplicador mecânico de dispositivos; porém como órgão de aperfeiçoamento
destes, intermediário entre a letra morta dos Códigos e a vida real, apto a plasmar,
com a matéria-prima da lei, uma obra de elegância moral e útil à sociedade. Não o
consideram autômato, sim, árbitro da adaptação dos textos às espécies ocorrentes,
mediador esclarecido entre o direito individual e social
293
.
Ademais, como lembra Galeno Lacerda
294
, a lei que rege as formas processuais
deve ser sempre interpretada em função de seu fim, pois os malefícios do
formalismo no processo resultam, na maioria das vezes, de defeitos na interpretação
da lei processual. A interpretação extensiva do art. 244 do CPC, portanto, não
implica nenhuma excrescência. Ao revés, constitui-se em uma forma de evitar o
formalismo no direito processual, que muitas vezes decorre, como dito, de defeitos
de interpretação.
292
OLIVEIRA, 1997, p. 61.
293
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999. p. 59.
294
LACERDA, 1983, p. 8.
117
4.3.1.2 Advertência: permanência no sistema processual das condições
da ação e dos pressupostos processuais
Destaque-se que a instrumentalidade substancial das formas não resulta numa
desordem ou mesmo numa desestruturação do sistema processual. Com efeito, não
se quer extirpar do sistema processual, com esse princípio, as sentenças
terminativas (art. 267 do CPC). Na verdade, e isso é óbvio, os pressupostos
processuais e as condições da ação, assim como as respectivas sentenças
terminativas continuarão existindo, até mesmo porque têm previsão expressa no
próprio Código de Processo Civil.
De qualquer modo, nos casos em que seja possível julgar o mérito da questão
submetida a exame por parte do Poder Judiciário, o magistrado, por questões
meramente formais, não deve deixar de fazê-lo. Mesmo ausentes pressupostos
processuais ou condições da ação, se há possibilidade de julgar o mérito, sem
prejuízo para as partes, deve preponderar a interpretação extensiva das normas que
estão nos arts. 244 e 154 do CPC. Em síntese: o princípio da instrumentalidade
substancial das formas deve ser aplicado.
Assim, não nenhuma incompatibilidade entre a instrumentalidade substancial das
formas e o sistema normativo do CPC. Trata-se apenas de aplicar uma norma
processual em detrimento de outras nos casos em que isso é possível, por ausência
de prejuízo e por se ter logrado o fim esperado; ou seja, trata-se de fazer prevalecer
o princípio da instrumentalidade substancial das formas, cunhado a partir do
disposto no art. 244 do CPC, quando possibilidade de solucionar o mérito da lide,
sem prejuízo para as partes.
4.3.1.3 A relevância do binômio prejuízo x finalidade
A instrumentalidade substancial das formas está intimamente relacionada com o
binômio prejuízo x finalidade. Esse binômio, na verdade, é de fundamental
relevância para a aplicação da instrumentalidade substancial das formas. Como
118
ressalta JoRoberto Bedaque
295
, "prejuízo e escopo, duas noções essenciais à
compreensão do problema das nulidades".
Realmente, o princípio da instrumentalidade substancial das formas somente pode
ser aplicado quando o conjunto dos atos praticados no processo tenha atingido o
seu fim (finalidade) sem que tenha ocorrido prejuízo para as partes (prejuízo). Assim,
se o processo atingiu o seu fim, mas houve prejuízo para uma das partes, que não
foi citada e não apresentou defesa, por exemplo, não que se cogitar da aplicação
do princípio da instrumentalidade substancial das formas.
Por outro lado, se o processo, mesmo contendo nulidades de fundo, atingiu o seu
fim, sem prejuízo para as partes, havendo possibilidade de julgamento de rito,
não se deve pronunciar a nulidade somente por obséquio às leis processuais. Não
se pode olvidar que o processo não representa nada mais do que um meio para se
atingir a realização do direito material. O processo sem o direito material equivale ao
corpo sem a alma.
Assim, se o réu não foi citado (ausência de um pressuposto processual), por
exemplo, mas compareceu em juízo e apresentou defesa cabal, o processo atingiu o
seu desiderato. Mesmo que o réu alegue, ao final do rito, por simples petição, que
matéria de ordem pública (art. 267, § e 301, § do CPC), a inexistência de
pressuposto processual de existência (citação válida), o magistrado deve, valendo-
se da instrumentalidade substancial das formas, julgar o mérito da questão.
Em síntese: se os atos processuais atingiram o seu fim, ou seja, se o processo
atingiu o seu desiderato (finalidade), não havendo prejuízo para as partes (prejuízo),
não deve o juiz declarar eventuais nulidades processuais, ainda que de fundo. Deve,
sim, apreciar o rito da questão, valendo-se do princípio da instrumentalidade
substancial das formas, e aplicar o direito material. Entendimento contrário atentaria
contra a própria essência do instrumento judicial.
295
BEDAQUE, 1990, p. 36. No mesmo sentido, ressalta Gonçalves (1993, p. 57) que o princípio da
instrumentalidade das formas está subordinado a dois outros princípios, que o: o da finalidade do
ato e o da ausência de prejuízo.
119
Registre-se, ainda, que a relevância do binômio finalidade x prejuízo ultrapassa até
mesmo a observância estrita da forma. Na verdade, se o ato, mesmo sendo
praticado em consonância com a forma prevista na lei, ou seja, com o tipo legal, não
vier a atingir a sua finalidade, o magistrado poderá determinar a sua repetição.
Nesse sentido, pode-se aduzir o seguinte:
aqui uma interessante questão a ser proposta: e se o ato respeitar a forma
prevista em lei, mas mesmo assim não atingir sua finalidade? Nesse caso, ele será
válido? Em princípio sim, mas o juiz tem o poder de mandar repetir o ato judicial se
perceber que ocorreu alguma forma de cerceamento de defesa de um dos litigantes.
Afinal, deve-se levar em conta a função técnica e a finalidade ontológica que a lei
atribui à forma e não o alvo subjetivo que o legislador teve em mente ('na aplicação
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ele se dirige e às exigências do bem
comum - LICC, art. 5º')
296
.
Por fim, é oportuno consignar que existe um indicador, de ordem objetiva, da
inexistência de prejuízo para a parte. Trata-se da possibilidade de julgamento
favorável à parte cuja declaração de nulidade aproveitar. De fato, se o rito puder
ser decidido a favor da parte a quem a declaração da nulidade iria beneficiar,
ostensiva prova de que não ocorreu prejuízo.
Nesse contexto, dispõe o art. 249 do CPC que "quando puder decidir do mérito a
favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará
nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta". Esse preceito constitui um
indicador objetivo da inexistência de prejuízo. Deve ser interpretado de forma
extensiva, por se tratar de norma relativizadora das invalidades, aplicando-se
inclusive às nulidades de fundo
297
.
296
MARCATO, 2004, p. 688.
297
Registre-se, contudo, que a doutrina tem sustentado que, em relação às nulidades de fundo, o
prejuízo é sempre presumido. Cf. COSTA, José Rubens. Tratado de processo de conhecimento.
São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 529.
120
4.3.1.4 O prejuízo no plano processual (violação do contraditório) e no
plano material
O prejuízo pode ocorrer no plano processual ou no plano material. Na verdade, a
inobservância da forma pode implicar conseqüências tanto no plano do direito
processual, como no plano do direito material.
O prejuízo no plano processual pode ser aferido pela inobservância do princípio do
contraditório. De fato, se a parte não teve assegurado o seu direito de contraditar os
argumentos e as provas produzidas pela outra parte, o seu prejuízo restará
evidenciado. Assim, se o princípio do contraditório não foi observado, o prejuízo, ao
menos no campo processual, será indiscutível. Sobre o prejuízo no plano do direito
processual, pode-se trazer à colação o seguinte:
O prejuízo processual é o entrave que impossibilita a participação das partes na
medida em que o modelo normativo do processo a permite (prejuízo como dano aos
objetivos do contraditório)
298
.
Destaque-se que, havendo prejuízo no campo processual, não que se cogitar de
aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das formas. Na verdade, o
prejuízo no plano do processo, pela inobservância do contraditório, desfigura a
própria finalidade do instrumento judicial.
Assim, se houve prejuízo no plano processual, pela inobservância do princípio da
bilateralidade, a nulidade de fundo não poderá ser sanada. Com efeito, qualquer
resvalo à regra do contraditório, por causar prejuízo para a parte, implica na
impossibilidade de aplicação da instrumentalidade substancial.
Por outro lado, havendo observância do contraditório, ainda que exista uma nulidade
de fundo, a aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das formas
poderá ser realizada.
298
GONÇALVES, 1993, p. 62.
121
Isso queda claro a partir de exemplo já citado neste trabalho. Nos casos de ausência
de citação, se o requerido comparecer em juízo e apresentar defesa cabal, não
que se invocar qualquer nulidade por falta de pressuposto processual de existência
(citação válida). Nesse caso, não houve prejuízo na esfera processual, vez que o
contraditório foi observado. Assim, o princípio da instrumentalidade substancial das
formas pode ser aplicado.
De outro lado, se o requerido, não sendo citado, comparece em juízo e não
apresenta defesa cabal, o prejuízo pela inobservância da forma restará evidenciado.
De fato, não apresentando defesa, queda evidente que a ausência de citação lhe
causou um prejuízo no campo processual. Nesse caso, em função desse prejuízo
que é observado na esfera processual, o princípio da instrumentalidade substancial
das formas não pode ser aplicado.
O prejuízo pode estar, ainda, no plano do direito material. Ou seja, a inobservância
de uma determinada forma, com a respectiva existência de uma nulidade de fundo,
pode conduzir a um resultado não esperado no plano do direito material. Nesses
casos, contudo, algumas considerações devem ser tecidas de modo a evitar
qualquer confusão.
De fato, a ótica de análise desse prejuízo não é parcial, ou seja, não pode o prejuízo
no plano do direito material, decorrente de uma nulidade de fundo, ser analisado sob
o prisma do vencedor ou do vencido. A sua análise deve ser aferida por um espectro
imparcial, ou seja, sob a ótica do julgador, de modo a considerar se houve prejuízo,
ou não, quanto aos elementos fáticos necessários à prolação da decisão.
Na verdade, eventual prejuízo que venha a ocorrer no plano do direito material
decorrerá sobretudo da existência de um prévio prejuízo no plano do direito
processual. De fato, se o contraditório não foi bem observado no transcurso do
procedimento, é possível que a solução apontada pelo magistrado não seja a mais
justa, isto é, a mais próxima da vontade do direito material. Assim, para evitar
prejuízo na esfera do direito material, a observância do contraditório deve ser
reforçada.
122
4.3.2 Instrumentalidade substancial das formas e instrumentalidade
das formas
O princípio da instrumentalidade das formas não se confunde com o princípio da
instrumentalidade substancial das formas, ao menos no plano epistemológico. Com
efeito, o primeiro postulado tem a sua aplicação restrita às nulidades relativas e às
anulabilidades. Como visto, há segmento na doutrina que estende a sua aplicação
também às nulidades absolutas. De qualquer modo, o princípio da instrumentalidade
das formas somente é aplicado às nulidades de forma.
De outro lado, a instrumentalidade substancial das formas consiste numa espécie de
horizontalização do princípio da instrumentalidade das formas. Com efeito, o intento
é estender a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas às nulidades de
fundo, ou seja, aos processos nos quais ausência de pressupostos processuais
ou de condições da ação. Trata-se, pois, de maximizar a aplicação da norma inserta
no art. 244 do CPC.
Assim, embora tenham o mesmo conteúdo finalístico, os princípios são aplicáveis a
situações distintas: a instrumentalidade das formas, como tradicionalmente é
defendido em doutrina, é aplicada às nulidades de forma. a instrumentalidade
substancial das formas aplica-se às nulidades de fundo. A diferença é importante na
medida em que a doutrina procura cingir a aplicação da instrumentalidade das
formas apenas a uma categoria de nulidades: as de forma.
4.3.3 Instrumentalidade substancial das formas e instrumentalidade
do processo
A instrumentalidade substancial das formas também não se confunde com a
instrumentalidade do processo. Realmente, o processo é por natureza instrumental,
ou seja, meio de realização do direito material. Não há uma razão de ser no
processo que o legitime por si só. A sua instrumentalidade, ou seja, a sua natureza
de meio realizador de fins faz parte da sua própria ontologia.
123
A instrumentalidade substancial das formas não pode ser confundida com a
instrumentalidade do processo. Na verdade, aquele princípio permite a
materialização deste. Por outras palavras: a instrumentalidade substancial das
formas representa uma técnica para efetivação da própria instrumentalidade do
processo. É um meio facilitador deste fim.
4.3.4 Instrumentalidade das formas e instrumentalidade do
processo
Do mesmo modo, como ressalta Dinamarco
299
, a instrumentalidade das formas não
pode ser confundida com a instrumentalidade do processo. Aquele princípio, na
verdade, constitui-se em uma diretriz endosistemática, norteadora do sistema
processual e, mormente, das nulidades processuais.
Assim, pode-se dizer que o princípio da instrumentalidade das formas propicia a
realização instrumental do processo. Por outras palavras: a instrumentalidade das
formas viabiliza a realização da própria essência do processo, por materializar o seu
característico teleológico, instrumental.
De qualquer modo, ambos os institutos, ou seja, tanto a instrumentalidade das
formas como a instrumentalidade do processo m em comum o endereçamento
negativo. De fato, tanto um como outro têm a função de advertir o aplicador do
direito quanto às limitações funcionais das formas e do próprio sistema processual -
que não constituem fins, mas sempre meios
300
.
4.4 APLICAÇÃO DA INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS
FORMAS
Chega-se ao momento de explanar a forma de aplicação do princípio da
instrumentalidade substancial das formas. De qualquer modo, antes de se adentrar
299
DINAMARCO, 2003a, p. 325.
300
Ibidem, p. 325-326.
124
no casuísmo da sua aplicabilidade, é de bom alvitre tecer algumas considerações
quanto à impossibilidade de ela ser generalizada.
4.4.1 Advertência prévia: impossibilidade de generalização da sua
aplicação
A instrumentalidade substancial das formas não pode ter a sua aplicação
generalizada a todas as hipóteses em que ocorram nulidades de fundo. Na verdade,
isso se dá exatamente pelo fato de que a sua aplicação demanda análise do binômio
prejuízo x finalidade.
Com efeito, se existiu prejuízo ou o conjunto dos atos processuais não atingiu a sua
finalidade, não que se cogitar na aplicação da instrumentalidade substancial das
formas. Assim, nem todas as nulidades de fundo poderão ser desconsideradas.
Ademais, deve-se ressaltar que determinadas nulidades de fundo que não
permitem, em qualquer caso, o aproveitamento do processo. Por outras palavras:
certas nulidades de fundo que conduzem necessariamente à extinção do processo
sem apreciação do mérito, nos termos do art. 267 do CPC, inviabilizando a aplicação
da instrumentalidade substancial das formas.
É o que ocorre, por exemplo, com as nulidades de fundo que decorrem da
litispendência e da coisa julgada. No que concerne à incompetência absoluta,
embora ela não culmine na extinção do processo, por força do art. 113, § 2º do CPC,
também não possibilidade de aplicação da instrumentalidade substancial das
formas. De qualquer modo, essas espécies de nulidades serão estudadas e
analisadas adiante. Desde , contudo, adiante-se que essas exceções não infirmam
a regra.
125
4.4.2 Hipóteses de aplicação
As hipóteses de aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das formas
serão analisadas em dois grupos. Analisar-se-ão, primeiro, as hipóteses de
aplicação da instrumentalidade substancial das formas em relação aos pressupostos
processuais e, em seguida, em relação às condições da ação.
4.4.2.1 Em relação aos pressupostos processuais
A relação jurídica de direito processual o se confunde com a de direito material.
Essa distinção havia sido reconhecida por Bülow desde 1868. E cada relação, por
ser autônoma e distinta, tem os seus respectivos requisitos. Assim, a relação
processual, do mesmo modo que a relação de direito material, demanda requisitos
próprios para a sua formação e regular desenvolvimento: são os pressupostos
processuais.
Os pressupostos processuais, embora haja cizânia na doutrina quanto à sua
enumeração
301
e classificação
302
, são os seguintes: a) petição inicial apta; b) citação
válida; c) capacidade processual; d) capacidade postulatória; e) competência e f)
inexistência de litispendência e coisa julgada. A aplicação da instrumentalidade
301
Na doutrina, há, de fato, divergência quanto à enumeração dos pressupostos processuais. Cf.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre pressupostos processuais. In:______. Temas de direito
processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 85. quem elenque, por exemplo, apenas
três pressupostos: a) demanda regularmente formulada; b) capacidade de quem a formula e c)
investidura. Essa é a orientação defendida por CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 287.
Há, ainda, quem arrole os seguintes: a) petição inicial; b) jurisdição; c) citação; d) capacidade
postulatória; e) petição inicial apta; f) competência e imparcialidade; g) capacidade de agir e
capacidade processual e h) litispendência e coisa julgada. Essa orientação é defendida por:
WAMBIER, Luis Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso
avançado de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 4. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos tribunais, 2002. p. 221-228. Registre-se, ainda, que
orientação no sentido de que os pressupostos processuais são os seguintes: a) competência; b)
capacidade das partes; c) representação por advogado; d) forma processual adequada; e) citação
válida; f) petição inicial apta e g) inexistência de litispendência, coisa julgada, perempção e nulidades.
Nesse sentido é a lição de NUNES, Elpídio Donizetti. Curso didático de direito processual civil. 4.
ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 24.
302
quem classifique os pressupostos processuais em objetivos e subjetivos. Cf. NUNES, 2003, p.
24; SANTOS, 1998, p. 324. Outros autores preferem classificá-los em de existência e de validade:
WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2002, p. 230. No mesmo sentido: NERY JUNIOR; NERY, 2003, p.
595. , ainda, uma terceira orientação que classifica os pressupostos processuais em de existência
e de desenvolvimento. Cf. THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 55.
126
substancial das formas será analisada em relação a cada um desses pressupostos
processuais.
4.4.2.1.1 Petição inicial apta
Não há qualquer objeção quanto à possibilidade de aplicação do princípio da
instrumentalidade substancial das formas em relação ao processo que foi
inaugurado por petição inepta. Por outras palavras: ainda que a exordial seja inepta,
é possível, em certos casos, que o magistrado profira sentença de mérito.
Obviamente, sempre que possível, o magistrado deverá determinar que o requerente
proceda à emenda da peça vestibular, como preceitua o art. 284 do CPC. De
qualquer modo, não sendo adotada essa providência, ainda assim, é possível que o
juiz adentre no mérito da lide, desde que verificadas certas condições.
Como dito, para aplicação da instrumentalidade das formas é relevante a aferição de
dois elementos: prejuízo e finalidade. De modo que, mesmo que a petição inicial seja
inepta, se ela atingiu a sua finalidade e não houve prejuízo para as partes, o
pronunciamento de mérito pelo magistrado aduz-se como imperioso.
No caso de exordial inepta, se o requerido vier a apresentar contestação cabal, na
verdade, a peça inicial não lhe trouxe qualquer prejuízo. Ora, o defeito da inicial não
foi tão profuso a ponto de impedir a compreensão do conteúdo da citada peça. Tanto
isso é verdade que o requerido apresentou contestação cabal, impugnando todos os
fatos, a despeito da eventual ausência de um pressuposto processual (petição inicial
apta).
Verificando, portanto, que a inicial, embora inepta, não trouxe prejuízo para o
requerido - o qual apresentou contestação cabal -, não por que o magistrado
deixar de apreciar, pelo menos em função desse aspecto, o mérito da lide, aplicando
o direito material. Eis ai azo para aplicação do princípio da instrumentalidade
substancial das formas, que, em sintonia com as diretrizes e as perspectivas
127
contemporâneas do direito processual, permite a aproximação do direito processual
ao material.
Reitere-se que a possibilidade de aplicação da instrumentalidade substancial das
formas deve ser analisada diante dos casos concretos. De fato, é diante das
situações concretas que o magistrado poderá aferir se a inicial, embora inepta,
alcançou a sua finalidade e, ainda, se houve eventual prejuízo, tanto para o
requerente como para o requerido. Ausente qualquer um desses requisitos, o
processo deverá ser extinto sem julgamento de mérito, como preceitua o art. 267 do
CPC.
Um exemplo elucidará a possibilidade de aplicação da instrumentalidade substancial
das formas em relação ao processo inaugurado por petição inepta. Basta imaginar
uma peça vestibular na qual tenha sido narrado o fato (causa de pedir remota)
exaustivamente e de forma clara, mas cujos fundamentos jurídicos (causa de pedir
próxima) não tenham sido aduzidos
303
. Nesse caso, segundo o art. 295, parágrafo
único, inciso II, do CPC, a petição inicial é inepta.
Suponha-se, contudo, que o magistrado tenha, ainda assim, determinado a citação
do requerido. E este, devidamente citado, compareça em juízo e apresente resposta
cabal à pretensão deduzida pelo requerente. Ora, a ausência de fundamentação
jurídica, nesse caso, não impossibilitou que o ato inaugural do procedimento
atingisse a sua finalidade, e nem tampouco resultou em prejuízo para o requerido,
que apresentou a sua defesa.
O juiz, nesse caso, deverá julgar o mérito da questão, afastando eventual preliminar
alegada de inépcia da inicial. Com efeito, se o fim do ato foi colimado, ou seja,
atingido, e não houve prejuízo para as partes, mesmo que o ato tenha sido realizado
em desconformidade com o tipo legal, deve ser ele admitido como válido (art. 244 do
303
A causa de pedir pode ser remota ou próxima. A primeira equivale aos fatos, enquanto a segunda,
aos fundamentos jurídicos. Nesse sentido: SANTOS, 1998, p. 164. Registre-se, contudo, que
orientação na doutrina que sustenta que a causa de pedir próxima corresponde aos fatos, enquanto a
remota aos fundamentos jurídicos. Essa é, por exemplo, a orientação defendida por NERY JUNIOR,
NERY, 2003, p. 670 e 671. No mesmo sentido, cf. RODRIGUES, 2003, p. 164. A primeira orientação
tem sido a dominante na doutrina, motivo pelo qual será adotada neste trabalho.
128
CPC). Entender de forma diversa implicaria sobrepor a forma ao seu fim, ou seja, o
processo (instrumento) ao direito material.
Nesse sentido, há, inclusive, em matéria de inépcia da exordial, importante decisão
do STJ que ressalta a finalidade do ato e a ausência de prejuízo para a defesa. Na
verdade, embora essa decisão não tenha feito menção à instrumentalidade
substancial, pautou-se certamente nas idéias consubstanciadas nesse princípio. O
Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial, averbou a seguinte
conclusão: "A petição inicial deve ser indeferida, por inépcia, quando o vício
apresentar tal gravidade que impossibilite a defesa do réu, ou a própria prestação
jurisdicional"
304
.
Ademais, deve-se registrar que a não descrição da causa de pedir próxima na inicial,
a rigor, o traria qualquer prejuízo para a atividade jurisdicional É que da mihi
factum, dabo tibi jus e iura novit curia, ou seja, basta narrar o fato, que o juiz dará o
direito, porque ele o conhece. Assim, a ausência de fundamentação jurídica pode
não implicar prejuízo para as partes.
Como lembra Bedaque
305
, pode-se afirmar "[...] a possibilidade de o juiz alterar a
fundamentação jurídica, sem que isso implique modificação da causa de pedir".
Prossegue, concluindo: "Aplica-se a regra iura novit curia, pois o limite à atividade do
juiz estaria restrito à matéria fática". Na verdade, se o juiz pode alterar a
fundamentação jurídica na sua decisão, não há porque se considerar inepta uma
petição tão somente pela ausência de fundamentação jurídica
306
.
304
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 193100-RS. Relator: Ministro Ari
Pargendler. 3ª Turma. j. 15.10.01, DJU 4.2.02, p. 345. NEGRÃO; GOUVÊA, 2003, p. 386.
305
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do
contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e; BEDAQUE, José Roberto dos Santos (Coords.).
Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 32.
306
A possibilidade de o magistrado afastar-se da fundamentação jurídica invocada pelo autor na
exordial é demasiado clara no direito processual penal. De fato, até mesmo dispositivo expresso a
respeito. O art. 383 do CPP consagra o instituto da emendatio libelli, o qual autoriza o juiz a "dar ao
fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia". Em relação ao processo civil
a mesma orientação pode ser adotada. Registra o prof. Cruz e Tucci que "[...] afirma Justin Thores
que o juiz pode e deve examinar os fatos que lhe o submetidos à luz de todas as normas de direito
material, ainda que tais normas não tenham sido invocadas pelas partes". O mesmo autor destaca,
ainda, orientação de Araken de Assis, o qual sustenta a possibilidade de o demandante variar, a
129
Se os limites da lide estão bem definidos na causa de pedir remota, ou seja, na
descrição fática, eventual ausência de causa de pedir próxima não pode implicar
inépcia da inicial, já que o juiz não está, como visto, adstrito à fundamentação
jurídica invocada. Por fim, destaque-se que o legislador da lei dos juizados
especiais, afinado a essa orientação, dispensou, no art. 14, o requerente de
apresentar os fundamentos jurídicos do seu pedido
307
.
4.4.2.1.2 Citação válida
A citação válida é outro pressuposto processual. Na verdade, trata-se de um dos
pressupostos processuais de maior relevo, tendo em vista que propicia a certeza
quanto à possibilidade de exercício do contraditório pela parte requerida. De fato, é
com a citação que o requerido passa a conhecer a demanda que foi aforada em face
da sua pessoa e o seu respectivo conteúdo.
De qualquer modo, ainda que haja ausência de citação válida, é possível que o juiz
analise o mérito da questão submetida à sua apreciação, desde que, obviamente,
certos requisitos sejam preenchidos. Na verdade, se, embora a citação não tenha
sido realizada validamente, ela atingiu o seu fim e não gerou prejuízo para a parte,
não qualquer possibilidade de acolhimento de eventual preliminar ao menos em
relação à ausência desse pressuposto processual.
Reitere-se que a aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das formas
queda sempre condicionada à análise, nos casos concretos, do binômio prejuízo x
finalidade. Por outras palavras: deve o magistrado, no caso concreto, analisar se a
citação, embora sendo inválida, alcançou a sua finalidade e se trouxe eventual
prejuízo para a parte.
qualquer momento, durante o procedimento, o texto legal invocado na petição inicial (TUCCI, José
Rogério Cruz e. A causa petendi no direito processual civil brasileiro. 2. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 161-162).
307
Nesse sentido: "A lei especial dispensa o fundamento jurídico da pretensão e a exposição de
artigos de lei, viabilizando com isso o processamento dos pedidos elaborados por leigos" (CHIMENTI,
Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis. 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 127).
130
Um exemplo elucidará a sua aplicação. Nos casos de citação pelo correio, mediante
carta com aviso de recebimento em mão própria, ainda que a correspondência
citatória não seja entregue diretamente ao requerido, conforme preceitua o art. 233
do CPC, se ele comparecer em juízo e apresentar a sua resposta, o magistrado não
deve acolher eventual preliminar de citação inválida.
Nesse caso, embora a correspondência citatória não tenha sido entregue
diretamente ao requerido (o que resvala, em princípio, o disposto no texto legal), o
ato atingiu a sua finalidade e não lhe causou qualquer prejuízo. Isso pode ser aferido
pela apresentação da resposta. Nota-se, pois, que, nesse caso, embora realizado de
outra forma, o ato não deixou de atingir a sua finalidade e nem causou prejuízo.
Trata-se de caso em que é cabível a aplicação da instrumentalidade substancial das
formas. Essa orientação, inclusive, foi adotada em julgado do STJ, in verbis:
Na citação de pessoa física por via postal, é indispensável a entrega diretamente ao
citando, devendo o carteiro colher o seu ciente. Se o aviso de recebimento da carta
citatória for assinado por outra pessoa, que não o próprio citando, e não houver
contestação, o autor tem o ônus de demonstrar que o réu, ainda que não tenha
assinado o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe foi ajuizada
308
.
Ressalte-se, ainda, que o CPC permite até mesmo que a ausência de citação seja
suprida pelo comparecimento espontâneo do requerido. De fato, o seu art. 214, §,
reza o seguinte: "O comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação".
Assim, ainda que ausente a citação, se o requerido compareceu em juízo e
apresentou a sua contestação cabalmente, indicativos de inexistência de
prejuízo. Se o binômio prejuízo e finalidade foram observados, azo para
aplicação da instrumentalidade substancial das formas.
Mesmo nos casos de ausência de citação, portanto, é possível que seja aplicado o
princípio da instrumentalidade substancial. Se o requerido, a despeito de não ter
sido citado, compareceu em juízo
309
e alegou preliminar de ausência de citação, mas
308
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RT 351/384. No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça. Recurso Especial n. 57370-0-RS. Relator: Ministro Demócrito Reinaldo. 1ª Turma. j.
26.04.95, DJU 22.05.95, p. 14369. NEGRÃO; GOUVÊA, 2003, p. 290.
309
Esse comparecimento espontâneo pode ser aferido através da juntada pelo causídico do requerido
da procuração com poderes para receber citação.
131
contestou de forma cabal todos os argumentos levantados pelo requerente, o juiz
deve afastar a citada preliminar e adentrar no exame do mérito da questão. Entender
de forma diversa implicaria elevar o processo a um plano autônomo e apartado do
seu próprio escopo, que é aplicação do direito material.
Assim, a eventual alegação de ausência de pressuposto processual (in casu, citação
válida) o deve ser acolhida se o ato, perpetrado de outro modo, tenha atingido a
sua finalidade, não gerando qualquer prejuízo. Se o binômio finalidade x prejuízo foi
observado, imperiosa é a aplicação da instrumentalidade substancial das formas,
com a respectiva análise do mérito.
Indo um pouco além, deve-se consignar também que, mesmo que o requerido não
tenha apresentado resposta, possibilidade de aplicação do princípio da
instrumentalidade substancial das formas nos casos de nulidade de citação. Isso
será possível quando não ocorrer prejuízo para o requerido no plano do direito
material, ou seja, quando o juiz verificar a possibilidade de julgar in totum
improcedente o pedido autoral.
Basta imaginar o caso em que, mesmo não havendo citação do requerido, o juiz, ao
término do procedimento, vislumbre a possibilidade de julgar improcedente o pedido
do autor. Seria demasiado formalismo anular-se todo o processo, para determinar-se
a citação do requerido quando, em verdade, o magistrado pode conceder um
provimento de mérito julgando o pedido autoral improcedente
310
. Nesse sentido:
Contudo, seria um excesso de formalismo afirmar-se que o processo é sempre
inválido, e seus atos inexistentes, se não tiver havido a prévia citação do demandado.
Basta imaginar que o réu tenha saído vencedor no processo, mesmo sem ter tido
oportunidade de se defender. A coisa julgada que ai se forma certamente existe e o
beneficia. Essa afirmação é válida não só porque o art. 219, § 6º, prevê essa
possibilidade, mas principalmente diante do princípio da determinação racional do
nulo (art. 244 e 249 , § 1º e 2º)
311
.
310
Obviamente, esse raciocínio não seria lido para aqueles casos em que o juiz vislumbrasse a
possibilidade de julgar o pedido autoral procedente. Nesse caso, o prejuízo para o requerido
decorrente da ausência de citação estaria evidenciado.
311
MARCATO, 2004, p. 554.
132
4.4.2.1.3 Capacidade processual
A capacidade processual é outro pressuposto processual, o qual está relacionado às
partes. Não basta, com efeito, que a parte seja legítima e que detenha capacidade
de direito; é necessário ainda que ela esteja, em juízo, no pleno gozo de sua
capacidade de fato, de exercício.
Nesse contexto, os incapazes, embora tenham capacidade de ser parte, precisam
valer-se do instituto da representação ou da assistência para que a sua capacidade
de fato seja suprida. Reza o art. do CPC que "Os incapazes serão representados
ou assistidos por seu pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil". Os
absolutamente incapazes deverão ser representados, enquanto os relativamente
incapazes, assistidos
312
.
A ausência de capacidade processual implica a ausência de pressuposto
processual. Imagine-se, contudo, uma determinada situação na qual os autos estão
conclusos para sentença, quando o magistrado verifica que o autor não apresenta
capacidade processual. De princípio, a solução passaria pela necessidade de
correção do defeito processual.
Se o magistrado, no entanto, vislumbrar a possibilidade de julgar o pedido deduzido
procedente, não haveria qualquer sentido em determinar-se a correção da ausência
do pressuposto processual. Há azo à aplicação da instrumentalidade substancial das
formas. Como lembra Rui Portanova
313
, fazendo menção ao princípio da
instrumentalidade, "a pedra de toque inicial do princípio em estudo é fazer do
processo instrumento do direito substancial público e privado".
312
No código civil de 1916 existia dispositivo expresso quanto a isso (art. 84 do CC/16), o qual não foi
repetido no novo Código Civil. De qualquer modo, outro dispositivo no código civil em vigor que ,
embora diverso, permite concluir pela mesma orientação anterior. De fato, o art. 1634, inc. V, reza o
seguinte: "Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: V - representa-los, até os 16
(dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes,
suprindo-lhes o consentimento".
313
PORTANOVA, 1999, p. 50.
133
Com efeito, se, mesmo faltando capacidade processual ao autor, o juiz vislumbrar a
possibilidade de julgar procedente o pedido, não há lógica em se corrigir aquele
vício. É que se o ato, embora realizado de outra forma, atingiu a sua finalidade e não
gerou prejuízo para as partes, deve ser considerado como válido. Entender de forma
diversa implicaria sobrepor o processo ao direito material, ou seja, em maximizar o
valor das formas por si só.
Do mesmo modo, se ausente a capacidade processual do réu, e somente quando
conclusos os autos para sentença o juiz verificar o vício, mas vislumbrar a
possibilidade de julgar o pedido improcedente, não há sentido em declarar-se aquela
nulidade. Se o ato atingiu a sua finalidade e não houve prejuízo para a parte (e isso
é evidente, no citado exemplo, que o pedido será julgado improcedente), não
sentido na prolação de eventual sentença terminativa.
Pode-se dizer que a capacidade processual é um pressuposto processual instituído
em benefício da respectiva parte, que presumidamente somente a ela poderá gerar
prejuízos. Por outras palavras: a ausência de capacidade processual do réu
somente pode gerar prejuízo para ele; a ausência de capacidade processual do
autor também somente pode gerar prejuízo para ele. Se, porém, a despeito dessa
ausência, o processo atingiu o seu fim e não gerou prejuízo para a parte (o que pode
ser aferido através da possibilidade de julgamento de mérito favorável), não haverá
sentido em se declarar qualquer nulidade.
Trata-se de situação que permite a aplicação do princípio da instrumentalidade
substancial das formas. Dito de outro modo: se o ato foi praticado de outra forma,
ainda que isso conduza a uma nulidade de fundo, mas se o fim foi atingido e não
houve prejuízo para as partes, não se deve declarar a nulidade. O processo deverá
ter o seu rito apreciado. Não se pode olvidar que a sua finalidade é exatamente
esta: atuar o direito material.
134
Essas conclusões, embora possam parecer à primeira vista inovadoras, foram
objeto de sustentação por parte de um processualista português, prof. Miguel
Teixeira de Sousa, em artigo publicado em revista nacional de direito processual
314
.
É importante, neste momento, trazer à baila seu escólio, posto que longo, mas que
pela sua clareza e importância deve ser repetido ipsis litteris:
[...] Na realidade, a verificação de que o Tribunal, ao apreciar, mesmo oficiosamente,
determinadas exceções dilatórias, tutela interesses das partes implica que esse
Tribunal deve considerar relevante uma dessas exceções quando, na situação
concreta, não se lhe ofereça uma outra forma de proteção dos interesses da parte
que a exigência do pressuposto procura acautelar. Ou numa formulação ainda mais
concreta: o Tribunal só deve absolver o réu da instância quando o pressuposto não
preenchido se destina a tutelar os interesses dessa parte passiva e, nesse momento,
não é possível concluir pela improcedência da ação ou quando o pressuposto não
realizado visa proteger os interesses do autor e, nessa ocasião, não é viável proferir
uma decisão condenatória. Como se vê, quanto aos pressupostos que procurar
acautelar os interesses da partes in iudicio, a absolvição da instância não é uma
decisão que deva ser proferida incondicionalmente perante a falta de um daqueles
pressupostos, porque a sua função é realmente a de evitar uma sentença de mérito
desfavorável à parte cuja posição processual o pressuposto procura salvaguardar.
Neste sentido, uma sentença de absolutio ab instantia pode ser uma decisão
favorável à parte ativa ou à parte passiva - tudo depende do pressuposto cuja falta a
fundamenta se destinar à tutela dos interesses do autor ou do réu
315
.
Nota-se, assim, que, mesmo ausente a capacidade processual, se não houve
prejuízo para a parte (o que pode ser aferido pela procedência do pedido - em
relação ao autor - ou pela improcedência do pedido - em relação ao réu), o
magistrado não deve deixar de julgar o mérito da questão submetida à sua
apreciação. O juiz, então, deve valer-se da instrumentalidade substancial, aplicando
a regra do art. 244 do CPC à nulidade de fundo, prolatando sentença de natureza
definitiva, desde que inexista prejuízo e o ato tenha atingido o seu fim.
O STJ, embora estribado em outros argumentos, fez uso da idéia
consubstanciada na instrumentalidade substancial das formas em relação à
capacidade processual. Assim se manifestou o excelso pretório: "A outorga de
mandado procuratório por pessoa supostamente incapaz, sendo-lhe favorável o
resultado da demanda, afasta o vício na representação"
316
. Intruje-se do texto que,
inexistindo prejuízo para a parte, vez que procedente o seu pedido, ainda que o ato
314
SOUSA, Miguel Teixeira de. Sobre o sentido e a função dos pressupostos processuais. Revista
de processo, São Paulo, ano 16, n. 63, p. 64-87, 1991.
315
Ibidem, p. 74.
316
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RSTJ 84/342. NEGRÃO; GOUVÊA, 2003, p. 316.
135
tenha sido realizado de forma diversa da prevista em lei (sem a respectiva
representação), se ele atingiu o seu fim, deve se reputado como válido.
4.4.2.1.4 Capacidade postulatória
A capacidade postulatória representa outro pressuposto processual de natureza
subjetiva. Na verdade, as partes, para postularem em juízo, devem estar
devidamente representadas por profissionais habilitados. Ou seja, é necessário que
a parte esteja representada em juízo por advogado. Como dispõe o art. 36 do CPC,
"a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado".
É bem verdade que essa regra contempla algumas exceções, ou seja, casos em
que é dispensada a necessidade de a parte ser representada por advogado. São
exemplos dessa dispensa: a) em relação às causas que tramitam nos Juizados
Especiais, que não excederem a vinte salários mínimos, prescinde-se de advogado
(art. 9 da LJE); b) de acordo com o art. 791 da CLT, na Justiça laboral, o empregado
e o empregador podem reclamar pessoalmente, sem a necessidade de advogado; c)
na impetração de habeas corpus também é dispensada a figura do advogado (art.
654 do CPP e art. 1º, § 1º do EA).
Nota-se, assim, que o pressuposto processual referente à capacidade postulatória
não é absoluto, podendo ser afastado em determinadas hipóteses. De qualquer
modo, regra geral, a capacidade postulatória é exigida e, de fato, trata-se de
requisito necessário para o bom desenvolvimento da relação processual. Não foi por
outra razão que o constituinte previu, no art. 133, que "o advogado é indispensável à
administração da justiça [...]".
Não parece, porém, existir nenhuma objeção quanto à possibilidade de aplicação da
instrumentalidade substancial das formas também em relação a esse pressuposto
processual. E isso pode ser feito pelas mesmas razões pelas quais o princípio é
aplicável às hipóteses de ausência de capacidade processual, abordadas
anteriormente.
136
Imagine-se uma situação em que figurem como parte autor e réu numa determinada
ação, estando este último representado por advogado suspenso
317
de suas
atividades. O rito processual transcorreu normalmente sem que a informação
referente à suspensão do profissional fosse suscitada, ou seja, sem que a ausência
do pressuposto processual fosse ventilada.
Quando do momento da conclusão dos autos para prolação da sentença, o juiz
recebe a informação de que aquele causídico, que funcionou no processo, estava
suspenso de suas atividades forenses, mas vislumbra a possibilidade de julgar
improcedente in totum o pedido aforado. Trata-se de caso que permite,
incontestavelmente, a aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das
formas.
Na verdade, se, a despeito da ausência do pressuposto processual - a capacidade
processual -, o juiz vislumbra a possibilidade de julgar o mérito, sem que haja
prejuízo para a parte, não deve declarar eventual nulidade e repetição de todos os
atos processuais. Isso atentaria contra a lógica do procedimento, e elevaria o
processo a um patamar além do qual ele deve ocupar, ou seja, acima da sua própria
finalidade, que é a apresentação da solução no plano do direito material.
Seria mesmo absurdo manifesto repetir todos os atos do processo com a presença
do respectivo pressuposto processual que estava ausente, para, ao final, concluir-se
novamente pela improcedência do pedido. Isso atenta, como dito, contra a própria
lógica e finalidade para a qual foi concebido o instrumento judicial. Assim, se o
processo, embora imiscuído de nulidade de fundo - ausência de pressuposto
processual -, atingiu o seu desfecho, inexistindo prejuízo para as partes, não por
que se declarar a sua nulidade.
317
Reza o art. 37, § 1º do EA que "a suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício
profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses, de acordo com os
critérios de individualização previstos neste capítulo".
137
Deve-se ressaltar que, no caso citado, não prejuízo para as partes,
principalmente para o requerido, que o pedido deduzido será julgado
improcedente. Na verdade, o pressuposto processual da capacidade postulatória foi
instituído como uma forma de proteção das respectivas partes. Ora, no caso citado,
essa proteção em relação ao requerido, embora inexistente formalmente, não lhe
acarretou qualquer prejuízo. É que, como dito, o magistrado vislumbrou o julgamento
de improcedência do pedido.
Consigne-se, ainda, que o mesmo exemplo citado poderia ser utilizado em relação
ao autor. Se o juiz vislumbrar a possibilidade de julgar in totum procedente o pedido
autoral, a despeito da ausência de pressuposto processual - capacidade postulatória
em relação ao autor -, não deve o magistrado declarar a nulidade, ainda que de
fundo. Se a finalidade do processo foi atingida e não houve prejuízo para a parte,
deve-se aplicar a instrumentalidade substancial.
De fato, a capacidade postulatória é um pressuposto processual instituído em
benefício da própria parte. Nesse sentido, é oportuno trazer à colação escólio do
prof. Miguel Teixeira de Sousa:
[...] Foi afirmado que a falta de um desses pressupostos não impede o proferimento
de uma decisão condenatória, porque, nessa circunstância, a parte ativa não é
prejudicada com a inexistência daquele pressuposto e, portanto, não se justifica que
o tribunal conceda a proteção devida à parte cuja posição processual é beneficiada
com o preenchimento do pressuposto [...]
318
.
Realmente, não se pode compreender a necessidade de repetição de todos os atos
processuais em função apenas da ausência de um pressuposto processual, se o
processo atingiu o seu desfecho. Isso implicaria, como lembra Carlos Alberto Alvaro
de Oliveira
319
, em "ver o processo como medida de todas as coisas". Nesse
contexto, faz-se necessário repensar todos os institutos processuais, adaptando-os à
postura instrumental
320
.
318
SOUSA, 1991, p. 76.
319
OLIVEIRA, 1997. p. 61.
320
BEDAQUE, 1990, p. 61.
138
Dir-se-á que a solução aqui preconizada implica verdadeira violação de regras
processuais, como a de que os atos perpetrados por um advogado suspenso são
inexistentes. Não se pode olvidar, contudo, como inclusive ressaltado neste
trabalho, que todas as normas processuais devem ser temperadas pelo princípio da
instrumentalidade. Sobre o exposto, é oportuno trazer à ribalta decisão do STJ:
O STJ vela pela exata aplicação do direito federal, atento à circunstância de que
nosso sistema processual é informado pelo princípio da instrumentalidade das
formas. Daí que poderá o eventual descumprimento de determinada disposição legal
não conduzir à inutilização do processo
321
.
4.4.2.1.5 Competência
Outro pressuposto da relação processual é a competência. Como destaca
Chiovenda
322
, por competência do tribunal entende-se "o conjunto de causas nas
quais ele pode exercer, segundo a lei, a sua jurisdição"; em seguida, o citado autor
prossegue sustentando que "num segundo sentido, entende-se por competência
essa faculdade do tribunal considerada nos limites em que lhe é atribuída". Por
outras palavras, competência é "a medida da jurisdição"
323
.
A Constituição Federal assegura, no art. 5º, inc. LIV, que "ninguém seprocessado
nem sentenciado senão pela autoridade competente". Consagra-se, aí, uma das
vertentes do princípio do juiz natural. A competência tem a finalidade de assegurar
um julgamento por um órgão previamente definido em lei, visando a preservar a sua
imparcialidade.
A inobservância das regras referentes à competência pode culminar na
incompetência absoluta ou relativa. A primeira relaciona-se à não observância de
regras de competência em razão da matéria, funcional ou hierárquica. a segunda
321
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no agravo de instrumento n. 70026-7-
GO. Relator: Ministro Eduardo Ribeiro. Turma. DJU 25.09.1995, p. 31107. THEODORO JÚNIOR,
Humberto. O novo processo civil brasileiro no limiar do novo século. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 151.
322
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Tradução de Paolo
Capitanio. Campinas: Bookseller editora e distribuidora, 2002. v. 2. p. 183.
323
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva,
1993. p. 45.
139
relaciona-se com as regras de competência em razão do território ou do valor da
causa, e não representa, a rigor, um pressuposto processual.
A ausência do pressuposto processual da competência parece não se coadunar com
a possibilidade de aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das
formas. Por outras palavras: o juiz absolutamente incompetente não pode valer-se
da regra do art. 244 do CPC para extirpar o vício que inquina a relação processual.
Na verdade, a competência constitui-se em um dos pressupostos processuais de
maior relevância
324
, cuja essência está prevista, como visto, no bojo do texto
constitucional. E o juiz absolutamente incompetente não pode utilizar-se da
instrumentalidade substancial porque ele, a rigor, não pode proferir qualquer ato
decisório no processo. O art. 113, § do CPC declara que os atos decisórios do
magistrado absolutamente incompetente serão todos nulos.
Tendo em vista que os seus atos decisórios serão nulos, não pode o juiz, a rigor,
aplicar a instrumentalidade substancial. Na verdade, para valer-se desse princípio, o
magistrado precisaria mesmo proferir uma decisão. Como efeito, "a competência é
acima de tudo uma determinação dos poderes judiciais de cada um dos juízes"
325
. E,
como visto, nos casos de incompetência absoluta, se o juiz vier a proferir decisões,
elas serão nulas. Ademais, lembra James Goldschmidt
326
que "a competência é uma
premissa da sentença de mérito [...]".
Nem mesmo o argumento da eventual inexistência de prejuízo poderia ser suscitado
para viabilizar a aplicação da instrumentalidade substancial. Na verdade, há, nos
casos de incompetência absoluta, uma presunção jure et jure quanto ao prejuízo em
relação aos atos decisórios. Visa-se, com isso, a assegurar a observância do
324
Segundo Moreira, a competência é o primeiro requisito que deve ser analisado no processo.
Assim, ao despachar a inicial, o magistrado deve aferir primeiramente se é competente para tanto.
Essa é a orientação de MOREIRA, José Carlos Barbosa. A competência como questão preliminar e
como questão de mérito. In:______. Temas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva,
1989. p. 97.
325
CALAMANDREI, Piero. Instituições de direito processual civil. Tradução de Douglas Dias
Ferreira. 2. ed. Campinas: Bookseller editora e distribuidora, 2003. v. 2. p. 108.
326
GOLDSCHMIDT, 2003, p. 204.
140
princípio constitucional do juiz natural, inserto no art. 5º, inc. LIV, CF. Assim, não se
vislumbra a possibilidade de aplicação do princípio da instrumentalidade substancial
das formas em relação às hipóteses de ausência do pressuposto processual
competência.
De qualquer modo, a exceção aqui prevista não infirma a regra geral. Por outras
palavras: o fato de a instrumentalidade substancial das formas não se aplicar
àqueles casos nos quais está ausente o pressuposto processual da competência
não redunda na quebra do princípio. Muito pelo contrário, a exceção apenas
corrobora a regra geral.
Ademais, deve-se ressaltar que a instrumentalidade substancial das formas, como
princípio, permite a sua flexibilização em determinadas hipóteses. Como
ressaltado neste trabalho, os princípios, espécies de normas, podem flexibilizar-se
quando em conflito com outros, mas jamais se excluem. Nota-se, assim, que diante
do conflito entre o princípio da instrumentalidade substancial das formas e o do juiz
natural, deve preponderar o segundo, por assegurar um valor de maior relevo.
4.4.2.1.6 Inexistência de litispendência e de coisa julgada
A inexistência de litispendência e de coisa julgada constitui outro pressuposto
processual. Na verdade, trata-se de pressuposto processual negativo, tendo em
vista que deve estar, diferentemente dos demais pressupostos processuais, ausente.
Ou seja: é pressuposto negativo porque não deve estar presente na relação jurídica
processual, ao contrário dos positivos, que devem estar presentes no processo.
Ocorre a litispendência quando se reproduz ação idêntica a outra que foi ajuizada.
Nesse caso, a segunda ação tem os mesmos elementos
327
que a primeira; isto é, as
partes, a causa de pedir (próxima e remota) e o pedido (mediato e imediato) de
ambas as ações são idênticos.
327
Os elementos da ação são três: partes, causa de pedir (próxima e remota) e pedido (imediato e
mediato). Tais elementos permitem particularizar as diversas ações, de modo a facilitar a
caracterização da objeção de coisa julgada ou de litispendência.
141
a coisa julgada pode ser verificada quando se ajuíza outra ação idêntica a uma
que foi julgada. A diferença substancial entre a coisa julgada e a litispendência é
que a primeira verifica-se após o trânsito em julgado da sentença, enquanto a
segunda, antes. Essa definição pode ser encontrada no art. 301, § 1º a 3º do
CPC
328
.
No que concerne à aplicação da instrumentalidade substancial das formas em
relação à litispendência e à coisa julgada, não parece ser possível invocar o seu
conteúdo para se afastarem as citadas objeções. Não se vislumbra, assim, a
possibilidade de aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das formas
em relação àqueles feitos nos quais há presença da litispendência ou da coisa
julgada.
E isso se deve ao fato de que não haveria sentido em se aplicar a instrumentalidade
substancial das formas em relação a um processo cujo conteúdo já foi julgado
definitivamente (no caso de coisa julgada) ou está sendo analisado em outro
processo (no caso de litispendência). Ora, se existe um processo no qual a lide
está sendo apreciada, não que se invocar o preceito da instrumentalidade
substancial para que o mérito seja enfrentado.
De fato, deve-se tutelar o valor segurança jurídica, no que concerne à presença da
objeção de coisa julgada; e a economia processual e a necessidade de se evitarem
decisões contraditórias em relação à litispendência. Esses valores, nesse particular,
devem preponderar em relação ao tutelado pela instrumentalidade substancial das
formas.
Ademais, destaque-se que a instrumentalidade substancial das formas tem a
finalidade de, em última análise, aproximar o direito processual do material,
propiciando um julgamento de mérito. Registre-se, no entanto, que, no caso de
328
Esses preceitos rezam o seguinte: art. 301, § - "Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada,
quando se reproduz ação anteriormente ajuizada"; art. 301, § - "Uma ão é idêntica à outra
quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido"; art. 301, § - "Há
litispendência, quando se repete ação, que esem curso; coisa julgada, quando se repete ação
que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso".
142
haver coisa julgada em outro processo, é claro, esse julgamento já foi realizado. Não
há, pois, sentido em invocar-se o citado cânone.
O mesmo pode ser dito, mutatis mutandis, em relação à litispendência. Nesse caso,
existe um outro processo no qual o mérito poderá ser avaliado. o sentido,
portanto, em se permitir que, num segundo processo, o mérito da lide seja apreciado
se isso será feito em outro processo.
Consigne-se, contudo, que há orientação do prof. Miguel Teixeira de Sousa no
sentido de ser possível desconsiderar-se até mesmo o pressuposto processual da
litispendência, embora essa diretriz não esteja pautada nas idéias decorrentes da
instrumentalidade substancial. O argumento central é a viabilidade de, com essa
conduta, propiciar-se maior celeridade processual. O precitado autor, de fato, assim
se manifesta:
[...] não se vislumbra justificativa plausível para impedir que o tribunal (competente,
para não complicar a hipótese) perante o qual foi deduzida a exceção de
litispendência não se possa antecipar no proferimento de uma decisão sobre o mérito
ao julgamento do outro Tribunal no qual está pendente essa mesma ão, dado que
daquela decisão resulta uma definição mais rápida da situação jurídica das partes
329
.
4.4.2.2 Em relação às condições da ação
Adotou-se, entre nós, em matéria de ação, a teoria eclética de Liebman
330
. De
acordo com essa teoria, a ação é um direito autônomo e abstrato, mas condicionado
ao preenchimento de certas requisitos. São as condições da ação. Assim,
inexistentes tais condições, haveria mero exercício do direito de demandar, mas não
do direito de ação. Nesse sentido:
Enrico Tullio Liebman formulou teoria em que procurou evitar as posições mais
extremadas das doutrinas acima expostas. Para ele, a ação pode existir mesmo
quando o autor não tiver o direito que pleiteia; mas existirá se o autor preencher
determinadas condições que permitam ao juiz julgar o mérito da causa
331
.
329
SOUSA, 1991, p. 65.
330
Cf. LIEMBAN, 1985, p. 154-161.
331
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil: arts. ao 153. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. v. 1. p. 21.
143
Para Liebman
332
, três são as condições da ação: possibilidade jurídica do pedido
333
,
legitimidade para agir e interesse processual. O direito de ação pode ser
considerado exercido se estiverem presentes as precitadas condições. Na verdade,
a ausência de apenas uma delas conduz, pela citada teoria, à carência da ação.
Assim, podem-se conceituar as condições da ação
334
como requisitos necessários
para o exame do mérito. Constituem uma espécie de filtro processual para que o
meritum causae possa ser analisado. O que será analisado adiante, entretanto, não
é a teoria de Liebman sobre as condições da ação
335
, mas sim a possibilidade de ser
aplicado a elas o princípio da instrumentalidade substancial das formas.
4.4.2.2.1 Legitimidade ad causam
A legitimidade de agir ou ad causam é a primeira condição da ação e consiste na
titularidade ativa ou passiva da actio. Na verdade, o autor estará legitimado para a
ação quando for o possível titular do direito pretendido, enquanto que o réu será
parte legítima quando ele for a pessoa indicada a, nos casos de procedência do
pedido, suportar os efeitos decorrentes da sentença.
A legitimação, como requisito da ação, é uma condição para o pronunciamento sobre
o mérito do pedido; indica, pois, para cada processo, as justas partes, as partes
legítimas, isto é, as pessoas que devem estar presentes para que o juiz possa julgar
sobre determinado objeto
336
.
332
LIEBMAN, 1985, p. 154-161.
333
Registre-se que, a partir da terceira edição do seu Manuale, Liebman não mais elencou a
possibilidade jurídica como uma das condições da ação. A matéria, contudo, será tratada quando da
análise da possibilidade de aplicação da instrumentalidade substancial das formas aos casos em que
ocorre impossibilidade jurídica do pedido.
334
Segundo Bedaque (2001a, p. 72), a visão instrumentalista do direito processual e de seus
institutos fundamentais permite concluir que as condições necessárias ao poder de exigir a prestação
jurisdicional estabelecem intenso vínculo entre o direito e o processo.
335
Sobre esse assunto cf.: FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o
interesse de agir. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 206 p. Cf.
também: GOMES, Fábio. Carência de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 115 p.
336
LIEBMAN, 1985, p. 157.
144
São legitimados para o processo aqueles titulares dos interesses em conflito. A
legitimidade ativa pertence ao titular do interesse apresentado e a passiva, ao titular
do interesse oposto. Trata-se de uma espécie de adequação dos titulares da relação
jurídica de direito material à relação jurídica de direito processual. Por exemplo: a
ação de despejo deve ser ajuizada pelo locador e não pela administradora do bem
objeto de locação, sob pena de ilegitimidade ativa.
Consigne-se que a legitimidade traz ínsita a idéia de transitividade, querendo-se
significar com isso que um determinado autor é legitimado em relação a um
determinado réu, e tendo em vista uma dada situação que a ambos diz respeito. É
um conceito dinâmico: se pode ser legítimo em relação a alguém e em relação a
alguma coisa. No plano estático, não se pode falar em legitimidade, mas sim em
capacidade.
Como já tivemos oportunidade de enunciar, o processo é uma entidade complexa,
formada por sujeitos, objeto, pressupostos e finalidade próprios. Justamente por ser
complexo, dinâmico e dialético, o procedimento animado pela relação jurídica
processual atribui a estes sujeitos faculdades, ônus, obrigações, deveres e poderes
ante uma determinada situação jurídica que os envolva.
Nesse diapasão é que se situa a figura da legitimidade. O sujeito processual
estará credenciado a atuar na posição jurídica processual respectiva se possuir
legitimidade para tanto. Exatamente por isso a palavra legitimidade exprime idéia de
transitividade, de caráter relacional, e só existe perante uma dada situação. Assim,
se é legítimo em relação a alguma coisa e/ou alguém, não sendo lícito pensar que a
legitimidade seja sinônimo de atributo de alguém e que por isso mesmo exista de per
si e acompanhe essa pessoa em qualquer situação
337
.
No que concerne à aplicação da instrumentalidade substancial das formas em
relação à ilegitimidade de parte, não parece haver dúvidas. Deve, de fato, ser
aplicada à nulidade de fundo que decorre da ausência de legitimidade da parte. Por
outras palavras, ainda que a parte seja ilegítima, se o conjunto dos atos processuais
atingiu a sua finalidade, e não houve prejuízo, deve o magistrado prolatar decisão de
mérito.
Um exemplo elucidará a questão. Se "A" promove uma ação de investigação de
paternidade em face de "B", afirmando que este é o seu pai, mesmo que o exame
pericial demonstre o contrário, não se pode dizer que haja ilegitimidade ad causam
337
RODRIGUES, 2000, p. 187-188.
145
passiva. Ora, in casu, o processo atingiu a sua finalidade, com a respectiva
realização de uma rie de atos processuais. Por outras palavras: foram realizados
atos instrutórios e restou corroborado que o requerido não é pai do requerente.
Não se pode, nesse caso, admitir que seja prolatada uma sentença terminativa,
extinguindo-se o processo sem julgamento de mérito nos termos do art. 267, inc. VI
do CPC. Se o processo atingiu o seu fim e se não houve prejuízo para as partes,
deve o juiz adentrar o mérito, aplicando o princípio da instrumentalidade substancial
das formas e desconsiderando eventual vício de fundo, como a ilegitimidade. Pensar
de modo diferente implicaria sobrepor o processo ao direito material, ou seja, o meio
ao fim, desvirtuando-se a natureza e a ontologia do instrumento processual.
Registre-se que a adoção das premissas aqui defendidas não implica a extinção das
sentenças terminativas por carência da ação devido à falta de legitimidade. Na
verdade, essa espécie de provimento é compatível com a instrumentalidade
substancial das formas, mas deve quedar reservada para aqueles casos em que o
juiz afere, de plano, a ilegitimidade da parte.
Cite-se como exemplo, embora absurdo, mas que elucida a questão, o de
determinada pessoa que, contando com trinta e cinco anos de idade, ajuíze ão de
investigação de paternidade em face de outra que conta com trinta e seis anos. Ora,
nesse caso, indubitavelmente deverá o magistrado, logo no limiar do procedimento,
proferir sentença terminativa, extinguindo o feito sem julgamento de mérito por
ausência de uma das condições da ação.
Na verdade, a utilização da técnica da instrumentalidade substancial das formas em
relação às condições da ação tem por premissa, dentre outras, a admissão da teoria
da asserção
338
. Segundo essa teoria, a verificação das condições da ação se à
338
A teoria da asserção vem sendo defendida por um mero razoável de autores, dentre eles
podem-se citar: José Carlos Barbosa Moreira (apud CÂMARA, 2002, p. 114); WATANABE, 1987, p.
58; SIQUEIRA, 1997, p. 86-87; RODRIGUES, 2000, p. 195; FREIRE, 2001, p. 53; ROCHA, 1991, p.
190-191; BEDAQUE, 2001b, p. 53; e, na doutrina alienígena, pode-se citar Elio Fazzalari (apud
CÂMARA, 2002, p. 114). também, no entanto, autores que repudiam de forma veemente a teoria
da asserção: cf. DINAMARCO, 2002b, p. 316-318; cf. também LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A
ação e suas condições no processo civil de cognição. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (Coord.).
Processo civil: evolução - 20 anos de vigência. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 206.
146
luz das afirmações do autor feitas na exordial. O magistrado deve considerar a
relação jurídica material hipoteticamente, isto é, in statu assertionis; por outras
palavras, o magistrado deve considerar as condições da ação diante da situação
afirmada pelo autor na petição inicial. Não se deve mesmo adotar a teoria da
apresentação
339
.
Destaque-se que qualquer dúvida quanto à distinção entre a teoria da asserção (ou
prospectação) e a da apresentação pode ser elucidada através do exemplo citado
por Siqueira
340
. Considerem-se duas ações de usucapião de imóvel. Na primeira, o
requerente alega ser possuidor, há mais de vinte e cinco anos, de determinada área,
mas, durante a instrução, prova que foi possuidor da área por apenas dois anos. Na
segunda, pretendendo o mesmo provimento, isto é, declaratório, afirma ser
possuidor da área há apenas um ano.
A segunda hipótese culminará na extinção do processo sem julgamento do mérito
por carência da ação. Falta, com efeito, interesse processual ou mesmo
possibilidade jurídica do pedido, vez que o autor pretende a declaração de
reconhecimento da prescrição aquisitiva em hipótese não contemplada pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
Na primeira hipótese, o juiz, verificando ao final que o autor não preenche os
requisitos para aquisição, por usucapião, da área, poderá prolatar sentença
terminativa ou definitiva, isto é, poderá extinguir o processo sem julgamento de
mérito ou com julgamento de mérito. Com efeito, se o magistrado adotar a teoria da
apresentação, deverá ele extinguir o feito sem julgamento de mérito por ser o autor
carecedor da ação, por falta de interesse processual ou de possibilidade jurídica do
pedido.
Por outro lado, se o magistrado filiar-se à teoria da asserção, o resultado será
diverso. Na verdade, deverá prolatar sentença definitiva, extinguindo-se o processo
com julgamento de mérito. É que a verificação das condições da ação é feita
339
A expressão "teoria da apresentação" é utilizada por CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999,
p. 259.
340
SIQUEIRA, 1997, p. 86-87.
147
hipoteticamente, com base nas afirmações do autor. E, com base nessas
afirmações, o autor não pode ser considerado carecedor da ação. Na verdade, a
hipótese precitada, pela teoria in statu assertionis, é de julgamento de mérito.
De qualquer modo, é oportuno destacar ainda que a aplicação da instrumentalidade
substancial das formas à ilegitimidade de parte não se reduz tão-somente à
aplicação da teoria da asserção. Mais do que isso, mesmo nos casos em que a parte
é ilegítima, desde que o instrumento processual tenha atingindo a sua finalidade e
não exista prejuízo para as partes, deve o magistrado julgar o mérito. A
instrumentalidade substancial das formas permite essa conclusão.
Um exemplo esclarecerá essa última vertente da instrumentalidade substancial das
formas em relação à ilegitimidade de parte. Imagine-se uma determinada ação
reivindicatória de um imóvel na qual o cônjuge varão tenha sido citado sozinho e o
processo prossiga normalmente até o final. Se, ao final do procedimento, o
magistrado vislumbrar a possibilidade de julgar improcedente o pedido, por não ter
havido prejuízo para a parte e o instrumento processual tiver atingido o seu fim, não
deve ele apegar-se mesmo à ilegitimidade ativa da parte, prolatando sentença
terminativa
341
. Deve julgar o mérito, valendo-se da instrumentalidade substancial das
formas, prolatando provimento definitivo.
Por outras palavras: mesmo havendo um vício de fundo (in casu: ilegitimidade ativa,
que a legitimidade para a ação reivindicatória pertence a ambos os njuges
342
),
deve o juiz, desde que o processo tenha atingindo o seu fim e inexista prejuízo para
341
Esse exemplo, embora analisado por outro espectro, é citado na obra de CRETELLA NETO, 2002,
p. 236.
342
O art. 10, § 1º, inc. I, do CPC reza o seguinte: "Ambos os cônjuges serão necessariamente citados
para as ações: que versem sobre direitos reais imobiliários". Trata-se de hipótese na qual o
litisconsórcio é necessário, devendo ambos os cônjuges serem citados, sob pena de ilegitimidade
passiva. Nesse sentido: "[...] O litisconsórcio necessário decorre da natureza da relação jurídica de
direito material (que gera a unitariedade), ou de disposição legal expressa. Nessas situações, se
exige a presença de todos os litisconsortes, negando-se, por assim dizer, a legitimidade a qualquer
deles para demandar ou ser demandado isoladamente" (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2002, p.
268). No mesmo sentido, embora fazendo menção à ocorrência de ilegitimidade ativa nos casos de
litisconsórcio necessário: SANTOS, 1999, p. 7. Há, entretanto, orientação em sentido diverso. De fato,
em doutrina, quem considere que a hipótese citada é de ausência de legitimatio ad processum, e
não ad causam. Cf. WAMBIER, 1998, p. 171.
148
as partes, aplicar a instrumentalidade substancial das formas, julgando o respectivo
mérito.
4.4.2.2.2 Interesse de agir
A segunda condição da ação a ser analisada quanto à aplicação da
instrumentalidade substancial das formas é o interesse de agir. Segundo Fábio
Gomes
343
, o interesse de agir
344
implica a necessidade e/ou a utilidade da tutela
jurisdicional para que o autor obtenha a satisfação do direito alegado. Essa
necessidade pressupõe um conflito de interesses, pois sem a lide o haverá lugar
para a invocação da tutela jurisdicional.
Em suma, o interesse decorrerá da ameaça ou da violação do direito subjetivo.
Liebman
345
define o interesse de agir como "a relação de utilidade entre a afirmada
lesão de um direito e o provimento de tutela jurisdicional". O interesse de agir é
também chamado de interesse processual
346
. O Estado-juiz não pode exercer as
suas atividades senão quando esta atuação demonstre-se absolutamente
necessária.
Ausente o interesse de agir, segundo entendimento clássico, até mesmo por força
do art. 267, IV, do CPC, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito. A
despeito desse entendimento, contudo, não se vislumbra qualquer objeção quanto à
343
GOMES, 1999, p. 41.
344
Segundo Barbi (1998, p. 26), a existência de um interesse de agir tem sido objeto de acirradas
críticas por parte de alguns autores. Em estudo publicado em 1928, Invrea impugna tanto as
concepções antigas como as modernas, relativas àquele interesse. Recusa mesmo a existência, ou
exigência do interesse como requisito para agir. Considera a noção de interesse como superfluidade,
redundância, pois o interesse seria conexo, necessariamente, com a propositura da demanda.
345
LIEBMAN, 1985, p. 156.
346
Registre-se que, no que concerne à nomenclatura interesse de agir, há orientação na doutrina de
ser ela equivocada, in verbis: "Parece-nos equivocado e promíscuo, ou seja, desprovido de acepção
técnica, o mau uso da expressão 'interesse de agir' para designar tal condição da ação. Isso porque
'agir' pode ter significado processual e extraprocessual, ao passo que 'interesse processual' significa,
univocamente, entidade que tem eficácia endoprocessual" (RODRIGUES, 2000, p. 185). A mesma
advertência é registrada por NERY JUNIOR; NERY, 2003, p. 629. A despeito de se tratar de questão
meramente terminológica, coaduna-se com esse entendimento, até mesmo porque o próprio Código
de Processo Civil, no art. 267, IV, faz menção a "interesse processual".
149
possibilidade de aplicação do princípio da instrumentalidade substancial das formas
também em relação ao interesse de agir.
De fato, ainda que ausente o interesse processual - o que acarreta uma nulidade de
fundo -, se o processo atingiu o seu fim e não existiu prejuízo para as partes, deve
ser aplicada a instrumentalidade substancial das formas, reputando-se o processo
válido e julgando-se o respectivo mérito.
A premissa para a aplicação da instrumentalidade substancial das formas em
relação ao interesse de agir relaciona-se também com a adoção da teoria da
asserção. De fato, deve-se reservar as sentenças terminativas para aqueles casos
em que o magistrado vislumbra a nulidade de fundo decorrente da falta de interesse
processual no limiar do procedimento. Se, somente ao final do rito, o juiz vislumbra a
falta de interesse de agir, não existindo prejuízo para as partes e tendo o processo
atingido o seu fim, deve prolatar sentença de mérito.
É no campo do interesse processual na sua modalidade adequação do
procedimento
347
, entretanto, que a instrumentalidade substancial das formas tem
aplicação mais veemente. É nos casos em que o procedimento, ou seja, o rito
processual adotado foi incorreto que há maior possibilidade de aplicação do princípio
da instrumentalidade substancial das formas.
Um exemplo elucidará a questão: imagine-se que para uma determinada pretensão
foi adotado o rito ordinário, quando, na verdade, deveria ser utilizado o procedimento
sumário. O juiz, contudo, percebe o equívoco somente quando do momento da
prolação da sentença. Eis aí situação propícia à aplicação da instrumentalidade
substancial das formas, de modo a evitar qualquer declaração de nulidade de fundo
pela ausência de pressuposto processual (interesse-adequação).
347
Em doutrina, o procedimento adequado é considerado por determinado segmento como
pressuposto processual, enquanto para outro é uma condição da ação, ou seja, refere-se ao
interesse processual na modalidade adequação. Filiam-se à primeira corrente: NUNES, 2003, p. 24;
BARROSO, 2003, p. 108. Perfilham o segundo entendimento: NERY JUNIOR; NERY, 2003, p. 629;
WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2002, p. 141; MARINONI; ARENHART, 2001, p. 46-47 dentre
outros autores. Adota-se, aqui, essa segunda orientação, considerando-se o procedimento adequado
como condição da ação, qual seja, interesse processual adequação.
150
Na verdade, a utilização do rito ordinário no lugar do sumário não gerou nenhum
prejuízo para o réu, que se viu diante de um rito mais elástico e mais propício para a
sua defesa. Registre-se que para o autor também não houve prejuízo (aferido
quando do momento da prolação da sentença) pela adoção do rito incorreto. É que
se fosse declarada a nulidade dos atos processuais, ele teria de se submeter
novamente a outro procedimento, mais sucinto - o sumário, para deparar-se com
uma solução no plano material que já pode ser concedida.
Ademais, mesmo nesse caso em que o processo tramitou pelo rito incorreto, o
instrumento processual terá atingido o seu fim, que é propiciar a apresentação da
solução da lide no plano material, exatamente pelo fato de o rito adotado ser mais
elástico. Assim, nenhuma nulidade, pelo menos em relação à ausência de interesse-
adequação, deve ser acatada. Nesse sentido, pode-se citar julgado do STJ, que
abordou a matéria:
Não nulidade na adoção de um procedimento em vez de outro, salvo se
demonstrado prejuízo, notadamente em se tratando da adoção do ordinário, que é
mais do que o sumário
348
.
Assim, se, a despeito de existir uma nulidade de fundo, verificada pela ausência de
interesse-adequação, o conjunto dos atos processuais, ou seja, o instrumento
processual tiver atingido o seu fim, sem prejuízo para as partes, haverá azo à
aplicação da instrumentalidade substancial das formas. Por outras palavras: o
conjunto dos atos processuais deve ser reputado válido e o mérito da questão deve
ser submetido a exame.
Da mesma forma, se adotado o rito sumário em lugar do ordinário, desde que o
processo tenha atingido a sua finalidade e inexista prejuízo para as partes, não se
deve declarar a sua nulidade (de fundo) pela ausência do pressuposto processual
interesse-adequação. Sobre o exposto há importante decisão do STJ, in verbis:
No moderno direito processual pátrio, a teoria da nulidade orienta-se pelo princípio da
instrumentalidade das formas, não se decretando a nulidade sem que tenha havido
348
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 262669/CE. Relator: Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira. Turma. j. 13.9.2000, DJ 16.10.2000, p. 317. MARCATO, 2004, p. 714.
outros acórdãos do STJ no mesmo sentido, que são citados na obra de NEGRÃO; GOUVÊA, 2003, p.
317.
151
prejuízo para a parte, pelo que não se justifica a declaração de nulidade do processo
em razão da adoção do rito sumário em lugar do ordinário na hipótese em que não se
demonstrou a existência de qualquer prejuízo às partes e em que houve a dilação da
instrução probatória de modo a propiciar a ampla defesa
349
.
4.4.2.2.3 Possibilidade jurídica do pedido
A compreensão da possibilidade jurídica do pedido torna-se mais fácil a partir da
consideração daquilo que se chama de dogma da completude do ordenamento
jurídico estatal. Esse dogma significa que o ordenamento jurídico estatal é pleno,
completo, no sentido de que tem solução positiva ou negativa para todos os conflitos
de interesses. Daí por que o juiz deve resolver todos os problemas que lhe forem
submetidos à apreciação, recorrendo ao ordenamento jurídico estatal (art. 126 do
CPC e 1º da LICC).
Se o juiz está obrigado a aplicar o ordenamento jurídico estatal por força do dogma
da completude, e se este ordenamento é um conjunto sistemático de normas que
visam à proteção dos interesses considerados fundamentais em uma sociedade, ele
só poderá oferecer a prestação jurisdicional do Estado àqueles interesses protegidos
pelo ordenamento. A possibilidade jurídica é exatamente essa exigência de que a
situação afirmada pelo autor seja, em tese, protegida pelo ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido, com efeito, consiste na formulação de uma
pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica, isto é, que seja albergada pelo
ordenamento jurídico, sendo suscetível de conhecimento pelo juiz. Essa condição da
ação significa a não vedação, ou a própria previsão, em abstrato, pelo ordenamento
jurídico, daquilo que se requer.
Para que alguém possa propor uma ação é indispensável que a pretensão deduzida
('res in judicio deducta') seja albergada pelo direito objetivo ou, não havendo previsão
legal, não exista proibição dentro do sistema jurídico adotado
350
.
349
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 268696/MT. Relator: Ministro Nancy
Andrighi. 3ª Turma. j. 3.4.2001, DJ 7.5.2001, p. 139. MARCATO, 2004, p. 714.
350
RIBEIRO, Pedro Barbosa. Estudos de direito processual civil. Bauru: Jalovi. 1982. v. 1. p. 211.
152
Assim, num país que não consagra o divórcio a vínculo, é inadmissível um pedido
dessa natureza, vez que seria carecedor da ação por impossibilidade jurídica do
pedido aquele que ingressasse em juízo pretendendo uma sentença de divórcio. O
mesmo se diga do indivíduo que, por exemplo, propuser uma ação pretendendo
cobrar dívida oriunda de jogo (art. 814 do CC).
Flávio Luiz Yarshell refere-se, quanto à impossibilidade jurídica do pedido, às formas
de controle jurisdicional dos atos da Administração, pelos limites decorrentes da
impossibilidade de censura do mérito (do ato administrativo), à impossibilidade da
execução por expropriação contra a Fazenda, assim como à impossibilidade de
prisão por dívida
351
.
A possibilidade jurídica
352
consiste em uma avaliação preliminar que o juiz deve
fazer sobre a viabilidade, em tese, da situação afirmada no processo pelo autor à luz
do ordenamento jurídico estatal. Por conseguinte, se a situação afirmada pelo autor
não é protegida pelo ordenamento jurídico, o juiz deverá encerrar o processo
imediatamente, extinguindo-o sem pronunciamento sobre o mérito.
quem defenda que a possibilidade jurídica
353
do pedido não é requisito prévio
para exame do mérito, mas, sim, que integra este. Na verdade, ao considerar um
pedido como juridicamente possível ou não, o juiz estará proferindo, no mérito, um
julgamento favorável ou não ao autor. Com efeito, dizer que um pedido é
juridicamente possível representa, em última análise, o mesmo que dizer que o
pedido pode ser procedente.
351
FREIRE, 2001, p. 110.
352
A designação dessa condição da ação, possibilidade jurídica do pedido, parece não ser a mais
apropriada. Essa nomenclatura liga o presente requisito do provimento de mérito a apenas um dos
elementos da ação, o pedido. Restaria, pois, o problema da causa de pedir, outro elemento da ação.
Pense-se, por exemplo, numa demanda em que se pede a condenação do réu ao pagamento de
dívida de jogo. O pedido formulado pelo autor, de condenação do u ao pagamento de certa quantia
em dinheiro, é perfeitamente possível em nosso ordenamento. A vedação à cobrança das dívidas
oriundas de jogo ou aposta é problema que não diz respeito ao pedido, mas à causa petendi. Assim,
resta evidente a impropriedade da nomenclatura adotada, possibilidade jurídica do "pedido". Há
orientação na doutrina que, para solucionar o estorvo, amplia o conceito desta condição da ação,
afirmando que ela alcança também a causa de pedir. Por outras palavras, significa dizer que o
apenas o objeto (pedido), mas também o seu fundamento devem ser juridicamente possíveis, sob
pena de carência da ação. Fala-se, então, em possibilidade jurídica da demanda. Essa é a orientação
de DINAMARCO apud MARA, 2002, p. 112-113. Sobre o exposto, cf. SIQUEIRA, 1997, p. 75;
RODRIGUES, 2000, p. 184.
353
Esse entendimento, por exemplo, é adotado por GOMES, 1999, p. 61.
153
A doutrina, já há algum tempo, criticava a inserção da possibilidade jurídica do
pedido como uma das condições da ação. Segundo Fábio Gomes
354
, no que
concerne à possibilidade jurídica do pedido, a lição de Calmon de Passos é
insuperável. Demonstra ele que não há qualquer distinção entre a impossibilidade da
tutela em abstrato e a pretendida no caso concreto, citando como exemplo uma
ação de usucapião em que o autor declinasse, na inicial, estar na posse de
determinado imóvel quatro anos, com animus domini, requerendo a final que o
juiz o declarasse proprietário.
De acordo com o CPC, o autor dessa ação de usucapião seria julgado carecedor,
ante a ausência de previsão legal em nosso ordenamento jurídico para o
atendimento do pedido. Não haveria, portanto, um pronunciamento sobre o mérito.
Se, porém, este mesmo autor houvesse ingressado com a ação alegando estar na
posse da precitada área há mais de vinte anos, estaria presente a referida condição
da ação, ainda que durante a instrução do feito viesse a quedar provada uma posse
de somente quatro anos.
A impossibilidade jurídica, bem examinada, é um problema de não incidência, por
conseguinte, um problema de mérito, de acolhimento ou rejeição da res judicio
deducta, indevidamente erigido em condição da ação, por se tratar de uma forma de
improcedência prima facie
355
.
Da mesma forma, Armelin
356
entende que a possibilidade jurídica do pedido integra
o mérito. Na verdade, dizer que um pedido não se subsume às normas do
ordenamento jurídico em vigor, porque existe vedação expressa, consiste no mesmo
que se considerar que um pedido não pode ser acolhido porque não provou o autor
o suporte fático que lhe dá embasamento
357
.
354
GOMES, 1999, p. 66.
355
PASSOS apud FREIRE, 2001, p. 110.
356
ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1979. p. 53.
357
O próprio Liebman, a partir da terceira edição do seu Manuale, retirou do rol das condições da
ação a possibilidade jurídica do pedido. Tendo entrado em vigor na Itália a Lei n.º 898, de 1/12/70,
que instituiu o divórcio, Liebman se sentiu desencorajado em manter a possibilidade jurídica do
pedido dentre as condições da ação. Na verdade, o divórcio era o seu principal exemplo de
impossibilidade jurídica. Dinamarco, em nota de rodapé na tradução da obra de Liebman (1985, p.
161), tece o seguinte comentário: "[...] e nisso tudo vê-se até certa ironia das coisas, pois no mesmo
ano de 1973, em que vinha a lume o novo Código de Processo Civil brasileiro, consagrando
154
De qualquer sorte, embora seja essa a orientação da doutrina moderna, deve-se
ressaltar que essa posição não foi a adotada pelo CPC. O direito positivo brasileiro
considera a possibilidade jurídica do pedido como uma condição da ação, requisito
de admissibilidade para exame do mérito. É o que se dessume do art. 267, VI, do
precitado codex.
Eis rtil campo para aplicação da instrumentalidade substancial das formas. Na
verdade, por esse princípio preconiza-se que, se o instrumento processual atingiu o
seu fim, embora realizado de outra forma (ou seja, ainda que presente uma nulidade
de fundo), desde que não exista prejuízo para as partes, deve ser julgado pelo
mérito.
Nos casos de ausência de possibilidade jurídica, se o juiz verificar essa carência
somente ao final do procedimento, como não prejuízo para as partes e como o
instrumento processual atingiu o seu desfecho, não deve extinguir o processo sem
julgamento do mérito. Pode, de fato, aplicar o princípio da instrumentalidade
substancial das formas, solucionando o mérito da questão que fora submetida à sua
apreciação.
Assim, é perfeitamente possível que seja aplicada a instrumentalidade substancial
das formas em relação à nulidade de fundo decorrente da impossibilidade jurídica do
pedido. De qualquer modo, sendo aferida a ausência de possibilidade jurídica do
pedido, no limiar do procedimento, deve o magistrado prolatar sentença terminativa.
A aplicação da instrumentalidade substancial deve ficar reservada para aqueles
casos em que o processo atingiu o seu desfecho, embora presente uma nulidade de
fundo, sem que tenha ocorrido prejuízo para as partes.
legislativamente a teoria de LIEBMAN, com as suas três condições, surgia também um novo
posicionamento do próprio pai da idéia, renunciando a uma delas".
155
Nota-se que a aplicação da instrumentalidade substancial das formas em relação à
impossibilidade jurídica do pedido é bastante simples e clara. Isso decorre do fato de
que essa condição da ação está, como visto, intimamente relacionada ao direito
material, ou seja, ao mérito da questão. Essa proximidade simplifica a aplicação do
citado cânone, que tem exatamente a finalidade de propiciar julgamentos de rito,
aproveitando-se, ao máximo, os atos processuais.
4.5 INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DAS FORMAS E O
DEVIDO PROCESSO LEGAL
Após ser aduzida a instrumentalidade substancial das formas, assim como a sua
respectiva forma de aplicação, faz-se necessário, nesse momento, correlacionar
esse princípio com um outro princípio importante, inclusive com assento
constitucional (art. 5º, inc. LIV), que é o do devido processo legal
358
.
Na verdade, o redimensionamento do princípio da instrumentalidade das formas,
com a sua respectiva horizontalização (aplicação às nulidades de fundo), implica na
necessidade de flexibilização de algumas regras do procedimento, o que poderia,
em princípio, conduzir à conclusão de que haveria ofensa ao devido processo legal.
4.5.1 Devido processo legal como expressão do formalismo
O princípio do devido processo legal constitui a maior expressão do formalismo
processual, se considerado de forma isolada no sistema processual. Como lembra
Oliveira
359
, "no fundo, a garantia do devido processo legal constitui a expressão
constitucional do formalismo processual [...]".
358
Ressalta Nery Junior (1999, p. 31) que o primeiro diploma legal que teria feito menção a esse
princípio foi a Magna Carta de João Sem Terra, no ano de 1215, quando se referiu à law of the land.
No mesmo sentido: cf. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito processual constitucional. Rio
de Janeiro: Forense, 2003. p. 23; MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 14. ed. atual. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 123.
359
OLIVEIRA, 1997, p. 86.
156
De fato, o apego irrestrito às regras do procedimento, mediante observância
incondicionada e cega do devido processo legal, sem que se leve em conta o próprio
fim do processo, ou seja, o seu escopo - que é proporcionar a solução do conflito no
plano do direito material - conduz à sobreposição da forma à essência. Por outras
palavras: valorizando-se de modo demasiado as regras do procedimento, sem se
considerar a própria ontologia do instrumento processual, acaba-se por realizar uma
verdadeira sobreposição do meio ao fim.
4.5.2 A aparente incompatibilidade entre o princípio do devido
processo legal e o da instrumentalidade substancial das formas
Tendo em vista que o princípio do devido processo legal valoriza as formas do
procedimento e que o princípio da instrumentalidade substancial das formas, de
certo modo, as redimensiona, em princípio, haveria uma certa incompatibilidade
entre os dois postulados. Ora, se por uma regra valoriza-se o rito, a forma de
desenvolvimento dos atos processuais e, pela outra, flexibiliza-se essa disposição, é
possível notar-se, nesse encontro de normas, uma contradição de valores.
Essa contradição, no entanto, é apenas aparente. Na verdade, o conteúdo do
princípio do devido processo legal não o cinge à obediência irrestrita do
procedimento e das formas processuais
360
. De fato, o conteúdo de maior relevo do
principio do devido processo legal relaciona-se aos fins que as formas devem
propiciar. Por outras palavras: o devido processo legal valoriza as formas no que
concerne à realização das suas finalidades.
E a finalidade precípua da forma é assegurar a inexistência de prejuízo para as
partes, o que ocorre nos casos de violação do contraditório e da ampla defesa.
Limita-se, assim, com o devido processo legal, a atividade do magistrado, que
deverá observar as regras do procedimento, de modo a assegurar às partes a
participação efetiva em contraditório.
360
Ressalta Bedaque (2003, p. 71) que "ninguém pode ser privado do devido processo legal, ou,
melhor, do devido processo constitucional. É o processo modelado em conformidade com garantias
fundamentais, suficientes para torná-lo équo, correto, giusto".
157
Nisso reside o principal valor assegurado pelo devido processo legal. Como lembra
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira
361
, "o aspecto mais essencial do devido processo
legal é o de assegurar o contraditório e a ampla defesa". Na verdade, o devido
processo legal deve ser analisado balizando-se os seus limites: nem o informalismo
excessivo e nem o excesso de formalismo. De fato:
o informalismo excessivo (em que as partes perigam soçobrar ao arbítrio e ao poder
do Estado) e o excesso de formalismo (em que o conteúdo - o direito material e a
justiça - corre o risco de periclitar por razões de forma) estabelecem os seus
extremos
362
.
Diante desse prisma, não se vislumbra qualquer contradição entre os valores
assegurados pelo princípio do devido processo legal e os do princípio da
instrumentalidade substancial das formas. Assim, a incompatibilidade entre o devido
processo legal e o princípio da instrumentalidade substancial das formas é apenas
aparente.
Não há, com efeito, nenhuma contradição entre esses postulados. Ao revés, eles se
complementam e possibilitam que o processo atinja mais facilmente o seu desfecho.
A garantia constitucional do devido processo legal deve ser entendida na sua exata
dimensão, isto é, em sintonia com o caráter teleológico das formas.
361
OLIVEIRA, 1997, p. 86.
362
Ibidem, loc. cit.
158
5 CONCLUSÃO
O trabalho teve como objetivo principal analisar a possibilidade de aplicação do
princípio da instrumentalidade das formas às nulidades processuais de fundo, ou
seja, aos processos nos quais carência de ação, ou presença de pressuposto
processual negativo, ou mesmo ausência de pressuposto processual positivo.
Procurou-se cunhar o princípio da instrumentalidade substancial das formas a partir
de uma horizontalização do princípio da instrumentalidade das formas, que relativiza
as nulidades dos atos processuais.
Para tanto, abordou-se, num primeiro momento, a evolução dogmática do direito
processual. Na primeira fase, a sincrética, considerou-se o processo como mero
apêndice do direito material; na segunda, a científica ou conceitual, os estudos sobre
o direito processual voltaram-se para os seus institutos fundamentais, havendo
extraordinário desenvolvimento científico. Esse desenvolvimento, contudo, embora
tenha produzido benefícios, conduziu o pensamento dos doutrinadores aos
extremos, apartando-se o direito processual até mesmo dos seus próprios fins. O
processo passou a ser estudado por si só.
Daí, então, o advento da terceira fase, a instrumental. Nessa fase, a qual estamos
trespassando, procura-se estudar o processo a partir da sua exata missão: ser um
instrumento para atingir-se um fim. Trata-se da concepção de instrumentalidade
negativa, que deve ser completada pela sua vertente positiva: mais do que meio, o
processo deve proporcionar o acesso à ordem jurídica justa.
Nesse diapasão, foram abordadas as perspectivas e diretrizes contemporâneas do
direito processual. A necessidade de se lograr o escopo jurídico da atividade
jurisdicional - que é a atuação, a realização do direito material -, foi apresentada
como uma diretriz, destacando-se, ainda, que os escopos social e político da
jurisdição já estão inclusos naquele mister.
A outra perspectiva e a outra diretriz contemporânea do direito processual está
consubstanciada na relativização do binômio direito e processo. É necessário que
159
jamais se afaste a idéia de que o processo é meio para realizar-se um fim - o direito
material. Nesse contexto, a necessidade de efetiva aproximação dos dois planos do
ordenamento jurídico foi enfocada, de modo a propiciar a realização da tutela
jurisdicional.
Num segundo momento, procurou-se tratar da tutela jurisdicional e da técnica
processual. A necessidade de conceituar a tutela jurisdicional foi ressaltada como
uma importante forma de obtenção de resultados no processo. Com efeito, o que se
pretende com o instrumento judicial é obter-se exatamente a tutela jurisdicional. Daí
a necessidade e a importância de se delimitar o seu conceito nos dias atuais. De
fato, é a partir da compreensão e delimitação desse conceito que será possível
definir os meios para que se possa alcançá-la.
A tutela jurisdicional, para fins deste estudo, foi conceituada no plano do direito
material, seguindo-se prestigiosa orientação doutrinária. Por outras palavras:
concessão da tutela jurisdicional para a parte quando o Estado-juiz lhe apresenta
uma solução da lide, ou seja, uma definição para o conflito de interesses
caracterizado pela pretensão resistida, situada no plano do direito material.
Ressaltou-se, ainda, que, quando o processo é extinto sem julgamento de mérito,
não se presta a tutela jurisdicional; presta-se, apenas, a atividade jurisdicional. Essa
definição atende aos anseios do jurisdicionado, que busca a atividade jurisdicional
esperando uma solução definitiva, situada no plano do direito material, para o seu
conflito. Essa definição, inclusive, também se coaduna com as perspectivas e as
diretrizes contemporâneas do direito processual, que foram abordadas em momento
anterior.
Para se obter a tutela jurisdicional, o estudo da técnica processual foi necessário. Na
verdade, essa é uma relação de meio e fim: para se obter o fim - a tutela jurisdicional
- é necessário valer-se de meios técnicos no direito processual. A cnica
processual, espécie de técnica jurídica, foi estudada sob os seus três prismas:
técnica de elaboração, de conhecimento e de interpretação.
160
Apontou-se a possibilidade de efetivar a tutela jurisdicional a partir da técnica
processual, sobretudo a de interpretação. Nesse contexto, a crise a qual trespassa o
Poder Judiciário pode ser, em parte, solucionada mediante a técnica processual de
interpretação, com a busca de soluções exegéticas dentro do próprio sistema
processual.
Não cabe mesmo ao processualista alinhado às perspectivas e às diretrizes da sua
ciência apenas apontar entraves de ordem normativa. É necessário também que ele
alvitre soluções dentro do próprio sistema, mediante a utilização da técnica
processual, de modo a proporcionar a efetivação da finalidade do sistema
processual, que é a concessão da tutela jurisdicional.
Nesse passo, a instrumentalidade substancial das formas foi aduzida como um meio
de solucionar, ao menos em parte, o problema da concessão da tutela jurisdicional.
Por outras palavras: a instrumentalidade substancial das formas foi apresentada
como um meio facilitador da aplicação do direito material no plano do processo, de
modo a aproximar o este àquele.
Uma incursão na teoria geral das nulidades, entretanto, fez-se necessária para que
a própria essência dessa disciplina fosse compreendida, de modo a propiciar fácil
assimilação da extensão das regras que relativizam os defeitos dos atos
processuais.
As tipologias das nulidades, então, foram aduzidas, tanto a clássica, defendida por
Galeno Lacerda, como a simplificada, que vem sendo defendida por autores mais
recentes. Analisaram-se, ainda, essas classificações, concluindo-se que, a despeito
da relevância para fins de tipificação, ambas as classificações merecem
aprimoramento por parte da doutrina no que concerne à possibilidade de
convalidação dos atos processuais.
Ato contínuo, foram analisados os princípios que regem as nulidades processuais,
concedendo-se especial enfoque para o princípio da instrumentalidade das formas.
Na verdade, procurou-se destacar que as regras do Código de Processo Civil que
relativizam as nulidades processuais são as mais relevantes do sistema, havendo,
161
inclusive, quem as considere como integrantes de uma espécie de "sobredireito
processual". Ou seja, essas regras relativizadoras das nulidades processuais podem
ser consideradas como situadas em patamares mais elevados do que as demais
normas processuais.
Nesse contexto é que se procurou inserir o princípio da instrumentalidade das
formas, norma atenuadora das nulidades processuais por excelência. A sua carga
axiológica é altíssima, podendo-se mesmo considerar tratar-se de um princípio dos
princípios. Não foi por outra razão que em Congresso Mundial de Direito Processual,
considerou-se essa norma como "a mais bela de todo o direito processual".
Dada a relevância dessa norma no ordenamento processual, procurou-se repensar a
extensão do seu conteúdo, vez que, pela concepção clássica, o princípio da
instrumentalidade das formas deve ser aplicado apenas às nulidades relativas e às
anulabilidades. Alguns autores apontam, ainda, a possibilidade de aplicação desse
princípio às nulidades absolutas.
De qualquer modo, pretendeu-se repensar o princípio da instrumentalidade das
formas de modo a aplicá-lo também às nulidades de fundo (ausência de
pressupostos processuais e de condições da ação). E vários motivos foram
apresentados para justificar essa extensão.
Com efeito, trata-se de solução endoprocessual para a efetivação da tutela
jurisdicional; além disso, esse redimensionamento é consentâneo com as diretrizes e
as perspectivas contemporâneas do direito processual; também, devem-se sempre
maximizar o sentido e o alcance das regras que relativizam as nulidades
processuais, por serem normas de "sobredireito processual"; e, por fim, trata-se de
uma forma de operacionalização do processo sem antepô-lo à justiça.
O conteúdo, em sentido estrito, da instrumentalidade substancial das formas foi,
então, apresentado. Trata-se de um princípio cunhado a partir da horizontalização
de outro princípio: o da instrumentalidade das formas, previsto no art. 244 do CPC.
Essa extensão refere-se à possibilidade de aplicação do princípio da
162
instrumentalidade das formas aos processos nos quais há ausência de pressupostos
processuais e condições da ação.
Por outras palavras: mesmo que exista uma nulidade de fundo, por ausência de
pressuposto processual ou de condição da ação, se o processo atingiu o seu fim e
não houve prejuízo para as partes, o instrumento processual deve ser considerado
como válido, e o mérito da questão submetida à apreciação do Poder Judiciário deve
ser analisado. Trata-se, pois, de uma forma facilitadora da concessão da tutela
jurisdicional.
Enfatizou-se, outrossim, que, no que concerne à aplicação do princípio da
instrumentalidade substancial das formas, é de fundamental relevo o binômio
prejuízo x finalidade. Eis os parâmetros para sua aplicação. Se presente uma
nulidade de fundo e se houver prejuízo para as partes ou mesmo o processo não
tiver atingido a sua finalidade, não haverá ensejo para a aplicação do princípio em
estudo.
Assim, nos casos em que existirem nulidades de fundo e vier a existir também
prejuízo para as partes, esse princípio deve ter a sua aplicação afastada. Por isso
não é ele incompatível com o sistema processual no que tange à possibilidade de
extinção do processo sem julgamento de mérito, através da prolação de sentenças
terminativas.
Procurou-se, em seguida, mencionar casos de aplicação do princípio da
instrumentalidade substancial em relação aos pressupostos processuais e às
condições da ação, citando-se vários exemplos. Todos conduzem à necessidade de
reflexão sobre as formalidades processuais e à própria ontologia e finalidade do
instrumento judicial.
Uma breve incursão no princípio constitucional do devido processo legal precisou ser
realizada para que se evitasse qualquer conclusão no sentido de que a
instrumentalidade substancial das formas pode vir a violar o citado cânone. Deixou-
se claro que o devido processo legal, previsto no texto constitucional, não tutela um
processo ou um procedimento formal por si só. De fato, tutelam-se as formas
163
enquanto meios de se atingirem fins, como o de assegurar às partes o contraditório
e a ampla defesa. Nesse sentido, não qualquer incompatibilidade entre um e
outro princípio. Ao revés, eles se complementam.
Não se pretendeu, com esta dissertação, inovar o pensamento científico. Isso seria
demasiado pretensioso para os limites deste estudo e também para as nossas
limitações. De qualquer modo, teve-se o intento de, em última análise, observar a
necessidade de rever alguns institutos processuais à luz da perspectiva instrumental,
tão enfatizada pela moderna ciência do processo. Ou seja, revistou-se o próprio
princípio da instrumentalidade das formas à luz das diretrizes contemporâneas da
ciência processual.
Tem-se o conhecimento de que as idéias aqui defendidas são arrojadas, ousadas,
talvez um pouco avançadas para seu tempo e para alguns cultores do direito
processual. Quiçá sejam elas mal recepcionadas e consideradas absurdas por
alguns, os quais certamente, por uma espécie de anteparo epistemológico - que
muitas vezes não é perceptível -, consideram que o processo está situado num
altiplano, apartado do seu fim. Olvidam-se eles, contudo, de que a razão de ser do
instrumento judicial está no direito material.
Nesse diapasão, deve-se ressaltar que o jurista e o operador do direito devem
propiciar a constante manutenção dos valores científicos e sociais do ordenamento
jurídico. Não podem, apenas, inclinar-se à letra fria da lei ou aos paradigmas
teóricos dominantes, deixando de otimizar a sua atividade. Se a instrumentalidade
substancial das formas justifica-se à luz das perspectivas e das diretrizes
contemporâneas do direito processual, deve ser ela adotada.
Forçoso convir a árdua tarefa para implantação da instrumentalidade substancial das
formas entre os operadores do direito. A cultura jurídica dos pretórios tem sido,
muitas vezes, conservadora e cautelosa quanto às inovações. Nesse contexto, o
alento ao estudioso da matéria, assim como ao jurista, é o tempo, que qualquer
164
quebra de paradigma, como lembra Boaventura de Souza Santos
363
, pode levar
muitos anos.
363
SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
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