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Ana Paula de Almeida Pereira Nunes
Desafios e práticas dos psicólogos na rede básica de saúde do
município do Rio de Janeiro
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva, do Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Política, Planejamento e
Administração em Saúde.
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Adriana Cavalcanti de Aguiar
Rio de Janeiro
2009
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C A T A L O G A Ç Ã O N A F O N T E
U E R J / R E D E S I R I U S / C B C
N972 Nunes, Ana Paula de Almeida Pereira.
Desafios e práticas dos psicólogos na rede básica de saúde do município do Rio de
Janeiro / Ana Paula de Almeida Pereira Nunes. – 2009.
144f.
Orientadora: Adriana Cavalcanti de Aguiar.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de
Medicina Social.
1. Psicologia Estudo e ensino Teses. 2. Serviços de saúde pública Rio de Janeiro (RJ) Teses. 3.
Formação profissional Teses. 4. Serviços de saúde mental Rio de Janeiro (RJ) Teses. I.
Aguiar, Adriana Cavalcanti de. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Medicina Social. III. Título.
CDU 159.9(815.3)
_______________________________________________________________________________
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.
__________________________ ____________________
Assinatura Data
ads:
Ana Paula de Almeida Pereira Nunes
Desafios e práticas dos psicólogos na rede básica de saúde do
Município do Rio de Janeiro
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
graduação em Saúde Coletiva, do Instituto de
Medicina Social da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
Área de concentração: Política, Planejamento e
Administração em Saúde.
Aprovado em: 30/03/2009
Banca Examinadora:
Professora Dr
a
. Adriana Cavalcanti de Aguiar (Orientadora)
Professor Dr. Erimaldo Mathias Nicácio
Professor Dr. Ruben Araújo de Mattos
Professora Dr
a
. Maria Paula Cerqueira Gomes
Rio de Janeiro
2009
Aos meus pais, Mariuza e Jersionias, pelo
esforço desmedido no ato de cuidar e ao
meu esposo, Rafael, pelo apoio, incentivo e
momentos de candura quando mais precisei.
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela dádiva da vida e saúde concedidas para o desenvolvimento e
conclusão desse trabalho.
Aos meus pais, pelo carinho e por estarem sempre disponíveis para ajudar.
Aos meus padrinhos, Eunice (in memoriam) e Alberto (in memoriam), por terem me
concedido degraus para chegar até aqui.
Ao meu eterno amor, Rafael, por se fazer sempre presente.
À minha orientadora: “Eu sabia que aquele encontro no corredor do IMS não seria
por acaso”. Obrigada por todos os ensinamentos, carinho e por toda a compreensão.
Aos professores do IMS, pelos conhecimentos transmitidos.
À FAPERJ, pelo incentivo financeiro, pois sem ele tudo ficaria mais difícil.
Às professoras Deise Mancebo e Heliana Conde, por terem me permitido usufruir
um pouco mais de suas sabedorias.
Ao Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro,
por ter concedido a aprovação do Projeto de Pesquisa.
À Coordenação de Saúde Mental da rede municipal de saúde do Rio de Janeiro, por
ter permitido a realização da pesquisa e pelas suas valiosas contribuições ao
estudo.
Aos Articuladores de área de Saúde Mental da rede municipal de saúde do Rio de
Janeiro, pela atenção e disponibilidade dispensadas.
Aos Psicólogos da rede de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro - os
principais atores dessa história – por terem contribuído para o desenvolvimento
deste trabalho.
Aos professores Maria Paula Cerqueira e Kenneth Rochel Camargo Jr., pelas
grandiosas contribuições fornecidas no Exame de Qualificação.
Aos amigos de longa e curta data - Jaqueline, Jessé, Christine, Tatiana, Peterson,
Monica, Tania, Silvio, Nathália, Roberto e Teresa, - pelo interesse em saber se tudo
estava indo bem e por serem meus amigos.
À Laura, pelo tanto que me ouviu falar dessa dissertação.
À Andréa da Luz, pelo depoimento fornecido.
Aos colegas de turma, pelos desabafos e auxílios quando mais precisei.
A todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para a realização desse trabalho.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever.
Clarisse Lispector
RESUMO
O objeto do presente estudo são as práticas profissionais dos psicólogos na Saúde,
em especial na atenção básica. Faz um mapeamento das atividades realizadas por
essa categoria profissional na rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro.
O estudo adota três premissas: (1) a necessidade de construção de práticas nos
serviços públicos de saúde, que extrapolem a assistência psicoterápica individual (2)
a inadequação da formação profissional do psicólogo para prepará-lo para atuar na
rede pública de saúde e (3) o entendimento de que mudanças na formação e na
prática profissionais podem ser concomitantes. O desenho da pesquisa é qualitativo
e exploratório. Os métodos de pesquisa utilizados na coleta de dados foram: (1)
observações; (2) entrevistas individuais com roteiros semi-estruturados e (3)
questionário de caracterização profissional. O estudo teve como cenários os
serviços de Psicologia da rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro, os
Fóruns de Saúde Mental e as Supervisões de Território. Os sujeitos da pesquisa
foram os gestores e os psicólogos de uma área programática (AP 5) escolhida para
aprofundamento do estudo. Os dados foram analisados a partir da Análise de
Conteúdo de Bardin. Estipulou-se três eixos analíticos a partir da análise do material
coletado: (1) Desafios às práticas; (2) Relação formação-prática profissional e (3)
Iniciativas de Educação Permanente. Os resultados evidenciam que os desafios à
prática na rede básica de saúde encontram-se intrinsecamente relacionados à
demanda de priorizar atendimentos à casos graves, contexto da Reforma
Psiquiátrica; (2) a formação profissional do psicólogo precisa ser continuamente
revista de modo a se adequar às necessidades do Sistema Único de Saúde e (3) os
Fóruns de Saúde Mental e as Supervisões de Território caminham na direção das
propostas de Educação Permanente, constituindo-se como espaços fundamentais
para a discussão e a mudança do processo de trabalho do psicólogo na rede. Faz-se
necessário a continuidade das discussões sobre a prática profissional do psicólogo
na Saúde de modo a auxiliar na resolução das dificuldades encontradas no cotidiano
de trabalho.
Palavras-chave: Prática Profissional. Formação Profissional. Psicologia. Saúde.
Rede Básica de Saúde.
ABSTRACT
The object of this study are professional practices of psychologists in the
Comprehensive Health Care System (SUS), particularly in primary care services.
The study adopts three assumptions: (1) the need of developing new practices in the
public health services that can go beyond the individual psychotherapeutic care (2)
the inadequacy of Psychology graduate schools in preparing professionals to work in
the public health system and (3) the understanding that changes in the education and
professional practice can be concurrent. The design of the study is qualitative and
exploratory. Research methods included: (1) participant observation, (2) individual
semi-structured interviews (3) questionnaire axis occupational characterization. The
setting were the psychology services of the primary health network in Rio de Janeiro,
the Boards of Mental Health and the supervision of Territory. The research subjects
were system managers and psychologists of a programatic area (AP 5.0). The data
were analyzed from the content analysis of Bardin. Three analytical axis were set up:
(1) Challenges to professional practices, (2) Training and professional practice
relation (3) Permanent Education Initiatives. The results show that the challenges to
the practices in the basic health network are intrinsically related to the demand of
prioritizing the treatment care of the serious cases, an amendment of the Psychiatric
context, (2) a trained and graduated psychologist needs to be continually revising its
own training, in order to fit the needs of the Unified Health System (3) the Boards of
Mental Health and Territory supervision are moving in the direction of the proposed
Education Committee, creating these essential spaces for discussion and changes
for the psychologist work process on its field. It’s been necessary the continuity of the
discussions on the professional practice of the psychologist in Health as a way to
assist the resolution of the difficulties found in daily work.
Keywords: Professional Practice. Professional Training. Psychology. Health. Primary
Health Network.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEPAssociação Brasileira de Ensino de Psicologia
AP - Área de Planejamento
CAPS - Centro de Atenção Psicossocial
CMS - Centro Municipal de Saúde
CEP - Comitê de Ética em Pesquisadora
CRAS - Centro de Referência da Assistência Social
CREAS - Centro de Referência Especializado da Assistência Social
DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais
DCNP - Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia
EP - Educação Permanente
FNEPAS – Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área da Saúde
FUNLAR - Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MS – Ministério da Saúde
NASF - Núcleo de Assistência à Saúde da Família
PAM - Posto de Assistência Médica
PROMED - Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de
Medicina
Pró-Saúde - Programa Nacional de Reorientação da Formação em Saúde
PS - Posto de Saúde
PSF - Programa de Saúde da Família
RPE - Rede de Proteção ao Educando
RH - Recursos Humanos
SGTES - Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
SMS/RJ - Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro
SPA - Serviço de Psicologia Aplicada
SUS - Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
Pág.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................
11
OBJETIVOS .......................................................................................................
17
A URGÊNCIA DE NOVOS RECURSOS HUMANOS PARA A SAÚDE ............
18
1.1.
O Modelo biomédico e o Modelo assistencial tradicional
em saúde: dicotomia mente-
corpo e ênfase no atendimento à
queixa principal ................................................................................
18
1.2. A reorientação da assistência
e o desafio da construção da
Integralidade: Prevenção, Promoção e Cuidado à Saúde
................................................................................................
26
CAPÍTULO 2. FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSI
ONAL
IMPLICAÇÕES PARA A PSICOLOGIA .............................................................
32
2.1. Mudanças na Graduação em Saúde: A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação e as Diretrizes Curric
ulares Nacionais para
os Cursos de Graduação em Saúde ...............................................
32
2.2. A formação tradicional e o desenvolvimento profissional
frente às mudanças no modelo assistencial em saúde
............................................................................................................
38
2.3. A formação em serviço: a proposta da Educação
Permanente em Saúde .....................................................................
48
CAPÍTULO 3. JUSTIFICATIVA ..........................................................................
52
CAPÍTULO 4. METODOLOGIA DE PESQUISA ...............................................
55
4.1. Operacionalização da coleta de dados ...................................
57
4.2. Operacionalização da análise dos dados ...............................
62
CAPÍTULO 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................
65
5.1. As múltiplas formas de atuar no SUS: contexto, proposta
de trabalho e atividades realizadas pelos psicólogos da rede ...
66
5.1.1 As práticas dos psicólogos nos serviços de atenção
básica de saúde do Município do Rio de Janeiro
................................................................................................
71
5.1.
1.1 Grupos de recepção: a Saúde Mental do
Município do Rio de Janeiro de portas abertas ..............
72
5.1.1.2 Fóruns e Supervisões de território: espos de
discussão e de construção do conhecimento .................
74
5.1.1.3. Fóruns e Supervisõe
s: singularidades do
Município do Rio de Janeiro ...........................................
82
5.2. Sobre a prática profissional: a percepção dos psicólogos
da AP 5 na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro
...............................................................................................
84
5.2.1. Desafios à prática profissional do psicólogo no SUS:
a visão dos psicólogos da AP 5 na rede básica de saúde do
município do Rio de Janeiro ..................................................
85
5.2.1.1. Competência Geral: Atenção à saúde ...............
86
5.2.1.2. Competência Geral: Administração e
Gerenciamento ...............................................................
93
5.2.1.3. Competência Geral: Tomada de decisões ........
99
5.2.1.4. Competências Gerais: Comunicação e
Liderança ......................................................................
101
5.2.2. Implicações da formação para a prática profissional
do psicólogo no SUS .............................................................
102
5.2.2.1. Pontos positivos da graduação em Psicologia e
a Educação Permanente na preparação para a
atuação no SUS .............................................................
106
5.3. Necessidades percebidas: elementos para
o
desenvolvimento profissional do psicólogo no SUS ...................
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................
112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................
116
APÊNDICES
Apêndice A Roteiros semi-estruturados das entrevistas
APÊNDICE A
1
-
Roteiro de entrevista para a Coordenação
de Saúde Mental ...................................................................
129
APÊNDICE A
2
-
Roteiro de entrevista para os Articuladores
de Área ..................................................................................
130
APÊNDICE A
3
- Roteiro de entrevista para uma informante-
chave, Ex-sanitarista da SMS/RJ ..........................................
131
APÊNDICE A
4
- Roteiro de entrevista para os psicólogos da
AP 5 .......................................................................................
132
Apêndice B – Questionário de Caracterização Profissional .......
134
Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......
136
ANEXOS
Anexo A
Áreas de Planejamento do Município do Rio de
Janeiro ..............................................................................................
138
Anexo B – Parecer favorável do CEP SMS/ RJ à Pesquisa ..........
140
Anexo C
Carta dos supervisores de CAPS da rede de Saúde
Mental do Município do Rio de Janeiro .........................................
141
12
INTRODUÇÃO
O contexto de mudança do modelo assistencial e de descentralização e
municipalização dos serviços e ações de saúde tem demandado a reorganização
dos serviços e processos de trabalho e, conseqüentemente, novas competências
profissionais para atuação em equipe e em rede no Sistema Único de Saúde (SUS)
(TEIXEIRA & SOLLA, 2005; MACHADO, 2005; RONZANI, 2007). O SUS tem
enfatizado a assistência em saúde na atenção básica, tendo em vista as orientações
da Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2006). Segundo esta Política, a
atenção básica se caracteriza por: “um conjunto de ações de saúde, no âmbito
individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção
de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde”
(BRASIL, 2006, p. 10).
A atenção básica desenvolve-se por meio do exercício de práticas gerenciais
e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, e faz uso de tecnologias de
elevada complexidade e baixa densidade. Considera o “sujeito em sua
singularidade, na complexidade, na integralidade e na inserção sócio-cultural e
busca a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de doenças e a redução
de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver
de modo saudável” (BRASIL, 2006, p. 10).
Considerando a exigência de novas competências profissionais para a
atuação no SUS, esse estudo aborda as práticas profissionais dos psicólogos na
rede pública de serviços de saúde e faz um mapeamento das atividades realizadas
por essa categoria profissional na rede básica de saúde do Município do Rio de
Janeiro.
O estudo desenvolve-se no contexto de convergência entre as Políticas de
Saúde e de Educação Superior no sentido de que avança na discussão sobre a
formação de recursos humanos (RH) mais adequada às necessidades do SUS.
Essas políticas incluem, por exemplo, a homologação e implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Saúde (PORTAL
MEC), o lançamento do Programa Nacional de Reorientação da Formação em
Saúde (Pró-Saúde) (PORTAL SAÚDE), e a Política Nacional de Educação
13
Permanente (BRASIL, 2004).
O objeto de estudo são as práticas profissionais dos psicólogos desenvolvidas
na Saúde. Parte-se do entendimento de que, em qualquer esfera de intervenção, o
psicólogo precisa desenvolver ou ter desenvolvido novas competências
1
, que
extrapolem a assistência psicoterápica individual
2
, dando margem à criação de um
novo cenário de práticas calcado no cuidado integral do outro, no trabalho em
equipe, na gestão do processo de trabalho e no compromisso ético-social. Como
afirmam Carvalho, Bosi & Freire (2008):
A ampliação do conceito de saúde, as discussões sobre
integralidade na atenção à saúde e as mudanças na
organização de serviços e sistemas do setor proporcionaram a
criação de novas áreas de atuação e a incorporação de outras
especialidades profissionais. (...) entre elas, os psicólogos,
convocados a contribuir com o processo de mudança, inserindo
entre elas dimensões ausentes no modelo dominante. (p. 701)
Para avançar na reflexão acerca da atuação do psicólogo nos serviços
públicos da rede básica de saúde, é interessante situar historicamente o processo
de reorientação da assistência do SUS, destacando seus momentos-chave, assim
como a conseqüente necessidade de novos recursos humanos para o trabalho em
saúde e a dinâmica de inserção dos psicólogos na rede.
Esta inserção certamente é influenciada pelo movimento de Reforma
Psiquiátrica, pois, embora a presença do psicólogo em instituições públicas de
saúde, como em Unidades Básicas e em Hospitais Gerais, venha aumentando, esta
se dá, ainda hoje, predominantemente em serviços especializados de Saúde Mental
1
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia, “as competências
reportam-se a desempenhos e atuações requeridas do formando em Psicologia, e devem
garantir ao profissional um domínio básico de conhecimentos psicológicos e a capacidade
de utilizá-los em diferentes contextos que demandam a investigação, análise, avaliação,
prevenção e atuação em processos psicológicos e psicossociais, e na promoção da
qualidade de vida” (BRASIL, 2004, p. 206).
2
A definição de 'assistência psicoterápica individual' para este estudo baseia-se na
concepção de 'clínica clássica' de Ferreira Neto (2007): “A clínica clássica é definida como
portadora de um modelo mais homogêneo, influenciado pela medicina e caracterizado como
um sistema de atenção voltado para o indivíduo, em atividades de psicodiagnóstico e
psicoterapia (...) exercida em consultórios particulares para uma clientela oriunda das
classes média e alta” (p. 110).
14
(LIMA, 2005). Buscando compreender a inserção do psicólogo na Saúde, com
ênfase na atenção básica, alguns pontos referentes à Reforma Psiquiátrica, como o
desenvolvimento de novas competências profissionais, serão mencionados neste
estudo. Porém, um aprofundamento deste importante movimento de Reforma
Psiquiátrica foge ao escopo do presente trabalho.
Para a realização do estudo, adotou-se três premissas. A primeira refere-se à
necessidade da construção de intervenções que extrapolem a assistência
psicoterápica individual, e que ofereçam aos sujeitos um suporte mais amplo,
culturalmente sensível e promotor de saúde e qualidade de vida em várias esferas
(trabalho, escola, família, comunidade). São sujeitos concretos, detentores de
histórias contextualizadas econômica, social e culturalmente, enfim, seres humanos
com 'problemas' biopsicossociais que na verdade são inerentes à vida em
sociedade.
Tais intervenções demandam ser realizadas tanto no âmbito das estratégias
clínicas aos sujeitos quanto no âmbito da rede de saúde, ou seja, parece ser exigido
dos psicólogos oferecer aos sujeitos, por exemplo, uma escuta e um suporte (clínico
e social) para além da demanda subjetiva, assim como participar ativamente da
gestão do processo de trabalho de acordo com as demandas da rede.
A segunda premissa diz respeito à inadequação da formação profissional do
psicólogo, para preparar este profissional para atuar na rede pública de saúde
(DIMENSTEIN, 1998, 1998a, 2000, 2001, 2003; JACÓ-VILELA, 1996; LIMA, 2005).
A proposta do estudo, porém, não é a de investigar a formação profissional ou o
currículo de Psicologia. Seu foco é a prática profissional na rede pública de saúde,
tendo como campo a rede básica municipal de saúde do Rio de Janeiro, incluindo a
percepção dos profissionais sobre a formação a que foram expostos e os desafios
que encontram no cotidiano de trabalho.
A escolha pela atenção básica como campo de pesquisa se justifica por dois
motivos: (1) Este nível de atenção absorve grande quantitativo de pessoas e força
de trabalho (MACHADO, 2005) e (2) está mais próximo da vida das pessoas,
demandando extrapolar os limites do conhecimento biomédico. A intenção é
compreender quais práticas estão sendo desenvolvidas pelos psicólogos admitidos
por concursos públicos, lotados em unidades de atenção básica de saúde (Postos
15
de Assistência Médica, Centros Municipais de Saúde, Postos de Saúde e
Policlínicas) e nos Centros de Atenção Psicossocial, com vistas a realizar um
mapeamento das mesmas, averiguando-se, por exemplo, em que medida elas
extrapolam o campo da assistência psicoterápica individual.
a terceira premissa refere-se ao entendimento de que a formação e a
prática profissionais são indissociáveis. Defende-se a idéia de que o mundo do
trabalho é uma “escola”, onde são produzidos saberes, práticas e modos de cuidar,
ou seja, independente da adequação ou não da formação profissional inicial, a
construção de um Sistema como a legislação brasileira propõe implica num
desenvolvimento profissional, individual e coletivo, permanente. Inclusive, mediante
tal necessidade, o Ministério da Saúde (MS) implementou, em 2004, a Política
Nacional de Educação Permanente. Talvez essa política esteja sendo colocada em
prática no Município do Rio de Janeiro, o que este estudo também pretende
investigar.
Desse modo, como coloca Teixeira (2003), do ponto de vista dos propósitos
da atenção à saúde, é preciso superar o modelo centrado na 'demanda espontânea',
de atendimento e 'cura' aos doentes, inserindo ações de prevenção de riscos e
agravos e de promoção à saúde, para além dos 'muros' da unidade, ou seja, nos
territórios onde vive e trabalha a população da área que abrange os serviços. Aqui
verifica-se a importância de considerar a questão da construção social da demanda,
a qual se apresenta como fio condutor no percurso em direção às práticas de
integralidade. Esta se constrói através do trabalho em equipe, com profissionais
capazes de reconhecer a alteridade dos usuários e da participação dos sujeitos em
diferentes espaços públicos (PINHEIRO & MATTOS, 2005). O psicólogo também se
constrói como sujeito na relação com outros sujeitos e, portanto, o seu
desenvolvimento humano e profissional também depende das relações que
estabelece na sua prática.
O contexto atual é o de implementação de inovações na formação de
profissionais de saúde mais alinhados às demandas do SUS, o que não é
exclusividade da Psicologia. A expansão do Programa de Saúde da Família (PSF),
principal estratégia de reorientação do modelo assistencial, por exemplo, vem
denunciando de forma contundente a inadequação da formação. A criação da
16
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), no âmbito do
MS, vem contribuindo mediante ações como a Política Nacional de Educação
Permanente (BRASIL, 2004), o Ensina-SUS e o fortalecimento das Escolas Técnicas
do SUS (SPINK & MATTA, 2007).
Os dados para a pesquisa foram coletados por intermédio de observações
realizadas em Fóruns de Saúde Mental e em Supervisões de Território e de
entrevistas com roteiros semi-estruturados realizadas com gestores e psicólogos da
rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro.
Para a análise dos dados coletados no estudo de campo, foram eleitos como
eixos analíticos as percepções dos psicólogos sobre os desafios enfrentados na
prática profissional, sobre as contribuições da formação profissional do psicólogo
para a atuação nos serviços blicos de saúde e sobre as iniciativas de Educação
Permanente de acordo com as três premissas adotadas pelo estudo. Buscou-se
identificar atividades que extrapolam o escopo da assistência psicoterápica individual
e de ações que avançam na direção da integralidade do cuidado em saúde.
Nesse estudo, optou-se trabalhar com as competências e habilidades gerais
das Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia (DCNP) (BRASIL, 2004). A razão
para essa escolha diz respeito ao fato das competências gerais serem consideradas
tão significativas que aparecem como comuns a todas as profissões da saúde.
Procurou-se, assim, relacionar os temas acima referidos às competências e
habilidades gerais das DCNP (BRASIL, 2004), que são: Atenção à saúde, Tomada
de decisões, Liderança, Comunicação, Administração e Gerenciamento e Educação
Permanente. O intuito não foi o de tomar as diretrizes como fim ou ponto de
chegada, mas como ponto de partida dado que as diretrizes ainda encontram-se em
processo de implantação e avaliação, sendo passíveis de aperfeiçoamento.
Sendo assim, o primeiro capítulo discutirá o modelo biomédico e o modelo
assistencial tradicional em saúde, a reorientação da assistência e o desafio da
construção da integralidade. A atuação, ainda dominante, dos psicólogos nos
serviços de Psiquiatria reitera uma apropriação do papel do profissional de
Psicologia como cuidador da mente. Esta restrição tende a reforçar a dicotomia
mente-corpo, característica do modelo biomédico hegemônico na área da saúde
(ENGEL, 1977). Sua superação irá demandar maior problematização da construção
17
da integralidade do cuidado com reorientação da assistência para incluir a
prevenção, a promoção e a qualidade de vida aos sujeitos.
No segundo capítulo, serão abordadas as mudanças ocorridas na graduação
em saúde e no ensino da Psicologia, a relação entre a formação e a prática do
psicólogo nos serviços públicos de saúde e as principais idéias defendidas pela
Política Nacional de Educação Permanente (BRASIL, 2004). A abertura de novas
oportunidades e os decorrentes desafios enfrentados pelos psicólogos no SUS
implica que, cada vez mais, a assistência tradicional, focada no modelo médico-
curativo e na assistência psicoterápica individual, seja acompanhada por novas
práticas e incorpore novos conteúdos, numa perspectiva coletiva. Assim, aponta
para a necessidade de reflexão a respeito da formação e da prática profissionais dos
psicólogos de modo a subsidiar sua atuação no SUS.
O terceiro capítulo apresentará a justificativa do estudo. No quarto capítulo
será exposto o percurso metodológico realizado. o quinto capítulo apresentaa
discussão dos resultados encontrados na realização do mapeamento das práticas e
dos desafios enfrentados pelos psicólogos atuantes na rede básica municipal e
apontará alguns elementos estratégicos para o desenvolvimento do processo de
trabalho do psicólogo na rede de saúde do Município do Rio de Janeiro.
18
OBJETIVOS
O estudo tem como objetivo geral analisar as atividades realizadas pelos
psicólogos na rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro e as percepções
destes profissionais acerca dos desafios enfrentados no cotidiano de trabalho.
Como objetivos específicos, o estudo pretende: (1) Descrever as práticas dos
psicólogos na rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro; (2) Analisar as
reformulações no processo de trabalho dos psicólogos da rede municipal de saúde
frente às demandas do indivíduo e do sistema de saúde e (3) Problematizar o
processo de formação do psicólogo e as iniciativas de Educação Permanente na
rede municipal de saúde do Rio de Janeiro.
A descrição das práticas dos psicólogos na rede básica de saúde do
Município do Rio de Janeiro visa fazer um mapeamento das atividades realizadas
por estes profissionais. Essa descrição inclui o exercício da assistência psicoterápica
individual e a identificação de atividades que extrapolem tal prática clínica, como, por
exemplo, o trabalho em equipe multiprofissional, a gestão dos serviços e a
participação em espaços de discussão do processo de trabalho, as quais vêm sendo
cada vez mais exigidas dos psicólogos atuantes nos serviços públicos de saúde.
A análise das reformulações do processo de trabalho dos psicólogos frente às
demandas do indivíduo e do sistema de saúde tem o intuito de revelar as possíveis
tensões existentes entre a intenção e o gesto desses profissionais no que diz
respeito ao necessário atendimento às demandas subjetivas (dos sujeitos) e
políticas (da rede).
a problematização do processo de formação do psicólogo e das iniciativas
de Educação Permanente visa abordar as implicações do processo formativo para a
preparação do psicólogo para atuar nos serviços de saúde e as iniciativas de
Educação Permanente na rede observadas a partir da constante discussão do
processo de trabalho. Estas iniciativas tendem a possibilitar a contínua revisão e
aprimoramento da formação profissional no cotidiano de trabalho a partir da reflexão
de si mesmo e do cuidado ofertado ao usuário.
19
CAPÍTULO 1:
O SUS, a reorientação do modelo assistencial e a urgência de novos recursos
humanos para a saúde
Esse capítulo apresenta as premissas do modelo biomédico e as
características do modelo assistencial tradicional em saúde, analisa a reorientação
da assistência no SUS e o desafio de construção da integralidade do cuidado em
saúde, que passa pela mudança na configuração da rede no processo de
municipalização e descentralização das ações e serviços de saúde.
Tal contexto demanda o desenvolvimento de novos recursos humanos para a
saúde, introduz novos cenários de práticas e requer a construção da integralidade
na saúde através da inclusão de ações de promoção, prevenção e proteção à saúde
(FAVORETO, 2008; BYDLOWSKI, WESPHAL & PEREIRA, 2004).
A discussão sobre a urgência de novos recursos humanos em saúde aponta,
como exposto em seguida, para a necessidade de avançar no debate sobre o
processo de mudanças na formação em saúde, uma das condições fundamentais
para reverter o descompasso existente entre o modelo assistencial tradicional e as
necessidades de saúde da população.
1.1. O Modelo biomédico e o Modelo assistencial tradicional em saúde: dicotomia
mente-corpo e ênfase no atendimento à queixa principal
Ao longo da história, a humanidade vem mudando as formas de pensar os
fenômenos saúde-doença. Fuente (1992) enumera três marcos históricos a respeito
das diferentes atribuições dadas à doença e às relações estabelecidas pelo enfermo
com o respectivo cuidador. O primeiro deles é o marco de referência mágico, vigente
nas sociedades primitivas, e que ainda perdura nos dias atuais, para o qual a
enfermidade é causada por influências malignas de outros seres humanos, ou seja,
se uma pessoa adoece é porque o seu coração está nas mãos de um bruxo ou
20
feiticeiro, a quem deveria recorrer para desfazer o feitiço. Como coloca Barros
(2002), para a medicina mágico-religiosa:
o adoecer era resultante de transgressões de natureza
individual ou coletiva, sendo requerido para reatar o enlace
com as divindades, o exercício de rituais que assumiam as
mais diversas feições, conforme a cultura local, liderados pelos
feiticeiros, sacerdotes ou xamãs. (p. 67)
O segundo marco elucidado por Fuente (1992) é a perspectiva moralista, para
a qual o indivíduo causaria a sua doença por uma conduta. A doença era vista
como um castigo e deveria ser tratada por um sacerdote, capaz de salvar o enfermo
dos pecados cometidos. Esta concepção predominou em algumas civilizações
antigas e medievais (e ainda faz parte da realidade atual), tendo como principais
representantes, na Idade Média, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino
(CASTRO, ANDRADE & MULLER, 2006).
O terceiro marco é o desenvolvimento do método científico, que atribui a
doença à causas naturais, devendo ser tratada por um médico e basear-se nos
conhecimentos científicos, de preferência desenvolvidos através do método
experimental. Este modelo nasceu na Grécia clássica e tornou-se mais importante
na sociedade ocidental a partir do Renascimento.
Surge, então, a medicina empírico-racional (modelo científico), que iniciou-se
no Egito e teve como pioneiros os filósofos pré-socráticos na tentativa de
encontrarem explicação para as origens do universo e da vida (BARROS, 2002).
Ocorreu uma mudança de foco de atenção das forças sobrenaturais para o portador
da doença, permitindo que a doença passasse a ser vista como um fenômeno
natural e não mais como decorrente da influência de forças divinas ou malévolas.
Após o modelo empírico-racional, surgiu o galenismo, inspirado nas idéias de
Hipócrates, o chamado pai da medicina ocidental. Galeno, médico-pesquisador,
trouxe importantes contribuições para o avanço dos métodos diagnóstico-
terapêuticos ao considerar a causa da doença como endógena, ou seja, dentro do
próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao
desequilíbrio” (CASTRO, ANDRADE & MULLER, 2006, p. 40). Para Galeno, “o
diagnóstico deve ter por fundamentos o cuidadoso exame do doente, o
21
conhecimento do seu estado quando sadio, seu temperamento, regime de vida,
alimentação, além das condições ambientais e a época do ano” (BARROS, 2002, p.
68).
O período de transição entre a escola galênica e o modelo biomédico é
representado por Paracelso. Ele era totalmente contra às idéias de Hipócrates e
Galeno, pois acreditava que as doenças eram provocadas por agentes externos. De
acordo com Paracelso, havia uma semelhança entre os processos químicos e os
processos vitais, identificando influências cósmicas, telúricas e de substâncias
tóxicas e venenosas na determinação das doenças (BARROS, 2002).
A visão dicotômica mente-corpo, reforçada pelo modelo biomédico, considera
o funcionamento do ser humano análogo ao de uma máquina. O ponto crucial do
método de Descartes é a dúvida e foi a partir da dúvida de ter um corpo que ele
chegou à confirmação do homem enquanto pensador, surgindo daí a famosa
expressão “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”). Descartes deduz, dessa forma,
que a essência da natureza humana reside no pensamento e que o conhecimento
certo é obtido através da intuição e da dedução. O método analítico de Descartes,
que consistia na decomposição de problemas em partes, foi valoroso para o
desenvolvimento de teorias científicas.
A partir da influência do pensamento cartesiano sobre a Medicina, “a vida
deixou de ser objeto central da prática médica (clínica), a forma humana passou a
ser vista como máquina (...)” e o “(...) corpo humano tornou-se, então, a sede das
doenças; e as doenças, entidades nosológicas” (KOIFMAN, 2001, p. 51). Dessa
forma, a rigorosa divisão entre corpo e mente levou a Medicina a se concentrar nos
aspectos corporais e a negligenciar os aspectos psicológicos, sociais e ambientais
da doença (CAMARGO JR., 2007; BARROS, 2002; ARAÚJO, MIRANDA & BRASIL,
2007). Assim, o alvo do interesse médico passou de uma abordagem biográfica à
nosográfica e “grande parte das descobertas da medicina moderna foram sendo,
paulatinamente, validadas pela abordagem biomédica” (BARROS, 2002, p. 71).
O modelo biomédico considera o corpo como uma máquina muito complexa,
constituída por partes que se inter-relacionam, que obedece a leis naturais e que
precisa constantemente de inspeção por parte de um especialista. Assim, o modelo
biomédico o corpo como uma máquina que não é perfeita e que tem ou terá
22
problemas que só especialistas podem detectar (KOIFFMAN, 2001).
Como toda abordagem em saúde, o modelo biomédico possui seus prós e
contras, seus limites e suas possibilidades, assim como inúmeras contribuições, tais
como: as descobertas anatômicas, da circulação sangüínea, de vacinas, de
tratamentos para doenças como a tuberculose e a diabetes, assim como avanços
notáveis no campo da Genética e da Imunologia. (BARROS, 2002) Porém, ao longo
do tempo, foi sendo detectada, por exemplo, a impossibilidade do modelo biomédico
“de oferecer respostas conclusivas ou satisfatórias para muitos problemas ou,
sobretudo, para os componentes psicológicos ou subjetivos que acompanham, em
grau maior ou menor, qualquer doença” (BARROS, 2002, p. 76).
Barros (2002) afirma que, apesar de muitos profissionais admitirem a
influência de fatores subjetivos mesmo em casos de doenças em que os aspectos
orgânicos são mais evidentes, ainda persiste a dificuldade dos mesmos em lidar
com isso porque não foram devidamente preparados durante a formação. É fato que
os médicos, de modo geral, são os mais afetados em decorrência do modelo
biomédico estimulá-los a “aderir a um comportamento extremamente cartesiano na
separação entre o observador e o objeto observado” (BARROS, 2002, p. 79). Em
contrapartida, também que se levar em conta o fato da Psicologia, por exemplo,
por vezes desconsiderar os aspectos orgânicos da doença, elegendo apenas o
subjetivo e o emocional como fator causal de alguma patologia. que se ter o
cuidado, portanto, de não supervalorizar apenas um dos lados mente ou corpo e
sim trabalhar de forma holística e respeitar o ser humano como um todo indiviso.
Muitas vezes, o diagnóstico médico fica restrito ao “viés reducionista pelo qual
os agentes da biomedicina são treinados a vislumbrar a doença, desconsiderando
uma reflexão filosófica que permitiria a relativização conceitual do binômio saúde-
doença no contexto da condição humana” (PÓVOA, 2002, p. 25). Isso acontece, por
exemplo, nos denominados
“quadros mórbidos mal definidos”, “somatizações”, “sintomas
de origem psicológica”, zona cinzenta onde o desencontro
terapêutico é freqüente. As respostas tradicionais têm sido de
negar o sofrimento recusando o cuidado - ou de tentar forçá-
lo no molde da doença - medicalizando o sofrimento.
23
(CAMARGO JR., 2007, p. 72-73)
Dessa forma, presume-se que os avanços tecnológicos trazidos pela
biomedicina, embora fundamentais, não dão conta da complexidade do ser humano.
Na concepção de Traverso-Yépez & Morais (2004), é interessante perceber que o
modelo biomédico continua negligenciando a complexidade do processo saúde-
doença ao enfocar a doença e desconsiderar o valor da experiência subjetiva do
paciente, além da permanente interdependência entre os condicionantes biológicos,
psicossociais, culturais e ambientais relacionados ao processo saúde-doença” (p.
81). Póvoa (2002) afirma que:
A tarefa do médico passa a ser a de enquadrar em um modelo
nosológico sinais e sintomas que serão pontos norteadores
para se chegar a uma categoria específica e objetiva. Pode-se
então observar que este modelo de raciocínio afasta o médico
da capacidade de observar dimensões subjetivas e afetivas
que muitas vezes são fundamentais para a compreensão do
sofrimento humano e condição prévia para a empatia e vínculo
facilitadoras de um cuidado e de uma atenção
verdadeiramente eficazes. (p. 23-24)
Nota-se, assim, que desconsiderar a subjetividade, a experiência de vida e o
contexto social do paciente traz prejuízos não para o paciente, mas também para
o profissional de saúde, que a relação entre ambos pode ser afetada. Muitas
vezes, o paciente, ao não ser escutado e respeitado em sua singularidade, fica
insatisfeito e não retorna ao profissional, que não lhe satisfez em suas expectativas
e necessidades. Por isso, defende-se a importância dos profissionais alertarem para
o fato de que é necessário, além de 'auscultar', escutar, ouvir o complemento do
discurso que, por muitas vezes, pode ser um dos fatores disparadores da doença do
outro.
Em síntese, o cogito cartesiano levou Descartes a separar mente e corpo,
considerando-os fundamentalmente diferentes, e a afirmar que “‘não nada no
conceito de corpo que pertença à mente, e nada na idéia de mente que pertença ao
corpo’” (DESCARTES apud CAPRA, 1982, p. 55). A divisão cartesiana entre corpo
material e mente provocou um efeito profundo no pensamento ocidental. No campo
24
da saúde, por exemplo, impediu os médicos de considerarem seriamente a
dimensão psicológica das doenças e os psicoterapeutas de lidarem com o corpo de
seus pacientes” (CAPRA, 1982, p. 55).
Assim, o paradigma da natureza enquanto máquina passou a dominar a
ciência a partir de Descartes e passou a ser questionado com a revolução na
física do século XX. A partir dos pensamentos de Copérnico & Kepler, Bacon, Galileu
e Descartes, Newton elaborou as suas leis da Física, as quais foram os alicerces do
pensamento científico até o século XX. Desse período em diante, novas descobertas
e novos modos de pensar começaram a evidenciar as limitações do modelo
newtoniano e prepararam o caminho para as revoluções científicas do século XX.
Dentre estas descobertas, destacam-se a teoria da relatividade e a teoria quântica,
introduzidas por Einstein, que deram origem à Nova Física.
Pode-se dizer que, a partir do culo XX, houve o início de uma mudança de
paradigma, ou seja, começou a ocorrer uma tentativa de mudança da lógica
cartesiana para a lógica sistêmica. Assim, apesar de ainda hegemônica, é fato que a
visão dicotômica mente-corpo, inaugurada nos séculos XVI e XVII, vem perdendo
força e passa por um período de crise e mudanças. Esforços têm sido feitos para
transcender tal visão principalmente no que tange a superação da ênfase no pronto-
atendimento e no atendimento à queixa principal, os quais valorizam mais os
sintomas (as partes) do que o sujeito (o todo).
Exemplo dessa tentativa de superação no pronto-atendimento diz respeito ao
processo de mudança no modelo de atenção em saúde. O 'modelo assistencial'
tradicional, calcado no paradigma biomédico, visualiza o ser humano doente pelos
sintomas orgânicos ou comportamentais que o mesmo apresenta de modo isolado e
objetiva o atendimento à queixa principal e a remissão dos sintomas ou a mudança
de comportamento. Isso implica numa assistência fragmentada e insuficiente em
função da sua própria inefetividade, a qual vem perdendo força no sistema de saúde
em virtude da complexidade que envolve o processo saúde-doença (MACHADO,
2005).
No Brasil, os projetos governamentais implementados a partir dos anos 90
têm valorizado e incentivado as ações básicas em saúde no desenvolvimento do
setor público de assistência à saúde. A reorientação da assistência sustenta-se, por
25
exemplo, pelas críticas ao modelo biomédico hegemônico. A reforma do SUS tem
procurado inverter a lógica hospitalocêntrica e medicalizadora e responder a
questões, tais como:
a aproximação dos serviços das necessidades de saúde das
populações; a integração das modalidades assistenciais de
modo a aumentar a efetividade e melhorar a relação custo
benefício das ações de saúde; as mudanças dos processos em
saúde investindo numa relação horizontal e dialógica entre
eles; assim como a incorporação de novos atores, saberes e
práticas que desenvolvam, valorizem e legitimem as ações
básicas e, particularmente, o trabalho de médicos generalistas.
(FAVORETO, 2008, p. 101)
Do ponto de vista prático, os modelos assistenciais são mais do que uma
forma de organização dos serviços de saúde ou um modo de administrar, pois
envolvem a concepção dominante do cuidado com a vida de seres humanos.
Modelos assistenciais dizem respeito a um conjunto de saberes (conhecimentos) e
técnicas (métodos e instrumentos) utilizados para resolver problemas (danos e
riscos) e atender necessidades de saúde individuais e coletivas. Isso implica em
relações entre sujeitos (profissionais de saúde e usuários) mediadas por tecnologias
(materiais e não materiais) utilizadas no processo de trabalho em saúde que visam a
resolução das necessidades sociais de saúde definidas historicamente (TEIXEIRA,
2003, p. 261).
Um modelo de atenção focado no paradigma biomédico, além de caro, não
supre as necessidades do sistema de saúde na medida em que só se preocupa com
as partes separadas (corpo, organismo, mente, comportamento), enfrentando
dificuldades para incluir o todo do qual esse sujeito faz parte (contexto social,
cultural, econômico).
Para que haja uma mudança no modelo de atenção, vários aspectos também
precisam ser transformados, dentre eles o próprio processo de trabalho em saúde
tanto no que tange a seus objetivos quanto a seus elementos estruturais, qual seja,
“no objeto de trabalho, nos meios de trabalho, no perfil dos sujeitos e principalmente,
nas relações estabelecidas entre eles e a população usuária dos serviços”
26
(TEIXEIRA, 2003, p. 262). Observa-se a importância de superar justamente o
modelo centrado na atenção à demanda espontânea de atendimento a doentes,
através da inclusão de ações de prevenção de riscos e agravos e de promoção da
saúde. Essas ações, no entanto, devem se expandir para além dos muros das
unidades de saúde, ou seja, para os territórios onde habita e trabalha a população
da respectiva área de abrangência dos serviços (TEIXEIRA, 2003).
Nesse sentido, o processo de prestação de serviços seria deslocado do eixo
de recuperação à saúde de indivíduos doentes para a prevenção de riscos e agravos
e promoção da saúde das pessoas e dos coletivos, o que implica em tomar como
objeto os problemas de saúde e seus determinantes. A atenção seria organizada de
modo a não incluir somente as ações e serviços que incidem sobre os efeitos dos
problemas (doença, incapacidade e morte), mas sobretudo sobre as causas
(condições de vida, trabalho e lazer), qual seja, sobre o modo de andar a vida das
pessoas e dos grupos sociais (TEIXEIRA, 2003, p. 261).
Porém, ao invés de tratar os diferentes paradigmas e modelos em saúde
como opostos e reforçar a dicotomia certo x errado, talvez seja mais produtivo
considerá-los como aliados na busca pelo cuidado integral do ser humano, que
“não uma verdade absoluta ao abordarmos a ciência e a arte de lidar com a
saúde e doença, a mente e o corpo” (CASTRO, ANDRADE & MULLER, 2006, p. 42).
Como bem coloca Capra (1982):
a nova concepção do universo que emergiu da física moderna
não significa que a física newtoniana esteja errada ou que a
teoria quântica ou a teoria da relatividade estejam certas. A
ciência moderna tomou consciência de que todas as teorias
científicas são aproximações da verdadeira natureza da
realidade; e de que cada teoria é válida em relação a uma certa
gama de fenômenos. (p. 95)
27
1.2. A reorientação da assistência e o desafio da construção da Integralidade:
Prevenção, Promoção e Cuidado à Saúde
A partir da década de 70 emerge uma seqüência de eventos alinhados com o
objetivo de mudança do modelo assistencial tradicional de saúde calcado no modelo
individual-curativista na tentativa de minimizar o descompasso existente entre a
demanda e a oferta nos serviços de saúde (PINHEIRO & CAMARGO JR., 2000;
RONZANI, 2007). Dentre eles se destacam a Reforma Sanitária, a Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde (1978) e a VIII Conferência
Nacional de Saúde (CNS) (1986).
Nascido nos anos 70 a partir de um conjunto de idéias defendidas por
“professores universitários dos departamentos de Saúde Pública, de intelectuais da
Fiocruz, de sanitaristas do Ministério da Saúde e de movimentos populares que se
opunham à ditadura militar” (CUTOLO, 2006, p. 18), o movimento da Reforma
Sanitária questiona o modelo curativista defendido pelo paradigma biomédico.
A Reforma Sanitária compreende um processo de “transformação nos
âmbitos político-jurídico, político-institucional e político-operativo, para dar conta da
saúde dos cidadãos, entendida como um direito universal e suportada por um
Sistema Único de Saúde (...)” (MENDES, 1994a, p. 42) que visa a ampliação da
consciência sanitária dos cidadãos, a formulação de um outro paradigma
assistencial e a implementação de uma nova ética profissional. O movimento
sanitário defende um conceito abrangente de saúde, sendo a mesma um direito de
cidadania e dever do Estado, e propõe uma profunda reformulação do Sistema
Nacional de Saúde com a instituição de um SUS que tenha como princípios
norteadores a universalidade, a integralidade das ões, a descentralização com
comando único em cada esfera de governo e a participação popular.
Em 1978, é realizada em Alma-Ata a Conferência Internacional sobre
Cuidados Primários de Saúde. Nessa conferência são estabelecidas “as bases
conceituais de um modelo de atenção que privilegia a inclusão, a prevalência, o
trabalho em equipe e a participação popular” (CUTOLO, 2006, p. 18).
Nesse sentido, diversos conhecimentos oriundos das ciências sociais e
28
humanas têm contribuído para oferecer uma compreensão mais integrada da
vivência da doença, partindo do chamado modelo biopsicossocial (ENGEL, 1977).
Tal modelo rejeita o modo dualista e reducionista de pensar o processo de saúde e
doença, defendendo a idéia de uma conjugação de fatores biomédicos, psicológicos
e sociais na determinação do processo saúde-doença (DIAS et. al., 2004).
o chamado 'paradigma sanitário', baseado numa concepção ampliada de
processo saúde-doença e no Informe Dawson (produzido no Canadá em 1920), tem
como elementos ideológicos a globalidade, a determinação social do processo
saúde-doença, o coletivismo, o equilíbrio no conhecimento geral, a inclusão de
práticas alternativas, o uso de tecnologia adequada e a integralidade da atenção
(MENDES, 1994b).
Merece destaque o eixo da integralidade da atenção tendo em vista o fato de
que a integralidade envolve ações promocionais, preventivas, curativas e
reabilitadoras, todas visando o cuidado (integral) do ser humano doente. Apesar de
complexo, multifacetado, polissêmico e encontrar-se em constante construção
(MATTOS, 2001), o termo integralidade teve alguns pontos delineados pelo MS, os
quais foram: (1) Cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade;
(2) As ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formam um todo
indivisível e não podem ser concebidas separadamente; (3) As unidades prestadoras
de serviços, nos diversos graus de complexidade, também formam um todo
indivisível capazes de prestar assistência integral; (4) O homem é um ser integral,
biopsicossocial e deve ser atendido de modo integral, visando a promoção, proteção
e recuperação da saúde (BRASIL, 2003).
Segundo Mattos (2001), mais do que uma diretriz do SUS definida
constitucionalmente, a integralidade é uma “'bandeira de luta', parte de uma 'imagem
objetivo', um enunciado de certas características do sistema de saúde, de suas
instituições e de suas práticas que são consideradas por alguns (diria eu, por nós)
desejáveis” (p. 41). Integralidade diz respeito a um conjunto de valores pelos quais
vale a pena lutar na medida em que os mesmos se relacionam a um ideal de
sociedade mais justa e igualitária.
No entanto, é preciso exercer a integralidade no nível micro de modo que o
macro possa ser alcançado e isso implica nas ações praticadas no dia-a-dia de
29
trabalho, nos encontros promovidos entre a equipe de saúde e as pessoas, qual
seja, em práticas intersubjetivas. Práticas intersubjetivas podem ser definidas como
aquelas nas quais profissionais de saúde se relacionam com sujeitos e não com
objetos, envolvendo sempre uma dimensão dialógica. Na concepção de Mattos, a
dimensão dialógica
confere às práticas de saúde um caráter de prática de
conversação na qual nós, profissionais de saúde, utilizamos
nossos conhecimentos para identificar as necessidades de
ações e serviços de saúde de cada sujeito com o qual nos
relacionamos, para reconhecer amplamente os conjuntos de
ações que podemos pôr em prática (incluindo ações como o
aconselhamento e as chamadas práticas de educação em
saúde) para responder as necessidades que apreendemos
(MATTOS, 2004, p. 1414).
Sendo assim, exercer a integralidade envolve a prática de ações que estejam
sintonizadas com a singularidade de cada encontro, ou seja, com o contexto e o
modo de andar a vida de cada sujeito, o qual emerge do modo como a vida é gerida
coletivamente. Por mais utópica que pareça ser, a idéia de integralidade tem se
expandido e conquistado experiências concretas, as quais mostram que algo
aparentemente utópico pode ser realizado (MATTOS, 2004).
A integralidade precisa ser praticada por todos os profissionais dentro de um
serviço se saúde do segurança ao médico a partir de uma escuta atenta, um
acolhimento
3
integral e um direcionamento para a demanda
4
do sujeito em
sofrimento. Integralidade implica em respeito à história de vida do semelhante, que
precisa ser acolhido e cuidado levando em consideração o seu contexto, o aqui e
agora, para saber o que de melhor pode-se fazer por ele naquele momento além da
3
É um processo no qual trabalhadores e instituições tomam, para si, a
responsabilidade de intervir em uma dada realidade, em seu território de atuação, a partir
das principais necessidades de saúde, buscando uma relação acolhedora e humanizada
para prover saúde nos níveis individual e coletivo” (SOUZA et. al., 2008, p. 101).
4
“Demanda é o pedido explícito, a 'tradução' de necessidades mais complexas do
usuário. Na verdade, demanda, em boa medida, são as necessidades modeladas pela
oferta que os serviços fazem. A demanda pode ser por consulta médica, consumo de
medicamentos, realização de exames (as ofertas mais tradicionalmente percebidas pelos
usuários...) (...)” (CECÍLIO, 2001, p. 116).
30
prescrição de uma medicação, por exemplo. Dito de outro modo, a integralidade da
atenção, no espaço de cada serviço de saúde demanda o esforço da equipe de
saúde de traduzir e atender, da melhor forma possível, as necessidades
5
do usuário
de acordo com a singularidade de cada caso.
A integralidade, como dito anteriormente, envolve ações de prevenção,
promoção e proteção à saúde, porém, sem descuidar das ações assistenciais. Pode-
se distinguir ações assistenciais de preventivas, por exemplo, pelo fato da
assistência se aplicar mais à “situações nas quais os profissionais de saúde se
encontram com sujeitos que sofrem e que almejam reduzir seu sofrimento. É a
experiência de sofrimento, percebida como se fosse individual, que suscita as ações
da assistência” (MATTOS, 2003, p. 53) enquanto as preventivas visam a
coletividade. Além disso, as ações assistenciais respondem às necessidades dos
usuários enquanto as preventivas visam a modificação do quadro social de uma
doença, o que pode vir a alterar a demanda futura por serviços assistenciais.
Do mesmo modo que a prevenção, a promoção da saúde, enquanto campo
de conhecimento e de prática, é dirigida à coletividade e não se restringe “só às
pessoas doentes no âmbito da prestação dos cuidados de saúde, mas a todos os
indivíduos, de todos os estratos da população, quer na ausência quer na presença
de doença” (DIAS et. al., 2004, p. 465).
A promoção da saúde está associada a um conjunto de valores e estratégias.
Como valores destacam-se a “qualidade de vida, saúde, solidariedade, eqüidade,
democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria” e como estratégias
“ações do Estado (políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação
comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do sistema
de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias intersetoriais” (BUSS,
2000, p. 165).
Verifica-se a existência de dois grandes grupos conceituais sobre a promoção
da saúde. O primeiro deles, ainda pautado no indivíduo, consiste em atividades que
visam a mudança de comportamento, focalizando-se no estilo de vida e localizando-
5
Necessidade de saúde pode ser: “a busca de algum tipo de resposta para as más
condições de vida que a pessoa viveu ou esta vivendo (do desemprego à violência no lar), a
procura de um vínculo (a)efetivo com algum profissional, a necessidade de ter maior
autonomia no modo de andar a vida ou, mesmo, de ter acesso a alguma tecnologia de
saúde disponível, capaz de melhorar ou prolongar a vida (CECÍLIO, 2001, p. 116).
31
se no seio familiar, no máximo, expandindo-se para a transformação da cultura local.
As atividades concentram-se em componentes educativos relacionados, em primeira
instância, com riscos comportamentais passíveis de mudança e que estariam, pelo
menos em parte, sob o controle dos indivíduos. Exemplos de temáticas de interesse
desse primeiro enfoque são: o hábito de fumar, a dieta, as atividades físicas e a
direção perigosa no trânsito. (DIAS et. al., 2004)
O segundo grupo, pautado na coletividade e consoante com a visão
biopsicossocial do processo saúde-doença, consiste em atividades mais voltadas
para o ambiente na medida em que compreende saúde como:
produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a
qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de
alimentação e nutrição, e de habitação e saneamento; boas
condições de trabalho; oportunidades de educação ao longo de
toda a vida; ambiente físico limpo; apoio social para famílias e
indivíduos; estilo de vida responsável; e um espectro adequado
de cuidados de saúde (BUSS, 2000, p. 167).
Sendo assim, esse segundo grupo de conceituação da promoção da saúde
atende de modo mais adequado ao modelo assistencial que encontra-se na tentativa
de ser sedimentado na sociedade, qual seja, um modelo de atenção pautado na
visão biopsicossocial do processo saúde-doença, na necessidade da integralidade
das ações e na visão e no cuidado integral do ser humano. Sendo assim, a
promoção da saúde deve ir além dos programas assistenciais, alcançando mais do
que o indivíduo, a coletividade e, principalmente, deve promover a autonomia dos
indivíduos de modo que possam fazer as suas escolhas e acreditar que são capazes
de promover mudanças.
Desse modo, o modelo de atenção pautado na promoção da saúde e na
integralidade das ações exige cada vez mais do sistema de saúde a superação do
modelo biomédico, centrado no atendimento à queixa principal do indivíduo e em
intervenções médico-curativas. O resultado de tais reivindicações é a necessidade
de “transformações profundas na organização e no financiamento dos sistemas e
serviços de saúde, assim como nas práticas e na formação dos profissionais” (DIAS
et. al., 2004, p. 171).
32
Contudo, em linhas gerais, pode-se dizer que a construção de um modelo
tecnoassistencial condizente com as necessidades da população ainda é um desafio
para a organização do SUS (SILVA JR., MERHY & CARVALHO, 2003). É fato que
avanços ocorreram e vêm ocorrendo em todo o país, mas o que tem sido realizado
ainda é insuficiente para o atendimento das necessidades de saúde da população.
Conseqüentemente, mudanças no processo de formação profissional em saúde
também são necessárias, o que implica na continuidade das discussões sobre o
referido tema com a qual esse trabalho também pretende contribuir.
33
CAPÍTULO 2:
Formação e Desenvolvimento profissional frente às mudanças no modelo
assistencial em saúde: implicações para a Psicologia
Esse capítulo aborda as mudanças ocorridas na graduação em saúde a partir
da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996) e da
homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação
em Saúde (PORTAL MEC): “a partir de demanda da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, as carreiras da área de saúde discutiram diretrizes curriculares para
vigorarem em todo território nacional” (MOTTA & AGUIAR, 2007, p. 369).
O capítulo contempla também as mudanças que vêm sendo paulatinamente
implementadas no ensino de Psicologia através da elaboração das DCNP (BRASIL,
2004) e apresenta as competências e habilidades gerais, definidas pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN), no sentido de problematizar as competências e
habilidades (gerais) que devem ser desenvolvidas pelos psicólogos em qualquer
esfera de intervenção.
Finaliza-se o capítulo apresentando as principais idéias defendidas pela
Política Nacional de Educação Permanente (BRASIL, 2004) a partir da compreensão
dessa política como potente estratégia clínica para a discussão do processo de
trabalho e de aprimoramento e desenvolvimento profissional nos serviços públicos
de saúde.
2.1. Mudanças na Graduação em Saúde: A Lei de Diretrizes e Bases da Educação e
as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Saúde
Diante da necessidade de implementação de uma política de RH para a
saúde, alinhada com os princípios do SUS e, por conseguinte, de mudanças no
processo de formação profissional em saúde, o tema da formação profissional na
34
área da saúde tem sido bastante enfatizado nos últimos anos. A oferta de RH que
atendam às necessidades do SUS é escassa e se apresenta como um dos maiores
obstáculos ao desenvolvimento do sistema. Segundo Oliveira et. al. (2008):
não se trata mais de formar pessoal competente tecnicamente,
mas profissionais que tenham vivência sobre o acesso
universal, a qualidade e humanização na Atenção à Saúde,
com Controle Social, o que significa dizer integração efetiva e
permanente entre formação médica e serviços de saúde. (p.
334)
A partir de 1996, com a implementação da nova LDB (Lei nº 9.394) da
Educação, o arranjo disciplinar do currículo mínimo é revisto e a perspectiva das
DCN para os Cursos de Graduação em Saúde começa a vigorar. Ceccim &
Feuerwerker (2004a) salientam o destaque à problemática social e regional:
a educação superior deve ter entre suas finalidades o estímulo
ao conhecimento dos problemas do mundo atual, destacando,
em particular, os problemas nacionais e regionais, prestando
serviços especializados à população e estabelecendo com a
mesma uma relação de reciprocidade. (p. 1403)
Além disso, não é mais o curso de graduação a única matriz da formação
profissional. Fortalece-se o debate sobre a formação continuada e permanente.
Como afirmam Ceccim e Carvalho (2005):
não se pode seguir supondo que competências profissionais,
numa sociedade em permanentes e aceleradas
transformações, possam ser asseguradas pela transmissão de
conteúdos e pelo treinamento supervisionado; e não se admite
mais que um título justifique autonomia técnico-científica sem
atualização contínua ou educação permanente (p. 76).
No intuito de promover mudanças na graduação em saúde, a partir do ano
2001, os Ministérios da Saúde e da Educação têm formulado algumas políticas
conjuntas, tais como: o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos
de Medicina (PROMED), o VER-SUS, que se constitui como uma estratégia de
vivência no SUS para estudantes dos cursos de saúde, e, no final de 2005, o
35
Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-
Saúde) (OLIVEIRA et. al., 2008).
Apresentar cada política não é o intuito desse trabalho, mas cabe ressaltar o
fato de que, de acordo com a Constituição Federal (BRASIL,1988) e a Lei Orgânica
da Saúde (8.080/ 90) (BRASIL,1990), é da alçada do MS estimular e ordenar o
processo de formação dos trabalhadores em saúde (OLIVEIRA et. al., 2008). Na
concepção de Oliveira et. al. (2008), “para formar profissionais com o perfil que
atenda às necessidades do SUS, os cursos de saúde (incluindo os de medicina)
precisam adequar sua abordagem pedagógica, favorecer a articulação dos
conhecimentos e promover atividades práticas ao longo de todo o curso em todos os
tipos de unidades de saúde” (p. 334).
As DCN para os Cursos de Graduação em Saúde vêm contribuindo para as
mudanças no processo de formação (e nas práticas) dos profissionais que atuam na
área de saúde. Tais mudanças “estariam confluentes às prerrogativas de
reorientação do modelo assistencial brasileiro, o SUS, e pautadas na capacitação
profissional dirigida às necessidades sociais de saúde do País e que buscam a
construção da integralidade no cuidado e na atenção à saúde” (OLIVEIRA, 2008, p.
347).
Tradicionalmente, a graduação na área da saúde tende a não oferecer a
integração entre ensino, trabalho e cidadania, o que desfavorece a construção de
uma formação teórico-conceitual e metodológica que potencialize competências para
a integralidade, o enfrentamento das necessidades de saúde da população e o
desenvolvimento do sistema de saúde.
As DCN podem ajudar a reorientar os cursos de formação em saúde para a
integralidade do cuidado, o que implicará na ampliação dos referenciais com que
cada profissional de saúde trabalha, o que inclui reconhecer as limitações da ação
uniprofissional para dar conta das necessidades de saúde dos indivíduos e
populações.
A integralidade pode ser vista como um 'ideal regulador' no sentido de que
não se trata de impor um conceito ou um modelo para a atenção ou para a
formação, mas de que ela possa “estar para as práticas de saúde e de ensino da
saúde, assim como a objetividade está para a investigação científica, impossível de
36
ser plenamente atingida, mas uma busca de aproximação constante” (CECCIM &
FEUERWERKER, 2004a, p. 1406-1407). Assim, pode-se dizer que:
a integralidade pressupõe práticas de inovação em todos os
espaços de atenção à saúde, práticas em diferentes cenários
(todos aqueles em que se produção de saúde e do cuidado)
e práticas de análise crítica de contextos, problematizando
saberes e o desenvolvimento profissional no âmbito das
competências específicas de cada profissão. (CECCIM &
CARVALHO, 2005, p. 78)
Com a aprovação das DCN para os Cursos de Graduação em Saúde entre
2001 e 2004, foi acordado em âmbito nacional que a formação do profissional de
saúde deveria contemplar o sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe
e a atenção integral à saúde de acordo com os princípios do SUS (CECCIM &
FEUERWERKER, 2004a).
De modo geral, as DCN “indicaram um caminho, flexibilizando as regras para
a organização dos cursos e favorecendo a construção de maiores compromissos
das instituições de educação superior com o SUS” (PINHEIRO & CECCIM, 2005, p.
23). Dentre as reformas demandadas pelas DCN no âmbito da formação dos
profissionais da área da saúde encontra-se a necessidade de construção de projetos
pedagógicos que abordem uma formação interdisciplinar e coerente com a proposta
de trabalho multiprofissional de equipes considerando a complexidade da saúde em
âmbito individual e coletivo. Além disso, é necessário a construção de cenários de
ensino-aprendizagem mais diversificados e que articulem teoria e prática.
(OLIVEIRA, 2008)
Para além de uma preocupação com a consolidação do SUS, as DCN para os
Cursos de Graduação em Saúde corresponderam a um “esforço intelectual de
romper definitivamente com o paradigma biologicista, medicalizante,
hospitalocêntrico e procedimento-centrado, atendendo aos novos desafios da
contemporaneidade na produção de conhecimentos e na construção das profissões”
(PINHEIRO & CECCIM, 2005, p. 23) assim como ao esforço pela efetiva aplicação
da LDB (BRASIL, 1996).
Assim, as DCN apontam para mudanças na educação em saúde em prol das
37
práticas de cuidado, do trabalho em equipe, do compromisso com o SUS, o que
implica em ampliar o conceito de saúde, ter o conhecimento da realidade com a qual
se vai interagir e promover a aproximação entre as profissões e dessas com o SUS
no intuito de ampliar a intervenção sobre a saúde .
No caso da Psicologia, o fato das diretrizes terem sido tardiamente aprovadas
(somente em 2004), em relação às demais carreiras, sugere uma dificuldade dessa
profissão em situar-se consensualmente no campo da saúde. A partir da
homologação das DCNP (BRASIL, 2004), a formação em Psicologia adotou como
objetivo geral dotar o profissional de conhecimentos requeridos para o exercício de
competências e habilidades gerais (num total de seis) em consonância com as
demais carreiras da saúde.
A primeira competência, definida na 'alínea a' do Artigo 4 das DCNP,
denomina-se 'Atenção à Saúde' e diz respeito ao fato de que:
os profissionais devem estar aptos a desenvolver ações de
prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde
psicológica e psicossocial, tanto em nível individual quanto
coletivo, bem como a realizar seus serviços dentro dos mais
altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética.
(BRASIL, 2004, p. 205)
A segunda, definida na 'alínea b', denomina-se 'Tomada de decisões' e refere-
se ao fato de que “o trabalho dos profissionais deve estar fundamentado na
capacidade de avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas
em evidências científicas” (BRASIL, 2004, p. 205).
A terceira, definida na 'alínea c', é a 'Comunicação', para a qual os
profissionais devem ser acessíveis e devem manter os princípios éticos no uso das
informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o
público em geral” (BRASIL, 2004, p. 205).
A quarta, definida na 'alínea d', chama-se 'Liderança' e define-se pelo fato de
que “no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais deverão estar aptos a
assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da
comunidade” (BRASIL, 2004, p. 205).
A quinta, definida na 'alínea e', denomina-se
'Administração e gerenciamento', para a
38
qual:
os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o
gerenciamento e administração da força de trabalho, dos
recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma
que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores,
empregadores ou líderes nas equipes de trabalho. (BRASIL,
2004, p. 205)
A sexta e última competência, definida na 'alínea f', é a 'Educação
Permanente', que diz respeito ao fato de que:
os profissionais devem ser capazes de aprender
continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática, e
de ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e
o treinamento das futuras gerações de profissionais,
estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmica e
profissional, a formação e a cooperação através de redes
nacionais e internacionais. (BRASIL, 2004, p. 205)
Essas são as competências e habilidades gerais que todas as carreiras,
inclusive a Psicologia, devem (ou deveriam) transmitir aos graduandos. Porém, resta
saber se elas são compatíveis às exigidas pela prática profissional do psicólogo, por
exemplo, nos serviços públicos de saúde, e se de fato têm sido desenvolvidas e
desempenhadas pelos psicólogos no contexto do SUS, o que talvez ajudaria na
minimização do descompasso existente entre a formação e a prática profissional do
psicólogo. Estas competências gerais serão utilizadas na análise de dados para
organizar o material obtido nas entrevistas com psicólogos atuantes na rede do SUS
do Município do Rio de Janeiro.
Assim, mais do que discussões no âmbito das competências e habilidades
gerais estipuladas pelas DCNP, destaca-se a importância da instituição de uma
política para a mudança, a qual tem que necessariamente:
ser capaz de ir além das declarações de intenção e da
existência formal de propostas, instâncias ou estruturas. Tem
de ser capaz de convocar o pensamento crítico e o
compromisso de todos os atores (docentes, estudantes,
39
gestores de saúde e de educação, conselheiros de saúde e
movimentos sociais), além de oferecer possibilidades de
interferência real no processo de formação profissional.
(CECCIM & FEUERWERKER, 2004a, p. 1405)
2.2. A formação tradicional e o desenvolvimento profissional frente às mudanças no
modelo assistencial em saúde
A formação de profissionais de saúde, orientada pelo modelo biomédico, tem
sido analisada como desvinculada do contexto de vida da população brasileira. São
produzidos saberes que não revelam ou transformam a realidade social, saberes
fragmentados, desatualizados e que não atendem, de forma minimamente aceitável,
as necessidades de uma sociedade em transformação (KODJAOGLANIAN et. al.,
2003; VILELA & MENDES, 2003). Como colocado pela cartilha AprenderSUS da
SGTES:
as instituições formadoras têm perpetuado modelos os mais
conservadores, centrados na fisiopatologia ou na anátomo-
clínica, dependentes de procedimentos e de equipamentos de
apoio diagnóstico e terapêutico e limitados à exposição às
aprendizagens do hospital universitário. (BRASIL, 2004b, p.
03).
As mudanças do modelo assistencial em saúde têm exigido, portanto, a
urgência de novos recursos humanos em saúde e têm demandado transformações
na área da educação na direção de uma transição da concepção tradicional de
educação calcada na pedagogia da transmissão, centrada no professor e
desvinculada da realidade para uma concepção crítico e reflexiva da educação,
que busca a articulação entre teoria e prática, a participação ativa do estudante e a
problematização da realidade (VILELA & MENDES, 2003).
Partindo do pressuposto de que os campos de práticas e de formação não se
dissociam, e que um se oferece ao outro como território de possibilidades, revela-se
40
de suma importância a aproximação, desde a formação inicial, das práticas dos
profissionais às necessidades de saúde da população assim como a preocupação
com a contribuição para a autonomia dos sujeitos e para a capacidade de
intervenção sobre suas próprias vidas (BRASIL, 2004b). Esta aproximação
demanda a formulação de políticas públicas do setor da saúde em permanente
diálogo com políticas do setor da educação em prol da mudança no processo
formativo (CECCIM & FEUERWERKER, 2004a). Segundo o documento
AprenderSUS:
A formação não pode tomar como referência apenas a busca
eficiente de evidências ao diagnóstico, cuidado, tratamento,
prognóstico, etiologia e profilaxia das doenças e agravos, mas
a busca do desenvolvimento de condições de atendimento às
necessidades de saúde das pessoas e das populações, da
gestão setorial e do controle social em saúde (...). (BRASIL,
2004b, p. 04)
Assim, a formação para a saúde deve “estruturar-se a partir da
problematização do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e
cuidado às várias dimensões e necessidades em saúde das pessoas, dos coletivos
e das populações”, alcançada a partir da noção de integralidade, e ter como metas
“a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho”
(BRASIL, 2004b, p. 04).
Conforme colocado pelo AprenderSUS, o objetivo da política proposta pelo
MS para a mudança na formação dos profissionais de saúde no âmbito do ensino de
graduação é a integralidade, a qual demanda:
a implementação clara e precisa de uma formação para as
competências gerais necessárias a todos os profissionais de
saúde, tendo em vista uma prática de qualidade, qualquer que
seja o local e área de atuação, uma formação que desenvolva
a capacidade de análise crítica de contextos, que problematize
os saberes e as práticas vigentes e que ative processos de
educação permanente no desenvolvimento das competências
específicas de cada trabalho. (BRASIL, 2004b, p. 05)
41
Avanços observáveis no aprimoramento da formação em Psicologia para as
práticas na rede pública de saúde ainda são escassos e discussões sobre a
formação profissional do psicólogo articulada ao campo da Saúde brasileira ainda
são recentes. Assim, a investigação das características e do contexto dos cenários
de práticas dos psicólogos na rede básica dos serviços públicos de saúde aparece
atualmente como uma tarefa urgente e necessária tendo em vista a inserção ainda
recente, porém crescente, desta categoria profissional nos quadros de RH da rede
pública (TRINDADE & TEIXEIRA, 1998; DIMENSTEIN, 2003).
O descompasso entre a formação profissional tradicional do psicólogo e a sua
prática profissional tende a dificultar a atuação na rede pública de saúde. Vários
estudos (BOCK 1999; DIMENSTEIN, 1998, 1998a, 2000, 2001, 2003; JACÓ-
VILELA, 1996; JESUS, 2005; LO BIANCO et. al., 1994; SPINK, 1992, 2007; LIMA,
2005) apontam para a inadequação e transposição indevida da formação tradicional
do psicólogo ao exercício da prática nos serviços públicos de saúde. No que diz
respeito a atuação do psicólogo na rede básica de saúde no Brasil, Dimenstein
afirma que:
La precaria formación del psicólogo para actuar en las UBS
determina tanto la falta de definición de sus funciones en la red
básica de salud como el predominio de actividades picas del
modelo clásico de la psicología clínica liberal y privada en los
puestos, centros y ambulatorios, la cual no toma en cuenta los
objetivos de los mismos ni las demandas de la población.
(2003, p. 341)
Ocorre, por exemplo, uma transferência de elementos que fundamentam a
assistência psicoterápica individual, transmitida pelo processo de formação, para
vários âmbitos da assistência à saúde. Esta assistência psicoterápica individual se
caracterizaria por aspectos como: (1) ênfase na utilização de técnicas psicoterápicas
e estabelecimento de psicodiagnóstico para orientar a oferta de terapia individual ou
grupal; (2) percepção do sujeito como a-histórico e abstrato, desvinculado do seu
contexto social, ou seja, ênfase na dimensão intra-individual, evidenciando os
processos psicológicos e psicopatológicos, separados da família e da comunidade;
(3) maior familiaridade e identificação do profissional com a clientela proveniente de
42
segmentos sociais mais abastados; (4) embasamento em teorias essencialistas e
universalistas em relação aos modelos de mulher, família, casamento e
representações sociais de sofrimento psíquico, corpo e sexualidade, por exemplo
(DIMENSTEIN, 1998; LIMA, 2005; JESUS, 2005; LO BIANCO et. al., 1994).
Assim, mediante o descompasso existente entre teoria, contexto social e
prática profissional do psicólogo no que tange a sua atuação em serviços públicos
de saúde, a Psicologia encontra-se diante de uma série de questões político-sociais
que perpassam o fazer psicológico e apontam para o caráter alienante das práticas
tradicionais. A própria função da Psicologia passa a ser problematizada, emergindo a
questão de como superar a aplicação de teorias e técnicas importadas, previamente
incorporadas mediante uma falsa universalidade, de modo a inferir a real
necessidade da população brasileira (ANDRADE & MORATO, 2004; DIMENSTEIN,
1998).
Os psicólogos ainda são percebidos, por parte da população, como aqueles a
quem se recorre quando outras instâncias e alternativas 'falharam'. Além disso, a
profissão de psicólogo possui o caráter de normatização e controle de
comportamentos 'desviantes'. Nas palavras de Paparelli & Nogueira-Martins (2007),
desde a sua instituição e legalização enquanto profissão,
a Psicologia da norma era indicada aos desviantes;
posteriormente, em decorrência do processo de
desospitalização, insere-se nas unidades de saúde através dos
ambulatórios de saúde mental e hospitais psiquiátricos, numa
ação mais curativa e profundamente vinculada à psiquiatria,
pela falta de uma identidade e definição do papel social do
psicólogo. ( p. 70)
Apesar do psicólogo ser requisitado a atuar em serviços de atenção básica,
sua presença em instituições públicas de saúde ocorre, predominantemente, em
serviços especializados de assistência psiquiátrica. Esta restrição sugere uma
apropriação, ainda vigente, do papel do profissional de Psicologia como cuidador da
mente, e reforça a dicotomia mente-corpo, característica do modelo biomédico
6
6
Na concepção de Engel (1977): “the biomedical model embraces both reductionism,
the philosophic view that complex phenomena are ultimately derived from a single primary
principle, and mind-body dualism, the doctrine that separates the mental from the somatic.
43
(ENGEL, 1977). Ao indicar a interpretação dos sinais e sintomas em termos de
patologia física como norte da prática, o modelo biomédico dificulta a interpretação
das desordens mentais e separa o sofrimento físico do psíquico (AGUIAR, 1997). Na
lógica do modelo biomédico, a Medicina ficaria responsável pelo silenciamento dos
órgãos, a partir da inibição dos sintomas, e a Psicologia pela mudança de
comportamento, a partir do cuidado com a mente.
Para investigar como a Psicologia pode contribuir e contribui para o bem-estar
e a qualidade de vida das pessoas superando os limites do modelo biomédico é
interessante analisar as conseqüências das dicotomias estruturantes da formação e
da prática na qual destaca-se a maior atenção dada aos aspectos biológicos em
detrimento dos mentais, sociais ou culturais no tratamento da saúde do ser humano.
Paparelli & Nogueira-Martins (2007) compreendem que:
É função do psicólogo humanizar sua prática, desfazer sua
imagem estereotipada, esclarecer e divulgar seu trabalho e,
com isso, favorecer o rompimento do preconceito. Da mesma
forma, é sua função desmitificar a doença mental e ampliar a
visão da saúde mental. Para isso, o psicólogo que buscar
sanar suas deficiências teóricas e técnicas na atuação e prática
diária do profissional, repensando-as. (p. 77)
Emergem possibilidades de modelos alternativos ao modelo biomédico, tais
como o 'biopsicossocial' (ENGEL, 1977) e o 'hermenêutico-cultural' (GOOD &
GOOD, 1981 apud AGUIAR, 1997), que trabalham com a perspectiva interdisciplinar,
não se restringem ao tratamento da doença e dos sintomas e levam em conta as
relações entre os profissionais e a cultura dos clientes para a compreensão da
doença, do sofrimento e do sujeito em seu contexto. O surgimento desses modelos
aponta, portanto, para a superação do processo de formação tradicional, alinhado ao
modelo biomédico, que visa mudança de comportamento e o controle dos fatores de
riscos, para incluir iniciativas de ampliação da autonomia dos sujeitos.
Uma abordagem sócio-ambiental para a atenção e promoção da saúde
incorporaria, portanto, o contexto sócio-econômico na definição de saúde e de seus
determinantes, evitando restringir-se ao objetivo de mudança individual do
(p. 130).
44
comportamento como solução para a desordem (física e/ou mental) apresentada.
(ROBERTSON & MINKLER, 1994; LABONTE & ROBERTSON, 1996 apud AGUIAR,
1997)
Escóssia & Mangueira (2005) também trazem à discussão o potencial papel
da Psicologia na sociedade. Abordam o equívoco da Psicologia, enquanto saber e
prática, ao distanciar-se do contexto político-institucional em que se estabelece e do
debate da Saúde. Na perspectiva desses autores, existem dois dilemas colocados
para a Psicologia: (1) a necessidade de desnaturalização do sujeito, que deve ser
tomado como histórico e mutável; (2) a importância da Psicologia sair da posição
normatizadora do social, parte de uma trama de saberes e poderes que controlam e
disciplinam os corpos individuais e coletivos.
A desnaturalização do sujeito e a politização da psicologia, se
por um lado, desestabiliza o campo psi – afastando a psicologia
do almejado e cômodo lugar da neutralidade científica e
colocando-a como exercício simultâneo de saber e poder, por
outro lado, abre uma nova possibilidade de reconfiguração
desse campo. Possibilita a emergência de práticas que tomam
o caráter histórico, contingente, inacabado e múltiplo do sujeito
como potência afirmadora e engendradora de novos modos de
existência. (ESCÓSSIA & MANGUEIRA, 2005, p. 94)
Diversas profissões, e dentre elas a Psicologia, têm voltado sua atenção e
sendo requisitadas para a expansão desse novo 'mercado' mais identificado com a
racionalidade da Saúde e aos ideais de democratização do acesso à saúde. Assim,
tornam-se cada vez mais inconcebíveis equipes de saúde sem a inclusão de
terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas e técnicos nas
diversas áreas de saúde. A saúde incorpora novas áreas do conhecimento,
requisitando, frequentemente, a presença na sua equipe de trabalho de profissionais
de áreas até então inimagináveis na saúde, como, por exemplo, a engenharia, o
serviço social, a economia, a sociologia, a arquitetura e a pedagogia (MACHADO,
2005, p. 261). A multidisciplinaridade exige a construção de um trabalho conjunto e
de trocas que envolve
uma ampliação dos objetos de intervenção, extrapolando as
45
noções clássicas de prevenção e atenção primária e passando
a pautar-se, também, por conceitos como promoção à saúde e
qualidade de vida. Extrapola, ainda, a inserção institucional em
serviços de atenção à saúde, pois é prática compatível com a
ação em comunidades e em outros espaços de sociabilidade
que algumas vertentes da Psicologia transitam há muito tempo.
(SPINK & MATTA, 2007, p. 43)
A implementação de um novo paradigma em saúde, que inclui a construção
de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar, pode resgatar reflexões produzidas
pelo movimento de Reforma Psiquiátrica, onde a constituição de equipes aparece
como requisitos da mudança da organização dos serviços e da assistência
substitutiva ao modelo manicomial. Embora o foco do presente estudo não seja o
modelo assistencial nos serviços de Psiquiatria, dadas as afinidades entre aspectos
da Reforma Psiquiátrica e da Reforma Sanitária como, por exemplo, a construção de
uma equipe multiprofissional, a exploração de alguns aspectos de tal movimento e a
inclusão na análise da atuação dos psicólogos nos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) se faz necessária no Município do Rio de Janeiro.
Schmid et. al. (1999) apontam três passos para a construção de uma prática
interdisciplinar: (1) o compromisso do profissional com uma visão dialética que
permita a transformação de si mesmo à medida que transforma a sua prática; (2) a
consolidação de uma prática em equipe que busque a integração e a distribuição de
poder e (3) a flexibilização de papéis, a superação dos especialismos e o
acompanhamento do dinamismo da prática.
Isto demanda avançar na formulação de políticas de saúde e de educação
que incentivem a formação e a organização de equipes de saúde voltadas para a
reorientação do modelo assistencial, tradicionalmente centrado no hospital e no
pronto-atendimento. A extensão da cobertura na atenção básica deve incluir ações
de promoção, prevenção e acolhimento da população para além das unidades de
saúde (SPINK & MATTA, 2007). Esse movimento de organização de equipes de
saúde foi produzido por basicamente duas razões: (1) pela necessidade de
superação do modelo biomédico, com a construção de equipes multidisciplinares e a
inserção de várias outras especialidades em saúde e (2) pela necessidade de
46
ultrapassar o modelo de assistência individual à saúde. Desse modo:
a bipolaridade 'médicos/ atendentes de enfermagem', situação
vigente durante décadas, que somava mais de 80% da força de
trabalho, tende a se modificar rapidamente. O trabalho em
saúde tem sido desenvolvido e ampliado atualmente por meio
de equipes multiprofissionais e multidisciplinares, requerendo
cada vez mais a incorporação de novos profissionais. A
centralidade médica deu lugar à centralidade da
interdisciplinaridade, evocando profissões a atuarem em áreas
nunca imagináveis. (MACHADO, 2005, p. 271)
Assim, analisando o processo de formação do psicólogo, que se articula com
a efetivação de uma prática, pode-se dizer, por exemplo, que o mesmo não
contempla a reflexão sobre o trabalho em equipe multiprofissional presente no 'novo'
cenário de prática, reforçando o trabalho individualizado do mesmo, o que, além de
contrastar com a prática do cotidiano, estreita a visão do profissional para o que tão
somente diz respeito ao psicopatológico, ao mental em detrimento dos vários outros
aspectos que dizem respeito às relações intra-equipe.
Essa característica da formação tende a reforçar a solicitação do psicólogo na
equipe em situações habituais, de ‘desequilíbrio’ emocional, por exemplo, das quais
os demais profissionais se desincumbem, ou seja, de lidar com pacientes 'nervosos',
chorosos, enlutados, poliqueixosos, etc. Essa postura seria justamente reflexo da
adoção da perspectiva do modelo biomédico de atenção ao sinal ou sintoma, no
intuito de promover a mudança de comportamento, desconsiderando o contexto no
qual o sujeito se insere, o que permitiria uma compreensão mais adequada do
significado do fenômeno que se apresenta.
Para além de repensar a organização curricular do curso de Psicologia, a
seleção de conteúdos, a inclusão e/ou exclusão de disciplinas (o que também se faz
necessário), é preciso refletir sobre as relações entre a Psicologia enquanto campo
de saber teórico-prático e os psicólogos, enquanto trabalhadores, com a rede do
SUS, engajados em práticas em Saúde, com ênfase na atenção básica municipal em
virtude da expansão da municipalização da gestão da rede básica.
Sugere-se que algumas ações devem ser colocadas em pauta no que diz
47
respeito à formação do profissional de Psicologia de modo que a sua relação com a
prática se modifique. Dentre elas, destacam-se: a necessidade de inserção no
currículo de Psicologia de conteúdos da Saúde e do SUS, a ampliação do estágio na
rede pública como forma de propiciar o contato do graduando com outras realidades
além da realizada no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) e a criação de situações
que estimulem o trabalho multiprofissional, facilitando o trabalho em equipe e a troca
de saberes em direção a uma linguagem aberta e de troca com outros profissionais.
(DCNP, 2004; LIMA, 2005)
Para tal, é preciso ampliar, dentro da própria categoria de psicólogos, o
número de profissionais que façam da sua prática uma micropolítica, ou seja, que se
indaguem um pouco mais sobre o que têm construído e os reflexos de suas ações
na vida das pessoas, promovendo mudanças quando for preciso:
Hoje é necessário que a formação do psicólogo seja geradora
de um perfil que lhe possibilite ver o fenômeno psicológico na
sua interdependência com o contexto sócio-cultural, atuar em
equipes multidisciplinares, estar engajado nos movimentos de
transformação social, gerando conhecimento e tecnologias
apropriadas à realidade em que atua. (CALAIS & PACHECO,
2001, p. 14)
Por outro lado, não se pode desconsiderar as dificuldades enfrentadas por
essa categoria profissional nos serviços públicos de saúde, as quais também se
colocam como limites ao desenvolvimento profissional do psicólogo na rede pública.
De acordo com Dimenstein, são algumas dessas dificuldades fatores como: “la
degradación del salario, la inoperancia de los equipos de salud, la precariedad de la
estructura física y la falta de aporte de material y apoyo por parte de la dirección de
las instituciones de salud”, os quais “asumen proporciones tan importantes que
terminan por conformar prácticas movidas por la ley del “menor esfuerzo posible”,
sin compromiso con un proyecto más amplio de rescate de la ciudadanía, es decir,
con prácticas más solidarias y éticamente humanas (2003, p. 342).
A intenção desta reflexão o é a de responsabilizar os psicólogos pelos
fracassos dos serviços públicos de saúde no atendimento das necessidades da
população, mas de apontar para o fato de que algumas características da formação
48
tradicional em Psicologia (base em teorias essencialistas e universalistas,
valorização do psicólogo como profissional liberal) trazem consigo uma certa
maneira de ver e pensar que dão origem a uma cultura profissional inadequada para
atuação na rede pública de saúde.
A prática na rede de saúde exige do profissional de saúde o desenvolvimento
de competências gerais colocadas, por exemplo, nas DCNP, pouco estimuladas no
currículo tradicional, eminentemente teórico e voltado para a atenção individual. Tais
competências extrapolam a assistência psicoterápica individual e podem auxiliar o
processo de desenvolvimento profissional do psicólogo e no modo de lidar com os
desafios impostos à sua prática na rede pública.
Desse modo, partindo da atuação real dos psicólogos em serviços públicos de
saúde, o estudo investigou as percepções que estes fazem acerca da contribuição
da formação profissional para a atuação em serviços públicos de saúde e os
desafios colocados à prática na rede básica de saúde do Município do Rio de
Janeiro.
Refletir acerca de uma prática como, por exemplo, a de psicólogos na rede
municipal de saúde do Rio de Janeiro, inclui refletir a respeito dos desafios que
estão sendo gerados e geridos no exercício dessas práticas, bem como o modo
como os envolvidos lidam com eles cotidianamente.
Pressupõe-se que reflexões como esta possam auxiliar o processo de
inserção do psicólogo, em formação e formado, na rede pública de saúde,
clarificando a sua atuação para a sociedade como um todo e, principalmente,
colocando-o como protagonista de sua própria história na medida em que visa
contribuir para a construção crítica de sua formação e prática profissionais.
Uma questão importante para o processo de formação do psicólogo e que
contribui para a reflexão sobre a inserção e a prática deste profissional na rede
pública de saúde diz respeito à proposta de Educação Permanente em saúde, cujas
principais idéias serão apresentadas a seguir.
49
2.3. A Formação em serviço: a proposta da Educação Permanente em saúde
Uma temática de suma importância para a reflexão acerca da organização do
processo de trabalho em saúde é a proposta da Educação Permanente. A Política
Nacional de Educação Permanente em Saúde
7
dispõe sobre as novas diretrizes e
estratégias para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em
Saúde. Esta Política visa considerar as especificidades regionais, a superação das
desigualdades regionais, as necessidades de formação e desenvolvimento
profissional em saúde e promover a oferta de ações formais de educação em saúde,
estimulando mudanças em cursos técnicos, de graduação e pós-graduação de
acordo com as necessidades do SUS (BRASIL, 2004).
A Educação Permanente (EP) pode ser definida como aprendizagem-trabalho
na medida em que o aprender e o ensinar incorporam-se ao cotidiano das
organizações e ao trabalho: “Educar “no” e “para o” trabalho é o pressuposto da
proposta de Educação Permanente em Saúde” (FRANCO, 2007, p. 433). Como
afirma Ceccim (2005b), a produção da Política Nacional de Educação Permanente
“representou o esforço de cumprir uma das mais nobres metas formuladas pela
saúde no Brasil: tornar a rede pública de saúde uma rede de ensino-aprendizagem
no exercício do trabalho” (CECCIM, 2005b, p. 976).
Ao colocar a EP em Saúde na ordem do dia para o SUS, colocou-se em
evidência o trabalho em saúde, ou seja, um trabalho que requer:
trabalhadores que aprendam a aprender; práticas cuidadoras;
intensa permeabilidade ao controle social; compromissos de
gestão com a integralidade; desenvolvimento de si, dos
coletivos, institucional e político da saúde, além da implicação
com as práticas concretas de cuidado às pessoas e às
coletividades, no ensino e na produção de conhecimento.
(CECCIM, 2005b, p. 979)
7
Foi instituída pela
Portaria GM/MS 198, em
2004 (BRASIL, 2004a), e alterada,
em 2007, pela
Portaria GM/MS nº 1.996.
50
Nesse sentido, colocou-se em debate a formação e o desenvolvimento
profissional com o objetivo de gerar atores comprometidos com a realização de
práticas adequadas às necessidades da população, ou seja, “profissionais que
tenham compromisso com um objeto e com a sua transformação” (CECCIM, 2005b,
p. 979).
A EP em Saúde tem como objetivo principal a transformação das práticas
profissionais e da própria organização do trabalho a partir do enfrentamento de
desafios cotidianos e da problematização do processo de trabalho, levando em conta
os conhecimentos e as experiências que as pessoas possuem. Porém, a
transformação das práticas de saúde assim como a concretização da integralidade e
da intersetorialidade são difíceis, pois envolvem pensamentos, saberes e práticas
no ensino, na gestão, no controle social e na atuação profissional” (CECCIM, 2005b,
p. 983).
Por um lado, os gestores do SUS que pretendem transformar as práticas
argumentam que é difícil porque os profissionais de saúde chegam no SUS com
formação inadequada devido ao não compromisso das Universidades com o SUS.
Por outro, os docentes e as Universidades que querem mudar a formação dizem que
as unidades de saúde não praticam a integralidade e são difíceis campos de prática.
Segundo Ceccim (2005b), “as duas reclamações são verdadeiras: por isso é que a
transformação das práticas de saúde e a transformação da formação profissional em
saúde têm de ser produzidas em conjunto. Por mais trabalhoso que isto seja”
(CECCIM, 2005b, p. 984).
A EP contempla ações em diversos cenários do SUS, desde aqueles mais
relacionados à esfera da gestão aos mais relacionados ao âmbito assistencial
(FRANCO, 2007).
Apesar de também ocorrer após o período da graduação, a EP se diferencia
da Educação continuada (realização de cursos e participação em congressos após a
graduação), pois utiliza uma metodologia
voltada “para agregar novo conhecimento
às equipes e torná-las protagonistas dos processos produtivos na saúde” (FRANCO,
2007, p. 436), reconhecendo
“o potencial educativo dos espaços de trabalho e a
indissociabilidade entre a gestão do trabalho e a gestão do conhecimento”
(ARAÚJO, MIRANDA & BRASIL, 2007, p. 26). Assim, na EP, o processo educativo
51
põe em análise o cotidiano do trabalho e o SUS como “interlocutor nato das
instituições formadoras na formulação e implementação dos projetos político-
pedagógicos de formação profissional e não apenas como mero campo de estágio
ou aprendizagem prática” (ARAÚJO, MIRANDA & BRASIL, 2007, p. 26).
A proposta de EP em Saúde tem como premissa central, sintonizada com a
integração ensino-serviço, o fato de que “a formação e o desenvolvimento devem
ocorrer de modo descentralizado, ascendente e transdisciplinar, ou seja, em todos
os locais, envolvendo vários saberes” (ALBUQUERQUE et. al., 2008, p. 361).
Espera-se que os espaços de trabalho sejam democratizados, que todos os atores
envolvidos tenham capacidades similares de aprender e de ensinar, que todos sejam
capazes de buscar soluções criativas para os problemas enfrentados, que o trabalho
seja desenvolvido em equipe, que a qualidade do cuidado à saúde melhore e que os
atendimentos sejam realizados de modo humanizado.
Ceccim e Feuerwerker (2004b) elegem alguns elementos analisadores para
se pensar a EP em Saúde, os quais compõem o denominado quadrilátero da
formação. São eles: (1) a análise da educação dos profissionais de saúde; (2) a
análise das práticas de atenção à saúde; (3) a análise da gestão setorial e (4) a
análise da organização social.
A análise da educação dos profissionais de saúde visa promover a mudança
da concepção hegemônica tradicional do ensino (biologicista, mecanicista, centrada
no professor e na transmissão de conhecimentos) para uma concepção
construtivista calcada no interacionismo e na problematização das práticas e
saberes (CECCIM, 2005a).
A análise das práticas de atenção à saúde tem como meta a construção de
novas práticas de saúde a partir da ótica da integralidade e da humanização das
ações em saúde assim como a partir da inclusão da participação dos usuários no
planejamento terapêutico (CECCIM, 2005a).
A análise da gestão setorial tem como intuito a configuração de modo criativo
e original da rede de serviços de forma a garantir a atenção às necessidades em
saúde da população de modo satisfatório (CECCIM, 2005a).
Por fim, a análise da organização social visa verificar a presença de
movimentos sociais, garantindo a visão ampliada das lutas por saúde e o
52
atendimento às necessidades sociais por saúde (CECCIM, 2005a).
Assim, a expectativa atual é a de que a EP dos trabalhadores em saúde seja
uma das principais ferramentas para a promoção de processos de mudança no SUS,
“especialmente nas formas de produção do cuidado, com base na reorganização do
processo de trabalho” (FRANCO, 2007, p. 436).
Esta inovação, como será apresentado nos resultados, vem acrescentando
elementos fundamentais para o desenvolvimento da formação em serviço e para a
discussão do processo de trabalho dos psicólogos na rede municipal de saúde do
Rio de Janeiro.
53
CAPÍTULO 3:
JUSTIFICATIVA
Em busca do alcance da integralidade em saúde, o SUS tem cada vez mais
aberto novas oportunidades para categorias profissionais na rede como, por
exemplo, para os psicólogos (LIMA, 2005). Tendo em vista o número de vagas em
editais de concursos anteriores da SMS/RJ (1999, 2003 e 2008), desde o ano de
1999, o Município do Rio de Janeiro tem demandado um número crescente de
psicólogos no quadro de profissionais.
Essa demanda crescente relaciona-se ao contexto político-institucional
vivenciado pelo Município, pioneiro no processo de desinstitucionalização de
pacientes de longa permanência internados em hospitais psiquiátricos iniciado na
década de 90 (REIS, 1996; DELGADO, GOMES & COUTINHO, 2001). Tal processo
demandou (e ainda demanda) um esforço dos profissionais de Saúde Mental, e
dentre eles os psicólogos, para impedir que haja um retrocesso nesse processo de
mudança.
É uma luta constante a dos profissionais de Saúde Mental para manter a
assistência de pacientes graves (neuróticos e psicóticos) em unidades básicas de
saúde. Os CAPS são as instâncias específicas para tais casos, porém, pacientes
que estejam em condições de serem atendidos “fora” do CAPS, podem ser
assistidos nos ambulatórios, o que vem exigindo uma reorganização do processo de
trabalho por parte dos psicólogos e um suporte estratégico para administrar as
demandas da rede (DELGADO, GOMES & COUTINHO, 2001). Conseqüentemente,
novas práticas se impõem ao repertório de atividades exercidas pelos psicólogos na
rede pública de saúde, as quais tendem a extrapolar a assistência psicoterápica
individual, principal produto da formação profissional (DIMENSTEIN, 1998, 1998a,
2000, 2001, 2003).
Estudar as práticas dos psicólogos na rede municipal de saúde do Rio de
Janeiro se justifica pela necessidade de avançar na discussão da organização do
54
processo de trabalho no Município. As novas exigências colocam em evidência
também o posicionamento dos órgãos formadores e trazem à cena uma insuficiência
dos cursos de graduação em Psicologia para preparar o psicólogo para o SUS
(DIMENSTEIN, 1998, 1998a, 2000, 2001, 2003; JACÓ-VILELA, 1996; LIMA, 2005),
o que demanda também ser constantemente problematizado.
O mapeamento do que acontece na rede pública de saúde hoje remete a
contradições entre a formação tradicional em Psicologia e as necessidades de
saúde da população. Emerge a importância de investigar como a prática dos
psicólogos vem extrapolando a assistência psicoterápica individual e contribuindo
para a reorientação do modelo assistencial do SUS (assistência coletiva, promoção,
prevenção e qualidade de vida, gestão dos serviços, trabalho em
equipe)(DIMENSTEIN, 1998, 1998a, 2000, 2001; LIMA, 2005; SPINK, 2007).
Como coloca Ramos (2005), a exigência de novas competências para os
trabalhadores em saúde revela um paradoxo que “exige compreender os sujeitos
como produtores de conhecimento e não somente de condutas demonstráveis às
quais se denominam de competências” (p. 220). A capacidade de (re) invenção da
prática exige a superação da lógica tecnicista, que enfatiza o saber e o saber-fazer
em detrimento, muitas vezes, do saber-ser (SORDI & BAGNATO, 1998).
O debate sobre a dicotomia teoria x prática no campo da saúde aponta para a
“desconstrução de esquemas de poder e modos de ver [dando origem a] novas
formas de entender e fazer” (JACÓ-VILELA, 1996, p. 157), apontando para o desafio
que os profissionais de saúde se desapeguem da posição de quem sabe tudo,
dando espaço à alteridade, permitindo que o outro se reconheça como capaz de
enunciar a que veio e do que necessita, valorizando sua realidade contextual.
Porém, na prática diária predominam as iniciativas no sentido de objetivar a doença,
descolando-a do sujeito doente, ou seja, cala-se o doente, eximindo-o da
possibilidade de expor o seu saber sobre o seu corpo, sua doença, sua vida
(PINHEIRO et. al., 2005).
Campos & Guarido (2007) apontam, por exemplo, na direção da necessidade
de construção de uma 'clínica ampliada' que leve em conta toda a interação, o
conflito e o convívio e todo o contexto do paciente, mobilizando-se na busca de
resultados no entorno social em que ele vive, que promova também o contato do
55
psicólogo com o espaço social onde se localiza a sua unidade (escolas, empresas,
comunidades) e que tenha como foco o sujeito integral e não somente a atenção
integral, valendo-se de todos os recursos que a rede de serviços e a comunidade
podem oferecer.
Para investigar a atuação do psicólogo nos serviços públicos da rede básica
de saúde, compreender as possíveis articulações do processo de formação
profissional com a prática profissional e analisar os desafios enfrentados pelos
psicólogos no cotidiano de trabalho, o estudo utiliza como eixos temáticos: (1) a
convergência entre as Políticas Públicas de Saúde e de Educação Superior e (2) a
Integralidade do Cuidado.
A convergência entre as Políticas Públicas de Saúde e de Educação Superior
auxilia na compreensão do contexto de reorientação do modelo assistencial do SUS
e da conseqüente necessidade de formação de novos recursos humanos em saúde,
o que vêm exigindo também transformações na concepção de ensino em saúde dos
órgãos formadores. Compreende-se que as mudanças nas graduações em saúde e,
dentre elas, as ocorridas no ensino de Psicologia, vêm acontecendo, paulatinamente
e paralelamente, de acordo com as novas habilidades requeridas pelos cenários de
prática no SUS.
Somado a essas políticas públicas, que se considerar a importância do
princípio da Integralidade do Cuidado, defendido pelo SUS, que vem angariando
cada vez mais espaço na construção das práticas em saúde apesar de ainda se
constituir como uma luta diária dos militantes em saúde que defendem uma
assistência para além do modelo médico-curativo.
Implicado no objetivo de avançar nas discussões sobre os campos da
Educação e da Saúde, este estudo almeja contribuir para o debate a respeito do
desenvolvimento do processo de trabalho do psicólogo no SUS articulado com o
processo formativo recebido. Verifica-se a relevância sócio-política de discussões
como esta tendo em vista que reflexões semelhantes vêm alcançando repercussão
em âmbito nacional (DIMENSTEIN, 1998, 1998a, 2000, 2001, 2003; LIMA, 2005;
JESUS, 2005; JACÓ-VILELA, 1996; SPINK, 2007).
56
CAPÍTULO 4:
METODOLOGIA DE PESQUISA
O Município do Rio de Janeiro possuía, em 2000, uma área de 1.255.3 Km
2
e
abriga uma população de 5.857.904 de pessoas (RIO DE JANEIRO, 2009). O
Município divide-se em 05 (cinco) grandes Áreas de Planejamento (APs) que,
subdividindo-se, perfazem um total de 10 (dez) APs (ANEXO A), por onde
encontram-se distribuídos os seus 159 bairros (RIO DE JANEIRO, 2009).
As APs foram concebidas pelo Plano Urbanístico Básico da cidade em 1976
no intuito de aglomerar áreas geográficas que possuíssem características
semelhantes e, desse modo, promover a subdivisão da cidade. Vale dizer que a
população do Município se distribui de forma heterogênea entre as APs, sendo que
a AP5, localizada na Zona Oeste, uma das mais populosas (REIS, 1996).
O estudo teve como questão norteadora: Como é a prática profissional dos
psicólogos que atuam na rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro? A
escolha pelo Município do Rio de Janeiro se deu pelos seguintes fatores: (1) ser
uma cidade de grande extensão geográfica e que possui uma rede ampla de
serviços de saúde; (2) ser uma localidade que assiste grande quantitativo de
pessoas cotidianamente; (3) por ser um Município que passou por mudanças
significativas na assistência em Saúde Mental a partir da década de 90 devido ao
processo de Reforma Psiquiátrica e (4) por apresentar iniciativas de mudança do
modelo assistencial com ampliação da oferta de atenção básica, embora ainda
insuficiente.
Na década de 90, iniciou-se nesse extenso Município um processo de
transformação nos serviços e na formação de recursos humanos no âmbito da
Saúde Mental em decorrência da municipalização dos serviços e das ações em
saúde e das idéias defendidas pelo processo de Reforma Psiquiátrica. Do ponto de
vista epidemiológico, o Município possuía um universo muito grande de pessoas
institucionalizadas, de longa permanência, com grande concentração de leitos nos
57
hospitais. Nesse sentido, havia a necessidade de enfrentar esse problema, tornando
a rede apta a lidar com pacientes mais graves, partindo-se da premissa de que
mesmo os transtornos mais graves e persistentes, na sua grande maioria, poderiam
ser manejados e acompanhados na atenção básica. Desse modo, a Coordenação
de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro passou a buscar, desde então,
esse objetivo e definir o seu papel nesse cenário em mudança e nessa rede tão
complexa, o que vem se delineando até os dias atuais (REIS, 1996).
A pesquisa teve como cenários os serviços de Psicologia da rede básica de
saúde do Município do Rio de Janeiro, os Fóruns de Saúde Mental e as Supervisões
de Território na medida em que a atuação da Psicologia no Município acontece no
ciclo de trabalho aqui denominado Serviço-Supervisão-Fórum.
Nesse estudo, foram considerados como serviços de atenção básica os
Centros Municipais de Saúde (CMS), os Postos de Saúde (PS), os Postos de
Assistência Médica (PAM) e as Policlínicas. Os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) também foram incluídos na coleta e análise, entendendo que, nesses
serviços, que assistem uma parcela expressiva da população do Município do Rio de
Janeiro, os psicólogos vêm tentando desenvolver atividades de prevenção e
promoção à saúde, atuam junto à comunidade, trabalham em equipe
multiprofissional e participam da gestão do processo de trabalho, o que supera os
limites da assistência psicoterápica individual.
Os sujeitos da pesquisa foram: (1) os gestores; (2) os profissionais
participantes dos Fóruns de Saúde Mental e (3) os psicólogos das APs 5.1, 5.2 e
5.3, dos quais alguns foram selecionados para a etapa de entrevista individual.
O desenho do estudo é qualitativo e exploratório, incluindo trabalho de
campo, que utilizou como métodos de pesquisa: (a) observações (nos Fóruns de
Saúde Mental e Supervisões de Território); (b) entrevistas individuais com roteiros
semi-estruturados (com gestores e profissionais de Psicologia) (APÊNDICE A) e (c)
questionário de caracterização profissional (APÊNDICE B).
58
4.1. Operacionalização da coleta de dados
A pesquisa de campo teve duração de 06 (seis) meses. No total foram
realizadas 13 (treze) entrevistas com roteiros semi-estruturados e 10 (dez)
observações.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (CEP SMS/RJ), sob o protocolo
06/08, obtendo parecer favorável à realização da pesquisa pela Coordenação de
Saúde Mental (ANEXO B).
Após o aval do Comitê de Ética e Pesquisa da Prefeitura, realizou-se, num
primeiro momento, entrevista com o coordenador de Saúde Mental do Município.
Dada a necessidade de compreender o contexto geral de funcionamento e de
direcionamento do trabalho dos psicólogos do Setor de Saúde Mental do Município
do Rio de Janeiro nos anos recentes. Com esse intuito, buscou-se fazer um
levantamento sobre os seguintes aspectos: (1) perfil do direcionamento dos últimos
concursos para psicólogos na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro; (2) ações
que os psicólogos têm sido solicitados e/ou estimulados a realizar; (3) quantitativo de
psicólogos existentes em atuação na rede hoje e tipo de unidades onde são lotados;
(4) expectativas da Coordenação acerca da participação dos psicólogos na rede e
na atenção básica.
Essa entrevista inicial objetivava coletar dados que auxiliassem na delimitação
do campo de pesquisa e na identificação de quais seriam outros informantes-chave
que poderiam contribuir para a escolha de uma AP e dos psicólogos a serem
entrevistados individualmente. Nessa entrevista, realizada no mês de maio de 2008,
ficou claro que os Fóruns de Saúde Mental eram espaços estratégicos de diálogo
entre os profissionais, de produção de conhecimento e de construção do novo
modelo assistencial e que, portanto, deveriam ser observados.
De início, foram observados 04 (quatro) Fóruns ao longo do mês de junho de
2008 (um de cada sub-área programática), esclarecendo que o Fórum de uma quinta
59
AP não foi visitado, pois a área possuía o mesmo articulador e características
semelhantes à outra AP, cujo perfil dos profissionais dessas áreas não atendia aos
critérios pensados até aquele momento. Por exemplo, a maioria dos psicólogos
dessas APs eram formados bastante tempo, muitos, inclusive, próximos da
aposentadoria, não atendendo ao critério 'tempo de formação profissional' como será
apresentado adiante.
Durante os Fóruns, as observações com relação ao espaço físico, o número
de participantes, a categoria profissional dos participantes, os serviços e instituições
presentes, os temas abordados e as características da comunicação entre os
participantes foram anotadas num diário de campo.
Enquanto aguardava o início dos Fóruns, a pesquisadora interagia com os
participantes e conversava informalmente com alguns deles, sendo as observações
feitas a partir de um processo de interação entre pesquisador e sujeitos
pesquisados. No geral, os articuladores solicitavam que todos se apresentassem e
pediam que a pesquisadora expusesse o motivo da sua presença naquele Fórum.
Cabe ressaltar que as observações ganharam mais relevância como recurso
metodológico ao longo do trabalho de campo tendo em vista a riqueza dos dados
coletados para o estudo.
Após a observação inicial de alguns Fóruns, percebeu-se tratar os mesmos de
espaços muito importantes de pactuação e problematização do processo de trabalho
e que, portanto, seria interessante compreender como se deu o surgimento deles no
Município do Rio de Janeiro. Uma importante informante-chave, ex-sanitarista da
SMS/RJ, mas ainda militante e implicada nas questões que envolvem o trabalho, foi
contactada e entrevistada.
Além dos Fóruns, observou-se a Supervisão de Território de uma AP. As
Supervisões de Território são instâncias em construção e que, portanto, ainda não
acontecem com tanta freqüência e regularidade como os Fóruns. Os CAPS possuem
supervisões regulares, mas elas ainda precisam ser ampliadas para os outros
serviços, o que não impede que os psicólogos de outros serviços participem desses
encontros. O objetivo destas atividades e sua operacionalização serão explicados
nos resultados.
O coordenador de Saúde Mental apontou como próximos informantes-chave
60
os articuladores das APs, no total de 04 (quatro), tendo em vista o contato mais
estreito destes com os psicólogos atuantes na rede durante a coordenação dos
Fóruns de Saúde Mental e a importância dos mesmos para a mediação do trabalho
realizado pelos psicólogos na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro.
Dessa forma, entrou-se em contato com os articuladores via correspondência
eletrônica ou telefone e foram agendadas as entrevistas com os mesmos.
As entrevistas com os articuladores tiveram como objetivo averiguar algumas
questões relativas à prática dos psicólogos na rede, tais como: (1) as atividades
realizadas pelos psicólogos; (2) possíveis desafios encontrados pelos psicólogos na
realização dessas atividades e (3) a participação dos psicólogos em cursos de
capacitação ou em espaços de Educação Permanente, em supervisões e no
trabalho em equipe. Elas foram feitas, em quase todos os casos, imediatamente
após a realização dos Fóruns no intuito de otimizar o tempo e aproveitar o momento
intenso de reflexão para o articulador. Em uma AP não foi possível a realização da
entrevista após o Fórum, pois o mesmo se estendeu no horário, não havendo tempo
hábil para a entrevista naquela data. Nesse caso, a entrevista foi remarcada para
outra data e local. As entrevistas foram gravadas utilizando-se um gravador de áudio
digital portátil após a concordância do entrevistado e assinatura do termo de
compromisso (APÊNDICE C).
As entrevistas, no geral, contaram com algumas intercorrências, tais como: a
falta de um espaço adequado e sem ruídos; a interferência de outras pessoas no
momento da entrevista; a necessidade de mudança de local durante a entrevista, o
que fez com que, por exemplo, uma delas fosse concluída no rol dos elevadores.
Após a análise dos dados coletados tanto nas observações dos Fóruns
quanto em todas as entrevistas realizadas até aquele momento, chegou-se aos
critérios para a escolha dos psicólogos a serem entrevistados, a partir de sua lotação
em uma área específica, e emergiram temas importantes a serem explorados
posteriormente nas entrevistas individuais com os psicólogos da AP 5.0, área
escolhida para o enfoque da pesquisa.
A inviabilidade da pesquisa de abranger todas as áreas diante da enorme
diversidade e diferenças existentes entre as APs, levou à opção por aprofundar a
coleta na AP5, tendo em vista os seguintes critérios de escolha: (1) ser uma das
61
áreas mais populosas e, portanto, absorver grande quantitativo de recursos
humanos e atender grande parte da população; (2) possuir uma extensa rede de
serviços da rede básica, mesmo que ainda insuficiente diante das necessidades da
população local; (3) ser uma área ao mesmo tempo historicamente carente de
recursos (humanos e materiais) e rica de experiências de luta dos profissionais pela
manutenção de uma assistência satisfatória; (4) ser uma área em constante
expansão em termos populacionais e de projetos sociais pela Prefeitura; (5) possuir
o maior quantitativo de psicólogos com formação mais recente (um dos critérios para
a seleção dos psicólogos, como será explicado adiante).
A AP5, localizada na Zona Oeste, é constituída pelas APs 5.1, 5.2 e 5.3, as
quais correspondem bairros, tais como: Bangu, Senador Camará, Santa Cruz,
Inhoaíba, Campo Grande, Padre Miguel, Sepetiba, Paciência, dentre outros.
Realizada a escolha da área programática, observou-se um Fórum de cada
sub-área (5.1, 5.2 e 5.3) para os quais levou-se um questionário de caracterização
profissional, elaborado no intuito de sistematizar as atividades realizadas pelos
psicólogos de cada sub-área assim como os contatos (e-mail, telefone) dos mesmos
para possível entrevista individual com aqueles que atendessem aos critérios ora
estipulados. Ao solicitar o preenchimento do questionário, a pesquisadora deixava
claro que o fornecimento dos contatos, assim como o próprio preenchimento do
questionário, não eram obrigatórios.
Os psicólogos da AP 5 foram selecionados para a entrevista individual de
acordo com os seguintes critérios: (1) ter se graduado em Psicologia a partir do ano
2000. Este critério se deve ao interesse de investigar as possíveis conseqüências
dos processos formativos mais recentes em Psicologia; (2) atuar na rede básica de
saúde do Município do Rio de Janeiro; e (3) realizar atendimentos à indivíduos
usuários de álcool e outras drogas, atendimento infanto-juvenil e atendimento a
indivíduos psicóticos e/ou neuróticos graves. Este critério foi estipulado de acordo
com as observações realizadas nos Fóruns de Saúde Mental e nas entrevistas feitas
com os articuladores de cada área. Tais demandas por atendimento foram
mencionadas reiteradamente como prevalentes e como carentes de atenção na
graduação em Psicologia, estimulando a necessidade de investigação nas
entrevistas individuais com os psicólogos.
62
Assim, após o levantamento e reconhecimento dos psicólogos lotados nas
unidades de interesse para a pesquisa, selecionou-se os que correspondiam aos
critérios acima referidos, que foram 10 (dez). Realizou-se entrevista de pré-teste
com uma profissional (não incluída na amostra) que atendia aos critérios estipulados
no intuito de aumentar a confiabilidade do instrumento, que foi revisto. Depois,
entrou-se em contato com os psicólogos elegíveis para explicar a pesquisa, saber
do interesse em participar da mesma e agendar a entrevista. Do total da amostra
foram entrevistados 06 (seis) psicólogos. Os quatro psicólogos restantes não foram
entrevistados, pois observou-se uma saturação no conteúdo dos dados e
informações fornecidos pelos interlocutores. Cabe ressaltar que a entrevista pré-
teste foi incluída na análise, pois constatou-se a sua convergência com as demais.
O roteiro de entrevista individual com os psicólogos teve como foco a prática
profissional e incluiu os temas emergidos nas observações dos Fóruns e nas
entrevistas realizadas previamente com a Coordenação e os articuladores de área,
tais como: (1) desafios encontrados na prática, principalmente no que diz respeito ao
atendimento a indivíduos em situação de álcool e drogas, neurose grave e psicose e
crianças e adolescentes; (2) a preparação profissional do psicólogo para atuação no
SUS e (3) a importância dos Fóruns e Supervisões de território para o
desenvolvimento da prática profissional.
Antes da realização das entrevistas, solicitou-se autorização para a gravação
e transcrição dos relatos mediante assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido, que foi entregue pela pesquisadora ao entrevistado antes da realização
da entrevista. Após as entrevistas, utilizou-se um diário de campo para registro pela
pesquisadora das suas impressões e ações observadas ao longo do percurso e
durante a realização das entrevistas.
A escolha pelo local de realização da entrevista ficou a critério dos
entrevistados, sendo preservadas apenas as condições nimas para a realização
da mesma, tais como: local reservado para a qualidade sonora da gravação e
privacidade. Entre os entrevistados, 05 (cinco) escolheram o próprio serviço, 1 (um)
optou pelo consultório particular e outro por uma Universidade.
63
4.2. Operacionalização da análise dos dados
Após a coleta dos dados, os mesmos foram analisados a partir da proposta de
compreensão da comunicação, presente na obra de Bardin (2004) denominada de
análise de conteúdo. Esse método de análise parte de alguns pressupostos, dentre
os quais, o de que qualquer manifestação simbólica e de linguagem deve ser tratada
levando em conta as condições históricas e cotidianas da vida e o fato de que não
observador imparcial e fora da história. Segundo Bardin (2004), análise de
conteúdo é definida como:
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou
não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) destas
mensagens. (p. 37)
Escolhido o método de tratamento dos dados, foram seguidos os seguintes
passos na operacionalização da análise: (1) Ordenação dos dados; (2) Pré-análise e
Classificação dos dados e (3) Análise Final.
A ordenação dos dados correspondeu ao mapeamento de todos os dados
obtidos no trabalho de campo através da transcrição das entrevistas gravadas e dos
registros das observações, releitura do material gravado e registrado no diário de
campo e organização dos relatos em forma de “vinhetas”. Foram separadas as
informações obtidas através das entrevistas com o coordenador de Saúde Mental,
com a ex-sanitarista da SMS/RJ e com os articuladores de área e das observações
realizadas nos Fóruns de Saúde Mental e na Supervisão de Território a fim de
realizar o registro dos temas emergentes e a separação das informações
relacionadas à caracterização das atividades desenvolvidas pelos psicólogos na
rede e do funcionamento dos Fóruns e das Supervisões.
Após a análise deste material coletado, partiu-se para a pré-análise e
64
classificação dos dados a partir da leitura repetida das entrevistas individuais
realizadas com os psicólogos da AP 5.0 e das anotações realizadas sobre os Fóruns
das APs 5.1, 5.2 e 5.3 no diário de campo, confrontando-as com as três premissas
adotadas pelo estudo, apresentadas na introdução deste trabalho. Objetivou-se,
com isso, apreender as idéias centrais que levassem ao estabelecimento de
categorias analíticas a partir de três eixos pré-definidos a partir das premissas: (1)
desafios à prática profissional do psicólogo na rede básica de saúde do Município do
Rio de Janeiro (o que inclui, dentre outros sub-temas, o atendimento à usuários de
álcool e outras drogas, o atendimento à crianças e adolescentes e o atendimento à
neurose grave e psicose); (2) a relação entre a formação profissional e a prática
profissional do psicólogo; (3) a construção de espaços de educação permanente, o
que engloba a participação dos psicólogos nos Fóruns de Saúde Mental e nas
Supervisões de Território no Município do Rio de Janeiro.
Foram adotadas como referências para a análise as competências e
habilidades gerais relacionadas no Artigo das DCNP (BRASIL, 2004). A análise
final consistiu no estabelecimento de inferências entre os dados coletados, os eixos
analíticos estabelecidos e os referenciais teóricos da pesquisa, entendendo que seu
produto é sempre uma aproximação. Procurou-se relacionar, na medida do possível,
os eixos analíticos acima referidos com as seis competências e habilidades gerais
das DCNP (BRASIL, 2004), definidas no artigo 4º, que são: (a) Atenção à Saúde; (b)
Tomada de decisões; (c) Comunicação; (d) Liderança; (e) Administração e
Gerenciamento e (f) Educação Permanente.
A intenção foi valorizar princípios de um documento importante para a
organização curricular da Psicologia (as DCNP), mas que ainda encontra-se em
processo de implantação e são passíveis de aperfeiçoamento, com base em estudos
que incluam as observações e as entrevistas sobre a prática dos psicólogos, como é
o caso: Procurou-se averiguar que elementos das práticas realizadas pelos
psicólogos da rede básica municipal de saúde do Rio de Janeiro encontram-se
expressos nas diretrizes, ou seja, investigar se as práticas estão indo de encontro às
diretrizes (ou vice-versa) ou se estão caminhando em direções divergentes ou
contraditórias.
A redação dos resultados consistiu, inicialmente, na descrição geral do
65
contexto e proposta de trabalho dos psicólogos e das atividades realizadas por eles
na rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro.
Em seguida, abordou as inferências a respeito dos desafios à prática
percebidos pelos psicólogos atuantes na rede básica de saúde da AP 5.0 do
Município do Rio de Janeiro, as percepções sobre a preparação do psicólogo para a
atuação nos serviços públicos de saúde e sobre a participação nos Fóruns de Saúde
Mental e Supervisões de Território, articulando-as com as competências e
habilidades gerais das DCNP (BRASIL, 2004) no sentido de apontar correlações
entre o que acontece na prática e o que defende-se na teoria.
Por fim, foram discutidos elementos estratégicos à prática dos psicólogos para
o desenvolvimento do processo de trabalho na rede municipal de saúde do Rio de
Janeiro. Tais elementos foram abordados, direta ou indiretamente, pelos psicólogos
durante as entrevistas realizadas individualmente assim como foram mencionados
pelos articuladores de área ou inferidos através das observações realizadas. Alguns
recortes de falas foram utilizados para exemplificação, resguardando a identificação
dos interlocutores.
Em relação às possíveis ameaças à validade do estudo teve-se cuidado, por
exemplo, de estabelecer o perfil profissional desejado, pois perderia o significado
discutir a experiência da formação profissional com psicólogos formados muito
tempo, pelo viés de memória e também pela presumível dinâmica de mudança das
graduações. Por isso foram escolhidos psicólogos formados a partir do ano 2000.
Além disto, nesse ano em diante, foram realizados dois concursos para o Setor de
Saúde Mental da Prefeitura do Rio de Janeiro: nos anos 2003 e 2008.
O presente estudo não tem a intenção de pluralizar seus resultados e
conclusões para outros Municípios brasileiros, e sim oferecer elementos que
emergem de um Município rico e complexo como o Rio de Janeiro, de modo a
ampliar o conhecimento sobre a prática profissional do psicólogo na Saúde.
66
CAPÍTULO 5:
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este capítulo visa apresentar e discutir os resultados encontrados através da
realização do trabalho de campo na rede básica de saúde do Município do Rio de
Janeiro. Os resultados foram divididos em três segmentos: (1) descrição geral do
contexto e proposta de trabalho dos psicólogos e das atividades realizadas nos
serviços de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro; (2) descrição específica
do cotidiano do processo de trabalho individual dos psicólogos atuantes nos serviços
da rede básica da AP 5 do Município do Rio de Janeiro e (3) exposição da
percepção de alguns elementos que se fazem necessários para a evolução do
desenvolvimento profissional dos psicólogos da rede municipal de saúde do Rio de
Janeiro.
O primeiro segmento teve como fontes os dados coletados nas observações,
realizadas nos Fóruns de Saúde Mental e nas “Supervisões de Território”, e nas
entrevistas com a Coordenação de Saúde Mental, com a ex-sanitarista da SMS/RJ e
com os “articuladores de área”.
O segundo segmento teve como fonte os dados coletados nas entrevistas
realizadas com os psicólogos da AP 5, área escolhida para aprofundamento do
estudo.
o terceiro segmento contou com os dados coletados tanto nas entrevistas
quanto nas observações, levando em consideração as percepções dos psicólogos
sobre o desenvolvimento do processo de trabalho na rede básica de saúde do
Município do Rio de Janeiro.
No intuito de preservar a identidade dos profissionais entrevistados, os
mesmos serão identificados por letras e números de acordo com a função ou
categoria profissional exercida e o número da entrevista realizada. Assim, a
Coordenação de Saúde Mental será representada pela letra C”, a ex-sanitarista da
SMS/ RJ pela letra “S”, os articuladores pela letra “A”, sendo numerados de 1 (um) à
67
4 (quatro) (A
1
, A
2
, A
3,
A
4
) e os psicólogos pela letra P”, numerados de 1 (um) à 7
(sete) (P
1,
P
2,
P
3,
P
4,
P
5,
P
6,
P
7
).
5.1. As múltiplas formas de atuar no SUS: contexto, proposta de trabalho e
atividades realizadas pelos psicólogos da rede
8
Os primeiros psicólogos que integraram a equipe de Saúde Mental ocupavam
cargos na Educação. A Lei Orgânica do Município de 1990
9
, definiu que o psicólogo
era um cargo essencialmente da Secretaria de Saúde. Logo, aqueles psicólogos,
advindos da Educação, começaram a trabalhar em educação e saúde sobretudo
dentro da lógica de promoção e prevenção da saúde (REIS, 1996). Com a
construção da Política de Saúde Mental do Estado do Rio de Janeiro, em 1999, a
diretriz passou a ser a de construir uma rede capaz de lidar com os casos
patológicos mais graves, como psicoses e neuroses graves (tendo em vista o
contexto epidemiológico e político-institucional da cidade naquela época). Foi
reforçada a necessidade de reorientação do modelo assistencial (hospitalocêntrico)
a partir da criação de uma rede de serviços de pequena e média complexidade para
atendimento psicossocial no território (DELGADO, GOMES & COUTINHO, 2001).
Assim, antes da entrada dos psicólogos nos serviços da rede municipal de
saúde, a lógica de atuação desses profissionais divergia do que seria a assistência
em Saúde Mental. A Secretaria de Saúde estava pautada no âmbito de uma atenção
básica marcada pela lógica vertical dos programas do MS. Assim, os psicólogos, ao
ingressarem no quadro da Saúde Mental constituiriam mais um Programa de Saúde
(REIS, 1996).
O Rio de Janeiro tinha um universo muito grande de pessoas
institucionalizadas de longa permanência e uma grande concentração de leitos
ocupados nos hospitais da rede pública e conveniada. Para Coordenação de Saúde
Mental, implementada a partir de 1993, com base na Política de Saúde Mental, era
8
Esse item tem como fonte principal os dados coletados na entrevista com a
Coordenação de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro.
9
“Os ocupantes de cargo de Psicólogo do Quadro de Pessoal Permanente do
Município terão exercício privativo na Secretaria Municipal de Saúde e desenvolverão suas
atividades em pólos regionais, a que se vincularão as unidades em que atuarão” (LEI
ORGÂNICA MUNICIPAL,1990, Art. 353, Par. 6).
68
estratégico capacitar a rede para a lidar melhor com pacientes graves. A premissa
era de que muitos transtornos mentais, mesmo os mais graves e persistentes,
poderiam ser manejados e acompanhados na atenção básica
10
(REIS, 1996). Na
época de reformulação da proposta de trabalho pela Secretaria de Saúde, o
coordenador de Saúde Mental propôs à sua equipe trabalhar em “equipes
multiprofissionais nas quais o psicólogo é um dos profissionais mais importantes (...)
[na construção] de uma clínica da subjetividade na atenção pública (C) [grifo nosso].
Cabe salientar que esta clínica envolve a subjetividade dos usuários e também a
dos profissionais. Assim, os psicólogos, assim como os demais profissionais,
precisam lidar no cotidiano de trabalho com aspectos da subjetividade de cada
usuário, dos profissionais com quem trabalham e com a sua própria.
Desde esse momento
11
, a seleção de psicólogos para atuação na Saúde
passa a buscar profissionais com disponibilidade, aptidão e/ou alguma familiaridade
com o arcabouço teórico da “clínica da psicose”, ligado ao acompanhamento de
pacientes graves e ao manejo desses casos na atenção básica. Em relação à Banca
Organizadora do último concurso para psicólogos realizado em 2008, por exemplo, o
Coordenador de Saúde Mental relatou o seguinte:
[A encomenda] foi de que selecionássemos profissionais que
tivessem um entendimento da Saúde Pública, conhecimento da
Política Nacional de Saúde Mental, que tivessem a
disponibilidade de trabalhar fundamentalmente na atenção
básica, acompanhando pacientes em todos os níveis de
gravidade, entendendo a ação no território como imprescindível
à lógica do seu trabalho, e estando abertos para a construção
de relações intersetoriais que possam de certa maneira ampliar
a política de saúde numa política social mais ampla, que possa
resgatar ou assegurar a eqüidade como um dos pilares do
10
Essa idéia foi defendida no último “Relatório sobre a Saúde no Mundo Saúde
Mental: nova concepção, nova esperança”, em 2002, onde a Organização Mundial de Saúde
aponta a necessidade de investimentos na atenção primária de saúde como uma forma mais
efetiva de cuidar dos transtornos mentais. (BRASIL, 2002)
11
O primeiro concurso para o cargo de psicólogo da SMS/RJ foi realizado em 1999
(C).
69
SUS. (C)
Essa ênfase vem se fortificando ao longo dos anos e permitiu construir um
entendimento de que vários casos podem e devem ser acompanhados na rede
assistencial básica, tais como os casos de psicose, crianças em idade escolar fora
da escola, idosos morando só, situações de violência doméstica, de violência contra
a mulher, de abuso sexual, tentativas de suicídio, entre outros. Posteriormente, a
construção dos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) foi um passo muito
importante para a sustentabilidade dessa gica de assistência (DELGADO; GOMES
& COUTINHO, 2001; REIS, 1996).
No intuito de reorientar a assistência a Secretaria publicou, em 2007, um
documento chamado “Recomendações para atendimento em Saúde Mental na rede
básica” (RIO DE JANEIRO, 2007), com o objetivo de reorganizar a assistência em
Saúde Mental na rede básica, e também redesenhou a rede para fortalecer a
articulação local de unidades, com base territorial. Um desafio que permanece é o
de pactuar o trabalho das equipes de saúde para acompanhamento do sujeito numa
prática inclusiva e na retomada do convívio com a sua comunidade, qual seja, da
reinserção social desse sujeito.
Atualmente, atuam na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro cerca de
400 psicólogos, porém, nem todos estão lotados em unidades de saúde (C). Alguns
estão engajados na implantação de outras políticas de saúde também relevantes
para o funcionamento da rede ou no gerenciamento do sistema de saúde, do
faturamento das unidades e de cadastramento de estabelecimentos de saúde. São
profissionais que se especializaram em Saúde Pública e foram remanejados para
outro setor ou que possuem formação em Psicologia, mas fizeram concurso para o
cargo de sanitarista.
Ainda se verifica um resquício do desenho anterior, e alguns psicólogos
trabalham exclusivamente nos Programas de Saúde. Assim, existem unidades com
psicólogos para as quais não como encaminhar pacientes, pois são profissionais
sem atividade clínica ou intenção de acompanhamento de pacientes no seu
território. Como exemplo, o coordenador de Saúde Mental citou a participação de
psicólogos no Programa Nacional de Controle do Tabagismo proposto pelo MS.
O trabalho é indiscutível e é um trabalho que a gente apóia. A
70
gente vem tentando, na medida do possível (...) não deixar que
esse profissional seja profissional do programa do controle
de tabagismo. Que ele também trabalhe lá, mas que tenha
disponibilidade para atender toda a sua área, seu território,
toda a demanda. A intenção é de que dentro do programa de
Saúde Mental todos os profissionais trabalhem com a lógica da
atenção psicossocial, nesse campo de trabalho que a gente
vem desenhando coletivamente. (C)
A expectativa da Coordenação era de continuar expandindo a oferta de
atendimento a casos graves na atenção básica e investir na relação com as equipes
de Saúde da Família. Objetivava promover uma maior abertura para a subjetividade
nas práticas de atenção básica sem necessariamente colocar o psicólogo para
trabalhar clinicamente na Saúde da Família. De acordo com o coordenador, o intuito
seria:
[...] efetivamente trabalhar com profissionais da atenção básica,
trabalhar com equipes dos agentes comunitários de saúde, do
programa de Saúde da Família, criando possibilidades de que a
atenção básica possa ser feita de forma mais resolutiva, mais
inclusiva, com maior abertura para a singularidade do sujeito,
com facilidade maior de compreender as vicissitudes de cada
comunidade, de cada sujeito e abrir possibilidades mais
efetivas para isso. (C)
Por estas e outras razões, a análise das práticas realizadas pelos psicólogos
na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro, deve considerar a importância do
movimento de Reforma Psiquiátrica para a reformulação do processo de trabalho do
psicólogo na Saúde Mental. Por sua vez, esta categoria profissional foi importante
no próprio delineamento dos rumos da Reforma. Para a Coordenação de Saúde
Mental:
O próprio Conselho Regional de Psicologia e o Conselho
Federal de Psicologia tiveram historicamente envolvidos com
várias ações políticas. Esses profissionais tiveram um papel
preponderante na construção dos encontros da luta anti-
71
manicomial, dos encontros dos familiares dos pacientes, de
produzir vários fóruns. (...) Os psicólogos têm papel
fundamental no trabalho de reinserção social da clientela de
longa permanência. (...) O campo de trabalho de políticas
públicas de saúde mental é imenso e o psicólogo é uma
categoria profissional bastante interessante porque tem desde
pessoas que têm uma vocação clínica incrível até outros que
tem um manejo de situação, de processo grupal, que levam à
prática da inclusão super interessantes e todos são trabalhos
relevantes. A gente precisa muito desse pessoal. (C)
Ou seja, esta categoria profissional vivenciou uma via de mão dupla com o
movimento da Reforma: ao mesmo tempo em que teve (e ainda tem) fundamental
importância para a evolução e sustentação desse relevante movimento social e
político, também contou (e ainda conta) com o movimento para o desenvolvimento
do seu processo de trabalho. Um dos pilares do Movimento de Reforma, por
exemplo, é a constituição de um trabalho em equipe multiprofissional, a qual inclui a
participação do psicólogo, contribui para o fortalecimento das balizas da
integralidade em saúde, contrapondo-se à visão dicotômica mente-corpo do modelo
biomédico vigente e hegemônico.
Sendo assim, paulatinamente, os psicólogos foram criando, inventando e
reinventando uma gama de ações em saúde de acordo com os vários locais
possíveis de atuação na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro. Desde os
clássicos atendimentos clínicos individuais, grupos de recepção, programas
residenciais terapêuticos até a participação em fóruns de discussão e “Supervisões
de território”, os psicólogos vão tecendo componentes nessa rede complexa e
multifacetada que constitui a rede municipal de saúde do Rio de Janeiro
12
.
A seguir serão descritas algumas das atividades exercidas pelos psicólogos
nos serviços de atenção básica do Município. São atividades que envolvem a
construção e o desenvolvimento de novos processos de trabalho.
12
C
abe ressaltar que um dos “articuladores de área”, com formação em Psicologia, foi
indicado para a direção do Instituto Juliano Moreira, instituição que nunca havia sido dirigida
por outro profissional que não tivesse formação em Medicina. (A
2
)
72
5.1.1 As práticas dos psicólogos nos serviços de atenção básica de saúde do
Município do Rio de Janeiro
13
As atividades realizadas pelos psicólogos no cotidiano de trabalho nos
serviços da rede básica do Município do Rio de Janeiro são muitas e variam de
acordo com as características dos serviços e das APs.
Como mencionado, o Município do Rio de Janeiro divide-se em 5 (cinco)
grandes APs, as quais se subdividem-se e geram no total 10 (dez) APs. De acordo
com as observações e entrevistas realizadas com os “articuladores de área”
14
,
existem semelhanças e diferenças no modo de funcionamento entres as áreas.
Como semelhanças pode-se citar: (1) a porta de entrada dos serviços se por
intermédio dos grupos de recepção; (2) os psicólogos enfrentam dificuldades no
atendimento de demandas como usuários de álcool e outras drogas, crianças,
adolescentes, pessoas com neuroses graves e psicoses; (3) os psicólogos são os
que mais participam dos Fóruns de Saúde Mental.
Já como diferenças entre as áreas, pode-se dizer que: (1) a AP 1 conta com a
maior concentração de serviços de rede básica embora não conte com nenhum
CAPS; (2) As APs 1 e 2 contam com profissionais com maior tempo de serviço da
rede, inclusive muitos deles em vias de se aposentar; (3) A AP 4, seguida das APs 2
e 3 contam com a maior concentração de hospitais psiquiátricos, serviços
residenciais terapêuticos e CAPS; (4) A AP 5 possui o maior número de profissionais
com formação mais recente, ingressos em concursos recentes.
Apesar das diferenças, pôde-se perceber que, no geral, as APs adotam as
13
Esse sub-item tem como fontes os dados coletados nas entrevistas com os
“articuladores de área” do Município do Rio de Janeiro.
14
Profissionais da Saúde Mental que atuam na rede coordenando os Fóruns de Saúde
Mental e participando das “Supervisões de território” junto aos “Supervisores” (psicólogos
clínicos da rede eleitos para a coordenação das Supervisões). São ao todo (04) quatro
articuladores, sendo (03) três psicólogos e (01) um enfermeiro.
73
mesmas diretrizes demandadas pela Secretaria de Saúde: atendimento a casos
graves como os relacionados à clínica da psicose, a qual tem como principal
vertente teórica a Psicanálise e como modelo de assistência o atendimento clínico
individual. Como o estudo considerou como serviços da rede básica os Centros
Municipais de Saúde, os Postos de Saúde, os Postos de Assistência Médica, as
Policlínicas e incluiu os CAPS, destaca-se que as atividades desenvolvidas por estes
psicólogos são relacionadas aos ambulatórios e aos CAPS.
Nos ambulatórios, além dos atendimentos clínicos individuais, os psicólogos
realizam grupos terapêuticos e grupos de recepção, mecanismos fundamentais para
manter a porta de entrada dos serviços sempre aberta, evitando, assim, a fila de
espera por atendimento. Nos CAPS, os psicólogos realizam atendimentos clínicos
individuais, grupos terapêuticos, grupos de recepção, visitas domiciliares, visitas
hospitalares à pacientes psiquiátricos internados e oficinas terapêuticas. Além
dessas atividades, ainda existem psicólogos que atuam em Programas de Saúde e
nos PSF. Nos PSF os psicólogos atuam junto às equipes discutindo casos e
capacitando e selecionando agentes comunitários de saúde.
Também destaca-se a contribuição dos psicólogos para a estruturação da
rede via participação nos Fóruns de Saúde Mental e nas “Supervisões de Território”,
que serão detalhadas a seguir.
5.1.1.1 Grupos de recepção: a Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro de
portas abertas
15
Antes dos grupos de recepção, as portas dos serviços ficavam por bastante
tempo fechadas e havia uma longa fila de espera aguardando atendimento, o que,
muitas vezes, ''esvaziava'' a demanda, sem que suas necessidades estivessem sido
atendidas, devido ao período de tempo transcorrido entre a inscrição no serviço e a
chamada para atendimento. O grupo de recepção foi uma estratégia criada para
minimizar dois problemas: (1) restrições de acesso ao Sistema ocasionando fila de
15
Este sub-item tem como principal fonte de dados as entrevistas realizadas com os
“articuladores de área” do Município do Rio de Janeiro.
74
espera e (2) a medicalização da demanda.
Com os grupos de recepção, a fila acabou e a cada mês passaram a ser
abertas vagas para o acolhimento, a escuta e a avaliação dos pacientes. Ainda
um esforço dos serviços para organizar a abertura e a inscrição para os grupos,
mas, todo mês acontece, pelo menos, um grupo de recepção. Os grupos de
recepção têm como objetivo o acolhimento das demandas que chegam aos serviços
de Saúde Mental, promovendo uma escuta, uma avaliação e um direcionamento
para as mesmas. Por mais que ainda seja usado o termo ''triagem'', a recepção não
tem como objetivo filtrar quem vai ou não ser atendido no serviço (TENÓRIO,
OLIVEIRA e LEVCOVITZ, 2000). Nas palavras de um dos “articuladores de área”:
[dentre as atividades] que mais se sobressaem nos postos de
saúde, por exemplo, estão os grupos de recepção, que, mais
do que uma porta de entrada e triagem, são espaços de
acolhimento onde já existe todo um trabalho clínico-assistencial
que organiza toda a seqüência do trabalho. Os psicólogos
estão envolvidos maciçamente nessa prática (...) O grupo de
recepção visa desconstruir uma série de práticas como a
medicalização desnecessária. (...) É um trabalho estratégico
para toda a rede, pois organiza toda a demanda para a rede
(A
2
).
Os grupos têm caráter terapêutico, mas não são lugares de tratamento e sim
de passagem. Eles visam possibilitar que o Sujeito se coloque, evitando a
medicalização e dando voz ao paciente que procura pelo serviço (OLIVEIRA, 2000).
Os grupos são fechados, com duração de 3 a 4 encontros de 1 hora e meia em
média e número de pessoas limitado (6 a 8 pessoas). Idealmente contam com dois
técnicos, mas, é comum, serem realizados somente por psicólogos (RIO DE
JANEIRO, 2007).
A orientação é que todos os psicólogos realizem o grupo de recepção,
oferecendo um espaço de fala que o paciente pode freqüentar quantas vezes for
necessário para a solução de seu problema: “Todos os psicólogos têm que fazer o
grupo de recepção tanto para otimizar a demanda como também tentar uma outra
modalidade de atenção” (A
4
). De acordo com um dos articuladores ainda uma
75
resistência dos psicólogos em fazer o grupo de recepção, o que se associa com
características da formação profissional:
Alguns psicólogos resistem falando da inabilidade com grupos
(...) Eles se formam, saem da faculdade com os interesses
particulares, mas quando entram no serviço público têm que
estar preparados para, no mínimo, escutar essa demanda,
esses problemas, responder a toda a demanda que chega e,
nesse sentido, eles têm que estar organizados, preparados
para saber lidar com esse sofrimento e essas especificidades
que chegam. É um desafio para o profissional de psicologia
nesse momento abrir mão dessa escolha pelo privado e
atender e acolher a necessidade do campo público. (A
4
)
Porém, apesar das dificuldades e desafios ainda encontrados na
administração dos grupos de recepção, observou-se que os mesmos são espaços
onde o trabalho do psicólogo se destaca como de fundamental importância para a
rede, já que um dos objetivos principais é permitir emergir o Sujeito capaz de falar
sobre o seu sofrimento e formular a sua demanda de tratamento.
5.1.1.2 Fóruns e Supervisões de território: espaços de discussão e de construção do
conhecimento
16
Os Fóruns de Saúde Mental são realizados aproximadamente sete anos
pela Secretaria Municipal de Saúde e sua idealizadora foi uma psicóloga, que, na
época, atuava como sanitarista na gerência de desospitalização da SMS/RJ, sendo
responsável pelos hospitais e pela política de medicamentos psicofármacos da
SMS/RJ. Esta percebeu que os serviços (ambulatoriais e hospitalares), de modo
geral, eram muito desarticulados, o que prejudicava o andamento do trabalho como
um todo. A idéia de um Fórum de Saúde Mental despontou como uma estratégia de
16
Este sub-item tem como principais fontes de dados as observações realizadas nos
Fóruns de Saúde Mental e em uma “Supervisão de Território”, as entrevistas com os
articuladores e com a ex-sanitarista da SMS/RJ.
76
gestão, com os objetivos de compreender as relações entre ambulatórios e hospitais
da rede e integrar os trabalhos e as equipes dos mesmos (S).
Com o tempo, os Fóruns foram revelando outras demandas, tais como a de
discussão de casos clínicos, reivindicações de melhores condições de trabalho, de
realização de palestras, dentre outras. Desse modo, o Fórum foi incorporando um
componente e problematizando a atenção prestada na rede de Saúde Mental.
Passaram a se constituir como um espaço de Educação Permanente antes mesmo
da Política Nacional de Educação Permanente (BRASIL, 2004) ter sido
implementada:
O Fórum, na verdade, foi um instrumento muito mais de gestão,
mas acabou sendo um instrumento técnico de discussão de
casos de palestras (pessoas que eram convidadas para falar
de vários assuntos), mas foi um recurso de qualificação da rede
de saúde mental que, através dos Fóruns, ao convocar os
profissionais eu acabei fazendo um espaço de Educação
Permanente sem até a portaria de Educação Permanente ter
sido ainda lançada porque o Fórum de Saúde Mental começou
em 2001 na AP 3.3 (...) e ele é uma estratégia que vem se
mantendo até então. (S)
Esse dado sugere que a construção de um espaço de discussão como os
Fóruns ganhou a dimensão de um espaço de Educação Permanente. A natureza da
área da Saúde Mental, e especificamente da Psicologia, podem ter influenciado
neste sentido, em decorrência de algumas características: (1) pelo fato de ser o
trabalho em equipe uma tendência da Saúde Mental desde a Reforma Psiquiátrica
devido a uma revisão profunda das premissas orientadoras do processo de trabalho;
(2) pela necessidade de fortalecimento das balizas da Integralidade tendo em vista
os evidentes limites trazidos pela dicotomia mente-corpo; (3) pela característica, da
prática do psicólogo, de trabalhar com mudanças e com o imprevisível, demandando
reflexão e troca contínuas de idéias, facilitando a inclusão do “outro” de modo a
promover a interface entre o institucional (sistema) e o subjetivo (indivíduo).
Atualmente acontecem, em média, 10 (dez) Fóruns por ano em cada AP do
Município. Os Fóruns são realizados em dias e locais variados de modo que
77
proporcione um rodízio de profissionais de acordo com sua disponibilidade. O
agendamento dos Fóruns subseqüentes é acordado junto com os profissionais a
cada Fórum, os quais colocam à disposição o espaço do auditório do Centro de
Estudos da sua unidade para a realização dos mesmos. São coordenados pelos
“articuladores de área”, que são, em sua maioria, psicólogos. A escolha dos
articuladores é realizada pela Coordenação de Saúde Mental de acordo com o
interesse em exercer tal posição e, principalmente, segundo a dedicação e
participação ativa nos Fóruns (C).
Os Fóruns se constituem como espaços de discussão, trocas de experiências
e organização do processo de trabalho para os profissionais da Saúde Mental da
SMS/RJ. São abertos à participação de diversos profissionais, inclusive externos, da
Saúde Mental, permitindo interessante interlocução com outras áreas de
conhecimento. Como exemplo de tal interface com outras instâncias, pode-se citar o
que vem acontecendo na Área Programática 3.3, onde o Fórum tem sido realizado
no XV Juizado Especial Cível no intuito de aproximar os profissionais da Saúde e do
Direito, já que muitos encaminhamentos da Justiça são endereçados à Saúde,
como, por exemplo, casos de maus tratos contra crianças e adolescentes e casos de
separação conjugal. Mais do que uma mera aproximação 'espacial', 'territorial',
facilita uma aproximação entre os saberes e práticas.
Também participam dos Fóruns profissionais atuantes na Rede de Proteção
ao Educando
17
(RPE), na Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula
(FUNLAR), no Conselho Tutelar, nos Centros de Referência da Assistência Social
18
(CRAS) e Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS)
19
, o
que faz dos Fóruns, segundo a coordenação de Saúde Mental, os dispositivos mais
importantes para a interação das práticas, cenários importantes de pactuação e
17
A Rede de Proteção ao Educando (RPE) “é um projeto macrofuncional entre as
Secretarias Municipais de Assistência Social e Educação, que atende aos alunos de escolas
municipais e seus familiares, desde janeiro de 2007” (SECRETARIA MUNICIPAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL).
18
Os CRAS “atuam como núcleo de articulação da rede social, e atualmente sua
principal função é atender a política de Vigilância da Exclusão Social” (SECRETARIA
MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL).
19
O CREAS “funciona como pólo de referência das ações de Proteção Básica e
Proteção Especial de Média e Alta Complexidade e tem como foco fortalecer e potencializar
as ações em benefício das famílias em situação de vulnerabilidade social” (SECRETARIA
MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL).
78
articulação de redes. É nos Fóruns que os profissionais trocam contatos, conhecem
o trabalho do colega, assim como enfrentam juntos as dificuldades de cada serviço e
também de cada profissional no seu cotidiano, descobrindo possíveis resoluções.
Por exemplo, num dos Fóruns visitados, discutia-se a dificuldade dos assistentes
sociais do CRAS em abordar os moradores de rua portadores de doença mental e
os psicólogos se disponibilizaram a recebê-los no CAPS para uma conversa sobre o
tema no intuito de ajudá-los na abordagem aos moradores de rua. Assumiu-se,
portanto, o compromisso de fazer uma parceria entre a Saúde Mental e a Assistência
Social na tentativa de enfrentar a dificuldade que se colocava.
Por vezes os Fóruns enfrentam situações de resolução muito difícil, tais como
algumas dificuldades do cotidiano apresentadas pelos profissionais de modo geral e,
em algumas circunstâncias, especificamente pelos psicólogos. De modo a ilustrar tal
realidade, tem-se uma fala e o desabafo de um dos articuladores durante a
realização de um Fórum:
[O Fórum] tem por objetivo lidar com o que a gente não sabe
fazer, mas se a gente não quer lidar com isso, então a única
saída é a 'demissão' porque nós escolhemos trabalhar com
isso. A escolha foi nossa [será?] e nunca poderemos recuar
diante da psicose, do alcoolismo, das drogas, da população de
rua, pois esses são os nossos sujeitos. Sujeitos com os quais
escolhemos trabalhar (A
2
).
Os Fóruns visitados contaram, em média, com trinta participantes. Através da
apresentação de cada participante antes do início de cada Fórum, pôde-se perceber
que a maioria dos participantes eram psicólogos, seguidos de assistentes sociais e
que participavam dos Fóruns categorias profissionais como: psiquiatras, dentistas,
enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, professores, médicos e agentes
comunitários de saúde. Um dado interessante é a o adesão dos psiquiatras aos
Fóruns em duas APs, dificultando a discussão de casos relativos a medicalização do
adoecer humano. Em outras duas APs, a participação dos psiquiatras foi
consideravelmente importante para discussões sobre internação de pacientes
psiquiátricos, abuso de álcool e drogas e abordagem à população de rua.
Os principais temas tratados nos Fóruns observados foram: (1) a proposta da
79
Secretaria de realizar um curso de capacitação sobre álcool e drogas no segundo
semestre de 2008 (principalmente para quem atua na rede básica); (2) o manejo do
grupo de recepção como porta de entrada dos serviços, (3) oferta e demanda de
medicação na rede e psiquiatras disponíveis para acompanhamento de casos; (4) a
importância da construção de um trabalho em equipe nas unidades.
Outro aspecto observado nos Fóruns foi: o modo de comunicação e suas
conseqüências para o andamento do trabalho. A comunicação entre os profissionais
nos Fóruns se dava de modo horizontal: todos tinham oportunidade de falar, sem
regra de hierarquização entre as profissões, promovendo um diálogo muito
produtivo. Por exemplo, nas discussões sobre a relação à oferta e demanda de
atendimentos psiquiátricos na rede, os psicólogos pareciam a vontade para colocar
suas “angústias” a respeito da falta de local para encaminhamentos de pacientes
(principalmente crianças) que necessitam de acompanhamento psiquiátrico,
entendendo este como um grave problema da rede e não “culpa” dos psiquiatras que
atendem na rede. Diante das “angústias”, os psiquiatras, quando presentes, dividiam
também as suas preocupações com a pressão da demanda por atendimento e a
insuficiência de profissionais na rede. Assim, havia um diálogo horizontal, onde cada
profissional tinha espaço para falar de suas dúvidas, questionamentos e
preocupações.
Observou-se que a articulação da rede ainda depende muito mais de contatos
informais e pessoais do que institucionais. Nos Fóruns os profissionais trocam
telefones, indicam outros nomes para a resolução de algum problema e até mesmo
fazem a ligação telefônica (do próprio celular) no ato, de modo a agilizar sua
resolução. Chamou a atenção como, de fato, a rede é 'costurada' a partir dos
contatos realizados nos Fóruns.
Além dos Fóruns, os psicólogos têm realizado algum tempo as
“Supervisões de Território” ou “de Rede”. Essas supervisões começaram nos CAPS
e tinham como intuito suprir a necessidade de aprofundar a discussão de casos que
emergiam nos Fóruns. As supervisões englobaram outros serviços (PS, PAM, CMS)
a partir de 2007, mas a freqüência com que acontecem nesses serviços é ainda
menor em relação aos CAPS. Os CAPS realizam supervisões semanais e os outros
serviços têm supervisões mensais.
80
As supervisões também podem ser consideradas espaços de capacitação e
Educação Permanente, principalmente porque são instrumentos fundamentais para
o trabalho da Saúde Mental. Nas palavras da psicóloga idealizadora dos Fóruns:
[...] em Saúde Mental a gente sabe que a supervisão é uma
capacitação, é uma Educação Permanente. (...) Você
consegue atender melhor os casos se você se submete a uma
supervisão, se você discute os casos. É assim que funciona na
Saúde Mental (S).
As supervisões de rede ainda dependem muito da demanda dos CAPS, pois
são setorializadas de acordo com a localização dos mesmos. Apesar de ainda
frágeis na rede porque são recentes, revelam grande importância na construção
do processo de trabalho como será visto mais adiante.
Em observação realizada numa “Supervisão de Território” constatou-se a
participação de aproximadamente 20 profissionais, dentre estes enfermeiros,
assistentes sociais, psicólogos da saúde, psicólogos da RPE, da articuladora da AP
e da supervisora de território. Em relação às condições de trabalho, a supervisão foi
realizada na sala de reunião do posto de saúde, local com pouca ventilação e
acústica prejudicada
20
. Nessa sala, ficam alojados arquivos médicos, o que exigiu a
circulação de outros profissionais do serviço para a busca de documentos, o que
também interferiu no andamento da supervisão. Todos comentaram a necessidade
de um novo espaço para os encontros. Nenhuma sugestão foi lançada a respeito do
assunto naquele encontro.
No que diz respeito à discussão de casos, surgiu um exemplo de limite da
atuação profissional. A psicóloga e a enfermeira de um posto de saúde colocaram as
suas angústias em relação ao que fazer com uma adolescente com retardo mental e
que, no entanto, não demonstrava sofrimento emocional aparente (nem da paciente
e nem da família). Levantou-se a questão se a Psicologia poderia e/ou deveria fazer
algo para ajudar no sentido de estimulação e chegou-se à conclusão, junto com o
Serviço Social, que o caso demandava mais uma abordagem social do que
20
Em relação a esse desconforto, uma das psicólogas acrescentou que a sala onde
atende é ainda mais barulhenta: “Quando eu atendo, parece que saí de um FLA x FLU de
tão cansada que fico”, o que reflete as precárias condições de trabalho enfrentadas por
alguns profissionais.
81
psicológica, incluindo esclarecimento a respeito de benefícios e possibilidades de
realização de cursos, atividades recreativas, reforço escolar, etc. Sugeriu-se,
portanto, que o caso fosse encaminhado para o CRAS no intuito de construir uma
rede para essa família, oferecendo um cuidado integral.
As profissionais ficaram “aliviadas” com esse encaminhamento, pois, como
comentaram, estavam se sentido frustradas por não saber o que fazer com a
paciente. Essa questão da frustração foi bastante compartilhada por outros
psicólogos. Para um deles, situações que extrapolam a demanda psicológica exigem
do profissional saber lidar com os limites da profissão: querem ajudar de qualquer
forma, mas precisam direcionar para outro profissional aquilo que escapa à alçada
da Psicologia. Reconhecer isso seria difícil pois as esferas do que é psicológico, do
que é social, do que é neurológico, às vezes, se confundem. É preciso conhecer os
limites de cada um, mas ao mesmo tempo trabalhar juntos, dialogar, encontrar um
novo caminho que não necessariamente o atendimento psicológico em si.
Em uma observação foi possível acompanhar uma discussão interessante na
qual a psicóloga escolheu relatar um caso que tem dado certo e não algo
problemático (“como estamos acostumados a falar somente sobre o que errado,
acho interessante hoje a gente falar sobre o que tem dado certo”). O caso apontava
para uma parceria de um PS com um CAPS. Tratava-se de um adolescente
psicótico, com inúmeras tentativas de suicídio, em acompanhamento pelo CAPS.
Numa situação em que cortou os punhos, foi parar no PS e encaminhado para o
atendimento psicológico. A psicóloga fez o acolhimento, mas, ao saber que o
paciente fazia tratamento no CAPS, orientou que se mantivesse acompanhado
naquele local. No entanto, o paciente verbalizou o seu desejo de continuar a ser
atendido também pela profissional do PS. Diante do impasse decorrente da possível
sobreposição de ações, a psicóloga entrou em contato com o psicólogo do CAPS e
eles decidiram respeitar o desejo do paciente, que se “auto-referenciou” aos dois
locais e aos dois profissionais, entendendo que atendê-lo assim poderia ajudá-lo
terapeuticamente e foi justamente isso que se verificou. Desde então, não houve
mais reincidência de tentativa de suicídio. Essa situação levantou a discussão sobre
a questão das referências que extrapolam a territorialização, sendo da esfera do
subjetivo, e que, portanto, exigem dos profissionais e gestores flexibilidade.
82
Em relação à construção da intersetorialidade, a partir da discussão de casos
da RPE, uma psicóloga da educação levantou uma questão relacionada ao papel da
Psicologia na escola: “Tem uma coisa que me preocupa bastante, sabe? Que tempo
de espera é esse da Psicologia na educação? Daqui a pouco, a Psicologia está
virando clínica na escola e a proposta do RPE o é essa...”. Esse questionamento
gerou uma outra indagação no grupo, partindo da psicóloga da saúde, que foi: Mas
então, o que o RPE faz na escola? Explica para a gente!”. Tal questionamento gerou
um certo desconforto nos profissionais da educação, pois pareciam não saber
responder à pergunta. Pareciam saber o que a Psicologia não faz na escola, o que
não pode fazer, mas não o que ela faz. Até que uma das psicólogas arriscou e disse:
“A gente faz interlocução com os professores, com a família, com a direção, grupos
de crianças nos pólos de educação”. Então, o grupo parece ter ficado satisfeito”
com a explanação e compreendido um pouco melhor a proposta do RPE naquele
momento. Aqui verifica-se a dificuldade de saber os limites entre os setores e qual a
função de cada um dentro da rede.
Em relação à gestão do processo de trabalho, surgiu a questão da
possibilidade de gestão autônoma do grupo, qual seja, o funcionamento da
supervisão sem necessariamente a presença de um supervisor e/ou “articulador de
área”. Emergiu visível tensão nos participantes, acentuada quando a supervisora
comunicou que estaria saindo da função de supervisão em breve e que outra pessoa
entraria no seu lugar, embora reiterando que essa passagem seria feita com todo o
cuidado possível. O grupo foi pego de surpresa. Todos ficaram em silêncio até que
uma das psicólogas da saúde falou: “Agora, depois da notícia, me sinto até insegura
porque, sabe, por exemplo, não me sinto segura para atendimento infantil. Me falta
esse respaldo. Então, eu faço acolhimento da criança, grupo de pais, mas não faço
atendimento infantil propriamente dito”. Foi interessante porque a “queixa” dela não
tinha a ver diretamente com a saída da supervisora, mas explicitou o quão
importante se faz a figura do supervisor para a atuação profissional dos psicólogos e
o enfrentamento das variadas dificuldades da prática.
Nesse momento, a articuladora tranqüilizou a todos a respeito da saída da
supervisora e disse que, em relação aos limites dos profissionais, eles precisam
realmente ser ditos: “Os limites são nossos, eles existem, mas o acolhimento precisa
83
ser feito. É isso mesmo, tem que falar. Esse é o espaço”. O grupo pareceu sentir-se
acolhido e realmente mais a vontade para que essas questões fossem expostas com
mais freqüência.
5.1.1.3. Fóruns e Supervisões: singularidades do Município do Rio de Janeiro
Cabe ressaltar o privilégio que os psicólogos desse Município possuem de
agregar em seu cotidiano de trabalho espaços tão ricos e relevantes de discussão
mesmo dentro de um contexto e de uma rede tão complexos. Esses espaços
remetem a elementos da cultura profissional do psicólogo, imprescindíveis para o
desenvolvimento do processo de trabalho, como a troca de idéias e a discussão de
casos.
No momento de conclusão dessa pesquisa (início de 2009), devido à
mudança de governo, vive-se na SMS/RJ um período de incerteza, gerado pelo
processo de transição, em relação ao que acontecerá com os Fóruns e as
Supervisões de Território. A situação não é de alarme, mas remete a toda uma
reflexão sobre o desenvolvimento de Recursos Humanos, a começar pelas
lideranças, cuja inserção é frágil e o vínculo eventualmente precário, e que será
eventualmente alterado e reorganizado.
Diante de tal incerteza, os Supervisores de área fizeram uma carta dirigida
aos trabalhadores em Saúde Mental, à comunidade ampla de trabalhadores de
saúde e à gestão municipal de saúde e de saúde mental colocando as suas
posições em relação a importância das “Supervisões de Território” para o
desenvolvimento do trabalho em Saúde Mental e ao modo como pretendem agir
(FÓRUM NACIONAL DE SUPERVISORES DE CAPS, 2008). (ANEXO C)
Neste documento os Supervisores destacam a particularidade do Município
do Rio de Janeiro em possuir uma prática de supervisão clínico-institucional,
articulada pelo CAPS, e que se estende para todo o território. Diante da incerteza de
continuação das Supervisões, os mesmos ratificam a importância da continuidade
do trabalho, comprometendo-se a não permitir que seja interrompido. Além disso,
84
destacam a implicação da gestão anterior (1993 até 2008) com a valorização do
trabalho da equipe de supervisores, demonstrando compromisso e clareza a
respeito da gravidade da situação e o envolvimento dos profissionais de Saúde
Mental com a luta pela sustentação do Movimento da Reforma, tão importante de ser
mantida.
Não resta dúvida de que as supervisões se constituem como relevantes
espaços para o desenvolvimento do processo de trabalho do psicólogo no Município
do Rio de Janeiro, assim como os Fóruns de Saúde Mental. O relato de um
psicólogo a respeito dessa singularidade do Município também ratifica essa
afirmativa em relação aos Fóruns. Ao participar de um encontro do Núcleo de
Assistência à Saúde da Família (NASF), realizado em Brasília em 2008, tal psicólogo
sugeriu que uma questão emergente numa das conversas fosse levada pelos
psicólogos ao Fórum do Estado em questão e ficou surpreso ao descobrir que os
Fóruns são exclusividade dos psicólogos do Município do Rio de Janeiro:
[...] fui numa reunião em Brasília sobre o NASF e a gente
estava discutindo alguma coisa do NASF não virar ambulatório
e nesse grupo de trabalho eu falei que os psicólogos do
NASF podiam se reportar ao Fórum para que o próprio Fórum
fosse um mecanismo de controle disso. “O que é Fórum?”
Perguntaram as pessoas dos outros Estados. Elas achavam
que era colegiado, gestores e eu disse: “Não, não. É todo
mundo daquela área da saúde”. E eles não sabiam disso. E
que eu descobri que é uma experiência do Rio mesmo. Super
legal descobrir isso e comecei a valorizar um pouco mais os
articuladores. Que legal estar bancando isso, estar levando
isso para frente!
Destacaram-se nas discussões de caso (bem como nas entrevistas com
gestores e articuladores) as dificuldades inerentes a condições desfavoráveis de
trabalho e pressão pelo atendimento da demanda proveniente da clínica da psicose,
tendo em vista o contexto de desinstitucionalização pelo qual vem passando o
Município do Rio de Janeiro desde a década de 90 (REIS, 1996). Por isso, a
importância da continuidade dos Fóruns e Supervisões no sentido de que auxiliam
85
na discussão de processo de trabalho e no acompanhamento dos casos clínicos.
Essas dificuldades foram aprofundadas a partir da percepção dos desafios
enfrentados na prática pelos psicólogos da AP 5, as quais serão detalhadas a seguir.
5.2. Sobre a prática profissional: a percepção dos psicólogos da AP 5 na rede
municipal de saúde do Rio de Janeiro
Partindo das premissas do estudo e de elementos incorporados das
observações e entrevistas, foram elaboradas questões para a realização das
entrevistas com psicólogos da AP 5 que atendiam aos critérios já mencionados.
As entrevistas abordaram temas relacionados à formação e à prática
profissional do psicólogo, tais como: (1) expectativas em relação ao serviço público
antes do ingresso na rede; (2) atividades mais difíceis ou desafiadoras que realizam
nos serviços; (3) percepções sobre as contribuições da formação profissional de
Psicologia para a prática no serviço público de saúde e (4) percepções sobre a
participação nos Fóruns e nas Supervisões de território.
Após a coleta desses dados, os mesmos foram classificados em três eixos
analíticos de acordo com as premissas do estudo: (1) desafios à prática profissional
do psicólogo na rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro, o que inclui,
dentre outros sub-temas, o atendimento à usuários de álcool e drogas, o
atendimento à crianças e adolescentes e o atendimento à neurose grave e psicose;
(2) a relação entre a formação profissional e a prática profissional do psicólogo; (3) a
construção de espaços de educação permanente, o que engloba a participação dos
psicólogos nos Fóruns de Saúde Mental e nas Supervisões de Território no
Município do Rio de Janeiro.
Para a análise final, procurou-se relacionar esses três eixos com a revisão de
literatura e, na medida do possível, com as competências e habilidades gerais dos
psicólogos definidas pelas DCNP (BRASIL, 2004) no intuito de verificar se a prática
incorpora os elementos materializados nas diretrizes (e vice-versa), por exemplo,
nos serviços públicos de saúde.
86
Assim, no primeiro eixo, foram relacionadas cinco das competências gerais
com os temas surgidos sobre os desafios à prática na rede: (1) Atenção à Saúde; (2)
Tomada de decisões; Comunicação e Liderança (juntas); (4) Administração e
Gerenciamento.
O segundo eixo contou com as reflexões sobre a revisão de literatura
realizada sobre a relação formação-prática profissional do psicólogo.
Já no terceiro eixo relacionou-se ao tema dos Fóruns e Supervisões de
Território a sétima competência geral definida pelas DCNP (BRASIL, 2004): a
Educação Permanente.
5.2.1. Desafios à prática profissional do psicólogo no SUS: a visão dos psicólogos da
AP 5 na rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro
O estudo tem como premissa que é necessário à prática profissional do psicólogo no
SUS a construção de intervenções que extrapolem a assistência psicoterápica
individual, tendo em vista as necessidades dos sujeitos e do sistema a partir das
mudanças que vêm acontecendo no modelo assistencial em saúde e da exigência
de novos recursos humanos em saúde (TEIXEIRA & SOLLA, 2005; MACHADO,
2005; RONZANI, 2007).
A partir da inserção no campo, procurou-se identificar, dentre as atividades
desenvolvidas pelos psicólogos na rede básica de saúde, aquelas que
extrapolassem a assistência psicoterápica individual, e os desafios que por ventura
são enfrentados em seu desenvolvimento. Nas entrevistas com os “articuladores de
área”, foram apontados alguns temas como sendo particularmente desafiadores a
prática dos psicólogos no Município, dos quais destacaram-se: (1) o atendimento a
demandas específicas, como à usuários de álcool e drogas, à crianças e
adolescentes e à neuróticos graves e psicóticos; (2) o gerenciamento dos grupos de
recepção; e (3) o desenvolvimento de um trabalho em equipe.
Esses temas foram posteriormente abordados nas entrevistas com os
psicólogos da AP 5 e outros temas surgiram espontaneamente durante as mesmas,
87
sendo apontados como desafios à prática, os quais foram posteriormente
sintetizados como: (4) avaliação, sistematização e decisão de condutas; (5)
demanda reprimida; (6) demanda político-institucional; (7) tempo de atendimento; e
(8) construção de redes e parcerias de trabalho.
Para análise e discussão dos desafios à prática profissional dos psicólogos, optou-se
por associar tais desafios a quatro temas centrais, os quais encontram-se listados
nas competências e habilidades gerais das DCNP (BRASIL, 2004), que são: (1)
Atenção à Saúde; (2) Administração e gerenciamento; (3) Tomada de decisões; e (4)
Comunicação e Liderança, os quais serão apresentados a seguir. Esta decisão
decorreu da percepção que os resultados obtidos podem informar a
operacionalização destas competências e habilidades bem como proporcionar uma
reflexão sobre a adequação do proposto nas DCNP (BRASIL, 2004).
5.2.1.1. Competência Geral: Atenção à saúde
A competência 'Atenção à saúde' é definida pela DCNP, no seu Artigo 4, como o
desenvolvimento de ações de “prevenção, promoção, proteção e reabilitação da
saúde psicológica e psicossocial, tanto em nível individual quanto coletivo” (BRASIL,
2004, p. 205). Aponta para a necessidade de mudanças no modelo tecno-
assistencial, que deve priorizar ações na atenção básica e o cuidado à saúde da
população de acordo com as suas necessidades (BRASIL, 2006; TEIXEIRA &
SOLLA, 2005; MACHADO, 2005), extrapolando os limites do modelo biomédico,
centrado no pronto-atendimento e no atendimento à queixa principal (TEIXEIRA,
2003).
Exemplo dessas mudanças refere-se à lógica dos Programas assistenciais,
que organizavam a prática dos psicólogos até meados da década de 90. Embora
ainda importantes para o sistema, perdeu espaço nos serviços da rede básica de
saúde do Município do Rio de Janeiro. Em concordância com as necessidades de
mudanças no modelo assistencial, o que inclui as mudanças promovidas pelo
movimento de Reforma Psiquiátrica, o trabalho dos psicólogos da SMS/RJ prioriza
88
os atendimentos à casos graves (neurose grave e psicose) no âmbito da atenção
básica (DELGADO, GOMES & COUTINHO, 2001). Assim, pode-se dizer, os
psicólogos (mesmo os com formação mais recente), acostumados à lógica de
participação em Programas, podem ter suas expectativas frustradas quando da
inserção na rede municipal:
Eu trabalhava no pré-natal do Hospital [X] com grupo de
educação em saúde, com gestantes, com outros profissionais
(serviço social, enfermagem, nutrição) (...) Achei um trabalho
muito interessante, muito rico e eu vim nessa expectativa de
também poder fazer isso nos postos de saúde. Eu sabia que
tinha alguns Programas de saúde da mulher, hipertensão (...)
Mas quando eu comecei me disseram que não era
interessante psicólogo na rede fazer esse tipo de trabalho.
Achei até estranho porque eu li várias coisas que falavam dos
grupos e tal. Então eu entendi que teria que se concentrar
mesmo em atender a clientela que vinha, essa demanda de
Saúde Mental. (P
2
)
Por outro lado, cabe ressaltar que, quando interrogados sobre as expectativas
prévias ao ingresso nos quadros do Município, praticamente todos os entrevistados
(em parte devido às referências bibliográficas exigidas pelos concursos),
imaginavam que atuariam em ambulatórios ou CAPS, em grande medida, atendendo
pacientes neuróticos graves ou psicóticos. Essa expectativa refere uma mudança
de pensamento a respeito do direcionamento do trabalho do psicólogo na rede, mas
não evita a manutenção da lógica de atuação do psicólogo em Programas de Saúde
na atenção básica, a qual não atende a contento à demanda político-institucional da
Secretaria Municipal de Saúde no contexto da necessidade de sustentação dos
pilares do Movimento de Reforma Psiquiátrica.
A gica atual é buscar incorporar uma visão biopsicossocial do processo
saúde-doença (ENGEL, 1977), onde os sujeitos supostamente são vistos de modo
integral e, na medida do possível, não são medicados sem antes passar por uma
avaliação criteriosa (mesmo que sua demanda ainda seja, quase sempre, pela
medicação): “A gente tenta sustentar um pouco a escuta, sustentar não entrar com a
89
medicação logo, mas é todo um trabalho difícil mesmo porque a expectativa da
maioria é essa mesmo: buscar medicação” (P
7
).
Observa-se que a população, de modo geral, ainda se pauta na lógica da
medicalização, o que exige todo um trabalho, inclusive do psicólogo, para tentar
mudar essa lógica na direção de uma visão integral do ser humano. O volume dos
atendimentos e a gravidade dos casos, porém, não ajuda. Os psicólogos enfrentam
como dificuldade os limites do ambulatório e do CAPS em promover, por exemplo, a
reinserção social do sujeito. A reflexão de duas psicólogas, uma do ambulatório e
outra do CAPS, respectivamente, abordam essa questão:
A gente está atendendo pacientes que vieram do CAPS, está
atendendo pacientes egressos de internação. Então a gente
atende paciente grave e que tem muitas dificuldades. (...) O
que eu posso fazer com essa pessoa além de estar com ela 30
minutos por semana, entendeu? (...) Tem muita gente com
problemas neurológicos, retardo, autismo (...) e a gente não
sabe o que fazer com essas pessoas que ficam, muitas vezes,
em casa sem fazer nada. No máximo tomando remédio e
dormindo. (P
4
)
Eu imaginava no CAPS que eu 'pegaria' pacientes e trabalharia
individualmente e coletivamente a questão da inserção
psicossocial e você se depara que você tem “300” pacientes no
serviço e você tem que dar conta de todos. Todos são muito
graves e é tudo muito difícil (...). Você não tem como se dedicar
como você ali nos livros e você tem que acabar se
adaptando à realidade. (P
6
)
Outros entraves também prejudicam o processo de reinserção social e o
acompanhamento do tratamento dos sujeitos dentro e fora dos muros dos serviços,
tais como: a falta de recursos materiais, de infra-estrutura e de uma rede articulada e
eficaz. Em relação à falta de recursos materiais, uma das psicólogas do CAPS
relatou:
Eu faço oficina de desenho e muitas vezes eu tenho que
90
comprar do meu bolso papel, lápis, canetinha para eles
poderem fazer a oficina e tudo o mais. Então você se depara
com uma coisa que não é nada romântica. A realidade é bem
dura. (P
6
)
Em relação à falta de infra-estrutura, a mesma entrevistada disse:
Qual o objetivo do CAPS? Tentar trabalhar essas pessoas de
modo que elas sejam reinseridas psicossocialmente e você
se depara que não tem carro. Como você vai fazer uma visita?
Você trabalha com visita. É do protocolo do CAPS. (...) Como
fazer essa visita domiciliar se não tem carro na estrutura? (P
6
)
E no que diz respeito à falta de infra-estrutura, prejudicando a articulação da
rede, uma das psicólogas do ambulatório observa:
O posto tem um telefone que é para tudo. Para falar no telefone
é fila e você fica ali em volta com um 'monte' de gente e não
podendo falar coisas sigilosas [sobre os casos, inclusive] e não
pode contar com isso. Tem que falar na frente de todo mundo,
no telefone, com gente em volta numa sala com fila. (P
4
)
Mesmo diante de tantas dificuldades, é possível fazer com que a atenção à saúde
aconteça e alcance resultados desejáveis, o que, em parte, reflete o empenho de
psicólogos, e de tantos outros profissionais. Nas palavras de uma psicóloga do
CAPS:
Já é um trabalho maravilhoso apesar das condições. Se tivesse
realmente condições, seria uma coisa excepcional. A idéia é
muito bonita, muito interessante e muito encantadora. Tanto
que eu me encantei. Quando eu comecei a estudar para o
concurso eu pensei: “Nossa! eu vou poder participar disso?”
que quando você vai para a prática, você se desencanta um
pouco. (P
6
)
A frustração é grande, mas não chega a encobrir o encantamento com a
proposta. Nas palavras da mesma entrevistada:
Na verdade você entende que você entrou numa luta, tem que
91
lutar para que a Reforma se opere, para que ela se mantenha,
ganhe força Tem que lutar para que o CAPS aos poucos tenha
realmente poder porque você entende, politicamente, que é
uma luta da gente mesmo (...) É o que move, o que mantem a
gente firme nisso e o que mantém a esperança de que a gente
chega lá. (P
6
)
No tocante à reabilitação, os “articuladores de área” mencionaram como desafios à
prática do psicólogo o atendimento à usuários de álcool e drogas, à crianças e
adolescentes e à neuróticos grave e psicóticos, o que, inclusive, levou a SMS/RJ a
oferecer cursos de capacitação relacionados a tais temáticas. Porém, nas entrevistas
com os psicólogos, observou-se que poucos (dois) mencionaram, espontaneamente,
algum desafio no atendimento a tais demandas. Quando mencionadas, tais
dificuldades estariam atreladas a três fatores: (1) falta de experiência anterior e
durante a graduação; (2) falta de tempo para a reflexão e o estudo dos casos e (3)
falta de recursos materiais.
Por exemplo, uma das características do atendimento de usuários de álcool e
drogas, é que, frequentemente, a procura pelo serviço é realizada por um familiar em
busca de internação (para minimizar o sofrimento da família). Como dificilmente o
próprio usuário procura o serviço, a continuidade do processo terapêutico é
dificultada. Nas palavras de uma psicóloga do ambulatório:
A gente recebe muitos trazidos pela família porque está usando
drogas. É pedido para internar, aquela coisa desesperada para
internar e é uma questão: Interna ou não interna? Nem é tão
fácil internar e a compulsão da droga é uma coisa muito
imediatista. As pessoas são trazidas pelos familiares. Não o
elas que procuram e acaba não sustentando [o tratamento],
não continua. (P
7
)
No atendimento aos usuários de álcool e outras drogas, os psicólogos tentam
ouvir o sujeito e compreender qual o lugar da droga na sua vida. Ao invés de
trabalhar com a lógica tradicional do tratamento e da 'cura' da doença, investem na
relação, no cuidado e na escuta, buscando entender o contexto social no qual esse
sujeito está inserido: “Tem a questão da droga, mas ali, na escuta, localizo outras
92
questões que venham do sujeito. A droga tem um lugar para aquele sujeito. É um
elemento que está ali, mas eu escuto mais que questões esse sujeito traz, um pouco
além das drogas”. (P
2
)
Semelhante ao atendimento à usuários de álcool e outras drogas, a demanda
por atendimentos para crianças e adolescentes, também é realizada, em sua
maioria, pelos familiares. Isso exige dos psicólogos um tempo para compreender
qual é a queixa e de onde parte a demanda: dos pais, da escola ou da criança/
adolescente. Uma das entrevistadas observou: “muito da demanda de adolescente
são os pais que trazem e, como o adolescente consegue dizer por si, tem que ver
se tem condições de trabalho a partir da demanda do adolescente. São poucos os
que vêm espontaneamente”. (P
1
)
Já em relação ao atendimento de criança, outra entrevistada relatou:
Atendimento de criança requer mais tempo. Tem essa questão
de trabalhar com os pais também, fazer a análise da demanda
(...) Tem que ver a criança também. Não para dizer que
simplesmente é uma questão dos pais. A questão é tempo,
tempo de escuta e eu não sinto esse tempo. (P
2
)
No geral, os psicólogos entrevistados referiram, espontaneamente, gostar de
atender crianças e adolescentes. Porém, para alguns deles, a primeira experiência
com esta clientela foi no Município, o que pode ter causado uma certa insegurança
inicial, amenizada com o decorrer do tempo:
Para mim, o primeiro desafio foi atender criança. Eu nunca
tinha atendido criança. E a Secretaria chegou e disse que tinha
que atender “qualquer coisa”. E eu pensei: “Atender criança?
Mas eu não me preparei!” (...) [Depois] eu passei a achar isso
tudo muito legal. (P
3
)
Somado ao fator inexperiência, foram mencionados os casos graves (como
retardos e autismo) como desafios: “os casos infantis graves, os retardos, autismo
são desafios contantes para o ambulatório. (...) Aparecem esses casos graves e
você não sabe o que fazer” (P
3
). Esse aspecto parece estar associado com a
insuficiência de conteúdo da graduação no que diz respeito a tais necessidades de
saúde, o que dificulta, inclusive, a formulação de uma hipótese diagnóstica, o que é
93
bastante complicado para um profissional que lida com a saúde: “A primeira criança
que eu atendi, na verdade, tinha seu diagnóstico de autista. Nem sei se era
autista, mas não falava” (P
3
).
Tal despreparo acadêmico associado com a falta de infra-estrutura e de
recursos tende a causar sofrimento no profissional: “Era numa sala pequena, menor
do que essa aqui, e entrava a criança e eu me perguntava: “O que fazer? O que eu
tenho aqui para lidar com isso?” Fiquei muito perdido, muito angustiado. (...) Foi
muito desafiador e angustiante. (P
3
)
Essas dificuldades tendem a levar o profissional a um sentimento de
frustração e fracasso diante de casos difíceis: “Eu acho que não fiz um bom
trabalho. A sensação que eu fiquei do atendimento foi de um grande fracasso. Nesse
caso eu não sei o que aconteceu. Ainda bem que [o paciente] foi embora. É nesse
nível”. (P
3
)
no atendimento à neurose grave e psicose, demanda priorizada pelo
contexto político da SMS/RJ, os psicólogos enfrentam a frustração pelo fato do
atendimento não se sustentar por muito tempo (os pacientes não retornam ao
serviço) ou porque os pacientes são muito prejudicados pelo longo processo de
internação, o que exige um enfrentamento emocional diante do contexto agravado
pela falta de recursos:
A gente lida o tempo todo com a frustração (...) São casos
muito graves que, às vezes, passaram muito anos
institucionalizados e você que a instituição destruiu aquele
ser humano. Você tem que olhar para aquilo e tem que
aprender a lidar com isso através desses recursos que a gente
tem e, às vezes, a gente não tem um aparato tão bem
estruturado como deveria ter. (P
6
)
Como desafios encontrados pelos psicólogos em termos de atenção à saúde,
visando a promoção, prevenção e cuidado à saúde integral do ser humano,
destacam-se: a falta de tempo para reflexão, a falta de recursos materiais e a falta
de experiência anterior à entrada no serviço público. Isso implica, por exemplo, na
necessidade de um esforço maior do Município no sentido de investimento financeiro
e em um maior quantitativo de recursos humanos para enfrentar a 'pressão' exercida
94
pela demanda por atendimento.
5.2.1.2. Competência Geral: Administração e Gerenciamento
A gestão dos serviços pelos psicólogos da AP 5 da rede básica de saúde do
Município do Rio de Janeiro é o objeto deste item. De acordo com as DCNP, a
competência 'Administração e Gerenciamento', que deve ser desenvolvida nos
psicólogos durante a graduação, define-se pela capacidade destes profissionais de
“tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração da força de trabalho, dos
recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar
aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou líderes nas equipes de
trabalho” (BRASIL, 2004, p. 205).
Desde o gerenciamento da porta de entrada até a tomada de decisão pelo tipo de
atendimento mais adequado às necessidades do sujeito que procura pelo serviço, os
psicólogos da rede municipal de saúde do Rio de Janeiro têm relativa autonomia
para a condução do processo de trabalho, mas, nem por isso, deixam de enfrentar
desafios no seu cotidiano. Em relação à organização do serviço, por exemplo, uma
das psicólogas relatou:
Estou ainda tentando entender o que eu posso fazer, como vou
organizar o meu trabalho e como eu vou lidar com isso tudo.
Está sendo difícil. (...) Eu preciso ter um olhar mais amplo do
que é isso que 'pede' psicólogo. Estou pensando em
estratégias, mas eu também tenho que me permitir poder errar,
poder inventar. Mas isso tem sido estressante, confesso. (P
2
)
No gerenciamento e administração do trabalho, os psicólogos lidam com o
desafio do manejo das demandas do indivíduo (assistência, escuta, acolhimento) e
do sistema de saúde (política, articulação de rede, intersetorialidade), o que
demonstra uma tensão entre a intenção (o que gostaria de fazer, como, por exemplo,
95
atender a todos) e o gesto (a impossibilidade de atender a todos os casos que
chegam). A fala de uma das psicólogas entrevistadas ratifica isso:
No momento eu me encontro tendo que construir a minha
prática dentro do posto mediante essas demandas tanto da
clientela, quanto das políticas de saúde, quanto das outras
unidades que ligam para mim e é um 'baque' porque uma coisa
é o que você imagina como vai ser o seu trabalho e outra coisa
é a realidade do dia-a-dia do serviço e para mim tem sido difícil.
(P
2
)
Outro desafio relatado pelos psicólogos diz respeito à administração dos grupos de
recepção, responsáveis pela manutenção das portas dos serviços sempre abertas à
população. Uma das entrevistadas, quando interrogada sobre os desafios da prática,
relatou espontaneamente a sua dificuldade de manejar os grupos de recepção, o
que também foi apontado por outros como sendo um dos principais desafios da
prática:
[Uma dificuldade], sem dúvida, [é] o grupo de recepção. Sem a
menor sombra de dúvida. Acho que porque manejo de grupo é
uma coisa que para mim é difícil. Tinha essa atividade na minha
especialização, mas desde eu trago essas questões. É uma
diversidade muito grande de pessoas, nem todos se sentem a
vontade de estar em grupo. Manejar isso é difícil. (P
1
)
Os grupos são iniciativas relativamente recentes na rede (TENÓRIO,
OLIVEIRA & LEVCOVITZ, 2000), podendo ainda não fazer sentido para os
psicólogos. Como colocado por uma das psicólogas entrevistadas:
Disseram que tinha que fazer grupo de recepção. Como é?
Junta as pessoas e cada um fala por que foi procurar? Aí,
quer dizer, você junta as pessoas para trabalhar
individualmente? É para juntar mais gente para otimizar o
tempo, né? Isso para mim não faz o menor sentido. Para mim,
fazer um grupo é trabalhar em grupo. fiquei um tempão
sem fazer porque não estava fazendo sentido para mim. (...)
Como é que eu vou fazer uma coisa que não está fazendo
96
sentido para mim ainda? (P
2
)
Encontrar formas eficazes de agendamento para os grupos também tem sido um
dos desafios relativos ao gerenciamento do trabalho na rede. O desafio é
estabelecer uma estratégia de agendamento de modo que os grupos não percam o
sentido. Conforme relato de uma das psicólogas:
(...) a gente começou a marcar a medida que as pessoas iam
batendo na porta, mas ficava distante. As pessoas esqueciam,
perdia o sentido (...). A gente vem tentando vários ensaios e
erros para ver de que forma mais certo. (...) a gente
tentou marcar de seis em seis meses e mesmo assim
continuava distante. (P
1
)
Dada a dificuldade de encontrar uma lógica mais ágil para o agendamento, os
psicólogos lidam com particularidades de cada grupo:
(...) Tem grupo que 'bomba', vem todo mundo e tem grupo que
vem uma pessoa e, às vezes, é um grupo que foi marcado
recentemente. A gente está tentando entender a lógica que
permeia a freqüência das pessoas no grupo. Tem grupo que foi
marcado há um mês atrás e não vem ninguém e tem grupo que
foi marcado quatro meses atrás e vem todo mundo. (P
1
)
Uma vez enfrentada a dificuldade do agendamento, os psicólogos precisam
lidar com o desafio de agendar as pessoas para atendimento individual (ou grupal)
após o término do grupo de recepção, o que torna-se uma tarefa, muitas vezes,
penosa tendo em vista a falta de vagas nos serviços. Conforme relato de uma das
psicólogas entrevistadas:
A gente tem que manter um serviço aberto, mas findo o grupo
de recepção a gente tem a questão das vagas para
atendimento individual que depende de alta e, como a gente
atende paciente grave, alta é uma coisa que demora. (P
1
)
Subjacente ao manejo dos grupos de recepção, encontra-se a questão da demanda
reprimida. A insuficiência do sistema em acolher todos os sujeitos que o procuram,
leva ao surgimento de um excedente que, por não ser acolhido, torna-se reprimido,
97
gerando vários problemas, tais como: (1) tensões nos profissionais, pois não sabem
mais o quê e de que modo dizer aos pacientes sobre a impossibilidade de atendê-
los; (2) crescente número de pessoas aguardando atendimento, mesmo que
amenizado pelo agendamento dos grupos de recepção a cada mês; e (3) desistência
de muitas pessoas que, se fossem atendidas no momento da procura, poderiam ser
beneficiadas pelo processo terapêutico.
Alguns entrevistados, antes de ingressarem na rede, imaginavam esse problema
da demanda, mas outros não. Em relação às tensões provocadas nos profissionais
diante da demanda reprimida, uma das psicólogas relatou o seguinte:
Eu não imaginei que fosse assim: essa 'avalanche' de
demandas. Eu achei que seria mais tranqüilo. (...) Vem
demanda de todos os tipos e como eu vou acolher todo
mundo? Vou atender individualmente todo mundo e 'trabalhar'
todo mundo até um dia atender aquele que está no final
esperando há meses? Como vou fazer circular? Essas pessoas
têm que chegar até a mim para eu poder ouvi-las. Não
necessariamente eu vou acolher, fazer um tratamento, mas
essas pessoas precisam chegar de alguma forma. (P
2
)
A frustração gerada pelo fato de negar atendimento é patente:
(...) já imaginava uma certa precariedade, uma certa demanda,
que eu não daria conta das pessoas que batem na porta.
Aquele sofrimento de, muitas vezes, dizer para um paciente que
se beneficiaria de uma terapia que eu não poderia privilegiar o
caso dele porque eu preciso privilegiar casos mais graves, mas,
no entanto, a pessoa precisa, mas eu estou sem vaga no
momento. Então eu tenho essa ingrata tarefa. (P
1
)
Para lidar com o problema da demanda reprimida, os psicólogos têm lançado
mão de estratégias, que nem sempre são eficazes tendo em vista que as urgências
não têm hora para acontecer. Os psicólogos reservam um horário na agenda para o
que chamam de “plantão”, caso apareça alguém que esteja aguardando pelo
atendimento, mas que precise de um atendimento urgente”: “A gente deixa um
horário curinga para fazer plantão. que as emergências não surgem no nosso
98
horário curinga” (P
1
). Ou fazem encaminhamento para clínicas sociais ou SPA de
Universidades públicas e particulares:
Como na 'fila de espera' as pessoas ficavam muito tempo
esperando atendimento, a gente costuma encaminhar para
Universidades, clínica social. A gente conhece uma pessoa
aqui perto que atende a preços populares. Enfim, a gente tenta
dividir com o paciente, com muita transparência, porque eles
têm direito de estar aqui mas, no entanto, a gente explica a
lógica que a gente está usando para poder dizer o que a gente
está dizendo, mas não acho que seja uma tarefa confortável.
(P
1
)
A demanda reprimida, portanto, acarreta prejuízos tanto para o sistema
quanto para os indivíduos, pois tendem a exigir dos psicólogos cada vez mais
resistência física e mental para o atendimento de muitas pessoas no mesmo dia:
De repente, com o tempo, eu consigo entrar nesse esquema
louco de '1000' pessoas por dia. Daqui a pouco minha cabeça
acostuma e eu fico mais resistente, meu cérebro agüenta mais
ou então vou fazer um trabalho de atropelar e ir atendendo sem
pensar. Eu me questiono também como dar conta disso e
manter a qualidade do trabalho e isso me angustia. (P
2
)
Associados à demanda reprimida aparecem o fator tempo e as pressões políticas. O
tempo de atendimento vem sendo cada vez mais comprimido, gerando sobrecarga
de trabalho e um tempo mínimo para reflexão dos casos atendidos, podendo
prejudicar, inclusive, a qualidade da assistência:
Eu o tenho esse tempo [de reflexão para os casos] porque é
um atrás do outro. É um paciente atrás do outro. (...) Gostaria
de ter mais tempo entre um atendimento e outro para poder
pensar (...). Quando um paciente falta, o que poderia ser um
tempo para escrever, é um tempo que eu quero ficar parada,
quero relaxar a cabeça. Eu atendo, por dia, 10 pessoas e isso
para mim é demais. Eu estava acostuma a atender 4, 5, fazer
um grupo e ali [no posto] não: é 'pauleira'. Às vezes, as coisas
99
acontecem e eu não tenho tempo de pensar e isso me
incomoda. (P
2
)
Outra psicóloga compartilha a sua preocupação com a manutenção da
qualidade da assistência:
(...) Como vou fazer uma coisa de qualidade se eu atendo uma
'avalanche' de pessoas, as quais eu atendo direto sem parar
para pensar? Como vou fazer rede, pensar o caso? Porque as
coisas não estão prontas na sua cabeça. É preciso um tempo
para digerir o que está acontecendo. Tem o tempo das
sessões, mas eu acho que eu não estou conseguindo
gerenciar isso tudo ainda. (P
5
)
Para lidar com a falta de tempo, alguns psicólogos também vêm encontrando formas
não tão saudáveis e adequadas, como, por exemplo, falar para um paciente, que
está precisando de uma escuta “urgente”: “Volta segunda-feira meio-dia, que é meu
horário de almoço” (P
2
). Desse modo, às vezes, o próprio horário da refeição é
consumido no atendimento da demanda reprimida.
A 'pressão' da coordenação pela manutenção da porta de entrada aberta e
assistência prioritária a casos graves de neurose e psicose, também suscita alguns
questionamentos por parte dos psicólogos, que, por vezes, não se sentem a vontade
ou adequadamente preparados para atender qualquer tipo de demanda ou manejar
alguma técnica, mas que, para atender a demanda institucional, precisam realizar,
por exemplo, os grupos de recepção.
Em relação à exigência da Coordenação pelo atendimento dos diversos tipos de
demanda, uma das psicólogas esboçou a sua opinião, da qual outros psicólogos
entrevistados também compartilham:
Tem isso também de ter que estar aberta a todo tipo de
demanda: psicótico, autista, álcool e drogas. escutei isso:
“Tem que receber tudo. Como é que um profissional não quer
atender criança?” Acho que cada profissional tem suas
questões e seus limites. Como assim atender tudo? Como é
que eu vou atender um caso de autismo infantil? Ainda não
chegou, mas eu nunca atendi uma criança autista. É muito
100
novo para mim. Vou fazer supervisão, vou buscar os meios
para lidar com isso, mas tem gente [para quem isto] não é
possível, não está afim, entendeu? Mas não: “vocês têm que
dar conta”. (...) E eu estou trabalhando isso: até onde eu
posso responder, até onde eu quero responder. (P
2
)
Assim, o contexto do Município do Rio de Janeiro suscita reflexões sobre a
necessidade de um tempo maior para a administração e o gerenciamento das ações
e serviços, permitindo que os psicólogos se sintam mais seguros para a realização
de atividades novas e desafiadores. A execução de atividades que extrapolam a
assistência psicoterápica individual, podem não fazer parte do repertório de práticas
até então vivenciadas pelos psicólogos e que, apesar de sua eventual boa vontade,
fazem parte de um mundo ainda desconhecido.
5.2.1.3. Competência Geral: Tomada de decisões
As DCNP (BRASIL, 2004) direcionam a tomada de decisões” para especificar a
capacidade de avaliar, sistematizar e decidir pelas condutas mais adequadas com
base em evidências científicas.
A tomada de decisões também emergiu como sendo um dos desafios à
prática dos psicólogos na rede. Diversos casos suscitam dúvidas nos profissionais
sobre qual conduta seria mais adequada, como por exemplo: a avaliação e escolha
de casos mais graves e/ou de urgência que deveriam ser priorizados para
atendimento; a conduta frente a um caso, cuja necessidade ainda não está clara e a
avaliação dos casos que precisam ou não serem medicalizados.
A escolha dos casos que devem ter o atendimento priorizado pelos
psicólogos, remete a dilemas sobre quem sofre mais, ou seja, à necessidade de
medir o sofrimento do 'outro', por exemplo:
Uma paciente que vem dizer que entrou numa escola (...) e
tinha muita dificuldade de relacionamento com as pessoas. Ela
se sentia discriminada, se sentia diminuída perante os colegas
101
porque ela estudava e trabalhava. A convivência ficou muito
complicada e largou a escola. Tentou voltar pela segunda vez,
mas não conseguiu pelo mesmo motivo. A vida dela estava
parada. Não pensava em morte, mas a vida estava parada. A
menina precisava de uma psicoterapia (...) Tem uma dificuldade
na vida que está atrapalhando a vida toda. Caso sofrido que
precisa de atendimento, mas não tem vaga. É difícil porque
quem sou eu para dizer quem sofre mais ou sofre menos. A
gente faz uma avaliação de risco. Eu me sinto uma vendedora
de seguro, às vezes, mas enfim. (P
1
)
Em casos onde o psicólogo não se sente seguro para o atendimento da
demanda, como, por exemplo, em casos de autistas (bastante mencionado pelos
psicólogos), a tomada de decisão em relação à conduta também fica prejudicada:
Estou com um caso de um autista de 27 anos e nunca atendi
autista. É uma coisa completamente nova para mim. Estou
completamente perdida. Eu não sei que direção dar a esse
atendimento. Estou sendo honesta. (...) Estou assim: sem
saber. (P
2
)
A avaliação e decisão de encaminhamento para a medicação também se
coloca como desafio para os psicólogos já na recepção:
A recepção é uma das atividades mais difíceis por ter que
acolher, o que é muito importante, mas ao mesmo tempo o que
você vai estar podendo depois oferecer e avaliar. (...) O que é
uma emergência? O que é urgência? O que tem que ser
medicado? O que pode aguardar um pouco? Tudo isso para
mim ainda é um pouco difícil, mas eu tenho tentado conversar
um pouco com a equipe, tenho tentado trocar, ir aprendendo e ir
levando isso. (P
7
)
Assim, pode-se observar que, mesmo indiretamente, os psicólogos fazem
referência à importância de um trabalho em equipe, da construção de redes e da
realização de parcerias de trabalho para auxiliar no desenvolvimento do processo de
trabalho, o que será discutido a seguir.
102
5.2.1.4. Competências Gerais: Comunicação e Liderança
O trabalho em equipe, a construção de redes e de parcerias de trabalho pelos
psicólogos entrevistados são os objetos deste item. Conforme preconizado pelas
DCNP (BRASIL, 2004), a competência “Comunicação” se refere à acessibilidade dos
psicólogos na interação com outros profissionais e o público em geral e a
competência “Liderança” ao preparo do psicólogo para assumir posições de
liderança no trabalho em equipe, sempre visando o bem estar da comunidade.
Na literatura, o trabalho em equipe é considerado uma estratégia para superar o
conhecimento e a intervenção em aspectos individualizados das necessidades de
saúde, a partir da abordagem simultânea da articulação das ações e dos saberes
(PEDUZZI, 2001).
Mesmo sendo um desafio à prática do psicólogo no Município do Rio de Janeiro, o
trabalho em equipe, a construção de rede e de parcerias de trabalho são
consideradas imprescindíveis para o desenvolvimento do processo de trabalho na
rede.
Na rede básica de saúde, obstáculos ao trabalho em equipe surgem no sentido de
que nem sempre é possível conciliar cotidianamente um trabalho no ambulatório, na
maioria das vezes com constrangimentos de tempo, com a interlocução com outras
categorias profissionais dos serviços. No entanto, os psicólogos consideram de suma
importância a construção de um trabalho em equipe: “Essa coisa da equipe é muito
importante, dá um certo apoio. Até discutir casos. Uma espécie de supervisão mútua,
um lugar para falar dos casos” (P
3
); “Eu gosto de poder compartilhar as coisas, de
não me sentir só”. (P
4
)
Porém, o trabalho em equipe pode se dar tanto internamente ao serviço como
103
externamente, o que constitui as redes e as parcerias de trabalho, formando o que
poderia se denominar “equipes ampliadas de saúde” no sentido de extrapolarem o
âmbito da unidade a qual pertence o profissional.
Os psicólogos têm contribuído para a construção das redes, tanto internamente
quanto externamente ao serviço, processo fortalecido pelos Fóruns de Saúde Mental
e “Supervisões de Território”.
As falas remetem à importância dos Fóruns e das Supervisões por
propiciarem a troca de informações, discussão de idéias e intercâmbio entre os
diferentes saberes:
Essas são as oportunidades que a gente tem para entender
melhor de que forma os outros serviços estão vendo o meu e
de que forma eu posso me articular com os outros porque não
para atender um paciente psicótico sem conversar com um
psiquiatra porque esse paciente certamente vai entrar em crise
e eu vou precisar conversar com alguém. Eu não vou dar conta
dele sozinha no ambulatório. Até mesmo para saber o que eu
faço, para onde eu mando, qual é o pacto. (P
1
)
Os psicólogos encontram desafios para saber como a rede funciona e com quais
recursos podem de fato contar: “O que dificulta muito o nosso trabalho é a questão
da rede não funcionar porque no papel as leis do SUS, da rede, são muito lindas,
mas quando a gente vai para a realidade...”. (P
6
)
Apesar de todas as dificuldades, que se reconhecer as várias atividades
realizadas pelos psicólogos, inclusive as que extrapolam a assistência psicoterápica
individual, numa rede de saúde tão complexa como a do Município do Rio de
Janeiro. Muitos são os obstáculos, mas muitas também são as conquistas dos
psicólogos que, paulatinamente, têm descoberto interessantes espaços de atuação
na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro. É preciso que o Município continue
incentivando as políticas de saúde e que os órgãos formadores se alinhem cada vez
mais com a realidade do sistema de saúde vigente, diminuindo as discrepâncias
ainda existentes entre teoria e prática profissionais, o que será discutido a seguir.
104
5.2.2. Implicações da formação para a prática profissional do psicólogo no SUS
Observa-se um descompasso entre a formação e a prática profissional do
psicólogo no que condiz à atuação nos serviços públicos de saúde. Vários autores
apontam que a formação acadêmica recebida pelos psicólogos não os prepara
adequadamente para responder às demandas do SUS (DIMENSTEIN, 1998, 1988a,
2000, 2001, 2003; LIMA, 2005; SPINK, 2007).
Um dos objetivos do estudo foi o de problematizar as percepções dos
psicólogos da rede básica de saúde do Município do Rio de Janeiro sobre a
preparação do psicólogo para a atuação nos serviços públicos de saúde. Vários
psicólogos disseram espontaneamente que a graduação não prepara a contento
para a atuação nos serviços públicos de saúde: “Acho que na graduação não tem
nenhum preparo para isso” (P
5
).
Porém, mudanças exigidas dos órgãos formadores têm ocorrido
gradualmente (RONZANI, 2007). Exemplo disso são os pontos positivos da
formação em Psicologia referidos pelos psicólogos entrevistados. Dentre eles
destacam-se o fato da presença de leituras críticas sobre a Saúde durante a
graduação e a possibilidade de cursar disciplinas eletivas e de participar de
discussões sobre temas relacionados à Saúde Pública.
Nas entrevistas, surgiram temas relevantes a respeito da relação teoria-
prática profissional nos serviços públicos de saúde, tais como: (1) importância da
prática profissional nos serviços públicos de saúde, na graduação e pós-graduação
(estágio, especialização ou residência); (2) inadequação do conteúdo curricular de
Psicologia à visão da prática nos serviços públicos de saúde; (3) transposição
indevida do modelo de atendimento privado e liberal para os serviços públicos de
saúde. Esses temas, apresentados a seguir, apontam para a readequação da
formação profissional em Psicologia para a preparação para a prática no SUS.
Nas entrevistas com os psicólogos emergiu a importância da realização de
estágios na graduação, ou cursos de especialização ou residência, para a
preparação do profissional para atuar no SUS. A fala de duas psicólogas
entrevistadas exemplificam tal questão: “Eu acho que eu me preparei para trabalhar
105
no serviço público na residência porque se não fosse a residência, coitada de mim”
(P
1
); “Se não fosse a residência, estaria completamente perdida. Seria muito mais
complicado” (P
5
).
Tal preparo profissional para o SUS inclui, por exemplo, adequar a expectativa
do que seria encontrado nos serviços públicos e ampliar o conhecimento sobre
como se organizam os serviços. A realização de estágios e/ou cursos em unidades
do SUS possibilita a passagem por diversos contextos de prática, preparando o
profissional para uma atuação futura: “Não foi muito surpresa para mim por conta
dessa especialização em Saúde Mental que se dava nos serviços do Município.
Como passei por muitos serviços distintos, eu mais ou menos esperava, eu sabia o
que esperar” (P
1
).
Alguns psicólogos relataram, espontaneamente, que o conhecimento do SUS
e do funcionamento dos serviços se deu a partir de experiências práticas, pois o
conteúdo curricular não contempla, suficientemente, o debate de temas implicados
na atenção às necessidades de saúde da população brasileira (ANDRADE &
MORATO, 2004; DIMENSTEIN, 1998). Na fala de uma das psicólogas entrevistadas:
Como se organizam [os serviços de saúde] eu fui conhecer
quando fiz estágio no Hospital Psiquiátrico [X]. que eu fui
tomando conhecimento de como funcionava o projeto
terapêutico, desinstitucionalização, trabalhar com equipe
multidisciplinar. Foi muito na prática. (P
2
)
Ao contrário, quando o psicólogo não tem contato com a prática no serviço
público de saúde, a tendência é um grau de frustração maior:
Como eu não tive contato prático durante a graduação (...) em
Saúde Mental, (...) a minha visão era ainda acadêmica, dos
livros que você e acha maravilhoso (...). Você fica muito
nesse mundo acadêmico e quando você vai para a prática
destoa muito. (...) A realidade é muito distante da prática em si.
(P
6
)
Aprofundar a questão do currículo de Psicologia não é o intuito desse estudo.
Porém, durante as entrevistas, alguns psicólogos fizeram referência à inadequação
do conteúdo curricular da graduação em Psicologia, em termos de disciplinas
106
cursadas. Na visão de vários autores (DIMENSTEIN, 1998, 2003; LIMA, 2005;
JESUS, 2005), o currículo tradicional não inclui disciplinas que facilitam a prática do
psicólogo no SUS, o que condiz com a percepção de psicólogos entrevistados: “Hoje
em dia o currículo tinha que ser todo revisto. Você sai da faculdade achando uma
coisa e a vida prática da Psicologia, do mercado da Psicologia, não se encaixa
nesse romantismo que se propõe na faculdade” (P
6
).
Os entrevistados informaram que estudaram bastante Psicanálise na
graduação, o que também é um dos conhecimentos exigidos para a prática nos
serviços públicos de saúde, mas não estudaram a contento, por exemplo, os temas
da Reforma Psiquiátrica e da Saúde Pública. “Estudei na Universidade [X] e não
tinha praticamente nenhuma disciplina que falasse de Saúde Pública e de Reforma
Psiquiátrica” (P
3
).
Em relação ao conhecimento dos serviços públicos de saúde e do SUS, uma
das entrevistadas relatou o seguinte:
fui descobrir o que era [o serviço público de saúde] quando
fui fazer estágio porque nas matérias da minha graduação o
tinha nada orientado para essa prática no serviço público, das
políticas de saúde. Eu não tive nenhuma matéria que discutisse
isso. Eu só fui conhecer o SUS quando fui fazer concurso
público. (P
2
)
Pode-se dizer que essa questão é bastante complexa e preocupante, pois
supõe-se que a graduação em Psicologia não oferece o suporte necessário para
preparar o psicólogo para uma prática tão importante como a atuação nos serviços
públicos de saúde, o que demanda maior problematização pelas instâncias da
Educação e da Saúde.
Outro ponto destacado pelos psicólogos e que reflete o descompasso entre a
formação e a prática do psicólogo diz respeito à tendência das graduações em focar
mais na transmissão de conhecimentos relativos à assistência psicoterápica
individual, qual seja, visando a mudança de comportamento ou de estado emocional
do sujeito e, na maioria das vezes, fazendo uso da vertente psicanalítica
(DIMENTEIN, 1998). Na visão de uma das psicólogas entrevistadas:
Eles [os órgãos formadores] trabalham na maioria focados para
107
uma linha da Psicanálise, a linha clínica, e você fica muito
focado nisso. depois que você sai da graduação é que você
percebe os vários campos e a amplitude que a Psicologia tem,
os seus diversos campos de atuação. (P
6
)
Somado à essa ênfase na assistência psicoterápica individual durante a
graduação, existe a questão da transposição indevida do modelo de consultório
privado e liberal para os serviços públicos de saúde (DIMENSTEIN, 1998, 2003). De
acordo com um dos psicólogos entrevistados: “A ênfase [da faculdade] era muito na
clínica, no consultório particular. (...) É uma ênfase muito privatista, de ter que
transportar os modelos do atendimento privado para o atendimento público” (P
3
).
Outra psicóloga entrevistada ratifica a importância da experiência anterior nos
serviços públicos como uma forma de evitar certos equívocos na prática ou, pelo
menos, de tentar evitá-los. Segundo relato dessa psicóloga: “Se não fosse a
residência, coitada de mim. Eu transporia um certo modelo de consultório particular
para o serviço público e estaria infeliz aqui achando que estou fazendo menos do
que deveria” (P
1
).
5.2.2.1. Pontos positivos da graduação em Psicologia e a Educação Permanente na
preparação para a atuação no SUS
Apesar de tantas dificuldades à adequação da formação à prática nos serviços
públicos de saúde, que se destacar os pontos positivos do processo formativo de
Psicologia expostos pelos psicólogos entrevistados.
Uma das psicólogas valorizou a visão crítica estimulada pelo curso de graduação a
partir de algumas leituras, mesmo com a dificuldade de relacionar a teoria com a
prática:
A formação do psicólogo é muito... não é que não seja boa
porque muitas coisas que eu li me deram uma base para ter
uma visão crítica a respeito de muitas coisas que eu vivo na
experiência. Acho que isso foi importantíssimo, mas eu acho
108
que as vezes não linka a experiência com a teoria. (P
2
)
Outra psicóloga fez referência ao fato da sua faculdade ter possibilitado a
discussão de temas relacionados à Saúde Pública e destacou a importância dos
estágios para preparar para a prática profissional:
Eu estudei numa Universidade onde a gente discutia muito
essas coisas e eu acho que o que ajuda são os estágios
também. O estágio no serviço público é fundamental (...). Eu fiz
duas vezes e foram fundamentais na minha vida para conhecer
as entrelinhas do Sistema. (P
4
)
Duas psicólogas fizeram referência a disciplinas sobre a Reforma Psiquiátrica
e à possibilidade de realização de disciplinas eletivas sobre a Saúde Pública: “Na
formação, busquei fazer matérias mais voltadas para a Saúde Mental, que falavam
um pouco das políticas públicas. Tinha a opção de fazer essas matérias como
eletivas” (P
7
).
Ou seja, se observa uma tendência gradativa das Universidades em incluir
conteúdos sobre a Saúde Pública, talvez como conseqüência, em parte, dos
espaços que vêm sendo conquistados pelos psicólogos no SUS assim como os
merecidos reconhecimentos pelas práticas desenvolvidas pelos psicólogos na rede
pública de saúde no contexto do Movimento de Reforma Psiquiátrica.
Porém, também envolve, como era esperável, a temática da Educação
Permanente, definida pelas DCNP (BRASIL, 2004) como a capacidade que os
psicólogos devem desenvolver para serem capazes de aprender continuamente, na
formação e na prática, demonstrando compromisso com a sua educação e das
gerações futuras.
A partir das observações realizadas nos Fóruns de Saúde Mental e nas Supervisões
de Território do Município do Rio de Janeiro, chegou-se ao entendimento de que
esses espaços se caracterizam como importantes iniciativas para a construção de
um processo de Educação Permanente na rede municipal de saúde do Rio de
Janeiro.
Um dos objetivos da Educação Permanente diz respeito à implicação dos sujeitos
com o seu próprio processo de trabalho, o que envolve a discussão do
desenvolvimento do processo de trabalho e a reflexão de si enquanto produtor de
109
cuidado em saúde (CECCIM, 2005b). Diante de tantos desafios colocados à prática
profissional, faz-se necessário uma constante reflexão de modo a encontrar meios
para lidar com as condições de trabalho, por vezes, adversas e, desse modo,
sustentar o trabalho no SUS. Como colocado por uma das psicólogas entrevistadas:
Eu acho que na Saúde Mental, pelo menos no Rio, se discute
muito processo de trabalho e acho que isso ajuda a sustentar o
trabalho nessas condições adversas. Discute-se fluxo, missão,
no sentido do que a gente vai precisar priorizar, quem está
atendendo o que, onde está o 'furo' disso tudo, o que a gente
vai precisar fazer para tentar melhorar. (P
1
)
As discussões que acontecem nos Fóruns, por exemplo, permitem o
aprendizado de novas perspectivas de trabalho e de modos de gerir a prática
através da troca de idéias:
O aprendizado se na medida em que entro em contato com
outras perspectivas diversas das minhas que dão resultado
(funcionam) e eu acho isso fantástico. Entro em contato com
novas idéias, novas formas de fazer que me fazem pensar no
que eu estou fazendo. (P
1
)
Os Fóruns de Saúde Mental permitem a continuação das discussões que
devem ser iniciadas já durante o processo formativo. São uma extensão do processo
de discussão a respeito do processo de trabalho no” e “para” o trabalho, o que se
assemelha à proposta da EP em Saúde (FRANCO, 2007). Como colocado por uma
das psicólogas: “Eu acho que essa 'coisa' do SUS, como é a formação para o SUS,
a gente aprende na faculdade e a gente continua aprendendo nos Fóruns porque
[na faculdade] a gente fazia as discussões e a agora a gente continua fazendo.
Dentro, mas continua”. (P
4
)
É interessante como o espaço dos Fóruns permite construir redes, trabalhar
em equipe e fazer parcerias de trabalho. Os psicólogos entrevistados destacam a
importância dos Fóruns para a realização de um trabalho em conjunto, constituindo
uma 'equipe ampliada de saúde': “[O Fórum] é lugar de encontro e isso é que vale.
Você conhece as pessoas, quem são as pessoas dos outros serviços, você faz rede
ali também. Eu gosto muito de ouvir o que as pessoas pensam, como elas estão
110
trabalhando”. (P
2
)
A questão de não ficar isolado no posto de trabalho também foi mencionada:
“Eu acho que é essa troca mesmo que é importante. Não ficar isolado: trabalhar
no meu posto, atender os pacientes e acabou. Acho que essa troca é importante
para gente” (P
5
). Além disso, são os Fóruns que permitem a visão global da rede e
ampliá-la: “[O Fórum] é uma forma da gente poder convergir, ter a visão das outras
unidades, poder trocar, poder se apresentar, poder fornecer propostas, parcerias,
tentar ampliar a rede” (P
1
).
No entanto, mesmo promotor de encontros, de discussões importantes sobre
o processo de trabalho, espaço que permite a construção de redes e parcerias de
trabalho, os Fóruns não resolvem todos os problemas e também enfrentam
impasses, ou seja, os espaços de Educação Permanente não são auto-suficientes e
nem capazes de resolver todos os problemas que surgem: “Claro que [o Fórum] não
conta de tudo. Às vezes fica aquela discussão e eu saio com a sensação do que
vamos fazer, o que a gente faz com isso? (P
2
).
Enquanto os Fóruns constituem espaços de discussão de gestão do processo
de trabalho, as “Supervisões de Território” se referem mais à discussão de ordem
clínica e também são vistas como de fundamental importância para o
desenvolvimento da prática e o enfrentamento dos desafios cotidianos pelos
psicólogos da rede municipal de saúde do Rio de Janeiro: “As supervisões são mais
em relação à clínica mesmo porque a gente se forma, sabe muito pouco e tem
que pensar caso a caso mesmo” (P
3
).
Foi possível apreender, através das entrevistas e observações, que os Fóruns
e as Supervisões caminham na direção das propostas de EP em Saúde e são
potentes estratégias para discussão do trabalho em rede, permitindo, inclusive, o
crescimento profissional do psicólogo diante de novos desafios: “Nesse momento
estou aberta para aprender casos graves. Tem que encarar. Faz parte do
crescimento profissional, mas tem que ter suporte como a supervisão. É essencial”
(P
2
).
5.3. Necessidades percebidas: elementos para o desenvolvimento profissional do
psicólogo no SUS
111
As entrevistas realizadas com os psicólogos da rede pública de saúde da AP
5 do Município do Rio de Janeiro, apontaram elementos necessários ao
desenvolvimento profissional do psicólogo no SUS. Dentre as necessidades
percebidas, destacaram-se: (1) de adequação do conteúdo curricular fornecido na
graduação à prática profissional no SUS; (2) de estreitamento da relação entre teoria
e prática profissional; (3) de incentivo ao estudo pelo Município do Rio de Janeiro;
(4) de continuidade e intensificação das “Supervisões de Território” e (5) de
continuidade dos Fóruns de Saúde Mental para a discussão do processo de
trabalho.
Os psicólogos fizerem referência ao fato de que seria necessário serem
ministradas, com maior efetividade, disciplinas a respeito da Reforma Psiquiátrica e
de Políticas Públicas de Saúde no intuito de situar o graduando em Psicologia no
contexto da Saúde Pública e acerca do funcionamento do SUS e dos serviços de
públicos de saúde. Como relatado por uma psicóloga: “Acho que ajudaria bastante
estudar a história mesmo da Reforma para você entender o que você está fazendo
aqui” (P
1
). Por exemplo: “Para eu dizer que não tem vaga para uma pessoa, eu
preciso saber à que eu estou respondendo porque senão vou virar somente alguém
que não consegue dar conta da demanda. Preciso saber qual o contexto, no que eu
estou inscrita, à que eu estou respondendo” (P
1
).
A questão da inadequação do conteúdo curricular extrapola a insuficiência em
termos de conhecimentos teóricos. A transmissão inadequada de conteúdos implica
no prejuízo da relação teoria-prática profissional no sentido do desenvolvimento do
processo de trabalho e da resolução de impasses cotidianos. Assim, para além da
necessidade de estágios nos serviços públicos de saúde durante a graduação, faz-
se necessária a existência de disciplinas que possam fazer o link com a prática.
Como colocado por uma das psicólogas entrevistadas:
É no estágio que você vai saber como é a prática e juntar
com a teoria. Acho que tinha que ter matérias mais objetivas
que estivesse de acordo com a realidade. Por exemplo, uma
matéria que falasse de Saúde Mental e como são os serviços
112
na rede pública e na rede privada e como é o psicólogo, ou
seja, um lugar para poder discutir isso: Como é o psicólogo
numa equipe multidisciplinar num hospital psiquiátrico? Poder
trazer isso para dentro da Universidade. Ou então matérias
sobre Saúde Pública, sobre o que é o SUS, de onde surgiu.
Poder discutir isso na Universidade. Eu não tive isso. (P
2
)
Outro ponto destacado por uma das entrevistadas diz respeito à necessidade
de mais incentivos do Município à realização de cursos e o desenvolvimento de
pesquisas pelos psicólogos através de plano de carreira, o que poderia auxiliar
bastante na busca por outras perspectivas de atuação no SUS.
A questão da continuidade e intensificação (no caso dos ambulatórios) das
“Supervisões de Território” e da continuação dos Fóruns de Saúde Mental também
foram colocadas como elementos necessários ao desenvolvimento do processo de
trabalho do psicólogo na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro.
No que diz respeito à intensificação das Supervisões, uma das psicólogas do
ambulatório colocou o seguinte: “Acho que a supervisão funciona um pouco para
pensar esses casos [graves], mas a gente precisa fazê-la com mais freqüência” (P
5
).
E em relação à importância dos Fóruns para a reflexão do processo de
trabalho e de si mesmo, uma das psicólogas esboçou a seguinte opinião:
Acho que para você trabalhar com uma prática que é cheia de
problemas você tem que se propor a pensar sobre esses
problemas, tem que se repensar o tempo todo, pensar o que
você está fazendo, o que você quer, qual o objetivo. O
fundamental é isso: conseguir se repensar. (P
1
)
Esses foram pontos que se destacaram nas entrevistas com os psicólogos da
AP 5. Porém, outros também podem ser mencionados com base nas observações e
nas demais entrevistas realizadas como, por exemplo, a importância da oferta de
cursos de capacitação, da reivindicação por melhores condições de trabalho (infra-
estrutura, recursos materiais) e da abertura de novos postos de trabalho,
contribuindo para a diminuição da demanda reprimida.
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo investigou as práticas dos psicólogos na rede básica de saúde do
Município do Rio de Janeiro e os desafios por eles enfrentados no cotidiano de
trabalho. Muitos desafios às práticas dos psicólogos na rede básica de saúde do
Município do Rio de Janeiro decorrem da demanda político-institucional do Município
análoga a outros, em âmbito nacional, de priorizar atendimentos à casos graves
(neurose e psicose) na atenção básica, em decorrência do processo de
desinstitucionalização promovido pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, do qual o
Município do Rio de Janeiro foi pioneiro.
A pressão pelo atendimento à casos graves (neurose e psicose) na atenção
básica não margem, pelo menos por enquanto, para o psicólogo 'escolher' quais
os tipos de necessidade (crianças, adolescentes, psicóticos, usuários de álcool e
drogas) gostaria (ou não) de atender, o que tende a gerar tensões e insatisfações
(por vezes superadas no processo), diante das expectativas não correspondidas.
Por outro lado, desde a decisão de prestar concurso público para a Secretaria
Municipal de Saúde, o psicólogo sabe, ou pelo menos suspeita, qual seja o
direcionamento das funções que exercerá, devido ao programa e referências
bibliográficas explicitadas pelos editais. Talvez seja mais difícil, no entanto,
apreender o contexto político-institucional da rede e qual é o 'pacto' de trabalho, ou
seja, o direcionamento do processo de trabalho na rede, sempre sobrecarregado
pela demanda reprimida. Este desconhecimento por parte dos psicólogos, que tende
a gerar tensões diversas no cotidiano de trabalho, talvez seja, em parte, decorrente
do contato insuficiente durante a graduação com disciplinas sobre políticas públicas
de saúde e/ou estágios na rede pública, os quais poderiam auxiliá-los no
114
entendimento do contexto político e da prática no SUS.
Ou seja, mesmo para aqueles que ingressaram via concurso público, verifica-
se escasso conhecimento inicial sobre os serviços públicos, em parte devido à
inadequação do processo formativo às necessidades do SUS. O despreparo deste
profissional para atuação na rede pública de saúde, que implica, por exemplo, na
realização de atividades ainda bastante calcadas no modelo da assistência
psicoterápica individual, tende a gerar um modelo de ambulatório 'enrijecido' (pouco
flexível) no sentido de inviabilizar uma atuação mais voltada para o diálogo com a
equipe interna e para a realização de atividades de promoção da saúde como, por
exemplo, a atuação junto às famílias, principal demandante por atendimento, através
de um intercâmbio com a equipe do PSF. Tal prática junto ao PSF, inclusive, vem
sendo timidamente desenvolvida pelos psicólogos na rede e já demonstra resultados
positivos para a prática na medida em que promove a compreensão do contexto de
vida das pessoas e, portanto, vem demandando avanços na discussão sobre o
desenvolvimento desse processo de trabalho em prol do alcance de ações que
visem a integralidade.
Avanços na reorientação do modelo assistencial têm ocorrido, porém se dão
de forma lenta. As práticas dos psicólogos da rede municipal de saúde do Rio de
Janeiro têm caminhado na direção das mudanças demandadas pelo novo modelo
assistencial em saúde considerando a luta pela implantação de um trabalho em
equipe e em rede assim como pela ênfase de atendimento na atenção básica.
Foi interessante observar como os psicólogos, apesar dos obstáculos, têm
contribuído para aprimorar o trabalho da rede municipal de saúde do Rio de Janeiro
como, por exemplo, via criação e o fortalecimento de redes (por vezes informais)
necessárias ao trabalho em equipe e a participação na gestão do sistema, com
relativa autonomia. É patente o entusiasmo de muitos psicólogos e sua explícita
intenção de fazer o trabalho dar certo, mesmo diante de obstáculos como a falta de
recursos, de material, e principalmente, de tempo. Demonstram, de modo geral,
expressiva clareza política sobre a necessidade em sustentar os pilares do processo
de Reforma Psiquiátrica.
Avanços também têm ocorrido gradualmente na direção da integralidade na
medida em que a ampliação do conceito de saúde e a construção de um trabalho
115
em equipe são complexas e demandam tempo. Fóruns de saúde mental e
supervisões regulares têm contribuído para a integralidade e subsidiado certo grau
de desmedicalização, o que envolve a sustentação da escuta por mais tempo e uma
visão integral do ser humano, permitindo construir um trabalho em equipe
multiprofissional e de propor parcerias de trabalho. Os Fóruns e as Supervisões o
singularidades do Município do Rio de Janeiro e avançam na operacionalização da
Política de Educação Permanente, constituindo-se como fundamentais para a
discussão e mudança do processo de trabalho do psicólogo na rede. A continuidade
dessas atividades é necessária para a sustentabilidade das mudanças do processo
de trabalho frente aos desafios da rede. O contexto atual de mudanças de governo
municipal, no entanto, tem gerado insegurança em participantes bastante ativos
deste movimento, e também sua articulação para dialogar com as instâncias
centrais.
Entende-se que estas propostas de Educação Permanente são potentes
estratégias clínicas e gerenciais. Colocam em discussão e análise não somente o
processo de trabalho como também os profissionais em atuação a partir da reflexão
do cuidado ofertado e de si mesmos. Têm viabilizado a construção de um diálogo
entre os serviços em prol do desenvolvimento de parcerias de trabalho, de um
trabalho em equipe multiprofissional intra e extra-serviços e a promoção da
articulação de redes, fundamentais para o desenvolvimento do processo de trabalho
no SUS.
No que tange à relação teoria-prática, verificou-se que as Diretrizes
Curriculares Nacionais avançam na direção das necessidades da prática, delineando
competências e habilidades gerais significativas e úteis para reorientar a prática do
psicólogo nos serviços públicos, inclusive na rede básica, principalmente
contribuindo para a gestão, com relativa autonomia, do próprio processo de trabalho
nas unidades da rede. Isto não exime as lideranças envolvidas com a mudança na
formação profissional, porém, de avaliarem as DCN e reverem ou ampliá-las
periodicamente.
É necessário intensificar o diálogo ensino-serviço, o que vem sendo
estimulado por instâncias, tais como, pela Associação Brasileira de Ensino de
Psicologia (ABEP), criada em 1998 (PORTAL ABEP, 2009), e pelo Fórum Nacional
116
de Educação das Profissões na Área da Saúde (FNEPAS), criado em 2004
(PORTAL FNEPAS, 2009). Tanto a ABEP quanto o FNEPAS estão envolvidos com a
educação e o desenvolvimento profissional em saúde, sendo a ABEP afeita ao
ensino de Psicologia e o FNEPAS de caráter multiprofissional. São instâncias
compromissadas com a construção de cenários institucionais mais favoráveis às
mudanças necessárias na formação em saúde.
Em relação à pesquisas futuras, muitos são os campos a serem explorados
no Município do Rio de Janeiro tendo em vista a complexidade da rede, a
singularidade do Município diante das conseqüências acarretadas pelo movimento
de Reforma Psiquiátrica e as inúmeras possibilidades de práticas que podem ser
desenvolvidas pelos psicólogos nesse cenário. Seria interessante, por exemplo,
investigar a atuação dos psicólogos nos hospitais gerais, nos serviços residenciais
terapêuticos (novo campo de atuação em expansão), nas emergências e junto às
equipes de PSF. Além disso, seria interessante aprofundar o estudo sobre a
pertinência das competências e habilidades específicas da Psicologia, listadas nas
DCNP (BRASIL, 2004), que as mesmas não foram contempladas neste trabalho,
pois fugia ao intuito do mesmo.
É necessário, portanto, a continuidade das discussões sobre a prática
profissional do psicólogo na Saúde de modo a repensar continuamente a prática, a
encontrar soluções para as dificuldades enfrentadas no cotidiano de trabalho e
contribuir para o merecido reconhecimento da profissão pela sociedade.
117
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128
APÊNDICES
129
APÊNDICE A
Roteiros semi-estruturados das entrevistas
130
APÊNDICE A
1
Roteiro de entrevista para a Coordenação de Saúde Mental
1. Qual tem sido o direcionamento dos concursos para o perfil de psicólogo na rede
municipal de saúde do Rio de Janeiro? No geral, eles têm sido solicitados a realizar
qual tipo de atuação?
2. Quantos psicólogos existem em exercício na rede de saúde atualmente? Onde
estão lotados? Que atribuições exercem?
3. Quantos foram incorporados nos últimos concursos (anos dos concursos)?
4. Qual a sua expectativa acerca da participação dos psicólogos na rede?
5. Quem administra a atuação dos psicólogos na atenção básica?
6. O que os psicólogos estão realizando além da tradicional assistência
psicológica? Exemplos
7. Como você percebe a interface entre a área de saúde mental deste município e a
atenção básica/ PSF?
131
APÊNDICE A
2
Roteiro de entrevista para os Articuladores de Área
1. Que atividades os psicólogos realizam na CAP XX?
2. [Se não mencionar] E que atividades realizam nas unidades básicas, tipo PSF ou
CAPS?
3. Quais os desafios encontrados pelos psicólogos na realização dessas práticas?
4. Os psicólogos participam de alguma atividade de capacitação ou educação
permanente? Como funciona? [se não mencionar: nas suas atividades de
supervisão, como percebe a participação dos psicólogos? E no trabalho em equipe?]
5. Quais psicólogos que tenham ingressado nos últimos concursos e que atuem na
atenção básica (?) que você apontaria para serem entrevistados neste estudo?
132
APÊNDICE A
3
Roteiro de entrevista para uma informante-chave, ex-sanitarista da SMS/RJ
1. Você pode me descrever como foi o processo de construção dos Fóruns de saúde
mental?
2 Qual era o contexto político- institucional onde os Fóruns estavam inseridos?
3. Que tipo de apoio você teve para conseguir desenvolver os Fóruns?
4. Que tipo de resistência enfrentou nesse processo?
5. Como os Fóruns foram se desdobrando ao longo do tempo?
6. Como foi a sua saída da Secretaria Municipal de Saúde? Como ficou a situação
dos Fóruns?
7. As supervisões de território já existiam?
133
APÊNDICE A
4
Roteiro de entrevista para os psicólogos da AP 5
Entrevista no.:
Data:
Ano de Graduação:
Ano de entrada na rede pública de saúde:
Serviço de origem:
Local de realização:
1. Quando você entrou no serviço público que atividades você imaginava que faria?
[Quais eram suas expectativas?]
2. Quais as atividades mais difíceis ou desafiadoras que você realiza nesse serviço?
[Por quê? exemplos] [Você atende usuários de álcool e drogas? Você atende
crianças e adolescentes? Atende neuróticos graves ou psicóticos? Como é isso para
você? Por quê? Exemplo?]
3. Como você percebe a formação profissional oferecida no curso de Psicologia
quanto à preparação do psicólogo para atuação no serviço público de saúde?
4. Que sentido tem para você a participação nos fóruns de saúde mental e nas
supervisões de território? [O que gosta mais? O que aprende nestas ocasiões? Qual
sua utilidade para a prática profissional?]
134
APÊNDICE B
Questionário de Caracterização Profissional
135
QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO PROFISSIONAL
Área programática:
Nome do psicólogo/ contato (não
obrigatório)
Unidade Ano de
formação
Atuação na unidade
Grupo de recepção? ( ) Sim ( ) Não
Ambulatório? ( ) Sim ( ) Não
Oficina terapêutica? ( ) Sim ( ) Não
Grupo terapêutico? ( ) Sim ( ) Não
Desenvolve trabalho com profissional de outra área? ( )Sim ( )Não
Atendimento a indivíduos em situação de álcool e drogas? ( )Sim ( ) Não
Atendimento infanto-juvenil? ( ) Sim ( ) Não
Atendimento a indivíduos psicóticos/ neuróticos graves? ( ) Sim ( ) Não
Alguma outra atuação específica do psicólogo? ( ) Não ( ) Sim Qual?
Grupo de recepção? ( ) Sim ( ) Não
Ambulatório? ( ) Sim ( ) Não
Oficina terapêutica? ( ) Sim ( ) Não
Grupo terapêutico? ( ) Sim ( ) Não
Desenvolve trabalho com profissional de outra área? ( )Sim ( )Não
Atendimento a indivíduos em situação de álcool e drogas? ( )Sim ( ) Não
Atendimento infanto-juvenil? ( ) Sim ( ) Não
Atendimento a indivíduos psicóticos/ neuróticos graves? ( ) Sim ( ) Não
Alguma outra atuação específica do psicólogo? ( ) Não ( ) Sim Qual?
136
APÊNDICE C
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
137
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ______________________________________________________, R.G:
______________, declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistado
(a) na pesquisa de campo referente ao projeto de mestrado intitulado “Desafios e
práticas dos psicólogos na rede básica de saúde do município do Rio de Janeiro”,
desenvolvida por Ana Paula de Almeida Pereira Nunes, psicóloga e mestranda em
Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Fui informado (a), ainda, de que a pesquisa é orientada pela
prof. Dra. Adriana Cavalcanti de Aguiar, a quem poderei contatar a qualquer
momento que julgar necessário através dos contatos abaixo mencionados.
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer
incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da
pesquisa. Fui informado (a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que,
em linhas gerais é contribuir para a discussão sobre desenvolvimento profissional do
psicólogo para o SUS.
Fui também esclarecido (a) de que os usos das informações por mim
oferecidas estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo
seres humanos, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho
Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.
Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista semi-
estruturada gravada, mediante a assinatura desta autorização. O acesso e a análise
dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e/ou seu(s) orientador (es).
A pesquisadora também se compromete a disponibilizar a entrevistada o acesso às
informações redigidas antes da publicação final.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado (a),
poderei contatar a pesquisadora responsável [ou seus orientadores], ou ainda o
Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
A pesquisadora principal do estudo me ofertou uma cópia assinada deste
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Fui ainda informado(a) de que posso me retirar desse estudo a qualquer
momento, sem prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou
constrangimentos
Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____
Assinatura do (a) participante: ______________________________
Assinatura da pesquisadora: ____________________________
Contatos:
Pesquisadora: Cel.: 8737-8417/ E-mail:
Orientadora: Cel.: 9327-0943/ E-mail:
CEP SMS/RJ: Rua Afonso Cavalcante, 455, sala 701 Cidade Nova RJ Telefones: 2503-2024/
2503-2026 E-mail:
.
138
ANEXOS
139
Anexo A – Áreas de Planejamento do Município do Rio de Janeiro
ÁREA
PROGRAMÁTICA
BAIRROS DE ABRANGÊNCIA
1.0
Centro, Rio Comprido, Mangueira, São Cristóvão, Paquetá,
Santo Cristo, Caju, Cidade Nova, Santa Teresa.
2.1
Leblon, Gávea, Botafogo, Flamengo, Copaca
bana, Rocinha,
Vidigal, Jardim Botânico, Ipanema, Humaitá.
2.2
Tijuca, Vila Isabel, Maracanã, Alto da Boa Vista, Praça da
Bandeira, Andaraí.
3.1
Penha, Ilha do Governador, Ramos, Jardim América, Cordovil.
3.2
Méier, Engenho da Rainha, Pilares
, Jacaré, Engenho de Dentro,
Lins de Vasconcelos, Del Castilho, Piedade, Rocha.
3.3
Madureira, Rocha Miranda, Cascadura, Irajá, Colégio,
Guadalupe, Pavuna, Costa Barros, Anchieta, Deodoro,
Marechal Hermes.
4.0
Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Vargem
Grande, Curicica, Praça
Seca, Taquara, Recreio dos Bandeirantes.
5.1
Bangu, Senador Camará, Vila Aliança, Vila Kennedy, Jardim
Sulacap, Padre Miguel, Santíssimo.
5.2
Campo Grande, Inhoaíba, Pedra de Guaratiba.
5.3
Santa Cruz, Cesarino, Sepetiba, Paciência.
Fonte: PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2009.
140
Anexo B – Parecer favorável do CEP SMS/ RJ à Pesquisa
141
142
Anexo C – Carta dos supervisores de CAPS da rede de Saúde Mental do
Município do Rio de Janeiro
CARTA DOS SUPERVISORES DE CAPS DA REDE DE SAÚDE MENTAL DO
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
dirigida aos Trabalhadores de saúde mental, à Comunidade ampla de Trabalhadores
de Saúde e à Gestão Municipal de Saúde e de Saúde Mental.
Todos nós conhecemos, por dentro, ainda que em diferentes níveis e modos
de exercício profissional, o Campo da Saúde Mental, e portanto experimentamos de
perto seus celebráveis êxitos, seus impasses, seus avanços mas também seus
eventuais fracassos, com os quais, nos melhores casos, aprendemos a produzir
novos avanços.
Conhecemos, assim, a enormidade da tarefa de mudar radicalmente o mapa
da assistência praticada no Brasil aos portadores de doença mental, historicamente
caracterizada pelas práticas de asilamento e exclusão social, destituídas de toda e
qualquer forma de tratamento e assistência ao grave sofrimento psíquico, com
freqüente ruptura de laços sociais, falta e suporte familiar e de sustentação de
vínculos comunitários, entre outras misérias.
mais de 20 anos muitos de nós vêm lutando diuturnamente com essa
realidade, que se constitui para nós, sem dúvida alguma, como um campo de
exercício profissional e de trabalho - e não de sacerdócio ou sacrifício - mas também
como uma causa ética e política.
No Município do Rio de Janeiro, vimos construindo - gestão, trabalhadores e
supervisores, uma rede de atenção psicossocial importante, que vem tentando
responder de forma territorial e intersetorial às demandas, exigências e desafios que
o campo da saúde mental impõe em uma cidade com a complexidade metropolitana
do Rio de Janeiro, e dentro das diretrizes da atual política pública de saúde mental
brasileira (elaborada de forma democrática e pactuada por diferentes setores sociais
envolvidos).
Na construção da rede de atenção psicossocial do município do Rio de
Janeiro, uma particularidade se destaca, marcando uma diferença em relação às
experiências de construção de rede de outras metrópoles brasileiras: trata-se da
143
prática da supervisão clínico-institucional em todo serviço de alta complexidade,
intensividade e base territorial (CAPS II, CAPSi e CAPS-AD): em todos eles, a
gestão municipal de saúde mental (que mantém a mesma equipe desde o início da
construção da rede, cerca de 15 anos), sempre sustentou o trabalho dos
supervisores nesses serviços, sempre garantiu a prática da supervisão, hoje
estendida para a rede territorial que é articulada pelo CAPS presente no território.
Este é um aspecto a ser destacado, não apenas porque constitui uma
particularidade de nossa cidade, mas porque garante que o trabalho de construção
de rede se faça de forma infinitamente mais eficaz, na articulação das
dimensões clínica e política, interna e externa ao serviço, de tratamento em sentido
estrito e de criação/extensão de laços sociais comunitários dos usuários, aspecto
que não se dissocia do tratamento tal como proposto por uma clínica concebida
como ampliada e anti-manicomial.
Caracterizamos este quadro para dar lastro a uma posição que tomamos,
como supervisores clínico-institucionais de CAPS, em primeiro lugar, mas como
trabalhadores de saúde mental, de forma mais ampla, diante de uma situação
político-administrativo-trabalhista que se colocou para nós: por vicissitudes que
vieram a inviabilizar ou exigir a reconfiguração de alguns Termos de Cooperação
Mútua mantidos pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro com organizações da
sociedade civil que, submetidas aos critérios públicos quanto às condições de
trabalho e pagamento, vinham viabilizando a contratação dos profissionais
supervisores, vimo-nos diante da contingência de ficar, no mínimo, 3 meses sem
recebermos remuneração por nossos serviços.
Três opções, no mínimo, se colocariam: 1) parar de trabalhar por este
período, até que as condições de contratação e remuneração se estabelecessem; 2)
continuar trabalhando sem nenhuma reação ou discussão, como se nada tivesse
havido, em função da indiscutível relevância de nosso trabalho, reconhecido e
demandado pelas equipes de trabalhadores; Recusando veementemente essas
duas opções, decidimos por tomar uma terceira posição:
3) seguir trabalhando sim, em condições a serem estabelecidas pelo conjunto dos
supervisores mas respeitando as particularidades de cada equipe e de cada serviço,
mas sobretudo produzindo uma discussão capaz de politizar essa situação, em uma
144
clara demonstração à gestão municipal, à comunidade de trabalhadores com os
quais trabalhamos, à comunidade mais ampla de trabalhadores de saúde mental e
de saúde, à população com que trabalhamos e à sociedade em geral que
entendemos:
a) que nosso trabalho é fundamental e que por isso não o interromperemos;
b) que entendemos o empenho histórico da atual gestão em garantir a supervisão
clínico-institucional em todos os serviços territoriais da cidade, o que confere
credibilidade à dita gestão quanto ao entendimento de que o que se passa no
momento não é fruto de eventuais mudanças nos ventos das intenções e diretrizes
desta gestão, nem mesmo de sua negligência, e que portanto pretendemos
fortalecer todas as iniciativas e esforços que devem ser imediatamente
implementados para o restabelecimento da normalidade na sustentação de nosso
trabalho de supervisão clínico-institucional;
c) que manteremos um Fórum Permanente de Supervisores de CAPS para
sustentar esta discussão e para produzir atos capazes de modificar a situação
anômala e inaceitável que se produziu, no entendimento conclusivo de que
sustentar o eventualmente insustentável é a única forma de atravessá-lo e assim
ultrapassá-lo.
Fonte: FÓRUM NACIONAL DE SUPERVISORES DE CAPS (2008)
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