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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
Andreson Carvalho
A Percepção Sonora no Cinema:
ver com os ouvidos, ouvir com outros sentidos
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre. Área de
concentração: Análise da Imagem e do Som.
Orientador: Prof. Dr. João Luiz Vieira
Niterói
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
ANDRESON CARVALHO
A PERCEPÇÃO SONORA NO CINEMA:
VER COM OS OUVIDOS, OUVIR COM OUTROS SENTIDOS
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de mestre em Comunicação
Social, na linha de pesquisa de Análise da Imagem
e do Som.
BANCA EXAMINADORA
________________________________
Prof. Dr. João Luiz Vieira
Universidade Federal Fluminense
________________________________
Prof. Dr. Fernando Morais da Costa
Universidade Federal Fluminense
________________________________
Prof. Dr. Luiz Augusto Rezende Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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1
À Marlene Ribeiro Silva,
minha mãe e maior incentivadora.
2
Agradecimentos
A Deus, Irmã Amálya e toda sua equipe por uma ajuda impossível de mensurar.
Sem a qual essa jornada teria sido muito mais penosa.
Aos meus pais e familiares, os verdadeiros responsáveis por tudo que sou hoje.
Aos amigos que estiveram ao meu lado nessa caminhada: Alexandre Guerreiro,
Ana Paula Nunes, Eduardo Miranda, Hadija Chalupe, Keiji Kunigami, Marcel Vieira,
Mariana Baltar, Lia Bahia e tantos outros que conheci no PPGCOM nesses dois anos.
Aos amigos que contribuíram com suas percepções para a consolidação de
minha análise: Aline e David Amarante, Carine Vasconcellos, Leandro Porciúncula e
Liliane Imbassahy.
À preciosa ajuda dispensada pelos amigos professores que, de uma forma ou
outra, influenciaram em minhas decisões e escolhas: Tunico Amancio, Fernando
Morais da Costa, Maria Cristina Franco Ferraz, Marialva Barbosa e Virginia Flores.
À Silvinha por sua paciência e dedicação ao cuidar de toda a burocracia
necessária.
À Rose Mendonça por sua grande ajuda na revisão do meu texto.
Ao meu orientador João Luiz Vieira por ter acreditado em meu projeto e me
apoiado até o fim.
A todos aqueles que de alguma forma torceram e torcem por mim, o meu
muito obrigado.
3
“Falamos não apenas para dizer a outras pessoas o que pensamos,
mas para dizer a nós mesmos o que pensamos.
A fala é uma parte do pensamento.”
Hughlings-Jackson (SACKS, 1998: 32)
“O som é um objeto subjetivo, que está dentro e fora,
não pode ser tocado diretamente,
mas nos toca com uma imensa precisão.”
José Miguel Wisnik (WISNIK, 1989: 28)
4
Resumo
O texto reinscreve o som na hierarquia audiovisual ao privilegiar uma pesquisa sobre a
percepção auditiva – tão pouco valorizada e, ainda assim, uma das principais responsáveis pela
interpretação conferida quando se assiste a um filme. Aprofunda a noção de que a percepção
sonora é a primeira a se formar no período de gestação, a última a se “fechar” durante o sono
e, acima de tudo, não pode ser interrompida temporariamente assim como a visão -- pela
ausência de pálpebras, reforçando a ideia de que somos atravessados e influenciados em
maior grau por sons e não por imagens. Este estudo dos sons em nosso dia-a-dia, escutas e
espaços sonoros, tem como objetivo ampliar a compreensão da utilização do som na
construção narrativa, abrindo as portas do abstrato. O som é capaz de construir e destruir
sentidos; modificar o que é visto; fazer ver o que não é mostrado. Como exemplo maior a
percorrer o texto e sustentar certas hipóteses, investiga-se a construção sonora no filme A
Ostra e o Vento, de Walter Lima Jr. (Brasil, 1997), texto audiovisual central para esta análise.
Palavras-chave
1. Som 2. Cinema 3. Percepção 4. Escuta 5. Recepção
5
Abstract
The text repositions sound in the audiovisual hierarchy emphasizing an investigation into the
perception of aural signs, a most valuable tool for interpreting and understanding movies, yet
not so well valued. It develops the notion that the perception of sound is the first one to be
formed during pregnancy, the last to be "shut down" when sleeping and, most of all, a
perception which can not be temporarily disconnected, such as vision, since there are no
eyelids. Therefore, this research reinforces the idea that we are crossed and influenced to a
greater extent mostly by sounds than images. The study of sounds, the sound space and
listening in our day to day lives, aims at broadening the understanding of the uses of sound in
narrative construction, opening the doors of the abstract. Sound is able to build and destroy
senses; modify what is seen; make one sees what is not visible. A central cinematic text to
support certain hypotheses developed here is Walter Lima Jr.'s A Ostra e o Vento (Brazil, 1997).
Key-words
1. Sound 2. Cinema 3. Perception 4. Listening 5. Reception
6
SUMÁRIO
Introdução 07
Capítulo 1: Som e cinema 16
1.1 A fisiologia da percepção auditiva 18
1.2 A História do som ou interferência humana sobre
a paisagem sonora 25
1.3 O cinema sonoro: um breve histórico tecnológico 33
Capítulo 2: Percepção e escuta 47
2.1 A construção da percepção sonora no cinema 52
2.2 Ouvir x escutar 57
2.3 Pontos de escuta 60
2.4 As seis escutas 65
Capítulo 3: Espaço sonoro e recepção 82
3.1 Os espaços sonoros 86
3.2 Desenho sonoro 93
3.3 Espectador e recepção 103
3.4 As diferentes percepções 108
Conclusão 117
Bibliografia 122
Filmografia 126
Anexo 132
7
“O homem voltado para o exterior apela para o olho;
o homem interiorizado, para o ouvido”.
Wagner
1
Introdução
Uma das funções da edição de som de um filme é reproduzir, dentre as
possíveis percepções auditivas das quais estamos aptos a ouvir, a que mais se adapte à
narrativa proposta pelo filme. A partir de um mesmo ambiente sonoro há inúmeras
possibilidades de escuta. Elas dependerão do ponto de escuta, da capacidade
perceptiva, da memória auditiva e da construção de sentido. Porém, não terá a escuta
de cada espectador a capacidade de reformular a sonoridade que lhes é apresentada
gerando assim outras inúmeras possibilidades perceptivas? Isto não dificultaria ou
impediria a existência de um sentido uno? Se nem a imagem, por si só, com toda a sua
concreção, consegue transmitir tal singularidade, como esperar que isso ocorra com o
som, que o mesmo é capaz de ampliar o caráter abstrato da imagem quando aliado
a ela?
O problema, ou a solução, talvez esteja na recepção. Ao longo dos últimos
séculos desaprendemos a ouvir. Focamos nossa percepção de uma forma muito mais
visual do que auditiva. Valorizamos uma em detrimento da outra. Inconscientemente
esquecemos que ambas as percepções nos são de fundamental importância durante a
construção de sentido. Tanto a visão sem a audição quanto a audição sem visão geram
falhas em nossa comunicação. E, apesar da falta de audição ser uma deficiência a
1
Apud SCHAFER, Murray. A afinação do mundo. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 29.
8
dificultar a linguagem de forma mais incisiva, conferimos um peso muito maior a
ausência da percepção visual.
Essa consciência, entretanto, não surge como o trovejar de um relâmpago, de
súbito. Muitos são os que não conferem uma atenção devida aos sons, não somente
na sonorização cinematográfica, como também às sonoridades que os rodeiam
diariamente. Os sons têm muito a nos dizer e nos dizem mesmo quando não nos
importamos com sua “fala”. Um dos objetivos deste trabalho é despertar o interesse
de pessoas e espectadores comuns não cineastas, comunicólogos e acadêmicos
para as potencialidades de seus sistemas auditivos e suas capacidades perceptivas,
incentivando uma escuta mais atenta em todas as áreas, principalmente, na
audiovisual. Fazer com que entendam o processo e sejam capazes de analisar, com
ouvidos atentos e críticos, para que possam compreender com lucidez quando estão
sendo conduzidos a perceber algo que está muito além das imagens. Para isso, é
necessária uma predisposição para pesquisar, perceber e entender com outros olhos e
ouvidos. É preciso aquele click inicial de onde surgem todos os questionamentos. Se
este texto conseguir instigar os leitores a outorgarem uma maior atenção ao som,
tanto no cinema quanto em suas vidas, poderei considerar cumprido o meu trabalho.
Quando olho para trás, percebo um longo caminho percorrido até chegar aqui.
No início nada parecia apontar nessa direção. Eu era um ouvinte como outro qualquer.
Meu interesse pelo som foi construído ao longo dos anos, moldado pelas experiências
vividas no período da graduação, em que passei por trabalhos diversos, do roteiro à
finalização. Todas as oportunidades que me surgiram contribuíram amplamente para a
construção da uma visão detalhada de todo o processo de realização cinematográfica.
Iniciei como assistente de produção, e acredito que todos deveriam passar por essa
função, nem que seja para perceber, como eu, que não nasceram para tal. Nela eu tive
contato com todas as equipes possíveis em um set de filmagem, aprendi a importância
de cada uma delas, conheci todos os equipamentos necessários para a realização de
um filme, descobri todos os caminhos a serem trilhados e toda a responsabilidade
indispensável para que um filme se torne realidade.
9
Meu investimento seguinte foi na área da fotografia, em que trabalhei como
assistente em alguns curtas. Paralelo ao trabalho prático, investi também nessa
mesma área no meio acadêmico. Fui monitor da disciplina de Fotografia e Iluminação,
além de bolsista da FAPERJ no projeto de pesquisa Carnaval 2000: Escolas de Samba,
Media e Cultura nos “500 anos do Descobrimento”, em que várias formas de
representação artística do carnaval foram estudadas no subprojeto Carnaval e
Memória: das Imagens e dos Discursos, do qual participei e tive como principal foco o
estudo, a análise e o catalogamento das fotografias do carnaval carioca no início do
século XX.
No passo seguinte deparei-me com a moviola, a montagem. Anotar, cortar,
separar, ordenar, emendar com durex e enrolar. Existia uma grande magia em ver o
filme, de forma física e palpável, ganhar forma bem diante dos meus olhos. Uma
verdadeira terapia. O extremo oposto do experimentado com a fotografia que me
deixava tenso e agressivo graças ao peso de sua responsabilidade, além de seu
trabalho ininterrupto durante o set. As possibilidades de construção e a diferença de
ritmo que cada fotograma proporcionava. Criar sentido. Mudar o sentido. Deixá-lo em
aberto. A montagem de imagem me parecia a etapa mais criativa de todas. Mais uma
vez tornei-me monitor da disciplina relacionada: Edição Cinematográfica. Nesse
período conheci, a então professora substituta, Virginia Flores, montadora e editora de
som de vários filmes, da qual fui assistente em alguns projetos. Foi quando aprendi
que a montagem de imagem não era o limite, mas sim o primeiro passo criativo dentro
da finalização de um filme. Fascinei-me pelas possibilidades perceptivas e pelo
abstrato que o som embutia na narrativa. Novos horizontes começaram a se abrir já no
final da graduação.
De repente uma grande mudança. Em uma semana, passei de aluno a
professor. Numa segunda-feira, eu defendia minha monografia, último compromisso
universitário antes de colar o grau na graduação. Na terça, era o derradeiro dia para a
inscrição no concurso de professor substituto, justamente para a disciplina de Edição
Cinematográfica. Na quarta, foi o sorteio do ponto de prova e da ordem da
apresentação da prova-aula de cada candidato. Na quinta, com menos de vinte e
10
quatro horas para preparar a aula, apresentei-me para a banca, ansioso e ao mesmo
tempo tranquilo, pois não havia tido tempo nem para criar expectativas suficientes. Na
sexta, ao ligar para o departamento, fui saudado como o novo professor substituto
do curso de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense.
Passado um ano, percebi que estava no caminho certo, quando fui convidado a
lecionar também na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no curso de montagem e edição
de som. A cada livro lido, filme assistido, edição de som feita, o meu interesse pela
área aumentou. O próximo passo, então, não poderia ser outro senão o
aprofundamento através do mestrado. O projeto surgiu de uma necessidade de se
buscar entender a influência da percepção sonora, tanto na construção de uma
“realidade” auditiva quanto na criação de sentido dos filmes. O som não tem uma
importância equivalente à imagem no cinema como também é capaz de induzir os
espectadores a ver imagens e sentir sensações que não se encontram impressas na
película. O som “abre as portas” do abstrato para o concreto da imagem, “quebra as
paredes” da tela, ajudando a preencher as lacunas deixadas no espaço fora da tela,
assim como em nosso campo mental. O som se faz presente em nossas vidas de forma
tão intensa que no cinema não poderia ser diferente.
Todas essas asserções são inquestionáveis nos dias de hoje. Contudo, este
trabalho se propõe a verificar a hipótese de quanto os espectadores são suscetíveis às
informações sonoras trazidas pelo filme e alguns desdobramentos possíveis dentro das
questões de escuta, percepção, criação de sentido e sua unidade. É fato que nem
todos dão a devida atenção ao som. Essa certeza cresce a cada semestre de aula de
Edição de Som que ministro. No entanto, por muitas vezes, o som conduz a percepção
do espectador mesmo que este não atente para o fato. Será que a não-percepção
sonora consciente prejudica uma compreensão mais ampla do filme, ou seria ela
indiferente? Será que essa falta de atenção ao som pode levar alguém a não gostar do
filme por não entendê-lo devidamente? Seria ainda possível que as diferenças de
percepções poderiam conduzir a compreensões totalmente diversas sobre uma
mesma história, ao ponto de “enxergarem” algo diferente do pretendido pelo
diretor/produtor?
11
Para tanto este estudo será desenvolvido de forma a apresentar algumas
questões estudadas sobre a percepção e a escuta não somente no cinema, como
também na música, na psicanálise e em nossa relação diária com os sons, procurando
traçar um paralelo, para que possamos, se possível, desobscurecer algumas questões
desse campo ainda muito pouco estudado se comparado com os demais campos
cinematográficos. Toda essa análise muito subjetiva da percepção sonora humana
impossível de ser delimitada em sua plenitude, tendo em vista a pluralidade de
respostas ocasionadas por um mesmo estímulo conduz-nos à necessidade de uma
pesquisa empírica, a fim de aferir, ou não, algumas das hipóteses tensionadas, a partir
do relato da percepção e das influências, por ela provocada, na confecção de um
sentido gerado por um grupo de pessoas após assistirem ao filme A Ostra e o Vento
(Walter Lima Jr., 1997).
O filme fora realizado num momento em que as tecnologias de sonorização
digital ainda se encontravam em desenvolvimento no Brasil, e as possibilidades de
espacialização nas salas de cinema ainda não eram tão elaboradas quanto hoje.
Contou com o trabalho e a experiência de Tom Paul, editor americano, que, segundo o
próprio Walter, o surpreendeu e o levou a eliminar, durante a mixagem, mais de
quarenta minutos de música composta para o filme, ao perceber que os ambientes e
ruídos lhe eram suficientes para expressar o sentido e as emoções necessárias. Apesar
de não fazer parte da recente safra nacional, é um filme que certamente figura entre
as grandes produções do denominado “cinema da retomada” e será de grande valor e
desafio para a análise dos usos do som no cinema e de sua consequente percepção
sonora.
Muitos outros títulos de um cinema nacional mais recente também serão
citados em meio a alguns nomes internacionais consagrados, com a intenção de
aproximarmos toda essa discussão a uma realidade brasileira, para que percebamos o
quanto todas essas questões encontram-se, muitas vezes, mais próximas do que
supomos e imaginamos.
O primeiro capítulo terá como foco principal a apresentação do objeto sonoro
em situações muito próximas de nossas vidas. O momento em que tem início a nossa
12
percepção sonora; o desenvolvimento de nossa memória auditiva; os sons em nosso
dia-a-dia; os ambientes sonoros; as mudanças acústicas sofridas no mundo durante os
últimos séculos; as afasias que impedem ou dificultam a comunicação devido à falta da
capacidade de se formular questionamentos e construir significados; e a não-existência
real do silêncio, buscando sempre uma relação entre essas percepções e a utilização
sonora nos filmes.
Vivemos imersos em sons que nos tocam e contribuem, diariamente, com
nossos comportamentos e decisões, moldando as interpretações de tudo a nossa
volta. O trabalho de sonorização cinematográfica é um espelho de todas essas
sensações que nos atravessam a todo instante. Ele é influenciado pela percepção
sonora que os editores têm do mundo e, em contrapartida, influencia a “visualização”
de seus espectadores. O mesmo acontece com os músicos que também encontram sua
principal fonte de inspiração nas sonoridades presentes na atual paisagem sonora,
contribuindo com ela e sendo influenciados ao mesmo tempo, numa troca constante
de sensações e percepções.
A intenção é abordar, de forma diferenciada, a inclusão sonora no cinema, ao
demonstrar que ela sempre foi almejada e que sua concretização teria, na verdade,
gerado discussões muito mais estéticas, do que propriamente de aceitação, que o
cinema nunca fora silencioso. O grande problema teria sido realmente os filmes
falados, que aproximavam o cinema de um teatro filmado, transferindo toda a
dramaticidade para a fala dos atores e abdicando de toda uma linguagem previamente
estabelecida. Sabemos, no entanto, que esse foi apenas um nicho do som no cinema,
que contava com a força dos grandes estúdios hollywoodianos, e, por isso, conferiu-lhe
certo destaque, mas não faltaram teóricos e realizadores a defender o assincronismo
sonoro como forma de ampliar as possibilidades e percepções sonoras dentro da
narrativa fílmica. Toda nova tecnologia traz consigo uma gama de práticas possíveis
que precisam ser avaliadas. O “novo” sempre gera discussões diversas e opiniões
contrárias a que se estabeleça e se estruture. O mesmo aconteceu recentemente,
em menor escala, na passagem do analógico para o digital, e tornará a se repetir toda
13
vez que surgirem mudanças que alterem a linguagem utilizada na criação, construção e
acabamento dos filmes.
O segundo capítulo partirá de um recorte sobre o estudo de Henri Bergson
(2006) sobre a percepção – no qual imagens nos atravessam a todo instante, trazendo-
nos estímulos através de promessas e ameaças que refletem nossas ações possíveis.
Ela está diretamente relacionada à forma como cada um de nós enxerga a “realidade”
a seu redor. A escuta e a percepção sonora também contribuem de forma decisiva na
construção dessa “realidade”, na maneira como nos relacionamos com os objetos, as
pessoas, o mundo. Diferente do defendido pelos neurocientistas nossa percepção não
se dá somente entre neurônios, hormônios e sinapses do sistema nervoso. A ela, estão
associados: nossa atenção à vida, a indeterminação de nosso querer, nossas
lembranças e memórias. Nossas ações são o espelho do nosso caráter, pois expõem o
reflexo de nossas percepções e consciência. E nossos ouvidos são uma das portas de
entrada de tudo aquilo que percebemos.
A construção sonora no cinema busca reproduzir as nossas percepções
auditivas, dividindo em bandas sonoras os sons que constituem o espaço sonoro no
qual vivemos imersos. Som direto, ambientes, ruídos e sicas são editados, filtrados,
equalizados, mixados e concebem uma sonorização dentre as inúmeras possíveis, pois
ela representa uma única percepção e, ainda assim, abre espaço para várias diferentes
interpretações, que cada espectador irá aliar a ela suas expectativas, suas ilusões e
seus traumas.
As edições de som, assim como a paisagem sonora em que vivemos, estão cada
vez mais poluídas. O homem tem dado muito pouca atenção a sua audição e permitido
que os avanços tecnológicos transformem o ambiente em que vivemos num
verdadeiro caos sonoro. É como numa bola de neve, uma ação acaba influenciando a
outra e repercutindo no produto final. Filmes barulhentos não necessariamente são
filmes com uma boa edição de som. E isso acaba por prejudicar sobremaneira a nossa
capacidade auditiva por diminuir o raio de alcance de nossa escuta.
A diferença entre ouvir e escutar, os pontos de escuta e as diferentes atitudes
de escuta também farão parte deste capítulo que, além das três atitudes
14
desenvolvidas por Michel Chion (2004), irá elaborar três novas a partir de todo o
estudo desenvolvido, consolidando os desdobramentos da percepção auditiva como
fator de grande importância para a construção de uma narrativa fílmica. Enquanto as
três primeiras escutas encontram-se presentes no reconhecimento do objeto sonoro,
as novas posicionarão o seu foco numa percepção mais subjetiva, vinculada a fatores
de recepção, atenção à vida, e interesse diante dos sons reconhecidos pelas escutas de
Chion, associadas à emissão sonora.
Fazem parte do terceiro e último capítulo as discussões a respeito dos espaços
sonoros no cinema e todas as suas potencialidades. O que é visto na tela ou apenas
sugerido pelos sons; o sincronismo e o assincronismo; e as diferentes percepções que
nos conduzem a cada um desses possíveis contornos em seus movimentos centrípetos
ou centrífugos. As imagens encontram na tela o seu continente, os sons têm a
liberdade de ocupar um espaço muito mais abrangente. Esse espaço sonoro, por sua
vez, pode se relacionar com a tela de uma forma concreta ou abstrata, pode manter o
espectador preso ao que lhe é apresentado pela imagem, ou ainda fazê-lo alçar voos
longínquos e cativantes, de acordo com os objetivos pretendidos no desenho sonoro
de um filme.
Os “maestros” da sonorização no cinema ganharam mais importância à medida
que as tecnologias digitais empregaram ao som uma relevância maior dentro da
narrativa cinematográfica. Aos desenhistas sonoros, que antes eram conhecidos
apenas como supervisores de som, cabe o trabalho de conceber toda a estrutura
sonora do filme, estabelecendo os parâmetros da captação à mixagem. Eles avaliam a
acústica das locações, escolhem os microfones e equipamentos de gravação, definem
os estilos de sonorização, decidem qual sistema de trabalho adotarão com sua equipe,
estabelecem em conjunto com diretor e/ou produtor em qual, ou quais, sistema de
reprodução sonora o filme se realizado, coordenam toda a edição de som e a
finalização nos estúdios, ou seja, carregam toda a responsabilidade pelo som que os
espectadores ouvirão durante a projeção.
Uma das maiores questões no desenvolvimento sonoro de um filme está
justamente na tentativa de se controlar a significação atribuída pelo público a cada
15
cena. Os espectadores de cinema nunca foram passivos, desde os primórdios da
chamada sétima arte contribuíram com suas percepções, conferindo aos filmes leituras
próximas a suas culturas, crenças, situações sociais, raciais e políticas. As “lacunas”
preenchidas em um filme dizem muito a respeito de cada pessoa, no entanto, não são
capazes de organizar nem sedimentar um grupo de pessoas atribuindo-lhes
características fixas e imutáveis. Se buscarmos dois espectadores, mesmo que habitem
sob um mesmo teto, cada um constituirá uma percepção e um significado distinto, a
partir de uma visão muito específica do mundo, graças a suas vivências singulares e
intransferíveis.
As entrevistas encerram não o capítulo como todo o estudo sobre a
percepção e o espaço sonoro no cinema, justamente com o objetivo de comprovar a
multiplicidade de interpretações geradas a partir de um mesmo objeto visual-sonoro.
A expectativa é de um trabalho que ajude a despertar para uma nova percepção
sonora todos aqueles que percorrerem suas páginas. Um estudo que tem contribuído
sobremaneira para o meu crescimento não como professor, mas como editor de
som e, principalmente, como ouvinte.
16
“O CINEMA SONORO INVENTOU O SILÊNCIO”
BRESSON, Robert
2
Capítulo 1: Som e cinema
Diferentemente de nossos olhos, nossos ouvidos não possuem pálpebras e, por
isso, não somos capazes de interromper temporariamente nossa audição, assim como
nos é permitido fazer com a faculdade perceptiva da visão. “Quando dormimos, nossa
percepção de sons é a última porta a se fechar, e é também a primeira a se abrir
quando acordamos” (SCHAFER, 2001: 29), apesar dessa afirmação feita por R. Murray
Schafer, sou levado a acreditar que, mesmo enquanto dormimos, a porta da nossa
audição permanece aberta, recebendo as informações ao nosso redor, como uma
antena capaz de nos alertar contra ou a favor de algo que possa interferir em nosso
repouso diário. Alguns, é certo, possuem maior sensibilidade do que outros, que
nem todos nós despertamos com a mesma facilidade quando uma sonoridade invade
de forma contundente nosso espaço sonoro. Entretanto, quem de nós nunca
experienciou, ao dormir com algum tipo de preocupação, uma noite de sono
entrecortada por várias pequenas interferências sonoras? Isso se dá, porque a atenção
à vida encontra-se em diferentes graus dentro de cada um de nós e respeita o
direcionamento que nossa mente confere aos nossos interesses, o que pode
evidenciar e comprovar as diferenças de percepção auditiva e capacidades de
assimilação sonora de cada espectador diante de um mesmo filme. Dessa forma,
2
Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2005. p. 42.
17
nossos ouvidos permaneceriam “ligados” 24 horas por dia, a não ser por uma sutil
sensação de pausa necessária ao nosso relaxamento antes de pegarmos no sono.
Este capítulo apresentará, primeiramente, o objeto deste estudo em situações
cotidianas, a fim de consolidar uma percepção que estabeleça o quão grande é a
importância dos sons em nosso dia-a-dia, como em nossa interação com o mundo
através de um elaborado sistema, que é a linguagem. Sem sua percepção nossa
comunicação não se faz impossível, porém, torna-se bem mais complexa e difícil.
Aqueles que vivem isolados do mundo sonoro desde o seu nascimento, por exemplo,
acabam por desenvolver uma percepção imagética muito mais minuciosa, estando
atentos para os mínimos detalhes, pois dependem dessa percepção para realizarem o
ato de se comunicar. Se fizermos a experiência de entregar uma mesma fotografia
para um ouvinte e para um natissurdo e, após alguns minutos de sua apreciação, a
pegarmos de volta, pedindo que eles a descrevam, perceberemos uma grande
diferença em suas percepções devido ao nível de detalhamento conferido pelo
natissurdo. No entanto, é interessante notar certa predisposição dos ouvintes, em
nossa cultura, em privilegiar o que é visto em detrimento do que é ouvido, mesmo sem
se permitir desenvolver a visão em toda sua potencialidade. A audição, entretanto,
mesmo posta em segundo plano, tem uma grande importância em nossas vidas, pois
nos ajuda a compreender o mundo a nossa volta por nos permitir significar, questionar
e perceber até mesmo o que os olhos não percebem.
A escuta é um dos nossos principais mecanismos de sobrevivência. Graças a ela,
percebemos as promessas e ameaças que se encontram fora de nosso campo visual.
nossa audição é capaz de nos informar o que acontece dentro dos 360° que nos
rodeiam, enquanto nossa visão se limita, em condições normais quando nos
deslocamos em uma velocidade dia de cinco quilômetros por hora a uma
amplitude máxima de quase 180°. Essa abertura, porém, é proporcionalmente
contrária ao aumento da velocidade de nosso movimento. Quanto mais rápido nos
deslocamos menor é o nosso campo de visão.
Espera-se que, ao compreender a função do som no mundo, poderá se
entender melhor o “surgimento”, o desenvolvimento e o funcionamento do som no
18
cinema. Será que os ditos sobre som e cinema não são um tanto exagerados? Não
estariam eles repletos de uma visão intolerante e restritiva? Mudanças em qualquer
sentido, em todas as épocas, sempre provocaram e provocarão reações. Impossível
agradar a todos. No entanto, os receios e críticas de uns não teriam sido levados
demasiadamente às últimas consequências? A falta de percepção e entendimento
sonoro, numa cultura que privilegia o visual, não teria contribuído para tais equívocos?
A intenção deste capítulo é mostrar que a adição do som em sincronismo com a
imagem no cinema, além de necessária, era inevitável desde o início da invenção do
cinematógrafo e, ao contrário do defendido por alguns historiadores, se deu de uma
forma muito natural.
1.1 A fisiologia da percepção auditiva
Nosso primeiro contato com o mundo é através da audição. Ainda em nossa
vida intrauterina recebemos estímulos sonoros como: o fluxo sanguíneo de nossa mãe,
o batimento de seu coração e seu movimento digestivo, além do som de vozes,
músicas e ruídos extracorpóreos, permitindo ao bebê se sentir familiarizado com
alguns sons após seu nascimento. A memória auditiva de um recém-nascido pode ser
comprovada ao o colocarmos entre duas ou mais vozes femininas, pois, numa situação
como essa, ele será capaz de reconhecer a voz de sua mãe e responder com um
movimento de cabeça em sua direção. Isso é possível graças à rápida formação do
aparelho auditivo durante a vida fetal, que se inicia na terceira semana de gestação e
tem suas principais estruturas formadas ainda no quinto mês, o que lhe permite
armazenar os estímulos sonoros de seus quatro últimos meses no interior da barriga
de sua mãe.
Há um momento, entre o aprendizado da fala e a noção da existência de
significado na linguagem, que desperta uma atenção diferente na percepção auditiva
de toda criança. Nele, as vozes, com todas as suas melodias e seus toques, tornam-se
música para os ouvidos, ou, ao menos, aproximam-se consideravelmente da mesma
sensação que experimentamos a cada vez que ouvimos uma música, “uma linguagem
em que se percebe o horizonte de um sentido que, no entanto, não se discrimina em
19
signos isolados, mas que se institui como uma globalidade em perpétuo recuo, não
verbal, intraduzível, mas, à sua maneira, transparente” (WISNIK, 1989: 30). Ou seja,
algo que nos toca profundamente mesmo que não saibamos o seu real significado.
Algo que se estabelece na fronteira entre a razão e a emoção.
Os limites da audição humana, segundo Schafer, fazem-se tanto pelo audível,
quanto pelo suportável. O ouvido humano é capaz de captar ondas sonoras numa
escala que varia de 20 até 20.050 hertz (Hz) e numa amplitude aproximadamente
entre zero e 130 decibéis (dB). Os sons com uma frequência inferior aos 20 Hz se
fundem com o sentido do tato, tornando-se vibrações não percebidas por nossos
ouvidos, mas pelo nosso corpo, eles são chamados de infrassons e podem provocar
náuseas e perturbações intestinais. Os sons de frequência superior a 20.000 Hz são os
ultrassons, eles são usados, por exemplo, nas ecografias e nos sonares. Já os sons com
um volume superior aos 130 dB atingem o ponto em que a sensação sonora
transforma-se em dor. Contudo, como não uma regularidade nem no espaço
auditivo, nem nos sistemas de audição, essas relações podem ser alteradas para mais
ou menos de acordo com cada caso e indivíduo, proporcionando inúmeras relações
possíveis.
Ao alcançar determinado nível de frequência, aproximando-se da casa dos
20.000 Hz, os agudos começam a deixar de fazer parte da nossa percepção.
Começamos a percebê-los distorcidos e numa intensidade cada vez menor, até que
eles desapareçam para nós. Isso, no entanto, não significa que esses sons deixaram de
existir realmente. Nós apenas não somos mais capazes de captá-los através de nosso
órgão auditivo, embora muitos outros animais consigam fazê-lo, como por exemplo: os
cães, que conseguem ouvir sons entre 15 e 50.000 Hz e produzem sons entre 452 e
1.800 Hz; ou os morcegos, que ouvem frequências entre 1.000 e 120.000 Hz e
produzem sons a partir dos 10.000 Hz. Só para se ter uma ideia da diferença, nós, seres
humanos, somos capazes de produzir sons entre 85 e 1.100 Hz, muito abaixo da
frequência utilizada pelos morcegos.
Entre as frequências de oito a treze hertz encontra-se, segundo José Miguel
Wisnik, o ritmo alfa, uma frequência cerebral que determinaria o alcance de nossa
20
percepção. Funciona “como uma onda portadora de ondas, uma espécie de fundo
condutor”
(WISNIK, 1989: 22)
, que pode ser registrada num eletroencefalograma
quando permanecemos em vigília de olhos fechados, ou quando mesmo de olhos
abertos não fixamos o olhar em nada. Entretanto, ela não é encontrada tanto em
estado de sono profundo, quanto se nossa atenção estiver focada em algo. Ela estaria
diretamente relacionada a uma atenção ao mesmo tempo total e superficial, referir-
se-ia provavelmente ao nosso primeiro estágio perceptivo, antes de nos
concentrarmos efetivamente em algum estímulo, responsável por nossa atenção à
vida. Segundo ainda Alain Daniélou, o ritmo alfa estaria relacionado à nossa sensação
de tempo através das relações com o ambiente em que vivemos, determinando o que
seria perceptível e imperceptível para cada um de nós.
Quando dizemos que o sinal sonoro corresponde a uma onda que
fazemos representar por uma senoide, estamos procedendo a uma
redução simplificadora, a uma abstração que se faz necessária para a
apresentação mais elementar de um fundamento. Isso porque cada
som concreto corresponde na realidade não a uma onda pura, mas a
um feixe de ondas, uma superposição intrincada de frequências de
comprimento desigual. Os sinais sonoros não são na verdade simples
e unidimensionais, mas complexos e sobrepostos (WISNIK, 1989: 23).
A complexidade sonora, nas variações entre graves e agudos das mais diversas
amplitudes e durações, produzida por cada objeto, gera uma paleta de cores específica
e única para cada som, o que chamamos de timbre. Diferentes instrumentos tocando
uma mesma nota, numa mesma amplitude, produzirão sons totalmente diversos. Isso
ocorre graças às diferenças de ressonância das ondas no interior do corpo de cada
instrumento, assim como de sua vibração interna. Se essa variação ocorre no interior
dos instrumentos musicais, proporcionando diferenciações sonoras significantes, por
que não afirmar que ocorra algo semelhante, no percurso realizado pelas ondas
sonoras, no interior de nosso aparelho auditivo? Dessa mesma forma poderíamos ter a
explicação para um dos muitos critérios que nos conduzem a múltiplas percepções
sonoras e suas significações distintas geradas em cada um de nós, através de um fator
de ordem acústica.
21
O som “concreto”, o som real, é muito mais abrangente do que a imagem que
se convencionou reproduzir. No entanto, a representação de uma onda sonora a se
propagar de forma senoide, apesar de sua simplicidade, corrobora com a ideia de uma
periodicidade temporal que lhe confere ritmo e constância. Em sua propagação
ondulatória encontra-se, mesmo que de forma imperceptível, uma contínua sucessão
de presenças e ausências fundamentais a nossa percepção. Todo som é composto por
inúmeros e ínfimos momentos de silêncio, pois, se assim não fosse, nossos tímpanos
entrariam em espasmo por não suportar a pressão sonora. Sem essa oscilação,
compreendida pelo aparelho auditivo como uma série de compressões e
descompressões, o som não teria como durar, nem mesmo começar, pois não existe
som se não houver pausa. “Há tantos ou mais silêncios quantos sons no som, e por isso
se pode dizer, com John Cage, que ‘nenhum som teme o silêncio que o extingue’. Mas
também, de maneira reversa, há sempre som dentro do silêncio” (WISNIK, 1989: 18).
A complexidade da percepção auditiva acontece em diferentes níveis, de
acordo com as capacidades do aparelho sonoro-motor de cada indivíduo. O filme
Mutum (Sandra Kogut, 2008) inicia-se apresentando ao espectador uma percepção
sonora diferenciada do cavalgar de um cavalo, ao acompanharmos a primeira imagem
do filme, que é um ponto de vista da personagem principal, Thiago (Thiago da Silva
Mariz). São dele as percepções que conduzirão os espectadores durante boa parte da
história, e a primeira imagem, de forma sutil apesar do exagero na sonorização, deixa
bem claro, aos mais atentos sonoramente, que há algo de especial em sua audição. Na
tela vemos o dorso da cabeça de um cavalo a se deslocar por uma paisagem
interiorana. O som que ouvimos do seu cavalgar tem uma amplitude além da normal
esperada, o que provoca certo incômodo no espectador, por não entender
imediatamente os motivos de tal sonorização. Essa amplitude acaba sendo realçada
quando, na imagem seguinte, vemos as patas do cavalo cruzarem a tela em primeiro
plano, numa posição muito próxima do chão e, apesar disso, as ouvimos com uma
intensidade bem menor. A não correspondência com a realidade, tendo em vista a
relação inversamente proporcional entre a proximidade com o objeto a provocar o
som e a amplitude com a qual ele nos é apresentado, deflagra uma percepção
22
incomum para a qual deveremos atentar durante sua projeção. No entanto, assim que
é feito o corte do primeiro para o segundo plano, e, com ele, a sonorização é
normalizada, os espectadores comuns são levados a ignorar essa percepção inicial sem
perceber que, na verdade, ela teria sido inserida ali não por acaso. Essa escuta
diferenciada, que pode passar despercebida por alguns espectadores, é
evidentemente uma primeira pista sobre a condição perceptiva em que se encontra a
personagem de Thiago, que será mais bem compreendida e fará sentido mais explícito
e coerente quando o filme se aproximar do final.
Imaginemos agora uma sequência de um filme em que, através de nossa visão,
percebamos uma imagem com intensa movimentação um centro de cidade na hora
do rush, um estádio de futebol lotado, o pátio de uma escola repleto de crianças, etc. –
, porém extremamente silencioso aos nossos ouvidos, tendo a escuta muito nítida de
um único som, mantendo-se todo o som do possível tumulto apenas como fundo. Esse
trabalho de sonorização, de criar um foco auditivo, destaca para o espectador
exatamente o ponto sobre o qual sua atenção deve se fixar e conduz sua percepção
dentro da narrativa. Para muitos, isso pode ser considerado como uma representação
que não corresponde à realidade. Entretanto, isso nos é mais comum do que
pensamos. Nossos ouvidos são muito seletivos, porém, por não darmos a devida
atenção a essa ocorrência tão corriqueira em nosso dia-a-dia talvez, não
percebamos o quão natural são essas diferenças perceptivas. “A única proteção para
os ouvidos é um elaborado mecanismo psicológico que filtra os sons indesejáveis, para
se concentrar no que é desejável. Os olhos apontam para fora; os ouvidos, para
dentro.” (SCHAFER, 2001: 29) Essa situação é deflagrada se compararmos os sons que
ouvimos sem a interferência de nenhum aparelho, com os mesmos sons captados e
gravados por um microfone.
[...] tomemos o exemplo de uma conversa dentro de um carro em
movimento: na vida real, conseguimos facilmente abstrair os ruídos
que atrapalham nossa audição (como barulhos de motor, de vento,
de rádio, etc.) e ainda assim ouvir o que dizem as pessoas dentro do
carro. Um microfone, por sua fez, gravando a mesma conversa nas
mesmas condições, certamente nos restituiria toda a mistura de
23
sons, reproduzindo-os todos por igual, na projeção, através de uma
única fonte (BURCH, 2006: 117-118).
A diferença entre o mecânico e o orgânico, apresentado por Noel Burch neste
caso, é de grande relevância na introdução de um estudo entre as complexidades da
percepção auditiva humana. Se nossos ouvidos funcionassem como as membranas dos
microfones, todos nós, posicionados dentro de um mesmo espaço físico, ouviríamos
praticamente a mesma coisa, respeitando-se apenas as possíveis diferenças
proporcionadas pelas diferentes angulações a que nossos “microfones” estivessem
direcionados. Será, porém, que nossos ouvidos são os principais responsáveis pelas
nossas percepções distintas? Claro que não. Nossos ouvidos, dentro das condições
normais, têm a mesma capacidade de captação sonora. É nosso cérebro que, diante de
nossas intenções e interesses, distingue e realiza as diferenciações. O som gravado
pela membrana do microfone, diferentemente do percebido por nosso aparelho
auditivo, capta todas as informações sonoras contidas no ambiente sem selecionar o
conteúdo sonoro de maior relevância a nossa escuta. Isso porque o suporte de
gravação não possui neurônios. Ele não pensa, logo, não tem a capacidade de escolher
as informações mais relevantes a serem registradas e posteriormente reproduzidas. O
que separa o mecânico do orgânico é que cada pessoa tem suas motivações e, por
isso, percebe uma mesma situação sonora de forma única e exclusiva.
Mantendo-se o exemplo apresentado por Burch nos é possível imaginar
algumas outras possibilidades. Quem nunca se distraíra em uma conversa por dar mais
atenção a uma música que toca no rádio e que lhe salta aos ouvidos, não por ter seu
volume aumentado, mas por lhe remeter a algo que lhe atrai? Quem nunca saiu do
carro e esquecera o rádio ligado por não prestá-lo a atenção devida? Quem nunca se
assustara com algum som no trânsito por estar alheio a ele enquanto conversa ou
ouve o rádio? Como então um equipamento mecânico, como um microfone, pode
saber onde se localiza a nossa atenção auditiva, nosso interesse sonoro? Ele capta
todas as informações sonoras exatamente como lhe são apresentadas na direção para
a qual está apontado, dando a todas elas a mesma importância e o mesmo valor, sem
priorizar uma em detrimento da outra, o que não ocorre com nossa percepção auditiva
24
em nosso dia-a-dia, pois estamos sempre a selecionar os sinais dentre os sons
fundamentais que nos cercam e nos interessam.
E o que dizer/pensar daqueles que possuem sua percepção auditiva
prejudicada tanto de nascença (natissurdos) quanto numa etapa da vida anterior ao
desenvolvimento da linguagem verbal? Certamente, trata-se de experiências
perceptivas muito específicas. Pois, se mesmo para os audientes, de posse dos
fundamentos da linguagem por intermédio sonoro, as construções de significado se
processam das mais variadas formas, o que esperar da percepção de indivíduos livres
dessas amarras?
Para David Wright, ter se tornado surdo após os sete anos foi uma sorte
extraordinária, pois a esta idade uma criança, além de se expressar verbalmente,
compreende todas as nuances de uma língua falada: sua pronúncia, sintaxe, inflexão e
expressões idiomáticas, possuindo um vocabulário cuja base poderia ser expandida
através de leituras. Outro fator interessante, relatado por ele, era a ilusão de continuar
ouvindo as vozes das pessoas as quais conhecia. Ele afirmava poder ouvi-los, apesar de
unicamente ler seus lábios. Eram projeções do hábito da memória a conservar vozes
fantasmagóricas. Um dia, porém, numa conversa com um primo, este lhe tampa a
boca com uma das mãos, impedindo-o de ler seus lábios. Wright então percebe que
nada podia ouvir quando não conseguia ver. Foi quando pôde comprovar que seu
silêncio estava diretamente relacionado à sua visão (SACKS, 1998: 18-19).
Essa percepção auditiva de Wright, no entanto, não precisa ser totalmente
ilusória. É conhecido cientificamente que os surdos não são totalmente privados de
sons, assim como os cegos, de luz. Logo, não vivenciam um silêncio absoluto ou uma
escuridão plena. Porém, os ruídos e vários tipos de vibrações percebidos pelos
natissurdos, ou pelos atingidos com a surdez pré-linguística, não encontram nenhuma
tradução e significado com a ngua falada, pois para essas pessoas não “imagens
auditivas”. Elas não m ideia alguma de como seriam os sons provenientes de uma
fala nem o conhecimento da relação entre som e significado. Não possuem lembranças
sonoras ou associações entre imagens e sons possíveis para despertar tal ilusão
sonora. Assim como os ouvintes não são capazes de ouvir tons, numa frequência
25
abaixo, aproximadamente, de 20 Hz, mas sim perceber vibrações, para os não-
ouvintes, talvez, essa mesma percepção se estenda por frequências mais amplas,
transformando o que é audível para muitos em uma experiência tátil. Porém, como no
caso de Wright, os portadores de surdez pós-linguística estariam capacitados, de
alguma forma, a relacionar essas vibrações com os sons e significados apreendidos
anteriormente.
Isso nos leva a uma analogia com o cinema mudo, em que os espectadores
“surdos” eram capazes de ouvir os sons das ações presentes na tela, mesmo que o
filme contasse apenas com um acompanhamento musical, graças à memória auditiva
existente, adequada a completar a comunicação.
1.2 A história do som ou interferência humana sobre a paisagem sonora
Apesar de toda a importância que os sons têm em nossas vidas, mesmo
reagindo muito mais às impressões sonoras do que às visuais, vivemos numa cultura
que privilegia a visão. A questão é que em algum momento de nossa história o som foi
banido e banalizado por uma fixação na imagem, conferindo a ela o status de
detentora da realidade. Para Schafer, o ouvido cedeu lugar ao olho, na cultura
ocidental, a partir do Renascimento, difundido na Europa entre os séculos XV e XVI,
quando uma ampla gama de transformações sociais, culturais, econômicas, políticas e
religiosas mudou nossa percepção não sobre o concreto, mas também sobre o
abstrato. Foi na Renascença que a representação de Deus passou a ser imagética e não
mais sonora, que, anteriormente, a ideia que projetávamos Dele estava vinculada a
uma vibração ou som. Para Mc Luhan, no entanto, essa transição teria se iniciado
muito antes, com a criação do alfabeto fonético, numa transposição da palavra falada
para a palavra escrita, do sonoro para o visual. “A palavra fonética escrita sacrificou
mundos de significação e percepção [...]. O alfabeto fonético produz uma divisão clara
da experiência, dando-nos um olho por um ouvido” (McLUHAN, 1974: 102-103).
a Revolução Industrial iniciada no século XVIII, na Grã-Bretanha, expandindo-
se pelo mundo no século XIX, e seguida posteriormente da Revolução Elétrica, é
apontada como um grande marco na mudança de nossa paisagem sonora, ao
26
introduzir uma infinidade de novos sons a nossa percepção. Hoje, vivemos num mundo
esquizofônico
3
, onde uma superpopulação de sons nos impede de distinguir os sons
que devem ser ouvidos dos que não contribuirão com informações relevantes. Nossa
percepção sonora tem se tornado muito mais escura, dificultando nossa escuta. Antes
de toda essa invasão sonora os sons podiam ser ouvidos em separado, com mais
clareza, graças ao baixo nível de ruído ambiental. Numa paisagem sonora pré-
industrial a relação do homem com a sonoridade do lugar em que vivia era muito mais
íntima, sendo possível identificar sons a uma longa distância, por causa da existência
de uma perspectiva sonora (figura e fundo) muito maior, que o permitia perceber
qualquer mudança ocorrida num grande raio de ambiente sonoro. Talvez, o desvio de
nossa atenção do ouvido para a visão tenha sido um dos principais responsáveis pelo
nosso descaso com a paisagem sonora atual, fator que deveria ser repensado antes de
se chegar ao ponto de não mais podermos reverter essa situação. No entanto, se
mesmo com toda a comoção e batalha empenhada por órgãos de defesa da natureza,
em prol de se solucionar a poluição visual, nada de significativo até o presente
momento foi feito, como poderemos esperar que haja algum incentivo para a
diminuição da poluição sonora em nossos grandes centros?
Uma paisagem sonora é formada a partir da interação dos eventos sonoros de
uma região com os seus componentes. Conseguir analisar as possibilidades de atuação
de cada paisagem sonora sobre os indivíduos que estão suscetíveis a cada uma delas é
uma tarefa muito mais complexa e difícil do que o exame dos mesmos sons isolados
em arquivos sonoros. Sem falar que um mesmo som pesquisado em culturas
diferentes pode gerar percepções totalmente adversas. Em países tecnologicamente
avançados os sons das máquinas e aparelhos eletrônicos, por exemplo, são
amplamente rejeitados, enquanto que em países mais atrasados no âmbito
tecnológico esses mesmos sons podem soar como algo agradável e interessante a seus
habitantes. Essas diferenças perceptivas, não de uma cultura para outra, mas
também entre os indivíduos de uma mesma cultura, colocam-nos diante de mais um
3
Esquizofonia é um termo utilizado por Schafer para denominar duas novas técnicas introduzidas pela
Revolução Elétrica: tanto para o empacotamento e a estocagem do som quanto para o afastamento dos
sons de seus contextos originais.
27
fator responsável pelas diferenciações perceptivas em cada indivíduo: o fator cultural-
geográfico. Como se poderia analisar com imparcialidade o som de um filme com o
intuito de se buscar, durante seu processo de finalização sonora, um trabalho capaz de
ser compreendido e interpretado de forma semelhante em vários países do mundo
se cada habitante, de uma diferente cultura, trará para a narrativa fílmica suas
experiências singulares, de acordo com o meio em que vive? Acredito que a resposta
para a tentativa de se alcançar uma interpretação una se encontre na sonorização que
é feita na grande maioria dos filmes, principalmente dentro dos produtos realizados
pelas grandes indústrias: uma edição de som que se limita ao básico quando reforça
sonoramente o que vemos na tela, sem ampliar de forma demasiada o espaço sonoro,
para se evitar que extrapole os limites do quadro, e não precise suscitar a imaginação
do espectador, nem abrir as possibilidades a uma potencialização ilimitável.
Façamos uma breve volta no tempo a fim de tentar compreender melhor a
influência da paisagem sonora sobre nossas vidas. Quais teriam sido os primeiros sons
a compor o ambiente sonoro em nosso planeta? Segundo Schafer, os mares e os
ventos. Eles aqui estavam mesmo antes da existência dos seres vivos. E como será que
eles soavam? Será que sempre emitiram a mesma sonoridade por nós hoje percebida?
O certo é que todo som precisa de uma percepção auditiva para gerar significado, para
comunicar. Quando ouvimos, estamos percebendo apenas algumas faixas da vibração
sonora. Logo, um mesmo som ouvido por s, seres humanos, e por um animal, como
os cachorros, certamente soará de formas distintas, pois, como vimos, a faixa de
frequências sonoras escutadas pelos cães é bem mais ampla que a nossa. Isso não
significa que os mares e ventos soem de forma diferente, e sim que nossa percepção
auditiva é limitada e nos impede de ouvir alguns sons como eles realmente são.
“O vento, como o mar, apresenta um infinito número de variações vocálicas.
Ambos têm sons de amplo espectro, e em sua faixa de frequência outros sons parecem
ser ouvidos” (SCHAFER, 2001: 43). No filme A Ostra e o Vento, de Walter Lima Jr., essas
sonoridades têm uma importância crucial para a narratividade e a compreensão da
história. Marcela, personagem interpretada pela atriz Leandra Leal, vivera isolada em
uma ilha desde a mais tenra infância. Afastada do convívio com outras pessoas que
28
não seu pai (Lima Duarte) e alguns marinheiros que os visitavam, de tempos em
tempos, trazendo mantimentos e suprimentos necessários para o bom funcionamento
do farol, pelo qual eram responsáveis, cria para si uma percepção de mundo diferente
da que estamos acostumados. Diante dessa específica “realidade”, Marcela, quando
ainda menina, é presenteada pelo pai com um cata-vento, e acabara por gerar a ilusão
de que Saulo, o vento, vinha sempre brincar com ela, e que seria ele seu melhor
amigo, o único a compreendê-la verdadeiramente. Pode-se então cogitar que essa
percepção tenha despertado em Marcela a audição de frequências, produzidas pelo
vento, das quais os seres humanos normais não são capazes de escutar, abrindo as
portas para o lúdico.
Graças ao excelente trabalho sonoro realizado por Tom Paul, toda a “poesia” de
Moacir C. Lopes
4
é mantida, além de nos permitir compreender a dinâmica
estabelecida entre Marcela e Saulo, em que ela é capaz de identificar, através das
modulações sonoras do vento, códigos de linguagem. Quando o vento sopra suave e
acolhedor, ela o percebe como um amigo confidente com quem divide seus dramas e
suas esperanças; quando um pouco mais agitado, um amigo brincalhão a lhe fazer
correr atrás de um lençol; quando sinuoso e lascivo, um amante a acariciar sua pele,
fazendo-a se sentir amada e desejada; ou quando tempestuoso e forte, alguém hostil e
violento a demonstrar o quão traiçoeiro pode ser. Essas diferentes sonoridades,
utilizadas em momentos específicos, ajudam o espectador a perceber a variação de
caráter de Saulo, facilitando aceitarmos a ilusão de Marcela, que tem em sua
percepção auditiva o principal fio condutor para a sua fuga da realidade, conduzindo-a
a um mundo que é só dela.
Murray Schafer, em seus estudos sobre paisagem sonora, utiliza-se de termos,
como sinal e som fundamental, para se referir às sonoridades existentes em nosso dia-
a-dia, buscando uma relação direta com outros dois termos usados pela psicologia, em
análises relacionadas à percepção visual, figura e fundo. O som fundamental
5
funciona
4
Autor do livro A Ostra e o Vento, no qual se baseia o filme de Lima Jr.
5
“Em música, o som fundamental (ou freqüência fundamental) identifica a escala ou a tonalidade de
uma determinada composição. Ele fornece o som fundamental em torno do qual a composição pode
modular, mas a partir do qual outras tonalidades estabelecem uma relação especial. Nos estudos da
paisagem sonora, os sons fundamentais são aqueles ouvidos continuamente por uma determinada
29
como uma base sonora, uma âncora, pois é formado por sons que “não precisam ser
ouvidos conscientemente” (SCHAFER, 2001: 26) e formam uma grande massa
homogênea gerada tanto pela natureza vento, água, pássaros, insetos quanto pelo
homem máquinas, trânsito, multidões. Eles compõem o que para a visão seria
chamado de fundo. Existem para dar preenchimento e contorno à figura. Sua presença
pode não ser sentida, mas sua ausência certamente seria percebida. “A figura não
pode existir sem o fundo; subtraia-se o fundo, e a figura se tornará sem forma,
inexistente” (SCHAFER, 2001: 26).
Os sinais, por sua vez, guardam relação com a figura, ou seja, são sons que se
destacam da massa sonora que compõe o fundo. São percebidos conscientemente,
pois normalmente nos trazem alguma informação, através de um código pré-
estabelecido e reconhecido, que nos atravessa seja por promessa ou ameaça, como
por exemplo: alarmes, buzinas, apitos, sirenes, campainhas, sinos, telefones, etc.
Entretanto, é importante frisar que “qualquer som pode ser ouvido conscientemente
e, desse modo, qualquer som pode tornar-se uma figura ou um sinal” (SCHAFER, 2001:
26), basta, para isso, que determinado som atraia nosso interesse e se destaque do
som fundamental.
Façamos uma transposição desses termos para o cinema. O som fundamental
de Schafer tem relação direta com o que chamamos de ambiente, em uma edição de
som cinematográfica, e os sinais não são outra coisa senão os ruídos. Levando-se em
conta a relação estreita traçada por Schafer entre som fundamental e sinais, somos
impulsionados a pensar sobre uma infinidade de possibilidades perceptivas a partir de
um mesmo ambiente sonoro, que os sons estabelecidos como sinais não o seriam
somente devido a uma maior amplitude de suas ondas, mas sim por focarem a
percepção da personagem a qual acompanhamos na tela, em algo que lhe chama a
atenção, lhe desperta o interesse. Dessa forma, o diretor conduz o espectador a obter
uma percepção sonora semelhante à da sua personagem, numa tentativa de gerar
sociedade ou com uma consonância suficiente para formar um fundo contra o qual os outros são
percebidos. Exemplo disso poderia ser o som do mar para uma comunidade marítima ou o som das
máquinas de combustão interna nas cidades modernas. Com frequência os sons fundamentais não são
ouvidos conscientemente, mas atuam como agentes condicionadores na percepção de outros sinais
sonoros” (SCHAFER, 2001: 368).
30
uma identificação entre ambos, pois dessa forma seremos capazes de entender as
motivações que impulsionam suas ações, mesmo que o as consideremos sinônimos
de correção e bom caráter. Com isso, pode-se imaginar uma infinidade de
possibilidades de edições de som para uma mesma cena, por mais simples que ela
seja. O que estaria em jogo, então, seriam as sensações e informações que o diretor do
filme pretende transmitir aos seus espectadores com maior intensidade, no intuito de
gerar um foco perceptivo, mesmo que para a maioria do público esse recurso passe
despercebido. É que talvez se encontre o golpe de mestre das sonorizações
cinematográficas: conduzir e manipular mentes sem se deixar notar.
Os sons nos envolvem, contribuem e interferem em nossa percepção e relação
com o mundo diariamente. Mesmo nos momentos em que nos isolamos de tudo e
todos, em busca de um pouco de tranquilidade e “silêncio”, somos atravessados por
sonoridades das mais diversas, provenientes de inúmeras fontes. São os sons do
mundo. Sons sobre os quais não temos controle algum. E mesmo quando esses sons
são muito sutis, quase imperceptíveis, estão eles a conduzir, sem que percebamos,
as nossas emoções no dia-a-dia. O silêncio não existe de fato na natureza. “Mesmo
onde não há vida pode haver som. Os campos de gelo do Norte, por exemplo, longe de
silenciosos, ecoam sons espetaculares” (SCHAFER, 2001: 49). O filósofo Pascal
incomodava-se e revelava-se assustado com a possibilidade de existência de um
silêncio infinito e eterno. Porém, John Cage pôde comprovar a inexistência do silêncio
ao realizar a experiência de entrar numa câmara anecoica (uma sala inteiramente à
prova de som), onde, apesar do incômodo da não propagação sonora dentro dessa
câmara, pois o “som” proferido labialmente parecia despencar para o chão, ele
conseguira perceber dois sons: um agudo, que, segundo o engenheiro responsável, era
gerado pela atividade de seu próprio sistema nervoso, e um grave, referente à
circulação de seu sangue (SCHAFER, 2001: 355). Ou seja, o silêncio existirá no dia
em que não houver mais ouvidos para escutar, caso contrário, isso será impossível,
pois sempre haverá algo a produzir uma sonoridade qualquer. Também Heinrich Heine
pôde comprovar a inexistência do silêncio abaixo da superfície da Terra quando visitou
31
as minas das Montanhas Harz, em 1824, cujos sons escutados não eram só o da
presença humana, mas também os da paisagem sonora subterrânea
6
.
Os sons do ambiente em que vivemos influenciam diretamente a nossa forma
de ver e de nos relacionar com a vida. Dessa forma, as sonoridades produzidas por nós
também têm uma tendência a refletir e incorporar as percepções auditivas nas quais
encontramo-nos imersos. Se os sons do mundo contribuem com as nossas criações,
nossas criações também contribuem com os sons do mundo. Isso pode ser facilmente
analisado se atentarmos para a história da criação sonora, em que poderemos
perceber inúmeros intercâmbios realizados entre a música e os sons do ambiente em
que vivemos. Um exemplo possível é que “enquanto a máquina de combustão interna
deu à música a longa linha de sons de baixa informação, a sica deu à indústria
automobilística a buzina com alturas definidas, afinadas (na América do Norte) em
terças maiores e menores” (SCHAFER, 2001: 163).
A partir dessa ideia, Murray Schafer e Michel P. Philippot defendem que toda a
nossa criação sonora estaria diretamente relacionada à nossa percepção auditiva. O
ambiente sonoro, que nos rodeia, nos influencia, mesmo que imperceptivelmente, nos
conduzindo a reproduzir aquilo a que estamos familiarizados. São os ritmos de nosso
dia-a-dia. Vivemos num mundo onde sons graves e médios graves imperam, graças às
máquinas, automóveis, aparelhos mecânicos, assim como o pesado som do pouso e
decolagem de aviões, cada vez mais presentes nas grandes cidades. Os ruídos
tornaram-se mais contínuos e abafados, em contraponto aos ruídos intermitentes de
frequências médias e médias altas, predominantes, por exemplo, no século XVII, como
carroças e carruagens, cavalos, sinos, o som do trabalho de artesãos e ferreiros, etc. A
tendência que percebemos hoje é de sicas e edições sonoras que acompanham um
estilo sonoro de baixa frequência.
Atualmente, essa percepção sonora ocorre não somente devido à impregnação
sofrida por nossos ouvidos, invadidos por uma massa sonora difícil de localizar e
identificar, mas graças à forte capacidade de envolvimento dada aos sons de espectro
6
Não alcancei a parte mais profunda... o ponto que atingi parecia profundo o suficiente um
constante murmurar e rugir, um sinistro gemido de máquinas, borbulhos de cachoeiras subterrâneas, a
água espalhando por toda parte fortes exalações e a lâmpada do mineiro bruxuleando cada vez mais
debilmente na noite solitária” (SCHAFER, 2001: 49).
32
grave, como também, pelo reforço que a tecnologia digital vem trazendo a reprodução
de frequências graves, inescutáveis anteriormente. Empresas, como a SRS Labs, vêm
desenvolvendo sistemas de reprodução sonora, como o SRS WOW
7
, para simular
acusticamente a existência de baixos que não poderiam ser reproduzidos por
equipamentos e alto-falantes comuns. Eles restituem notas perdidas pelo
processamento seletivo de certas parciais, possibilitando que o ouvinte acredite ouvir
um som mais grave do que o real. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico,
ainda não é possível afirmar se foi ele que contribuiu para a ampliação da utilização
dessas camadas, ou se foi o anseio de reconstituir a atual paisagem sonora que nos
levou a almejar as soluções para os problemas de reprodução acústica. Talvez, daqui a
alguns anos, quando olharmos para trás, essas respostas surjam de forma mais clara.
As ondas dos sons de baixa frequência são mais longas, sofrem menos
interferência de refração e difração, conseguem mais facilmente transpor obstáculos,
preenchem mais amplamente o espaço e, por isso, têm maior poder de penetração.
Localizar uma fonte sonora a emitir sons de baixa vibração é bem mais complicado,
pois os sons são menos direcionados, mais escuros, o que faz o ouvinte se sentir
imerso nela, mesmo que esteja diante de sua fonte. Essa experiência de imersão, ao
invés da de concentração, não é nova, ela se fazia presente na Idade Média através
do canto gregoriano no interior das catedrais.
As paredes e o chão de pedras das catedrais normandas e góticas
não apenas produziam um tempo de reverberação anormalmente
longo (seis segundos ou mais) mas também refletiam os sons de
baixa e média frequência, discriminando-os em relação às altas
frequências [...] Quem quer que tenha ouvido monges entoando
cantochão em um desses velhos edifícios jamais esquecerá o efeito:
as vozes parecem não brotar de nenhum ponto definido, mas
inundam o edifício como perfume. (SCHAFER, 2001: 170)
O músico e sociólogo Kurt Blaukopf demonstra que esse artifício era utilizado
em algumas igrejas da Idade Média com a intenção de envolver e rodear os que ali
estivessem presentes. Fazia-os se sentir como parte de um todo, fortalecendo a
7
Para conferir as diferenças acústicas de um som com e sem o SRS WOW, visite a página:
http://www.srslabs.com/demos/ e ouça uma demonstração.
33
ligação dos fiéis com a comunidade e a igreja, sem que eles pudessem perceber o som
como prazer, mas sim totalmente envolvidos por ele, já que não lhe era possível
identificar seu ponto de origem, era como se o som viesse de todas as direções e
pertencesse a todos os lugares de forma homogênea. A ideia de um som divino, que
estaria em todos os lugares, sem ser gerado por uma fonte específica, a princípio,
colocaria os fiéis diretamente em contato com Ele. Isso, no entanto, nos posiciona
diante de uma contradição: um som grave, de baixa frequência, não nos aproxima,
pelo contrário, de nossas percepções mais aflitivas? Sabe-se que frequências graves
geram no espectador incômodo e tensão, mesmo que este não as perceba
conscientemente. É sabido por todos que essa é uma vibração contrária e necessária
em um templo religioso, onde se tenciona uma ligação com as altas esferas. Se o grave
por um lado é um som que unifica, por outro, é um som que desperta nossas piores
angústias. Ele, então, não os estaria ligando ao Divino, mas sim fazendo-os temê-lo,
mantendo os fiéis submissos e sem contestar.
Contestações, questionamentos e diferentes teorias sobre a necessidade de
uma sonorização sincrônica entre som e imagem no cinema são encontradas em quase
todos os livros que abordam o período de transição entre o filme mudo e o sonoro. O
desejo dessa sonorização, no entanto, era uma realidade pretendida desde os
primórdios do cinema e sua concreção era apenas uma questão de tempo.
1.3 O cinema sonoro: um breve histórico tecnológico
Muitos teóricos à época do advento sonoro sincronizado com a película
questionaram, principalmente, a necessidade de uma sonorização naturalista. Qual o
intuito de ouvirmos uma porta que se abre se podemos vê-la abrir? Por que devemos
ouvir o latido de um cachorro se sua imagem a abrir e fechar a boca nos passa essa
percepção? Essas questões eram e são até hoje muito pertinentes. Teria o som surgido
para apenas saciar a curiosidade do espectador de ouvir tudo o que vê? Seria ele
apenas um acessório da imagem? Todas essas dúvidas surgidas na esteira da
sincronização entre som e imagem eram fruto das primeiras produções fonográficas.
Os talkies, como eram chamados os filmes falados, correspondiam ao anseio dos
34
estúdios hollywoodianos em dar voz aos seus astros e eliminar as cartelas de títulos
com as falas que os acompanhavam a cada movimento de seus lábios.
De acordo com Sacks, a expectativa e a sugestão podem nos induzir a imaginar
uma percepção sonora mesmo que esta não ocorra realmente. Como no caso de
Jerome Bruner, relatado no livro Alucinações Musicais, em que após colocar um dos
seus discos favoritos de Mozart para tocar e ouvi-lo com grande satisfação, ele se
aproxima do toca-discos, para virar o vinil e ouvir o outro lado, quando acaba por
descobrir que, na verdade, não o havia posto para tocar anteriormente (SACKS, 2007:
43). Uma experiência como essa poderia ser vivenciada por qualquer um de nós, em
maior ou menor escala, de acordo com a intensidade de nossa memória auditiva. Para
isso, é suficiente termos tal percepção sonora muito viva em nossa mente. Quem
nunca ouviu uma música tocando em um rádio e, mesmo após o seu fim, permaneceu
com a nítida impressão de ainda ouvi-la? Quem nunca leu ou ouviu uma frase, que lhe
fez despertar a lembrança de uma música ou conversa, ao ponto de reproduzi-la
mentalmente na íntegra ou parcialmente?
Isso nos conduz a uma comparação direta com o cinema mudo, em que o
espectador era capaz de “ouvir” os sons das ações por ele reconhecidas sonoramente,
mesmo que esses sons não se fizessem presentes, através da associação entre o
estímulo visual e sua memória auditiva, o que nos leva a acreditar que nem tudo
precisa ser sonorizado para ser ouvido. para os espectadores cujo objeto ou
movimentação não encontra registros em sua percepção sonora, tal ilusão jamais
ocorrerá. Assim, aqueles que se encontram limitados pela falta de informações
sonoras, por uma surdez congênita, carregam consigo uma grande desvantagem
perceptiva, que terá reflexões diretas quanto ao seu aprendizado. Eles se veem
privados do contato com o conhecimento “incidental” que acontece em nosso dia-a-
dia, quando recebemos informações pelo simples fato de escutarmos as conversas das
pessoas que passam por nós, na rua. A deficiência auditiva pré-linguística requer um
árduo trabalho, com fortes estímulos desde a mais tenra idade, para se superar as
barreiras impostas pelo mau funcionamento de um “mecanismo”, que diminui
35
consideravelmente a “paleta de cores” de sua percepção ao lhe suprimir uma das
ferramentas perceptivas mais importantes.
Existe uma imensurável amplitude no prejuízo da vivência de uma pessoa com
surdez pré-linguística em relação a outra, portadora de cegueira. Os natissurdos
podem ser condenados a ficar sem meios de se comunicar e, com isso, não serem
capazes de questionamentos e proposições, tornando seu raciocínio incoerente e
paralisado. Não nada pior para um ser humano do que ficar impedido de se
comunicar livremente com seus semelhantes. Ainda assim vivemos numa sociedade
que prioriza a visão. Além das dificuldades, limitações e preconceitos, facilmente
imaginados por todos nós, na vivência e no aprendizado de um deficiente auditivo,
como seria possível ensiná-lo, estimulá-lo e avaliá-lo em uma aula de som para cinema,
por exemplo? O Professor Doutor Fernando Morais da Costa passou por essa
experiência e relatou que sua maior dificuldade era fazer o aluno entender que a
sonorização não se limitava ao espaço compreendido pela tela, que para ele era
inconcebível imaginar a existência de um som sem a visualização de sua fonte sonora.
Ao buscar uma analogia com o cinema, podemos supor que o momento em que
uma pessoa surda é apresentada pela primeira vez à língua de sinais, no Brasil
chamada de Libras, pode ser comparado com o surgimento do corte de uma imagem
para a outra, ou melhor, da montagem, pois a partir dela toda uma estruturação de
códigos foi necessária para o estabelecimento de uma comunicação clara e eficiente,
constituindo assim o germe de uma linguagem. A Libras é formada por imagens
gestuais que substituem palavras, logo, para cada palavra há uma imagem. A junção
dessas imagens associadas à ordem em que elas são “montadas” irá construir uma
ideia e seu sentido, mas se algumas imagens tiverem sua ordem trocada seu sentido
poderá ser completamente adverso, tal qual era feito no cinema mudo
8
.
Toda a dificuldade presente na formulação de uma nova comunicação, de um
novo pensamento, numa nova relação e interação com o mundo, está presente
também na transição do cinema mudo para o cinema sonoro. Uma “nova” tecnologia
8
Isso não significa que uma mudança na ordem dos planos de um filme sonoro não possa acarretar na
alteração de seu sentido, mas é sabido que estas potencialidades eram muito maiores à época do
cinema mudo.
36
trouxe consigo outra linguagem, ou outras linguagens, atreladas às novas
possibilidades. Poder-se-ia dizer ser esse o ponto em que se encontram todos os
questionamentos e confrontos iniciais. No momento em que o cinema aprende a falar
e a se comunicar, não mais somente pela “língua de sinais”, surge a dificuldade de
adequação desse “novo” sistema de comunicação cinematográfico com o anterior. É
sabido o quanto essa tardia associação entre imagem e som sincronizados, e as
subsequentes modificações ocorridas na linguagem cinematográfica, num primeiro
momento, custaram ao desenvolvimento, obtido, até então, no que tange à
montagem de imagem. No entanto, sabe-se, também, que a busca pela sonorização da
película existe desde o lançamento dos primeiros equipamentos, como o
cinematógrafo dos irmãos Lumière, mas sem obter o resultado necessário para uma
projeção conjunta, o que comprova que o som nunca fora preterido, ele apenas se
demonstrava mais arredio.
Com o surgimento do som toda a evolução”, tanto técnica quanto de
linguagem da imagem, fora freada bruscamente e todos os efeitos dramáticos
transferidos para o som. Não demorou muito, porém, para o cinema falado se
demonstrar pouco criativo, pois os microfones, que no início eram grandes e pesados,
precisavam permanecer imóveis; as câmeras, que eram muito barulhentas, tinham de
ficar dentro de cabines blimpadas (à prova de som) durante toda a filmagem de planos
com diálogo, o que inviabilizava sua movimentação. Assim, uma cena que
anteriormente seria filmada de posições de câmera diferentes e com movimentos,
passou a ser rodada de um único ponto, ou seja, retornando a uma época de planos
fixos e abertos, o que fazia os talkies se assemelharem a um teatro filmado.
A liberdade de se reorganizar os planos de um filme, na montagem de imagem,
também foi amplamente diminuída por causa do som sincronizado que acabara por
“amarrar” a imagem, conferindo a ela maior independência no que se refere à
construção de sentido, e maior dependência em sua organização perante as demais
imagens. Além disso, o alto custo da produção de um filme sonoro diminuíra
consideravelmente a quantidade de material filmado, reduzindo as possibilidades de
experimentação. Exigia-se, então, que os filmes sonoros fossem mais bem-planejados,
37
transferindo-se parte da responsabilidade do montador, num primeiro momento, para
o roteirista e, posteriormente, para o diretor. Diminuía-se, assim, a liberdade criativa
inerente à etapa da montagem.
Também a duração dos planos na montagem de um filme sonoro teve seu
ritmo influenciado diretamente pelos diálogos e músicas, que esses deveriam
respeitar o tempo sonoro de cada plano. Num primeiro momento isso trouxe maior
lentidão à montagem dos filmes, que o cinema mudo não lhe empunha essa
limitação. Com o tempo, no entanto, os montadores perceberam que poderiam
sobrepor as falas de um plano em outro, trazendo de volta a agilidade, e ganhando um
novo sentido ao mostrar a imagem da reação de um ator sob a fala do outro.
Dizer que essa mesma necessidade de imagens altamente
expressivas tornava os filmes mudos superiores aos sonoros ou, ao
contrário, afirmar que a incapacidade de empregar o som reduzia o
cinema mudo a uma série de aproximações inadequadas, é deixar de
perceber a força de ambos os meios de expressão” (REISZ & MILLAR,
1978: 35-36).
Como dito antes, essas dificuldades poderiam ser relacionadas com a
reestruturação necessária a um natissurdo que aprende a se relacionar com o mundo
através de uma linguagem composta por palavras e não mais por imagens somente.
Ele precisa se adaptar às mudanças que, certamente, devem lhe trazer muitas
dificuldades no que tange à organização das ideias para que elas possam ser expressas
dentro dessa nova comunicação. Assim como Sacks nos revela que o pensamento e a
linguagem possuem origens biológicas totalmente distintas – afirmando que nossa
capacidade de examinar o mundo e reagir a ele é nitidamente anterior ao aprendizado
de uma língua (SACKS, 1998: 52) –, poder-se-ia buscar uma comparação entre eles e o
cinema. O pensamento seria a percepção primeira, que criamos diretamente a partir
das imagens por si só. Elas nos atravessam e estabelecem uma ligação direta com o
cinema mudo em seus primórdios, pois representam apenas o registro de uma ação e
geram uma reação pautada preferencialmente numa percepção visual, mesmo que
possuíam um acompanhamento musical-sonoro, que no período pré-linguístico,
38
segundo Wisnik, pode ser comparado às vozes que ouvimos. a linguagem, seria o
surgimento da tecnologia sonora em sincronismo com a imagem, a complementar a
comunicação, abrindo portas para o desenvolvimento de significações e percepções
impensáveis anteriormente. É exatamente isso que o cinema sonoro faz: amplia as
possibilidades, torna possíveis percepções que anteriormente necessitariam de um
grau de abstração muito elevado por parte do espectador e potencializa associações
entre som e imagem capazes de gerar novas significações. Desta forma, o cinema
mudo poderia ser comparado a uma percepção incompleta, uma comunicação
truncada, cuja sonorização se fazia necessária para que sua arte alcançasse patamares
mais complexos
9
. Enfim, o advento sonoro, apesar de sua “má utilização” por parte da
indústria norte-americana em seus primeiros filmes, deve ser visto como um avanço
importantíssimo para a arte cinematográfica.
O próprio Pudovkin reconhece a importância do som para a imagem ao relatar
que, a montagem de um filme mudo necessitava de uma grande quantidade de
imagens para alcançar um resultado satisfatório quanto à abstração pretendida em
alguns casos, e que a imagem, por si só, nem sempre encontrava o melhor caminho.
Com os recursos da imagem, a cada corte, tinha-se o contraponto entre dois
elementos somente. Com a inserção sonora, as possibilidades da montagem passaram
a operar com quarto elementos, facilitando a construção de percepções abstratas. No
cinema mudo, para revelar o que se passa na cabeça de uma personagem acostumada
a viver nas grandes cidades, mas que se encontra isolada no meio do deserto, a
montagem precisaria intercalar planos do deserto a planos da cidade, de forma a
tentar demonstrar a confusão mental em que se encontra a cabeça da personagem,
através de uma verdadeira desordem nas imagens (PUDOVKIN, 1985: 86-87). no
filme sonoro, a mesma situação poderia ser resolvida facilmente com a inserção de
sons da cidade nos planos do deserto, substituindo assim os ditos sons naturais. Nesse
9
Veja bem, a afirmação feita aqui não é a de que o cinema mudo era uma arte incompleta, ou mesmo
menor. O que se pretende é relacionar, por aproximação, o cinema sem uma sonorização sincrônica
com numa pessoa portadora de deficiência auditiva, cuja linguagem não é diferente como incapaz de
gerar alguns questionamentos e proposições, devido a sua incompatibilidade plena com o universo do
abstrato. Logo, essa é apenas uma analogia para uma aproximação entre os estudos e não uma negação
da existência de uma linguagem à época do cinema mudo, fato esse incontestável.
39
caso o contraponto entre imagem e som constituiria uma relação entre duas
realidades diferentes: a realidade vivida pela personagem e a realidade almejada por
ela. Um exemplo muito semelhante pode ser conferido na sequência inicial do filme
Apocalypse Now (Francis Ford Coppola, 1979), em que o Capitão Willard (Martin
Sheen) está preso num quarto de hotel em Saigon, mas os sons que chegam até o
espectador demonstram que seu pensamento encontra-se em outro lugar: num
campo de batalha da Guerra do Vietnã.
Em outra analogia, pessoas com problemas quanto ao desenvolvimento da
linguagem podem ser extremamente inteligentes, mas limitadas ao visual. Elas podem
ver, distinguir, categorizar, usar, mas não conseguem ter ideias abstratas, refletir,
brincar e planejar. Elas têm uma visão muito exata e precisa da vida. A linguagem, por
sua vez, encontraria relação com o cinema a partir do estabelecimento de regras e
códigos visuais, num elaborado sistema que passou a ser reconhecido e aceito por
plateias de todo o mundo. O cinema, então, adquirira uma linguagem, mesmo ainda
no cinema mudo, mas que viria a se completar com a inserção da “palavra”, não
aquela escrita nas cartelas de subtítulos, mas sim a palavra falada e os sons
sincrônicos, e principalmente, os assincrônicos que elevam o abstrato da linguagem a
um patamar não imaginado no cinema mudo.
A história do som no cinema não começa no final da década de 1920 com o
lançamento bem-sucedido de equipamentos capazes de sincronizarem som e imagem.
O cinema, visto pelo lado físico e tecnológico, pode até ter nascido mudo, mas nunca
fora surdo, nem mesmo em suas primeiras projeções, atribuídas aos irmãos Lumière,
cujos acompanhamentos sonoro e musical eram inexistentes. Essas projeções
experimentais, entretanto, tinham um caráter muito mais tecnológico do que artístico,
o que lhes fez perceber a inevitável necessidade da sonorização. Assim que se
iniciaram as primeiras projeções públicas a união entre som e imagem não tardara a
acontecer. Num primeiro momento, o próprio diretor, presente à exibição dos filmes,
fazia comentários sobre a imagem projetada, fornecendo informações, muitas vezes
redundantes, ao público. Um piano mecânico, à mesma época, tentava encobrir o
desagradável ruído do projetor que ainda não se encontrava isolado em uma cabine
40
com o objetivo de evitar que a atenção do espectador fosse desviada pelo barulho
metálico da grifa. Porém, não demorou muito para que os acompanhamentos sonoros
se ampliassem. Além das músicas, que em algumas salas chegavam a contar com
orquestras inteiras, encontravam-se ainda atores, à frente ou atrás da tela,
contribuindo com um maior dinamismo para as exibições, e sonoplastas que
procuravam sonorizar alguns ruídos em sincronia com a imagem. Tudo era feito com o
intuito de atrair cada vez mais o público. Algumas produções, até mesmo, anunciavam
o tipo de acompanhamento sonoro existente em sua película como sendo um fator
diferencial e como forma de atrair o público desejoso por experimentar novas
sensações e percepções.
Existe ainda outra teoria a afirmar que o ruído do projetor, além de
desagradável, era extremamente desumano, pois ampliava o caráter mecânico do
espetáculo. Isso reforçava uma percepção fantasmagórica por parte do público, que
via, nas imagens projetadas, espectros a imitar seres vivos numa tela. A música, então,
teria sido fundamental para conferir a essas sombras a alma, o sopro divino e a
tridimensionalidade de que elas tanto careciam, diminuindo consideravelmente a
angústia sentida pelos espectadores ao se identificarem com tais “criaturas” tão
grotescas e assustadoras, visto que a atuação dos atores, à época do cinema mudo, era
exagerada e desajeitada, devido principalmente à carência do som sincrônico que
exigia do ator se fazer compreender apenas por expressões e gestos.
A introdução do som em sincronismo com a imagem no cinema, no final da
década de 1920 e início da década de 1930, não foi senão algo totalmente natural. As
primeiras experiências de sincronismo entre som e imagem foram feitas por Thomas
Edison, em 1889, e logo encontraram repercussão em equipamentos como o
Grafonoscópio de Auguste Baron (1896) e o Cronógrafo de Henri Joly (1900), sistemas
ainda falhos por não conseguirem sustentar o sincronismo tempo suficiente para
alcançar o final da projeção, apesar da curta duração dos primeiros filmes. Com a falta
de uma tecnologia capaz de realizar a sincronização através de mecanismos confiáveis,
o jeito foi investir nos casamentos entre som e imagem realizados manual e
simultaneamente, mantendo-se, dessa forma, por aproximadamente quatro décadas.
41
Paralelo a isso, equipamentos de sonorização continuavam a ser desenvolvidos e
testados. Os crescentes interesse e investimento nas diferentes formas de sonorização
dos filmes não poderiam apontar para outro sentido senão o da sincronização bem-
sucedida entre som e película.
Com a ampliação do caráter artístico e o crescimento da indústria
cinematográfica norte-americana, o advento sonoro passou a ser almejado por vários
estúdios que iniciaram uma corrida contra o tempo, na tentativa não só de encontrar a
solução para a sincronização do som em seus filmes, como também em atrair um
público ávido por ouvir a voz de seus atores favoritos. Assim, estúdios como a Warner
e a Fox acabaram por se aliar a empresas que estudavam uma forma de desenvolver
tal tecnologia. Cada estúdio, ao seu modo, investia financeiramente, permitindo um
maior avanço e aprimoramento dos estudos e testes dos diferentes sistemas. Durante
alguns anos, muitos foram os equipamentos criados, e até conseguiram sincronizar
imagem e som, mas por um período ainda muito curto, perdendo o sincronismo entre
dez a doze minutos de projeção.
O Vitaphone foi o primeiro sistema de sonorização lançado comercialmente,
numa parceria entre a General Eletrics e a Warner Brothers. Em 1926, após inúmeras
experiências bem-sucedidas com filmes de curta-metragem, o Vitaphone teria sua
estreia na sincronização das músicas e ruídos do longa-metragem Don Juan, de Alan
Crosland. Entretanto, alguns historiadores e teóricos consideram que o primeiro filme
sonoro, na verdade, por ser o primeiro filme falado, teria sido O Cantor de Jazz (The
Jazz Singer, Alan Crosland, 1927). Com ele, o blico teria pela primeira vez a
experiência de ver e ouvir, a personagem interpretada por Al Jolson, com o perfeito
sincronismo labial. Esse filme, porém, ainda não era inteiramente falado, título esse
que fora conferido ao filme As Luzes de Nova York (The Lights of New York, Brian Foy,
1928), por ser o primeiro a sincronizar todos os diálogos existentes do primeiro ao
último fotograma da película.
Esse sistema, no entanto, estava longe de ser o mais eficiente. Fisicamente, o
projetor era enorme, pesado e desajeitado. O sincronismo era feito com o projetor
ligado por cabos a um fonógrafo que reproduzia um disco de vinil de 16 polegadas a 33
42
1/3 rotações por minuto, numa frequência de 50 a 5.500 Hz (MANZANO, 2003: 86).
Essa era uma tecnologia muito cara para a época, não pelo alto valor do
equipamento a ser instalado nas salas, como também devido ao alto custo necessário
para a sua frequente manutenção. Um rápido exemplo a ser citado era a facilidade
com que os discos se desgastavam graças ao peso de suas agulhas, isso quando eles
não eram arranhados, acarretando na perda do sincronismo e exigindo uma
substituição imediata, algo que para aquela época não era tão simples quanto hoje.
Além disso, a baixa amplificação sonora das salas, o chiado provocado pelo disco e o
equívoco da troca de discos, ocasionando a exibição de um filme com o som de outro,
são alguns dos problemas recorrentes relatados em diversas bibliografias. Assim
sendo, muitas das salas de cinema existentes acabaram por fechar suas portas devido
à falta de condições financeiras para acompanhar as mudanças exigidas, não pelos
novos filmes sonoros, mas também, pelo próprio público, que indócil exigia por mais
filmes falados, afastando a ideia de modismo passageiro defendida e almejada por
alguns.
Por volta de 1930, a Fox lança no mercado cinematográfico um sistema de
sincronização sonora denominado Movietone. Sua tecnologia não era nova. Ela já
existia e vinha sendo testada paralelamente ao Vitaphone, mas sem ter atingido
inicialmente um resultado muito satisfatório. Inúmeras modificações tecnológicas
foram necessárias para que ele chegasse a um patamar de sincronização eficiente e
que viabilizasse sua comercialização. Seu sistema era inovador por realizar a
sonorização da imagem diretamente na película, através de um mecanismo capaz de
imprimir e reproduzir o que chamamos até hoje de som ótico.
Entretanto, assim como o Vitaphone, além de algumas vantagens, ele também
trouxe desvantagens para a realização de filmes. Primeiro, todo o som reproduzido em
sua projeção deveria ser gravado durante as filmagens, por não existir a possibilidade
de se acrescentar um som sequer em sua finalização. Dessa forma, os músicos eram
obrigados a estar presentes no set de filmagem e a tocar enquanto o plano estava
sendo rodado, o que encarecia substancialmente a produção, além de aumentar o
risco de erros. Segundo, o deslocamento físico existente entre imagem e som no
43
negativo, o que tornava a montagem mais lenta, que nem sempre se poderia cortar
a imagem no ponto em que se desejava, pois o som correspondente a ela estava
posicionado, fisicamente, alguns fotogramas antes, o que prejudicava amplamente o
trabalho dos montadores no que concernia ao ritmo do filme.
Com o tempo, novos equipamentos surgiram, os problemas foram sanados, o
som conquistou seu território e se fortaleceu, desbancando assim as críticas daqueles
contrários a sua existência, como alguns dos mais contundentes: Rudolf Arnheim, que
defendia a volta do filme mudo por considerar que o filme sonoro afastava o cinema
de seu caráter artístico e o aproximava de uma simples reprodução da realidade; e
Jean Epstein, que defendia a ideia de um “cinema puro”, ou seja, sem som, e, por isso,
utilizava-se de câmera lenta para reduzir os sons a sua essência, acabando com sua
hierarquia. Por outro lado, nomes como Sergei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin, René
Clair, Alberto Cavalcanti, apesar de atacarem o cinema falado, eram favoráveis a uma
sonorização assincrônica, em que um contraponto entre imagem e som contribuiria
com um novo sentido aos filmes e os afastariam de um teatro filmado. Todas essas
discussões, vistas e revistas atualmente, servem para contribuir com a consolidação
do som como uma ferramenta muito eficiente e inteligente na construção da narrativa
cinematográfica, tanto no que concerne à reprodução fiel de uma realidade, quanto à
criação de um mundo de sensações e percepções inteiramente novas.
Nas últimas décadas, as transformações no âmbito sonoro foram tamanhas que
a percepção auditiva cinematográfica vem caminhando a passos cada vez mais largos.
O final da década de 1990 trouxe para o Brasil uma grande mudança na forma de se
ouvir filmes: as tecnologias de reprodução sonora digital que chegaram acompanhadas
de grandes empresas estrangeiras e seus multiplexes, como Cinemark e UCI – um
conjunto de salas com tecnologia digital, normalmente alocado em shoppings, a
permitir uma ampla variedade de escolha de filmes e horários. Esse sistema
revolucionou a estrutura das salas exibidoras, obrigando o aprimoramento dos demais
grupos, como o Severiano Ribeiro, o que acarretou no fechamento de muitos dos
famosos “cinemas de rua”, com suas salas grandiosas e imponentes, para o
aprimoramento de alguns poucos. Repetiu-se, assim, guardadas as devidas
44
proporções, a experiência vivida no final da década de 1920 e início dos anos 1930,
com o advento do som sincrônico à película.
Porém, antes da revolução sonora digital iniciada na década de 1970, a
indústria americana havia feito, nos anos 1950, um grande investimento na
estrutura de reprodução sonora de algumas salas. Com o intuito de reconquistar uma
parte do público cada vez mais atraída pelos televisores, e de acompanhar a
magnitude das imagens exibidas pelos novos sistemas de projeção (CinemaScope e
Cinerama), Hollywood expandiu a sonorização dos filmes que até então era mono e
reproduzida por uma única caixa atrás da tela. Com som estéreo, alto-falantes
espalhados por toda a sala e até quatro (CinemaScope) ou sete
10
(Cinerama) canais
mixados numa fina e frágil fita magnética sobreposta à película, o cinema passara a
conferir um espetáculo nunca antes apreciado pelos espectadores
11
. O Manto Sagrado
(The Robe, Henry Koster, 1953) foi o primeiro filme exibido em CinemaScope, e Isto É
Cinerama (This is Cinerama, Merian C. Cooper, Gunther von Fritsch, Ernest B.
Schoedsack, Michael Todd Jr, 1952), como o próprio nome revela, o primeiro em
Cinerama. Aqui no Brasil algumas poucas salas se adaptaram aos sistemas de 70mm,
como por exemplo: o Veneza, no Recife, o Comodoro, em São Paulo, e o Roxy, no Rio
de Janeiro. No entanto, os mesmos filmes exibidos nessas salas poderiam ser assistidos
nas demais no bom e velho 35mm mono.
Na década de 1970, o laboratório Dolby cria um sistema ótico de reprodução
sonora, impresso diretamente na película, a um custo mais baixo e que possibilitava
aos filmes em 35mm serem exibidos com quatro canais sonoros (um par estéreo
posicionado à esquerda e à direita atrás da tela, e dois monos, um no centro atrás da
tela e outro executado pelas caixas ao redor da sala, conhecido como surround). O
sistema recebeu o nome de Dolby Stereo, foi utilizado pela primeira vez em 1975, no
filme Lisztomania (Ken Russell), mas teve sua explosão nos cinemas em 1977 com o
10
Cinco canais posicionados atrás da tela e dois posicionados no espaço que hoje denominamos de
surround contribuíam com o preenchimento sonoro das salas.
11
Alex Reeves – filho do engenheiro de som do Cinerama, Hazard Reeves –, um dos entrevistados para o
documentário Cinerama Adventure (David Strohmaier, 2002), defende que ainda hoje, mesmo com
todas as inovações tecnológicas digitais sonoras, não se obteve o mesmo impacto alcançado pela
sonorização realizada nos filmes do Cinerama.
45
lançamento de Guerra nas Estrelas (Star Wars, George Lucas), que levou um Oscar
pelos avanços sonoros. O sistema logo se firmou como padrão e se manteve inalterado
até 1987, quando uma versão mais sofisticada foi lançada, com maior qualidade tanto
na captação quanto na reprodução, o Spectral Recording, ou Dolby SR, que é um
melhoramento do sistema anterior, aumentando as capacidades de redução de ruído e
a amplitude das frequências que podem ser reproduzidas sem distorção.
Apesar de todo processo de sonorização cinematográfica ser realizado com
tecnologia digital, o primeiro sistema de reprodução sonora digital só chegou aos
cinemas em 1992, com o filme Batman, O Retorno (Batman Returns, Tim Burton). O
Dolby Digital acrescenta dois novos canais ao seu antecessor analógico: o surround,
que antes era mono passa a ser estéreo, permitindo que os sons se deslocassem de um
lado para o outro da sala, e é acrescentado um subwoofer próximo ao chão, abaixo da
tela, para a reprodução de frequências graves, imperceptíveis ao ouvido humano, mas
que fazem o chão do cinema vibrar.
A tecnologia digital abriu portas para que outros sistemas concorrentes fossem
criados, diversificando as opções dos estúdios. O DTS (Digital Theater Sound) mantém
os mesmos canais do Dolby Digital, mas seu som não se faz presente na película. Em
seu lugar encontra-se um timecode portador do título do filme, o número do rolo da
cópia e a numeração de cada fotograma, o que o permite realizar a sincronização do
celuloide com os sons registrados em dois CD-ROMs. Essa tecnologia, à época do seu
lançamento, fora comparada ao sistema Vitaphone no qual os sons se encontravam
em um disco de vinil –, mesmo possuindo diferenças significativas. Um dos principais
acionistas e defensores desse sistema é Steven Spielberg, e seu filme Parque dos
Dinossauros (Jurassic Park, 1993) foi o primeiro a ser realizado e exibido com essa
tecnologia. também o SDDS (Sony Dynamic Digital Sound) capaz de reproduzir até
oito canais de áudio, tornando a experiência sonora cada vez mais imersiva, teve sua
estreia também em 1993 com o filme O Último Grande Herói (Last Action Hero, John
McTiernan). E como a tecnologia digital avança a passos largos, os sistemas de
reprodução sonora não param de evoluir. é possível se encontrar variações como: o
46
Dolby Digital Surround EX, com sete ou oito canais, e o DTS Surround ES com sete
saídas de áudio.
Como se não fosse muito, um outro sistema revolucionário vem sendo testado
nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. O Iosono
12
, como foi batizada esta
nova tecnologia, criado pela equipe do cientista alemão Karlheinz Brandenburg,
conhecido como pai do MP3, é capaz de “projetar” um som como se ele estivesse
sendo sussurrado no ouvido do espectador, ou acontecendo a quilômetros de
distância, oferecendo um balanceamento para cada espectador, não importando o seu
posicionamento no interior da sala, de forma que todos poderão ter a mesma
percepção. Esse sistema promete uma sensação de imersão jamais experimentada na
arte cinematográfica. Seu maior, e talvez único, contratempo é o alto custo e a
quantidade de equipamentos necessários para a sua viabilização, o que talvez atrase
ou impeça sua disseminação em larga escala. quem afirme que esse tipo de
equipamento ficará restrito a exibições em parques temáticos, mas quem sabe não
será esse o futuro do cinema? Uma coisa é certa, o cinema vem passando por um
processo de ampla mudança, tendo em vista, principalmente, a sua sobrevivência num
mundo cada vez mais dominado pelos home theaters, e dentro de alguns anos não
será mais o mesmo.
O avanço trazido ao som pela tecnologia digital é algo que, certamente, não
fazia parte, nem mesmo dos sonhos mais mirabolantes dos teóricos de cinema à época
do surgimento do som em sincronismo com a imagem. Nem de longe, em nenhuma
das suas “discussões”, aventava-se imaginar algo semelhante. Porém, com todas essas
inovações, a sonorização de filmes torna-se o grande diferencial da atualidade. As
possibilidades cada vez mais significativas de se operar com a percepção auditiva do
espectador trazem uma gama infinita de criações, mas também aumentam a
responsabilidade de quem está por trás do processo. Até que ponto a multiplicidade
perceptiva pode ser interessante para a construção de uma narrativa?
12
Para mais detalhes acessar a página http://www.iosono-sound.com
47
“O silêncio não existe. Sempre está acontecendo
alguma coisa que produz som.”
John Cage
13
Capítulo 2: Percepção e escuta
A percepção, segundo Henri Bergson – em Matéria e Memória: Ensaio da
Relação do Corpo com o Espírito –, se de duas formas: uma referente à ação real,
quando um conjunto de imagens (matéria) nos atravessa; e a outra à ação possível,
quando uma imagem é estancada e se reproduz em nossa “tela” tal qual uma
fotografia, seja como promessa ou ameaça, refletindo as possibilidades de ação do
nosso corpo sobre ela. A todo instante somos atravessados por imagens externas, às
quais respondemos com maior ou menor intensidade, dividindo nossas percepções da
matéria de acordo com a multiplicidade de nossos interesses e possibilidades.
Perceber é agir, é colocar nosso corpo em movimento, é responder a uma excitação de
nosso sistema nervoso com uma ação sobre o objeto percebido.
Iván Izquierdo, dentro de um estudo neurocientífico, que busca desvendar todo
o funcionamento fisiológico de nossa percepção e memória, a fim de responder
inúmeras perguntas até hoje não respondidas pela ciência, como: “De onde viriam as
nossas diferenças de caráter?”, acredita encontrar-se no cérebro uma resposta
definitiva para essa e outras questões, fomentando uma tendência atual de restringir
aos neurônios, e hormônios, fenômenos antes atribuídos a um campo não-biológico.
Os neurocientistas afirmam que, para nossa percepção ocorrer, todo um circuito deve
13
Apud SCHAFER R. Murray, A afinação do mundo. São Paulo: editora UNESP, 2001, p. 355.
48
ser percorrido por um estímulo antes que este se transforme em ação. O circuito
inicia-se nos nervos centrípetos que conduzem a excitação sofrida da periferia ao
centro até alcançar o cérebro e a medula, onde, através de sinapses, as informações
absorvidas serão processadas e posteriormente distribuídas ou inibidas em forma de
movimento, que será transmitido pelos nervos centrífugos, ou seja, do centro à
periferia, e chegará ao ponto (órgão) correspondente à ação necessária. Esse, então,
seria, de uma forma muito simplificada, o mecanismo orgânico do esquema sonoro-
motor. Porém, como Bergson nos mostra, não se pode limitar a acreditar que a
percepção dependa unicamente do sistema nervoso, ela também está relacionada aos
movimentos do mundo material e suas variações em ligação direta ao nosso corpo. O
cérebro então seria apenas uma “central telefônica”, não acrescentando nada àquilo
que recebe, apenas faria a comunicação, servindo como instrumento de análise do
movimento recolhido e de seleção do movimento executado.
O “mecanismo” de nossa percepção é muito complexo para ser dissecado em
alguns poucos parágrafos e, como não facultamos uma mesma atenção a tudo que nos
rodeia, vamos nos concentrar apenas nos pontos, dentro do extenso estudo de
Bergson, que possam ser interessantes a este estudo, pois segundo o próprio, para
uma ação ocorrer, se faz necessária a existência mínima de um foco de atuação. Esse
foco encontra-se diretamente vinculado a nossa atenção à vida, que ditará o grau de
importância de cada ação e, consequentemente, percepção. Percebemos os objetos
que nos cercam de forma seletiva; subtraímos, do todo, a parte que nos interessa. A
matéria é muito mais do que vemos, ouvimos, percebemos. Para Bergson, a matéria é
um conjunto de imagens interligadas e interdependentes, está nos objetos e nas
imagens que nos rodeiam assim como a percepção, que também estaria nas coisas,
pois percebemos apenas uma parte dos objetos e não sua totalidade. Não há, então,
entre percepção e matéria uma diferença de natureza, e sim de grau, que a
percepção é uma parte restrita de um todo, que é a matéria.
A indeterminação do querer também tem um papel importante na nossa
percepção. A todo instante selecionamos os estímulos mais significativos dentre os
inúmeros estímulos que nos cercam. Depois de percebida e reconhecida uma “nova”
49
excitação pode tornar-se pouco interessante para a nossa ação e, por isso, mesmo
permanecendo em condições iguais, ela poderá ser suprimida por outras mais
atraentes. No cinema, a percepção do espectador é dirigida e manipulada a todo
instante, conduzindo seu interesse através, especialmente, de dois mecanismos de
linguagem: o enquadramento (o plano), a direcionar a atenção para um detalhe ou
deixá-la percorrer livremente por um plano geral; e a montagem, tanto de imagem
quanto de som, numa construção de ritmo entre planos curtos e planos-sequência.
Todas essas manipulações, entretanto, procuram corresponder aos anseios do
espectador, apresentando-lhe novos estímulos a partir do momento em que os
anteriores começam a não mais despertar sua curiosidade.
A decisão de agir ou não agir passa em primeiro lugar por nossa atenção à vida
e, em seguida, pela indecisão do nosso querer, espelhando diretamente o nosso
caráter, que está sempre presente em nossas ações. Ao escolhermos deixar de lado
uma percepção, e não a outra, estamos nos movimentando e definindo nosso
posicionamento diante da vida. É impossível perceber todas as influências de todos os
pontos, todos os corpos. O ato consciente de perceber determina uma escolha. Logo,
“as percepções diversas do mesmo objeto que oferecem meus diversos sentidos não
reconstituirão, portanto, ao se reunirem, a imagem completa do objeto.” (BERGSON,
2006: 49). Ou seja, cada percepção de um objeto é, possivelmente, uma representação
única. Se as escolhas fazem parte de nossas percepções, uma percepção pura não
pode existir de fato. Somos um somatório de sensações que se sobrepõem umas às
outras, restringem nossas escolhas, apontam o caminho que pretendemos seguir e as
ações que poderemos executar.
Ainda segundo Bergson, quanto mais distante nos posicionarmos das imagens
que estão a nossa volta, mais elas se tornarão indiferentes para nosso corpo, e, quanto
mais nos aproximarmos dos objetos que nos cercam, mais atuantes eles serão, por
consequência de uma maior facilidade de agirmos sobre eles. Buscando-se uma
relação dessa ideia com a percepção sonora, nota-se que, apesar da distância ou
proximidade física da matéria ser fator primordial para a percepção visual, essa relação
não encontra uma correspondência de mesmo grau na percepção auditiva. Sons de
50
objetos distantes podem provocar percepções e ações, mesmo que não se consiga ver
suas imagens. Como, por exemplo, no filme Playtime (Jacques Tati, 1967), em que o
Senhor Hulot (Tati) ao escutar o som dos passos do Senhor Giffard (Georges Montant),
como se ele estivesse muito próximo, esboça uma reação interrompida pelo
porteiro, que tem em sua percepção visual a verdadeira dimensão do quão distante
ele se encontra. Dependemos, nesses casos, do volume e, consequentemente, do
alcance desse som em relação ao nosso aparelho auditivo, assim como da atenção que
o conferimos, devido a sua importância e/ou ressonância em nossas vidas. Da mesma
forma, objetos próximos de nós, mas que estejam fora do nosso campo de visão e não
produzam ruído, não serão percebidos (a não ser por nossa memória espacial do
ambiente que nos circunda). Logo, para efeito da percepção sonora, um objeto que se
encontra distante fisicamente pode se encontrar próximo sonoramente, levando-nos a
uma reação tal qual se o objeto estivesse ao nosso lado. Mas não é isso. Um objeto
que se encontra afastado de nós com um som relativamente baixo, devido a distância,
e outro próximo com um som um pouco mais alto, não garante em nada que a nossa
percepção opte pelo mais alto e próximo. Desde que o som de um não abafe o do
outro, nosso foco auditivo pode fazer se destacar o mais distante e baixo, se este
conseguir despertar o nosso interesse de forma mais persuasiva. Isso ocorre graças a
nossa atenção à vida, que conduz os nossos interesses sonoro-visuais
14
.
Em uma das últimas sequências do filme A Ostra e o Vento, Marcela corre até o
farol para chamar pelo pai. Ela afirma, em total desespero, estar ouvindo gritos de
socorro vindos de um navio próximo aos corais. José, pai de Marcela, estranha a
reação da filha e afirma não estar escutando nada. A menina insiste e o pai, mesmo
sem tal percepção auditiva, acaba por acreditar e se lança ao mar na intenção de
resgatá-los. Ao tomar essa atitude José certamente deve ter questionado a capacidade
de seu aparelho auditivo e, nem sequer, desconfiado de sua própria filha, pois mesmo
abordo do barco, tenta, sem sucesso, se comunicar com Marcela, por não saber de
onde vêm os gritos. É uma pena que essa confusão perceptiva não se estenda também
14
Cabe ressaltar a não intenção de conferir à percepção auditiva um grau de superioridade quanto à
percepção visual. O paralelo traçado aqui visa apenas diferenciar as duas percepções, fornecendo assim
uma atenção maior à percepção sonora, já que nem sempre lhe é facultado o devido valor.
51
ao espectador, pois este recebe de antemão a informação de que tudo não passa de
um plano da menina para se livrar do pai e alcançar sua almejada liberdade.
Entretanto, nem tudo sai como ela desejava, e, ao se entregar a Saulo, num ato de
comemoração, Marcela percebe uma mudança radical em sua postura. Mudança esta,
compreendida pelo espectador graças ao trabalho de sonorização realizado ao longo
de todo o filme, ao associar diferentes sons de vento ao humor e comportamento de
Saulo.
Nossas percepções, em verdade, estão sempre vinculadas às nossas
lembranças. Às imagens e aos estímulos sonoros que nos atravessam a cada instante,
adicionamos nossa memória de experiências passadas
e intuições anteriores, o que
impede a existência de uma percepção pura de fato
(do momento em que nos
inserimos) e indica nossa influência direta na construção do sentido de tudo o que nos
cerca. Nossas percepções estão muito mais voltadas ao que nos interessa do que
propriamente ao conjunto das imagens como um todo. Selecionamos e significamos
tudo o tempo todo, pois somos dependentes da comunicação em nosso dia-a-dia.
Precisamos interagir com seres ou objetos para que nos sintamos como parte de um
todo. O problema, porém, encontra-se na busca desenfreada por significar, que pode
nos conduzir a encontrar um sentido antes mesmo que a comunicação se dê por
completo. Isso nos leva a limitar as possibilidades de comunicação a um restrito grupo
encerrado por nossos interesses, o que acaba por nos impedir de perceber algo
diferente do que estamos acostumados, assim como ampliar nossa capacidade de
significação. Acabamos nos satisfazendo com o que era por nós conhecido, quando,
na verdade, o conteúdo da comunicação poderia ter nos apontado para inúmeras
outras direções. Essa questão nos remete à escuta psicanalítica, de Roland Barthes,
que será retomada mais adiante no estudo das intenções de escuta.
Como exemplo de uma escuta a atualizar lembranças, trazendo de volta
percepções do passado e impedindo a construção de uma significação diferenciada da
anterior, por se embeber em conceitos restritos, pode-se citar outro momento do
filme de Lima Jr., em que José rememora sua falecida esposa (Débora Bloch) vendo-a
representada através da semelhança com sua filha. Marcela, através de sua postura,
52
gestos, tom de voz e, principalmente, algumas palavras ditas, que ecoam na cabeça de
seu pai, o faz atualizar algumas lembranças. É como se o som da palavra proferida por
Marcela trouxesse à tona todo o sofrimento do qual ele tenta inutilmente se esquivar
e se esconder, sem entender que não adianta fugir, que é preciso enfrentar os
problemas e digeri-los para seguir em frente. Somos então apresentados a essa
percepção distorcida de José, através de um flashback que nos revela as lembranças
de um passado de desconfianças e possíveis traições, a partir de uma memória
impregnada pelas percepções de José, em que ele apenas ouve os gemidos de sua
esposa por de trás de uma porta. Sons que acabam por conduzir José a uma reação
impulsiva, responsável pelas marcas profundas às quais ele se mantém preso e
pretende aprisionar a filha, mesmo que esta o seja capaz de atualizar essas
lembranças, que permanecem adormecidas em sua memória, talvez por conta da
tenra idade, ou quem sabe da ingenuidade, que não encontra significação condizente
para sua atualização.
É importante também frisar que a lembrança não é uma percepção mais fraca
ou menos importante. Uma não existe sem a outra, e entre ambas existe uma
diferença não apenas de grau, mas sim de natureza. Enquanto a percepção está no
presente da ação, a lembrança encontra-se no passado, ou seja, não atua mais.
Entretanto, as lembranças não ajudam a construir nossas percepções atuais como
interferem diretamente em nossas ações, indicando as diferenças de atitudes
existentes em cada um de nós. Essa relação entre lembrança e percepção sonora pode
ser encontrada em vários momentos na construção da trilha de som do filme A Ostra e
o Vento.
2.1 A construção da percepção sonora no cinema
A construção do som no cinema é composta pelo somatório de diversas
camadas sonoras assim como nossa percepção auditiva. O cinema busca, através da
sua sonorização, uma equiparação com a escuta humana, uma percepção muito mais
complexa e difícil de ser delimitada, do que a visual. Para tanto, o processo de edição
de som foi dividido em quatro camadas, denominadas de bandas sonoras, são elas:
53
som direto, ambiente, ruído e música. A banda de som direto é composta por todas as
faixas de comunicação verbal em um filme. Nela estão presentes as narrações, as
dublagens, os offs falas e diálogos pertencentes à diegese
15
, mas que se encontram
fora do espaço da tela – e o som direto propriamente dito, captado durante as
filmagens, compreendendo não somente as falas como também o ambiente e os
ruídos presentes na locação. A banda de ambientes é constituída com o principal
objetivo de formar uma base sonora para todas as demais bandas. Os sons utilizados
em sua edição são preferencialmente mais discretos e devem preencher
continuamente toda a duração de uma sequência. Nela estabelece-se todo o espaço
que rodeia as personagens, tudo o que é percebido, mas não faz parte diretamente do
foco sonoro. Um som presente no ambiente pode se tornar ruído, ou vice-versa, desde
que o interesse de uma personagem aponte para esse sentido. A banda de ruídos é
composta por sons pontuais que direcionam a atenção do espectador e conduzem sua
percepção para os pontos e ações mais relevantes da trama por criarem focos
perceptivos atrelados, normalmente, a atenção de uma personagem. Eles podem
tanto reforçar a “realidade” vista nas imagens, quanto conduzir a uma percepção
paralela orientada pela imaginação de uma personagem. A banda de música é
utilizada, na grande maioria das vezes, para gerar a temperatura necessária a uma
sequência, seja ela utilizada de forma diegética ou não diegética. Ela é o recurso mais
fácil e óbvio para conduzir o emocional do espectador, levando-o a se sentir alegre,
triste, apreensivo, excitado, entre outros sentimentos, sem lhe conferir uma atenção
minuciosa.
Numa tentativa de relacionar o som do “real” com o do cinema, adotando o
que é visto por nossos olhos como a tela de uma sala escura, poderíamos traçar as
seguintes analogias: os diálogos dos quais participamos, ou que presenciamos e
direcionamos nossa atenção, nos são tão importantes quanto a banda de som direto
em um filme, pois nos trazem as informações necessárias para a compreensão dos
acontecimentos a nossa volta. “Ruídos” e falhas que por ventura se interponham nesse
som prejudicarão o entendimento e a fluidez da comunicação. O som de fundo que
15
A diegese é tudo aquilo que ocorre dentro do universo ficcional da narrativa de um filme. Tudo que é
visto e ouvido, enfim, percebido pelas personagens.
54
configura o espaço no qual nos encontramos amplia os limites para além do nosso
espaço visual restrito ao enquadramento delimitado e selecionado pelo alcance de
nossa visão e nos permite compreender as sutis influências provocadas em algumas
ações e reações, por interferir, de forma nem sempre perceptível, nos níveis de
estresse e tranquilidade de nosso dia-a-dia. Dessa mesma forma funcionam os
ambientes fílmicos, como uma base sonora a conduzir a percepção do todo. Os sons
pontuais que percebemos indicam em que ponto se encontra a nossa atenção, o que
contribui para a compreensão de uma ação ou reação. Ao destacarmos alguns sons de
um todo percebido, determinamos o nosso foco de interesse, assim como os ruídos
trabalhados numa edição cinematográfica.
As músicas, por sua vez, atuam diretamente em nosso emocional. De acordo
com o nosso estado de espírito nos encontramos mais suscetíveis a um estilo musical
do que outro. Reagimos, também, a cada estilo graças às lembranças que elas nos
conferem. Certas músicas podem nos remeter a pessoas, lugares e até mesmo
momentos específicos de nosso passado. Podem estar relacionadas a sentimentos
aprazíveis ou desagradáveis e, com isso, transformar o nosso humor de uma hora para
outra. Ao tentar forçar uma analogia de sua presença dentro ou fora da diegese com a
“realidade não ficcional” em que vivemos, poderíamos tentar traçar uma diferenciação
entre a música que ouvimos no ambiente – seja ela reproduzida por algum meio
eletrônico ou executada ao vivo e é compartilhada por todos, sendo assim diegética,
e a música presente unicamente em nossa mente, que não interfere na percepção das
demais “personagens” presentes em nosso convívio, ou seja, não diegética. Esta última
encontra correspondência com a imagem mental musical involuntária defendida por
Sacks em seu livro Alucinações Musicais (2007: 41-50), gerada tanto por uma
exposição intensa e repetida a uma mesma música ou melodia, quanto por um
estímulo visual ou sonoro que a desperte em nosso inconsciente
16
, ou ainda ao brotar
de súbito em nossa mente sem nos darmos conta de seu real motivo.
16
“[...] preciso relancear os olhos por uma partitura ou pensar em determinada mazurca (um “opus
nº” me basta) e a mazurca começa a tocar na minha cabeça. Eu não “ouço” a música, mas “vejo”
minhas mãos no teclado à minha frente e as “sinto” tocar a composição uma execução virtual que,
uma vez começada, parece se desenvolver ou prosseguir por conta própria.” (SACKS, 2007: 42)
55
E a música escutada em um headphone? Bem, essa se encontraria exatamente
no meio termo, pois apesar de não ser compartilhada necessariamente com outra
“personagem”, o fato de estar sendo reproduzida por um aparelho confere a ela esta
possibilidade. Ao compararmos nossa percepção auditiva com a sonorização de um
filme, compreendemos que, tanto em um quanto no outro, os sons que ouvimos nos
conduzem, mesmo que de forma imperceptível, através de nossas memórias,
interesses e atenção, a consolidar cada uma das significações necessárias para
realizarmos não só nossas ações, como também nos comunicarmos.
E os ruídos? Comporiam eles alguma classe de sons específicos? Seriam eles
especiais? Diferentes? Sim e não. Sim, porque se levarmos em conta sua estrutura
acústica perceberemos diferenças significantes entre as ondas sonoras que constituem
o espectro de um ruído e as de uma nota musical. E não, pois se pensarmos em
questões de valores perceptivos, assumindo que ruídos são todos os sons que nos
atravessam em diferentes escalas de intensidade, despertando nossa atenção para um
foco auditivo
17
de maior interesse, poderemos considerar que todos os sons captados
por nossos ouvidos são também ruídos. Uma voz pode ser um ruído. Uma música pode
ser um ruído. Todo som pode ser ruído. O que vai diferenciá-lo dos demais é a atenção
que conferimos a ele. Por exemplo, na famosa cena do ataque dos helicópteros ao som
de Cavalgada das Valquírias em Apocalypse Now alguns diálogos têm a sua importância
diminuída diante da imponência da música de Wilhelm Richard Wagner, o que os
posicionam no mesmo patamar que todos os demais ruídos da cena.
A partir dessa ideia podemos considerar que todo o som de um filme poderia
ser trabalhado de forma a nos revelar as características de suas personagens. Cada um
de nós percebe o mundo de forma distinta. O mundo não é o mesmo sequer para duas
pessoas. O paladar de alguém ao degustar uma fruta que lhe é agradável certamente
não é o mesmo de uma pessoa que a ela tem aversão, mas também não poderá ser
comparado ao paladar de outro que a aprecia tanto quanto o primeiro. O odor que
agrada a uns pode provocar náuseas em outros. Isso significa que, também em relação
ao som, cada um de nós tem uma percepção única e reage a um mesmo som de
17
Foco auditivo: “[...] por sua própria natureza, o ouvido requer que os sons dispersos e confusos sejam
interrompidos para que ele possa concentrar-se naquilo que realmente importa”. (SCHAFER, 2001: 29)
56
maneiras diversas. Uma pessoa distraída, que vive mergulhada em seus pensamentos,
certamente não ouvirá alguns sons e não reagirá a eles conforme o esperado. Alguém
que se incomoda, ao ponto de se irritar, sempre que ouve um bebê chorando,
possibilita a utilização dessa sonoridade como uma boa justificativa para induzi-lo a
reações intempestivas. Uma personagem, que acorda sempre ao som de um rádio-
relógio, ao ser despertada com uma notícia ruim, poderá ser induzida a uma postura
diferente de sua habitual, o que poderá acabar por conduzi-la a uma sucessão de fatos
desagradáveis e tumultuados no decorrer de seu dia.
O que cada um ouve de uma mesma massa sonora que os rodeia é o reflexo
preciso de sua personalidade
18
. Os ruídos (sinais), que se destacam na imagem,
indicam com precisão o local em que a atenção de uma personagem está focada e,
consequentemente, onde a nossa deverá focar. Além disso, é no ambiente sonoro
(som fundamental) que pode se encontrar a justificativa perfeita para as atitudes
tomadas por cada personagem, constituindo uma mensagem quase que subliminar,
pois ele molda e delimita as margens da percepção sonora, favorecendo determinadas
reações, devido à influência indireta de alguns sons e vibrações a atingirem o cérebro
de forma muito sutil, porém constante, que normalmente permanecemos imersos
num mesmo ambiente sonoro ao longo de horas, sem a ele conferirmos uma atenção
muito específica e detalhada, mas sendo por ele atravessado.
Uma das questões da atualidade é o crescimento constante da poluição da
paisagem sonora, que influencia e interfere diretamente em nossas percepções e
consequentemente em nossas ações e reações, assim como na sonorização dos filmes,
que acaba por espelhar uma realidade cada vez mais confusa e poluída sonoramente.
O raio de alcance de nossa percepção auditiva vem sendo reduzido gradativamente
cada vez que novas e pesadas sonoridades são acrescentadas em nosso dia-a-dia. Essa
poluição vem ocorrendo, principalmente, devido à desvalorização da percepção
auditiva. Ao longo de nossa vida aprendemos a ignorar os ruídos. Entretanto, eles são
18
“Assim, ainda que os sons fundamentais nem sempre possam ser ouvidos conscientemente, o fato de
eles estarem ubiquamente ali sugere a possibilidade de uma influência profunda e penetrante em nosso
comportamento e estados de espírito. Os sons fundamentais de um determinado espaço são
importantes porque nos ajudam a delinear o caráter dos homens que vivem no meio deles.” (SCHAFER,
2001: 26).
57
a maior parcela de sons que nos atingem e nos afetam. Desde pequenos somos
ensinados a valorizar mais as imagens do que os sons, e nos sons somos incentivados a
valorizar mais os diálogos e as músicas em detrimento dos ambientes e ruídos. Outro
importante fator a contribuir com a mudança de nosso ambiente sonoro são os
avanços tecnológicos, que nos trouxeram uma gama imensurável de novas
sonoridades e transformaram a vida nas grandes cidades em um verdadeiro caos
sonoro. O combate a essa poluição sonora, no entanto, não deve ser encarado como
uma necessidade de diminuição dos ruídos simplesmente. Primeiro devemos nos
perguntar: “Que sons queremos preservar, encorajar, multiplicar? Quando soubermos
responder a essa pergunta, os sons desagradáveis ou destrutivos predominarão a tal
ponto que saberemos por que devemos eliminá-los” (SCHAFER, 2001, p.18). Perceber
os ruídos que nos cercam de forma consciente e cuidadosa é fundamental para
compreendermos o que se passa ao nosso entorno. Abdicar da escuta dos ruídos, ou a
ela não dar a importância necessária, buscando reverter o quadro em que nos
encontramos, poderá nos levar ao que muitos especialistas têm anunciado como uma
possível surdez universal.
2.2 Ouvir x escutar
Ouvir e escutar, diferente do que muitos pensam, não são sinônimos. São, na
verdade, dois diferentes níveis de uma mesma percepção, a auditiva. O ato de ouvir é
involuntário e nos acompanha – a todos aqueles que não sofrem de nenhum problema
auditivo por toda a vida. Nossos ouvidos captam tudo o que ocorre ao nosso redor
24 horas por dia, independente de estarmos ou não atentos a todos os sons. o ato
de escutar nos traz a necessidade de um maior interesse sobre determinado som
presente em nossa percepção auditiva. Essa é uma atitude que requer um esforço de
nossa atenção. É quando nos concentramos em algo que ouvimos por depositarmos
nesse som alguma importância em nossa relação com o mundo. Quando estamos
assistindo a um filme na TV, por exemplo, escutamos atentamente aos sons e diálogos
das imagens que se sucedem diante de nós, e nem por isso deixamos de ouvir os
demais ruídos a nossa volta, dentro e fora de nossa casa.
58
Ao recorrermos, no entanto, às definições desses verbos em dicionários da
língua portuguesa como Aurélio, Houaiss e Michaelis percebemos o quão confusas
elas são e induzem, a meu ver, a um equívoco. Para eles, de forma geral, ouvir é o
mesmo que perceber e entender (os sons) pelo sentido da audição, enquanto escutar
é prestar atenção para ouvir alguma coisa. Dessa forma não seria difícil entendermos o
ato de escutar como subjacente ao de ouvir, o que não configura uma verdade dentro
dos estudos realizados na área. Chego, com isso, ao ponto de acreditar que essas
conceituações necessitem de uma revisão, pois ao buscarmos as definições dos verbos
a eles relacionados em outra língua, como a inglesa, percebemos que tais dúvidas se
dissipam facilmente. To hear (ouvir), no Longman, é definido como “to receive (sounds)
with the ears
19
”, enquanto to listen (escutar) é to give attention in hearing
20
. Ou seja,
para eles é nítida a diferenciação entre os dois verbos, em que escutar é o mesmo que
ouvir com maior atenção. Em nossa língua, entretanto, a preposição ‘para’, utilizada na
definição de escutar, a coloca numa posição de inferioridade e dependência do ouvir.
Para se corrigir esse problema bastaria ser feita uma pequena substituição para que a
definição do verbo escutar ficasse assim: prestar atenção ao ouvir alguma coisa, que
o escutar é posterior ao ouvir e não o contrário.
Assim como a diferença existente entre ouvir e escutar, também uma
distinção entre olhar e ver que por vezes não é compreendida corretamente. São
muitos os que se utilizam das palavras ver e olhar como sinônimos, ou com seus
sentidos trocados. O escritor português José Saramago inicia o seu romance Ensaio
sobre a cegueira com a seguinte frase: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." O
verbo olhar nos confere a ideia de fixação dos olhos em algum objeto ou situação,
numa atitude mecânica e sem o objetivo de desvendar algo além do que se apresenta
diante dos olhos. Por outro lado, o verbo ver expressa algo mais do que o simples
mirar de uma imagem. Ele estabelece uma relação de reconhecimento através de uma
análise realizada por meio do sentido da visão. Por isso, assim como na frase de
Saramago, não há como não reparar quando o que nos move é o ato de ver, e não
somente o de olhar. Podemos então dizer que o ouvir está para o olhar, assim como o
19
Tradução: receber (sons) com as orelhas.
20
Tradução: dar atenção à audição.
59
escutar para o ver, ou seja, enquanto os dois primeiros expressam uma ideia de pouca
atenção, são nos dois últimos que se encontram a intenção de focar para perceber os
mínimos detalhes.
ainda aqueles que vão além e diferenciam o ouvir do escutar colocando o
ouvir no campo do significado estrito das palavras (sentidos: porta é porta, campainha
é campainha, passos são passos) e o escutar no campo da significação das coisas
(inconsciente: diferente e único para cada um). Dessa forma, percebemos que nos é
possível escutar sem necessariamente ouvir, pois a escuta nem sempre precisa estar
associada a um som, ela pode ser silenciosa. Podemos escutar o não-verbal, as
entrelinhas, os gestos, a atuação. Essa compreensão da escuta abre portas para um
patamar mais elevado de nossa percepção auditiva, criando uma aproximação muito
maior entre ela e nossa percepção visual.
Buscando uma relação entre ouvir e escutar com as escutas postuladas por
Chion, poderíamos associá-las com suas duas primeiras escutas: em que ouvir estaria
diretamente vinculado ao campo dos índices, a causa de determinados sons, enquanto
a escuta estaria atrelada ao campo da semântica, o significado que cada som
representa. Porém, antes de avançarmos para o estudo das escutas propriamente
ditas, vamos pensar na construção espacial da escuta, que é de extrema importância
para o campo do audiovisual. No final de A Ostra e o Vento, por exemplo, numa cena
citada anteriormente, em que Marcela pede ao pai para socorrer um navio em meio à
tempestade, ouvimos os gritos gerados pela imaginação da menina, de forma sutil e
distante, no momento em que ela deixa a casa e vai em direção ao farol. Nós,
espectadores, entretanto, temos a consciência da não existência desses gritos. Mesmo
assim, a presença desse som confere força ao plano de Marcela, e, mesmo após o
desaparecimento desse som, devido a não percepção dele por parte de José, sua força
continua inalterada, graças ao conflito estabelecido entre o ouvir e escutar, em que a
ausência do som não nos impede de prosseguir escutando-o, o que nos coloca diante
da construção cinematográfica do ponto de escuta.
60
2.3 Ponto de escuta
As questões a respeito de um ponto de escuta, segundo Chion, são muito
delicadas e ambíguas. Muitos pesquisadores as abordaram e muitas delas ainda não
foram respondidas. Vamos aqui, entretanto, nos ater ao desenvolvimento realizado
por Chion numa base análoga ao ponto de vista para o cinema, onde, além de se
apresentar a divisão existente entre espacial e subjetivo, pretende-se estabelecer uma
nova definição: a de um ponto de escuta introspectivo, com base no estudo realizado
aqui sobre a percepção sonora.
Ponto de escuta espacial
No meio audiovisual, o ponto de vista, na acepção estritamente espacial, é a
definição do posicionamento de câmera; a escolha do enquadramento; o
estabelecimento da visão do espectador sobre a cena, conduzindo sua percepção
visual de acordo com a vontade do diretor, que dita o que é mais importante e deve
ser visto em sua narrativa. No som, o ponto de escuta, no sentido espacial, é aquele
que situa o espectador no espaço mostrado na tela. De certa forma poderia ser
considerado como a representação sonora de tudo o que encontra uma justificativa
através da imagem. Isso não significa, necessariamente, que o som deva corresponder
com precisão a tudo o que é visto. Sua sonorização pode até extrapolar os limites
estabelecidos pelo quadro, contudo, as informações obtidas sonoramente devem se
ater ao universo apresentado na imagem, numa composição a contribuir para a
imersão do espectador em sua “realidade”. É como pensar qual seria o ponto de
escuta do espectador situado diante da tela. Quais informações sonoras ele receberia
se estivesse realmente presente naquele local.
No filme Conceição – Autor Bom É Autor Morto (Daniel Caetano, Samantha
Ribeiro, André Sampaio, Guilherme Sarmiento e Cynthia Sims, 2007) há uma sequência
em que falta luz e a tela fica numa escuridão total. Seu som, porém, é mantido e toda a
ação continua a se desenvolver através da percepção auditiva do espectador. Neste
caso, apesar de a sonorização não ser representada imageticamente, a escuta é
espacial, pois ela mantém sua correlação com a imagem apresentada antes do apagar
61
das luzes, correspondendo à percepção espacial estabelecida por uma imagem que
não existe mais.
Ponto de escuta subjetivo
O ponto de vista com significação subjetiva é aquele associado diretamente ao
que é visto por uma personagem. Quando através de um recurso de montagem, na
grande maioria dos casos, é revelado ao espectador o objeto de interesse do olhar da
personagem, aproximando-a dos espectadores por compartilhar seu ponto de vista
com eles. Dentro desse sistema há inúmeras possibilidades de construção, segundo
Edward Branigan (2005), o plano ponto de vista é constituído por seis elementos
normalmente distribuídos em dois planos (A e B)
21
, podendo, contudo, ser ampliado
para um número maior de planos de acordo com a necessidade da criação. As
diferentes montagens realizadas a partir desses planos ocasionarão numa infinidade
de nomenclaturas possíveis e cada uma delas irá gerar no espectador uma diferente
percepção.
No caso do som, o lado subjetivo do ponto de escuta permite ao espectador
participar da percepção auditiva de uma personagem, experienciar seus interesses e
entender suas motivações, de forma que os sons ouvidos apresentam o foco sonoro
estabelecido pela atenção dispensada a um fato específico. Os sons que se ouve não
são mais de uma representação do espaço visual fornecido pela imagem, mas sim da
subjetividade impregnada pelas percepções de tal personagem. Um exemplo comum é
quando percebemos nitidamente, apesar da equalização e filtragem necessária, uma
conversa pelo telefone sem que nos seja apresentada a figura do outro interlocutor.
21
No plano A, ou plano de origem, estabelece-se os dois primeiros elementos: o elemento um é a
criação de um ponto no espaço da tela, por exemplo, uma personagem; e o elemento dois, onde cria-se
um objeto no espaço fora da tela, a partir da linha do olhar da personagem. Nesse exato momento
somos impulsionados pelo desejo de também ver o que foi visto pela personagem e, com isso,
estabelecemos o terceiro elemento, o corte, a transição em continuidade temporal ou simultaneidade.
Avançamos então para o plano B, ou plano-ponto-de-vista, e finalizamos com os últimos elementos: no
elemento quatro a câmera assume o lugar do elemento um ou se posiciona muito próximo a ele; no
elemento cinco é revelado o objeto do olhar no elemento dois; e no elemento seis, que se encontra na
junção dos dois planos, justifica-se o espaço/tempo presente nos outros cinco elementos através da
percepção da personagem. (Há muito que se falar sobre o ponto de vista, entretanto, a intenção deste
estudo não é a de se aprofundar nessa questão. Àqueles que buscam mais informações sobre o assunto
leiam: BRANIGAN, Edward. “O plano-ponto-de-vista”. In Teoria contemporânea do cinema, volume II.
pp. 251-275).
62
É possível, dentro dessa construção, que, em um plano geral com uma grande
quantidade de pessoas presente, ouçamos apenas o que é dito pelas personagens
principais, configurando-se assim um close-up sonoro. Ou ainda o contrário, quando
apesar de estarmos muito próximos do som produzido não nos é permitido percebê-
lo, como na sequência inicial de O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) de Francis
Ford Coppola, em que mesmo acompanhando visualmente, a partir de um plano
fechado, a aproximação de Bonasera (Salvatore Corsitto) ao ouvido de Don Vito
Corleone (Marlon Brando), com o objetivo de lhe fazer um pedido, não escutemos
sequer uma única palavra proferida, para que posteriormente o conteúdo desse
pedido seja revelado durante a conversa, contribuindo assim para um maior suspense
no desenrolar da sequência. Desse modo, os espectadores são posicionados no ponto
de escuta subjetivo de uma das outras personagens presentes no mesmo recinto.
no filme Bicho de Sete Cabeças (Laís Bodansky, 2001) uma cena posterior à
qual o Sr. Wilson (Othon Bastos) descobre um cigarro de maconha que cai do casaco
deixado pelo seu filho Neto (Rodrigo Santoro) no chão da sala. Nessa cena ele conta a
descoberta para sua filha (Daniela Nefussi), dentro de seu carro, com as janelas
fechadas e, por mais que a câmera se encontre do lado de fora e do outro lado da rua,
ouve-se toda a conversa como se também estivéssemos sentados dentro do
automóvel, numa aproximação pelo ponto de escuta. Um novo exemplo é
apresentado logo na sequência seguinte, que se inicia ao som de uma música alta, a
princípio não diegética. Alguns instantes depois, no entanto, percebemos que
compartilhávamos da escuta de Neto, pois ao retirar o fone de seu walkman da orelha
a música para de tocar, revelando que a música na verdade era diegética.
Outro desenvolvimento, dentre os inúmeros possíveis, é o de uma audição
distorcida por conta de uma interferência na escuta da personagem. Ela tanto pode se
encontrar em um meio em que as ondas sonoras se propagam de forma diferente da
habitual como quando estamos debaixo d’água ou, num exemplo nada comum, nos
encontramos no interior do corpo de uma personagem como em Quero Ser John
Malkovich (Being John Malkovich, 1999) de Spike Jonze –, quanto pode sofrer uma
alteração graças ao uso de algum entorpecente ou pela utilização de algum
63
equipamento eletrônico que perturbe a transmissão das ondas sonoras pelo sistema
nervoso como na cena de tortura por eletrochoque sofrida pelo Frei Fernando (Léo
Quintão) no filme Batismo de Sangue (Helvécio Ratton, 2006).
Ponto de escuta introspectivo
Esse é um ponto de escuta muito comum no cinema, porém sua definição não
se encontra clara nas bibliografias existentes. Ele poderia ser considerado um ponto de
escuta subjetivo, pois se encontra diretamente associado à percepção auditiva de uma
personagem, no entanto, sua escuta proporciona ao espectador uma interação muito
mais intimista, por ser capaz de revelar os pensamentos, as intenções, os sofrimentos
e dramas mais particulares de uma personagem, ou seja, sons existentes apenas em
sua mente. Não se trata de uma percepção sonora com um foco em determinado
acontecimento “real” na imagem. A justificativa desses sons encontra-se apenas nos
sentimentos aflorados e compartilhados com os espectadores. A forma mais simples
dessa construção está no espaço extracampo, ou seja, ouvimos o que a personagem
ouve sem que para isso precisemos ver algo relacionado.
Um exemplo clássico está na sequência inicial de Apocalypse Now, em que o
Capitão Willard está trancado em um quarto à espera de uma missão. Ao ouvir a
aproximação de um helicóptero, ele vai até a janela para olhar e escuta vários sons da
cidade que não havia escutado até então. No retorno a sua cama, os sons de apito,
moto, banda de música e mosca vão gradativamente se transmutando em sons que
deflagram a sua vontade de voltar para a selva, em Saigon, e assim sons de grilos,
pássaros e mosquitos surgem conduzindo o espectador ao seu ponto de escuta
mental. As possibilidades na elaboração de ponto de escuta são tão inúmeras quanto a
percepção auditiva humana, que é conduzida por nossos interesses pessoais. Ouvimos
o que nos atrai, nos chama a atenção, nos comunica.
*****
Não é difícil perceber que as condições de nossa percepção auditiva são muito
específicas e difíceis de serem situadas espacialmente assim como a imagética. A
64
natureza omnidirecional do som que o permite se propagar em diversas direções
possibilita a cada espectador de um concerto, em um teatro de arena, ser capaz, salvo
algumas variações acústicas, de ter um ponto de escuta “idêntico”, mesmo que
estejam situados em posições distintas, quiçá diametralmente opostas, porém com um
distanciamento tal qual. O que não se repete com a percepção visual. Duas pessoas,
sentadas lado a lado, terão visões muito semelhantes do espetáculo, mas nunca o
mesmo ponto de vista. Isso nos leva a compreender que toda sonorização mais
elaborada na construção de um desenho sonoro passará obrigatoriamente por uma
maior subjetividade de sua escuta, que ela permitirá ao editor trabalhar com estilos
diferentes do naturalista.
Pretende-se, com essas múltiplas possibilidades significativas do ponto de
escuta aqui aventadas, realizar uma estruturação no campo da sonorização
cinematográfica, ao demonstrar o leque de possíveis construções artísticas que essa
percepção oferece no desenvolvimento de uma narrativa fílmica. A criação do ponto
de escuta o é tão facilmente delimitada quanto a do ponto de vista. Diferente da
imagem, não há necessariamente regras na decupagem ou na montagem
cinematográfica que estabeleçam os caminhos a serem percorridos. Não é preciso a
existência de um plano de imagem suscitando a sonorização de um ponto de escuta,
mesmo que o close de um ouvido facilite sua interpretação, ele também a torna muito
óbvia e descritiva. O som referente a uma percepção auditiva diferenciada pode ter
seu início e fim dentro de um mesmo plano, como pode começar e estender-se ao
longo de vários outros. É certo, porém, que essa percepção sonora encontre alguma
justificativa ou algum sentido dentro da imagem do filme, pois esta será a busca
efetuada pelos espectadores mesmo de forma inconsciente. Qualquer som que destoe
da imagem irá gerar em quem assiste uma atenção maior e uma busca quase intuitiva
de encontrar uma relação em sua junção. Como nos mostra Chion, em seu estudo
sobre as atitudes de escuta, estamos sempre buscando significar os sons que
reconhecemos.
65
2.4 As Seis Escutas
Todas essas questões sobre o ponto de escuta, sua estruturação e definição,
conduzem a um desdobramento natural, relacionado com as intenções de escuta
definidas por Chion, que permite diferenciações específicas no âmbito do
reconhecimento de sons a partir do nosso mecanismo sonoro-motor. O próprio Chion,
entretanto, afirma, no livro L’audio-vision, ao iniciar seu capítulo sobre as três escutas,
a existência de, ao menos, três atitudes de escuta diferentes, deixando em aberto a
possibilidade de elaboração de outras além das por ele definidas: causal, semântica e
reduzida. A partir deste estudo e, principalmente, das questões levantadas sobre a
percepção auditiva, tornou-se natural e inevitável a elaboração de mais três escutas:
equiparada, surda e convergente. Escutas que se apóiam na pesquisa aqui
desenvolvida e relacionam-se entre si através do estabelecimento de um foco auditivo.
Este desenvolvimento também não tem como objetivo encerrar todas as
possibilidades, muito pelo contrário. Ele tem o intuito de despertar um maior interesse
sobre o assunto, de forma a estimular novos pensamentos, estudos e caminhos a
serem elaborados para a construção de diferentes estilos de escuta no trabalho de
sonorização da sétima arte.
I. Primeira atitude de escuta: a escuta causal
A primeira atitude de escuta, segundo Chion, é a mais natural todas e se faz
presente a todo instante em nossas atividades diárias, pois permite que nos situemos
com relação ao espaço sonoro e suas qualidades constitutivas. Ela nos informa, tanto
quanto possível, sobre a causa de determinado som, quer essa causa nos seja visível
ou não. Por exemplo, ao sacudir uma caixa fechada, obteremos, através do som, a
percepção a respeito do seu interior, podendo afirmar se ela encontra-se cheia ou
vazia. De outra forma, o som também pode ser a nossa principal fonte de informação a
respeito de determinado objeto, quando este se encontra fora do alcance de nossa
visão. O reconhecimento de uma sonoridade decodificada a partir de sua existência
prévia em nossa memória auditiva nos possibilita identificá-lo sem que necessitemos
visualizá-lo. Entretanto, essa escuta, além de ser a mais natural, é também a mais
66
influenciável e ilusória, por nos fornecer, na grande maioria das vezes, dados
incompletos sobre a imagem em questão, fazendo-se necessário que adicionemos a
ela nossas impressões pessoais, ou seja, individuais e muito específicas a cerca de um
som isolado, o que pode nos levar a entender algo de forma distorcida ou exagerada.
Assim como na cena do filme de Lima Jr. descrita algumas páginas atrás, em que
José num momento de desequilíbrio gerado por uma escuta da qual ele não a
causa é influenciado, por seu ciúme doentio, a acreditar na hipótese de ser traído
sem ao menos se certificar visualmente de tal fato. A confiança em sua percepção
auditiva é tão grande, que o acaba levando a cometer um ato extremado.
A escuta causal pode ocorrer em diferentes níveis. O primeiro é quando
reconhecemos a causa precisa e individual de um som, como a voz de uma
determinada pessoa ou o som de um objeto com precisão dentre tantos. A voz, por
exemplo, é algo muito específico. Não no mundo duas pessoas que possuam o
mesmo timbre vocálico, mas aqueles que conseguem imitar outras vozes, chegando
muito próximo a uma reprodução idêntica. Por outro lado, diferentes cachorros de
uma mesma espécie possuem exatamente o mesmo latido. Logo, é muito mais fácil
para um cachorro reconhecer a voz de seu dono, do que o contrário. Essa é uma
escuta icônica, que nos traz à mente uma referência imagética imediata para o som
que ouvimos. Ao mesmo tempo podemos distinguir um som sem conseguir identificá-
lo visualmente quando, por exemplo, escutamos a voz de um locutor de rádio
conhecido, mas não somos capazes de descrevê-lo ou imaginá-lo fisicamente, pelo fato
de nunca termos tido acesso a sua imagem. O segundo nível da escuta causal ocorre ao
reconhecermos apenas os sons em suas categorias, sejam elas humanas, mecânicas ou
animais, como a voz de uma criança, o motor de um automóvel, o canto de um
pássaro, etc., e não um som individual e particular, como no caso anterior. ainda a
possibilidade de distinguirmos, numa forma mais geral, somente a “natureza da
causa”, quando identificamos a existência de algo mecânico, humano ou animal em
determinado som sem que tenhamos condições de classificá-lo com exatidão. E, por
último, podemos também, sem conhecer a fonte ou a natureza do objeto, distinguir,
através de uma percepção acústica, a “história causal” dos sons gerados pelo atrito do
67
contato entre dois objetos sem que se reconheça nenhum deles, mas se identifique
sua história a partir das informações sonoras geradas através das mudanças de
pressão, velocidade, amplitude, etc.
Além desses diferentes níveis possíveis na percepção de um som dentro da
escuta causal, no livro Le Son, Chion estabelece uma categorização organizacional
dessa escuta numa relação com o meio audiovisual. Ele então classifica a escuta causal
em:
Identificada e visualizada na qual o som, além de reconhecido é confirmado
por sua imagem, ou pelo menos não tem sua causa desmentida, e pode
também lhe conferir uma informação complementar. Em relação ao cinema,
teríamos, nesse caso, a sonorização de um “objeto” visto na tela, mesmo que
não o víssemos por completo. Se a personagem abre uma porta pelo lado
oposto ao que se encontra a câmera, mesmo sem termos a visão da chave a
abri-la, somos capazes de reconhecer o seu som e identificá-la através da
imagem que nos é apresentada.
Identificada e acusmática
22
na qual mesmo sendo a causa invisível é possível
identificá-la a partir de um conhecimento prévio ou de uma dedução lógica.
Normalmente, ao ouvirmos sons provenientes do quarto ao lado, imaginamos
de imediato serem sons produzidos pela pessoa que mora conosco e a
visualizamos mentalmente (Chion, 1998: 155). No cinema essa seria uma
sonorização do espaço fora da tela com sons de fácil identificação para os
espectadores, como por exemplo: portas, telefones, passos, carros, etc. Sons
que podem iniciar como acusmáticos para em seguida se tornar visualizados.
Não identificada por não se conseguir identificá-la subentende-se que ela
pode ser acusmática, o que, segundo Chion, obriga-nos a ter o som como única
fonte de informação. Nesse caso, o som contribui de forma amplamente
sensorial e torna a causalidade algo de menor importância. No cinema, esse
22
O termo acusmática, utilizado por Chion, refere-se à escuta que ocorre sem que tenhamos contato
visual com a causa originária de seu som.
68
seria um recurso utilizado no extracampo com o intuito de conduzir o
espectador a uma determinada atmosfera sonora, gerando sensações que o
envolvam na narrativa do filme.
A escuta causal de Chion pode ser associada à escuta dos índices de Roland
Barthes, a qual funciona como um alerta ou como o reconhecimento do território
sonoro em que vivemos. Esse seria o primeiro tipo de escuta no qual tanto homens
quanto animais buscariam se situar e posicionar espacialmente através dos indícios
fornecidos pelos sons. “O lobo escuta um ruído (eventual) de caça, a lebre um ruído
(possível) de agressor, a criança, o namorado escutam os passos que se aproximam e
que poderão ser os passos da mãe ou do ser amado.” (BARTHES, 1990: 217). Essa é
uma escuta diretamente vinculada a nossa percepção de ameaças e promessas, pois
ao estabelecermos o nosso espaço, seja ele familiar, de trabalho, de estudo ou lazer,
torna-se fundamental que ele seja um território seguro, que precisa ser defendido.
Logo, nossa atenção à vida, nos coloca numa posição de alerta a todos os índices que
venham a penetrar esse espaço, numa defesa contra a surpresa, seja ela uma
promessa da aproximação de algo desejado, ou a ameaça de uma presença a nos
afrontar.
II. Segunda atitude de escuta: a escuta semântica
A escuta semântica é aquela que se refere a um código, a uma língua, para
interpretar uma mensagem. Uma escuta que busca significar os sons para que se
estabeleça uma comunicação. Esse é o ponto em que se estabelece uma ruptura entre
homens e animais, que eles, diferentemente de nós, não são capazes de elaborar
raciocínios e questionamentos, limitando-se a impulsos e repetições. Nessa escuta, um
som ouvido gera um sentido compreendido por seu receptor. Pessoas diferentes,
entretanto, diante de um mesmo som podem significá-lo de forma diversa, o que
acaba por gerar ruídos na transmissão de uma mesma mensagem. Como na escuta
causal, a escuta semântica, por sua vez, também pode ser associada a uma escuta de
Barthes, a escuta dos signos. Uma escuta de decifração, quando cessa o estado de
69
vigília e tem início a comunicação. Retomemos o exemplo utilizado na escuta causal,
quando a criança identifica os passos que se aproximam como sendo os de sua mãe.
No momento em que sua atenção ao índice se transforma na busca por um signo,
ocorre a passagem da primeira escuta para a segunda, o escutado não é mais algo
possível a presa, a ameaça ou o objeto de desejo –, mas sim o mistério de algo que,
escondido visualmente, virá a completar uma comunicação através de códigos que
servem tanto para cifrar uma realidade como também para decifrá-la (BARTHES, 1990:
220). Após o reconhecimento, um significado é gerado de acordo com os inúmeros
contextos possíveis, por exemplo: se essa criança tiver feito algo de errado se senti
ameaçada pelo iminente sermão a que provavelmente será submetida, porém se ao
olhar para o relógio em cima do criado-mudo perceber que se aproxima a hora do
almoço acreditará que a presença de sua e lhe trará um convite para o repasto. O
som identificado é o mesmo, a aproximação da mãe, mas os significados são
diametralmente opostos em cada situação.
Assim sendo, a escuta causal e a escuta semântica acontecem paralelamente e
independentemente sobre um mesmo som. Enquanto uma nos direciona para o
reconhecimento do “objeto” produtor de determinado som, a outra nos possibilita
compreender a mensagem que nos é passada. A escuta causal pode existir sem a
escuta semântica, o contrário não nos é possível, pois sem a causa o significado
alcançado multiplica-se em inúmeras vertentes, possibilitando entendimentos diversos
e nem sempre condizentes à causa. A escuta causal nos traz sempre à mente uma
imagem que, por sua vez, é prenhe de códigos, e sem essa imagem não há como
significarmos. Logo, mesmo que não identifiquemos o “objeto real” da causa,
buscaremos em nossa memória auditiva a imagem de um objeto que se adeque de
alguma forma ao som percebido, para depois gerarmos seu sentido. Isso se aplica
sempre em sala de aula quando os alunos são submetidos a um exercício de escuta,
sem a visualização da imagem referente, e tem como objetivo identificar as três
escutas de Chion. As escutas causal e semântica aparecem sempre relacionadas uma a
outra e, dependendo da diferença entre as imagens estabelecidas pela causal, as
semânticas podem chegar a se opor.
70
O filme Mutum, assim como A Ostra e o Vento, também apresenta momentos
em que apenas ouvimos o diálogo a se desenrolar em outro cômodo, no espaço fora
da tela, onde nem espectador nem personagem têm acesso às imagens. Dois deles,
logo no início do filme, nos apresentam situações que irão gerar diferentes reações em
duas personagens. No primeiro deles somos conduzidos por Felipe, irmão de Thiago.
Ele lhe vem contar que os pais estão brigando. Thiago então corre para dentro de casa
e Felipe vai atrás, mas quando chega se depara com a porta fechada e apenas ouve a
briga. Musicalmente poderia ser comparado a uma melodia com a ausência de alguns
tons harmônicos, o que a torna irregular e instável como rabiscos de som, não nos
permitindo compreender muito bem o motivo da destemperança, apenas indicando
que o responsável teria sido o tio das crianças. No segundo momento, o muito
distante do anterior, a avó de Thiago chama o tio para conversar e, por estar
preocupada com a situação, ordena que ele embora para não haver morte. Tiago,
do lado de fora da casa, acompanha toda a discussão sem presenciá-la visualmente e
nós, espectadores, ficamos o tempo todo com ele. Essas escutas contribuem para a
solidificação das relações dos dois meninos com seus familiares, gerando e/ou
ampliando os graus de desafeto por parte deles, graças a uma percepção
possivelmente distorcida e incompleta, provocada por uma escuta furtiva, da qual a
única explicação que eles podem tirar está dentro deles próprios, em suas lembranças
e posições afetivas. O reflexo dessas cenas na vida desses meninos nos fica claro
quando, numa conversa entre Felipe e Thiago, o primeiro afirma não gostar do tio,
responsável por toda confusão, e o segundo diz não gostar da avó, que a seu ver
deveria estar rezando pela união da família e não atuando para separá-la. Esse tipo de
equívoco, formado por opiniões distintas/distorcidas a respeito de um mesmo fato,
também ocorre diariamente com todos nós. Ao ouvirmos somente a metade de uma
conversa, ou ao escutarmos apenas uma das versões sobre determinado fato, ou
ainda, ao associarmos de antemão algumas frases ouvidas às nossas expectativas,
corremos o risco de nos iludirmos com uma percepção incompleta e/ou incorreta
sobre as coisas. Nossa percepção é sempre apenas uma parte do todo. A parte que nos
71
é mais interessante, porém nem sempre a que contém as verdadeiras intenções do
comunicador.
III. Terceira atitude de escuta: a escuta reduzida
A escuta reduzida, batizada por Pierre Schaeffer
23
, é uma atitude de escuta que
prima pelas propriedades do som, sem se ater a sua causa ou a seu sentido, colocando
o som, seja ele verbal, instrumental ou outro qualquer, na posição de objeto de
observação. O seu foco está no exercício de uma escuta mais consciente, numa análise
minuciosa de cada objeto sonoro, isolado, avaliando sua textura, timbre, amplitude,
etc. Sua intenção é a de promover a afinação da percepção auditiva tanto daqueles
que queiram trabalhar no campo audiovisual quanto dos que não pretendem
continuar a ser um mero espectador passivo, para que, a partir de uma escuta mais
atenta, compreendam o quão sutil e poderoso o som pode ser na transmissão de uma
mensagem.
Um mesmo som, como o de uma pedra ao se chocar com a superfície de um
lago, pode ter inúmeras propriedades e qualidades diferentes e cada uma delas criará
uma percepção distinta. São muitas as condições existentes durante a produção de
uma sonoridade como essa: o peso da pedra, sua velocidade, a resistência oferecida
pela água do lago, etc. Essa é uma escuta com a qual não estamos acostumados em
nosso dia-a-dia, pois nem nosso cotidiano, nem a maior parte das formas artísticas,
nos exigem exercitá-la de uma maneira consciente. Ninguém, em atitude normal, sai
por aí a avaliar o ranger de uma porta, o atrito de uma sandália com os diferentes tipos
de solo, o assovio do vento, etc. Para isso é necessário que haja tal intenção e
principalmente um condicionamento através de uma prática.
Para facilitar a compreensão das variações existentes entre suas três atitudes
de escuta, Chion exemplifica através de uma mesma situação uma conversa
telefônica na qual desconhecemos o interlocutor cada uma de suas escutas. Para
começar, a escuta causal permite-nos saber (ou permite que acreditemos obter)
informações como: sexo, idade e procedência da pessoa do outro lado da linha. Em
23
O termo “escuta reduzida” utilizado por Chion, em seu estudo sobre som no cinema, foi cunhado
anteriormente por Schaffer no livro O Tratado dos Objetos Musicais.
72
seguida, a escuta semântica nos oferece a capacidade de compreender o que a pessoa
está querendo nos dizer, a mensagem que ela pretende transmitir. No entanto, para
que essa escuta possa se completar faz-se necessário o reconhecimento prévio do
código/língua por ela utilizado. E, finalmente, caso alguém nos pergunte detalhes
sobre a pessoa que ligou, poderemos descrever, graças à escuta reduzida, se a voz era
aguda ou grave, rouca ou lisa, suave ou enérgica, etc. (CHION, 1998, p. 299) De uma
forma simples e eficiente Chion nos apresenta e esclarece as nuances de cada intenção
de escuta por ele defendida.
*****
Findada a apresentação das três atitudes de escutas estabelecidas por Chion,
iniciaremos o raciocínio que nos conduzirá ao desenvolvimento de três novas escutas.
Ao analisarmos atentamente as escutas anteriores, percebemos que elas se encontram
diretamente relacionadas à percepção do objeto sonoro em si, seu reconhecimento,
interpretação e codificação. Se considerarmos o estudo realizado sobre a percepção
sonora realizado aqui, compreenderemos que nossa percepção sonora nos gera
escutas provocadas pelos sons que nos atravessam e despertam o nosso interesse,
numa escala de variações aliadas a nossa atenção à vida. É nesse ponto que se
encontram as escutas que serão desenvolvidas nos próximos parágrafos: num
momento posterior da identificação e significação sonora. Quando esses sons passam
a fazer parte da nossa realidade, nossa preocupação não se encontra mais em
compreendê-los, mas sim em senti-los e, por isso, não precisamos prestar-lhes uma
atenção muito detalhada a todo instante. O nível de atenção estaria então
diretamente voltado para uma relação íntima e pessoal que estabelecemos com o
meio que nos cerca. Definimos nossos interesses a partir do foco que damos às nossas
possibilidades de escuta.
IV. Quarta atitude de escuta: a escuta equiparada
Essa escuta parte do princípio da inexistência de um foco sonoro. Quando a
importância perceptiva conferida a todos os sons que nos rodeiam é homogênea, sem
73
destacarmos um ou outro som. Ela ocorre após todos os sons que percebemos já
terem passado pelas escutas causal e semântica. É o momento em que se estabelece o
nível da percepção sonora, podendo ele variar de acordo com nossa atenção à vida.
Assim sendo, a escuta equiparada pode ser dividida em três categorias:
Diminuída ou desatenta quando todos os sons percebidos simultaneamente
tornam-se desinteressantes coexistindo de forma muito sutil, o que está
frequentemente relacionado a duas situações: a primeira, em momentos de
total isolamento, contribuindo para o clima introspectivo necessário para os
momentos de reflexão em que nossa atenção está voltada para o interior e não
para o exterior; a segunda, em uma situação de desilusão, demonstrando a
apatia e o desinteresse com o mundo a sua volta.
Normal em que depositamos nossa atenção de forma natural sobre todas as
coisas, percebendo tudo sem focar em nada, sem gerar expectativas, medos ou
indiferenças. Conduz tanto a uma sensação de normalidade quanto à de
segurança e confiança no trato com os sons que nos atravessam, refletindo um
equilíbrio emocional.
Essa escuta pode ser relacionada, numa aproximação forçada, com a escuta do
pânico (psicanalítica) de Barthes, com base em Freud. Uma escuta que não espera por
um signo específico. Ela ocorre num espaço intersubjetivo, “de um inconsciente que
fala a outro que deve escutar. O que é assim dito emana um saber inconsciente que é
transferido a um outro indivíduo, que, em princípio, detém um saber.” (BARTHES,
1990: 223) No entanto, a base dessa escuta encontra-se justamente em não conferir
uma atenção específica a nada do que lhe é dito, conferindo uma atenção superficial a
tudo, mantendo todos os sons num patamar de igualdade de importância. Ou seja,
sem que fixemos deliberadamente nossa atenção, pois ao escolhermos tal ponto que
nos atravessa, e eliminarmos outro que não nos impressiona, corremos o risco de nos
deparar, de antemão, com o que pretendíamos encontrar. De outra forma, mantemo-
74
nos abertos ao recebimento de outras percepções e evitamos um esforço de atenção
desnecessário. É óbvio que Barthes desenvolve essa escuta numa relação entre médico
e paciente muito mais complexa do que a alusão que acabamos de fazer, mas ela nos
serve com precisão no que se refere a uma atenção flutuante sobre os sons por nós
percebidos.
Ampliada ou atenta quando todos os sons se destacam simultaneamente
indicando uma percepção sonora ampliada sobre tudo o que nos rodeia,
conduzindo nossa atenção para sua condição máxima, em que todos os sons
parecem conter uma promessa ou ameaça a ser cumprida a qualquer instante,
mantendo-nos sempre em estado de alerta, prontos a reagir ao primeiro sinal
de desconfiança, o que deflagra um constante estado de receio e insegurança.
Essa é uma escuta extremamente estressante, pois mantém nossa percepção
auditiva num nível elevado e altamente desconfortável.
Nossas percepções refletem os nossos medos. Quando por algum motivo nos
encontramos tensos, com a expectativa de que algo ruim possa acontecer, qualquer
ruído estranho que nos atravesse obterá como resposta um leve tremor, seguido de
um pequeno pulo, provenientes da contração muscular gerada no sobressalto. No
cinema, quando um diretor deseja provocar determinada reação em seu blico, ele
se utiliza de uma ferramenta muito eficaz na edição, que é o contraste sonoro, ou
melhor, o silêncio que antecede o estrondo. Um susto para ser bem dado necessita
desse impacto. O silêncio, ou uma sonorização bastante sutil, irá preparar a tela em
tons pastel para que o vermelho, de um ruído alto, possa surpreender no momento de
sua aparição. Fazendo que nem mesmo aquele espectador capaz de reconhecer o uso
de tal artifício e, por isso, ficar aguardando o momento do susto, consiga evitar a
reação involuntária de seu corpo ao tê-lo confrontado com tal choque de amplitudes
sonoras. Em nosso dia-a-dia, entretanto, não é bem assim que percebemos os sons a
nos envolver quando nos encontramos com medo. Nossa percepção, ao contrário da
construção comum no meio cinematográfico, por estar mais atenta, torna-se
75
ampliada, de forma que todos os pequenos sons repercutem com muito mais
intensidade. Passamos a ouvir todas as sonoridades em seus mínimos detalhes e
somos conduzidos a desconfiar de qualquer som que não encontre de imediato uma
fonte confiável em nossa escuta causal.
É exatamente esse o tratamento sonoro que encontramos no filme Mutum. O
medo de Tiago, em parte talvez por sua deficiência visual, leva-nos a perceber os sons
da mata de uma forma muito mais intensa e detalhista
24
. Sons de insetos, aves,
movimentação das folhas – seja pelo vento, por um animal ou por ele próprio –
conferem a exata sensação de alerta total em que se encontra a personagem. Essa
construção pode não provocar o susto nos espectadores, mas produzirá, certamente,
de forma muito eficiente, a sensação de medo da personagem, garantindo a
veracidade do seu susto, sem que para isso o espectador precise se sobressaltar em
sua poltrona.
V. Quinta atitude de escuta: a escuta surda
Essa escuta está relacionada com uma percepção seletiva do mundo. Ela ocorre
de diferentes formas e em diferentes níveis, de acordo com as nossas escolhas,
expectativas e capacidades de compreensão. O foco está na ausência de uma
sonoridade, ou seja, na escolha de uma não percepção auditiva. Quando um som é
abafado, diminuído ou “apagado” e os demais permanecem inalterados. Ela pode
ocorrer tanto após reconhecermos e significarmos os sons que nos atravessam,
distinguindo os que despertam nosso interesse dos que deixam de ser interessantes
quanto pode estar alojada no exato momento em que se realiza a identificação sonora,
impedindo-nos de completá-la graças à ausência do reconhecimento de certos
códigos, ou devido a algum bloqueio que nos permita processá-la. Dessa forma a
escuta surda pode ser organizada em:
24
“Quando o homem estava com medo dos perigos de um ambiente inexplorado, todo o seu corpo se
convertia em um ouvido. Nas florestas virgens da América do Norte, onde a visão ficava restrita a uns
poucos metros, a audição era o mais importante dos sentidos”. (SCHAFER, 2001, p. 45)
76
Desinteressada é uma escuta renunciada quando determinado objeto sonoro
deixa de fazer parte do nosso foco perceptivo, por não configurar nenhuma
ameaça ou promessa. Por mais que o som continue a ocorrer, ele se torna
desinteressante a nossa atenção. Diferente da escuta equiparada desatenta,
em que não há a presença de um foco, aqui o que ocorre é a perda ou
diminuição de um foco sonoro com relação aos demais sons percebidos,
podendo ser ele substituído, ou não, por outra sonoridade. Essa construção, no
entanto, também pode servir à explicitação de um sentimento de introspecção,
frustração ou apatia.
Podemos citar como exemplo de escuta surda desinteressada uma cena do
filme Tropa de Elite (José Padilha, 2007). Ao escutar pelo noticiário da TV que seus
amigos teriam sido encontrados mortos, Maria (Fernanda Machado) fica tão
impressionada que se fecha em sua aflição, isola-se do mundo e tem sua mudança
perceptiva representada sonoramente: aos poucos, o som proveniente da televisão vai
se diluindo, o que demonstra um desinteresse imediato pela continuidade da notícia.
Paralelo a isso, surge um som de frequência grave e constante, aliado a um ruído
eletrônico não identificável na imagem, que, no entanto, poderia ser perfeitamente
justificado como o som percebido por John Cage no interior da câmara anecoica como
sendo o som do funcionamento de nosso sistema nervoso. Porém, o que é realmente
importante é o incômodo provocado por esse som nos espectadores, o que contribui
de forma simples e eficiente para a compreensão do inconformismo no qual se
encontra a personagem, até que ela é chamada de volta para a realidade sonora por
uma outra personagem.
Incomunicável é quando a comunicação não se completa, quando, pela falta
de registros ou por algum bloqueio emocional, uma mensagem proferida
verbalmente ou instrumentalmente não alcança seu destinatário e não realiza
seu ciclo, pois não é significada.
77
Nos primeiros minutos do filme O Cheiro do Ralo (Heitor Dhalia, 2006),
encontramos um exemplo de escuta surda incomunicável. Lourenço (Selton Mello) se
sente atraído, ao seu modo, por uma atendente de uma lanchonete. Ao indagar seu
nome, porém, apenas visualizamos os lábios da moça se moverem sem que nenhum
som seja proferido. Inicialmente a ausência de som provoca certa estranheza, logo
justificada pela presença de um off a revelar sua incapacidade de pronunciar tal nome.
Esse recurso, logo no início da história, induz o espectador a acreditar que o problema
estaria no nome da moça. No decorrer do filme, entretanto, compreendemos que
algo de diferente no comportamento de Lourenço. Percebemos toda sua frieza na
relação com as pessoas, proveniente de seu trabalho, no qual é obrigado a oferecer
pouco dinheiro no produto que lhe querem vender, com o intuito de obter algum
lucro. Nem mesmo o nome de sua empregada, que cuida de sua casa oito anos, ele
consegue acertar, e troca Josina por Luzinete. Seus sentimentos se resumem a tudo
aquilo que lhe é possível comprar. Ele não aceita nada de graça, pois acredita que
junto a isso virão futuras cobranças. Logo, a ausência do som, nesse momento,
estabelece na verdade um distanciamento entre ele e a dona do seu desejo, devido a
uma incompatibilidade emocional que o impede de completar a comunicação.
VI. Sexta atitude de escuta: a escuta convergente
Essa escuta, assim como a surda, está relacionada com nossas escolhas, numa
percepção seletiva dos sons que nos atravessam. Contudo, sua diferenciação é
estabelecida na existência de um foco sonoro: através do destaque de um, ou alguns
sons, em detrimento de outros. Pode tanto estar vinculada a uma percepção
diferenciada de sons existentes como se relacionar a uma sensação interna da
personagem, numa escuta não possível de ser percebida pelas outras personagens, por
se tratar de uma percepção muito intimista. Ela acaba por contribuir, de forma mais
intensa, para uma aproximação dos espectadores às emoções vivenciadas e sentidas
pela personagem. Sua divisão e organização podem ser feitas da seguinte forma:
78
Detalhada quando sons pontuais, que encontram uma justificativa dentro do
que é visto pelos espectadores, destacam- se na imagem. Sua sonorização pode
tanto revelar o foco auditivo de uma personagem, como conduzir o espectador
a um ponto de escuta específico, que o impulsionará a uma determinada
percepção dentro da narrativa fílmica.
Vários exemplos citados anteriormente poderiam ser repetidos aqui: a escuta
diferenciada de Thiago, no filme Mutum, tanto na percepção do cavalgar do cavalo, no
início do filme, quanto no seu passeio pela mata ao levar comida para seu pai na
lavoura; assim como a conversa tida entre o Sr. Wilson e sua filha no interior de um
carro fechado, no filme Bicho de Sete Cabeças o espectador, apesar de se encontrar
fora do carro e do outro lado da rua, ouve toda a conversa como se estivesse sentado
no banco de trás. Todos, exemplos de uma sonorização que não corresponde a um
ponto de escuta espacial, ou seja, remetidos ao espaço delimitado pelo
enquadramento, mas sim a uma escuta subjetiva, convergente e detalhada por uma
personagem.
Confusa em que vários focos sonoros simultâneos ou consecutivos, ou ainda,
um único foco sonoro trabalhado com algum efeito, equalização ou filtragem,
revelam uma perturbação perceptiva. Uma escuta que aproxima o espectador
das angústias e provações vividas pela personagem. Outra possibilidade seria,
assim como na escuta surda, a não compreensão do que é comunicado, que
desta vez não pela ausência de sons, e sim por uma mistura de sonoridades ou
sons impossíveis de serem traduzidos.
Mais uma vez exemplos passados podem ser retomados aqui: a sequência de
Batismo de Sangue em que Frei Fernando é torturado, assim como em Apocalypse
Now, quando o Capitão Willard, sem sair de seu quarto, tem sua percepção auditiva
transferida da cidade para a selva. também um exemplo no filme Jogo Subterrâneo
(Roberto Gervitz, 2005) numa sequência em que Martín (Felipe Camargo) acredita que
79
nunca mais verá Ana (Maria Luiza Mendonça) e, ao beber na tentativa de fugir de
seus pensamentos ou de se autopunir acaba por transmitir sonoramente ao
espectador quão confusa e atormentada encontra-se sua mente, a partir da distorção
de sons encontrados dentro da diegese.
Passada – na qual o foco encontra-se nos sons que atravessam a mente de uma
personagem e surgem a partir de lembranças associadas a algo que a estimula,
seja uma imagem, um som ou uma sensação. Esses sons, ao se atualizarem,
conferem a ação atual um novo significado, arraigado ao passado da
personagem.
Essa é uma escuta que ocorre apenas internamente. Quando os sons que
atravessam nossas mentes não são mais produzidos no espaço que nos circunscreve.
Eles brotam em nós a partir de nossas lembranças em associação com algo que nos
estimula, seja uma imagem, um som ou uma sensação. São sons vinculados a nossa
memória, atualizados sempre que algo os acessa e os traz de volta a nossa mente.
Imaginamos escutar sons de acontecimentos que refletem diretamente a nossa
percepção do momento em que vivemos, acrescentando ao presente o significado de
uma ação passada.
De volta ao filme de Padilha, encontramos um exemplo dividido em duas cenas,
em que uma justifica e reforça a existência da outra justamente pela força da escuta
passada. Em uma das primeiras cenas do filme recebemos a informação de que o
Capitão Nascimento (Wagner Moura) está prestes a ser papai, quando entendemos,
numa conversa por celular, sem ouvirmos as falas de sua mulher, Rosane (Maria
Ribeiro), do outro lado da ligação, que ele teria ouvido o coração de seu filho bater.
Suas falas após essa escuta são: “Bate forte pra caramba, né? Bate rápido”. Essa
situação, a princípio, meramente ilustrativa, ganha uma grande importância sonora em
outro momento do filme. Diante do sentimento de remorso, por se sentir responsável
pela morte de um jovem do morro do Turano, cuja mãe veio lhe reclamar o direito de
enterrar o filho desaparecido, o Capitão Nascimento pensa em seu próprio filho, o que
80
lhe traz à mente o único som reconhecido e significado como tal. Dessa forma, a
angústia provocada por sua responsabilidade nos leva a rever a cena do diálogo pelo
celular, só que, desta vez, acompanhamos o outro lado da conversa e ouvimos o
coração do feto batendo através de uma ultrassonografia. O som grave, cíclico e
inconstante, atendendo à descrição feita no primeiro diálogo quanto a sua amplitude e
ritmo, adentra o espaço extracampo e acompanha imagens do Capitão em sua sala e
em ação no morro, fundindo o presente a dois flashbacks, um sonoro e outro
imagético, que com o apoio de uma montagem frenética nos faz perceber o quão
perturbado ele se encontra por causa dessa situação. O som das batidas do coração
está apenas em sua lembrança, porém atualiza-se no presente e o impulsiona a voltar
ao morro e encontrar o corpo do menino.
No filme Chega de Saudade (Laís Bodansky, 2008) um exemplo de escuta
passada configurada a partir da atualização de uma lembrança, não de algo que
aconteceu, mas de um sentimento que mantém Álvaro (Leonardo Villar) preso a um
passado ainda não digerido. Na sequência, Álvaro relembra sua falecida e rancorosa
esposa, gerando a sensação de um casamento frio e de aparências do qual ela se
ressente e ele, mesmo inconscientemente, se culpa por isso. Nesse momento a música
começa a ficar abafada e distante, o que revela o som de um ambiente cíclico e áspero
a contribuir com a tensão e o atrito necessários à narrativa. A música é mantida num
instrumental muito baixo, apenas como uma referência para o ambiente de gafieira,
pois a atenção de Álvaro está muito distante do local onde se encontra fisicamente. O
diálogo entre ele e sua esposa encontra-se entre um presente que não existe e um
passado que não o abandona, pois apesar de tal conversa não ter ocorrido de fato em
suas vidas, ela conota todo o amargor existente entre eles. A música também pode ser
considerada como um fator a despertar a atualização da lembrança de Álvaro, pois o
último trecho escutado antes dela se esvair e a cena acontecer o poderia ser mais
significativo: “Se aos teus olhos estou morta, pra mim morreste também
25
”.
Outro exemplo encontra-se em A Via Láctea (Lina Chamie, 2007). O filme
começa com a música de um desenho animado sobre a imagem de Heitor (Marco
25
Trecho da música Lama composta por Mário Lago.
81
Ricca) atravessando a rua. Essa mesma música invade esporadicamente, sem nenhum
aviso prévio, outras partes do filme. Um som facilmente reconhecido por todos que
assistiram a Tom & Jerry. Tal informação sonora, entretanto, fará algum sentido
para a narrativa com a aproximação do final da história, quando se percebe, em um
flashback, tratar-se de uma memória de sua infância: ao dormir diante da TV,
enquanto assistia ao desenho animado, sua mãe (Mariana Lima) o acordava e o levava
para cama. Uma escuta passada de um momento marcante que continua vivo dentro
de Heitor.
*****
Não existe neste estudo a pretensão de encerrar as possibilidades de escutas
dentro da construção narrativa cinematográfica. Pelo contrário, espera-se que alguém,
ao ler estes apontamentos, possa se sentir estimulado a desenvolvê-los, criticá-los e
ampliá-los. Mesmo eu durante o desenvolvimento dessas escutas pude perceber quão
amplas e significativas elas podem ser. As possibilidades perceptivas, principalmente
auditivas, são inúmeras, e o cinema enquanto arte audiovisual necessita descobrir
todas as variantes possíveis de uma sonorização fílmica para tornar-se cada vez mais
eficiente.
82
“Os espectadores moldam a experiência cinematográfica
e são por ela moldados, em um processo dialógico infinito.”
Robert Stam
26
Capítulo 3: Espaço sonoro e recepção
O som tem um grande potencial evocativo que, segundo Noel Burch, está
vinculado às possibilidades conferidas ao espaço fora da tela o espaço de ação e,
consequentemente percepção, fora dos limites impostos pela janela do filme onde o
espectador é obrigado a construir as suas próprias imagens de acordo com suas
memórias auditivas, relacionando de forma concreta ou abstrata o que não com as
imagens mostradas na tela. Esse espaço, se bem trabalhado em sua sonorização, pode
ampliar as possibilidades de ação e a percepção do que vemos, por nos possibilitar
“ver” algo pertinente apenas ao universo de nossa audição. Contudo, nem todos os
filmes se utilizam desse recurso em toda sua potencialidade, muitos ainda optam por
fazer uso do som de uma forma meramente descritiva, reproduzindo com exatidão
somente os sons das imagens que estão visíveis na tela, numa sonorização centrípeta,
talvez devido a um receio por parte da amplitude significativa gerada pela sonorização
assincrônica. Alguns preferem apenas responder às expectativas sonoras de um
público menos empenhado artisticamente, ávido por uma diversão pura e simples, e,
pensando assim, sonorizam tudo o que se vê, tapam todos os buracos, nada mais do
que isso. Dessa forma, diminuem significativamente a contribuição que o som poderia
trazer para suas imagens, não suscitando do espectador uma percepção diferenciada,
26
Introdução à teoria do cinema. Campinas, SP: Papirus, 2003, p. 256.
83
reduzindo o seu valor reflexivo, mas em hipótese alguma a sua importância ou seu
valor constitutivo. Um som presente, mesmo não despertando um reparo consciente,
ainda sim estará contribuindo para a significação da narrativa. O som de um filme pode
até não ser percebido, mas sua ausência certamente seria notada.
Esse problema no desenvolvimento sonoro dos filmes nos leva a outra questão
abordada por Bergson: uma imagem (ou, no nosso caso, um som) “pode ser sem ser
percebida; pode estar presente sem estar representada; e a distância entre esses dois
termos, presença e representação, parece justamente medir o intervalo entre a
própria matéria e a percepção consciente que temos dela.” (BERGSON, 2006: 32)
Tanto é assim que um som pode não ser percebido quando sua presença é um mero
reforço da imagem, assim como o inverso também pode acontecer, e uma imagem
será percebida sem ser de fato, quando um som nos suscitar determinado objeto que
não se faz presente na tela do cinema. Enquanto a imagem de um objeto não é
percebida visualmente, mas os sons produzidos pela mesma nos alcançam, apenas
uma parte desse objeto atravessa nossa consciência com a capacidade de gerar uma
imagem em nossas mentes. Uma imagem que não necessariamente corresponderá
com fidelidade à fonte emissora real, mas se adequará à percepção e memória de cada
um, possibilitando variações de cor, tamanho, design e até mesmo de objeto. Se o
“todo” é uma imagem, nesse caso, a parte que nos atravessa é composta apenas pelos
ruídos produzidos pelo todo. São ondas sonoras, impossíveis de serem visualizadas
sem a ajuda de equipamentos adequados, que nos atingem e nos provocam uma
sensação, capaz de nos fazer perceber visualmente a imagem em questão, mesmo que
ela esteja fora do nosso campo de visão. O objeto, que nossos olhos não podem ver,
chega até nós não por uma representação imagética, mas sim por um estímulo sonoro.
É claro que a percepção sonora de um objeto que não visualizamos nem
sempre acontecerá de forma precisa. Uma mesma onda sonora pode gerar diferentes
percepções em cada ouvinte. Deparamo-nos então com as seguintes questões: a
distância do objeto e o volume de sua massa sonora; a capacidade e o funcionamento
do aparelho auditivo em contato com as ondas sonoras; e a relação com as lembranças
e a memória auditiva de cada um. Fatores que contribuem para gerar imagens
84
distintas umas das outras. Logo, até mesmo duas pessoas com conhecimentos e
experiências muito semelhantes serão capazes de obter percepções e reações
totalmente diversas a partir de um mesmo estímulo sonoro.
Ainda dentro da questão do ser sem ser conscientemente percebido podemos
aventar a ideia de um som, que mesmo sem se fazer presente, também possa ser
ouvido apenas por uma sugestão imagética. Não precisamos, por exemplo, ouvir o
latido de um cachorro se pudermos ver o abrir e o fechar de sua boca. Em algumas
imagens o seu som se faz tão presente em nossa memória, que somos, muitas das
vezes, capazes de jurar tê-lo ouvido mesmo que ele não tenha tocado. Entretanto, se
uma imagem não nos suscitar um som de forma clara e precisa sua significação poderá
não se concretizar unicamente através de um estímulo imagético, o que poderá
comprometer toda a compreensão da história de um filme, por consequência de uma
comunicação mal-estabelecida. Um ótimo exemplo encontra-se ainda na época do
cinema mudo, num filme de D. W. Griffith, A Woman Scorned (1911). Na cena, a
esposa do médico (Claire McDowell) demonstra-se surpresa por ter ouvido algo vindo
do espaço fora da tela e, para se certificar, aproxima o seu ouvido do limite
estabelecido pelo quadro, numa alusão à aproximação de uma parede. Sua reação a
um som inexistente
27
torna-o tão real que o espectador é capaz de “ouvi-lo” também.
Essas diferenças entre percepções ocorrem também devido às nossas afecções,
por misturarmos aos objetos que percebemos um pouco de nós, imprimindo neles
nossos interesses, expectativas, traumas e frustrações. Não existe percepção sem
afecção, pois sem ela nos defrontaríamos com a imagem pura. No filme A Ostra e o
Vento, a menina Marcela tem uma percepção diferenciada do som do vento. Para ela,
ele é mais do que um simples soprar ou assoviar. Marcela percebe, na sonoridade de
seus movimentos, um código, interpretado por ela como um diálogo, enquanto, para a
percepção do pai e dos demais marujos, ele é apenas vento.
Distinções entre nossas percepções e, principalmente, entre suas construções
de sentido são algo muito comum. Por um lado, parece-nos evidente que nossa
percepção sonora, em condições normais, necessita de uma associação a uma
27
Inexistente na película por se tratar do cinema mudo, mas existente na narrativa do filme, que a
personagem realmente ouve o som dos ladrões.
85
percepção imagética para constituir seu significado. Se sempre que ouvimos um som,
instantaneamente buscamos sua compreensão através de uma imagem, poderíamos
afirmar que nossa percepção sonora é conscientizada a partir de uma construção
imagética, seja ela real ou não. Isso desvelaria a necessidade de uma associação entre
som e imagem para significar o que ouvimos, para então agirmos. Entretanto, se
abandonarmos a superficialidade dessa proposição, e nos permitirmos ir mais fundo
em nossa verificação, “enxergaremos” que nem sempre nossa percepção sonora
encontra em seu reflexo uma imagem e, apesar disso, ainda é capaz de ser notada e
interpretada. Assim como notas musicais não geram imagens concretas, mas sim
sensações abstratas, bebês não encontram correspondência imagética para todos os
sons ouvidos e, mesmo assim, reagem a todos eles.
Da mesma forma que nem todo som precisa produzir uma imagem em nossas
mentes para gerar sentido, alguns sons produzem uma referência nem sempre
verdadeira. No final de A Ostra e o Vento, Daniel (vivido por Fernando Torres) imagina
o que teria acontecido. Ele cria virtualmente a partir de suas lembranças do tempo
em que viveu na ilha e dos índices encontrados que o levam a tentar decifrar os
últimos acontecimentos sua percepção sobre os fatos, e a compartilha conosco,
espectadores. No entanto, “imaginar não é lembrar-se” (BERGSON, 2006: 158). Nossas
lembranças são atualizadas por novas percepções sobre um mesmo objeto. Por sua
vez, a atualização de uma lembrança poderá conferir um novo significado a uma
imagem. Entretanto, fragmentos da matéria e sua percepção não conseguirão
despertar nossas lembranças, se eles não participarem de nosso passado. Logo, o que
Daniel vive é possível no cinema. Ele está presente no passado, num passado que
sequer viveu e que, por isso, não poderia ser justificado como parte de sua memória.
Como o presente é ação, ele tenta agir, interferir nos acontecimentos, procura impedir
o desfecho trágico e não consegue. Mesmo “revivendoo passado, com toda a poesia
utilizada nas lembranças e percepções que entremeiam todo o filme, é mantida
incólume a tese de que o passado é essencialmente impotente.
Todas essas questões nos levam a pensar o som de algo não visto, e uma
infinidade de desdobramentos possíveis, a partir da quebra dos limites estabelecidos
86
pela janela de projeção. Para isso, se faz necessário o estabelecimento dos espaços
sonoros a serem trabalhados não durante a edição de som, como, principalmente,
definidos no período de pré-produção e decupagem.
3.1 Os espaços sonoros
Para Chion, o cinema se estabelece como um continente de imagens e sons. A
tela do cinema é a fronteira a delimitar o espaço da imagem em um filme. Sua janela,
escolhida dentre as várias possíveis durante o processo de filmagem, irá definir o
tamanho do fotograma a ser projetado. O som, entretanto, não se limitado a uma
fronteira demarcada, não de forma física como também psicológica. Não existe um
lugar dos sons. Apesar disso, uma nomenclatura espacial lhe mantém atrelado de certa
forma à imagem, por relacioná-lo diretamente à moldura estabelecida por ela. E, por
uma necessidade nossa de estabelecer parâmetros, o fato de o som não se prender
aos limites da tela, nos faz estar sempre à procura de seu lugar, podendo ele ser
sincrônico ou não. A grande questão, nesse quesito, é a sua constante mutabilidade,
pois graças à progressão de planos imagéticos, um som que em um plano se apresenta
como in pode se tornar off no plano seguinte e vice-versa.
A projeção de um filme numa tela de cinema sempre oferece ao espectador um
campo visual restrito a um quadro artificial que não corresponde ao campo da visão
humana, além de redimensionar as pessoas e os objetos. Como citado no início do
capítulo anterior, a visão humana, em condições normais, chega a um alcance de 180°,
o que até mesmo para um espectador sentado na primeira fila de uma sala com tela
gigantesca irá revelar sua artificialidade. As luzes apagadas em combinação com a
sonorização contribuem para minimizar essa deficiência ao diminuir
consideravelmente as possibilidades de dispersão. Porém, nem mesmo a utilização de
uma tela semicircular como a do Cinerama
28
, na qual três projetores de 35mm eram
28
É importante salientar que o Cinerama foi uma das maiores experiências imersivas alcançada pelo
cinema, tanto no que tange à imagem quanto ao som. Todos os outros sistemas que sugiram após o
Cinerama se aproximaram muito dele, mas nenhum conseguiu superá-lo. Antes da criação do cinerama,
porém, Fred Waller havia inventado o Vitarama, utilizado militarmente como um simulador de tiros,
serviu para o treinamento de muitos soldados americanos antes da Segunda Guerra Mundial. O
87
sincronizados em uma tela cujo arco atingia 146°, foi capaz de resolver esse problema,
pois ela reduzia significativamente os limites laterais do campo, mas mantinha os
verticais. A única possibilidade hipotética de se eliminar todos os limites imagéticos
seria a utilização de uma tela, no nimo, semiesférica a envolver os espectadores.
Mesmo assim, as pessoas seriam levadas a enquadrar a imagem de acordo com o seu
foco de interesse, gerando um espaço fora da tela de outra natureza, devido às
restrições do limite perceptivo de cada espectador e não mais pelas limitações
espaciais da tela. (MONTEIRO, 1994: 56)
Na tendência espontânea do espectador em relacionar os
elementos que lhe são apresentados com a realidade por ele
conhecida, ele completa o campo. Nunca um close faz supor
uma cabeça sem corpo, nem um personagem cortado pelos
quadris, um aleijado, a menos que isso funcione como
elemento de surpresa. A imagem projetada na tela sempre
oferece ao espectador apenas uma fatia de seu todo.
(MONTEIRO, 1994: 57)
O espaço sonoro de um filme é, com certeza, uma importante ferramenta no
estabelecimento da percepção imagética como parte de um espaço mais amplo. Ele é
muito mais abrangente e significativo do que o enquadramento definido pelas
imagens, pois proporciona uma maior imersão do espectador e amplia o “universo
imagético” apresentado pela projeção, por possibilitar a “visualização” de imagens
sem que elas estejam realmente presentes na tela, apenas pela indução sonora aliada
a ação ou reação de uma personagem atuante no campo visual. Essa expansão para
além dos limites do quadro nos proporciona uma variada estruturação espacial,
relacionada não física como também psicologicamente. A questão é que, como em
toda teoria, sua nomenclatura apresenta alguns conflitos provocados por leituras e
traduções diferentes, em que um mesmo nome é utilizado para se caracterizar ideias,
por vezes, distintas. Aqui, tentar-se-á unir todas as nomenclaturas existentes e
estabelecer entre elas diferenças viáveis para que todas possam coexistir sem
Vitarama foi um sistema composto inicialmente por 11 projetores, mas a versão utilizada pelos militares
contava com a sincronização de cinco telas.
88
conflitos. É importante frisar, porém, que em outros textos outras interpretações
poderão ser encontradas, o que não significa que uma ou outra esteja equivocada.
A criação de uma nomenclatura para a localização espacial de um som está
situada, primeiramente, no estabelecimento de uma relação entre a sua fonte sonora
e as imagens apresentadas na tela. Sempre que se ouve algo e se faz a seguinte
pergunta: “De onde vem este som?”
29
, uma resposta imediata se encontra explícita,
a de que sua fonte sonora não está visível no espaço compreendido pelo
enquadramento da imagem. A busca pela resolução desse questionamento conduzirá,
então, às diferentes nomenclaturas espaciais do som no cinema.
Espaço in
O mais fácil de ser identificado. É constituído por todos os sons que possuem
sua causa identificada através da imagem. Esse é o único espaço sonoro compreendido
dentro dos limites estabelecidos pelo quadro imagético e, por isso, parece não gerar
nenhuma dúvida ou divergência, pois se ouve exatamente os sons de tudo aquilo que
se vê. O som nele pode se apresentar tanto de forma sincrônica com a imagem quanto
assincrônica, dependendo do estilo de sonorização e do efeito ou sensação que se
pretende causar no espectador, que um som propositalmente fora de sincronismo
poderá significar uma percepção distorcida de uma personagem por motivos dos mais
variados.
Espaço off ou fora da tela
É aqui que se encontram as maiores discordâncias. Enquanto alguns autores,
como o próprio Chion, o definem como um espaço fora da diegese, ou seja, fora da
narrativa (CHION, 1994: 65), outros, como o Ronald F. Monteiro, o estabelecem como
um som a romper os limites do quadro, sem, contudo, se afastar do espaço diegético.
“É tudo aquilo que não é mostrado na imagem, mas por ela sugerido, admitido ou
29
Um exemplo interessante de ser citado nesse caso é a utilização desse questionamento, por parte de
uma personagem no interior do filme Salve-se Quem Puder - A Vida (Sauve Qui Peut (la vie), Jean-Luc
Godard, 1980). Nele, Isabelle Rivière (Isabelle Huppert) pedala sua bicicleta quando uma música começa
a tocar, a princípio, de forma não diegética, porém ela para intrigada como se quisesse descobrir a fonte
de tal som.
89
suposto.” (MONTEIRO, 1994: 56) Uma personagem conversa com a outra numa
montagem de plano e contraplano, de repente opta-se por mostrar a reação de uma
personagem diante do relato da outra, em vez de se mostrar a imagem da que fala,
com o intuito de acrescentar um significado conferido pela expressão facial, ou
reações, da personagem ouvinte. Essa estrutura posiciona o som da voz no espaço off.
O equívoco aqui estaria, muito provavelmente, na interpretação ou tradução
do termo off screen (fora da tela), e dessa vez sou obrigado a me colocar em posição
contrária à defendida por Chion, que, de forma alguma, o termo denota um
posicionamento para além da diegese fílmica. Muito pelo contrário, sua tradução
pressupõe um espaço imediatamente após os limites gerados pela imagem projetada,
complementando-a e ampliando-a, de forma a fazer o espectador enxergar imagens
que não são exibidas na tela. Esse recurso é amplamente utilizado em filmes de
suspense, pois auxilia na construção da aproximação de algo ameaçador, como o
assovio do assassino em M, o Vampiro de Düsseldorf (M, Fritz Lang, 1931).
Um filme nacional a se utilizar desse espaço sonoro de forma inteligente e bem-
estruturada é Um Céu de Estrelas (Tata Amaral, 1996). A história é contada, em sua
plenitude, no interior do sobrado em que Dalva (Leona Cavalli) vive com sua mãe (Néa
Simões). As únicas imagens vislumbradas de seu exterior são fornecidas a partir de
uma janela nos instantes iniciais do filme, ou por um televisor nos minutos finais. Os
sons são os únicos a conseguir transpor esse ambiente enclausurado, trazendo
informações de espaços inacessíveis através da visão: a movimentação de pessoas na
rua em frente quando Dalva se aproxima da janela da sala; o avião que passa em
alusão à viagem que seria feita por Dalva; os gritos de sua mãe trancada no banheiro; o
som da polícia ao tentar negociar a rendição de Vitor (Paulo Vespúcio). O som
impulsiona a narrativa, fazendo com que ela avance, tome um novo rumo, sem que
para isso seja preciso sair do espaço delimitado pela imagem.
Tanto o termo off quanto fora da tela denotam a mesma coisa. Entretanto,
alguns se utilizam da nomenclatura off, com maior frequência, quando querem se
referir especificamente à fala de uma personagem que se encontra no espaço fora da
tela, o que torna comum o uso do termo voz off. Nomenclatura utilizada apenas com o
90
intuito de especificar o tipo de som trabalhado no espaço fora da tela nesse caso, a
fala, o som direto –, sem, contudo, alterar as regras estabelecidas para a construção
dos demais sons no mesmo espaço.
Espaço over ou extracampo
Como a própria “tradução” dos nomes sugere, um som em excesso, ou seja,
que extrapola a “realidade” fílmica (diegese). Aqui, sim, encontramos um termo que se
adapta com perfeição à interpretação dada por Chion ao termo anterior. O espaço
over é chamado comumente de voz over, pois se encontra relacionado, na maioria das
vezes, às falas de um narrador ou de uma personagem que não se encontra em cena
naquele exato instante. Essa utilização tem, dentre suas várias funções, a intenção de
contextualizar uma ação, levar o espectador a uma reflexão em conjunto com a
personagem ou locutor, assim como criar situações inusitadas, por se tratar sempre de
uma descrição ou comentário feito por alguém de fora, que assim como nós,
espectadores, assiste à cena sem interferir diretamente nela. Seus comentários, no
entanto, acabam por influenciar a compreensão do espectador, conferindo uma visão
diferenciada sobre a ação a se desenrolar.
o vocábulo extracampo foi utilizado pela primeira vez na tradução de Stella
Senra para o termo hors-champ
30
, no livro de Gilles Deleuze: Cinéma l’image-
mouvement, diferenciando-o do usualmente conhecido espaço fora de campo, ou fora
da tela, proveniente do inglês off screen space. Essa nova nomenclatura fora utilizada
pela necessidade de se estabelecer uma diferenciação entre o espaço cinematográfico
estudado por Deleuze e os espaços conhecidos e utilizados até então. A questão é que
mais uma vez encontramos uma discordância na definição do mesmo termo. Hors-
champ, nos estudos de Chion, é utilizado para se referir ao que chamamos
anteriormente de espaço fora da tela, ou espaço off. O que ocorre é uma sutil, porém
significativa, inversão de nomes e sentidos nas traduções entre as diversas línguas.
O estudo do extracampo é bastante complexo e pode ser analisado tanto na
vertente sonora quanto na visual, porém, com o intuito de não se perder o foco, nem
30
Faz-se importante aqui frisar a existência de um outro termo, o hors-cadre, que é traduzido tanto para
fora de quadro – tradução literal – quanto para fora da tela.
91
se distanciar do objeto, manter-se-á a atenção voltada exclusivamente para o som.
Dessa forma, faz-se necessário que se diferencie o espaço off do extracampo, pois
enquanto o off se encontra diretamente vinculado à vizinhança do quadro, o
extracampo está relacionado a um espaço-tempo ausente do visual, assim como do
sonoro a ele sincronizado. Ele não se relaciona com a imagem de uma forma direta.
Pelo contrário, sua intenção é sempre a de agregar algo inovador, uma informação,
uma sensação, algo que está muito além da imagem apresentada e que se associe a
ela de forma inteligente e inusitada.
Logo em uma das primeiras sequências do filme Era Uma Vez na América (Once
Upon a Time in America, Sergio Leone, 1984), “Noodles”, personagem vivida por
Robert De Niro, está deitado em uma casa de ópio quando um telefone começa a
tocar. Num primeiro instante, para o espectador que assiste ao filme pela primeira vez,
tem-se a nítida impressão de que esse som estaria ocorrendo no espaço fora da tela e
que a reação de “Noodles” é a de quem se levanta para atender o aparelho. Logo em
seguida, porém, o vemos ser posto deitado novamente sem que ninguém sequer
demonstre a intenção de responder ao toque. um corte, outras cenas são exibidas
e o som continua ininterrupto, o que nos leva a perceber que o tal telefone não se
encontrava no espaço fora da tela. A sonoridade aguda, cíclica e ritmada do telefone
gera um incômodo no espectador, ao mesmo tempo em que costura as imagens
exibidas, nos revelando, logo em seguida, se tratarem de flashbacks a revelarem ações
de um passado recente no filme, através de algumas cenas-chave que ajudam a
compreender o porquê de estarem à procura da personagem de De Niro. E a resposta
vem exatamente quando o telefone é atendido por um sargento de polícia P. Halloran
(Bruce Bahrenburg) seguido por um apito a denunciar que o toque do telefone estaria,
na verdade, repercutindo no interior da cabeça de “Noodles” como algo que o tem
perturbado constantemente.
Logo, over e extracampo pertencem a um mesmo espaço sonoro. Suas
potencialidades encontram-se fora da diegese, sendo que o over é mais utilizado em
associação às vozes, e o extracampo, aos ruídos e músicas. Sim, uma música não
diegética é uma sica presente no extracampo, pois ela conduz a percepção do
92
espectador sem interferir na escuta das demais personagens. Está num espaço
deslocado da ação fílmica.
Para uma melhor exemplificação dos espaços sonoros aqui apresentados será
utilizada a sequência inicial do filme Lavoura Arcaica (Luiz Fernando Carvalho, 2001),
numa ótima transposição da arte e da “poesia” de Raduan Nassar. O filme começa com
um som de trem ainda sobre os créditos iniciais, ou seja, sem que o possamos definir
espacialmente. Logo em seguida, somos apresentados à imagem à qual ele se associa.
Sucessivos planos em que André (personagem vivida por Selton Mello) realiza
movimentos que, além de sugerir sua masturbação, se afinizam com o ritmo produzido
sonoramente. Um som que se encontra no espaço extracampo, pois não se encontra
presente na diegese da cena. Alguns, porém, num primeiro momento, podem até
imaginar que se trata do som de um trem no espaço fora da tela, mas, se prestarmos
bem a atenção, perceberemos que, a partir do instante em que o som do trem se
dissipa, outros sons vão surgindo lentamente. Pássaros, crianças, cachorros e cavalo
começam a preencher o espaço sonoro como se, aos poucos, a percepção auditiva de
André fosse retornando para a realidade sonora na qual ele se encontra. Esses sim são
os sons presentes no espaço fora da tela, pois são sons que nitidamente correspondem
à composição de uma ambiência para o exterior de sua casa. Assim como o bater na
porta que a cada nova incursão se torna mais nítido, reforçando a ideia do “despertar”
da personagem. Os primeiros sons in do filme são escutados no exato momento em
que André percebe que há alguém batendo à sua porta e se levanta para atendê-la.
a cena seguinte, uma lembrança de sua infância, provocada pela visita inesperada de
seu irmão, é conduzida por uma voz over a nos apresentar ao mundo de sensações
vivido por ele. A sonorização da parte inicial do filme fica apenas a nos dever o som de
uma voz off, que todas as falas tanto de André quanto de Pedro (Leonardo
Medeiros) se encontram no espaço in.
*****
Os espaços sonoros fora da tela sejam eles off, over ou extracampo são de
fundamental importância quando a comunicação cinematográfica pretende mais do
93
que informar, emocionar. Esses são espaços que conduzem o espectador para algo
muito além de uma visão restrita, quase binocular, através de um telescópio ou
microscópio. Eles mantêm o blico imerso na história, pois contribuem para
consolidação da ilusão de uma realidade projetada em tela grande, ou mesmo,
atualmente, nos pequenos monitores de televisão. Dessa forma, estar-se-ia
defendendo o que Gilles Deleuze, baseado na teoria de André Bazin e nos estudos de
Noel Burch, Jean Narboni e Pascal Bonitzer, vem a chamar de dispersadores, em
oposição aos concentradores. Os dispersadores são aqueles que impulsionam os
espectadores para fora do quadro, num movimento centrífugo, os concentradores,
num movimento contrário aprisionam o público à tela, mantendo sua concentração
totalmente voltada para as imagens presentes no quadro, numa articulação
centrípeta. O único espaço sonoro a se articular efetivamente com os concentradores
seria então o espaço in, por ser ele o único a fazer parte de uma escuta visualizada, ou
seja, focado na nas imagens projetadas na tela. Já os dispersores contam com o auxílio
sonoro de todos os demais espaços, presentes numa escuta acusmática
31
uns de
forma diegética (off e fora da tela) e outros não diegética (over e extracampo). Isso,
porém, não significa que os concentradores dispensem totalmente o uso dos espaços
sonoros fora da tela, no entanto sua utilização é mais discreta e sem a intenção de
levar o espectador a buscar algo que não esteja presente na imagem.
3.2 Desenho sonoro
O crescimento do espaço sonoro no cinema, da década de 1970 para cá, vem
acarretando em mudanças significativas não na maneira de se pensar o som dos
filmes, como principalmente no modo de confeccioná-lo. Grandes mudanças
tecnológicas e estruturais vêm conferindo uma importância muito mais significativa a
este trabalho que pode transformar por completo a interpretação dada a uma
imagem. O som pode apenas acompanhar as imagens, servindo unicamente como
reforço da realidade proposta; é capaz de conduzir sutilmente o espectador a entender
coisas que a imagem sozinha não teria condições de informar; ou tem o domínio para
31
Os conceitos referentes às escutas visualizada e acusmática encontram-se no capítulo anterior.
94
levar aos que assistem a uma dimensão muito além da realidade. Para isso, no
entanto, se faz necessário que haja uma cabeça pensante por de trás de todo o
processo, orquestrando-o como faz um maestro aos reger seus músicos.
O objeto, visual ou sonoro, quando corriqueiro, acaba por se tornar “invisível”,
imperceptível, mas nem por isso deixa de nos influenciar e significar. O objeto na
contemporaneidade pode tanto ser um artefato, com massa e volume, quanto um
espectro, virtual, assim como a imagem e o som projetados em uma sala de cinema.
Um determinado grupo de objetos compõe um ambiente específico. Ao se reunir, em
um mesmo espaço, sofá, poltrona, mesinha de centro, estante e televisão, teremos a
constituição natural de uma sala de estar. A disposição desses objetos no espaço que
lhes é reservado – assim como seu estilo, cor, qualidade, conservação, tamanho,
marca e valor – será de fundamental importância para estabelecer significados e
construir o universo da personagem tornando-a mais verossímil para o espectador.
Pequenas informações como essas podem nos fazer identificar sua situação
econômica, seu nível de organização, cuidado e limpeza, seu gosto, etc. Assim
também, objetos decorativos podem nos informar sobre sua religiosidade, gosto pela
leitura e pela música, apreciação artística e seu modo de se exprimir.
O som, por sua vez, também pode expressar de forma sutil e “invisível”
características da personagem, quando, em associação com a imagem, contribui com
informações não perceptíveis visualmente, mas que ajudam a construir um sentido
lógico sem destoar do que é apresentado na tela. Ao se abrir a porta de uma geladeira,
sem que se vislumbre sua parte interna, a única informação que poderemos ter estará
apoiada sob a construção sonora. Um leve tilintar de garrafas em sua porta, por
exemplo, irá denotar certa fartura, enquanto o aumento do som de seu motor, como
única modificação sonora, irá provocar ou acentuar a sensação de vazio. O simples ato
de ser acordada por um despertador também pode trazer muitas informações a
respeito de uma personagem. Em primeiro lugar, o despertador é um relógio, um
rádio-relógio, um aparelho de som ou um celular? Se for um relógio, é daqueles
antigos, com um sininho, ou moderno, eletrônico/digital? Em sendo um rádio-relógio,
o despertar será através do buzzer ou de uma estação de rádio? Se a opção for uma
95
estação de rádio, qual seria ela? Musical ou noticiário? No caso de musical, qual o
estilo e ritmo preferidos? E se a escolha inicial for uma aparelhagem de som ou celular,
o sublinhar se torna ainda mais específico, que a personagem poderá escolher com
precisão o som ou a música pela qual será despertada. Todo o estudo e
desenvolvimento por trás dessas escolhas não apontam para os gostos, opções e
condições de vida da personagem, como também podem influenciar todo o seu
comportamento durante o dia, que a possibilidade de determinada música ou som
continuar repercutindo em sua mente ao longo de horas é extremamente viável e isto
pode acarretar em ações ou reações vinculadas a essa sonoridade.
Um exemplo clássico, discreto por não ser conscientemente percebido pelo
espectador comum –, e ao mesmo tempo significativo em sua narrativa, é encontrado
logo no início do filme Apocalypse Now, quando soldados chegam trazendo uma
missão para o Capitão Benjamin L. Willard, que se encontra trancado em um quarto de
hotel. Sem vermos o interior do aposento, no exato momento em que a porta é
destrancada, percebemos através do som uma quantidade excessiva de trancas e
trincos serem abertos. Esse isolamento da personagem vem a corroborar com o estado
depressivo e alucinatório no qual ela fora apresentada na sequência anterior. Seu
comportamento diagnostica o desespero, exacerbado pelo uso do álcool, e a angústia
de quem não aguenta mais esperar por novas diretrizes que o conduzam de volta ao
campo de batalha. O som, de forma tênue, contribui para essa percepção, graças a um
desenho sonoro inteligente, criativo e envolvente, executado pelo “maestro” Walter
Murch
32
, que, além do excelente trabalho sonoro, também foi o responsável pela
montagem da película.
Os “maestros” da edição de som para cinema são conhecidos pela alcunha de
sound designers, ou como na tradução para a língua portuguesa, desenhistas sonoros.
São eles os atuais responsáveis por toda a estrutura sonora de um filme, numa função
cada vez mais presente durante o processo de realização fílmica. Eles atuam desde a
32
Formado pela Escola de Cinema da University of Southern California, Walter Murch é editor de
imagem e som, diretor e roteirista de cinema. Trabalhou em alguns filmes de grande sucesso, entre eles:
O Poderoso Chefão (partes II e III), A Insustentável Leveza do Ser, American Grafitti, Apocalipse Now
(Oscar de melhor som), O Paciente Inglês (Oscar de melhor edição e melhor som), A Conversação (Bafta
de melhor som).
96
escolha dos microfones e qualidade acústica das locações até a mixagem sonora, com
o intuito de manter o controle total sobre as possibilidades artísticas, relacionadas ao
som, tanto na produção quanto na finalização. Assim como os maestros são
responsáveis por cada naipe e seus instrumentos isolados, o desenhista sonoro é
responsável por cada banda sonora e seus sons, e seu principal trabalho é encontrar a
harmonia perfeita entre cada um deles. Para isso é elaborada uma concepção sonora,
em que todo o comportamento dos sons é definido e uma identidade sonora é criada.
Com ele, a presença de um editor de som comprometido em editar todas as bandas
sonoras é cada vez menos necessária, o que contribui para se tornar cada vez mais
comum o fato de encontrarmos nos créditos finais uma relação de editores: um
responsável pelos diálogos, outro pelos ambientes, outro somente pelos ruídos, e
assim por diante. Todos eles submetidos aos conceitos pré-estabelecidos pelo
desenhista sonoro, numa relação muito semelhante à encontrada há alguns anos entre
editores e seus assistentes.
O primeiro a fazer uso do termo desenhista de som parece ter sido Walter
Murch ao se referir a um de seus colegas da Lucasfilm, Ben Burtt (MANCINI, 1985:
366). Da metade da década de 1970 para trás, os desenhistas sonoros eram
conhecidos pela alcunha de supervisores de edição de som, nome que não
correspondia ao trabalho realizado por alguns, que desempenhavam muito mais do
que um acompanhamento da finalização sonora dos filmes. O trabalho de um
desenhista sonoro está para o som assim como o trabalho de um diretor de fotografia
para a iluminação de uma película ou o de um diretor de arte para a concepção dos
cenários, objetos e figurinos. São funções que requerem um conhecimento muito mais
estético e artístico do que meramente mecânico e instrumental. São os responsáveis
por toda a parte criativa, definindo com o diretor e o produtor a “cara” que o filme
terá.
“Imagem e som estão unidos em uma dança. E, como alguns tipos de dança,
eles não precisam estar sempre se abraçando ao redor da cintura: podem separar-se e
97
dançar por si numa espécie de balé”
33
. Esse trecho escrito por Frank Paine reforça a
ideia de um desenho sonoro em que o som deve se contrapor à imagem sem, contudo,
dela se afastar por completo, numa dança harmônica e ao mesmo tempo repleta de
significados. Essa dança deve ser composta de forma a fazer com que sons
normalmente o ouvidos em determinadas situações possam ser aceitos através de
uma conexão mental; possam gerar um sentido que não seja óbvio. No filme Playtime
(Jacques Tati, 1967), por exemplo, a utilização de sons de forma hiper-realista, com
sonoridades que não correspondem ao que se costuma ouvir, associada às
movimentações e expressões do próprio Tati, acabam por imprimir um reforço ao tom
bem-humorado de sua crítica aos costumes da vida moderna.
Outro movimento, ou dança, também possível, é encontrado quando a
sonorização rompe com as barreiras impostas pelas regras hegemônicas,
preocupando-se mais enfaticamente com as sensações a serem transmitidas ao
espectador do que com a ilusão do naturalismo. Um simples exemplo pode ser
encontrado no cinema nacional, no filme Contra Todos (Roberto Moreira, 2003). Logo
nos primeiros minutos, vemos a personagem Soninha (Sílvia Lourenço) caminhando
por entre lojas especializadas em roupas e adereços de rock and roll, piercings e
tatuagens. A sonorização utilizada nessa cena enfatiza as rupturas da montagem,
reforçando não as elipses temporais como também a instabilidade e a rebeldia
existentes nas próprias imagens. O natural, dentro de um filme de narrativa clássica,
seria a confecção de um fundo único, a fim de ambientar o espectador ao cenário
apresentado e invocar as características necessárias para a construção de um sentido,
mantendo uma unidade e contribuindo para a ilusão de continuidade, tornando, dessa
forma, invisíveis os cortes. A “dança” nesse caso proposto, porém, é outra, mas não
menos harmônica ou sutil, ela apenas contribui com a caracterização do mundo”
habitado por Silvinha, dançando com a personagem e não com as regras de uma
linguagem dominante.
33
Traduzido pelo autor a partir do texto: “Image and sound are linked together in a dance. And like some
kinds of dance, they do not always have to be clasping each other around the waist: they can go off and
dance on their own, in a kid of ballet. (PAINE, 1985: 356)
98
Como falar de uma dança entre som e imagem e não se referir à união perfeita
entre o clássico e o futurista no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space
Odyssey, Stanley Kubrick, 1968)? “Danúbio Azul”, a valsa composta por Johann Strauss
Junior, encaixa-se com tamanha precisão nas imagens de Kubrick, que mesmo tendo
sido escrita um século antes, parece ter sido feita sob encomenda. Sabe-se, no
entanto, que Kubrick tinha tal música em mente antes mesmo de conceber suas
imagens, e até cogitou utilizar-se de uma trilha original, criada por um compositor
contratado, Alex North, mas acabou voltando atrás e abriu mão de suas composições
no estúdio de mixagem. O que se pretende apontar aqui é que, toda valsa, por seu
compasso ternário, cria uma representação circular que é transposta para sua dança.
Um casal que se põe a valsar percebe, a cada giro realizado, aumentar sua sensação de
leveza, de perda de peso. É como se eles estivessem a flutuar. Essa música transmite a
exata sensação da qual o filme de Kubrick necessitava: a falta de gravidade. É ao som
de “Danúbio Azul” que podemos perceber o flutuar dos corpos no espaço: a nave, a
Terra, a estação orbital, a caneta, os objetos valsam ao som de Johann Strauss Junior
sem que ele sequer tivesse imaginado a possibilidade de sua música um dia ter tal
utilização.
O processo de sonorização de um filme pode ser realizado de inúmeras
maneiras. Em cada lugar, cada grupo de pessoas acaba por estabelecer suas regras e
definir seu método de trabalho. O fato é que, se existe um período a ser cumprido
para a finalização de um filme, e o prazo estabelecido é muito curto, invariavelmente,
o trabalho terá de ser dividido entre um grupo de pessoas para que várias etapas
sejam cumpridas simultaneamente. Então, como se distribuem as tarefas? Graças às
exigências comerciais, dois sistemas de edição sonora acabaram por se estabelecer de
forma mais vigorosa: o americano (hollywoodiano) e o inglês.
Em Hollywood é sobre o desenhista sonoro que recai toda a responsabilidade
dos sons de um filme. É ele quem faz um levantamento de sons, pesquisa nos arquivos
sonoros, define a melhor opção, estipula o seu posicionamento e, se necessário, sai em
busca da captação de alguns sons específicos. Depois, repassa todas essas informações
a cerca do rolo cinco, por exemplo, para um editor, que terá o prazo de uma semana
99
para entregar tudo em seu devido lugar. Esse editor, por sua vez, não terá durante o
processo de trabalho, em momento algum, o conhecimento do filme como um todo,
mas sim, apenas dos rolos dos quais ele for responsabilizado, o que o impede de
compreender a história e, por consequência, inviabiliza quaisquer sugestões criativas.
o sistema adotado na Inglaterra também é realizado por vários editores, e conta
com a supervisão de um desenhista sonoro, porém, todos eles têm o conhecimento do
filme por completo e, ao invés de cada um ser responsável por um rolo, num trabalho
executado na vertical, ficam responsáveis por grupos sonoros como: motores,
natureza, guerra, etc., desenhando uma linha sonora horizontal. Dessa forma cada
editor poderá pesquisar diferentes texturas para cada momento em que seu grupo
sonoro aparece durante a narrativa fílmica, contribuindo para um melhor desenho
sonoro ao gerar alguma relação entre eles e permitir que os espectadores percebam
uma “evolução” sonora a cada nova sequência.
Porém, ambos os sistemas possuem suas desvantagens. No sistema vertical,
hollywoodiano, corre-se o risco de todos os editores quererem utilizar o mesmo som
de helicóptero, por exemplo, por se tratar do melhor arquivo sonoro e pela falta de
conhecimento do material completo. Caberá, então, ao supervisor estabelecer em qual
ponto do filme determinado som terá uma função mais apropriada para a construção
da narrativa. No sistema horizontal, inglês, mesmo com uma organização em que
todos os editores de som têm o conhecimento geral do filme, ainda assim, é necessária
a figura de um supervisor para determinar qual sonoridade se apresentará em
primeiro plano numa cena na qual podem prevalecer tanto os helicópteros, quanto a
selva, evitando dessa forma qualquer desentendimento numa disputa de egos entre
editores. Esse “supervisor”, que hoje é denominado de desenhista sonoro, é o
verdadeiro artista responsável por toda a concepção sonora de um filme e sua
coerência na utilização dos estilos.
Os estilos sonoros devem ser definidos antes mesmo de a filmagem ser
realizada, pois eles apontarão para cuidados diferentes durante a captação e
estabelecerão algumas características da sonorização de uma história. Um filme que se
inicia com uma edição de som naturalista não precisa permanecer atrelado a suas
100
limitações do início ao fim. Os estilos devem ser alterados de acordo com as
necessidades narrativas, desde que essa mudança encontre alguma justificativa para a
construção de sentido, muitas das vezes para ajudar o espectador a ter uma percepção
diferenciada em determinado momento da história.
Estilo naturalista
A sonorização naturalista é aquela que se preocupa em sonorizar tudo o que é
visto de uma forma muito tênue, sem chamar a atenção para nenhum som específico,
permitindo que o próprio espectador, assim como na vida real, possa escolher em que
ponto irá fixar sua atenção auditiva. Sua sonorização é centrípeta, focada no espaço in,
pois além de reproduzir o mais fielmente a realidade em que vivemos, utiliza-se do
espaço fora da tela apenas como preenchimento, como ambientação.
Estilo realista
O estilo sonoro realista realça alguns sons em detrimento de outros ou elimina
alguns sons de nossa percepção, com a intenção de conduzir a atenção do público para
um ponto específico da narrativa. Ele reproduz, de certa forma, uma percepção mais
próxima da qual vivenciamos em nosso dia-a-dia, ao tentar imitar a característica
seletiva de nossa audição, porém, ao invés de permitir que essa seleção ocorra de
forma natural, ele a conduz com o intuito de controlar aquilo que perceberemos. Um
exemplo simples pode ser encontrado nos últimos minutos de O Invasor (Beto Brant,
2002), quando, após denunciar seu amigo Gilberto (Alexandre Borges) para a polícia,
Ivan (Marco Ricca) é conduzido por policiais até a casa onde ele se encontra. Todas as
imagens produzidas no interior da viatura, em que está Ivan, são acompanhadas de
silêncio, nada se ouve. as imagens realizadas em seu exterior revelam a realidade
dos fatos. Ao escutarmos o que o delegado diz, percebemos a existência de um acordo
entre eles, acordo este que permanecerá ignorado por Ivan, que nada escuta da
conversa. Esta é uma sonorização que não corresponde totalmente à realidade,
principalmente, devido à atenção de Ivan se encontrar focada nos fatos a se
desenrolarem do lado de fora do carro. Logo, por maior que fosse sua dificuldade em
101
ouvir o diálogo em sua completude, o silêncio jamais faria parte de sua percepção, o
que deflagra uma condução sonora na construção narrativa. Por outro lado, em uma
sonorização naturalista, provavelmente, haveria uma reprodução de todo o diálogo,
mesmo no interior do automóvel, numa amplitude muito inferior e com possíveis
interrupções para dificultar a compreensão de Ivan.
Em uma cena anterior do mesmo filme, quando Ivan pede ajuda para comprar
uma arma, ele é levado até uma “casa de shows” onde a transação será realizada. Ao
chegarem ao local, o som das falas desaparece por completo. No início ouvimos
apenas o burburinho das pessoas e uma música, conforme ele se aproxima do palco e
sua atenção se fixa na música que está sendo cantada, o som ambiente desaparece,
demonstrando o foco de sua atenção. Com a aproximação de seu amigo que o chama,
o som de fundo volta a ser percebido, porém as falas serão recuperadas quando
alcançarem o lado de fora do estabelecimento. Uma sonorização realista que conduz
os espectadores a acompanhar a percepção auditiva da personagem principal.
Estilo hiper-realista
O estilo de sonorização hiper-realista extrapola os limites da realidade, por
chamar a atenção para um som que distorce a nossa percepção do real sem dele se
afastar por completo. Nesse caso, os sons podem tanto sofrer a utilização de algum
efeito durante o processo de mixagem quanto podem ser substituídos por sons de
outros objetos que possam ser confundidos com os objetos reais. Uma sonorização
que aponta para um estado perceptivo alterado de uma personagem ou apenas
contribui para gerar nas imagens algum incômodo que chame a atenção do
espectador, podendo provocar as mais diversas reações, como no filme Playtime
citado há algumas páginas atrás. Outro exemplo, também descrito anteriormente, está
em uma sequência de Mutum, quando, ao caminhar apreensivo por entre a mata,
Thiago começa a ouvir sons que vão muito além da realidade, pois eles não só ganham
em amplitude, como sua reverberação também é ampliada e, até mesmo, a
sonorização da vassoura de sua mãe a varrer o chão ganha uma aparência assustadora,
revelando todo o medo e apreensão da personagem.
102
Estilo expressionista
O próximo passo, destro dos possíveis estilos de sonorização, seria o
expressionista, em que os sons de determinados objetos seriam trocados por outros
que não condizem em nada com o som que se espera ouvir, reproduzindo uma
realidade totalmente distorcida, normalmente acompanhando a percepção de uma
personagem em estado alterado. Um exemplo encontrado no cinema nacional está em
Bicho de Sete Cabeças (Laís Bodanzky, 2001), quando o som da máquina que marca a
chegada e a saída dos enfermeiros e dicos é utilizado para substituir o som que
aguardamos ouvir ao vermos Neto deglutir seus remédios, numa montagem paralela,
em que o som de uma cena recai sobre a outra.
*****
As nuances que definem a diferença de um estilo para outro podem em algum
momento se confundir a ponto de se tornarem indistinguíveis. Por isso, as mudanças
de estilo dentro de um mesmo filme podem mesmo o ser percebidas,
principalmente se encontrarem uma justificativa na imagem. Contudo, sempre a
capacitação de se realizar uma ruptura mais vigorosa de estilo se o intuito da
sonorização for chocar o espectador pelo inesperado.
Uma coisa é certa, todo o trabalho desenvolvido por um desenhista sonoro
visa, principalmente, atingir o espectador. A evolução sonora, ocorrida nas últimas
décadas, não melhoraram a qualidade técnica do espetáculo, como também
proporcionaram uma ampliação significativa do espaço fora da tela a ser trabalhado.
Tudo isso permitiu aos desenhistas sonoros e aos espectadores de uma forma geral,
mas principalmente aos mais atentos, uma percepção sonora diferenciada, rica em
detalhes, com um alto nível de elaboração, e que se bem desenvolvida é capaz de
ampliar os rumos de qualquer história.
103
3.3 Espectador e recepção
O espectador, mesmo que de forma implícita, há muito cumpre um papel
importantíssimo na narratividade cinematográfica. Se por um lado, Roland Barthes, no
final da década de 1960, anunciava a “morte do autor” e o “nascimento do leitor”, por
outro lado, no cinema, a hipótese do “nascimento do espectador” parecia não ser
adequada, pois já era possível se perceber, nas teorias do cinema, a importância
concedida ao espectador. Tanto na esfera mental desenvolvida por Hugo Münsterberg
quanto nas rupturas e colisões causadas por Eisenstein em sua montagem intelectual,
assim como na visão de livre interpretação postulada por Bazin, a teoria do espectador
se fazia presente mesmo que não anunciada com essa nomenclatura. (STAM, 2003:
255) Os anos 1910 e 1920, por exemplo, foram responsáveis pelo desenvolvimento e
evolução de teorias relacionadas, principalmente, a percepção visual, como a Gestalt
34
,
que exploraram a ilusão representativa no cinema e suas influências psicológicas nos
espectadores.
A questão do “preenchimento das lacunas de um texto” também guarda,
proporcionalmente, relação direta com o cinema, em que o espaço fora da tela suscita
ao espectador a complementação de sua imagem. Com o efeito de facilitar essa
visualização pelo espectador, normalmente é realizada uma apresentação e
espacialização cênica – muitas vezes ocorrida logo no início da sequência, com o
intuito de situar o público a partir de um plano de imagem geral ou aberto, no qual
os planos seguintes, em associação com um som ou um movimento do olhar de uma
das personagens, o espectador será capaz de buscar informações e completar
mentalmente a imagem de algo fora de quadro. Entretanto, quando esse registro
imagético prévio é inexistente, a complementação será realizada unicamente pela
união do som cuja fonte sonora não é visível com a memória visual do espectador
sobre o objeto que o produz, possibilitando uma visualização específica e individual
34
Gestalt é uma teoria da psicologia que considera os fenômenos psicológicos como um conjunto
autônomo, indivisível e articulado na sua configuração, organização e lei interna. A teoria foi criada
pelos psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka
(1886-1940), nos princípios do século XX. Funda-se na ideia de que o todo é mais do que a simples soma
de suas partes.
104
por parte de cada um. Desta forma, algumas vezes, o espectador chega mesmo a
afirmar ter visto algo que em momento algum fora mostrado na tela.
Vemos, de certo modo, mais” do que nossos próprios olhos nos mostram.
(AUMONT, 1995: 226) Assim Rudolf Arnheim, muito conhecido como crítico de arte e
psicólogo da percepção, insiste em afirmar que nossa visão é muito mais do que um
simples estímulo da retina. Para ele, ela estaria relacionada a percepções, associações
e memorizações, num fenômeno mental que nos possibilita compreender a diminuição
de um objeto como seu possível afastamento. Logo, por que não associarmos essa
ideia a uma combinação entre visão e audição para a construção de uma percepção
mental que muito além do que é visto efetivamente pelos nossos olhos? A visão é
uma atividade criadora do espírito, assim como a audição. A questão é que, com o
advento sonoro, muitos dos estudos sobre a subjetividade das imagens foram
imbricados. Afirmava-se que o som viera para objetivar a imagem, que no seu início
a preocupação maior era com o sincronismo e com o sentido atribuído à linguagem
verbal. No entanto, se analisarmos com cuidado, perceber-se-á que, muito pelo
contrário, o som tem a capacidade de elevar substancialmente a subjetividade de uma
imagem, e que, de certa forma, era feito desde a época do cinema mudo. Uma
época em que basicamente todos os cineastas tentavam induzir emoções e influenciar
o espectador, e alguns os cineastas russos, como Pudovkin e Eisenstein, buscavam
elaborar uma espécie de “catálogo” de possíveis reações do público a determinados
recursos de montagem, visando delimitar sua percepção e, com isso, obter o controle
sobre o sentido despertado na união das imagens. Controle este impossível de se
realizar em toda sua plenitude. As teorias e linguagens cinematográficas nada mais são
do que uma tentativa de estabelecer parâmetros e regras, porém, elas são facilmente
burladas e superadas por novas teorias e linguagens, o que comprova o constante
dinamismo de uma arte que não cessa sua evolução.
Com tudo isso, percebe-se que o espectador de cinema nunca fora totalmente
passivo, salvo, talvez, algumas das primeiras projeções. Porém, foram as teorias da
espectatorialidade que permitiram aos espectadores serem enxergados de forma ativa
105
e crítica, desbancando a teoria do dispositivo
35
. Os efeitos subjetivos e as diferentes
possibilidades de percepção, gerados pela narrativa cinematográfica no momento de
sua exibição pública, encontram-se atrelados às experiências de vida e conhecimentos
de cada espectador, que vão estabelecer parâmetros de acordo com a visão histórica,
política, religiosa e ideológica de cada um, e, com isso, permitirão inúmeras relações e
interpretações sobre uma mesma temática. É a partir dessa compreensão e da
contradição político-ideológica existente, que Stuart Hall estabelece uma divisão em
três amplos grupos de estratégias de leitura, de acordo com a ideologia dominante em
cada um deles:
(1) a leitura dominante, realizada por um espectador propenso
a corroborar a ideologia dominante e a subjetividade por ela
produzida; (2) a leitura negociada, realizada pelo espectador
que, de modo geral, corrobora a ideologia dominante, mas cuja
situação de vida real provoca inflexões críticas “locais”
específicas; e (3) a leitura resistente, realizada por aqueles cuja
situação e consciência social os coloca em uma relação de
oposição direta à ideologia dominante. De nossa parte,
acrescentaríamos que a leitura resistente em um vetor (por
exemplo, a classe) poderia andar de par com a leitura
dominante em outro (como a raça), dentro das várias
permutações possíveis de identidade e afiliação social. (STAM,
2003: 256)
Apesar disso, o dispositivo cinematográfico também ganha uma visão mais
flexível a partir da releitura feita por Jacques Aumont na metade da década de 1990,
em que se começa a considerar os dispositivos não mais como portadores de
essências. Eles sofrem um deslocamento em sua abordagem e perdem suas antigas
especificidades, como o simbólico, que era a ideologia das teses desconstrucionistas. O
conceito de dispositivo não deixou de existir no contexto teórico contemporâneo, mas
35
O conceito de dispositivo cinematográfico surge na década de 1970, entre os teóricos estruturalistas
franceses (Jean-Louis Baudry, Christian Metz e Thierry Kuntzel), para definir a disposição particular que
caracteriza a condição do espectador de cinema. Baudry em seus dois ensaios Efeitos Ideológicos
Produzidos pelo Aparelho de Base (1970) e Dispositivo: Aproximações Metapsicológicas da Impressão de
Realidade (1975) defende que o filme não depende unicamente da organização discursiva, mas do
dispositivo do cinema como: a câmera, a moviola, o projetor, a sala escura e a projeção vinda por trás
do espectador que estará imóvel, sem falar, totalmente entregue ao que lhe é apresentado.
106
ele subsiste com graus de fixidez menores, com limites não tão definidos entre um
dispositivo e outro, e com a abertura para que novas perspectivas se desenvolvam
quando um dispositivo é olhado pelo prisma de outro.
A partir do estudo da espectatorialidade, percebe-se que a história do cinema
não se restringe aos filmes, suas equipes e processos de realização. Ela se estende aos
diferentes sentidos gerados por cada espectador, e o mais interessante é que uma
mesma pessoa pode interpretar um mesmo filme de formas totalmente diversas de
tempos em tempos. A cada vez que se assiste a um filme associam-se a ele as
experiências vividas e os conhecimentos obtidos. Com o passar dos anos, novas
informações são adquiridas, seja através de uma instituição, de um livro, ou dos
inúmeros meios de comunicação. Dessa forma, algumas pessoas mais, outras menos
acabam por reformular alguns dos seus conceitos, passando a enxergar por um novo
viés algo que antes julgavam conhecer em sua plenitude, simplesmente pelo fato de
não serem capazes de “enxergar” o mesmo “objeto” pelo ângulo agora compreendido.
Essa mudança de foco, muito provavelmente, os conduzirão a uma apreciação com
novos valores e a uma percepção diferenciada do mesmo conteúdo narrativo. A
diversidade da espectatorialidade está vinculada a fatores como: as influências
culturais dos locais em que os filmes são exibidos; a época e o contexto histórico em
que se encontram as pessoas presentes à sessão; além dos pontos de vista pessoais e
subjetivos que conduzem a uma gama infinita de interpretações, possivelmente
relacionadas a questões raciais, religiosas e sociais.
Não existem leis nem regras capazes de delimitar grupos de espectadores. Não
nem mesmo condição de se estabelecer parâmetros que definam e diferenciem o
espectador branco do preto, o rico do pobre, o religioso do ateu, etc. A identificação
de um espectador com uma personagem, ou história, não se encontra somente no
reconhecimento de características afins. Não existem amarras capazes de engessar tais
afinidades, pois as respostas não se encontram somente nas características reais do
espectador (o que ele é), mas também nos desejos que o impulsionam (o que ele
gostaria de ser). Dessa forma, integrantes de um grupo oprimido podem sim torcer
pela vitória, no cinema, do grupo opressor, assim como membros de uma classe
107
abastada podem se identificar e emocionar com a luta dos menos favorecidos. Logo, o
estudo da espectatorialidade funciona muito mais como uma abertura para o
reconhecimento da multiplicidade perceptiva, sensorial e interpretativa concernente a
cada filme, do que como o estabelecimento de uma estrutura fechada a visar uma
divisão e organização de grupos cerrados e inflexíveis.
Até mesmo o processo de realização cinematográfica é capaz de nos comprovar
as diferentes visões e leituras possíveis. Uma mesma ideia, história, ou até um mesmo
roteiro, se produzida, filmada e finalizada por dois grupos distintos terá grandes
chances em constituir duas obras totalmente únicas. Quantas adaptações de Romeu e
Julieta existem espalhadas pelo mundo? E quantas tantas outras obras se utilizam da
mesma história escrita por Shakespeare sem necessariamente utilizar-se do mesmo
título? Seria uma árdua tarefa, quase impossível, chegar a uma quantidade precisa. No
entanto, não se precisaria ir tão longe para se encontrar exemplos dentro da
cinematografia brasileira, pois em 2008 tivemos duas nítidas releituras da história
shakespeariana, mesmo contendo suas especificidades: Maré, Nossa História de Amor,
filme escrito e dirigido por Lúcia Murat, com contribuição de Paulo Lins no roteiro, e ...,
o segundo longa com Breno Silveira na cadeira de diretor. Os dois trazem o conflito do
amor proibido para a realidade carioca. Murat ambienta todo o filme na favela da
Maré e na disputa entre duas facções rivais, num musical com ecos de Amor, Sublime
Amor (West Side History, Jerome Robbins e Robert Wise, 1961). Silveira, por sua vez,
traz seus protagonistas para a batida rivalidade entre favela e cidade, gerando alguns
momentos narrativos interessantes, mas alguns. Ambos pecam pelo exagero e
acabam por comprovar que nem sempre um bom argumento resulta num filme de
qualidade equivalente, comprovando que não só diferentes interpretações criadas
pelos espectadores ao assistirem a um filme como também as defendidas pela equipe
técnica que não deixam de ser indivíduos e, por isso, espectadores interferem na
composição estética e técnica da narrativa.
108
3.4 As diferentes percepções
A ideia originária deste estudo está nas diferentes percepções que são
indicadas pelas imagens, e podem ser ampliadas significativamente pelos sons. Cada
espectador ao assistir a um filme irá constituir uma significação própria, que poderá se
assemelhar à de outro espectador, poderá ter pontos de confluência e outros de
divergência, ou ainda, poderá ser totalmente desigual. Essas, e outras possibilidades,
comprovam que mesmo pessoas pertencentes a uma cultura semelhante, de uma
mesma geração, possuem percepções com grandes distinções, graças a suas
experiências de vida, às oportunidades abraçadas, aos conhecimentos adquiridos, etc.
Com o intuito de apontar essas hipóteses, uma pesquisa empírica fora realizada e as
interpretações confrontadas, assumindo, apesar do pequeno número de
entrevistados, a resposta da maioria como a percepção mais comum. Os significados e
reflexões expostos por cada entrevistado, a respeito de um mesmo objeto, em nosso
caso, um filme, poderia ser analisado de forma a desvendar traços específicos da
personalidade de cada um. No entanto, o que se busca aqui não é revelar o que está
por trás de cada pensamento, mas sim as multiplicidades de interpretações possíveis a
partir de uma mesma narrativa, principalmente, em uma história pautada
sobremaneira na construção sonora.
A relação individual entre espectador e filme com base em suas experiências
psicológicas, estéticas e perceptivas, ou seja, na subjetividade de cada olhar e escuta,
que traz consigo todas as afecções de um indivíduo é o principal foco dessa análise.
Assim sendo, partir-se-á de uma premissa muito próxima à de Münsterberg, em que “o
filme não existe nem na película nem na tela, mas somente no espírito que lhe
proporciona sua realidade” (AUMONT, 1995: 225). Sim, sem espectador não
percepções; sem percepções não sentido; sem sentido não história. O
espectador é, sem dúvida, uma das peças mais importantes para a concretude de um
filme. Ainda assim, é o maior responsável por todas as variações de sentido que uma
história possa sofrer. Não se pode, porém, deixar de se assinalar que existem também
recursos técnicos, utilizados na finalização cinematográfica, capazes de provocar e
despertar reações e percepções específicas. Através da decupagem, montagem,
109
movimento de câmera, efeitos digitais, ações e reações das personagens, ilusões
podem ser criadas com tamanha veracidade, que se torna quase impossível não
acreditar ou sentir as emoções que o realizador se propôs a plantar na “tela grande”.
Logo, a proposição de Münsterberg é interessante, mas não suficiente, pois existe
muito mais por trás da relação entre filmes e espectadores do que apenas o “espírito”
que lhe confere alguma verdade.
A partir de uma entrevista
36
com um grupo de cinco pessoas
37
realizada logo
após uma sessão do filme A Ostra e o Vento, será estabelecido um fio condutor a
demonstrar algumas diferenciações de sentido, dentre as inúmeras possíveis, quando
a questão a que se refere é a percepção auditiva. O processo de entrevista foi dividido
em quatro etapas, com nove questões no total. A primeira etapa foi composta por três
perguntas de cunho mais descritivo, com o objetivo de situar o foco perceptivo de
cada um. A etapa seguinte se destinou à compreensão da personagem Saulo e seu
desenvolvimento a partir de duas indagações. A terceira e, talvez, mais significativa
etapa se dispôs a investigar as percepções e reações que cada entrevistado teria em
situações semelhantes às vividas pelas personagens através de três questões. A etapa
final realizada com uma única interrogação foi a mais direta, mas nem por isso menos
reveladora. Uma coisa todas elas tiveram em comum: o intuito de desvendar o quão
relevante é a audição para cada um deles, o no cinema, como também em seu
dia-a-dia.
O início das entrevistas serviu como um termômetro para medir o grau de
atenção de cada espectador. As três perguntas a compor a primeira etapa foram
estabelecidas com a intenção de deflagrar a percepção de cada entrevistado, partindo
de uma “visão” geral para outra mais específica. Na primeira pergunta foi pedido para
36
A transcrição das entrevistas na íntegra se encontra nos anexos.
37
Os cinco entrevistados são pessoas reais, habitantes das cidades de Niterói e o Gonçalo no Estado
do Rio de Janeiro, são eles: Aline Laje Amarante, 24 anos, estudante de enfermagem; Carine Marie
Vasconcellos Sales, 16 anos, estudante secundarista; David do Nascimento Amarante, 27 anos, servidor
público, com formação em contabilidade e casado com Aline; Leandro Porciúncula Mônaco Flórido
Longo, 20 anos, técnico de segurança no trabalho; Liliane Amitrano de Alencar Imbassahy, 27 anos,
pedagoga. Pessoas comuns, sem nenhum envolvimento ou conhecimento profundo sobre a arte
cinematográfica. Espectadores livres de qualquer influência sobre o tema abordado assistiram ao filme
sem ter ideia das perguntas que lhes seriam feitas. A entrevista foi realizada de forma individual para
que as respostas de um não interferissem, nem impregnassem, nas do outro.
110
que eles fizessem um breve resumo da história; na segunda, deveriam apontar uma
cena, a que mais lhes marcara; na terceira questão, foram inquiridos pela percepção
de um som específico a lhes chamar a atenção. Dessa forma, pôde-se avaliar a
percepção geral de cada um e descobrir, a cada novo questionamento, onde se
fixaram suas atenções. Praticamente todos os entrevistados citaram, em seus
resumos, palavras como isolamento e solidão, ou descreveram situações prenhes
dessas ideias. “A gente claramente uma pérola presa dentro da ostra, querendo se
libertar.” (Liliane Imbassahy). Isso nos demonstra que o ponto central da história fora
apreendido. Por mais que cada um tenha seguido caminhos diferentes, gerado
significados distintos e, quem sabe, chegado a conclusões opostas, todos partiram de
uma mesma premissa e compreenderam a base da história. O mérito dessa comunhão
na compreensão do foco narrativo deve ser atribuído a todas as equipes do filme,
porém, principalmente ao Walter, por ter conseguido extrair o melhor de cada equipe
e visualizar o funcionamento na junção de todas as partes.
A segunda pergunta dessa primeira etapa, que consistia em apontar uma cena
marcante, começou a estabelecer algumas das diferenciações na percepção de cada
entrevistado. Alguns demonstraram uma atenção maior para as imagens, outros para
os sons, ou ainda para um misto entre som e imagem, mesmo que não tenham se
referido a um deles pontualmente. David e Aline, por exemplo, apontaram cenas mais
visuais. Para David, a cena que mais lhe impressionou foi quando Marcela desenha um
S na areia da praia para entrar em contato com Saulo: “Eu achei a imagem dessa cena
muito perfeita, muito legal! Eu nunca tinha visto a areia da praia com aquela textura!”.
Aline, estudante de enfermagem, nos deixou claro que seu foco durante o filme estava
direcionado para suas experiências com pacientes portadores de transtornos mentais
ao descrever uma cena que, segundo ela, lhe marcara pelo tom engraçado: foi quando
Marcela tenta reproduzir o voo de uma gaivota e Roberto começa a imitá-la em seus
movimentos e a produzir sons para chamar sua atenção. Leandro, por sua vez, citara
uma cena com teor tanto imagético, quanto sonoro, bem no final do filme, sem o
conhecimento de que ela faria parte de outra etapa da entrevista: “Quando ela viu que
o vento/Saulo não tinha o seu lado bom, tinha também o seu lado ruim.” Já Liliane
111
além de atentar para a música do início do filme, por lhe trazer à mente um clima de
suspense e terror, gêneros dos quais ela não se agrada, também indicou a ilha com
formato de rosto de mulher, por tê-la associado à imagem de Marcela emergindo do
mar. Por último, a sequência escolhida por Carine: uma cena forte, apesar de simples,
na qual seu diálogo e sua reflexão são um resumo de toda a história. Quando Marcela
questiona o que é feito com as cascas das ostras e expõe a sua vontade de guardá-las
para sempre em um vidrinho, por serem tão bonitas, em contraponto com o momento
seguinte, em que ela para, reflete e percebe ser exatamente o que seu pai tem feito a
ela todos esses anos na ilha. Uma cena que traz em sua essência a possível síntese da
história, ao confrontar a beleza aprisionada e sua libertação. É interessante perceber
que a única entrevistada a se revelar péssima em resumos foi a mesma a escolher uma
cena que melhor exprime a emoção por trás da vivência da sua personagem principal.
Para a última pergunta dessa etapa, na qual deveriam indicar uma sonoridade
que lhes tenham saltado a percepção, poder-se-ia esperar que as respostas fossem
unânimes, que o vento, além de ser uma personagem, se faz presente do início ao
fim do filme. No entanto, por mais que a grande maioria o tenha citado, mesmo não
de forma exclusiva, alguns outros sons foram destacados, como: o som do facão de
Roberto contra as correntes, presentes em sua cabana, num momento de fúria
despertada por José; e o som produzido por Roberto ao tentar imitar as gaivotas da
ilha. Essas percepções indicam também que, apesar da importância atribuída à
personagem Saulo, não necessariamente o seu som é o que mais desperta a atenção
dos espectadores, o que indica um caminho de atuação sutil e invisível, influenciando e
conduzindo percepções sem ser efetivamente notado.
Após extrair as primeiras impressões de cada espectador entrevistado, de
sentir como cada um se relacionou com a narrativa do filme de Lima Jr., inicia-se uma
nova etapa, na qual a intenção é perceber como a presença de uma personagem
“invisível” fora sentida por eles. Uma personagem que ganha corpo através do som e é
peça fundamental para conferir veracidade aos acontecimentos da trama. Saulo é o
responsável por concretizar o mundo imaginário criado por Marcela. Sem ele suas
“loucuras” não teriam a mesma força e sentido. Ao depositar no vento todas as suas
112
esperanças, desejos, incoerências e frustrações, Marcela nos deixa claro que seu
isolamento, principalmente, numa fase da vida pautada por descobertas e novas
percepções, acaba por lhe gerar uma angústia crescente, para qual a sua liberdade
seria o único remédio viável.
Nesse ponto todos tiveram praticamente a mesma opinião, quando
questionados sobre a interpretação que faziam da personagem Saulo e concordaram
que ele seria a válvula de escape de Marcela, sua libertação, seu momento de fuga de
um pai superprotetor, conduzindo todos à crença de que ele seria seu melhor amigo.
Essa opinião, entretanto, é refutada por David que o “vê” com outros ouvidos: Ele
parece um vilão, um espírito maligno, que perseguiu a mãe da Marcela e continua
perseguindo ela. Essa foi a ideia que eu tive.” Ele considerou que a personagem de
Saulo, na verdade, sempre fora interessada em destruir a família, utilizando-se,
provavelmente, da ingenuidade de Marcela, ao conquistar seu afeto desde menina,
com o único intuito de atingir seus objetivos. A sica inicial com certo clima de
suspense, citada por Liliane em sua entrevista, associada à voz sussurrada de Saulo,
talvez tenha contribuído para essa percepção maquiavélica. A exposição de uma
percepção como essa é muito interessante, pois reforça a teoria de que mesmo uma
construção de sentido considerada simples poderá ter desdobramentos bem
surpreendentes. Assistir ao filme com essa “visão”, do início ao fim, transformaria
Saulo em um ser frio e calculista, e tornaria seus momentos de doçura e serenidade
em dissimulações de uma realidade traiçoeira.
A pergunta seguinte da segunda etapa tentou buscar evidências perceptivas
que comprovassem as mudanças na atitude de Saulo. Diferentes nuanças foram
admitidas por todos, contudo a maioria se fixou somente nos dois comportamentos
extremos, na brisa e na tempestade, no amigo e no “monstro”. David, por exemplo,
afirma ter atentado para essa mudança na postura do Saulo graças à atuação da atriz
Leandra Leal, sem se referir à utilização sonora do vento em momento algum. Aline
foi a única a obter uma percepção diferenciada, verificando a existência de um
amante, sinuoso e conquistador, entre os dois polos existentes: “Sim, no início ele era
seu amiguinho, aquele companheiro que não a deixava na mão, que conversava com
113
ela. [...] Com o passar do tempo, ele foi se tornando um namorado, um homem em sua
vida, e depois o agente de uma obsessão.” Como o revelado por Aline, é o Saulo
amante quem potencializa a necessidade de Marcela se livrar do pai e suas imposições.
A vontade de sair da ilha e conhecer outras pessoas, reforçada pelas alucinações de
um amante invisível, torna insustentável a relação mantida entre José e Marcela. Logo,
a não percepção de um Saulo amante pode não comprometer significativamente o
entendimento final da história, mas, provavelmente, dificulta a compreensão de uma
evolução nos sentimentos da personagem que a conduzem de forma gradativa até o
ponto do qual ela não conseguirá mais voltar atrás.
Findada a segunda etapa, a seguinte inicia-se com o propósito de ampliar o
caráter do estudo na direção da percepção auditiva. Nela o foco encontrar-se-á mais
presente nas reações das personagens a estímulos relacionados à audição, e a
interpretação dos entrevistados para cenas em que o som, ou sua ausência, torna-se
essencial, numa influência sutil e ao mesmo tempo poderosa. Os trechos utilizados
para tal análise foram: a suposta traição da mãe de Marcela; a aceitação de José a uma
audição por ele não percebida e o arrependimento de Marcela diante de um Saulo
violento e incontrolável.
Ao serem inquiridos quanto à motivação que teria levado José a matar sua
própria esposa as hipóteses elaboradas foram as mais variadas, o que se justifica pela
falta de uma comprovação na imagem. A cena que nos é apresentada não nos revela o
real motivo, mas como muitos citaram, o som induz o espectador a acreditar que ela o
teria traído. No entanto, como em tudo que não é visto, somente ouvido, diferentes
interpretações surgem devido às associações sonoras produzidas por cada um. Para
David, a esposa teria enlouquecido, por não suportar mais viver isolada e, com isso,
criado um amigo imaginário assim como a filha num passado mais recente –, do qual
José se sente enciumado. Para Carine, quem enlouquece é José, que imagina estar
sendo traído por sua mulher, e s, espectadores, acompanhamos essa “visão”.
Porém, em determinado momento da entrevista ela chega a afirmar que José a teria
surpreendido com outro homem: “É isso que o filme nos leva a acreditar, pois numa
cena ele assiste à mulher se agarrando com outro cara”, confusão típica da mistura de
114
percepções, a qual nos ajuda a comprovar que alguns estímulos sonoros irão nos
encaminhar a uma representação imagética armazenada em nossa memória. Para
Aline, na verdade, José não queria que sua esposa fosse feliz, ele não suportava ouvir
os risos dela, e que a traição estaria somente na cabeça de alguns, apesar de o filme
induzir claramente para esse raciocínio. Sua interpretação surge por conta da
semelhança entre o som de riso escutado por ele quando ela estava no quarto com a
filha, e o som feito por ela no momento seguinte, no qual nada é visto por ele, que
julga estar sendo traído, mas poderia não estar. E por que não? Leandro preferiu não
arriscar um palpite diferente da condução mais óbvia e se manteve de acordo com a
percepção de que José teria sido traído, graças aos sons escutados e ao fato declarado
de sua esposa não aguentar mais viver presa e isolada. Liliane, apesar de afirmar
inicialmente que ela o teria traído “Pelo que me lembro ela foi com um cara pra
dentro da cabana” –, cogita também a hipótese de José ter imaginado tudo. Todas
essas percepções, apesar de suas semelhanças, carregam nuanças que demonstram a
linha de raciocínio de cada espectador entrevistado. Todos, principalmente por conta
do som, acreditam que o causador de toda situação foi o ciúme de José em
consequência de uma possível traição, mas cada um apresenta, a seu jeito, um
desenvolvimento possível para o mesmo fim, comprovando as inúmeras vertentes
interpretativas a partir de uma cena embasada no espaço sonoro fora da tela,
tornando real o que não é visto.
Quando na pergunta seguinte foram inquiridos se agiriam como José ao serem
comunicados por Marcela da existência de um navio naufragando perto dos corais, em
meio a uma forte tempestade, a maioria foi enfática e respondeu que não, com a
exceção de Leandro e Liliane. Os que negaram ajuda, afirmaram preferir se certificar
sobre a veracidade da história narrada pela filha antes de se arriscarem, pois apesar de
se tratar de um pedido de sua filha, não entrariam no mar naquelas condições a não
ser se tivessem alguma percepção visual ou auditiva que os comprovasse o ocorrido.
Leandro e Liliane, no entanto, contrariaram toda a lógica e disseram que agiriam tal
qual José por confiar em sua própria filha. Leandro vai um pouco além e afirma que o
faria, principalmente, por perceber que a menina não estava muito bem e precisava de
115
ajuda, algo que ele jamais negaria. Essa é uma situação em que se confrontada a
confiança “cega e surda” em uma outra pessoa contra o crédito que depositamos em
nossas percepções particulares. Até que ponto nós somos capazes de abrir mão do que
vemos e ouvimos para acreditarmos no que os outros nos dizem? Nossas percepções
são únicas, isso é fato, mas será que devemos nos arriscar pela percepção de outrem?
Dar uma maior atenção às nossas percepções, antes de qualquer coisa, é valorizar mais
a nossa atenção à vida.
Na última pergunta da terceira etapa, em relação à reação de Marcela no
momento em que ela demonstra se arrepender de ter mentido para o pai, enviando-
lhe para uma armadilha fatal, novamente uma quase unanimidade. A grande
maioria atribui a Saulo e sua postura não muito amigável a responsabilidade pelo
“despertar” de Marcela, ao perceber que ele, assim como todas as outras “pessoas”,
possui um lado ruim. Porém, dentro da visão de Aline, que estuda os distúrbios
mentais, a oscilação entre loucura e lucidez é muito comum, e dentro dessas
mudanças repentinas, uma pessoa como a Marcela pode perceber o erro cometido e
tentar voltar atrás. A partir dessa interpretação, Marcela teria agido sem a real
intenção de matar o pai, de forma inconsciente e sem maldade, conduzida por um
impulso gerado ao longo dos anos devido à intransigência de José, transformando a
ilha numa prisão sem muros. Essa é uma interpretação possível, que retira de Marcela
ou Saulo qualquer responsabilidade sobre o ato praticado, depositando-a sobre uma
patologia. Como o comprovado aqui, diferentes experiências de vida conduzem a
pensamentos e associações que levarão a percepções distintas.
Para encerrar o processo de pesquisa e confronto entre percepções, a última
etapa da entrevista, composta de uma única pergunta, foi a mais direta de todas. Nela
a questão aventada era se o som contribuíra de alguma forma para a construção de
sentido no filme A Ostra e o Vento. Mais uma vez, praticamente todos acordaram que
o trabalho de sonorização fora de fundamental importância e citaram, de forma
unânime, a importância da construção sonora de Saulo. Aline ainda afirmara que não
só o som como também o cenário foram imprescindíveis para proporcionar veracidade
à história. Por outro lado, Leandro dissera não ter percebido um grande mérito a ser
116
atribuído a sonorização. Uma grande demonstração a reiterar que – mesmo após
terem passado por uma entrevista a evidenciar toda uma construção sonora a
conduzir, de forma sutil, a “enxergar” questões muito além dos limites impostos pelas
imagens ainda é possível haver divergências quanto à importância do uso do som no
cinema e, principalmente, quanto às ações, pensamentos e reflexões associados a tudo
o que nos atravessa em forma de onda sonora.
117
“Esta reflexão em curso não visa estabelecer
um saber histórico, mas definir uma prática.”
François Albera
38
Conclusão
Ainda muito por fazer para o som voltar a ocupar o lugar de destaque que
lhe é de direito na percepção das pessoas. Lugar que fora perdido ao longo dos
séculos, numa troca gradativa de sua importância pela da imagem. A percepção
auditiva não complementa a visual como permite que ela alcance patamares
inatingíveis sem sua contribuição. O som confere a imagem o tom abstrato do qual ela
se ressente em não possuir. A questão suscitada não é pelo pouco mérito outorgado
ao som, ou pela superioridade conferida à imagem, mas sim da necessidade de se
estabelecer um valor equiparável entre ambos, num reconhecimento fiel de suas
qualidades.
O estudo realizado veio a confirmar o quanto somos influenciados pelos sons
em nosso dia-a-dia. Uns empregam a essa percepção uma maior atenção, outros são
conduzidos sem nem reparar tal fato. A falta de uma percepção sonora consciente não
impede que por ela sejamos atravessados, nem que compreendamos e interpretemos
as informações e sensações por ela transmitidas. Entretanto, ter a consciência de sua
relevância nos proporciona analisar mais profundamente suas mensagens, que para
muitos soam como subliminares. Basta apenas uma inspeção mais atenta para
percebermos que todas as informações das quais necessitávamos sempre estiveram
38
Original traduzido pelo autor: “Cette réflexion en acte ne vise pas à établir um savoir historique mais à
définir une pratique.” (ALBERA, 2004:45)
118
no local em que deveriam estar. Logo, o nível de atenção dispensado, por cada um de
nós a percepção auditiva, irá influenciar na significação atribuída aos objetos sonoros
percebidos, permitindo diferentes interpretações, levando a conclusões distintas e,
consequentemente, a ações e reações específicas. Porém, a atenção à vida não é o
único fator a contribuir com tais variações perceptivas.
O que nos move? Todos nós temos objetivos em nossas vidas. Eles são
constituídos por nossos desejos e experiências e dão corpo as indeterminações do
nosso querer e memórias. Nossas percepções recebem suas influências e a partir deles
geram seus significados. Nossos pensamentos e ações estão prenhes de nossas
intenções e espelham nossa conduta moral. Cada interpretação atribuída a um som
e/ou imagem demonstra o que carregamos em nosso interior: crenças, julgamentos,
afinidades, expectativas. A sonorização cinematográfica pode tanto contribuir para o
despertar de algumas destas sensações, como nos fazer enxergar algo por um novo
prisma: tudo depende do quão arraigados estamos às nossas convicções, ou se
estamos abertos para “enxergarmos o novo”.
O cinema é uma arte que mexe com as emoções e impulsiona os sonhos de
milhares espectadores pelo mundo a fora, conduzindo-os a experimentar realidades
das mais diferentes possíveis em que as únicas regras estabelecidas se encontram no
subconsciente de cada um. A maioria dos estudos e das teorias realizados sobre a
sétima arte sempre buscou criar regras e fórmulas em seu processo de criação,
seguindo na contramão da liberdade existente em nossas percepções, com o intuito de
se alcançar um controle sobre a sensação e a interpretação gerada por cada um, sem
atentar para as inúmeras vertentes apontadas neste e noutros estudos. Não é preciso
ir muito longe para percebermos isso, as respostas encontram-se do nosso lado: “A
paisagem sonora mundial é uma composição indeterminada, sobre a qual não temos
controle, ou seremos nós, os seus compositores e executantes, encarregados de dar-
lhes forma e beleza?” (SCHAFER, 2001:19). Assim como na paisagem sonora, o cinema
se dividido em duas partes: uma sobre a qual podemos influir e nos tornar
participantes de sua orquestração (edição sonora), outra na qual somos meros
espectadores e a ela atribuímos exclusivamente nossa visão e valores através de uma
119
percepção distinta, apesar da possibilidade de existir semelhanças entre algumas. À
primeira todo o controle é possível, pois, depende de nós, todos os sons que
produzimos. À última apenas podemos reagir, somos meros espectadores e, por mais
que os editores de som tentem controlar e conduzir nossas percepções as respostas
nunca serão unânimes.
Antes de se iniciar o processo de perguntas a respeito do filme A Ostra e o
Vento, Aline Amarante, uma das que se dispusera a contribuir com a pesquisa,
levantou algumas questões a respeito do meu projeto, interessada em saber do que se
tratava e, provavelmente, acreditando que assim poderia contribuir mais ativamente.
Vi-me na obrigação a rechaçá-las de imediato, para não correr o risco de influenciar
suas respostas. Após a realização da entrevista, entretanto, resolvi lhe contar sobre
qual temática o meu estudo se baseava. Surpresa, ela afirmara ter respondido coisas
que nada tinham a ver com o foco da dissertação e, mais uma vez, fui obrigado a
retrucá-la, afirmando ter obtido em suas respostas o conteúdo exato de que minha
análise precisava para ser concluída. Sem entender como uma pessoa, que nenhum
conhecimento tinha sobre o que eu acabara de lhe relatar, poderia ser útil, ela acabara
se conformando quando lhe revelei meu verdadeiro objetivo: coletar as percepções de
espectadores comuns, cujas significações partissem de suas experiências singulares e
não de um conhecimento específico sobre a sonorização no cinema, que a
comprovação desejada não se encontraria em relatos técnicos.
Mesmo com o reduzido número de pessoas entrevistadas, as respostas obtidas
foram variadas o suficiente para se comprovar a grande probabilidade de múltiplas
interpretações possíveis a serem alcançadas. O filme de Lima Jr. fora percebido de
formas tão distintas que Saulo chegara a ser comparado a um espírito maligno a
assombrar toda a família, o que é possível graças à sonorização e à tangibilidade
fictícia conferida a uma personagem existente apenas na abstração de Marcela. O
cuidado com o som e sua concepção permitiu também afirmativas de terem visto a
traição da personagem de Débora Bloch sem que isto tivesse sido mostrado através de
imagens, mas sim, sugerido apenas pelos sons de uma percepção afetada, de um José
ciumento e possessivo. Em qualquer análise elaborada sobre o som dos filmes, com
120
um caráter um pouco mais minucioso e atento, poderá se comprovar a existência de,
ao menos, uma construção empenhada em orientar o espectador a assimilar uma
interpretação específica, mesmo que essa indução nem sempre alcance seu objetivo.
Em minha modesta contribuição, parti dos estudos sobre memória e percepção
de Bergson para associá-los às teorias do som e da escuta, conforme as desenvolvidas,
principalmente, por Schaffer, Sacks e Chion, com a intenção de fazer justiça e devolver
ao som, ao menos, a atenção desviada ao longo dos últimos séculos. O grande
desenvolvimento tecnológico digital ocorrido nas últimas décadas, passando por um
acelerado crescimento nos últimos anos, tem contribuído muito para uma renovação
da percepção sonora no cinema, não só por permitir uma maior imersão auditiva
quanto pelo aprimoramento na qualidade da reprodução sonora, o que gerou um
maior interesse por parte de alguns. Entretanto, se não houver uma conscientização
de produtores, diretores, editores e, sobretudo, espectadores, para a importância da
sonorização fílmica, muitas oportunidades de sonorização criativa e inteligente serão
perdidas, assim como o interesse por estudos dessa área.
A leitura e o estudo detalhado de autores cruciais para o entendimento
moderno das potencialidades do som no audiovisual incentivaram a fazer
questionamentos e levantar hipóteses que ajudaram a desvendar possibilidades, até
então, ignoradas por mim. A associação entre arte, ciência e filosofia compôs uma
tríplice ferramenta de muita utilidade nas análises da escuta e da percepção auditiva,
conferindo às questões aventadas todo o embasamento necessário e fundamental a
compreensão das ideias propostas. Com eles a pesquisa ganhara novas cores e
permitira a consolidação de novos matizes.
As múltiplas sensações provocadas nos espectadores comuns, ao confrontarem
imagens e sons com suas lembranças mais íntimas, podem despertar intenções das
mais diferenciadas possíveis, o que influencia e impulsiona uma relação tanto afetuosa
quanto crítica. Desta forma, enquanto uns podem se sentir atraídos por determinadas
narrativas, outros correm o risco de não se agradar e não saber explicar o porquê, nem
mesmo ter condições de atribuir a este ou aquele fator o seu descontentamento, pois
apenas sentem que algo não se encaixou, ou não respondeu às suas expectativas. Em
121
primeiro lugar, falta a essas pessoas o embasamento necessário para um “olhar”
distanciado, livre do emocional, mas talvez falte também a abertura para perceberem
o “novo” e o “diferente” com a mesma disposição com que se direcionam aos seus
interesses, pois assim se é capaz de descobrir e apreender algo além do que toca a
nossa primeira impressão.
Som e imagem, percepção e memória, aliados a uma utilização inteligente de
suas potencialidades na arte cinematográfica, moldados com a consciência da
pluralidade de respostas que encontrarão pelo caminho, são, sem dúvida, ferramentas
importantes na construção de sensações e sentidos. Instrumentos que conduzem os
espectadores em suas viagens internas, e contribuem com suas significações, nos
permitindo ver com ouvidos e ouvir com outros sentidos.
1
22
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min.)
Direção e produção: Stanley Kubrick. Roteiro: Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke.
Fotografia: Geoffrey Unsworth. Montagem Ray Lovejoy. Edição de som: Winston
Ryder. Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Daniel Richter,
Leonard Rossiter, Margaret Tyzack, Robert Beatty, Sean Sullivan.
Amor, Sublime Amor (West Side History, EUA, 1961, 152 min.)
Direção: Jerome Robbins e Robert Wise. Produção: Robert Wise. Roteiro: Jerome
Robbins e Arthur Laurents. Fotografia: Daniel L. Fapp. Montagem: Thomas
Stanford. Edição de som: Gilbert D. Marchant. Elenco: Natalie Wood, Richard
Beymer, Russ Tamblyn, Rita Moreno, George Chakiris, Simon Oakland.
Apocalypse Now (EUA, 1979, 153 min.)
Direção e produção: Francis Ford Coppola. Roteiro: John Milius e Francis Ford
Coppola. Fotografia: Vittorio Storaro. Montagem: Lisa Fruchtman, Gerald B.
Greenberg e Walter Murch. Edição de som: Walter Murch. Elenco: Marlon
Brando, Martin Sheen, Robert Duvall, Frederic Forrest, Laurence Fishburne,
Albert Hall, Harrison Ford, Dennis Hopper.
Batismo de Sangue (Brasil, 2006, 110 min.)
Direção: Helvécio Ratton. Produção: Simone Magalhães e Helvécio Ratton.
Roteiro: Dani Patarra. Fotografia: Lauro Escorel. Montagem: Mair Tavares. Edição
de som: Maria Muricy. Elenco: Caio Blat, Daniel de Oliveira, Léo Quintão, Odilon
Esteves, Ângelo Antônio, Cássio Gabus Mendes.
127
Batman, O Retorno (Batman Returns, EUA e Inglaterra, 1992, 126 min.)
Direção: Tim Burton. Produção: Tim Burton e Denise Di Novi. Roteiro: Daniel
Waters. Fotografia: Stefan Czapsky. Montagem: Bob Badami e Chris Lebenzon.
Edição de som: John Dunn, Julia Evershade e Warren Hamilton Jr.. Elenco:
Michael Keaton, Danny DeVito, Michelle Pfeiffer, Christopher Walken, Michael
Gough.
Bicho de Sete Cabeças (Brasil, 2001, 74 min.)
Direção: Laís Bodanzky. Produção: Luiz Bolognesi, Caio Gullane, Marco Mueller e
Sara Silveira. Roteiro: Luiz Bolognesi. Fotografia: Hugo Kovensky. Montagem:
Letizia Caudullo e Jacopo Quadri. Edição de som: Silvia Moraes. Elenco: Rodrigo
Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Daniela Nefussi, Caco Ciocler, Gero Camilo.
Cantor de Jazz, O (The Jazz Singer, EUA, 1927, 88 min.)
Direção: Alan Crosland. Roteiro: Samson Raphaelson, Alfred A. Cohn. Fotografia:
Hal Mohr. Montagem: Harold McCord. Engenheiro de som: Harvey Cunningham
e George Groves. Elenco: Al Jolson, May McAvoy, Warner Oland, Eugenie
Besserer, Otto Lederer.
Céu de Estrelas, Um (Brasil, 1996, 70 min.)
Direção e produção: Tata Amaral. Roteiro: Jean-Claude Bernardet, Márcio Ferrari
e Roberto Moreira. Fotografia: Hugo Kovensky. Montagem: I Lacreta. Edição
de som: João Godoy e Eduardo Santos Mendes. Elenco: Leona Cavalli, Paulo
Vespúcio, Néa Simões, Lígia Cortez.
Chega de Saudade (Brasil, 2008, 95 min)
Direção: Laís Bodanzky. Produção e roteiro: Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi.
Fotografia: Walter Carvalho. Montagem: Paulo Sacramento. Supervisão de
edição de som: Alessandro Laroca. Elenco: Leonardo Villar, Tônia Carrero, Cássia
Kiss, Betty Faria, Stepan Nercessian, Maria Flor, Paulo Vilhena.
Cheiro do Ralo, O (Brasil, 2006, 112 min.)
Direção: Heitor Dhalia. Produção: Marcelo Doria, Joana Mariani, Rodrigo
Teixeira. Roteiro: Marçal Aquino e Heitor Dhalia. Fotografia: José Roberto Eliezer.
Montagem: Pedro Becker e Jair Peres. Supervisão de edição de som: Alessandro
Laroca. Elenco: Selton Mello, Paula Braun, Alice Braga.
Cinerama Adventure (EUA, 2002, 93 min.)
Direção, roteiro e montagem: David Strohmaier. Produção: Randy Gitsch e David
Strohmaier. Fotografia: Gerald Saldo. Edição de som: Keren Falkenstein. Elenco:
Eli Wallach, Russ Tamblyn, Carroll Baker, Rudy Behlmer, Alex Reeves.
128
Conceição – Autor Bom É Autor Morto (Brasil, 2007, 78 min.)
Direção: Daniel Caetano, Samantha Ribeiro, André Sampaio, Guilherme
Sarmiento e Cynthia Sims. Roteiro: Daniel Caetano e Guilherme Sarmiento.
Produção: Daniel Caetano. Fotografia: Márcio Menezes. Montagem: André
Sampaio. Edição de Som: Luís Eduardo Carmo. Elenco: Augusto Madeira, Jards
Macalé, Isabel Tomaghi, Thelmo Fernandes, Vera Barreto Leite.
Contra Todos (Brasil, 2003, 96 min.)
Direção e roteiro: Roberto Moreira. Produção: Geórgia Costa Araújo, Andrea
Barata Ribeiro, Bel Berlinck, Fernando Meirelles, Roberto Moreira. Fotografia:
Adrian Cooper. Montagem: Mirella Martinelli. Edição de som: Eduardo Santos
Mendes. Elenco: Leona Cavalli, Sílvia Lourenço, Ailton Graça, Giulio Lopes.
Don Juan (EUA, 1926, 167 min.)
Direção: Alan Crosland. Roteiro: Bess Meredyth. Fotografia: Byron Haskin.
Montagem: Harold McCord. Engenheiro de som: George Groves. Elenco: Jane
Winton, John Roche, Warner Oland, Estelle Taylor.
Era uma Vez... (Brasil, 2008, 117 min.)
Direção: Breno Silveira. Produção: Pedro Buarque de Hollanda e Breno Silveira.
Roteiro: Patrícia Andrade. Fotografia: Dudu Miranda e Paulo Souza. Montagem:
Eduardo Hartung. Supervisão de edição de som: Alessandro Laroca. Elenco:
Thiago Martins, Vitória Frate, Rocco Pitanga, Paulo César Grande.
Era uma Vez na América (Once Upon a Time in America, EUA e Itália, 1984, 229 min.)
Direção: Sergio Leone. Produção: Arnon Milchan. Roteiro: Sergio Leone,
Leonardo Benvenuti, Piero De Bernardi, Enrico Medioli, Franco Arcalli e Franco
Ferrini. Fotografia: Tonino Delli Colli. Montagem: Nino Baragli. Edição de som:
Jean-Pierre Ruh. Elenco: Robert De Niro, James Woods, Treat Williams, James
Hayden, Joe Pesci, Larry Rapp, Elizabeth McGovern, Tuesday Weld.
Guerra nas Estrelas (Star Wars, EUA, 1977, 121 min.)
Direção e roteiro: George Lucas. Produção: Gary Kurtz. Fotografia: Gilbert Taylor.
Montagem: Richard Chew, Paul Hirsch e Marcia Lucas. Edição de som: Gene
Corso, Gordon Davidson e Robert R. Rutledge. Elenco: Mark Hamill, Harrison
Ford, Carrie Fisher, Alec Guinness, Anthony Daniels, Kenny Baker.
Invasor, O (Brasil, 2002, 97 min.)
Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal
Aquino, Beto Brant e Renato Ciasca. Fotografia: Toca Seabra. Montagem: Manga
Campion. Edição de som: Roberto Ferraz. Elenco: Marco Rica, Alexandre Borges,
Paulo Miklos, Mariana Ximenes, Malu Mader.
129
Isto É Cinerama (This is Cinerama, EUA, 1952, 116 min.)
Direção: Merian C. Cooper, Gunther von Fritsch, Ernest B. Schoedsack, Michael
Todd Jr. Produção: Merian C. Cooper e Robert L. Bendick. Fotografia: Harry
Squire. Montagem: William Henry e Milton Shifman.
Jogo Subterrâneo (Brasil, 2005, 107 min.)
Direção: Roberto Gervitz. Produção: Francisco Ramalho Jr. Roteiro: Roberto
Gervitz e Jorge Durán. Fotografia: Lauro Escorel. Montagem: Manga Campion.
Edição de som: Eduardo Virmond Lima, Fernando Lobo e Geraldo Ribeiro. Elenco:
Felipe Camargo, Maria Luiza Mendonça, Julia Lemmertz, Daniela Escobar.
Lavoura Arcaica (Brasil, 2001, 163 min.)
Direção, produção, roteiro, montagem e edição de som: Luiz Fernando Carvalho.
Fotografia: Walter Carvalho. Elenco: Selton Mello, Raul Cortez, Simone
Spoladore, Leonardo Medeiros, Caio Blat, Juliana Carneiro da Cunha.
Lisztomania (Inglaterra, 1975, 103 min.)
Direção e roteiro: Ken Russell. Produção: Roy Baird e Roy Baird. Fotografia: Peter
Suschitzky. Montagem: Stuart Baird. Edição de som: John Forsyth. Elenco: Roger
Daltrey, Sara Kestelman, Paul Nicholas, Ringo Starr, Rick Wakeman.
Luzes de Nova York, As (The Lights of New York, EUA, 1928, 57 min.)
Direção e produção: Brian Foy. Roteiro: Murray Roth e Hugh Herbert. Fotografia:
Edwin B. DuPar. Montagem: Jack Killifer. Engenheiro de som: Harvey
Cunningham. Elenco: Helene Costello, Cullen Landis, Mary Carr, Wheeler
Oakman, Gladys Brockwell.
M, o Vampiro de Düsseldorf (M, Alemanha, 1931, 117 min.)
Direção: Fritz Lang. Produção: Seymour Nebenzal. Roteiro: Thea von Harbou e
Fritz Lang. Fotografia: Fritz Arno Wagner. Montagem: Paul Falkenberg. Elenco:
Peter Lorre, Ellen Widmann, Inge Landgut, Otto Wernicke, Theodor Loos, Gustaf
Gründgens.
Manto Sagrado, O (The Robe, EUA, 1953, 135 min.)
Direção: Henry Koster Produção: Frank Ross. Roteiro: Philip Dunne. Fotografia:
Leon Shamroy. Montagem: Barbara McLean. Elenco: Richard Burton, Jean
Simmons, Victor Mature, Michael Rennie, Jay Robinson, Dean Jagger, Torin
Thatcher, Richard Boone, Ernest Thesiger.
130
Maré, Nossa História de Amor (Brasil, França e Uruguai, 2008, 104 min.)
Direção e produção: Lúcia Murat. Roteiro: Paulo Lins e Lúcia Murat. Fotografia:
Lúcio Kodato. Montagem: Júlia Murat e Mair Tavares. Edição de som: Simone
Petrillo. Elenco: Cristina Lago, Vinícius D'Black, Marisa Orth, Malu Galli, Flavio
Bauraqui.
Mutum (Brasil e França, 2007, 95 min.)
Direção: Sandra Kogut. Produção: Laurent Lavolé, Isabelle Pragier e Flávio R.
Tambellini. Roteiro: Ana Luiza Martins Costa e Sandra Kogut. Fotografia: Mauro
Pinheiro Jr.. Montagem: Sérgio Mekler. Edição de som: Eduardo Pop, Thomas
Robert, Sérgio Mekler, Waldir Xavier. Elenco: Thiago da Silva Mariz, Wallison
Felipe Leal Barroso, João Miguel, Izadora Fernandes, Rômulo Braga.
Ostra e o Vento, A (Brasil, 1997, 112 min.)
Direção: Walter Lima Jr. Produção: Flávio R. Tambellini. Roteiro: Flávio R.
Tambellini e Walter Lima Jr. Fotografia: Pedro Farkas. Montagem: Johnny Jardim.
Edição de som: Tom Paul. Elenco: Lima Duarte, Fernando Torres, Leandra Leal,
Floriano Peixoto, Castrinho, Débora Bloch.
Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, EUA, 1993, 127 min.)
Direção: Steven Spielberg. Produção: Kathleen Kennedy e Gerald R. Molen.
Roteiro: Michael Crichton e David Koepp. Fotografia: Dean Cundey. Montagem:
Michael Kahn. Edição de som: Richard Hymns. Elenco: Sam Neill, Laura Dern, Jeff
Goldblum, Richard Attenborough.
Playtime (França e Itália, 1967, 124 min.)
Direção: Jacques Tati. Produção: Bernard Maurice. Roteiro: Jacques Lagrange e
Jacques Tati. Fotografia: Jean Badal e Andréas Winding. Montagem: Gérard
Pollicand. Edição de som: Maurice Laumain. Elenco: Jacques Tati, Georges
Montant, Erika Dentzler, Barbara Dennek, Rita Maiden.
Poderoso Chefão, O (The Godfather, EUA, 1972, 175 min.)
Direção: Francis Ford Coppola. Produção: Albert S. Ruddy. Roteiro: Mario Puzo e
Francis Ford Coppola. Fotografia: Gordon Willis. Montagem: William Reynolds e
Peter Zinner. Consultor de edição de som: Walter Murch. Elenco: Marlon Brando,
Al Pacino, James Caan, Richard S. Castellano, Robert Duvall.
Quero Ser John Malkovich (Being John Malkovich, EUA, 1999, 112 min.)
Direção: Spike Jonze. Produção: Steve Golin, Vincent Landay, Sandy Stern,
Michael Stipe. Roteiro: Charlie Kaufman. Fotografia: Lance Acord. Montagem:
Eric Zumbrunnen . Edição de som: Elliott Koretz. Elenco: John Cusack, Cameron
Diaz, John Malkovich, Catherine Keener, Ned Bellamy, Eric Weinstein.
131
Salve-se Quem Puder - A Vida (Sauve Qui Peut (la vie), França, Austria, Alemanha
Ocidental e Suiça, 1980, 87 min.)
Direção: Jean-Luc Godard. Produção: Alain Sarde e Jean-Luc Godard. Roteiro:
Anne-Marie Miéville e Jean-Claude Carrière. Fotografia: Renato Berta, William
Lubtchansky e Jean-Bernard Menoud. Montagem: Jean-Luc Godard e Anne-
Marie Miéville. Elenco: Isabelle Huppert, Jacques Dutronc, Nathalie Baye, Roland
Amstutz Cécile Tanner.
Tropa de Elite (Brasil, Holanda, EUA, 2007, 115 min.)
Direção: José Padilha. Produção: José Padilha e Marcos Prado. Roteiro: Bráulio
Mantovani, José Padilha e Rodrigo Pimentel. Fotografia: Lula Carvalho.
Montagem: Daniel Rezende. Edição de som: Alessandro Laroca. Elenco: Wagner
Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Maria Ribeiro, Fernanda Machado,
Fernanda de Freitas.
Último Grande Herói, O (Last Action Hero, EUA, 1993, 130 min.)
Direção: John McTiernan. Produção: Stephen J. Roth e John McTiernan. Roteiro:
Shane Black e David Arnott. Fotografia: Dean Semler. Montagem: Richard A.
Harris e John Wright. Edição de som: Jerry Ross. Elenco: Arnold Schwarzenegger,
F. Murray Abraham, Austin O'Brien, Art Carney, Charles Dance.
Via Láctea, A (Brasil, 2007, 86 min.)
Direção e produção: Lina Chamie. Roteiro: Lina Chamie e Aleksei Abib.
Fotografia: Kátia Coelho. Montagem: André Finotti. Edição de som: Cauê
Custódio. Elenco: Marco Ricca, Alice Braga e Fernando Alves Pinto.
Woman Scorned, A (EUA, 1911, 18 min.)
Direção: D. W. Griffith. Roteiro: George Hennessy. Fotografia: G.W. Bitzer.
Elenco: Claire McDowell, Wilfred Lucas, Alfred Paget, Frank Evans.
132
Anexo
Transcrição das entrevistas sobre o filme A Ostra e o Vento:
Nome: Aline Laje Amarante
Profissão: Acadêmica de enfermagem
Idade: 24 anos
1ª etapa: Definição do foco de atenção
Faça um resumo do filme: “É uma garota solitária. Ela foi retirada da sociedade e
isolada numa ilha, com um pai superprotetor, o qual passou por uma traição uma
suposta traição, porque eu não vi isso , e ela é atormentada o tempo todo pela
própria imaginação.”
Qual a cena mais marcante? “Difícil! O filme é chato. A história é até interessante,
ainda mais para o meu meio. Eu estou envolvida com transtornos mentais, mas...” Não
teve nenhuma cena que chamasse a atenção? “Várias cenas dela (Marcela). uma
cena engraçada: a dela imitando pássaro e ele (Roberto) vindo atrás, para imitar
também (risos).”
133
Teve algum som que tenha chamado a sua atenção? “O pássaro dele (Roberto). O
barulho que ele fez foi horrível. Fora o vento que se mostrou muito presente. Toda vez
que se falava no Saulo, tinha aquele som de vento muito forte.”
2ª etapa: A personagem Saulo
Qual a sua interpretação para a personagem Saulo? “Foi a forma que a Marcela
encontrou para fugir da solidão, fugir da superproteção do pai dela. Ela encontrou na
loucura um meio pra sobreviver.”
Você conseguiu perceber variações no comportamento de Saulo? “Sim, no início ele
era seu amiguinho, aquele companheiro que não a deixava na mão, que conversava
com ela. Era como se ele fosse um amigo, ou mesmo a mãe que ela perdeu. Com o
passar do tempo, ele foi se tornando um namorado, um homem em sua vida, e depois
o agente de uma obsessão. No final ele a estava deixando realmente louca, não era
mais aquele amiguinho imaginário.”
3ª etapa: Percepções e reações
Qual o motivo da morte da mãe de Marcela pelo próprio marido? “Aí é que está o
problema! Eu não vi esta cena (risos). Ela era muito bonita e ele um velho muito feio.
Eu acho que ele a queria pra ele. Ela não podia sorrir, não podia estar feliz, foi isso
que eu entendi. Um minuto que ela tinha de felicidade era motivo para ele dizer: ‘Não.
Você tem que ficar isolada. Você tem que ficar triste aqui. Só pra mim!’ Ah, sei lá! Acho
que ele não foi digno de tê-la.” E por que ele chegaria ao ponto de matá-la? “Porque
ele escutou um barulho sem noção (risos). Ele achou que ela o estava traindo, mas o
barulho que ela fez foi o mesmo de quando estava com a filha. Por isso ele foi atrás da
garota. Quando ele a viu do lado de fora deve ter pensado: ‘Ela está com quem?’ Eu
não sei. Pra mim, na cabeça dele era o riso dela, a felicidade dela o incomodava.
Porém, no filme, eles realçaram um pouquinho pra deixar a gente com a pulga atrás da
orelha e pensar que ela o estava traindo, mas o mesmo som que ela fez com a
Marcela, ela fez sozinha, ou acompanhada, não sei (risos).”
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Você acreditaria, assim como José, na história da filha, e se lançaria ao mar para
resgatar pessoas sem ter ouvido nada? “Nunca. Primeiro eu poderia até chegar perto,
procurar, mas se eu não estou vendo nada, nem escutando ninguém, é sinal de que
não há nada ali, ou tenha tido. Eu podia até ficar desconfiada, procurar, por causa da
minha filha, mas ir até lá? Nem pensar. Ela poderia até ter escutado, mas também
poderia ser algo da cabeça dela. Se eu não escutar, não vir, não vou de jeito nenhum.”
O que levou Marcela a mudar de ideia ao tentar se livrar do pai? “Quando uma
pessoa está passando por algum tipo de transtorno, casos em que ela tem um
momento de lucidez. Então, se ela fez algo de errado, pra mim, não teve culpa. Eu
acho que ela fez de forma inconsciente, podia até ter uma raiva que foi se agravando
como uma bola de neve, mas em seu transtorno, sua loucura, ela teve um momento
de lucidez. Ela viu a besteira que ela estava fazendo. A gente pode perceber isso pelo
Roberto. Ele era louco, mas ele sabia muito bem o que fazia. Na hora que ela falou:
‘Saulo!’, ele riu muito da cara dela. Por quê? Porque ele percebeu que ela estava
falando com o vento. Existem pessoas que ficam constantemente presas a sua loucura,
mas a maioria, pelo menos que eu tenha presenciado, sempre tem um momento de
lucidez, e sabem o que estão fazendo. Por isso que ela foi salvá-lo.”
4ª etapa: A importância do som
O som teria ajudado a construir o significado do filme? “O som? Acho que o som foi
essencial sim, mas eu não sei. A história é legal, é interessante, mas o filme pra mim foi
um filme chato, maçante, não sei por quê. Não sei se foi por causa do som. Essa não é
a minha área, mas alguma coisa me incomodou no filme. Agora, eu acho que o som, o
cenário, tudo teve o seu significado, sua importância.” Normalmente você presta
atenção nesses detalhes quando você assiste a um filme? “Eu vi casos assim. Tem
gente que vai pro cinema, ou filme em casa mesmo, e fica prestando atenção nos
detalhes. Eu não, eu deixo aquilo me chamar a atenção e, normalmente, chama.
Muitos filmes dão alguns detalhes que farão sentido no final, e isso acaba
prendendo a atenção.”
________________________
135
Nome: Carine Marie Vasconcellos Sales
Profissão: Estudante secundarista
Idade: 16 anos
1ª etapa: Definição do foco de atenção
Faça um resumo do filme: “Bom, o filme conta a história de uma menina. Ela é filha de
um faroleiro que trabalha numa ilha. Eles moravam com outro amigo, mas ele (o pai)
não tinha muita confiança nele, e a partir daí a trama se desenrola. Além deles, ela
conhece mais quatro outras pessoas, que trazem os mantimentos para a ilha. Ai, eu
sou péssima para resumos! Sou péssima! (risos).”
Qual a cena mais marcante? A da ostra. Bem, não foi nem a cena, foi o diálogo. Foi
quando Marcela estava comendo uma ostra e perguntou: ‘E o que se faz com a
casca?’. O Castrinho respondeu: ‘Joga fora!’, E ela emendou: ‘Ah, mas é tão bonita! Eu
pegaria e colocaria num vidrinho!’. Depois ela olha pro pai e percebe que era
exatamente o que ele fazia com ela. Ela era a ostra dele.”
Teve algum som que tenha chamado a sua atenção? “O do facão. O som do Roberto
passando o facão nas correntes. Saía até umas faíscas.”
2ª etapa: A personagem Saulo
Qual a sua interpretação para a personagem Saulo? “Assim, pra mim, foi nele que a
menina se agarrou. Com isso é possível perceber o quanto que a solidão é perigosa. Ela
se agarrou numa coisa que era o vento, algo totalmente abstrato, mas ela tentou
torná-lo concreto. Ela não tinha nada ali, naquela ilha. Ela tinha contato com o pai
dela, que era uma pessoa totalmente afetada da cabeça. Então, ela precisava arranjar
um amigo, uma pessoa para conversar. Tanto que ela diz: ‘Ah, se aqui tivesse alguém
da minha idade!’. O Saulo foi mais ou menos isso pra ela, como uma válvula de escape,
porque ela não tinha ninguém. quando vinham os outros que traziam mantimentos
para a ilha.”
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Você conseguiu perceber variações no comportamento de Saulo? “Com certeza. No
início ele era todo calmo, como se fosse uma brisa, mas no final, na cena do temporal,
ela (Marcela) que nem tudo é tão bom assim, quando vem um vento muito forte e
deixa sua estrutura meio abalada.”
3ª etapa: Percepções e reações
Qual o motivo da morte da mãe de Marcela pelo próprio marido? “Eu não sei (risos).
Na cabeça do maluco, quer dizer, do marido, ela estava com outro cara. É isso que o
filme nos leva a acreditar, pois numa cena ele assiste à mulher se agarrando com outro
cara, o que o faz ficar meio confuso com a filha. Então, isso é o que ele quer que a
gente pense, porque a nossa base está nas ideias dele, na maluquice dele. Ele ouve
gemidos. Para ele ela... (risos).”
Você acreditaria, assim como José, na história da filha, e se lançaria ao mar para
resgatar pessoas sem ter ouvido nada? “Não, eu não. Primeiro, iria até o farol para
tentar localizar algo com a luz. Se eu visse algum movimento diferente aí sim eu
poderia cogitar a hipótese de me lançar ao mar! O que custaria usar o farol para
procurar? Isso poderia ter ajudado mesmo.” E o fato de ele acreditar nela? “Ele era
muito dependente dela. O fato de ele não deixá-la ir para a cidade, não era muito caso
de amor, era mais dependência. Então, para não desagradá-la, ele preferiu confiar.”
O que levou Marcela a mudar de ideia ao tentar se livrar do pai? “Porque ela viu que
o Saulo não era tão bonzinho assim. Ela viu que o Saulo também poderia propiciar
coisas ruins, daí resolveu ir lá tentar salvar o pai.”
4ª etapa: A importância do som
O som teria ajudado a construir o significado do filme? “Com certeza! Ainda mais
porque o vento é uma coisa que você não consegue ver. Você consegue sentir e ouvir.
Como s vimos através de uma tela, não conseguimos sentir o vento, mas nós temos
uma memória sonora, que dá pra ver se o vento está mais fraco ou mais revoltado.”
________________________
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Nome: David do Nascimento Amarante
Profissão: Servidor Público, formado em contabilidade
Idade: 27 anos
1ª etapa: Definição do foco de atenção
Faça um resumo do filme: “Um camarada mata a esposa e vai viver com a filha
pequena numa ilha pra se isolar do mundo.”
Qual a cena mais marcante? “Tem uma cena em que Marcela está na praia, desenha
um S na areia e entra em contato com Saulo. Eu achei a imagem dessa cena muito
perfeita, muito legal! Eu nunca tinha visto a areia da praia com aquela textura!”
Teve algum som que tenha chamado a sua atenção? “Ah, o vento, né! Do início ao fim
do filme tem vento quase o tempo todo. Ah, e as gaivotas também.”
2ª etapa: A personagem Saulo
Qual a sua interpretação para a personagem Saulo? “Ele parece um vilão, um espírito
maligno, que perseguiu a mãe de Marcela e continua perseguindo ela. Essa foi a ideia
que eu tive.”
Você conseguiu perceber variações no comportamento de Saulo? “É, eu percebi
alguma variação, por causa da interpretação da atriz que fez a Marcela, principalmente
na cena final, em que ela volta atrás e tenta chamar seu pai. Ela se arrependeu. Parece
que Saulo a maltrata de alguma forma.”
3ª etapa: Percepções e reações
Qual o motivo da morte da mãe de Marcela pelo próprio marido? “Eu acho que ela
acabou ficando meio louca. Parecia que ela estava em outra ilha com o marido. Eu
entendi desta forma. Ou em um lugar isolado, sozinha, com o marido e a filha. Um
marido chato, muito ciumento. Acho que ela pirou, começou a ter algum tipo de amigo
imaginário também, e o marido ficou com ciúmes do amigo imaginário dela.”
Você acreditaria, assim como José, na história da filha, e se lançaria ao mar para
resgatar pessoas sem ter ouvido nada? “Claro que não! Entrar no mar, à noite, no
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meio de uma tempestade, numa canoazinha a remo? Acho que é um pouco de
loucura. Estaria me arriscando a ser mais uma vítima. De repente, ficaria na beirada,
tentando visualizar alguma coisa. Tentaria me certificar do que estava acontecendo. Só
entraria se estivesse vendo algo. Até porque já tinha os sinais de que a filha não batia
muito bem da cabeça, tinha pego a filha dormindo na areia da praia de camisola...
(risos).”
O que levou Marcela a mudar de ideia ao tentar se livrar do pai? “De alguma forma
ele (Saulo) estava a maltratando. Agora isso fica dentro da imaginação de cada um, né?
(risos).”
4ª etapa: A importância do som
O som teria ajudado a construir o significado do filme? “Ah, com certeza! Acho que
neste filme o som é importantíssimo porque é um filme que não tem uma grande
quantidade de personagens, não tem o movimento que acontece numa metrópole,
que também tem muitos sons importantes, mas ali o som preenche muito e dá vida ao
filme.”
________________________
Nome: Leandro Porciúncula Mônaco Flórido Longo
Profissão: Técnico de segurança no trabalho
Idade: 20 anos
1ª etapa: Definição do foco de atenção
Faça um resumo do filme: “A personagem da Leandra Leal, a Marcela, foi criada numa
ilha isolada, deserta, onde as únicas pessoas que ela tinha contato eram marinheiros
que levavam suprimentos de tempos em tempos. Em sua imaginação ela se envolveu
com o Saulo, que era o vento. Ela criou este personagem que acabou levando à morte
do seu pai e de um amigo. Tudo por causa de uma imaginação ou alucinação dela.”
Qual a cena mais marcante? “Quando ela viu que o vento/Saulo não tinha o seu
lado bom, tinha também o seu lado ruim.”
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Teve algum som que tenha chamado a sua atenção? “Quando Floriano Peixoto, o
personagem Roberto, emite um som de gaivota, de gavião... não sei qual era a ave.”
2ª etapa: A personagem Saulo
Qual a sua interpretação para a personagem Saulo? “Saulo é um personagem da
imaginação da Marcela. Foi a fuga que ela encontrou para tentar conhecer outros
horizontes. Acho que o título, A Ostra e o Vento, é por que ela se sentia presa dentro
de uma ostra, e o vento, o Saulo, era sua libertação.”
Você conseguiu perceber variações no comportamento de Saulo? “Só na parte em
que ela percebe que ele tinha seu lado negativo.”
3ª etapa: Percepções e reações
Qual o motivo da morte da mãe de Marcela pelo próprio marido? “De acordo com o
pensamento do marido, ela o estava traindo, mas não se sabe o que aconteceu,
porque ficou no ar, ficou essa dúvida.” E por que ele achava que ela o estava traindo?
“Por que ele escutava vozes de outras pessoas e ela queria muito ir para a cidade. Ela
não aguentava mais viver naquela ilha.”
Você acreditaria, assim como José, na história da filha, e se lançaria ao mar para
resgatar pessoas sem ter ouvido nada? “Sim. É minha filha e eu tenho que confiar. E,
pelo que eu entendi do filme, ele fez isso por acreditar que a filha não estava bem. Fez
pela filha e não por ele. Se eu soubesse que minha filha estava passando por um
problema psicológico, faria por ela também.” Você não acha que ele pode ter
desconfiado da presença de Saulo no meio destas pessoas? “Acho que não. Ele foi
pela filha mesmo. Por isso, chamou o Roberto. Ele deve ter se preocupado em deixar o
Roberto sozinho com a filha na ilha.”
O que levou Marcela a mudar de ideia ao tentar se livrar do pai? “Arrependimento.
Exatamente porque ela viu que o Saulo tinha seu lado negativo, de querer matar as
únicas pessoas com quem ela vivia.” Então, o Saulo seria o maior responsável pela
morte deles? “Não o Saulo, mas o pai dela por tê-la deixado presa naquela ilha a ponto
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de ter essa alucinação. Eu acho que o responsável maior foi o seu pai, por tê-la
prendido lá.”
4ª etapa: A importância do som
O som teria ajudado a construir o significado do filme? “Acho que não. Pra mim foi
indiferente. nas partes do vento, que era sinal de que Saulo... de que ela estava
imaginando Saulo. Só nestes momentos.”
________________________
Nome: Liliane Amitrano de Alencar Imbassahy
Profissão: Pedagoga
Idade: 27 anos
1ª etapa: Definição do foco de atenção
Faça um resumo do filme: “O que eu entendi do filme? Ainda estou tentando assimilá-
lo (risos). É uma viagem. É um filme em que você acaba entrando na história, na ilha, e
tentando amarrar os fatos. Ainda não sei se consegui. A gente claramente uma
pérola presa dentro da ostra, querendo se libertar. A necessidade da liberdade da
personagem. O vento como fator primordial na questão da liberdade, e... o Saulo
(risos), eu não sei ainda exatamente. A princípio, para mim, o Saulo é o vento, mas
com aquelas vozes todas...”
Qual a cena mais marcante? “No início a música me chamou atenção porque eu odeio
filme de terror, e a música dava a impressão de que começaria uma história de terror
ou de suspense. No final teve uma cena em que aparece a ilha e eu vi o formato de um
rosto de mulher. A junção da música com essa imagem me chamou atenção.” Por que
isso te chamou atenção? “Porque era a ilha da Marcela, então, para mim, ali era o
rosto dela.”
Teve algum som que tenha chamado a sua atenção? “A voz do Saulo é o mais gritante
(risos), o barulho do vento, ele está sempre muito presente, muito forte.”
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2ª etapa: A personagem Saulo
Qual a sua interpretação para a personagem Saulo? “É a válvula de escape dela
(Marcela), a princípio é seu melhor amigo. É com quem, ou o quê, ela tem liberdade de
se abrir, de ser quem ela realmente é. E mais, é ele que supre todos os desejos dela
(risos). É uma relação muito forte, uma ligação muito intensa, que chega ao ponto de
ela desejar ficar sozinha com ele na ilha. Acaba se tornando uma dependência.”
Você conseguiu perceber variações no comportamento de Saulo? “Tinha momentos
em que ele era uma brisa suave, em outros, era um vento super forte.”
3ª etapa: Percepções e reações
Qual o motivo da morte da mãe de Marcela pelo próprio marido? “Ela traiu, o foi?
Pelo que me lembro ela foi com um cara pra dentro da cabana. Acho que foi isso:
traição. É o que eu acho, mas pode ter sido imaginação dele, sei lá. (risos)”
Você acreditaria, assim como José, na história da filha, e se lançaria ao mar para
resgatar pessoas sem ter ouvido nada? “Não sou mãe, mas acho que sim. Eu confiaria
na minha filha, porque mesmo que eu o estivesse ouvindo ela poderia estar. De
repente ela tem a audição melhor que a minha.”
O que levou Marcela a mudar de ideia ao tentar se livrar do pai? “O Saulo fez alguma
coisa que ela não gostou. De repente ele foi mais bruto, mais violento.”
4ª etapa: A importância do som
O som teria ajudado a construir o significado do filme? “Quando eu assisto a um filme
dificilmente presto atenção na trilha. O som, neste filme, é muito forte em relação ao
vento, ao mar, e a esse apelo de Marcela à liberdade. O som do vento, para mim,
expressa muito isso. Ajudou com certeza.”
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