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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL
Manuela Lanius
REPRODUÇÃO ARTIFICIAL: Os Impasses do Desejo
Porto Alegre
2008
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2
Manuela Lanius
REPRODUÇÃO ARTIFICIAL:
Os Impasses do Desejo
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia Social e Institucional. Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Social e
Institucional. Instituto de Psicologia.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientador:
Professor Dr. Edson Luiz André de Sousa
Porto Alegre
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Reitor
José Carlos Ferraz Hennemann
Vice-Reitor
Pedro Cezar Dutra Fonseca
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Diretora
Cleci Maraschin
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL
Coordenadora
Rosane Neves da Silva
BIBLIOTECA
Bibliotecária-Chefe
Elise Maria Di Domenico Coser
4
Manuela Lanius
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
REPRODUÇÃO ARTIFICIAL : Os Impasses do Desejo, como requisito parcial para
obtenção do Grau de Mestre em Psicologia Social e Institucional pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Dissertação defendida e aprovada em: 28/ 04/ 2008 .
Comissão Examinadora:
_________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Cristina Candal Poli – PPGPSI / UFRGS
_________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Medeiros da Costa - UERJ
_________________________________________________________________
Profa. Dra. Luciane Loss Jardim - UNICAMP
5
Dedico este estudo a todos aqueles que interrogam seu saber.
Àqueles que não sabem.
Àqueles que sabem.
E a quem a psicanálise torna fértil em seus atos, idéias e ideais.
6
AGRADECIMENTOS
É muito importante para mim, agradecer a estas pessoas que de uma
forma particular me auxiliaram a construir este trabalho e a tornar este sonho realizado.
Agradeço, sobretudo, ao Professor Dr. Edson Luiz André de Sousa, por
acreditar no projeto inicial, vendo nele uma idéia em construção e acima de tudo, por
me ajudar a transpor.
À equipe da Fertilitat Clínica de Reprodução Humana Assistida e em
especial a querida Psicóloga MSc. Débora Farinati, pela calorosa acolhida, por
proporcionar que a pesquisa fosse possível e cujos laços de trabalho e amizade
renderão ainda novos projetos e novas escritas.
Agradeço aos meus colegas da Hybris Clínica, Ana Luiza Lovatto e Otávio
Augusto Winck Nunes pela leitura precisa, pelos apontamentos, críticas e sugestões tão
bem-vindas e em especial a Adão Luiz Lopes da Costa pela elucidação dos conceitos,
iluminando os pés de meu farol.
À Ligia Gomes Víctora que compartilhou comigo a elaboração deste
estudo por meio de sua ‘super visão’.
Aos meus mais que colegas, amigos, Norton Cezar Dal Follo da Rosa
Jr.,com quem pude contar desde o princípio, quando as idéias ainda não estavam no
papel e a Paula Goldmeier, amizade que começou aqui.
Aos meus pais, Augusto e Rosane, pela transmissão, por desde sempre
terem me ensinado que é possível seguir adiante.
Agradeço, com muito carinho, respeito e admiração às Marias com filhos e
às Marias sem filhos.
7
“Os números dizem que já se passou muito tempo.
Mas a memória ignora:
É como se tivesse acontecido ontem.
Assim é: o que a memória ama fica eterno.
E a eternidade não é o sem-fim.
Eternidade é o tempo onde o longe fica perto.”
“É só isto que desejo fazer: saltar sobre os limites
que separam o possível existente do utópico desejado,
que ainda não nasceu.
Dizer o nome das coisas que não são,
Para quebrar o feitiço daquelas que são.”
Rubem Alves
8
RESUMO
A infertilidade é para muitas mulheres geradora de sofrimento
psíquico, visto que a reprodução humana condiz com a perpetuação do ser. Tendo
como método de estudo a psicanálise, podemos pensar o desejo de filho como sintoma
do laço conjugal e, ainda na cultura contemporânea, inscrição de feminilidade para
algumas mulheres. Casais inférteis, atualmente, m a chance de recorrer às Novas
Tecnologias de Reprodução Assistida, ao invés de buscar a adoção ou de permanecer
sem filhos. Esta pesquisa faz uma discussão acerca das chamadas Novas Tecnologias
Reprodutivas e estuda os efeitos que a infertilidade tem no psiquismo e na condição
subjetiva dos sujeitos de desejo. Busca dissociar a demanda consciente de ter um filho
do desejo inconsciente que opera na produção subjetiva, fazendo sintoma. Também,
faz questão quanto à diferenciação do desejo de ter um filho ao desejo de maternidade
e suas implicações na articulação das pulsões.
Palavras-chave: Infertilidade; Reprodução Humana Assistida; Novas
Tecnologias Reprodutivas; Psicanálise; Feminilidade; Desejo.
9
ABSTRACT
To most women, infertility is a generator of psychic suffering,
considering that human reproduction aims the perpetuation of the living being. Having
Psychoanalysis as a study method, we may see the will of having a child as a conjugal
symptom and, still in contemporaneity, femininity enrollment to some females.
Nowadays, infertile couples have the chance to appeal to New Assisted Reproduction
Technologies instead of adoption or even remaining without descendents. This research
discusses the so-called new reproductive technologies and studies the impacts that
infertility has in the psychism and in the subjective condition. It pursuits to dissociate the
conscious demand of having a child from unawareness, which may operate in the
subjective production causing symptoms. Also, it questions the difference of wishing a
child, the motherhood will and their implication on the articulation of the drives.
Keywords: Infertility; Assisted Human Reproduction; New
Reproductive Technologies; Psychoanalysis; Femininity; Desire.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1
1
– HAGENS, G. von, Mulher Grávida..........................................................156
FIGURA 2
2
– WHITEREAD , R. Untitled (Pink Torso) 1991……….…..........................157
FIGURA 3
3
– WHITEREAD, R. Untitled (Empty and Full) 2000 – 01............................158
FIGURA 4
4
– WHITEREAD, R. Untitled (Three Shelves) 2003.....................................159
1
Referência da página 30, Cap. 1.
2
Referência da página 31, Cap. 1.
3
Ibid.
4
Ibid.
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FIV: Fertilização In Vitro
FIVETE: Fertilização In Vitro e Transferência Embrionária
NTRA: Novas Tecnologias de Reprodução Assistida
ESCA: Esterilidades Sem Causa Aparente
12
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA................................................................................................................05
AGRADECIMENTOS......................................................................................................06
EPÍGRAFE......................................................................................................................07
RESUMO.........................................................................................................................08
ABSTRACT.....................................................................................................................09
LISTA DE ILUSTRAÇÕES..............................................................................................10
LISTA DE ABREVIATURAS............................................................................................11
INTRODUÇÃO................................................................................................................14
1. DE ONDE VÊM OS BEBÊS?...............................................................................21
2. PROBLEMATIZAÇÃO DO NATURAL X ARTIFICIAL..........................................39
3. A REPRODUÇÃO ASSISTIDA NO DISCURSO SOCIAL....................................56
4. OS IMPASSES DO DESEJO...............................................................................80
4.1. OS DESEJOS DE FILHO...........................................................................93
4.2. 1 + 1 = 3...................................................................................................103
5. CONSTRUÇÃO DO CASO.................................................................................108
5.1. METODOLOGIA......................................................................................108
5.2. MEU FILHO..............................................................................................114
13
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................146
ANEXOS..................................................................................................................156
i. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO........................157
ii. ILUSTRAÇÕES........................................................................................158
14
INTRODUÇÃO
O inconsciente é o capítulo de minha história que é marcado por um
branco ou ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado. Mas a
verdade pode ser resgatada; na maioria das vezes, está escrita em
outro lugar.
Jacques Lacan
5
.
Este estudo busca estabelecer questões que viabilizem uma prática de
pesquisa e não tem a princípio respostas às hipóteses levantadas. Nosso aporte teórico
encontra respaldo na psicanálise freudiana e lacaniana, mas de forma alguma supomos
nesta vertente uma hermética visão de mundo, ou uma hipótese superior e dominante
que não deixa perguntas sem respostas, ou também, que encontra categorias para a
classificação de qualquer fenômeno apresentando. A psicanálise é, desde Freud, ao
mesmo tempo uma ciência e uma obra que subverte a própria ciência, justamente
porque suas investigações não se tornam para sempre conclusivas, mas sim, colocam
um desejo de saber em movimento.
Outrossim, sabemos que estamos analisando manifestações do social de
nossa época e meio, e através do que escutaremos do discurso das entrevistadas e
das pesquisas teóricas, arriscaremos a entender que se trata de uma escuta da cultura.
5
LACAN, 1953, p. 260.
15
Em nossa questão norteadora encontra-se o significante infértil, que
agrega diversos significados e que mobiliza de modo singular cada sujeito que os
registram em seu corpo, o qual entendemos aqui como uma margem, uma fronteira,
entre o social e o sujeito.
É certo, portanto, que encontraremos neste estudo, contradições. Contudo
estas nos servem para tornar possível a discussão e reagir contra um consenso
predeterminado, permitindo que a questão se desenvolva e estabeleça um diálogo com
a alteridade. Ou seja, esta pesquisa esno campo do ensaio e o saber que apresenta
é insuficiente para dar conta de uma verdade, criando apenas um conhecimento
aproximado e novas relações entre as teorias já propostas.
Como veremos, não um fora da linguagem e deste modo,
perceberemos o quão indissociável é o objeto de estudo e o discurso que o produz.
Sendo a relação entre os objetos que tomaremos como essencial e não o objeto em si
mesmo.
Haveremos de falar acerca da relação dos sujeitos com o sexo e com a
morte, eixos demasiado pertinentes quando nos propomos a discorrer acerca da
infertilidade. Como sujeitos, se produzem no ponto de encontro entre a sexuação e o
sintoma e nós ao nos aprofundarmos em uma pesquisa psicanalítica, procuramos saber
sobre o trajeto que vai do Real ao sujeito, este último como capaz de produzir uma
nominação, dar um nome possível a algo da ordem do Real.
16
Como o sujeito se vincula com aquilo que nele é infértil? Como se a
construção do desejo de filho? Como o sujeito se desloca frente ao impossível e que
alternativas consegue criar? A procriação seria uma criação, algo que se transpõe
com a geração de um filho? De todo modo, não nos impedimos de pensar que algumas
mulheres, ao ascenderem à maternidade, trariam para suas vidas uma condição de
ruptura, de descontinuidade perante sua infertilidade.
Supomos que o desejo de filho está em um impasse, tal como nos sonhos
que nos adormecem, ou que nos acordam para a ação. Poderia o desejo estar a
serviço da permanência da insatisfação, ou no contra-fluxo do instituído como
mandato? De algum modo, veremos, a ausência de filhos perturba o social, que é ainda
intolerante com esta inscrição da diferença na constituição feminina. A mulher sem
filhos, para a sociedade em geral e para muitas delas mesmas, vê-se destituída de
quaisquer outros referenciais que possa ter, o que a afeta em seu ser.
Para que este trabalho viesse a se tornar fecundo, este necessitou a união
de distintos saberes através de interlocução e leituras, que se deram a partir de um
enamoramento sobre a temática, engendrando-se até o nascimento de uma abordagem
particular.
À uma técnica que não garantias mas pode gerar esperança, muitas
mulheres, juntamente com seus companheiros, entregam seus corpos e seu destino,
17
como se pudessem “realizar um desenlace sem escombros...”
6
, ou não se
responsabilizar por seus próprios fracassos.
Dentre as diversas causas biológicas que contribuem para o diagnóstico
de infertilidade, nos quais se incluem fatores que comprometem a fertilidade feminina e
masculina, não há como deixar de lado os aspectos do plano psicológico e psicossocial
que envolvem as causas e tampouco as conseqüências que incidem sobre o
diagnóstico. As repercussões de esfera psicológica que recaem sobre o corpo nos
revelam a impossibilidade da separação mente-corpo quando nos propomos a tratar
estes sujeitos em sofrimento. O desencadeamento de crises no processo da descoberta
do diagnóstico nos afirma o quanto que questões subjacentes tramadas no processo
inconsciente dos sujeitos contribuem para o seu posicionamento.
se passaram 29 anos desde o nascimento de Louise Brown na
Inglaterra. Após 300 tentativas fracassadas, é o primeiro bebê nascido através do que
ainda na época se chamava reprodução artificial. A técnica utilizada foi a FIVETE
fertilização in vitro e transferência de embriões que atualmente é mais uma dentre as
diversas técnicas desenvolvidas pelas Novas Tecnologias de Reprodução Assistida.
Nos Estados Unidos, a primeira gravidez obtida através das NTRA se deu em 1982, e
no Brasil em 1984.
6
Edson Sousa em seu Seminário: Utopia, Arte e Psicanálise: Arqueologias do Futuro; cursado pela
autora em 2006, lança a seguinte questão, citada por Jameson: Quem não tentou realizar um desenlace
sem escombros?
18
Em ‘Filhos(as) da Tecnologia: questões éticas envolvidas na procriação
assistida’, Oliveira (1997), médica e diretora da Rede Nacional Feminista de Saúde e
Direitos Reprodutivos, diz que a infertilidade em geral não é o mesmo que uma ‘doença’
física , é muito mais uma condição social do que biológica. A maior parte dos casos de
infertilidade é curada ‘com o tempo e a maior façanha conseguida a agora pelos
Centros de Reprodução Humana, no mundo, é que nascem mais crianças na ‘fila de
espera’ dos ditos tratamentos do que dos tratamentos. Trata-se da possibilidade de
descolar e deslocar o significante infértil. E o sujeito, ao ascender a uma nova posição e
reconhecer a falta, a criação – procriação – é capaz de se dar.
tempos que se pode “dar à luz” com uma lâmpada, estando o fogo, a
vela, ocupando um lugar saudoso e quem sabe, romântico. O aprimoramento das
tecnologias encontra-se em uma mão dupla, tanto pode dar lugar a inclusão do sujeito a
novas possibilidades de aproveitamento e geração da vida, como fazê-los regredir a
própria abolição. Contudo, não é a técnica em si mesma que tem este poder, mas os
sujeitos que estão implicados ou não com seu desejo, bem como o quanto estes podem
se apropriar do que é por eles vivido.
“Será que sou alguém capaz de procriar?” Lacan, em seu terceiro
seminário, nos coloca esta questão como situada ao nível do Outro, visto que a
sexualidade necessita de um reconhecimento simbólico. Suscita, antes, ainda outra
questão de extrema relevância: “Quem sou eu? Um homem ou uma mulher?” E é a
partir das respostas que obtemos do campo do Outro que se torna possível a
apropriação dos sentidos, como Dora, que se questiona: “O que é ser uma mulher?”, da
19
mesma forma que nos homens encontramos, segundo Lacan, exatamente a mesma
questão: “O que é a mulher?”
Eu direi mesmo mais é porque não nos tornamos assim que nos
interrogamos, e até certo ponto, interrogar-se é o contrário de tornar-
se. (LACAN, 1955-1956, p. 204).
Realizando uma escuta destes sujeitos e do seu plano de identificações,
podemos ter uma idéia do caminho que percorre seu sintoma. Como diz Lacan (1955-
1956) a posição sexuada es longe de ser pura extravagância da natureza,
necessitando de uma ordenação pela palavra para que tudo venha a se regular e a se
tornar conhecer.
Portanto, é do significante e suas relações com outros significantes que
falamos, o significante enquanto produtor de marcas que nos faz pesquisar. Há,
contudo, diz Lacan (1955-1956), algo da procriação em sua essência que escapa à
trama simbólica e que a maternidade tanto quanto a paternidade não estão situadas
apenas no nível da experiência.
uma relação essencial entre a reprodução sexuada e a aparição
da morte... A questão de saber o que liga dois seres no aparecimento
da vida, não se põe para o sujeito senão a partir do momento em que
esteja no simbólico, realizado como homem ou como mulher, mas na
medida em que um acidente o impeça de aceder a aí. Isso pode
ocorrer, outrossim, em virtude dos acidentes biográficos de cada um.
(LACAN, 1955-1956, p. 205)
20
Nos fica enfim, mais interrogações: que vidas são estas, incapazes de
reproduzir o ciclo que vai do nascimento à morte? O que significa para estes sujeitos o
significante infértil visto que muitos o tornam tão indestrutível, tão impossível de ser
deslocado? Pois aqui, nos importa a forma como cada sujeito conta a sua história.
21
1
DE ONDE VÊM OS BEBÊS?
D. João, quinto do nome da tabela real, irá esta noite ao quarto de
sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou mais de dois anos
da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não
emprenhou. se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a
rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito
resguardada de orelhas e bocas delatoras e que entre íntimos se
confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a
esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são
repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária
ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e
ainda agora a procissão vai à praça. Além disso, quem se extenua a
implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha e também por duas
razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal
for, o pede o que unicamente está em seu poder dar, a segunda
razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber, de
ser naturalmente suplicante, tanto em novenas organizadas como em
orações ocasionais. Mas nem a persistência do rei, que, salvo
dificultação canônica ou impedimento fisiológico, duas vezes por
semana cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal, nem a
paciência e humildade da rainha que, a mais das preces, se sacrifica
a uma imobilidade total depois de retirar-se de si e da cama o esposo,
para que se não perturbem em seu gerativo acomodamento os
líquidos comuns, escassos os seus por falta de estímulo e tempo, e
cristianíssima retenção moral, pródigos os do soberano, como se
espera de um homem que ainda não fez vinte e dois anos, nem isto
nem aquilo fizeram inchar até hoje a barriga de D. Maria Ana. Mas
Deus é grande.
José Saramago
7
7
SARAMAGO, 1992, p. 11.
22
D. João e D. Maria Ana, sabiam muito bem como fazer para ter bebês.
Mesmo assim, sua gravidez não acontecia. Utilizaram todas as técnicas que haviam
aprendido e inventado, mas ao final, entregam a Deus sua sorte. D. João promete aos
franciscanos que erguerá em Mafra um convento, caso D. Maria Ana engravide. E é o
que acontece.
Talvez, se vivessem em nosso tempo, se D. João e D. Maria Ana,
quisessem ter um filho, procurariam alguma clínica de reprodução assistida. Seria esta
uma alternativa a Deus?
Julgo ser pertinente lembrarmos o que assinala Freud (1930, p.97-98),
em “O mal-estar na civilização”:
Através de cada instrumento, o homem recria seus próprios órgãos,
motores ou sensoriais, ou amplia os limites de seu funcionamento. A
potência motora coloca forças gigantescas à sua disposição, as
quais, como os seus músculos, ele pode empregar em qualquer
direção; graças aos navios e aviões, nem a água nem o ar podem
impedir seus movimentos; por meio de óculos corrige os defeitos das
lentes de seus próprios olhos; através do telescópio, vê à longa
distância; e por meio do microscópio supera os limites da visibilidade
pela estrutura de sua retina. Na câmera fotográfica criou um
movimento que retém as impressões visuais fugidias; ambas são, no
fundo, materializações do poder que ele possui de rememoração, isto
é, sua memória. Com o auxílio do telefone, pode escutar as distâncias
que seriam respeitadas como inatingíveis mesmo num conto de
fadas.(...) muito tempo atrás, ele formou uma concepção ideal de
onipotência e oniciência que corporificou em seus deuses. A estes,
atribuía tudo o que parecia inatingível aos seus desejos ou lhe era
proibido. Pode-se dizer, portanto, que esses deuses constituíam
ideais culturais. Hoje, ele se aproximou bastante da consecução
deste ideal, ele próprio quase se tornou um deus. O homem, por
assim dizer, tornou-se uma espécie de ‘Deus de Prótese’.(...) As
épocas futuras trarão com elas novos e provavelmente inimagináveis
grandes avanços nesse campo da civilização e aumentarão ainda
mais a semelhança do homem com Deus. No interesse de nossa
investigação, contudo, não esqueceremos que atualmente o homem
não se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus.
23
D. Maria Ana tinha um papel muito bem definido. Foi trazida da Áustria
para dar filhos à coroa portuguesa. Hoje, não encontramos mais mulheres destinadas
unicamente à maternidade. Em nossa cultura contemporânea, a mulher assume papéis
diversos na sociedade e na família, que não apenas o de mãe. Ou seja, novos destinos
pulsionais são abertos e outros objetos recebem investimento. O filho, a princípio, não é
mais o único representante fálico para a mulher contemporânea. Como nos afirma
Maria Cristina Poli (2007), em seu recente livro Feminino/Masculino, “foi-se o tempo em
que ser mulher ou homem bastava para que um determinado número de atributos fosse
conferido. “Aos homens o trabalho, às mulheres a cozinha; aos varões o dinheiro, às
fêmeas os filhos. Essas e outras – diz Poli – se não deixaram de ser assertivas
verdadeiras, ao menos foram bastante amenizadas em sua incidência social e
subjetiva.” (POLI, 2007, p.7).
Frente a inúmeras possibilidades de realização, acredita-se que a
maternidade é para a mulher uma opção feita no “tempo certo”, e está muitas vezes
atrelada a outras realizações tanto pessoais quanto profissionais. O filho não se
apresenta mais como o único representante fálico para a mulher. Digo acredita-se, visto
que para a psicanálise, como nos aponta Poli, “tal liberdade de escolha é ilusória e
Freud chama de inconsciente o que os antigos denominavam destino”. (POLI, 2007,
p.9).
O avanço das tecnologias biológicas, como, por exemplo, os métodos
contraceptivos, dá à mulher a idéia da possibilidade de controle do desejo, o que é sem
dúvida um engodo. Suas realizações antes mencionadas geralmente servem de critério
24
para que as mulheres adiem os planos de gravidez, marcando datas e fases de vida
“ideais” para que tenham seus filhos. Contudo, como nos mostram os estudos na área
da reprodução humana, após os 30 anos, a taxa de fecundidade na mulher se reduz
consideravelmente, crescendo proporcionalmente os casos em que a reprodução
precisa ser assistida. O que era sinal de independência torna-se, se nos permitem um
trocadilho, “em dependência” da técnica médica.
Para fins conhecimento dos dados estatísticos atuais (PASSOS, E.,
ALMEIDA, I. e FAGUNDES, P., 2007), estudos que mostram que 11% das mulheres
não mais concebem após os 34 anos de idade, 33% não mais engravidam após os 40
anos e 87% são inférteis após os 45 anos. Estes dados conferem apenas quando nos
remetemos à questão da idade da mulher, sem correlacionar aos inúmeros distúrbios
orgânicos que podem se manifestar independentemente da idade.
Tal barreira aos projetos de maternidade no “tempo certo” pode
funcionar como uma falha na construção narcísica de algumas mulheres. Talvez se
possa pensar que a busca pela tecnologia de reprodução assistida tende a corrigir tal
falha de um modo por vezes breve, sem tempo para reflexões sobre o próprio desejo.
Charles Melman (2003), ao nos falar acerca do progresso tecnológico, coloca em
questão a liberdade do sujeito frente aos objetos fantásticos disponíveis na atualidade.
Segundo o autor, vivemos num paradoxo, no qual ao mesmo tempo em que nos
acreditamos livres para escolhas, como, por exemplo, o tempo e o método de ter filhos,
nos encontramos presos em armadilhas narcísicas.
25
Freud, em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905),
desnaturaliza a relação sexo – sexualidade reprodução, abrindo caminho para a
expressão da libido desvinculada da fecundação. De todo modo, Freud não liberta as
psiconeuroses das forças pulsionais de cunho sexual. Ou seja, as formações
sintomáticas do inconsciente estão expressamente ligadas à energia da pulsão sexual,
que dá forma aos sintomas.
Pensando com Freud, há algo de um desejo que deve ser escutado, que
vai para além dos reparos no corpo biológico. o inúmeros os casos em que a cnica
não alcança seu êxito, e as possibilidades de intervenções vão diminuindo, positivando
as determinações inconscientes da infertilidade.
Sem tomar respostas a priori, não nos cabe interceder contra um pedido
de gestação, mas justamente ao contrário, escutar em sua demanda, um desejo que
possa tornar a mulher agora infértil, fecunda de produções, abrindo escuta ao singular
do sujeito que se interpela.
As autoras Silvia Cincunegui, Yolanda Kleiner e Póla Woscoboinik
(2004), pertencentes à Associación Psicoanalítica de Argentina, desenvolvem
importante pesquisa da área da infertilidade humana. Em seu livro La infertilidad en la
pareja”, apresentam hipóteses que acreditamos estarem de acordo com a proposta
desenvolvida neste trabalho. Gostaríamos de apresentar uma das hipóteses, cujo cerne
está relacionado à dita ‘infertilidade enigmática’, ou seja, àquele diagnóstico que é
conferido às mulheres que não apresentam diagnóstico de causa orgânica para sua
26
infertilidade. Ou, citando a nomenclatura médica, as ESCA (Esterilidades Sem Causa
Aparente).
A hipótese das autoras que apresentamos seria de que a inibição da
função reprodutora constitui um sintoma com especificidade e sentido, que não guarda
relação necessária com uma estrutura psíquica determinada. Específica, pela escolha
dos órgãos e funções. É um sintoma no corpo, que concebemos como corpo erógeno.
Sentido, que irá sendo construído sobre as marcas de episódios potencialmente
traumáticos da história da paciente ou de gerações anteriores, que encontram relação
com a procriação. Esta hipótese encontra ressonância com o que apresenta Gordowiski
(1992) em seu texto “Hieróglifos do corpo”, autor citado por Luciane Loss Jardim (1998,
p.55), em sua dissertação resultante de pesquisas acerca dos fenômenos
psicossomáticos. Diz ele: “no tratamento, o que nos oferece são hieróglifos inscritos por
gerações anteriores e dos quais o sujeito é tradução sem que, entretanto, ele tenha
consciência da linguagem que ele encarna”. (1992, p. 127).
É convergente com o que nos trazem estes autores o que Chatel (1995)
vem a chamar de “desarranjo significante”. Ou seja, trata-se aqui de uma
impossibilidade de expressão que seja fecunda. Assim sendo, tal desarranjo infecundo
se inscreve no corpo, por uma ausência de escuta que possibilite um rearranjo fértil.
Discutiremos as narrativas das pacientes com problemas de fertilidade que foram
entrevistadas pela pesquisadora no último capítulo desta dissertação, contudo,
tomaremos emprestado neste momento, as observações realizadas por M-M. Chatel
(1995), quando em escuta de mulheres que desejavam interromper uma gravidez
27
conscientemente indesejada. Poderíamos nos interpelar sobre qual a importância
destes relatos, uma vez que se trata justamente do contrário ao que nos propomos
estudar, ou seja, a ausência involuntária de uma gravidez conscientemente desejada.
Pois o que Chatel (1995) se questiona é exatamente a incompatibilidade
entre o que se manifesta no corpo e a demanda das pacientes. Nestes casos, filho e
não-filho. O que se adiciona e o que se subtrai dessas mulheres? De acordo com a
escuta da autora, em ambos os casos há uma relação inconsciente como o que diz
respeito a própria vivência como filha. Citaremos Perelson (2007, p. 37), que faz uma
boa síntese do exemplo de Chatel:
Chatel nos fornece um exemplo bastante interessante. Trata-se de
uma paciente que lhe relata ter engravidado graças a um
medicamento. Acontece que o nome deste medicamento continha
justamente as letras que faziam junção entre o nome de seu pai, o
nome de seu avô e o sobrenome de seu namorado. Haveria aqui,
portanto, uma conexão entre o nome do medicamento e a sua
fertilidade, sendo possível formularmos a hipótese de que na gravidez
da paciente tomou corpo uma conexão inconsciente. O remédio, para
além de suas inquestionáveis propriedades técnicas, mostrou-se
eficaz também no plano do sentido. Feliz coincidência.
Marina Ribeiro (2004) aborda em seu livro as controvérsias
contemporâneas de um diagnóstico de infertilidade psicogênica. De acordo com seu
levantamento, “esta é conseqüência de conflitos inconscientes ligados à sexualidade,
afetos ambivalentes em relação à maternidade, conflitos edípicos não elaborados e
conflitos ligados à identidade de gênero”, e como menciona em outra passagem, “como
repúdio inconsciente à feminilidade e à maternidade.” (p. 73 – 74).
28
Remetemo-nos novamente aos fenômenos psicossomáticos e às
conversões. Na conversão, resgata-se o sentido que pode portar o sintoma, como
relembramos anteriormente o pensamento freudiano articulado no texto “Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade”. No caso das afecções psicossomáticas, vemos tratar-se
de um enfoque que evoca a dinâmica das neuroses atuais, em que a descarga da
angústia se diretamente no corpo. “São fenômenos que aparecem no corpo, mas
estão para aquém do que seria um sintoma histérico de conversão” (JARDIM, 1998,
p.56). Os fenômenos psicossomáticos se apresentam tais como uma conversão
histérica, contudo, apontam uma lesão o corpo e pertencem ao registro do Real,
podendo estar, fora da esfera das construções neuróticas.
Auxilia-nos Lacan (1954-1955, p. 127):
Em qualquer relação narcísica, o eu é com efeito o outro, e o outro é
o eu. A neurose es sempre enquadrada pela estrutura narcísica.
Mas como tal ela está além, num outro plano. Este outro plano, não
é o plano da relação ao objeto.(...) Se algo é sugerido pelas reações
psicossomáticas como tais, é justamente por elas estarem fora do
âmbito das construções neuróticas. Não se trata de uma relação ao
objeto. Trata-se de uma relação a algo que essempre no limite de
nossas elaborações conceituais, em que se pensa sempre, em que
se fala por vezes, e que propriamente falando não podemos
apreender e que, no entanto, está aí, não se esqueçam disto – estou
lhes falando do simbólico, do imaginário, mas também o real. As
relações psicossomáticas estão no nível do real.
Para ampliar nosso entendimento, é pertinente citarmos, do Dicionário
de Psicanálise de Roudinesco e Plon (1998, p.624), a definição de psicossomática:
“nascida com Hipócrates, concerne simultaneamente ao corpo e ao espírito e, mais
29
especificamente, à relação direta entre soma e psyqué. Descreve como as doenças
orgânicas são provocadas por conflitos psíquicos, em geral inconscientes”.
Entretanto, revendo as pesquisas de Ribeiro (2004), o diagnóstico de
infertilidade psicogênica é geralmente repudiado pela literatura dica, sendo a
infertilidade compreendida apenas como um problema da esfera ginecológica. À
medida que o escrutínio da ciência médica avança, mais cai a porcentagem do que se
chamaria de infertilidade psicogênica, ou sem causa aparente, sendo que atualmente
esta porcentagem está em torno dos 5%. Além disto, pudemos constatar nestas
pesquisas, que alguns autores citados pela autora, também psicanalistas, como Apfel e
Keylor
8
, Lester
9
e Zalusky
10
consideram inconsistentes e insustentáveis as teorias
levantadas por colegas para situar uma causa psíquica da infertilidade, apenas
mencionando como relevantes as conseqüências psíquicas para problemas de
infertilidade, como estresse pessoal e conjugal, baixa auto-estima, estigma social e
depressão, por exemplo.
Retomando os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”,
observamos que Freud conclui, com muita clareza, o quanto o processo de formação do
saber acerca da sexualidade, determina as produções psiconeuróticas ou perversas
dos sujeitos. A questão “de onde vêm os bebês?”, faz parte da investigação sexual
infantil e é tida por Freud como um fracasso típico desta investigação, visto que
permanecem desconhecidos o papel do sêmen fecundante e a existência do orifício
8
APFEL, R.J. & KEYLOR, R. (2002) Psychoanalysis and infertility: myths and realities.
9
LESTER. E.P. (1995), A surrogate carries a fertilized ovum: multiple crossings in ego boundaries.
10
ZALUSKY, S. (2000), Infertility in the age of technology.
30
sexual feminino. Acrescenta-nos Maria Rita Kehl (2000), quando diz: “se tudo do sexual
ficasse coberto pelo significante, uma outra dimensão do gozo ficaria para sempre
perdida”. (p.140).
Tudo bem que a fábula da cegonha deixe incrédulos até mesmo os mais
jovens investigadores, todavia, o conhecimento científico e totalitário acerca do corpo
não põe fim às nossas dúvidas e fantasias. Exposições de anatomia, como as de
Gunther Von Hagens (fig.1), que atraíram os olhares de mais de 13 milhões de pessoas
por todo o mundo, fazem seus espectadores caírem no engodo da democratização do
saber e crerem que dominam os mistérios da vida, da morte e do sexo.
A psicanálise nos revela que o nascer e o morrer não têm representação
psíquica. O enigma da origem é atualizado em cada criança. Entretanto, a morte pode
ser imaginada somente à medida que podemos ver corpos, frutas e plantas
apodrecendo, deteriorando-se.
Maria Rita Kehl (2000), em seu texto “O sexo, a morte, a mãe e o mal”,
lembra uma frase de Lacan, quando diz que “daquilo que não se pode falar é do que
mais falamos, sem parar” (p.137); o que nos faz perceber o quanto nos custa a tarefa
de dar borda ao real, ao indizível, com palavras.
A autora faz equivalência ao nada, ao vazio e a morte, o corpo materno
e sua interioridade, e conclui que “a mulher e finalmente o sexo, a relação sexual que
nos exclui, mas início a nossa vida” (p.137), tentam ser significados pelas palavras
31
que lhes o entorno e afastam um pouco a angústia. Rachel Whitehead
11
, artista
plástica inglesa, realiza valoroso trabalho com esculturas que dão forma ao vazio, ao
oco de dentro das coisas, e nos impressiona com a intensidade da ausência ao
preencher espaços vazios (figuras 2, 3 e 4), mostrando-nos o quão concretos e
formatados eles podem ser. É um vazio que existe. Ao preencher estes espaços
Whitehead se aproxima daquilo que seria a função da linguagem, ou seja, dar forma ao
que era antes inominável. Kehl (2000) nos presenteia com a imagem do “núcleo duro
das coisas” (p.138), que está em outra instância que não imaginária ou simbólica.
Pensando no título que Kehl (2000) ao seu texto, lembramos de um
escrito pouco mencionado de Freud (1913), chamado “O tema dos três escrínios”. Não
é nosso intuito recordar toda sua exposição, mais atentarmos ao que coincide com a
junção entre o sexo, a morte e a mãe. Freud conclui sua exposição afirmando que um
homem tem três relações inevitáveis com uma mulher “a mulher que dá à luz, a
mulher que é sua companheira e a mulher que o destrói; ou que elas são as três formas
assumidas pela figura da e no decorrer da vida de um homem (FREUD, 1913,
p.325). Sendo estas o equivalente à própria e, à mulher que escolhe à semelhança
11
WHITEREAD, Rachel. Curadoria de Paulo Venâncio Filho e Ann Gallagher. Rio de Janeiro: Artviva,
2003. 100p.: il. Color., 24cm.
Catálogo da exposição realizada nos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e São Paulo, em 2003
– 2004.
Em texto de apresentação do catálogo redigido por Ann Gallagher, podemos ler:
“A sólida reputação de Rachel Whiteread talvez tenha chegado primeiro que ela ao Brasil, e, no entanto,
a artista tem apenas 40 anos.”(p.15) ... “A escultura nos propõe um encontro familiar e inquietante, mas
surpreendentemente calmo, que é o elemento de choque, por oposição. Nos sentimos ameaçados de tão
tranqüilos, não violência explícita. Lembremos: aqui é o negativo que conta. Os objetos são como
sarcófagos deles mesmos, tão ancestrais, tão atuais. Daí não ser mais possível arrumar estas esculturas
como as coisas tão familiares que foram e, portanto, o desconforto. A experiência do unheimlich do
estranho familiar se apresenta no próprio lugar que o termo (em alemão) designa: a própria casa. O
lugar do usual, aquele do uso tal qual estamos desde cedo acostumados, que é o da casa, lugar ao
inusual.”(p.56).
32
da primeira, e por fim, à terra que o acolhe, a morte. Elisabeth Roudisnesco (2002)
também se ocupa desta passagem, entendendo que a mulher, segundo Freud,
permanece sempre a mãe, na vida e na morte, visto que o homem encontra na mulher
três imagens de mãe.
Retomando Kehl (2000); sem representação possível para todos os
sujeitos, três das quatro dimensões propostas pela autora, a mãe, a morte e o sexo,
nos remetem a uma alienação ao Outro, o que condiciona a uma completa passividade
do sujeito. Tal reflexão encontra laço com o que sugere Roland Barthes ao dizer que o
mito da condição humana, está calcado numa mistificação antiga de colocar a Natureza
no fundo da História, nos lembrando de estarmos atentos ao dizer de cada sujeito sobre
si, a fim de que se ressignifique o que era tido como fato. Barthes acrescenta: “e o
mesmo quanto à morte: será que devemos cantar mais uma vez a sua essência,
arriscando-nos esquecer que ainda podemos tanto contra ela?” (BARTHES, 2006,
p.177).
Sugerimos uma questão: se na infertilidade, no sentido restrito à
procriação, é impossível gerar um filho como representante fálico, seria possível
pensarmos que esta mulher, que é não-toda, se sente indigna (Maria Rita Kehl usa o
termo abjeto) por mostrar-se castrada, impedindo que um representante evoque a
ausência do falo? O sintoma que lhe posiciona como infértil nega e afirma sua
incompletude, sendo incapaz de reproduzir a vida. Seja para dar um filho à sua mãe,
visto que, nos propõe Freud, é este também um dos desejos de filho, a mulher deve
33
reconhecer sua mãe como não-toda, para que tente completá-la. Estando incapaz de
produzir um resto que se desprenda de seu corpo, a mulher infértil não cria sua obra.
Em “As transformações do instinto exemplificadas no erotismo anal”,
Freud (1917) infere que “nos produtos do inconsciente - idéias espontâneas, fantasias e
sintomas - os conceitos de fezes, bebê e pênis mal se distinguem um do outro e são
facilmente intercambiáveis.” (p.136). Lembra Freud que na histeria das mulheres se
observa a inveja do pênis, como incluído no complexo de castração, sendo este desejo
infantil, veículo dos seus sintomas neuróticos. Observa também que nas mulheres, as
quais não se encontra um desejo por pênis, encontra-se um desejo por bebê, vindo
como substituto ao que a “natureza lhes negou” (p.137), sendo estes desejos
fundamentalmente idênticos. Nos casos em que o desejo por um pênis se transforma
em desejo por um homem, este como suplemento do pênis, permitindo desta forma,
que a mulher seja capaz de um amor objetal e não narcísico. Entretanto, Freud assinala
que em alguns casos, “apenas um bebê torna possível a transição do auto-amor
narcísico para o amor objetal. De modo que, também neste aspecto, um bebê pode ser
representado por um pênis”. (p.137).
Tal formulação freudiana tem passado por inúmeras críticas ao longo dos
anos e reformulações por teóricos do campo psicanalítico. Piera Aulagnier (1979) diz
que falar de uma equivalência pênis-criança é ambíguo. Conforme a teórica, a
superestimação do objeto vem valorizar seu possuidor, daí a função de objeto fálico
que o discurso atribui, freqüentemente, à criança. O brilho fálico atribuído a todos os
objetos desejados pela mulher, fica sem sentido se não exprime a relação que une o
34
casal parental e mais precisamente a relação da mãe ao bebê. “O bebê representa um
mínimo de distância do objeto de desejo inconsciente”. (AULAGNIER, 1979, p.114). O
objeto de desejo está sempre alhures.
Mesmo a explicação de Aulagnier, que procura destituir a equivalência
pênis-bebê, encontra-se confusa no que se refere à igualdade de valor entre pênis e
falo. Foi Jacques Lacan, quem contribuiu para um avanço teórico do que vem a ser a
função do falo. Enquanto que para Freud não parece haver distância entre o símbolo e
sua encarnação imaginária (POLI, 2007), para Lacan “o falo é um atributo de valor que
é construído e que circula em uma dada estrutura organizada por funções: as funções
materna e paterna como suportes psíquicos necessários à constituição de cada sujeito”
(POLI, 2007, p.22).
Retomamos a teoria lacaniana ao que concerne à significação do falo. Em
seu texto de 1958, Lacan, nos esclarece que o falo é uma função, fazendo a leitura de
que não é uma fantasia e tampouco um objeto, mas, menos ainda um órgão que ele
simboliza, por exemplo, o pênis. (p.696). Segue sua explanação, convidando a pensar o
falo como significante que pode “levantar o véu daquela que ele mantinha envolta em
mistérios” (p.697). Significante que aponta os efeitos de significado que ele condiciona
por sua presença. Ou, dito de outra maneira por Lacan, “o falo como significante a
razão do desejo” (p. 700).
Seguiremos pelo contraponto com a teoria freudiana de que a
maternidade seria o único caminho viável para as mulheres que estão em busca da
35
constituição da feminilidade. Uma mãe, de fato, não faz objeção à ordem lica; e a
mulher, carente de um significante que a nomeie, recorre ao falo. O elemento que
recobre a falta, que também pode ser o filho, mostra-nos que a posição feminina está,
tal como a masculina, subjugada ao falo.
Lacan concorda com Freud no ponto em que este diz ser o filho, um
tampão para o buraco da castração da mulher. Contudo, em “Diretrizes para um
Congresso sobre a sexualidade feminina”, Lacan (1960) faz uma interrogação acerca
do que seria chamado de instinto materno. Ele pergunta (p.739):
Quanto a esse mesmo ponto, convém indagar se a mediação fálica
drena tudo o que pode se manifestar de pulsional na mulher,
notadamente toda a corrente do instinto materno. Por que não dizer
aqui que o fato de que tudo o que é analisável é sexual não implica
que tudo o que é sexual seja acessível à análise?
Nesta colocação, Lacan anuncia que pode haver outra forma de gozo que
não pela via do falo. A mulher não estaria toda na maternidade e gozaria para além do
falo. Se pensarmos o amor maternal como um amor de possessão, conforme a hipótese
levantada por MARCOS (2007, p. 37), este estaria situado no gozo fálico. Entretanto, a
maternidade pode confrontar a mulher com a sua castração e ao invés de cobri-la,
revelá-la. Para cada sujeito, o encontro com a falta se dará de forma completamente
singular. De todo modo, tal tentativa de tamponamento é impossível, tornando sempre
presente o real. Mesmo que se pela via da criança como pedaço de real, a mãe ao
36
aproximar-se do incomensurável do parto, pode ser remetida à manifestações
psicopatológicas, como a depressão pós-parto, por exemplo.
O corpo da mãe permanece para sempre inacessível. Do seu corpo
podemos ter tão somente pedaços a voz, o olhar, os toques, o
perfume ele permanece outro, estrangeiro. A criança pode tentar
apropriar-se dele, comê-lo, cortá-lo, ele permanece irredutivelmente
outro. O impossível incesto com a coisa materna condena a criança
à não ter nada além do que o objeto em pedaços o seio, o olhar, a
voz. (MARCOS, 2007, p. 37).
O falasser, ao demandar, recebe de volta sua mensagem provinda do
Outro, sendo esta, portanto, alienada. As necessidades o, na fala, desviadas, não
podendo articular-se na demanda. Contudo, desta equação, surge um produto, que
Lacan chama de rebento, que é aquilo que no falasser se constitui como desejo.
Pensamos, a partir destas colocações, que o lugar do rebento, o qual se refere Lacan,
pode ser ocupado pelo significante filho.
O desejo, por sua vez, se faz compreender pelo caráter paradoxal,
desviante e errático, o qual o se confunde com a necessidade. O desejo coloca o
falasser num impasse, distinto da necessidade que encontra satisfação.
Também a demanda em si não se satisfaz com aquilo pelo qual protesta.
É toda a demanda, demanda de amor, o que faz anular a particularidade de tudo o que
é concedido e transforma em prova de amor. O que foi anulado reaparece para além da
demanda, no desejo. O desejo mostra que a prova de amor não satisfaz uma
necessidade.
37
“O desejo não é, portanto, nem o apetite de satisfação, nem a
demanda de amor, mas diferença que resulta da subtração do
primeiro à segunda, o próprio fenômeno de sua fenda”. (LACAN,
1958, p. 698).
A necessidade de incluir o médico na reprodução, nos sinaliza o
paradoxo da necessidade do outro, e da dependência do Outro. Sendo sintoma, mesmo
na procriação artificial o desejo não está descartado, ao contrário do que disse Marie
Magdelaine Chatel (1995), em seu livro “Mal-estar na procriação”; a citamos: “as
procriações artificiais tentam apagar o artifício da lei do pai e a montagem da diferença
entre os sexos. Na procriação artificial, o desejo sexual é oficialmente descartado. O
apagamento dos traços de origem está no princípio da fecundação artificial” (p.119).
Como aponta Lacan (1959, p. 424), é importante na análise dos sujeitos, partirmos de
um sintoma que é dado como elemento relevant
12
essencialmente para o sujeito, e é
em sua interpretação que progrediremos até sua solução, ou melhor, é do valor de guia
do detalhe relevant, do detalhe pertinente, que se trata.
Ao retiramos o desejo de filho e a infertilidade do campo do
exclusivamente biológico, ao propormos que a maternidade não é instinto, mas escolha,
esta alicerçada num fantasma, não como afirmar que não existe desejo, e sabemos,
conforme os estudos nos textos freudianos, que todo desejo é sexual. Assim
separamos, pelo corte simbólico, a subjetividade da natureza. Ressaltamos as palavras
da psicanalista Ana Maria Sigal (2003): Assim como não se nasce mulher para o
inconsciente, não se nasce mãe. Seja através do coito, da fertilização assistida ou da
12
Segundo nota de roda-pé deste Seminário: “Relevant: pertinente. Mas também, em Eissler: o detalhe
‘revelador’ no sentido do lapso revelador”. ( LACAN, 1959, p. 424).
38
adoção, a mulher alcança sua condição de mãe a partir das inscrições simbólicas que
pode realizar”.
Para nós, o discurso de Freud (1938) acerca da sexualidade feminina fez
parte de uma época na qual a mulher não tinha muitas possibilidades de escolhas
fálicas, ou então, estas se davam por outros meios que não os de nossa geração.
Atualmente, percebemos novos modos de realização que aproximam a mulher deste
gozo, tais como realizações profissionais, acadêmicas e sociais. E não nos furtamos de
escutar de algumas mulheres que um filho, na atual conjuntura do universo feminino,
restringe-as e priva-as de posições para elas fundamentais, como diz Marcos (2007, p.
44) “roubando-lhes seu tempo, sua beleza, sua carreira”.
Outrossim, ainda discutiremos a que vem a demanda de filho em
mulheres que aparentemente se dizem realizadas nas demais esferas de sua vida,
tanto que esperaram pelo momento que consideravam ser adequado para a
maternidade e que hoje, ao se defrontarem com a infertilidade, desvalorizam as
conquistas anteriores, tornando o pedido de um filho, através da reprodução assistida,
imprescindível para sua realização enquanto mulher. Ademais, encontraremos na
literatura que conceitos como ‘instinto maternal’, infância e família, tais como os
entendemos na contemporaneidade, vêm de uma construção política, religiosa e social,
como poderemos conferir no estudo histórico de Roudinesco (2003), Kehl (1998) e
Foucault (1998), produzidos e construídos como um artefato que nada tem de natural.
39
2
A PROBLEMATIZAÇÃO NATURAL X ARTIFICIAL
Pelos caminhos artificiais, culturais, os homens caminham altivos
rumo a um destino que eles próprios projetaram.
Vilém Flusser
13
Sempre que pensamos em reprodução, nos deparamos com duas
possibilidades: repetir um passado ou gerar algo novo. Algo novo que vem de nós, que
tem algo de nós. Não é vazio, nos comporta. Assim, a reprodução jamais está
direcionada ao passado ou ao futuro, mas contempla todo um tempo subjetivo. É
inconsciente, ainda-não-consciente e consciente.
Processo de angústia e esperança, no qual o sujeito que reproduz
questiona o seu ser-no-mundo, e se confronta com sua finitude. Sua obra, seu filho é a
transcendência de sua morte.
13
FLUSSER, 1979, p. 13.
40
A mulher que imagina o sorriso do seu filho, o chama pelo nome, brinca
com ele e o nina em seus sonhos acordados, quando recebe o diagnóstico de que
possui uma doença que a torna infértil, tem a possibilidade de fazer um tratamento
médico recorrendo à alguma das Novas Técnicas de Reprodução Assistida que é
indicada para seu caso, com a perspectiva de conseguir a gravidez e levá-la a termo. O
tratamento da infertilidade neste caso é mais um exemplo do quanto o ser humano é
capaz de inventar e aprimorar técnicas que avançam sobre os limites da natureza e que
passam a fazer parte das práticas vigentes de uma sociedade.
Por vezes, classificamos como naturais ao ser humano, práticas e modos
de vida que muito tempo estão instituídos em nossa sociedade. Ademais,
desconhecemos quando e como estes paradigmas foram sendo absorvidos pela
cultura, ou dito de outro modo, ignoramos o processo constituinte de um pensamento e
de uma prática, tanto quanto ignoramos a razão que determina sua inserção. Ao
problematizar as práticas vigentes, percebemos o quanto estas são artificiais,
culturalmente instituídas, atribuídas e reguladas por valores morais e antigas crenças.
Ou seja, tal deliberação histórica apenas caiu no esquecimento com o passar dos
tempos. Seguindo este pensamento, entendemos que o sujeito que ignora os
processos pelos quais foram fundados os paradigmas contemporâneos, simplesmente
pode estar reproduzindo modos de subjetivação sem levantar questões sobre a suas
escolhas.
Caberia-nos então, perguntar sobre que desejo coloca este sujeito em
movimento?
41
O que é o natural? Esta pergunta se torna relevante a propósito da
reprodução artificial e não podemos nos aproximar de uma resposta, senão por aquilo
que é da ordem do humano. Pois aquilo que faz o homem, sujeito, é uma “miscelânea
de fora da natureza”. (LACAN, 1975-1976, p. 13).
“Extrair uma lei natural, é extrair uma fórmula insignificante” (p.211), disse
Lacan, em 11 de abril de 1956, prosseguindo: “chamo natural o campo da ciência em
que não ninguém que se sirva do significante para significar”. O natural é o Real, e
que, todavia, não deixa de dar forma ao corpo. É, portanto, singular, o modo como cada
sujeito, imerso no Simbólico, elege os significantes disponíveis, que o dão alguma
certeza, mas justamente constituem o equívoco que funciona como mola propulsora de
desejo, estando implicado numa relação que afeta seu ser.
Vilém Flusser (1979) aborda vários acessos ao significado de natureza,
criando dialéticas que evidenciam a legitimidade de uma problematização destes
conceitos. Para nós, a pergunta relevante para nossa discussão é: o que é próprio do
humano? Do que se reveste o homem para que se aproxime de sua natureza, que o faz
utilizar artifícios que falem de si? Segundo Flusser (1979), “a artificialidade de um
caminho parece não depender de sua elaboração, nem de sua função, mas do clima
existencial que o cerca. Pelos caminhos artificiais, culturais, os homens caminham
altivos rumo a um destino que eles próprios projetaram”. (p. 13)
42
Michel Tort (2001) também se demonstra preocupado frente às intenções
naturalistas, e estuda o filósofo naturalista François Dagognet, pela leitura do livro La
Maîtrise du vivant”, de 1988, para poder nos apresentar a seguinte conclusão:
Que é o naturalismo segundo F. Dagognet? É um efeito da
submissão secular à natureza, uma ideologia da submissão e da
renúncia face à natureza. O naturalismo sustenta desde sempre
uma guerra ingrata contra o artificial e o sintético, desvalorizados
pela relação com o natural insubstituível. O naturalismo extrai sua
inspiração do vivo e exige respeito do que vive, que não se deve
deslocar nem manipular nem tentar imitar. (TORT, 2001, p.107).
Seguindo a linha teórica de Lacan somos seres de linguagem e por ela
representados através dos significantes, que “organizam de modo inaugural as relações
humanas, lhes dão as estruturas, as modelam. Antes de qualquer formação do sujeito,
de um sujeito que pensa, que se situa aí – isso conta, é contado, e no contado já está o
contador”. (LACAN, 1964, p. 26). Assim, ao nos configurarmos como sujeitos inscritos
no campo do Simbólico não somos regulados por instintos, ou seja, estamos fora
daquilo que é da ordem de uma certa natureza. Outrossim, a linguagem propriamente
dita é um artifício natural do homem, também capaz de intermediar seu encontro com a
natureza, relacionando-se com ela, consigo e com o outro.
Seguindo por nosso referencial epistemológico, entendemos que a
questão da procriação é sempre um enigma, visto que ela não se dá a partir da
experiência, ou seja, ela é imaginariamente construída. Dito de outro modo, a idéia que
o sujeito tem de procriação se estabelece por meio de suas fantasias, e a experiência
de nascimento que este pode ter, é a que lhe foi contada. Pensamos que, ao contar de
si, e neste caso, de si enquanto capaz de procriar, o sujeito faz registro de sua
43
experiência e se experimenta enquanto desejante. Lacan (1959, p.435) diz que o nível
da experiência é o nível do desejo. Este serve de indicativo para o sujeito, no ponto em
que o sujeito aparece e logo esvanece. Ou seja, o sujeito aparece à medida que se
conta, fala de si, na hiância por onde pode aceder o desejo, pois o sujeito “não está no
ponto em que ele deseja, ele está em alguma parte no fantasma”. (LACAN, 1959 p.
440). De tal modo, o encontro com o objeto de desejo é sempre frustrado, permitindo
apenas que o sujeito se contente com o que alcança, impedido de ficar plenamente
contente
14
.
Freud (1930 [1929]), em seu texto “O Mal-Estar na Civilização”,
reconhece que a humanidade apesar de ter efetuado “extraordinário progresso nas
ciências naturais e em sua aplicação técnica” (p.94), não alcança por este feito seu
ideal de felicidade, confrontando-nos com a conclusão de que tal subjugação das forças
da natureza “não constitui a única precondição da felicidade humana, assim como não
é o único objetivo do esforço cultural” (p.95). Refere também que outro objetivo da
civilização é o relacionamento mútuo entre os homens, como recompensa de uma
renúncia aos instintos.
Desta forma o homem desenvolve mecanismos psíquicos que têm como
objetivo a tentativa de afastá-lo do sofrimento causado pela renúncia dos instintos
libidinais, empregando deslocamentos de libido para a satisfação destes. Freud (1930
14
Em ‘Nota do Tradutor’, do Seminário de Lacan, ‘O desejo e sua interpretação’, podemos ler: Comptant
(contante, contador) e content (contente, satisfeito) são homofônicos e permitem um jogo de palavras
nesta passagem. Referindo-se a passagem da página 435: “No desejo nós nos contamos contando. É aí
que o sujeito aparece contador.
44
[1929]) aponta o trabalho psíquico e intelectual como fonte para a produção de prazer,
além do relacionamento amoroso e da amizade.
Podemos enlaçar este pensamento freudiano ao que diz Canguilhem
(1943) que “para julgar o normal e o patológico não se deve limitar a vida humana à
vida vegetativa. (...) O homem, mesmo sob o aspecto físico, não se limita a seu
organismo. O homem tendo prolongado seus órgãos por meio de instrumentos,
considera seu corpo apenas como um meio de todos os meios de ação possíveis” (p.
162).
Ao aventurar-se na ciência, o homem assume posição contemplativa,
saindo de uma posição desejante ao eleger uma forma deste desejo. Desejo sempre de
saber, de conhecer. O método de conhecimento científico que se perpetua é o
fracionado, segmentado, parcelado, que vai territorializando o mundo por esta
apreensão. (LACAN, 1958-1959 – p.402-403).
De acordo com Lacan (1965-1966), “não ciência do homem, porque o
homem da ciência não existe, mas apenas sujeito” (p. 873). Neste sentido, a
singularidade de cada sujeito que está em relação aos objetos deve ser o ponto a partir
do qual podemos entendê-lo para intervir no seu campo psíquico. Esta proposta se
encontra em desacordo com a produção da medicina positivista e tecnocrata e da
psicologia behaviorista, criticados por Canguilhem em sua obra “O Normal e o
Patológico”. Canguilhem denuncia que uma norma que atesta os estados
considerados normais ou de saúde, a partir de uma concepção de que a patologia ou o
45
estado anormal se pela falta ou pelo excesso desta norma. Tais categorias
normativas forjadas pelo cientificismo submetem o sujeito a um aprisionamento em
padronizações de pensamento e ação, embora o argumento cientifico se no que diz
respeito a um progresso do homem em relação à natureza, ou melhor, a ultrapassagem
das barreiras biológicas até então conhecidas. Flusser lembra que a tecnocracia
imobiliza e condiciona o homem, e toma por cultura, o progresso que contribui para a
liberdade humana. É também Foucault quem se preocupa com a questão da
formatação dos corpos:
O momento em que passamos de mecanismos histórico-rituais de
formação da individualidade a mecanismos científico-disciplinares,
em que o normal tomou o lugar do ancestral, e a medida o lugar do
status, substituindo assim a individualidade do homem memorável
pela do homem calculável, esse momento em que as ciências do
homem se tornaram possíveis, é aquele em que foram postas em
funcionamento uma nova tecnologia do poder e uma outra anatomia
política do corpo. (FOUCAULT, 1999, p.161).
O próprio conceito de liberdade humana merece ao menos uma breve
explanação neste estudo. Em “A ética do cuidado de si como prática da liberdade”,
Foucault (1984), questionado quanto à necessidade de liberação para o exercício da
prática de si, sinaliza que a liberação é às vezes a condição política e histórica para a
prática da liberdade, pois abre um campo para novas relações de poder, que devem
ser controladas por práticas da liberdade. Nesse sentido, é colocada a
problematização ética: como se pode praticar a liberdade? A liberdade é a condição
ontológica da ética, pois o que é a ética senão a prática reflexiva da liberdade?
46
Com o intuito de pensar essas questões, Foucault aborda o mundo
greco-romano, onde o cuidado de si constituiu o modo pelo qual a liberdade
individual ou cívica foi pensada como ética. Para conduzir-se bem, para praticar
adequadamente a liberdade, era necessário se ocupar de si mesmo, cuidar de si, ao
mesmo tempo para se conhecer e para se formar, superar-se a si mesmo, e dominar
em si os apetites que poderiam arrebatá-lo. Na Antiguidade, a ética como prática
racional da liberdade girou em torno desse imperativo: “cuida-te de ti mesmo”. Ao
contrário da nossa sociedade, onde, a partir de um certo momento, o cuidado de si
tornou-se algo da ordem do egoísmo.
Para os gregos, o cuidado de si implica relações complexas com os
outros, uma vez que o êthos da liberdade é também uma maneira de cuidar dos
outros, pois o homem livre que se conduz adequadamente precisa saber governar (a
mulher, os filhos, a casa) e também implica a relação com um mestre. Nesse sentido,
toda essa moral era que aquele que cuidasse adequadamente de si mesmo era, por
isso mesmo, capaz de se conduzir adequadamente em relação aos outros e para os
outros. É o poder sobre si que vai regular o poder sobre os outros.
Quanto ao caráter mais ativo do sujeito enquanto constituindo-se através
das práticas de si, Foucault salienta que essas práticas não são algo que o próprio
indivíduo inventa, mas sim, esquemas que ele encontra em sua cultura e que lhe são
propostos, sugeridos, impostos por sua cultura, sua sociedade e seu grupo de
47
convívio. O autor retoma então sua noção de relações de poder que são móveis,
reversíveis e instáveis e que só são possíveis enquanto os sujeitos forem livres.
Dialogando com a idéia das relações de comunicação de Habermas,
Foucault faz uma ressalva quanto ao caráter utópico da busca de uma comunicação
perfeitamente transparente, mas que seria importante se impor regras de direito,
técnicas de gestão e também a moral. A prática de si permite, nos jogos de poder,
jogar com um mínimo de dominação. Sendo este, o ponto de articulação entre a
preocupação ética e a luta política pelo respeito aos direitos, entre a reflexão crítica
contra as técnicas abusivas de governo e a investigação ética que permite instituir a
liberdade individual.
Em capitulo intitulado de “Modificações”, Foucault (1984), em “História da
Sexualidade”, procura discorrer sobre a história da sexualidade enquanto
experiência, entendida como a correlação, de uma cultura entre campos de saber,
tipos de normatividade e formas de subjetividade, que não deveria ser uma história
dos comportamentos e nem das representações, e que resultou numa análise do
homem de desejo que se encontra na intersecção entre uma arqueologia das
problematizações e uma genealogia das práticas de si; substituindo uma história dos
sistemas de moral por uma história das problematizações éticas. Pois, se tratarmos a
sexualidade enquanto invariante, sofrendo os efeitos dos mecanismos diversos de
repressão a que ela se encontra exposta em toda a sociedade, equivaleria a colocar
fora do campo histórico o desejo e o sujeito de desejo. Foucault faz um estudo dos
48
modos pelos quais os indivíduos são levados a se reconhecerem como sujeitos
sexuais, empreendendo um trabalho histórico e crítico, portanto, uma genealogia. Em
resumo, para compreender de que maneira o indivíduo moderno podia fazer a
experiência dele mesmo enquanto sujeito de uma ‘sexualidade’, seria necessário
distinguir previamente a maneira pela qual, durante séculos, o homem ocidental fora
levado a se reconhecer como sujeito de desejo.
Ao problematizar as modificações do social a cada época e em cada
comunidade, Rosane Neves da Silva (2004, p.14) articula as seguintes colocações:
É precisamente a ênfase dada a essa coordenada espacial que
pode nos ajudar a compreender a ubiqüidade do social, isto é, sua
evidência e, ao mesmo tempo, sua opacidade. Em função dessa
ubiqüidade, torna-se difícil considerar o social como um campo
problemático que possui uma historicidade e que é forjado a partir
de uma configuração específica de práticas que variam de acordo
com as características de cada coletividade humana. Ao deixarmos
de reduzir o social à mera noção de sociabilidade e passarmos a
problematizá-lo a partir do conjunto de práticas que o constituem,
podemos dizer que o próprio social cessa de ser um "objeto natural"
entre outros. Quando deixamos de considerá-lo como uma evidência
e passamos a constituí-lo como um campo problemático, vemos que
o social é essencialmente um objeto construído e produzido a partir
de diferentes práticas humanas e que não cessa de se transformar
ao longo do tempo.
Do mesmo modo, a disciplina da bioética se encarrega de problematizar
a noção de liberdade ao que se refere à escolha pela reprodução assistida e o
desenvolvimento e utilizações das técnicas, que a cada período apresentam inovações
e impulsionam a novas reflexões e abordagens quanto ao seu uso.
49
Maurízio Mori (2001), professor de bioética da Faculdade de Letras e
Filosofia da Universidade de Turim, Itália, faz importante reflexão acerca da liberdade
de procriação. Considerando que a procriação dita natural se vale da mais absoluta
liberdade, tanto quando se escolhe ter ou o ter filhos. Entretanto, segundo o filósofo,
trata-se do exercício de uma liberdade individual e que, em nossa sociedade, ao
contrairmos matrimônio e formarmos um casal, está intrínseco a promessa da geração
de filhos, a não ser que a renúncia a estes seja uma deliberação do casal, e não algo
que diz respeito apenas a uma autonomia individual. Desta maneira, a própria
concepção tradicional de casamento torna-se relativa.
Este pensador acrescenta que a escolha por o ter filhos também se
justifica pelo direito de decisão acerca do próprio corpo. Nesta linha de raciocínio, é
julgado plausível que os indivíduos recorram, por exemplo, a métodos contraceptivos,
cirurgias plásticas estéticas, cirurgias para mudança de sexos, ou mesmo tatuagens e
piercings.
Por procriação entende-se o processo biológico através do qual se a
transmissão da vida de uma geração à outra. E compreende tudo aquilo que diz
respeito ao nascimento e crescimento de uma nova pessoa, até que esta alcance a
maturidade biológica, ou seja, a capacidade de transmitir por sua vez, vida a novos
indivíduos.
Além do mais, perece-nos impossível separarmos o desejo de filho para a
mulher de suas implicações na família e sociedade. Domínio no qual as instâncias
50
culturais agem sobre as naturais, a família desempenha um papel primordial na
transmissão da cultura, pelas tradições, pela manutenção de mitos e conservação de
costumes. Assim, “a família transmite estruturas de comportamento e de representação
cujo jogo ultrapassa os limites da consciência”. (LACAN, 1938, p. 13) A relação
biológica da família postula que os adultos geradores assegurem sua função de
reprodutores, assinalando a dificuldade em adaptar-se a algo que compromete esta
ordem e desestrutura a unidade de linhagem e transmissão hereditária.
É necessário reconhecer o caráter que especifica a ordem humana, a
saber, esta subversão de toda fixidez instintiva, da qual surgem as
formas fundamentais, prenhes de variações infinitas, da cultura.
(LACAN, 1938, p.20).
Ao questionarmos a dicotomia natural e artificial, tornamos relativa a
realidade e as escolhas dos sujeitos implicados no fazer de sua história. Seguindo esta
mesma via, os desejos de filho enunciados pelos sujeitos da pesquisa serão postos em
análise, na tentativa de refazer os caminhos pelos quais os mitos foram construídos.
Por outro lado, tal como o mito é efeito de linguagem, também somos, e não como
nos desmistificar plenamente. Ou seja, ao problematizarmos os mitos que nos
constituem, nos permitimos não consumi-los por indução, mas por opção.
Acreditamos ser importante, neste ponto, citarmos as palavras de Barthes,
escritas em 1956, quando o autor se propunha a refletir sobre as “liberdades” do
homem:
51
O ponto de vista desta reflexão era, o mais das vezes, um
sentimento de impaciência frente ao “natural” com que a imprensa, a
arte, o senso comum mascaram continuamente uma realidade que,
pelo fato de ser aquela em que vivemos, não deixa de ser por isso
perfeitamente histórica: resumindo, sofria por ver a todo momento
confundidas, nos relatos de nossa atualidade, Natureza e História, e
queria recuperar, na exposição decorativa do-que-é-óbvio, o abuso
ideológico que, na minha opinião, nele se dissimula. (BARTHES,
2006, p.11).
Seguindo a reflexão das liberdades de procriação, concluímos que a
liberdade de ter um filho em contrapartida com a liberdade de não ter filhos é um
exercício de autonomia e responsabilidade. Ambas as escolhas, quando a liberdade de
filho requer assistência na procriação, são sustentadas por métodos que não são
naturais da biologia humana, visto que para o ter filhos os casais fazem uso de
métodos contraceptivos. Pode-se, além disso, enfatizar que, em muitos casos, o desejo
de ter um filho não é em nada algo supérfluo ou frívolo; pelo contrário, a decisão de
fazer nascer um filho é um aspecto importante e crucial para o próprio projeto de vida,
pois constitui um compromisso profundo para com a existência. Conforme veremos
neste ensaio, muitos autores, como Tubert (1996), Chatel (1995), observam que os
sujeitos atingem na paternidade e na maternidade a plena maturidade da
personalidade, devendo esta ser considerada como uma das vias mais importantes
para o aperfeiçoamento da personalidade humana.
Mesmo que estas observações tenham sido feitas com relação à
procriação “natural”, não existe razão para que não valham também para aquela
conseguida graças à assistência das técnicas, mostrando-se inconsistentes quaisquer
52
objeções que possam ser feitas a estas, principalmente as que argumentam a ilicitude
de intervir nos processos naturais.
Tais argumentos que geram profundas polêmicas de cunho moral e ético
são reflexos de temores quanto à alteração do status quo da condição humana,
condição esta que debatemos anteriormente. A inconsistência dos fundamentos se
quando se coloca em jogo que o homem deve ter sua natureza inalterável e aceitar
o próprio destino, idéias oriundas do paradigma religioso e confrontadas pelo teólogo
Leonardo Boff quando diz: “o ser humano é o único ser que pode intervir nos processos
da natureza e co-pilotar a marcha da evolução. Ele foi criado criador.”
15
Segundo Canguilhem (1943), “o homem se sente em boa saúde
que é precisamente, a saúde quando se sente mais do que o normal, isto é, não
apenas adaptado ao meio e às suas exigências, mas, também normativo, capaz de
seguir novas normas de vida” (p. 161). Ou seja, o homem vigora boa saúde quando não
está limitado às funções biológicas, e é capaz de arriscar seu corpo a um modo de vida
escolhida, transformando-se à sua necessidade. Desta forma, desenvolve artifícios que
prolongam seu corpo, o que é imaginado se transforma em possibilidade, enxergando o
horizonte por meio de seus óculos para miopia. Render-se a natureza é ser infiel à
própria natureza humana de acordo com o pensamento de Flusser, visto que o homem
é capaz de intensificá-la, cultivá-la, como ativista e ativo da sua própria virtude. O
homem intensifica a capacidade do olhar, através de suas lunetas. Neste sentido, diz
15
BOFF, L. A cultura da paz. Jornal do Brasil, 2002. fev. 8:9.
53
Flusser, “os caminhos antinaturais não são necessariamente frutos de uma arte mais
evoluída e cultura não é necessariamente antinatureza” (p.14).
As utopias aparecem como bem mais realizáveis do que se possa
crer. E nós nos encontramos diante de uma questão bem
angustiante: Como evitar essa realização definitiva? ... As utopias
são realizáveis. A vida anda em direção às utopias. E talvez um
novo século comece, um século onde os intelectuais e a classe mais
culta sonhe com os meios para evitar as utopias e também de que
se retorne a uma sociedade não utópica, menos perfeita e mais
livre. (BERDIAEFF, Nicolas. In: HUXLEY, 1932).
16
Esta citação, apesar de andar na contra-mão do que Edson Sousa
entende por utopia
17
, visto que aqui o termo utopia se estabelece no sentido de
fantasia, vem denunciar que aquilo que está sendo imaginado pelo ser humano, que
muitas vezes pode aparentar mera ficção científica, pode vir, sim, tornar-se realidade.
Berdiaeff teve, acreditamos, o intuito de atentar para a falta de limites com a qual o
homem faz uso da tecnologia. Esta citação foi totalmente adequada ao ser apresentada
como prólogo do livro ‘Admirável Mundo Novo’, escrito por Huxley em 1932. Neste livro,
o uso sistemático e hermético das tecnologias reproduz uma sociedade tecnocrática
cuja ideologia é viver de forma a abster-se de quaisquer possibilidades de frustrações e
privações. Ou, dito de outra maneira, uma civilização que desconheceria o mal-estar. O
mais interessante, que creio constar neste debate acerca da natureza vs. cultura, que
16
Tradução da autora.
17
Dentre suas principais publicações, encontramos: SOUSA, E. L. A. . Uma Invenção da Utopia. São
Paulo: Lume Editor, 2007; SOUSA, E. L. A. . Des trous dans l'avenir:utopie et culture. Les Irraiductible -
Revue Interculturelle et planetaire d'analyse institutiionnelle, v. 12, p. 299-319, 2007 ; SOUSA, E. L. A. .
Escritas das Utopias: litoral, literal, lutoral. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto
Alegre, v. 31, p. 48-60, 2006.; SOUSA, E. L. A. . Escrita das utopias: litoral, literal, lutoral. In: Ana Costa;
Doris Rinaldi. (Org.). Escrita e Psicanálise. 1 ed. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2007, v. 1, p. 239-
253.; SOUSA, E. L. A. . Furos no futuro: utopia e cultura. In: Fernando Schüler; Marilia Barcellos. (Org.).
Fronteiras: arte e pensamento na época do multiculturalismo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2006, v. , p.
167-180 e SOUSA, E. L. A. . Utopias como âncoras simbólicas. In: Tania Mara Galli Fonseca; Patricia
Gomes Kirst. (Org.). Cartografias e Devires: a construção do presente. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2003, v. , p. 63-67.
54
dita os modos de subjetivação, é que em ‘Admirável Mundo Novo’, a sociedade “deixa
o domínio da simples imitação servil da natureza para entrar no mundo muito mais
interessante da invenção humana”. (HUXLEY, [1932] 2006, p.21). Entretanto, o mundo
acima mencionado, neste livro, é o mundo do condicionamento, sendo necessária toda
a nossa atenção quanto às armadilhas do artificialismo desmedido, como por exemplo,
a clonagem e a criação de seres subumanos. Ao lembrarmos das castas inferiores
imaginadas por Huxley e seu uso para servir as castas superiores, percebemos que
não estamos em um mundo tão ficcional, pois, segundo a literatura pesquisada
(TUBERT, 1996; TORT, 2001), a função de mães-de-aluguel era cabível às mulheres
dos países subdesenvolvidos do “Sul”, que aceitariam receber menos por este
‘trabalho’. Sem fazer apologia à morte da Mãe Natureza, o artifício nos demonstra que
á natureza é uma mãe insuficiente para nós humanos. Redunda os impasses do
artificialismo quando nos propomos a falar de reprodução humana.
Contudo, opiniões de psicanalistas, como Chatel, Tort e Tubert, que
muitas vezes constroem quadros por demais deterministas. Nos parece relevante
refletirmos sobre o que nos diz Tubert:
A demanda de filho não pode justificar o desenvolvimento de uma
“medicina do desejo”: o se trata, em absoluto, em avaliar a
autenticidade do desejo de cada um, que ninguém pode ou deve
se erguer em juiz, mas sim antecipar que, se hoje parece válido
recorrer a tudo para satisfazer o desejo de filho a qualquer preço,
amanhã poderá aceitar-se o desejo de ter uma menina ou um
menino, a liberdade de escolher a cor de seus olhos ou de seu
cabelo, o direito a selecionar todos os traços possíveis para fabricá-
lo na medida. (TUBERT, 1996, p.316).
55
Entretanto, ao acessar ao artificial quando o natural falha, nós estamos
novamente submetidos a uma lógica da naturalidade. Ao invés de nos curvar à
natureza, pretendemos aprimorá-la, entretanto ainda identificados ao seu princípio.
“Os bem-intencionados comportam-se da mesma forma que os mal-
intencionados”. (HUXLEY, [1932] 2006, p.80).
A intenção ou o ato de julgar o que vem a ser benéfico para o outro,
estabelecido de acordo com uma moral e uma ética, foi muito trabalhado por Freud
(1930) e principalmente por Lacan (1959 1960). Este último em seu seminário sobre
a ética da psicanálise, faz um debate acerca da função do bem e da premissa “amarás
o próximo como a ti mesmo”. O autor discorre sobre o paradoxo do gozo a alerta
contra, como ele diz, “a falcatrua benéfica de querer-o-bem-do-sujeito”. (p.267). Ao
querer o bem do outro, conforme nosso entendimento do que seja o bem, estamos
privando-o de seu bem e separando-o de seu desejo. Remetendo à nossa questão da
infertilidade, a reprodução assistida deve ser tomada como uma via de acesso ao
desejo do sujeito e não uma solução a princípio, que poderia tolher a liberdade de
escolha em prol do que se imagina perfeito.
56
3
A REPRODUÇÃO ASSISTIDA NO DISCURSO SOCIAL
Tudo o que não invento é falso.
Manoel de Barros
O mundo das palavras cria o mundo das coisas.
Jacques Lacan
Conferimos à infertilidade a importância de um fenômeno cada vez mais
presente na atualidade, que segundo a Organização Mundial de Saúde, afeta 12% dos
casais de todo o mundo, com prevalência geral de 5% na população em idade
reprodutiva. Objeto de estudo médico-científico, a infertilidade encontra voz no discurso
médico que o reproduz na sociedade, inserindo-se no discurso social. Calligaris (1992,
p.9), nos auxilia a entender como se dá a articulação no discurso social na
apresentação ao texto de Melman, “Alcoolismo, delinqüência, toxicomania: uma outra
forma de gozar:
“Não basta que um grande número de indivíduos em uma
comunidade seja atingido por algo para que isto se transforme em um
sintoma social”. (MELMAN, 1992, p. 66) (...) Não pela sua incidência
estatística, nem pelos eventuais problemas que tais quadros colocam
57
efetivamente ao convívio social, mas na medida em que a articulação
discursiva própria a cada um deles encontra uma inscrição específica
no discurso social dominante.
Podemos levantar a hipótese de que o fenômeno da infertilidade na
sociedade contemporânea reivindica um gozo particular, para além dos limites que são
impostos pela afirmação fálica e pela castração simbólica. Assim, encontramos efeitos
nas formas de relação dos sujeitos com os objetos de gozo, produzindo novas formas
de manifestações clínicas (Melman, 2000), e discursos que organizam o gozo desta
sociedade.
Pensamos ser importante lembrarmos de uma fala bastante polêmica de
Lacan, registrada no ano de 1966, quando falava aos médicos no Collège de Médecine
de Salpêtrière. Ao começar falando sobre o lugar dos psicanalistas na medicina, Lacan
observa que este é um lugar marginal, ao qual se recorre apenas em casos em que a
prática médica não conta de determinada questão. E afirma que isto se não
apenas pela prática, mas também pela prática analítica que muitas vezes e Lacan se
manifesta contra esta prática – se coloca num lugar extraterritorial.
em 1966, Lacan estava atento às mudanças em relação às
demandas da sociedade contemporânea, considerando a aceleração com que a ciência
e a medicina caminham. E diz que ao dispor de novas condições no mundo científico o
homem passa a propor novas demandas e a colocar novos problemas à ciência, que
estará sempre em busca de novas respostas através de suas pesquisas sempre em
andamento. Assim, cada vez mais a se medicina encaminha para as especificidades e
58
especialidades, retirando do médico o símbolo do saber absoluto, o que a nosso ver se
torna um paradoxo.
Neste sentido, Lacan nos pergunta: onde está o limite em que o médico
deve agir e ao que ele deve responder? E responde: a algo que se chama demanda. E
o que o homem demanda hoje é seu direito à saúde, modificando a relação médico
paciente. Entretanto, ao responder à demanda urgente de cura, esquece-se daquilo que
o autor propõe como uma fratura entre a demanda e o desejo. Diz Lacan (1966, texto
não paginado):
Este desenvolvimento científico que inaugura e coloca em ainda mais
em primeiro plano esse novo direito do homem a saúde, que existe e
se incita numa organização mundial. Na medida em que o registro
da relação médica à saúde se modificou, em que esta sorte de poder
generalizado que é o poder da ciência, a todos a possibilidade de
ir demandar ao médico sua cota de bem-estar, num fim preciso e
imediato, nós vemos se desenhar a originalidade de uma dimensão
que eu chamo a demanda. É no registro do modo de resposta a
demanda do doente que está a possibilidade de sobreviver a posição
propriamente médica.
Pois a doença real seja ela também específica, que deteriora o corpo,
também faz suporte a uma fantasmática acerca da vida e da morte.
A psicanálise, ao ser chamada a falar sobre o sofrimento psíquico
destes sujeitos inférteis, aponta no discurso social dominante, um lugar de inscrição
para as falas destes sujeitos, acolhendo como legítimo seu sofrimento e seu pedido,
escutando o que cada sujeito, na sua singularidade, fala do sintoma social.
59
(...) O termo “sintoma social” foi forjado por Lacan no diálogo com
Marx: “Marx, diz o psicanalista, foi o inventor do sintoma.” Isto porque,
conforme observa o autor no seminário “RSI” (1974-75), ao desvelar a
estrutura do capitalismo, ele teria indicado e nomeado o motor que
põe a máquina social a funcionar, para além das vontades e dos
desejos dos sujeitos implicados. Trata-se da “mais-valia” que Lacan
renomeia em psicanálise como “mais de gozar”. Assim, no âmbito
social ocorreria, conforme o psicanalista, um processo homólogo
àquele que a psicanálise observa na clínica individual: o sintoma se
produz ali onde um gozo se perdeu, onde o objeto da satisfação é
registrado como perdido. (POLI, 2004, p.48).
O sintoma do laço social se difere do funcionamento do sintoma do sujeito.
Não se apresenta como algo do qual a sociedade sofre, visto que o sofrimento
compartilhado de uma sociedade produz laço e práticas de comportamento
asseguradas como normais de comportamento. Estando o sintoma em sintonia com os
ideais da época, desaparece como queixa ou como questão. O sintoma, no laço social
“se expressa por um certo desajuste, um fenômeno do qual a ordem social
predominante não consegue dar conta”. (KEHL, texto não paginado.)
Contudo, o sintoma social tem correspondência com o sintoma individual
do sujeito por ser aquilo que insiste, aquilo que se repete, um real não simbolizado pela
cultura. Deste real que resta, goza-se.
Ao nos propormos a analisar fenômenos sociais, estamos considerando
que tais processos são verificados no laço social. São expressos em atos através do
que Lacan denomina discurso. O discurso é o modo como cada sujeito se produz no
tecido do laço social. Ou, como articula Maria Rita Kehl, “o discurso é aquilo que
organiza o real na forma de saberes e dizeres, e também o que indica a posição do
60
sujeito na estrutura social”. Lacan nos propõe 4 discursos, ou seja, observa 4 formas
com as quais os sujeitos encontram meios de se relacionarem entre si. Governar,
educar, psicanalisar e fazer desejar, são atos destes discursos chamados
respectivamente: discurso do mestre, discurso universitário, discurso do analista e
discurso da histérica e ainda, como variante do discurso do mestre, o discurso
capitalista.
Os discursos operam mais-além do gozo, perdidos enquanto excesso,
no enquadramento do sujeito a uma renúncia pulsional, herança do processo
civilizatório ao qual o homem se submete, e estudado por Freud (1930 [1929]) em seu
livro chave, ‘O Mal-Estar na Civilização’. Esta renúncia consiste em abster-se de
considerar o outro como mero objeto a ser consumido, no que se refere ao campo
sexual ou da possibilidade de exterminá-lo com a morte.
A ciência, na contemporaneidade, exerce domínio na civilização ocidental,
podendo corresponder a um discurso que faz desejar, discurso histérico, que faz querer
encontrar novas soluções e alternativas de vida e de saber bem viver, impulsionado por
questões e problematizações que surgem com o decorrer dos novos modos de
subjetização, nos quais os modelos até então vigentes de saber não mais se
sustentam. Ou, a ciência pode corresponder a um discurso que pretende ensinar os
sujeitos sobre quem são eles “na verdade”, o discurso universitário, fazendo o sujeito
calar diante de sua ignorância sobre sua própria verdade. Mas, ao contrário disto, o
cientista, o médico ou o analista que sabe calar é capaz de fazer emanar do sujeito em
questão algo que ainda estava por dizer, por conhecer. Entretanto também a ciência
61
que busca impor seu saber totalizante e que é ao mesmo tempo fragmentado,
esquadrinhado, como única e absoluta verdade sobre seus sujeitos-objetos de
pesquisa. Este discurso, o capitalista, um tanto mais que o discurso universitário na
ciência, provoca um enorme mal-estar entre os sujeitos da cultura, fazendo emergir
novas produções subjetivas.
Charles Melman (2002) apresenta os desafios da psicanálise diante do
que ele observa como uma mutação cultural em curso. Um destes desafios é
justamente preservar aquilo que ao entender de Freud (1930 [1929]) faz parte da
característica da humanidade, que é a “possibilidade de análise, reflexão e escolha de
suas condutas, em uma mutação cultural que se apresenta imperativa em relação às
condutas e deixa pouco lugar à escolha e à reflexão”.(MELMAN, 2002, p.13).
Em contraponto a isto, torna-se possível a criação de estratégias de
resistência, que não aceitam seguir o fluxo das massas. Em toda a história da
humanidade encontramos exemplos de pensadores que se opunham à imponência
ditadora dos discursos sociais. É notável o confronto de Simone de Beauvoir ao que o
discurso masculino dizia da natureza feminina. Ela disse: “Ninguém nasce mulher, mas
torna-se mulher”, deslocando a condição feminina da idealização ao ‘natural’ da
maternidade, construída nos séculos XVIII e XIX, abrindo
diversos meios aos quais o
sujeito (mesmo sendo mulher), poderia se tornar.
Sobre a mulher, Kehl (1998) compreende que:
62
O que é específico da mulher, tanto na sua condição subjetiva quanto
social, é a dificuldade que enfrenta em deixar de ser objeto de uma
produção discursiva muito consistente, a partir da qual foi sendo
estabelecida a verdade sobre a sua ‘natureza’, sem que tivesse
consciência de que aquela era a verdade de alguns homens
sujeitos dos discursos médico e filosófico que
constituem a
subjetividade moderna – e não a verdade da mulher. (p.15).
Se tomada pelo discurso capitalista, a ciência produz objetos a serem
consumidos e a tecnologia, neste caso, vem a este serviço. A subjugação aos produtos
pode gerar indivíduos competidores e desiguais, num processo em que a novidade
liquida com o que havia anteriormente. Demandas são invertidas, ao passo em que se
desenvolve primeiro a medicação para que depois se crie uma nova síndrome que deva
ser curada. É o poder do mercado definindo os modos de subjetivação.
Ao falar sobre como a ciência marca o social, Lebrun (2004), adverte que
quando nos deixamos levar pelo discurso cnico e científico perdemos nossas
referências e subvertemos nossos saberes espontâneos, fazendo os sujeitos perderem
o senso do limite e a tentarem deslocar o impossível. Para o autor, querer o impossível
é confundido pelo discurso da ciência com tornar tudo possível, e salienta que “apenas
a falta de recursos financeiros leva a pôr limite nas reivindicações dos cidadãos”
(p.107).
As novas tecnologias de reprodução medicamente assistida vêm em
resposta a uma reivindicação de casais; homens e mulheres que desejam filhos, mas
que acometidos de patologias no seu sistema reprodutivo, estão impossibilitados de
terem filhos consangüíneos. De acordo com pesquisas realizadas por Mariângela
63
Badalotti, médica ginecologista, diretora de uma renomada clínica de reprodução
assistida de Porto Alegre, “um entre cada seis casais apresenta infertilidade e, para
20% deles, o único caminho para obter a gestação é a reprodução assistida”
(BADALOTTI, 2005, p. 153). Para que a tecnologia da reprodução avance em suas
pesquisas e que possa continuar a oferecer tratamento a estes casais, rege-se por uma
ética chama bioética. As discussões bioéticas resultam em novas resoluções que
regulam os conselhos de medicina nos diversos países em que a pesquisa no campo
da fertilização e da reprodução humana ocorre.
A bioética questiona a Reprodução Assistida “em três instâncias que estão
denominadas como fato, princípio e julgamento, e envolvem a decisão do casal, a
questão da manipulação embrionária, as conseqüências para o nascituro e a
possibilidade de controle da procriação” (Badalotti, 2005, p.155). A autora nos explica
que as questões sobre o fato se dão quanto à segurança do procedimento, as questões
sobre princípio permeiam o significado moral da destruição embrionária acidental
durante o tratamento. E, quanto ao julgamento, evocam-se questões quanto o grau de
risco que podem correr a e e/ou a criança quando a primeira se submete a alguma
técnica, nos casos em que o risco é inevitável para que se tenha um filho
consangüíneo.
O saber médico entende que o casal tem direito à liberdade de procriação,
e se pauta pelo princípio do benefício ao casal, visto que julga gerar bem-estar sócio-
emocional na realização de um sonho do casal. Desta maneira, dá ao casal
informações suficientes quanto à técnica, procedimentos, riscos e estimativas de
64
sucesso e fracasso, para que o casal possa exercer sua autonomia na decisão pelo
tratamento.
Conforme nossos estudos, o desejo de serem mães nem sempre está
relacionado com a renegação da castração. (SIGAL, 2003). Ao qualificar as práticas
médicas de reprodução assistida de “perversões altruístas” (CHATEL, 1995, p.97),
Chatel esquece de analisar o desejo de cada mulher na demanda ao médico, como ela
mesma propõe. Além do que, como vimos, a disciplina da bioética, a todo o momento
se interpela acerca das práticas científicas com o claro intuito de resguardar o sujeito
que está submetido a estas. O horror do condicionamento da ciência narrado em
Admirável Mundo Novo, era em 1932, uma advertência e uma ironia ao conceito de
liberdade, e uma amostra radical do que o ser humano pode fazer com ele mesmo. Nos
cabe interrogar.
É certo que o uso desmedido do saber tecnológico pode trazer a
conseqüência da forclusão do sujeito. Vimos um pouco sobre isto quando pensamos
acerca da formulação do discurso capitalista, que segundo Melman, impera na
contemporaneidade. É necessário tornar relativas tais questões.
As taxas de fecundidade, tanto no Brasil, quanto em outros países, têm
se reduzido provavelmente devido às mudanças ocorridas principalmente em relação
ao papel da mulher na sociedade. A redução do número de filhos se pelo adiamento
desta decisão em decorrência de escolhas profissionais e custo de vida, e também por
perceberem a ausência do homem na criação dos filhos. Desta maneira, verifica-se que
65
a incidência de gravidez entre 30 e 44 anos subiu de 30% para 41% na última década
no Brasil.
Segundo dados demográficos do ano de 2007, editados no “Cuadro de
la población mundial 2007”, da Population Reference Bureau, a população brasileira
encontra-se hoje com 189,3 milhões de pessoas, sendo o quinto país do mundo com
maior número populacional. Estima-se que no ano de 2050, a população brasileira
chegue em torno dos 260 milhões. De acordo com a demografia, 21 nascimentos
para cada 1000 habitantes no Brasil, em contrapartida, estima-se 6 mortes para cada
1000 habitantes. Os dados apresentam a probabilidade de que a mulher brasileira
tenha 2,3 filhos durante sua vida. A porcentagem de mulheres casadas que utilizam
métodos anticoncepcionais entre 15 e 49 anos de idade é de 76%.
Vemos que, embora adiada, a meta de ter filhos continua sendo a de
muitas mulheres e estas quando em dificuldade de fertilização, sentem-se insatisfeitas e
procuram um tratamento. O caso dos homens não é diferente do das mulheres, e ainda,
quando diagnosticados como inférteis, estes costumam atrelar este problema à
virilidade.
Para as mulheres que adiaram o projeto de terem filhos, quando
desejam tê-lo, agarram-se a isto veementemente. Segundo a teoria psicanalítica que
norteia este estudo, o torna-se mãe para a mulher, é uma das maneiras de ser
reconhecida como portadora do falo, sendo a maternidade uma importante atribuição
para seu futuro enquanto mulher, haja vista a ilusão da mulher de que a partir da
66
maternidade ela se tornaria uma verdadeira mulher. Serge André, (1998, p.25) cita,
recapitulando Freud, que “é na medida que ela quer ter aquilo que falta a sua mãe que
se torna uma mulher”. Ou seja, enquanto portadora do falo, representado pelo filho.
Estas mulheres podem dispor das novas tecnologias de reprodução
assistida, reforçando o ideal da importância do parentesco consangüíneo. Algumas
vezes, dependendo como são vistas pelos casais, tais técnicas podem ser
apresentadas como uma oferta de produto a ser comprado, podendo conceber as
relações sociais de forma comercializada. Tal comercialização dos serviços médicos
acaba por gerar a idéia de que a ausência de filhos, e não a infertilidade em si, é uma
patologia, ampliando a ansiedade dos casais que acabam por se tornar incapazes de
suportar um atraso na chegada de uma gravidez.
A infertilidade, apesar de atribuída a um sujeito, acarreta sofrimento não
apenas a ele, mas a sua família. Como veremos nas falas dos pacientes, o próprio
diagnóstico está acometido de um estigma que gera ainda mais sofrimento ao sujeito.
Muitas vezes, para evitar questionamentos de parentes e amigos, o sujeito que sofre de
infertilidade se afasta de seu convívio social e familiar, agravando as conseqüências
psíquicas provindas do diagnóstico dico. O estigma do infértil passa fazer parte do
corpo do sujeito, como marca indelével e visível, agravando seu quadro clínico.
Ao contrário do que instintivamente ocorre com os animais, o homem e a
mulher, nos ensina Lacan, têm uma relação não entre si, pois a “mulher faz relação com
o falo e o homem com o objeto pequeno a, que estrutura o fantasma”. De modo que
67
homens e mulheres não apresentam a mesma estrutura lógica (MELMAN, 2002, p.21).
Desta maneira, a diferença entre os sexos para a psicanálise, está para além da
materialidade da carne, visto que o pênis é apenas um elemento da equação na
dialética do desejo, tomando propriedades de significante.
O sujeito da psicanálise organiza-se em torno da falta e na sua relação
com a falta que o estrutura, que recai no encontro com o desejo, designada por Lacan
como lógica do fantasma ($ <> a), o sujeito se confronta com aquilo que o constitui.
(LACAN, 1959 - p. 435). O desejo que nunca é, mas ao qual o sujeito apenas se
aproxima, incapaz de apropriar-se dele, é algo que o sujeito deve contentar-se, mesmo
que o se satisfaça plenamente. A castração é a operação pela qual o ser humano se
confronta a falta.
Desde a antiguidade a infertilidade na mulher era vista como um castigo,
sendo que ao homem a incapacidade de procriação jamais era questionada. Tendo seu
papel de mulher muitas vezes definido pela maternidade, a mulher infértil sente-se
culpada e excluída socialmente. Se mais uma vez tomarmos os escritos bíblicos como
referência, encontramos em Gênesis 16:1-6, a narrativa do infortúnio de Sara, mulher
de Abrão:
Ora Sara, mulher de Abrão, não lhe dava filhos; tendo, porém, uma
serva egípcia, por nome Hagar, disse Sara a Abrão: Eis que o Senhor
me tem impedido de dar à luz filhos; toma, pois, a minha serva, e
assim me edificarei com filhos por meio dela. E Abrão anuiu ao
conselho de Sara. Então Sara, mulher de Abrão, tomou a Hagar
egípcia, sua serva, e deu-a por mulher a Abrão, seu marido, depois
de ter ele habitado por dez anos na terra de Canaã. Ele a possuiu e
ela concebeu. Vendo que ela havia concebido, foi sua senhora por ela
desprezada. Disse Sara a Abrão: Seja sobre ti a afronta que se me
68
faz a mim. Eu te dei a minha serva para a possuíres; ela, porém,
vendo que concebeu, desprezou-me. Julgue o Senhor entre mim e ti.
Respondeu Abrão a Sara: A tua serva está nas tuas mãos, procede
segundo melhor te parecer. Sara humilhou-a e ela fugiu de sua
presença.
Podemos também citar como exemplo o Código de Hamurabi. Este é um
dos mais antigos conjuntos de leis encontrados, e um dos exemplos mais bem
preservados deste tipo de documento da Mesopotâmia. Segundo cálculos, estima-se
que tenha sido elaborado por Hamurabi em 1700 a.C. Ao que se refere às mulheres
estéreis situa:
145. Se um homem tomar uma esposa e esta não lhe der filhos, e a
esposa não quiser que o marido tenha outra esposa, se ele trouxer
uma segunda esposa para a casa, a segunda esposa não deve ter o
mesmo nível de igualdade do que a primeira.
146. Se um homem tomar uma esposa e ela der a este homem uma
criada que tiver filhos deste homem, então a criada assume posição
de igualdade com a esposa. Porque a criada deu filhos a seu patrão,
ele não pode vendê-la por dinheiro, mas ele pode mantê-la como
escrava, entre os criados da casa.
147. Se ela não tiver dado filhos a este homem, então sua patroa
poderá vendê-la por dinheiro.
O discurso cristão e o antropobiológico, moldados sob referenciais
dogmáticos e positivistas (discursos culturais construídos, porém acreditados
verdadeiros) dizem que a procriação é natural. uma crença muito difundida pelas
religiões de que a vida está para além do homem, cujo ‘trânsito aqui na Terra’, tem o
69
objetivo se seguir os desígnios de Deus
18
. Ou então, biologicamente, a espécie humana
tem o objetivo de perpetuar a própria espécie, ‘escolhendo-seentre os mais fortes e
adaptados àqueles que mais bem reproduzirão os genes. Ainda mais que nos fazem
acreditar que a procriação exerce a finalidade na espécie humana, naturalmente, de
constituir família. (TORT, 2001, p. 36). Como veremos, isto repercute nas
representações sociais do que é maternidade, paternidade, ou trocando em miúdos,
daquilo que acreditamos que esperam de s. Ao nos atermos exclusivamente à
questão da mulher, e mais adiante, da mulher infértil, estas práticas tidas como
verdadeiras (naturais) repercutem no imaginário social de maneira estigmatizante, com
conseqüências avassaladoras para saúde psíquica.
Melman (2003), faz uma crítica à idéia de natureza humana, chamando o
homem anterior à civilização de “animais desnaturados” (p.31). Se o homem pudesse
se garantir pelo que é inato, instintivo, muito provavelmente não tentaria resolver a
questão do que constitui a especificidade humana.
Este autor, ao observar as novas formas de economia psíquica da
atualidade, percebe que o sujeito contemporâneo se organiza no intuito de corrigir esta
problemática. Ou seja, o sujeito de que falamos, pretende em suas relações, suspender
toda e qualquer forma de equívoco a que está fadado. Além do mais, satisfazer-se
plenamente.
18
“E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à
luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará.” Gn. 3. 17.
70
Desta maneira, sempre que algo falha, a reivindicação para o conserto é
imediata. A sociedade atual, conforme diz Melman (2003), acredita ser legítima
qualquer tipo de reivindicação, muitas vezes reformulando suas leis para que dê direitos
aos reivindicadores de satisfazê-los, obturando seus buracos. A sociedade em que
vivemos acolhe o que outrora rechaçava.
“Na situação atual, a partir do momento em que haja em você um
determinado tipo de desejo, ele se torna legítimo, e se torna legítimo
que ele encontre satisfação”. (MELMAN, 2003, p.32)
A infertilidade está definida na Organização Mundial de Saúde como a
incapacidade de um casal conseguir a gravidez ou o parto de um bebê vivo após um
ano de relações sexuais regulares sem o uso de anticoncepcionais, aumentando sua
possibilidade de ocorrência com a idade, verifica-se que um em cada quatro casais com
mais de 35 anos sofrerá de infertilidade (SHAFFER & DIAMOND, 1994). No entanto, a
noção de saúde e direitos reprodutivos é bastante recente na esfera pública brasileira.
Em meados de 1980 foram criados o Conselho Nacional de Estudos dos Direitos de
Reprodução Humana no Ministério da Saúde e o PIASM Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher (ÁVILA & CORRÊA, 1999), como movimentos que se
definiam pela saúde da mulher.
A reprodução assistida é definida por Corrêa (2001) como “um conjunto
de técnicas de tratamento médico paliativo, em condições de in/hipofertilidade humana,
visando à fecundação”.(p.11) Tais técnicas substituem a relação sexual na reprodução
biológica, provocando mudanças nos moldes tradicionais de procriação. Além do casal,
71
pode, também, envolver o médico e em muitas vezes um doador do material
reprodutivo humano. E em algumas circunstâncias, a doação temporária do útero (mãe
de aluguel).
Nos últimos anos houve um aumento considerável no número de casais
inférteis que procuram as clínicas de reprodução assistida. Para muitos, esta é a última
oportunidade de realizar o sonho do filho consangüíneo e geralmente procuram as
clínicas especializadas após um longo período de tentativas por meio de outros
recursos. Estes casais, como todos os outros, constroem representações sobre o filho
consangüíneo permeadas por crenças e simbologias próprias do casal e muitas vezes
como subterfúgio para a manutenção do próprio casamento.
Ao consultarmos a Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida,
nos surpreendemos com o crescimento da demanda a este segmento da medicina.
Reportam-se à RedLara 128 centros de reprodução assistida na América Latina, e seus
mais recentes dados apurados, que constam do ano de 2004, totalizam um resultado
de 150.000 procedimentos em reprodução assistida, que deram origem a 33.500 partos
e 45.000 bebês nascidos nos últimos 15 anos de se que tem registro. Destes
procedimentos, 64% são realizados no Brasil, que conta com 55 centros especializados
e na Argentina.
Os casais quando confrontados com a notícia da infertilidade sofrem
uma espécie de colapso em suas vidas, momento em que inúmeros conflitos
subjacentes tendem a eclodir. Acontece um momento de quebra de certezas, o que
72
impulsiona estes sujeitos para uma reorganização frente ao choque de uma nova
realidade, a infertilidade. Dependentes de uma realidade que lhes é apresentada e não
escolhida, escolhem por não renunciar ao seu desejo. Partindo deste princípio, se
reorganizam para dar conta da nova realidade que vivem, na tentativa de dar
seguimento ao seu desejo. Assim podem buscar na reprodução assistida uma
possibilidade de ter o filho que desejam, e como disse M.C.Souza (2008), “buscam no
tratamento da infertilidade a própria redenção. Para tantos casais que planejam filhos, o
nascimento de uma criança reafirma a questão essencial do sentido da existência
humana, testemunhando uma fé no futuro.
É o momento de desconstruir antigos paradigmas, apagar velhas
pegadas, para que possam inventar novos caminhos. E o trabalho do psicanalista está
direcionado na escuta do desejo, no auxílio de rever certas marcas, que funcionam
como pegadas na areia, que tendem a fazer com que os sujeitos retornem ao mesmo
lugar, apesar de termos aprendido que ao sair em busca de novas paisagens, é seguro
deixarmos nosso caminho marcado com migalhas... O desamparo que está colocado
para estas pessoas, pode ser trabalhado pelos profissionais que os atendem, os
médicos e os psicanalistas. Propondo-nos a pensar com elas e não sobre elas, é
possível que tomem decisões que vão ao encontro da verdade de cada um. E o
psicanalista, neste contexto, pode contribuir para a instauração de um outro discurso
que sustente a diferença subjetiva e seus efeitos, visto que há um descompasso entre o
campo daquilo que se faz com a infertilidade e daquilo que de diz sobre esta questão.
Pois é perceptível o quão rapidamente os pacientes de clínicas de reprodução passam
a falar numa linguagem técnica, excluindo-se enquanto sujeitos.
73
Estes, tão logo se re-significam como inférteis, tendem a entrar num
estado de dispersão, de desterritorialidade. Deparam-se com o imprevisível na
infertilidade. Ao procurarem clínicas especializadas em reprodução assistida, buscam
encontrar espaços continentes para abordar seus problemas e solucioná-los. São,
entretanto, estimulados por toda uma sorte de argumentos, expostos a inúmeras ofertas
midiáticas, impulsionados, pressionados, ininterruptamente demandados por parentes e
amigos, e podem vir a fazer escolhas sem perceber o que fazem.
Temos um bom exemplo na reportagem da Revista Veja de 12 de julho
de 2006, chamada “Amor (e problemas) demais’, que aborda a questão dos gêmeos
múltiplos nascidos da reprodução assistida. São pais que optam pela inseminação de 2,
3 ou 4 óvulos - mesmo que a orientação médica atualmente seja de que nas tentativas
iniciais, os casais devam optar por inseminar apenas 1 óvulo por medo de enfrentar
um possível fracasso. Ao se deparar com o nascimento de 2, 3 ou até 4 filhos gêmeos,
os novos pais passam por uma extrema reconfiguração de suas vidas. Os cuidados
com os recém-nascidos tomam o casal em tempo integral, além de consumir
financeiramente até 10 vezes mais aquilo que um filho único teria como despesa.
São as técnicas de reprodução assistida, chamadas de Novas
Tecnologias Reprodutivas (NTRs): fertilização in vitro (FIV) e suas variantes (FIVETE),
a inseminação artificial (ICSI injeção intracitoplasmática de espermatozóide), a
doação de óvulos, sêmen e embriões, o ‘empréstimo’ de útero, o congelamento de
embriões, o diagnóstico genético pré-implantatório, o assisted-hatching e as pesquisas
com embriões. Estas técnicas são legitimadas e visam responder a demanda de
74
reprodução de homens e mulheres. Sem desejo de ter filhos, logicamente, não
poderíamos falar em infertilidade.
Se, em quase toda a sociedade a infertilidade é vista como infortúnio,
atualmente, a procriação se liga não somente à idéia de felicidade, mas também a de
êxito pessoal. Contudo, a abordagem médica desse problema apresenta controvérsias,
que a ausência não desejada de filhos não pode ser caracterizada como sendo
propriamente uma doença, causando vários dilemas éticos e bioéticos, que ultrapassam
a esfera individual.
No Brasil de poucos anos atrás, conforme as pesquisas de Marilena
Corrêa (2001), foi constatado que a demanda por reprodução assistida não era
espontânea, mas induzida pelos médicos, porém geralmente bem aceitas. Esta opção é
vista como uma questão de liberdade e autonomia individual, mas coloca questões
morais quanto ao direito à reprodução e à liberdade de procriação, pois não se pode,
desta maneira, reservar ao casal monogâmico, heterossexual, unido, o direito a
reivindicar procriação e constituição de família através da reprodução assistida. O
paradoxo que se cria é, se o desejo de filhos é visto como ‘natural’, como explicar que
sua expressão esteja restrita aos indivíduos acima citados? Por outro lado, se o desejo
é visto, ao menos em parte, como fruto de condicionantes socioculturais ligados ao
simbolismo do laço familiar, linhagem, descendência, continuidade individual, como
justificar sua exclusão da vida de solteiros ou de homossexuais, em nossa sociedade?
75
Além disso, há uma oscilação entre pensar a representação das técnicas
como uma transgressão aos limites fixados pela natureza e sua representação como
técnica banal a um processo natural. Assim, é importante confrontar as idéias de desejo
de filhos e de autonomia individual aos condicionantes sociais que se explicitam no
comportamento reprodutivo.
É relevante interrogar a oferta de tratamento através das Novas
Tecnologias de Reprodução Assistida. Os profissionais de saúde, os pacientes, seus
familiares e amigos, todos permeados pelos códigos sociais e pelo próprio desejo,
incentivam, opinam, aconselham, de modo que tudo se atravessa e não fica claro para
o sujeito qual é o seu desejo. Segundo Cristina Corea (2005), vivemos hoje segundo
uma ética do consumo, em que o sujeito vale para o mercado segundo sua
possibilidade de consumo. O mercado, auto-regulado, opera mudanças na economia, e
por que não dizer da economia psíquica, mudando parâmetros de vinculação social e
formas de subjetivação.
De acordo com Charles Melman (2002, p. 85-86) está acontecendo na
contemporaneidade uma promoção do objeto a, provocando forte efeito de angústia,
visto que aquilo que os sujeitos acreditavam poder satisfazer a demanda do Outro,
não satisfaz. Assim, estes sujeitos jogam no poço sem fundo, objetos e mais objetos
sem se verem capazes de alcançar o desejo. A partir daí, onde o sujeito se submete a
uma economia liberal, que força ao gozo, seus parâmetros morais se modificam, o que
era mau outrora, agora passa a ser bom, em que a vida deixa de ser considerada
sagrada, para ser uma propriedade, atribuída de valor mercantil. Cristina Corea observa
76
que estamos em uma era da informação, em que “se esgotou o paradigma mediante o
qual pensamos, durante quase um século, os fenômenos da significação e a produção
de subjetividade” (p.43). A autora utiliza a metáfora ‘galpão’, para designar
subjetividades que não foram forjadas, sujeitos sem marcas que vivem num mundo de
saturação da informação com pouca possibilidade de sentido. Os dizeres, as imagens,
tudo vale o mesmo, e tudo é esquecido tão logo, sem que se entenda, sem que
produza marcas. Sem as operações do pensamento, os sujeitos são levados por algo
que desconhecem, não são mais senhores de suas escolhas, e também não assumem
mais responsabilidade por elas. Alfredo Jerusalinsky, faz um apontamento ao Charles
Melman no Seminário de Curitiba de 2002, ‘Novas formas clínicas no início do terceiro
milênio’; ele diz:
A respeito da relação do sujeito com o Outro e da esperança e
desesperança, Lacan nos propõe no texto ‘A subversão do sujeito e
dialética do desejo no inconsciente freudiano’, na relação do sujeito
com a demanda do Outro, que são possíveis duas respostas: a do
significante na falta no Outro S(A), ou a do significado no Outro s(A).
Eu entendi isso como respondendo com um significante, ou seja, a
resposta do significante da falta no Outro: S(A) S; e na resposta
que vem pelo lado do significado no Outro, uma resposta ao Outro
através do objeto a: s(A) a. Ou seja, no primeiro caso uma tentativa
de satisfazer o Outro oferecendo um significante; e no segundo caso
uma tentativa de oferecer um objeto. Parece-me que o fracasso se
apresenta mais no segundo caso e que na tentativa de oferecer um
significante para acalmar o Outro, o sujeito tem mais chances,
justamente pela polivalência semântica que o protege do fracasso.
(p.46)
“Triste e Incompleta
19
”, é o título dado a um artigo que trata sobre as
representações sociais da mulher infértil. Este artigo relata os resultados de uma
pesquisa que teve como objetivo investigar as representações sociais da infertilidade
19
TRINDADE, Z. A., & ENUMO, S R. F. (2002). Sad and Incomplete: A Feminine View of The Unfertile
Woman. Psicologia USP, 13(2), 151-182.
77
feminina, confirmando a permanência da infertilidade como uma condição determinante
para a mulher.
Segundo as pesquisas das autoras, historicamente, a cabal realização
da feminilidade em sincronia com a necessidade da anulação pessoal, da abnegação e
do sacrifício prazeroso e voluntário, estão fortemente presentes no pensamento social
como condição para a mulher normal. Sendo que ser mãe é visto como um valor
feminino maior, capaz de iluminar a desesperança e vidas sem brilho. Deste modo, a
infertilidade se constituiria como uma maldição no imaginário popular. Lembram as
autoras, que ”a maternidade transforma Eva em Maria
20
(...), simbolizando a beleza
pura a favor dos filhos”. (p.152-153). Triste e incompleta: é assim que se sentem as
mulheres inférteis, conforme apontam os resultados das pesquisas das autoras. Pois, o
que apontam os relatos colhidos na pesquisa, as mulheres que sofrem de infertilidade
estão impedidas de viver aquilo que acreditam ser a realização feminina: a glória da
maternidade. Sem alcançar esta “glória”, sentem-se pressionadas, solitárias, frustradas
e inferiores. (TRINDADE E ENUMO, 2002). Estaria a ciência a serviço da religião?
20
No sexto mês foi o anjo Gabriel, enviado da parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada
Nazaré, a uma virgem, desposada de um certo homem da casa de Davi, cujo nome era José; a virgem
chamava-se Maria.
E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Alegra-te, muito favorecida! O Senhor é contigo.
Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que significaria esta
saudação.
Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de Deus.
Eis que conceberás e darás a luz a um filho a quem chamará pelo nome de Jesus, Emanuel.
Ele será grande e será chamado filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele
reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim.
Então disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?
Respondeu o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua
sombra; por isso também o ente santo que há de nascer, será chamado Filho de Deus.
E Isabel, tua parenta, igualmente concebeu um filho na sua velhice, sendo este o sexto mês para
aquela que já diziam ser estéril.
Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas.
Então disse Maria: Aqui esa serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme tua palavra. E o anjo
se ausentou dela.” Lc 1. 26-38.
78
Jerusalinsky nos elucida ainda mais quanto à noção de pureza da maternidade. Ele diz
(JERUSALINSKY, 1999, p.93; in: CALLIGARIS ET.AL. 1999):
Devemos ainda notar que transformar-se em mãe introduz a mulher
no âmbito mítico da pureza. No mínimo deveria nos surpreender que
justamente aquilo que testemunha de ela ter gozado do sexo sua
gravidez – se transforme em amparo contra o desejo.
O dito filho consangüíneo aparece na falas das entrevistadas como uma
necessidade para a mulher. Esta “necessidade feminina” está centralizada na garantia
de "autenticidade" do produto ("se ela adotar, não é o sangue dela, não vai ser mãe de
verdade") e na obrigação de vivenciar todo o processo ("se você não parir, não é a
mesma coisa".) (p.179).
Charles Melman (2002), ao falar da condição subjetiva atual, aponta que
o sujeito contemporâneo não recebe mais sua mensagem do Outro, mas do consenso
social, que ao sujeito um estatuto de verdade, de pertença. E, tal senso comum é
anunciado pelos veículos da mídia, alcançando o grande trunfo da propaganda boca-a-
boca. Tal opinião, de bom senso, é, segundo o autor, organizado pelo gozo, enquanto
não faz, jamais, reflexão. Absorvendo mensagens diretas, o sujeito-objeto
não tem
mais sequer o trabalho de interpretá-las ao seu código, ele pode usá-las como uma
luva.
Em importantíssimo trabalho de Edson Sousa (2007), estudioso da
função da utopia no pensamento contemporâneo, um capítulo intitulado de
“Burocratização do Amanhã”, no qual o autor cita os excessos do “si mesmo”, capazes
79
que fazer o homem abandonar qualquer manifestação da diferença ou da imperfeição.
Ao confrontar o imperativo do senso comum que o laço social nos impõe, ele assegura:
Um pensamento sobre a função da utopia vem, portanto, provocar a
imaginação a abrir outros caminhos possíveis ao pensamento para
que não fiquemos paralisados na obscuridade do instante. (SOUSA,
2007, p.14).
80
4
OS IMPASSES DO DESEJO
Essa paixão pelo significante, por conseguinte, torna-se uma nova
dimensão da condição humana, na medida em que não somente o
homem fala, mas em que, no homem e através do homem, isso fala,
em que sua natureza torna-se tecida por efeitos onde se encontra a
estrutura da linguagem em cuja matéria ele se transforma, e em que
por isso ressoa nele, para-além de tudo o que a psicologia das idéias
pôde conceber, a relação da palavra.
Jacques Lacan
21
Quando nos propomos a discorrer teoricamente sobre os desejos de filho
estamos pensando em buscar subsídios que respondam à seguinte questão: que
desejo opera em sujeitos inférteis que procuram na reprodução medicamente assistida
uma solução para terem filhos?
O referencial teórico utilizado para explicar os conceitos trabalhados é o
psicanalítico, formulado a partir das teorias do inconsciente de Freud e Lacan. Este
termo, inconsciente, é explicado pelo seguinte matema lacaniano: ‘o inconsciente é
estruturado como uma
linguagem.’ Segundo Lacan, está em operação em nossa
21
LACAN, J.,1958, p.695.
81
estrutura psíquica forças subjacentes que determinam nossos pensamentos e reações
e, enfim, a própria estrutura psíquica, através da qual, falamos.
Escutamos o desejo do sujeito falar, por exemplo, através da denegação
(eu não digo que...), tal como no sonho, no qual o que é articulado como não devendo
ser dito é o que justamente o que para dizer. Este significante
22
é o rastro da
impressão do Real com outra forma. Significante que pode ser recalcado perante um
afeto (representante da representação S2). Uma vez tornado significante, este se
torna barrado, não sendo mais possível fazer um retorno ao Real. A maneira
denegativa de fazer o significante emergir é uma maneira de satisfação do desejo.
Deste modo é possível analisar a posição fantasmática do sujeito. A denegação não
deixa de ser um retorno do recalcado que aparece como letra. A cada vez que o sujeito
é representado ele deixa para trás de si um significante que foi de alguma forma
posicionado. O não
enquanto denegação se anula – é como se não existisse. Conforme
Lacan (1958-1959, p.96), o “não do nome” anula a si próprio.
O não forclusivo existiria quando a função negativa no enunciado e na
enunciação. O não discordante, que se situa entre o processo enunciado enunciação,
22
Tomando isto como exemplo, podemos explicar a noção de significante para Lacan, que diz que um
significante representa o sujeito para outro significante, visto que este se estrutura como uma cadeia.
Sempre há uma falta no significante, o que o obriga a remeter-se ao outro significante anterior.
22
“(...) para além da divisão entre um enunciado e sua significação, a existência mesma de um
enunciado, sua unidade morfológica de significante (S1), independente de seu sentido, se dará por
outro significante (S2), quer dizer, por retroação deste último.” (CALLIGARIS, 1986, p. 22).
“Nossa definição do significante (não existe outra) é: um significante é aquilo que representa o sujeito
para outro significante. Esse significante, portanto, será aquele para o qual todos os outros significantes
representam o sujeito: ou seja, na falta desse significante, todos os demais não representariam nada.
que nada é representado senão para algo”.( LACAN, 1998 [1960], p. 833).
82
produz uma discordância do sentido do dizer com o dito. Deixa assim, um rastro da
posição original do sujeito, ou seja, sem a transformação que a demanda do Outro
exige.
Para a psicanálise aquilo que fala, ou então, o seu objeto de estudo, é o
inconsciente. E o sujeito se relaciona com os objetos através da articulação com o
desejo e não da necessidade e demanda. Este sujeito se repete (sintoma) à medida
que seu desejo sempre à frente (objeto a) vem do passado (objeto perdido
indestrutível).
O objeto se apresenta, inicialmente em uma busca do objeto perdido.
O objeto é sempre o objeto redescoberto, o objeto tomado ele próprio
numa busca, que se opõe da maneira mais categórica è noção do
sujeito autônomo, onde desemboca a idéia do objeto acabado.
(Lacan, 1956 – 1957, p. 25).
O que retorna é o que foi recalcado para permitir a transformação do
circuito pulsional. O recalque do objeto da infância é o que permite sua substituição por
um objeto polissêmico (metáfora), sendo que o sintoma é um excesso de sentido, uma
restrição à polissemia desse novo objeto. Trata-se do retorno do objeto cuja extensão
polissêmica ficava constrangida pela identidade entre esses objetos e aqueles
personagens que encarnavam o Outro e que constituíam a particularidade que do Outro
se tem na infância.
É por isso que essas marcas adquirem o estatuto de letra. Porque é
com elas que a mãe vai escrever sobre este corpo, sobre essa argila,
o argumento do enigma que caracteriza essa posição no discurso
representada por esse novo ser, que é o que vai habilitar este novo
83
ser a falar. A falar para responder a esse enigma. Essa é sua missão.
(JERUSALINSKY, 2001, p. 23).
O enigma de que fala o autor, se trata de responder a pergunta de quem é
esse que nasceu? E o que se tornará? Em meio a tudo o que decorre destas questões
“a criança presentifica o desconhecido, o enigma, a face inacessível do Outro, mesmo
se ela é também ‘minha imagem e semelhança’.” (MARCOS, 2007, p. 38). O sujeito se
funda e vive sua vida na produção destas respostas, supondo que uma forma de
saber. As marcas que se inscrevem virão a caracterizar a posição do sujeito no
discurso. Quando fala, o sujeito está a responder a todo o momento este enigma. Para
então, que se façam os registros, a relação com o outro é fundamental, quando
sabemos que o quê nos torna desejantes é o desejo do desejo do Outro. Desta
maneira, a forma de como se dará a estrutura do sujeito dependerá daqueles estímulos
sublinhados pelo Outro Primordial; tais estímulos podem sequer ser aqueles
protagonistas da cena, podendo ser outros quaisquer. Com isso, concluímos que aquilo
que faz marca não mais se apaga, o que apenas é possível mudar é a significação do
significante; ou como diz Jerusalinsky, “pode ser recalcada, pode ser retida, desviada,
configurada, substituída na sua função, mas não se apaga mais” (JERUSALINSKY,
2001, p. 28).
É suposto que para ser falante é preciso estar determinado a este desejo
Outro. O desejo do falasser
23
estará necessariamente relacionado ao desejo Outro que
o compõe. Desta forma, este desejo Outro acaba se tornando o do falasser, enquanto
23
O “parlêtre” de Lacan.
84
ele estiver em constituição como sujeito. Poderíamos pensar que sempre que há desejo
é porque houve uma identificação ao desejo do Outro, ou seja, que desejo é desejo do
desejo do Outro. No entanto, este desejo, apesar de vir do Outro, é subjetivado na
medida em que o sujeito está em constituição.
Um ser que será falante encontra então a linguagem e neste, o
desejo. Se fizermos então a hipótese e isto é ficção em parte
de uma escolha inaugural entre si mesmo e desejo no Outro, tratar-
se-á de uma escolha forçada. Pois haverá ‘si mesmo’ com a
condição de ‘fazer com este desejo. (...) Resta a destacar que
escolher o Outro é escolher desejo: ou seja, o lugar onde se produz
um efeito de divisão ao qual supomos um Sujeito. (Calligaris, 1986, p.
25).
A escolha forçada citada por Calligaris (1986), refere-se ao fato de que
para que seja possível a construção fantasmática de um falasser em um sujeito, o ser
falante deve necessariamente escolher o desejo no Outro. Deve escolher a linguagem,
não só enquanto dividida, mas enquanto divisora, isto é, a que produz um sujeito
dividido. A escolha pelo desejo no Outro é a forma pela qual um ser falante pode
fazer parte do mundo da linguagem, do mundo social. Ele não pode escolher a si
mesmo, pois o ‘si mesmo’ já está inscrito no Outro, na fala, nos dizeres de seus pais.
Se houvesse a possibilidade de escolha, esta seria sempre a posteriori, ou
após a existência do S1, pois então se produziria um sujeito ou falasser do ser
falante. Uma escolha a posteriori, não seria uma escolha, pois o desejo estaria dado.
Por isso, Lacan denomina esta escolha de determinada, o que a ela um caráter
contraditório.
85
Lacan remete a esta escolha determinada, ou alienada, referenciando-a a
um fator letal. Este fator letal diria que esta coisa que deseja, quer a minha perda -
(deseja filho, somente filho, nada mais que filho). De outra forma, parece que a
linguagem teria este caráter contraditório, pois apesar de produzir um sujeito, ela
também o desconstituiria, à medida que desejaria a sua perda (torna-se objeto). Sem
este desejo, próprio da linguagem, sem a existência de um significante que possa
produzir o sujeito para a cadeia significante, não como ser sujeito. O fator letal que
Lacan propôs, remete a esta questão. O falasser escolhe determinadamente o desejo
que lhe foi imposto, através da existência do S1, e não escolhe a si mesmo. É letal
porque o ser falante escolhe o desejo do Outro ao invés de si próprio. É a única
maneira de viver subjetivamente, enlaçado e atravessado por este desejo, próprio da
linguagem que o estrutura. O falasser, implicado e desejando o desejo que há no Outro,
tenta preenchê-lo, satisfazê-lo. Enfim, apreender o que este desejo deseja.
A função do Nome-do-Pai serve para interditar a relação de possível
colagem entre o corpo, ao qual faltaria um pedaço, e o objeto espefico que
pretenderia suprir o mesmo. É uma função simbólica, pois, afinal, o corpo para
suprir, a o ser na ordem do imaginário. Então, por que existe esta função se este
Sujeito-Outro é somente efeito de palavras? Se este corpo-Outro existe
imaginariamente e o falasser está colocado como objeto para ele, é preciso sair
desta posição objetal e responder a esta demanda enquanto sujeito.
86
A partir da função do Nome-do-Pai, é possível responder ao Outro de
forma diferente, através da própria linguagem e não mais em um lugar de corpo. Como
podemos responder pela linguagem? Constituindo-nos em significante, ou seja, em
linguagem:
Assim, se podemos escolher escrever como Lacan o fantasma
‘fenomenal’ do neurótico $ <>D, é para indicar que a função do
Nome-do-Pai permite ao neurótico consistir em um significante, como
Sujeito ($), face à demanda do Outro (D); e uma demanda do Outro
que se esqueceu, no ato, ser ela falta em um corpo. (CALLIGARIS,
1986, p. 33).
Com a inscrição da função do Nome-do-Pai, ou paterna, é possível
responder ao Outro, via linguagem. É possível fazer uma montagem fantasmática
utilizando palavras que possibilitam ao agora sujeito, responder em sua própria cadeia
significante e, assim, simbolicamente ao Outro enquanto imaginário. também uma
mudança de registro. O sujeito responde simbolicamente à falta imaginada no Outro.
Outra questão importante é o esquecimento da demanda enquanto falta do Outro, como
cita Calligaris (1986). Este é outro efeito da função Nome-do-Pai. “Não é suficiente dizer
que o fantasma neurótico se enuncie na primeira pessoa: ele evacua o objeto ao qual o
ser do sujeito se reduziu, bem como o corpo ao qual ele se ofereceu”.(p.33).
Através desta função Nome-do-Pai, o sujeito torna-se barrado ($), e não
mais será o falo da mãe. Contudo, ele se movimenta de acordo com o desejo de
encontrar o objeto perdido. Sujeito barrado significa que está marcado pelo simbólico,
pelo vazio que significa o simbólico. Este sujeito estará sempre tentando tapar este
87
vazio com o objeto a. Esta falta é cedida pela mãe em seu discurso, o que garante que
o sujeito saiba de alguma coisa e possa enunciar-se. Um exemplo disto é quando esta
pergunta ao seu bese este está com fome, ou frio, enfim, e responde por ele (com
voz de bebê: “Mamãe, tô com fome!”).
Dito de outro modo, na metáfora
24
paterna, o Nome-do-Pai, substitui e
recalca o desejo da mãe, abrindo espaço para a subjetivação do filho. O que nos
interessa é esta troca de um significante por outro. O que de mais importante na
função paterna, é a questão do terceiro que vem cortar a relação dual mãe-bebê.
Possibilitado pela mãe, o discurso do pai para esta, é ‘não introjetarás teu produto’.
Para o filho: ‘não dormirás com tua e’. Se o filho não aceita as palavras do pai,
estará subordinado ao desejo da mãe, sem vias de subjetivação. Caso ele aceite as
palavras do pai e se subordina às palavras do pai, é capaz de separar-se da mãe,
principalmente, e também do pai. O amor ao pai, é aceitar aquilo que o pai quer, que
faz com que salve seu filho da dependência simbiótica com a mãe. O falassero sabe
qual o desejo Outro, qual o seu desejo, apenas pressupõe que este desejo deva estar
relacionado com o corpo. Desta forma, como resposta a esta fala, a esse desejo,
tentando satisfazê-lo, o ser falante se faz corpo para estas palavras. Ele se colocaria,
assim, no lugar de objeto, de corpo, para a satisfação do Outro que, na verdade, é
apenas o efeito da divisão na própria linguagem.
24
Metáfora: significante que vem no lugar de outro significante. (Lacan, 1958)
88
O ponto em nossa construção onde esta questão se coloca é o que
escreve a fórmula do fantasma: $ <> a, que leio assim: ao Outro
como desejante (ou melhor, como Sujeito atribuído ao desejo) $, cada
um se oferece ou oferece seu corpo como objeto (a), o losango (<>
)marca a impossível colagem dos heterogêneos. (CALLIGARIS, 1986,
p.28).
A heterogeneidade exposta por Calligaris remete à impossibilidade de
fazer com que o corpo, ou um pedaço deste, encaixe com a linguagem, com as
palavras. Não existe a possibilidade de realização deste desejo suposto, no entanto o
fantasma se constitui fazendo com que isto seja ilusoriamente possível, pois o ser
falante imagina neste Outro um sujeito com um corpo referenciado a uma falta. Um
corpo igual ao dele no qual faltaria um pedaço que ele poderia ser. Aliás, é somente
desta forma, pelo seu fantasma, que o falasser poderá construir sua vida sexual,
acreditando poder completar este Outro, fazer seu gozo e tornar-se um verdadeiro
sujeito.
Desta forma, através da imaginarização de um roteiro onde seria
possível haver um encaixe entre corpos para sua completude, instaura-se uma
possibilidade de realizar este desejo, de completar este Outro, para que se possa gozar
disto, satisfazer-se. Ou seja, é a partir da divisão na linguagem, e logo da existência de
um S1, recalcado, que se produz um $ com um corpo. A homogeneidade que possibilita
o atamento do fantasma é produzida a partir da função imaginária da castração. De
acordo com ela, supõe-se um Sujeito-Outro desejante concebido de um corpo falante,
castrado. Esta função permite que a divisão própria na linguagem se torne um buraco
89
em um corpo, onde seria possível a colocação de um pedaço do próprio corpo para a
realização de um gozo. “A função imaginária da castração é o fato de um enunciado
que preenche o duplo papel de produzir o Outro como sujeito desejante (que é então o
S1 do outro como $) e de provê-lo de um corpo”.(CALLIGARIS, 1986, p. 29).
A função imaginária da castração apresenta-se como essencial para
que o falasser possa fazer seu Outro gozar, através de sua completude. De acordo com
esta função, concebe-se a homogeneidade entre o Outro e o corpo. Imaginariamente,
pode-se completar este Sujeito-Outro que deseja. Imaginariamente, este se apresenta
castrado, faltante, com o objetivo de possibilitar para o falasser a inserção nesta falta,
como parte do corpo que está ausente. Na medida em que o falasser preenchesse essa
falta com seu corpo, poderia realizar-se o gozo Outro, uma satisfação plena de desejo.
Quando este enunciado significante ex-siste já o faz como sujeito com um corpo
falante.
Na escritura fundamental do fantasma (ou fantasia), os falasseres estão
constituídos em um lugar de corpo. Corpo para completar o que falta no corpo Outro. O
roteiro imaginário que cada sujeito pode produzir a partir deste lugar de objeto, faz com
que este corpo Outro seja um corpo específico e que necessite de um pedaço
específico de corpo, este pedaço que fora castrado pela função imaginária da
castração. É necessário imaginar uma cena ou um roteiro, fantasiado posteriormente,
no qual um corpo falante, que muitas vezes é o parental, e que representaria um
90
fracasso por estar incompleto. Desta forma, o falasser poderá se colocar nesta cena
como sendo o objeto que nela falta. Em muitos casos, a cena imaginada é a da relação
parental. O corpo poderia ser o entrelaçamento dos corpos dos pais, onde haveria uma
falha e, de acordo com esta falha, o falasser poderia se colocar neste lugar. Poderia
então ser o que falta nesta relação sexual, se constituir como o que Lacan denominou
objeto a, o objeto causa do desejo, remetendo ao objeto que estaria faltando.
No momento em que a se destaca, cai i(a), a imagem narcísica.
(LACAN, 1962-63, p.244).
O objeto a constitui o lugar do falasser, em sua escritura fundamental,
referenciada anteriormente. Objeto causa do desejo, enquanto objeto que falta, e
assim, que causa o desejo. Na imaginação de uma cena, de uma fantasia, o ser falante
se colocaria em um lugar de possível satisfação de gozo. Ele seria o objeto causa do
desejo, o objeto que estava faltando para a realização do gozo Outro. Desta forma, ele
estaria respondendo à demanda do Outro pela doação de seu corpo, estaria fazendo
parte deste campo de linguagem que deseja.
91
Seguindo por esta lógica da teoria psicanalítica, Lacan (1960) nos diz que
no centro de todo o discurso está o desejo. Mas, como estamos trabalhando ao longo
deste capítulo, o desejo em questão não é o da satisfação de uma necessidade, mas
algo que remete a ordem simbólica. Tentando ir mais além, o desejo do humano não é
da ordem do natural, do instinto. Enquanto que a necessidade se satisfaz com um
objeto real, o desejo é incapaz de satisfazer-se com objetos. Em suma, o objeto de
desejo é uma falta, marcada por um gozo do desejo enquanto desejo. O que o torna
indestrutível é justamente essa inacessibilidade do objeto. Deste modo, os objetos
deslizam por uma continuidade significante infinita, cujo objetivo subjacente é retomar
uma satisfação alucinatória de totalização para como o Outro Primordial. É a tentativa
de encontro do objeto para sempre perdido, cuja presença é marcada pela falta.
Neste deslizamento significante cada significante assume por um
momento um significado que conta por um instante da realização do desejo. Esse
significado ao ser atingido volta à sua condição significante, ao passo que uma vez
realizada a satisfação esta se desfaz imediatamente remetendo o sujeito a outro
significante da cadeia.
Lembremos, para começar, que o desejo está instalado numa relação
com a cadeia significante, que ele se instaura se propõe inicialmente
na evolução do sujeito humano como demanda, e que frustração, em
Freud, é Versagung, ou seja, recusa, ou, ainda mais exatamente,
desdizer.(LACAN, 1958, p.262).
92
Dito de outro modo, a satisfação do desejo se pela via da fantasia, ou
nas palavras de Lacan, por uma retorção da satisfação fantasiada. É no plano do
imaginário então, que se dá a realização do desejo.
93
4.1. OS DESEJOS DE FILHO
Incipit vita nova
Desejo não é sinônimo de almejar, de querer. Também não é uma
produção singular do sujeito, como o sintoma. É diferente de uma vontade deliberada,
programada. No desejo estão implicados mecanismos que o eu pode desconhecer. Não
desejo do sujeito, mas desejo que se constitui entre o sujeito e o Outro (KEHL). No
caso do desejo de filho, enunciado a um médico da reprodução assistida, pode-se
questionar, do ponto de vista psicanalítico, o desejo de uma mulher, de um homem, de
um médico e até o desejo de uma ciência. (STRYCKMAN, 2000). Sendo o desejo a
busca de um lugar, de um momento, de uma felicidade sem limites, em suma, de uma
busca de um paraíso perdido, este desejo não pode encontrar satisfação. Este primeiro
desejo está recalcado no inconsciente e retorna substituído por diferentes desejos,
como o desejo de filho
25
, por exemplo.
25
Mais adiante serão trabalhadas as diferentes acepções do termo “desejo de filho”, que pode ser lido
como desejo de alguém que quer ter um filho, ou desejo de alguém enquanto filho. O equívoco que pode
tomar o termo, neste caso, é proposital.
94
Na mulher, este desejo de filho está relacionado com a provação de sua
sexuação e sua feminilidade, introduzindo a mulher no real de seu corpo na gravidez.
É, se posso dizer, nos fundos da loja que se encontra o vaso, o útero,
nesta ocasião verdadeiramente interessante. É interessante
objetivamente , ele é suficiente, também, ao máximo, psiquicamente:
quero dizer que desde que a maternidade existe, ela basta
largamente para investir todo o interesse da mulher e que, no
momento da gravidez, todas as histórias de desejo do homem se
tornam, como todos sabem, ligeiramente supérfluas. (LACAN, 1962-
63, p.244).
Desejo que tem várias facetas: desejo de maternidade, desejo de estar
grávida, desejo de parir, desejo de colocar no mundo uma criança. Contudo, não são
desejos equivalentes. O filho esperado cai no momento em que chega um filho. O filho
que a mulher deseja é o filho do fantasma, construído pela fantasmática do casal, pelo
ginecologista, pela ciência. Construção que é alimentada pelo discurso social em
relação à criança. É o filho do Imaginário. Desejo de filho, de um filho que deseja dar
aos pais aquilo o que supõe ser o que lhes falta para a completude. Filho do desejo
edipiano, aquele que consciente ou inconscientemente, gostariam de ter com seu pai
ou mãe.
Se tomarmos como exemplo a história de Camille Claudel
(JERUSALINSKY, 1999), vemos o quanto seu desejo se por uma via do
reconhecimento. Confere ao pai aquele a quem deve pagar uma dívida, levando o
nome de seu pai a um lugar de destaque através de sua própria produção. Produção
95
que deve ser uma obra de exceção, significante fundante na vida dela, o Nome-do-Pai.
Este pai que investe em sua filha com o intuito de recolher dividendos, não a reconhece
quando Camille fracassa. Pai que amor mediante um preço, ser representante do
desejo do pai. Deste modo, coloca a filha frente ao espelho, dando-lhe a roupagem que
deve vesti-la. No entanto, como no caso de Camille Claudel, cuja estrutura psíquica se
pela via de uma neurose obsessiva, quando não consegue dar ao pai o retorno de
seu investimento, este “tira-lhe a roupa”, ficando Camille sem se reconhecer mais
enquanto sujeito de desejo.
Podemos transpor este caso ao pedido de reconhecimento de algumas
mulheres pelo viés da produção de um filho, em que em virtude de uma infertilidade,
marca sua vida pelo fracasso, não podendo mais dar sua obra lica ao Outro. Sempre
se da mesma forma a sexuação no lado feminino, em qualquer das formas de
neurose, seja fóbica, obsessiva ou histérica e a questão de maternidade obedece a um
poder de restituição fálica, que assume o caráter de produção real, que posteriormente
e paralelamente (JERUSALINSKY, 1999), adquire valor simbólico.
Entretanto, uma diferença na mulher, entre a histeria e a neurose
obsessiva, no que se refere à questão da maternidade. Na neurose histérica, a
preocupação fundamental, é o valo lico que o filho real tem. Na neurose obsessiva, o
valor lico do filho não faz questão, mas sim, o reconhecimento que ela, a mãe, obtém
através do filho, ou melhor, como refere Alfredo Jerusalinsky (1999, p. 35), “em que
96
medida ela pode fazer desse filho um pai”. A obsessiva quer vestir-se de falo, e não
confere este atributo ao filho. Camille Claudel, perde seu filho, mas não é este seu
drama. Seu sofrimento se pelo medo de perder Rodin, seu amor e mestre, e o
reconhecimento garantido através dele.
Por outro lado, o filho que a mulher deseja, pode ser o filho-objeto, um
filho signo, e não significante, que fica impedido de ser representado. Vem como objeto
a não constituído, mas positivado, não podendo ser um objeto metonímico e nem
metafórico. Ou seja, são objetos que não podem ser trocados por nada. Pensamos no
caso da mãe submetida à reprodução assistida que frente ao fracasso da fertilização
não se permite optar por obter esse um filho de outro modo, como a adoção, por
exemplo. Esse filho-objeto, segundo Stryckman (2000, p.103), “é um filho que na
estrutura desejante da mãe é reduzido a encarnar, de um modo ou de outro, essa parte
do seu corpo perdida para sempre e que causa seu desejo. Dito de outro modo,
referindo-me à teoria de Lacan, esse filho é reduzido a ser objeto causa do desejo da
mãe. Todo filho que tem essa função, a mãe não quer perdê-lo, custe o que custar, seja
para poder gozar com ele, seja porque ela encontra ali um suporte essencial para a sua
estrutura subjetiva e o sentido indispensável para a sua existência. Ele é identificado
como objeto real do desejo da mãe, enquanto narcisista de sua função letal”. Numa
tentativa de explicação por equivalência, este filho-objeto está para a mãe, no mesmo
lugar que a droga para o toxicômano, as compras para o consumidor compulsivo, enfim.
Como pergunta J.-P. Lebrun à Charles Melman, “tratar-se-ia, então, de uma economia
do signo e não mais de linguagem, do significante?” (p.57).
97
Ao refletir sobre a interrogação de Lebrun, pensamos que de todo modo
não podemos estar fora da referência da linguagem. Até mesmo a forclusão está em
referência à linguagem. Assim, apesar de concordarmos que no inconsciente do sujeito
feminino a “criança é dada à mãe como substituto, ou mesmo equivalente, do falo”
(LACAN, 1956-57, p. 170), ela, se tomada como símbolo, torna-se objeto fetiche, que
por sua vez, representa o falo ausente. Pois Lacan, na aula em que falava da função do
véu, revê Freud, e considera que é extremamente raro encontrar o fetichismo na mulher
(idem, p. 156). No caso do filho tomado como símbolo, este vem a ser um sintoma
restitutivo. Somos auxiliados por Jerusalinsky (1999, p. 92; in: CALLIGARIS et. al.,
1999), em seu artigo “Os filhos como sintoma conjugal”:
Ocorre que, efetivamente, existe uma simetria entre o fantasma
masculino e o feminino entanto que a referência única de ambos é o
falo. Mas a particularidade sexual do fantasma faz com que o falo se
refrate de modo diferente nestas cenas em que mulher e homem não
ocupam exatamente a mesma posição. Se, de parte do homem, o falo
adquire condição emblemática que sublinha no imaginário aquilo que
testemunhe de sua potência, do lado da mulher, o falo, significante da
fala, apela ao Real para vir produzir seu sintoma restitutivo.
O modo encontrado pelo significante lico de tomar consistência é
pela via do sintoma. E ao ocupar a posição de um Real, o filho está para a mulher como
um sintoma que a ilude de ter uma garantia contra seu fantasma. (LACAN, 1956-57;
JERUSALINSKY, 1999).
Frente às novas tecnologias e propostas de relação com os objetos
que a humanidade tem à sua disposição na atualidade, é desafio da psicanálise escutar
98
o sujeito e seu sintoma, e se o sujeito é capaz de analisar suas condutas, refletir sobre
suas escolhas, responder ao seu desejo. Temos escutado, como psicanalistas,
teorizações sobre o lugar de objeto frente à demanda social que ocupam os sujeitos
contemporâneos, repercutindo em novas formas clínicas, ou seja, discursos
estruturados a partir de uma relação de objeto com o Outro (MELMAN, 2003). O
discurso social se apresenta de modo imperativo à demanda de gozo, e estando os
sujeitos submetidos a esta mutação cultural, respondem à demanda sem dar lugar à
escolha e a reflexão.
Constatamos as dificuldades dos sujeitos de hoje em dia de dispor de
balizas tanto para tornar mais claras as tomadas de decisões quanto
para analisar as situações com as quais se defrontam. Seriam
surpreendentes, num mundo caracterizado pela violência, tanto na
escola quanto na Cidade, por uma nova atitude diante da morte
(eutanásia, decadência dos ritos...), a demanda do transexual, os
acasos dos direitos da criança, as obrigações, até mesmo os diktats
do econômico, as adições de todos os tipos, a emergência de
sintomas inéditos (anorexia masculina, crianças hiperativas...) a
tirania do consenso, a crença nas soluções autoritárias, a
transparência a qualquer preço, o preço do midiático, a inflação da
imagem, o endereçamento ao direito e à justiça como “paus pra toda
obra” da vida em sociedade, as reivindicações das vítimas de todo
gênero, a alienação no virtual (jogos eletrônicos, Internet...), a
exigência do risco zero, etc? ( LEBRUN, 2003)
Pertencentes à cultura do narcisismo, os sujeitos da nossa cultura são
demandados a fechar os buracos da falta a qualquer preço e sem demora. Assim,
atestam sua completude, e suprimem seu mal-estar. A reprodução está ligada à
realização da vida sexual, e perpetua não apenas a genética dos sujeitos, mas também
o mito familiar. Além disso, em nosso dispositivo cultural, a potência sexual está
intrínseca a questão da feminilidade e da masculinidade, visto que a mulher não se
mais como passiva nas relações entre os sexos.
99
Deste modo, a infertilidade vem denunciar uma falha que afeta
imediatamente a condição subjetiva, produzindo sintomas, além de uma elaboração do
luto de um ideal.
Sendo o sujeito efeito de linguagem e não de natureza, este se produz
no laço social, pode-se dizer que seu inconsciente está situado como formações, no
campo do social (LACAN, 1957-58). Se nos apropriarmos das idéias de Melman (2002),
que sugere que estamos inventando uma nova economia psíquica que coloca o sujeito
numa posição de objeto em relação à demanda do Outro, poderíamos questioná-lo, no
que se refere à nossa pesquisa por meio das seguintes perguntas: Estaria o desejo de
filho, enunciado por homens e mulheres inférteis, que se submetem à reprodução
assistida, permeado por uma lógica do consumo? Ou estariam em busca do seu
desejo, desafiando as impossibilidades, com os recursos que as tecnologias da
contemporaneidade podem lhes oferecer?
Torna-se cada vez mais necessária uma utopia que cumpra a função
de despertar e que possa combater as múltiplas faces da violência a
qual estamos confrontados: a violência do dogmatismo, a violência da
hegemonia das formas do senso comum que impedem o
aparecimento do novo, anestesiando as singularidades, a violência
das discussões políticas vazias de atitudes. (SOUSA, 2002).
Dependendo se sua estruturação o sujeito pode funcionar numa
prevalência no plano Imaginário a a’, numa relação dita especular, não podendo
saber quem, nele, fala.
100
Com a instauração do significante Nome-do-Pai, o sujeito passa a se
reconhecer numa posição sexual, surgindo para a mulher, na estruturação neurótica – e
também para o homem a questão: o que é ser uma mulher? Esta é uma questão
fundamentalmente simbólica, visto que as fêmeas, no campo científico, jamais entram
neste impasse. “Quem sou eu? Sou eu, é uma relação de ser, é um significante
fundamental”. (LACAN, 1956, p. 196). Ao identificar-se sexualmente como mulher, esta
se caracteriza pela ausência, pelo vazio, que faz com que para parecer desejável,
necessite de objetos metonímicos para o que reflete a ausência do falo. Neste caso, ao
nos remetermos à polissemia do significante, o significante filho pode se situar aqui. E
casais se unem em resposta a esse ideal, respondendo a demanda de filho, caso
contrário, procriariam instintivamente, sem qualquer adoecimento, num puro e simples
ciclo de vida e morte. No sujeito infértil, estas questões subjacentes a este envolvimento
se potencializam, gerando sintomas permeados por este significante, infértil, que o
posiciona.
Mas como reconhecer o desejo? De acordo com Lacan (1960, p. 828 -
829), o homem desconhece seu desejo, estando ciente apenas daquilo que demanda.
Assim, o desejo do homem é o desejo do Outro, que faz retornar ao sujeito no lugar de
uma resposta, uma pergunta: o que querem de mim? Esta relação fantasmática
forma ao seu desejo. O sujeito espera receber do Outro a completude, demandando
amor. Enganado pela resposta do Outro, que jamais lhe corresponderá, o sujeito é
capaz de desejar, justamente ali onde se rompe a colagem entre demanda e
necessidade. Tal completude é refreada pela Lei, pela castração, produto da
instauração do Nome-do-Pai, que desfaz o assujeitamento do sujeito ao Outro, no
101
momento em que renuncia ser o falo para -lo. Pois, no final das contas, o sujeito
neurótico se deseja desejante (LACAN, 1959, p. 442). O desejo da mãe, antes
imperativo, se oculta, gerando o enigma: o que quer?
Se o falo se encontra sob a forma barrada onde tem lugar como
indicando o desejo do Outro, que acontece com o sujeito? A
seqüência de nossa elaboração nos mostrará que também o sujeito
tem de encontrar seu lugar de objeto desejado em relação ao desejo
do Outro. Por conseguinte, e como nos indica Freud em seu
vislumbre notável em Bate-se em uma criança, é sempre como
aquele que é que não é o falo que o sujeito terá de se situar, no fim
das contas, e encontrar sua identificação de sujeito. Em suma, como
veremos, o sujeito como tal é, ele mesmo, marcado pela barra.
Isso se manifesta claramente na mulher, da qual abordei hoje, através
de uma simples indicação, as incidências do desenvolvimento a
propósito do falo. A mulhere o homem também, aliás – encontra-se
presa num dilema insolúvel, em torno do qual é preciso colocar todas
as manifestações típicas de sua feminilidade, neuróticas ou não. No
que concerne a encontrar sua satisfação, existe, para começar, o
pênis do homem, e depois, por substituição, o desejo do filho. Só faço
aqui apontar o que é corrente e clássico na teoria analítica. Mas o que
quer dizer isso? Que, afinal de contas, ela obtém uma satisfação
tão intrínseca, tão fundamental, tão instintiva quanto a da
maternidade, e tão exigente, aliás, pelos caminhos da linha
substitutiva. É na medida que o pênis é, a princípio, um substituto
eu chegaria até a dizer um fetiche que também o filho, sob certo
aspecto, é posteriormente um fetiche. São essas as vias pelas quais
a mulher se aproxima, digamos, do que é seu instinto e sua
satisfação natural. (...) Vemos aparecer aí, a raiz do que podemos
chamar, na consumação do sujeito no caminho do desejo do Outro,
sua profunda Verwerfung, sua profunda rejeição, como ser, daquilo
pela qual ela aparece sob a modalidade feminina. Sua satisfação
passa pela via substitutiva, ao passo que seu desejo manifesta-se
num plano em que pode levar a uma profunda Verwerfung,a uma
profunda estranheza de seu ser em relação àquilo o qual ela tem de
parecer. (LACAN, 1958, p. 362 – 363)
Ao apreender o desejo, o sujeito desaparece. Portanto o desejo, diz
Lacan, parafraseando Picasso, “o desejo se pega pelo rabo, isto é no fantasma”
(Lacan, 1959, p. 440). Ao tocar o desejo, ocorre ao sujeito, afânise, o sujeito
desaparece de sua posição de sujeito, ou seja, o sujeito existe fora do que é seu desejo
102
(Lacan, 1958, p.117). Ao ver seu desejo deslocar-se de objeto em objeto, o homem
consegue manter o equilíbrio de seu desejo. Freud termina seu livro “A interpretação
dos sonhos” com a seguinte frase: “O desejo indestrutível modela o presente à imagem
do passado(FREUD, 1901, pág. 645) E Lacan, no seu Seminário 6, completa: “é a
saber que o desejo indestrutível modela o presente à imagem do passado, talvez
porque como a cenoura do burro, ele está sempre diante do sujeito, produzindo sempre
retroativamente os mesmos efeitos.”(pág. 102). O bafio de porão poder dar lugar ao ar
da manhã (BLOCH, 2005). O desejo de filho pode vir a ser desejo de um
filho.
103
4.2. 1 + 1 = 3:
O modo como a cultura contemporânea entende o lugar dos filhos para
um casal, é fruto de mudanças significativas do discurso social ao que se refere a este
lugar e as práticas vigentes em cada época da história da humanidade. Conforme as
pesquisas de Roudinesco (2002), o reestruturamento das funções materna e paterna ao
longo da história confere ao filho o lugar que destinamos a ele hoje em nossa cultura.
Desde a ascensão do amor romântico e em conseqüência os casamentos por amor e
não mais por interesses patrimoniais, os casais se deparam com um desencanto mútuo
que lugar a um investimento maior da relação entre a mãe e o filho, pois, em
primeiro lugar, a mãe volta-se para os cuidados maternais uma vez que não investe
mais na relação conjugal, e em segundo lugar, porque com os divórcios fica cada vez
mais freqüente a modalidade de famílias compostas por mães e filhos. A frase de
Auguste Comte, citada por Roudinesco (2002, p.35), diz muito de uma primazia da
relação maternal em detrimento do vínculo paterno. Diz Comte: “os filhos são sob todos
os aspectos, mesmo fisicamente, muito mais filhos da mãe do que do pai”. Isto porque a
função paterna foi que mais sofreu mudanças ao longo dos séculos. Enquanto a
maternidade tenta parecer encarnar o ‘mundo dos instintos’, a paternidade se
através de uma nomeação.
104
O pai é aquele que toma posse do filho, primeiro porque seu sêmen
marca o corpo deste, depois porque lhe seu nome. Transmite,
portanto, ao filho um duplo patrimônio: o do sangue, que imprime uma
semelhança, e o do nome prenome e patronímico --, que lhe
confere uma identidade, na ausência de qualquer prova biológica e de
qualquer conhecimento do papel respectivo dos ovários e dos
espermatozóides no processo da concepção. (ROUDINESCO, 2002,
p.22).
Lembra a autora, que “em direito romano, o pater é aquele que designa a
si mesmo como pai de uma criança por adoção, que a conduz pela o” (p.21). Ou
seja, o pai é aquele que reconhece e legitima uma criança como seu filho, não
importando sua filiação biológica. Este reconhecimento se através da palavra e é a
fala do pai que tem um efeito de transmissão simbólica. Entretanto, a possibilidade de
nomeação paterna perpassa o desejo da mãe. É a mãe quem aponta o pai e o reafirma
perante seu filho quando o inscreve em seu discurso.
Como estávamos falando anteriormente, as formas de configuração dos
casais como família têm uma significativa mudança no que se refere ao lugar dos filhos,
quando os casamentos passam a se consolidar pelo estatuto do amor. Em decorrência
disto, adota-se uma moral civilizada, fomentada pela política puritana e religiões,
principalmente as protestantes (ROUDINESCO, 2002); moral que pretendia controlar a
sexualidade dos casais e autorizá-la apenas dentro do casamento. Tal normatização da
sexualidade consolidava-se com a procriação.
Ao mesmo tempo em que esta moral civilizada estava em vigor, instalava-
se nas sociedades européia e americana de 1900, uma mutação das práticas
contraceptivas, que indicam uma mudança no entendimento social do que vem a ser
105
um filho ou uma criança na vida privada e social. Práticas anteriormente usuais, como o
aborto, o abandono ou o infanticídio, que eram perfeitamente aceitos, visto que as
crianças não tinham o status de sujeito, dão lugar a métodos como o coito interrompido,
em concordância com o pensamento vigente de que o filho deve ser desejado e que, ao
nascer, lhe é atribuído uma identidade familiar e um poder genealógico para fins de
transmissão de patrimônio. Sendo deste modo, o vínculo familiar torna-se mais forte,
constituindo-se como célula base da sociedade e o cuidado da mãe com os filhos, ou o
que chamariam de ‘instinto maternal’, passa a ser fundamental e entra para o rol das
representações de feminilidade da mulher.
As representações de feminilidade passam a se formar pelo viés da
observação da anatomia dos sexos. A mulher vista como frágil e passiva, inclusive por
sua posição na cópula, e o homem como viril e ativo, detentor do sêmen gerador da
vida, o qual a mulher é receptáculo. As observações anatômicas da idade média viriam
a confirmar que a mulher era um homem cujos órgãos sexuais encontravam-se
invertidos ou atrofiados, quando comparavam o útero ao pênis ou até mesmo o clitóris
ao pênis. De todo modo, Freud (1905), ao sustentar sua teoria da libido e das teorias
sexuais infantis, retoma a idéia da passividade feminina perante seu órgão castrado ou
que não cresceu o suficiente. Sendo assim, o complexo de castração não se organiza
da mesma maneira para os dois sexos, visto a relação distinta que o menino e a
menina têm para com o seu sexo. Todavia, Freud apóia sua teoria em torno do
falocentrismo, trazendo para a menina uma etapa a mais na busca da sua
representação como mulher, organizando sua sexualidade em torno do falo,
desembocando num desejo de ter um filho do pai. Ao passar pelo complexo de
106
castração e pelos tempos do Édipo, a sexualidade e escolha de objeto se anuncia por
um processo simbólico alheio à anatomia.
Vemos que, ao afirmar o princípio de um monismo sexual e,
portanto de um falocentrismo – que corresponde ao primado que
atribui a uma ordem simbólica separadora, Freud considera
equivocada toda argumentação naturalista. A seu ver, não existe nem
instinto materno, nem raça feminina. Assim, o falicismo é pensado
como uma instância neutra, comum aos dois sexos. (ROUDINESCO,
2002, p. 127)
No entanto, ao refletirmos sobre os estudo histórico realizado por Kehl
(1998), as mulheres, ao aceitarem a posição de alienação no discurso masculino,
renunciaram por muito tempo ao “falo da fala” (p.83), deixando aos homens a tarefa de
decidir sobre seu destino. No tempo em que Freud elaborava suas teorias acerca da
feminilidade, a mulher encontrava um caminho de produção subjetiva através da
maternidade, pois o que produzia na esfera social eram apenas filhos. Sem filhos não
havia meio de inscrever sua experiência no mundo. A partir da segunda metade do
século XIX, passam a surgir mulheres escritoras, muitas ainda sob um pseudônimo
masculino, mas que garantiam sua presença e sua fala no mundo fora da esfera da
maternidade, abrindo caminho para uma diferença propriamente dita.
Esta espécie de domesticação do feminino do início do culo XIX
implicava que as mulheres renunciassem a própria sexualidade, ou aos “componentes
excessivos de sua natureza” (KEHL, 1998, p. 84), reduzindo-as a um papel de esposa /
mãe, que encontra escape na histeria estudada por Freud no século XX, das mulheres
inocentes no campo sexual e maleáveis no campo social. Naquele século houve uma
107
reinvenção do “instinto maternal” que serviu de remediação e em seguida, prevenção
das altas taxas de mortalidade e abandono de bebês e crianças. Até mesmo, o
fortalecimento das campanhas de amamentação vai contra a prática anterior àquele
período, visto que dentre a aristocracia e a burguesia a amamentação era vista como
prática de animais e o de damas lembramos novamente de Admirável Mundo
Novo
26
sendo as crianças, amamentadas por amas-de-leite que muitas vezes as
cuidavam em suas próprias casas.
No século XVIII, os filhos eram considerados como estorvos à saúde,
à liberdade e à beleza de suas mães. Não tinham o valor narcísico a
que estamos hoje acostumados, como se fizesse parte da natureza
das relações da fêmea humana com sua cria. (KEHL, 1998, P. 89).
Hoje, depois de Lacan, podemos pensar que a decepção da mãe
diante do nascimento de uma criança e a ambivalência amorosa em
relação com ela, são característicos de toda a relação humana com
os objetos que simbolizam o falo, uma vez que ao mesmo tempo em
que simbolizam uma plenitude desejada, estes mesmos objetos vêm
nos prestar conta da falta e da imperfeição. O falo, por sua própria
condição simbólica, nunca realiza o que promete, de forma que sua
presença mobiliza sempre sentimentos ambivalentes. (KEHL, 1998, p.
92).
26
“O bebê decantado berra; imediatamente uma enfermeira chega com uma mamadeira de secreção
externa. O sentimento está à espreita nesse intervalo de tempo entre o desejo e sua satisfação. Reduza-
se esse intervalo, derrubem-se todos esses velhos diques inúteis”. (HUXLEY, 1932, p. 57).
108
5
CONSTRUÇÃO DO CASO
Se há algo que toda a nossa abordagem delimita que seguramente foi
renovado pela experiência analítica, é justamente que nenhuma
evocação da verdade pode ser feita se não for para indicar que ela
é acessível por um semi-dizer, que ela não pode ser inteiramente dita
porque, para além de sua metade, não nada a dizer. Tudo o que
se pode dizer é isto. Aqui, por conseguinte, o discurso se abole. Não
se fala do indizível, por mais prazer que isto pareça dar a alguns.
Jacques Lacan
5.1.
METODOLOGIA
:
Para viabilizar a pesquisa de escuta de sujeitos com diagnóstico de
infertilidade que se submetem a tratamento fazendo uso das Novas Tecnologias de
Reprodução Assistida, realizamos contato com uma renomada cnica de fertilização
assistida da cidade de Porto Alegre, através da psicóloga do corpo clínico.
Tivemos como objetivo, realizar entrevistas psicológicas dirigidas, com
quatro mulheres, que buscaram uma clínica de fertilização assistida com a finalidade de
109
realizar tratamento para engravidar. Estas mulheres estão na faixa etária entre 30 e 40
anos e estão realizando o tratamento completo pela 1ª. vez. A causa da infertilidade
feminina será trabalhada juntamente com a análise dos casos, entretanto não será fator
de escolha dos sujeitos de pesquisa. As entrevistas foram realizadas em um encontro
de aproximadamente 1 hora e foram gravadas.
Para encaminhar a possibilidade de realização das entrevistas,
estabelecemos um contato com os sujeitos, com o objetivo de informar sobre a
pesquisa. Os sujeitos foram encaminhados pela equipe médica e psicológica da clínica
especializada em reprodução assistida. Desta maneira, a escolha dos sujeitos de
pesquisa se deu de forma aleatória à nossa escolha, dependendo do consentimento
destes em participar da pesquisa. O consentimento está registrado em “Termo de
Consentimento Livre e Informado” que assegura a responsabilidade ética da pesquisa,
sendo que este foi desenvolvido pela pesquisadora (ver anexo 1). Este termo esclarece
ao sujeito da pesquisa quanto ao teor e conteúdo da mesma. As entrevistadas não
receberam e não receberão qualquer gratificação de ordem financeira pela sua
participação. Ademais, foi lhes certificado a responsabilidade desta pesquisa para com
o total sigilo acerca da identidade dos participantes, sendo que os nomes apresentados
no decorrer deste capítulo são fictícios.
A análise das entrevistas se dará na forma de construção de caso,
embasado na metodologia psicanalítica. O método psicanalítico, pautado pela
transferência, repete na clínica a estruturação pulsional do indivíduo. Caracteriza-se
pela associação livre do analisando, estando o desejo do analista suspenso, para que o
110
inconsciente do analisando possa falar. Contudo, numa situação de pesquisa uma
inversão, na qual a demanda de escuta está situada no pesquisador.
Neste trabalho, o método psicanalítico de investigação estará limitado à
discussão teórico-clínica. Ou seja, um objetivo específico do pesquisador na escuta
destas pacientes, cuja entrevista busca abarcar as seguintes questões norteadoras
para a pesquisa:
- posicionamento do sujeito frente à sua genealogia;
- posicionamento do sujeito frente ao seu tratamento médico;
- posicionamento do sujeito frente a sua condição de infértil;
- os motivos da escolha pelo tratamento de reprodução assistida;
- o que tem a dizer sobre o seu desejo de filho.
Para tanto, foi elaborado pela pesquisadora um questionário que serviu
como um disparador da fala das pacientes em pesquisa. Segue abaixo as perguntas
realizadas às mulheres:
Idade:
Estado civil:
Profissão:
Grau de instrução:
1º. Casamento?
Cônjuge possui filhos de casamento anterior? Com quem vivem?
111
1) Há quanto tempo que tem tentado engravidar?
2) Como e quando surgiu para você a vontade de ter um filho?
3) Quando soube que tinha problemas de fertilidade?
4) Quando decidiu procurar a ajuda médica em uma clínica especializada em
problemas de fertilidade?
5) Chegou a pensar em adoção?
6) Qual a causa da sua infertilidade?
7) Qual sua expectativa frente ao tratamento?
8) Com está sendo para o casal passar pelos processos exigidos pelo tratamento
médico?
9) Tem recebido apoio familiar?
10) Como está sendo para você passar por esta experiência?
11) Tente me falar como você se relaciona com a condição de não poder ter filhos
sem tratamento.
12) Fale-me sobre o seu desejo de ter um filho. O que este desejo implica em sua
vida?
13) Qual a importância desta realização em sua vida?
Apesar desta pesquisa estar situada na escuta de determinados
sujeitos, esta tende a representar a posição do sujeito contemporâneo no imaginário
social.
112
É verdade que a psicologia individual relaciona-se com o homem
tomado individualmente e explora os caminhos pelos quais ele busca
encontrar satisfação para seus impulsos instintuais; contudo, apenas
raramente e sob certas condições excepcionais, a psicologia
individual se acha em posição de desprezar as relações desse
indivíduo com os outros. Algo mais está invariavelmente envolvido na
vida mental do indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar,
um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia
individual, nesse sentido ampliado, mas inteiramente justificável das
palavras, é, ao mesmo tempo, também uma psicologia social.
(FREUD, 1921, p.81)
Fragmentos do caso serão apresentados para compor um texto de
análise da fala das pacientes, texto que buscará analisar a posição subjetiva destes
sujeitos atrelados ao discurso social. Neste ponto cabe interrogarmos sobre esta
produção do pesquisador, chamada de construção de caso.
Numa primeira tentativa de responder esta questão, veio-me a
imagem do título deste texto (A vida entre parênteses). Ora, a vida
entre parênteses não deixa de ser uma primeira resposta possível à
questão do que é um caso clínico. Este “entre parênteses” indica os
limites de nosso discurso, mostrando que toda forma guarda os traços
do recorte que lhe deu nascimento. (SOUSA, 2000, p.18)
Edson Sousa (2000), trabalha com a idéia de que a construção de um
caso clínico que interroga a teoria e confronta um saber pressuposto, se aproxima de
uma obra. O autor nos faz compreender o quão estéril é o caso que apenas está a
serviço de uma ilustração teórica, que ao invés de “revelar o ‘em falta’ de nossa relação
com o Outro(p.17), responde à sua demanda de completude. Ele diz:
A tentação de poder prescindir dessa teoria, ao fazê-la a sua medida,
é tão problemática, pois se não temos esses parênteses que nos
orientam, é sempre com nossa intuição sentimentalista e obscura que
construímos o mundo. Nesta perspectiva, o caso seria como a cama
de Procusto, onde o que sobra se corta e o que falta se estica até o
limite da cama. (SOUSA, 2000, p.19).
113
Ao fazer um recorte de uma fala, o analista está intrinsecamente
implicado com essa nova borda, uma vez que escolhe os pontos de corte e apesar de
que depois poder ver a nova configuração, a obra acabada, vê-se e se surpreende
com seu trabalho que o convoca a reflexão.
Portanto a construção dos casos se dará a partir do ponto de nos faz
questão por não podermos capturá-lo sem dar voltas em torno dele. Do contrário
teremos apenas falas fragmentadas.
114
5.2. MEU FILHO:
São apenas 7 horas da manhã e a sala de espera do centro de medicina
reprodutiva na qual realizamos nossa pesquisa está cheia. Neste momento
aguardam sua consulta oito casais. Pouco conversam entre si e muito se olham. Olham
uns para os outros, com um olhar conivente. Como se ali não precisassem falar de sua
dor, de sua preocupação, como se tudo fosse sabido pelo simples fato de estarem
sentados onde estão no momento. Com certeza são casais em busca de um filho. Mas
não estão na fila da adoção. Querem soluções para os problemas apresentados por
seus corpos, a dificuldade de engendrar seus próprios filhos. Nós os observamos e
pensamos: o que será que eles falam entre si. Será que buscam um lugar para falar ou
para calar? Que escuta fa o médico que os atenderá acerca do desejo de filho
implicado em cada demanda?
Todos os rostos nos parecem serenos, calmos como barcos ancorados
em seus portos. Entre eles estavam Marina, Maia, Maíra e Mara. Marina e Maia
seguravam firme a mão de seus maridos. Maíra folheava uma revista que estava
disponível da sala de espera e Mara olhava por todos os lados.
115
Após a consulta médica, Marina vem até nós, que estamos em uma sala
reservada, juntamente com sua ginecologista, que nos apresenta. Quando a sós,
falamos de nossa pesquisa e pergunto a ela se gostaria de conversar conosco sobre
seu desejo de ter filho e o percurso pelo qual está passando na esperança de tê-lo. Ela
diz que nunca tinha pensado em conversar com uma psicóloga sobre isso, embora
pensando bem, acha que seria bom neste momento. Neste momento... Aqui surge para
nós interrogações que tivemos que calar: Por que não antes? Por que a escuta
precisou ser oferecida a ela para que pudesse falar de si enquanto infértil e de seu
processo de busca por um filho através da reprodução assistida e não foi anteriormente
buscada por ela?
Para nossa surpresa, escutamos de Maia a mesma resposta e sem
mais nos surpreender, escutamos novamente esta resposta de Maira e Mara.
Continuamos com esta interrogação cuja resposta podemos ter alcance em nossa
elaboração teórica que nos revela o quanto estes sujeitos estão expostos ao desejo do
Outro e apenas neste trânsito exercem sua possibilidade de fala. De qualquer forma,
nos parece, que enquanto diante de um médico falam de suas dores do corpo, uma vez
diante de um psicólogo, falam de suas dores da alma, contudo entrelaçados em uma
mesma lógica de dar aos ouvidos do Outro o que acreditam que este espera.
Lamentamos o fato de que esta escuta não pôde se estender ao ponto de uma torção
do lado da demanda, situação na qual a possibilidade de que aí o sujeito fale seja ainda
mais legítima.
116
O poder de ter e de ser o falo - será ainda mais discutido neste sub-
capítulo, que busca problematizar a fala das mulheres que estão submetidas a
tratamentos para engravidar e suas posições de sujeito perante a ciência, a medicina, o
Outro. Continuaremos com Freud e com a ajuda de Lacan e outros autores
contemporâneos da psicanálise, em busca de tentar compreender um pouco mais o
que está em jogo no “continente negro” do qual falamos. Embora pareça precipitado
para um primeiro parágrafo de análise, adiantaremos nosso ponto de vista de que, a
falta, o vazio, mencionado por estas mulheres quando falam da ausência da
maternidade em suas vidas – maternidade de filho consangüíneo – este vazio está mais
para uma falta do ser do que uma falta do ter. Diz Lacan (1955-1956) que o “sexo
feminino, tem uma característica de ausência, de vazio, de buraco, que faz com que
pareça ser menos desejável que o sexo masculino no que ele tem de provocante, e
com que uma dissimetria essencial apareça.” (p.202).
Controlar o tempo é um dos instrumentos mais potentes da gica do
poder. Muitas das hegemonias que temos que enfrentar encontram
sua justificação na esteira do racionalismo moderno: território
instituído de uma burocratização do amanhã. (SOUSA, 2007, p.31)
Se o advento das pílulas anticoncepcionais e demais métodos
contraceptivos deu à mulher a possibilidade de controle de seu corpo e a separação
entre ato sexual e procriação; ao tentar engravidar no “tempo certo”, a mulher é
colocada diante do imprevisível da infertilidade. A questão da liberação sexual continua
sendo apenas uma ideologia. Deste modo, não é difícil pensarmos na estreita relação
entre a contracepção e o desenvolvimento das técnicas de medicina reprodutiva, que
117
tenta estabelecer uma junção entre demanda consciente e a vinda de um filho. Mas
quando a demanda se detém diante das impossibilidades do corpo, o que se faz? De
acordo com o pensamento de Tort (2001), o anseio pelo controle do desejo é um
objetivo compartilhado entre homens e mulheres, demarcando uma linha divisória entre
desejo sexual e desejo de filhos. O anticoncepcional viria como um adiamento do
desejo de filhos. Entretanto, sugere o autor, o saber científico de nada quer saber do
desejo que a psicanálise aborda.
A aplicação das novas tecnologias médicas no corpo da mulher
coloca radicalmente em evidência a verdade da divisão subjetiva: ou
seja, o fato de que o ser humano é habitado por um saber
(inconsciente) que o pensamento consciente ignora e cujos efeitos
não podem ser evitados por nenhuma decisão racional. (MIELI, 1997,
p.6)
A evidência de que determinações inconscientes atuam diretamente na
ordem sexual na qual subjazem as relações de identificação, convoca os psicanalistas
a se preocuparem acerca das formas contemporâneas de laço social que refletem nas
demandas de nosso tempo e retornam como efeitos na prática clínica. É através da
análise do impedimento de ter um filho, que podemos questionar sobre este desejo, que
talvez permaneceria oculto caso pudesse ser sempre realizado. Roudinesco (2003)
conclui que à medida que as mulheres passaram a dominar os processos de
procriação, são acusadas de tentar suprimir ainda mais as diferenças sexuais,
atentando contra a essência masculina. Lembra a autora, que nos textos de Platão
se enunciava a seguinte prerrogativa: “Que se obedeça à natureza do acasalamento
destinado à procriação; que não se toque no sexo viril;...” (In: Roudinesco, 2003, p.
147). Dissociar feminilidade de maternidade dificulta as possibilidades de classificação
118
das mulheres como todas em umconjunto. Se algumas não são mães, perguntamos
não sem ironia, o que são, as mulheres?
E, para designar essa ausência de plenitude e de complementaridade
entre os dois sexos, que agora apareceria no real, Lacan extraiu de
Drieu La Rochelle uma observação da qual fará um aforismo: “A
Mulher não existe. Ela é não-toda”, dirá, nem uma natureza, nem uma
categoria, nem uma totalidade, nem uma cultura. Ela nunca é, para o
homem, no mesmo momento, nem no mesmo instante, o que se
acredita que poderia ser. Do mesmo modo escapa a qualquer
programação por um gozo ilimitado fronteiriço à morte.
(ROUDINESCO, 2003, p.150).
havíamos mencionado no capítulo anterior, a concepção lacaniana
da mulher como vaso de receber. O vaso, como nos explica Lacan, representa a
existência do vazio e do entorno deste. É tal como o simbólico, criado a partir do furo,
de um nada. E a mulher, como também não encontra um significante a partir do qual se
nomear como mulher, cria um contorno que a molde. Se o humano é aquele que
padece de significantes; razão e necessidade, diz Lacan (1959- 1960, p. 255) “são
insuficientes para permitirem a apreciação do campo em questão de realização
humana”. Transpondo este pensamento para nosso estudo, verificamos que de forma
alguma o filho demandado para a medicina de reprodução assistida dará à mulher a
completude almejada, confirmando, mais uma vez, o quanto se faz preciso e precisa a
escuta do desejo subjetivo. Dito de outro modo, este filho está na ordem da pulsão, que
na ausência ou na presença é fonte de gozo. Assim, nos colocamos de acordo com os
autores citados neste estudo, de que a demanda de filho remete ao memorável de cada
falasser, uma vez que é algo que insiste, que retorna.
119
A pulsão implica o corpo, sendo um conceito que está na fronteira entre
o físico e o psíquico. A demanda de filho, como qualquer demanda, está, no
inconsciente, representado na sexualidade do falasser, e é constituída de significantes
recalcados. Tomemos como exemplo, quando numa análise, à medida que a demanda
dirigida ao analista é frustrada, ou seja, o analisante não encontra uma resposta do
Outro, desencadeia-se uma derivação na cadeia significante; dito de outro modo,
retornam os significantes primordiais nos quais encontra-se fixado o desejo. E o desejo,
ao passar pela pulsão terá em resposta ao ‘Che voui?’, o significante da inscrição da
falta no Outro.
A demanda não espaço a negociações ou trocas, e tal como amar,
demandar é verbo intransitivo, e, portanto, faz-se incondicional. De todo modo,
diferentemente da necessidade propriamente dita, a demanda o se satisfaz. A
psicanálise, ao fazer ressurgir na fala das pacientes inférteis, os significantes que as
marcaram como sujeitos em seu passado, tem a chance de os ressignificar. Outrossim,
o desejo do sujeito vem a ser uma defesa contra a demanda de completude do Outro,
que é, sem dúvida, o falo.
No seminário que discorre acerca da angústia, Lacan retoma seu
pensamento ao que confere à feminilidade, dizendo que “a posição feminina tem mais
facilidade quanto à sua relação com o desejo” (LACAN, 1963, p. 237). Mas por quê? De
acordo com Lacan, o desejo está constituído aquém da zona que separa o gozo e o
desejo, sendo a falha, ou a fenda, na qual se produz a angústia. A mulher vincula-se
com o nó do desejo de uma forma mais folgada, desamarrando-se dele com maior
120
facilidade. Uma maior compreensão poderia se dar se entendêssemos o gozo como o
Real e o desejo como estando na fenda, senda a fenda justamente a censura, o corte
inconsciente que se manifesta frente a um desejo a esconder. Quando Lacan diz que o
desejo está aquém, é porque ele está em um lugar de causa, contudo é censurado
de modo a não se satisfazer, resultando em seu lugar, a angústia.
Na aula anterior deste mesmo seminário, Lacan um fim à premissa
conclusiva de que o desejo final da mulher seja guiado pela inveja do pênis. E diz mais:
“a mulher não tem nada a desejar quanto a esse ponto” (1963, p. 222). É o objeto a que
norteia, tal como para o homem, o desejo da mulher, embora ela tenha menos a perder.
Esclarece-nos o psicanalista:
Mas apesar de tudo, esta questão do desejo a simplifica muito para
ela: não para nós, em presença do desejo delas. Mas enfim, ao
interessar-se pelo objeto como objeto de nosso desejo, isto lhes traz
muito menos complicações. (LACAN, 1963, p. 222).
Ao trabalharmos como o conceito de feminilidade como construção de
um ser mulher, esta construção se daria por meio do discurso masculino, que deixaria
entredito o que se espera de uma mulher. Kehl (1998), ao tomar de empréstimo o
modelo lacaniano que lança o aforisma: “a mulher é o sintoma do homem”, situa que
“os discursos masculinos sobre a feminilidade construíram uma espécie de Eu Ideal
apontando para o que as mulheres deveriam ser, alienando-as num lugar de puro
desejo do Outro, ou ao olhar de outros que viam nelas a projeção de seus próprios
desejos(p. 117). Conquanto que Freud aborde a construção do feminino pela via da
passividade, sabemos, o quanto isto não é bem assim. A mulher oferta-se como objeto
121
de gozo (objeto a) pela via da sedução, mesmo quando mascarada pela atitude de
indiferença, ao mesmo tempo em que reivindica um outro olhar, algo que diga de si,
que a positive e não a descarte. Como todos, também a mulher oferece sacrifícios ao
Outro a fim de ser mais desejada. Deste modo, torna-se muito difícil a sustentação de
seu desejo e a resposta à famosa interrogação: o que quer uma mulher?
É tão complicado responder esta questão, que Freud e Lacan fazem
leituras diferenciadas de um mesmo caso. No caso da ‘bela açougueira’, o desejo que
permanece insatisfeito é em si mesmo a realização de seu desejo. O caviar que a
histérica deseja é justamente o que ela não quer. Nas palavras de Lacan (1958): “longe
desse impasse aprisioná-la, a mulher encontra nele a liberdade de ação, a chave do
campo dos desejos de todas as histéricas espirituosas, açougueiras ou não, que
existem no mundo”. (p.631)
Outro aforismo lacaniano “a relação sexual não existe”, traz à tona o
impossível da complementaridade entre os sexos, visto que as posições sexuadas são
geralmente ambíguas e vacilantes, seja em função do objeto ao qual o falasser se
relaciona e sua posição estrutural. E tal complementaridade é evocada pela ciência
quando esta situa através do corpo biológico a diferença sexual, excluindo da esfera de
análise as determinações das formações do inconsciente. Para Lacan, a relação não se
entre os sexos, mas sim de cada um dos parceiros para com o falo e com a própria
castração. Ou contrário do que se imagina, o falo, ao invés de ser unificador de uma
relação, é justamente aquilo que faz obstáculo a ela, visto que remete os sujeitos
implicados, sempre a uma falta e não a completude. Lacan nos explica que a questão
122
de uma relação é uma questão de lógica, na qual cada um dos componentes têm
uma representação, por exemplo: a=x. No caso do falasser, este é sempre polissêmico
e entendido pela via do significante, que desliza, que se desloca. De qualquer modo,
mesmo que tentássemos reduzi-los a macho e fêmea, pela razão simplesmente da
diferença anatômica, sem linguagem, ao serem tomados no mundo do humano, ou
como diríamos, no campo do simbólico, homem e mulher não estariam destituídos de
sua qualidade polissêmica e equívoca.
Segundo a psicanalista Sílvia Tubert (1996), a reivindicação de um filho
a qualquer preço (expressão muito utilizada pelos autores pesquisados), pode estar
correspondendo a uma carência de metáfora que diga à mulher quem ela é, ou melhor,
que falta um significante que a enlace no real, simbólico e imaginário. Neste sentido,
apenas a maternidade no real pode fazer algumas mulheres ascenderem como sujeito
sexuado no feminino, tal como uma restituição de sua posição subjetiva. Muito ao
contrário de uma ascensão à maternidade pela via do simbólico. A ciência e o médico
nestes casos, encarnam o Nome-do-Pai, e a produção no real do corpo, faz operar um
significante que garanta sua estrutura como sujeito. Aqui a criança é o falo.
Contudo, acredito ser pertinente levantarmos a discussão acerca da
afânise do desejo. O sujeito que fica preso no fantasma é um sujeito sintomático, logo,
sua demanda está na ordem do sintoma, e neste sentido o sujeito é surdo e cego
quanto à causa de seu desejo.
123
A esterilidade se diz; ela é um dizer sobre o corpo que não consegue
criar. Mas ela se diz se um espaço de escuta é preparado para
ouvi-la como dizer, dizer de outra coisa, o inconsciente, e daí extrair
as devidas conseqüências. É algo evidente para o analista quando o
desejo de filho caminha no decorrer de uma psicanálise. Mas,
precisamente, não é que a esterilidade vem dizer-se como tal. Ela
vem dizer-se como esterilidade, sintoma, num lugar onde o que ela
diz tem alguma chance de não ser ouvido, segundo seu desejo, como
dizer; numa consulta especializada onde o sujeito designa as
desordens de seu corpo como estranhas a ele mesmo e as entrega
ao saber médico. (TORT, 2001, p. 179).
O corpo que demanda totalidade é o corpo da fase do espelho e temos
muitos casos clínicos, de qualquer ordem de demanda em que esta requer a totalidade.
Sabemos que este total, como podemos nos situar no texto da fase do espelho, de
Lacan, é uma miragem, jamais existiu de fato, sempre há uma parte que fica de fora. O
sintoma no corpo vem, se podemos refletir conforme nossa teoria, como localização de
uma ferida narcísica, e a doença do humano (falasser) é marcada pelo significante. Ou
seja, o corpo da psicanálise é um corpo falado e que por isto deixa restos (objeto a).
Vimos que muitos analistas pensam a infertilidade como um desejo
inconsciente encarnando uma proibição sobre o corpo do sujeito. Também, em
conformidade com todo nosso percurso teórico, embasado, principalmente, na
psicanálise lacaniana, lembramos que o desejo está calcado no desejo do desejo do
outro. Tal premissa nos torna passível de compreensão o que as autoras espanholas
Cincunegui, Kleiner e Woscoboinik (2004), chamam de “infertilidad en la pareja”. De
acordo com estas autoras, o desejo de filho constitui uma produção desejante do casal
e apresentam diversos casos nos quais o tratamento dico era concluído por um
integrante do casal e tão logo o cônjuge manifestava algum problema no seu corpo que
124
anteriormente não havia sido detectado, e que tornava mais uma vez, a gravidez
impossível. Encontramos ressonância nas palavras de Michel Tort (2001, p. 181):
Ora, o dizer da esterilidade, que conjuga a auto-acusação a
insinuação, é enunciado entre sujeitos, visa sujeitos, atingindo-os em
sua possibilidade de simbolizar o corpo biológico: no poder de gerar,
congelado pela palavra materna, no poder de fecundar negado
sutilmente ao homem. a palavras o dita conta da
neutralização recíproca dos corpos que está no centro da ‘esterilidade
do casal’.
27
O inconsciente se coloca em posição de recusa frente à demanda
completude do Outro, e talvez, no jogo de espelhos entre o casal, não há nada que falte
neste imaginário, precisando advir ao real do corpo para cavar um buraco. Tort (2001),
se questiona quanto à esterilidade ser propriedade de apenas um indivíduo, ampliando-
a para o casal ou outras relações especulares, dizendo ser impossível separá-la do
desejo do outro, dando como exemplo que a esterilidade pode vir a serviço também de
punir desejos edipianos.
Em diversas passagens deste texto, nos interrogamos sobre o lugar que
ocupa o filho na vida das mulheres que buscam na reprodução assistida a única
possibilidade de terem filhos. Neste sentido apresentamos a hipótese na qual não há
deslocamentos possíveis quanto à demanda de filho. Assim, segundo este raciocínio, o
objeto filho, se assemelharia ao objeto do fetiche, e ao reivindicá-lo, tais mulheres
estariam na expectativa de reaver seu valor que imaginam perdido. Neste caso o sujeito
atribui seu valor à coisa.
27
O entre aspas é do próprio autor.
125
Nos lembra Backes (2007), que no Seminário da Angústia, Lacan
trabalha o conceito de objeto ligado à noção de causa. O objeto é causa de desejo e,
portanto, não tem como ser equiparado ao objeto do consumo. A intenção do desejo
não é o desejo propriamente dito, e o objeto fetiche é utilizado pelo neurótico comum, e
não apenas pelo fetichista como condição de sustentação do desejo. Ao pensarmos
que o desejo sempre está alhures, a exemplo da autora, podemos nos perguntar: ao
conseguir o filho demandado, ou seja, ao atingir um alvo ou cumprir um projeto que
está à frente, o sujeito estaria situado num eu ideal e este filho é o “objeto da
intencionalidade (do consumo)?” (p.10).
Sem reconhecimento da castração pela mulher que demanda o filho,
este se torna mero anseio de plenitude narcísica, o que atesta a gravidade deste
vínculo em termos de economia psíquica. Eleva-se uma ilusão: de ser pelo ter,
congelado no desejo de ter um filho que vem “do frio”
28
.
Ao seguirmos por Lacan, que na aula de 16 de janeiro de 1963, revê o
caso da jovem homossexual, no que diz respeito ao deixar-se cair como objeto,
enquanto sujeito alienado ao objeto, numa identificação absoluta ao objeto a. “É como
se eu estivesse morta”, diz Mara (31 anos), que não pode ter filhos.
O desejo de filho, como aliás todo desejo, adapta-se mal
estruturalmente à fixação de um objeto, estável no tempo.
Caracteriza-se por seu empuxo, sua impaciência, sua labilidade, sua
dependência face à relação com o outro com quem o desejo se
relaciona numa eleição momentânea, mas equívoca (ele pode ter
visado em outro e poderá ressurgir com um outro). (TORT, 2001, p.
168).
28
Alusão ao título do livro de Michel Tort – “O Desejo Frio”.
126
Relembramos outro caso citado por Freud (1913), da mulher que cai
enferma quando descobre que lhe será impossível ter filhos com o marido, único objeto
de seu amor. Até então feliz em seu casamento, desenvolve uma histeria de ansiedade
desencadeada pela frustração da maternidade e repudia as investidas sexuais do
marido, visto que estas lhe remetiam ao desejo do filho. Perante a angústia da esposa,
o marido reage neuroticamente fracassando em sua potência sexual. Acreditando que
ele ficaria impotente para sempre, a esposa passa a desenvolver sintomas obsessivos
com impulsos anal-eróticos e sádicos. Freud inicia sua narrativa comentando,
sutilmente, que os motivos pelos quais a paciente desejava filhos, estavam baseados
numa “fixação infantil de seus desejos”. No caso da histeria e da neurose obsessiva,
segundo o psicanalista, as fixações residem em fases posteriores de desenvolvimento
libidinal.
Sílvia Tubert (1996), pesquisou sobre a obsessividade terapêutica da
infertilidade, mencionando que esta seria uma“condenação” para engravidar. Nestes
casos em que os corpos rejeitam as medidas terapêuticas, reforçando as resistências
contra o sucesso da gravidez, que não é levada a termo. Assim, detecta-se alta taxa
de abortos e ciclos interrompidos, que evidenciam uma gravidez forçada. O sintoma
psíquico da infertilidade permanece, evidenciando uma verdade do desejo em
discordância com o conhecimento acerca de seu querer.
Está de acordo com o desenvolvimento teórico de Tubert, a posição
levantada pelas autoras Cincunegui, Kleiner e Woscoboinik (2004). Segundo estas, o
corpo se torna cenário de um impedimento que se pela via inconsciente. Deste
127
modo, interrogam-se sobre os possíveis condicionamentos de certos tipos de
infertilidade que estão para além do saber médico. De acordo com suas pesquisas
clínicas, estes impedimentos têm direta relação com situações potencialmente
traumáticas vinculadas à sexualidade e a procriação, sendo evidenciado e atualizado
no corpo um passado pessoal ou de gerações anteriores, não elaborado.
Nestes termos, o projeto de ter um filho se apresenta como uma questão
mais ampla, que pode ser a formação de uma família, na qual passa a ser reinventado
ou reposicionado o próprio lugar na cadeia genealógica, mobilizando os laços de
filiação e movimentando o ilusório equilíbrio familiar.
Por todos estes elementos trabalhados, resta-nos a dificuldade, ou talvez,
a impossibilidade de associarmos diretamente a infertilidade a uma determinada
estrutura subjetiva, visto que vezes que podemos pensá-la como um sintoma de
conversão próprio da histeria, como outrora referi-la a ordem da psicossomática.
Portanto, mais uma vez torna-se necessária a reiteração de escutar os sujeitos
envolvidos a fim de buscar o conflito psíquico subjacente que torna o sujeito infértil,
que revela peremptório a demanda por um filho. Segundo o psicanalista Michel Tort
(2001), a busca obsessiva e incessante através das intervenções médicas seria
interpretada como uma “defesa maníaca contra uma recusa inconsciente de procriar”
(TORT, 2001, p. 185), oriunda de um mandato social ou familiar.
128
No entanto, o mandato “crescei e multiplicai-vos”, pode estar a serviço de
uma reivindicação narcísica tal como nos aponta Freud (1914) em “Sobre o
narcisismo: uma introdução”. O citamos (p.97 -98):
Sentem-se inclinados a suspender, em favor da criança, o
funcionamento de todas as aquisições culturais que seu próprio
narcisismo foi forçado a respeitar, e a renovar em nome dela as
reivindicações aos privilégios de muito por eles próprios
abandonados. A criança terá mais divertimentos que seus pais; ela
não ficará sujeita às necessidades que eles reconhecem como
supremas na vida. A doença, a morte, a renúncia ao prazer,
restrições a sua vontade própria não a atingirão; as leis da natureza e
da sociedade serão ab-rogadas em seu favor; ela será mais uma vez
o centro e o âmago da criação – ‘Sua Majestade o Bebê’, como
outrora nós mesmos nos imaginávamos. (...) No ponto mais sensível
do sistema narcisista, a imortalidade do ego, tão oprimida pela
realidade, a segurança é alcançada por meio do refúgio na criança. O
amor dos pais, tão comovedor e no fundo o infantil, nada mais é
senão o narcisismo dos pais renascido, o qual, transformado em amor
objetal, inequivocamente revela sua natureza anterior.
Considerando as palavras de Freud, podemos entender o por quê é tão
difícil para alguns casais e principalmente, para algumas mulheres a renúncia de
engendrar o próprio filho, e recorrer a uma adoção. Neste mesmo texto é apontado que
alguém é capaz de amar “(a) o que ele próprio é; (b) o que ele próprio foi; (c) o que ele
próprio gostaria de ser; (d) alguém que uma vez foi parte dele mesmo”; ou também, “(a)
a mulher que o alimenta; (b) o homem que o protege”.(p.97). pensei em adoção,
tem um filho da minha irmã que é cheia de problemas, mas meu marido nunca quis. Ele
tem medo (adoção), tem medo do inesperado, medo de não gostar”. (Maíra, 30 anos).
Além do mais, conforme nos aponta Tubert (1996) casais que mesmo conformados
com sua condição de inférteis, a cada novo tratamento lançado pela medicina, ‘lançam-
se’ a este, tendo como justificativa que não podem deixar de experimentar todas as
alternativas possíveis de tratamento que a medicina pode oferecer.
129
Gostaríamos de trazer para nossa análise, dados colhidos a partir de
nossa experiência de pequena inserção em uma clínica de reprodução humana
assistida. O intermédio se deu através de contato realizado pela pesquisadora com a
psicóloga da clínica médica, que prontamente se dispôs a interceder junto à direção da
clínica a favor da pesquisa que propomos realizar. Foi enviada por nós à equipe clínica,
uma cópia do projeto de qualificação de mestrado que foi aprovado na universidade, e
deste modo, estes puderam tomar maior conhecimento acerca das intenções do projeto
de pesquisa. A pesquisa foi acolhida pela clínica e nenhuma ressalva quanto aos
métodos de investigação e de posterior análise foi feita.
Em seguida à criteriosa análise do projeto de pesquisa, realizada pela
direção clínica do centro de reprodução humana assistida, a pesquisadora foi chamada
para esclarecer alguns pontos de abordagem e logo as pacientes que ao serem
abordadas por seus médicos em consulta quanto à nossa pesquisa e terem consentido
participar, passaram a ser encaminhadas a nós. A equipe multidisciplinar da clínica de
reprodução humana assistida na qual tivemos inserção, consiste de: três ginecologistas
doutores em patologias da RHA, dois ginecologistas e embriologistas especialistas e
doutorados em RHA, um embriologista doutorado em genética da reprodução, uma
psicóloga mestre em psicologia clínica com pesquisa na área da RHA e uma
biomédica. Todos os integrantes da referida clínica se tornaram ao longo dos anos,
expoentes em suas qualificações, dedicados à pesquisa, publicações e aprimoramento
das técnicas, tornando a clínica, uma das mais procuradas para o tratamento da
infertilidade no Rio Grande do Sul. Também é importante frisar que esta é uma, das
130
apenas duas clínicas deste ramo em nosso Estado, que contam com uma psicóloga em
sua equipe.
No ano de 2007, estivemos presentes, juntamente com a referida
psicóloga, na V Jornada de Psicologia em Reprodução Humana Assistida, que ocorreu
no auditório de um hospital da cidade se São Paulo. Este evento, único nesta área
específica da psicologia em nosso país, reuniu cerca de 60 pessoas, sendo a grande
maioria, oriundas do próprio estado de São Paulo. As representantes do Rio Grande do
Sul, éramos apenas nós duas. Esteve presente somente um médico ginecologista da
área, interessado no que a Psicologia tinha a dizer ao que diz respeito à RHA. Dentre
as palestrantes, na jornada que durou dois dias, poucas se dedicavam à pesquisa do
campo psicanalítico ou realizavam nas clínicas nas quais atuam, abordagens
psicanalíticas. Sendo que a grande maioria estava desenvolvendo um trabalho de
abordagem cognitivo-comportamental, com o objetivo de reduzir dos fatores
ansiogênicos implicados no tratamento da infertilidade.
São dados importantes, pois nos remetem a pensar no longínquo lugar
que a psicanálise se encontra quando falamos de reprodução medicamente assistida e
de problemas voltamos à infertilidade. Pensamos em algumas hipóteses acerca desta
questão, e não é difícil lembrar a conturbada história das relações entre médicos e
psicanalistas. Como mencionamos anteriormente, autores que embora
interessados em abordar a questão do desejo subjetivo implicado na demanda de filho,
tomam a “medicalização do desejo” – outra expressão muito utilizada por estes autores
como uma abordagem que também forclui o sujeito por completo. Nós nos
131
permitimos acreditar que esta forma de entendimento psicanalítico da atividade dica
acaba por também deixar de lado os sujeitos implicados para tornar esta demanda uma
causa para abrir um campo de batalha entre disciplinas e saberes, que na verdade não
se excluem de modo algum.
Nosso processo de entrevistas se deu de modo satisfatório, contudo
viemos a saber de uma peculiaridade acerca das pacientes que eram encaminhadas à
nós. Todas elas estavam fazendo parte de um projeto de pesquisa de um laboratório
de medicamentos para a infertilidade, que estava ocorrendo a nível mundial. Estas
pessoas estavam fazendo parte de uma experimentação de novas dosagens e formas
de administração da medicação e desta maneira tinham seu tratamento custeado pelo
laboratório. Assim, foi unânime nas entrevistas que as mulheres diziam ter tido muita
sorte em poder estar recebendo este tratamento sem necessitar arcar com o alto custo
financeiro. Fica uma questão: mas como pagam?
Quando questionamos à equipe do motivo pelo qual determinaram que
justamente estas mulheres estavam sendo encaminhadas a nós, nos responderam:
porque estão mais abertas às solicitações de pesquisa. Portanto, quando em ocasião
da informação de nossa pesquisa e da colocação do termo de consentimento,
deixamos claro para elas de que tinham livre escolha em participar ou não de nossa
pesquisa. Todas consentiram.
As perguntas foram colocadas, mas facilmente as entrevistadas
começavam a falar de si e do processo de tratamento pelo qual estavam passando. Em
132
todas elas foi perceptível uma total segurança quanto à técnica médica e apenas uma
se interrogava sobre o que faria ou sentiria em caso de fracasso do tratamento.
No que concerne ao humano e, conseqüentemente, à psicanálise, a
memória tem pelo menos duas funções. Uma delas é a que
consistência ao sujeito e promove uma ligação duradoura entre este e
seu eu. Esta é uma memória inconsciente que Ana Costa chama de
registro: aquilo que se inscreve no corpo, a partir da intervenção do
Outro, e que permite que o sujeito “saiba” quem ele é, reconheça-se,
identifique-se com seu nome próprio e seja capaz de dizer: “este sou
eu”, sem precisar presentificar-se, certificando-se de si mesmo
continuamente diante de sua imagem especular.Esta memória é o
que confere ao sujeito um lugar, que lhe parece tão “natural”, tão
suportado por uma verdade eterna (verdade que vem do Outro) que o
sujeito se indaga sobre ele quando algo, deste lugar, lhe escapa
ou se desloca”. (KEHL, 2001, p. 13. in: COSTA, Ana M.M., 2001).
Tubert (1996) nos assinala o quanto o corpo das mulheres em tratamento
passa a ser tomado como obstáculo ao querer consciente. Ele passa a ser falado
através das palavras da medicina. “Meu marido tem espermatozóides com baixa
mobilidade, tiveram médicos que deram 0% de chance de ele ser pai, fizemos
novos exames e teve um médico que disse que ele poderia sim ser pai quando
quisesse, tinha que fazer o tratamento” (Maia, 30 anos). Corpo na concretude do
real e excluído da ordenação do desejo.
As mulheres falam repetidamente dos diferentes tratamentos e da
resposta de seus corpos, como buscando explicar um enigma; quase
que procurando, através da repetição, o sentido de algo impossível de
entender, obcecadas por localizar no corpo a realidade do impossível.
(TUBERT, 1996, p. 25).
133
Diz Marina, 37 anos: Tenho tentado engravidar uns 10 anos. Foram
tentativas, desistências, tentativas, desistências... Tem um probleminha meu e um
probleminha dele também, minhas trompas o são muito boas. A gente procurava
médicos, fazia exames, tratava um pouco, mas nunca alcançava o resultado esperado
e sempre acabava desistindo por uma razão ou outra. no interior não tem clínicas
especializadas com quem a gente pudesse contar.” O casal o cessa de repetir o
fracasso de seus corpos, alternando-se a cada tentativa como responsável pela não
vinda dos filhos. A questão que nos colocamos é: o que os faz desistir a cada novo
ciclo de tratamento que iniciam?
Mara, 31 anos, casada. Marido, 33 anos. Têm tentado engravidar há
cinco anos, estão juntos há 14 anos. “Surgiu a vontade de ter filhos quando atrasou a
menstruação e todo mundo ficou falando e tal, eu nem tava casada, tava noiva dele
ainda. Comecei a enjoar e fui no médico e falei o que tava sentindo e ele me disse que
eu estava grávida. Não fiz exames nada, simplesmente ele me disse que eu estava
grávida; e aquilo alimentou minha ilusão. Comecei a assimilar aquilo que eu não queria
e depois de duas semanas desceu a menstruação. eu fui no médico e ele me disse:
não tu não está grávida, não tem vestígio nenhum de gravidez. Aí passou mil coisas na
minha cabeça e eu quis. A gente então casou e ficamos tentando, tentando e nada.
Me viraram do avesso e viram que eu não tinha nada; e fomos ver se era com ele,
até que constatou que era ele o problema. Oligospermia. Eu comecei a querer, querer,
querer. Quando ele soube que o problema era com ele, ele sofreu muito e se sentiu o
pior homem dos homens... Vamos fazer o possível, vamos lutar até a última, até a
última. Tem coisa que é pra um médico realmente, não adianta rezar. Mesmo sendo
134
ele o problema sou eu que tenho que tomar injeção, fazer os exames, tomar a
medicação, coisas da medicina que a gente não entende, né? Eu queria que fosse
normal e não foi, e aí eu pensei, então vai ser... O filho é o que falta pra completar
minha felicidade. Agora as minhas cachorrinhas o tudo pra mim, ele me deu quando
eu soube que não podia ter um filho.”
Percebemos o quanto na narrativa de Mara, a demanda de filho remete a
alguma outra coisa que não o filho propriamente dito. Engravidada pelo médico através
do enunciado: ‘tu está grávida’, Mara experimenta uma outra forma de ser falada.
Através da possível maternidade encontra outro lugar em sua família e passa a querer
o que anteriormente não queria... Eis nossa questão, de que ordem é este querer? À
medida que quer ter um filho, Mara reduz seu marido ao pior dos homens, aquele a
quem ela passa a ter compaixão e eleva mais uma vez a própria virtude.
Maíra: 30 anos. Marido: 28 anos, cinco anos de casados. Do lar. Estou
me dedicando ao tratamento. Sempre quis fazer uma faculdade, mas em primeiro lugar
eu estou me dedicando a maternidade. Eu cuidei dos meus irmãos (10), eu sempre tive
a maternidade comigo. Problemas nos ovários; removi um cisto. Fiz todos os exames
um ano depois de ‘tentante’. Não aparecia nada, mas eu não conseguia. Por parte da
minha família tem muita cobrança. Brincadeirinhas sobre meu marido, que não sabia
fazer, essas coisas, que deve acontecer com todo mundo que é tentante. pensei em
adoção, tem um filho da minha irmã que é cheia de problemas, mas meu marido nunca
quis. Ele tem medo (adoção), tem medo do inesperado, medo de não gostar. Eu tenho
amor pra todo mundo. ESCA. Não tem nada que diga: é por isto. Eu to preparada pra
135
tudo, eu to muito confiante, eu to confiante até o final, que vai dar certo! (Chora) eu to
triste, né? Eu sou muito emotiva, choro por tudo, até vendo filme. Falamos pra bem
poucas pessoas. Minha mãe é complicada, é separada do meu pai não sabe, ela é tão
distante, ela deixou a gente assim, quando a gente era pequena a gente teve contato
mas muito pequeno, ela vai saber se der certo e não precisa nem saber por que
meio. A minha sogra estorcendo longe, sempre longe. Eu estou muito ansiosa, não
vejo a hora de acabar. / (Acabar? perguntamos) / Acabar o tratamento. A cada
menstruação era um luto. Por que eu? Sendo que minha família é fértil até demais, né?
Eu acho que as crianças trazem alegria. Eu penso no bom e no ruim, não penso no
lado bom, de ver aquela barriga, tem o lado ruim, noites mal dormidas... mas a gente
está se preparando psicologicamente pra isso também. Sempre que eu sonhava
aparecia alguém grávida na minha família, mas nunca era eu. Minhas irmãs têm
medo quando eu sonho.”
Nos chama a atenção o significante escolhido por Maíra para dar conta da
infertilidade do casal. No caso de Maíra, o qual nos será explicitado, a infertilidade
habita ambos os corpos ‘tentantes’. Vemos que o que os coloca em movimento é o
fato de estar para sempre tentando engravidar, algo que para Maíra não é possível,
pois ocuparia o lugar da mãe junto ao pai, novamente. Mãe dos filhos de sua mãe,
Maíra deixa seu mundo girar ao redor da maternidade. Seu amor para todo mundo,
desconhece os limites que seu corpo lhe impõe. Talvez seu corpo esteja fazendo uma
barreira ao desejo inconsciente de incesto, talvez por isso tenha que permanecer
calada frente sua mãe. Esta não pode saber de onde vêm os filhos de Maíra. Até suas
irmãs Maíra engravidam, numa família fértil até demais, afinal foram de 10 irmãos que
136
ela se ocupou ao longo de sua vida. Lembramos que Eva, a e de todo o ser vivo,
também tinha uma proibição a qual não foi acatada. Eva tinha toda a liberdade, exceto
liberdade sobre o que se referia a sua vida sexual.
Marina (37 anos), nos relata: “Eu não consigo conversar com a família
sobre isso, não dão força pro tratamento, logo de cara me dizem, porque vocês não
adotam? Seu eu adotar ele vai ser tratado diferente. Fico inferiorizada como mulher. O
filho é tudo que eu quero eu deixaria de fazer qualquer coisa para ter. Eu consigo
falar disso (infertilidade) com meu marido e mesmo assim a gente procura não falar”. A
partir do relato de Marina, pensamos que se ela adotar, é ela enquanto mãe que será
tratada diferente das outras mulheres da família. Embora os discursos sobre a
maternidade sejam variáveis ao longo do tempo, vemos aqui diversas configurações de
uma produção discursiva que diz que a mulher necessita da maternidade para estar
situada em seu mundo, em sua família. Estes discursos sobre a maternidade são
responsáveis pelos laços possíveis destas mulheres em seu meio social,
comprometendo-as enquanto sujeitos que formulam este enunciado: quero ter filhos.
No caso de Marina, a desejo de maternidade está mais em evidência do que o desejo
de ter um filho propriamente dito. Ou seja, a possibilidade de ser se evidencia em
relação à possibilidade de ter. Deste modo, podemos pressupor que a busca pela
plenitude narcísica, destacada pela prevalência da dimensão imaginária, se prioriza em
detrimento de uma escolha feita a partir do Ideal do Eu, ou seja, a partir de uma
resolução da configuração edípica da menina, que identificada com a mãe, passaria a
demandar um filho. Neste caso a identificação é através do plano primário, no qual
ainda não há diferenciações possíveis, ficando reduzido a uma relação a – a’.
137
No caso de Maia (30 anos) o desejo de filho encontra-se articulado em
uma dimensão simbólica, no qual se pressupõe um reconhecimento da castração. Ela
nos relata: três anos tenho tentado engravidar. O problema aparece pra nós dois,
eu tive endometriose e ele espermatozóides com baixa mobilidade. Ele quis acabar,
mas eu segurei não é porque ele não pode ter filhos que vou acabar. A medicina está
aí, a evolução dela é grande. Eu procuro ir pelo lado positivo. Agora é o momento
certo, a gente terminou a faculdade, temos emprego estável. Percebemos que para
Maia, o filho tem um lugar em sua vida que não é todo, há espaço para outras
realizações, sendo que o fato de não poder engravidar durante três anos não a impede
de prosseguir com seu trabalho e relacionamento amoroso. Talvez possamos refletir
quanto a tentativa de controle de sua vida, controle que encontra escape quando não
consegue engravidar no tempo previsto, mas que logo retorna ao controle médico.
Lamentamos com o fato de não podermos seguir com uma escuta mais
prolongada destes casos, nos sendo possível apenas o mero levantamento de
hipóteses acerca do desejo posto em causa. Acreditamos que com uma escuta de uma
paciente em situação de análise teríamos maiores reflexões acerca dos desejos de
filho que se apresentam de um modo mais aprofundado. Contudo, nestes relatos foi
possível verificar que os diversos discursos acerca da maternidade e do desejo de filho
que vimos estar presentes em nossa cultura, estão sendo falados pelas mulheres da
contemporaneidade em seu pedido à medicina para uma resolução para sua demanda.
No percurso deste ensaio, realizamos uma longa explanação acerca da
constituição dos discursos sobre a maternidade, da feminilidade e sobre o ser mulher.
138
Vimos que na demanda de filho fundem-se o desejo de filho e o desejo de maternidade,
desejos atravessados pelo enigma da procriação.
Concluímos, de todo modo, que a reprodução assistida, outrora chamada
artificial, não é senão, mais um instrumento a serviço da pulsão humana, tencionando
energia capaz de abrir caminho para a vida ou fechá-la para a morte. A impossiblidade
destas mulheres frente à adoção, ou seja, uma solução substitutiva, sugere a nós a
reflexão de duas questões: ou a única possibilidade de inscrição simbólica se dará pela
via do real do corpo, engendrando em si seu filho e assim, tornando-se mãe, ou,
pela insatisfação da demanda, reinaugurando um lugar de sujeito desejante.
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Wagner: Salve ao propício astro da hora!
Mas sopro e voz sustai na boca agora,
Uma obra esplêndida vem vindo à luz.
Mefistófoles: Qual é?
Wagner: Um ser humano se produz.
Mefistófoles: Um ser humano! E que casal de amantes fostes trancar
no tubo da fornalha?
Wagner: Livre-nos Deus! A procriação, como era antes,
Hoje qual vão folguedo valha.
O frágil núcleo gerador da vida,
A suave força, do íntimo surgida,
Tomando e dando para enfim formar-se,
Da essência própria e alheia apoderar-se,
Foi derrubada do alto pedestal.
Se a besta se contenta ainda com tal,
Os sumos dons do ser humano exigem
Ele provir já de mais nobre origem.
Goethe, J. W.
29
Neste momento de concluir, acreditamos que contamos com um bom
início. Algo como um alicerce que dará fundação a todo um percurso a trilhar pelas vias
das novas interrogações que o cessam de surgir em nossa vontade de pesquisar.
Concordamos com Freud (1926), quando salienta que na psicanálise a cura e a
29
Fausto. Parte II. Ato II. Cena II. Laboratório, p. 319-321.
140
pesquisa avançam em conjunto, e para tanto não nos colocamos num lugar de todo
saber, lugar que nos permite a escuta singular.
Atualmente, nossa cultura percebe as Novas Tecnologias de Reprodução
Humana Assistida como um excesso. Um excesso, visto que não nos é possível de
entender o todo, escapa-nos no que se considera possível de significar. Por isto, não
poucas vezes, integra uma ordem de imaginária onipotência, por demais fantasiosa.
Falamos de transbordamento e de vazio. Um como avesso do outro,
ambos marcados pela dificuldade de dar sentido a um significante que se inscreve no
corpo e que muitas vezes não consegue ser lido pela ciência. Se o sentido é da ordem
do imaginário o que se inscreve no corpo é da ordem de um não-sentido, algo que não
é capaz de ser apreendido por estas mulheres inférteis que demandam um filho e cujo
corpo sinaliza uma negação a esta demanda. Personificadas no que chamam de
inferioridade e incompletude, necessitam de uma escuta que a possibilidade da
polissemia do significante. Ao criar saídas para o imaginário e real, o campo simbólico
opera pelo duplo sentido. A leitura oportunizada pela psicanálise captura o estranho, o
que parece à primeira vista, estar alheio àqueles sujeitos e torna familiar o sintoma, este
que embora encontre expressão no orgânico do corpo não deixa de estar inscrito no
psíquico. Vemos que não se trata de atribuirmos a uma estrutura psíquica o desejo
inconsciente de o ter filhos, mais sim de deixarmos que o sintoma fale e se
ressignifique, e a partir de então possa encontrar caminhos para sua dissolução, quer
pela extinção dos sintomas no corpo e sucesso numa gravidez, quer por uma escolha
141
de maternidade pela via da adoção, ou então, pela sublimação em outros campos de
criação que não necessariamente pela procriação.
Ao trazer novamente o significante para seu estatuto polissêmico, o
trabalho psicanalítico torna-se relevante para que as mulheres marcadas pela
infertilidade tornem a moldar seus corpos. Quanto a esta questão, trazemos uma
importante citação de Lacan (1959 – 1960), proferida em seu seminário sobre a ética da
psicanálise:
No que diz respeito ao significante, a dificuldade é de não se
precipitar sobre o fato de que o homem é o artesão de seus suportes.
Durante longos anos fiz vocês se dobrarem à noção, que deve
permanecer primeira e prevalente, do que constitui o significante
enquanto tal, ou seja, as estruturas de oposição cuja emergência
modifica profundamente o mundo humano. Só que esses significantes
são, em sua individualidade, moldados pelo homem, e provavelmente
ainda mais com suas mãos do que com sua alma. (LACAN, 1959
1960, p.150).
À psicanálise resta o resto produzido pelo campo do saber científico e
opera restritamente pela via da transferência, trabalhando com um deslocamento do
corpo assistido para o corpo falado. Foi Freud, em seu texto ‘A Questão da Análise
Leiga’, escrito em 1926, que nos explicita que toda a ciência é unilateral e deve ser
assim, pois esrestrita a assuntos e métodos de pesquisa específicos. De todo modo,
aponta Freud, chega a ser uma insensatez o afrontamento de ciências que diferem em
seus campos de saber, tampouco se trata de complementos de saber, julgando-os
insuficientes.
142
Quando falamos que estamos prontos para começar, é porque temos
ainda muitas questões a desenvolver que não nos coube nesta dissertação. Uma delas,
se nos permitem, é o significado do despertar que aqui tentaremos fazer par com o
nascer. À medida que a escuta psicanalítica possibilita que o ser encerrado no espelho
possa sair deste lugar e tornar-se sujeito é possível que a mulher possa ser também
mãe.
O destino do sujeito humano está essencialmente ligado à sua
relação com seu signo de ser, que é objeto de toda sorte de paixões e
que presentifica, nesse processo, a morte. Em sua ligação com esse
signo, o sujeito, com efeito, está suficientemente desligado de si
mesmo para poder ter com a própria vida uma relação que é única,
ao que parece na criação uma relação que constitui a forma
derradeira do que chamamos, na análise, de masoquismo, isto é,
aquilo mediante o qual o sujeito apreende a dor de existir. (LACAN,
1957 – 1958, p. 266).
Não há como excluir o corpo da definição de sujeito do inconsciente.
Sobre isto Lacan trabalha reiteradas vezes no seu quinto seminário, quando nos
apresenta o grafo do desejo. É demasiado importante para nós psicanalistas estarmos
atentos a teorização do nascimento do sujeito de desejo. Ao analisarmos o grafo do
desejo, temos uma recusa da necessidade, que início ao processo de subjetivação.
Ou seja, apenas quando confrontado com a demanda do Outro. O ser que fala pela
necessidade não se conta em sua enunciação. Deste modo, é inócua a afirmativa da
necessidade de ter um filho que busca legitimar um avanço científico ou mesmo de
justificar a idéia de que uma mulher que solicita um filho a seu médico deve tê-lo sem
qualquer interrogação acerca de sua demanda.
143
O problema está na entrada do significante no real e em ver como
disso nasce o sujeito. Será que isso quer dizer que nos encontramos
como que diante de uma espécie de espírito que baixa, de aparição
de significantes alados? Significa que eles começariam sozinhos a
cavar seus furos no real, e que no meio apareceria um furo que seria
o sujeito? Penso que, quando introduzo a divisão real imaginário
simbólico, ninguém me atribui tal intenção. Hoje, trata-se de saber
justamente o que permite que este significante se encarne.
O que lhe permite isso é, primeiro, o que temos para nos tornar -
presentes uns para os outros nosso corpo. (LACAN, 1962 1963,
p. 100).
Talvez seja por este deslocamento, que a partir de uma impossibilidade de
ter um filho que o desejo de tê-lo vem à tona com maior força. O que faz com que nos
perguntemos: onde está o sujeito? Com o auxílio de Lacan (1957 1958) tentaremos
situar o sujeito na dialética do desejo e da demanda:
Onde fica o sujeito? Quando já não se trata do sujeito ambíguo, ao
mesmo tempo perpetuamente inclinado para a fala do Outro e
aprisionado na relação especular, dual, com o pequeno outro (a), mas
do sujeito constituído, acabado, da fórmula em Z, temos o sujeito
como aquele em quem se introduziu a barra, ou seja, como aquele
que também está marcado em algum lugar, ele próprio, pela relação
com o significante. Por isso é que encontramos aqui, em ($ <> D),
onde se produz a relação do sujeito com a demanda como tal.
(LACAN, 1957 – 1958, p. 379).
É por isto que estamos tão implicados enquanto sujeitos com o que
acontece com nosso corpo, não por uma simples escolha deliberada, mas porque a
condição de falasser implica uma posição de desejo que afeta o corpo e o modifica.
Não é irrelevante, portanto, o trabalho psicanalítico com as mulheres que carregam em
seu corpo a inscrição da infertilidade, como algo estranho à sua demanda. Como não é
possível ser sujeito independente de seu corpo, os impasses do desejo são culminantes
144
na representação da doença física. Diz Lacan: “O que resiste é o desejo”. (LACAN,
1957 – 1958, p. 443).
A fixação do desejo em algum lugar se torna um problema para a
histérica, à medida que neste desejo recaem impasses, sendo preciso que a mulher se
identifique a um traço, uma insígnia, que esteja referida aos mesmos problemas do
desejo. (LACAN, 1957 – 1958, p. 447).
Lançamos, no decorrer do texto, questões que concernem à demanda
imediatista de filho, como algo atribuído ao discurso capitalista e à lógica do consumo.
Entendemos que cada demanda deve ser analisada em sua especificidade, contudo
indícios claros de que a cultura contemporânea em diversos aspectos, responde de
modo a superar qualquer tipo de falha ou falta que se apresente com objetos ideais,
que se apresentam como substitutos e que poderiam preencher a falta. Sabemos que
se trata de um engodo. Isto se torna uma reflexão de suma importância para a
psicanálise visto que os sujeitos capturados nesta lógica sacrificam-se em detrimento
de produtos que prometem a completude e neste caso, se o filho equivale a este
produto, ele pode vir a ser descartado com tal, pois a substituição dos produtos não tem
fim.
Ao discorrer sobre a noção do despertar desde Freud a Lacan, Marco
Antônio Coutinho Jorge faz uma valiosa consideração acerca da função da psicanálise,
dizendo que esta, nascida de um método de cura pela hipnose, deixa de lado esta
técnica justamente para poder “revelar aquilo que hipnotiza os sujeitos desde sempre,
145
desde sua própria constituição” (p.276). Ao deixar uma condição de alienação o sujeito
segue rumo a uma separação, e se continuamos a articular a teoria, na separação é
possível deixar cair algo de si, desprender algo de seu corpo, situação necessária para
a criação de uma obra, conforme nos situa Lacan no seu seminário sobre o Desejo e
sua Interpretação (1958 – 1959).
Apesar de que os sujeitos sempre permanecem colados a algum sentido,
é possível que encontremos alguns outros que não os moldem como inférteis. “Nada
mais do isto? Palavras, palavras, palavras, como diz o príncipe Hamlet. E sem dúvida
ela também está pensando na fala zombeteira de Mefistófeles
30
sobre que conforto se
pode ir passando com palavras...”. (Freud, 1926, p. 183).
30
Parte I, Cena IV. Quarto de Trabalho.
Mefistófeles:
Bem! Mas sem que o leveis a peito;
Onde do conceito há maior lacuna,
Palavras surgirão na hora oportuna.
Palavras solverão qualquer problema,
Palavras construirão qualquer sistema,
Influem palavras fé devota,
De uma palavra não se rouba um jota*.
___________
* Nota da tradutora: “Significa que não se pode tirar de uma palavra nem um risquinho, nem o pingo de
um i: sendo jota (iota) a menor letra do alfabeto grego, veio a designar algo minúsculo, mínimo. No
Evangelho Segundo São Mateus (5:18) lê-se: ‘porque em verdade vos digo que, até que se passem o
céu e terra, não será omitido nenhum só i (iota), uma vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado’.
Albrecht Schöne observa ainda que Mefisto, versado em assuntos teológicos, reporta-se a uma grande
disputa, travada no século IV, em torno das formas dogmáticas para a designação da divindade de
Cristo, sendo que a omissão da letra iota’, em uma dessas fórmulas, alterava o sentido da unidade do
Filho com o Pai”.
146
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Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e São Paulo, em 2003 – 2004
.
156
ANEXOS
157
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO
Cara Sra. Participante:
Sou psicóloga e aluna do curso de Mestrado em Psicologia Social e Institucional do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRGS.
Estou realizando uma pesquisa científica sob a orientação do Prof. Dr. Edson Luiz André de
Sousa, cujo objetivo é realizar entrevistas psicológicas dirigidas com as pacientes que buscam a
reprodução medicamente assistida como tratamento para a infertilidade, com o intuito de entender a sua
demanda por tratamento médico.
Sua participação requer 1 entrevista, que se dará na forma de questionário, e esta sessão será
de aproximadamente 1 hora.
A participação neste estudo constitui caráter voluntário e caso você decida, por razões próprias,
suspender sua participação a qualquer momento, é livre para fazê-lo.
Esta pesquisa tem caráter de rigoroso sigilo, sendo que, em publicação dos resultados desta, sua
identidade e das pessoas por você mencionadas serão omitidas. Também serão omitidas todas e
quaisquer informações que possam identificá-lo.
Ao participar desta pesquisa, você estará contribuindo para a compreensão do fenômeno
observado e para a produção do conhecimento científico.
Caso você necessite de maiores esclarecimentos sobre este estudo e sua participação, poderá, a
qualquer momento, entrar em contato com a pesquisadora, pelo telefone 51.99898192, ou com o
professor orientador da pesquisa, pelo telefone: 51.33116647.
Atenciosamente,
_________________________ _____________________________
Psicóloga Manuela Lanius Prof. Dr. Edson Luiz André de Sousa
CRP: 07/11538 CRP: 07/2838
Matrícula PPGPSI / UFRGS: 153874
Consinto em participar deste estudo, da forma acima mencionada e declaro ter recebido
uma cópia deste termo de consentimento.
______________________________________________________________________
Nome e Assinatura do Participante
_________________________________
Local e Data
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