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momento em que renuncia ser o falo para tê-lo. Pois, no final das contas, o sujeito
neurótico se deseja desejante (LACAN, 1959, p. 442). O desejo da mãe, antes
imperativo, se oculta, gerando o enigma: o que quer?
Se o falo se encontra sob a forma barrada onde tem lugar como
indicando o desejo do Outro, que acontece com o sujeito? A
seqüência de nossa elaboração nos mostrará que também o sujeito
tem de encontrar seu lugar de objeto desejado em relação ao desejo
do Outro. Por conseguinte, e como nos indica Freud em seu
vislumbre notável em Bate-se em uma criança, é sempre como
aquele que é que não é o falo que o sujeito terá de se situar, no fim
das contas, e encontrar sua identificação de sujeito. Em suma, como
veremos, o sujeito como tal é, ele mesmo, marcado pela barra.
Isso se manifesta claramente na mulher, da qual abordei hoje, através
de uma simples indicação, as incidências do desenvolvimento a
propósito do falo. A mulher – e o homem também, aliás – encontra-se
presa num dilema insolúvel, em torno do qual é preciso colocar todas
as manifestações típicas de sua feminilidade, neuróticas ou não. No
que concerne a encontrar sua satisfação, existe, para começar, o
pênis do homem, e depois, por substituição, o desejo do filho. Só faço
aqui apontar o que é corrente e clássico na teoria analítica. Mas o que
quer dizer isso? Que, afinal de contas, ela só obtém uma satisfação
tão intrínseca, tão fundamental, tão instintiva quanto a da
maternidade, e tão exigente, aliás, pelos caminhos da linha
substitutiva. É na medida que o pênis é, a princípio, um substituto –
eu chegaria até a dizer um fetiche – que também o filho, sob certo
aspecto, é posteriormente um fetiche. São essas as vias pelas quais
a mulher se aproxima, digamos, do que é seu instinto e sua
satisfação natural. (...) Vemos aparecer aí, a raiz do que podemos
chamar, na consumação do sujeito no caminho do desejo do Outro,
sua profunda Verwerfung, sua profunda rejeição, como ser, daquilo
pela qual ela aparece sob a modalidade feminina. Sua satisfação
passa pela via substitutiva, ao passo que seu desejo manifesta-se
num plano em que só pode levar a uma profunda Verwerfung,a uma
profunda estranheza de seu ser em relação àquilo o qual ela tem de
parecer. (LACAN, 1958, p. 362 – 363)
Ao apreender o desejo, o sujeito desaparece. Portanto o desejo, diz
Lacan, parafraseando Picasso, “o desejo só se pega pelo rabo, isto é no fantasma”
(Lacan, 1959, p. 440). Ao tocar o desejo, ocorre ao sujeito, afânise, o sujeito
desaparece de sua posição de sujeito, ou seja, o sujeito existe fora do que é seu desejo