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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
JOVENAL NEVES GONÇALVES
OS RABIDANTES DO MERCADO DE SUCUPIRA: INFORMALIDADE,
REDES SOCIAIS E GÊNERO
São Carlos, 2009
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
JOVENAL NEVES GONÇALVES
OS RABIDANTES DO MERCADO DE SUCUPIRA: INFORMALIDADE
REDES SOCIAIS E GÊNERO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade
Federal de São Carlos para a
obtenção do título de Mestre, sob a
orientação do Prof.Dr.Jacob Carlos
Lima.
São Carlos, 2009
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
G635rm
Gonçalves, Jovenal Neves.
Os rabidantes do Mercado de Sucupira : informalidade
redes sociais e gênero / Jovenal Neves Gonçalves. -- São
Carlos : UFSCar, 2009.
133 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2009.
1. Sociologia do trabalho. 2. Setor informal (Economia). 3.
Divisão do trabalho por sexo. 4. Redes sociais. 5. Cabo
Verde. I. Título.
CDD: 300 (20
a
)
~-1
Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Rodovia Washington Luís, Km 235- Cx. Postal 676 13565-905 São Carlos - SP
Fone/Fax: (16) 3351.8673 www.PPQs.ufscar.brEndereço eletrônico: QQ9.§@ufscar.br
Jovenal Neves Gonçalves
Dissertação de Mestrado em Sociologia apresentada à Universidade Federal de São Carlos, no
dia 13 de março de 2009 às 14hOO,como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre
em Sociologia.
Aprovado em 13 de Março de 2009
~
/'
Prof. ~Oswaldo Mário Serra Truzzi
UniversidadeFederaldE!SãoCarlos
-d:ú
'v
Profa. Dra. Maria da Gloria Bonelli
Coordenadora "pró-tempore" do PPGS
Para uso da CPG
Homologado na _: Reunião da CPG-
Sociologia,realizadaem !_/-
5
AGRADECIMENTOS
A elaboração de uma dissertação, embora pareça uma tarefa solitária, é sempre
acompanhada da colaboração preciosa de muitas pessoas: algumas com mais intensidade e
de forma mais direta; outras sequer sabem que estão cooperando, pois suas ações estão
ligadas às outras dimensões de nossas vidas.
Essa pesquisa jamais teria sido realizada se não fosse pela primorosa orientação do
professor Jacob Carlos Lima. Agradeço por ter acreditado na importância de meu projeto e
por ter aceitado o desafio de orientar um estudo sobre a realidade de um país que pouco
conhecia. A ele agradeço pelo interesse que demonstrou em conhecer outra realidade, pela
dedicação, pela paciência oriental para entender as minhas idéias, dúvidas e indagações, e
ter contribuído imensamente para a minha formação. Ele não só me orientou, mas me
acolheu com muito carinho! Sua dedicação, seriedade e sabedoria fazem dele um
orientador desejado por todos aqueles que estão comprometidos na construção do
conhecimento.
Aos comerciantes (rabidantes) que fizeram parte deste estudo, que sem a sua
disposição, boa vontade, interesse e colaboração seria inviável a realização do mesmo.
Aos meus pais e familiares que fizeram de mim a pessoa que sou hoje e que sempre
me apoiaram em todos os momentos da minha vida e me incentivaram a completar mais
uma jornada.
À Kady, por ter me incentivado e apoiado a fazer este trabalho e por ter sido uma
companheira de todos os momentos.
À CAPES, pelo apoio financeiro concedido, sem os quais este trabalho não poderia
ter sido realizado. E a UFSCAR - São Carlos, por ter proporcionado um encontro com um
grupo de professores, funcionários e alunos com quem pude compartilhar alguns
6
momentos de reflexões e discussões.
Aos colegas do grupo de seminário de orientação da Universidade Federal de São
Carlos, pelas ricas discussões que me ajudaram a compreender os conceitos e os variados
temas da sociologia do trabalho.
Aos funcionários da Secretaria da Pós-Graduação, especialmente a Ana, pela
presteza e cortesia ao nos atender.
Aos professores e professoras que fizeram parte dessa pós-graduação, por
disponibilizarem os seus conhecimentos que muito contribuíram para minha formação.
7
RESUMO
GONÇALVES, Jovenal Neves. Os rabidantes do mercado de sucupira: informalidade,
redes sociais e gênero. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Sociologia
da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.
O crescimento em Cabo Verde do comércio informal, constituído majoritariamente por
mulheres, está na base da escolha do objeto de estudo deste trabalho. A pesquisa buscou
analisar as mulheres no comércio informal no mercado de Sucupira, na cidade de Praia,
Ilha de Santiago em Cabo Verde. São conhecidas como “rabidantes”, que pode ser
traduzido como “comerciantes informais” e sua atividade inclui viagens constantes ao
Brasil, Portugal e África do Sul na compra de mercadorias a serem revendidas no mercado.
O objetivo fundamental consistiu em verificar como desenvolvem suas atividades, a
importância das redes sociais e familiares, a problemática do gênero e o processo de
mobilidade social que representam numa economia, marcada pela importação da maioria
dos bens consumidos pela população. A pesquisa empírica de caráter qualitativo foi
desenvolvida durante os anos de 2006 e 2007. Os dados foram obtidos por meio de
observação direta, entrevistas semi-estruturadas e diário de campo.
Palavras-chave: Informalidade; Relações de Gênero; Divisão Sexual do Trabalho; Redes
Sociais.
8
ABSTRACT
The growth of informal commerce in Cape Verde, constituted mainly of women, was
selected as the object of study in this work. This research analyses the situation of women
in the informal commerce in the Sucupira Market, located in Praia, the capital of Santiago
Island in Cape Verde. They are known as “rabidantes”, that can be translated as “informal
traders” and their activity includes constant trips to Brazil, Portugal and South Africa to
purchase merchandises in order to resell them in the market. The fundamental objective of
this research consisted of verifying as they develop their activities, the importance of the
social and familiar networks, gender problematic and the process of social mobility that
they represent in an economy, marked for the importation of the majority of the goods
consumed by the population. The empirical and qualitative research was developed during
the years 2006 and 2007. The data had been gotten by direct observation, semi-structured
interviwes and field notes.
Keywords: Informality; Gender; Sexual division’s work; Social networks.
9
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
TABELA 2.1 – Distribuição da população residente por ilhas...........................................45
TABELA 3.1 – Taxa de Desemprego da População com 15 anos ou mais (%).................69
TABELA 3.2 – Relação entre o Nível de Instrução e a Taxa de Desemprego em Cabo
Verde 2005 (segundo o gênero) ..................................................................................71
TABELA 3.3 – Distribuição dos dirigentes pelo gênero.....................................................72
TABELA 3.4 – Correlação entre o Gênero e o cargo ocupado pelos dirigentes.................72
FIGURA 3.1 – Evolução da taxa de Analfabetismo em Cabo Verde (Censos de 1990 e de
2000)............................................................................................................................77
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................12
PROCEDIMENTOS DE PESQUISA..................................................................................16
CAPÍTULO 1 - INFORMALIDADE, REDES SOCIAIS E GÊNERO...............................20
1.1. Informalidade ............................................................................................................20
1.2. Redes Sociais/Economia Étnica................................................................................32
1.3. O discurso sobre gênero: mulher como força de trabalho.........................................37
CAPÍTULO 2 - CARACTERIZAÇÃO GERAL DE CABO VERDE ................................44
2.1. Panorama Histórico de Cabo Verde ..........................................................................44
2.3. Características Demográficas....................................................................................51
2.4. Situação Econômica ..................................................................................................54
2.5. Situação Social ..........................................................................................................58
2.6. O Mercado de trabalho..............................................................................................61
CAPÍTULO 3 - QUESTÕES DE GÊNERO NO CONTEXTO CABOVERDIANO: a
situação da mulher nas estatísticas. ......................................................................................68
3.1. Situação Atual da Mulher em Cabo Verde................................................................68
3.2. O “Empowerment” da Mulher Cabo-verdiana..........................................................73
3.3. O Papel da Educação.................................................................................................76
CAPÍTULO 4 - O MERCADO DE SUCUPIRA E OS RABIDANTES EM CABO VERDE82
4.1. O Mercado municipal de Sucupira............................................................................82
4.3. Transições ocupacionais dos trabalhadores: do setor formal para o informal...........89
4.4. Origem das Mercadorias............................................................................................92
4.5. Competição versus solidariedade ..............................................................................94
4.6. Fenômeno da Informalidade......................................................................................96
4.7. Mobilidade Social: sucesso no negócio.....................................................................97
4.8. Novos fenômenos de concorrência: a diáspora chinesa ..........................................101
4.9. Problemas e dificuldades da unidade econômica rabidantes..................................104
4.10. Mudanças e permanências nos papéis de gênero...................................................107
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................111
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................118
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista...............................................................................123
ANEXO A – Localização de Cabo Verde no Mapa...........................................................126
11
ANEXO B – Breve caracterização da Legislação Trabalhista...........................................129
ANEXO C – Breve Caracterização da Segurança Social...................................................130
ANEXO D – Variáveis e indicadores de gênero e desenvolvimento em Cabo Verde.......131
12
INTRODUÇÃO
A dissertação que ora apresento investiga a temática do trabalho no mercado
de Sucupira, cidade da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, junto de um grupo de
rabidantes. O termo rabidantes em crioulo
1
identifica as pessoas que exercem atividades
econômicas informais no comércio local.
As atividades econômicas informais em Cabo Verde têm se multiplicado
nas últimas décadas. Neste tipo de atividade, realizado, sobretudo por mulheres, seus atores
protagonizam e estruturam redes econômicas e sociais que demonstram o impacto da
globalização em múltiplas e diferentes formas, que assentam na história e na cultura do
país. Cabe salientar que, Cabo Verde, dada a forte imigração para a Europa e Estados
Unidos, possui boa parte de seu mercado de trabalho composto por mulheres e muitas
famílias cabo-verdianas têm mulheres como provedoras do lar. Mesmo assim, persistem as
desigualdades de rendimento por hora trabalhada entre homens e mulheres, e essas
desigualdades são ainda maiores nas faixas superiores de escolaridade. A taxa de
desemprego das mulheres é significativamente mais elevada que a dos homens, o que, em
certa maneira explica a sua presença maciça nos segmentos informais do mercado de
trabalho.
Apesar das diversas transformações provocadas com o surgimento e o
desenvolvimento do capitalismo, as inúmeras culturas são predominantemente baseadas na
supremacia masculina sobre o feminino, fenômeno que, muitos intitulam por
“patriarcalismo”. Segundo Goldenberg (2001), patriarcais são os sistemas de organização
nos quais a maioria das posições superiores na hierarquia é ocupada por homens.
1
Criolo é a língua nativa de Cabo Verde a partir da intersecção do português com povos e línguas
desencadeado pelos descobrimentos, é o caso da Guiné-Bissau, do Senegal, para dar apenas alguns exemplos.
É um crioulo de base lexical portuguesa porque, neste caso, a língua dominante que esteve na origem da
formação do Crioulo e que lhe “forneceu” a maioria do seu léxico foi o Português.
13
Nesta pesquisa buscamos analisar a predominância das mulheres nas
atividades informais e como isso implica em mudanças nas relações de gênero e na
organização da vida familiar.
A questão do gênero permite compreender as dinâmicas socialmente
construídas, que veiculam as diferenças entre homens e mulheres, na distribuição dos
rendimentos, no acesso aos recursos, aos direitos de cidadania e na construção de
identidades sociais.
A informalidade consiste numa categoria analítica previlegiada que
possibilita entender as transformações recentes em Cabo Verde. Segundo Noronha,
O conceito de informalidade, embora muito adotado pelas ciências
sociais e econômicas, refere-se a fenômenos demasiadamente diversos
para serem agregados por um mesmo conceito, como a literatura
internacional vem apontando. O significado de informalidade depende,
sobretudo, do conceito de formalidade de cada país e período, e, embora
isso seja evidente, as análises sobre o tema tendem a ignorar a noção
contraposta da qual ela deriva. Assim, a compreensão da "informalidade"
ou dos contratos atípicos, depende antes de tudo da compreensão do
contrato formal predominante em cada país, região, setor ou categoria
profissional (2003).
Nas últimas décadas o mundo do trabalho vem sofrendo uma série de
mutações que configuram uma nova realidade para o trabalho e para o trabalhador,
marcada pelo aumento das taxas de desemprego em todo mundo e pela ampliação do
trabalho informal, principalmente pelo alastramento do setor de serviços em diferentes
áreas da economia. É do senso comum, a aceitação da importância do papel das mulheres
nestes setores, principalmente no comércio, nas cidades do continente africano. Em Cabo
Verde, essas mulheres, se destacam no dinamismo e sentido de oportunidade para fazerem
negócios. Viajam por vários países na busca de melhores mercados, de melhores produtos,
o que traduz comportamentos racionais de maximização do lucro.
14
Até os finais da década de 90, os mercados de aprovisionamento mais
utilizados pelos comerciantes informais cabo-verdianos eram os países da costa ocidental
da África, Portugal, e Estados Unidos da América. Com a inauguração da ligação aérea
entre a ilha do Sal e Fortaleza (três horas de vôo), em dezembro de 2001, e mais
recentemente entre a ilha de Santiago e Fortaleza, os cabo-verdianos mudaram seus
destinos de compra dos produtos. Os comerciantes informais são atraídos principalmente
pelos produtos, pelos preços como também, pela valorização do dólar e euro, que favorece
quem compra nessas moedas.
Cabo Verde, país com fraca capacidade produtiva, onde quase a totalidade
dos bens de consumo é importada, com uma economia que depende de ajuda externa e da
remessa de divisas dos emigrantes espalhados pelo mundo.
Na década de noventa, as políticas implementadas, de cunho neoliberal,
voltaram-se para a necessidade de abertura de mercado e com objetivo da integração no
sistema econômico mundial, considerada uma condição necessária ao desenvolvimento. A
criação de condições próprias à transição de uma economia fortemente estatal, para uma
economia baseada no mercado e na iniciativa empresarial, tem provocado transformações
em Cabo Verde, quer nas instituições quer na sociedade. Dada a desregulamentação das
atividades comerciais, o comercio informal foi um dos caminhos pelos quais Cabo Verde
tem se integrado, de forma periférica, no processo global, na comercialização e consumo
dos produtos importados.
Se, por um lado, a articulação da economia cabo-verdiana com a economia
mundial se realiza, sobretudo através da cooperação internacional e da emigração, de
forma que as transferências externas influenciam sobremaneira na economia, por outro
lado, com a abertura aos mecanismos de mercado, o setor privado tornou-se setor
15
estratégico sendo que a baixa regulamentação das atividades econômicas torna a
informalidade dominante.
As rabidantes da ilha de Santiago em Cabo Verde têm vindo a tornarem-se
agentes multiterritoriais da globalização, interagindo com outras línguas, povos e culturas,
estruturando-se na existência de redes sociais e familiares de apoio. São essas redes sociais
e familiares que se pretende investigar, por representarem pontos de partida para a
observação, em contextos multiculturais, de novas lógicas de organização da atividade
econômica e do trabalho. A inserção de Cabo Verde na economia e na sociedade mundial
está sendo feita através da rede internacional de comércio e relações sociais que se
estruturam, sobretudo no parentesco e favorecem mudanças nas dinâmicas que assumem as
formas econômicas informais das atividades comerciais, como no caso de rabidantes em
Cabo Verde.
Essa é outra face da globalização, embora não sendo das multinacionais e
ter pouco peso na economia mundial, movimenta o mercado em Cabo Verde. Com esse
tipo de comércio, empregos são gerados e há maior circulação de dinheiro (GRASSI,
2003).
Efetivamente, o desenvolvimento não é uniforme para todos os países do
globo e, no continente africano, falar de desenvolvimento global, assim como falar da
globalização, quer dizer, “a maioria das vezes, ter em conta expressões locais que o
modelo de desenvolvimento hegemônico, aplicado na maioria dos países africanos através
dos PAE (Programas de Ajustamento Estrutural), assume” (GRASSI, 2002).
Sintetizando, a finalidade deste trabalho foi analisar o caráter de rede
(familiar e social) na atividade informal em Cabo Verde a partir da sua realização por
mulheres, experiências das redes de comercio informal na ilha de Santiago em Cabo Verde
procurando verificar:
16
a) O papel das mulheres e da família nessas atividades;
b) Como a informalidade estrutura a economia e a sociedade real cabo-
verdiana;
c) Como esse tipo de atividade demarca um lugar privilegiado de
redefinição de identidades, de mutação na estrutura do agregado familiar,
suscetível de criar espaços de mobilidade social;
d) Em que medida o comercio informal constitui um dos principais motores
da economia.
PROCEDIMENTOS DE PESQUISA
No campo das opções metodológicas, foi privilegiada uma análise
qualitativa, pela utilização de entrevistas abertas para recolha de histórias de vida e pela
observação direta no lugar de venda, mercado de Sucupira, que constitui um espaço
privilegiado para a observação das dinâmicas espontâneas do rabidante.
Cabe mencionar que, a perspectiva delineada nesta pesquisa é o que,
segundo Minayo (1993), consiste em pensar as atividades humanas e as relações repletas
de significações. E seria este nível mais profundo, o objeto da pesquisa qualitativa, atenta
ao cotidiano das relações, às aspirações, aos valores e às atitudes, que são expressos pela
linguagem, ou seja, “corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO,
1994). Nesse sentido, comenta que a fala, através da palavra, é o material fundamental para
a investigação de cunho qualitativo, representando, através de uma fala individual, de um
‘porta-voz’, a coletividade e o contexto mais amplo. Assim, “a fala torna-se reveladora de
condições estruturais, de sistema de valores, normas e símbolos” (MINAYO, 1993).
17
Foram aplicadas 20 entrevistas sendo 19 mulheres e um homem rabidantes
do mercado de Sucupira. A quase inexistência de homens no universo justifica-se pelo
número pequeno de homens que exercem esse tipo de atividade em Cabo Verde. Os
poucos homens que vendem no Mercado de Sucupira são, em geral estrangeiros
2
e
comercializam produtos manufaturados originários do continente africano, artesanato e
tecidos.
As entrevistas foram efetuadas com o objetivo de recolher informações
sobre o perfil dos rabidantes, a trajetória de vida, a sua historia pessoal, as motivações da
atividade, os problemas e as dificuldades enfrentados, as praticas coletivas, a maneira de
conciliar a atividade econômica com o papel de reprodução e todas as demais informações
que pudessem ser úteis para caracterizar estes atores sociais (APÊNDICE A).
Em relação à atividade comercial desenvolvida pelos entrevistados, as
informações recebidas incidem sobre diversos aspectos, como seja a origem da atividade, a
existência ou não de uma tradição familiar, a origem e importância da ajuda inicial, as
formas de financiamento, as dificuldades comuns, a dimensão das unidades econômicas, as
estratégias de resolução dos problemas ligados a aquisição de mercadorias e a dificuldade
com a comunicação, uma vez que os comerciantes atuam ao nível de um circuito de
comercio internacional. As entrevistas neste sentido esclarecem, sobre os tipos de produtos
comercializados, freqüências das viagens, fornecedores, clientes, intermediários, meios que
permitem o conhecimento dos preços, força de trabalho utilizada (familiar ou remunerado),
acesso a créditos, despesas, investimentos realizados e relações dentro da rede das
comerciantes.
2
Os estrangeiros são originários de alguns países africanos, ao abrigo do Tratado da CEDEAO (Comunidade
Econômica dos Estados da África Ocidental), de que Cabo Verde faz parte.
18
Todas as entrevistas foram feitas no mercado de Sucupira, permitindo
observar o trabalho diário dos rabidantes no mercado. Os contatos com os rabidantes, as
conversas surgiram de uma estratégia que se ia alterando de acordo com as necessidades.
Num primeiro momento contatou-se uma conhecida rabidante para expor o
objetivo do trabalho e assim conseguir os contatos com outras rabidantes. Isso dependia
grandemente da disponibilidade das pessoas. Efeito esse, que constituiu uma verdadeira
porta de entrada para a pesquisa, pois, através dessa rabidante que, além de concentrar
informações sobre o objeto estudado, facilitou o acesso a outras pessoas, grupos
(GONDIM e LIMA, 2006), de comerciantes que atuam nessa atividade.
Assim, foi utilizada a técnica da “bola de neve”, através de uma rabidante
se conhecia outra, e assim por diante. Isso dificultou a possibilidade de criar uma amostra
mais dispersa uma vez que geralmente faziam parte de uma mesma rede de rabidantes
amigas ou que costumavam viajar juntas para adquirirem os produtos a serem
comercializados no mercado. Porém, a recolha de informação não foi prejudicada, uma vez
que, pelo contrário, se obteve assim uma fonte de informação adicional sobre os problemas
coletivos que no momento preocupavam os rabidantes. Em alguns casos, mediante a
autorização do entrevistado, as entrevistas foram gravadas.
As entrevistas realizadas permitiram, por um lado, verificar as dinâmicas
sociais de gênero e as mudanças em curso relacionadas com a renegociação de poder, quer
na esfera privada, quer na esfera pública, e por outro, como isso influencia e é influenciado
pela atividade comercial protagonizada pelos rabidantes. Além disso, estes informantes
revelam tipos diferentes de atores sociais que desempenham a mesma função de
comerciantes informais.
No entanto, a dificuldade da carência de dados foi notória, tanto em termos
estatísticos, quanto em dados históricos, pois os documentos existentes que resgatam essa
19
história são escassos e recentes. Nisso, vale ressaltar o desdobramento que se teve que
fazer para conquistar informações e recompor o histórico das questões pesquisadas. As
dificuldades não foram somente as objetivas, as maiores foram, sem dúvida, as subjetivas.
Muitas vezes velado, outras declaradas, a desconfiança em relação aos propósitos da
pesquisa torna o trabalho mais complexo, uma vez que fecha algumas portas e, mais
problemático do que isso, ocasiona problemas com aquisição das informações necessárias.
Foi estudar a questão que envolvia somente mulheres, dificuldades de convencê-las a
falarem sobre o tema.
20
CAPÍTULO 1 - INFORMALIDADE, REDES SOCIAIS E GÊNERO
1.1. Informalidade
Para compreender melhor estas questões acima relacionadas com a temática
do trabalho é necessário circunscrevê-las a um determinado momento histórico e social e a
uma produção teórica específico.
Pode-se concordar com os autores que vêm o setor informal em Cabo
Verde, como noutros lugares, como um setor econômico particular da economia capitalista,
dado que se trata, para as pequenas empresas, de criar um lucro (WALLERSTEIN, 1996).
Este autor refere-se às atividades econômicas de agentes que trabalham por conta própria,
em pequenas e médias unidades de produção, e que escapam, em parte, ao controlo do
Estado. Ao lado de atividades comerciais e de intermediação entre o meio rural e o meio
urbano existem atividades de produção industrial e de pesca artesanal que utilizam práticas
e conceitos de organização e de produção que diferem, muitas vezes, das práticas
tipicamente utilizadas nos países industrializados do Ocidente. A importância das
atividades informais, especificamente o comércio informal, reside, sobretudo, na sua
capacidade de ajustar o nível do emprego, que constitui um dos maiores problemas de
Cabo Verde.
A ação econômica dos rabidantes em Cabo Verde é assim interpretada
como um segmento informal da cidade da Praia, capital do país. Seu conteúdo e o seu
percurso passam pela articulação de espaços de referência locais e globais. Isso se dá,
principalmente, pela natureza que qualifica as redes como espaços alternativos de produção
e de organização de vida e do trabalho.
Nesse contexto pode-se discutir o conceito, historicamente vinculado a
precarização do trabalho e sinônimo, por muito tempo, de subdesenvolvimento econômico
21
e atraso social: a informalidade (LIMA, 2002).
Segundo Lima (2002), nos anos 60 e 70, o chamado setor informal foi
analisado como próprio de países subdesenvolvidos, apresentado como indicador de
subdesenvolvimento, vinculado ao crescimento da urbanização e da população marginal.
Antes dos anos 70, a interpretação dos fenômenos de informalidade, situa-se
majoritariamente à volta do conceito de “marginalidade” e fala-se, sobretudo na América
Latina, da emergência de uma massa marginal da sociedade que tem características de não
se integrar no proletariado moderno. A noção de marginalidade utilizada na sociologia é
caracterizada pela associação dos atores do setor informal, também à delinqüência e a
habitações precárias, que é interpretada como a dificuldade por parte dos migrantes de
origem rural, de se integrarem na sociedade urbana e nas suas normas.
Outra abordagem, mais econômica, das questões do informal foca as
questões do desemprego. A problemática dualista que domina a economia do
desenvolvimento opõe o setor tradicional ao setor moderno, ou seja, o setor tradicional é
rural e fornece mão-de-obra excedentária para o setor urbano. Com efeito, nos anos 60 era
difusa a opinião de que a migração de campo para cidade tinha como causa o atraso da
produção agrícola e as precárias condições de trabalho no campo, sendo que a cidade e o
emprego industrial constituíam-se uma alternativa à pobreza. Os imigrados nas cidades, na
impossibilidade de venderem a própria força de trabalho, criariam condições próprias de
existência, através de atividades de produção e de serviços não regulamentados.
As definições de economia informal constituem um amplo conjunto de
referências que, no entanto, apresentam características comuns. Hugon (1995) definiu
como um “conjunto de organizações de pequena escala em que o salário está ausente (ou é
limitado), em que o capital adiantado é pouco, mas em que há, não obstante, circulação
monetária e produção de bens e serviços onerosa”.
22
Estas atividades assumem uma característica específica que as diferenciam
das da economia formal: são atividades não registradas. Economia subterrânea ou paralela
são designações alternativas. Apresenta maior visibilidade nos centros urbanos, mas não é
um fenômeno exclusivo deles. Pelo contrário, proporciona muitas vezes a ligação entre as
atividades rurais e urbanas de pequena dimensão.
O conceito de economia informal surge nos anos 70 fruto de uma
designação primeiramente utilizada pelas organizações internacionais e é rapidamente
difundida, atingindo progressivamente maior relevância à medida que os problemas do
desenvolvimento se agravam.
O termo informal deve-se a estudos feitos pela OIT
3
, na África, e designava
as atividades espontâneas no meio urbano, que permitiam absorver uma parte da mão-de-
obra das migrações rurais
4
.
Estas atividades não pareciam obedecer às regras formais da economia,
como a contabilidade, a legislação do trabalho e, nas suas definições apresentavam
características comuns: exigüidade ou inexistência do capital inicial, que dependia da
poupança do empresário informal ou dos membros do seu agregado. Tratava-se de
unidades de produção familiares, onde o familiar e o econômico se confundiam e onde
muitas vezes as estratégias familiares, as regras de parentesco, as solidariedades étnicas
eram mais observadas do que as regras econômicas e utilizavam as matérias-primas e os
produtos locais. O nível de escolaridade média era muito baixo; a aprendizagem fazia-se
por observação e por imitação dos mais velhos, que transmitiam os conhecimentos
3
A Organização Internacional do Trabalho lança em 1969 o Programa Mundial de Emprego. Previa-se que a
industrialização e a “modernização” da economia viessem a remeter para o passado um conjunto de
fenômenos entendidos até então unicamente em termos de atraso, carência e insuficiência, e perante os quais
a informalidade era apresentada como um paliativo temporário a tolerar. As políticas desenvolvidas pelos
organismos econômicos internacionais estavam então, sobretudo orientadas para a formalização da
informalidade (CACCIAMALI, 2000).
4
O conceito de informalidade ligado a noções como “setor tradicional”, pobreza, subemprego e
marginalidade, sobretudo nos chamados países em vias de desenvolvimento, onde se aspirava a integrar
grande parte da população urbana no trabalho assalariado moderno.
23
necessários. As empresas eram de pequeno porte, com um limite máximo de dez
empregados, e com fraco volume de produção. Apresentavam ainda, baixo nível
tecnológico e um alto coeficiente de mão-de-obra; a tecnologia era tradicional e raramente
moderna, devido, sobretudo à falta de qualificação dos trabalhadores e da falta de meios
financeiros. As regras de mercado, quando existiam, eram muitas vezes ignoradas e havia
facilidade de acesso de novos empresários devido à falta ou exigüidade do capital inicial
(OIT, 1972).
É necessário referir, que já nos anos 50, documentos coloniais revelavam
que, em África, não existia desemprego (GRASSI, 2003), a economia era fortemente
regulamentada e só à margem das cidades, se tinham desenvolvido atividades de artesanato
e atividades comerciais. Por outro lado, há autores que datam o início do setor informal
durante o período colonial e, para sustentarem a sua opinião, observam que, durante o
colonialismo, os ingleses definiam as pessoas que praticavam atividades informais como
pessoas que viviam do próprio engenho.
No entanto, as suas raízes históricas são diversas. As sociedades auto-
suficientes são a exceção, e não a regra, na África pré-colonial. Existia uma economia
extra-subsistência com base no comércio de excedentes e artesanato. No setor privado as
atividades comerciais são feitas por pequenos comerciantes, geralmente mulheres, que
operam perto de casa, e por grandes mercadores, geralmente homens, que praticam
comércio de longa distância e atravessam as fronteiras étnicas e políticas.
As mulheres, desde sempre, constituíram os principais agentes envolvidos
no informal. Desprovidas de direitos na terra, com os homens capturados como escravos
ou ausentes por longos períodos de tempo nas minas tinham como único meio de
subsistência o seu engenho. Pequenas empresas domésticas, como alfaiatarias e produção
24
de bebidas fermentadas, ou compra e venda a retalho no mercado, constituem o despontar
da economia informal.
Nas origens das atuais redes transfronteiriças de comércio não registrado,
que rivalizam com as tentativas oficiais de integração regional do continente, podemos
encontrar também as antigas redes comerciais que proliferaram no século XIX.
Este século testemunhou uma expansão e aceleração do comércio de longa
distância caravaneiro, que percorria grande parte do território. O estabelecimento de redes
de base étnica ou pessoal, reforçadas com investimentos em capital social, permitiu a sua
perpetuação. Os comerciantes investem, ainda hoje, na política local, nos laços
matrimoniais com famílias importantes, no financiamento de cerimônias religiosas
(BACH, 1999, p.180), como forma de penetrar nas redes e reduzir os riscos.
As atividades informais representam uma resposta à ineficiência e/ou
inexistência de estruturas de mercado, ao declínio das infra-estruturas e do funcionamento
efetivo do Estado e à falta de oportunidades de sobrevivência através do sistema oficial. É,
sobretudo, uma resposta à crise do Estado em África.
Ao generalizar estas análises, acredita-se também, que o fenômeno nasceu
com o colonialismo, por forma a superar a interdição de entrada no mercado urbano com
iniciativas que, embora não legalizadas, eram toleradas. O informal liga-se à crise da
agricultura, que criou pobreza e urbanização, alimentando muitos tipos de empresas de
sobrevivência. Esta analise critica também, a definição do setor informal, acusando-a de
agregar indevidamente todas as atividades econômicas não modernas que existiam no
inicio dos anos 70 no continente africano, época em que se apostava na modernização
através da industrialização (COQUERY VIDROVITCHE apud GRASSI, 2003).
O que parece certo é que o fenômeno informal tem origens remotas. Por um
lado está ligado à crise produzida pelo colonialismo no mundo rural e, por outro lado,
25
constitui uma reação ao controlo colonial sobre as cidades, que acabará com o advento das
independências.
A proliferação de pequenas empresas individuais e familiares de produção e
de troca marcou na Europa, o fim da servidão feudal, a crise das corporações e a transição
para o capitalismo e foram a origem dos bens e serviços que alimentaram a esfera da
pequena circulação, características de uma fase em que os meios de subsistência eram
parcialmente produzidos pelo capitalismo. A pequena circulação é definida por Marx como
aquela porção de capital que é trocada pela força de trabalho (1978).
De acordo com este autor, enquanto o capital se apropriava dos setores
produtivos e criava a sua estrutura de circulação das próprias mercadorias, eliminava as
pequenas atividades. Em África, este processo parece ter acontecido de maneira muito
limitada, devido à escassez do capital local e às diferentes formas de estruturar as relações
econômicas e sociais. As populações migradas para as cidades, na ausência de um mercado
de trabalho, inventavam outras estratégias de sobrevivência.
Na realidade, o conceito de setor informal durante a década de 70 procurou,
sobretudo, definir as atividades econômicas, muitas vezes ilícitas, que escapavam ao
controlo do Estado e que, com características particulares, pareciam constituir uma forma
de transição da sociedade tradicional para a economia moderna, muitas vezes entendida
como uma transição conjuntural ligada à forte transferência da população ativa que
caracterizava fenômenos de urbanização acelerada e na qual a economia informal
demonstrava uma vitalidade e uma capacidade de adaptação às muitas instabilidades da
historia africana.
Entretanto, salienta Lima (2002), discutida nesse período como produto de
modernizações incompletas dos países do terceiro mundo, o “informal”: mercado, setor ou
trabalho, foi percebido como algo funcional ao desenvolvimento capitalista na periferia,
26
garantindo mão-de-obra barata a empresas através da permanência de um extenso exército
industrial de reserva que sobrevivia em atividades de subsistência.
Ou seja, setor informal identifica-se como pequeno negócio mercantil, no
qual o produtor direto de posse dos instrumentos de trabalho e com a ajuda ou não de mão-
de-obra familiar ou de auxiliares, produz bens ou, principalmente, presta serviços para o
mercado.
Nos anos 80 chegou a ser considerado resultado da ação reguladora estatal,
vinculado a interesses das elites locais. A informalidade seria a resposta dos excluídos a
essa regulação (DE SOTO, 1989 apud LIMA 2002).
O setor informal começou, então, a aparecer como um remédio milagroso,
como solução para os males do desemprego estrutural que não retrocedia nos países mais
desenvolvidos e se mostrava endêmico nos países do Terceiro Mundo
5
. Em um contexto de
crise econômica e financeira de políticas publicas de ajuste e desregulamentação, o setor
informal passou a ser visto como um modelo alternativo de desenvolvimento, um setor de
microempresas eficientes com alocação otimizada dos recursos
6
. Assim, o informal
apareceu como uma resposta às distorções criadas pelo Estado (DE SOTO, 1989, apud
HUGON, 1997) e enquanto se alargava de “marginal”, passava a “central” em muitas
sociedades que se informalizavam. “Concebido inicialmente como especifico do Terceiro
5
A partir dos anos 80, quando as falências dos modelos de desenvolvimento aplicados obrigaram a repensar
as políticas adotadas nos países em vias de desenvolvimento, que o BM e o FMI tentaram, com a aplicação
dos programas de ajustamento estrutural, um novo caminho de desenvolvimento baseado em esquemas
neoliberais. As privatizações tornaram-se uma característica fundamental destes programas e, portanto se
tornou uma prioridade. Neste novo contexto, o setor informal assumiu um interesse cada vez maior, como
possível reserva de empresários emergentes, indispensáveis para a criação de pequenas e medias empresas
competitivas (GRASSI, 2002).
6
Esta foi uma das primeiras conversões operadas no discurso sobre a informalidade, mediante as quais uma
realidade até aí valorada por estas instituições em termos negativos passa a ser descrita de maneira positiva:
neste caso, valoriza-se, sobretudo o papel social das pequenas empresas familiares que, regendo-se por outras
lógicas que não a capitalista, absorveriam a destruição de empregos no setor formal, tentando criar outros
para os seus membros e adaptando os seus ganhos de maneira maleável às variações conjunturais da
economia.
27
Mundo e, principalmente, à África, informal tornou-se um termo polissêmico, que permite
englobar as sociedades tanto do Norte quanto do Sul” (HUGON, 1997).
Entretanto, com o crescimento do desemprego, o informal passou a ser
analisado também como resultado dos processos de reestruturação econômica, do aumento
da competividade mundial, da flexibilização e desregulamentação dos mercados e do
desemprego estrutural.
Aqui, começa o debate do que se pode chamar de “nova informalidade”
(LIMA e SOARES, 2002). As recentes transformações econômicas que vêm influenciando
o mundo do trabalho têm contribuído para a instauração de uma nova informalidade
7
que
se distingue da tradicional por estar articulada organicamente às transformações do
segmento produtivo formal; a exemplo do aumento da conta-própria que trabalha para as
empresas refletindo processos de reestruturação empresarial.
Lima (2004) salienta ainda que a “nova informalidade no trabalho” não é
mais vista como característica de subdesenvolvimento, mas como possibilidades de
trabalho flexível e não apenas para trabalhadores sem qualificação, ou seja, “a
informalização agora é analisada como decorrente dos processos de flexibilização, onde o
novo estaria na chegada, também, de milhares de trabalhadores escolarizados e
qualificados que antes se encontravam no mercado formal e que foram dispensados com a
reorganização do trabalho promovida pelas novas tecnologias e mudanças nas formas de
gestão. Ao lado do ambulante e do camelô – representantes da velha informalidade –
convivem os vários “micreiros”, consultores variados, “bolsistas”, estagiários, com ganhos
diferenciados, vinculações institucionais distintas ou nenhum vínculo” (LIMA, 2002).
No entanto, em Cabo Verde, este tipo de atividade constitui um eixo
importante dos movimentos econômicos e culturais transnacionais que perpassam este país
7
Consolida-se o avanço da flexibilização das relações de trabalho, explosão do trabalho informal, da
precarização do trabalho, terceirização do trabalho e aumento do trabalho temporário e autônomo.
28
de emigrantes e que o ligam ao mundo. Formam-se, assim, redes em que os homens, mas,
sobretudo mulheres, exploram as margens econômicas e culturais que integram o mundo
globalizado de hoje.
A realidade nos países da África subsaariana é de emergência de um setor
informal cada vez mais desenvolvido no interior do qual operam empresas diferentes.
Diferenciam não só nos diversos contextos sócio-cultural, mas também, no seio do mesmo
mercado onde, ao lado de pequenas e médias empresas não formalizadas por falta de
regulamentação legal ou fiscal, pode existir uma variedade de pequenos empresários, sem
sede própria e que se movimentam continuamente, muitas vezes, desenvolvendo a
atividade na sua própria casa, assim como outros que protagonizam redes de comercio inter
continentais, como é o caso dos rabidantes em Cabo Verde.
No meio desta variedade, pode afirmar-se que estas empresas estruturam o
espaço econômico mais eficiente em muitos países africanos e que em numerosos casos
testemunham um dinamismo que não pode ser reduzido às atividades improdutivas de
sobrevivência.
Entre as várias tipologias de empresários informais existe uma categoria
que, segundo Grassi (2003), apareceu em muitos países africanos após a adoção dos PAE
8
(programa de ajustamento estrutural) e que merece uma particular atenção, que se refere
8
Conjunto de medidas de política econômica postas em prática num ou mais países para responder a uma
crise econômica e social. Após a década de 80, o termo passou a ser utilizado para indicar programas
impostos por instituições financeiras internacionais (Banco Mundial e FMI) como condição para viabilizar
empréstimos. Os objetivos genéricos do ajustamento estrutural são: viabilizar reformas institucionais e
políticas da estrutura de uma economia para eliminar o déficit da balança básica, travar a inflação e procurar
a elevação do PIB. Os programas de ajustamento estrutural incluem medidas como: desvalorização da
moeda, liberalização das importações, e dos preços no consumidor, taxa de juro positiva, privatização da
banca e das empresas que não consigam sujeitar-se à racionalidade do setor privado, liberalização da
legislação do trabalho, racionalização e diminuição das despesas de funcionamento do aparelho central do
Estado, limitação do crédito em especial para setores não exportadores e a particulares, intervenção do
Estado no que respeita a infra-estruturas de apoio à exportação e investimento em capital humano. O
aparecimento destes programas tem a sua origem na impossibilidade de os países com dívida externa
pagarem essa dívida e necessitarem de mais empréstimos. Estes programas embora originem crescimento
econômico, muitas vezes não originam desenvolvimento econômico (DICIONÁRIO DE ECONOMIA,
2007). Disponível em http://www.esfgabinete.com/dicionario
29
aos numerosos quadros da função pública que, ou em nome próprio, ou indiretamente
(utilizando o nome de familiares), se tornaram empresários pela necessidade de superarem
os problemas de desemprego. Estes “novos empresários informais” têm condições de
acesso inicial ao crédito, têm formação, o que os levará a poderem dar um aspecto técnico
mais moderno às próprias empresas e a realizarem uma gestão mais eficiente em termos
ocidentais, mas também outros tipos de conseqüências.
Com efeito, tudo indica que a expansão sem limites de tais empresas num
contexto econômico de regressão geral está na origem, a partir dos anos 80, de uma crise
urbana agudizada pelas políticas de ajustamento estrutural. A emigração torna-se, portanto,
na maioria das vezes, a única solução para a procura da subsistência. Assim, emigra-se de
uma cidade para outra no continente africano e emigra-se, de maneira crescente, em
direção a países europeus, apesar das barreiras que estes países, de formas diferentes, têm
colocado às imigrações. As migrações dentro do continente fazem-se prioritariamente do
setor informal de uma cidade para o setor informal de outras cidades em países que
pertencem muitas vezes à mesma área lingüística, onde se supõe a existência de um setor
informal mais dinâmico. Redes familiares, étnicas e religiosas indicam as direções e
facilitam deslocações e inserções em cidades cada vez mais superpovoados, cuja
especificidade está na transposição dos modos de vida das aldeias para o ambiente urbano,
o que é visível na diferente caracterização étnica das atividades, assim como o surgimento
de bairros específicos que acolhem os fluxos de imigrantes. Estes movimentos migratórios
de longa distância fazem crescer e diferenciar o setor informal urbano. Perante esta
complexidade de condições que o fenômeno veicula, a atitude do Estado perante a
informalidade tem mudado segundo o modelo de desenvolvimento adotado, como é o caso
de Cabo Verde.
30
Recentemente, porém, as atividades informais alargaram-se e alteraram-se
consideravelmente. Incluem agora uma classe de trabalhadores ligados a tempo inteiro a
atividades do setor formal ou serviços governamentais, e que alternam com o setor
informal. A economia informal expande-se de tal forma que as atividades formais têm de
contar com a informalidade para adquirir divisas, medicamentos essenciais, bens e serviços
básicos e, inclusive, peças sobresselentes. A economia formal também não tem alternativa
se não subcontratar, horizontal ou verticalmente, algumas atividades à economia informal
(HOPE, 2001, p. 32).
Numa literatura crescente, a economia informal surge como uma solução
para a falência do setor formal e para o crescimento do desemprego. Os próprios
inventores do conceito utilizam-no agora como solução para os problemas que afeta a
economia africana.
Nomeadamente, o setor informal tem como principal vantagem a criação de
emprego. Segundo Hope (2001) “são criados empregos, de forma barata, para um grande
número de indivíduos, que de outro modo, estariam desempregados e à margem da
sociedade” (p. 34). Proporciona ocupação para cerca de 50% e 70% da força de trabalho
urbana no Senegal e o Burkina Faso, respectivamente.
No entanto, a economia informal não pode ser encarada como uma solução
significativa para a problemática de desemp. Embora o estudo de Ismael e Horn conclua
que o setor informal tem uma capacidade de absorção de trabalho de 37,5%, grande parte
desse trabalho é atribuída a membros da família, a baixos salários. O setor informal
emprega em média 1,29 pessoas por negócio, o que reflete o papel ocupado pelo
proprietário. Estes resultados são confirmados por Mead e Liedholm (1998). A
percentagem de micro e pequenas empresas apenas com um trabalhador constituem a
grande maioria: 65% no Botswana, 69% no Zimbabwe, 79% no Lesoto. Num estudo
31
recente de grandes cidades africanas, Yves-A Fauré e Pascal Labazée (2002) verificam
que, em média, cada unidade informal emprega 1,6 trabalhadores, enquanto que 60% são
constituídas por apenas um.
Além disso, a criação de emprego na economia informal não substitui as
perdas de emprego formal porque existem barreiras à entrada. Este constrangimento não é
identificado por Hope (2001), e escapou à análise das organizações internacionais, mas é
apontado por Lautier (1994).
A primeira barreira apontada é a financeira. Existem atividades que
necessitam de um grande investimento inicial em capital fixo, como é o caso do transporte
de passageiros ou o setor industrial. Mesmo as atividades que não necessitam de capital
fixo, como é o caso do comércio a retalho, necessitam de capital circulante. Por isso, a
posse do capital é um fato essencial para entrar neste tipo de atividade.
Para além das barreiras financeiras existem outras. A existência de castas e
de atividades reservadas a indivíduos de determinadas castas é uma delas. As barreiras
relacionadas com a existência de casta são mais simbólicas do que físicas. De fato, um
artesão de uma determinada casta só aceitará um aprendiz dessa mesma casta. O mesmo
acontece com o fornecedor e o cliente, que estão ligados aos produtores da sua casta.
Quando não existem castas, as barreiras étnicas são igualmente eficientes. A própria
religião pode ser uma barreira, geralmente associada a outras. Mas a barreira mais difícil
de ultrapassar consiste em penetrar nas redes. Estas redes podem ser constituídas com
bases diversas: comunidade de casta ou religiosa, comunidade de origem geográfica,
comunidade étnica ou de parentesco. Penetrar nas redes é um fator essencial para iniciar
uma atividade informal, o que reforça o papel das relações simbólicas e pessoais.
O estudo de Ismail e Horn (1997) verifica que grande parte dos indivíduos
envolvidos no informal (mais de 80%) tem um nível educacional relativamente baixo. Dos
32
restantes, apenas cerca de 11%, possuem formação técnica ou escolar mais avançada. De
fato, não é de estranhar que assim seja, porque grande parte da população ligada ao
informal ainda se enquadra no grupo de recém deslocados das zonas rurais, onde a
educação é mínima ou inexistente. Mas mesmo as cidades não conseguem garantir a
provisão de educação de forma a acompanhar o ritmo de crescimento populacional.
No entanto, o recurso ao informal é mais o fruto de uma necessidade,
originada pela retração do setor formal que não proporciona novas oportunidades de
emprego, nem sequer garante os empregos existentes, do que uma forma de empresariado.
Desta forma, a necessidade de rendimento suplementar constitui uma das razões
fundamentais para recorrer ao setor informal (ISMAIL e HORN, 1997).
1.2. Redes Sociais/Economia Étnica
A revalorização do tema da informalidade tem relação direta com sua
expansão sem precedentes nos anos 1980 e 1990, como principal mecanismo de
desregulação dos mercados de trabalho, ganhando visibilidade nos países de terceiro
mundo onde cresce o numero de ocupações no setor informal. Ao mesmo tempo, cresce
sua visibilidade no chamado primeiro mundo, com o crescimento do desemprego e das
imigrações internacionais fortalecendo as redes étnicas e o desenvolvimento de atividades
não regulares nas grandes cidades. Nesse quadro, as redes sociais são apontadas como
elementos fundamentais na recepção e integração dos novos imigrantes nas economias
locais (LIMA e CONSERVA, 2006).
A difusão de informação, possuindo um caráter utilitário nas relações
sociais de forma geral, é considerada por Lima e Conserva (2006) uma das características
fundamentais das redes sociais, que podem ser consideradas como um conjunto de relações
construídas pelos indivíduos a partir do meio social originário, através das quais se
33
manifestam condicionamentos sociais sobre os quais elas atuam, transformando-os na
busca da resolução de problemas cotidianos.
Nas redes sociais, há valorização dos elos informais e das relações, em
detrimento das estruturas hierárquicas. Hoje o trabalho informal em rede é uma forma de
organização humana, presente em nossa vida cotidiana e nos mais diferentes níveis de
estrutura das instituições modernas (MARTELETO, 2001).
Nos espaços informais, as redes são iniciadas a partir da tomada de
consciência de uma comunidade de interesses e ou de valores entre seus participantes.
Entre as motivações mais significativas para o desenvolvimento das redes estão os assuntos
que relacionam os níveis de organização social-global, nacional, regional, estadual, local,
comunitário (MARTELETO, 2001), independentemente das questões que se busca
resolver. Muitas vezes a participação em redes sociais envolve direitos, responsabilidades e
vários níveis de tomada de decisões.
O acesso ao emprego tem nas redes sociais um instrumento privilegiado,
relacionando instituições primárias como a família e o mercado de trabalho em seus
diversos níveis – da pequena à grande empresa, independentemente de seu grau de
modernização tecnológico-organizacional (LIMA e CONSERVA, 2006).
Ainda de acordo com esses autores, precisamente nesse processo é que se
explicita a dimensão central que a família ocupa, tanto na vida social como na trajetória
ocupacional, pois as estratégias de redes são geradas e geridas em função das necessidades
de sobrevivência, em primeiro lugar, do núcleo familiar e, em segundo, do próprio grupo
como “categoria” social. É justamente aí que residem suas potencialidades de ampliação
dos mecanismos e estratégias para uma dimensão de coletivo de redes. Este campo de
possibilidades se dá à medida que há a reprodução dos valores e comportamentos de
solidariedade, de confiança e obrigação, que permitem à rede familiar ampliar-se para
34
redes sociais mais amplas, atuando na construção de estratégias do grupo enquanto
categoria social.
Numa outra perspectiva pode-se verificar que esses valores e
comportamentos acima mencionados são de extrema importância nos processos
migratórios. De acordo com Martes (2000) “as redes sociais, geralmente de parentesco,
amizade ou mesmo religiosas, são fundamentais para explicar como os brasileiros chegam
aos Estados Unidos, sobretudo porque elas ajudam a reduzir o custo psicológico e
econômico da emigração” (apud TRUZZI, 2008). Nesse aspecto a informalidade passou a
ser analisado, também, nos países centrais, inicialmente dentro de uma “economia étnica”
9
,
em que as redes sociais são consideradas fundamentais na inserção dos indivíduos.
Truzzi (2008) estabelece ainda que, as redes têm um papel estratégico nas
sociedades receptoras, “onde os vínculos sociais possam ser valorizados não apenas na
sociedade de origem, instruindo a decisão de emigrar, mas também na sociedade de
recepção, após a emigração”.
Outros investigadores destacaram a influência da comunidade imigrante na
inserção econômica dos indivíduos. Light e Gold (2000) realçaram a importância dos
recursos étnicos (capital financeiro, mão-de-obra, fornecedores) no desenvolvimento
empresarial.
Esses mesmos autores, Light e Gold (2000), reorganizaram as principais
teorias que defendem a ligação entre as atividades empresariais de imigrantes e as
comunidades étnicas. Como resultado, realçaram a existência de recursos étnicos e de
classe que explicam o desenvolvimento empresarial de imigrantes. Nas palavras dos
investigadores recursos étnicos são:
9
Conforme Lima (2002), representada por grupos nacionais de migrantes nos Estados Unidos e Europa e
como forma de integração dos recém chegados, assim como também a importação de procedimentos de
dependência e clientelismo existente nos países de origem.
35
(…) Características de um grupo que utiliza na vida econômica ou dele
retiram benefícios econômicos. Eles incluem habilidades identificáveis,
técnicas organizacionais, solidariedade recíproca, estadias orientadas e
outras características baseadas na tradição e na experiência do grupo
(LIGHT e GOLD, 2000).
Contudo, segundo eles, estes recursos não se encontram disponíveis para
todos os membros do grupo étnico. Na realidade há pequenos subgrupos dentro da
população étnica, com ligações familiares e posições de classe semelhantes, que denem
diferentes hierarquias de solidariedade, reciprocidade e acesso a determinados recursos.
Por outras palavras há outros fatores que afetam a mobilização dos recursos étnicos.
Light e Gold (2000) ilustram, ainda, duas interpretações de como os
recursos étnicos, podem ser usados com intenções econômicas. A primeira é baseada numa
visão utilitarista da cultura – símbolos, histórias, rituais – que orienta os imigrantes para
determinados objetivos econômicos. A segunda perspectiva tem em consideração como é
que a etnicidade dene fronteiras de cooperação e solidariedade entre aqueles que a
partilham.
Os recursos étnicos são produzidos e reproduzidos por membros de um
mesmo grupo. Baseiam-se em formas de delidade, conança, cooperação e solidariedade.
Respeitando determinadas regras do grupo étnico, os membros têm acesso a recursos
econômicos (empréstimos pessoais, poupanças e associações de crédito), culturais (língua
e práticas tradicionais), sociais (redes de delidade e obrigações mutuas) e políticos
(participação em associações). O grupo étnico pode ser ainda uma fonte de trabalhadores,
consumidores e fornecedores para as atividades empresariais. Esses recursos podem
funcionar como pré-requisitos ou barreiras para o desenvolvimento de atividades
empresariais de indivíduos dependentes de ligações étnicas.
É importante perceber ainda que os recursos étnicos não são somente
oportunidades. Representam também, custos, obrigações e deveres dos membros do grupo
36
étnico. Esses autores relatam alguns conitos que podem surgir em proveito deste segundo
lado da moeda: os recursos étnicos podem restringir alguns indivíduos a uma determinada
classe social; os conselhos para o desenvolvimento empresarial e o suporte nanceiro para
o investimento podem estar associadas a relações de chantagem, negócios fraudulentos e
pressões ilícitas de grupos étnicos criminosos; as obrigações étnicas podem conduzir
determinados empresários a contratarem trabalhadores co-étnicos em vez de trabalhadores
genéricos com as especialidades necessárias, o que pode comprometer o sucesso da
empresa; nalmente, exemplicam também o caso de trabalhadores étnicos que adquirem
o conhecimento necessário em empresas de co-étnicos para abrirem os seus próprios
negócios, contribuindo para uma “competição canibalesca” (LIGHT E GOLD, 2000).
Portes (1999), por outro lado, demonstrou que a construção de uma
economia étnica – ‘enclave étnico’ –, com intensa iniciativa empresarial, garante
rendimentos mais altos do que alguma vez os imigrantes conseguiriam na economia aberta.
Segundo Martes (2001), o termo enclave étnico, empregado por Portes
descreve grupos de imigrantes, concentrados espacialmente e que organizam uma
variedade de empresas voltados para atender ao mercado étnico e/ou a população mais
geral. Sua característica básica é a de empregar uma grande proporção de força de trabalho
imigrante nas empresas. Sua definição inclui o self-employer, característica que os autores
não necessariamente incluíam em suas respectivas definições.
Ainda com referência a essa questão, Oliveira (2005) destaca a importância
da discussão aberta por Wilson e Portes, acerca dos enclaves de imigrantes quando
estudaram os imigrantes cubanos de Miami. A categoria derivou da análise crítica da teoria
do “mercado de trabalho dual”. Os investigadores consideraram as vantagens da
participação de imigrantes nas empresas do enclave como formas de reservas nanceiras e
de capital humano, em vez de integrarem a competição do mercado aberto. Dois pré-
37
requisitos foram sublinhados para o desenvolvimento de enclaves de imigrantes: a
presença de um primeiro uxo de imigrantes com experiência empresarial e capital
suciente para investir; e um contingente suciente de trabalhadores para manterem o
enclave (WILSON e PORTES, 1980; PORTES e MANNING, 1986 apud OLIVEIRA,
2005).
Assim, o enclave é uma realidade onde a atividade econômica serve, numa
primeira fase, uma clientela exclusivamente étnica e que numa segunda fase se pode
expandir para a economia nacional, recorrendo às redes sociais e aos recursos étnico-
capital social e relações laborais paternalistas, que se pautam por salários inferiores ao real
valor do trabalho, compensado por outras formas de recursos, que apoiados numa
solidariedade coletiva, lhes dão vantagem face às firmas nacionais preexistentes (PORTES
e MANNING, 1999 apud GONÇALVES, 2001).
No entanto, a discussão descrita por esses autores, aponta para o que seria
uma “economia étnica” que abrangeria a noção de “enclave étnico”, ou seja, toda aquela
que incorporasse o imigrante por conta própria, os seus familiares que o ajudam, o
empregador étnico e os seus empregados co-étnicos, não fazendo diferença se estão ou não
concentrados no espaço, se abastecem e se são abastecidos ou não por co-étnicos.
Daí o valor estratégico dos vínculos comunitários também no período de
integração à nova sociedade, através de uma série de indicadores, entre os quais os padrões
residenciais, ocupacionais, matrimoniais, e o vigor das associações étnicas (TRUZZI,
2008, p. 210).
1.3. O discurso sobre gênero: mulher como força de trabalho
A operacionalidade dos conceitos, redes sociais, informalidade e nova
informalidade torna-se mais eficaz quando se utiliza a função do gênero para uma melhor
38
exploração do papel dos indivíduos dentro das redes. Por isso, é mais relevante quando se
utiliza o gênero como categoria analítica. Por esta razão, o gênero surge como estrutura
interpretativa da função dos rabidantes.
Com efeito, o comercio informal em Cabo Verde, é promovido,
majoritariamente, por mulheres. A presença massiva de mulheres no exercício de atividade
comercial informal representa uma expressão de como a dimensão de gênero provoca
mudanças que ocorrem em instituições sociais como a empresa e a família. O contexto
sugere que a mudança nos papéis do gênero que altera a divisão sexual do trabalho tem
como efeito, um acréscimo de poder das mulheres rabidantes e provocam mudanças na
estrutura de instituições como a família e o pequeno empreendimento.
Atualmente, a taxa de atividade feminina no mundo está num processo de
aumento continuo, tanto porque, um pouco por todo o lado, o trabalho feminino tende,
cada vez mais, a deixar a esfera doméstica para entrar no mercado de trabalho publico,
nomeadamente quando se têm considerado muito as atividades do setor informal.
Ao olhar para o mercado de trabalho em Cabo Verde, como na maioria dos
países em vias de desenvolvimento, e para as atividades econômicas que nele se
desenrolam, depara-se, muitas vezes, com a existência de um setor informal em expansão
no interior do qual os recursos humanos mais dinâmicos são na sua maioria mulheres.
Nos estudos sobre países em vias de desenvolvimento do continente
africano, como Cabo Verde, particularmente naqueles que se situam no espaço da
informalidade econômica e questionam a sua importância para o desenvolvimento, faltam
muitas vezes categorias analíticas que consigam descodificar as dinâmicas dos agentes
sociais que protagonizam os atos econômicos, destaca Grassi (2002).
O termo gênero, tradicionalmente entendido como a diferença entre sexos,
começou por ser utilizado precisamente para mostrar que, independentemente das
39
diferenças biológicas, há muitas maneiras de construir diferenças sociais. A utilização
deste termo pelas ciências sociais prende-se com a necessidade de mostrar que as
diferenças entre homens e mulheres são uma construção social. Apesar das inegáveis e
universais diferenças biológicas existentes entre uns e outras, as variáveis culturais que
encontramos nos desempenhos quotidianos dos papeis masculinos e femininos não
resultam de uma inevitabilidade biológica, mas de opções sociais, conjunturais e culturais.
De fato todas as sociedades criam e legitimam idéias de comportamento especificamente
feminino e masculino.
As diferenças instituídas pelas categorias de gênero, que estão claramente
relacionados com o estatuto social de cada um destes agentes, estão na base de relações
estruturais de desigualdade entre homens e mulheres, que se manifestam tanto no mercado
de trabalho como nas estruturas políticas ou no interior da família. Tais desigualdades são
freqüentemente, reforçadas pelas leis, pelos costumes e pelas políticas de desenvolvimento.
A literatura sobre as categorias sociais de gênero surge na década de 60 no
âmbito da teoria feminista, propondo uma elaboração cultural sobre as diferenças entre
homens e mulheres e questionando o determinismo biológico. Se, por um lado, falar de
gênero permite abstrair e diferenciar a dimensão da palavra sexo, focando o interesse sobre
as diferenças sociais e deixando de lado o determinismo biológico, por outro lado, esta
nova abordagem se utilizada de maneira exclusiva, pode correr o risco de se tonar uma
forma de determinismo cultural que cria novas categorias tão rígidas como as categorias
biológicas, Grassi (2002). O estudo de caso irá mostrar, por exemplo, como é complexo
tratar dessa questão abstraindo de um ou de outra categoria.
Ainda nos anos 60, a análise das diferenças de gênero no mercado de
trabalho recebeu uma grande atenção, com o desenvolvimento dos movimentos de
40
libertação da mulher e a legislação que previa a igualdade de oportunidades de emprego
entre homens e mulheres nos EUA.
Só a partir de 1980 começaram a surgir investigadoras africanas que se
dedicam ao estudo das questões de gênero e se auto definem como feministas (GRASSI,
2002). No entanto, é importante sublinhar que existem muitas e diferentes teorias
feministas em África. O feminismo, enquanto aproximação teórica à realidade social, não
tem uma definição fixa; tem significados se entendido no momento em que é produzido; é
governado pelo próprio contexto social sobre o qual se produz e pelas identidades e
posições ideológicas das investigadoras
10
.
Nas décadas de 80/90 a mundialização do capital emitiu efeitos complexos,
além de contraditórios, afetando desigualmente o emprego feminino e o masculino. Em
relação ao emprego masculino, houve uma estagnação e ou até mesmo uma regressão,
enquanto que emprego e o trabalho feminino remunerado cresceram. Paradoxalmente,
apesar de ocorrer um aumento da inserção da mulher trabalhadora, tanto no espaço formal
quanto informal do mercado de trabalho, esse aumento se traduz majoritariamente, nas
áreas onde predominam os empregos precários e vulneráveis.
Este quadro possibilita uma reflexão sobre o papel feminino no mundo do
trabalho, marcado por uma flexibilização mais acentuada, como, por exemplo, o trabalho
em tempo parcial realizado majoritariamente por mulheres.
Segundo Grassi (2000), o questionamento sobre o progressivo
reconhecimento do papel das mulheres nas economias dos países em via de
desenvolvimento tem produzido e privilegiado uma nova chave de interpretação da
realidade que focaliza a questão do gênero na investigação sobre o desenvolvimento. Cada
sociedade redefine constantemente as normas, os comportamentos e as atitudes que
10
Sobre as teorias feministas em África, ver Grassi (2002).
41
determinam as relações entre homens e mulheres em todas as áreas da vida econômica,
social e política.
Vários autores chamam atenção ao problema da mulher como força de
trabalho, uma vez que, continuam sendo exploradas na medida em que contribuem para a
diminuição dos custos de manutenção e para a reprodução da força de trabalho, ao mesmo
tempo, estudos sobre a participação feminina na força de trabalho, demonstram o aumento
dos rendimentos das famílias. A Sociologia do Trabalho possui uma consolidada trajetória
de pesquisa na relação entre trabalho e gênero. Não obstante, a grande produção que
discute trabalho, sob o enfoque de gênero, ainda desconsidera essa dimensão, quando
tratam da divisão social e técnica do trabalho e da flexibilização e precarização da mão-de-
obra.
Hirata (2001, 2002) discute os aspectos relacionados às novas divisões
sexuais do trabalho: internacional, nacional e sexual, analisando três países: Japão, França
e Brasil. O que se constata é que, a exploração do trabalho feminino se intensificou com o
processo de reestruturação produtiva. Hirata (2002) considera que a emergência de um
novo paradigma produtivo alternativo ao modelo fordista de produção é questionável
quanto às diferenças relacionadas ao gênero. Através da realização de um estudo
comparativo nas empresas matrizes e filiais dos referidos países, foi constatada uma
extrema variedade na organização e gestão da força de trabalho, em função da divisão
sexual do trabalho. A autora percebeu que os empregadores dos três países reconheciam as
qualidades da mão de obra feminina, mas não reconheciam essas qualidades como
qualificações.
Outra questão é o caráter parcelar do trabalho, mais acentuado no Brasil,
onde as políticas de gestão da mão de obra são diferenciadas segundo o sexo. Hirata (2002)
observou que “[...] não há uma única divisão de trabalho e que a adoção ou rejeição de
42
práticas de gestão tayloristas depende, além de escolhas puramente tecnológicas, de vários
fatores de ordem sociocultural e histórica”.
Compreende-se que não existem modalidades de divisão sexual do trabalho,
mas várias formas de expressão desta divisão do trabalho, em que a mulher pode ocupar
novos papéis antes negados a ela por sua condição de sexo “frágil”.
Hirata (2002), ainda, realiza uma importante discussão a respeito da relação
entre gênero e trabalho, mostrando que, na indústria, as mulheres em geral ocupam cargos
de importância menor do que os homens dentro da hierarquia das empresas e, ainda, que
exercem tarefas repetitivas, que não exigem criatividade, inventividade ou raciocínio
lógico. Também demonstra que, em momentos de demissão, as mulheres tendem a ser
mais prejudicadas. Abramo e Todaro (2002) afirmam que as políticas de recursos humanos
das empresas estão baseadas na consideração de que as mulheres possuem uma menor
capacidade no ato de tomar decisões. Os homens são considerados mais adequados a
exercerem tal tarefa, devido às suas características naturais.
Souza Lobo (1991) amplia a discussão, ao afirmar o que caráter
determinado da divisão sexual do trabalho, para além das justificativas técnicas, pode ser
modificada segundo as eventualidades conjunturais e os interesses econômicos e
empresariais. Ela se constrói como prática social, ora conservando tradições que ordenam
tarefas masculinas e femininas, ora criando modalidades de divisão sexual das tarefas.
Existe uma dimensão importante a ser colocada para entendimento da
questão de gênero: “a divisão sexual do trabalho”. Segundo Souza Lobo (1991), as raízes
desta divisão devem ser procuradas na sociedade e na família, e para apreendê-las é
necessário sair da fábrica e articular a análise das condições de trabalho com aquelas que
prevalecem no mundo exterior à empresa. Dessa maneira, o capital não cria a subordinação
das mulheres, porém, a integra e a reforça. O objetivo da divisão sexual do trabalho é
43
essencialmente a separação entre concepção e execução, simultânea ao estabelecimento da
hierarquia, do controle e da diferenciação das funções. Por sua vez, a especificidade do
Taylorismo está em afirmar simultaneamente a possibilidade de determinar cientificamente
qual o melhor trabalhador, o melhor instrumento e a melhor maneira de produzir qualquer
coisa.
Scott (1994), Heleieth Saffioti (1976, 1997), Itaboraí (2003), que discutiram
aspectos relacionados ao trabalho feminino ao novo papel da mulher na divisão do trabalho
e que ajudaram a construir a análise do tema, contribuíram para o desenvolvimento de
estudos sobre o tema e os novos papéis ocupados pelas mulheres neste cenário.
44
CAPÍTULO 2 - CARACTERIZAÇÃO GERAL DE CABO VERDE
Este segundo capítulo trata de um apanhado geral sobre a história de Cabo
Verde desde a sua descoberta entre 1460 e 1462, pelos navegadores portugueses, na altura
das viagens de exploração marítima, até o período atual, pois é uma realidade pouco
conhecida tanto a nível nacional como internacional.
O objetivo deste capítulo é de contextualizar o país no qual foi realizada a
pesquisa, ressaltando alguns aspetos mais importantes da sua história, como o processo da
luta pela libertação nacional, características demográficas da população, a organização
política e a situação sócio-econômica. Estes aspetos nos ajudam a entender porque as
questões que dizem respeito aos rabidantes se configuram na forma como veremos nos
capítulos que se seguem. Pois, a questão histórica pode ter uma influência considerável na
forma como as esses atores são vistos e tratados.
2.1. Panorama Histórico de Cabo Verde
Cabo Verde é um pequeno país insular, situado no Oceano Atlântico, a
cerca de 500 km da costa ocidental da África, em frente ao Senegal e aproximadamente a
2.890 km de Portugal (ver ANEXO A).
O arquipélago é composto por dez ilhas e oito ilhéus
11
, todos de origem
vulcânica, que formam dois grupos distintos consoantes a posição dos ventos alísios do
nordeste. O Barlavento reúne as ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São
Nicolau, Sal e Boa Vista; enquanto que o Sotavento reúne as ilhas de Maio, Santiago (ilha
da realização da pesquisa), Fogo e Brava. As principais cidades são Praia (ilha de
Santiago), onde fica situada a sede do Governo, e Mindelo (ilha de São Vicente).
11
Refere-se a uma ilha de dimensão reduzida ou um rochedo no meio do mar.
45
As principais ilhas do país são Santiago, no qual se concentra mais da
metade da população total residente no país, cerca de 54,38% e São Vicente que representa
cerca de 15,53% da população total residente no país (TABELA 2.1).
TABELA 2.1 – Distribuição da população residente por ilhas
ILHAS POP. RESIDENTE %
Santo Antão 47.042 10,88
São Vicente 66.671 15.43
São Nicolau 13.647 3,15
Sal 14.596 3,37
Boa Vista 4.206 0.97
Maio 6.740 1,38
Santiago 234.940 54,38
Fogo 37.355 8.64
Brava 6.792 1,57
Total 431.989 100%
Fonte: Censo 2000
A superfície total é de 4.033 Km
2
e a população é de aproximadamente 1
milhão, sendo que, de acordo com o Censo 2000, 431.989 mil habitantes residem em Cabo
Verde e os outros se encontram na diáspora. A língua oficial é o português, mas o dialeto
local, o crioulo, é predominantemente falado em todas as ilhas, o que faz explicar a opção
da pesquisa em realizar as entrevistas e diálogos com os informantes somente no dialeto
local.
O clima é tropical seco, com duas estações: seca e úmida. As chuvas são
irregulares e escassas, condicionadas pela passagem do vento quente e seco do deserto do
Saara que aumenta a aridez e provoca secas prolongadas, de conseqüências nefastas tanto
para a agricultura como para o equilíbrio ecológico.
Devido aos efeitos causados pelas secas prolongadas, Cabo Verde foi
incluído nos Países do Shahel
12
, região africana ameaçada da
12
Grupo de países da África Ocidental, unidos na luta contra a seca e a desertificação.
46
desertificação que recebe apoio de programas de ajuda internacional para
combater essa calamidade (VARELA, 1998, p. 9).
As expansões marítimas européia, iniciadas principalmente pelos
portugueses, possibilitaram aos seus navegadores ter contato com a costa ocidental da
África, território até então desconhecido, do que resultou no descobrimento das ilhas de
Cabo Verde. As primeiras ilhas descobertas foram Santiago, Fogo, Maio, Boa Vista e Sal,
que fazem parte do grupo Oriental, em 1460. Estas ilhas foram descobertas pelos
navegadores portugueses Antonio da Noli e Diogo Gomes que estavam a serviço do
Infante D. Henrique. As ilhas da Brava, São Nicolau, São Vicente, Santa Luzia, Santo
Antão, e os ilhéus Rasos e Brancos, que fazem parte do grupo Ocidental foram descobertos
entre 1460 e 1462. Estas últimas ilhas foram encontradas pelo navegador português Diogo
Afonso, que na altura estava viajando com o navegador Antonio da Noli para povoar as
primeiras ilhas encontradas.
No que se refere aos primeiros habitantes das ilhas, não existe um consenso.
Isso porque apesar dos portugueses afirmarem que quando chegaram, encontraram as ilhas
desabitadas e desertas, existem relatos de viajantes que dizem o contrario, afirmando que
as ilhas eram habitadas por negros oriundos da Costa do Senegal e por Árabes e Mouros.
Neste sentido, Andrade diz que,
(...) encontram-se referencias à presença de grupos humanos em Cabo
Verde antes da chegada dos portugueses, nos principais escritos dos finais
do século XVIII. Em 1784, um anônimo escrevia que esta ilha (Santiago)
foi encontrada habitada por muitos homens negros. Segundo a tradição,
foi o rei Jalofo que devido a um levantamento, teve de fugir do seu país
com toda a família para se refugiar em Cabo verde, na costa continental
(península do Senegal) (...) (1996, p. 34).
Quanto ao povoamento das ilhas de Cabo Verde, o que se sabe é que foi
iniciada com os negros africanos trazidos como escravos pelos portugueses, africanos
livres e comerciantes. Nesse sentido, Andrade escreveu que,
47
no povoamento das ilhas não houve apenas escravos; também existiam
negros livres como os banhuns, cassangas e Brames, que acompanhavam
espontaneamente os comerciantes, os mercenários e os capitães de
navios; muitos deles falavam a língua portuguesa e alguns iam a Santiago
para serem cristianizados ( 1996, p. 42).
Essa diversidade de povos que povoaram as ilhas até então descobertas
juntamente com a distância que separava o arquipélago da metrópole (Portugal), como
também as dificuldades de se comunicarem, devido às condições de navegação da época,
possibilitaram um processo de mestiçagem nas ilhas que atinge cerca de 90% da
população.
Devido a sua posição geográfica no meio do Oceano Atlântico, Cabo Verde
tornou-se um ponto de parada estratégico para o abastecimento de água e de alimentos e
num entreposto comercial, inclusive de escravos. Isso fez com que Cabo Verde
desempenhasse um papel importante para a navegação marítima e aérea porque se situa no
cruzamento que liga os três continentes banhados pelo Atlântico: Europa, África e
América.
2.2. Organização Política
Para fugir de uma colonização dolorosa que demorou cerca de cinco
séculos, nos anos de 1950 começou o processo de luta pela Libertação Nacional que
terminou com o surgimento de novos Estados Africanos. O movimento pela Libertação
Nacional aconteceu em todas as colônias Africanas, e tinha como objetivo maior, colocar
fim ao colonialismo e reivindicar independência política, cultural e social que, até então,
era negada a esses povos.
É necessário realçar que a conjuntura internacional que se vivia nesse
período (1950) favoreceu o surgimento de outra política colonial que contribuiu para que
emergisse no seio dos Caboverdianos uma possibilidade de luta para conseguir a sua
48
independência. Deste modo, os intelectuais Cabo-verdianos, que na sua maioria estudavam
em Lisboa, liderados pelo Amílcar Cabral, começaram a se reunir com o objetivo de criar
um movimento de luta juntamente com outros companheiros africanos visando a
independência nacional. Esses intelectuais que criaram o movimento de luta ficaram
conhecidos como “pequena burguesia revolucionaria” (FERNANDES, 2002, p. 150).
Este grupo constituído por Amílcar Cabral, e mais cinco companheiros
(estudantes em Lisboa) fundou em Setembro de 1956, em Guiné Bissau, o Partido
Africano para Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC). O objetivo
principal era reivindicar o direito de autodeterminação, independência e a unidade dos dois
povos (Guiné Bissau e Cabo Verde).
Amílcar Cabral, ideólogo e estrategista, conhecido como principal líder do
movimento da luta pela independência de Cabo Verde e de Guiné Bissau, além de permitir
que os dois povos forjassem a sua liberdade e dignidade, possibilitou a afirmação desses
países no plano internacional. O movimento da libertação nacional dirigida pelo PAIGC
contra o governo colonial português, além de ter como objetivo principal a libertação dos
dois povos, também pretendia que Cabo Verde e Guiné Bissau se tornassem um único país
e comuma só luta, uma vez que os fundadores do PAIGC eram descendentes de Cabo-
verdianos e Guineenses. Outro motivo é que os dirigentes de Cabo Verde e Guiné Bissau
se consideravam historicamente vinculados, na medida em que tiveram uma experiência de
complementaridade econômica e administrativa que remota aos anos de 1550. Cabe dizer
que, a unificação com a Guiné Bissau foi rompida em 1981 na seqüência de um golpe de
estado na Guiné Bissau. Com isso o PAIGC em Cabo Verde se tornou o PAICV (Partido
Africano de Independência de Cabo Verde).
Após a Independência Nacional em 5 de Julho de 1975, a formação do
Estado foi desenvolvida pelo PAIGC, que liderou toda a luta da libertação nacional tanto
49
de Guiné Bissau como de Cabo Verde. Este partido governou Cabo Verde até 1981, altura
em que ocorreu o golpe de estado em Guiné Bissau. Em conseqüência disso, houve uma
cisão no interior do PAIGC o que possibilitou a separação dos dois países. A partir desta
data Cabo Verde foi governado pelo PAICV.
A governação de PAICV durou cerca de quinze anos e ficou conhecido
como regime de partido único de tendência socialista, na medida em que não era permitida
a existência de outros partidos políticos. Este governo tinha como prioridade criar as bases
para o desenvolvimento do país, principalmente nas áreas de educação, saúde e infra-
estrutura.
Com as mudanças na política a nível mundial e o processo de
democratização dos países Africanos, em 1990 deu-se a abertura política em Cabo Verde,
que possibilitou o surgimento de novos partidos políticos, como Movimento Para
Democracia (MPD) liderado pelo Dr. Carlos Veiga. Desse modo, surgiu um novo ator
político no cenário nacional.
De acordo com Programa de Cooperação (2002), “depois de 15 anos de
monopartidarismo o processo de democratização de Cabo Verde foi iniciado em Fevereiro
de 1990 com uma declaração política a que se sucedeu um amplo movimento popular”
(PROGRAMA DE COOPERAÇÃO, 2002, p. 23).
Depois de várias negociações entre o PAICV, partido no poder e o MPD, a
oposição, foram marcadas as primeiras eleições democráticas multipartidárias no país, que
foram realizadas no dia 13 de Janeiro de 1991.
Foi neste contexto que o Movimento Para a Democracia (MPD) venceu
as primeiras eleições multipartidárias realizadas em 1991, com maioria
qualificada, e foram organizadas as primeiras eleições municipais. Em
1992, a Assembléia Nacional aprovou uma nova Constituição que
consagra o Estado de Direito Democrático. Em Cabo verde vigora assim
um regime de Democracia Parlamentar Pluralista conforme o figurino
previsto na Constituição promulgada em 1992. Os Órgãos da soberania
50
são o Presidente da República, a Assembléia Nacional, o Governo e os
Tribunais (PROGRAMA DE COOPERAÇÃO, 2002, p. 24).
Desta eleição o PAICV saiu claramente derrotado, e com isso colocou-se
fim ao período do partido único (1975 – 1990), e iniciou-se o sistema do pluripartidarismo
e democracia marcado pela conquista dos direitos principalmente civis, políticos, liberdade
de expressão e de imprensa, liberdade de associação, manifestação e direito a greve. O
novo governo, liderado por Dr. Carlos Veiga (Primeiro Ministro) e Antonio Mascarenhas
Monteiro (Presidente da Republica) definiu os rumos do país, apostando fortemente na
abertura da economia cabo-verdiana aos investidores estrangeiros.
Também nessa mesma década, alguns partidos que já existiam ganharam
força e visibilidade como foi o caso da União Cabo-verdiana Independente e Democrática
(UCID), como também surgiram outros partidos políticos, nomeadamente, o Partido Social
Democrático (PSD), Partido da Convergência Democrática (PCD) e o Partido da
Renovação Democrática (PRD). Estes dois últimos surgiram devido às divergências
ocorridas no interior do MPD.
Depois de dois mandatos (10 anos) o MPD saiu derrotado nas eleições de
2001, pelo PAICV, principal partido da oposição liderado pelo Dr. José Maria Neves.
Desta eleição o PAICV conseguiu a maioria absoluta no parlamento com 42 deputados e o
MPD com 30 deputados, que dá um total de 72 deputados que compõem o parlamento
Cabo-verdiano.
Em Janeiro e Fevereiro deste ano (2006), foram realizadas eleições
legislativas e presidências no qual o PAICV, liderado pelo Dr. José Maria Neves foi
reeleito com a maioria absoluta. Isso vai lhe possibilitar governar o país por mais 4 anos,
assim como o candidato a Presidente da República por ele apoiado, o Comandante Pedro
Pires, que também foi reeleito.
De acordo com a Constituição em vigor desde setembro de 1992, Cabo
51
Verde é uma República Democrática multipartidária, sendo o chefe de Estado, o Presidente
da República. O tipo de governo é República Parlamentar com um equilíbrio razoável entre
o Primeiro Ministro e o Presidente da Republica, e com alguma descentralização interna a
nível autárquico. O poder executivo é exercido pelo Primeiro Ministro e pelo Conselho de
Ministros.
Como acabamos de ver, Cabo Verde é um país jovem, pois tem apenas 31
anos de independência, sendo que os primeiros 15 anos foram no sistema de partido único.
Isto tem uma implicação direta nas questões que envolvem os comerciantes informais do
país, tendo em conta que, durante muito tempo as questões que dizem respeito à esse tipo
de atividades não eram prioridades.
2.3. Características Demográficas
Segundo o estudo estatístico realizado no país, têm sido verificadas algumas
oscilações no que se refere à evolução da população. Cabe aqui destacar o período de 1940
e 1970 que foram as décadas que registraram um crescimento populacional negativo.
Durante a década de 40 ocorreu no país um período de seca prolongada devido à falta de
chuva. Essa seca levou a uma redução da população, pois um número considerável de
pessoas morreram nesse período. Este período ficou conhecido como “a fome de 47”
porque grande maioria da população dependia da agricultura para a sobrevivência e, com a
falta da chuva, as famílias passaram por um período de grande dificuldade. Neste sentido o
crescimento foi de apenas 1.9%. A década de 70 também ficou conhecida como um
período de redução da população porque foi nessa década, que ocorreu a expansão da
emigração Cabo-verdiana, sobretudo para os países Europeus. Esta tendência se
intensificou a partir da década de 80, pois a emigração passou a ser vista como uma
alternativa de sobrevivência e busca de melhores condições de vida. Com isso, o
52
crescimento populacional foi de apenas 0.9%. Nos anos 90, apesar da redução da taxa de
fecundidade no país, houve um crescimento populacional de 2.4%. Isso aconteceu devido à
contenção do fluxo migratório derivado das políticas de emigração restritivas levadas a
cabo pelos países de acolhimento.
Segundo os dados do Recenseamento Geral da População e da Habitação de
1990 (o segundo realizado no país) a população residente no país na época era de 341 mil
habitantes, dos quais 171.000 eram do sexo masculino e 170.000 do sexo feminino,
desigualmente distribuído pelas nove ilhas habitadas. O censo de 2000 (o terceiro realizado
no país), mostra que existia em Cabo Verde, na época da realização do Censo, cerca de 432
mil habitantes, dos quais 208 mil (48%) eram do sexo masculino e 224 mil (52%) eram do
sexo feminino.
Em 2002 os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) mostraram que
residiam no país cerca de 470.678 indivíduos, e mais de 500 mil Cabo-verdianos residiam
no exterior. É de realçar ainda que a demografia Cabo-verdiana é caracterizada por um
forte desequilíbrio regional entre as nove ilhas habitadas. Isso porque existe uma forte
concentração da população nas ilhas de Santiago (54.4%), São Vicente (15.2%) e
Santo Antão (10.8%) que são as principais ilhas do país, representando
juntas cerca de 80.4% da população total, enquanto que nas outras ilhas como, por
exemplo, a ilha de Boa Vista, Brava e Maio tem cerca de 1.1%%, 1.5% e 1.6%
respectivamente (INE, 2002).
O INE mostra ainda que existe um forte crescimento populacional nos
principais centros urbanos do país (Praia, São Vicente e Sal), que é uma característica
marcante da evolução demográfica das três ultimas décadas. Segundo esta mesma fonte
enquanto a população do país aumentou 46% entre 1980 e 2000, a cidade da Praia que é o
maior centro urbano, registrou-se um aumento de 82%. Em São Vicente o aumento foi de
53
60% e na ilha do Sal o aumento foi de 150%. Este crescimento não diz respeito apenas ao
crescimento natural do país, mas sim devido principalmente ao êxodo rural.
Isso se explica pelo fato de que é nos três principais centros urbanos que se
concentram as melhores oportunidades de emprego e serviços tanto públicos como
privado. Com isso, a taxa de urbanização que era de 28.6% na década de 80 passou para
44% na década de 90. Em 2000, esta taxa aumentou para 53.7% e em 2002 foi de 55.1%.
O crescimento acelerado da urbanização teve conseqüências negativas para
as áreas da educação, saúde, saneamento, habitação e emprego uma vez que as infra-
estruturas sociais não acompanharam a evolução do crescimento destes centros urbanos.
Essa situação não possibilitou a inserção de todos os que se deslocaram para estas ilhas à
procura de trabalho, contribuindo assim para o aumento do índice da pobreza das famílias
e dificultando cada vez mais as suas condições de vida. O desemprego associada ao
agravamento da situação de pobreza em que se vive uma parte das famílias dos principais
centros urbanos, contribuem, como vamos mostrar no capítulo dos resultados da pesquisa,
para que as pessoas procuram no comercio informal, meios para sua sustentabilidade.
No que se refere à distribuição da população por grupo etário o Censo 2000
mostra que a população é caracterizada como uma população muito jovem. Pois, cerca de
42% da população tem menos de 14 anos de idade e mais da metade, cerca de 53.5%, tem
idade inferior a 20 anos e ainda mais de 2/3 (68%) da população tem menos de 30 anos de
idade. Este fato se constitui como um desafio para o Governo de Cabo Verde no que se
refere ao desenvolvimento de políticas de educação, formação profissional, saúde,
habitação e emprego. Cabe destacar que, a população com mais de 60 anos de idade
representa cerca de 8.6% da população total. Esta percentagem se mantém estável desde a
década de 90.
A expectativa de vida que na década de 90 era de 63 anos, em 2000 passou
54
para 71 anos, sendo que para mulheres é de 75 anos e para homens é de 67 anos. Essa
evolução se explica pelo fato de ter ocorrido uma redução da mortalidade resultante da
melhoria das condições de vida e o maior acesso da população aos serviços de saúde.
2.4. Situação Econômica
Cabo Verde é um pequeno Estado Africano que tem a particularidade
própria dos pequenos Estados, o que não pode ser ignorado na análise da sua estrutura
política, social e principalmente econômica. Pois, por ser um pequeno Estado, a sua
economia é aberta e com forte dependência do comércio e da ajuda externa, assim como
das remessas dos emigrantes que estão na diáspora. Tem algumas dificuldades em atrair
investimentos externos, e o setor público é o principal empregador num mercado de
trabalho formal limitado.
A economia do país, em virtude do clima desértico em todo o território,
ressente-se de uma carência generalizada de recursos naturais, tornando-se bastante
dependente de importações, sobretudo de produtos alimentares e bens de equipamento, e
da ajuda externa. Segundo Grassi, “a situação econômica de Cabo Verde é caracterizada
pela escassez de recursos naturais devido a sua situação geográfica e climática, que
determina uma atividade agrícola muito precária” (GRASSI, 2003, p. 108). Deste modo, a
economia Cabo-verdiana enfrenta alguns problemas e restrições que colocam algumas
dificuldades para o seu desenvolvimento.
Esses problemas são decorrentes de um conjunto de constrangimentos
estruturais como, por exemplo, a falta de recursos naturais, forte pressão da população
sobre estes meios, reduzida dimensão territorial, insularidade, descontinuidade territorial,
escassez de recursos hídricos, secas prolongadas, reduzido potencial de terra cultivável,
localização geográfica à margem das correntes principais do comercio internacional, forte
55
ritmo de crescimento demográfico, exigüidade do mercado de trabalho, pobreza, e as
heranças coloniais, que são evidentes no país.
Neste sentido, Grassi diz que a,
independência encontra a economia de Cabo Verde ancorada na estrutura
sócio-econômica herdada do modelo colonial de desenvolvimento, a qual
apresenta um profundo atraso. Na ausência de atividades produtivas do
setor público, o setor privado era essencialmente formado pela
agricultura, pesca e construção civil segundo moldes tradicionais e
obsoleto, dominando uma lógica de subsistência bloqueadora de qualquer
processo de acumulação conseqüente (GRASSI, 2003, p. 108).
Afonso compartilha da mesma opinião ao afirmar que,
no momento da independência a sociedade Cabo-verdiana continuava
com um fraco desenvolvimento das forças produtivas. Apresentava uma
economia de mercado atrasada e limitada às poucas áreas urbanas e o
predomínio de uma economia de subsistência, condicionada a evolução
social e o desenvolvimento de classes sociais (AFONSO, 2002, p. 90).
Cabe dizer ainda, que o desenvolvimento de Cabo Verde tem sido marcado,
nas ultimas décadas, por avanços e recuos resultantes da vulnerabilidade econômica do
país, da sua pobreza em termos de recursos naturais, de uma fraca base produtiva e uma
forte dependência em relação aos fluxos financeiros externos, pois o peso da ajuda pública
externa ao desenvolvimento e as remessas dos emigrantes tornam-se fundamentais para
sustentar a economia.
De acordo com o documento Programa de Cooperação (2002),
uma das fragilidades da economia Cabo-verdiana, que constitui ao
mesmo tempo um indicador da grande vulnerabilidade do país, é o seu
grau de dependência de fluxo financeiro externo volátil, designadamente
a Ajuda Pública ao Desenvolvimento e as remessas dos emigrantes. Em
conjunto, estas duas fontes de recursos externos representavam em 2001
cerca de 26% no PIB (APD 12%; Remessas 14%). Na primeira metade da
década de 90 o seu peso relativo situou-se entre 35% e 55% o que
demonstra a sua grande importância para a manutenção dos equilíbrios
nas esferas econômica e social (PROGRAMA DE COOPERAÇÃO,
2002, p. 28).
Cabo Verde tem uma superfície utilizável economicamente muito limitada e
56
sem riquezas minerais significativas. A agricultura é caracterizada pela extrema
dependência das chuvas, que são fracas e mal distribuídas no tempo e no espaço. Deste
modo, isso acaba por se tornar um grande problema do país, na medida em que a produção
agrícola, por depender basicamente das chuvas, não garante a segurança alimentar da
população.
Os recursos do mar são potencialmente importantes, mas o seu
aproveitamento ainda é pouco significativo. Os principais setores e sub-setores da
economia Cabo-verdiana são o do setor terciário, em particular o Comercio (pelo seu peso
no PIB), os Serviços Governamentais (pelo seu impacto); as Comunicações (pela sua
dinâmica); a Construção Civil (pelo seu impacto); e a Agricultura (pelo seu peso e
importância estratégica na criação de emprego, fixação das populações e redução da
pobreza) apesar de escassez das chuvas.
Ou seja,
o setor serviços, em particular o comercio, é o setor mais produtivo e
continua a ser, ainda hoje, o principal impulsionador da economia. O
comércio grossista e retalhista e a utilização dos portos e aeroportos
internacionais constituem atividades de grande importância (FERREIRA,
1998 apud GRASSI, 2003, p. 108).
Neste contexto, pode-se afirmar que o futuro da economia cabo-verdiana
encontra-se no setor de serviços, sendo o desenvolvimento dos serviços internacionais a
vertente privilegiada. Há que se destacar, o setor do turismo como a área de maior
potencial, e que pode dar uma maior contribuição para o desenvolvimento do país, uma vez
que, este é um setor que está crescendo muito em Cabo Verde devido à própria condição
geográfica e climática, que permite o seu desenvolvimento e atrai investimento externo.
A política econômica que vem sendo adotada pelo Governo de Cabo Verde
é marcada, principalmente pelas profundas mudanças na estrutura do funcionamento da
economia por causa da liberalização e privatização de importantes ramos das atividades
57
econômicas, como também a emergência de novos protagonistas.
Devido às mudanças que aconteceram na economia, em 1999 o Conselho de
Ministro aprovou um conjunto de medidas jurídicas entre eles o Decreto-Lei nº. 399, de 1
de Fevereiro, que liberaliza totalmente as importações, face ao fenômeno da crescente
globalização da economia e, particularmente, do comercio internacional. Assim, esse
instrumento jurídico vem consagrar,
o fim do processo de liberalização gradual do sistema de plafond iniciado
em 1992, abrindo desta forma novas perspectivas para os operadores
econômicos e para os consumidores e criando condições para um
funcionamento pleno das regras de sã concorrência entre os diferentes
agentes econômicos no mercado (MONTEIRO, 2001, p. 51).
Segundo INE, em 1998 o PIB per capita foi de 1.200 dólares Americanos e
em 2002 aumentou para 3.233 dólares. Segundo esta mesma fonte, o crescimento anual é
de 6%. A taxa de inflação em Cabo Verde é irregular, na medida em que em 1990 foi mais
de 10%, em 1994 caiu para 3,5%, em 1995 subiu para 8,4%, em 1997 chegou a 8%.
Apesar destas constantes variações, nos últimos anos a situação macroeconômica tem-se
caracterizado por uma baixa taxa de inflação e segundo os dados estatísticos de 2002 a taxa
de inflação foi de 4%.
No entanto, pode-se dizer que na década de 90, a economia cabo-verdiana
beneficiou-se do crescimento dos investimentos externos, sobretudo no setor bancário e no
setor hoteleiro, com a venda a grupos estrangeiros (normalmente de Portugal) de suas
principais empresas estatais e de 80% de seu sistema financeiro, bem como com o
crescente fluxo de remessas da população emigrada. Mas por outro lado, verifica-se uma
diminuição da ajuda externa por parte de alguns doadores, que, em vista do crescimento da
renda per capita no país, tendem a restringir os montantes de sua cooperação financeira.
É de realçar ainda, que Cabo Verde conseguiu passar para a comunidade
internacional a imagem de um país bem administrado politicamente, apesar de ter pouco
58
recurso. No entanto, enfrenta o desafio de persuadir seus parceiros a manter os níveis
atuais da ajuda econômica e reverter esta tendência de diminuição dos financiamentos
atualmente oferecidos.
Além da ajuda das Organizações Internacionais como o Banco Mundial,
Banco Africano para o Desenvolvimento (BAD) e a União Européia, Cabo Verde tem
mantido negociações com o FMI, visando inclusive, a reparação da dívida pública do país.
Como conseqüência do Governo do Partido Africano da Independência de
Cabo Verde, que no ano (2006) iniciou o seu segundo mandato, o país está vivendo uma
nova conjuntura econômica, determinada pela passagem de Cabo Verde para País de
Desenvolvimento Médio.
Apesar de a população Cabo-verdiana ser considerada como o principal
recurso do país, existe ainda um número considerável de analfabetos, pois cerca de 22% da
população em idade ativa é analfabeta e têm um baixo nível de qualificação técnica e
formação profissional (CENSO 2000). O analfabetismo e o baixo nível de qualificação
profissional são as duas principais causas do desemprego que atinge as famílias mais
pobres do país.
2.5. Situação Social
Uma das principais características da situação social de Cabo Verde é a
pobreza, que é de natureza fundamentalmente estrutural e se encontra articulada à
fragilidade da base produtiva e às próprias características econômicas do país. A estrutura
produtiva não consegue gerar empregos suficientes que possam absorver a mão-de-obra
disponível, que na sua maioria é pouca qualificada.
Os estudos estatísticos realizados no país apontam, o desemprego, como a
principal causa da pobreza do país, assim como a degradação do meio ambiente, provocada
59
pela escassez da água e da erosão dos solos, que se reflete na prática da agricultura de
subsistência. Apesar de esta prática constituir-se como principal meio de sobrevivência da
população, ela é incapaz de alimentar a população que depende dela.
Segundo o estudo estatístico “Perfil da Pobreza em Cabo Verde”, em 2002
residiam no país cerca de 470.687 indivíduos, distribuídos por cerca de 95.000 agregados
familiares
13
, e cada agregado corresponde a um alojamento. Destes agregados familiares
cerca de 27.000 (28%) são pobres. Dos 27.000 agregados familiares pobres, de Cabo
Verde 13.000 (14%) são muito pobres.
Segundo esta mesma fonte, residia no país cerca de 173.000 pobres, que
correspondia a 37% da população, destes pobres cerca de 89.000 eram mulheres e 84.000
eram homens. Cabe frisar que a população pobre era considerada muito jovem e tinha um
peso considerado de dependentes, ou seja, de crianças com menos de 15 anos (49%) e de
pessoas idosas com 65 anos ou mais (6%). Deste modo, dos 173.000 pobres, cerca de
84.000 tinham menos de 15 anos e cerca de 10.000 tinham 65 anos ou mais.
A falta de instrução e a falta de formação profissional também foram
consideradas como um importante fator da pobreza, uma vez que, os estudos mostram que
as maiorias das pessoas que eram pobres e desempregadas tinham um nível de instrução
muito baixo. Os dados estatísticos mostram que dos 155.000 (85%) dos pobres de idade
igual ou superior a 4 anos tinham pouca qualificação. Isso porque, dos 155.000 pobres,
37.000 não tinham instrução e 94.000 tinham apenas ensino básico.
É de realçar, que este estudo também mostra que, a população ativa do país
era de 166 mil dos quais 89 mil (54%) eram do sexo masculino e 77 mil (46%) do sexo
feminino; dos ativos, cerca de 130 mil encontravam-se empregados e 36 mil
13
Entende-se por agregado familiar, um grupo de pessoas, parentes ou não, que vivem habitualmente na
mesma casa, mantendo em comum um mesmo orçamento para a satisfação das necessidades essenciais do
agregado (INE, 2004).
60
desempregados; cerca de 1/3 da população ativa era pobre e a taxa de desemprego tinha
maior incidência na camada mais pobre da população. Isso porque, enquanto que para a
população total, o desemprego era de 22%, para os pobres, esta mesma taxa era de 33% e
para os não pobres era de 16%. O desemprego, cuja causa profunda estava articulado às
limitações estruturais da economia do país, foi um dos elementos caracterizadores da
situação social do país.
No que diz respeito à distribuição do emprego no país, podemos dizer que o
emprego se concentra nos seguintes setores: o setor primário (agricultura em sentido
amplo) absorve cerca de 24% da população empregada; o setor secundário (indústrias,
produção e distribuição de eletricidade, gás e água, construção civil) emprega cerca de
20%; o setor terciário é o principal empregador do país com 57% do total dos empregos.
Cabe dizer que este é o único setor que emprega mais mulheres do que homens.
Os ramos da atividade que asseguram maior volume de emprego no país são
os serviços governamentais, com 29 mil empregos; a agricultura, que ocupa 28 mil; o
comércio, com 22 mil e por último a construção civil com 16 mil. O emprego das mulheres
concentra-se principalmente no comércio seguido pela agricultura e serviços
governamentais.
No que refere à distribuição da pobreza por ilha, existe uma grande
disparidade entre elas. Isso mostra claramente o peso populacional que cada uma das ilhas
tem. A ilha de Santo Antão concentra cerca de 16% dos pobres do país. Esta é considerada
a ilha que tem maior índice de pobreza, tendo em conta que 54% da população desta ilha
vivem com menos de 43.250 escudos Cabo-verdianos por ano (cerca de $450 dólares
Americano que equivale a mais ou menos 963 reais).
Em Cabo Verde, a pobreza tem maior expressão no meio rural do que no
meio urbano. Cerca de 51% da população que vive no meio rural é pobre e apenas 25% da
61
população do meio urbano é considerado pobre, ou seja, dos 173 mil pobres do país 62%
se concentrava no meio rural e 38% no urbano. Segundo a mesma fonte, 10% da população
mais pobre do país tinham apenas 1% do rendimento; 70% dos agregados familiares
representavam apenas 28% da despesa per capita e os últimos 10% mais ricos da
população, representavam sozinhos, 47% da despesa total.
É de realçar que os dados mostram o alto grau de desigualdade
socioeconômica existente no país assim como o nível de concentração de rendimento e de
riqueza nas mãos de uma pequena parte da população. Isso porque, os 10% dos agregados
familiares, com maiores despesas per capita, tinham um nível de despesa 12 vezes superior
aos dos 10% mais pobres. E as despesas dos 20% mais ricos, eram 5 vezes superiores às
despesas dos 20% mais pobres. Esta realidade é parecida com a vivida no Brasil, país no
qual a desigualdade socioeconômica é gritante, o que faz com que a grande maioria da
população viva numa situação de pobreza, tendo em conta que a renda produzida não é
redistribuída, embora seja duas realidades diferentes .
Os estudos estatísticos também mostram que um dos traços mais salientes
do perfil da pobreza em Cabo Verde é a sua incidência na mulher, isso porque 44% dos
agregados familiares de Cabo Verde eram (são) chefiados por mulheres, taxa essa
considera muito elevada. Dos 44% das famílias chefiadas por mulheres 32% se situam a
baixo da linha da pobreza e 16% eram muitos pobres.
Esta realidade também aparece na pesquisa, uma vez que a maioria das
rabidantes entrevistadas apontaram a mulher, como chefe da família.
2.6. O Mercado de trabalho
De 1975, ano da independência nacional, até 1990, Cabo Verde foi
governado por um regime socialista assente numa economia de base estatal.
62
Relativamente ao mercado de trabalho, no período após a independência as
taxas de desemprego e subemprego atingiam cerca de metade da população ativa, de
acordo com os dados oficiais de I Plano de Desenvolvimento. A taxa de desemprego na
década de 1980 rondava os 24,2%, onde a mão-de-obra masculina tem um grande
predomínio sobre a mão-de-obra feminina quando se analisa o emprego no setor formal da
economia a que se referem os indicadores da época.
Embora o setor informal existisse e fosse tolerado pelo partido único, a
verdade é que este não era tido em conta nas estatísticas oficiais, sendo, portanto muito
difícil estabelecer o seu peso na economia. Tudo indica, contudo, que este setor produz um
ajustamento de desemprego, em particular no que respeita a população ativa feminina.
Durante esse período, em termos globais, foram criados mais de 30 000 empregos diretos
por parte do Estado entre empregos permanentes e empregos temporários ligados às
FAIMO
14
segundo dados de FMI.
Quanto ao emprego, nos meados dos anos 80 aos anos 90 registrou-se um
crescimento médio anual que ultrapassava o da população ativa, o que se traduziu numa
diminuição da taxa de desemprego de 28,8% nos meados de 80 para 25,9% em 1990
(PND, 2000). É interessante notar que neste período, se, por um lado, o desemprego
diminui, por outro lado o setor informal da economia evidencia um aumento, pondo em
causa a tese que associa a expansão do setor informal ao aumento do desemprego. Este é
um dado importante que leva a refletir sobre a realidade informal como uma realidade
complexa que tem várias componentes, explicações diferenciadas de acordo com as
características de cada país e de cada sociedade, como é o caso do estudo empírico sobre
14
Frentes de Alta Intensidade de Mão-de-obra – Políticas e estratégia de redução de pobreza adotada pelo
Governo de Cabo Verde. Este instrumento foi adotado após a independência (1975) para responder às
situações crônicas de insegurança alimentar que afetava o meio rural. Os trabalhos de alta intensidade de
mão-de-obra são de caráter temporário de baixo salário geralmente em projetos de infra-estruturas, incluindo
construção de estradas.
63
rabidantes, que vão além de simples esforço de sobrevivência nos períodos de crise de
desemprego, procurando uma ascensão social.
Nos meios urbanos, o desenvolvimento da atividade informal constitui a
principal saída para muitas famílias, como comprova o rápido crescimento desse setor.
Neste domínio, as mulheres desempenham um papel de relevo o que explica que a
incidência da pobreza feminina tenha melhorado ao longo da década de 90. O principio da
década conhece, no plano mundial, grandes mudanças, do ponto de vista econômico,
manifesta-se a tendência para a redução do papel do Estado na economia e defende-se a
transição para a economia de mercado, enquanto, de um ponto de vista político, a transição
é para um contexto de democracia pluripartidária.
Assim, o setor informal assume um papel importante na empregabilidade
em Cabo Verde. Um traço marcante deste setor é a ausência de contratação formal de
trabalho. Nos centros urbanos, o setor informal compõe-se de pequenas empresas privadas,
de caráter familiar, essencialmente no setor dos serviços, e empregando pessoal pouco
qualificado. Estima-se que o setor informal represente 40% do emprego total. Com maior
incidência no setor do comércio, hotelaria e restauração, isso reflete o desenvolvimento
rápido destas atividades durante os anos 90 e sugere mesmo que tenha havido um
fenômeno de transferência do emprego formal nestes setores
15
A partir daí, iniciou-se em Cabo Verde uma política de liberalização e
internacionalização da sua economia. A economia centralizada, em que o setor público era
o motor da economia, deu lugar a uma economia de mercado, onde aquele papel é
assumido pelo setor privado. Assim, o setor empresarial conheceu mudanças profundas nos
últimos anos. Por um lado, devido à nova dinâmica trazida pela liberalização da economia
15
De acordo com inquérito ao emprego de 1996. Outras estimativas referentes ao início dos anos 90
confirmam este valor (BANCO MUNDIAL, 1996).
64
e pelas medidas de apoio ao desenvolvimento do setor privado e, por outro lado, pela
reestruturação e ou privatização do setor empresarial do Estado.
No entanto, as estratégias de desenvolvimento adotadas em Cabo Verde
após a independência indicam um caminho de desenvolvimento influenciado, não só por
problemas estruturais como pelas mudanças nos equilíbrios internacionais das ultimas
décadas.
A criação de condições próprias à transição para uma economia baseada no
mercado e na iniciativa empresarial tem provocado transformações importantes em Cabo
verde desde 1991, quer nas instituições quer na sociedade.
O efeito mais evidente da estratégia de desenvolvimento adotada em Cabo
Verde parece ser o aumento do comércio de importação. A estratégia de desenvolvimento
em curso parece não ter conseguido até agora estimular nos atores locais, a mobilização de
poupanças para investimentos em atividades de exportação. Isso se justifica pelo fato de
ser um país que vive de uma forte dependência exterior, dados aos fracos recursos naturais
e recursos econômicos, ou seja, vive de uma grande parte de remessas provenientes dos
familiares residentes no exterior, nomeadamente em Portugal, Estados Unidos, Holanda e
França.
A ajuda internacional é uma questão muito importante para Cabo Verde. A
ajuda foi crucial para os progressos realizados pelo país no passado. Continuará a sê-lo
sem dúvida no futuro, se nos referirmos ao indicador de dependência que mostra que a
ajuda externa financia mais de 80% dos investimentos públicos.
A política de reformas econômicas iniciada desde 1992, e que hoje
prossegue em parceria formal com as instituições multilaterais de ajuda pública ao
desenvolvimento, nomeadamente o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial,
têm produzido efeitos benéficos na economia nacional. Após um período de abrandamento
65
em 1990/91, o crescimento econômico retomou, tendo a economia crescida a uma taxa de
5% em média entre 1991 e 1998·; o PIB per capita ultrapassou o patamar que caracteriza
os PMA
16
. A inflação retrocedeu para níveis relativamente baixos para um país em
desenvolvimento, fixando-se em 4,3% no ano de 1999.
Estes indicadores de desempenho positivo, não devem, porém, encobrir
sérios constrangimentos que condicionam a economia, decorrentes da vulnerabilidade do
país a catástrofes naturais, de insuficientes infra-estruturas, e da condição de Estado
pequeno, insular. Assim, o país continua altamente vulnerável à seca shaeliana, a qual se
fez sentir intensamente ao longo dos anos noventa, afetando de forma negativa o
comportamento da inflação, a produção, o emprego e os rendimentos rurais, e
contribuindo, deste modo, para agravar a pobreza e o êxodo rural, de acordo com o
relatório
17
sobre estratégia de saída de Cabo Verde da categoria de países menos
avançados.
País extremamente dependente das remessas de emigrantes para o equilíbrio
da sua Balança de Pagamentos e, sem recursos naturais assinaláveis, confronta-se, com um
enorme grau de dependência. A Pobreza tem vindo a aumentar devido às desigualdades de
distribuição do rendimento, apesar de certo crescimento econômico que o país registra. A
taxa de desemprego 21%
18
, condições deficientes nas infra-estruturas quer para os
transportes terrestres (estradas) e marítimos (portos) quer aéreos (aeroportos). Esses
16
Países Menos Avançados, conceito utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
para designar os países de desenvolvimento medio segundo o indice de desenvolvimento humano e ouros
indicadores sociais.
17
Relatório foi elaborado pelo Sr. Philippe Hein, consultor internacional, e pelo Sr. Adão Rocha, consultor
nacional, por conta do Governo de Cabo Verde, com o apoio técnico e financeiro do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento e um apoio substantivo do Programa Especial sobre os Países Menos
Avançados, os Países em Desenvolvimento sem Litoral e os Países em Desenvolvimento Insulares da
CNUCED.
18
Dados de Questionário Unificado de Indicadores Básicos de Bem-Estar – QUIBB-CV 2006. Consideram-
se desempregados todas as pessoas que na semana de referencia estiveram nas condições de, sem emprego, à
procura de emprego, disponíveis para trabalhar. Perante esta realidade, é evidente que o setor informal em
Cabo Verde desempenha funções importantes no plano econômico e social, permitindo a criação de emprego
(INE, 2006).
66
poderão ser apontados como constrangimentos que o mercado cabo-verdiano vem
enfrentando, apesar como citado acima, do certo desenvolvimento econômico depois das
mudanças ocorridas na década de 90.
A larga extensão do mercado informal que, permite criar emprego para parte
significativa da população ativa, representará mais de 40% do emprego. A iniciativa dos
agentes econômicos principalmente os do mercado informal permite contrapor à questão
do que poderá ser considerado setor formal do mercado em Cabo Verde, ou seja, aqueles
que estão organizados em termos de cumprimento da lei laboral e da previdência social,
devido à flexibilização do mercado de trabalho, através da reforma da legislação de
trabalho, que passou a adotar o regime de contrato de trabalho como o regime principal de
relações contratuais entre o empregador e o empregado
19
.
Segundo o Instituto das Empresas para os Mercados Externos de Portugal
(ICEP), a crescente dinâmica e exigência das relações econômicas repercutem-se,
necessariamente, no domínio do Direito de Trabalho. Deste modo, encontra-se em fase de
discussão na Assembléia Nacional, uma reforma do regime jurídico das relações de
trabalho.
As relações jurídico-laborais em Cabo Verde encontram-se, atualmente,
reguladas na Lei n.º 101/IV/93, publicada no Boletim Oficial, em 31 de Dezembro de
1993, que introduziu alterações no Decreto-Lei n.º 51-A/89, até então em vigor
20
.
Com base nestes diplomas, importa analisar o regime jurídico que se aplica
às relações de trabalho em Cabo Verde. Assim, o regime jurídico aprovado aplica-se a
todos os contratos de trabalho que devam ser executados em Cabo Verde, no âmbito das
19
Ver os ANEXOS B e C que caracterizam, respectivamente, as leis trabalhistas e de previdência social em
Cabo Verde.
20
DECRETO-LEI nº 101/IV/93, Boletim Oficial, de 31 de Dezembro de 1993.
67
empresas privadas, das cooperativas, ou das empresas e entidades públicas sujeitas ao
regime do Contrato Individual de Trabalho.
68
CAPÍTULO 3 - QUESTÕES DE GÊNERO NO CONTEXTO
CABOVERDIANO: a situação da mulher nas estatísticas.
3.1. Situação Atual da Mulher em Cabo Verde
Os registros demográficos mais recentes mostram que Cabo Verde possui
uma estrutura etária bastante jovem já que 74,9% dos residentes têm menos de 34 anos e
mais de metade são mulheres, ou seja, 53% é do gênero feminino. Os dados do Censo de
2000 dão a conhecer um país com um número considerável de mulheres jovens, com
vários filhos e chefes de família, muitas delas sem emprego. Não se trata efetivamente, do
melhor dos retratos, sobretudo atendendo ao fato de a população feminina ser a mais
afetada pela pobreza. Para além destes aspectos, é de notar que a sociedade continua a ver
a mulher com um estatuto inferior ao do homem. Atendendo aos diversos problemas que
elas têm de enfrentar nomeadamente, a pobreza, é indiscutível a sua vulnerabilidade,
mesmo quando alcançam uma posição social que permite a sua auto-suficiência. Espera-se
que a mulher se case, tenha filhos e seja orientada para a família, isto é, o seu papel social
pressupõe certa submissão ao poder masculino.
Sendo 43% das mulheres residente nas zonas urbanas e 56,3 % nas zonas
rurais, a maior parte delas até a década de 90, do século passado continuava a ser absorvida
pela agricultura, silvicultura, caça e pesca, ou seja, o chamado setor primário (24,9%),
majoritariamente confinada ao espaço doméstico, continuava a ver adiadas muitas
possibilidades de incursão em direção à arena pública – dominada pelo homem – presa que
estava a fatores de ordem social, econômica e cultural.
Durante muitos anos, antes e após a independência, foi assim, recaindo
sobre o elemento feminino o ônus e as conseqüências da instabilidade da relação
69
homem/mulher, da fuga ao cumprimento dos deveres paternais, de situações de gravidezes
precoces, num país de forte emigração masculina e onde até 1990, o índice sintético de
fecundidade era de cerca de seis filhos por casal; a taxa bruta de natalidade superior a
39/1000; a idade média de fecundidade de cerca de 29 anos. Todos esses fatores, aliados à
emigração, são tidos como concorrentes a uma fragilidade apreciável da família,
proporcionando uma situação de notável instabilidade à mulher.
No que concerne ao desemprego, as mulheres são mais afetadas do que os
homens por aquele fenômeno, não só devido à sua baixa qualificação, mas também pelo
fato de terem menos possibilidades de gerar auto-emprego, um dos aspectos que mais tem
contribuído para a redução do número de indivíduos fora do mercado laboral.
Como se vê na TABELA 3.1, registrou-se um aumento significativo do
desemprego entre as pessoas do gênero masculino que, entre 2000 e 2005 duplicou. Note-
se, todavia, que já no Censo de 2000, a taxa de desemprego entre as mulheres era duas
vezes superior à dos homens. Tal demonstra a dificuldade que a mulher cabo-verdiana tem
em ingressar no mercado de trabalho.
TABELA 3.1 – Taxa de Desemprego da População com 15 anos ou mais (%)
Taxa de Desemprego 2000 2005
Geral 17,3 24,4
Homens 10,9 21,8
Mulheres 23,7 27,2
Meio Urbano 18,6 28,2
Meio Rural 15,6 19,5
População 15-24 anos 29,7 41,0
Fonte: INE – Censo 2000 / IEFP
No entanto, a taxa de desemprego das mulheres não sofreu um aumento
idêntico ao dos homens, graças a uma maior qualificação profissional e, também, certa
preferência pelos seus labores, no domínio do turismo, um setor-chave da economia do
país.
70
Igualmente relevante, enquanto forma de ultrapassar o problema da falta de
trabalho é, sem dúvida, o comércio informal desenvolvido pelas mulheres. Trata-se de uma
atividade que ocorre em todas as ilhas, assumindo características específicas na cidade da
Praia, capital do arquipélago.
Os dados recolhidos pelo INE em 2005 revelam que, em quase todos os
níveis de formação escolar, as mulheres têm maior dificuldade em aceder a uma atividade
laboral (TABELA 3.2). A única exceção situa-se ao nível dos Cursos Médios, o que, se
explica pelo fato da maior parte das mulheres com aquele grau de formação estar colocada
na administração pública
21
, um setor bastante conservador com fraca mobilidade e,
simultaneamente, com uma segurança no emprego bastante consistente. Ora, tendo em
conta as dificuldades de incursão no mercado laboral, os indivíduos do gênero feminino
tendem a preservar mais os seus empregos, arriscando poucos investimentos profissionais
no setor privado.
21
É o caso, sobretudo, das docentes dos níveis mais baixos de ensino, onde as mulheres são em número
superior ao dos homens. Por exemplo, em 1996, eram cerca de 60% (CFR. SALÚSTIO, 1996).
71
TABELA 3.2 – Relação entre o Nível de Instrução e a Taxa de Desemprego em Cabo
Verde 2005 (segundo o gênero)
22
Nível
Instrução Gênero
Tx de
Desemprego
Mas. 21,2
Fem. 26,3
EBI
Total 23,5
Mas. 26,3
Fem. 39,9
SECUNDÁRIO
Total 32,6
Mas. 17,3
Fem. 8,2
C. MÉDIO
Total 13
Mas. 11,4
Fem. 15,4
C. SUPERIOR
Total 13
Legenda: EBI – Ensino Básico Integrado; C. Médio – Curso Médio; C. Superior – Curso Superior.
É notória que uma das áreas de penetração das mulheres, em termos de
emprego, é a administração pública, no entanto, há uma tendência para ocuparem os cargos
mais baixos, mesmo tratando-se de posições de chefia. Num estudo exploratório
23
realizado, em 2002, na ilha de São Vicente, a segunda mais importante do arquipélago,
constatou-se que a elite burocrática tinha um número considerável de indivíduos do gênero
22
Instituto Nacional de Estatística – Inquérito ao Emprego – 2005, www.ine.cv.
23
Realizado por Maria da Luz Ramos (2007).
72
feminino, no entanto, os cargos ocupados correspondiam a “chefias intermédias”, sendo
mais freqüente os homens terem posições mais elevadas.
O estudo em questão revelou, ainda, uma taxa de feminização de 40,6%, o
que significa um distanciamento de 18,8% entre os dois gêneros (TABELA 3.3).
TABELA 3.3 – Distribuição dos dirigentes pelo gênero
Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent
Valid Masculino
19 59,4 59,4 59,4
Feminino
13 40,6 40,6 100,0
Total
32 100,0 100,0
Dada a dimensão reduzida da amostra utilizada, a correlação entre as
variáveis “gênero” e “cargo que ocupa” (TABELA 3.4), não é estatisticamente
significativa, visto que, os correspondentes são majoritariamente “Diretores de Serviço”,
independentemente do gênero. Todavia, é de notar que as posições mais elevadas, como
“Diretor-Geral” e “Inspetor-Geral” são ocupadas por indivíduos do gênero masculino. Em
São Vicente, apenas o Instituto Nacional de Desenvolvimento e Pescas é que se apresenta
como uma estrutura descentralizada, enquanto os outros dois Institutos, cujos presidentes
responderam ao inquérito por questionário, correspondem a serviços desconcentrados, pelo
que a sua gestão/direção é feita, nos mesmos termos que as “chefias intermédias”.
TABELA 3.4 – Correlação entre o Gênero e o cargo ocupado pelos dirigentes
Cargo que ocupa Total
Diretor-
geral
Inspetor-
geral
Presidente de
Instituto
Público
Diretor de
Serviço Outro
Sexo Masculino 2 3 1 12 1 19
Feminino 0 0 2 11 0 13
Total 2 3 3 23 1 32
As dificuldades das mulheres conseguirem aceder a um emprego remetem-
as para a situação de pobreza extrema, com reflexos, por exemplo, ao nível da adoção de
comportamentos considerados desviantes como sejam a prostituição, o alcoolismo e a
73
toxicodependência, este último, em crescimento no país. O cenário é comum a vários
países africanos, onde a população feminina é a que mais sofre com o analfabetismo, os
conflitos armados, as doenças, calamidades e fome. Todos esses aspectos inibem a sua
participação política e cívica, dado que as necessidades básicas não são convenientemente
satisfeitas. Assim sendo, o seu peso político acaba por ser inferior ao do homem, apesar de
também terem direito de voto, mas esta não é, de longe, a única forma de participação
política. Na prática, elas têm uma intervenção reduzida na vida pública e ocupam poucos
lugares de decisão.
3.2. O “Empowerment” da Mulher Cabo-verdiana
Partindo da idéia de “empowerment” enquanto “desenvolvimento
participativo”, ou seja, a possibilidade de haver um acréscimo do poder por parte dos mais
desfavorecidos, tendo em vista uma intervenção cívica mais profícua, é possível apresentar
alguns fatores que contribuíram para um reposicionamento da mulher na sociedade cabo-
verdiana (FRIEDMAN, 1996), tornando-a mais interventiva.
Não fugindo à estrutura patriarcal, o tecido social do arquipélago mantém
toda uma organização em torno de uma divisão de papéis que passa pela idéia de funções
instrumentais atribuídas aos homens, enquanto às mulheres caberia uma função mais
emocional. Contudo, a chefia de muitos lares nas ilhas, está nas mãos das mulheres,
situação que, em muitos casos, atira-as para um ciclo inexorável de pobreza. Têm vários
filhos, são maltratadas do ponto de vista físico e psicológico, abandonadas com a sua prole,
sem qualquer tipo de apoio financeiro destinado às crianças. Nestes casos, entram em
funcionamento os processos e as redes de solidariedade graças aos quais conseguem
sustentar os filhos, enviá-los para a escola e dar-lhe um teto. No entanto, existem muitas
74
mulheres que sentem inúmeras dificuldades para ultrapassar as questões de sobrevivência,
recorrendo, por vezes, à mendicidade e à prostituição.
Aparte a situação de pobreza, na qual a mulher cabo-verdiana é
protagonista, existem outros casos em que ela ganha um lugar de destaque, mas por razões
diferentes, tornando-se um elemento ativo no processo de desenvolvimento das ilhas.
Trata-se, pois, da emigração
24
enquanto impulsionador de fortes dinâmicas sociais no
arquipélago, as quais envolvem a população do gênero feminino através da sua ascensão
vertical na estrutura hierárquica, embora tenha existido uma maior tendência para os
homens deixarem as ilhas. Quando os companheiros partem, elas ficam com a gestão do lar
na sua responsabilidade, bem como o processo de socialização dos seus filhos. Este último
aspecto não é, de todo, despiciendo se atendermos à influência que as mães têm sobre essas
crianças, com fraca ligação afetiva à figura paternal, devido ao fosso geográfico. Apesar
disso, o homem tenta manter a sua autoridade através de uma gestão familiar à distância,
tomando certas decisões consideradas importantes e com relevo para a vida futura, como
sejam a educação escolar dos jovens ou determinadas opções de caráter econômico.
Quando a mulher se transforma numa emigrante ela conquista poder social,
no sentido conferido ao empowerment, ou seja, passa a ter um papel importante e
reconhecido na determinação do percurso da família com reflexos na sociedade. Foi,
sobretudo a partir da década de 1970, que se iniciaram os fluxos migratórios envolvendo
jovens cabo-verdianas que se dirigiram para países como Itália e Portugal, onde se
transformaram em empregadas domésticas de famílias endinheiradas. Movendo-se em
ambientes da alta burguesia européia, elas adquiriram conhecimentos de lides domésticas
24
O arquipélago de Cabo Verde tem uma longa tradição migratória, cujos primeiros vestígios remontam ao
século XVII, ainda antes da abolição total da escravatura. Desde, então, o país tem visto partir os seus
cidadãos que procuram ultrapassar as dificuldades ligadas às secas prolongadas e conseqüentes períodos de
fome. Os primeiros fluxos migratórios tiveram os Estados Unidos como destino, bem como o Brasil, depois a
Europa entrou no circuito. Não se sabe ao certo quantos cabo-verdianos existem na diáspora, mas sabe-se que
são mais do que os cerca de 435 mil que residem nas ilhas.
75
sofisticadas e de culinária requintada que, mais tarde se revelariam de grande importância
para aquelas que ao regressarem ao arquipélago, criaram o seu próprio negócio.
Como se disse, essa emigração feminina originou um reposicionamento da
mulher nas estruturas de poder social. São várias as causas explicativas desse fenômeno,
dentre as quais destaca-se o aumento dos seus rendimentos que conduz a uma redefinição
dos padrões de consumo. Efetivamente, as mulheres passam a adquirir bens que, até
meados da década de 80, eram exclusivos do domínio masculino; é o caso de terrenos, e
casas; a opção de procurar melhores condições de vida fora do país é sempre visto, como
algo arrojado que envolve certa coragem, por isso, as mulheres que se aventuram na
emigração são bem vistas, não só pela comunidade, como também pela própria família
que, tendo uma idéia muito vaga dos sacrifícios a que se sujeitam, desenvolvem
expectativas em torno de alguns benefícios que possam vir a receber. O contato com
povos, aparentemente, mais evoluídos, é visto como algo que torna a mulher emigrante
mais experiente e mais “esclarecida”, conquistando um papel, quase tão importante como o
homem, de conselheira em situações de crise ou de tomada de decisões.
Graças à emigração, a mulher cabo-verdiana tem visto crescer o seu poder
social, desenvolvendo uma capacidade interventiva na sociedade civil mesmo que
discretamente e contribuindo para o crescimento econômico através das remessas de
capitais enviadas para o arquipélago, muitas vezes destinadas ao sustento dos seus filhos e
até de outros elementos da família alargada. Entende-se, no entanto, que a educação é o
fator que mais tem contribuído para esse posicionamento social das mulheres em Cabo
Verde.
76
3.3. O Papel da Educação
A educação foi reconhecida como um elemento fundamental para a
evolução de Cabo Verde, tendo surgido no âmbito da cristianização dos escravos por via
dos missionários portugueses, ainda no século XVI. A inexistência de condições para o
desenvolvimento da agricultura, bem como a falta de recursos naturais acabariam por
funcionar como impulsionadores dessa vocação escolar evidenciada por aqueles ilhéus. No
arquipélago, tal como nas outras colônias, as escolas só foram instituídas a partir do século
XIX, mas, desde o inicio originaram um forte entusiasmo.
Aparte todas as dificuldades inerentes aos sistemas de ensino, Cabo Verde
apresenta indicadores de educação acima da média dos países africanos, com 95% de
mulheres e 96% de homens a freqüentarem a escolaridade básica obrigatória.
A redução da taxa de analfabetismo tem sido bastante notória (FIGURA
3.1), situando-se atualmente nos 16,5%, segundo os dados recolhidos pelo Instituto
Nacional de Estatística de Cabo Verde, em 2005. Na comparação entre o Censo de 1990 e
o de 2000, constata-se uma redução significativa do analfabetismo das mulheres com
idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos, bem como entre os 35 e os 49 anos, como
resultado de uma intensa sensibilização para a importância da educação. Note-se que no
período em questão, a redução foi de 24,1% para 8,7%, enquanto que nos homens dos 15
aos 34 anos, a diminuição da taxa de analfabetismo passou de 13,3% para 6,5%.
77
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
%
H/M H/M H H M M
1990 2000 1990 2000 1990 2000
Evolução da Taxa de Analfabetismo (Censos de 1990 e
2000)
Total
15-34 anos
35-49 anos
50 anos ou +
FIGURA 3.1 – Evolução da taxa de Analfabetismo em Cabo Verde (Censos de 1990 e de
2000)
Fonte: Instituto Nacional de Estatística (Recenseamento Geral da População de 1990 e 2000).
No lado oposto do processo educativo, encontramos o ensino superior cujo
maior entrave prende-se com a inexistência de uma Universidade Pública no país
25
.
Habituados a assistir à partida de alguns dos seus familiares para o estrangeiro, em busca
de melhores condições de vida, os estudantes não se coibiram de se aventurarem em países
distantes para aceder a uma formação acadêmica superior. Logo a seguir à independência
de 1975, o Governo incutia nos estudantes a idéia de que essa decisão não tinha em vista
apenas os interesses pessoais, mas também o desenvolvimento do país. Imbuídos desse
espírito, rapazes e algumas moças rumavam aos países da antiga Europa de Leste e
também a Cuba, para voltarem com um diploma de curso superior. Durante o tempo fora
25
A criação oficial da Universidade de Cabo Verde foi formalizada através da resolução número 53/2000 de
24 de Agosto, no entanto, a Comissão Instaladora apenas tomou posse no dia 28 de Julho de 2004, dado que
os processos eleitorais e alguma hesitação na definição desse grupo originaram um forte atraso no seu
arranque. O primeiro ano letivo irá funcionar em 2007-2008. De referir que, na seqüência do aumento da
procura de uma formação de nível superior, surgiram em Cabo Verde, algumas instituições privadas para dar
resposta às aspirações dos jovens, designadamente o Instituto Superior de Educação, criado em 1995, o
Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar, inaugurado em 1998 tal como o Instituto Superior de
Ciências Econômicas e Empresariais. Depois de 2000 emergiram outros estabelecimento de ensino médio e
superior privados como alternativa à redução das bolsas de estudo concedidas aos estudantes para irem para o
estrangeiro.
78
do arquipélago, não adquiriam somente formação técnica, a experiência de vida moldava
as suaa personalidades e obrigava-os a adquirirem certa maturidade para lidar com as
agruras resultantes da sua integração num contexto cultural, social, etc.
Uma vez regressados, eram admitidos de imediato na administração pública
como técnicos superiores ou como chefias sem terem qualquer experiência laboral, mas
dotados de conhecimentos teóricos e uma formação acima dos restantes trabalhadores.
A falta de “quadros superiores” nas estruturas estatais acabaria por
contribuir para uma ascensão social das mulheres, feita de forma discreta, mas com
importantes conseqüências ao nível das suas ações, como resultado de um aumento da sua
capacidade de decidir, de participar e de escolher, ou seja, o seu empowerment. Neste
sentido, têm um acesso à informação a partir da qual poderão tirar vantagens, exercer os
seus direitos, responsabilizar os governantes, com resultados globais e não meramente
individuais. Também o seu nível de intervenção é mais elevado e consistente, traduzido
quer num maior interesse pelas questões políticas, como sociais e até econômicas. É certo
que ao nível partidário, os homens continuam a ter o monopólio da participação, mas as
mulheres evidenciam forte interesse e espírito de colaboração em associações,
designadamente, de solidariedade social. É através deste tipo de intervenção na sociedade
civil que as mulheres cabo-verdianas vão marcando as suas posições, contribuindo para o
processo de tomada de decisões, por parte dos governantes. Neste caso, é da salientar as
atividades desenvolvidas por grupos e comunidades locais, lideradas por mulheres que,
graças à sua organização e mobilização, fazem eco de alguns problemas que atingem em
particular os indivíduos do gênero feminino como é o caso da violência doméstica, a
pobreza e o desemprego.
Embora não se tratando de fenômeno singular no contexto africano, em
Cabo Verde, existem algumas mulheres com posições de destaque na vida política do país,
79
conquistadas graças à formação escolar adquirida. Não se tratam de recompensas por
qualquer apoio na luta pela independência, como se verifica em certos Estados do grande
continente e até no arquipélago, mas antes, o resultado de um percurso profissional que
começou exatamente com o acesso a funções de chefia na administração pública, de onde
emerge a maior parte dos membros das elites do arquipélago. Ao nível do Governo, cargos,
tradicionalmente atribuídos aos homens, mundo ocidental, estão nas mãos de elementos do
gênero feminino; são os casos do Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, da
Reforma do Estado e Defesa Nacional, bem como o Ministério das Finanças e da
Administração Pública e, ainda, o Ministério do Ambiente e da Agricultura.
De qualquer modo, até 2003, a participação das mulheres nos órgãos de
decisão continua sendo muito inferior a dos homens e a participação das mulheres nos
trabalhos não-qualificados aumenta em todos os setores.
De acordo com Grassi, (2002), a realidade em Cabo Verde continua a ser
preocupante, uma vez que, as mulheres têm, em geral, rendimentos mais baixo e menos
tempo livre do que os homens e raramente têm iguais oportunidades para desenvolverem
as sua capacidades individuais. Segundo a autora, os investimentos no capital humano
feminino resultam, tipicamente, numa maior taxa de retorno da produtividade do trabalho,
bem como ao nível da saúde dos filhos e do bem-estar da família, do que os investimentos
no capital humano masculino.
A natureza patriarcal
26
e a estrutura masculina da sociedade cabo-verdiana
contribuem para a definição de um estatuto da mulher que está longe de ser igual ao do
26
Esta apreciação poderá ter origem numa opinião sobre os homens que se forma na esfera das relações
familiares, devido à prática da “poligamia”, que origina um sentimento de abandono nas mulheres, sobretudo
em relação à responsabilidade para com os filhos. Com efeito, em Cabo Verde, são raros os homens que têm
filhos de uma só mulher e é comum entreterem relações com várias mulheres num mesmo período. Em
função desses padrões, a poligamia em Cabo Verde não pode ser comparada com outros tipos de
organizações sociais poligâmicas encontradas na África ocidental, onde os homens normalmente assumem a
responsabilidade por duas ou mais famílias. Trata-se neste caso, segundo a definição acima referida, de
poligamia estabelecida.
80
homem. Mesmo quando alcançam posições de topo, subsiste a falta de reconhecimento da
sua autoridade e, até, do seu poder. Existem conflitos e algumas dificuldades no exercício
de funções de chefia, sobretudo quando parte dos subordinados pertence ao gênero
masculino, não sendo raras as situações de ameaça física e psicológica. Quando as
mulheres estão sujeitas a hierarquias superiores, são bastante freqüentes as situações de
assédio sexual que as próprias receiam denunciar. Quer isto dizer, que existe um
enraizamento bastante profundo nos princípios dicotômicos de organização da sociedade,
na qual as decisões eram tomadas pelos homens. Todavia, as estruturas de poder já
permitem o acesso de algumas mulheres que, graças ao seu mérito profissional e escolar,
posicionam-se em lugares importantes da hierarquia social, integrando e participando
ativamente na melhoria do desenvolvimento do seu país.
A análise do setor econômico, que passa pela análise das áreas de pobreza,
trabalho e emprego, tornou evidente o peso fundamental que as mulheres têm no
desenvolvimento econômico do país e na sobrevivência da família. Neste setor está-se
muito longe de atingir a equidade de gênero e não se manifesta uma tendência para a
diminuição das desigualdades, o que suscita a necessidade de implementação de
mecanismos eletivos de promoção de igualdades de oportunidades.
A situação das mulheres perante o trabalho e o emprego justifica-se pelo
baixo nível de instrução das mulheres, conjugado com outros fatores sócio culturais entre
os quais se destaca, o fato de, por tradição, serem as mulheres as que têm maior
responsabilidade em relação aos filhos e à família.
O contributo das mulheres com o trabalho doméstico ou reprodutivo é
considerado como um papel social e não como atividade econômica, apesar dessas
atividades contribuírem de forma decisiva, para o desenvolvimento do setor público e
privado do país.
81
Esta realidade implica uma postura cultural, onde se encara o trabalho
doméstico como não produtivo e, portanto não valorizado socialmente. Esta perspectiva é
redutora e patriarcal, pois realmente tomar conta da casa e dos filhos é um contributo
fundamental para garantir o trabalho e a atividade “produtiva” do resto dos membros
produtores da família e deve ser uma atividade desenvolvida por ambos os sexos. O
trabalho doméstico contribui, decisivamente para a poupança dos rendimentos
provenientes do trabalho fora de casa, pois desta forma serviços que necessariamente
deveriam ser comprados são assegurados por esse tipo de trabalho (HAKIKI-TALAHITE,
1987).
82
CAPÍTULO 4 - O MERCADO DE SUCUPIRA E OS RABIDANTES EM
CABO VERDE
Com base nos dados extraídos das entrevistas e da aplicação da metodologia
qualitativa pretende-se neste capitulo proceder à apresentação dos resultados obtidos.
Em primeiro lugar realiza-se a análise do mercado de Sucupira e as suas
características identificadas como condicionantes das necessidades dos rabidantes de
colocar as mercadorias para serem vendidas.
Em segundo lugar, é descrito o perfil dos rabidantes e do mercado de
Sucupira em Cabo Verde. Esta secção faz a sua caracterização em termos sócio-
econômicos, a classificação por gênero, a descrição da sua dinâmica e das suas estratégias
de financiamento, compra e venda dos produtos e a identificação dos principais problemas
do setor.
4.1. O Mercado municipal de Sucupira
O mercado municipal de Sucupira
27
, na cidade da Praia ilha de Santiago, foi
inaugurado, na sua forma atual, em Maio de 1999 e é composto por 167 unidades
construídas recentemente, treze restaurantes, 48 unidades na parte mais antiga do mercado
e 20 unidades pequenas. Além desta parte mais estruturada, existem 204 bancas de
madeira, sete unidades maiores construídas por autofinanciamento e 24 módulos
construídos no ano de 2000. Nos arredores do mercado, atualmente, existem muitas
pessoas que expõem os seus produtos no chão, todos os dias.
O mercado de Sucupira formou-se quando, há cerca de catorze anos, os
vendedores do mercado da Praia (no Platô, centro da cidade da Praia) foram deslocados
27
Batizado de Sucupira em homenagem à novela brasileira “O Bem-Amado, já exibida em Cabo Verde.
83
para outro lado da cidade devido a uma disposição da Câmara Municipal que tinha o
objetivo de regulamentar o comércio de rua. Foram construídas bancas onde os
comerciantes podiam vender e os primeiros a ocupá-las foram os que já vendiam na
cidade. Consta que no princípio houve certa resistência quanto à mudança de lugar por
parte dos comerciantes, porque na altura aquela área da cidade era pouco freqüentada.
A Câmara Municipal cobra atualmente uma taxa para o aluguel dos módulos
que varia segundo o tipo de construção. Os módulos foram atribuídos de acordo com
vários critérios que beneficiavam tanto os comerciantes que tinham o maior número de
anos de atividade naquele mercado e que já haviam tido um contrato de ocupação de
bancas com a Câmara Municipal como os que pertenciam a um agregado familiar mais
numeroso. Os lugares de área mais exterior do mercado, dentro do recinto, foram
atribuídos aos comerciantes cuja atividade era mais recente.
A taxa que se paga por um espaço na Sucupira é mais elevada do que nos
outros mercados municipais, o que se justifica, na opinião da Câmara Municipal da Praia,
Ilha de Santiago, por se venderem no mercado produtos manufaturados, e, não
alimentícios.
O total das pessoas que vendem produtos manufaturados no mercado de
Sucupira é cerca de oitocentos, se incluir os vendedores a retalho, que estão localizados nas
bancas de madeira a volta do mercado. O número de rabidantes na Sucupira, que em 1986,
quando foi inaugurado, eram no máximo de cem, e aumenta de ano para ano, tendo tido
aumentos de até 20% por ano, segundo a Câmara Municipal da Praia.
4.2. Os rabidantes: caracterização
Os atores que constituem o objeto de observação são comerciantes
informais, rabidantes, do mercado de Sucupira e seus negócios. Foi escolhido um grupo
84
pequeno, que paga o aluguel para utilização de módulos no mercado. Trata-se dos
rabidantes que estão há mais tempo no mercado e que têm um nível de negocio mais
desenvolvido. Todos eles vendem produtos manufaturados e viajam várias vezes ao ano
para o estrangeiro, onde compram a mercadoria que vendem em Cabo Verde, conseguindo
assim, uma acumulação de capital. São quase todas mulheres, a maioria das quais chefes
de família. Porém, aspectos denunciam a dificuldade de as mulheres cabo-verdianas verem
reconhecida uma identidade social sem fazerem referência a um homem.
A exclusão das mulheres de várias formas de direito vem de longa data.
Mesmo para ter acesso ao voto, as mulheres tiveram que esperar mais de um século após a
Revolução Francesa (PAULILO, 2004).
O aparecimento do capitalismo segundo Saffioti (1976) se dá em condições
adversas à mulher porque a encontrou já em uma situação social tradicional de
subordinação e de desvalorização de seu trabalho, o que a tornou presa fácil dos baixos
salários, das longas jornadas e da prioridade por ocasião de dispensa de trabalhadores.
Como historicamente já vinha ela desempenhando o papel de principal responsável pela
casa e pelos filhos, o lar foi se tornando seu espaço por excelência, a ponto de a sociedade
passar a só admitir seu afastamento do papel de esposa e mãe em casos de necessidade
financeira.
Por ter que arcar com a maior parte dos ônus da reprodução, as mulheres
têm menores possibilidades de conseguir bons empregos ou ascender na carreira
profissional que seus maridos. “Não é difícil entender por que, entre os pobres do mundo,
os mais pobres são as mulheres” (PAULILO, 2004).
No entanto, pode afirmar-se que estamos perante um exemplo de atividades
econômicas que têm sido capazes de inserirem mulheres cabo-verdianas no mercado de
trabalho, mesmo que seja, neste contexto de informalidade.
85
É comum assistir todas as semanas mulheres carregadas de malas lotando a
área de embarque do aeroporto internacional de Fortaleza. Rodeadas por bagagens de todos
os tamanhos, elas provocam congestionamentos nunca vistos no referido aeroporto. Tal
movimentação é reflexo de um fenômeno recente, protagonizado por rabidantes (uma
espécie de sacoleiras) vindas de Cabo Verde. Com a abertura de uma linha aérea direta de
Cabo Verde para a capital cearense, elas passaram a cruzar o Atlântico para comprar de
tudo: calcinhas, biquínis, bijuterias, sandálias, vestidos, jeans para revender no mercado de
Sucupira (espécie camelódromo). Estima-se que, apenas no último ano, as cabo-verdianas
tenham comprado toneladas de mercadorias produzidas no Brasil e gastado milhões de
dólares.
As entrevistas mostraram que são os problemas relativos às unidades
econômicas que determinam e estruturam as suas relações sociais, político e familiares.
A maioria das mulheres, que antes de ser rabidante trabalhava já no
comércio como agentes de vendas, percebeu que poderia desenvolver uma atividade
autônoma que as beneficiariam em termos de resultados econômicos.
As entrevistas revelaram que os rabidantes têm consciência de que é
necessário saber inovar para que o comércio cresça, e isto consiste na capacidade de fazer
viagens aos lugares certos e comprar mercadoria certa. Segundo elas, é preciso conhecer
bem o mercado, como elas dizem, as modas e os desejos das pessoas e saber adaptarem-se
às circunstâncias variáveis quer do meio em que trabalha, quer no mercado mundial. Pode-
se constatar que para a maioria das entrevistadas, as maiores incertezas estão relacionadas
com altos custos de despacho da mercadoria, que acabam por determinar altos preços de
venda, bem como a concorrência chinesa uma vez que, os chineses compram produtos das
rabidantes e conseguem copiá-los e vendê-los a um preço muito menor no mercado cabo-
verdiano.
86
Para esclarecer estas questões, será apresentado o perfil dos rabidandes, a
partir de entrevistas, de visitas e observações no trabalho das comerciantes que atuam
nessa atividade. A primeira parte do roteiro compreende um grupo de perguntas que
servem para identificar as características pessoais dos entrevistados, como a idade o sexo,
o estado civil, a dimensão e a situação do agregado familiar, grau de escolaridade e numero
de filhos. Em seguida, levanto questões de forma a captar as características da atividade
informal, do funcionamento do negócio, recolha de informação sobre a questão de gênero e
das redes utilizadas pelos rabidantes.
No mercado de Sucupira, as mulheres constituem a maioria dos rabidantes.
A idade varia entre 19 anos e 60 anos, com idade media dos inquiridos na casa de 35,4
anos, casadas, pertencendo a “agregados familiares” constituída por oito a dez pessoas e
com filhos que variam entre um a oito. É de destacar que, a composição do agregado
familiar é composta por diversas pessoas da família, para além dos pais e filhos ou filhos
de outra união.
Nesses agregados familiares, as mulheres rabidantes são as chefes de
família, o que indica a existência de uma relação entre a responsabilidade feminina na
reprodução que visa a sobrevivência da família e a atividade comercial. O “tamanho médio
do agregado familiar”
28
aumentou no país, em relação ao censo de 2000, passando de 4,6
para 4,9 em 2002. O número de agregados chefiados por mulheres passou de 38,3% para
40,1% de acordo com o censo de 2002. De assinalar ainda que “a definição do termo chefe
de família, reproduz os estereótipos da sociedade sobre a estrutura familiar, pelo que no
caso de existir coabitação através do casamento ou união de fato, o homem é considerado
28
O tamanho médio do agregado familiar é a média obtida pela relação entre a população e o efetivo de
agregado familiar, ou seja, o numero de pessoas que cada agregado familiar teria, se fosse todos iguais, tendo
em conta a população e o numero de agregados familiares em referencias (INE, 2004).
87
chefe de família, mesmo que não contribua para o sustento da mesma”
29
.
A escolaridade média dos rabidantes é de 5.
a
classe. Por níveis de
escolaridade (nível escolar completo ou apenas freqüência) se pode verificar pelas
entrevistas que, a maior parte dos rabitantes possui um nível de escolaridade que pode
considerar-se baixo. Dos entrevistados, apenas uma diz nunca ter freqüentado a escola,
embora possa efetuar cálculos simples e os outros revelaram não possuírem um grau de
escolaridade elevada – o ensino superior.
O grau de instrução embora considerado baixo, no contexto geral, existe
hoje, certa democratização do acesso à educação básica e secundária, e conduziu à
equidade de gênero no que tange ao ensino básico, onde as taxas de escolarização são de
“95,9% para as mulheres e 94,3% para os homens, e a uma ligeira supremacia das
mulheres no ensino secundário geral, com taxas de escolarização de 58,8% para as
mulheres e 53,3% para os homens”
30
.
O déficit de estruturas de educação média e superior, conjugado com o
baixo nível de instrução da população em geral e em especial das mulheres, explica
maiores concentrações de mulheres na categoria de trabalhadores não qualificados, ou seja,
ficam para as mulheres os trabalhos menos qualificados.
A atividade informal praticada pelos rabidantes contribuiu para melhoria
das condições de vida dos agregados, uma vez que, todas as entrevistadas moram em casa
própria, com os filhos e o marido, sendo elas geralmente as únicas que contribuem no
orçamento familiar, ou, caso os maridos ou conjugues trabalhem, os mesmos ganham um
salário inferior à dos rabidantes.
29
ICF. Relatório do Objetivo 3 do Milênio: Promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres”,
2003.
30
Fonte GEP/MEVRH – Anuário Estatístico 2002/2003.
88
Ao serem questionados sobre a idade que tinham quando iniciaram o
negócio, as repostas variam entre 16 e 47 anos, apresentando vários motivos pelo qual
começaram a trabalhar nesse ramo de atividade, destacando o fato de não terem encontrado
trabalho para começar a ganhar dinheiro e ou mesmo o encerramento de empresas estatais,
onde vários deles trabalhavam com contrato de trabalho e segurança no emprego.
Um crescimento sustentado baseado no setor privado e na integração de
Cabo Verde na economia mundial foram os elementos utilizados na estratégia adotada nos
últimos quinze anos em Cabo Verde. O investimento privado, principalmente estrangeiro,
parece ter sido a saída encontrada para fazer com que houvesse certo crescimento,
substituindo o investimento público.
Esses indicadores de crescimento econômico em Cabo Verde na última
década não foram acompanhados de uma redução significativa do desemprego, pois, o tipo
de crescimento obtido, ao invés de contribuir para gerar empregos, está na origem de
grandes problemas sociais, em geral, e na pobreza de modo particular. Embora seja
também de evidenciar que registrou um crescimento do emprego feminino, sobretudo no
setor informal. Porém, esses indicadores econômicos não se traduziram numa diminuição
da pobreza relativa
31
.
A pobreza relativa aumentou de modo significativo em Cabo Verde ao
longo da última década. Em síntese, a análise do
perfil da pobreza revela que: a grande pobreza é sobretudo rural, embora
tenha também aumentado nas zonas urbanas; a incidência da pobreza é
maior quando o chefe de família é mulher; a pobreza aumenta com a
dimensão da família; a influência da educação na determinação da
pobreza é significativa; as ilhas de Santo Antão e Fogo,
predominantemente agrícolas, apresentam a maior incidência de pobreza;
o desemprego afeta de forma bastante mais acentuada os pobres do que
os não pobres; é entre os trabalhadores da agricultura e pescas que existe
31
A pobreza relativa ocorre quando um indivíduo ou uma família tem o mínimo necessário para subsistirem,
mas não possuem os meios necessários para viver de acordo com a área onde estão inseridos, nem com
pessoas de status social comparável.
89
maior propensão para se ser pobre (MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E
PLANEAMENTO, 2004).
No período logo após a independência deve-se realçar a importância dos
programas de emergência, dois no total, que se tornarão os instrumentos fundamentais de
política econômica, promovendo a coordenação e mobilização da importante ajuda externa
de emergência que o país recebeu até 1982. Aos programas de emergência estão associadas
as FAIMO, que, apesar da sua baixa produtividade, desempenharam um papel social no
domínio da subsistência da população e da contenção do êxodo rural.
O recurso aos trabalhos públicos de alta intensidade de mão-de-obra – as
“FAIMO” tem garantido certa segurança da população do meio rural (onde se registra
maior índice da pobreza). A pecuária de subsistência, igualmente, assume um papel
significativo nesse meio, constituindo, tradicionalmente, um fato de segurança
relativamente às crises que ocorrem na seqüência de períodos de seca.
4.3. Transições ocupacionais dos trabalhadores: do setor formal para o informal
Pode-se verificar esse fenômeno, nas respostas dadas pelos rabidantes à
questão, o que faziam antes de começar a vender no mercado de Sucupira:
[…] Trabalho aqui há quinze anos. Antes trabalhava na EMPA
32
, era
agente de vendas. Gosto do comércio, e especialmente isto na Sucupira,
porque a gente não está parada, eu gosto. Eu viajo muito, vendo roupa,
lingerie, produtos de beleza […]
É notável o número relativamente importante de antigos trabalhadores do
setor público que deixaram de ter um contrato de trabalho para ingressarem no setor
informal, como resultado da desestatização. Nesse caso, provavelmente, uma parte das
32
Empresa Pública de Abastecimento (EMPA) foi criada em 1976 para garantir o abastecimento do país,
através da importação e comercialização, em regime de monopólio, dos bens de primeira necessidade –
fechada pelo governo no final dos anos 90. Com a liberalização do comércio, nomeadamente a importação
dos bens de primeira necessidade como o arroz, açúcar, trigo e outros, a EMPA entrou num crescente
processo de decadência porque as suas estruturas, demasiado pesadas, não estão preparadas para fazerem face
à concorrência. As indenizações foram pagas pelo Estado aos trabalhadores, quando foi extinta pelo
Governo.
90
mudanças observadas em Cabo Verde, pode ser atribuída à reforma da legislação do
trabalho, que facilitou os movimentos de mão-de-obra entre os setores de atividade,
simplificando os processos de contratação e de licenciamento
33
, assim como, o processo de
demissão voluntária que ocorreu com reestruturação das empresas publicas.
Daí o desemprego aumenta a emergência de formas alternativas de
ocupações, isto é, no setor informal da economia. Nisso, surgem os denominados de novos
informais. Estes advêm do setor formal, trazendo alguma experiência profissional e
geralmente ingressam no setor informal por conta própria.
Neste contexto, pode-se referir que esses novos informais apresentam um
nível de escolaridade mais elevado, introduzem inovações nas atividades informais
tradicionais, dando uma nova roupagem à atividade ou criam novas atividades adequadas à
demanda do mundo moderno, mas que também são marcadas por vínculos precários.
Em suma, assiste-se a um cenário, composto por trabalhadores informais,
cada vez mais heterogêneos. De um lado, tem-se o ingresso de novos trabalhadores
informais com características diferenciadas dos tradicionais informais engajados em
atividades voltadas para o público. Enquanto de outro lado, observa-se a entrada de
trabalhadores provindos do setor formal, os quais em virtude das recentes transformações
foram demitidos e sofrem as conseqüências da precarização no mercado de trabalho ao
desempenharem, às vezes, as mesmas atividades de maneira informal.
Assim, a presença desses novos informais vem compondo uma nova
realidade denominada de “nova informalidade”, qual seja, uma informalidade dotada de
trabalhadores mais escolarizados e mais experientes, que canalizam seus conhecimentos
para o desempenho de atividades que garantam sua sobrevivência, principalmente no setor
de serviços. A posse de alguns atributos associados à criatividade os diferencia,
33
Ver Anexo B, sobre a legislação trabalhista.
91
beneficiando-os em meio a uma elevada concorrência e estimulando inovações contínuas.
Outra comerciante ressalta, confirmando a idéia referida acima, a entrada de
trabalhadores no setor informal vindo de empresas estatais com contratos de trabalho
formal:
Vim aqui porque queria uma coisa minha, eu posso trabalhar muito, mas
sei que o resultado é meu, não é de ninguém, eu saí da EMPA para vir
aqui. Tinha uma funcionária aqui, mas mandei embora porque não dava
jeito. Tenho agora um rapaz, que fica aqui quando eu viajo para Lisboa,
Brasil, Joanesburgo. Vou de um lado ou de outro, conforme os aviões,
também porque, por exemplo, os aviões que vão para Joanesburgo dão
mais peso do que a TAP e aí as coisas de perfumaria, por exemplo, saem
mais baratas, é um problema de mercado.
Normalmente essas mulheres viajam por diferentes países à procura de
mercadorias para atenderem às demandas do mercado. Atuam em busca do diferencial de
preços de produtos de base entre os países. Além do preço, outro fator é o estímulo a um
estilo de vida veiculado pela mídia no tocante ao consumo. O efeito do consumo gera
necessidade de produtos e este explica o aumento das atividades informais nos países em
desenvolvimento. Outro estímulo é o lucro. Eles buscam obter lucros e satisfazer as
necessidades de consumo nos mercados da costa ocidental africana, da Europa dos Estados
Unidos e do Brasil.
As inovações tecnológicas, o avanço da informática nas diferentes áreas de
conhecimento e a sofisticação dos sistemas de comunicação, expressam características
importantes de um novo cenário econômico, político e social, marcado pela expansão da
globalização.
Alguns aspectos são associados ao processo de globalização, entre eles, a
noção do mundo como sendo um todo ou ainda, como sendo um conjunto de alterações nos
padrões tradicionais de produção e comércio, nacionais e internacionais, caracterizado pela
ausência de fronteiras e taxas alfandegárias que facilitariam o comércio entre as nações
92
(PARKER, 1999), algumas dessas alterações proporcionam e contribuiem para o
crescimento da atividade informal registrada em Cabo Verde, facilitando a comunicação e
o comércio entre países.
4.4. Origem das Mercadorias
O Brasil tornou-se um dos mercados centrais na obtenção de produtos. O
rabidante vê com bons olhos a aproximação comercial com o Brasil. São atraídos pelos
produtos, pelos preços e, principalmente, pela valorização das moedas estrangeiras (Euro e
Dólar) face ao Real que, favorece quem compra com essas moedas.
Uma vez no Brasil, os rabidantes adquirem suas mercadorias em Fortaleza e
na cidade de São Paulo. Segundo elas, os melhores locais para compras em Fortaleza são:
Beco da Poeira
34
, no centro da cidade; fábricas em bairros; Mercado Central. Já em São
Paulo o predomínio é: Braz e 25 de Março.
Já comprei em Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, no centro das
cidades. Nos lugares onde falam outras línguas eu aprendi um pouco […]
aprendi um bocado de inglês e quando há alguém que não sabe falar nada
as colegas ajudam e sempre se vai em grupo, sobretudo as primeiras
vezes. Depois o cabo-verdiano é pobre, mas sempre viajou muito e está
sempre em contato com todo tipo de pessoas e línguas e daí aprende, a
maioria nunca teve problema, desenrasca-se.
A utilização das redes de comunicação, que envolve um contato já existente
no lugar de aprovisionamento das mercadorias e o aprendizado da língua, é considerada
como forma que proporcionam a ampla informação a ser compartilhada por todos,
representando os elementos principais na maneira como as comerciantes buscam
ultrapassar as dificuldades em falar outras línguas e de mobilização. As redes unem os
indivíduos organizando-os de acordo com os objetivos que eles possuem em comum.
34
Mercado popular de vendedores ambulantes, centro de Fortaleza.
93
A rede dos rabidantes “produziu a profissão de corretor de moda”. Esta se
traduz na pessoa que leva as cabo-verdianas para a maratona de compras e ganha comissão
de tudo o que elas compram em pequenas confecções de fundo de quintal, costureiras e
artesãos que trabalham sem registro no Ceará e nos mercados no centro das cidades.
Utilizam o conhecimento que o sujeito tem e informações dos lugares onde se pode
adquirir a mercadoria, o que as facilite o esquema de viagem que é pesado. Essas mulheres
enfrentam uma maratona de até doze horas de compras visitando pelo menos dez lojas por
dia.
Mas agora em Fortaleza temos os mesmos fornecedores, que nos
conhecem, temos contatos, a gente telefona e encomenda, são os
corretores, pegam a gente nos hotéis e levam-nos para os lugares de
compra.
As redes são importantes ainda no acesso às mercadorias comercializadas
pelos rabidantes, principalmente por aquelas que viajam pela primeira vez, procuram nas
mais experientes segurança e informações de onde e como comprar os produtos. Apesar de
concorrentes na venda dos produtos, a informalidade das trocas e das negociações evoca a
necessidade de proteção (segurança da mercadoria e dos vendedores e compradores), que
exige algumas estratégias coletivas de organização da atividade (LIMA e CONSERVA,
2006, p. 91).
Embora o parentesco mantenha um lugar importante nas cidades, no que diz
respeito ao acesso à força de trabalho, ao emprego, as estratégias de inserção em novas
redes sociais tornam-se dominantes e nascem novas formas de solidariedade fundadas não
só na aliança, mas também na profissão e na vizinhança. É dentro destas redes que as
mulheres procuram ter acesso ao capital e ao trabalho, pois a difícil situação econômica
exige o recurso a trabalhos fora do setor estruturado da economia. Neste contexto o
trabalho dos rabidantes mostra a importância das redes de apoio na estruturação dos
94
trajetos de aquisição da mercadoria.
4.5. Competição versus solidariedade
Normalmente viajam em pequenos grupos conforme a afinidade existente
entre elas, como destaca uma entrevistada:
Eu sinto que faço parte de um grupo, é assim, Sucupira está dividido em
grupos: todas são amigas umas das outras, mas há umas que são mais
amigas e se dividem em grupos pequenos. É um grupo grande que se
subdivide em grupinhos e são solidárias. Por exemplo, quando vou viajar
com o pessoal do meu grupo, se tiver mais e elas na altura não têm muito
dinheiro para pagar o despacho, eu ajudo, e vice-versa, ou, se elas querem
viajar mas eu ainda não vendi o suficiente para viajar, elas emprestam e
vamos e isso é sem juro nenhum, é ajuda mutua, juntamos. Depois,
quando vender, eu devolvo o dinheiro. Hoje necessito eu, amanha a outra,
e assim o grupo funciona e os negócios também. Em grupos há grande
solidariedade e acho que deveríamos organizar mais.
Refere-se às normas que promovem confiança e reciprocidade na economia,
ou seja, capital social (PUTNAM, 1993; FUKUYAMA, 1995; LIMA, 2001). É constituída
por redes, organizações civis e pela confiança compartilhada entre as pessoas, fruto de sua
própria interação social. A confiança construída por meio de redes sociais e de relações
pessoais resulta da interiorização de normas de reciprocidade. Essa confiança explicaria a
maioria das transações econômicas, as quais pressupõem o conhecimento prévio dos
parceiros e a observância de regras morais entre eles.
Para que funcione, essa forma de capital social depende, da confiabilidade
no meio social circundante, significando que essas obrigações serão pagas, o que, de fato é
a garantia que mantém essas relações. As estruturas sociais funcionam distintamente,
fazendo com que um mesmo indivíduo aja diferentemente em estruturas sociais diversas,
gerando graus de confiança desiguais e aumentando os riscos desse capital. Em outros
termos, o capital social depende da estabilidade das instituições e sua rotura, implica na
perda desse capital, com o fim das regras e normas aceitas socialmente (LIMA, 2001).
95
Essa rotura pode ser verificada quando os indivíduos que atuam nesse setor
admitem existir a competição, que não é eliminada entre os rabidantes, que às vezes
ocultam as informações sobre os mercados de aprovisionamento, que mudam conforme os
produtos e a flutuação dos preços. Segundo depoimento de uma comerciante mais jovem,
essa noção de capital social acaba por desaparecer:
Existe competição aqui […] por exemplo, a gente viaja […] há sempre
um grupo que viaja junto e às vezes a gente combina que quando chegar
vamos fazer os mesmo preços, mas depois não acontece. Existem pessoas
muito egoístas […] olha a minha tia: há dias viajou para o Brasil e não
sabia onde comprar um modelo de blusa que queria comprar, mas as
outras sabiam mas não disseram só para quando chagarem fazerem um
melhor negocio[…]
Uma vez que a “informação é considerada uma forma de capital social por
ser concernente às relações sociais, através das trocas permanentes entre os indivíduos,
provendo a base para a ação social” (LIMA, 2001).
Outra questão, onde se verifica a idéia de capital social é quando uma
entrevistada realça que:
O pessoal daqui, na Sucupira, muitos não têm níveis escolares bons e não
fazem a conta porque muitas vezes há preços que não se podem mesmo
fazer, elas não fazem a conta também porque muitas vezes não viajam
com o seu dinheiro, pedem empréstimos a pessoal aqui da Sucupira, que
empresta com juros, e muitas não conseguem pagar os juros, que são
bastante altos, e devem vender para retribuir um bocado.
A criação, manutenção e destruição do capital social dependem fortemente
de elementos tais como "closure": relações de confiança e proximidade existentes, por
exemplo, entre empresas que podem resultar em preços fixos em suas relações comerciais,
ou entre clientes de empresas que podem se organizar para boicotar preços ou produtos
(LIMA, 2001), como se pode verificar na fala do rabidante. Em alguns casos essa relação
de confiança e organização não acontece quando as redes amizade e de proximidade entre
eles são inexistentes.
96
Essa relação ou falta dela, se dá no setor econômico em Cabo Verde e é
interpretada como um segmento informal do país. Não se encontram organizadas em
termos do cumprimento das leis trabalhistas, das leis tributarias e da previdência social. No
entanto, segundo as comerciantes, elas pagam uma quantia à Câmara Municipal da Praia
pelo aluguel do espaço ocupado na venda das mercadorias e das taxas alfandegárias
referente ao despacho dos produtos.
4.6. Fenômeno da Informalidade
Nenhuma das comerciantes está inscrita nas finanças ou declaram impostos
de renda ao Ministério das Finanças e o número de trabalhadores, por não ultrapassar dois,
não efetuam descontos para previdência social.
Aqui alugo à Câmara Municipal e pago, mas não tenho registro nas
Finanças, porque a maioria dos que estão aqui não têm […] ninguém
obriga a gente […] e tenho medo mesmo de ter que pagar muito dinheiro
porque já pagamos muito, a alfândega leva muito dinheiro. A mercadoria
fica cara aqui, não porque compramos caro lá fora, mas por causa da
alfândega aqui. Mesmo assim, nunca tive problemas aqui porque compro
aquilo que posso despachar.
Aqui tem muito pessoal que trabalha há muitos mais anos que eu, desde
época colonial […] Durante o partido único, para mim acho que era
melhor, porque nesta altura pagava-se 35%, menos que agora, e depois é
muito mais caro que os 35%, acho que é muito mais, para mim acho que
ficou pior do que noutra época. Ficou-se a pagar o despacho muito mais
que durante o partido único para nós então é pior.
Apontam as contribuições fiscais e aduaneiras como sendo excessivamente
elevadas, que, no entanto não exige das comerciantes rabidantes notas fiscais, que
supostamente teriam adquiridos a quanto da aquisição dos produtos para os quais elas
pagam as taxas alfandegárias.
Em Cabo Verde, é difícil definir o que é formal e o informal. Porém, pode-
se considerar o setor formal da economia, aquele que está de acordo, com a legislação
97
tributária e laboral, com a previdência social
35
, ou seja, condições que descrevem um
contrato de trabalho. Porém, em Cabo Verde a maioria dos trabalhadores não possui esses
benefícios. Outra limitação em relação a este conceito, “informalidade” é os escassos
dados quantitativos sobre a realidade informal em Cabo Verde, existindo somente um
inquérito do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional). Segundo Grassi (2004),
pode-se considerar extremamente insuficiente e limitada a análise do setor informal feita
pelo inquérito IEFP em 1997, analise esta que nada esclarece sobre características sócio-
culturais dos trabalhadores atores desta realidade.
4.7. Mobilidade Social: sucesso no negócio
O setor informal é constituído na sua maioria por comércio de natureza
familiar, criadas a partir de agrupamentos de jovens mulheres e de jovens desempregados.
Mas existe uma parte da população ativa, que busca no setor informal da economia,
rendimentos superiores aos que obtêm no setor formal. Existem casos de rabidantes bem
sucedidos e que, através dessa atividade conseguiram melhorar a qualidade de vida, como
mostra o depoimento abaixo transcrito:
Tenho 40 anos, tenho dois filhos, estou casada, somos quatro. Este
negócio aqui é fundamental para minha família. O meu marido é
empregado comercial, trabalha numa loja, mas ganha muito pouco, o que
conta é o que eu faço. Na minha casa eu tomo as decisões e o meu marido
está de acordo, mas também ele decide e eu concordo, nunca decidimos
em contrário. Se eu ficar doente, fica a empregada, ou os meus filhos
ajudam, o meu marido não tem jeito, a minha filha é que tem mais. O
meu marido, quando não estou, faz as contas […] toda gente ajuda […] A
minha filha tem 20 anos e meu filho 18 anos. A minha filha agora vai
para a universidade e o meu filho vai o ano que vem. Ela vai para o
Brasil, para ciências políticas ou relações internacionais, eu vou ficar só
com o meu marido para o ano e vou continuar na mesma com as minhas
viagens. O último ano devo ter feito 12 viagens, mas diminuiu muito
porque as vendas estão baixas e o dólar baixou também, e por isso já faz
tempo que não viajo, as vendas melhoram no período de natal, Janeiro
ainda vende bem por causa das festas de natal e fim de ano. Rabidante na
35
De acordo com a caracterização feita nos Anexos A e B sobre a Legislação Trabalhista e Previdência
Social.
98
Sucupira já ganhou muito dinheiro porque, quando estamos lá fora, por
exemplo, no Brasil, no tempo do cruzeiro a gente ia, lá comprava muita
coisa, chegava aqui o despacho era bem barato, foi aí que se estabilizou a
vida, porque, se começasse agora o meu negocio, acho que não dava,
agora precisa muita cabeça para conseguir ganhar o suficiente lá fora
também, agora as coisas são muito mais difíceis, o pessoal que tem mais
estabilidade foi o pessoal que foi há muito tempo e conseguiu arranjar um
bom capital, acumular, se fosse hoje, nem pensar, agora precisa usar
muita cabeça.
Esse é um caso típico de mobilidade social conseguido pelo rabidante. Estas
atividades lhes permitem compensar a falta de benefícios materiais e assegurar o futuro de
seus filhos.
Os rabidantes utilizam estrategicamente o lucro, reinvestindo-o na educação
dos membros mais novos do agregado familiar, estimulando a mobilidade social. A
preocupação com a escolarização dos filhos parece também, constituir a principal
motivação impulsionadora da atividade econômica.
Num outro caso, a atividade de comerciante teve inicio devido à
necessidade de sobrevivência do agregado familiar. Esta mulher explica que os
rendimentos do seu trabalho dependem das viajem ao estrangeiro e que compra
principalmente no Brasil e em Portugal. O nível do seu negocio é tal que lhe permitiu
comprar um prédio com quatro apartamentos. Está-se aqui perante um exemplo da
atividade de rabidante que teve como resultado a obtenção de rendimentos suficientes para
garantir a acumulação de capital, conseqüentemente a melhoria das condições de vida do
rabidante e da sua família. Veremos alguns exemplos:
O meu negocio vai razoavelmente, tenho a minha velhice garantida.
Comprei o meu prédio, alugo os apartamentos. Num deles eu vivo com os
meus filhos e a minha sobrinha que me ajuda aqui. O meu filho quer ser
piloto e a minha filha gostaria de ser jornalista. Eu estou bem contente
porque gostaria que os meus filhos tivessem uma vida diferente que estar
aqui.
Do conjunto das entrevistas que foram recolhidas, sobressaem algumas
considerações de caráter geral, que dizem respeito ao que a atividade dos rabidantes tem
99
sobre as condições de vida do rabidante e do seu agregado familiar. Não há duvidas de que
a atividade neste contexto tem como conseqüência, em tempos mais ou menos breves, a
melhoria das condições de vida do rabidante e da sua família, permitindo, não só o acesso
à educação dos membros do agregado em idade escolar, como também gera oportunidades
de trabalho para os membros do agregado que se encontra desempregados.
Em relação à gestão da sua atividade, as entrevistadas apontam algumas
questões importantes para aumentar as vendas, como a necessidade de gerir
convenientemente a mercadoria, de maneira não fazer stocks: “[…] É dinheiro parado,
prefiro ganhar 100 numa semana que 300 em três meses e ficar com a mercadoria […],
para poder viajar e trazer a moda, logo, as novidades”.
Essa particularidade da atividade dos rabidantes é ressaltada pela
importância da capacidade do comerciante de “saber fazer” o necessário para repetir o ato
produtivo: é do saber fazer, que resulte o autofinanciamento do negócio. Muitas vezes,
nestas atividades, o ato produtivo está ligado à compra das mercadorias de acordo com a
tendência e gosto dos clientes e da sociedade cabo-verdiana em geral, que são aleatórias e a
qualidade dos produtos, que são vendidos no mercado. De fato, uma das entrevistadas
refere:
O segredo está naquilo que se compra. Para mim foi isso, porque, nunca
gosto viajar com um grupo de muita gente ou vender coisas que não
prestam, a qualidade aí é o segredo eu prefiro vender uma coisa que
ninguém tem porque aí ponho o preço que eu quero e não tenho
concorrência com ninguém, sempre dá. Eu venho, faço as minhas contas,
já tirei o dinheiro que gastei, já tirei meu lucro e o resto vou acumulando.
Segundo elas, quem não leva em conta essas questões, não consegue
acompanhar o ritmo da competição existente no mercado de Sucupira. O exemplo citado
por outra rabidante, mostra como é importante saber o que comprar aonde comprar e ter
poder de compra nos mercados de aprovisionamento. Segue-se o depoimento:
100
Há também muitas que começaram há muito tempo, mas nunca
conseguiram ter bom poder de compra […] são, sobretudo aquelas que
vão para países africanos, e quando chegam aqui não têm preço que
fazem ganhar […] Às vezes vendem por um preço inferior ao da compra,
também muitas que têm pouco dinheiro, fazem empréstimo para ir lá e
pagam um valor muito alto para o despacho e assim ficam ainda sem
conseguir tirar o lucro. A mercadoria destes países não tem muito valor
aqui, por exemplo, um produto que vem do Brasil e uma que vem do
Senegal […] o valor do despacho é igual, mas consigo vender o que vem
do Brasil por um preço muito superior, porque a qualidade é melhor.
De acordo com os rabidantes, a preferência dos cabo-verdianos pelos
produtos brasileiros também impulsiona de certa maneira as vendas, produtos como:
lingeries bijuterias, calça jeans, roupa infantil, sapatos de couro, sandália havaiana, moda
praia, produtos para cabelo, perfumes, esmaltes e artesanatos. É notória a capacidade e as
estratégias utilizadas por essas mulheres, rabidantes, no exercício comercial de comprar
onde for vantajoso, para posteriormente revender no mercado de Sucupira no arquipélago
de Cabo Verde.
Segundo os rabidantes, comprar nos mercados africanos como Senegal,
Gâmbia entre outros, torna-se inviável para o negócio, uma vez que esses produtos são
ligados à falsificação e de qualidade duvidosa. Portanto, a preocupação aonde comprar e
atender às preferências da população são também recursos utilizados pelos rabidantes na
maximização do sucesso do negócio.
Há mais um aspecto que parece importante. Ao considerar uma conversa
informal sobre o andamento dos negócios e ao relacionar as informações com a ausência
quase geral de regras de gestão elementares, como a utilização de uma contabilidade
ordenada, surgem questões sobre a utilidade da contabilidade neste contexto para o
funcionamento do negócio e do seu sucesso. Uma das comerciantes salienta:
[…] eu nunca soube quanto dinheiro preciso por mês e quanto ganho. Eu
não controlo, não, eu não controlo […] isto agora […] nunca fiz contas!
Vou juntando o meu dinheiro e quando der para mais uma viajem,
considerando o ganho para mim, eu vou e volto. Não tenho contas, nunca
senti a necessidade.
101
Por outro lado, o fundamental para estas atividades parece ser a procura dos
recursos financeiros de que carecem, o que torna imprescindível a resolução do problema
de acesso ao crédito e é facilitado quando na família existe alguma mulher rabidante, que
dá a ajuda inicial e passa a experiência na atividade rabidante. A este propósito, uma
jovem comerciante, é um exemplo de como se transmite entre mulheres a experiência da
atividade de rabidante:
[…] Normalmente aqui são só mulheres. Os maridos trabalham de outra
parte e as mulheres vêm aqui a trabalhar […] mas há também muitas que
não têm maridos e que vivem juntas com o pai […] A minha mãe é
rabidante, eu gosto muito e ela me deu uma experiência e eu gosto muito.
Comecei com 7 anos de idade aqui na Sucupira com a minha mãe, agora
tenho uma unidade por minha conta, viajo, vou e venho, depois faço
contas de meu negócio.
4.8. Novos fenômenos de concorrência: a diáspora chinesa
Inquiridos sobre os problemas maiores na criação e desenvolvimento dos
negócios, as comerciantes apontam, primordialmente, a falta de mercado e a falta de
capital inicial e de expansão como sendo os principais fatores constrangedores das
atividades rabidante.
Acusam igualmente a falta de apoio do Estado e melhores condições de
trabalho como fatores inibidores da criação e desenvolvimento dos negócios. No entanto, a
concorrência “desleal” é vista como um problema maior. A concorrência das lojas
comerciais chinesas é apontada como responsável pelo seu atual fraco desempenho:
[…] E depois aqui tem muitos chineses e estragaram muito. Por exemplo,
uma vez a gente trazia sacos de cinco quilos com bijuteria, mas agora não
convém, porque os chineses vendem este tipo de mercadoria a preços
muito baixos […]. Eu não sei como é que eles fazem estes preços, eu já vi
muitos chineses a pagarem despachos na alfândega, mas diz-se que eles
não pagam. Mas também, se pagam, é assim, eu trago uma coisa e ponho
um valor muito baixo, a alfândega não aceita e não aceita mesmo; para
eles, o valor que eles colocarem no cartão é sempre aceita e assim há
muita coisa que se deixou de vender na Sucupira porque os chineses não
deixam a gente vender, não dá mesmo. Eu acredito que eles pagam
alguma coisa, mas ao preço deles, o que põem na fatura é um preço muito
102
baixinho, mas eles despacham sempre tudo e as coisas são de má
qualidade.
Os comerciantes chineses abriram as lojas, um pouco por todo país. Vendem
os seus produtos segundo os rabidantes “por preços inferiores ao do mercado, sendo que
essas são mercadorias de péssima qualidade”.
[…] Ás vezes há muitos, muitos chineses trazem muito negócio e não
pagam despacho e vendem muito barato […] hoje não vendi quase nada,
eles vendem muito barato e prejudicam as rabidantes […] o governo
deveria pensar nisso porque, quando os chineses não pagam e nós
pagamos, nós vamos ficar com prejuízo.
Cabo Verde, nos últimos anos, tornou-se o destino de considerável número
de imigrantes chineses que se dedicam ao comercio geral e em moldes comuns a outros
países no mundo, que se caracteriza pela venda de mercadoria de baixo custo e de baixa
qualidade. De acordo com os entrevistados, os chineses têm facilidades nas alfândegas para
o despacho e importação da mercadoria em relação aos rabidantes.
Aqui o negocio está sempre a piorar, e não só em alfândegas, mas com os
chineses (…) eles não pagam o despacho. Vendem mais barato e, se eles
começarem a melhorar a qualidade, para nós é mau.
Outro informante salienta ainda o fato dizendo que:
(…) o governo chinês e o governo de Cabo Verde têm um acordo para
permitir aos chineses que querem sair para fazer comércio aqui em Cabo
Verde, e há seis ou sete anos que os chineses chegaram aqui e estragam o
negocio todo porque fazem uma concorrência com uma mercadoria de
baixo preço e péssima qualidade, mas, como aqui o poder de compra é
muito baixo, evidentemente, a maioria das pessoas compra aos chineses
agora. Até as vendedoras ambulantes que costumavam comprar a grosso
nos rabidantes que viajam para fora agora compram nos chineses.
Estes são alguns exemplos, mas é bom realçar que no total das entrevistas
não houve ninguém que não se referisse com preocupação a este problema atual de
concorrência.
Isso advém da crescente predominância no comercio mundial dos países
como China, outros países asiáticos e Índia, inviabilizando as vantagens comparativas de
103
Cabo Verde que importa praticamente tudo o que consome e também em termos de custos
de mão-de-obra na indústria têxtil, confecções e calçados para produtos de massa, o que
reduz o preço dos seus produtos.
O comércio chinês está a modificar o mercado informal em Cabo Verde,
tornando-se certos casos, uma “ameaça” para os concorrentes cabo-verdianos. Nas cidades
da Praia e do Mindelo, várias lojas abriram falência para, nos seus lugares, surgirem
bazares chineses. Na disputa dos locais localizados nos pontos estratégicos, os chineses
acabam por pagar alugueis altos. Em certos casos, chegam a alugar armazéns ou lojas por
altos valores mensais, um verdadeiro “negócio de China” para os proprietários.
A táctica dos chineses resume-se à aplicação de preços baixos, para
produtos como vestuários, sapatos, utensílios domésticos, aparelhagens sonoras, mobiliário
e bijuterias. “Um comerciante chinês não se importa de ganhar um escudo num produto,
desde que tenha um escudo de lucro”. Como diz, o importante é ter capital sempre
disponível para comprar novos produtos.
De uma forma geral, os rabidantes sentem-se desencantados com a
Alfândega, pela taxa aduaneiras que dizem lhes ser aplicada, injustamente:
“Abri uma barraca de venda de Chinelas nos anos 90, aqui no Sucupira e
pago, mensalmente, à Câmara Municipal da Praia. Estou chateada com a
Alfândega que me aplica, para além daquilo que pago à Câmara da Praia,
uma taxa de despacho normal (variável) e mais 35% do valor global da
mercadoria. É muito oneroso e esta situação não nos permite concorrer
com os comerciantes chineses, em pé de igualdade”.
Outro rabidante entrevistado que, desde dos anos 80, vende roupa já
confeccionada e diversos, num módulo instalado no Sucupira:
“Pago taxas excessivas à Alfândega. O Governo, ademais, tem facilitado
a concorrência desleal, sobretudo dos chineses, cujos preços de venda dos
produtos são extremamente baixos. Além da taxa de despachos, pago à
Câmara Municipal da Praia um aluguer mensal pelo aluguer da loja.
Queremos que se faça justiça porque, nesse sentido, estamos desiludidos.
A Alfândega não nos respeita”.
104
É, pois, neste ambiente concorrencial, que se inserem os chineses,
beneficiadores, ao mesmo tempo, do estatuto de importadores (comércio geral) e de
retalhistas. Os produtos chineses, trazidos para Cabo Verde, são considerados, via regra, de
“baixo custo e sem qualidade”. A eles têm acesso, sobretudo, as pessoas com fraco
rendimento, posicionadas no escalão inferior do sistema de estratificação social.
4.9. Problemas e dificuldades da unidade econômica rabidantes
Em relação ao acesso ao crédito e à regulamentação do comércio dos
rabidantes por parte do Estado, é elucidativa a maneira como a entrevistada fala, “[…] Se
nós tivermos problemas, o Estado não resolve, temos que fazer entre nós aqui na Sucupira,
entre nós mulheres […]”
Esta opinião realça uma auto-identificação com o grupo de mulheres
comerciantes de Sucupira, contrapondo-se elas, as mulheres ao Estado. Segundo ela,
emprestar capital aos rabidantes permitiria dar um passo em frente no sentido do
desenvolvimento e da eliminação da pobreza. Entre as entrevistadas há uma percentagem
significativa de mulheres que aprenderam a fazer negócio com mulheres da sua família. E
são redes familiares de apoio que permitem comprar no estrangeiro a mercadoria. Neste
contexto, a capacidade para obter financiamento depende de ligações familiares do que da
disponibilidade dos bancos em conceder o empréstimo:
[…] Seria bom para nós que regularizassem os nossos negócios porque,
por exemplo, na historia do banco que não empresta dinheiro se podia
fazer um acordo com o Estado para os bancos emprestarem dinheiro e há
muita gente aqui na Praia principalmente que não produz nada, só
empresta dinheiro com juros altos e faz mais dinheiro sem produzir nada.
Elas pagam 20%, é o Estado que deveria fazer empréstimos através dos
bancos porque, se eu, o meu dinheiro, o movimento aí, então preciso […]
se ele usa o meu dinheiro, porque é que eu não posso usar o dinheiro do
banco? Mas acho que o banco tem razão porque o Estado nunca fez nada
por nós, o meu negócio não é oficial, não é nada, como é que o banco vai
acreditar em mim para me emprestar dinheiro? É, portanto, se o Estado
legalizasse o nosso negócio, dava mais crédito e o Estado conosco
105
ganha muito dinheiro na alfândega, com o nosso negócio. Eu tinha aqui
uma moça e pagava-lhe 12 mil escudos para ela, era menos um encargo
para o Estado, o outro que tenho agora também ganha 12 mil escudos e já
tem o emprego dele, não precisa pedir trabalho ao Estado e muita gente
aqui faz isso. O Estado tem que perceber que nós damos emprego,
portanto não é uma coisa que o Estado tinha que levar na brincadeira.
Mas rabidante não é respeitada, eu nunca entendi isso, ele faz as coisas
como o aumento do despacho [….] eu acho que ele devia informar as
pessoas se vão aumentar ou não, pedir a nossa opinião, mas nunca nos
levam em conta. Acho que há muitos empresários do mercado informal
que são piores que nós e vai lá queixar que na Sucupira faz-se preços
mais baratos, não pagam finanças, não paga nada, então aumenta o
despacho porque os outros se queixam.
Uma das maiores preocupações salientadas por estes rabidantes prende-se
com a necessidade de um maior apoio por parte do Estado, cuja intervenção elas
consideram indispensável para resolução dos problemas com que são confrontados:
Acho bom que houvesse uma representação nas reuniões lá dos
comerciantes e empresários para representar o comércio informal da
Sucupira, junto ao governo. Porque para o governo nós não existimos e o
governo disse que ia exigir que nós pagássemos as finanças. Como é que
eu vou pagar as finanças se o governo a mim nunca me ligou nada? Era
muito melhor para mim pagar impostos ao governo, mas que ele
reconhecesse e legalizasse o meu negócio e se pudesse conversar sobre as
coisas que são importantes para nós e assim, se tivesse problemas, saberia
a quem recorrer.
O apoio do Estado deveria consistir, em sua opinião, sobretudo em facilitar
o acesso ao crédito, que é atualmente negado por parte dos Bancos e que impede a maioria
dos rabidantes de sair da situação em que está, o que seria possível com o acesso a um
capital inicial.
Nas entrevistas, verifica-se que a maioria dos rabidantes financia os seus
negócios com recursos próprios, enquanto uma pequena parcela recorre ao endividamento
para iniciar a atividade.
O apoio da família em Cabo Verde e/ou no exterior, assim como o crédito
bancário funciona como as principais vias de financiamento externo. Apontam-se, como
principais fatores que dificultam ou dificultaram o acesso ou a obtenção do empréstimo
106
para o negócio, em primeiro lugar, o receio dos Bancos em conceder esse empréstimo, em
segundo lugar, as taxas de juros, consideradas elevadas.
O micro-crédito é apontado como uma fonte que vem ganhando expressão.
O acesso ao crédito, ainda é um problema delegado ás ONGs que exercem atividades no
país, caso da Associação de Apoio à Autopromoção da Mulher no Desenvolvimento
(MORABI)
36
.
Neste quadro, a finalidade não é só apoiar a promoção das atividades
geradoras de emprego e rendimento, como também para o aumento do nível de instrução,
informação e qualificação profissional da mulher.
Esse acesso ao credito aparece para as mulheres rabidantes através das
atividades de Micro-Crédito da MORABI que enquadra no programa de promoção sócio
econômica da mulher. O micro-credito trata-se da mobilização de alguns fundos para o
financiamento de algumas atividades desenvolvidas pelas mulheres, sobretudo no
comércio. Este programa de micro-credito da MORABI é financiado com fundos
resultantes de subvenções locais e de diversas instituições nacionais e internacionais.
Segundo dados da MORABI, foi assinado um contrato de financiamento em
2004 no valor de 5000 contos com um dos seus parceiros a ACDI/VOCA, sendo que 2000
contos destinados ao reforço do fundo para concessão de empréstimos as rabidantes.
37
Um estudo recente sobre o setor informal e o micro crédito confirma os
dados do Censo da População de 2000. Das atividades informais, financiadas pelo micro
credito, o ramo de negócio predominante é o pequeno comércio (86,4%), seguido da
Agricultura (7,9%), a transformação (4.8%) e os serviços (2.20%). Em ultimo lugar situa-
36
A MORABI foi fundada em 1991 tendo como objetivo fundamental apoiar a inserção e a melhoria da
posição social das mulheres cabo-verdianas e promover a sua participação no processo de desenvolvimento
econômico, social e político das suas comunidades e do País, de modo a melhorar as condições de vida das
mesmas e das famílias, assim como, propiciar a igualdade de oportunidade entre gêneros na sociedade.
37
Dados do relatório balanço 2000/2007 – MORABI (2007).
107
se a pesca (0,5%). Estas atividades abrangem fundamentalmente o sexo feminino – “10,6%
masculino, contra 89,4 % feminino
38
.
No entanto, segundo outra comerciante, alguns conseguem empréstimos nos
Bancos, através de fiadores ou de familiares e ainda ressalta os empréstimos feito junto as
ONGs através de programas de microcréditos:
Quanto ao dinheiro, eu nunca pedi empréstimos. O banco não dá, não sei
se o banco não acredita, embora sejamos clientes do banco. Há muito
pessoal que faz empréstimo no microcrédito. Há também quem faça
empréstimo na Caixa Econômica, mas eu não gosto, quando trabalhava
na EMPA sempre fazia o meu próprio negocio vendendo doces e outras
coisas […] quando saí da EMPA tinha dinheiro, e depois com a
indenização comecei o negocio na Sucupira, eu não gosto de pedir
empréstimo. Por isso nunca vou fazer empréstimo e vou continuar a
trabalhar com a cabeça para nunca pedir. A minha filha vai agora para a
universidade, eu é que vou pagar os estudos da minha filha, ela não tem
bolsa, e acho que vai dar para isso.
Estas questões oferecem importantes dicas de reflexão e sugerem aspectos
interessantes, como, a necessidade sentida pelas mulheres, de resolverem o problema de
sobrevivência do próprio agregado familiar, a consciência da responsabilidade das
mulheres em relação aos filhos e à reprodução do capital social dentro do agregado e na
comunidade.
4.10. Mudanças e permanências nos papéis de gênero
Quando estamos perante uma mulher jovem que devido à necessidade de
trabalhar não concluiu o liceu, apesar de exprimir o desejo de fazer um curso superior,
essas questões são diferentes. Ela tem a vontade de ir para Portugal que está ligado às
questões familiares, o fato de a mãe viver em Portugal e ela se sentir sozinha. Segundo ela
diz, aprendeu a fazer esse trabalho por necessidade e porque não tinha alternativa.
38
Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE, 2000).
108
Este caso é interessante porque parece indicar uma mudança em curso nos
papeis de gênero que se confirmou em outras entrevistas. Com 26 anos, esta mulher ainda
não tinha filhos, o que no contexto é bastante raro e não tencionava casar, mas resolver a
sua própria vida fora do país para poder voltar à sua terra com um mínimo de estabilidade.
Esta é uma atitude comum a outros jovens que manifestam vontade de se distanciarem do
papel de mãe e esposa, socialmente construído e dignificado pela sociedade cabo-verdiana.
Este tipo de mudança de atitudes, que nasce com a consciência das praticas
discriminatórias de gênero, está mais presente nas mulheres com graus de escolarização
maior.
De acordo com as suas próprias palavras:
Aqui estou com mulheres, são mulheres, por causa do emprego, não
temos nada para fazer, não podemos trabalhar para as empresas, mas
também as mulheres têm mais jeito para o comercio, um homem fica
aqui, aparece um amigo, vão beber alguma coisa e deixa tudo nas mãos
dos outros. Aqui eu trabalho com a minha tia, desde que a minha mãe
viajou, depois que larguei a escola passei a ajudar a tia. Adaptei-me a este
lugar, mas se aparecer outra coisa, eu vou fazer. É muito difícil conseguir
trabalho em Cabo verde, muito mais para as mulheres, os homens podem
trabalhar na construção civil.
A atividade dos rabidantes, no contexto observado, parece ser mesmo um
assunto feminino. As entrevistas confirmam que, quando no agregado familiar existem
homens e mulheres desempregados, são as mulheres que exploram a possibilidade de
trabalho neste setor. Por outro lado, é evidente que o espírito de iniciativa que leva as
mulheres a aproveitarem as oportunidades deste setor da economia, é conseqüência e
justifica-se, em larga medida, pela existência de desigualdades de acesso ao mercado de
trabalho formal.
Portanto, neste contexto, parece que as mulheres têm consciência da sua
condição de descriminada no acesso ao mercado de trabalho:
109
Aqui os comerciantes são quase todas mulheres, os homens encontram
trabalho lá fora, eu fiz 2.o ano e o que posso fazer? A minha mãe dizia
que eu não tinha jeito para estudar, mas o meu irmão não tinha jeito, mas
fez a 6a classe. A mulher não tem trabalho e aprendeu a fazer negócios.
Como se referiu anteriormente, o desemprego em Cabo Verde afeta mais as
mulheres do que os homens e as mulheres têm, em geral, uma menor taxa de escolaridade.
Apesar disso, também existe a dificuldade de conciliar o papel reprodutivo com o papel
produtivo que, exclui à partida, as mulheres de certos tipos de trabalho considerados
tradicionalmente masculinos.
Na verdade, os entrevistados atribuem esta “diferença de gênero” a várias
razões, entre as quais as mais comuns são chamadas de falta de jeito dos “homens perante
os negócios” e a falta de responsabilidade que os homens supostamente teriam a fazer
negócios:
[…] as mulheres em Cabo Verde são mais adaptadas para o negócio […]
há poucos homens, mas não fazem negocio porque gastam logo tudo que
recebem […] para o homem é melhor trabalhar noutro setor.
[…] fazer de rabidante o homem não sabe, isto é com mulheres.
Noutros casos sublinha-se a importância de experiência e da capacidade de
gestão de conflitos que os homens não teriam: “Os homens não gostam de vender aqui, há
muita competição entra nós […] tem que se saber como negociar toda esta competição”.
Nota-se nas conversas com as comerciantes, que elas remetem essa questão
para um plano quase que natural o que se faz pensar na construção social de uma diferença
de gênero que, neste caso, se manifesta na área produtiva. Parece estar-se perante mais um
papel de gênero socialmente construído: ser rabidante e atuar no setor informal na
Sucupira é um trabalho de mulher.
No entanto, a saída da mulher da esfera privada para entrar no setor
produtivo favorece a tendência de emancipação delas e é, sobretudo fora de esfera privada,
110
que se formam as identidades de gênero capazes de criarem um espaço de renegociação da
tradicional dominação masculina. Este contexto parece evidenciar uma mudança em curso
nos papeis de gênero, o que, por sua vez, altera a divisão sexual do trabalho, cujo efeito
mais importante é o acréscimo de poder das mulheres rabidantes.
Neste sentido, merecem menção, as transformações da família que estão
relacionadas aos novos papéis que a mulher vem assumindo na sociedade e à mudança de
expectativas em relação a ela. Estas mudanças têm a ver com as posições conquistadas pela
mulher no mercado de trabalho e com as oportunidades crescentes de absorção, apesar da
sexualização das ocupações, ou seja, a atividade da mulher no mercado de trabalho
permanece concentrada em determinadas atividades e setores (BRUSCHINI, 1994, apud
MONTALI, 2000).
No caso de Cabo Verde pode-se afirmar, que o poder institucionalizado e
público é majoritariamente masculino. O trabalho dos rabidantes mostra como a entrada
no mundo de trabalho, favorece as mulheres, dotando-as de independência econômica e
liberdade, o que lhes confere um acréscimo de poder e promove mudanças na sua posição
no seio da sociedade e nos papeis de gênero, no que diz respeito à posição de provedor do
lar, embora em alguns casos os homens continuem reproduzindo esse papel. Isso ocorre,
devido ao padrão de família culturalmente aceite na sociedade que é o da família
tradicional, ao qual corresponde a divisão sexual do trabalho em que o homem é o
responsável pela manutenção da família e a mulher, pelos cuidados da casa e dos filhos,
sendo as relações de poder e autoridade hierarquizadas a partir do homem.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do trabalho foram analisadas as lógicas e as estratégias de um
grupo de comerciantes cabo-verdiano – os rabidantes do mercado de Sucupira, na cidade
da Praia. Não é difícil, a este ponto, salientar a importância de que se reveste a reflexão
sobre questões teóricas que inicialmente motivaram e que consubstanciaram a construção
da problemática.
Por outras palavras, a incursão neste lugar da sociedade cabo-verdiana,
caracterizado por dinâmicas econômicas e sociais, susceptíveis de iluminarem a
problemática do informal e da função empresarial, produz a necessidade de retomar os
conceitos de informalidade e gênero.
O debate teórico sobre o conceito de informalidade evidencia ainda, como
foi realçado, uma grande necessidade de questionar o que se entende por esta palavra.
Uma característica comum aos estudos sobre a informalidade é o enfoque,
sobre os aspectos negativos e muitas vezes a palavra é usada, para indicar situações de
ilegalidade, esquecendo, que uma prática informal se torna ilegal em função das
circunstâncias políticas e sociais do contexto em que se produz.
O contexto cabo-verdiano sugere que a discussão tenha de ser estruturada
tendo em consideração, por um lado, as condicionantes e as características econômicas e
sociais especificas do país, e por outro lado, o contexto mundial, que é de um ponto de
vista econômico estruturado de acordo com o modelo de desenvolvimento, onde
predomina a crença nos automatismo do mercado e da tendência para a redução
progressiva de intervenção do Estado na economia.
A informalidade, em Cabo Verde, tem características recentes que se
prendem com o aumento, a diferenciação e a complexificação das suas práticas em termos
112
geográficos. Elas ocorrem a diferentes níveis, local, regional, transfronteiriço e
internacional. Além disso, atualmente, as práticas informais envolvem uma grande
variedade de atores e acontecem, cada vez mais, em redes comerciais internacionais
organizadas de formas distintas de acordo com o alcance geográfico, as vantagens
comparativas que lhe são associadas e a cultura dos grupos étnicos e sociais envolvidos.
Contudo, o paradigma teórico da economia de mercado, sobre o qual assenta
a economia mundial, pode dar origem a diferentes modelos de desenvolvimento e a
diferentes estratégias. O modelo de desenvolvimento aplicado em Cabo Verde, como em
muitos países em vias de desenvolvimento que adoptaram programas que contemplam
medidas de ajustamento estrutural e estabilização econômica, assenta numa definição de
desenvolvimento que não o considera um processo global, que inclui várias dimensões,
além da economia. Esta visão traduz-se, como já foi dito, no agravamento da grande
maioria dos indicadores sociais, mesmo quando os resultados obtidos ao nível de
crescimento econômico são positivos. A atual interligação entre os países do globo é tal,
que para compreender a evolução dos países da periferia têm de se ter em conta as leis da
evolução da economia mundial. No entanto, muitos aspectos da atividade econômica dos
países mais pobres do continente africano são ainda mal conhecidos ou pouco tomados em
consideração. É desse exemplo, a existência de dinâmicas espontâneas, normalmente não
quantificadas, mas cujas contribuições são apreciáveis para a melhoria das condições de
vida de muitos países não hegemónicos – no seio das quais podem existir as condições
necessárias para se desencadear o processo de desenvolvimento. Estudar os rabidantes em
Cabo Verde significou, neste sentido, analisar uma destas dinâmicas num país onde, assim
como em muitos países da África subsariana, a presença massiva de mulheres que exercem
atividades econômicas comerciais, representa uma expressão local do modelo de
desenvolvimento globalmente utilizado, que pode e deve ser avaliado nas suas várias
113
dimensões. Entre elas, a dimensão de gênero parece fornecer, neste caso, o espaço
discursivo que permite analisar os mecanismos de renegociação de poder no interior das
estruturas que regem as relações entre indivíduos e entre estes e as instituições sociais,
como o negocio, por sua vez, influenciam o processo de desenvolvimento e o poder de
grupos definidos pelo gênero ou por outra dimensão identitária: neste caso, como foi
realçado, a dimensão identitária envolve o exercício da função empresarial.
Deve-se também, considerar que a existência de um grande número de
mulheres no setor de comércio informal em Cabo Verde constitui a resposta possível ao
aumento de desemprego que o modelo de desenvolvimento adotado provoca e que atinge
majoritariamnete a camada feminina. Estas, como é manifesta no conjunto das entrevistas
– têm como única possibilidade de trabalho o comercio informal, que lhes permite obter
rendimento e ao mesmo tempo continuar a desempenhar a própria função de reprodução
que consiste, sobretudo, dado o alto índice de natalidade, no sustento dos filhos. As
crianças que não estão ainda em idade escolar, como foi visto durante a pesquisa e
exploração do campo, acompanham as mães diariamente ao mercado de Sucupira. O
espaço do mercado assume, assim, o aspecto de um espaço de socialização que vai muito
além da sua vertente econômica e cuja característica mais importante é o fato de os
rabidantes que fazem parte do grupo observado desenvolverem uma atividade de
integração da economia cabo-verdiana no sistema mundial. Por outras palavras,
protagonizam a maneira espontânea de a economia real de Cabo Verde se integrar na
economia mundial. As leis de economia mundial atuam e manifestam-se de maneira
diferente de acordo com os contextos, ou seja, a questão essencial no que diz respeito ao
desenvolvimento, pode não ser a de saber se devemos, ou não, praticar a economia de
mercado ou se pode ter resultados muito variáveis, de acordo com a forma de repartição
dos meios de materiais e de exploração dos recursos humanos.
114
Surge assim uma questão: a atividade dos rabidantes favorece ou não a justa
repartição dos recursos que é necessária para eliminar os fenômenos de pobreza e as
desigualdades que o modelo de desenvolvimento adoptado em Cabo Verde veicula? Isto é,
qual é o tipo de desenvolvimento que estes agentes econômicos engendram nestas
condições?
Ao acreditar que a questão do desenvolvimento se situa majoritariamente ao
nível da repartição dos recursos, torna-se então fundamental que o Estado e a sociedade
cumpram o papel necessário a uma justa repartição, quer a nível nacional, quer a nível
internacional. Emerge com uma certa clareza do estudo de caso apresentado, que não
existe a necessária atenção por parte do Estado cabo-verdiano aos recursos humanos
existentes no setor econômico envolvido pelos atores empresários de pequenas empresas,
como os rabidantes. Alguma intervenção é feita, neste caso especifico, pela sociedade
civil, através de ONG que, no caso do mercado de Sucupira, desevolvem alguns projetos
de apoio na área de acesso ao microcrédito e no apoio institucional às mulheres.
Em longo prazo, como emerge nas entrevistas, a atividade das mulheres
traduz-se numa melhoria das condições de vida dos filhos e de todo agregado e em
investimentos produtivos, nomeadamente no que diz respeito ao acesso à escolarização,
que, a maioria das vezes, não seria possível sem a atividade dessas mulheres.
A atividade dos rabidantes, além de provocar modificações na estrutura do
agregado familiar cabo-verdiano, evidencia algumas características da função empresarial
que parecem favorecer uma dimensão integradora. Com efeito, os rabidantes utilizam
estrategicamente o lucro, reinvestindo-o na educação dos membros mais novos do
agregado familiar, estimulando a mobilidade social. De acordo com os meus dados de
terreno, a preocupação com a escolarização dos filhos parece também constituir a principal
motivação impulsionadora dessa atividade econômica, majoritariamente gerida por
115
mulheres. Estas ocupam na estrutura da família cabo-verdiana, uma posição muito
peculiar.
No contexto cabo-verdiano, a utilização da categoria analítica de gênero,
por um lado, tornou-se útil para questionar a existência de práticas discriminatórias entre
grupos naquela sociedade e, por outro, tornou-se instrumental à necessidade de procura de
novas abordagens no seio do paradigma econômico desenvolvimentista. No primeiro
sentido, a existência de mulheres rabidantes pode ser vista, como um efeito da
emancipação feminina, perante as desigualdades que existem no acesso ao mercado de
trabalho, sendo a necessidade de emancipação estimulada, em larga medida, pelo próprio
modelo de desenvolvimento global, que tende a homogeneizar as necessidades e estimula
processos de imitação.
Por outro lado, as desigualdades de gênero estão implícitas no modelo de
desenvolvimento adoptado em Cabo Verde. São ainda, reforçadas pela percepção cultural
das relações entre homens e mulheres e produzem relações sociais identitárias, susceptíveis
de originarem mudanças no processo de desenvolvimento. Nas entrevistas efetuadas, as
mudanças incidem na gestão da relação de poder, tradicionalmente masculino, no interior
do agregado. Com efeito, um aspecto importante em Cabo Verde é sua ligação com as
estruturas do parentesco e, portanto, com a questão de percepção do poder. Como aparece
nas entrevistas, em Cabo Verde, com a entrada no mundo de trabalho, as mulheres
adquiriram independência econômica e liberdade, o que lhes confere um acréscimo de
poder e promove mudanças na sua posição no seio da sociedade e nos papeis de gênero no
que diz respeito ao lugar dos filhos na reprodução em geral.
Num contexto marcado, fundamentalmente, pela exiguidade e de
desequilíbrio estrutural do mercado de trabalho e pela degradação das condições de acesso
ao emprego, assumem um papel predominante as redes socais (formais e informais) e as
116
chamadas redes de amigos (ou de parentesco), que funcionam na base da chamada troca de
favores e da prestação de serviços interpessoais, fenômenos típicos de uma sociedade de
troca de conhecimento como é, aliás, a cabo-verdiana.
As relações de reciprocidade do tipo, prevalecentes na atividade dos
rabidantes, emergem sobre formas de solidariedade que estruturam a identidade de grupo e
que têm a ver com a configuração da sociedade cabo-verdiana. Uma das mais importantes
incide sobre a forma de resolver o problema da falta de acesso ao crédito, que é atenuada
pela presença de circuitos de ajuda mútua, chamada “totocaixa”, que funciona como uma
forma de poupança. Uma pessoa recolhe uma quantia de dinheiro por cada grupo e cada
participante tem um mês referente ao ano para receber o total acumulado. E assim, em
rotação, consegue-se ter uma quantia de dinheiro que é geralmente empregue para fazer
mais uma viagem quando o negócio está fraco. Estas formas de ajuda mútua abrangem não
só os comerciantes do Sucupira, mas também outros grupos sociais cabo-verdiano.
As redes são importantes ainda no acesso às mercadorias comercializadas
pelos rabidantes, principalmente aqueles que não sabem onde comprar ou que têm pouca
experiência em comprar no estrangeiro. Organizam-se para compras conjuntas em
condições mais satisfatórias. No caso estudado, isso se materializa nas viagens para Brasil,
onde têm contato com pessoas que as levam para as principais feiras em Fortaleza, São
Paulo e Rio de Janeiro, e os dão acesso aos produtos. Apesar de concorrentes na venda dos
produtos, a informalidade das trocas e das negociações evoca a necessidade de formar uma
rede sólida de influências e solidariedade, num mercado caracterizado cada vez mais pela
concorrência, complexificação social e presença de fluxos imigratórios. O rabidante
consegue conquistar assim, algumas estratégias coletivas de organização da atividade.
Em suma, este trabalho deu a oportunidade de mostrar que os rabidantes da
ilha de Santiago protagonizam uma rede de comercio intercontinental que passa pela
117
aquisição de mercadoria e pelo estabelecimento de redes sociais em vários países mais
concretamente no Brasil, onde se pode verificar a inserção de Cabo Verde na economia e
na sociedade mundial através desta rede internacional de comercio e relações sociais.
118
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SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis:
Vozes, 1976.
SAFFIOTI, H. Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade.
Lutas sociais. São Paulo: Xamã, 1997.
SALÚSTIO, D., «A Mulher no Quadro do Desenvolvimento Humano Sustentável –
situação atual e perspectivas futuras», in Projeto NLTPS «Cabo Verde 2020» II Fase:
Construção da Base de Estudos, Ministério da Coordenação Econômica, Praia, 1996.
SCOTT, J.W. A mulher trabalhadora. In: DUBE, G.; PERROT, M. Histórias das mulheres
no Ocidente. Porto, Edições afrontamento, vol. IV, 1994.
SOUSA, H. T., «Septuagésimo Aniversário do Liceu de São Vicente em Cabo Verde» in
Comemorações do 75º Aniversário da Criação do Liceu de Cabo Verde, Ed. Associação
dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde, Lisboa, 1992.
SOUZA-LOBO, Elisabeth (Org.). O sexo do trabalho. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
--------------------------------. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e
resistência. São Paulo: Brasiliense, 1991.
STALLMANN, Judith I. e SCHERCHAND, Bageshwari (1995). Self-employment in
Rural Virginia, Faculty Paper Services, March 1995, Departement of Agricultural
Economics, Texas A&M, University Col ege Station, March 1995, Texas.
TOLENTINO, A. C., Universidade e Transformação Social Nos Pequenos Estados em
Desenvolvimento: o Caso de Cabo Verde, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007.
TRUZZI, Oswaldo. Explorando o conceito de redes em processos migratórios. Tempo
Social, revista de sociologia da USP, v. 20, n. 1, São Paulo, 2008.
VARELA, Maria de Fátima Tavares Pires. Educação e trabalho: realidade e perspectiva
em Cabo Verde. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de
Janeiro / Faculdade de Educação, Dezembro de 1998.
WALLERSTEIN, I. (1996) What hope Africa, What hope the world? Economia global e
gestão AEDG/ISCTE, pp. 75-92.
123
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista
Entrevista/Sucupira/Praia/Cabo Verde.
Data:
Entrevistador:
Cidade:
Cargo do entrevistado:
Local da entrevista:
Tempo de aplicação:
Início: Término:
I – PERFIL
1. Sexo:
(..) masculino ( ) feminino
2. Idade:
( ) menos de 14 ( ) entre 22 e 25 (..) entre 36 e 45 anos ( ) 61 anos ou mais
( ) entre 14 e 18 ( ) entre 26 e 30 ( ) entre 46 e 50 anos
( ) entre 19 e 21 ( ) entre 31 e 35 ( ) entre 51 e 60 anos
3. Estado Civil:
( ) solteiro(a) ( ) separado(a) ( ) outros___________________
(..) casado(a) ( ) viúvo(a)
4. Filhos
( ) nenhum ( ) dois ( ) quatro
( ) um ( ) três ( ) cinco ou mais
5. Escolaridade
( ) nunca estudou ( ) 2º. Grau incompleto ( ) 3º. Grau completo
( ) 1º. Grau completo ( ) 2º. Grau completo
( ) Estuda atualmente? ( ) sim ( ) não o
que?_____________________________________
II – SITUAÇÃO FAMILIAR:
1. Moradia:
( ) casa própria – em terreno próprio ( ) financiada ? sim ( ) não ( )
( ) casa própria – em terreno de pais/parentes
( ) alugada
( ) emprestada
( ) outras
(especificar)____________________________________________________________
2. Mora:
( ) sozinho(a)
( ) com mulher/ou marido
( ) com mulher/marido e filhos
124
( ) com os pais
( ) com parentes e / ou agregados (especificar)____________________________
( ) outras situações ( especificar)________________________________________
3. Pessoas que trabalham e contribuem no orçamento familiar
( ) é o(a) único(a) que trabalha
( ) mulher/marido trabalha – especificar onde e o que faz______________________
( ) filhos trabalham – especificar onde e o que fazem_________________________
( ) pais, parentes, agregados trabalham – especificar onde e o que fazem_________
5. Renda familiar:
( ) até 01 salário mínimo ( ) de 3 a 5 salários mínimos ( ) mais de 10 salários
mínimos
( ) de 1 a 2 salários mínimos ( ) de 5 a 7 salários mínimos
( ) de 2 a 3 salários mínimos ( ) de 7 a 10 salários mínimos
1. Quanto tempo tem que iniciou neste tipo de atividade?
2. O senhor (a) sempre trabalhou no ramo de comercio? Se não?
3. O que fazia antes de entrar nesse tipo de comercio?
4. E nesse trabalho anterior o senhor tinha carteira assinada?
5. Porque escolheu trabalhar nesse ramo?
6. Como você começou?
7. Já tinha alguma experiência de ir comprar no estrangeiro para vender em Cabo Verde?
8. No inicio, você teve a ajuda de alguém que já estava praticando esse tipo de atividades?
9. Porque escolheu o Brasil para fazer as compras?
10. Uma vez no Brasil, onde você compra os produtos?
11. Onde coloca os produtos para serem vendidos?
12. Você paga aluguel no local?
13. Quantas horas funciona habitualmente por dia o estabelecimento?
14. Você recorreu a algum empréstimo para o exercício da atividade? Se sim?
15. Onde pediu o empréstimo?
16. Quantas vezes costumas deslocar para estrangeiro para comprar os produtos?
17. Quando viaja quem toma conta do negócio?
125
18. Quais são os principais problemas enfrentados na aquisição desses produtos?
19. Como resolve a questão de comunicação, quando vai comprar a mercadoria?
20. Você acha que existe rivalidades entre os rabidantes?
21. Quem é o chefe do agregado familiar?
22. Quem toma as decisões na sua família sobre a distribuição dos rendimentos?
21. Quando você começou a viajar para adquirir os produtos já conhecia o país?
22. Qual sua renda mensal que faz em vendas?
23. Existe colaboração entre os rabidantes quando viajam para a aquisição dos produtos?
Como é que funciona essa colaboração?
24. Você tem empregados? Se sim,
25. Ofereces benefícios sociais, previdência social?
26. Como é a participação da família na manutenção e na gestão do negocio?
27. Você tem outra fonte de renda além do trabalho de Rabidante?
28. Como você vê seu futuro nesse ramo de atividades?
29. Você acha que sua vida mudou depois que começou esse negocio? Em que sentido?
30. Trabalhar nesse tipo de atividades lhe proporciona satisfação pessoal? Por quê?
126
ANEXO A – Localização de Cabo Verde no Mapa
Mapa.1 Mapa de Cabo Verde em relação ao continente africano e o Brasil.
127
Mapa. 2 – Localização das ilhas de Cabo Verde
128
Mapa. 3 – Mapa da ilha de Santiago. Ilha onde a pesquisa foi realizada e a maior do país
129
ANEXO B – Breve caracterização da Legislação Trabalhista
A relação laboral é regulada pelo designado Regime Jurídico Geral das Relações de Trabalho do Decreto-Lei
n. 62/87, de 30 de Junho, com as alterações que foram introduzidas pelo Decreto-lei n. 51-A/ 89, de 26 de
Junho e pela lei n. 101/IV/93, de 31 de Dezembro.
O Regime Jurídico Geral das Relações de Trabalho aplica-se a todos os contratos de trabalho que devem ser
executados em Cabo Verde no âmbito das empresas privadas, cooperativas mistas e publicas, bem como aos
contratos de trabalho celebrados em Cabo Verde, entre trabalhadores e empresas cabo-verdianas, para serem
executados no estrangeiro, sem prejuízo das normas de direito aplicáveis no país de execução do contrato. No
entanto, a existência do Regime Jurídico Geral das Relações de Trabalho não prejudica a possibilidade de em
Convenção Coletiva, contratos individuais e em estatutos ou regulamentos internos, se estabelecer tratamento
mais favorável ao trabalhador em tudo o que o contrarie normas proibitivas da lei.
A relação laboral é estabelecida através do contrato de trabalho, que não está sujeito a qualquer formalidade
(contrato consensual), designadamente à forma escrita, salvo quando a lei determinar expressamente o
contrario, como é o caso das entidades empregadoras que, não estando abrangidas por qualquer instrumento
de regulamentação coletiva ou não possuam regulamento interno e que habitualmente empreguem mais de
dez trabalhadores, estão obrigadas a reduzir a escrito os contratos de trabalho.
Quando da celebração do contrato é necessário, que as partes contratantes, trabalhadores e entidade patronal,
tenham capacidade, sendo nulo o contrato celebrado com quem não tiver completado 14 anos de idade e
anulável o efetuado com quem não tiver completado 18 anos de idade.
O contrato de trabalho considera-se concluído, independentemente da sua execução material, com a aceitação
por ambas as partes dos seus elementos essenciais, data de inicio do contrato e, nos casos em que é celebrado
por tempo determinado, a data do seu termo; categoria profissional atribuída ao trabalhador; local da
prestação de trabalho quando, por natureza, seja variável; montante de retribuição e forma de pagamento.
O período normal de trabalho não pode ser superior a oito horas por dia e a quarenta e quatro horas semanais.
O período normal de trabalho diário pode, no entanto, ser alargado até uma hora relativamente ao citado
limite, em contrapartida, o trabalhador tenha direito a meio dia de descanso por semana, além do descanso
semanal previsto na lei. Esses limites do período normal de trabalho podem, igualmente, ser alargado, por
despacho do membro do Governo responsável pela área de trabalho, relativamente a trabalhadores cuja
atividade seja acentuadamente intermitente ou de simples presença, situação em que deve ser respeitado um
período mínimo de repouso de doze horas consecutivas.
Os trabalhadores, após o primeiro ano de duração do contrato têm direito, por cada ano de serviço prestado, a
um período de ferias mínimo de 21 dias úteis e máximo de 30 dias. Nos contratos com prazo inferior a um
ano os trabalhadores têm direito a um período de férias proporcional à duração do contrato.
O direito a férias é, em principio, irrenunciável não podendo o seu gozo efetivo ser substituído por
remuneração suplementar ou qualquer outra vantagem, ainda que com o consentimento do trabalhador,
podendo, no entanto, o trabalhador converter um terço do período de ferias em abono pecuniário no valor da
remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes.
Durante as férias o trabalhador tem direito à retribuição que não pode ser inferior à que receberia se estivesse
em serviço efetivo, não sendo, no entanto, devidas no período de ferias as prestações em espécie ou em
dinheiro cuja atribuição esteja condicionada à efetiva prestação de trabalho.
As férias devem ser gozadas no prazo de um ano a contar do seu vencimento, podendo ser fruídas em período
interpoladas, mediante acordo das partes. Sempre que o interesse do funcionamento da empresa o justifique,
a entidade patronal pode conceder rias coletivas aos trabalhadores encerrando, total ou parcialmente, o
estabelecimento por um período consecutivo entre 21 e 30 dias.
Fonte: ICEP – Instituto das Empresas para os Mercados Externos
130
ANEXO C – Breve Caracterização da Segurança Social
A segurança social, designada Sistema de Previdência Social, é um mecanismo obrigatório de defesa dos
interesses dos trabalhadores, instituído pelo Decreto-lei n. 144/82 e regulado pelo Decreto Lei n.120/82,
ambos de 24 de Dezembro, com o propósito de assegurar aos trabalhadores abrangidos e seus familiares,
meios de subsistência de perda ou redução de capacidade para o trabalho, nomeadamente em caso de doença,
maternidade, acidentes de trabalho e doenças profissionais, invalidez, velhice ou morte, bem como a
compensação dos encargos familiares.
A gestão do sistema de previdência social é assegurada pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
pessoa coletiva de direito publico, dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e
financeira e patrimônio próprio, criado pelo decreto-lei n. 135/91, de 2 de Outubro, o qual, para alem de gerir
o sistema, tem as seguintes atribuições: servir de organismo de ligação ou outras equivalentes, nos termos dos
acordos de Segurança Social em que o estado seja parte; fiscalizar o cumprimento de normas reguladoras da
Previdência Social; estudar, propor e desenvolver medidas, visando a permanente adequação da Previdência
Social; participar na elaboração do plano do setor.
São garantidos aos trabalhadores abrangidos, benefícios sociais nos seguintes casos: doença, maternidade,
invalidez, velhice e sobrevivência e comparticipação nos encargos familiares. É obrigatória a inscrição de
todos os trabalhadores dependentes no sistema de previdência social, qualquer que seja a sua forma de
remuneração.
As entidades empregadoras e os trabalhadores são os contribuintes do sistema, com 15% e 8%,
respectivamente, das remunerações.
As entidades empregadoras asseguram os descontos das contribuições dos trabalhadores e efetuam os
pagamentos ao INPS mensalmente.
Fonte: ICEP – Instituto das Empresas para os Mercados Externos.
131
ANEXO D – Variáveis e indicadores de gênero e desenvolvimento em
Cabo Verde
Quadro 1: Demográficos
Dados Variáveis Ano de
Referência
F M Indicador
39
Fonte
População por sexo (%)
51,9 48,1 1,08
População rural por sexo (%) 52,2 47,8 1,09
População urbana por sexo (%) 51,6 48,4 1,07
Taxa de crescimento da população (1990 – 2000)
2,21
2,56 0,86
Tamanho médio dos agregados familiares
2000
4,6
INE. Censo
2000
Chefes dos agregados familiares (%)
2002
43,8
56,2
0,78
INE. – IDRF
2001/2002
População solteira (%) 50 59 0,85
População em união de fato (%) 23 22 1,05
População casada (%) 17 17 1,00
População feminina em idade fértil (15-49 anos) 46,3
Nº médio de filhos por mulher
2000
4
INE. Censo
2000
Quadro 2: Sócios econômicos
Dados Variáveis Ano de
Referência
F M Indicador
Fonte
Taxa da População economicamente ativa 38,6 42,3 0,91
Taxa de População ativa desempregada 23,8 11,1 2,14
Taxa de desemprego no meio rural 22 9,1 2,42
Chefes de explorações agrícolas familiares (%)
2000
36 64 0,56
INE. Censo
2000
Proprietários de explorações agrícolas de regadio e
sequeiro
1996
20 80 0,25
ICF. “A
mulher cabo-
verdiana na
agricultura”
Proprietários de explorações agrícolas de regadio (%) 23 77 0,30
Proprietários de explorações agrícolas de sequeiro (%) 41 59 0,69
Chefia de agregados familiares pobres 16,1 12,4 1,30
Chefia de agregados familiares muito pobres
2002
14,9 13,4 1,11
INE. IDRF
2001/2002
Rendimento anual estimado (USD) 2001 3557 7781 0,46
PNUD–RDH–
2003
Taxa de vínculo com administração pública 19,2 17,4 1,10
Taxa de vínculo com empresas públicas 2,8 5,2 0,54
Taxa de vínculo com empresas privadas 11 21,2 0.52
Taxa do vínculo patrão/empregador 1,6 3,3 0,48
Taxa de trabalhadores por conta própria 29,4 29,2 1,01
Taxa de trabalhador familiar sem remuneração
2000
14,8 6,5 2.28
INE. Censo
2000
Créditos concedidos para o desenvolvimento de
atividade no setor informal (%)
2003 89,4 10,6 8,43
Soares
Anilda.Estudo
de impacto do
micro crédito
Propriedade das habitações próprias (%) 68,6 67,6 1,01
39
O cálculo do indicador baseia-se nas recomendações técnicas divulgadas no “Índice de Desenvolvimento e
dos Indicadores de Gênero em África”. Adis Abeba, Outubro de 2004. Resulta da divisão da % ou numero
correspondente ao sexo feminino, pela percentagem ou numero correspondente ao sexo masculino.
132
Proprietários de habitações próprias – barracas 1,3 0,8 1,63
Proprietários de habitações próprias – vivendas 0,2 1,4 0,14
Taxa de crianças e jovens pobres entre 5 e 24 anos
2002
18,6 19,2 0,97
INE. IDRF
2001/2002
133
Quadro 3. Indicadores de Educação
Quadro 4. Exercício do poder
Dados Esfera de
poder
Variáveis Ano de
Referência
F M Indicador
Fonte
Legislativo Proporção de membros do Parlamento 2001
11,1 88,9 0,12
ICF
Ministros 20 80 0,25 Executivo
Secretários de estado
2004
0 100 0,00
NET. Gov.
Elenco
Presidentes de Câmaras Municipais 5,9 94,1 0,06
Membros da Assembléia Municipal 14 89 0,16
Autárquico
Vereadores das Câmaras Municipais
2004
16,1 83,9 0,19
BO. Nº 1–I
Série05/0/04
Edital nº
7/2004
Membros do Supremo Tribunal de
Justiça
20 80 0,25
Juízes 33 67 0,49
Procuradores 15,4 89,6 0,18
Judicial
Delegados de Procurador
2004
11,9 88,9 0,13
Procuradoria
-geral da
República
Diretores Gerais ou equiparados 35 65 0,54
Presidentes de institutos públicos 32 68 0,47
Classe
Dirigente
Embaixadores
2003
9,1
90,9
0,10
ICF.
Relatório
para a
eliminação
de todas as
formas de
discriminaçã
o contra a
Mulher, 2003
Dados Variáveis Ano de
Referência
F M Indicador
Fonte
Taxa líquida de escolarização no Ensino Básico 95,9 94,3 1,02
Taxa líquida de escolarização no Ensino Secundário 58,8 53,3 1,10
Diplomados do Ensino Básico (%) 81,1 76,3 1,06
Diplomados do Ensino do Ensino Secundário (%) 63,5 60,5 1,05
Repetência no Ensino Básico (%) 10 13 0,77
Repetência no Ensino Secundário (%) 29,5 27,5 1,07
Taxa de Abandono no Ensino Básico 2,8 3,6 0,78
Taxa de Abandono no Ensino Secundário
2002/2003
9 10 0,90
Anuário
Estatístico
GEP/MEVRH
Taxa de alfabetização global 67,2 83,5 0,80
Taxa de alfabetização global 15-24 anos 95,5 95 1,01
Taxa de alfabetização urbana 75,5 88,9 0,85
Taxa de alfabetização rural
2000
56,6 76,1 0,74
INE. Censo
2000
Professores no Ensino Básico (%) 65,3 34,7 1,88
Professores no Ensino Secundário (%) 41,5 58,5 0,71
Professores no Ensino Superior (%)
37,6 62,4 0,60
Anuário
Estatístico
GEP/MEVRH
Delegados da Educação (%) 29,4 70,6 0,42
DGEBS
Coordenadores concelhios de educação (%) 17,6 82,4 0,21
DGAEA
Gestores de Escolas Básicas (%) 12,4 87,6 0,14
DGEBS
Gestores de Escolas Secundárias (%) 14,8 85,2 0,17
DGEBS
Gestores de institutos médios e superiores de
educação (%)
2003
40 60 0,67
GEP/MEVRH
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