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A filosofia de Gilles Deleuze e Felix Guattari interessou-me, a princípio, pela
singularidade de um filósofo e de um psicanalista se posicionarem frente os desafios conceituais
da vida, e por incluírem a arte em tantos pontos de seu pensamento filosófico. Depois, a maioria
de seus conceitos elucidava de tal maneira a prática clínica da musicoterapia, que fui, por eles
mesmos, instigada a produzir ressonâncias de seus pensamentos em minha clínica.
O desafio deste trabalho é pensar academicamente uma filosofia que se aplica à Ciência, à
Filosofia e á Arte. Campos que se cruzam, que se tocam, que busco atravessar, mas que, segundo
a própria concepção de Deleuze e Guattari, têm diferentes maneiras de abordar o caos, ou seja:
conceitos, funções e agregados sensíveis. Dizem Deleuze e Guattari que, “por mais fortemente
elaborada por Latour (1999) que entende a contemporaneidade como àquela atitude que considera, simultaneamente,
os processos de tradução-mistura e os processos de purificação.
A modernidade, uma nova forma de pensar e de entender a realidade, se instala dentro do modo de vida ocidental
provocando uma atitude que classifica, separa e define setores e competências. A maneira moderna de pensar a
realidade implica em situá-la em dois grandes pólos: ou o que é real é o relacionamento humano - os humanos-entre-
si, a sociedade e a cultura -, ou o que é real é a natureza. Os modernos cultivam um amor pela purificação e pelo
desejo de separação, e estas são as principais características para defini-los.
Latour (1994) considera a modernidade como uma forma de designar dois conjuntos de práticas totalmente
diferentes para lidar com a sociedade e com a natureza. Ao separar a natureza da cultura, a atitude moderna utiliza
dois grandes tipos de práticas diferentes: as práticas de purificação e as práticas de tradução e de mediação. As
práticas de purificação se empenham em clarificar campos e espaços, entender separadamente situações, hierarquizar
conhecimentos. Ao mesmo tempo em que as práticas de purificação atuam, a atitude moderna produz um outro
enorme campo de atividades: as práticas de tradução e de mediação. Estas misturam coisas, situações, idéias. A
atitude moderna faz conviverem ambas as práticas, atuando simultaneamente. Quando se mistura, se separa, e se
mistura. O pólo da tradução e da mediação é componente da modernidade tanto quanto o pólo da purificação
.
O interesse moderno enfatiza a sociedade como uma entidade separada da natureza. Logo, o conhecimento que
entende a sociedade é muito diferente do conhecimento que compreende a natureza. As investigações que tratam da
sociedade são vistas como opostas às investigações que tratam da natureza. Neste contexto surgiram a ciência - como
ciência natural - e a política, posteriormente as ciências sociais.
As práticas de purificação separam os humanos dos não - humanos. E, enquanto essas práticas atuam outras
práticas, as de tradução e de mediação, os misturam. As práticas de purificação, ao criarem zonas inteiramente
distintas de humanos e de não - humanos, produzem as misturas entre os gêneros que tão cuidadosamente separaram.
É o próprio trabalho de purificação que possibilita a mediação, visto que separa o que na vida é junto, afasta o que no
cotidiano se entrelaça: coisas, sentidos, ações.
O resultado desta mistura proibida-permitida entre natureza e cultura é o surgimento de seres híbridos . Latour
(1994) considera que tanto os híbridos quanto os puros entranham-se na modernidade. Os híbridos, nesta concepção,
são todas as coisas-seres, misturas de natureza e de cultura, com as quais lidamos cotidianamente. Já nos são tão
familiares que nem nos apercebemos de sua origem inteiramente híbrida.
O conhecimento interdisciplinar, considerado como uma forma híbrida interessa-se por situações diversas segundo
uma maior ou menor síntese de conhecimentos abrangidos, sejam eles purificados ou traduzidos A musicoterapia é
apresentada como situação exemplar deste conhecimento interdisciplinar híbrido que carrega o incômodo e a
potência oriundos da tensão provocada em misturar arte e ciência e, produzido na modernidade se pretender
contemporâneo. (ver a pesquisa completa em CHAGAS, PEDRO, 2007)