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ESCREVER VIDAS, NARRAR A HISTÓRIA.
A BIOGRAFIA COMO PROBLEMA HISTORIOGRÁFICO
NO BRASIL OITOCENTISTA
Maria da Glória de Oliveira
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História Social, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de
Doutor em História.
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2009
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ii
ESCREVER VIDAS, NARRAR A HISTÓRIA.
A BIOGRAFIA COMO PROBLEMA HISTORIOGRÁFICO
NO BRASIL OITOCENTISTA
Maria da Glória de Oliveira
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Doutor em História Social.
Aprovada por
______________________________________________
Prof. Dr. Manoel Luiz Salgado Guimarães (Orientador)
______________________________________________
Prof. Dr. Temístocles Américo Correa Cezar (UFRGS)
______________________________________________
Profª. Drª. Lúcia Maria Paschoal Guimarães (UERJ)
______________________________________________
Profª. Drª. Marieta de Moraes Ferreira (UFRJ)
______________________________________________
Prof. Dr. Valdei Lopes de Araújo (UFOP)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2009
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iii
Oliveira, Maria da Glória de.
Escrever vidas, narrar a história. A biografia como problema
historiográfico no Brasil oitocentista/ Maria da Glória de Oliveira.
Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2009.
ix, 217f.
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Tese (Doutorado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós Graduação
em História Social, 2009.
Referências bibliográficas: f. 190-206
1. Historiografia Brasileira. 2. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
3. Biografia. I. Guimarães, Manoel Luiz Salgado. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Programa de Pós-Graduação em História Social. III. Título.
iv
À memória de minha mãe,
Maria José
A meu pai, Henrique Fernando
e
ao meu amado Antônio
v
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, agradeço a boa acolhida ao meu projeto, o que serviu de incentivo para a
realização desta tese. A bolsa concedida pela CAPES foi igualmente fundamental para
que me dedicasse com afinco ao curso e à pesquisa.
Não poderia deixar de fazer uma menção especial a Temístocles Cezar, orientador
de minha dissertação de Mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que
deu provas de sua admirável generosidade quando me persuadiu da idéia de cursar o
Doutorado na UFRJ, apostando, desde o início, em meu projeto de pesquisa. Graças a
essa decisão, tive o privilégio de ser orientada por Manoel Luiz Salgado Guimarães,
com quem terei sempre uma dívida idêntica de gratidão.
Devo um especial agradecimento às professoras Lúcia Maria Paschoal Guimarães
e Marieta de Moraes Ferreira, pelos comentários oportunos e sugestões no exame de
qualificação e aos demais integrantes da banca de defesa da tese, professores Valdei
Lopes de Araújo e Temístocles Cezar, sou grata pela leitura e a avaliação crítica deste
trabalho.
Com Álvaro Klafke, tenho um débito incomensurável por ter sido, desde os
tempos do Mestrado, o primeiro e agudo leitor dos meus textos e por poder contar
sempre com a sua lealdade. Estendo a minha gratidão aos queridos amigos e “colegas de
ofício” Fernando Nicolazzi, Taíse Quadros da Silva e Rodrigo Turin, que me fazem
acreditar que o trabalho acadêmico pode se ancorar nas trocas fraternas e na amizade.
Aos colegas do GT de Teoria da História e Historiografia Anpuh/RS, em especial ao seu
atual coordenador Hugo Hruby, agradeço os valiosos momentos de discussão
proporcionados em nossas reuniões mensais.
Devo à Vera Victal o suporte afetivo imprescindível na feitura deste “filho
imaginário” que é uma tese, e às minhas amadas irmãs, Maria Cláudia e Maria
Fernanda, as constantes manifestações de apoio e incentivo.
Dedico este trabalho à minha mãe, in memoriam, e ao meu pai, pela confiança
ilimitada que me dedicaram; por fim, ao Antônio que, com a sua cumplicidade amorosa,
tornou menos árdua essa jornada, e a quem devo o sentido de tudo isso.
vi
“Não é ambição de todo historiador alcançar, atrás da
máscara da morte, a face dos que existiram, agiram e
sofreram no passado, e fizeram promessas que deixaram sem
cumprir? Ali estaria o voto mais dissimulado do
conhecimento histórico. Mas seu cumprimento sempre adiado
não pertence mais aos que escrevem a história, mas está nas
mãos dos que fazem a história”.
Paul Ricoeur, La mémoire, la histoire, l’oubli
“E o se possível imaginar, continuou Austerlitz, que
também temos compromissos para cumprir no passado, no
que já se foi e em grande parte está extinto, e temos de
procurar lugares e pessoas que, quase além do tempo,
guardam uma relação conosco?
W. G. Sebald, Austerlitz
vii
RESUMO
ESCREVER VIDAS, NARRAR A HISTÓRIA.
A BIOGRAFIA COMO PROBLEMA HISTORIOGRÁFCO
NO BRASIL OITOCENTISTA
Maria da Glória de Oliveira
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do grau de Doutor em História Social.
O objetivo da tese é investigar as relações entre a escrita de biografias e a operação
historiográfica dos sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ao longo do
século XIX. A estratégia utilizada consiste na análise do material publicado na Revista
Trimensal e, pontualmente, do corpus de textos que ocupou a seção intitulada Biografia
de Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes, bem como dos demais escritos
biográficos estampados nas páginas do periódico. A pesquisa acompanha o surgimento
da seção em 1839 e o seu desaparecimento paulatino nas décadas finais daquele século.
Entre os letrados brasileiros, a biografia era exaltada tanto por sua capacidade em tornar
vivos os grandes homens e as épocas históricas quanto pela eficácia persuasiva das suas
lições morais. Tratava-se de um gênero de escrita que atendia aos imperativos da
historia magistra ao fixar os nomes e exemplos do passado, oferecendo-os à imitação
dos leitores no presente. Os trabalhos biográficos serão analisados, primordialmente,
como formas de elaboração da experiência do passado, integradas ao processo mais
amplo de constituição de um regime de escrita da história no Brasil oitocentista.
Palavras-chave: Historiografia Brasileira; Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro;
Biografia
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2009
viii
ABSTRACT
WRINTING LIVES, NARRATING HISTORY.
BIOGRAPHY AS A HISTORIOGRAPHIC PROBLEM
IN THE 19
th
CENTURY BRAZIL
Maria da Glória de Oliveira
Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães
Abstract da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do grau de Doutor em História Social.
The aim of this thesis is to investigate the relationship between biographic writings and
the historiographical operation of Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro members
in the 19
th
century. The strategy used in this research consists of the analysis of Revista
Trimensal material and, more precisely, of the corpus that occupied the section named
Biografia de Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes, as well as the other
biographic writings printed on the periodic pages. The research follows the birth of the
section in 1839 and its gradual disappearance in the final decades of that century.
Among Brazilian literate people, biographies were exalted, because of their capacity to
bring great men and their historic epochs to life as well as the persuasive efficacy of
their moral lessons. Biographies were a writing gender that attended the historia
magistra imperatives, reinforcing names and examples from the past and offering them
to readers’ imitation in the present. Biographic works will be mainly analyzed as forms
of elaboration about the past experience, which are linked with a wider constitutive
process of a writing pattern for history in Brazil in the 19
th
century.
Key-words: Brazilian Historiography; Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro;
Biography
Rio de Janeiro
February 2009
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
PRIMEIRA PARTE
1. O PRESENTE DO PASSADO NOS EXEMPLOS DA HISTÓRIA
A aposta biográfica 34
Ressuscitar o passado 43
Apologias a Plutarco 53
A memória daguerreotipada 74
2. CRÍTICA E ERUDIÇÃO NAS VIDAS DOS BRASILEIROS DISTINTOS
Biografia e crítica histórica 84
A depuração do fabuloso 93
A autoridade das fontes sob suspeição 102
Pelas letras, armas e virtudes 108
SEGUNDA PARTE
3. O ARQUIVO LITERÁRIO E BIOGRÁFICO
Testemunhos da nacionalidade 119
Uma aluvião de nomes colecionados: os Parnasos Brasileiros 130
O arquivo em movimento: o Florilegio de Francisco Adolfo de Varnhagen 134
4. BIOGRAFIA, MEMÓRIA, EXPERIÊNCIA DA HISTÓRIA
O tribunal da posteridade 151
Fazer história, escrever a história 170
Homens de letras e de ciência: heróis para a posteridade 174
Dos grandes homens aos “náufragos” da história 181
CONSIDERAÇÕES FINAIS 187
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 190
ANEXO: QUADRO DE BIOGRAFIAS DA REVISTA DO IHGB (1839-1889) 207
INTRODUÇÃO
“O tempo marcha e o grande homem é justamente aquele que o
prenuncia. [...] No fundo, a vida do grande homem narra um
momento de aceleração do tempo, cujas marcas estão dentro de sua
própria vida e nele próprio”.
François Hartog.
1
I
A idéia de que a tarefa da história era fixar a memória das vidas e feitos dos
grandes homens funcionou como argumento decisivo para a incorporação da escrita de
biografias ao programa do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no culo XIX. A
necessidade de arrancar do esquecimento os nomes dos brasileiros ilustres afinava-se
com o ambicioso empenho da agremiação em coligir documentos para a elaboração da
história nacional, tendo em vista as demandas políticas peculiares à consolidação do
Estado monárquico no Segundo Reinado.
2
Proposto pelo cônego Januário da Cunha
Barbosa no discurso de fundação em 1838, o trabalho de “dar vida a beneméritos”
adquiriu contornos concretos a partir do segundo número da Revista Trimensal, com a
seção de Biografias de Brasileiros Distintos por Letras, Armas e Virtudes.
3
A
fecundidade do corpus biográfico, estampado nas páginas do periódico ao longo do
Oitocentos, longe de se reduzir à expressão do gosto literário dos fundadores, renovou-
se nas gerações subseqüentes, acompanhando o debate sobre como deveria ser escrita a
história do Brasil. É no processo de formulação e efetivação do projeto historiográfico
do IHGB que os escritos biográficos dos seus sócios merecem ser examinados.
1
HARTOG, François. Plutarque entre les Anciens et les Modernes. In: PLUTARQUE. Vies parellèles.
Paris: Gallimard, 2001, p. 30. A tradução de citações em língua estrangeira neste trabalho são de minha
responsabilidade.
2
Cf. GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1,
1988, pp.5-27 e MATTOS, Ilmar R. Tempo saquarema. A formação do estado imperial. 5
a
ed. São Paulo:
Editora Hucitec, 2004. Cf. também ENDERS, Armelle. Les visages de la Nation. Histoire, héros
nationaux et imaginaire politique au Brésil. (1822-1922). Université Paris-Panthéon-Sorbonne, 2004.
Tese de doutorado.
3
Biographia dos Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes &tc. José Basílio da Gama. RIHGB,
Tomo 1, pp. 139-141. Para as citações de textos da Revista, manterei a grafia e a pontuação originais.
Para as demais, será mantida a grafia da edição consultada.
11
De imediato, é necessário assinalar que a importância atribuída à biografia como
gênero nobre de escrita da história deixava de parecer evidente para muitos
historiadores. O inglês Henry Buckle, por exemplo, expressava a opinião compartilhada
por grande parte de seus colegas de ofício, afirmando na introdução de sua History of
civilization in England (1857-1861), que a história não deveria ser escrita por
“biógrafos, genealogistas e colecionadores de anedotas, cronistas de corte, esses bons
divulgadores de mundanidades”.
4
No momento em que a história adquiria uma
significação que transcendia os relatos históricos particulares para se converter em
conceito coletivo singular, como agente e sujeito de si mesma, que estatuto poderiam ter
as vidas de indivíduos ilustres para o trabalho do historiador?
5
O abandono da ênfase no
caráter modelar dos grandes feitos individuais seria um dos traços da narrativa histórica
oitocentista, da qual se passou a exigir não apenas conteúdo fidedigno, mas unidade
épica, ou seja, uma maior capacidade de representação do curso dos acontecimentos
como totalidade dotada de sentido. Assim, em sua célebre conferência de 1821,
Wilhelm von Humboldt propunha uma espécie de solução para a clássica disputa entre
poética e história ao postular que a tarefa do historiador era a de “representar cada
singularidade como parte de um todo, o que significa[va] representar em cada uma
dessas partes singulares a própria forma da história”.
6
Em outras palavras, à pretensão
de verdade que, desde sempre, foi atributo distintivo do gênero historiográfico,
combinar-se-ia uma ambição totalizante no plano narrativo.
7
4
Apud LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques. Jogos de escalas. Rio de
Janeiro: FGV Editora, 1998, p. 231. No contexto francês, o distanciamento dos historiadores românticos
em relação ao gênero biográfico é analisado por GÉRARD, Alice. Le grand homme et la conception de
l’histoire au XIX
e
siècle. Romantisme, vol. 28, n. 100, 1998, p. 31 e DOSSE, François. Le pari
biographique. Écrire une vie. Paris: La Découverte, 2005, pp. 185-194; 213-214.
5
Ao longo do trabalho utilizarei as expressões vidas” e “biografias” como sinônimos, a despeito da
precedência histórica do uso da primeira para designar o gênero biográfico (com o bios dos gregos), e de
sua larga vigência, pelo menos, até meados do século XVIII, quando os termos biographie e biographe
aparecem registrados em língua francesa no Dictionnaire de Trévoux (1721) com a definição de “história
da vida de um indivíduo”. Cf. MADELÉNAT, Daniel. La biographie. Paris: PUF, 1984, pp. 11-20. Sobre
a formação do conceito moderno de história a partir das transformações sociais da segunda metade do
século XVIII, cf. KOSELLECK, Reinhart. historia/Historia. Madrid: Editorial Trotta, 2004, pp. 27-46.
6
HUMBOLDT, Wilhelm von. Sobre a tarefa do historiador (1821). Anima 1(2), 2001, p. 82
.
Cf.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2006, p. 52. A respeito da transposição da fronteira entre história
e poética no processo de formação do conceito moderno de história, cf. também KOSELLECK,
historia/Historia, op. cit., pp. 47-59.
7
GAUCHET, Marcel. Philosophie des sciences historiques. Le moment romantique. Textes de P.
Barante, V. Cousin, J. Michelet, F. Mignet, E. Quinet, A. Thierry. Paris: Éditions du Seuil, 2002, pp. 14-
17.
12
Tais transformações acompanharam a disseminação de uma nova consciência
histórica e a dissolução do topos da historia magistra vitae.
8
O uso da fórmula
correspondia à experiência da constância da natureza humana dentro de um espaço
temporal contínuo e, por conseguinte, à concepção de história, herdada dos antigos,
como fonte perene de exemplos e lições morais fornecidas pelo passado, com a utilidade
de instruir o presente. Na perspectiva de um regime de historicidade em que a
plausibilidade da história como disciplina fundar-se-ia cada vez mais na capacidade de
compreender e explicar os processos históricos em sua unicidade, o lugar-comum acerca
da função magisterial da historiografia perderia muito de seu sentido.
9
Dentro de uma
economia do tempo em que o futuro passaria a ser a categoria preponderante para a
inteligibilidade do presente, o estatuto do relato biográfico, concebido como elaboração
do imitável e do exemplar, tornar-se-ia problemático.
10
Se, por um lado, a
autonomização do saber histórico exigiu que o historiador dilatasse o seu campo de
observação, privilegiando o estudo das civilizações, dos povos e das instituições, por
outro, deixava em aberto, ainda que implicitamente, o problema acerca do papel dos
indivíduos no condicionamento do percurso inexorável da história, concebida como
agente do destino humano e do progresso social.
11
Não por acaso, as reflexões filosóficas do final do século XVIII, na mesma medida
em que contribuem para a constituição da concepção de história como agente e sujeito
de si mesma, também colocam em xeque a categoria antiga de herói ou de varão ilustre
plutarquiano, em nome de um novo personagem: o grande homem. A ênfase introduzida
pela cultura das Luzes na noção de “mérito pessoal” reelaborou, sob outra perspectiva,
um heroísmo de valor que seria inseparável de uma moral social.
12
Como assinala Jean-
Claude Bonnet, esse é o momento de “universalização a glória”, porquanto não se
8
KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., pp. 41-44 et passim.
9
HARTOG, François.
Regimes d'historicité. Presentisme et expériences du temps. Paris: Éditions du
Seuil, 2003, p. 117; LENCLUD, Gérard. Sur les régimes d’historicité. Annales, septembre-octobre 2006,
p. 1075.
10
DOSSE, op. cit., p. 214.
11
Cf. CATROGA, Fernando. O magistério da história e exemplaridade do “grande homem”. A biografia
em Oliveira Martins. In: PÉRES JIMÉNEZ, A.; FERREIRA, J. Ribeiro e FIALHO, Maria do u. (ed.).
O retrato literário e a biografia como estratégia de teorização política. Coimbra: Málaga, 2004, p. 258.
Sobre o progresso como categoria que exprime a idéia de história como um todo unitário, determinada
por um tempo que lhe é próprio e imanente, cf. KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., p. 55.
12
BONNET, Jean-Claude. Naissance du Panthéon. Essai sur le culte des grands hommes. Paris, Fayard,
1998, p. 29. Cf. também ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES,
Adauto (org.) Tempo e História. São Paulo: Cia. das Letras; Secretaria Municipal da Cultura/SP, 1992,
pp. 205-237.
13
aceita mais que o valor dependa do bel prazer do monarca ou da prerrogativa de um
mundo separado; ele deve se afixar como uma virtude evidente e contagiosa que seja
suscetível de ser adquirida por todos, por meio de uma nova exemplaridade e de uma
nova pedagogia heróica”.
13
Para Voltaire, entre os grandes homens estariam “todos
aqueles que se destacaram no útil e no agradável”, em contraponto ao saqueadores de
cidades”, que não seriam mais do que “heróis”.
14
Na introdução de seu Siècle de Louis
XIV, anunciava que pretendia apresentar para a posteridade “não as ações de um
homem, mas o espírito dos homens do século mais esclarecido de todos”.
15
Assim, progressivamente laicizado, humanizado, civilizado, o grande homem
contrapunha-se ao herói guerreiro e passava a ser definido por suas qualidades pessoais
e serviços prestados ao bem público e à humanidade.
16
No caso paradigmático do
iluminismo francês, tal mudança de perspectiva representou um processo de
metamorfose da glória, que a dissociou da noção de honra exclusiva, fundada em
privilégios de nascimento e prerrogativas de pertencimento a um estamento social.
17
O
novo tipo de herói, anunciado por Montesquieu, nada tinha de sobre-humano: “Para
fazer grandes coisas, o é necessário nem mesmo um grande gênio: o é necessário
estar acima dos homens; é necessário estar entre eles”.
18
Longe de dividir, a glória que
convinha aos novos tempos instaurava uma singular proximidade entre alguns
indivíduos eleitos, aspecto que será o mais marcante do culto dos grandes homens no
século XVIII.
19
13
BONNET, Naissance du Panthéon, op. cit. , p. 32.
14
Apud BONNET, Naissance du Panthéon, op. cit., p. 33.
15
VOLTAIRE. Le siècle de Louis XIV. Paris: Librairie Garnier Frères, 1947, p. 1.
16
Sobre o processo de laicização do heroísmo através da instituição da oração e do elogio fúnebre em
meados do século XVIII na Academia Francesa, cf. BONNET, Jean-Claude. Les morts illustres. Oraison
funèbre, éloge académique, nécrologie. In: NORA, Pierre. Les lieux de mémoire, La République. Paris:
Gallimard, 1984, pp. 220-223.
17
Jean-Claude Bonnet identifica no ano de 1758 a data precisa do nascimento oficial do culto dos grandes
homens na França, quando os antigos temas de concurso de eloqüência na Academia foram substituídos
pelo elogio dos grandes homens da nação. Em lugar de compor um Parnaso francês onde os grandes
homens deveriam vir a se agrupar em torno do rei e sob sua tutela, os concursos acadêmicos contribuíram,
de fato, para a fundação de um panteon indubitavelmente republicano no qual a monarquia não tinha
mais verdadeiramente o seu lugar. BONNET, Naissance du Panthéon, op. cit., pp. 9-13; p. 32.
18
Apud BONNET, Naissance du Panthéon, op. cit., p. 40.
19
Idem.
14
Ao novo heroísmo das Luzes corresponde, enfim, uma nova relação com a
temporalidade, advinda da experiência de ruptura irremediável do tormentoso período
revolucionário.
20
Na vida do grande homem, afirma François Hartog, inscrevem-se as
marcas da aceleração do tempo, como uma espécie de prenúncio do futuro, na medida
em que remete à noção de perfectibilidade do gênero humano.Com os grandes
homens, o tempo faria a sua entrada na história ou a história, ela mesma, tenderia a se
transformar em tempo. Os grandes homens querem acelerar a história: eles são os seus
parteiros”.
21
Particularmente intenso e polêmico após a Revolução, o culto dos grandes
homens na França distancia-se do modelo do varão ilustre antigo, para se fixar na
eleição para a imortalidade de um panteon de celebridades do tempo presente.
22
Entre o paradigma heróico dos varões de Plutarco e os embates para a fixação dos
méritos dos grandes homens na cultura das Luzes, os historiadores do Oitocentos
herdam o dilema que estará na base das suas relações ambíguas com o gênero
biográfico. Nesse momento, embora uma “história universal” se impusesse como
corolário das ambições da disciplina quanto à apreensão dos fenômenos históricos em
sua totalidade, será sob o horizonte instransponível da nação que se ordena
simbolicamente o passado, o presente e o futuro.
23
A novidade radical estará, portanto,
na tessitura em intriga da construção política nacional, ou seja, na escrita da história
como conhecimento e mito autorizado, compartilhado.
24
Aos historiógrafos caberia,
enfim, a tarefa de conciliar o novo interesse pela marcha das forças coletivas no tempo e
a identificação dos seus protagonistas.
25
Pois, na medida em que esboçam essas
narrativas, assumem o papel de grandes árbitros, aqueles que estabelecem a correlação
20
A célebre frase de Stendhal, em 1803, “a Revolução Francesa chamou de volta ao grande”, também
sinalizava a reintrodução da dimensão heróica da grandeza. Apud ABENSOUR, op. cit., p. 205.
21
HARTOG, Plutarque entre les Anciens et les Modernes, op. cit., p. 46. Jean-Claude Bonnet, por sua
vez, identifica uma dupla teleologia inscrita na nova concepção: realizando-se a si próprio, o grande
homem cumpre o destino do espírito humano, em conformidade com a teoria da perfectibilidade na qual a
vontade humana assume o lugar que era da providência na antiga perspectiva fatalista. BONNET,
Naissance du Panthéon, op. cit., p. 87.
22
Um decreto de abril de 1791 determinava que, à exceção de Descartes, Voltaire e Rousseau, somente os
contemporâneos àquele contexto revolucionário deveriam ser admitidos no Panteon francês. Idem, p. 255
et passim.
23
HARTOG, François. La France, l’objet historique. Le Monde des Débats, nov. 2000, p. 16.
24
FABRE, Daniel. L’atelier des héros. In: CENTILIVRES, Pierre; FABRE, Daniel; ZONABEND,
Françoise (dir.). La fabrique des héros. Paris: Éditions de la Mason des sciences de l’homme, 1998, p.
272.
25
Idem, p. 273.
15
entre as ações individuais e o destino nacional: são eles que, em nome da nação,
designam e validam os seus heróis.
26
A aporia que se expressa na noção moderna de nação, entendida, ao mesmo
tempo, como “coleção de indivíduos e indivíduo coletivo”, foi assinalada no estudo
clássico de Louis Dumont, como uma espécie de solução ideológica para o problema da
inserção do indivíduo na ordem social.
27
A possibilidade de se atribuir à nação uma
identidade original, um espírito próprio e irredutível ao das demais, serviria de
fundamento para a historiografia romântica e nacionalista do Oitocentos e, por
conseguinte, para a criação das grandes galerias biográficas nacionais.
28
Não seria
fortuito, portanto, que os projetos biográficos no século XIX compartilhassem de um
forte sentido coletivo tanto na criação dos panteons de homens ilustres quanto na
mobilização de inúmeros autores para a sua elaboração. Essa dupla dimensão coletiva
pode ser notada na Biographie universelle ancienne et moderne, organizada por Louis-
Gabriel Michaud, entre 1811 e 1828, que serviria de modelo para outros
empreendimentos similares.
29
Ao prefaciar a edição revisada de 1843, Charles Noidier
destacaria a monumentalidade da obra por meio de uma comparação entre biografia e
história: “Na medida em que a história dos fatos se mistura com a dos homens, o
biógrafo deve, tanto quanto o historiador, escavar o seu objeto, elevar-se naturalmente à
26
Idem. Assim, um historiador como Jules Michelet definiria como a “primeira missão da história:
recuperar, através de pesquisas conscienciosas, os grandes fatos da tradição nacional. [...] A França tem
direito, se ninguém o pode ter, de julgar, em última instância, os seus homens e os seus acontecimentos”.
Apud FABRE, op. cit., p. 273. Sobre a peculiar noção de herói e de heroísmo em Michelet, cf.
VIALLANEIX, Paul. Les héros selon Michelet. Romantisme, vol. 1, n. 1, 1971, pp. 102-110 e
ABENSOUR, op. cit., pp. 205-237.
27
DUMONT, Louis. O individualismo. Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de
Janeiro: Rocco, 1985, p. 139.
28
DARVICHE, Mohammad-Said. La biographie nationale ou comment justifier l'ordre collectif moderne.
Pôle Sud, vol. 1, n. 1, 1994, pp. 101 116. Na célebre conferência de Ernest Renan em 1882, encontra-se
a homologia: “a nação, como o indivíduo, é a culminação de um largo passado de esforços, sacrifícios e
devoção.” Apud PALTI, Elias. A nación como problema. Los historiadores y la “cuestión nacional”.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002, p. 73.
29
Cf. JEFFERSON, Ann. Biography and the question of Literature in France. New York: Oxford
University Press, 2007, pp. 83-92. Como destaca a autora, o dicionário monumental de Michaud apareceu
muito antes dos similares ingleses, como o Dictionary of National Biography, de Leslie Stephen, cujos 66
volumes foram publicados entre 1885 e 1901. Entre os autores que assinam as biografias contidas nos 52
volumes da Biographie Universelle, estão Victor Cousin, Madame de Stäel, Georges Cuvier e outros
nomes que, posteriormente, também apareceriam como verbetes biográficos na mesma obra.
16
grandeza de seus tipos, descer sem esforço até as particularidades individuais e semear
os ensinamentos e o pensamento na tessitura das suas narrativas”.
30
Tais referências devem ser levadas em conta no estudo do caso brasileiro. Desde a
sua formulação inicial, a proposição de salvar do esquecimento as vidas dos varões
ilustres do Brasil mediante a publicação das suas biografias, conteria um forte apelo
político e coletivo.
“A nossa historia abunda de modelos de virtudes; mas um grande
numero de feitos gloriosos morrem ou dormem na obscuridade,
sem proveito das gerações subseqüentes. O Brazil, senhores, [...]
pode comtudo apresentar pela historia, ao estudo e emulação de
seus filhos, uma longa serie de varões distinctos por seu saber e
brilhantes qualidades. Só tem faltado quem os apresentasse em
bem ordenada galeria, collocando-os segundo os tempos e os
logares, para que sejam melhor percebidos pelos que anhelam
seguir os seus passos nos caminhos da honra e da gloria
nacional”.
31
À luz dos princípios enunciados pelo cônego Cunha Barbosa, o projeto de escrita
da história nacional desdobrava-se em múltiplas vias de realização, entre as quais estava
a constituição de uma galeria de nomes dignos a serem memorizados por seus grandes
feitos em prol da nação. Não obstante a evocação recorrente do modelo de
exemplaridade plutarquiano, a noção-chave implícita na formação do panteon brasileiro
será a do grande homem das Luzes, louvado por personificar a excelência do homem
comum, letrado, benfeitor da humanidade e, sobretudo dotado de virtudes exemplares
como servidor do Estado. A publicação regular e em série das biografias desses
personagens sugere, portanto, que eles encarnam valores coletivos celebrados pela
sociedade política do Segundo Reinado.
Ao contrário das complicadas panteonizações da França revolucionária, que
sublinhava divisões em um contexto de derrocada da monarquia, a memória dos grandes
homens no Brasil constituiu-se, de acordo com Armelle Enders, em “um amplo
empreendimento de reconciliação das elites” em torno do regime monárquico e, desse
modo, “os vultos nacionais recolhe[ria]m apenas as migalhas do culto dinástico no
30
NOIDIER, Charles. Discours Préliminaire. In: MICHAUD, Louis-Gabriel. Biographie universelle
ancienne et moderne. Paris: Mme. C. Desplace, 1843, vol.I, p. v. Disponível em http://www.bnf.fr/
31
BARBOSA, Januário da Cunha. Discurso. RIHGB, Tomo I, 1839, pp. 15-16. [grifos meus].
17
reinado de D. Pedro II”.
32
Mais do que um embate teórico quanto às noções de “herói”
ou de “grande homem”, o que se apresentava como problema de solução complexa para
os letrados do IHGB era a eleição de ilustres nascidos no período anterior a 1822, o que
implicava criar uma linhagem de brasileiros notáveis desde os tempos coloniais. Um
panteon nacional pressupunha a existência histórica do Brasil a partir do seu
descobrimento, o que facultava a inclusão não somente daqueles que tivessem aqui
nascido, mas também dos naturais de outras partes do Império português.
33
Para além dos impasses envolvidos na construção identitária da nação, a aposta
biográfica dos sócios do Instituto deve ser pensada no quadro das transformações da
disciplina histórica ao longo do século XIX. Para se tornar especificamente científico, o
saber histórico precisou seguir os princípios da metodização, submetendo a regras todas
as operações da consciência histórica, cujas pretensões de validade passariam a se
fundar nos argumentos das narrativas.
34
No Oitocentos, as histórias nacionais deveriam
se apresentar, antes de tudo, como um saber guarnecido de provas, cabendo àqueles que
as elaboravam o somente oferecer o relato verdadeiro sobre os acontecimentos, mas
também nomear os seus protagonistas.
35
Em decorrência dessa exigência, o herói não
adquire o estatuto de personagem histórico senão quando o seu nome se inscreve na
longa duração da gênese nacional, o que significa que a sua existência e as suas ações
devem ser não apenas narradas, mas documentadas.
36
Tal preocupação está implícita na
proposta de Cunha Barbosa e, de certa forma, revela o seu sentido mais amplo: tratava-
se de erigir uma “bem ordenada galeria”, na qual a “longa série de varões distintos”
seria apresentada conforme “os tempos e os lugares” das suas vidas.
37
Na formulação do projeto histórico-biográfico do IHGB observa-se a preocupação
com os procedimentos que passariam a conferir um caráter mais científico à operação
historiográfica: o compromisso com a cronologia, a constituição de arquivos e o uso
32
ENDERS, Armelle.
O Plutarco Brasileiro. A produção dos vultos nacionais no segundo reinado.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 2000, pp. 41-61. Sobre o culto dos grandes homens e a instituição do
Pantheon durante o período revolucionário na França, cf. BONNET, Jean-Claude. Le culte des grands
hommes en France au XVIIIe siècle ou la défaite de la monarchie. MLN, vol. 116, n. 4, French Issue,
2001, pp. 689-704.
33
ENDERS, O Plutarco Brasileiro, op. cit., p. 44.
34
RÜSEN, J. Reconstrução do passado. (Teoria da História II). Brasília: Editora UnB, 2007, p. 12.
35
FABRE, op. cit., p. 276.
36
Idem, p. 277.
37
BARBOSA, op. cit., p. 16.
18
metódico dos documentos, visando à exatidão no estabelecimento dos fatos do passado.
Desse modo, os letrados acreditavam disciplinar o gênero biográfico, fixando-lhe
critérios de fidedignidade, com o intuito de torná-lo, enfim, historiográfico.
II
No Brasil oitocentista, a escrita da história tornou-se, de imediato, objeto de um
debate a partir do qual se formularam distintas percepções acerca do tema.
38
No
processo de autonomização da disciplina, essas concepções relacionavam-se de um
modo não necessariamente excludente ou antagônico. Portanto, a referência que aqui se
faz a um “projeto” do IHGB denota muito mais a existência de traços recorrentes nas
diversificadas incursões historiográficas de seus sócios, do que formulações
absolutamente consensuais acerca de como pesquisar e escrever a história do Brasil.
Mesmo o topos da história magistra vitae, que pode ser tomado como princípio
orientador da atividade historiográfica do Instituto no período, a despeito da longa
vigência nos discursos dos presidentes, primeiros secretários e oradores, o aparece
senão como um argumento incidental em alguns textos programáticos.
39
A fórmula
mostra-se menos operante, por exemplo, na Dissertação acerca do sistema de escrever
a História antiga e moderna do Império do Brasil, em que Raimundo da Cunha Matos
define a história como a ciência cujo objetivo primeiro seria o de descrever os
acontecimentos do presente e do passado.
40
Por sua vez, no programa apresentado em
38
Nas palavras de Manoel Luiz Salgado Guimarães, ao apresentarem suas propostas para pensar uma
história do Brasil e sua forma de realização, quer no plano metodológico, quer no plano formal, [os
literatos] disputam a reconstrução do passado, permitindo-nos vislumbrar as tensões e disputas em jogo,
que fazem da escrita aquilo que apropriadamente Roger Chartier denominou lutas de representação,
sublinhando sua importância e significado políticos para os arranjos presentes das sociedades”.
GUIMARÃES, Manoel L. Salgado. Entre as Luzes e o Romantismo: as tensões da escrita da história no
Brasil oitocentista. In: Estudos sobre a escrita da história. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 101.
39
Sobre a historia magistra vitae como princípio norteador das investigações do IHGB, cf. CEZAR,
Temístocles. Lição sobre a escrita da história. Historiografia e nação no Brasil do século XIX. Diálogos,
Maringá/Paraná, v. 8, 2004, p. 14.
40
A dissertação de Cunha Matos foi lida na sessão de 19 de janeiro de 1839 e publicada somente em
1863. MATTOS, Raimundo José da Cunha. Dissertação acerca do sistema de se escrever a História antiga
e moderna do Império do Brazil, RIHGB, Tomo 26, 1863, pp.121-143 (citação p. 137). Manoel Salgado
Guimarães aborda o trabalho de Cunha Matos, juntamente com o programa de Rodrigo de Souza Pontes e
o discurso de Cunha Barbosa como “textos de fundação” que vieram à luz nas páginas da Revista do
Instituto, cuja temática central está na proposição de modelos para a escrita da história do Brasil.
19
1840, Rodrigo de Souza Pontes aponta, entre as tarefas prioritárias do Instituto, a
organização de expedições científicas como meio de coligir os materiais necessários
para a historia e geografia do Brasil, tomando como referência as academias de ciências
européias. Para ele, a palavra história, em sua acepção mais ampla, compreendia não
os fatos relativos ao estado político de uma nação, mas abrangia também as variações
sucessivas do “espírito humano”.
41
Uma ênfase particular do preceito antigo encontra-se no texto premiado pelo
Instituto em 1847, como o melhor plano de escrita da história do Brasil. Em sua célebre
dissertação, o naturalista Carl Friedrich Phillip von Martius apresenta algumas
observações sobre as relações do historiador com sua pátria.
42
A história era uma
mestra, o somente do futuro, mas também do presente porque incitava o
patriotismo.
43
Caberia, então, aos historiadores brasileiros persuadir os leitores da
necessidade da monarquia, demonstrando o vínculo “orgânico” de todas as províncias
do Império, e, sobretudo a origem e o “fundo histórico” comuns dos seus habitantes.
44
O
receituário metodológico prescrito por Martius, centrado na importância da “mescla das
raçaspara a formação do Brasil, estava longe de se apoiar em um modelo de história
com ênfase na exemplaridade dos feitos dos grandes homens. Nesse caso, assim como
nos textos citados de Cunha Matos e de Sousa Pontes, mesmo que a perspectiva
pragmática da história magistra esteja, em maior ou menor grau, subentendida, não
qualquer ênfase na necessidade de se fixar os nomes e as vidas dos compatriotas
beneméritos para a posteridade.
GUIMARÃES, Manoel L. Salgado. A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista no Brasil. In:
CARVALHO, José Murilo (org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007, pp. 95-122.
41
PONTES, Rodrigo de Souza. Quais são os meios de que se deve lançar mão para obter o maior número
possível de documentos relativos à história e geografia do Brasil. RIHGB, Tomo 3, 1841, pp. 149-157
(citação p. 155).
42
MARTIUS, C. P. von. Como se deve escrever a história do Brasil. RIHGB, Tomo 6, 1844, pp. 389-411.
A dissertação foi escrita em Munique em 1843, publicada no ano seguinte na Revista, com tradução do
barão de Capanema e reproduzida no periódico em 1953, pp. 187-205. O trabalho alcançou notoriedade
por ter vencido o concurso, instituído em 1840, no qual o Instituto oferecia um prêmio ao autor do melhor
plano para a escrita da história antiga e moderna do Brasil. O texto do naturalista foi escolhido frente a
um único concorrente, o sócio Henrique Wallenstein, com a “Memória sobre o melhor plano de se
escrever a História Antiga e Moderna do Brasil”. Para uma análise das proposições de Martius, cf.
CEZAR, T. Como deveria ser escrita a história do Brasil no século XIX. Ensaio de história intelectual. In:
PESAVENTO, S. J. (org.) História cultural. Experiências de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS Editora,
2003, pp. 173-208 e GUIMARÃES, Manoel L. S. História e natureza em von Martius: esquadrinhando o
Brasil para construir a nação. História, Ciências, Saúde, vol. 7, n.2, jul-out 2000, pp. 391-413.
43
MARTIUS, Como se deve escrever a história do Brasil, op. cit., p. 409.
44
Idem, p. 410.
20
A coexistência dessas distintas visões acerca da pesquisa e escrita históricas talvez
fosse tacitamente admitida entre os cios do IHGB, em nome dos objetivos
estabelecidos para a instituição desde a formulação dos seus estatutos fundamentais.
Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, em seu relatório do ano de 1875, lembrava que
ninguém poderia pretender que “uma associação composta de o diversos caracteres”,
na qual se expunham livremente “differentes e quiçá heterogêneas opiniões”,
convergisse para um único ponto de mira através do qual os acontecimentos pudessem
ser vistos “pelo mesmo prisma”, conferindo à historia pátria “essa poderosa e admirável
unidade que resplandece nos immortaes trabalhos de Thucydides e de Tácito”. Para o
cônego, a missão crucial da agremição era outra, o que fazia de seus integrantes
“modestos alvaneis” na edificação da obra historiográfica.
45
Por sua vez, José Ribeiro
de Sousa Pontes, primeiro secretário em 1879, lembrava que as “longas, accuradas e
laboriosas pesquizas” dos sócios do Instituto contribuíam para a constituição de um
thesouro rico de documentos” que, no futuro, serviriam para a edificação da história
pátria.
46
Para escrever com critério e documentar a história, a geografia e a etnografia do
país, era necessário pesquisar de maneira análoga à dos geólogos em suas escavações,
pois “ahi o encontro de restos de um ser desconhecido, apparentemente insignificantes,
achados somente depois de longo tempo e muito trabalho despendidos, justifica os
resultados a que se chega [...]”.
47
No esforço coletivo empreendido para a elaboração da história nacional, os
trabalhos biográficos estiveram longe de desempenhar um papel secundário ou mesmo
de terem contestado o seu valor historiográfico dentro do Instituto. Entretanto, os usos
do gênero pelos seus sócios sempre foram acompanhados pela afirmação da função
moralizadora e pedagógica da história, tal como a formulara Cunha Barbosa no discurso
inaugural. A seção Biographia dos Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes,
&tc. que surge, pela primeira vez, no segundo número da Revista, não esgota o corpus
biográfico produzido pelos sócios da instituição.
48
Até 1899 podem ser contabilizados
45
RIHGB, Tomo 38, II, 1875, p. 393.
46
RIHGB, Tomo 42, 1879, p. 298.
47
Idem.
48
A Revista do Instituto foi publicada trimestralmente até 1864, quando passou a ser semestral. Embora
não haja uma divisão rigorosa do material publicado, pode-se destacar dois grupos de textos que
constituíram um espaço relativamente delimitado e constante no periódico: as atas (e demais papéis
administrativos do Instituto) e as biografias. As atas das sessões ordinárias e assembléias do Instituto
foram publicadas desde o primeiro tomo e, de modo geral, apareciam todos os trimestres e sempre
21
165 trabalhos sob a rubrica de biografia ou apontamentos biográficos.
49
Frente à sua
evidência quantitativa, constatada em estudos anteriores, a questão que se impõe é a
da relevância das biografias como parte da operação historiográfica dos sócios do
IHGB, posto que muitas delas consistiram em compilações de obras de autores não
pertencentes aos quadros da instituição.
50
Mais do que minimizar ou sobrevalorizar a
importância dessas produções, seria necessário atentar para o tipo de publicação em que
elas se inscrevem, e ainda, a função atribuída ao periódico do Instituto por seus
principais colaboradores.
Os trabalhos publicados na Revista Trimensal aparecem sob diversificadas
denominações, entre as quais, além das citadas biografias, estão necrológios, elogios
históricos, memórias, relatos, crônicas, anais, dissertações, corografias e tratados.
Mesmo que se estabeleça a diferenciação entre a produções textuais dos associados e os
documentos compilados, a heterogeneidade das primeiras permanece irredutível a um
padrão único de apresentação, tornando complexa a avaliação de seu valor
historiográfico. A constatação possibilita, no entanto, algumas reflexões. A primeira é a
de que a diversidade do material elaborado pelos sócios do Instituto no Oitocentos
permitiria estender, para esse período, a hipótese das variações nos usos do gênero
historiográfico, que caracterizou a produção dos acadêmicos brasílicos no século
anterior.
51
situadas ao fim de cada número. Cf. SANCHEZ, Edney C. T. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro: um periódico na cidade letrada brasileira do século XIX. São Paulo/Campinas: IEL/Unicamp,
2003, pp. 105-106. Dissertação de Mestrado.
49
Cf. Anexo. O levantamento pioneiro sobre o material impresso na Revista está em POPPINO, Rollie. A
century of the Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. The Hispanic American Review,
Durham, 33 (2), 1953. Cf. também GUIMARÃES, cia M. P. Debaixo da imediata proteção de Sua
Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889). RIHGB, Rio de Janeiro, a.
156, n. 388, jul./set. 1995, pp. 509-512. Para um mapeamento específico da seção, cf. SANCHEZ, op.
cit., pp. 108-112.
50
A dificuldade foi observada por Lúcia Guimarães em sua análise do material publicado na Revista, cf.
GUIMARÃES, Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., pp. 511-512.
51
Em um estudo da obra de Sebastião da Rocha Pita, Eduardo Sinkevisque chama a atenção para o que
identifica como “os vários estados de uso do gênero historiográfico” na prosa histórica seiscentista no
Brasil, notadamente marcada por categorias teológico-políticas. Nessa perspectiva de análise, focada nos
padrões retórico-poéticos de escrita, é possível considerar, no século XIX, o gênero historiográfico
continua caracterizado por uma “vasta dispersão de papéis” que se evidencia em “narrativas”,
“memórias”, “tratados”, etc. SINKEVISQUE, Eduardo. Retórica e Política: a prosa histórica dos séculos
XVII e XVIII. Introdução a um debate sobre nero. São Paulo: USP/Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas, 2000, pp. 2-26. Dissertação de mestrado. Por sua vez, Íris Kantor também aponta para a
diversidade de estilos narrativos adotados pelos acadêmicos brasílicos no século XVIII e interpreta o que
chama de “indeterminação da prosa historiográfica” como uma estratégia discursiva da afirmação da
identidade americana”. KANTOR, Íris. Esquecidos e Renascidos. Historiografia Acadêmica Luso-
22
Por outro lado, é importante notar que as diversificadas modalidades discursivas
dos letrados oitocentistas correspondem a um outro momento de institucionalização da
construção do conhecimento histórico, marcado pelo relativo distanciamento dos
códigos retórico-poéticos que condicionavam a prosa histórica setecentista. Nesse
sentido, poder-se-ia afirmar que, enquanto o saber histórico se transforma em ciência,
opera-se o que Jörn Rüsen chama de “processo de anti-retórica”, ou seja, a
historiografia não se limita mais a apresentar as histórias na forma (agradável) de uma
mímesis reprodutora de um fato concreto, mas faz aparecer aos olhos do leitor os traços
de um trabalho metódico de investigação.
52
Como discurso que passa a ser dotado de regras próprias de validação, a escrita da
história torna-se manifestação tangível de uma operação, indissociável das práticas e do
lugar que controlam e codificam as suas convenções.
53
De acordo com Michel de
Certeau, a operação historiográfica moderna começa efetivamente com a diferenciação
passado-presente, por conseguinte, “distingue-se também da tradição (religiosa) da qual,
entretanto, não conseguirá jamais se separar totalmente”.
54
Para tornar verdadeiramente
cognoscível o pretérito distante, concebido como objeto de uma elaboração científica,
os literatos modernos não puderam prescindir dos métodos da pesquisa erudita,
nomeadamente a filologia, cronologia e arqueologia. Assim, a herança antiquária passa
por um processo de reelaboração intelectual que Manoel Guimarães identifica como de
“reinvenção da tradição”, nos quadros de uma cultura histórica que buscará conferir um
sentido presente ao esforço de reflexão sobre o passado.
55
Entre os efeitos da
constituição disciplinar da história no Oitocentos, estaria a própria criação do IHGB
como instância autorizada não somente a produzir trabalhos nesse domínio, mas a
estabelecer os critérios para a sua validação.
Americana (1754-1759). São Paulo: Hucitec; Salvador: Centro de Estudos Baianos/UFBA, 2004, pp. 243-
244.
52
RÜSEN, Reconstrução do passado, op. cit., pp. 16-17.
53
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2
a
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 66
et passim.
54
Idem, p. 14.
55
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Reinventado a tradição: sobre antiquariato e escrita da história.
Humanas/IFCH-UFRGS, Porto Alegre, vol. 23, n.1/2, 2000, pp. 125-126.
23
A questão que merece ser mais bem examinada, portanto, diz respeito às
operações intelectuais que incidem nas práticas de pesquisa histórica e elaboração do
discurso historiográfico. Embora sejam mediados por convenções estabelecidas no
interior dos lugares de produção de saber, esses procedimentos sempre foram
condicionados pelas escolhas dos historiadores. Longe de serem fortuitas, essas
deliberações dizem respeito à capacidade de selecionar e organizar os fatos segundo
modalidades discursivas diversas e, por conseguinte, relacionam-se à busca de modelos
de inteligibilidade e atribuição de sentido para as evidências históricas.
56
Assim, nas primeiras décadas de existência do IHGB percebe-se a publicação
significativa de memórias históricas que, de modo geral, consistiam em compilações
documentais ou relatos descritivos, e em grande parte testemunhais, acerca de
determinados acontecimentos da história imediata das províncias do Império.
57
O uso
recorrente dessa forma de registro historiográfico corresponde, sem dúvida, à concepção
cumulativa de construção do conhecimento histórico em que o momento do arquivo, ou
seja, o trabalho de fixação da memória, dos testemunhos e de ordenação dos vestígios
do passado, constitui-se em precondição incontornável para a escrita da história.
58
A publicação da Revista Trimensal pode ser considerada, por sua vez, como a
materialização dos propósitos formulados nos estatutos do Instituto.
59
Assim, Joaquim
Manoel de Macedo, primeiro secretário interino em 1852, definia a rie de periódicos
do IHGB como uma colecção” ou um cofre precioso”, onde se imprimiam
56
REVEL, Jacques. Ressources narratives et connaissance historique. Enquête, n.1, 1995, pp. 51 e 68.
57
Neste sentido, o programa historiográfico dos acadêmicos brasílicos setecentistas se orientava
essencialmente para a elaboração de memórias históricas – “aparato crítico de fontes documentais e
bibliográficas, tábua cronológica, carta geográfica, corografia, genealogia, catálogo de autoridades, etc.”
como instrumento prévio para a escrita de uma “história universal da América Portuguesa”. KANTOR,
op. cit., p. 77. Dentro do IHGB, pode-se citar como exemplo paradigmático desse tipo de texto a
“Memória histórica e documentada da revolução da província do Maranhão”, escrita por Domingos
Gonçalves de Magalhães e premiada no IHGB em 1847. Para uma análise desse trabalho como forma de
elaboração da história do tempo presente, cf. CEZAR, Temístocles. Presentismo, memória e poesia.
Noções da escrita da história no Brasil oitocentista. In: PESAVENTO, Sandra J. (org.). Escrita,
Linguagem, Objetos. Leituras de História Cultural. Bauru/São Paulo: Edusc, 2004, pp. 68-79.
58
Paul Ricoeur chama de momento do arquivo o processo em que o testemunho, originalmente oral,
adquire a forma de memória escrita, arquivada e, portanto, assume o estatuto de documento. La mémoire,
l’histoire, l’oubli. Paris:
Éditions du Seuil, 2000, pp. 209-210. As passagens citadas em português desta
obra estarão de acordo com a tradução de Alain François et al. (Campinas/SP: Editora da Unicamp,
2007).
59
“O fim deste Instituto será, além dos que forem marcados pelos seus regulamentos, colligir e
methodizar os documentos históricos e geographicos interessantes á historia do Brazil”. Breve noticia
sobre a creação do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro. RIHGB, Tomo 1, 1839, p. 6.
24
“interessantes memórias e preciosos manuscriptos”, visando o conhecimento dos feitos
dos nossos antepassados e a escrita da história pátria pelos futuros historiadores.
60
Antes
dele, Cunha Barbosa também se referira à Revista como um “promptuario de
documentos para a nossa historia”.
61
O levantamento dos índices de matérias publicadas entre 1839 e 1899 demonstra a
presença significativa de memórias e notícias históricas, bem como a profusão e a
regularidade com que os escritos biográficos foram elaborados pelos seus sócios.
Mesmo que alguns desses textos aparecessem identificados como extratos ou
transcrições de outras obras como, por exemplo, da Bibliotheca Lusitana de Diogo
Barbosa Machado o dispensavam a inclusão de comentários e, muitas vezes,
correções e notas apostas em de página pelo redator. Como autores das biografias
identificam-se os nomes de alguns dos letrados mais destacados do Império como o
próprio Cunha Barbosa, João Manuel Pereira da Silva, Joaquim Norberto de Sousa
Silva, Manuel Duarte Moreira de Azevedo e o cônego Joaquim Caetano Fernandes
Pinheiro. Entre os colaboradores mais assíduos, Francisco Adolfo de Varnhagen
desponta como cio que assinou o maior número de textos incluídos na seção entre
1840 e 1867.
62
A profusão de notícias biográficas na Revista, sobretudo em seus primeiros
decênios de publicação, reforça, de imediato, a tese da incorporação do gênero ao
programa que firmou as bases para a elaboração de uma história nacional.
63
Para os
fundadores do IHGB, traçar vidas de brasileiros distintos era tarefa integrante do projeto
historiográfico que ambicionava salvar da voragem do tempo não somente os fatos
memoráveis, mas os nomes e feitos dos que serviram à nação. No entanto, com o
advento das gerações subseqüentes e, sobretudo para o período posterior aos anos de
60
“Não é um arrojo de orgulho, é uma verdade incontestável: a collecção das nossas Revistas se tem
tornado em um cofre precioso, onde se guardam em deposito thesouros importantíssimos; e a leitura
d’ellas será muitas vezes fructuosa para o ministro, o legislador e o diplomata, e em uma palavra para
todos aquelles que não olham com indifferença as cousas da pátria. E quando mesmo se chegasse a
averbar de exagerada esta observação, sobrava para demonstrar a importância da nossa publicação
trimestral, a certeza de que ella será a fonte abundante e pura, onde os nossos futuros historiadores irão
beber as chronicas e as tradições do passado”. RIHGB, Tomo 15, 1852, p. 492.
61
Relatório, RIHGB, Tomo 5, 1843, p. 24.
62
Cf. Anexo.
63
Cf. CEZAR. Temístocles. Livros de Plutarco: biografia e escrita da história no Brasil do século XIX.
Métis: história & cultura, v.2, n.3, jan.-jun. 2003, pp.73-94.
25
1880, percebe-se um certo esmorecimento do panteon que vinha sendo erigido desde os
primeiros números nas páginas do periódico.
64
Caberia indagar, então, se a composição
de biografias seria uma preocupação exclusiva daquele grupo de sócios pioneiros, entre
eles, o cônego Cunha Barbosa. Como explicar o gradativo declínio nos usos da
biografia após os primeiros decênios de funcionamento do Instituto? Seria possível
considerar que o distanciamento em relação à biografia seria sintoma da vigência de um
novo regime historiográfico? Isso nos permitiria supor, enfim, que a escrita da história
perdia a finalidade magisterial de fornecer exemplos a serem imitados no presente?
III
O objetivo deste trabalho é o de investigar as relações que a escrita de biografias
manteve com a operação historiográfica dos sócios do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro ao longo do século XIX. A estratégia utilizada consiste no amplo exame do
material publicado na Revista e, mais pontualmente, do corpus de textos que ocupou a
seção intitulada Biografia de Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes, bem
como os demais escritos do gênero estampados nas páginas do periódico. O recorte
temporal da pesquisa delimita-se, portanto, pelo surgimento da seção em 1839 e o seu
desaparecimento paulatino a partir da década final do Oitocentos. A opção por este
critério de abrangência implica, por sua vez, que não se perca de vista as diferentes
conjunturas políticas que marcaram a existência da instituição desde a sua criação no
momento pós-independência, atravessando o apogeu do Império no Segundo Reinado
até a difícil transição para a República.
Os trabalhos biográficos serão aqui investigados primordialmente como modos de
elaboração da experiência do passado, integrados ao processo mais amplo de
constituição de um regime de escrita da história no Brasil oitocentista. Nessa
perspectiva, história e biografia não devem ser tomadas como gêneros puros ou
64
De 1839 a 1849, foram publicadas 72 biografias na seção. Entre 1850 e 1860, um visível declínio
nas publicações, particularmente nos anos de 1853, 1854 e 1855, quando a rubrica Biographia dos
brasileiros distintos desaparece, sem que deixem de ser publicados, contudo, textos biográficos, como os
elogios históricos e necrológios. A partir de 1856, a seção é retomada, não com a mesma regularidade e
profusão da primeira década. De 1861 a 1882, o número de biografias incluídas é de 53. Nos anos
posteriores, ou seja, entre 1883 e 1899, o decréscimo torna-se ainda mais acentuado. Cf. Anexo.
26
inalteráveis em suas disposições, mas como formas discursivas historicamente
condicionadas por diferentes práticas e tradições letradas.
65
Em estudo pioneiro sobre o
tema, Arnaldo Momigliano ressaltou que, a despeito da notória diferenciação
estabelecida pelos antigos, a relação entre ambas variou segundo as épocas e os lugares,
sendo necessário considerar, ao mesmo tempo, o que as separa e o que as aproxima.
66
Por sua vez, na configuração do campo semântico da noção moderna de biografia,
Daniel Madelénat apontou para a oposição entre um sentido próprio (relato de uma
vida) e um metonímico (acontecimentos de uma vida), o que remeteria à dualidade
semântica similar do conceito de história (narração e conjunto de fatos que se produzem
no tempo).
67
A dupla significação é bastante significativa, porquanto uma vida não
adquire sua verdadeira e definitiva realidade” senão por meio do seu relato. Enfim,
para ambas história e biografia – uma palavra designa, ao mesmo tempo, a
operação e o artefato textual que dela resulta. Seria possível, de acordo com Madelénat,
reunir em uma única formulação os sentidos amplo e estrito, usualmente atribuídos ao
gênero biográfico, definindo-o como narrativa escrita ou oral, em prosa, que um
narrador faz da vida de um personagem histórico, acentuando a singularidade e a
continuidade de sua existência”.
68
As palavras narrativa, narrador, histórico assinalam
o pertencimento comum à literatura e à história e, por conseguinte, acentuam o caráter
65
Cf. JEFERSON, Biography and the question of Literature, op. cit., pp. 16-18. Sobre essas
determinações formais e históricas, também me baseio nas observações de Alcir Pécora que, mesmo
vinculadas ao estudo de gêneros retórico-poéticos dos séculos XVI ao XVIII, seriam plenamente válidas
para pensar a escrita da história e da biografia no XIX. “A tendência histórica básica dos mais diferentes
gêneros é a de desenvolver formas ‘mistas’, com dinamicidade relativa nos distintos períodos, que
impedem definitivamente a descrição de qualquer objeto como simples coleção de aplicações genéricas”.
CORA, Alcir. Máquina dos gêneros. São Paulo: Edusp, 2001, p. 12.
66
MOMIGLIANO, Arnaldo. Les origines de la biographie em Grèce ancienne. Paris: Circé, 1971, p. 25.
67
MADELÉNAT, op. cit., pp. 11-20. Emprestadas do grego tardio, “biografia” e “biógrafo” são
registradas pelos dicionários de língua inglesa e francesa no decorrer do século XVIII. Seus derivados,
mais raros, formam-se no XIX. Nascida no auge de um período de laicização acelerada, a palavra
biografia (“tipo de história que tem por objeto a vida de uma pessoa”, segundo Littré) parece denotar
uma obra com rigor “científico”, em oposição implícita às formas antigas (panegírico, elogio, oração
fúnebre) de eloqüência sacra ou oficial (p. 14).
68
Idem, p. 20. É precisamente a concepção de que a vida individual pode ser “organizada” como “um
conjunto coerente e orientado de acontecimentos” e, portanto, narrada como uma “história”, que estaria
em questão na crítica radical, dirigida ao campo das ciências sociais, por Pierre Bourdieu. Cf.
BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M. e AMADO, J.(orgs.) Usos e abusos da história
oral. 5
a
ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002, pp.183-191. Para a posterior discussão dessa tese pelos
sociólogos, sobretudo com a perspectiva da “pluralidade dos percursos individuais” de Bernard Lehire, cf.
DOSSE, Le pari biographique, op. cit., pp. 227-232
27
híbrido da biografia, situada na tensão constante entre uma ambição mimética de
reprodução do vivido e sua reconfiguração imaginativa.
69
No processo de disciplinarização da história, o regime historiográfico com
pretensões científicas não se constituiu sem que se colocasse em primeiro plano um
conjunto de práticas controladas de leitura, estabelecimento e crítica das fontes. O que
Jörn Rüsen chama de “metodização do pensamento histórico” denota precisamente o
sistema de regras de averiguação e validação sob as quais a experiência do passado
passaria a ser incorporada à pesquisa empírica.
70
No entanto, a conformação da história
como campo de conhecimento especializado não excluiria certas disposições
intelectuais que situavam a tarefa do historiador entre os domínios da erudição e da
poesia. Um praticante emblemático do ofício como Leopold von Ranke, por exemplo,
formularia explicitamente os termos do problema ao afirmar que a história distinguia-se
das demais ciências por ser, simultaneamente, arte.
71
É importante notar, contudo, que a
despeito de suas conhecidas ponderações acerca da proximidade da elaboração
historiográfica com a poesia, sobretudo pela exigência da “faculdade de reconstituição”
do passado, Ranke criticava a tradição de escrita da história baseada em estratégias
retórico-poéticas, para defender uma argumentação mais científica”, ou seja, a
exposição estrita dos processos históricos tal como aconteceram.
72
Ao contrário dos procedimentos aplicados à investigação, o trabalho de escrita dos
historiadores sempre se mostrou infenso a um regramento análogo ou, pelo menos,
submetido a convenções distintas daquelas que regem a pesquisa.
73
Concebendo-as
como componentes indissociáveis de uma operação, Michel de Certeau acertadamente
69
Como destaca François Dosse, essa tensão, por certo, não é privilégio da biografia, mas é nela que
atinge o seu paroxismo máximo, que provém de sua dupla dimensão histórica e ficcional. Idem, p. 57 et
passim.
70
RÜSEN, J. Reconstrução do passado, op. cit., p. 16.
71
“A história distingue-se das demais ciências por ser, simultaneamente, arte. Ela é ciência ao coletar,
achar, investigar. Ela é arte ao dar forma ao colhido, ao conhecido, ao representá-los. Outras ciências
satisfazem-se em mostrar o achado meramente como achado. Na história, opera a faculdade da
reconstituição. Como ciência, ela é aparentada à filosofia; como arte, à poesia”. Apud RÜSEN, J. História
viva. Teoria da História III. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 18.
72
Neste caso, o alvo das críticas de Ranke era o que ele considerava as “falsas narrativas” e “fórmulas
poéticas” de seu predecessor, Francesco Guiciardini. Idem, pp. 18-19 (nota 5). Para uma análise dos
aspectos literários e retóricos da historiografia rankeana, cf. RÜSEN, J. Rhetoric and Aesthetics of
History: Leopold von Ranke. History and Theory, vol. 29, Maio 1990, pp. 190-204. A esse respeito, cf.
também GRAFTON, Anthony. As origens trágicas da erudição: pequeno tratado sobre a nota de rodapé.
Campinas/SP: Papirus, 1998, pp. 41-84.
73
RÜSEN, História viva, op. cit., p. 17.
28
definiu a escrita da história pela imagem invertida da sua prática investigativa. Por se
apresentar como “uma arquitetura estável de elementos”, cuja coerência provém da
unidade designada pelo nome do autor, a representação historiográfica resultaria
“plena” por preencher e/ou omitir as lacunas que constituiriam, ao contrário, o princípio
mesmo da pesquisa “sempre aguçada pela falta”, e que fazem dela uma prática
interminável.
74
Por outro lado, é preciso concordar com Rüsen quando assinala que os
procedimentos da escrita histórica – relacionados, grosso modo, a um engenho de
competência literária “perdem-se, no trabalho de reflexão sobre os fundamentos da
ciência da história, na ambigüidade de um processo não esclarecido”.
75
Isso porque,
durante muito tempo, a historiografia foi entendida como o ponto de chegada da
investigação histórica, ou ainda, como mera exposição dos seus resultados, cujos
princípios formais derivavam naturalmente do conteúdo cognitivo que se buscava
demonstrar. Essa concepção ingênua do discurso historiográfico foi amplamente
debatida, pelo menos no campo da teoria da história, contribuindo para a tematização
dos seus componentes literários e, por conseguinte, para o questionamento do estatuto
científico da disciplina.
76
Como um dos desdobramentos mais recentes da discussão, em
suas reflexões sobre a epistemologia da história, Paul Ricoeur argumentou que a
intencionalidade em produzir um discurso verdadeiro não deixa de estar presente em
nenhuma das fases da operação historiográfica, do trabalho de investigação nos
arquivos, passando pela elaboração explicativa até a escrita propriamente dita.
77
Daí a
referencialidade própria e distintiva da obra do historiador frente ao texto do escritor de
ficção, o que, em última instância, estabeleceria os limites de uma análise que incidisse
unicamente em seus códigos retóricos: “[...] essa especificidade não pode ser
identificada apenas no plano do funcionamento das figuras que conformam o discurso
74
CERTEAU, A escrita da história, op. cit., p. 94.
75
RÜSEN, História viva, op cit., p. 17.
76
A referência obrigatória para a discussão que se desenvolveu em torno do tema é o trabalho de WHITE,
Hayden. Metahistória. A imaginação histórica do século XIX. 2
a
ed. São Paulo: Edusp, 1995 [1973], que
chamou a atenção para uma “poética” do discurso histórico, atribuindo-lhe um estatuto de ficção.
Abstendo-me aqui de reconstituir todo o debate em torno do estatuto narrativo da historiografia para
destacar apenas RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Tomo I. Campinas/SP: Papirus, 1994, pp. 133-249,
como autor que propôs uma interlocução ampla e profícua tanto com os “narrativistas” da filosofia
analítica anglo-saxônica quanto com o próprio Hayden White (idem, pp. 230-242). A crítica mais pontual
de Ricoeur ao modelo tropológico de White, encontra-se em La moire, l’histoire, l’oubli, op. cit., pp.
324-339.
77
Idem, pp. 169-171.
29
histórico, mas deve transitar através da prova documentária, da explicação causal e da
tessitura em forma literária”.
78
A remissão da historiografia às operações de pesquisa
também é o argumento central de Rüsen, quando enfatiza que a articulação entre ambas
corresponde à própria pretensão de racionalidade do conhecimento histórico. Assim,
mais do que identificar o que é “científico” ou “literário” na práxis historiográfica,
caberia entendê-la como parte dos processos de constituição histórica de sentido, nos
quais a consciência histórica elabora e produz suas lembranças”.
79
Como complemento às teses de Rüsen e Ricoeur, cabe ainda citar as observações
de Massimo Mastrogregori sobre a história da historiografia.
80
Ao mapear as diferentes
perspectivas que nortearam os estudos nesse campo, o autor se propõe tratar a
historiografia dentro de um movimento histórico mais amplo, denominado por ele de
“tradição das lembranças”.
81
Os textos produzidos pelos historiadores seriam elementos
de uma constelação de ões e eventos que denotariam “a relação de uma sociedade
com o passado e, em particular como fenômeno mais visível –, o tratamento dos
rastros, dos relatos, das imagens”.
82
A noção denotaria o apenas os resultados de um
trabalho de transmissão e preservação, mas abarcaria “a dinâmica das ações da memória
e do esquecimento, de conservação e de destruição”.
83
Nesse processo, seria preciso
levar em conta ainda dois aspectos interligados: de um lado, a imbricação incontornável
entre a produção da memória e das imagens do passado e o exercício do poder político
e, de outro, as próprias ações desse poder que determinam diretamente a formação, a
posição e a localização das fontes que historiografia “científica” irá explorar.
84
78
Idem, p. 323. Para os comentários de White às teses de Ricoeur, cf. WHITE, Hayden. Guilty of history?
The longue durée of Paul Ricoeur. History and Theory (46), May 2007, pp. 233-251.
79
RÜSEN, História viva, op. cit., p. 21. Cf. também o primeiro tomo da trilogia do autor: Razão
Histórica. Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora UnB, 2001, pp. 149-
174.
80
MASTROGREGORI, M. Historiografia e tradição de lembranças. In: MALERBA, Jurandir (org.). A
história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006, pp. 65-93.
81
Mastrogregori opta pela expressão “tradição de lembranças”, embora ressalte o seu caráter impreciso,
considerando-a mais adequada do que a palavra “memória” que, segundo ele, guardaria um significado
individual muito forte ou permaneceria com um sentido ambíguo, como na expressão “memória coletiva”.
Cf. Idem, pp. 87-88 (nota 1).
82
Idem, pp. 68-69. Nesse sentido, a noção de Mastrogregori aproxima-se da perspectiva com que Jan
Assman define a historiografia como parte de uma cultura da lembrança. Cf. GUIMARÃES, A disputa
pelo passado, op. cit., pp. 97-98.
83
Idem, p. 73.
84
Idem, p. 72.
30
As considerações teóricas indicadas até aqui reforçam a hipótese de um ponto de
junção entre a escrita da história e os usos da biografia como modos de constituição
narrativa de sentido e de elaboração da experiência do tempo. Ora, desde o final do
século XVIII, um tipo de relação inédita com o passado condicionaria a conformação e
a hegemonia da disciplina histórica, como também tornaria legítimas outras formas de
conferir visibilidade aos tempos pretéritos.
85
Não seria fortuito que, no Brasil
oitocentista, os homens de letras e de ciência compartilhassem diferentes espaços
institucionais dedicados à tarefa de inquirir o passado nacional. Nesse contexto, como
bem observou Temístocles Cezar, nem sempre ser poeta ou romancista era
incompatível com ser historiador; e ir de um gênero ao outro era uma opção, não uma
impossibilidade intelectual”.
86
O que se torna imprescindível examinar, portanto, é
como essas diversificadas práticas e modalidades discursivas articulavam-se aos
procedimentos de elaboração da história. Em termos mais precisos, a indagação a ser
explorada diz respeito a como e sob que condições possíveis a biografia, enquanto
gênero proficuamente praticado pelos sócios do Instituto, constituiu-se em um problema
historiográfico ao incorporar os preceitos reguladores das operações intelectuais que
conformavam o saber histórico.
Biografia, erudição e escrita da história o os termos que relaciono na primeira
parte do trabalho ao discutir os argumentos e noções que orientaram o projeto
historiográfico do IHGB, da sua formulação nos primeiros decênios de existência da
agremiação, a alguns desdobramentos no decurso do Oitocentos. O primeiro capítulo
trata do lugar que as biografias ocuparam no debate sobre como deveria ser escrita a
história do Brasil e das formas com que o trabalho de fixação da memória dos nomes e
exemplos do passado coadunava-se com a recorrente afirmação da função pedagógica
da história. O exame das relações entre biografia e crítica histórica ocupa o capítulo
seguinte, onde destaco como alguns procedimentos metódicos adotados pelos letrados
85
Idem, p. 76. Cf. também BANN, Stephen. The clothing of Clio. A study of the representation of history
in nineteenth-century Britain and France. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. Para uma ampla
análise das estratégias modernas e contemporâneas de visualização do passado, cf. GUIMARÃES,
Manoel Luiz Salgado. Vendo o passado: representação e escrita da história. Anais do Museu Paulista. São
Paulo, v.15, n. 2, jul-dez. 2007, pp. 11-30.
86
CEZAR, Temístocles. Livros de Plutarco: biografia e escrita da história no Brasil do século XIX.
Métis: história & cultura, v.2, n.3, jan.-jun. 2003, p. 74. Koselleck observa que, desde o século XVIII,
quando a história foi levada a um novo conceito reflexivo, “as paredes divisórias entre os campos do
historiador e do poeta” tornar-se-iam “osmoticamente permeáveis”. KOSELLECK, Futuro Passado, op.
cit., p. 248.
31
do Instituto no sentido de “purificar os erros e as inexatidões” da história nacional
incidiram nos critérios de eleição das vidas memoráveis.
Na segunda parte da tese, através da leitura das notícias biográficas publicadas
na Revista Trimensal entre 1839 e 1899, procuro destacar algumas noções que
presidiram a elaboração do panteon de papel do IHGB, no momento em que a própria
escrita da história era objeto de uma discussão centrada nos modos de representação do
passado. Assim, no terceiro capítulo, demonstro como as antologias poéticas
oitocentistas mantiveram uma relação estreita com a seção de biografias da Revista do
Instituto, na medida em que, por meio do trabalho sistemático de edição de textos
literários e a nomeação de seus autores, essas coleções serviam à constituição de um
arquivo de testemunhos do passado ilustrado nacional. No quarto capítulo, examino
como a experiência do tempo histórico aparece tematizada através das articulações entre
passado, presente e futuro, tanto nas biografias quanto nos elogios acadêmicos dos
consócios falecidos. A tarefa de honrar a memória dos grandes homens, empreendida
como antídoto à voragem do tempo, não era evocada sem que nela também estivesse
implícito certo dever de justiça e a prestação de um tributo devido ao passado por meio
do registro biográfico com que se acreditava perpetuar as suas ações para conhecimento
e imitação das gerações no futuro. Por conta disso, percebe-se a reiterada evocação de
um tribunal da posteridade, no qual a expectativa não estaria mais nas sentenças morais
passíveis de serem extraídas das histórias particulares, mas na força moralizadora
própria da história concebida como processo.
Nos anos finais do século XIX, algumas críticas à ênfase dos historiadores no
papel histórico dos grandes homens começaram a se esboçar dentro do Instituto. O sócio
Alfredo do Nascimento e Silva, por exemplo, afirmaria que a história deveria se ocupar
menos com os “grandes vultos”, para incorporar o povo como objeto de investigação
segundo ele, a enorme legião de “filhos da pobreza” e “náufragos do mundo” que se
tornavam, a cada dia, mais visíveis na sociedade brasileira. O argumento que
desenvolvo é o de que esses novos pontos de vista, a despeito de marcarem um
distanciamento do princípio da historia magistra, não implicaram a renúncia absoluta à
pretensão instrutiva e exemplar das histórias dos personagens heróicos do passado. O
notório desuso em que caiu o gênero biográfico no final do Oitocentos poderia ser um
32
dos sintomas inequívocos de que a história, portadora de um sentido que ultrapassava a
narratividade dos relatos, denotava também uma experiência e, por conseguinte,
demandava, como a própria biografia, modos de elaboração e escrita distintos daquele
da geração dos fundadores.
PRIMEIRA PARTE
34
1. O PRESENTE DO PASSADO NOS EXEMPLOS DA HISTÓRIA
“Passarão os Impérios mais florentes; desaparecerão monumentos,
que pareciam affrontar os estragos do tempo; e comtudo vivem nas
paginas da historia os nomes e as proezas de antigos heróes; e a
fama dos celebres acontecimentos vai sempre rompendo a
obscuridade dos seculos, augmentada de luz e veneração”.
Januário da Cunha Barbosa.
1
“Os exemplos dados pelos grandes homens não morrem;
sobrevivem personificados na historia fallando e instruindo as
gerações futuras”.
Olegário Herculano de Aquino e Castro.
2
A aposta biográfica
A convicção de que a exemplaridade dos grandes homens funcionava como elo de
ligação entre o passado, o presente e o futuro, continuou a ser amplamente reiterada
pelos sócios do IHGB, muitos decênios após a sua fundação. Combinada ao uso da
célebre fórmula historia magistra vitae, ela sinalizava a vigência de um regime
historiográfico fundado no pressuposto de uma ordem do tempo contínua e homogênea.
Entendidas como coleções de exemplos, as histórias do passado serviriam como
ensinamentos perenes, por meio de uma apropriação educativa que as atualizaria no
presente.
3
Tal perspectiva pragmática condicionou marcadamente a formulação das
1
Relatório do Secretário Perpétuo Januário da Cunha Barbosa. RIHGB, Tomo 2, 1840, p. 587. O cônego
Cunha Barbosa, além de ser um dos fundadores do Instituto e ocupar o cargo de primeiro secretário
perpétuo entre 1839 e 1846, teve importante papel no cenário político e intelectual brasileiro na primeira
metade do século XIX. Foi pregador da Capela Real, bibliotecário da Biblioteca Pública da Corte
(Biblioteca Nacional), professor de filosofia moral e editou, com Gonçalves Ledo, o periódico Reverbero
Constitucional Fluminense (1821-22). Cf. GUIMARÃES, Lúcia P. Januário da Cunha Barbosa. In:
VAINFAS, R. (dir.) Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2002,
p. 394.
2
Discurso do Presidente, RIHGB, Tomo 61, II, 1898, p. 733. Olegário Herculano de Aquino e Castro
(1820-1906), bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo, foi presidente da província de Minas
Gerais e ministro do Supremo Tribunal Federal. Ingressou no Instituto em 1871 como sócio
correspondente, passando a efetivo e benemérito, sucessivamente. Exerceu o cargo de presidente da
instituição entre 1891 e 1906. Cf. Dicionário Biobibliográfico de historiadores, geógrafos e
antropólogos. Rio de Janeiro: IHGB, 1993, vol. 4, pp. 44-45.
3
A evocação de figuras exemplares do passado como modelo para a ação no presente constituiu-se em
um dos preceitos cruciais do humanismo cívico renascentista e uma das principais estratégias retóricas de
35
diretrizes teórico-metodológicas para os estudos históricos no Brasil ao longo do século
XIX.
4
Primeira iniciativa nesse sentido, o discurso proferido por Januário da Cunha
Barbosa em 1838, deve ser lido como um texto de fundação, no qual é possível flagrar
certo tipo de consciência histórica que se expressa, não apenas na formulação de uma
finalidade para o conhecimento do passado, mas também na prescrição de
procedimentos normativos para a sua elaboração.
5
Com ele demarca-se também a
filiação do novo projeto a uma tradição historiográfica.
“Procura... resuscitar também as memórias da tria da indigna obscuridade em
que jaziam aagora”.
6
São as palavras de Alexandre de Gusmão, pronunciadas em sua
posse como membro da Academia Real de História Portuguesa em 1732, que servem de
epígrafe ao discurso do ato de criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no
Rio de Janeiro.
7
A metáfora da ressurreição do passado parece ressoar em perfeita
persuasão dos leitores. Cf. HAMPTON, Timothy. Writing from history. The rhetoric of exemplarity in
Renaissance literature. New York: Cornell University Press, 1990, pp. 1-30.
4
Ainda na primeira década do século XX, é possível identificar o uso do preceito ciceroniano nos
discursos dos sócios do Instituto. Cf. HRUBY, Hugo. Obreiros diligentes e zelosos auxiliando no preparo
da grande obra: a História do Brasil no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1912). Porto
Alegre: PUCRS, 2007, pp. 86 et passim. Dissertação de Mestrado.
5
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. A disputa pelo passado, op. cit., p. 102. Cf. também a análise do
discurso inaugural de Cunha Barbosa em CEZAR, Temístocles. Lição sobre a escrita da história.
Historiografia e nação no Brasil do século XIX. Diálogos, Maringá/Paraná, v. 8, 2004, pp. 11-29.
6
BARBOSA, op. cit., p. 9.
7
De fato, Cunha Barbosa se serve de duas passagens da fala de Gusmão, uma, posta em epígrafe e a
outra, no corpo do discurso. Ambas aparecem grifadas, no trecho que reproduzo a seguir: “Trata-se de dar
cumprimento á magnifica idéa de hum Monarcha, que não contente de ter exaltado o seu Reino ao maior
auge de gloria e da riqueza, em que se vio ha muito tempo, não contente de haver resuscitado o respeito
da Corôa da diminuição, que lhe tinhão causado as calamidades de mais de hum Seculo, para de todos os
modos engrandecer o nome da Nação Portugueza, procura com a fundação deste Ateneo, resuscitar
tambem as memórias da Patria da indigna escuridade, em que jazião até agora. Quiz que vissem os seus
vassallos em hum elegante painel dos successos de Portugal, quão formoso he o retrato da honra, quão
amavel o semblante da virtude, para que, observando a esclarecida menção, que se faz daquelles, que
puzerão todo o cuidado em consegui-las, sintão accender no seu peito huma nobre inveja, e huma
ambição insaciavel de imita-los, ou de excede-los. Desta sorte abrio a sua paternal attenção aos vivos, e
aos vindouros, a melhor escola, em que podião cultivar-se, bem ajuizando, que he a lição da História hum
segundo seminario de heroes, e descobrindo á sua generosidade novo caminho para remunerar aos mortos
os serviços, que fizerão á Monarquia, premiando-os com a eternidade da fama”. Pratica de Alexandre de
Gusmão, entrando na Academia Real de Historia Portugueza, em o dia 13 de Março de 1732. Jornal O
Patriota, Rio de Janeiro, 1813, n. IV, pp. 30-31.
36
consonância àquele outro tempo e lugar, reatualizando-se como um ideal regulador na
cultura histórica do Brasil oitocentista.
8
Na fala de Gusmão, a idéia de dar vida às memórias da pátria remetia mais
precisamente à expressão latina restituet omnia (restituir tudo), insígnia da agremiação
lusitana, fundada por decreto régio em 1720, em um tempo de prosperidade e euforia
cultural do reinado de D. João V.
9
Sob o mecenato do poder monárquico, os letrados
lusos setecentistas receberam o encargo de “escrever a história eclesiástica dos reinos”
e de “tudo o que pertencesse à história deles e de suas conquistas”.
10
A iniciativa,
inscrita em um processo de disseminação das academias de ilustrados na Europa
iniciado no final do século XVII, visava a glorificação da monarquia, através da
construção coletiva e monumental de uma história da nação portuguesa e de seu
império.
11
Tratava-se, em suma, de uma história oficial”, escrita por literatos
designados pelo monarca, investidos dos encargos de verdadeiros “guardiões da
memória” dos sucessos de seu reinado e empenhados na elaboração de um saber que
servisse à afirmação da sua soberania e legitimidade políticas.
12
Joaquim Veríssimo
Serrão qualifica de gigantesco o labor de pesquisa, coleta e leitura de fontes do qual
resultou a historiografia de ampla base erudita, produzida em Portugal nesse período.
13
8
A noção de cultura histórica, nos termos de Jan Assmann, remete a inúmeros dispositivos produzidos
coletivamente como modos de inteligibilidade para o passado, entre esses, inclui-se a historiografia. cf.
GUIMARÃES, A disputa pelo passado, op. cit., pp. 96-97.
9
Cf. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. A historiografia portuguesa. Doutrina e crítica. Vol. III Século
XVIII. Lisboa: Editorial Verbo, 1974, pp. 53-56. A insígnia da Academia era o simulacro da Verdade,
como a representaraõ os Antigos, com esta letra: Restituet omnia” (p. 64).
10
Decreto Régio de 8 de dezembro de 1720. Apud SERRÃO, op.cit., pp. 63-64. Cf. também MOTA,
Isabel Ferreira da. A Academia Real da história. Os intelectuais, o poder cultural e o poder monárquico
no século XVIII. Coimbra: Minerva, 2003.
11
KANTOR, op. cit., p. 45. Sobre as academias ilustradas, cf. KRIEGEL, Blandine. L’histoire à l’Âge
classique. III/ Les Academies de l’histoire. Paris: Quadrige/PUF, 1996.
12
Chantal Grell define a “história oficial” como um tipo de historiografia produzida entre os séculos XVI
e XVII na Europa, caracterizada pelo trabalho coletivo de letrados no estabelecimento e fixação das
“origens” míticas e genealógicas dos povos e das dinastias reinantes. Um componente importante, de
ordem política, faria com que esse tipo de história assumisse a forma de crônica dos acontecimentos
imediatos que permitiria assegurar a legitimidade do poder monárquico. Cf. GRELL, C. (org). Les
historiographes en Europe de la fin du Moyen Âge à la Revolution. Paris: PUPS, 2006, pp. 9-15.
13
Um dos exemplos emblemáticos desse trabalho de erudição estaria na obra de Diogo Barbosa
Machado, Bibliotheca Lusitana, uma coleção de biografias de autores portugueses, que será uma
referência importante para o projeto biográfico do Instituto. SERRÃO, op. cit., p. 73.
37
No Brasil do século XIX, a pesquisa histórica, igualmente fundada na erudição e
na crítica documental, nasceria imbricada à esfera imperial. O IHGB seria inaugurado
em 21 de outubro de 1838, na esteira do movimento academicista que, no século
anterior, impulsionara o aparecimento das Academias dos Esquecidos (1724) e dos
Renascidos (1759), ambas na cidade de Salvador.
14
A alusão à herança da experiência
historiográfica dos acadêmicos brasílicos setecentistas estaria presente na dissertação do
primeiro presidente, Visconde de São Leopoldo, quando definia a associação recém-
fundada como “representante das ideas de illustração, que em differentes epochas se
manisfestarão em nosso Continente”.
15
No momento inaugural do Instituto, tampouco seria fortuito o destaque às palavras
do literato e magistrado nascido em Santos, cuja atuação fora decisiva na expansão dos
limites do espaço colonial português na América.
16
Como membro da Academia,
nomeado por D. João V, as contribuições de Gusmão seriam indissociáveis das suas
funções de chanceler da Coroa lusa.
17
O pragmatismo ilustrado daquelas formulações
14
Sobre a formação das academias brasílicas no contexto da ilustração lusitana, cf. KANTOR, op. cit.,
pp. 189-165.
15
PINHEIRO, J. Feliciano Fernandes. Programa histórico. RIHGB, Tomo 1, 1839, pp. 65-124. Cf.
também PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. A Academia Brasílica dos Esquecidos. Estudo
histórico e Litterario. RIHGB, Tomo 31, parte II, 1868, pp. 5-32.
16
Alexandre de Gusmão (1695-1753), após seus primeiros estudos no Brasil, formou-se na Universidade
de Coimbra, obteve o título de Doutor em Direito Civil na Sorbonne, em Paris e destacou-se por sua
atuação como conselheiro de D. João V, notadamente na negociação, com a Espanha, do Tratado de
Madri (1750). A vitória diplomática portuguesa foi, em grande medida, condicionada pela superioridade
dos conhecimentos geográficos lusos na América meridional. O Tratado, tal como o articulou Gusmão,
representou o abandono diplomático do Meridiano de Tordesilhas e o reconhecimento da soberania
baseada no conceito oriundo do direito civil romano do uti possidetis (posse legitimada pela ocupação
efetiva). Demétrio Magnoli aponta para a incorporação do Tratado de Madrid “à linhagem dos mitos
fundadores da nacionalidade pelo ocultamento da moldura que o enquadrava o litígio entre as duas
coroas ibéricas na América e a invenção de uma outra moldura, referenciada na constituição de uma
nação e de um território brasileiros”. Essa operação, cuja versão mais célebre encontra-se na biografia de
Gusmão escrita por Jaime Cortesão (1884-1960), transformou-o em “ícone precursor da diplomacia
nacional” e defensor da “unidade geográfica e econômica do Brasil”. MAGNOLI, D. O corpo da pátria.
Imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São Paulo: Editora Unesp; Moderna,
1997, pp. 73-77. Nesse sentido, é importante acrescentar que o próprio IHGB teve um papel decisivo no
“abrasileiramento” do diplomata da Coroa portuguesa. Além das citações presentes no discurso de
fundação, no primeiro número da Revista seria publicado o “Extracto da resposta que A. de Gusmão,
Secretario do Conselho Ultramarino, deo ao Brigadeiro Antonio Pedro de Vasconcelos sobre o negocio da
Praça da Colônia”. RIHGB, Tomo I, 1839, 3
a
ed., pp. 260-268. Cf. também: Da vida e fatos de Alexandre
de Gusmão e de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. RIHGB, Tomo 66, 1902, 1
a
parte, pp. 377-423.
17
Jaime Cortesão atribui a pouca dedicação de Gusmão aos seus encargos como acadêmico a razões de
ordem teórica e prática: de um lado, “o seu conceito de história e a suas exigências metodológicas eram
incompatíveis com o espírito estritamente erudito e nacionalista da Academia” e, de outro, por impulso de
caráter, “ele preferia fazer história a escrevê-la; modificar o curso dos acontecimentos a narrá-los”.
CORTESÃO, J. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p. 403,
vol. II. José Honório Rodrigues chega a afirmar que sua obra como historiador seria uma pálida imagem
38
acerca das utilidades da história adequava-se plenamente ao programa historiográfico a
ser empreendido pela agremiação criada no Rio de Janeiro. As condições de
possibilidade para a elaboração da história da nação recentemente emancipada
definiam-se, então, pelos sentidos político e moral com que a tarefa era concebida pelos
seus sócios fundadores.
18
Se, nas palavras de Gusmão, a existência da Academia espelhava a vontade do
monarca e a grandeza da nação portuguesa, a criação do Instituto no Brasil nascia da
determinação, proclamada pelos seus idealizadores, de promover o patriotismo através
da edificação de um monumento” da história brasileira. Embora correspondessem a
tempos e lugares distintos de institucionalização da escrita da história, as duas
agremiações nasceriam sob os auspícios do Estado monárquico e seus membros manter-
se-iam ciosos em justificar as vantagens de seus serviços em prol da glória da pátria,
proclamando o caráter heróico da empresa que assumiam para si mesmos.
Na proposta de criação do IHGB, Cunha Barbosa e Raimundo José da Cunha
Matos delimitavam explicitamente a função da história e da geografia como saberes
auxiliares à administração pública.
19
Com base no argumento da “utilidade das letras”,
os literatos instauravam para si um lugar privilegiado junto à monarquia. Por sua
contigüidade à esfera política, a empresa historiográfica moderna adquire o que Michel
de Certeau identifica como o seu estatuto ambivalente: por um lado, elabora o saber que
legitima historicamente o Estado, provendo-o de uma genealogia nacional e, por outro,
oferece lições políticas e morais à sua administração, fazendo concordar “a veracidade
da sua vida como estadista. RODRIGUES, J. H. História da história do Brasil. 2
a
ed. o Paulo: Ed.
Nacional, 1979, p. 510. “[...] como membro da Academia desde 1732, o secretário do rei, Alexandre de
Gusmão envolvido na elaboração e execução do plano de devassa geográfica, etnográfica e militar nas
zonas fronteiriças com Espanha e França fazia sugestões sobre o modo de demarcação das fronteiras
territoriais, tanto internas como internacionais”. Como acadêmico, tinha pouco interesse pela história
natural, preferindo os conhecimentos geográficos e históricos por serem os ditos conhecimentos muito
precisos para o estudo político”. KANTOR, op. cit., pp. 61-62.
18
GUIMARÃES, Nação e civilização nos trópicos, op. cit., pp. 15-16.
19
Sendo innegavel que as lettras, além de concorrerem para o adorno da sociedade, influem
poderosamente na firmeza de seus alicerces, ou seja pelo esclarecimento de seus membros, ou pelo
adoçamento dos costumes públicos, é evidente que em uma monarchia constitucional, onde o merito e os
talentos devem abrir as portas aos empregos, e em que a maior somma de luzes deve formar o maior grão
de felicidade publica, são as lettras de uma absoluta e indispensavel necessidade, principalmente aquellas
que, versando sobre a historia e geographia do paiz, devem ministrar grandes auxílios á publica
administração e ao esclarecimento de todos os Brazileiros”. Breve Noticia sobre a creação do Instituto
Histórico e Geographico Brazileiro, RIHGB, Tomo 1, 1839, p. 5.
39
da letra e a eficácia do poder”.
20
A historiografia será, em suma, discurso magisterial
que propõe uma encenação do passado, mas que se desdobra sempre “ao lado” do
presente. Isso demandará um trabalho constante de afirmação do valor das lições
exemplares que a história pode fornecer e dos ensinamentos com os quais ela pode
prover a sociedade.
A inauguração de um Instituto Histórico e Geográfico no Rio de Janeiro
justificava-se por meio de um explícito apelo político: “não se compadecia já com o
gênio brasileiro, sempre zeloso da glória da patria, deixar por mais tempo em
esquecimento os factos notaveis da sua historia, acontecidos em diversos pontos do
Imperio, sem duvida ainda não bem consignados”.
21
Os sócios da nova agremiação,
movidos pelo patriotismo e gosto pelas letras, deveriam coligir e organizar documentos
para os estudos históricos e geográficos nacionais, o que transformava o IHGB em
centro autorizado para a elaboração de um discurso sobre o Brasil.
22
Esse aspecto se
torna evidente na própria estratégia de fundação da instituição para cuja sede, na capital
do Império, deveriam convergir os conhecimentos acumulados sobre a nação. À
semelhança das academias ilustradas européias, a associação de literatos brasileiros
nascia sob os auspícios do Estado imperial, articulando-se a um amplo projeto de
centralização política, vitorioso em meados do século XIX.
23
Por tanto tempo a cargo
“do gênio especulador dos estrangeiros”, chegara o momento de escrever a história do
ponto de vista dos brasileiros.
24
20
CERTEAU, A escrita da história, op. cit., p. 18. Para o autor, “é por uma espécie de ficção que o
historiador se este lugar. Com efeito, ele não é o sujeito da operação da qual é o cnico. Não faz a
história, pode apenas fazer história: o que indica que ele assume parte de uma posição que não é a sua e
sem a qual um novo tipo de análise historiográfica lhe teria sido impossível” (p. 19).
21
BARBOSA, op.cit., p. 9. Dentre os 27 fundadores do Instituto, 14 eram notórios homens públicos, a
exemplo do próprio Januário da Cunha Barbosa que participou do processo da independência através de
uma intensa atividade jornalística e, após 1822, foi eleito deputado e desempenhou a função de diretor da
Tipografia Nacional e do Diário do Governo. Dicionário biobibliográfico de historiadores, geógrafos e
antropólogos brasileiros. Rio de Janeiro: IHGB, 1998, pp. 27-28, vol. 6. Para o perfil sócio-profissional
dos fundadores, cf. GUIMARÃES, Debaixo da imediata proteção, op. cit., pp. 473-487.
22
A proposta do trabalho coletivo de organização criteriosa das fontes sob uma coordenação centralizada
teve como fonte de inspiração o projeto empreendido pelo Instituto Histórico de Paris, fundado em 1834,
e que contava, entre seus membros, alguns dos futuros sócios do IHGB. GUIMARÃES, A disputa pelo
passado, op. cit.. p. 103.
23
GUIMARÃES, Nação e civilização nos trópicos, op. cit., p. 16. Sobre o processo de construção do
estado imperial, cf. MATTOS, O tempo saquarema, op. cit.
24
BARBOSA, op. cit., p. 15. Na criação da Academia Real havia também esse sentido purificador” em
relação à tradição, como atesta a soma considerável de novos trabalhos que traziam à luz questões e
fontes inéditas para a história lusitana. Cf. SERRÃO, op. cit., p. 72 et passim.
40
Antes mesmo de se empreender a escrita da história nacional, era imprescindível
que fossem delimitadas as condições possíveis à sua edificação. A tarefa prioritária era
eternizar os fatos memoráveis da tria, bem como salvá-los do esquecimento
operações indissociáveis da fórmula que atribuía à história as funções de testemunha
dos tempos, luz da verdade e escola da vida.
25
Assim, a utilidade pedagógica do
conhecimento do passado será, ao longo do século XIX, o argumento a conferir
legitimidade e força persuasiva às proposições acerca da escrita da história do Brasil.
“E será pouco arrancar ao esquecimento, em que jazem sepultados, os nomes e
feitos de tantos illustres Brasileiros, que honraram a patria por suas lettras e por seus
diversos e brilhantes serviços?
26
Uma das atribuições da história estava em narrar as
ações dos grandes homens, dignas de memória, para oferecê-las à imitação das gerações
ulteriores.
27
A biografia de brasileiros ilustres deveria ser empreendida por meio do
esforço coletivo de “dar vida” aos varões que, por diversas qualidades, pudessem ser
“offerecidos ás nascentes gerações como typos de grandes virtudes”.
28
Para eternizar as
vidas e os feitos dos cidadãos notáveis, caberia ao historiador nomeá-los, julgá-los,
emitindo o seu juízo como um “austero sacerdote da verdade”.
29
Plenamente afinada ao
programa da historia magistra, a escrita biográfica apresentava-se, portanto, como
portadora de exempla, servindo, acima de tudo, para instruir os brasileiros no presente.
No Brasil oitocentista, as letras converter-se-iam, nas palavras de Cunha Barbosa,
em umpoderoso instrumento de civilização”, conferindo glória e posteridade ao nome
do Imperador e aos faustos do seu reinado.
30
Este é, sem dúvida, um dos traços mais
25
BARBOSA, op. cit., p. 9. Tal concepção de história tornar-se-á também evidente na epígrafe estampada
na capa da Revista Trimensal desde o seu primeiro número: Hoc facit, ut longos durent bene gesta per
annos; et possint serâ posteritate frui “Com isto, faz que as boas ações durem por longos anos e possam
fruir de uma posteridade prolongada”. SANCHEZ, op. cit., p. 60.
26
BARBOSA, op. cit., p. 14
27
E, nesse sentido, é possível estabelecer outra aproximação entre o discurso de Cunha Barbosa e o
programa historiográfico da Academia Real de História Portuguesa, criada em 1720. Íris Kantor destaca
que, em seu objetivo de escrever a história das conquistas ultramarinas, os acadêmicos afirmavam a
necessidade de registrar as ações gloriosas dos portugueses de todas as partes do Império para as gerações
futuras, pois “nos feitos valorosos dos seus antepassados [estavam] os melhores exemplos do amor a
pátria, do zelo e da fidelidade para se instruírem na obrigação de imitá-los [...]”. Panegírico de Diogo
Barbosa Machado. Apud KANTOR, op. cit., pp. 57-58.
28
BARBOSA, op. cit., pp.14-15.
29
Idem, pp.13-14.
30
“As letras patrocinadas por V.M. I., além de fazerem glorioso o seu reinado pelo melhoramento da
intelligencia, instrumento poderoso de civilização, farão glorioso e immortal o nome de V.M.I. n’este e
41
evidentes a orientar a pesquisa histórica que se institucionaliza a partir de então.
31
Desde
a sua fundação, o IHGB assume a tarefa de “seguir a marcha gloriosa” da monarquia em
uma explícita apologia à figura de D. Pedro II. Transformado em patrono da instituição
aos 12 anos de idade, aa sua partida para o exílio, ele participaria assiduamente das
suas sessões ordinárias, sem contar as reuniões comemorativas.
32
Em 15 de dezembro
de 1849, presidindo uma sessão aniversária pela primeira vez, solicitaria aos sócios que
não se descurassem em tornar o seu tempo digno da memória dos vindouros: “[...] é de
mister que não só reunaes os trabalhos das gerações passadas, ao que vos tendes
dedicado quase que unicamente, como também, pelos vossos proprios, torneis aquella a
que pertenço digna realmente dos elogios da posteridade”.
33
A data marcava também a
instalação do Instituto no interior do Paço Imperial e seria doravante rememorada como
um marco, não somente da trajetória da agremiação, mas da própria história do Brasil.
34
As vinculações diretas das atividades da agremiação com o projeto político
imperial não implicavam, contudo, uma adesão consensual às proposições do Imperador
acerca do registro da história dos acontecimentos contemporâneos. O presente e, nesse
caso, os fatos da história imediata do Império, funcionavam muito mais como o motivo
propulsor para a compreensão o passado, do que propriamente como objeto capaz de ser
plenamente apreendido pela operação historiográfica.
35
Assim, a despeito de sua forte
nos séculos futuros”. Relatório dos trabalhos do Instituto durante o quarto anno social pelo primeiro
secretario perpetuo. RIHGB, Tomo 4, 1842, p. 27. [grifos meus].
31
Cf. CEZAR, Presentismo, memória e poesia, op. cit., pp. 43-80.
32
GUIMARÃES, Debaixo da imediata proteção imperial, op. cit., pp. 544-546. Antes da maioridade, D.
Pedro II teria, entre seus mestres, Cândido José de Araújo Viana, futuro marquês de Sapucaí, que também
foi importante conselheiro político e ministro de Estado. Araújo Viana foi um dos fundadores do IHGB, e
ocupou a sua presidência, de 1847 até 1875. Sobre a educação e os tutores do Imperador, cf.
CARVALHO, José Murilo. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 26-33.
33
RIHGB, Tomo 12, 1849, p. 552. Temístocles Cezar considera que, por meio desse apelo, o Imperador,
leitor e tradutor de Tucídides, lança uma espécie de programa tucidideano dentro do IHGB, ou pelo
menos, uma variação do modelo antigo, ao propor uma história de seu reinado. CEZAR, Presentismo,
memória e poesia, op. cit., p. 47 e nota 8. Por outro lado, as breves ponderações de D. Pedro II também
não estão muito distantes da preocupação que se encontra em Heródoto, com a memória dos
acontecimentos provocados pelos homens” e a intenção de combater o esquecimento “das obras
admiráveis”. Cf. HARTOG, François. Évidence de l’histoire. Ce que voient les historiens. Paris: EHESS,
2005, pp. 61-62.
34
“Foi um dia de gloria o 15 de Dezembro de 1849, e o Brazil levantou-se orgulhoso para admirar o seu
Augusto Filho, e adorado Imperador, como outr’ora na França se erguera para saudar Carlos Magno á
frente dos membros da sua academia”. Relatório do Primeiro Secretário interino, Joaquim M. de Macedo.
RIHGB, Tomo 15, 1852, p. 517.
35
Em seu Elogio do anacronismo”, Nicole Loraux refere-se à relação que alguns historiadores mantêm
com o presente como “o mais eficaz dos motores do impulso de compreender”, ou seja, “apenas o
presente é, aos seus olhos, embreagem de perguntas: talvez não tenham se dirigido ao mais distante
passado senão para melhor garantir, entre seu objeto e seus afetos a possibilidade de uma boa distância;
42
inserção à órbita do Estado monárquico, muitos integrantes do Instituto, mesmo
conscientes de desempenhar a função de “artífices da nação”, tinham também a
preocupação em conferir às atividades da instituição um caráter menos partidário e mais
“científico”, buscando afirmar certa autonomia em relação ao contexto de disputas
políticas no qual muitos estavam envolvidos.
36
Tal postura encontra-se fortemente
demarcada no discurso proferido pelo Visconde de São Leopoldo na sessão pública
aniversária do quarto ano de existência da agremiação:
“[...] poderíamos render graças ás letras protectoras e beneficentes,
ao gosto dominante dos estudos sérios, as nossas conferencias e
palestras pacificas, pois que, estranhos, por índole da instituição,
ás influencias políticas (as musas querem ser acolhidas e
bafejadas, mas fogem ao menor estridor), temos achado um
verdadeiro asilo n’este recinto, um campo neutro para opiniões,
um ponto de reunião para os pensamentos”.
37
Quatro décadas mais tarde, o primeiro secretário Manoel Duarte Moreira de
Azevedo observava que, se desde os primeiros anos o Instituto tivera à sua frente o
Imperador, este não se pautara em seguir “o exemplo do hábil ministro de Luiz XIII,
que fundava academias para viver entre os perfumes dos louvores e lisonjas”, mas
colocava-se ao lado dos que se dedicavam a escrever a história da nação,
compreendendo que “o historiador tem um dever dizer tudo, tanto o bem como o
mal”.
38
Com base nas considerações feitas até aqui, caberia indagar que função
desempenhou a biografia no empreendimento dessa associação de homens de letras,
cujo empenho primordial estava em reunir e arquivar documentos que servissem à
elaboração da história do Brasil. A despeito da reiterada ambição de arrancar do
esquecimento os nomes e feitos dos brasileiros ilustres, será possível associar os usos do
gênero biográfico unicamente ao objetivo de fixação da memória dos faustos imperiais
sem considerar as suas implicações epistemológicas mais amplas dentro do projeto
historiográfico empreendido pelos seus sócios?
mas isso não impede que os afetos, e apenas eles, tenham sido desencadeadores”. In: NOVAES, Tempo e
História, op. cit., p. 58.
36
Cf. CEZAR, Temístocles. L’écriture de l’histoire au Brésil au XIX
e
siècle. Essai sur une rhétorique de
la nationalité. Le cas Varnhagen. Paris: EHESS, 2002, p. 32 et passim.
37
Discurso do Presidente Visconde de São Leopoldo. RIHGB, Tomo 4, 1842, suplemento, p. 2. [grifos
meus].
38
Relatório do primeiro secretário. RIHGB, Tomo 45, I, 1882, p. 505.
43
Ressuscitar o passado
“O que se quer dela [da história] são fatos. Da mesma maneira que
se observa em seus detalhes, em seus movimentos, este grande
drama no qual todos somos atores e testemunhas, da mesma
maneira se quer conhecer o que era, antes de nós, a existência dos
povos e indivíduos. Exige-se que eles sejam evocados e
reconstituídos vivos sob os nossos olhos: cada um tirará, em
seguida, o julgamento que lhe agradar, ou mesmo nem sequer
pensa em chegar a nenhuma opinião precisa. Pois não nada
mais imparcial quanto a imaginação, ela não tem nenhuma
necessidade de concluir, basta-lhe que se esboce diante dela um
quadro da verdade”.
Prosper Barante.
39
“O talento de historiador, diz o barão de Barante, assemelha-se á
sagacidade do naturalista, que com pequenos fragmentos de ossos,
colhidos das escavações, como que resuscita um animal, cuja raça
desconhecida existia em plagas que soffreram cataclysmos”.
Januário da Cunha Barbosa.
40
Ao se tratar do IHGB, será sempre necessário retornar ao discurso que oficializa
não somente a sua fundação, mas inaugura o debate sobre a pesquisa e a escrita
históricas no Brasil. Nesse momento, Cunha Barbosa enuncia os princípios gerais para a
elaboração de uma história geral, bem como sugere que ela seja feita à maneira
“filosófica”.
41
As formulações de Prosper Bruguière, barão de Barante, incorporadas às
reflexões do primeiro secretário, fornecem as bases possíveis para a composição dessa
história.
42
39
BARANTE, P. Histoire des ducs de Bourgogne. In: GAUCHET, op. cit., p. 101.
40
BARBOSA, op. cit., p. 12.
41
Segundo Blandine-Kriegel, a expressão “história filosófica”, cunhada por Voltaire em 1765, implicou
uma mudança fundamental nas relações entre história e antiquariato. Em sua rejeição à tradição erudita, a
história filosófica e crítica dos iluministas reivindicava um afastamento da historiografia centrada na
narrativa dos feitos e ações dos príncipes, em nome de uma história das nações e civilizações, cujo
sentido não deveria ser mais buscado nas ações da providência divina. KRIEGEL, B. L’histoire à Age
classique. 2/ La faite de l’érudition. Paris: Quadrige/PUF, 1996, pp. 288-289. Collingwood advertiu
que a mesma expressão, usada por Hegel, não denotaria uma reflexão filosófica acerca da história, e sim a
própria história universal da humanidade, isto é, “a história não simplesmente determinada como um
certo número de fatos, mas compreendida, apreendida nas razões por que tais fatos tiveram lugar”.
COLLINGWOOD, R. G. A idéia de história. 8
a
ed. Lisboa: Editorial Presença, 1994, p. 154 et passim.
Sobre a convergência entre filosofia e história em Hegel, cf. também KOSELLECK, historia/Historia,
op. cit., pp. 71-73. No Brasil, a noção pode ter sido introduzida através da obra de François-René de
Chateaubriand e Victor Cousin, ambos referenciados nos discursos dos fundadores do IHGB. CEZAR,
Lições sobre a escrita da história, op. cit., p. 16.
42
Embora cite apenas o nome do autor, sem referência a uma obra específica, Cunha Barbosa apresenta
uma tradução praticamente literal de um trecho do discurso do barão de Prosper Barante (1782-1866) na
44
Se, por um lado, exigia-se do historiador o engenho semelhante ao do naturalista,
por outro, o tratamento dos vestígios do passado demandava procedimentos mais
específicos.
“A vida moral tem suas condições e suas leis; compõe-se também
de circumstancias ligadas por meio de relações quase necessarias; a
philosophia póde reconhecel-as e demonstral-as; e a imaginação
com mais celeridade e certeza, sabeentão dellas assenhorear-se.
A razão do homem, sempre vagarosa em sua marcha, necessita de
um guia esclarecido e seguro, que accelere os seus passos”.
43
Nos termos de Cunha Barbosa, o trabalho historiográfico pressupunha a ordenação
dos materiaes informes, incompletos e mesclados dos prejuízos do tempo”.
44
Somente
a filosofia poderia conferir-lhes um sentido propriamente moral, colocando-os “em seus
devidos lugares, ligados em um corpo”.
45
A imaginação constituir-se-ia, então, no
recurso cognitivo mais eficaz tanto na elaboração, quanto na apreensão da história no
modo filosófico. Argumento emblemático dos letrados românticos, a exaltação da
superioridade da faculdade imaginativa acompanha a suspeita frente à via estritamente
racional de conhecimento do mundo.
46
o se tratava de negar, ponderaria o primeiro
secretário, “que a razão fosse dada ao homem para o esclarecer e conduzir; mas quantos
erros o não entrega freqüentemente este guia infiel!”.
47
Academia Francesa em 1828. Cf. CEZAR, Lições sobre a escrita da história, op. cit., pp. 19-21. Outras
aproximações do discurso do primeiro secretário com o prefácio da Histoire des ducs de Bourgogne são
propostas por GUIMARÃES, A disputa pelo passado, op. cit., pp. 107-108.
43
BARBOSA, op. cit., p. 12.
44
Idem.
45
“Existem, sim, muitos materiaes para a nossa historia desde a época em que o monte Pascal attrahiu ao
Brasil as vistas do seu afortunado descobridor [...]. A historia reunirá estes materiaes, coadjuvada pela
geographia; a critica os escolherá, segundo suas proporções; a chronologia os numerará depois de bem
examinados os seus destinos afim de serem depois collocados regularmente pela philosophia em seus
devidos lugares, ligados em um corpo, em que possam ser admirados por sua justeza e compostura.”
Relatório, RIHGB, Tomo 4,1842, p. 6.
46
Uma boa análise sobre a batalha dos românticos contra os imperativos da razão encontra-se em
SCHENK, H. G. The mind oh the European romantics. An essay in cultural history. NewYork: Oxford
University Press, 1979 (especialmente pp. 3-8 e pp. 30-45).
47
“Até mesmo o homem de gênio necessita do fio da Historia para se guiar com segurança no obscuro
dédalo da política. [...] A Historia, tornando-lhe presente a experiência dos séculos passados, ministra-lhe
conselhos tão seguros como desinteressados, que aclarão os caminhos que deve seguir, os escolhos que
deve evitar”. Relatório, RIHGB, Tomo 2, 1840, pp. 586-587.
45
Definida como uma “potência com que a alma representa na fantasia algum objeto
real”, a imaginação a que se refere Cunha Barbosa indica, portanto, a capacidade de
conceber ou pintar imagens por meio do discurso.
48
Desse modo, ela parece estar muito
próxima da noção de enargeia dos antigos, perpetuada pela tradição retórica, remetendo
à maneira de ver e fazer ver a história.
49
Etimologicamente a noção de evidentia é
forjada pelos latinos Cícero e Quintiliano como tradução da enargeia dos gregos e
denota a capacidade do orador de “pôr algo sob os olhos” do espectador.
50
O cerne do
conceito está, portanto, na visão, base da enargeia (que designa clareza, visibilidade), e
nos modos como da visão, em que a virtude suprema do orador consistirá em tornar algo
visível, em criar um “efeito de presença” com o seu discurso.
51
Nas palavras de Barante, os fatos do passado deveriam ser “evocados e
reconstituídos
vivos sob os nossos olhos”, o que pressupunha o uso de recursos
narrativos capazes de oferecer ao leitor um “quadro de verdade”.
C
ombinar-se-iam,
assim, exatidão, imparcialidade e veracidade como condições necessárias para que o
historiador estabelecesse a concatenação dos fatos, “bem ordenados por suas relações de
tempo e logar”, orientado pela convicção de que, no passado, encontrava-se a fonte dos
grandes acontecimentos do presente e do futuro.
52
No entanto, para que a história fosse
48
De acordo com o Dicionário de Moraes Silva (1813), imaginação é a “potencia com que a alma
representa na fantasia algum objecto real, ou que ella forma, ajuntando as partes heterogêneas, e de outras
coisas”. MORAES SILVA, Antonio de. Diccionario de Lingua Portugueza. 2
a
ed. Lisboa: Typographia
de M. P. de Lacerda, 1813 [1789], p. 131. Tomo Segundo. Também é possível encontrar uma
conceituação, ancorada na etimologia latina (imago), nos manuais de eloqüência publicados no Brasil no
século XIX: “a imaginação consiste em uma combinação ou reunião nova de imagens, e na
correspondência, ou conformidade exata delas com a afeição, que queremos excitar nos outros. [...]
segue-se ser a imaginação aquele poder, que todo homem tem de representar em sua mente as cousas
visíveis, e materiais”. GAMA, Miguel Sacramento Lopes. Lições de eloqüência nacional. [1846]. Apud
MARTINS, Eduardo Vieira. A fonte subterrânea. José de Alencar e a retórica oitocentista. Londrina/PR:
Eduel, 2005, pp. 47-48.
49
A enargeia, segundo a definição de Dionísio de Halicarnasso, é um poder que consiste a “fazer ver
pelos sentidos o que é dito”, ou ainda, a capacidade de apresentar ao leitor a imagem de um objeto ou ser
ausente e de transmitir a experiência viva das emoções do passado. ZANGARA, Adriana. Voir l’histoire.
Théories anciennes du récit historique. Paris: EHESS, 2007, p. 55 et passim. Para uma abordagem da
noção a partir da discussão sobre verdade e ficção na história, cf. GINZBURG, Carlo. Descrição e
citação. In: Os fios e os rastros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 19-25.
50
Cf. HARTOG, Évidence de l’histoire, op. cit., pp. 11-12. Quintiliano refere-se a uma evidentia in
narratione: “na narração a evidência é uma grande virtude, quando algo de verdadeiro não deve ser
dito, mas de alguma maneira também mostrado” (Institutio Oratória, IV,2, 63). Apud GINZBURG, op.
cit., p. 20.
51
“A força da enargeia permite justamente pôr sob os olhos (pro ommaton tithenai; ante oculos ponere):
ela mostra, criando um efeito ou uma ilusão de presença. Pelo poder da imagem, o espectador é afetado,
como o seria se estivesse realmente presente”. GINZBURG, op. cit., p. 20. Para uma análise da enargeia
como uma das maneiras de “fazer ver” a história entre os antigos, cf. ZANGARA, op. cit., pp. 55-89.
52
BARBOSA, op. cit., p. 12.
46
completa, era indispensável dar vida a esse passado, ressuscitar os seus mortos, em
suma, torná-lo visível, presente.
“A sorte geral da humanidade muito nos interessa, e nossa
sympathia mais vivamente se abala quando se nos conta o que
fizeram, o que pensaram, o que soffreram aquelles que nos
precederam na scena do mundo: é isso o que falla á nossa
imaginação, é isso o que resuscita, por assim dizer, a vida do
passado, e que nos faz ser presentes ao espectaculo animado das
gerações sepultadas. desta arte a historia póde offerecer
importantíssimas lições [...]”.
53
A passagem torna ainda mais explicita a referência a Barante, por se tratar de uma
tradução praticamente literal de seu discurso.
54
A metáfora do espetáculo implica, sem
dúvida, reconhecer que a operação historiográfica torna visível o passado por meio de
uma representação fidedigna dos fatos.
55
Nesse caso, o que se vê é o encadeamento de
cenas memoráveis que a narrativa do historiador restitui à vida e ao presente. Ao narrar
o que fizeram e como viveram as gerações pretéritas, ele deve transformar os leitores
em espectadores ou “testemunhas”, oferecendo-lhes uma experiência do passado. O
sentido explicativo do que aconteceu deve ser buscado menos na providência divina, e
muito mais nos próprios homens. Portanto, ella [a história] não os deve representar
como instrumentos cegos do destino”, mas “os deve pintar taes quaes foram na sua
vida, obrando em liberdade, fazendo-se responsáveis por suas acções” e, por
conseguinte, passíveis de serem submetidos aos “olhos da Musa severa da história”.
56
53
Idem, pp. 12-13.
54
A esse respeito, cf. CEZAR, Lições sobre a escrita da história, op. cit., p. 21, n.23.
55
No uso da noção de história como espetáculo, é inevitável reconhecer, mais uma vez, os traços da
tradição retórica e a preocupação do orador em transformar seus ouvintes em “espectadores”, mediante o
uso de figuras e tropos de linguagem. ZANGARA, op. cit.,, pp. 301; cf. também SKINNER, Quentin. Os
usos das imagens. In: Razão e retórica na filosofia de Hobbes. São Paulo: Unesp/Cambridge, 1999, pp.
247-289.
56
BARBOSA, op. cit., p. 13.[grifos meus]. A ênfase na idéia de que a história deveria representar os
indivíduos responsáveis por suas ações” não implicava um abandono absoluto da noção de providência
divina para a explicação dos acontecimentos. Cunha Barbosa e outros sócios do IHGB continuaram
valendo-se do argumento providencialista por diversos momentos. Joaquim Manoel de Macedo, por
exemplo, atribuía ao “dedo providencial do Senhor”, a ascensão e queda dos impérios e afirmava que o
Brasil “surgio do seio do Atlântico aos olhos de Cabral... em cumprimento dos altos destinos, que lhe
fadara a Divina Providência”. RIHGB, Tomo 16, 1853, pp. 611-612. Temístocles Cezar considera que, em
Varnhagen, a providência é não apenas o testemunho da intervenção de uma crença religiosa na escrita da
história, mas também um recurso narrativo. “Certamente, é, por vezes, uma astúcia retórica para
compensar a falta de fontes. Ela faz parte da lógica interpretativa do historiador”. L’écriture de l’histoire
au Brésil, op. cit., p. 564.
47
Em uníssono com o historiador francês, Cunha Barbosa formula uma exigência de
reconstituição do passado em sua plenitude viva que, no Oitocentos, marca a
transformação das condições de representação do saber histórico. Como assinala Marcel
Gauchet, o imperativo de dar a ver tanto quanto a compreender, a convicção na
“imparcialidade da imaginação”, a idéia de que o conhecimento histórico não é somente
a ciência dos fatos, nem apenas a determinação de sentido daquilo que esteve em jogo
no passado, mas ambição de revivescimento, impõem-se como objetivos reguladores da
operação historiográfica.
57
Pode-se acrescentar ainda que, se essa série de exigências
produz os seus efeitos mais evidentes na escrita, não deixa de regular implicitamente a
leitura da história e, por conseguinte, a possibilidade da historiografia ascender à
condição de fonte fidedigna.
58
Dentro do IHGB, embora não haja uma teorização sistemática nesse sentido, a
preocupação estará formulada desde o início das suas atividades. A par disso, no
relatório do ano de 1840, o primeiro secretário renova os apelos para que os literatos
brasileiros trabalhem em proveito do conhecimento do verdadeiro caracter nacional” e
na retificação dos erros e inexatidões históricas, propagadas por “escriptores levianos”.
É também o momento em que Cunha Barbosa formula expectativas, falando, acima de
tudo, como leitor e crítico de textos históricos:
“Desde Pero Vaz de Caminha e Pero de Magalhães Gândavo até
Accioli, Baêna e Varnhagen, primeiros e últimos dos que tem
escripto sobre cousas do Brasil, existe um longo espaço de annos,
[...] honrão sim a nossa Pátria, mas que ainda não satisfazem os
desejos de quem quer ler a História Brasileira ligada com taes
relações, que encaminhem os factos a resultados, que produzão
verdade, e illuminem o espírito na investigação de cousas que
devão ser proveitosas. Brilhantes pyrilampos em campo vastíssimo
ainda coberto de tantas trevas, esses escriptos fulgurão de
tempos a tempos para mais obscurecerem as vistas dos
investigadores da nossa Historia. Faltando-lhes o seguro fio, que
os deva guiar em tão confuso labyrinto, jamais conseguirão a
57
GAUCHET, op. cit., pp. 24-27.
58
Recentemente, Anthony Grafton, estudando as artes historicae elaboradas entre os séculos XVI e
meados do XVIII, demonstrou como, nesses tratados, propunham-se princípios tanto para a escrita
(segundo a tradição retórica) quanto para a leitura sistemática e crítica da história e das suas fontes,
contribuindo para a formação de um conjunto de regras que estarão na base do método histórico moderno.
Cf. What was history? The Art of History in Early Modern Europe. Londres: Cambridge University Press,
2007, pp. 1-61 (especialmente pp. 31-33).
48
verdade, que resulta de um bem sustentado encadeamento dos
factos”.
59
O que faltava nos escritos sobre a história do Brasil era o apenas o melhor
encadeamento causal dos fatos, mas um princípio narrativo capaz de orientar a
apreensão de uma unidade racional nos processos e eventos históricos. Por outro lado,
as expectativas formuladas pelo secretário perpétuo não deixam de remeter a uma
espécie de pacto tácito de leitura sobre o qual, segundo Paul Ricoeur, a escrita da
história repousa: é uma expectativa daquele que lê a obra historiográfica que o seu autor
apresente uma narrativa verdadeira e não uma ficção.
60
A questão que emerge a partir
daí é a de se saber como e em que medida tal contrato pode ser honrado e, com isso, se
instaura o problema da representação histórica do passado.
61
Na primeira metade do século XIX, em pleno processo de constituição de uma
matriz disciplinar científica”, as preocupações acerca dos modos de narrar a história
consubstanciam-se no debate sobre a cor local.
62
É necessário identificar a posição de
Prosper Barante diante do tema, em razão da sua expressiva recepção entre os letrados
do IHGB.
63
As formulações mais significativas a esse respeito encontram-se no prefácio
da sua Histoire des ducs de Bourgogne. Ao tratar do período que abarca os quatro
reinados da dinastia dos Valois, ele pretende apresentar, em primeiro lugar, uma
narração que faça saltar aos olhos a cor nacional e característica francesa”.
64
Concebida como uma “pintura fiel”, a história deveria recuperar “os atrativos que o
romance histórico lhe tom[ara]ou de empréstimo”, sem abster-se, no entanto, de ser tão
59
RIHGB, Tomo 2, 1840, p. 584. [grifos meus].
60
RICOEUR, Paul. L’écriture de l’histoire et la représentation du passé. Annales. Histoire, Sciences
Sociales, n. 4, juillet-août 2000, p. 731.
61
Idem.
62
O tema será central entre os historiadores liberais ingleses, como Thomas B. Macaulay (1800-1859) e
especialmente para os românticos franceses como Augustin Thierry (1795-1856), Adolphe Thiers (1797-
1877). A esse respeito, cf. HARTOG, François. O século XIX e a história. O caso Fustel de Coulanges.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003, pp. 98-103 e CEZAR, Temístocles. Narrativa, cor local e ciência.
Notas para um debate sobre o conhecimento histórico no século XIX. História Unisinos, São
Leopoldo/RS, v. 8 n. 10, jul-dez 2004, pp. 11-34. Para as reflexões de Macaulay sobre o problema, cf.
STERN, Fritz (ed.). The varieties of history. From Voltaire to the present. New York: The World
Publishing Company, 1966, pp. 71-89 e KELLEY, Donald. Fortunes of history. London: Yale University,
2003, pp. 106-111.
63
Entre os sócios mais destacados que citam Barante, além de Cunha Barbosa, estão o cônego Fernandes
Pinheiro, primeiro secretário entre 1859 e 1876 e o presidente entre 1891 e 1906, Olegário de Aquino e
Castro.
64
BARANTE, P. Histoire des ducs de Bourgogne. In: GAUCHET, op. cit., p. 88.
49
“exata e rigorosa” quanto “viva e verdadeira”.
65
Embora se baseasse em “crônicas
ingênuas, documentos originais”, não interessava a Barante “imitar a sua linguagem”,
mas “penetrar em seu espírito” para que, enfim, pudesse “reproduzir a sua cor”.
66
Dessa
forma, o historiador acreditava que poderia fazer “desaparecer as marcas de seu próprio
trabalho” para apresentar o espetáculo dos fatos”, isto é, uma “representação fiel da
verdade”.
67
A preocupação com a forma com que a exposição histórica deveria ser arquitetada
levaria Barante e outros historiadores do Oitocentos a buscarem na pintura e no
romance, modelos para a reprodução da cor local. Esse será o recurso e o instrumento
com que se intentará imprimir as marcas da verdade e da vida fielmente reproduzida”
na narrativa histórica. Portanto, “para ver e fazer ver, o historiador deverá ter o olho do
romancista, possuir a maestria de uma narração que se ofereça aos olhos do leitor e
produza a evidência, recorrendo à figura da hipotipose (a descrição viva)”.
68
A exigência formula-se, de modo mais explícito, em algumas apreciações críticas
dos trabalhos historiográficos dos sócios do Instituto. Assim, em 1866, em seus
comentários à publicação da Noticia Histórica sobre a Confederação do Equador, de
Antonio Pereira Pinto, o primeiro secretário, cônego Fernandes Pinheiro, após enaltecer
a contribuição da obra, concluía que seu autor,
“discípulo da escola de Barante e Thierry, não se contentou [...]
com produzir no animo dos leitores a convicção nascida da sua
palavra auctorizada; mas antes, collecionando preciosos e
raríssimos documentos, fez-se contemporaneo dos successos que
relatava, e obteve esse profundo conhecimento das cousas, a que o
Sr. Alexandre Herculano denomina intuição quase prophetica do
passado.”
69
Conforme ressaltei anteriormente, nas décadas iniciais de atividade do IHGB, as
preocupações com a elaboração da história do Brasil traduzir-se-iam na busca do plano
65
Idem, pp. 102-103.
66
Idem, p. 103.
67
Idem, p. 96. Cf. HARTOG, Évidence de l’histoire, op. cit., pp. 135-151.
68
HARTOG, Évidence de l’histoire, op. cit, p. 139. Para uma análise da noção de cor local, cf. também
CEZAR, Narrativa, cor local e ciência, op. cit., pp. 11-34.
69
Relatório, RIHGB, Tomo 29, 1866, pp. 434-435. [grifos do autor]. No mesmo volume, cf. PINTO, A.
P. Noticia Histórica sobre a Confederação do Equador, pp. 36-200.
50
mais adequado para a sua escrita.
70
Com a escolha da dissertação de Martius, em 1844,
o Instituto oficializaria o modelo que julgava mais adequado para a elaboração de uma
historia no gênero filosófico.
71
o se tratava de estabelecer uma “simples distribuição
das matérias, por um methodo puramente fictício ou artificial”, mas de compor uma
“história geral” do país, levando em conta a variedade de condições do seu imenso
território, de modo a “illuminar os acontecimentos com esse colorido local com que
tanto se prende a attenção do leitor”.
72
Para aqueles que pretendessem elaborar essa
história, uma incumbência prioritária era a de percorrer as províncias do Império,
“examinando com seus próprios olhos todas as particularidades de sua natureza e de sua
povoação”. Caberia ao historiador conhecer as necessidades peculiares de cada
província, para elaborar uma narrativa que pudesse interessar a todos os brasileiros. Ao
endossar as prescrições formuladas pelo naturalista, os pareceristas do Instituto
enfatizavam, por fim, um importante dever do historiador: o de atender aos fins
políticos e morais da história.
“Com os sucessos do passado ensinará á geração presente em que
consiste sua verdadeira felicidade, chamando-a a um nexo
commum, inspirando-lhe o mais nobre patriotismo, o amor ás
instituições monarchico-constitucionaes, o sentimento religioso, e a
inclinação aos bons costumes. Seu estylo deve ser nobre, correcto,
porém simples e claro. Sua historia deve ser escripta para o
povo.”
73
Os sócios do IHGB não deixaram de reconhecer que o modelo historiográfico
proposto era inexeqüível naquele momento. No entanto, a sua principal utilidade estava
na direção que fornecia às investigações históricas a serem empreendidas a partir de
então.
74
Martius não se limitara a indicar um plano de ordenação dos fatos em suas
diferentes épocas, mas, tendo em vista a escrita de uma história geral”, prescrevera
critérios de sua própria representação.
70
A esse respeito, cf. Sessão em 14 de novembro de 1840. RIHGB, Tomo 2, pp. 531-532, que instituiu o
concurso para o melhor trabalho sobre a escrita para a história do Brasil.
71
Parecer por Francisco Freire Allemão, Joaquim da Silveira e Thomaz Gomes dos Santos. RIHGB,
Tomo 9, 1847, pp. 279-287.
72
Idem, p. 286.
73
Idem, pp. 286-287.
74
Idem, p. 287.
51
O problema da forma das narrativas históricas não pode ser examinado fora das
suas relações com o processo de constituição do conceito reflexivo de história como
“saber de si mesma”.
75
Nos termos de Reinhart Koselleck, embora os métodos e saberes
histórico-filológicos tivessem se autonomizado desde os tempos do humanismo, a
história (historie) como tal se institui como ciência somente quando – na perspectiva de
uma “história geral” adquire um novo espaço de experiência.
76
O surgimento da
filosofia da história marca, portanto, a demarcação de um domínio específico do saber
histórico. Como efeito desse processo, as relações entre história e poesia tornam-se mais
complexas, provocando revisões e questionamentos do tema clássico da hierarquização
aristotélica da superioridade/universalidade da segunda sobre a primeira.
77
O que
Koselleck aponta é para uma “osmose mútua entre ambas sob uma deliberada
“pretensão racional comum”, em que os limites da invenção poética e verossímil
circunscrevem também o mundo historicamente pensável.
78
Enquanto o romance
submetia-se à realidade histórica, a história, ao inverso, rendia-se à prescrição poética
de criar unidades de sentido, ou seja, mais do que narrar séries cronológicas de fatos, ela
deveria estabelecer uma ordenação intrínseca e inteligível de todos os acontecimentos.
79
Em suma, o que importa ressaltar é que o problema da representação do passado
está na base da conceitualização da história como categoria de realidade e de reflexão.
Entre os letrados brasileiros do século XIX, os diferentes usos da palavra história o
fogem à amplitude semântica de sua acepção moderna, denotando ora uma realidade
histórica efetiva, ora as condições de possibilidade do seu conhecimento, ora a narrativa
que confere inteligibilidade aos acontecimentos. Entretanto, as diferentes possibilidades
de significação do conceito não desfazem, ao contrário, servem para reforçar a filiação
primordial, recorrentemente assinalada nos discursos dos sócios do IHGB, entre história
e memória.
75
Para a célebre fórrmula de Droysen, cf. KOSELLECK, R. Le concept d’histoire. In: L’expérience de
l’histoire. Paris: Gallimard-Seuil, 1997, p. 27.
76
Idem, p. 28.
77
Idem, pp. 29 et passim.
78
Assim, a história e a novela burguesa ou romance equiparavam-se sob o mesmo postulado da fidelidade
histórica dos fatos – presente nos próprios títulos das obras de literatura o que correspondia às
expectativas realistas dos leitores. Idem, pp. 32-33.
79
Idem, p. 33.
52
“É da Historia principalmente que se occupa este nosso Instituto:
seu nobre fim é tirar do do esquecimento tantos feitos illustres
de distinctos Brasileiros, que tem merecido a immortalidade: é
colligir, para um dia servir á História do Brasil, uma infinidade de
memórias e documentos preciosos, que se achão dispersos e pouco
apreciados”.
80
O trabalho de pesquisa histórica a ser empreendido pelos sócios do Instituto
consistia, antes de tudo, em uma operação de combate ao esquecimento.
81
Como uma
das iniciativas para atender a esse objetivo, o primeiro secretário Cunha Barbosa
idealizaria a escrita das “Ephemerides histórico-politicas”, a serem apreciadas “pelas
gerações futuras”, justificando que “n’este registo de factos, muitos dos quaes fugiriam
de nossa lembrança no correr dos tempos, encontrarão os escriptores da historia do
Brasil sufficiente matéria sobre que possam trabalhar”.
82
O projeto historiográfico que se afirma entre os fundadores do IHGB conserva
algo do sentido enunciado no momento em que história nasceu como gênero de escrita e
“rito de recordação”, quando Heródoto declarou a preocupação em evitar que os feitos
dos homens fossem apagados com o tempo.
83
Por sua vez, se a luta contra o
esquecimento converte-se em imperativo recorrentemente assinalado entre os letrados
brasileiros oitocentistas é porque corresponde a uma experiência temporal
qualitativamente distinta daquela dos antigos:
“Correm os tempos, e os acontecimentos, que uns a outros se
sucedem, marcham tão rápidos, que o rastro de luz que aclara a
geração presente, obliterar-se-hia na seguinte, se o gênio da
Historia, coadjuvado pela Geographia e Chronologia, não tomasse
a seu cargo fixal-os de modo que sirvam de instrucção aos povos
de todas as idades. Elles se ligam sim em continuada cadêa por
meio de relações, que algumas vezes a intelligencia póde
80
Discurso do vice-presidente Aureliano de Souza Oliveira Coutinho. RIHGB, Tomo 2, 1840, p. 581.
81
Cf. GUIMARÃES, A disputa pelo passado, op. cit., p. 104. Sobre a imbricação inevitável entre história
e memória, a referência não pode ser outra senão a obra de Paul Ricoeur cuja tese é a de que o problema
da representação historiográfica começa no plano das representações mnemônicas. “A história é a
herdeira de um problema que se coloca embaixo dela, no plano da memória e do esquecimento e as suas
dificuldades mais específicas não fazem mais do que se juntar àquelas próprias da experiência da
recordação”. RICOEUR, L’écriture de l’histoire, op. cit., p. 731.
82
RIHGB, Tomo 3, suplemento, 1841, p. 529.
83
Fernando Catroga chama a atenção para as relações de cumplicidade entre o historicismo e o fenômeno
da expansão do culto dos mortos no século XIX. A própria idéia de reconstituir os fatos “tal como eles
aconteceram” (Ranke) ou de ressuscitar o passado (Michelet) remeteria ao elo inquebrantável entre
historiografia e evocação dos mortos, do qual decorreria a possibilidade de construção de sentido para a
vida presente dos vivos. CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto,
2001, pp. 40-44.
53
alcançar e restabelecer em seu estado de verdade e clareza; mas
força é confessar, Srs., que milhares de circumstancias levam a
nossa razão a desviar-se da verdadeira senda dos acontecimentos,
augmentando assim as trevas com que a antiguidade desbota os
factos que nos transmitte. A Historia é a memoria das nações, disse
um sabio philologo; e de seu copioso deposito derivam ellas a
necessaria instrucção, ou para se regularem no presente, ou para
penetrarem o futuro, seguras em sua marcha. [...] mas quando a
sciencia, rompendo os nevoeiros do passado, repõe os
acontecimentos no seu verdadeiro ponto de luz, que a
philosophia pode bem acceder, então a Historia é de grande
utilidade, tanto aos que encaminham o destino das nacões, como
aos povos que por ella se regulam, evitando as quedas de seus
antepassados, e endereçando-se gloriosos a um fim mais digno de
suas illustres fadigas”.
84
Sob o impacto de um tempo vivido, cada vez mais, de modo acelerado, caberia à
representação historiográfica o somente fixar os acontecimentos memoráveis em seu
encadeamento contínuo, mas também perpetuar a recordação, para orientar a vida dos
homens no presente e no futuro. Longe de perder a sua eficácia persuasiva, revalidava-
se a convicção no preceito antigo da história magistra e, por conseguinte, no caráter
moralizador e pedagógico de toda a experiência histórica.
Apologias a Plutarco
“[...] se vós gostais de refletir sobre as paixões, os vícios, as
virtudes dos homens célebres sobre os quais vós narrastes as
proezas ou a administração, caminhai sobre os passos de Plutarco e
empenhai-vos em nos esclarecer e nos tornar melhores,
apresentando-nos o retrato dos homens cujos talentos honraram a
humanidade, e cujas vidas devam ser, para nós, uma lição eterna”.
Abade de Mably.
85
“Enchei as vossas almas de Plutarco e, acreditando nos seus heróis,
ousai acreditar em vós próprios”.
Friedrich Nietzsche.
86
84
Relatório, RIHGB, Tomo 5, suplemento, 1843, p. 4.
85
MABLY. De la manière d’ecrire l’histoire [1783]. Paris: Fayard, 1988, p. 271.
86
NIETZSCHE, F. II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a
vida. In: Escritos sobre história. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2005, p. 128.
54
Em um de seus estudos seminais sobre historiografia, Arnaldo Momigliano
considera a inadequação da noção de “herança” para definir o modo como a história e
outras atividades intelectuais originárias na Antigüidade chegaram até nós.
87
Uma vez
que, desde os culos XIV e XV, os humanistas dedicaram-se a restituir a validade dos
modelos antigos, tratou-se menos da transmissão direta de um “legado” do que de
escolhas conscientes.
88
A maneira de escrever a história nos tempos modernos poderia,
então, ser mais bem definida como uma confrontação permanente com os originais
gregos e com aquilo que os romanos fizeram de seus modelos”.
89
Se os historiadores
modernos são, antes de tudo, leitores dos antigos, resta saber como funcionam esses
usos do passado, ou ainda, de que modo a Antigüidade se institui como fonte de
autoridade.
90
Entre os sócios do IHGB, a referência aos antigos assinala alguns balizamentos
importantes no desdobramento das reflexões em torno da escrita da história. O que se
percebe, sobretudo entre os fundadores do Instituto, é que a evocação de autores
canônicos greco-latinos não se estabelece por meio de uma démarche historiográfica
preocupada em compreender no que o passado difere do presente, mas se baseia em um
jogo de identificações e analogias que, ao final, torna quase nula a distância entre os
séculos.
91
Assim, em uma manifestação extremada da convicção em um encadeamento
87
MOMIGLIANO, Arnaldo. L’historiographie grecque. In: Problèmes d’historiographie ancienne et
moderne. Paris: Gallimard, 1983, pp. 15-16. Para uma outra versão desse texto, renomeado de “Biografia
e história”, cf. FINLEY, Moses. O legado da Grécia. Uma nova avaliação. Brasília: Editora UnB, 1998,
pp. 181-210.
88
Pode-se fazer uma aproximação das reflexões de Momigliano com as considerações de Gérard Lenclud
sobre a tradição como “noção-problema”, posto que deve sempre ser compreendida menos como
“herança” naturalmente transmitida do que como uma fabricação condicionada histórica e socialmente.
Assim, o que a institui como tal o é uma qualidade imanente, o passado em si mesmo, mas uma leitura
necessariamente seletiva que circunscreve a tradicionalidade do que foi ou do que se passou. Cf.
LENCLUD, G. Qu’est-ce que la tradition? In: DETIENNE, Marcel (org.). Transcrire les mythologies.
Paris: Albin Michel, 1994, pp. 25-44.
89
MOMIGLIANO, L’historiographie grecque, op. cit., pp. 15-16. Recentemente, Pascal Payen apontou
para os elementos do modelo historiográfico de Tucídides presentes na constituição da história científica
alemã no século XIX. Cf. PAYEN, Pascal. La constitution de l’histoire comme science au XIXe siècle et
ses modèles anciens: fin d’une illusion ou avenir d’un heritage? Texto da conferência proferida no Brasil
em 2008.
90
Servem-me de inspiração neste item o título do livro de SAHLINS, Marshal. História e cultura:
apologias a Tucídides. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006 e as análises de HARTOG, F. A
Revolução Francesa e a Antigüidade. Humanas, volume 23, 1/2, 2000, p. 18. Sobre as relações entre
autoridade e tempo, baseei-me também nas breves, porém valiosas indicações que constam em
HARTOG, F. Tempo do mundo, história, escrita da história. In: GUIMARÃES, Estudos sobre a escrita
da história, op. cit., pp. 23-24.
91
Cf. BELLEGUIC, Thierry et BERNIER, Marc André. Le siècle des Lumières et la communauté des
Anciens: rhetoric, histoire et esthétique. In: BERNIER, Marc André (ed.). Parallèle des anciens et des
55
contínuo dos tempos, o orador Joaquim Manoel de Macedo invocaria os grandes heróis
das letras como uma “presença rediviva”:
“Homero ainda passa diante de nós, cantando e esmolando pelas
cidades da Grécia; Platão com a sua republica; Sócrates vendo
Deus nos próprios momentos em que bebia a cicuta, ainda estão
passando a nossos olhos; depois d’elles conquistadores,
philosophos, idealistas; no nosso século, enfim, os maravilhosos
heróes da intelligencia e do trabalho: são redivivos; não
atravessam, porém, o espaço, atravessam a nossa memória; porque
com o seu renome atravessaram os séculos e perduram na
historia”.
92
Não havia sido diferente a perspectiva a partir da qual Cunha Barbosa, algumas
décadas antes, buscara persuadir os seus consócios acerca da premência de restituir à
memória as vidas dos mais preclaros brasileiros, através da composição de suas
biografias:
“Na vida dos grandes homens aprende-se a conhecer as
applicações da honra, a apreciar a gloria e a affrontar os perigos
[...]. O livro de Plutarco é uma excellente escola do homem, porque
offerece em todos os gêneros os mais nobres exemplos de
magnanimidade; ahi se encontra descoberta toda a antigüidade;
cada homem celebre ahi apparece com seu genio, com seus
talentos, com suas virtudes e com a influencia que exercera sobre
seu século [...].
[...] E não offerecerá uma historia verídica do nosso paiz essas
lições, que tão profícuas podem ser aos cidadãos brazileiros no
desempenho de seus mais importantes deveres?”
93
O primeiro secretário não se limita a evocar uma autoridade canônica como fonte
de inspiração para a historiografia que deveria ser empreendida pelo Instituto. Exalta,
sobretudo, a atualidade e perenidade das suas lições morais (como uma escola do
homem”) e a capacidade de tornar visível um tempo distante (“toda a antigüidade”).
Percebida como monumental – em sentido muito próximo do que, mais tarde, Nietzsche
identificará uma das formas de relação com o passado – a obra plutarquiana era
exemplar e digna de imitação, pois sua grandiosidade seria novamente alcançável
muitos culos depois.
94
Assim, autorizados pelo modelo antigo, caberia aos
modernes. Rhétoric, histoire et esthétique au siècle des Lumières. Canadá: Les Press de L’Université
Laval, 2006, p. 1.
92
RIHGB, Tomo 40, II, 1877, p. 555.
93
BARBOSA, op. cit., p. 14.
94
NIETZSCHE, op. cit., pp. 82-88. “Então, que utilidade o homem de hoje retira do conhecimento do
passado monumental, do estudo daquilo que o passado produziu de clássico e raro? Este conhecimento
56
historiadores do Brasil comporem o seu livro de Plutarco” sob os auspícios de uma
tradição perpetuada, perscrutando os nomes e os feitos dos nossos “varões preclaros por
diversas qualidades”.
95
A referência a Plutarco, conforme já salientou Manoel Luiz Salgado Guimarães,
deve ser compreendida como parte do esforço dos letrados brasileiros em associar o uso
do passado, pela via dos exemplos biográficos, a finalidades políticas no presente. As
biografias dos brasileiros ilustres, à maneira das vidas dos varões antigos, teriam a
função pragmática de servir como modelos de conduta e estímulo à imitação.
96
Torna-se
necessário indagar, enfim, qual o sentido e o alcance do cânone antigo para a elaboração
da história nacional.
Sabe-se que as proposições de Cunha Barbosa deram origem à composição de
uma galeria de distintos por letras, armas e virtudes, erigida nas páginas da Revista
Trimensal ao longo do culo XIX. No entanto, fora desse espaço, a publicação do
Plutarco Brazileiro, de João Manoel Pereira da Silva, sócio efetivo do Instituto, pode
ser igualmente considerada uma materialização inequívoca da proposta enunciada
naquele momento inaugural.
97
Apresentada como “a historia do Brazil em algumas
épochas”, a obra seguia a forma biográfica, pois segundo o autor, “narrando a historia
dos homens illustres do seu paiz conjunctamente com a dos grandes successos, que
tiveram logar durante suas vidas, mais agradava a seus leitores”.
98
Com o primeiro
volume editado em 1847, a coleção de biografias de Pereira da Silva, a despeito da boa
recepção da imprensa, não deixou de suscitar objeções unânimes quanto aos critérios de
sua organização.
99
lhe permite ver que esta grandeza foi outrora possível, e portanto será sem dúvida possível novamente
[...]” (p. 85).
95
BARBOSA, op. cit., p. 15.
96
GUIMARÃES, A disputa pelo passado, op. cit., p. 109.
97
A iniciativa não seria a única entre as publicações inspiradas no gênero “vidas ilustres” ao longo do
século XIX no Brasil, muitas delas de autoria de outros sócios ou colaboradores do IHGB. Cito as mais
importantes: a Galeria dos brasileiros ilustres (os contemporâneos) (1861), de Sébastien Auguste Sisson;
Brasileiras célebres (1862), Norberto de Sousa; Dicionário biographico de brasileiros célebres (1871),
da Editora Laemmert; Ano biograpico brazileiro (1876), de Joaquim Manuel de Macedo; O Pantheon
Fluminense. Esboços biographicos (1880), de Prezalindo Lery Santos; por fim, Dicionário Bibliográfico
Brasileiro, Augusto Victorino Alves Sacramento Blake, publicado entre 1883 e 1902. Para uma análise
desses catálogos biográficos, cf. ENDERS, Les visages de la Nation, op. cit., pp. 183-245.
98
SILVA, João Manuel Pereira da. Plutarco Brasileiro. Rio de Janeiro: Laemmert, 1847, pp. vii-viii.
99
As críticas foram incorporadas pelo autor à segunda edição revista da obra. Cf. SILVA, J. M. Pereira
da. Os varões illustres do Brazil, durante os tempos coloniaes. Paris: Livraria A. Franck, 1858.
57
A segunda versão da obra, aumentada e revisada, seria rebatizada com o tulo Os
varões illustres, durante os tempos coloniaes, o que delimitava, de modo mais efetivo,
as suas pretensões historiográficas, sem perder de todo a referência ao modelo
biográfico plutarquiano.
100
Em epígrafe a essa nova edição, uma frase de Victor Cousin
reforça a utilidade magisterial do gênero biográfico, em termos semelhantes aos que
Pereira da Silva havia apresentado a primeira versão: nas vidas dos personagens
destacados no “teatro do mundo”, estava a parte mais agradável e instrutiva da
história.
101
O nome do filósofo francês remete a uma concepção central para a biografia no
século XIX. Trata-se da noção de “grande homem” que, a despeito da sua vinculação
mais direta com o contexto intelectual da França no período da Restauração, expressa
uma ruptura, tanto em relação ao modelo de herói plutarquiano, quanto ao de indivíduo
ilustre do século XVIII.
102
Correntemente citado entre os sócios do IHGB, Cousin
dedicara uma das lições do seu curso de história da filosofia ao tema do grande
homem”, definindo-o como aquele indivíduo capaz de representar” uma
coletividade.
103
Desse modo, o “espírito geral de um povo” manifestar-se-ia nos
indivíduos notáveis: “abre os livros de história e não verás senão nomes próprios; os
historiadores têm fortes razões de se ocupar dos grandes homens, é necessário que eles
se ocupem desses personagens pelo que, de fato, são: não os ‘senhores’, mas os
representantes daqueles que não aparecem na história”.
104
Pereira da Silva o chega a explicitar os critérios de eleição dos nomes para a
sua galeria de biografados. Tampouco seria seguro inferir, a partir da citação a Cousin,
100
“Conservamos a formula biographica porque havia merecido geral approvação; seguimos porém nas
biographias a ordem chronologica, que harmonisáva melhor com o desenvolvimento histórico que n’ellas
admittimos, e que nos parece dar-lhes um verdadeiro realce”. Idem, pp. 7-8.
101
“L’histoire n’a point de partie plus agréable et plus instructive que la vie particulière des grands et
vertueux personnages qui on fait figure distinguèe sur le théatre du monde”. Victor Cousin. Apud SILVA,
Os varões illustres do Brazil, op. cit..
102
HARTOG, Plutarque entre les Anciens et les Modernes,
op. cit., p. 37.
103
Na base das reflexões de Victor Cousin (1792-1867) está a idéia de “grande indivíduo histórico
universal”, fundada na filosofia da história de Hegel. Cf. GÉRARD, Le grand homme, op. cit., pp. 37-38.
Ao identificar a formação da elite política do Brasil imperial, José Murilo de Carvalho refere-se a Cousin
como autor que talvez tenha sido a maior influência intelectual sobre os letrados brasileiros até 1870. Cf.
CARVALHO, J. Murilo de. A construção da ordem. Brasília: Editora UnB, 1981, p. 70.
104
COUSIN, Victor. Cours de l'histoire de la philosophie. Introduction a l'histoire de la philosophie.
Paris: Didier, 1841. pp. 299-300.
58
uma adesão estrita à sua noção de “grande homem”. No Plutarco Brazileiro, os “varões
ilustradoso indivíduos marcados, de alguma forma, pelo selo da exceção.
105
Poetas,
homens públicos e religiosos são retratados pelo valor de sua índole moral e, sobretudo
por seus méritos literários notáveis.
106
Diferentemente do que a inspiração no modelo
plutarquiano poderia sugerir, as vidas dos varões brasileiros não são apresentadas em
paralelo, ou seja, não uma comparação sistemática entre modelos de conduta dos
biografados entre si.
Para François Hartog, o paralelo das vidas de Plutarco, procedimento por
excelência da historia magistra, mais do que instrumento de conhecimento e
aperfeiçoamento de si, seria também expressão de uma política cultural de legitimação
da existência de um império para gregos e romanos.
107
Como substrato comum a todas
as suas formas posteriores de uso, estaria o olhar dirigido ao passado em busca do
análogo, do similar.
108
Nessa perspectiva, é possível concordar com Temístocles Cezar
acerca de um paralelo subjacente” na obra de Pereira da Silva, que permitiria ao autor
traçar, por analogia, algumas características pessoais dos varões eleitos e também
comparar situações espaço-temporais pretensamente semelhantes.
109
A ausência da
synkrisis plutarquiana, portanto, não desautoriza a filiação a um gênero que, ao longo do
tempo, acumulou múltiplas variações.
110
105
Cf. ENDERS, O Plutarco Brazileiro, op. cit., p. 43.
106
Os dois volumes da obra incluem vinte biografias, grande parte delas incluindo citações da obra
poética do biografado. Como assinala Janaína Senna, a obra mantém uma relação direta com o Parnaso
brazileiro, ou selecção de poesias dos melhores poetas brazileiros desde o descobrimento do Brazil
precedida de uma introducção historica e biographica sobre a litteratura brazileira, publicado por
Pereira da Silva entre 1843 e 1848. Segundo a autora, entre as antologias oitocentistas, o Plutarco
Brasileiro traria um dado inovador: a preocupação em ordenar cronologicamente o material literário
coligido. SENNA, Janaína Guimarães de. Flores de antanho: as antologias oitocentistas e a construção do
passado literário. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006, pp. 103-115. Tese de doutorado. Cf. também
ZILBERMANN, Regina e MOREIRA, M. Eunice. O berço do cânone: textos fundadores da história da
literatura brasileira. Porto Alegre/RS: Mercado Aberto, 1998, pp. 143-181.
107
HARTOG, F. Du parallele à la comparaison: entretiens d’archéologie et d’histoire. Plutarque: grecs et
romans en question. Paris: Les Belles Lettres, 1996, p. 161.
108
Idem. Hartog situa em uma passagem de Isócrates, no início do século IV, a primeira referência de uso
do procedimento retórico. Sobre as origens do paralelo, cf. também GICQUIAUD, Grégory. La balance
de Clio: réflexions sur la poétique du parallèle. In: BERNIER, op. cit., pp. 31-31.
109
CEZAR, Livros de Plutarco, op. cit., p. 83. Na biografia de Sebastião da Rocha Pita, por exemplo,
Pereira da Silva se serve, em inúmeras passagens, de comparações com os historiadores antigos para
avaliar a sua obra. O “grave defeito” de seu biografado – “dar como verdadeiros alguns fatos que,
devidamente investigados, teriam sido declarados falsos” podia ser encontrado em Tito Lívio,
Guilherme Robertson e João de Barros. “Sebastião da Rocha Pita, como aquelles escriptores, é arrastado
pela imaginação...”. Plutarco Brasileiro, op. cit., p. 66.
110
Cf. BERNIER, op. cit., p. 6-7.
59
Outro aspecto que tampouco deve ser subestimado é que, enquanto técnica fixada
em manuais de retórica, a prática da argumentação por paralelos integrava a formação
marcadamente humanista dos letrados brasileiros no Oitocentos.
111
Por conseguinte,
mesmo o distanciamento ou a contestação da exemplaridade dos modelos greco-latinos
em nome da concepção moderna de progresso, formula-se a partir de um regime de
escrita que instaura, sem cessar, a imitação, a comparação e o confronto com os antigos,
perpetuando o diálogo entre os séculos.
112
Na obra de Pereira da Silva, o nome de
Plutarco o é mais do que o indicativo da emulação de um gênero, denotando uma
coleção de “vidas ilustres” em que o paralelo, se não é posto explicitamente em questão,
tampouco deixa de ser utilizado como recurso narrativo.
Não obstante as críticas severas que lhe foram dirigidas, o mérito maior de seu
projeto seria atribuído, de fato, à oportuna inspiração no cânone antigo: “os costumes,
os fatos históricos, a cronologia, as idéias morais e filosóficas da época, a influência dos
homens célebres, tudo isso Plutarco estudou e soube; de sorte que quando lemos uma de
suas vidas, parece que nos achamos no século que ele descreve, tão vivas são suas
cores”.
113
A opinião de Francisco Otaviano expressava a visão, compartilhada por
muitos literatos do Oitocentos, de que nas biografias plutarquianas encontrava-se uma
modalidade narrativa capaz de persuadir o leitor a imitar os exemplos dos varões
ilustres, como se, diante dos seus olhos, se apresentasse “a imagem viva das virtudes em
ação”.
114
111
Para os letrados formados no Colégio D. Pedro II, fundado em 1838, a retórica ocupava uma posição
privilegiada no currículo do ensino básico, constituindo-se em um dos pilares da educação intelectual da
geração romântica. Desde 1827, era uma das disciplinas obrigatórias para admissão dos cursos jurídicos.
Cf. MARTINS, A fonte subterrânea, op. cit., pp. 1-10. Martins investiga a maneira como a educação
retórica forneceu as bases fundamentais das reflexões e da própria produção literária de José de Alencar.
Sobre a longa vigência dos estudos retóricos no Brasil oitocentista, cf. também SOUZA, R. A. O império
da eloqüência. Retórica e Poética no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: EdUERJ: EdUFF, 1999.
112
BERNIER, op. cit., p. 3. A questão remete, evidentemente, à célebre querela entre antigos e modernos
que pôs em xeque a autoridade e o caráter modelar da Antigüidade. Cf. entre outros, KRIEGEL, op. cit.,
pp. 271-280; JAUSS, Hans R. Tradição literária e consciência atual da modernidade. In: OLINTO, H. K.
Histórias de Literatura. São Paulo: Ática, 1996, pp. 47-100 e FUMAROLI, Marc (org). La querelle des
anciens e des modernes. Paris: Gallimard, 2001, pp. 7-218.
113
Francisco Octaviano, Gazeta Oficial do Brazil, 18/1/1847. Apud SILVA, Plutarco Brasileiro, op. cit.,
pp. 219-220.
114
A expressão é de François Frazier ao se referir ao esforço de visualização sensível”, implícito nas
Vidas de Plutarco. Cf. FRAZIER, Frazier. Histoire et morale dans les Vies parallèles de Plutarque. Paris:
Les Belles Lettres, 1996, p. 59. Cf. também ZANGARA, op. cit., p. 85.
60
Por outro lado, é inegável que a aposta biográfica de Pereira da Silva estava
subordinada a uma ambição historiográfica, ou seja, narrar as vidas dos varões
brasileiros ilustres constituía-se em uma forma “mais moralizada, instrutiva e
agradável” de reconstituição do passado colonial. As objeções dirigidas ao livro, não
por acaso, apontavam para a falta de um dispositivo específico, porém imprescindível à
narrativa do historiador: a ordenação cronológica.
A deficiência não impediu, contudo, que a iniciativa fosse bem recebida dentro do
IHGB. Manoel de Araújo Porto Alegre qualificou a obra como “um momento triunfal”,
mas que, pela própria natureza de seus objetivos, demandava tempo para a sua completa
realização: “este livro brindado às lettras do paiz terá longa duração, e augura ao seu
auctor uma nomeada duradoura, si elle durante a sua vida o for retocando, e ampliando
como convêm”.
115
Era necessário ao Plutarco dos brasileiros que alcançasse “dia em dia
novas perfeições, novos toques de remate com o andar dos annos”.
116
Esboçava-se,
portanto, a idéia de que a escrita de biografias demandava uma progressiva acumulação
de fatos e constantes retificações. A avaliação do trabalho de Pereira da Silva remete a
uma perspectiva temporal que já estava implícita na proposta de Cunha Barbosa: o
projeto histórico-biográfico precisava de tempo para evoluir e se aperfeiçoar.
117
O uso
recorrente da metáfora da edificação da história como monumento, extensivo às
biografias, corresponde, assim, à convicção no avanço e acumulação do saber o que,
por sua vez, confere uma conotação propriamente “científica” a essas tarefas.
118
Cerca de dez anos após a publicação da primeira versão da obra de Pereira da
Silva, no artigo “Iconografia Brazileira”, Araújo Porto Alegre anuncia a elaboração de
uma série de biografias para servir de complemento ao Plutarco Brazileiro.
119
O título
faz alusão à “uma coleção de imagens” às quais o autor acrescentaria notícias
biográficas, de modo a compor um grande painel da história da arte no Brasil.
120
No
115
Apud CEZAR, Livros de Plutarco, op. cit., p.76.
116
Idem.
117
Idem.
118
Nesse sentido, a constituição de uma concepção “moderna” de ciência, vincular-se-ia à idéia de
progresso. Cf. ROSSI, Paolo. Naufrágios sem espectador. A idéia de progresso. São Paulo: Unesp, 2000,
p. 49.
119
PORTO ALEGRE, Manuel Araújo. Iconographia Brazileira. RIHGB, Tomo 19, 1856, p. 349.
120
Além de integrar a geração de fundadores do IHGB, Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879) foi
pintor de formação e responsável pelo projeto arquitetônico de igrejas e edifícios do Rio de Janeiro, entre
eles o da Academia Imperial de Belas Artes, da qual foi também diretor. Sobre as diversificadas
61
preâmbulo ao trabalho que, ao final, permaneceria inacabado, expõe os propósitos da
sua contribuição:
“Para contrabalançar as más tendências, e guiar o espírito da
mocidade, as grandes nações, que são aquellas que tem severos e
proveitosos pensadores, estabelecem prêmios para os vivos, e um
culto especial para os mortos; estabelecem pantheões diversos,
afim de que elles falem ás vistas do povo [...]. Estes panthões não
são somente de pedra e cal, não são unicamente compostos de
mausoleos, cenotaphios, ou outros jazigos monumentais, [...] são
também compostos de livros especiaes, cujas narrações edificam,
como a palavra solemne da historia”.
121
A serviço da pedagogia cívica e moral das novas gerações, o culto dos mortos
beneméritos não se resumiria a edificações materiais suntuosas, muitas vezes, “producto
da adulação ou do fanatismo político”. Conforme o orador do Instituto, se as estátuas
condensam e individualizam as virtudes dos grandes homens, os escriptos as
generalisam e perpetuam”. Não era o monumento de pedra e cal”, mas “a história, o
nexo dos acontecimentos, os documentos incontestáveis, e o bom senso da posteridade
que edificariam e sancionariam a memória desses exemplos para as gerações futuras:
“quando o historiador ou o biographo tem um respeito religioso á verdade, os seus
escriptos fecundam”.
122
Como o autor do Plutarco Brazileiro, Araújo Porto Alegre
concebia a narrativa das vidas dos homens notáveis como via de acesso privilegiado ao
tempo histórico em que eles viveram.
123
“Conhecida a biographia de todos os homens salientes de uma
épocha, seja qual for a sua acção civilisadora, está conhecida a
historia d’aquelles tempos; porque nos seus actos, nas suas idéas,
nos seus resultados, está o movimento geral, as peripécias do
atividades do autor, incluindo a sua atuação como orador no IHGB, cf. SQUEFF, Letícia. O Brasil nas
letras de um pintor. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2004.
121
PORTO ALEGRE, Iconographia, op. cit., p. 350.
122
Idem, p. 353.
123
O orador do Instituto projetava a sua iconografia como uma obra “popular” em que apresentaria os
retratos e as vidas de “homens úteis ao Brazil”, nas suas mais diversas vocações soldados, poetas,
filósofos, estadistas, “e todas as outras alavancas da machina social” Desse modo, incitava os futuros
escritores que dessem prosseguimento à tarefa, apresentando aos leitores os seus “apontamentos sobre a
vida e obras” de JoMaurício Nunes Garcia (1767- 1830), padre e mestre da Capela Real; Valentim da
Fonseca e Silva, o mestre Valentim (1745-1813), escultor, nascido em Minas Gerais e de Francisco Pedro
do Amaral (? 1831), pintor, paisagista responsável pelas obras de decoração dos palácios imperiais e da
Biblioteca Imperial. PORTO ALEGRE, op. cit., pp. 353-354.
62
drama animado da sociedade, onde cada um d’estes indivíduos foi
actor e compositor”.
124
Afora a sua eficácia como instrumento de civilização, nas vidas e feitos dos
grandes personagens revelava-se o movimento geral” da história. Não era diferente a
concepção formulada pelo primeiro secretário, cônego Fernandes Pinheiro, em 1864:
“nomes que symbolisam uma época, um povo, uma civilisação; poderosas
individualidades, que, atrahindo a si todas as attenções, concentram em sua pessoa as
idéas e os feitos de milhares de homens: Carlos Magno é a Idade Média, Napoleão I a
Revolução Franceza”.
125
Idêntico critério estava presente no parecer que julgara a
Noticia acerca da vida e obras de João Francisco Lisboa, de Antonio Henriques Leal,
como “uma biographia com todas as dimensões de historia política e litteraria”.
126
Nesse
caso, o grande mérito do autor estava precisamente na forma com que conectava a
trajetória do biografado como “escritor, cidadão e homem particular” ao quadro político
do seu tempo.
127
A narração precisa o fazia ascender da função de biógrafo à
condição de verdadeiro historiador, pois
“escrever por esta forma não é simplesmente escrever, é pôr-nos os
objectos diante dos olhos com todas as suas cores, ou por outra é
ser mestre na arte de escrever. Por esta eminente qualidade de
pintar escrevendo é que os bons e felizes engenhos se distinguem
da turba dos escriptores sem talento notável. O mérito d’este
escripto [...] é tal que eleva seu auctor, o á categoria de simples
biógrapho, mas á de verdadeiro historiador profundo e eloqüente,
sobre conhecedor de todas as bellezas de estylo e recursos da
língua”.
128
124
Idem, p. 353. A frase remete à idéia de Thomas Carlyle de que a vida social é resultado de todas as
vidas individuais que compõem a sociedade”, ou ainda, de que “a história é a essência de inúmeras
biografias”. CARLYLE, T. On history. In: Critical and miscellaneous essays. Londres: Chapman & Hall,
[1869], vol.2, p. 255. Apud LORIGA, op. cit., p. 232. Importante salientar que o escritor escocês nunca
foi particularmente citado pelos sócios do Instituto e, no entanto, a escrita de biografias não deixaria de
ser por muitos deles justificada com base em concepções semelhantes às suas, ou seja, como fonte de
exemplos das mais altas virtudes morais e patrióticas. Cf. ENDERS, op. cit., p. 51.
125
RIHGB, Tomo 27, 1864, p. 394.
126
Parecer de admissão de Antonio Henriques Leal como sócio correspondente. RIHGB, Tomo 29, 1866,
p. 408.
127
“A circumstancia de ser Jo Francisco Lisboa chefe de um partido e redigir uma folha em sentido
liberal, serviu de elo de cadêa a seu habilíssimo biographo para reproduzir em quadro fiel e resumido a
historia política de então. Um escriptor menos amestrado ter-se-ia limitado a narrar a parte activa que o
redactor da Chronica tomou na reprovação do assassinato e accusação do assassino, sem descever o
estado do paiz n”aquella épocha, e daria a seu quadro um interesse puramente individual, ao passo que o
Sr. Dr. Leal soube pela ligação sobredita dar ao seu um interesse todo collectivo, sem todavia deixar de
pôr em relevo o grandioso vulto que pinta”. Idem, pp. 411-412.
128
Idem, pp. 414-415. [grifos meus].
63
Como ficou demonstrado, entre os sócios do IHGB, a biografia era exaltada tanto
por sua capacidade em tornar vivos os personagens e as épocas históricas quanto pela
força persuasiva das suas lições. Tratava-se, portanto, de um nero de escrita que
atendia aos imperativos mais imediatos do programa da historia magistra: fixar os
nomes e exemplos do passado, oferecendo-os à imitação dos leitores no presente.
Decorridos vinte anos de existência do Instituto, o presidente Cândido José de Araújo
Viana destacava a fecundidade de publicações na Revista Trimensal e, em especial, dos
trabalhos biográficos, ecoando as proposições formuladas no discurso inaugural:
“em tão preciosa collecção se incluem biographias, bem que
resumidas, de brasileiros illustres, que honrarão a pátria por suas
letras e por diversos e brilhantes serviços; seus nomes e feitos
forão d’esta arte arrancados do esquecimento em que jazião
sepultados. Dar vida a beneméritos que culpável descuido tem
deixado mortos, para a gloria da nossa terra e para a estima do
mundo, é sem duvida bem merecer da pátria”.
129
Argumentos semelhantes continuariam justificando os usos da biografia dentro do
IHGB. No final do Oitocentos, um artigo de Tristão de Alencar Araripe sobre a escrita
da história nacional parecia tão somente reprisar os lugares-comuns que, entre os
consócios, eram utilizados para abordar o tema.
“Ninguém duvida da utilidade da história, a que um ilustre escritor
antigo denominou luz da verdade e mestra da vida. Nestas palavras
está o elogio da história, que não constitue uma ciência de mero
deleite e recreação, mas uma escola de proveitosa lição para o
homem e para a sociedade. Expondo os acontecimentos que nos
precederam, deve o historiador ter por intuito duas cousas: premiar
o mérito dos bemfeitores do gênero humano, aos quaes a prudência
dos séculos denomina heroes, e excitar novos estímulos de
imitação dos grandes modelos de patriotismo [...].
130
Uma leitura mais atenta do texto sugere, no entanto, uma mudança significativa de
ênfase quanto às demandas dirigidas ao conhecimento histórico. Mais do que arrancar
do esquecimento os nomes e os feitos memoráveis, o acento do discurso de Araripe
recai na defesa da utilidade da história em explicar “o que a pátria é e o que pode vir a
129
RIHGB, Tomo 21, 1858, p. 456.
130
ARARIPE, Tristão de Alencar. Indicações sobre a história nacional. RIHGB, Tomo 57, 1894, p. 263.
A publicação do texto, correspondente à forma como foi escrito pelo autor, seguiu a ortografia fonética.
Optei por manter o padrão ortográfico etimológico usual às demais citações do material da Revista no
século XIX.
64
ser”, ou seja, sem a narração dos acontecimentos do passado, não seria possível decifrar
“a condição presente e futura do Brasil”.
131
O que estava em primeiro plano não era
propriamente a necessidade da memorização dos faustos nacionais, tão explicitamente
reivindicada por muitos sócios fundadores, mas a expectativa de que a história fosse um
instrumento de inteligibilidade do presente e de projeção do futuro.
132
“O vigor com que
progride a literatura brazileira augura-nos esperançosos historiadores da magnanimidade
nacional”.
133
A marcha do tempo passava a ser percebida não tanto como fator de
corrosão da memória do vivido, mas como sinal do progresso irreversível e da
realização dos “destinos de nossa nacionalidade”.
134
“A historia é um meio instrutivo do povo; a lição dos fastos nacionaes ensina aos
cidadãos a eficacia das maximas politicas, e o esclarece sobre a marcha dos públicos
negocios, dando-lhes experiência e tino preventivo”.
135
Em meio às vicissitudes da
atmosfera política brasileira no último decênio do Oitocentos, os pressupostos da
historia magistra continuavam plenamente válidos e convenientes. Diferentemente dos
tempos em que se ufanavam da proteção imperial, os sócios do IHGB testemunhavam a
difícil transição para a “nova ordem das cousas”, após a deposição da monarquia.
136
Como estratégia de sobrevivência da instituição, era imprescindível reafirmar o vínculo
entre os propósitos de uma história “científica”, o compromisso com o novo projeto
político e o futuro da nação. Posicionando-se como “propugnador da unidade nacional”,
Araripe, ministro e partidário do regime republicano, entendia que a instrução pública
131
Idem, p. 260.
132
Tomo como referência, sobretudo os discursos de Cunha Barbosa e a sua ênfase em “arrancar do
esquecimento os nomes e os feitos do passado...”. No texto de Araripe, como será demonstrado a seguir,
os topoi da fixação da memória” e da “luta contra o esquecimento”, se não estão de todo ausentes, não
constituem mais o núcleo central da argumentação. Por sua vez, o que me possibilita pensar nessa
mudança de ênfase é o que François Hartog identifica como o traço de descontinuidade entre modelo de
história de Heródoto e o de Tucídides, ou seja, entre “o propósito de conferir aos mortos e seus feitos
heróicos uma glória (kléos) imortal e o de transmitir aos homens um relato para sempre (ktêma), capaz de
decifrar os presentes vindouros”. Cf. HARTOG, François. Os antigos, o passado e o presente. Brasília:
Editora UnB, 2003, p. 56.
133
ARARIPE, Indicações, op. cit., p. 289.
134
Idem.
135
Idem, pp. 262-263.
136
Cf. GUIMARÃES, cia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (1889-1938), pp. 21-37. Como demonstrou Hugo Hruby, o ano de 1894 data da
publicação do artigo de Araripe foi especialmente importante para a reaproximação do Instituto em
relação ao novo governo. Foi nesse momento que, pela primeira vez desde a queda da monarquia, a
sessão pública aniversária da instituição contou com a presença da mais alta autoridade da República, o
recém eleito Prudente de Moraes. Cf. HRUBY, Obreiros diligentes, op. cit., pp. 35-83.
65
deveria se realizar através do doutrinamento da historia”.
137
Mas, de que história se
tratava? Antes de tudo, ela deveria ser “patriótica”, tanto em suas motivações quanto
nos efeitos magisteriais, oferecendo exemplos e incitando a imitação do leitor.
“Si pintarmos com perfeição, e si ao retrato dermos os traços
caracteristicos do verdadeiro heróe, oferecendo á imaginação do
leitor as feições intimas da alma do homem egrégio, teremos
exhibido modelos capazes de excitar os mais santos dezejos de
imitação”.
138
A analogia do trabalho dos historiadores com a pintura e a composição de retratos
não pode ser menosprezada e será mais bem examinada adiante. Por ora, interessa
assinalar que ela está fortemente vinculada ao que Araripe prescreve acerca dos “modos
de escrever a história”. Para se abordar a história nacional, impunha-se, em primeiro
lugar, uma reflexão sobre “a notável diferença entre historia antiga e moderna”. As suas
digressões, a partir daí, enfeixam um contraponto entre dois modelos historiográficos e
consciências históricas distintos.
“O que notamos com efeito entre a historia das épocas remotas, e a
dos tempos mais recentes? A comparação de uma e outra oferece-
nos palpável contraposizão [sic].
[...]
Os historiadores antigos escreviam a historia dos reis; os
historiadores modernos ocupam-se com a historia dos povos; os
escritores antigos celebravam as devastações e os morticínios; os
escritores modernos aplaudem as conquistas da industria, a
confraternidade dos povos, e o triunfo dos bons costumes. Os
antigos escritores finalmente seguiam o estrepito das façanhas e o
seo brilho exterior, com desprezo do sentimento moral, que
constitue o verdadeiro elemento da historia moderna”.
139
Entre os antigos e os modernos, entre “os povos dos tempos idos” e as “nações de
hoje”, existiria um extenso rol de diferenças a delimitar dois modos de ver e escrever a
história: os historiadores da antiguidade não escreveram a historia dos povos a que
pertenciam, limitaram-se à narração dos feitos dos reis e generais, “a crônica de uma ou
outra guerra”.
140
Ao final, Araripe atribui à história moderna uma “incontestável
137
ARARIPE, Indicações, op. cit., p. 263.
138
Idem, p. 264. [grifos meus].
139
Idem, p. 266.
140
Idem, p. 267.
66
melhoria sobre a antiguidade”.
141
A autoridade historiográfica dos antigos deveria ser,
portanto, relativizada: Heródoto, Xenofonte, Tucídides e Tito Lívio deixaram apenas
narrações incompletas, posto que “sem os elementos da crítica, e sem a soma das
experiências da idade moderna, restringiam a sua história [...] a uma certa ordem de
fatos mais ou menos memoráveis”.
142
Se a profusão de fontes representava um desafio,
também determinava a superioridade inconteste das condições de elaboração da
historiografia pelos modernos. Assim, em relação aos historiadores antigos, adverte
Araripe, era preciso manter a crítica e a cautela.
143
Aquele que pretendesse escrever a
história do Brasil, deveria, acima de tudo, evitar os erros cometidos pelos escritores do
passado, preocupados em noticiar “apenas as façanhas políticas e belicozas”. Era
necessário que o historiador brasileiro expusesse “todos os fatos da nossa vida social em
todas as suas relações” e, mais especificamente, “mostrar com clareza como se operou a
colonização”.
144
Atendida essa primeira exigência, a que se pode qualificar de
metodológica, seguir-se-ia uma outra, não menos prioritária, de ordem política: o
historiador deveria empenhar-se na “glorificação do patriotismo” e, para tanto, um dos
seus sagrados deveres seria o de “apresentar á veneração dos posteros a memória dos
varões beneméritos, que engrandeceram a patria”.
145
Para a tarefa, Araripe encontrava na Antigüidade um modelo incomparável: as
biografias paralelas de Plutarco, na qual os grandes varões retratados apresentavam-se
ao leitor como uma verdadeira “escola de moral e patriotismo”.
146
Como o biógrafo
fizera com gregos e romanos, o historiador brasileiro deveria “pintar” os nossos grandes
varões, após examinar “com escrupulosa diligência a verdade”, de modo a despertar o
patriotismo nos leitores. Embora se refira ao pincel magistral” com que desenhou
gregos e romanos célebres, Araripe ressalta em Plutarco a deficiência comum aos
antigos: a de reputar como heróis somente aqueles a quem as proezas das armas e dos
campos de batalha deram celebridade, em detrimento dos verdadeiros beneméritos que,
141
ARARIPE, Indicações, op. cit., p. 267.
142
Idem, p. 265.
143
“Quem pois tiver de escrever a historia da nossa cara patria, o Brazil, muito acautelado deve proceder
contra os defeitos apontados”. Idem, p. 270.
144
Idem, pp. 271-273. O que demandava o somente a investigação acerca da “mestiçagem das diversas
nacionalidades vindas de fora com os indigenas americanos”, mas também dos “novos elementos [que] se
juntam[vam] com a introdução do emigrante italiano, alemão, francez, espanhol e de outras
nacionalidades européias...”. (p. 272).
145
Idem, p. 273.
146
Idem, p. 274.
67
“no silêncio dos gabinetes”, realizam “façanhas pacíficas”, proveitosas à pátria e à
humanidade. Não se tratava, portanto, de seguir os critérios plutarquianos para a eleição
de homens célebres, mas de tomar por modelo a forma com que o biógrafo antigo
retratou almas exemplares. Como não reconhecer as “nobres inspirações que a leitura de
ações heróicas fomenta”? As biografias revelavam-se um gênero eficaz para oferecer
lições e paradigmas de conduta aos cidadãos: ao fazer ver as virtudes morais no relato
das vidas exemplares de seus ancestrais, elas incitariam à imitação e fortaleceriam a
convicção de que a pátria era uma entidade real.
147
Como no discurso inaugural de Cunha Barbosa, a apologia do livro de Plutarco
como modelo de escrita para os historiadores brasileiros, retomada no artigo de Araripe,
não deixa de suscitar algumas questões. Historiadores e biógrafos tradicionalmente
dedicaram-se a tarefas e gêneros de escrita distintos, seguindo uma demarcação que o
próprio Plutarco estabeleceu no célebre prefácio à vida de Alexandre em que declara a
intenção de escrever vidas e não histórias.
148
A sua ambição jamais foi a de narrar os
grandes acontecimentos, mas a de traçar “retratos da alma” de gregos e romanos
exemplares por suas virtudes políticas e morais.
149
A advertência não impediu, contudo,
que se acumulasse uma vasta fortuna crítica com diferentes interpretações quanto ao seu
enquadramento nos domínios da literatura, da filosofia ou da história.
150
No contexto
desse debate, Arnaldo Momigliano chamou a atenção para o estatuto ambíguo e variável
da relação que a biografia irá manter com a historiografia ao longo do tempo.
151
147
Idem.
148
É que não escrevemos histórias, mas vidas e não é nas ações mais célebres, em absoluto, que está a
demonstração da virtude ou do vício, mas, muitas vezes, um breve feito, uma palavra, uma brincadeira
dão ênfase ao caráter mais do que os combates mortais, as maiores batalhas e os assédios das cidades.”
PLUTARCO. Vida de Alexandre, 1, 2. In: HARTOG, F. A história de Homero a Santo Agostinho. Belo
Horizonte/MG: Ed. UFMG, 2001, p. 175. Como observa Jean Sirinelli, no caso de Alexandre, minimizar
a importância das batalhas não deixava de ser um desafio, posto que sua vida era essencialmente a de um
conquistador. SIRINELLI, J. Introduction. In: PLUTARQUE. Vies Parallèles. Paris: G F Flamarion,
1995, p. 427, n. 1.
149
“Portanto, como os pintores salientam as semelhanças a partir do rosto e das formas visíveis em que se
manifesta o caráter, preocupando-se menos com as outras partes, assim também devemos permitir-nos
penetrar antes nos sinais da alma e, através disso, desenhar a vida de cada um, deixando a outros a
grandeza e os combates”. PLUTARCO. Vida de Alexandre, 1, 3. In: HARTOG, F. A história de Homero
a Santo Agostinho, op. cit., p. 175. Françoise Frazier chama a atenção para a noção peculiar de bios que
está na base das vidas plutarquianas e que difere da concepção moderna de biografia. Plutarco “não
analisa o desenvolvimento de uma personalidade ao longo de uma vida, mas elabora o retrato moral em
ação de grandes homens de Estado”. FRAZIER, F. Histoire et morale, op.cit., p. 11.
150
Para um mapeamento bibliográfico recente dessas discussões, cf. SILVA, Maria Aparecida de
Oliveira. Plutarco historiador. São Paulo: Edusp, 2006, pp. 35-67.
151
MOMIGLIANO, Les origines, op. cit., p. 25.
68
Se Plutarco fazia questão de registrar a diferença entre ambas, outras passagens de
suas Vidas sugerem o quanto era difícil sustentar essa demarcação.
152
O problema das
relações entre os gêneros se coloca, portanto, dentro da obra plutarquiana, na medida
em que o projeto de escrever vidas de gregos e romanos ilustres aspirava ser, sob alguns
aspectos, o exato inverso da historiografia, nomeadamente a da tradição que remontava
a Tucídides.
153
Interrogando-se precisamente sobre a relação entre história e moral,
Françoise Frazier identifica em Plutarco o olhar, a um tempo, de moralista e
antiquário em relação ao passado: “ele escolheu os heróis dos tempos antigos e, nesse
mergulho no coração da memória greco-romana, ele procede como moralista buscando
no passado modelos de virtudes perenes e como antiquário erudito, mais preocupado
com detalhes precisos”.
154
Torna-se necessário, então, abandonar a idéia de que a
diferença entre biógrafos e historiadores residiria na escolha entre “pequenos fatos”,
pelos primeiros, e grandes acontecimentos”, pelos segundos. Nas vidas de Plutarco,
Frazier identifica um tipo de causalidade factual distinta daquela utilizada, de modo
geral, nas narrativas dos historiadores: o tratamento do tempo pelo biógrafo está
submetido ao propósito de extrair de cada vida narrada um exemplum.
155
Daí a
importância secundária concedida à cronologia que, nesse caso, permanecerá pouco
precisa.
156
Historiografia e biografia remeteriam a duas formas distintas de representar o
passado: a primeira narraria os acontecimentos pretéritos em sua continuidade,
buscando sempre uma causalidade. Plutarco, por sua vez, apresenta um personagem do
152
O que pode ser percebido no prefácio da vida de Timoleão, onde Plutarco afirma: “Nós, que com a
história nos ocupamos seriamente e também a escrevemos habitualmente, provemos a eles, os melhores e
os notáveis, memórias”. Timoleão, I, 5. Apud SILVA, Plutarco historiador, op. cit., p. 55.
153
FUNARI, Pedro Paulo A. Introdução a Plutarco. In: Vidas de César por Suetônio e Plutarco. São
Paulo: Estação Liberdade, 2007, p. 133. Frazier sugere que a perspectiva histórica com que Plutarco
escreve suas Vidas estaria muito mais próxima do modelo de Heródoto por enfatizar o caráter memorável
da ação política e das virtudes dos homens célebres, dignos a serem registrados para a posteridade, do que
do ktema es aiei de Tucídides que se empenha em encontrar no passado próximo à Guerra do Peloponeso,
uma inteligibilidade, um processo a conhecer. FRAZIER, op. cit, p. 40. Sobre a história tucidediana,
Francisco Murari Pires demonstrou que o critério a justificar a guerra do Peloponeso como “mais digna
de relato” está na sua “grandiosidade”. Ou seja, pelo atributo de grandeza por ela efetivada, essa guerra
constitui dignidade discursiva em grau superlativo”. PIRES, Francisco Murari. Mithistória. São Paulo:
Humanitas/Fapesp, 1999, pp. 151-152.
154
FRAZIER, op. cit., p. 32.
155
Idem, p. 22 e 95.
156
Idem, pp. 27-32. Em Plutarco, predominaria uma “narrativa estilizada” na qual “o acontecimento não é
verdadeiramente integrado em um fluxo histórico contínuo; isolada, dotada de valor e sentido próprios,
ela é como uma peça de construção que o autor explora a seu modo” (p. 29).
69
passado e, no entanto, ele não pretende, como o historiador, apresentar uma visão
global da história, mas fornecer um ensinamento moral.
157
Na tessitura complexa das Vidas Paralelas poderiam ser buscadas as explicações
tanto para o renovado interesse que cercou o nome de Plutarco quanto para o relativo
descrédito que, em alguns momentos, pairou sobre sua obra. Isso porque a galeria de
retratos plutarquianos sempre foi percebida como uma reconstituição do mundo antigo
e, ao mesmo tempo, como repertório quase atemporal de exemplos nos quais os heróis
adquirem uma dimensão que ultrapassa a própria situação histórica das suas vidas.
158
Esse aspecto remete, enfim, à questão acerca da possibilidade de se acrescentar à
autoridade canônica do biógrafo de Queronéia, o epíteto de “historiador” e, mais do que
isso, atribuir à sua obra o estatuto de fonte historiográfica.
159
Evidentemente, não era esse o foco das preocupações dos historiadores brasileiros
no Oitocentos. Como explicar, então, que Plutarco se mantivesse como uma referência
incontornável para a escrita da história? Justificar-se-ia pela vocação universalizante da
biografia como fornecedora de exemplos e lições e, conseqüentemente, pela sua
proximidade em relação ao gênero historiográfico? Como demonstra Adriana Zangara,
o programa da historia magistra atinge a sua plenitude nas Vidas Paralelas, na medida
em que, ao mobilizar a emoção dos leitores pelas imagens exemplares dos grandes
homens do passado, elas contribuem, acima de tudo, para a sua edificação moral.
160
Não
como negar a tese de que, a despeito da dimensão histórica implicada nessas vidas,
elas propõem muito mais uma reflexão de ordem filosófica do que a narrativa de “como
algo aconteceu”. Diferentemente do historiador, o biógrafo não teria compromisso com
a exaustividade, com o relato de todas as ações e batalhas, mas, em contrapartida, não
deveria se eximir do compromisso com a fidedignidade ao pintar retratos de seus heróis.
157
Idem, p. 41.
158
SIRINELLI, Introduction, op. cit., p. 23.
159
A questão não escapou a Jules Michelet (1798-1874) que dedicou sua tese de doutoramento ao estudo
das Vidas dos homens ilustres, de Plutarco. O que lhe interessava, então, era abordar o tema do heroísmo
como problema histórico, indagando-se acerca das condições com que as biografias heróicas poderiam
servir ao trabalho do historiador. VIALLANEIX, Paul. Les heros selon Michelet, op. cit., p. 103. A esse
respeito, cf. também DOSSE, op. cit., p. 193.
160
ZANGARA, op. cit., p. 13.
70
Na metáfora da pintura, freqüentemente usada por Plutarco, estaria um ponto de
contato possível com a historiografia. Em primeiro lugar, ela alude à pretensão
fundamental do trabalho biográfico: somente a força da imagem das “virtudes em ação”
produz a imitação no leitor.
161
Levando em conta esse intento crucial, o biógrafo
apresenta-se como um pintor cujo interesse não está na aparência física do modelo, “no
rosto e nos traços da fisionomia”, mas em seu ethos (aquilo que o caracteriza), que pode
ser apreendido apenas através de indícios e sinais.
162
Em suma, escrever uma vida, na
concepção plutarquiana, é pintar o retrato de uma alma: mostrar o que é invisível por
meio de detalhes visíveis.
163
A aproximação com o gênero historiográfico acontece pelo
que Plutarco identifica como o objetivo comum ao biógrafo e ao historiador, apesar dos
diferentes procedimentos narrativos implicados: “[...] o melhor historiador é aquele que
faz a sua narração descrevendo os sentimentos e delineando o caráter dos personagens
como se se tratasse de uma pintura”.
164
Na noção antiga de enargeia, ou seja, a
capacidade de “mostrar” e “fazer ver”, estaria a ambição comum à biografia e à história.
Assim, o melhor historiador, para Plutarco, é aquele que “dá à sua narrativa o relevo de
um quadro”.
165
Com base nessas considerações, retorno ao artigo de Alencar Araripe, onde a
analogia com a pintura aparece como um verdadeiro imperativo, endereçado aos que
pretendessem escrever a história nacional:
“Pinte o historiador brazileiro os nossos grandes cidadãos, como
Plutarco dezenhou os homens celebres da Grecia e Roma, e estou
certo, que conseguirá fazer relevantissimo serviço á terra do nosso
berço, em prol de quem suscitará patriotas sinceros e
verdadeiros”.
166
161
HARTOG, Plutarque entre les Anciens et les Modernes, op. cit., p. 14.
162
“Os pintores, para apreender as semelhanças, baseiam-se no rosto e nos traços da fisionomia e não se
ocupam de outras partes do corpo; o que nos permite, da mesma maneira, fixar-nos sobretudo nos sinais
que revelam a alma e de apoiar-nos sobre eles para retraçar a vida de cada um destes homens.”
PLUTARCO, Alexandre, I, 3. In: HARTOG, A história de Homero, op. cit., p. 175.
163
ZANGARA, op. cit., p. 87.
164
GINSBURG, op. cit., p. 23. Para Plutarco, Tucídides seria o modelo desse historiador que se empenha
em transformar o ouvinte em espectador. ZANGARA, op. cit., p. 66.
165
A posição de Plutarco inscreve-se em uma teoria da imitação de inspiração platônica (em contraponto
à vertente aristotélica) e que relaciona a historiografia à mímesis, do mesmo modo que a pintura e, em
geral, os gêneros literários. A esse respeito, cf. HARTOG, A história de Homero, op. cit., p. 184 e
ZANGARA, op. cit., p. 66. e p. 279 et passim.
166
ARARIPE, Indicações, op. cit., p. 274.
71
As prescrições parecem soar como simples variação de argumentos presentes
desde o discurso de fundação do Instituto. No entanto, a apologia ao modelo antigo
formula-se, dessa vez, a partir de um inventário crítico de diferenças em que a
afirmação da superioridade dos historiadores modernos torna-se preponderante. Desde
os antigos, aprendeu-se mais sobre a história da humanidade do que eles, na “estreiteza
dos seus pensamentos”, jamais puderam saber sobre si mesmos. Plutarco o fugiria à
regra:
“[...] cumpre-nos observar que o ilustre escritor de Cheronéa,
escolhendo os seos heroes, e oferecendo-os á imitação da
posteridade, incorreo no erro comum d’esses tempos, em que só se
reputavam beneméritos e grandes aqueles cidadãos, que pelas
façanhas belicozas ou políticas conseguiam elevar o seo nome
acima do vulgo, e dar-lhe fama. Erro esse fatal, que não deve
perdurar na opinião moderna”.
167
A relação com o legado antigo tornara mais complexa a articulação entre imitação
e comparação. A despeito do caráter exemplar da forma com que escreveu vidas,
Plutarco era um escritor do passado, o que implicava situá-lo à distância, entre os
escritores da Antigüidade “ofuscados pela gloria das armas e das conquistas” a
quem os historiadores do presente poderiam imitar e, sobretudo, ultrapassar.
***
Alencar Araripe não conclui as suas extensas indicações, sem antes traçar um
balanço da historiografia brasileira até aquele momento. Segundo ele, de ndavo a
Rocha Pita, predominavam os narradores de lendas e de sucessos parciaes” e, daí em
diante, apenas dois autores pareciam ter desempenhado, com êxito relativo, a tarefa de
escrever uma história do Brasil: o inglês Robert Southey e o conselheiro Pereira da
Silva.
168
O primeiro, servindo-se de “grande cópia de documentos e memórias”,
elaborara uma “exposição clara e metódica com crítica justa e razoável”, o que tornava
o seu trabalho histórico a mais completa narração dos tempos desde o descobrimento até
o início do Oitocentos. O autor da História da fundação do Império, por sua vez, servia-
lhe de complemento, apesar das inúmeras incorreções contidas em sua narrativa. Na
167
Idem.
168
Idem, p. 287.
72
visão de Araripe, essas obras, embora “abundantes em fatos”, falhavam por não delinear
“o lado moral da historia”.
169
Sobre Francisco Adolfo de Varnhagen, expressava a opinião ainda corrente, de
que este escrevera “sem crítica e sem estilo, consumindo largas páginas com fatos
somenos”, em detrimento de acontecimentos históricos importantes.
170
Sem dúvida, a
contribuição principal do Visconde de Porto Seguro estava no trabalho realizado nos
arquivos: “se como investigador de fontes históricas tem merito, como historiador as
suas obras o não realçam”.
171
Para além das críticas dirigidas a esses autores, o que o exame historiográfico de
Araripe sugere é que, não obstante a profusão de fatos e documentos compulsados até
aquele momento, a história nacional ainda estava por ser escrita.
172
Em mais de meio
século de existência do IHGB, a tarefa continuava a ser concebida como uma edificação
cumulativa, o que demandava que fosse recorrentemente delegada aos “historiadores do
futuro”.
173
Esse último aspecto remete a uma questão que, se não está formulada diretamente
por Araripe, encontra-se bastante presente em outras manifestações de sócios do
Instituto no mesmo período. Empreendida em nome de uma utilidade moral”,
“patriótica” e orientada a responder indagações do presente, a apreensão historiográfica
da história passara a ser condicionada, cada vez mais, pela experiência da aceleração do
tempo. A vida nos corre mais ligeira do que aos nossos maiores”, afirmava o cônego
Fernandes Pinheiro, em relatório do ano de trigésimo aniversário do Instituto,
acrescentando que “trinta annos na vida dos povos modernos, correspondem a três
169
“Os caracteres históricos não ficaram em muitas partes dezenhados; faltou-lhes a enérgica brevidade
de Crispo Salustio e o colorido do pincel de Veleio Paterculo para delinear o retrato d’esses caracteres”.
Idem.
170
Na contramão da avaliação de Araripe, a reabilitação da contribuição historiográfica da obra do
Visconde de Porto Seguro pode ser atribuída a Capistrano de Abreu, sobretudo a partir do Necrológio
(1878) e de um artigo dedicado ao autor da História Geral do Brasil, publicado em 1882. Abordei a
questão em minha dissertação de mestrado, cf. OLIVEIRA, Maria da Glória. Crítica, método e escrita da
história em João Capistrano de Abreu. Porto Alegre: PPGHIST/UFRGS, 2006, pp. 66-76.
171
ARARIPE, Indicações, op. cit., p. 289.
172
Ou ainda, como assinala Hugo Hruby, “mesmo no raiar do século XX, para um país que ainda estava
‘em formação’, com sentimentos de pertencimento entre ele e os seus habitantes a elaborar, as fronteiras
externas e internas a delimitar, um povo’ a definir, modelos do hemisfério norte a imitar, enfim um
Brasil por fazer...”. HRUBY, op. cit., p. 91 [grifos do autor].
173
ARARIPE, Indicações, op. cit., p. 289.
73
séculos na dos antigos”.
174
Tal percepção tornaria problemática senão inviável
metodologicamente – para o historiador, a elaboração da história imediata.
175
Na década
final do século XIX, o presidente Olegário Aquino reiterava a certeza que, desde a
fundação do IHGB, poucos sócios ousariam refutar:
“[...] a historia de uma época não póde ser escripta pelos coevos. A
estes, como pensa Gibbon, cabe apenas reunir com cuidado e
dispor com habilidade os precisos materiaes, de modo á ficar a
historia ao abrigo das incertezas dos sophistas e diversões dos
declamadores. Não pertence aos contemporâneos pronunciar o
julgamento definitivo da historia, diz Duvergier de Hauranne; mas
sim o encargo de preparar os elementos necessários para que possa
ser elle seguro e esclarecido”.
176
A história contemporânea expunha à máxima evidência o que seria, segundo
Koselleck, o dilema epistemológico do conhecimento histórico nos tempos modernos:
elaborar narrativas verdadeiras e, apesar disso, admitir a relatividade delas, ou seja,
reconhecer que se narra a história sempre a partir de um ponto de vista.
177
Sob termos
mais agudos, o impasse remete à relação entre o inevitável perspectivismo do trabalho
do historiador quando emite juízos sobre os acontecimentos, e a nobre ambição de
objetividade da operação historiográfica.
178
Tal dilema aparece explícito nas
observações de Varnhagen quando comunica ao Imperador a conclusão da sua História
Geral: “Desejava chegar com a redacção ao anno de 1825 e comprehender a
Constituição, e reconhecimento da Mãe Pátria e o nascimento de V.M.I., mas não me
foi possível. Tão espinhosa é por enquanto a tarefa da imparcial narração desse período,
sobretudo para um nacional”.
179
Diante da ênfase metodológica da pesquisa histórica na
compreensão do passado e da parcialidade implicada no relato dos fatos imediatos, que
princípio deveria orientar a escrita das vidas e a construção de uma galeria de brasileiros
distintos?
174
RIHGB, Tomo 31, 1868, p. 405.
175
KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., p. 181 et passim.
176
Discurso do Presidente Olegário Herculano de Aquino e Castro. RIHGB, Tomo 55, 1892 , p. 429.
177
KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., p. 161 et passim.
178
Koselleck considera Chladenius (1710-1759) o “fundador” da moderna epistemologia da história, ao
postular que nenhuma narrativa histórica, por mais “imparcial” que pretenda ser, não é destituída de um
ponto de vista. A perspectiva a partir da qual o historiador escreve, torna-se critério e condição de
possibilidade do conhecimento histórico. Cf. Futuro passado, op. cit., pp. 170-171.
179
Carta ao Imperador D. Pedro II [Madrid, 6 de maio de 1853]. In: LESSA, Clado Ribeiro de.
Correspondência ativa de Francisco Adolfo de Varnhagen. Rio de Janeiro: INL, 1961, p. 201.
74
A memória daguerreotipada
“O elogio acadêmico de um finado não póde ser uma biographia
escripta com toda a severidade dos preceitos da historia, porque
n’esta deve somente fallar a justiça e n’aquella podem desafogar-se
a estima e a saudade; em uma a imparcialidade sentencia, no outro
a gratidão paga um tributo; sentença e tributo porem que são
igualmente generosos e nobres quando nascem da consciência e
firmam-se na verdade. Os elogios justos, diz Voltaire, são um
perfume que se reserva para embalsamar os mortos”.
Joaquim Manoel de Macedo.
180
As reflexões do orador do Instituto fazem referência a uma antiga exigência
dirigida ao trabalho do historiador. A diferença entre a biografia e o elogio acadêmico
estava, como bem lembrava Macedo, no uso rigoroso dos preceitos da história pela
primeira. Desde Luciano de Samósata e cero, verdade e imparcialidade firmaram-se
como traços distintivos ou, pelo menos, aspirações próprias à historiografia.
181
Antes de
examinar as implicações epistemológicas desses princípios em relação à escrita
biográfica, convém assinalar alguns aspectos da sua assimilação pelos letrados
brasileiros no Oitocentos.
Dentro do IHGB, a busca da verdade sem partido” seria uma exigência sobre a
qual fundar-se-iam as objeções quanto à investigação dos acontecimentos
contemporâneos.
182
A questão da imparcialidade do historiador revelara-se crucial, por
exemplo, para a indicação de arquivamento do projeto de escrita dos Fastos do feliz e
glorioso reinado do Sr. Dom Pedro II, apresentado pelo sócio Felizardo Pinheiro de
Campos, em 1863.
183
Nesse caso, a Comissão de História, integrada por Macedo e
Joaquim Norberto de Sousa Silva, ponderava que, embora o Instituto não devesse tomar
para si a tarefa de escrever sobre os fatos contemporâneos, nem por isso deixaria de
180
RIHGB, Tomo 26, 1863, pp. 925-926.
181
KOSELLECK, Futuro Passado, op. cit., p. 163 et passim. Cf. também ZANGARA, op. cit., pp. 165-
166. Sobre a figura do historiador e o postulado da imparcialidade em Luciano, cf. HARTOG, A história
de Homero a Santo Agostinho, op. cit., pp. 234-235.
182
Na memória de Henrique Wallenstein, apresentada no concurso sobre o melhor plano para a escrita da
história do Brasil, se encontra uma observação neste sentido: “Assim por diante pode a história do
Brasil chegar até a independência e coroação do Sr. D. Pedro I. Parece justo, que a história termine aqui,
porque escrever a história contemporânea nenhum historiador nacional o deve fazer para se não expor a
juízos temerários, e a outros inconvenientes, que trazem consigo os respeitos humanos. Arquivem-se os
documentos, e o tempo virá”. WALLENSTEIN, H. J. Memória sobre o melhor plano de se escrever a
História Antiga e Moderna do Brasil. RIHGB, Tomo 45, 1882, pp. 159-160.
183
Cf. CEZAR, Presentismo, memória e poesia, op. cit., pp. 62-67.
75
receber trabalhos dessa ordem, mesmo que fossem sempre “suspeitos de
parcialidade”.
184
A história contemporânea deveria ser, enfim, objeto da memória
daqueles que a testemunhavam e do registro da escrita jornalística.
“A geração que vive tem a historia do Imperador ante os olhos. As
suas paginas que se desenrolam dia por dia sempre adornadas com
um novo e brilhante facto se gravam na memória de todos os
cidadãos. À imprensa, que como a Argos dos antigos, vela com os
seus cem olhos, compete registrar esses factos e ella os registra.
mesmo entre nós pessoas que se occupam com a memórias de
nosso tempo...”
185
Embora não seja possível atribuir ao problema uma solução absolutamente
consensual dentro do Instituto, a convicção predominante era a de que somente a
distância temporal poderia trazer o esclarecimento justo, imparcial e verdadeiro dos
fatos.
“Por mais que se esforce o escriptor por ser imparcial na narração
dos factos de que foi testemunha; por mais que se empenhe no
respeito á máxima da justiça da historia sem ódio e sem favor
de sempre predominar em seu espírito a influencia das ideas,
dos preconceitos, das opiniões que o suas, e daquelles que o
acompanharão defendendo-as.
Entretanto, ao historiador cumpre, na phrase de Macaulay,
resuscitar o espectaculo das cousas passadas, apreciar os homens,
reproduzir os factos e julgar os acontecimentos, somente guiado
pela luz da verdade e da justiça. Ao passado a gloria ou demérito
de seus actos; á posteridade o dever de perpetual-os”.
186
A perda da dignidade metodológica da narração dos acontecimentos
contemporâneos, tão bem expressa no discurso de Olegário de Aquino, acompanhava a
suspeita com que a crítica histórica passara a submeter todos os testemunhos oculares,
antes tidos como incontestáveis.
187
Pois o historiador, na medida em que não poderia se
ausentar da história, devia, ao menos, como narrador, redobrar a prudência, eximindo-se
de formular juízos definitivos ao contar aquilo que testemunhara. Evidentemente que,
no século XIX, a história do tempo presente continuou a ser escrita, mesmo que sob ela
184
RIHGB, Tomo 26, 1863, p. 857.
185
Idem, p. 859.
186
Discurso do Presidente Olegário H. de Aquino e Castro. RIHGB, Tomo 55, 1892, p. 429.
187
KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., p. 174
76
pairasse a desconfiança d
os
historiadores
.
188
Embora não tenham sido muitas as
tentativas nesse sentido, histórias do Brasil império seriam elaboradas, conforme avalia
Temístocles Cezar, não somente em nome de um dever de memória, mas também como
sintoma das preocupações presentistas de alguns dos sócios do IHGB.
189
Tal perspectiva orientaria alguns trabalhos dos sócios do Instituto na segunda
metade do Oitocentos, como o demonstra a memória acerca de um dos combates da
“longa, difficil e gloriosa” Guerra do Paraguai, escrita ao final da década de 1860, por
Manuel Duarte Moreira de Azevedo.
190
Segundo o autor, embora o conflito ainda não
tivesse tido um desfecho, as grandes ações guerreiras “pertenciam á história”, o que
justificava o empenho em narrar os acontecimentos de uma das primeiras vitórias das
armas do Império: “[...] reunidos n’este palácio, onde archivamos os factos da historia
pátria, esforçar-nos-emos por lembrar um dos feitos mais gloriosos d’essa
campanha”.
191
A narração vinha precedida, no entanto, de uma importante advertência:
Ainda não julgamos chegado o tempo de averiguar os
acontecimentos d’esta guerra que sustentamos nos limites
meridionais do paiz, sua marcha e direcção, pesar os erros e
profligar a sua prolongação.
Através do prisma das preocupações nacionaes, arrastados por um
enthusiasmo de momento, podíamos tornar-nos parciaes e
sacrificar a verdade histórica; é necessário que o tempo afaste de
nós os factos para commettermos a empreza de consideral-os.
O historiador deve ser como o anatômico, que leva o escalpello
da dissecção ao corpo morto; assim a critica da historia pode
apparecer depois que pesa sobre os acontecimentos a mortalha do
tempo”.
192
O risco da parcialidade e do sacrifício da verdade que pairava sobre qualquer
tentativa de uma avaliação crítica da guerra em curso não parecia invalidar, em
contrapartida, o registro dos episódios recentes de heroísmo, protagonizados pelas
188
Como assinala Koselleck, a historiografia que tratava da atualidade deslizou para um gênero inferior,
que continuou sendo cultivado por jornalistas ou por filósofos e historiadores que, “por um impulso
normativo ou político, tiveram a coragem de fazer prognósticos”. Idem, p. 293.
189
CEZAR, Presentismo, memória e poesia, op. cit., p. 69. Uma manifestação inequívoca dessa
preocupação estaria na obra de Pereira da Silva, Historia da Fundação do Império Brasileiro, em sete
volumes, publicada em 1864 e 1868, que se concentrava nos acontecimentos do Primeiro Reinado. Sobre
a boa acolhida da obra dentro do Instituto, cf. Relatório do primeiro secretário Fernandes Pinheiro,
RIHGB, Tomo 27, 1864, p. 399.
190
AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. O combate da ilha do Cabrita. Memória lida no Instituto
Histórico em sessão de 8 de outubro de 1869. RIHGB, Tomo 33, 1870, pp. 5-20.
191
Idem, p. 5.
192
Idem. [grifos meus].
77
forças imperiais. Uma década depois, Moreira de Azevedo afirmaria enfaticamente que,
frente à exigência da verdade histórica, o era possível fazer concessões: “é preciso
atender que a historia não tem partido, que é materia de sciencia, e que o historiador
deve ser um ingênuo expositor da verdade, como Agustin Thierry”.
193
Com
pressuposições semelhantes, o autor produziria um número significativo de memórias e
biografias, abordando acontecimentos e personagens da história contemporânea do
Império.
194
Ao comentar esses trabalhos, João Capistrano de Abreu, com toda a
perspicácia crítica, reconheceria que os apontamentos históricos do consócio do
Instituto poderiam contribuir para investigações futuras, mesmo que “o autor por
inadvertência ou indolência deixa[sse] escapar inexatidões”.
195
E observaria: “a nossa
história contemporânea é tão pouco conhecida como a história do século XVI, [...] é em
coleções de jornais, geralmente truncadas, que se têm que procurar os materiais”.
196
Mesmo que não fosse explicitado nos mesmos termos, o problema não estaria de todo
ausente do horizonte das indagações de outros letrados brasileiros.
Iniciativas como a de Moreira de Azevedo podiam encontrar plena legitimidade,
posto que se conformavam aos objetivos programáticos do IHGB de coligir e arquivar
memórias, documentos e fontes que servissem à escrita da história do país. Nesse
sentido, seriam eloqüentes as palavras de Joaquim Manoel de Macedo, em 1852,
quando ocupava interinamente a função de primeiro secretário, ao reconhecer que a
difícil e nobre tarefa da instituição ficaria incompleta se “sacrificando o presente ao
passado”, deixasse no esquecimento fatos contemporâneos: “pois que ao mesmo tempo
que [o Instituto] estuda os feitos dos nossos pais, e salva em numerosos manuscriptos
193
Relatório do primeiro secretário Manoel D. Moreira de Azevedo. RIHGB, Tomo 44, I, 1881, p. 440.
194
Além da memória citada, Manuel Duarte Moreira de Azevedo (1832-1889) escreveu, entre outras
obras: “A Constituição do Brasil”, RIHGB, Tomo 32, 1869, pp. 71-112; “A declaração da maioridade do
imperador em 1840”, RIHGB, Tomo 42, 1879, pp. 5-37; “O dia 30 de julho de 1832”, RIHGB, Tomo 41,
1878, pp.227-235; “O dia 9 de janeiro de 1822”, Tomo 31, 1868, pp. 33-61; A Ilha da Trindade”,
RIHGB, Tomo 62, 1899, pp. 228-244; “Imposto do vintém”, RIHGB, Tomo 58, 1895, pp. 321-326; ‘A
Independência do Brasil”, RIHGB, Tomo 60, 1897, pp. 97-104. Foi um colaborador assíduo da seção de
biografias nas décadas de 1860 a 1880.
195
ABREU, J. C. Livros e letras. [Gazeta de Noticias, 29 de julho de 1881]. In: Ensaios e Estudos. 4
a
série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, p. 275.
196
Idem, p. 274. Capistrano seria aceito como sócio correspondente do IHGB em 1887, o que o o
impediu de continuar dirigindo críticas severas à instituição e aos seus membros. Em um dos seus mais
célebres textos, o artigo “Sobre o Visconde de Porto Seguro” (1882), ele lamentava que, entre os sócios
do Instituto, nenhum fosse capaz de escrever uma história do Brasil: “todos os que se entregam às
investigações, têm aptidões para estudar principalmente a história contemporânea, e o insensíveis à
nossa história primitiva”. Ensaios e Estudos. 1
a
série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília:
INL, 1975, p. 136.
78
[...], também se desvela em ir daguerreotypando a actualidade no registro de suas
obras”.
197
O uso metafórico do neologismo o poderia ser mais adequado para denotar a
dimensão memorialística e documental implicada na operação de registrar a época
contemporânea.
198
Com a camera obscura de Louis Daguerre, cuja invenção fora
anunciada na França em 1839, criara-se a possibilidade de registro do mundo visível
com um grau de fidedignidade que parecia desafiar o primado da pintura como técnica e
arte de representação.
199
A técnica do daguerreótipo passaria a recobrir o gênero que se
tornou o mais cultivado e paradigmático procedimento de fixação da imagem: o retrato
fotográfico.
200
Com essa acepção mais precisa, Macedo retomaria o termo quando, cioso
em honrar “os feitos e os serviços dos beneméritos à posteridade”, recomendava que
fosse daguerreotypada a vida” dos consócios falecidos naquele ano, para servir de
exemplo aos vindouros.
201
Tanto a biografia quanto o elogio acadêmico, pela ambição comum de provocar no
ouvinte ou leitor uma impressão viva e duradoura, assemelhavam-se ao retrato.
202
Assim, não seria de todo absurdo traçar analogias e, amesmo, usar a daguerreotipia
como novo parâmetro de excelência para a escrita de biografias, como uma espécie de
reedição moderna da antiga expectativa de uma eficácia pictórica para a narrativa
historiográfica. Tome-se, por exemplo, a avaliação do cônego Fernandes Pinheiro
dirigida aos esboços biográficos de Marcondes Homem de Melo. O grande mérito desse
autor estava na severa imparcialidade e critério com que julga[ra] successos ainda mui
recentes, e a equidade com que sobre as campas meio abertas, pronuncia[ra] o juízo da
197
RIHGB, Tomo 15, 1852, p. 488. [grifo meu].
198
Tal aspecto havia sido notado por Temístocles Cezar, quando chamou a atenção para o uso da
expressão na fala de Macedo. Cf. CEZAR, Presentismo, memória e poesia, op. cit., p. 50, nota 17.
199
Sobre a forte influência exercida pelo daguerreótipo na época de sua descoberta, Benjamin observou
que, nessa mesma ocasião, a pintura paisagística começava a abrir perspectivas inteiramente novas aos
pintores mais progressistas. “No momento em que Daguerre conseguiu fixar as imagens da camera
obscura, os técnicos substituíram, nesse ponto, os pintores. Mas a verdadeira vítima da fotografia não foi
a pintura de paisagem, e sim o retrato em miniatura.” BENJAMIN, Walter. Pequena história da
fotografia. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7
a
ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 91-107 (citação p. 97).
200
Idem, p. 102.
201
RIHGB, Tomo 16, 1853, pp. 580-581.
202
A combinação entre biografia e retrato remonta, pelo menos, ao Renascimento. Cf. BURKE, Peter. A
invenção da biografia e o individualismo renascentista. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.19, 1997.
79
história.
203
O primeiro secretário julgava que “os retratos desenhadospor Homem de
Melo deveriam ser apreciados “pela superioridade que a arte de Daguerre soube
alcançar sobre a de Van-Dyck e Ticiano”.
204
Tratava-se, portanto, de biografias cujo
grau de fidedignidade podia ser comparado à nova técnica de apreensão do visível.
Tamanhas qualidades não foram identificadas na obra editada e litografada pelo
francês Sébastien Sisson, cujo comentário fora feito por Fernandes Pinheiro, alguns
anos antes.
205
Naquele momento, a Galeria dos Brasileiros illustres não pudera ser
considerada “a biographia severa e desapaixonada”, capaz de julgar os protagonistas
“do nosso grande drama político”. Nem por isso o seu idealizador deixava de prestar
serviço à historia, “arrancando do esquecimento muitos factos que debalde um dia com
afan se buscariam, reflectindo em suas paginas as varias cores da actualidade”.
206
O que,
nos escritos biográficos de Homem de Melo, converter-se-iam em predicados
importantes – a imparcialidade e a eqüidade na abordagem dos acontecimentos recentes
correspondia a deficiências incontornáveis do empreendimento coletivo organizado
por Sisson.
207
O primeiro obtivera êxito, enfim, no que, para muitos, apresentava-se
como um dilema de difícil solução: biografar os contemporâneos com a acuidade da
moderna arte do registro fotográfico e, ao mesmo tempo, emitir juízos “sobre as campas
meio abertas” da história.
Os inconvenientes de escrever as histórias dos que ainda viviam não eram
ignorados pelos autores que, mesmo admitindo riscos e limitações, dedicavam-se a
trabalhos do gênero. Um dos colaboradores da Galeria, Justiniano José da Rocha, na
introdução à biografia de D. Pedro I, formula a seguinte advertência:
“o biógrafo não é historiador; se pode indicar algumas
observações, não deve demorar-se nelas, nem mesmo completá-las,
cumpre que elas saiam de si mesmas, das circunstâncias da vida
que narra, dos acontecimentos em que seu herói achou-se envolto
203
RIHGB, Tomo 25, 1862, pp. 716-717.
204
Idem.
205
RIHGB, Tomo 22, 1859, p. 700.
206
Idem.
207
Idem. Composta por 90 notícias biográficas e as respectivas litografias assinadas por Sisson, a Galeria
consistia em uma compilação de textos de vários autores. Temístocles Cezar identificou 39 redatores
desses escritos, entre eles, o próprio Fernandes Pinheiro. Cf. CEZAR, L’écriture de l’histoire au Brésil,
op. cit., p. 631. Sobre a crítica de Fernandes Pinheiro à obra de Sisson, cf. também CEZAR, Livros de
Plutarco, op. cit., p. 89.
80
como personagem capital: a nossa tarefa é pois limitada, e ainda
bem; que se fosse tão extensa quanto poderia o leitor esperar,
declinaríamos a nossa competência para desempenhá-la”.
208
Desde que fora formulado por Cunha Barbosa, o projeto das biografias de
brasileiros distintos pressupunha buscar no passado e arrancar do esquecimento os
nomes daqueles que prestaram serviços ao Império do Brasil. Mesmo que se postulasse
que “só de mortos se deveria escrever a história”, impunha-se como igualmente
incontornável a tarefa de biografar contemporâneos que se distinguiam por seus mais
variados méritos.
209
Entre esses, por que não incluir aqueles que, no presente, lançavam-
se ao monumental trabalho de investigação e escrita da história nacional? Por sua
condição de homens públicos e servidores do Estado, não seriam alguns desses letrados
igualmente dignos de um trabalho de memória, por sua ilustração e empenho na
civilização do país?
De fato, não seriam poucos os consócios a figurar no panteon de brasileiros
ilustres da Revista.
210
Além desse espaço, as histórias das vidas dos sócios do IHGB
também ocupariam um número considerável de páginas impressas no periódico. Desde
os seus primeiros meses de existência, os necrológios e elogios históricos, gêneros que,
por excelência, eram praticados nas instituições acadêmicas ilustradas, passaram a ser
recitados nas reuniões quinzenais do Instituto e posteriormente publicados em separado
ou incluídos em atas das sessões.
211
É importante assinalar que entre as principais
208
SISSON, S. Galeria dos brasileiros illustres (os contemporaneos), retratos dos homens mais illutres
do Brasil, na politica, sciencias e letras, desde a guerra da independencia até os nossos dias, copiados
por S. A. SISSON, acompanhados das suas respectivas biographias. Publicado sob a protecção de S. M. o
Imperador. RJ, Lithographia de A. S. SISSON, 1859-1861. 2 vol. Utilizo a edição mais recente da obra:
SISSON, S. Galeria dos brasileiros illustres. Brasília: Senado Federal, 1999, vol. II, p. 39.
209
Era esse objetivo que justificava todo o empreendimento de Sisson: “Nossa missão, pois, se resume
exclusivamente em transmitir à posteridade os traços dos principais personagens do heróico drama da
Independência do Brasil, e daqueles outros que, herdeiros desse legado glorioso, dirigem o país em sua
marcha regular”. SISSON, op. cit., vol. I, p. 15. Para a frase “só de mortos se deve escrever a história”, cf.
SISSON, op. cit., vol. II, p. 386.
210
Foram eles: Balthazar da Silva Lisboa (1761-1840); José Eloy Pessoa (1792-1841), sócio
correspondente na Bahia; Henrique Julio de Wallenstein (1790-1843), de nacionalidade russa; Domingos
J. Gonçalves de Magalhães (1811-1882), sócio efetivo; Joaquim Caetano da Silva (1810-1873).
211
Sobre o elogio acadêmico, Bonnet afirma que o gênero se desenvolve na França no século XVIII,
relacionando-se a um amplo processo de laicização em que a antiga laudatio funebris cede lugar à palavra
cívica institucional fundada em uma nova forma de exemplaridade nitidamente temporal. Trata-se “não
mais da graça que inspirava outrora o herói e o santo, mas do entusiasmo do gênio”. O elogio impõe-se,
então, como um novo gênero de discurso que preconiza a virtude e é dedicado “às qualidades e ações que
mais contribuíram para o bem público e para a felicidade dos homens”. BONNET, Les morts illustres, op.
cit., p. 220.
81
incumbências do orador, prevista nos estatutos da agremiação, estava precisamente a de
fazer o elogio, bem como o discurso fúnebre na cerimônia de sepultamento dos sócios
falecidos.
212
A tarefa de evocação das qualidades morais dos mortos, além de exigir habilidades
estritamente oratórias, o estava destituída de algumas dificuldades. A importância
estratégica que o gênero passou a adquirir dentro da instituição pode ser medida pela
proposta do primeiro secretário Cunha Barbosa, ao solicitar a cada sócio o depósito em
arquivo de uma memória lacrada das suas vidas:
Como seja mui difficil haverem-se esclarecimentos sobre as vidas
dos nossos socios quando o orador tem de formar a sua biographia
na fórma do costume; proponho que pela nossa Revista, ou por
qualquer outro meio, se avise aos socios para que possam mandar
em memoria lacrada, e com declaração no sobrescripto, ao archivo
do Instituto, os esclarecimentos sobre a propria vida de cada um, as
quaes memorias se abrirão quando constar a morte do socio a
que pertencem.
213
Não se tratava apenas de louvar os mortos, mas de garantir a fidedignidade da sua
memória: essa deveria ser a preocupação tanto daqueles que optassem por elaborar
previamente o relato autorizado de suas próprias vidas, quanto dos que se incumbissem
da laudatio funebre dos consócios falecidos. Indissociáveis dos cerimoniais de
entronização acadêmica, os elogios póstumos ultrapassavam a condição de peças
oratórias circunstanciais ou instrumentos de autoconsagração dos vivos, para se
converterem em práticas controladas por meio das quais se formulavam valores, normas
e aspirações coletivas.
214
A idéia de posteridade e a noção de justiça passariam a
conferir a essa modalidade de discurso uma dimensão cívica e institucional.
215
212
Art. 35 2
o
parágrafo. Estatutos do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Rio de Janeiro:
Typographia Universal de Laemmert & C., 1890.
213
Ata da 63
a
sessão em 19 de maio de 1841. RIHGB, Tomo 3, p. 234.
214
Cf. ROCHE, Daniel. Le siècle des Lumières em province. Academies et académiciens provinciaux,
1680-1789. Paris: EHESS, 1989 [1978].
215
Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. Despedidas triunfais – celebração de morte e cultos de memória no
Século XVIII. In: KANTOR, Íris e JANCSÓ, István (Org.). Festa: Cultura e Sociabilidade na América
Portuguesa. São Paulo: HUCITEC, EDUSP, FAPESP, Imprensa Oficial, 2001, vol. 1, p. 31.
82
Desse modo, a responsabilidade ética implicada na evocação das vidas, por
oradores e biógrafos, tendia a ser definida a partir de exigências muito próximas àquelas
que delimitavam os deveres dos historiadores. Nas palavras de Macedo, o era
raro
ver-se disfarçada no panegyrico dos mortos a lisonja incensadora dos vivos”, mas se
tornava necessário não confundir “os louvores tecidos pelo calculo do lisongeiro” com
“o elogio que firmando-se na verdade, é[era] o cumprimento de um dever com
honra”.
216
Em suma, os problemas que o elogio dos mortos e a biografia colocavam
àqueles que também se dedicavam à pesquisa e escrita históricas, tornavam o
compromisso com a verdade e a imparcialidade exigências extensivas a todas essas
tarefas. No grande tribunal da história”, concluiria o orador do Instituto, “os
contemporâneos dos varões notáveis são apenas testemunhas, e o juiz é somente a
posteridade”.
217
Parece evidente que as reflexões de Macedo contêm mais do que lugares-comuns
acerca da elaboração de discursos laudatórios aos consócios falecidos. A convicção em
um “tribunal da história” transformava biógrafos e historiadores em “testemunhas” de
seu próprio tempo enquanto que, à posteridade, atribuía-se a condição de “foro de
justiça” das ações dos homens.
218
Isso o significava, entretanto, que, no empenho de
ordenar os materiais para a escrita da história e fixar a memória das vidas de brasileiros
distintos, os próprios literatos deixassem de cumprir a função de árbitros:
“Escrever ou também preparar a historia de um povo é, como
pensa com razão Courcelle Seneuil, exercer uma verdadeira
magistratura política, e o Instituto Histórico e Geographico do
Brazil, colligindo e registrando os acontecimentos do passado e da
actualidade, enthesourando elementos para os livros do futuro,
pode dizer-se e preparador de um processo grandioso, no qual
serão juizes os historiadores da posteridade”.
219
Mesmo que os juízos da história fossem imanentes aos fatos e, portanto,
despontassem como efeitos de sua marcha inexorável, como atenuar o fardo da
parcialidade que, insidiosamente, pairava sob os escritos dos historiadores não obstante
a convicção em uma justiça eqüitativa da posteridade? O problema não tornava ainda
216
RIHGB, Tomo 26, 1863, p. 925.
217
Idem, 926.
218
Abordo mais detidamente os usos da metáfora da história como “tribunal” no Capítulo 4.
219
Relatório do primeiro secretário Joaquim Manoel de Macedo. RIHGB, Tomo 19, 1856, p. 92.
83
mais premente o compromisso com a investigação e a exposição da verdade dos
acontecimentos? Enfim, a utilidade instrutiva do saber histórico não advinha
precisamente de sua capacidade em oferecer relatos verdadeiros acerca do que se
passou? As questões me permitirão investigar, no próximo capítulo, de que modo os
preceitos eruditos da “crítica severa” e da “escrupulosa exatidão”, dirigidos à pesquisa e
escrita da história, passariam a regular a constituição da galeria de brasileiros
memoráveis para as gerações do presente e do futuro.
84
2. CRÍTICA E ERUDIÇÃO NAS VIDAS DOS BRASILEIROS DISTINTOS
“Nosso Instituto, esmerilhando documentos, por incuria ou malicia
escondidos, para coordenar a historia do Brasil, depois de afinados,
como os metaes preciosos, no crisol da critica severa, e de
receberem o cunho da autenticidade; traçando a biographia dos
compatriotas famigerados com a escrupulosa exactidão do operario
inteligente, para não confundir com o diamante o cristal rocha, e de
modo lapidal-o que brilhe, afim de n’esses exemplares espelharem-
se os vindouros; aponta ao mesmo alvo, que é o timbre de uma das
mais illustradas academias da Europa, em quanto reputa - van
gloria que não leva em fito o util Nisi utile quod facimus, stulta
est gloria é o timbre da academia real de sciencias de Lisboa -
por esta traça tende para o aperfeiçoamento dos costumes e da
civilização [..].”
José Fernandes Feliciano Pinheiro.
1
Biografia e crítica histórica
A publicação de biografias dos grandes nomes do passado nacional inéditas ou
compiladas de anais ou quaisquer outras fontes o se fazia sem a observação de
certos critérios relacionados à ambição de veracidade com que a tarefa era concebida.
Nesse caso, o empenho em trazer à luz relatos biográficos fidedignos mostrava-se em
estreita consonância com a missão programática de “expurgar os erros e preencher as
lacunas da nossa história”, incorporada pelos letrados do IHGB. Nas palavras do
Visconde de São Leopoldo, postas em epígrafe acima, do mesmo modo que a
elaboração da história apoiava-se na crítica severa” dos documentos, a biografia dos
compatriotas distintos deveria ser traçada com escrupulosa exatidão”. Os preceitos da
pesquisa erudita deveriam ser regulados por imperativos pragmáticos específicos e
princípios morais que orientassem a sua prática, tendo em vista a “ilustração” da nação
brasileira:
1
Discurso do Presidente Visconde de São Leopoldo. RIHGB, Tomo 4, 1842, suplemento, pp. 2-3.
85
“[...] salvar da voracidade dos tempos monumentos e escriptos
fidedignos para a historia e a geografia do paiz; propagar pelas
classes menos illustradas o brilhante lume que os primeiros fostes
em accender n’este continente, outrora oppresso e obscurecido pelo
regimen colonial; consagrar altares á virtude, sem a qual a mais
vasta e bem cuidada erudição torna-se supérflua e até perigosa (a
nação prescinde de archotes que a fascinam e cegam; necessita de
pharoes que a enderecem e guiem) são o dever principialissimo das
sociedades scientificas [...]”.
2
A censura às inexatidões históricas estaria presente em um parecer de 1841,
emitido pela Comissão de História, acerca das biografias de brasileiros impressas na
Corografia do Algarve da Academia Real de Ciências de Lisboa.
3
Encarregado de
examinar a obra, Thomaz José Pinto Serqueira apresentaria um juízo desabonador à
publicação dos artigos dedicados às vidas dos marechais Antonio José da Franca e
Horta, Gonçalo Antonio da Fonseca e Sá, e de Carlos Frederico Lecor, o Visconde da
Laguna, pois continham erros insustentáveis acerca de certos fatos da história do
Brasil.
4
O mesmo critério reapareceria na compilação da biografia de Bernardo Vieira
Ravasco, irmão do padre Antônio Vieira.
5
Extraído da Bibliotheca Lusitana, o texto
incluía o fragmento da principal obra do biografado, Descripção topographica,
ecclesiastica, civil e natural do Estado do Brasil, onde era feita menção à descoberta
desta parte da América em 3 de Maio de 1500”, ao que o redator da Revista
acrescentaria a seguinte advertência, em nota de pé da página:
2
Idem, pp. 3-4. [grifos meus]. Sobre a mesma passagem, Taíse Quadros da Silva havia notado que a
referência do presidente do Instituto à insígnia da Academia Real de Ciências de Lisboa Nisi utile quod
facimus, stulta est gloria (vã é a gloria que não leva em fito o útil) reafirma a importância em aliar
erudição e prerrogativas morais. Cf. SILVA, Taíse Quadros da. A Reescritura da Tradição: A invenção
historiográfica do documento na História Geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen (1854-
1857). Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGHIS, 2006, pp. 63-64. Dissertação de mestrado. Importante observar
que essas prerrogativas morais relacionam-se menos à afirmação de valores religiosos e transcendentais e
muito mais à preocupação com princípios que deveriam orientar pragmaticamente a sociedade para a
realização de seus fins superiores. Ou ainda, para usar as palavras de Arno Wehling sobre o “moralismo
marcadamente presente na historiografia de Varnhagen, tratava-se de uma moral “historicamente
circunscrita”, que visava o aperfeiçoamento da sociedade brasileira, e “o meio encontrado para atingi-lo
era o de uma obra que aliava, na intenção do autor, autoridade científica e pedagogia social”. WEHLING,
Arno. Estado, História, Memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999, p. 58.
3
Ata da 66
a
sessão em 1º de julho de 1841. RIHGB, Tomo 3, 1841, p. 349.
4
Ata da 68
a
sessão em 12 de agosto de 1841. Idem, p. 360.
5
Biographia dos Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes, &tc. Bernardo Vieira Ravasco.
RIHGB, Tomo 4, 1842, pp. 377-378.
86
“Admira que o sabio escriptor Diogo Barboza Machado deixasse
passar sem reparo um tão grande erro na sua Bibliotheca Lusitana,
sacrificando talvez a verdade da historia á fidelidade de transcrever
tal e qual o que se encontra no Ms. [manuscrito] de Bernardo
Vieira Ravasco, do qual diz que possuia uma copia. E quem sabe
se houve n'isso lapso de penna ou de um ou de outro escriptor? O
certo é que o Brasil não foi descoberto no dia 3 de maio, e sim,
como diz o sabio Bispo Jeronimo Ozorio, em sua obra [...] e se
assim foi, como se não pode duvidar, de certo enganou-se Ravasco.
Cabral partiu das regiões Brasilicas para o Cabo da Boa Esperança
no dia 5 de Maio; e no dia 3 d'este mez nenhuma celebridade tem
na historia do descobrimento do Brasil”.
6
O nome de Diogo Barbosa Machado identificaria mais sete biografias impressas
pelo Instituto, afora as recorrentes citações de sua obra em outros textos históricos e
biográficos publicados na Revista.
7
Não por acaso, o primeiro secretário Cunha Barbosa
citava a Bibliotheca Lusitana no discurso inaugural, afirmando que nela já se
encontravam registrados “os nomes de alguns brasileiros preclaros”.
8
A coleção de
notícias biográficas, organizada e redigida pelo abade de Sever, apresenta-se, assim,
como referência importante para a compreensão do projeto biográfico dos sócios do
Instituto.
9
Os quatro volumes in folio impressos em Lisboa, entre 1741 e 1759, constituem o
primeiro grande catálogo de autores da língua portuguesa.
10
A montagem de um
6
Nota do redator da Revista. Idem, p. 378.
7
As demais biografias extraídas da Bibliotheca Lusitana ou identificadas pela autoria de Diogo Barbosa
são as de: Jorge de Albuquerque Coelho, Tomo 5, 1843, pp. 79-80; Frei Francisco Xavier de Santa
Teresa, Tomo 5, 1843, pp. 80-82; Francisco de Brito Freire, Tomo 6, 1844, pp. 369-371; José Borges de
Barros, Tomo 7, 1845, pp. 557-558; Francisco de Sousa, Tomo 10, 1848, pp. 244-245; Frei Christovão de
Madre de Deus Luz, Tomo 13, 1850, pp. 125-126 e Frei Ignácio Ramos, Tomo 13, pp. 126-127.
8
BARBOSA, op. cit., p. 12.
9
O acervo das obras de Barbosa Machado, constituído por livros, estampas, mapas e folhetos dos séculos
XVI, XVII e XVIII, fazia parte da Biblioteca Real, transferida para a cidade do Rio de Janeiro com a
vinda da Corte no início do culo XIX e integraria o fundo da Biblioteca Imperial. Para a análise da
montagem da coleção Barbosa Machado em Lisboa até a sua constituição como fonte e acervo da
Biblioteca Nacional, cf. CALDEIRA, Ana Paula. Colecionar, escrever a história:
A história de Portugal e
de suas possessões na perspectiva do bibliófilo Diogo Barbosa Machado. Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGHIS,
2007, pp. 39-63. Dissertação de mestrado. Cf. também MONTEIRO, Rodrigo B. Recortes de memória:
reis e príncipes na coleção Barbosa Machado. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria F. B. &
GOUVEA, Maria de F. S. Culturas Políticas. Ensaios de história cultural, história política e ensino de
história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, pp. 69-87.
10
MACHADO, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana. Lisboa Occidental: Officina de Antonio Isidoro da
Fonseca, 1741-1759, 4v. Recentemente, a obra ganhou uma edição em suporte digital, com a ortografia e
paginação originais, da qual me sirvo. MACHADO, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana [recurso
eletrônico]. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.
Cd-rom e folheto. Antes da publicação impressa da Bibliotheca Lusitana, vários escritos do século XVII
faziam inventários de autores portugueses e também traziam o título de “bibliothecas”, termo usado para
87
patrimônio literário lusitano por Barbosa Machado assentou-se na crítica documental,
concebida como avaliação metódica da autenticidade dos testemunhos escritos e na
ordenação cronológica dos mesmos, procedimentos que vinham sendo preconizados no
âmbito da Academia Real de História, da qual o bibliógrafo era membro fundador.
11
Algumas indicações metodológicas importantes acerca da sua elaboração encontram-se
no Prólogo à obra e, por isso, merecem ser citadas em toda a sua extensão:
“Saõ as Bibliothecas ou dispostas por ordem Alphabetica, como
observaraõ huns, ou Chronologica, como seguiraõ outros, aquelles
eruditos Amphitheatros em cuja espaçosa circumferencia
apparecem animados os Oráculos de todas as sciencias, que para
nunca emmudecerem deixáraõ impressa nos fecundos partos dos
seus engenhos a mais nobre de todas as potencias. Nellas se fazem
patentes as Pátrias, que illustràraõ com os seus nascimentos, como
os lugares que foraõ Religiosos depósitos de suas cinzas. Relataõ-
se as acçoens memoráveis das suas vidas para documentos
exemplares da vida moral, e política. Com a luz sempre clara da
Chronologia se desterraõ as sombras dos Anacronismos, que
confundem a verdadeira Epocha dos Annos. Restituese ao seu
verdadeiro Author a obra injustamente uzurpada pela afectada
sciencia dos Plagiários. Defende-se com fundamentos sólidos o
berço em que se animàraõ alguns de seus illustres filhos contra a
opinião mal fundada de outras Naçoens ambiciosas de tgrande
gloria”.
12
designar os catálogos de autores e compilações de suas obras. Elas constituíram o ponto de partida de
Barbosa Machado para a montagem de sua obra ao longo de 40 anos de pesquisa. Como o seu extenso
título indica, trata-se de uma biblioteca Histórica, Crítica e Chronologica, na qual se comphende a
noticia de auctores portugueses, e das obras que compuzeram desde o tempo da promulgação da lei da
Graça até o tempo presente. Assim, em ordem alfabética por seus prenomes, mais de 5.000 personagens
são apresentados ao leitor mediante suas biografias e a inclusão de manuscritos de sua autoria. Segundo
André Belo, a Bibliotheca Lusitana inaugurou uma tradição de pesquisa que pôde ser continuada a partir
da revisão crítica a que passou a ser submetida no século XIX, quando bibliógrafos portugueses
passariam a detectar suas inúmeras incorreções e omissões. Foi com esse espírito que Inocêncio Francisco
da Silva elaborou o seu Diccionario Bibliographico Portuguez (1858-1923). Além desse aspecto, a
Bibliotheca tem a particularidade de ter preservado alguns manuscritos do terremoto de 1755, que se
constituíram em fontes para a história dos descobrimentos portugueses. Cf. BELO, André. Da biblioteca
ideal à biblioteca virtual. In: MACHADO. Diogo Barbosa, op. cit.. Nas décadas finais do XIX no Brasil,
o trabalho de restauração e organização da coleção foi de responsabilidade de Ramiz Galvão, diretor da
Biblioteca Nacional e sócio do IHGB. Cf. CALDEIRA, op. cit., p. 44 et passim.
11
Segundo Norberto da Cunha, “a história desejável nos estatutos da Academia era a narrativa de heróis,
santos, de suas ações maravilhosas e exemplares. Um espelho moral. Embora tendo por condição e
fundamento a verdade dos fatos, sufragada por documentos autênticos”. CUNHA, Norberto. Elites e
Acadêmicos na Cultura Portuguesa setecentista. Lisboa: Imprensa Nacional–Casa da Moeda, 2000. Apud
CALDEIRA, op. cit., p. 79. Sobre o método crítico e a ilustração ibérica, cf. KANTOR, op. cit., pp. 69-
87.
12
MACHADO, Bibliotheca Lusitana. Prólogo, op. cit..
88
Na Bibliotheca Lusitana, o preceito fundamental da crítica histórica – “a luz
sempre clara da cronologia” a eliminar todas as “sombras do anacronismo” combina-
se ao estilo essencialmente laudatório e encomiástico das notícias biográficas dos
ilustres portugueses. Os grandes feitos em vida ou, muitas vezes, o caráter predestinado
da morte de um autor, funcionam como testemunhos do valor da sua obra literária.
13
Em
suma, os retratos biográficos compostos pelo bibliógrafo, acrescidos da compilação e
excertos de obras “documentos exemplares da vida moral e política”
devem ser
considerados como parte da materialização de um esforço de ordenação do passado
português e de construção da memória das vidas dos representantes das letras lusitanas.
A relevância de catálogos semelhantes aos de Barbosa Machado para os letrados
brasileiros oitocentistas estava precisamente em sua utilidade como fonte de pesquisa
histórica. Entretanto, a própria forma de organização da Bibliotheca, como obra
eminentemente apologética, coloca em evidência a proximidade entre a história, a
biografia e o panegírico, na medida em que esses gêneros passam a ser concebidos
como repertório de exemplos, constituídos por discursos de louvores das qualidades
morais dos grandes homens.
14
Como bem assinala Alcir Pécora, o panegírico, “embora
descreva ações passadas, não o faz referindo o que ouviu dizer e reteve na memória,
mas produzindo uma narrativa à qual ”.
15
E precisamente por se tratar de um
discurso que autoriza a verdade dos feitos e das ações, pôde se incorporar a outras
formas historiográficas como o tratado, a relação, a corografia, a crônica.
16
13
BELO, Da biblioteca ideal, op. cit..
14
O termo panegírico cunhado por Isócrates em 380 a.C. designava um discurso que se fingia como
apresentado diante de uma assembléia dos jogos olímpicos; passou a significar algo como discurso às
pessoas reunidas, dirigido para todos, voltado para o interesse público; guardava semelhanças com o
encômio e com o epitáfio, sem a exclusão da possibilidade de formulação de críticas ao sujeito principal
em questão. PÉCORA, Alcir. A história como colheita rústica de excelências. In: SCHWARTZ, S. e
CORA, A. (org.) As excelências do governador: o panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado, de Juan
Lopes Siera (Bahia, 1676). São Paulo: Cia. das Letras, 2002, p. 47.
15
Idem, p. 49.
16
Ainda segundo Pécora, no contexto ibérico do século XVI, a forma de narrativa histórica que parece ser
a mais próxima do panegírico seria a crônica, tal como a escrevia o português João de Barros (1496? -
1570). No entanto, algumas distinções entre um gênero e outro devem ser consideradas: a principal é a
de que o tempo do enunciado da crônica é o passado, isto é, ela se refere o que se ouviu a respeito das
ações de alguém e, por isso, de acordo com João de Barros, existe basicamente em relação com a
faculdade da memória do autor”. Já o recurso fundamental do panegírico é a representação que coloca
diante dos olhos do leitor, por meio de uma composição assentada na vivacidade do que se narra, de tal
modo que se imagina testemunhado pela vista, no exato presente da leitura”. PÉCORA, A história como
colheita rústica de excelências, op. cit., pp. 48-49.
89
Não obstante a antiga diferenciação entre os elogios retóricos e os critérios de
verdade pressupostos para a elaboração do discurso histórico, o panegírico sempre foi
considerado como nero mais útil e eficaz na incitação à virtude.
17
Nas palavras do
diplomata português e membro da Academia Real, José da Cunha Brochado, a história
instruía “mais lentamente e com maior estudo, o panegírico com mais pressa, com mais
veemência e suavidade”.
18
No século seguinte, não seria diferente o argumento a servir
de justificativa para a elaboração do Plutarco Brasileiro de Pereira da Silva.
19
Nessa perspectiva, adquire pleno sentido o empenho dos sócios do IHGB em um
projeto historiográfico que se compatibilizava com a pesquisa e a composição
biográficas. Escrever vidas e narrar a história remetiam a modalidades discursivas
distintas, porém, passíveis de serem submetidas a um mesmo regime de fidedignidade e
verdade. Parece indiscutível, portanto, que a aposta biográfica dos nossos letrados
adequou-se às injunções da disciplina histórica tal como esta foi sendo concebida e
praticada no Brasil do século XIX. Mas, como identificar, naquele momento, a
incorporação das tarefas do biógrafo ao trabalho do historiador?
O exemplo de Francisco Adolfo de Varnhagen – autor do maior número de
biografias publicadas na seção talvez forneça algumas indicações. A premência da
coleta de documentos para a elaboração da história do Brasil o levaria a empreender um
périplo incansável pela Europa. Em julho de 1841, durante estada em Portugal, ele
escreve ao primeiro secretário Cunha Barbosa escusando-se por não remeter nenhum
trabalho para impressão na Revista. Entretanto, anunciava que em suas incursões aos
arquivos portugueses incluiria também a averiguação de biografias de alguns nomes
ilustres:
17
Segundo Hartog, a prática do elogio entre os antigos integra o programa de uma história integrada à
retórica e concebida como fornecedora de exemplos para o presente. “Fazer o elogio dos grandes homens
do presente é, segundo Isócrates, uma tarefa ‘filosófica’, pelo efeito de emulação que exerce nos jovens”.
Desse modo, as ações passadas “não são invocadas senão por seu valor como exemplos, isto é, como
argumentos num discurso persuasivo que deve conduzir a uma decisão política”. HARTOG, A história de
Homero a Santo Agostinho, op. cit., pp. 102-103. Sobre a separação entre história e panegírico entre os
antigos, sobretudo em Luciano de Samósata e Políbio, cf. ZANGARA, op. cit., pp. 162-174.
18
Apud KANTOR, op. cit., pp. 77-78.
19
Cf. supra, pp. 57-58.
90
Por ora, me occupo de colligir, e todo o tempo acho para isso
pouco, ainda que bem deligencio aproveital-o. Tenho tambem
precizão de ir a Coimbra e a Évora; mas não sei se mais será isso
possivel. Naquella cidade desejava eu ver dos livros da
Universidade se se encontram esclarecimentos àcerca das
biographias de certos brasileiros illustres, taes como Fr. Gaspar,
Claudio Manoel da Costa, Manuel Ignacio da Silva Alvarenga,
Arruda da Camara, Mello Franco, Dr. Hyppolito, Dr. Couto,
Ferreira Cardozo e Luiz Joaquim Henriques de Paiva, conforme
tratei com V. Sª, e prometti ao nosso Instituto.
20
Duas biografias de sua autoria haviam sido incluídas na seção, a primeira delas, de
Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho e a outra, de Salvador Correa de
Benevides, ambas escritas no Brasil.
21
Dois anos mais tarde, uma série de sete artigos
biográficos, também sob a rubrica de Biographia de Brasileiros Distinctos, trariam a
sua assinatura. Entre esses, chama a atenção o complemento feito pelo autor à biografia
de Benevides, cuja versão inicial fora publicada em 1841. Sob a forma de carta
dirigida ao redator da Revista, Varnhagen apresentaria a retificação àquele texto,
considerando-a como uma “segunda parte da mencionada biographia”, com base em
documentos inéditos que ele anunciava ter descoberto na cidade de Lisboa.
22
O
procedimento seria adotado em outras de suas notícias biográficas, como a de Tomás
Antônio Gonzaga, cuja primeira versão de 1849, receberia um aditamento no ano
seguinte, ou ainda a de Ignácio de Alvarenga Peixoto, publicada em 1850 e reescrita em
1867 com o subtítulo de retoques á sua biografia.
O recurso à prova documental pelo Visconde de Porto Seguro, indica, de imediato,
que a escrita de biografias pressupunha o uso de procedimentos com que então se
buscava disciplinar a construção do conhecimento histórico. Do mesmo modo, as
notícias biográficas contidas em genealogias, anais e obras similares eram coletadas,
coligidas e avaliadas em sua autenticidade, como documentos para a elaboração da
história geral do Brasil, sem que se cogitasse qualquer teorização referente ao gênero ou
aos seus usos como instrumento de pesquisa. A composição de relatos biográficos
20
Carta ao Cônego Januário da Cunha Barbosa [8 de julho de 1841]. In: LESSA, Correspondência, op
cit., p. 63. Varnhagen fora admitido sócio do IHGB em 20 de janeiro de 1840.
21
Respectivamente, RIHGB, Tomo 2, 1840, pp. 378-383 e Tomo 3, 1841, pp. 100-119.
22
RIHGB, Tomo 5, 1843, 237-241.
91
parecia estar, nesse momento, tacitamente integrada às múltiplas tarefas do historiador,
sem que isso implicasse uma auto-atribuição específica da função de biógrafo.
23
Uma carta de Varnhagen, transcrita em ata da sessão de 19 de janeiro de 1843,
fornece algumas pistas para o exame da questão. Em Lisboa, o sócio efetivo do IHGB
exultava a situação favorável em que se encontrava, “graças á munificencia do nosso
Augusto Imperador”, para reunir “os elementos para a organização de uma conveniente
Historia da civilização do Brasil, e acrescenta:
“[...] ainda que as minhas averiguações hoje sejam relativas ás
epocas mais remotas, não me descuido de diligenciar e obter copias
do que é importante ainda mais moderno. [...] Com este mesmo fim
faço ainda diligencias para obter a celebre Nobiliarchia Paulistana,
de Pedro Taques, tão citada e gabada por Frei Gaspar[...] Se eu
conseguir uma occasião de voltar á Coimbra, farei n'isto consistir
um dos meus empenhos; que os outros encetados são os
apontamentos biographicos de nossos fallecidos patricios que alli
pagassem o tributo ás lettras, e bem assim o fazer tirar copias de
dois distinctos fluminenses D. Francisco de Lemos e seu irmão
João Pereira Ramos”.
24
O extenso relato das diligências investigativas do Visconde de Porto Seguro não
somente revela que as tarefas de repertoriar documentos e obter cópias fidedignas
delimitavam o ofício do historiador no século XIX, mas serve igualmente para que se
examine o suposto estatuto auxiliar atribuído à biografia, quando submetida aos
desígnios mais amplos da escrita histórica. Ao endossar esta hipótese, Armelle Enders
entende que, para a maioria dos historiadores brasileiros do período, o gênero foi
23
É Arnaldo Momigliano quem chama a atenção para a necessidade de se examinar, além das ligações
entre história e biografia, as relações entre biografia e erudição. “Os gregos distinguiam entre história e
erudição, entre o que chamavam historia e o que designavam pelos temos menos claros e mais ambíguos
de archeologia ou philologia, que os romanos traduziram por antiquitates. A distinção fundamental entre
esses dois tipos de textos era a seguinte: a história trataria principalmente dos acontecimentos políticos e
militares e seguiria uma ordem cronológica; a erudição, por sua vez, se ocuparia de todo o resto e, à
ordem cronológica, preferiria uma exposição sistemática. [...] Sabe-se que na época helenística, a
biografia evoluiu paralelamente aos comentários e exposições filológicas [...], constata-se uma ligação
estreita entre a biografia e a filologia. Mas o dado mais importante a ser considerado está em que as
biografias antigas não seguiam necessariamente uma ordem cronológica, [...]. A biografia antiga
apresenta, de fato, uma característica que [Fiedrich] Leo nos ensinou a identificar em Suetônio. À
primeira vista, este tipo de biografia oferece semelhanças formais com as estrutura das obras de
erudição”. MOMIGLIANO, Les origines de la biographie, op. cit., pp. 26-27. A questão também é
tratada no capítulo sobre o surgimento da pesquisa antiquária. In: As raízes clássicas da historiografia
moderna. Bauru/SP: Edusc, 2004, pp. 95-106.
24
Ata da 98
a
Sessão em 19 de janeiro de 1843. RIHGB, Tomo 5, 1843, pp. 94-95. As biografias de
Francisco Lemos e de João Pereira Ramos, de autoria de Varnhagen e de Januário da Cunha Barbosa
respectivamente, foram publicadas no Tomo 2 da Revista.
92
praticado apenas sob a forma de esboços ou apontamentos e, no caso específico de
Varnhagen, as numerosas notícias biográficas serviriam, enfim, “para colorir afrescos
mais vastos, para ornar a História Geral com alguns retratos”.
25
Temístocles Cezar, por
sua vez, argumenta que as biografias escritas pelo Visconde de Porto Seguro funcionam
“primeiramente, como uma conexão entre contextos particulares e conjunturas mais
amplas e, em segundo lugar, colocam em perspectiva os atos produtores da
nacionalidade brasileira, desde o descobrimento até o século XIX, por meio da noção de
modelo positivo ou negativo”.
26
No entanto, mesmo admitindo que as biografias tinham por propósito fornecer
elementos subsidiários à elaboração de uma grande narrativa historiográfica, ainda é
possível retornar à questão inicial: por que um autor como Varnhagen dedicou-se com
tamanho afinco ao trabalho de redigir, e até mesmo retificar, inúmeros textos do gênero,
enviando-os para publicação em seção específica da Revista? Além disso, se admitirmos
a função pictórica que a biografia supostamente teria para os historiadores do século
XIX, como identificar os seus usos e a posterior incorporação às obras propriamente
históricas?
27
Na ponderação do problema, é importante considerar os argumentos com
que o próprio Varnhagen justificaria os seus estudos tanto no campo da história como
no da literatura e da biografia. Com efeito, o registro das vidas de brasileiros ilustres
coadunava-se ao empreendimento a que o historiador se referia como foco principal da
sua História Geral. Como artífice cioso da nacionalidade, não cansaria de enfatizar que,
acima de tudo, trabalhava politicamente para a promoção da unidade e integridade do
Império. No entanto, a despeito da conformação do gênero aos preceitos da crítica
documental, a biografia não exigiria a adoção de códigos próprios de escrita e, sob
alguns aspectos, diferenciados do texto historiográfico? A utilidade das notícias
biográficas não estava precisamente no elogio aos grandes feitos e qualidades morais
dos valorosos “servidores da nação”, de modo que os seus exemplos fossem não
somente memorizados, mas imitados pelas gerações seguintes? Com esse propósito, os
historiadores assumiam o encargo da eleição das vidas dignas do relato biográfico e dos
25
ENDERS, O Plutarco Brasileiro, op. cit., p. 42.
26
CESAR, L’écriture de l’histoire, op. cit., p. 288.
27
Ainda sobre a História Geral, Evandro dos Santos investiga mais acuradamente como o seu
ordenamento cronológico é interrompido por inserções biográficas. Cf. SANTOS, Evandro dos.
Temp(l)os da pesquisa, temp(l)os da escrita. A biografia em Francisco Adolfo de Varnhagen. Porto
Alegre: PPGHIST/UFRGS, 2009. Dissertação de mestrado.
93
indivíduos a serem qualificados como distintos ou ilustres. O problema incontornável e
subjacente a todo trabalho biográfico poderia ser assim formulado: tanto quanto dar ,
como dar prova da dignidade histórica dos biografados?
A depuração do fabuloso
“E de quantas bellas fabulas não estão cheias todas as historias?”
Francisco Adolfo de Varnhagen.
28
“A historia do nosso paiz está cheia de factos mal averiguados, e
não pouco creados pela imaginação de escriptores em épocas mui
afastadas dos acontecimentos, e quase sempre no interesse de dar
importancia e rodear de prestigio certas individualidades de sua
affeição, influentes e poderosas, de quem dependiam,
estabelecendo relações de parentesco, reaes ou fictícias, com
entidades que exaltavam, e de existência muitas vezes
problemática. Vivemos assim cercados de fabulas, que deturpam a
historia; fabulas que se dramatisam com detalhes de pura
imaginação, sentindo-se que por falta de verdadeira critica ellas se
reproduzam nos livros dos modernos cultores da historia nacional.
O dever do moderno historiador é, armado de uma critica, tão
sensata quanto severa, expurgar de nossa historia taes
excrescências, que tanto a maculam”.
Cândido Mendes de Almeida.
29
Quando Voltaire definiu a história como “a narração dos fatos tidos por
verdadeiros, ao contrário da fábula, narração dos fatos tidos por falsos”, reiterou a
consciência de uma fronteira de difícil demarcação, mas sem a qual nenhum
conhecimento histórico seria possível.
30
A insistência acerca do propósito crucial de
oferecer relatos verídicos, da mesma forma que marcou o nascimento do gênero
historiográfico entre os antigos, acompanharia, na modernidade, a constituição da
história como disciplina científica, capaz de construir um saber fundado na operação
28
VARNHAGEN, F. Adolfo de. O Caramuru perante a história. RIHGB, Tomo 10, 1848, p. 151.
29
ALMEIDA, Cândido Mendes de. Notas sobre a história pátria. Lidas na sessão do Instituto Histórico de
10 de dezembro de 1875. RIHGB, Tomo 39, II, 1876, pp. 5-6.
30
VOLTAIRE. História. In: A filosofia da história. São Paulo: Martins Fontes, 2007, pp. 3-36. Cf.
também POMIAN, Krzysztof. Histoire et fiction. In: Sur l’histoire. Paris: Gallimard, 1999, p. 15 et
passim.
94
investigativa dos vestígios do passado.
31
Tal estatuto de cientificidade não seria
conquistado, entretanto, sem que se estabelecessem embates intelectuais, travados no
âmbito das instituições acadêmicas de pesquisa.
32
Isso porque o processo de
conformação disciplinar implicaria a reivindicação de um método de trabalho
profissional, caracterizando o que Manoel Luiz Salgado Guimarães identificou como
uma “intensa disputa pelo monopólio da fala com relação ao passado”.
33
Os
historiadores modernos serão movidos por uma “compulsão desmistificadora” no exame
das fontes e tradições que, a despeito de seu impacto metodológico mais amplo no
Oitocentos, pode ser creditada, inegavelmente, às práticas da crítica filológica, com
precedentes antigos, medievais e renascentistas.
34
A historiografia ocidental, como assinalou Michel de Certeau, desde sempre
travou uma guerra intestina contra a ficção.
35
É por sua luta contra os mitos, as lendas e
fabulações da memória coletiva transmitidas pela tradição oral, que ela cria um
afastamento em relação ao discurso comum, forjando-se precisamente dentro da
diferença que a credita como savante. Mais do que estabelecer a verdade, com os
31
A postura metodológica moderna de crítica à tradição mítica e a exclusão do fabuloso remete a
Tucídides e a célebre introdução à História da Guerra do Peloponeso: “E para o auditório, talvez, o
caráter não mítico dos fatos parecerá menos agradável; mas, a quantos desejarem observar com clareza os
acontecimentos ocorridos, e também os futuros que então novamente, pelo que respeita ao humano,
ocorrerão tais quais ou análogos, julgarem tais coisas úteis, será o bastante” (Tucídides, I.22,4). Apud
PIRES, F. Murari. Leonardo Bruni e Tucídides: História e Retórica. Politéia. Vitória da Conquista/BA,
vol. 6, n.1, 2006, p. 62, n.21.
32
POMIAN, op. cit., p. 16.
33
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Entre amadorismo e profissionalismo: as tensões da prática
histórica no século XIX. Topói, n. 5, 2002, p. 184.
34
A tese de que o método moderno de pesquisa histórica tem raízes nas práticas de erudição foi
formulada por MOMIGLIANO, Arnaldo. L’histoire ancienne et l’Antiquaire [1950]. In: Problèmes
d’historiographie ancienne et moderne, op. cit., pp. 244-293 (especialmente, p. 246). Para um balanço da
contribuição do autor e uma reavaliação crítica dos argumentos desse artigo, cf. HERKLOTZ, Ingo.
Arnaldo Momigliano’s and the Antiquarian’: a critical rewiew. In: MILLER, Peter (ed.). Momigliano and
Antiquarianism. Foundations of the moderns cultural sciences. Canadá: UCLA, 2007, pp. 127-153.
Recentemente, na esteira das pesquisas inauguradas pelo autor italiano, Anthony Grafton demonstrou
como a falsificação documental e literária teve papel decisivo no desenvolvimento dos procedimentos da
crítica filológica desde o período helenístico, passando pelo Renascimento até a constituição da moderna
crítica histórica, cf. GRAFTON, Anthony. Falsarios y criticos. Creatividad e impostura en la tradición
occidental. Barcelona: Editorial Critica, 2001, pp. 85-117 (sobre a “compulsão desmistificadora” dos
eruditos do século XVIII em relação aos textos clássicos, pp. 88-89). Sobre a distinção entre história e
ficção no desenvolvimento da crítica filológica dos humanistas renascentistas, cf. também LEVINE,
Joseph. The autonomy of history. Truth and method from Erasmus to Gibbon. Chicago: The University of
Chicago Press, 1999, pp. 3-71.
35
CERTEAU, Michel de. L’histoire, science et fiction. In: Histoire et psychanalyse entre science et
fiction. Paris: Gallimard, 1987, p. 53. Para uma oportuna retomada da discussão teórica sobre as relações
entre história e ficção, abrangendo a vasta bibliografia acerca do tema, cf. também LIMA, Luiz Costa.
História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
95
procedimentos da crítica de documentos, o erudito eleva o erro à condição de “fábula”.
Isso significa que detectando o falso, ele “escava” na linguagem o próprio lugar
concedido à sua disciplina: “como se, instalado no meio das narrativas estratificadas e
combinadas de uma sociedade (tudo aquilo que ela narra ou o que é narrado), ele se
empenhasse em perseguir o falso mais do que em construir o verdadeiro, ou seja, é
como se ele somente produzisse a verdade determinando o erro”.
36
A batalha para expurgar as inexatidões e os equívocos que maculavam a história
do Brasil ocupou grande parte dos esforços investigativos dos sócios do IHGB. Depurá-
la dos elementos lendários, dos “fatos mal averiguados” que se reproduziam nas obras
dos cronistas, remetia ao que Cândido Mendes chamou de “dever do moderno
historiador”. Algumas décadas antes, em uma dissertação lida no Instituto
imediatamente após a sua fundação, o marechal Raimundo da Cunha Matos referia-se
ao imenso fardel de escritos inexatos, insulsos, indigestos, absurdos e fabulosos
anteriores ao ano de 1822”, advertindo para a necessidade premente de submetê-los ao
escrutínio crítico.
37
“Como será possível escrever a historia philosophica do Brasil
tomando por phárol os livros estrangeiros impressos antes da
declaração da independencia do imperio? O que vemos ácerca da
historia em quase todos os escriptores estrangeiros? Aquillo que
escreveram os portuguezes e os brasileiros; e demais a mais muitas
invectivas, insultos, calunmias, improperios, falsidades em
desabono do povo do Brasil!”
38
A tarefa prioritária dos membros do Instituto consistiria no escalpelo da boa
crítica” de todos os escritos acerca do Brasil, de autores nacionais e estrangeiros. Se
alguns destes últimos haviam sido injustos contra brasileiros e portugueses, quanto aos
primeiros, sobretudo aqueles que escreveram antes da independência, era preciso lê-los
tendo em conta o peso da censura e da falta de liberdade que marcara a administração
colonial.
39
36
CERTEAU, L’histoire, science et fiction, op. cit., pp. 53-54.
37
MATOS, R. da Cunha. Dissertação acerca do sistema de se escrever a História antiga e moderna do
Império do Brazil, op. cit., pp.122-123. A dissertação foi lida na 2
a
sessão do IHGB em 15 de dezembro
de 1838. Cf. RIHGB, Tomo 1, 1839, p. 48.
38
MATOS, op. cit., p.123.
39
“Tudo quanto digo aqui, são verdades reconhecidas geralmente no Brasil, é pois desde o anno de 1823
em diante que entre nós existe liberdade de escrever, e por conseguinte parece-me absolutamente
96
Naquele momento, a questão recorrente nas discussões dos sócios da agremiação
dizia respeito a uma operação crucial do trabalho do historiador: a construção do tempo
histórico, ou seja, a periodização. Somente através da determinação das suas diferentes
épocas, a história geral do Brasil tornar-se-ia possível ou, pelo menos, pensável, como
conjunto de acontecimentos dotado de ordenação e sentido.
40
Apoiando-se na opinião
predominante, corroborada por “diversos escritores antigos e modernos”, Cunha Matos
circunscreveria três períodos distintos para a nossa história, a saber, o primeiro, relativo
aos aborígines ou autóctones; o segundo, compreendendo o descobrimento e a
colonização pelos portugueses e o terceiro, abrangendo todos os fatos desde a
independência.
41
Antes que Martius apontasse para a necessidade de se investigar os
habitantes primitivos do território brasileiro, o marechal ressentia-se quanto à falta de
“monumentos de séculos remotos” para conferir plausibilidade ao que até então não
passava de simples conjecturas.
“Esta parte da historia do Brasil existe enterrada debaixo de
montanhas de fabulas, porque cada tribu ao mesmo tempo que
apresenta origens as mais extravagantes, não sabem dar razão clara
das suas emigrações, e a actual residencia e para cada uma d’ellas
um seculo dos nossos, é a eternidade”.
42
Para escrever a história dos autóctones brasileiros, tornava-se imprescindível o
aporte das novas ciências” da lingüística, etnografia e arqueologia que contribuiriam
para dotar esses povos de um passado, desvendando as suas “tradições mui confusas e
disparatadas”.
43
Cunha Matos apresentava, enfim, o método que, segundo ele, o
desculpável a falta de bons escritos nacionaes antigos, e absolutamente impossível o arranjar-se desde
uma historia geral, ou uma historia filosophica do império de Santa Cruz”. Idem, p.129.
40
O problema fora formulado por Januário da Cunha Barbosa logo na 1
a
sessão do Instituto e dirigido aos
seus consócios nos seguintes termos: “Determinar-se as verdadeiras épocas da história do Brazil, e se esta
se deve dividir em antiga e moderna, ou quaes devem ser suas divisões”. RIHGB, Tomo 1, 1839, p. 48.
Sobre as tentativas de solução do problema da periodização da história do Brasil dentro do IHGB, cf.
RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil (Introdução metodológica). 5
a
ed. São Paulo:
Editora Nacional, 1978, pp. 125-144.
41
Idem, p. 129. Manoel Guimarães aponta para a centralidade do problema da “época dos indígenas”
como tema que ocupará muitos trabalhos publicados na Revista e nota que, sobre as duas outras épocas da
sua cronologia, Matos mantém-se em silêncio. “Curiosamente, seu maior empenho está em organizar o
conhecimento acerca da primeira delas, aquela que aparece como a mais obscura, porque ainda não
submetida às regras existentes para uma escrita da história a partir de uma matriz científica, segundo o
modelo em gestação pela cultura histórica oitocentista”. GUIMARÃES, A disputa pelo passado, op. cit.,
pp. 117-118.
42
MATOS, op. cit., pp. 129-130.
43
Idem. Ao analisar a formação do discurso etnográfico dentro do IHGB, Rodrigo Turin entende que o
uso da filologia e da arqueologia constituiu-se como um modo de atribuir historicidade às populações
97
permitia elaborar os seus escritos geográficos e históricos “tanto a respeito do Brasil
como de outros lugares do universo”. A história era, antes de tudo, “a sciencia de narrar
ou descrever os acontecimentos presentes e os passados”, devendo ser escrita “por um
modo harmonioso, agradável, conciso, decente, exato e o mais claro que for possível”.
Caberia aos historiadores investigarem um amplo espectro de vestígios e fontes da
história brasileira para descreverem, em primeiro lugar, as tradições dos tempos
fabulosos, depois destes, os heróicos e, finalmente, os verdadeiros antigos e modernos”.
Assim, munidos da crítica austera, deveriam proceder ao exame de todos os materiais e
monumentos, não prescindindo do uso dos preceitos da paleografia e da cronologia.
“Se os escriptores do Brasil tivessem praticado estas regras que são
impresceptíveis e aconselhadas desde a mais alta antigüidade por
aqueles que estão reputados mestres dos historiadores, não
teríamos o desgosto de encontrar ficções em vez de realidades e de
ler mui desfigurados alguns dos mais belos episódios dos fastos
brasileiros. Bem conheço que aquilo que nos acontece acerca de
notícias antigas sucede em todos os outros lugares do universo; não
existe obra alguma histórica dos tempos passados e dos modernos
que não contenha muitos erros por motivos mui diferentes. Os
gregos sempre orgulhosos, honraram Herodoto com o epíteto de
pai da historia: esta asserção é falsa. O philosopho de Halicarnasso
[...] lisongeou a vaidade grega e deprimiu todos os estrangeiros,
dando-lhes o nome de barbaros. A sua relação da vitória obtida por
Temístocles sobre a armada de Xerxes é uma impostura. A historia
dos medos é outro amontoado de falsidades [...].”
44
Passados dez anos das preleções do marechal, uma advertência análoga contra as
inverdades perpetradas pela tradição historiográfica excederia o caráter marcadamente
prescritivo daquela primeira formulação para se converter em estratégia efetiva de
indígenas, ou ainda, “como um luta de representação sobre o passado indígena” na busca dessa “obscura
história”. TURIN, Rodrigo. Em busca do tempo perdido: notas sobre o uso da arqueologia e da filologia
no discurso etnográfico do IHGB (1840-1870). Comunicação apresentada no XXIV Simpósio Nacional
de História, 2007. (Texto cedido pelo autor).
44
MATOS, op. cit., p. 132. A reputação de Heródoto como, a um só tempo, “pai da história” e
“mentiroso”, remonta à Antigüidade, conforme o demonstrou MOMIGLIANO, A. La place d’Hérodote
dans l’histoire de l’historiographie. In: Problèmes d’historiographie, op. cit., pp. 169-185. Por sua vez, a
depreciação dirigida ao autor das Histórias pelos historiadores do século XIX ecoa o juízo que lhe
dedicara Voltaire: tudo o que ele conta sobre a fé dos estrangeiros é fabuloso, mas tudo o que viu é
verdadeiro”. A despeito de atribuir-lhe mérito igual ao de Homero, por ser o “primeiro” na invenção de
um gênero, considerava que Heródoto “recitando para os gregos os nove livros de sua história, encantou-
os pela novidade da empreitada, pela beleza de sua dicção e principalmente pelas fábulas”. VOLTAIRE.
O pirronismo da história. São Paulo: Martins Fontes, 2007, pp. 16-20. Cf. também HARTOG, F. O
espelho de Heródoto. Ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999, que
considera que Voltaire contribui para fixar uma partilha entre o historiador das Guerras Médicas e um
outro Heródoto, contador de histórias e viajante (pp. 33-35).
98
desconstrução de um acontecimento lendário dos tempos coloniais. Com a dissertação O
Caramuru perante a História, Francisco Adolfo de Varnhagen enfrentaria a tarefa de
pôr à prova a veracidade da viagem do português Diogo Álvares Correa e da índia
Paraguassu ao reino da França, onde teriam se casado sob as bênçãos de Henrique II e
de Catarina de Médicis. O episódio, referido por cronistas, era narrado por Rocha Pita
em sua História da América Portuguesa.
45
O que importa ressaltar no texto é precisamente o modo como o historiador operou
a depuração do “facto maravilhoso” a que o programa proposto se referia, submetendo a
julgamento a autoridade da tradição em nome da verdade autorizada pelas provas
documentais.
46
Munido de vasta documentação, em grande parte inédita, Varnhagen
avalia não apenas a passagem de Pita, mas chama igualmente ao “rígido tribunal da
crítica” todos os escritores que o antecederam na referência ao episódio.
47
Os
pressupostos de sua análise ancoram-se na firme convicção de que a corroboração
metódica dos documentos permitiria asseverar se os fatos tiveram “existência histórica
ou meramente “fabulosa”.
45
O trabalho de Varnhagen foi o vencedor do concurso instaurado no Instituto em 1842 que previa o
prêmio de uma medalha de ouro, no valor de 200$000 réis a quem melhor desenvolvesse o seguinte
ponto: “Qual o grao de veracidade em que se deva ter o facto maravilhoso de Diogo Alvares Correa e da
celebre Paraguassu, confórme refere Rocha Pitta na sua América Portugueza?”, seguida da citação dos
parágrafos 98 e 99 do seu Livro Primeiro. Cf. RIHGB, Tomo 3, suplemento, 1842, p. 557. Em uma
edição mais recente da obra de Pita, Pedro Calmon acrescentou nota às passagens referidas, onde afirma
não se justificarem mais as dúvidas sobre a viagem de Caramuru e Paraguassu à França, entre 1526 e
1527, quando reinava não Henrique II, mas Francisco I. Cf. PITA, Sebastião da Rocha. História da
América Portuguesa. Introdução e notas de Pedro Calmon. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed.
Universidade de São Paulo, 1976, p. 43 (notas 10 e 11). Para uma análise da construção da figura de
Caramuru, desde os primeiros cronistas e poetas do período colonial, incluindo o tratamento crítico do
tema em Varnhagen, cf. AMADO, Janaína. Diogo Álvares, o Caramuru, e a fundação mítica do Brasil.
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 25, 2000, pp. 1-53.
46
Sobre a passagem de um regime de estabelecimento da verdade, fundado na hegemonia das tradições e
crenças religiosas, para a construção da credibilidade “científica” moderna, cf. LECLERC, Gerard.
Histoire de l'autorité: l'assignation des énoncés culturels et la généalogie de la croyance. Paris: PUF,
1996.
47
ndido Mendes, em suas citadas “Notas sobre a história pátria”, afirmava que a história do Brasil
do século XVI tinha necessidade de ser “convenientemente expurgada”, posto que havia ainda “muita
fabula ridícula e mesmo intolevel” sobre o período. E acrescentava: “a narrativa referente ao Caramuru,
foi em grande parte destruída pela douta memória do nosso citado Varnhagen. Mas este esforço não
nos parece bastante; é indispensável reduzir esse personagem histórico a seu justo valor. Essa lenda ou pia
fraude foi creada em tempos posteriores, no interesse dos descendentes desse profugo ou naufrago, que se
tornou tão pratico na linguagem dos indígenas da Bahia”. MENDES, op.cit., pp. 17-18.
99
“Quase todas as nações offerecem exemplos, nos primeiros tempos
da historia da sua civilisação, de contos maravilhosos que as
acalentaram no berço, e depois entretiveram a fantasia de seus
povos, em quanto estes não tinham de si muito que dizer. Há
n’esses contos quase sempre um fundo verdadeiro: nem era
possível a quem tinha pouco de que historiar esquecer-se de um
feito extraordinário praticado por homens mais eminentes de corpo
ou de espírito, ou oriundos de gente de maior ilustração, aos quaes
os simplices aborigenes selvagens deviam ter venerado como
creaturas de outra espécie, como deuses ou semi-deuses.
Formado assim um verdadeiro mytho heróico, propaga-se tomando
corpo de geração em geração, e freqüentes vezes se tem até
fundido no nome de um individuo os casos notáveis ocorridos a
differentes pessoas”.
48
O trabalho de cronistas e historiadores se constitui como um ponto de chegada do
estado de civilização de um povo, o que o significa que, antes deles, inexistissem
registros da história. Estes se encontravam em um “archivo popular e não menos
duradouro que os documentos escriptos em pergaminho”, ou seja, no cadinho das
tradições orais. Para Varnhagen, o se tratava de recusar absolutamente o valor das
lendas e crenças populares, mas de discriminá-las em suas dimensões históricas e
poético-imaginativas: quando lemos um poeta clássico acreditamos com igual nas
entidades que tiveram uma existência histórica, como as propriamente fabulosas; quem
nos a verdadeira é a magia do poeta, que melhor sabe tocar-nos, vibrando-nos as
cordas do sentimento”.
49
Ora, as proezas de Caramuru eram problemas que a “justa e severa crítica
histórica do Visconde de Porto Seguro deveria depurar, levando em conta o mérito
reconhecido e a popularidade da sua elaboração em forma de epopéia pelo brasileiro
José de Santa Rita Durão.
50
Logo, a operação investigativa do historiador pressupunha
que ele se desembaraçasse de quaisquer juízos prévios, adquiridos tanto na leitura de
48
VARNHAGEN, O Caramuru perante a História, op. cit., p. 129.
49
Idem, pp. 130-131. A observação do autor acerca do poder das tradições e crenças populares ecoa um
dos traços compartilhados pelos românticos no Oitocentos, porém está muito longe da concepção
emblemática de cultura popular como expressão de uma “alma” nacional formulada por Herder ou do tom
nostálgico e patrimonialista dos folcloristas no final desse período. Cf. ORTIZ, Renato. Cultura popular.
Românticos e folcloristas. São Paulo: Editora Olho D’Água, 1992.
50
Varnhagen escreveu uma biografia do poeta, publicada na Revista em 1846. Segundo ele, “a maior
prova do genio do autor do Caramuru” estava “na maneira como soube tornar épica e heróica uma acção e
um individuo que o não eram”. Assinalava que o “facto maravilhoso do Caramuru ainda então não corria
averiguadoe, apezar de guiado por Vasconcelos, Brito Freire e Pitta, arredado do que averiguamos”,
considerava as “circmstancias de fabula” da obra como “liberdades poéticas” do seu autor. Biographia
dos Brasileiros Distinctos por Letras, Armas, Virtudes, &tc. RIHGB, Tomo 8, 1846, pp. 276-283 (citações
p. 281)
100
outros historiadores quanto nas imagens e invenções poéticas: “vamos desprevenidos
perscrutar documentos, que serão tanto mais seguros quanto concordes e bons
accusadores dos desvios por que se encaminharam aquelles outros incoherentes e
anachronicos”.
51
Varnhagen não contradita a tradição acerca da existência de Diogo Álvares, sobre
a qual afirma não ter qualquer dúvida. Com o uso de documentos, “cada um de fonte
diversa”, atesta e retifica a cronologia dos fatos, desde a chegada do português à Bahia
até o ano de sua morte.
52
Quanto à decantada estadia na França, o argumento decisivo
para negar a sua veracidade estaria na inexistência de qualquer testemunho coetâneo ao
episódio. O veredicto crítico se apresentava na medida em que o historiador adquiria
“uma convicção fundamentada em muito maior copia de documentos”.
53
Em outras
palavras, ao atribuir diferentes graus de exatidão no estabelecimento dos fatos
históricos, ele auferia a verdade e a falsidade por meio do absoluto poder de veto
concedido às suas fontes.
54
“Correndo porem a immensidade de despachos, officios, cartas
particulares, informes e mais papeis que se escreveram de França
respectivos as mínimas occurrencias que então se passavam acerca
das negociações pendentes d’aquelle reino com Portugal, e que
melhor parte tinham por mira a sustentação da posse inauferível do
Brasil [...] é que se collige a impossibilidade da existência de tal
acontecimento, que ninguém contou; quando se tivesse succedido,
tão notório era elle que deveria apparecer noticiado por mais de
uma pessoa, e em mais de uma carta, como vemos a respeito de
outros menos importantes n’esse tempo”.
55
51
Idem, p. 131. Para uma discussão sobre as relações de Varnhagen com a poesia e, especialmente, com a
história do Brasil escrita pelo poeta inglês Robert Southey, cf. CEZAR, Temístocles. O poeta e o
historiador. Southey e Varnhagen e a experiência historiográfica no Brasil do século XIX. História
Unisinos, 11(3), setembro/dezembro 2007, pp. 306-312.
52
VARNHAGEN, O Caramuru perante a História, op. cit., pp. 131-140. Outros pormenores também o
esclarecidos, tais como: o significado dos nomes “Caramuru” e “Paraguaçu” e a inexistência de uma
suposta carta de Carlos V a Diogo. Para as principais conclusões de Varnhagen sobre o tema, cf.
AMADO, op. cit., pp. 27-28.
53
VARNHAGEN, O Caramuru perante a História, op. cit., p. 147 (nota 12).
54
Sobre o “poder de veto das fontes”, cf. KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., p. 188 e RÜSEN,
Reconstrução do passado, op. cit., pp. 125-126.
55
VARNHAGEN, O Caramuru perante a História, op. cit., p. 141.
101
A fabulosa viagem de Diogo Álvares não merecia ser destituída, entretanto, de
qualquer fundamento e tampouco menosprezada como mera invenção: “a tradição é
vaga, compõe, associa, romancea, despreza a chronologia, reúne ás vezes dois entes em
um só, creando monstros...”, tudo o que, enfim, era interditado no trabalho de um
verdadeiro historiador.
56
Entende-se, a partir daí que, na avaliação crítica da História da
América Portuguesa, Varnhagen seja taxativo acerca da narração do episódio pelo seu
predecessor, classificando-a como um “fragmento do colorido próprio dos typos
gongoricos do século passado”.
57
Sugeria, portanto, que se riscassem das “páginas
verídicas” da nossa historia aqueles dois parágrafos que, a despeito de servirem de tema
para o concurso, o eram sequer dignos de uma análise mais demorada.
58
E, assim,
formulava o seu veredicto:
“Reputamol-os um bello episodio próprio para o romance e poesia,
uma vez que n’elle certa crença: nós todos enlevados pelos
feitiços do maravilhoso demos existência formal ao que antes não
fora talvez mais do que conjecturas enfeitadas por uma imaginação
creadora, e por ventura inclinada a dar insensivelmente a seus
assumptos um colorido romântico, circumstanciando a narração
com o engenho quando a historia ao seu tempo conhecida os não
manifestava. Porem o historiador quando o queira expôr nada lhe
custará a acompanhar a sua menção das previdentes expressões
consentâneas a inculcar duvida. certas narrações de casos
mesmo fabulosos, que uma vez entradas no corpo da historia de um
povo apoderam-se d’elle sem mais o largarem; embora pelo tempo
adiante venham mencionar-se para se asseverar que não
succederam”.
59
56
Idem, p. 144.
57
Idem, p. 146. Varnhagen argumenta ainda que aquela versão não passava de transcrição ampliada e
“enriquecida com as galas da invenção de Pita”, da narrativa encontrada na Chronica da Companhia de
Jesus do Estado do Brasil, publicada em 1663 pelo padre Simão de Vasconcelos.Gabriel Soares
estabelecera-se no Brasil em 1570, e ainda devera encontrar recente a historia do Caramuru para a poder
ouvir da bocca dos contemporaneos; Vasconcelos escreveu um seculo depois, e portanto ainda suppondo
que elle nada creou, e apenas pôs por escrito o que ouvira, por ventura o devemos nós condemnar
como pouco segura essa tradição, que tinha de bocca em bocca atravesado tres gerações n’um povo
tropical e de imaginação ardente, quando documentos em contrario nos induzem a condemnal-a?” Seria,
portanto, “à sombra da sua autoridade que verdadeiramente descansavam os escriptores que lhe
succederam, incluindo o nosso próprio épico Durão, que muito é para sentir que não tivesse tido
precedido por um historiador, bem como Camões o foi por Barros...”. (p. 147).
58
Varnhagen o seria o primeiro a lançar suspeitas à obra de Rocha Pitta. Em 1826, em seu Résumé de
l’histoire littéraire du Brésil, Ferdinand Denis o reconhecia entre os historiadores brasileiros, porém
afirmava que era “necessário lê-lo com alguma reserva, porque admite certos fatos maravilhosos que sua
viva imaginação e o espírito da época o induziram a admitir como dignos de inteira fé’. DENIS, F.
Resumo da história literária do Brasil. Tradução e notas de Guilhermino César. Porto Alegre: Livraria
Lima, 1968, pp. 96-97.
59
VARNHAGEN, O Caramuru perante a História, op. cit., p. 151.
102
A autoridade das fontes sob suspeição
Varnhagen entendia que nenhuma história poderia se constituir como verdadeira
enquanto o seu conteúdo factual continuasse permeado por “tradições fabulosas” ou
ancorado em “conjecturas sem provas”. A crítica das fontes, se não levava sempre a
constatações inequívocas (o que acontecia quanto mais remotos fossem os
acontecimentos ou quando sobre eles inexistissem quaisquer testemunhos), assegurava,
ao menos, que o conhecimento histórico se fundasse no chão seguro da facticidade.
Com pressupostos análogos, Cândido Mendes afirmaria que “sem chronicas
verdadeiras, abundantes em factos, uma boa história era impossível”. Para que o
passado colonial pudesse ser conhecido era necessário, portanto, que o historiador se
apoiasse em testemunhos contemporâneos aos acontecimentos, e não apenas em
narrativas “criadas pela imaginação” por escritores, muito tempo depois do sucedido. A
exemplo da desmistificação a que o Visconde de Porto Seguro submetera o “facto
maravilhoso” do Caramuru, o tribunal da crítica deveria invocar outros personagens
históricos a fim de determinar o seu “justo valor”.
60
A postura de suspeição diante dos relatos de cronistas dos nossos primeiros
séculos estaria marcadamente presente nas Dúvidas sobre alguns pontos da história-
pátria, de Joaquim Manoel de Macedo.
61
A dissertação do orador do Instituto
desenvolvia-se em torno de questões que, para ele, persistiam como “pontos duvidosos”
das obras dos historiadores do Brasil. Se os tempos de origem dos povos encontravam-
se, em grande parte, envoltos em um mysterio impenetravel”, na história nacional tal
obscuridade dilatava-se muito além dos anos da descoberta pelos portugueses, atingindo
o nosso passado próximo:
60
MENDES, op. cit., p. 17.
61
MACEDO, J. M. Dúvidas sobre alguns pontos da historia-patria. RIHGB, Tomo 25, 1862, pp. 3-41.
Macedo exerceu o cargo de primeiro secretario entre 1852 e 1856. No ano seguinte, foi eleito orador
efetivo, permanecendo na função até o ano de sua morte em 1882. Também cumpriu sucessivamente as
funções de 3
o
, 2
o
e 1
o
vice-presidente. Concomitantemente às suas atividades como escritor e sócio do
IHGB, foi professor do Imperial Colégio D. Pedro II, cargo para o qual foi nomeado em 1849. O texto
referido, que analisarei a seguir, foi lido em sessão ordinária do Instituto no ano de 1858. Para a
Exposição de Filadélfia, Macedo elaborou o Ano Biográfico Brasileiro em quatro volumes (1876-1880);
deixou inacabada a Efeméride Histórica do Brasil e foi o autor de um dos mais utilizados compêndios
didáticos do século XIX, as Lições de História do Brasil para uso das escolas de Instrução Primária.
Para um estudo dessa obra, cf. MATTOS. Selma R. de. O Brasil em lições. A história como disciplina
escolar em Joaquim Manoel de Macedo. Rio de Janeiro: Access Editora, 2000.
103
“As causas que contribuíram para encher de nevoas a nossa o
recente antiguidade são conhecidas de todos aquelles que se tem
dado ao estudo da historia pátria. No tempo colonial, poucos
homens se lembraram de perpetuar em chronicas e memórias a
lembrança dos factos da época: [...].
E por isso que não abundam os historiadores e chronistas dos
nossos primeiros séculos, acontece que alguns factos o passando
em julgado, só porque algum auctor o refere, e não há outros que o
combatam, assim aquelle que estuda a matéria toma muitas vezes o
erro pela verdade, a outros igualmente o transmite, tornando-se em
verdade o erro pela regra de ser muitas vezes repetido.
A menos que a critica conscienciosa e apurada não preste auxilio
seguro, não descobrimos meio de escapar ao engano, quando
um único livro em que se tenha historiado um certo acontecimento;
no caso porém em que diversos auctores se ocupam do mesmo
assumpto mais facil se torna descobrir a verdade, ou, se quer,
marcar os pontos duvidosos que precisam e devem ainda ser
elucidados
.
62
As dúvidas de Macedo diziam respeito ao modo como os autores das histórias do
Brasil ajuizavam a reputação de dois grandes homens envolvidos na luta contra os
holandeses em Pernambuco: de um lado, a fama que se criara em torno do nome de
Mathias de Albuquerque quanto às ações de defesa da capitania frente à ameaça
estrangeira e, de outro, os feitos notáveis atribuídos a João Fernandes Vieira nessa
mesma guerra. Por se tratar de acontecimentos históricos plenos de heroicidade e
“motivos de ufania”, cumpria examinar o que havia de invenção ou de verdade nas
narrações dos fatos protagonizados por ambos.
“Na historia falle a verdade sempre e antes de tudo: é ella somente
que deve dirigir a penna do escriptor na exposição dos factos como
é a consciência que deve presidir a apreciação delles. Cumpre
que o historiador e o chronista se lembrem sempre que diante da
posteridade póde faltar quem os desminta, quando elles desvirtuam
um facto, e que em tal caso o mal que fazem á memória de uma
personagem histórica, não tem recurso algum ou difficilmente
chega a ser remediado, e isso lhe deve pesar na consciência”.
63
Sobre a memória de Mathias de Albuquerque pesava a censura acerca da falta de
empenho na resistência aos batalhões de invasores. Entre os cronistas dos tempos
coloniais, citados extensamente, apenas dois Giusepe de Santa Teresa (Istoria delle
Guerre Del Regno Del Brasile) e o marquês de Basto (Memórias Diárias da Guerra do
Brasil) contemporâneos do conflito, emitiam opinião favorável às ações do general.
62
MACEDO, Dúvidas sobre alguns pontos da historia-patria, op. cit., p. 4. [grifos meus].
63
Idem, pp. 5-6.
104
Apoiando-se no relato do segundo, Varnhagen teria feito a defesa e honra do acusado.
64
A sua autoridade, argumentava Macedo, não era suficiente para dirimir a questão, pois
na História Geral , “citando unicamente as Memórias Diárias do mesmo rquez de
Basto [....] e infelizmente dizendo saber de factos positivos que lhe recommendam as
muitas e mui adequadas providencias que tomou aquelle general, o menciona esses
factos”.
65
Quanto aos escritores do lado oposto, ou seja, os detratores da figura do general,
considerava que todos os que escreveram depois de Southey não mereciam crédito:
“todos elles se foram repetindo uns aos outros, ou a Brito Freire, Fr. Raphael de Jesus e
Rocha Pita, sendo até para notar que alguns os repetissem mais ou menos ipsi verbis”.
66
Era necessário “ir ás fontes” para resolver o problema. Para Macedo, isso significava
confrontar minuciosamente os relatos dos cronistas coevos à guerra holandesa, nos
quais se apoiavam todos os historiadores subseqüentes.
67
“Nós comprehendemos que aquelle que toma sobre si o empenho
de escrever a historia dos acontecimentos passados seja induzido
em erro pelos chronistas da época que elle procura recordar;
quando porém o novo escriptor avança proposições, determina a
respeito de um facto circumstancias que nenhum dos chronistas
comtemporaneos refere, o homem, que como s, se esforça por
estudar conscienciosamente, tem direito de duvidar da asserção,
enquanto não se lhe mostra a fonte em que ella foi bebida”.
68
Ora, nos testemunhos contrários a Mathias, sobressaíam traços que colocavam em
dúvida a possibilidade de um juízo imparcial sobre o personagem. Cronistas como Frei
Manoel Calado e Francisco de Brito Freire, respectivamente autores de Valeroso
Lucideno (1648) e Guerra Brasílica (1669), forneciam registros pouco exatos dos
expedientes do governador ou deixavam transparecer em seus relatos certo “espírito de
partido”.
69
Objeção idêntica podia ser feita a um autor moderno como o consócio José
Bernardo Fernandes Gama, cujas Memórias Históricas de Pernambuco (1840) estavam
marcadas pelo “providencialismo” em muitas de suas páginas.
70
64
Idem, p. 8.
65
Idem, p. 9.
66
Idem.
67
Idem, p. 10.
68
Idem, p. 17.
69
Idem, p. 10.
70
Idem.
105
Por sua vez, as já citadas Memórias Diárias da Guerra do Brasil (1654) em que se
assinalavam as diligências do português na organização da milícia pernambucana,
carregavam o inconveniente de uma outra espécie de parcialidade, na medida em que o
seu autor, Duarte de Albuquerque, era irmão do general em questão. A despeito de se
constituir em uma “auctoridade valiosa e em testemunho de grande peso”, o parentesco
entre o cronista e o personagem dava lugar à suspeição, “o seu testemunho pois o
faz[ia] prova sufficiente para sobre elle se basear a sentença critica”.
71
Entre os demais
relatos, a objeção mais enérgica incidiria, contudo, sobre o Castrioto Lusitano (1679),
de Frei Raphael de Jesus que, segundo Macedo, “viu o drama com olhos alheios,
escreveu de longe”, diferentemente de cronistas como Frei Calado e Brito Freire ou
marquês de Basto que estiveram no “theatro da luta”.
72
O problema enunciado pelo orador do Instituto emergia do exame de narrativas
divergentes tanto em seu conteúdo factual quanto diversas na fidedignidade dos seus
testemunhos, o que o obrigava a sopesar as opiniões daqueles que narravam os
acontecimentos vistos com os seus próprios olhos e os que, como Raphael de Jesus, no
final do século XVII ou Rocha Pita no XVIII, os viam com olhos alheios. Após
ponderar longamente essas questões, Macedo formula a defesa de Mathias de
Albuquerque frente ao relato de alguns chronistas do décimo sétimo século, um
historiador do décimo oitavo e quase todos os auctores de historias e compêndios de
Historia do Brasil”, apoiando-se na fonte que, segundo ele, melhor corroborava a
improcedência das acusações que pesavam sobre o general: “não é de presumir que o
márquez de Basto, actor no drama terrível, e escrevendo aos olhos dos contemporâneos
e também para ser lido por elles, enchesse de inventos as primeiras paginas das suas
Memórias Diárias, e improvisasse fortificações e trabalhos que não tiveram lugar....”.
73
Importante era relativizar também a censura dirigida ao governador pelas festas que fez
celebrar em honra do nascimento do príncipe herdeiro do trono espanhol: “os chronistas
que referem o facto e que o censuram com evidente azedume, são portuguezes, e
portuguezes que escreveram logo depois da feliz e gloriosa revolução de 1640 que
libertou Portugal do jugo da Hespanha”.
74
71
Idem, p. 9.
72
Idem, p. 11. [grifos meus].
73
Idem, p. 12.
74
Idem, p. 13.
106
Com um raciocínio idêntico, Macedo formulará as suas suspeitas acerca das
proezas heróicas atribuídas a José Fernandes Vieira pelos autores modernos da história
do Brasil:
“[...] não nos é possível admitir sem novos estudos, e mais serio
exame tudo quanto alguns tem escripto sobre a defesa brilhante do
forte S. Jorge; e por isso mesmo que a consideramos como a
primeira pagina fulgente da historia d’essa guerra de vinte e quatro
annos, temos para nós que ella pode bem escuzar algumas
exagerações e algum invento, que por ventura se haja misturado
com a verdade [...]”.
75
Ao passar em revista os compêndios de história, Macedo chama a atenção, de
imediato, para a disparidade de informações quanto ao número dos soldados
combatentes do lado brasileiro e do holandês.
“Ninguém pode ter o direito de inventar circumstancias para dar
mais belleza e brilhantismo a um acontecimento, a um facto
notável; por tanto os auctores que citamos, não inventaram, deram
credito a alguma auctoridade na matéria. Pois bem: o que nós
pedimos, é que se nos aponte a auctoridade, a fonte, onde tantos
escriptores foram beber a relação [...] Ora no caso em questão
auctoridades e fontes se devem considerar os escriptores
chronistas da época em que se passou essa guerra dos vinte e
quantro annos.”
76
Em nenhum daqueles cronistas coetâneos encontravam-se explicações que
corroborassem as assertivas dos historiadores modernos e, por conseguinte, nenhuma
fonte autorizava as “exagerações” daqueles que escreveram posteriormente, dando conta
da brava resistência de “pouco mais de 30 ou 37 guerreiros” frente ao formidável
contingente holandês. Reforçavam-se, assim, as desconfianças sobre a defesa heróica do
forte São Jorge atribuída por esses escritores ao Castrioto lusitano. Não existiam,
conforme Macedo, “fontes insuspeitas e puras” que fornecessem fundamento e
justificativa a essa asserção.
77
75
Idem, pp. 15-16.
76
Idem, pp. 22-23.
77
Idem, p. 27.
107
“A fama vai sempre além da verdade, diz Tácito: e com effeito a
critica fria e severa tem já por vezes demonstrado, que há na
historia alguns preconizados heróes que não resistem a um exame
profundo e consciencioso dos feitos que lhes são atribuídos, e
outros que perdem boa porção de seus louros, quando a flamma do
enthusiasmo não deslumbra a razão, que procura aprecial-os com
justeza e livre de prevenções”.
78
Não menos que treze autores contabilizavam Fernandes Vieira entre os bravos
defensores da capitania frente à tomada holandesa, diferindo apenas “na maior ou
menor somma de gloria, que tributam ao heróe de dezessete annos de idade”. Entre
esses, Frei Raphael de Jesus, mais uma vez, despontava como uma “auctoridade
suspeita”, um testemunho que não bastava para se avalizar sem maior rigor crítico as
proezas do célebre português, pois escrevia como um panegirista e não como um
historiador.
79
“[...] para indical-o como tal basta-nos o titulo da sua obra, o
Castrioto Lusitano –: ao lê-lo presume-se que é um poeta que vai
cantar um heróe, e não um philosopho que se propõe a escrever a
história de um homem. E depois do título desde o prólogo até a
ultima pagina do livro as exagerações abundam a cada momento,
abafando ou desfigurando a verdade”.
80
Macedo concebia a história como um tribunal no qual personagens deveriam ser
submetidos a julgamento e suas sentenças proferidas mediante a confrontação e
avaliação metódica dos testemunhos das fontes. Tal operação deveria ser conduzida do
modo mais rigoroso possível a fim de dirimir as inexatidões acerca dos fatos e
circunstâncias históricas. Existiam homens, contudo, cuja fama se propagava, a despeito
dos juízos críticos a que pudessem ser submetidos os seus grandes feitos. Assumiam a
forma do que Varnhagen chamara de “mito heróico”, perpetuando-se no tempo, de
geração em geração.
Ao concluir a dissertação, o orador do Instituto reiterava o seu desabono aos
autores de compêndios de história do Brasil que reproduziam, sem um exame criterioso,
o relato dos feitos de alguns preconizados heróis.
81
No exercício da sua argumentação
78
Idem.
79
Idem, p. 35.
80
Idem, p. 33.
81
Em seu relatório dos trabalhos do ano de 1858, Manoel de Araújo Porto Alegre faz referências
elogiosas ao estudo de Macedo, acrescentando que a erudição e critério com que forão baseadas estas
duvidas attestão que o eminente professor de historia não é um desses echos machinaes de compêndios,
108
crítica, enfim, atingira menos o personagem histórico cujas proezas desmedidas
suscitavam as suas desconfianças do que a autoridade das fontes cuja parcialidade não
poupara esforços em denunciar. Macedo ponderava, enfim, que não era possível negar
os relevantes serviços prestados pelo ilustre e intrépido madeirense na guerra contra os
holandeses: “há homens verdadeiramente felizes, privilegiados de donosa fortuna [...].
Para taes homens parece que brilha durante a vida uma estrella propicia, que ainda
depois de mortos continua a influir em sua memória”.
82
Pelas letras, armas e virtudes
Muitos anos antes que Joaquim Manoel de Macedo formulasse suspeitas quanto à
fama heróica que cercava o seu nome, João Fernandes Vieira figurava na galeria de
ilustres do IHGB. Em 1843, a biografia do Castrioto lusitano, transcrita da revista O
Panorama e de autoria de Varnhagen, vinha precedida da seguinte nota de pé de página:
“O Instituto publicará também as biographias de varões illustres,
que posto não sejam brasileiros por nascimento, todavia o são por
acções gloriosas, e por haverem passado grande parte de sua vida
n’este paiz. Os serviços por elles prestados aqui recommendam sua
memoria á veneração dos brasileiros”.
83
A advertência tornava-se relevante por estabelecer como critério possível para a
eleição dos ilustres, ações e serviços prestados ao Brasil, independentemente da
condição de terem aqui nascido.
84
Desde que fora criada por Januário da Cunha
ou da família de repetidores chronistas que entregão á memória dos alumnos os acontecimentos, sem
passa-los pela analyse de uma critica intelligente e laboriosa. Em cada lição do professor do collegio d.
Pedro II se reorganiza uma década...”. RIHGB, Tomo 21, 1858, p. 462
82
Idem, p. 27.
83
Biographia dos Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes, &tc. José Fernandes Vieira (o
Castrioto lusitano). RIHGB, Tomo 5, 1843, p. 82. Embora não traga o nome de Varnhagen indicado ao
final do texto, a sua autoria é confirmada por LESSA, Clado Ribeiro de. Colaboração de Varnhagen no O
Panorama. RIHGB, Tomo 193, 1946, p. 106. Fundada por Alexandre Herculano, a revista O Panorama,
considerado o periódico do romantismo português, foi publicada entre 1837 e 1858. Varnhagen foi um de
seus principais colaboradores. Cf. MOREIRA, Thiers Martins. Varnhagen e a história da literatura
portuguesa e brasileira. RIHGB, n.275, abr.-jun. 1967, pp. 155-169; WEHLING, Estado, História,
Memória, op. cit., pp. 63-64.
84
E, nesse caso, também é inevitável relacionar a nota com a própria biografia de seu autor. Nascido em
1816 na localidade de Ipanema (Sorocaba), província de São Paulo, Francisco Adolfo de Varnhagen tinha
pai alemão e mãe portuguesa, viveu a sua juventude em Portugal, onde prestou serviços militares e foi
promovido oficial do exército português o que tornou necessário um decreto do Imperador para
restituir-lhe os direitos de cidadão brasileiro. LESSA, Correspondência, op. cit., pp. 19-20 e p. 101.
109
Barbosa, a seção de biografias do periódico do Instituto o se fez acompanhar por
qualquer consideração teórico-metodológica que prescrevesse explicitamente os
requisitos para a eleição de celebridades. Como notou Armelle Enders, o seu título
extenso, em aberto (etc.) e sujeito a variações, sem dúvida, sinaliza dificuldades e
hesitações quanto à demarcação da nacionalidade dos eleitos para a posteridade.
85
De fato, a seção que surge em 1839, intitulada Biographia dos Brasileiros Distinctos
por Lettras, Armas e Virtudes, mantém a fórmula a1850, quando se transforma em
Biographias de Brasileiros Distinctos ou de indivíduos illustres que serviram no Brasil.
Outras alterações sutis, entre 1850 e 1852, fariam o seu título oscilar na referência aos
indivíduos illustres que bem servissem o Brasil e ilustres que serviram ao Brasil e no
Brasil. De modo geral, verifica-se que a fórmula original predomina, embora a variação
Brasileiros Illustres tenha se tornado mais freqüente, sobretudo a partir de 1856.
A proposição formulada pelo Visconde de Porto Seguro fazia sentido, sobretudo
porque favorecia a constituição do panteon nacional com raízes no período anterior a
1822, ou seja, permitia a criação de uma linhagem de varões ilustres desde os tempos
coloniais. No entanto, o problema dos critérios para a inclusão na galeria dos distintos
permaneceria longe de uma solução consensual. É importante considerar que o impasse
que se manifestava nas páginas da Revista do IHGB acompanhava o processo político
de construção da nação nos quadros do Império e, sobretudo o equacionamento das
diferentes peças do mosaico identitário em disputa na composição da nacionalidade
brasileira no decurso do Oitocentos.
86
Dentro desse quadro, adquire relevância o programa de investigação formulado
por Joaquim Norberto de Sousa Silva acerca da naturalidade do padre Antônio Vieira.
As suas indagações expressavam não apenas os impasses em torno da questão da
nacionalidade, mas também assinalavam a necessidade de se submeter ao escrutínio
crítico um dado biográfico até então sustentado pela tradição.
87
85
Cf. ENDERS, O Plutarco Brazileiro, op. cit., pp. 43-44.
86
JANCSÓ, István. Independência, independências. In: JANCSÓ, István (org.) Independência: história e
historiografia. São Paulo: Editora Hucitec/FAPESP, 2005, pp.17-48.
87
Controvérsia semelhante envolveu o nome de Tomás Antonio Gonzaga. A ata da sessão do dia 22 de
agosto de 1844, noticia “uma carta escripta de S. Petesburgo pelo sócio correspondente o Sr. José Maria
do Amaral, enviando a certidão da matricula do poeta Thomaz Antonio Gonzaga na Faculdade de Leis da
Universidade de Coimbra; documento pelo qual se prova haver o mencionado poeta nascido na cidade do
Porto, e não no Brazil, como era geralmente acreditado”. RIHGB, Tomo 6, 1844, pp. 382-383. Em 1849,
110
“Em que documentos se basearam os biographos do padre Antonio
Vieira para lhe dar por pátria a cidade de Lisboa?
Deprehender-se-há da leitura de suas obras ser elle filho do Brazil?
Em conclusão, a ser possível, a apresentação de cópia authentica
do assentamento do seu baptismo, que fixe a sua naturalidade”.
88
Os termos do problema indicavam que a simples existência de relatos biográficos
não autorizava ou tampouco garantia a sua credibilidade, exceto quando estivessem
fundados em evidências documentais. A falta do documento “autêntico” que atestasse a
nacionalidade de Vieira suscitava conjecturas quanto à probabilidade de ser ele um
“filho do Brasil”. A proposta de uma investigação não era, portanto, destituída de
sentido. No epítome da vida do jesuíta, incluído pelo Instituto na seção Biografias de
Brasileiros Distinctos, o cônego e gramático português José Inácio Roquete afirmava
que Vieira nascera em Lisboa em 6 de fevereiro de 1608, reproduzindo os escritores que
o antecederam, sem citar fontes ou documentos que atestassem a informação.
89
Designado pelo Instituto para elucidar a questão, o sócio honorário e arcebispo da
Bahia, D. Romualdo Antônio de Seixas, examinaria acuradamente os três pontos
propostos e embora concluísse sobre a impossibilidade de encontrar nos arquivos da
arquidiocese da Bahia a certidão autenticada de batismo de Vieira, fundamentar-se-ia
em outras numerosas evidências para corroborar a sua origem lusitana.
90
O texto merece
ser destacado pelo exercício de erudição e crítica histórica do autor no cumprimento da
incumbência.
O que fica imediatamente demonstrado é que, o obstante os escritos do
brasileiro Sebastião da Rocha Pita e dos portugueses André de Barros e Diogo Barbosa
Machado darem por certo o seu nascimento em Lisboa, as divergências sobre a
Varnhagen escreveria a sua biografia, suspeitando que tal documento fosse suficiente para a comprovação
de sua origem. No ano seguinte, em um aditamento a essa primeira notícia biográfica, o Visconde de
Porto Seguro abandonaria a hipótese para afirmar que “definitivamente Gonzaga nascera no Porto, e ahi
fora baptizado”. A vida do poeta ganharia mais uma retificação em 1867, com a correção do ano de seu
nascimento. Cf. RIHGB, Tomo 12, 1849, pp. 120-136 e Tomo 30, 1867, pp. 425-426.
88
Ata da sessão do dia 13 de outubro de 1854. RIHGB, Tomo 17, 1854, p. 634.
89
Biographia de Brasileiros Distinctos por Letras, Armas, Virtudes, &tc. RIHGB, Tomo 6, 1844, pp. 229-
252.
90
SEIXAS, Romualdo Antonio de. Breve memória acerca da naturalidade do padre Antônio Vieira.
RIHGB, Tomo 19, 1856, pp. 5-32. O autor, nascido no Pará em 1787 e falecido na Bahia em 1860, foi o
primeiro brasileiro a governar a diocese da Bahia. Integrou-se como sócio correspondente ao IHGB em
1839, passando a honorário em 1841. Cf. Dicionário Biobibliográfico de historiadores, op. cit., vol. 6,
pp. 143-145.
111
verdadeira pátria do jesuíta remontavam aos tempos em ele vivia no Brasil.
91
Para
Seixas, “a autoridade dos dous biographos [Pita e Barros] mais próximos à epocha do
fallecimento do padre Antonio Vieira, quando deviam conservar-se mais frescas e vivas
as recordações de seus memoraveis feitos”, teria um peso decisivo na questão.
92
Entretanto, era possível apresentar outras provas mais concludentes, como contraponto
às “hiperbolicas e exquisitas fantasias” daqueles que punham em dúvida aquela
“verdade histórica”.
93
Evidentemente, a inquirição do arcebispo da Bahia tinha por alvo
uma polêmica recente, o que justificava a premência do problema dentro do Instituto.
“Parece-nos incrivel, á face de tão valiosos testemunhos, que tantos
homens notáveis por sua intelligencia, historiadores, poetas e
pregadores, aos quaes não faltavam n’essa epocha meios de
assegurar-se da verdade, se deixassem illudir, ou procurassem
illudir os seus contemporâneos, asseverando impunemente, de viva
voz e por escripto, o facto do nascimento do padre Vieira na cidade
de Lisboa, salvo si se quizer adoptar o paradoxo do famigerado
jesuíta Hardouin, que tinha por suppostos todos os escriptos
antigos, á excepção de mui poucos, ou si attribuirmos aos autores
que escreveram sobre as cousas do nosso paiz, o que acerca dos
historiadores da França disse em alguma parte o conde de Maistre
que as suas historias há trezentos annos não são mais do que uma
serie de mentiras”.
94
A julgar pelas constantes referências ao longo da memória, a contenda em torno
do local de nascimento de Vieira fora reaberta por Alexandre José de Mello Moraes.
95
Nesse caso, tratava-se de uma refutação dirigida não diretamente ao testemunho dos
cronistas, mas à autenticidade dos papéis eclesiásticos que indicavam a naturalidade
lisbonense do religioso.
96
o por acaso, a solução do problema fora encaminhada a um
integrante do Instituto dotado das credenciais mais adequadas para dirimir a
controvérsia por meio do escrutínio de documentos nos arquivos arquiepiscopais.
91
SEIXAS, Breve memória, op. cit., pp. 7-9.
92
Idem, p. 8.
93
Idem, p. 8-9.
94
Idem, p. 11.
95
Alexandre José de Mello Moraes nasceu na província de Alagoas em 1816 e faleceu no Rio de Janeiro
em 1882. Foi médico, político e autor de obras de história geral do Brasil, entre elas, o Ensaio
corográfico do Império do Brasil (1853) e a Corographia histórica, chronographica, genealógica,
nobiliária e política do Império do Brasil, em 4 tomos, publicada entre 1858 e 1860. BLAKE, Augusto
V. Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1883, vol. 1, pp. 34-38.
96
Seixas refere-se a dois documentos que informavam a naturalidade de Vieira sobre os quais Melo
Moraes lançara suspeitas: a sentença da Inquisição de Coimbra contra o jesuíta, datada de 1667 e um
registro de batismo, de 1634, encontrado nos livros da de Lisboa e reproduzido em anexo à memória.
SEIXAS, Breve memória, op. cit., pp. 13 e 20.
112
Em resposta aos argumentos ticos do consócio, Seixas empreende um exame
minucioso das cartas do jesuíta, transcrevendo inúmeros excertos que forneciam
“provas ainda menos contestáveis” sobre a sua nacionalidade lusitana.
97
Para fazer
frente aos “sentimentos de nobre patriotismo” com que Melo Moraes procurava, por
todos os meios, “grangear á nossa terra a gloria de contar por filho um varão de tão alta
esfera”, além das passagens extraídas das obras de Vieira, o arcebispo apresentaria um
extenso inventário de referências extraídas de dicionários e compêndios biográficos de
autores estrangeiros segundo ele, estranhos a prevenções de nacionalidade” que
confirmariam unanimemente a informação.
98
Na terceira e última parte de sua argüição, face à impossibilidade de obter o
suposto assentamento de batismo nos arquivos da arquidiocese da Bahia, o arcebispo
concentra-se em refutar pontualmente as objeções de Melo Moraes quanto à falta de
autenticidade da certidão existente na de Lisboa, em que constava a notificação do
batismo de Vieira naquele local.
99
Além de replicar a crítica de que se tratava de um
documento apócrifo, ou seja, forjado postumamente, reafirmava o seu valor como prova
inconteste, posto que estava validado por “mãos tão respeitáveis”, a saber, o próprio
reitor e roco da freguesia citada. A esse certificado, juntavam-se os registros de cada
uma das ordenações recebidas pelo jesuíta, entre estes um extrato do livro de matrículas
das ordens sacras concedidas na Bahia, em que Vieira era identificado como natural de
Lisboa.
100
Tratava-se, enfim, de uma “prova testemunhável” cuja credibilidade provinha
da autoridade eclesiástica do bispo diocesano.
101
D. Romualdo de Seixas conclui a
97
Idem, pp. 13-16.
98
Na extensa lista de obras citadas e comentadas por Seixas estão: O Novo Dicionário Histórico e Crítico
(1756), de Jacques de Cheauffapiê, publicado em Amsterdã; Biographia Universal antiga e moderna
(1827), de Michaud, a Biographia Universal Clássica (1830) e Biographia Universal ou Diccionario
Histórico, de Feller, todas publicadas em Paris. Idem, pp. 18-20.
99
Seixas anexou à memória uma carta do pároco da freguesia da Patriarcal de Lisboa, datada de
dezembro de 1854, em que este apresenta uma cópia do assento de batismo em nome do padre Vieira. Cf.
Idem, p. 26.
100
Idem, p. 21.
101
“Si pois a matricula do padre Antonio Vieira, para cada uma das ordens sacras que recebeu, o por
natural de Lisboa, é porque assim o certificou nas preditas dimissorias o respectivo provincial; e quem
dirá que este e a sua corporação ignoravam o lugar do nascimento do padre Antonio Vieira, que devia
constar do termo da sua profissão, que não se podia verificar sem juntar-se certidão de baptismo, e
proceder-se a outras escrupulosas inquirições acerca dos pais, patria, e mais circunstâncias, ou que, na
capital da Bahia, e á face do prelado, do clero, e mais habitantes, se animou aquelle provincial a inculca-
lo, em um documento athentico e solemne, como natural de Lisboa, sendo elle havido por filho da Bahia?
Não julgamos que se possa recusar esta prova testemunhável, que em direito merece toda a fé, e estamos
que na presença d’ella ficará tirada toda a questão”. Idem, p. 22.
113
memória com que buscara enfrentar a “energica refutação de Melo Moraes,
ponderando que o Brasil não deveria invejar Portugal pela honra do nascimento daquele
“genio raro”, mas sentir o nobre orgulho de haver creado em seu seio esse homem
notável, e servido de amplíssimo theatro de suas heróicas virtudes”.
102
O jesuíta não seria o único ilustre de origem lusitana a encontrar no Brasil o
cenário para os seus grandes feitos, o que justificava a sua figuração na galeria de
celebridades do IHGB. O caso da naturalidade de Vieira, no entanto, permite que se
retorne ao problema dos critérios que tacitamente presidiram a eleição das vidas
memoráveis. Uma análise mais atenta do tulo que identificou a série de biografias
estampada na Revista fornece algumas pistas iniciais. De imediato, a acepção usual do
adjetivo distincto no Oitocentos, e mais especificamente da expressão homem distincto,
qualificava, de modo genérico, aquele “que não era comum, nem do povo”.
103
Parece
evidente que o fator de distinção dos biografados estava nas letras, armas e virtudes,
mas o que poderia indicar o uso de tais termos?
O exame da tópica das armas e letras, dominante na retórica dos letrados
quinhentistas lusitanos, remete à articulação, na esfera individual, entre duas funções: a
ação e a palavra.
104
Em meados do século XVI, a rmula foi copiosamente glosada e
integrada a um ideal de humanismo cívico sui generis. O letrado português do
Quinhentos encontrava-se, então, em completa sintonia com a política expansionista
ultramarina da Coroa e pronto a aceitar as demandas de tal adesão. O cronista João de
Barros salientava, em seu Panegírico de D. João III (1533) que já não era possível
manter-se o conflito entre as armas e as letras, em virtude do interesse que por ambas
tinha o monarca, e “em cuja Corte floresciam com invulgar esplendor”.
105
102
Idem, p. 25.
103
Cf. MORAES SILVA, Antonio de. Diccionario de Lingua Portugueza recopilado de todos os
impressos ate' o presente, por Antonio de Moraes e Silva. 3
a
ed. Lisboa: Typographia de M. P. de
Lacerda, 1823. [1ª ed.1789; 2
a
ed. 1813].
104
REBELO, Luís de Sousa. A tradição clássica na literatura portuguesa. Lisboa: Horizonte
Universitário, 1982, p. 39. Curtius traça uma genealogia da tópica demonstrando a sua filiação ao topos
sapientia et fortitudo dos heróis em Homero e Virgílio. A união entre virtudes letradas e guerreiras
atingiria o máximo de sua expressão na literatura espanhola dos séculos XVI e XVII, com Garcilaso,
Cervantes, Lope e Calderón todos poetas e soldados, prestadores de serviços ao reino. Nestes autores, o
tema das armas y letras, por vezes, sofre variações e aparece nos usos da fórmula pluma y espada.
CURTIUS, E. R. Heróis e soberanos. In: Literatura européia e Idade Média Latina. Brasília: INL, 1979,
pp. 177-187.
105
REBELO, op. cit., p. 208.
114
O
uso emblemático da tópica e de suas incontáveis variações encontra-se na
epopéia de Luís de Camões. Nos Lusíadas, por mais de uma vez, o celebrados os
méritos dessa distinção dual, cujo modelo os varões lusitanos deveriam buscar nos
grandes heróis gregos e romanos. Dotados de engenho, amor às artes e à eloqüência
tanto quanto de bravura e aptidão com a espada, estes eram afeitos, em suma, às armas
e às letras. Nas estrofes finais do Canto V, Camões compara os grandes generais da
Antigüidade com os militares portugueses; os primeiros, em meio às piores batalhas,
dedicavam-se à poesia enquanto os lusitanos, não dotados dos mesmos dons, apenas se
preocupavam com embates e façanhas:
“Vai César so[b]jugando toda França
E as armas não lhe impedem a ciência;
Mas nua mão a pena e noutra a lança,
Igualava de Cícero a eloqüência.
O que de Cipião se sabe e alcança
É nas comédias grande experiência.
Lia Alexandro a Homero de maneira
Que sempre lhe sabe à cabeceira”.
106
Os grandes feitos militares e o domínio das armas unicamente, não seriam
suficientes na arquitetura do modelo de herói português segundo a perspectiva
camoniana. De fato, a falta de estima pelas letras implicaria o apenas a rudeza dos
heróis, mas, sobretudo a limitação das suas virtudes, na medida em que estas deixariam
de ser cantadas, louvadas e, portanto, imortalizadas. Pois seria somente no canto do
poeta que o feito histórico atingiria verdadeiramente a sua “plenitude heróica e
sublime”, ou seja, “ao passado grandioso da pátria é necessário que se ajunte a
inteligência dele, pela arte, a fim de que o acidental e particular dos feitos alcance o
estatuto universal da virtude e excelência, que comunica perfectibilidade aos seres”.
107
A epopéia em Camões é concebida, em suma,como estímulo, louvor e documento das
proezas memoráveis dos antepassados, de virtudes sublimes dos heróis e de esperanças
futuras do Reino”.
108
106
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas [Canto V, 96
a
e 97
a
estrofes]. In: Obra Completa. Rio de Janeiro:
Aguilar Editora, 1963, p.136. [grifos meus]. Para outras variações no uso da tópica, ver Canto III, 13
a
e
14
a
estrofes.
107
PÉCORA, Alcir. As artes e os feitos. In: Máquina de gêneros, op. cit., p. 162.
108
Idem, p. 138.
115
Assim como os poetas, os historiadores também o artífices da memória e, tal
como a poesia épica, a história é escrita para a posteridade, com uma promessa de
imortalidade.
109
E, nesse caso, a proximidade torna-se ainda mais significativa quando,
ao adágio da historia magistra, relaciona-se uma ordem do tempo em que as ações no
presente são orientadas pelos exemplos do passado a serem imitados. Nos quadros do
expansionismo imperial lusitano, a tópica das armas e letras foi argumento crucial na
narrativa histórica da conquista pelos portugueses dos territórios “bárbaros”,
desprovidos dos valores da civilização. Os grandes valores que dão ao homem a
verdadeira medida da sua dimensão a virtude militar e moral; a fama e a glória
logram-se tanto na luta pela pátria, no combate pela ampliação da cristandade e do
império, quanto no cultivo e na estima das humanidades.
110
É interessante observar
como o topos reaparece nos tercetos de Camões, escritos sob encomenda para compor a
dedicatória da História da província Santa Cruz que Pero de Magalhães de Gândavo
publica em 1576:
“[...] bem sabemos dos antigos
Heróis, e dos modernos, que provaram
De Belona os gravíssimos perigos,
Que também muitas vezes ajuntaram
Às armas eloqüência, porque as Musas
Mil capitães na guerra acompanharam;
Nunca Alexandre ou César nas confusas
Guerras deixaram o estudo um breve espaço,
Nem armas das ciências são escusas
111
O uso da fórmula das armas e letras no título da seção de biografias da Revista do
IHGB merece ser analisado sob dois aspectos. O mais evidente deles, é que ela reforça a
dimensão de natureza política que, ineludivelmente, articulava-se ao empreendimento
historiográfico do Instituto e à legitimação de um projeto civilizador inaugurado pela
colonização portuguesa.
112
o por acaso, são versos de Camões que servem de
109
YILMAZ, Levent. Como a História deveria ser escrita; ou deve mesmo ser escrita? Agora, Santa Cruz
do Sul, v.11, n.1, jan-jun-2005, pp. 23-24.
110
REBELO, op. cit., p. 42.
111
GÂNDAVO, Pero de Magalhães de. História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos
Brasil. Modernização do texto original de 1576 e notas de Sheila Moura Hue e Ronaldo Menegaz. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 31. [grifos meus].
112
GUIMARÃES, Nação e civilização, op. cit., p. 6. A idéia de que os alicerces do Império e da
monarquia fundavam-se não apenas na potência das armas, mas na fecundidade das letras seria o
argumento crucial para a criação da Academia Brasílica dos Esquecidos, na cidade de Salvador, em 1724,
como fica demonstrado nas palavras do frei beneditino Ruperto de Jesus e Sousa (1696-1746): “[...] e que
116
epígrafe à biografia, assinada por Varnhagen, do primeiro donatário da capitania da São
Vicente, Martim Afonso de Sousa: “Tanto em armas illustre, em toda a parte/Quanto em
conselho sábio, e bem cuidado”.
113
Por outro lado, a tópica, em toda a sua conotação metafórica, sinaliza critérios
fundamentais de distinção dos indivíduos e seus feitos nos quadros mais amplos da
história da nação. Desse modo, no panteon erigido nas páginas da Revista, predominam
duas categorias de brasileiros distintos: os funcionários de carreira do Estado e os
religiosos.
114
Como já foi assinalado por Armelle Enders, o perfil dos biografados
correspondia ao da elite política e letrada imperial e, por conseguinte, constituía uma
espécie de galeria de espelhos que refletia e se confundia com o próprio quadro de
fundadores e membros do IHGB todos servidores e dignitários do Império, a maioria
com formação em Coimbra nos cursos de preparação para a carreira jurídica ou das
armas.
115
Assim, nomes como os da família de Francisco de Lemos de Faria Pereira
Coutinho
,
nascido no Brasil e nomeado reitor da Universidade de Coimbra em 1770,
despontam como representativos dos motivos da celebridade que, segundo a prescrição
de Cunha Barbosa, deveriam constar nas notícias biográficas dos brasileiros distintos.
Em texto assinado por ele próprio, a tópica que tulo à seção é usada para definir a
trajetória de vida do seu biografado, Clemente Pereira de Azeredo Coutinho, irmão de
Francisco de Lemos e governador da capitania do Maranhão:
meio mais proporcionado para estabelecer firmemente o império, que o exercício das Letras? [...] as
Letras são a muralha mais segura, e uma Academia é o propugnáculo mais forte de qualquer República”.
Apud KANTOR, op. cit., p. 95.
113
CAMÕES, Luís de. Lusíadas, X, 67. In: Biographia dos Brasileiros Distinctos por Letras, Armas,
Virtudes &tc. Martim Affonso de Sousa. RIHGB, Tomo 5, 1843, p. 248.
114
Cabe lembrar as observações de José Murilo de Carvalho quanto à situação ambígua do clero com o
Estado imperial português. Remunerados pelos cofres régios, os padres não deixavam de ser funcionários
públicos e, ao mesmo tempo, pertencer a uma burocracia paralela. Ao longo da história brasileira, tiveram
uma participação significativa em praticamente todos os movimentos de rebelião desde 1789 até 1842 e,
sobretudo após 1824, assumiram uma posição destacada na política nacional. Cf. CARVALHO, A
construção da ordem. A elite política imperial. Brasília: Ed. UnB, 1981, pp. 142-146.
115
ENDERS, Plutarco Brasileiro, op. cit., p. 59. Sobre a formação superior da elite imperial, cf.
CARVALHO, A construção da ordem, op. cit., pp. 51-72. Para o perfil sócio-profissional dos sócios
fundadores do IHGB, cf. GUIMARÃES, Debaixo da imediata proteção, op. cit., pp. 476-478.
117
De quatro irmãos que eram, descendentes de um honrado
Brasileiro, que entre seus avós contava muitos illustres servidores
de Estado, foi Pereira de Azeredo o que desviando-se da carreira
commumente seguida n'esses tempos dos mancebos illustres,
procurou a gloria das armas apoiada na gloria das lettras.
116
Entre os religiosos ilustres, figuras como Manoel da Nóbrega, Antonio Vieira e
José de Anchieta, os dois primeiros nascidos em Portugal e o último, natural das Ilhas
Canárias, compõem parcela significativa do corpus biográfico da Revista. Em
razão da sua presença notória na lista de biografados, é possível atribuir-lhes a
condição de pilares da galeria nacional.
117
Uma declaração do orador Manoel
de Araújo Porto Alegre, em sessão pública aniversária do Instituto, bem
expressaria o alcance da sua condição heróica: o padre que ora no berço de
uma nacionalidade e o poeta que canta no meio da gloria, ou da catastrophe, são
as duas balizas de uma literatura, são os dois limites da civilisação.
118
116
Biographia dos Brasileiros Distinctos por Lettras, Armas, Virtudes, &tc. Clemente Pereira de Azeredo
Coutinho. RIHGB, Tomo 4, p. 88 [grifo meu]. As biografias dos irmãos Francisco de Lemos de Faria
Pereira Coutinho e João Pereira Ramos de Azeredo, a primeira escrita por Varnhagen, e a outra, por J. da
Cunha Barbosa estão no Tomo 2, 1840, pp. 388-394 e pp. 118-127, respectivamente. O terceiro irmão de
Clemente Pereira, Ignácio de Andrade Souto Maior Rendon, também foi biografado por Varnhagen, ver
Tomo V, 1843, pp. 241-248.
117
ENDERS, Plutarco Brasileiro, op. cit., p. 51.
118
RIHGB, Tomo 15, 1852, p. 522.
SEGUNDA PARTE
119
3. O ARQUIVO LITERÁRIO E BIOGRÁFICO
“A história narra os acontecimentos, porém a literatura acrescenta à
fiel narração da história os monumentos que a ilustram”.
Francisco de Paula Meneses.
1
Testemunhos da nacionalidade
A centralidade concedida à figura dos grandes personagens em detrimento da
apreensão dos processos históricos gerais, traço notório da historiografia brasileira no
Oitocentos, seria também um de seus aspectos mais controversos. As observações de
José Honório Rodrigues em sua Teoria da História do Brasil, se o sugerem uma
recusa sumária da escrita biográfica, assinalam o estatuto incerto do gênero, incluído
entre as difíceis tarefas do historiador: “Talvez se possa dizer que na biografia, mais que
em qualquer outro campo da historiografia, o conhecimento histórico se aproxima muito
da arte. E talvez em razão dos elementos artísticos ou estéticos que contém, porque
apela para a imaginação e torna o passado mais concreto, mais real, mais vivido, a
biografia é mais lida que a própria história”.
2
O problema estaria, contudo, no espírito
comemorativo” e marcado “personalismo” com que tais escritos foram elaborados no
século XIX, o que limitaria a sua contribuição efetiva à pesquisa histórica.
3
Para José
Honório, entre os autores de biografias do período, apenas Varnhagen, com seus breves
estudos publicados na Revista do IHGB, seria digno de destaque.
1
Apud SILVA, Joaquim Norberto de Sousa. Introdução Histórica sobre a Literatura Brasileira [1859]. In:
SOUZA. Roberto Acízelo de. (org.) História da Literatura Brasileira e outros ensaios. Rio de Janeiro:
Fundação Biblioteca Nacional/Zé Mario Editor, 2002, p. 112.
2
RODRIGUES, José Honório. Teoria da história do Brasil. (Introdução metodológica). 5
a
ed. São Paulo:
Ed. Nacional, 1978, p. 209.
3
Idem, p. 210. Sobre os pressupostos do trabalho pioneiro do autor no campo da historiografia, fundado
em uma perspectiva cumulativa de aquisição do conhecimento histórico, cf. GUIMARÃES, Manoel Luiz
Salgado. Historiografia e cultura histórica: notas para um debate. Ágora, Santa Cruz do Sul, v.11, n.1,
jan.-jun. 2005, pp. 31-47.
120
É interessante confrontar tais considerações com a análise da formação do cânone
literário brasileiro proposta por Antônio Cândido duas cadas antes. Neste caso, a
composição de biografias seria compreendida como parte do esforço de construção de
uma história literária como expressão da “imagem da inteligência nacional na seqüência
do tempo”.
4
Esse projeto coletivo desdobrar-se-ia por quase meio século em uma
“sucessão de etapas” marcadas, inicialmente, pela elaboração de antologias poéticas,
“parnasos” e “florilégios”. A renovada ambição de inventariar o passado literário da
nação teria o seu ponto de culminância com a História da Literatura Brasileira (1888),
de Sílvio Romero, primeira grande sistematização nesse domínio. Assim, as notícias
biográficas de autores reunidos em “galerias” ou “panteons”, integravam o momento
prévio de compilação e edição de obras em grande parte inéditas e manuscritas.
Concomitantemente à configuração de um corpus pela edição desses textos, a tarefa
imediata, tendo em vista a escrita de uma história literária, consistia no estabelecimento
dos dados biográficos de seus autores, tal como o exigia a nova crítica praticada pelos
românticos.
5
Contudo, as principais coletâneas poéticas publicadas no período, como o
Parnaso Brasileiro (1829-1832), de Cunha Barbosa, o Parnaso Brasileiro (1843-1848),
de Pereira da Silva, e o Florilegio da Poesia Brazileira, de Varnhagen, destacar-se-iam
menos pelo rigor das informações biográficas do que pela evocação encomiástica dos
grandes homens das letras nacionais. Pois, segundo ndido, em muitas dessas
biografias predominava o vôo da imaginação” e a invenção romanceada das vidas dos
biografados.
6
“Assim eram eles, esforçados e levianos, pesquisadores e crédulos,
animados de um desejo que primava tudo: estabelecer um passado ilustre; dar cartas de
nobreza à nossa vida mental, mesmo com sacrifício da exatidão”.
7
Desse modo, a
investigação biográfica no Brasil oitocentista, não obstante o seu marcado “espírito
plutarquiano”, o deixaria de contribuir para a difusão do conhecimento dos nomes
4
CÂNDIDO, Antônio. Formação do cânon literário. In: Formação da Literatura Brasileira. (Momentos
decisivos). 3
a
ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1969 [1957], vol. 2, p. 349.
5
Idem. Na constituição da categoria “vida e obra”, fundamental para a crítica moderna, seria decisiva a
emergência da figura do autor (e de todos as operações de atribuição de autoria) como elemento que
definiria e legitimaria um texto como “literário”. Cf. FOUCAULT, Michel. O que é um autor? 4
a
ed.
Lisboa: Vega, 2002, p. 29 et passim e, mais recentemente, JEFFERSON, Biography and the question of
Literature, op. cit.
6
Especialmente sobre Pereira da Silva, Cândido julga que “o intuito principal do autor era despertar a
admiração pelos varões e traçar existências movimentadas; daí meter-se na pele deles e trabalhar os
poucos dados seguros por meio da imaginação, mais ou menos como se faz nas biografias romanceadas”.
CÂNDIDO, Formação do cânon literário, op. cit., p. 352.
7
Idem, p. 351.
121
ilustres do passado nacional, constituindo-se em uma “espécie de ritual patriótico de
ressurreição”.
8
A despeito da avaliação depreciativa, seja na perspectiva da história da
historiografia brasileira ou na da formação do cânone literário nacional, não deixa de ser
significativa a ênfase dos autores citados na função documentária do gênero biográfico.
Discorrendo sobre o que chamou de “processo de nacionalização mental”, Wilson
Martins compartilharia de visão semelhante ao situar as antologias oitocentistas no
movimento mais vasto de um ordenamento político e literário subseqüente à
Independência.
9
Não seria fortuito que o surgimento da consciência de uma identidade
literária brasileira correspondesse ao momento em que a elaboração de coletâneas
poéticas tornou-se mais profícua. Tais obras serviriam, portanto, como testemunhos da
existência de uma literatura nacional. Contudo, a atividade crítica dos letrados no
contexto pós-emancipação estaria fundada em uma concepção de literatura o tanto
como fenômeno essencialmente estético, mas como um problema de história, ou seja,
tratava-se de buscar na temporalidade os seus caracteres singulares e a sua explicação.
10
A subordinação dos estudos literários à práxis historiográfica será o sintoma
contundente tanto da falta de uma circunscrição mais precisa da noção de literatura,
quanto da supremacia das narrativas de gênese dos Estados-nação, reguladas por
preceitos científicos, ao longo do século XIX.
11
Por sua vez, como assinalou
acuradamente Luiz Costa Lima, ao conceito moderno de história subjaz uma tensão
interna entre os papéis desempenhados pela razão e pela imaginação. Aos historiadores,
impõe-se, como primeira exigência de ofício, mais do que a simples apresentação de
séries cronológicas, a exposição da marcha dos acontecimentos segundo uma
8
Idem, pp. 351-352. Para um contraponto crítico aos pressupostos teleológicos da teoria da formação da
literatura brasileira, cf. BAPTISTA, Abel Barros. O cânone como formação. A teoria da literatura
brasileira de Antônio Cândido. In: O livro agreste. Campinas/SP: Editora Unicamp, 2005, pp. 41-80.
9
MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. 3
a
ed. atualizada. Volume I. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves, 2002, p. 84. Cf. também do mesmo autor, História da Inteligência Brasileira. Volume
II. São Paulo: Editora Cultrix, 1977, pp. 175-177.
10
MARTINS, A crítica literária, op. cit., pp. 81-82. [grifos meus]. A principal referência, nesse caso,
seria o método crítico, proposto pelo francês Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1869), que acentuava
a centralidade do relato biográfico e da contextualização histórica do autor na abordagem das obras
literárias. A esse respeito, cf. também DOSSE, Le pari biographique, op. cit., pp. 85-87.
11
Sobre o advento das histórias da literatura e suas relações com o surgimento da própria idéia de história
como ciência, cf. SOUZA, Roberto Acízelo. A idéia de história da literatura: constituição e crises. In:
MOREIRA, Maria Eunice. (org.) Histórias da Literatura: teorias, temas e autores. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 2003, pp. 141-156.
122
concatenação narrativa dotada de sentido e força explicativa.
12
Será, no entanto, à custa
de um “recalque” – e não mera eliminação – de seu veio poético que o discurso
historiográfico oitocentista conquistará certa objetividade científica.
13
Em contrapartida,
a literatura, ainda destituída de conceituação específica, somente adquirirá um estatuto
mais pleno desde que compreendida à luz do curso efetivo da realidade histórica.
14
Dito
de outro modo, as histórias da literatura adquirem legitimidade no Oitocentos quando
concebidas “à maneira de um espelho em que o espírito nacional pode mirar-se e
reconhecer-se”.
15
De fato, essas histórias são menos da literatura enquanto modalidade
discursiva autônoma, do que uma ramificação particular da historiografia política, na
medida em que ambicionam estabelecer a genealogia das individualidades nacionais
pela conexão de todos os fenômenos literários. Compreende-se então por que as
manifestações poéticas passam a ser percebidas, sobretudo pelos românticos, como
objetos privilegiados para a apreensão do que Johann Gottfried Herder designou de
“galeria de mentalidades, de aspirações e de desejos diversos”, com que seria possível
“conhecer mais profundamente os tempos e as nações do que pela vida desolada e
enganosa de sua história política e militar”.
16
Com a primazia concedida à identificação
dos caracteres genuinamente nacionais, chega-se ao padrão historiográfico que
circunscreverá o valor da literatura por sua utilidade para o Estado e como instrumento
destinado à pedagogia cívica dos seus súditos.
Desde as primeiras considerações em torno do tema, o estudo da literatura
brasileira seria concebido como capítulo da história da nação. As tentativas de fundação
de uma historiografia literária, como assinala Flora Süssekind, confundiam-se com a
idéia de descoberta da origem da própria literatura nacional “enquanto dotada de
12
LIMA, Luiz C. O controle do imaginário. Razão e imaginação nos tempos modernos. 2
a
ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1989, p. 117.
13
Idem, pp. 125-126. O que o autor chama de “veto ao ficcional” estaria na base da consolidação do
modelo tanto da historiografia “científica” quanto do romance realista do século XIX.
14
Encontra-se em Friedrich Schlegel a primeira teorização sobre a literatura com bases modernas e a
formulação que servirá de fundamento dessa concepção de longa vigência: “Antes de começarmos nossa
exposição histórica, será preciso oferecer um conceito provisório de literatura, que precise a dimensão e
os limites do todo. Mas esse conceito pode ser provisório na medida em que o conceito mais pleno é a
própria história da literatura”. SCHLEGEL, Fragmentos [1803]. Apud LIMA, História. Ficção.
Literatura, op. cit., p. 336.
15
SOUZA, A idéia de história da literatura, op. cit., p. 147. Cf. também LIMA, Luiz Costa. Sociedade e
discurso ficcional. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986, p. 70.
16
HERDER, Humanitätsbriefe (1796). Apud LIMA, O controle do imaginário, op. cit., p. 119.
123
singularidade e de marcas inconfundíveis de brasilidade”.
17
Com base nessa perspectiva,
Domingos José Gonçalves de Magalhães, instalado em Paris no ano de 1836,
proclamará em seu célebre Discurso, a autonomia literária do Brasil e o compromisso
da nação recém-emancipada com o projeto de civilização legado pelos europeus.
18
Nas
suas palavras iniciais, ecoam concepções difundidas por Madame de Staël e François-
René de Chateaubriand, quando declara que “a literatura de um povo é desenvolvimento
do que elle tem de mais sublime nas idéas, de mais philosóphico no pensamento, de
mais heróico na moral e de mais bello na natureza [...]”. Pois somente a literatura
escaparia aos “rigores do tempo” e, assim, subsistiria como “unico representante [dos
povos] na posteridade”.
19
O que importa destacar no texto é menos a originalidade dos
princípios apregoados pelo poeta do que a afirmação de um modelo de reflexão
amplamente compartilhado pelos letrados brasileiros: a originalidade e o caráter das
letras nacionais somente poderiam ser buscados no curso da sua própria história.
20
“É pois mister remontar-nos ao estado do Brasil depois do seu
descobrimento, e d’ahi, pedindo conta á história e á tradição viva
dos homens de como se passaram as cousas, seguindo a marcha do
desenvolvimento intellectual e, pesquizando o espirito que a
presidia, poderemos apresentar, senão acabado, ao menos um
verdadeiro quadro histórico da nossa litteratura”.
21
A tarefa não estava isenta de dificuldades, a começar pelos documentos esparsos e
dados biográficos, muitas vezes imprecisos ou inexistentes, acerca dos literatos de
tempos mais remotos. Entre tudo o que se havia escrito, no imenso trabalho do abade
17
SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui. Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 1990, p. 16.
18
MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de Magalhães. Discurso sobre a história da literatura no
Brasil. Fac-símile do texto publicado in Opúsculos Históricos e Literários (1865). Rio de Janeiro:
Fundação Casa Rui Barbosa, 1994, pp. 17-51. O autor integrou o chamado “grupo fluminense”, com
Manuel de Araújo Porto Alegre, J. M. Pereira da Silva, Francisco de Sales Torres Homem e Azeredo
Coutinho, também conhecidos como a “primeira geração romântica”, responsável pela criação da
Nitheroy, Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes, em Paris, 1836. Cf. MOREIRA, Maria Eunice.
Nacionalismo literário e crítica romântica. Porto Alegre: IEL, 1991, pp. 54-55.
19
MAGALHÃES, op. cit., p. 21. Wilson Martins define Magalhães como “discípulo de Mme. Stäel e da
filosofia estética de Chateaubriand” precisamente por adotar o pressuposto da nacionalidade como critério
fundador da literatura. Cf. MARTINS, História da Inteligência Brasileira, op. cit., pp. 224-225.
20
Embora desfrutasse de uma hegemonia relativa, a idéia da autonomia literária brasileira não deixaria de
ser debatida e até mesmo polemizada entre os homens das letras no contexto pós-independência. Um ano
antes do Discurso de Gonçalves de Magalhães, o general José Inácio de Abreu e Lima, em seu Bosquejo
histórico, político e literário do Brasil, contraditaria todas as reivindicações patrióticas dos românticos,
proclamando a “insuficiência da simples natureza” como fator da superioridade do Império e fonte
potencial de “nossa capacidade intelectual” para negar categoricamente a existência de uma literatura
nacional separada da literatura portuguesa. Cf. SOUZA, Roberto Acízelo de. Introdução à Historiografia
da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2007, pp. 48-53.
21
MAGALHÃES, op. cit., pp. 24-25.
124
Barbosa Machado em sua Bibliotheca Lusitana, era possível detectar a figuração de
algum brasileiro distinto, em meio a uma “aluvião de nomes colecionados, ás vezes com
bem pouca critica”.
22
Objeto do escrutínio estrangeiro, nos escritos precursores de
Friedrich Bouterwek, Simonde de Simondi e Ferdinand Denis, a história literária do
Brasil o era esboçada senão como “apendice á história da litteratura portuguesa”.
23
A
partir da constatação da precariedade daqueles estudos, o manifesto de Gonçalves de
Magalhães confluirá para duas proposições essenciais: a literatura do Brasil ainda estava
por ser inaugurada, porquanto, no passado, poetas e letrados aqui nascidos teriam
permanecido subjugados à imitação dos modelos do Velho Mundo e, por conseguinte, a
sua fundação seria tributária não tanto “das espessas trevas coloniais”, mas espelharia as
transformações em curso no presente, advindas com a experiência da emancipação
política da nação, para se projetar como uma expectativa promissora do porvir.
24
“Nós pertencemos ao futuro, como o passado nos pertence. A
glória de uma Nação que existe, ou que existiu, não é senão o
reflexo da glória de seus grandes homens; de toda a antiga
grandeza da pátria dos Cíceros e dos Virgílios, apenas restam suas
imortais obras e essas ruínas que tanto atraem a vista do
estrangeiro, e, no meio das quais, se sustenta e se enche de orgulho.
Que cada qual se convença do
que diz Madame de Staël que: a
glória dos grandes homens é o patrimônio de um país livre; depois
que eles morrem, todos participam dela”.
25
22
Idem, p. 26. [grifos meus].
23
Idem, p. 25. Os três autores, citados por Magalhães e tidos como os primeiros a esboçarem uma história
das letras brasileiras, publicaram suas obras no início do século XIX. BOUTERWEK, Friedrich. História
da poesia e eloqüência portuguesa. Tradução de Walter Koch. In: CESAR, Guilhermino. Bouterwek os
brasileiros na Geschichte der Portugiesischen Poesie und Beredsamkeit [1805]. Porto Alegre: Lima,
1968; SISMONDI, Simonde de. De la Littérature du Midi de l’Europe [1813]. Tradução Guilhermino
Cesar. In: CESAR G. Simonde de Sismondi e a Literatura Brasileira. Porto Alegre: Lima, 1968; DENIS,
Ferdinand. Resumo da História Literária do Brasil [1826]. Porto Alegre: Lima, 1968. Segundo Maria
Helena Rouanet, o livro de Denis marcaria efetivamente uma espécie de “proclamação da independência”
literária brasileira. ROUANET, Maria Helena. Eternamente em berço esplêndido: a fundação da literatura
nacional. São Paulo: Siciliano, 1991, p. 105. Para uma análise das interpretações desses autores e de
outros igualmente importantes na historiografia literária, como Almeida Garret, Alexandre Herculano e
Ferdinand Wolf, cf. CESAR, Guilhermino. Introdução. In: Historiadores e críticos do romantismo. 1. A
contribuição européia, crítica e história literária. São Paulo: Edusp, 1978, pp. ix-lvii.
24
Tais proposições encontram-se bastante próximas àquelas formuladas por Ferdinand Denis sobre o
Brasil: “Nessas belas paragens, tão favorecidas pela natureza, o pensamento deve alargar-se como o
espetáculo que se lhe oferece, graças às obras-primas do passado, tal pensamento deveria permanecer
independente, não procurando outro guia que a observação. Enfim, a América deve ser livre tanto na sua
poesia como no seu governo”. DENIS, Resumo da História Literária do Brasil, op. cit., p. 31.
25
MAGALHÃES, op. cit., p. 31. [grifos do autor].
125
Embora se mostrasse veemente em seus anseios, o autor de Suspiros poéticos e
Saudades não concretizou a escrita de uma história da literatura do Brasil. Na trilha das
suas formulações, ainda em 1836, o segundo número da Nitheroy acolherá um novo
ensaio sobre o tema, assinado por outro integrante do grupo dos românticos
fluminenses. O trabalho de Pereira da Silva, intitulado Estudos sobre a literatura,
poderia ser lido tão somente como um texto fundador da crítica literária brasileira não
fosse a acentuada orientação historiográfica das suas reflexões. Uma comparação com a
abertura do Ensaio de Magalhães evidencia noções compartilhadas: “A literatura é
sempre a expressão da civilização; ambas caminham em paralelo; [...] uma não se pode
desenvolver sem a outra; [...] quanto mais se espalha o gosto e a independência da
literatura em uma nação, tanto mais ela floresce e medra”.
26
No entanto, longe de se
limitar à reprise da fórmula já enunciada no discurso anterior, Pereira da Silva explicita
melhor, no parágrafo seguinte, o conceito que fundamenta a sua exposição:
“Depois de ter recebido milhões de modificações pelos escritores,
que disputavam sobre sua significação, a literatura é hoje a reunião
de tudo o que a imaginação exprime pela linguagem, abraçando
todo o império em que exerce a inteligência humana seu poderio; é
o resumo dos hábitos e grandeza dos povos, e a história progressiva
e circunstanciada do espírito humano com as suas superstições,
crenças e caráter próprio: é a apreciação da influência dos
elementos uns sobre os outros no espírito das diferentes épocas, é a
filosofia, a história, a eloqüência e a poesia”.
27
Com um significado suficientemente abrangente para abrigar o que a tradição
retórico-humanista designava como belas-letras, a concepção reproduzida pelo autor
reforça a filiação ao preceituário romântico e, particularmente, remete às formulações
de Madame de Stäel. Em De la littérature, publicada no início dos anos de 1800, a
autora se propunha a abordar a literatura nas suas relações com as instituições
sociais”.
28
Como objeto das suas digressões, incluía os escritos filosóficos e as obras
26
SILVA, João Manuel Pereira. Estudos sobre a literatura. In: ZILBERMANN, Regina e MOREIRA,
Maria Eunice. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, Porto Alegre, vol. 5, n. 2, 1999,
p. 42.
27
Idem.[grifos meus].
28
Afora as citações esparsas ao nome de Madame de Stäel, Pereira da Silva faz referência à essa obra
específica, quando transcreve, em português, uma de suas passagens. Cf. idem, p. 45. STÄEL, Madame
de. De la littérature considerée dans sés rapports avec les instituitions sociales. Paris: s/ed, 1800, 2v.
Utilizarei a segunda edição, póstuma, publicada em 1818. In: STÄEL-HOLSTEIN, Germaine de (1766-
1817). Oeuvres complètes de madame la baronne de Staël-Holstein [Texte imprimé]. Oeuvres posthumes
de madame la baronne de Staël-Holstein, précédées d'une notice sur son caractère et ses écrits. Paris :
Firmin-Didot, 1871, Tomo 1, pp. 196-333.
126
de imaginação, tudo o que diz[ia] respeito enfim ao exercício do pensamento nos textos
excetuando-se as ciências sicas”.
29
Ao abordar o problema da formação do conceito
moderno de literatura, Costa Lima observa que a definição de Stäel pouco se distingue
do uso clássico do termo, ou seja, aquele vigente na tradição anterior ao romantismo,
salvo pela referência às ouvrages d’imagination. Contrariamente ao esforço reflexivo
detectado em Schlegel, o haveria por parte da autora qualquer tentativa de
diferenciação dos contornos discursivos próprios da literatura, mas a insistência em
examiná-la à luz de valores externos a ela (“a virtude, a glória, a liberdade”).
30
Assim
como Chateaubriand, Germaine de Stäel o cogitava da literatura como modalidade
discursiva específica, mas a concebia como expressão da “marcha do espírito humano”
e dos “sucessivos progressos do pensamento” passíveis de serem traçados “de Homero
até os nossos dias”. A noção de “perfectibilidade da espécie humana”, assim como a
acepção difusa da palavra literatura, ambas legadas pela Ilustração, perpetuar-se-iam no
ideário romântico do Oitocentos, servindo de referência para os brasileiros tecerem as
primeiras considerações em torno da história das letras nacionais.
31
Como destaca Valdei Lopes de Araújo, a produção intelectual no Brasil das
primeiras cadas do século XIX foi marcada pela progressiva historicização dos
conceitos de literatura e história, como efeito de uma experiência da aceleração do
tempo, sinalizando o processo geral de historicização da realidade que organizaria tais
discursos.
32
Sobre este aspecto seria oportuno acrescentar as observações de Elías Palti
29
STÄEL, De la littérature, op. cit., p. 200
30
Cf. LIMA, História, Literatura. Ficção, op. cit., pp. 326-327 et passim.
31
O sentido lato para “literatura” encontra-se na Encyclopédie: “termo geral que designa a erudição, o
conhecimento das Belas-Letras e das matérias que com ela têm relação”. Por sua vez, no verbete “Letras”,
assinado por De Jaucourt, encontra-se a seguinte definição: “as luzes advindas do estudo, e em particular
aquela das Belas-Letras ou da literatura. [...] A Gramática, a Eloqüência, a Poesia, a História, a Crítica,
em uma palavra, todas as partes da Literatura seriam extremamente defeituosas, se as ciências não as
reformassem e não as aperfeiçoassem: elas são necessárias, sobretudo, às obras didáticas de retórica, de
poética e de
história. Para ter sucesso nesse nero de obras é necessário ser filósofo assim como homem
de letras”. DIDEROT, Denis e D’ALEMBERT, Jean le Rond (orgs.). Encyclopédie, ou dictionnaire
raisonné des sciences, des arts et des métiers, par une societé de gens de lettres. Paris, 1751-1772. Apud
ABREU, Márcia. Belas-Letras, Boas Letras. In: BOLOGNINI, Carmen Zink (org.). História da
Literatura: o discurso fundador. Campinas/SP: Mercado de Letras/Associação de Leitura do
Brasil/Fapesp, 2003, pp. 14-15.
32
O autor defende a existência de uma descontinuidade na experiência do tempo, vinculada a um
conjunto de acontecimentos históricos, em especial a Independência, que teria colaborado para a
fragmentação do campo discursivo herdado do século XVIII e possibilitado a paulatina historicização de
conceitos como o de nação, civilização, literatura e história. ARAÚJO, Valdei Lopes de. A experiência do
tempo. Modernidade e historicização no Império do Brasil (1813-1845). Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2003,
pp. 203-207. Tese de doutorado.
127
acerca da concepção de nação que, vigente no período, articular-se-ia a uma noção
específica de temporalidade como uma qualidade intrínseca e imanente à realidade.
“Contra o que se costuma afirmar, o historicismo romântico o postulava
simplesmente que não existiria indivíduo ou nação situados fora da história (isto é,
acima de um tempo e cultura dados)”.
33
Na inversão dos termos, segundo Palti, estaria
uma definição mais exata da perspectiva historicista, ou seja, na idéia de que não
haveria história fora da nação ou de certo grupo humano da qual ela emana, tampouco
nenhum acontecimento histórico seria possível independentemente de algo que
aconteça”.
34
Para usar os termos de Michel Foucault, a história, a partir do século XIX,
“define o lugar de nascimento do que é empírico”, convertendo-se em “modo de ser de
tudo o que nos é dado pela experiência”.
35
Entende-se então por que, com o projeto
romântico, a nação despontaria como categoria de reflexão privilegiada para a
apreensão dessa historicidade nas suas manifestações mais evidentes e singulares. Tais
ponderações gravitam em torno do que Koselleck designou com a expressão
experiência da história, cujo alcance excederia o território epistemológico para
condicionar, de um modo mais amplo e perceptível, as formas de elaboração
historiográfica do passado e, entre estas, as histórias da literatura.
36
Nesse sentido, Pereira da Silva formulará, por meio de uma transcrição quase ipsis
litteris da obra citada de Madame Stäel, os seus propósitos o menos ambiciosos,
assumindo como tarefa “seguir a marcha da literatura, antiga e moderna, debaixo do
ponto de vista das suas relações com as formas de governo, com a religião, a
civilização, os costumes das nações”.
37
o se tratava, segundo ele, de elencar nomes
ou analisar cada escritor em particular, mas sim de estabelecer uma ordenação sucessiva
das diferentes literaturas de todos os povos, remontando à Antigüidade até o que
chamava de “estado presente das letras”, no qual se teria alcançado a “civilização mais
completa”. Dispostos em uma unívoca linha do tempo, as diversificadas modalidades
letradas serviriam para dar provas do sentido irreversível dos “progressos do espírito
humano”. De que modo, então, a história, perfilada à poesia, à filosofia e à eloqüência,
33
PALTI, Elías. La nación como problema, op. cit., pp. 44-45.
34
Idem, p. 45. [grifo do autor].
35
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 8
a
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 300.
36
Sobre a noção de experiência da história, cf. KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., pp. 13-17 e
também os comentários elucidativos às teses deste autor em RICOEUR, La mémoire, l’histoire, l’oubli,
op. cit., pp. 388-400.
37
SILVA, Estudos sobre a literatura, op. cit., p. 43.
128
participava desse aglomerado de gêneros que se desenvolviam ao longo dos culos,
reunidos sob o nome de literatura?
“A história na Grécia não passou de uma narração eloqüente e
brilhante dos fatos. Alguns autores chamam Heródoto o pai, o
criador da história, porém nós apoiados nos argumentos dos outros,
julgamos que ele muito imitou aos sacerdotes do Egito; é na
verdade um elegante escritor, historiador verídico e agradável,
porém não o criador da ciência”.
38
Somente com Tácito, em Roma, a pena do historiador começaria a marchar com
crítica, apresentando lições com os acontecimentos, arrancando dos fatos induções
filosóficas”.
39
No entanto, seria preciso atravessar a Idade Média para que a história, em
sua “verdadeira essência”, despontasse nas obras de Maquiavel, Montesquieu, Gibbon e
Bossuet. Enfim, no século XIX, enquanto a poesia abandonava “o jugo de bronze que
lhe pesava” para, nas diferentes pátrias, servir à liberdade e à emancipação do gênio, a
história superaria a condição de “simples exposição de fatos sem critério”.
“O nosso culo considera a história de duas maneiras, ou
particular, ou universal. A primeira consiste em escrever, segundo
os grandes modelos, os acontecimentos, com toda a verdade, e
crítica, em marcar a cada povo seu tipo peculiar, a marcha da
civilização, o estado da indústria, e o avanço e progresso das
nações. A esta escola pertencem Thierry, Lingard, Sismondi e
Muller, historiadores modernos. A segunda maneira de considerar
a história, é a filosófica e ideal. Giambattista Vico no
séculopassado estabelece leis universais da humanidade, eleva-se
da representação à idéia, dos fenômenos à essência; atendendo ao
princípio da natureza idêntica em todas as nações, forma uma
história abstrata, não pertencendo a nenhuma; Herder e Hegel
continuam em nosso século esta tarefa, e consideram a humanidade
como marchando a um fim, isto é, à perfectibilidade, sendo o
que podia ser, e nada senão o que ela podia ser arrancam do seio
das ruínas da Antigüidade e da Idade Média idéias gerais,
princípios eternos desenvolvidos pelos séculos, todas as nações
fornecendo um contingente a estes princípios e verdades
filosóficas”.
40
38
Idem, p. 45.
39
Idem, p. 47.
40
Idem, pp. 52-53.
129
Como corolário das considerações do autor, a distinção demarcava mais do que
duas escolas” entre os historiadores modernos. Pois, entre a maneira particular e
universal de escrever a história, despontava um modo de concebê-la não somente como
narração, mas como essência e idéia subjacente a todos os acontecimentos, noção que,
sob muitos aspectos, tornava mais complexas as suas relações e o seu estatuto frente aos
demais gêneros reunidos no cadinho das manifestações letradas. A questão, contudo,
não chegaria a ser cogitada sob tais termos. Pois a Pereira da Silva, assim como para
grande parte dos letrados oitocentistas, bastava que o sentido elástico emprestado à
noção de literatura facultasse sua exaltação como índice de civilização e instrumento de
persuasão cívica. Assim, com o mesmo timbre contundente de Gonçalves de Magalhães,
ele exortaria os seus compatriotas a perceberem a influência das letras sobre a vida
política.
41
Mais especificamente à história, sobretudo a que se escrevia no modo
filosófico, caberia elucidar os princípios que regiam a marcha da humanidade através
dos séculos e, por fim, contribuir para a compreensão do presente e do futuro de cada
país. No entanto, para os literatos brasileiros essa missão cívica deveria atender a uma
demanda particular por meio do trabalho crucial de emancipação de uma cultura de
imitação e subserviência a idéias e pensamentos alheios. “Ao Brasil pois cabe também
começar a apreciar os seus grandes homens, lembrando-se que o poeta, para ser digno
deste nome, deve ser historiador, filósofo, político e artista [...]”.
42
Na apreensão da
substância identitária inscrita na natureza e nas paisagens locais, nos usos e costumes
nacionais, a poesia e a historiografia confluiriam para o único propósito de tornar
tangíveis as marcas precursoras do “espírito” da nacionalidade.
Conforme já demonstrou Rodrigo Turin, as escritas da história literária e da
história geral do Brasil, no Oitocentos, teriam funções correlatas e complementares não
somente pelo objetivo de desenhar um perfil para a nação brasileira, mas também por
suas premissas e operações fundamentais.
43
Os textos literários, resgatados do
esquecimento, converter-se-iam em testemunhos privilegiados, sendo submetidos, como
as demais fontes históricas, à compilação, ao arquivamento e à ordenação cronológica.
41
Cabe lembrar que, nas justificativas formuladas por Cunha Barbosa e Cunha Mattos na proposta de
criação do IHGB em 1838, as letras, sobretudo a história e a geografia, seriam exaltadas como uma
“absoluta e indispensável necessidade” à administração do Império e ao esclarecimento dos seus súditos.
Cf. RIHGB, Tomo I, 1839, pp. 5-6.
42
SILVA, Estudos sobre a literatura, op. cit.,p. 52.
43
Cf. TURIN, Rodrigo. Narrar o passado, projetar o futuro: Sílvio Romero e a experiência
historiográfica oitocentista. Porto Alegre: PPGHIST/UFRGS, 2005, pp. 47-67. Dissertação de mestrado.
130
Em suma, como índice inequívoco do progresso e da civilização, a literatura apresentar-
se-ia como parte mais visível e permanente da história da nação, assumindo, na
expressão de Valdei Araújo, o papel de “cápsula do tempo” da nacionalidade, através da
qual uma imagem da identidade nacional poderia ser apreendida.
44
Uma aluvião de nomes colecionados: os Parnasos Brasileiros
Alguns anos antes dos ensaios dos jovens românticos, não fora outro senão o valor
instrutivo e exemplar das letras nacionais que servira de justificativa para a elaboração
do Parnaso Brasileiro, editado entre 1829 e 1831, por Januário da Cunha Barbosa.
45
No
prefácio do primeiro tomo da obra, o cônego afirma ter empreendido a coleção das
melhores poesias dos nossos poetas, com o fim de tornar ainda mais conhecido no
mundo literário o gênio daqueles brasileiros, que, ou podem servir de modelos, ou de
estímulo à nossa briosa mocidade”.
46
Para tanto, incluía a notícia biográfica de alguns
ilustres, segundo ele, uma tarefa árdua, mas que, indubitavelmente, representava um
“serviço relevante à glória literária” da nação. Com a ressalva, Cunha Barbosa buscava
cativar a benevolência dos seus leitores para persuadi-los quanto às nobres intenções
patrióticas do projeto.
A disposição pouco criteriosa do material reunido nos tomos do Parnaso, já
destacada por Regina Zilberman e Maria Eunice Moreira em O berço do cânone, talvez
deva ser pensada menos como traço desabonador do que como efeito da abrangência do
desejo do autor de resgatar das trevas do esquecimento” as composições poéticas e as
vidas dos nossos antepassados para que servissem à imitação dos brasileiros no presente
44
ARAÚJO, A experiência do tempo, op. cit., p. 204.
45
BARBOSA, Januário da Cunha. Parnaso Brasileiro, ou Colecção das Melhores Poesias dos Poetas do
Brasil, tanto inéditas, quanto impressas. Rio de Janeiro: Tipographia Nacional, 1831. Utilizo o prefácio e
a introdução da obra, com a grafia atualizada, incluídos na antologia dos chamados “textos fundadores da
literatura brasileira”, editada por ZILBERMAN, Regina e MOREIRA, Maria Eunice. O berço do cânone.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998, pp. 84-88. Importante ressaltar que a coleção de Cunha Barbosa
começou a ser lançada três anos após o aparecimento da obra congênere do português Almeida Garret,
que lhe serviu de modelo e inspiração: GARRET, Almeida. Parnaso Lusitano, ou poesias selectas dos
auctores portugueses antigos e modernos, ilustrados com notas. Precedido de uma história da língua e
poesia portuguesa. Paris: J. P. Aillaud, 1826.
46
BARBOSA, Parnaso Brasileiro, op. cit., p. 84.
131
e no futuro.
47
Entre os nomes colecionados por Cunha Barbosa, muitos despontariam na
galeria de brasileiros ilustres da Revista do IHGB, como o poeta José Basílio da Gama,
cuja biografia inauguraria a seção.
48
A coletânea seria recebida, porém, com graves reservas por Santiago Nunes
Ribeiro alguns anos mais tarde, quando lamentava que nela figurassem certos versos
menos que medíocres que não deviam entrar numa obra semelhante”.
49
A crítica dirigia-
se pontualmente às inadvertidas pretensões de Cunha Barbosa em apresentar “as
melhores poesias”. Com efeito, o título extenso da obra se, por um lado, reforçava tal
ambição, por outro, também deixava explícito que se tratava de uma “coleção”. Assim,
para além dos juízos estéticos implicados em sua elaboração, a ênfase do cônego no
caráter exemplar do patrimônio literário por ele inventariado remete ao gênero que, no
século XIX, seria mais largamente utilizado para esse fim: a antologia.
Como ressalta Emmanuel Fraisse, por se fundarem no trabalho de seleção e
apresentação de textos como representativos do corpus que pretendem instituir, as
antologias ultrapassam os limites da pura preservação e contribuem, de modo efetivo,
para a formação de um none ou de uma tradição.
50
Nelas encontra-se subentendida,
portanto, uma operação de memória e esquecimento: para que certos nomes e textos
sejam conservados, alguns necessitam ser postos em segundo plano, e outros, apagados.
Com base nessa perspectiva, Janaína Senna estudou as antologias poéticas publicadas
no Brasil oitocentista, sustentando a tese de que, a despeito das diferenças que
pudessem apresentar entre si, tais obras corresponderiam à busca de documentos que
atestavam o passado nacional e “uma genealogia tria”. Portanto, qual fosse a sua
designação parnasos, florilégios ou bosquejos poéticos tais empreendimentos
47
Os dois volumes da obra são compostos por oito cadernos. A falta de ordenação na apresentação dos
poemas, a repetição de nomes em momentos distintos da coleção ou a falta de identificação de autoria de
alguns poemas incluídos talvez sejam o indicativo de que Cunha Barbosa publicou os textos e as notícias
biográficas dos autores à medida que os obtinha. Neste sentido, não deixa de ser curioso o apelo do
cônego à colaboração dos leitores para que encaminhassem informações que pudessem ser incorporadas à
obra. Cf. ZILBERMAN, Regina e MOREIRA, Maria Eunice. O berço do cânone, op. cit., pp. 81-82.
48
Os demais selecionados por Cunha Barbosa cujas biografias reapareceram na Revista do IHGB foram:
Inácio José de Alvarenga, Manuel Inácio da Silva Alvarenga, José Elói Otoni, Padre Caldas, Domingos
Caldas Barbosa, Frei Santa Rita Durão, Beatriz Francisca de Assis Brandão e Gregório de Matos Guerra.
49
As observações aparecem na resenha para o Parnaso Brasileiro, de Pereira da Silva, publicado entre
1843 (1º tomo) e 1848 (2º tomo). Revista Minerva Brasiliense, n. 2, 15 de novembro de 1845. Apud
ZILBERMAN, Regina e MOREIRA, Maria Eunice. O berço do cânone, op. cit., p. 80.
50
FRAISSE, Emmanuel. Les Anthologies em France. Paris: PUF, 1997. Apud SENNA, Flores de
antanho, op. cit., p. 43.
132
convergiam para o mesmo projeto de instruir sobre a nacionalidade e, sobretudo, de
instituir a representação material de sua existência”.
51
A elaboração de notas biográficas, assim como todo o trabalho de seleção e
compilação de obras poéticas do passado, constituía-se em precondição para a escrita
das histórias da literatura. Por outro lado, tais tarefas acompanhavam o projeto mais
ambicioso que, inaugurado com a coleção de Cunha Barbosa, remetia à difusão do que
seria, de acordo com as suas palavras, “um patrimônio opulento, deixado como
herança à posteridade. Desse modo, o sentido fundamental a motivar todos aqueles
que, no Oitocentos, empreenderam obras similares, explicitava-se por meio do que
Temístocles Cezar chamou de retórica da nacionalidade, ou seja, um conjunto de
estratégias discursivas utilizadas por esses letrados para persuadir os brasileiros de que
compartilhavam um passado comum e, conseqüentemente, a mesma origem e
identidade, a despeito da natureza heterogênea e compósita de sua formação social.
52
Ora, dentro do projeto romântico, a literatura seria a manifestação privilegiada para a
constituição desse patrimônio a ser partilhado no qual se projetaria uma imagem sem
rasuras da nação, capaz de neutralizar todos os impasses na integração dos respectivos
súditos em uma consciência “nacional”.
Investido de tais preocupações, cerca de uma década após a redação dos Estudos
sobre a literatura, Pereira da Silva traria a público um Parnaso Brasileiro, em explícita
e deliberada continuidade aos esforços de seu predecessor.
53
O trabalho se justificava
como um “serviço ao País”, por “reabilitar obras já esquecidas” e oferecer aos
brasileiros uma “seleção de modelos de boa epoesia”, com a qual adquiririam “gosto
e instrução”.
54
No entanto, ao contrário da que a antecedera, na antologia de Pereira da
Silva esboça-se nitidamente a intenção de dispor o material compilado segundo uma
ordenação cronológica. A par disso, na Introdução histórica e biográfica que precede a
coleção, o autor delimita no século XVII o início da literatura no Brasil com Bento
Teixeira, a quem atribui o nascimento em Pernambuco no ano de 1580, nomeando-o
51
SENNA, op. cit., p. 47. [grifos meus].
52
Cf. CEZAR, Temístocles. Anciens, Modernes et Sauvages, et l´écriture de l´histoire au Brésil au XIXe
siècle. Le cas de l´origine des Tupis. Anabases 8, 2008, pp. 47-48.
53
SILVA, J, M. Pereira da. Parnaso Brasileiro, ou selecção de poesia dos melhores poetas brasileiros.
Rio de Janeiro: Laemmert, 1843, Tomo I. Utilizo o prefácio e a introdução reeditados in:
ZILBERMANN, Regina e MOREIRA, Maria Eunice. O berço do cânone, op. cit., pp. 145-181.
54
Idem, pp. 178-179.
133
como “o primeiro [poeta brasileiro] em antiguidade”.
55
Longe de estabelecer uma
periodização que levasse em conta critérios de gênero ou a natureza peculiar das
criações poéticas, o princípio de organização dos dois volumeso primeiro, acolhendo
os autores brasileiros até o final do século XVIII, e o segundo, consagrado aos da
“época moderna”, ou seja, do século XIX fundava-se no suposto estatuto das
manifestações letradas como fenômenos particulares do curso geral da história política,
que presidia os projetos antológicos.
56
Nos Parnasos Brasileiros, portanto, como em grande parte das antologias
congêneres, as vidas dos autores e suas obras, apreendidos nos quadros da história geral
da nação, alcançariam a condição de testemunhos genuínos do passado ilustrado que,
resgatados pelo esforço de memória do presente, serviriam de indícios incontestáveis do
seu estado de civilização. Joaquim Norberto delimitaria tal sentido de modo mais
preciso na introdução de seu Mosaico Poético (1844), elaborado em colaboração com o
francês Emílio Adet, oferecenco ao público uma compilação de composições inéditas
dos poetas do passado:
“Pertence agora ao Brasil o ajuntar e coligir todas estas poesias, ora
brilhantes, ora suaves, ora satíricas, ora donosas, [...] e que por fim
acabam por cair no redemoinhar do tempo, em cujo vórtice
desaparecem, como o ouro entre as mãos desses filhos de
Tamandaré, esses mimosos de Tupã, que não conheciam o valor
das riquezas que desdenhavam possuir. E pois essa tarefa
empreendemo-la s publicando o Mosaico Poético, a fim de que
possua também o Quinto império o seu arquivo onde consigne
parte da sua glória literária, na qual mais se patenteia a
nacionalidade da sua literatura, pois que sempre nos trabalhos do
pensamento esparsos, primitivos, espontâneos dos povos é que
temos de encontrá-la.”
57
55
Idem, pp. 160-163.
56
Sobre as relações entre periodização histórica e periodização literária, cf. COUTINHO, Afrânio.
Conceito de Literatura Brasileira. Ediouro, s/d, pp. 18-27.
57
SILVA, Joaquim N. de Sousa. Introdução ao Mosaico Poético. In: SOUZA. Roberto Acízelo de. (org.)
História da Literatura Brasileira e outros ensaios, op. cit., p. 318. [grifos meus].
134
O arquivo em movimento: o Florilegio de Francisco Adolfo de Varnhagen
“O Florilegio é mais, e melhor, do que denuncia o seu título. É um
arquivo literário. Não um ramalhete efêmero: um hervário
científico, transmissor de conhecimento e capaz de permitir uma
sistemática. Não obra agradável de artista, senão obra séria de
crítica e erudição ou história literária”.
Afrânio Peixoto.
58
14 de julho de 1857. O autor da História Geral do Brasil, e então encarregado dos
Negócios do Império em Madri, anunciava em carta ao Imperador a conclusão do
segundo tomo da obra.
59
Acrescentava, porém, que, após trabalhar vinte horas por dia,
abstinha-se de proclamar com orgulho exegi monumentum aere perennius a sua
“triste peregrinação pela terra”.
60
Antes, dizia-se agradecido a Deus por o haver
sustentado com a “indispensavel perseverança” para escrever e ultimar seu trabalho
ainda sob o reinado de D. Pedro. Confiante nos méritos que acreditava haver alcançado,
o historiador dirigia-se ao monarca para lhe revelar as suas inquietações mais
prementes.
61
No momento em que consumava a grande obra, “ao cabo de tantos annos
de aturados estudos, de freqüentes vigílias de horas e horas roubadas ao descanso e aos
divertimentos”, confessava-se insatisfeito com as modestas recompensas que lhe haviam
sido dispensadas e, “amargurado a pelos desfavores do Instituto”, apelava
solenemente para a munificência do Imperador.
62
O posto na legação diplomática do
Império e o hábito da Ordem de Cristo era tudo quanto possuía em honras.
63
Como não
58
PEIXOTO, Afrânio. Nota Preliminar. In: VARNHAGEN, F. A. Florilegio da Poezia Brazileira. Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1946, Tomo I, p.vi.
59
Carta ao Imperador D. Pedro II [14/07/1857]. LESSA, Correspondência ativa, op. cit., p. 242. O
primeiro volume da Historia Geral do Brasil fora publicado em Madri em 1854. Uma segunda edição,
datada de 1877, seria publicada em Viena, um ano antes da morte do historiador. Cf. CEZAR, L’écriture
de l’histoire, op. cit., pp. 539-566.
60
LESSA, Correspondência ativa, op. cit., p. 242. A expressão latina exegi monumentum aere perennius
(“concluí um monumento mais duradouro que o bronze”), é o verso que abre a última ode do terceiro
livro de Horácio, Odes, Livro III, 30, 1. TOZI, Renzo. Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas. São
Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 374.
61
“Senhor! Permitta-me V.M. I. que, aproveitando-me entretanto dos méritos que devo haver contrahido
perante o Seu espírito justiceiro com a conclusão da História Geral da civilização da Sua e minha pátria,
eu lhe abra de todo o meu coração, e Lhe descubra até os mínimos refolhos e rugas (boas e más) que nelle
se achem”. LESSA, Correspondência ativa, op. cit., p. 243.
62
Em setembro de 1856, queixara-se da indiferença official, principalmente da parte do Institutoem
relação à publicação do primeiro tomo da obra. Carta ao Imperador D. Pedro II [24/09/1856]. Idem, p.
235.
63
Idem, p. 244.
135
lastimar que outros súditos, mesmo sem terem prestado tão relevantes serviços ao país,
fossem generosamente contemplados com maiores e mais nobres títulos de fidalguia?
Por que o era atendido no que, segundo ele, eram os seus legítimos anseios?
64
Ambicioso de glória sim, mas não apenas da “gloria litteraria”, Varnhagen julgava-se
digno de um reconhecimento mais imediato e tangível do que aquele que, por certo, a
posteridade reservaria para a sua obra.
65
“Sei que não falta gente que insistindo em considerar-me como meio litterato,
meio empregado diplomático de cortesias (como dizem) fingem não saber tudo quanto
eu, politicamente, além do grande serviço desta Historia, tenho trabalhado em favor de
V. M. I. e do Império; [...]”.
66
A elaboração de um memorial acerca do problema da
demarcação das fronteiras nacionais, afora os serviços prestados nos cargos de
chancelaria, evidenciava o propósito fundamental a guiar-lhe a escrita e objeto constante
das suas cogitações: a expectativa da unidade futura do Império.
67
“E aqui repetirei de novo a V.M.I. o que já Lhe disse em 1851, que
o motivo principal porque eu emprehendera o florilégio e escrevia
biographias de Brazileiros de todas as províncias era para ir assim
enfeixando-as todas e fazendo bater os corações dos de umas
províncias em favor dos das outras, infiltrando a todos nobres
sentimentos de patriotismo de nação, único sentimento que é capaz
de desterrar o provincialismo excessivo, do mesmo modo que
desterra o egoísmo, levando-nos a morrer pela tria ou pelo
soberano que personifica seus interesses, sua honra e sua gloria”.
68
Nos dois tomos da História Geral encontravam-se, enfim, todas as provas de
honra, dedicação e amor à pátria. Ao contrário do cronista, adulador ou panegyrista”,
Varnhagen estava convencido de que, com a obra, “fazia justiça ao Imperador,
cumprindo as prerrogativas de um verdadeiro historiador:
64
Varnhagen fora nomeado adido diplomático no ano de 1842, em Lisboa, onde permaneceu na função
até 1847. Assumiu o posto de encarregado dos Negócios em Madrid em 1852. No ano seguinte à carta
citada, em 1858, receberia uma nova promoção, desta vez ao cargo de ministro plenipotenciário residente
no Paraguai. Teria que esperar quinze anos para que lhe fosse concedido o título de Barão de Porto
Seguro, em 1872 e, dois anos depois, o de Visconde. Idem, pp. 83-85; 261-264.
65
“Dirá V.M.I. que sou ambicioso. E por que não, Senhor? A maior gloria e honra do homem é ser
ambicioso, diz Guizot. Não é também V.M.I. ambicioso de gloria? [...] Nós os pequenos temos alguma
coisa mais que ambicionar além da gloria: temos que ambicionar o ser menos pequenos;pois contentando-
nos só da gloria litteraria, todos preferiríamos deixar obras posthumas e memorias de ultra-tumba”. Idem,
p. 245.
66
Idem, p. 245. [grifos do autor].
67
Idem, p. 246.
68
Idem.[grifos do autor].
136
“Em geral busquei inspirações de patriotismo sem ser no ódio a
Portuguezes, ou à extrangeira Europa, que nos beneficia com
illustração; tratei de pôr um dique a tanta declamação e servilismo
à democracia; e procurei ir disciplinando productivamente certas
idéas soltas de nacionalidade; preguei quanto pude, a par da
tolerância, a unidade religiosa, agora que é moda ser-se irreligioso
e ter de molde, como Herculano, meia dúzia de dicterios contra o
papa, os bispos e os frades... e me diz a consciência que
tranquillo baixará o meu corpo à terra, quando Deus me chame
deste mundo”.
69
A convicção de que, na literatura, inscreviam-se as marcas mais genuínas da
nacionalidade, o fizera empreender um dos seus projetos mais ambiciosos. Iniciado em
1846, quando desempenhava a função de adido diplomático em Lisboa, o Florilegio da
Poesia Brazileira ocuparia Varnhagen até 1872, data do prefácio ao Appendice redigido
em Viena e de um Suplemento acrescido ao terceiro tomo da obra.
70
Assinava então
como Barão de Porto Seguro e dava por concluída a tarefa, oferecendo ao público as
composições poéticas e biografias de autores brasileiros dos séculos XVII ao XIX.
71
Passados cerca de trinta anos de trabalho, exultava que a sua coleção, assim como o
Ensaio historico que a precedia, tivessem sido recebidos favoravelmente, servindo ao
austríaco Ferdinand Wolf na composição de seu O Brasil Literário.
72
No Império,
acrescentava, a publicação, “se não contribuiu para a fraternidade de algumas de nossas
províncias entre si, tinha aspirado a taes miras e, se o recrutou proselytos da política
para a litteratura, não foi por que deixasse de pregar essa nova cruzada”.
73
69
Idem, p. 247.
70
Os dois primeiros tomos foram editados em Lisboa em 1850 e o terceiro, em Madrid, no ano de
1853.VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Florilegio da Poezia Brazileira, ou collecção das mais
notáveis composições dos poetas brazileiros falecidos, contendo as biographias de muitos delles, tudo
precedido de um Ensaio histórico sobre as lettras no Brazil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1850. Utilizarei a
reedição completa da obra, de 1946, organizada por Afrânio Peixoto, anteriormente citada (cf. nota 58).
71
Antes do Florilegio, o interesse de Varnhagen pela literatura brasileira manifestara-se com a publicação
de Épicos Brasileiros (1845), edição anotada das epopéias de Basílio da Gama, O Uraguai (1769) e de
Santa Rita Durão, Caramuru (1781), acompanhadas pelas biografias dos poetas e da dissertação O
Caramuru perante a história. Cf. LESSA, Clado Ribeiro de. Bibliografia. Obras literárias de Francisco
Adolfo de Varnhagen, Barão e Visconde de Porto Seguro. In: VARNHAGEN, Florilegio da Poesia
Brazileira, op. cit., Tomo I, pp. xiii-xxvi e MOREIRA, Thiers Martins. Varnhagen e a história da
literatura portuguesa e brasileira. RIHGB, n. 275, abr.-jun. 1967, pp. 155-169.
72
De fato, após citar as obras de Januário da Cunha Barbosa, Joaquim Norberto de Souza Silva e Pereira
da Silva, Wolf reconhece a importância do Florilegio: “O erudito autor desta obra não se contentou de
nela publicar pela primeira vez um grande número de fragmentos inéditos e extraviados de fontes muito
raras; revela-nos a sua origem alemã, pela exatidão e a profundidade que demonstra na introdução
histórica que abre o primeiro volume. É esta ultima parte do livro que nos serviu de modelo para os
quatro primeiros períodos”. WOLF Ferdinand. O Brasil literário (história da literatura brasileira).[1862]
Tradução, prefácio e notas de Jamil Almansur Addad. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955, p.
14.
73
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira, op. cit., Tomo III, p. 245.
137
A exposição mais elucidativa acerca do método de elaboração do Florilegio
encontra-se, sem dúvida, no Prologo, datado de 1847, estampado no primeiro tomo.
Nele, Varnhagen declara-se decidido a reunir as muitas “poesias inéditas ou raras, por
antigas ou por extraviadas” com que se deparara em suas investigações históricas.
Diante da impossibilidade de publicação de todo o material coligido, procurava
estabelecer um primeiro critério para a sua seleção:
“Como o enthusiasmo que temos pela America, onde vimos a luz e
a no desenvolvimento futuro de sua poesia, era um dos nossos
estímulos, julgamos dever dar sempre preferência a esta ou
áquella composição mais limada, porém semi-grega, outra embora
tosca, mas brazileira, ao menos no assumpto. Esta decisão nos
facilitou a empreza, e cremos que esta collecção adquirirá com isso
mais interesse para o leitor europeu, ao passo que deve lisongear o
americano, vendo que vai já para dois séculos havia no Brazil
quem julgava que se podia fazer poesia sem ser com coisas de
Grecia ou Roma”.
74
Não se tratava, contudo, de “offerecer modelos de arte poética”, ou de seguir o
“methodo do Parnaso Lusitano”, mas de apresentar as poesias pela ordem
chronologica dos auctores”, com as suas respectivas biografias. A referência àquela que
despontara como a primeira antologia poética em língua portuguesa, e fonte de
inspiração das subseqüentes elaboradas no Brasil, não era aleatória. O primeiro tomo da
coletânea de “autores portugueses antigos e modernos” aparecera em 1826,
acompanhado de um bosquejo histórico assinado por Almeida Garrett.
75
Os seis
volumes, publicados nos anos seguintes, foram sendo organizados conforme os gêneros
literários, supostamente a metodologia de que Varnhagen pretendia se afastar no
empreendimento de sua coleção, cujo objeto intentava demarcar com o próprio título
escolhido para a obra:
“Intitulamos este livro – Florilegio da Poesia Brasileira mas
repetimos que não queremos por isso dizer, que offerecemos o
melhor desta, porém sim (com alguma excepção) o que por mais
americano tivemos. Escolhemos as flores, que julgamos mais
adequadas para o nosso fim, embora seja alguma menos vistosa,
outra pique por alguns espinhos, esta não tenha aroma, aquella
pareça antes uma descorada orchydea, a aquell’outra uma parasyta
creada com ajuda de seiva alheira, etc.
74
Idem, Tomo I, pp. 3-4. [grifos meus].
75
Sobre o Parnaso Lusitano, cf. ZILBERMAN e MOREIRA, O berço do cânone, op. cit., pp. 19-25.
138
Não chamamos Parnaso a esta collecção, pelo mesmo motivo de
estarmos um pouco em briga com a mythologia, e por devermos
distinguil-a de outra anterior, que leva aquelle titulo.”
76
Desde as primeiras linhas do Prologo, tornam-se evidentes as pretensões de
oferecer
uma antologia poética que, acima de tudo, não se limitasse a refletir o gosto
literário do seu autor. Como fica demonstrado na analogia acima, mais do que reunir as
“melhores” poesias, o Florilegio deveria oferecer um conjunto de composições nas
quais se explicitasse “o que por mais americano tivemos”, qualidade que não poderia ser
circunscrita por valores estritamente estéticos ou formais. A par disso, a primeira regra a
presidir as suas escolhas seria a de dar preferência às poesias que versassem sobre
“assumptos do Brazil” e, como princípio mais geral para a inclusão dos autores, o
nascimento em território brasileiro.
77
Elevado a elemento categórico para a delimitação
de uma identidade própria à literatura brasileira, a certificação da brasilidade do autor,
ou seja, o “ser filho do Brasil”, suplantaria inclusive as possíveis implicações da
incontornável uniformidade lingüística com Portugal.
78
No Ensaio Historico, que serve de introdução ao primeiro tomo, Varnhagen
desenvolve mais detidamente a idéia da originalidade americana” das letras
nacionais.
79
Importante ressaltar que, nesse caso, o uso do termo literatura, como foi
demonstrado no estudo de Pereira da Silva, denota um espectro diversificado de gêneros
letrados em que a poesia desponta como fonte privilegiada da formação da
nacionalidade.
80
Na abertura do texto, a comparação entre as iniciativas colonizadoras
76
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brasileira, op. cit., Tomo I, p.4.
77
“Por esta razão excluímos Pinto Brandão e Diniz, embora escrevessem versos sobre assumptos do
Brazil. Marcial, os Senecas, Lucano e vários imperadores bem se criaram e viveram em Roma; e, sem
embargo, pelo seu nascimento os mesmos escriptores romanos lhes chamam de hispanos, não esquecendo
jamais sua origem. Em ninguém está mudar o nascimento, nem ser insensível á ternura do coração,
quando este lhe bate ao lembrar-se da terra onde quiz Deus que viesse ao mundo...”. Idem, pp. 4-5. Cf.
MOREIRA, Maria Eunice. Um Visconde e duas literaturas. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias
da PUCRS, Porto Alegre, v.3, n.1, 1997, pp. 44-48.
78
Varnhagen chega a questionar a estrita identidade atribuída à língua portuguesa, lembrando de palavras
usadas no Brasil, como, por exemplo, “jacarandá”, que provocavam risos entre os metropolitanos, pouco
conhecedores da “nossa prosodia”. Para um comentário deste aspecto, cf. MARTINS, História da
Inteligência Brasileira, op. cit., pp. 436-437.
79
O Ensaio historico sobre as lettras no Brasil (1847) inclui-se entre os textos fundadores da
historiografia literária brasileira. Cf. ZILBERMAN e MOREIRA, O berço do cânone, op. cit., pp. 9-15.
80
A propósito, o obstinado interesse do autor da Historia Geral pelas diversificadas manifestações
literárias é destacado por Thiers Moreira que afirma que, nesse domínio, o historiador ia além do
“ordenamento das fontes”: são poemas, cantigas, novelas, que seleciona, imprime e anota, indo, por
vezes, ao processo métrico, à análise de um ritmo, ao fenômeno de linguagem, à interpretação de uma
imagem, à crítica de uma figura literária”. MOREIRA, Thiers M., op. cit., pp. 155-156.
139
de castelhanos e portugueses o conduz à constatação de dois quadros diversos. Se, nos
primeiros tempos, era “como se as lettras se encolhessem com medo do Atlântico”,
posto que ao Brazil, não passavam poetas”, antes, “ia-se buscar cabedaes, fazer
fortuna”; em contrapartida, na América espanhola, a seiva poética “emprestada” da
metrópole alentara, desde o culo XVII, uma profícua atividade literária.
81
Seria
necessário esperar que o Brasil se civilizasse para que os seus poetas aqui nascessem.
Estes, inspirados “na poesia que brota[va] com tanta profusão do seio do próprio paiz”,
tornar-se-iam “antes de tudo originaes – americanos”.
O tema da imitação versus originalidade, preocupação recorrente da crítica
romântica, não escapa às reflexões do autor, na medida em que avança na tese do
caráter autóctone da literatura brasileira. O “americanismo”, chave da originalidade das
nossas letras, não implicaria, porém, um patriotismo exaltado uma revolução nos
princípios” tal como se pregava nos Estados Unidos – que levasse à insubordinação aos
preceitos clássicos antigos e, portanto, à recusa do legado da civilização.
“A America, nos seus differentes estados, deve ter uma poesia,
principalmente no descriptivo, filha da contemplação de uma
natureza nova e virgem; mas enganar-se-ia o que julgasse, que para
ser poeta original havia que retroceder ao abc da arte, em vez de
adoptar, e possuir-se bem dos preceitos do bello, que dos antigos
recebeu a Europa”.
82
Embora condescendesse que os indígenas praticavam uma espécie irrisória de
poesia que lhes servia o somente para o canto, os indícios primordiais das
manifestações letradas na colônia não poderiam despontar senão pela ação missionária
dos jesuítas, ou seja, os primeiros poetas brasileiros nasceriam como rebentos do
processo civilizatório.
83
A originalidade da poesia brasileira expressar-se-ia, portanto,
na língua da colonização, o que justificaria a opção, declarada no prólogo, de que não
fossem incluídos na coleção os “escassos fragmentos de poesias principalmente
religiosas em lingua guarani”.
84
No argumento, a que se poderia creditar a notória
postura anti-indigenista do historiador, também importa considerar um pressuposto
epistemológico mais amplo. Para Varnhagen, o selvagem nunca se constituiu em objeto
81
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira, op. cit., pp. 12-14.
82
Idem, p. 15.
83
Idem, pp. 11 e 16.
84
Idem, p. 21.
140
a ser apreendido na ordem do tempo propriamente histórico, porquanto a sua existência
atestaria tão somente um estado de barbárie e atraso, adverso aos influxos da
civilização.
85
Tampouco a “natureza exuberante dos trópicos, sobrevalorizada pelos
viajantes românticos como Ferdinand Denis e Ferdinand Wolf, assumiria um peso
determinante da originalidade da literatura brasileira.
86
Na concepção do autor do
Florilegio, a atividade literária somente começaria a se tornar fecunda no Brasil depois
que a luta contra os holandeses despertasse o povo-nação de seu torpor, afastando-o “da
exclusiva occupação de ganhos e interesses mesquinhos para preocupar-se mais em
apreciar a artes do engenho”.
87
Sob o estímulo das armas, os indícios inaugurais da
nossa história literária despontariam, enfim, no século XVII. Caberia, portanto, ao
baiano Eusébio de Matos, nascido em 1629, religioso formado pela Companhia de
Jesus, a precedência na cronologia varnhageniana como o poeta brasileiro mais antigo.
88
Ao pequeno excerto de alguns de seus versos, precedido de breve nota biográfica,
seguem, porém, mais de cem páginas dedicadas ao irmão mais novo, Gregório de Matos
Guerra, designado como o “primeiro poeta, que se fez notável no Brasil”.
89
Varnhagen
não era o único a incluí-lo na biblioteca nacional e, em sua biografia, retomaria, em
linhas gerais, as interpretações cunhadas anteriormente nas antologias de Cunha
Barbosa e Joaquim Norberto, com exceção da discordância que sustentará em relação ao
85
A idéia encontra-se mais explicitamente formulada no primeiro volume da História Geral: “Para
fazermos porêm melhor idéa da mudança occasionada no paiz pelo influxo do christianismo e da
civilisação, procuraremos dar uma noticia mais especificada da situação em que foram encontradas as
gentes que habitavam o Brazil ; isto é, uma idéa de seu estado, não podemos dizer de civilisação, mas de
barbarie e de atrazo. De taes povos na infancia não ha historia : ha só ethnographia”. VARNHAGEN, F.
Adolfo de. Historia Geral do Brazil. 1
a
edição. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854, Tomo I, pp.
107-108. Apud CEZAR, L’écriture de l’histoire au Brésil, op. cit., p. 145 (nota 134). A falta de
historicidade dos indígenas e a sua associação à infância da humanidade foram pressupostos
compartilhados por diferentes sócios do IHGB. A questão é analisada por TURIN, Rodrigo. A “obscura
história” indígena. O discurso etnográfico no IHGB (1840-1870). In: GUIMARÃES, Estudos sobre a
escrita da história, op. cit., pp. 86-113.
86
Sobre o argumento de que estava na natureza o elemento de diferenciação para a fundação de uma
literatura original nos trópicos, cf. LIMA, O controle do imaginário, op. cit., pp. 130-140 e SÜSSEKIND,
Flora. O escritor como genealogista: a função da literatura e a língua literária no romantismo brasileiro.
In: PIZARRO, Ana (org.). América Latina: palavra, literatura e cultura. São Paulo: Memorial;
Campinas: Editora da Unicamp, 1994, pp. 453-457, vol. 2.
87
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira, op. cit., pp. 16-17. A tese será retomada por
Ferdinand Wolf, que associava aos jesuítas o começo da civilização no Brasil: “Estas primeiras sementes
[de uma literatura] deram frutos durante as lutas contra os holandeses e a sua expulsão final (1624-1662);
foi então que os colonos começaram a ter consciência não de suas qualidades de portugueses, como
ainda da de pais da nacionalidade brasileira”. WOLF, O Brasil literário, op. cit., p. 23.
88
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira, op. cit., Tomo I, p. 61.
89
Idem, p. 21. A transcrição de poemas identificados sob a autoria de Gregório de Matos corresponde,
sem dúvida, à parte mais volumosa das cerca de 400 páginas do Tomo I (pp. 7-173).
141
ano de seu nascimento.
90
Não obstante o reconhecimento do gênio poético de Matos,
vislumbrava em seu estilo satírico “uma sandice, um disparate” e lamentava que o autor,
por vezes, “ultrapassasse os limites da decência”, o que justificava, na publicação de
suas composições, senão o descarte sumário de muitas delas, ao menos, o expurgo “das
muitas espurias” ou dos versos de conteúdo mais insolente.
91
“De nenhum auctor brazileiro possuímos pois mais poesias do que
deste: e entretanto será talvez delle que maior porção teremos que
regeitar; não tantas por insultosas, como quase todas por menos
decorosas. Ainda assim, para o privarmos o publico d’alguns
bellos trechos, e para sermos antes favoráveis á memória do poeta
(que desejaríamos poder exaltar), fazendo-o apparecer em
logares, onde se descobre mais claro o seu estro, fomos obrigados a
cortar ás vezes algumas expressões, quando não versos ou até
trechos inteiros”
92
Um outro filho da Bahia, Manoel Botelho de Oliveira, mereceria um lugar
destacado nesse momento inaugural, não propriamente pela qualidade ou profusão das
suas composições, mas por ter sido o primeiro brasileiro a obter licença para a
impressão de suas poesias em Portugal.
93
Embora manifestasse objeções às “faculdades
inventivas” do poeta, Varnhagen o acolhia na coleção, sobretudo como um dos autores
que “depois da guerra dos hollandezes appareceram a porfiar na tentativa de lançar os
fundamentos da Poesia Brazileira”.
94
Seria da província de Minas Gerais, acima de qualquer outra parte do Império, que
viria o maior impulso no desenvolvimento da literatura nacional. Se esta nascêra da
actividade de uma guerra de armas, agora, um século depois, outra guerra com os
elementos, com as brenhas e entranhas da terra para extrahir-lhe o oiro nellas escondido,
produziu a regeneração litteraria que já traz em si mesma o cunho de ser nascida
90
Afrânio Peixoto chama a atenção para o fato de que o nascimento do poeta em 7 de abril de 1623 fora
aceito como dado biográfico incontestado de Januário da Cunha Barbosa até Sílvio Romero e os críticos
da Academia Brasileira de Letras das primeiras décadas do século XX. Apenas Varnhagen, no Florilegio,
sustentava convictamente outra data, 20 de dezembro de 1633, sem apresentar comprovação documental.
Por ocasião da edição da obra completa do autor baiano, em 1923, o próprio Peixoto descobriria, no
códice de manuscritos de suas obras, incluído na Coleção Varnhagen do Itamaraty, o documento em que
supostamente se baseara o historiador. PEIXOTO, Nota Preliminar, op. cit., pp. vi-vii.
91
Para uma análise magistral da leitura que o romantismo fez da poesia satírica seiscentista, notadamente
de Gregório de Matos, a partir do suposto da originalidade expressiva do autor, cf. HANSEN, João
Adolfo. Um nome por fazer. In: A sátira e o engenho. Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. 2
a
ed.
revisada. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da Unicamp, 2004, pp. 29-103.
92
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira, op. cit., Tomo I, p. 75.
93
Idem, Tomo I, p. 24.
94
Idem, p. 177.
142
daquelles sertões do coração do Brazil”.
95
Em outras palavras,
a
s letras serviam não
somente como testemunhos da nacionalidade, que brotavam exuberantes do seio do
próprio país, mas atestavam a própria marcha da civilização no Império brasileiro.
Varnhagen reprisava, assim, a fórmula já cunhada na célebre edição dos Epicos
Brasileiros, em 1845, onde louvara os modernos arraiaes” mineiros como porção do
território que, agraciada pela Providencia, tornara-se o berço de dois gênios da poesia
José Basílio da Gama e Santa Rita Durão e “foco para a concentração da
nacionalidade e civilisação brasileira”.
96
O propósito declarado de coligir composições nas quais se inscrevesse a
originalidade das letras nacionais, não impediria que no Florilegio fossem emitidos
juízos críticos acerca do estilo e da inventividade poética dos autores selecionados. É
interessante perceber, porém, como tais observações encontram-se notadamente no
texto que introduz a coleção e estão ausentes das biografias e notas apostas às
reproduções das poesias no corpo da obra, em uma espécie de demarcação tácita entre o
trabalho de compilação dos textos e o exercício da sua crítica. Assim, no Ensaio
Histórico, tomando como referência categorias das artes retóricas tradicionais,
Varnhagen comenta, por exemplo, que José Basílio da Gama “se extremou pelo talento
da harmonia imitativa, [...] sabendo sempre adoptar os sons ás imagens”.
97
Em
contrapartida, o disfarça a desaprovação ao estilo de Silva Alvarenga que julga
“correto na linguagem, poetico nas imagens, [...] e melodioso nas redondilhas, mas nem
sempre altiloquo no heroico. Seus ensaios eróticos de côr americana perdem por
monótonos, e convertem ás vezes o poeta n’um namorado chorão e baboso”.
98
Nenhum
comentário semelhante pode ser identificado nas notas biográficas dedicadas aos dois
poetas, incluídos no primeiro tomo da coleção.
O fato de Varnhagen expressar, não raras vezes, severas objeções a determinado
autor o implicava necessariamente a exclusão de suas composições da coletânea. Um
outro caso que merece ser citado encontra-se no apêndice suplementar ao terceiro
volume. Entre os poetas aí arrolados, encontra-se o nome de Sebastião da Rocha Pita,
95
Idem, p. 34.
96
VARNHAGEN, F. A. Epicos Brasileiros. Nova edição. Lisboa: Imprensa Nacional, 1845. Cf. a
biografia de Frei José de Santa Rita Durão, reproduzida na Revista do IHGB, Tomo 8, 1846, pp. 276-283.
97
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira, op. cit., Tomo I, p. 34.
98
Idem, p. 37.
143
acompanhado de uma nota lacônica com a indicação da procedência das composições
poéticas selecionadas.
99
A julgar pela opinião formulada no Ensaio Historico, não
haveria outro motivo para a sua inclusão à coletânea, mesmo que tardia, exceto pelo fato
de Pita, nascido na Bahia, ter publicado uma Historia do Brazil” que merecia ser
destacada “pela riqueza das descripções e elevação do estylo, que ás vezes o [eram]
taes, que mais parecem[iam] de um poema em prosa”. Varnhagen acrescentava, porém,
que, antes da obra, o autor baiano “tinha dado á luz varios escriptos, e composto
poesias, pelas quaes pouco se recommenda[va]”.
100
É importante notar como, entre a publicação do primeiro e terceiro volumes, a
elaboração do Florilegio sofreu modificações significativas, sinalizadas nos diferentes
aparatos textuais que o acompanham. Quando escreveu o Prologo em 1847, Varnhagen
projetava uma antologia poética pautada, antes de tudo, pela ordenação cronológica de
autores e pela compilação de suas composições precedidas das suas biografias. Na
Advertencia de 1850, quando os dois primeiros tomos vieram à luz, o historiador
lamentaria que, após quatro anos no prelo, o livro contivesse muitas “faltas e
imperfeições”, atribuindo as dificuldades da sua consecução aos constantes
deslocamentos impostos por seus encargos diplomáticos:
“Convem, porém, saber-se que, quando em fins de 1846
entregámos á imprensa os primeiros materiaes para elle [o livro],
estávamos empregado na legação imperial em Lisboa, d’onde
pouco depois tivemos que sair para outro destino. Antolhou-se fácil
a continuação da impressão naquella cidade, com a condição de
que nos mandaria uma prova pelo correio. Varias dessas provas
foram revistas em jornadas n’uma estalagem, e sabe Deus como.
Outras vezes chegavam com recommendação de que deviam
devolver-se pelo mesmo correio, e era necessário sempre vêl-as
com demasiada precipitão”.
101
Se, nesse momento, Varnhagen atribui as falhas da edição do livro aos imperativos
de sua função diplomática, é preciso lembrar que, em sua correspondência ativa, não
deixaria de reconhecer que a diplomacia lhe fornecia condições privilegiadas para as
suas investigações históricas: o tempo e as viagens que lhe possibilitavam o acesso aos
99
Idem, Tomo III, pp. 259-263 (para a nota, p. 259).
100
Idem, Tomo I, p. 31.
101
Idem.
144
arquivos e bibliotecas da Europa.
102
Prevenido contra as censuras de que a obra poderia
ser alvo e, ao mesmo tempo, obstinado em concluí-la, desobrigava-se então da redação
das biografias de todos os poetas colecionados, tal como o fizera no primeiro volume.
Por outro lado, no intuito de remediar as deficiências e irregularidades da publicação,
adicionava-lhe copiosas notas. Entre essas, seria sugestiva a anotação extensa que,
incluída na última página do segundo tomo, parecia anunciar a conclusão do projeto:
“Teríamos que estender nosso trabalho, se nos propozessemos a
apontar as bellezas para seguirem os principiantes, ou os vícios
para delles figurem [sic], em muitos logares desta colleção de
poesias. O nosso fim não foi publicar uma obra didactica: foi
reunir em corpo, e com certa ordem, muitas peças extraviadas; foi
acompanhar de alguns modelos a resumida historia litteraria do
Brazil, que publicamos, e que tem por fim indicar ao publico
nossas riquezas litterarias, para que os curiosos possam dedicar-se
a formar dellas collecção, e salvar as que ainda se possam salvar:
ao passo que os principiantes, com estes dois pequenos tomos,
poderão ter uma idéa de toda a nossa litteratura, e dos poetas, que
tem produzido o Brazil.”
103
A despeito da ênfase com que circunscrevia os seus propósitos de compor uma
coleção, Varnhagen o abdicaria da ambição de dotar de certa organicidade o vasto e
diversificado material literário compilado. Na Prefacção ao terceiro tomo, no ano de
1853, declarar-se-ia surpreendido com o acolhimento àqueles “dois primeiros
voluminhos”, o que o motivava a dar continuidade ao trabalho.
104
Aos leitores menos
benevolos” e críticos maledicentes que, por suposto, teriam lançado objeções ao título
do livro e, particularmente, ao pertencimento do vocábulo “florilegio” à língua
portuguesa, replicava que o termo, de origem latina, longe de caracterizar um galicismo,
era “muito e muito portuguez”.
105
Quando escreve a Satisfação, em outubro de 1872,
justifica a impressão de um suplemento ao terceiro volume, com a inclusão de 24 poetas
ainda não contemplados na coletânea: “uma vez que chegámos a ter destas composições
noticia, pareceu-nos que ficávamos em divida com a memória de seus autores, como
102
Para uma análise de como a própria noção de movimento, físico e intelectual, está presente na vida e
obra varnhageniana, da qual me servi como hipótese de leitura do Florilegio, cf. CEZAR, Temístocles.
Varnhagen em movimento. Breve antologia de uma existência. Topói, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 15, jul-
dez. 2007. Disponível em http://socialsciences.scielo.org.
103
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira, Tomo II, p. 383. [grifos meus].
104
Idem, Tomo III, p. 7.
105
Idem, pp. 7-8. No que Varnhagen tinha razão, porquanto, etimologicamente, “florilégio” (florilegium:
flor + legere = colher/ler) é o correspondente latino da palavra grega “antologia” e, por conseguinte,
designaria obras idênticas em forma e função daquela. Cf. SENNA, op. cit., pp. 20-21.
145
também com os possuidores do nosso pequeno Florilegio, não as publicando”.
106
Por
isso, empenhara maiores esforços em compilar poesias do que em retificar os erros
cometidos nos tomos anteriores, “principalmente no que respeita á biographias de
muitos poetas, especialmente dos que tiveram parte na conspiração mineira”.
107
Com
efeito, grande parte dessas retificações constariam em textos encaminhados à Revista do
IHGB. A mais notória delas seria à biografia de Tomás Antônio Gonzaga que, acolhida
no periódico em uma primeira versão de 1849, receberia dois Additamentos em 1850 e
1867, respectivamente, referentes à correção do local e ano de seu nascimento.
108
Sabe-se que, através das páginas do periódico do Instituto, Varnhagen prestou
contas de seu incansável labor historiográfico, sobretudo na expectativa de conquistar o
ambicionado reconhecimento como autor e estudioso da história nacional. Na seção de
brasileiros distintos, incluindo os adendos referidos acima, constam 31 textos com a sua
assinatura.
109
Destes, apenas 9 também podem ser encontrados no Florilegio, indicando
que, para o Visconde de Porto Seguro, a escrita de biografias estava longe de subsidiar
tão somente o trabalho do antologista, preocupado em compilar composições que
servissem à elaboração de uma história literária
110
, mas se interpunha como parte das
tarefas do historiador na operação mais ampla de configuração de um sentido histórico e
coletivo para a existência da nação.
Para além do que o próprio título anuncia, a coleção varnhageniana seria definida
pelo crítico Afrânio Peixoto como um arquivo no qual se evidencia o trabalho erudito e
sistemático de edição de textos raros e anteriormente dispersos. A noção não poderia ser
mais pertinente para circunscrever a relevância historiográfica de coletâneas como a do
106
VARNHAGEN, Florilegio da Poezia Brazileira,Tomo III, p. 243.
107
Idem.
108
Cf. RIHGB, Tomo 12, 1849, pp. 120-136; “Additamento”, Tomo 13, 1850, p.405; “2º Additamento”,
Tomo 30, pp. 425-426. Cf. também os “Retoques à biographia de I. J. de Alvarenga Peixoto”, RIHGB,
Tomo 30, 1867, pp. 427-428.
109
Cf. Anexo.
110
A esse respeito, Fernando Nicolazzi chama a atenção para uma importante diferenciação conceitual
que será estipulada por José Veríssimo no início do século XX, entre “história literáriae “história da
literatura”, em aberta polêmica contra Sílvio Romero. Para o crítico paraense, a primeira dizia respeito ao
conjunto amplo de textos escritos, como crônicas, registros de viagens, memórias, romances, poesias, etc;
a segunda se restringia apenas aos escritos de literatura, ou seja, aqueles ligados à esfera da emoção. Na
sua história da literatura brasileira, Romero dedica páginas a cronistas e historiadores, ou seja, realiza
aquilo que Veríssimo define como história literária. NICOLAZZI, Fernando. Um estilo de história: a
viagem, a memória, o ensaio. Sobre Casa Grande & Senzala e a representação do passado. Porto Alegre:
PPGHIST/UFRGS, 2008, p. 329, nota 67. Tese de doutorado.
146
Visconde de Porto Seguro e, antes dele, a de Januário da Cunha Barbosa, Pereira da
Silva e de Joaquim Norberto, porquanto permite concebê-las como parte de um projeto
coletivo orientado, em primeira instância, pela compilação das marcas originais de
ilustração e civilização do passado nacional. Na operação de arquivamento dos rastros
literários, importava menos a imediata dignificação crítica e canônica desses textos do
que o reconhecimento de seu valor documental para a tarefa imensa da escrita da
história. Isso porque, se a historiografia, como afirma Paul Ricoeur, é inicialmente
memória arquivada, todas as operações ulteriores dos historiadores pressupõem esse
primeiro gesto de seleção e ordenamento das fontes.
111
Seria inevitável, portanto, que a
história literária compartilhasse pressupostos, procedimentos cognitivos e o próprio
regime de escrita com a história geral da nação. A diferença entre ambas, contudo, se
não devia ser buscada em seus propósitos e operações fundamentais, estaria nas
peculiaridades do documento literário, constituído o apenas pela atribuição de uma
qualidade poética intrínseca aos textos selecionados, mas por elementos e valores a eles
externos, capazes de instituí-los, enfim, como um corpus: o autor e a sua biografia.
112
Pois os traços distintivos da originalidade literária encontravam-se nas composições
colecionadas e erigidas em índices representativos do povo-nação, bem como nas vidas
dos heróis das letras, particularmente marcadas por sinais de honradez àtria e
brasilidade.
Como agentes privilegiados de uma verdadeira fundação historiográfica da
nacionalidade, caberia aos românticos, antologistas e historiadores da literatura,
desdobrarem-se entre o trabalho de fixação da memória literária do Brasil e a
elaboração danese histórica das suas singularidades. Nesse sentido, menos do que se
ater aos lapsos profundos e disparidades evidentes que apartavam a emergente nação
brasileira de suas congêneres do Velho Mundo, tratava-se de integrá-la ao espaço e
tempo da civilização, atribuindo-lhe uma identidade plena, sem descontinuidades ou
rasuras. E, notadamente, como observa Flora Süssekind, no esforço de demarcação
dessa “nacionalidade essencial” inscrita nos rastros literários, “qualquer obra passada ou
contemporânea que escapasse, em maior ou menor medida, a tal delimitação
111
RICOEUR, La memoire, la histoire, l’oubli, op. cit., p. 183.
112
Cf. FOUCAULT, O que é um autor?, op. cit., pp. 29-87.
147
teleológica, seria excluída, sem maiores pesares, da cadeia quase familiar de filiações a
uma ‘origem solene’ recém-fabricada”.
113
No ano em que oferecia ao público os dois tomos do seu Florilegio da Poezia
Brazileira, Varnhagen estaria no centro de uma controvérsia travada nas páginas da
Revista do Instituto. A polêmica, mais do que envolver um problema bibliográfico de
atribuição de autoria, dizia respeito à fixação do começo histórico da literatura
brasileira. Na seção de brasileiros distintos, o nome de Bento Teixeira Pinto poderia
passar desapercebido não fosse a sua identificação como “o primeiro literato nascido no
Brasil”.
114
O autor da biografia, Joaquim Norberto de Sousa Silva, atribuía-lhe a
precedência cronológica na historia literária brasileira, com base em dados colhidos na
Bibliotheca Luzitana, de Barbosa Machado, que dava conta do nascimento do poeta em
Pernambuco, nos últimos anos do século XVI. Entre as suas obras, Joaquim Norberto
contabilizava o Dialogo das grandezas do Brasil, apoiando-se na autoridade do abade
português e lamentando a opinião contrária de Varnhagen que, ao questionar a autoria
do relato, colocava em xeque a credibilidade das informações contidas naquela
importante fonte bibliográfica.
115
“É para sentir que o Sr. Varnhagen não estivesse disposto a dar-lhe
inteiro credito, pois não me parece que a sua conclusão destrua a
asserção do incansável abbade Barboza Machado; mas a falta de
mais perfeito conhecimento d’esse manuscripto me inhibe de entrar
na elucidação de um ponto tão importante, que o nosso illustrado
consocio deixa em duvida, pois trata-se d’aquelle que, como dizem
os Srs. Ferdinand Denis e [Domingos Gonçalves de] Magalhães,
serve de ponto de partida na historia litteraria do Brasil.”
116
No número subseqüente do periódico, e estampada na mesma seção, uma resposta
não menos belicosa à interpelação configuraria o debate. Diante do que classificou de
“artigo accusatorio”, Varnhagen reapresentaria as principais razões de seu desacordo,
contestando frontalmente o apenas os argumentos do consócio, mas de todos aqueles
113
SÜSSEKIND, O Brasil não é longe daqui, op. cit., p. 17.
114
SILVA, Joaquim Norberto de Sousa. Biographia dos brasileiros distinctos por letras, armas, virtudes,
&c. Bento Teixeira Pinto. RIHGB, Tomo 13, 1850, p. 274.
115
Idem, pp. 275-276. Cf. MIRANDA, José Américo; MOREIRA, Maria Eunice; SOUZA, Roberto
Acízelo. Joaquim Norberto de Sousa Silva. Crítica reunida (1850-1892). Porto Alegre: Nova Prova
Editora, 2005, p. 245, n.1.
116
SILVA, Biographia dos brasileiros distinctos , op. cit., p. 277. [grifos do autor].
148
que, como ele, fiavam-se inteiramente nas assertivas do bibliógrafo lusitano para
defender o mesmo ponto de vista.
“Seja permittido antes de tudo fazer uma ingenua advertencia. Se o
abbade Barbosa foi incansavel em suas pesquizas, não consta que
fosse infallivel, e a prova que não foi, entre outras muitas que
pudera apontar, é que admitiu na sua Bibliotheca como escriptor do
Brasil um portuguez André de Teive, que nunca existiu n’este
mundo, levado a isso pela semelhança do nome do conhecido
autor francez André Thevet. Demais, se Barbosa foi incansavel,
não o foi privilegiadamente; e não deve o epitheto ser proferido em
ar de argumento ad hominem para rebater os que n’um ou n’outro
ponto que estudem e investiguem mais do que elle, advirtam
alguns erros em que cahisse”.
117
As suspeitas em relação à autoridade do abade de Sever, consumadas na
demonstração da falibilidade das suas informações sobre Bento Teixeira, assentavam-se
em uma operação de crítica interna, ou seja, na leitura acurada do códice manuscrito dos
Diálogos, combinada à confrontação da data de sua redação com os dados biográficos
de seu autor que dela pudessem ser inferidos.
118
Desse modo, longe de oferecer certezas
definitivas e provas cabais com que se pudesse sustentar ou contestar a nomeação do
“primeiro literato brasileiro”, Varnhagen demarcava um problema cuja solução somente
poderia ser alcançada nos domínios da crítica histórica. Ora, Barbosa Machado, afinado
aos preceitos tradicionais das práticas de erudição, baseara as suas afirmações no exame
da mesma cópia disponível na Biblioteca de Lisboa e, no entanto, o procedimento em si
não assegurava uma atribuição verdadeira e incontestável de autoria.
“Barbosa guiou-se naturalmente para o seu artigo bibliographico
por uma declaração, de differente letra e época, que se encontra no
manuscripto [...]: d’esta declaração consta ser aquella a obra de
Bento Teixeira. Mas quem a escreveu? Merece ella algum credito á
vista de outros factos contradictorios? É o que o incansavel abbade
eruditissimo de pouca critica, deixou por decidir; é que nos
indispôz o espírito a ter fé n’elle n’este ponto; é o que a critica
deve elucidar não começando por agreddir os que apontem o
caminho”.
119
117
VARNHAGEN, F. A. Bento Teixeira Pinto (Para uma explicação). RIHGB, Tomo 13, 1850, p. 403.
118
Cf. RIHGB, Tomo 13, 1850, p. 276.
119
VARNHAGEN, Bento Teixeira Pinto, op. cit., p. 404. [grifos do autor].
149
Tão obstinado quanto mordaz em sua réplica, Varnhagen sustentaria as suas
interrogações em aberta dissonância frente a seus pares, apoiado na consulta de outras
fontes. Ajuizava, então, como dignas de maior crédito as anotações de Andrés Gonzáles
de Barcia ao compêndio bibliográfico de Pinelo, cujas referências ao relato acerca das
grandezas do Brasil indicavam como autor “um tal Brandão”.
120
A hipótese adquiria
força, segundo ele, com os indícios presentes na própria obra, composta em tom
“didactico e magistral” na forma de diálogo no qual um dos interlocutores identificava-
se como Brandônio, o que poderia configurar uma transformação daquele nome. A
existência de dados documentais contraditórios àqueles professados pelo abade
português tornava imprescindível, portanto, uma corroboração crítica mais sistemática
do espólio literário até então atribuído a Bento Teixeira Pinto.
“Por ventura a autoridade do abbade Barbosa será sufficiente em
uma questão bibliographica em que elle se ache discorde com
Barcia, e em que o livro que o mesmo abbade naturalmente o
leu, apezar de seu genio incansável, possa por ventura vir algum
dia a ser testemunha como levantada do tumulo para depor contra
ele? Melhor é pois tratar primeiro de vencer a demanda do que
expormo-nos a que o legitimo herdeiro se nos apresente a pedir a
propriedade que lhe pertence...”
121
Varnhagen opunha-se a que o suposto autor dos Diálogos fosse inscrito
inadvertidamente no ponto de origem da história literária brasileira enquanto novas
averiguações factuais não lançassem luz sobre os aspectos duvidosos do caso. Defendia-
se da acusação de “não zelar pela gloria dos homens eminentes”, por entender que, mais
do que um trabalho de memória, a questão envolvia o dever de “justiça e amor da
verdade”. Pois, para o historiador, nenhum rastro literário ou testemunho dos tempos
pretéritos poderia ascender à condição de documento sem que antes fosse submetido ao
escrutínio sistemático e a uma rigorosa interrogação. O conhecimento acerca do passado
não se oferecia como uma evidência, tampouco poderia se fundar no acolhimento tácito
da autoridade da tradição, mas deveria ser estabelecido por meio de uma rie
120
RIHGB, Tomo 13, 1850, pp. 276-277. De fato, a suspeita havia sido levantada por Varnhagen em
suas Reflexões críticas sobre o escrito do século XVI impresso com o título de “Noticia do Brazil”
(1839). A fonte que contraditava as informações do abade Barbosa era o Epítome de la biblioteca oriental
e occidental, náutica e geográfica, de Antonio de Leon Pinelo, publicada em Madrid, em 1629 e cuja
segunda edição (1737) seria anotada por Andrés Gonzáles Barcia. Cf. RODRIGUES, Teoria da História
do Brasil, op. cit., p. 361, n. 42. Para uma análise dos procedimentos metodológicos implicados na
restauração do manuscrito de Gabriel Soares, cf. CEZAR, L’écriture de l’histoire, op. cit., pp. 446-452.
121
VARNHAGEN, Bento Teixeira Pinto, op. cit, p. 404.[grifos meus].
150
encadeada de operações que passariam a presidir a escrita da história, cujo ponto de
partida consistia na confrontação exaustiva das fontes. A despeito da exasperação que o
debate com o consócio lhe provocava, Varnhagen lamentaria não dispor naquele
momento de provas mais autênticas para desatar a controvérsia, porquanto “Bento
Teixeira (Pinto?) é[era] nome que está[va] ainda por apurar”.
122
Na base de sua
argumentação contundente subjaz a interdição a todo juízo histórico destituído de
validação documental, efeito de um aguçado senso de prudência metodológica e
vigilância crítica que, longe de ser uma prerrogativa exclusiva do Visconde de Porto
Seguro, tornara-se condição incontornável da elaboração historiográfica do passado.
122
Idem. Embora defendesse a tese de que Brandão seria o autor, Varnhagen não investiu mais
sistematicamente na investigação. Na trilha desta hipótese, caberia a Capistrano de Abreu resolver o
problema da autoria dos Diálogos das grandezas do Brasil, em 1901, atribuído-a a Ambrósio Fernandes
Brandão. Cf. RODRIGUES, J. H. Teoria da História do Brasil, op. cit., pp. 361-362.
151
4. BIOGRAFIA, MEMÓRIA, EXPERIÊNCIA DA HISTÓRIA
“Sim, cada morto deixa um pequeno legado, sua memória, e
demanda que ela seja zelada. [...] A história acolhe e renova essas
glórias deserdadas; ela concede uma nova vida a esses mortos,
ressuscitando-os. Sua justiça associa assim aqueles que não
viveram no mesmo tempo [...]. Eles vivem doravante conosco e
nós nos sentimos seus parentes, seus amigos. Assim se faz uma
família, uma cidade comum entre os vivos e os mortos”.
Jules Michelet.
1
“O estudo da história é uma experiência antecipada”.
Olegário Herculano de Aquino e Castro.
2
O tribunal da posteridade
Em outubro de 1877, Olegário Herculano de Aquino e Castro e José Tito Nabuco
de Araújo emitiam um parecer acerca do Elogio Historico-Biographico de José
Bonifácio, oferecido para a admissão do português José Maria Latino Coelho como
sócio correspondente do IHGB. Na avaliação do trabalho do secretário geral da
Academia Real de Ciências de Lisboa o lhe seriam poupados louvores.
3
De acordo
com os pareceristas, ao abordar a vida de um dos protagonistas da independência do
Brasil, Latino Coelho não se limitara a apresentar “a simples biographia de um
homem”, mas “a pagina brilhante da historia de duas nações irmãs, em uma quadra
difficil e melindrosa, grave e complicada, escripta com a proficiência e imparcialidade
1
No original: “Oui, chaque mort laisse un petit bien, sa memóire, et demande qu’on la soigne. […]
L’histoire accueille et renouvelle ces gloires déshéritées; elle donne une nouvelle vie à ces morts, les
ressuscite. Sa justice associe ainsi ceux qui n’ont pas vécu en même temps, [...]. Ils vivent maintenant
avec nous qui nous sentons leurs parents, leurs amis. Ainsi se fait une famille, une cite commune entre les
vivants et les morts”. MICHELET, J. Preface. Des justices de l’histoire [1873]. In: Histoire de France au
XVIIIe siècle. Tomo II. Paris: Ernest Flammarion Éditeur, 1873, pp. 2-3.
2
Discurso do Presidente do Instituto. RIHGB, Tomo 58, 1895, p. 404.
3
José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) havia sido nomeado secretário perpétuo da mesma
Academia em 1812.
152
do consciencioso historiador, que tem na mente a justiça, por norte a verdade, e por
objecto o facto que se propõe a narrar ou a esclarecer”.
4
Entre os acontecimentos da história recente do Império, a emancipação política
brasileira teria as suas investigações continuamente postergadas, não impedindo, porém,
que a preocupação com o tema se mantivesse presente entre os associados do Instituto.
5
Lúcia Guimarães chamou a atenção para o absenteísmo no tocante ao tema da
independência nos anos iniciais da agremiação, tomando como exemplo a tentativa
malograda de instalação de uma comissão destinada a esclarecer os episódios de 1822.
6
Com efeito, o adiamento da tarefa de elucidar os fatos da independência, especialmente
para aquela primeira geração de acadêmicos entre os quais despontavam alguns de seus
principais articuladores, resultava de uma deliberada postura de prudência política
frente à conjuntura de incertezas do período regencial. Além disso, a contumaz
hesitação acerca do registro da história imediata da nação também seria justificada por
meio de um argumento epistemológico, baseado na evocação do compromisso tácito do
historiador com a verdade, a justiça e a imparcialidade.
7
4
Parecer sobre o “Elogio Histórico de José Bonifácio”, por Olegário Herculano de Aquino e Castro e
José Tito Nabuco de Araújo. RIHGB, Tomo 40, II, 1877, p. 514. A despeito das menções honrosas, o
trabalho não chegou a ser publicado na Revista.
5
Valdei Lopes de Araújo atribui à Independência o papel de “princípio organizador” de uma “história
geral” do Brasil, funcionando como “o marco de uma abertura epistemológica a partir do qual todo o
passado colonial pode ser compreendido como a formação da nacionalidade”. ARAÚJO, A experiência
do tempo, op. cit., p.172.
6
Em sessão de 20 de abril de 1839, uma proposta de Euzébio de Queiroz Mattoso Câmara para a
formação de uma comissão especial integrada por Januário da Cunha Barbosa, Gonçalves Ledo e José
Clemente Pereira, com o objetivo de esclarecer os episódios da independência chegaria a ser aprovada.
Contudo, ao final do mesmo ano, Cunha Barbosa seria lacônico em seu relatório, alegando que “o tempo,
as ocupações e as circunstâncias” haviam impedido o andamento dos trabalhos”. Cf. GUIMARÃES,
Lúcia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-
1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007, p. 136. Como bem destaca a autora, “dentre tais
circunstâncias, havia episódios contraditórios, fruto da militância política daqueles três vultos que, ao
lado de José Bonifácio e de D. Pedro, estiveram à frente do movimento de 1822”. A esse respeito, cf.
também SLEMIAN, Andréa. Vida política em tempo de crise (1808-1824). o Paulo: Hucitec, 2006, pp.
176-192.
7
Entre os autores que enfrentaram o tema, já numa conjuntura posterior aos anos de 1850, Alexandre José
de Mello Moraes publicaria em 1877 A Independência e o Império do Brasil, onde se propunha apresentar
“a verdade histórica provada pelos documentos e pelos fatos”. Cf. COSTA, Emília Viotti. José Bonifácio:
mito e história. In: Da monarquia à República. Momentos decisivos. 7
a
ed. São Paulo: Unesp, 1999, pp.
115-116. Francisco Adolfo de Varnhagen que, a princípio, almejava prolongar a sua Historia Geral do
Brasil até 1825, considerou “espinhosa” a tarefa da “imparcial narração desse período, sobretudo para um
nacional”. Deixaria inacabada uma História da Independência do Brasil, cujos manuscritos somente
foram descobertos postumamente nos arquivos do Barão do Rio Branco. A obra foi impressa na Revista
do IHGB, Tomo 79, 1916, pp. 5-598. Cf. GUIMARÃES, Debaixo da imediata proteção, op. cit., pp. 571-
572.
153
Ora, a despeito das biografias atenderem aos apelos mais prementes de um certo
dever de memória e luta contra o esquecimento dos beneméritos do passado nacional,
tais prerrogativas não deixariam de orientar igualmente a sua elaboração. No parecer
referido acima, o traço distintivo do escritor de história – “dizer a verdade, e pelo modo
por que deve ser dita”seria assinalado como critério decisivo para atestar o mérito da
biografia de José Bonifácio, nome devidamente incluído na galeria de ilustres da
Revista do Instituto
8
, não obstante o espectro controverso que cercava a sua figura.
9
“Se a historia sem a verdade é apenas o romance, cumpre que ao dizêl-a, com
inalterável firmeza e inteira segurança, possa ainda o escriptor guardar a propriedade do
modo, a graciosidade da fórma e a conveniência do estylo, que asellam o caracter do
perfeito historiador”.
10
Não era raro que as críticas ao estilo dos autores ocupassem
espaço considerável na apreciação de trabalhos enviados ao Instituto, convertendo-se
em quesito preponderante para o ajuizamento de seu valor historiográfico.
11
É
importante lembrar que, ao final de sua premiada dissertação, Martius recomendava aos
historiadores brasileiros “um estylo popular, posto que nobre”, assinalando que a
história não deveria ser escrita “em uma linguagem empolada [...] sobrecarregada de
erudição ou de uma multidão de citações estéreis”. Ao tomar como objeto uma nação
“onde o povo ainda se acha[va] em desenvolvimento progressivo”, a história do Brasil
8
Sobre José Bonifácio, constam duas biografias, a primeira, publicada em 1846, na seção de brasileiros
ilustres, de Emilio da Silva Maia e a outra, intitulada “Esboço Biográfico”, supostamente composta por
seu irmão, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado logo após a sua morte em 1838 e publicado na
Revista em 1891. É importante lembrar que dois fundadores do IHGB estiveram diretamente envolvidos
no episódio que destituiu José Bonifácio da função de tutor de D. Pedro I em 1833: Aureliano de Sousa e
Oliveira Coutinho, então ministro da Justiça, autor do decreto, e o general Raimundo da Cunha Matos que
executou a ordem de prisão expedida. Cf. SOUSA, Octavio Tarquínio de. História dos Fundadores do
Império. Volume 1. José Bonifácio. 2
a
ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1957, pp. 336-337.
9
Emília Viotti da Costa destacou a persistência das “múltiplas faces” de José Bonifácio na vasta
bibliografia acerca do movimento da independência, oscilando entre as exaltações heróicas de sua figura
como “Pai da Pátria” ou “Patriarca da Independência” e a “versão antiandradina”, não por acaso
predominante na historiografia elaborada pelos sócios do IHGB no Oitocentos. Tal visão depreciativa
procurava, em contrapartida, realçar a participação no processo de emancipação do grupo formado por
Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa e Clemente Ferreira, notórios inimigos políticos de
Bonifácio. Neste caso, o exemplo mais explícito deste viés de interpretação estaria na História da
Independência, de Varnhagen, que retratou Bonifácio como vingativo e arbitrário. Cf. COSTA, op. cit.,
pp. 107-119.
10
Parecer sobre o “Elogio Histórico de José Bonifácio”, op. cit., p. 515.
11
Essa seria uma das objeções mais graves dirigidas, por exemplo, à Noticia Descriptiva da Província do
Rio Grande de S. Pedro do Sul de Nicolau Dreys: “O estilo do author é em geral impróprio e empolado;
e em vez de apresentar as suas descripções simplices e claras, de modo que parecesse ao leitor o estar
vendo os logares descriptos, pelo contrario, pelas palavras e phrases de que faz uso, o guinda, e eleva tão
alto, que se perde na região das nuvens, e fica sem entender o que leu”. RIHGB, Tomo 2, 1840, pp. 99-
100.
154
“deve[ria] parecer-se com um Épos, haveria que se aproximar de uma epopéia
popular” em que o seu autor imprimisse todo o seu patriotismo.
12
Embora tais
recomendações se apresentem como corolário da perspectiva pragmática com que o
naturalista fundamentou o seu plano de uma história a serviço do fortalecimento do
Estado monárquico-constitucional, elas também indicam que a forma com que as
narrativas históricas deveriam ser escritas não era questão secundária no Oitocentos. Em
decorrência disso, poder-se-ia afirmar que a exposição da verdade histórica seria
concebida como inseparável de uma certa qualidade estilística que, longe de ser
identificada a um mero ornamento do discurso historiográfico, convertia-se em
exigência incontornável para a sua legitimidade “científica”.
13
Nesse sentido, as formas
de narrar a história denotariam determinadas visões sobre o passado e, por conseguinte,
as “verdades” que o historiador seria capaz ou não de captar.
14
Para as narrativas de vida dos grandes personagens históricos, como foi
assinalado, impunham-se expectativas de veridicidade semelhantes. De acordo com
Olegário Herculano e Nabuco de Araújo, no caso de um protagonista inconteste da
emancipação brasileira, era necessário, em nome da “justiça da historia”, reconhecê-lo
entre os “árbitros dos destinos do paiz”.
15
Atribuir-lhe um tal lugar memorável na cena
histórica nacional não significava, contudo, que fosse possível compor o quadro
definitivo da história da “gloriosa revolução”. Para os autores do parecer, ainda era
prematura qualquer tentativa de historiografar com verdade e imparcialidade os
acontecimentos políticos de 1822.
“E se a severidade da critica ou a variedade do pensamento não
permitte ainda que se fixe definitivamente a opinião que sobre os
factos da independência deve ser formada; se é cedo para
pronunciar-se a ultima palavra sobre assumptos que se prendem á
nossa historia politica em tempos de tão agitadas comoções, seja-
nos ao menos dado a nós, obreiros do porvir, juntar com desvelado
esmero e accurada attenção todos os valiosos subsídios que a
geração comtemporanea vai preparando para o soberbo
monumento da historia da nossa pátria.
12
MARTIUS, Como se deve escrever a história do Brasil, op. cit., p. 204.
13
No contexto francês, o problema da narrativa histórica não passaria desapercebido para historiadores
como Prosper Barante e Augustin Thierry, cf. HARTOG, O século XIX e a história, op. cit., pp. 101-102
et passim.
14
Cf. GAY, Peter. O estilo na história. Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. São Paulo: Cia. das
Letras, 1990, p. 23.
15
Parecer sobre o “Elogio Histórico de José Bonifácio”, op. cit., p. 518.
155
A nós cabe a missão de honrar a memória dos grandes homens; á
posteridade o encargo de julgal-os”.
16
A delimitação da tarefa prioritária dos “obreiros” do IHGB remetia à antiga
fórmula do ato fundador da historiografia. Percebe-se, contudo, que o propósito de
combater a ação corrosiva do tempo reiterava-se não tanto pela exortação à escrita da
história, mas pela afirmação do trabalho diligente de conservação dos rastros que
testemunhavam os feitos dos homens e a marcha da nação. Investir-se da missão de
acumular “valiosos subsídios” no presente para a elaboração de uma obra monumental
no futuro implicava, além disso, experimentar o tempo não somente como produtor de
esquecimento, mas como agente crucial na demarcação de uma perspectiva
genuinamente histórica a servir de fundamento metodológico para as atividades do
historiador.
17
A distância temporal, antes tida como obstáculo para a apreensão dos
tempos pretéritos, convertia-se, assim, em condição sine qua non para uma
compreensão mais verdadeira da história, capaz de elevá-la ao estatuto de ciência
investigativa do passado, objeto por excelência da operação historiográfica moderna.
Isso porque quanto mais imediatos os acontecimentos, menor a acuidade de sua
inquirição pela “severidade da critica”, daí o imperativo de renunciar à sua investigação
para convertê-los em objetos de memória, tendo em vista a sua elaboração
historiográfica na posteridade.
Desse modo, a figura do historiador não mais deveria se confundir com a do
cronista que relatava os fatos presenciados, para se investir dos encargos de guardião e
crítico de testemunhos dos tempos pretéritos. Contudo, alguns sócios ilustres do
Instituto o se esquivariam diante do desafio de registrar acontecimentos do presente.
Na condição de testemunha ocular, Domingos José Gonçalves de Magalhães elaboraria
a sua premiada Memória Histórica e Documentada da Revolução da Província do
Maranhão, oferecendo os factos e os documentos para juizes imparciaes”.
18
Como
escrever a história de eventos imediatos que pareciam se suceder de um modo tão
acelerado?
16
Idem, pp. 519-520.
17
Cf. KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., pp. 174-176.
18
MAGALHÃES, Domingos J. G. Memória Histórica e Documentada da Revolução da Província do
Maranhão desde 1839 até 1840. RIHGB, Tomo 10, 1848, pp. 263-362.
156
“Tal é o tempo em que vivemos, tal é a lição histórica que das
nossas desordens se collige. [...] Entretanto não nos assustemos,
d’esta mesma fermentação de cousas deve nascer o espírito de
ordem que esclarecerá o futuro.
Se as scenas de que somos testemunhas gravadas ficam em nossa
memória, nem por isso dispensam a narração d’ellas para o
futuro; porque devem nossos filhos instruir-se com a lição do
passado, e saber por que alternativas passamos, que lutas tivemos,
que tropeços encontramos, afim de que, se possível for, evitem os
males que soffremos, e prezem o legado que á custa de fadigas
nossas lhes transmittimos [...]”.
19
Da mesma forma que o registro dos acontecimentos, a tarefa de “honrar a
memória dos grandes homens”, empreendida como antídoto à voragem do tempo, não
era evocada sem que nela também estivesse implícito certo dever de justiça. Nos
discursos dos sócios eminentes do Instituto, seria recorrente a analogia, tornada lebre
por Jules Michelet, do papel do historiador com a de um magistrado encarregado de
administrar o legado dos mortos, uma espécie de intermediário e intérprete de suas
vozes junto à posteridade.
20
Ninguém celebraria tal compromisso com maior convicção
do que o orador Joaquim Manoel de Macedo:
“O Instituto Historico e Geographico do Brasil reconhece que pela
própria natureza dos fins que presidiram á sua organização, é um
dos seus mais sérios e imprescriptiveis deveres o pagamento desse
generoso tributo devido aos varões illustres que a morte vai
roubando ao paiz: colligindo e publicando as biographias de cada
um delles, vai recommendando os nomes e os feitos dos
beneméritos ao tribunal da posteridade, que os deve julgar em
ultima instancia, marcando o lugar que lhes compete na galeria da
historia...”.
21
O trabalho de memória não reduzia à fixação de exemplos ou ao estabelecimento
de uma linhagem de ilustres para servir de espelho à nação, mas pressupunha uma
relação de herança e dívida para com o passado. A escrita biográfica confundir-se-ia
com a prestação de um tributo devido às vidas dos grandes homens, com a qual se
19
Idem, p. 265. [grifos meus].
20
A concepção do historiador como magistrado civil encarregado de administrar a fortuna dos mortos é
formulada por Michelet em uma referência a Camões que ocupara posto semelhante em seu exílio nas
Índias. A esse respeito, cf. BARTHES, Roland. Michelet. São Paulo: Cia. das Letras, 1991, p. 74 e
HARTOG, François. Michelet, a história e a “verdadeira vida”. Ágora, Santa Cruz do Sul/RS, v. 11, n.1,
2005, pp. 13-19.
21
Discurso do orador. RIHGB, Tomo 22, 1859, p. 706. [grifos meus]. A noção de “tribunal da
posteridade” teria uma ampla vigência entre os associados do Instituto, funcionando como uma espécie de
premissa reguladora do material publicado na Revista. A esse respeito, Lúcia Guimarães demonstra como
tal noção foi largamente evocada no IHGB nas décadas iniciais do século XX. Cf. GUIMARÃES, O
tribunal da história. In: Da Escola Palatina ao Silogeu, op. cit., pp. 115-130.
157
perpetuariam as suas ações e se consignariam os seus verdadeiros “lugares” na história.
Haveria, portanto, uma vinculação entre os imperativos de memória e de justiça cujas
implicações excederiam a epistemologia do conhecimento histórico para se inscreverem
em uma problemática moral e ética mais ampla.
22
A composição de biografias, justificada pelo dever de salvar do esquecimento os
nomes valorosos do passado nacional, podia explicitar, muitas vezes, uma firme opção
pela crítica histórica como caminho privilegiado para a retificação da memória. Tal
premissa marcaria, de um modo bastante evidente, as investigações de Joaquim Caetano
Fernandes Pinheiro.
23
Para o cônego, a defesa enfática do compromisso do historiador
com a verdade e a imparcialidade, combinado ao pressuposto de um “tribunal da
história”, longe de funcionarem como justificativa plausível para o adiamento da
investigação dos acontecimentos do passado recente do Império, serviriam como
argumentos propulsores para um estudo histórico sobre revolução pernambucana de
1817, intitulado sugestivamente de Luiz do Rego e a posteridade.
24
Na função de
primeiro secretário do Instituto, ele comentaria o trabalho no relatório anual de 1861:
“[...] examinei, estreme de cor política, alheio ás recriminações ou vindictas, e com a
imparcialidade de que Tacito prezava-se guardar para com a memoria de Othon ou
Vitellio, essa epoca de nós mais arredada pela transformação das idéas do que pelo
lapso do tempo”.
25
Após compulsar inúmeros documentos relativos ao episódio,
Fernandes Pinheiro chegaria à “intima convicção de que injusta fora até aqui a historia
para com um respeitável varão”, o comandante português da esquadra marítima
imperial, enviada por D. João VI para debelar o movimento.
26
O que o cônego propunha
era não somente a correção das inexatidões acerca dos fatos da revolução, mas a
reabilitação sine ira et studio daquele personagem histórico em nome de um pretenso
sentido de justiça. Se, por um lado, a retificação da memória não dispensava
22
É Paul Ricoeur quem chama a atenção para as dimensões ético-políticas da memória e suas relações
com a idéia de justiça em La mémoire, l’histoire, l’oubli, op. cit., pp. 105-111.
23
Sobrinho do Visconde de São Leopoldo, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro (1825-1876) pertenceu à
geração que sucedeu os fundadores do Instituto, foi professor de Retórica e Poesia no Colégio D. Pedro II
e exerceu a função de primeiro secretário durante 22 anos consecutivos, entre 1859 e 1876. Dicionário
Biobibliográfico deHistoriadores, vol. 5, op. cit., pp. 53-55.
24
É importante observar que, nas ginas da Revista, prevaleceu o silêncio sobre a revolução
pernambucana a 1853, quando começaram a ser publicados documentos relativos ao movimento. Cf.
GUIMARÃES, Da Escola Palatina ao Silogeu, op. cit., p. 118.
25
Relatório do primeiro secretário Cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro. RIHGB, Tomo 24,
1861, p. 775.
26
Idem. [grifos meus].
158
procedimentos críticos específicos, tampouco podia prescindir de um fator que,
extrínseco ao todo dos historiadores, tornava-se coadjuvante das condições possíveis
de elaboração historiográfica do passado: a própria temporalidade. Tal aspecto
apareceria destacado já nas primeiras linhas do estudo:
“Razão tinham os antigos quando estabeleceram os juízos dos
mortos; porque necessário é que desappareça o homem da
superfície da terra para que se lhe faça justiça, para que com
imparcialidade se julgue os seus actos. Pairam ainda por algum
tempo em derredor dos túmulos o espectro das paixões, e releva
que se haja elle ausentado para que sua final sentença profira a
historia”.
27
A passagem é inequívoca quanto ao papel atribuído à posteridade e, por
conseguinte, à própria história, como foro de justiça e moralidade.
28
Ao contrário de
destituí-lo de seus deveres, tal atribuição reforçaria o impreterível pacto do historiador
com a verdade. Pois, na medida em que o julgamento dos homens era delegado ao
“tribunal da posteridade”, caberia aos historiadores a tarefa mais imediata, e não menos
judiciosa, de estabelecer e inquirir diligentemente os testemunhos de modo a instituí-los
como fontes dignas de credibilidade.
No estudo daquela “madrugadoura tentativa d’independencia”, Fernandes Pinheiro
questionava a inclusão do nome de Luis do Rego entre os algozes” das forças
imperiais, elegendo como alvo de sua crítica a Historia da Revolução de Pernambuco
em 1817, composta pelo sócio correspondente Francisco Muniz Tavares, incluído entre
os insurgentes.
29
“Seguindo de perto o chronista da revolução pernambucana
rectificaremos os equívocos que as reminiscências d’outra era, ou a carencia de
27
PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Luis do Rego e a posteridade. RIHGB, Tomo 24, 1861, p.
353.
28
Reinhart Koselleck assinala que, pelo menos desde a Ilustração, a posteridade foi elevada a foro de
justiça, substituindo o Juízo Final. Assim, com o advento da concepção de história como coletivo
singular, “o juízo histórico [historisch] se converteu em uma expectativa histórica de que se fizesse
justiça”. Historia/historia, op. cit., pp. 60-63. Cf. também GUIMARÃES, Da Escola Palatina ao Silogeu,
op. cit., pp. 115-130.
29
O padre Francisco Muniz Tavares (1793-1876), nascido em Pernambuco, doutorou-se em teologia pela
Universidade de Paris, foi nomeado monsenhor da Capela Imperial e, em razão de seu envolvimento na
Revolução de 1817, seria preso e deportado para a Bahia. Com a proclamação da independência, elegeu-
se deputado constituinte em 1823. Posteriormente, exerceu mandatos de deputado provincial e a função
de vice-presidente da província de Pernambuco, onde foi co-fundador do Instituto Arqueológico e
Geográfico (1862). Desde 1845, era sócio correspondente do IHGB. Dicionário Biobibliográfico de
historiadores, op. cit., pp. 143-144, vol. 5.
159
documentos, lhe fizeram commeter”.
30
O escrutínio crítico seria justificada por se tratar
de uma história escrita por uma “testemunha ocular” dos acontecimentos narrados, “sob
o mais apaixonado e inveridico prisma” e que poderia ser tomada “pelos vindouros
como puro manancial da verdade”.
31
Para contraditar o que considerava como opiniões
equivocadas do padre pernambucano, o primeiro secretário não pouparia citações de
outros testemunhos diretos daqueles episódios, além de acrescentar a transcrição
integral de documentos oficiais do Império ao final texto: “não desejando sermos
acreditados sob palavra documentaremos todas as proposições que emittirmos...”.
32
Contudo, seria em torno da figura de Luis do Rego que as suas divergências frente ao
relato de Muniz Tavares mostrar-se-iam mais exacerbadas: “não podemos deixar de
protestar contra a injustiça com que o tracta...”.
33
Diante da “infiel pintura” do oficial
de armas traçada pelo cronista, que o descrevia como “adaptado para exterminar os
pernambucanos”, “auctorizado para cometter impune todos os attentados”, Fernandes
Pinheiro contrapunha a biografia composta por um “distincto litterato contemporâneo”,
para quem Rego destacava-se pela “brandura e espírito de conciliação”.
34
Igualmente
passíveis de contestação eram as acusações quanto à atuação do comandante português
no governo provisório da província e dos supostos “excessos de autoridade” cometidos
no julgamento dos revoltosos. “Somos ainda aqui obrigados á presumir o leitor acerca
dos devaneios poeticos do Sr. Moniz Tavares, cuja brilhante imaginação prejudica mais
d’uma vez a verdade historica”.
35
Por meio de seu estudo sobre a revolução de 1817, Fernandes Pinheiro intentava
“libertar a memória d’um honrado servidor do Estado”, valendo-se da distância que as
transformações políticas posteriores ao movimento demarcavam frente ao quadro de
circunstâncias daquela “chimerica republica” dos tempos coloniais. Entre aquele
episódio e o momento em que se propunha a abordá-lo por meio de novos documentos e
testemunhos, existiria, segundo o cônego, um lapso” maior de idéias do que
30
PINHEIRO, Luis do Rego e a posteridade, op. cit., p. 354.
31
Idem, pp. 354 e 395.
32
Idem, p. 355.
33
Idem, p. 375. [grifos meus].
34
Idem, pp. 376-377.
35
Idem, p. 402. A obra de Muniz Tavares, publicada em 1840, somente seria reabilitada em seu valor
historiográfico durante as comemorações do centenário da revolução pernambucana, quando foi
reeditada, com revisão e anotações críticas de Manoel de Oliveira Lima (1867-1928). Cf. GUIMARÃES,
Da Escola Palatina ao Silogeu, op. cit., p. 119.
160
propriamente de tempo, o que favorecia uma reconstituição mais verdadeira dos
acontecimentos do que a do cronista revoltoso a quem criticava. Embora não assumisse
uma postura de defesa dos insurgentes pernambucanos, Fernandes Pinheiro tampouco
optou por estigmatizá-los, manifestando-se contrário à visão de Varnhagen acerca da
proclamação do governo revolucionário: “Parece-nos o programma da republica de
Platão, que alguns utopistas pretendiam transplantar para as margens do Beberibe; não
julgamol-a porém incongruente, desconchava e ridicula como a considerou o nosso
douto e respeitável collega o Sr. Varnhagen, a quem pedimos vênia para discordar de
sua opinião”.
36
No mesmo ano em que anunciava o estudo histórico acerca da revolução de 1817,
o primeiro secretário também oferecia para publicação na seção de brasileiros ilustres da
Revista do Instituto um esboço biográfico do padre Luiz Gonçalves dos Santos (1767-
1844), personagem de reputação não menos controversa, cuja atuação fora notória nos
episódios de 1822. “Bosquejando a vida do Athanasio fluminense, procurei tornar bem
salientes as virtudes em que se extremava, e, sem dissimular que por vezes excessiva era
a manifestação do seu zelo, fiz justiça á pureza de suas intenções”.
37
Nas primeiras
linhas da biografia, Fernandes Pinheiro posicionava-se veementemente contra o “gélido
sopro de indifferençaque, segundo ele, predominava em relação aos grandes nomes
dos tempos da emancipação política: quase nenhuma attenção prestamos ás glorias do
passado. Aguardam suas estatuas os architectos da nossa independencia; esperam pelo
brasilico pantheon os varões beneméritos que pela tria se dedicaram...”.
38
No
contexto dos embates políticos que antecederam a emancipação, o biografado merecia
figurar no panteon do IHGB pela coragem com que retrucara as afrontas dirigidas ao
Brasil pelos deputados das cortes e propagadas nos periódicos portugueses.
39
Além dos
serviços prestados em prol da independência, fora autor das Memórias para servirem á
História do Reino do Brazil, publicadas em 1825 pela Imprensa Régia de Lisboa, que
36
PINHEIRO, Luis do Rego e a posteridade, op. cit., pp. 367-368.
37
PINHEIRO, Relatório, op. cit., p. 777. [grifos meus].
38
PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. O cônego Luiz Gonçalves dos Santos RIHGB, Tomo 25,
1862, p. 163.[grifos do autor].
39
Além de célebre por suas intervenções na “guerra panfletária” travada no contexto que precedeu a
independência, o cônego Gonçalves dos Santos (conhecido pela alcunha de “Padre Perereca”), pertenceu
à Academia Real de Ciências de Lisboa e, em 1839, fora eleito sócio honorário do IHGB. Dicionário
Biobibliográfico de Historiadores, op. cit., pp.141-142, vol. 6. Cf. também o verbete “Luís Gonçalves dos
Santos” in: VAINFAS, Dicionário do Brasil Imperial, op. cit., pp. 494-495.
161
deveriam ser consideradas menos como obra histórica do que um “vasto repertorio”
para os estudos futuros desse período: “faltavam a Luiz Gonçalves dos Santos os dotes
d’historiador; compillador infatigável, nunca deveria passar de chronista...”.
40
Seria,
portanto, por sua condição de “cidadão benemérito” que se designaria ao padre
polemista um lugar no panteon de celebridades do Instituto: “Dezessete annos nos
separam do illustre fluminense para quem começou a posteridade: póde pois sobre
seu tumulo sentar-se a justiça”.
41
Nos estudos de Fernandes Pinheiro, permanece subjacente o dilema partilhado
pelos historiadores modernos entre introduzir juízos em suas narrativas com o intuito de
fazer justiça à memória dos mortos, ou permitir que a história proferisse por si mesma
os seus veredictos, por efeito de sua sucessão inexorável e contínua. Por conta disso,
com a reiterada evocação de um “tribunal da posteridade”, transferia-se para o próprio
decurso da história a prerrogativa ajuizadora da qual os historiadores do Oitocentos
desejavam se abster ou, em última instância, delegar aos seus sucessores. A expectativa
não estava mais nas sentenças morais passíveis de serem extraídas das histórias
particulares, mas na força moralizadora própria da história concebida como processo.
42
Assim, a experiência da história como um tribunal parecia absolver o historiador das
suspeitas de parcialidade, fazendo-o revestir de ambições “científicas” o preceito
retórico de deixar falar por si mesma a verdade da história”.
43
No entanto, longe de
reforçar a convicção dos antigos em uma correspondência entre os fatos acontecidos
(res gestae) e o seu relato (historia rerum gestarum), a emergência do conceito
reflexivo de história como categoria específica da temporalidade humana tornaria
necessária uma separação metodológica entre ambos. A partir daí, a elaboração
historiográfica do passado passaria a ser considerada como temporalmente
condicionada.
44
Com a constatação de que o conhecimento histórico estava submetido
às coações do tempo e, por conseguinte, apresentava-se necessariamente sob uma
40
PINHEIRO, O cônego Luiz Gonçalves dos Santos, op. cit., p. 168.
41
Idem, p. 175.
42
Cf. KOSELLECK, história/Historia, op. cit., pp. 62-63.
43
Idem, p. 61. Uma vez formulado por Cícero e Luciano de Samósata, o princípio segundo o qual o
historiador deveria se manter fiel à verdade, expondo claramente os fatos em toda a sua evidência,
manteve larga vigência na modernidade, sendo retomado na célebre fórmula “mostrar como as coisas
efetivamente aconteceram” de Ranke, ou ainda em sua confissão não menos citada: eu gostaria de poder
apagar meu próprio eu, dando vez apenas às coisas que se manifestam por meio de forças poderosas”.
Apud KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., pp. 164-165.
44
Idem, pp. 171-175.
162
pluralidade de perspectivas com que os acontecimentos eram testemunhados e narrados,
inaugurar-se-ia a questão sobre o verdadeiro ponto de vista do historiador.
No IHGB, o cônego Fernandes Pinheiro seria um dos que se manifestaria ciente
das diferentes formas de escrita da história segundo a posição daqueles que a
elaboraram, quando, em 1866, introduziu o seu trabalho sobre as batalhas que marcaram
o fim do domínio holandês no Brasil colonial com a seguinte reflexão:
“Historiadores que entendem ser licito adornar com os
arabescos da ficção os fastos nacionaes, exalçar as victorias
alcançadas sobre os contrários, e esconder, ou atenuar as próprias
derrotas; a esta escola pertenceram Heródoto, Tito Lívio entre os
antigos e João de Barros e Rocha Pita entre nós. Por mais
respeitáveis que sejão taes auctores, por mais patriótico que pareça
o seu propósito, apartamo-nos de seu methodo, pensando que
abdicaria a historia a mais nobre das suas prerrogativas si deixasse
de fallar aos homens a verdade. Reconhecendo a competência de
semelhante tribunal, para elle appellam vencedores e vencidos, e
convicto de sua justiça ninguém que a tal emprazamento se
recuse. Pôde por dilatados annos fazer se esperar a derradeira
sentença; quando porem proferida traz Ella o cunho da mais
sublimada imparcialidade”.
45
A opção do historiador em escrever a história, guiado unicamente por sentimentos
patrióticos, o lhe ofereceria garantias epistemológicas de verdade, posto que
implicaria uma inevitável carga de parcialidade.
46
As condições para uma apreensão
historiográfica mais imparcial e verdadeira dos fatos já transcorridos seriam dadas por
um distanciamento que somente a sucessão temporal (os “dilatados annos”) e o fluxo
próprio da história poderiam estabelecer. Nesse caso, o avanço do tempo seria
considerado menos por seu potencial corrosivo do que pelo acréscimo de sentido e
compreensão que faria incidir sobre os acontecimentos pretéritos.
Si de provas
necessitasse este asserto bastaria citarmos a celebre batalha de Waterloo, tão
desfigurada nas intimas praticas do seu protagonista, o occulta aos olhos da critica
45
PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. As batalhas dos Guararapes. RIHGB, Tomo 29, 1866, pp.
309-310. [grifos meus].
46
Nas considerações de Fernandes Pinheiro, ecoam as advertências expressas de Alexandre Herculano
contra as intromissões da retórica literária, do patriotismo e das “fábulas” destituídas de qualquer
fundamento de verdade histórica: “O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é
péssimo conselheiro do historiador”. HERCULANO, Alexandre. História de Portugal desde o começo da
monarquia até ao fim do reinado de Afonso III (1846). Apud MATOS, Sérgio Campos. História
(Portugal). Disponível em http://www.iberconceptos.net/Voces/Historia/Historia_Pt_03.doc. Agradeço à
Taíse Quadros pelo envio deste texto.
163
pelo véo da legenda, e que hoje, graças aos escritos de Gerard, Grouchy, Jominy,
Charras e Edgard Quinet, refulge a luz da historia”.
47
Como premissa para a elaboração
do conhecimento histórico, o afastamento temporal circunscreveria a posição
epistemológica privilegiada do historiador frente à do cronista, o que acentuava a
demanda por documentos com que o primeiro passaria a inquirir critica e indiretamente
o passado. Nesse sentido, Fernandes Pinheiro apresentaria o seu inquérito sobre os
momentos finais da ocupação holandesa como um confronto entre os testemunhos
oculares dos acontecimentos e a documentação oficial. Com isso, a compreensão do
passado não se fazia disponível pelo simples acúmulo das fontes, mas se desvelaria
paulatinamente, como resultado das operações heurísticas que visavam aferir a exatidão
e credibilidade dos testemunhos. A exigência de verdade justificaria assim a acuidade
da corroboração documental que, combinada à situação temporal distanciada do
historiador na relação com o objeto investigado, estabeleceria as condições para as suas
investigações.
Desde que fora incorporada ao projeto historiográfico do IHGB, a tarefa biográfica
não deixaria de impor exigências de difícil conciliação, na medida em que se buscava
não somente eleger os beneméritos dignos de serem memorizados como modelos de
ilustração e patriotismo, mas também retratar com verdade e imparcialidade as
circunstâncias históricas a que se relacionavam tais personagens. Ultrapassadas as
dissensões políticas do período regencial, a fixação da memória dos brasileiros ilustres
deveria espelhar a fase de “apogeu do fulgor imperial”.
48
Percebe-se, no entanto, certo
esmorecimento na seção de biografias da Revista do Instituto entre 1850 e 1860 na
comparação com os demais períodos. Esse é o momento em que os poetas inconfidentes
Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Inácio de Alvarenga Peixoto
despontam na galeria de biografados, menos pelas respectivas atuações na conjuração
mineira do que por sua contribuição ao florescimento das letras nacionais.
49
47
PINHEIRO, As batalhas dos Guararapes, op. cit., p.310.
48
A expressão é de Capistrano de Abreu em seu célebre artigo sobre as “Fases do Segundo Império”. In:
Ensaios e Estudos. 3
a
série. Rio de Janeiro: Livraria Briguiet, 1938, p. 123.
49
Cf. ENDERS, O Plutarco Brasileiro, op. cit., p. 50.
164
Nos anos em que perdurou a Guerra do Paraguai (1864-1870), não seria fortuito
que as invasões holandesas adquirissem relevância e atualidade como tema
historiográfico.
50
Nesse contexto, tornar-se-ia oportuna a recordação do bem sucedido
desfecho do conflito dos tempos coloniais, que culminou com a vitória das forças do
Império português sobre o “invasor” estrangeiro. Os estudos de Fernandes Pinheiro
sobre O Brasil holandês e o já citado As batalhas dos Guararapes, seriam impressos na
Revista respectivamente em 1860 e 1866.
51
Nos anos seguintes, o cônego daria
seqüência às investigações sobre o assunto, biografando três figuras de destaque nos
episódios da reconquista de Pernambuco. A publicação em série das biografias de
Henrique Dias, Felipe Camarão e André Vidal de Negreiros demonstra que, além de
capítulo heróico da história brasileira, a guerra contra os holandeses oferecia-se como
cenário histórico em que era possível vislumbrar a mobilização dos elementos díspares
da formação nacional – um negro, um índio e um luso-brasileiro em torno do
sentimento comum de patriotismo.
52
Desse modo, Fernandes Pinheiro reconheceria em
Henrique Dias o “valente cabo dos pretos” e em Felipe Camarão o “invicto chefe dos
carijós”, equiparando-os em bravura e dedicação aos melhores chefes militares
imperiais como o “heroico parahybano” André Vidal de Negreiros.
As biografias desses heróis das armas nacionais apoiar-se-iam no relato dos
cronistas e na documentação coligida em arquivos holandeses, citada extensamente em
notas de de página. Entronizado no panteon do Instituto, Henrique Dias seria
apresentado como guerreiro ilustre que, “n’numa epocha em que as differenças das
cores e das castas serviam de empecilho ao galardão”, conseguira tornar-se mestre de
campo, fidalgo e cavaleiro da ordem de Cristo.
53
Um epíteto similar era atribuído a
Felipe Camarão, a quem a Corte de Madri também consagraria com distinções de
nobreza, em reconhecimento aos serviços prestados. A excepcionalidade de ambos, ao
contrário de grande parte dos homens ilustres luso-brasileiros, não podia ser buscada em
50
Varnhagen, por exemplo, publicaria a primeira e segunda edições de sua História das lutas com os
Holandezes desde 1624 a 1654 em 1871 e 1872, respectivamente.
51
PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. O Brasil holandês. RIHGB, Tomo 23, 1860, pp. 67-111.
52
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. Henrique Dias. RIHGB, Tomo 31,
1868, pp. 365-383; Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. D. Antonio
Filippe Camarão. RIHGB, Tomo 32, 1869, pp. 201-208; Biographia dos Brasileiros Illustres por armas,
letras, virtudes, &tc. André Vidal de Negreiros. RIHGB, Tomo 32, 1869, pp. 329-342.
53
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. Henrique Dias, op. cit., p. 365.
165
suas filiações de origem ou no berço de suas linhagens familiares, mas exclusivamente
no papel por eles desempenhado no “theatro dos acontecimentos”.
Com efeito, para André Vidal de Negreiros, seria assinalada a linhagem nobre que
o encaminharia à “carreira das armas”, no decorrer da qual colheria os louros de suas
proezas, acumulando títulos de fidalguia e funções estratégicas a serviço do Estado,
como o posto de governador da capitania de Pernambuco.
54
Em contrapartida, sobre o
“valente cabo dos pretos”, o cônego afirmava desconhecer “os preliminares de sua vida”
ou o modo pelo qual aquele filho de pais africanos e escravos, natural da província
pernambucana, obtivera a liberdade.
55
As credenciais mais honrosas do guerreiro
indígena estavam, por sua vez, em seu pertencimento “á corajosa tribo dos carijós que
chamada ao conhecimento da verdadeira religião pelos incansáveis esforços dos
jesuítas, tão poderoso auxilio prestara á civilisação européa”.
56
Assim, no retrato
biográfico de Felipe Camarão, os dotes excepcionais de herói não seriam exaltados sem
que nele fosse reconhecido um caso bem sucedido da ação missionária jesuítica
empreendida sobre os selvagens brasileiros, o que o tornava um modelo exemplar de
aquisição do habitus civilizado: “religioso sem fanatismo, bravo sem crueldade e severo
sem dureza. Sabia ler e escrever corretamente [...] estranho não lhe fora o idioma de
Cícero e Virgilio...”.
57
A figura do chefe potiguar, alçada a exemplo de índio convertido
e patriota, desfrutaria de uma significativa unanimidade entre os letrados oitocentistas,
como é possível constatar nas numerosas homenagens de que foi objeto na Revista do
IHGB.
58
54
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc André Vidal de Negreiros, op. cit .
pp. 329 e 342.
55
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. Henrique Dias, op. cit., p. 366.
56
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. Antonio Filippe Camarão, op. cit.,
p. 201.
57
Idem, p. 208.
58
A despeito de sua notória discordância frente aos cultores românticos da herança indígena, Varnhagen
também reconhecia em Felipe Camarão um exemplo da eficácia da catequese jesuítica na conversão de
um bárbaro em cidadão, como o demonstra esta passagem da sua História Geral: “Associado à causa da
civilização [...], o célebre varão índio não deixara de prestar de contínuo aos nossos mui importantes
serviços [...]. Ao vê-lo tão bom cristão, e tão diferente de seus antepassados, não há que argumentar entre
os homens com superioridades de geração; mas sim deve abismar-nos a magia da educação que,
ministrada embora à força, opera tais transformações, que de um bárbaro prejudicial à ordem social, pode
conseguir um cidadão útil a si e à pátria”. VARNHAGEN, F. Adolfo de. História Geral do Brasil. Tomo
III. 8
a
edição integral. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1975, p. 79.
166
Na biografia assinada por Fernandes Pinheiro, caberia destacar ainda um aspecto
decisivo para a fixação da dignidade histórica de Felipe Camarão. Trata-se de uma
estratégia argumentativa do cônego diante das firmes asserções de Gaspar Barleus,
historiógrafo oficial do Conde Maurício de Nassau, acerca de uma suposta tentativa de
aliança do guerreiro indígena à causa dos holandeses. Diante da falta de documentos
que contestassem tal suspeita de “traição”, o cônego atribuiria “o dubio passo” do herói
a uma inata debilidade moral, justificando que minguadas eram as luzes de Camarão
para superar o impulso das más paixões”. Para que se inscrevesse o nome do invicto
combatente nos pródomos da formação histórica nacional, era necessário atenuar-lhe o
presumido ato de deslealdade:
“Corramos o véo da amnistia sobre este doloroso quadro para
assistirmos a reabilitação do destemido caudilho, a quem a corte de
Madrid galardoára com o habito de Christo e o tratamento de Dom;
vejamol-o mostrar-se digno d’estas distinções, denodado
batalhando contra os hollandezes...”
59
Em suma, o que era possível flagrar na reconstrução narrativa das façanhas desses
ilustres guerreiros era um momento histórico ímpar, identificado por Fernandes Pinheiro
como a aurora da redempção da pátria”, no qual começava a se forjar a nacionalidade.
“Semelhante a esses actores”, afirmava, que se mostram em scena quando
indispensável se torna sua presença [...] assim Henrique Dias apparece na hora aziaga
em que a fortuna lusitana succumbia aos reiterados golpes do poderio batavo”.
60
A fama
heróica do líder dos “pardos e crioulos” transpusera o Atlântico e, no entanto, a
memória de seu nome não estava ainda devidamente fixada para os brasileiros:
“Ninguém mais falla em Henrique Dias: ninguém sabe como se
deslisou a [sua] honrada velhice [...]. É de crer que a consumisse
reclamando o pagamento de atrazados soldos, pedindo
indemnisações que nunca chegaram e deixando á sua mulher e
filhas por único legado a herança de seu nome.
Esse nome era outr’ora aos posteros transmittido no de um
regimento de homens pretos, que com vantagem aos paiz serviam:
incommodou, porém, isso aos reformadores, que com sacrílego
arrojo apagaram mais esse brasão da nossa tão moderna e
brilhante historia”.
61
59
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. Antonio Filippe Camarão, op. cit.,
p. 206.
60
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. Henrique Dias, op. cit., p. 366.
61
Idem, p. 382.
167
Contra o risco de esquecimento, a galeria de ilustres do IHGB também acolheria
personagens femininas julgadas dignas de figurar no panteon brasileiro, seja por
virtudes guerreiras ou pelos talentos poéticos. Entre as heroínas das armas, Clara Felipe
Camarão seria objeto de uma notícia biográfica em memória à sua participação na
guerra holandesa. Segundo o seu biógrafo, a índia merecia um lugar entre as brasileiras
célebres como a nobre e leal esposa” do chefe potiguar que marchara à frente de uma
“esquadra feminil”, somando forças ao próprio contingente indígena e aos negros de
Henrique Dias, nas campanhas contra os invasores e, em especial, na batalha vitoriosa
de Porto Calvo, em 1637.
62
O retrato traçado por Joaquim Norberto Silva e Sousa, na
medida em que visava compensar as escassas informações sobre a atuação da
biografada nos relatos dos cronistas da guerra, não deixaria de recorrer às fórmulas
decantadas dos românticos na construção da imagem da mulher indígena:
“[...] não era uma d”essas descendentes dos conquistadores
portugueses, que se pudesse vangloriar de um nascimento illustre,
mas uma indiana, uma filha dos bosques brasileiros, nascida na
taba sobre a rede, como indicavam sua tez e o perfil e os
contornos de seu rosto, seus negros e acanhados olhos, seus
cabellos corredios e espargidos pelos hombros; uma indiana que
soube se tornar interessante e recomendavel pelas suas
agradaveis maneiras, pela intrepidez e bravura de animo e que
por tal mereceu a attenção de seus compatriotas e a affeição e
dedicação do mais generoso e valente indiano que produziram as
tribus brasileiras”.
63
Um
gesto semelhante de reparação da memória justificaria a publicação da notícia
biográfica de outra representante do sexo feminino, cuja distinção advinha, porém, do
brilhantismo nas letras. O autor da biografia de Narcisa Amália de Campos (1852-1924)
considerava como “um injusto esquecimento” a omissão de seu nome no recém-
publicado Pantheon Flumimense (1880), de Lery Santos.
64
Para sanar a falta, Luiz
Francisco da Veiga oferecia ao IHGB uma narrativa breve da vida da ilustre poetisa.
Nascida em São João da Barra, na província do Rio de Janeiro, Narcisa Amália já
contava com o reconhecimento de seu talento literário no ambiente letrado da Corte
62
Biographia dos Brasileiros Illustres por armas, letras, virtudes, &tc. D. Clara Filippa Camarão. RIHGB,
Tomo 10, 1848, pp. 387-388.
63
Idem, p. 387.
64
Narciza Amália. Noticia biographica escrita pelo Dr. Luiz Francisco da Veiga e lida no Instituto
Histórico a pedido do autor pelo Dr. João Franklin da Silveira vora em sessão de 16 de junho de 1882.
RIHGB, Tomo 45, 1882, pp. 186-192.
168
desde a publicação de seu livro de poesias, intitulado Nebulosas, no ano de 1872.
65
Dez
anos mais tarde, o retrato esboçado pelo sócio do Instituto, a exemplo das biografias de
outros nomes memoráveis das letras, assinalava a vocação que determinara
precocemente a trajetória predestinada da vida da biografada: “[...] ainda na flôr dos
annos, revelou um espírito illuminado pelo estudo e amadurecido pelas longas
introversões, e um estilo terso, elegante e firme, que não possuem muitos barões ou
varões assinalados”.
66
A explicação para a sua expressão literária estava, acima de tudo,
na desventura amorosa e no desgosto sentimental profundo, sofridos com o fracasso de
seu primeiro matrimônio, quando, segundo Francisco da Veiga, a necessidade fatal de
fugir ás suas próprias idéas, de sufocar sentimentos explozivos de seu generozo coração
[...] reclamava uma diversão poderosa e mitigadora, um remanso consolador, um porto
de salvação [e] o estudo e o cultivo pratico das letras forão esse remanso...”.
67
A partir
de então, começaria a publicar os seus trabalhos em periódicos literários, dando início à
carreira de jornalista, escritora e tradutora.
68
É interessante notar como o biógrafo,
afinado ao modelo de representação das mulheres letradas, vigente no Oitocentos,
reforce a imagem de Narcisa como poetisa romântica, cujos escritos permaneceriam
motivados unicamente pelos infortúnios amorosos. Argumento semelhante também
seria usado por Joaquim Norberto para explicar o tom melancólico das poesias de outra
brasileira lebre, Beatriz de Assis, cuja biografia foi impressa na Revista em 1892,
logo após a morte do autor.
69
65
Em 1879, no ensaio “A nova geração”, Machado de Assis referira-se à pena delicada e fina” de
Narcisa Amália, autora do prefácio da obra poética de Ezequiel Freire, acrescentando: essa jovem e bela
poetisa, que anos aguçou a nossa curiosidade com um livro de versos, e recolheu-se depois à turris
eburnea da vida doméstica”. Obra Completa. Volume III. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997, p.
832.
66
Narciza Amália, op. cit., p. 187.
67
Idem, p. 188. Fazendo uso de um argumento similar, Joaquim Norberto de Sousa Silva levantara a
hipótese de que desilusões sentimentais teriam levado Maria Úrsula de Abreu Lancastre a se lançar na
carreira das armas, disfarçando-se sob um uniforme masculino em Goa. Cf. RIHGB, Tomo 3, 1841, pp.
225-227.
68
Dois anos após a publicação de sua biografia na Revista do IHGB, Narcisa Amália fundaria um
pequeno jornal quinzenal, o Gazetinha, suplemento do Tymburitá, com o subtítulo de “folha dedicada ao
belo sexo”. Passaria a ser considerada a primeira mulher a se profissionalizar como jornalista, alcançando
notoriedade com seus artigos em favor da Abolição da escravatura, em defesa da mulher e dos oprimidos
em geral. Morreu em 1924, “pobre, cega e paralítica”, sendo seu corpo sepultado no cemitério de São
João Batista, no Rio de Janeiro. Cf. PAIXÃO, Sylvia Perlingeiro. Narcisa Amália. In: MUZART, Zahidé
Lupinacci. Escritoras brasileiras do século XIX. Florianópolis/SC: Editora Mulheres; Santa Cruz do
Sul/RS: EDUNISC, 1999, pp. 534-539.
69
Cf. SILVA, Joaquim Norberto Sousa. D. Beatriz de Assis. Mais algumas páginas para as Brazileiras
Célebres. RIHGB, Tomo 55, 1892, pp. 59-78. Em uma extensa nota de de página, o autor reconstitui o
episódio envolvendo a recusa da proposta encaminhada por ele ao Instituto em 1850 para que a poetisa
fosse admitida como sócia. A comissão integrada por Joaquim Manoel de Macedo e Gonçalves Dias
169
Na notícia biográfica de Narcisa Amália, outro aspecto que chama a atenção é o
tratamento reticente em relação à postura política republicana e abolicionista da poetisa
fluminense, traço marcante de sua obra que havia sido não somente notado, mas
reprovado por alguns críticos.
70
Apenas ao final do esboço biográfico, Francisco da
Veiga faria referência à “fizionomia política e certo tom democrático” dos trabalhos da
escritora, após exaltá-la como uma promessa das letras nacionais, justificando assim a
inscrição do seu nome na galeria de ilustres do IHGB:
Fiq
ue consignada esta simples noticia biográfica nas paginas
perduráveis da Revista do Instituto Histórico, que d’este modo
muito avizadamente antecipará, cremos, o juízo definitivo da
posteridade, que então, quem sabe, vãmente procuraria construir a
biografia de uma brazileira tão merecedora do respeito, da simpatia
e da admiração de seus compatriotas, lamentando o descuido, a
ingratidão imperdoáveis da geração contemporânea!”
71
Percebe-se, uma vez mais, que a despeito da convicção e expectativa de uma
justiça a ser consumada no futuro, a eleição dos nomes ilustres para o panteon nacional
não se realiza sem certa presunção antecipada de um juízo moral.
72
E, nesse trabalho,
tanto o biógrafo quanto o historiador, ambos movidos pelo imperativo de combater o
esquecimento e a ação corrosiva do tempo, na medida em que cumprem o encargo de
guardiões da memória, não podem transferir totalmente o fardo do julgamento para o
suposto tribunal da história.
julgou então que seria mais adequado que “a distinta poetiza fosse recebida como ornamento de uma
sociedade literária”, cujos fins não estivessem “limitados á historia e á geographia”. (p. 71)
70
Para citar um exemplo, em 1873, na crítica dirigida ao seu livro de poemas, Luiz Guimarães Junior
afirmara que “o caráter político de Narcisa Amália flutua entre as lágrimas da elegia e o ímpeto desabrido
da escola do partido. Em suas composições políticas parece que deixa de lado a sua alma para tomar a
baioneta, cousa pouco feminina; porém através dessas mesmas incorreções estéticas, desses arrojos
apaixonados, revelam-se em todos os pontos, suaves, caprichosos, impregnados de idealismo, perfumados
pela mística ternura”. In: REIS, Antonio Simões dos. Narcisa Amália. Rio de Janeiro: Simões, 1949, p.
145. Para uma análise da obra da escritora e de sua recepção na perspectiva das representações do gênero
feminino, cf. TELLES, Norma. Encantações: escritoras e imaginação literária no Brasil, século XIX. São
Paulo: PUC, 1987, pp. 293-365, volume 2.
71
Narcisa Amália, op. cit., p. 192. [grifos meus].
72
O problema dos julgamentos morais na prática da disciplina histórica não escapou às preocupações de
alguns historiadores do final do Oitocentos como o inglês Lord Acton (1834-1902). Cf. CHILD, Arthur.
Moral judgment in history. Ethics
,
The University of Chicago Press, vol. 61, n. 4, 1951, pp. 297-308.
170
Fazer história, escrever a história
Em sessão do dia 10 de outubro de 1879, o então primeiro vice-presidente e orador
do IHGB, Joaquim Manoel de Macedo, propunha que fossem suspensos os trabalhos em
razão do falecimento do general Manoel Luiz Osório. Esse grande cidadão”,
observava, “não pertencia ao gremio d’este Instituto, mas ainda vivo já era monumento
immenso da historia do Brasil”.
73
Na reunião seguinte, Luiz Francisco da Veiga faria a
leitura de um elogio histórico do Marquês do Herval, propondo a sua nomeação
póstuma como membro da instituição em reconhecimento aos serviços prestados em
favor da pátria.
74
A iniciativa seria prontamente recusada pela comissão encarregada do
assunto, sob a alegação de que o seu acolhimento representaria uma infração às regras
estatutárias vigentes.
75
O que chama a atenção no caso, no entanto, são os argumentos desenvolvidos pelo
proponente para justificar a incorporação do legendário militar brasileiro recém-falecido
ao quadro de sócios do Instituto. Longe de se basear na evocação recorrente do dever de
memória, Veiga usou como recurso de persuasão a abrangência e a ambigüidade
semânticas próprias do moderno conceito de história e, por isso, cabe transcrevê-lo aqui
em toda a sua extensão:
“Diz Victor Cousin que a historia é o desenvolvimento da condição
humana no espaço e no tempo, ou dizemos nós, a sucessão dos
acontecimentos, grandes feitos e factos da humanidade, em todos
os domínios accessíveis á sua actividade; acontecimentos, feitos e
factos, que interessam directa ou indirectamente á existência, á
fortuna e á honra do individuo e do Estado, e aos diversos ramos da
civilisação.
Esta é a verdadeira historia, a historia real.
Ha, porém, uma outra creação humana, a que vulgarmente também
se o nome de historia, a qual nada mais é do que a narração da
primeira, a rememoração, o registro e a
perpetuação dos altos
factos sociaes e políticos dos povos ou de cada povo em particular.
[...]
73
RIHGB, Tomo 42, 1879, p. 257.
74
Idem, pp. 262-264.
75
O Estatuto do IHGB previa, então, quatro classes de membros: os sócios efetivos, os correspondentes,
os honorários, além dos presidentes titulares. Alguns anos mais tarde, em 1890, uma emenda de autoria
de Joaquim Norberto de Sousa Silva criaria a classe dos sócios beneméritos, dispensada da comprovação
de “suficiência literária”. A medida seria uma espécie de estratégia de sobrevivência da instituição após a
instauração do regime republicano. Cf. GUIMARÃES, Da Escola Palatina ao Silogeu, op. cit., pp. 24-26.
171
A primeira é a historia viva, palpitante, explosiva, a verdadeira
historia do homem e dos homens; a segunda, a historia contada,
narrada ou referida por testemunhas presenciaes, informantes
meritórios ou investigadores mais ou menos conscienciosos do
passado, devendo ser da primeira condição sine qua non de sua
alteza uma reproducção photographica, simultaneamente fiel e
cambiante, como seu interessante ou importante objecto”.
76
Como instância onipresente na vida dos homens, a história real” também podia
ser definida como campo da ação heróica dos grandes homens. Antes de tudo, havia a
“verdadeira história”, ou seja, aquela “escripta pelo individuo, pela comuna, pela
província, pelo departamento, pelo condado, pelas corporações civis e políticas de
qualquer hierarchia e, finalmente, pelo Estado...”, o que tornava possível a sua posterior
narração.
77
Ora, o general Osório não podia ser qualificado como historiador ou
“registrador de factos e feitos alheios”, nem tampouco considerado estudioso de temas
da história, geografia ou etnografia brasileiras, o que o afastava das exigências vigentes
para a admissão no IHGB. A justificativa para a vinculação de seu nome à instituição
estava, entretanto, no fato inegável de que aquele ilustre brasileiro fizera a história do
Brasil na condição de agente heróico dos acontecimentos.
Mais do que um mero jogo de palavras, o uso da expressão “fazer história”
somente se tornou possível com a sua conceituação moderna como singular coletivo e
instância da existência e da ação humanas.
78
A consciência da disponibilidade ou
factibilidade da história, de acordo com Koselleck, permitiu concebê-la como factível
sob dois pontos de vista – o dos agentes históricos que “fazem história” e o dos
historiadores, que sobre ela dispõem quando a escrevem. Essa dupla significação seria
posta em evidência no discurso de Veiga para justificar a proposta de admissão póstuma
do general ilustre. Nos seus termos, haveria
historiadores simplesmente de penna e historiadores que
escreveram paginas immortaes nos annaes da idolatrada pátria,
sacrificando em seus altares faculdades soberanas de sua alma, as
aptidões meritórias de seu vigor physico e até da própria vida.
O benemérito e digno brasileiro que acaba de fallecer n’esta corte
[...] não foi, por certo, historiador de penna, registrador de factos e
feitos alheios; mas foi um véro e illustre historiador, porque
escreveu, com sua espada e sua lança, invictas paginas admiraveis
76
RIHGB, Tomo 42, 1879, pp. 262-263. [grifos no original].
77
Idem, p. 263.
78
Cf. KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., pp. 233-246.
172
da historia d’este paiz, paginas que serão documentos de ufania e
títulos de nobreza de todas as gerações por vir n’este portentoso
Império americano.
Não sendo ou não tendo sido historiador de penna, nem mesmo
escriptor nos assumptos de que occupa este Instituto Historico
Geographico e Ethnographico, não era o glorioso márquez membro
do mesmo Instituto.
[...]
E este Instituto é especialmente histórico, e o venerando general
Osório, marquez do Herval, foi um dos nossos mais preclaros
historiadores, escrevendo, insistirei na palavra, paginas rutilantes
de heroísmo de gloria da nossa historia de cincoenta e sete annos
de nação independente!!”
79
A despeito do tom eloqüente, a proposição seria desaprovada com base na estrita
manutenção das formalidades que regiam a eleição dos candidatos para qualquer uma
das classes de sócios do IHGB. Afastada a possibilidade de que, sob o pretexto da
notoriedade do finado general, se infringissem tais regramentos institucionais, Tristão
de Alencar Araripe e Manoel Jesuíno Ferreira, integrantes da comissão que deliberou
sobre o caso, sugeriam o expediente usual de rememoração e consagração póstuma com
que a agremiação sempre prestara homenagem a todos os brasileiros ilustres:
“Ora, se o Instituto quer honrar a memória do illustre general,
celebrando os seus feitos, póde-o fazer, encarregando-se a um dos
nossos consócios de escrever a apresentar nas nossas palestras
litterarias a biographia do distincto guerreiro.
Assim melhormente o mesmo Instituto abrilhantará a fama d’esse
varão, dando lugar a que mais se commemorem os seus actos
gloriosos, e fiquem elles consagrados nos fastos do nosso Instituto,
sendo essa biographia publicada na sobredita Revista”.
80
Diferentemente da condição estrita de “homem de armas” que impedia o Marquês
do Herval de ser integrado a uma associação baseada em critérios de “suficiência
literária”, muitos nomes celebrizados pelo Instituto acumulavam uma dupla notoriedade
por sua atuação nos negócios públicos do Império e nos serviços prestados às letras
nacionais. Não por acaso, os exemplos mais paradigmáticos de brasileiros ilustres
encontravam-se entre os próprios fundadores da agremiação, em sua maioria, com
vinculação estreita à burocracia estatal. Assim, em um dos elogios biográficos
dedicados ao primeiro presidente, Visconde de São Leopoldo, a experiência acumulada
nos quadros da administração política seria considerada decisiva para credenciá-lo à sua
79
RIHGB, Tomo 42, 1879, pp. 263-264.
80
Idem, p. 276.
173
vocação mais genuína como historiador e “homem de ciência”.
81
Nascido na vila de
Santos e formado bacharel em cânones pela Universidade de Coimbra, seria designado
juiz de alfândega nas províncias do Rio Grande e Santa Catarina e auditor geral das
tropas do exército imperial em campanha pacificadora na região platina em 1811.
Deputado nas cortes de Lisboa e na assembléia constituinte, em 1823, galgaria ao posto
de presidente da província do Rio Grande e, posteriormente, ao de senador e conselheiro
de Estado. Nas palavras do autor do breve retrospecto de sua vida, Fernandes Pinheiro,
“no theatro da acção, testemunhou os factos e as scenas, de que mais tarde se devia
constituir historiador”.
82
No entanto, a realização como homem de letras somente se
consumaria com certo afastamento da cena política, sobretudo das lutas de partido que
marcaram os anos seguintes à Independência. Desse modo, os topos do sacerdócio da
verdade e imparcialidade definiriam os requisitos para a nobre missão do literato
inspirado pelo sentimento de patriotismo:
“Enquanto a sociedade se revolve na lucta agitada das paixões
políticas, dos cálculos da ambição; emquanto o mundo se debate
no tumultuar desordenado de interesses transitórios: o litterato, o
filho da intelligencia, recolhe-se á solidão, concentra todas as suas
faculdades, e dedica-se todo ao nobre sacerdocio da verdade. [..] no
retiro de seu gabinete interna-se pelas regiões do pensamento, e
irradia-se os reflexos de sua gloria sobre uma nacionalidade
inteira.”
83
Tão logo atingira a mais elevada posição na carreira de servidor do Estado, o
Visconde de São Leopoldo trocou a farda de ministro pela mesa de trabalho do
litterato, e deixou as agitações da política pelo viver singelo do homem da sciencia”.
84
Afastado dos negócios públicos e do tumultuar das paixões” que marcaram a
conjuntura política do Primeiro Reinado, pôde se aplicar inteiramente ao “culto das
lettras”. E, por fim, como legado às gerações futuras, os seus trabalhos sobre a história
do Brasil distinguiam-se pela “profunda investigação dos factos, por um criterio
esclarecido e illustrada imparcialidade em sua apreciação” e pela sobriedade de estylo”
na exposição dos acontecimentos.
85
81
O Visconde de São Leopoldo. Esboço biographico pelo Sr. Francisco Ignácio Marcondes Homem de
Mello. RIHGB, Tomo 23, 1860, pp. 131-141.
82
Idem, p. 135.
83
Idem, p. 132.
84
Idem, p. 137.
85
Idem, p. 139.
174
Homens de letras e de ciência: heróis para a posteridade
No elogio biográfico do Visconde de São Leopoldo, merecem ser destacados
ainda alguns traços com que se definia, no homem de letras, a vocação para o estudo da
história. A julgar pelas biografias daqueles que, como o presidente do IHGB, eram
dignos de reconhecimento por seus trabalhos nesse campo específico, a composição de
obras historiográficas não parecia estar vinculada à manifestação de um gênio ou talento
artístico original, semelhante ao dos poetas, mas se relacionaria muito mais a uma
escolha marcada pelo sacrifício e abnegação.
86
É por meio dessa fórmula que Homem
de Mello evoca o francês Augustin Thierry como modelo exemplar de historiador
devotado ao árduo ofício da pesquisa e à causa nacional:
“Thierry ressuscita o passado em suas indagações profundas, leva o
facho luminoso da verdade ás trevas que envolvem os tempos
primitivos da França. Victima de pesados trabalhos, o lume de seus
olhos apaga-se em decifrar os velhos manuscriptos; seu corpo
enfraquecido pela vigília; mutilado pelo soffrimento, pende para o
tumulo. Mas o sorriso do contentamento pousa-lhe nos lábios,
porque em seus escriptos perdura a gloria de sua pátria”.
87
A ênfase na dimensão heróica e pragmática da investigação do passado não
implicava, contudo, que fossem desprezadas as pretensões literárias do trabalho
historiográfico. A par disso, José Feliciano Fernandes Pinheiro podia ser definido como
“um dos escriptores mais notáveis da litteratura brasileira”, a quem o faltara todos os
atributos de um “perfeito historiador”.
88
Pois a escrita da história era concebida, acima
de tudo, como uma tarefa nobre pautada por inspirações de patriotismo, bem como pela
função utilitária e instrutiva do conhecimento que oferecia à sociedade. É importante
lembrar que, com base neste argumento, Manoel de Araújo Porto Alegre conclamara os
letrados brasileiros na ocasião em que o Instituto celebrava as novas instalações no Paço
Imperial em 15 de dezembro de 1849:
86
Em um trabalho instigante sobre as autobiografias dos historiadores, Jeremy Popkin analisa como o
tema da vocação é tratado, especialmente nos escritos de Edward Gibbon e Henry James, para justificar a
dedicação à tarefa de escrever a história. Cf. POPKIN, Jeremy D. Choosing History: The issue of
vocation in historians’ autobiographies. In: History, historians & autobiography. Chicago: Chicago
University Press, 2005, pp. 120-150.
87
O Visconde de São Leopoldo, op. cit., p. 133.
88
Idem, p. 139.
175
“Ao litterato já não pertence essa existência secundaria na ordem
social, essa vida de um crepúsculo que só depois da morte se de via
engrandecer: os serviços intelectuais do ministério das idéas foram
nivelados com os outros elementos civilisadores, e a sua gloria
igualada á do general, do magistrado e do estadista; os elos da
cadea civilisadora se acham entrelaçados fraternalmente, e
caminhando na mesma direção”.
89
Enquanto a obra historiográfica era definida como aquisição para sempre ou um
bem para a posteridade, a figura do historiador adquiriria fortes traços de heroicidade
em razão das dificuldades atribuídas ao empreendimento de investigação e elaboração
da história.
90
Na biografia dedicada a Sebastião da Rocha Pita, a fórmula seria utilizada
para ressaltar as suas qualidades e, ao mesmo tempo, atenuar as graves objeções que
pesavam sobre a sua História da América Portuguesa. Na descrição de Pereira da Silva,
a vida do literato baiano fora “regular, amena e plácida”, enquanto à sua volta
sucediam-se acontecimentos históricos importantes para o destino da nação que “não
lhe mereceram a attenção”.
91
Entre o final do século XVII e início do XVIII, o desfecho
da luta contra os holandeses e a invasão dos franceses à cidade do Rio de Janeiro não o
arrancariam de seu “ócio ditoso” e do cotidiano “sereno e sossegado” de proprietário de
terras.
92
Assim despenderia mais da metade da existência entre os negócios da lavoura
e, durante os momentos de repouso, “nos folgares do espírito”, dedicava-se ao estudo de
obras literárias e científicas e à escrita de sonetos e éclogas com os quais conquistaria a
reputação de poeta mediano”. Somente na maturidade, após abandonar a poesia,
sobreviera-lhe a idéia de escrever a história do Brasil.
93
Ao dar início àquela importante
missão, Rocha Pita “calculou todas as difficuldades de sua emprezae, para vencê-las,
dedicou muitos anos ao exame de documentos nos arquivos da Bahia, Rio de Janeiro e
Lisboa.
89
RIHGB, Tomo 42, 1849, p. 555.
90
Rodrigo Turin havia assinalado a circunscrição da escrita da história sob os auspícios do poder
imperial, como uma como “uma tarefa pública” e “uma nobre, útil e difícil empresa”. Cf. TURIN, Narrar
o passado, op. cit., pp. 71-74.
91
Biographia dos Brasileiros Distinctos por letras, armas, virtudes, &tc. Sebastião da Rocha Pitta.
RIHGB, Tomo 12, 1849, p. 259.
92
Idem.
93
Idem, p. 261.
176
“Era preciso recorrer aos manuscriptos e aos documentos, revolver
as bibliothecas publicas; as secretarias de Estado; os depósitos e
archivos reaes e particulares; examinar itinerários, viagens,
chronicas religiosas, descripções militares; era imensa a tarefa, de
difficilima execução, de trabalhos muito longos e penosos; a vida
de um homem parecia á primeira vista curta para emprehendel-a e
leval-a a cabo!”
94
A idéia de que a história escrita representava o ponto de chegada da difícil
peregrinação em busca das marcas do passado e de um esforço concomitante para
submeter todos rastros à uma ordenação narrativa, passaria a circunscrever as
qualificações do verdadeiro” historiador. É deste modo que Varnhagen será
reconhecido por Joaquim Manoel de Macedo como “homem-monumento” no elogio a
ele dedicado pelo Instituto, logo após a sua morte. Antes de evocar as suas
contribuições, porém, o orador do Instituto não hesitaria em nomear Rocha Pita como o
iniciador da empreitada heróica de fundação da historiografia nacional:
“Até o fim do século XVIII o Brasil, embora tivesse historia,
ainda não tinha historiador, Os dois Peros, Caminha e Gandavo,
deram luz a seu berço, mas não podiam escrever senão dois autos,
o do nascimento ou da descoberta e o do baptismo da Terra de
Santa Cruz. Depois, e durante duzentos annos, a historia do Brasil
foi e ainda é a provação da maior paciência, e o tormento da
crítica a procural-a emn cartas e diarios de navegadores […] nas
chronicas de ordens religiosas, em narrativas de viagens […].
Muitos elementos; todos, porém, dispersos, confusos, e
comprometidos por invenções absurdas, por creações imaginarias e
pelas sombras de periodos historicos quasi sem uma estrella na
prolongada noite.
No século XVIII surgiu como aurora o velho Rocha Pita,
brasileiro de nascimento e de amor, peregrino de cabellos brancos
a estudar linguas e visitar capitaes da Europa em demanda de
esclarecimentos, e de testemunhos documentaes da vida e das
cousas do Brasil, ainda peregrino na patria a correr de uma em uma
as capitanias da então colonia portugueza e, após investigações
laborisosissimas e consciencioso estudo, a revelar-se o primeiro
historiador do Brasil...”.
95
Diferentemente de seu predecessor, o Visconde de Porto Seguro encontrara na
carreira diplomática as condições favoráveis para se dedicar, desde cedo, às
investigações históricas. E, no entanto, como o autor baiano, tambémengolfára-se nas
bibliothecas, empoeirára-se nos archivos, compulsara centenas de livros, achára
thesouros e fontes de luz em obras raras, descobrira em arcas antigas manuscriptos e
94
Idem, p. 261
95
RIHGB, Tomo 41, Parte II, 1878, pp. 480-481. [grifos meus].
177
documentos importantísimos”, para coroar, enfim, o seu labor literário e científico com
a publicação da Historia Geral.
96
É interessante notar como as biografias e elogios póstumos dos historiadores
demarcam qualidades e competências específicas para o desempenho do ofício. A
despeito de visar à elaboração de uma modalidade específica de saber, a atividade
historiográfica abarcava um espectro amplo de deveres e responsabilidades a serem
cumpridas pelo homem de letras com a consciência de que desempenhava uma missão.
A autoridade de historiador deixava, então, de se fundar unicamente em seu engenho
literário, para se constituir mediante um conjunto de operações intelectuais que
avalizavam o conhecimento do passado.
“Aclarar os factos, apresentar estendidamente os acontecimentos,
iluminal-os com reflexões, averiguar as noticias, fazer indagações
aturadas, profundas, afastar as duvidas, romper as nuvens, as trevas
que envolvendo os factos, desfiguram-os e alteram-os, desvanecer
os preconceitos, pesar as tradições aproveitando o que n’ellas
houver de racional e consentâneo, apagar das crenças populares o
que for falso e embusteado: eis a missão do historiador que,
allumiado pela luz da verdade, deve imparcial e desprevenido
folhear os monumentos históricos, visitar os templos, os mosteiros,
os edifícios, os túmulos, viver nos archivos e cartórios, viajar, ser
paleographo, antiquário, viajante, bibliographo, tudo, como diz
Alexandre Herculano, o douto historiador portuguez.
97
Com base nas palavras de Moreira de Azevedo, poder-se-ia argumentar que as
múltiplas figurações do estudioso da história decorriam, em grande parte, do estatuto
incipiente das fronteiras disciplinares no século XIX. Por outro lado, a aparente
acumulação de tarefas pelo historiador não deixava de sinalizar concepções
diversificadas sobre os modos de investigação do passado, bem como a inegável filiação
da moderna crítica histórica às práticas tradicionais do antiquariato e da erudição.
98
Por
conta disso, as diferenças entre homens de letras e homens de ciência permaneceriam
tênues naquele momento graças à confluência dos serviços intelectuais” em torno de
um mesmo projeto civilizador. Entende-se assim que o elogio biográfico destacasse não
apenas as proezas literárias e científicas desses sujeitos, mas também fizesse a apologia
de certas virtudes morais que conferiam exemplaridade às suas vidas.
96
Idem, p. 486.
97
AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. O dia 9 de janeiro de 1822. RIHGB, Tomo 31, 1868, p. 33.
[grifos meus].
98
Cf. GUIMARÃES, Reinventado a tradição, op. cit, pp. 111-143.
178
O uso recorrente dessa fórmula de consagração pode ser notado em grande
número das biografias impressas na Revista do IHGB. É o caso das extensas ginas
dedicadas aos naturalistas, Frei José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811), Frei
Leandro do Sacramento (1778-1829) e Francisco Freire Alemão (1797-1874).
99
Ao
defini-los como “exemplos vivificantes” para as gerações futuras, José Saldanha da
Gama celebrava os serviços notáveis prestados ao Estado e as qualidades pessoais
daqueles vultos da ciência brasileira, como o amor pela verdade”, o “sacrifício
sublime”, a “perseverançae “abnegação”.
100
Na apreciação dos escritos científicos do
frade Conceição Veloso, resultado de conhecimentos acumulados nos diversos ramos da
história natural e, sobretudo dos prolongados anos devotados às pesquisas botânicas no
interior do Rio de Janeiro, discorreria assim sobre o alcance de sua contribuição:
“Percorrendo pagina por pagina a Flora Fluminense do virtuoso
franciscano, encontra-se uma tal concisão nos caracteres de cada
planta, que a impressão que ella produz no nosso espírito dissipa-se
totalmente, porque attendemos para o tempo em que elle viveu, e
reconhecemos por este volver d’olhos retrospectivo que os
elementos indispensáveis ao completo desenvolvimento d’uma
sciencia vão se acumulando gradualmente por esforços parciaes,
que convergem para um mesmo fim, e que torna-se notável a
inteligência que entra como um dos alicerces na construcção de
monumento tão glorioso”.
101
Combinação idêntica e exemplar de devoção à ciência com as virtudes de homem
“sábio e bom” podia ser louvada em Freire Alemão, de quem Saldanha da Gama
declarava-se discípulo.
102
De forma mais acentuada do que para os outros dois
biografados, o retrato do naturalista e também sócio do IHGB seria permeado por uma
visão poetizada da pesquisa científica e das relações do homem de ciência com a
natureza:
99
GAMA, José de Saldanha da. Biographia do botânico brasileiro José Marianno da Conceição Veloso.
RIHGB, Tomo 31, II, 1868, pp. 137-305; Biographia do botânico brasileiro Frei Leandro do Sacramento.
RIHGB, Tomo 32, 1869, pp. 181-230; Biographia e Apreciação dos trabalhos do botânico brasileiro
Francisco Freire Alemão. RIHGB, Tomo 38, 1875, pp. 51-126.
100
José Saldanha da Gama (1839-1905) nasceu no Rio de Janeiro, formou-se bacharel em Ciências
Físicas e Matemáticas pela Escola Central (RJ), mais tarde Escola Politécnica, e substituiu o seu mestre
Freire Alemão na cátedra de Botânica da mesma instituição. Pertenceu a associações científicas européias
como a Sociedade Real de Botânica da Bélgica, foi cônsul geral do Brasil e quando fora admitido sócio
correspondente do IHGB em 1865, era um botânico renomado. Publicou inúmeros estudos científicos
sobre a flora brasileira. Cf. Dicionário Biobliográfico de historiadores, vol. 4, op. cit., pp. 150-151.
101
Biographia do botânico brasileiro José Marianno da Conceição Veloso, op. cit., p. 165.
102
Importante lembrar que o médico e naturalista Freire Alemão teve uma atuação destacada como sócio
efetivo do IHGB e, em 1850, foi autor da proposta de criação da Arca do Sigilo que consistia em “um
deposito particular para os escriptos cuja publicação não se deve fazer antes de um tempo determinado”.
RIHGB, Tomo 13, 1850, p. 133. Cf. também CEZAR, Presentismo, memória e poesia, op. cit., pp. 58-62.
179
“Eil-o agora no seio dos bosques, devassando os segredos
múltiplos da flora do Brasil, passando horas e horas diante dos
vegetaes com que a natureza aformoseou os arredores do Rio de
Janeiro. Os terrenos da Gávea, Copacabana, Corcovado, Tijuca,
Jacarepaguá, do Mendanha no Campo Grande, e por ultimo os da
uberrima província do Ceará, elles os conhecia profundamente;
nenhuma planta talvez fôra vista com flôres que não aparecesse
mais tarde classificada e desenhada (se desconhecida), e seca entre
as flôres do seu hervário”.
103
Em outras passagens, percebe-se o quanto a evocação de Freire Alemão como
colecionador-pesquisador de espécies vegetais afinava-se à concepção romântica de
ciência, tão cara aos naturalistas viajantes do Oitocentos, e particularmente difundida
pelas formulações de Alexander von Humboldt, para quem o sentimento da natureza
(Naturgefühl) era uma via tão legítima de apreensão científica do mundo físico quanto a
sua observação empírica.
104
Com efeito, Saldanha da Gama não hesitaria em reconhecer
no botânico brasileiro, além dos notáveis dotes intelectuais, “o amor em que se abrasava
o coração ao sentir as múltiplas impressões recebidas do grande mundo em que habitam
os corpos organizados...”.
105
Assim, a despeito das dificuldades em esquadrinhar a
diversificada flora brasileira, nos momentos em que o naturalista deparava-se com uma
espécie vegetal nova ou ainda desconhecida nos anais científicos, a alma dilatava-se
de contentamento, a alegria do sábio no auge do exercício da intelligencia expandia-se-
lhe no semblante.
106
A fórmula que parecia definir os motivos de celebridade na carreira das letras de
um modo mais estrito, não obstante algumas variações, assentava-se em qualificativos
tão contundentes quanto aqueles que distinguiam os vultos da ciência brasileira. Alguns
desses lugares-comuns podem ser flagrados no discurso proferido em memória a
Joaquim Manoel de Macedo e Domingos José Gonçalves de Magalhães, falecidos em
1882. De acordo com Franklin vora, a rememoração das vidas daqueles consócios
103
GAMA, Biographia e Apreciação dos trabalhos do botânico brasileiro Francisco Freire Alemão, op.
cit., p. 73.
104
Cf. LISBOA, Karen M. A Nova Atlântida de Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem pelo
Brasil (1817-1820). São Paulo: Hucitec/Fapesp, 1997, pp. 87-92; Sobre a Naturphilosophie e a concepção
romântica de ciência, cf. GUSDORF, G. Le romantisme II. L’homme et la nature. Paris: Payot, 1984-
1993, pp. 359-369.
105
Biographia e Apreciação dos trabalhos do botânico brasileiro Francisco Freire Alemão, op. cit., p. 73.
106
Idem, p. 74. [grifos meus].
180
eminentes confundia-se com o elogio à própria literatura do Brasil.
107
Eleito sucessor
para a vaga de orador do Instituto até então ocupada por Macedo, Távora não mediria
palavras para alçá-lo à condição de “fundador” do romance nacional, reconhecendo no
autor de A moreninha a “vastidão de talento”, a influência decisiva da “renovação
romântica” em sua opção pelo “caminho das letras”.
108
Ambos podiam ser nomeados
fundadores da nacionalidade literária brasileira, no momento em que os gêneros letrados
ainda permaneciam submetidos a preceitos estéticos supostamente universais. Como
para todos os servidores do Estado após a Independência, o empenho nas lides literárias
não podia ser de todo alheio aos influxos da política, conforme atestava a experiência de
Macedo à frente do jornal A Nação, do Partido Liberal. Nesse campo, a índole de
literato, mais afeita aos “domínios da imaginação”, não se compatibilizaria com os
embates partidários. Sobre a trajetória política do orador falecido, Távora concluía:
“É certo que foi membro da assembléia legislativa de sua província
e deputado geral; [...]; mas o que estes factos indicão é que em
nossa terra não é somente a agitação das ruas mas, sim também o
sereno trabalho do gabinete a força que encaminha para o
parlamento e para os conselhos da coroa.”
109
Como, então, situar as relações dos dois literatos com o estudo da história em
nome do qual comungavam os associados do IHGB? Admitido na agremiação em 1845,
Macedo abandonaria a medicina para se dedicar às atividades literárias e ser nomeado,
em seguida, professor de história e corografia do Imperial Colégio D. Pedro II. Obras
como o Compendio de História do Brasil e o Anno Biographico Brasileiro, segundo
Távora, seriam escritas no tempo em que a “imaginação de escritor” começava a dar
lugar “á sua intelligencia e ao exame do passado”.
110
No caso de Gonçalves Magalhães,
outras circunstâncias colocariam o poeta “no caminho da história”, notadamente a
nomeação para o cargo de secretário do governo do Maranhão, como integrante do
grupo designado para a pacificação da província durante a revolta da Balaiada. Foi
quando, “valendo-se dos documentos, informações e noticias que o seu cargo lhe
proporcionava”, escreveu a Memória Histórica sobre aqueles acontecimentos, trabalho
premiado pelo Instituto em 1847.
107
Discurso recitado na sessão magna de encerramento pelo orador interino Franklin Távora. RIHGB,
Tomo 45, 1882, p. 509.
108
Idem, pp. 508-509.
109
Idem, p. 516.
110
Idem.
181
Ao longo do elogio dos consócios célebres do Instituto, Franklin Távora não
deixaria de manifestar o seu descontentamento diante do que qualificava como uma
postura de “desdém” das novas gerações em relação aos seus antecessores no campo das
letras: “...falar hoje em Magalhães e Macedo quando se está elaborando um novo
espírito literário que não respeita as obras mais autorizadas e estimadas, quando o
espirito scientifico penetra em todas as provincias das letras, sem exclusão da poesia, é
dar copia de atrazo...”.
111
Era preciso, então, reconhecer naqueles “revolucionários de
ontem” a vida de “uma brilhante evolução”, argumentaria o novo orador do Instituto,
“sem a qual não teríamos a [revolução] que ora se inicia porque, como sabeis, pela lei
do fatalismo histórico, as épocas se prendem umas ás outras como se prende a flor á sua
delicada bainha.”
112
Dos grandes homens aos “náufragos” da história
O que Franklin Távora designava como “espírito científico” era tema subjacente às
reflexões sobre como deveria ser escrita a história do Brasil, nas décadas finais do
século XIX. Em um discurso pronunciado em 1883, ele aludiria às formas possíveis de
que dispunham os historiadores para narrar e explicar os acontecimentos:
“Si se trata de historia, vários são os pontos de a encarar, rios os
methodos de a escrever. Este aceita os factos na sua real expressão,
estejão completos ou mutilados; aquelle explica-os depois de os
decompor ou recompor; outro completa-os pela conjectura ou pela
lógica. Tácito pertence á primeira escola, Thierry á segunda,
Guizot e Macaulay á ultima.
Si se trata particularmente da historia do Brazil, como neste
Instituto, é licito perguntar ao historiador: que theoria seguis – a de
Martius, a de Buckle, a dos sectários de Spencer, a dos discípulos
de Comte? Como exprimir tão diversas opiniões sem sacrifício de
alguma dellas?
Infiro daqui uma lei: a tribuna literária, ainda que represente o
resultado de um suffragio coletivo, ha de ter sempre mais o
caracter de uma individualidade que o de uma complexidade”.
113
111
Idem, p. 517.
112
Idem, p. 518.
113
RIHGB, Tomo 43, 1883, p. 658.
182
O problema acerca da melhor maneira de elaborar o conhecimento do passado
relacionava-se às escolhas do historiador frente ao que Távora identificava como uma
diversidade de “métodos” e teorias” para a escrita da história. Isso não significava,
contudo, que os estudos históricos devessem renunciar à ambição de um estatuto
científico. A possibilidade de a investigação histórica alçar-se ao patamar das
disciplinas científicas modernas passaria, ineludivelmente, pela afirmação da
imparcialidade como atributo emblemático da atividade do historiador. É neste sentido
que o vice-presidente do Instituto em 1897, Manoel Francisco Correia, a classifica como
“ciência”, pois
“ella [a história] não prescinde da observação, do agrupamento dos
factos que se succedem; mas também o seu principal mérito está
em penetrar, por operação invisível do pensamento, no nexo lógico
que os prende, ou, em outros termos, em descobrir a marcha
evolutiva da civilisação na confusão de acontecimentos que
revoluteiam, tumultuam e se atropellam.
E’ seu cunho distintivo a imparcialidade. Com igual e inflexível
justiça exalta e abate impérios e republicas, aristocracias,
theocracias, oligarchias: seu culto é o do bem e da virtude.
O historiador escrupuloso, que na verdade se inspira, dispõe do
poder immenso de chamar sobre aquelles cujos lábios
emmudeceram para sempre a admiração ou o estigmada
posteridade”.
114
A observação dos fatos para a apreensão de seu encadeamento seria o
procedimento que aproximaria a história das demais ciências da natureza, mas não
residiria o critério absoluto de sua cientificidade.
115
Como guardião da memória dos
feitos dos grandes homens, o historiador cumpriria importante função para que a
história, por efeito da sua marcha contínua, também se realizasse como instância de
justiça para a humanidade.
No momento em que os sócios do Instituto empenhavam forças para a
sobrevivência da agremiação sob a recém-proclamada República, Manoel Francisco
Correia concluiria a sua fala com a evocação do lema vigente desde o tempo dos
fundadores, ou seja, o de que naquele espaço não entravam dissensões políticas, apenas
os intuitos nobres e desinteressados: “As associações que se empenham nos estudos
históricos não tem como laço de união nem religião, nem a política, nem a carreira que
114
RIHGB, Tomo 60, 1897, p. 419.
115
No contexto da historiografia francesa oitocentista, uma referência importante para a concepção da
história como ciência fundada na observação à maneira das ciências físicas, era discutida por François
Guizot (1787-1874). Cf. HARTOG, O século XIX e a história, op. cit., pp. 116-117.
183
cada um dos membros abraça; mas a comunhão de esforços para alcançar do melhor
modo a meta cobiçada”.
116
A reiteração desse princípio talvez tenha criado, dentro do Instituto, um ambiente
de coexistência amistosa que ultrapassava o terreno das posições políticas, por vezes,
inconciliáveis, para se evidenciar nas diferentes noções acerca da investigação e escrita
da história, apregoadas nos discursos e trabalhos de seus membros. Não obstante a
heterogeneidade de opiniões que ali circularam, a concepção unanimemente
compartilhada era aquela que, de forma sucinta, aparece nas palavras do vice-presidente
transcritas acima: a elaboração do saber histórico implicava uma operação dos
historiadores para desvendar o nexo lógico dos acontecimentos e a marcha evolutiva da
civilização. De modo semelhante, Olegário Herculano de Aquino e Castro observaria
que, como genero de litteratura tão elevado, tão util”, a história visava “a enriquecer o
futuro com as experiências do passado” e, entre os seus encargos, estava o registro,
“com imparcialidade conscienciosa”, dos fatos mais notáveis da vida das nações e feitos
dos homens mais influentes.
117
No início dos anos de 1890, Alfredo do Nascimento Silva acrescentaria novos
elementos a essa visão sem que isso representasse, porém, o abandono dos seus
pressupostos fundamentais. Com o artigo intitulado Um átomo da Historia Pátria, ele
se propunha traçar o histórico da Sociedade Amante da Instrução, criada no Rio de
Janeiro no início daqueleculo, destinada à assistência e o ensino de crianças pobres e
órfãs.
118
O que merece ser aí destacado são as considerações desenvolvidas pelo autor
na introdução do estudo, sob o pretexto de justificar a importância da filantropia e da
instrução para o progresso do país. De acordo ele, uma multidão de novos atores
ganhava visibilidade na “arena da História” e, notadamente, na sociedade brasileira:
“são os honrados operarios, onerados de numerosa prole [...]; são as legiões de filhos
sem pais [...]; são os filhos da pobreza [...]; são todos esses desgraçados que a doença
invalidou [...]; são, finalmente, os náufragos do mundo que não puderam luctar contra
116
RIHGB, Tomo 60, 1897, p. 421.
117
RIHGB, Tomo 55, 1892, p. 427.
118
SILVA, Alfredo do Nascimento. Um átomo da História tria. Histórico da Sociedade Amante da
Instrucção. RIHGB, Tomo 55, 1892, pp. 97-140.
184
os temporaes...”.
119
Tornara-se indispensável investigar o papel daquela massa
popular” no funcionamento do “organismo social” e, assim, “conhecer de perto os males
da humanidade para os prevenir e curar”.
120
Ao traçar a história de uma associação
dedicada a amparar e instruir os necessitados, Nascimento Silva buscava o apenas
defender a premência de uma política de “higiene social”, mas, acima de tudo, lançar
luz sobre aquele contingente de indivíduos anônimos.
“Longe vai o tempo em que a historia, deixando-se illudir pelas
apparencias e fascinar pelas pompas de grandeza e pelo fausto dos
potentados, limitou-se a ser a chronica dos reis, dos nobres e dos
vultos mais salientados pelos seus títulos de gloria. Nesse tempo
visava-se o throno aureolado de grandeza [...], mas não se olhava
para o gigante que o sustenta em seus hombros, para esse colosso
que vale tudo e a que nenhuma importância se ligava, isto é o
povo, cuja soberania no entanto agora se impõe. ”
121
Em passagem anterior, o autor refere-se ao povo” como a onda impetuosa de
um gigante [...] em busca de conquistar os seus direitos”
122
, sugerindo a idéia de uma
força coletiva presente ao longo dos séculos, mas esquecida pelos historiadores. Tal
“espírito popular” irrompera na História, “mostrando o seu poder e a sua real
soberania”, com os acontecimentos que marcaram a queda do absolutismo na França e a
luta contra o jugo do despotismo servil.
123
Embora estivesse longe de defender, à
maneira de Michelet, que a escrita da história concedesse voz àquela multidão de
personagens “sem pompa nem galas”, reconhecia que nela “palpita[va] o coração da
pátria”.
124
Desse modo, ao afirmar que a critica histórica, aentão ocupada com o
papel dos grandes”, deveria se voltar para aqueles atores “modestos e numerosos”,
aproximava-se mais das preocupações expressas alguns anos antes por um de seus
119
Idem, p. 99.
120
Idem, p. 100.
121
Idem, p. 102. Além deste artigo, Hugo Hruby também identificou no discurso de admissão ao Instituto
de Alfredo Augusto da Rocha a proposta de que a história incorporasse os “novos sujeitos” constituídos
pelas camadas populares da sociedade. Cf. HRUBY, Obreiros diligentes, op. cit., pp. 92-94.
122
SILVA, Um átomo da História Pátria, op. cit., p. 100.
123
Idem, p. 103-104.
124
Sobre a metáfora de “ouvir” e “dar voz” às massas populares da história da França em Michelet, cf.
VIALLANEIX, Paul. Prefácio. MICHELET, Jules. O povo. São Paulo: Martins Fontes, 1988, pp. vii-xlii.
Mais recentemente, Michelle Schreiner assinalou que “o povo silenciado pela História é essa palavra viva
que Michelet quer transcrever e primeiro escutar” e, portanto, ele “não apenas institui o povo enquanto
sujeito da História quando cria uma imagem e/ou o analisa, mas também quando cede seu lugar de
narrador da História”. Cf. SCHREINER, M. Jules Michelet e a história que ressuscita e vida aos
homens. Campinas/SP: Unicamp, 2005, pp. 263-266. Tese de doutorado.
185
contemporâneos lebres, Capistrano de Abreu, quando este lamentou que se narrasse
unicamente a ação dos “dominadores”.
125
Nascimento Silva definia a história como o estudo da evolução da humanidade e
da “fisiologia social”, comparando-a às ciências biológicas no exame dos organismos
complexos. “Assim como a vida do individuo é a resultante final da somma das vidas
dos seus componentes cellulares, assim também a vida da humanidade representa a
somma das vidas dos indivíduos que se congregam em famílias, tribus e povos...”
126
De
maneira análoga ao biólogo, o historiador deveria analisar a “célula social”, verdadeiro
alicerce da civilização. Quanto à nova ciência que se propunha estabelecer as leis
naturais de funcionamento das sociedades, a sociologia, somente completaria o seu
intento na medida em que a historia empreendesse, por seu turno, a investigação
minuciosa da vida dos povos em todos os tempos e lugares. Fiel ao propósito essencial
de investigar a marcha da civilização, a história deveria, enfim, ambicionar à síntese,
ponto de chegada de todas as investigações científicas e, para tanto, o podia
prescindir da acumulação e do registro exaustivo de fatos particulares.
“[...] a biographia de um vulto, a chronica de uma época, a
narrativa de um episodio, os commentarios de um facto ou o estudo
de uma instituição, não formam certamente a historia, mas são os
seus elementos componentes, os materiaes que ella ordenará para
apreciar, julgar e formar a synthese [...]; e quando escrevemos a
historia ou qualquer sciencia, vamos beber nestas fontes, vamos
haurir nesses manaciaes a matéria prima para taes trabalhos.”
127
***
125
A referência encontra-se no prefácio, escrito por Capistrano em 1878, para o livro Crítica e Literatura,
do escritor cearense Raimundo da Rocha Lima: “[...] Assim na história: só destacamos os dominadores,
aqueles que destruíram ou edificaram, deixando após si uma esteira de sangue, ou uma trilha de luz. Não
nos lembramos dos ombros que firmaram os passos, [...] da mão desconhecida que lhes apontou o ideal
que mais felizes atingiram. E muitas vezes o desconhecido é quem mais cooperou para o grande
acontecimento”. In: Ensaios e Estudos. 1
a
série, op. cit., p. 72.
126
SILVA, Um átomo da História Pátria, op. cit., p. 105.
127
Idem, pp. 106-107.
186
Em 1892, no mesmo ano de publicação do artigo citado, o presidente Olegário
Herculano de Aquino e Castro daria início à sessão comemorativa dos 54 anos do
IHGB, com um discurso solene em defesa da utilidade do estudo da história como meio
eficaz para difundir a instrução e os influxos da civilização e do progresso.
128
Segundo
ele, na condição de herdeiros dos ilustres fundadores, aos sócios do Instituto não se
destinavam as honras de historiadores, mas lhes cabia o posto mais modesto de
“obreiros” na tarefa de preparação dos subsídios para a escrita da história pelas gerações
futuras.
129
Naquele momento, a reafirmação dos preceitos que norteavam a existência da
instituição desde 1838, acompanharia a experiência do espantoso ineditismo do tempo
presente que tornava mais incertos os prognósticos acerca do futuro.
130
A figura augusta
do patrono e amigo das letras não ocupava mais o lugar que, aa queda da monarquia,
fora a ele destinado nas sessões solenes da agremiação. A cadeira vazia do Imperador
não estava coberta, porém, “com o denso véo do esquecimento, mas engrandecida pelas
recordações que desperta[va]”.
131
Sob o regime republicano, o IHGB haveria de seguir
com suas atividades, renovando o propósito de estudar o passado para “explicar o
presente e esclarecer o futuro”. Não era possível escrever a história sobre o solo ainda
abalado pelas terríveis commoções do tempo” ou sob a impressão das scenas agitadas
da luta de interesses desconformes”.
132
No conturbado contexto de transição política dos
anos finais do Oitocentos, não seria fortuito que o veto à história contemporânea se
renovasse em favor da prudência e, sobretudo em nome da convicção daqueles
“modestos” artífices do monumento historiográfico na “justiça da história”.
128
RIHGB, Tomo 55, 1892, p. 427.
129
Idem, p. 432.
130
KOSELLECK, Futuro passado, op. cit., p. 144.
131
RIHGB, Tomo 55, 1892, p. 433.
132
Idem, 432.
187
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Findou a idade heróica, mas os heróis não foram todos na
voragem do tempo. Como fachos esparsos no vasto oceano da
história atraem os olhos da humanidade, e inspiram arrojos da
musa moderna”.
Machado de Assis.
1
A profusão de trabalhos biográficos nas páginas da Revista do IHGB acompanhou
o processo de institucionalização da pesquisa histórica no Brasil e o esforço coletivo de
elaboração de um sentido histórico para a nação emancipada sob os influxos da
civilização e do progresso. Concebida como mestra da vida, a história nacional podia
ser apreendida por meio das ões dos grandes homens do passado, constituindo-se em
um inesgotável repertório de exemplos para o presente e para o futuro. Entre os letrados
oitocentistas, as referências constantes aos preceitos antigos de Cícero e Plutarco
indicavam a longa vigência de uma concepção humanista de história, notadamente
firmada nas proposições do primeiro secretário perpétuo do Instituto, Januário da Cunha
Barbosa.
A galeria de brasileiros ilustres reflete, sem dúvida, expectativas e impasses no
empreendimento de conciliação dos elementos spares da formação social do Brasil
sob a égide do regime monárquico. Por conta disso, o uso do gênero biográfico,
submetido aos desígnios da ordenação do passado colonial dentro da marcha histórica
das civilizações, tenderia a se confundir com o elogio dos fastos do Império, implícito
na eleição e no enaltecimento dos seus ilustres varões das letras, armas e virtudes. A
aposta biográfica dos sócios do Instituto seria justificada pela vocação moralizante
daquela modalidade de escrita e por uma ambição de verdade análoga à da
historiografia. Como expediente eficaz no combate à voragem do tempo e ao
esquecimento, a biografia não permaneceria incólume ao dilema epistemológico que
perpassou a operação historiográfica na modernidade em toda a sua pretensão de
controlar os riscos de parcialidade implicados nos relatos acerca do passado. Nesse
1
ASSIS, Obra Completa, vol 3, op. cit., p. 892.
188
sentido, a convicção em uma força ajuizadora inexorável da posteridade passaria a
regular o trabalho de biógrafos e historiadores no cumprimento do dever de honrar a
memória dos que faziam história. Longe de aliviar os múltiplos encargos dos que se
dedicavam à investigação do passado, a experiência da história como um tribunal
colocaria em evidência o topos antigo do historiador apolis que, tendo sempre em mira
a verdade “sem partido”, passaria a atender ao postulado da ética científica.
No longo processo de sutura do mosaico de identidades coletivas que marcou a
cultura histórica do Brasil no século XIX, historiografia e biografia compartilharam não
apenas os propósitos de fixação dos fatos e nomes memoráveis, de modo a que eles
espelhassem os valores políticos e morais da nação, mas também os procedimentos que
forneciam credibilidade à representação do passado. Assim, ao buscarem inscrever a
sociedade “surgida da cunhagem da moeda colonial” em um tempo propriamente
histórico,
2
os letrados brasileiros oitocentistas não dispensaram a articulação dessas
duas modalidades de escrita na tessitura dos elos possíveis de ligação entre o presente, o
passado e o futuro, indicando que, a despeito das novas exigências disciplinares, a
história não precisaria renunciar terminantemente à antiga função de magistra vitae em
nome dos modernos axiomas de cientificidade.
A metáfora oportuna de Machado de Assis na referência aos heróis “como fachos
esparsos no vasto oceano da história”, posta em epígrafe acima, o deixa de sugerir
uma outra indagação: em que medida o historiador consegue se eximir da tentação de
escrever vidas enquanto narra a história? E, mais pontualmente para os letrados
oitocentistas, como elaborar a narrativa da gênese nacional sem levar em conta os seus
protagonistas? A crítica à historiografia brasileira do século XIX subestimou, muitas
vezes, o seu valor em razão do biografismo exacerbado e da ênfase aos feitos das
personalidades ilustres mais do que à abordagem dos processos históricos gerais,
sinalizando um problema que, sob formulações diversas, aflige aqueles que escrevem a
história aos dias de hoje. Pois, como observou recentemente Marshall Sahlins, não
obstante as tentativas da história social da primeira metade do século XX em banir os
indivíduos para privilegiar categorias estruturais de análise, o problema da ão
histórica dos sujeitos permaneceu circunscrito a uma espécie de terreno epistemológico
2
MATTOS, Tempo Saquarema, op. cit., p. 296.
189
movediço no campo das ciências humanas.
3
Embora a “teoria” dos grandes homens
tenha sido correntemente identificada à história praticada no Oitocentos, ela continuaria
subentendida na historiografia contemporânea, sobretudo porque a questão para a qual
essa teoria tenta, de certa forma, dar uma reposta, a saber, a das relações complexas
entre indivíduo e sociedade, ou sujeito e história, ainda suscita discussões. Arnaldo
Momigliano, pioneiro na investigação sobre as relações entre biografia e história,
sintetizaria como poucos o dilema que nasceu com a própria historiografia: “Nenhuma
história, por mais inclinada que esteja a enfatizar as decisões coletivas, consegue
esquecer totalmente da incômoda presença dos indivíduos: eles estão ali,
simplesmente”.
4
3
SAHLINS, História e Cultura, op. cit., pp. 121-123.
4
MOMIGLIANO, Les origines de la biographie, op. cit., p. 64
190
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Alegre, vol. 5, n. 2, 1999.
207
ANEXO: QUADRO DE BIOGRAFIAS DA REVISTA DO IHGB (1839-1889)
TOMO/ANO
TÍTULO
BIOGRAFADO
AUTOR PÁG.
1
I
1839
Biographia dos Brasileiros
distinctos por Lettras, Armas,
Virtudes, &c.
José Basílio da Gama
Januário da
Cunha
Barbosa
139-141
(1
a
ed.)
152-155
117-119
2
I
1839
idem
José da Silva
Lisboa,
Visconde de Cayru
Bento da Silva
Lisboa
227-234
(1
a
ed.)
238-246
185-191
3
II
1840
D. José Joaquim da
Cunha de Azeredo
Coutinho
(Bispo de Olinda)
Januário da
Cunha
Barbosa
337-339
(1
a
ed.);
349-352
272-274)
4
II
1840
Monsenhor José de
Souza Azeredo
Pizarro e Araújo
Januário da
Cunha
Barbosa
340-341
352-354
275-276
5
II
1840
João Pereira
Ramos de Azeredo
Coutinho
Januário da
Cunha
Barbosa
118-125
118-126
(2
a
ed.)
118-127
6
II
1840
Padre Antonio
Pereira de Souza
Caldas
Januário da
Cunha
Barbosa
126-135
127-137
128-139
7
II
1840
José Monteiro de
Noronha
Januário da
Cunha
Barbosa
254-257
8
II
1840
Bento de Figueiredo
Tenreiro Aranha
Januário da
Cunha
Barbosa
257-260
9
II
1840
D. Francisco de
Lemos de Faria
Pereira Coutinho
F. A. de
Varnhagen
377-382
378-383
388-394
10
II
1840
Biographia do Conselheiro
Balthazar da Silva Lisboa, lida na
sessão de 31 de agosto de 1840
por Bento da Silva Lisboa, socio
effetivo do Instituto
Conselheiro
Balthazar da Silva
Lisboa
Bento da Silva
Lisboa
383-391
384-392
395-404
11
II
1840
Biographia
dos Brasileiros distinctos por
Lettras, Armas, Virtudes &.
Alexandre Rodrigues
Ferreira
Rodrigo de
Souza da Silva
Pontes
499-502
501-516
513-515
O levantamento inclui, além dos textos publicados na seção de Biografias de Brasileiros Ilustres, todos
os artigos identificados pelo título, ou contendo as expressões “biografia”, “apontamentos biográficos” ou
“apontamentos sobre a vida e obras...”.
208
12
III
1841
idem
Salvador Correa de
Sá Benevides
F. A. de
Varnhagen
100-119
100-119
79-96
13
III
1841
idem
D. Rosa Maria da
Siqueira
Joaquim
Norberto de
Souza e Silva
222-225
222-225
178-181
14
III
1841
D. Maria Ursula de
Abreu Lencastre
Joaquim
Norberto de
Souza e Silva
225-227
225-227
181-182
15
III
1841
Gregório de
Matos
Januário da
Cunha
Barbosa
333-337
333-338
267-271
16
II
1841
Manoel Ignácio da
Silva Alvarenga
Januário da
Cunha
Barbosa
338-343
338-346
272-279
17
III
1841
José Joaquim
Carneiro de Campos
(Marquês de
Caravelas)
Januário da
Cunha
Barbosa
478-484
478-484
394-399
18
IV
1842
Biographia
dos Brasileiros distinctos por
Lettras, Armas, Virtudes &.
Clemente Pereira de
Azeredo Coutinho e
Mello
Januário da
Cunha
Barbosa
88-91
19
IV
1842
José Eloy Pessoa
Ignacio
Accioli de
Cerqueira e
Silva
91-95
20
IV
1842
Ararigboya
(depois Martim
Affonso)
Januário da
Cunha
Barbosa
207-209
21
IV
1842
Domingos Caldas
Barbosa
Januário da
Cunha
Barbosa
210-212
22
IV
1842
José Joaquim
Justiniano
Mascarenhas
Castello-Branco
(Bispo do Rio de
Janeiro)
“extrahida das
memórias de
Monsenhor
Pizarro, Tomo
5”
368-376
23
IV
1842
Bernardo Vieira
Ravasco
“extracto da
Bibliotheca
Luzitana do
Abbade Diogo
Barboza
Machado”
377-378
24
IV
1842
Manoel Ferreira da
Camara
Bitancourt e
J. F. Sigaud 515-518
25
V
1843
Biographia
dos Brasileiros distinctos por
Lettras, Armas, Virtudes &.
Jorge de
Albuquerque Coelho
“Bibliotheca
Lusitana”
79-80
83-85
(3
a
. ed.)
26
V
1843
Frei Francisco Xavier
de Santa Thereza
Bibliotheca
Lusitana
80-82
80-82
85-88
27
V
1843
João Fernandes
Vieira
(o Castrioto lusitano)
F. A. de
Varnhagen
(Panorama)
82-87
209
28
V
1843
Salvador Corrêa de
Sá e Benevides
F. A. de
Varnhagen
224-227
224-227
237-241
29
V
1843
Ignácio de Andrade
Souto Maior Rendon
F. A. de
Varnhagen
227-232
227-232
241-248
30
V
1843
Martim Afonso de
Souza
F. A. de
Varnhagen
232-238
232-238
248-256
31
V
1843
Francisco de Mello
Franco
F. A. de
Varnhagen
45-349
345-349
367-373
32
V
1843
Gaspar Gonçalves de
Araújo
F. A. de
Varnhagen
349-352
349-352
373-376
33
V
1843
Pero Lopes de Sousa
F. A. de
Varnhagen
352-354
352-354
376-379
34
V
1843
José Arouche de
Toledo Rendon
Manoel
Joaquim do
Amaral Gurgel
491-494
491-494
522-526
35
V
1843
Cônego Gaspar
Ribeiro Pereira
“Das
Memórias de
Monsenhor
Pizarro”
526-529
36
V
1843
Pedro Álvares Cabral
Sem autoria
(reedição de
publicações)
529-531
37
VI
1844
Biographia
dos Brasileiros distinctos por
Lettras, Armas, Virtudes &.
José de Sá Bitancourt
Accioli
Ignacio
Accioli de
Cerqueira e
Silva
107-111
38
VI
1844
Henrique Julio de
Wallenstein
Januário da
Cunha
Barbosa
111-118
39
VI
1844
Pero Lopes de Sousa
F. A. de
Varnhagen
118-122
40
VI
1844
Epítome da vida do
Padre Antonio Vieira
José Inácio
Roquete
229-252
41
VI
1844
Brigadeiro Manoel
Ferreira de Araújo
Guimarães
Antonio
Joaquim
Damazio
362-369
370-377
42
VI
1844
Francisco de Brito
Freire
Diogo Barbosa
Machado
(Bibliotheca
Lusitana)
369-371
377-379
43
VI
1844
João Baptista Vieira
Godinho
Copiada da
Minerva,
n°14”
500-503
210
44
VI
1844
José de Sousa
Manmero
“Copiado das
Memórias de
M. Pizarro
503-505
45
VII
1845
Biografia
de Cristóvão
Colombo
Cristóvão
Colombo
Traduzida pelo
sócio D.
Affonso de
Moraes Torres
3-53
5-51
(3
a
ed.)
46
VII
1845
D. Joaquim da Cunha
de Azeredo Coutinho
J. J. P. Lopes
106-115
106-115
103-114
47
VII
1845
Diogo Arouche de
Moraes Lara
J. J. Machado
de Oliveira
243-247
48
VII
1845
Frei Francisco de
Santa Thereza de
Jesus Sampaio
Do Ostensor
Brasileiro
248-250
49
VII
1845
Francisco Xavier
Ribeiro Sampaio
F. A. de
Varnhagen
404-406
404-406
387-389
50
VII
1845
O jesuíta Manoel de
Nobrega
Ignácio
Accioli de
Cerqueira e
Silva
406-414
406-414
389-399
51
VII
1845
O jesuíta José de
Anchieta
Ignacio
Accioli de
Cerqueira e
Silva
551-557
551-557
524-530
52
VII
1845
José Borges de
Barros
Bibliotheca
Lusitana
557-558
557-558
530-532
53
VIII
1846
José Bonifácio de
Andrada e Silva
Emilio J. da
Silva
Maia
116-146
54
VIII
1846
Frei José de Santa
Rita Durão
F. A. de
Varnhagen
276-283
55
VIII
1846
Joaquim Francisco
do Livramento
Joaquim
Gomes de
Oliveira e
Paiva
391-401
56
VIII
1846
Eusébio de Mattos
F. A. de
Varnhagen
540-546
57
IX
1847
Antonio José da Silva
F. A. de
Varnhagen
114-124
58
IX
1847
Manoel Botelho de
Oliveira
F. A. de
Varnhagen
124-126
59
IX
1847
Vicente Coelho de
Seabra
F. A. de
Varnhagen
261-264
211
60
IX
1847
Marquês de
Paranag
Candido
Baptista de
Oliveira
398-408
61
IX
1847
Visconde de Pelotas
(José Corrêa da
Camara)
555-559
62
X
1848
João de Brito Lima
F. A. de
Varnhagen
116-119
63
X
1848
Frei Manoel de Santa
Maria Itaparica
F. A. de
Varnhagen
240-244
64
X
1848
Francisco
de Sousa
Abade
Barbosa
Bibliotheca
Lusitana
244-245
65
X
1848
Clara Filippa
Camarão
Joaquim
Norberto de
Sousa e Silva
387-389
66
X
1848
Frei Francisco de São
Carlos
J. M. Pereira
da Silva
524-542
67
XI
1848
Manoel Dias,
O Romano
496-499
68
XII
1849
Biographia
dos Brasileiros distinctos por
Lettras, Armas, Virtudes &.
Thomaz Antonio
Gonzaga
F. A de
Varnhagen
120-136
69
XII
1849
Sebastião da Rocha
Pitta
J. M. Pereira
da Silva
258-276
70
XII
1849
Ignácio José de
Alvarenga Peixoto
J. M. Pereira
da Silva
400-412
71
XII
1849
Claudio Manoel da
Costa
J. M. Pereira
da Silva
529-549
72
XIII
1850
Frei Christovão de
Madre de Deus Luz
Biblioteca
Lusitana
125-126
73
XIII
1850
Frei Ignácio Ramos
Biblioteca
Lusitana
126-127
74
XIII
1850
Bento Teixeira Pinto
Joaquim
Norberto de
Sousa e Silva
274-278
75
XIII
1850
Bento Teixeira Pinto
(Para uma
explicação)
F. A. de
Varnhagen
402-405
Autoria identificada em ata da sessão de 21 de junho de 1849, Tomo XII, p. 288.
212
76
XIII
1850
Biographia de brasileiros
distinctos ou de individuos
illustres que serviram no Brasil,
&tc.
Tomás Antonio
Gonzaga (aditamento
ao tomo XII)
F. A. de
Varnhagen
405
77
XIII
1850
idem
Inácio J. de
Alvarenga
Peixoto
F. A. de
Varnhagen
513-516
78
XIV
1851
Biographias de brasileiros
distinctos ou de indivíduos
illustres que bem servissem o
Brasil, &tc.
Domingos Caldas
Barboza
F. A. de
Varnhagen
449-460
79
XV
1852
Biografias de brasileiros ilustres
ou de pessoas eminentes que
serviram no Brasil
José Antonio
Lisboa
Barão de
Cay
116-123
80
XV
1852
Biografias de brasileiros ilustres
ou de pessoas eminentes que
serviram no Brasil ou ao Brazil
Antonio Moraes
da Silva
F. A. de
Varnhagen
244-247
242-245
81
XIX
1856
Apontamentos biográficos sobre
Visconde de S.
Leopoldo
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
132-142
82
XIX
1856
Apontamentos sobre a vida e
obras
Padre José Maurício
Nunes
Garcia
Manuel de
Araújo
Porto Alegre
354-369
83
XIX
1856
Apontamentos sobre a vida e
obras
Valentim da Fonseca
e Silva
Manuel de
Araújo
Porto Alegre
369-375
84
XIX
1856
Apontamentos sobre a vida e
obras
Francisco Pedro do
Amaral
Manuel de
Araújo
Porto Alegre
375-378
85
XIX
1856
Junqueira
Freire
J. M. Pereira
da
Silva
425-433
86
XIX
1856
Eduardo Olympio
Machado
Francisco
Sotero
dos Reis
607-644
87
XXI
1858
Gabriel Soares de
Sousa
F. A. de
Varnhagen
413-424
88
XXIII
1860
O Visconde de S. Leopoldo.
Esboço biographico
Visconde de S.
Leopoldo
Francisco
Ignácio
Marcondes
Homem de
Mello
131-142
89
XXIII
1860
Biografia de...
Aureliano de Sousa e
Oliveira Coutinho,
Visconde de Sepetiba
345-363
213
90
XXIV
1861
Biografia de D. Paulo de Moura,
depois Frei Paulo de Santa
Catharina
D. Paulo de Moura,
depois Frei Paulo de
Santa Catharina
Padre Lino do
Monte
Carmelo Luna
685- 698
91
XXIV
1861
Daminana da
Cunha
Joaquim
Norberto
de
Sousa e Silva
525-538
92
XXV
1862
O Cônego Luiz Gonçalves dos
Santos, sua vida e suas obras
Estudo Biographico
Luiz Gonçalves dos
Santos
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
163-175
93
XXV
1862
Biographia apresentada ao
Instituto em 1859
Jorge de
Albuquerque
Maranhão
F. Adolfo de
Varnhagen
353-
361
94
XVII
1864
Biographia dos Brasileiros
Illustres por armas, letras,
virtudes, &tc.
Frei Antonio de
Santa Ursula
Rodovalho
Moreira de
Azevedo
187-
193
95
XVII
1864
D. Manoel do
Monte Rodrigues
de Araújo, Bispo
do Rio de
Janeiro, Conde de
Irajá
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
194-217
96
XVII
1864
Biographia dos Brasileiros
Illustres por Armas, Letras,
Virtudes, &tc.
Manoel do
Nascimento Castro e
Silva
333-338
97
XVII
1864
José Cesário de
Miranda Ribeiro
338-342
98
XXX
1867
Manoel Jorge
Rodrigues
Faustino
Xavier de
Novaes
216-232
99
XXX
1867
“Naturalidade de
Dom Antonio Filippe
Camarão”
F. A. de
Varnhagen
501-508
100
XXX
1867
Cônego Luiz
Antonio da Silva
e Sousa
J. M.
Pereira de
Alencastre
241-256
101
XXX
1867
“Naturalidade de D.
Antonio Filippe
Camarão – 2
o
artigo”
F. A. de
Varnhagen
419-426
102
XXX
1867
Ignácio José de
Alvarenga
Peixoto
(“retoques á sua
biographia ...”)
F. A. de
Varnhagen
427-428
103
XXXI
1868
Henrique Dias
Joaquim
Caetano
Fernandes
365-383
214
Fernandes
Pinheiro
215
104
XXXI
1868
Bento Manoel
Ribeiro
José Joaquim
Machado de
Oliveira
384-407
105
XXXI
1868
Francisco Manoel da
Silva
Moreira de
Azevedo
306-313
106
XXXI
1868
Biografia do botânico brasileiro
J. M. da C. Veloso
José Mariano da
Conceição Veloso
(frei franciscano)
137-305
107
XXXII
1869
D. Antonio Filippe
Camarão
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
201-208
108
XXXII
1869
André Vidal de
Medeiros
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
329-342
109
XXXII
1869
Cláudio Manoel
da Costa
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
113-124
110
XXXII
1869
Biografia do botânico Frei
Leandro do Sacramento
Frei Leandro do
Sacramento
181-230
111
XXXII
1869
Valentim da Fonseca
e Silva
Moreira de
Azevedo
235-242
112
XXXIII
1870
Frei Francisco de
Monte Alverne
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
143-156
113
XXXIII
1870
Casemiro de Abreu
Joaquim
Norberto de
Sousa e Silva
295-320
114
XXXIII
1870
Manoel da Cunha
Moreira de
Azevedo
206-211
115
XXXIII
1870
João Caetano dos
Santos
Moreira de
Azevedo
337-357
116
XXXIV
1871
O Conselheiro Cláudio Luis da
Costa
Cláudio Luis da
Costa
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
117-139
117
XXXIV
1871
Frei José da Costa
Azevedo
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
293-298
123-128
118
XXXIV
1871
Barão D’Ayuruoca
Joaquim
Caetano
Fernandes
Pinheiro
299-306
119
XXXIV
1871
Padre José Maurício
Nunes Garcia
Moreira de
Azevedo
293-304
216
120
XXXV
1872
José Eloy Ottoni
Moreira de
Azevedo
501-518
121
XXXV
1872
Hyppolito José da
Costa Pereira
Francisco
Ignácio
Marcondes
Homem de
Mello
203-245
122
XXXVI
1873
Francisco José de
Lacerda e Almeida
F. A.
Varnhagen
177-184
123
XXXVI
1873
Antonio Pires da
Silva Pontes Leme
F. A.
Varnhagen
184-187
124
XXXVI
1873
Francisco Bernardino
Ribeiro
Moreira de
Azevedo
188-196
125
XXXVI
1873
Frei Francisco de S.
Carlos
José Tito
Nabuco de
Araújo
517-542
126
XXXVI
1873
Antonio Francisco
Dutra e Mello
José Tito
Nabuco de
Araújo
186-200
127
XXXVII
1874
Frei Francisco de
Santa Theresa
Sampaio
José Tito
Nabuco de
Araújo
191-208
128
XXXVIII
1875
Frei Pedro de Santa
Marianna
José Tito
Nabuco de
Araújo
221-244
129
XXXVIII
1875
Manoel Odorico
Mendes
João Francisco
Lisboa
303-337
130
XXXVIII
1875
Biografia e apreciação dos
trabalhos do botânico
brasileiro...
Francisco Freire
Alemão
51-126
131
XXXIX
1876
Notícia sobre Antonio Gonçalves
Teixeira e Sousa e suas obras
Antonio Gonçalves
Teixeira e Sousa
Joaquim
Norberto de
Sousa e Silva
197-216
132
XXXIX
1876
Biografia de brasileiros ilustres:
breve notícia acerca do
falecimento do bispo do
Maranhão...
Frei Carlos de
S. José e Sousa
C. H. de
Figueiredo
183-190
133
XL
1877
Frei Antonio de
Santa
Ursula Rodovalho
José Tito
Nabuco de
Araújo
177-190
134
XL
1877
Antonio Manoel
Corrêa da Camara
Antonio
Eleutério de
Camargo
505-506
135
XL
1877
Luiz Carlos Martins
Penna
Luiz Francisco
da Veiga
375-407
217
136
XLI
1878
Antonio Francisco
Dutra e Mello
Luiz Francisco
da Veiga
143-218
137
XLI
1878
Manoel Joaquim do
Amaral Gurgel
Olegário
Herculano de
Aquino e
Castro
237-376
138
XLII
1879
Bernardo Jacintho da
Veiga
Luiz Francisco
da Veiga
55-74
139
XLII
1879
Laurindo José da
Silva Rabello
Joaquim
Norberto de
Sousa Silva
75-113
140
XLIII
1880
Apontamentos biographicos da
família Braz Carneiro Leão
Família Braz
Carneiro Leão
Conde de
Baependy
365-384
141
XLV
1882
Biografia de Frei Antonio do
Lado de Christo
Frei Antonio do
Lado de Christo
Moreira de
Azevedo
181-184
142
XLV
1882
Narciza Amalia
Luiz Francisco
da Veiga
185-192
143
XLV
1882
Antonio Joaquim
Alvaros do Amaral
193-195
144
XLV
1882
Notas biograficas
Visconde de
Araguaia
M. B.
197-199
145
XLV
1882
Resumo biografico
Antonio Joaquim
Alvares do Amaral
Jose Álvares
do Amaral
193-195
146
XLV
1882
Biografia do padre mestre Frei
Francisco de Monte-Alverne
Frei Francisco de
Monte-Alverne
Domingos
José
Gonçalves de
Magalhães
(1859)
391-404
147
XLVI
1883
Domingos Jo
Gonçalves de
Magalhães
Moreira de
Azevedo
247-250
148
XLVIII
1885
Biografia do tenente-general
José Fernandes dos Santos
Pereira
José Fernandes dos
Santos Pereira
Augusto
Fausto de
Souza
181-226
149
XLVIII
1885
João Henrique de
Matos
227-237
150
XLVIII
1885
Biografia do juiz de direito Dr.
José Bernardo de Loiola
José Bernardo de
Loiola
239-241
151
XLIX
1886
Joaquim Caetano da
Silva
J. A. Teixeira
de
Mello
361-372
152
XLIX
1886
Barão de Villa
Franca
J. A. Teixeira
de
Mello
372-378
153
XLIX
1886
Barão de Alhandra
N. da R.
378-385
218
154
XLIX
1886
Frei Bastos
Sacramento
Blake
385-392
155
LI
1888
José Bernardino
Baptista Pereira de
Almeida
J. A. Teixeira
de
Mello
321-328
156
LII
1889
Vida do Padre
Estanisláo de Campos
Padre
Estanisláo de
Campos
*Tradução do
original em
latim por
Tristão de
Alencar
Araripe para
uma biografia
escrita em
Roma em
1765
5-109
157
LIII
1890
Biografia do Dr.
Antonio Luiz Patrício da Silva
Manso
Antonio Luiz
Patrício da Silva
Manso
J. Remédios
Monteiro
385-393
158
LIV
1891
Esboço Biographico de José
Bonifacio
Antonio
Carlos Ribeiro
de Andrada
Machado
303-312
159
LV
1892
D. Beatriz de Assis
[1868]
Beatriz de Assis
Joaquim
Norberto de
Sousa Silva
59-78
160
LVI
1893
Noticia sobre o conselheiro Jozé
Bento da Cunha Figueiredo
45-61
161
LVI
1893
O Monsenhor Manoel da Costa
Honorato
Sacramento
Blake
63-72
162
LVI
1893
Apontamentos biographicos
Coronel Antonio Florêncio
Pereira Lago
Visconde de
Taunay
73-90
163
LX
1897
Augusto Leverger
(Barão de Melgaço)
Visconde de
Taunay
89-95
164
LXII
1899
Biografia do Visconde de
Beaurepaire Rohan
Visconde de
Beaurepaire Rohan
Barão Homem
de
Mello
199-227
165
LXII
1899
Francisco Antonio
Martins
Barão Homem
de
Mello
277-282
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