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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE
FERNANDA MARA DA SILVA LIMA
SOBRE UM TRATAMENTO PSICANALÍTICO
DA PSICOSE NA CLÍNICA INSTITUCIONAL
Dissertação de Mestrado
RIO DE JANEIRO, ABRIL DE 2009
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ii
SOBRE UM TRATAMENTO PSICANALÍTICO
DA PSICOSE NA CLÍNICA INSTITUCIONAL
FERNANDA MARA DA SILVA LIMA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção
do Título de Mestre em Psicanálise
ORIENTADORA: ANA MARIA MEDEIROS DA COSTA
RIO DE JANEIRO, ABRIL DE 2009
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iii
Dedico este trabalho a Manoel, Cida, Filipe e Luciano,
por sentimentos que não caberiam em palavras.
iv
AGRADECIMENTOS
A profa. Ana Costa, por me orientar e me acolher no meu desejo de pensar
sobre o tema da psicose na clínica institucional.
Ao prof. Luciano Elia, por suas preciosas contribuições tanto na qualificação
como também no decorrer das aulas do mestrado.
A profa. Angélica Bastos, por aceitar de pronto meu convite para participar da
banca. Para mim se trata de um ótimo reencontro com alguém que pode acompanhar
meu percurso no decorrer da época da graduação em psicologia.
A Kátia Álvares, pela doçura e firmeza com que me acompanha em um
trabalho tão árduo, seja na clínica seja na escrita.
A Andrea Bastos, por todo o tempo de um trabalho cujos efeitos se fazem
sentir, também, na formação de uma analista.
A Maria Luíza, pelo francês e por todo seu incentivo.
Aos amigos, imprescindíveis em minha vida. Em especial, neste momento, a
Débora, Valéria, Karla, Rosa, Mariana, Ludmilla, Fernanda M.
A minha família, meu pai, minha mãe e meu irmão, pelo apoio, incentivo e,
também, é claro, pela paciência.
Ao Luciano Silva, por todo o carinho.
Ao NAICAP, pelo espaço de possibilidades, onde foi meu primeiro lugar de
trabalho, ainda na forma de estágio.
Ao CAPSi Pequeno Hans, pelo tempo de permanência que foi curto mas
deixou marcas significativas.
As crianças e adolescentes e, também, aos parceiros da clínica do CAPSi
Monteiro Lobato, por um trabalho ali realizado desde o seu nascimento.
v
Resumo
Esta dissertação parte da leitura de Sigmund Freud e do ensino de Jacques
Lacan para situar a posição do sujeito psicótico enquanto resposta ao seu Outro
louco. Em seguida, apresentaremos a tese de que o trabalho com alíngua pode
orientar um tratamento psicanalítico com estes sujeitos. Por fim, abordaremos
algumas formulações acerca da prática orientada pela psicanálise em âmbito
institucional, desenvolvida em um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil.
Résumé
Cette dissertation part de la lecture de Sigmund Freud et de l´enseignement de
Jacques Lacan pour situer la position du sujet psychotique en tant que réponse à son
Autre fou. Ensuite, on présentera la thèse selon laquelle le travail avec lalangue
peut orienter un traitement psychanalytique avec ces sujets. Enfin, on abordera
quelques formulations à propos de la pratique orientée par la psychanalyse dans le
cadre institutionnel, développée dans un Centre d´Attention Psychosociale pour des
Enfants et Adolescents.
vi
Uma fala só é fala na medida
exata em que alguém nela crê.
Jacques Lacan
vii
SUMÁRIO
Apresentação...............................................................................................................1
Capítulo I - Algumas Proposições acerca da Psicose..................................................6
I.1 - Alguns desdobramentos das referências lacanianas sobre o lugar
da criança no Desejo Materno e sobre a Função Paterna ...............11
I.2 - A criança psicótica e seu Outro........................................................22
Capítulo II - As Formações Humanas no Campo das Psicoses.................................29
II.1. - A função da fala na psicose e alíngua............................................37
Capítulo III - Sobre uma direção de trabalho institucional com psicóticos..............50
III.1 - A direção de um trabalho psicanalítico na instituição...................52
III.2 - Apresentação de uma situação clínica...........................................69
Considerações finais..................................................................................................82
Bibliografia................................................................................................................85
APRESENTAÇÃO
O desejo de trabalhar com o tema relacionado à psicose na clínica institucional
se deu a partir de minha inserção nos diversos dispositivos de saúde mental da rede
pública e privada, na cidade do Rio de Janeiro. Este percurso se iniciou em 1999 no
curso de graduação em Psicologia, quando pude estagiar em algumas instituições; em
seguida no Instituto Municipal Philippe Pinel, numa pós-graduação com um formato
de residência em saúde mental, e, posteriormente, como membro de uma equipe
técnica de saúde mental, por quatro anos, no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-
juvenil Monteiro Lobato.
No decorrer deste trajeto trabalhei em alguns dispositivos de tratamento tais
como um ambulatório de saúde geral em que a psicologia se constituía como uma,
entre outras, na série das especialidades existentes; um hospital-dia, um Centro de
Atenção Psicossocial, como também, em uma enfermaria e em uma emergência,
ambas de saúde mental.
Este percurso aponta para a sustentação de um desejo de trabalho clínico com
sujeitos psicóticos numa instituição, e por isso que agora, no mestrado, temos como
proposta trabalhar sobre uma possível direção de tratamento psicanalítico com estes
sujeitos. Sendo que para este momento faremos um recorte e nos propomos a
desenvolver nossa pesquisa elegendo um determinado dispositivo que é o Centro de
Atenção Psicossocial infanto-juvenil.
Nossa proposta é de que esta pesquisa no campo da psicanálise como toda e
qualquer pesquisa neste campo desempenhe o exercício de articular a teoria com a
clínica. Assim não se trata de fazer caber a psicanálise na psicose, mas sim de
justamente produzir um laço entre a clínica e a teoria. Esta idéia se orienta pela
afirmativa de Freud que sustenta que em psicanálise a atividade de pesquisa e o
tratamento coincidem
1
.
Na cl
ínica com psicóticos nos deparamos com algumas questões que sempre
acompanham nosso trabalho. Na clínica estivemos diante de alguns psicóticos que
1
FREUD, S. (1912) Recomendações aos dicos que exercem a psicanálise in Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas. V. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
2
nos mostravam o quanto a presença de um outro ao seu lado pode ser de puro horror.
E, portanto, não suportavam um olhar ou uma fala a eles endereçada. Por isso que
uma questão se colocava: afinal como construir uma direção de tratamento para estes
sujeitos, que têm uma forma tão particular de estar no mundo?
Inclusive vale a pena também destacar que alguns dos sujeitos psicóticos não
fazem uso da função fala. Alguns nunca pronunciaram nenhuma palavra, apenas
alguns sons ininteligíveis e outros puderam estabelecer alguma fala que em dado
momento de sua história de vida foi rompida. Diante disso, outra questão também se
impunha a nós: qual tratamento possível para estes sujeitos que não fazem uso da
fala?
Enfim, como pensar um trabalho possível para estes sujeitos que se mutilam, se
agridem, gritam, saem correndo diante de uma fala endereçada a eles, ou mesmo um
olhar dirigido a eles? Se a presença de um outro ao seu lado pode causar transtorno e
sofrimento, como então conduzir um tratamento? Como, então, tratar esses sujeitos
que não falam e não suportam nossa presença?
Para não ficarmos paralisados em nossas questões nos colocamos ao trabalho
de pensar sobre um tema tão complexo e rico que é a clínica da psicose. Estamos
avisados de que este é um campo que se abre a controvérsias e contradições, no que
se refere às formalizações teóricas e direções de trabalhos clínicos. Entretanto, não
temos por objetivo apresentar todas as concepções existentes sobre o tema e
conduziremos nossa pesquisa a partir dos ensinamentos de Sigmund Freud, da obra
de Jacques Lacan e de seus comentadores.
Para delinear nossa pesquisa dividiremos nosso trabalho em três capítulos que
serão estruturados da forma que se segue.
No primeiro teceremos algumas considerações acerca da psicose, uma vez que
só a partir disso poderemos pensar sobre uma direção de tratamento. Faremos um
percurso de trazer à luz aquilo que da clínica pudemos recolher como testemunho.
Estamos nos referindo ao que fenomenologicamente se apresenta: os psicóticos
apontam para uma relação muito particular com os objetos (o olhar, a voz, os
alimentos, os excrementos), com a linguagem e também com o próprio corpo
2
.
Estes sujeitos podem se mostrar alheios à presença do outro ou mesmo indicar
que não suportam nenhuma presença, olhar ou voz. Alguns recusam radicalmente
2
BAÏO, V. Lautiste: um psychotique an travail in Preliminaire n.5, Bruxelas: revue de l`Anthénne
110, 1993. p. 68-83.
3
qualquer alimento. Podem ficar constipados sem apresentar dor ou mesmo manusear
seus excrementos de forma considerada socialmente bizarra. Além disso, muitos não
fazem uso da fala, mas, se o fazem, é de muito particular, algumas vezes apenas
repetindo a fala do Outro. E em relação ao próprio corpo, algumas vezes chegam a se
mutilar, sem que isso pareça causar-lhes sofrimento.
Queremos traçar um percurso que aponte para o estatuto do Outro na psicose
que se configura como um Outro invasivo e atormentador. Será a partir da
elaboração acerca do estatuto do Outro na psicose que encontraremos balizas para
sustentar a tese de que estes sujeitos se posicionam diante desse Outro louco. E todas
as manifestações que percebemos são, de fato, uma posição de sujeito.
Toda formação humana tem, por essência, e não por acaso, de refrear o gozo
3
é uma formulação lacaniana na qual encontramos respaldo para sustentar a tese de
que o psicótico está em trabalho para fazer frente ao seu Outro louco.
Ao abordarmos o estatuto do Outro na psicose, gostaríamos de enfatizar que
nisso decorre um trabalho que diz respeito ao sujeito. Dedicaremos algumas palavras
acerca da criança psicótica e seu Outro para justamente apontarmos para a causação
do sujeito e também para responsabilidade no que concerne à sua posição subjetiva.
No segundo capítulo retomaremos e trabalharemos mais minuciosamente sobre
a rica fenomenologia
4
com a qual nos deparamos na clínica com psicóticos e que
citamos no capítulo anterior. Pudemos construir uma trajetória que nos permite
afirmar que as manifestações dos psicóticos constituem uma posição do sujeito
diante do Outro. Estamos diante de produções que o carregam em si mesmas um
sentido compartilhado socialmente, mas que comportam uma lógica que se sustenta
pela posição destes sujeitos diante de seu Outro louco.
Também, neste segundo capítulo, abordaremos o campo da fala e lalangue na
psicose. Apresentaremos o conceito de lalangue
5
, concebendo-o como a primeira
marca do significante no corpo. Esta fala que não é endereçada, esta comunicação
3
LACAN, J. - (1967). Alocução sobre as psicoses da criança in Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003. p.362. O autor também trabalha com esta formulação num outro texto, a saber:
LACAN, J. - (1968). Discurso de clausura de las jornadas sobre psicosis infantil. in MANONNI, M
et al. Psicosis infantil. Buenos Aires: Nueva Visión, 1980.
4
BAÏO, V. L`autiste: um psychotique an travail in Preliminaire n.5, Bruxelas: revue de l`Anthénne
110, 1993. p. 68-83.
5
LACAN, J. - (1972-3). O seminário, livro 20: Mais, Ainda. 2º. ed. Revista. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed, 1985. p. 188.
MILLER, J-A. -
Os seis paradigmas do gozo. in Opção Lacaniana. Revista Brasileira Internacional de
Psicanálise. nº 26/27. Abril/2000. p.101.
4
que não comunica nada, serve a que? Do que se trata? Quando uma criança que não
fala nada ou fala muito pouco, mas aponta para uma enorme produção de sons que
não apresentam qualquer sentido, o que fazer? Pretendemos pensar sobre os efeitos
da apropriação de lalangue por cada sujeito e, como, a partir daí, pode se
estabelecer uma orientação para um possível trabalho analítico com a psicose
6
.
No último capítulo verificaremos a possibilidade de uma direção de trabalho na
clínica institucional com psicóticos, a partir de uma experiência enquanto cnica da
equipe de saúde mental em um Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil. Não
se trata de pensar a inserção do psicanalista numa instituição, mas de uma instituição
que em seus moldes possa de fato se deixar orientar pelo sujeito partindo do caso a
caso para direcionar um trabalho. Não é uma instituição onde trabalham analistas.
É uma instituição onde trabalham analistas e não-analistas, mas que cada um dos
profissionais estão implicados, não na especialidade de seu saber, mas na
especificidade de seu ato. Na radicalidade que isso aponta, afirmamos que não nos
referimos à especialidade de cada profissional seja ele médico, psicólogo,
musicoterapeuta. Mas que no dispositivo da supervisão, com todos os profissionais
presentes, cada um possa, a partir de seu testemunho, recolher os efeitos de seu ato e
traçar estratégias que possam nortear o trabalho. Seguindo este caminho,
apresentaremos duas orientações de trabalho, sendo que cada uma se refere à
particularidade de uma instituição. Uma das instituições é o Núcleo de Assistência
Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP), cujo trabalho clínico recebeu a
nomeação de prática entre vários.
7
A outra instituição é o Centro de Atenção
Psicossocial infanto-juvenil Pequeno Hans, cujo significante que marca o trabalho
sofreu modificação no decorrer do tempo. Vejamos as nomeações seguindo a ordem
cronológica: primeiramente, Clínica-dia como extensão espácio-temporal e
estrutural do dispositivo psicanalítico, posteriormente, dispositivo psicanalítico
6
HENRY, F. - Lalengua de la transferência em las psicosis. in Miller, J-A y otros. La psicosis
ordinária. Buenos Aires. Paidós, 2003. pp 131-158.
7
BAÏO, Virginio. Lês conditions de lAutre et lancrage in: Les Feuillets du Courtil - Point dancrage,
la création des repères subjectifs en institution. Belgique, nº 18/19, 2000.
ZENONI, A. - Traitement de l´Autre. in: Preliminaire. n° 03. 1991. & ZENONI, A. - Psicanálise e
Instituição: a segunda clínica de Lacan. Revista de Saúde Mental do Instituto Raul Soares
Abrecampos - Rede FHEMIG - Belo Horizonte, MG - Ano 1 v. 1 - n° 0 - 2000.
BAIO, V. - O ato a partir de muitos. in Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP-MG, n° 13, set. 1999a.
p. 67.
5
ampliado na clínica institucional pública do autismo e da psicose infantil, em
seguida, psicanálise com muitos, e atualmente, psicanálise coletiva.
8
Devemos enfatizar que não se trata de uma proposta de um modelo a ser
seguido. É antes de tudo o modo pelo qual um trabalho institucional pode vir a
operar tendo como baliza a posição destes sujeitos psicóticos frente ao Outro.
Neste capítulo também apresentaremos uma situação clínica de uma criança
cujo tratamento se desenvolveu numa instituição. Nos fragmentos clínicos
apontaremos para a questão da fala, mas priorizando os efeitos do trabalho com a
lalangue.
Esta é a forma como pretendemos construir uma proposta de trabalho que
caminha em direção ao título desta pesquisa: Sobre um tratamento psicanalítico da
psicose na clínica institucional.
8
ELIA, L. - Psicanálise coletiva: as bases científicas da psicanálise e sua aplicação clínica ao campo
da saúde mental pública e coletiva. Prociência Programa de incentivo à produção científica, técnica
e artística. UERJ/SR 2/DEPESq-FAPERJ. 2008-2011.
ELIA, L. & SANTOS, K. -
Bem-dizer uma experiência. in: MELLO, Marcia & ALTOÉ, Sonia
(orgs.). Psicanálise, Clínica e Instituição. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2005. p.107-128.
SANTOS, K. - O Dispositivo Psicanalítico na Clínica Institucional do Autismo e da Psicose Infantil.
Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em psicanálise, IP/ UERJ, 2001. Tese (mestrado).
6
CAPÍTULO I
ALGUMAS PROPOSIÇÕES ACERCA DA PSICOSE
No encontro com crianças e adolescentes nomeados de psicóticos nos
deparamos com algo muito peculiar que atravessa suas existências. Podemos
testemunhar que João um soco no nariz, fazendo-o sangrar; e isso simplesmente
por perceber meu olhar dirigido a ele; Marcus se morde até sangrar quando alguma
pessoa da equipe se aproxima dele. Vinicius em relação à alimentação oscila entre
duas posições radicais: ou não se alimenta ou apenas toma líquidos sem aceitar
quaisquer alimentos de outra consistência.
Estes são apenas alguns fragmentos do testemunho que estes sujeitos nos o
de sua peculiar relação com os objetos (a voz, o olhar, os alimentos, os excrementos),
com a linguagem e também com seu próprio corpo
9
. Se por um lado parecem ignorar
quem estiver por perto como se estivessem alheios a tudo e a todos, por outro, podem
não suportar a presença do outro, um olhar ou uma fala dirigidos a eles. Como já
mencionado acima, estes meninos podem recusar radicalmente qualquer alimento. E,
também, ficar constipados sem apresentar dor ou mesmo manusear de forma bizarra
seus excrementos. São meninos que apresentam particularidades também em relação
à linguagem, pois repetem a fala de uma outra pessoa exatamente como escutaram
(inclusive mantendo a entonação de voz) e em alguns casos podem se referir a si
mesmos na terceira pessoa. E em relação ao próprio corpo, estes sujeitos psicóticos
muitas vezes se mutilam sem que isso pareça causar-lhes sofrimento ou dor.
Estranheza é lugar comum àqueles que se deparam com estas crianças e
adolescentes que esboçam o quanto uma simples presença, ou mesmo um olhar, ou
uma voz dirigidos a eles podem ser da ordem do horror.
Estamos indicando o que se apresenta como uma particularidade no
funcionamento destes sujeitos e de forma nenhuma atribuímos a ele um valor que
9
É importante destacar que este ponto será minuciosamente tratado no próximo capítulo.
7
situaria como algo da ordem do déficit, de uma falha, de uma incapacidade ou
inaptidão. Pelo contrário, apontamos para o que há de enigmático nestes sujeitos.
Justamente por isso é possível afirmar que é a clínica com psicóticos que nos
coloca radicalmente diante do fato de que o sujeito não está dado a priori. É por isso
que Jacques Alain Miller afirma que (...) a psicose é questão de sujeito pois ela
assim mesmo nos conduz aos confins de sua produção
10
.
Quando abordamos a questão do sujeito somos impelidos a nos remeter
também ao campo do Outro. Os termos sujeito e Outro não apresentam uma relação
unívoca e linear, entretanto não sujeito sem o Outro. O campo do Outro sempre
está colocado quando também abordamos o campo do sujeito.
No texto Projeto para uma psicologia científica
11
, Sigmund Freud aborda o
tema do desamparo fundamental com o qual o ser humano se defronta assim que
nasce já que ele depende de um outro para sobreviver. Freud afirma que é necessário
que se realize uma ação específica para que se opere a descarga de tensão colocada
pela fome, por exemplo. Mas esta ação específica não pode ser desempenhada pelo
próprio bebê, sendo necessário que alguém o faça. É nestes termos que Freud
trabalha com a idéia de desamparo fundamental, uma vez que o bebê depende que
uma pessoa o tome em cuidados. Neste momento, o bebê precisa de um outro que se
ocupe dele. Como esta função, muitas vezes, é exercida pela mãe, Lacan formalizou
a idéia de que o Outro primordial é encarnado pela mãe, pois é ela quem referencia o
bebê ao Outro da linguagem.
(...) um outro falante que, de alguma forma, toma o infans aos seus
cuidados. Tradicionalmente, a mãe encarna esse lugar. Lacan atribuiu a ela
a função de Outro primordial na medida em que desempenha a função de
transmissor da referência ao Outro da linguagem, diante do qual o infans
advirá sujeito
12
.
10
MILLER, J-A. Produzir o sujeito? in Matemas 1. Campo Freudiano no Brasil Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1996. p. 160.
11
FREUD, S. - (1895) Projeto para uma psicologia científica in Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Vol. I. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
12
ARAÚJO, M. E. - Autismo e constituição do sujeito. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação
em psicanálise, IP/ UERJ, 2006. Tese (mestrado). p. 20.
8
É a mãe, que tomando o bebê em seus cuidados, dará sentido aos seus sons,
gestos, movimentos e gritos. Então é este Outro primordial que transformará o grito
deste bebê em demanda e lhe dará um sentido conferindo-lhe o valor de mensagem.
Sendo assim, o grito, os sons ou os gestos apenas assumem valor de apelo quando
um Outro lhe dá um sentido.
Quando a mãe responde aos gritos do bebê ela os reconhece
constituindo-os como demanda, mas o que é mais importante é que os
interpreta no plano do desejo da criança de estar perto dela, desejo de
tomar-lhe algo, desejo de agredi-la, pouco importa. O que é certo é que
por sua resposta, o Outro a dar a dimensão de desejo ao grito da
necessidade, ao investir na criança, é de início resultado de uma
interpretação subjetiva, função do desejo materno, de seu próprio
fantasma
13
.
Se a ação específica da qual o bebê depende está também na dependência de
que seja feita sua leitura, então é isso que faz com que o Desejo do Outro seja a
bússola que orienta a constituição do sujeito
14
.
Assim, o grito corresponde ao primeiro movimento constitutivo do
sujeito: o corte que, do lado do infans tem função primordial de inscrever
o sujeito na linguagem ao instaurar uma relação de dependência (...). É
somente após o movimento interpretativo executado pelo desejo do Outro
que aquilo que era puro vazio, pura escansão, assume o estatuto de
palavra significativa e faz do grito um apelo
15
.
Ora, se a atribuição de significação ao que o bebê produz, seja sons, gestos,
movimentos e gritos vem do campo do Outro primordial, então o sujeito se constitui
a partir do Desejo do Outro. Esta é a marca que faz a passagem de infans para sujeito
inaugurando a entrada do sujeito no simbólico.
Para que uma mãe, enquanto o Outro primordial, atribua significações aos sons,
gestos, gritos do seu bebê é preciso que o bebê ocupe um determinado lugar na sua
13
LACAN, J. (1961-62) O seminário, livro 9: a identificação. Inédito, aula 18. 02/05/62.
14
CIACCA, A. Di - A prática entre vários in Lima, M & ALTOÉ, A. (orgs.) Psicanálise, Clínica e
Instituição. Rio de Janeiro: Rio Ambiciosos Livraria e Editora Ltda, 2005.
15
ARAÚJO, M. E. - Autismo e constituição do sujeito. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação
em psicanálise, IP/ UERJ, 2006. Tese (mestrado). p. 23.
9
economia libidinal, e, portanto, esteja investido psiquicamente por sua mãe. Fazendo
uma articulação com a formulação lacaniana, podemos afirmar que é o mesmo que
remeter ao lugar do bebê no desejo da mãe.
Freud em Sobre o Narcisismo
16
aborda o tema do lugar do bebê na economia
libidinal dos pais como sua majestade: o bebê, sendo, portanto, deste lugar que
recebe todos os investimentos libidinais. E será este lugar que trará conseqüências
para a constituição psíquica. Encontraremos alguma aproximação desta idéia
freudiana nos escritos de Lacan: (...) A frase foi começada antes dele, foi começada
por seus pais (...)
17
. O que quer dizer que o bebê mesmo antes de nascer é falado
por seus pais, ou seja, já é investido libidinalmente.
Não se trata de afirmar que a criança deve ser amada e não odiada. Não se trata
de que os pais devam agradá-la ao máximo sem que ela possa vivenciar qualquer
frustração, como abordavam alguns dos psicanalistas pós-freudianos. É mais radical
que isso. É preciso que os pais se enderecem ao bebê e que possam supor e, portanto,
atribuir significações ao seu grito, gesto, movimento, som. Isso significa ao bebê
um determinado lugar.
Mas incide aí uma especificidade no que se refere à clínica com psicóticos.
Então, o que se passa nesta clínica? O que testemunhamos na clínica com crianças
psicóticas é que no trabalho de escuta das mães o que se apresenta diz respeito a uma
posição de nada saber ou tudo saber sobre seu filho. Na verdade o que se apresenta aí
são os dois extremos de uma mesma posição da mãe em relação ao seu filho. Quando
uma mãe porta nenhum saber ou todo saber em relação ao seu filho é o mesmo que
afirmar que esta mãe não confere aos sons, movimentos e gestos de seu filho o
estatuto de demanda e apelo.
Temos o testemunho clínico de um dia em que Leci chorava muito, sem parar,
e diante disso sua mãe falou: Ela faz barulhos o tempo todo, grita, geme e nunca
tem silêncio em casa e não um momento de paz em casa. Ela é isso o tempo
todo, não muda!. A fala da mãe de Leci remete à impossibilidade de supor que estes
gritos, gemidos e choro sejam um apelo, uma demanda. Para esta mãe eram tão
simplesmente gritos, gemidos e choro que nada significavam. Dar-lhes algum sentido
não era possível.
16
FREUD, S. - (1914) Sobre o Narcisismo. in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
17
LACAN, J. - (1957-1958). O Seminário, livro 05: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999. p. 192.
10
Em outra situação, entrevisto a e na presença do filho, Eric. Apresento-me e
me dirijo aos dois. A mãe rapidamente se interpõe e diz: Não adianta falar com ele.
Ele não entende nada, não!. Vale destacar que esta mãe riu por eu me dirigir ao
seu filho. Para ela minha posição foi tão absurda que lhe causou risos.
Agora traremos um testemunho de uma outra posição, aquela que apresenta
todo o saber de uma mãe sobre seu filho. Maurício chegou com sua mãe ao serviço
de saúde mental. Maurício entrou enquanto sua e aguardava na sala de espera.
Alguns minutos depois a mãe me chamou para enfatizar que eu deveria dar água ao
Maurício, pois era um dia ensolarado, ele estava com sede. Minha intervenção seguiu
da seguinte maneira: Entendo sua preocupação, pois hoje um dia quente. Eu
perguntarei a ele se ele está com sede. Mesmo que eu tentasse incluir o saber da
mãe sobre seu filho, esta mãe reagiu com muita raiva e gritou comigo enfatizando
que eu não precisava falar nada com ele, apenas deveria dar-lhe água.
Se a fala só é fala na medida em que alguém nela crê
18
, faz-se necessário que
à criança seja endereçada uma demanda particularizada. O que não ocorre como
testemunhamos na clínica com os psicóticos. Isso fala dele, antes que isso se
enderece a ele, e é lá que ele se apreende
19
. Qual conseqüência para isso? A
ausência de uma mensagem dirigida ao bebê que o particularize é o mesmo que o
oferecer significação às manifestações do bebê. Podemos então afirmar que esta mãe
confere a estas manifestações um estatuto que não o articula em relação ao campo da
demanda. Para esta mãe os sons, os movimentos, os gritos da criança não são
tomados por ela como um apelo. Decorre disso que (...) o autista sai da demanda, do
circuito das trocas, o que é escandalosa e emblematicamente representado por sua
recusa à mais forte das demandas: o falar
20
.
Estas crianças e adolescentes nos dão provas de que qualquer demanda dirigida
a elas é da ordem do horror. Olhar para elas pode causar-lhes tamanho sofrimento a
ponto de se machucarem. Falar com elas pode produzir o mesmo efeito.
Queremos apontar para uma questão que se coloca do lado da mãe que é para a
criança o Outro primordial. Se para a mãe é preciso que a criança tenha um
18
LACAN, J. (1953-1954). O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1983. p. 272.
19
LACAN, J. - (1960) Posição do inconsciente in Escritos. Rio de Janeiro: Campo Freudiano no
Brasil: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 849.
20
ELIA, L. - O sujeito demasiado visível do autismo. Trabalho apresentado na I Jornada Clínica da
sede Rio do Laço Analítico Escola de Psicanálise: O autismo tratado pela clínica psicanalítica,
realizada no dia 11 de dezembro de 2004 no Museu da República (Palácio do Catete), Rio de Janeiro.
p. 07.
11
determinado lugar em sua economia libidinal para que possa inferir significações aos
gritos de seu bebê, então a pergunta que se coloca é sobre o lugar do filho no desejo
da mãe.
I.1 - Alguns desdobramentos das referências lacanianas sobre o lugar da criança no
Desejo Materno e sobre a Função Paterna
Para abordar o lugar de um filho no desejo da mãe, vamos trabalhar com os
temas relacionados ao complexo de Édipo e o complexo de castração, na menina e no
menino, já que entre um e outro incidem algumas diferenças. Além disso, também
será importante avançar em algumas formulações lacanianas que foram se
modificando ao longo do tempo.
De início é importante destacar que a castração irá apontar para uma marca da
diferenciação sexual.
Segundo Sigmund Freud
21
, o caminho percorrido pela menina difere do
percorrido pelo menino, pois enquanto para o menino o declínio do Édipo se coloca
pelo complexo de castração, a menina entra no Édipo por causa da castração.
O primeiro objeto de amor tanto do menino quanto da menina é a mãe. Então
de início o menino se encontra no Édipo, mas por medo de perder seu órgão se
volta para o pai e com ele se identificará. Assim acontece o declínio do Édipo, no
menino, por conta do medo da castração.
Já a menina, desde o início é devota a sua mãe, entretanto, mais tarde, com ela
se revoltará ao constatar nela a ausência do nis e em si mesma a castração. Isso a
levará ao seu pai que então será objeto de seu amor. A menina faz um caminho
diferente do menino: ela entra no Édipo pela castração.
Segundo Freud em A Organização genital infantil
22
o que está em jogo tanto
para a menina quanto para o menino é apenas a consideração de um órgão genital, o
masculino. Sendo que a primazia não é do órgão genital, e sim do falo.
21
FREUD, S. (1923) A Organização genital infantil. in Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1924) A Dissolução do Complexo de Édipo. vol. XIX. in ibidem
FREUD, S. (1933) Novas conferências introdutórias sobre psicanálise Conferência XXXIII:
Feminilidade. vol. XXII. in ibidem.
12
Diante do fato de não poder receber de seu pai o que deseja, isto é, o falo, a
menina fará uma equivalência simbólica de pênis para bebê e assim desejará ter um
filho. Portanto devemos enfatizar que este é o lugar de um bebê na economia
libidinal de sua mãe: o falo.
O falo não é o pênis. O falo, aqui, recebe o estatuto de objeto que falta à mulher
e, portanto, viria a preenchê-la. Sendo assim, na relação de uma mulher com sua
falta, a criança se situa como o falo que viria a completá-la. (...) Se a mulher
encontra na criança uma satisfação é, muito precisamente, na medida em que
encontra nesta algo que o satura
23
.
A questão para a criança é sempre dirigida ao Desejo da Mãe. Mas o que vem a
ser o Desejo da Mãe? Esta mãe insaciável, insatisfeita, em torno de quem se
constrói toda a escalada da criança no caminho do narcisismo, é alguém real, ela está
ali e, como todos os seres insaciados, ela procura o que devorar, quaerens quem
devoret (...)
24
.
Como a criança poderá se posicionar diante do insaciável Desejo da Mãe? Na
verdade a relação da criança com sua mãe não é dual, pois está presente também um
outro elemento, o falo.
Num primeiro tempo a criança se assujeitada ao Desejo da Mãe, uma lei
insana da mãe que submete à criança aos seus caprichos. A criança é tão prematura e
dependente já que necessita de um outro sem o qual sequer sobreviveria, e é a mãe
que muitas vezes encarna a função de cuidar da criança. É importante deixar claro
que a mãe está submetida a uma ordem simbólica, mas diante da criança se posiciona
de forma onipotente, uma vez que tudo o que se refere à criança é mediado pela mãe.
Como já mencionamos não se trata de abordar a relação mãe-bebê. um
terceiro termo presente: o falo. Neste tempo, é com a instauração da dialética do ser
que a criança se confrontada. A questão é ser ou o ser o objeto de desejo da
mãe, acreditando que para agradar sua mãe bastaria se identificar com o objeto que a
preenche, o falo, e assim tamponar a falta da mãe.
Posteriormente, a partir da castração, o pai intervém como privador em seu
duplo sentido: priva a mãe de seu objeto fálico e a criança de seu objeto de desejo.
22
FREUD, S. (1923) A Organização genital infantil in Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
23
LACAN, J. - (1956-1957). O seminário, livro 04: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1995. p. 71.
24
Idem, Ibidem. p.199.
13
Com isso, a criança se obrigada a renunciar sua posição de objeto de desejo da
mãe. O pai mediatiza um desejo que não é mais de um objeto que a criança viria a
encarnar, mas de um objeto que o pai é suposto portador. A dialética se estabelece,
então, entre ter ou não ter o falo. Neste tempo, a lei insana da mãe será regulada pela
lei do pai.
Se num primeiro momento o pai aparece velado, posteriormente, torna-se o
representante da lei. Por isso afirma-se que o Desejo da Mãe será submetido a uma
Lei para além da própria mãe, para além de seus caprichos. Assim é que o
significante Nome do Pai virá em substituição ao significante do Desejo da mãe
25
.
Decorre disso a metáfora paterna.
De que se trata na metáfora paterna? Há, propriamente, no que foi
constituído por uma simbolização primordial entre a criança e a mãe, a
colocação substitutiva do pai como símbolo, ou significante, no lugar da
mãe. Veremos o que quer dizer esse no lugar da, que constitui o ponto
axial, o nervo motor, a essência do progresso representado pelo complexo
de Édipo
26
.
Este conceito, o Nome do Pai está articulado ao Édipo. A metáfora paterna,
derivada da inscrição no Outro do significante do Nome do Pai, é o que possibilitará
ao sujeito uma baliza na existência.
Assim, por um lado, a mãe fica privada do objeto criança que viria a completá-
la, tamponando sua falta, por outro, a criança é interditada do gozo da mãe. O Nome
do Pai opera como um terceiro que cumprirá a função de oferecer significado ao
enigma do desejo da mãe: a significação fálica.
O falo possibilita o distanciamento, uma mediação, entre a criança e a mãe. A
imagem trazida por Lacan no Seminário, Livro 17, nos mostra sua importância: o
falo seria o rolo que impede que a boca do jacaré se feche, portanto é o que a mantém
aberta. Sendo o que possibilita um efeito apaziguador na relação do sujeito e o Outro.
O Nome do Pai constitui um operador que permite uma ordenação do mundo
em sua dimensão significante, desta forma faz a articulação entre significantes e
25
LACAN, J. - (1956-1957). O Seminário, livro 04: A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1995.
LACAN, J. - (1957-1958). O Semin
ário, livro 05: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999.
26
Idem, Ibidem, p. 186.
14
significados. Esta idéia é citada por Lacan
27
como ponto de basta e também por
Calligaris
28
como ponto de ancoragem. Assim oferece ao neurótico coordenadas
simbólicas para se situar na existência, e na partilha dos sexos.
Será, portanto, a inscrição do significante do Nome do Pai, do qual decorre a
metáfora paterna, que caracteriza a estrutura neurótica. E se este significante vier a
faltar? O Nome do Pai é o significante que por sua foraclusão irá definir a estrutura
psicótica enquanto tal.
É num acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, na
foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora
paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição
essencial, com a estrutura que a separa da neurose
29
.
A foraclusão do Nome do Pai consiste num conceito forjado por Lacan a partir
do termo freudiano Verwerfung e será aquilo que caracterizaria a estrutura clínica da
psicose enquanto distinta da neurose, como o trecho acima nos aponta. O termo
Verwerfung foi cunhado num trecho em que Freud
30
relata o caso clínico Homem
dos lobos que apresenta um episódio de alucinação.
No Seminário 03, As psicoses, Lacan nos fala sobre este significante que fôra
excluído na psicose: Trata-se de um processo primordial de exclusão de um dentro
primitivo, que não é o dentro do corpo, mas aquele de um primeiro corpo de
significante
31
.
É possível encontrar uma correspondência em Freud sobre esta formulação de
Lacan. No texto: Rascunho H, Freud relata um fragmento clínico em que a
paciente apresenta um surto e passa a ouvir as pessoas lhe dizendo o que, de outro
modo, ela diria a si mesma. Em seguida, Freud faz a seguinte pontuação: ... o tema
permanecia inalterado; o que mudava era a localização da coisa. Antes, tratara-se de
27
LACAN, J. - (1955-1956). O Seminário, livro 03: As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2
ed. 1988.
28
CALLIGARIS, C. Introdução a uma clínica possível das psicoses. POA: Artes Médicas, 1989.
29
LACAN, J. - (1955-1956). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. in
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 582.
30
FREUD, S. - (1918 [1914]) História de uma neurose infantil in Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas. Vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
31
LACAN, J. - (1955-1956). O Seminário, livro 03: As psicoses: Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2
ed. 1988. p. 174.
15
uma autocensura interna; agora, era uma recriminação vinda de fora
32
. Sobre este
tema, vale trazer uma citação de Lacan: ... tudo o que é recusado na ordem
simbólica (...) reaparece no real
33
.
Estamos nos referindo ao significante primordial que está ausente, que fôra
rejeitado. Estamos, portanto, nos referindo à causalidade significante na psicose.
Jacques Lacan conceituou o significante Nome do Pai como articulado ao
Édipo e decorrente daí, a metáfora paterna. O que resulta desta operação é a
significação fálica. Com isso fica garantido ao sujeito a regulação do gozo do Outro.
Assim, numa estrutura neurótica, nos diz Lacan
34
, a partir da leitura de Freud,
que o que cai sob o golpe do recalque tem como destino o seu retorno sob a forma de
sintomas, atos falhos, que são as formações do inconsciente. Entretanto, o que é
recusado da ordem simbólica, no sentido da Verwerfung terá outro destino. Sem a
inscrição do Nome do Pai no Outro e sem a referência significação fálica o sujeito se
vê acossado por toda uma sorte de acontecimentos como os distúrbios da linguagem,
as alucinações e os delírios, por exemplo. O psicótico fica no lugar de objeto do
gozo deste Outro invasor. Reconhecemos neste momento uma desordem provocada
na junção mais íntima do sentimento de vida do sujeito
35
e que Freud formulará em
termos de desligamento da libido e perda da realidade na psicose.
36
Dentre estes fenômenos de que temos testemunho na clínica com a psicose,
destacaremos o delírio para então nos reportamos a Freud que em Notas
psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia nos afirma que
o delírio é uma tentativa de auto-recuperação
37
. Encontramos uma correspondência
sobre este ponto em Lacan que faz referência à ausência da inscrição do Nome do Pai
na psicose para destacar o trabalho do delírio como uma suplência ao Nome do Pai,
constituindo como uma metáfora que não a paterna, sendo então uma metáfora
delirante. Assim o trabalho do delírio faria uma reconstrução do campo da realidade.
Dizemos reconstrução, uma vez que incide uma diferença entre psicose e neurose,
32
FREUD, S. - (1895) Rascunho H: Paranóia in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas. Vol. I. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.255.
33
LACAN, J. - (1955-1956) -O Seminário, livro 03: As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2
ed. 1988. p.21.
34
Idem, Ibidem.
35
LACAN, J. - (1955-1956). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. in
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 565.
36
FREUD, S. - (1911) Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia in
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
37
Idem, Ibidem.
16
pois segundo Lacan
38
a constituição do campo da realidade, na neurose, se estrutura
através da fantasia a partir de uma dupla referência: no campo simbólico, a inscrição
do Nome do Pai, e no campo imaginário, a significação fálica.
Encontramos no texto: De uma questão preliminar a todo tratamento possível
da psicose
39
a apresentação da metáfora paterna a partir da apresentação do caso
Schreber. É um momento importante na obra lacaniana em que a metáfora delirante é
apontada como uma construção para fazer as vezes da metáfora paterna ausente.
Num primeiro momento do ensino de Lacan, na década de 50, o Nome do Pai
estava atrelado à metáfora paterna mais tarde com a formalização da pluralização do
Nome do Pai, o significante Nome do Pai passou a ter como função o enodamento
dos três registros: Real, simbólico e o Imaginário. O Nome do Pai passa a ser um
significante suplementar, um elo que permitirá a amarração dos três registros, sendo
esta uma idéia a ser trabalhada no Seminário 22, R.S.I, e também no Seminário 23,
O Sinthoma. Com isso, o acento para a função paterna cai sobre a nomeação e a
amarração.
Como já vimos, a função paterna na década de 50 servia para ordenar todos os
significantes fazendo supor um Outro consistente, uma vez que os significantes
não extrapolariam o campo simbólico. Entretanto, a partir da formulação do objeto a
no Seminário 11
40
, Os quatro conceitos fundamentais, na década de 60, Lacan nos
aponta para o que haveria de inassimilável pela linguagem. Objeto a remete ao que
não é possível de ser simbolizado e assim se aproxima do real. Com isso a linguagem
seria estruturalmente comporta por uma falta justamente porque algo escapa à
simbolização.
Assim, a função paterna passa a ser referida à inconsistência do Outro,
constituindo uma operação de suplência a esta falta estrutural do Outro. Desta forma
a inconsistência do Outro é algo com o qual todo falante terá que lidar.
Para a linguagem, por estrutura, é impossível tudo simbolizar. O Outro
comporta uma falta estrutural. É na linguagem que nos deparamos com a
impossibilidade estrutural de tudo situar no campo simbólico.
38
LACAN, J. - (1955-1956). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. in
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
39
Idem, Ibidem.
40
LACAN, J. - (1964). O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
17
Encontramos no trecho da tese de Rosa Alba Oliveira uma ilustração do que
estamos apresentando e a isso se deve a importância de trazer à luz as palavras desta
autora:
A inconsistência do Outro, tomada como um fato de estrutura, produzirá
uma virada decisiva na abordagem do conceito do Nome do Pai. Nesta
nova perspectiva, o Nome do Pai deixa de ser um a priori, assegurado
para os neuróticos e que ordenaria integralmente o conjunto dos
significantes. E a função paterna passa a ser referida à inconsistência
fundamental do simbólico, constituindo uma operação de suplência a esta
falta significante estrutural. É enquanto uma suplência que o pai, ao
mesmo tempo em que irá constituir um princípio de resposta com relação
à ausência de um significante que faria o Outro completo, irá preservar
sua incompletude.
41
Assim, diante destas reformulações do conceito de Nome do Pai temos como
conseqüência um novo lugar para o campo da neurose, e também no que se refere à
clínica das psicoses na própria teorização lacaniana.
O Nome do Pai ao ser pluralizado destitui o Édipo enquanto único ordenador
possível para ancoragem do sujeito na existência. Agora, a função do pai é de enodar
os três registros, Real, Simbólico e Imaginário. Lacan assim formaliza:
(...) quanto àquilo de que se trata, a saber, o atamento do Imaginário, do
Simbólico e do Real, é preciso, essa ação suplementar em suma de um
toro a mais, aquele cuja consistência seria de referir-se à função dita do
Pai.
42
No Seminário 22
43
, R.S.I., Lacan apontará como esta função de atamento
pode ser efetivar. Dito de outro modo, Lacan nos apresentará a idéia de que os
operadores que podem fazer valer a função de atamento são inúmeros.
41
OLIVEIRA, Rosa. A invenção do corpo nas psicoses: impasses e soluções para o aparelhamento
da libido e a construção da imagem corporal. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em teoria
Psicanalítica, IP/UFRJ, 2008. Tese (doutorado). p. 19.
42
LACAN, J. - (1974-1975). O Seminário, livro 22: R. S. I. (inédito), cópia reprográfica. p.31-32.
43
Idem, Ibidem.
18
(...) quando comecei a fazer o seminário dos Nomes do Pai, e que pus,
como alguns sabem, pelo menos aqueles que estavam lá, pus um termo, eu
certamente tinha - não é por nada que chamara isso de Os Nomes do
Pai e não o Nome do Pai, eu tinha algumas idéias da suplência que o
campo toma, o discurso analítico que faz com que esta estréia, por Freud,
dos Nomes do Pai, é porque esta suplência é absolutamente indispensável
que ela tem vez: nosso Imaginário, nosso Simbólico e nosso Real estão
talvez para cada um de nós ainda num estado de suficiente dissociação
para que só o Nome do Pai faça borromeano e mantenha tudo isso
junto, faça nó a partir do Simbólico, do Imaginário e do Real.
44
O conceito de função paterna é reformulado quando da elaboração da noção de
nó borromeo e a pluralização do Nome do Pai na década de 70. A referência ao
borromeo remete e ilustra ainda mais evidentemente a função de amarração do pai, o
que já estava colocado anteriormente.
Fará, então do Nome do Pai um suplemento, um elemento suplementar,
quarto círculo que vai atar os três outros (RSI). É aí que poderíamos situar
a passagem para o plural, do Nome do Pai aos Nomes do Pai. (...)
Efetivamente, se dizemos que a função [do Nome do Pai
45
] é fazer manter
junto, pode-se imediatamente dizer que talvez existam outras maneiras de
fazer manter junto além da do viés desse significante
46
.
O significante Nome do Pai é então dissociado do Édipo. A pluralização do
Nome do Pai (os Nomes do Pai) e a estrutura do nó evidenciam a não predominância
de qualquer registro sobre os demais, assim o Real, o Simbólico e o Imaginário
ganham o mesmo estatuto.
Vale a pena enfatizar que desde a primeira formulação acerca do Nome do Pai
até hoje sua função ordenadora e nomeadora se mantém inalterada. É assim que
desde 1955, no Seminário 03, As psicoses, Jacques Lacan já havia definido o
Nome do Pai como: anel que faz tudo se manter junto.
47
E mais tardiamente, no Seminário 22, R.S.I., a função paterna continua
mantida atrelada à função de nomeação: (...) reduzo o Nome-do-Pai à sua função
44
Idem, Ibidem.
45
Parênteses incluído por nós.
46
SOLER, C. - Artigos Clínicos. Salvador: Fator, 1991. p. 126-127.
47
LACAN, J. - (1955-1956). As psicoses. O Seminário, livro 03: Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2
ed. 1988. p.358.
19
mais radical que é a de dar um nome às coisas com todas as consequências que isto
importa
48
.
Podemos articular a função de nomeação à função de amarração. É justamente
a amarração dos três registros que produzirá como efeito a ancoragem do sujeito na
existência.
É inevitável mencionar aqui, mesmo que brevemente, o seminário 23, O
sinthoma
49
. É o momento em que Lacan se refere ao trabalho de produzir suplência
para a falha no enodamento dos três registros, o que será nomeado de sinthoma.
A realidade humana define-se, assim, como não tendo nenhuma
existência intrínseca, mas como uma consistência produzida através da
construção de um véu tecido de imaginário e simbólico que serve para
recobrir o real. Esta construção implica numa contrapartida, que é a
localização de gozo. E esta localização procede da função do pai, na forma
de uma interdição que coloca em ação a lei simbólica, cabendo a cada
sujeito fazê-la operar.
Dentro desta nova perspectiva, podemos afirmar que a fun
ção do
Nome-do-Pai é a de fazer consistir, para cada sujeito, uma realidade sem
existência prévia e que não existe outra escolha senão se servir dele, já que
não há amarração a priori dos três registros.
Vemos, assim, que nos anos 70, o Nome do Pai passa a ser
relacionado à função de localização de gozo, a ser produzida por cada
sujeito mediante o enodamento dos três registros (...).
50
Para Recalcati
51
, a partir das últimas formulações de Lacan, é possível enfatizar
que na clínica das psicoses não se trata de um defeito simbólico, mas, sim, de uma
carência de uma operação que viabilize a regulação de gozo que, por sua vez, deixa
como possibilidade a construção de uma suplência.
Em sintonia com esta idéia, Maleval
52
proporá que o desencadeamento na
psicose está relacionado ao confronto do sujeito com a inconsistência do Outro, não
48
LACAN, J. - (1974-1975). O Seminário, livro 22: R. S. I. (inédito), cópia reprográfica. p. 46.
49
LACAN, J. - (1975-1976). O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2007.
50
OLIVEIRA, Rosa. A invenção do corpo nas psicoses: impasses e soluções para o aparelhamento
da libido e a construção da imagem corporal. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em teoria
Psicanalítica, IP/UFRJ, 2008. Tese (doutorado). p. 22.
51
RECALCATI, M. Cínica del vacío: anorexias, dependencias, psicosis. Madrid: Editorial síntesis,
2003.
52
MALEVAL, J. C. La forclusiónn del nombre del padre. Buenos Aires: Paidós, 2002.
20
sendo, portanto, decorrente de uma falha inaugural. A crise seria a falência do que
até então pôde operar como uma regulagem de gozo.
Desta forma, não situaremos o sujeito psicótico conferindo a eles uma falha
simbólica. Estamos enfatizando o trabalho do sujeito de produzir uma regulação e
localização do gozo.
Enfatizando o trabalho de regulação do gozo devemos nos reportar a Lacan
53
que afirma que toda formação humana tem por essência barrar o gozo. Com isso
podemos entender que as ricas fenomenologias que encontramos na clínica da
psicose referem-se às tentativas de criar mediações e balizamentos para ordenar a
existência.
Exatamente neste ponto devemos nos remeter ao início deste capítulo quando
apresentamos algumas manifestações de que os sujeitos psicóticos nos o a ver e
afirmamos que nossa direção de trabalho consistia em não tomá-las no campo da
deficiência, do déficit, de uma falha, de uma incapacidade ou inaptidão. Com isso
naquele momento sustentávamos o que haveria de enigmático na posição destes
sujeitos. E agora vale a pena enfatizar o que há de produtivo no duplo sentido do
termo, seja enquanto produção e enquanto positividade. Dito de outro modo:
podemos afirmar que estas manifestações comportam um trabalho, isto é uma
produção do sujeito para barrar o gozo. Nisso incide sua positividade.
Para Strauss
54
, no autismo
55
não o recurso à norma fálica com a qual o
neurótico pode se situar na existência, nem mesmo pode lançar mão da metáfora
delirante, como na paranóia; então, é por isso que se empenham em se fazerem, a si
mesmos, de ordenadores do mundo.
Parece que diante deste Outro que se constitui para eles como intrusivo e
avassalador é necessário um trabalho, isto é, um posicionamento de proteção diante
do que provém do Outro. Daí decorrer a rica fenomenologia com a qual nos
deparamos na clínica com os psicóticos: a ausência de fala, a ecolalia, a relação
53
LACAN, J. - (1968). Discurso de clausura de las jornadas sobre psicosis infantil. in MANONNI,
M et al. Psicosis infantil. Buenos Aires: Nueva Visión, 1980. O autor também trabalha com esta
formulação num outro texto, a saber: LACAN, J. - (1967). Alocução sobre as psicoses da criança in
Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p.359-368.
54
STRAUSS, M. Pour une espécificité de l`autisme. in Revue de l`école de la cause freudienne. Paris,
nº. 23, 1993.
55
Não poucos psicanalistas vão supor uma aproximação entre autismo e esquizofrenia de modo que o
autismo pertenceria, assim como a esquizofrenia, ao campo das psicoses. Alguns dos trabalhos que
podemos citar a esse respeito é Baio (1993), Bruno (1999) e Soler (2002).
21
singular com o corpo, o não endereçamento do olhar, os ditos distúrbios alimentares,
a necessidade de regular sequencialmente algumas tarefas.
Nossa proposta para esta pesquisa é seguir na direção do que pode ter como
efeito esta função de manter junto, enodar. A partir do que Jacques Lacan nos aponta
na sua formalização sobre a pluralização dos nomes do pai, seguiremos com a aposta
de que um outro conceito, a saber, o sintoma, em sua versão ampliada, que se refere,
também, à psicose e não a neurose. Gostaríamos de avançar em relação à seguinte
questão: será que o sintoma pode funcionar como nó amarrando os três registros na
psicose?
A invenção psicótica é um trabalho de bricolagem do sujeito. Segundo Jacques-
Alain Miller: o sentido do termo invenção é (...) o de uma criação a partir de
materiais existentes. Eu atribuiria de boa vontade à invenção o valor de
bricolagem
56
. Angélica Bastos nos oferece subsídios para entendermos melhor esta
terminologia:
O termo é retirado do francês, bricoler, bricolage, e designa uma
atividade construtiva de caráter artesanal e privado. O bricoleur é aquele
que, ao invés de recorrer ao serviço especializado de terceiros para
instalar, construir ou consertar algo em sua casa, engaja-se no trabalho
sem possuir formação técnica ou profissional.
(...) o
bricoleur recorre a restos, partes de objetos, cacarecos, coisas sem
utilidade que são aproveitadas, recicladas num novo objeto, onde cada
peça adquire um novo uso.
(...) O sintoma tamb
ém é uma questão de invenção. Também é fabricado
com elementos da cultura, mas com seus fragmentos heterogêneos, numa
montagem particular, que traz a marca do sujeito. Nessa acepção do termo
sintoma, não estamos limitados à estrutura clínica da neurose. Ele não é
necessariamente uma formação do inconsciente recalcado, mas uma
formação do falante que ata (...), poder-se-ia dizer, amarrando os registros
do real, do simbólico e do imaginário. É uma bricolagem com assinatura
que dá forma à formula da contingência: que isso cesse de não se escrever,
ou seja, que dá um tratamento ao real do gozo
57
.
Será esta uma direção de trabalho: que o sujeito possa construir uma
bricolagem, produzir uma invenção? Mas, conforme afirma Jacques Alain-Miller
58
,
56
MILLER, J-A. - A invenção psicótica. in Opção Lacaniana. nº. 36. maio, 2003. p. 06.
57
BASTOS, A. - Segregação, gozo e sintoma. in Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. IV -
n. 2- p. 251 265, set. 2004. p. 262-263.
58
MILLER, J-A. - A invenção psicótica. in Opção Lacaniana. nº 36. maio, 2003. pp. 6-16.
22
nem toda invenção é bem sucedida, havendo possibilidade de fracassar. Podemos
então afirmar que uma direção clínica se constituiria no trabalho de bricolagem e
invenção que fossem bem sucedidos, que pudessem se constituir como um sintoma?
I. 2 - A criança psicótica e seu Outro
Já pudemos abordar o tema que envolve a criança e seu Outro primordial que
muitas vezes é encarnado por sua mãe. De todo modo o que destacamos é a função
daquele que se ocupa da criança. É claro que se trata de cuidar da criança, mas não é
só de satisfazê-la em suas necessidades.
Será função da mãe, enquanto Outro primordial, tomar o bebê em seus
cuidados, dando sentido aos seus sons, gestos, movimentos, gritos. Então é este
Outro primordial que transformará o grito deste be em demanda e lhe da um
sentido o que lhe confere um valor de mensagem. O grito, os sons ou os gestos
apenas assumem valor de apelo quando um Outro lhe dá um sentido.
Laznik-Penot, cita Winnicott, ao se referir a loucura necessária às mães
59
e
aponta para esta função encarnada pela mãe de supor sentido ali mesmo onde o que
se apresenta pode parecer não ter sentido algum. É num som, num movimento do
bebê que a mãe vai atribuir sentido. Por isso o termo loucura, pois este sentido não
é algo compartilhado socialmente, pelo contrário, é a mãe que sustentará a existência
de algum sentido.
Quando a mãe supõe sentido ao que o bebê faz, ela também supõe que aquele
pequeno sujeito lhe demanda algo e lhe faz apelo.
Supor na criança um apelo é articular o circuito da necessidade com o campo
da demanda. Mas para isso é preciso que esta mãe se enderece à criança e por isso a
mensagem da mãe não será anônima.
Sobre isso Lacan em seu texto Nota sobre a criança afirma que se trata (...)
de outra ordem que não a vida segundo as satisfações das necessidades, mas é de
59
PENOT, L. M. C. - Rumo à palavra: três crianças autistas em psicanálise. São Paulo: Escuta, 1997.
p.11.
23
uma constituição subjetiva, implicando a relação com um desejo que não seja
anônimo
60
.
Seguindo no mesmo texto, o autor aborda a função da mãe e sobre isso nos diz:
(...) [Se julga a função da mãe] na medida em que seus cuidados trazem a marca de
um interesse particularizado, nem que seja por intermédio de suas próprias faltas
61
.
As faltas da mãe apontam para as faltas do Outro, já que a mãe encarna o
Outro primordial para criança. O Outro por estrutura apresentará uma falta. Será que
a questão é pensar como cada um vai lidar com a falta estrutural? Como cada um vai
se posicionar diante da irremediável inconsistência do Outro?
Estamos sustentando a tese de que o Outro da linguagem é incompleto. E é a
partir de sua falta que o sujeito poderá formular uma pergunta sobre seu desejo que é
sempre o desejo do Outro.
A criança precisa se confrontar com a pergunta: O que o Outro quer de mim?
e a partir daí se posicionar. É uma pergunta sobre o desejo do Outro, sobre o seu
lugar no desejo do Outro. Esta pergunta só se elabora a partir da falta do Outro, a
partir dos buracos aí existentes.
Diante da falta estrutural do Outro é preciso tomar uma posição. Uma posição
da qual decorre conseqüências para toda uma vida. Ao sujeito cabe se situar diante
do Outro reconhecendo ou abolindo esta falta estrutural.
Assim, Neusa Souza nos oferece uma bela explicação sobre a responsabilidade
que concerne ao sujeito neste ato mesmo de escolha de um posicionamento diante da
falta do Outro.
O sujeito que se realiza em cada um de nós é constrangido a se inserir na
estrutura, tomar posição, e a fazer uma escolha, escolha da qual ele é
sempre responsável. A estrutura é falhada, funciona desarranjada,
dessaranjo próprio à incompletude do discurso e do sentido. Diante da
estrutura, do Outro, e sua falha o sujeito é forçado a uma escolha que
decide seu destino: aceitar ou enjeitar esse furo, acolher ou recharçar essa
falha irremediável. Aceitar ou recharçar implicam conseqüências,
conseqüências pelas quais o sujeito terá que responder. É que o sujeito
é sempre responsável.
62
60
LACAN, J. (1969) Nota sobre a criança. in Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
p.369.
61
Idem, Ibidem.
62
SOUZA, Neusa Santos. O eu e o sujeito: ressentimento, culpa e responsabilidade. in Cadernos de
Psicanálise - Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano 24, nº. 15, maio 2002. p. 65-
66.
24
Lacan, em Nota sobre a criança
63
, afirmará que dois caminhos possíveis
para a criança diante da falta materna: numa a criança responde ao que há de
sintomático na estrutura familiar; noutra, a criança se oferece como objeto que falta à
mãe. De um modo a criança reconhece a falta e tenta tamponá-la, e de outro ela
impede a falta de aparecer, rejeitando-a. Temos então uma resposta neurótica e
outra psicótica.
No primeiro dos casos, a criança apresenta um sintoma que vem revelar a
verdade do casal parental. Segundo Lacan, por um lado, este é um caso mais
complexo, mas por outro lado, é o que se mostra mais acessível às intervenções
analíticas.
Afirmar que o sintoma da criança revela a verdade do casal parental é o mesmo
que afirmar que aquilo que está velado serevelado. Aqui não devemos tomar a
verdade em oposição à mentira. A verdade aqui tem o estatuto de verdade do
inconsciente. É algo que não se inscreveu em termos de significantes, e este buraco
da não representação é o que faz a verdade.
Esta é uma das posições da criança frente ao Outro. A segunda diz respeito ao
lugar de objeto que a criança pode vir a ocupar.
Aqui, é diretamente como correlativo de um fantasma que a criança está
implicada.
(...). Ela se torna o
objeto da mãe, e tem como função revelar a
verdade desse objeto.
A crian
ça realiza a presença do que Jacques Lacan designa como objeto a
no fantasma.
64
Neste caso a criança realiza a presença do objeto a no fantasma da mãe o que é
o mesmo que dizer que a criança torna real com sua presença o objeto fantasmático
que preencheria a falta da mãe. Aqui a criança é o objeto do Outro materno. A
63
LACAN, J. - (1969) Deux notes sur lenfant. in Ornicar? nº 37, Paris: Navarin, 1987. p. 13-14.
64
Idem, Ibidem.
A vers
ão francesa será transcrita a seguir: (...) Ici, cest directement comme corrélatif dun fantasme
que lenfant est interéssé.
(...) Il devient l
´objet` de la mère, et na plus de fonction que de révéler la vérité de cet objet.
Lenfant alise la présence de ce que Jacques Lacan désigne comme lobjet a le fantasme.
25
criança se situa como objeto do gozo do Outro e encarna com seu próprio corpo o
objeto que viria a tamponar a falta da mãe.
É importante enfatizar que para que a criança venha ocupar este lugar de objeto
que satura a falta de sua mãe, não importa a estrutura clínica da mãe que pode se
constituir enquanto neurótica, perversa ou psicótica.
Testemunhamos na clínica que uma mãe neurótica pode ter um filho psicótico.
Ou mesmo uma mãe neurótica pode ter dois filhos: um psicótico e o outro neurótico.
E também uma mãe psicótica pode ter um filho neurótico. Enfim, as possibilidades
são inúmeras, pois o lugar de cada filho para uma mãe é único e relança a mãe a sua
história e a seu desejo em relação àquele filho específico. Além do que temos
também que enfatizar a especificidade da posição de cada criança.
Há também outro modo de trabalhar o tema da neurose e da psicose que
consiste em abordar o tema da causação do sujeito.
O mito da lâmina apresentado por Lacan no Seminário 11, Os conceitos
fundamentais da psicanálise
65
, é a parte do vivo que precisa ser perdida para que ele
se integre à ordem sexual. São estas partes de si mesmo cujos objetos a são as partes
representantes, figurativas, equivalentes que ao serem perdidas tornam o sujeito
como desejante.
Haveria, portanto, três tempos lógicos na estrutura: um primeiro tempo mítico,
de puro gozo, do ser; num segundo tempo em que recai sobre sujeito a extração do
objeto a do campo do Outro, e num terceiro tempo da constituição do sujeito
desejante.
Lacan tratará destes três tempos a partir das operações de causação do sujeito,
a alienação e a separação. A alienação é o assujeitamento à linguagem. Momento
em que o sujeito seria supostamente puro efeito da linguagem. No entanto com a
entrada do sujeito na linguagem é inevitável uma insondável perda do ser. Perda
marcada pela impossibilidade do significante tudo simbolizar. O sujeito nasce numa
divisão em que para surgir se petrifica num significante o que por outro lado
implicará na sua mortificação. Assim a cadeia desliza remetendo um significante a
outro, na medida em que esta é por excelência a própria definição de significante. E
65
LACAN, J. - (1964). O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
26
o sujeito aparece entre um significante e outro, e, portanto, está localizado na
divisão.
(...) se lhes falei do inconsciente como do que se abre e fecha, é que sua
essência é de marcar esse tempo pelo qual, por nascer com o significante,
o sujeito nasce dividido. O sujeito é esse surgimento que, justo antes,
como sujeito, não era nada, mas que, apenas aparecido, se coagula em
significante.
66
No segundo tempo, que concluirá o tempo lógico da alienação, é nomeado de
separação. Na separação, o sujeito se realiza a partir da falta que produz no Outro o
que é o mesmo que afirmar que o sujeito se situa na falta do Outro. É um tempo em
que o sujeito é o efeito da separação de uma cadeia de significantes que lhe
subscreve. Sendo uma separação em que o sujeito se serve da cadeia de
significantes. O sujeito se engendra, se produz, mantendo sua filiação
67
à cadeia de
significantes.
O que decorre das operações de alienação e separação é uma perda de ser,
porque não dizer, uma perda de gozo que é o objeto a. A queda do objeto a, objeto
causa de desejo, é o que possibilitará a constituição do sujeito enquanto desejante.
Este é o caso clínico da neurose. Mas na psicose incide algumas diferenças.
Na psicose a operação de separação não se realiza e, por conseqüência, o
a perda fundamental e a queda do objeto a. O que não é sem conseqüências para o
sujeito e também para o Outro.
Se é pela extração do objeto a que o sujeito neurótico terá ao seu dispor
recursos para metaforização da falta, então o que se passa na psicose? Não havendo
a metaforização da falta do campo do Outro, na psicose, o que se configura é a
absolutização do Outro que comparece como completo, consistente e, portanto,
gozador. É desta forma que afirmamos que o Outro sendo estruturalmente
inconsistente na psicose configura-se como invasor, atormentador. Jeanne Marie
Costa Ribeiro assim situa uma posição a ser tomada por todo falante: que o
66
Idem, Ibidem. p. 188.
67
Lacan, no seminário, livro 11, afirma que um dos sentidos flutuantes para a palavra separação é
engendrar-se. Sobre isso o autor diz: Ela [engendra-se] é jurídica, como aliás, coisa curiosa, em
indo-europeu, todas as palavras que designam pôr no mundo. A própria palavra parturição se acha
originar-se numa palavra que, em sua raiz, não quer dizer outra coisa senão procurar um filho para o
marido, operação jurídica, e, digamos logo, social. (p. 202/203)
27
Outro, por estrutura, comporta uma falta, a questão que se coloca para todo sujeito é
como simbolizar esta falta no Outro
68
.
Por nossa posição de sujeito somos todos responsáveis é a afirmação de
Jacques Lacan em A ciência e a verdade
69
. Minha proposta é de que possamos tirar
conseqüências desta frase. Dito de outro modo: como pensar a responsabilidade do
sujeito por sua posição subjetiva?
Sendo assim, para abordar a questão da responsabilidade do sujeito, traremos
duas citações, primeiro de Luciano Elia e depois de Neusa Souza.
(...) O significado dado ao encontro [do sujeito
70
] com o Outro depende,
portanto, do significante, é dele subsidiário, mas não
71
é por ele
totalmente determinado, e exigindo o trabalho de significação que é feito
pelo sujeito. Nesse sentido, o significante pode ser entendido como aquilo
que convoca o sujeito, exige trabalho do sujeito em sua constituição. (...)
O encontro cria o passado, que não existia antes dele, mas que, uma vez
criado, passa a existir e a operar inexoravelmente como passado, como
anterioridade determinante do encontro que no entanto a criou
72
.
Mais adiante, no mesmo livro, Luciano Elia nos dá duas explicações: a
primeira é de que o conceito de a posteriori é aqui muito bem aplicado no
sentido de que num só depois o que houve antes receberá significação; a segunda é
a de que encontramos na língua portuguesa a expressão disso no tempo verbal
futuro anterior: podemos, assim, afirmar que os significantes do Outro terão sido
prévio ao sujeito.
Agora vejamos a citação de Neusa Souza:
68
RIBEIRO, J. M. - A criança autista em trabalho. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005. p.52.
69
LACAN, J. - (1965-66). A ciência e a verdade. in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
pp. 873.
70
Parêntese por nós incluído.
71
O grifo é nosso.
72
ELIA, L. O Conceito de sujeito. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. p. 42.
28
Responsável, quer dizer, capaz de responder por um ato de escolha e
suas consequências, escolha que a priori não é de ninguém, mas que, a
posteriori, ao ser consumada, o sujeito afirma, inscreve sua assinatura.
73
Optamos por abordar o tema da responsabilidade na medida mesma em que
nossa aposta consiste em sustentar que as crianças devem ser tomadas enquanto
responsáveis por suas posições subjetivas.
Além disso, no trabalho com as crianças também estão incluídos os
responsáveis por elas, que muitas vezes são seus pais, mas podem ser também avós,
por exemplo. Devemos esclarecer que nossa aposta é de que o trabalho com os
responsáveis não tem por finalidade orientá-los em como lidar com as crianças.
Trata-se de escutá-los como sujeitos, nas suas questões e impasses em relação àquela
criança. Escutar qual o enredo da história familiar que se situa a criança. Não é uma
busca de informações sobre a criança, mas uma escuta também do significante que
marca o lugar da criança no discurso de seus responsáveis.
Vamos citar algumas palavras de Jeanne Marie sobre o trabalho com pais que
está em sintonia com o que estamos apresentando.
[Neste trabalho se trata] de verificar, no discurso dos pais, o lugar que a
criança ocupa na história, no fantasma e no desejo do pai e da mãe. Nossa
escuta deve estar atenta aos significantes da determinação do sujeito na
sua relação com o Outro e àquilo que escapa a esta determinação
significante e se refere ao gozo
74
Enfim, devemos enfatizar que a responsabilidade concerne à criança e àqueles
que dela cuida. Avisados quanto a isso não podemos recuar da tarefa de escutá-los,
cada um na sua particularidade.
73
SOUZA, Neusa Santos. O eu e o sujeito: ressentimento, culpa e responsabilidade. in Cadernos de
Psicanálise - Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano 24, nº. 15, p.59-74, maio
2002. p. 66.
74
RIBEIRO, J. - A criança autista em trabalho. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005. p. 107.
29
CAPÍTULO II
AS FORMAÇÕES HUMANAS NO CAMPO DAS PSICOSES
Toda formação humana tem, por essência, e não por acaso, de refrear o
gozo.
75
Esta formulação traz à luz o trabalho realizado por cada sujeito para regular
o gozo. Então de saída estamos, e ainda bem, distante de qualquer abordagem das
psicoses em termos de déficit ou de incapacidade. Poderíamos até arriscar uma
possível aproximação do campo das neuroses com o das psicoses no que diz respeito
ao trabalho que cada um realiza para localizar e, portanto, refrear o gozo. Trabalho
este com o qual todo sujeito terá que se haver, seja ele neurótico ou psicótico.
De fato há especificidades no que se refere ao campo das psicoses.
Especificidades que dizem respeito à relação do sujeito com o corpo, com os objetos
e com a linguagem. E será este o tema a ser abordado neste capítulo.
Nossa abordagem pretende se orientar pela leitura de autores como Soler, Baio
e Bruno que fazem uma aproximação entre autismo e esquizofrenia, e com isso
podemos afirmar que o autismo pertenceria ao campo das psicoses.
76
Dito isso,
vamos nos aprofundarmos mais naquilo que é o trabalho diário e incansável
realizado pelos psicóticos de localizar, refrear, regular o gozo. Para avançarmos neste
ponto tomaremos como referência o texto de Baio: Autista: um psicótico em
trabalho
77
para nossa apresentação.
No início deste texto, o autor se dedica a uma apresentação dos fenômenos
clínicos em que destaca a relação destes sujeitos com o próprio corpo, com os objetos
e com a linguagem.
75
LACAN, J. - (1967). Alocução sobre as psicoses da criança in Outros escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2003. p.362. O autor também trabalha com esta formulação num outro texto, a saber:
LACAN, J. - (1968). Discurso de clausura de las jornadas sobre psicosis infantil. in MANONNI, M
et al. Psicosis infantil. Buenos Aires: Nueva Visión, 1980.
76
Não poucos psicanalistas vão supor uma aproximação entre autismo e esquizofrenia de modo que o
autismo pertenceria, assim como a esquizofrenia, ao campo das psicoses. Alguns dos trabalhos que
podemos citar a esse respeito é Baio (1993), Bruno (1999) e Soler (2002).
77
BAÏO, V. Lautiste: um psychotique an travail in Preliminaire n.5, Bruxelas: revue de lAnthénne
110, 1993. p. 68-83.
30
Seguiremos este caminho, incluindo aí o que pudemos testemunhar em nosso
trabalho clínico com os sujeitos psicóticos.
Em primeiro lugar vamos pensar sobre a relação do sujeito psicótico com o seu
corpo que nos traz marcas de uma ausência de dor, além disso, também é igualmente
inexistente o aparecimento de doenças.
Diante da constatação de que eu olhava para ele, João dá um soco em seu nariz.
A força de seu soco foi tamanha que imediatamente provocou um sangramento.
Mesmo com isso João não esboçou qualquer reação que indicasse dor. Pelo
contrário, se manteve imóvel, parado, como se nada tivesse acontecido.
Já um outro adolescente, Marcus, sempre que qualquer pessoa dele se
aproximasse, sua reação era sempre imediatamente a mesma: mordia profundamente
sua mão até sangrar, de modo que ali havia a memória desta resposta. Novamente
nos deparamos com nenhum esboço de dor.
Além disso, nos relatos dos responsáveis por eles não presença de doenças,
até mesmo doenças típicas da infância.
É muito impressionante que, no decorrer do tratamento, quando podemos
verificar seus efeitos, inclusive testemunhando uma posição não tão radicalmente
fechada para o Outro, temos notícias de aparecimento de doenças.
Ainda em relação ao corpo, podemos testemunhar a relação com os buracos do
seu corpo ou mesmo com os buracos do corpo do outro. Apresenta-se um certo
fascínio pelos buracos, uma busca infindável pelos buracos.
Leci empreendeu um trabalho em que apontava para o buraco no seu nariz e
depois para o buraco em meu nariz. Em seguida, dava continuidade a este trabalho,
ao apontar outro buraco também no corpo, como a boca.
Alguns, quando diante de um espelho, não demonstram interesse. Não uma
busca pela imagem que se apresenta no espelho. Entretanto, outros, como o Fred e
Paul, citados por Baio no texto se põem ao trabalho de imitar com muita perfeição os
movimentos do outro.
Ao que se refere aos objetos destacáveis do corpo, Baio faz uma subdivisão em
dois conjuntos: os objetos que presentificam o desejo do Outro, como o olhar e a voz,
e os objetos da demanda do Outro, os alimentos e os excrementos.
O olhar e a voz, signos da presença do Outro, muitas vezes são vividos como
invasivos. Endereçar um olhar ou mesmo falar com estes sujeitos pode detonar
reações radicais como as que descrevemos acima, por exemplo, se morder, dar um
31
soco em si mesmo. Entretanto por outro lado podemos encontrar outras respostas,
como o total alheamento ao outro.
Mike tinha um funcionamento em que submetia a todos ao seu olhar. Ele se
aproximava de tal maneira que parecia não existir separação entre ele e o outro. Ele
parecia querer uma pavorosa aproximação, até mesmo um certo colamento entre o
seu olho e o olho do outro. E se acontecia de encontrar com alguma pessoa de olhos
claros ficava especialmente fascinado, chegando a colar seu corpo no dela sem
qualquer distância.
Alguns não utilizam a própria voz para fazer apelo ao outro. Podem afazer
uso da própria voz, mas sem que isso se configure uma comunicação com
endereçamento. Podem repetir a mesma palavra, a mesma frase, a mesma música
exatamente como escutaram mantendo até a entonação.
É importante destacar o interesse deles por música. Poderíamos até supor que a
música não convoca e, portanto, nada demanda. Poderíamos, talvez, supor que o
registro da enunciação não estaria presente na música. A enunciação é uma
mensagem com nome e endereço, o que não está presente na música; e, por isso
afirmamos que a música tem enunciado, mas não comporta a enunciação.
Agora vamos nos dedicar aos objetos da demanda do Outro, os alimentos e os
excrementos.
Vinicius oscila entre duas posições radicais: ou não se alimenta ou apenas toma
líquidos sem aceitar quaisquer alimentos de outra consistência. Hélio ao se
alimentar faz a comida retornar à sua mão. Após mastigá-la, analisa, observa,
massageia e novamente a coloca na boca. Faz este movimento algumas vezes até que
seja possível engolir.
Jorge apresenta duas posições em relação à alimentação. Numa apresenta um
funcionamento em que desdobra em pedaços vários objetos à sua volta, inclusive a
própria roupa. Ele também incluirá a sua alimentação neste trabalho. Ao pegar um
biscoito, ele o divide ao meio, depois aproxima uma parte da outra, juntando-a
novamente. Faz este movimento algumas vezes e só depois é que leva o biscoito à
boca. Numa outra posição, Jorge, come de maneira voraz, ininterruptamente, como
quem tivesse por objetivo se empanturrar.
Pode acontecer de apenas conseguirem se alimentar fora dos horários das
refeições. Ou então, se alimentam com a condição de regularem sequencialmente
todo o processo envolvido neste ato que vai desde a posição da cadeira, da mesa, do
32
prato e também do outro que lhe esteja próximo. Além de não aceitarem uma
determinada comida, que por acaso alguém insista em pôr no prato, também se
recusam comer qualquer coisa. Enfim, tudo precisa ser submetido a uma determinada
regulação para que a alimentação seja aceita.
Maria depois de um longo tempo de jejum total, começa a aceitar suco de
laranja, mas se nele acrescentar água ela não bebe. Isso foi possível descobrir
depois que incrementamos o suco com a água para aumentar a quantidade e oferecer
à ela. Não era possível saber disso antes de ter feito a tentativa, pois ela numa
posição decidida e radical, não pronuncia nenhuma palavra no serviço de tratamento,
embora haja relato da família de que é uma pessoa bastante falante.
Outros objetos da demanda do Outro são os excrementos. Percebemos diversas
maneiras de cada um lidar com seus excrementos. Alguns não os oferecem, ficando
constipados, sem que isso cause dor ou incômodo. Outros fazem uso de seus
excrementos das formas mais bizarras: uma menina passava seus excrementos por
toda a casa; um menino sempre se apoderava deles e os manuseava em qualquer
lugar, seja privado (em sua casa), ou em público.
Há também objetos sobre os quais se aplica algum tipo de batida com um certo
ritmo. Ou mesmo objetos como um pedaço de papel que Antônio ficava a balançar
horas a fio. Outro exemplo é o trabalho efetuado por Mike que numa confecção com
pedaços de madeiras, cola, barbante, produziu um objeto na forma de cruz que era
por ele levado aonde fosse. Alguns objetos são eleitos e parecem que eles não podem
ser destacados do corpo.
A relação com a linguagem na psicose pode aparecer de quatro maneiras.
Alguns não fazem uso da voz. Outros repetem uma fala, incansavelmente,
exatamente como escutaram mantendo até a entonação. Ao falar podem se referir a si
mesmos na terceira pessoa, isto é, não fazem a inversão pronominal, que é o mesmo
que falar que não houve a inversão da mensagem do Outro. Também podem produzir
novas palavras com significações não compartilhadas socialmente.
A tese de Baio é de que os psicóticos, nestas diferentes formações humanas se
posicionam frente ao Outro. Dito de outro modo, estas formações humanas com as
quais nos deparamos na clínica da psicose é, portanto, uma posição de sujeito frente
ao Outro. Uma posição de sujeito que está a serviço de tratar o Outro: seus pedaços
de corpos, seus objetos ou seu saber, e suas palavras.
33
Todo o trabalho segue a direção de regular, fragmentar, dissecar, dividir, enfim,
tratar o Outro. Um trabalho de domesticar os excessos de um Outro tão invasor. Baio
indica a importância especial do trabalho de batimento realizado pelos psicóticos:
acender e apagar a luz, ou falar cantando também são formas de regular do Outro.
Todo este trabalho consiste numa tentativa de tratar o Outro. Estamos então
diante de um trabalho árduo, diário e sem trégua de tratamento do Outro, de sua
regulação e, portanto, de um esvaziamento e localização de gozo. Diante deste Outro
que se constitui para os sujeitos psicóticos como intrusivo e avassalador é necessário
um trabalho, isto é, um posicionamento de proteção diante do que provém do Outro.
Por isso está presente uma rica fenomenologia com a qual nos deparamos na clínica
com os psicóticos: as chamadas estereotipias, a ausência de fala, a ecolalia, a não
inversão pronominal e com isso referindo a si mesmo na terceira pessoa, a relação
singular com o corpo, o não endereçamento do olhar, os ditos distúrbios alimentares,
a necessidade de regular sequencialmente algumas tarefas.
Estas pontuações estão à serviço de uma oferta de balizas necessárias à
construção de uma possível direção de tratamento psicanalítico.
O trabalho empreendido pelos psicóticos não aguardam a presença do analista.
Os psicóticos realizam sua tarefa diária antes mesmo do encontro com a analista.
Diante disso uma questão se impõe: como pensar uma direção de trabalho analítico?
Esta pergunta é relevante na medida em que constatamos que no trabalho realizado
pelos psicóticos uma lógica, uma direção. Se esta direção está colocada, qual o
lugar possível para o analista? Podemos, talvez, dizer, com certa dose de ironia, que
pelo menos seja um lugar que não faça obstáculo ao trabalho já empreendido pelos
psicóticos. Afirmar isso pode parecer irrelevante, mas assume outro estatuto a partir
de tudo que estamos então elaborando. Se há trabalho naquilo que o psicótico realiza,
se este trabalho tem como objetivo barrar o gozo, então cabe ao analista se situar no
tratamento levando em conta estas balizas e, é claro, não atrapalhar o trabalho que o
psicótico já realiza.
Apenas estamos enfatizando que o psicótico não espera a chegada do analista.
Um bom exemplo disso é o trabalho empreendido por Arthur Bispo do Rosário que
confeccionava miniaturas e ao lado delas bordava seus respectivos nomes. Ele
34
mesmo nomeava este trabalho de reconstrução do mundo e enfatizava o quanto
precisa destas palavras.
78
Ao abordar o trabalho dos psicóticos é preciso afirmar que nem todos são bem
sucedidos. Alguns fracassam em fazer operar a função de regulagem de gozo.
Alguns destes trabalhos se realizam infinitamente, sem pausa, sem descanso,
sem trégua. Parece não fazer operar a função de localização de gozo e o sujeito se vê
acossado a não parar seu trabalho árduo.
Virginio Baio no texto: Nome-do-Pai e autismo apresenta o caso de Tano e a
partir do trabalho com este menino nos diz: (...) num primeiro tempo, sua invenção
não encontra um ponto de basta repetindo-se incessantemente em um eterno
presente
79
No decorrer da apresentação, Baio afirmará que Tano, um menino autista de
cinco anos, produziu uma invenção, uma bricolagem que possibilitou uma regulagem
do gozo e é neste sentido que apontamos que foi bem sucedido.
Tano é um menino de cinco anos que está em desespero por longo tempo, não
pára de chorar e andar de um lado para o outro. O pai relata que fez uma obra em
casa e retirou a pia do hall de entrada, lugar que Tano se dedicava a ficar por longo
tempo. Citemos o relato do autor:
(...) De pé, no centro do hall, enquanto Tano chorando muito anda pra
frente e pra trás, o pai me explica que há duas semanas fez obras em casa.
De repente, interrompe o que estava dizendo e exclama: Não!!!...retirei a
pia! Veja disse ele, indicando-me um espaço vazio no hall , ali, havia
uma pia: toda vez que Tano voltava do instituto, ia até a pia, se apoiava
nela e ficava horas a fio batucando com um objeto na parede. Como é que
fui demolir esse lugar?! Mal acabou de falar, ouviu-se uma grande
agitação. Volto-me e vejo Tano, sorridente, correndo em direção ao pai e
saltando em seus braços. Comovido , ele disse: É a primeira vez que ele
me abraça!
No instituto, Tano est
á agachado perto de uma porta, mordendo sem
parar pedacinhos de madeira e batucando com um objeto na parede,
comendo pedacinhos de madeira e de argamassa que caem no chão,
produzindo, ao mesmo tempo, um ruído com a boca.
80
78
HIDALGO, L. - Arthur Bispo do Rosário: o senhor do labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
79
Baio, V. - Nome-do-Pai e autismo. in Scilicet dos Nomes-do-Pai. Textos preparatórios para o
congresso de Roma, 13 a 17 de julho, 2006, AMP.
80
Idem, Ibidem. p. 21
35
É importante destacar que Tano estava às voltas com um material que
corresponde a elementos do trabalho do pai, que é construtor. Estamos destacando a
escolha de Tano e no que ela aponta para sua história particular. Na verdade
abordamos que todo o trabalho que os psicóticos realizam diz respeito a uma
tentativa de produzir uma domesticação do gozo. Mas cada um deles tem um
trabalho singular. Cada um escolhe determinados elementos para realizar seu
trabalho e não outros. O mesmo se pode dizer em relação às chamadas ecolalias, isto
é mesmo uma escolha por repetir uma palavra específica e o outra. Com esta
afirmação gostaríamos de enfatizar que o trabalho desempenhado pelos psicóticos
não é feito de forma desordenada. Incide uma lógica que não dispensa a história
particular deste sujeito, sua trama familiar e todo enredo em que está situado.
No decorrer do mesmo texto, Baio apresenta o funcionamento de Tano no
decorrer de um ateliê da fala. Tano, neste contexto, fica tão absorvido (e por que
não dizer o fechado ao Outro) em seu trabalho que o autor vem a nomear de
pantomima
81
.
Foi só num tempo posterior que Tano possibilitou alguma abertura para o
Outro. Vejamos como isso se deu nas palavras de Baio.
Após cada batuque de Tano na parede, emito, agora, com um
mínimo intervalo de tempo, um acorde de guitarra. Se Tano pára, eu paro.
Se Tano retoma, eu retomo. Depois de algum tempo, Tano pára de
batucar, se volta e me olha. Quando seu olhar encontra o meu, ponho-me
então a cantar alegremente: Aqui está o Tano! Oi, Tano!
Esse
motor de três tempos continua durante alguns ateliês: Iº
tempo, batuque de Tano; IIº tempo, acorde de guitarra; IIIº tempo, Tano
pára, volta-se e me olha.
Finalmente um dia, Tano levanta e, de p
é, apoiado na mesa, me olha
enquanto batuca na guitarra das crianças.
No ateli
ê seguinte, em uma rápida sucessão, aproxima-se, apóia-se
na minha guitarra sobre a qual batuca. Pouco depois, tira a guitarra de
minhas mãos, sobe nos meus joelhos, se põe no lugar da guitarra e batuca
em meu ombro. Por fim, de improviso, sorrindo, me abraça e morde meu
ombro!
82
81
Segundo dicionário Aurélio, Pantomima significa peça em que o(s) ator(es) se manifesta(m) só por
gestos, expressões corporais ou fisionômicas, prescindindo da palavra e da música; mímica.
82
Baio, V. - Nome-do-Pai e autismo. in Scilicet dos Nomes-do-Pai. Textos preparatórios para o
congresso de Roma, 13 a 17 de julho, 2006, AMP. p. 22.
36
Baio afirma que Tano pôde produzir um enodamento singular, que é o
sinthoma. Segundo Baio: (...) a função que um lugar ao sujeito, põe ordem no
mundo, tempera e bordeja o gozo, é o sinthoma
83
.
Se falamos de bricolagem e invenção foi para pensar sobre o trabalho do sujeito
em fazer enodar os três registros, o Real, o Simbólico e o Imaginário. Trabalho que,
para Baio, Tano pôde construir.
Para acompanhar a leitura de Baio sobre o trabalho de Tano, citemos o seguinte
trecho do texto no qual destacamos dois comentários do autor sobre o trabalho
realizado por Tano:
- (...) A invenção de seu sinthoma implica uma dupla operação: a
de descompletar o Outro (a madeira, os pedacinhos de argamassa, o ombro
do operador) e a da incorporação no real de um traço do Outro.
- (...) A articula
ção mínima entre o batuque, (S1), e o acorde de
guitarra, (S2), propicia, como efeito de après-coup, o surgimento de um
sujeito que se volta e olha, (S), balizável no intervalo da série significante,
na suspensão do batuque.
84
Para abordar o que se apresenta como um certo trabalho de produzir alguma
escansão entre S1 e S2, podemos relançar o leitor ao processo de causação do sujeito
trabalhado por Lacan no Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise
85
. Quando apresentamos os processos de causação do sujeito, a alienação
e a separação, no capítulo anterior, verificamos que o que decorre destas operações
lógicas é a queda do objeto a na neurose. Na psicose reconhecemos outra derivação,
uma vez que o sujeito não entraria na operação lógica da separação porque entre S1 e
S2 não há intervalo. S1 e S2 se aglutinam e formam um único monolito. Este
acontecimento é nomeado por Lacan de holófrase.
O que se apresenta na psicose são significantes holofraseados que, por estarem
aglutinados, fazem sucumbir a função mesma do significante que consiste em
remeter um significante a outro.
83
Idem, Ibidem. p. 22.
84
Idem, Ibidem. p. 22.
85
LACAN, J.- (1964). O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
37
Dito isso, é interessante acompanhar o trabalho de Tano, na leitura de Baio, em
que se buscou tentar produzir alguma escansão entre S1 e S2. Inclusive vale a pena
lembrar que umas das fenomenologias descritas por Baio em seu texto: O autista:
um psicótico em trabalho
86
é de que as crianças autistas acendem e apagam a luz.
Aqui não seria também a tentativa de produzir alguma escansão?
87
Poderíamos
pensar que seria, portanto, a tentativa de produzir alguma inscrição para o S2?
Enfim, se S1 e S2 estão acoplados, então, a tentativa de inscrever S2 é também a
tentativa de produzir alguma escansão entre S2 e S1?
II. 1. - A função da fala na psicose e alíngua
Apresentaremos aqui a célebre afirmação de Lacan no texto: A conferência de
Genebra sobre o sintoma que vale a pena ser citada:
(...) Trata-se de saber por que há algo no autista, ou no chamado
esquizofrênico, que se congela, poder-se-ia dizer. Mas não pode dizer que
ele não fala. Que se tenha dificuldade em entendê-lo, em dar valor ao que
dizem, não impede que sejam por fim, personagens verbosos.
88
Neste trecho, podemos destacar: Mas não pode dizer que ele não fala.
Inclusive podemos correlacionar esta afirmação a uma outra em que Lacan, no
86
BAÏO, V. Lautiste: um psychotique an travail in Preliminaire n.5, Bruxelas: revue de lAnthénne
110, 1993. p. 68-83.
87
Sobre este tema remetemos o leitor ao texto de Baio, V. - Como um S2 va al encuentro del S1:
notários del nino autista. in Carretel nº 1. Barcelona, julho, 1998.
88
LACAN, J.- (1988 [1975]). Conferencia en Ginebra sobre el Sintoma. in Intervenciones y textos, n.
2, Buenos Aireas, Manantial, 1988.
Citemos a vers
ão em espanhol: (...) Se trata de saber por que hay algo en el autista o en el llamado
esquizofrénico, que se congela, podría decirse. Pero usted no puede decir que no habla. Que usted
tenga dificultad para escucharlo, para dar su alcance a lo que dicen, no impide que se trate, finalmente,
de personajes más bien verbosos. p. 134-135.
38
Seminário 03, As psicoses
89
nos diz, com todas as letras, que nada que se refira ao
comportamento humano pode escapar de ser submetido às leis da fala.
Encontramos sintonia com estas formulações nas palavras de duas
psicanalistas, Ana Beatriz Freire e Angélica Bastos:
(...) A experiência com os humanos documenta produções que não
atualizam uma língua humana e, eventualmente, atestam a ausência de
endereçamento nessas produções, que são muito heterogêneas e surgem
nos mais diversos quadros clínicos. Partimos do princípio de que essas
produções são verbais, que são produções do falante, ainda que este não
fale língua alguma, que não faça uso de um sistema social. Em outros
termos, o humano, imerso na linguagem, está desde sempre no verbo. O
infans, aquele que ainda não fala uma língua, não se encontra aquém do
verbo; ao contrário, encontra-se sob os efeitos da língua materna, matriz
do inconsciente como discurso do Outro.
90
Tomamos como ponto de partida que mesmo que uma fala não seja endereçada
e tampouco pareça fazer parte do campo social, no sentido de ser compartilhada, ela
é tomada como produção de sujeito. O que significa dizer que o se trata de uma
problemática do campo da fonoaudiologia em que é preciso exercitar o aparelho
sonoro para que esta produção sonora seja suscetível de se fazer entender.
Produções verbais que não se prestem à comunicação e o sejam endereçadas
não recebem estatuto de problemas, mas sim de produção de um sujeito. Não foi
assim que já abordamos a tese de que toda produção humana tem por objetivo
domesticar o gozo?
Mesmo esta fala está no campo da linguagem, como toda e qualquer fala. Não é
possível para a psicanálise lacaniana conceber algo no pré-verbal, num aquém ou até
mesmo além do verbo. Não há metalinguagem.
Esta fala parece fechada, no sentido de não incluir o Outro. Esta fala apresenta
particularidades, até porque uma radical diferença entre falar para se comunicar e
falar para não se comunicar. Para avançar nosso estudo, neste ponto, abordaremos o
conceito de alíngua.
89
LACAN, J. - (1955-1956). O seminário, livro 03: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2 ed.
1988.
90
BASTOS, A. & FREIRE, A. B. - Sobre o conceito de alíngua: elementos para a psicanálise
aplicada ao autismo e às psicoses. in Psicanalisar hoje. BASTOS, Angélica (org.) Rio de Janeiro:
Contra capa livraria, 2006. p.108.
39
Foi com um lapso, ou mesmo ato falho, que Jacques Lacan na lição de 04 de
novembro de 1971 ao se remeter ao Vocabulário de psicanálise de Laplanche e
Pontalis o substitui por Vocabulário de filosofia, Lalande. O termo surgiu desta
forma no Seminário: O saber do psicanalista (1971/1972), quando ocorreu uma
fusão entre o artigo (la) e o substantivo (langue) que resulta em lalangue. Assim o
conceito nasce, valorizando a homofonia e desprezando qualquer valor gramatical.
É necessário nos reportarmos a Jacques-Alain Miller que em seu artigo Os seis
paradigmas do gozo define alíngua da seguinte maneira:
(...) é a fala antes de seu ordenamento gramatical e lexicográfico. Trata-
se certamente também, do questionamento do conceito da fala, concebida,
agora, não como comunicação, mas como gozo
91
.
No Seminário 20, Mais, Ainda encontramos a seguinte formulação de
Jacques Lacan: Alíngua serve para coisas inteiramente diferentes da
comunicação
92
.
Alíngua não está comprometida com o significado das palavras. O essencial de
alíngua não é o sentido, mas sim o gozo
93
.
Estamos diante do gozo do blábláblá que se refere ao gozo da palavra, que é
esta palavra que não é comunicação com Outro na sua fase essencial. Esta palavra
não visa reconhecimento nem compreensão, e, portanto, não é endereçada ao Outro.
A fala que não faz laço com o Outro é uma modalidade de gozo. Lalangue é o gozo
da palavra, que é o mesmo que dizer que a palavra é gozo.
A novidade que o conceito de lalangue traz é que o campo do gozo ganha
destaque em relação à linguagem. A primazia incidirá não mais sobre o campo do
simbólico e da estrutura da linguagem, mas passam a ser privilegiados o campo do
gozo e o real. Esta é uma grande virada na teoria lacaniana, e é por isso que podemos
91
MILLER, J-A. - Os seis paradigmas do gozo. in Opção Lacaniana. Revista Brasileira Internacional
de Psicanálise. nº 26/27. Abril/2000. p.101.
92
LACAN, J. - (1972-3). O seminário, livro 20: Mais, Ainda. 2º. ed. Revista. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed, 1985. p. 188.
93
MILLER, J-A. (1996-97) O monólogo da apparola. in Opção Lacaniana. Revista Brasileira
Internacional de Psicanálise nº 23, São Paulo, Editora EOLIA, Dezembro/ 1998. p. 72.
40
dizer que com o Seminário 20, Mais, Ainda, Lacan
94
coloca em questão o conceito
de linguagem a partir da invenção de alíngua. O que decorre daí é que a linguagem
deixa de ter um lugar originário e passa a ser derivado em relação à alíngua. Estamos
diante de uma torção da teoria, o que implica inclusive numa retomada do conceito
de linguagem.
Quando afirmamos que a linguagem perde o estatuto de prioridade em relação à
lalangue, não estamos apontando para um além da linguagem, um lugar mítico.
Sabemos que não podemos cair no engodo de que a linguagem poderia tudo
simbolizar. Algo resta, algo escapa à simbolização. A linguagem comporta um furo,
entretanto, isso não nos permite apontar para uma metalinguagem. Não
metalinguagem. Não há nem um aquém nem um além da linguagem.
Estamos nos referindo ao fato de que o simbólico perde a primazia e um outro
registro, o real, assume este lugar. Não estamos, portanto, apontando para algo do
campo mítico que não é tocado pela linguagem; mas, sim, para um novo lugar: o
registro do real na teorização.
Toda a questão colocada com o termo alíngua diz respeito ao lugar de conceitos
como linguagem, significante e gozo na teoria lacaniana. Vejamos então toda a
modificação que se sucedeu e suas conseqüências.
O inconsciente estruturado como linguagem cuja constituição mínima se faz
pelo binômio S1-S2 que é a formulação inicial proposta por Jacques Lacan deixa de
ocupar o lugar primordial e passa a ser derivado de alíngua. Mas não podemos dizer
que o inconsciente é articulado como alíngua. O inconsciente continua a ser
estruturado como linguagem, mas, agora, a partir de alíngua. Sendo assim, vale a
pena novamente fazer referência às palavras de Lacan: Se eu disse que a linguagem
é aquilo como o que o inconsciente é estruturado, é mesmo porque, a linguagem, de
começo, ela não existe. A linguagem é o que se tenta saber concernentemente à
função de alíngua
95
.
Devemos enfatizar que o gozo é prioritário em relação à estrutura da
linguagem, mas não em relação ao significante. Isto posto para explicar que alíngua é
um enxame (essaim) de significantes (S1) que não se encadeiam entre si.
94
LACAN, J. - (1972-3). O seminário, livro 20: Mais, Ainda. 2º. ed. Revista. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed, 1985.
95
Idem, Ibidem. p.189.
41
Não se trata mais de S1-S2, mas de que os S1 são inúmeros e não se reduz a
uma unidade. É, portanto, uma série de significantes Uns. S1(S1(S1(S1-S2) é o
enxame zumbidor sendo o gozo de lalangue. Vale destacar que S1 sôa em francês
essain, um enxame significante, um enxame que zumbe.
O Um encarnado em lalangue permanece indeciso entre fonema, a palavra e a
frase, e até mesmo o pensamento como um todo. O significante Um é denominado
por Lacan de significante mestre a partir do qual a cadeia será articulada. O
significante mestre é o que ordenará toda a cadeia.
O significante mestre trabalha com lalangue para extrair um conceito de
linguagem. Dizer lalangue numa só palavra é se referir à lalangue do som, lalangue
suposta anterior ao significante mestre. Desta forma lalangue é o depósito recolhido
dos traços de outros sujeitos, isto é, através do qual cada um inscreveu, digamos, seu
desejo em lalangue.
96
Alíngua é na verdade um depósito de significantes oriundo do Outro. São os
detritos da língua falada pelo Outro, restos que aprisionam e deixam marcas no corpo
do sujeito. São os primeiros significantes passados ao infans pelo Outro. São os
significantes que a criança recebe e não apreende do Outro primordial, o Outro
materno. Por isso alíngua deve ser considerada a justo título maternal.
(...) desde a origem há uma relação com lalangue, que merece ser
chamada, com toda razão, de materna, porque é pela mãe que a criança
se assim posso dizer a recebe. Ela não aprende lalangue
97
Segundo Jacques-Alain Miller: Alíngua é essencialmente aluvionária feita dos
aluviões que se acumulam a partir dos mal-entendidos e das criações linguageiras de
cada um
98
. Para avançarmos neste ponto, pesquisamos a palavra aluvião:
Depósito de cascalho, areia e argila que as enxurradas formam junto às margens ou
96
MILLER, J-A. - Teoria d`alíngua (rudimento) in Matemas I. Campo Freudiano no Brasil Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p. 69.
97
LACAN, J. (1975) Conference et entretiens dans des universités nord-americaines. in Scilicet.
nº. 6/7, Paris, Seuil. 1976. p. 47.
A vers
ão francesa será transcrita a seguir: () dès lorigine il y a un rapport avec ´lalangue`, qui
mérite dêtre appelée, à juste titre, maternelle parce que cest par la mère que lenfant si je puis dire
la reçoit. Il ne lapprend pas.
98
MILLER, J-A apud RIBEIRO, M. - O humor e o chiste na clínica das psicoses. Rio de Janeiro:
Programa de pós-graduação em psicanálise, IP/UFRJ, 2006. Tese (mestrado). p. 106.
42
à foz dos rios
99
. Uma imagem parecida com esta encontramos em Jacques Lacan no
texto A conferência de Genebra sobre o sintoma quando afirma ao abordar o tema
de alíngua: um coador que se atravessa, por onde a água da linguagem chega a
deixar algo na passagem, alguns detritos (...)
100
Jacques Lacan
101
afirma que com estes depósitos e detritos cada um terá que se
arranjar. Portanto podemos ouvir de uma criança muito pequena palavras como, por
exemplo: talvez, ainda não, antes mesmo que ela chegue a formular uma frase
inteira. Neste momento, como a criança, ainda é bem pequena, podemos dizer que
ela escutou estas palavras, mas não podemos realmente afirmar que foi possível
apreendê-las.
Alíngua nos afeta primeiro por tudo que ela comporta como efeitos
que são afetos. Se se pode dizer que o inconsciente é estruturado como
uma linguagem, é no que os efeitos de alíngua, que já estão lá como saber,
vão bem além de tudo que o ser que fala é suscetível de enunciar
102
.
Como a linguagem e a estrutura não estão desde sempre organizadas e o que se
coloca em primeiro plano é o gozo de alíngua, então a articulação significante vai se
dá com a estruturação do inconsciente a partir das marcas prévias de gozo.
Novamente devemos enfatizar que a grande mudança com a invenção de
lalangue incide no lugar que o gozo toma na teoria lacaniana. Sendo assim, ao invés
de secundário em relação ao Outro enquanto um campo prévio a toda experiência, ou
mesmo derivado da estrutura de linguagem, o gozo é o ponto de partida. O gozo é
Uno, Um-totalmente-só, separado do Outro.
A linguagem, sem dúvida, é feita de alíngua. É uma elocubração de
saber sobre a alíngua. Mas o inconsciente é um saber, um saber-fazer com
99
FERREIRA, A. - Dicionário de Português. Editora Nova Fronteira. 1985.
100
LACAN, J.- (1988 [1975]). Conferencia en Ginebra sobre el Sintoma. in Intervenciones y textos,
n. 2, Buenos Aireas, Manantial, 1988. Tradução de Rogina Dias Coelho dos Santos e Viviane
Antunes. in Escola de Psicanálise Letra Freudiana, Rio de Janeiro, 1991. p.15.
Citemos a versão em espanhol: (...) una criba que se atraviesa, a través de la cual el agua del lenguaje
llega a dejar algo tras su paso, algunos detritos (...) p.129.
101
Idem, Ibidem.
102
LACAN, J. - (1972-3). O seminário, livro 20: Mais, Ainda. 2º. ed. Revista. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed, 1985. p. 190.
43
alíngua. E o que se sabe fazer com alíngua ultrapassa de muito o de que
podemos dar conta a título de linguagem.
103
A linguagem é o que se tenta saber concernentemente à função da lalangue. A
linguagem é uma elocubração de saber sobre alíngua. O saber sobre alíngua
corresponde a uma construção de saber que se presta a estabelecer laço social. Estas
elocubrações podem ser atravessadas tanto pelas fantasias neuróticas como as
elaborações científicas que tentam apreender o real.
104
Jacques-Alain Miller afirma, ainda que com certa dose de reserva, que o
inconsciente é também uma elocubração de saber sobre alíngua. Para este autor, a
formulação de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem seria
verdadeira se o discurso analítico for aquele que busca saber sobre o inconsciente,
isto é, sobre alíngua e seus efeitos.
105
Já o saber-fazer com alíngua ultrapassa a linguagem na medida em que alíngua
concerne ao gozo, trata-se, portanto, de um saber-fazer com o gozo. É o real que
coloca a exigência de um saber-fazer com alíngua. O inconsciente é testemunho de
um saber-fazer com alíngua, na medida em que é um saber que se define por uma
articulação entre significante e gozo.
Com o que trabalhamos até agora podemos dizer que estamos construindo uma
direção de trabalho. Vejamos, então, quais as incidências na clínica.
Jacques-Allain Miller
106
destaca uma ruptura em dois tempos na teorização
lacaniana, indicando a diferença entre a verdade que fala no lapso e no ato falho e um
gozo que fala.
Assim teríamos num primeiro tempo do ensino de Lacan uma direção clínica
pautada nas atualizações do inconsciente, os atos falhos, os sonhos, os lapsos;
posteriormente, teríamos uma mudança a partir do conceito de lalangue que remete
ao gozo.
Em sintonia com esta idéia também vale à pena citar Tânia Coelho:
103
Idem, Ibidem. p.190.
104
MILLER, J-A. - Teoria d`alíngua (rudimento) in Matemas I. Campo Freudiano no Brasil Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p. 68.
105
Idem, Ibidem. p. 69.
106
MILLER, J-A. - (1996-97) O monólogo da apparola. in Opção Lacaniana. Revista Brasileira
Internacional de Psicanálise nº. 23, São Paulo, Editora EOLIA, Dezembro/ 1998. p. 74.
44
Pela vertente freudiana, ou analítica, é a verdade que domina. s
abordamos o sujeito pela via do inconsciente, ou seja, pela via da
suposição de um saber, de um querer dizer naquilo que se diz, querer
significar no sintoma, no dizer, no tratamento com a linguagem. A ênfase
fica, então, colocada na articulação entre significantes e no efeito de
sentido que essa articulação pode produzir.
(...) [O que muda com o conceito de lalangue
é que
107
] o valor é colocado
em lalangue, alíngua a língua enquanto puro campo de ressonâncias
108
,
onde o significante aparece o mais separado possível do sentido e da
relação a um outro significante e o mais propício ao gozo.
109
Desta citação destaco o que a autora nomeia de ressonância para fazer
articulação com o que Lacan formula o equívoco em alíngua:
Não é absolutamente ao acaso que na alíngua, qualquer que seja ela, na
qual alguém recebeu a primeira marca, uma palavra é equívoca.
Certamente, não é por acaso, que em francês a palavra ne [não] se
pronuncia de maneira equívoca com a palavra noeud [nó]. Não é por acaso
que a palavra pas [não] que em francês, redobra a negação contrariamente
a muitas línguas, designe também un pas [um passo]. Se me interesso
tanto pelo pas isto não é por acaso. Isto não quer dizer que alíngua
constitua de algum modo um patrimônio. É totalmente certo que, é de
maneira pela qual a linguagem foi falada e também entendida por alguém
na sua particularidade, que algo logo resultará em sonhos, em toda espécie
de vacilações, em toda espécie de maneiras de dizer.
110
Ainda com Lacan, sobre o equívoco em lalangue:
107
Os parênteses nós incluímos.
108
Grifos nossos.
109
COELHO, T. - Sinthoma: corpo e laço social. Transcrição do seminário ministrado por Tania
Coelho dos Santos no PPGTP/IP/UFRJ e na Seção Rio da Escola Brasileira de Psicanálise, no
primeiro semestre de 2005. Rio de Janeiro: SEPHORA/UFRJ, 2006. p. 273.
110
LACAN, J.- (1975). Conferencia en Ginebra sobre el Sintoma. in Intervenciones y textos, n. 2,
Buenos Aireas, Manantial, 1988. Tradução de Rogina Dias Coelho dos Santos e Viviane Antunes. in
Escola de Psicanálise Letra Freudiana, Rio de Janeiro, 1991. p. 11-12.
Citemos a versão em espanhol: Para nada es un azar que en lalengua, cualquiera sea ella, en la que
alguien recibió una primera impronta, uma palabra es equívoca. Ciertamente, no por azar en francês la
palabra ne [no] se pronuncia de manera equívoca con la palabra noeud [nudo]. Para nada es un azar
que la palabra pas [no] en francês, contrariamente a muchas otras lenguas, redoble la negación y
designe también un paso. Si me intereso tanto en el pas esto no se debe a ningún azar. Esto no quiere
decir que lalengua constituya en modo alguno um patrimonio. Es totalmente cierto que algo volverá a
surgir luego em los sueños, en toda suerte de tropiezos, en toda suerte de maneras de decir, en función
de la manera en que lalengua fue hablada y también escuchada por tal o cual en su particuridad (p.
125-126).
45
(...) o inconsciente, por ser estruturado como uma linguagem, isto é,
como a lalíngua que ele habita, está sujeito à equivocidade pela qual cada
uma delas se distingue. Uma língua entre outras não é nada além da
integral dos equívocos que sua história deixou persistirem nela. É o veio
em que o real (...) se depositou ao longo das eras.
111
Equívoco e ressonância podem ser aproximados nos efeitos que podem
suscitar. Assim, vejamos tais definições:
- Equívoco. 1. Ambíguo. 2. Que dá margem a suspeita. 3. Engano.
112
-
Ressonância 1. fenômeno pelo qual um corpo sonoro vibra quando o
atingem vibrações produzidas por outro. 2. Fenômeno de reflexão das
ondas sonoras numa parede, confundindo os nos. 3. Reforço das vibrações
(e, portanto, do som) mediante uma caixa de ressonância, como, p. ex., no
piano.
113
Não é por nada que destacamos o termo ´ressonância` de uma citação e, em
outra, abordamos o termo ´equívoco`. Estes termos nos ajudam a pensar sobre o
manejo numa direção de tratamento. Afirmamos isso, pois lalangue é feita de
equívocos. Temos então balizas que orientam numa direção de tratamento na medida
mesma em que Lacan nos adverte de que nenhuma interpretação deve ser retórica ou
sugestiva, quer dizer, imperativa. Uma interpretação ao trabalhar com lalangue não
deve visar o sentido, mas sim o jogo com o equívoco e, portanto, não é para ser
compreendida, mas provocar ondas.
114
Nossa proposta é pensar de que maneira o conceito lalangue pode nos servir de
uma orientação na clínica com psicóticos. Até porque a clínica com psicóticos nos
coloca algumas questões das quais não podemos recuar.
Na direção de um trabalho clínico com neuróticos nos deixamos orientar pela
transferência que se sustenta pelo desejo do analista com a suposição de saber por
parte do analisando. Mas qual seria a direção de trabalho com psicóticos uma vez que
111
LACAN, J. - (1972) O aturdito in Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p.492.
112
FERREIRA, A. - Dicionário de Português. Editora Nova Fronteira. 1985.
113
Idem, Ibidem.
114
LACAN, apud OLIVEIRA, Elisa. O autismo: no limite da linguagem. Rio de Janeiro: Programa de
pós-graduação em teoria Psicanalítica, IP/UFRJ, 2005. Dissertação (Mestrado) p. 123.
46
o saber não é suposto e sim realizado pelo próprio sujeito? Além disso, como
podemos pensar a produção da transferência para estes sujeitos que o demandam,
além do que, o olhar e a voz, signos da demanda do Outro, são vividos como pura
invasão? Como construir estratégias que possibilitem a instauração da transferência?
Até porque o acreditamos que haja qualquer objeção à transferência nesta clínica.
Em relação a este ponto, podemos nos remeter a Pierre Bruno que diz: (...) o autista
está plenamente na transferência (...) já que seu mutismo é determinado por sua
relação com o Outro.
115
Fabienne Henry, por sua vez, formula num texto: Lalengua de la transferencia
en las psicosis
116
uma direção de trabalho com psicóticos em que aponta para
alíngua que possibilitaria a instauração do laço social.
Vejamos um fragmento clínico citado por Fabienne Henry neste artigo. Trata-
se de uma criança psicótica que mascarava uma ligeira deficiência intelectual. O
diálogo que se inicia com a menina é com seu analista.
- Sabe falar em Donald?
- Não
- Quain, quain,quain...
- O que é preciso ouvir aí?
A criança aponta para o relógio, quainquonando...
E o analista responde:
- São quainze e dez!
Os dois se põem a rir e a língua do Donald foi inventada. O trabalho se dá com
alíngua e não com o saber sobre ela. Isto aponta para a invenção
117
: a língua do
Donald é uma invenção. O Donald se converteu na língua da transferência que não se
restringia às sessões, e passou a incluir também outros espaços de vida desta criança,
como em sua família, por exemplo. Uma língua inventada na análise é o que forjou o
laço social.
115
BRUNO, P. Autismo e psicose infantil. Revista do Corte Freudiano, Rio de Janeiro, 1991. p. 23
116
HENRY, F. - Lalengua de la transferência em las psicosis. in Miller, Jacques-Alain y otros. La
psicosis ordinária. Buenos Aires. Paidós, 2003. pp 131-158.
117
A noção de invenção foi trabalhada no capítulo anterior.
47
Neste caso não foi o sujeito suposto saber que motivou a transferência, mas
alíngua, pois possibilitou um significante fazer signo de algo fora de sentido:
onomatopéia
118
, cifra, marca.
119
É interessante apontar que a fala que não é endereçada e não serve à
comunicação ao ganhar o estatuto de produção humana é tomada pelo analista como
a ele endereçada, o que não foi sem efeitos para a direção de tratamento. Assim
também destacamos como o desejo do analista põe em movimento o trabalho
possibilitando que efeitos se façam sentir. Isto pode parecer irrelevante, mas ganha
outro lugar se pensarmos que o trabalho analítico com psicóticos pode produzir
efeitos importantes. Afirmamos isso, pois já pudemos constatar que os psicóticos
chegam empreendendo um trabalho antes mesmo do encontro com o analista. Isso
pode sugerir que estamos considerando irrelevante a presença do analista. Mas não é
disso que se trata. Na verdade apostamos que é possível fazer operar o trabalho a
partir do desejo do analista e assim produzir efeitos importantes para a vida do
sujeito psicótico.
Tivemos o testemunho de uma menina que elaborou a língua do Donald.
Entretanto, a língua do Donald só pode receber estatuto de invenção, pois sua
produção foi tomada pelo analista enquanto endereçada a ele. Isso é o mesmo que
dizer que uma fala que não foi endereçada, e que nada comunicava foi tomada como
uma produção de sujeito e assim, quando o analista, também responde
quainquonando, isto é, na ngua do Donald, está notificando o recebimento de
uma mensagem, mesmo que a princípio esta mesma mensagem não tivesse sequer
endereço. Assim se estabeleceu um laço com o analista. Então aquela fala que nada
comunicava pode ser compartilhada, subjetivada e produzir enlaçamento com o
Outro. Será que o sujeito podendo se apropriar desta produção o foi o que
possibilitou uma abertura para o Outro? A partir disso podemos pensar que esta seria
uma baliza, uma coordenada para uma direção de trabalho analítico com psicóticos?
De modo algum estamos sustentando a idéia de que lalangue é própria à
psicose. Inclusive neste ponto podemos nos remeter às brincadeiras infantis.
Na verdade, crianças muito pequenas se divertem com brincadeiras com
repetições infindáveis de determinadas palavras que não fazem sentido nenhum e
118
Segundo o dicionário Aurélio, onomatopéia é a palavra que imita o som natural da coisa
significada.
119
HENRY, F. - Lalengua de la transferência em las psicosis. in Miller, Jacques-Alain y otros. La
psicosis ordinária. Buenos Aires. Paidós, 2003. pp 131-158.
48
tampouco servem à comunicação, como por exemplo: unidunitê-salamê-minguê.
Entretanto, as crianças abrem mão destas brincadeiras a serviço da comunicação. É
assim que Angélica Bastos e Ana Beatriz Freire tratam deste tema citando Freud:
Freud assinala que esse [prazer das frases repetidas sem qualquer finalidade de
comunicação
120
] prazer o afeto, diríamos será perdido ou esmaecido em
proveito das palavras aceitas na comunidade lingüística
121
.
Devemos enfatizar então que a fala que não serve à comunicação não é
exclusiva ao campo das psicoses. Não é disso que se trata. Conforme vimos, as
crianças pequenas se valem de frases sem sentido e, ao repeti-las, constroem
brincadeiras que lhe trazem imenso prazer. Sendo assim, a nossa proposta consiste
em trabalhar com lalangue no campo da psicose.
Se lalangue se trata da primeira marca, no corpo, de significantes
provenientes do campo do Outro, será que haveria uma especificidade na clínica da
psicose? Dito de outro modo, o que se passa quando o Outro primordial, encarnado
pela mãe, não pôde se endereçar à criança? O que se passa quando uma e não
pode dirigir uma mensagem à sua filha? Verificamos que sem uma demanda
endereçada, o que se apresenta é um desejo anônimo por parte da mãe.
Trabalhamos sobre este tema no capítulo I, quando pudemos destacar alguns
fragmentos clínicos em que testemunhamos que a mãe não reconhecia os gestos, os
sons, os movimentos de seu filho enquanto apelo. É por isso que então afirmamos
que esta mãe não pode endereçar uma mensagem particularizada ao seu filho.
E do lado da criança? O que se passa com as crianças psicóticas? Será que o
depósito de significantes provenientes do campo do Outro que marcam o corpo
são subjetivados pela criança? Outra particularidade incide no fato de que o corpo do
psicótico é objeto de gozo de um Outro absoluto, louco, invasor.
Do lado da criança parece haver o fato de que não pode subjetivar os
significantes provenientes do campo do Outro. É assim que constatamos na clínica o
quanto pode ser da ordem do horror os efeitos deste enxame de significantes no
corpo. Construir, portanto, uma direção de trabalho em que seja possível alguma
subjetivação, alguma apropriação disso que afeta o sujeito no corpo pode ser um
caminho?
120
Incluímos este texto para melhor esclarecimento da citação.
121
BASTOS, A. & FREIRE, A. B. - Sobre o conceito de alíngua: elementos para a psicanálise
aplicada ao autismo e às psicoses. in Psicanalisar hoje. BASTOS, Angélica (org.) Rio de Janeiro:
Contra capa livraria, 2006. p.113.
49
Então não estamos afirmando que lalangue apenas se refere à psicose, mas
estamos nos remetendo à especificidade de lalangue na clínica da psicose. E com isso
apontamos para um trabalho com psicótico cuja direção caminha no sentido de
trabalhar com lalangue.
Retornando brevemente ao caso clínico anteriormente citado, podemos afirmar
que o efeito de apropriação de lalangue foi o que forjou o laço social no caso da
língua Donald.
Um trabalho incidiu sobre lalangue que, embora não seja endereçada, pode vir
a ser compartilhada e subjetivada. Sendo assim possível testemunhar o tratamento do
excesso de gozo que possibilitou algum laço social.
Estamos construindo uma direção de trabalho na clínica com psicóticos a partir
de lalangue. Justamente porque todo o trabalho do sujeito psicótico visa a regulação
do gozo, então encontramos no trabalho com lalangue, que pode vir a ser subjetivada
e também compartilhada, uma direção possível de tratamento.
50
CAPÍTULO III
SOBRE UMA DIREÇÃO DE TRABALHO
NA CLÍNICA INSTITUCIONAL COM PSICÓTICOS
O trabalho institucional com psicóticos pode acontecer em diversos
dispositivos, tais como, o ambulatório, a enfermaria, a residência terapêutica, o
Centro de Atenção Psicossocial, por exemplo. Dentre as possibilidades existentes,
privilegiaremos o Centro de Atenção Psicossocial e isso se deve ao nosso percurso de
trabalho realizado neste dispositivo.
Já que nos dedicaremos a pensar sobre o trabalho clínico num Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) é preciso localizá-lo, ainda que de modo breve, no
cenário da assistência em saúde mental no Brasil.
122
Historicamente, o hospital psiquiátrico recebeu um lugar central enquanto
serviço de tratamento para pessoas com grave sofrimento psíquico. Desta forma
tratamento fazia equivalência com internação. Portanto só havia uma forma de
tratamento e este consistia na internação. Neste momento, o hospital psiquiátrico
isolava o paciente de uma determinada forma que todos os seus vínculos sociais eram
bruscamente rompidos. O indivíduo ficava segregado da sociedade. Assim a lógica
manicomial que destitua todo e qualquer lugar do indivíduo na sociedade trazia como
conseqüência uma internação violenta e de longo prazo. Segregação, violência e
isolamento caracterizavam um grande período da história da psiquiatria.
Apenas mais tarde, um outro dispositivo, extra-hospitalar, ganhou notoriedade.
Assim, o ambulatório surge como uma solução para o asilo. Entretanto o que sucedeu
122
O leitor que se interessar em se deter à questão histórica mais minuciosamente pode encontrar
respaldo em dois livros: TENÓRIO, F. A psicanálise e a clínica da reforma psiquiátrica. Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001, e também, CADERNOS IPUB: nº. 17. Rio de Janeiro: UFRJ/IPUB.
200. nº. 1 (1995).
51
foi o contrário do previsto. Rapidamente se verificou o inchaço dos ambulatórios e
sua conseqüente ineficiência e ineficácia.
Diante de um cenário em que se objetivava a reestruturação da assistência em
saúde mental, surge um dispositivo com a função o acolhimento desta clientela com
grave sofrimento psíquico. Foi assim que neste contexto apareceu o Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS). O CAPS surge diante do fracasso da ambulatorização.
E tão bem sabemos hoje que não se trata de uma primazia do CAPS em relação aos
ambulatórios, mas, sim, de uma construção de uma rede de cuidados com a direção
de trabalho que vise o tratamento do sujeito.
A primeira iniciativa deste tipo se deu em São Paulo, em 1987, com o Centro
de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira
123
. A partir da qual
decorreu uma série de muitas outras. Até o ano de 2008 ultrapassamos em 1200 o
número de CAPS existentes em todo o país, incluindo aí todos os tipos I, II, II os
tipos I e II diferem quanto ao número de habitantes do município onde serviço está
localizado e já o tipo III é o único que funciona 24 horas além desses, também,
existem os CAPS de Álcool e Drogas e o Infanto-juvenil.
124
Com tudo isso, podemos afirmar que testemunhamos uma grande
transformação na assistência em saúde mental no Brasil, o no que refere à
arquitetura de cuidados com os adultos, mas também em relação às crianças e aos
adolescentes.
O número de serviços de assistência em saúde mental do tipo CAPS vem
aumentando gradativamente no país. Isso se deve ao fato de que atualmente temos
uma direção de trabalho construída por uma política pública de saúde mental que está
bastante consolidada em todo país. É por isso podemos afirmar que existe uma
direção de trabalho que oferece balizas para uma ação articulada e coordenada.
Tendo apresentado o aparecimento do CAPS no cenário de assistência em
saúde mental, agora vamos nos dedicar a uma caracterização deste dispositivo.
O Centro de Atenção Psicossocial é um dispositivo de tratamento diário e
intensivo para uma clientela com grave sofrimento psíquico, seja neurótico ou
psicótico. Além de sua função enquanto serviço de tratamento, o CAPS, também
123
Esta experiência é relatada no seguinte livro: GOLDBERG, Jairo. Clínica da Psicose: um projeto
da rede pública. Rio de Janeiro, Te Corá Editora e Instituto Franco Basaglia, 1994.
124
Nossa fonte foi o site da saúde: www.saude.gov.br onde encontramos a divulgação de um
documento datado de 31 de outubro de 2008 com a informação de que foram implantados no Brasil
1.291 CAPS, estando aí incluídos todos os de tipo I, II, II, Álcool e drogas e também Infanto-juvenil.
52
opera como organizador de uma rede de serviços e demais dispositivos de uma
determinada área, dita território. Estes serviços podem ser serviços de saúde mental
ou de saúde em geral; além disso, também estão incluídos na rede os dispositivos
como justiça, educação, conselho tutelar, escolas, e outros. Assim atribui-se ao
CAPS sua missão social com dupla função: assistencial e de organizador da rede.
Entretanto neste trabalho nos dedicaremos a apenas uma função do CAPS: a de
serviço de tratamento.
III. 1 - A direção de um trabalho psicanalítico na instituição
Vamos nos dedicar a pensar sobre um trabalho analítico que acontece num
contexto diferente daquele do qual foi historicamente originário, a saber, o
consultório. Quanto a isso, podemos inclusive encontrar nos escritos de Freud sua
posição que vem de encontro neste ponto mesmo em que tentamos avançar.
Em Sobre a psicoterapia, Freud afirma: o considero nada impossível que,
mediante uma modificação apropriada do método, possamos superar essa contra-
indicação e assim empreender a psicoterapia das psicoses
125
.
E, também, em Linhas de progresso na terapia psicanalítica, Freud faz alusão
a possibilidade de mudanças no método psicanalítico e nos diz: Defrontar-nos-
emos, então, com a tarefa de adaptar a nossa técnica às novas condições. (...) No
entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir,
quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais
efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à
psicanálise estrita e não tendenciosa
126
.
É preciso enfatizar que estamos nos referindo à mudança no método e não aos
princípios. Desta forma sustentamos que o trabalho psicanalítico pode operar para
além dos consultórios.
125
FREUD, S. - (1905 [1904]) Sobre a psicoterapia in Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 250.
126
FREUD, S. - (1919 [1918]) Linhas de progresso na terapia psicanalítica in Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas. vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.181.
53
Gostaria de destacar, especificamente, duas instituições brasileiras para pensar
sobre a direção de trabalho em cada uma delas: o Núcleo de Atenção Intensiva à
Criança Autista e Psicótica (NAICAP) e o Centro de Atenção Psicossocial Infanto-
juvenil (CAPSi) Pequeno Hans.
A escolha por estas duas instituições está vinculada aos seus lugares na história
da assistência em saúde mental para crianças ou para crianças e adolescentes. O
NAICAP foi uma iniciativa do Ministério da Saúde e, por muito tempo, se constituiu
como único serviço para atendimento às crianças com grave sofrimento psíquico. O
CAPSi Pequeno Hans foi o primeiro serviço infanto-juvenil extra-hospitalar e de
base territorial também no Estado do Rio de Janeiro.
O Núcleo de Atenção Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP)
127
foi
uma iniciativa do Ministério da Saúde no estado do Rio de Janeiro e funcionava
desde final da década de 80 no Instituto Municipal Philippe Pinel. O NAICAP surgiu
como um Hospital-Dia, sendo naquele momento, o único dispositivo assistencial
diferente do ambulatório e da internação. Tinha como mandato social atender todo o
estado do Rio do Janeiro exatamente porque não havia, naquele momento, a
formulação da política de CAPS com base territorial.
Em meados de 2004 houve uma junção dos dois serviços existentes no Instituto
Municipal Philippe Pinel, o Centro de Orientação Infanto-juvenil (COIJ) e o Núcleo
de Atenção Intensiva à Criança Autista e Psicótica (NAICAP), sob a nova
denominação de Núcleo Infanto-Juvenil (NIJ).
O trabalho que foi desenvolvido no NAICAP seguiu a orientação cuja
terminologia francesa é pratique à plusiers. Significante escolhido por Jacques-
Alain Miller para se referir ao que lhe foi proposto como tema para as terceiras
Jornadas da Rede Internacional de Instituição Infantil, que ocorreram em Bruxelas,
em 1996. Remete a fundação em 1974, por Antonio Di Ciaccia, de LAntenne 110,
instituição que acolhe crianças psicóticas e neuróticas graves na Bélgica, cuja direção
do tratamento segue uma orientação psicanalítica.
Então, além de lAntenne, Le Courtil também na Bélgica, Nonette, na França, e
uma quarta, Misholim, de Tel-Aviv, acolhem crianças, adolescentes e jovens
127
Para obter maiores informações históricas sobre o NAICAP, remetemos o leitor a seguinte
bibliografia: RIBEIRO, J. M. O percurso de um trabalho em instituição orientado pela psicanálise.
in MONTEIRO, K. & RIBEIRO, J. (orgs.) Autismo e psicose na criança: trajetórias clínicas. Rio de
janeiro: 7Letras, 2004. p.20-36.
54
adultos, psicóticos e neuróticos graves com uma direção de tratamento orientada pela
psicanálise. Estas são algumas das instituições que compõem a Rede Internacional de
Instituições Infantis do Campo Freudiano. É preciso dizer que esta Rede
Internacional está se ampliando e neste momento outras instituições também dela
fazem parte.
Este trabalho cujo termo em francês é pratique à plusiers, e que por ora
traduziremos por uma prática entre vários, apresenta em sua baliza três
coordenadas: o tratamento do Outro, a pluralização dos parceiros na clínica
institucional e o remanejamento de saber
128
.
O Tratamento do Outro, termo cunhado por Alfredo Zenoni,
129
refere-se a
uma direção de trabalho que o sujeito psicótico realiza para tratar seu Outro sem
lei.
A partir de uma pontuação de Jacques-Alain Miller, podemos fazer uma
equivalência entre o estatuto do Outro na psicose e a doença mental: A doença
mental é (...) a doença do Outro não barrado
130
.
O Tratamento do Outro significa dizer que o tratamento visa o Outro. Toda a
empreitada do sujeito psicótico será no sentido de trabalhar para regular o seu Outro
louco. Trabalho árduo e constante do qual o sujeito se empenha em realizar. Assim,
podemos estabelecer uma possível direção do tratamento em que cada um da equipe
se coloca como parceiro no tratamento do Outro do sujeito psicótico. Para isso é
preciso se submeter às certas exigências do sujeito. Virginio Baïo em seu texto
intitulado As condições do Outro e a Ancoragem
131
, coloca que devemos saber que
há um trabalho realizado pelo sujeito para barrar o seu Outro louco, sendo esta uma
das condições para que o psicótico possa nos aceitar como parceiros.
132
É preciso enfatizar que tratamento do Outro não é tratar os pais, nem os
membros da família, e sim, se colocar como parceiro do sujeito psicótico, num
trabalho que ele próprio já iniciou para descompletar seu Outro louco.
128
BASTOS, A. - Medicação e tratamento psicanalítico do autismo. in Pulsional: Revista de
Psicanálise: Tratamento do Autismo. São Paulo: ano XVI, n° 173, set, 2003.
129
ZENONI, A. - Traitement de l´Autre. in: Preliminaire. n° 03. 1991. & ZENONI, A. - Psicanálise e
Instituição: a segunda clínica de Lacan. Revista de Saúde Mental do Instituto Raul Soares
Abrecampos - Rede FHEMIG - Belo Horizonte, MG - Ano 1 v. 1 - n° 0 - 2000.
130
MILLER, J-A. - (1977). Lições sobre a apresentação de doentes in Matemas I. Campo Freudiano
no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. p. 149.
131
BAÏO, Virginio. s conditions de lAutre et lancrage in: Les Feuillets du Courtil - Point
dancrage, la création des repères subjectifs en institution. Belgique, nº 18/19, 2000.
132
São duas as condições apontadas pelo autor e a segunda que será abordada mais adiante e consiste
numa certa posição frente ao saber que o situe do lado do sujeito psicótico.
55
A pluralização de parceiros na clínica é o mesmo que dizer que colocamo-nos
entre muitos para que o sujeito encontre parceiros. Percebemos que quando estamos
entre vários, o olhar e a voz, signos da presença do Outro, parecem não se
caracterizar tão invasivos, como quando numa situação de atendimento
individualizado.
É preciso estar em determinadas condições que possibilitem que possamos vir a
ocupar o lugar de parceiros para o sujeito psicótico. Quanto a isso é possível verificar
que quando estamos atentamente distraídos
133
, ou mesmo numa
presença/ausente
134
ou ainda subtraídos de uma posição demandante é o que
possibilita que o trabalho aconteça.
A pluralização dos parceiros pode se apresentar de duas maneiras. Uma delas
consiste numa presença, no real, de outros técnicos e outras crianças e outros
adolescentes. Mas esta não é a única modalidade. É possível que a presença de um
terceiro, que não o analista ou a criança e o adolescente, compareça o no real da
cena, mas no discurso do analista. Exemplificando, quando numa dada situação o que
comparece é uma relação dual em que o Outro se apresenta como caprichoso, há que
se convocar um terceiro para fazer um trabalho de regulação. Sobre isso tão bem
formula Zenoni quando afirma o seguinte: (...) nóso estamos lá para fazer
respeitar a lei, mas para presentificar um Outro que respeita a lei e está, ele mesmo
submetido à lei (...).
135
Reconhecendo nas elaborações do sujeito um trabalho para tratar seu Outro
louco, estratégias são construídas a partir de uma organização institucional para que
se possa ocupar esse lugar de se incluir como parceiro num trabalho que o psicótico
já realiza para barrar seu Outro desregrado. Estamos, assim, nos submetendo às
exigências de trabalho nas construções do psicótico, porque será ele quem indicará o
caminho do tratamento, assim o saber está do lado do sujeito.
133
BAIO, V. - O ato a partir de muitos. in Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP-MG, n° 13, set.
1999. p. 66-73.
134
LAMY, Maria Inês. Presença/Ausência do Analista: apresentação de um caso de autismo in:
Caderno da XI Jornada Clínica da EBP Seção Rio O Encontro analítico: da sessão ao discurso
(dez 2000/ PUC-RJ).
135
ZENONI, A. Psicanálise e Instituição: a segunda clínica de Lacan. Revista de Saúde Mental do
Instituto Raul Soares Abrecampos - Rede FHEMIG - Belo Horizonte, MG - Ano 1 v. 1 - n° 0 -
2000. p.24.
56
Virginio Baio, no seu texto intitulado As condições do Outro e a
Ancoragem
136
, coloca que é preciso saber-não-saber, o que equivale dizer que o
saber está do lado do sujeito psicótico. Esta seria para este autor a outra condição
para que o sujeito psicótico nos aceite como seu parceiro.
137
Isto não se refere a uma
certa posição de humildade frente ao saber. É de outra coisa que se trata. Afirmar que
o saber está do lado do psicótico, implica em afirmar que nos cabe a tarefa de
acompanhá-lo em suas construções, por isso refoamos a idéia de que sejamos seus
parceiros nesta empreitada. É ele quem nos guiará no decorrer do caminho.
A posição de aprendizagem, a posição de alunos da clínica, como se refere
Zenoni, remete a afirmação de que o saber esdo lado do sujeito. o um da
equipe que saiba sobre o sujeito. E assim, a direção do trabalho é orientada pelo
sujeito e não por um saber prévio acerca da especialidade do clínico.
Ao que estamos abordando como remanejamento de saber, Stevens nomeará de
desespecialização
138
. Assim o psicanalista na instituição o seria o especialista do
sujeito ou do gozo. O trabalho passa por todos que trabalham na instituição a partir
daquilo que cada um dará como um testemunho de seu trabalho com uma
determinada criança ou adolescente. Mas cada um falanão como especialista, não
a partir de seu saber, aquele saber que adquiriu na graduação.
Di Ciaccia afirma que este trabalho é caracterizado pelo fato de que junto à
criança, cada um dos adultos o se refere à sua especialidade, mesmo que
psicanalítica, mas antes garante, apenas por sua presença, que a ocasião de um
encontro seja apreendida
139
Poderíamos indagar: como garantir que a ocasião de um encontro possa de fato
ser apreendida? Ou dito de outro modo, como garantir que o lugar de parceiro do
psicótico esteja se sustentando? O espaço da Reunião Geral é fundamental para que
se verifique, a partir das dificuldades e dos impasses que os casos suscitam, se cada
um está se colocando como parceiro. Os impasses não significam fracassos e
impotência. É antes de tudo um instrumento de trabalho. É importante que cada
136
BAÏO, Virginio. s conditions de lAutre et lancrage in: Les Feuillets du Courtil - Point
dancrage, la création des repères subjectifs en institution. Belgique, nº 18/19, 2000.
137
Já abordamos uma outra condição para que o sujeito psicótico possa nos aceitar como parceiros,
que é o reconhecimento de seu trabalho para barrar seu Outro louco.
138
STEVENS, A. - A instituição: prática do ato. in Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Ano
10. N. 4 (ago/set). Rio de Janeiro. 2003. p. 18.
139
Di Ciaccia, A. Inventar a psicanálise na instituição. in Os usos da psicanálise. Primeiro encontro
americano do Campo Freudiano. Rio de Janeiro: Contra Capa set/ 2003. p. 37.
57
técnico possa transmitir para os outros integrantes da equipe o que se passa entre ele
e cada criança ou adolescente, para que a partir das dificuldades surgidas com cada
um possa se realizar a construção coletiva do caso, extraindo sua lógica. Assim é
elaborada uma direção de tratamento para cada sujeito.
Por um lado, visa-se, assim, extrair daí a lógica em questão e, por outro
lado, tem-se a perspectiva de calcular a estratégia a partir da qual
responder, para que o sujeito realize seu ato, produzindo-se como sujeito;
isso acontece na perspectiva de nos manter a todos, rigorosamente, na
mesma orientação estratégica, mas deixando cada um com sua liberdade
tática
140
.
Mais adiante, no mesmo texto, o autor afirma que: (...) para além do estilo e
das manobras de cada um, [todos se prestam] à mesma política: o ato do sujeito e o
tratamento do gozo
141
. Temos então uma coordenada que é para todos da equipe,
sendo que o manejo é singular, para cada técnico.
O trabalho da equipe consistirá em dizer não ao gozo invasor do sujeito
psicótico e compartilhar de seu trabalho naquilo que ele realiza para esvaziar seu
Outro sem lei. A função da reunião geral o visa tratar a equipe, mas serve para
que esta última possa se manter na posição de um Outro regulado, ou seja, de um
Outro que sabe-não-saber.
142
O que é transmitido na reunião é o trabalho que o psicótico realiza, permitindo
com isso que se verifique o que cada um da equipe aprendeu com ele. A reunião
geral como lugar onde se verifica se o sujeito psicótico está em trabalho e se os
técnicos da equipe se encontram nas condições que irá permitir o ato do sujeito
psicótico.
Fazer circular a palavra entre os técnicos da equipe nas reuniões impede que
um desses técnicos possa se colocar como único que sabe sobre a direção do
tratamento do caso, mantendo um lugar vazio de saber, ou mesmo como o único
parceiro do sujeito. Um saber-não-saber e trabalhar a partir do que não se sabe, pois
cabe ao sujeito construir seu próprio saber.
140
BAIO, V. - O ato a partir de muitos. in Revista Curinga. Belo Horizonte: EBP-MG, n° 13, set.
1999. p. 67.
141
Idem, Ibidem. p. 72.
142
Idem, Ibidem p. 70.
58
Apresentamos as balizas de um trabalho marcado por uma terminologia
francesa: pratique à plusiers. É preciso destacar que esta nomenclatura recebe
algumas traduções como prática feita por muitos, prática de/entre muitos,
prática de/entre vários. Fizemos a opção pela versão traduzida por prática entre
vários em consonância com alguns psicanalistas brasileiros. É assim que Ana
Cristina Figueiredo, Andréa Guerra e Doris Diogo afirmam: Optamos pela última
versão [a prática entre vários
143
] porque consideramos que se trata de uma prática
que faz trabalhar os vários operadores que pluralizam o Outro num movimento
entre, nos intervalos da própria operação do significante, mas não constitui
necessariamente muitos, já que pode aproximar da idéia de quantitativo
144
.
A partir de tudo o que apresentamos podemos afirmar que o trabalho intitulado
a prática entre vários com suas três coordenadas, o tratamento do Outro, a
pluralização dos parceiros na clínica institucional e o remanejamento de saber,
constitui uma direção de tratamento para sujeitos psicóticos que leva em conta a
posição destes sujeitos diante de seu Outro invasor.
Agora nos dedicaremos a pensar sobre o trabalho numa outra instituição, o
Centro de Atenção Psicossocial Pequeno Hans.
Este CAPSi sempre esteve localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de
Janeiro. Sua inauguração se deu em outubro de 1998 quando havia sido formulada
e instituída uma política pública de saúde mental em que o dispositivo CAPS
assumia o papel de organizador e centralizador na rede de cuidados. O CAPSi nasce
com uma dupla e simultânea adesão na sua implantação, qual seja, de seguir
rigorosamente a direção de uma política pública de saúde mental infanto-juvenil no
que se refere à implantação de serviços de base territorial, sem fazer concessão a uma
direção de trabalho de princípios teóricos-clínicos da psicanálise.
Situaremos quatro tempos de uma pesquisa
145
que traz a marca da escolha por
um significante que nomeia o trabalho nesta instituição. São tempos marcados pelo
projeto de pesquisa que teve início no ano de 1999 na Universidade do Estado do Rio
143
O que está no interior dos parênteses nós incluímos para esclarecer a citação.
144
DIOGO, D. & Figueiredo, A. & GUERRA, A. A prática entre rios: uma aplicação da
psicanálise ao trabalho em equipe na atenção psicossocial. in BASTOS, A. (org.) Psicanalisar hoje.
Rio de Janeiro: Contra capa Livraria, 2006. p. 123.
145
ELIA, L. - Psicanálise coletiva: as bases científicas da psicanálise e sua aplicação clínica ao campo
da saúde mental pública e coletiva. Prociência Programa de incentivo à produção científica, técnica
e artística. UERJ/SR 2/DEPESq-FAPERJ. 2008-2011.
59
de Janeiro, cujo orientador-pesquisador, o psicanalista Luciano Elia, também
acumula a função de supervisor deste CAPSi. Esta explicação nos fornece subsídios
para entender o próprio movimento de nomeação de um trabalho que sofreu
modificação no decorrer do tempo da pesquisa.
Vejamos como as modificações foram acontecendo. Primeiramente, em 1999, o
trabalho foi intitulado de Clínica-dia como extensão espácio-temporal e estrutural
do dispositivo psicanalítico. Posteriormente, em 2002, houve uma reformulação na
nomeação que passou a ser o dispositivo psicanalítico ampliado na clínica
institucional pública do autismo e da psicose infantil.
Segundo o pesquisador, Luciano Elia, o termo extensão, presente na primeira
formulação clínica-dia como extensão espácio-temporal e estrutural do
dispositivo psicanalítico poderia remeter a dualidade formalizada por Lacan:
psicanálise em intensão e psicanálise em extensão. Psicanálise em intensão
faria referência ao trabalho analítico como um tratamento que se realiza entre
analisante e analista e a psicanálise em extensão diria respeito à presentificação da
psicanálise no mundo, o que remete ao trabalho de transmissão da psicanálise. A
pesquisa não tinha como objetivo a transmissão da psicanálise, mas uma investigação
acerca da direção do tratamento dos sujeitos no CAPSi. Desta forma o objetivo o
consistia na transmissão da psicanálise no serviço público, o que não estaria ausente,
mas não seria prioritário no CAPSi. Portanto não se tratava da extensão da
psicanálise, e sim da ampliação do dispositivo psicanalítico.
Já em 2005, o significante escolhido foi psicanálise com muitos fazendo
alguma interlocução com a terminologia francesa pratique à plusiers citada
quando apresentamos o Núcleo de Assistência Intensiva à Criança Autista e Psicótica
(NAICAP). Havia, portanto, possíveis aproximações com a terminologia francesa,
mas também diferenças. Para Luciano Elia não se tratava de uma aplicabilidade da
psicanálise, como os franceses sustentavam, mas sim da psicanálise com todo o seu
rigor. É o mesmo que dizer que não seria uma prática psicanaliticamente orientada e
sim a psicanálise stricto sensu.
Atualmente, o projeto que iniciou em 2008 recebe outro título: psicanálise
coletiva. Assim o pesquisador almeja uma aproximação com o campo da Saúde
Coletiva.
146
. Além disso, é importante destacar que Luciano Elia afirma que o sujeito
146
Esta mudança é explicada por Luciano Elia e vale a pena citá-la: O principal motivo deste
direcionamento da pesquisa é o fato de que a tendência dominante no mundo contemporâneo e na
60
é articulado ao coletivo. Com isso o significante coletivo ganha dupla importância
uma vez que remete à saúde coletiva e ao sujeito do inconsciente.
Para este autor a aproximação com o campo da saúde coletiva se faz importante
se levarmos em conta a tendência dominante do mundo que se volta para a pesquisa
num campo chamado de medicina do comportamento.
A articulação entre o sujeito do inconsciente e o coletivo é explicado por
Luciano Elia ao remeter o significante coletivo ao conjunto de traços, isto é, cadeia
significante. Citemos as palavras do autor:
O coletivo, não como grupo ou conjunto de indivíduos, mas como coleção
de traços, cadeia de significante, que se distribui em vozes, em outros
semelhantes, enfim, entre muitos, é uma dimensão teórica importante para
o sujeito do inconsciente. Freud já falava em sobredeterminação como a
determinação por múltiplas cadeias, séries de fatores, na impossibilidade
de uma determinação do sujeito por uma única série causal.
Essa perspectiva de um coletivo que se opõe do modo mais claro ao grupal
(na medida em que o grupal é individual, faz o Um da identidade
individual mesmo que com muitas pessoas) tem sido fecunda no trabalho
clínico da psicanálise em instituições de saúde mental com crianças e
adolescentes autistas e psicóticos.
147
Apresentamos as fases de uma pesquisa e as marcas que constroem a história
de um trabalho cujo objetivo sempre, desde seu início, se prestou a investigar a
direção de tratamento de sujeitos ditos autistas e psicóticos numa instituição pública
de saúde mental para crianças e adolescentes.
Acreditamos ser possível reconhecer e destacar os avanços da pesquisas com
suas conseqüências que se fazem sentir até nas mudanças na nomeação. E também
acreditamos ser possível traçar uma direção única da pesquisa. Sendo assim,
gostaríamos de destacar o que poderia ser considerado como traços de aproximação
entre as fases desta pesquisa.
comunidade científica voltada para a área em que a pesquisa se desenvolve é, indiscutivelmente, a
chamada medicina do comportamento, denominação que descreve bem a área que resulta da
associação da psiquiatria biológica, da psicofarmacologia, das neurociências e da psicologia
cognitivo-comportamental. Este trecho se encontra em ELIA, L. - Psicanálise coletiva: as bases
científicas da psicanálise e sua aplicação clínica ao campo da saúde mental pública e coletiva.
Prociência Programa de incentivo à produção científica, técnica e artística. UERJ/SR 2/DEPESq-
FAPERJ. 2008-2011. p. 05.
147
ELIA, L. - Psicanálise coletiva: as bases científicas da psicanálise e sua aplicação clínica ao campo
da saúde mental pública e coletiva. Prociência Programa de incentivo à produção científica, técnica
e artística. UERJ/SR 2/DEPESq-FAPERJ. 2008-2011. p. 19.
61
Além de nos debruçarmos sobre os projetos de pesquisas também nos guiamos
por um artigo cuja autoria é de Luciano Elia e Kátia Santos: Bem-dizer uma
experiência
148
. Este artigo foi elaborado num momento em que a nomeação
dedicada ao trabalho no CAPSi Pequeno Hans era marcada pelo seguinte
significante: Dispositivo Psicanalítico Ampliado.
O dispositivo psicanalítico é ampliado em suas formalizações quanto à
estrutura, ao espaço e ao tempo. Sendo assim, o trabalho acontece em todo o espaço
físico do CAPSi, não se limitando às paredes do consultório pois, inclui, também, as
várias salas, a cozinha, o banheiro, o espaço aberto... Este trabalho conta com alguns
técnicos e algumas crianças e/ou adolescentes, que estão presentes ao mesmo tempo
no serviço. É por isso que se diz entre muitos: entre muitos técnicos, entre
muitas crianças e entre muitos adolescentes.
É preciso esclarecer que alguns técnicos permanecem no mesmo espaço físico
onde também estão presentes algumas crianças e/ou adolescentes, mas isto não
significa a formação de grupo. Justamente porque o que verificamos é que o modo de
funcionamento destes sujeitos não condiz com nenhum desenvolvimento de
atividades de grupo.
Segundo Kátia Santos
149
este trabalho entre muitos consiste numa estratégia
para tratar destas crianças e adolescentes na medida em que estamos avisados de que
o estatuto do Outro na psicose é invasor e avassalador. É possível constatar que em
um espaço desta natureza o que presentifica o Outro, o olhar e a voz, se dilui.
Inclusive vale a pena destacar que o trabalho no dispositivo ampliado situa o
significante entre muitos como aquele que nomea o trabalho. Vejamos o que
Luciano Elia e Kátia Santos formulam a esse respeito: No dispositivo ampliado, a
pluralidade de outros permite a fragmentação do Outro, e a transferência tende a se
alocar em um desses fragmentos, ou seja, em um analista entre outros.
150
.
Ainda sobre a estratégia para tratar destes sujeitos, gostaria de me remeter ao
artigo de Luciano Elia e Kátia Santos: Bem-dizer uma experiência
151
e destacar
148
ELIA, L. & SANTOS, K. - Bem-dizer uma experiência. in: MELLO, Marcia & ALTOÉ, Sonia
(orgs.). Psicanálise, Clínica e Instituição. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2005. p.107-128.
149
SANTOS, K. - O Dispositivo Psicanalítico na Clínica Institucional do Autismo e da Psicose
Infantil. Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em psicanálise, IP/ UERJ, 2001. Tese (mestrado).
150
ELIA, L. & SANTOS, K. - Bem-dizer uma experiência. in: MELLO, Marcia & ALTOÉ, Sonia
(orgs.). Psicanálise, Clínica e Instituição. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2005. p.107-128.
151
Idem, Ibidem. p.107-128.
62
quatro pontos que dizem respeito a uma tomada de posição do analista em relação a
estes sujeitos:
(1) - Partimos, então, daquilo que eles nos falam, mesmo que às vezes
sem utilizar palavras. Procuramos criar um enquadre capaz de dar ouvidos
ao que eles nos falam, mas sem deixar o sujeito tiranizar o mundo inteiro
em nome da sua particularidade, para que, a partir da nossa inclusão nesse
trabalho que eles já chegam empreendendo, novas invenções possam
surgir
152
;
(2) -
Efetivamente, no espaço e no tempo em que pacientes permanecem
no dispositivo, todas as suas manifestações, sejam elas pela palavra ou
pelos atos, são tomados no registro do significante, ou seja, como
manifestações de linguagem.
153
;
(3) - Operar sem a mediação de um saber prévio é um elemento estrutural
do que se designa dispositivo analítico. Toda a especificidade da formação
do psicanalista está centrada neste ponto: situar-se em posição de operar a
partir de um furo de saber (...)
154
;
(4)
A presença de cada técnico foi fundamental, uma vez que funcionou
como suporte capaz de criar uma saída nova para cada situação crítica que
surgia. Cada um respondia de maneira diferente (...), porém sempre
levando em conta a mesma orientação de trabalho
155
.
No primeiro ponto destaca-se a leitura dos atos da criança e do adolescente
enquanto referidos a um trabalho por eles realizado. No segundo, assinala-se uma
posição de reconhecer nestas manifestações uma produção de sujeito pertencente ao
campo da linguagem. No terceiro, apresenta-se como direção de trabalho uma
posição de suspensão do saber por parte do analista para acompanhar o movimento
do sujeito, deixando o saber do lado do sujeito. E, no quarto ponto, destaca a
importância do trabalho entre muitos em que cada um pode levar em conta seu
estilo mas sem perder de vista uma única direção de clínica.
152
Idem, Ibidem. p. 117.
153
Idem, Ibidem. p. 118.
154
Idem, Ibidem. p. 117.
155
Idem, Ibidem. p. 126.
63
Estes pontos apresentados acerca do CAPSi Pequeno Hans nos dão a ver seu
modo de funcionamento, sua direção de trabalho. Mas como sustentar uma direção
de trabalho? Como se manter nas coordenadas da direção clínica que se imprime no
CAPSi?
Podemos circunscrever algumas balizas que nortearão o trabalho. Mas a
radicalidade da singularidade do caso nos coloca diante do trabalho de construir uma
direção de trabalho para cada um. A cada caso, e até em diferentes momentos de um
mesmo caso, uma nova direção de trabalho. E, por conta da importância deste ponto,
é fundamental dedicarmos algumas palavras ao dispositivo da supervisão.
Vejamos o que Luciano Elia, supervisor do CAPSi, afirma sobre o dispositivo
da supervisão:
(1) - O supervisor deve garantir à equipe um espaço de fala, de fala
orientada sobre impasses, angústias, dificuldades, que são indefectíveis,
inexoráveis e, sobretudo, que são para todo mundo
156
(2) -
Mais que interdisciplinar ou multiprofissional, marcada pela
pluralidade de especialidades, uma equipe de saúde mental deve ser
marcada pela desespecialidade: todo mundo pode e deve fazer de tudo.
(...) O que ocorre é que cada um, intervindo com a singularidade de sua
posição como cnico, com seu estilo, com suas possibilidades do
momento (em cada momento há uma grande riqueza de possibilidades)
trabalhará um aspecto emergente e imprevisível do sujeito atendido, e
depois será possível conhecer os efeitos disso. O que falta a cada um não é
o saber que está em um outro, mas o espaço e o tempo posteriores para,
podendo falar sobre o que ainda não sabe, mas que ocorreu a partir de suas
intervenções. Este espaço e tempo posteriores são o tempo da
supervisão.
157
A partir de tudo que pontuamos até agora, podemos afirmar que estas duas
instituições, o Núcleo de Atenção Intensiva à Criança Autista e Psicótica e também o
Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil Pequeno Hans, cada uma à sua
156
ALBUQUERQUE, P & LIBÉRIO, M. (orgs). 12 anos de CAPS na cidade do Rio de Janeiro.
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Subsecretaria de Ações e Serviços de Saúde. Coordenação de
Saúde Mental. Gerência dos Programas de Atenção Psicossocial. Coordenação de Saúde Mental.
Revista da Escola de Saúde Mental. Ano 1. nº. 1. Dez 2008. p. 44.
157
Idem, Ibidem. p. 45.
64
maneira, com seu estilo, sustenta uma direção de trabalho que leva em conta a
posição destes sujeitos nomeados psicóticos e o estatuto de seu Outro que se
configura como absoluto, desregrado e invasor.
É fundamental enfatizar que não estamos nos referindo a um modelo
institucional a ser seguido, mas antes de experiências clínicas a serem transmitidas.
Nesta direção, vale a pena trazer a luz uma referência a um texto de Alexandre
Stevens: A instituição: a prática do ato:
Penso que é preciso (...) inventar uma instituição particular para cada
caso, para cada caso, para cada sintoma e que é preciso nos deixarmos
guiar pela realidade psíquica feita de linguagem, mais do que pela
realidade social e espacial. É preciso produzir uma instituição tal que
permita a existência, no seu próprio interior, de tantas instituições quanto
de sujeitos que a habitam
158
.
Devemos pensar numa instituição para cada caso. Uma instituição deve levar
em conta o particular do caso para direcionar seu trabalho, o que equivale a dizer que
é a partir do trabalho de cada um para regular o gozo excessivo que uma instituição
deve se deixar orientar.
Este autor, Alexandre Stevens, também traz uma situação clínica que merece
ser lembrada. Refere-se a um homem esquizofrênico que se colocava ao trabalho de
maquiar-se em demasia, travestir-se e colocar-se de frente a janela do serviço de
tratamento como se fosse uma prostituta de vitrine
159
. Uma intervenção se fez:
Tudo bem, mas não depois das 16 horas.
160
. Foi instaurado um regulamento para
este caso. Regulamento inédito, mas acima de tudo, necessário, como seus efeitos
puderam atestar. Essa intervenção na forma de uma regra aparentemente absurda
modificou a resposta desse jovem. Então ele interrogou, com os limites desse
regulamento os limites do corpo
161
. Além disso, este jovem passa a se endereçar a
158
STEVENS, A. - A instituição: prática do ato. in: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Ano
10. N. 4 (ago/set). Rio de Janeiro. 2003. p. 17.
159
Idem, Ibidem. p. 22.
160
Idem, Ibidem. p.22.
161
Idem, Ibidem. p. 21-22.
65
mesma pessoa que se autorizou a intervenção: Mas que horas são? ou mesmo
Assim tudo bem?
162
, fazendo o interlocutor notificar a presença da maquiagem.
Nesta situação clínica com o jovem esquizofrênico temos o testemunho de que
a instituição se deixou orientar pelo particular do caso. É neste sentido que é possível
afirmar que é preciso inventar uma instituição para cada caso.
Se a instituição se deixou orientar pelo particular do caso não é o mesmo que
dizer que os técnicos que trabalham nesta instituição se colocaram como parceiros do
sujeito psicótico?
Referimo-nos a uma certa posição de nos deixarmos regular pelos sujeitos
psicóticos. Encontramos em Lacan uma enunciação que por ora nos cabe citar,
porque se refere a essa posição: (...) uma submissão completa, ainda que advertida,
às posições propriamente subjetivas do doente (...).
163
Encontramos correspondência
em Freud para esta idéia, quando da sua afirmação de que não devemos dirigir reparo
a nada específico, mantendo assim a atenção flutuante, pois se fizermos pré-eleições
estamos arriscados a não descobrir nada além do já sabido.
164
Ainda citando Lacan, no seminário 03, As psicoses
165
, encontramos a
afirmação de que a posição para o analista no trabalho com psicótico consistiria em
se fazer secretário do alienado. Acreditamos que esta posição encontra alguma
aproximação com a afirmação de Jeanne Ribeiro que formula que da nossa parte,
caberia acompanhar o sujeito em sua construção para barrar seu Outro louco. Esta é
uma posição de se fazer notário: (...) no sentido daquele que escreve, registra,
notifica como recebido a mensagem do sujeito
166
. Mais adiante no mesmo texto, a
autora diz que a partir deste lugar de notário: abre-se caminho para que o sujeito
possa vir a se reconhecer como autor desta mensagem e implicar-se no trabalho que
realiza para barrar o Outro.
167
Posição de secretariar, notificar, se submeter para acompanhar o trabalho que já
está em construção é o que nos cabe. Para ilustrar vamos trazer à luz uma situação
clínica.
162
Idem, Ibidem. p. 22.
163
LACAN, J. - (1955-1956). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. in
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998: 540.
164
FREUD, S. (1912) Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise in Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas. V. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
165
LACAN, J. - (1955-1956). O seminário, livro 03: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2
ed. 1988.
166
RIBEIRO, J. M. - A criança autista em trabalho. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005. p. 101.
167
Idem, Ibidem. p. 101.
66
Jorge é um adolescente paranóico com o qual pude construir, a partir de seu
pedido, um trabalho nomeado Projeto Comunidade.
168
Sendo assim, Jorge e eu
íamos ao shopping próximo à instituição onde ele se tratava.
Fizemos a proposta ao pai de Jorge e sugerimos que ele desse alguma quantia
em dinheiro para seu filho tomar um refrigerante no decorrer do passeio. O pai
aceitou e, assim, quando íamos para o shopping, Jorge tomava seu refrigerante e eu,
o meu. Entretanto, esta nunca foi uma situação simples. Jorge sempre queria algo
mais (ou outro refrigerante, ou algo para comer, e até mesmo um CD). Mas, com o
valor que Jorge dispunha, não era possível realizar todas essas compras. Eu lhe dizia
que o dinheiro não daria para pagar o valor do que queria e a minha fala o deixava
enfurecido. Para ele era como se eu, caprichosamente, tivesse decidido que ele não
teria o que queria. Eu passei a tentar não mais responder as perguntas, se
relacionadas aos seus pedidos de compras. Eu procurava me dirigir a uma terceira
pessoa e lhe perguntar se o dinheiro que Jorge tinha poderia pagar pelo o que ele
queria. Então, se estávamos numa loja de música, eu me dirigia ao vendedor... e
assim por diante.
Em alguns momentos Jorge ficava um pouco tranqüilo em outros ficava muito
furioso...
Certa vez, ele estava furioso comigo e assim que chegamos na instituição, ele
se dirigiu a sua analista e reclamou de mim. Ela sugeriu uma conversa com a minha
presença e ele aceitou. No decorrer da conversa ele impôs, primeiro, que eu me
calasse e, depois, que eu desviasse o olhar. Era possível perceber que lhe dirigir um
olhar, lhe endereçar uma fala tornava-se algo insuportável para ele. Até que ele se
levantou e gritou comigo: Fique aí de castigo! Eu fiquei de castigo e depois de um
tempo ele voltou até onde eu estava e disse: Pode sair!.
Parecia que Outro caprichoso que goza do sujeito havia se presentificado,
então, a submissão às suas exigências significa reconhecer nessas elaborações um
enorme esforço de regular esse Outro sem lei. Assim, deixando-me regular por Jorge
foi possível presentificar um Outro que foi submetido a uma regra, o que operou foi
um esvaziamento de saber de minha parte.
O mais interessante é que Jorge pôde tirar-me do castigo. Ele pode construir
uma solução, um modo de lidar com algo tão insuportável e torná-lo não tão
168
Este trabalho consiste na circulação por espaços públicos e coletivos.
67
avassalador. O que funcionou ali foi uma operação construída por ele mesmo para
regular seu Outro sem lei.
Na semana seguinte nós estávamos, novamente, passeando no shopping. Vale
enfatizar que Jorge nunca havia estado num shopping, antes de ter formulado esse
pedido. Todo o trajeto de sua vida correspondia ao percurso da instituição de
tratamento para a sua casa e de lá para a instituição de tratamento. Ele era um
adolescente, com 16 anos, que estava permitindo que eu estivesse com ele circulando
por espaços públicos e coletivos que até então não conhecera.
Bem, a partir de tudo o que vimos até agora é possível localizar uma função
para o trabalho realizado pelos psicóticos. Função esta que consiste em regular o
gozo o que equivale a barrar o Outro sem lei.
Mas uma questão se impõe: toda e qualquer elaboração do psicótico terá
cumprido a sua função? Será que todo trabalho do psicótico terá como efeito uma
regulação de gozo?
No capítulo I desta dissertação abordamos a importância da construção de uma
bricolagem e da elaboração de uma invenção por parte de um psicótico, embora
tenhamos afirmado que nem toda invenção é bem sucedida e pode fracassar em sua
função.
É neste sentido que estamos então pensando sobre o efeito do trabalho
realizado pelas crianças e adolescentes psicóticos. Será que todo e qualquer trabalho
será bem sucedido em sua função?
Estamos avisados de que é preciso acolher a construção da criança, é preciso
estar atento à construção realizada por ela. Mas seria isso suficiente? Bastaria nos
colocarmos à serviço da criança, seja qual for sua elaboração? É preciso dizer sim
a todo e qualquer trabalho realizado pela criança?
Stevens, em seu texto intitulado: A instituição: prática do ato, nos adverte de
que é preciso estarmos atentos com relação às invenções, e enfatiza que nem todas
serão bem sucedidas.Vejamos o que este autor diz:
Não é suficiente, de fato, acolher a surpresa, a invenção. É preciso estar
atento a ela, até mesmo suscitá-la, provocá-la, calculá-la
169
169
STEVENS, A. - A instituição: prática do ato. in Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Ano
10. N. 4 (ago/set). Rio de Janeiro. 2003. p. 20.
68
(...)
Os que intervém na instituição devem, portanto, estar prontos para
acolher essas invenções de cada sujeito. Mas não se trata de apoiar
qualquer coisa, nem de qualquer jeito. Há uma regulagem necessária. Não
se diz sim a tudo, mas, somente àquilo que pode amarrar um momento da
história da criança.
O lugar essencial do dispositivo institucional volta, assim,
à reunião
clínica semanal. Todos participam à formalização dos casos clínicos, todos
podem tirar deles conseqüências no cotidiano, todos podem agir com seu
estilo pessoal na clínica. Mas a reunião clínica serve para precisar o
cálculo de nossas intervenções caso a caso: dar todo o seu valor a um
ponto de capitonê [é o mesmo que ponto de ancoragem que é um trabalho
do sujeito para fazer as vezes da função paterna que na psicose se encontra
foracluída
170
] encontrado pela criança, decidir apoiar essa descoberta ou,
pelo contrário, considerar que ela não é favorável, ou ainda limitar a sua
abrangência assim como propus ao rapaz que gostava de ficar na vitrine.
[Esta situação já fora citada por nós neste mesmo capítulo
171
] .
172
Também podemos nos remeter a uma citação que já fora apresentada neste
capítulo, mas que não consideramos excessivo novamente mencioná-la. Estamos nos
referindo à formulação de Luciano Elia e Kátia Santos:
Partimos, então, daquilo que eles nos falam, mesmo que às vezes sem
utilizar palavras. Procuramos criar um enquadre capaz de dar ouvidos ao
que eles nos falam, mas sem deixar o sujeito tiranizar
173
o mundo inteiro
em nome da sua particularidade, para que, a partir da nossa inclusão nesse
trabalho que eles já chegam empreendendo, novas invenções possam
surgir
174
Este ponto nos remete a uma situação clínica que vale a pena citar. Um
adolescente, Eric, vinha ao tratamento toda semana. Era um momento em que o
serviço ainda estava situado dentro de um hospital psiquiátrico e, por isso, não
havia o serviço infanto-juvenil como também os demais serviços, além do refeitório
que todos, técnicos e pacientes, freqüentavam. Dito isso para explicar que todas as
vezes que era seu dia de atendimento, Eric saía correndo pelos corredores do hospital
170
Os parêntese foram por nós incluídos para um esclarecimento acerca do termo ponto capito.
171
Os parênteses foram incluídos por nós.
172
STEVENS, A. - A instituição: prática do ato. in Revista da Escola Brasileira de Psicanálise. Ano
10. N. 4 (ago/set). Rio de Janeiro. 2003. p. 22.
173
Grifos nossos.
174
ELIA, L. & SANTOS, K. - Bem-dizer uma experiência. in: MELLO, Marcia & ALTOÉ, Sonia
(orgs.). Psicanálise, Clínica e Instituição. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2005. p.117.
69
psiquiátrico, invadia a cozinha e, se alguém estivesse almoçando, ele se apropriava
da comida e saía correndo. Ou, então, se passasse por alguém que estivesse comendo
alguma coisa, ele lhe arrancava o alimento das mãos com intuito de comê-lo. Nesta
instituição havia um vendedor ambulante que circulava com seu carrinho, vendendo
doces, balas etc. Muitas vezes, Eric quase derrubou o carrinho na tentativa de se
apropriar de tudo o que ali tivesse.
Em uma destas situações em que Eric, a mãe e o vendedor se embolaram pelo
chão na tentativa de conter o menino. Eu intervi perguntando como era em casa a
relação de Eric com a alimentação e sua mãe disse que ela comia sem parar e que ela
chegava a trancar o armário e a geladeira. Fiz uma intervenção junto à Eric. Disse
que reconhecia que todas as vezes que comparecia aos atendimentos ele se
alimentava na instituição e, por isso, eu estava pensando na idéia de incluir um
lanche a ser realizado nos atendimentos. Neste mesmo dia Eric comeu biscoito no
CAPSi, no seu atendimento. É importante dizer que o menino foi até a mesa, diante
do pacote de biscoito apenas pegou dois deles, fechou o biscoito e sentou-se para
comer. Depois que acabou de comer, novamente pegou outros dois biscoitos e
sentou-se para se alimentar. Descrevemos minuciosamente os acontecimentos para
que possamos transmitir a radicalidade da mudança de Eric. Inclusive numa festa
junina do serviço, diante de uma mesa com algumas opções de balas e biscoitos, Eric
fez sua escolha, sentou-se no banco, começou a comer, deitou no meu colo e sorriu.
A intervenção consistiu em dizer não sobre a base de um sim. A
intervenção fez um corte no empanturrar-se, no embolar-se no chão e deu um lugar
para o Eric na sua relação com os alimentos.
III. 2 - Apresentação de uma situação clínica
Apresentaremos um trabalho realizado num serviço infanto-juvenil com uma
criança, Leci, e sua mãe, Vera. Esta apresentação trará à luz movimentos realizados
pela criança, o que pode parecer exaustivo e minucioso, mas que não é sem relação
com o modo de funcionamento desta criança.
O tratamento de Leci inclui sua mãe, pois nossa aposta é de que o trabalho com
uma criança deve incluir a escuta de seus pais e/ou responsáveis.
70
Vera procurou o serviço infanto-juvenil e este primeiro tempo de escuta foi um
trabalho conduzido por mim e pela psiquiatra. Vera chegou perguntando o que
teríamos para oferecer e afirmou que a filha já fazia tratamento numa instituição de
reabilitação. Chegamos a indagar se ela procurava por algo específico e ela disse que
não. Ela disse que foi para a emergência psiquiátrica, pois estava muito mal e muito
deprimida e foi então que falaram para ela do serviço infanto-juvenil. Por isso ela nos
procurou.
Vera afirmava querer conhecer o trabalho e, por isso, fazia inúmeras perguntas
sobre o serviço que, naquele momento ainda funcionava dentro do hospital
psiquiátrico, onde ela teve seu atendimento de emergência. depois de um tempo,
nosso serviço começou a funcionar numa casa.
De início, Vera parecia resistente, talvez até de certo modo desconfiada. Fazia
tantas perguntas sobre o serviço, e quase não falava sobre o que estava procurando.
Apenas dizia que queria saber o que poderíamos fazer por ela e pela filha que estava
em tratamento em outro lugar, mas que de nada adiantava.
Fizemos uma aposta. Vera nos procurou e acolhemos seu pedido de conhecer o
serviço. Mostramos o espaço físico e falamos da composição da equipe. Foi assim
que Vera começou a falar sobre sua história e sobre sua filha, sem que nos
interrogasse o tempo inteiro sobre o serviço.
Ela falou sobre o fracasso que foi a maternidade. Disse: Se eu pudesse voltar
atrás eu voltava e devolvia Leci. A filha fazia parte de um grande projeto de vida,
daí ela ter que esperar o melhor momento para adotá-la. Inclusive reduziu a carga
horária no trabalho, onde exercia a função de assistente social. Dissia que queria
fazer a adoção sozinha, pois não precisaria de ajuda de ninguém, nem de um homem.
Quando se referia às duas relações amorosas que teve, falava com desdém e
enfatizava que Um deles até era esquizofrênico. Em seguida, explicava que não era
possível contar com nenhum desses dois homens para seu projeto de maternidade.
Além disso, excluía a possibilidade de ser com uma outra pessoa, que não estes dois,
e enfatizava: Eu achava que poderia fazer tudo sozinha e agora não faço nada
sozinha.
Neste momento, Vera precisava da ajuda de outras pessoas para ir ao médico,
ao banco e, até, para ficar em casa com sua filha. Mas não foi sempre assim. Houve
um tempo, antes de ser mãe, do qual se lembrava e dizia: Eu cuidava da casa, tinha
meu próprio carro e trabalhava. Ela contou também que havia perdido uns 30 kg,
71
em poucos meses. A maternidade foi um grande marco em sua vida, um verdadeiro
divisor de águas, pois, antes dela, dizia Vera: Eu era independente e tinha
autonomia. Trabalhava e fazia minhas coisas. Depois tudo mudou e tive transtorno
do pânico e agora dependo da minha família e da empregada para tudo, não consigo
nem ficar sozinha com minha filha em casa.
Só depois de alguns meses que Vera efetivamente levou sua filha ao serviço.
Leci até então comparecia no discurso de sua mãe que relatava a grande dificuldade
para sair de casa, além do que a ida de Leci ao serviço infanto-juvenil não seria fácil
já que Leci gritaria, morderia, quebraria as coisas, choraria, jogaria tudo no chão, e
certamente, não entraria na sala. Só após cinco meses do início do trabalho de escuta
de Vera é que ela pode levar sua filha.
Leci que contava com 6 anos quando chegou ao CAPSi, assim que nos viu foi
direto para o colo da psiquiatra. Fazia um movimento que parecia se balançar de um
lado para outro. Também mexeu em alguns brinquedos e objetos, mas não se dedicou
a nenhum especificamente. O que se passou foi completamente diferente daquilo que
sua mãe supunha. Leci pôde se aproximar, pôde nos convocar para buscar algum
objeto ou para a colocarmos em nosso colo. Diante disso, Vera disse: Ela não
brinca assim comigo. Aliás, eu também não tenho paciência!... Eu não suporto ela e
brinco com o cachorro de minha irmã.. Vera conta que não suporta Leci, pois
ela chora, grita, geme e lhe bate sem parar. Diante de uma intervenção em que foi
convocada a falar sobre o que achava que acontecia com Leci, Vera, bastante
agressiva, respondeu: Como assim o que está acontecendo com ela? Não faz
sentido! Nada do que ela faz tem sentido. Ela ri e chora ao mesmo tempo. É uma
esquizofrenicazinha. Ela é um muro! Não tem sentido nada!.
Assim tivemos um testemunho de que para Vera não era possível construir
algum sentido para o que se passava com Leci. Não era possível articular o choro, o
grito, e até mesmo o tapa de sua filha a um apelo, uma demanda. Para Vera não havia
qualquer motivo para estas manifestações.
Se a fala é fala na medida em que alguém nela crê
175
, é, portanto,
necessário que à criança seja endereçada uma mensagem particularizada. Isso fala
175
LACAN, J. (1953-1954) O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1983. p. 272.
72
dele, antes que isso se enderece a ele, e é que ele se apreende
176
. Assim, a
ausência de uma mensagem dirigida ao filho que o particularize é o mesmo que não
oferecer significação às suas manifestações.
Vera mostrou com toda clareza que para ela não era possível atribuir
significações a qualquer manifestação de sua filha. E foi justamente quando
convocada a falar sobre isso o ponto mesmo que reconhecemos, num depois,
que se tratava de uma impossibilidade para ela que ela reagiu com agressividade.
Por isso, uma mudança na estratégia de trabalho se fez necessária. A partir do que
mais incomodava Vera, que era a agressão que sofria de sua filha, o trabalho tomou
como direção sustentar que, de fato, as agressões não poderiam continuar, para,
então, convocá-la a pensar no que poderia fazer em relação a isso. Ao invés de
convocá-la a falar sobre qual poderia ser o significado do que se passava. Diante da
constatação de que para esta mãe atribuir significados ao que se passava com sua
filha não era possível, outro um manejo no trabalho foi inaugurado.
Isso teve um efeito interessante, inclusive porque ela pode se sentir acolhida, no
sentido de ter o seu sofrimento reconhecido. Diante disso Vera pôde falar do
desespero que lhe causava o fato de Leci desde bebê, agredi-la de forma séria, além
de gritar e chorar sem parar.
Falar que Leci desde bebê grita e chora sem parar foi o que Vera podia falar
sobre sua filha. Vera nunca falou sobre o que Leci gostava de comer ou qual era sua
brincadeira preferida. Entretanto, não se trata de supor que Vera tenha se negado a
falar sobre as preferências da filha. É mais radical que isso. Leci foi anônima no
desejo de sua mãe. Para Vera, Leci não tinha um lugar a partir do qual esta mãe
pudesse construir uma história.
É possível delinear o lugar de Leci para sua mãe: Leci era um muro que nada
sentia, além de gritar e chorar sem parar desde bebê. É justamente por isso que não
havia uma história a contar sobre a infância ou sobre as preferências de sua filha. Na
verdade, o lugar que Leci tinha, para sua mãe, era tão somente o do horror que era
lidar com alguém que é um muro e que, desde bebê, grita e chora sem parar. Desta
forma estamos enfatizando o quão marcante é o lugar de horror que esta menina
tinha para sua mãe.
176
LACAN, J. - (1960) Posição do inconsciente in Escritos. Rio de Janeiro: Campo Freudiano no
Brasil: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 849.
73
Neste ponto podemos nos remeter ao que já abordamos anteriormente, no
capítulo I, sobre o lugar que a criança pode vir a ocupar como objeto a no fantasma
da mãe. Neste caso, quando a criança torna real, no sentido de realizar, o objeto a no
fantasma da mãe, é como se a criança se tornasse um campo estrangeiro para sua
mãe. Dizemos campo estrangeiro, pois o grito da criança, por não ter sido tomado
como um apelo não cavou um lugar para este sujeito.
A criança fica então como um lugar estrangeiro em relação à mãe que, a partir
daí, não pode construir uma história particularizada desta criança.
Por isso que afirmamos que quando a criança realiza a presença do objeto a no
fantasma da mãe não é sem efeitos. Segundo Stevens A conseqüência desta posição
para a criança, na qual o desejo do Outro fica ininterrogável, é a ausência de história,
ao menos de uma história quanto ao desejo
177
No decorrer das entrevistas Vera remeteu-se a sua mãe que nunca concordou
com a adoção e nos diz arrependida: Eu devia ter ouvido minha mãe! Viu!?Deu
tudo errado! É isso que é ser mãe? Se eu soubesse não faria!
Vera relatou que o sonho de ser mãe estava relacionado com a possibilidade de
ter uma companhia, pois se sentia muito sozinha. E é neste ponto que Leci em
nada corresponde.
A não correspondência entre o esperado por uma mãe e a presença real do filho
sempre se coloca, mas aqui Leci revela isso na sua radicalidade. É uma menina que
troca todos os horários, assim o dia que começaria às 07:00h da manhã para Vera,
começa às 03:00h da madrugada com a Leci solicitando banho e café da manhã.
E Vera se colocava numa posição se submeter a todos os mandatos da menina
para não ser por ela agredida. A menina era, portanto, uma pequena tirana da qual
Vera tinha horror.
Um momento significativo no trabalho de escuta de Vera foi quando a
instituição de reabilitação, onde Leci fazia tratamento, a denunciou ao Ministério
Público por negligência. Isso se deu porque Vera levava a filha para esta instituição
de táxi, e assim que chegava, a menina saía correndo, e sua mãe não conseguia
segurá-la. Segundo Vera, de fato poderia acontecer da menina ser atropelada. Além
disso, Vera explicava que tinha transtorno de pânico e, por isso, não conseguia
cuidar da filha e, por isso, a menina saía do xi e entrava na instituição enquanto a
177
STEVENS, A. A clínica psicanalítica em uma instituição para crianças. in Estilos da Clínica.
Revista sobre a infância com problemas. N.1. São Paulo: IP/USP, 1996. p.64.
74
mãe ainda estava no xi. Vera dizia que o transtorno do pânico a deixava muito
lenta, o que a impedia de pegar na mão de sua filha e segurá-la.
Com tudo isso, a tia de Leci ligou para o CAPSi e marcou atendimento sem
saber que a menina já o realizava. A idéia da tia era procurar outro tratamento para a
menina que não mais podia se tratar no mesmo lugar em que a denúncia foi feita.
Convoquei a tia e a mãe de Leci para uma entrevista conjunta. Esta entrevista foi
importante, pois a Vera falou de dificuldade que era cuidar de Leci e, em seguida, a
tia, Eva, disse que poderia ficar com a guarda da menina pois, desta forma, Vera não
perderia o contato com a filha. Diante disso perguntei sobre o que Vera gostaria de
fazer, e ela responde: Mãe é para sempre. Não tem jeito. Eu sou a mãe. Eu vou ficar
com minha filha!
Depois deste dia tivemos outra entrevista, mas desta vez, sem a presença de
Eva. Vera falou que foi marcada uma audiência no Ministério Público. Perguntei o
que ela pensou em falar na audiência, e ela respondeu: Eu vou falar que não estou
bem e penso em matar a minha filha Apontei que falar disso no tratamento de Leci
era diferente de falar no Ministério Público e perguntei se ela sabia quais seriam os
efeitos de falar desta forma no Ministério Público. Ela respondeu: Eu perderia
minha filha! Então me reporto à entrevista em que ela disse ser mãe de Leci e que
ficaria com ela. Neste momento, Vera se reposicionou e disse: Eu vou dizer que
levo minha filha na escola e trago aqui [no serviço infanto-juvenil]. Mas vou dizer
que é difícil ser mãe, pois eles precisam saber.
Depois da audiência a Vera me agradeceu e disse que fui a única que acreditou
que ela poderia ser mãe. A partir deste momento ela conseguiu se apropriar um
pouco mais do lugar de mãe. A transferência comigo e com a instituição ganhou um
outro colorido, de modo, que não mais faltou aos atendimentos, o que não ocorria
antes.
Sustento o trabalho de escuta de Vera. A escuta não tinha como função orientá-
la em relação à forma de como lidar com sua filha. É o oposto disso que sustentamos.
Nossa proposta é de que devemos escutar Vera como sujeito. Escutar Vera no
sentido de circunscrever o lugar de sua filha no seu desejo. Escutar Vera para
também implicá-la naquilo que se configura como sua queixa, seu sofrimento.
Todo o trabalho com Vera não é sem relação com o trabalho de Leci. Após
estes acontecimentos, podemos destacar alguns outros em relação à menina. Sendo
75
assim, vamos nos dedicar agora ao trabalho realizado por Leci no qual gostaríamos
de destacar quatro tempos.
No que estamos nomeando de primeiro tempo não é exatamente o tempo de
chegada. Neste tempo Leci mostrava um grande interesse pelo DVD da Xuxa. Assim
que chegava ao serviço, puxava-me até a sala onde guardávamos os DVDs e se
dirigia a gaveta e apontava para que eu o pegasse. Leci escutava as músicas e,
algumas vezes, balançava-se de um lado para outro acompanhando o ritmo. Algumas
vezes ela dava as mãos para mim e me convocava para rodar em círculos, no
momento da música em que o trecho era: roda, roda, roda....
Certa vez não encontramos o DVD. Este foi um dia muito difícil, Leci me
machucou com mordidas e arranhões. Eu disse que poderíamos tentar procurar
novamente mas, mesmo assim, não o encontramos. Ela, então, me machucou
novamente, gritou, chorou, ficou extremamente angustiada. Mas foi, justamente
neste dia, que pela primeira vez, escutamos uma palavra sua: DVD. Na ausência
do objeto, a palavra pôde comparecer. Pela primeira vez no serviço. Não sem
desespero foi assim que Leci deixou escapar uma palavra.
Sobre este acontecimento vale à pena destacar que Maleval em um texto
intitulado: Sobretudo verbosos, os autistas
178
afirma que os autistas mudos diante
de uma situação crítica abandonam sua recusa de apelo ao Outro. Assim numa
situação de aperto, o autista pode vir a pronunciar uma palavra e até frases inteiras.
Segundo tempo do trabalho. Leci colocava na sua boca tudo o que encontrava
pela frente. Giz de cêra, bolinha de gude, areia, papel, etc. Minha intervenção
pretendeu barrar este movimento dizendo que algumas coisas, ao serem colocadas na
boca machucam e outras não. O trabalho seguiu na direção de produzir um corte
neste gozo excessivo, que consistia em enfiar tudo na boca. Propusemos então algo
que ela pudesse por na boca sem que a machucasse. Assim a convidei para ir até
cozinha, ofereci biscoito, ela aceitou. Nos atendimentos seguintes, ela passou a me
levar até a cozinha onde procurávamos por biscoito. Num dia em que tínhamos dois
tipos de biscoitos, eu perguntei para ela qual era de sua preferência, o chocolate ou o
178
MALEVAL, J-C (2007) Sobretudo Verbosos os autistas in Latusa: Escola Brasileira de
Psicanálise: Objetos soletrados no corpo, n°. 12, Rio de Janeiro: Ed. Contra-Capa, 2007.
76
biscoito salgado, e ela respondeu: choco! Esta foi, portanto, sua segunda palavra
no CAPSi.
No terceiro tempo de trabalho, não sem relação com sua e, Leci se mostrava
extremamente angustiada, machucando-me intensamente, ao ponto de arrancar
minha pele até sangrar. Foi um momento em que sua mãe decide que não mais se
submeteria às exigências de sua filha e uma das atualizações disso apareceu no
serviço: Não vou ficar aqui dentro do CAPSi esperando até quando ela resolver
que vai embora.
179
Neste momento Vera passava de uma posição em que estava totalmente
submetida às exigências de sua filha para uma posição em seu oposto. Parece ser o
outro lado da mesma moeda, até porque toda ou nada submetida é uma mesma
posição de radicalidade.
Nestes momentos Vera dizia que não mais faria só o que sua filha quer até
porque ela só fez isso desde que a pegou e não agüenta mais. Relata, também, que
seu psiquiatra havia afirmado que ela precisa se cuidar. Foi a partir do discurso de
um Outro do qual se apropriou para sustentar que não mais se submeteria à sua filha.
É um momento em que Vera afirmava que não ficaria no serviço à espera de sua
filha e diz que se fosse obrigada a isso procuraria outro tratamento para sua filha.
Esta foi a forma como Vera conseguiu pela primeira vez dizer não à tirania de sua
filha. O que podemos pensar é que a posição de Vera é igualmente tirana.
Inclusive diz: Eu não espero nada dela. Eu não espero que ela fale, eu não
espero que ela pare de me agredir, eu não espero que ela desenhe. Não pra
esperar nada porque ela é esta coisa que nunca vai mudar, aliás, vai piorar com
o tempo.
Vera endereçava sua fala a mim na presença da filha. Equivocadamente não
houve uma intervenção de minha parte que sustentasse a importância da presença da
mãe naquele momento, pois sua fala de que romperia o tratamento causou espanto, o
que me paralisou, de certa forma.
Não produzir um corte na fala e no ato caprichoso de Vera não foi sem
conseqüência para Leci. Então assim que Vera se ausentou, Leci me agrediu. Parece
que trouxe em cena a absolutização do Outro e diante disso, Leci trabalha para
179
O fato de que todas as mães e pais sempre esperavam dentro do CAPSi pelos filhos que estavam
em atendimento suscitou muita discussão na equipe até tomamos como direção pensar a partir de cada
caso a cada momento sobre esta questão, levando em conta o trabalho de escuta do adulto e da criança
e adolescente.
77
descompletá-lo. Um pedaço de carne que vem a faltar e é assim, no real, que Leci
realiza o trabalho que não pôde se realizar simbolicamente.
Foi quando eu me afastei explicando que precisava fazer um curativo e outra
pessoa da equipe entrou em cena que então a menina se acalma.
Quando retornei, Leci mostrou-me algum buraco, como do ralo, e alguns
buracos que fez nas paredes do CAPSi.
É com a pluralização dos parceiros na clínica que pudemos lançar mão da
possibilidade de um técnico sair de cena, para outro comparecer. Não se trata de se
afastar porque Leci ficou agressiva. Mas de traçar estratégias como incluir outros no
trabalho quando um técnico parece encarnar o Outro absoluto do sujeito psicótico. É
um tarefa que visa regular o Outro louco do sujeito psicótico o que é correlato a um
trabalho de regularmos nossa presença para não encarnar o Outro absoluto para o
psicótico. É preciso calcular manobras e construir táticas para fazer operar o lugar de
parceiro do sujeito psicótico no seu trabalho de tratar o seu Outro louco.
E quando Leci constrói buracos ou procura por eles também não seria um
trabalho, no real, que visa descompletar o Outro absoluto?
Então podemos entender que Leci ao arrancar-me um pedaço de carne tinha por
objetivo regular seu Outro louco. E também quando retornei, após me ausentar, ela
imediatamente apontava para um ralo, ou faz na parede um buraco. Podemos então
afirmar que Leci dava mostras de sua tarefa árdua e sem pausa de regular o Outro.
Desta forma afirmamos que todo o contínuo trabalho de Leci segue uma única e
mesma direção.
Nos atendimentos seguintes Leci gritou, bateu, mordeu, fez movimentos
estranhos num certo frisson de frente para alguns objetos. Se me aproximo ou falo
alguma coisa ou mesmo olho para ela, todo o seu comportamento se intensificava.
Além destes comportamentos, apareceu uma nova produção que muito me
chamou a atenção. Esta menina que até então havia produzido duas palavras (DVD
e choco) agora estava bastante falante. Falava quase sem parar, mas sem que
pudéssemos entender uma palavra sequer. Consistiam num estado de significantes
grudados desprovidos de significação. Um acoplamento de significantes sem
qualquer sentido compartilhado. Uma falação, uma lalação sem pausa, sem trégua.
Se por um lado há toda uma série de manifestações que podiam apontar para o
fato de que eu ali havia encarnado para ela o seu Outro invasor e, por isso, minha
voz, meu olhar, minha presença seriam da ordem do horror. Por outro, lado sua
78
produção sonora chamava muita atenção, no sentido de que esta menina não era, por
assim dizer, falante, havia falado apenas duas palavras. E de repente estava
produzindo sons. Uma menina que não falava estava falando.
Uma fala que não era endereçada. Uma comunicação que o comunicava
nada. O que fazer diante disso? Foi feita uma aposta, com a seguinte intervenção:
Você está bastante falante hoje, o que será que você quer me dizer?. Diante disso,
ela foi até o muro do CAPSi, apontou uma imagem que lá estava desenhada e disse:
Mar!.
Notificar o recebimento de uma mensagem foi minha tarefa. Secretariar e
testemunhar foi a minha parte neste trabalho que Leci já estava realizando. Esta
mensagem que não era possível entender, pois o comportava um sentido
compartilhado socialmente, foi tomado como tendo endereço. E isso trouxe
conseqüências importantes para o tratamento.
Testemunhamos que Leci foi até o muro do CAPSi e produziu uma palavra, um
som. Neste ponto é importante destacar que Vera situava sua filha num lugar de
horror que nomeava de muro sem qualquer possibilidade de construir algum
sentido, alguma história para esta menina. E assim, Leci permanecia anônima no
desejo da mãe.
O interessante é apontar que foi ali mesmo, no muro, que Leci apontou para
um desenho e falou. No discurso da mãe, muro é o lugar onde a filha se localiza. E
foi no muro do CAPSi, o lugar onde Leci produziu um som, e sorriu. Foi exatamente
no ponto de tormento, o muro, que Leci produziu um reviramento.
Muro consistia numa lalangue materna que visava Leci. Lalangue é a marca
no corpo de um depósito de significantes oriundos da fala materna. Lalangue visa o
sujeito psicótico que se acossado por um enxame zumbidor de lalangue que por
não ter sido subjetivado são da ordem de puro horror. Ainda mais quando este corpo,
como é o caso da psicose, é objeto de gozo do Outro.
Esta menina transforma a lalangue materna que a visava como sujeito numa
possibilidade de algum laço com o Outro. Assim podemos inclusive destacar que
houve um deslocamento de Leci deste lugar devastador que satura a falta materna,
lugar de objeto a no fantasma materno.
79
Maleval
180
sustenta a tese de que fazer uso da função fala implica em ceder do
objeto do gozo vocal. Para este autor a fenomenologia que nomeamos de mutismo é
a sustentação sem vacilação de uma posição de sujeito que nada quer se haver com o
enigma do desejo do Outro. É uma posição de recusa em endereçar um apelo ao
Outro, e por que não dizer, uma recusa em ceder o objeto do gozo vocal.
Poderíamos a partir do testemunho do trabalho com Leci afirmar que esta
menina pode abrir mão de sua estratégia autística? de operar alguma perda de
gozo? Ou pelo menos alguma perda do objeto vocal pode se realizar?
Pudemos trabalhar no capítulo I sobre o campo clínico da psicose no qual não
haveria a operação de extração do objeto a o que é correlato com a posição de objeto
de gozo do Outro louco. Isso dito para continuar a defender a idéia de que não é
possível afirmar que haja extração de objeto na psicose. Mas mesmo assim, não
poderíamos falar que Leci tenha aceitado ceder seu gozo vocal?
Maleval
181
também afirma que o insuportável para o autista diz respeito a ceder
do objeto do gozo vocal já que isto apontaria para a enunciação, para o
estabelecimento de um endereçamento ao Outro. Entretanto, não poderíamos pensar
que Leci está construindo alguma possibilidade de um trabalho em que ceder do
objeto do gozo vocal está implicado?
Não é disso que Leci nos testemunho? Ela nos mostra alguns
acontecimentos em que de uma posição em que se empanturra com tudo que tivesse
a sua volta, passa para uma outra em que apenas coloca objetos comestíveis na boca.
Além do que pode escolher um tipo de biscoito e não outro. Todos estes
acontecimentos apontam para uma posição de sujeito com uma maior abertura para o
Outro.
DVD que foi sua primeira palavra no CAPSi compareceu numa situação
crítica; a segunda, se deu a partir da demanda do Outro, quando a menina aponta para
o biscoito de chocolate e diz: choco. Já a terceira palavra se dá quando aponta para
o muro e fala mar, o que consistiu momento crucial no seu tratamento,
radicalmente diferente dos anteriores.
Enfatizamos que o trabalho que sustentamos não tem qualquer pretensão
educativa ou pedagogizante. É mais radical que isso. Estamos nos referindo a um
180
MALEVAL, J. C. - (2007) Sobretudo Verbosos os autistas in Latusa: Escola Brasileira de
Psicanálise: Objetos soletrados no corpo, n°. 12, Rio de Janeiro: Ed. Contra-Capa, 2007.
181
Idem, Ibidem.
80
trabalho do sujeito cuja direção aponta para a localização de gozo o que traz
conseqüências para o laço social. E é por isso que encontramos efeitos interessantes
no cotidiano da vida social, o que aponta para a relação do sujeito e o seu Outro.
Devemos afirmar que todos os acontecimentos que nos apontam para a
possibilidade de algum laço social são decorrentes de uma posição de sujeito que
pôde ceder do objeto de seu gozo vocal, o que traz conseqüências significativas para
a fala e também, é claro, para algum laço social.
Tudo isso não é sem relação com um novo trabalho realizado por esta menina.
É o que nomeamos de quarto tempo.
É um momento em que Leci realizava um novo trabalho, que consistia em
entrar numa sala de atendimento e me deixar do outro lado. Nisso eu batia na porta,
chamava por ela e entro. Assim que a encontrava dizia: Achei você! E ela saía
correndo e eu ia atrás dela. Ela se divertia bastante e não parava de rir.
Não estaria Leci trabalhando intensamente num jogo de presença-ausência, que
nada mais é do que a tentativa de inscrever num a posteriori a simbolização
primordial? Como a simbolização primordial o se operou a menina trabalha, no
real, para que o simbólico se inscreva.
Muitas vezes ela me levava para uma sala e depois saía e fechava a porta. Ela
de novo me deixava do outro lado da porta. Esperava um pouco, e ia procurá-la
quando a encontrava dizia: Achei você! Ela começar a gargalhar e sai correndo.
Numa das vezes em que saiu correndo passou pela televisão que estava
desligada. Num primeiro momento foi um olhar rápido, mas depois olhava para a
televisão desligada com bastante atenção. O que acontecia é que, com a televisão
desligada, a sua imagem ali se refletia. Eu então disse: Olha ... quem está ali é
a..! E eu dizia seu nome. Depois lhe pergunto quem está ali. E ela olhando
fixamente para mim dizia seu nome próprio.
Este é um tempo de trabalho em que sua fala agora é endereçada e se presta à
comunicação. As palavras iniciais de Leci foram DVD, Choco e Mar. E agora
inclui outras como seu próprio nome, e no momento em que concluímos o
atendimento dizia: Tchau, Nanda!.
Novamente é preciso enfatizar que o trabalho que Leci pôde construir não é
sem relação com o trabalho de escuta de Vera.
Testemunhamos que Vera pôde reconhecer e legitimar quando sua filha a
chama de mãe. Vera pôde dar significados para atitudes de sua filha, como num dia
81
em Leci chorou em casa e Vera nos disse que achava que a menina estava com
saudades do CAPSi. Estes não seriam alguns exemplos de como Vera pode se
apropriar mais do lugar de mãe?
No início do tratamento o que se apresentava do lado de Leci consistia numa
tirania em que colocava todos a serviço de suas exigências senão mordia, arranhava,
batia, gritava e chorava sem parar; do lado da mãe o que aparecia era a sustentação
de um lugar de se deixar tiranizar pela filha o que tinha como conseqüência
sacrificar-se.
Sobre isso, Stevens formula:
Tal mãe sacrifica-se sem cessar ao seu filho, submetendo-se à sua
violência e a todas as suas fantasias, suspendendo sua vida na presença da
criança; entretanto, ela não cessa de queixar-se de seu sacrifício, enquanto
que o sacrifício que se deverá buscar que ela faça é o de renunciar a esta
posição de sacrifício
182
.
Poderíamos inclusive afirmar que Vera nos deu notícias de que este trabalho de
abrir mão de sua posição de sacrifício pode operar com ela e também testemunhamos
uma mudança na posição subjetiva de Leci. Testemunhamos um outro lugar de Leci
no desejo da sua mãe e, do lado da criança, um deslocamento, também.
E não será assim que respondemos à seguinte pergunta de Lacan para os
analistas: (...) que alegria encontramos nós naquilo que constitui nosso trabalho?
183
182
STEVENS, A. A clínica psicanalítica em uma instituição para crianças. in Estilos da Clínica.
Revista sobre a infância com problemas. N.1. São Paulo: IP/USP, 1996. p.62.
183
LACAN, J. - (1967). Alocução sobre as psicoses da criança in Outros escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2003. p.367.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa proposta para esta pesquisa consistiu em delinear algumas considerações
sobre um tratamento psicanalítico da psicose na clínica institucional. Devemos
enfatizar que de nossa parte não houve qualquer pretensão de esgotar o tema ou
mesmo deste trabalho se constituir enquanto referência para um modelo institucional
a ser seguido.
Nosso percurso iniciou com a apresentação de algumas proposições acerca da
psicose a partir das formulações teóricas de Sigmund Freud, Jacques Lacan e de seus
comentadores. A partir disso, foi possível sustentar a tese de que as manifestações
destes sujeitos dizem respeito a uma tomada de posição frente ao Outro que se
constitui como invasor e atormentador. Sendo assim, a particular relação destes
sujeitos com os objetos (a voz, olhar, os alimentos e os excrementos), com a
linguagem e também com o corpo próprio indicam sua posição frente ao seu Outro
absoluto.
Alguns se mostram alheios a qualquer presença das pessoas, outros nos dão
testemunho de que esta presença é da ordem do horror. São crianças que podem
apresentar uma posição de rechaço em relação à alimentação. Há situações que ficam
constipados sem que apresentem sinal de dor, ou mesmo manuseiam de forma
bizarra seus excrementos. Em relação à linguagem o psicótico nem sempre faz uso
da fala, e se faz, isso ocorre de forma muito particular, repetindo a fala do Outro
exatamente como escutaram. E no que diz respeito ao próprio corpo, percebemos que
alguns chegam a se mutilar sem que isso cause sofrimento ou dor.
Se a dissertação pretendeu tratar da direção de trabalho analítico com a psicose
é necessário, então, pensar sobre a posição destes sujeitos frente ao Outro. Assim
podemos tomar as manifestações dos sujeitos psicóticos enquanto resposta ao Outro.
Portanto deixamos de lado qualquer posição em relação à psicose concernindo-a o
valor de déficit ou deficiência. Estamos justamente sustentando a idéia de que as
manifestações dos psicóticos dizem respeito a uma posição de sujeito.
Também abordamos o campo da fala e da lalangue na psicose. Não estamos
com isso afirmando que lalangue é específico da psicose. Nossa proposta consistiu-se
83
em trabalhar com o conceito de lalangue e os efeitos de sua apropriação para com
isso apresentar lalangue como uma possibilidade de trabalho analítico com a psicose.
Nossa tese é a de que a fala que o serve à comunicação pode direcionar um
trabalho clínico, viabilizando a instauração do laço social. Disso tivemos o
testemunho clínico com a invenção da língua Donald.
Também tratamos sobre o tema de uma direção de trabalho institucional a partir
de duas instituições, a saber, o Núcleo de Assistência Intensiva à Criança Autista e
Psicótica (NAICAP) e o Centro de Atenção Psicossocial Pequeno Hans. No
NAICAP o trabalho recebeu a nomeação de prática entre vários, e no CAPSi a
nomeação sofreu modificações com o tempo, sendo primeiramente, clínica-dia
como extensão espácio-temporal e estrutural do dispositivo psicanalítico,
posteriormente, dispositivo psicanalítico ampliado na clínica institucional pública
do autismo e da psicose infantil, em seguida, psicanálise com muitos, sendo
atualmente, psicanálise coletiva.
A partir da apresentação das formulações relacionadas ao NAICAP e ao CAPSi
Pequeno Hans pudemos circunscrever algumas balizas que direcionam uma trabalho
institucional no qual participa toda a equipe, seja analista ou não-analistas (médico,
musicoterapeuta, assistente social, enfermeiro, técnico de enfermagem).
Assim a instituição não é a sala de espera do analista. Os não-analistas da
equipe não são recreadores que seriam responsáveis pelo entretenimento enquanto o
atendimento individual com a analista não acontece.
Todos, e cada um, da equipe estão envolvidos e implicados no tratamento de
cada criança e adolescente no serviço de saúde mental. A tarefa que se coloca é
justamente de como se fazer parceiro do psicótico na tarefa que ele já realiza de tratar
seu Outro louco. Tarefa nada simples, nada fácil, mas da qual cada um da equipe não
pode recuar.
O dispositivo da supervisão se faz importante para os momentos de impasses e
de dificuldades em que cada um da equipe poderá falar e assim dar seu testemunho
do trabalho que uma determinada criança ou adolescente está construindo. Assim se
constrói estratégias e manejos para lidar com esta determinada criança ou
adolescente tendo em vista o trabalho já realizado por ela. É assim que se estrutura
uma direção de trabalho institucional.
Também neste capítulo apresentamos um trabalho clínico realizado numa
instituição com uma criança e sua mãe. Sobre ele afirmamos que pudemos
84
testemunhar os efeitos clínicos do trabalho desta menina com lalangue. Do lado de
sua mãe não foi possível endereçar a sua filha uma mensagem particularizada, o que
não foi sem consequências. Lalangue deriva dos aluviões inscritos no corpo a partir
da fala materna, mas esta fala materna não pode ser endereçada à Leci em sua
singularidade.
Leci não pode subjetivar estes significantes provenientes do campo do Outro.
Quando não subjetivação percebemos que a enxurrada de significantes inscritos
no corpo pode ser da ordem do horror, inclusive quando este corpo está à mercê do
gozo do Outro, como no caso da menina, Leci.
Foi com Vera e Leci que testemunhamos que esta fala que não serve à
comunicação nem ao endereçamento quando pode vir a ser compartilhada e
subjetivada traz conseqüências positivas para o laço social. E é claro que o desejo do
analista é a mola propulsora para que este trabalho se realize.
E mais uma vez destacamos que num trabalho psicanalítico com crianças é
imprescindível a escuta dos responsáveis e sobre isso, também, Vera e Leci nos
deram testemunho.
É interessante apontar como o trabalho institucional pode operar como uma
estratégia importante no trabalho que Leci já chegou empreendendo de regular seu
Outro louco.
Neste trabalho clínico destacamos o enquadre institucional e a relação de Leci
com lalangue.
No decorrer deste tempo de pesquisa esta foi a trajetória que nos foi possível
trilhar, agora, no mestrado, a partir de nosso encontro com o real da clínica. Pudemos
circunscrever um percurso de trabalho que nos permitiu alguns avanços conceituais,
e até mesmo um reposicionamento na direção de trabalho clínico.
Neste tempo de concluir a dissertação podemos afirmar que avançamos em
algumas questões, mas outras ficam em aberto para um trabalho futuro. Uma delas
diz respeito ao gozo vocal na clínica das psicoses pensando sobre a posição destes
sujeitos que não fazem uso da fala e a sua relação com o gozo. Desta questão resulta
uma outra que se refere às implicações do ato de falar para o sujeito psicótico, dito de
outro modo, o que faz um sujeito falar? Outro ponto que merece aprofundamento diz
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