por isso mascara a feição poética que é própria a ela, nas palavras finais que a
definem em cristais “de luz marinha”, até porque a secura solar dos seus versos não
divide com a autora de Dia de Mar a preferência pelo elemento aquático.
Mas a influência de Cabral não escapa a Eugênio de Andrade quando
nota que “Ela vinha de Pascoaes, dos românticos ingleses (toda a vida foi fiel a
Byron), dos românticos alemães, particularmente Hölderlin e Rilke. (...) encontrou
Camões no seu caminho, e Pessoa (ou, se preferem, Ricardo Reis) e o brasileiro
João Cabral”, e foi a autora “dos mais notáveis poemas da Revolução de Abril”
.
Na descrição de Eduardo Lourenço, Sophia é apresentada “Não alheia,
mas aquém ou além da história, intensamente imersa na Natureza. De que é
incandescente musa e sílfide”
, e desponta para a poesia ao decorar os versos da
Nau Catarineta, aos quatro anos de idade. De família aristocrática com raízes
escandinavas, nasceu no Porto a 6 de novembro de 1919, e ainda permanece pouco
conhecida no Brasil fora do círculo restrito das atividades acadêmicas.
Num volume intitulado The uses of poetry (1978), Denys Thompson faz
um estudo da utilização da poesia desde os tempos mais remotos. Na obra, o autor
discorre sobre o emprego da lírica como instrumento na vida diária pré-tecnológica
, e aqui estamos falando de antes de Gutenberg e até mesmo dos copistas
medievais. Nessa tradição, a arte do verso estava ligada a uma condição de
imanência que a unia ao mundo real, longe das proposições romântico-metafísicas
que surgiriam séculos depois e relacionaram a poética com um universo onírico e
diáfano, numa identificação que ainda se mantém diante do senso comum nos dias
de hoje. A poesia era parte da vida diária, instrumento necessário à memorização,
guardadora da tradição, da faina, do conhecimento. É dessa poesia que Sophia
trata, o poema necessário, não o diáfano, mas o que se forma nos interstícios da
vida, pois segundo ela:
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi
sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro
do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da
luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma
relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente
levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa
com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é
logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. (...) O artista
não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto de uma torre de
ANDRADE, Eugênio. Saudades de Sophia. In: Relâmpago. n. 9-10, p. 94-95, 2001.
LOURENÇO, Eduardo. Com Sophia no país dos sovietes. In: Relâmpago, n. 9-10, p. 90-91, 2001.
THOMPSON, Denys. The uses of poetry. Cambridge: Cambridge University Press, 1978.