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EixoMonumental
A
A IdentidadedoEixoMonumental1957-2007
permanênciasetransformaçõesanalisadas
pormeiodosvaziosurbanos
UniversidadedeBrasília
Faculdadede ArquiteturaeUrbanismo
ProgramadePós-graduação
AnaCarolinaCanutoCoelho
Brasília-DF
Orientadora
Profª.Drª. AnaElisabetede AlmeidaMedeiros
Brasília,Maiode2009
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Ana Carolina Canuto Coelho
A IDENTIDADE DO EIXO MONUMENTAL 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Elisabete de Almeida Medeiros
Brasília, maio de 2009
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Universidade de Brasília
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
Mestranda: Ana Carolina Canuto Coelho
Dissertação defendida em 14 de maio de 2009 perante a banca examinadora
constituída pelos seguintes professores:
______________________________________________
Profª. Drª. Ana Elisabete de Almeida Medeiros, UNB
______________________________________________
Profº. Drº. Andrey Rosenthal Schlee, UNB
______________________________________________
Profº. Drº. Neio Campos, UNB
______________________________________________
Profº. Drº. Benny Schvasberg, UNB
Dedico este trabalho ao meu pai: Edo, pois o que sou, foi por meio de seu
eterno incentivo!
A Eduardo, por sua dedicação, amor e por dar a nossa relação sabor e
harmonia.
A Júlia e Gabriela, minhas grandes alegrias.
Agradecimentos
Por trás de um trabalho que se exigiu muita dedicação, ao mesmo tempo em
que, pela segunda vez, relembrei a alegria de ser mãe, deparei-me com gratas
surpresas e confirmações de grandes amizades, que ajudaram a realizar e
tornar esta dissertação mais suave. Obrigada a todos aqueles que me
apoiaram.
- Primeiramente a Deus, grata por tudo.
- Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- CNPq pelo
apoio dado à pesquisa;
- À professora Ana Elisabete Medeiros, orientadora, incentivadora, sempre
presente, pela credibilidade, persistência, zelo e grande amizade.
- Ao professor Neio Campos, dedicação, apoio, entusiasmo, contribuição desde a
qualificação, incentivo e sincera amizade.
- A Carlos Madson, o responsável de minha entrada no mestrado, mas também por
suas palavras, que me ajudaram a vencer esta etapa.
- A Luiz Carlos Teófilo, a quem neste momento tive a grata surpresa de conhecer,
pelo seu grande e valiosíssimo apoio, a quem eu tenho uma admiração.
- A Alexandre Maestrali, pelas palavras de apoio, suporte, conforto, pela atenção e
amizade.
- A Gertudres Rolim, pelos mapas e imagens, sobretudo pela dedicação,
fidelidade, aconchego, não poderia ter fechado esta dissertação sem apoio desta
amiga tão presente.
- A Eduardo que se mostrou um grande companheiro e que de fato participa de
tudo na minha vida!
- A Luciana Pessoa pelo cuidado de amiga e ajuda de imagens.
- A minha família sempre muito presente.
- Ao Arquivo Público pelo material gentilmente cedido.
- Ao Cediarte, pelas tardes compartilhadas entre busca de livros e local de estudo.
- A Raquel sempre muito prestativa, João, Júnior e a toda coordenação da Pós-
graduação.
SUMÁRIO
Resumo 03
Introdução 05
Parte 1. Identidade(s): Leituras Associativas? 13
Capítulo 1. Patrimônio Cultural: expressão de
qual(is) identidade(s)?
14
Capítulo 2. Modernidade: permanências e
transformações identitárias.
21
Capítulo 3. Identificando o Urbanismo
Modernista: o vazio urbano em
questão.
28
Parte 2. Modernidade, tradição, identidade Uma
perspectiva nacional.
46
Capítulo 4. A Equação Modernista: ser
moderno = ter uma tradição.
47
Capítulo 5. Urbanismo Modernista Brasileiro
Lucio Costa e os Antecedentes de
Brasília.
57
Capítulo 6. Brasília: patrimônio cultural -
identidade modernista e nacional?
67
Parte 3. Eixo Monumental: Permanências e
Transformações em 3 Recortes Temporais
80
Capítulo 7. 1957 – O Eixo Projetado 81
Capítulo 8. 1987 - O Eixo Tombado 107
Capítulo 9. 2007 - O Eixo Vivenciado 119
Considerações Finais 134
Bibliografia 145
Lista Mapas
Mapa 1. Delimitação 78
Mapa 2 1957 – O Eixo Projetado 97
Mapa 3. 1960 – O Eixo Inaugurado 131
Mapa 4 1987 - O Eixo Tombado 132
Mapa 5. 2007 - O Eixo Vivenciado 133
Mapa 6. Eixo e Negações 140
Mapa 7. Eixo Projetos e Negações 141
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
3
RESUMO
A cidade e o território se constroem, ao longo do tempo, a partir do jogo entre
permanências e transformações. Em um tio tombado, a questão da preservação da
memória e da identidade confere regras especiais a este jogo: as permanências
parecem levar vantagem sobre as transformações. No contexto desta reflexão, o ano
de 2007 corresponde às comemorações dos 50 anos do Concurso do Plano Piloto
para a Nova Capital, dos 20 anos de inscrição na Lista do Patrimônio Mundial da
UNESCO e do centenário de Niemeyer, Brasília revela-se importante objeto de
análise. Portanto, é a partir de um olhar crítico sobre esta cidade e, mais
especificamente, o Eixo Monumental (da Praça dos Três Poderes aos limites da
Plataforma Rodoviária) que se define o objetivo desta dissertação: discutir a identidade
através das permanências e transformações tendo o vazio urbano - na qualidade de
elemento de construção da identidade modernista a ser preservada - como ferramenta
de pesquisa. Para tanto, o trabalho encontra-se estruturado em três partes.
Primeiramente debate-se identidade em relação aos conceitos de patrimônio,
modernidade e urbanismo. Em seguida, o texto traz à tona o vazio urbano como
instrumento de construção por meio de leituras no campo urbanístico brasileiro e
patrimonial. E empreende-se a análise da identidade entre saldo de permanências e
transformações por meio da leitura do vazio em 3 momentos: 1957, 1987 e 2007. Por
fim, com base nestas constatações, as considerações finais conduzem ao
entendimento a respeito da identidade do Eixo Monumental que tem como elemento
de investigação os vazios urbanos. Se o campo do urbanismo requer um incessante
movimento crítico, esta dissertação busca contribuir neste sentido explorando
heranças teóricas e superpondo temporalidades e espacialidades.
Palavras chaves: identidade, vazios, modernidade.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
4
ABSTRACT
The city and the landscape are built, throughout the time, from the interactions between
transformations and continuities. In a registered historic site, questions linked to the
preservation of the memory and the identity give especial rules to this game:
continuities seem to gain advantage over transformations. In this context, as the year
of 2007 represents not only the 50th anniversary of the Pilot Plan for the New Capital,
but at the same time the 20th anniversary of its inclusion in the UNESCO’s list as a
world patrimony and the 100th anniversary of Niemeyer, Brasilia reveals itself an
important point of analysis. Therefore, we define the intent of this dissertation
observing this city in a critic way, and more specifically, its Monumental Axis (from the
Three Powers Square till the Bus Terminal Platform): discuss the identity by means of
the continuities and transformations but at the same time we do have the urban void
as a construction element derived from the modernist identity to be preserved like a
tool of research. Our study has three parts. Firstly, we discuss the identity and its
relation with the patrimony, modernity and urbanism. Consecutively, our text reveals
the urban void as a construction tool through some readings of the brazilian urbanistic
field. At last, we analyze the identity which appeared as a result of continuities and
transformations by means of the study of the void in 3 moments: 1957, 1987 and 2007.
At last, our final considerations enable a better understanding of the Monumental Axis,
which works with the urban voids as a research tool. If the city planning field requires a
permanent movement, this dissertation seeks to contribute in this way since we explore
theoretical heritages and we superpose temporalities and spacealities.
Keys words: Identity, voids and modernity.
foto:marcosrebouças
Introdução
Introdução
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
6
O atual conceito de patrimônio cultural constitui um instrumento de memória e
valorização de bens tangíveis e intangíveis, como se define na Constituição Brasileira
de 1988, artigo 216, seção II, da Cultura
1
. Na verdade, a “cultura” parece estar em
toda parte, não importa aonde se vá: fala-se de patrimônio cultural, políticas culturais,
antropologia da cultura, sociologia da cultura, turismo cultural e identidade cultural. Ou
seja, não é apenas na prática preservacionista que se observa o fenômeno da
valorização do termo “cultura”, que vem substituir a já consagrada definição de
“patrimônio histórico e artístico nacional” pela de “patrimônio cultural”. Todavia, aqui,
no campo da preservação, mais do que em qualquer uma das outras áreas de
conhecimento, a idéia de cultura encontra-se intimamente ligada àquela da identidade.
Em outras palavras, como bem o demonstraram Fonseca (1997), Medeiros (2002)
entre outros autores, a construção social do patrimônio está intrinsecamente
associada, ao longo do tempo e independente do recorte espacial, à idéia de
identidade, que nos distingue de outros povos. À época da institucionalização da
prática preservacionista no Brasil, na década de trinta do século passado, a identidade
que se buscava representar ou forjar, por meio do tombamento
2
de bens móveis e
imóveis era a nacional, a brasileira. Depois de um primeiro momento de independência
política, ainda no século XIX, o Brasil dos anos trinta do século XX buscava, pela
primeira vez, uma identidade artística própria, ao mesmo tempo mbolo da
modernidade do então presente e da tradição do passado nacional. Não é à toa,
portanto, como afirma Santos (1992), que para o Movimento Modernista Brasileiro “ser
moderno era ser tradicional”.
De fato, a institucionalização do patrimônio no Brasil nasce em um contexto da
consolidação da arquitetura modernista. O patrimônio histórico e artístico nacional
caminhou, no Brasil, junto à expansão das idéias modernistas. De um lado, os
símbolos da nação, particularmente as expressões artísticas barrocas, passaram a ser
merecedoras de proteção tendo como princípio do fortalecimento da identidade
brasileira, a prática preservacionista. Do outro lado, o movimento modernista buscou
construir uma identidade nacional por meio do uso associado de formas e materiais
1
“Constituem Patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomado individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ão, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem: I formas de expressão; II- Os modos de criar, fazer e viver; III As criações
científicas, artísticas e tecnológicas; IV – As obras, objetos documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; V- Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”
2
O tombamento é um instrumento legal, aplicado por ato administrativo cuja competência é atribuída, pelo Decreto-lei
nº 25/37, ao Poder Executivo. Por meio do tombamento, o valor cultural do bem é reconhecido e se institui sobre ele
um regime especial de proteção, considerando-se a função social do mesmo.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
7
novos e tradicionais. De ambos os lados, entretanto, a questão da construção da
identidade brasileira esteve presente tanto no processo de edificação do patrimônio
histórico e artístico nacional, quanto da arquitetura e urbanismo modernistas.
A institucionalização do patrimônio cultural se constrói e reconstrói ao longo do tempo,
a partir do jogo entre permanências e transformações. É a modernidade quem
início ao debate em torno das transformações e permanências dos bens de uma
maneira geral e, particularmente, da cidade. Nesse sentido, em um sítio urbano ou um
imóvel tombado, a questão da preservação da identidade confere regras especiais ao
jogo entre permanências e transformações, as primeiras levando, grosso modo,
vantagem em relação às últimas. Ou seja, permanecem os bens que a prática
preservacionista reconhece como detentores de valores que os identificam, em uma
primeira instância, com um determinado momento histórico ou uma expressão artística
e, em seguida, com a Nação e, mais recentemente, com as esferas de representação
política em nível local, internacional e transnacional.
O caso é que os valores atribuídos pela prática preservacionista transformam-se ao
longo do tempo. Tanto é assim que, por um longo período, o recorte histórico de fins
do século XIX e início do século XX, no Brasil, tampouco a expressão artística do
ecletismo que lhe é correspondente, não foram reconhecidos, pela prática
preservacionista corrente, como representantes da identidade nacional. Da mesma
maneira, a identidade expressa na arquitetura e urbanismo modernistas foi
reconhecida como patrimônio, tornando-se objeto de políticas públicas específicas e
de criação e transmissão de valores na segunda metade da década de 80, com a
inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO
3
. É este
reconhecimento da arquitetura e urbanismo modernistas como patrimônio cultural que
acrescenta novas cores ao debate entre identidade, permanências e transformações,
à luz da prática preservacionista. Isso porque, se a idéia de preservar o patrimônio
pressupõe a salvaguarda de uma identidade modernista, de que identidade se trata? A
Brasília-patrimônio requer uma análise excepcional, uma vez que se transforma no
processo histórico por ser uma prática socialmente exercida e de se encontrar como
um bem que é contemporâneo.
Vistos estas implicações patrimônio cultural, identidade, permanências e
transformações, arquitetura modernista – o que se percebe é que a questão da
preservação hoje em dia, passa obrigatoriamente, pelo entendimento da identidade, e
3
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
8
adquire uma nova feição, quando se coloca no contexto modernista. A identidade no
moderno apresenta contorno diferenciado mutável no tempo, pelo próprio conceito
modernista. Se a prática preservacionista esteve sempre ligada a uma permanência
tradicional, como pensar em preservar uma identidade pertencente ao novo, passível
de transformações, na condição de moderno?
O espaço modernista é estruturado em elementos que se desvinculam dos
quarteirões, da rua corredor, da massa edificada, do passado dando lugar a percursos
amplos, à base verde sobre o contexto de uma cidade parque, ou seja, os vazios
urbanos. Quanto às experiências modernistas na Europa a partir do século XIX, a
cidade encontrava-se sufocada e precisava ser aberta a exemplo das transformações
e intervenções do Barão Haussmann nas ruas de Paris, onde os espaços públicos
eram dados o seu valor maior, reforçadas pelas inspirações teóricas em que a cidade-
jardim de Howard cederia lugar para os espaços verdes em vez dos edifícios das
grandes cidades; a cidade industrial de Tony Garnier onde as áreas não construídas
dariam lugar a parques públicos, da cidade linear de Soria y Mata, uma única via, mas
extensível com casas em meio a jardins.
Os vazios sejam eles formados por jardins, parques, praças, plataformas seriam,
então, o palco para a cidade exercer sua função moderna. Então o vazio é um
elemento estruturante da identidade modernista.
Estudar os vazios urbanos dentro de um conceito de modernidade, ainda não torna
essa pesquisa suficiente. A idéia se desenvolve juntamente com o reconhecimento
das permanências que se deseja manter e nos atributos disponíveis para
transformação no local de estudo.
Falar de identidade modernista significa focar a cidade de Brasília como expressão
máxima. Muitas leituras sobre essa cidade vêm sendo realizadas: a
monumentalidade
4
, o zoneamento das funções, a análise do assentamento sobre
pilotis mesclados de terraços-jardim ou a concepção de espaço onde exterior e interior
que se interpenetram
5
serviram como instrumentos de análise
6
. A abordagem aqui
4
MARQUEZ, Mara Souto. A Escala Monumental do Plano Piloto de Brasília. Dissertação de Mestrado. FAU-UNB.
Dez/2007. Analisa as etapas de composição e concepção do Eixo Monumental por Lucio Costa, Oscar Niemeyer e
outros arquitetos que atuaram neste local, sob o ponto de vista do significado da Monumentalidade.
5
HOLANDA, Frederico. O Espaço de Exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. Estudo Analítico e
comparativo com outras cidades onde é verificado espaços de exceção. Aborda o Eixo Monumental usando
conceitos de formalidade e urbanidade, empregando a sintaxe espacial para se estudar a realidade morfológica de
Brasília e tem como estudo de caso entre outros, o Eixo Monumental.
6
Ver, entre outros, os trabalhos de: BARKI (2006), COSTA (1991), COSTA (1995), GOROVITZ (1985), MEDEIROS
(2007), SCHLEE e DONATO (2007).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
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pretendida se volta para a noção de Brasília como um vazio – o vazio da pré-
existência, do planalto central de onde surge a cidade ex-nihilo. Que o projeto de Lucio
Costa transforma em Brasília, vazios de áreas verdes ou plataformas em relação aos
quais dialogam os elementos arquitetônicos. Brasília com vazios apropriados pela
população que vive a cidade e dela participa. Brasília como objeto que deve
permanecer. Brasília tombada e Brasília vivenciada.
Como discutir a salvaguarda da cidade histórica e modernista partindo da premissa de
que a arquitetura e urbanismo, que lhes deram origem, estão fundamentados na
relação de volumes dentro de um vazio urbano que, com o tempo, altera-se?
Diante da questão levantada partiremos para delimitar a área de estudo e apresentar a
estrutura da dissertação na expectativa de contribuir com o debate acadêmico.
Em 1987, Brasília é definida como Área de Interesse Especial de Preservação,
reconhecida pela UNESCO, como Patrimônio Cultural da Humanidade
7
e juntamente
com as cidades satélites representam o Distrito Federal com mais de dois milhões de
habitantes, em 2007.
Assim, um primeiro recorte consiste em considerar, no âmbito deste trabalho, Brasília
como o Plano Piloto. Pretende-se, aqui, estudar os vazios na obra de Costa que, no
caso em questão, são notados nas quatro escalas da cidade: bucólica, residencial,
gregária e monumental. A escala monumental, que se localiza no Eixo leste-oeste
representa, mais do que qualquer outro lugar em Brasília, a questão dos vazios como
elemento estruturante da urbanística moderna, no uso da delimitação e hierarquia dos
espaços. Daí o segundo recorte: em meio ao Plano Piloto e a totalidade das quatro
escalas, elege-se, no âmbito desta reflexão, a escala monumental - o Eixo leste-oeste.
Ainda assim, a seleção do Eixo Monumental como estudo de caso revela-se
demasiadamente ampla e exige um terceiro e último recorte: a leitura dos vazios no
Eixo Monumental, delimitada espacialmente da extremidade leste, onde se localiza a
Praça dos Três Poderes seguindo em direção oeste com a Esplanada dos Ministérios
e Setor Cultural, até a área central, nos contornos da Plataforma Rodoviária.
7
A área destacada como Patrimônio da Humanidade, conforme afirma KOHLSDORF (2004): “coincide com o sítio
concursado em 1957, e é significativa no cenário cultural do séc.XX porque expressa a genuinidade do Movimento de
Arquitetura Moderna. A capacidade evocativa foi critério importante para escolha do Plano de Costa no referido
concurso, pois se destacava pela expressão de uma idéia clara de capital. Possíveis virtudes funcionais,
bioclimáticas e econômicas foram coadjuvantes nessa eleição, e não se sobrepujavam ao valor de representarem do
projeto selecionado. Logo, do ponto de vista da preservação de um patrimônio cultural, importa o papel simbólico do
Plano Piloto.” E esta delimitação prévia, como Plano Piloto que foi eleito como objeto de estudo.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
10
Dentro deste contexto, ressalta-se a apropriação dos princípios universais modernistas
por Costa em seus projetos, proporcionando uma releitura de feições ou
características locais que têm como paradigma o Plano Piloto de Brasília.
Diante das questões aqui levantadas e das definições espaciais, a pesquisa será
estruturada, em termos temporais, em três recortes: Eixo Monumental projetado em
1957, tombado em 1987 e vivenciado em 2007.
Considerando que no campo do urbanismo, o debate torna-se incessante, a
dissertação busca ampliar mais ainda a discussão temática, a partir da generalidade e
especificidade.
Primeiramente, o objetivo geral concentra-se em analisar o saldo entre permanências
e transformações do Eixo Monumental, (Praça dos Três Poderes até a Plataforma
Rodoviária), procurando refletir sobre sua identidade por meio dos vazios urbanos, ao
longo dos recortes temporais significativos: 1957, 1987 e 2007.
Assim, o desafio foi lançado: frente às possibilidades analíticas e de leituras que o
tema e objetivos envolvem, a dissertação foi estruturada em três partes.
A primeira parte, IDENTIDADE(S). LEITURAS ASSOCIATIVAS, aborda elementos
conceituais de identidade associados a três capítulos. O primeiro capítulo, Patrimônio
Cultural: expressão de qual(is) identidade(s)? Em se tratando do patrimônio cultural
como processo moderno aqui será avaliado as diversas identidades preservadas pela
prática preservacionista: nacional, elitista, edilícia, material, tradicional, local, global,
democrática, urbana, modernista e mesmo imaterial, bem como aquela advinda da
apropriação por parte da população. O segundo capítulo: Modernidade:
permanências e transformações identitárias discute o conceito de modernidade
através de características de mudança, permanências e busca incessante do novo e
da relação entre identidade modernista e preservação. O terceiro capítulo:
Identificando o Urbanismo Modernista: o vazio urbano em questão apresenta
uma visão geral do espaço até chegar aos vazios urbanos como expressão
modernista.
A segunda parte desta dissertação, MODERNIDADE, TRADIÇÃO, IDENTIDADE
UMA PERSPECTIVA NACIONAL faz uma releitura dos conceitos de urbanismo
modernista em três capítulos, a saber: o quarto capítulo, A Equação Modernista: ser
moderno = ter uma tradição abrange uma visão da construção da identidade
modernista no Brasil, sob o discurso nacionalista, de valorização do passado nacional
e de um contexto de patrimônio cultural. O quinto capítulo, Urbanismo Modernista
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
11
Brasileiro – Lucio Costa e os Antecedentes de Brasília procura conhecer as
referências tanto as nacionais como internacionais, do urbanismo modernista de Costa
e como os vazios são utilizados na fase que antecede o Projeto do Plano Piloto. O
sexto capítulo finaliza a segunda parte com o tema: Brasília: patrimônio cultural
identidade modernista e nacional? Questiona-se qual identidade foi atribuída por
ocasião do tombamento pela UNESCO ao Plano Piloto de Brasília e o que levou à
inscrição da capital na Lista do Patrimônio Mundial.
A parte 3, EIXO MONUMENTAL: PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES EM 3
RECORTES TEMPORAIS, procede-se a análise da identidade do Eixo Monumental,
em três recortes temporais, utilizando como ferramenta, os vazios, avaliando as
permanências e transformações. O sétimo capítulo, 1957 O Eixo Projetado
configura o projeto idealizado. Neste primeiro recorte, o foco de estudo inicia-se com o
projeto entregue para o concurso, até o dia da inauguração, em 1960, levantando as
primeiras modificações no projeto quanto aos vazios urbanos e questionando a
expressão identitária. No oitavo capítulo, 1987 O Eixo Tombado é caracterizado
pelas transformações na identidade logo após inauguração, por ocasião da revisita de
Costa e tombamento como patrimônio histórico e artístico nacional e inserção na Lista
do Patrimônio Mundial da UNESCO. A formação do Grupo de Trabalho para a
Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília – GT/ Brasília, caracterizou-
se como primeira tentativa de preservação do Conjunto Urbano da cidade,
incorporando os vazios como elemento estruturador que se relaciona com a
apropriação por parte da população.
O tombamento acontece depois de 30 anos de inauguração, preservando as
características volumétricas e espaciais que compunham as escalas do Plano
Urbanístico, vazios como obra de arte acabada do modernismo e não mais como
propunha o GT Brasília, prevalecendo as recomendações de seus idealizadores.
Com o tombamento, ampliam-se as questões sobre identidade dos vazios e prática
preservacionista. Que identidade foi preservada? Quais as primeiras permanências e
transformações que alteram a identidade de seus vazios?
2007 O Eixo Vivenciado é o nono capítulo e caracteriza-se por ocasião do
centenário de Oscar Niemeyer, representado por uma Brasília contemporânea,
tombada em nível federal e em pleno crescimento. Como se define a identidade dos
vazios neste último recorte?
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
12
Após o balizamento dos recortes temporais, foram elaborados mapas correspondentes
a cada recorte, como forma de acompanhar as edificações adicionadas ao Eixo e, a
partir destes, avaliar a configuração dos vazios.
E por fim, as considerações finais trazem o saldo entre transformações e
permanências dos vazios urbanos no Eixo Monumental e ainda levanta
questionamentos desse espaço após 2007, que vem se tornando cenário de novos
projetos de autoria de Oscar Niemeyer. Aos vazios do Eixo Monumental somaram-se
25 projetos
8
de Oscar Niemeyer, considerando os ministérios como projeto
multiplicador, que não entraram nesta contagem. O arquiteto continuaria a elaborar
novas propostas, alguns destas submetidas a revisões, outras que acabaram
arquivadas e ainda as que aguardam sua execução. Todavia questionamentos foram
levantados por parte da população, sobretudo sobre os projetos previstos para os
vazios urbanos, que do projetado ao consolidado vem ganhando novos sentidos, entre
vazios universais, de princípios modernistas, transformados e passíveis de
preenchimento, àqueles de significados ainda ausentes onde entra o conceito de
apropriação, como parte construtiva de uma identidade.
8
Dado obtido do Correio Brasiliense. Niemeyer 101 anos, 66 obras. Edição. 25 de janeiro de 2009
Parte1
Parte1
Identidade(s):LeiturasAssociativas
Identidade(s):LeiturasAssociativas
FotoRuiFaquini
14
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 1
11
1
PATRIMÔNIO CULTURAL: EXPRESO DE QUAL(IS) IDENTIDADE(S)?
Foto 1. Cúpula do Plenário. Congresso Nacional. Foto:
Sidineia Andreão.
Foto 2. Catedral de Brasília. Foto: Alexandre Wittboldt.
Foto 3. Esplanada dos Ministérios. Foto: Marcos
Rebouças.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 1
15
A palavra patrimônio etimologicamente significa “herança paterna”. Neste sentido se
fala de herança familiar
9
. A primeira linha de reflexão desenvolvida se volta para a
preservação da identidade da família, uma salvaguarda de bens que materializam
essa identidade.
Para Canani (2005) a continuidade de uma família ou tradição determina a
transferência da propriedade denominada como patrimônio familiar e do ‘status’
relativo a tal propriedade, de uma geração para a seguinte. Essa passagem acontece
na forma de herança de bens e inclusive de práticas sociais
10
. A propriedade, no
caso o patrimônio familiar, é uma criação social e para que ela se torne relevante para
o grupo é necessário a atribuição de um valor, socialmente construído e a existência
de normas que regulem a sua circulação e permanência, possibilitando a identificação
e uma rede de relações entre as pessoas.
Para Fonseca (1997), a delimitação do patrimônio na esfera pública se dá por meio da
atribuição de valores a determinados bens materiais e imateriais que passam a ser
reconhecidos “enquanto manifestações culturais e enquanto símbolosde uma Nação,
passando a ser merecedores de sua proteção, visando à transmissão para as
gerações futuras”. Trata-se da institucionalização de uma prática que se volta para a
preservação da identidade de uma Nação. E quando se fala da identidade de uma
Nação, refere-se ao patrimônio comum, ao que é nosso, uma identidade coletiva que
nos distingue de outros povos. A partir daí, denomina-se de patrimônio histórico e
artístico nacional, independente de seu valor histórico, artístico, etnográfico etc., o
valor que agrupa o conjunto de bens e é aquele que remete ao processo de
construção de identidade de uma comunidade – a identidade nacional.
O patrimônio como idéia de nação tem seu conceito estruturado no séc. XVIII, durante
a Revolução Francesa. “O histórico e o artístico assumem, nesse caso, uma dimensão
instrumental, e passam a ser utilizados na construção de uma representação de
nação”
11
. Segundo Fonseca (1997) é no final do século XVIII, que o Estado assume,
‘em nome do interesse público’, a proteção de bens específicos com a finalidade de
representar a nação, definindo-se assim, o conceito de ‘patrimônio histórico e artístico
nacional’.
9
ARJONA, Marta. Patrimônio Cultural e Identidade. Editora Letras Cubanas. Cuba, 1986, p.7.
10
CANINE, Aline Sapiezinskas Krás Borges. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n. 23, jan/jun 2005, p.
164.
11
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo trajetória da política federal de preservação no
Brasil. Rio de Janeiro. UFRJ: IPHAN: 1997, p.31.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 1
16
Em conformidade com o Decreto-Lei 25 de 30 de novembro de 1937 (artigo 1º) da
Constituição:
“constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens
móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico.”
Assim essa identidade se materializa nos bens imóveis (igrejas, casas, praças, sítios
urbanos), nos bens móveis (obras de arte ou artesanato); depois em locais dotados de
expressivo valor para a história, assim como as paisagens e as áreas de proteção
ecológica da fauna e da flora.
A definição de patrimônio é amplamente discutida por Medeiros (2002). Para ela é
preciso conhecer o processo evolutivo do termo ‘patrimônio’.
“(...) é no contexto da institucionalização do ‘monumento histórico’, na
tentativa de designá-lo, através do resgate do sentido primeiro do termo
‘patrimônio’, como o conjunto de bens pertencentes à Nação e herdados de
uma geração a outra, que emerge o conceito de ‘patrimônio histórico e
artístico nacional’ ou de patrimônio histórico [grifo da autora].”
12
“(...) é o período que se segue à II Grande Guerra que traz consigo, a partir
de uma nova perspectiva dos encontros internacionais, que se constrói ainda
à sombra dos escombros e no ritmo das transformações político-econômicas
e culturais do pós-guerra, o início do processo de construção do ‘patrimônio
cultural’ tal qual nós o entendemos hoje, ‘patrimônio mundial, cultural e
natural’. (...) A definição de ‘patrimônio cultural’, na medida em que se propõe
a garantir os ‘direitos culturais’, transcende as fronteiras nacionais e vai além
dos projetos de construção e legitimação do Estado-Nação.”
13
Diante disto, temos outra ordem de reflexão, a identidade antes limitada a uma
dimensão nacional obtém novos significados, pois de acordo com Medeiros (2002) é a
partir da segunda metade do século XX, que a prática preservacionista se em três
níveis: o internacional, o nacional e o local. De fato, a autora demonstra que, a partir
da criação da ONU – Organização das Nações Unidas - e da UNESCO – Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura a institucionalização do
12
MEDEIROS. Ana Elisabete de Almeida. Materialidade e Imaterialidades Criadoras: o Global, o Nacional e o
Local na Construção do Patrimônio Mundial: o Bairro do Recife como Caso. Tese (Doutorado). Universidade de
Brasília, Brasília, 2002, p.35.
13
Ibid., p.45.
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17
patrimônio passa da esfera nacional à internacional chegando, no final do século XX,
ao nível local e regional. Trata-se de um processo social de construção de uma
identidade internacional e também nacional e regional por meio de patrimônios
culturais - não mais patrimônios históricos e artísticos nacionais – expressos material e
imaterialmente.
E tanto é assim que, pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o
artigo 216 dispõe que esse patrimônio é constituído:
“pelos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais
e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.
A construção social do patrimônio histórico e artístico nacional restrita anteriormente
ao Estado, a partir dos anos sessenta acrescenta novas visões com as construções
sociopolíticas, como é o caso do MERCOSUL - Mercado Comum do Sul. Este
processo de integração cultural, econômica e política foi iniciado por Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai. O MERCOSUL Cultural visa a integração social e cultural, para
além dos fenômenos econômicos com vistas a uma aproximação identitária, entre as
populações dos quatro países.
O patrimônio no MERCOSUL Cultural é caracterizado pela diversidade da cultura do
países integrantes, através de uma identidade globalizada, que por sua vez busca na
diversidade a unidade, como elemento que resgata e integra culturalmente
14
a
trajetória histórica em meio à valorização do patrimônio intangível constituído por
idiomas, tradições e costumes.
E este patrimônio cultural ‘globalizado’ é constituído por uma grande quantidade de
contribuições, seja pela cultura pré-colombiana das heranças européias, como
também da África e Ásia que “têm produzido surpreendentes formas de mestiçagem”
definindo uma fisionomia peculiar que devemos assumir positivamente como fator de
fortalecimento de nosso patrimônio comum.” (Cury, 2004: p. 360).
14
Conforme preconiza o documento do MERCOSUL (1997), integração é visto como “intercâmbio e a
complementaridade de partes distintasentre os países integrantes, sem a idéia de uniformizar os povos em um
único modelo cultural, visto aqui como o termo de globalização, ou seja, a tentativa é que o patrimônio cultural
regional seja um conjunto de contribuições. (Ver Cury, 2004, p. 360).
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A descentralização nacional da prática preservacionista no Brasil, a partir dos anos
setenta é reforçada pela criação das primeiras regionais do IPHAN e das primeiras
listas do patrimônio local. Enfatizado pela crise da preservação de pedra e cal
15
,
através de apelos por uma renovação do preservacionismo federal e da criação de
diversas instituições municipais, responsável pelo deslocamento do eixo de proteção
ao local.
Ao lado das propostas que surgiram nessa época junto ao IPHAN, esse período foi
marcado pelas reivindicações dos governos estaduais e municipais, dos habitantes de
centros históricos tombados para a ampliação dos conceitos e de administração do
patrimônio. Com a criação do Centro Nacional de Referência Cultural - CNRC em
1975, novas tendências de políticas de preservação seriam praticadas e o patrimônio
além da pedra e cal passaria a ser objeto de tombamento (Ver Fonseca, 1997). Sobre
este período cabem as palavras de Medeiros (2002: p. 168):
“De qualquer maneira, aqui, estabelecido o alicerce, sobre o qual se erguem
os pilares e vigas, e abertas portas e janelas, ‘a construção em pedra e cal do
patrimônio culturalideologicamente se termina. O que o significa o fim da
construção do patrimônio brasileiro, tampouco o ponto final no ‘Tombo’, o
primeiro livro da memória e do esquecimento. Ambos os processos
encontram continuidade mais à frente. O que muda é que ao ‘Tombo se
acrescenta o ‘Registroe que a construção do patrimônio cultural se faz, a
partir de então, em ‘pedra e cal e diversidade cultural: do material ao
imaterial’.”
Sob esse ponto de vista, conclui-se que a prática preservacionista sempre esteve
associada a uma questão de identidade. O que se quis e o que se quer preservar é
sempre uma identidade, seja ela familiar, nacional, internacional, local ou regional.
Mas, o fato é que a identidade é múltipla, sujeita às alterações e diversas
representações materiais e imateriais ao longo do tempo.
Se a identidade significa forma adquirida historicamente, o conhecimento sobre o
tempo e espaço a que ela se refere, possibilita o entendimento de que expressão se
trata. De acordo com esta afirmativa, Hall (2005) acrescenta que o tempo e o espaço
são como “coordenadas básicas” de sistemas de representação e que diferentes
épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas de espaço-
tempo.”
16
15
Pedra e cal, que se refere aos sítios arquitetônicos, às edificações.
16
HALL. Stuart. A identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p.70.
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19
Assim, a relação patrimônio e identidade se complexifica com o passar do tempo. Isso
se dá, primeiramente, para além da identidade arquitetônica, física (material), a qual
se soma uma identidade urbanística, paisagística, imaterial. Em um segundo
momento, a partir do caráter ambíguo e tênue que assume a noção de território, que
não pode mais ser entendido como um espaço físico bem definido, produto da
apropriação cultural e materialização da identidade cultural de um povo, como bem o
atesta o MERCOSUL ou os novos poderes locais e globais que diminuem o papel do
Estado Nacional. Depois porque a questão da identidade passa, recentemente, pela
questão da legitimidade, do (re)conhecimento ou apropriação popular.
De fato, se a identidade é múltipla - individual, social, cultural, local, nacional - ela
compreende processos de permanência e de mutabilidade e sua construção, quando
observada a partir do ponto de vista da prática preservacionista, implica em
transformações que variam ao longo do tempo.
De acordo com Mourão & Cavalcante (2006: p.146), entende-se por apropriação um
processo dialético sujeito/objeto (material, urbano, móvel ou imóvel ou expressão
material) onde se observa uma transformação mútua ou, em suas próprias palavras:
Através da apropriação, o ser humano dialoga com o ambiente e sua identidade vai
se construindo ao mesmo tempo em que ele contribui para a construção ativa do
contexto.”
A partir dos anos setenta, no Brasil, no rastro do processo de redemocratização do
país, a prática preservacionista passa a exigir legitimidade por meio da
descentralização e da participação, cada vez maior, dos diversos atores da sociedade
no processo de construção de uma identidade local, nacional e também internacional e
regional alicerçada, entre outros, no que Huyssen
17
vai chamar de redenção pela
memória. Nesse contexto, a questão da participação surge como indissociável do
processo de apropriação. Entende-se que a apropriação representa papel fundamental
na relação patrimônio cultural e identidade, ou seja, o “apropriar”, no discurso
patrimonialista, é sinônimo de preservação e conseqüentemente definidor de uma
identidade. Conforme Gonçalves (1996)
18
identidade e memória de uma nação é o
esforço de restabelecer ou defender a continuidade e integridade de um espaço por
sua história, entendidas como um conjunto de práticas de apropriação e de
salvaguarda de um bem.
17
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano,
2000.
18
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda. Os discursos do patrimônio cultural do Brasil. Rio
de Janeiro: Editora UFRJ / Ministério da Cultura / IPHAN, 1996.
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20
Mas, a questão “patrimônio cultural: expressão de qual(is) identidade(s)?” torna-se
ainda mais complexa quando se depara com o reconhecimento, a partir dos anos
oitenta do século passado, das expressões modernistas como bens patrimoniais.
Afinal, chega-se, então, a uma identidade que ultrapassa o debate entre o nacional, o
internacional, o local, o regional ou das formas (i)materiais de representação e
apropriação, se coloca para além da tradição e se alicerça no embate entre
permanências e transformações que se encontra por trás de conceitos como os de
modernidade, modernização e modernismo. Como, deste modo, preservar o
moderno?
É na tentativa de trazer repostas à relação entre patrimônio e identidade moderna, que
buscaremos, no capítulo que se segue, definições sobre a ‘Modernidade, suas
permanências e transformações identitárias’.
21
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 2
22
2
MODERNIDADE: PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES IDENTITÁRIAS
Foto 4. Vista do Congresso a partir da Praça. Foto:
Marcos Rebouças.
Foto 5. Escultura da Catedral de Brasília. Foto: Rui
Faquini.
Foto 6. Fachada Teatro Nacional. Foto: Marcos
Rebouças.
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22
Segundo Heynen o termo modernidade
“(...) refere-se às características típicas dos tempos modernos e à maneira
como esses recursos são experimentados pela pessoa: modernidade
defende que a atitude para com a vida é associada a um contínuo processo
de evolução e transformação, com uma orientação em direção a um futuro
que será diferente do passado e do presente.” (tradução nossa)
19
.
Para entender melhor o conceito, a autora define a palavra moderno a partir de três
momentos: o primeiro como o moderno presente ou corrente, oposto do que é
passado; o segundo como o novo em oposição ao velho; e o terceiro, surgido durante
o decorrer do século XIX, em que a noção do moderno possui uma conotação de
momentâneo, transitório.
Heynen ainda trata do significado de modernização atribuindo-lhe o sentido de
representar o processo de desenvolvimento social, de urbanização, de criação dos
Estados-Nação mais fortalecidos, dos avanços tecnológicos e de industrialização e
expansão capitalista no mercado mundial. Quanto ao conceito de modernismo são as
tendências culturais e artísticas que apontam para o futuro, como respostas
provocadas pela modernização e modernidade, atentando à mudança de ‘hábitos
cotidianos’, numa determinada data.
Curiosamente, a prática preservacionista é conseqüência da modernidade. Nasce na
contramão do processo de modernização, buscando permanências em meio a
transformações avassaladoras.
“A cidade finita, tal como chegou a existir na Europa ao longo dos quinhentos
anos precedentes, foi totalmente transformada, no lapso de um século, pela
interação de uma quantidade de forças técnicas e socioeconômicas sem
precedentes, muitas das quais emergiam pela primeira vez na segunda
metade do século XVIII.”
20
Convém neste caso, nos remeter ao século XIX, onde as intervenções do Barão
Haussmann, nas ruas de Paris, imortalizam aquele instante onde não restam pedras
sobre pedras, à exceção daquelas que, como ponto de fuga monumental para cada
nova artéria”
21
foram salvas por meio de uma prática preservacionista que buscava,
antes de tudo, assegurar permanências.
19
Ibid., p. 11.
20
FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 13.
21
BENÉVOLO, Leonardo. A história da cidade. São Paulo, Perspectiva, 1983, p.110.
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23
Ainda nessa época, contra a marcha inexorável do progresso, para Viollet-le-Duc
22
(1814 - 1879), de uma parte, a preservação via restauração estilística buscava garantir
a permanência, no tempo, do monumento a ser salvaguardado - ainda que em um
estado que poderia jamais ter existido. De outra parte, para John Ruskin
23
(década de
1860) o restauro romântico, através da visualização do monumento de forma natural,
permitindo uma degradação progressiva
24
, era a maneira de garantir a permanência
do edifício, ainda que em ruína.
Na primeira metade do século XX, o Movimento Moderno na arquitetura e no
urbanismo rompe com essas teorias e mesmo com aquela do vienense Camilo Sitte,
para quem a historicidade do processo de urbanização que transforma a cidade
contemporânea é assumida em toda a sua extensão e positividade”
25
. Sitte propõe
volta aos métodos do período medieval”
26
como forma de humanizar a cidade
contemporânea. Em contraposição, ao analisar o Plan Voisin (1925), de Le Corbusier
para Paris, percebe-se a revolução estética, pela qual passa o espaço urbano, a
cidade, o território, naquele momento. As transformações ultrapassam o campo das
permanências restritas a valoração de algumas edificações monumentais. É o
princípio da tabula rasa que nova configuração ao tecido urbano, assentado sobre
pilotis, dotado de terraços-jardim e composto de volumes libertos da rua-corredor,
organizados e interdependentes entre si, na concepção de um novo espaço onde
exterior e interior se interpenetram.
As expressões modernistas arquitetônicas e urbanísticas se assentam na idéia de
ruptura com o passado, do novo, do moderno, da modernidade, do modernismo e da
modernização. Como pensar, então, a identidade da arquitetura e urbanismo
modernistas que se quer salvaguardar, a partir dos anos oitenta?
Para Frampton (1997), a arquitetura modernista passou a simbolizar “a racionalização
dos tipos e métodos de construção e onde o acabamento do material e a forma do
22
VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. São Paulo, Ateliê Editorial, Coleção Artes & Ofícios, 2000.
23
RUSKIN, John. As pedras de Veneza. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Arquitetura como único meio de ligação
com o passado, pelo qual se deve a identidade.
24
Segundo Medeiros (2002), a preservação é discutida por Ruskin e Morris, na Inglaterra, contrapondo-se a idéia de
Viollet-le-Duc, na França. “É a doutrina da ‘reintegração estilística’, defendida por Viollet-le-Duc que se torna
hegemônica, pelo menos até as vésperas do século XX”. Entre Inglaterra e França, sobressai-se, no contexto
brasileiro, a idéia francesa.
25
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 182
26
GIEDION, Sigfried. Espaço, Tempo e Arquitetura. O desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo: Martins
Fontes, 2004, p. 802.
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24
projeto” visavam a otimização de uso. “O funcionalismo baseou-se (...) na redução de
toda a expressão à utilidade ou aos processos de fabricação”
27
.
O uso de modulações proporcionou ‘combinações e permutações possíveis’,
‘racionalismo estrutural’, pureza geométrica, estrutura de ferro e tecnologia do
concreto armado. A universalidade no uso dos recursos utilizava
“a técnica leve, os materiais sintéticos modernos e as partes modulares
padronizadas, de modo a facilitar a fabricação e a construção. Como regra
geral tendia à flexibilidade hipotética da planta livre, razão pela qual preferia a
construção baseada em esqueleto à alvenaria.”
28
No campo urbanístico, Frampton enfatiza ‘o princípio de regularização’ que começara
em Paris e se estenderia a outros países, com suas cidades abertas atravessadas
pelos tráfegos e dando lugar a grandes ‘bulevares cenográficos’
29
.
Segundo Giedion (2004), o urbanismo moderno utilizou as áreas de lazer como
objetivo de “cultivar o corpo e o espírito”. Em função disto, tais áreas são reavaliadas
na intenção de oferecer espaços livres apropriados e amplos por toda a cidade
moderna. Estes se configuram em locais verdes destinados ao esporte, aos parques
de bairros ou de cidades e às grandes zonas verdes protegidas no território. Nesta
concepção, considera-se o princípio de cidades-jardins e cidade-parque.
De acordo com Benévolo (1976), a cidade moderna abrangeria um único espaço que
compartilhasse funções variadas e “livremente distribuídas”. Camillo Sitte delineia a
cidade moderna, como ‘regularidade excessiva, simetria, formas abertas
30
. Na
arquitetura moderna Le Corbusier insere três elementos característicos: volumes
simples, superfícies definidas mediante as linhas, diretrizes dos volumes e a planta
como princípio gerador
31
. Sua proposta urbanística classificava as vias de acordo
com os tipos de tráfego, edifícios ligados e ‘imersos no verde’, escala grandiosa,
regularidade geométrica e monumentalidade
32
. O Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna CIAM, fundado em 1928, foi também responsável pela
27
FRAMPTON, Kenneth. História Ctica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. XI.
28
Ibid., p. 303.
29
A exemplo, Frampton descreve as cidades modelos: a industrial de Pullman (1885) com visão do transporte de
passageiros, a cidade-linear de Howard (1898), como “uma versão inglesa autônoma, limitada e provinciana” e a
cidade-linear de Soria y Mata como “regional, indeterminado e continental” que além de considerar o sistema de
transporte levava em conta os serviços básicos de água, luz, eletricidade e saneamento. Frampton (1997: p.22).
30
Benévolo, Leonardo. A História da Cidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. 4 ed, p. 356.
31
Ibid., p. 430.
32
Em 1926 Le Corbusier juntamente com Jeanneret publica um documento expondo os ‘cincos pontos de uma nova
arquitetura’: os pilotis, os tetos-jardim, a planta livre, a janela e a fachada livre.
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formalização do movimento moderno e seus ideais universais. Neste, Le Corbusier
apresentou seis pontos a serem discutidos: técnica moderna e suas consequências,
padronização, economia, urbanística, educação da juventude e “a realização:
arquitetura e o Estado”. Os CIAMs, como impulsor de uma arquitetura funcionalista
considerada sintética e racional, discutiram a relação entre os problemas urbanísticos
acima do tempo e os problemas sociais e políticos.
A Carta de Atenas de 1933, debatida no âmbito do IV CIAM discute a cidade analisada
como ‘Unidade Funcional’, entre os pontos levantados: a cidade e sua região devem
considerar a necessidade de espaços e ligações para o natural desenvolvimento de
suas funções, tratando sobre o conjunto social, econômico e político
33
. Tem como
diretriz as funções básicas do Urbanismo Moderno: habitar, trabalhar, circular e
recrear, sendo que:
habitação com amplas superfícies e o uso de recursos modernos na
construção;
trabalho com distâncias menores em relação à moradia e zoneamento dos
setores;
circulação diferenciadas de acordo com suas funções;
lazer como áreas verdes atendendo a objetivos definidos e mudança de
‘textura do tecido urbano’ com proporções adequadas;
A temática patrimonial é abordada como um item entre tantos outros, onde os edifícios
isolados e conjuntos urbanos devem ser salvaguardados. A importância é dada, ao
tema, desde a Carta de Atenas de 1931.
Desde então, até pouco tempo atrás, os bens patrimoniais reconhecidos eram
exemplares de um momento anterior aos processos de modernização, modernidade e
modernismo. Daí o porquê de, mesmo lidando com identidades múltiplas, a prática
preservacionista esteve sempre ligada à tradição, à idéia da permanência. Tentando
explicar melhor: uma igreja barroca, a despeito das múltiplas identidades que a
levaram ao tombamento (artística, histórica, nacional, etc.) foi e continua sendo a
expressão artística de um tempo anterior à idéia de modernidade. Pode-se admitir que
a igreja foi moderna, em determinado momento, no sentido de oposição a mesma
tipologia de construção do passado. Foi moderna, ainda, ou seja, entendida como
nova, em relação às antigas igrejas existentes. Mas, em nenhum momento se
pretendeu moderna, no sentido do transitório, do efêmero, na busca incessante do
33
Ver Cury, 2004.
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novo. Trata-se da materialização da identidade histórica, artística e nacional de um
tempo dado. Está ancorada, portanto, na tradição e, sob esse ponto de vista, apesar
da sobreposição das múltiplas identidades, o seu caráter intrínseco não pressupõe
mudanças e, sim, permanência.
Desta forma, entre permanências e transformações identitárias da modernidade, a
partir da segunda metade do século XVIII até a penúltima década do século XX, a
prática preservacionista baseou-se na idéia de permanência, da tradição. Dito isto e
voltando à questão da identidade, o que se reconhece e se quer preservar como
expressão identitária da arquitetura e urbanismos modernistas é, portanto e
fundamentalmente, a identidade funcionalista. Além do mais, por conta do paradigma
da universalidade e a despeito das discussões mais recentes do regionalismo crítico,
de Frampton (1997), ou da modernidade apropriada, de Fernandéz Cox
34
(1998), as
expressões modernistas são consideradas como destituídas de uma identidade
nacional, local que lhes seja própria. Mas como se estrutura esta identidade
funcionalista? Trata-se de uma identidade presente, em oposição a uma identidade
passada? Uma identidade nova, em detrimento de uma velha? Uma identidade que
não se fixa no tempo, posto que momentânea e transitória?
Afinal, ao contrário do que sucede com as obras tradicionais, a Catedral de Brasília,
por exemplo, foi moderna, atual, em relação às expressões artísticas do passado. Foi
moderna, nova, no momento da sua construção, em contraposição às antigas, velhas
manifestações arquitetônicas. Mas, ela foi moderna, ainda, porque se quis moderna,
efêmera, resposta a um momento transitório, diferente do passado, mas apontando
para o futuro. A planta livre, flexível, passível de modificações em função das futuras
necessidades denota esse espírito da modernidade. Ora, assim, ao contrário da igreja
barroca tradicional, o caráter intrínseco da Catedral pressupõe transformações.
Um mesmo tipo de raciocínio pode ser levado adiante em termos urbanos. Daí a
complexidade crescente quando se trata de preservar os bens modernistas cuja
“identidade”, por definição, além de funcionalista, também é transitória.
Assim, entre funcionalidade e transitoriedade, como se constrói o vazio nessa
identidade? É exatamente no sentido de entender o vazio como elemento estruturante,
que procuraremos estabelecer definições sobre o urbanismo modernista.
Se, como dito anteriormente, a identidade é “a capacidade historicamente adquirida”,
então o entendimento da expressão identitária, diante de um espaço ou expressão
34
COX, CRÍSTIAN Fernández, TOCA FERNANDEZ, Antonio. America Latina: Nueva Arquitectura: uma
modernidad posracionalista. México: Gustavo Gili, 1998.
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27
arquitetônica que é recente, é inexistente? Se a modernidade é caracterizada como
uma ordem pós-tradicional, enfatizando o novo e as suas potencialidades de
transformação, deparando-se com uma identidade ‘mutável’ como reconhecer as
expressões modernistas como bens patrimoniais, uma vez que a prática
preservacionista sempre esteve ligada à tradição e à idéia de permanência?
28
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 3
33
3
IDENTIFICANDO O URBANISMO MODERNISTA: O VAZIO EM QUESTÃO
Figura 1. Planta de Chandigarh. Fonte: Benévolo
(2000: p.263).
Figura 2. Cidade Satélite finlandesa Kivenlahti (1970).
Fonte: Benévolo (2000: p. 262).
Figura 3. Plano Piloto de Brasília. Fonte Benévolo
(2000: p. 264).
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29
O capítulo anterior vem confirmar que a nova ordem urbana foi marcada pela
identidade funcionalista, uma das bases de afirmação do Movimento Moderno. Então,
que aspectos configuram o urbanismo moderno e como o vazio é abordado nele?
Nesta dissertação, o uso do termo ‘vazio urbano’ é adotado de acordo com os
significados de: espaços livres, abertos, amplos, verdes, praças; a serem descritos nas
próximas linhas. O espaço através da conjugação entre cheios e vazios forma a
cidade. Será que um vazio urbano pode ser utilizado enquanto ausência de massa,
possuindo em si uma função benéfica para o espaço?
Assim num contexto mais amplo, começaremos por definir primeiramente o que vem a
ser a palavra espaço e sua dinâmica na formação social, sob o contexto balizador da
Geografia, que consegue relacionar o conceito de forma e paisagem ao homem e ao
tempo, como responsável pelas transformações identitárias de um determinado lugar,
diferenciando-se das demais ciências. A idéia é construir um corpo referencial
baseado na leitura de Milton Santos
35
para logo em seguida, visualizar a abordagem
urbanística de espaço na ótica de Giulio Argan
36
(1977), Gideon
37
(2004) e Brandão
38
(2006) e, através de uma análise direcionada, compreender o vazio contido nele e sua
limitações na evolução histórica até a identidade modernista.
Como Santos (2008) declara a concepção de espaço se presta a “uma variedade de
acepções”. Uma vez considerado como um interesse da sociedade, sua essência é
então social, para além dos objetos formadores, sejam eles ‘geográficos, naturais e
artificiais’.
“Assim, temos, paralelamente, de um lado um conjunto de objetos
geográficos distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica [grifo
do autor] ou sua configuração espacial [grifo do autor] e a maneira como
esses objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a
paisagem; de outro lado o que vida a esses objetos, seu princípio ativo,
isto é, todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um
dado momento. Esses processos, resolvidos em funções [grifo do autor],
realizam-se através de formas [grifo do autor].
39
35
SANTOS, Milton. Espaço e Método – 5. ed. – São Paulo: Edusp, 2008.
36
ARGAN, Giulio Carlo. El Concepto Del Espacio Arquitectónico desde El Barroco a Nuestros Días. Buenos Aires:
Ediciones Nueva Vision,1977.
37
GIEDION, Sigfried. Espaço, tempo e arquitetura: o desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
38
BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. A formação do homem moderno vista através da arquitetura. Reimpressão
– Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.
39
Ibid., p.12.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 1
30
As formas são essenciais para a sociedade, que apenas com as funções e processos
não se realizaria. Assim o espaço contém as demais instâncias. As formas-conteúdo
são definidas por Santos como geográficas que “contêm frações do social”.
Explicitando o porquê (das formas) de estarem sempre se alterando em seu
significado, “na medida em que o movimento social lhes atribui, a cada momento,
frações do todo social” (Santos 2008: p. 13). Assim, o conteúdo é então representado
pelo movimento social, responsável pela alteração e que este último somado à forma,
compreende o espaço. Santos define o processo de apropriação de um espaço:
“Cada localização [grifo do autor] é, pois, um momento do imenso movimento
do mundo, apreendido em um ponto geográfico, um lugar. Por isso mesmo,
cada lugar está sempre mudando de significação, graças ao movimento
social: a cada instante as frações da sociedade que lhe cabem o são as
mesmas”
40
.
Confirmadas pelas palavras do autor, a interpretação de um espaço, não pode ser
analisada unicamente pela fração da sociedade e sim pela ‘periodização’, ou seja,
“áreas temporais de significação, ou ainda, de modos de produção e seus momentos”
(Santos 2008: p.13).
E ainda:
“A escolha das variáveis não pode ser, todavia, aleatória, mas deve levar em
conta o fenômeno estudado e sua significação em um dado momento, de
modo que as instâncias econômica, institucional, cultural e espacial [grifo do
autor] sejam adequadamente consideradas.”
41
Todavia é no momento histórico que os elementos pertencentes a este espaço, estão
sujeitos às transformações e a variação de valores, quando da relação com os demais
elementos.
Santos analisa ainda a periodização como responsável por dar respostas à história,
formas de colonização, distribuição espacial, dispersão das raças e línguas, “as
formas de urbanização e de articulação do espaço, assim como os graus de
desenvolvimento e dependência”
42
. E ainda serve para distinguir um lugar de outro,
principalmente no mundo subdesenvolvido.
40
Santos (2008: p.13) distingue lugar de localização. O primeiro é um objeto ou conjunto do mesmo. A localização é
um feixe de forças sociais se exercendo em um lugar”.
41
SANTOS, Op. cit., p.14.
42
Ibid., p. 38.
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Parte 1
31
Atribui ao período de modernização a causa da mais profunda transformação espacial,
principalmente nos países subdesenvolvidos. Tal acesso ao avanço tecnológico e
modernização permitiu o descobrimento e aperfeiçoamento de técnicas, que diante
disto, possibilitou não mais uma herança e sim uma ‘recriação’. Tratava-se de
sucessão sem continuidade, nem relação de dependência.”
43
O entendimento da organização espacial e sua evolução, sob a leitura do autor, são
possíveis por meio de um estudo detalhado do processo entre formas, estrutura e
funções através do tempo.” (Santos 2008: p.68). O processo, neste caso, tem sua
definição em torno de uma ação ‘contínua’ resultando em conceitos de tempo,
implicando em permanências e transformações.
O espaço sempre foi entendido como lugar de produção. Permitem-se, ainda,
distinguir suas ‘frações’ entendidas como vias, meios de comunicação possibilitando
assim que a produção circule. É neste ponto que o autor ressalta a utilização de uma
única função em determinados espaços: o de circular que, por sua vez, se presta a
formas diversas em cada região. Para isto, ele acrescenta: “Haveria uma hierarquia de
usos, à qual corresponderiam diferenças, igualmente hierárquicas, na capacidade
efetiva de realização do capital produtivo.”
44
Apontados o conjunto de elementos que conformam o espaço e deixando-se claro que
esse se encontra atrelado, principalmente, a uma configuração que muda conforme
sua periodização, partiremos para análise do mesmo desde o Renascimento até a
fase modernista, sobretudo na sua organização espacial entre cheios e vazios.
O espaço também é discutido sob o conceito urbanístico de Argan (1977), como uma
‘realidade objetiva’, que coincide com o discurso de Santos (2008) ao constatar as
transformações sofridas tanto em parte como em todo, pelo desenvolvimento da
história, do qual ele intitula de periodização, como meios de se entender as diferenças,
de lugar para lugar.
A avaliação vai muito além das formas arquitetônicas, ou seja, parte-se de uma
relação entre o conjunto de edifícios, quanto ao aspecto urbanístico. A análise passa
pelos componentes do conceito de espaço. Começa pela evolução histórica que se
inicia no Renascimento e tem como elemento, a relação entre sociedade e natureza,
onde esta última tem na arquitetura sua fonte de inspiração. Os eixos de simetria, as
perspectivas urbanas e hierarquia viária em torno da igreja e do palácio papal e,
43
Ibid, p. 54.
44
Ibid, p.83.
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Parte 1
32
sobretudo, a estética urbana formaram a tipologia espacial. A perspectiva estruturava
o espaço em linhas matemáticas entre dois planos mostrando assim uma construção
de geometria perfeita para então se transformar em um instrumento de retificação e
construção dos cenários urbanos.
O exemplo renascentista pode ser
visualizado na pintura de Piero Della
Francesca (1470), com proporções
matemáticas da praça e a forma
circular apresentada pela igreja central
e regularidade dos pequenos palácios,
cercando lateralmente a edificação sagrada.
A partir daí as formas centralizadas e radiais das cidades renascentistas nascem dos
exercícios geométricos extraídos das perspectivas. O espaço racional é então
configurado mediante a aplicação sistemática do traçado urbano reticular.
Para Brandão (2006: p.67) o espaço
urbano renascentista é homogêneo,
de ênfase acentuada na centralização
espacial e de utilização das relações
geométrico-matemáticas e da
racionalidade da composição”. O ideal
renascentista elege a forma
geométrica, projetando as cidades
através de um círculo, quadrado ou
polígono regular, a exemplo de Palma
Nova, que tem um ponto central
ocupado por uma praça e sede do
poder, e em torno dele, um espaço homogêneo em forma de rede. “A nova imagem
urbana não apresenta mais o caráter estruturado e simbólico da cidade medieval, nem
lembra em nada a heterogeneidade da distribuição espacial da arquitetura grega,
como na acrópole ateniense”.
45
45
BRANDÃO. Carlos Antônio Leite. A formação do homem moderno vista através da arquitetura. Reimpressão
– Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006, p. 77.
Figura 4. Piero della Francesca, Perspectiva de uma
Praça, pintado por volta de 1470.
Fonte: www.vitruvius.com.br/.../arq000/esp292.asp.
Figura 5. Savorgnsn e Scamozzi. Palma Nova. Planta.
Fonte: Brandão (2006: p.76).
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33
A exemplo do tratamento do espaço renascentista, o arquiteto Leon B. Alberti (1404-
1472) criou um tratado - De Re Aedificatoria (A Arte de Edificar), onde define a beleza
como harmonia e proporção, dividindo-se em edificação e urbanismo. O de edificação
diretrizes para a construção em um lugar amplo e trata o espaço aberto como o
limite de cada terreno para entrada de luz solar e circulação do vento, o popular
quintal. O tratado de urbanismo divide as ruas em categorias: principais, secundárias e
funcionais. Estes princípios reguladores se destacaram ao qualificar o espaço urbano,
pensando arquitetura e seu ambiente externo. No entanto, a prática deste tratado se
perde ao longo do Renascimento.
Ao Renascimento era atribuída a continuidade espacial, pelo qual se verificava a
“repetição de unidades espaciais elementares” e independentes. Ao contrário do estilo
Maneirista (século XVI) esta continuidade se dava pela interação de “elementos
contrastantes”, possibilitando um “dinamismo na organização espacial interna”
(Brandão 2006: p. 109).
Em Roma, o projeto de Sisto V
materializa o tratamento deste espaço
maneirista, revelando um novo interesse
pelo movimento. O projeto (1585)
apresenta vários pontos de interesses,
no qual são interligados pelas ruas
principais, tornando-o dinâmico e onde
se cruzamentos que promovem
encontros a edificações sacras. “A
cidade se abre e ultrapassa o limite dos
muros para além dos quais ela procura
transmitir sua imagem. (...). Isso faz com
que seu urbanismo atenha-se mais aos
eixos principais do plano, orientadores
dessa expansão do espaço público”
46
.
O espaço do projeto renascentista de
Palma Nova predomina a centralidade,
enquanto o projeto de Sisto V,
predomina a longitudinalidade, o
movimento.
46
Brandão. Op. Cit., p. 114.
Figura 6. Plano de Sisto V para Roma. As ruas
tracejadas marcam as ruas projetadas
organicamente. Fonte: Giedion (2004: p. 105)
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34
A fase Barroca (século XVII a XVIII) é caracterizada pelo surgimento dos Estados e a
organização nacional, um espaço caracterizado, como o de movimento, e de núcleos
com monumentos - uma cidade monumental
47
. A concepção urbanística monumental,
pelas palavras do autor, está ligada à função alegórica da cidade. Porque a mesma
capital sendo representativa, é praticamente a alegoria da totalidade do Estado
48
.
A arquitetura se transforma em arte urbana: ordenação espacial, harmonia geométrica
apresentando a cidade como obra de arte. O espaço é articulado com eixos de
composição barroca e monumentos como ponto de fuga. A ocupação periférica pelos
edifícios possuía a preocupação de espaços livres, sobretudo com função de hortas ou
jardins.
“No entanto, o jardim ou parque formal fora da cidade como uma composição
simétrica no espaço, na qual os elementos naturais tornavam-se
simplesmente padrões subordinados de um desenho geométrico, é o
elemento mais completo do planejamento barroco. É subordinando à regra
também a natureza que o projetista da época encontra uma ordem visual
mais integral.
49
O uso da perspectiva infinita, no sentido linear se prolongando indefinidamente foi
aproveitado nesta fase, como meios de se obter um espaço sem fim, que no final do
século XVII foi acrescentada a este artifício, a natureza infinita.
“No início do século, os pintores de paisagens holandeses introduziram um
infinito atmosférico [grifo do autor] em suas obras; um pouco mais tarde os
arquitetos romanos conseguiram alcançar o mesmo sentimento místico de
espaço sem fim geralmente em igrejas surpreendentemente pequenas, por
meio da exploração simultânea de todos os recursos de pintura, escultura,
arquitetura e teorias ópticas. Com os paisagistas franceses do final do século
XVII surge o emprego artístico do infinito na natureza.”
50
47
O espaço, nessa fase barroca em Roma, é marcado pelo momento de ‘G. Lorenzo Bernini’, responsável pelo pórtico
de São Pedro (1656-57), em sua concepção o valor monumental ultrapassa a fronteira da edificação e estende-se à
cidade. “La ciudad monumental es la ciudad capital, y la gran creación histórica del barroco es la ciudad capital del
Estado moderno.” (Argan: 1977, p. 58).
48
ARGAN, Op. Cit., p.60.
49
GONSALES, Célia Helena Castro. “Cidade moderna sobre cidade tradicional: movimento e expansão,
Arquitextos, Texto Especial n. 292. São Paulo, Portal Vitruvius, mar. 2005.
50
GIEDION, Op.Cit., p. 134.
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Parte 1
35
Se no Renascimento o espaço fora construído para estabelecer uma visão ilusória de
recursos de perspectivas, que aumentavam as proporções existentes e onde as
superfícies planas possuíam uma profundidade fingida, no Barroco as fachadas
passavam a idéia real de relevos, onde o externo passa a ter um interesse maior. “(...)
o espaço que interessa determinar não é o espaço interior apontado antes, mas o
espaço da rua. (...) o que determina o desenvolvimento da fachada é a disposição do
espaço exterior.” (tradução nossa)
51
.
A determinação do espaço pela arquitetura antes, não era consciente e sim
conseqüência de um desenvolvimento formal, “é uma arquitetura que dá lugar a
realização de valores espaciais que não estão fundados sobre premissas teóricas”
52
.
Em contrapartida na arquitetura e urbanismo modernistas a determinação do espaço é
‘plenamente consciente’.
A partir da segunda metade do século XVII, em muitas cidades foram abertas praças
em função da carência por espaços, no interior dos muros que as circundavam. E a
partir delas irradiavam-se as ruas.
51
ARGAN, Op. Cit., p.54.
52
Ibid., p. 99.
Figura 7. Versalhes. O castelo, o jardim e o boulevard.
Fonte: http://www.chateauversailles.fr/ acesso em
abril de 2009.
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36
Com o século XIX veio a revolução industrial e urbanização. As intervenções, através
das leis sanitárias, trazem uma reforma funcionalista por meio de Haussman em Paris
(1853-1869), levando à cidade saneamento, gás, iluminação, planejamento e controle
urbano. Veio também concepções de cidades como cidade-jardim e cidade linear
como tentativas de adequar novas funções.
A exemplo de Londres
53
do século XIX, a relação dos cheios e vazios das cidades
eram representadas pelas praças que ganharam importância na classe média, na idéia
que os bairros residenciais deveriam se fundir ao verde, (Giedion 2004: p. 739).
Segundo Giedion, os espaços abertos de modo geral nas cidades européias do século
XVII, estavam muito mais destinados a áreas de despejos de detritos, passando a
exercer papel atuante quando os moradores do entorno destes espaços “conseguiram
poderes para fechá-las, limpá-las e embelezá-las”
54
.
A concepção das praças, no caso do bairro de Bloomsbury do século XIX em Londres,
diferentemente da época renascentista não foi delineada para ser um prolongamento
da perspectiva criada a partir de uma praça. “Configuradas para não permitirem vistas
53
Ressalta-se aqui, que a cidade que sofreu maior transformação em função do desenvolvimento da indústria não foi
Londres e sim Paris (1850 e 1870), após meio século de diferença. E esta intervenção foi sob o reinado de Napoleão
III e prefeitura de Haussmann (ver capítulo 2 desta dissertação).
54
St. James’s Square, em 1726 em Londres representa um exemplo prático deste ato, que vem a ter um maior
desenvolvimento de praças no início do século XIX. Bloomsbury constituiu um exemplo prático de harmonia entre
vazios e cheios, ou seja, espaços abertos (representados pelas praças) e as edificações.
Figura 8. Planta de Paris, 1748. Praças projetadas e executadas,
demonstrando o esforço do século XVIII, em organizar
espaços abertos – as praças. Fonte: Giedion (2004: p.167)
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 1
37
que se prolongam no horizonte, a inter-relação entre as praças não é perceptível a
partir de nenhuma delas
55
.
Convém ainda ressaltar o efeito da mecanização da primeira metade do século XIX às
cidades
56
, transformando o padrão urbano imposto pelas zonas residenciais e
industriais “inextricavelmente misturados”. Por outro lado surgiram novas habitações
em uma ampla edificação, uma relação de cheio e vazio ainda não praticada
57
, ou
seja, um ensaio de conjuntos residenciais mergulhados em espaços abertos, sendo
utilizados pelas classes bem sucedidas da industrialização e comércio.
55
GIDEON, Op. Cit., p.748.
56
O que diverge da concepção harmoniosa de Bloomsbury.
57
A exemplo disso John Nash projetou um conjunto de edifícios e jardins marcando o início do desenvolvimento dos
conjuntos residenciais do Regent’s Park (primeiro projeto datado em 1812).
Figura 9. Bloomsbury, vista das praças, mostrando os
espaços abertos circundados por edificações:
Fonte Giedion (2004: p.749)
Figura 10. Terraço do Regent’s Park. John Nash. Fonte Giedion
(2004: p. 759).
Figura 11. Planta inicial mostrando os
edifícios em espaços abertos.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 1
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“A organização do espaço externo, com conjuntos que avançam e recuam,
não pode ser compreendida à primeira vista, e nunca foi de fato realizada
durante este período. Todavia, a disposição livre de grandes edifícios em
contato com a natureza, que aparece neste primeiro projeto de Nash [projeto
para o conjunto residencial Regent’s Park, não foi realizado conforme
primeira concepção] prefigurou os esforços do século XX. Da mesma maneira
que Francesco Borromini [arquiteto responsável pela reconstrução do
Mosteiro e Igreja São Carlo Borromeo], no final do Século XVII, ampliou as
fronteiras da arquitetura ao buscar uma interpenetração do espaço interno e
externo, assim Nash, em seu projeto, abordou no domínio do planejamento
urbano a liberdade de organização espacial que desde então vem sendo
explorada em maior escala.”
58
Em Paris, século XIX, os vazios tratados
como parques, a exemplo de Bois de
Boulogne (configurado por parque-
boulevard-parque’), e boulevards,
juntamente com as vias largas e
isolamento dos edifícios, foram criados
por Haussmann com o propósito de
‘assegurar a paz pública’ num esforço
de evitar as rebeliões provenientes das
ruas estreitas e bairros adensados, do
traçado anterior.
A inter-relação entre cheios e vazios no
espaço de Londres, segundo Giedion
(2004) diferem de Paris, os espaços
abertos constituídos por praças em
Londres eram distantes do tráfego e
fechadas, enquanto em Paris tratava-se
de uma ampliação de ruas abertas ao
público. “Nenhuma inovação no
planejamento foi tão imitada nos anos
58
GIDEON, Op. Cit, p.761.
Figura 12. Avenida de l’Opéra, da Ópera ao Louvre e
à Rue de Rivoli. Haussmann. Fonte: Giedion
(2004: p. 778)
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 1
39
imediatamente subseqüentes que a organização de praças preenchidas com verde em
meio ao tráfego”
59
.
No final do século XIX Camillo Sitte tinha como configuração no planejamento urbano
a organização dos espaços abertos, buscou superar a monotonia e a falta de
vitalidade artística típicas da cidade do final do século XIX”
60
. No entanto, as
tentativas de reparo não passaram de paliativos. Surgindo assim as cidades-jardins,
cidades-lineares, cidades-satélites como solução e tentativa, ainda que sem muito
sucesso, como forma de humanizar a situação da metrópole em função do processo
de industrialização, a partir de acumulação capitalista
61
. O espaço nestas propostas
possuía uma dimensão geográfica que separava os edifícios das vias, valorizava as
questões climáticas da orientação solar e tinha os espaços verdes como elemento
profícuo e aglutinador.
59
Ibid., p. 777.
60
Ibid., p. 802.
61
Nomes como Otto Wagner (projeto para o centro cívico de Viena,1910) , Ebenezer Howard (cidade-jardim
circundada por via férrea, 1898), Arturo Soria y Mata (cidade linear, 1882), Tony Garnier (funções da cidade 1901-
1904) pensavam o problema habitacional.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 1
40
Giedion (2004) acrescenta que a cidade é trabalhada considerando as áreas livres,
estas, predominantemente verdes, compostas com os edifícios. Nesta concepção,
considera-se o princípio de cidade-jardim e cidade-parque, onde o item prioritário são
os espaços livres, ou seja, ‘há uma inversão na figura-fundo’, ressaltando que os
vazios são elementos estruturantes da nova urbanística moderna. Os volumes são
dispostos na área livre e interagem entre si, como o espaço interno e externo que se
separam ou se atravessam promovendo ‘uma interpenetração espacial’.
no início do Século XX, Tony Garnier em sua proposta para a Cidade Industrial
(1901-1904) faz uma clara separação entre as funções da cidade: trabalho, habitação,
tráfego e recreação. “A Cité Industrielle teve influência direta sobre muitos dos homens
que mais contribuíram para o urbanismo futuro. Esta influência é compreensível posto
que o projeto de Garnier continha as sementes dos métodos contemporâneos.
62
Os elementos formadores da cidade moderna passaram a ser diferenciais, na
estruturação do espaço estabelecendo um novo sentido à cidade
63
, ou seja, a nova
concepção da cidade do século XX permite uma análise mais específica a dos
vazios urbanos.
62
GIDEON, Op. Cit., p. 816.
63
O pontos chaves da urbanística preconizados pelo CIAM, consistem nas quatros funções: morar, trabalhar, divertir-
se e circular (ver Benévolo 1989: p. 508 e ver 2º capítulo desta dissertação).
Figura 13. Esquema teórico da Garden City. E. Howard. Fonte: Benévolo (1989: p. 351).
Figura 14. Planta original de Welwyn. Soissons, 1919. Fonte: Benévolo (1989: p. 351).
Figura 15. Primeiro traçado do subúrbio linear em torno de Madrid. A. Soria. Fonte: Benévolo (1989: p. 357).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 1
41
Assim, a composição de espaços livres voltados para o bem estar e usufruto pelo
homem, pode vir a ser de três possibilidades: (re)criação a partir do zero ou do recurso
à tabula rasa; inserção de praças e áreas verdes; e intervenção sobre o tecido
existente, evitando o vazio urbano, espaço obsoleto entendido como disfuncional.
Visto desta forma partiremos para a análise destes três pontos identificadores dos
vazios modernistas. Primeiro, a tabula rasa surge como uma definição que explica o
projeto urbano moderno surgindo do nada, ex-nihilo. Levando-se em consideração
uma rede de relações, que promova ao mesmo tempo, um equilíbrio a todas as partes
setorizadas do projeto: morar, trabalhar, divertir e circular.
A cidade moderna é composta por um desenho urbano que tem como instrumento a
intervenção em todo o território. Em vez da ‘rua corredor’ em meio aos paredões dos
edifícios e residências, e onde as funções de circulação de pedestres e veículos não
têm separação; surge a via parque separando as tipologias e distanciando das zonas
residenciais.
No âmbito do urbanismo e da arquitetura modernistas os projetos ora desenvolvidos
herdaram as teorias utópicas como a de Howard, Tony Garnier e Soria y Mata para a
cidade a partir do zero.
Le Corbusier, pintor, arquiteto e urbanista representou a forma da cidade moderna,
quando do interesse de formular soluções para o adensamento populacional, como o
projeto La Ville Radieuse (1929-1930) com paredes de vidro e pilotis em ‘ziguezague’
imersos em áreas verdes.
Figura 16. Ville Radieuse, 1931. Le Corbusier e Jeanneret.
Fonte: Frampton (200: p. 217).
Figura 17. Le Corbusier e sua maquete (Ville Radieuse)
com os edifícios em meios aos vazios. Fonte:
www.vivercidades.org.br, acessado em abril 2009.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 1
42
Seus projetos apresentavam a clara separação entre tráfego de veículos e pedestres e
a setorização das funções como as zonas residenciais longe do centro da cidade, bem
como o uso da planta livre
64
.
O zoneamento de funções se daria por meio de unidades. As unidades de habitação
como forma de assegurar a saúde moral e física dos habitantes” (Corbusier 1977:
p.62) isoladas, seja por casas individuais ou imóveis dispondo de serviços comuns
organizados. Volumetria livre para a exposição ao sol; podendo ser disposta, que a
depender da natureza topográfica do local, em diversas variações em meio aos
espaços livres.
As unidades de trabalho seriam destinadas à “chegada e partida pontuais dos
materiais e dos produtos” (Corbusier 1977: p. 68) com edificações agrupadas para
este fim.
As unidades de lazer que vai desde o “equipamento desportivo de uso quotidiano ao
grande centro de divertimentos populares” (Corbusier 1977: p.75).
As unidades de circulação podendo ser horizontais, no intuito de harmonizar o “passo
humano” das velocidades mecânicas” (Corbusier 1977: p. 76), e por vezes
configuradas como circulações verticais, ou seja, os edifícios em altura permitindo
espaços abertos em torno da volumetria.
E as unidades de paisagem que “intervém de uma forma essencial na função ‘habitar’
(...); está ainda presente na função ‘trabalhar’ (...); desempenha um papel eminente na
função ‘cultivar o corpo e o espírito (...); acompanha igualmente a ‘circulação’ (...).”
(Corbusier 1977: p. 84).
Seus planos de reorganização da cidade tiveram como foco Paris, porém adaptável a
vários casos, propondo assim soluções para outras cidades no mundo, inclusive no
Rio de Janeiro
65
.
Para Corbusier (1977),
“o edifício deixa então de ser o simples resultado proveniente da interseção
de três ou quatro ruas; e a rua deixa de ser um corredor entre fachadas
erguidas ao longo das suas bermas e no interior do qual se precipitam, no
maior aperto, (...). Reforma cujo magnífico fruto será uma nova aparência da
construção, senhora dos espaços livres circundantes, aparência
64
Planta livre uso de uma estrutura independente que permite a locação das paredes em qualquer posicionamento,
já que estas não mais precisam exercer a função estrutural. (Ver os cinco pontos de uma nova arquitetura, Frampton
2000: p.188)
65
(ver Benévolo 1989: p. 500; Frampton 2000: p. 303).
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Parte 1
43
magnificamente arquitetônica dos bairros de habitação ou dos locais de
trabalho.”
66
O segundo ponto são as praças e áreas verdes, como indicadores de que as
necessidades dos habitantes devem governar o planejamento da cidade moderna. A
configuração urbana tradicional, insalubre e sufocante não permitia ao homem
respirar, viver a cidade com qualidade e saúde.
O espaço modernista não é mais um sistema fechado de quarteirões onde a
arquitetura é uma massa compacta que constitui o fundo sobre o qual se destacam as
ruas e ilhas verdes. A cidade funcional concebeu uma nova leitura: parcelamento,
zoneamento, hierarquização de vias, parques e base verde como pano de fundo. “(...)
o espaço moderno é um espaço dimensional e direcional, em oposição ao espaço
renascentista, que é proporcional e simétrico” (tradução nossa)
67
.
Trata-se da promessa do urbanismo moderno em liberar o solo para áreas verdes, de
recreação e lazer, isso, por meio do uso de pilotis e edifícios em altura. O espaço
vazio é um instrumento de projeto e de inserção do bem estar coletivo, capaz de
instalar a natureza no meio urbano, acabando com a dicotomia entre campo e cidade.
Seja ele de natureza artificial (plataformas) ou natural, representa a imagem perfeita
da saúde pública.
Portanto, na urbanística moderna o espaço verde destaca-se como fundo sobre o qual
a arquitetura representa-se como figura cuja importância reside não em si mesma,
mas na relação com a paisagem, com o espaço do entorno.
66
LE CORBUSIER. Maneira de pensar o urbanismo. Publicações Europa-América, Sintra, 2 ed. 1977.
67
ARGAN, Op. Cit., p.158.
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Parte 1
44
A relação de concepção de um espaço modernista é o receptáculo onde, em um
esforço fundamentalmente analítico, cada elemento funcional é identificado e isolado e
libertado dos compromissos com o tipo tradicional de estrutura urbana (rua, lote,
quarteirão), estabelecendo novas relações com novos elementos e funções, por meio
das vias de circulação. A rua corredor, onde os fluxos se misturavam,
promiscuamente, desaparece. Em seu lugar um sistema de percursos separados é
traçado no espaço contínuo da cidade parque.
E ainda, a relação entre cheios e vazios é de cumplicidade, equivalentes quanto à sua
importância. Na cidade tradicional a analogia é de um espaço público (vazio) que é
indissociável do edificado (cheio) não existindo magnitude suficiente para perceber e
admirar a volumetria no lugar. Na urbanística moderna esta relação é por vezes
Figura 18. Chandigarh. Le Corbusier, 1951. Fonte:
Casciato (2007: p. 82).
Figura 19. Toulouse-Le-Mirail. Fonte: Benévolo (2006:
p.266).
Figura 20. Maquete Toulouse-Le-Mirail. Fonte: Benévolo
(2006: p.266).
Figura 21. Tapiola, Helsinki. Pentti Ahola. Fonte:
Benévolo (2006: p.261).
Figura 22. Ilot insalubre. Projeto para eliminação de
áreas degradadas, 1937. Não foi realizado. Le
Corbusier. Fonte: Giedion (2004: p.864).
Figura 23. Ilot insalubre. Vista do projeto. Le
Corbusier. Fonte: Giedion (2004: p.864).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 1
45
monumental, o jogo de escala entre os edifícios isolados em meio a amplos espaços
verdes, mostra uma arquitetura emblemática.
O terceiro ponto, o de intervenção sobre o tecido existente, evitando o vazio urbano,
espaço obsoleto entendido como disfuncional. Aqui se trata de uma intervenção não
mais exclusivamente ex-nihilo, mas também sobre um tecido urbano pré-existente. O
vazio tanto vem a ser um elemento do projeto com intenção de pano de fundo, área
verde, espaço livre ou está funcionalmente ocupado. Diferentemente da cidade
modernista que não existe lugar para um vazio urbano sem função. Se está vazio,
justifica-se por seu princípio e concepção no momento do projeto ou do contrário é
disfuncional, neste caso mais cedo ou mais tarde será ocupado, seja por intervenções
de caráter arquitetônico ou urbanista. Ainda que se pensar o vazio como elemento
flexível, transitório passível de significados junto ao processo social. Assim se não for
concebido enquanto tal, área verde, livre ele se conserva em estado latente.
Ao se deparar com o final desta primeira parte, a intenção foi partir de uma abordagem
sobre uma identidade que é modernista, funcional e que se mantém através de locais
de preservação. E tem como linha de construção, os vazios como diferencial na
análise do tempo-espaço. Na segunda parte desta dissertação, a identidade
modernista segue diante de uma perspectiva nacional, procurando primeiramente
estabelecer uma leitura da trajetória brasileira, diante de uma relação identidade x
tradição e de um contexto patrimonial para logo em seguida refletir sobre a arquitetura
de Lucio Costa e a cidade planejada por ele – Brasília.
Parte2
Parte2
Modernidade,Tradição,Identidade-UmaperspectivaNacional
Modernidade,Tradição,Identidade-UmaperspectivaNacional
FotoRuiFaquini
47
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 4
44
4
A EQUAÇÃO MODERNISTA: SER MODERNO = TER UMA TRADIÇÃO.
Figura 24. Trienal de Milão, tema lazer. Lucio Costa,
1964. Fonte: Costa, M. E. (2002: p.41).
Figura 25. Parque Guinle, detalhe do cobogó. Lucio
Costa, anos 40. Fonte: Costa, M. E. (2002: p.41).
Figura 26. Casa Saavedra. Detalhe do beiral sobre a
janela. Lucio Costa anos 40. Fonte: Costa, M. E.
(2002: p.28).
Figura 27. Residência Helena Costa, detalhe da treliça.
Lucio Costa anos 40. Fonte: Costa, M. E. (2002:
p.29).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
48
No segundo capítulo da primeira parte, o discurso em torno da modernidade se
caracterizou sob um ponto de vista global, através de uma abordagem conceitual e
análise da identidade funcional, expressa tanto pela arquitetura como pelo urbanismo.
Neste capítulo que se inicia, a atenção se volta para a reflexão nacional, a do Brasil,
procurando entender como se compõe esta leitura.
É mais uma vez que se fala de identidade ao representar uma Nação, pelos fatos
‘memoráveis de uma história’, tendo a cultura como elemento fortalecedor. E este
cenário, que envolve a temática patrimônio e modernismo, tem no Brasil seu início
marcado a partir da década de 20
68
.
“A Semana de Arte Moderna de 1922, o Movimento Regionalista e o
Movimento Neocolonialista
representam uma primeira reação crítica à
incorporação acrítica de expressões artísticas estrangeiras; um primeiro
olhar de reconhecimento da identidade nacional [grifo nosso]; uma
primeira intenção antropofágica de reinterpretar influências exógenas em
função de uma adaptação à realidade endógena; um primeiro passo no
sentido de se contrapor, de um lado, a uma modernidade anterior que, ao
promover reformas urbanas nas principais capitais do país, responde pela
perda de expressões maiores da arquitetura e urbanismo tradicionais
brasileiros, e de outro lado, à alienação e/ou destruição de exemplares do
conjunto de bens móveis nacionais. Neste mesmo sentido, o Movimento
Moderno rompe com os modelos ideológicos, estéticos, artísticos, literários,
arquitetônicos e urbanísticos anteriores, associados à República Velha e, ao
fazê-lo, cria as bases para uma ruptura também no plano político que ocorre,
de fato, em 1930, com a instauração da República Nova. Mas o sentido de
ruptura do Movimento Modernista brasileiro distingue-se daquele do
Movimento Moderno europeu [grifo nosso]: aqui, emergem os discursos em
torno do nacionalismo, da procura pela identidade nacional, da construção do
‘patrimônio histórico e artístico nacional’.
69
A arquitetura moderna é introduzida no país, quando se iniciava o processo de
industrialização, através do contato com a vanguarda européia e influência do
racionalismo de Le Corbusier. É através do apoio da aristocracia cafeeira que esta
arquitetura tem seu impulso.
68
Mário de Andrade é considerado o maior representante do Modernismo, participante ativo da renovação literária e
artística do país e da Semana de Arte Moderna de 1922.
69
MEDEIROS. Ana Elisabete de Almeida. Materialidade e Imaterialidades Criadoras: o Global, o Nacional e o
Local na Construção do Patrimônio Mundial: o Bairro do Recife como Caso. Tese (Doutorado). Universidade de
Brasília, Brasília 2002, p.136.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
49
Ao contrário do movimento modernista europeu, de ruptura com o passado e que vai
agregando novos valores no presente, a experiência brasileira, segundo Medeiros
(2002) se dá pela busca de uma identidade com as feições do Brasil, ou seja,
“(...) descoberta, valorização e preservação do passado nacional e, através
da reinterpretação de alguns aspectos deste passado, da produção presente
de uma linguagem artística revolucionária, contemporânea, moderna e
autenticamente brasileira que ajude a forjar o futuro da nação. De outro lado,
embora a necessidade da busca pelas raízes culturais surja da
conscientização crítica da dependência cultural brasileira em relação aos
países hegemônicos, o discurso modernista, ao se voltar para a tradição, o
passado e a memória nacional presta-se, com perfeição, às necessidades de
legitimação de uma Nova República via construção de uma identidade
autenticamente brasileira.”
70
A partir de 1930 inicia-se a Era Vargas entre Governo Provisório e instauração do
Estado Novo (1930-1945), é neste âmbito em que o patrimônio histórico e artístico
nacional brasileiro se institucionaliza, ou seja, o estado fortalece sua presença política
através de um sentimento de nacionalidade e identidade cultural brasileira. No Estado
Novo, buscava-se o nacional: “o regime é novo e é nacional [grifo da autora]: novo, na
medida em que procurava modernizar o país, e nacional porque tentava buscar
nossas verdadeiras [grifo da autora] raízes culturais, recusando modelos liberais
importados.”
71
Nesta época se dá a participação de intelectuais modernistas na administração pública
federal e estruturação do governo com a criação do Ministério de Educação (1930),
Ministério do Trabalho (1930), Departamento Nacional de Propaganda (1934),
Inspetoria dos Monumentos Nacionais
72
(1934) e o Departamento Administrativo do
Serviço Público (1938).
Em 1934, a Constituição atribui ao Estado a responsabilidade de proteção do acervo
do patrimônio histórico e nacional e em 1937 é criado o Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, regulamentado pelo Decreto Lei N.º 25, de 30.11.1937
73
,
70
Idem.
71
NASCIMENTO, Flávia Brito do. Bases da tradição: Lucio Costa e o movimento neocolonial. P. 295. Separata de
Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea/ organizado por Ana Luiza Nobre [ET AL.] São
Paulo: Cosac & Naify, 2004.
72
A Inspetoria dos Monumentos Nacionais foi criado por Gustavo Barroso para a restauração dos monumentos
históricos e que atuou somente na cidade de Ouro Preto – Minas Gerais, realizando um trabalho pioneiro de
inventário, identificação, conservação e restauração de bens tangíveis. Antes disso, a cidade de Ouro Preto foi
elevada por decreto (nº 22.928 de 12/07/1933) à categoria de Monumento Nacional.
73
Após alguns dias se deu o golpe que instituiu o Estado Novo, com a presidência de Getúlio Vargas que durou até 29
de outubro de 1945.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
50
por um grupo ligado ao movimento moderno que conduziu a arquitetura e urbanismo
brasileiros conciliando dois discursos: o da preservação e o da modernidade. Após
transformações institucionais o então SPHAN passou a ser Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional IPHAN, órgão integrante da estrutura do Ministério da
Cultura MinC. De acordo com Reis (2001), “esse Decreto [Lei Nº25], que também
instituía toda a legislação federal de proteção dos bens culturais no Brasil, e que
vigora até hoje, teve forte inspiração na legislação de proteção cultural francesa de
1913 e 1930”.
74
A identidade, a partir de então, possui um papel importante em meio às mudanças
políticas, culturais e institucionais, somados aos participantes modernistas à frente da
temática do nacionalismo, que se consolida diante da prática preservacionista. É no
contexto brasileiro que a identidade é diferenciada diante da relação modernismo,
patrimônio e tradição.
“(...) o interesse dos modernistas pela questão da brasilidade [grifo da autora]
decorreu de uma elaboração no próprio campo da criação artística, que teria
ocorrido por volta de 1924, e que implicou na introdução do conceito da
tradição como elemento estruturante de uma produção artística que se queria
ao mesmo tempo universal e particular no caso, nacional. Ou seja, que se
queria singular, artística no sentido moderno. (...) Foi no contato com as
vanguardas européias que os modernistas perceberam que a modernização
da expressão artística, entendida como rompimento radical com o passado,
tinha sentido em países onde havia uma tradição nacional internalizada.
Em países de formação mais recente, como o Brasil, cuja tradição nacional
ainda estava por construir, a adesão imediata ao novo descaracterizaria a
produção artística no que ela teria de particular o seu caráter nacional
perdendo assim também o seu valor universal, enquanto arte.”
75
De 1937 a 1945 Gustavo Capanema foi o Ministro de Educação, destacando-se pelo
apoio dado aos arquitetos (Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Afonso Reidy,
Marcelo e Milton Roberto, Atílio Correia Lima) e artistas plásticos modernos, além de
contar com assessores ligados ao movimento moderno, (a exemplo de Mário de
Andrade) ajudou a fortalecer o ideário modernista junto a esfera cultural e política do
país. Ao mesmo tempo em que esse ideário teve influência de Le Corbusier,
74
REIS, Carlos Madson. Brasília: Espaço, Patrimônio e Gestão Urbana. Dissertação (mestrado). Universidade de
Brasília, Brasília 2002. p.67.
75
MORAES, Eduardo Jardim de, apud Fonseca, Op. Cit., p. 96.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
51
“L´Esprit Noueau (Espírito Novo) (...) condensado no livro Vers une
Architecture (Por Uma Arquitetura/1923), incorporava em seu discurso
revolucionário, uma visão tecnicista de um mundo onde o emprego da ciência
e da razão resolveria todos os seus males. E a arquitetura, a partir da beleza
das formas sob à luz, seria a grande propulsora e realizadora desses novos
tempos capaz, inclusive, de determinar comportamentos sociais.”
76
Ainda segundo Reis (2002), estes princípios de Le Corbusier iam de encontro ao que o
país desejava: o de se modernizar e o de se afirmar frente a um cenário mundial,
como novo.
Na construção de uma tradição brasileira, o neocolonialismo representou, dito por
Fonseca (1997: p. 95), uma incorporação “acrítica dos estilos históricos europeus pelo
ecletismo no Brasil” que ao adotar este estilo na arquitetura representava uma cópia,
enaltecendo o passado.
De acordo com Santos (1992), no campo da arquitetura e urbanismo havia uma
divisão de grupos: os dos modernos representados pela “Academia SPHAN”
77
e o dos
neocoloniais, liderados por José Mariano Filho (fazendo parte deste último, alguns
professores da Escola Nacional de Belas Artes). Estes tinham algo em comum: a
arquitetura colonial do século XVIII, porém divergiam quanto ao olhar: para os
modernos não interessavam a cópia ou reprodução, mas os meios de construção,
valorizando o passado-futuro; enquanto para os neocoloniais lhes importavam a
“reprodução estilizada e a valorização do ecletismo com ênfase para o passado-
presente.
A disputa em torno da sede do Ministério de Educação (1935 ano do concurso e
inauguração em 1945) marca o conflito entre os grupos. No entanto, seria o convite de
Capanema a Lucio Costa e sua equipe, para elaboração de um segundo projeto, que
daria a vitória aos modernistas, como dominantes. O reconhecimento a partir deste,
passaria da “academia para a atuação estatal”, com a inserção de uma identidade
funcionalista através da produção de edifícios públicos por Costa e inclusive no campo
urbanístico, com projetos de cidades.
É neste cenário que se enquadra a equação modernista “ser moderno = ter uma
tradição”
78
. A valorização do novo por um lado e um discurso de permanência por
76
Reis, Op.Cit., p. 100.
77
Rodrigo M. L. de Andrade, Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Alcides da Rocha Miranda.
78
Esta fórmula é utilizada na tese de SANTOS, Mariza Veloso Mota. (1992). O tecido do Tempo: a idéia de
patrimônio cultural no Brasil (1920-1970). Tese de Doutorado - Departamento de Antropologia/UnB, 1992.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
52
outro, ao se reconhecer a história, que ainda é reforçada pela atuação dos arquitetos
modernos frente a gestão do Estado Novo, trabalhando entre patrimônio e novos
projetos, ou seja, entre passado e futuro por meio da arquitetura e urbanismo.
“Estes profissionais transferiram para o SPHAN sua perspectiva estética e a
valorização de edificações de determinados períodos da história pátria, o da
colonização, o da mineração e da primeira fase da cafeicultura, momentos
estes também consagrados pelo conhecimento histório da época.
79
“A constituição do patrimônio, o rito do tombamento, parecia ser para os
membros da Academia SPHAN [grifo da autora] uma forma de sacralizar o
passado, mas através do resgate de uma tradição que se acreditava imersa
no movimento da história e portanto capaz de contemplar o longínquo e o
futuro. Não é difícil compreender esta forma de construção simbólica, se
lembrarmos que os membros da Academia SPHAN [grifo da autora]
compartilhavam da perspectiva modernista, o que os levava a assumir uma
postura marcada pela dissolução da visão contemplativa na forma reflexiva
de um íntimo horizonte, e que os impulsionava para a permanente tensão
entre a valorização e construção de referências individuais e referências
coletivas.
80
Neste período a arquitetura moderna e prática preservacionista estavam lado-a-lado
na construção de uma identidade nacional. Mário de Andrade, além de autor do
anteprojeto de constituição do SPHAN e um de seus fundadores, foi um colaborador
no fortalecimento do órgão, bem como uma liderança junto aos modernistas que se
empenhou em preservar a tradição considerando história e estética. Ao lado dele,
Lucio Costa representava figura-chave à frente do SPHAN, definindo normas e
diretrizes de preservação do patrimônio histórico e artístico do Brasil. Exercendo a
atividade de diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos (1937-1972) que segundo
Pessôa (2004): “extrapolou o campo dos processos de tombamento, tendo também
opinado em obras de restauração, construções novas, normas urbanísticas (...)”, além
da representividade de suas obras no campo arquitetônico e urbanístico.
Antes do concurso para a nova capital a relação entre modernismo e patrimônio
vinha se materializando e o tombamento acontecendo de forma precoce, como bem o
atesta a Igreja da Pampulha
81
, projeto de Oscar Niemeyer (1942), Lucio Costa percebe
79
Idem. Ibidem.
80
Santos, Op.Cit., p.397.
81
Que ainda em fase de conclusão foi ameaçada de abandono pelos proprietários com possibilidades de demolição.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
53
o valor excepcional dessa arquitetura moderna tratando-a como tombamento
‘preventivo(Igreja da Pampulha, Belo Horizonte, 1947
82
). Neste mesmo ano seria
tombada, também, a edificação do grupo modernista o Ministério de Educação e
Saúde Pública – MESP (ano da inauguração - 1945) garantindo para a geração futura
uma identidade moderna. Ambas as inscrições, nos livros do tombo, podem ser
considerados feitos inéditos de uma preservação do novo que se deseja ser
permanente. Mais tarde, na construção de Brasília a residência provisória do
presidente para acompanhar as obras o Catetinho, seria o próximo passo a ser
tombado (1959), para servir de memória da construção da cidade moderna. Um outro
monumento da nova capital iria se juntar à lista (apesar do parecer contrário de Lucio
Costa ao tombamento), diante da impossibilidade de finalizar a obra por falta de
recursos, o tombamento da Catedral de Brasília acontece em 1967, tendo sua obra
finalizada três anos depois.
83
A arquitetura brasileira resgataria estruturalmente o passado promovido pelos
modernos:
”De fato, tal grupo [modernistas] procura estabelecer uma homologia [grifo da
autora] entre a arquitetura colonial brasileira e a arquitetura moderna. O que
buscam não é repetir, copiar, apenas restaurar o passado, mas é antes de
tudo uma releitura deste, que permita construir um futuro. Eles propunham
uma mesma arquitetura com os mesmos princípios estruturais, diferenciando-
se, assim, de uma mera cópia, expressão artificial, estilo colonioso [grifo da
autora], como pejorativamente era por eles denominado.”
84
Para o urbanismo modernista brasileiro, o princípio das antigas cidades coloniais de
ruas estreitas e edificações é rejeitado, em vez disso, vias expressas; gramados entre
os prédios; distribuição funcional dos espaços; pilotis que elevam o edifício do solo e
liberam a superfície, desimpedindo o horizonte e abrindo espaços: ora verdes, ora
concretizados sem abandonar as técnicas construtivas e jeitos tradicionais da época
colonial, a exemplo: pedra portuguesa substituindo o concreto, espaços vazios das
praças com ar familiar; no entanto, imbuídos de um caráter moderno, em direção ao
futuro, efêmero e transitório.
O interesse moderno de Lucio Costa, motiva-se em recuperar por meio da história a
vida urbana precedente do século XIX, “livre do congestionamento do trânsito e
82
Ver parecer de tombamento da Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha (PESSOA, 1999, p. 67).
83
Ver Guia dos Bens Tombados do Brasil (1980).
84
Santos, Op.Cit., p.349.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
54
também do congestionamento industrial” (...) um certo modo de vida simples e
franco [grifo do autor] é precisamente o que um lugar como Diamantina passa a
representar”
85
. Costa aos 22 anos, ainda aluno do ENBA (Escola Nacional de Belas
Artes), foi enviado para Diamantina e este encontro foi registrado por ele: “caí em
cheio no passado, no seu sentido mais despojado, mais puro; um passado de
verdade, que era novo em folha para mim.”
86
Essa ambigüidade de tradicional e transitório teve um marco inicial, o Edifício do
MESP, concretizada com elementos compositivos ‘corbusierianos’ (pilotis, teto-terraço,
pano de vidro, brise-soleil, plantas e fachadas livres); mudança da textura do tecido
urbano representado na forma de ocupar o terreno (livre da rua-corredor); mas
também com ‘precedentes da construção colonial e imperial do país’. Esses detalhes
são vistos em trechos da fachada, cobertos por painéis de azulejos concebidos por
Portinari, ou no uso de pedras portuguesas na área livre, do salão de exposições e do
acesso para veículos coberto.
“O ministério toma-se por uma solução exemplar de linguagem formal
moderna e internacionalmente lida, mas com sabor brasileiro, respaldada
pela autoridade da história da arquitetura enquanto tradição construtiva
racional e nacional, dela derivando sua emblematicidade expressiva.”
87
85
EL-DAHDAH, Farès. Arqueologia da modernidade de Lucio Costa. P. 292. Separata de Um modo de ser
moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea/ organizado por Ana Luiza Nobre [ET AL.] São Paulo: Cosac &
Naify, 2004.
86
PESSÔA, José (org.). Lucio Costa: Documentos de Trabalho. 2ª Edição – Rio de Janeiro: Iphan, 2004, p.09.
87
COMAS, Carlos Eduardo Dias. Protótipo e monumento, um ministério, o ministério. Projeto. ago. 1987, n. 102: p.
142.
Figura 28. MESP, Lucio Costa. Praça térrea com painel de Portinari. Fonte: Wisnik (2001: p.56).
Figura 29. Terraço-jardim, pedras portuguesas e paisagismo de Burle Marx. Fonte: Wisnik (2001: p.59).
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permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
55
O modelo conceitual seria então recuperado no vernáculo colonial em prol do
moderno. Na obra de Costa
88
as associações modernas iluminam o passado onde a
utilização é por vezes abstrata, ambígua e tradicional. Os vazios aparecem em seus
projetos em meios a técnicas e ‘jeitos’ tradicionais. O projeto para a Vila Monlevade
(1934) é concebido com princípios modernistas, a praça deste projeto é idealizada
com ‘jeito’ de interior das antigas cidades e ar familiar. A solução de casas dispostas
duas-a-duas remete-se ao alinhamento da antiga cidade colonial, porém ao quebrar
sua continuidade justapõe o padrão moderno, justificando-se pela importância de
maior intimidade e relativo isolamento para os operários. No Parque Guinle (1948-54),
os conceitos se misturam, entre elementos modernistas e tradicionais, os primeiros
representados pelos brises da fachada e os segundos por elementos cerâmicos -
cobogós.
88
As obras serão analisadas no próximo capítulo quanto aos vazios, aqui interessa-nos saber pontualmente a ligação
moderna e tradicional.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
56
A equação modernista: ser moderno = ter uma tradição” é ainda melhor explicitada
nas próprias palavras de Lucio Costa: “Nós queríamos incorporar aquela tradição, não
para imitá-la, mas para criarmos a partir dela (...). (Lucio Costa apud Santos 1992:
p.439).
Lucio Costa é nome marcante na construção da identidade modernista exercendo um
papel central na questão nacional e por assim dizer, universal, transitória e tradicional.
A partir de então o urbanismo modernista de Costa é foco do próximo capítulo, que
tem como referência o uso dos vazios em seus projetos, antecedendo um marco maior
para a contribuição modernista – o Plano Piloto de Brasília.
Figura 30. Vazios do projeto não executado da Vila Monlevade e área residencial ao fundo, 1934. Lucio Costa. Fonte:
Wisnik (2001: p.50).
Figura 31. Vazio lateral da Fachada Sul na Rua Pedro Lessa. Lucio Costa e equipe, 1945. Fonte: Wisnik (2001: p.53).
Figura 32. Vazio representado pelo jardim do Parque Guinle e Edifícios com combogó ao fundo, 1948-54. Lucio Costa
(2001: p.86).
57
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 5
55
5
URBANISMO MODERNISTA BRASILEIRO LUCIO COSTA E OS
ANTECEDENTES DE BRASÍLIA
Figura 33. Pilotis do MESP, 1945. Lucio Costa. Fonte:
(2002: p.182).
Figura 34. Foto de Lucio Costa. . Fonte: Costa (1986: p.
29).
Figura 35. Perspectiva projeto Cidade Universitária, 1936.
Lucio Costa. Fonte: Costa (1985: p. 172).
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Parte 2
58
O reconhecimento da identidade modernista no Brasil não pode se desvincular da
representatividade e empenho de Lucio Costa, que teve papel fundamental na
construção simultânea da arquitetura e do urbanismo modernos brasileiros e do
patrimônio histórico e artístico nacional. O propósito é ampliar o campo de debate
sobre a contribuição do urbanismo moderno brasileiro de Costa, e especificamente
sobre os vazios urbanos como elemento estruturante do modernismo.
Entre o elo da tradição e modernismo, construiu-se uma identidade nacional. Aqui,
neste capítulo, interessa-nos saber como Lucio Costa expressa os princípios
universais, no campo urbanístico. E especificamente o uso dos vazios como
componentes dos princípios modernistas.
A construção da capital, Brasília, é o exemplo mais emblemático do ponto de vista do
raciocínio modernista de Costa. Antes de fazer uma leitura do urbanismo no Plano
Piloto, examinar as referências de projetos anteriores e ‘modos’ que aponte como ele
virá a compreender e apreender a configuração a ser assumida em Brasília, é então o
objetivo deste capítulo.
Os escritos e projetos de Lucio Costa constituem referência para reflexão sobre a
realização do espaço modernista. A começar pelo projeto da Vila Monlevade (1934)
89
,
conjunto habitacional para a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira de Sabará, a
solução adotada levou em consideração a topografia do terreno, procurando “(...)
evitar os inconvenientes, difíceis sempre de remediar, dos delineamentos rígidos ou
pouco maleáveis, procurando, pelo contrário, aquele delineamento que se
apresentasse como mais elástico, tornando assim fácil a sua adaptação conveniente
às particularidades topográficas locais”
90
. No declive mais acentuado, Costa dispôs as
residências duas a duas com sistema construtivo preconizado vinte anos por Le
Corbusier e P. Jeanneret, ou seja, princípios da arquitetura moderna entre estes o
uso de pilotis que ao mesmo tempo utiliza técnicas tradicionais (barro armado para
paredes de vedação).
“Assim uma concepção nitidamente moderna (unidades em série) justapõem-
se padrões convencionais, tanto para atender as demandas de uma
sociedade de massa quanto para conferir à vila um certo ar familiar [grifo do
89
Este projeto é resultado de um concurso que teve como eleito vencedor, o engenheiro Lincoln Continentino, apesar
do projeto de Costa não ter sido executado, seu desenhos tornaram referência para o estudo modernista.
90
Costa, Op.Cit., p. 92.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
59
autor], próprio das cidades do interior com suas relações de proximidade e
afeto.”
91
A área pública foi setorizada em torno de uma praça, nela se encontra ao centro um
espelho d’água, configurada como espaço de convívio e ponto de encontro entre as
áreas comercial, de serviços e de lazer (clube, cinema, escola, armazém e igreja).
91
KAMITA, Joao Masao. A lírica construtiva de Lucio Costa e Volpi, p. 260. In NOBRE (org.), Op.Cit.
Figura 36. Perspectiva das casas dos operários. Vila Monlevade, Lucio Costa, 1934. Fonte: Costa (1985: p.93).
Figura 37. Corte da casa e detalhes construtivos. Vila Monlevade, Lucio Costa, 1934. Fonte: Revista da Diretoria de
Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, vol.3, nº3, maio de 1936.
Figura 38. Perspectiva Geral do Projeto. Monlevade, Lucio Costa, 1934. Fonte: Revista da Diretoria de Engenharia da
Prefeitura do Distrito Federal, vol.3, nº3, maio de 1936, p. 114.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 2
60
A dualidade entre tradição e modernidade está presente neste projeto ao utilizar
elementos construtivos, ao mesmo tempo racionais e nacionais na composição
arquitetônica.
Racional e moderno por meio de um espaço organizado, setorizado: que distingue
entre o público (centro cívico) e privado (área residencial). O vazio é visto em primeiro
plano dentro do qual foram dispostas as edificações, distanciadas umas das outras; ao
seu redor o efeito paisagístico, baseado no “imprevisto da vegetação” é responsável
pelo contraste entre a simetria do objeto arquitetônico versus a assimetria da natureza.
“(...) os croquis elaborados por Lucio Costa mostram muito bem, a natureza
domesticada (o jardim) em contraste com a natureza selvagem (a mata
circundante).
92
“Quanto à vegetação, além do aproveitamento das árvores existentes
previsto no edital seria de toda a vantagem um plano completo que não se
limitasse às ruas e praças, mas incluísse nos seus cuidados os próprios
jardins das casas, contribuindo assim para a harmonia do conjunto. A
administração da vila deveria também proibir terminantemente a poda das
árvores ou arbustos em formas bizarras ou geométricas, pois constitui um
dos preceitos da urbanização moderna [grifo nosso] o contraste entre a
nitidez, a simetria, a disciplina da arquitetura e a imprecisão, a assimetria, o
imprevisto da vegetação.
93
Nacional e tradicional, quando remete às antigas praças de interior das cidades
brasileiras. “Este espaço é igualmente contextualizado por incorporar os elementos
pertencentes ao vocabulário de nossas praças tradicionais”
94
. Se por um lado, Costa
adota o caráter modernista de distinção dos setores ao colocar as quatro edificações
públicas: igreja, armazém, cinema e clube em torno de uma praça cívica, “atribuindo a
cada edifício o caráter próprio a sua finalidade
95
, o vazio representado pela praça se
aproxima mais do princípio tradicional, em vez de plataforma concretizada, livre de
vegetação e desimpedida de elementos construídos: um espelho d’água, arborização
92
Schlee, A. R.; Donato, L. A Praça do Marquis. In: VII Seminário Docomomo Brasil, 2007, Porto Alegre. Anais do VII
Seminário Docomomo Brasil, 2007.
93
COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995, p. 99.
94
GOROVITZ, Matheus. Brasília uma questão de escala. 1ª. ed. São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda., 1985,
p.65.
95
Costa, Op.Cit., p.94.
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permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
61
e mobiliários uma pracinha do interior recriada, com igreja no alto, cinema, clube e
armazém comercial”
96
, até um coreto compõe o conjunto.
Em 1936, no Rio de Janeiro, o concurso para o Ministério de Educação, seria marcado
pela presença de Le Corbusier
97
no Brasil e o projeto executado por Lucio Costa e
equipe se tornaria a “ponta de lança da instauração de uma modernidade cultural de
bases internacionais”
98
. Entre os elementos marcantes dos princípios universais e da
relação da edificação com a cidade: estrutura independente, terraços-jardim, elevação
do solo com o uso do pilotis e livre passagem para os pedestres, a negação da rua-
corredor ao isolar a edificação no centro.
“Pilotis e brise-soleil [grifo do autor], correntes na linguagem da arquitetura
moderna brasileira a partir do marco fundador do Ministério de Educação, não
aparecem nesse caso para dar lugar a uma volumetria inteira, de forma pura
e anônima, que se implanta paradoxalmente nos alinhamentos do terreno à
maneira da rua corredor [grifo do autor] do urbanismo tradicional de Agache
[plano diretor
99
]. Era necessário isolar o prédio do MESP do conjunto de
edificações à sua volta e, com isso, ressaltar o valor simbólico do marco da
arquitetura moderna brasileira.”
100
A área em torno do qual seria erguido o MESP era de massa edificada, em virtude do
plano de urbanização formal francês de Alfred Agache. A nova relação possibilitaria
abertura, o vazio representado por uma praça dentro de uma malha urbana
densamente construída e onde a edificação ao centro não impede a continuidade dos
espaços no terreno. “O projeto do edifício contém uma possibilidade expansiva que o
ultrapassa em sua existência isolada, gerando um corpo de relações espaciais e de
significado que exponenciam sua força discursiva”
101
.
96
Schlee, Op.Cit.
97
Le Corbusier havia passado pelo Brasil em 1929, mas foi em 1936 que Costa propôs a Capanema trazê-lo para ser
ouvido sobre o projeto da Cidade Universitária e o Ministério de Educação e Saúde Pública, vindo a refazer o estudo
da Cidade Universitária. Antes disso, o concurso fora anulado e então Lucio Costa é contratado para novo projeto,
logo após com a presença de Le Corbusier é proposto por ele a troca de terreno elaborando um novo risco e mais
tarde outro para o terreno original, no entanto Costa e equipe volta a traçar nova solução chegando à proposta
definitiva que começaria a ser construída em 1937 e inaugurada em 1945.
98
WISNIK, Guilherme. Espaço da Arte Brasileira/ Lucio Costa. Cosac & Naify Edições, São Paulo, 2001, p. 16.
99
Plano Agache foi um plano diretor elaborado no final da década de 1920, levantando questões do urbanismo, no
entanto a revolução de 30 interrompeu sua execução por se tratar de uma inicativa da Velha República.
100
PESSÔA, José. Lucio Costa e o Rio de Janeiro. P. 152. Separata de Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a
crítica contemporânea/ organizado por Ana Luiza Nobre [et al.]. – São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
101
WISNIK, Op.Cit, p. 17.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 2
62
Em 1936, o projeto para o Campus da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, seria
elaborado preliminarmente por Le Corbusier e numa segunda proposta,
posteriormente por Lucio Costa e equipe. Ambos os projetos foram recusados pelas
autoridades.
Na proposta de Costa, destacam-se os vazios ora representados por: pátios internos
das escolas; a grande praça marcada pelo pórtico de entrada; a largura do eixo
central; a praça com a massa imponente” do hospital e o distanciamento entre os
conjuntos. Significados universais responsáveis pela inversão de figura-fundo, onde o
Figura 39. Vista aérea do centro do Rio de Janeiro e delimitação do terreno do MESP. Fonte: Google earth. Acesso abril
de 2009.
Figura 40. Continuidade do espaço. MESP. Lucio Costa, 1945. Fonte: Casciato (2007: p. 129).
Figura 41. (c) Solução de Le Corbusier para terreno final e (d) Solução executada pelo grupo de Lucio Costa. Fonte:
Wisnik (2001: p.20).
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Parte 2
63
que se em primeiro plano é o espaço verde (os vazios) e a hierarquia entre as
partes: primeiramente um espaço representado por uma grande praça marcado pelo
pórtico de entrada, proporcionando a impressão de serenidade e grandeza que se
tem revela, ainda aqui, a presença da arquitetura” (Costa 1995: p. 182-183), este
interligado por um grande eixo possibilitando uma “seqüência de impressões”,
finalizado por outra praça que levava uma “massa imponente” do hospital.
“As partes do projeto estabelecem entre si uma relação hierárquica,
ordenando a multiplicidade de tipologias, espaços e escalas que marcam a
proposta. O espaço aberto é uma fator básico de ligação entre os elementos
do projeto, inter-relacionado-os na forma de eixos virtuais.
102
Em 1937, à frente do SPHAN, a preocupação de Costa abrangia tanto a herança
patrimonial do país como a construção do futuro, surge assim a oportunidade do
Museu das Missões um campo de ruínas “sobre o qual a modernidade é erigida,
trazendo o passado para o presente” (El-Dahdah 2004: p.290). O propósito de
102
GOROVITZ, Matheus. Brasília uma questão de escala. 1ª ed. São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda, 1985,
p.63.
Figura 42. Projeto de Lúcio Costa para a Cidade Universitária, 1936. Fonte: Gorovitz (1985: p.43).
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64
recuperar o legado deixado pelas missões jesuíticas no Rio Grande do Sul
compreendia além da igreja, uma praça com dimensões virtuais - um vazio desprovido
de qualquer elemento, que não passou despercebido na proposta. Juntamente com
Paulo Thedim Barreto, Lucio Costa propõe a implantação de um museu e de uma
residência para zelador situando-os em um dos lados da praça. “A arquitetura servindo
de ponto de referência para a leitura e entendimento do espaço público. Desta vez,
temos o contraste entre o vazio-gerador natural e sagrado para os índios (a praça) e o
cheio-focal artificial e sagrado para os padres (o templo).
103
Cerca de dez anos depois, o parque da mansão de Eduardo Guinle (1948-1954), no
Rio de Janeiro, foi entregue para Lucio Costa projetar o “prenúncio das superquadras
de Brasília”
104
. O projeto original previa seis edificações para serem implantadas no
parque. Foram construídas três unidades: os edifícios Nova Cintra, Bristol e Caledônia.
103
Schlee, A. R.; Donato, L . A Praça do Marquis. In: VII Seminário Docomomo Brasil, 2007, Porto Alegre. Anais do
VII Seminário Docomomo Brasil, 2007.
104
Ver Costa (1995: p.205).
Figura 43. Implantação. São Miguel das Missões, vazio da praça. Lucio Costa, 1937. Fonte: Wisnik (2001: p. 62).
Figura 44. Visão do centro do vazio da praça. Lucio Costa, 1937. Fonte: Wisnik (2001: p. 63).
Figura 45. Face norte do museu e catedral de S. Miguel ao fundo. Lucio Costa, 1937. Fonte: Wisnik (2001: p. 63).
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Parte 2
65
Os vazios, neste exemplo, são representados por um parque existente na mansão, o
qual Costa preocupou-se em manter íntegro. A solução encontrada foi a implantação à
margem deste, e com isso enfrentaria a orientação desfavorável para o poente. Os
vínculos com o racionalismo seriam presenciados pelo uso de pilotis, fachadas
envidraçadas, loggias, elementos de brises integrados com o vazio preservado do
parque.
Diante disto, os vazios em sua obra constituem um elemento sempre presente, como
modelo de um espaço moderno qualificador, seja pela inserção em um tecido urbano
já consolidado, abrindo uma praça com a edificação vazada do MESP, proporcionando
respiro e desafogo para as construções imediatas; pelo resgate do vazio existente e
agora demarcado com a construção do Museu de São Miguel possibilitando que a
Figura 46. Perspectiva do conjunto com os seis edifícios propostos. Parque Guinle, 1948-54. Lucio Costa. Fonte: Wisnik
(2001: p. 87).
Figura 47. Vista do Parque Guinle a partir do cobogó da edificação. Parque Guinle, 1948-54. Lucio Costa. Fonte:
http://www.vitruvius.com.br/entrevista/luciocosta/. Acessado em abril de 2009.
Figura 48. Visão Geral do Parque Guinle. 1948-54. Lucio Costa. Fonte: Wisnik (2001: p. 86).
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66
“vastidão do pampa gaúcho” concretize “a sensação etérea do terreiro a partir do
vazio” (Wisnik 2001: p.17); pela volumetria mais liberta em harmonia com o vazio
representado pela natureza da Vila Monlevade ou vazios disciplinado pelo eixo central
articulador da Cidade Universitária.
O urbanismo modernista de Lucio Costa utiliza dos vazios urbanos como elemento
estruturante de uma identidade modernista, universal e por vezes com ‘ar familiar’
tradicional. Costa retoma estes princípios, anos mais tarde, no Plano Piloto de Brasília.
Neste último, o projeto é concebido por cruzamento de eixos, neles os vazios são
considerados fundo na construção do plano urbanístico.
“[Em Brasília] o continuum é o vazio, no interior do qual situam-se as
edificações, afastadas umas das outras e limitadas integralmente pelo espaço
não edificado que as circunda por todos os lados; nela o vazio é o pano de
fundo da edificação. Se a cidade tradicional pode, de certa maneira, ser vista
como a montagem de um brinquedo lego [grifo da autora], no qual sólidos de
formas distintas são acoplados entre si, indissociavelmente unidos, no caso
de Brasília esta associação se desfaz, e cada uma das peças passa a ter
existência própria, sem contato direto com a outra, num conjunto que se
caracteriza não pela união, mas sim pela atomização das suas partes
construídas.
105
Brasília e os vazios urbanos se constituem a próxima análise, que tem como propósito
responder a que identidade lhe foi atribuída, quando da inscrição mundial na
UNESCO.
105
BICCA, B.P. Um passeio por Brasília. In Guia de Urbanismo, Arquitetura e Arte de Brasília. Braga, A. C. Brasília:
Fundação Athos Bulcão, 1997.
67
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 6
66
6
BRASÍLIA: PATRIMÔNIO CULTURAL IDENIDADE MODERNISTA E
NACIONAL?
Foto 7. Interior da Catedral. Prêmio Foto Arte. Foto: Marcelo Catalan.
Foto 8. Cúpulas do Plenário. Congresso Nacional. Prêmio Foto Arte.
Foto: Mario Lalau.
Foto 9. Vista Aérea de Brasília. Foto: Marcos Rebouças.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 2
68
Dos riscos do Ministério de Educação e Saúde Pública até os traços dos projetos
subseqüentes, a concepção de Lucio Costa para a nova capital, seria, no entanto,
revestida das experiências de seus projetos antecedentes, mas cheias de
características próprias que foram se incorporando do projeto ao tombamento. Assim,
em uma Brasília que vem sendo vivenciada mesmo antes de sua inauguração, qual a
identidade da Capital Federal que se quer preservar, a partir dos anos 80 e como os
vazios têm participação nessa construção identitária?
Juscelino Kubitschek, já conhecido como um dos protetores do movimento moderno
106
considerava a importância das cidades planejadas, o que o levou a colocar em prática
a transferência da capital
107
para o centro do país. Após assumir a Presidência da
República em 1956, com o objetivo de construir a cidade, criou a Companhia
Urbanizadora da Nova Capital NOVACAP e nomeou o arquiteto Oscar Niemeyer
como chefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Foi proposta a realização
de um concurso de projetos para a concepção e desenho da nova capital. Foram
apresentadas vinte e seis propostas, das quais sete seriam selecionadas para
avaliação. Em comum, tinham a inspiração modernista constante da Carta de Atenas e
a previsão de estruturas que permitissem flexibilidade quando do desenvolvimento da
cidade.
Tavares (2004) observa que o caráter modernista se iniciava desde a formação da
comissão julgadora
108
, antecedendo a conotação de julgamento,
“De fato as escolhas do júri refletiram os princípios modernistas ainda em
voga no Brasil. Demasiado explorado pela historiografia nacional e
internacional, o resultado do Concurso (com os sete premiados) comprovava
a visão modernista predominante. (...) Uma cidade monofuncional, setorizada
e eficiente, era essa a visão da capital federal que o diretor de urbanismo da
NOVACAP esperava do plano piloto vencedor.”
109
.
106
Fato este que começou quando assumiu a Prefeitura de Belo Horizonte, levando à prática a construção modernista
do bairro de Pampulha com o apoio de Oscar Niemeyer, arquiteto das edificações.
107
Preliminarmente a Missão Cruls (1892-1893), comissão responsável pela investigação da região e levantamento
topográfico do novo local para a capital, depois os presidentes na tentativa da nova empreitada se voltaram para a
mudança, só vindo de fato a se consolidar em 1955 com o governo de Juscelino Kubitscheck.
108
Israel Pinheiro como Presidente da NOVACAP (presidente sem direito de voto), o diretor do Departamento de
Urbanismo e Arquitetura da NOVACAP era Oscar Niemeyer e contava com o apoio de Stamo Papadaki (divulgador
das primeiras obras de Niemeyer no exterior), Paulo Antunes Ribeiro como representante do Instituto dos Arquitetos
do Brasil, Luiz Hildebrando Barbosa (associação dos Engenheiros) e a representação estrangeira de William Holford
(assessor urbanista do Governo Britânico) foi um dos responsáveis pelo plano regulador de Londres e André Sive,
arquiteto francês e conselheiro do Ministério da Reconstrução. Oscar Niemeyer tinha voz predominante tanto pela
competência quanto pelo relacionamento com os demais participantes do júri. (Ver Bruand 2005: p.355).
109
TAVARES, Jéferson. Projetos para Brasília e a cultura urbanística nacional, dissertação de mestrado. Programa
de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – EESC-USP, São Carlos, 2004, p. 94.
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Parte 2
69
Além disso, o próprio edital do concurso também ensejava a visão modernista na qual
a cidade deveria ser concebida, Medeiros (2007: p.2), citando Fischer e Batista
110
,
explicita os elementos de uma urbanística moderna para a execução do projeto:
“Plano Piloto deverá abranger o traçado básico da cidade, indicando a
disposição dos principais elementos da estrutura urbana, a localização e a
interligação dos diversos setores, centros, instalações e serviços, distribuição
dos espaços livres e vias de comunicação.” (GDF, 1991:13).
Em 16 de março de 1957, foi declarado o projeto vencedor: o de Lúcio Costa.
Ressaltada a imagem voluntariamente simples e elementar de sua proposta, para uma
cidade de no máximo 500 mil habitantes, ‘um traçado básico’ e um relatório justificativo
foi entregue à comissão julgadora. Assim nascia Brasília, configurava-se a cidade em
quatro grandes escalas: monumental, residencial, gregária e bucólica. Ao mesmo
tempo em que a busca pela identidade nacional, pelas raízes culturais estavam em
pauta.
“Na verdade, se o movimento moderno se deixou usar como símbolo
nacionalista de grande visibilidade, capaz de legitimar um poder ou uma
estratégia política, também usou deste poder ou estratégia de modo a
garantir a hegemonia da arquitetura modernista, considerada não apenas um
update [grifo da autora] da expressão artística nacional, mas também um
meio de fortalecer a identidade brasileira. Neste sentido, pode-se afirmar que
a proposta vencedora de Lucio Costa para o Concurso Nacional do Plano
Piloto da Nova Capital do Brasil constituiu o ponto alto do projeto
modernista.”
111
Brasília foi idealizada pelo cruzamento dos dois eixos: o monumental e o rodoviário
que possuem significação delineada. O primeiro abriga o centro cívico e
administrativo, os setores comerciais, de serviço e cultura. O segundo é marcado pela
via de circulação da cidade e responsável por levar de uma ponta a outra do eixo
arqueado. Ao longo desta via encontra-se a área residencial, concebida segundo os
princípios de superquadras, compostas por edificações com pilotis inseridos em meios
a espaços verdes, margeados por um pequeno pólo de serviços. No cruzamento dos
110
FICHER, Sylvia & BATISTA, Geraldo de Nogueira. (1991). Plano Piloto Brasília , p. 56. In:Brasília: Guia
Arquitetura. Dulce Soares (Coordenação Geral). São Paulo: Empresa das Artes, 54-61.
111
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida . Brasília, o Museu, a Biblioteca e o Vazio Urbano - Elementos para
Reflexões. In: I Trienal de Arquitetura de Lisboa - Seminário Estudos Urbanos 2007 - Vazios Úteis, 2007, Lisboa.
Anais do Seminário Estudos Urbanos 2007 - Vazios Úteis, 2007.
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Parte 2
70
eixos encontra-se uma rodoviária e a escala gregária representando o centro de
diversões e comercial.
“Brasília nasceu sob o signo da hierarquia: pensada como capital de um país,
Lucio Costa atribuiu ao seu projeto o coerente caráter de civitas [grifo do
autor] atributo nem sempre evidenciado nos demais participantes do
concurso, mas devidamente formulado pelo vencedor e destacado na ata do
júri. Hierarquia que permeia o desenho da cidade: uma clara definição da
dimensão pública (eixo monumental) da dimensão privada (eixo residenciais)
e, no aspecto intra-urbano, a setorização das atividades em áreas
especializadas (setor hoteleiro, setor bancário, setor industrial, setor de
diversões etc.).
112
O Plano Piloto de Costa foi edificado sobre alicerces internacionais e nacionais. Por
um lado uma Brasília racionalista:
filiada aos princípios da Carta de Atenas, unidades de vizinhanças, hierarquia
das vias e zoneamento de funções;
entre Le Corbusier e a “lembrança amorosa de Paris” (Costa 1985: p. 282),
através do qual, “as vias são classificadas segundo os tipos de tráfego, os
edifícios são (...) imersos nos verdes”
113
e sobre pilotis, ambientes amplos
conservando “as melhores qualidades da tradição francesa (...), a escala
grandiosa audaciosamente antecipada em relação às necessidades funcionais,
a regularidade geométrica e a monumentalidade não separada da delicadeza”
114
;
entre Howard e “os lawns da minha meninice”
115
ingleses, dotados de
relacionamento favorável entre edifícios e áreas verdes.
Os vazios, como elemento modernista, ganham notoriedade, a massa edificada da
cidade tradicional lugar a amplos espaços verdes. Hierarquizados sob formas de
escalas.
Na escala monumental, os vazios representados por terraplenos foram detalhados no
Relatório do Plano Piloto:
112
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil. 1900-1990. 2. ed - São Paulo: Edusp, 1997, p.125.
113
BENÉVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo. Perspectiva, 1989, p.431.
114
Idem.
115
Costa, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995, p. 282.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Parte 2
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“Criou-se um terrapleno triangular, com arrimo de pedra à vista (...) o
Congresso no vértice, com frente igualmente para uma ampla esplanada
[grifo nosso] disposta num segundo terrapleno. (...) Ao longo dessa
esplanada o Mall [grifo do autor] dos ingleses extenso gramado [grifo
nosso] destinados a pedestres, a paradas e a desfiles, foram dispostos os
ministérios militares constituindo uma praça autônoma [grifo nosso], (...). A
Catedral ficou igualmente localizada nessa esplanada, mas numa praça
autônoma [grifo nosso], (...).”
116
Na escala residencial: “o chão livre e acessível a todos através do uso generalizado
dos pilotis e o franco predomínio do verde, trouxe consigo uma nova maneira de viver,
própria de Brasília e inteiramente diversa das demais cidades brasileira. (Costa 1987:
p. 3).
Na escala gregária, não tão amplos assim, “teve a intenção de criar um espaço urbano
mais densamente utilizado e propício ao encontro.” (Costa 1987: p. 3).
Os vazios da escala bucólica são representados pelas “extensas áreas livres, a serem
densamente arborizadas ou guardando a cobertura vegetal nativa, diretamente
contígua às áreas edificadas (...).” (Costa 1987: p. 3).
Por outro lado uma Brasília tradicionalista: “(...) A pureza da distante Diamantina
117
dos anos vinte marcou-me para sempre. (...)” (“Ingredientes” da concepção urbanística
de Brasília, in Costa 1995: p.82). Segundo Bruand, a solução proposta por Costa não
partiu de pesquisas mais detalhadas, e sim de um “gesto inicial (...) que toma posse
dele”, através de dois eixos que formaram “o próprio sinal da cruz” (Costa 1991: p.1).
“Ali pode-se encontrar uma das fontes de inspiração preferidas do arquiteto: a figura
em questão ligava-se à mais pura tradição colonial, transposta para um novo campo
em função das necessidades do presente, (...)”
118
. Esta referência pretérita de Costa,
como visto nos capítulos anteriores, introduziu as técnicas construtivas da época
colonial, valorizando-as e reinterpretando-as como elemento estruturante na produção
arquitetônica e urbanística modernas, a exemplos do analisado nesta dissertação:
MESP, Monlevade, Cidade Universitária e Parque Guinle.
No caso de Brasília, o setor residencial se harmoniza, ao integrar tradicional e
moderno. Tradicional no sentido de rememorar o convívio entre as pessoas, e
116
COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto. Brasília: GDF, 1991, p. 22.
117
Ao viajar para Diamantina em 1924, a mando de José Mariano Filho, a fim de colher elementos de composição do
neocolonial deparou-se e se encantou com a descoberta da ‘verdade construtiva’ da época colonial. (Ver entrevista
de Lucio Costa a Beatriz Marinho, em o Estado de São Paulo, suplemento Cultura, 13 de fevereiro de 1988, p. 1-4).
118
BRUAND, Op.Cit., p. 361.
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conceber a superquadra como área mais íntima, edificada até 6 pavimentos e envolta
por um cinturão verde, abrindo para amplos espaços internos” permitindo que as
crianças brinquem “à vontade ao alcance do chamado das mães” (Costa 1985: p.
308). Moderno por colocar a massa edificada solta do chão, sobre pilotis, deixando o
solo livre para circulação, como cidade-jardim. Criando,
“uma atmosfera de bem estar (...) uma serenidade sem isolamento tão
próximos do Brasil de sempre. Nas cidades mineiras antigas, também a
receita básica de moradia era uma só: casas geminadas, mesmo tipo de
telhado, de janelas, de portas as variações decorriam da topografia, de
sutilezas de proporção, dos detalhes(...) mas tudo claramente limitado pelo
padrão comum da receita única. Talvez seja este o parentesco entre dois
resultados urbanos tão diferentes.”
119
Apesar desta harmonia, os vazios, configuraram-se com os elementos modernistas
(zoneamento, hierarquização...) e em Brasília, o paradigma do urbanismo
funcionalista. E como referência de projeto modernista, nesta mesma época, entre
modernismo e prática preservacionista, o Brasil se empenhava em construir uma
identidade nacional. Descrevemos a Brasília do projeto de Costa e a inaugurada,
obtendo a leitura de identidade modernista, o tombamento de Brasília acontece 30
anos depois de sua inauguração ampliando o debate patrimonialista e o
questionamento à qual expressão identitária, a Brasília tombada pertence? Para isto,
elencaremos as ações e fatos que terminaram por inscrevê-la na lista do patrimônio
mundial.
O comprometimento do Estado com a preservação, tem nos anos 30, a criação das
primeiras instituições públicas e as leis em respaldo a essa atividade. Trata-se do
Decreto-lei Nº 25, de outubro de 1937, direcionado aos interesses de instituição de um
espírito novo no país, de cunho nacionalista e ares modernizantes. “(...) Montado pela
vanguarda intelectual da época, se fundamentou na valorização de elementos do
período colonial, numa tentativa do país resgatar seus valores históricos e criar uma
identidade própria,(...)”
120
. É mais uma vez que se relembra que os atores ligados ao
movimento moderno estavam à frente, dos valores então adotados na prática
preservacionista nascente.
119
Costa, Op.Cit, p. 327.
120
REIS, Carlos Madson. Brasilia: espaço, patrimônio e gestão urbana. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) FAU/UnB. Brasília, 2001, p. 96.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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Isto suscitou, desde o surgimento de Brasília, a consciência de seu valor cultural inato
e a preocupação com a preservação de seu plano urbano e de suas principais obras
arquitetônicas. O decreto Lei 3.751 de 13/04/1960 Lei Santiago Dantas, definia a
estrutura organizacional da capital ressaltando que toda modificação do plano original
fosse submetida ao Congresso Nacional. No entanto, frente a velocidade das obras e
detalhamento ainda no canteiro, esta lei ficou impraticável, ocorrendo modificação no
plano ainda na fase de execução. (Ver Reis 2001: p. 115).
As iniciativas de legislação como a Lei Santiago Dantas (1960), o código de obras
(1967) e o Plano de Estruturação e Organização Territorial do Distrito Federal (1977)
vieram reforçar a importância da cidade. “(...) Frente à instabilidade política do país,
houve um natural arrefecimento nos ânimos de seus idealizadores e construtores, e
um receio quanto à perda do controle do processo construtivo e dos destinos
urbanísticos da cidade”
121
.
Segundo Medeiros (2006), se os anos 30 buscavam através do patrimônio,
materializar uma identidade nacional, nos anos 70, trata-se de encontrar “sobretudo
também uma identidade (inter)nacional” passando pela “questão da prática
democrática” e participação popular.
“É assim que o Brasil se consolidar uma nova orientação da prática
preservacionista nacional e, consequentemente, distrital ou estadual, onde o
objetivo prioritário passa a ser a instrumentalização da dimensão social da
cultura, de uma maneira geral e, particularmente, do patrimônio.”
122
Mas os anos 80 marcariam as iniciativas em torno da preservação da Capital Federal
através do Grupo de Trabalho para Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de
Brasília (GT Brasília). Segundo Menezes Júnior (2004), o grupo conduziria seus
trabalhos com uma visão mais abrangente de patrimônio cultural, neste sentido
colocaria “questionamentos e proposições a respeito de modos de conhecer e
interpretar os espaços urbanos” (Menezes Júnior 2004: p. 22). O GT Brasília como
algo mais além que “a dimensão artística moderna do conjunto arquitetônico e
urbanístico” (Medeiros 2006). O rol de bens patrimoniais acrescentaria os
remanescentes acampamentos da construção de Brasília e o patrimônio vernáculo das
cidades satélites de Brazlândia e Planaltina além das sedes de fazenda do Distrito
121
REIS, Op. Cit., p. 130.
122
MEDEIROS, Ana Elisabete. Brasília and the Social Dimension of the Cultural Heritage: Between the Local and
the International Levels. In: VIII Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico e Edificação,
Buenos Aires, 2006.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
74
Federal, bem como da paisagem natural do entorno. O trabalho do GT ganharia
notoriedade com o governo de José Aparecido, a partir de 1985 e serviria de
referência para candidatura de Brasília à lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.
No mesmo período, é elaborado um documento: Brasília 57- 85, desenvolvido pelos
arquitetos Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas de Lima, “um amplo estudo sobre os
problemas urbanísticos do Plano Piloto de Brasília” que contou com a assessoria de
Lucio Costa e que dois anos depois originaria o documento Brasília Revisitada (Ver
Reis 2002: p. 121).
Entre as recomendações que se voltam para os vazios do Eixo Monumental,
destacam-se a importância dada ao paisagismo: “a proposta paisagística para o
canteiro central da Esplanada se restringe ao gramado contínuo, (...) a massa
densamente arborizada prevista para os Setores Culturais (ainda até hoje desprovidos
de vegetação).” (Costa 1985: p. 45-52). Quanto à ocupação, o canteiro central
obedeceria ao que foi proposto no Plano Piloto - concebido como vazios. Os espaços
do Setor Cultural até esta data contavam, ao norte, com o Teatro Nacional, sendo
então recomendado de se “manter o critério de destinar estas áreas centrais para
instituições públicas e equipamentos de interesse cultural e comunitário. (...)” (Costa
1985: p. 51). As edificações deveriam ser de gabarito baixo e de autoria de Oscar
Niemeyer, porém na ausência do arquiteto o padrão arquitetônico deveria ser mantido.
O documento Brasília Revisitada 1985-87 foi elaborado por Costa, visando
complemento, preservação, adensamento e expansão urbana. Algumas diferenças
entre este e o GT Brasília são apontadas por Ribeiro (2005: p.99) e Medeiros (2006), o
GT tem na cidade um “espaço dinâmico para além e aquém dos limites do Plano”, e a
Brasília Revisitada se define nos limites do projeto do Plano Piloto.
A pedido do governador, o GT seria responsável de enviar um dossiê à UNESCO.
Apesar do “embasamento teórico” e do trabalho detalhado do GT, o parecer foi adiado
pelo relator do Patrimônio Mundial, até que exigências de proteção por meio de uma
legislação fosse cumpridas, mas a elaboração da normatização do anteprojeto de Lei
de 1987 se encontrava em curso. Ao mesmo tempo o embate entre Lucio Costa
(Brasília Revisitada) e GT Brasília daria prosseguimento. Lucio se opôs ao dossiê
entregue pelo grupo, que a seu ver, equivocou-se pelo enfoque dado pela preservação
sobre a cidade modernista. “O que interessa para a Unesco, para o mundo é a cidade
modernista do Plano Piloto. Vocês estão misturando isso com o acampamento
pioneiro, com a cidade velha de Goiás, vocês estão misturando tudo (...)” (Lucio Costa
apud Ribeiro 2005: p. 101).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
75
Enfim, o reconhecimento de Brasília como patrimônio apenas acontece por meio de
decreto-lei 10.829 de outubro de 1987, do Governo do Distrito Federal que
regulamenta o artigo 38 da lei federal n.º 3.751 de 13 de abril de 1960, a Lei Santiago
Dantas. Por iniciativa do governador José Aparecido de Oliveira, a proposta de
regulamentação era menos ampla que a defendida pelo GT, e menos burocrática que
a do IPHAN
123
. O conjunto urbanístico do Plano Piloto foi inscrito em dezembro do
mesmo ano na lista do Patrimônio da Humanidade – UNESCO, a fim de que a
estrutura e os conceitos que nortearam o planejamento da cidade fossem mantidos. A
sua manutenção se daria de acordo com a concepção do terreno: as quatro escalas e
a ocupação urbana deveriam obedecer ao estabelecido no Relatório do Plano Piloto.
“Em qualquer que seja a instância, a despeito do trabalho do GT ou da
ênfase internacional e mesmo nacional, no período Aloísio Magalhães,
acerca da dimensão social do patrimônio, o que se percebe, de fato, é que,
entre o nacional e o internacional, Brasília se constrói como bem cultural, nos
anos oitenta, sobre alicerces que privilegiam aspectos e valores históricos e
artísticos (inter)nacionais [grifo nosso].”
124
Em fevereiro de 1990 Brasília é tombada como Patrimônio Histórico Nacional e a
regulamentação desse ato é feita através da Portaria N.º 04 do SPHAN, 14/03/90,
elaborada por Campofiorito, fixando-se sua escala no essencial, liberando-se as
edificações em geral, com exceção dos monumentos excepcionais”.
A imagem que se desejava preservar era a cidade concebida como modernista.
“Ao mesmo tempo, com os atos de proteção local, mundial e nacional (na
ordem cronológica em que ocorreram), o grupo articulador do processo (José
Aparecido, Carlos Magalhães, ìtalo Campofiorito, Lucio Costa) visava
preservar a cidade idealizada por seu criadores e políticos.”
125
Preservada na condição modernista, a importância também seria dada ao elemento da
urbanística moderna os vazios urbanos. Durante o processo de tombamento Lucio
Costa e seus colaboradores seriam responsáveis por influenciar nas decisões, é Oscar
Niemeyer que escreve a Campofiorito que: “não basta tombar os edifícios públicos da
nossa capital, é preciso fazê-lo também com os espaços vazios nos quais estão
123
A proposta da direção do IPHAN contava com o apoio de Ítalo Campofiorito e Lucio Costa e propunha o espaço do
Plano Piloto como Monumento Histórico o que implicaria análise do próprio IPHAN e Congresso Nacional.
124
MEDEIROS, Op. Cit., p.7.
125
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural. São Paulo:
Annablume, 2005, p. 104.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
76
inseridos”
126
, reforçando a necessidade de considerá-los área non-aedificandi”
(Ribeiro 2005: p. 107).
Segundo a portaria o artigo 8º do IPHAN Nº04/90, a escala bucólica
“confere à Brasília o caráter de cidade-parque, configurada em todas as
áreas livres, contíguas a terrenos atualmente edificados ou institucionalmente
previstos para edificação e destinadas à preservação paisagística e ao lazer”.
O caso atípico quanto à preservação é o fato de ter se dado por meio de escalas
urbanísticas, Ribeiro (2005: p. 116) explicita que estas podem ser definidas como a
“materialização no espaço e na configuração urbana resultante da relação
entre dimensões e formas relacionadas, também com a sua localização
espacial. Essas escalas, embora se manifestem no espaço de maneira
concreta pelas edificações e pelos espaços vazios e na relação como meio
ambiente, pressupõem a relação entre a cidade e o morador e usuário”.
O caso excepcional do tombamento de Brasília preserva uma identidade moderna que
se buscou nacional, mas que também se fez frente ao mundo, universal, que não se
perdeu ou foi relegada ao esquecimento, como outros exemplos do patrimônio
nacional, somente recentemente resgatados do ostracismo, mas parece apenas se
transformar, ao longo do tempo.
“Brasília é única. Ela não precisa do resgate de elementos diferenciadores,
identitários. É única por ser modernista. É única por ser centro do poder. É
única por ser multicultural. Neste sentido, o argumento de construção
patrimonial como meio de reforçar a identidade local o se sustenta da
mesma maneira que em outras cidades brasileiras. Este aspecto nunca se
perdeu no tempo ou no espaço. O Plano Piloto sempre esteve no centro das
políticas locais, nacionais.
127
A discussão em torno da preservação do espaço urbano de Brasília o cessa por
aqui, devemos considerar o uso, significado e apropriação dos espaços da cidade
pelos diferentes grupos sociais que os ‘vivenciam’, é preciso uma análise no tempo
para conhecer o saldo entre permanências e transformações desde sua idealização.
No entanto, fugindo às abordagens até então utilizadas sobre a cidade planejada, o
que se pretende nesta dissertação, é contribuir por meio de uma análise de seus
126
Oscar Niemeyer escrevendo a Campofiorito sobre o processo de tombamento (1990:92). (Apud Ribeiro 2005: p.107)
127
MEDEIROS, Ana Elisabete. Brasília: patrimônio mundial e instrumento de desenvolvimento local? P. 114.
Separata de Visões de Brasília: patrimônio, preservação & desenvolvimento/ Otto Ribas (org.). – Brasília: Instituto de
Arquitetos do Brasil, 2005.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
77
vazios urbanos e dentro desta delimitação o Eixo Monumental se define como objeto
de estudo, representado pela escala urbanística de Costa, como monumental. O
trecho analisado, na terceira parte dessa dissertação, compreende a Praça dos Três
Poderes seguindo em direção oeste com a Esplanada dos Ministérios e Setor Cultural,
até a área central, nos contornos da Plataforma Rodoviária.
KL MNOP Q
005
009
007
DF - 003
025
047
051
Brasília
O
L
N
S
Mapa1-Delimitação
SetorCulturalSul
SetorCulturalNorte
EsplanadadosMinistérios
CongressoNacional
Praçados
TrêsPoderes
050100150200250300m
EscalaGráfica
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
Parte 2
79
Diante do tema patrimônio/ modernidade/ identidade no Plano Piloto de Brasília, como
lidar com as inseguranças de intervenções e contradições das leis que
regulamentaram a preservação, quais as transformações e permanências que o Eixo
Monumental experimentou?
A partir dessas questões e definições espaciais, a terceira parte desta dissertação,
procura contribuir com a pesquisa elaborada que está estruturada, em termos
temporais, em três recortes:
O Eixo Monumental em 1957;
O Eixo Monumental tombado em 1987; e
O Eixo Monumental vivenciado em 2007.
Parte3
Parte3
EixoMonumental:PermanênciaseTransformaçõesem3RecortesTemporais
EixoMonumental:PermanênciaseTransformaçõesem3RecortesTemporais
Fonte:Wisnik(2001:p.102)
81
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 7
77
7
1957 – O EIXO PROJETADO
Foto 10. Vista Aérea. Praça dos Três Poderes. Fonte: Arquivo Público.
Figura 49. Risco do Eixo Monumental. Lucio Costa, 1957. Fonte: Costa (1991: p.21).
Foto 11. Vista Esplanada a partir do Supremo Tribunal Federal. Fonte: Arquivo Público.
Figura 50. Brasília inaugurada, vista a partir do Palácio do Planalto. Fonte: Casciato (2007).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
82
Este capítulo refere-se ao projeto entregue por Lucio Costa à comissão julgadora para
o concurso do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil, em 1957. A partir deste projeto
serão analisados os vazios, as mudanças ocorridas logo após o concurso até sua
inauguração em 21 de abril de 1960, no intuito de se obter uma base referencial de
como se iniciou a identidade dos vazios urbanos no Eixo Monumental,
compreendendo a Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios e os Setores
Culturais Norte e Sul. O referencial teórico terá como base, o Relatório do Plano Piloto
(GDF:1991), Registro de uma Vivência (Costa: 1995), bem como de leituras realizadas
por outros autores.
128
A linha de reflexão segue a seguinte estrutura: o edital, a proposta vencedora, as
referências, as primeiras permanências e transformações dos vazios que estavam no
papel e se concretizaram. O segundo item de reflexão se volta a caracterizar a área
estudada e seus vazios. Qual a identidade atribuída ao vazio? Modernista e
tradicional, mutável ou fixa? Em seguida serão apresentadas as possíveis referências
ou matrizes de planos urbanísticos e projetos, que remetem ao Eixo Monumental. E
por último as transformações do projeto até a implantação do plano, quais
conseqüências para os vazios e para a identidade de Brasília?
O concurso nacional para o Plano Piloto teve sua inscrição aberta em outubro de
1956, voltado para participantes “regularmente habilitados para o exercício da
engenharia, da arquitetura e do urbanismo”.
A Companhia Urbanizadora da Nova Capital para o Brasil e a Comissão Julgadora
receberam de Lucio Costa, um Memorial Descritivo constando de 05 pranchas com
quinze croquis elaborados descrevendo: o traçado original com o cruzamento de
eixos, o sistema rodoviário propondo como se daria o acesso a cada parte da cidade,
os vários setores, o Eixo Rodoviário e o Eixo Monumental, e, neles, as inserções dos
vazios, ora denominados como gramados ingleses ou perspectivas parisienses. Dos
vinte e três itens apresentados, nove são aqueles que mencionam o Eixo Monumental,
com destaque para o nono onde está delimitada a nossa área de estudo. Apesar da
proposta ter sido entregue em caráter simplório e preliminar, em virtude de Costa ter
participado do concurso faltando apenas três meses (dentro de uma prazo de seis), o
conteúdo presente no memorial descritivo foi devidamente delineado. É preciso
128
O referencial teórico será analisado em cima de alguns trabalhos: Frederico de Holanda (1997) O Espaço de
Exceção; Matheus Gorovitz (1985). Brasília uma questão de escala; Antônio C. Carpintero (1998) Brasília: prática e
teoria urbanística no Brasil, 1956-1998; Francisco Leitão (2003). Do risco à cidade: as plantas urbanísticas de
Brasília, 1957 1964; Mara Márquez (2007). A escala monumental do Plano Piloto de Brasília; Jéferson Tavares
(2004). Projetos de Brasília: O processo de transferência da Nova Capital; Andrey Schlee (2007). A Praça do
Marquis e outros que serão tratados ao longo do nosso estudo.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
83
salientar, ainda, que no momento pós-concurso o desenvolvimento de projeto tamm
se deu de forma breve pela exigüidade de prazo para a implantação,
“se a sugestão é válida, estes dados, conquanto sumários na sua aparência,
serão suficientes, pois revelarão que, apesar da espontaneidade original,
ela foi, depois, intensamente pensada e resolvida [grifo do autor]; se o não é,
a exclusão se fará mais facilmente, e não terei perdido o meu tempo nem
tomado o tempo de ninguém.”
129
Dos vinte e seis participantes, sete foram eleitos os melhores e o plano que se
destacou dos demais concorrentes, segundo o júri, foi o de Lucio Costa pelo seu
caráter único “de uma capital administrativa do Brasil somados aos princípios
modernistas: “Tem o esrito do Século XX: é novo; é livre e aberto [grifo nosso]; é
disciplinado sem ser rígido.” (GDF 1991 p. 35).
129
COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. Brasília: GDF, 1991.
Figura 51. Planta Urbanística. Plano Piloto de Brasília, 1957. Lucio Costa. Fonte: Costa (1991: p. 33).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
84
Em uma visão geral, o Plano Piloto de Costa propunha a área residencial concentrada
ao longo do Eixo Rodoviário. Em decorrência desta opção, a ordenação do Eixo
Monumental hierarquizava seus espaços: o centro cívico e administrativo, o setor
cultural, o centro de diversões, o centro esportivo, o setor administrativo municipal, os
quartéis, as zonas destinadas à armazenagem, ao abastecimento e às pequenas
indústrias locais, e por fim, a estação ferroviária - todos dispostos em amplos espaços.
Figura 52. Planos urbanísticos. Concurso para o Plano Piloto de Brasília, 1957. Fonte: Fils (1988: p.100-114).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
85
A plataforma da rodoviária foi criada a partir do cruzamento dos dois eixos, sem
tráfego para a área de diversões da cidade, incluindo os cinemas, os teatros e os
restaurantes.
Quanto à visão específica dos vazios urbanos, da Praça dos Três Poderes até os
limites da plataforma do Eixo Monumental, esses são por Costa descritos como
diferentes níveis e ‘sucessivos patamares’
130
:
1. o terreno agreste;
2. o ‘terrapleno triangular’ configurado como sede dos três poderes, “com arrimo de
pedra à vista, (...). Em cada ângulo dessa praça Praça dos Três Poderes, poderia
chamar-se – localizou-se uma das casas, ficando as do Governo e do Supremo
Tribunal na base e a do Congresso no vértice, (...)”
131
. “(...) espaço atribuído com o
aperfeiçoamento estilístico de uma Versailles do povo” (Costa 1970: p. 8);
3. ‘as esplanadas dos ministérios e o centro cultural’, “uma ampla esplanada disposta
num segundo terrapleno, de forma retangular e nível mais alto, de acordo com a
topografia local, igualmente arrimado de pedras em todo o seu perímetro. (...)”
132
.
Neste terrapleno os vazios foram pensados ‘à moda inglesa’: verdes e amplos para a
circulação de pedestres, paradas e desfiles, encontrando-se os ministérios e
autarquias. Os ministérios de Relações Exteriores e Justiça seriam os primeiros a
serem situados logo após o Congresso e “com enquadramento condigno”. Os
ministérios militares quebrariam a disposição paralela dos demais, pois estes
particularmente formariam uma ‘praça autônoma’ e todos com área reservada para
estacionamentos.
O último ministério seria o de Educação com o propósito de aproximá-lo do setor
cultural, onde se situariam os museus, biblioteca, planetário, academias, institutos e
denominado como ‘parque’. A Catedral também foi locada na esplanada com praça,
valorizando o monumento e margeando o setor cultural em direção oposta ao
Ministério de Educação. A composição do conjunto “vale por si como organismo
plasticamente autônomo pela variedade de setores.
130
Ver Costa (1970: p.8). O Urbanista defende a sua capital. In Edição Comemorativa do 10º aniversário da Nova
Capital. Revista Acrópole nº 375/ 376 Julho/ agosto 1970.
131
Costa, Lucio (1991) Op.Cit., p. 22.
132
Id. Ibidem.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
86
Os componentes presentes em seu plano, como um todo, intercalam-se entre um
urbanismo modernista e as experiências tradicionais, que aqui nos deteremos a
analisar somente o Eixo Monumental.
A paisagem formada pela hierarquia dos espaços, a relação dos cheios e vazios, onde
o verde ressaltaria muito mais que a massa edificada são elementos que o eixo
oferece como narrativa de uma composição modernista. Este conjunto possui a leste a
paisagem agreste e o lago servindo de cenário na composição do plano, enquanto que
o Congresso de um lado parece comandar as edificações enfileiradas dos ministérios,
afastados pelos espaços verdes da área central, vindo a se relacionar a oeste com a
Torre de Comunicações (situado na porção acima da plataforma rodoviária), como
marcos visuais que definem a capital.
Figura 53. Eixo Monumental da Praça dos Três Poderes até os limites da Plataforma Rodoviária. Fonte: Wisnik
(2001: p. 100).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
87
“Se a composição remete a um figurativismo excessivamente geométrico; e
se é possível encontrar a relação entre figura e fundo nas composições entre
arquitetura e natureza; e se é possível achar contraditório todo esse
formalismo em detrimento da hegemonia modernista e abstrata de seu
contexto, não podemos esquecer que a busca pela expressão elegante de
Lucio Costa evidencia sua veia acadêmica das Belas Artes.
133
Primeiramente falando-se de tradição, Costa previu para o Eixo Monumental a
inserção de três praças: a ‘praça autônoma’ dos ministérios militares, a ‘praça
autônoma’ da Catedral e a Praça dos Três Poderes. O partido adotado a difere de
outras cidades, por não localizar a sede dos três poderes no centro,
“mas na sua extremidade, sobre um terrapleno triangular como palma de mão
que se abrisse além do braço estendido da esplanada, onde se alinham os
ministérios, porque assim sobrelevados e tratados com dignidade e apuro
arquitetônicos em contraste com a natureza agreste circunvizinha, (...)”.
134
“A Praça dos Três Poderes, praça aberta à maneira da Concórdia, é a única
praça contemporânea digna das praças tradicionais [grifo nosso].”
135
A proposta enviada por Lucio Costa surgiu, por assim dizer, pronta.” (GDF 1991:
p.18). A solução encontrada para Brasília havia sido ensaiada por seus projetos
anteriores
136
nacionais e sua experiência internacional.
133
Tavares. Op. Cit., p.308.
134
Costa (1995) Op. Cit., p.299.
135
Id. Ibidem, p. 303.
Figura 54. Perspectiva de Lucio Costa. Eixo Monumental. Figura editada com texto. Fonte: Costa (2002: p.36).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
88
Ao conceber os terraplenos do Eixo Monumental, Costa teve acesso a fotos sobre a
arquitetura chinesa (1904), que mostrava as ‘extensas muralhas’, os ‘terraplenos’ e
“aquela arquitetura secular de uma beleza incrível, tudo acompanhado com desenhos
e levantamentos da apuradíssima implantação das várias construções isoladas.”
(Costa 1995: p.304). Em função disto, Costa planejando a movimentação de terra que
se daria pela implantação do nível da Praça dos Três Poderes, aproveitaria a idéia de
escalonar em sucessivos patamares no Eixo Monumental através da ‘solução milenar
dos terraplenos’:
“5m acima do terreno natural, emergindo do cerrado, um primeiro terrapleno,
triangular e eqüilátero, destinado aos três poderes autônomos da democracia;
5m acima deste, outro terrapleno, agora retangular e extenso uma
esplanada para os ministérios que reencontra o chão natural nos setores
culturais, seguindo-se em franco desnível, 7 ou 8m acima, a estrutura da
plataforma rodoviária (...).”
137
E isto ainda remetendo-se a lembrança ‘amorosa de Paris’, de urbanização referente
aos séculos XVII, XVIII, XIX, ‘eixos e belas perspectivas’ centradas, uma tradição a
que ele se refere de “clássico-barroca”. Tomamos como exemplo um trecho
compreendido entre a Place de La Concorde ligado por um eixo de ligação à Place de
L’Étoile onde encontrava-se o Arco do Triunfo. “(...) a largueza dos espaços no eixo
monumental permitiram integrar os velhos [grifo do autor] princípios corbusianos da
cidade radiosa em um todo organicamente articulado.” (Costa 1995: p. 303). A
continuidade do eixo é preservada pelas torres geminadas que, bifurcando-se,
comparecem como elemento culminante (...)” (Gorovitz 1985: p.39).
136
Uma visão geral de seus projetos foi elaborada na Parte II desta dissertação.
137
Id. Ibidem, p. 304.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
89
E ainda os vazios utilizados como ‘ingredientes’ de uma memória inglesa (Costa 1995:
p. 304), enfatizados quando da relação com a monumentalidade. Costa menciona que
as árvores, arbustos e os descampados são ‘complementos naturais’ e o que define o
conceito moderno de urbanismo, estendo-se a cidade aos arredores da área rural, “é,
precisamente, a abolição do pitoresco [grifo do autor], graças à incorporação efetiva do
bucólico ao monumental.”
138
Referências
A localização da capital federal levaria a Comissão Exploradora do Planalto Central a
elaborar o Relatório Cruls, responsável pela demarcação do DF, com todo o
levantamento.
O período de 1927 a 1957 caracterizou-se pelos estudos urbanísticos voltados para a
área da Nova Capital. Este tema foi profundamente discutido na dissertação de
Tavares (2004) tomando como base as propostas concorrentes em 1957 e cinco que
precederam esta fase.
“O primeiro projeto (1927) foi proposto como forma de se obter lucros com a
valorização do provável sítio no Planalto Central, sua concepção atrelou-se,
portanto, à especulação imobiliária crescente com a idéia de transferência da
138
Costa, Maria Elisa. Com a palavra Lucio Costa/ roteiro e seleção de textos de Maria Elisa Costa. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2001.p.7.
Figura 55. Vista Aérea Paris, 1889. Eixo de ligação da Place de La Concorde até o Arco do Triunfo. Fonte: Gorovitz
(1985: p.31).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
90
capital. A segunda proposta (Almeida, 1929) é justificada por uma
comemoração o centenário do 7 de Abril – porém sem maiores explicações, e
serviu de instrumento para a consagração de uma construção histórica
republicana e positivista. O terceiro projeto (Portinho, 1936) é o que mais se
vincula a um pensamento urbanístico internacional e vanguardista, porém
serviu à obtenção de título de urbanista de sua autora. O quarto plano
(Machado, 1948) tem raiz estritamente política, defendendo o Planalto
Central como a área definitiva para a transferência. O quinto projeto
(Pimenta, sem data conhecida) origina-se da experiência imobiliária de seu
autor e do seu vasto conhecimento sobre as experiências urbanísticas
internacionais.”
139
Dois planos se destacam como referência da fase pré-concurso: o de Carmem
Portinho de 1936 e o Plano de Vera Cruz
140
de 1956, de autoria de Raul Penna Firme,
Roberto Lacombe e José Oliveira Reis como possíveis elementos que tinham em
comum com a proposta vencedora.
Carmem Portinho considera as características naturais já levantadas no âmbito do
Relatório Cruls e traça um plano urbanístico para fins acadêmico. Segundo Tavares
(2004: p. 135) a engenheira “sintetiza as principais teorias corbusianas do período
adequando-as às condições brasileiras”, zoneamento funcional, com altos edifícios
assentados sob pilotis, sobre um grande parque verde próximo a comércio e serviços;
hierarquizando vias e separando o tráfego de pedestre. Em proximidade com o plano
de Costa, o eixo central.
139
TAVARES, Jéferson. Projetos para Brasília e a cultura urbanística nacional. Dissertação de mestrado. Programa
de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – EESC-USP, São Carlos, 2004, p. 130.
140
Ver Tavares (2004) e Schlee y Ficher (2006).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
91
Bem ao centro, como havia demarcado a Missão Cruls do final do século XIX: um
quadrilátero dentro de Goiás indicava a distância até as capitais estaduais. O Marechal
José Pessoa batizou o que seria a futura capital de Vera Cruz e então a encomenda,
em 1955, à equipe: Raul Penna Firme, Roberto Lacombe e José Oliveira Reis
(professores do curso de especialização em urbanismo Faculdade Nacional). Aqui,
registra-se a similaridade do posicionamento do desenho elaborado por Portinho. Os
autores de Vera Cruz possuíam informações detalhadas do lugar, sobre a condição
topográfica e o posicionamento do lago, tendo sido o primeiro plano que estabeleceu
seu represamento artificial. O plano de Portinho elaborado individualmente e dezenove
anos antes, não incorporava o lago nas dimensões previstas.
“E as semelhanças não se encerram entre ambos os Projetos. Nas propostas
apresentadas no Concurso, dois anos depois, houve algumas retomadas de
conceitos então utilizados nesse projeto. No bojo das propostas de 1958, não
foram poucas as abordagens semelhantes se comparados os desenhos
urbanos e os partidos adotados (em grande parte as equipes cariocas
concorrentes gozaram do convívio e dos cursos ministrados pelos autores do
plano, estabelecendo vínculos e proximidades de experiências e posturas).
Esse cenário colaborou no diálogo entre referências e soluções adotadas nos
Figura 56. Plano de Carmem Portinho, 1936. Fonte: Schlee, Andrey.
Figura 57.
Plano de Lucio Costa, 1957. Fonte: Costa (1991: p.33).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
92
projetos num recorte de pouco mais de 20 anos de propostas para a Nova
Capital (entre o plano de Portinho, 1936, e o Concurso, 1957).
141
141
TAVARES. Op Cit., p. 164.
Figura 58. Plano para Vera Cruz, 1956. Raul Penna Firme, Roberto Lacombe e José Oliveira Reis. Fonte: Fils (1988:
p.100).
Figura 59. Plano Piloto Brasília, 1957. Lucio Costa. Fonte: Costa (1991: p.33).
Figura 60. Sobreposição dos projetos Vera Cruz e Brasília. Fonte: Barki (2006).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
93
Segundo Schlee e Ficher (2006), Vera Cruz e Brasília de Costa comungam de idéias
similares, ao da configuração de uma zona destinada à administração federal. Em
Vera Cruz esta área se situa a oeste do cruzamento dos eixos, um espaço longitudinal
ladeados por sete edifícios alinhados de ministérios. O congresso com a presidência e
o judiciário a cada lado se encontraria em cota mais elevada do terreno sugerindo um
espaço triangular. Levando a um eixo monumental atribuindo valor cívico, destinados a
desfiles e paradas comemorativas. Em Brasília o estudo se a leste do cruzamento
dos eixos, com Ministérios em seqüências e Congresso no ponto de destaque
integrando-se a um sistema de forma triangular, o Palácio Presidencial e o Supremo
Tribunal.
A separação de vias de tráfego e de pedestres e o modelo da plataforma circular são
implantados na finalização da principal avenida.
“Corresponde ao ideal modernista em que o trânsito da cidade poderia ser
organizado a partir de um elemeno central no qual prevaleceria a chegada e
saída de veículos. Carmem Portinho utiliza-se desse programa e o próprio
Lucio Costa designará, no cruzamento de seus eixos, a rodoviária da cidade,
certamente todos vinculados à proposta de Le Corbusier (cujo centro urbano
dos seus projetos era demarcado por grandes plataformas de circulação). No
estudo apresentado pela equipe há, ainda, uma sobreposição de funções,
pois à plataforma é agregado o edifício do Panteão Nacional.
142
Ensaios
No cenário dos projetos desenvolvidos por Costa, destacam-se dois que se
aproximam da concepção do Eixo Monumental: A Vila Monlevade e a Cidade
Universitária (ambos não foram implantados).
O projeto da Vila Monlevade 1934, a disposição adotada nos edifícios principais em
torno de uma praça se repetiria em Brasília: das quatros edificações, três se
encontravam no mesmo nível e em posição de destaque: a igreja, o cinema e o
armazém. A quarta edificação seria localizada em cota mais baixa, o clube, de forma
a permitir o acesso por níveis diferentes”, voltada para um vazio limitado pelo desnível
em forma curva e contendo a escola. O coreto foi estrategicamente colocado para
“servir simultaneamente ao clube e à praça que unia os dois espaços em planos
diferenciados” (Costa 1985: p.91-99). Em uma perspectiva do Eixo Monumental, Costa
142
TAVARES. Op. Cit., p. 165.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
94
utiliza do mesmo artifício no projeto de Monlevade, assim como o clube, o Congresso
é posicionado ligando duas praças (uma de forma elíptica).
Na cidade universitária (1936-37), um exemplo que se aproximava do que seria
elaborado no Eixo Monumental: uma grande praça, também na extremidade, abrigava
‘um conjunto de edifícios de caráter monumental’: a Reitoria e a Biblioteca, o Auditório
e um Planetário ligados por um grande eixo onde as escolas de largura diferenciadas,
conforme o programa seriam colocados ‘em cadência’ até encontrar a ‘massa
impotente do hospital’ (Costa 1995: p.172-189).
“Lucio Costa organiza o conjunto (natural e artificial), delimita os
espaços (cheios e vazios), hierarquiza o programa (singular e
Figura 61. Os vazios na Vila Monlevade: praça e vazio em forma de elipse, 1934. Lucio Costa. Fonte Costa (1985:
p.93)
Figura 62. Os vazios no Eixo Monumental: Praça do Três Poderes e vazio em forma de elipse em frente ao
Congresso. Lucio Costa. Fonte: www.casadeluciocosta.org. Acesso em abr.09.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
95
plural) e cria a sua “praça maior”. Praça quadrada, porticada,
balizada por três edificações (aula magna, biblioteca-reitoria e
planetário).
143
Segundo Schlee (2007), estes precedentes nem sempre são facilmente
reconhecíveis’, fazendo parte de um registro que não foi edificado, como o caso da
Vila Monlevade e Cidade Universitária.
No Eixo Monumental projetado em 1957, as funções cívicas e políticas definem-se
pela configuração modernista, mas também de experiências internacionais e as
nacionais de autoria do próprio Costa. O encadeamento dos espaços livres rebatem
143
Schlee, A. R.; Donato, L. A Praça do Marquis. In: VII Seminário Docomomo Brasil, 2007, Porto Alegre. Anais do VII
Seminário Docomomo Brasil, 2007.
Figura 63. Projeto Cidade Universitária, marcação dos eixos ,
1936. Lucio Costa. Fonte: Costa(1985: p.175).
Figura 64. Projeto Cidade Universitária, 1936. Lucio Costa. Fonte:
Costa (1985: p.188).
Figura 65. Plano de Lucio Costa, 1960. Fonte: Tafuri (1978:
p.383).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
96
nos terraplenos; na extremidade do eixo pela praça ‘seca’ dos Três Poderes,
organizando as edificações em cada ponta como na proposta para a Vila de
Monlevade (em torno de um vazio utilizado como praça); no amplo canteiro central
como memória dos gramados ingleses; no Setor Cultural prevista para densa
arborização e entre as edificações da Esplanada. A disposição dos edifícios rememora
o projeto da Cidade Universitária. Em vez de sólidos margeados por ruas irregulares,
volumetria liberta de tráfego e enaltecida tanto pelos amplos vazios, ora verdes, ora
em plataformas concretizadas, quanto pela arquitetura implantada de forma precisa
em seus esboços (ver Bruand 2005: p. 361). As edificações do Eixo Monumental tem a
autoria do arquiteto Oscar Niemeyer, que para Lucio a boa arquitetura desempenha
um papel qualificador do espaço da cidade (Pessoa, 2004: p.150). Utilizou de um
zoneamento preciso distribuindo as funções públicas, através de uma concepção
hierarquizada ao longo dos vazios.
Vazios que conferem a Brasília projetada, enquanto instrumento de projeto de um
urbanismo modernista e, ao mesmo tempo, tradicional, uma identidade modernista,
funcional, mas também nacional.
1
4
2
3
5
7
7
8
9
9
B
A
A
10
11
Largurade A >B
SetorCultural
EsplanadadosMinistérios
GaleriadeComércioe ApoioaosServidores
Estacionamento
Ministério
Praçados TrêsPoderes
CanteiroCentral
SemEscala
DesenhoExtraídodoCroquisdeCosta
XXX
X
LEGENDA
PaláciodoPlanalto
Supremo TribunalFederal
CongressoNacional
PaláciodaJustiça
MinistériodasRelaçõesExteriores-PaláciodaJustiça
MinistériosMilitaresePraça Autônoma
MinistériodaEducação
CatedralePraça Autônoma
AcessoPedestre
SetorCultural( )
Museus,Biblioteca,Planetário, Academia,Institutos,etc
Ministérios
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Mapa2-1957EixoProjetado
Esplanada-Praça
Croquis-PropostaEntregueParaoConcurso1957
Fonte:RelatóriodoPlanoPiloto
CroquisLucioCosta
EspelhoD’água
12
12
12
X
X
X
X
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
98
O traçado original é definido por Costa de forma marcante em sua apresentação, o
seu caráter preliminar ensejaria em elaborações e desenvolvimentos de projetos pós-
concurso, sendo assim algumas mudanças e adaptações acabariam por acontecer. E
o que difere o risco original, do projeto pós-concurso para a área de estudo?
A pesquisa elaborada por Leitão (2003) trata de um levantamento minucioso do
inventário das plantas urbanísticas do período de 1957-64, junto aos órgãos
responsáveis pelo acervo
144
, relatando a dificuldade encontrada quanto à
disponibilidade do material; avaliando as condições de conservação, organização,
manuseio e armazenamento, bem como da constatação sobre identificação das
plantas serem por meio de siglas e não por período de elaboração do desenho, o que
dificulta mais ainda aproximar a ordem cronológica. Em relação às plantas que fazem
parte do período do concurso até sua implantação, estas não se encontram acessíveis
ao público, sem qualquer registro que as distingam do quem venha a ser o projeto
‘definitivo’. A planta urbanística analisada serão as constantes na literatura
disponível
145
sobre a implantação da cidade planejada, lembrando ainda da
contradição de alguns autores em referenciar as plantas como ‘acabadas’ ou em
desenvolvimento (Leitão, 2003: p.36).
Após o concurso, a primeira sugestão de mudança foi de William Holford, membro da
comissão de júri. O plano sofreria uma aproximação a leste do lago, a fim de reduzir o
vazio existente e disfuncional: ‘vulnerável, no futuro, a pressões de uma ocupação
indevida’ (Costa 1985: p. 27)
146
. “A Novacap deslocou cerca de 800m o ponto de
intersecção dos dois eixos e, portanto, todo o conjunto urbano, na direção do Eixo
Monumental e sentido leste. Aumentou também a extensão do Eixo Monumental, para
leste e para oeste.”
147
144
NUDOC Núcleo de documentação da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH) do Governo
do Distrito Federal e o Arquivo Público do DF.
145
Bruand (2005), Tafuri (1978), Benévolo (1989), Costa (1985), Costa (1991), Costa (1995)
146
Quanto ao desenvolvimento do projeto pós-concurso, a questão da autoria do projeto não é precisa, alguns autores
trazem Lucio Costa como chefe no desenvolvimento do Plano Piloto de Brasília (PPB), outros como responsabilidade
da Novacap (Ver Leitão 2003; P. 3).
147
CARPINTERO, Antônio Carlos (1998). Brasília: prática e teoria urbanística no Brasil, 1956-1998. Tese de
Doutorado apresentada na USP. São Paulo, p.161.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
99
A proposta de Costa para Praça dos Três Poderes, também sofreu transformações por
parte do anteprojeto, definido em 1958, por Oscar Niemeyer (arquiteto responsável
pela grande maioria dos projetos do Eixo Monumental). O volume desenhado para o
plenário na proposta de Costa é girado 90º. A primeira proposta desenvolvida por
Niemeyer consistia de um volume mais baixo com auditórios em cada extremidade e
serviços comuns e de apoio. Com as duas torres para anexo da Câmera dos
Deputados e Senado Federal. Esta primeira opção, que logo foi descartada, segundo
Gorovitz (1985: p. 36) acabaria por separar os espaços da esplanada e o da praça
indo de encontro à concepção do eixo de Costa. Desta forma, um segundo e definitivo
anteprojeto foi elaborado, Niemeyer modifica seu traçado através do artifício do
‘rebaixamento da cota’ nivelando o conjunto do Congresso com a Esplanada dos
Ministérios e estando a 8 metros acima do nível da praça, respeitando desta maneira,
a hierarquia dos espaços tratada por Costa,de modo que a cobertura coincida com a
cota da esplanada, servindo de suporte para as cúpulas dos auditórios”
148
. Assim,
praça e esplanada se reintegram.
148
GOROVITZ, Matheus. Brasília uma questão de escala. 1. ed. São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda, 1985,
p. 38
Figura 66. Plano antes e depois da modificação sugerida por William Holford. Fonte: Revista Acrópole, 1970. Edição
Especial.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
100
Em decorrência da alteração de posicionamento do Congresso, o canteiro central teria
sua largura modificada, as vias laterais foram alargadas e as faixas destinadas aos
ministérios reduzidas, os blocos tiveram suas dimensões reduzidas ‘por questões de
economia’; “a redução foi feita simetricamente em relação aos eixos dos dois renques
de edifícios, aumentando ainda mais a distância no confronto das empenas”. (Costa
1985: p.47).
Outro ponto observado, ‘a praça autônoma’ dos ministérios dos militares, apesar de
constar na planta definitiva onde os blocos formavam um ‘L’ que delimitava uma praça,
não foi respeitado na implantação. As edificações obedeceram ao seqüenciamento
dos demais ministérios. De acordo com Leitão (2003: p.103), a praça autônoma está
presente na planta ‘nº 296’ (de 22.07.1957) com um dos ministérios ‘ortogonal’ aos
demais, porém na planta ‘nº 298’ (de 27.08.1958) volta aos blocos emparelhados. O
croqui desenhado por Costa (ver também planta 296) traria ainda uma ligação
contínua entre as edificações dos ministérios destinados ao ‘comércio e apoio aos
servidores’
149
, porém não viria a se concretizar.
149
Ver portaria nº 314, de 08.10.1992, do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, art. 3, inciso VI.
Figura 67. Perspectiva Lucio Costa. Fonte: www.casadeluciocosta.org.
Figura 68. Croquis para Praça dos Três Poderes. Versão Preliminar. Niemeyer. Fonte: Gorovitz (1985: p.36).
Figura 69. Croquis para Praça dos Três Poderes. Versão Final, Niemeyer. Fonte: Gorovitz (1985: p.38).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
101
Em 1958, Oscar Niemeyer sugeriu para a Praça dos Três Poderes, um novo edifício
de caráter cívico-comemorativo, um pequeno Museu da Fundação com a intenção de
apresentar a historiografia da transferência e fundação da Nova Capital. Em 1960, a
mesma praça receberia seu primeiro monumento Os Candangos, escultura
concebida por Bruno Giorgi, em bronze e possuindo 8m de altura, foi localizada no
centro.
Figura 70. Praça Autônoma, Min. Militares.
Croqui do Eixo Monumental, 1957.
(editado em autocad). Fonte: Costa
(1991: p.29).
Figura 71. Praça Autônoma, Min. Militares. .
Planta nº296, 1957. Fonte: Leitão (2003:
p.103).
Figura 72. Ligação entre os blocos dos
Ministérios. Croqui dos Ministérios.
1957. (editado em autocad). Fonte:
Costa (1991: p.29).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
102
O Eixo Monumental e o Plano Piloto sofreram alterações até sua implantação, o
documento Brasília 57-85 traz um desenho esquemático mostrando todas as
alterações e a comparação entre a planta original do concurso e implantada, cabe
ressaltar a imprecisão de um momento histórico que demarque o projeto como
definitivo. “(...) o desenvolvimento se deu de maneira processual e gradativa (...)”
(Leitão 2003: p.152).
Figura 73. Museu da Fundação e perspectiva da praça, 1958. Oscar Niemeyer. Fonte: Niemeyer (1986: p.31).
Figura 74. Monumento, Os Candangos, 1960, Bruno Giorgi. Fonte: Casciato (2007).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
103
De 1957 a 1960 no Eixo Monumental foram erguidas as onze edificações dos
Ministérios, a Praça dos Três Poderes - compreendendo o Congresso Nacional, o
Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal, e um museu - a estrutura ainda incompleta
da Catedral, cujas obras se iniciaram em 1958 e do Teatro Nacional, em 1960,
constituindo o cenário da inauguração (ver mapa no final da parte 3). Portanto a
impressão do vazio, em 1960 se faz perceptível como um traço fundamental do Plano
de Costa, apesar do caráter ainda de canteiro de obras inacabados ou a iniciar. A
amplidão do espaço confere ao lugar o que Bruand (2005: p. 365) vem chamar de
“essência e verdadeira espinha dorsal, que se marca de forma muito clara e que
mesmo na ausência de algumas edificações, não chega a apagar o sentido
determinado pelo urbanista,
“a dupla fila dos ministérios basta para sublinhá-lo, para fazer funcionar o
espírito do espectador que supre mentalmente e mais ou menos
inconscientemente as faltas provisórias. Portanto o espaço preciso, espaço
real mas espaço contínuo, aberto por todos os lados para o ambiente, onde
jamais se tem a impressão de estar isolado num compartimento fechado.
150
150
BRUAND, Op. Cit., p. 365.
Figura 75. Plano Piloto, planta urbanística do concurso e implantada. Fonte: Costa (1985 - Brasília 1957-85).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
104
Figura 76. Vista da Esplanada a partir do Congresso, 1958. Fonte: Rodrigues (1968: p.20).
Figura 77. Vista da Esplanada a partir do Congresso, 1960. Fonte: Wisnik (2001: p.101).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
105
Com pequenas transformações, os vazios foram ampliados no canteiro central,
desprovidos de ocupação no setor cultural e ‘praça autônoma’ suprimida nos
ministérios militares, porém mantida na sede dos poderes com acréscimo de uma
edificação em seu vazio, mas ainda assim e de acordo com os riscos originais de
Lucio Costa trata-se de uma ‘permanência projetual’ com identidade modernista.
O vazio da Praça dos Três Poderes, na extremidade do eixo, encontra-se aberta e
livres do alinhamento contínuo dos edifícios de uma cidade tradicional, como previsto
no desenho original de Costa. Apesar da inserção de uma nova edificação - o Museu
da Fundação, a integração e o visual aberto entre Congresso (disposto no vértice do
triângulo e de altura maior), não se rompe com as duas casas do poder colocadas em
cada ponta da base do triângulo. O piso do vazio da praça traz ainda uma referência
ao vernáculo que se integra perfeitamente com a concepção modernista. Em vez de
mármore ou lajes de concreto, “pequenos quadrados feitos de pedras marrom-claro,
meticulosamente cortadas e colocadas manualmente por meio da tradicional técnica
conhecida como mosaico Português”
151
.
A disposição dos Ministérios na Esplanada teve sua largura diminuída e o
distanciamento entre o lado norte e sul aumentado, nem por isso interfere na
perspectiva do conjunto, mas com precedentes da arquitetura grega ao utilizar deste
artifício, onde o ponto focal é o Congresso com duas torres idênticas e em cada lado a
sequências dos ministérios.
151
FRASER, Valerie. Modernidade, Identidade e a Cidade: Brasil e Brasília. In Art and Architecture of the Americas.
UECLAA Gallery 32, London, 2002
Figura 78. Desenho Esquemático, Praça dos Três Poderes, 1960. Fonte: Revista Acrópole (1970: p.23).
Figura 79. Assentamento pedra portuguesa, Pra dos Três Poderes. Fonte: Niemeyer (1996: p.31).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
106
O projeto original, em conjunto com o que foi realizado em 1960, trazem ao espectador
as proporções de um caráter monumental entre cheios e vazios, estes últimos
multiplicados em sua dimensão no modernismo, que apesar de ensaios e referências
nacionais e internacionais, possibilitou uma síntese pela qual Lucio Costa se entregou,
“desenvolvendo as pesquisas esboçadas no passado para adaptá-las à estética do
presente e criar, assim, uma vigorosa visão”
152
para o futuro. O vazio continua
desempenhando, aqui, o mesmo papel crucial de elemento estruturante da urbanística
moderna, conferindo à Brasília projetada e, depois, construída e inaugurada, uma
identidade ainda funcionalista e modernista, nos moldes brasileiros, ou seja, onde ser
modernista é ser tradicional.
A partir de sua inauguração qual o balizamento entre as permanências e
transformações dos vazios e, neste contexto, como se deu a leitura da identidade do
Eixo que se quer preservar em 1987?
152
BRUAND, Op.Cit., p.365.
107
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 8
88
8
1987 – O EIXO TOMBADO
Foto 12. Vista aérea Praça e Catedral. Foto: Rui Faquini.
Foto 13. Vista Esplanada dos Ministérios. Prêmio Foto Arte. Foto: Rinaldo Morelli.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
108
Esperamos que com este segundo recorte tenhamos uma visão da identidade do
vazios no Eixo Monumental em comparação com o anterior. Visto que novas
edificações surgiram entre 1960 e 1987, algumas previstas e outras não. Na Praça dos
Três Poderes foram implantadas duas esculturas e uma Casa de Chá; margeando a
praça: o Mastro da Bandeira, o Panteão da Pátria e a Pira da Pátria. O Palácio do
Planalto foi acrescido de anexos, assim como nas proximidades do Palácio da Justiça
se construiu o Tribunal de Contas da União. Com a inauguração da Catedral, foram
implantadas esculturas, um campanário e um batistério. Na Esplanada construiu-se o
Palácio do Itamaraty e o Ministério da Justiça; e no Setor Cultural Sul, o Touring e o
Gran-Circo-Lar.
Brasília então deixou de ser canteiro de obras e passava, a partir de 1960, a ser
cidade. A festa de inauguração aconteceu na Praça dos Três Poderes, ‘praça do povo’
concebida para as solenidades e centro do poder no Eixo Monumental. O primeiro
contato dos construtores e daqueles que tinham no novo espaço a sua própria cidade
foi precedido pelo assentamento das pedras portuguesas, no último instante para
receber os convidados, alguns cheios de entusiasmos e outros hesitantes e
pessimistas em acreditar que a cidade aconteceria de fato. O plano e a arquitetura de
Lucio Costa e Oscar Niemeyer seriam submetidos ao dinamismo da cidade, em pleno
crescimento, que se iniciava com a transferência dos funcionários da antiga capital.
“Pouco a pouco Brasília foi-se fixando, numa depuração natural e
espontânea; os que a detestavam partiam, os outros se adaptavam, vendo-a
com mais realismo e generosidade, sentindo no seu clima ameno, no seu
sossego e na sua beleza, nos ambientes tão variados que Lucio Costa criou,
as compensações e os encantos que antes recusavam.
153
Passada a euforia da festa de inauguração, o ritmo acelerado das obras tomam um
rumo mais lento, como conseqüência direta das transformações políticas. Jânio
Quadros na posição de Presidente, não seguiu o cronograma de obras previsto. O
contexto de não consolidação iria se agravar com a renúncia de Jânio e sua sucessão
por João Goulart. É apenas mais tarde, com o Golpe de Estado de 1964, que os
militares reafirmam Brasília como capital do país, retomando o processo construtivo.
Assim o Eixo Monumental era configurado por vazios que ansiavam por serem ora
finalizados, ora completados e ora enaltecidos. As obras de Niemeyer sofreram
atrasos e vetos.
153
NIEMEYER, Oscar. Brasília 70, p.10. In revista Acrópole. Edição Comemorativa do 10º aniversário da Nova Capital,
nº375/376. Julho/Agosto, 1970.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
109
“Mas o ímpeto inicial se diluíra. Faltava o entusiasmo de JK, a prioridade que
dava à nova capital, e nossas tarefas se reduziram limitadas pelos programas
diferentes que o governo estabelecia. Na defesa de Brasília continuávamos
imperturbáveis, examinando plantas, propondo alterações de fachadas,
elaborando no C.A.U. [Coordenação de Arquitetura e Urbanismo] e no D.A.U.
[Departamento de Arquitetura e Urbanismo] todos os projetos
governamentais, impedindo que o interesse individual e o lucro imobiliário
interferissem nos regulamentos específicos.
154
O dinamismo no canteiro de obras não impedia as alterações durante o ritmo
acelerado das construções. Para Costa o essencial da proposta havia sido cumprido
(Costa 1985: p. 17).
Obras realizadas (ver mapa no final da parte 3)
Depois da inauguração, a retomada das obras tem seu impulso a partir de 1964,
embora antes, algumas inserções tenham se somado ao vazio da Praça dos Três
Poderes. Foram acrescentadas três obras: em 1961, a escultura de Alfredo Ceschiatti,
a Justiça, é esculpida em granito de Petrópolis e colocada em frente ao Supremo
Tribunal. Ainda em 1961 foi instalado o Pombal, projeto de Oscar Niemeyer -
atendendo na época a um pedido da esposa do então Presidente Jânio Quadros
(única construção do período de seu governo) - uma torre em concreto aparente
formada por uma série de poleiros, que se sobrepõem com altura aproximada de 10m.
Em 1964 se somaria ao Pombal e à escultura da justiça uma Casa de C
155
, projeto
de Niemeyer, junto à base do triângulo, e semi-enterrada, que pelo Relatório Brasília
57-85 havia sido erguida no sentido de dar apoio aos funcionários com sanitários e
lanchonete. Por um tempo, o espaço foi comercializado como um restaurante chinês
sendo reprovado por Costa: “Devo confessar que fiquei chocado com a presente
consulta” (Costa, 1985: p. 42).
Terminado o contrato com o restaurante pensaram em transformar o espaço em um
museu de armas, possibilidade ainda mais extravagante, para não dizer acintosa”
(Costa, 1985: p. 42). A recomendação de Costa então seria no sentido de resgatar o
“destino utilitário que a motivou”.
154
NIEMEYER, Oscar. Brasília 70, p.10. In revista Acrópole. Edição Comemorativa do 10º aniversário da Nova Capital,
nº375/376 Julho/Agosto 1970.
155
A literatura, não traz nenhuma informação sobre o projeto da Casa de Chá e o documento Brasília 57-85 registra um
parecer sobre o Pavilhão da Praça dos Três Poderes, como sendo “construção semi-enterrada para que a sua
presença não estorvasse a simbólica e solene dignidade ambiental.” (p. 42). A única edificação neste padrão é a
Casa de Chá que apesar de uma reforma nos dias de hoje encontra-se fechada ao público.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
110
A Esplanada receberia em 1962 a obra de Niemeyer, o Palácio do Itamaraty, que teria
sua construção interrompida pelo contexto político, seria concluído apenas em 1970.
Também em 1962 foi iniciado o Ministério da Justiça (reformado em 1987), seguindo o
mesmo partido arquitetônico e a mesma solução estrutural do Palácio do Itamaraty.
Foto 14. Escultura a Justiça. Foto: Marcos Rebouças.
Foto 15. Escultura o Pombal. Prêmio Foto: Arte. Foto: Vladimir Moraes.
Foto 16. Casa de Chá, Praça dos Três Poderes. Foto: Ana Medeiros.
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111
A Catedral de Brasília foi iniciada em 1958 e inaugurada em 1970. O projeto foi
implantado numa ‘praça autônoma’ e nela situada as quatro esculturas de Alfredo
Ceschiatti os Evangelistas (esculpidas em bronze); o campanário, o batistério como
volume à parte, mas ligado à igreja por passagem subterrânea.
Em 1962, o Setor Cultural Sul teria uma edificação prevista para abrigar um centro de
lazer e cultura, a edificação permitia seu acesso pela plataforma e pelo nível mais
baixo do setor. No entanto, nunca exerceu sua função passando a ser sede local do
Touring Club do Brasil, voltado para o automobilismo e atualmente em desuso.
Foto 17. Palácio do Itamaraty. Foto: Rui Faquini.
Foto 18. Esculturas de Ceschiatti e Catedral de
Brasília. Prêmio Foto Arte. Fonte: Márcio Cabral.
Foto 19. Palácio da Justiça. Foto: Rui Faquini.
Foto 20. Campanário, Catedral e volume do batistério
ao fundo. Foto: Marcos Rebouças.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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112
Na porção leste da Praça dos Três Poderes, três projetos seriam executados, o
primeiro o Mastro da Bandeira, projeto de Sérgio Bernardes, foi inaugurado em
novembro de 1972. Mede 100 m de altura e é formado por 24 hastes metálicas que
representavam os vinte e quatro estados da Federação.
O segundo projeto, o Panteão da Pátria Tancredo Neves, de Oscar Niemeyer, é
inaugurado em 1986, homenageando os heróis nacionais. Ressalta-se que este
projeto não estava previsto no plano original, pois Costa previa que o visual da praça
Foto 21. Maquete Touring. Fonte: Marcos Rebouças.
Foto 22. Vista lateral do Touring, Setor Cultural Sul. Fonte: Ana Elisabete Medeiros.
Foto 23. Mastro da Bandeira. Junho de 1973. Fonte:
Arquivo Público.
Foto 24. Mastro da Bandeira. Vista a partir da
praça. Foto: Rui Faquini.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
113
se integrasse com o agreste, indicando que se fizesse o plantio de ‘massas
compactas’ na porção leste da Praça dos Três Poderes a fim de que “seu verde
escuro” servisse de fundo” e valorizasse “o branco dos palácios” (Costa 1987). O
terceiro, de autoria também de Niemeyer foi a implantação da Pira da Pátria,
construída em concreto e revestida de mármore branco, inaugurada no 27º aniversário
de Brasília (1987) e que integra o conjunto arquitetônico do Panteão.
Em 1975, o Palácio do Planalto receberia os seus anexos, no total de quatro, de
autoria de Luis Osório Leão. Enquanto na parte posterior ao Supremo Tribunal
Federal, construiu-se, em 1974, o Tribunal de Contas da União, projeto de Renato
Alvarenga, faz Costa solicitar, no documento Brasília Revisitada (p.18), o plantio de
“renques de pau-rei” no entorno da edificação e o intitula de “imperdoável aberração
no local onde se encontra” vindo a perturbar o conjunto da praça.
Foto 25. Panteão da Pátria. Foto: Rui Faquini.
Foto 26. Pira da Pátria. Foto: Rui Faquini.
Foto 27. Panteão da Pátria. Foto: Rui Faquini.
Foto 28. Vista da Praça dos Três Poderes a partir do
Congresso. Da esquerda pra direita: Pombal,
Pira, Mastro e Panteão. Foto: Marcos Rebouças.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
114
No documento Brasília 57-85, Costa é consultado para a locação de um equipamento
voltado para shows, espetáculos e recomenda: “Mando-lhe, anexo, este risco com a
indicação precisa da área adequada, contígua ao posto de serviço localizado no sopé
do pavilhão do Touring, (...)”. Porém esta ocupação seria de caráter provisório:
“A proposta do Gran-Circo-Lar [grifo do autor] é, assim, não só estimulante
como oportuna, porque vem ao encontro da urgente necessidade de alguma
ocupação na área até hoje ainda baldia do Setor Cultural Sul, enquanto não
só instalam as instituições culturais ali previstas [grifo nosso].”
156
156
Costa, 1985. Op.Cit., p. 48.
Figura 80. Localização do Tribunal de Contas. Fonte:
Google Earth. Acessado em abr.09.
Figura 81. Tribunal de Contas da União, projeto de
Renato Alvarenga. Fonte: site do TCU.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
115
Assim, no Setor Cultural Sul, a população receberia um equipamento de lazer que se
integraria à memória da cidade, o “Gran-Circo-Lar”, inaugurado em 1987. Esse projeto
de Fernando de Andrade (integrante da equipe de Niemeyer), de caráter provisório,
permaneceu até 1999. Com capacidade para três mil e quinhentas pessoas, foi
concebido com arquibancada, teto em lona e fechamentos laterais com azulejos, de
autoria de Júlio Pomar. Com ele, o vazio que existia ali se preencheu parcialmente
com um equipamento que atrairia a população e faria parte da memória da cidade.
Figura 82. Croquis para instalação do Gran Circo Lar, em 15 de fevereiro de 1985. Fonte: Marques (2007: p.
249).
Foto 30. Gran-Circo-Lar, vista frontal. Janeiro de
1987. Fonte: Arquivo Público.
Foto 29. Gran-Circo-Lar, azulejo Júlio Pomarl. Janeiro de
1987. Fonte: Arquivo Público.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
116
De acordo com Costa (Brasília Revisitada) os vazios urbanos têm uma relação com o
céu, a de preenchimento:
“resultou a incorporação à cidade do imenso céu do planalto, como parte
integrante e onipresente da própria concepção urbana os vazios [grifo do
autor] são por ele preenchidos, a cidade é deliberadamente aberta aos 360
graus do horizonte que a circunda [grifo nosso]”
157
.
Com base nesta recomendação, as transformações ocorridas no vazio da Praça dos
Três Poderes com a inserção do Mastro da Bandeira, do Panteão e Pira da Pátria
ferem a concepção pretendida em 1957, de que os vazios deveriam ser preenchidos
pelo céu, bem como rompe parcialmente com o visual pretendido do cerrado natural.
A praça autônoma da Catedral foi implantada, embora seu caráter final seja
desprovido de funções urbanas tradicionais O vazio da praça tornou-se um lugar de
passagem e de visuais para os turistas, mas não de um espaço apropriado, que a
utiliza como os moldes de praça tradicional, de estar.
Todavia, aqui cabe outra discussão - a dos vazios urbanos, pretendida em 1957, como
instrumento de uma linguagem modernista. Apesar da referência colonial (tradicional),
ter sido retomada como gesto de resgate do passado, mas apontando para o futuro, a
sua essência é modernista e universal. Repercutindo neste recorte temporal de 1987,
outro pensamento, o da crítica ao movimento moderno, cujos espaços são vistos
157
Costa 1987. Op.Cit., p. 7.
Foto 31. Imagem do Eixo Monumental a partir da porção oeste da praça, vazio livre de edificação de acordo com a
concepção de Costa, Junho de 1972. Fonte: Arquivo Público.
Foto 32. Imagem do Eixo Monumental a partir da porção oeste da praça, vazio com o Mastro da Bandeira. Janeiro de
1973. Fonte: Arquivo Público.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
117
como desprovidos de uma identidade nacional apropriada e de sociabilidade. É
exatamente que se coloca a questão das permanências e transformações dos
vazios, ora interpretados como algo intrinsecamente próprio à linguagem modernista
(mesmo que tradicional, no modernismo brasileiro), ora percebidos como algo a ser
transformado, mesmo que essa transformação passe pela questão da apropriação, por
uma identidade que se transforma e é mutável com o tempo, posto que transitória.
Para Rizek (1993), a separação do público e privado, o espaço interiorizado das
superquadras versus a extroversão da escala monumental, a antiga forma de
apropriação pública da cidade, em função da mistura e troca de indivíduos dá lugar ao
isolamento, o que deveria ter sentido de igualdade, transforma-se em anonimato.
No âmbito da prática preservacionista estas idéias foram levantadas, especificamente
pelo GT-Brasília, ainda que não incorporadas. A proposta de preservação apresentada
pelo GT era dinâmica, a partir da manutenção de
“características essenciais do espaço, que lhe dão identidade, e na
transformação de elementos que causam problemas à funcionalidade dos
espaços, desde que baseados em escolhas éticas, em que a população se
posicionaria de forma consciente, a partir de sua vivência e do conhecimento
dos estudos técnicos realizados.”
158
O tombamento permitiu conferir à Brasília e, aqui, ao Eixo Monumental, a permanência
de uma identidade funcionalista. Afinal, a inserção de novas edificações, apesar de
transformar o projeto de Costa, não interfere de forma demasiada na condição da sua
identidade. O que o GT questiona é quanto a sua identidade modernista, a ser
preservada, que não pode ser entendida isoladamente, sem a vivência deste espaço,
como processo de apropriação da população, sem considerar o caráter transitório
inerente à própria modernidade.
“A dificuldade de tratar os espaços urbanos de Brasília com o instrumento do
tombamento resulta, entre outros, do fato de estarmos lidando com o uso, o
significado e a apropriação dos espaços da cidade para os diferentes grupos
sociais que habitam a cidade. Por isso, os critérios de preservação baseados
nas escalas não podem ser definidos somente por cnicos, que a partir de
seu conhecimento escolhem os elementos que devem ser mantidos.
159
158
RIBEIRO, Op. Cit., p. 95.
159
Idem, p. 116.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
118
Ao fim de 30 anos, decorridos entre 1957 e 1987, marcos da concepção do Projeto do
Plano Piloto e do reconhecimento internacional de Brasília como patrimônio,
respectivamente, a leitura da identidade do Eixo Monumental a partir das
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos, possibilita
verificar que a visão que prevalece é a da cidade funcionalista, tombada, que se quer
preservar. Entretanto, a análise permite perceber que a essa visão se contrapõe
uma outra, a da Brasília modernista e tradicional, dentro da contemporaneidade e
deve ser vista como Brasília vivenciada, apropriadora, cujos vazios para além de
instrumentos da urbanística moderna, adquirem outros significados.
119
C
CC
CAPÍTULO
APÍTULO APÍTULO
APÍTULO 9
99
9
2007 – O EIXO VIVENCIADO
Foto 33. Venda de arranjos florais, em frente a Catedral.
Foto: Marcos Rebouças.
Foto 34. Complexo Cultural, Setor Cultural Sul. Foto: Ana
Medeiros.
Foto 35. Crianças da escola em visita a Praça dos Três
Poderes. Foto: Marcos Rebouças.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
120
O último recorte temporal é a análise que se segue a partir de 1987 até 2007, ano que
marca o centenário de Oscar Niemeyer, os 70 anos de fundação do IPHAN, os 20
anos de tombamento de Brasília e os 50 anos do Concurso para o Projeto do Plano
Piloto - Área de Interesse Especial de Preservação, como lidar com as transformações
provenientes de um desenvolvimento e dinamismo urbano? Quais implicações sobre
os vazios no Eixo Monumental? Neste tempo, novas construções foram somadas ao
Eixo Monumental: na Praça dos Três Poderes, uma escultura e o Espaço Lucio Costa;
ao oeste da praça, a Fundação Oscar Niemeyer e o Espaço Israel Pinheiro; o
Congresso Nacional teve seus anexos implantados; à Catedral se somou a Cúria
Metropolitana e ao Setor Cultural Sul, um museu, uma biblioteca e o restaurante. É
então no registro e análise sobre os vazios, que procuraremos definir a que identidade
este recorte temporal se refere.
Dezembro de 1987 seria o início da ação pública abraçando a preservação do Plano
Piloto de Brasília, desejo demonstrado desde a sua inauguração e liderado por Lucio
Costa. A despeito da condição de conjunto urbanístico tombado como cidade
modernista, as preocupações em torno da prática preservacionista ainda se fizeram
constantes, na proporção em que a cidade se desenvolveria. Em 1988, o Anteprojeto
de Lei de Preservação do Patrimônio Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do
Distrito Federal, baseado nas proposições do GT- Brasília proporia a identificação do
patrimônio a ser preservado, através de competências institucionais.
Em 1990 o tombamento acontece na esfera federal, através da portaria nº04 do
IPHAN, que seria a repetição do texto presente no Decreto 10.829, demonstrando
que não se avançou na instrumentação jurídica, cabendo a decisão final, sobre
intervenções no espaço, ao IPHAN. Assim a gestão urbana ficaria condicionada pela
atuação dos órgãos do patrimônio cultural.
Diante das medidas preservacionistas cabe, a partir de então, questionar se as
transformações, autorizadas ou não, nos vazios do Eixo Monumental, geraram
alterações na sua identidade.
Obras realizadas
Em 1988, um evento marcaria a comemoração da incorporação de Brasília à lista de
bens do patrimônio mundial da UNESCO e, naquela ocasião, Oscar Niemeyer elabora
uma escultura em concreto para a placa que traria a seguinte frase: “Brasília,
Patrimônio Mundial da Humanidade”. No agreste, ao oeste da Praça dos Três
Poderes, além do Mastro da Bandeira e o Panteão, acrescentou-se uma obra: a
Espaço Oscar Niemeyer (1988).
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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121
O Governo Federal, através de Decreto Presidencial, criou uma comissão com o
objetivo de elaborar o projeto conceitual e arquitetônico do conjunto cultural de Brasília
previsto para o Setor Cultural. A Comissão elaborou um relatório inicial (1988), com a
participação de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer contendo: o arquivo nacional, a
biblioteca, o museu, um centro de estudos da civilização brasileira e um fórum de
instituições de ciência e cultura. No Conjunto estava previsto ainda, uma entidade
mantenedora, centros de preservação e restauração de documentos, um banco de
imagens e uma cinemateca.
Como resultante desse trabalho, o Governo do Distrito Federal, em 1992, contratou
Oscar Niemeyer para iniciar os estudos de implantação física para os vazios do Setor
Cultural. Na parte sul, onde se encontra o Touring, o projeto do Museu e a Biblioteca.
Na parte norte, integrado com o edifício do Teatro Nacional, se instalaria um grande
auditório, um restaurante e uma galeria de lojas que emoldurariam um conjunto de 15
cinemas. Este projeto ainda passaria por mais uma revisão.
Em 1991, foram construídos os espelhos d’água em frente ao Palácio do Governo e do
Congresso Nacional, por medidas de segurança.
Em 1992, como parte das comemorações do 90º aniversário de nascimento do
urbanista Lucio Costa, é inaugurado o Espaço Lucio Costa, na parte subterrânea da
Praça dos Três Poderes. Neste espaço foi executada uma maquete de 179 metros
quadrados, de todo o Plano Piloto de Brasília.
Foto 36. Escultura de Oscar Niemeyer, 1988. Fonte: Marcos Rebouças.
Foto 37. Espaço Oscar Niemeyer, 1988. Fonte: Ana Medeiros.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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122
A área contígua da Praça dos Três Poderes receberia projetos de Niemeyer. Foram
construídos, entre 1990 e 1993, os anexos do Congresso que seriam dispostos quatro
no lado sul e dois acrescidos de uma gráfica, no lado norte. Em 1998 seriam erguidos
os dois anexos do Supremo Tribunal Federal.
Enquanto o projeto para o setor cultural não saía do papel, o Gran-Circo-Lar era
responsável por levar atividades culturais ao Eixo e permaneceu até o ano de 1999,
quando foi desmontado sob pretexto de não oferecer segurança à população. Entre
este equipamento e a rodoviária, o espaço foi utilizado como feira provisória, até a sua
retirada em 2007.
Os projetos de Niemeyer continuariam. Em 2002, foi inaugurado a Sede da
Procuradoria Geral da República, próximo ao Tribunal de Contas da União. Um
Figura 83. Espaço Lucio Costa. Fonte: site da Secretaria de Estado de Cultura.
Figura 84. Área interna do Espaço Lucio Costa. Fonte: site da Secretaria de Estado de Cultura.
Foto 38. Supremo Tribunal Federal. Vista a partir da praça. Foto: Rui Faquini.
Foto 39. Supremo Tribunal Federal. Vista a oeste da praça. Foto: Rui Faquini.
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123
conjunto de 70 mil m² de área, dispostos em dois grandes cilindros com fachada
revestida de ‘vidros espelhados’ em composição com três volumes menores. Em 2003,
Niemeyer projetou o Espaço Israel Pinheiro, localizado ao lado da Fundação Oscar
Niemeyer.
Após mais uma revisão de projeto para o Setor Cultural, a proposta ganharia uma via
subterrânea de ligação entre os dois setores, com uma faixa de iluminação natural
seguindo seu trajeto, cercada de lojas, pequenas praças, locais de encontro e lazer e
um grande estacionamento. O museu foi redimensionado e a biblioteca permaneceu.
No lado sul um Centro Musical; um Conjunto Multiplex de Cinemas e Lojas e um
Cinema 180º funcionariam, ao lado de um Planetário. O Museu Nacional Honestino
Figura 85. Projeto da Procuradoria Geral da República no entorno imediato da Praça dos Três Poderes. Fonte:
Niemeyer (2007: p.78).
Figura 86. Planta de Implantação da Procuradoria. Fonte: Niemeyer (2007: p.78).
Figura 87. Localização da Procuradoria em relação ao vazio da Praça dos Três Poderes. Fonte: Google Earth.
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124
Guimarães, a Biblioteca Nacional Leonel Brizola e um restaurante semi-enterrado
seriam inaugurados em 2006, os demais projetos não foram executados.
Figura 88. Maquete Eletrônica do Complexo Cultural da República. Fonte: Marques (2007: p. 137).
Figura 89. Museu Honestino Guimarães, Niemeyer. Entrada Principal. Fonte: www.arcoweb.com.br.
Figura 90. Biblioteca Nacional Leonel Brizola. Fonte: Ana Medeiros.
Figura 91. Projetos que compõem o Complexo Cultural. Fonte: Marques (2007: p.137).
Figura 92. Vista do Museu a partir do interior da biblioteca. Fonte: www.revistaau.com.br.
Figura 93. Vista da Biblioteca. Fonte: Ana Medeiros.
Figura 94. Vista do Conjunto: biblioteca, museu e restaurante. Fonte: www.revistaau.com.br.
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125
Os espaços intersticiais entre os ministérios seriam ocupados informalmente por
‘quiosques’ para o comércio que foram ali se instalando e até agora ficando.
E por último, a Catedral de Brasília inaugurou em 2007, uma nova edificação semi-
enterrada, a Cúria Metropolitana, em complemento ao projeto original de Oscar
Niemeyer, com área de 3.000 m², para abrigar a administração arquidiocesana.
Ao final deste capítulo, segue um mapa com as obras no intervalo de 1988 a 2007.
Assim, passados 50 anos da idealização do Plano Piloto, aos vazios do Eixo
Monumental foram acrescidos de mais edificações. Seu propósito como elemento
estruturante da identidade modernista ainda se faz permanente. Por um lado a
composição no entorno imediato do Eixo, com massas edificadas ferem e subtrai o
cenário desejado em 1957, de espaços abertos e fluidos, integrados com a paisagem
natural e com o ‘próprio céu’. Tal fato é presenciado pelas novas edificações de
Niemeyer, próximos a Praça dos Três Poderes.
Algumas inserções ainda estavam previstas no plano original, como a parte sul do
Setor Cultural. No entanto, os espaços verdes destinados à arborização densa foram
‘pavimentados’ e talvez por isso não tão utilizados pela população.
Na área contígua à Esplanada e Praça, os vazios começaram a ser transformados
pelo aumento e necessidade das funções administrativas, tornando a identidade
modernista menos isolada e aberta que o Eixo projetado em 1957. Mas em relação à
identidade em 1987? O posicionamento crítico, dado pelos problemas decorrentes da
forma modernista: espaços amplos que induzem a desertificação desse território, é
recorrente no Eixo Vivenciado?
O que se percebe é que, apesar da natureza imposta pelo tombamento, de se
conservar aspectos fundamentais dos espaços urbanos, é preciso considerar que, em
geral, esse “impede a continuidade do processo de mudanças inerentes à dinâmica
urbana e constitui-se assim num fator limitante de um processo de gestão aberto a
aceitação de transformações planejadas dos espaços urbanos”
160
. De acordo com
Júnior (2004), os estudos elaborados no âmbito do GT-Brasília, o Anteprojeto de Lei
de 1989, o documento Brasília 57-85 e Brasília Revisitada, possibilitaram uma
discussão em torno de mudanças no conjunto urbano já existente, recuperando o
160
JÚNIOR, Antônio de Menezes. A dinâmica da configuração urbana do Plano Piloto de Brasília no período 1985
a 2003. Brasília. Dissertação de mestrado – FAU/UNB, 2004. p.33.
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126
aspecto inerente à modernidade: a transitoriedade. “A idéia de mudança estava de
certo modo considerada como parte do processo de preservação”
161
.
Se modernista, mas tradicional em 1957, soma-se a funcionalista em 1987, no entanto
no Eixo vivenciado em 2007 seria configurado por uma nova prática a de
apropriação.
Mas antes de discutir aqui o termo apropriação vinculado ao recorte temporal de 2007,
é preciso que se enfatize que Brasília vem sendo apropriada desde o momento do
projeto, tal fato acontece com o júri que ao apropriar-se da proposta vencedora,
provoca as primeiras mudanças de projeto, depois, na própria dinâmica da construção.
E ainda o canteiro de obras é apropriado pelos operários exigindo alterações não
previstas como a criação das cidades satélites antes da inauguração e mesmo da
‘completude’ do Plano Piloto. A inauguração promove um outro tipo de apropriação
que em se transformando, ao longo do tempo, em função das mudanças econômicas,
políticas, culturais. A Esplanada, tomada pelo povo, não é um fenômeno recente, do
século XXI ou do último recorte temporal. O que acontece é que a identidade da
Brasília, enquanto cidade patrimônio e, com ela, a do Eixo, se transforma pelo
reconhecimento, este sim, recente dessa apropriação como um instrumento de
construção de uma identidade que se quer preservar, para além daquela associada ao
funcionalismo, ao modernismo. Uma percepção que acaba se refletindo nos vazios.
À identidade funcionalista acrescenta-se um novo sentido, percebida pela presença do
povo reivindicando melhor condução de ações políticas, que além dos protestos
políticos, o espaço seria preenchidos por comícios, passeatas de várias naturezas:
eventos religiosos, culturais, esportivos e sacro marcando ao longo do ano, as datas
comemorativas. O primeiro presidente eleito por voto direto em 1990, após o Regime
Militar, foi também retirado pela pressão do povo nos vazios da Esplanada, acusando-
o de corrupção.
“Mas se, porventura, alguém ainda insistir em dizer que esta cidade
desencoraja as grandes mobilizações, que as pessoas não vão às ruas, que
os espaços amplos dispersam a multidão e todos os leros do gênero, que
procure os jornais do final de setembro de 1992. A Esplanada dos Ministérios
a mais larga via blica que se tem notícia virou um mar de gente, que
só acabava onde a vista não alcançava mais. Coisa do fenômeno mais
vibrante que a juventude brasileira produziu, depois de 1968 e anos
subseqüentes, os cara-pintadas. A moçada brasiliense, maioria absoluta, se
161
Id. Ibidem.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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127
uniu a jovens de todo o país numa multidão de mais de cem mil cabeças para
pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.
162
A Praça é também palco de concentrações populares, não só as cívicas, como a troca
da guarda do palácio presidencial e o hasteamento da bandeira, mas também das
grandes manifestações de reivindicação e protesto. Em razão disso, trechos da praça
foram cercados por barreiras físicas, o que compromete a integridade com o
tombamento.
162
Cidade Fria? É Mentira. In Correio Brasiliense. Caderno Especial. Edição 02 de julho de 2002.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
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128
Para Kohlsdorf (2005), a historicidade da preservação do conjunto urbanístico de
Brasília acaba por tornar um ambiente dinâmico das ações cotidianas, e desta forma
em ‘permanente’ mudança. Por isso a orientação é que a preserve como bem
contemporâneo
163
de forma que não a imobilize, “sob o risco de abandonar-se sua
condição de bem contemporâneo para não passar de um conjunto representativo de
um determinado momento da História (...)” (UNESCO 1986: p.15).
“Preservar tais espaços não pode, portanto significar sua cristalização, seja
nos aspectos da estrutura configurativa, seja na destinação de atividades que
ocorram nos mesmos; proceder de tal modo seria ignorar a característica
fundamental do espaço urbano, e que lhe comunica precisamente mutação
em vez de permanência, variabilidade histórica, em vez de paralisação
atemporal, e, o se deve esquecer, maleabilidade simultânea à capacidade
163
Ver Dossiê Brasília da UNESCO (1986: p.15) que estabelece uma preservação dinâmica.
Foto 40. Esplanada dos Ministérios. Prêmio Foto Arte. Fonte: Antônio Nogueira.
Foto 41. Festa de final de ano na Esplanada. Prêmio de Fotografia, Brasília Céu Aberto. Fonte: Marcelo
Dischinger.
Foto 42. Praça dos Três Poderes, posse do presidente. Prêmio de Fotografia, Brasília Céu Aberto. Fonte: André
Lacerda.
Foto 43. Vazio do Setor Cultural Sul. Prêmio de Fotografia, Brasília Céu Aberto. Fonte: Demian Moura.
Foto 44. Esplanada vivenciada pela população. Prêmio de Fotografia, Brasília Céu Aberto. Fonte: Jonhson
Rodrigues.
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129
de participar nas diversas práticas sociais, e, também na interação dessas
várias práticas.”
164
As práticas cotidianas deverão estar contidas nas medidas preservacionistas, pois são
estas as responsáveis por dar sentido a um lugar, e a identidade modernista, mutável
ganha novos ares de um espaço vivenciado. Portanto, há lugares que permitem
localizar ausências porque relembram fatos associados a espaços, e o sentido de
preservá-los é o de conservar a memória neles inscrita.”
165
O centenário de Oscar Niemeyer corresponde a uma Brasília real que cresceu e se
expandiu além da área urbana tombada. As cidades satélites se formaram em torno do
que hoje representa o Plano Piloto como centro de um aglomerado urbano e pólo de
trabalho.
“Sendo assim, (...) para além do caráter arquitetônico ou urbanístico, a cidade
vivenciada permite perceber uma outra Brasília: real, contemporânea,
metrópole nacional, em permanente crescimento e cujo núcleo inicial, na
concepção original do planejamento regional, o Plano Piloto, torna-se a área
central, ou centro histórico [grifo dos autores]. E é essa Brasília real que vem
exigindo uma abordagem de planejamento urbano que transcenda à lógica da
racionalização da dinâmica urbana que, de alguma maneira, é corolária da
sua própria concepção urbanística e contemple uma realidade
multifacetada e complexa. ”
166
2007 se fixa como testemunho de um Eixo real, repleto de vida e de memórias, de
adições e de um vazio que se faz permanência de um momento histórico por assim
dizer modernista e pleno de transformações.
164
BICCA, B. e Kohlsdorf M.E. Permanência e Metamorfose: a preservação de Brasília. In Cadernos Brasileiros de
arquitetura 12, Desenho Urbano. São Paulo, Projetos Editores, 1984. p. 128.
165
KOHLSDORF, M.E. Brasília entre a preservação e o crescimento, p. 49. In Visões de Brasília patrimônio,
preservação e desenvolvimento. Otto Ribas (org.) – Brasília: Instituto de Arquitetos do Brasil, 2005, p. 49.
166
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida; CAMPOS, Neio. Para Além do Urbanismo e Planejamento
Funcionalistas: Brasília(s) Projetada, Construída, Tombada e Vivenciada. In: Planejamento Urbano no Brasil e
na Europa: Um Diálogo Ainda Possível? Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
130
Foto 45. Vazio apropriado. Prêmio de Fotografia, Brasília Céu Aberto. Foto: Max Monteiro.
Mapa3-1960EixoInaugurado
050100150200250300m
EscalaGráfica
O
L
N
S
LEGENDA
PaláciodoPlanalto(1958-1960)
Supremo TribunalFederal(1958-1960)
CongressoNacional(1958-1960)
Escultura-OsCandangos(1959)
MuseudaFundação(1958-1960)
Ministérios1-11(1958-1960)
TeatroNacional(1958-1981)
Catedral(Estrutura)(1959-1970)
1
2
3
4
5
6
7
8
1
4
5
2
7
6
6
3
3
8
Mapa4-1987EixoTombado
050100150200250300m
EscalaGráfica
O
L
N
S
LEGENDA
PaláciodoPlanalto(1958-1960)
Supremo TribunalFederal(1958-1960)
CongressoNacional(1958-1960)
Escultura-OsCandangos(1959)
MuseudaFundação(1958-1960)
Ministérios11-17(1958-1960)
TeatroNacional(1958-1981)
Catedral(Estrutura)(1959-1970)
1
2
3
4
5
6
7
8
Pombal(1961)
Escultura: A Justiça(1961)
TouringClub(1962)
PaláciodaJustiça(1962)
PaláciodoItamaraty(1962)
CasadeChá(1964)
Anexos-PaláciodoPlanalto(1975)
TribunaldeContas TCU(1974)
AnexoII-CâmaradosDeputados(1965)
MastrodaBandeira(1972)
Anexos-Min.dasRelaçõesExteriores(1975)
9
10
11
12
13
14
AnexoIII-CâmaradosDeputados(1973)
AnexoIV-CâmaradosDeputados(1978)
AnexoV-SenadoFederal(1977)
PanteãoePira(1986e1987)
Gran-Circo-Lar(1987)
AnexoI-Supremo TribunalFederal(1971)
20
21
22
23
24
25
17
15
18
16
19
1
17
4
5
14
15
9
10
16
25
23
21
18
2
7
7
6
6
3
3
8
11
24
12
22
19
20
13
Mapa5-2007EixoVivenciado
050100150200250300m
EscalaGráfica
O
L
N
S
1
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4
5
26
14
15
32
33
9
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10
16
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29
25
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18
13
2
7
7
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6
6
3
3
8
11
24
12
22
19
20
30
Escultura-OMarco
AnexoII-Supremo TribunalFederal(1988)
EspaçoLúcioCosta(1992)
ProcuradoriaGeraldaRepública(2002)
Museu,BibliotecaeRestauranteSCS(2006)
CúriaMetropolitana(2007)
FundaçãoOscarNiemeyer(1988)
FundaçãoIsraelPinheiro(2003)
EspelhosD’água(1991)
26
27
28
29
30
31
32
33
34
LEGENDA
PaláciodoPlanalto(1958-1960)
Supremo TribunalFederal(1958-1960)
CongressoNacional(1958-1960)
Escultura-OsCandangos(1959)
MuseudaFundação(1958-1960)
Ministérios11-17(1958-1960)
TeatroNacional(1958-1981)
Catedral(Estrutura)(1959-1970)
1
2
3
4
5
6
7
8
Pombal(1961)
Escultura: A Justiça(1961)
TouringClub(1962)
PaláciodaJustiça(1962)
PaláciodoItamaraty(1962)
CasadeChá(1964)
Anexos-PaláciodoPlanalto(1975)
TribunaldeContas TCU(1974)
AnexoII-CâmaradosDeputados(1965)
MastrodaBandeira(1972)
Anexos-Min.dasRelaçõesExteriores(1975)
9
10
11
12
13
14
AnexoIII-CâmaradosDeputados(1973)
AnexoIV-CâmaradosDeputados(1978)
AnexoV-SenadoFederal(1977)
PanteãoePira(1986e1987)
Gran-Circo-Lar(1987)
AnexoI-Supremo TribunalFederal(1971)
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24
25
17
15
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16
19
34
34
Considerações
Finais
Considerações
Finais
foto:ruifaquini
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
135
Examinados o Eixo projetado, sinônimo da capital (1957); o Eixo tombado e por sua
vez consolidado (1987) e o Eixo vivenciado, por assim dizer resultado do crescimento
e real (2007) nos deparamos com um balizamento de permanências e transformações
nos vazios urbanos. O sentido do instrumento essencial da urbanística moderna se
complexificou, a identidade dos vazios foi se definindo e redefinindo entre tradicional,
modernista, efêmera e transitória.
A leitura dos vazios ao longo dos recortes temporais nos permitiu a análise do ‘Eixo
Projetado’ e de uma identidade nos moldes modernistas, mas também nacional/
tradicional. E enquanto ‘Eixo Tombado’, a identidade mudou com o tempo, pois a visão
preservacionista foi a de uma “cidade projetada e construída como obra de arte
definitiva, em pedra e cal, a ser imperativamente completada” (Medeiros 2007). Mas o
reconhecimento pela UNESCO, local e internacionalmente, não mais correspondia ao
Eixo projetado ou do Eixo inaugurado, e sim a uma identidade transformada mesmo
que ainda funcionalista, modernista e tradicional. No espaço vivenciado a leitura da
identidade se faz ainda por meio, do vazio como presença ausente.
A discussão das permanências e transformações envolve a leitura dos vazios no Eixo
Monumental que dialoga com o local, apropriando-se das idéias urbanísticas
européias de forma crítica; o nacional, pela utilização de técnicas construtivas e
influências tradicionais; e com o internacional, testemunho dos princípios
funcionalistas e utilização de ingredientes estrangeiros.
Os espaços do Eixo continuam livres, entre verdes e plataformas, no entanto
acrescidos de mais edificações. O princípio de cidade-parque, tendo a prioridade de
espaços livres ainda permanece como inversão de uma figura-fundo. Todavia, o vazio
como elemento estruturante da urbanística moderna foi alterado, tendo sido a sua
relação com a paisagem natural parcialmente subtraída com volumetrias que
quebraram o sentido concebido por Costa no Eixo Projetado. Aos vazios foram
agregados novos sentidos, o de um espaço ausente, cheios de memórias, o de uma
identidade construída pela apropriação da população, sem com isso impedir que a
leitura heterogênea, hierárquica, monumental, estabelecida pela correspondência
entre os diversos elementos inseridos se perpetue.
Entre saldos de permanências e transformações, a identidade modernista permanece,
no entanto o simbolismo se perde, se enfraquece.
A estas transformações, cabe aqui o conceito de vazios urbanos por Ignasi de Solà-
Morales, catedrático espanhol, ao lado da idéia que o movimento moderno em
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
136
arquitetura reivindicou a reinserção dos vazios na ordem produtiva por meio da
ocupação, do uso no mercado.
“uma área sem limites claros, sem uso atual, vaga, de difícil compreensão na
percepção coletiva dos cidadãos, constituindo normalmente um rompimento
no tecido urbano. Mas é também uma área disponível, cheia de expectativas,
de forte memória urbana, com potencial original: o espaço do possível, do
futuro.”
167
A identidade abstraída da memória desses locais nos leva a encarar os vazios
urbanos muito para além de uma visão meramente pragmática. O seu valor não se
resume ao seu preenchimento futuro, ou até de uma localização privilegiada, mas a
importância dos fatos e relações ocorridos ali. A memória destes lugares torna-os
irrepetíveis.
“Aqui, é a idéia do silêncio arquitetônico [grifo da autora] que prevalece. Sob
esta perspectiva, os vazios urbanos se revelam, na verdade, “cheios
urbanos, na qualidade de espaços que, apesar de destituídos de uma
materialidade se apresentam repletos de uma imaterialidade potencialmente
criadora.”
168
A visão de vazios como bem permanente, estruturador, apontado pelo GT Brasília, o
de assegurar às gerações futuras como significantes, vêm se firmando a cada dia
como uma identidade apropriada. Neste contexto, recentemente em Janeiro de 2009,
foi concebida por Niemeyer uma proposta para o canteiro central da Esplanada na
altura do Conjunto da República, assunto que levantou um debate no meio acadêmico
e fora dele. Polêmica que resultou apoio de alguns e manifestações contrárias de
outros, levando ao não prosseguimento desta proposta
“Com pesar nos reunimos, eu e meus companheiros de Brasília, para avaliar
o que se passava. E chegamos à conclusão de que o governador do Distrito
Federal não teria, como nos comunicou, condições para executar aquele
projeto que tanto o empolgava. O que fazer? O único pensamento que nos
ocorria era, compreensivos, agradecer o apoio que o governador, com
inegável interesse, nos dera e pôr de lado - provisoriamente - a idéia que
muito nos entusiasmara. O projeto continuaria a ser desenvolvido
167
SOLA-MORALES, I. Terrain Vague. In Anyplace, Cambridge: MIT/Any, p. 118-123.
168
MEDEIROS, 2007. Op.Cit., p.5.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
137
normalmente, na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a
ser cogitada.
169
A polêmica estaria nos jornais, internet, artigos:
“O plano original de Brasília nunca foi tão debatido. O interesse pelas idéias
do arquiteto e urbanista ressurgiu entre os brasilienses após a polêmica em
torno da Praça da Soberania projeto de Oscar Niemeyer para o gramado
central da Esplanada dos Ministérios. Sob o argumento de que a construção
contrariava o tombamento da cidade e também o plano de Lucio Costa,
arquitetos da cidade se insurgiram contra a praça. Diante da briga boa,
Niemeyer desistiu do projeto. ” (Correio Brasiliense 08.03.09).
Este é mais um registro que coloca em evidência a memória resultante desses vazios
urbanos, que foi reivindicada pela sua população.
Pensar Brasília é unir os nomes Costa e Niemeyer. Segawa (2009) faz uma ressalva
que estes nomes são ‘indissociáveis’ ao pensar no Plano Piloto, porém são
‘distinguíveis’:
“Em tempos recentes, o nome de Lucio Costa tem ficado injustamente na
sombra. Não dúvida que a Brasília de Lucio Costa, sem os marcantes
edifícios de Niemeyer, não teria as qualidades que o Plano-Piloto ostenta.
Mas o que seria da Brasília de Niemeyer sem a imaginação urbanística de
Costa? (...) O plano urbano vencedor do concurso nacional julgado em 1957
é de exclusiva concepção de Lucio Costa.”
170
O projeto seria em comemoração aos 50 anos de Brasília em 2010. O partido é
composto por dois volumes, um mais baixo curvo, com o intuito de abrigar um
memorial de ex-presidentes; o mais alto com 100 metros de altura, contará a história
do progresso do país, com exposição permanente colocados numa praça, no subsolo
o estacionamento reaparece revisto para 3.000 carros. Praça da Soberania (2009)
no canteiro central e Praça de Eventos (2007) substituindo os equipamentos
anteriormente previstos para o Setor Cultural Norte: com uma arena multiuso, um
auditório e um terraço com vista para a Esplanada.
No mesmo cenário, vários projetos de autoria de Oscar Niemeyer, foram previstos
para a área do Eixo Monumental que na análise temporal desta dissertação, não se
deu a atenção devida, pois naquele momento não interferia na análise pretendida. No
169
NIEMEYER. Oscar. Decisão.Texto enviado pelo autor. In mdc. Revista de arquitetura e urbanismo, 2009.
170
Segawa, Hugo. Por um olhar desimpedido. In mdc. Revista de arquitetura e urbanismo. 2009.
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
138
entanto, aqui parece relevante mencionar estes projetos, em virtude de ratificar a
intervenção no espaço com possíveis edificações que permutaria ou subtrairia os
conceitos modernistas repensados por Costa. Estes projetos serão aqui tratados como
‘negações’, seja pelo seu caráter contraditório à proposta original que esbarrou nas
ações de legalização do IPHAN, ou por simplesmente não terem sido executadas. O
mapa 6 apresenta todos os projetos (negações) para a área e o mapa 7 traz uma
visão de como ficaria os vazios, caso fossem edificados (neste último, como havia
sobreposição de projetos para o mesmo setor, foi considerado apenas o de data mais
recente).
Estes projetos iniciam com o Complexo Cultural da República que começaria a ser
idealizado por Niemeyer na década de 1970. Na parte norte projetou o Museu da
Terra, do Mar e do Cosmo e nos anos seguintes, em 1986, desenhou o Museu de
Brasília e o Ministério da Cultura para o lado sul da cidade. O arquiteto apresentou
uma série de variações para os setores. Em 1992, ele considera o Gran-Circo-Lar e no
lado norte, novamente, aparece o Ministério da Cultura e o Arquivo Nacional. Em
1999, o Museu toma o formato em cúpula e a Biblioteca seria um rebatimento do
Teatro Nacional até sair o projeto definitivo em 2004, outras soluções/ modificações
ainda foram apresentadas. (Ver Marquez 2007: p.117-143).
Em 1972, Niemeyer projetou a ampliação do plenário do Congresso que seria
localizado no canteiro central no subsolo, com aberturas no teto para iluminação. Em
1994, a proposta envolveria a ocupação no espelho d’água para gabinetes da
Presidência do Senado e da Câmara conectado ao Congresso por uma galeria
envidraçada. A terceira proposta seria a ligação a partir da Praça dos Três Poderes
até o Congresso por uma extensa rampa sobre o espelho d’água. Estas três propostas
não saíram do papel.
O projeto do Museu de Tiradentes (1980) seria a primeira edificação a ser localizada
onde hoje situa-se o Panteão, ou seja, de uma forma ou de outra Niemeyer planejava
ocupar aquele espaço.
Um Monumento à Paz (2005) em forma de pomba iniciaria o debate em torno da
ocupação da área não-edificada, o projeto seria locado no canteiro central entre o
Conjunto Cultural da República, e numa praça ‘pavimentada’ chamada de Praça do
Povo.
Em 2006, Niemeyer projeta o Centro Cultural da Câmara, caso venha a ser
construído, ultrapassará a cota de soleira do terrapleno da Esplanada dos Ministérios
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
139
e resultará em uma desastrada interferência no efeito surpresa causado pela diferença
de nível entre a Esplanada e a Praça dos Três Poderes.” (Marquez 2007: p. 117).
Neste momento, em meio aos debates sobre a ocupação dos vazios, resgata-se um
projeto de parque para o canteiro central do Eixo Monumental. Em 1960, Burle Marx
propõe para o Eixo Monumental um grande passeio, com espelhos d’água o Parque
da Esplanada, divididos em cinco grandes segmentos, com espécies das regiões do
país e um lago cortando o conjunto.
“Como fez em toda a sua trajetória, Burle Marx pensou em um parque para a
área central da cidade que reivindicava ser admirado, mas, antes de tudo,
pretendia que fosse utilizado pela população, compartilhado. (...) A idéia era
criar, assim, uma dinâmica do passeio na região mais nobre da cidade.
171
Diferentemente da concepção de Costa, o canteiro central de áreas verdes, de fluidez
modernista daria lugar a um parque, com ares brasileiros, pois o paisagista colocaria
os exemplares da exuberância das espécies brasileiras.
171
RAMOS, Graça. Um Parque na Esplanada. In Correio Braziliense. Caderno C: pensar. Edição de 31 de janeiro de
2009.
Figura 95. Parque da Esplanada, 1960. Burle
Marx. Fonte: Correio Braziliense (31 de
janeiro de 2009).
Figura 96. Espelhos d’água, árvores entre os
ministérios. Fonte: Correio Braziliense
(31 de janeiro de 2009
Mapa6-EixoNegações
LEGENDA
1.
2.1979a2007.ComplexoCulturaldaRepública
3.1972. AmpliaçãodoPlenáriodoCongressoNacional
4.1980.Museudo Tiradentes
5.1994.GabinetedaPresidênciadoSenadoedaCâmara
6.
7.2005.PassarelaligandoPraçadoCongresso
8.2005.PraçadoPovo
9.2005.MonumentoàPaz
10.2009.PraçadaSoberania
1960-ProjetodeBurleMarxparaEsplanada
2004.CentroCulturaldaCâmaradosDeputados
8
2
2
2
10
9
5
6
7
3
2
1
4
Mapa7-EixoProjetoseNegações
050100150200250300m
EscalaGráfica
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6
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11
24
12
22
19
37
20
30
Escultura-OMarco
GabinetedaPresidênciadoSenado
edaCâmara(1994)
AnexoII-Supremo TribunalFederal(1988)
PassarelaligandoPraçadoCongresso(2005)
EspaçoLúcioCosta(1992)
CentroCulturaldaCâmaradosDeputados(2004)
ProcuradoriaGeraldaRepública(2002)
PraçadoPovo(2005)
Museu,BibliotecaeRestauranteSCS(2006)
PraçadaSoberania(2009)
CúriaMetropolitana(2007)
FundaçãoOscarNiemeyer(1988)
FundaçãoIsraelPinheiro(2003)
EspelhosD’água(1991)
26
35
27
36
28
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30
39
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32
33
34
LEGENDA
PaláciodoPlanalto(1958-1960)
Supremo TribunalFederal(1958-1960)
CongressoNacional(1958-1960)
Escultura-OsCandangos(1959)
MuseudaFundação(1958-1960)
Ministérios11-17(1958-1960)
TeatroNacional(1958-1981)
Catedral(Estrutura)(1959-1970)
1
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3
4
5
6
7
8
Pombal(1961)
Escultura: A Justiça(1961)
TouringClub(1962)
PaláciodaJustiça(1962)
PaláciodoItamaraty(1962)
CasadeChá(1964)
Anexos-PaláciodoPlanalto(1975)
TribunaldeContas TCU(1974)
AnexoII-CâmaradosDeputados(1965)
MastrodaBandeira(1972)
Anexos-Min.dasRelaçõesExteriores(1975)
9
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12
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14
AnexoIII-CâmaradosDeputados(1973)
AnexoIV-CâmaradosDeputados(1978)
AnexoV-SenadoFederal(1977)
PanteãoePira(1986e1987)
Gran-Circo-Lar(1987)
AnexoI-Supremo TribunalFederal(1971)
20
21
22
23
24
25
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15
18
16
19
34
34
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
142
As ‘negações’ que implicam diretamente na ocupação dos vazios envolvem questões
relativas ao Eixo projetado, tombado e vivenciado que coloca em debate a importância
adquirida desses espaços e desrespeita a memória coletiva e individual. A discussão
aqui pretendida é de uma identidade já apropriada pela população e por ela ao mesmo
tempo construída, relativa ao Eixo vivenciado – a dos vazios urbanos entendidos como
conjunto de significados, que se transformam com o tempo, e é ‘embrionária’ de um
urbanismo modernista. Aqui se retorna à época do processo de tombamento, em que
Niemeyer e Costa se empenham nas decisões que acabariam por influenciar as
decisões de preservação da identidade funcionalista. Neste, Niemeyer se coloca a
favor da preservação dos vazios como área non-aedificandi (rever capítulo 8). Mesmo
que a postura do arquiteto seja reflexo do entendimento do vazio como um
instrumento de projeto da urbanística moderna, sem considerar a questão da
apropriação como elemento de constituição, de uma identidade modernista transitória
e efêmera, as atitudes recentes revelam uma incoerência, uma ruptura como os ideais
modernistas.
A preocupação e a naturalidade com que Costa tratava a preservação sempre ficaram
evidentes, como atestam algumas palavras, constantes em pareceres de tombamento:
“Do estrito e fundamental ponto de vista do design da composição urbana
[grifo do autor] chegou o momento de se definir e limitar a futura volumetria
espacial da cidade, ou seja, a relação entre o verde [grifo do autor] das áreas
a serem mantidas in natura [grifo do autor] (ou cultivadas como campos,
arvoredos e bosques), e o branco das áreas a serem edificadas. Chegou o
momento, digo mal o último momento, diria melhor de ainda ser possível
avivar esse confronto e de assim preservar, para sempre, a feição original de
Brasília como cidade-parque, a facies [grifo do autor] diferenciadora da capital
em relação às demais cidades brasileiras.
Por todos os motivos, mesmo o tombamento será capaz de assegurar às
gerações futuras a oportunidade e o direito [grifo do autor] de conhecer
Brasília tal como foi concebida.
Para mim, como urbanista da cidade importa o seguinte:
(...) manter non-aedificandi [grifo do autor] e livre o espaço interno gramado
do eixo monumental, da Praça dos Três Poderes até a torre de TV; (...) Lucio
Costa 1/1/90
172
172
PESSÔA, José. 2004. Op.Cit., p. 292-293.
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permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
143
O vazio aparece, aqui, como o essencial a ser preservado, segundo a visão já
mencionada de Niemeyer, como também de Kohlsdorf (2005), decorrente da crítica ao
modernismo que traz consigo uma nova forma de conceber a prática preservacionista.
Entretanto, se esse vazio é essencial e, aqui nas palavras de Costa, ainda se encontra
revestido desse sentido de instrumento de composição da urbanística moderna, será
que essa é a única justificativa para se mantê-lo? Será que é apenas por conta da
preservação dessa identidade que se deve conservá-lo? Ou pesa a questão da
identidade que se modifica com o tempo? As transformações e permanências ao longo
dos três recortes temporais deixaram entrever mudanças na percepção da identidade
dos vazios do Eixo. O que se viu e o que é importante levantar sobres os vazios
urbanos do Eixo Monumental do projetado ao vivenciado é a identidade transformada
e reconstruída pelos moradores da cidade modernista.
“Paradoxal sob qualquer ponto de vista, seja ele o estrutural, o efêmero ou o
flexível, o vazio exige que a prática arquitetônica preservacionista aprenda a
lidar com ele, no seu silêncio ou no seu grito arquitetônico, na qualidade do
que parece ser o mais novo paradigma para intervenções urbanas.
173
Ressalta-se dois tipos de vazios existentes no Eixo Monumental. o vazio
intencional, aquele que foi projetado enquanto tal e cuja ocupação causa reações mais
fortes, como o canteiro central. E os vazios para os quais foram previstas funções,
mas que continuam “disfuncionais” na ótica modernista. Em ambos incide a
reconstrução da identidade modernista pela apropriação, mas parece que existe uma
diferença: no primeiro caso, o vazio é elemento estruturante da urbanística moderna, a
ele está relacionada fortemente a identidade funcionalista, oposto ao segundo -
efêmero.
Encerramos esta dissertação. Não na tentativa de esgotar o assunto, mas na de
ampliar o debate sobre os vazios urbanos no Eixo Monumental, não só como elemento
de expressão modernista, mas pleno de identidades e significados, na qualidade de
um espaço que deve ser foco de planejamento.
“Se planejar é escolher alternativas que permitam alcançar determinados
resultados desejados no futuro configurando-se, portanto, em uma aposta no
vir-a-ser, que se pensar as diversas lógicas que impulsionam a dinâmica
urbana: a lógica do mercado imobiliário, do Estado, do patrimônio histórico-
cultural, ou até mesmo a lógica da necessidade, fazendo com que os marcos
173
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A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
144
regulatórios do planejamento sejam postos a todo o momento em questão
frente à velocidade e voracidade dos acontecimentos do nosso tempo, os
quais, na maioria das vezes, encontram materialidade no espaço urbano.
174
174
MEDEIROS & CAMPOS, Op.Cit., p. 6
A Identidade do Eixo Monumental 1957-2007
permanências e transformações analisadas por meio dos vazios urbanos
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