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RAFAEL RAMIRES ARAUJO VALIM
O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO ADMINISTRATIVO
BRASILEIRO
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2009
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2
RAFAEL RAMIRES ARAUJO VALIM
O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO ADMINISTRATIVO
BRASILEIRO
Dissertação apresentada à banca
examinadora da Pontifica Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Direito (Direito do Estado), sob a orientação
do Professor Doutor Celso Antônio Bandeira
de Mello.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2009
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3
Banca Examinadora
__________________________________
__________________________________
__________________________________
4
Aos meus pais, Edemir e Eneida, e ao meu irmão Rodrigo, preito de amor e gratidão.
5
AGRADECIMENTOS
Sabe-se que toda obra científica, embora meditada e redigida na mais
completa solidão, é o resultado da comunhão de esforços, diretos ou
indiretos, conscientes ou inconscientes, de muitas pessoas.
Por isso, àqueles que me auxiliaram e aos quais sou profundamente
grato, credito os méritos deste trabalho, se algum nele houver. os
deméritos a mim, exclusivamente, pertencem.
Agradecer publicamente constitui sempre uma temeridade, dado o
risco de olvidar-se de alguma pessoa querida. Mas assumirei o risco,
desculpando-me de antemão por eventual esquecimento.
Agradeço aos meus pais, Edemir Valim e Eneida Valim, o amor, o
apoio, a confiança, o exemplo de retidão, e, sobretudo, a possibilidade de ter
crescido em um lar sereno e fraterno.
Ao meu irmão, Rodrigo Valim, exemplo de entusiasmo e generosidade,
e ao meu primo e irmão de afeto, Antonio Ferreira Inocêncio Neto, exemplo
de solidariedade, agradeço o companheirismo de sempre.
Aos meus avós, Virgílio Valim e Aristéia Valim, exemplos de retidão e
coragem, agradeço a permanente presença; também à Carlos Ramires e
Dalila Novaes Ramires, agradeço o carinho.
À Camila Almeida Janela, minha grande companheira e cujo auxílio foi
decisivo para a conclusão desta obra, devo agradecer o amor, o carinho, o
apoio e incentivo incondicionais, e principalmente a compreensão nos
momentos em que estive ausente. Sei que este singelo agradecimento o é
suficiente para recompensar tudo o que fez e faz por mim, então espero que
6
ao menos o trabalho tenha qualidade suficiente para justificar os sacrifícios e
privações que suportou durante os últimos anos. Sempre terá meu amor e
minha admiração.
Aos amigos e sócios de escritório, Luiz Henrique Alves Bertoldi e
Gustavo Marinho de Carvalho, agradeço o apoio, o intercâmbio intelectual e a
paciência com um sócio por vezes ausente. Ao Gustavo também agradeço a
atenta leitura deste trabalho.
Aos amigos que tive a ventura de conhecer no mestrado da PUC-SP e
de cuja convivência, profícua e festiva, extraio grandes lições. A todos, o meu
agradecimento: Angélica Petian, Augusto Neves Dal Pozzo, Bruno Francisco
Cabral Aurélio, Décio Gabriel Gimenez, Eduardo Pereira de Souza, Inês
Coimbra de Almeida Prado e Luciano Silva Costa Ramos.
Ao amigo Wander Benassi Junior, agradeço a apresentação, nos
tempos da graduação, do vasto e rico universo de Pontes de Miranda.
Aos amigos e professores de fraternidade, Antonio Carlos Malheiros,
Belisário dos Santos Junior e Josephina Bacariça, agradeço o exemplo, a
amizade e a confiança.
Aos professores José Roberto Pimenta Oliveira e Regina Helena
Costa, agradeço a orientação nos albores de minha vida acadêmica.
Ao professor Maurício Zockun, agradeço a amizade e o generoso
apoio, tanto acadêmico quanto profissional.
À eminente professora Weida Zancaner, agradeço o apoio, os
ensinamentos, o estímulo e também a confiança.
7
Finalmente, ao professor Celso Antônio Bandeira de Mello, a quem
devo minha inclinação pelo Direito Administrativo, agradeço a disposição em
orientar-me durante o mestrado, mas não só. Agradeço também o exemplo de
seriedade, compromisso com a ciência e, ao mesmo tempo, com os destinos
de nosso povo. O professor Celso Antônio Bandeira de Mello representa uma
das raras reservas morais e intelectuais deste país, cujo pensamento militante
e intransigente aponta para uma sociedade mais justa e solidária.
8
RESUMO
O presente estudo pretende ser um ponto de partida para o
aprofundamento do estudo do princípio da segurança jurídica no Direito Brasileiro.
Ao se sistematizar o conteúdo do princípio da segurança jurídica no Direito
Administrativo, objetiva-se evidenciar todas as virtualidades desse princípio, de
sorte a dar máxima proteção aos direitos dos administrados. A enunciação
abstrata do princípio da segurança jurídica, algo cada vez mais corriqueiro, tem
dado lugar ora a exageros, ora a mutilações indevidas, motivo pelo qual se impõe
sua delimitação em conformidade com a ordem jurídica vigente.
Nessa medida, por meio de uma análise dogmática, propõe-se a
classificação do conteúdo do princípio da segurança jurídica em dois núcleos
conceituais, quais sejam: a certeza e a estabilidade. Sob aquela vertente, cogita-
se da vigência das normas jurídicas, da projeção eficacial das normas jurídicas e
do conteúdo das normas jurídicas, ao passo que sob o prisma da estabilidade se
examinam os institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada, o subprincípio da proteção à confiança legítima, com suas respectivas
manifestações e, finalmente, os institutos da prescrição e da decadência.
Representa o princípio da segurança jurídica, nas palavras de Lopez de
Oñate, a específica eticidade do Direito, devendo ser encarecida a necessidade de
observância integral dos institutos que o concretizam, sob pena de ruptura do
Estado de Direito.
Palavras-chave: segurança jurídica – confiança legítima – Estado de Direito
9
ABSTRACT
This study is intended to be a starting point to more in-depth investigations
on the legal security principle under Brazilian Law.
By sistematizing the content of the legal security principle under Brazilian
Administrative Law, the aim is to bring out the full potential of this principle in order
to provide maximum protection to the individuals and legal entities subject to this
field of law. Merely enunciating the principle at issue in an ill-defined manner has
increasingly become more trivial, and has given margin to exaggerations and, on
other occasions, to undue restrictions to its application . These are the reasons
why it is necessary to establish clear-cut boundaries of the legal security principle
in the current legal system.
Therefore, by means of a dogmatic analysis this study proposes a
categorization of the legal security principle in two conceptual nuclei, which are:
certainty and stability. To this end, from the standpoint of certainty the force,
effectiveness and content of legal norms are addressed. And, from the point of
view of stability we examine the doctrines of the vested right, the perfect juridical
act and the res judicata, the sub-principle of the protection of legitimate trust, and
its respective manifestations, and, finally, the concepts of limitation and lapse.
In the words of Lopez de Oñate, the legal security principle represents the
specific ethicality of the Law, and full compliance to the legal concepts that
materialize this principle must be encouraged in order to prevent the rupture of the
rule of law.
Keywords: legal security – legitimate trust – rule of law
10
INTRODUÇÃO____________________________________________________13
PARTE I. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E O ESTADO DE DIREITO
1. CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS_____________________________18
2. O ESTADO DE DIREITO E SEUS TRAÇOS JURÍDICO-POSITIVOS____________25
3. PRINCÍPIOS JURÍDICOS: CONCEITO E FUNÇÕES______________________30
4. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA________________39
PARTE 2. VISÃO JUSCOMPARATIVA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA
JURÍDICA
1. UTILIDADE DO DIREITO COMPARADO______________________________46
2. DIREITO ALEMÃO____________________________________________47
3. DIREITO FRANCÊS___________________________________________50
4. DIREITO ESPANHOL__________________________________________52
PARTE 3. O ALCANCE DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO
DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO
1. NOÇÕES PRELIMINARES_______________________________________56
1.1. Função administrativa____________________________________56
1.2. Discricionariedade administrativa__________________________58
1.3. Ato administrativo_______________________________________61
1.3.1. Decomposição da definição de ato administrativo________63
1.3.1.1. O ato administrativo como norma jurídica_______63
1.3.1.2. Concretude do ato administrativo_____________65
1.3.1.3. Unilateralidade do ato administrativo___________66
1.3.1.4. Expedido no uso de prerrogativas públicas______67
1.3.1.5. Pertinência à função administrativa____________68
11
1.3.1.6. Dar fiel cumprimento à lei____________________68
1.3.1.7. Submissão a controle jurisdicional_____________69
1.3.2. Distinção entre ato e fato administrativo________________70
1.3.3. Existência, validade e eficácia do ato administrativo______71
1.3.4. Elementos e pressupostos do ato administrativo_________75
1.3.4.1. Elementos________________________________75
1.3.4.2. Pressupostos de existência__________________76
1.3.4.3. Pressupostos de validade___________________77
1.3.5. Duas classificações de ato administrativo______________78
1.3.5.1. Quanto à repercussão sobre a esfera jurídica dos
administrados___________________________________79
1.3.5.2. Quanto à natureza dos efeitos jurídicos_________80
1.3.6. Conseqüências da invalidade do ato administrativo_______81
2. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO ADMINISTRATIVO_______83
2.1. Perspectiva da certeza___________________________________83
2.1.1. Vigência das normas jurídicas_______________________84
2.1.2. Projeção eficacial das normas jurídicas________________87
2.1.3. Conteúdo das normas jurídicas______________________91
2.2. Perspectiva da estabilidade_______________________________96
2.2.1. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada_____96
2.2.2. Proteção à confiança legítima_______________________103
2.2.2.1. Projeção ex nunc da invalidação dos atos
administrativos ampliativos________________________106
2.2.2.2. Convalidação dos atos administrativos inválidos_110
2.2.2.3. Estabilização dos atos ampliativos inválidos____114
2.2.2.4. Alteração de regime jurídico: dever de adoção de
disposições transitórias para mudanças radicais de regime
jurídico (via preventiva)___________________________116
12
2.2.2.5. Alteração de regime jurídico: responsabilidade do
Estado ou invalidação da norma atentatória à confiança
legítima (via repressiva)__________________________118
2.2.2.6. "Coisa julgada administrativa"_______________123
2.2.3. Prescrição e decadência__________________________125
À GUISA DE CONCLUSÃO________________________________________129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS__________________________________131
13
INTRODUÇÃO
A preocupação com a segurança não é nova e tampouco é apanágio da
ideologia liberal-burguesa
1
. Embora nesta ideologia tal princípio encontre irrestrita
acolhida, nela não se esgota, correspondendo a uma aspiração imemorial do
homem e de cuja existência depende a própria vida em sociedade. Não é por
outra razão que Legaz y Lacamba proclama ser a segurança jurídica uma
dimensão ontológica do Direito.
2
A partir de um juízo aproximativo e ainda atécnico, significa a segurança
jurídica a expectativa do indivíduo, estribada em normas jurídicas, sobre as
conseqüências dos seus atos, bem como sobre os comportamentos que pode
esperar e pretender dos demais. nessa ambiência é que o cidadão consegue
projetar sua vida e desenvolver livremente suas potencialidades.
Contudo, segurança jurídica não é sinônimo de imutabilidade do Direito e
aqui é preciso proscrever definitivamente certas visões maniqueístas que, amiúde
motivadas por interesses políticos, tendem a perverter o exame da questão
3
. É um
dado que o Direito se modifica constantemente, a fim de acompanhar a cambiante
realidade a que preordena a disciplinar. Porém, como veremos adiante, não é
contra isso que se volta a segurança jurídica, o que conduziria, aliás, e a todas as
luzes, a uma luta vã, contraproducente e de feições quixotescas. O que combate a
segurança jurídica são as mudanças normativas inopinadas e traumáticas, a
mutabilidade das situações subjetivas constituídas sob o pálio de leis revogadas, a
desmedida e degenerada produção normativa, a supressão da confiança legítima,
entre outros fatores que agravam a conatural situação de insegurança do
indivíduo.
1
LEGAZ Y LACAMBRA, Luis. Filosofía del derecho, p. 631.
2
Op. cit., p. 631.
3
RODRIGUEZ, Federico. Seguridad jurídica y política social, Revista de Administración Pública,
6:218.
14
Observe-se, ademais, que no Estado de Direito Contemporâneo assume a
segurança jurídica uma importância mais que transcendente, sendo em verdade
cogitação indispensável para a própria manutenção do padrão institucional
fundado nas leis. De tal fato se aperceberam os Estados Cêntricos, como se
dos inúmeros relatórios que vêm sendo produzidos sobre o tema alguns
anos
4
, mas no Brasil, lamentavelmente, ainda não despertamos de todo para essa
fundamental questão.
Com efeito, a superveniência de inúmeros eventos, entre os quais se pode
assinalar a consagração da fórmula jurídico-política do Estado Social e as
transformações objetivas da sociedade, com a ascensão de uma sociedade de
massa cada vez mais complexa e que sofre a todo instante o influxo de velozes
câmbios tecnológicos e científicos, convulsionaram o conceito original, de índole
liberal, de Estado de Direito.
Não os inúmeros setores em que o Estado é instado a atuar, por força
dos desígnios constitucionais, passam a ser regulados pelo Direito, senão que
grandes domínios da atividade particular, outrora presididos pela autonomia da
vontade, recebem o influxo de normas obrigatórias ou proibitivas, fenômeno
comumente denominado de socialização ou humanização do Direito
5
. Outrossim,
ante a revelação da dimensão material do princípio da igualdade operada pelo
Estado Social
6
, aliada a ampla diversificação de grupos e interesses em constante
tensão na sociedade atual, tem-se uma legislação dotada de conteúdos
acentuadamente especializados, com deletérias conseqüências para o atributo da
generalidade das leis, o que se vem a denominar de atomização ou pulverização
normativa. De outra parte, a velocidade com que se processam os fenômenos
4
Para citar alguns deles: Relatórios do Conselho de Estado Francês de 1991 e de 2006; Relatório
do Conselho de Estado Espanhol de 1992; Relatório da “Better Regulation Comission” de 2006, no
Reino Unido; Relatórios da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico).
5
RIPERT, George. Le Déclin du Droit, p. 38; BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios
Gerais de Direito Administrativo, p. 45.
6
Como nos ensina o professor Paulo Bonavides, esse modelo de Estado nasce da tentativa de
superação da contradição entre a igualdade política e a desigualdade social (Do Estado Liberal ao
Estado Social, p. 185).
15
tecnológicos e científicos enseja o fenômeno das normas jurídicas ad hoc,
destinadas a suprir as necessidades contingentes e imprevisíveis, verificando-se
um déficit de abstração das leis.
7
Tudo isso conduz a um quadro preocupante de inflação e instabilidade
normativa, diante do qual o indivíduo fica desarmado, sem saber as
conseqüências que dimanam de suas ações. Sobre o cidadão pesa um
ordenamento jurídico indecifrável, que, em vez de segurança, transmite temor e
enseja a prepotência, sentimentos, a toda evidência, radicalmente contrários ao
que inspiraram o Estado de Direito. Se a isso somarmos fenômenos localizados
tal como faremos adiante, demonstrando as disfunções características do Estado
brasileiro –, resta insuspeita a importância primacial do princípio da segurança
jurídica, como pressuposto inarredável da própria subsistência do Estado de
Direito. Aliás, contraditoriamente, de instrumento de liberdade e segurança, as leis
podem vir a se tornar instrumento de tirania, e o combate que deve ser travado
para evitar tal infortúnio tem como oponentes o ordenamento jurídico consigo
próprio.
8
Ademais, não é difícil imaginar que a problemática de que nos ocupamos,
conquanto tenha conseqüências nefastas para os agentes econômicos e,
portanto, a estes seja de subido interesse, é sobre os cidadãos, sobretudo os
pobres, que tais conseqüências mais se fazem sentir
9
. Quase sempre
desassistidos e ante um ordenamento jurídico que lhes causa medo, de teor
incompreensível e sempre mutável, são levados a uma situação que Kafka ou
Orwell se afigurariam pueris.
7
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil, p. 37.
8
O professor Eduardo García de Enterría atina para esse fato nos seguintes termos: “Toda la
tradición revolucionaria, ya lo hemos notado al comienzo sumariamente, monto la Idea del Estado
de Derecho, poniendo el énfasis en un esquema simples: la sumisión de la Administración a la Ley.
Pero esta Ley, que era sentida como el mayor escudo de la libertad, es un hecho que ha pasado a
ser hoy uno de sus enemigos más temibles” (La lucha contra las inmunidades del poder, p. 87).
Assim também Nicolas Molfessis: “Combattre l’insécurité juridique ou la lutte du sistème juridique
contra lui-même” (Rapport public 2006, Conseil d’Etat. Paris: La documentation française, 2006,
pp. 391-406).
9
COSTA, Joaquin. La ignorancia del derecho, pp. 22 e 23.
16
Convém reconhecer-se que é da tragédia cotidiana destes cidadãos que se
retira a inspiração para a presente investigação. Se no passado a segurança
jurídica servia tão-somente aos donos do mercado, sendo, em palavras de Karl
Marx, uma forma de “preservação do egoísmo”
10
, nos quadrantes do Estado
Social de Direito a segurança jurídica vem ao socorro especialmente dos
desafortunados, os quais dependem quase que exclusivamente das prestações do
Estado para sobreviver.
Como revelamos linhas atrás, neste modelo jurídico-político fundado na
solidariedade, o Estado assume um novo papel, quer oferecendo utilidades e
comodidades básicas, quer disciplinando e planejando as relações privadas,
fazendo com que o particular se torne dele cada vez mais dependente
11
. Diante
disso, forçosos se mostram mecanismos prestantes a assegurar a coerência, a
constância e a previsibilidade das atividades estatais
12
. Tais mecanismos, como
veremos a seguir, estão enfeixados exatamente no princípio da segurança
jurídica.
Encerrando estas considerações preambulares, não é de se desprezar
também o fato de que a doutrina nacional tem emprestado ao assunto, no mais
das vezes, um tratamento parcial e assistemático. São geralmente abordados
aspectos particulares do princípio da segurança jurídica, ou mesmo reduz-se este
princípio aos institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada, sem tentativas de reconhecimento da dimensão total que o aludido
princípio assume na ordem jurídica nacional.
10
Enuncia Karl Marx: “O conceito de segurança não faz com que a sociedade burguesa se
sobreponha a seu egoísmo. A segurança, pelo contrário, é a preservação deste”. (A questão
judaica, p. 36).
11
FORSTHOFF, Ernst. Tratado de Derecho Administrativo, pp. 116 e 117.
12
CALMES, Sylvia. Du príncipe de protection de la confiance legitime en droits allemand,
communautaire et français, pp. 7 e 8.
17
Em face disso é que se propõe, despretensiosamente e prevenidos contra
uma “síndrome de Colombo”
13
que parece contaminar nosso meio acadêmico, um
esforço de sistematização do princípio da segurança jurídica no Direito
Administrativo Brasileiro. A tanto nos lançaremos, à luz das palavras de Paul
Roubier: “Il faut comprendre de quels périls la société est menacée. ou cette
valer essentielle qu’est la securité juridique a disparu, il ny a plus aucune autre
valeur qui puisse subsister; le mot même de progrés devient une dérision, et les
pires injustices se multiplient avec le desórdre. Le droit cede la place à ce qu’un
écrivain contemporain appelle ‘le concept du politique’, c’est-à-dire à de pures
considérations d’oportunité”.
14
13
Esta expressão é de Pitirim Sorokin, quem, com grande percuciência, descreve a mania dos
estudiosos modernos consistente em “esquecer” as realizações pretéritas e apresentar, no afã de
realizar descobertas, velhas idéias sob novas vestes (Achaques y manías de la sociología
moderna y ciencias afines, pp. 19 a 43).
14
Théorie générale du droit, p. 334.
18
PARTE 1. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E O ESTADO DE
DIREITO
1. CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
O Direito, em sua complexidade, não enseja um único conhecimento, senão
que desperta diversos saberes específicos, segundo a pretensão do sujeito
cognoscente. O Direito pode ser recortado em vários objetos
15
de estudo, cada um
com metodologias próprias, as quais se voltam à verificação da consistência do
conhecimento construído.
Dada essa multiplicidade gnosiológica que corresponde à multiplicidade do
real sobre que incide, antes de empreender um estudo sobre o Direito é imperioso
que se estabeleça a perspectiva sob a qual ele será tomado, fixando-se, ademais,
o método a ser empregado, sem o que se cai num sincretismo metódico inapto a
produzir um conhecimento seguro, verificável, ou, em uma palavra, científico.
. Isto não equivale naturalmente à defesa de um conhecimento parcial da
experiência jurídica. O que se afirma, deveras, é que a visão integral do Direito, de
todo necessária, é alcançada por meio da complementariedade conseqüente
dos pontos de vista sobre ele incidentes
16
. Não que se misturar os
pressupostos das ciências que têm por objeto o Direito a título de uma suposta
“multidisciplinariedade”, tão à moda atualmente. Impõe-se a comunhão dos
saberes sobre o Direito, desde que respeitadas as premissas sobre que assentam
estes mesmos saberes.
Como bem resume o eminente professor Geraldo Ataliba, a experiência
jurídica integral levará em conta todos os aspectos constituintes do dado: o lógico
nos enunciados, o empírico nos dados-de-fato, valorativamemte selecionados da
15
Leciona Lourival Vilanova: “O objeto é o dado envolvido pela forma conceptual, é aquilo que, na
coisa, o pensamento delimita” (Sobre o conceito do direito, Estudos jurídicos e filosóficos, v. I, p. 9).
16
VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e sistema do direito positivo, p. 62.
19
realidade sica e social (que, por isso, se qualifica juridicamente, ou se torna
juridicamente relevante)”.
17
Podem alguns imaginar cerebrinas estas considerações e talvez bem por
isso tantas incoerências sejam cometidas ao se pretender formular um
conhecimento jurídico-científico. O tema de que nos ocupamos, aliás, é prenhe em
incorreções
18
, razão pela qual sublinhamos estas lições.
No didatismo de Bobbio
19
, três são os critérios de análise a que se submete
o Direito: fenomenológico, ontológico e deontológico.
Do ponto de vista fenomenológico, investigam-se as relações recíprocas
entre a realidade social e o Direito, de modo a esclarecer como este se forma e se
transforma e, ao mesmo tempo, qual a influência que exerce no comportamento
das pessoas. Cuida-se do estudo sociológico do Direito, cuja preocupação não é
interpretar normas jurídicas, tampouco verificar os valores que presidem certa
ordem jurídica, senão que compreender o direito como um fenômeno social.
Uma das manifestações mais autênticas deste tipo de investigação
floresceu nos Estados Unidos, tendo como precursor um Juiz da Suprema Corte,
Oliver Wendell Holmes, e como figura pinacular o professor Roscoe Pound
20
. Eis o
chamado realismo jurídico, cuja visão acerca da segurança jurídica é a
representação eloqüente do ponto de vista fenomenológico sobre este tema.
Para estes juristas, a certeza e estabilidade das normas jurídicas,
componentes da idéia de segurança jurídica, configurariam “mitos” ou “ilusões”
porquanto apenas em certa medida se poderia predizer as conseqüências
17
Prefácio da obra Estruturas lógicas e sistema do direito positivo, de Lourival Vilanova, p. 23.
18
PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Seguridad jurídica, p. 21.
19
Teoria geral do direito, pp. 25-48.
20
BOBBIO, Norberto, op. cit., pp. 45 e 46.
20
jurídicas que seriam atribuídas às condutas humanas
21
. Merecem transcrição as
palavras de Jerome Frank a este respeito, talvez o mais radical defensor do
realismo jurídico norte-americano: “The truth of the matter is that the popular
notion of the possibilities of legal exactness is based upon a misconception. The
law always has been, is now, and will ever continue to be, largely vague and
variable. And how could this wee be otherwise? The law deals with human
relations is their most complicated aspects. The whole confused, shifting helter-
skelter of life parades before it more confused than ever, in our kaleidoscopic
age”.
22
Abstraídos certos exageros e respeitado o critério de análise adotado,
assiste razão aos realistas norte-americanos. Em termos sociológicos, a
segurança jurídica é algo mensurável, cujo grau de atendimento varia em função
da ordem jurídica, sendo certo, porém, que, dentro desta perspectiva, jamais se
poderá alcançá-la plenamente e reside a procedência das palavras ‘ilusão”,
“mito” e quejandos.
Aliás, apor este irremissível conteúdo de insegurança do Direito que se
consagra o princípio da segurança jurídica. Não houvesse insegurança se
prescindiria de um princípio jurídico visando combatê-la.
sob o prisma ontológico são interpretadas e sistematizadas as normas
jurídicas e formulados conceitos jurídico-positivos
23
, tudo com vistas à aplicação
21
Afirma Jerome Frank: “Which is to say that the widespread notion that law either is or can be
made aproximately stationary and certain is irrational and should be classed as an illusion or a mith”
(Law and the modern mind, p. 13).
22
Law and the modern mind, p. 6.
23
Convém realizar a importante distinção entre os conceitos lógico-jurídicos também chamados
de conceitos fundamentais ou básicos - e os jurídico-positivos, à luz do magistério do professor
Juan Manuel Terán. Os conceitos lógico-jurídicos consistem, em léxico kantiano, nos a priori do
Direito, compondo sua estrutura e sendo, portanto, invariáveis e universais. Assim, por exemplo,
enquanto noções puras, constituem conceitos lógico-jurídicos os de norma jurídica, relação
jurídica, sanção, pessoa. De outra parte, com base nestes conceitos é que se erigem os conceitos
jurídico-positivos, os quais representam condensações de normas jurídicas a posteriori, portanto
–, de natureza contingente e com uma esfera de validade determinada (Filosofía del Derecho, pp.
81-83).
21
do Direito
24
. Trata-se da dogmática jurídica
25
, cujo objeto de estudo são as normas
jurídicas vigentes em dado espaço e tempo, as quais são recebidas como dogmas
pelo jurista e das quais não pode evadir-se. Tudo o que é ars inveniendi dentro da
dogmática deve ser conciliável com os dogmas estabelecidos, ou seja, com as
normas jurídicas.
26
O Direito, sob este ângulo, pertence à ordem do dever-ser, o que significa
que as normas jurídicas, uma vez postas pela autoridade competente e enquanto
não retiradas do sistema jurídico por outras normas jurídicas, valem a despeito do
fato de serem efetivamente aplicadas ou observadas
27
. As condutas prescritas
pelas normas jurídicas devem ser, independentemente se são ou se deveriam ser
de outro modo.
28
A segurança jurídica aqui é classificada como uma norma jurídica, ou para
sermos mais precisos, como um princípio jurídico. À esta altura, basta dizer que é
nesse sentido que a segurança jurídica faz parte da ordem jurídica e que seu
conteúdo, obviamente, é dotado de imperatividade.
Por sua vez, segundo o critério deontológico, que preferimos nominar de
axiológico, dilucidam-se os valores que devem orientar a edificação do direito
positivo, a articulação que se estabelece entre estes valores, e ainda se questiona
24
LEGAZ y LACAMBRA, Luís. Filosofia del Derecho, pp. 86-94.
25
Acerca do conhecimento dogmático do Direito, são dignas de nota as palavras do mestre
Lourival Vilanova: “A origem e a evolução sócio-histórica dos ordenamentos são problemas postos
entre parênteses metódicos. Deixam de ser temáticos em sentido fenomenológico, enquanto se
trabalha na teoria formal do ordenamento como sistema e enquanto se faz dogmática, que é o
conhecimento do sujeito colocado no interior do ordenamento, como este está dado, num corte na
sucessão temporal que prossegue ininterruptamente, onde vai se modificando e, até, destruindo-
se” (Estruturas lógicas e sistema do direito positivo, p. 209).
26
VIEHWEG, Theodor. Tópica y filosofia del derecho, p. 16.
27
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito, pp. 11 e 12.
28
Calha, neste ponto, a transcrição da notável frase do mestre de Viena: “Ninguém pode negar
que o enunciado: tal coisa é ou seja, o enunciado através do qual descrevemos um ser fático
se distingue essencialmente do enunciado: algo deve sercom o qual descrevemos uma norma
e que da circunstância de algo ser não se segue que algo deva ser, assim como da circunstância
de que algo deve ser se não segue que algo seja (Teoria pura do Direito, p. 6).
22
a correspondência das normas jurídicas com os valores jurídicos, ou seja, conduz-
se à crítica de um Direito real a partir de um Direito ideal.
A axiologia jurídica é confiada à filosofia do direito e caracteriza um de seus
principais objetos de investigação
29
. É de se observar que o Direito é inteligível
porque tendente à satisfação de certos valores. Toda normação supõe uma
eleição entre ao menos duas possibilidades, o que pode ser levado a efeito
mediante um critério de valor. Preferir é valorar positivamente uma opção que se
entende mais justa, mais útil, mais adequada. E é justamente o que faz o Direito:
incide sobre a realidade proibindo, obrigando ou permitindo segundo
determinados fins prezáveis.
Por isso, desterrar os valores do universo jurídico é uma postura absurda,
tanto quanto, de outro lado, declarar a primazia dos valores sobre o Direito
positivo. Na primeira, seria equiparar o Direito a um fenômeno natural, guiado por
uma causalidade cega a toda valoração. Na segunda, seria incorrer em
axiologismo que redundaria num subjetivismo intolerável.
30
Sob este prisma, a segurança jurídica é geralmente colocada, ao lado da
justiça, como um dos valores altaneiros do Direito, tendo se tornado clássica a
confrontação entre estes dois valores
31
. Como diz o eminente professor Radbruch,
29
“Resulta, pues, que los dos interrogantes filosóficos principales sobre el Derecho brotan
precisamente de las limitaciones de la ciencia jurídica: más aca de ella y como supuesto de la
misma, los temas de la Teoria Fundamental del Derecho; más allá de ella, las cuestiones de la
Estimativa Jurídica, es decir, la indagación sobre los valores que deben orientar la formación del
Derecho positivo” (RECASENS SICHÉS, Luis. Tratado general de Filosofia del Derecho, 14).
30
Norberto Bobbio é categórico: Mas, então, se a observação da natureza não oferece um apoio
suficiente para determinar o que é justo e o que é injusto de modo universalmente reconhecível, a
redução da validade à justiça só pode levar a uma única e grave conseqüência: à destruição de um
dos valores fundamentais em que se apóia o direito positivo (entenda-se o direito válido), o valor
da certeza” (Teoria geral do Direito, p. 37).
31
MANRIQUE, Ricardo García. El valor de la seguridad jurídica, pp. 189-240 e 226-252;
CAVALCANTI FILHO, Theophilo. O problema da segurança no direito, p. 86; RADBRUCH, Gustav.
La sécurité en droit d’aprés la théorie anglaise, pp. 87 e 88, RECASENS SICHES, Luis. Tratado
general de la filosofia del derecho, pp. 220-226 e 618-622; TABBAH, Bichara. La trilogie: sécurité,
justice et progrés social, Mélanges en l’honneur de Paul Roubier, pp. 459-468; ROUBIER, Paul, op.
cit., pp. 317-334; GOLDSCHMIDT, Werner. La ciencia de la justicia, pp. 85-90.
23
“El conflicto más importante es el que media entre la justicia y la seguridad
jurídica”.
32
Dissonantes são as vozes neste particular. Os filósofos empreendem uma
tentativa de hierarquização destes valores e segundo nos parece a segurança
jurídica é condição necessária da justiça ou, se quisermos avançar na análise, a
segurança, ao mesmo tempo em que abriga em seu seio um conteúdo de justiça,
desta é condição de possibilidade.
Com efeito, desde Aristóteles a idéia medular da justiça é a igualdade e não
é outra coisa que oferece a segurança jurídica ao salvaguardar a todas as
pessoas, indistintamente, a predição das conseqüências de suas condutas e a
confiança nas escolhas tomadas com base no Direito vigente
33
. A partir deste
mínimo de justiça contido na segurança jurídica é que se pode alcançar a
satisfação dos demais valores jurídicos, entre os quais figura a própria justiça. Na
lição sempre autorizada de Recaséns Siches: “Pero no hay derecho, donde no hay
orden cierto y seguridad. Es verdad que no basta con crear un orden cierto y
seguro, pues éste debe ser, además, justo. Pero no puede haber justicia cuando
no hay seguridad. Por tanto, podríamos decir que cabe que hay un Derecho
orden de certeza y con seguridad impuesta inexorablemente que no sea justo.
Pero no cabe que en la sociedad haya justicia sin seguridad”.
34
Ante este panorama resulta mais nítida a possibilidade de se extrair
conhecimentos diversos e igualmente válidos a partir do Direito, bem como se
marca a imperiosa necessidade de se respeitar o critério de análise eleito na
investigação jurídica, sob pena de graves incoerências teóricas.
32
Introducción a la filosofía del derecho, p. 44.
33
RADBRUCH, Gustav. Introducción a la filosofía del derecho, p. 44.
34
Op. cit., p. 618. Também o professor Paul Roubier expressa esta idéia com grande clareza: “Il
n’est discuté par personne que l’ordre soit le but premier du droit, celui sur lequel tout le reste
s’appuie, celui à défaut duquel toutes les autres valeurs disparaissent” (Op. cit., p. 322).
24
No que tange ao nosso objeto de estudo, tal necessidade parece despontar
ainda com maior fulgor. Assim, por exemplo, tão incorreto é dizer, sob uma
perspectiva sociológica, que a segurança jurídica viceja plenamente em
determinada ordem jurídica, quanto, sob uma perspectiva dogmática, asseverar
que a segurança jurídica é um “mito”. Na primeira afirmação estar-se-ia tomando o
critério dogmático para se formular uma análise sociológica, ao passo que na
segunda afirmação estar-se-ia tomando o critério sociológico para se formular uma
análise dogmática.
Finalmente, ao colocarmos entre parênteses metódicos as abordagens
sociológica e axiológica da segurança jurídica, cinge-se com precisão nosso
objeto de estudo.
Tratar-se-á de investigação dogmática, mediante a qual se pretende, com
fulcro no direito positivo brasileiro, identificar e delimitar o princípio da segurança
jurídica no domínio do Direito Administrativo. Logo, é de se reconhecer que as
conclusões porventura alcançadas não aspiram validade universal não
afastadas eventuais coincidências com outros sistemas jurídicos –, refletindo
apenas a conformação que o ordenamento jurídico brasileiro irroga ao tema.
Com efeito, não é demais repetir que, para esta investigação, a segurança
jurídica não é mito nem valor, senão que uma norma jurídica cuja imperatividade é
haurida do sistema jurídico a que pertence.
Nessa medida, comecemos por esclarecer onde radica o princípio da
segurança jurídica na ordem jurídica nacional.
25
2. O ESTADO DE DIREITO E SEUS TRAÇOS JURÍDICO-POSITIVOS
A consagração do Estado de Direito
35
marca, historicamente, a passagem
radical da concepção de um Direito incipiente e manietado ao talante de um Poder
concentrado e incontrastável, para um Direito desenvolvido, cuja força se impõe a
todos, indiscriminadamente, cidadãos e Estado
36
. Naquele modelo, alcunhado de
Estado de Polícia, o cidadão era qualificado como “súdito” e se vergava às
imposições unilaterais do soberano. no Estado de Direito, o Estado se torna
mero instrumento dos cidadãos, a cujas decisões, traduzidas na lei, deve estrita
obediência.
Levou-se a cabo tal projeto mediante a conjugação de duas idéias que,
embora hoje possam se afigurar singelas, revolucionaram a concepção do Estado
e abriram campo para grandes conquistas democráticas. São elas: a separação
de poderes e a soberania popular, traduzida na supremacia da lei. Aquela,
desenvolvida por Montesquieu, partia da premissa ao que tudo indica, universal
de que todo aquele que dispõe de poder tende a dele abusar e de que o
poder limitaria o poder
37
. Nessa medida, as funções estatais deveriam ser
distribuídas em diferentes órgãos, para que os poderes se controlassem
reciprocamente. De outra parte, com a soberania popular, engendrada por
35
Sobre a autoria da expressão “Estado de Direito” (Rechtsstaat), de origem inequivocamente
germânica, pairam controvérsias, afirmando a maioria dos estudiosos que pertenceria a Robert von
Mohl (PRAT, Julio. La Desviación de Poder, p. 29; QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. A teoria do “desvio
de poder” em Direito Administrativo, Revista de Direito Administrativo, Vol. VI, p. 45; FORSTHOFF,
Ernst. Tratado de Derecho Administrativo, pp. 73 e 74). Contesta essa posição o professor Antonio
Enrique Pérez Luño, atribuindo à Carl Th. Welcker, em obra datada de 1813, a origem da
expressão (Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución, p. 225).
36
Apostila Adolf Merkl que o Estado de Polícia, em sua forma extrema, caracteriza-se por uma
ordem jurídico-administrativa rudimentar, formada por um único preceito jurídico que estabelece
um direito ilimitado para administrar. Ao soberano cumpriria fazer tudo que lhe aprouvesse (Teoria
General del Derecho Administrativo, p. 92).
37
Vaticina Montesquieu: “(...) mas trata-se de uma experiência eterna que todo homem que possui
poder é levado a dele abusar; ele vai aonde encontra limites. Quem diria! Até a virtude precisa
de limites. Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o
poder limite o poder” (O espírito das leis, p. 170).
26
Rousseau, desloca-se a origem da soberania para o povo, de sorte que este
passa o determinar o seu próprio destino, mediante um instrumento chamado lei.
38
Demais disso, por meio das virtualidades da lei, quais sejam, a abstração e
a generalidade, intentava-se criar um ambiente seguro, livre do arbítrio, no seio do
qual as ações poderiam ser planejadas em vista de uma medida racional e
obrigatória a todos.
39
Sob um olhar mais atento, resulta claro que a categoria histórico-jurídica do
Estado de Direito constitui, em verdade, a concretização de um projeto ideológico
que teve em mira assegurar liberdade e, sobretudo, segurança aos indivíduos,
mediante a demarcação dos limites entre o poder e a prepotência, a
discricionariedade e a arbitrariedade
40
. Sublinhe-se ainda que o acréscimo de
novos elementos a esse modelo, encartados nas grandes fases do
Constitucionalismo Social representado pela Constituição Mexicana de 1917,
seguida da Constituição de Weimar – e do Constitucionalismo Democrático –
encarnado na Lei Fundamental de Bonn –, não alteraram suas características
iniciais
41
e muito menos, como sustentam alguns
42
, seriam incompatíveis com a
segurança jurídica. Bem ao contrário, quanto mais o Estado intervém no domínio
social, tanto maior será a exigência de segurança jurídica em favor aos cidadãos,
ante a necessidade de previsibilidade e estabilidade da ação estatal.
38
Diz Rousseau: “Sur cette idée, on voit à l’instant qu’il ne fait plus demander à qui il appartient de
faire des loix, puisqu’elles sont des actes de la volonté générale” (Du contrat social, p. 170).
39
Esclarece Rousseau: “Quand je dis que l’objet des loix est toujours général, j’entendes que la loi
considère les sujets en corps et les actions comme abstraites, jamais un homme comme individu ni
une action particulière” (Op. cit., p. 169).
40
Legaz y Lacambra assinala, argutamente, o caráter fundamental da segurança na filosofia dos
contratualistas (Filosofia del derecho, pp. 624 e 625).
41
Com a costumeira argúcia, preleciona o professor Agustín Gordillo: “A nosso ver, a noção de
‘Estado de Bem-Estar’ veio a operar como um corretivo para a noção clássica de Estado de Direito,
revitalizando-a e atualizando-a, porém, de modo algum suprimindo-a ou substituindo-a” (Princípios
Gerais de Direito Público, pp. 74 e 75).
42
Autores do porte de Hesse e Forsthoff atrelam o princípio da segurança jurídica à concepção
burguesa de Estado. O intervencionismo estatal que marca o Estado Social, pautado segundo
critérios de oportunidade e de eqüidade, repugnaria a noção de segurança jurídica (XAVIER,
Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, p. 48).
27
Importa notar, ante o exposto, que com o vocábulo “Estado de Direito” não
se quer designar qualquer Estado, senão um tipo de Estado, cujos contornos vão
sendo traçados historicamente e se revestindo de variadas formas jurídico-
constitucionais
43
. Como preleciona Kelsen, “Se o Estado é reconhecido como uma
ordem jurídica, se todo Estado é um Estado de Direito, esta expressão representa
um pleonasmo. Porém, ela é efetivamente utilizada para designar um tipo especial
de Estado, a saber, aquele que satisfaz aos requisitos da democracia e da
segurança jurídica”.
44
Entretanto, malgrado se pretenda designar com a expressão “Estado de
Direito” um determinado modelo de Estado, um problema de índole teórica se
apresenta, a saber: quais as notas (definiens) que definem o conceito de Estado
de Direito (definiendum), ou seja, quais os traços que permitem o reconhecimento
de um Estado de Direito?
Dado o sucesso retórico desta expressão, com o passar dos anos ao seu
conteúdo foram sendo agregados novos elementos associados às idéias
prevalentes da época, de sorte que o evolver histórico tornou-a cada mais
complexa e imprecisa
45
.
Passou-se a defender doutrinariamente um conceito formal e um conceito
material de Estado de Direito
46
. Aquele se resumiria aos traços primígenos do
Estado de Direito, tal como expusemos acima, consistentes numa estrutura de
contenção do poder estatal, sendo classicamente mencionadas as idéias de
separação de poderes, de hierarquia das normas e de universalidade da proteção
43
Sublinha a historicidade do conceito de Estado de Direito o ilustre Julio Prat, nos seguintes
termos: “Por ser un ideal, el contenido mismo de la noción es variable según el tiempo y el espacio
en que se considere. Por esta razón, más que definir el régimen de derecho, lo precisaremos por
los elementos que en la actualidad son característicos” (Op. cit., p. 30).
44
Teoria pura do Direito, p. 346.
45
ENTRENA CUESTA, Rafael. Notas sobre el concepto y clases de Estado de Derecho, Revista
de Administración Pública, pp. 31 e 32.
46
WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf. Direito Administrativo, p. 110; LARENZ, Karl.
Derecho justo: fundamentos de etica jurídica, p. 157.
28
jurisdicional
47
. o conceito material de Estado de Direito acolheria em seu seio
um sistema de direitos fundamentais individuais, políticos e sociais a cujo
serviço estariam os traços clássicos do conceito formal.
Nos limites desta investigação, a resposta à interrogação formulada linhas
atrás aponta não para o fecundo arcabouço histórico da expressão “Estado de
Direito”, senão que para os elementos constantes do direito posto. Nosso
conceito, porquanto jurídico-positivo, deve fundar-se em direito vigente. Convém
notar ainda, sem querer antecipar conclusões, que à semelhança do que sucede
com o conceito de segurança jurídica, o conceito de Estado de Direito, mercê de
sua complexidade, parece subtrair-se a todo esforço de uma definição sintética e
elegante, sendo integralmente apreendido mediante o arrolamento dos elementos
que o compõem e que lhe dão concretude.
48
Com efeito, delimitemos o conteúdo do Estado de Direito construído pela
Constituição Federal de 1988, ou, em outros termos, assinalemos os traços que
permitem identificar nosso conceito de Estado de Direito. Não é difícil antever que
o princípio da segurança jurídica é um dos traços fundamentais do Estado de
Direito, sem o qual tem-se um Estado meramente jurídico, orientado tão-só por
considerações de oportunidade.
49
Concorrem para a conformação do Estado de Direito brasileiro os seguintes
traços: a dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF), a soberania popular (art. 1º,
47
VALEMBOIS, Anne-Laure. La constitutionnalisation de l’exigence de sécurité juridique en droit
français, p. 32.
48
Confirma esta dificuldade a professora Sylvia Calmes nos seguintes excertos: “Ces efforts en
vue de cerner l’État de droit de manière fixe ne paraissent cependant pas suffisants en eux-mêmes
pour permettre de déterminer tout son champ d’application concret et l’articulation entre les
multiples éléments évoqués. Il paraît dès lors nécessaire de les compléter par une énumération et
une classification de des éléments constitutifs, pour voir clarement apparaître en son sein les
théories de la sécurité juridique et de la protection de la confiance légitime” (Du principe de
protection de la confiance legitime en droits allemand, communautaire et français, p. 80). “En outre,
elle [sécurité juridique] renvoie finalemente à des incertitudes de même type que lors de analyse de
l’État de droit, quand il ságit d’essayer d’en donner une définition précise” (Op. cit., p. 111).
49
VILANOVA, Lourival. Fundamentos do Estado de Direito, Escritos jurídicos e filosóficos, v. 1, p.
424.
29
parágrafo único, da CF), a separação de funções estatais (art. 2º da CF), o
princípio da igualdade (art. 5º, caput, e I da CF), o princípio da legalidade (arts. 5º,
I, 37, caput, da CF), o sistema de direito fundamentais dotado de petrealidade, o
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV da CF) e,
finalmente, o princípio da segurança jurídica.
Da conjugação desses vetores deduz-se um modelo de Estado obsequioso
aos meios e fins que lhe são irrogados pela ordem jurídica, tradução da soberania
popular, e presidido pela lógica da função, tão bem definida por Celso Antônio
Bandeira de Mello como “a atividade exercida no cumprimento do dever de
alcançar o interesse público, mediante o uso de poderes instrumentalmente
necessários conferidos pela ordem jurídica”.
50
Importante finalmente considerar – retomando a classificação material e
formal do conceito de Estado de Direito que o princípio da segurança jurídica
integra o plexo de garantias dos direitos fundamentais, é dizer, a segurança
jurídica está entre os elementos formais do conceito de Estado de Direito, os
quais, como dito, são preordenados a assegurar a plena realização dos
elementos materiais do conceito. Além disso, há uma notória fundamentação
recíproca entre o princípio da segurança e o Estado de Direito, sendo aquele
elemento indispensável deste, ao mesmo tempo em que este é condição
necessária daquele.
Reclama-se agora, antes de se expor a intimidade do princípio da
segurança jurídica, uma breve explicação sobre a noção de “princípio jurídico.
50
Curso de Direito Administrativo, p. 29.
30
3. PRINCÍPIOS JURÍDICOS: CONCEITO E FUNÇÕES
Antes de ingressarmos na delimitação da segurança jurídica, até este
momento tratada como um “princípio”, fixaremos, de modo breve, o uso desse
vocábulo, de sorte a evitar incongruências que sua latitude semântica pode dar
ensejo.
51
O tema dos princípios não é novo e já foi objeto de inúmeras investigações,
dos mais variados matizes, tendo há muito se desfeito a noção legalista segundo a
qual os princípios serviriam tão-somente como fontes subsidiárias, meras “válvulas
de segurança” destinadas a garantir o reinado absoluto da lei. Dentro dessa
concepção, de que é exemplo o artigo da Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro
52
, os então denominados “princípios gerais de direito” seriam induzidos
das leis e a estas se subordinariam, atuando apenas na colmatação de lacunas
53
.
Curioso observar que de acordo com essa vetusta concepção legalista, a
assimilação dos princípios implicaria uma renúncia à segurança jurídica e, por
essa razão, deveriam ser rechaçados
54
. Hoje, entretanto, assentado sobre bases
sólidas o fenômeno da principialização do Direito, fulgura como um dos principais
princípios jurídicos, senão o principal, justamente o da segurança jurídica.
Mas o aludido fenômeno da principialização do Direito, embora tenha
culminado no reconhecimento da normatividade dos princípios, rompendo alguns
dogmas positivistas, deu lugar a inúmeras dificuldades teóricas. Enfrentaremos
algumas destas dificuldades, alertando de antemão para o fato de que as lições
dos professores Ronald Dworkin e Robert Alexy, malgrado desfrutem nos dias
atuais de prestígio inconteste, sendo recebidas por muitos de maneira axiomática,
51
Muitos são autores que advertem para a acentuada plurivocidade do termo “princípio”, entre os
quais podemos citar Genaro Carrió (Principios jurídicos y positivismo jurídico, Lenguage y Derecho,
pp. 203-212); Ricardo Guastini (Das fontes às normas, p. 185); e Sérgio Sérvulo da Cunha
(Princípios Constitucionais, pp. 5-11).
52
“Art. 4
o
Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e
os princípios gerais de direito”.
53
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 262.
54
FLÓREZ-VALDÉS, Joaquín Arce. Los principios generales del Derecho y su formulación
constitucional, p. 37.
31
não constituem o único ponto de vista sobre a matéria, tampouco, como adverte
lucidamente o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, expropriaram o direito
ao uso do termo “princípio”, de modo a ser admissível apenas a acepção por eles
formulada
55
. Portanto, estipulemos o sentido com que nos valeremos deste signo
lingüístico no presente trabalho.
É certo que o termo “norma” se converteu em gênero de que são espécies
as regras e os princípios. Aqui emerge a primeira dificuldade: qual o critério a
apartar a regra do princípio?
Afigura-se-nos que o critério é valorativo
56
. Na síntese magistral de Agustín
Gordillo, “los princípios de derecho público contenidos en la Constitución son
normas jurídicas, pero no sólo eso: mientras que la norma es un marco dentro del
cual existe una cierta libertad, el principio tiene sustancia integral. La simple norma
constitucional regula el procedimiento por el que son producidas las demás
normas inferiores (ley, regulamento, sentencia) y eventualmente su contenido:
pero esa determinación nunca es completa, ya que la norma superior no puede
ligar en todo sentido y en toda dirección el acto por el cual es ejecutada; el
principio, en cambio, determina en forma integral cual ha de ser la sustancia del
acto por el cual se lo ejecuta. La norma es limite, el principio es limite y contenido.
La norma da a la ley facultad de interpretarla o aplicarla en más de um sentido, y
el acto adminsitrativo la facultad de interpretar la ley en más de um sentido; pero el
principio estabelece una dirección estimativa, un sentido axiológico, de valoración,
de espíritu. El principio exige que tanto la ley como el acto administrativo
respecten sus límites y además tengan su mismo contenido, sigan su misma
dirección, realicen su mismo espíritu”.
57
55
Curso de Direito Administrativo, p. 53.
56
GUASTINI, Ricardo. Das fontes às normas, p. 192 e 196; BARROS CARVALHO, Paulo de.
Direito Tributário: Linguagem e método, p. 261.
57
Introducción al Derecho Administrativo, pp. 176 e 177.
32
Os princípios são normas dotadas de grande carga axiológica, cujo sentido
ilumina uma região da ordem jurídica, presidindo sua interpretação e aplicação. As
regras não têm esta “força expansiva” dos princípios, limitando-se a disciplinar
uma específica situação fática.
Da afirmação de que o critério é valorativo se segue que, ao tratar-se de
princípio expresso, a valoração é procedida pelo legislador, ao passo que nos
princípios que vivem na implicitude, cumpre ao intérprete fazê-la, tendo por base
os componentes do sistema jurídico
58
. Apenas é preciso observar que, no tocante
aos princípios expressos, salvo em relação àqueles que figuram no texto
constitucional, aos quais não se pode negar a estatura de princípios
constitucionais, não é decisivo o veículo com que são introduzidos no sistema
jurídico, sendo imperioso valorá-lo em perspectiva sistemática. Prova disso é o
próprio princípio da segurança jurídica, ao qual ninguém hesita em atribuir
dignidade constitucional, não obstante sua consagração expressa, conforme
veremos, seja obra do legislador infraconstitucional.
59
Outro ponto que merece análise é a chamada “dimensão de peso dos
princípios”, em contraposição à maneira “tudo-ou-nada” de aplicação das regras,
nas expressões do professor Dworkin
60
. O conflito entre regras conduziria à
decretação de invalidade de uma das regras, ao passo que a colisão de princípios
se resolveria de forma completamente diversa, com a cedência de um princípio
em favor do outro, à luz do caso concreto, sem se cogitar de invalidade do
princípio cedente.
61
58
A propósito da formulação de certos princípios pelos intérpretes, calha a ponderação de Noberto
Bobbio: “Che i principi siano costruzioni dottrinali non esclude affatto che possano avere a tempo e
luogo efficacia normativa: del resto anche norme speciali spesso sono, rispetto al modo com cui
sono state enucleate e formulate, costruzioni dottrinali” (Principi generali di diritto, Novíssimo
Digesto Italiano, p. 890).
59
Vide item 1.4 desta parte.
60
Levando os direitos a sério, pp. 39-46.
61
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, pp. 92-94.
33
Julgamos acertadas estas lições, desde que formuladas algumas ressalvas.
A primeira delas é que a “dimensão de peso” não significa que toda e qualquer
ponderação pode ser feita se estiverem em causa dois princípios, o que
redundaria na relativização total da ordem jurídica, de modo a pôr em risco sua
ordenação hierárquica. Demais disso, parece-nos que princípios absolutos, os
quais sempre prevalecerão se confrontados com outros princípios
62
, de que são
exemplos o princípio da dignidade humana e o princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional. Nenhuma razão jurídica justifica eventual cedência destes
princípios.
Também os princípios são dotados de funções peculiares, que os
distinguem das regras. Quatro são as funções: integrativa, interpretativa, limitativa
e sistematizadora.
A função integrativa, historicamente a primeira função assinada aos
princípios jurídicos, traduz-se no mecanismo posto à disposição do órgão
judicante, em face da proibição do non liquet, de se socorrer dos princípios
jurídicos para solucionar um caso concreto para o qual não uma regra
específica. Ou seja: os princípios funcionam na colmatação de lacunas
normativas.
Tal função está expressamente prevista no citado artigo da Lei de
Introdução ao Código Civil, sob a designação de “princípios gerais de direito”.
Os princípios jurídicos também exercem um papel fundamental na
interpretação dos textos normativos. Nesta sede, os princípios presidem a
inteligência das entidades lingüísticas, promovendo a construção de normas no
mesmo sentido e direção que preconizam. Para aclarar esta asserção, façamos
62
Versa sobre o tema o professor Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais, pp. 111-114).
34
um pequeno esclarecimento teórico, consistente na distinção entre texto e
norma.
63
As normas jurídicas o se confundem com os enunciados normativos. Em
verdade, aquelas são o resultado da interpretação sistemática destes. É dizer: o
texto é o objeto da interpretação, enquanto a norma é o resultado da
interpretação; a norma é, em síntese, o significado que emerge do texto
normativo.
Sucede que, na maioria das vezes, da interpretação de um texto normativo
são sacados múltiplos significados, ou seja, várias normas, a exigir do aplicador
do Direito a decisão sobre qual dos significados merecerá aplicação no caso
concreto. É neste momento que comparecem os princípios jurídicos, a indicar o
significado ou os significados que correspondem a sua diretiva estimativa.
Imperioso notar ainda que, diante do caso concreto, mais de um sentido do texto
pode estar em consonância com o princípio que lhe serve de suporte, como
também pode ocorrer, em situações excepcionais, ora de nenhum sentido ser
admissível, obrigando ao afastamento da subsunção do caso concreto à norma
64
,
63
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Definiciones y normas, El Lenguage del
derecho: homenaje a Genaro R. Carrió, pp. 14 e 15; GUASTINI, Ricardo. Das fontes às normas,
23-43.
64
Um precioso exemplo de situação em que não se aplica uma regra em atendimento a um
princípio constitucional, dá-nos a regra prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, que prescreve a
concessão de um benefício de prestação continuada no valor de um salário mínimo para
deficientes físicos ou idosos com 70 anos ou mais, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼
do salário-mínimo. A jurisprudência, acertadamente, em nome do princípio da dignidade humana,
concede o benefício a pessoas que, conquanto não preencham fielmente os requisitos legais,
provam sua condição de miserabilidade. A eminente Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, no
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 470.975-6, enquadra magistralmente a questão:
“De se concluir, entretanto, que o Supremo Tribunal teve por constitucional, em tese (cuidava-se de
controle abstrato), a norma do art. 20 da Lei n. 8.742/93, mas não afirmou inexistirem outras
situações concretas que impusessem atendimento constitucional e o subsunção àquela norma.
A constitucionalidade da norma legal, assim, não significa a inconstitucionalidade dos
comportamentos judiciais, que, para atender, nos casos concretos, à Constituição, garantidora do
princípio da dignidade humana e do direito à saúde, e à obrigação estatal de prestar a assistência
social ‘a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social’, tenham
de definir aquele pagamento diante da constatação da necessidade da pessoa portadora de
deficiência ou do idoso que não possa prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família”. E depois finaliza, de modo categórico: Afirmo: e a miséria constatada pelo juiz é
incompatível com a dignidade da pessoa humana, princípio garantido no art. 1º, inc. III, da
35
ora de os significados possíveis comportados pelo texto normativo serem
insuficientes ao atendimento do princípio, obrigando à extensão do alcance da
hipótese normativa.
65
a função limitativa dos princípios traduz-se na qualidade de constituírem
parâmetro de validade de regras jurídicas, vale dizer, se uma regra discrepar do
comando albergado por um princípio, estará ela inquinada de invalidade,
sujeitando-se à expulsão da ordem jurídica.
66
Aqui devemos fazer duas considerações. A primeira, dedutível do quanto
foi dito, concerne à íntima ligação que se estabelece entre as funções
interpretativa e limitativa. Enquanto aquela atua antes da edição da norma jurídica,
delimitando seus contornos, esta age depois de produzida a norma, reprimindo a
violação do princípio. Se nos atentarmos para esta questão, veremos que a função
limitativa tem lugar se descumprida a função interpretativa. O juízo de
invalidade é conseqüência da inobservância do princípio jurídico no momento da
interpretação.
Constituição da República; e a política definida a ignorar a miserabilidade de brasileiros é
incompatível com os princípios postos no art. 3º e seus incisos da Constituição; e a negativa do
Poder Judiciário em reconhecer, no caso concreto, a situação comprovada e as alternativas que a
Constituição oferece para não deixar morrer à míngua algum brasileiro é incompatível com a
garantia da jurisdição, a todos assegurada como direito fundamental (art. 5º, inc. XXXV, da
Constituição da República)”.
65
A Lei 8.036/90, que dispõe sobre o FGTS, oferece-nos um bom exemplo de extensão da
hipótese normativa em atenção a um princípio constitucional. Em inúmeros julgados, reconhece-se
o direito ao levantamento dos valores depositados para tratamento de doenças graves o
contempladas no art. 20 do mencionado diploma, à luz do princípio da dignidade da pessoa
humana. Um julgamento da lavra da Ministra Eliana Calmon merece transcrição: “(...) É tranqüila a
jurisprudência do STJ no sentido de permitir o saque do FGTS, mesmo em situações não
contempladas pelo art. 20 da Lei 8.036/90, tendo em vista a finalidade social da norma. 2. O
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, com assento no art. 1º, III, da CF/88, é
fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, que constitui a República Federativa do
Brasil, e deve se materializar em todos os documentos legislativos voltados para fins sociais, como
a Lei que instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. 3. Precedentes da Corte. 4. Recurso
Especial improvido” (REsp 200401511807, publicado em 23.05.2005).
66
GUASTINI, Ricardo, op. cit., pp. 199 e 200.
36
Esta conclusão é clarificada ao nos voltarmos para o tema da
discricionariedade administrativa
67
. Com efeito, os princípios jurídicos o, ao
mesmo tempo, um dos mecanismos de redução da discricionariedade (função
interpretativa) e de controle do ato administrativo
68
(função limitativa)
69
. estão
os dois momentos acima aludidos: antes da edição do ato administrativo
momento da discricionariedade –, incide a função interpretativa; uma vez existente
o ato administrativo, incide a função limitativa.
A segunda consideração, de supina importância e que, salvo raríssimas
exceções, recebe sofrível tratamento pela doutrina e jurisprudência nacionais,
consiste em que a função limitativa dos princípios, se analisada em conjunto com
um adequado entendimento do conceito de direito subjetivo, amplia sensivelmente
a possibilidade de controle jurisdicional dos atos do Poder Público pelos
administrados.
Conforme preleciona o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ante a
unidade de jurisdição que vigora no Brasil, o que se cogitar da noção de
interesse legítimo, importada por alguns, de modo disparatado, do Direito
Italiano
70
. Deve-se, segundo o alumiado professor, ampliar a noção vetusta de
direito subjetivo, descendente do Direito Privado, para que se torne compreensiva
do universo de relações do Direito Público. Assim, tratar-se-á de direito subjetivo,
ergo sindicável, quando: “(a) a ruptura da legalidade cause ao administrado um
agravo pessoal do qual estaria livre se fosse mantida íntegra a ordem jurídica ou
(b) lhe seja subtraída uma vantagem a que acederia ou a que pretenderia aceder
67
Embora adiante tratemos do tema da discricionariedade, para que não se instalem dúvidas
adiantamos que, segundo nos parece, discricionariedade nas seguintes hipóteses: quando o
legislador deixar de regular certos aspectos da competência administrativa; quando outorga
expressa de um plexo de alternativas à autoridade administrativa; ou, por fim, em caso de o
legislador servir-se de conceitos imprecisos. Em todos estas situações se lega à Administração um
campo de apreciação subjetiva para a satisfação ótima de seus misteres.
68
Convém adiantar que, para nós, ato administrativo” é sinônimo de norma jurídica.
Desenvolveremos este tema oportunamente.
69
FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón; ENTERRÍA, Eduardo García. Curso de Derecho Administrativo,
pp. 482-485.
70
Op. cit., pp. 934-937. Assim também o professor Cândido Rangel Dinamarco (Fundamentos do
processo civil moderno, p. 863).
37
nos termos da lei e que pessoalmente desfrutaria ou faria jus a disputá-las se não
houvesse ruptura da legalidade, nada importando que a ilegalidade argüida
alcance a um ou a um conjunto de indivíduos conjuntamente afetados, por se
encontrarem na situação objetiva e abstrata”.
71
Portanto, à luz desta noção de direito subjetivo, qualquer ato ou política
pública que, por meio da violação de um princípio, traga agravo pessoal ao
administrado ou lhe subtraia vantagem, pode ser por este combatido
judicialmente.
Por fim, temos a destacada função sistematizadora dos princípios. Por
constituírem as proposições mestras do sistema jurídico, os princípios irradiam
seu conteúdo estimativo sobre as demais normas, imprimindo-lhes unidade e
coerência.
Assim, cada princípio unifica, sob o influxo do valor que carrega, uma
plêiade de regras e de subprincípios, os quais, ao mesmo tempo que naquele se
sustentam, a ele dão concretude. Trata-se de um vínculo normativo que se
estabelece, de modo que a desatenção a qualquer das manifestações do princípio
implica ofensa ao próprio princípio.
72
Há que se notar que no Direito Administrativo, dado o crônico caráter
conjuntural de suas normas, as quais parecem fugir a qualquer tentativa de
codificação, sobreleva-se a importância da função sistematizadora dos
princípios
73
. Ademais, diferentemente da França, onde os princípios são
desenvolvidos jurisprudencialmente, a partir de casos concretos, constituindo um
71
Op. cit., p. 937.
72
Nisto divergimos do professor Norberto Bobbio, quem nega qualidade normativa à função
“sistemática” ou “construtiva” dos princípios (Principi generali di diritto, Novíssimo Digesto Italiano,
p. 896).
73
RAMÓN REAL, Alberto. Los principios generales de derecho en el Derecho Adminsitrativo,
Revista de Derecho Público, p. 232.
38
insólito exemplo de case-law na pátria do legalismo
74
, cumpre ver que no Brasil,
via de regra, os princípios são engendrados doutrinariamente e depois aplicados
pelos Tribunais ou consagrados pelo legislador.
A esta altura, julgamos oportuno o oferecimento de uma definição de
princípio, de modo a sintetizar, em poucas palavras, a noção complexa que este
termo abriga. Com efeito, princípios são normas jurídicas, explícitas ou implícitas,
portadoras dos valores mais caros à comunidade jurídica e prestantes a guiar a
interpretação dos enunciados normativos, a colmatar lacunas normativas, a
invalidar aquelas regras que lhe são contrárias e a presidir a racionalidade do
ordenamento jurídico, ao qual conferem conexão sistemática.
A partir dessa noção de “princípio” na retentiva estamos autorizados a
passar ao exame do princípio da segurança jurídica.
74
ENTERRÍA, García de. Reflexiones sobre la ley y los princípios generales del derecho en el
Derecho Administrativo, Revista de Administración Pública, p. 207
39
4. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Ao aproximar-nos do princípio da segurança jurídica com pretensão
cognoscente, logo um obstáculo se apresenta. Como anotamos a propósito do
conceito de Estado de Direito, parece este princípio, em virtude de sua amplitude
semântica, subtrair-se a qualquer tentativa de definição útil, sendo compreendido
de modo integral mediante a exposição dos elementos que lhe dão concretude.
Tal fato não escapou à arguta análise da professora Anne-Laure Valembois:
“Plurivoque, la sécurité juridique n’est pas pour autant équivoque. Elle semble
certes se soustraire à toute tentative de définition conceptuelle, étant
essentiellement fonctionelle. La jurisprudence des juges qui utilisent l’exigence de
sécurité juridique apparaît alors comme un instrument heuristique particulièrement
utile. À ce stade de l’analyse, seule une définition téleologique de l’exigence de
sécurité juridique será proposée, qui repose essentiellement sur une recherche
des consensus de la doctrine. Elle laissera apparaître que la securité juridique
‘informe um certain nombre de príncipes spécifiques’, tant as défintion ne peut être
donnée quen référence aux notions et autres principes qui en sont les
composants”
75
.
Outrossim, a identificação do princípio da segurança jurídica supõe uma
esclarecedora distinção entre a segurança pelo direito e a segurança do direito
76
.
Não se trata de um mero jogo de palavras, mas um expediente para que
autonomizemos o princípio da segurança jurídica.
A primeira expressão, “segurança pelo direito”, é representativa da
concepção clássica da segurança jurídica, segundo a qual o Direito
75
La constitutionnalisation de l’exigence de sécurité juridique en droit français, p. 13. Compartilha
deste entendimento a professora Sylivia Calmes, como se deste excerto: “En outre, elle
[sécurité juridique] renvoie finalemente à des incertitudes de même type que lors de l’analyse de
l’État de droit, quand il s’agit d’essayer d’en donner une définition precise” (Du principe de la
confiance légitime en droits allemand, communautaire et français, p. 110).
76
VALEMBOIS, Anne-Laure. Op. cit., pp. 4-10; PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Seguridad jurídica,
p. 21.
40
corresponderia às aspirações de ordem e paz dos indivíduos. A mera positividade
das normas proporcionaria segurança às pessoas, raciocínio cuja correção não
colocamos em dúvida, mas que conduz, evidentemente, à confusão entre o Direito
e a segurança jurídica. Se assim entendêssemos, seria até mesmo injustificada
esta investigação. Seria dizer que de todo Direito verteria segurança aos
indivíduos. E ponto final.
Em verdade, a segurança jurídica de que cuidamos é a segurança do
direito, que poderíamos nominar de concepção contemporânea deste princípio.
Trata-se de um mecanismo autocorretor do Estado de Direito que, como foi visto
na introdução deste estudo, foi tima de seu próprio sucesso. Diante da
complexidade crescente da ordem jurídica, é forçoso um conjunto de normas que
provejam a necessidade de segurança do próprio sistema jurídico. É justamente
sob o pálio do princípio da segurança jurídica que se aglutinam tais normas.
Neste sentido, partiremos para o reconhecimento do plexo de normas
jurídicas que expressam, especificamente, o princípio da segurança jurídica no
interior do regime jurídico-administrativo. Deveras, esta é uma tarefa impositiva a
todos os juristas: converter o arcabouço ideológico do Estado de Direito em um
conjunto de técnicas prestantes à defesa dos direitos dos administrados
77
.
Transformar a metafísica em técnica, a tanto nos lançaremos, identificando aquilo
que Jorge Millas se refere como “ciertas instituciones que independientemente de
todo contenido concreto u de toda finalidad económica, política, cultural, religiosa
o laica determinadas, proveen técnicamente a la última y radical Seguridad
Jurídica”.
78
O princípio da segurança jurídica permeia o direito positivo, condicionando
toda sua dinâmica. À luz das funções exercidas pelos princípios, resulta que
desde a Constituição até as normas individuais e concretas, toda produção do
77
La lucha contra las inmunidades del poder, pp. 13 e 14.
78
Filosofia del Derecho, p. 247.
41
Direito deve se pautar pelas exigências do referido princípio
79
as quais
conduzem a uma ação conseqüente do Estado, livre de voluntarismos e
sobressaltos –, sob pena de um juízo de invalidade da norma editada.
É de se notar, entretanto, sob a ótica da função sistematizadora, que o
princípio da segurança jurídica não se expressa de modo uniforme nos diversos
regimes jurídicos, armando-se de diferentes técnicas segundo o subsistema em
que atua. É por isso que, neste momento, oferecemos apenas os traços gerais do
aludido princípio para, no capítulo subseqüente, identificarmos as normas e
subprincípios que o concretizam no regime jurídico-administrativo.
Ademais, supérfluo dizer que o princípio da segurança jurídica apresenta-se
na classe de sobredireito, visto que regula a produção e a aplicação de normas
jurídicas. Dirige-se a outras normas jurídicas, as quais se presta a coordenar
formal e temporalmente em homenagem à previsibilidade, mensurabilidade e
estabilidade que deve guardar a atuação do Estado. Cuida-se de garantia, ao
mesmo tempo, decorrente da positividade e sobre ela incidente.
É comum dividir-se o princípio da segurança jurídica em dois aspectos, não
obstante, também com freqüência, não se leve conseqüentemente tal distinção.
Segundo nos parece, a classificação que expõe com maior clareza e abrangência
este princípio leva em conta os dois núcleos conceituais por ele agasalhados,
quais sejam: a certeza e a estabilidade.
O aspecto da certeza reflete uma idéia comezinha e ínsita à fenomenologia
do Direito. Os comandos jurídicos, como se sabe, mercê de sua abstração,
estabelecem, para o futuro, a ligação de dados fatos a certas conseqüências
jurídicas. Ampliativas ou restritivas, tais conseqüências orientam o agir de todos os
destinatários das normas jurídicas, sejam os indivíduos em intersubjetividade,
79
DERZI, Misabel Abreu Machado. A irretroatividade do Direito no Direito Tributário, Estudos em
homenagem a Geraldo Ataliba: Direito Tributário, p. 184.
42
sejam em contato com a Administração Pública. Contudo, tal previsibilidade
pressupõe, antes de tudo, a cognoscibilidade, dentro de padrões de razoabilidade,
do conteúdo do comando jurídico. Em outras palavras, é imperioso que o indivíduo
saiba, dentro de critérios objetivos e de antemão, as normas jurídicas que incidirão
sobre o seu comportamento e sobre o comportamento dos demais, sem o quê não
é dado exigir os respectivos comportamentos.
A certeza encarna, portanto, a noção de que o indivíduo deve estar seguro
não quanto à norma aplicável, mas também quanto ao sentido deôntico que
encerra essa mesma norma. Isso implica aspectos técnico-formais de produção
das normas jurídicas que podem ser reconduzidos à certeza da vigência, da
projeção temporal e do conteúdo das normas jurídicas. No capítulo seguinte
analisaremos como operam essas categorias na produção e aplicação das normas
jurídico-administrativas, de molde a evidenciar sua repercussão sobre a esfera
jurídica dos administrados.
Mas não basta a certeza quanto à norma aplicável para se assegurar o
princípio da segurança jurídica. Nem é preciso dizer que nada significaria a
previsibilidade se as projeções que dela decorrem e que norteiam a ação do
administrado pudessem ser desfeitas, a qualquer tempo, pelo Estado. É de rigor,
portanto, que à previsibilidade oferecida pela certeza se acresça a estabilidade do
Direito, de molde a assegurar os direitos subjetivos e as expectativas que os
indivíduos de boa-fé depositam na ação do Estado. É sob tal prisma que
tradicionalmente se aborda o princípio da segurança jurídica no Direito Brasileiro,
mais especificamente em relação à estabilidade das relações jurídicas válidas
involucradas pelos institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada (art. 5º, XXXVI da CF).
80
80
“O Supremo Tribunal Federal que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do
Poder Constituinte não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte
falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema
político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a
segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão
43
Afigura-se-nos que a partir dessa díade (certeza e estabilidade) se
alcança a verdadeira dimensão do princípio da segurança jurídica no sistema
constitucional brasileiro. Certeza sem estabilidade e estabilidade sem certeza
resultam, igualmente, em insegurança, e por essa razão devem ser igualmente
prezadas para fins de proteção do indivíduo contra o uso desatado do Poder
Estatal. Deste entendimento parece comungar a professora Sylvia Calmes,
quando, em notável síntese, apostila: “Cette doublé orientation apparaît
notamment lorsque est avancée l’affirmation en vertu de laquelle la sécurité
juridique vise à assurer le développement non seulement public, cohérent, clair et
précis (il faut ‘savoir’, qualitativement), mais également continu, conséquent et
stable du droit, en excluant les changements brusques, incohérents et indéfinis (il
faut ‘prevoir’, temporellement)”.
81
Demais disso, conforme restou claro quando tratávamos da conformação
do Estado de Direito Brasileiro, é de repisar-se a inegável dignidade constitucional
do princípio da segurança jurídica em nosso Direito Positivo, o que, aliás, vem
sendo confirmado por reiteradas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal,
o qual, como veremos, em despeito de alguns retrocessos
82
, tem alargado o
princípio da segurança jurídica, à luz do Direito Germânico, a fim de proteger a
confiança do indivíduo.
Também merece menção o processo de explicitação do princípio da
segurança jurídica no ordenamento infraconstitucional, como se verifica no art. 2º,
caput, da Lei 9784/99
83
, que disciplina o processo administrativo no âmbito
profundamente comprometidas” (Medida cautelar na ADIn 2010, STF, Tribunal Pleno, Relator:
Ministro Celso de Mello, julgada em 30.09.99, DJ 12.04.02, p. 51).
81
Du principe de la confiance légitime en droits allemand, communautaire et français, p. 158.
82
Vide nota de rodapé 230.
83
“Art. 2
o
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
44
federal, bem assim no art. 27 da Lei 9.868/99
84
, que dispõe sobre a ação direta
de inconstitucionalidade e sobre a ação direta de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal, e no art. 11 da Lei 9.882/99
85
, que dispõe sobre a
argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Cumpre notar ainda que o princípio da segurança jurídica não é aplicado
isoladamente, dialogando com outros princípios de envergadura constitucional.
Como dissemos linhas atrás, nos marcos de um Estado Democrático de Direito
os princípios não se excluem aprioristicamente, senão que, diante do caso
concreto, são conciliados segundo a exigência de proteção dos direitos dos
cidadãos.
Nesse contexto, habitualmente são contrapostos o princípio da segurança
jurídica com o da legalidade, sob a afirmação de que diante dos casos concretos
ora prevaleceria um, ora outro. Porém, não admitimos esta mútua excludência
entre estes princípios, que se nos afigura viável tão-só a partir de uma visão da
legalidade própria do culo XIX, de jaez mecanicista, que a identifica com a
literalidade da lei.
A todas as luzes, com a ascensão do Estado Democrático de Direito esta
visão cede passo à concepção do princípio da legalidade como conformidade à lei
e ao Direito, na eloqüente expressão da Lei Fundamental Alemã
86
, ora introduzida
em nossa ordem jurídica pelo art. 2º, parágrafo único, inciso I, da mencionada
84
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por
maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser
fixado”.
85
“Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de
descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela tenha eficácia a partir
de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
86
Prescreve o art. 20, parágrafo 3º, da Lei Fundamental Alemã, em tradução francesa: “Le pouvoir
législatif est lié par l’ordre constitutuionnel, les pouvoirs exécutif et judiciaire sont liés par la loi et le
droit”.
45
Lei 9.784/99
87
. Destarte, o princípio da legalidade implica não a fiel subsunção
à lei, como também a observância dos princípios jurídicos, assumindo, nessa
medida, a feição de um preceptivo de submissão das autoridades a toda ordem
jurídica. Nos quadrantes do Direito Administrativo, o princípio da legalidade impõe
a submissão da Administração Pública não à lei que, ao mesmo tempo,
fundamenta e limita sua atuação, mas também e, sobretudo, aos princípios que
compõem o regime jurídico-administrativo
88
, porquanto, na lição certeira do
professor Eduardo García de Enterría, “la ley que ha otorgado a la Administración
tal potestad de obrar no ha derogado para ella la totalidad del orden jurídico, el
cual, con su componente esencial de los princípios generales, sigue vinculando a
la Administración”.
89
Dessas colocações dessume-se que não é de oposição a relação entre o
princípio da legalidade e o da segurança jurídica, mas sim de complementação. O
princípio da legalidade é enriquecido pelo conteúdo do princípio da segurança
jurídica, o qual se torna um dos parâmetros de aferição de validade das condutas
estatais. Deveras, o princípio da segurança jurídica vem corrigir algumas
deformações do princípio da legalidade decorrentes do esquecimento de que sua
origem radica na proteção dos indivíduos em face do Estado e não no contrário.
90
Por isso, quando em certo caso concreto prevalece o princípio da
segurança jurídica não há ruptura da ordem jurídica ou preterição do princípio da
legalidade, senão que afirmação do princípio da legalidade.
87
Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I -
atuação conforme a lei e o Direito”.
88
A propósito, o magistério do professor Brewer-Carías: Pero por supuesto, ‘legalidad’, en el
derecho constitucional contemporâneo, no es solo la sumisión a la ley formal’ como acto
sancionado por el Parlamento, como sucedia en el siglo XIX con respecto a las acciones
administrativas y como consecuencia del principio de la supremacía de la ley, sino que quiere decir
sumisión al ordenamiento jurídico, incluyendo a la Constitución y a otras fuentes del derecho”
(Derecho Administrativo, t. I, p. 43).
89
La lucha contra las inmunidades del poder, p. 49.
90
COUTO E SILVA, Almiro do. Princípios da legalidade da Administração Pública e da segurança
jurídica no Estado de Direito contemporâneo, Revista de Direito Público, p. 54.
46
PARTE 2. VISÃO JUSCOMPARATIVA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA
JURÍDICA
1. UTILIDADE DO DIREITO COMPARADO
Interessa-nos agora examinar como o princípio da segurança jurídica é
tratado em outros ordenamentos jurídicos. A partir dessa visão comparativa
podem ser extraídos valiosos subsídios para a dogmática empreendida.
Nunca é demais precatar-se para os riscos do método comparativo, por
meio do qual não se deve buscar a importação irrefletida de instituições jurídicas
alienígenas, senão que, nas palavras do professor Biscaretti di Ruffìa, “La
investigación comparativa, en efecto, conduce com frecuencia a una mejor
interpretación y valoración de las instituciones jurídicas del ordenamiento nacional,
si se tienen en cuenta que el cotejo sistemático con los ordenamientos extranjeros,
especialmente si provienen de la misma cepa genealógica, podrá facilitar, en no
pocas ocasiones, la identificación de princípios que hasta entonces habían
permanecido latentes y casi ocultos a los comentadores analíticos del derecho
positivo del propio Estado”
91
.
Portanto, analisemos algumas ordens jurídicas estrangeiras como
instrumento de aprofundamento do estudo do princípio da segurança no Direito
Administrativo brasileiro.
91
Introducción al derecho constitucional comparado y 1988-1990. Um trienio de profundas
transformaciones constitucionales en Occidente, en la URSS y en los Estado Socialistas del Este
europeo, p. 80.
47
2. DIREITO ALEMÃO
No Direito Alemão, o princípio da segurança jurídica tem envergadura
constitucional, porquanto entendido como subprincípio do Estado de Direito. Em
um primeiro momento, foi visto pelo Tribunal Constitucional Federal somente a
partir de um aspecto objetivo, respeitante aos limites à retroatividade dos atos
estatais, para, ao depois, ter seu sentido alargado para o aspecto subjetivo da
proteção à confiança dos cidadãos na conduta do Estado.
92
Sob o ângulo objetivo, concernente, como dissemos, à retroatividade dos
atos estatais, distingue-se a “retroatividade autêntica” – quando a lei modifica
situações pretéritas , a qual, via de regra, é proibida, salvo um interesse público
que a justifique, da “retroatividade inautêntica”, ou “retrospectividade”, equivalente
à eficácia imediata da lei professada por Paul Roubier
93
quando a lei nova atinge
situações pendentes –, em princípio, admitida.
94
sob o ângulo subjetivo, atinente à proteção da confiança, sublinham-se,
fundamentalmente, limitações à modificação de atos estatais, mesmo quando
eivados de ilegalidade, bem como concessões de efeitos patrimoniais a eventuais
modificações, mercê da expectativa, gerada nos beneficiários dos atos, de que
eles seriam legítimos e de que, portanto, seriam mantidos. Em suma, com o
professor Almiro do Couto e Silva, o aspecto da confiança legítima na Alemanha
“prende-se predominantemente à questão da preservação dos atos inválidos,
92
Como preleciona o professor Almiro do Couto e Silva, ‘“segurança jurídica” (Rechtssicherheit) é
expressão que geralmente designa a parte objetiva do conceito, ou então simplesmente o
princípio da segurança jurídica”, enquanto a parte subjetiva é identificada como “proteção à
confiança” (Vertrauensschutz, no direito germânico)”(...) (O princípio da segurança jurídica
(proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular
seus próprio atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo
da União (Lei 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, 2, p. 5). Humberto Ávila,
seguindo Roland Kreibich, sustenta o entendimento de que o Tribunal Constitucional Alemão
acolheu, sucessivamente, as idéias de “Estado de Direito segurança jurídica idéia de proteção
da confiança” (Sistema Constitucional Tributário, p. 480).
93
Le Droit Transitoire, pp. 10 e 11.
94
HECK, Luís Afonso. O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios
Constitucionais, pp. 187-192; COVIELLO, Pedro José Jorge. La protección de la confianza del
administrado: derecho argentino y derecho comparado, pp. 51-55.
48
mesmo nulos de pleno direito, por ilegais ou inconstitucionais, ou, pelo menos, dos
efeitos desses atos, indiscutível a boa-fé”.
95
Sob este aspecto, guarda interesse o célebre caso da “viúva de Berlim”,
julgado pelo Tribunal Administrativo Superior de Berlim em 1956 e confirmado pelo
Tribunal Federal Administrativo em 1957, em que se reconheceu o direito à
proteção da confiança legítima invocada por uma viúva de um funcionário que
residia na então República Democrática Alemã, ante os seguintes fatos: a viúva foi
oficialmente notificada para que se mudasse para a Berlim Ocidental, a fim de que
fosse mantida sua pensão; baseada nesta informação da Administração, efetivou
sua mudança de residência, arcando com todos os gastos que isto importava, e
continuou percebendo a pensão; tempos depois, comprovou-se que ela não
atendia aos pressupostos legais e que a informação que havia recebido era
equivocada, pelo que lhe foi exigido que devolvesse as somas indevidamente
percebidas.
Deduzidos em juízo estes fatos, o Tribunal concluiu que nem a invalidação
ex nunc era cabível, sendo de rigor a manutenção da pensão à viúva.
96
Também é de se assinalar a afirmação pelo Tribunal Constitucional de que
o legislador tem o dever de adotar disposição transitórias para atenuar as
repercussões derivadas dos câmbios normativos, seja através da manutenção da
norma anterior por um período limitado, seja mediante a passagem paulatina da
normação antiga para a nova, seja pelo afastamento imediato da incidência da
nova lei em casos que traria repercussões muito negativas, ou, finalmente, por
meio da indenização da pessoa lesada pela brusca alteração normativa.
97
Observe-se ainda que foi no direito alemão, precisamente na Lei de
Procedimento Administrativo de 1976, que se desenvolveu a seminal distinção de
95
Op. cit., p. 5.
96
COVIELLO, Pedro José Jorge, op. cit., pp. 37 e 38.
97
COVIELLO, Pedro José Jorge, op. cit., p. 55.
49
regime jurídico entre os atos administrativos ampliativos e os atos restritivos, sobre
a qual discorreremos adiante. Ademais, como decorrência do princípio do Estado
de Direito, consagrou-se o preceito da precisão legal, segundo o qual as leis
devem ser claras e densas, a fim de que a ação estatal seja calculável ao
máximo.
98
98
HECK, Luís Afonso. Op. cit., p. 196-213.
50
3. DIREITO FRANCÊS
No direito positivo francês a noção de segurança jurídica não está
expressamente edificada, havendo no chamado bloc de constitutionnalité
99
duas
noções próximas: a primeira concerne ao artigo da Declaração de 1789
segundo o qual a segurança seria um direito natural, a par da igualdade, da
liberdade e da propriedade e, sobretudo, ao dispositivo insculpido no art. do
mesmo diploma que consagra o habeas corpus, vertido nos seguintes termos: “Nul
homme ne peut être accusé, arrêté ni détenu que dans les cas determinés par la
loi, et selon les formes qu’elle a prescrites”; a segunda noção liga-se à “garantia
de direitos” inscrita no artigo 16 da Declaração, a qual, a par da separação de
poderes, constituiria pressuposto de existência da Constituição.
100
O Conselho Constitucional recusa-se à consagração formal da segurança
jurídica como princípio constitucional, valendo-se de referências aos princípios e
regras que derivam da segurança jurídica, como, por exemplo, ao assegurar a
qualidade das leis ou ao limitar as intervenções legislativas em nome das
situações e expectativas dos sujeitos de direito. Por isso sugerir Anne-Laure
Valembois um “reconhecimento substancial” da constitucionalidade do princípio da
segurança jurídica no Direito Francês
101
. Diz a eminente jurista: “En définitive, la
constitutionnalisation de l’exigence de sécurité juridique, toujours implicite, n’en est
pas moins réelle”.
102
Também o Conselho de Estado tanto em sua competência consultiva,
quanto em sua competência jurisdicional – nega-se a acolher solenemente a
segurança jurídica, embora nela se inspire em inúmeros julgados.
99
O “bloco de constitucionalidade” é formado pela Constituição de 1958, pela Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, pelo preâmbulo da Constituição de 1946, contendo uma
declaração de direito econômicos e sociais, e, finalmente, pelos princípios fundamentais
reconhecidos pelas leis da República anteriores a 1946 (SÁNCHEZ, José Acosta. Formación de la
Constitución y jurisdicción constitucional, p. 311).
100
Enuncia o dispositivo: “Toute société dans laquelle la garantie des droits n’est pas assurée, ni la
séparation des pouvoirs déterminée, n’a point de constitution”.
101
La constitutionnalisation de la exigence de sécurité juridique, pp. 257-260.
102
Op. cit., p. 463.
51
Sob o aspecto consultivo, o Conselho de Estado exige respeito à hierarquia
das normas, clareza dos enunciados, coerência do corpo normativo,
implementação de regimes transitórios e proibição de validações legislativas,
exceto se motivadas por imperativos de interesse geral. No tocante às suas
atribuições jurisdicionais, farta jurisprudência estriba-se na segurança jurídica,
merecendo referência o célebre aresto Dame Cachet
103
- no qual se impede a
invalidação de um ato criador de direitos –, o aresto Sociédu Journal l’Aurore
104
- por meio do qual se firma o princípio geral de irretroatividade dos atos
administrativos –, além da teoria dos funcionários de fato, em vista da qual
reputam-se válidos os atos praticados por agente cuja investidura deu-se de modo
irregular, malgrado sob uma aparência de legalidade.
105
103
Conselho de Estado, 3 de novembro de 1922, Dame Cachet, rec. p. 790.
104
Conselho de Estado, 25 de junho de 1948, Société du Journal l’Aurore, rec. p. 289.
105
Conselho de Estado, 2 de novembro de 1923, Association de l’administration centrale des
postes et télégraphes, rec. p. 699.
52
4. DIREITO ESPANHOL
no Direito Espanhol o princípio da segurança jurídica foi incorporado
expressamente ao texto da Constituição de 1978, em seu art. 9.3, na condição de
princípio geral do ordenamento jurídico. Mais recentemente, na nova redação
dada pela Lei 4/1999 ao artigo da Lei do Regime Jurídico das Administrações e
do Procedimento Administrativo Comum de 1992, fez-se constar o respeito da
Administração aos princípios da boa-fé e da confiança legítima.
Contudo, do fato de o princípio da segurança jurídica ter sido insculpido fora
do sistema privilegiado de direitos fundamentais composto pelas liberdades e
direitos reconhecidos no artigo 14 e na seção primeira do capítulo segundo da
Constituição, os quais são sindicáveis mediante o recurso de amparo
106
deve-se
seu tímido exame pelo Tribunal Constitucional
107
, que o define como a soma de
certeza e legalidade, hierarquia normativa e publicidade normativa, irretroatividade
da lei restritiva e interdição da arbitrariedade.
108
Entre os tantos sentidos que se empresta à segurança jurídica no Direito
Espanhol merecem atenção a exigência de clareza normativa cuja infringência
motivou, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade da Lei de Águas de
Canárias, de 22 de maio de 1989, na Sentença 46/1990 do Tribunal
Constitucional
109
- e, sobretudo, a proteção da confiança do administrado, a qual,
historicamente, vem associada à noção de boa-fé, como podemos observar em
artigo da lavra do professor Sainz Moreno, datado de 1979, do qual consta a
106
Estabelece esse sistema o art. 53.2 da Constituição: “Cualquier ciudadano podrá recabar la
tutela de las libertades y derechos reconocidos en el artículo 14 y la Sección primera del Capítulo
segundo ante los Tribunales ordinarios de preferencia y sumariedad y, en su caso, a través del
recurso de amparo ante el Tribunal Constitucional. Este último recurso será aplicable a la objeción
de conciencia reconocida en el artículo”.
107
PALMA FERNÁNDEZ, José Luis. La seguridad jurídica ante la abundancia de normas, p. 42.
108
Tribunal Constitucional, decisões: 27/81, de 20 de julho; 99/87, de 11 de junho; 227/88, de 29
de novembro, e 150/90, de 4 de outubro.
109
ENTERRÍA, García de. El principio de protección de la confianza legítima como supuesto título
justificativo de la responsabilidad patrimonial del Estado Legislador, Revista de Administración
Pública, nº 159, p.178.
53
seguinte lição: “La buena fe es uno de los principios generales del Derecho, uno
de aquellos valores materiales sicos de un ordenamiento jurídico, sobre los
cuales se constituye éste como tal (García de Enterría). Es um principio que sirve
a la seguridad jurídica incorporando al Derecho el valor ético-social de la
confianza”.
110
Aliás, sob o ponto de vista da confiança legítima, dois importantes arestos
do Tribunal Supremo devem ser apontados, nos quais se admite a
responsabilidade do Estado por alterações legislativas radicais que redundam na
frustração de expectativas a que o próprio Poder Público deu causa.
No primeiro, de 05 de março de 1993, reconheceu-se a uma empresa
pesqueira o direito à indenização pela eliminação de isenções tributárias de que
desfrutava, como conseqüência da adesão da Espanha ao Tratado de Adesão à
Comunidade Econômica Européia. A empresa havia feito significativas inversões
fiada em políticas de fomento do Estado, as quais foram radicalmente suprimidas
pela subscrição da Espanha ao mencionado Tratado
111
.
No outro aresto, o mesmo Tribunal, precisamente em 16 de maio de 2000,
reconheceu o direito à indenização decorrente de alteração legislativa que, ao
declarar certos terrenos insuscetíveis de edificação por razões ambientais,
110
La buena fe en las relaciones de la Administración con los administrados, Revista de
Administración Pública, p. 310.
111
STS 1232/1993. Um trecho do julgado é digno de citação: “(...) aunque diéramos por supuesta
hipotéticamente la inexistencia de un auténtico y plenamente configurado derecho adquirido, por la
anual fijación de los cupos exentos, la realidad es, repetimos, que el Gobierno desarrolló una muy
concreta acción de fomento para la constitución de Empresas pesqueras conjuntas, con los fines
analizados con anterioridad, reconociendo a cambio unos particulares beneficios, representativos
de intereses patrimoniales legítimos, y si éstos se interrumpen o disminuyen, cual ha sucedido,
para la voluntad de los órganos competentes del Estado, en modo alguno cabe negar el
subsiguiente derecho a la indemnización correspondiente, la cual además estaría incluso avalada,
tanto por los principios de la buena fe que debe inspirar la relación de la Administración con los
particulares y de la seguridad jurídica, como por el equilíbrio de prestaciones que debe existir entre
una y otros en el desarrollo de relaciones, como las que contemplamos, prestablecidas y con
finalidad determinada (...)”.
54
impossibilitou a consumação, por uma empresa privada, de um plano urbanístico
já aprovado pela Comunidade Autônoma das Ilhas Baleares.
112
112
STS 3930/2000. Eis o cerne do julgado, em cita literal: “Para examinar si esto es así es
menester utilizar varios criterios. Entre ellos reviste singular interés el relacionado con la
observancia del principio de buena fe en las relaciones entre la administración y los particulares, la
seguridad jurídica y el equilibrio de prestaciones. Estos conceptos, utilizados por las sentencias de
esta Sala últimamente citadas, están estrechamente relacionados con el principio de confianza
legítima enunciado por el Tribunal Superior de Justicia de las Comunidades Europeas. La
virtualidad de este principio puede comportar la anulación y, cuando menos, obliga a responder en
el marco comunitario, de la alteración (sin conocimiento anticipado, sin medidas transitorias
suficientes para que los sujetos puedan acomodar su conducta económica y proporcionadas al
interés público en juego, y sin las debidas medidas correctoras compensatorias) de las
circunstancias económicas habituales y estables, generadoras de esperanzas fundadas de
mantenimiento. Sin embargo, el principio de confianza legítima no garantiza a los agentes
económicos la perpetuación de la situación existente, la cual puede ser modificada en el marco de
la facultad de apreciación de las instituciones comunitarias, ni les reconoce u derecho adquirido al
mantenimiento de una ventaja”.
55
PARTE 3. O ALCANCE DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO
DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO
Esboçado o significado da segurança jurídica na ordem jurídica brasileira,
partiremos agora à verificação do alcance deste princípio no domínio do Direito
Administrativo, o que constitui, deveras, o cerne de nossa investigação.
Tomando o Direito Administrativo como o plexo de princípios e regras que
disciplinam a função administrativa e os órgãos que a desempenham, ou, em
outro torneios, o regime jurídico sistema normativo dotado de uma racionalidade
própria que condiciona o exercício e os exercentes da função administrativa,
coloca-se, de imediato, a pergunta: mas o que se entende por função
administrativa e de que modo é exercida? A resposta a estas interrogações deve
anteceder, necessariamente, o exame do princípio da segurança jurídica no
Direito Administrativo.
Portanto, alcancemos um acordo prévio sobre o significado de alguns
conceitos fundamentais do Direito Administrativo com os quais o princípio da
segurança jurídica mantém ligação, a fim de que não nos percamos em
logomaquias.
56
1. NOÇÕES PRELIMINARES
1.1. Função administrativa
A aludida tripartição de poderes tecnicamente denominada de
tripartição de funções é uma visão política fundante do modelo de Estado de
Direito, mas cuja consagração jurídica é multiforme, de acordo com os contornos
que lhe confere a Constituição
113
. Interessa-nos, pois, porque sob perspectiva
dogmática, a consagração jurídica e não a visão política em si; não a idéia, senão
que o específico modo como a idéia foi plasmada na ordem constitucional. Na
síntese feliz de Paul Benoit: “mais precisément, la clef du probléme d’analyse est
là: la notion de fonction n’est valable scientifiquement que dans la mesure ou elle
exprime les réalités du droti positif”.
114
Disso se segue que entre os inúmeros critérios com que se costuma isolar
as funções estatais deve se eleger aquele que corresponda à realidade do Direito
Positivo. Não é da materialidade das atividades do Estado de que se extrai a
classificação das funções, mas sim da qualificação jurídico-formal das atividades.
Nessa medida é que reputamos idôneo o critério objetivo-formal para classificar as
funções do Estado, segundo o qual são reconhecíveis, no sistema constitucional
brasileiro, três funções, a saber: função legislativa, função administrativa e função
jurisdicional.
115
A função legislativa é aquela que o Estado exerce mediante a expedição de
normas gerais e normalmente abstratas que inovam originariamente na ordem
jurídica. Já a função jurisdicional é aquela desempenhada por via de normas
individuais e concretas com força de definitividade. Por fim, função administrativa
é a função exercida pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes, que se
113
GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo, t. I, IX-1.
114
Le Droit Administratif Français, p. 36.
115
Nos quadrantes do Estado de Direito não vemos razões para se admitir a existência da função
de governo.
57
singulariza por ser desenvolvida mediante comportamentos submetidos à lei, ou,
excepcionalmente, diretamente à Constituição, e sujeitos à controle
jurisdicional.
116
Isolada a função administrativa, debrucemo-nos um pouco sobre sua
fenomenologia, donde serão extraídas valiosas idéias para os propósitos de nossa
investigação.
Com efeito, é lição corrente que a função administrativa encontra seu
fundamento e limite em um instrumento normativo primário, seja ele lei ou
Constituição. Assim, à autoridade ou quem lhe faça as vezes, o assiste
vontade
117
, mas tão-só o dever de atender as finalidades legais. Ademais, se a
Administração discrepa das competências
118
que lhe são imputadas, encontra em
seu caminho o ente jurisdicional que restabelece o império da legalidade.
Portanto, em um primeiro momento uma atribuição de competência contendo
aspectos vinculados e discricionários –, em nome da qual a autoridade
administrativa atua, satisfazendo interesses blicos concretos. A fiscalizar este
processo está o Poder Judiciário, ao qual cabe sindicar tanto a atribuição quanto o
exercício das competências públicas
119
.
A primeira relação, entre a lei e a Administração, ou, em dizer mais
elaborado, entre os instrumentos normativos primários e a atividade
administrativa, foi insuperavelmente demonstrada pelo professor Oswaldo Aranha
116
Em nossa definição de função administrativa, conquanto induvidosamente influenciada pela
construção teórica do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, não incluímos a estrutura
hierárquica, porquanto o a entendemos como uma nota típica da função administrativa. Nisto
seguimos o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, em crítica endereçada a Adolf Merkl
(Princípios Gerais de Direito Administrativo, pp. 168-171).
117
Mesmo quando se está perante uma competência discricionária, ao administrador não assiste
“liberdade”, mas pura e tão-somente uma margem de apreciação subjetiva condicionada ao
atendimento ótimo da finalidade legal.
118
Merece referência o conceito de “competência” do professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
“(...) círculo compreensivo de um plexo de deveres públicos a serem satisfeitos mediante o
exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos para a
satisfação de interesses públicos” (Curso de Direito Administrativo, p. 144).
119
BACIGALUPO, Mariano. La discrecionalidad administrativa (estructura normativa, control
judicial y límites constitucionales de su atribución), p. 92.
58
Bandeira de Mello. Conquanto não compartilhemos da classificação das funções
do Estado deste alumiado professor, forçoso reconhecer que em um Estado de
Direito a função legislativa e a administrativa se irmanam na consecução de
finalidades públicas, cabendo àquela a produção de programas de ação e a esta
executá-los fielmente
120
. Ou seja, o exercício da função administrativa visa a dar,
tão-somente, operatividade aos desígnios legais
121
.
Nesse contexto, o princípio da segurança jurídica se projeta não sobre o
exercício da função administrativa, mas também sobre a atribuição da função
administrativa. No Estado de Direito, caracterizado pela supremacia constitucional,
não apenas o exercício da função administrativa é controlado, senão que o
exercício da função legislativa.
122
Isto é, atenta-se tanto para o programa, quanto para sua execução, visto
que, em termos gicos, um programa inseguro implica uma ação insegura e um
programa seguro é condição necessária, mas não suficiente, para uma ação
segura. De sorte que a plenitude do princípio da segurança jurídica no Direito
Administrativo se alcança através de mecanismos que assegurem a certeza na
atribuição e no exercício das competências administrativas e a estabilidade das
situações e relações jurídico-administrativas.
1.2. Discricionariedade administrativa
A muitos deve estar acometendo a dúvida: como falar em “certeza” na
atribuição das competências administrativas se é corrente a outorga, pelo
legislador, de uma margem de apreciação subjetiva à Administração Pública?
120
Princípios gerais de Direito Administrativo, p. 59.
121
ALESSI, Renato. Principi di Diritto Amministrativo, v.1, pp. 9 e 10.
122
Julgamos que a liberdade de conformação da função legislativa constitui uma competência
discricionária, a qual se diferencia da discricionariedade administrativa apenas em termos
quantitativos. A discricionariedade legislativa é tão-somente mais lata que a discricionariedade
administrativa. Para um exame aprofundado desta problemática, consultar: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão
das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, pp. 215-287.
59
Para que respondamos satisfatoriamente a esta questão o que
pretendemos fazer ao tratarmos da segurança jurídica no Direito Administrativo
sob a perspectiva da certeza –, além de outras que se colocarão, é preciso que
elucidemos, mesmo que resumidamente, o que vem a ser esta “margem de
apreciação subjetiva” conferida pela lei à Administração, à qual dá-se o nome de
“discricionariedade administrativa”.
A doutrina costuma referir-se a “atos vinculados” e “atos discricionários” e já
nesta divisão destacam-se problemas teóricos
123
. Isto porque a discricionariedade
e a vinculação, sobre não residirem no ato administrativo, tampouco se estremam
de modo absoluto, como faz crer esta categorização. Em verdade, a
discricionariedade e a vinculação coabitam a competência administrativa, de modo
que o agente público, diante do caso concreto, te aspectos da competência
vinculados, os quais são resolvidos ao nível da lei, sem que neles possa intervir, a
par de aspectos discricionários, dos quais decorre um campo de apreciação
subjetiva para melhor atendimento da finalidade legal.
Ademais, com fulcro nas lições do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello,
impõe-se observar que a discricionariedade se funda em duas razões, a saber: a
possibilidade de adoção, diante do caso concreto, da solução que satisfaça
perfeitamente a finalidade legal; e uma contingência gica da linguagem, a qual
invariavelmente é portadora de conceitos indeterminados.
124
Acerca do primeiro fundamento, é de reconhecer-se que é de todo
impossível, no plano abstrato, por meio de uma classificação rígida, contemplar a
ilimitada complexidade do mundo fenomênico, de modo a ser recomendável,
perante certas situações, a autorização legislativa para que o agente
123
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, pp. 367 e 368.
124
Op. cit., pp. 951 e 952.
60
administrativo, em atenção às singularidades do caso concreto, a solução que
mais julga conveniente e oportuna para atendimento da finalidade legal.
Quanto ao segundo fundamento, sobre o qual muito se dissente
125
, limitar-
nos-emos a dizer que inúmeros conceitos, por se referirem a objetos que se
apresentam como um continuum e não como quanta
126
, ou seja, por existirem em
graus e medidas variáveis, poderão ser concretamente reconhecidos em alguns
casos, mas não em todos
127
. Assim, por exemplo, um conceito como “urgência”,
largamente utilizado na linguagem das normas, pode, em certa situação, ser
induvidosamente empregado (zona de certeza positiva), bem como, de outro lado,
ter seu emprego induvidosamente rechaçado (zona de certeza negativa).
Entretanto, entre os dois extremos há uma infinidade de situações que se
duvidaria qualificar como urgente e perante as quais não como fazer um juízo
objetivo e conclusivo (zona de incerteza)
128
. Poderiam existir duas opiniões
antagônicas, sem que nenhuma delas pudesse arrogar-se o predicado da
verdade. Eis onde reside a discricionariedade nos conceitos indeterminados.
Contudo, é bom que se sublinhe, se pode atestar a existência da
discricionariedade frente ao caso concreto. No plano abstrato da norma jurídica é
possível afirmar a possibilidade de um juízo discricionário, no entanto é o contexto
fático que, ao estreitar as interpretações legítimas da norma, indicará a
125
Há uma corrente doutrinária que nega a existência de discricionariedade em relação aos
conceitos jurídicos indeterminados, e outra, à qual nos filiamos, ao lado do professor Celso Antônio
Bandeira de Mello, que a admite. Eminente porta-voz daquela corrente é o Professor García de
Enterría.
126
SAINZ MORENO, Fernando. Conceptos jurídicos, interpretación y discrecionalidad
administrativa, p. 74.
127
ALESSI, Renato. Principi di Diritto Amministrativo, vol. I, p. 204; BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional, pp. 22 e 23.
128
A respeito, o ensinamento de Genaro Carrió: “Todo cuanto podemos decir es que hay casos
centrales o típicos, frente a los cuales nadie vacilaría en aplicar la palabra, y casos claros de
exclusión respecto de los cuales nadie dudaría en no usarla. Pero en el medio hay una zona más o
menos extendida de casos posibles frente a los cuales, cuando se presentan, no sabemos qué
hacer” (Notas sobre derecho y lenguaje, pp. 31 e 32).
61
subsistência de um campo de “alternativas igualmente justas, entre indiferentes
jurídicos”
129
, é dizer, de discricionariedade.
130
A estas considerações cabe agregar que, à luz da bimembridade
constitutiva das normas jurídicas, traduzida no pressuposto de fato ao qual se liga
uma conseqüência jurídica, é possível identificar, na regra de competência, as
modalidades de discricionariedade administrativa.
131
Assim, emergirá discricionariedade quando a norma jurídica, em sua
hipótese normativa, ostentar conceitos indeterminados ou simplesmente não
descrever a situação fática apta a deflagrar a conseqüência jurídica. No tocante ao
conseqüente normativo, a discricionariedade será derivada de eventual faculdade
atribuída ao agente público para a prática do ato administrativo; de autorização
para que o agente escolha o momento oportuno para a edição do ato
administrativo; de outorga ao agente da eleição da forma jurídica de que se
revestirá o ato administrativo; de concessão ao agente da escolha da providência
considerada idônea ao cumprimento da finalidade legal
132
.
De resto, a discricionariedade não é um campo insondável ao Poder
Judiciário, ao qual sempre cumprirá o dever de averiguar se, no caso concreto,
foram respeitados os seus limites.
1.3. Ato administrativo
A última noção preliminar ao estudo da segurança jurídica no Direito
Administrativo é a de ato administrativo, à qual mais nos ateremos, tendo em vista
os inúmeros tópicos nela abarcados, todos de grande importância para a nossa
129
Estas expressões são do professor García de Enterría (Curso de Derecho Administrativo, vol. I,
p. 464).
130
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional, p. 37.
131
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 19.
132
Dado que a finalidade, embora não componha a estrutura lógica da norma jurídica, preside sua
intelecção, se indeterminada, poderá dar azo à discricionariedade tanto no pressuposto quanto no
conseqüente normativo (Discricionariedade e controle jurisdicional, pp.19-21).
62
investigação. Aliás, a razão desta proeminência é singela. Os atos administrativos
são o resultado do exercício da função administrativa, por meio dos quais se
declaram, constituem, modificam e extinguem direitos dos administrados. Ou seja,
um campo fértil para manifestar-se o princípio da segurança jurídica sob o aspecto
da estabilidade.
Como sempre, a primeira atitude a ser tomada perante um signo lingüístico
é assinar o seu uso. Com a expressão “ato administrativo” não será diferente.
Com efeito, pode ser oferecida, com base no Direito Positivo brasileiro, uma
definição lata ou estrita da voz “ato administrativo”. Em sentido lato, ato
administrativo é uma norma jurídica ditada no uso de prerrogativas públicas
pertinentes à função administrativa, em ordem a dar fiel cumprimento à lei e
submetida a controle jurisdicional
133
. Dentro desta definição estão encartados o
regulamento, o contrato administrativo e o ato administrativo em sentido estrito. O
primeiro, de feição abstrata e unilateral, o segundo de feição concreta e bilateral e
o último de feição concreta e unilateral.
Portanto, se quisermos delimitar com precisão estas três vias técnico-
jurídicas de ação administrativa podemos defini-las da seguinte forma. O
regulamento é uma norma jurídica abstrata ditada unilateralmente no uso de
prerrogativas públicas pertinentes à função administrativa, em ordem a dar fiel
cumprimento à lei e submetida a controle jurisdicional; o contrato administrativo é
uma norma jurídica individual e concreta ditada bilateralmente no uso de
prerrogativas públicas pertinentes à função administrativa, em ordem a dar fiel
cumprimento à lei e submetida a controle jurisdicional; o ato administrativo em
sentido estrito é uma norma jurídica concreta ditada unilateralmente no uso de
prerrogativas públicas pertinentes à função administrativa, em ordem a dar fiel
cumprimento à lei e submetida a controle jurisdicional.
133
A definição que propomos é inegavelmente inspirada nas lições do eminente professor Celso
Antônio Bandeira de Mello.
63
Para os nossos fins interessará o regime jurídico do ato administrativo em
sentido estrito, cuja definição será decomposta em seguida. Entretanto, cumpre
notar que, no que concerne ao sistema de invalidades, podem ser equiparados o
ato administrativo com o contrato administrativo. Portanto, as considerações
formuladas a propósito da invalidade do ato administrativo em sentido estrito e das
conseqüências que dela decorrem que a partir de agora nominaremos somente
de “ato administrativo” aplicam-se, salvo pequenas adaptações, aos contratos
administrativos.
134
1.3.1. Decomposição da definição de ato administrativo
Façamos, portanto, a breve trecho, a decomposição da noção complexa
comportada na expressão “ato administrativo”, destacando e examinando seus
elementos constituintes.
1.3.1.1. O ato administrativo como norma jurídica
O primeiro elemento da definição concerne à concepção do ato
administrativo como norma jurídica, na esteira kelseniana.
Ao contrário de consagrada doutrina que, por razões ideológicas
135
,
considera o ato administrativo como mera aplicação das normas jurídicas, não
134
VALLE FIGUEIREDO, Lúcia. Extinção dos contratos administrativos, pp. 85 e 86; FREIRE,
André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos administrativos inválidos, pp. 69 e 70.
135
Para tal doutrina tão-só as normas gerais e abstratas mereceriam a denominação norma”.
Ilustram essa tendência: ALESSI, Renato, Principi di Diritto Amministrativo, v. 1, pp. 6 e 7;
ENTERRÍA, García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón, Curso de Derecho Administrativo, vol. I, pp.
187-190. A propósito, ensina Norberto Bobbio: “Julgamos que o fato de considerar a generalidade
e a abstração como requisitos essenciais da norma jurídica tem uma origem ideológica, e não
lógica, ou seja, acreditamos que por trás dessa teoria existe um juízo de valor do seguinte tipo:
‘Convém desejável) que as normas jurídicas sejam gerais e abstratas’. Em outras palavras,
pensamos que generalidade e abstração são requisitos não da norma jurídica como é, mas como
deveria ser para corresponder ao ideal de justiça, para o qual todos os homens são iguais, todas
as ações são certas; isto é, que são requisitos não tanto da norma jurídica (ou seja, da norma
válida num determinado sistema), mas da norma justa (Teoria Geral do Direito, pp. 163 e 164).
64
constituindo, em si, dada sua concretude, norma jurídica, julgamos que o ato
administrativo é uma norma jurídica.
Como a seguir veremos
136
, a existência de uma norma o está ligada às
suas características lógicas abstração/concreção e generalidade/individualidade
mas à sua pertinência ao sistema normativo. Averba, com acerto, o mestre de
Viena: “A força de ‘obrigatoriedade’ ou ‘validade’ do Direito está intrinsecamente
relacionada, não ao seu caráter possivelmente geral, mas apenas ao seu caráter
como norma”.
137
Com efeito, a partir de uma perspectiva dinâmica, o ato administrativo nada
mais é do que um estádio no processo de criação do Direito cujo fluxo segue do
geral e abstrato para o individual e concreto
138
. O Direito existe para ser aplicado,
projetando-se sobre o mundo dos fatos através de progressiva individualização e
concretização das normas que o compõem. Positivar-se é factualizar-se, enuncia
o mestre Lourival Vilanova.
139
Ademais, cumpre observar que o ato administrativo corresponde ao
significado que o Direito atribui a uma declaração do Estado ou de quem lhe faça
as vezes no exercício da função administrativa. É ele, portanto, o produto de uma
declaração socialmente reconhecível, que com esta não se confunde, ou, em
termos lingüísticos, o ato é o significado, ao passo que a declaração é a
enunciado. Reforcemos esta distinção, porquanto de grande utilidade para nossas
reflexões: a declaração do Estado ou de quem lhe faça as vezes pertence ao
mundo fenomênico, ao passo que a norma jurídica pertence ao sistema jurídico;
aquela ao ser, esta ao dever-ser.
140
136
Vide item 1.3.3 desta parte.
137
Teoria Geral do Direito e do Estado, p. 53.
138
KELSEN, Hans, op. cit., p. 196.
139
Causalidade e relação no Direito, p. 132.
140
KELSEN, Hans, Teoria geral das normas, p. 34.
65
1.3.1.2. Concretude do ato administrativo
Outro traço que figura no conceito de ato administrativo é o da concretude,
por meio do qual se aparta o ato administrativo do regulamento. Este último,
conquanto também editado no exercício da função administrativa, apresenta
compostura abstrata e, de regra, geral.
Consiste a concretude do ato administrativo na sua referência a uma
situação de fato ou de direito determinada, em contraste com as situações-tipo
das normas abstratas. Enquanto as normas abstratas recortam a realidade
mediante uma classificação, sendo aplicada tantas vezes quantas forem as
ocorrências fáticas correspondentes ao seu arquétipo repetibilidade –, as
normas concretas estão saturadas com uma realidade específica e determinada e
se esgotam em uma única aplicação – irrepetibilidade.
141
Convém reiterar que a individualidade é apanágio apenas do contrato
administrativo, não do ato administrativo
142
. Aquele sempre ligará sujeitos
determinados, enquanto este, em muitos casos, não obstante dispondo sobre uma
situação concreta, atinge uma categoria de sujeitos indeterminados, sendo, nessa
medida, geral.
143
141
Embora não tome o ato administrativo como norma jurídica, sublinhem-se as valiosas palavras
do professor José Luís Villar Palasí acerca das características da concretude e da abstração
(Derecho Administrativo, tomo I, pp. 420-424).
142
Bem apostila o professor Ernst Forsthoff: “no está la cuestión en si el destinatário está señalado
de modo abstracto o concreto, sino en el contenido” (Tratado de Derecho Administrativo, p. 285).
143
Atentou-se, pioneiramente, para a categoria dos atos administrativos gerais, distinguindo-os dos
regulamentos, o jurista alemão Thoma (Der Polizeibefehl im Badischen Recht, I, Tübingen, 1906).
Sobre o tema: ENTERRÍA, García de. Recurso contencioso directo contra disposiciones
reglamentarias y recurso prévio de reposición, Revista de Administración Pública, 29/161-185;
MARTÍN- RETORTILLO, Lorenzo, Actos administrativos generales y reglamentos: sobre la
naturaleza de la convocatória de oposiciones, Revista de Administración Pública, 40/225-249;
LEGUINA VILLA, Jesús, Legitimación, actos administrativos generales y reglamentos, Revista de
Administración Pública, 49/193-224; SANDULLI, Aldo M, Sugli atti amministrativi generali a
contenuto non normativo, Scritti giuridici in memoria de Vittorio Emannuele Orlando, II, pp. 447-459.
66
1.3.1.3. Unilateralidade do ato administrativo
deixamos consignado que por meio do aspecto da unilateralidade do ato
administrativo se opera sua individualização frente ao contrato administrativo, o
qual sabidamente é marcado pela bilateralidade.
Entretanto, é de rigor neste ponto apenas expurgar uma ambigüidade que
guardam os termos “unilateralidade” e “bilateralidade”.
144
Ambos podem aludir à formação do ato administrativo (em sentido lato) ou
aos seus efeitos, ou, se quisermos empregar palavras mais afinadas com nossa
concepção epistemológica, à formação da norma jurídica ou ao conteúdo da
norma jurídica
145
.
Quando se alude à formação, a unilateralidade significa que para se
introduzir uma norma jurídica no sistema concorre a declaração de apenas um
sujeito de direito, enquanto que a bilateralidade denota a concorrência da
declaração de mais de um sujeito de direito para veiculação de uma norma
jurídica
146
. Sob o prisma do conteúdo, a unilateralidade representa a constituição
de direitos e obrigações para apenas um sujeito de direito, ao passo que a
bilateralidade concerne à criação de direitos e obrigações para mais de um sujeito
de direito.
144
VILANOVA, Lourival, Causalidade e relação no Direito, p. 293.
145
GORDILLO, Agustín, Tratado de Derecho Administrativo, tomo 3, p. IV-24. À luz dos conceitos
expostos no item 1.3.3 desta parte é possível perceber a gravidade da mencionada ambigüidade,
que baralha os plano da existência com o da eficácia da norma jurídica.
146
Não aceitamos a existência de “atos bilaterais” distintos dos contratos administrativos, como
quer Walter Jellinek. Tal figura intermediária não se nos afigura útil, podendo induzir a confusões.
Aliás, os casos que geralmente são associados ao mencionado “ato bilateral” podem ser
explicados sem a utilização desta categoria sui generis. Nas hipóteses em que o ato administrativo
é expedido a pedido do administrativo, tal pedido não configura pressuposto de existência do ato,
senão que de validade. no ato que depende de aceitação do administrado, a aludida aceitação
é nada mais que condição de eficácia do ato administrativo, em nada se relacionando com sua
formação.
67
Na medida em que, para a edição do ato administrativo, basta a declaração
da Administração unilateralidade na formação e para a entabulação do
contrato administrativo coadjuva a vontade do particular bilateralidade na
formação –, ambos, contudo, caracterizando-se pela bilateralidade no conteúdo da
relação jurídica aquele, ao menos em larga medida –, de modo a coexistirem
direitos e deveres recíprocos entre Administração e administrado, segue-se que a
unilateralidade ou bilateralidade que os aparta só pode ser a que atina à formação
da norma jurídica.
1.3.1.4. Expedido no uso de prerrogativas públicas
A Administração Pública, de par com as rigorosas peias que lhe são
impostas pela ordem jurídica em favor da liberdade dos cidadãos, dispõe de um
plexo de prerrogativas, concedidas e exercidas na exata correspondência do
interesse público que lhes preside a existência.
Sucede, entretanto, que em determinadas circunstâncias, a ordem jurídica
franqueia a possibilidade de a Administração se “desarmar” de suas prerrogativas
para a consecução de uma finalidade pública. Trata-se dos atos da Administração
regidos pelo Direito Privado, os quais, no lúcido verbo do professor Celso Antônio
Bandeira de Mello, têm as condições de emanação regidas pelo Direito
Administrativo.
147
Falece a tais atos a virtualidade jurídica própria dos atos administrativos,
visto que seu conteúdo é todo regido pelo Direito Privado, razão pela qual se os
exclui do conceito restrito de ato administrativo.
147
Curso de Direito Administrativo, p. 377. Não se deve negligenciar a posição do professor
Agustín Gordillo, segundo quem improcede diferençar o ato administrativo do “ato civil da
Administração”, de vez que estes últimos sempre terão suas condições de válida produção
(competência, vontade e forma) governadas pelo Direito Administrativo (Tratado de Derecho
Administrativo, tomo 3, II/27-34).
68
1.3.1.5. Pertinência à função administrativa
O ato administrativo o é senão uma manifestação da função
administrativa e do regime jurídico desta, portanto, haure suas características de
iure e a esta deve estar reportado. Deveras, como se verá adiante, constitui a
pertinência à função administrativa pressuposto de existência do ato
administrativo.
148
Cumpre observar que o vínculo indissociável que se estabelece entre a
função administrativa e o ato administrativo, somado à noção objetivo-formal de
função administrativa que adotamos, autoriza-nos a admitir, com tranqüilidade, a
edição de atos administrativos pelos Poderes Legislativo e Judiciário e até mesmo
por particulares, desde que investidos na função administrativa.
Ainda acerca deste tópico, oportuno reproduzir a lição do professor Celso
Antônio Bandeira de Mello: “Se o ato não for imputável ao Estado, no exercício da
função administrativa, poderá haver ato jurídico, mas não haverá ato
administrativo”.
149
1.3.1.6. Dar fiel cumprimento à lei
Com o advento do Estado de Direito, a Administração Pública passa a
dever estrita obediência à lei, produto da vontade popular, com menoscabo de
qualquer iniciativa personalista de poder. Tal submissão, consubstanciada no
princípio da legalidade, constitui não só uma relação de não-contraste, como
também de conformidade à lei, como sintetiza, em termos célebres, Michel
148
Vide item 1.3.4.2 desta parte. Também insere em sua definição de ato administrativo a
pertinência à função administrativa a professora Lúcia Valle Figueiredo (Curso de Direito
Administrativo, pp. 176 e 177).
149
Cuida ressalvar que este alumiado professor não inclui a pertinência à função administrativa em
seu conceito de ato administrativo (Op. cit. 388).
69
Stassinopoulos, segundo quem a Administração, além de não poder agir contra
legem ou praeter legem, deve agir secundum legem.
150
Separa-se, assim, o ato administrativo caracterizado pela
complementaridade
151
de seus comandos da lei, à qual é cito inovar
originariamente na ordem jurídica, respeitadas as balizas constitucionais.
152
Calham, nesse ponto, duas considerações. A primeira é a de que, em
situações excepcionais, nas quais se preveja inteiramente na Constituição o
comportamento que obrigatoriamente deve a Administração levar a cabo
vinculação plena –, admite-se um ato administrativo imediatamente
infraconstitucional.
153
A segunda consideração se traduz na salutar evolução conceitual do
princípio da legalidade, por nós assinalada, o qual hodiernamente é entendido
não só como respeito à lei em sentido formal, senão como conformidade à lei e ao
Direito, na eloqüente expressão da Lei Fundamental Alemã.
1.2.1.7. Submissão a controle jurisdicional
Com o último componente do conceito de ato administrativo sujeição a
controle jurisdicional damos-lhe autonomia frente os atos jurisdicionais. Estes
são marcados pela definitividade, aqueles pela revisibilidade.
Com efeito, no sistema constitucional brasileiro, ao Poder Judiciário, com
exclusividade, é irrogada a competência para resolver, com definitividade
154
, todo
e qualquer litígio, em despeito das partes envolvidas ou da relação jurídica
150
Traité des Actes Administratifs, p. 69.
151
ALESSI, Renato, Principi di Diritto Amministrativo, v. 1, pp. 9 e 10.
152
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha, Princípios gerais de Direito Administrativo, p. 262.
153
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., 379.
154
Vide item 2.2.1 da Parte 3.
70
controvertida. Compete-lhe, portanto, quando provocado, infirmar as ações ou
omissões antijurídicas da Administração Pública.
Trata-se do magno princípio da inafastabilidade do controle judicial
constante do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o qual, imperioso notar-se,
compreende o a tutela repressiva senão também a tutela preventiva dos
direitos subjetivos.
155
1.3.2. Distinção entre ato e fato administrativo
Bem compreendida a definição de ato administrativo, mostra-se de subido
relevo opô-la em face da categoria do fato administrativo.
Pois bem. Em escritura reduzida, ato administrativo, nem seria preciso
repeti-lo, é uma norma, uma prescrição sobre algum fato social ou sobre alguma
situação jurídica. O fato administrativo, diversamente, é um evento a que a ordem
jurídica imputa conseqüências jurídicas. O ato administrativo é destinado a
produzir as conseqüências jurídicas compreendidas em sua tipologia. o fato
administrativo é utilizado pelo ordenamento jurídico como condição de deflagração
de certos efeitos jurídicos.
Cumpre observar que em tal distinção nenhum papel exerce a “vontade”,
considerada por muitos, na linha do Direito Privado, como critério para se ultimar a
separação entre ato e fato administrativo, associando-se o ato com voluntariedade
e o fato com involuntariedade. Como demonstra com notável percuciência o
professor Celso Antônio Bandeira de Mello, tanto haverá atos administrativos
involuntários como fatos administrativos voluntários, a evidenciar a inutilidade do
mencionado critério.
156
155
Reza o mencionado dispositivo: “a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.
156
Op. cit., pp. 366-368.
71
Outrossim, uma reflexão que não costuma ser feita, mas que julgamos de
importância transcendente para iluminar sobretudo o estudo da invalidade, atina
ao que o ínclito professor Lourival Vilanova alcunha de princípio da relatividade do
suporte fáctico.
157
Consoante essa idéia, o ato administrativo, no fluxo da causalidade jurídica,
ao mesmo tempo em que prescreve sobre algo, pode ocupar relativamente a
uma outra norma jurídica a posição tópico-funcional de fato administrativo,
sendo-lhe imputadas conseqüências jurídicas que nada têm a ver com seus
efeitos. Ao tratarmos do ato administrativo invalidador retomaremos essa idéia.
158
É de se realçar ainda a utilidade da distinção entre ato administrativo e fato
administrativo, sobretudo em relação ao tema da invalidade de que nos
ocuparemos adiante
159
. Isto porque enquanto os atos administrativos passam pelo
plano da validade, os fatos administrativos transitam diretamente do plano da
existência para o plano da eficácia. No tópico subseqüente compreenderemos
melhor esta assertiva.
1.3.3. Existência, validade e eficácia do ato administrativo
Muito se controverte acerca da determinação dos planos em que se
desenvolve o fenômeno jurídico
160
. Adotamos uma visão tricotômica, segundo a
qual as normas jurídicas e, portanto, os atos administrativos, podem ser avaliados
à luz de três dimensões, quais sejam: da existência, da validade e da eficácia.
157
Causalidade e relação no Direito, pp. 216-218 e 306.
158
Vide item 2.2.4.1 da Parte 3.
159
Outras conseqüências desta distinção compendiadas pelo professor Celso Antônio Bandeira de
Mello: atos administrativos podem ser revogados; fatos são insuscetíveis de revogação; atos
administrativos desfrutam de presunção de legitimidade; fatos administrativos não; o tema da
vontade interessa nos atos expedidos no exercício de competência discricionária; nos fatos
administrativos não se cogita de vontade (Op. cit., pp. 368 e 369).
160
Kelsen, Hart e Bobbio podem ser citados como juristas que professam uma visão dicotômica do
fenômeno jurídico, segundo a qual a validade equivale à existência da norma.
72
A existência do ato administrativo identifica-se com sua pertinência ao
sistema jurídico. A declaração, uma vez reconhecida socialmente e referida ao
sistema jurídico, ou, em léxico ponteano, dotada de elementos suficientes, enseja
a introdução do ato administrativo no sistema jurídico, nele permanecendo
enquanto não for expelido segundo os meios idôneos previstos para tanto.
a validade consiste na compatibilidade do ato administrativo, em termos
formais e materiais, com a ordem jurídica vigente à época de seu nascimento
161
.
Trata-se da adequação que o ato administrativo deve guardar com os
pressupostos estabelecidos pelo Direito. Socorrendo-se novamente do dizer de
Pontes de Miranda, a validade diz respeito à eficiência da declaração que põe a
norma. Se eficiente, é válida; se deficiente, inválida.
Segue-se que a invalidade nada mais é que a incompatibilidade da norma
jurídica com o sistema a que está referida. Representa, perante o Direito, um
desvalor cuja correção é ofertada pelo próprio Direito (auto-referibilidade).
À luz destas proposições, resta mais fácil explicar a afirmação consistente
em que o fato administrativo o ingressa no plano da validade. O fato
administrativo, relativamente à norma que o colore, acontece, nada mais. O fato
nada prescreve; prescrevem sobre ele. Um exemplo pode descortinar essa idéia:
o transcurso do tempo, em relação à norma que prevê a decadência, é fato
161
No Direito Positivo brasileiro, a validade das normas jurídicas é aferida no momento de seu
ingresso no mundo jurídico. invalidade contemporânea à emanação do ato, jamais
superveniente. Posicionam-se, em termos teóricos, contra a invalidade superveniente: BANDEIRA
DE MELLO, Celso Antônio, Leis originariamente inconstitucionais compatíveis com Emenda
Constitucional superveniente, Revista Trimestral de Direito Público, 23/18; BERNARDES DE
MELLO, Marcos, Teoria do fato jurídico: plano da validade, p. 78; RESTA, Raffaele, La revoca degli
atti amministrattivi, pp. 6 e 7; OLGUÍN JUAREZ, Olguín, Extinción de los actos administrativos:
revocación, invalidación y decaimiento, pp. 230 e 232. Em favor da “invalidade superveniente”:
CINTRA DO AMARAL, Antonio Carlos, Extinção do ato administrativo, p. 54 e 55;
CAMMAROSANO, Márcio. Decaimento e extinção dos atos administrativos, Revista de Direito
Público, pp. 169 e 170; ROMANO, Santi, Osservazioni sulla invalidità sucessiva degli atti
amministrativi, Scritti minori, v. 2, pp. 335-346; RANELETTI, Teoria degli atti amministrativi speciali,
pp. 104-108.
73
jurídico. Poder-se-ia insinuar uma fluência “inválida” do tempo? Evidentemente,
não.
A existência não se confunde com a validade do ato administrativo. À
diferença, portanto, daqueles que, secundando Kelsen, julgam ser a validade a
específica existência das normas
162
, cremos lógica e juridicamente acertado
separar a existência da validade das normas jurídicas. Copiosas razões nos
conduzem a tanto, a mais singela delas consistente em que, para se predicar
validade ou invalidade a um ato administrativo, mister que este ato exista
163
.
A eficácia
164
é a disponibilidade para produção dos efeitos jurídicos a que
está preordenado o ato administrativo (efeitos típicos), os quais traduzem-se na
declaração, modificação, extinção ou criação de relações ou situações jurídicas
165
.
A eficácia pode ser protraída em virtude de um evento a que esteja sujeita, tal
como um termo inicial, uma condição suspensiva, um ato controlador de outra
autoridade ou ainda um provimento jurisdicional.
A relação da eficácia com os outros planos também é objeto de grandes
debates teóricos, muitos deles, que se reconhecer, destinados a tão-só
baralhar o entendimento do fenômeno jurídico.
A eficácia do ato administrativo, assim como a validade, é dependente da
existência do ato administrativo. Não eficácia sem existência, sendo, contudo,
verdadeiro o contrário: há existência sem eficácia, nas hipóteses acima aventadas.
162
KELSEN, Hans, Teoria geral das normas, pp. 3, 4 e 36.
163
Pontes de Miranda é categórico: “Para algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se
de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é questão
prévia” (Tratado de Direito Privado, tomo IV, pp. 6 e 7).
164
A eficácia não se identifica com a efetividade da norma. Esta, atinente à correspondência das
condutas humanas ao que prescreve a norma, ou, em outros torneios, à conformidade social à
norma jurídica, é cogitação da Sociologia, não da Ciência do Direito.
165
Convém assinalar que as características da concretude ou da abstração determinam a
modalidade de eficácia da norma jurídica. Quando abstrata a norma, a eficácia respeita à sua
qualidade de incidir sobre os fatos sociais que correspondam à sua hipótese abstrata, ao passo
que a eficácia da norma concreta está associada às relações e situações jurídicas que declara,
cria, modifica ou extingue.
74
Logo, retirada a existência de um ato administrativo, ipso facto, subtraída estará a
sua eficácia.
166
Demais disso, se é certo que a validade e a eficácia têm na existência uma
condição necessária, também o é que entre aquelas não se estabelece nenhum
intercâmbio. São planos independentes, sem embargo de inúmeros juristas
dizerem o contrário, no mais das vezes motivados por uma transplantação acrítica
dos institutos civilísticos.
O ato administrativo, conquanto inválido, produz efeitos enquanto não
retirado do sistema jurídico. Cumpre estremar esse raciocínio daquele levado a
efeito pelos que identificam existência e validade. Para estes, o ato é válido a
que se proceda à sua invalidação. Para nós, diferentemente, a invalidação
pressupõe, logicamente, a invalidade do ato administrativo. Logo, a invalidação,
em vez de constituir a invalidade, reconhece a invalidade e desconstitui a
existência do ato administrativo.
Afigura-se-nos sobejamente demonstrado que existir, valer e ser eficaz o
dimensões distintas do ato administrativo. O existir independe do valer e do ser
eficaz, ao passo que estes dois o independentes entre si
167
. Por meio dessa
articulação é que podemos estabelecer as seguintes possibilidades combinatórias
do ato administrativo: existente, válido e eficaz; existente, válido e ineficaz;
existente, inválido e eficaz; existente, inválido e ineficaz.
166
Não aceitamos a dissociação entre o ato administrativo e seus efeitos. Em sendo o ato
administrativo uma norma jurídica, os chamados efeitos (=relações jurídicas ou situações jurídicas)
residem em seu interior, mais especificamente em seu conseqüente (CINTRA DO AMARAL,
Antonio Carlos, Extinção do ato administrativo, p. 32; VIRGA, Pietro, Il provvedimmento
amministrativo, p. 466).
167
BERNARDES DE MELLO, Marcos, Teoria do fato jurídico: plano da validade, p. 12-14.
75
1.3.4. Elementos e pressupostos do ato administrativo
Dirigimo-nos, progressivamente, ao cerne de nossas meditações.
Decomposto o conceito de ato administrativo e explicitadas as dimensões da
existência, da validade e da eficácia, devemos agora sistematizar, com a
necessária brevidade, seus elementos e pressupostos. A tanto nos lançamos
porque é sobre tais “elementos e pressupostos” que incide o juízo de validade dos
atos administrativos. Para que cogitemos das “conseqüências” da invalidade do
ato administrativo devemos antes tratar, mesmo que de passagem, das “causas”
da invalidade, isto é, dos requisitos do ato administrativo que, uma vez viciados,
dão azo à figura da invalidade.
Nessa empreitada, como sói acontecer, seguiremos, salvo ligeiras
divergências, os ensinamentos do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, cuja
classificação, afora seu impecável rigor lógico, apresenta-se de insuperável
utilidade.
Assim, de início, catalogamos, de um lado, os elementos do ato e, de outro,
os seus pressupostos. Estes são exteriores ao ato, determinantes de sua válida
produção; aqueles são intrínsecos ao ato, compõem-no.
1.3.4.1. Elementos
Constituem elementos do ato o conteúdo e a forma. O conteúdo é a
prescrição contida no ato administrativo, aquilo que ele certifica ou modifica no
mundo jurídico. Cuida-se da essência do ato administrativo, graças a qual ele se
singulariza em face de outros atos.
Advirta-se de que comumente o que estamos a denominar de “conteúdo” é
chamado por outros autores de “objeto” do ato, no entanto, no magistério de
76
Zanobini acolhido pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello
168
, imperioso se
mostra precisar o uso destes termos no sentido de que o conteúdo dispõe sobre
um dado objeto. Outrossim, de acordo com as premissas eleitas para esse estudo,
o conteúdo do ato identifica-se com o que se costuma chamar de “efeitos” do
ato
169
, expressão de que também nos valeremos dada sua larga e disseminada
utilização.
A forma do ato é o modo pelo qual ele se exterioriza. Trata-se da
necessária linguagem em que é vertido o conteúdo do ato administrativo.
Parafraseando Wittgenstein, um ato administrativo “vem ao mundo” por meio
de uma linguagem competente
170
. Vale dizer, não ato administrativo no plano
das intenções.
No tocante aos pressupostos do ato, dividimo-los em pressupostos de
existência e validade. Comecemos pelos pressupostos de existência, quais sejam:
objeto e pertinência à função administrativa.
1.3.4.2. Pressupostos de existência
O objeto, linhas atrás mencionado, é aquilo sobre o que prescreve o
conteúdo do ato. Deve ser ele, sobre determinado ou determinável, possível física
e juridicamente
171
. Uma declaração que, por exemplo, disponha sobre um objeto
inexistente, pode vir a ser qualificada como fato jurídico, jamais como ato
administrativo.
O outro pressuposto de existência é a pertinência à função administrativa,
precedentemente abordada. Com efeito, se uma declaração não estiver reportada
168
Op. cit., p. 386.
169
Assim BOQUERA OLIVER, José Maria, Estudios sobre el acto administrativo, p. 315. Vide
também nota de rodapé 166.
170
Diz o iluminado filósofo: “Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem”.
171
RANELLETTI, Oreste, Teoria delle atti amministrattivi speciali, p. 98.
77
ao exercício da função administrativa, dela poderá advir um ato jurídico, mas não
um ato administrativo.
Finalmente, temos os pressupostos de validade do ato administrativo,
divididos em pressuposto subjetivo, objetivo, teleológico, lógico e formalístico.
1.3.4.3. Pressupostos de validade
Sob o pressuposto subjetivo enquadra-se o sujeito produtor do ato
administrativo, cogitando-se da capacidade da pessoa jurídica donde promanou o
ato, do plexo de atribuições do órgão que o editou, da competência do agente
público e da existência ou não de obstáculos à sua atuação no caso concreto.
172
O pressuposto objetivo, por sua vez, consiste no motivo do ato
administrativo, que representa a contraface fenomênica da hipótese prevista ou
subentendida na regra de competência
173
, e em seus requisitos procedimentais,
ou seja, aqueles atos que a ordem jurídica impõe que antecedam à prática de
outro ato. Enquanto aqueles são fatos jurídicos, estes são atos jurídicos.
O pressuposto teleológico compreende a finalidade do ato administrativo,
ou seja, o bem jurídico que este persegue. Cada ato possui uma específica
finalidade, a que se denomina tipicidade do ato administrativo. Assim, não a
busca de uma finalidade estranha a qualquer interesse público, como também a
persecução de uma finalidade alheia à tipologia do ato, configuram desvio de
poder, e, portanto, conduzem igualmente à invalidade do ato administrativo.
174
O pressuposto lógico traduz a causa do ato administrativo, a qual constitui a
relação de adequação lógica entre o motivo e o conteúdo do ato, em função de
172
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 389.
173
Também pode se afirmar que o motivo é a situação objetiva fática ou jurídica em virtude da
qual se edita um ato administrativo.
174
PRAT, Julio, De la desviación de poder, pp. 225-236.
78
sua finalidade categorial
175
. Nesta acepção, a causa do ato administrativo
converte-se em poderoso parâmetro de controle de legalidade da atuação
administrativa, sobretudo ao servir-se dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade.
No pressuposto formalístico reside a formalização do ato administrativo.
deixamos dito que todo ato deve se revestir de uma forma, de uma linguagem
portadora do conteúdo do ato. Formalização é o modo específico pelo qual o ato
deve ser exteriorizado. Vale apontar a motivação do ato administrativo, imperativo
inarredável do Estado Democrático de Direito, como fundamental requisito
formalístico.
1.3.5. Duas classificações de ato administrativo
Os atos administrativos, segundo o ângulo que se os observe, podem
receber variadas classificações, as quais se complementam em ordem a uma
compreensão exaustiva dos regimes jurídicos que correspondem aos diversos
tipos de atos administrativos
176
. A adoção de um único critério encerraria, a toda
evidência, uma postura contraproducente e redutora, por meio da qual não se
apreenderia a complexidade subjacente ao ato administrativo. Seria trocar a pars
pro toto e identificar o ato administrativo, de maneira exclusiva, com uma de suas
tantas modalidades.
177
Para os propósitos da presente investigação, dois critérios merecem
abordagem, quais sejam: a repercussão do ato administrativo na esfera jurídica
dos particulares e a natureza dos efeitos do ato administrativo.
175
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 400.
176
LASO, Sayagués, Tratado de Derecho Administrativo, p. 391.
177
ARCENEGUI, Isidro E. de, Modalidades de acto administrativo. Revista de Administración
Pública, 84-86.
79
1.3.5.1. Quanto à repercussão sobre a esfera jurídica dos administrados
Por meio dessa classificação, tem-se, de um lado, os atos ampliativos, que
concedem ou reconhecem direitos, faculdades, poderes ou que afastam deveres,
obrigações, encargos, limitações a direitos, de modo a produzir o alargamento da
esfera jurídica do destinatário. De outra parte estão os atos restritivos, a impor
deveres, obrigações, encargos, ou a reduzir direitos, poderes ou faculdades.
178
que se reconhecer a notável utilidade e clareza desta classificação, a
qual, como sabemos, deita raízes no direito germânico e cuja importância avultou
com o advento do Estado Social de Direito, no seio do qual se desenvolveu uma
Administração Prestacional concedente de vantagens aos administrados a par
da tradicional Administração Coercitiva, própria do Estado Liberal de Direito, à
qual, via de regra, competia impor obrigações e deveres aos indivíduos
179
.
Tal utilidade, que no Brasil paulatinamente está-se a “descobrir”, sobretudo
no que concerne às conseqüências da invalidade, de que trataremos
oportunamente, e aos atributos do ato administrativo
180
, funda-se na marcante
diferença de regime jurídico que é evidenciada pela dualidade entre os atos
ampliativos e os atos restritivos. a clareza desta classificação diz respeito à
facilidade de sua aplicação, contrastando, por exemplo, com a célebre construção
francesa dos “atos criadores de direitos”, de uso difícil e incerto.
181
Há que se atentar para os denominados “atos mistos”, cujos efeitos –
relativos a um destinatário ou a uma pluralidade deles são em parte ampliativos
e em parte restritivos, como, por exemplo, respectivamente, o atendimento parcial
178
ENTERRÍA, García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón, Curso de Derecho Administrativo, vol. I,
p. 577.
179
MAURER, Hartmut, Direito Administrativo Geral, p. 14-17.
180
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., pp. 417-419.
181
CALMES, Syliva. Du principe de proctetion de la confiance légitime en droits allemand,
communautaire et français, p. 639. Analisa as dificuldades da construção doutrinária francesa o
professor Constantin Yannakopoulos (La notion des droits acquis en Droit Administratif Français,
pp. 70 e ss).
80
de um pedido administrativo (um sujeito de direito atingido) e o deferimento de
uma pretensão no bojo de um processo administrativo concorrencial, do que
deriva a denegação das pretensões dos concorrentes (pluralidade de sujeitos de
direito atingidos)
182
. Desde logo convém assinalar que, para efeito de invalidação
do ato administrativo, no primeiro caso se deve levar em conta tão-somente a
parte ampliativa do ato, enquanto que no segundo caso impõe-se a aplicação dos
regimes jurídicos correspondentes a cada sujeito de direito.
Ademais, circunstâncias em que um ato restritivo é sucedido por outro
também restritivo, porém mais brando. Nesse contexto, é inegável que o segundo
ato deve ser qualificado como ampliativo.
1.3.5.2. Quanto à natureza dos efeitos jurídicos
Os atos administrativos, quanto à natureza de seus efeitos, podem ser
classificados em constitutivos ou declaratórios.
São categorizados como constitutivos os atos administrativos dispostos a
criar, modificar ou extinguir situações ou relações jurídicas. De outro lado, os atos
declaratórios são aqueles destinados a atestar a preexistência de uma situação de
fato ou de direito.
183
É de rigor advertir-se, entretanto, à luz do magistério de Adolf Merkl, que tal
oposição o é absoluta
184
. Especialmente nos atos que costumam ser
classificados como constitutivos, subjaz à criação, modificação ou extinção de
uma relação jurídica o reconhecimento de uma situação de fato ou de direito.
182
COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito
Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus próprio atos administrativos:
o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista
Eletrônica de Direito do Estado, nº 2, p. 36.
183
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, p. 405; ENTERRÍA,
García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón, op. cit., p. 578; STASSINOPOULOS. Michel, Traité des
actes administratifs, p. 80.
184
Teoría general del Derecho Administrativo, p. 241.
81
Embora tal observação nada mais seja que verbalizar o óbvio, a partir dela
se compreende melhor a projeção temporal dos efeitos dos atos administrativos.
Se tomada em termos absolutos, a classificação entre ato constitutivo e
declaratório sugere a afirmação de que sempre teria efeito ex nunc o primeiro e ex
tunc o segundo. Não nos parece que assim se dê. Conquanto o elemento
declaratório sempre se remeta a uma situação de fato ou de direito pretérita, a
temporalidade do elemento constitutivo do ato o segue, inelutavelmente, o
elemento declaratório, senão que se conforma às pautas ditadas pela ordem
jurídica. Os efeitos do ato administrativo não o “naturalmente” ex tunc ou ex
nunc, mas construídos pelo Direito Positivo. Não se apresentam como um dado
incontendível da realidade; são, deveras, uma construção intra-sistêmica.
1.3.6. As conseqüências da invalidade dos atos administrativos
Neste último tópico respeitante ao ato administrativo apenas reforçaremos
algumas noções acerca da invalidade dos atos administrativos, a qual já deixamos
entrever como sendo a incompatibilidade de uma norma jurídica com o sistema
jurídico. Segue-se daí que os atos administrativos (=normas jurídicas) praticados
em desconformidade com a ordem jurídica são considerados inválidos.
185
Nesta matéria será fácil vislumbrar a revolução provocada pelo
reconhecimento do princípio da segurança jurídica, sob a vertente da proteção à
confiança
186
. Conforme veremos, vetustos dogmas, como o célebre quod nullum
est nullum producit efectum
187
, cuja aplicação no Direito Público vinha quase
sempre em desfavor do administrado, foram superados, de modo a corrigir
185
Não é ocioso alertar para o fato de que vícios materiais irrelevantes ou pequenos defeitos de
formalização interna da Administração que não exerçam nenhuma influência sobre o conteúdo e
publicidade do ato administrativo, de modo a serem inofensivos às garantias dos administrados,
não configuram invalidade, senão que mera irregularidade (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio,
op. cit., p. 460).
186
Vide item 2.2.2 da Parte 3.
187
“O que é nulo não produz nenhum efeito”.
82
deformações do princípio da legalidade decorrentes do oblívio de que tal magno
princípio está a serviço da liberdade do cidadão e não do arbítrio do Estado.
À esta altura limitar-nos-emos a indicar as conseqüências que podem
derivar da invalidade do ato administrativo, começando por uma consideração
fundamental, qual seja: não ato mais ou menos válido ou ato mais inválido que
outro. Também não invalidade ou validade “provisória”. Desde o nascedouro,
ou o ato é valido ou inválido. Tertium non datur.
Sucede, porém, que as conseqüências da invalidade podem variar, em
conformidade com a valoração da ordem jurídica a respeito das multifárias
violações cometidas contra ela própria.
188
Note-se que enquanto a invalidade é uma categoria lógico-jurídica,
pertencente à Teoria Geral do Direito e comum, portanto, a todos os domínios
jurídicos, as conseqüências decorrentes da invalidade configuram categorias
jurídico-positivas, pertencentes ao Direito Positivo e a partir deste edificadas
189
.
Por isso, inapropriada se mostra a aplicação apriorística do regime de invalidades
da Direito Civil no Direito Administrativo, porquanto, embora nestes dois domínios
se igualmente a invalidade de atos jurídicos, as conseqüências desse
fenômeno se apresentam diferentemente, dada a disparidade de princípios e
regras que compõem o regime civilístico e o regime jurídico-administrativo.
Frente a um ato inválido, o Direito Positivo brasileiro apresenta quatro
modos de recomposição da legalidade: invalidação
190
, convalidação, estabilização
e conversão
191
, merecendo nossa atenção os três primeiros modos.
188
GORDILLO, Agustín, Tratado de Derecho Administrativo, tomo 3, XI/1-3.
189
TERÁN, Juan Manuel, Filosofía del Derecho, pp. 81-83.
190
Não entendemos a “redução” como uma modalidade autônoma de recomposição da legalidade
administrativa, pois configura uma invalidação parcial daqueles atos administrativos dotados de
múltiplos conteúdos, objetos ou destinatários. Sobre o instituto da “redução”: BANDEIRA DE
MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo, vol. I, p. 663; MARCONDES
MARTINS, Ricardo. Efeitos dos vícios dos atos administrativos, pp. 277 e 278; ZANCANER,
Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, pp. 94 e 95.
83
2. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO ADMINISTRATIVO
À vista do repertório conceitual ofertado e à base da diferenciação entre
certeza e estabilidade, é chegado o momento de sistematizarmos as
manifestações do princípio da segurança jurídica no Direito Administrativo
Brasileiro.
2.1. Perspectiva da certeza
A certeza jurídica, como se disse, significa o seguro conhecimento das
normas jurídicas, condição indispensável para que o homem tenha previsibilidade,
podendo projetar sua vida e assim realizar plenamente seus desígnios pessoais.
“Viver é constantemente decidir o que seremos”, diz, com inteira procedência,
Ortega y Gasset
192
. Nessa frase lapidar se traduz o fato de que o homem,
paradoxalmente, é o que ainda não é, ou seja, radica sua existência no futuro, o
qual, entretanto, é construído segundo as condições objetivas do presente. Daí,
portanto, a exigência de critérios seguros e objetivos, não de aparências, para que
o homem projete sua vida. No Direito, eis o que postula a certeza jurídica.
se averbou que esta perspectiva não recebe no Brasil grande atenção
dos estudiosos, sendo encoberta pela perspectiva da estabilidade. Disso deriva,
em larga medida, que os dispositivos prestantes a assegurá-la sejam olvidados,
carecendo de efetividade. Cumpre a nós revelar a normatividade da certeza
jurídica e dos dispositivos que a concretizam, sem cuja aplicação intransigente o
indivíduo é arremessado em profundo estado de imprevisibilidade, sendo-lhe
impossível antever a ação do Estado, bem como conhecer o sentido deôntico que
as normas jurídicas emprestam aos seus comportamentos e aos comportamentos
191
Delimita com clareza o instituto da conversão o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:
“Às vezes o vício do ato está na colocação em certa categoria jurídica, ao passo que em outra é
legítimo. Então, a invalidada existirá quanto àquele tipo de ato, mas se aproveita tendo em vista o
outro. Faz-se a transformação do ato, e esse fenômeno jurídico se denomina conversão” (Op. cit.,
p. 663).
192
Que é filosofia?, p. 170.
84
dos que estão à sua volta. Ademais, o grau de certeza é diretamente proporcional
à intensidade do controle jurisdicional da atuação administrativa. A incerteza em
qualquer de suas formas desarma o cidadão, pois que dele usurpa os
parâmetros destinados a conter o arbítrio da Administração.
Neste contexto, avulta de importância o art. 59, parágrafo único, da
Constituição Federal, desenvolvido pela Lei Complementar 95/1998, que
disciplina a elaboração de todo e qualquer ato normativo (art. 1º, parágrafo
único)
193
. Por meio dessa lei são veiculadas normas de sobredireito visando à
edificação de um ordenamento “ordenado” o pleonasmo é inevitável –, claro,
inteligível, congruente. Saliente-se que estas normas não são meros conselhos de
técnica legislativa às autoridades, mas pressupostos de validade dos instrumentos
normativos por elas produzidos, cuja inobservância deve ser sancionada pelo
órgão judicante.
194
2.1.1. Vigência das normas jurídicas
López de Oñate, em seu estudo clássico sobre a certeza do Direito, põe em
relevo que a primeira manifestação da segurança jurídica é a certeza da vigência
das normas jurídicas
195
. Nada mais procedente, entendida a vigência como
atributo da norma jurídica apta a incidir sobre o mundo fenomênico. Não como
se cogitar de segurança jurídica frente a um ordenamento jurídico hipertrofiado,
incoerente e sujeito a alterações constantes desacompanhadas de revogações
expressas, do qual não é possível sacar, com objetividade, as normas vigentes,
imperativas aos indivíduos e que habilitam a ação do Estado.
193
“Art. A elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis obedecerão ao disposto
nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As disposições desta Lei Complementar aplicam-se, ainda, às medidas
provisórias e demais atos normativos referidos no art. 59 da Constituição Federal, bem como, no
que couber, aos decretos e aos demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder
Executivo”.
194
Counsel is only matter of persuasion, law is matter of injuction; counsel acts only upon the
willing, law upon the unwilling also” (BLACKSTONE, William. Commentaries of the laws of England,
p. 44).
195
La certezza del diritto, pp. 47-54.
85
E é exatamente no âmbito do Direito Administrativo que se verifica, com
maior ênfase, a vulneração desse aspecto da certeza jurídica
196
. A incessante e
hipertrofiada normação incidente sobre esse domínio jurídico, de feição
contingente e provisória, somada a cláusulas de revogação genérica, suscitam
intolerável incerteza sobre as normas vigentes e tornam a ação do Estado
absolutamente imprevisível.
Tais cláusulas de revogação genéricas introduzem no ordenamento jurídico
revogações tácitas, as quais, na ordem jurídica brasileira, podem se dar pela
incompatibilidade de duas normas sucessivas, ou no caso em que a norma
posterior regula, de modo exaustivo, matéria tratada por norma anterior (art. 2º, §
da Lei de Introdução ao Código Civil
197
). O problema reside em que a
determinação da revogação tácita é realizada pelas autoridades administrativas,
ao aplicarem as leis, e, eventualmente, pelo Juiz, com definitividade e in concreto,
se for instado a fazê-lo. Percebe-se de plano a grande imprevisibilidade que esta
espécie revogatória oferece, sujeita que está às multiformes interpretações dos
referidos aplicadores do direito. Se a ela agregarmos o aluvião normativo que nos
açoita, teremos a exata medida das incertezas de que o administrado padece
quanto à vigência das normas jurídico-administrativas.
Contra esse estado de coisas, impõe a certeza jurídica, de um lado, a
utilização da revogação expressa (art. da Lei Complementar 95/98,
regulamentada pelo Decreto 4176/2002)
198
, por força da qual o legislador ou a
autoridade administrativa no uso da competência regulamentar são obrigados a
dispor expressamente acerca dos dispositivos que têm sua vigência amputada
pela nova norma que estão a editar. De outra parte, postula-se a consolidação e
196
ENTERRÍA, Eduardo García de. Justicia y seguridad en un mundo de leyes desbocadas, p. 51.
197
“Art. 2º. o se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue. § 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
198
Dispõe o art. 9º: “A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou
disposições legais revogadas”.
86
codificação de todos os atos normativos leis e regulamentos conforme está
prescrito no capítulo III da Lei Complementar 95/98, de sorte a facilitar a
cognoscibilidade das normas vigentes que incidem sobre dada matéria.
Nem se faz necessário ingressar no tema da suposta hierarquia entre lei
complementar e lei ordinária, desde muito debatido na doutrina
199
e na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para que se conclua, a partir da
inteligência do artigo 59, parágrafo único, da Constituição Federal, que entre a Lei
Complementar 95/98 e as leis ordinárias medeia uma relação hierárquica, sendo
aquela parâmetro de validade destas
200
, a ensejar, portanto, um juízo de
invalidade
201
. O dispositivo constitucional não deixa margem a dúvidas: “Lei
complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das
leis”.
Sustenta este posicionamento, com apurado rigor, o professor Paulo de
Barros Carvalho, cujas palavras merecem reprodução literal: “Se, como dissemos,
as relações de subordinação entre normas, bem como as de coordenação, são
tecidas pelo sistema do direito positivo, o nosso, inaugurado em 1988, houve por
bem estabelecer que as leis, todas elas, com nome ou com status de lei, ficam
sujeitas aos critérios que o diploma complementar previsto no art. 59, parágrafo
único (CF) veio a prescrever com a edição da lei n. 95/98. Note-se que seu papel
é meramente formal, porque nada diz sobre a matéria que servirá de conteúdo
significativo às demais leis. Entretanto, nenhum lei ordinária, delegada, medida
provisória, decreto legislativo ou resolução poderá inobservar as formalidades
199
Ver, por todos: SOUTO MAIOR BORGES, José. Lei Complementar tributária. São Paulo: RT,
EDUC, 1975; ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971.
200
Com a proverbial sabedoria, diz o Ministro Carlos Ayres Britto: Não hierarquia entre lei
complementar e lei ordinária, salvo em matéria de técnica legislativa, porque a Constituição diz que
‘Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis’ (art. 59,
parágrafo único)” (RE 377457 – PR – Rel. Ministro Gilmar Mendes – Julgado em 17.09.2008).
201
Não a lei ordinária, como também as medidas provisórias e demais atos normativos
expedidos no exercício da função administrativa estão submetidos à Lei Complementar 95/98, a
teor do disposto em seu artigo 1º, parágrafo único: “As disposições desta Lei Complementar
aplicam-se, ainda, às medidas provisórias e demais atos normativos referidos no art. 59 da
Constituição Federal, bem como, no que couber, aos decretos e aos demais atos de
regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo”.
87
impostas por essa lei complementar. É a consagração da superioridade
hierárquica formal dessa espécie do processo legislativo com relação às previstas
nos outros itens”.
202
2.1.2. Projeção eficacial das normas jurídicas
Além da certeza quanto à vigência, o administrado deve estar seguro de
que a eficácia das normas jurídico-administrativas não alcançará situações
anteriores à vigência, é dizer, que as normas não serão retroeficazes
203
. Trata-se
de uma garantia medular ao Estado de Direito que, em verdade, completa o
sentido da legalidade. Uma vez instaurado o governo das leis, mister que, para
serem observadas e aplicadas, sejam conhecidas de antemão. Assim, norma que
projeta seus efeitos sobre fatos pretéritos implicaria um atestado de má-fé do
Estado, uma burla ao sistema jurídico, vez que qualificaria condutas que se
materializaram sem a tê-la em conta
204
.
Ressalve-se, entretanto, que esta vedação da retroeficácia não decorre da
“natureza das coisas”. O tempo jurídico, na lição do professor Lourival Vilanova,
não tem a unidirecionalidade do tempo natural
205
. A eficacidade jurídica é uma
construção intra-sistêmica, não seguindo o fluxo da causalidade natural, razão
pela qual encontra limites também jurídicos. O princípio da irretroeficácia das
normas jurídicas é justamente um destes limites, sobrenorma que impede a
retrocessão de efeitos jurídicos.
202
Curso de Direito Tributário, pp. 222 e 223.
203
Empregamos esta expressão, em nosso juízo mais técnica do que “retroatividade”, seguindo os
passos do mestre Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, t. V, pp. 5-104).
204
A professora Misabel Derzi encarece, com inteira procedência, que o princípio da
irretroatividade estende-se a todos os Poderes, sendo irretroatividade do Direito e não
simplesmente da lei (A irretroatividade do Direito no Direito Tributário, Estudos em homenagem a
Geraldo Ataliba: Direito Tributário, p. 184).
205
Ensina-nos o mestre Lourival Vilanova: “O tempo, em si mesmo, é uma sucessão irreversível. O
tempo juridicizado, como integrante (elemento) do suporte factual, como determinante da
eficácia do ato (e não como elemento integrante de suporte), não tem essa unidirecionalidade. Os
efeitos do tempo percorrem os três: o passado, o presente e o futuro. Com isso, a causalidade
normativa, no tempo, tanto se faz protraindo os efeitos como em retroeficácia, retrotraindo esses
efeitos. (...) A retroeficácia é, em princípio, sempre possível, pois a eficacidade é traçada pelo
próprio sistema jurídico” (Causalidade e relação no Direito, p. 73).
88
Não obstante a aparente obviedade da questão, tecnicamente ela
apresenta peculiaridades que merecem aclaramento, convindo, sobretudo, não
confundir o princípio da irretroeficácia das normas jurídicas com os institutos do
direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Através do princípio da irretroeficácia das normas jurídicas proíbe-se que as
normas jurídicas atinjam situações já consumadas ou os efeitos pretéritos de
situações em curso
206
. Protegem-se, portanto, as situações que se venceram
antes do advento da nova lei, impedindo que lhes seja retirada a significação
jurídica que outrora receberam do sistema jurídico. Nessa medida, orienta-se a
irretroeficácia para a proteção do passado, conferindo a certeza de que as leis
afetarão fatos e relações jurídicas posteriores à sua vigência.
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, de que
trataremos adiante, amparam as relações jurídicas contra o efeito imediato da lei,
o qual constitui o regular efeito das normas
207
. Por meio deles se imutabilizam
relações jurídicas, tornando-as incólumes aos efeitos decorrentes de normas
ulteriores. Portanto, orientam-se para o futuro, servindo à estabilidade de relações
jurídicas e não à certeza da projeção das normas jurídicas.
Esta diferença conceitual é sumarizada pelo professor Celso Antônio
Bandeira de Mello: Contra a retroatividade, basta a noção de singela de que a lei
vige para seu tempo e não para o tempo pretérito, a noção de direito adquirido não
é uma superfetação, mas, o meio jurídico concebido para albergar no manto da lei
velha certas situações que, nascidas no passado, querem-se por ela sempre
reguladas, inobstante atravessando o tempo das leis supervenientes”.
208
206
A Paul Roubier se deve a clarificação da distinção entre a retroatividade e o efeito imediato das
normas jurídicas (Le Droit Transitoire, pp. 9-12).
207
É o que prescreve o art. da Lei de Introdução ao Código Civil: “A Lei em vigor terá efeito
imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
208
Direito adquirido e o Direito Administrativo, Revista Trimestral de Direito blico, 24/1998, pp.
58 e 59. Assim também se posiciona Mônica Madariaga Gutierrez: “luego, el campo propio de
89
O princípio da irretroeficácia, todavia, não é absoluto. Refere-se, em
verdade, à normas jurídicas que pretendam restringir retroativamente a esfera
jurídica dos administrados, seja impondo-lhe uma sanção ou amesquinhando-lhe
um direito subjetivo. Em se tratando de normas ampliativas, não se veda
aprioristicamente a retroeficácia, contudo, deverá este efeito anômalo, sobre
devidamente motivado, passar pelo crivo do princípio da isonomia, de modo a
evitar favoritismos.
209
Note-se que no Direito Administrativo a retroeficácia é fenômeno comum
210
,
seja por meio de regulamentos, a título, naturalmente, de executar fielmente uma
lei retroeficaz, seja por meio de atos administrativos, os quais podem assumir essa
feição não por força de um comando legal, como também por força de uma
sentença judicial.
211
Por fim, nem seria necessário dizer que todas essas considerações acerca
do irretroeficácia das normas jurídicas valem também para o caso de nova
interpretação de uma norma jurídico-administrativa, haja vista que, conforme
explicamos, atribuir uma nova interpretação a um enunciado normativo significa
produzir uma nova norma jurídica.
212
Como assinala a professora Misabel Derzi, os enunciados normativos
podem comportar mais de uma interpretação, de sorte que “a lei que vige, em
determinado momento, é a lei segundo uma de suas interpretações possíveis
213
,
ambos institutos es absolutamente distinto: el de la retroactividad es el pasado. La inmutabilidad se
refiere al presente y al futuro” (Derecho administrativo y seguridad jurídica, p. 118).
209
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, p. 375.
210
Muitos exemplos de retroeficácia no Direito Administrativo são oferecidos pela professora Odete
Medauar (Da retroatividade do ato administrativo, pp. 108-115).
211
GARÍN, Beatriz Belando. La eficacia retroactiva de los actos administrativos, pp. 88-91.
212
TRF Região, Remessa ex-officio em MS 2003.70.00.016699-9/PR, rel. Edgard Lippmann
Junior, DJU 22.03.2006; STJ, Resp 488905/RS, 5ª Turma, Min. José Arnaldo da Fonseca, j.
17.08.2004, DJ 13.09.2004, p. 275. Doutrinariamente, SAMPAIO FERRAZ, Tércio. Irretroatividade
e jurisprudência judicial, Efeito ex nunc e as decisões do STJ, p. 11.
213
Op. cit., p. 184.
90
o que nos leva a concluir, sob pena de franca vulneração do princípio da
irretroeficácia das normas jurídicas, que nova interpretação só poderá ser aplicada
a fatos posteriores à suficiente divulgação da mudança interpretativa.
No dizer do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, só depois de
“prévia e pública notícia” é que a nova interpretação poderá incidir sobre as
situações de fato, ou seja, nova interpretação que restrinja a esfera jurídica dos
administrados pode ser aplicada a fatos ulteriores à pública notícia da
alteração
214
. Aliás, a razão desta exigência é muito singela: à semelhança das
alterações legislativa e regulamentar, o câmbio interpretativo deve apresentar um
marco temporal certo e geral, de modo a conferir previsibilidade ao cidadão.
Este raciocínio foi plasmado na ordem jurídica nacional, de modo pioneiro,
pelo Código Tributário Nacional, mais especificamente em seu artigo 146, cuja
redação seja-nos dado transcrever: “A modificação introduzida, de ofício ou em
conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados
pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser
efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido
posteriormente à sua introdução”.
215
Mais recentemente e modo alvissareiro, consolidou-se tal orientação por
meio da Lei 9.784/99, em cujo art. 2º, parágrafo único, inciso XIII, assim se
prescreveu: “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o
214
Ensina o professor: Por força deste princípio, tanto como dos princípios da presunção de
legitimidade dos atos administrativos e da lealdade e boa-fé, firmou-se o correto entendimento de
que orientações firmadas pela Administração em dada matéria não podem, sem prévia e
pública notícia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar, a
situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que se aplicam aos
casos ocorridos depois de tal notícia (A estabilidade dos atos administrativos, Revista
Trimestral de Direito Público, 48: 80).
215
O professor Luciano Amaro resume com precisão o significado deste dispositivo: “O Fisco deve
primeiro divulgar o novo critério para depois poder aplicá-lo nos lançamentos futuros pertinentes a
fatos geradores também futuros (em relação a sujeito passivo que, no passado, tenha tido
obrigação lançada por outro critério)” (Direito Tributário Brasileiro, p. 344).
91
atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova
interpretação”.
2.1.3. Conteúdo das normas jurídicas
Ao tratarmos da fenomenologia da função administrativa, procuramos
demonstrar a estreita relação que se estabelece entre a lei e a Administração,
valendo-nos, para tanto, dos ensinamentos do professor Oswaldo Aranha
Bandeira de Mello, quem vislumbra na lei um programa de ação, de cuja execução
está encarregada a Administração.
Entretanto, como é de geral sabença, sói acontecer de o legislador deixar
de regular certos aspectos da competência administrativa, outorgar
expressamente um plexo de alternativas à autoridade administrativa ou, por fim,
servir-se de conceitos imprecisos, de tal modo que se lega discricionariedade à
Administração, ou seja, um campo de apreciação subjetiva para a satisfação de
seus misteres.
Como averbado, é inegável que num primeiro súbito de vista parece a
discricionariedade contrastar frontalmente com as exigências de previsibilidade e
mensurabilidade da ação estatal, encartadas no princípio da segurança jurídica.
No entanto, a discricionariedade não é em si um atentado à certeza jurídica vez
que se destina ao atendimento ótimo das finalidades públicas –, podendo vir a
tornar-se se conferida desnecessariamente ou em medida desproporcional. Como
nos chama atenção o professor Afonso Queiró, a discricionariedade se
fundamenta em “razões extra-jurídicas que se reduzem fundamentalmente a uma:
a necessidade de garantir mais ou menos segurança jurídica, num determinado
plano de conformidade com a justiça”
216
.
216
A teoria do “desvio de poder” em Direito Administrativo, p. 57.
92
É neste ponto que entra em pauta a exigência de determinabilidade das
normas jurídicas como parâmetro de controle das leis que atribuem competências
administrativas, cujo conteúdo se resume em duas idéias: densidade e clareza
normativas.
Quanto ao aspecto da densidade, impõe-se que o legislador atribua
competências à Administração de modo expresso e específico, com a
correspondente outorga de poderes concretos e específicos para cumprimento de
fins também específicos e concretos
217
. Ao legislador não é lícito outorgar
competências excessivamente amplas ou “em branco” ao administrador,
autorizando-lhe a agir conforme seus humores. Isso representaria a ruptura de
todo o ideário do Estado de Direito, conspurcando, de um golpe, os princípios
da separação de poderes, da legalidade, da igualdade, da impessoalidade, da
razoabilidade
218
, da inafastabilidade do controle jurisdicional, sobre ofender, à
todas as luzes, o princípio da segurança jurídica, porquanto ao administrado não
seria possível prever, tampouco mensurar, a atividade administrativa
219
. De
217
O professor García de Enterría aborda com muita propriedade este tópico, cujas palavras são
dignas de transcrição literal: “El principio de la tasa o mensurabilidad de todas y de cualquier
competencia pública (adelantemos sobre el derecho de la organización la idea elemental de que la
competencia no es más que la medida de la potestad que corresponde a cada ente y, dentro de
éste, a cada órgano) es, pues, un principio esencial del Estado de Derecho contemporáneo, que
deriva de su condición de Estado que reconoce los derechos ajenos y no solos los propios, de su
carácter complejo organizativo con una necesaria distribución de funciones y competencias entre
los órganos diversos, de su reconocimiento, más o menos intenso o auténtico, pero sin
excepciones hoy, siempre explícito, de un orden de derechos y libertades fundamentales del
ciudadano. No hay, pues, poderes administrativos ilimitados o globales; todos son, y no pueden
dejar de ser, específicos y concretos, tasados, com um âmbito de ejercicio lícito (agere licere), tras
de cuyos limites la potestad desaparece pura y simplesmente(Curso de Derecho Administrativo,
vol. I, p. 458).
218
Sob o prisma da razoabilidade, a exigência de densidade normativa recebe admirável
tratamento pelo professor José Roberto Pimenta Oliveira (Os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro, pp. 357-360).
219
Resume o professor Gomes Canotilho: “Exigência de densidade suficiente na regulamentação
legal, pois um acto legislativo que não contém uma disciplina suficientemente concreta e densa
não oferece medida capaz de: - alicerçar juridicamente normas de protecção dos cidadãos; -
constituir uma norma de actuação para a administração; - possibilitar, como norma de controlo, a
fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos” (Relatório sobre
programa, conteúdos e métodos de um curso de teoria da legislação, Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, p. 466).
93
conseguinte, lei que careça de suficiente densidade estará inquinada de manifesta
inconstitucionalidade
220
.
A corroborar este raciocínio, um interessante dado jurídico-positivo nos
oferece o Decreto 4.176/2002, que regulamenta a aludida Lei Complementar
95/98. Em seu anexo I, prevê “questões que devem se analisadas na elaboração
de atos normativos no âmbito do Poder Executivo”, entre as quais se coloca a
seguinte: “8.2. É possível e conveniente que a densidade da norma (diferenciação
e detalhamento) seja flexibilizada por fórmulas genéricas (tipificação e utilização
de conceitos jurídicos indeterminados ou atribuição de competência
discricionária)?”.
O tema, como se vê, é muito fértil, contudo, em vista dos propósitos que
nos animam, limitar-nos-emos a fazer mais três considerações.
A primeira é ligada ao paradoxal desinteresse dos juristas, sobretudo
daqueles de formação positivista, pelo estudo da legislação. Ao mesmo tempo em
que predicam como objeto da ciência jurídica a aplicação e a interpretação das
normas postas, olvidam-se tendo em conta a concepção kelseniana do
ordenamento como um sistema gradual de normas – que a legislação nada mais é
que um estádio na aplicação do Direito, que começa na Constituição e termina nos
atos concretos.
220
Dois exemplos eloqüentes nos são fornecidos pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello.
O primeiro concerne à Lei 9.637/1998, disciplinadora das organizações sociais, que condiciona a
qualificação como “organização social” à mera aquiescência de dois Ministros de Estado ou,
segundo o caso, de um Ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade
desempenhada pelo requerente. Com inteira procedência, sentencia o aludido professor que se
trata de outorga de uma discricionariedade literalmente inconcebível, até mesmo escandalosa, por
sua desmedida amplitude, e que permitirá favorecimentos de toda espécie” (Curso de Direito
Administrativo, p. 230). O segundo situa-se na art. 57 do digo de Defesa do Consumidor, que
prevê a imposição de multa variável entre duzentas vezes a três milhões de vez o valor da UFIR
(ou índice que o substitua), segundo os parcos critérios da gravidade da infração, da vantagem
auferida pelo infrator e de sua condição econômica. É categórica a posição do professor: “Assim
também não se poderá considerar válida lei administrativa que preveja multa variável de um valor
muito modesto para um extremamente alto, dependendo da gravidade da infração, porque isto
significaria, na real verdade, a outorga de uma ‘discricionariedade’ tão desatada, que a sanção
seria determinável pelo administrador e não pela lei, incorrendo em manifesto vício de falta de
‘razoabilidade”’ (Op. cit., p. 810).
94
. Acresça-se que nos quadrantes do Direito Administrativo este desinteresse
é absolutamente reprovável do ponto de vista da defesa dos administrados, pois é
o legislador, segundo a densidade que confere à lei, quem comanda a intensidade
do controle judicial. No verbo de Mariano Bacigalupo, uma norma de conduta
dirigida à Administração representa uma norma de controle para o Judiciário.
221
A segunda observação respeita à importância transcendente dessa
exigência em matéria sancionatória, tratada sob o rótulo do princípio da tipicidade.
Neste domínio, impõe-se suficiente densidade da infração administrativa e da
sanção a ela correspondente, para que o indivíduo conheça, antes de agir, a
esfera de ilicitude e as conseqüências negativas que dela podem advir
222
. Sem
isso, é subtraída do cidadão tanto a possibilidade de evitar a sanção, quanto a de
controlar a atuação administrativa sancionatória
223
.
. Lamentavelmente, é farto o exemplário de violações ao princípio da
tipicidade do Direito Administrativo brasileiro. Podemos citar o conhecido sistema
sancionador da Lei 8.666/93, que está a violar escandalosamente a exigência de
densidade normativa preceituada pelo princípio da tipicidade
224
. Com efeito, a um
generalíssimo tipo infracional (“inexecução total ou parcial do contrato”) ligam-se,
sem qualquer critério de aplicação, quatro modalidades de sanção (advertência,
multa, suspensão temporária de participação em licitação ou impedimento de
contratar com a Administração e declaração de inidoneidade para licitar ou
contratar com a Administração Pública). É o mesmo que atribuir ao agente público
221
La discrecionalidad administrativa (estructura normativa, control judicial y límites constitucionales
de su atribución), p. 78.
222
VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no Direito Administrativo, p. 91.
223
Assim preleciona Alejandro Nieto: La suficiencia de la tipificación es, en definitiva, una
exigencia de la seguridad jurídica y se concreta, ya que no en la certeza absoluta, en la predicción
razonable de las consecuencias jurídicas de la conducta(Derecho Administrativo Sancionador, p.
305).
224
MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador:
as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988, pp. 136-141.
95
uma competência irrestrita, o que vem a ser uma contradição em termos
225
. Toda
competência administrativa, como repetimos à saciedade, deve ser específica e
concreta.
A terceira consideração que importa formular diz com o fato de que a
ocorrência de leis excessivamente fluidas, lamentavelmente comuns no Brasil,
aponta para uma “menor valia” democrática, de um lado ampliando indevidamente
a competência regulamentar da Administração, e, de outro, privando o Poder
Judiciário de parâmetros de controle da atividade administrativa, tudo isso em
prejuízo, às escâncaras, dos direitos dos administrados. Em suma, a insuficiência
normativa constitui um convite para que a Administração, máxime em países de
tradição autoritária como o Brasil, promova favoritismos e perseguições, em franco
descompasso com a mundividência do Estado de Direito, que proclama o governo
impessoal das leis em substituição ao governo pessoal dos homens.
A par do imperativo da densidade, impõe-se, ademais, que as leis
habilitadoras de competências administrativas sejam claras, inteligíveis, coerentes,
de molde a que os administrados possam orientar sua conduta segundo o
conhecimento prévio de seus direitos e deveres perante a Administração
Pública
226
. Não basta a densidade. Pode ocorrer de uma regulação densa, porém
ininteligível, obscura, ambígua, a qual irá conduzir ao problema assinalado em
relação à exigência de suficiência: uma injustificada discricionariedade
227
.
É de se notar a acolhida expressa da exigência de clareza no Direito
Brasileiro no art. 11 da Lei Complementar 95/1998 (a qual, não nos esqueçamos,
serve de parâmetro de validade para as leis ordinárias, medidas provisórias e
225
Observa Théodore Fortsakis: “En somme, un minimum de précision est indispensable, sous
peine de voir, sinon, mise en échec la fonction essentielle du droit, la fonction normative”
(Conceptualisme e empirisme en Droit Administratif Français, p. 307).
226
Novamente são oportunas as lições do professor Gomes Canotilho: “Exigência de clareza das
normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da
interpretação, obter um resultado inequívoco, capaz de alicerçar uma solução jurídica para o
problema concreto” (Relatório sobre programa, conteúdos e métodos de um curso de teoria da
legislação, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 466).
227
PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Seguridad jurídica, p. 24.
96
demais atos normativos expedidos no exercício da função administrativa) que
impõe às leis clareza, precisão e coerência lógica”, de molde a ensejar, nos
termos do inciso II, alínea “a” do referido dispositivo, “a perfeita compreensão do
objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o
alcance que o legislador pretende dar à norma”.
Vale ainda lembrar a posição do Conselho Constitucional Francês que, sem
embargo da mencionada resistência em consagrar solenemente o princípio da
segurança jurídica, vem afirmando a exigência constitucional de claridade das leis,
de cujo desrespeito decorre a declaração de inconstitucionalidade das leis
228
.
Também se viu que o Tribunal Constitucional Espanhol vem adotando
posicionamento análogo, impondo ao legislador o dever de “perseguir a clareza e
não a confusão normativa”, com vistas à promoção da certeza jurídica.
229
2.2. Perspectiva da estabilidade
A preocupação com a estabilidade emerge com grande intensidade no
Direito Administrativo com a consagração do Estado Social de Direito, no bojo do
qual se introduz a idéia de atos ampliativos, concedentes de vantagens em favor
dos administrados, de cuja singularidade de regime jurídico derivará a criação de
novos mecanismos para defesa do administrado, bem como a difusão, no âmbito
do Direito Administrativo, de institutos outrora tipicamente privatísticos, como são
o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
2.2.1. O direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
Já aludimos à distinção entre o princípio da irretroeficácia das normas
jurídicas e os institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada, de molde a atestar as respectivas finalidades que exercem no sistema
228
Decisões nº 98-401, de 10 de junho de 1998; nº 99-707, de 14 de janeiro de 1999; nº 2001-455,
de 12 de janeiro de 2002.
229
Decisões nº 46/1990 e 146/1993, abordadas no item 4 da Parte 2.
97
jurídico. Aquele, em prol da certeza, dirigido ao passado; estes, em favor da
estabilidade, dirigido ao futuro. Cumpre-nos agora dar breve notícia do significado
jurídico que a ordem jurídica empresta ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito
e à coisa julgada
230
.
O Direito Positivo Brasileiro
231
solenemente consagra a garantia do ato
jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada em norma constitucional
dotada de petrealidade, cujo alcance não pode ser amesquinhado sequer pelo
Poder Constituído Reformador (art. 5º, XXXVI em conjunto com o art. 60 § 4º, IV,
da Constituição Federal). Por conseguinte, a nenhuma autoridade, motivada por
qualquer de “ordem pública”, é dado desconhecer tais garantias. Quando insolúvel
o embate entre o direito do indivíduo e um interesse público relevante, não se
abrirá outra via senão a da expropriação do direito, observada a indenização justa,
prévia e em dinheiro (art. 5º, XXIV da Constituição Federal).
Não obstante ostentem equivalente força jurídica, tais institutos guardam
singularidades que merecem ser salientadas, devendo o direito adquirido ser
analisado em conjunto com o ato jurídico perfeito.
que se registrar, preliminarmente, que inúmeras divergências grassam
tanto na definição do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, quanto na relação
entre estas categorias. Aliás, quanto ao direito adquirido, por se tratar de noção
amplamente disseminada nos Estados ocidentais, as dissensões se acentuam.
232
230
Ao se abordar o tema do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, não se pode desconhecer a
grave violação que sofreram tais institutos por meio da Emenda Constitucional 41/2003,
introdutora da malsinada “Reforma da Previdência”, que recebeu o abono da maioria do Supremo
Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3105.
231
As Constituições brasileiras, num primeiro momento, consagraram, de modo irrestrito, a
irretroatividade das leis (1824 e 1891). A partir da Constituição de 1934 a tríade “direito adquirido,
ato jurídico perfeito e coisa julgada” ganha status constitucional e mantém-se nas demais
Constituições, com exceção da Constituição de 1937, que nada dispôs acerca da eficácia das leis
no tempo.
232
Em nosso continente, um dos críticos mais acerbos da noção de direito adquirido foi o jurista
argentino Guillermo Borda. Eis suas palavras: “Esta síntesis pone de manifiesto bien claramente lo
que queda de la famosa teoría de los derechos adquiridos. Ha fracasado como principio, porque
nadie ha podido precisarlo en sus términos y significado” (Retroactividad de la ley y derechos
98
Ante a normatividade constitucional do direito adquirido e do ato jurídico
perfeito, a primeira conclusão a ser formulada é a de que eles se irradiam por todo
o ordenamento jurídico, sem distinção entre Direito Público e Direito Privado
233
.
Entre esses domínios só haverá distinção quanto à ocorrência destas garantias.
Ademais, não olvidemos que o direito adquirido e o ato jurídico perfeito são
construções jurídicas destinadas a assegurar a sobrevivência de relações
jurídicas, através da ruptura da eficácia imediata da lei nova.
234
No que tange ao direito adquirido, se a todos parece certo que nem todo
direito subjetivo pode receber esta qualificação, menos certo se mostra o critério
idôneo a categorizar um direito subjetivo como direito adquirido, suscetível,
portanto, de proteção contra a eficácia de normas a ele ulteriores.
Malgrado as incontáveis críticas que sofreu e ainda sofre, prevalece o
critério clássico da patrimonialidade
235
, proposto por Gabba, segundo o qual seria
direito adquirido aquele direito que integra o patrimônio do sujeito. A grande
adquiridos, p. 85). No continente europeu, um célebre detrator da noção foi o eminente León
Duguit. Dizia ele: “Mais ces difficultés ont été augmentées, comme à plaisir, par l’introduction d’une
notion fausse et sans portée, la distinction des droits acquis et des droits non acquis. Jamais
personne n’a su ce que c’était qu’un droit non acquis (Traité de Droit Constitutionnel, t. II, p. 231).
233
O eminente administrativa chileno Enrique Silva Cimma é um exemplo daqueles de que negam
a existência de direitos adquiridos no Direito Administrativo (Derecho Administrativo Chileno y
Comparado, t. I, p. 89).
234
Vide item 2.1.2 desta parte. A maioria dos autores chama a sobrevivência da relação jurídica
em face da eficácia imediata de nova norma jurídica de ultraeficácia da norma jurídica anterior, de
cuja incidência nasceu a relação jurídica protegida. Teríamos, assim: retroeficácia, eficácia
imediata e ultraeficácia. Não consideramos oportuna, todavia, essa denominação. Deve-se
distinguir a eficácia da norma geral e abstrata, relativa ao fenômeno da incidência juridicização
de fatos –, da eficácia da norma jurídica individual e concreta, atinente à situações jurídicas ou
relações jurídicas. A partir dessa distinção resta claro que aquela ultraeficácia não é da lei antiga,
ou, melhor dizendo, da norma geral e abstrata, mas sim da norma jurídica individual e concreta que
resultou da incidência da norma geral e abstrata.
235
“È acquisito ogni diritto, che a) è conseguenza di um fatto idoneo a produrlo, in virtù della legge
del tempo in cui il fatto venne compiuto, benchè l’occasione di farlo valere non siasi presentata
prima dell’attuazione di uma legge nuova intorno al medesimo, e che b) a termini della legge sotto
l’impero della quale accade il fatto da cui trae origine, entrò immeditamente a far parte del
partimonio di chi lo ha acquistato” (Retroativittà delle leggi, p. 191).
99
questão envolvendo esse critério é saber quando o direito pode ser considerado
integrado ao patrimônio de alguém e, por essa razão, intangível.
Frente a essa dificuldade, apresenta-se como alternativa o critério que
poderíamos denominar teleológico, sustentado pelo professores Celso Antônio
Bandeira de Mello e Celso Ribeiro Bastos e ao qual aderimos. Dado que o direito
subjetivo, nas palavras de Adolf Merkl, “deve sua origem e consistência ao direito
positivo objetivo”
236
, ou, em outros torneios, é a subjetivação da ordem jurídica,
haveria que se perscrutar o sentido com que a norma jurídica confere o direito
subjetivo ao seu titular. Se for de precariedade, não direito adquirido, ao passo
que se for de perdurabilidade, perpetuidade, consolidação, futuridade, tratar-se-á
de um direito adquirido.
237
É de subido relevo ainda assinalar que o direito adquirido é uma proteção
conferida pela ordem jurídica a direitos subjetivos emanados de atos válidos. Em
caso de direitos subjetivos veiculados mediante atos inválidos, incidirá, de acordo
com as circunstâncias, o subprincípio da proteção à confiança legítima, conforme
teremos a oportunidade de examinar
238
. Assim, por exemplo, a revogação
239
de
atos administrativos, por não estar fundada em um juízo de legalidade, terá como
limite o direito adquirido, enquanto que a invalidação de atos administrativos será
limitada pelo subprincípio da proteção à confiança do administrado.
Reitere-se, neste sentido, que a invalidade não predica a ineficácia do ato
administrativo. Portanto, o nascimento de direitos subjetivos pertencentes ao
236
Teoria General del Derecho Administrativo, p. 167.
237
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, O Direito adquirido e o Direito Administrativo, p. 60;
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição de 1988, v. 2, p. 197.
238
Vide item 2.2.4 desta parte.
239
Usamos o termo revogação em sua acepção corrente nos quadrantes do Direito Administrativo,
consistente na retirada de um ato administrativo por motivo de conveniência e oportunidade. Sobre
o tema, consultar a obra Revogação do ato administrativo, de autoria de Daniele Coutinho
Talamini.
100
domínio da eficácia, porque integrantes de relações jurídicas
240
não é
obstaculizado pela invalidade dos atos jurídicos. Subsistirão os direitos subjetivos
até que seja desconstituído o ato administrativo que os veicula. Por conseguinte, a
invalidade não exerce influência sobre o nascimento do direito subjetivo, mas sim
sobre sua perenidade no mundo jurídico
241
.
Em outros termos, a invalidade não obsta a geração do direito subjetivo,
porém o “enfraquece”, sujeitando-o à supressão mediante a invalidação ou mesmo
por norma superveniente
242
. Haverá direito subjetivo, jamais direito adquirido.
De resto, observe-se que no léxico do Direito Administrativo a extinção de
um ato administrativo o portador de direito adquirido em função de
incompatibilidade com norma superveniente costuma ser alcunhada de
caducidade.
243
Passando ao exame do ato jurídico perfeito, assinale-se que, embora para
alguns notáveis juristas como Rubens Limongi França se afigure prescindível este
instituto, sob o argumento de que estaria contemplado no direito adquirido
244
,
parece-nos que ele e o direito adquirido configuram institutos complementares, de
cuja atuação conjunta depende a integral defesa dos direitos do administrado.
245
240
Merecem reprodução as palavras do professor Lourival Vilanova a esse respeito: O direito
subjetivo é efeito de fato jurídico, ou de fato que se juridicizou: situa-se no lado da relação, que é
efeito” (Causalidade e relação no Direito, p. 219).
241
Sustenta raciocínio semelhante o jurista Constantin Yannakopoulos, como se infere deste
excerto: “Or, l’existence d’une manoeuvre fraudeuse de la part de l’administré pouvant affecter
l’édiction d’um acte n’influence pás la création de droits. Ce qui fait défaut, est, en réalité, la
‘définitivité’ de l’acte, c’est-à-dire la création des droits acquis et non pás la création de droits
proprement dits” (La notion des droits acquis en Droit Administratif Français, p. 86).
242
Um bom exemplo de direito subjetivo emanado de ato inválido suprimido por norma
superveniente encontra-se no Recurso Extraordinária 290776 MG, de relatoria do Ministro Ilmar
Galvão, publicado em 05.08.2005.
243
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 437.
244
LIMONGI FRANÇA, Rubens. Direito Intertemporal Brasileiro, pp. 436-439.
245
Assim preleciona o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (Princípios gerais de Direito
Administrativo, vol. I, pp. 346-349), no que é seguido pelo professor Elival da Silva Ramos (A
proteção dos direitos adquiridos no Direito Constitucional brasileiro, p. 155).
101
Tal complementariedade se justifica na medida em que o direito adquirido
se preordena à salvaguarda da eficácia dos fatos jurídicos em geral, enquanto que
o ato jurídico perfeito se destina à garantia dos pressupostos de validade dos atos
jurídicos
246
. Como se vê, são institutos que, conquanto coincidam em termos
finalísticos, atuam em planos distintos.
Com efeito, para que dilucidemos a noção de ato jurídico perfeito, é de rigor
começar pela acepção em que deve ser tomado o termo “perfeito”. Não se trata de
ato jurídico cujos efeitos se exauriram, tampouco traduz o ato regular perante o
Direito, isento de defeitos. “Perfeição” significa aqui completude, é dizer, ato cujo
ciclo de formação se encerrou.
Donde, a categoria do ato jurídico perfeito não qualifica um ato jurídico
como de validade inconteste ou como de efeitos esgotados, senão que impõe que
sejam respeitados, durante todo o período em que se desenvolver a eficácia do
ato jurídico, os pressupostos de validade do momento em que encerrou seu ciclo
de formação. Trata-se, como se vê, da positivação da vetusta xima tempus
regit actum
247
.
Como ensina o eminente Clóvis Bevilacqua, “O direito quer que o ato
jurídico perfeito seja respeitado pelo legislador e pelo intérprete na aplicação da
lei, precisamente, porque o ato jurídico é gerador, modificador ou extintivo de
direitos. Se a lei pudesse dar como inexistente ou inadequado ao ato jurídico,
consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou, o direito adquirido,
dele oriundo, desapareceria por falta de título ou fundamento. Assim, a segurança
246
É de se observar que a doutrina francesa, conquanto não maneje a categoria do ato jurídico
perfeito, sói distinguir, para efeitos de conflitos de leis no tempo, as condições de validade da
eficácia dos atos jurídicos (PETIT, Jacques. Les conflits de lois dans le temps en droit public
interne, pp. 225 e 226).
247
Alguns doutrinadores espanhóis admitem, no contexto do direito espanhol, a “invalidade
superveniente” sob o fundamento de que a máxima tempus regit actum não seria uma regra de
valor absoluto, senão que uma presunção de que, salvo disposição em contrário, não cabe a
invalidade superveniente (DIEZ-PICAZO, Luis Maria. La derogación de las leyes, pp. 309 e 310;
CAMPOS, Tomás Cano. La invalidez sobrevenida de los actos administrativos, p. 81).
102
do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido, pela proteção
concedida ao seu elemento gerador”.
248
Note-se que o verdadeiro préstimo do ato jurídico perfeito, à semelhança do
direito adquirido, será o de proibir que pressupostos de validade ulteriores à
edição de ato jurídicos pendentes sejam exigidos, no presente, como condição
para que tais atos possam continuar a produzir efeitos. Isto porque a hipótese de
se invalidar um ato jurídico com base em pressuposto de validade superveniente
estaria de todo afastada à luz, simplesmente, do princípio da irretroeficácia das
normas jurídicas
249
. Enuncia, nesse sentido, o eminente Paul Roubier: “Dans tous
les cas, la loi serait rétroactive si elle venait infirmer la constituion régulièremente
opérée de cette situation juridique”.
250
Importante mencionar ainda um dispositivo do vigente Código Civil que,
embora desconhecido por muitos, consagra, de modo irretorquível, a disparidade
de regime jurídico-intertemporal entre o plano da validade e o da eficácia, ao
mesmo tempo em que reforça a garantia do ato jurídico perfeito, nos termos acima
expostos. Prescreve o artigo 2.035 do mencionado Código: “A validade dos
negócios e demais ato jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste
Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os
seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se
subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução”.
Afinal, dediquemos algumas palavras à coisa julgada, que constitui o
atributo da imutabilidade do comando que emerge da parte dispositiva da
248
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, v. I, p. 77.
249
Pontes de Miranda adverte para o fenômeno da retroeficácia nesta hipótese: “A nulidade ou
anulabilidade somente pode sobrevir, se sobrevém lei, que a estatua: o suporte fático não era
deficiente, e faz-se deficiente, pela retroatividade da lei(Tratado de Direito Privado, tomo IV, p.
222).
250
Le Droit Transitoire, p. 185. Di-lo de igual modo o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello
(Op. cit., 348).
103
sentença judicial de mérito não mais sujeita a recursos
251
. À semelhança do direito
adquirido e do ato jurídico perfeito, nenhuma norma, a mesmo aquelas
veiculadas por emenda constitucional, pode amesquinhar a coisa julgada,
imiscuindo-se no conteúdo da sentença judicial.
No âmbito do Direito Administrativo, este instituto deve ser tomado em
conta frente às constantes violações que sofre, tanto pela via omissiva, ou seja,
pela recusa da Administração Pública em cumprir a ordem judicial que lhe é
dirigida, quanto pela comissiva, ao serem editados atos administrativos com
conteúdo contrário ao da sentença judicial.
252
Em ambas as situações está a Administração Pública a incorrer em
flagrante inconstitucionalidade, visto que, se à lei ou emenda constitucional não é
dado vulnerar a coisa julgada, com maior razão o ato administrativo o pode
fazê-lo.
253
2.2.4. Proteção à confiança legítima
Sabe-se que o Estado, tanto quanto os administrados, deve ser probo,
veraz, leal, responsável. Não na forma de uma virtude moral do agente público,
senão que por força de desígnios constitucionais imperativos, como nos
mostra, por exemplo, o artigo 37, caput, nunca assaz citado: “Art. 37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.
. Portanto, se somarmos estes princípios – que presidem o exercício de
todas as funções públicas à presunção de legitimidade dos atos estatais, resulta
251
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos, pp. 500 e 501.
252
CIRNE LIMA, Ruy. Princípio de Direito Administrativo, pp. 258-260.
253
Neste sentido, prescreve a Constituição Federal: “Art. 85. São crimes de responsabilidade os
atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente,
contra: (...) VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.
104
que o administrado é invariavelmente levado a supor que os atos estatais estão
em conformidade com a ordem jurídica e que as expectativas geradas pelo Estado
são seguras e dignas de crédito
254
. Donde, neste contexto, não o administrado
pode, como deve confiar na ação do Estado
255
.
À vista disso é que, se o Estado decide extinguir um ato de sua autoria ou
se convence de que uma dada orientação que estava seguindo não é mais
conveniente, deve fazê-lo com estrito respeito à confiança legítima dos cidadãos.
Eis o que postula o subprincípio da proteção à confiança legítima, de
origem alemã e que recentemente vem sendo incorporado, de modo
consciente, na ordem jurídica brasileira. Diversamente do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito, assimilados à tradição do Direito Brasileiro e em que se cogitam
de relações jurídicas constituídas validamente e infensas à intromissão de
quaisquer normas jurídicas, a confiança legítima ampara a confiança do indivíduo
de boa-fé na ação do Estado, a qual pode se traduzir em um direito subjetivo
invalidamente constituído ou em uma mera expectativa legítima gerada pelo
Estado. Daí a maior abrangência deste subprincípio em relação ao direito
adquirido
256
.
No Direito Brasileiro, os mecanismos preordenados a assegurar a confiança
do administrado podem ser assim reconduzidos: concessão de efeitos ex nunc à
invalidação de atos ampliativos; convalidação de atos ampliativos; estabilização de
atos administrativos ampliativos; dever de adoção de regras transitórias para
mudanças radicais de regime jurídico; invalidação de normas atentatórias à
254
PÉREZ, Jesús González. El principio de la buena-fe en el Derecho Administrativo, p. 40.
255
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. A estabilidade dos atos administrativos, Revista
Trimestral de Direito Público, 48: 81.
256
CALMES, Sylvia. Du principe de la protection de confiance légitime en droit allemand,
comunautaire et fançais, p. 657.
105
confiança legítima; responsabilização do Estado por mudanças de regime jurídico;
e, finalmente, a chamada “coisa julgada administrativa”.
257
Do mero arrolamento destes mecanismos se nota que o subprincípio da
confiança legítima matiza dogmas cultivados muito tempo pela ciência jurídica,
como, por exemplo, o de que a invalidação sempre seria a via idônea para a
recomposição da legalidade e de que sempre operaria efeitos ex tunc, ou de que o
Estado poderia, ao seu talante, alterar inopinadamente suas orientações ou
regimes jurídicos, uma vez que o administrado não tem “direito subjetivo à
manutenção do direito objetivo”.
Quanto aos dogmas atinentes à invalidação, eles estão recebendo o devido
desenvolvimento no Direito Brasileiro, sobretudo a partir da obra pioneira da
professora Weida Zancaner
258
. O mesmo não se pode dizer, contudo, no que
respeita à noção, amplamente difundida, de que o Estado pode livremente alterar
suas orientações ou regimes jurídicos. Como teremos a oportunidade de observar,
de fato, o administrado não tem direito subjetivo à manutenção de um regime
jurídico, mas sim aos direitos subjetivos que exsurgem do regime jurídico
259
,
entretanto, isso não significa que a Administração ou o Legislador podem, de
modo traumático, venire contra factum proprium, frustrando expectativas legítimas
a que deram ensejo.
Acerca da manutenção de atos administrativos inválidos, ainda é de se
observar que sobre ela manifestam-se, de algum tempo, a jurisprudência e a
doutrina nacionais, contudo, segundo formulações pouco convincentes do ponto
de vista jurídico. Comum era fundamentar-se o nascimento de situações de direito
tão-só a partir da persistência, durante largo período, de situações de fato geradas
257
COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito
Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus próprio atos administrativos:
o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista
Eletrônica de Direito do Estado, nº 2, p. 8.
258
Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
259
CAMMAROSANO, Márcio. Considerações sobre a proteção constitucional do direito adquirido,
Cadernos de soluções constitucionais, v. 2, p. 283.
106
de ilegalidade
260
. Nas últimas quadras, porém, começou-se a manejar de forma
mais coerente os princípios da legalidade e da segurança jurídica, a fim de
justificar satisfatoriamente a questão
261
. Exemplo mais recente desta tendência
são as reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, nas quais se verifica a
consagração do princípio da segurança jurídica como subprincípio do Estado de
Direito, à moda da jurisprudência alemã, justificando a estabilidade de atos
administrados eivados de ilegalidade.
262
Debrucemo-nos agora, nos estreitos limites desta investigação, sobre cada
um dos mecanismos acima arrolados.
2.2.4.1. Projeção ex nunc da invalidação dos atos administrativos ampliativos
O primeiro dos mecanismos é a concessão de efeitos ex nunc à invalidação
de atos ampliativos, cuja análise é tributária do longo excurso que fizemos acerca
do ato administrativo.
registramos que a ordem jurídica oferece respostas díspares à
invalidade do ato administrativo. A primeira resposta é a invalidação do ato
administrativo, que, durante muito tempo, foi qualificada como a única e inelutável
resposta à invalidade dos atos administrativos com vistas a se restaurar a ordem
jurídica e a homenagear o princípio da legalidade.
Dá-se o nome de invalidação à desconstituição de um ato administrativo por
motivo de ilegalidade.
260
STF, RE 85.179-RJ, Rel. Min Bilac Pinto, j. 04.11.1977, DJ 02.12. 1977.
261
STJ, Resp. 6.518, Turma, Rel. Min Humberto Gomes de Barros, j. 19.08.1991, DJ,
16.09.1991, p. 1.262.
262
STF, PET 2.900/RS, Rel. Min Gilmar Mendes, transcrito no informativo STF 310, de 26 a 30
de maio de 2003, DJ 01.08.2003; MS 24.268-MG, Rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes,
transcrito no Informativo STF 343, de 12 a 16 de abril de 2004; MS 22,357, Rel. Min. Gilmar
Mendes, transcrito no informativo STF 351, de 07 de julho a 11 de julho de 2004.
107
Fundada, como já dissemos, na reintegração do ordenamento jurídico, pode
ser levada a cabo pelo Poder Judiciário ou pela Administração Pública no
exercício da autotutela.
À luz da seminal classificação dos elementos e pressupostos do ato
administrativo, útil se mostra a dissecação do ato que concretiza a invalidação,
chamado de ato administrativo invalidador. Em seu conteúdo abriga-se a
declaração da invalidade e a extinção, ex nunc ou ex tunc, do ato administrativo
inválido (objeto). No motivo situa-se o ato administrativo eivado de ilegalidade,
somado ao indispensável processo administrativo invalidador, em observância às
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. A finalidade a que
visa é a recomposição da legalidade e deve, em termos formalísticos, seguir a
forma escrita e ser acompanhado da devida motivação
263
. Por fim, a causa será
deduzida, já o sabemos, da relação de adequação entre o ato administrativo
inválido (motivo), sua desconstituição (conteúdo), em vista da finalidade de
restaurar a ordem jurídica (finalidade).
A projeção temporal do conteúdo (=eficácia) do ato administrativo
invalidador desperta candente discussão, mediada pelo princípio da proteção à
confiança do administrado. Para abordar tal problemática, comumente evocada
sob o nome de “efeitos da invalidação”, é imperioso recorrer tanto à distinção dos
planos da validade e da eficácia
264
, quanto às duas classificações de ato
administrativo a que acima aludimos, respeitantes à repercussão do ato sobre a
esfera jurídica dos particulares
265
e à natureza dos seus efeitos
266
.
. É certo que o ato administrativo invalidador supõe a invalidade de um ato
administrativo, ou seja, a invalidade é lógica e cronologicamente anterior à
263
Assim prescreve o art. 50, inciso VIII, da Lei 9.784/99, com a seguinte dicção: “Os atos
administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídico,
quando: (...) VIII importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo”.
264
Vide item 1.3.3 da Parte 3.
265
Vide item 1.3.5.1 da Parte 3.
266
Vide item 1.3.5.2 da Parte 3.
108
invalidação. No entanto, apesar de o reconhecimento da invalidade ser sempre
retroativo, o conteúdo do ato administrativo invalidador será ex tunc ou ex nunc
em função, respectivamente, da natureza ampliativa ou restritiva do ato inválido.
Visto que a invalidade do ato administrativo não predica sua ineficácia,
podendo este produzir regularmente os efeitos a que estava preordenado, se
restritivo, deve a invalidação ser ex tunc, exonerando o particular das
conseqüências onerosas do ato inválido. Se ampliativo e o particular não
participou da ilegalidade, apresentando-se de boa-fé, a invalidação deve ser ex
nunc, de modo a assegurar ao particular as vantagens que auferiu do ato inválido.
A eficácia ex nunc atribuída às invalidações dos atos ampliativos é
traduzida, com inteira propriedade, pelo professor Celso Antônio Bandeira de
Mello, cujas palavras pedimos vênia para citar: “Com efeito, se os atos em
questão foram obra do próprio Poder Público, se estavam, pois, investidos da
presunção de veracidade e legitimidade que acompanha os atos administrativos, é
natural que o administrado de boa-fé (até por não poder se substituir à
Administração na qualidade de guardião da lisura jurídica dos atos por aquela
praticados) tenha agido na conformidade deles, desfrutando do que resultava de
tais atos. o duvidar que, por terem sido invalidamente praticados, a
Administração com ressalva de eventuais barreiras à invalidação, dantes
mencionadas – deva fulminá-los, impedindo que continuem a desencadear efeitos;
mas também é certo que não razão prestante para desconstituir o que se
produziu sob o beneplácito do próprio Poder blico e que o administrado tinha o
direito de supor que o habilitava regularmente”.
267
Observe-se que nesta distinção dos efeitos do ato invalidador, reside, de
modo implícito, a refutação da idéia, abordada
268
e que lamentavelmente viceja
na doutrina nacional, de que “não nasce direito subjetivo de ato inválido”, sob a
267
Op. cit., pp. 470.
268
Vide item 2.2.1 desta Parte.
109
qual se oculta, uma vez mais, uma confusão entre os planos em que se
desenvolve o fenômeno jurídico.
Prosseguindo o raciocínio, os danos sofridos pelo administrado em virtude
da invalidação de um ato administrativo que lhe era benéfico devem ser
acobertados com base na responsabilidade do Estado por ato lícito
269
, jamais a
título de desapropriação do direito subjetivo abrigado no ato viciado.
Outrossim, em relação à responsabilidade do Estado pela invalidação de
atos administrativos, julgamos mal colocada uma questão teórica. Diz-se, com
freqüência, que a invalidação enseja a conversão do ato administrativo inválido em
fato administrativo, ou seja, o ato ilegítimo extinto remanesceria como fato
administrativo, podendo ser invocado para efeito de responsabilidade do
Estado.
270
Com o devido acatamento, o acolhemos esse juízo teórico. Segundo nos
parece, o princípio da responsabilidade do Estado incide sobre o ato
administrativo invalidador e não sobre o suposto “fato administrativo” resultante da
invalidação do ato viciado. É dizer: a norma que prescreve a responsabilidade do
Estado está reportada ao ato administrativo invalidador e não ao ato viciado
extinto, o qual, pela singela razão de não mais pertencer ao mundo jurídico, não
pode servir como pressuposto para a responsabilidade administrativa.
Aliás, neste ponto se confirma o sobredito princípio da relatividade do
suporte tico, por meio do qual se demonstra com grande claridade a
fenomenologia da invalidação: o ato administrativo invalidador, ao mesmo tempo
em que declara a invalidade de outro ato e cassa-lhe a existência, é alvo da
269
Como se sabe, o Estado é responsável não por sua atuação ilícita, como também lícita. A
diferença é que para a atividade lícita do Estado ensejar a responsabilidade é preciso que o dano,
além de certo, seja especial e anormal. A especialidade representa a incidência desigual do dano
sobre uma pessoa ou um grupo de pessoas; a anormalidade é caracterizada pela superação dos
encargos sociais tolerados e exigíveis como contrapartida dos benefícios emergentes da vida em
sociedade (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 1007).
270
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Extinção dos contratos administrativos, pp. 98-100.
110
incidência fato administrativo da norma jurídica que prescreve a
responsabilidade do Estado por ato lícito.
2.2.4.2. Convalidação dos atos administrativos
Como sabemos, não é a invalidação o único meio de restauração da
legalidade. A par dela e com grande força se coloca a convalidação do ato
administrativo, a qual se traduz na substituição retroativa de um ato administrativo
por motivo de ilegalidade.
Por meio da convalidação, de um golpe, declara-se a invalidade do ato
convalidado, desconstitui-se sua existência e, em seu lugar e desde o seu
nascimento, constitui-se um ato com equivalente conteúdo, porém isento de
vícios.
Como se vê, o ato convalidador, a par da declaração da invalidade e da
desconstituição do ato convalidado, reconstitui integralmente o conteúdo deste,
donde concluir-se que só pode haver convalidação quando o ato a ser convalidado
é suscetível de reprodução legítima no presente.
271
Não é difícil perceber-se que em favor da convalidação milita, com grande
força, o princípio da segurança jurídica, agregando ao princípio da legalidade a
proteção da confiança do administrado, porquanto se promove a restauração da
ordem jurídica sem prejuízo da estabilidade das relações jurídicas albergadas no
ato convalidado.
Desta força principiológica da convalidação deriva que, diante de um ato
inválido, deve a Administração procurar antes convalidá-lo; se impossível a
convalidação, passa-se então à invalidação. Eis o ensinamento da ilustre
professora Weida Zancaner: “(...) a convalidação se propõe como obrigatória
271
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 463.
111
quando o ato comportá-la, porque o próprio princípio da legalidade – que predica a
restauração da ordem jurídica, inclusive por convalidação entendido
finalisticamente, demanda respeito do capital princípio da segurança jurídica”.
272
Aliás, seguindo a classificação tricotômica
273
das invalidades do ato
administrativo formulada pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello, à luz da
qual teríamos atos inexistentes
274
, atos nulos e atos anuláveis, apresenta-se
justamente a possibilidade de convalidação como o critério mais operativo para
apartar o ato nulo do ato anulável. Estes são convalidáveis, ao passo que aqueles
são inconvalidáveis
275
.
Como dissemos, os atos convalidáveis são aqueles que a lei assim
reconheça ou que possam ser repraticados, atualmente, sem o vício que os
maculavam. Remetendo-se aos elementos e pressupostos do ato administrativo,
resulta que autorizam a convalidação o vício de competência, de formalização
e de procedimento, quando este último não vulnerar a finalidade do ato ou quando
se tratar de falta de ato de particular sanada posteriormente com expressa
projeção retroativa.
272
ZANCANER, Weida, Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, p. 67.
273
São muito conhecidas as disputas teóricas acerca da classificação das invalidades dos atos
administrativos, da qual não cuidaremos, pois desbodaria dos limites de nossa investigação. Para
uma síntese destas disputas, consultar as páginas 99 a 106 da citada obra Da convalidação e da
invalidação dos atos administrativos, da lavra da professora Weida Zancaner, bem como as
páginas 456 a 458 do Curso de Direito Administrativo, de autoria do professor Celso Antônio
Bandeira de Mello.
274
Que a expressão “ato administrativo inexistente” o induza a erro. Tal expressão designa ato
inserto no domínio do antijurídico e não no domínio do não-jurídico. Trata-se de prescrição de
conduta criminosa ofensiva à dignidade da pessoa humana e que, por essa razão, encontra-se
inquinada do mais alto grau de antijuridicidade. São atos imprescritíveis, insuscetíveis de
convalidação ou conversão, desafiáveis mediante direito de resistência, inclusive manu militari e
cuja invalidação sempre surte efeitos ex tunc.
275
Embora os atos nulos e os atos anuláveis sejam diferentes também no que concerne à argüição
do vício que ostentam, podendo o primeiro ser pronunciado de ofício pelo juiz ou sob a provocação
do Ministério Público, enquanto o segundo apenas pode ser conhecido por meio de argüição do
interessado, o critério decisivo a diferenciá-los é a possibilidade de convalidação. Os nulos são
inconvalidáveis, ao passo que os anuláveis são convalidáveis.
112
De outra parte, os atos inconvalidáveis são aqueles assim qualificados pela
lei ou que não sejam suscetíveis de reprodução sem vício. Aludindo-se novamente
aos elementos e pressupostos do ato administrativo, são inconvalidáveis os atos
com invalidade situada no motivo, no conteúdo, na causa, na finalidade e nos
requisitos procedimentais, quando a falta de um ato procedimental desvirtuar a
finalidade para a qual o procedimento foi instaurado.
Compete, em primeiro lugar, à Administração levar a cabo a convalidação,
mediante a reprodução do ato administrativo convalidado sem a invalidade de que
padecia, ou seja, de modo compatível com o Direito. Se ultimada pela mesma
autoridade que editou o ato, denomina-se ratificação; se procede de autoridade
diversa, chama-se confirmação.
276
Também ao Judiciário, segundo pensamos, compete proceder à
convalidação de atos administrativos, quer na hipótese de omissão da
Administração Pública, quer na hipótese de que tenha se efetivado uma
invalidação quando seria caso de convalidação
277
. Para justificar esta conclusão,
esclareçamos suas premissas.
Tanto a invalidação quanto a convalidação são produtos de competências
vinculadas, ou seja, o agente público, ao se deparar com um ato inválido, não
goza de uma margem de apreciação subjetiva para decidir se pronuncia a
invalidação ou a convalidação do ato administrativo inválido
278
. Se presentes os
pressupostos de fato que autorizam a convalidação, é obrigatória a sua
276
Nas hipóteses em que a declaração do administrado é condição de validade do ato
administrativo e houve omissão desse requisito, seu suprimento superveniente pelo particular, com
a inequívoca intenção de fazê-lo retroagir, obriga a Administração a convalidar o ato administrativo
ilegítimo. Note-se que a pronúncia do particular não tem o condão de convalidar o ato expedido
invalidamente, visto que da ilegalidade não se segue a outorga de competência ao administrado
para restaurar a legalidade; sua manifestação de vontade serve apenas para deflagrar a
competência convalidadora da Administração.
277
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, pp. 402 e 403.
278
ZANCANER, Weida, op. cit., pp. 68-70; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito
Administrativo, pp. 465-467; FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo,
pp. 256 e 257.
113
consumação; se presentes os pressupostos da invalidação, também ela se faz
obrigatória, ressalvado o vício de competência em ato de conteúdo discricionário,
hipótese em que tão-somente o agente administrativo a quem cumpriria editá-lo
decidirá pela manutenção ou pela fulminação do ato.
A par disso, faz-se necessário elucidar a questão da virtualidade da
impugnação do interessado em matéria de convalidação. Colocamo-nos entre
aqueles que entendem-na como um obstáculo à convalidação
279
, e a justificativa
que encontramos para assumir este posicionamento reside numa compreensão
que reputamos adequada do subprincípio da confiança legítima. Expliquemo-nos.
A confiança legítima, tal como a delimitamos, está a serviço do
administrado e não da Administração Pública. Portanto, no momento em que o
interessado impugna – administrativa, judicialmente ou por meio do direito de
resistência
280
o ato administrativo inválido que lhe é desfavorável, subtrai-se o
fundamento principiológico da convalidação, de modo a restar unicamente a
invalidação para a restauração da legalidade.
. Destas razões resulta que, nas situações acima apontadas - omissão da
Administração Pública em proceder à convalidação ou emissão de ato invalidador
quando seria caso de convalidação –, tendo em vista que não impugnação,
aliás, bem pelo contrário, o interessado deseja a convalidação do ato viciado, e
que a convalidação é fruto de uma competência vinculada, é dado ao órgão
judicante ultimar a convalidação do ato inválido, ressalvada, naturalmente, a
279
Sustentam este entendimento: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 464;
ZANCANER, Weida, op. cit., pp. 72 e 73. Em sentido contrário: FERRAZ, Sérgio. Extinção dos atos
administrativos: algumas reflexões, Revista de Direito Administrativo, 231: 63 e 64; SIMÕES,
Mônica Martins Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados, pp. 144 e
145.
280
A resistência corresponde a uma impugnação do ato administrativo, por conta e risco do
administrado. Se, posteriormente, o Judiciário reconhece o vício do ato, a resistência é
considerada legítima; caso contrário, a resistência será tida como ilegítima, sujeitando-se o
administrado à eventual sanção pelo descumprimento do ato administrativo (BANDEIRA DE
MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 472).
114
situação acima apontada de vício de competência em ato de conteúdo
discricionário.
De resto, parece-nos que não outros fatores impeditivos à convalidação
além da impugnação do interessado e da hipótese excepcional em que, perante
um vício de competência em ato administrativo de conteúdo discricionário, o
agente administrativo competente resolve invalidá-lo. Como veremos, a
decadência, por alguns juristas entendida como barreira à convalidação
281
, não
sana a invalidade, senão que impede a invalidação do ato. Por isso, não estaria
afastada eventual convalidação do ato viciado.
2.2.4.3. Estabilização de atos ampliativos inválidos
A terceira modalidade de recomposição da legalidade de que nos
ocuparemos é a estabilização do ato administrativo viciado.
Sem embargo de alguns estudiosos não distinguirem esta modalidade da
convalidação do ato administrativo
282
, julgamos necessário individualizá-la, em
vista, como sempre, da disparidade de regimes jurídicos entre estas categorias
jurídicas.
A estabilização promove o saneamento da invalidade do ato viciado,
entretanto, diferentemente da convalidação, concretizada através de ato
administrativo, a estabilização exsurge de um fato administrativo. Como foi visto, a
281
WEIDA, Zancaner, op. cit., p. 73.
282
Nesse sentido os ilustres professores Adilson Abreu Dallari e Sérgo Ferraz: “Para alguns
autores a convalidação importaria o refazimento do ato inquinado de vício, agora com integral
observância da legalidade. Ocorre, porém, que hipóteses há em que o saneamento se produz sem
que se toque no ato viciado. Tal se pelo menos em duas circunstâncias: quando o ato, apesar
de defeituoso, produz o efeito abrigado na lei; quando transcorre in albis o prazo para exercício do
direito de anular o ato (prescrição, segundo alguns autores; mas o caso é, realmente, de
decadência, como examinamos em capítulo anterior. De notar que a lei 9.784/1999, com acerto,
tratou o caso como de decadência). Certa corrente doutrinária prefere, para as situações acima
examinadas, em que a sanatória se processa sem que o ato seja repraticado, a denominação
‘confirmação’. Questão de gosto. Julgamos desnecessária a distinção terminológica, por isso que o
fenômeno jurídico é o mesmo em todas essas circunstâncias” (Processo administrativo, p. 255).
115
convalidação é pronunciada por um ato administrativo convalidador. A
estabilização, por outro lado, é engendrada diretamente pela ordem jurídica,
diante da especial circunstância de um ato cuja permanência recebe maior
prestígio da ordem jurídica do que sua retirada por motivo de ilegalidade
283
.
Coordenando, portanto, as três modalidades de recomposição da
legalidade, poderíamos afirmar que, perante um ato inválido convalidável, deve-se
obrigatoriamente levar a cabo a convalidação, salvo a circunstância de vício de
competência em ato de conteúdo discricionário. Se o ato for inconvalidável, deve-
se ultimar a invalidação, a não ser que compareçam os requisitos habilitadores da
estabilização do ato viciado ou por ocorrência da decadência
284
.
Para que se configure a estabilização é necessário que estejam presentes
os seguintes pressupostos: o ato inválido se qualificar como ampliativo; a
presença de administrado de boa-fé; e a permanência da situação criada atender
interesses hierarquicamente superiores que os residentes na norma violada.
285
Bem se que a hipótese da estabilização não se reveste de uma precisão
capilar. Haverá que se sopesar as circunstâncias do caso concreto e verificar se a
manutenção do ato inválido é menos traumática aos interesses prestigiados pela
ordem jurídica do que sua eventual invalidação
286
. Assim, a partir dos aludidos
requisitos, que servem como guias heurísticos, impõe-se que se conclua pela
prevalência ou não, in concreto, do princípio da segurança jurídica; se prevalecer,
saneado estará o ato viciado. No dizer do eminente professor Celso Antônio
Bandeira de Mello, não mais havesituação jurídica inválida ante o sistema
283
Ressalve-se que não incluímos a ocorrência da decadência, de que nos ocuparemos abaixo,
como suposto de estabilização do ato administrativo.
284
Sobre a decadência, vide item 2.2.5 desta parte.
285
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., pp. 465 e 466.
286
Advertia Seabra Fagundes, pioneiramente: “No direito administrativo, importa menos a natureza
do defeito em si do que as repercussões que a invalidez do ato, atentas as circunstâncias
eventuais, venha trazer ao interesse público, pelo que um mesmo vício pode, muita vez, acarretar
conseqüências diversas” (O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, p. 70).
116
normativo”
287
, ou seja, o próprio ordenamento jurídico ministrou o remédio para a
patologia de que padecia.
Com efeito, a estabilização expurga, retroativamente, a invalidade do ato
administrativo. Trata-se de um caso de retroeficácia benéfica, sendo, nessa
medida, permitida pela ordem jurídica.
E por que insistimos que não há simples manutenção do ato inválido, senão
que eliminação da invalidade do ato administrativo? Porque disso decorre a
compostura do direito subjetivo criado pelo ato administrativo. Como sabemos, a
validade é condição necessária, porém não suficiente, para que o direto subjetivo
veiculado pelo ato administrativo possa ser qualificado como direito adquirido. Um
ato inválido não é apto a gerar direito adquirido. Daí, portanto, a importância de
dizer que a estabilização torna válido o ato, de modo a permitir a invocação de
eventual direito adquirido.
Outra consideração a ser feita, à luz das noções teóricas desenvolvidas ao
longo da presente investigação, diz respeito à categorização da estabilização
como decorrência de um fato jurídico
288
. Conseqüência disso é que a estabilização
não é passível de um juízo de validade. À diferença da invalidação e da
convalidação que, porquanto veiculadas por ato administrativo, sujeitam-se a
exame de legalidade, podendo suceder “invalidação inválida” ou “convalidação
inválida”, não há estabilização inválida.
2.2.4.4. Alteração de regime jurídico: dever de adoção de disposições transitórias
para mudanças radicais de regime jurídico (via preventiva)
Não é demais repetir que o sistema jurídico é sempre mutável, a fim de
disciplinar a cambiante, variável e evolutiva realidade sobre a qual incide. Trata-se
287
Op. cit., p. 465.
288
Vide item 1.3.2 da Parte 3.
117
de uma exigência do próprio regime democrático, segundo o qual as aspirações
populares devem prevalecer por meio da lei, à qual todos se submetem, inclusive
o Estado.
O projeto girondino de “Declaração dos Direitos naturais, civis e políticos
dos homens”, de 1793, é uma eloqüente tradução desta idéia: “Un Peuple a
toujours le droit de revoir, de réformer et de changer sa Constitution. Un
génération n'a pas le droit d'assujettir à ses Lois les générations futures; et toute
hérédité dans les fonctions est absurde et tyrannique”.
Donde, a Administração Pública e especialmente o legislador não podem
ficar aprisionados na ordem jurídica vigente, sob pena de comprometer o
atendimento das necessidades emergentes na sociedade, como salienta
energicamente o professor García de Enterría
289
. Seria interpretar a ordem jurídica
como um fim em si mesma, quando, deveras, ela é apenas um meio para a
consecução das finalidades estabelecidas pela sociedade.
Até aqui, nada a objetar e nenhuma ofensa se pode supor à segurança
jurídica. Como dissemos reiteradas vezes, a segurança jurídica não obstaculiza
a alteração do direito positivo, senão que combate sua mudança desleal,
traumática, inopinada. E o faz, sob a vertente da proteção à confiança legítima,
por meio preventivo e repressivo.
Sob a via que poderíamos chamar de “preventiva”, o subprincípio da
confiança legítima impõe o aludido dever de adoção de disposições transitórias
para mudanças de regimes jurídicos, ressalvada eventual situação em que o
289
El principio de protección de la confianza legítima como supuesto título justificativo de la
responsabilidad patrimonial del Estado Legislador, Revista de Administración Pública, pp. 181 e
182.
118
interesse público
290
perseguido pelo novo regime jurídico for incompatível com um
regime transitório.
Com efeito, se, de um lado, o princípio da irretroeficácia destina-se a
impedir os efeitos nefastos da retroeficácia in pejus das normas jurídicas, as
disposições transitórias visam a combater os efeitos danosos que também a
eficácia imediata das normas pode produzir.
Para alcançar seu mister, as disposições transitórias ora disciplinam a
eficácia das normas jurídicas no tempo, sem lhes alterar o conteúdo, prevendo-se,
por exemplo, a ultraeficácia da norma anterior por determinado período, ora
prescrevem um regime temporário, diferente tanto do regime anterior quanto do
novo. Aquela modalidade é chamada pela doutrina de regra de conflito
291
, ao
passo que esta é nominada de disposição transitória substancial
292
.
Assim, se modificado ou substituído um regime jurídico por meio de um
suficiente mecanismo transitório, assegurando a confiança do administrado, o
há que se cogitar de violação à segurança jurídica.
2.2.2.5. Alteração de regime jurídico: responsabilidade por ato lícito ou invalidação
da norma atentatória à confiança legítima (via repressiva)
Abordada a vertente preventiva do subprincípio da confiança letima em
matéria de mudança de regime jurídico, é hora de nos ocuparmos da via que
nominaremos de “repressiva”, a qual constitui um domínio pouco explorado no
Direito brasileiro.
290
Advirta-se que a expressão “interesse público” não constitui um salvo-conduto para que o
agente público possa realizar aquilo que lhe parecer melhor. Interesse público é um conceito
jurídico-positivo, uma construção intra-sistêmica desenvolvida desde a Constituição até chegar aos
órgãos administrativos (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p.
68).
291
ÉVEILLARD, Gweltaz. Les dispositions transitoires en droit public français, pp. 195-367.
292
ÉVEILLARD, Gweltaz, op. cit., pp. 369-438.
119
Diferentemente da via preventiva, esta pressupõe, naturalmente, o
amesquinhamento da confiança legítima do administrado por meio da alteração de
um regime jurídico.
Importante se mostra um critério de aplicação do subprincípio da confiança
legítima nestas situações, acompanhado das conseqüências que podem ser
extraídas da ordem jurídica brasileira.
Para tanto, julgamos útil um esquema engendrado pelo Tribunal das
Comunidades Européias
293
e que se amolda à realidade de nosso Direito Positivo.
Trata-se do seguinte raciocínio.
Diante de uma alteração de regime jurídico, haveria que se formular duas
perguntas, nesta ordem: a) confiança legítima do administrado a ser tutelada?
b) há um interesse público na nova normação que justifique a preterição da
confiança legítima?
As conseqüências jurídicas do subprincípio da confiança legítima dimanam
dos diferentes resultados obtidos a partir deste esquema. Vejamos.
De início, se não comparecer in concreto a confiança legítima do
administrado, logicamente não se põe o problema.
293
Define com precisão este mecanismo o professor Paolo Mengozzi: “Por cuanto se refiere al
principio de la protección de la confianza legítima, en cambio, la jurisprudencia comunitaria ha
llegado a aplicarlo gracias a um two step analysis approach que comporta, de entrada y
separadamente, la verificación de la idoneidad de actos de las instituciones comunitarias y de
práticas o comunicaciones de las mismas para dar lugar a una confianza legítima de los
particulares; y, sucesivamente, la verificación de que la posibilidad de la protección concreta del
mismo sea excluída por obra de actos de las instituciones por razón de los valores y objetivos
tutelados o perseguidos por éstos respectivamente” (La jurisprudencia comunitaria relativa a la
protección de la confianza legítima: de un case by case of interests a un two step analysis
aprroach, pp. 5 e 6).
120
Mas como se constata a presença da confiança legítima do administrado?
Como alertamos acima, os comportamentos estatais, dado os atributos de que
se revestem, dão origem a uma base de confiança que não poder ser
negligenciada. Este é o primeiro elemento. Demais disso, a confiança deve ser
legítima, ou seja, é imperioso que o administrado, induzido pelo comportamento
estatal, adote uma conduta, ativa ou passiva, de modo que a posterior mudança
de orientação do Estado frustre uma expectativa concreta e não apenas virtual
294
.
Ao administrado caberá o ônus de demonstrar estes elementos.
Acaso se resposta afirmativa à primeira pergunta, restará averiguar se o
interesse público perseguido pela nova postura do Estado autoriza a preterição da
confiança legítima, de que deverá fazer prova a Administração Pública. Tratar-se-á
da conhecida ponderação de bens jurídicos, cuja mediação é realizada pelo
princípio da proporcionalidade.
Um dos resultados possíveis desta ponderação é a conclusão de que o
interesse público abrigado no novo regime jurídico não justifica o abalo à
confiança legítima dos administrados, no que, naturalmente, deve contar não a
gravidade do abalo, como também a sua extensão entre os administrados. Se,
ante a generalidade dos destinatários da norma, não se justificar a ruptura da
confiança, isto conduzirá à inconstitucionalidade da nova norma jurídica por
ofensa ao subprincípio da confiança legítima
295
.
O outro resultado possível seria o entendimento de que o interesse público
curado pelo novo regime jurídico habilita a relegação da confiança legítima,
situação em que, apesar de válida a sucessão normativa, poderá caracterizar-se a
294
Esta construção aproxima-se, na órbita da common law, ao estoppel, mecanismo disposto a
vedar condutas contraditórias do Estado (MAIRAL, ctor A. La doctrina de los propios actos y la
administración pública, pp. 19 e 20).
295
Cuida-se de expressivo exemplo da função limitativa dos princípios jurídicos.
121
responsabilidade do Estado por ato lícito
296
, uma vez comprovada a especialidade
e a anormalidade do dano sofrido pelo administrado
297
.
A propósito desta hipótese de responsabilidade do Estado por ato lícito
convém que façamos alguns esclarecimentos.
Inicialmente, é de reconhecer-se que no sistema constitucional brasileiro
nenhuma função estatal administrativa, legislativa e jurisdicional foge ao
princípio da responsabilidade do Estado
298
, razão pela qual dispensamos a
distinção, encontradiça em outros sistemas jurídicos, entre a responsabilidade
derivada diretamente da lei
299
e dos atos de execução da lei
300
.
Ademais, parece-nos que a confiança legítima não introduz no sistema
jurídico uma nova modalidade de responsabilidade estatal, como crêem
apressadamente alguns doutrinadores. Em verdade, o subprincípio da confiança
legítima apenas torna juridicamente relevante a confiança legítima do cidadão
301
.
296
Assim Héctor Mairal, a propósito dos efeitos da teoria dos atos próprios: “La obligación de
repara el dano surge entonces de la contradicción ‘permitida’ y no es uma condena accesoria a la
prohibición de la contradicción” (Op. cit., p. 160). Também assim: RUBIALES, Iñigo Sanz. El
principio de confianza legítima, limitador del poder normativo comunitario, Revista de Derecho
Comunitario Europeo, p. 106.
297
Sobre as noções de especialidade e anormalidade do dano, consultar a nota de rodapé 269.
298
ZANCANER, Weida. Da responsabilidade extracontratual da Administração blica. In: Curso
de Direito Administrativo Econômico, vol. III, p. 618.
299
É disseminada a noção de que a lei e o regulamento, por serem, via de regra, abstratos, são
mediatos em relação aos administrados e que, nessa medida, não poderiam causar gravame, por
si, aos administrados (GONÇALVES PEREIRA, André. Erro e ilegalidade do ato administrativo, p.
82). Entretanto, não nos parece acertada esta colocação. Como ensina o professor Renato Alessi,
mesmo geral e abstrata, uma norma jurídica, quando proíbe ou obriga um comportamento, atua de
modo imediato em relação aos seus destinatários (Principi di Diritto Amministrativo, v. 1, p. 8).
Também se atenta para esta questão a ilustre professora Weida Zancaner: “Cabe, neste passo,
uma observação: o excessivo apego a rótulos não deve obnubilar o reconhecimento dos efeitos
que deles podem advir, cortar cerce as efetivas garantias que a teoria dos atos administrativos visa
a propiciar aos administrados qual seja: o controle da legalidade da atuação administrativa –,
pois sob o rótulo de ‘regulamento’ comandos que ensejam, de imediato, o estabelecimento de
relações jurídicas concretas, como atos intra-estatais que podem atingir a esfera jurídica dos
particulares de maneira imediata, isto é, sem qualquer ato intercalar” (Da convalidação e da
invalidação dos atos administrativos, pp. 30 e 31).
300
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O problema da responsabilidade do Estado por actos
lícitos, p. 185.
301
Sugere o professor Canotilho a ampliação da responsabilidade do Estado para posições
jurídicas “menos perfeitas e menos juridicamente protegidas” que os direitos subjetivos, mas de
122
Como nos ensina o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, na
responsabilidade por ação do Estado, porque de natureza objetiva, a atenção
deve se voltar para a esfera juridicamente protegida do indivíduo e não para o
comportamento estatal ensejador do dano
302
. O subprincípio da confiança legítima
promove justamente a ampliação da esfera juridicamente protegida do indivíduo,
nela incluindo a confiança legítima, cuja violação, se revestida das características
da especialidade e anormalidade, dará nascimento a um dano jurídico,
pressuposto da responsabilidade estatal.
Estes “danos à confiança” são muito comuns na atividade de fomento,
através da qual se estimula ostensivamente os particulares à adoção de um
comportamento, com vistas ao atendimento de uma finalidade pública.
303
Insta observar que tal problemática foi tratada ex professo no Brasil pelo
professor Almiro do Couto e Silva, não obstante sob o rótulo de “planejamento”
304
.
Em realidade, os chamados “planos incitativos”
305
, sobre os quais este notável
professor concentra suas reflexões, nada mais são do que o exercício planejado
da atividade de fomento
306
.
consistência jurídica suficiente a justificar, em favor de seu titular, uma proteção ressarcitória (O
problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, pp. 296 e 297).
302
Op. cit., p. 995.
303
A atividade de fomento se singulariza em virtude do meio que emprega para a satisfação de
interesse públicos. Com efeito, as finalidades públicas não são atendidas diretamente e de modo
coativo pela Administração Pública, senão que mediata e indiretamente pelos particulares, os quais
aderem voluntariamente à consecução daqueles objetivos em vista de incentivos oferecidos pelo
Estado (FERREIRA DA ROCHA, Sílvio Luís. Terceiro setor, pp. 23-27).
304
Responsabilidade do Estado e problemas jurídicos resultantes do planejamento, Revista de
Direito Público, 63: 28-36; Problemas jurídicos do planejamento, Revista de Direito Administrativo,
170: 1-17.
305
O professor Almiro do Couto e Silva distingue três tipos de planos, em função da força
vinculativa de que são dotados: planos indicativos, consistentes em dados, projeções e
prognósticos oferecidos pelo Estado a fim de auxiliar os particulares no desempenho de certa
atividade; planos incitativos, em que objetivos públicos são atingidos mediante a atuação dos
particulares, os quais são estimulados a agir em função de vantagens oferecidas pelo Estado;
planos imperativos, em que, diferentemente dos planos anteriores marcados pela facultatividade,
os indivíduos são obrigados a uma determinada conduta, sob pena de sofrerem sanções
(Problemas jurídicos do planejamento, Revista de Direito Administrativo, 170: 3 e 4).
306
O planejamento no Brasil tem sede constitucional, de que são demonstrações os artigos 21, IX
e XVIII; art. 30, VIII; art. 43, § 1º, II; art. 48, II e IV; art. 49, IX; art. 58, § 2, VI; art. 74, I; art. 84, XI;
123
Com efeito, por meio do fomento, o Estado, nas palavras do professor
Almiro do Couto e Silva, “incentiva de forma tão nítida e positiva os indivíduos a
um determinado comportamento, mediante promessas concretas de vantagens e
benefícios, que a violação dessas promessas implica infringência ao princípio da
boa-fé, cabendo ao Estado indenizar os danos decorrentes da confiança”
307
.
É dizer: ainda que o Estado suprima ou altere legitimamente a sua política
de fomento, o que naturalmente só pode ser levado a cabo mediante lei
308
,
assiste-lhe o dever de ressarcir os particulares que, fiados na orientação do
Estado, foram levados a efetivar investimentos e despesas que, mercê da
mudança, converteram-se em um prejuízo especial e anormal.
309
2.2.2.6. “Coisa julgada administrativa”
A última manifestação do subprincípio da proteção à confiança do
administrado liga-se à “coisa julgada administrativa”, à qual dedicaremos
brevíssimos comentários, principiando pela controvertida denominação deste
instituto.
Como é sabido, frente à jurisdição una vigorante no Brasil, ao Judiciário é
conferido o monopólio da decisão de litígios com a força de definitividade (=coisa
julgada material). Todos os demais atos jurídicos, promanem eles de particulares
ou dos órgãos administrativos e legislativos, submetem-se à revisão jurisdicional.
art. 165, § 4º; art. 166, § 1º, II e, finalmente, o art. 174, citado com grande freqüência e cujo caput
está vazado nos seguintes termos: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
307
Problemas jurídicos do planejamento, Revista de Direito Administrativo, 170: 16.
308
FERREIRA DA ROCHA, Sílvio Luís, op. cit., p. 31; PIMENTA OLIVEIRA, José Roberto. Os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Administrativo brasileiro, p. 525.
309
A este respeito, merecem lembrança dois preciosos pareceres da lavra do professor Celso
Antônio Bandeira de Mello: Responsabilidade do Estado por intervenção na esfera econômica,
Revista de Direito Público, 64: 75-83; Responsabilidade do Estado – Intervencionismo econômico –
Administração “concertada”, Revista de Direito Público, 81: 109-116.
124
Daí já se divisa a crítica comumente endereçada à expressão “coisa julgada
administrativa” no Direito brasileiro. A nenhum ato administrativo pode se
pretender imprimir a qualidade da definitividade, visto que exclusiva, em nosso
sistema constitucional, da sentença judicial.
Portanto, algo distinto da coisa julgada propriamente dita é a “coisa julgada
administrativa”.
Para nós a coisa julgada administrativa” é a irretratabilidade de uma
decisão tomada pela Administração Pública, de modo contencioso, e da qual não
caibam mais recursos na esfera administrativa
310
.
Cuida-se de instituto que, a todas as luzes, visa a salvaguardar a confiança
do administrado na conduta do Estado. Não é ocioso insistir no fato de que a
Administração deve pautar sua atuação pelos corolários da lealdade e da boa-fé,
não evitando surpresas ao administrado, mas também protegendo a confiança
que este deposita no exercício das competências públicas.
Com a “coisa julgada administrativa” interdita-se um comportamento
contraditório da Administração em relação a atos ampliativos da esfera jurídica
dos administrados. Decidido o assunto em última instância administrativa, é
defeso à Administração revogar o ato administrativo, assim como questioná-lo na
esfera judicial.
311
310
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 450; DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 608.
311
A jurisprudência vem aplicando este instituto, conforme se verifica deste aresto relatado pelo
Desembargador Massami Uyeda: “A Administração Pública ao exercer a competência material de
julgar atos que a vinculam não deixa de atuar como parte e, como corolário do princípio de que não
se pode ser juiz e parte ao mesmo tempo, a decisão assim emanada, se favorável ao particular (no
caso, o contribuinte) de ser considerada irretratável pela própria Administração. Daí, portanto,
dizer-se que a expressão coisa julgada, no direito administrativo não ter o mesmo sentido que no
direito processual, significando, sim, a imutabilidade do ato assim revisto administrativamente. Este
o alcance e o significado da assim chamada ‘coisa julgada’ administrativa, porquanto não podendo
o ato assim julgado ser revogado, tornando-se irretratável pela própria Administração os efeitos
assim preclusivos podem ser identificados como decorrentes da coisa julgada administrativa”
(TJSP, Apelação nº 795.162-6, julgada em 24 de agosto de 1999).
125
Isto naturalmente não impede que terceiros atingidos pelo ato administrativo
busquem sua correção judicial ou que se maneje, nas hipóteses legais, ação
popular ou ação civil blica. Isto porque a “coisa julgada administrativa”, à moda
da decadência, retira tão-somente a competência da Administração para prover,
por si ou por meio do Judiciário, sobre um caso concreto decidido
administrativamente.
2.2.5. Prescrição e decadência
Findando nosso esforço de classificação das expressões do magno
princípio da segurança jurídica no Direito Administrativo, temos os institutos da
prescrição e da decadência, os quais militam em favor da estabilidade das
relações jurídicas através da eliminação do estado de potencial modificação que
pesa sobre elas.
Segundo clássica lição, a prescrição vem a representar a perda da ação
que protege o direito, ao passo que a decadência consiste na perda do próprio
direito, tendo a unificar estes institutos o pressuposto donde deflagram, qual seja,
o transcurso do tempo qualificado pela conduta omissiva do titular do direito.
Naquele, perece a ação, e com ela, o direito; neste, perece o direito, e com ele, a
ação
312
.
No âmbito do Direito Administrativo, tem-se, de um lado, as pretensões do
administrado em face da Administração, na via administrativa e judicial, e, de
outro, o exercício do dever-poder (função) da Administração, por si ou pela via
judicial, em face do administrado.
312
CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da prescrição e da decadência, pp. 114 e 115.
126
Interessa-nos aqui um breve comentário sobre a eliminação da
possibilidade de a própria Administração prover sobre dada situação, mais
especificamente em matéria de competência invalidadora.
No magistério de Santi Romano, os poderes, entre os quais se coloca o
característico poder de que se vale o Estado, denominado função poder a
serviço de um dever são imprescritíveis. O que pode suceder é que no caso
concreto, o titular do poder seja impedido de exercê-lo
313
. Vale dizer: ceifa-se o
exercício in concreto do poder, que não é de ordem adjetiva, senão substantiva.
Donde concluir-se que em se tratando do exercício da função administrativa,
ocorre decadência e não prescrição.
O mesmo Santi Romano põe cobro à questão em termos insuperáveis, os
quais são merecedores de transcrição literal: “Una di queste figure è quella della
decadenza, che determina l’impossibilità di esercitare un potere in casi singoli,
quando si son lasciati trascorrere i termini prefissi per il suo esercizio, ma il potere
rimane sempre integro e potrà sempre esercitarsi in tutti gli altri casi. L’avere
disconosciuto il principio, su cui abbiamo insistito, che non si hanno tanti poteri
quanti i casi in cui ciascuno di essi si fa valere, ma dei poteri costanti che
rimangono sempre i medesimi attraverso tutti questi casi, ha impedito l’esatta
configurazione della decadenza”.
314
Segue-se daí, logicamente, que, ocorrida a decadência, frente ao
perecimento do próprio “direito” da Administração, também a esta se fecha a via
jurisdicional.
Com efeito, a decadência é um dos obstáculos à invalidação dos atos
administrativos, sem que, entretanto, lugar aos mesmos efeitos da
estabilização.
313
Frammenti di un dizionario giuridico, p. 201.
314
Op. cit., p. 201.
127
Nesse contexto, para que elucidemos os efeitos dimanados da decadência,
é conveniente, uma vez mais, explicitar a fenomenologia da invalidação,
distinguindo três categorias conhecidas: a competência invalidadora, a
invalidade e a invalidação. Em um esforço de síntese, podemos afirmar que a
invalidade é o pressuposto de fato que obriga o exercício da competência
invalidadora, cujo produto é a invalidação (=ato administrativo invalidador).
De conseguinte, a decadência, como alerta com inteira procedência Santi
Romano, não elimina a competência, mas tão-somente interrompe a cópula entre
o fato e a competência. No caso, interrompe o liame entre a invalidade e a
competência invalidadora, impedindo, pois, a produção do ato invalidador. Em
outras palavras, dá-se o fato previsto na regra de competência, mas a decadência
gera um dever de abstenção do agente público.
Isto significa que a decadência impede a invalidação do ato viciado, mas
não extirpa sua invalidade. Vale dizer, o sistema normativo passa a conviver com
uma invalidade, em nome do princípio da segurança jurídica. Donde, se
prenuncia a conclusão: a decadência, diferentemente da estabilização, não
permite a constituição de direitos adquiridos, mercê da subsistência da invalidade
do ato administrativo. O que não impede, segundo pensamos, que um ato seja
estabilizado mesmo depois da ocorrência da decadência. Todavia, em rigor, são
dois fenômenos distintos, porque dotados de conseqüências jurídicas distintas.
O art. 54 da Lei Federal 9.784/99 consagra o prazo de cinco anos para se
ultimar a invalidação dos atos administrativos ampliativos, contados da data em
que foram praticados, se de boa-fé o administrado. Quanto aos restritivos, se
inconvalidáveis, não cessa o dever de a Administração invalidá-los
315
.
315
ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, p. 71.
128
Para os atos ampliativos em que haja má-fé do administrado a lei não
estabeleceu prazo, o que não significa dizer, entretanto, que há, nestes casos, a
eternização da competência para dispor sobre o ato. O princípio da segurança
jurídica inadmite tal exegese. Por isso que haverá de ser buscada uma solução
analógica e, em face do art. 205 do Código Civil, aplicar o prazo de dez anos em
tais situações.
316
316
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 1035.
129
À GUISA DE CONCLUSÃO
Ao cabo desse estudo que pretende ser um ponto de partida para o
aprofundamento do tema no Direito Brasileiro poucas e breves considerações
nos restam.
A primeira diz com a própria finalidade dessa investigação. Ao tentarmos
sistematizar o conteúdo do princípio da segurança jurídica no Direito
Administrativo, buscamos evidenciar todas as virtualidades desse princípio, de
sorte a dar máxima proteção aos direitos dos administrados. A enunciação
abstrata do princípio da segurança jurídica, algo cada vez mais corriqueiro, tem
dado lugar ora a exageros, ora a mutilações indevidas, motivo pelo qual se impõe
sua delimitação em conformidade com a ordem jurídica vigente.
Portanto, assim o fazendo, dá-se a devida dimensão ao princípio da
segurança jurídica, evitando-se, de um lado, a ofensa a outros princípios
constitucionais e, de outro, o amesquinhamento disfarçado de seu conteúdo.
Quanto à classificação que propomos do conteúdo do princípio da
segurança jurídica, a exemplo de toda e qualquer classificação, é presidida por um
juízo operativo e reflete uma dada realidade, em um dado tempo histórico. Logo,
ela não infirma classificações anteriores, tampouco virão infirmá-la classificações
posteriores. As classificações são mais ou menos úteis, nada mais. A divisão entre
certeza e estabilidade parece-nos, tão-somente, que enseja a visão mais clara e
abrangente do princípio da segurança jurídica, de acordo com o Direito Brasileiro
vigente.
Por derradeiro, depois de todas essas colocações, dispensável se afigura
encarecer a importância do princípio da segurança jurídica. Representa ele a
específica eticidade do Direito, nas palavras de Lopez de Oñate, e é reconhecido,
explícita ou implicitamente, por todos Estados Democráticos Contemporâneos.
130
Segundo se nos afigura, o que deve ser verdadeiramente destacado é a
necessidade de respeito integral aos institutos que o realizam, em dado
subsistema normativo.
Se não defendido energicamente o princípio da segurança jurídica,
continuar-se-á a ter um simulacro de Estado de Direito, cujas leis, em vez de
subsidiarem os parâmetros mínimos para que o homem possa orientar sua vida,
agravam seu conatural estado de insegurança.
131
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