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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Mônica Tereza Mansur Linhares
Educação, currículo e diretrizes curriculares
no curso de Direito: um estudo de caso
Volume 1
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Mônica Tereza Mansur Linhares
Educação, currículo e diretrizes curriculares
no curso de Direito: um estudo de caso
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em Filosofia do Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor
Gabriel Benedito Issaac Chalita.
SÃO PAULO
2009
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Linhares, Mônica Tereza Mansur
Educação, currículo e diretrizes curriculares no curso
de Direito: um estudo de caso / Mônica Tereza Mansur
Linhares. 2009.
509 f.
Orientador: Prof. Doutor Gabriel Benedito Issaac
Chalita
Tese (doutorado) Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, Faculdade de Direito.
1. Educação. 2. Currículo jurídico. 3. Diretrizes
curriculares. 4. Núcleo de prática jurídica. 5.
Desconstrução. 6. Cultura.
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DEDICATÓRIA
Às minhas filhas, Marília e Mariana, cuja existência adorável sentido à minha
vida, faz compreender a importância do afeto, perceber minhas deficiências como
ser humano e acreditar na possibilidade de mudança.
Ao meu marido, Milton Linhares, por seu carinho, cumplicidade e inestimável apoio
nesta longa e prazerosa caminhada. Sem ele, este trabalho teria sido impossível.
Às minhas queridas irmãs, Alessandra, Giovana e Débora.
Aos meus cunhados, Renato e Cris, e ao meu irmão, Marcos, pela alegria no
convívio familiar.
À minha mãe, Terezinha Mansur, a quem devo a vida e a convivência com os
valores sagrados do Bem, do Belo e do Justo.
Ao meu querido pai, João da Silva Filho (in memoriam), que me ensinou a nunca
desistir de meus sonhos e a acreditar sem esmorecimento nos ideais pedagógicos
para a construção de um mundo melhor, mais justo e solidário.
Seu exemplo pessoal de que, apesar de todas as dificuldades terrenas, é preciso
sorrir e prosseguir nossa jornada, marcará para sempre minha vida...
AGRADECIMENTOS
Aos meus colegas de mestrado e de doutorado, de modo particular ao colega
Antônio Ernane Calhao, que me conferiu a coragem necessária para o mergulho
inicial no doutorado.
Aos funcionários do Conselho Nacional de Educação (CNE), em Brasília, pelo
apoio e pelo pronto encaminhamento dos documentos e pareceres que subsidiaram
a realização deste trabalho.
Aos alunos do curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL e
a seu corpo docente, em especial ao Prof. Ms. Adriano Assis Ferreira,
Coordenador do curso de Direito, e ao Prof. Sérgio Gabriel, Coordenador do
Núcleo de Prática Jurídica NPJ.
Meus agradecimentos especiais à Reitora da UNICSUL, Profa. Dra. Sueli
Cristina Marquesi, e à sua mantenedora, na pessoa do Prof. Dr. Hermes Ferreira
Figueiredo e de D. Dagmar Rollo Figueiredo, que gentilmente abriram as portas
da instituição e me permitiram elaborar e levar a termo este trabalho.
Aos Profs. Drs. Ives Gandra da Silva Martins, Maria Garcia, Jacy de
Souza Mendonça, Márcio Pugliese, Alysson Leandro Mascaro, Ari Marcelo
Solon e Artur Marques da Silva Filho.
Agradeço especialmente à Profa. Doutora em Ciências da Comunicação, Dra.
Roseli Zanetin Pioli, que muito contribuiu nas reflexões para a realização deste
estudo.
Agradeço à Profa. Dra. Pilar Jover Gea, pelo carinho e apoio logístico..
À Profa. Maria Inês Guimarães Faria, pelo preciso trabalho de leitura,
competência e zelo da revisão, sem o qual a realização deste trabalho teria sido
impossível.
A todos vocês, meu respeito e sincera gratidão.
Agradeço, ainda, aos membros da Banca Examinadora e a todos os que
colaboraram, direta ou indiretamente, na elaboração deste trabalho, pois toda crítica
e sugestão recebida foi importante para dar-lhe feição definitiva.
Agradeço tamm à Profa. Márcia Alvim, pelo ombro amigo e apoio
incondicional, de cujo convívio partilhei durante todo o mestrado na Universidade
Presbiteriana Mackenzie e agora no doutorado, na Pontifícia Universidade Católica
PUC, São Paulo.
Por fim, agradeço com especial gratidão ao querido Prof. Gabriel Chalita,
exemplo de dedicação à vida acadêmica e profissional: por sua disponibilidade
atenciosa ao longo de todo o curso de mestrado e doutorado; pela generosa partilha
de seu grande saber; pela solidariedade e entrosamento.
Sobretudo, por seu afeto na relação educacional. Esse afeto revigora nossos
ideais de vida dedicados ao magistério, ideais que nos parecem afigurar-se a única
ferramenta curricular e pedagógica capaz de modificar a triste realidade educacional
de nosso país. Esse afeto, acima de tudo, leva-nos a crer na realização dos nossos
sonhos e alimenta esperanças num mundo melhor, mais justo e solidário.
Como nos ensina Chalita, o amor é capaz de quebrar paradigmas, barreiras,
ranços. É o amor que nos envolve e nos move.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me
ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu.
Poemas Completos de Alberto Caeiro
Fernando Pessoa
Existir, como ser humano, é crescer. A
caminho da plena realização como pessoa.
Em ligação, interação, comunhão com os
outros seres humanos. Dentro do universo em
que efetivamos o nosso curso ou percurso
curriculum de existência. Como atividade,
processo e aprendizagem, o currículo está
assim, intrinsecamente ligado à dinâmica da
realização. Realizar e realizar-se, de modo
consciente, é em grande parte, desenvolver
intencionalmente o currículo, um currículo.
A realização do ser humano: para a história
das idéias em Educação e Pedagogia.
José Ribeiro Dias
RESUMO
A presente tese de doutorado tem por objeto estudar as novas diretrizes curriculares
nacionais fixadas para o curso de graduação, bacharelado, em Direito. As novas
diretrizes curriculares nacionais foram instituídas para o ensino jurídico pela Câmara
de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação CES/CNE, por força
da Resolução 9, de 29 de setembro de 2004. O trabalho originou-se da
experiência educacional na docência do ensino superior, como Professora e
Coordenadora de Núcleo de Prática Jurídica, no curso de Direito. Objetiva-se
analisar especificamente: a) as formas de realização da interdisciplinaridade
estabelecidas no inciso IV, § 1º, art. da Resolução CES/CNE 9/2004; b) a
forma de implantação e a estrutura curricular do Núcleo de Prática Jurídica a que se
refere o inciso IX, § 1º, art. da Resolução 9/2004, tendo por base a análise de
um Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Cruzeiro do
Sul UNICSUL, que serve como estudo de caso a este trabalho; c) os modos de
integração entre teoria e prática, determinados no art. 2º, inciso V, da Resolução
9/2004. Embora o tema curricular não seja novo para a Ciência da Educação, a
matéria se ressente de abordagem pela Ciência Jurídica. Nesse sentido, o enfoque
do presente estudo é de caráter metodológico interdisciplinar e transdisciplinar, em
comunicação ativa com a Ciência da Educação, com a Pedagogia, a Filosofia e com
a Filosofia do Direito. No que tange à Filosofia do Direito, apresentam-se como
referencial teórico o pensamento de Jacques Derrida cujo conceito de
desconstrução do direito e da justiça fundamenta a pesquisa e o pensamento de
Paulo Freire, na Educação. Fundamenta-se a pesquisa na Teoria Crítica do
Currículo, alicerçando-se o estudo sobre os fundamentos filosóficos da educação e o
conhecimento epistemológico do currículo. Defende-se a tese de que o currículo
jurídico o se constitui meramente numa construção normativa fechada,
determinista e engessada na lei; muito mais que isso, constitui-se além da lei, numa
construção de significativo alcance filosófico, educacional, social e, especialmente,
cultural. Sobretudo, de perspectiva epistemológica aberta, renovável e inacabada,
pois o seu conteúdo é permeado de discursos, relações de poderes, interesses,
escolhas, valores. A normatividade e a prescritividade do currículo constituem
apenas uma de suas dimensões. Por isso, defende-se a tese do currículo jurídico
como fenômeno cultural e, por via de conseqüência, propõe-se a desconstrução das
atuais diretrizes curriculares no curso de Direito e, portanto, uma nova configuração
curricular fundamentada na Educação Jurídica, voltada à formação ética e digna.
Voltada à tolerância, ao respeito das diferenças e da dignidade humana, à
solidariedade e ao humanismo; ao compromisso do currículo com a qualidade do
ensino jurídico, com a construção efetiva da cidadania, impondo-se, assim, uma
mudança de postura dos mantenedores das IES, dos docentes, dos professores,
dos coordenadores e dos alunos, mudança que em muito ultrapassa o pensamento
exclusivamente positivista e dogmático na aplicação do Direito e da Justiça.
Palavras-chave: Educação. Currículo jurídico. Diretrizes curriculares. Ensino
jurídico. Núcleo de prática jurídica. Desconstrução. Cultura.
ABSTRACT
The objective of this Doctoral thesis is to study the new national curricular guidelines
for the graduation, bachelorship in Law. The new national curricular guidelines have
been established for the juridical teaching by the Higher Education Board of the
National Education Council CES/CNE, under the Resolution 9 of the 29
th
of
September, 2004. This study originates from the teaching experience in higher
education as Professor and Coordinator of Juridical Practice Nucleus in the Law
course. More specifically, it seeks to analyze: a) the ways of carrying out the
interdisciplinarity established in item IV, § 1, art. 2 of the Resolution CES/CNE
9/2004; b) The implanting procedures and the curricular structure of the Juridical
Practice Nucleus to which refers item IX, § 1, art. 2 of the Resolution no 9/2004,
based on the analysis of a Juridical Practice Nucleus of the Faculdade de Direito da
Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL, which is used as a study of case for this
work; c) the forms of integration between theory and practice, determined in the art.
2, item V, of the Resolution CES/CNE nr. 9/2004. Although the curricular issue is not
something new to the Education Science, it resents the absence of the Juridical
Science approach. In this sense, the focus of this study is of methodological
interdisciplinary and transdisciplinary character, in active connection with the Science
of Education, with Pedagogy, with Philosophy and Philosophy of Law. Concerning
Philosophy of Law, the study presents, as theoretical reference, the thinking of
Jacques Derrida whose deconstruction of law and justice concept lays the foundation
for research and the thinking of Paulo Freire on Education. The thesis defends that
the creation of these new curricular guidelines for the Law course must not constitute
a mere closed, stagnant, permanent, immutable and finished normative construction
normativity and prescriptability constitute just one of its dimensions. It is therefore
proposed a new curricular configuration based on Juridical Education, aiming at
ethical and honorable education. Dedicated also to tolerance, respect for the
differences and human dignity, solidarity and humanism; curriculum commitment
towards juridical education quality, towards an effective construction of citizenship,
imposing, consequently, a change in the posture of the maintainers of the IES, of the
teachers, of the professors, and of the students; change that by far surpasses the
exclusively positive and dogmatic thinking in the application of Law and Justice.
Key words: Education. Juridical curriculum. Curricular guidelines. Juridical
education. Nucleus of juridical practice. Deconstruction. Culture.
RESUMEN
La presente tesis de doctorado tiene por objeto estudiar las nuevas directivas
curriculares nacionales establecidas para el Curso de graduación, licenciatura, en
Derecho. Las nuevas directivas curriculares nacionales fueron instituidas para la
enseñanza jurídica por la Camera de Educación Superior del Consejo Nacional de
Educación CES/CNE, en virtud de la Resolución 9, de 29 de septiembre de
2004. Este estudio se ha originado de la experiencia educacional en la docencia de
la enseñanza superior, como Profesora y Coordinadora de Núcleo de Practica
Jurídica en el curso de Derecho. Más específicamente, se pretende analizar: a)- las
formas de realización de la interdisciplinariedad establecidas en la subdivisión IV,
§1, art. 2 de la Resolución 9/2004; b) la forma de implantación y la estructura
curricular del Núcleo de Práctica Jurídica a la cual se refiere la subdivisión IX, §1,
art. 2 de la Resolución 9/2004, teniendo como base la análisis de un Núcleo de
Práctica Jurídica de la Facultad de Derecho de la Universidad Cruzeiro do Sul, que
sirve como estudio de caso a este trabajo; c) los modos de integración entre teoría y
practica, determinados en el art. 2, subdivisión V, de la Resolución nº 9/2004.
Aunque el tema curricular no sea nuevo a la Ciencia de la Educación, el mismo se
resiente de la ausencia de abordaje por la Ciencia Jurídica. En este sentido, el
enfoque del presente estudio es de carácter metodológico interdisciplinar y
transdisciplinar, en comunicación activa con la Ciencia de la Educación, con la
Pedagogía, con la Filosofía y con la Filosofía del Derecho. En lo que respecta a la
Filosofía del Derecho, presentamos como referencial teórico el pensamiento de
Jacques Derrida- cuyo concepto de desconstrucción del derecho y de la justicia
fundamenta la investigación - y el pensamiento de Paulo Freire, en la Educación. Se
defiende la tesis de que la implantación de nuevas directivas curriculares para el
curso de Derecho no debe constituir una mera construcción normativa cerrada,
estancada, permanente, inmutable y acabada. La normatividad y la prescriptividad
del currículum solo constituyen una de sus dimensiones. Se propone una nueva
configuración curricular fundamentada en la Educación Jurídica, volcada a la
formación ética y digna. Volcada a la tolerancia, al respeto por la diferencias y a la
dignidad humana, a la solidariedad y al humanismo; al compromiso del currículo con
la calidad de la enseñanza jurídica, con la construcción efectiva de la ciudadanía,
imponiéndose así, un cambio de postura por parte de los mantenedores de las IES,
de los docentes, de los profesores, de los coordinadores y de los alumnos, cambio
que mucho ultrapasa el pensamiento exclusivamente positivista y dogmático en la
aplicación del Derecho y de la Justicia.
Palabras Clave: Educación. Currículo jurídico. Directivas curriculares. Núcleo de
practica jurídica. Desconstrucción. Cultura.
RÉSUMÉ
La présente thèse de Doctorat a pour but étude des nouvelles directives
curriculaires nationales établies pour le Cours de graduation, baccalaurat, en Droit.
Les nouvelles directives nationales ont été établies pour enseignement juridique,
par la Chambre d´Enseigment Supérieur du Conseil National de l´Éducation
CES/CNE, en vertue de la Résolution 9 du 29 de septembre de 2004. Ce travail
provient de l´experience educative dans l´enseignement supérieur en tant que
Professeur et Coordinatrice de Noyau de Pratique Juridique, dans le cours en Droit.
Cette étude vise à analyser, plus précisément: a) les façons de mise en oeuvre
l´interdisciplinarité prévues dans la clause IV, § 1, article 2 de la Résolution
9 /2004; b) la façon d´implantation et la structure curriculaire du Noyau de Pratique
Juridique à laquelle se rapporte la clause IX , §1, article 2 de la Résolution
9/20004, ayant pour base l´analyse d´un Noyau de Pratique Juridique de la Faculté
de Droit de l´UniversiCruzeiro do Sul UNICSUL qui sert comme une étude de
cas à ce travail; c) les modes intégration entre la théorie et la pratique, determinés
par l´art. 2, clause V, de la Résolution n° 9/2004. Bien que le sujet curriculaire ne
soit pas nouveau à la Science de l´ Éducation, il se ressent de l´absence d´approche
par la Science Juridique. Dans ce sens, cette étude met l´accent sur le caractère
méthodologique interdisciplinaire et transdisciplinaire en communication active avec
la Science de l´Éducation, avec la Pédagogie, la Philosofie et avec la Philosophie du
Droit. En ce qui concerne la Philosophie du Droit, on présente comme référence
théorique la pensée de Jacques Derrida dont le concept de desconstrruction du
droit et de la justice est le fondement de la recherche et la pensée de Paulo Freire,
dans l´Éducation. On défend la thèse que l´introduction des nouvelles directives
curriculaires dans le cours de Droit ne doit pas constituer une simple construction
normative fermée, étanchée, permanente, immuable et finie. Le réglément et la
prescription du curriculum ne constituient qu´une de ses dimensions. On propose
donc une nouvelle configuration curriculaire basée sur l` Èducation Juridique, axée
sur une formation éthique et digne. Axée sur la tolerance, le respect pour les
differences et pour la dignité humaine, sur la solidarieté et sur l´humanism; sur
engagement du curriculum à la qualité de l´enseignement juridique, avec la
construction d´une citoyenneté effective, en imposant comme ça, un changement
d´attitude des resposnsables des IES, des professeurs de cadre supérieure, des
professeurs, des coordinateurs et des éléves, changement qui dépasse de loin la
pensée exclusivement positiviste et dogmatique dans l´application du Droit et de la
Justice.
Mots clés: Curriculum juridique. Directives curriculaires. Éducation. Enseignement
juridique. Noyau de pratique juridique. Desconstruction. Culture.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Síntese da concepção da educação nos diversos processos
formativos ......................................................................................... 64
Quadro 2 Número de matrículas no curso de Direito em IES privadas.
Matrículas em Direito ........................................................................ 107
Quadro 3 Quadro representativo das características do positivismo aplicadas
ao ensino do Direito .......................................................................... 140
Quadro 4 Síntese dos conteúdos da teoria tradicional do currículo .................. 223
Quadro 5 Síntese dos conteúdos da teoria crítica do currículo ........................ 223
Quadro 6 Síntese dos conteúdos da teoria pós-crítica do currículo ................. 223
Quadro 7 Configuração estrutural do currículo único do curso jurídico no
Império .............................................................................................. 271
Quadro 8 Configuração estrutural do currículo jurídico na República ............... 274
Quadro 9 Configuração estrutural do currículo mínimo (1962) ......................... 275
Quadro 10 Configuração estrutural do currículo mínimo nacional
(1972-1994) ...................................................................................... 278
Quadro 11 Proposta de configuração estrutural do currículo mínimo nacional
MEC (1980).................................................................................... 280
Quadro 12 Configuração estrutural do conteúdo mínimo do curso jurídico
Portaria MEC nº 1.886/94 .............................................................. 286
Quadro 13 Síntese da configuração estrutural dos currículos jurídicos ao longo
da história ......................................................................................... 294
Quadro 14 Número de Instituições de Educação Superior, por organização
acadêmica e localização (Capital e interior), segundo a Unidade da
Federação e a Categoria Administrativa das IES 2003 ................. 301
Quadro 15 Diferenças entre currículo mínimo e diretrizes curriculares .............. 311
Quadro 16 Síntese da configuração estrutural das Diretrizes Curriculares
na Resolução CNE/CES nº 9/2004 ................................................... 328
Quadro 17 Síntese propositiva de sistema aberto do currículo jurídico .............. 394
Quadro 18 Proposição de novos paradigmas curriculares ................................. 396
Quadro 19 Conteúdo curricular propositivo no eixo de formação profissional
das DCNs para o curso de Direito .................................................... 398
Quadro 20 Paradigma estrutural curricular elaborado por João Baptista
Villela ................................................................................................ 412
Quadro 21 Estudo de Caso Organograma de Funcionamento e Organização
do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL ..................................... 428
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABE Associação Brasileira de Educação
ABEDi Associação Brasileira de Ensino do Direito
ABMS Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino Superior
CES Câmara de Educação Superior
CF Constituição da República Federativa do Brasil
CFE Conselho Federal de Educação
CNE Conselho Nacional de Educação
CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
DOU Diário Oficial da União
IES Instituição de Educação Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação
MS Mandado de Segurança
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PDI Plano de Desenvolvimento Institucional
PNE Plano Nacional de Educação
PPC Projeto Pedagógico de Curso
PPI Projeto Pedagógico Institucional
SESu Secretaria de Educação Superior
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
UNICSUL Universidade Cruzeiro do Sul
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 21
1 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO E DO CURRÍCULO .......... 33
1.1 A Construção do Currículo Jurídico: aspectos filosóficos, educacionais,
culturais e legais ........................................................................................ 33
1.2 Conceito de Educação .............................................................................. 56
1.2.1 Distinção entre educação, ensino e instrução ........................................ 70
1.3 Educação Superior e a Imagem de Futuro do Currículo ........................ 75
1.4 A Universidade e o Currículo .................................................................... 81
1.5 Conceito de Direito Educacional e Fontes .............................................. 94
1.6 Conceito de Direito à Educação ............................................................... 100
1.7 Espécies de Instituições de Educação Superior..................................... 103
1.8 Ensino Jurídico no Setor Privado ............................................................ 105
1.9 Fundamentos Filosóficos da Educação e do Currículo ao Longo da
História ....................................................................................................... 112
1.9.1 Idealismo .................................................................................................... 112
1.9.2 Realismo ..................................................................................................... 123
1.9.3 Naturalismo ................................................................................................ 127
1.9.4 Materialismo histórico-dialético ............................................................... 130
1.9.5 Positivismo ................................................................................................. 133
1.9.6 Intuicionismo ............................................................................................. 147
1.9.7 Reconstrutivismo....................................................................................... 159
1.9.8 Pragmatismo .............................................................................................. 162
1.9.9 Existencialismo .......................................................................................... 164
1.9.10 Humanismo ................................................................................................ 166
1.9.10.1 A educação em Paulo Freire.................................................................. 170
1.9.10.1.1 Visão de currículo em Paulo Freire .................................................... 174
1.9.10.2 A educação e o currículo em Gabriel Chalita....................................... 176
2 CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO .......................................................................... 185
2.1 Origem Etimológica do Termo Currículo ................................................. 185
2.2 Dicionarização do Termo Currículo ......................................................... 186
2.3 Conceito de Currículo e as Diferentes Tradições Curriculares ............. 189
2.3.1 Currículo na Antigüidade Clássica........................................................... 198
2.3.2 Currículo na Idade Média .......................................................................... 202
2.3.3 Currículo na Modernidade ........................................................................ 204
2.3.4 Currículo no Brasil..................................................................................... 207
2.4 Espécies de Currículos ............................................................................. 209
2.4.1 Currículo nacional ..................................................................................... 209
2.4.2 Currículo mínimo ....................................................................................... 209
2.4.3 Currículo pleno .......................................................................................... 209
2.4.4 Currículo oficial ......................................................................................... 210
2.4.5 Currículo oculto ......................................................................................... 210
2.4.6 Currículo centrado nos padrões culturais ............................................... 212
2.4.7 Currículo multicultural .............................................................................. 216
2.4.8 Currículo intercultural ............................................................................... 216
2.4.9 Currículo hegemônico ............................................................................... 216
2.5 Complexidade da Conceituação de Currículo ......................................... 216
2.6 Currículo como Campo de Estudo Específico ........................................ 219
2.7 Teoria do Currículo .................................................................................... 221
3 CURRÍCULO JURÍDICO E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS NO
CURSO DE DIREITO ......................................................................................... 226
3.1 A Problemática da Crise Atual do Currículo Jurídico............................. 226
3.2 Conceito de Currículo Jurídico e Sistematicidade ................................. 261
3.3 Evolução Histórica da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico
no Ordenamento Jurídico Brasileiro ........................................................ 270
3.3.1 Configuração do “currículo único” (1827-1961)...................................... 270
3.3.2 Configuração do “currículo mínimo” (1962-1995) .................................. 275
3.3.3 Configuração do “currículo mínimo nacional” (1980-1990) ................... 279
3.3.4 Configuração do currículo de conteúdo mínimo do curso jurídico”
(1994-2002) ................................................................................................. 282
3.3.5 Configuração das “Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de
graduação em Direito” .............................................................................. 289
3.4 Síntese da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico dos Cursos de
Direito no Brasil ......................................................................................... 293
3.5 O Currículo na Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB
9.394/96 ....................................................................................................... 294
3.6 Conceito de Diretrizes Curriculares ......................................................... 303
3.6.1 As diretrizes curriculares nacionais no Plano Nacional de Educação
PNE lei nº 10.172/2001 ............................................................................ 309
3.6.2 Síntese das diferenças estruturais entre currículo mínimoe diretrizes
curriculares .............................................................................................. 310
3.7 O Conselho Nacional de Educação (CNE) e as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação ............................................................................. 311
3.8 As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Direito .............. 317
3.8.1 Resolução CNE/CES n° 9/2004 ................................................................. 317
3.8.2 Natureza jurídica da Resolução CNE/CES n° 9/2004 .............................. 321
3.8.3 Finalidade das diretrizes curriculares para o curso de Direito .............. 323
3.8.4 Diferenças entre a Portaria MEC 1.886/94 e a Resolução CNE/CES
9/2004 .......................................................................................................... 325
3.8.5 Componentes estruturais curriculares na Resolução CNE/CES nº
9/2004 .......................................................................................................... 326
3.8.6 Síntese da configuração dos conteúdos dos componentes curriculares
dentro dos eixos de formação fundamental, profissional e prática ...... 327
3.8.7 Elementos estruturais na Resolução CNE/CES nº 9/2004 ...................... 329
3.8.8 Formas de realização da interdisciplinaridade na Resolução CNE/CES
9/2004 .......................................................................................................... 329
3.8.9 Modos de integração entre teoria e prática na Resolução CNE/CES
9/2004 .......................................................................................................... 345
3.8.10 Habilidades e competências no currículo jurídico na Resolução
9/2004 .......................................................................................................... 347
3.9 A Flexibilidade, a Descentralização e o Princípio da Autonomia
Universitária na Gestão do Currículo Jurídico ........................................ 353
4 CULTURA E DESCONSTRUÇÃO NO CURRÍCULO JURÍDICO ...................... 367
4.1 Currículo como Construção Cultural ....................................................... 367
4.2 Currículo como Construção Cultural em Henry A. Giroux .................... 377
4.3 Desconstrução na Filosofia Pós-Moderna de Jacques Derrida............. 383
4.4 Desconstrução versus Positivismo Jurídico .......................................... 388
4.5 Síntese Propositiva para a Interpretação de Sistema Aberto de Currículo
Jurídico ....................................................................................................... 394
4.6 Proposições para Desconstrução de Paradigmas para o Currículo
Jurídico ....................................................................................................... 396
4.6.1 Primeira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares
no curso de Direito .................................................................................... 396
4.6.2 Segunda proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares
no curso de Direito .................................................................................... 401
4.6.3 Terceira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares
no curso de Direito .................................................................................... 403
5 ESTUDO DE CASO ........................................................................................... 408
5.1 O Estudo de Caso Institucional do Curso de Direito da Universidade
Cruzeiro do Sul - UNICSUL ....................................................................... 408
5.2 Dados Institucionais da UNICSUL ............................................................ 414
5.3 Coleta de Dados para o Estudo de Caso ................................................. 414
5.3.1 Entrevistas com o Coordenador de curso e Coordenador do Núcleo de
Prática Jurídica da UNICSUL .................................................................... 415
5.3.2 Questionário com os alunos e demais profissionais do Núcleo de Prática
Jurídica da UNICSUL ................................................................................. 416
5.4 O Projeto de Desenvolvimento Institucional PDI e o Curso de Direito da
UNICSUL ..................................................................................................... 417
5.5 O Projeto Pedagógico do Curso de Direito da UNICSUL ....................... 421
5.6 Matriz Curricular do Curso de Direito da UNICSUL ................................ 423
5.7 Estágio Supervisionado do Curso de Direito da UNICSUL.................... 426
5.8 Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da UNICSUL................ 427
5.9 Pontos de Estrangulamento do cleo de Prática Jurídica do Curso de
Direito da UNICSUL ................................................................................... 429
5.9.1 Ausência de sistema de avaliação interna das atividades realizadas no
Núcleo de Prática Jurídica ........................................................................ 430
5.9.2 Ausência de atividade de mediação e arbitragem .................................. 431
5.9.3 Ausência de exame de autos findos ........................................................ 434
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 436
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 445
ANEXOS ................................................................................................................ 486
Anexo A Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004 ...................... 486
Anexo B Pesquisa de Campo Questionário Elaborado para os Alunos do Núcleo
de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL .......................... 491
Anexo C Regimento Interno do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da
Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL ............................................................. 494
Anexo D Parecer da CNE/CES 527/1999, que homologa o reconhecimento do
curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL .............................. 509
21
INTRODUÇÃO
Antes mesmo de começar a empreender, efetivamente,
um itinerário tortuoso, eis sem rodeios, e em linhas
gerais, a tese que submeto à discussão de vocês. Ela
vidistribuída numa rie de proposições. Na verdade,
será menos uma tese, ou menos uma hipótese, que um
compromisso declarativo, um apelo em forma de
profissão de fé, na universidade e, nela, nas
Humanidades de amanhã.
Jacques Derrida
1
O presente trabalho originou-se da experiência na docência do ensino
superior por mais de dez anos. É fruto, também, da experiência com Coordenadoria
de Núcleo de Prática Jurídica em diferentes Instituições de Ensino Superior de São
Paulo.
Essa experiência educacional no curso de graduação, em Direito, fez-se,
contudo, acompanhar de perplexidade, inquietação, angústia e espanto. Trouxe,
porém, uma disposição para a vertigem
2
que nos levou, neste século XXI, a
compreender e enfrentar as transformações que nunca param de se processar em
nosso redor.
No entanto, apresentar um trabalho de Doutorado, é um desafio complexo e
árduo, no qual estão envolvidos, além do conhecimento jurídico, componentes
culturais, sociais, afetivos e pedagógicos, articulados por motivações diversas que
vão ganhando matizes e significados próprios, no contexto de sua realização.
Por esse motivo, pareceu aconselhável situar previamente o conjunto das
reflexões e práticas que constituem o trabalho, em vez de trilhar logo de saída o
itinerário tortuoso” desta tese, a ser oportunamente submetido à crítica.
Conseqüentemente, torna-se importante demarcar algumas constatações a
fim de compreender e contextualizar o objeto de estudo desta tese, que se constitui
na reflexão sobre a problemática das novas Diretrizes Curriculares Nacionais,
instituídas pelo Conselho Nacional de Educação, por sua Câmara de Educação
1
DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. Tradução de Evandro Nascimento. São Paulo:
Estação Liberdade, 2003. p. 13.
2
Conforme adverte Charles Feitosa, “entregar-se ao amor pelo saber ou por alguém exige certa
disposição para a vertigem, para a perda proviria do autocontrole. Na vertigem corre-se o perigo
de queda, mas abre-se tamm a possibilidade de ter prazer com o movimento. Só é capaz de amar
quem tem coragem de perder o prumo”. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro,
2004. p. 17.
22
Superior, para o Curso de Bacharelado, em Direito, por força da Resolução
CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004.
3
A presente tese de Doutorado delimita-se, contudo, em analisar apenas os
seguintes elementos estruturais curriculares de uma universidade privada:
a) as formas de realização da interdisciplinaridade estabelecidas no inciso IV,
§ 1º, do art. 2º, da Resolução CES/CNE n° 9/2004;
b) os modos de integração entre teoria e prática, determinados no art. 2º,
inciso V, da Resolução CES/CNE n° 9/2004;
c) a forma de implantação e a estrutura curricular do Núcleo de Prática
Jurídica a que se refere o inciso IX, § 1º, do art. da Resolução
9/2004, tendo por base a análise empírica de um Núcleo de Prática
Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul
UNICSUL, que serve a este trabalho, como estudo de caso.
Defende-se a tese de que o currículo jurídico não se constitui meramente
numa construção normativa fechada, determinista e engessada na lei; muito mais
que isso, constitui-se além da lei, numa construção de significativo alcance filosófico,
educacional, social e, especialmente, cultural.
4
Sobretudo, de perspectiva epistemológica aberta, pois o seu conteúdo é
permeado de discursos, relações de poderes, interesses, escolhas, valores.
Defende-se, portanto, nesse trabalho, que a implantação das novas diretrizes
curriculares para o curso de Direito o deve se constituir numa construção
normativa imposta, em âmbito nacional, de maneira absolutamente heterônoma,
3
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17.
4
O emprego da palavra cultura muitas vezes não traz o claro sentido semântico do seu significado, o
que tem dado lugar a muitos equívocos; contudo, embora largamente empregado no plano filosófico,
sociológico, antropológico, político, jurídico e educacional, implica muitas alterações no campo das
Ciências Humanas, em geral, bem como no da Filosofia, especialmente na Teoria do Conhecimento.
Emprega-se aqui a definição usada por Goffredo Telles Jr., para quem cultura significa tudo que o
ser humano acrescenta às coisas (homo additus naturae, diziam os clássicos) com a intenção de
aperfeiçoá-las. Abrange tudo que é construído pelo homem em razão de um sistema de valores. O
espírito humano projeta-se sobre a natureza, dando-lhe uma nova dimensão que é o valor. Cultura é
a natureza transformadora ou ordenada pela pessoa humana com o escopo de atender seus
interesses. As obras humanas, como nos ensina Goffredo Telles Jr., não o criações no sentido
rigoroso deste vocábulo; não são tiradas do nada. As criações humanas resultam de uma disposição
dada pelo homem às coisas do mundo, visando ao aperfeiçoamento delas. É o complexo de
adaptações e ajustamento feitos pelo homem, para que as coisas sirvam aos fins humanos. TELLES
JÚNIOR, Goffredo. O Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo:
Max Limonad, 1974. p. 313-318.
23
isolada, estanque, pronta, permanente e acabada. Por isso, defende-se a tese do
currículo jurídico como fenômeno cultural e por via de conseqüência, a
desconstrução de antigos paradigmas
5
curriculares, visando a uma nova
configuração das diretrizes curriculares do ensino jurídico.
Para demonstrar essa tese parte-se da hipótese de trabalho que o currículo
jurídico é, especialmente, uma construção aberta, não-determinista, não-linear,
polissêmica, cultural, permanentemente renovável e inacabada
6
, que implica os
conceitos de complexidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
5
Do ponto de vista filosófico, a noção de paradigma pode ser entendida tanto segundo uma acepção
clássica, como em Platão, quanto segundo uma acepção contemporânea, a partir de Thomas S.
Kuhn (1962). Na visão platônica, um paradigma é um modelo, um tipo exemplar, que se encontra em
um mundo abstrato, e do qual existem instâncias, como em cópias imperfeitas, em nosso mundo
concreto. A noção de paradigma deve ser assim entendida como uma das versões da teoria
platônica das formas ou idéias, sobretudo na obra platônica A República; e tem, portanto, um sentido
ontológico forte, designando aquilo que é real, causa, determinante do que existe no mundo
concreto, dele derivado. Isso dá ao paradigma um caráter normativo, que será importante na
acepção contemporânea. Veja-se PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2002, passim.
Thomas Kuhn, por seu turno, introduz o termo paradigma na obra A Estrutura das Revoluções
Científicas. Para Kuhn, paradigma, de um lado, “indica toda a constelação de crenças, valores,
técnicas, etc. partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo
de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como
modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes
quebra-cabeças da ciência normal; é um modelo de verdade aceito e predominante em determinado
momento histórico. Trata-se de práticas científicas compartilhadas que resultam de avanços
descontinuados, saltos qualitativos e rupturas epistemológicas”. A crise de paradigmas caracteriza-
se assim como uma mudança conceitual, ou uma mudança de visão de mundo, conseqüência de
uma insatisfação com os modelos anteriormente predominantes de explicação. A crise de
paradigmas leva geralmente a uma mudança de paradigmas, sendo que as mudanças mais radicais
consistem em revoluções científicas. segundo Kuhn, causas internas e externas dessas
mudanças. As causas internas são o resultado de desenvolvimentos teóricos e metodológicos dentro
de uma mesma teoria e tamm do esgotamento dos modelos tradicionais de explicação oferecidos
pela própria teoria, o que leva à busca de alternativas. Causas externas são mudanças na sociedade
e na cultura da época, que fazem com que as teorias tradicionais deixem de ser satisfatórias,
perdendo assim o seu potencial explicativo. Devem, portanto, ser substituídas por novas teorias,
mais adequadas a essas ulteriores condições. Freqüentemente ambos os tipos de causa vêm juntos
em um contexto de revolução científica. Veja-se em KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções
científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 218. Contemporaneamente, entende-se que não se
pode insistir na consideração e compreensão de uma Ciência, especialmente a Ciência Social,
incluindo-se a Ciência do Direito, baseada em paradigmas matemáticos, determiveis,
empenhados em construir um conhecimento do social e de saberes sociais, culturais e humanos,
capazes de atingir o mesmo rigor e exatidão atribuída ao conhecimento matemático. A interrupção
do sujeito cognoscente e epistemológico, da sua história, da sua realidade empírica e geográfica, do
não-determinado, do conhecimento do novo, das novas tecnologias, impõe a mudança radical na
compreensão da teoria. Esta, contudo, não pode ser mais considerada com um olhar neutro sobre
aquilo que é, mas deve ser pensada como uma prática social e cultural (des)constitutiva daquilo que
advém, prática esta intimamente ligada e entrelaçada ao contexto global da sociedade na qual ela é
produzida.
6
Nesse sentido, com muita propriedade, indica Paulo Freire: “ensinar exige consciência do
inacabamento. O inacabamento do ser humano ou sua inconclusão é próprio da experiência vital.
Onde há vida, há inacabamento”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 50.
24
Justifica-se a relevância da pesquisa porquanto embora o tema curricular
não seja novo para a ciência da Educação a matéria se ressente de abordagem
jurídica, importando profundamente à própria condução do ensino jurídico do país.
Justifica-se, ainda, o conhecimento filosófico e epistemogico do currículo e
das diretrizes que envolvem o tema: seu sentido e finalidade encontram significado
no próprio processo de construção do conhecimento e do relacionamento do
indivíduo com a sociedade, tornando-se ferramenta imprescindível na construção do
currículo jurídico nos cursos jurídicos.
As diretrizes curriculares dizem respeito ao compromisso maior do Direito com
a construção da cidadania e da justiça social, do olhar crítico e investigativo da
sociedade, motivo mais que suficiente para servirem de análise à presente tese.
Saliente-se, contudo, que o trabalho no campo curricular está intimamente ligado
não somente à Ciência do Direito e à Filosofia do Direito, mas ainda a outros
campos de inquirição do conhecimento, como a Educação, a Filosofia da Educação,
Estudos de Política, História da Educação e Sociologia.
Partiu-se de abordagem metodológica sistemática, com base na
complexidade de interpretação da norma, que requer o conhecimento de outros
campos do saber, que não exclusivamente o estudo do Direito, tais como a ciência
da Educação, a Filosofia da Educação, a Pedagogia.
De maneira que, sem um quadro teórico proveniente de outras ciências, o
trabalho curriculista não se torna profícuo. Isso porque a especificidade do campo do
currículo jurídico reconhece-se na sua conexão com a prática educacional e com os
contextos sociais e culturais, em que está inserido o conhecimento curricular,
conexão essa, entretanto, que o distingue dos outros importantes domínios da
educação.
Portanto, defende-se que a norma jurídica regulatória que instituiu as
diretrizes curriculares nacionais encontra-se conectada com os fenômenos
educacionais e, em vista da complexidade de sua exegese, deve ser analisada de
maneira interdisciplinar e transdisciplinar.
Discutem-se questões epistemológicas de perspectiva aberta, considerando
que, apesar da independência formal, o investigador curriculista não pode libertar-se
seja das perspectivas introduzidas pelas ciências de Educação, seja das
25
concepções do Direito e de outras ciências, buscando sempre a interlocução
interdisciplinar e transdisciplinar com outros ramos do conhecimento.
Tendo em vista que o objeto da nossa investigação apresenta aspectos
teóricos e práticos, a exposição sobre as diretrizes curriculares no Direito adotará a
forma dedutiva
7
dialética
8
, localizando quer o conceito de educação, de currículo,
como tamm, o de diretrizes curriculares e sua desconstrução, em suas origens
históricas, filosóficas e educacionais, suas etimologias, evolução e finalidade no
Direito Educacional pátrio.
Analisa-se a classificação conceitual da norma jurídica que institui as
diretrizes curriculares e sua natureza, ponderando as conseqüências jurídicas dessa
classificação para o ordenamento jurídico educacional brasileiro.
Analisa-se, especialmente, sua natureza jurídica e sua caracterização na
Teoria Crítica do Currículo e dos Direitos Humanos Fundamentais e na
Hermenêutica Constitucional bem como sua consagração no ordenamento jurídico
educacional atual.
A compreensão das diretrizes curriculares para determinar-lhe a clareza, a
força e o alcance de significados para a Ciência do Direito implicará a análise do
dispositivo em apreço, adotando a investigação como método
9
científico
10
a
7
O método dedutivo parte de argumentos gerais para particulares. Primeiramente, o apresentados
os argumentos que se consideram verdadeiros e inquestionáveis para, em seguida chegar a
conclusões formais, que essas conclusões ficam restritas única e exclusivamente à lógica das
premissas estabelecidas. Quando você adota o método dedutivo, o que irá fazer é ter um conjunto
de premissas que deverão fundar todos os procedimentos que você optou por utilizar. Possibilitando
levar o investigador do conhecido para o desconhecido com uma margem pequena de erro. É um
método que tem sido largamente utilizado. Cf. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Claúdia Servilha.
Manual de metodologia da pesquisa no Direito. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 65-68.
8
Não se trata aqui da metodologia dialética-marxista. A perspectiva adotada visa à interpretação da
construção do currículo jurídico sob uma perspectiva epistemológica aberta, inacabada, a construir.
Por isso, valemo-nos da dialética, processo exegese pelo qual “as coisas não são analisadas na
qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está „acabada‟, encontrando-se
sempre em vias de se transformar, desenvolver. O mundo não deve ser considerado como um
complexo de „coisas acabadas‟, mas como um complexo de processos em que as coisas, na
aparência esveis, do mesmo modo que os seus reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias,
passam por uma mudança ininterrupta de devir e de decadência, em que, finalmente, apesar de
todos os insucessos aparentes e retrocessos momentâneos, um desenvolvimento progressivo acaba
por se fazer.” Cf. MARCONI, Mariana de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de
metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003. p. 100-101.
9
Segundo aponta Maria Helena Diniz, a palavra método é formada pela justaposição de dois
vocábulos gregos: meta e odos. Meta com o significado de fim, objeto que tende a uma atividade,
através de, mediante. Odos equivale a caminho, trâmite. O composto método quer dizer caminho
para, o meio para o fim, ou seja, é o caminho ordenado que conduz a ciência dos enunciados
verdadeiros. Sobre a noção de método e sua importância para a ciência. DINIZ, Maria Helena.
Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 30. [nota de rodapé
26
abordagem de perspectiva sistemática aberta
11
, que possibilite desta forma o
tratamento rigoroso e o resultado eficiente do trabalho.
A pesquisa parte dos seguintes pressupostos de interpretação:
a) de que a norma jurídica de Direito Educacional, instituída pela Resolução
do CNE/CES n° 9/2004 apresenta um elevado “teor metajurídico”
12
;
b) do postulado de que “não há norma sem interpretação”
13
;
57]. Nesse sentido veja-se tamm: MONTORO, André Franco. Os princípios fundamentais do
método no Direito, São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942. p. 40. ESTEVEZ, José Lois,
Investigación científica y su propedêutica en el derecho. Caracas, 1970. p. 74. REALE, Miguel.
Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 10. HESSEN, Johannes. Tratado de
Filosofia. Buenos Aires: Sudamérica, 1957. p. 392. (Tomo I). LALANDE, André. Vocabulário
técnico e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 679-680.
10
Afirmam Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro que a observação dos métodos científicos é
estritamente necessária para que a pesquisa seja considerada científica devendo ser ela aplicada
na investigação acadêmica. Veja-se MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual
de metodologia da pesquisa no Direito. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 60.
11
A palavra sistema possui um significado bastante comum, contudo seu conceito tem uma longa
história, que poderia incluir ilustres nomes como Nicolau de Cusa, Paracelso, Vico, Marx, Kant,
Hegel, etc. Sistema pode ser entendido como um conjunto complexo, cujas partes ou componentes
se relacionam de tal modo que o próprio conjunto se comporta, em certos aspectos, com uma
unidade e não como um mero agregado de elementos. BUNGE, Mário. Epistemologia. São Paulo:
USP, 1980. p. 89. Contudo, adota-se aqui a definição de Bertalanffy, o pai da Teoria Geral dos
Sistemas, para quem o sistema é um conjunto de elementos inter-relacionados, de forma
coordenada, em que cada elemento vincula-se direta ou indiretamente ao outro. Von Bertalanffy
ressalta, nessa obra, que leva o mesmo nome de sua Teoria, ter sido levado à idéia de sistema por
ter notado, em 1920, lacunas na pesquisa e na Teoria da Biologia. O autor entendia que, nesse
campo, o ponto de vista mecanicista e reducionista era insuficiente e inadequado fazendo com que
ele passasse a advogar uma concepção organística que acentuasse a consideração dos
organismos como totalidades. O autor confessa, ainda ter abandonado a tradição neopositivista do
Círculo de Viena na qual tinha sido educado. Com essas preocupações, abandonou os modelos
lineares de pesquisa e passou a procurar uma nova concepção básica, que encarasse o mundo da
organização, mesmo sabendo que isso iria alterar as categorias básicas nas quais repousa o
pensamento científico, além de influir, profundamente, nas atitudes práticas, ligadas à ciência e ao
pensamento em geral. Essas preocupações de Bertalanffy foram reforçadas e complementadas
com a emergência de um feixe de novas disciplinas, como a cibernética, a teoria da informação, a
teoria dos jogos, a teoria das decisões e outras. Com tudo isso, consolidaram-se, enquanto novas
estruturas conceituais, quer a iia de “sistema”, quer a “teoria de sistemas”, quer o “enfoque ou
abordagem sistêmica”. Cf. BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas: fundamentos,
desenvolvimento e aplicações. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 30; 38; 62-63; 82. No presente
trabalho, valemo-nos dessa contribuição, para entender que em sentido amplo a educação, como
fenômeno complexo pode ser encarada, sob o chamado enfoque sistêmico, pois admite ummero
infinito de variáveis, fatores, concepções. Sistema complexo esse que é, contudo, dinâmico, não é
uma reunião estática de elementos estagnados no tempo e no espaço. Ele se altera, muda de
acordo com as trocas que faz com os outros elementos do sistema e com o próprio ambiente em
que está inserido. É ainda um sistema aberto, já que interage com o ambiente, com outras ciências
tais como o Direito e com a Filosofia. Quando falamos em sistema aberto, é por que entendemos
que ele está em interação com o meio, pois o contrário, num sistema fechado de método de
abordagem ele estaria isolado do meio.
12
RANIERI, Nina Beatriz. Autonomia universitária: as universidades públicas e a Constituição
Federal de 1988. São Paulo: Edusp, 1994. p. 10.
13
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 68.
27
c) que o método de abordagem utilizado para captar a força, alcance e
conteúdo epistemológico das diretrizes curriculares nacionais será a
interpretação sistemática dialética.
Tendo em vista a perspectiva epistemológica de tratamento curricular aberto
fundamenta-se esta tese nos seguintes referenciais teóricos:
a) a teoria crítica do conhecimento
14
;
b) o pensamento de Edgar Morin, cujo método epistemológico da
complexidade, da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade,
especialmente aplicados ao conhecimento do currículo e suas diretrizes, é
o nosso referencial teórico;
c) a teoria crítica do currículo;
d) o pós-estruturalismo, corrente do pensamento da qual faz parte Jacques
Derrida, no que se aplica especialmente ao que Derrida denominou
desconstrução”;
e) a perspectiva teórica do currículo como cultura no pensamento de Henry
A. Giroux;
f) a teoria dos direitos humanos fundamentais e a hermenêutica
constitucional;
g) a concepção culturalista do Direito;
h) o pensamento sobre educação e currículo, de Gabriel Chalita;
i) no embasamento teórico e educacional alicerçados no pensamento de
Paulo Freire, por concordarmos com sua premissa sobre a educação e a
condição humana: O homem é um ser inconcluso e precisa ter nítida
14
Segundo Johannes Hessen a Teoria do Conhecimento é uma disciplina filosófica independente,
como o nome diz é uma teoria, isto é uma interpretação e uma explicação filosófica do
conhecimento humano que deve ser precedida de uma observação e de uma descrição exatas do
objeto. No conhecimento defrontam-se um sujeito cognoscente (ou uma consciência) e um objeto,
sujeito e objeto. HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
p. 19, 20. O conhecimento então aparece como uma relação entre esses dois elementos. O
conhecimento pode ser definido como a apreensão do objeto pelo sujeito. Todo conhecimento,
portanto, pressupõe dois elementos o sujeito que quer conhecer e o objeto a ser conhecido que,
se apresentam, dentro dessa relação. Só há saber para o sujeito cognoscente se houver um mundo
a conhecer, mundo este do qual ele é parte, uma vez que o próprio sujeito pode ser objeto de
conhecimento. As teorias e os conceitos tamm nos permitem conhecer mais ou menos a
realidade que nos cerca, dependendo do seu grau de complexidade. Para André Lalande a teoria
do conhecimento é o estudo da relação que o sujeito e o objeto mantêm entre si no ato do
conhecimento. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins
Fontes. p. 1128. Portanto, é possível afirmar-se que por Teoria do Conhecimento denomina-se um
conjunto de especulações que têm como objetivo determinar o valor e os limites do nosso
conhecimento.
28
consciência de sua incompletude
15
e, é na inconclusão do ser, que se
sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente.
16
Parte o trabalho da inquietação filosófica da seguinte premissa: o currículo
jurídico pode efetuar mudanças na vida das pessoas e nas instituições de educação
superior.
Por tudo isso, entende-se que a problemática que cerca as diretrizes
curriculares deve ser compreendida não somente à luz da análise exclusivamente
legalista, mas também de uma abordagem crítica frente ao sistema jurídico, filosófico
e educacional. Voltada assim à compreensão epistemológica de sistematicidade
aberta do currículo, sobretudo, humanística do ensino jurídico, pois, entende-se que
compreender
17
um objeto de conhecimento a fim de apreender intimamente seu
sentido, seu significado, demanda abranger o tema da pesquisa na totalidade de
seus fins, ou seja, nas suas conexões de sentido.
Nas palavras de Goffredro Telles nior
18
descobrindo o que ele é em si
mesmo e em confronto com o que deve ser”.
Cumpre, entretanto, evitar refletir sobre o currículo e suas diretrizes numa
perspectiva restrita e fragmentária do fenômeno epistemológico, responsabilizando
exclusivamente o currículo como o vilão das mazelas do ensino jurídico pátrio.
Incorrer nesse erro é ignorar a complexidade que cerca o tema das diretrizes e as
relações de conexão que permeiam o seu entorno.
15
No mesmo compasso, Paulo Freire afirma: “O inacabamento do ser humano ou sua inconclusão é
próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento”. É na inconclusão do ser, que se sabe
como tal, que se funda a educação como processo permanente. FREIRE, Paulo. Pedagogia da
autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 50-58.
16
Cf. Ibid., p. 50-58. Por essa premissa devemos entender que a educação é fundada na necessidade
do conhecimento. Sabedores da inconclusão homens e mulheres procuram assim, ao longo de suas
vidas, saber mais. Esse buscar constante é característica essencialmente humana, baseada na
esperança.
17
Para Miguel Reale: “compreendemos um fenômeno quando o envolvemos na totalidade de seus
fins, nas suas conexões de sentido. Assim, compreender não é ver as coisas segundo nexos cau-
sais, mas é ver as coisas na integralidade de seus sentidos ou de seus fins, segundo conexões vi-
venciadas valorativamente”. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva,
1986. p. 86. Em acréscimo, adverte Emílio Betti: “O propósito básico do jurista não é simplesmente
compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movi-
mento no contexto, mas tamm determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em
presença dos dados atuais de um problema”. BETTI, Emilio. Interpretazione della legge e degli
atti giuridici. Milano: Giuffrè, 1949. p. 22 et seq.
18
Para Goffredo Telles Júnior: “compreender um objeto de conhecimento é saber seu sentido, seu
significado, é descobrir o que ele é, em si mesmo e em confronto com o que deve ser”. TELLES
JÚNIOR, Goffredo. Palavras do amigo ao estudante de Direito: bosquejos extra-curriculares,
proferidos no escritório do professor em 2002. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 138.
29
O instituto jurídico das diretrizes curriculares parece-nos ser no contexto do
direito à educação (Paidéia), o que mais se relaciona com os outros ramos do
mundo do saber, exigindo do estudioso curriculista, no dizer de Immanuel Kant, uma
mentalidade alargada”, uma compreensão sistemática aberta, voltada para um
conhecimento orgânico do todo. Impondo-se pari passu analisar cada obstáculo
para transpô-lo e finalmente desconstruí-lo, a fim de conferir-lhe novo significado.
Dentro desse contexto apresentam-se as seguintes problematizações: será
que esse novo paradigma normativo de diretrizes curriculares de natureza jurídico-
educacional será capaz de alterar a realidade dos cursos jurídicos, no Brasil,
conciliando a imprescindível teoria e prática jurídica?
Ainda, esse novo quadro normativo, instituído por força da Resolução
CNE/CES 9/2004
19
, seja capaz de construir uma postura interdisciplinar e
transdisciplinar que se entende absolutamente indispensáveis a um adequado
currículo jurídico nos cursos de Direito, a fim de enfrentar o cenário de globalização,
complexidades, incertezas, turbulências e dificuldades do século XXI?
É possível crer nas Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas pela
Resolução 9/2004, como solução mágica para a modificação e reconfiguração do
ensino jurídico no Brasil? O fundamento para a instituição das diretrizes curriculares
é um fundamento racional de direito e justiça, ou apenas um ato de fé que a
configuração curricular e, por via de conseqüência, o ensino do Direito vai se
modificar?
O trabalho foi inspirado pela seguinte reflexão: é possível crer que as novas
diretrizes e exigências curriculares sejam capazes, por si de modificar, como num
passe de mágica, a configuração da realidade e o sombrio diagnóstico nacional que
se configura para o ensino jurídico brasileiro?
Indaga-se, todavia, se a resposta afirmativa a essa reflexão não lavraria o
atestado de ingenuidade na crença positivista de que o Direito pode mudar tudo,
inclusive a percepção e a realidade do nosso mundo. Sem discutir e refletir sobre
essas questões, não há como num panorama tão complexo construir uma
configuração curricular adequada ao atual ensino jurídico brasileiro.
19
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção
1, p. 17.
30
Os esforços, neste trabalho, são orientados, assim, para a elaboração de uma
educação jurídica dialógica, num processo de ensino do direito e na configuração de
um currículo jurídico, construídos em consenso, numa perspectiva viva, rica,
humanística, criativa e relacional. Inserida, sobretudo numa perspectiva
epistemológica de sistema aberto de percepção e compreensão de mundo, que
permita ao aluno e aos professores do curso de Direito, a conversa e o diálogo para
que possibilitem criar ordens de estruturas mais complexas e interdisciplinares entre
as disciplinas, as matérias e as idéias. Muito mais do que nas estruturas de currículo
jurídico fechado de hoje.
Paradoxalmente, o que se percebe, é que as diretrizes curriculares dos
cursos de Direito são elaboradas, em geral, no paradigma do currículo fixo, cuja
configuração atual assenta-se na educação jurídica tradicional, com aulas
expositivas, sob a forma da leitura exclusiva da lei e de códigos.
Dentro desse complexo panorama, considerando o abismo no cumprimento
da finalidade educativa no ensino superior brasileiro, em especial no curso de
bacharelado em Direito; considerando, ainda, a inadequação entre o ensino e o
currículo jurídico com a realidade do mundo e dos problemas complexos e globais,
mas tamm locais, cabe indagar:
De que modo enfrentar as inúmeras mudanças e turbulências que ocorrem
em nosso entorno? A que meios recorrer para que os alunos do curso de Direito
desenvolvam suas próprias capacidades, e se eduquem para a própria mudança? O
que essa finalidade e intenção educativa significam em termos de (des)construção
do texto normativo que instituiu, em âmbito nacional, as atuais diretrizes
curriculares? Ainda, em termos de dimensão substancial de currículo jurídico, de
autonomia e de flexibilidade na atual configuração do currículo jurídico brasileiro?
Para a comprovação das hipóteses desta tese e cumprimento dos objetivos
apontados, estrutura-se o trabalho da seguinte maneira:
na introdução do trabalho, delimita-se o tema de estudo, os objetivos e
hipóteses de trabalho, expõe-se a justificativa, relevância, metodologia e
estrutura da pesquisa;
no capítulo I, apresenta-se um panorama e o conceito de educação nas
diferentes concepções no campo da filosofia da educação ao longo da
31
história, e apresenta-se a distinção entre educação, ensino, instrução,
conceito de Direito à Educação e Direito Educacional;
no capítulo II, apresenta-se a idéia e o conceito de currículo, origem
etimológica, suas espécies, sua complexidade e configuração no decorrer
dos diferentes momentos históricos, bem como a sua apresentação no
campo da teoria crítica curricular;
no capítulo III, apresenta-se o conceito de currículo jurídico, a problemática
da crise curricular no ensino jurídico, as diferentes configurações do
currículo ao longo da evolução histórica e legislativa, suas espécies na
dogmática jurídica, bem como o conceito de diretrizes curriculares.
Analisa-se tamm nesse capítulo, o currículo jurídico à luz do Princípio
Constitucional da Autonomia Universitária, e a configuração das diretrizes
curriculares, especialmente a Resolução CES/CNE 9/2004, face à
legislação de Direito Educacional;
no capítulo IV, apresenta-se o conceito de desconstrução em Jacques
Derrida e o currículo como construção cultural; além de proposições sobre
a desconstrução das atuais diretrizes curriculares.
no capítulo V, apresenta-se o estudo de caso do núcleo de prática jurídica
de uma universidade privada.
Ao final, apresentam-se, as conclusões do trabalho, visando a construir um
novo panorama curricular para o ensino jurídico. Comporta registrar por derradeiro
que a discussão para a cncia do Direito, do ponto de vista do currículo, é
imperiosa, sobretudo porque é real a possibilidade de mudanças para o ensino
jurídico cuja modificação, entende-se, passa necessariamente por essa instância;
não sendo suficiente alterar apenas uma estrutura normativa por outra para
solucionar o impasse em que ficou preso o ensino jurídico.
Importa, assim, apresentar a configuração das novas diretrizes curriculares
instituídas em conjunto com a mudança de comportamento e de postura dos
próprios mantenedores, dos docentes, dos alunos e dos coordenadores de curso, ao
que se aliaria de forma muito benfazeja a mudança de atitude também dos agentes
fiscalizadores e avaliadores do Ministério da Educação.
Como proceder? Não respostas absolutas, prontas e acabadas, que é
vasto o campo para a especulação. Entretanto, ausente a discussão no campo
32
curricular, não como definir uma grade adequada para o ensino do Direito e da
Justiça.
Por isso, pretendeu-se trazer uma contribuição para a ciência do Direito,
porém, entende-se que as linhas da tese aqui traçadas refletem os possíveis, mas
não os únicos caminhos do conhecimento que apontam para as questões ora
propostas, sem resvalar, evidentemente, na pretensão falaciosa de atingir a verdade
absoluta sobre o tema, pois se entende, na esteira de Montaigne
20
que “só os loucos
têm certeza absoluta em sua opinião”.
20
O pensamento final é extraído de Michel Montaigne, que em seu Ensaio da educação das crianças
assim afirma: “apresentem-se-lhes todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não
puder fique na dúvida, pois os loucos têm certeza absoluta em sua opinião”. MONTAIGNE, Michel
de. Os Ensaios. São Paulo: Martins Fontes. p. 216. Livro I, cap. XXXVI.
33
1 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO E DO CURRÍCULO
O currículo é a mediação da educação.
Antônio J. Severino
21
1.1 A Construção do Currículo Jurídico: aspectos filosóficos, educacionais,
culturais e legais
No campo do Direito, as diretrizes curriculares são entendidas como normas
de conduta regulatória, de natureza jurídico-educacional, emanadas de norma
jurídica do Direito Educacional, por órgão juridicamente competente. No entanto, as
diretrizes curriculares instituídas recentemente para o curso de bacharelado em
Direito, constituem-se muito mais do que a simples obediência fria e positivista da
norma regulatória imposta pelo órgão educacional competente.
Com efeito, é o estudo dos fundamentos filosóficos da educação e do
currículo, que orientam as diretrizes curriculares e a construção do currículo jurídico
e influencia na configuração dos cursos de Direito, ipso facto do ensino jurídico,
atingindo, portanto, diretamente a estrutura do currículo jurídico.
Em sentido amplo, investigar as diretrizes curriculares constitui-se, em melhor
oportunidade de compreender as importantes relações referentes ao currículo
jurídico, o que vale dizer, debruçar-se sobre aspectos do currículo e em conexão
com os temas da educação, ensino superior, ensino jurídico, formação jurídica,
currículo e sociedade, filosofia e cultura.
Em sentido estrito, o estudo das diretrizes curriculares orientadoras do curso
de Direito constitui-se em oportunidade de construção da própria cidadania.
Na sua dimensão substancial, o estudo das diretrizes curriculares diz respeito
à própria efetividade do Direito à Educação Superior, à qualidade de ensino jurídico
oferecido pelas diferentes modalidades administrativas de Instituições de Ensino
Superior IES, em seus cursos jurídicos, à qualidade de elaboração de novos
paradigmas que envolvem a complexa problemática do ensino jurídico no País.
21
SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD,
1994. p. 10.
34
Nesse sentido, o currículo deve representar, portanto, uma preocupação do
Estado brasileiro
22
e das autoridades que se responsabilizam pelas definições e
decisões no campo jurídico-educacional sobre o desenvolvimento da educação
superior no Brasil.
As diretrizes curriculares são, por um lado, importante instrumento que
articula possibilidades, necessidades, interesses, pretensões e perspectivas em um
conjunto de escolhas, ações, ênfases, interpretações, mas, por outro lado, podem,
muitas vezes, articular omissões, supressões, impropriedades, excessos, injustiças,
preconceitos e erros.
Por isso, examinar as diretrizes curriculares, no curso de graduação em
Direito, é de grande relevância para a sociedade, para o Estado, para a comunidade
acadêmica e profissional e para os agentes educacionais envolvidos. Contudo, é
preciso retroceder-se aos fundamentos filosóficos da educação para ter-se o
currículo jurídico e a real dimensão e alcance das atuais diretrizes curriculares
instituídas para o curso de Direito.
A idéia de currículo é de longa tradição na história da humanidade, e
relaciona-se diretamente com a questão da educação, pois diz respeito diretamente
à sua prescrição e seu programa liga-se, assim, à idéia de como as coisas
deveriam ser em educação e quais os seus conteúdos.
Com efeito, desde os primórdios da história da humanidade, ambas as
questões caminham juntas e encontram-se indissociavelmente imbricadas.
22
Para um estudo crítico sobre a interferência excessiva do Estado, especialmente da União, em
matéria de Direito Educacional, remete-se à leitura da obra de Nina Beatriz Ranieri, fruto de sua
tese de doutorado sobre educação superior apresentada no Departamento de Direito e do Estado
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ranieri, nesse sentido, assevera: “O Estado
brasileiro tem presença expressiva no campo da educação superior: planeja, define políticas e as
executa; legisla; regulamenta; interpreta e aplica a legislação por meio dos Conselhos de Educação;
financia e subvenciona o ensino, a pesquisa e a extensão de serviços; mantém universidades e
demais instituições públicas de ensino superior; oferece diretamente ensino de graduação e pós-
graduação; autoriza, reconhece, credencia, recredencia, supervisiona cursos e instituições;
determina suas desativações; avalia alunos, cursos e instituições por todo o País; interfere na
organização do ensino; estabelece diretrizes curriculares, etc. Tudo se na esfera pública e na
privada, e em relação a todos os sistemas de ensino”. RANIERI, Nina Beatriz. Educação Superior,
Direito e Estado: na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96). São Paulo: EDUSP, FAPESP,
2000. p. 23.
35
Corrobora esse entendimento Daniel Tanner
23
apontando que, o caminho de
virtualmente todas as sociedades civilizadas foi acompanhada de prescrições
educacionais e de programas para a aculturação de gerações sucessivas.
De fato, servem de exemplos para essa afirmação, o pensamento e a obra de
autores como: Platão, Aristóteles, Comenius, Rousseau, Kant, Padre José de
Anchieta, Piaget, Paulo Freire, Alceu Amoroso Lima, Darcy Ribeiro, Anísio Spínola
Teixeira, entre tantos outros que, em civilizações e épocas diferentes, preocuparam-
se em discutir a natureza da educação e em fornecer subsídios para orientar seus
objetivos e sua execução mediante os currículos.
Trata-se, portanto, da seguinte problemática: em saber “o quee “como” se
deve ensinar em instituições educacionais, ainda, “o que deve” e “de que forma”
deve ser apreendido, conhecido
24
, sobretudo, compreendido pelo processo
educativo e mediado pelo currículo
25
, ao longo da vida, pelo sujeito cognoscente.
26
A palavra currículo
27
deriva do verbo latino currere
28
, que significa correr,
carreira, dar uma carreira sem parar, entrar a correr, ou ainda, caminho, jornada,
trajetória, percurso a seguir, por isso, encerra duas idéias principais:
a) uma noção de seqüência ordenada;
b) uma noção de totalidade de estudos.
23
TANNER, Daniel. Curriculum development. New York: Mc Millan Publishing Co., 1975. p. 3
24
Conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. Segundo Goffredo Telles Jr., “é a
operação imanente pela qual um sujeito pensante representa um objeto. É o ato de pensar um
objeto, ou seja, torná-lo presente à inteligência”. Assim, conhecimento para esse autor, é a tradução
cerebral de um objeto. É o renascimento do objeto conhecido, em novas condições de existência,
dentro do sujeito conhecedor. Para Telles Jr. esse renascimento alterará de certa maneira o sujeito
cognoscente, porque a coisa conhecida será sua parte integrante. Ainda, segundo Telles Jr., o
vocábulo conhecimento decorre de cognasci, significando conhecimento. TELLES JÚNIOR,
Goffredo. O Direito quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max
Limonad. p. 189; 204. Veja-se também a obra de HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento.
São Paulo: Martins Fontes, 2003, passim.
25
Segundo afirma Antônio Joaquim Severino: “o currículo é a mediação da educação”. Veja-se sua
obra Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. p. 10.
26
Sujeito cognoscente é aquele que conhece. Nesse sentido indicam: REALE, Miguel. Filosofia do
Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 48. MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do
Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 70-76.
27
Há autores, como Flávia Terigi que, mesmo em língua portuguesa, preferem manter a palavra latina
curriculum, cujo plural é curricula, por se tratar de termo mais utilizado na literatura específica.
TERIGI, Flávia. Notas para uma genealogia do curriculum. Revista Educação & Realidade, Porto
Alegre, v. 21, n. 1, p. 159-186, jan./jun. 1996. Na literatura pedagógica e documentos oficiais
jurídicos, usa-se, porém, o termo currículo.
28
Conforme aponta o dicionário Novíssimo Dicionário Latino- Português. Rio de Janeiro: Livraria
Garnier, 2000. p. 328.
36
A noção literal de currículo carrega, portanto, a idéia de continuidade e
seqüência, o caminho ou o percurso a ser seguido.
O currículo, assim compreendido, se configura na estrada, ou seja, no
caminho que o aluno irá percorrer para poder graduar-se no curso escolhido.
O currículo, no contexto educacional diz respeito à construção e seqüência
dos conteúdos (quando ensinar), às formas de estruturar e acompanhar as
atividades de ensino e de aprendizagem (como ensinar e avaliar a aprendizagem) e
às competências e habilidades a desenvolver (o quê e por quê ensinar).
No contexto pedagógico, o currículo diz respeito ao conjunto estruturado de
disciplinas e atividades, organizado com o objetivo de possibilitar seja alçada certa
meta educacional.
No contexto pedagógico, o currículo diz respeito ainda ao significado de
“ordem como seqüência” e “ordem como estrutura”, ou seja, além de expressar os
conteúdos de ensino, é tamm estabelecida a ordem de sua distribuição por
aqueles que definem o curso. Nesse sentido perpassa uma concepção de
prescrição.
José Gimeno Sacristán e A. I. Pérez-Goméz
29
aponta que o currículo, sob a
ótica pedagógica prescritiva, implica a idéia de regular, e controlar a distribuição do
conhecimento, além de estabelecer a ordem de sua distribuição.
Ressaltam os referidos autores
30
que o currículo possui papel regulador da
prática e, portanto, regulador da ação educativa.
Com base nessas constatações, o conceito de currículo oficial, constitui-se a
prescrição legal da organização das matérias/disciplinas a serem trabalhadas na
instituição de ensino e demais orientações tais como conteúdos, didáticas,
avaliações.
No contexto da Justiça, a construção do currículo jurídico, de seu conteúdo e
de suas diretrizes diz respeito ao compromisso maior do Direito com a própria
construção da cultura, da cidadania e da justiça social, do olhar crítico e investigativo
sobre a nossa sociedade, visando superar desigualdades sociais. Junto com suas
29
SACRISTÁN, José Gimeno; MEZ, A. I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998. p. 119.
30
Ibid., p. 119.
37
diretrizes, diz respeito igualmente à possibilidade de acreditar na mudança pela
educação e com a educação para construir uma sociedade mais justa, fraterna e
humana.
Nesse sentido, entende-se que a justiça está intimamente ligada à base
normativa da educação, e ao posicionamento ético no modo como se pensa e atua
nos currículos das instituições de ensino que oferecem os cursos de Direito.
Pensar o currículo significa refletir sobre os arranjos organizacionais mais
apropriados para as escolas de Direito. Contudo essa reflexão não é meramente um
debate organizacional, ele é tamm ético, porque o que está em causa é a prática
futura da educação, é a prática de justiça social expressa em normas e em padrões
de ensino, que podem muitas vezes, seguir lógicas diversas e sentidos de
moralidade também distintos do adequado.
No contexto do ensino jurídico, o currículo jurídico, diz respeito à configuração
de novos paradigmas para a formação do aluno no curso de Direito, cujos modelos
anacrônicos de aula, como aponta José Renato Nalini
31
[...] continuam prelecionais, com ênfase na leitura da lei, permeadas de
lições doutrinárias e jurisprudenciais. Onde todas as disciplinas são as
previveis. Direito substancial e direito processual. Tudo compartimentado,
sem diálogo interdisciplinar. Prevalece o dogmatismo positivista em quase
todas as Faculdades.
No contexto da autonomia, o currículo diz respeito, especialmente, à
emancipação dos próprios alunos envolvidos no processo de formação e ensino-
aprendizagem, atingidos diretamente pelas políticas de implantação das diretrizes
curriculares, muitas vezes, alijados de participar de sua construção, freqüentemente
elaboradas de maneira heterônoma.
Por isso, este estudo defende que o processo da construção do currículo no
ensino jurídico deva respeitar o caminho de mão dupla, numa imprescindível
interação entre instituição de ensino e aluno, entre
docente/discente/educador/educando. Jamais constituído e imposto de forma
heterônoma, como tem ocorrido.
31
NALINI, José Renato. O ensino da justiça (ou a renovação da docência jurídica). In: 180 anos do
ensino jurídico no Brasil. CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO,
José Carlos de Araújo. (Org.). Campinas: Millenium, 2008. p. 284.
38
O currículo, suas diretrizes, seus elementos e componentes estruturais, enfim,
as questões que o envolvem constituem uma preocupação de toda a comunidade
científica, acadêmica e profissional, e também de toda sociedade e se revestem de
importância capital para a condução das Diretrizes da Educação Superior no que
tange ao ensino jurídico no Brasil.
No entanto, ao analisar o conceito de currículo jurídico, conforme o contexto
das suas raízes etimológicas, entender-se-á porque o seu significado
32
e alcance de
sentido que o norteiam, encontram-se fundamentados, não somente na imposição
heterônoma da lei pelo Estado, mas também e especialmente nos fundamentos
filosóficos, educacionais e culturais dos quais o currículo veio a se constituir ao
longo da história.
Originalmente, o curriculum significava pista de corrida.
33
Neste sentido
exato, o currículo é substantivo, estruturalmente estático. Todavia, é preciso
considerar que a palavra curriculum, deriva do verbo latino currere, que significa
correr” e, nessa acepção, o currículo, na sua raiz, é profundamente dimico, é uma
atividade permanente.
Sob essa segunda perspectiva epistemológica, o currículo é, portanto, uma
tarefa para desenvolver ao longo da vida. É esse, aliás, o sentido também patente
no título da obra de John Quicke
34
-
35
(1999): A curriculum for life.
Não é de outro modo que Tomaz Tadeu da Silva
36
aponta, relativamente ao
alcance filosófico do currículo, que o entende como actividade que o currículo deve
ser compreendido uma actividade que não se limita à nossa vida escolar,
educacional, mas à nossa vida inteira.
32
Conforme dimenciona Hannah Arendt, a cognição está ligada à busca da verdade e suas exigências
de rigor não alcançam, como é o caso do positivismo, toda a experiência humana. O pensamento,
no entanto, diz respeito a algo mais abrangente, que é a busca do significado o parar para pensar
no sentido das coisas. Este sentido das coisas desde que se pense é comunicável. ARENDT,
Hannah. A Vida do espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p.
14.
33
Conforme aponta o verbete curriculum, no Novíssimo Dicionário Latino-Português, Rio de
Janeiro: Livraria Garnier, 2000. p. 328.
34
QUICKE, John. A curriculum for life. Buckingham-Philadelphia: Open University Press, 1999. p.
163.
35
No mesmo sentido, afirma Whitehead, para quem: “There is only subject- matter for education, and
that is life in all its manifestations”. WHITEHEAD, A. The aims of education and other essays.
Londres: Collier Macmillan Publishers, 1967. p. 6-7.
36
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto Editora,
2000. p. 43.
39
Por esse entendimento, a vida é a própria fonte do currículo e tempo para um
desenvolvimento curricular vital. A vida é, no seu decorrer, percurso; é tempo, é
reflexão, é um feixe inacabado de experiências às quais se deve conferir um sentido
existencial.
De fato, entende-se que esse percurso vital do currículo deve contribuir para o
sentido da nossa realização como seres humanos, sentido que, aliás, ganha plena
riqueza filosófica e educativa porque, em rigor, coincide com a vida pessoal de cada
um.
O currículo, portanto, não é um dado, é uma construção, um questionamento,
pois o Eu
37
faz-se ao longo da vida e da experiência curricular e educativa no
contexto da vida de cada um como pessoa, cidadão e (futuro) profissional. Pois,“o
Eué entendido aqui como uma identidade consciente da pessoa. Como tal, resulta
de um questionamento aberto e permanente do eu perante si, perante os outros,
perante o mistério da vida.
No sentido de questionamento, José Dias Ribeiro
38
interroga-se:
Mas a pergunta brota espontânea do fundo de nós mesmos: que há algo de
mais real do que eu próprio, do meu ser (sinto que existo), do meu pensar
(penso, logo sou), do meu querer (decido e transformo o mundo)? Eu movo-
me e comovo-me, sinto, pressinto e consinto, imagino e fantasio, raciocino e
reflito e penso, opto e decido, consisto, desisto, insisto, persisto. E, no
entanto, é preciso através de isso tudo ser, pensar, decidir que cresço e,
ao sentir-me crescer, tenho a nítida sensação de continuar incompleto,
37
Este pronome, com que o homem se designa a si mesmo passou a ser objeto de reflexão filosófica
a partir do momento em que a referência do homem a si mesmo, como reflexão sobre si ou
consciência, foi assumida como definição do homem. O pronome pessoal da primeira pessoa do
singular pode ser usado na forma corrente em expressões como “Eu prometo pagar minhas
dívidas”, “Eu quero dinheiro”. Contudo, conforme indica J. Ferrater Mora, em Filosofia o vocábulo
“eu” (do latim ego) tem sido usado com o artigo “o” em “o Eu”. Nesse caso, “eu”, ou ainda, como se
escreve freqüentemente “o EU”, costuma designar uma realidade ou uma forma de realidade,
equivalente à pessoa; à consciência (subjetividade); ou à identidade pessoal. O EU (ego em latim,
je em francês), constitui, no entanto, o termo característico para designar a filosofia do sujeito (ou da
consciência), que parte do pensamento a fim de construir toda a teoria do conhecimento. Nascida
com o cogito de René Descartes, ela se encontra bem expressa no “Penso, logo existo”.
DESCARTES, René. Carta prefácio dos princípios da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
2003. Assim, segundo Descartes, podemos duvidar de tudo, podemos nos perguntar se os objetos
que percebemos não constituem fantasias ou visões de um sonho. Contudo, enquanto estamos
duvidando, percebemos que pelo menos uma coisa que permanece ao abrigo da dúvida: um
certo ser, que se encontra e que está duvidando. Esta proposição: “je sui”, é necessariamente
verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espírito, comenta Descartes.
E do cogito ele tira a conclusão: eu sou uma subsncia que pensa. Cada vez que pensamos ou
dizemos “eu”, ou seja, que temos consciência atual de existir, esta consciência é um ato, não uma
coisa. Veja-se tamm, nesse sentido, as ponderações de MORA, Ferrater J. Dicionário de
Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. Tomo II, p. 938, 917-21; Tomo IV, 2594-2599.
38
RIBEIRO, José Dias. A realização do ser humano: para a história das idéias em Educação e
Pedagogia. Lisboa: Didáctica, 2000. p. 10.
40
imperfeito e, por isso, espontaneamente, tacteio, procuro, caminho, avanço,
e se alguma vez presumo que estou a atingir ou conseguir, constato que o
lavo, se afasta de mim no horizonte heideggeriano: saber é aproximar-se do
longínquo.
Desse modo, o currículo, não somente do educando, mas tamm do
educador deve despertar o ser de cada um, despertar o sujeito, mobilizando-o na
complexidade do seu ser.
O currículo por isso não pode ser compreendido, simplesmente, como uma
ordem como estrutura/seqüência (prescritividade), ou ainda, como um conjunto de
conteúdos, distribuição de disciplinas, matérias, métodos, objetivos
39
, experiências
que compõem o ensino do Direito.
O currículo jurídico juntamente com suas diretrizes constitui-se um conjunto
articulado e normatizado de saberes, regidos por uma ordem, entretanto, ele é
instituído numa arena na qual se embatem visões diferenciadas de mundo. Local,
onde se produzem, elegem e transmitem representações; discursos, narrativas e
significados sobre as coisas e seres do mundo.
Com efeito, é esse conjunto articulado, todavia, que impulsiona os seres
cognoscentes em determinada direção, a direção exata da educação.
No que tange ao contexto da formação discente, o currículo, no âmbito do
ensino jurídico, deve oferecer aos seus alunos uma sólida formação, compatível com
as exigências modernas impostas pelo vertiginoso avanço das Ciências Sociais,
entre as quais se distingue a ciência jurídica; deve incentivar a leitura, a
compreensão de textos, o desenvolvimento de raciocínio lógico-formal e uma
adequada e correta expressão escrita e oral; proporcionar ao aluno uma intervenção
criativa e diferenciada no mercado jurídico, em suas diversas modalidades e
possibilidades profissionais; incitar a criação cultural e o desenvolvimento do espírito
científico e do pensamento reflexivo.
39
Esse sentido epistemologicamente reduzido de currículo é esboçado, de maneira paradoxal, por
Horácio Wanderlei Rodrigues, paradoxalmente porque, embora o autor dedique vastamente sua
obra às reflexões e pesquisa do ensino do Direito, especialmente, quanto ao currículo jurídico, o
autor, apresenta um conceito de currículo jurídico sob um enfoque meramente formal e restrito,
baseando-se numa dimensão tecnicista de currículo. Ora, conceituando-o simplesmente, como
forma de organização de conteúdos, ora ainda, como disciplina, ou como ainda módulos.
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 199.
41
O currículo jurídico deve capacitar profissionais aptos a participar do
desenvolvimento da sociedade brasileira, colaborando em sua construção;
estimulando um aperfeiçoamento profissional continuado; possibilitar os modernos
recursos oferecidos pelo avanço tecnológico como instrumento de melhoria e
dinamização da relação ensino/aprendizado; visar a excelência acadêmica no
âmbito nacional e internacional.
No que tange ao contexto da formação curricular da docência universitária
para o ensino superior deve-se salientar que essa formação pedagógica do
professor, não se encontra regulamentada, como nos outros níveis da educação.
Contudo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB
9.394/96
40
, admite que esse docente seja preparado nos cursos de s-graduação,
tanto stricto como lato sensu, não sendo este um dos requisitos obrigatórios.
Porém, embora a exigência legal para que as instituições de ensino superior
tenham no mínimo um terço de seus docentes titulados na pós-graduação (mestrado
ou doutorado), na realidade a docência universitária tem sido exercida por
profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, sem a devida formação
curricular integral adequada.
No entanto, entende-se, que esse profissional liberal/professor, ao optar pela
docência universitária, precisa ter consciência da sua responsabilidade e, sobretudo,
das novas formas de sua atuação, como professor, para atender às necessidades
da sociedade e da educação, neste novo milênio.
O currículo deve constituir-se, portanto, do ponto de vista filosófico e
educacional, num caminho fecundo para a realização pessoal repleto de sentido,
numa perspectiva de formação curricular do ser humano ao longo da vida.
A par disso, deve-se romper com o paradigma tradicional de educação
centrada unicamente numa disciplina especializada, centrado no professor
especialista, e em cuja formação somente numa determinada área do conhecimento,
muitas vezes, só se preocupa em transmitir e repassar informações.
Como nos adverte Georges Gusdorf
41
:
40
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23
dez.1996. p. 27.833-841.
42
O especialista que se desculpa invocando sua especialidade procura um álibi,
mas esse esquivar-se não o justifica. Todos devem prestar contas de suas
verdades particulares, mas as verdades particulares não representam muito
diante da verdade humana no seu conjunto. Uma disciplina especializada que
se fecha no soberbo isolamento da sua técnica separa-se de suas origens e
de seus fins. Incapaz de se situar na totalidade do saber, na realidade
humana, perde qualquer valor de cultura e torna-se um fator de alienação,
como o atesta de modo evidente a crise atual da nossa civilização. Toda
ciência é obra do homem. Estará se enganando e nos enganando se o
esquecer e pretender obter por si própria qualquer autoridade.
Para o exercício da docência necessidade de um aprendizado curricular
formal ou informal integral de ensino e, ao longo da vida.
Como aponta John Gilissen
42
esse entendimento é pertinente para o ensino
do curso jurídico, que os saberes dos professores não podem ser separados das
outras dimensões do ensino.
Tal reflexão é, também, pertinente para os currículos dos cursos jurídicos uma
vez que, a própria história do Direito, baseada na crítica da Escola da Exegese, que
levou à vitória das idéias filosóficas e políticas dos grandes pensadores franceses,
do século XVIII, baseia-se unicamente no estatismo e racionalismo.
Para essa concepção legalista, que consagra o culto do Estado-Deus e da
soberania da nação, o legislador sozinho cria o Direito, e onde as leis devem ser
interpretadas racionalmente, logicamente, a experimentação, a história, o Direito
comparado, a cultura, nada disso tem qualquer interesse para o jurista. Perspectiva
a que se deu posteriormente o nome de positivismo legal.
O positivismo cuja teoria dominou a ciência do Direito, na França e, na maior
parte dos países da Europa Continental, de 1830 a 1880, e ainda hoje exerce,
profunda influência sobre o ensino do Direito, sobretudo o Direito Civil, e, sobre a
prática curricular do Direito, trata a questão do ensino jurídico, em detrimento da sua
real dimensão a Justiça. Principalmente, por aqueles que supervalorizam somente
o Direito (Lei), e sua especificidade, desconsiderando suas interlocuções
contextuais, dentre eles os aspectos principiológicos, os valores, e a própria cultura.
No contexto da Filosofia do Direito, o currículo diz respeito, no entanto, a uma
nova configuração epistemológica do conhecimento jurídico.
41
GUSDORF, Georges. Professores para quê? Para uma Pedagogia da Pedagogia. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p. 55.
42
GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p.
515-518.
43
Por isso, defende-se a tese de que o currículo e suas diretrizes no ensino não
devem se constituir, simplesmente mera construção normativa fechada, positivista,
permanentemente imutável.
O currículo jurídico é uma construção metajurídica.
43
Constam-se, além da lei,
envolvidos em sua construção, filosofias, linguagens, discursos, escolhas,
comportamentos, valores e cultura, a par de intenções e finalidades educativas,
porque diz respeito, sobretudo, àquilo que a instituição de ensino faz e para quem
faz ou deixa de fazer para a educação superior brasileira.
Por esse entendimento, a sua prescritividade e a normatividade do currículo
constituem-se apenas e tão-somente em uma de suas dimensões. O currículo
jurídico, além disso, deve ser entendido como uma práxis libertadora e crítica na vida
de cada um.
Nesse sentido, importa sempre saber que caminhos e trajetórias percorrer e
porquê, articulando presente, passado e futuro. Essa busca é, no entanto, uma
atitude e tem um nome: procura pela sabedoria, talvez o maior desafio para a
construção do currículo nos caminhos da existência, coexistência.
A Filosofia no conjunto de saberes dinâmicos continua a ser o amor à
sabedoria, que urge recuperar e integrar na construção e organização dos
conhecimentos, pois como nos diz Emanuel Medeiros
44
, a Filosofia é centro do
currículo na educação ao longo da vida.
43
Conforme aponta Michel Troper, pode-se caracterizar a ciência do Direito, como metalinguagem,
pois como objeto o Direito, que é em si, uma linguagem. Essa apresentação permite compreender
como, quando o Direito é apenas um conjunto de prescrições que não podem ser nem falsas nem
verdadeiras, é possível construir uma ciência do Direito, feita de proposições. O raciocínio em
termos de metalinguagem nos conduz à consideração de um outro nível de discurso: a linguagem
sobre a ciência do Direito. Se esta última é uma metalinguagem sobre o Direito, a linguagem sobre
a ciência do Direito, também chamada de epistemologia jurídica, constitui, em si uma
metalinguagem. Contudo, é possível haver metaciência se houver um discurso que se faz na
qualidade de ciência. Não se trata aqui de prescrever ou descrever, mas de indicar as
características de que se deveria revestir uma ciência do Direito. TROPER, Michel. A Filosofia do
Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 41. Em sentido contrário aponta-se o pensamento de
Bryan Magge. Segundo Magge “desde Bertrand Russel, até hoje, a maior parte dos filósofos
conferiu à linguagem uma importância absurdamente desproporcional na vida e na experiência
humanas”. Para Magge, no entanto, isto é um equívoco, pois o pensamento e o conhecimento
precedem as palavras nas quais são expressos havendo, portanto, segundo esse entendimento
uma deficiência da Filosofia lingüística. MAGGE, Bryan. Confissões de um filósofo. São Paulo:
Martins Fontes, 2001. p. 83-101.
44
MEDEIROS, Emanuel. A filosofia como centro do currículo na educação ao longo da vida.
Portugal: Instituto Piaget, 2005, passim.
44
Por isso, o conceito de currículo, tem, pois, na sua raiz e configuração, um
pleno sentido e alcance filosófico e educacional. A própria história da cultura
ocidental revela também que Educação e Filosofia, sempre estiveram juntas e
próximas, numa relação de vínculo intrínseco.
É preciso considerar que verdadeira dimensão formadora e fundadora da
Educação, consubstancia-se, no desafio de uma realização, de uma liberdade, do
sentido da própria empresa educativa, objeto de reflexão filosófica, já que a Filosofia
tenta interrogar o sentido de tal empresa, assegurar a consciência disso.
Como adverte Franc Morandi
45
Não se educa somente para educar, mas para realizar um fim: aperfeiçoar,
despertar o homem para o mundo, para sua liberdade, para seus talentos,
para o que é próprio do homem, para ajustar sua natureza, construir o
progresso coletivo, inventar.
Isso ocorre porque a Filosofia sempre se constituiu vinculada a uma intenção
pedagógica, formativa do ser humano. E, a educação, embora se expresse como
uma práxis social, nunca deixou de referir-se a fundamentos filosóficos, mesmo
quando fazia deles uma utilização puramente ideológica.
Como afirma Antônio Joaquim Severino
46
A grande maioria dos pensadores que construíram a cultura ocidental
sempre registrou essa produção teórica em textos relacionados à temática
educacional, discutindo aspectos epistemológicos, axiológicos ou
antropológicos da educação.
Esse testemunho já é suficiente para demonstrar o quanto é necessário
manter vivo e atuante esse vínculo entre a visão filosófica e a intenção pedagógica.
Vale dizer, é extremamente relevante a formação filosófica do educador.
Entretanto, a experiência cotidiana revela que ocorre uma deficiência pedagógica e
curricular e do próprio processo de ensino e na formação dos profissionais do curso
de Direito.
Por isso, além do vínculo entre a Filosofia e a intenção pedagógica e,
portanto, educacional, a escolha de um adequado caminho curricular no ensino do
45
MORANDI, Franc. Filosofia da educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 18-9; 67; 130.
46
SEVERINO, Antônio Joaquim. Apresentação. In: BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A
reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 9.
45
Direito se torna viável na medida em que substituir inadequados paradigmas
racionais de fundamentação jurídica filosófica.
É o caso, por exemplo, da interpretação jurídica estritamente atrelada ao
positivismo jurídico, que reduz o Direito à vontade do soberano, à vontade do
poderoso, ou à vontade exclusiva da lei, sem levar em consideração o sentimento de
Justiça ou, na idéia de pluralidade das fontes normativas
47
, como forma de
explicação última do Direito.
48
Perspectiva essa, que se entende superada pelas incontestes transformações
sociais, econômicas, jurídicas, culturais por que passam as modernas sociedades
políticas, caminho que nos conduz incontestavelmente a um outro modo de
produção do Direito, e o da forma de tratamento dos litígios, e por via de
conseqüência, a uma reflexão mais crítica sobre as diretrizes curriculares do ensino
jurídico.
Nesse sentido, conforme constata Antonio Carlos Wolkmer
49
, o modelo de
cientificidade que sustenta o discurso jurídico liberal-individualista e a cultura
normativista tecnoformal está em processo de profundo esgotamento.
No que tange ao ensino e ao currículo jurídico desconsideram-se, na prática
que sustenta o discurso jurídico e da docência no ensino superior do Direito, a
complexidade, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e as atividades
47
Nesse sentido aponta-se o artigo “Heurística e Direito” de autoria de Gabriel Chalita. Chalita
defende ali a possibilidade de uma interpretação heurística do Direito. A solução está numa
interpretação argumentativa que tenha base retórica. A base retórica se compõe de algumas
funções entre elas a heurística, que significa o caminho em direção à verdade, o ato de descortinar
os fatos para que se chegue ao que é possível sob o aspecto da Justiça. Trata-se segundo Chalita,
de uma postura não-passiva com relação a uma tentativa de acomodação. A justiça é coisa julgada
quando o julgamento foi resultado de um processo heurístico. A justiça é o meio e fim dos
advogados, promotores, procuradores, delegados e outros operadores do Direito quando cada um
em seu mister tem a consciência de ter percorrido as sendas heurísticas de aproximação a justiça.
CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Heurística e Direito. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu;
RODRIGUES, José Rodrigo. (Org.). Hermenêutica plural. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.
229-45.
48
O modo mais difundido de definir o Positivismo jurídico é qualificá-lo pela recusa a aceitar, ao lado
do direito positivo, um outro direito, oriundo de Deus, da natureza ou da razão, chamado de “Direito
Natural”: O positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro Direito senão o
Direito Positivo. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São
Paulo: Ícone, 1995. p. 19 et seq. Como o presente trabalho não pretende incursionar sobre a velha
polêmica positivismo jurídico x jusnaturalismo, reporta-se à leitura obrigatória e à posição dos
autores clássicos sobre o tema: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2000. passim. ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru: EDIPRO, 2000. Especialmente os cap.
X e XI. HART, L. A. Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
Especialmente, cap. IX.
49
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva,
2006. p. XVIII.
46
desenvolvidas nos Núcleos de Prática Jurídica como fautosas da superação da
dicotomia ilusória teoria/prática.
Desconsidera-se, além disso, toda uma perspectiva epistemológica curricular
holística, ética e emancipatória
50
, na construção dos planos e das diretrizes
curriculares no curso de Direito.
Impende-se, portanto, uma nova configuração das diretrizes curriculares e do
currículo, ou seja, um novo paradigma curricular para o curso e, conseqüentemente,
para o ensino de Direito.
Permitindo-se, assim, uma abertura epistemológica desejável para a
elaboração e integração do conhecimento, especialmente dos conteúdos das
disciplinas curriculares, pois dessa maneira combate-se a fragmentação positivista e
dogmática dos saberes por sua própria natureza.
Conforme assevera Henry A. Giroux
51
A transposição e edificação de outro paradigma no âmbito do Direito
representam também a substituição e a construção de novo conceito de
racionalidade. O modelo tradicional de racionalidade tecnoformal é
suplantado pelo modelo crítico interdisciplinar da racionalidade
emancipatória. Na prática libertadora, redefine-se a noção superior de
racionalidade, que, como pressuposto do pensamento e da ação, apresenta
um projeto transcendental que não mais oprime, mas busca libertar o sujeito
histórico e a sociedade como um todo.
Constata-se que as profundas mudanças ocorridas no campo social, político,
cultural e econômico por que tem passado o país, nos últimos anos, conduz à
exigência de uma ciência jurídica que, sobretudo, seja capaz de responder a essa
nova realidade, em intensa evolução e transformação.
Ciência jurídica
52
que seja capaz, tamm, de responder à sua paradoxal e
intensa produção legislativa e que tenha em conta, especialmente, os atuais
conhecimentos e as exigências de maleabilidade deles decorrentes.
50
Nesse sentido, veja-se o trabalho da lavra de Alayde Avelar Freire Sant'Ana, pesquisadora do
Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da Universidade de Brasília. Novos saberes,
novas práticas jurídicas: sentidos emancipatórios para o ensino jurídico Disponível em:
<http://www.unb.br/fb/publicaçoes_relatos.htm>. Acesso em: 25 maio 2008.
51
GIROUX, Henry A. Teoria crítica e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 33-39.
52
Responder a questão que é a ciência jurídica, não é a tarefa principal deste trabalho, pois,
certamente encontraremos imeras respostas para essa questão. Aliás, o próprio termo “ciência”
como aponta Maria Helena Diniz, o é unívoco. Há, portanto, uma pluralidade de concepções
epistemológicas jurídicas que a representam. Contudo, a ciência do Direito se difere da história do
Direito, da psicologia forense, da sociologia jurídica, que embora sejam ciências sociais, são
47
Como salienta Claus-Wilhelm Canaris
53
, que, especialmente, apontem para
um pensamento jurídico de
Sistema aberto, móvel, heterogêneo e cibernético. Aberto no duplo sentido
de extensivo e intensivo; extensivo por oposição a pleno, que admite
questões a ele exteriores, que terão de encontrar saídas; intensivo por
oposição a contínuo; que se compatibiliza no seu interior, com elementos
materiais a ele estranhos. vel por seu seio, que não postule proposições
hierarquizadas, antes surgidas intermutáveis. Heterogêneo por apresentar,
no seu corpo, áreas de densidade diversa: desde coberturas integrais por
proposições rígidas até às quebras intra-sistemáticas e às lacunas rebeldes
a analogia. Cibernético por atentar nas conseqüências de decisões que
legitime, modificando-se e adaptando-se em função desses elementos
periféricos.
Diante dessas mudanças, tudo muda diante de nossos olhos; é preciso,
assim, nos indagarmos: que será do Direito no século que se abre diante de nós?
Será que o Direito, como pondera André-Jean Arnaud
54
, não estaria prestes a
evoluir de uma ordem “imposta” para uma ordem negociada, a produção das normas
jurídicas evoluindo de uma natureza autoritária para uma naturezaparticipativa”?
Gabriel Benedito Issaac Chalita
55
aponta que
O século XXI apresenta uma enorme gama de desafios para o estudioso e o
cientista do Direito. A sociedade em transformação exige uma resposta
constante na solução de seus conflitos. A pessoa humana não é estática,
não se satisfaz, e isso gera um conflito continuado de expectativas
individuais e coletivas. Novas tecnologias, novas fontes de informação,
novos domínios da ciência, e o Direito não pode ficar a margem pois que
trata do mister de fazer justiça de restabelecer o sentido e a opção de vida
em grupo que gerou a própria sociedade. Evidentemente, a sociedade
contemporânea não tem um sentido de opção, o Estado se configura uma
necessidade. Não alternativa de se fazer parte ou não do Estado, a
causais. Ainda, segundo Maria Helena Diniz, a ciência jurídica é uma ciência social normativa, por
tratar da conduta recíproca dos homens, não como efetivamente se realiza, mas como ela,
determinada por normas positivas, deve realizar-se. Em sentido amplo, a ciência do Direito é
qualquer estudo metódico, sistemático e fundamentado dirigido ao Direito. Em sentido estrito, a
ciência do Direito, propriamente dita, a Jurisprudência, ou a Ciência Dogmática do Direito, consiste
genericamente, no pensamento tecnológico que busca expor, metódica, sistematicamente e
fundamentalmente as normas vigentes de determinado ordenamento jurídico positivado no tempo,
estudar os problemas relativos a sua interpretação e aplicação, procurando apresentar soluções
viáveis para os possíveis conflitos, orientado como devem ocorrer os comportamentos
procedimentais que objetivam decidir questões conflitivas. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de
Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 216-231.
53
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do
Direito. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. CXIII.
54
ARNAUD, André-Jean. Globalização e Direito I: impactos regionais e transnacionais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 3.
55
CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Heurística e Direito. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu;
RODRIGUES, José Rodrigo. (Org.). Hermenêutica plural. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.
229-245.
48
questão é de solução dos conflitos que se repetem e dos novos desafios
gerados por novas posturas da sociedade.
Ou, de outra sorte, não se estaria caminhando para a idéia de um Direito
flexível, que, cerca de três décadas faz sucesso no campo da Teoria do
Direito, um livro de um célebre francês Jean Carbonnier
56
, que enfatiza justamente
esta necessidade de ultrapassar a rigidez que o normativismo abstrato do legalismo
e do conceitualismo conferiram ao Direito.
Atualmente, porém, a idéia de uma natureza flexível ao Direito tem outra
genealogia filosófica. Ela decorre do tópico, claramente pós-moderno
57
do horror ao
“universal”, do horror ao “macro”, ao “holístico” e ao “geral”, decorrente disso
persegue-se a busca da “pequena dimensão”, do “particular”, do “flexível”.
Confluem daí duas correntes centrais da sensibilidade pós-moderna, a saber:
por um lado, o cuidado pela identidade particular, pela individualidade e pela
diferença, a que corresponde à rejeição da massificação, da indiferenciação e da
generalidade.
Ambas, no entanto, atingem em cheio a configuração do Direito das últimas
décadas, dominada pela idéia da generalidade das soluções, por razões de
economia, que a definição genérica dos regimes jurídicos é mais econômica do
ponto de vista comunicacional, ao dispensar o estabelecimento de múltipos regimes
particulares. Mas, sobretudo, por razões político-ideológicas, nomeadamente, por
entender que o regime democrático tinha como primeiro corolário a generalidade das
leis, única forma de se garantir tratamento igualitário.
58
Por outro, a proposta de um Direito flexível relaciona-se tamm com o
impacto que vem tendo na teoria das organizações das idéias de substituir a
estrutura burocrática por algo mais maleável e produtivo uma organização flexível.
Tudo isso, também, para fazer frente, no campo nacional e internacional, aos novos
instrumentos paradigmáticos de controle sociais, cada vez mais complexos, que m
surgido, especialmente, no campo da ciência e da tecnologia.
56
Cf. CARBONNIER, Jean. Flexible droit. Paris: Thémis, 1967.
57
O termo “pós-modernidadeserá analisado oportunamente neste trabalho, no capítulo IV, quando
será tratada a desconstrução no currículo jurídico.
58
Cf. HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Portugal:
Publicações Europa-América, 2003. p. 345-364.
49
Portanto, é, justamente, no contexto do nosso sistema de ensino brasileiro,
especificamente no campo da nova configuração de um currículo jurídico, que
devem ter início essas mudanças paradigmáticas na forma de ver e perceber o
mundo e transformar a nossa realidade.
E a justificativa para tanto é que o ensino do Direito, como vem sendo,
historicamente, desenvolvido mediante a construção de seu currículo jurídico, não
consegue mais suprir essas necessidades; e não o faz tão-somente porque os atuais
currículos jurídicos encontram-se moribundos!
Ademais, é inadequada a aplicação da metodologia e pedagogia do ensino
jurídico. Especialmente, ao optar por um paradigma curricular fixo, com programas e
matrizes curriculares isoladas e estanques, com ênfase no positivismo,
exclusivamente legalista.
O ensino e o currículo jurídico como vêm sendo ministrados, não vêm
estruturados em práticas pedagógicas direcionadas para a emancipação do
educando, mas sim a partir de algumas tradições culturais imbricadas às próprias
práticas do poder, ao qual eram destinados e para o que se treinaram os bacharéis
durante o período Imperial no Brasil. Portanto, quando se fala de ensino jurídico não
parece que se esteja a falar de uma estrutura curricular invejável, bem estruturada e
desenvolvida, cujas concepções pedagógicas fossem as mais arrojadas e as mais
eficazes, do ponto de vista da relação ensino/aprendizagem.
59
Nesse sentido a visão filosófica, a intenção educativa e pedagógica do
currículo e da educação no ensino superior universitário, deve concentrar-se em
preparar para o trabalho, para a vida adulta e responsável, para a formação integral,
para o desenvolvimento pessoal do ser humano na sua totalidade.
Para o quê, impende-se que a educação e o currículo do ensino jurídico
superem o enfoque meramente legalista, tecnicista e burocratizante. Sobretudo, que
aproximem o Direito da sociedade, numa prática relacional, dialógica, cultural e
comunitária, visando à superação das desigualdades sociais.
As instituições de ensino devem considerar, na aplicação de seus currículos e
na metodologia do ensino jurídico, a abertura filosófica e cognitiva da pessoa
59
É esse o entendimento de BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. p. 377.
50
humana, em face da pluralidade e do relativismo
60
, mas, contemporaneamente,
deve-se considerar a importância da unidade de toda a humanidade.
A mudança dar-se-á, assim, em contextos de inteligibilidade e de sentido, nos
quais é possível e necessário o diálogo vivo entre o que passa e o que fica, entre o
que flui e o que permanece.
Ora, o mundo atualmente, marcado pela complexidade e pela incerteza,
demandará forçosamente do educando o desenvolvimento perante a diversidade e a
multiplicidade de novos saberes e de novas formas e fontes de informação e de
conhecimento. Um dos exemplos dados para a mudança justamente o da
formação acadêmica deve servir de paradigma para uma educação que se insere
num processo dinâmico de evolução, transformação e mudança.
No entendimento de Eliane Botelho Junqueira
61
, toda formação acadêmica
deveria apresentar
Um mínimo de conhecimento em humanidade, leitura, história, direito e
política. Deve ter raciocínio verbal, facilidade de linguagem, fluência verbal,
raciocínio abstrato, sensibilidade, desembaraço, iniciativa e domínio da
linguagem escrita.
Quanto à formação profissional, crê-se que deveria apresentar uma sólida
formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de
conceitos e da terminologia jurídica, a que se somem argumentação adequada,
interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais.
Além, de postura reflexiva e visão crítica que fomentem a capacidade e a
aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensáveis ao exercício da
ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.
60
Relativismo é a doutrina que considera todo o conhecimento relativo como dependente de fatores
contextuais e que varia de acordo com as circunstâncias, sendo impossível estabelecer um
conhecimento absoluto e uma certeza definitiva. Em sentido ético (relativismo ético), é a concepção
que considera todos os valores morais como relativos a uma determinada época, podendo,
portanto, variar no espaço e no tempo, não possuindo valores absolutos, nem caráter universal. O
relativismo moral designa a posição daquele que recusa toda a moral teórica, propondo regras e
prescrições universalmente válidas. Ainda, o relativismo científico é a atitude daquele que considera
que, nas ciências não existe verdade definitiva, pois deve constituir uma apropriação progressiva,
uma construção inteligível do mundo sempre aproximativa. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES,
Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 233-234.
61
Cf. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Diretrizes curriculares para o curso de graduação. Associação
Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior - ABMS. Revista de Estudos, Brasília, DF, n. 22, p.
3. Disponível em: <http://www.abms.org.br/Publicacoes/Estudos/22/est22-06.htm>. Acesso: 22 jun.
2008.
51
Formação essa que, em virtude das novas tendências existentes na
sociedade do século XXI, especialmente no Brasil, exige a formação de profissionais
que os capacita para:
formação humanística, técnico-jurídica e prática, indispensável à
adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico e das
transformações sociais;
senso ético-profissional, associado à responsabilidade social, com a
compreensão da causalidade e finalidade das normas jurídicas e da busca
constante da libertação do homem e do aprimoramento da sociedade;
apreensão, transmissão e produção criativa do Direito, aliadas ao
raciocínio lógico, reflexão crítica e consciência da necessidade de
permanente atualização;
correta utilização da linguagem com clareza, precisão e propriedade
fluência verbal e riqueza de vocabulário;
compreensão, interpretação, argumentação e aplicação do Direito;
equacionamento de problemas e de busca de soluções harmônicas com
as exigências sociais;
desenvolvimento de formas extrajudiciais de prevenção e solução de
conflitos individuais e coletivos;
visão atualizada do mundo e, em particular, consciência dos problemas
nacionais; e
julgamento e tomada de decisões.
Formação do bacharel essa que, do ponto de vista do sistema jurídico-
educacional, deixe de ser um simples enclausuramento curricular e disciplinar,
apenas um meio de adestrar o pensamento que condiciona e idiotiza o aluno de
Direito.
Urge, portanto, estabelecer uma via curricular viva, compreendida numa
perspectiva aberta e orgânica, dialeticamente integradora, perfazendo-se, portanto,
numa real possibilidade de capacitar e transformar o ser humano para a percepção
do seu mundo.
O papel do professor e da universidade, nesse contexto de mudanças,
relativamente à formação do bacharel em Direito precisa ser entendido como
52
transformador, nunca simplesmente casual. É dessa forma canhestra que se impede
a integração do Direito com diversas áreas do conhecimento.
Por isso, vale-se neste trabalho da Filosofia da Educação e da Filosofia do
Direito, que possibilitam sempre uma nova forma de pensar o mundo. Isso porque,
ambas fazem ver a possibilidade de outras maneiras de vida, fundamentados em
outros princípios e valores. E, a Filosofia do Direito possibilita uma forma mais
holística, crítica e equilibrada
62
de pensar o agir humano, sobretudo, de
compreender
63
e de realizar o Direito e a Justiça.
Gabriel Benedito Issaac Chalita
64
afirma que isso ocorre porque a Filosofia
envolve, fundamentalmente
Uma mudança de postura diante da vida, descartando as explicações que
nos foram impostas como verdadeiras e estabelecendo novas regras ao
jogo. Passando a ver o mundo de maneira diferente, com um olhar mais
atento e certeiro. Conhecendo além dos aspectos superficiais das coisas.
Nesse sentido, a Filosofia o é um conjunto de conhecimentos prontos,
sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é antes de tudo, um modo de se
colocar diante da realidade, constituindo-se num entendimento crítico e coerente que
possibilita a orientação teórica e, sobretudo, a ação prática cotidiana do ser humano.
Isso porque, todas as questões humanas são complexas e nenhuma interrogação se
62
Nesse sentido, conforme a obra de ARISTÓTELES, a definição de virtude que é, segundo o filósofo,
a busca pelo equilíbrio e pela mediania em nossas ações diárias. A virtude moral encontra-se,
segundo ele, no meio termo, pois é uma média entre dois vícios, um envolvendo o excesso, o outro
a deficiência, porque seu caráter aspira ao que é intermediário. Assim segundo ARISTÓTELES, “a
virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania
relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de
sabedoria prática. E é um meio termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que,
enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e
paixões, a virtude encontra e escolhe o meio termo-termo. E assim, no que toca à sua substância e
à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem
e ao mais juto, é, porém um extremo.” ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO,
2007. p. 273. (Livro II, Capítulo 6, § 1107ª).
63
Sobre o método da compreensão como ato gnosiológico próprio das Ciências do espírito, merece
leitura esta passagem de Carlos Cossio: “enquanto a explicação prossegue, sem cessar, na mesma
direção assinalada pelo seu momento de partida, a compreensão, ao contrário, ao avançar depois
da primeira referência, retorna ao ponto de partida e daqui, outra vez, ao referido, num círculo
infinito que vai do substrato ao seu sentido e vice-versa. No conhecimento por explicação, qualquer
retrocesso na direção seguida pelo espírito cognoscente é um recomeço e não aumenta
conhecimento, pois o que já foi explicado ficou totalmente conhecido. Diversamente, tal como ao se
avançar numa circunferência volta-se, sem para de uma antípoda à outra verificamos que todo
retorno em direção à etapa precedente aumentou o conhecimento por compreensão, levando-o
mais adiante”. COSSIO, Carlos. La teoría egológica del derecho y le concepto jurídico de
libertad. Buenos Aires: Losada, 1964. p. 78-79.
64
CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 7.
53
apresenta de forma isolada. Entende-se assim, que a grande crise que se vive no
ensino do Direito é uma crise de percepção fragmentada de saber e de mundo.
Vive-se, como diz Jean-François Lyotard, uma crise de legitimidade do saber,
de inspiração cartesiana, baconiana e newtoniana, ante o decréscimo do
imperialismo da razão (onisciente e onipresente), ao menos da noção histórica de
razão instrumental, associada exclusivamente aos critérios do progresso, da ordem
e da utilidade.
Nas palavras de Jean-François Lyotard
65
A crise do saber científico, cujos sinais se multiplicaram desde o fim do
culo XIX, não provém de uma proliferação fortuita das ciências, que, por
sua vez, seria o efeito do progresso das técnicas e da expansão do
capitalismo. Ela advém da eroo interna do princípio de legitimidade do
saber. Esta erosão acha-se em ato no jogo especulativo e é ela que ao
desmanchar a trama enciclopédica na qual cada ciência deveria encontrar o
seu lugar, as deixa emancipar.
O ensino do Direito, tal como se apresenta hoje, não satisfaz. As sucessivas
tentativas históricas de corrigi-lo têm sido infrutíferas.
66
Tem-se, contudo, contemporaneamente, a possibilidade de encarar a solução
para esse problema a partir de uma revolução, no âmbito do próprio ensino-
aprendizagem, sepultando-se, assim, os seus currículos moribundos, cujos modelos
de saberes jurídicos, sociais e culturais, são formalmente constituídos em projetos
pedagógicos tradicionais.
É preciso, portanto, adotarem novos paradigmas, ainda não utilizados na área
do Direito, cujas alternativas busquem modificar as estruturas vigentes na teoria e na
prática, do ensino e do currículo do Direito.
Nesse sentido, a Filosofia do Direito pode possibilitar uma reflexão mais
crítica sobre as diretrizes e a grade curricular do ensino jurídico. Permitindo-se
assim, uma abertura epistemológica desejável para a elaboração e integração das
disciplinas, pois ela combate a fragmentação positivista e dogmática dos saberes por
sua própria natureza.
65
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. José Olympio Editora, 1989. p. 82.
66
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 287.
54
Não se pode, contudo, fazer uma leitura parcial dos problemas. Simplificar o
complexo. Dar respostas simples, para intrincados problemas, não é a solução.
Edgar Morin adverte, nesse sentido, quanto à necessidade do pensamento e
da ciência humana para não reduzir, simplificar ou mesmo eliminar a complexidade
do mundo.
Segundo Edgar Morin
67
É necessário educarmos nosso pensamento justamente para os desafios da
complexidade. Pois o pensamento e a inteligência que sabe separar,
rompem o caráter complexo do mundo em fragmentos desunidos, fraciona
os problemas e unidimensiona o multidimensional. Essa inteligência é cada
vez mais míope, daltônica, e vesga; termina a maior parte das vezes cega,
porque destrói todas as possibilidades de compreensão e reflexão, elimi-
nando na raiz as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando na
raiz as possibilidades de um juízo crítico e também as oportunidades de um
juízo corretor ou de uma visão a longo prazo.
O currículo jurídico e suas diretrizes constituem-se um conjunto articulado e
normatizado de saberes, regido por determinada ordem, instituído numa arena na
qual se embatem visões diferenciadas de mundo, onde se produzem, elegem e
transmitem representações, discursos, narrativas e significados sobre as coisas e
seres do mundo.
Entendido assim, como um núcleo que corporifica o conjunto de todas as
experiências cognitivas e afetivas proporcionadas aos estudantes no decorrer do
processo de sua formação, conjunto envolvido, entretanto, com a produção de
identidades individuais, coletivas e sociais, jurídicas, filosóficas e culturais
particulares.
É esse conjunto articulado que, com efeito, impulsiona os seres cognoscentes
em determinada direção, ou seja, à educação.
Do ponto de vista da Filosofia do Direito, o currículo, seus elementos e suas
diretrizes dizem respeito, ainda, a uma nova configuração epistemológica do
conhecimento jurídico, tendo em vista que, como possibilidade de (des)construção,
subentende-se que, as rias formas que o currículo assume, obedecem a
discursividades diferentes, questionamentos diversos.
67
MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO,
Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de
Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17.
55
No aspecto filosófico, a configuração do currículo jurídico trata-se do seguinte
questionamento existencialista
68
: O que se faz agora daquilo que fizeram do
currículo jurídico, no passado?
Problematiza-se, sob esse prisma, qual é o novo conteúdo, a nova cultura que
vai ingressar nas escolas por intermédio dos currículos a partir da constatação da
crise do ensino jurídico? Ou seja, o problema que vai pôr no curso de Direito, quais
são os valores que vão ingressar na instituição educativa. Ainda, sob o aspecto da
seleção dos conteúdos, indaga-se o que se constituí mais adequado na mediação
dos currículos de Direito?
Nesse sentido, questiona-se, nesta tese, a estrutura, ou seja, a forma, a
configuração do currículo, a fim de dar-lhe significado e intencionalidade a partir da
proposição de um sistema de interpretação epistemológica aberta, tendo em vista, o
currículo jurídico constitui-se numa representação do universo do conhecimento, que
influenciado por diferentes percepções de mundo, onde o se deixará de
reconhecer a contribuição da Filosofia da Educação e do Direito.
O currículo é local em que habitam filosofias, modos de pensamento de uma
época, culturas diversas, resultantes das intencionalidades que o produzem, nos
diversos tempos e nos mais diferentes lugares.
O currículo é, ainda, lugar de escolhas, representações, transgressões, local
de poder, de inclusões e exclusões, produto de uma lógica normativa que nem
sempre é a expressão do sujeito, mas muitas vezes, imposição heterônoma do
próprio ato discursivo.
Na acepção perspicaz do educador português João Formosinho
69
, o currículo
não pode configurar-se, por isso como de tamanho único, e uniforme; pronto-a
vestir-se.”
É preciso, portanto, (des)construir os elementos, as diretrizes, a estrutura, a
organização e o funcionamento de caráter hierarquizante do currículo, de
68
É de Sartre a seguinte afirmação: “O essencial não é o que foi feito do homem, mas o que ele
faz daquilo que fizeram dele”. O que foi feito dele são as estruturas, os conjuntos significantes
estudados pelas ciências humanas. O que ele faz é a própria história, a superação real dessas
estruturas numa práxis totalizadora. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.
Lisboa: Editorial Presença, 1998. p. 117, (grifo nosso).
69
FORMOSINHO, 1995, apud MACHADO, F.; GONÇALVES, M. Currículo e desenvolvimento
curricular. Portugal: Asa. p. 262-267.
56
perspectiva epistemológica autoritária, excludente e tecnicista que ceifa e
empobrece todas as possibilidades ricas e criativas das experiências práticas no
ensino do Direito.
Nesse contexto, quando surge um sem-número de perguntas sem que se
encontrem respostas satisfatórias, é preciso recorrer à Filosofia da Educação
70
,
paralelamente à Filosofia do Direito, a fim de fixarmos os critérios e balizas de uma
melhor interpretação epistemológica e teleológica e também dos meios
educacionais, averiguando a evolução do direito do homem à educação na história
do pensamento filosófico.
Portanto, a valorização dos fundamentos filosóficos da Educação e da
Filosofia do Direito, como áreas imprescindíveis
71
para esclarecer e enriquecer as
estruturas curriculares na seara da construção do currículo jurídico se faz imperiosa.
1.2 Conceito de Educação
A educação é uma das atividades mais elementares do homem: ela se
inscreve no princípio fundador e formador do desenvolvimento dos indivíduos e da
sociedade. Esse sentido indica que a educação é um princípio universal, descrito
como fundamento antropológico que liga o indivíduo à sua espécie, à sociedade, à
linguagem e à cultura.
Movimento esse que designa um processo que vincula um sujeito ao seu
meio ambiente, a um sistema de sociedade, de cultura e de valores, onde tomam
lugar, muito especial as instituições de ensino.
Nesse diapasão, conforme aponta Franc Morandi, ela se renova sem cessar,
no duplo sentido de novidade e de devir, por meios do nascimento, mas igualmente
pela evolução da sociedade.
72
70
Esse entendimento é partilhado por MUNIZ, Regina Maria Fonseca, especialmente, na sua obra: O
Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 12.
71
Nesse sentido, aponta-se a impactante obra de Emanuel Oliveira Medeiros, professor na
Universidade dos Açores, doutor em Educação, na especialidade da Filosofia da Educação. Para
perspectiva filosófica, veja-se MEDEIROS, Emanuel. A Filosofia como centro do currículo na
educação ao longo da vida. Portugal: Instituto Piaget, 2005. passim.
72
MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Tradução de Maria Emília Pereira Chanut. São Paulo:
EDUSP, 2002, p. 19.
57
Entretanto, a educação não pode ser definida simplesmente como algo que
ocorre somente nas escolas. Embora, em sentido restrito, a educação envolva a
transmissão de saberes inscritos em cada ser humano, em um local específico
denominado escola. Sendo, neste aspecto, o seu objetivo limitado, determinado a,
por exemplo, a instrução, a especialização, a adaptação, a habilidade, a formação
de hábitos, estabelecendo-se, portanto, uma dicotomia assim entre educação e
instrução.
Porém, nessa conceituação é preciso ter cautela, pois, como todo mundo
sabe, e como bem nos advertem Marie-Claude Bartholy e Jean-Pierre Despin
73
,
pode “existir alguma coisa podre no reino da escola”.
A escola se tornou cada vez mais o lugar onde o acessório é tomado como se
fosse o essencial e onde o essencial passa por substância. Reino, onde não se
educa mais e se ensina cada vez menos o saber fundamental para a formação do
ser humano, ainda, onde se abarrotam os jovens com excesso de pseudo-saberes, e
de informações. Por outro lado, não nos deixemos levar pelo radicalismo. Não se
defende aqui o “mundo sem escolas”, como faz Ivan Illich.
74
Contudo, é preciso considerar-se que o ato de ensinar envolve muito mais do
que a práxis - sinônima de prática real em que o educando e o educador
interagem, no processo de ensino-aprendizagem, além do espaço físico da escola.
73
BARTHOLY, Marie-Claude; DESPIN, Jean-Pierre. La gestion de l' ignorance. Paris: PUF, 1993. p.
1.
74
Ivan Illich (1926) nasceu em Viena, estudou Filosofia e Teologia em Roma, onde ordenou-se padre.
De descendência judia, fala fluentemente nove idiomas. Em 1956 chegou a Porto Rico como vice-
reitor da Universidade Católica. É considerado um dos autores mais radicais e humanistas de nosso
tempo. Radical não só pelo conjunto de suas idéias e suas atitudes de vida. Illich sugere que não
precisamos de escola alguma, pois segundo ele, os conhecimentos são adquiridos fora da escola.
Ele pensa que as pessoas podem ser educadas no trabalho, em casa e onde estiverem durante
suas atividades cotidianas. Propõe, no entanto, o uso de “redes de aprendizagem”, pelas quais as
pessoas poderiam trocar informações e talentos com os outros. Illich faz tamm uma advertência
para os países industrializados, e uma advertência para os países de Terceiro Mundo, alertando
quanto ao caos que o modo de produção, tal como se dá no Ocidente, tem gerado. Com efeito, uma
sociedade destruída, um homem desarraigado, uma desnaturalização e o indivíduo enclausurado
na sua alienação, impotência e frustração. Sua crítica tamm é direcionada ao que ele chama de
instituição do bem estar social (a escola segundo ele faz parte desse bloco), com seu “estilo
industrial que é etiquetado como “educação e, é vendida para todos os lados. Ivan Illich faz
tamm uma crítica severa ao sistema escolar, que entende ser uma estrutura reprodutora e
justificadora do tipo de sociedade em que vivemos, caracterizada fundamentalmente pela
industrialização crescente e pelo ilimitado consumo. Reportamo-nos, neste sentido, a obra de Ivan
Illich mais conhecida: Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 21, 37-38, 44, 96, 124-
29.
58
A educação deve envolver o indivíduo, a família, a comunidade, a sociedade,
e o Estado. Logo, a educação, não se deve restringir somente ao âmbito escolar. Ao
contrário, deve ser entendida na sua dimensão maior de sentido e finalidade, para
designar tudo aquilo que se pode fazer para desenvolver o potencial humano na sua
totalidade, pois o ato de ensinar é muito amplo, e deve ser compreendido não
somente como uma atividade de organização e transmissão do conteúdo curricular,
que visa apenas ao fornecimento de informações, ou ainda, à transmissão de
conhecimentos científicos e tecnológicos, num local restrito que se refere ao mundo
exterior.
Desde o singelo desafio de fazer nascer o entusiasmo, provocar a
necessidade de aprender, da descoberta da paixão pelo conhecimento, enfim,
suscitar a alegria da descoberta, conferindo a capacidade do ser humano de dirigir-
se conforme suas próprias reflexões e experiências internas, sobretudo,
desenvolvendo assim o autoconhecimento.
Nessa dimensão, a prática pedagógica se refere a formas de produção e
práticas culturais que são intrinsecamente históricas, políticas, culturais e tamm
filosóficas.
Como aponta Antonio Joaquim Severino
75
O homem está envolto em tríplice universo de mediações de sua existência
real, pois os homens existem como organismos vivos que atuam
praticamente intervindo sobre a natureza, relacionando-se com seus
semelhantes e produzindo/fruindo cultura. Saber o que é o homem é
caracterizá-lo mediante as práticas que ele desenvolve nessa tríplice
dimensão. O indivíduo só é humano na exata medida em que pode existir.
Universo de mediações, ainda, onde o que se está em jogo é o fazer
despertar o espírito crítico das pessoas para a pesquisa e as descobertas no tocante
a matérias tão vitais quanto o próprio espírito, atingindo tudo que se refere às
experiências internas, sobretudo de auto-conhecimento, ato de entrar em si para que
desta forma possa trazer sua interioridade à consciência, a revelar a própria
subjetividade.
Ampliando assim, os horizontes, e levando os interesses para além do
imediato, do limitado no auto-enclausuramento.
75
SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD,
1994. p. 51.
59
Objetivando, ainda, a formação dos nossos próprios juízos, de uma cultura
própria a cada um a fim de dilatar a personalidade do ser humano na sua dimensão
de sentido, aprendendo, com efeito, a pensar solidariamente e em comum, e na
comunidade dos homens.
A prioridade da educação deve ser focada para uma formação completa,
integral, de uma pessoa pepaideumenos (cultivada), em oposição a apaideuton
(inculta), embora isso não impeça o indivíduo de ser bem sucedido em um ofício em
particular. Contudo, a formação completa deve ser aquela que permite alcançar a
virtude, que desperta no indivíduo o desejo apaixonado de tornar-se um cidadão
realizado e justo.
É, com efeito, esse paradigma de educação que merece ser chamada de
Paiia.
76
Segundo Platão
77
, a autêntica Paidéia é a formação do homem para sua
totalidade e autonomia, na sua “arete” total. Contudo, o termo Paidéia (παιδεία) pode
ser empregado, modernamente, para designar: civilização, cultura, tradição,
literatura ou educação.
Nenhum destes significados, no entanto, coincide com o que os gregos
entendiam por Paidéia, para eles um atributo da educação para valentia, para
prudência, para a astúcia e para a justiça. Por sua vez, o termo arete designa toda a
excelência própria de uma coisa, em todas as ordens de realidade e em todos os
seus domínios.
Em As Leis
78
, Platão lembra que a cultura pessoal, que une a educação dada
por um Estado e a conduta de cada um, advém aos melhores homens como o
primeiro dos privilégios”.
A educação transforma-se, assim, em um verdadeiro projeto coletivo na
sociedade grega, entre vida pessoal e vida coletiva. A Paidéia, portanto, é mais do
76
A esse propósito veja-se a clássica obra de JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem
grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
77
PLATÃO. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. p. 630C8; 630. E, nesse sentido, o
estudo do significado da palavra que serve de título à obra é magistralmente trabalhado por Werner
Jaeger, que conduz à revelação de seu conteúdo. Cícero preferiu traduzir o termo παιδεία para o
latim, usando o termo humanitas”. Em acréscimo, pode-se citar aqui Werner Jaeger, para quem “o
conceito de arete esteve desde o início estreitamente vinculado à questão educativa”. JAEGER,
Werner, na obra de sua autoria Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M.
Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 25.
78
PLATÃO, op. cit., nota 77.
60
que educação ministrada somente nas escolas, é mais do que mera organização
social: é um ideal comum que deve se realizar na cidade.
O desafio é, justamente, encontrar para o nosso tempo o equivalente ao
homem cultivado, no sentido de ser capaz de elaborar seus próprios julgamentos.
79
Considerando isso tudo, é fácil perceber que a palavra “educação” carrega,
contudo, inúmeros sentidos e significados.
Veja-se assim, um desses significados, no Grande Dicionário Larousse
Cultural da Língua Portuguesa
80
, onde se encontra a seguinte definição, no seu
verbete educação:
Educação, do latim educatio: ação de criar; alimentação, instrução, educação:
) ação de desenvolver as faculdades psíquicas, intelectuais e morais;
) resultado dessa ação;
) conhecimento e prática dos hábitos sociais, boas maneiras.
A palavra parece, na realidade, dificilmente conter todas as significações do
fenômeno complexo que a designa, e pelo fato de conter sob a mesma raiz sentidos
diversos, expressando concepções de educação diferenciadas.
Constata-se, assim, que é da própria análise etimológica dos termos latinos
educare (cuidar de, nutrir, alimentar, cultivar, manter) e educere (fazer sair, conduzir
para longe de si), origem etimológica do verbo educar que reflete, todavia essa
pluralidade de significados.
81
Dessa maneira, se, por um lado o termo educare compreende um processo
de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano em
geral, visando a sua melhor integração individual e coletiva. Por outro lado, educere
significa sair, conduzir para longe de.
Educare significaria assim cuidar, alimentar, nutrir, ministrar o necessário para
a sobrevivência e o necessário desenvolvimento da personalidade. Educere, por seu
79
PLATÃO. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. p. I, 643b 644b; II, 653b 4, c 2; 654c
7, d 2; 656b 2-3; 660a 3; III, 689a 5-7; IV, 751d 1-2; 752c 3-4. A República. São Paulo: Perspectiva,
2006. p. II, 366 c 6-7; III, 401 c 402 a. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
p. VII, 13-15, 13331b 24-1334b 28; 17, 1336a 28-1337a 7; VIII, 1-7, 1337a 11- 1342b 34.
80
Cf. GRANDE Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
p. 340.
81
Cf. SARAIVA, F. R. dos Santos. Novíssimo Dicionário Latino-Português. 11. ed. Rio de Janeiro;
Belo Horizonte: Livraria Garnier. p. 405.
61
turno, aponta para o significado etimológico de capacidade interior do educando,
cujo desenvolvimento só será decisivo se houver um dinamismo interno.
82
Franc Morandi
83
considera, no entanto, que essa falsa etimologia da palavra é
tamm uma metáfora que sugere o acompanhamento do educando e do educador
participantes da obra educativa, assim como uma dimensão de porvir, de história
e/ou desenvolvimento pessoal.
A questão da educabilidade é ilustrada por outros termos que emergem desde
a Antiguidade, do Renascimento, até os nossos dias. Diz respeito, em síntese, ao
princípio de educabilidade do homem como ser social, racional, jurídico, político,
ético, espiritual, estético, psicológico, físico, cultural e emocional.
É preciso salientar que esse princípio da educabilidade
84
é ilustrado por
outros termos dos quais deriva o pensamento educativo, dentre eles, destacam-se:
a) Paidéia grega que designa ao mesmo tempo a técnica, o cuidado com a
criança, o resultado do esforço educativo, uma cultura;
b) a Bildung que é ao mesmo tempo a figuração (Bild: imagem) e educação;
c) a Instrução, termo associado à escola, que descreve um outro aspecto, o
da instrução pública como vínculo político, garantia de uma cidadania;
d) a Infância, que liga a idéia a uma dependência, designando tanto as
crianças quanto homens de baixa condição.
Essa infância, metáfora da humanidade, entre compreensão e história, é
tamm, desde Nietzsche
85
, uma figura e um princípio crítico da filosofia.
A infância, como respondente da educação, significa uma disposição para ser
educado. Nesse sentido, a Filosofia questiona: ela é a sua destinação?
Educação significa, ainda, a busca da autonomia, da liberdade, a procura do
homem pela autodeterminação.
86
82
MARÍN, Ricardo Ibáñez. Posibilidad y necessidad de la educación. In: MASOTA, Altarejos. (Org.).
Filosofia de la educación hoy. Madrid: Dykinson, 1991. p. 376.
83
MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 18.
84
Cf. Ibid., p. 18-19.
85
NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre Educação. Tradução e apresentação de Noéli Correia de
Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC; Loyola. 2003. passim.
86
Nesse sentido, Andraci Lucas Veltroni Atique, na sua recente tese de Doutorado defendida perante
Banca na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC define o conceito de educação, bem
como analisa, com muita propriedade todo o sistema de pós-graduação no federalismo brasileiro.
Veja-se sua tese já publicada. ATIQUE, Andraci Lucas Veltroni. Federação e competência para
legislar: estudo de um caso. Bauru: EDITE, 2006. p. 93-140.
62
Nesse diapasão, a concepção de educação libertadora
87
como conjunto de
conhecimentos compartilhados entre dois sujeitos pensantes, na busca de
significados comuns, é uma ação que decorre independentemente da intenção, mas
que pode ser reconhecida como libertadora quando percebe o homem social em
constante transformação e crescimento e assim se faz atuar.
É a educação que o omite fatos, não passa a mão na cabeça, não carrega
no colo. Ao contrário, conscientiza, instrumentaliza, respeita. Cumpre assim, um
papel especificamente humano e, para tanto, é necessário que o educador
reconheça a natureza humana de seus alunos, suas necessidades, manifestações,
sentimentos, além de saberes específicos à prática docente e às metodologias que a
legitimem.
Educação que envolve a formação do educando em um ser crítico, que
pensante, agente e interveniente no mundo sente-se dessa maneira capaz de
transformá-lo. Para isto, precisa ter conhecimento do mundo e analisá-lo
criticamente.
Configura-se, portanto, com o crescimento da consciência crítica, na
construção de uma sociedade mais igualitária, justa e solidária, onde as pessoas
realizem plenamente seu potencial humano.
A educação é a força responsável pelo dinamismo capaz de romper as
barreiras das desigualdades em busca de uma sociedade justa e democrática, capaz
de despertar aptidões, cultivando o espírito aberto para novas experiências; é
pressão dos fatos e a crítica fundamentada em argumentos válidos, convincentes e
lógicos.
Nesse mesmo sentido Theodor Wiesengrund Adorno
88
concebe a educação
Não uma moldagem de seres humanos, não a mera transmissão do saber,
cuja característica de coisa morta, retificada, foi suficientemente
explicitada; e sim a consciência verdadeira, de grande significado político;
pois uma democracia, não se propõe apenas a funcionar, mas a proceder
de acordo com seu conceito, exige homens emancipados. Uma verdadeira
democracia só pode ser concebida como sociedade de quem é
emancipado.
87
Conforme apontam VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes; BRITO, Regina Helena Pires de.
Conceitos de Educação em Paulo Freire. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: Mack Pesquisa,
2006. p. 88.
88
ADORNO, Theodor Wiesengrund. A indústria cultural e a sociedade. São Paulo: Nacional, 1978.
p. 234.
63
Sob essa perspectiva é preciso considerar que, embora a educação exija
consciência e emancipação dos seres humanos, não se pode negar que a educação
é o processo por meio do qual os indivíduos assemelham-se e diferenciam-se.
Por meio dela, tornam-se iguais, mas também, tornam-se diferentes uns dos
outros, tendo em vista que a educação é o movimento dialético que permite a
homens e mulheres apropriarem-se da cultura, estabelecendo com ela uma unidade,
uma proximidade.
Não se pode olvidar, no entanto, que a ação educativa se torna
compreensível e eficaz se os sujeitos nela envolvidos tiverem clara e segura
percepção de que ela se desenrola como uma prática político-social.
Nesse mesmo sentido aponta o pensamento de Paulo Freire, para quem a
educação é tamm um ato político, que evidencia a não-neutralidade do seu papel.
Segundo Paulo Freire
89
:
A educação libertadora pode fazer isto mudar a compreensão da realidade.
Mas isto não é a mesma coisa que mudar a realidade em si. Não. Só a ação
política da sociedade pode fazer a transformação social e não o estudo
crítico em sala de aula.
Para essa concepção, é preciso rejeitar a visão de ensino exclusivamente
técnico
90
, com a transmissão de um conhecimento acabado, imutável, e propor um
conhecimento em construção, que veja a educação como um compromisso político
prenhe de valores éticos e morais.
Por essa perspectiva, visa-se a aprimorar a formação dos alunos e dos
professores para a construção de saberes pertinentes com sua função na sociedade
para consecução de objetivos em direção à realização de um projeto cio-cultural
da humanidade, visando a uma transformão emancipatória de responsabilidade
coletiva, por meio da educação e, em sentido amplo, e pela mediação dos próprios
currículos.
Caminhando para uma síntese, pode-se apresentar a seguinte configuração:
89
FREIRE, Paulo; SHÖR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2006. p. 25.
90
Ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua
construção. Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 47.
64
Quadro 1 Síntese da concepção da educação nos diversos processos formativos:
- Educação produto social - compreendida como a transmissão de conhecimentos e valores
cio-culturais dos mais velhos às novas gerações. Nesse sentido o processo formativo é visto como
“algo exterior” que se acrescenta ao indivíduo.
- Educação processo de desenvolvimento do indivíduo - concebida como processo de
desenvolvimento das potencialidades e capacidades dos indivíduos. O processo formativo é
considerado aqui, como “algo interior” que se extrai do indivíduo.
- Educação como processo de interação indivíduo-sociedade - compreendida como processo
de formação global do ser humano, onde os aspectos biológicos, cognitivos, psicológicos, afetivos,
sociais e culturais são importantes, existindo uma interferência dos fatores externos (social e cultural)
na formação do indivíduo e as modificações destes vistos como fatores de interferência no meio
social.
- Educação como um processo cultural - pelo qual o indivíduo adquire sua personalidade
cultural, ou seja, adquire primeiramente a visão de mundo, da cultura a que se pertence.
Essa quarta configuração apresenta-se como síntese das primeiras. A cultura
nesse aspecto é entendida em sentido amplo, como a transformação que o homem
exerce sobre a natureza, mediante seu trabalho, instrumentos e idéias, bem como,
os produtos daí existentes.
Nesse processo cultural, o homem se torna produto de si mesmo e cria meios
para satisfazer suas necessidades. Com efeito, esse processo de aprendizado
principia ao nascer, com a família, de quem o homem recebe o que se convencionou
denominar socialização.
Na socialização aprende-se a constituir o mundo, emprestando-lhe as
significações dadas pelo aprendizado da língua; posteriormente insere-se em grupos
sociais maiores (o bairro, a cidade, o país, o mundo), e, definitivamente, em seu
ambiente cultural.
Num conceito clássico, chama-se cultura
91
à produção intelectual de um
povo, da qual resultam manifestações espirituais, como por exemplo, as artísticas,
as filosóficas, as jurídicas, as científicas. Essas atividades, porém, podem
aperfeiçoar-se pela transmissão de conhecimentos adquiridos através das gerações,
e pela assimilação de comportamentos.
A cultura constitui-se como uma mediação codificada entre os seres
humanos; por isso é necessário aprender a decifrar o sentido dos símbolos culturais,
91
Conforme aponta NISKIER, Arnaldo. Filosofia da Educação: uma visão crítica. São Paulo: Loyola,
2002. p. 240.
65
e tamm aprender a emitir as mensagens utilizando um código que os outros
possam entender.
Esta questão adquire uma grande importância para a tarefa educativa, pois a
educação é também o processo pelo qual a própria cultura é entregue por uma
geração à seguinte. E, como resultado dessa transmissão, desenvolvem-se estados
mentais e volitivos em quem aprende. A educação é compreendida, de maneira
dialética, holística, que integra as diferentes visões de mundo.
Educar significa, assim, colocar o indivíduo/aprendiz em contato com os
sentidos que circulam em sua cultura, por gerações pretéritas, para que assimilando-
os, o indivíduo possa nela viver. Essa assimilação, no entanto, não deve
subentender uma atitude passiva do sujeito.
Não se trata, portanto, de impor sentidos ao educando. Pois, educar significa
basicamente permitir ao indivíduo a eleição de um significado que norteie sua
existência.
Como processo cultural, educar-se diz respeito ao aprendizado dos valores e
dos sentimentos que estruturam a comunidade em que vivemos.
O conceito de cultura nessa acepção
92
, diz-se que ela é a herança de valores
e objetos compartilhados por um grupo humano de relativa coesão. Contudo, quer
se trate de transmissão de comportamentos considerados válidos, quer se trate de
manifestações espirituais, os modelos de comportamento e de ideais dependem do
ambiente e da classe social a que se pertence.
Sob essa perspectiva, é lícito supor-se que não uma única cultura:
tantas culturas quantos grupos sociais existam, ou seja, uma sociedade de classes.
Assim, tem-se uma cultura intelectual, outra popular; uma cultura de rico e outra de
pobre, o que não é rigorosamente desejável.
Sendo a sociedade heterogênea, a produção cultural depende da posição
social do grupo ao qual o indivíduo está integrado. o pode haver então, uma
92
Por outro lado, Thomas de Koninck indica aspecto diverso da palavra cultura, ligado a sua
etimologia. Assim, segundo KONINCK, a palavra cultura (do verbo latino colo) destaca ao menos
três outras noções principais: a de cuidar, formar, se ocupar de, velar; a noção de culto, respeito,
consideração e, ainda, a noção do lugar onde habitualmente se está, lugar onde se habita. Trata-se
do tema cuidado, da preocupação e da formação da alma. KONINCK, Thomas de. Filosofia da
Educação: ensaio sobre o devir humano. São Paulo: Paulus, 2007. p. 15. Tema que, com efeito,
tem em Sócrates uma figura singular e que está no coração de toda a tradição filosófica ocidental
até os nossos dias.
66
cultura, mas várias culturas. Além das diversas formas de cultura, existe a cultura de
massas, veiculada pelos meios de comunicação, que muitas vezes impõe padrões.
A Pedagogia
93
nesse contexto não deve a rigor separar a função cultural da
educação, da sua função social e política ou jurídica, como quer a visão marxista;
negar que a educação seja a preparação do indivíduo para ocupar um lugar na
divisão social do trabalho.
Em qualquer dos aspectos, a cultura encontra seu instrumento principal na
educação que, ao mesmo tempo, que cultiva o indivíduo, promove sua integração
social, política e econômica, jurídica.
Com efeito, os indivíduos que não têm oportunidade de adquirir cultura
pessoal, por meio da educação, ficam culturalmente dependentes de sua origem
social. O seu próprio destino social irá reproduzir sua origem social e as
conseqüentes diferenças.
Ao conceber-se a educação como cultura do indivíduo, sem levar em conta as
desigualdades e as lutas sociais para definição dessa cultura, a educação, mediante
o aprendizado, expulsa essas desigualdades.
Ao colocar a cultura individual como fundamento essencial da educação, a
Pedagogia considera que as estruturas e as lutas sociais são essenciais.
Em contato com a multiplicidade de sentidos de nossa cultura, na realidade
existencial de cada educando, a capacidade crítica para compreendê-los é, no
entanto, fundamental. E, central para que a aprendizagem ocorra. Nisso reside a
capacidade criadora: construir a partir do existente, dar um sentido que norteie a
ação no mundo, dos seres humanos. Ou, de outro modo, buscando valores e
significados dentre os vários provenientes da estrutura cultural. Necessário que se
diga, entretanto, que esses valores não podem ser impostos de forma arbitrária.
93
Franc Morandi define Pedagogia “como princípio das ações de educação, de ensino e de formação;
ensinar, aprender, instruir e formar dependem ao mesmo tempo da atividade pedagógica e da
ordem das idéias que guiam seu exercício. Enquanto disciplina, a pedagogia é constituída pelo
conjunto dos conhecimentos, das referências e das coerências na matéria, examinadas sob forma
de métodos e de modelos”. Nesse sentido, as ações de formar e de ensinar tornam-se cada vez
mais profissionais. A pedagogia, que elabora seus conceitos, constitui-se um campo de referências
incontornável, assim tem por objeto a parte sistemática da atividade humana que dirige as ações de
educação e formação, tem princípios e métodos próprios, define uma função, descreve uma
conduta específica, socialmente construída principalmente na escola e nas instituições formadoras.
MORANDI, Franc. Modelos e métodos em Pedagogia. Bauru: EDUSC, 2002. p. 7-9.
67
Plena de significado e sentido é a concepção de educação apresentada por
João Francisco Duarte Jr.
94
, para quem:
A educação é, fundamentalmente, um ato carregado de características
lúdicas e estéticas. Nela procura-se que o educando construa sua existência
ordenadamente, isto é, harmonizando experiências e significações.
Símbolos desconectados de experiências o vazios, são insignificantes
para o indivíduo. Quando a educação não leva o sujeito a criar significações
fundadas em sua vida, ela se torna simples adestramento: um
condicionamento a partir de meros sinais.
Essa definição toca, porque integra o ser humano naquilo que se entende ser
de mais essencial na sua constituição dentro do processo educativo, pois ela
defende a integração do homem na sua razão e na sua sensibilidade.
Definição plena de significado, também porque, resiste à divisão patológica,
muitas vezes, imposta pela própria cultura do homem dito “civilizado”, entre razão e
sentimento; como sendo dois compartimentos estanques, em que o primeiro se
sobrepõe ao segundo, em busca das “verdades” da vida.
No que tange à instituição de ensino, por comodismo ou acomodação, a
escola vem ignorando a função cultural ou colocando-a em posição secundária. O
ensino formal, em que a escola é especialista, situa-se aquém da validade da
dinâmica dos grupos sociais, contentando-se em propagar uma cultura imposta de
cima para baixo, mediante o domínio ideogico da formação do aluno.
Essa cultura, todavia, imposta em âmbito nacional e de forma heterônoma
pelo domínio dos currículos e outras atividades escolares, contrasta com a liberdade
do homem e cria obstáculos ao processo cultural. A idéia da cultura em si não é
ideológica, mas se torna ideológica quando é utilizada para justificar a dominação.
Para Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron
95
, toda a práxis educativa, todo
ato pedagógico, é sempre uma violência simbólica. E, o ensino do Direito não foge a
essa regra.
94
DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. Campinas: Papirus,
2005. p. 61.
95
Violência simbólica é aqui entendida no sentido de imposição arbitrária de determinada cultura
voltada a reprodução de um tipo específico de estrutura das relações sociais. É preciso ter sempre
em perspectiva que mediante a imposição de um determinado viés cultural ensinam-se os sujeitos
sociais a enxergarem a sociedade de uma determinada forma, e, conseqüentemente, a
conceberem-na como correta. Segundo Bourdieu e Passeron, “toda a ação pedagógica (AP) é
objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbítrio
cultural”. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria
do sistema de ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 20.
68
Isso significa que ensinar o Direito é tamm uma forma de acatar o Direito.
Ou seja, de aceitar, mediante um sutil processo de dissimulação, reprodução e
justificação ideológica, os valores, os conceitos, as categorias etc., que
correspondem a uma formação social e política específica.
Daí a importância de uma permanente vigilância epistemogica e de uma
crítica metodológica capaz de propiciar contraleituras ideológicas, já que jamais
haverá educação nem pesquisa que possam ser consideradas neutras, tanto das
normas jurídicas quanto das próprias doutrinas sobre o Direito Positivo.
96
No que tange ao ensino jurídico, é preciso assim considerar que há uma luta
no interior da educação jurídica, aliás, dentro do próprio sistema de ensino do
Direito, que se externaliza mediante a transmissão de uma cultura conservadora
versus a necessidade de criação de uma nova cultura, tarefa revolucionária da
educação.
Porém, essas duas forças seriam apenas horizontes opostos, em direção aos
quais a educação tenta caminhar, mantendo a pressão, o conflito, a dialética entre o
velho e o novo, entre a reprodução e a transformação.
A educação do Direito, como conhecimento para a vivência, deve constituir-se
além de um saber (paradigma antigo/reprodução), o conhecimento jurídico é um
saber-fazer, (novo paradigma/transformação) constituindo-se conforme assevera
Jacy de Souza Mendonça
97
:
Num conhecimento teórico-prático, o Direito é uma técnica, porém uma
técnica para a realização da Justiça, como toda técnica não é apenas um
fazer, mas um saber-fazer, ou seja, um conhecimento para a prática.
Filósofos e cientistas do Direito não devem estar voltados à pura
contemplação de um objeto neutro, mas valoram condutas, com a missão
de transformá-las. Esta transformação, em seus momentos críticos, faz-se
pela coação, mas a forma ideal de obtê-la é pela educação de todos, para
que coexistam na busca do bem comum, pela criação de idéias-força na
consciência dos cidadãos, geradoras do hábito, da virtude de proceder com
justiça.
No seio do processo educativo no âmbito jurídico é necessário considerar o
que permanece dos paradigmas antigos, aquele entre a imposição de significações
já construídas, considerando por outra via, a missão transformadora e a construção
96
Cf. FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1987. p. 39.
97
MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de Filosofia do Direito: o homem e o Direito. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 74.
69
por parte dos educandos de seus próprios significados (conceitos). É preciso
considerar ainda, que numa dada sociedade, sempre uma das tendências acaba por
dominar.
Além disso, é preciso considerar que o conceito de educação, nem sempre é
entendido dentro da perspectiva integradora constituída pelos elementos culturais,
lúdicos, estéticos, transformadores e, portanto, imprescindíveis ao verdadeiro
princípio da educabilidade e dignidade
98
do homem.
Indaga-se, nesse sentido: como transmitir, como levar o educando a conhecer
o antigo e o existente, sem que a educação adquira o caráter de adestramento e de
dominação?
A par disso, ao falar-se em educação, implicitamente sempre se estará
falando de uma determinada teoria do conhecimento
99
, isto é, uma teoria que
fundamenta e explica a maneira e o processo pelos quais o homem vem a conhecer
o mundo.
Ocorre que o conceito de educação sofreu influência das mais diferentes
concepções filosóficas no campo da teoria do conhecimento ao longo da história da
humanidade, o que certamente refletiu na concepção e configuração dos seus
currículos, dos seus elementos e de suas diretrizes.
Isso ocorre porque, as diferentes concepções filosóficas de educação ao
longo da história, bem como a configuração econômica, política, jurídica e cultural do
Brasil, ao longo dos anos, determinaram, sobremaneira, a história atual dos
currículos no ensino de Direito do nosso país.
98
Gabriel Ghalita adverte-nos que “o elemento fundante do processo constitucional é a Dignidade da
Pessoa Humana, é a mola primeira, propulsora para a compreensão de todo o sistema
constitucional e do sistema infraconstitucional. A dignidade da pessoa humana orienta a leitura e
compreensão dos objetivos da República Federativa do Brasil que no seu art. 3º, inciso I, fala em
construir uma sociedade livre, justa e solidária”. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Heurística e
Direito. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu; RODRIGUES, José Rodrigo. (Org.). Hermenêutica
plural. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 233. Nesse mesmo entendimento afirma
Castanheira Neves, para quem “o homem-pessoa e a sua dignidade é o pressuposto decisivo, o
valor fundamental e o fim último que preenche a inteligibilidade do mundo humano do nosso tempo”.
CASTANHEIRA NEVES, A. O Direito hoje e com que sentido? O problema actual da autonomia
do Direito. Lisboa: Piaget, 2002. p. 69. Veja-se tamm BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-
modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 299.
99
O estudo da Teoria do Conhecimento é chamado de Epistemologia (do grego episteme,
conhecimento + logos, teoria). O termo foi usado pela primeira vez em 1854 por J. F. Ferrier que
distinguiu os dois ramos da filosofia como ontologia (do grego on, ser + logos, teoria) e
epistemologia. No entanto, a epistemologia compreende o estudo sistemático da natureza, fontes e
validade do conhecimento.
70
Não se pretende aqui apontar os fatos que legitimaram essas diferentes
correntes do pensamento que, ao longo da história da humanidade, implicaram em
diferentes configurações no conceito de educação, tendo em vista que a pesquisa se
restringe a análise das atuais diretrizes curriculares nacionais instituídas para o
curso de Direito, ex vi da Resolução CNE/CES nº 9/2004.
100
Tendo em vista essa influência, é preciso apontar neste trabalho, ainda que
brevemente, as fundamentações filosóficas educacionais que repercutiram na
configuração da legislação do Direito Educacional e que implicitamente controlam a
configuração da educação e o currículo jurídico do país, em nível superior.
Destacando-se, entre elas, aquelas que influenciaram diretamente nas
Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs e seus respectivos currículos, nos cursos
de bacharelado em Direito.
1.2.1 Distinção entre educação, ensino e instrução
É preciso apresentar nesta tese a distinção conceitual entre os termos
educação, ensino e instrução já que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB
101
emprega os termos de maneira equivocada, usando inclusive no
texto normativo, ora denominação “Ensino Superior”, ora “Educação Superior”.
Isso azo a uma imprecisão terminológica do ponto de vista filosófico, visto
que a restrição ontológica do termo ensino (derivado do latim insignare), que
significa instrução ou ação de ensinar, em detrimento do termo educação, do latim
educatio, empregado para indicar ação de desenvolver integralmente, todas as
faculdades dos indivíduos. Sejam elas intelectuais, morais, emocionais, físicas,
estéticas, culturais ou sociais, resgatando, portanto, a noção clássica de Paidéia,
anteriormente explicitada.
A palavra educação designa o processo global da sociedade pelo qual a
pessoa, o indivíduo e a coletividade social aprendem a assegurar conscientemente,
no interior da comunidade nacional e internacional e, em seu benefício, o
100
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.
101
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23
dez.1996. p. 27.833-841.
71
desenvolvimento integral da sua personalidade, das suas capacidades, das suas
atitudes, das suas aptidões e do seu saber. Este processo não se limita, contudo, a
ações específicas de ensino e aprendizagem.
A educação configura-se, porém, um conceito mais amplo, engloba, a
instrução e o ensino, pois estes últimos visam nomeadamente à transmissão de
conhecimentos e à formação intelectual. Porém, uma educação sem aprendizagem,
é tamm vazia de sentido.
Segundo Yara Pires Gonçalves
102
, ensinar implica respeitar a leitura do aluno,
para que ele supere a maneira ingênua de ver o mundo e aprenda a inteligi-lo de
modo mais crítico.
Essa postura do professor respeita o saber do aluno, demonstra humildade
crítica, própria de uma posição verdadeiramente científica, e estimula a curiosidade
epistemológica que favorece a produção do seu conhecimento.
O ideal seria, no entanto, que “um homem tivesse 100% de educação e 100%
de instrução; que fosse mestre em ciência e mestre da consciência.
103
A dicotomia
em que se opõe a educação, propriamente dita, de um lado, instrução e, de outro,
educação, tem origem na educação grega.
Conforme aponta Regina Maria Fonseca Muniz
104
Nas cidades-estado, ou polis, cada uma delas exercida por um docente
específico. Cabia ao pedagogo a educação no âmbito do lar, onde convivia
com as crianças e os adultos, iniciando-se nos valores da polis, cuja
preocupação primordial era a formação do caráter. A função do pedagogo
era considerada de caráter vital para o desenvolvimento da integridade
moral do educando. Por outro, o professor era quem, simplesmente instruía,
ensinava conhecimentos básicos de matemática, escrita, etc., cujo papel era
considerado secundário.
Vistos numa perspectiva restrita, o ensino e a instrução, de per si, sem o
acompanhamento do sentido dos fundamentos substanciais da educação pode,
contudo, levar a cabo a domesticação do indivíduo, programando-o unicamente para
atuar dentro das propostas previamente estabelecidas pelo sistema.
102
GONÇALVES, Yara Pires. Currículo e prática docente - assistentes sociais no exercício da
docência: aprendizagem do saber ensinar. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-
Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007. p. 17.
103
RODHEN, Huberto. Educação do homem integral. São Paulo: Alvorada, 1979. p. 46
104
MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 8-9.
72
Por isso que a educação deve desenvolver além dos conteúdos curriculares
propriamente ditos, também os valores morais e éticos do educando.
A educação como direito de todos
105
, portanto, não deve se limitar a
assegurar somente a possibilidade de leitura, da escrita e do cálculo.
Jean Piaget
106
prescreve que a educação deve garantir a todos o pleno
desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição de conhecimentos, bem
como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a
adaptação à vida social atual.
Por essa perspectiva, a educação não deve se limitar, como dito
anteriormente, somente a ensinar e a instruir, a transmitir conhecimento curricular,
que o que se objetiva é a formação integral do homem, incluindo-se o
desenvolvimento de todas as aptidões, das potencialidades e habilidades do
educando.
Educar, portanto, supõe além de transmitir e informar o conteúdo curricular
necessário sobre objeto cognoscitível, supõe, tamm, o dever, a responsabilidade
ética de formar o educando para os valores, para o pleno desenvolvimento da
pessoa, visando ao seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.
A educação deve ter por meta assim a personalidade humana e o seu
fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais,
deve especialmente qualificar o educando para o trabalho e prepará-lo para o
exercício da cidadania.
107
105
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. Art. 205, p. 106.
106
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 40.
107
A conceituação de cidadania foi analisada na obra Autonomia Universitária no Direito Educacional
Brasileiro. Para a qual foi feita a seguinte ponderação: “O que significa cidadania? Para enfrentar
essa questão é preciso ter em mente que tanto a Constituição Federal de 1988, quanto a atual Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dizem que um dos objetivos da educação é a
preparação para a cidadania. Essa noção, por sua vez, é inseparável do conceito de direitos
humanos, que deve ser entendido como direitos fundamentais da pessoa humana. Se
fundamentais, é preciso não apenas reconhecê-los, mas protegê-los e, sobretudo, promovê-los. A
cidadania exige instituições absolutamente comprometidas com esses direitos e, portanto, deve-se
exigir das escolas comportamentos envolvidos na luta contra as desigualdades, que se referem
não apenas a diferenças naturais ou culturais, mas também a um juízo de superioridade e
inferioridade sobre grupos, camadas ou classes sociais. Dessa forma, o conceito de cidadania, não
deve ser entendido de forma restritiva, como capacidade de ser titular de direitos políticos
eleitorais, ou seja, a possibilidade de votar e ser votado. É evidente que todos aqueles que se
73
O acesso à educação constitui-se, além disso, um dos caminhos para
realização concreta do ideal democrático.
É nesse sentido o posicionamento de Konrad Hesse
108
:
Em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de
cidadãos emancipados, informados, não de uma massa de ignorantes,
apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por
governantes bem intencionados ou mal intencionados, sobre a questão do
seu próprio destino, é deixada na obscuridade.
Ora, a democracia tem na cidadania a sua base. O legítimo poder
democrático somente é exercido quando a sociedade é composta por cidadãos
ativos que exercem plenamente sua cidadania. Não devendo, portanto, se
compreendida em sentido formal e abstrato, porém como um conjunto de fatores que
possibilita o controle de poder pela participação ativa dos envolvidos.
Nessa linha de raciocínio, no campo das reflexões sobre o ensino e o
currículo jurídico, o professor de Direito, em sala de aula, não pode se limitar a
transmitir conhecimento. A situação de interação com os alunos, própria desse
ambiente, mas não exclusiva dele, o obriga a adequar, a traduzir, criticamente, a
problematizar seu conteúdo curricular para que haja aprendizagem. Essa ação exige
do professor raciocínio, tomada de decisões, que, contudo, darão sentido a sua
prática e à intervenção educativa. Para isso é necessário que o profissional da
docência superior prepare-se, capacite-se, antes de realizar a sua atividade.
Educar é, assim, tamm promover uma permanente reflexão do que se
ensina. E, ainda que a docência possa ser prazerosa sob o ponto de vista do
professor, não constitui ela tarefa simples, costumando demandar grande coragem
interior para sugerir mudanças que levem a uma nova realidade. Educar, portanto,
ultrapassa, contraria a mera transmissão de conhecimentos.
integram no Estado, pela vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação
e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se assim conceituar o
povo como o conjunto de cidadãos do Estado. Por essa linha de raciocínio, o indivíduo que, no
momento do seu nascimento, atende aos requisitos fixados pelo Estado, passa a ser integrado
nele, ou seja, passa a ser cidadão. Entende-se, todavia, que o conceito de cidadania deve ser mais
abrangente, envolvendo outros aspectos e demandando incursões sobre a garantia e a eficácia
dos direitos colocados à disposição do ser humano, sobretudo, no que tange à realização dos
direitos sociais (saúde, assistência social, e, sobretudo, educação). Assim, a preocupação com a
cidadania deve abranger uma gama de outros deveres e direitos, como os direitos civis, sociais e
políticos, que devem ser efetivamente vivenciados. LINHARES, Mônica Tereza Mansur.
Autonomia Universitária no Direito Educacional Brasileiro. São Paulo: Segmento, 2005. p. 168.
108
HESSE, Konrad. Elementos do Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.
Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 133.
74
Para Paulo Freire
109
, a mera transmissão do conhecimento pelo professor e a
sua reprodução pelo aluno é uma das formas de confirmação da dominação vigente.
Ainda, para Paulo Freire
110
, o conhecimento não é um algo dado e acabado, mas um
processo social que demanda a ação transformadora dos seres humanos sobre o
mundo.
Nesse mesmo sentido posiciona-se Henry A. Giroux, para quem a redução
dos professores ao status de cnicos especializados dentro da burocracia escolar
os conduz à função de administrar e implementar programas curriculares mais do
que se apropriar criticamente de currículos que satisfaçam a objetivos específicos da
sua função de ensinar.
Henry A. Giroux
111
defende as escolas como instituições essenciais para a
manutenção e desenvolvimento de uma democracia crítica e em defesa do docente
como intelectual transformador, por meio e prática acadêmica, a serviço da
educação de estudantes como cidadãos reflexivos e ativos.
Frise-se a educação como direito de todos, portanto, não se limita em
assegurar a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo. Isso porque, a rigor, a
educação deve garantir a todos o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e
a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores
112
morais especialmente os
valores éticos, que correspondem ao exercício dessas funções até a adaptação à
vida social atual.
Os valores morais e os valores éticos são sempre valores da pessoa.
Inerentes unicamente ao homem; só no homem podem se realizar. Somente o
homem, como ser livre, no uso da sua responsabilidade, pode ser moralmente bom
ou mau na sua ação e nos seus negócios, no seu querer e no seu esforço, no seu
amor, no seu ódio, na sua alegria e na sua tristeza, e nas suas atitudes
fundamentais.
109
FREIRE, Paulo. ão cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2003. p.160.
110
Ibid., p. 160-161
111
GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma Pedagogia crítica de
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. passim.
112
Gabriel Chalita indica que a palavra valor vem do latim valore. Aponta ainda que “desde a
Antiguidade ela foi usada para indicar utilidade, ou o preço dos bens materiais. Mas, em Filosofia,
foram os estóicos os primeiros a usá-la para designar os objetos de escolha moral. Cícero
chamava valor tudo aquilo que é digno de escolha”. Cf. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac.
Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 180.
75
Eis porque o ser do próprio homem, a personalidade penetrada de valores
éticos o homem humilde, puro, veraz, fiel, amoroso e justo é ainda mais
transcendente do que a criação de bens culturais.
Os valores morais e éticos são o que de mais elevado entre todos os
valores naturais. Acima da genialidade, da sensatez, da vida próspera, da formosura
da arte e da natureza, acima da estrutura e da própria força do Estado, estão os
valores como a verdade, a coragem, a honestidade, a bondade, a veracidade, a
justiça e a humildade do homem.
Os valores éticos e morais são o âmago do mundo; a sua negação, o pior dos
males
113
: pior do que o sofrimento, a doença, a morte, pior do que a ruína das
culturas mais florescentes.
O papel fundamental da educação é, portanto, promover tamm esses
valores no sentido do desenvolvimento integral das potencialidades da pessoa
humana.
Por isso considera-se, pela análise do termo “educação” ora exposta, que é
possível concluir-se que o conceito de educação é mais compreensivo e abrangente
que o da mera “instrução” e “ensino”.
1.3 Educação Superior e a Imagem de Futuro do Currículo
Toda a educação” escreve o sociólogo Alvin Tofler
114
, “brota de alguma
imagem de futuro”. Se a imagem de futuro de uma sociedade estiver grosseiramente
equivocada, o sistema de ensino
115
acabará por trair os seus jovens.
Imagine uma tribo indígena que durante séculos tenha navegado no rio à
porta de suas ocas em canoas feitas de troncos de árvore. Durante todo esse tempo,
a cultura e a economia da tribo dependeram da pesca, do preparo dos produtos do
113
Conforme nos assevera Dietrich Von Hildebrand. Atitudes éticas fundamentais. Lisboa:
Quadrante, 1988. p. 3.
114
TOFFLER, Alvin. O choque do futuro. São Paulo: Record, 1994. p. 17.
115
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. Art. 211, p. 108. BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN)
Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n.
248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.
76
rio, dos alimentos colhidos do solo fertilizado pelo rio, da construção de canoas e
demais instrumentos necessários.
Enquanto o ritmo das mudanças tecnológicas nessa comunidade permanecer
lento, enquanto guerras, invasões, epidemias ou desastres naturais não perturbarem
o ritmo constante da vida, a tribo não terá dificuldades para formular uma imagem de
seu futuro, pois o amanhã permanecerá uma réplica do ontem.
A educação brota dessa imagem. Porém, mesmo que não existam escolas na
tribo, haverá sempre um currículo um conjunto de habilidades, filosofias, valores,
cultura, rituais que devem ser aprendidos.
Aos meninos será ensinado como remover as cascas das árvores e como
fazer canoas de troncos, da mesma forma como fizeram os seus antepassados. O
professor, nesse contexto, sabe o que está fazendo, convicto de que a tradição, o
passado, funcionará no futuro.
116
É preciso indagar-se: que ocorrerá a essa tribo, se continuar com os seus
métodos tradicionais, sem saber que 500 quilômetros acima está sendo construída
uma represa, que secará o braço do rio à beira do qual vive essa mesma tribo?
A “imagem de futuro” o conjunto de pressupostos nos quais os membros da
tribo baseiam o seu comportamento presente torna-se enganosa. O amanhã não
mais replicará o hoje. Uma imagem falsa de futuro destrói a relevância do esforço
educacional.
Qual é a imagem de futuro com a qual trabalha a educação superior
especialmente no que tange a configuração dos currículos jurídicos do nosso país?
Existirá um marco paradigmático para esse setor que contribua para a elaboração
dos currículos no ensino superior da graduação, especialmente do ensino jurídico?
Esse marco deverá constituir-se nos fundamentos filosóficos da Educação e do
Direito?
Para responder a estas problemáticas, é preciso recordar as palavras de
André-Jean Arnaud
117
, que mostra o quanto é difícil tratar de um tema que está em
116
Cf. RISTOLF, Dilvo. A Universidade Brasileira Contemporânea: tendências e perspectivas. In:
MOROSINI, Marília. (Org.). A universidade no Brasil: concepções e modelos. Brasília: INEP;
ANPED, 2006. p. 37-52.
117
ARNAUD, André-Jean. Perfil do advogado no limiar do século XXI. In: CONFERÊNCIA NACIONAL
DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), XIII., 1990. Anais... 1990. Textos 22-23.
77
construção”. Contudo, entende-se que o ensino jurídico no ensino superior é, na
verdade, um tema também de futuro.
Na visão de André-Jean Arnaud
118
, no entanto, é difícil ser categórico quando
cuidar de pensar o futuro.
Pode-se, entretanto, sem nos aventurarmos, levantar hipóteses; tais
hipóteses reportam tanto a constatação de fatos contemporâneos quanto lições do
passado.
A Declaração Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI: Visão e
Ação
119
é um marco referencial de visão de futuro, de ões para mudança e
desenvolvimento do ensino superior.
Assinada pelo Brasil e por mais 180 países, representam um consenso
internacional sobre a questão da educação superior.
O artigo do referido documento, que trata da missão e funções de
educação superior”, recomenda às instituições de ensino dos seus respectivos
países, ao seu pessoal e aos estudantes universitários, a fim de desfrutarem de
liberdade acadêmica e autonomia plena, as seguintes iniciativas:
a) preservar e desenvolver o ensino, submetendo todas as atividades às
exigências da ética e do rigor científico e intelectual;
b) ampliar suas funções críticas e prospectivas diante de uma análise
permanente das novas tendências sociais, ecomicas, culturais e políticas;
c) utilizar sua capacidade intelectual e prestígio moral para defender e
difundir ativamente os valores aceitos universalmente, particularmente a
paz, a justiça, a liberdade, a igualdade e a solidariedade, tal como
consagrados na Constituição da UNESCO;
d) educar para a cidadania e participação plena na sociedade;
e) contribuir na proteção e na consolidação de valores e da sociedade,
formando a juventude de acordo com os valores nos quais se baseia a
cidadania democrática, e proporcionando perspectivas críticas e
independentes a fim de colaborar no debate sobre as opções estratégicas e
no fortalecimento de perspectivas humanistas.
118
ARNAUD, André-Jean. Perfil do advogado no limiar do século XXI. In: CONFERÊNCIA NACIONAL
DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), XIII., 1990. Anais... 1990. Textos 22-23.
119
A Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI encontra-se compilada na
publicação organizada pela UNESCO e pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras -
CRUB, em documento que contém mais de 700 páginas, publicado em forma de livro.
DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação Superior no culo XXI. In: UNESCO/CRUB. (Org.).
Tendências da Educação Superior para o Século XXI. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O
ENSINO SUPERIOR, 1998, Paris. Anais... Brasília: UNESCO; CRUB, 1999. p. 22-25.
78
A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI elaborou um
relatório para a UNESCO, que ficou conhecido como Relatório Jacques Delors.
120
As
idéias desse relatório foram centrais para a organização da Conferência Mundial
sobre o Ensino Superior Tendências da Educação Superior pra o Século XXI,
realizada em Paris, de 5 a 9 de outubro de 1998.
121
Nesse importante documento cujas teses foram, não somente, acolhidas pela
comunidade educacional brasileira, mas também, passaram a integrar os eixos
norteadores da política educacional superior brasileira, são recomendadas para as
universidades quatro funções essenciais para o desenvolvimento da educação
contemporânea, a saber:
preparar para a pesquisa e para o ensino;
dar formação altamente especializada e adaptada às necessidades da
vida econômica e social;
estar aberta a todos para responder aos múltiplos aspectos da chamada
educação permanente;
estar pronta a cooperar no plano internacional, compartilhando
conhecimentos científicos e priorizando o acesso à informação nas regiões
mais pobres do mundo.
O Relatório Delors estabelece ainda os 4 pilares da educação
contemporânea:
) aprender a ser;
) aprender a fazer;
) aprender a viver juntos;
) aprender a conhecer.
Constituindo-se essas, portanto, as aprendizagens indispensáveis que devem
ser perseguidas de forma permanente pela política educacional de todos os países.
Além disso, o Relatório aponta ainda para a necessidade do desenvolvimento
da educação ao longo da vida, o que implica, segundo esse importante documento,
120
DELORS, Jacques. (Org.) Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília:
UNESCO, 2001. p. 139-151.
121
DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação Superior no culo XXI. In: UNESCO/CRUB. (Org.).
Tendências da Educação Superior para o Século XXI. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O
ENSINO SUPERIOR, 1998, Paris. Anais... Brasília: UNESCO; CRUB, 1999. p. 22-25.
79
novas formas de perspectivas curriculares, ou seja, uma nova organização
curricular, por parte das IES, voltada para as necessidades da sociedade civil.
Aponta, especialmente, para a necessidade da aprendizagem interdisciplinar
e transdisciplinar
122
da educação em razão da demanda de aprendizagem constante
e diversa.
No entanto, a questão da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade
assenta-se na idéia de que as disciplinas tendem a compartimentar o saber
proveniente de diversos campos.
Dessas idéias documentadas, é preciso salientar as importantes propostas
123
feitas pelos empregadores aos comitês encarregados de prospectar o futuro do
ensino superior em conexão com o trabalho.
Essas propostas revelaram, contudo, as qualidades que se esperam dos
diplomados que são:
mostrar flexibilidade;
ser capaz e querer contribuir para a inovação e demonstrar criatividade;
ser capaz de enfrentar a incerteza;
estar animado pelo desejo e dotado de meios para aprender ao longo de
toda a vida;
ter adquirido sensibilidade social e aptidões para a comunicação;
ser capaz de trabalhar em equipe;
estar pronto a assumir responsabilidades;
ter espírito empreendedor;
preparar-se para a internacionalização do mercado de trabalho,
familiarizando-se com culturas diferentes;
122
Para o estudo dos currículos na perspectiva da integração, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade, reportam-se às obras de Jurjo Torres Santomé, professor da Universidade de
La Coruña, que propõe em seu trabalho, um currículo na perspectiva integrada. SANTOMÉ, Jurjo
Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.
187-222. Pode-se também apontar a obra dos educadores espanhóis Fernando Hernandés e
Ventura Montserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed,
1998. passim. Certamente, a perspectiva epistemológica de um currículo fechado e estanque será
alterada face à leitura desses trabalhos.
123
DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação Superior no século XXI. In: UNESCO/CRUB. (Org.).
Tendências da Educação Superior para o Século XXI. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O
ENSINO SUPERIOR, 1998, Paris. Anais... Brasília: UNESCO; CRUB, 1999. p. 22-25.
80
possuir um largo espectro de competências genéricas em disciplinas
variadas e ser versado nos campos de conhecimento que forma a base de
diversas competências profissionais, especialmente as novas tecnologias.
Tudo isso, em resposta a um fluxo de informações diversas no qual estamos
inseridos, provocado pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela difusão da
informação.
A finalidade essencial da universidade, como local privilegiado do ensino,
deve ser a construção do conhecimento e da formação da competência inovadora,
não caracterizada pela mera transmissão de conhecimentos, que reduz tudo e todos
a meros objetos de aprendizagem.
Nesse sentido, é preciso relembrar as palavras de Freire
124
: ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar possibilidade para a própria produção ou a sua
construção”.
O ensino deve, am disso, ser conduzido pela universidade de forma
autônoma, como um processo democrático e permanente de construção científica e
de intervenção na realidade. Inseridas no contexto de permanentes mudanças e
transformões, as Instituições de Ensino Superior - IES, especialmente a
universidade, precisam ser repensadas, com o fito de criar ocasiões e novas
configurações curriculares integradoras da realidade social, econômica, política,
jurídica, cultural e educacional do país e do mundo.
Urge repensar sua missão educativa e constitucional elaboradora de uma
epistemologia da convergência das disciplinas curriculares, operadora de uma
síntese do saber, articulada com os diversos conhecimentos e promotora de uma
imagem unificada do próprio homem.
De que forma? Mediante o estabelecimento de diretrizes curriculares que
assegurem a necessária flexibilidade e diversidade nos programas oferecidos pelas
diferentes instituições de ensino superior, de forma a melhor atender às
necessidades diferenciais de seus educandos e às peculiaridades das regiões em
que as IES estão localizadas e inseridas.
124
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996. p. 47.
81
Valorizando, dessa maneira, a questão da inserção regional da IES e sua
missão institucional. Apresentando-se, portanto, um contraponto ao currículo
engessado que estabelece em âmbito nacional diretrizes a serem fiel e cegamente
cumpridas por todas as IES que oferecem cursos de Direito pelo Brasil afora.
Tal intento se atinge ao garantir às IES maior liberdade para optarem por um
currículo jurídico próprio, contextualizado nas especificidades, necessidades e
objetivos expressos nos seus próprios projetos político-pedagógicos e cujo
desenvolvimento de capacidades, potencialidades, talentos, competências e
habilidades multifocais do educando seja o principal alvo do discurso educacional
das instituições de educação.
Portanto, mediante a elaboração heterônoma de seus próprios currículos de
modo a fazer imergir, libertar e emancipar a pessoa humana, em detrimento da
perspectiva tecnicista e cientificista que objetiva o aluno em desrespeito à pessoa
humana.
1.4 A Universidade e o Currículo
As universidades também são caracterizadas pela oferta regular de atividades
de: ensino (transmissão de conhecimento); pesquisa (produção de novos
conhecimentos); extensão (prestação de serviços à comunidade).
A caracterização da universidade encontra-se em consonância com o que
determina a norma constitucional, ex vi da parte do artigo 207 da Constituição
Federal e, atende ao que dispõe o artigo 52 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional.
Veja-se, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
125
:
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
§ 1º - É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas
estrangeiros, na forma da lei. [sem grifos no original].
§ 1º acrescentado pela Emenda Constitucional n. 11, de 30-4-1996.
125
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. Art. 207, p. 107.
82
Na Lei n˚ 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB
126
:
Art. 52 As universidades o instituições pluridisciplinares de formação
dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de
domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por:
I produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos
temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e
cultural, quanto regional e nacional;
II um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de
mestrado ou doutorado;
III um terço do corpo docente em regime de tempo integral.
Parágrafo Único. É facultada a criação de universidades especializadas por
campo do saber.
No exercício de suas funções (ensino, pesquisa, extensão) as universidades
devem obediência, no entanto, às normas gerais de ensino e à legislão
educacional pertinente, ex vi dos artigos 207 da Constituição Federal de 1988, c/c
art. 52 e 53 da LDB e do artigo 7º do Decreto n˚ 3.860/2001.
127
Para o exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades as
atribuições previstas nos incisos I a X do art. 53 da LDB, que assim dispõe:
Art. 53 No exercício de sua autonomia, são asseguradas às
universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
I. criar, organizar, extinguir em sua sede cursos e programas de
educação superior previstas nesta Lei, obedecendo às normas gerais da
União, e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;
II. fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as
diretrizes gerais pertinentes;
III. estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica,
produção artística e atividade de extensão;
IV. fixar o mero de vagas de acordo com a capacidade institucional e as
exigências do seu meio;
V. elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância
com as normas gerais atinentes;
VI. conferir graus, diplomas e outros títulos;
VII. firmar contratos, acordos e convênios;
VIII. aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos
referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar
rendimentos conforme dispositivos institucionais;
IX. administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de
constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;
X. receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação
financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.
126
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23
dez.1996. p. 27.833-841.
127
BRASIL. Decreto Presidencial 3.860, de 08 de julho de 2001. Dispõe sobre a organização do
ensino superior, avaliação de cursos e instituições, e outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília: DF, n. 132, 10 jul. 2001. Seção 1.
83
Parágrafo Único Para garantir a autonomia didático-científica das
universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir,
dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:
I. criação, expansão, modificação e extinção de cursos;
II. ampliação e diminuição de vagas;
III. elaboração da programação dos cursos;
IV. programação das pesquisas e das atividades de extensão;
V. contratação e dispensa de professores;
VI. planos de carreira docente.
Da interpretação da norma constitucional e infraconstitucional, depreende-se
que como instituição jurídica,
128
a universidade é uma entidade normativa específica,
128
A propósito desta idéia, ou seja, da universidade considerada como instituição jurídica, veja-se a
importante obra de Anita Lapa Borges de Sampaio. Sampaio observa que a universidade, numa
perspectiva ordenamental, poderia ser caracterizada como um ordenamento jurídico particular
secundário ou derivado, constituído dos elementos de normação própria (mesmo parcial
elaboração do Estatuto) e organização (administração) e plurissubjetividade (comunidade
universitária). SAMPAIO, Anita Lapa Borges de. Autonomia universitária. Brasília: UNB, 1998. p.
191-255. Ainda, sobre esta mesma perspectiva, veja-se Alexandre Santos de Aragão. ARAGÃO,
Alexandre Santos de. A autonomia universitária no Estado Contemporâneo e no Direito
Positivo Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 37. RANIERI, Nina Beatriz. Autonomia
universitária: as universidades públicas e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: EDUSP,
1994. passim. Ainda, na perspectiva do entendimento do conceito de universidade vista como uma
instituição jurídica, como um ordenamento jurídico é considerada, sobretudo, pela doutrina
espanhola, especialmente, por Francisco Borja López~Jurado Escribano, que se valeu da Teoria
dos Ordenamentos Jurídicos de Santi Romano que é de grande influência no Direito Público.
ESCRIBANO, Francisco Borja López~Jurado. La autonomía de las universidades como
derecho fundamental: la construcción del Tribunal Constitucional. Madri: Civitas, 1991, passim.
Com efeito, segundo sua Teoria, do início do século, os corpos sociais permanentes e distintos dos
seus elementos constitutivos são instituições. Romani considera ainda que toda a instituição é, em
si, um ordenamento jurídico, pois há uma pluralidade de ordens jurídicas inter-relacionadas.
Segundo Santi Romani, as instituições não são entes fechados. E, geralmente, as instituições
correlacionam-se com outras instituições, às vezes integrando-se como partes constitutivas.
ROMANO, Santi. L’ordinamento giuridico. Firenze: Sansoni, 1951, passim. Ora, tal afirmação
implica na negação de que todos os ordenamentos jurídicos devam reduzir-se ao ordenamento
estatal. Se, por um lado, a Teoria de Santi Romano é elogiada, por parte da doutrina, que a
considera de grande importância para auxiliar o intérprete na solução de conflitos que surgem entre
as normas oriundas da autonomia universitária e as normas de outros ordenamentos jurídicos
parciais, ou mesmo do ordenamento jurídico central do Estado, por outro lado, a Teoria dos
Ordenamentos Jurídicos de Santi Romano é duramente criticada BODDA; CARBONIER, 1932,
apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. A autonomia universitária no Estado Contemporâneo e
no Direito Positivo Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 141. Tendo em vista o
argumento de que somente o Estado, e, apenas ele, possui poder normativo originário, do qual as
outras fontes de alguma maneira extraem a sua existência e eficácia, e ainda, sob o argumento
centralista, os críticos sustentam que as ordens jurídicas menores seriam, geralmente, levadas em
conta, se não autorizadas ou criadas pelo direito estatal. Alicerçado na tese de instituição-
ordenamento de Santi Romano, e, considerando a universidade como um ordenamento jurídico
secundário, derivado e particular, examina as sentenças da Corte Constitucional Espanhola na
perspectiva de que a autonomia conferida às universidades por dispositivo constitucional seria,
portanto, de um ordenamento jurídico, e não de autonomia de um ente. Parece, entretanto, que a
configuração da universidade como instituição, deve ser encarada sob a perspectiva de
ordenamento jurídico parcial, pois apesar de entender-se a autonomia como possibilidade de
autodeterminação, as normas jurídicas são, de algum modo, reconduzíveis ao poder estatal,
mesmo porque a possibilidade de autodeterminação não significa soberania. Neste caso, portanto,
como instituição jurídica, a universidade não pode se sobrepor ao próprio Estado. Na doutrina
alemã, por outro lado, a posição mais difundida no que diz respeito à configuração jurídica da
universidade foi desenvolvida por Hans J. Wolff, que apontou uma dupla natureza das
84
dotada de autonomia constitucional, personalidade jurídica própria, criada pelo
Estado ou pelo particular, e que tem como atribuição, tamm constitucional, as
funções que lhe são indissociáveis, quais sejam, de ensino, pesquisa e extensão.
Além disso, no exercício de sua autonomia, conferida pela norma maior, essa
entidade normativa pode fixar os currículos dos seus cursos e programas,
observadas as diretrizes gerais pertinentes.
Registre-se, no entanto, que a opção por uma determinada estrutura
curricular deve levar em consideração as características das diferentes instituições
de ensino superior que ministram os cursos de Direito.
129
Portanto, o se pode
desconsiderar na reflexão sobre o currículo o conceito de universidade como
instituição normativa autônoma.
Tal conceito foi apresentado no Simpósio Comemorativo ao Nono Centenário
da Universidade de Bologna, em que os reitores de todos os continentes
estabeleceram uma Carta Magna com a seguinte definição
130
: a Universidade
diversamente organizada por condições geográficas e históricas é a instituição
autônoma que, de modo crítico, produz e transmite cultura através do ensino e da
pesquisa.
Como instituição educacional, cumpre registrar a conceituação
consubstanciada no Parecer 1366/2001
131
, exarado pelo Conselho Nacional de
Educação CNE, que define a universidade da seguinte forma:
Universidades são caracterizadas como instituições de excelência, que
articulam ensino, pesquisa e extensão de maneira indissociável. Como
condições para cumprir esses objetivos, devem apresentar elevada
porcentagem de docentes com titulação acadêmica e efetiva produção
intelectual institucionalizada, nos termos do que dispõe a LDB, além da
prática investigativa que se associa ao ensino de graduação de alta
universidades, tanto institucional, quanto corporativa. WOLFF, 1956, apud COUTINHO, Luís Pedro
Pereira. As faculdades normativas universitárias no quadro do direito fundamental à
autonomia universitária. Coimbra: Almedina, 2004. p. 52.
129
Nesse aspecto, corrobora o entendimento de Eliane Botelho Junqueira quando afirma que “é
fundamental levar em consideração se a instituição de ensino superior tem um caráter
confessional, comunitário, público ou filantrópico, uma vez que os cursos de Direito devem estar de
acordo com a filosofia mais geral da instituição de ensino na qual estão inseridos”. JUNQUEIRA,
Eliane Botelho. Faculdades de Direito ou fábricas de ilusões? Rio de Janeiro: Instituto Direito e
Sociedade: Letra Capital, 1999. p. 13.
130
LA MAGNA Charta delle Università Erupée. (Princípios Fundamentais). Simpósio Nono Centenário
da Universidade de Bolonha. Itália, 18 set. 1988. In: MORHY, Lauro. Universidade em questão.
Brasília: UNB, 2003. v. 1, p. 259-273.
131
O referido Parecer foi exarado pela Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de
Educação CES/CNE e aprovado em 12/12/2001.
85
qualidade, observados também os dispositivos legais referentes ao
percentual nimo de professores em regime de tempo integral, entendido
como a obrigação de prestar quarenta horas semanais, na mesma
instituição, nele reservado o tempo de vinte horas semanais destinado a
estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação. As
universidades devem, ainda, desenvolver atividades de extensão relevantes
para o contexto social no qual se inserem.
Por outro lado, como instituição educacional, entende-se que a universidade
deve abranger na configuração de seu currículo, conteúdos essenciais que se julga
ser seu objetivo principal: a formação integral do ser humano (Paidéia), visando à
sua totalidade, ou seja, a arete total que designa toda a excelência própria de uma
coisa. Assim, entendida a educação para valentia, prudência, astúcia, ética e justiça.
Entende-se, portanto, que o ideal de uma formação integral da pessoa
humana é essencial ao sistema de organização no currículo do ensino do Direito.
A universidade, como instituição educacional não deve ser restrita somente a
uma casa de transmissão de um currículo centrado exclusivamente na informação,
do saber pelo saber, pois esta visão estimula e legitima uma concepção da
educação mecanicista, técnica e totalmente incompatível com a Dignidade da
Pessoa Humana, que constitui fundamento do Estado Democrático de Direito. Vale
dizer, é o alicerce do próprio Estado.
Tudo isso, em consonância com o que dispõe o artigo inciso III da
Constituição Federal de 1988
132
, bem como com os objetivos de pleno
desenvolvimento da pessoa e seu preparo para a cidadania, consagrados,
igualmente, pela Lei Maior vigente, no art. 205, in fine, da Constituição Federal de
1988.
133
Senão vejamos:
Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
132
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
133
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
86
Como instituição social e encarregada de ministrar a educação, a
universidade deve promover e incentivar através da configuração curricular de seus
cursos, sua própria integração na comunidade na qual se insere, ou seja, sua
crescente participação na sociedade e pleno desenvolvimento da pessoa e o seu
preparo para o trabalho, para a vida em sociedade e para a cidadania, com o
compromisso amplo da responsabilidade social, na busca de solução, quer de
problemas de âmbito local, quer de âmbito estadual ou nacional, inclusive no
enfrentamento dos problemas mundiais.
Como demonstra Boaventura de Souza Santos
134
:
A Universidade foi criticada pela não invocação de responsabilidade social
para si, perante os problemas do mundo contemporâneo, quer por
raramente ter cuidado de mobilizar os conhecimentos acumulados a favor
de soluções dos problemas sociais, quer por não ter sabido ou querido pôr a
sua autonomia institucional e sua tradição de espírito crítico e de discussão
livre e desinteressada ao serviço dos grupos sociais dominados e seus
interesses.
Deve-se considerar que cada universidade, cumprindo seu papel de
responsabilidade social, necessitará, para configuração de seus próprios currículos,
inclusive por exigência da legislação de ensino, possuir um Plano de
Desenvolvimento Institucional, denominado PDI, documento este que conduz à
responsabilidade da instituição, prevendo e dimensionando o grau de abrangência
das funções indissociáveis, como ensino, pesquisa e extensão atribuídos,
constitucionalmente, às instituições de ensino superior. Tamm, no plano
acadêmico não se pode falar em exercício da autonomia sem a existência desse
Plano.
A invocação da universidade, como instituição social, faz-se aqui em razão
dos comandos constitucionais e legais que apontam no sentido de uma configuração
curricular que dê ênfase a democracia participativa fundamental, assentada nos
objetivos fundamentais da República Federativa do país, conforme dispõe o artigo
3º, incisos I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988, bem como pelo fato de que
a própria Constituição, ao definir o dever do Estado com a Educação, dispõe que
tamm esta deve ser promovida e incentivada com base na participação e na
134
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez, 2003. p. 205.
87
colaboração da sociedade, conforme reza textualmente o artigo 205 da Constituição
de 1988.
Verifica-se que por muito tempo a universidade se ocupou, nos seus cursos
quase que exclusivamente do ensino, mantendo como objetivo principal a
transmissão dos saberes, selecionando, sistematizando e difundindo o
conhecimento, mediante seus currículos, acumulado pela inteligência humana, tudo
visando à formação profissional e às necessidades culturais de determinada época e
local.
Contudo, como o ensino necessita de aprendizagem, estabeleceu-se o
processo “ensino-aprendizagem”, posto que o ensino deve ser partilhado entre
professores e alunos.
Hoje, não se admite mais a ultrapassada e antiga visão do ensino centrado
num currículo jurídico, segundo a qual o conhecimento deve ser transmitido pelo
professor magister dixit, cuja atuação, sobretudo na área da ciência jurídica,
restringe-se ao uso formal do discurso repetitivo e monolítico e do uso exclusivo do
giz para alunos que usam a caneta, mas não a cabeça, nem, tampouco, a razão
crítica.
O ensino superior hodierno, dada a complexidade da vida em sociedade,
pretende não mais uma Pedagogia de matriz curricular elaborada por meio de canais
bilaterais entre aluno e professor e de locais definidos. Agora, acontece por outros
métodos curriculares, com o espraiamento em todas as direções, em meio ao
acesso a um oceano de informações, inclusive provenientes da Internet.
Não se pode deixar de reconhecer que hoje o conhecimento transmitido pela
universidade pode perder sintonia com o conhecimento global e com as demandas
da realidade social se o houver uma nova postura propondo uma nova visão
pedagógica.
Considerando a universidade na sua função autônoma e constitucional
entende-se que esta instituição na elaboração de seus cursos e configuração de
seus currículos deve entrar em sintonia com a modernidade.
135
135
Como aponta Frederic M. Litto: “muitas Universidades ainda não perceberam que a chegada das
novas tecnologias de informação muda totalmente o papel da instituição no processo educacional”.
LITTO, Frederic M. A universidade e o futuro do planeta. In: MORHY, Lauro. (Org.). A
universidade em questão. Brasília: UNB. v. 1, p. 99-113.
88
A velocidade atual do conhecimento humano não mais permite que o aluno
seja reconhecido como pronto e acabado
136
só pelo término e nos limites do curso.
Assim sendo, a necessidade de uma educação continuada, permanente.
Pois, o que foi aprendido torna-se obsoleto, os saberes avançam rapidamente.
A universidade deve, pois, de forma autônoma, rever constantemente seus
currículos, seus métodos de ensino, bem como a duração de seus cursos.
Edgar Morin,
137
ao analisar os desafios da universidade no século XXI, afirma:
A Universidade deve adaptar-se à modernidade e integrá-la, responder às
necessidades fundamentais de formação, proporcionar ensino para as
nossas profissões técnicas, mas oferecer tamm um ensino
metaprofissional e metatécnico.
Por outro lado, a universidade deve estar subordinada, sobretudo, a valores
éticos, dos quais o principal é o respeito à Dignidade da Pessoa Humana, nos
termos do artigo 1º do inciso III da Constituição Federal de 1988.
A modernidade não deve ser imposta de forma heterônoma, deve ser gerada
a partir da discussão do papel do ensino dentro da própria universidade, à luz de
uma razão discursiva e em comunicação com a sociedade, respeitando-se, portanto,
o Princípio Fundamental de sua Autonomia como Fundamento do Estado
Democrático de Direito.
José ORTEGA Y GASSET
138
, ao refletir sobre a missão da universidade,
assim afirma: “A Universidade deve preparar o estudante para viver à altura do seu
tempo”.
Percebe-se que, hoje, para viver à altura do seu tempo, não basta mais a
simples formação profissional, nem a dedicação exclusiva do estudante à pesquisa.
136
Nesse sentido, afirma com propriedade Paulo Freire: “ensinar exige consciência do inacabamento.
O inacabamento do ser humano ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde vida,
inacabamento”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 50.
137
MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO,
Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução
de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. cap. 1, p. 11-25.
138
ORTEGA Y GASSET, José. Missão da universidade. Tradução e organização de Karl Eric
Schøllhammer. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. p. 56.
89
A universidade não deve limitar-se a uma única, ou a duas, ou a três missões,
restringindo sua missão educacional, ela deve assumir várias, e todas elas deverão
integrar-se no papel institucional de impulsionar a cultura do país.
Dessa forma, o que é peculiar aos fins da universidade, não é somente a
produção, o desenvolvimento e a transmissão de conhecimento, mas também, a
crítica e a reflexão em prol do desenvolvimento e, conseqüentemente, da sociedade
em que esta instituição se encontra situada e contextualizada.
Embora essa tríplice finalidade da universidade ensino, pesquisa e extensão
- seja o fator determinante da sua autonomia, que lhe é conferida pelo artigo 207 da
Constituição de 1988, e que se justifica ante os objetivos fundamentais da
República, discriminados no artigo da Constituição Federal de 1988
139
, é preciso
considerar que a finalidade da universidade; além da formação curricular intelectual
e profissional (científica), também deve ser responsável pela formação de conteúdos
curriculares que sobrelevem, dentre outros: o respeito aos valores, à justiça, à ética,
ao respeito, às diferenças, aos princípios morais, visando ao desenvolvimento pleno
do ser humano na integralidade das suas habilidades, competências e aptidões
sociais, afetivas, culturais e estéticas.
Não é por outra razão, que o Plano Nacional de Educação - PNE
140
(2001-
2010), ao se referir em sua diretriz 12, que diz respeito à educação superior no
país, instituiu, como meta a ser cumprida, pelas IES, no prazo de 10 (anos), a contar
da publicação da lei, a inclusão nas diretrizes curriculares dos cursos de formação
docentes, temas relacionados às problemáticas tratadas em temas transversais.
Segundo aponta Mara Rúbia Alves Marques
141
, a transversalidade no
currículo diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma
relação entre aprender na realidade e da realidade de conhecimentos
sistematizados, as questões da vida real.
139
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
(atualizada até a Emenda Constitucional nº 57). 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
140
BRASIL. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan.
2001. p. 1.
141
MARQUES, Mara Rúbia Alves. LDB, PCNs e tendências curriculares: uma interpretação à luz
dos movimentos sociais. Campinas: Alínea, 2008. p. 38.
90
Especialmente, no que se refere à abordagem de gênero, educação sexual,
ética, justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância, pluralidade cultural,
meio ambiente, saúde e temas locais.
Depreende-se, assim, dos textos normativos anteriormente explicitados, que o
ideal, ou seja, o dever-ser da educação superior na universidade
142
contemporânea
e verdadeiramente autônoma, deve visar sempre à arete do discente universitário.
Portanto, uma formação integral da pessoa humana é indispensável ao
sistema de ensino no país, especialmente, ao ensino superior, sem a qual nenhum
povo ou Estado poderá subsistir, qualquer que seja sua Constituição.
Como para os antigos gregos, o estudante de Direito deveria estar em íntima
relação com a totalidade do mundo objetivo circundante, com suas leis, com a
natureza, no seu contexto social regional, local, mas tamm global, com a
coletividade, com a sociedade humana, nunca solitário.
Assim, tamm, deve ser a educação superior para o estudante de hoje, que
deverá buscar mediante a construção de seus currículos não somente a instrução,
mas tamm e, sobretudo, a formação integral do ser humano, como vínculo político
garantidor de uma cidadania, sempre no contexto da educabilidade do homem total,
ou seja, social, racional, político e ético.
Desta forma, ao resgatar no passado, antigos paradigmas educacionais, a
universidade, na sua missão educativa, regenera-se, gerando novos saberes, novas
idéias, novos valores.
Por isso mesmo é que a universidade é, simultaneamente, conservadora,
regeneradora e geradora, tal como aponta Edgar Morin
143
:
A Universidade tem sua missão e uma função transecular que vão do
passado ao futuro por intermédio do presente; tem uma missão
transnacional que conserva, porque dispõe de uma autonomia que lhe
permite efetuar esta missão, apesar do fechamento nacionalista das nações
modernas.
142
Segundo Miguel Reale: “a educação tem, em verdade, como fim primordial a formação e a
realização da personalidade, o que significa a constituição de um sujeito consciente de sua própria
valia e, por conseguinte, em condições de afirmar e salvaguardar sua própria liberdade”. REALE
JÚNIOR, Miguel. Variações sobre a educação. O Estado de São Paulo, 31 out. 1998.
143
MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. In: ALMEIDA, Maria
da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete
saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 13.
91
Modernamente, assim tamm aponta a Magna Charta delle Universi
Erupée
144
como sendo um dos Princípios Fundamentais de toda universidade:
Toda Universidade, enquanto Universidade, é uma comunidade acadêmica
que, dum modo rigoroso e crítico, contribui para a defesa e o
desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural mediante a
investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às comunidades
locais, nacionais e internacionais.
É certo que a universidade deve adaptar-se à modernidade, respondendo às
questões e às necessidades fundamentais de formação técnica, proporcionando
ensino às profissões, voltadas às especialidades do saber, de tal modo que o aluno
esteja preparado para a atividade científica.
Entretanto, não pode a Universidade Autônoma esquecer-se de oferecer um
ensino curricular metaprofissional e metatécnico, preocupado com a consciência e
formação intelectual, ética e moral do aluno e, portanto, para as qualidades de
excelência do ensino, amparadas, tamm, no paradigma proposto pela Paidéia
grega.
Tal obrigação e responsabilidade se baseiam em dois pressupostos: primeiro
num correto entendimento destas instituições de ensino superior face ao significado
da educação e, segundo, na certeza de que as universidades não são simplesmente
um complemento das escolas ou mero expedidor de títulos e documentos.
Humboldt
145
afirmava ser dupla a tarefa das universidades: de um lado, a
promoção do desenvolvimento máximo da ciência, de outro a produção do conteúdo
responsável pela formação intelectual e moral.
Entende-se, assim, que o conteúdo das tarefas que dizem respeito ao
conteúdo dos currículos elaborados pelas universidades não deve ser determinado,
de forma heterônoma, mas, sim, de forma autônoma.
Com efeito, para bem desempenhar sua tarefa, a universidade precisa de
autonomia institucional e de garantia de liberdade acadêmica preordenada à
144
Cf. LA MAGNA Charta delle Universi Erupée. (Princípios Fundamentais). Simpósio Nono
Centenário da Universidade de Bolonha. Itália, 18 set. 1988. In: MORHY, Lauro. Universidade em
questão. Brasília: UNB, 2003. v. 1, p. 259-273.
145
HUMBOLDT. Sobre a organização interna e externa das Instituições Científicas Superiores em
Berlim. In: KRETSCHMER, Johannes; ROCHA, João Cezar de Castro. (Org.; trad.). Um mundo
sem universidades? Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. p. 79-100.
92
salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade, no âmbito das exigências da
verdade e do bem comum.
146
Nesse sentido, compete respeitar o Princípio da Autonomia Constitucional das
IES, disposta no art. 207 da Constituição Federal de 1988
147
, no que se refere à
elaboração dos seus próprios currículos, e fazer cumprir, por outro lado, as
necessidades locais e regionais em que essas IES estão localizadas
Por outro lado, é necessário considerar o abismo no cumprimento da
finalidade educativa no ensino superior brasileiro, em especial no curso de
bacharelado em Direito, da inadequação entre o ensino e o currículo jurídico, com a
realidade do mundo e dos problemas globais, cabendo-se aqui indagar:
De que modo enfrentar as inúmeras mudanças e turbulências que ocorrem
em nosso entorno? A que meios recorrer para que os alunos do curso de Direito
desenvolvam suas próprias capacidades, e se eduquem para a própria mudança?
Ainda, o que essa finalidade e intenção educativa significam em termos de
(des)construção, mobilidade e flexibilidade na atual configuração do currículo jurídico
brasileiro?
A discussão para a ciência do Direito, do ponto de vista do currículo, é
imperiosa, sobretudo porque é real a possibilidade de mudanças para o ensino
jurídico, cuja modificação, entende-se, passa necessariamente por essa instância,
não sendo suficiente alterar apenas uma estrutura normativa por outra para
solucionar o impasse em que ficou preso o ensino jurídico.
A par disso é preciso considerar que se a educação é também busca à
cidadania, a universidade, no exercício de sua autonomia, o poderá descumprir
sua finalidade consubstanciada pela mediação de um currículo jurídico
essencialmente fundamentado nesses novos paradigmas e imagens de futuroda
educação; condição sine qua non para o alcance da qualidade, relevância social e
formação acadêmica e cultural para os futuros profissionais.
146
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 231.
147
Ibid., p. 231.
93
Registre-se, finalmente, que a educação superior
148
que, no Brasil, é
ministrada em IES, de ensino superior, pública ou privada, compreende os cursos de
graduação, pós-graduação, e de extensão tem múltiplas finalidades:
estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do
pensamento reflexivo;
formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimentos, aptos para a
inserção em setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação
contínua;
incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da
cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio
em que vive;
promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos
que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber por meio
do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e
possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos
que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do
conhecimento de cada geração;
estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em
particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à
comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
promover a extensão, aberta à participação da população, visando à
difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
Estas finalidades da educação superior são bastante abrangentes, mas já são
insatisfatórias, portanto, o delineamento de diretrizes curriculares no ensino jurídico,
mais adequado, para acompanhar a realidade do mundo e os problemas globais, a
148
Conforme dispõe o art. 44 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.
94
fim de enfrentar as inúmeras mudanças e turbulências que ocorrem em nosso
entorno deve acompanhar essas finalidades.
1.5 Conceito de Direito Educacional e Fontes
O vocábulo direito vem do latim directum
149
que significa etimologicamente
tudo que é justo, reto, conforme a lei.
O Direito tem origem em Roma, onde as legislações jurídicas eram
elaboradas por ministros supremos da religião, normas estas de ordem divina, que
correspondiam a uma justiça maior, relacionadas com a moral, com os costumes,
crenças e tradições e não propriamente com o ato em si, com a ação exterior do
homem.
As regras eram transmitidas de pai para filho. A esse Direito denominou-se
de Direito Natural ou Direito Subjetivo.
Com o passar dos tempos, as legislações jurídicas passaram a ser
formuladas pelos próprios homens, destinadas a dar ordem à vida em sociedade,
posto pelo Estado e dirigido a todos, como norma geral de agir. A esse Direito
denominou-se Direito Positivo ou Direito Objetivo.
O Direito Positivo são normas jurídicas escritas destinadas e dirigidas a todos
de maneira geral. No entanto, o Direito se em relação ao ser humano, à
sociedade, à criação de normas, à sua reação, à ordem da vida em sociedade. E,
onde quer que exista o homem, existe o Direito como expressão de vida e de
convivência.
Segundo Miguel Reale
150
, o Direito é o conjunto de regras obrigatórias
(normas jurídicas) que disciplinam a convivência social humana, sendo uma palavra
plurívoca (no sentido de várias interpretações) e análoga (pontos semelhantes,
casos iguais entre coisas inversas).
São exemplos de Direito Positivo na seara educacional: a Constituição da
República Federativa do Brasil, Código Civil, Código Penal, Trabalhista, Estatuto da
149
Cf. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro, 2004. p. 461 [verbete Direito].
150
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. cap. XLVI, p. 699 et seq.
95
Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei
que institui o Plano Nacional de Educação, etc.
O Direito é classificado em dois ramos: o Direito Público e o Direito Privado.
De forma geral, o Direito Público é dividido em: Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Penal, Direito Tributário, Direito Processual Civil, Direito
Processual Penal, Direito Internacional Público, Direito Ambiental, Direito Eleitoral,
Direito Eclesiástico, Direito Educacional.
O Direito Privado em: Direito Civil, Direito Comercial, Direito do Consumidor,
Direito do Trabalho.
O Direito Educacional, embora de formulação recente no ordenamento
jurídico brasileiro como ramo autônomo do Direito Público
151
, constitui-se, sem
dúvida, em uma das mais significativas áreas do conhecimento jurídico moderno.
Acreditava-se no início que o Direito Educacional seria constituído somente
pela legislação de ensino, ou pelo conjunto de leis que regulasse as relações
jurídico-educacionais de proteção ao aluno, professor e escola.
autores
152
, que, ao contrário comparavam o Direito Educacional com o
Direito do Trabalho, considerando-o apenas com o Trabalho.
Em sentido amplo, conceitua-se Direito Educacional como conjunto formado
de normas dispositivas, prescritivas e imperativas, que dispõem sobre princípios e
conceitos; que prescrevem assim, como orientar a conduta dos poderes públicos e
das pessoas físicas e jurídicas, dando-lhes diretivas coerentes e orientações para as
relações ensino-aprendizagem e que impõem deveres, obrigações e limites à
liberdade.
Aurélio Wander Bastos
153
, numa perspectiva formal define Direito Educacional
como:
151
Na mesma direção ao tratar o Direito Educacional como ramo da ciência jurídica, veja-se a obra de
Lourival Vilanova. O Direito educacional como possível ramo da ciência jurídica. In: SEMINÁRIO
DE DIREITO EDUCACIONAL, 1977, Campinas. Anais... Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, CENTAU, 1977. p. 59-75.
152
Nesse sentido apontam-se os juristas Orlando Gomes e Arnaldo Sussekind.
153
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
Introdução, p. ix, x.
96
O conjunto das disposições constitucionais, a legislação complementar, os
decretos regulamentares e um amplo documentário constituído de portarias,
resoluções e pareceres de importância especial após a criação do Ministério
da Educação e dos Conselhos de Educação.
Dir-se-ia, em acréscimo, que o Direito Educacional estuda, além disso, as
origens e os fundamentos legais do processo educativo, a sua estrutura legislativa, e
os seus propósitos pedagógicos, programas e métodos de ensino e avaliação, bem
como, os seus valores, os seus princípios, os seus costumes, assim como os
fundamentos sociais, políticos, éticos, culturais e filosóficos dos currículos.
O estudo combinado dessas variantes jurídicas, educacionais, sociológicas,
políticas, filosóficas e culturais, permite identificar, historicamente, as políticas de
proteção legal para a superação de problemas educacionais e as alternativas
paradigmáticas para se alcançar mudanças nos padrões tradicionais no ensino,
especialmente no que se refere ao ensino jurídico.
A esse “novo Direito Educacional” cabe, para usar a expressão de Melo
Filho
154
, disciplinar o comportamento humano relacionado à educação”. No entanto,
assim como o conceito de Direito o deve reduzir-se exclusivamente ao aparato
legal
155
, a definição de um novo ramo que dele advém, ou seja, o Direito
Educacional não pode se reduzir a decretos, pareceres, portarias e resoluções
normativas, pois no seu arcabouço interpretativo, encontram-se, tamm ali
inseridos, valores, princípios éticos e morais que norteiam a sociedade, princípios
esses de muito envolvidos pelos diferentes fundamentos filosóficos, culturais e
percepções de mundo.
Numa perspectiva epistemológica aberta é preciso reconhecer que o do
Direito Educacional é uma investigação entre o jurídico e o educacional
conjuntamente e interdisciplinarmente trabalhados. Portanto, o Direito Educacional,
depende de outros tipos de Direito tais como o Direito Constitucional, o Direito do
Trabalho, o Direito Penal, o Direito Administrativo, etc.
154
MELO FILHO. Direito Educacional: aspectos teóricos e práticos. Revista do Conselho de
Educação do Ceará, Fortaleza, n. 8, p. 47-74, 1982-1983.
155
André Franco Montoro, no capítulo que trata do conceito de Direito assim afirma: “o Direito não tem
fundamento último na lei. O Direito é fundamentalmente o justo. É o que é devido a cada um,
indivíduo ou sociedade, segundo um princípio fundamental de igualdade, simples, ou proporcional.
A lei é um instrumento para a realização desse direito. Contudo, essa consideração não diminui a
importância da lei. Ao contrário a valoriza”. MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do
Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 49.
97
Por isso, entende-se que o Direito Educacional não deva ser tratado somente
à luz dos limites da legislação, explicado, de forma restritiva, no âmbito da legislação
positivista, muito ao contrário, precisa ser compreendido à luz da Carta
Constitucional, seus valores e os princípios gerais
156
, e a eqüidade
157
que informam
todo o ordenamento jurídico, além das diretrizes e bases que lastreiam a educação.
O Direito Educacional é, portanto, um ramo novo e autônomo do Direito, que
se traduz num conjunto de normas específicas da área educacional, princípios,
valores e doutrinas que regulam e disciplinam as formas de instituição, organização,
manutenção e desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem, bem como o
desenvolvimento do ensino e dos currículos e as condutas humanas relacionadas
diretamente com os processos educativos, no seio de proteção das famílias, das
relações entre alunos, professores, escolas, organizações governamentais,
instituições públicas, e aquelas mantidas pela iniciativa privada, disciplinando o
comportamento relacionado à educação.
A finalidade do Direito Educacional é também de sistematizar a legislação
educacional dispersa no interior do ordenamento jurídico brasileiro, em uma
estrutura orgânica e sistemática.
A par disso, a legislação sobre o ensino jurídico, conforme aponta Aurélio
Wander Bastos
158
, como ramo específico desse conhecimento, permite reconhecer
que a história da educação jurídica, no Brasil, tem sido uma efetiva demonstração do
desenvolvimento do Direito Educacional, vinculado principalmente às suas origens
históricas.
Nesse contexto, o estudo do fato educacional e de sua normatividade
específica no campo do Direito preocupa todos que lidam na área da Educação e
todos que atuam na área do Direito. Especialmente, no que diz respeito aos
paradigmas normativos educacionais dos currículos jurídicos.
156
Os princípios têm a importante função de suprir e integrar as lacunas no sistema jurídico.
157
Conforme concepção Aristotélica pode-se compreender a eqüidade, como sendo a justiça no caso
concreto. A eqüidade tem o importante papel de possibilitar um abrandamento na aplicação da
norma legal, todavia, no Direito Brasileiro, ainda fiel aos pressupostos positivistas, o juiz somente
decidirá por eqüidade, nos casos previstos em lei. BRASIL. Código de Processo Civil e
Constituição Federal. São Paulo: Saraiva, 2008. Art. 127, p. 619; art. 335, p. 642 do Código de
Processo Civil.
158
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
Introdução, p. ix.
98
Por outro lado, o objeto da educação é o processo de ensino/aprendizagem,
em que o comportamento humano deverá ser relacionado com a educação e seus
métodos próprios, que levam à proteção do Estado segundo doutrinas, fundamentos
filosóficos e princípios gerais relacionados à educação.
A pesquisa das fontes do Direito diz respeito ao estudo da origem da norma
jurídica. A norma jurídica é a regra social garantia pelo poder de coerção do Estado,
que tem como objetivo a promoção da Justiça. Saliente-se que a principal fonte do
Direito Educacional é o direito à educação.
Contudo, como foi dito, o Direito Educacional manifesta-se além da lei, na
jurisprudência, nos usos e costumes jurídicos, nos princípios gerais do Direito e no
poder negocial. Resultando, assim, de vários fatores, com resposta às necessidades
sociais e culturais. São assim as denominadas, as fontes materiais, filosóficas ou
sociológicas e culturais.
O Direito apresenta-se, segundo Miguel Reale
159
, como ordenação vigente e
eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo, de certas fôrmas”.
Miguel Reale
160
, porém, concebe as fontes do Direito correspondendo cada
uma delas a uma estrutura própria de poder: o processo legislativo como expressão
do Poder Legislativo; os usos e costumes jurídicos vinculados ao poder social; a
atividade jurisdicional dos tribunais como manifestação do Poder Judiciário; e o
poder negocial que diz respeito à autonomia da vontade.
Como bem adverte Edivaldo Boaventura
161
, a enumeração das fontes é uma
necessidade para a classificação das normas educacionais, considerando sua
quantidade e complexidade.
As fontes são modos de expressão do Direito Educacional, encontram-se
relacionadas em lei, em sentido amplo, compreendendo a legislação; jurisprudência,
incluindo tamm a legislação administrativa oriunda do poder normativo dos
Conselhos de Educação; nos usos e costumes jurídicos; na doutrina, nos princípios
gerais de Direito, e na fonte negocial, segundo classificação, anteriormente,
apontada por Miguel Reale.
159
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 140.
160
Ibid., p. 140.
161
BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o Direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada,
1997. p. 73-88.
99
Na Constituição Federal, lei fundamental do Direito Educacional, encontra-se
o nascedouro do direito à educação e do dever para com a educação, onde estão
contemplados também os princípios
162
norteadores da tarefa educacional.
As Constituições Estaduais alinham as regras basilares e orientadoras da
atividade educacional de cada Estado da Federação, seguindo sempre as
orientações da Lei Maior.
As leis complementares traçam as diretrizes e bases da educação nacional,
propugnando a unidade na condução da atividade educacional.
As leis ordinárias dispõem sobre normas gerais e abstratas, disciplinando as
relações no âmbito educacional.
Os decretos, as portarias, os regulamentos explicitam a aplicação das
disposições gerais, aclarando o mandamento das leis e determinando sua fiel
execução. Ainda, os pareceres, as resoluções, as deliberações e as indicações
do Conselho Nacional de Educação, da Secretaria de Ensino Superior do Ministério
da Educação, e dos Conselhos Estaduais de Educação onde se encontram
enunciadas as normas disciplinadoras e regulamentadoras da atividade educacional.
No que se refere à classificação da natureza da norma jurídica que instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito - Resolução CNE/CES
9/2004
163
, é preciso considerá-la como fonte peculiar emanada do Direito
Educacional, como se demonstraadiante, é classificada como ato administrativo
normativo de caráter regulatório.
162
É preciso registrar que os Princípios explicitados na Constituição Brasileira de 1988, que norteiam
a educação brasileira são: igualdade de condições de acesso e permanência na escola; liberdade
de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de
idéias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância; coexistência de
instituiçõesblicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais; valorização do profissional da educação escolar; gestão democrática do ensino público;
garantia de padrão de qualidade; valorização da experiência extra-escolar; vinculação entre a
educação escolar, o trabalho e as práticas pedagógicas.
163
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1,
p. 17.
100
1.6 Conceito de Direito à Educação
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, marco da
democracia na história do Brasil, trouxe um elenco de Direitos Sociais, dentre eles o
Direito à Educação.
Do ponto de vista do Direito, a Educação é um dos pilares da cultura nacional,
exatamente por isso a Constituição Federal de 1988, no seu art. 205, dedica-lhe
extenso capítulo e especial atenção fazendo dela um direito de todos e um dever do
Estado.
Dispõe, assim, o art. 205 da Constituição da República Federativa do
Brasil
164
:
Art. 205. A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Deve-se levar em conta como o dispositivo em apreço, o próprio
reconhecimento do Estado com a Educação, como um direito fundamental,
elevando-o a categoria de Direito positivado como um dever do Poder Público,
sobretudo, inalienável de toda pessoa humana.
Por conseguinte, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve
um reforço aos Direitos Educacionais, particularmente com a concepção de
educação como direito público subjetivo.
É preciso aqui, assinalar a contribuição dos constitucionalistas, sobressaindo-
se dentre eles, o jurista Pontes de Miranda
165
, o primeiro a discutir a educação como
direito público subjetivo.
A definição da educação como direito subjetivo, segundo recorda Edivaldo
Boaventura
166
, é de autoria de PONTES DE MIRANDA, que na sua obra clássica,
Comentários à Constituição de 1946
167
, expressamente afirma:
164
BRASIL. Constituição (1998). Constituição [da] República Federativa do Brasil de 1998. São
Paulo: Atlas, 2008.
165
PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. p.
37; 187.
166
BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o Direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada,
1997. p. 37.
167
MIRANDA, op. cit., p. 187, nota 165.
101
Não confundamos o direito à educação com as bolsas sob os Antoninos, em
Roma, ou sob Carlos magno, ou nos culos do poder católico. Não se trata
de ato voluntário, deixado ao arbítrio do Estado ou da Igreja, mas de direito
perante o Estado, direito público subjetivo, ou, no Estado puramente
socialista e igualitário, situação necessariamente criada no plano objetivo,
pela estrutura mesma do Estado. A própria estatização do ensino constitui,
nos ciclos evolutivos, grau avançado de progresso. Foi o que se deu em
Roma, na França. O que tem sido moroso é o processo de tal intervenção
do Estado. Surgiu na Alemanha antes de surgir entre os franceses, porém lá
mesmo estacou.
Cabe ainda aqui, a advertência de Pontes de Miranda
168
, ao iniciar o artigo
que declara “a educação como direito de todos”:
A ingenuidade ou a indiferença ao conteúdo dos enunciados com que os
legisladores constituintes lançam a regra: A educação é direito de todos
lembra-nos aquela Constituição espanhola em que se decretava que todos
os espanhóis seriam desde aquele momento, buenos”. A educação
somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se
ninguém é excluído delas, portanto, se direito público subjetivo à
educação e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora
daí, é iludir com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da
Educação não é fazer leis, ainda excelentes, é abrir escolas, tendo
professores e admitindo alunos.
Neste aspecto, entende-se que é impossível falar-se em direito à educação
sem aludir à responsabilidade do Estado que leva, diretamente, à questão da
eficácia dos direitos sociais muito bem esposada por Regina Maria Fonseca Muniz
169
que assim afirma:
Na medida em que se considera a educação como um direito social, surge a
questão da sua viabilidade econômica, se os estados estão materialmente e
financeiramente dotados para cumprir tais prestações. Muitos alegam
circunstâncias imprevisíveis como as flutuações de mercado que escapam
ao controle da nação. ainda alguns doutrinadores que condicionam a
observância e responsabilidade de tais obrigações à reserva do possível”,
negando assim, inclusive, que sejam direitos fundamentais. De fato, os
direitos sociais são onerosos e quase sempre os Estados utilizam-se desses
argumentos para absterem-se de torná-los efetivos.
Assim como Regina Maria Fonseca Muniz
170
afirma se a educação é
considerada como direito social fundamental, seu caráter é absoluto, intangível, cujo
respeito impõe-se aos governantes como imperativo categórico, independente de
abundância ou não de recursos.
168
PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. p.
47.
169
MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 89.
170
Ibid.
102
O direito à educação, entretanto, deverá ser exigido, não somente como
direito social, mas tamm como direito à vida, e, portanto, sob a proteção de uma
norma de eficácia plena e de aplicabilidade imediata; tudo, em absoluta consonância
com as disposições do artigo § da Constituição Federal de 1988, que
estabelece que: as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicabilidade imediata.
171
Porém, a educação deve ser considerada não apenas como direito social,
deve ser mais do que isso. Ínsita no direito à vida é instrumento fundamental para
que o homem possa se realizar como homem.
Neste compasso, e lembrando SANTO TOMÁS DE AQUINO, o homem tem
sede de saber.
172
Seu potencial para aprender, se transformará em ato, no
momento em que lhe forem propiciadas todas as condições necessárias para tal. E,
isso só é possível, por meio da educação.
Não se pode olvidar, contudo, que a educação muito deixou de ser objeto
de estudo exclusivo da ciência da Educação, pois como ciência complexa, deve ser
compreendida e estudada à luz e em colaboração de outras cncias, dentre elas,
destaca-se o Direito. Finalmente, chegou aos domínios da normatividade,
repercutido notadamente no campo Constitucional, do Direito Educacional,
especialmente da Filosofia e da Filosofia do Direito.
Disso decorre que um número crescente de pessoas, alunos, advogados,
professores, pedagogos, coordenadores, planejadores, mantenedores de
instituições de ensino, pesquisadores, autoridades dos sistemas de ensino, filósofos
da Educação e do Direito, envolvidos no processo de análise da temática jurídico-
educacional.
É fato que cada vez mais o Direito está atento ao fenômeno educacional,
procurando enquadrá-lo no seu corpo de preceitos de forma a discipliná-lo e orientá-
lo na direção da sua ordem
173
, dos seus verdadeiros fins.
171
BRASIL. Constituição (1998). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 2008. São
Paulo: Atlas. Art. 5º § 1º.
172
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Seleção de Textos. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo:
Nova Cultural, 1998.
173
Segundo Goffredo Telles Júnior, a Filosofia ensina que o universo é a diversidade das coisas
harmoniosamente ordenadas, dentro da unidade do todo. Para ele, a ordem é a disposição
conveniente de seres para a consecução de um fim comum. No entanto, segundo Telles Jr. a
desordem não é o contrário da ordem é somente uma “ordem contrária a outra ordem” é a ordem
103
Importa salientar que o processo de construção de parâmetros para a
formulação das novas diretrizes curriculares nacionais recentemente instituídas
em razão da Resolução CNE/CES 9/2004
174
para o curso de bacharelado em
Direito deveu-se, numa primeira análise, ao processo de constitucionalização e
positivização de normas fundamentais. Normas essas, erigidas à categoria de Direito
Social, a par do que ocorre com o Direito à Educação.
1.7 Espécies de Instituições de Educação Superior
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 9.394 de 20 de
dezembro de 1996 (LDB) trata em seu artigo 19 sobre a classificação das categorias
administrativas das instituições de ensino no Brasil, a saber:
a) públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e
administradas pelo Poder Público;
b) privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas
físicas ou jurídicas de direito privado.
Dessa forma são consideradas públicas as criadas ou incorporadas, mantidas
e administradas pelo Poder Público, e privadas as mantidas e administradas por
pessoas físicas ou jurídicas de direito privado (art. 19 da LDB).
Saliente-se, no entanto, que o referido artigo da LDB é regulamentado pelo
Decreto n° 3.860, de 9 de julho de 2001
175
, dispõe:
Art. 1º As instituições de ensino superior classificam-se em:
I - públicas, quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo
Poder Público; e II - privadas, quando mantidas e administradas por
pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
Art. 2º Para os fins deste Decreto entende-se por cursos superiores os
referidos nos incisos I e II do art. 44 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de
1996.
que não queremos. A desordem, nesse sentido, é uma pseudo-ilusão. TELLES JÚNIOR, Goffredo.
Iniciação na Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 10-11.
174
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1,
p. 17.
175
BRASIL. Decreto Presidencial 3.860, de 08 de julho de 2001. Dispõe sobre a organização do
ensino superior, avaliação de cursos e instituições, e outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília: DF, nº 132, 10 jul. 2001. Seção 1.
104
Quanto às das entidades mantenedoras o decreto em apreço dispõe:
Art. As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições
de ensino superior, poderão assumir qualquer das formas admitidas em
direito de natureza civil ou comercial, e, quando constituídas como
fundação, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro.
Parágrafo Único. O estatuto ou contrato social da entidade mantenedora,
bem assim suas alterações, serão devidamente registrados pelos órgãos
competentes e remetidos ao Ministério da Educação.
É importante ressaltar dentro dessa classificação que o setor privado não é
composto por instituições de mesmo caráter ou finalidade.
As IES privadas são, portanto, mantidas e administradas por pessoas sicas
ou jurídicas de direito privado, e podem ser classificadas segundo o artigo 20 da
LDB/1996, em:
Particulares: instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou
jurídicas de direito privado; sem as demais características abaixo;
Comunitárias: instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou
mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que
incluam na sua entidade mantenedora, representante da comunidade;
Confessionais: instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou
mais pessoas jurídicas, que atendam à orientação confessional e ideologia
específica e ao disposto no item anterior;
Filantrópicas, na forma da lei, são as instituições de educação ou de
assistência social que prestam os serviços para os quais foram instituídas,
colocando-os à disposição da população em geral, em caráter
complementar às atividades do Estado, sem qualquer remuneração.
As mantenedoras possuem regime jurídico diferenciados, o que as separa
em: instituições com fins lucrativos (as particulares), subordinadas à legislação que
rege as sociedades mercantis e instituições sem fins lucrativos (comunitárias,
confessionais e filantrópicas), que obedecem a critérios específicos para a
comprovação de seus fins (Decreto n° 3.860/2001, anteriormente citado).
É cito lembrar que o artigo 213 da Constituição Federal de 1988, abriu a
possibilidade de recursos públicos para as entidades de direito privado, sem fins
lucrativos. Portanto, não se previu a exclusividade dos recursos públicos para as
instituições públicas.
105
Por outro lado, é preciso considerar que no contexto das reformas para o
ensino superior que se iniciaram, a partir dos anos de 1990, especialmente após o
governo FHC em 1995, são inúmeras as evidências que indicam uma intensificação
do caráter essencialmente privado do ensino superior brasileiro.
A rede privada de ensino obteve um peso maior em relação ao total do setor
na maioria dos critérios quantitativos, como será demonstrado mais adiante.
1.8 Ensino Jurídico no Setor Privado
A prestação da educação é uma atividade típica do Estado, porém não
inviabiliza a participação das entidades privadas, ainda mais quando o Estado não
dispõe de recursos suficientes para atender a demanda.
176
Deve-se considerar também o fato de que o ensino privado é uma tradição na
cultura nacional e possui a função de colaborador com o Estado. E, ainda que o
ensino seja um dever do Estado, as entidades privadas podem prestá-lo mediante
autorização e avaliação do Poder Público e o atendimento às normas gerais da
educação.
O ensino privado
177
tem existido em toda a história do Brasil. As Constituições
sempre garantiram a convivência da educação privada com a pública. Contudo,
existem semelhanças e diferenças entre esses dois sistemas de ensino.
Conforme estudo da Comissão Nacional de Reformulação da Educação
Superior (1985)
178
, ressalvadas as exceções, as características similares seriam,
dentre outras:
176
Nesse sentido aponta Marcos Augusto Maliska. O Direito à Educação e a Constituição. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001. p. 190.
177
Para uma visão crítica no ensino privado e da linguagem da privatização na educação, veja-se as
reflexões de Henry Giroux, para quem a linguagem da privatização dão muita importância para as
normas, a avaliação de resultados e a responsabilidade dos professores e dos estudantes.
Segundo Giroux, a privatização no ensino é muito sugestiva para os que legislam e não querem
gastar dinheiro com as escolas, bem como para os cidadãos que não querem apoiar a educação
pública por meio de aumento de impostos. Despojada de uma linguagem de responsabilidade
social, a defesa da privatização recusa a suposição de que o fracasso escolar seria melhor
entendido dentro das dinâmicas políticas, sociais e econômicas de pobreza, carência de trabalho,
sexismo, racismo, e discriminação de classes ou sobre a base da diminuição de impostos. A
linguagem da privatização não só evita questões de eqüidade, de igualdade do discurso de
normas, mas tamm se apropriam da retórica democrática da escolha e da liberdade sem
enunciar temas de poder e desigualdade. GIROUX, Henry A. Pedagogia crítica como projeto de
profecia exemplar: cultura e política no novo milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A Educação no
século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 65-75.
106
a pouca integração entre o ensino, pesquisa e extensão;
o verticalismo nas relações de poder;
o distanciamento das universidades em relação à realidade nacional,
regional e local;
a baixa produtividade no desempenho de atividades acadêmicas de uma
forma geral.
Nesse sentido, cabe ao Estado avaliar as condições da proposta para a
criação de um estabelecimento privado de ensino, a partir da análise dos critérios
estabelecidos pelas normas administrativas que tratam o credenciamento dos cursos
para poder autorizá-lo a iniciar suas atividades.
A autorização implica, ainda, avaliações posteriores para o reconhecimento
do curso estando sujeita a avaliações periódicas visando à qualidade do curso.
Tendo em vista a ampliação da rede privada de ensino, especialmente no
setor de educação superior, torna imprescindível a atuação fiscalizadora do Estado
na avaliação dessas instituições de ensino.
Os números dizem
179
, primeiro, que temos hoje um sistema de educação
superior altamente centralizado.
Das 2.013 instituições registradas pelo Censo de 2004
180
, 1.859 pertencem ao
setor privado.
Se considerar que essas fazem parte do sistema federal, juntamente com as
87 IFES, concluiremos que 96,7% do Sistema de Educação Superior do país, é
federal, ou seja, dependem do sistema regulador da União.
Porém, embora o sistema seja essencialmente dependente do Estado para
autorização, reconhecimento e renovação de curso, autorização para expansão de
vaga e outras questões de ordem legal, é altamente privatizado, situando-se na
verdade entre os sistemas mais privatizados do mundo.
178
Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior (1985). Disponível em:
<http://www.qprocura.com.br/dp/24780/Uma-nova-política-para-educaçãosuperior:Comissão
NacionalparaReformulação-da-Educação-Superior-relatoriofinal-1985- html>. Acesso: 20 jul.
2008.
179
Fonte: MEC/INEP/DEAS: Sinopse Estatística do Ensino Superior 2002. Brasília, 2004.
180
Ibid.
107
Conclui-se d que a participação dos estabelecimentos privados na
prestação do ensino é bastante significativa. Contudo, é preciso considerar em
termos quantitativos, a expansão em escala geométrica das matrículas em
instituições privadas de ensino superior nos cursos de Direito.
Constata-se, assim:
Quadro 2 - Número de matrículas no curso de Direito em IES privadas.
181
Matrículas em
Direito
Ano
Total
Públicas
Privadas
1995
215.177
44.643
170.534
2003
508.424
60.000
448.424
Fonte: Relatório do grupo de trabalho MEC/OAB. Brasília, mar./2005.
Essa expansão, porém, provoca angústia e séria preocupação, seja com a
intenção educativa das instituições de ensino superior, seja com a qualidade dos
currículos no ensino jurídico, visto que a intenção educativa de qualquer escola ou
universidade se define justamente por seu currículo, cujo projeto pedagógico preside
as atividades educacionais e orienta a ação de mantenedores, professores,
coordenadores e, em especial, dos alunos.
Por outro lado, não se pode esquecer que o Plano Nacional de Educação -
PNE
182
, no que se refere à educação superior, impôs como meta de 1, prover até
o final dessa década, a oferta de educação superior para pelo menos 30% da faixa
etária de 18 a 24 anos.
Ora, para atingir o percentual proposto seria preciso mais do que dobrar a
oferta de educação superior nos próximos cinco anos, e o percentual só seria
atingido se o setor privado de ensino crescesse ainda mais.
181
BRASIL. Ministério da Educação. Relatório final do grupo de trabalho MEC-OAB. Brasília,
março de 2005, p. 25. Entende-se que a discussão acerca da situação do ensino jurídico deve ser
feita no transcorrer do levantamento estatístico do número de alunos efetivamente matriculados no
curso de Direito e não pela crítica usual do número de faculdades de Direito, uma vez que aquela
revela a dimensão real da expansão do ensino de Direito, enquanto esta indica tão-somente a
expansão desenfreada das instituições de ensino. Cabe ressaltar, no entanto, que o último senso
oficial realizado pelo órgão oficial competente, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP/MEC), é do ano-base de 2003. Contudo, nesta tese será levada em conta a
pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), cujo
levantamento quantitativo é mais recente, com base em dados de 2006.
182
Veja-se nesse sentido: BRASIL. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano
Nacional de Educação e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 10 jan. 2001. (meta nº 1).
108
Não se pode perder de vista, também, que o setor privado se encontra com
significativos índices de vagas ociosas, 42% do total de suas vagas, ou, em números
absolutos, 726 mil vagas, segundo o Censo de Educação Superior 2003.
183
Ou seja,
ainda que a demanda por educação superior aumente significativamente e isso é
provável que ocorra, em vista do crescente aumento no mero de matrículas do
ensino médio muito provavelmente, não se atingirá o percentual de 30% de
estudantes matriculados, da faixa etária dos 18 aos 24 anos.
A par da análise quantitativa sobre a expansão do ensino superior e da
crescente expansão de oferta dos cursos de Direito, constata-se, qualitativamente,
que a maioria das Faculdades de Direito do país deixa de incluir em seus currículos
as disciplinas que integram os Direitos Difusos e Coletivos, como por exemplo, o
Direito do Consumidor, o Direito Ambiental, o Estatuto da Criança e do Adolescente
e o Estatuto do Idoso.
184
O primeiro passo para a transformação dos currículos jurídicos é, justamente,
revelar que o Direito passa por uma transformação radical quanto aos seus
conteúdos. Nesse sentido é preciso conscientizar-se que o Direito não pode mais
pretender somente regular situações interpessoais, relações individuais entre “A
versus B”, mas busca produzir normas que reflitam também interesses coletivos e
difusos, de natureza transindividual.
Essa reviravolta, contudo, impõe uma reforma profunda nos currículos das
Faculdades de Direito, tendo em vista que o ensino tradicional está em grande
número de instituições de ensino superior, especialmente as privadas.
Além disso, é patente a ineficácia de um conhecimento transmitido por
professores cuja atuação restrita na grande maioria à área da ciência jurídica não se
adequou a essa nova realidade. Professores limitados a transmitir conhecimentos
183
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP. Censo
do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso
em: 27 nov. 2008.
184
Para a alteração dessa configuração curricular é preciso ressaltar o trabalho de Doutorado de
Benedita de Fátima Delbono. A proposta elaborada pela autora inclui na grade curricular do ensino
jurídico, como componentes obrigatórios as disciplinas na defesa de Direitos Difusos e Coletivos
que engloba disciplinas do Direito do Consumidor, o Direito Ambiental e os Estatutos da Criança e
do Adolescente e do Estatuto do Idoso. Freqüentemente, essas disciplinas o tratadas somente
em vel de pós-graduação. DELBONO, Benedita de Fátima. Os direitos difusos e coletivos
como componentes obrigatórios na organização curricular das Faculdades de Direito do
Brasil. 2007. 197f. Tese (Doutorado em Relações Sociais) Programa de Pós-Graduação em
Relações Sociais, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007.
109
que não ultrapassam os aspectos formais do Direito, presos ao discurso repetitivo e
monolítico, ao uso exclusivo do giz para alunos que, em razão das novas
tecnologias, nem sequer usam caneta.
Alunos muito integrados num espaço de profundas transformações e
revoluções técnico-científicas, do ciberespaço, do mundo da internet, do e-mail, do
telefone celular, enfim, de uma nova aprendizagem multimídia, espaço onde tudo
acontece virtualmente, simultaneamente, onde som, imagem e movimento são as
premissas de comunicação.
A despeito, entretanto, de todas essas vantagens tecnológicas, é enorme a
dificuldade dos jovens em vislumbrar outras formas de aplicação do Direito, além da
cultura
185
de formação simplista e padronizada na estrita obediência à legalidade,
pois, inexiste, percepção da importância do Direito e da Justiça como fenômeno de
transformação social e cultural.
É preciso ter presente que, ao modelo liberal-individualista, sucedeu o que se
poderia chamar de fórmula comunitária de apreensão jurídica das relações sociais,
em que, no âmbito material, vivenciou-se a incorporação de situações novas
veiculadas por meio de demandas refletidas em novas formas de vida e de relações
sociais, tais como as relações de consumo, questões ambientais, a tecnologia.
Constituindo-se o que é denominado luta pelos “Novos Direitos”.
Nesse contexto, o ensino jurídico precisa ter presente um certo pluralismo
jurídico de convivência para sobreviver na sociedade contemporânea, não se
abstraindo totalmente da sua visão tradicional, que tem como paradigma o Direito
estatal, na esteira do monismo jurídico.
Aflige, contudo, perceber que a docência do ensino jurídico está centrada,
exclusivamente, na figura do professor, por meio de quem, imperam a reverência
hierárquica e a autoridade; que é a memorização acrítica de textos exclusivamente
legais a dar o tom do ensino; que o acúmulo de opinião alheia sempre prevalece
sobre as nossas próprias opiniões; que a prática da docência jurídica é subserviente
185
Segundo Lenio Luiz Streck, “ainda predomina na maioria das Faculdades de Direito a cultura
inculcada nos manuais, muitos de duvidosa cientificidade. Forma-se, assim, um imaginário que
“simplifica” o ensino jurídico, a partir da construção de standards e lugares-comuns, repetidos nas
salas de aula e posteriormente nos cursos de preparação para concurso, bem como nos fóruns e
tribunais. Essa cultura alicerça-se em casuísmos didáticos. O positivismo ainda é regra”. STRECK,
Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica (em crise). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
110
a aspectos meramente técnicos, com descaso pela perspectiva humanista e
solidária.
A tudo isso se soma um conhecimento transmitido de maneira fragmentada,
isolado e restrito ao uso exclusivo do conhecimento da lei, hermeticamente fechado
a qualquer possibilidade de comunicação e interação viva com as outras disciplinas,
com outros saberes.
Constata-se, ainda, o abandono metodológico e pedagógico de ensino,
relegado a uma perspectiva restrita e padronizada do currículo mínimo, em
detrimento de uma perspectiva que valorize a ecologia dos saberes.
186
Percebe-se, por outro lado, que urge conciliar a teoria com a prática
profissional, a partir da leitura crítica da lei, da doutrina e da jurisprudência;
sobretudo do exercício responsável e consciente do professor para o
desenvolvimento intelectual, afetivo e profissional do futuro bacharel.
Sente-se inquietação porque todas essas transformações tecnológicas,
políticas, econômicas, culturais afetaram sobremaneira nossa sociedade e nosso
modo de pensar o Direito.
Por tudo isso, cumpre alterar nossos próprios paradigmas de ensino, para
adequá-los a essa nova realidade, estabelecendo assim novas conexões de sentido
em interlocução aos alunos.
Nesse sentido, aponta Paulo Freire
187
, “a educação é comunicação, é diálogo,
na medida em que não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos
interlocutores que buscam a significação dos significados.
Educar, como se demonstrou, ultrapassa, contraria a mera transmissão de
conhecimentos. A docência no ensino superior é prazerosa; contudo, não se
constitui em tarefa simples, costumando demandar grande coragem interior para
186
Boaventura de Sousa Santos define a ecologia dos saberes com a vivência de um conjunto de
práticas que promovem uma convivência ativa de saberes, no pressuposto de que todos eles,
incluindo o saber científico, se podem enriquecer, que implicaria numa vasta gama de valorizações,
tanto de conhecimentos científicos, como de outros práticos, considerados úteis, cuja partilha por
pesquisadores, estudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação de comunidades
epistêmicas mais amplas que convergem à universidade num espaço público de interconhecimento
em que os cidadãos e os grupos sociais podem intervir sem ser na condição de aprendizes.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade do século XXI. São Paulo: Cortez, 2006. p. 77-
78.
187
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 69.
111
sugerir mudanças que levem a uma nova realidade, pois ensinar supõe dever,
responsabilidade ética, política, profissional de preparar-se, capacitar-se, formar-se
antes de realizar a sua atividade.
Não obstante um panorama tão desolador, essas sensações de perplexidade,
angústia, inquietação e disposição para a vertigem são reveladoras de significado e
de sentido
188
, imprescindíveis, para despertar em reflexões e críticas propositivas
sobre a questão curricular e suas diretrizes no ensino jurídico brasileiro.
É bem verdade, todavia, que escolher a docência como vocação profissional
aqui e hoje, ou em qualquer lugar e época, implica necessariamente angustiar-se em
face das problemáticas da atividade educacional, o que impele a interferir de forma
consciente, dentro de limites, para transformar o currículo do ensino jurídico
brasileiro.
Portanto, ser profissional da educação, especialmente do ensino jurídico,
significa participar da emancipação das pessoas
189
para o que é indispensável
manter a fé, manter a fé nas humanidades!
Pois, conforme bem adverte Jacques Derrida
190
, a iia de profissão
pressupõe que, para além do saber, da habilidade e da competência, um
compromisso testemunhal, uma liberdade, uma responsabilidade juramentada, uma
jurada, obrigue o sujeito a prestar contas diante de uma instância a ser definida.
Enfim, nem todos que exercem uma profissão são professores.
Paulo Freire
191
ensina a partir deste saber fundamental:
Mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação político-
pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de
alfabetização de adultos ou de crianças, ou se de ação sanitária, se de
evangelização, se de formação de mão-de-obra técnica. O êxito de
educadores está centrado nesta certeza que jamais os deixa: de que é
possível mudar, de que é preciso mudar, de que preservar situações
concretas de miséria é uma imoralidade. Pois não somos apenas objeto da
188
Segundo Hannah Arendt, “a cognição está ligada à busca da verdade e suas exigências de rigor
não alcançam, como é o caso do positivismo, toda a experiência humana. O pensamento, no
entanto, diz respeito a algo mais abrangente, que é a busca do significado o parar para pensar no
sentido das coisas. Este sentido das coisas desde que se pense é comunicável”. ARENDT,
Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p.
3-16.
189
IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a
incerteza. São Paulo: Cortez, 2000. p. 28.
190
DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 54.
191
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, 1996. p. 79.
112
história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da
política, constato não para me adaptar, mas para mudar.
Desse saber fundamental retira-se a lição de que é preciso manter a nos
professores, mantenedores, nos próprios alunos, sobretudo na universidade, a fim
de que as mudanças venham efetivamente a ocorrer, até mesmo naquelas
universidades, como aponta Jacques Derrida
192
, “sem condição”.
A expressão sem condição aponta para a situação dúplice da instituição
universitária: se, por um lado, a postura da instituição indica uma incondicionalidade
indispensável ao ensino, à pesquisa e a extensão, por outro, sem condição
reconhece que invariavelmente, depende de fatores alheios e estranhos a seu
próprio funcionamento e organização.
Além dos recursos e verbas, é preciso refletir sobre os seus objetivos, a
intenção educativa, especialmente das instituições de ensino privada, sobre a
responsabilidade constitucional e educativa da missão da universidade.
Tendo em vista que, sem o tripé fundamental ensino/pesquisa/extensão nos
seus currículos, a universidade ficará sempre presa a valores políticos, éticos e
jurídicos que se opõem a seus princípios fundamentais.
1.9 Fundamentos Filosóficos da Educação e do Currículo ao Longo da
História
1.9.1 Idealismo
A chave da Filosofia é, justamente, a questão de se cultivar o saber. A
primeira indicação desse entendimento vem da própria etimologia da palavra
filosofia.
Como aponta Charles Feitosa
193
, a expressão filosofia vem de uma
associação dos termos gregos philia (amor, amizade) e sophia (sabedoria), que
significa literalmente “amor pelo saber ”.
192
DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. Tradução de Evandro Nascimento. São
Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 8.
193
CHARLES, Feitosa. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 12.
113
O termo, contudo, exige cuidado: o filósofo não é um sábio aquele que se
sente cheio de certezas mas sim alguém que está constantemente à procura do
conhecimento. Além disso, é preciso que se diga que esse cultivo se por um
caminho, qual seja: do esforço, do exercício do aperfeiçoamento, da excelência, com
humildade, começando sempre por si mesmo.
Sócrates
194
(469-399 a.C), utilizando-se do epigrama conhece-te a ti mesmo
(nosce te ipsum)
195
, a coisa mais valiosa para o homem é o saber.
196
Naquela época, Sócrates andava por Atenas questionando seus cidadãos,
particularmente os sofistas
197
, por viverem impensadamente, e via, a si mesmo,
como alguém que levava as pessoas a pensarem.
Sócrates nega ser um professor. Diz que não sabe nada, portanto, não tem
nada a comunicar para ninguém. Argumenta que se é o mais sábio do que todos,
como o oráculo de Delfos afirmou, é porque tem consciência de sua própria
ignorância e seguindo a indicação do deus Apolo, passa a questionar todo aquele
que se considerasse dotado de sabedoria.
Dessa forma, passa a fazer perguntas aos outros na esperança de encontrar
alguém que possua o conhecimento que ele sabe não possuir.
Embora suas idéias tenham sido transmitidas apenas oralmente, com enfoque
dialético de infinitas perguntas e respostas, Platão escreveu-as e ilustrou o
194
Conforme aponta Gabriel Chalita tudo o que se sabe sobre a vida e o pensamento de Sócrates, é
proveniente dos comentários dos filósofos que seguiram suas idéias, pois ele não deixou nenhum
escrito. CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 46-47.
195
Preceito do oráculo de Delfos difundido por Sócrates. Veja-se em PLATÃO. Apologia de
Sócrates. Belém: EDUFRA, 2001. § 36c.
196
Entende-se que se, conhecimento é interioridade, ou seja, uma viagem ao interior de si mesmo.
Nesse sentido, autoconhecimento. É necessário que o homem tome consciência de sua natureza,
preocupe-se com a virtude, e não com a riqueza, não com o corpo, mas com sua alma. Dessa
forma, é preciso que o homem aperfeiçoe sua alma. O conhecimento, assim, é a grande questão
do homem e da existência humana. O que esem jogo é a idéia de que o conhecimento consiste
na liberação das correntes que condenam a ignorância. Trata-se de elevar assim o debate
epistemológico de operar a passagem do mundo sensível para o mundo inteligível da razão. Nesse
sentido, o problema do conhecimento se confunde com o problema da educação. Contudo, o
movimento da educação é, porém, muito doloroso e difícil, como um “parto”. É, no limite, a
problemática da própria educação (Paidéia), a educação sob a perspectiva individual e coletiva.
197
Como bem indica Gabriel Chalita, a palavra sofista é derivada do vocábulo grego Sofia (sabedoria)
e significa literalmente, sábio. Sofistas eram filósofos que dominavam a arte da oratória, isto é, o
uso habilidoso da palavra. Esses filósofos eram originários de diferentes cidades e viajavam pelas
póleis, onde discursavam em público e ensinavam sua arte em troca de pagamento. Entretanto, o
termo virou sinônimo de homem que profere um discurso excessivamente adornado, complexo,
enganador. De sofista também derivam sofisma, sofisticação e sofisticar. CHALITA, Gabriel
Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002. p. 45-46.
114
pensamento socrático e método pedagógico referente à educação, denominado
Maiêutica.
198
Esse método consistia em um processo dialético e pedagógico de múltiplas
perguntas que objetiva chegar a um conceito geral sobre o objeto a ser estudado.
Contudo, Platão entendia que o conhecimento do mundo exige, antes de tudo,
conhecimento de si mesmo, pois nas palavras de Sócrates: A vida não examinada
não é digna ao homem de vivê-la.
199
Sócrates defende a idéia de uma educação voltando a alma em direção à
verdade. Para ele, entretanto, a virtude coincide com a ciência e o vício com a
ignorância; quem conhece não erra, e, portanto, ninguém é voluntariamente mau.
Segundo esse entendimento, a educação e a cultura são os meios de melhorar os
homens, conferindo-lhes a noção de bem.
Como as idéias de Sócrates e Platão são, hoje em dia, consideradas quase
indistinguíveis, os estudiosos normalmente se referem a esses escritos como
filosofia platônica.
Mais tarde, Sócrates foi julgado em Atenas e executado por suas crenças.
Nas discussões contemporâneas sobre educação, tendência em se
associar Sócrates com uma idéia particular de ensino: aquela que é baseada em
perguntas e não envolve transferência direta de informação, mas prefere dar ao
aluno a oportunidade de chegar sozinho à verdade.
Platão (427-347 a.C), filósofo grego, discípulo de Sócrates, permaneceu
admirador deste durante toda a vida. É conhecido por seus Diálogos, nos quais,
Sócrates é o protagonista em inúmeras conversações. Suas obras mais famosas
são A República
200
e as Leis.
201
Em A República, Platão propôs o tipo de educação que ajudaria a produzir um
mundo no qual indivíduos e sociedade estivessem o mais próximo possível do bem.
Platão sugeriu, ainda, que o Estado deveria ter um papel fundamental em questões
198
O método educacional da maiêutica empregado por Sócrates consiste em dar à luz a
conhecimentos que se formam na mente de seus discípulos através de perguntas feitas pelo
mestre. Veja-se, nesse sentido, a obra de Diálogos: Teeteto, Crátilo. Belém: UFPA, 2002. § 150.
199
Id. Apologia de Sócrates. Belém: EDUFRA, 2001. § 38.
200
Id. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. passim.
201
Id. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. passim.
115
educacionais, e ofereceu um currículo que afastasse os alunos mais brilhantes da
preocupação com dados concretos em direção ao pensamento abstrato.
Platão, no Livro VII da obra A República
202
, por meio do Mito da Caverna,
conduz o leitor a imaginar e a refletir sobre a relação do ser humano com o
conhecimento e com o mundo. Platão admite, utilizando-se a Teoria das Idéias
203
, a
existência de dois mundos: o mundo das idéias e o mundo sensível. Segundo
Platão, haveria um mundo imaterial, eterno e imutável, totalmente separado do
mundo sensível (o universo material, que percebemos através dos cinco sentidos), a
que só temos acesso pela razão.
Nesse plano da realidade, estão as idéias, que não são simples cogitações
presentes na mente dos homens; elas são na verdade, realidades que existem por si
mesmas, independentes do pensamento e de todas as coisas materiais. Por um
lado: um mundo material-sensível atingido pelo conhecimento sensível (plano da
doxa
204
, da opinião, do “achismo”, do conhecimento como suposição, como
conjectura), que é uma reprodução imperfeita da realidade, apenas sombras
projetadas no vazio do espaço.
Por outro lado: um mundo inteligível ou das idéias, conhecido pela inteligência
(plano da épistémè), se vê, pelos olhos do espírito
205
, a essência da coisa, onde as
idéias são perfeitas e imutáveis, que vão além do mero fenômeno empírico.
A passagem do mundo sensível para o inteligível ocorre, segundo Platão, por
uma ascensão dialética que é feita por diversas fases do conhecimento.
Segundo Platão, as pessoas deveriam se preocupar com a busca da verdade,
como a verdade é perfeita e eterna, ela não poderia ser achada no mundo da
matéria que é imperfeito e está em constante fluxo de mudança.
De maneira semelhante a Heráclito, Platão afirma que o mundo sensível é um
fluxo eterno, mais exatamente, a doutrina platônica considera que as coisas
202
PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. Livro VII, p. 263-299; 514 et seq.
203
Veja-se, nesse sentido, as obras platônicas: Fédon, A República.
204
PLATÃO ao referir-se da doxa como forma de conhecimento nos diz que: estas (as opiniões
certas), enquanto permanecem, valem um tesouro e produzem o que é bom; mas não
consentem em permanecer por muito tempo na alma do homem e não demoram muito a escapar,
a fugir, o que faz com que não tenham muito valor até o instante em que o homem as amarra, as
encadeia, as liga por um raciocínio de causalidade. Id. non. Rio de Janeiro: Loyola: PUC-Rio,
2001. § 97 e § 98.
205
Id. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 533d.
116
materiais são meras aparências, sempre transformando-se, e que não permitem por
isso, chegar a nenhum conhecimento verdadeiro.
Para alcançar a verdade, o homem, deveria dirigir sua inteligência para as
idéias, para além do mundo sensível.
206
Nesse diapasão, a realidade de tudo está
no mundo das idéias. Nesse sentido haveria idéias correspondentes a todos os
objetos, aos seres e coisas da natureza, virtudes, entidades matemáticas (linha,
círculo, ponto, etc.), formas, cores, características das coisas (dureza, mobilidade,
calor), atividades, sentimentos.
207
Assim, por exemplo, conceitos matemáticos como 2+2=4, ou todos os pontos
de um círculo são eqüidistantes ao centro, sempre foram e serão verdadeiros. A
matemática mostra que verdades universais, com que todos podem concordar,
podem ser encontradas, porém ela se constitui apenas em um campo restrito do
conhecimento.
Platão acreditava que devemos buscar outras verdades universais em áreas
como a política e a educação; assim, a procura da verdade absoluta deveria
constituir-se a busca do verdadeiro filósofo.
A educação para Platão é o amor pelo saber, verdadeira revolução psíquica
no quadro de uma transformação política e social, pois empregava a educação para
a escolha de homens para os vários deveres de um grupo social. Em cada caso,
porém, procurava selecioná-los em termos de sua capacidade, pois Platão
acreditava que a obtenção de conhecimento, especialmente da filosofia e sua
transmissão, não eram tarefas de e para todos os homens, mas apenas daqueles
que, por natureza (por sua alma) tinham as condições para tanto. Estes, por meio do
conhecimento, transformavam-se em homens melhores e preparavam-se para o
governo da cidade.
Foi a partir do problema geral da educação pode a virtude ser ensinada? ,
levantada pelos sofistas em Atenas do século V a.C, que Platão empreendeu seu
projeto pedagógico, guiado pela idéia da razão, que tem valor em si mesma.
206
Conforme aponta Gabriel Chalita, ao interpretar a doutrina platônica das formas. CHALITA, Gabriel
Benedito Issaac. Vivendo a Filosofia. o Paulo: Atual, 2002. p. 53.
207
Ibid., p. 53.
117
Para Platão, a educação tem o objetivo de formar o homem moral, o meio
para isso é o Estado, que representa a idéia de Justiça.
208
Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII
209
, é figura central na história
intelectual ocidental e teve enorme impacto no pensamento mediante a profunda
influência de sua obra filosófica. Embora, bastante conhecido como filósofo, não foi
suficientemente lido como educador.
De fato, as reflexões sobre o pensamento educacional de Immanuel Kant é
um aspecto quase que desconhecido pelos juristas.
Em que pese a matriz do pensamento de Kant ser muito utilizada pela maioria
dos agentes do Direito (juristas, advogados, juízes, promotores), o que interessa é a
faceta pouco discutida do pensamento Kantiano. Immanuel Kant como educador.
Assim sendo, embora o estudo da contribuição teórica do pensamento de Kant seja
de suma relevância para a sistemática do Direito, o foco desenvolvido no presente
trabalho é outro.
É a perspectiva educacional e humanista desenvolvida pelo filósofo de
Königsberg que, hic et nunc, aqui será apresentada.
Segundo Joy A. Palmer
210
, a influência de Kant no pensamento educacional
pode ser particularmente verificada em autores como Pestalozzi e Herbart,
principalmente em relação aos temas centrais de sua filosofia epistemológica e
moral, e a eles reagiram”.
Encontra-se, ainda, o delineamento de um Immanuel Kant educador, na
primorosa obra de Luc Vincenti: “Educação e Liberdade: Kant e Fichte”.
211
Nesse opúsculo Luc Vincenti
212
afirma que a união da filosofia kantiana com
a educação, não é algo acidental”, pois segundo esse autor, Immanuel Kant
208
PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 412 a, 518 c, 433 e.
209
Como aponta Franc MORANDI, “o século XVIII é o culo das „Luzes‟, termo ligado, por Alembert,
à idéia não de um progresso técnico e científico, mas do progresso intelectual da humanidade.
Ele se baseia na inteligibilidade da natureza e numa fé na razão para resolver os problemas da
humanidade. Essa concepção do progresso e os debates aos quais este século se consagra, estão
ligados ao da educabilidade e de seu sentido. Educação e progresso vão lado a lado”. MORANDI,
Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 79.
210
PALMER, Joy A. 50 grandes educadores: de Confúcio a Dewey. São Paulo: Contexto, 2005. p.
80.
211
VINCENTI, Luc. Educação e liberdade: Kant e Fichte. São Paulo: UNESP, 1994. p. 11.
212
Ibid., p. 11.
118
confirma a afirmação progressiva de uma filosofia do sujeito que, enquanto tal, deve
assumir a responsabilidade pela construção da natureza humana.
É, assim, no âmago de uma filosofia da educação que pode enraizar-se essa
instituição do sujeito, criação do homem por ele mesmo, formação, transformação de
sua natureza humana.
Em Immanuel Kant a educação afirma-se como o lugar desse nascimento do
homem, nascimento pela qual só o homem pode ser considerado responsável.
A idéia educativa principal, proposta por Immanuel Kant, em sua Filosofia da
Educação
213
, é a da orientação da pessoa pela autonomia de seu próprio
pensamento e dirigida assim ao progresso do humano.
Corrobora com esse entendimento Luc Vincenti
214
, quando afirma que é a
Kant que devemos remontar para o surgimento de uma responsabilidade plena e
total do sujeito, não unicamente diante do conhecimento, mas também diante do
mundo”. Pois, tudo o que o sujeito é, tudo o que o constitui e tudo o que ele faz
depende do próprio sujeito.
Para Immanuel Kant
215
, existe uma grande responsabilidade de todos na
transformação do próprio homem, pois, a natureza humana está ainda por fazer, por
transformar e a transformação é incumbência do próprio homem mediante a
educação.
No entanto, apesar do interesse profundo e permanente no assunto, Kant
nunca escreveu um tratado sistemático sobre educação.
É, porém, na obra Réflexions sur léducation (1787), que se encontram
reflexões e o perfil do pensamento de Kant sobre educação. Esse texto foi publicado
213
Segundo Thomas Ransom Giles, o objetivo da Filosofia da Educação é procurar aprofundar e
compreender o processo educativo tal como é vivido, para poder enfrentar as questões
fundamentais desse processo. Ela pretende, sobretudo, levar aqueles que são responsáveis pela
orientação do processo educativo a descobrir o sentido radical desse processo, mediante a
compreensão radical daquilo que é, pois essa compreensão abre o caminho para aquilo que pode
vir a ser. GILES, Thomas Ransom. História da Educação. São Paulo: E.P.U., 1983. p. 29. Nesse
mesmo sentido entendemos que a Filosofia da Educação almeja a compreeno do processo
educativo como tal, para que a escolha de objetivos e meios seja mais coerente com as
necessidades fundamentais do homem.
214
VINCENTI, Luc. Educação e liberdade: Kant e Fichte. São Paulo: UNESP, 1994. p. 10; 11.
215
KANT, Immanuel. Le conflit des facultes. Paris: Vrin, 1973. p. 94-95.
119
pela primeira vez em 1803
216
, logo após a morte de Kant, por Friedrich Theodor
Rink, aluno e discípulo de Kant.
O texto intitula-se Immanuel Kant über Pädagogik (1803) e foi traduzido para
o inglês, em 1960, sob o título de Education. Trata-se, segundo aponta Franco
Cambi
217
, de um curso de pedagogia proferido por Immanuel Kant para os alunos da
Universidade de Königsberg e apresenta um texto conciso, por vezes quase
apodítico, além de apresentar exposições de princípios e enunciação de conselhos
práticos.
Essa faceta educacional de Immanuel Kant desconhecida pelos juristas,
apresentando, contudo, grande relevância para o mundo acadêmico do Direito. Nela
fixa pontos em comum com a obra de Rousseau, que a formação educacional de
Immanuel Kant deu-se por meio do escritor genebriano.
O projeto educacional de Immanuel Kant é original e orgânico, apresentando-
se por um rigor ético e humanista, destinado a formar um homem universal e
racional, marcado pela cultura, pelo autocontrole, pela moral e, especialmente, pelo
caráter. Sua proposta educativa afirma-se como uma das maiores elaborações da
pedagogia iluminista, confiante nas reformas, em especial na reforma da sociedade
pela educação, idéias essas, aliás, que não se pode deixar de compartilhar.
O homem tem para perspectiva educacional kantiana necessidade de
cuidados e de formação desde a mais tenra idade. Por isso mesmo, o processo
educativo kantiano envolve, ao mesmo tempo e, de forma integral, os seguintes
componentes para o bom desenvolvimento da natureza humana: nutrição, disciplina,
instrução moral e cultura.
218
O homem na concepção kantiana deve, portanto, ser visto como ser integral,
holístico e sistêmico, educado assim, tanto para a disciplina, quanto para a cultura,
para a prudência e para os princípios; desenvolvendo, dessa maneira, suas aptidões
para o dever, para o bem, para a cultura e para a socialização.
219
Segundo Immanuel Kant
220
, na educação o homem deve:
216
Conforme aponta PALMER, Joy A. 50 grandes educadores: de Confúcio a Dewey. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 80.
217
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999. p. 361.
218
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 2002. p. 25-27.
219
Ibid., p. 25-27.
220
Ibid., p. 25.
120
a) ser disciplinado: disciplinar, segundo o filósofo quer dizer, procurar impedir
que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como
na sociedade. Portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria
221
;
b) tornar-se culto: a cultura abrange a instrução e rios conhecimentos. A
cultura é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade
condizente com todos os fins que almejamos. Ela, portanto, não determina
por si mesma nenhum fim, mas deixa esse cuidado às circunstâncias.
222
A educação deve tamm cuidar para que o homem se torne prudente, que
ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e tenha influência. A
essa espécie de cultura pertence aquela chamada propriamente de civilidade. Essa
requer, contudo, certos modos corteses, gentileza e a prudência de nos servimos
dos outros homens para os nossos fins. Ela se regula pelo gosto mutável de cada
época
223
;
c) cuidar da moralização: não basta que o homem seja capaz de toda a sorte
de fins; convém tamm que ele consiga disposição de escolher apenas
os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos
e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um.
224
O homem pode ser ou treinado, disciplinado, instruído mecanicamente, ou ser
em verdade ilustrado. Adverte, porém, sobre a necessidade do pensamento crítico,
já que treinam-se os es e os cavalos, porém, também os homens podem ser
treinados. Entretanto, não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a
pensar.
225
Immanuel Kant
226
fala em sua proposta educacional de deveres para
consigo”, e para com os outros”, da centralidade do direito”, da razão”, remetendo
a criança e o homem a uma educação religiosa”, a iniciar-se já, na idade mais tenra
a “Deus e ao dever”, e para a compreensão da “lei do dever”.
221
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 2002. p. 25.
222
Ibid., p. 26.
223
Ibid., p. 26.
224
Ibid., p. 26-27.
225
Ibid., p. 25-27
226
Ibid., p. 27.
121
Percebe-se assim que, como a arte da educação, a pedagogia kantiana deve
ser raciocinada de forma sistemática visando a desenvolver a natureza humana
holisticamente para essas qualidades.
Immanuel Kant enxerga o homem na sua compreensão integral, do todo
humano, e não como ser humano fragmentado.
Embora possa parecer que a teoria da educação seja secundária na obra de
Immanuel Kant, entende-se que ela permeia muito de sua obra, especialmente nas
Críticas, onde é observado o funcionamento do entendimento, objeto da teoria do
conhecimento e da razão humana, na perspectiva de um sujeito conhecedor.
Immanuel Kant se pergunta
227
Não sei porque os educadores da juventude não fizeram muito tempo
uso dessa razão de entrar com prazer no exame das questões práticas [...]
É uma coisa na qual até mesmo a primeira juventude sente o progresso de
seu julgamento.
Para Immanuel Kant essa atividade racional, conhecedora e sistemática há de
ser o fio condutor de toda a educação e a conduta moral de todo ser humano.
Platão e Immanuel Kant desenvolveram uma das mais influentes filosofias
que lidam com a educação: o idealismo.
Os idealistas, conforme apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver
228
Acreditam que as idéias são a única realidade verdadeira. Não que todos os
idealistas rejeitem a matéria (o mundo material); ao contrário, sustentam
que o mundo material é caracterizado pela mudança, pela instabilidade e
pela incerteza, ao passo que as idéias o resistentes e duradouras. Na
Academia platônica, os estudantes eram encorajados a lançarem-se no
mundo da concepção das idéias, em vez de no mundo da percepção dos
dados sensoriais.
227
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 2002. p. 85-107.
228
Conforme apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver: “É preciso salientar, contudo, que os
idealistas acreditam que a educação não deveria apenas enfatizar o desenvolvimento da mente,
mas encorajar os estudantes a se voltarem às coisas de valor duradouro. Acompanhados por
Platão, acreditam que o objetivo da educação deveria ser direcionado para a busca de idéias
verdadeiras. Saliente-se ainda que outro objetivo idealista importante é a busca do
desenvolvimento do caráter, pois a busca da verdade demanda disciplina pessoal e caráter firme”.
OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da Educação. Porto Alegre:
Artmed. p. 27-30. Cita-se como exemplos de pensadores idealistas, Santo Agostinho (idealismo
religioso), René Descartes (idealismo moderno), George Berkeley, Immanuel Kant e Georg Wilhelm
Friedrich Hegel. Mais recentemente: Giovanni Gentile, Josiah Royce, Donald Butler, Herman
Horne, dentre outros.
122
Do ponto de vista curricular, sem diminuir o valor do desenvolvimento de um
currículo, os idealistas enfatizam a necessidade e a importância na educação, em
qualquer nível, de ensinar os estudantes a pensarem.
É razoável esperar pela perspectiva idealista, que os estudantes demonstrem
alguma visão crítica do material curricular ao qual estão expostos.
De maneira geral, a grande preocupação curricular dos idealistas está em
preservar e promover a cultura, dando ênfase à auto-realização, aos aspectos
humanos e pessoais da vida, e especialmente ao enfoque curricular sistêmico,
abrangente, sistemático e holístico, pois parte-se da premissa idealista do
desenvolvimento do homem ideal e da sociedade ideal.
Para os idealistas, o pessoal é mais importante que o factual em si; o
autoconhecimento é mais importante do que o conhecimento do mundo Conhece a
ti mesmo (Sócrates). Os idealistas buscam a auto-realização, que tamm se
buscada por realistas como Aristóteles.
Os idealistas concordam que muitos dos materiais e disciplinas curriculares
são, todavia, inadequados. Entretanto, o idealismo é freqüentemente considerado
uma filosofia da educação conservadora, porque muito das suas realizações são
dirigidas para a preservação de tradições culturais. Isso provém da preocupação dos
idealistas com verdades eternas e essenciais da noção de que a educação é,
sobretudo, uma questão de transmitir a herança cultural.
Alguns idealistas do passado da teoria educacional são Sócrates, Platão,
Santo Agostinho, Berkeley, Kant, Hegel, Harris, Froebel. Idealistas recentes são:
Bradley, Croce, Getnile, Royce, T.H. Green, Hocking, Caastell.
Podemos citar ainda, como exemplos de pensadores idealistas, Santo
Agostinho (idealismo religioso), René Descartes (idealismo moderno), George
Berkeley, Immanuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel. E, contemporaneamente:
Giovanni Gentile, Josiah Royce, Donald Butler, Herman Horne, dentre outros.
A crítica ao idealismo aponta ainda seu enfoque abrangente, sistemático e
holístico nas questões educacionais e do currículo.
123
1.9.2 Realismo
Aristóteles (384-322 a.C.) é tido como lógico da educaçãoe como mestre
dos que sabem”. Aristóteles desenvolve visão de que, embora as idéias pudessem
ser importantes em si, um estudo adequado da matéria iria levar-nos a idéias mais
claras.
Foi aluno de Platão, tendo estudado na Academia
229
por aproximadamente 20
anos; posteriormente abriu sua própria escola, denominada Liceu.
230
Sua influência, como aponta Franc Morandi
231
, o se orienta pelo ideal da
Paiia
232
que ele retoma em suas grandes linhas, mas pela criação da silogística e
da retórica, um dos fundamentos da cultura educativa e científica do século XVII,
bem como pela obra considerável, uma verdadeira enciclopédia dos saberes da
antiguidade, que interessa todo domínio do pensamento e da ciência.
Segundo Aristóteles as idéias (formas) como, por exemplo, a idéia de Deus,
podem existir sem matéria, mas a matéria não pode existir sem forma. Contudo,
cada pedaço da matéria tem propriedades universais e particulares.
Assim como as pessoas têm suas diferentes propriedades particulares, duas
pessoas nunca são exatamente iguais, porém, ainda assim, repartem algo em
229
Segundo indica Marilena Chauí a Academia (Akademeia) foi o primeiro instituto de investigação
filosófica do Ocidente. Ali se pretendia, em todos os campos do saber, realizar o ideal socrático da
autonomia da razão e da ação contra a heteronomia em que se comprazia o sofista, e onde o ideal
da educação autônoma significava ensinar o livre espírito de pesquisa, o compromisso do
pensamento apenas com a verdade e o estímulo da autodeterminação ética e política ao invés de
transmitir somente doutrinas. CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-
socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 226. Acrescenta Henri-Irénée
Marrou que a “Academia era, ao mesmo tempo, uma Escola de Altos Estudos e um Instituto de
Educação”. MARROU, Henri-Irénée. História da educação na Antigüidade. São Paulo: EPU,
1990. p.112. Ainda, segundo aponta Carlos Alberto Nunes, a Academia foi fundada, “no ano de 387
antes de Cristo, vindo a ser dissolvida, no ano de 529 da nossa era, por Decreto do Imperador
Justiniano. Em toda a história da cultura grega não há, segundo o emérito professor da
Universidade Federal do Pará, que traduziu o Corpus Platonicum, diretamente, do grego para a
língua portuguesa, notícia de uma Escola desse tipo que durasse 900 anos”. PLATÃO. Diálogos:
Teeteto, Crátilo. Belém: UFPA, 2002. p. 3.
230
No Liceu (Lykeion) situado provavelmente entre o monte Licabetos e o Ilissos, num bosque
dedicado às Musas e a Apolo Lício , Aristóteles dirigiu de 335 a 323 a.C. Do mesmo modo que a
Academia praticava-se a vida comunitária e se ministravam lições de filosofia, retórica e dialética,
mas sua disciplina, no entanto, era mais rígida do que a da escola de Platão. Cf. LINHARES,
Mônica Tereza Mansur. Autonomia universitária no Direito Educacional Brasileiro. São Paulo:
Segmento, 2005. p. 22.
231
MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 61.
232
O conceito de Paidéia foi tratado no item 1.2 do presente trabalho, quando analisou-se o conceito
de educação.
124
comum, universal, denominado caráter humano (realidades), que existem
independentemente da forma.
Aristóteles argumentava ainda que a forma das coisas, as propriedades
universais dos objetos, permanece constante, nunca mudam, mas os componentes
mudam.
Aristóteles e Platão concordavam que a forma é constante e que a matéria
está sempre em alteração, porém Aristóteles acreditava que a forma era inerente à
matéria particular sendo a força motriz de tal matéria. Aristóteles acreditava tamm,
que cada objeto tinha uma “alma”, que direcionava as pessoas ao caminho certo.
Na Ética a Nicômaco
233
, Aristóteles fala dos princípios da educação do
cidadão e embora mencione o ensino particular, na A Política
234
, desenvolve mais
sua teoria sobre a educação de modo mais demorado, o ensino dos jovens,
sobretudo público, e para todos.
Aristóteles contribui de modo considerável para completar a imagem
teleológica da educação na Antiguidade Clássica. Contrariamente a Platão,
concretizou e especificou a noção de felicidade, que considerou o objetivo
fundamental de sua teoria política e pedagógica. Nele, o valor pedagógico da
contemplação da virtude torna-se um hábito ativo, que supera o racionalismo de
Platão em Sócrates.
Aristóteles afirmava que o objetivo da educação é, sobretudo, fazer as
pessoas virtuosas. Contudo, a virtude para ele é uma disposição da vontade:
Aquele que conserva a justa medida é, de algum modo, um homem verdadeiro.
235
Nesse sentido, a ética, que é uma busca, deve ensinar como agir, não no geral, mas
nos casos particulares da vida humana.
O ato humano é assim um ato por escolha refletida, uma deliberação, uma
decisão. A sabedoria para Aristóteles não é tanto sophia quanto phoronésis,
inteligência prática que é traduzida por prudência.
Para Aristóteles, no entanto, o conhecimento da virtude por si só, não é
suficiente para determinar o comportamento do homem.
233
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. passim.
234
Id. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Livro II, cap. VI, p. 65-84.
235
Id., op. cit., Livro II, § 1106a; 1107a; 1107b1, p. 74; 85, nota 233.
125
É preciso, no entanto, muito esforço para se chegar lá. Assim, a virtude está
associada às noções de fazer e agir, tornando-se uma das noções mais importantes
da educação no âmbito da pedagogia ativa que se constitui hoje o objetivo principal
da reflexão pedagógica moderna.
Em síntese, a educação aristotélica é uma educação pelo conhecimento, da
qual o homem é o pólo constitutivo. Liga-se tanto à cidade quanto ao exercício
intelectual de cada um.
As filosofias realistas da educação afirmam que as verdades universais são
independentes das mentes ou pontos de vista dão ênfase no intelectual, contudo,
a educação deve incluir os valores e as potencialidades da vida. A educação deve
tornar as pessoas conscientes.
O currículo sob a perspectiva filosófica realista deve enfocar os estudos
práticos como, por exemplo, a escrita, desenho, leitura, aritmética, ética e direito, e
estudos complementares de dança, esgrima, equitação.
Ainda, segundo a concepção realista, o currículo deve-se valorizar,
especialmente, os aspectos físicos e mentais do educando, e enfatizar assuntos
relativos à realidade exterior; objetiva e, ainda, enfatizar a abordagem de maneira
sistemática e organizada.
Enfatiza-se, tamm, dentro dessa concepção de educação, o valor das
brincadeiras e das atividades físicas ao ar livre.
Outra característica dos currículos elaborados sob a concepção realista é a
ênfase na questão didática e no estudo de objetos em educação.
Podemos citar, como realistas do passado: Aristóteles, Tomás de Aquino,
Comenius, Descartes, Locke, Hobbes. Realistas contemporâneos destacam-se:
Herbert, Broudy, Maritain, Newman, Adler, Whitehead.
João Amós Comenius
236
, teólogo e educador tcheco, do século XVI, foi quem
introduziu pela primeira vez o uso das imagens
237
no processo educacional.
236
João Amós Comenius (1592-1670), educador tcheco, nasceu na Morávia. Criador de um sistema
educacional que até hoje não foi superado, foi pioneiro do ecumenismo. Estudou teologia e ocupou
a reitoria de um colégio, antes de ser ordenado padre. Vítima da guerra dos Trinta anos passou
grande parte de sua vida no exílio, primeiro na Polônia, onde foi bispo, depois na Suécia, Prússia e
Holanda, onde faleceu. Sobre a vida de Comenius, reportamo-nos à obra ilustrada de Covello.
126
João Amós Comenius acreditava ser possível ao indivíduo assimilar todo o
conhecimento, se fornecido o tipo adequado de educação. Fortalecendo a convicção
de que o homem é capaz de aprender e pode ser educado.
A teoria educacional de João Amós Comenius surpreende pela atualidade.
Defende-se nela uma educação que ultrapasse os meios clássicos, como o ensino
da religião e da ética.
O currículo, além das matérias citadas, incluía música, economia, política,
história e ciências. Na prática do ensino, João Amós Comenius foi o pioneiro na
aplicação de métodos que despertassem o crescente interesse do aluno.
Educação, que deveria basear-se em um currículo para aperfeiçoar os
poderes naturais por meio do treinamento dos sentidos e escolas que deveriam ser
lugares agradáveis com professores simpáticos.
Essa idéia de desenvolvimento dos sentidos na educação e no currículo,
tamm foi adotada por Jean Jacques Rousseau, Johann Pestalozzi e Froebel,
dentre outros.
A defesa por uma educação dos sentidos
238
encontra-se nas reflexões
poéticas de Rubem Alves.
239
COMENIUS, apud COVELLO, Sergio Carlos. Comenius a construção da Pedagogia. São Paulo:
Comenius, 1999. Passim.
237
Quase todos os filósofos ou sistemas filosóficos falaram sobre o olhar ou a partir dele. Platão no
entanto, nos adverte quanto a busca da verdade no mundo das idéias, e não no mundo sensível,
pois aquele que se deixa seduzir pelo mundo dos sentidos, precisa assumir os riscos da incerteza.
Os sentidos, como as paixões, perturbam a alma, conduzem ao vício e à loucura, pois o homem é
absorvido pelo que contempla. Por essa razão Platão nos convida a desconfiar da percepção, das
pulsões e dos caprichos do corpo. A estabilidade e a harmonia estariam, segundo ele, no mundo
supra-sensível, nas idéias transcendentes e separadas do sensível. Quando Platão nos propõe,
no mito da caverna que, por uma operação do olhar, o homem se afaste do mundo senvel, estava
ao mesmo tempo dirigindo o olhar para um “ver concentrado no mundo das idéias”. Livrar-se do
mundo sensível e de suas flutuações, procurar ver o fundamento do sensível, que é a Idéia. Existe
algo mais sólido e mais durável na sua essência porque é algo que não sofre, não nasce, não
morre: é o pensamento divino universal. PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006.
Livro VIII, p. 514a-517c.
238
Nesse sentido, veja-se: ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais. São Paulo: Verus, 2005.
passim.
239
Rubem Alves (1933) nasceu em Minas Gerais, e morou no Rio de Janeiro, em razão da falência de
seu pai. Sua solidão nessa cidade, o fez religioso e amante da música. Quis ser médico, pianista e
teólogo. Foi pastor em Lavras, e fez mestrado em Nova Iorque (1962-1963). Voltou para o Brasil
em 64, porém retorna para fazer doutoramento em Princeton. Da sua vasta obra, reportamo-nos
especialmente, a Conversas com quem gosta de ensinar e Estórias de quem gosta de ensinar.
Além de exercer a profissão de psicanalista escreve contos para crianças. Propõe da filosofia da
educação voltada no prazer.
127
Rubem Alves
240
diz, não sou filósofo porque não penso a partir de conceitos.
Penso a partir de imagens. Meu pensamento se nutre do sensual. Preciso ver.
Imagens são brinquedos dos sentidos. Com imagens eu construo histórias.
Para Rubem Alves, é preciso valorizar-se na educação e no currículo, o
prazer, a felicidade, a linguagem do amor e das coisas belas na aprendizagem, para
que o corpo se levante e se disponha a lutar.
1.9.3 Naturalismo
Jean Jacques Rousseau
241
(1712-1778) entende a educação como o meio de
proteção. A sociedade é que perverte a criança, sendo, portanto, má a sua
influência.
Conseqüentemente, ele protege a criança contra essa influência, até ela estar
desenvolvida, quando seria, então difícil destruir-lhe a natureza interior.
Seu pensamento educacional está contido na obra Emílio ou da educação,
escrita entre 1757 a 1760. Adotando-se uma forma pouco comum aos tratados
pedagógicos, Jean Jacques Rousseau efetua em Emílio um exercício de razão para
propor como poderia ser o homem do estado futuro. Emílio é proposto como um ser
no qual atuam as leis naturais (definidas pelo autor como o impulso para
conservação de si e para a conservação da espécie) e sobre o qual não atuam
convenções existentes.
Ao retirá-lo da sociedade corrompia para educá-lo no campo, Jean Jacques
Rousseau parece pretender recriar as condições vigentes no estado de natureza,
mas dado que esse estado jamais existiu, a relação de Emílio com a sociedade
240
ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. São Paulo: Loyola, 1999,
p. 81-82
241
Jean-Jacques Rousseau, conforme aponta Vera Teresa Valdemarin, nasceu em Genebra, no dia
28 de junho de 1712, e faleceu em 02 de julho de 1778. Pertencia a uma família de protestantes,
na qual adquiriu instrução. Converteu-se ao catolicismo, retornou ao protestantismo, exerceu
funções de preceptor e de professor de música. Pobre, com vida atribulada e sofrendo de mania de
perseguição, escreve inúmeras obras que se tornam marcos fundamentais na Filosofia Política, na
Educação e na Literatura. Sua contribuição para o pensamento educacional é, especialmente sua
obra Emílio ou da educação. VALDEMARIN, Vera Teresa. Pedagogia, educação da infância e o
futuro do homem: porque ler Rousseau hoje. In: PAGNI, Pedro Ângelo; SILVA, Divino José da.
(Org.). Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo: Avercamp, 2007. p. 146-164.
128
ocorre pela mediação
242
do educador. Um educador que, com efeito, é um crítico
dessa mesma sociedade e portador de um projeto para o futuro assentado em novas
bases.
Conforme aponta Ivanilde Apoluceno de Oliveira
243
, a obra é um ensaio
pedagógico sob a forma de romance que procura expor os princípios de uma
educação conforme a natureza, com a finalidade de recriar o homem natural.
Segundo Jean Jacques Rousseau, a educação é adquirida por meio dos
homens, das coisas, da natureza. O desenvolvimento das nossas faculdades é
segundo sua concepção, a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer
desse desenvolvimento é a educação dos homens; e a aquisição de nossa própria
experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas.
Jean Jacques Rousseau entende a necessidade de se iniciar a educação na
mais tenra idade (no momento do nascimento), projetando a educação até a vida
adulta, isto é, no exercício da política, perdurando assim toda vida, sem exclusão de
qualquer etapa da existência.
O mérito do autor consiste em transformar os princípios que têm vigência na
vida adulta em práticas compreensíveis em cada uma das fases da vida do ser
humano.
Fixados os princípios políticos o exercício da liberdade, da autonomia e da
igualdade como condições impeditivas da dependência , a inteligibilidade desses é
diferenciada em cada uma das fases da vida, determinados pelo autor, pelas leis da
natureza, de modo que a educação seja a prática que os efetiva.
Assim, a ação política e a ação pedagógica devem atuar ao mesmo contexto,
descrito na sua obra
244
: O homem nasce livre e por toda a parte encontra-se a
ferros”, conforme expressão do Contrato Social, e o homem civil nasce, vive e
morre na escravidão; ao nascer, envolvem-no em um cueiro; ao morrer, encerram-no
242
Mediação de modo geral, é a ação que relaciona dois elementos, que serve de ponte, de
passagem, de uma coisa a outra. De modo mais especificamente filosófico, mediação é a relação
concreta pela qual um dado elemento viabiliza a realização de outro. Cf. SEVERINO, Antônio
Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. p. 23.
243
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Filosofia da Educação: reflexos e debates. Rio de Janeiro:
Vozes, 2006. p. 69.
244
ROUSSEAU, J. J. Do contrato social: princípios do direito político. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. Livro I, cap. I, p. 19.
129
em um caixão; enquanto conserva sua figura humana está acorrentado às nossas
instituições”.
Para Jean Jacques Rousseau a educação que começa no nascimento,
baseia-se epistemologicamente na concepção da mente como tábula rasa”, sendo
as idéias geradas pelas impressões provenientes dos sentidos que se iniciam com a
vida e são limitadas pelo desenvolvimento da percepção, que seguem etapas
naturalmente determinadas.
Em Emílio, Jean Jacques Rousseau
245
define a educação como meio de
proteção, o meio de defender a criança contra a influência da sociedade, a qual
deformaria o desenvolvimento natural de seu verdadeiro eu.
Jean Jacques Rousseau
246
afirma ainda
Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos carentes de tudo,
precisamos de assistência, nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo
o que o temos ao nascer e de que precisamos quando somos grandes
nos é dado pela educação.
A importância da linguagem na criação da dependência ou de sua autonomia,
é enfatizada pelo autor em todas as fases de desenvolvimento, mas na primeira
infância, esse cuidado é redobrado, dadas as conseqüências na vida adulta,
conforme a seguinte descrição: ao afirmar que a educação vem da natureza
(faculdades), dos homens (o uso que faz das faculdades) ou das coisas (experiência
com os objetos), Jean Jacques Rousseau aponta para a importância de não tornar
as três direções contraditórias, submetendo-as ao comando da natureza, a única
que deve ser obedecida, porque determina o desenvolvimento dos seres humanos.
Jean Jacques Rousseau critica o ensino livresco e de memorização da época,
enfatizando o desejo de aprender e a utilidade no uso da leitura.
Jean Jacques Rousseau
247
, nesse sentido, aponta:
Cuida-se muito de descobrir os melhores métodos de ensinar e ler;
inventam-se escrivaninhas e mapas; fazem do quarto da criança uma
tipografia. Locke quer que ela aprenda a ler com dados. Não vos parece
uma bela invenção? Que lástima! Um meio mais seguro, e que sempre se
esquece, é o desejo de aprender. Dai à criança esse desejo e deixai de lado
vossas escrivaninhas e vossos dados.
245
ROUSSEAU, J. J. Emílio ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Livro I, p. 7-64.
246
Ibid., p. 8.
247
Ibid., p. 110.
130
A principal contribuição de Jean Jacques Rousseau ao pragmatismo
248
, não
foi o romantismo do tipo nobre selvagem, e sim a conexão educacional entre a
natureza e a experiência. Foi sobre essa conexão que ele construiu sua teoria sobre
a educação.
Ainda que muitos tendam a destacar Jean Jacques Rousseau como um
romântico por causa das suas visões sobre o nobre selvagem, sua teoria continua a
ser atraente, à luz da complexidade crescente da moderna sociedade tecnológica.
Certamente sua conexão entre a natureza e a experiência influenciou muitos
teóricos educacionais incluindo Pestalozzi (1746-1827), que queria a reforma da
sociedade por meio da educação das classes operárias, objetivando menos na
aquisição de conhecimento e mais no desenvolvimento psíquico da criança.
Uma marca da filosofia de Jean Jacques Rousseau é que a educação deveria
ser guiada pelos interesses da criança. Interesses, que não são, todavia, caprichos.
Ao referir-se a interesse, Jean Jacques Rousseau queria dizer a tendência
inata das crianças de descobrirem coisas novas sobre o mundo que os cerca,
defendendo sua liberdade e não licenciosidade.
1.9.4 Materialismo histórico-dialético
Antônio Gramsci nasceu em Sardenha (Itália), em 1891, filho de camponeses
pobres. Deslocou-se para Turim em 1911, e participa ativamente da luta dos
trabalhadores italianos. Em 1915, Antônio Gramsci dirige o jornal de tendência
socialista. Opondo-se à Guerra de 1914-1918, critica a transformação de
trabalhadores em soldados.
248
Conforme apontam Hilton Japiase Danilo Marcondes, o pragmatismo é a corrente filosófica,
mantida em diferentes versões por dentre outros, Charles Sanders Pierce, William James e John
Dewey, que defendem o empirismo no campo da teoria do conhecimento e o utilitarismo no campo
da moral. O pragmatismo valoriza a prática mais do que a teoria e considera que devemos dar
mais importância às conseqüências e efeitos da ação do que a seus princípios e pressupostos. A
teoria pragmática da verdade mantém que o critério de verdade deve ser encontrado nos efeitos e
conseqüências de uma idéia, em sua eficácia, em seu sucesso. A validade de uma idéia está na
concretização dos resultados que se propõe obter. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo.
Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 218. Pragmático
significa concreto, aplicado, prático, opondo-se a teórico, especulativo, abstrato. Daí Kant ter
intitulado uma de suas últimas obras a Antropologia de um ponto de vista pragmático (1789), já que
se trata de um sujeito empírico, em oposição ao sujeito transcendental, isto é, um homem em sua
existência concreta.
131
De idéias marxistas, adaptou as idéias de Lênin à situação da Itália e funda,
em 1919, o jornal dos Conselhos de Fábrica”. Em 1921, dirige o partido comunista
italiano que ajudara a fundar. Em 1923, foi preso por ordem de Mussolini e durante
quase 11 anos viveu na prisão, período em que escreveu boa parte de sua obra,
anotando de forma fragmentária suas reflexões em cadernos os quais alguns
escaparam da destruição fascista. Morreu em 27 de abril de 1937.
Antônio Gramsci fundamenta-se no materialismo histórico-dialético,
concebendo o homem como processo de seus atos. Contudo, entende que além da
individualidade, outros elementos são importantes nesse processo, como por
exemplo, os outros homens e a natureza. Esta relação se processa organicamente,
e não por justaposição: na medida em que o ser humano modifica a si próprio
modifica tamm o mundo.
Para Antônio Gramsci
249
, o homem é essencialmente político, que a
atividade para transformar e dirigir conscientemente os homens realiza a sua
humanidade, a sua natureza humana.
Segundo Antônio Gramsci (1991b), o que une ou diferencia os homens não é
o pensamento (uma mesma natureza ou essência), mas, o objeto ou produto do
pensar que é dimensionado em ação.
A natureza humana para ele é o complexo das relações sociais porque inclui
a idéia de devenir, o ser humano muda com o mudar das relações sociais,
caracterizando-se como ser histórico dialético e concreto. Antônio Gramsci
estabelece assim, uma relação dialética entre o indivíduo e a sociedade,
prevalecendo o social, na medida em que o indivíduo tende a ser ultrapassado pelo
homem como formação histórica, sendo determinado nas suas opções pelo coletivo.
Antônio Gramsci, tomando como referência Marx, desenvolve o conceito de
superestrutura e considera esse conceito importante para o funcionamento da
sociedade. De acordo com o marxismo, as relações sociais compõem-se de
estrutura e superestrutura, e esta última comporta uma sociedade civil e uma
sociedade política ou Estado e valoriza-se nessa relação o estrutural ou o
econômico.
249
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
p. 48.
132
Em Marx a sociedade civil se identifica com a “estrutura”, enquanto em
Gramsci a identificação se faz com a “superestrutura”.
Essa visão, segundo Antônio Gramsci, permite melhor avaliar no processo
educacional, o ideológico. O Estado equivale à sociedade política e representa o
momento de força; a sociedade civil é formada por uma rede de funções educativas
e ideogicas, responsáveis pelas atividades diretivas da sociedade (organismos
privados) e sociedade política (Estado), que correspondem à função de hegemonia
que o grupo dominante exerce em toda a sociedade.
A sociedade civil é definida por Antônio Gramsci em função do conceito de
hegemonia: hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda a
sociedade. Hegemonia significa poder-direção-dominação-consenso.
A hegemonia é uma ação que atinge a estrutura e a organização política da
sociedade, e tamm o modo de pensar, de conhecer, e sobre as orientações
ideológicas e culturais. Nesse sentido, é que as relações hegemônicas são
pedagógicas.
Finalmente, Antônio Gramsci assinala o primado da cultura humanístico-
filosófica sobre o cientificismo enquanto pretensão de encontrar respostas para
todos os problemas do ser humano.
A educação para Antônio Gramsci deve ser entendida em relação aos dois
níveis da realidade social: estrutural e superestrutural. Para ele a educação é um
processo implicado diretamente com a reprodução das relações de produção,
possibilitando que estas relações ou reforcem a dominação ou provoquem a sua
mudança estrutural.
Como instrumento de mediação entre as classes, a educação forma a
consciência, que tanto pode aderir à ideologia vigente (mascaramento), como pode
superar e desmascarar esta ideologia. O processo educativo é um instrumento de
persuasão, é dissimulador. Em Antônio Gramsci o o vínculo entre ciência e
trabalho, cultura e técnica, teoria e prática.
As filosofias marxistas da educação afirmam que a realidade é um processo
dinâmico de transformação natural e cultural no qual mente é uma expressão da
consciência de classe ou de grupo.
133
O alvo da educação e do currículo para os marxistas é o condicionamento dos
aprendizes para agir em prol e como parte da inevitável transformação social, que
leva à sociedade ideal sem classes, visando, dessa forma, à implementação da
revolução social.
Acreditam ainda que a verdade depende das necessidades revolucionárias,
ela é, contudo, segundo essa perspectiva, um produto da consciência social e da
oportunidade histórica não é contudo, descoberta ou universal. Nesse sentido, o
socialismo e o comunismo são os ideais que a educação deve implementar.
Além de Marx, são filósofos marxistas: Anton Makarenko e Koralev, Robert
Price, entre outros.
A crítica
250
ao marxismo na educação e suas perspectivas aponta que os
marxistas apresentam uma falta de sensibilidade às mudanças positivas pelas quais
passaram as economias industriais não-socialistas.
Eles observam, também, que a práxis ou ação humana determinada pode ser
aplicada a teorias e sistemas não-socialistas e que a dialética da história, ou a
evolução histórica, pode não ser apenas um desenvolvimento socialista ou
materialista.
1.9.5 Positivismo
Auguste Comte
251
(1789-1857), considerado um dos pais da Sociologia
Moderna, fez um enorme esforço para aplicar a ciência para resolver os problemas
sociais. Sua principal característica foi a devoção aos estudos e à filosofia positivista.
250
OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da Educação. Porto Alegre:
Artmed. p. 326-327.
251
Filósofo francês nascido em 19 de janeiro de 1789, em Montepellier, na França; Isidore-Auguste-
Marie-François-Xavier Comte, passou a usar o nome de Auguste por volta de 1818. Em 1806, entra
como interno no liceu de Montpellier e em 1812 prepara-se para o concurso da Escola Politécnica
sob a orientação de Daniel Encontre, professor de matemática e decano da Faculdade de Teologia
de Montauban. É admitido na Escola Politécnica. Comte participa na escola de uma rebelião, e a
escola é suspensa por ordem do governo. Passa a dar aulas para viver e conhece Saint-Simon
(1760-1825). Esse encontro foi decisivo para a formulação de sua doutrina e sua leitura mais
acessível, se se pensar na época em que ele viveu, abalada por inúmeros conflitos devidos a
transformações econômicas, sociais e políticas, em conseqüência da Revolução Francesa. Com
efeito, Saint- Simon e seus seguidores propunham a hierarquização da sociedade com base nos
seguintes princípios: a cada um segundo sua capacidade, a cada capacidade segundo suas obras;
o antagonismo social deve dar lugar à associação universal; a propriedade hereditária deve ser
suprimida; o Estado será proprietário das riquezas e repartirá os instrumentos de trabalho segundo
as necessidades e as capacidades. Com esses princípios atendidos, se chegaria ao primado da
134
O sonho de Comte era reformar a sociedade pela aplicação da ciência. A
filosofia de Comte para a sociedade é vista como uma ciência positiva, experimental,
denominando-a inicialmente defísica-social”.
Baseando-se nesta definição, bem como se apoiando nos pensadores
empiristas do século XVIII, que afirmavam que as leis da sociedade humana podem
ser entendidas aplicando-se os instrumentos da ciência, Comte insere uma nova
teoria da sociedade denominada “positiva”.
A teoria positiva parte do princípio de que os homens devem aceitar a ordem
existente, não devendo contestá-la. Assim, também, ao ser humano, cabe revelar o
mundo, não existindo a possibilidade de mudá-lo.
O positivismo está alicerçado na prática da coleta de dados sobre
determinada sociedade, cuja análise será feita pela constatação e confirmação de
dados. É composto assim pela experimentação, pelo pragmatismo e pelo empirismo.
Não basta, portanto, a apresentação de idéias vagas, sem fundamentação e sem
consistência.
Para Auguste Comte, as leis estabelecidas pela ciência deverão ser aceitas,
não podendo haver nenhum tipo de contestação quanto ao que elas afirmam ou
impõem.
A crença no que de fato existe é fundamental. A verdade científica trata dos
fenômenos ou fatos dominantes ou constantes, não tendo como finalidade atingir as
causas últimas, limitando-se apenas a constatar a “ordem que reina no mundo”.
A evolução do intelecto e da consciência do homem só será possível se estes
se voltarem para o passado. As leis da natureza são sólidas, verdadeiras; trata-se do
Justiça. Decisivo também para doutrina positivista foi o pensamento de Condorcet (1743-1794)
cujas idéias sobre o progresso como uma lei da humanidade a crença nas ciências naturais e a
possibilidade de uma ciência da sociedade, Comte, encampou e redimensionou. Em 1817 torna-se
secretário dele e colabora com Saint-Simon no Le Producteur, órgão ao saint-simonismo. Em 1830
inicia a publicação do seu Curso de Filosofia Positiva. Separa-se depois de 18 anos de matrimônio
de Caroline Massin. Em 1844 conhece Clotilde Vaux que, segundo ele, a inspirou na sua
admiração pela religião e humanidade. Em 1851 inicia a publicação do seu Sistema de Política
Positiva ou Tratado de Sociologia instituindo a religião da humanidade. Em 1852 publica o
Catecismo positivista ou Exposição sumária da religião universal. Em 1854, encerra a publicação
do Sistema de política positiva. Morre a 5 de setembro de 1857, em Paris, tendo até a sua morte
vivido da proteção de seus adeptos. Os dados bibliográficos sobre Comte nessa nota de rodapé,
foram elaborados tendo como fonte de estudo a obra organizada por Hélgio Trindade, atualmente
membro do Conselho Nacional de Educação CNE. Veja-se a primorosa obra de TRINDADE,
Hélgio. (Org.). O Positivismo: teoria e prática. Brasília: UNESCO, 2007.
135
mundo inteligível, razão pela qual o homem não deveria estar preocupado com as
questões futuras, pois para Comte há uma hierarquia da natureza podendo-se
compor de fenômenos simples ou complexos, sendo de natureza orgânica ou
inorgânica, inerente aos seres vivos e ao homem.
O mundo, segundo Auguste Comte, poderia ser interpretado partindo-se do
princípio de que havia um condicionamento que era realizado do inferior ao superior;
porém, os fenômenos da vida ou fenômenos sociais são condicionados, mas não
determinados pelos fenômenos químicos e físicos.
Assim as ciências humanas deveriam exercer, segundo a perspectiva
comteana, uma posição de relevância espiritual devendo as demais ciências sempre
se voltar para ela, por representarem o mais alto nível de complexidade. A
humanidade é, no entender de Auguste Comte, o único referencial para se obterem
mais informações quanto aos conhecimentos e métodos existentes.
Nesse contexto, a Filosofia é a ciência do entendimento e para se entender o
espírito humano, será necessário observar sua atitude e sua obra na sociedade,
através dos tempos. O modo de pensar e a atividade do espírito são solidários com
o contexto social, vinculam-se a uma determinada época de cada pensador.
Para Auguste Comte, as ciências exatas modificaram de forma irreversível a
relação que a humanidade mantém com a verdade. O conhecimento que os homens
têm de si mesmos torna-se um motor da humanidade. Comte afirma a função
diretora da ciência na aplicação da razão humana ao fato social. Ele enuncia o que
são para ele as condições da educação encarregada de difundi-la.
O seu Curso de Filosofia Positiva, redigido de 1830 a 1842, mostra o seu
vínculo com a obra educativa. A noção de curso está ligada ao seu método: realizar
a condição intelectual necessária a realização e à formação da sociedade
positiva.
252
A obra educativa em Auguste Comte se preocupa com uma síntese dos
conhecimentos positivos em um sistema de explicação global. Ligando, assim, os
fatores científicos e sociais e conferindo à Filosofia a tarefa de organizar um sistema
252
COMTE, Augusto. Discours sur l’ensemble du positivisme. [1848]. Paris: Flamarion, 1998. p.
44-47.
136
direcionado para a realização conjunta da razão humana e da evolução política e
social.
Segundo o seu entendimento acelerar o progresso dos homens, não é esse
o novo papel da educação” (instrução)? Com efeito, a essa Filosofia “modesta”
sucede a necessidade de uma ordenação sistemática dos conhecimentos humanos,
representativa de uma educação do espírito humano.
O conceito e a expressão positivismo podem ser tomados em duas acepções:
uma restrita e outra ampla. Em sentido estrito, -se a esse nome o sistema de
idéias filosóficas fundadas por Auguste Comte e, proclamado, posteriormente, por
seu discípulo Emile Littré (1801-1881).
É um sistema filosófico que tem por núcleo a Teoria dos Três Estados
empregada por Auguste Comte, e segundo a qual o espírito humano, ou seja, a
sociedade, a cultura, passa por três etapas: a teogica, a metafísica, e a positiva. As
chamadas ciências positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira
etapa, sua maioridade, rompendo com as anteriores.
Para Auguste Comte, as ciências se ordenam hierarquicamente da seguinte
forma: matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia, cada uma
tomando por base a anterior e atingindo um nível elevado de complexidade.
A finalidade última do sistema é política: organizar a sociedade
cientificamente com base nos princípios estabelecidos pela ciência positiva.
Em sentido amplo, serve para designar um movimento mais vasto dentro do
qual, como aponta Luís Cabral de Moncada
253
, nenhum setor do conhecimento
humano ficou isento”. Nele cabem numerosas escolas e tendências do século XIX,
dentro e fora da França, em matéria de filosofia, de métodos científicos, de
psicologia, de sociologia, de história, de Direito e de política.
Assim, os ingleses: Stuart Mill, Alexandre Bain, Bentham, Herbert Spencer, e
os franceses Taine, Renan, Durkheim, antes Saint Simon, e muitos outros
pertencem igualmente a esse Positivismo em sentido lacto.
Cabem ainda os representantes da restauração do pensamento kantiano, na
segunda metade do século na Alemanha, os neokantistas, especialmente, os da
253
MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra Editora, 1995. p.
306-320.
137
denominada Escola de Marburgo, como Cohen, Natorp, Cassirer, e entre os filósofos
juristas, Stammler.
O Positivismo (positivisme) pode definir-se como o definiu Emile Littré
254
, seu
mais fiel discípulo, como sendo: uma atitude mental que visa a dar a filosofia o
método positivo das ciências a idéia de conjunto da filosofia.” Essa foi a tarefa de
vida de Augusto Comte.
A posição central do positivismo pode ser resumida da seguinte maneira
negativa: repúdio a tudo que pudesse lembrar a metafísica, entendendo-se por
metafísica toda a proposição que excedesse o domínio da experiência e da
observação humana dos fatos sensíveis. Renúncia, portanto, a toda a forma de
compreender e explicar que não se fundem exclusivamente na observação dos fatos
e das relações de antecencia e conseqüência.
Assim, segundo Auguste Comte: nada se conhece para dos fenômenos, e
o próprio conhecimento que destes se tem é relativo e não absoluto.
Não é, porém, uma lição nova, é uma doutrina velha, desde a Grécia antiga
se pensava assim, por exemplo, em Bacon, Descartes, Galileu, Hume, Locke,
tamm Kant. A única inovação seria fazer disso
255
uma ideologia
256
, a ideologia
das ciências”.
O termo positivismo, segundo Maria Helena Diniz
257
, não é um termo unívoco,
pois tanto designa o positivismo sociológico como também o sociologismo eclético,
ou seja, a doutrina de Augusto Comte e as que a ela se ligam ou se assemelham,
como o estrito positivismo jurídico.
254
LITTRÉ, 1868, apud MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal:
Coimbra Editora, 1995. p. 307.
255
MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra Editora, 1995. p.
310.
256
Ideologia é um termo que se origina dos filósofos franceses do final do culo XVIII, conhecidos
como ideólogos Destutt de Tracy, Cabanis, dentre outros, para os quais significava o estudo da
origem e da formação das idéias. Posteriormente em sentido mais amplo, passou a significar um
conjunto de idéias, princípios e valores que refletem determinada vio de mundo, orientando uma
forma de ação, sobretudo uma prática política, ex. ideologia fascista, ideologia de esquerda, etc. O
termo é amplamente utilizado, sobretudo por influência do pensamento de Marx, na filosofia e nas
ciências humanas e sociais em geral, significando o processo de racionalização um autêntico
mecanismo de defesa dos interesses de uma classe ou grupo dominante. Tem por objetivo
justificar o domínio exercido e manter coesa a sociedade, apresentando o real como homogênio, a
sociedade como indivisa, permitindo com isso evitar os conflitos e exercer dominação. Cf.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1996. p. 136.
257
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000.
p. 102.
138
Para Augusto Comte a sociologia era a única ciência social, a ciência geral da
sociedade, por isso a ciência jurídica seria um setor da sociologia.
Comte procurou eliminar da metodologia a busca apriorística de princípios
estabelecidos por via dedutiva; negando a metafísica, supervalorizou o empirismo,
afastando qualquer conhecimento que não tenha partido da observação.
Do pensamento positivista sociológico, destacam-se Durkheim, Duguit,
Gurvitch, Geny. No sociologismo jurídico, representados pela Escola Positiva do
Direito Penal italiano, destacam-se os seguintes pensadores Lombroso, Ferri,
Garofalo, Florian, Grispigni.
Nos EUA, o pensamento positivista sociológico encontra-se representado por
Holmes, Cardozo, Florian, Ehrlich, Dewey, Gray e Frank. Como representantes do
pensamento positivista sociológico jurídico escandinavo, pode-se citar ainda
Hägerström, Lundstedt e Alf Ross.
Por outro lado, o positivismo jurídico estrito aparece como tentativa de
amoralização completa do direito e da ciência jurídica de qualquer fator, base ou
fundamento moral ou de Direito natural, encontrando essa corrente guarida no
pensamento de Rudolf von Ihering, Jellinek e Waline, e Hans Kelsen.
O positivismo, nesse sentido, representa a tentativa de compreender o Direito
como um femeno social objetivo. É uma recusa, uma postura preocupada em
fazer derivar o Direito de outras fontes que o são as sociais (jusnaturalismo) ao
mesmo tempo em que se renega a fazer depender a existência do Direito de juízos
morais particulares.
O Positivismo Filosófico revela a perspectiva reducionista na qual o mundo é
reduzido à sua descrição científica, e o positivismo jurídico tamm partilha da visão
desencantada própria do mundo contemporâneo, nas quais as práticas sociais e,
portanto, o Direito, parecem carecer de um propósito ou sentido últimos.
O Positivismo Jurídico
258
, propriamente dito, pode ser mais rigorosamente
definido
259
em harmonia com o clima da época da segunda metade do século XIX,
258
É preciso salientar, contudo, que as noções de positivismo jurídico e de formalismo identificam-se.
Assim, pode-se dizer nas palavras de Norberto BOBBIO, que as noções de formalismo e
positivismo jurídico coincidem quanto à extensão e que, com freqüência são empregadas como
sinônimas. [...] Pode-se destacar que: 1) existe estreita vinculação entre o formalismo ético e o
positivismo jurídico como ideologia; 2) o formalismo na definição do Direito (Direito como forma), o
139
da seguinte maneira: é aquela corrente da ciência jurídica segundo a qual Direito é
só o Direito positivo formulado pelo legislador, ou seja, pelo Estado.
Sob a ótica positivista, a lei não tem lacunas; os princípios gerais do Direito,
de natureza lógica, permitem num simples jogo de entendimento discursivo, achar a
solução legal para todos os casos, ainda, os não previstos pelo legislador; o juiz
deve ser meramente passivo e escravo da lei em todos os casos.
Por essa perspectiva os meios de estudo do conhecimento do Direito são os
puramente intelectuais, sem quaisquer apreciações valorativas, pessoais e próprias,
das questões; finalmente, o mesmo juiz, tornado com estes meios ominisciente,
jamais pode denegar justiça com o fundamento de não ter lei aplicável ao caso a
resolver.
No Brasil, as idéias positivistas no âmbito educacional vieram a concretizar-se
na primeira Reforma do Ensino, de autoria de Benjamin Constant Botelho Guimarães
(1836-1891)
260
, cuja concepção foi adotada, inicialmente, pelas Academias Civis e
Militares e, posteriormente, foram adotadas nas esferas políticas, tendo em vista que
o positivismo de Comte preconizava o culto da ordem, da hierarquia e da disciplina.
As instituições de ensino sofreram, em maior ou menor grau a influência do
positivismo, mas onde ela mais se firmou foi no Ginásio Nacional, nome dado ao
tradicional Colégio Pedro II.
Relativamente ao ensino superior, por princípio, os positivistas, inclusive,
colocavam-se contra a existência e a implantação de faculdades e universidades no
Brasil.
formalismo na concepção da ciência jurídica (a ciência jurídica como ciência formal) e o formalismo
na interpretação (a interpretação jurídica como operação lógica) podem ser consideradas
características peculiares do positivismo jurídico entendido como teoria específica do Direito; 3) o
positivismo, entendido como um modo de abordagem da compreeno do fenômeno jurídico, como
forma de approach ao estudo do Direito, subsume-se numa das acepções do formalismo jurídico.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995.
p. 37.
259
MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Portugal: Coimbra, 1995. p. 316.
260
Benjamin Constant instigou os alunos da Escola Militar do Rio de Janeiro a um levante pela
proclamação da República e convenceu o general Manoel Teodoro da Fonseca (1827-1892) a
fazê-lo em 1889. Embora não fosse um positivista ortodoxo, foi ele quem fez incluir na bandeira
nacional a inscrição correspondente ao resumo de uma das fórmulas sagradas dos positivistas. O
texto inicialmente proposto correspondia integralmente ao pensamento de Comte: o amor por
princípio, a ordem como fundamento e o progresso como objetivo (l' amour pour príncipe, l' ordre
pour base et le progrés pour but). Esse texto foi sintetizado, chegando posteriormente a sua
formulação definitiva, por sugestão de Ruy Barbosa (1849-1923) para ordem e progresso. Cf.
MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de Filosofia do Direito: o homem e o Direito. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 142.
140
No Brasil, têm-se como seguidores da corrente do positivismo sociológico:
Tobias Barreto de Menezes (1839-1889), Sylvio Romero (1851-1914), Clóvis
Beviláqua (1859-1944), Pontes de Miranda, Pedro Augusto Carneiro Lessa (1859-
1921), Alberto Salles, Hermes Lima, Nestor Duarte, dentre outros.
O mesmo positivismo instaurou-se politicamente no Rio Grande do Sul e d
foi exportado para todo o Brasil quando o presidente da República Getúlio Dornelles
Vargas (1883-1945) aproveitou a Constituição positivista gaúcha como minuta para
impor à nação seu Estado Novo.
Pode-se apresentar o seguinte quadro representativo do positivismo aplicado
ao Direito e ao ensino e, por via de conseqüência, ao currículo jurídico:
Quadro 3 Quadro representativo das características do positivismo aplicadas ao ensino do
Direito
Oposição à visão jusnaturalista − direitos naturais dos homens, que na visão de Comte, remonta
as explicações metafísicas e religiosas arcaicas;
Sublimação dos fenômenos sociais como base concreta da lei;
Formalização, escrita, sistematizada e organizativa do real;
A idéia de uma ciência que descobre a realidade a partir de determinados métodos de
experimentação prática;
A concepção de garantir uma ordem capaz de proporcionar o bem-estar e o progresso social;
Características e propriedades imutáveis dos fenômenos sociais, fazendo com que os mesmos
não se modifiquem no tempo e no espaço − logo, leis perenes e ordenamento esvel;
Despreocupação com as determinantes históricas atuantes nos fenômenos sociais, no sentido de
que não se objetiva propor mudanças no real;
A ordem princípio estático da sociedade, deve prevalecer sobre o progresso − princípio
dinâmico da sociedade; logo, é a ordem social que produz o progresso e não o contrário. Assim o
Direito é o instrumento de controle do Estado;
A ordem dos fenômenos sociais se assemelha a um trem, ainda que pilotado pelo homem,
pode chegar aonde os trilhos levarem; a história está dada de forma quase divina (os trilhos) e os
homens de forma passiva (não revolucionária) conduzem o trem da vida. Logo, o Direito não faz
justiça, mas cumpre o ordenamento jurídico;
O investigador deve se manter neutro em relação aos fenômenos sociais, como condição
indispensável, para captar a natureza das coisas e não interferir no resultado de seu
entendimento, portanto, o Direito é neutro.
Este positivismo foi, de fato, a expressão exata da idéia de Estado moderno
ou Estado-de-Direito, tamm onisciente, científico, infalível, e sempre seguro de si
mesmo; a configuração do século XIX.
Na apreciação crítica do positivismo frente à educação jurídica é preciso
considerar que toda uma geração de professores, juízes, advogados, médicos,
engenheiros e artistas, foi influenciada, no Brasil, pelo positivismo.
141
Hoje, pode-se dizer que Comte foi otimista demais, porque se descobriu que o
pensamento científico e positivista produz, tanto no âmbito da educação, e
especialmente no âmbito do Direito e, por via de conseqüência de seu ensino,
muitas vezes, resultados que ameaçam destruir, tendo em vista que a partir de
Comte se estabeleceu o mito da ciência: o mito da objetividade absoluta, que vai
encontrar sua expressão na experimentação, por meio da qual a natureza é levada a
se manifestar.
O interesse se concentra nas relações entre os fatos que são erigidos em leis
causais, permitindo aos cientistas controlar os fenômenos, ou ainda, controlar o
comportamento das crianças, e prever o futuro. Com efeito, a ciência em Augusto
Comte se converteu em modelo de verdade absoluta.
De fato, o que ocorreu no nosso entendimento foi substituir um tipo de
dogmatismo por outro ainda mais coercitivo na medida em que se funda sobre o
valor supremo da racionalidade.
Cabe aos educadores do ensino do Direito, refletirem: será que a
racionalidade conta do universo humano? Ou, melhor dizendo, indagar: É
possível abrir mão de outros tipos de conhecimento, como, por exemplo, o
conhecimento intuitivo?
261
Ora, o homem é um ser que pensa. Parte integrante da ordem do universo, o
que o distingue dos demais seres viventes. Além da sua específica e notável
capacidade de pensar, é tamm, sua capacidade de sentir e querer e, em
querendo, agir dentro do cosmos e de sua realidade.
No processo educativo, como sujeito cognoscente o homem possui um órgão
cognoscente: o pensamento. Como ser que sente, o sujeito cognoscente possui
sentimento, e sentindo afetivamente, o homem participa de qualquer ato ou
circunstância da realidade. Como ser dotado de querer, o sujeito cognoscente
possui a vontade.
261
BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova
Cultural, 1974. p. 3-15. GARCIA, Maria. Possibilidades e limitações ao emprego da intuição no
campo do Direito: considerações para uma interpretação da Constituição. Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional - IBDC, São Paulo,
n. 19, abr./ jun.1997. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. A intuição e o Direito: um novo caminho.
Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1997. p. 217-240. PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a
emoção: aspectos da lógica da decisão judicial. Campinas: Millenium, 2003. passim.
142
Dessa forma, o homem constituído de corpo e espírito, é um ser dotado de
três potências ou forças fundamentais do ser espiritual: o pensamento, o sentimento,
e a vontade. Todavia, como ser pensante e racional o homo sapiens é peregrino na
busca do saber e do conhecimento, visando exatamente a construir e a explicar a
realidade que o cerca.
Na educação, essa busca pelo saber e pelo conhecimento, sempre se
constituiu, entretanto, numa relação. O conhecimento é relação: uma relação entre o
sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. Contudo, nesse relacionamento
sujeito-objeto o sujeito cognoscente ora gira em torno do objeto, ora o objeto gira em
torno do sujeito.
Dessa maneira, o nosso espírito, para captar sua realidade vivente e a
essência
262
das coisas, para conhecer seu próprio mundo, ronda seu objeto,
voltas, faz “idas e vindas” em sua mente.
Na educação, o processo cognitivo de apreensão espiritual do conhecimento
do homem, contudo, poderá ou não se realizar, num único ato, pois o sujeito
cognoscente poderá captar o conhecimento de forma imediata ou de forma mediata.
Assim, de uma única vez, por um ato simples (simplex), poderá realizar inúmeras
operações mentais para perceber o objeto do conhecimento.
Saliente-se que essa preocupação constante do homem, na busca pelo
conhecimento, entretanto, não é recente.
A maioria dos povos da Antigüidade desenvolveu formas diversas de
conhecimento, não se restringindo, portanto, a uma exclusiva espécie de saber.
Entre os egípcios, por exemplo, desenvolveu-se o conhecimento da trigonometria;
entre os romanos, o da hidráulica; entre os gregos, da geometria e o da lógica.
Ainda, pode-se citar entre os indianos, o conhecimento da matemática e entre
os árabes, o da astronomia.
262
O termo essência e seus sinônimos, qüididade (quidditas, quid sit res?) e natureza (ad quid nata
est res?) tem dois sentidos: a) lato designa tudo o que é um ser: tudo o que é da natureza, quer
seja ou não importante; b) estrito essência é o que é fundamental num ser, o que lhe constitui a
natureza profunda. É nesta acepção que procuramos a essência da norma. Essência é aquilo pelo
qual uma coisa é o que é. VAN ACKER, Leonardo. Curso de Filosofia do Direito. Revista da
Universidade Católica, São Paulo, v. 34, n. 65-66, p. 143, 1968. Na filosofia grega, a essência, no
entanto, significa substância (ousia) aquilo que é visível, mas é verdadeiramente real a respeito das
coisas o que pode ser concebido, o que é universal. Em Platão,o as formas ou iias.
143
Quase todos esses povos, entretanto, na busca pelo saber e pelo
conhecimento, no processo educacional, visavam ao atendimento de necessidades
práticas e cotidianas (práxis), o que, freqüentemente, contribuía para o seu
desenvolvimento socioeconômico, político, jurídico e cultural. Sem dúvida, entre
todos os povos da Antiguidade se destacaram, de forma especial, os gregos, cujas
preocupações se voltaram para a própria formação do conhecimento. Processo este
denominado, de teoria do conhecimento.
Johannes Hessen
263
adverte, entretanto, que embora a teoria do
conhecimento se traduza numa interpretação e numa explicação filosófica do
conhecimento humano, se faz necessário, antes de filosofar sobre um objeto,
examiná-lo com atenção. Assim sendo, qualquer explicação ou interpretação deve
ser precedida de uma observação e de uma descrição adequada sobre o objeto.
De outro lado, para melhor apreensão da essência do objeto a ser conhecido,
o sujeito cognoscente, deve voltar-se para o objeto, com olhar penetrante, com
simpatia, e, portanto, com amor.
Nesse sentido, o próprio filósofo seria alguém constantemente à procura do
conhecimento. Porém, nesse exercício de filosofar, há um envolvimento tal do sujeito
pensante com a vida, com sua realidade, com sua existência
264
e com o mundo que
o cerca, que isso se traduz numa entrega, num encantamento.
265
Diante disso, é forçoso reconhecer que no processo educativo, o basta
somente a razão, é preciso, amor
266
...
263
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 19.
264
O termo existência é a asserção de que uma coisa é, não o que ela é como conceito de essência.
Para o existencialismo, existência é consciência e precede a essência do homem, o qual se vê
existindo e então se torna uma essência por escolha e ação.
265
PAIVA, Vanildo. Filosofia, encantamento e caminho: introdução ao exercício de filosofar. São
Paulo: Paulus. p. 8.
266
Em sentido contrário a esta tese, Jacy de Souza Mendonça afirma: sentimentos são potências
anímicas capazes de influenciar o homem na compreensão e vivência do bem e do mal, pois o
estado emocional auxilia a apreeno do objeto. Infelizmente, esta constatação vale para o bem e
para o mal. É truísmo que quem ama, vê no objeto amado virtudes que ele não pode ter, assim
como, quem odeia, é incapaz de captar virtudes evidentes do objeto odiado. Para Mendonça, os
sentimentos são estados d‟alma que correspondem ao que de mais profundo no psiquismo
humano (usando analogicamente idéia de espaço para o inespacial), mas são em si mesmos,
indeterminados e inconscientes. Na medida em que crescem em intensidade e se determinam
segundo um objetivo, transformam-se em fenômenos de volição consciente. Esta carência de
estrutura e esta inconsciência da vida afetiva são exatamente as mais significativas causas de
imprestabilidade para a fundamentação do imperativo jurídico, pois não se pode explicar algo,
apontar-lhe a razão última de ser com base no inconsciente indeterminado. Cf. MENDONÇA, Jacy
144
Deve-se dizer, aliás, que, nos dias atuais, o plano afetivo e emocional é
imprescindível não somente no processo educativo, mas o que é, tamm, no plano
da Justiça.
Nesse sentido, aponta muito bem António Manuel Hespanha
267
ao afirmar
que:
Na verdade, a “justiça neutra” não considera uma parte muito importante
das situações o plano da emoção e da afetividade. Com isto, perde muita
informação que seria indispenvel para uma composição mais eficaz,
tendo em vista que a composição amivel que se desenvolve em contato
com todos esses elementos não racionais, manteria uma informação
suficientemente rica para garantir soluções adequadas ao caso concreto (e,
não apenas, ao seu esqueleto conceitual, genérico e abstrato).
Certamente, entregar-se ao amor pelo saber ou por alguém, exige, contudo,
certa disposição, para vertigem, para perda provisória do autocontrole.
Na vertigem corre-se o risco do perigo da queda, abrindo-se, entretanto, a
possibilidade de ter prazer com o movimento. Ou, como disse o poeta
268
,
269
: Só é
capaz de amar quem tem coragem de perder o prumo.
Dessa forma, o conhecimento no processo educacional jamais será
alcançado sem uma ascese erótica (de Eros, o Deus do Amor), o sujeito pensante,
portanto, namora o seu objeto de amor.
Sendo impossível, por tudo isso, não se render ao enlevo que o pensamento
produz: uma combinação de emoção e razão, um querer conhecer. E, isso só
descobre quem ousa exercitar. Assim, sabe o que é o amor quem se dispõe a
amar para além de qualquer discurso ou teoria.
de Souza. Curso de Filosofia do Direito: o homem e o Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p.
160.
267
HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Portugal:
Publicações Europa-América, 2003. p. 356.
268
Por isso mesmo, não se pode resistir à tentação de registrar aqui, nesse sentido, os versos
inesquecíveis de Olavo Bilac
268
: “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso! E eu vos direi,
no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto, E abro as janelas, pálido de espanto... E
conversamos toda a noite, enquanto, A via láctea, como um lio aberto, Cintila. E, ao vir do sol,
saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto, Direis agora: Tresloucado amigo! Que
conversas com elas? Que sentido, Tem o que dizem, quando estão contigo? E vos direi: Amai
para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas” (grifo
nosso). BILAC, Olavo. Poesias. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 53.
269
FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 17.
145
Considera-se que, é, no entanto, por meio da sensação amorosa que o sujeito
experimenta, em relação aos objetos belos com os quais se depara no quotidiano,
que o ser pode chegar à contemplação das idéias.
Os gregos
270
sabiam bem disso, e empregavam este método no processo de
conhecimento de sua realidade. Eles relacionavam o objeto a ser percebido pela
consciência, comparavam aos outros objetos, relacionavam, decompunham,
esmiuçavam, sintetizavam
271
e apresentavam as suas conclusões. Enfim,
sistematizavam e teorizavam sobre o conhecimento.
Por isso que, além do conhecimento racional e paralelamente ao
conhecimento empírico
272
baseado na experiência e voltado ao saber direto do
objeto, legado pelos povos do Oriente, Egito e Mesopotâmia, os gregos admitiam,
tamm, uma outra forma de conhecimento, no processo educativo. Visando a, com
isso, tentar compreender e a captar a realidade, eles reconheciam, com efeito, a
possibilidade do conhecimento intuitivo.
É evidente que, no processo de conhecimento do justo é o caso da
elaboração da sentença judicial, faz-se imprescindível e, portanto, absolutamente
necessário ao discurso do juiz, não somente o conhecimento intuitivo do justo, mas
tamm, a devida fundamentação judicial racional.
Fundamentação racional essa, fruto do conhecimento mediato do magistrado
(discursivo), necessário ao juiz para embasar a própria decisão e demonstrar sua
270
Platão, por exemplo, na obra Teeteto enfoca o problema da teoria do conhecimento estruturando,
de forma sistemática, a ciência (episteme) em contraste com a mera opinião (doxa). Nesta obra, o
personagem − que nome ao diálogo − provocado por Sócrates, tenta responder em que
consiste o conhecimento. PLATÃO. Diálogos: Teeteto, Crátilo. Belém: UFPA, 2002. p. 40, § 145e,
§ 146a.
271
Kant define a síntese como “o ato de juntar, umas às outras, diversas representações e conceber o
que é múltiplo num ato” (ato de conhecimento). Diante dessa definição, pode-se entender que,
quando a diversidade é representada, a síntese é posta como representação. Assim, a síntese é
tamm base para o conhecimento, que poderá ser reportado a um ato original. Para ela é que se
deve dirigir primeiro a atenção. Neste sentido Kant afirma ainda: a síntese de um múltiplo “é o que
dá origem ao conhecimento”. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian,1980. p. 103. Por outro lado, Gilles Deleuze, ao analisar criticamente o pensamento de
Kant, afirma que, “o que constitui o conhecimento não é, simplesmente, o ato pelo qual se faz a
síntese do diverso, mas o ato pelo qual se relaciona a um objeto o diverso representado”.
DELEUZE, Gilles. Para ler Kant. São Paulo: Editora 34,1976. p. 29.
272
Segundo o estimado professor de Filosofia do Direito da PUC/SP, Dr. Jacy de Souza Mendonça,
este tipo de conhecimento é empírico, exatamente porque foi adquirido e acumulado
exclusivamente pela experiência, pela empiria da vida, de maneira mais ou menos caótica, sem
nenhum método, distante de qualquer sistema, sem nenhuma análise crítica. MENDONÇA, Jacy de
Souza. Introdução ao estudo de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 12.
146
não-arbitrariedade, ex vi, das disposições constitucionais constantes no artigo 93,
inciso IX
273
, que assim determinam:
Art. 93:
IX - “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.” [...] (grifo nosso).
A problemática é, de toda sorte, interessantíssima, pois o juiz, ainda no curso
do processo, poderá ter uma visão intuitiva do Direito a ser aplicado, intuição que, a
nosso ver, muitas das vezes, pode ser captada de forma emocional.
Mas, como observa Luiz Guilherme Marques
274
, as intuições não são, de toda
sorte, destituídas de objetividade. Isso porque:
São baseadas em valores admitidos pelo meio em que se vive, já que o
magistrado imagina primeiro a solução que irá, efetivamente, dar ao caso,
mas só depois de encontrada a solução, por esta forma de conhecimento, é
que irá procurar dispositivos legais e autoridades doutrinárias ou princípios
de direitos para fundamentá-la.
Esse tipo de conhecimento, contudo, conforme bem recorda Luiz Guilherme
Marques, foi confessada por juízes da envergadura de Bártolo, Hutcheson, Kent,
Cardozo e é aceita como correta por Jerome Frank, Karl Llewellyn, Dualde,
Recaséns Siches, Joaquim Dualde, etc.
275
Karl Llewellyn, por exemplo, acredita que,
geralmente, a mente do juiz primeiro antecipa a decisão considerada justa e depois
procura a norma que pode servir de fundamentação a essa solução, atribuindo aos
fatos narrados à qualificação mais apropriada.
276
Maria Garcia
277
nos diz que intuição é aceita por muitos filósofos, indicando
que o conhecimento intuitivo seria o método por excelência de muitos pensadores,
passando por Platão até os das escolas filosóficas do século XX.
273
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). 29. ed. São Paulo: RT. p. 112,
art. 93, inc. IX.
274
MARQUES, Luiz Guilherme. A psicologia do juiz. A priori, nov. 2004. Disponível em:
<http://www.apriori.com.br>. Acesso: 20 jul. 2008.
275
MARQUES, Luiz Guilherme. A psicologia do juiz. A priori, n. 1/5, p. 6, nov. 2004. Disponível em:
<http://www.apriori.com.br>. Acesso: 20 jul. 2008.
276
LLEWELLYN, apud RECASÉNS SICHES, Luis. Panorama del pensamento jurídico en el siglo
XX. México: Porrúa, 1963. Tomo 1, p. 242; 536-547.
277
GARCIA, Maria. Possibilidades e limitações ao emprego da intuição no campo do Direito:
considerações para uma interpretação da Constituição. Cadernos de Direito Constitucional e
Ciência Política, São Paulo, n. 19, abr./jun.1997.
147
Destacando-se, especialmente, as doutrinas da intuição-emocional de Henri
Bergson, a filosofia intuicionista-sidética, ou fenomenológica de Husserl e Heidegger,
esse último, criador do existencialismo.
Entretanto, a maioria dos filósofos hesitou por muito tempo em assumir o
caráter amoroso do conhecimento. Essa resistência e recusa, geralmente, associam-
se a uma visão preconceituosa do amor, que a noção de amor sempre esteve
ligada à irracionalidade, ao descontrole de si, e a tudo que é contrário à razão.
Seria então, como confessar uma fragilidade, uma carência. Para amar, a
sabedoria é indispensável à consciência e à percepção de nossa própria ignorância.
Diante disso, comecemos por reavaliar e reconhecer a dimensão amorosa na
Filosofia da Educação e do Direito, desvendando assim, a ignorância perante a
intuição ou, para empregar as palavras de Luiz Antonio Rizzatto Nunes
278
, retirar o
véu e a névoa que a envolvem”...
Por isso que, retomando a crítica do positivismo de Augusto Comte, entende-
se que, se a ciência é importante e necessária para compreensão do mundo, ela
não pode ser a única interpretação válida do mundo e do real, exclusivamente,
mediante o uso da razão.
Durante o processo educacional, o educador e o educando, o se
constituem como seres humanos e indivíduos epistemológicos somente mediante a
razão, isto porque, como são constituídos tamm pela vontade, afetividade,
estética, pela emoção e intuição.
1.9.6 Intuicionismo
Intuição
279
,
280
é a visão direta de um objeto que se dá de modo imediato ante
nossa consciência, sem nada de permeio, do objeto dentro do sujeito
cognoscente.
281
278
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. A intuição e o direito: um novo caminho. Belo Horizonte: Livraria
Del Rey, 1997. p. 21.
279
Segundo J. Ferrater Mora, o vocábulo intuição geralmente designa a visão direta e imediata de
uma realidade ou a compreensão direta e imediata e interna de uma verdade. Assim sendo, é
possível inferir da definição ora apresentada, uma primeira característica da intuição: é que para
sua ocorrência não existam elementos intermediários que se interponham a essa “visão direta”.
MORA, Ferrater J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. p. 1550-555. [verbete
intuição]. Tomo II.
148
Na acepção etimológica, a intuição significa um conhecimento direto, uma
espécie de visão imediata dos objetos e de suas relações com outros objetos da
realidade. Pode-se, assim dizer que a intuição é uma percepção, visão,
contemplação, sem a mediação conceitual racional: é o conhecimento imediato e
direto de um objeto.
Por intuicionismo indica-se a doutrina ou atitude filosófica que tem como base
em comum o recurso ao conhecimento intuitivo, atribuindo-se à intuição um lugar
privilegiado no conhecimento.
O intuicionismo acentua o aspecto imediato do conhecimento, ou ainda, o
caráter auto-evidente de certas idéias; sugere, assim, uma resposta integral do
conhecedor à integralidade das coisas. Ensina também o caráter inseparável do
conhecedor e da coisa conhecida, sustentando que os objetos e os conhecedores
pertençam um ao outro... Eles são um.
Henry Bergson
282
considera a intuição como a fonte superior do
conhecimento, porque coloca o conhecedor em relação de identidade e simpatia
inteligente com a coisa conhecida. Entende, tamm, que a intuição como o órgão e
método próprio da filosofia, pois ele faz dela um verdadeiro método de investigação
filosófica ao encontro do conhecimento.
Segundo esse pensador, a intuição é uma simpatia intelectual pela qual se
transporta para o interior do objeto, para coincidir com o que ele tem de único. Para
ele, o intelecto não é capaz de penetrar a essência das coisas, é capaz apenas de
apreender a forma matemática e mecânica da realidade, nunca seu núcleo e
conteúdo íntimos.
Somente a intuição é capaz disso, pois na intuição, apreende-se a realidade a
partir de dentro, penetra-se na intimidade da vida, entra-se em contato com o núcleo
e o centro das coisas e, respira-se um pouco desse oceano da vida.
280
A palavra intuição significa no grego, έπιβολή; inglês, intuition; francês, intuition; alemão
anschauung; italiano, intuizione, provem do latim intueri, que significa “ver em”; ainda intuitus,
visão, contemplação; e intuitio que, por sua vez, significa ato de ver, contemplar. Cf. LALANDE,
André. Vocabulário técnico e crítico de Filosofia.o Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 590-591.
281
Neste sentido aponta RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de Filosofia del Derecho.
México: Porrúa, 1965. p.150.
282
BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova
Cultural, 1974. p. 57.
149
A pedagogia de Henry Bergson consiste em sua preocupação em
redimensionar os âmbitos intelectuais da ciência e do conhecimento, relacionando-a
assim à inteligência com o saber pela intuição.
Em uma conferência proferida em 1911, sobre Intuição Filosófica
283
, Henri
Bergson faz menção à metáfora de uma imagem para que o leitor possa se
compreender um filósofo. Esta imagem, segundo Henry Bergson
284
, estaria
exatamente entre a simplicidade da intuição concreta e a complexidade das
abstrações que a traduzem”. A explicação do real estaria, assim, contida num ato
simples do espírito, numa imagem simples, infinitamente simples, tão
extraordinariamente simples que o filósofo nunca conseguiu dizer.
É desta forma que ele introduz a revelação da intuição. A intuição é um ato
simplex, é uma imagem
285
, movimento, tempo, duração. É um ato do espírito no
seu esforço para introduzir-se na consciência. Ela, entretanto, mostra uma ligação
entre o corpo e o espírito
286
, ligação entre presente e passado.
Para Henry Bergson a intuição, contudo, consegue operar lembranças por
similitude e continuidade da memória, dentro da duração isto é, fora do tempo e do
espaço. É o que ele denomina de “intuição de duração”, uma intuição que permite ao
homem colocar-se na mobilidade, de se aproximar do seu espírito, pois na intuição,
o homem pode-se ver por completo.
A intuição é, portanto, a única forma de atingir o absoluto”. Pela intuição o
espírito do homem se coloca em contato com o mundo interior e exterior, numa
conexão completa entre o indivíduo e o mundo.
Henry Bergson parte da idéia de que é preciso reconciliar a filosofia com a
vida e fazer a percepção das coisas prevalecerem sobre a conceitualização, sem,
entretanto, renunciar a esta última. A duração da intuição se revela no ato de tomar
consciência dela.
283
BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova
Cultural, 1974. p. 33.
284
Ibid., p. 33-34.
285
Por imagem, Bergson entende uma existência situada entre a “coisa” e a “representação” da coisa,
de tal modo que o cérebro tamm pode ser apresentado como imagem uma imagem como as
outras, envolta pela massa das outras imagens. BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio
sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes,1999. p. 30.
286
Ibid., p. 34.
150
Em síntese, a teoria do conhecimento de Henry Bergson decorre das
seguintes premissas: a) a natureza do objeto a ser conhecido é que determina a
maneira específica de conhecer, e esta pode ser intuitiva ou discursiva; b) a
gnosiologia
287
está na dependência da ontologia: do ser, que é duração.
Segundo Henry Bergson, a vida se adapta a outra forma de inteligência, por
consistir em ver o “interior” das coisas, em via de fazer-se. Assim, enquanto a
inteligência gira em torno de seu objeto, assume de fora o maior número possível
de perspectivas sobre esse objeto que atrai para si”, a intuição, naturalmente, em
consonância com o próprio movimento da vida, esforça-se por entrar em seu objeto
e afinar-se com ele a ponto de “coincidir com aquilo que ele tem de único e,
conseqüentemente, de inexprimível”.
A função da intuição, segundo aponta o bergsonismo, é desenvolver em
reflexão aquilo que resta de instintivo no homem. A intuição está apta a abarcar a
vida de modo cada vez mais completo”. Henry Bergson combate assim o aspecto
restrito no racionalismo e no intelectualismo
288
, cego e avesso à realidade e à
riqueza da vida e do espírito do educando, propondo assim que uma teoria do
conhecimento não pode se distanciar da vida...
É preciso salientar que grande parte das descobertas científicas e criações no
campo das artes e do conhecimento são devidas ao papel da intuição criativa.
De fato, a intuição heurística ocorre toda vez que o sujeito está preocupado
em resolver algum problema.
Esta espécie de intuição possibilitaria a descoberta como umsalto”, um
estalo repentino, resolvendo de uma vez a busca em que o sujeito estava
287
A Gnosiologia, do grego gnosis, conhecimento, e logos, teoria, ciência, também chamada de teoria
do conhecimento, tem por objetivo buscar a origem, a natureza, o valor e os limites da faculdade de
conhecer. Muitas vezes, porém, o termo gnosiologia é tomado como sinônimo de epistemologia,
conquanto, aquele seja mais amplo, pois abrange todo o tipo de conhecimento em sentido mais
genérico. JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
p. 117.
288
Como aponta o professor Armando Câmara o intelectualismo afirma que o conhecimento começa
pela experiência e se completa com a razão nihil est in intellectu quod prius non fueri in sensibus,
aforismo ao qual Leibniz acrescentou nisi ipse intellectus, a não ser o próprio intelecto. A origem do
conhecimento, conforme defende o intelectualismo, inicia-se pelos sentidos, mas não fica na
experiência do ser. A razão elabora o dado da experiência e gera o conhecimento universal. O
conhecimento é assim, uma elaboração racional do dado da experiência. Cf. MENDONÇA, Jacy
de Souza. O curso de Filosofia do Direito do Professor Armando Câmara. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1999. p. 100-101.
151
empenhado. Exemplo clássico é o da Eureka de Arquimedes. São sinônimos de
intuição criativa: intuição descobridora, inventiva, antecipadora, prospectiva, etc.
Registre-se ainda a intuição axiológica
289
, voltada à percepção de valores,
que é especialmente importante, no campo do estudo do Direito, sobretudo para a
apreensão do justo.
Para grande número de pensadores existem aspectos do real que somente
podem ser captados por vias emocionais o mundo dos valores, considerado
inatingível por atos exclusivamente da razão.
Com efeito, na intuição axiológica, os valores do belo, do verdadeiro, ou do
justo somente seriam captáveis pela experiência da emoção, num contato direto do
ser humano com uma ordem sentimental, que somente a pessoa humana é o
único ser que tem aptidão para captar valores.
É, contudo, dessa participação humana na aferição dos valores, que se pode
apreender a importância da experiência intuitiva axiológica no trabalho do advogado,
do jurista, do jusfilósofo, e, especialmente, do juiz.
De forma esquemática, o saudoso Prof. André Franco Montoro
290
designa a
intuição como sendo uma modalidade de conhecimento imediato e direto, e
apresenta as seguintes espécies:
1. Intuição empírica que capta diretamente, pelos sentidos da consciência, os
fatos sensíveis e os fenômenos das coisas, mas não suas essências. As
intuições empíricas podem se constituir em:
1.a) a intuição sensível que capta pelos sentidos os fatos físicos: as
formas, as cores, etc. Por exemplo: a percepção que tenho das
qualidades de uma laranja como um todo: a forma, a cor, o cheiro, o
gosto, etc.;
289
Para a Teoria Egológica de Carlos Cossio, o “Direito é um bem cultural”, e mais propriamente um
bem cultural egológico, por ser a própria ação humana enquanto objeto de conhecimento e
expressão de um eu atuante que está “en ella, constiuyéndola em forma transcendental”, por isso o
Direito é vida humana vivente, conduta de um sujeito livre e incessantemente criador (grifo nosso).
Contudo, para Cossio a intuição específica do Direito, que é uma intuição de liberdade
portanto, intuição axiológica como um plus do conhecimento se junta à estrutura lógica-jurídica
por conta da experiência humana. COSSIO, Carlos. La teoria egológica del Derecho y le
concepto jurídico de libertad. Buenos Aires: Losada, 1964. p. 117.
290
MONTORO, André Franco. Dados preliminares de lógica jurídica. São Paulo, PUC, 1994. p. 85.
Veja-se tamm classificação elaborada por BAZARIAN, Jacob. Intuição heurística: uma análise
científica da intuição criadora. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. p. 43-44.
152
1.b) a intuição psicológica que capta pela consciência os fatos ou
fenômenos psíquicos: o desejo, a alegria, a tristeza, etc.
2. Intuição intelectual que capta diretamente pelo intelecto e pela razão não
somente os femenos, mas também as essências das coisas e suas
relações entre si. São tipos de intuição intelectual:
2.a) a intuição racional que capta pela razão de evidência as relações de
semelhança, igualdade, sucessão, conseqüência e causalidade; os
princípios lógicos e racionais, os axiomas, etc. É uma visão sintética,
global, holística, do conjunto;
2.b) a intuição criativa que capta, descobre ou adivinha as relações
ocultas, que não são percebidas, explícita e conscientemente, e que
por isso mesmo, não poderiam ser estabelecidas racionalmente
senão por complexas operações discursivas. Por exemplo: a hipótese
científica, a intuição do médico fazendo um diagnóstico imediato na
base de alguns dados elementares, etc.;
2.c) a intuição filosófica, impropriamente chamada por alguns de
metafísica, que capta pela razão a essência e a existência das coisas
reais, bem como os valores éticos, estéticos, emocionais, etc.;
2.d) a intuição essencial ou eidética (Platão e Husserl);
2.e) a existencial ou volitiva (Sartre e Heidegger);
2.f) a intuição axiológica ou dos valores: éticos (morais), estéticos
(artísticos), emocionais (sentimentos), etc.
Muito embora seja difícil descrever em palavras, exatamente, como a intuição
funciona pois, quando se pretende transmitir em palavras ou expressar essa
intuição ela se decompõe e se deforma na pobreza dos conceitos já que ela é uma
operação do nosso espírito , tentar-se-á descrever aqui, este importante processo
cognoscitivo voltado para a educabilidade do homem.
Para compreender o fenômeno natural da intuição, é preciso registrar que seu
funcionamento se a partir de seus próprios fundamentos, que são: percepção,
imagem e memória. Tamm é possível apontar como fundamentos da intuição a
inteligência, a vontade e a emoção. Contudo, a primeira etapa desse processo se
com a percepção.
153
Nossas percepções são frutos das impressões causadas pelos objetos do
mundo existente sobre este específico órgão sensorial. Por sua vez, a percepção
como órgão sensorial é formada pelo tato, olfato, paladar, visão e audição.
No processo da intuição, nosso espírito e nossa mente recebem as
impressões pela percepção do dado existente, ou seja, do objeto real. Entretanto, é
bom que se diga que este processo também ocorre quando tentamos compreender
e perceber o ser “Justo”, no campo dos fenômenos jurídicos, que este é o objeto
do conhecimento dos que lidam com o Direito.
Corrobora com esta afirmação o posicionamento de Maria Garcia
291
quando
diz que, pode-se apreender a importância da experiência intuitivo-axiológica no
trabalho do juiz, do advogado, do jurado, do jurista e do jusfilósofo, enfim de todos
os partícipes do mundo da ciência do Direito, em caráter especial.
Após a percepção do objeto, do dado existente, uma imagem é produzida na
nossa consciência, interiormente, dentro do nosso ser.
Segundo aponta Goffredo Telles Jr.
292
, essa imagem formada no nosso
íntimo é “o sinal pelo qual e no qual a consciência atinge um objeto sensível
ausente”, objeto que o sujeito quer conhecer.
Depois desta etapa, essa imagem do ser real é conferida à inteligência que
após apreendê-la, começa a trabalhar com ela, na tentativa de descobrimento de
sua essência que é a captação do universal (o geral). Neste ponto, é preciso dizer
que durante a etapa de encaminhamento da imagem → inteligência, ocorre na
mente humana abstração (do latim abtrahere = tirar, separar mentalmente).
Ou seja, no ato de descoberta intuitiva durante o processo cognitivo, o
intelecto deixa de lado as particularidades do objeto, preocupando-se tão somente,
com as características universais do objeto estudado. O universal do ser conhecido
configura-se, por evidência, na essência do ser.
Goffredo Telles Jr.
293
indica que este ato, nesta etapa do processo de
funcionamento da intuição é, assim, o ato de descobrir o que é sempre o mesmo
291
GARCIA, Maria. Possibilidade e limitações ao emprego da intuição no campo do Direito:
considerações para uma interpretação da Constituição. Cadernos de Direito Constitucional e
Ciência Política, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional - IBDC, São Paulo, n. 19, p. 115,
abr./jun, 1997.
292
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Filosofia do Direito. São Paulo: Max Limonad, 1966. p. 37, 51-53, 67.
154
em coisas diversas, deixando de lado os caracteres singulares, pois que a abstração
leva a inteligência ao mundo dos universais”.
Por essa proposição, percebe-se que durante essa etapa, a mente leva à
imagem as características universais do objeto estudado propiciando à inteligência
conseguir ver”, visualizaro geral, e, portanto, o universal. Ou, melhor dizendo, a
essência do objeto. Esse é, em suma, o funcionamento da intuição mediante os
seus fundamentos: percepção, imagem, inteligência.
A idéia formada do ser real é resultado da abstração do nosso ser. A idéia do
ser, nesse processo cognitivo, é geral e universal. Por outro lado, o conhecimento
racional é conhecimento mediato, discursivo, racional.
No campo do Direito, entretanto, o racionalismo marca forte presença no
mundo jurídico, não obstante as inúmeras críticas apontadas contra essa
pretensiosa atitude filosófica frente ao conhecimento, pois que parte da razão, mas
nela se limita.
Armando Câmara
294
indica o racionalismo como postura filosófica frente ao
conhecimento. Entende que é valioso o conhecimento que se origina
exclusivamente na razão. Para os racionalistas, somente o conhecimento racional é
universal e necessário e, portanto, apresenta valor científico.
No universo do mecanismo cinematográfico do pensamento”, para empregar
uma expressão de Henri Bergson
295
, outras questões vão surgindo.
A intuição apresenta fundamento filosófico para a educação, especialmente
no aspecto da compreensão do conhecimento, mediante os atos da percepção,
imagem e inteligência.
A intuição representa importante fundamento filosófico para a educação,
especialmente no aspecto da compreensão do conhecimento, mediante os atos da
percepção, imagem e inteligência.
No campo do conhecimento e do ensino do Direito, por exemplo, é possível
considerar a contribuição de Henry Bergson no que tange especialmente ao
293
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Filosofia do Direito. São Paulo: Max Limonad, 1966. p. 35.
294
MENDONÇA, Jacy de Souza. O curso de Filosofia do Direito do professor Armando Câmara.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 99.
295
BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 295 et seq.
155
conhecimento dos fenômenos jurídicos e da percepção do justo mediante o emprego
da intuição.
Para Henry Bergson
296
a intuição é um ato do espírito, um ato simples.
Entretanto, ousa-se aqui discordar de tal posicionamento. Pois, entende-se
que o processo de funcionamento da intuição se dá no homem de uma forma
bastante complexa, embora sua duração seja realizada em nosso espírito num
infinitesimal espaço de tempo.
Argumenta-se, contudo, se possível o conhecimento e uma pedagogia da
educação jurídica mediante o emprego da intuição? Poder-se-ia, ainda indagar-se: a
intuição é adequada e válida como método no processo de conhecimento e de
investigação filosófica do ensino e compreensão do Direito? Quais seus limites de
atuação na seara jurídica? A intuição contribui de alguma maneira para a formulação
dos currículos jurídicos, na medida em que são evidenciadas na formação do
bacharel em Direito exclusivamente habilidades racionais?
A dúvida razoável também surge no pensamento de Michel Villey
297
que
apresenta a mesma questão da seguinte forma: qual será o método epistemológico,
o procedimento pelo quais os juristas atingem a solução jurídica?
Como bem aponta Luiz Antonio Rizzatto Nunes
298
, quem fala de intuição
acaba tendo diante de si, muitas vezes, um auditório incrédulo, como se orador
estivesse falando do “assombroso, de algo sobrenatural, mítico.
No que se refere à resistência que ela a intuição produz, é interessante
observar a resistência, aliás, do próprio Henry Bergson, considerado o “filósofo da
intuição”, que chegou mesmo a confessar no início de seus estudos sobre o tema: “a
intuição é uma palavra ante a qual hesitamos durante muito tempo.
299
Henry Bergson indica com essa assertiva, uma característica muito especial
da intuição, qual seja: o poder de negação que ela traz em si.
300
296
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, 1999. p.
30.
297
VILLEY, Michel. Filosofia do Direito: definições e fins do Direito os meios do Direito. Tradução
de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 3-17.
298
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. A intuição e o Direito: um novo caminho. Belo Horizonte: Livraria
Del Rey, 1997. p. 21-22.
299
BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova
Cultural, 1974. p. 61-74.
300
Ibid., p. 62.
156
A respeito desta particularidade da intuição, vale observar o pensamento
bergsoniano
301
:
Diante de idéias aceitas habitualmente, diante de teses que pareciam
evidentes, de afirmações que até então haviam passado por científicas, ela
sopra na orelha do filósofo a palavra: Imposvel. Impossível, mesmo
quando os fatos e as razões parecem convidar a crer que isto não é
possível, real e certo. Impossível, porque certa experiência, talvez confusa,
mas decisiva, te diz por minha voz que ela é incompatível com os fatos que
se alegam e as razões que se dão, e que, por isso, estes fatos devem ter
sido mal observados, estes raciocínios devem ser falsos. Força singular,
este poder intuitivo de negação! Não é visível que o primeiro movimento do
filósofo, quando seu pensamento está ainda mal assentado e ele não tem
nada de definitivo em sua doutrina, é rejeitar certas coisas definitivamente?
Antes de externar qualquer atitude de negação face à aplicação da intuição
na seara da educação jurídica, o agente do Direito deve, contudo, encarar esse tipo
de conhecimento sem preconceitos, numa atitude tolerante, e de desmistificação,
portanto, estar de olhos e espírito aberto para o novo.
Por outro lado, entende-se que é indispensável enfocar o tema sub examen
sob uma perspectiva interdisciplinar. Ou ainda, para cunhar a expressão kantiana
302
,
é preciso compreender o objeto de nossa investigação com uma “mentalidade
alargada” sem, todavia, pretender, neste tempo e espaço, esgotar o riquíssimo tema.
Nesse compasso, convém ressaltar que o Direito não se restringe ao mundo
psicológico. Por outro lado, não se pode desconsiderar que na elaboração da
decisão judicial, por exemplo, o juiz não está totalmente isento de outros fatores que
não exclusivamente racionais, quer sejam eles psíquicos, sociais, econômicos,
religiosos, políticos, etc.
O conhecimento humano é problemático, porque o homem é um animal
racional homo sapiens, mas tamm homo demens. Seu modo de percepção do
real, não pode ser reduzido somente à pura intelecção dos seres nem à pura
sensação dos irracionais, já que o ser humano se constitui de pensamento, vontade,
mas tamm, de sentimentos.
Os conflitos entre razão e intuição freqüentemente preocuparam os
pensadores, o que permite encontrar na História da Filosofia defensores do primado
301
BERGSON, Henri. A intuição filosófica. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Nova
Cultural, 1974. p. 62-63.
302
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 140-141.
157
ora da razão, ora da intuição, ganhando dimensões, neste último caso, com
inúmeros filósofos, dentre eles além de Henri Bergson e tamm de Max Scheler.
303
A dimensão do conhecimento intuitivo surge, contudo, como um caminho
novo filosófico substancial e imprescindível de investigação do conhecimento e do
ensino no campo do Direito, já que o conhecimento intuitivo se constitui num
possível instrumento para a Justiça, desde que, por posterior exame objetivo,
seguido de comprovação e verificação do que se apurou durante a instrução
processual e que depende em grande parte, do investimento, que o julgador o faça
ao conhecimento de si próprio (Sócrates).
Contudo, a pretensão do Direito de assimilar critérios científicos; dedutivos e
indutivos tem aplicação limitada no âmbito jurídico, já que nenhuma ciência oferece
segurança absoluta no aspecto de certeza de verdade de suas proposições.
Dessa forma, não se entende que no caminho do conhecimento do Direito
haja uma única verdade, uma verdade absoluta. Tão pouco, acredita-se que o
conhecimento se dá exclusivamente pela via do racional, como querem crer os
racionalistas.
Como adverte o filósofo
304
, a esfera do saber é enormemente alargada!”. ,
contudo, múltiplos pontos de vista gnosiológicos, muitos outros acessos diferentes
ao conhecimento, caminhos que talvez “a própria razão desconheça”.
A intuição, como forma do conhecimento do valor justo é, especialmente,
importante para o espírito do jurista, que ela pode ser um novo caminho, uma
nova ferramenta metodológica no campo do Direito, na captação, na percepção e no
conhecimento do justo.
Isto porque o juiz decide, não exclusivamente pela inferência do silogismo, na
sentença; mas tamm, e inicialmente, pela intuição. Decide, pois, por uma certeza
inicial que se forma no seu espírito, de modo direto, e não por um raciocínio, ato este
posterior no processo cognitivo do julgador.
A intuição é uma possibilidade como caminho metodológico de investigação
filosófica no campo do Direito. Certamente, um tipo de conhecimento imediato,
303
SCHELER, Max. A concepção filosófica do mundo. Portugal: Elementos Sudoeste, 2003.
passim.
304
HEINEMANN, Fritz. A Filosofia no século XX. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p.
297.
158
importante e complementar, porém, não superior, e não exclusivo no processo
cognitivo. Dessa maneira, admite-se a intuição como forma epistemológica de
conhecimento, não, porém, como exclusiva, é única forma de conhecimento do
Direito.
A fórmula, para o conhecimento do justo no Direito se é que ela existe! ,
não deve ser Razão versus Intuição, mas sim, Intuição + Razão + Emoção, de modo
que os conhecimentos e habilidades se integrem e se complementem.
Talvez, assim, pudesse ser apresentada como sendo um gérmen inicial da
descoberta para o conhecimento, uma semente em movimento para a floração do
conhecimento, tal qual a natureza aponta para a descoberta da vida do espírito e do
ser vivente.
Não se pode, contudo negar, na história do pensamento jurídico ocidental, um
formalismo exagerado, um racionalismo extremista, segundo o qual somente é
legítimo e válido o conhecimento que se origina, exclusivamente, na razão.
A própria doutrina clássica do Direito vê, ainda hoje, a sentença como um
produto de conhecimento racional pela via do silogismo, esquecendo-se que, por
baixo da ponte da justiça, passam seres humanos com todas as suas diferenças,
misérias, medos e angústias. Homens e mulheres do Direito esquecem, absortos no
sono da razão, que a realidade da natureza humana é colorida, integral e vivaz.
Pensar, construir o currículo jurídico, especialmente, educar no campo do
Direito de maneira intuitiva, significa, por exemplo, proferir a sentença, no caso do
juiz, com mais sentimento, com mais humanidade, não reduzindo o magistrado a um
mero burocrata, visto somente como um julgador máquina, um robô repetidor de
decisões alheias. Ou, talvez fosse o caso de se refletir que, paralelamente, à falácia
da segurançae certezado Direito, é preciso embasar a verdade jurídica com a
realidade social, com a realidade do homem que tem corpo, pensamento, vontade,
mas, tamm, alma e sentimento.
Finalmente, entende-se ser improvável, hodiernamente, alguém de cultura
científica falar de uma “única verdade que abarque tudo, nem tão pouco que
abarque verdades exclusivamente oriundas da razão, que cada vez mais, se
comprova que os limites do saber especialmente, quando o assunto é educação,
159
não podem se reduzir a um único ponto de vista, ante todas as novas descobertas
no desenvolvimento científico moderno, do microscópio ao telescópio.
Sobretudo, face à complexidade do mundo moderno, a expressão educar
para habilidades e competências racionais torna-se insuficiente como método, como
instrumento, pedagógico exclusivo, de compreensão do Direito, é preciso, ademais,
de um educar para habilidades e competências racionais, para habilidades e
competências afetivas, criativas e intuitivas.
1.9.7 Reconstrutivismo
A Filosofia do reconstrutivismo contém duas premissas principais:
) a sociedade está em constante mudança;
) essa mudança social envolve a reconstrução e o uso da educação na
reconstrução da sociedade.
Conforme apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver
305
, é comum para
as pessoas envolvidas com mudanças, particularmente aquela mudança necessária
e imediata que cada época parece exigir, voltarem-se à educação como instrumento
mais eficaz para realizá-las de uma maneira mais inteligente, democrática e
humana.
Os reconstrutivistas defendem uma atitude de mudança que encoraja o
indivíduo a tentar tornar a vida melhor do que era. Contudo, o reconstrutivismo
preocupa-se mais com a ampla estrutura social e cultural. Seus seguidores, dentre
eles destacam-se George S. Counts e Theodore Brameld, preocupam-se com as
condições sociais e culturais e como elas podem se tornar mais agradáveis para
uma participação humana plena.
George S. Counts
306
, por exemplo, sugere que os educadores previssem as
perspectivas de uma mudança social radical. Para ele, todas as instituições devem
ser escrutinadas, e a escola serve como um meio racional em que isso pode ser
305
OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre:
Artmed, 2004. p. 179-203.
306
COUNTS, George S. Dare the school build a new social order? Nova York: John Day, 1932. p.
15-18.
160
realizado. A reforma deve abranger, conforme seu entendimento, toda a cultura
curricular.
Na visão reconstrutivista de George S. Counts
307
, o currículo deve ser
“mundial”, com ênfase na verdade, na solidariedade e na justiça. Ele se opõe,
contudo, a currículos limitados que lidem apenas com ideais da comunidade local,
favorecendo e incitando o currículo baseado em estudos de história mundial, bem
como investigações nos trabalhos da Organização das Nações Unidas e outras
agências mundiais.
Sob a perspectiva filosófica reconstrutivista o currículo deve ser orientado
para a ação, engajando os estudantes em projetos como a participação em causas
dignas da comunidade, a informação aos cidadãos sobre problemas sociais.
Segundo essa visão, um incentivo para que na concretização dos
currículos os estudantes se engajem ao máximo na sociedade, onde podem
aprender e aplicar melhor seus conhecimentos.
Por essa filosofia
308
, os alunos são incentivados inclusive a passar metade de
seu tempo fora da estrutura escolar tradicional, aprendendo em algum lugar que não
a escola. O cenário tradicional da sala de aula pode até ter algum valor, mas o
importante é fazer com que os alunos usem o que aprenderam, e as escolas
tradicionais nem sempre incentivam isso.
Pluralismo cultural e multiculturalismo
309
,
310
e “educação multicultural” são os
termos mais freqüentes usados pela concepção reconstrutivista de currículo. O
primeiro termo é usado geralmente para descrever a diversidade cultural, enquanto
307
COUNTS, George S. Dare the school build a new social order? Nova York: John Day, 1932. p.
35.
308
Cf. OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto
Alegre: Artmed, 2004. p. 179-203.
309
Conforme aponta Santos a expressão multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de
formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio da sociedade
moderna. Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo de descrever as diferenças culturais
em um contexto transnacional e global. Existem, porém, noções de multiculturalismo, nem todas de
sentido emancipatório. O termo apresenta as mesmas dificuldades e os mesmos potenciais do
termo cultura, um conceito central das humanidades e das ciências sociais e que, nas últimas
décadas, se tornou terreno explícito de lutas políticas. SANTOS, Boaventura de Souza.
Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. São Paulo, Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 26.
310
Em sentido negativo aponta-se a crítica formulada por Harold Bloom relativamente ao
multiculturalismo. Segundo Bloom, o “multiculturalismo é uma mentira, uma máscara para a
mediocridade da política acadêmica que controla as mentes. A Gestapo de nossos campos”.
BLOOM, 1990, apud IMBERNÓN, Francisco. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do
futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 57.
161
que o segundo é aplicado a programas educacionais que o estudam. Sua lógica
fundamenta-se no fato histórico e contemporâneo de que a sociedade é um
conglomerado de muitas culturas, e que essa diversidade precisa ser
adequadamente reconhecida, ao invés de ignorada.
Os reconstrutivistas desejam também que os professores tenham uma
perspectiva humanitária e recomendam de maneira enfática, a ação da comunidade
a promoverem o tipo de educação necessária para as pessoas alcançarem seus
direitos humanos e sociais.
Uma das maneiras propositivas dos reconstrutivistas na maneira de
organização dos currículos é transformar o plano nuclear do currículo, ou tamm
denominado “Currículo a Roda”.
Segundo essa configuração curricular, o núcleo do currículo pode ser visto
como o cubo da roda, o tema central do projeto pedagógico do curso. Os raios
representam estudos relacionados, como grupos de discussão, experiências de
campo, estudos de conteúdos e habilidades e estudos vocacionais. O cubo e o raio
sustentam-se, enquanto o aro da roda contribui com uma capacidade sintetizadora e
unificadora.
Embora cada ano escolar tenha sua própria roda, uma continuidade deve ser
estabelecida de ano para ano, com cada roda fortalecendo e fluindo para a próxima.
Apesar de cada ano ser diferente, também herdará os problemas e as soluções dos
anos anteriores e passará a novas sínteses.
Esse paradigma curricular, na visão reconstrutivista, representa a força
centrífuga e centrípeta. Ele é centrípeto porque junta as pessoas da comunidade em
estudos comuns, e centrífugo porque estende-se da escola para a comunidade
maior. Dessa forma, ele tem a capacidade de ajudar a produzir transformações
culturais, devido à relação dinâmica entre a escola e a sociedade.
162
1.9.8 Pragmatismo
John Dewey nasceu em Birlington, Vermont, em 1859 e faleceu em 1952, na
cidade de Nova Iorque, deixando uma vasta obra educacional e filosófica.
311
Foi, com William James e Charles Sanders Pierce, um dos fundadores da
corrente filosófica do pragmatismo norte-americano. Como William James, John
Dewey acreditava em que não absolutos ou universais imutáveis e seu dado
fundamental era a experiência; como Charles Sanders Pierce ele buscava entender
suas idéias em termos de conseqüências baseada na experiência humana.
312
John Dewey graduou-se em Filosofia na Universidade de Vermont e dois
anos mais tarde ingressou na docência na Universidade de John Hopkins, onde se
doutorou com uma tese sobre a Psicologia de Kant, em 1884.
Em seguida, transferiu-se para a Universidade de Michigan, onde
permaneceu até 1894. Nesse contexto, começou a se afastar da Filosofia
meramente especulativa para ingressar seu pensamento mais próximo dos
problemas sociais e práticos.
John Dewey
313
concebe a Filosofia como uma Filosofia da Educação, pois
segundo ele:
A Filosofia da Educação não é a aplicação exterior das idéias já feitas a um
sistema de prática escolar que tivesse origem e metas radicalmente
diversas: é apenas uma reformulação explícita dos problemas da formação
de uma mentalidade reta e de bons hábitos morais, tendo-se em vista as
dificuldades da vida social contemporânea.
Ao conceber uma Filosofia da Educação, John Dewey propõe uma alternativa
à maneira como a educação vinha sendo refletida no século XIX.
311
John Dewey escreveu uma série de livros em que os problemas educacionais foram discutidos do
ponto de vista da Filosofia. Dentre eles, destacam-se: The school and child (1906); Educacional
essays (1910); Democracy and education (1916) e Experience and education (1938); How we
think (1910); Reconstruction in philosophy (1920); Human nature and conduct (1922); Art
experience (1934); Knowing and know (1949). Para a língua portuguesa foram traduzidas as
seguintes obras: Reconstrução em filosofia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. Vida e educação. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1959. Experiência e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.
Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.
312
Conforme apontam OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da
Educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 139.
313
DEWEY, John. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. p. 364.
163
John Dewey e os pragmatistas acreditam que a educação é uma necessidade
da vida. Ela renova as pessoas para que possam enfrentar os problemas
encontrados em sua interação com o mundo e com o meio ambiente.
Segundo John Dewey, as culturas sobrevivem ao tempo, porque a educação
é o processo pelo qual uma cultura é transmitida de geração para geração,
ocorrendo por meio da comunicação, dos hábitos, das atividades, do pensamento,
dos sentimentos dos membros mais velhos da cultura aos mais jovens, de geração
em geração.
Sem isso, a vida social não poderia sobreviver, de modo que a educação não
pode ser entendida apenas como ensino e aquisição de informações e de
conhecimentos por meio do currículo escola ou do currículo da instituição de ensino,
mas como parte da própria vida.
O objetivo da educação é o crescimento, porém, Dewey acreditava que os
indivíduos deveriam ser educados como seres sociais, capazes de participar de suas
próprias questões sociais e direcioná-las.
Significando dizer, ter uma relação mais livre entre os grupos sociais e
conferindo ao indivíduo o desenvolvimento de todas as potencialidades para o futuro
do crescimento. Concebeu a educação como uma forma de libertar o indivíduo para
que ele se engaje no seu crescimento contínuo.
Os pragmatistas rejeitam a visão de currículo separada da experiência real. O
currículo não pode ser fragmentado, compartimentado. Na concepção pragmatista o
currículo deve também ser diversificado. Por exemplo, os pragmatistas defendem
estudos sobre as ocupações de terra em conjunto com questões de família, higiene,
e economia.
Defendem também a perspectiva curricular e a aprendizagem centrada nos
problemas. Os estudantes devem abordar o problema de modos diferentes, de
acordo com a necessidade e o interesse, em vários contextos e combinações.
Os recursos como método de ensino devem incluir assim, livros, periódicos,
vídeos; as informações e as idéias devem ser tiradas de qualquer tipo de fonte que
seja apropriada. os materiais o selecionados e avaliados em termos de
importância e os estudantes tiram suas próprias conclusões a respeito dos
164
problemas apresentados. O currículo pragmatista é composto tanto pelo processo
como pelo conteúdo, mas não é fixo ou um fim em si mesmo.
1.9.9 Existencialismo
De todos os filósofos existencialistas, provavelmente o mais conhecido é
Jean-Paul Sartre (1905-1980)
314
. Nascido em Paris, estudou na École Normale
Supérieure, recebendo em 1929 a agrégation de Filosofia. De 1931 a 1933, foi
professor no Liceu de Le Havre. Começou a escrever muito cedo. Cresceu em um
ambiente familiar que o incentivava a desenvolver suas qualidades intelectuais e foi
influenciado especialmente por seu avô que era professor de línguas. Depois de
estudar em Berlim a fenomomenologia e Heidegger, ensinou filosofia nos Liceus de
Havre, Laon, e Neuilly-sur-Seine. De 1940 foi prisioneiro dos alemães e depois de
ser libertado voltou à docência, quando fundou, em 1945, Les Temps Moderns e se
consagrou.
As principais obras de Jean-Paul Sartre são: O muro, A náusea, O ser e o
nada, As moscas, Entre quatro paredes
315
e As mãos sujas.
Para sua formação, contribuiu não somente a Filosofia, mas também a
Literatura, por meio de ensaios, romances, contos e, sobretudo, o teatro. Embora
Jean-Paul Sartre não tenha escrito diretamente sobre a educação, suas idéias têm
sido aplicadas à aprendizagem, especialmente ao currículo e aos aspectos éticos da
educação.
Em razão da onda destrutiva da II Guerra Mundial, quando homens e
mulheres eram confrontados constantemente com a morte súbita diante da máquina
assassina dos nazistas, o pensamento de Jean-Paul Sartre foi aguçado sobre o
absurdo e a falta de sentido e significado da vida.
Em seus trabalhos filosóficos, Jean-Paul Sartre via a condição humana em
termos do indivíduo solitário, em um mundo de absurdos. Embora percebendo a
existência humana como algo principalmente sem sentido, entendia que qualquer
314
Baseava-se neste particular nos dados bibliográficos de Paul Sartre apontados na obra de J.
Ferrater Mora. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. p. 2594-2599.
315
A obra de Sartre, Entre Quatro Paredes”, foi objeto de leitura e estudo específico durante o
decorrer do nosso curso de doutorado, na Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, na disciplina
de Filosofia do Direito, ministrada pelo Prof. Gabriel Chalita.
165
significado encontrado no mundo deve ser construído pelo indivíduo. Nesse sentido,
o significado é uma questão individual.
Para ele não um Deus para conferir um significado à existência. A
humanidade individual e coletiva existe sem qualquer significado, ou justificativa,
exceto por aquilo que ela mesma constrói. Sua filosofia é ateísta.
Segundo Jean-Paul Sartre
316
, o homem é absoluto, não havendo nada de
espiritual acima dele. Por determinadas condições biológicas, a sua existência
precede a essência. A criatura chega ao mundo apenas biologicamente e depois,
pela convivência, adquire uma essência humana determinada.
Jean-Paul Sartre afirma que a existência precede a essênciaquerendo dizer
assim que se o indivíduo nasce sem significado algum, pode produzir seu próprio
significado no mundo da maneira como considera apropriado. Primeiro vem o
indivíduo, depois os ideais criados por ele. O pensamento sobre o inferno, as idéias
sobre o paraíso, são invenções humanas. O homem sofre a influência não da
idéia que tem de si, mas também de como pretende ser.
Esses impulsos orientam-no para um determinado tipo de existência, pois o
indivíduo não pode ser outra coisa senão aquilo em que se constitui. Como não
nada superior a ele, sua marcha se depara com o nada.
Jean-Paul Sartre entende, porém, que a humanidade é absolutamente livre:
O homem está condenado a ser livre. Contudo, se absolutamente livre, tamm
totalmente responsável pelas escolhas e ações. Não se pode alegar, assim, que foi
vontade de Deus, ou que a sociedade levou a fazer isso ou aquilo outro. O homem é
livre, portanto, responsável.
O progresso humano, ou seja, cada ato humano acontece porque algum
indivíduo ou grupo optou por fazê-lo ocorrer. Nada acontece, ou pouca coisa
acontece por acidente.
Os existencialistas, dentre eles, incluem-se além de Jean-Paul-Sartre, Paul
Ricouer (1913), Martin Buber (1878-1966), Janusz Korczak (1878-1942), Georg
Gusdorf (1912), Claude Pantillon (1938-1980) acreditam que uma boa educação
deve enfatizar a individualidade, tendo em vista que ela auxilia cada indivíduo a se
316
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1998. p.
24.
166
ver com seus próprios medos, frustrações, esperanças, assim como as maneiras
pelas quais usam a razão para o bem e para o mal.
Para a perspectiva existencialista o primeiro passo para a educação, é
entender a si próprio. Para os existencialistas, no campo do currículo, o enfoque é
humanístico antes que científico; uma defesa da relevância pessoal, através da
ação, antes que a excelência intelectual em si.
Nos currículos elaborados por essa perspectiva há um enfoque centrado na
liberdade do aluno; contudo, o educador deve incentivar a convicção e o
compromisso. É por meio das humanidades no currículo, que os existencialistas
tentam despertar os indivíduos modernos para os perigos de serem engolidos pela
tecnologia desenfreada. Isso porque as humanidades possuem um maior potencial
para introspecção e desenvolvimento do auto-significado, se comparadas aos outros
estudos.
As humanidades despertam um currículo existencialista, porque lidam com os
aspectos essenciais da existência humana, como as relações entre as pessoas, o
aspecto trágico, o feliz da vida humana, os aspectos absurdos, assim como os
significativos da vida.
Em síntese, os existencialistas desejam ver a humanidade em sua totalidade
o pervertido, o elevado, o mundano e o glorioso, o desesperado e o esperançoso e
acreditam que as artes o fazem melhor do que as ciências. Para a concepção
existencialista, não regras definitivas sobre o que o currículo deveria incluir, pois
acreditam que o aluno em situação, ao fazer escolhas, é que deveria ser o fator
decisivo.
1.9.10 Humanismo
Michel Montaigne
317
(1533-1592) criticou duramente o estilo de educação da
sua época e com seus pensamentos sobre a educação, pode ser considerado um
dos fundadores da pedagogia na Idade Moderna.
317
Michel de Montaigne nasceu no castelo Montaigne, perto de Bourdeux, na França. Sua educação
foi confiada a um humanista alemão. Estudou Direito e durante alguns anos exerceu a função de
conselheiro parlamentar em Bourdeux. Tornou-se prefeito da cidade e dedicou sua vida a
atividades literárias. Traduzida para o português, reportamo-nos a sua obra mais famosa “Os
Ensaios”, Livro I e II, ambos publicados pela editora Martins Fontes, serviu como fonte sobre os
167
As idéias sobre educação em Michel Montaigne baseiam-se em sua
experiência pessoal, tendo suas raízes em suas lembranças da infância e da sua
própria educação, cuja pedagogia encontra-se especialmente delineada no seu
ensaio Da educação da criança.
318
,
319
Michel Montaigne, ao contrário dos pedagogos daquela época, entendia que
não era possível fundamentar a educação somente na memorização de
informações, deixando vazia a razão e a consciência. Inquirido sobre como deveria
ser a educação da criança, Montaigne afirmou que o único cuidado, seria na escolha
do professor dessa criança.
Era preciso, assim, segundo sua opinião
320
, tomar cuidado ao escolher um
preceptor para a criança, que antes tivesse a cabeça bem feita do que bem cabeça
cheia, e que se lhe exigem ambas as coisas, era preciso optar, por mais os
costumes e o entendimento do que a ciência”; e que em seu encargo ele [o
preceptor], “se conduzisse de uma forma nova”.
Ora, o que Michel Montaigne propõe é, portanto, uma educação por e para o
julgamento, ao contrário da mera informação. O objetivo da educação em Michel
Montaigne é formar para o entendimento, para a capacidade do educando de julgar
por si mesmo.
É, portanto, uma Filosofia da Educação, que visa à confiança nas faculdades
naturais do homem, de uma emancipação e uso de seus próprios julgamentos.
A educação para Michel Montaigne deve assim relacionar a natureza
humana, com seu próprio julgamento a instrução da criança, ligada ao conceito de
cultura
321
, como lugar da construção humana, um projeto de liberdade. Liberdade na
dados de sua bibliografia. Valeu-se também aqui da pesquisa sobre a vida de Montaigne, realizada
pelo aluno Dr. Riad Salle.
318
MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 216-265.
319
Esse ensaio foi dirigido ao filho de Diane de Foix, condessa de Gurson, sob o pretexto de
aconselhar a condessa sobre como educar seu filho. Na ocasião, Montaigne era muito ligado a
família da condessa, e participou da cerimônia de seu casamento na condição de procurador. Na
época em que o ensaio foi escrito, a condessa encontrava-se grávida.
320
MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 224.
321
É preciso considerar aqui, que para avaliar com eqüidade essa pedagogia proposta por Montaigne
e medir-lhe o alcance, é preciso considerar que: - Montaigne destina-a a uma criança de família
nobre e, portanto, uma educação para a nobreza; 2º - que nessa época os nobres franceses quase
sempre eram muito ignorantes as queixas dos contemporâneos a esse respeito coincidem
totalmente com o testemunho de Montaigne e que os métodos demasiadamente livrescos e
pedantes que se adotavam nos colégios não eram de forma alguma adequados às suas
necessidades; - que o tipo ideal que Montaigne forma aproximam-se muito do homem de bem
168
educação e educação na liberdade vão dessa maneira, caminhando, lado a lado,
segundo o entendimento de Michel Montaigne.
Segundo suas próprias palavras
322
:
Acuso toda violência na educação de uma alma terna, que é instruída para
a honra e a liberdade. Há um não sei quê de servil no rigor e na exigência; e
saiba que o que não se pode fazer pela razão e pela prudência e
diplomacia, nunca se faz pela força.
Nesse sentido, entende-se que o que se pode fazer é o ofício do julgamento e
de liberdade; esse é o grande desafio da educação.
Michel Montaigne lembra aqui da sua própria educação, vai contra a figura de
autoridade de seu próprio pai. O sujeito de Michel Montaigne é, portanto, aquele que
se educa, transforma-se em uma ação partilhada entre memória cultural e realização
pessoal.
323
Montaigne deixou uma proposta de educação, de currículo flexível, aberta
para a vida, ensinando o culto ao relativismo, e enaltecendo as virtudes da dúvida.
As perguntas que sei eu”? o que sabemos nós? postas por Michel
Montaigne ao longo dos Ensaios
324
sintetiza essa atitude filosófica, ao mesmo tempo
cética e relativista, perante um mundo que carece de sentido para o homem
Pelo menos, é dessa perspectiva que ele irá posicionar-se diante do
conhecimento e dos saberes de sua época. Com essas perguntas, retoma Sócrates
e faz dessa questão o mote para filosofar, agora à maneira dos céticos.
325
do século XVII, e que o ensino dos jesuítas em seus colégios será, em muitos pontos, conforme as
diretrizes traçadas por ele nos Ensaios. Nesse sentido, vejam-se oportunos comentários de Pierre
Villey à obra pedagógica de Montaigne quanto a esse propósito. MONTAIGNE, Michel de. Os
ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 217.
322
Ibid., Livro I; II e III.
323
Conforme entendimento firmado a respeito da educação proposta por Montaigne de Franc Morandi.
MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 70.
324
Os Ensaios de autoria de Michel Montaigne, cujo prefácio na edição da Martins Fontes, foi escrito
por Pierre Villey é obra composta, no conjunto, como o próprio nome indica, por ensaios em que o
autor trata dos mais variados assuntos. trechos em que fala de si, dos outros, em que conta
anedotas e histórias; outros em que discute temas filosóficos e políticos, sem a pretensão de
esgotá-los. MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Livro I, p. LI-
L XXX.
325
Cético é a atitude de quem apresenta como visão de mundo o ceticismo. Com efeito, o Ceticismo é
a concepção segundo a qual o conhecimento do real é impossível à razão humana. Portanto, o
homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação
a uma vida constante. No pensamento moderno, sobretudo com Montaigne e os humanistas do
Renascimento, o ceticismo é retomado como forma de se atacar o dogmatismo da escolástica, o
que leva à adoção de conhecimento relativo. Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo.
169
Se, em Sócrates, a dúvida tem um caráter pedagógico, indutor da Paidéia
justa, em Montaigne ele adquire um caráter constitutivo da própria condição humana,
compactuando do que hoje se denomina existencialismo.
Ao declarar que todo homem traz em si o peso da condição humana, Michel
Montaigne
326
parece apegar-se a um conceito naturalista e universalista da
existência humana, parece dizer: eis, aqui portanto, sua natureza. Mas essa
condição humana para ele nunca é invarvel: na realidade, é sujeito
maravilhosamente vão, diverso e ondulante de homem.
Para ondulante aqui, parece dizer: o homem não é”, ele se faz”, e se faz em
direção ao futuro do projetar humano”. Nunca está em casa, está sempre além
dela.
327
Defende a vida segundo a natureza, a fim de eliminar a inquietude do homem
produzida pela ambição, egoísmo, considerando todas as coisas como transitórias.
A introspecção e o contínuo exercício do “conhece-te a si mesmo”, constituem
para ele o caminho da verdadeira Filosofia. Iniciando sua obra
328
, interroga sobre a
superioridade que o homem arroga ter sobre as demais criaturas: será possível
imaginar algo mais ridículo do que essa miserável criatura, que nem sequer é dona
de si mesma, que está exposta a todos os desastres e se proclama senhora do
universo?
329
Nesse compasso começa, assim, sua defesa contra a arrogância, a
Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 41. O seu oposto é
dogmatismo que, no sentido comum, é a atitude que impele alguém a acreditar que tem a posse da
verdade única, absoluta e correta, recusando-se ao diálogo, o admitindo questionamento de
suas certezas. Encontra-se essa atitude em muitas situações do cotidiano social, em especial na
universidade. Em filosofia, o termo assume sentido um pouco diverso. O primeiro sentido de
dogmatismo é a admissão de que se podem conhecer as coisas em si e de que esse conhecimento
é confiável para guiar na vida prática diária. É nesse sentido que os primeiros filósofos gregos os
pré-socráticos podem ser considerados dogmáticos, uma vez que os sofistas são os primeiros a
problematizar a questão da verdade do conhecimento. No segundo sentido, dogmatismo é a
doutrina, ou atitude, que afirma, de modo absoluto, ser possível atingir verdades seguras
exclusivamente por meio da razão. Essa vertente caracterizou os racionalistas, entre eles
Descartes, que entendiam a razão como único caminho de chegar ao conhecimento, deixando de
lado a possibilidade de construir a partir da experiência (empirismo). Para Immanuel Kant, filósofo
do Iluminismo, o termo assume conotação mais específica. Segundo Kant, o dogmatismo é toda e
qualquer posição que se julgue na posse da certeza da verdade, antes de fazer a crítica da
faculdade de conhecer para verificar e analisar suas limitações. O criticismo kantiano define-se em
oposição a duas correntes do pensamento filosófico: o empirismo, que se apresenta na linha
filosófica do ceticismo, e o racionalismo, que também tem postura de dogmatismo.
326
MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Livro I, cap. III, p. 19-28.
327
Ibid., p. 19.
328
Ibid., Livro I, cap. XXV, p. 198-215.
329
Ibid., Livro I, cap. XLII, p. 379.
170
presunção do homem e sua preocupação com a reputação e a glória, reduzindo-o a
sua insignificância diante da vida e da ordem natural das coisas.
Michel Montaigne se manifesta contrário a uma escola que trate todos os
alunos da mesma forma, sem considerar que são espíritos diferentes uns dos
outros
330
, pelo temperamento, pela inteligência. Daí, concluir não ser possível
ensinar a mesma lição a todos igualmente.
Michel Montaigne é atual, pois ele ensina o homem a duvidar de si mesmo.
Soube tratar, a partir de um olhar crítico, os mais diversos assuntos, mediante um
novo gênero literário, o ensaio. Michel Montaigne trata de questões importantes,
como os direitos humanos e a liberdade individual, a relação do saber entre o
educando e o educador, que se desloca do enciclopedismo para a constituição
crítica de um saber a partir dos nossos próprios julgamentos, pois à maneira pela
qual somos instruídos, não é surpreendente que nem os discípulos nem os mestres
se tornem hábeis, ainda que se tornem mais doutos.
331
Portanto, o ideal de educação em Michel Montaigne, é o ideal da prudência
que reconhece e aguça no homem a consciência da relatividade e dos seus limites;
das pretensões absurdas da razão humana, para transpô-lo aos seus limites,
mediante o persistente exame da sua consciência.
1.9.10.1 A educação em Paulo Freire
A Pedagogia elaborada por Paulo Freire
332
apresenta-se como uma
Pedagogia humanista, problematizadora; uma pedagogia de questionamento,
pergunta, indignação, tolerância, autonomia.
330
Veja-se nesse sentido o Ensaio de Montaigne, Da desigualdade que existe em nós, Citando
Terêncio e Plutarco, Montaigne afirma que graus diferentes de espírito e que os homens são
diferentes entre si. Está falando da capacidade da alma e das qualidades interiores do homem. Diz,
que vai além de Terêncio quando este último afirma “Ah! Entre um homem e outro homem, quanta
distância! Pois, Montaigne entende que há mais distância entre tal homem e tal homem do que há
entre o homem e o animal. Para ele, o mais excelente animal está mais próximo do homem da
mais baixa escala do que esse homem está para o próximo de um outro homem grande e
excelente.” MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 384.
331
MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 197.
332
Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), que ficou conhecido como Paulo Freire, nasceu em
Recife, e casou-se em 1944 com Elza Maria Costa de Oliveira, com quem teve cinco filhos. Após o
falecimento de Elza em 1986, casou-se em segundas núpcias, em 1988 com Ana Maria Araújo.
Suas primeiras experiências profissionais foram vividas ainda como estudante, no magistério da
Língua Portuguesa, no colégio Oswaldo Cruz em Recife. Diplomou-se em Direito, em 1946, na
171
Compreende homens e mulheres como seres inconclusos, inacabados e
incompletos, que por perceberem que não sabem tudo”, buscam o saber, o
conhecimento e o seu aprimoramento. O ser humano por essa perspectiva é visto
como ser de relação, reflexivo, transcendente e temporal, cuja relação com o mundo
possibilita a sua característica de sujeito de conhecimento (sujeito epistemológico),
da história e da cultura. É sujeito concreto, que existe no mundo e com o mundo,
cuja consciência é intencionada para fora de si, para um mundo que o é mero
objeto de contemplação, mas de ação.
O ser humano nesta relação homem-mundo é um ser de práxis (reflexão-
ação). Assim, fundamenta sua Pedagogia no pressuposto teórico existencialista,
bem como, nos pressupostos teóricos de Marx e Gramsci.
Conforme aponta, Celso de Rui Beisiegel
333
, as principais características de
Paulo Freire são bem conhecidas:
Quase todas as expressões geralmente empregadas no ensino eram
substituídas por outras, não contaminadas pelo autoritarismo e pelas
orientações ideológicas que, de acordo com o educador, seriam inerentes à
educação escolar tradicional no país. Assim, em vez de classe, falava-se
em círculo de cultura. O professor era substituído por “coordenador de
debates”, (educador-educando) e o aluno pelo participante no “círculo de
cultura” (educando-educador). Eliminaram-se cartilhas e livros de textos,
substituídos pelo trabalho com a linguagem corrente na localidade e pela
discussão das experiências de vida dos participantes dos “círculos de
cultura”.
Para Paulo Freire não educação neutra, pois o processo educativo é um
ato político, uma relação de domínio ou de liberdade entre as pessoas.
O diálogo entre docentes e discentes é o caminho para a libertação das
pessoas oprimidas. Paulo Freire não comungava da concepção de educação na
qual o professor é mero transmissor de informação, que deposita seus
conhecimentos nos alunos, denominada por ele de “educação bancária”.
Faculdade de Direito de Recife, porém, logo desistiu da prática da advocacia. Foi diretor do setor
de educação e cultura do SESI de Pernambuco, professor de Filosofia da Educação e nomeado
em 1960, para o cargo efetivo de professor de Filosofia e História da Educação da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife, posteriormente transformada na atual
Universidade Federal de Pernambuco. Ocupou diversos cargos na vida educacional, potica e
cultural do país, inclusive o de Conselheiro Estadual de Educação do Estado de Pernambuco.
Assumiu tamm o Programa de Alfabetização promovido pelo MEC com a utilização do método
Paulo Freire de alfabetização para adultos. Foi Secretário da Educação do município de São Paulo
(1989-1991). Foi professor da Universidade Católica e da UNICAMP.
333
BEISIEGEL, Celso de Rui. Dicionário de educadores no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; Brasília:
MEC-INEP-COMPED, 2002. p. 893-899.
172
Na educação bancária o único papel do educador é o de expor e impor
conhecimentos, não havendo espaço para discussão e reflexão.
Nesse sentido, a idéia que se tem é de aquele que possui conhecimento i
depositar, transferir, pura e simplesmente, a que conhece para aquele que nada
sabe, o depositário do saber de outrem.
Segundo Paulo Freire
334
:
Eis aí a concepção bancária da educação, em que a única margem de ação
que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e
arquivá-los. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos
que julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa
das manifestações instrumentais da ideologia da opressão e absolutização
da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação e ignorância,
segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
Ainda, segundo Paulo Freire
335
:
Educa-se para arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado
é o próprio homem, que perde assim seu poder de criar, se faz menos
homem. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo
sujeito de sua ação.
Por essa perspectiva, a educação que considera o aluno como simples
receptáculo de informações foi duramente combatida por Paulo Freire a partir dos
anos 60 e 70.
Para Paulo Freire, a educação que liberta é aquela que faz com que o aluno
desenvolva consciência crítica e participe ativamente no processo de aprendizagem,
pois só assim o homem torna-se, efetivamente livre.
336
A educação pode, portanto, significar libertação. Contudo, para isso, ela deve
estimular, segundo Paulo Freire
337
:
A pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que pretende com
esta ou aquela pergunta em lugar da passividade em face das explicações
discursivas do professor, espécies de respostas a perguntas não feitas. Isto
não significa realmente que devamos reduzir a atividade docente em nome
da defesa da curiosidade necessária, a puro vai e vém de perguntas e
respostas, que burocraticamente se esterilizam. A dialogicidade não nega a
validade de momentos explicativos, narrativos, em que o professor expõe ou
fala do objeto. O fundamental é que o professor e alunos saibam que a
334
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. p. 58.
335
Id. Pedagogia e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p. 38.
336
Id. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. p. 67.
337
Id. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1996. p. 95-96.
173
postura deles, do professor e do aluno, é dialógica, aberta, curiosa,
indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que
importa é que o professor e os alunos se assumam epistemologicamente
curiosos.
Paulo Freire entende que a educação deve envolver o educando, o educador,
e o meio educativo. Deve, ainda, capacitar o indivíduo, tanto para viver
civilizadamente e produtivamente, como para formar seu comportamento para agir
corretamente com seus princípios e valores, porém, com abertura para revisá-los e
modificá-los
338
, quando mudanças se fizerem necessárias. A educação deve
englobar, pois, de forma indissociável, tanto os processos de aprendizagem, quanto
os de ensino.
Em Paulo Freire
339
, o diálogo adquire conotação existencial e política, na
medida em que possibilita ao professor e ao aluno serem sujeitos não somente do
conhecimento, mas também, da história e da cultura.
A educação como prática da liberdade não é a transferência ou a
transmissão do saber nem da cultura; não é a extensão de conhecimentos
técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos nos educandos; não é a
perpetuação dos valores de uma cultura dada; não é o esforço de
adaptação do educando ao seu meio... é sobretudo e antes de tudo, uma
situação verdadeiramente gnosiológica. Aquela em que ato cognoscente
não termina no objeto cognoscível, visto que se comunica a outros sujeitos
igualmente cognoscentes.
As propostas pedagógicas de Paulo Freire
340
, marcadas por ousadia,
originalidade e coerência, alçaram-no à condição dos grandes nomes da educação e
da cultura brasileira e mundial.
Conforme asseveram Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcellos e
Regina Helena Pires de Brito
341
:
338
Corrobora com esse entendimento Elias de Oliveira Motta, ao afirmar que: “ao educar-se, o
indivíduo passa por mudanças comportamentais que o levam da ignorância para o conhecimento;
da impotência para a potencialidade; da deficiência, inclusive física e mental, para a reabilitação;
da incapacidade para a ação eficiente, da inconsciência para a consciência de si mesmo e de seu
papel na sociedade; da amoralidade e imoralidade para a ética e a moral”. MOTTA, Elias de
Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO. p. 75.
339
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 78.
340
Para a elaboração desse capítulo foram pesquisadas as seguintes obras de Paulo Freire:
Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. Pedagogia da
autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. Para a
coleta e elaboração dos dados bibliográficos de Freire foi utilizada a biografia de sua vida, escrita
por Ana Maria Araújo Freire (Nita Freire), que além de profunda conhecedora da obra freireana e
Doutora em Educação era também sua esposa. Paulo Freire. Uma história de vida. São Paulo:
Villa das Letras, 2006.
174
A intensidade com que sua obra reverbera em nosso cenário educacional
comprova a solidez de sua produção bibliográfica e permite antever, com
segurança, sua permanência junto às futuras gerações de pesquisadores.
Na concepção Freireana a educação é considerada fator de mudanças, de
conscientização e transformações; é, nesse sentido, essencialmente, libertadora.
Constituindo-se, portanto, não somente um meio de intervenção individual, mas
tamm, da própria realidade social.
Paulo Freire defende, ainda, que o educador deve ser um problematizador,
um agente provocador de situações.
O processo educativo deve enfatizar elementos subjetivos, especialmente a
relação professor e aluno, que se apresenta como dialógica.
Faz-se por essa perspectiva uma análise epistemológica da educação,
destacando-os, professores e alunos, como sujeitos do conhecimento.
A educação para Paulo Freire se apresenta como situação epistemológica, na
qual os sujeitos, mediados pelo mundo, conhecem e comunicam-se sobre a
realidade conhecida.
1.9.10.1.1 Visão de currículo em Paulo Freire
O currículo na perspectiva Freireana deve englobar todas as atividades
desempenhadas pelos educandos, para além dos conteúdos programáticos. Pois,
segundo Paulo Freire
342
:
O currículo, no seu sentido mais amplo, implica não apenas o conteúdo
programático do sistema escolar, mas também, entre outros aspectos, os
horários, a disciplina e as tarefas diárias que se exigem dos alunos. Há,
pois, nesse currículo, uma qualidade oculta e que gradativamente fomenta a
rebeldia por parte das crianças e dos adolescentes. Sua rebeldia é uma
reação aos elementos agressivos do currículo que atuam contra os alunos e
seus interesses.
Todo o verdadeiro currículo deve assentar e visar à autonomia dos
educandos. Aqui, convém lembrar que Paulo Freire defende que todos são
341
VASCONCELLOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho; BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos
de educação em Paulo Freire. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: Mack Pesquisa, 2006. p. 11.
342
FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo leitura da palavra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1994. p. 70.
175
educandos e educadores. Porém, para ele falar em autonomia implica tamm falar
em liberdade, liberdade com responsabilidade.
Pode-se apresentar a seguinte configuração de currículo real para Paulo
Freire:
o currículo real não é apenas aquele que, numa perspectiva escolar, acon-
tece na seqüência do currículo formal;
o currículo real é o de cada sujeito da educação que faz a sua vida, um
tempo histórico com sentido;
o currículo, como a vida, implica projeto e realização, hermenêutica e
interpretação.
Nesse diapasão, os indivíduos devem chamar, por si mesmos, pelos outros e
pelas instituições, a viver a vida, a fazer currículo e a programá-lo de modo
educacional.
O currículo sob essa perspectiva é compreendido numa ótica filosófica e
cultural, alargando-se inclusive para fora da escola, numa perspectiva integradora e
sistêmica de realização pessoal dos educandos, numa perspectiva de educação
mais ampla, não de mero ensino e instrução.
Perspectiva essa que, se ausente do currículo, é nefasta. Veja-se, a tulo de
exemplo, quando a ausência de uma perspectiva filosófica, no âmbito das questões
curriculares, levou à tentativa imprudente, perigosa de tentar substituir, na reforma
curricular instituída em Portugal, após 1986, retirando-se a Filosofia na Educação.
É sempre nefasto quando a concepção e organização curricular não são
iluminadas e orientadas por uma Filosofia da Educação.
343
Basta ver a quantidade e as sucessivas reorganizações e revisões
curriculares. Falta pensamento educacional consistente, coerente e dinâmico, que só
se pode encontrar na Filosofia. Nesse sentido, importa sempre saber que caminhos
percorrer e por que percorrer, tanto quanto, conjugando e articulando presente,
passado e futuro, buscando-se, sobretudo nos fundamentos filosóficos.
343
Esse posicionamento é defendido tamm por Emanuel Medeiros e Adalberto Dias de Carvalho.
MEDEIROS, Emanuel. A Filosofia como centro do currículo na educação ao longo da vida.
Portugal: Instituto Piaget, 2005, passim. CARVALHO, Adalberto Dias de. (Org.). Dicionário de
Filosofia da Educação. Portugal: Porto Editora, 2006. p. 41-44.
176
Essa busca é uma atitude e tem nome: procura da sabedoria. Talvez o maior
desafio para a construção do currículo nos caminhos da existência e coexistência no
campo do Direito.
1.9.10.2 A educação e o currículo em Gabriel Chalita
Para, Gabriel Benedito Issaac Chalita
344
, a educação numa perspectiva ampla
deve fomentar em cada aluno o desenvolvimento da visão crítica, da ética, do gosto
pela discussão, pelo debate, pela reflexão, pela arte, pela cultura e por sua
propagação. Fornecendo ao educando no currículo, ao longo de sua vida, uma
percepção de mundo, com suas realidades diversas, enriquecedoras e
complementares.
A concepção de educação formulada por Gabriel Benedito Issaac Chalita
objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento do ser humano como
um todo sistêmico, suas aptidões, suas potencialidades, ou seja, a personalidade do
educando.
O currículo, nessa direção, abre portas tanto para o crescimento intelectual
como tamm para a ascensão social do homem.
Gabriel Benedito Issaac Chalita
345
afirma que embora sejam muitas as formas
de transmissão do conhecimento, o ato de educar se dá com o afeto, se
completa com o amor. Ainda, segundo o mesmo autor
346
, somente o amor é capaz
de quebrar paradigmas, barreiras, ranços. É o amor que nos envolve, que nos une.
A educação dever ser, portanto, um ato de coragem e afeto.
347
Junto com o
amor vem o compromisso, o respeito, a necessidade de continuar a estudar sempre,
de preparar aulas mais participativas, de repreender com pertinência.
Gabriel Benedito Issaac Chalita
348
indica, entretanto, que a educação
sustenta-se sobre três pilares, sendo certo que um não pode estar dissociado do
outro. São eles: as habilidades cognitiva, social e emocional.
344
CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação para o trabalho. Diário de São Paulo, São Paulo,
28 jun. 2002. p. 4.
345
CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001. p.
11.
346
Ibid., p. 12.
347
Ibid., p. 12.
177
O primeiro pilar em que se fundamenta a educação, a habilidade cognitiva,
corresponde à seleção de informações cnicas relativas a determinados temas.
Refere-se à articulação entre o conhecimento propriamente dito e as suas relações
com a forma de transmissão desse conhecimento. Sua eficácia passa por profunda
mudança de postura, quebra de paradigma.
O mito do conhecimento pronto e acabado tem que dar lugar ao trabalho com
a habilidade, com o aprender a aprender, que não envelhece nunca e não acaba.
Por isso, a habilidade cognitiva, requer aprimoramento constante e capacita o
indivíduo para o exercício pleno da profissão.
O segundo, a habilidade social, é exigida cada vez mais no mundo em que
vivemos. Está na ordem do dia, pois implica saber relacionar-se da melhor forma
possível. Ela é, portanto, a preparação para a convivência em um mundo plural, e
implica, sobretudo, no respeito pelo outro.
A habilidade social é a capacidade de liderar e de gerir pessoas com
problemas diferentes, sonhos diferentes, ideais diferentes. Um dos principais
objetivos na formação do aluno deve ser a sua capacitação à convivência com o
grupo. O desenvolvimento da capacidade de trabalhar em um mundo multicultural
onde as diferenças sejam respeitadas.
Essa habilidade, segundo Gabriel Benedito Issaac Chalita
349
, é visível na
construção de um espírito de solidariedade.
O terceiro, a habilidade emocional capacidade de dar e receber afeto é
350
o grande pilar da educação, pois não é possível desenvolver as outras habilidades
sem que a emoção seja trabalhada. Essa habilidade visa à busca do foco interior e
exterior, do autoconhecimento, de uma relação equilibrada do ser humano com ele
mesmo. Por meio dela, as pessoas são capazes de acessar suas potencialidades e
a autoconfiança, e não se intimidar frente às dificuldades e as derrotas.
348
CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001. p.
14; 191.
349
Ibid., p. 211-232.
350
Ibid., p. 191-257.
178
Aos três pilares em que sustentam a educação, anteriormente citados,
magistralmente, na sua obra Educação: a solução está no afeto
351
, pelo professor
Gabriel Benedito Issaac Chalita, acrescenta-se a habilidade estética.
Embora por habilidade estética se expresse a idéia de designar os processos
educativos intencionalmente preocupados com o desenvolvimento do conhecimento
e da habilidade artística, mediante o contato com diferentes meios de expressão
artística (arte, cultura, teatro, música).
A utilização de diferentes técnicas incorporadas ao currículo jurídico permite,
assim, aos alunos do curso de Direito, desenvolver o apreço pelo “Belo” em diversos
contextos e situações.
Quando se afirma a estética como possibilidade para a construção do ensino
do Direito, afasta-se das concepções tradicionais que a dotaram de significação. Não
somente no sentido clássico que define a estética como o estudo da sensação, da
ciência do belo”, ou nas reconceituações posteriores de Kant (sentido
transcendental) e Hegel (sentido histórico).
Trata-se, entretanto, de uma estética que o se confina exclusivamente nas
belas artes nem ao bom-gosto, mas que se afirma como vetor de sociabilidade.
Nesse sentido, a habilidade estética, ora proposta, estende-se ao conjunto da vida
social, compreendendo que a vida surge como tarefa a ser construída por cada
sujeito numa miríade de possibilidades em que cada caminho é traçado de forma
artesanal, como obra de arte, abrindo o resgate para a sensibilidade
352
como fator
operativo do real, uma vez que a relação do sujeito cognoscente com o mundo não
está pré-determinada em apriorismos categóricos, mas admite uma plêiade de
sensações que vão se formando singularmente, em absoluto devir.
Com efeito, na educação, as identidades, tanto do educando quanto do
educador vão se construindo, vão se forjando esteticamente no próprio processo
educacional, dando azo a uma infinitude criativa nos participantes desse processo.
351
CHALITA, Gabriel Benedito Issaac. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001. p.
191-257.
352
Nesse sentido apontamos as obras de CUNHA, José Ricardo Ferreira. Direito e estética:
fundamentos para um direito humanístico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 21.
GAMBOGI, Luís Carlos Balbino. Direito: razão e sensibilidade (as intuições na hermenêutica
jurídica). Belo Horizonte: Del Rey; Universidade FUMEC, 2005. p. 95-264.
179
O sujeito criador, nas palavras de José Ricardo Ferreira Cunha
353
,
transforma-se no cidadão-artista, trabalhador-artista, estudante-artista, mãe-artista e
a vida torna-se arte como dizia Nietzsche em Nascimento da Tragédia: única vida
possível: na arte. Senão, afastamo-nos da vida.
A educação, sob essa nova perspectiva, é mais do que simples conhecimento
especializado. Inclui além da habilidade cognitiva, social e emocional da pessoa no
curso de Direito; tamm expande o entendimento moral e desenvolve apreciações
estéticas construtivista, centrada na atitude criativa do educando/educador e não na
objetivação da realidade, cuja perspectiva reducionista nega a possibilidade da
interdisciplinaridade nas áreas de conhecimento como critério absoluto do trabalho
epistemológico e rejeita tamm a transdiciplinaridade.
Trata-se assim de recuperar a centralidade do sujeito na construção do
mundo, desvelando as aparências e rejeitando o discurso segundo o qual não
nada de novo sob o sol; resgatando ainda a liberdade do sujeito que passa a ser
compreendida de forma integral, sem o dualismo razão versus sensibilidade. Não se
trata de dominar o real, mas de construir a realidade.
Essa habilidade estética, como paradigma no currículo jurídico é, portanto, o
meio mais adequado e capaz de conferir ao educando a tão desejada emancipação
do sujeito da qual se refere com tanta ênfase a obra de Paulo Freire.
Tamm, como ponto de partida de reflexão para a admissibilidade de uma
construção curricular no ensino do Direito voltada para a construção da habilidade
estética, aponta-se, a obra de Nicolai Hartmann
354
e Max Scheler
355
, ambos
seguidores da perspectiva axiológica dos valores
356
, bem como a obra de Gustav
Radbruch
357
, para quem:
353
CUNHA, José Ricardo Ferreira. Direito e estética: fundamentos para um direito humanístico. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 21.
354
HARTMANN, Nicolai. Introducción a la Filosofía. México: Universidade Nacional, 1961. passim.
355
SCHELER, Max. Posição do homem no cosmo. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003.
356
Para Scheler e Hartmann, no campo do conhecimento do Direito os valores formam uma
ordenação hierárquica absoluta e imutável, que pode ser conduzida a resultados tão categóricos e
claros quanto aos da lógica e da matemática, mas da mesma forma que as expressões dessas
ciências de objetivos ideais não o acessíveis à compreensão de todos, os que não são
capazes de atingir a perfeita intuição dos conteúdos axiológicos.
357
Gustav Radbruch defende a necessidade de um enfoque estético para o Direito, além disso, após
perder a cátedra da sua cadeira de professor de Filosofia em Heidelberg, e posteriormente perder o
seu filho em virtude das brutalidades da II Guerra Mundial cometida pelos nazistas, reviu sua
posição quanto ao jusnaturalismo. Sua crítica contra o positivismo jurídico fica evidente. Em Leis
180
[...] como todos os fenômenos que conhecemos, o Direito pode ser também
matéria da arte e entrar deste modo no domínio da estética. Pode mesmo
falar-se duma estética do Direito, embora até hoje o se tenham neste
capítulo mais do que uma simples aproximação para ela.
Nesse sentido, embora os currículos do ensino básico e do ensino secundário
disponham de áreas específicas para a Educação Artística, como, por exemplo, a
Educação Visual e a Educação Musical, a configuração do currículo no ensino
superior, particularmente, ao que se refere ao ensino jurídico, faz, no entanto, tabua
rasa a essa importante habilidade. Infelizmente, constata-se que o currículo do
ensino jurídico não reflete essa importante dimensão de sentido, ou seja, a
habilidade estética.
1- Aponta-se, ainda, na literatura, especialmente, no romance de Fiódor
Dostoiévski, O idiota, a busca pela beleza, na fala de um ateu chamado Hipólito
que pergunta ao príncipe Míchkin: É verdade, príncipe, que o senhor disse, um
dia, que a beleza salvaria o mundo? [...] Qual beleza salvará o mundo?.
358
Ainda, em Os Demônios, Fiódor Dostoiévski, escreve:
A beleza é mais importante, a beleza é mais útil que o pão [...], [...] a beleza
sozinha é a meta em vista da qual o homem vive, e a jovem geração
perece se ela se engana ainda que seja apenas sobre as formas de
beleza.
359
Mas, o que consiste a salvação do mundo pela beleza? Como se pode
pretender que o belo seja mais útil que o pão? No contexto de um mundo tal
desigual e de pobreza extrema?
O pão é necessário para a sobrevivência do corpo e quem morre de fome não
está de forma alguma em condições de apreciar a beleza. O que torna então a vida
digna de ser vivida? Talvez, a beleza da virtude moral chamada Justiça.
Ainda, no que se refere ao processo cognitivo, é F. Carnelutti
360
quem afirma
acerca da possibilidade de similitude entre o Direito como ciência e arte. Sentido
que não o Direito e Direito superior às Leis, protesta contra o princípio jurídico do nacional-
socialismo segundo o qual lei é a lei, sem nenhuma limitação. RADBRUCH, 1937, apud
MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de Filosofia do Direito, São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.
212.
358
DOSTOIÉVSKI, Fiodór. O idiota. São Paulo: Edições 34, 2002.
359
Id. Os demônios. São Paulo: Edições 34, 2005.
360
CARNELUTTI, F. Diritto e processo. Napoli: Morando, 1958. p. 146. Nesse opúsculo Carnelutti
considera o Direito como “la legge stessa deve essere considerata come um opera d‟arte”.
181
esse que percebe a atividade do Direito com implicações inclusive criativas, sem
descurar dos demais valores de justiça.
Tamm, para os romanos, como bem expressa o jurisconsulto Celso
361
, o
Direito era a arte do bom e do justo: Jus est ars boni et aequi. Contudo, com o
desenvolvimento das ciências e as transformações das sociedades, o Direito foi
impregnado de um certo tipo de verdade: o rigor positivista assentado na Teoria do
Direito.
O Direito não se deve converter em mera e insípida conotação morfológica da
forma, enquanto experiência, o Direito deve ser entendido como linguagem,
narrativa
362
, cultura, obra de arte e resistência.
363
É evidente que não se pode falar em ciência sem construção de uma
linguagem. Se a ciência é eminentemente teórica, toda a produção científica postula,
é verdade, uma linguagem própria, uma linguagem técnica que possa descrever seu
objeto, elaborar hipóteses e deduzir suas leis.
O Direito é criação humana e nesse sentido um objeto cultural que necessita
da linguagem para ser descrito e comunicado.
A estrutura da linguagem da ciência do Direito deve ser dialógica, porque
deve referir-se à comunicação humana. Aliás, é da essência tanto da linguagem
quanto do Direito o caráter de intersubjetividade.
E a linguagem da ciência do Direito, como toda linguagem, é signo. O signo
isoladamente, o que torna a questão extremamente complexa, dada a possibilidade
de expressões plurissignificativas, a polissemia dos sentidos, a textura aberta, a
ambigüidade e a vaguidade.
Como diz Luis Fernando Coelho
364
, a linguagem do Direito postulará sempre
um esforço de interpretação, nada obstante posições doutrinárias em contrário.
361
Definição de Direito atribuída a Celso, jurisconsulto romano da antiguidade. O Direito é a arte do
bom e do eqüitativo”. Cf. LUIZ, Antônio Filardi. Dicionário de expressões jurídicas. São Paulo:
Atlas, 2002. p. 163. (grifo nosso).
362
O Direito compreendido como “linguagem, discurso e narrativa” é concebido por François Ost.
Veja-se a esse respeito OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. São
Leopoldo: UNISINOS, 2007. passim.
363
ADORNO, Theodor Wiesengrund. Teoria estética. Portugal: Edições 70, 2006. p. 21 et seq.
364
COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense,
1979. p. 186-187.
182
Além disso, a essa circunstância se acresce outra: essa linguagem se dirige
ao homem, ser complexo e contraditório.
Por outro lado, o Direito, conforme aponta Cornelius Castoriadis
365
, não se
contenta em defender posições instituídas, mas deve exercer, igualmente, funções
instituintes o que supõe criação imaginária de significações sociais, históricas e
culturais novas e de (des)construção das significações instituídas que a elas se
opõem.
Entendem-se, no entanto, que essas novas significações instituídas somente
são possíveis de realização, particularmente a sua aplicação no ensino do Direito, se
se constarem no currículo jurídico além de habilidades racionais, as habilidade
estéticas, afetivas, artística, sobretudo culturais.
Compreende-se, por isso mesmo, que um discurso invisível que subjaz o
ensino do Direito e o currículo jurídico, que se constitui na sua sintaxe cultural.
366
Desconsidera-se, freqüentemente, nas Instituições de Ensino Superior que
oferecem os cursos de Direito, na implantação de seus currículos jurídicos, essa
importante dimensão de sentido.
367
Por outro lado, preocupada com a formação de seu corpo docente, diante da
permanente busca entre a teoria e sua aplicação, o curso de Direito da Faculdade
de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP tem, por exemplo, em
seu currículo, disciplinas que o diferenciam no mercado, destacando-se entre elas: a
implantação na grade curricular a disciplina curricular denominada Criatividade”,
onde os alunos têm inclusive aulas de “Teatro”.
Essa disciplina encontra-se inserida no primeiro e no segundo semestre da
grade curricular do seu curso de Direito.
365
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2007. p. 404-418.
366
Apontamos aqui as reflexões de Miguel Reale, especialmente, suas obras Paradigmas da cultura
contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 1-19. O Direito como experiência: introdução à
epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. Horizontes do Direito e da História. São Paulo:
Saraiva, 2000; em especial os ensaios “Direito e cultura”, p. 292-296 e “A Teoria Egológica do
Direito”, p. 321-342.
367
Veja-se nesse sentido site: <www.faap.com.br>. Acesso: 10 jul. 2008. O currículo proposto para o
curso da FAAP visa aproximar o ensino jurídico das novas áreas e tendências observadas, no
Brasil e no mundo, que, direta ou indiretamente, repercutem não apenas no processo de formação
dos estudantes, mas no próprio ensino e na concepção do Direito moderno, constituindo-se, neste
aspecto, um paradigma positivo de currículo jurídico.
183
O currículo proposto para o curso da FAAP visa aproximar o ensino jurídico
das novas áreas e tendências observadas, no Brasil, e no mundo que, direta ou
indiretamente, repercutem não apenas no processo de formação dos estudantes,
mas no próprio ensino e na concepção do Direito moderno, constituindo-se, neste
aspecto, um paradigma de conteúdo cultural positivo de currículo jurídico.
Aponta-se, ainda, nessa investigação como paradigma de currículo de sintaxe
cultural, criado em Portugal, na década de 1980, por Manuel Ferreira Patrício.
368
O modelo de currículo cultural encara a escola numa perspectiva
multidimensional. O programa implantado na escola possui três dimensões, a saber:
a dimensão letiva, a extraletiva, e a interativa.
A primeira pelo modelo português é obrigatória e definida pelo plano de
estudos aprovados pelo Ministério da Educação português. A segunda e a terceira
são autoprogramáticas. Cada estabelecimento de ensino, através do seu conselho
pedagógico e traduzindo a vontade de professores e alunos, define o programa de
atividades de complemento curricular e as atividades de interação. São, no entanto,
duas dimensões de caráter curricular facultativo e livre para cada instituição de
ensino.
Por outro lado, a dimensão extraletiva expressão às atividades culturais
que por serem livres e facultativas, estão a jusante da dimensão letiva. A dimensão
interativa é a expressão dos momentos de interação da dimensão letiva e da
dimensão extraletiva com o envolvimento de toda a instituição de ensino.
A primeira dimensão diz respeito ao saber constituído, à herança cultural que
a instituição está encarregada de transmitir às novas gerações mediante a
configuração dos currículos. A segunda e terceira dimensões dizem respeito ao
saber a constituir e, nessa medida, exigem metodologias curriculares diferentes das
que são apanágio da dimensão letiva.
O trabalho de projeto e o trabalho independente são duas das metodologias
predominantes nas dimensões extraletiva e interativa.
368
PATRÍCIO, Manuel Ferreira. Lições de axiologia educacional. Lisboa: Universidade Aberta,
1990. p. 8-37.
184
Como se verifica, no modelo apontado a cultura constitui-se a finalidade e o
objetivo do currículo daquela instituição de ensino. Cada uma das dimensões tem
um papel a desempenhar na transmissão do legado cultural e na criação cultural.
Não se pode olvidar, por outro lado, ainda que a sintaxe de construção
cultural nos currículos escolares, visam configurar o processo de humanização e
capacitação permanente para a vida do educando, posto que promovem
desenvolvimento de todas as habilidades, incluindo-se, as habilidades afetivas,
estéticas e criativas visando preparação do aluno na sua perspectiva de
integralidade do ser humano.
Processo de aperfeiçoamento integral esse, cujas aptidões do ser humano,
por um lado, adquire conhecimentos, mas por outro, também desenvolve sua
capacidade intelectual, cognitiva, sensibilidade afetiva, social, cultural e psicomotora,
mas também, estética.
Ao incluir-se, dentre os pilares educacionais dos currículos do curso de
Direito, a habilidade estética, estar-se-á, portanto, acentuando a necessidade do
caráter abrangente, humanística e integrador da educação do homem. Nesse
sentido, educação jurídica, em especial seu currículo, assume-se na sua dimensão
pluridimensional, quando assegura o equilíbrio entre todos os domínios do
desenvolvimento e da aprendizagem humana, isto é, os domínios cognitivos, afetivo,
social, emocional, espiritual e estético.
Delinea-se, nesse sentido, a seguinte proposição: uma educação jurídica
embasada em 4 (quatro) pilares curriculares, a saber: habilidade cognitiva +
habilidade social + habilidade emocional + habilidade estética, presente em todos os
momentos da formação do indivíduo.
Daí decorre a necessidade de organizar nas instituições educacionais de
ensino superior, um currículo jurídico numa perspectiva pluridimensional. Onde haja,
de fato, espaço para todas aquelas dimensões e onde, para além do currículo
restrito, haja espaço e lugar para a dimensão da habilidade curricular estética do
Direito.
185
2 CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO
Não se educa somente para educar, mas também para
realizar um fim: aperfeiçoar, despertar o homem para o
mundo ou para sua liberdade, ajustar uma natureza,
construir o progresso coletivo, inventar...
Franc Morandi
369
2.1 Origem Etimológica do Termo Currículo
Etimologicamente
370
, a palavra currículo ou curriculum, nos Estados Unidos
e países de língua inglesa deriva da palavra latina curros (carro, carruagem) e de
suas variações curriculu (ato de correr) e curriculum (lugar onde se corre).
Há autores, como Flávia Terigi
371
que mesmo em língua portuguesa, preferem
manter a palavra latina curriculum, cujo plural é curricula, por se tratar de termo mais
utilizado na literatura específica. Especificamente nos documentos jurídicos e
oficiais, e na literatura pedagógica usa-se, porém, o termo currículo.
Na sua origem etimogica encontram-se, ainda, os substantivos cursus
(carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural de curricula, que
significa carreira, em forma figurada.
Disso derivam as expressões, tais como: cursus forensis (carreira de foro),
cursus honorum (carreira das honras), das dignidades funcionais públicas, sucessiva
e progressivamente ocupadas.
O termo cursus passa a ser usado, com variedade semântica a partir dos
séculos XIV e XV
372
, nas línguas, como o português, o francês, o inglês e outras,
como linguagem universitária.
369
MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 7.
370
MEILLET, Ernout A. Dictionaire etymologique de la langue latine. Paris: Libraire C. Klinscek,
1951.
371
TERIGI, Flávia. Notas para uma genealogia do curriculum. Revista Educação & Realidade, Porto
Alegre, v. 21, n. 1, p. 159-186, jan./jun. 1996.
372
Conforme aponta BERTICELLI, Ireno Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa
Vorraber et al. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
p. 159-175.
186
2.2 Dicionarização do Termo Currículo
O vocábulo curriculum
373
começou a ser empregado na linguagem comum e
na literatura em geral norte-americana, em meados do século XIX, para designar
processos de vida e desenvolvimento.
Pouco tempo depois, essa palavra passou a ser empregada tamm por
autores da área educacional, para nomear o conjunto de conteúdos a serem
estudados em um curso. Contudo, ao se percorrer a literatura sobre o conceito de
currículo encontram-se várias noções e concepções diferentes, tendo em vista que o
termo currículo não é unívoco.
José Augusto Pacheco
374
indica que, o termo currículo foi dicionarizado pela
primeira vez, em 1663, com o sentido de um curso, em especial um curso regular de
estudos numa escola ou numa universidade, sentido este que se impõe no vocábulo
educacional.
A definição do dicionário torna evidente que, por volta da metade do século
XIX, o uso comum da palavra, significando apenas um curso de estudos, estava
mais ou menos estabelecido e era aplicado rotineiramente não às disciplinas
estudadas nas escolas politécnicas e nas universidades, mas também aos níveis
pré-universitários de instrução.
375
Roberto Sidnei Macedo
376
aponta, por outro lado, que
O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos
culos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês, como
linguagem universitária. Contudo, a palavra curriculum é de uso mais tardio,
nessas línguas.
373
Nesse mesmo sentido, aponta-se o trabalho de mestrado de KISHIMOTO, T. M. J. Bruner:
contribuição para o desenvolvimento do currículo. 1976. Dissertação (Mestrado em Educação)
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de o Paulo, São Paulo,1976. p. 101-
111.
374
PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 29.
375
Dentre outros apontam-se STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarrollo del curriculum.
Madri: Morata; 1984. P. 29. JACKONS, Philip. Conceptions of curriculum and curriculum
specialistis. In: ______. (Ed.). Handbook of research on curriculum. New York: Macmillan, 1992.
p. 3-40. KEMMIS, Stephen. El curriculum: más allá de la teoria de la reproducción. Madrid:
Morata, 1988. p. 14, 32, 97. Este último escreve que a palavra currículo, como termo técnico em
educação, faz parte de um processo específico da educação da Universidade de Glasgow,
alargando-se, a partir do seu uso escocês e da transformação da educação na Escócia, a uma
utilização generalizada. Kemmis, p. 32.
376
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 22.
187
Em 1682 se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de
“cursinho”. Porém, a partir de 1824, o termo curriculum, com o sentido de um curso
de aperfeiçoamento ou estudos universirios, é traduzido, também, pela palavra, em
língua inglesa course.
Saliente-se, entretanto, que é somente no século XX que a palavra curriculum
migra da Europa, em especial, da Inglaterra para os Estados Unidos, sendo
empregada nessa ocasião, no sentido de curriculum vitae.
Sobre as origens conceituais da palavra currículo, a Enciclopédia Mirador
Internacional
377
traz a seguinte definição:
Currículo, do ponto de vista pedagógico, é um conjunto estruturado de
disciplinas e atividades, organizado com o objetivo de possibilitar seja
alcançada certa meta, proposta e fixada em função de um planejamento
educativo. Em perspectiva mais reduzida, indica a adequada estruturação
dos conhecimentos que integram determinado domínio do saber, de modo a
facilitar seu aprendizado em tempo certo e nível eficaz.
Percebe-se, no entanto, que essa definição restringe ontologicamente seu
conteúdo educativo a somente um documento escrito, supondo-se, contudo, pela
definição apresentada, inúmeros conceitos e construções, tais como: pedagogia,
disciplinas, objetivos, atividades, planejamento, domínio do saber (ciências
particulares), aprendizagem, eficácia de aprendizagem.
Embora conforme aponte Ireno Antonio Berticelli
378
, seja a partir de 1920, que
já se tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da
Segunda Guerra Mundial que vão aparecer as primeiras formulações conceituais
sobre o currículo com um maior grau de articulação”, conforme aponta Angel Diaz
Barriga
379
, começando a se delinear como produto da era industrial, já que se
verifica que a palavra migra da Inglaterra para os Estados Unidos, quando se
diversificam os saberes e as demandas de saberes emergentes.
377
ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. São Paulo/Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica do
Brasil Publicações, 1982. [verbete currículo].
378
BERTICELLI, Ireno Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber et al.
(Org.). O currículo nos limites do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 159-176.
379
BARRIGA, Angel Diaz. El currículo escolar: surgimiento y perspectivas. Buenos Aires: REI, 1992.
p. 16.
188
Fruto da modernidade, quando a unidade filosófica se rompe para dar origem
às mais diversas ciências particulares emergentes da técnica, o saber educacional
adquire a forma de uma ciência nova, a Pedagogia.
380
Nesse contexto, é que surge a idéia de currículo, como ordenamento de
saberes educativos, revelando a multiplicidade de saberes, correlatos de várias
ciências.
Crê-se que isso ocorre pelas razões que dizem respeito ao desenvolvimento
da tecnologia, uma das características marcantes da modernidade inaugurada por
Galileu, a qual passa por René Descartes, amadurece com Newton e se expande
definitivamente com a era industrial.
É a partir da era industrial, que se faz a produção do sentido atual de
currículo. Com o passar do tempo, no entanto, o significado de currículo dentro do
campo educacional diversificou-se de tal maneira, que alguns autores passaram a
usá-lo para designar a organização geral da escola; outros ainda, como o conjunto
de objetivos a serem perseguidos ou de procedimentos a serem usados.
Com essa diversificação, ocorreu naturalmente ampliação no sentido e
significado da palavra. Dado que ela passou a ser usada para nomear desde os
objetivos até os resultados pretendidos por um currículo abarcando tamm os
procedimentos ou experiências dos educandos seu significado passou, assim, a
abranger várias conotações, que poderiam ser sintetizadas, por exemplo, em
dimensão ética, dimensão teórica e dimensão prática. Essas dimensões de seu
significado refletiram-se nas dimensões educacionais abrangidas por ele,
atualmente.
O significado do termo currículo na dimensão ética, por exemplo, abarcaria:
por um lado, valores e atitudes referentes à instituição de ensino e à sua função,
380
Pedagogia designa a ciência da educação e a arte e a técnica de ensinar. De uma forma mais
geral, a Pedagogia é a reflexão sobre as teorias, os modelos, os métodos e as técnicas de ensino
para lhes apreciar o valor e lhes procurar a eficácia. A Pedagogia destina-se a melhorar os
procedimentos e os meios com vista à obtenção dos fins educacionais. Cf. MARQUES, Ramiro.
Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 145. Sob a perspectiva
cultural da Pedagogia, é preciso apontar a seguinte definição formulada por Henry Giroux: “A
Pedagogia é um modo de produção cultural implicado na forma como o poder e o significado são
utilizados na construção e na organização de conhecimento, desejos e valores (...) ela é definida
como uma prática cultural que deve ser responsabilizada ética e politicamente pelas estórias que
produz, pelas asserções que faz sobre as memórias sociais e pelas imagens de futuro que
considera legítimas”. GIROUX, Henry A. Praticando estudos culturais nas faculdades de educação.
In: SILVA, T. T. (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 100-101.
189
concepções sobre a natureza e função da educação e sobre a natureza dos alunos;
por outro lado, estariam diretamente ligadas às idéias filosóficas de seu usuário,
assim, intimamente relacionadas, nesse sentido, com os fundamentos filosóficos,
anteriormente descritos no capítulo primeiro deste trabalho. Portanto, imbricadando-
se, assim, com a Filosofia da Educação.
tamm a dimensão teórica, que inclui as várias opções teóricas e
científicas, que cada usuário do termo currículo faz para explicar de forma coerente
essa construção, tais como: a função da instituição de ensino, a natureza do
processo de aprendizagem e mesmo a natureza e a função da educação em relação
ao indivíduo e à coletividade e em relação destes com a sociedade.
Por sua vez, a dimensão prática do currículo preocupar-se-ia com a
organização e o funcionamento da instituição de ensino, em conformidade com as
diretrizes curriculares e institucionais do seu projeto-pedagógico e as opções
assumidas nas dimensões anteriormente citadas.
De acordo com esse conjunto de assunções, organizaria a parte prática do
currículo e de seu funcionamento, de maneira, a dar prioridade ao estudante, sua
formação e seu desenvolvimento, ou ao conteúdo das disciplinas, ou ao processo de
ensino, ou, ainda, às exigências culturais.
Portanto, diferentes concepções filosóficas, posições teóricas e maneiras de
conhecer a prática ligada ao currículo, além de objetivos e a formação dos autores
pertencentes a tradições diversas como veremos mais adiante, fazem com que não
exista um significado uno e nem uma definição dicionarizada do termo currículo que
seja aceita por todos. Logo, constituindo-se, a indicação da existência da polissemia
no seu conceito.
2.3 Conceito de Currículo e as Diferentes Tradições Curriculares
Embora se localize, por vezes, a origem etimológica do termo currículo na
Antigüidade clássica, o certo é que a realidade escolar sempre coexistiu com a
realidade curricular, sobretudo quando a escola se institucionalizou numa construção
cultural com fins socioeconômicos.
190
A palavra currículo, conforme assevera José Augusto Pacheco
381
, contudo, é
de origem recente e aparece com o significado tamm de organização de ensino,
querendo dizer o mesmo que disciplina.
Sob a perspectiva estrutural e formal o currículo é entendido como
organização e plano de ensino e curso e/ou conjunto de programas e de objetivos
educacionais. Nesse sentido, conforme apontam Christopher Winch e John
Gingell
382
, o currículo é um conjunto de atividades planejadas cuja elaboração
almeja a implementação de um objetivo educacional particular.
Interessante é a especulação de Ivor F. Goodson
383
ao associar a concepção
de currículo, no sentido de disciplina, baseando-se em idéias de David Hamilton
384
e apontando a emergência do currículo às origens do Calvinismo
385
:
Hamilton acredita que o sentido de disciplina ou de ordem estrutural que foi
absorvido pelo currículo veio não tanto de fontes clássicas, mas antes, das
idéias de João Calvino (1509-1564). À medida que os seguidores de
Calvino foram ganhando ascendente político e teológico, nos finais do
culo XVI, na Suíça, Escócia, e Holanda, a idéia de disciplina a
verdadeira essência do calvinismo começou a simbolizar os princípios
internos e a maquinaria externa do governo civil e da conduta pessoal. De
acordo com essa perspectiva, existe uma relação homóloga entre o
currículo e a disciplina; a primeira estava para a prática educativa calvinista
como a segunda para a prática social desta corrente de pensamento.
A vida seria, assim, uma corrida ou um trilho de corridas, para descrever a
trajetória, o percurso, a forma de vida que os seus seguidores deveriam
prosseguir.
386
381
PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 30.
382
WINCH, Christopher; GINGELL, John. Dicionário de Filosofia da Educação. São Paulo:
Contexto, 2007. p. 59.
383
GOODSON, Ivor F. Currículo em mudança: estudos na construção social do currículo. Portugal:
Porto Editora, 2001. p. 61.
384
HAMILTON, David. Learning about education: an unfinished curriculum. Princeton: Macgraw-Hill
Professi, 1990. p. 17, 39.
385
É preciso salientar que o pensamento de João Calvino (1509-1564) chegou ao Brasil em meados
do século XIX, trazido por missionários pietistas norte-americanos. O Calvinismo, filho do
humanismo renascentista, originário da França do século XVI, andou pela Suíça, Escócia, Estados
Unidos até chegar ao Brasil. Calvino foi o primeiro a propor a distinção entre igreja e Estado, sendo
por essa razão um dos precursores dos limites entre a ética da vida pública e a ética da vida
privada. Na sua concepção o Estado e tudo o que lhe diz respeito estariam na ordem da ética da
vida pública, enquanto a igreja, no século XVI, se encontrava nos limites da ética da vida privada.
Essa distinção foi fundamental para o surgimento dos Estados nacionais, especialmente o da
França, para o nascimento do Estado laico e da moderna democracia ocidental. Nesse sentido
apontamos a obra de SILVESTRE, Araújo. Calvino e a resistência ao Estado. São Paulo:
Mackenzie, 2003. passim.
191
Sob a perspectiva calvinista o currículo é visto como uma maneira de
organizar e controlar. Os ideários da formação, cultivam, desde então, sua função
de controle. Aspecto esse assaz importante, para as elaborações dos teóricos
críticos do currículo, como se verá mais adiante.
O conceito de currículo, ao longo dos anos, no entanto, vai sofrendo uma
erosão natural que o tem transportado, desde sua concepção etimológica restrita -
como visto anteriormente e, entendido como plano de instrução, até uma
concepção mais aberta de projeto de formação, no contexto de uma dada
organização educacional, enquanto projeto e finalidade de escolarização.
A doutrina educacional atribui a essa polissemia e erosão semântica do
conceito de currículo duas tradições diferentes:
- na primeira originária de uma perspectiva cnica
387
de conceber a
escola e a formação, define-se currículo no plano formal de organizar a
aprendizagem num contexto organizacional, previamente planificado, a partir de
finalidades e com determinações de condutas formais precisas, por meio da
formulação de objetivos.
Inserem-se, nessa tradição, as definições que apontam para o currículo como
conjunto de conteúdos a ensinar (organizados por disciplinas, temas, áreas de
estudo) e como plano de ação pedagógica, fundamentado e implementado num
sistema tecnológico.
O currículo assim constituído exprime o sentido de uma súmula de exigências
acadêmicas, decorrentes do tradicionalismo acadêmico das disciplinas que
constituem a alma curricular, e transforma-se num legado tecnológico e eficientista.
Nesse sentido, apontam as definições de Ralph Tyler
388
e Louis D'Hainaut
389
que, dentre outros, reduzem o currículo a uma mera intenção prescritiva, situada no
plano do que deve ocorrer. Ou ainda, do que tem que ser feito, de uma formação
antecipadamente determinada em termos de resultado de aprendizagem,
386
Esse mesmo sentido é apontado por DOLL JÚNIOR, William E. Currículo e controlo. Revista de
Estudos Curriculares, Braga, Portugal, v. 2, n. 1, p. 7-40, 2004. Disponível em:
<www.iep.uminho.pt/gec/>. Acesso em: 10 out. 2008.
387
Saliente-se que essa perspectiva tem início formal na Idade Média, pelo ensino do Trivium e
Quadrivium.
388
TYLER, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino. Tradução de Leonel Vallandro. Porto
Alegre: Globo, 1976. p. 8-37.
389
D‟HAINAUT, Louis. Educação: dos fins aos objetivos. Lisboa: Almedina, 1980. p. 21.
192
geralmente traduzida num plano de estudos, ou de um programa, estruturado e
organizado na base de objetivos-conteúdos-actividades-avaliação e de acordo com
a natureza das disciplinas.
Louis D'Hainaut
390
, nesse sentido, define currículo como sendo:
Um currículo é um plano de ação pedagógica muito mais largo que um
programa de ensino [...] que compreende, em geral, não somente
programas, para as diferentes matérias, mas também uma definição das
finalidades da educação pretendidas.
Pela perspectiva ora apontada, o currículo representa algo de muito
planificado que se oferece aos alunos sob a tutela da escola, e será implementando
na base do cumprimento das intenções previstas, constituindo os objetivos que
expressam a antecipação de resultados, e os conteúdos a ensinar os aspectos
fundamentais para a sua definição.
Essa tradição técnica entronca-se, ainda, no pensamento curricular de
Franklin Bobbitt
391
para quem o currículo é
Todo o leque de experiências, sejam elas dirigidas ou não, que visam o
desdobramento das capacidades dos indivíduos; ou é a série de
experiências instrutivas conscientemente dirigidas que as escolas usam
para completar e aperfeiçoar o desdobramento.
John Franklin Bobbitt
392
propõe, contudo, alguns objetivos como elementos
estruturantes do processo educativo, a saber:
Quando o currículo é definido como incluindo tanto experiências dirigidas
como não-dirigidas, então os seus objetivos o todo o leque de
capacidades humanas, hábitos, sistemas de conhecimento etc., que cada
indivíduo deve processar.
John Franklin Bobbitt
393
resume a compreensão do conceito de currículo às
atividades e experiências que se circunscrevem à educação; é
O processo de crescimento na direção certa. Os objetivos são as metas do
crescimento. As atividades e experiências do aluno são os passos que
completam a sua jornada DNA direção a estas metas. As atividades e
experiências são o currículo.
390
D‟HAINAUT, Louis. Educação: dos fins aos objetivos. Lisboa: Almedina, 1980. p. 21.
391
BOBBITT, John Franklin. The curriculum. New York: Houghton Mifflin, 1918. p. 43
392
Ibid., p. 42, 81.
393
Ibid., p. 81-83.
193
Sob a perspectiva da organização da administração acadêmica
universitária
394
, pode-se definir currículo como a decomposição dos conhecimentos
necessários à formação acadêmica do estudante em unidades de ensino, pesquisa
e extensão”.
Esta definição indica, assim, o sentido dinâmico que tem o currículo, do geral
para o particular, tendo como menor particularidade, a unidade de ensino, e como
maior generalidade, a formação acadêmica.
Sob o enfoque particularizante, entretanto, os conhecimentos são
apresentados em unidades de ensino denominadas disciplinas; porém, no enfoque
generalizante, o conjunto de conhecimentos assume a forma de um todo complexo e
multivalente: o curso.
Essa decomposição dos conhecimentos pode ser visualizada sob duas óticas:
Sob a ótica sintética, pela qual são identificados:
a) em primeiro lugar, os campos ou setores do conhecimento que integram a
formação acadêmica necessária para o curso: são as matérias;
b) em segundo lugar, as unidades em que serão ministradas as matérias ou
campos do conhecimento: são as disciplinas.
Sob a ótica analítica, pela qual os conhecimentos são organizados de forma
planejada, com a indicação das cargas horárias em que serão ministrados, da
metodologia que será utilizada, dos recursos humanos e materiais que serão
alocados são os planos de ensino.
Sob esse enfoque os currículos devem ser organizados, assim, em rigorosa
obediência a uma seqüência lógica, desde os objetivos do curso a os
procedimentos didáticos de sua ministração.
No currículo as etapas se sucedem da seguinte forma:
a) definição de objetivos:
a.1) análise institucional;
a.2) análise ocupacional;
a.3) análise de atividades;
394
Sob a perspectiva acadêmica universitária a definição é apresentada por Nelson de Figueiredo
Ribeiro, na obra Administração acadêmica universitária. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1977. p. 139.
194
b) identificação dos campos ou unidades do conhecimento;
c) estruturação em unidades disciplinares;
d) definição de cargas horárias;
e) definição de procedimentos didáticos.
- na segunda tradição, inserida numa perspectiva prática e emancipatória
de inter-relação dos diversos contextos de decisão, define-se currículo como um
projeto que resulta não do plano de intenções, bem como do plano de realização
no seio de uma estrutura
395
organizacional.
Na tradição emancipatória encontram-se as propostas, por exemplo, de
Schawab, Smith, Foshay, Rugg, Caswell, J. Gimeno Sacristán
396
, Kemmis, Henry A.
395
Estrutura (do latim structura) é o conjunto de elementos que formam um sistema, um todo
ordenado de acordo com certos princípios fundamentais. É a forma ou modo de ordenação desse
sistema, considerado em abstrato. Ex: a estrutura do sistema educacional ou a estrutura das
diretrizes curriculares instituídas pela norma educacional. Saliente-se que a idéia de estrutura e
sistema, enquanto complexo de elementos em interação é, quer se queira quer não, um conceito
inerente da Filosofia. No entanto, se por um lado, entende-se por estrutura algum conjunto ou
grupo de elementos relacionados entre si segundo certas regras, ou algum conjunto ou grupo de
elementos funcionalmente correlacionados. Por isso também o conceito de função é importante
para a estrutura. Os elementos em questão são considerados mais ou menos como partes. Assim,
os membros de um todo desse tipo cumprem requisitos assentados por todos. Por outro lado, uma
estrutura pode ser entendida como um conjunto ou grupo de sistemas. A estrutura o é então
uma realidade “composta” por membros; é um modo de ser dos sistemas, de tal modo que os
sistemas funcionam em virtude da estrutura que têm. Desse modo, podem existir vários sistemas.
Um desses sistemas pode, aliás, servir de modelo para o outro. Podem, também, existir regras de
transformação que permitam que se passe de um sistema para o outro. Com efeito, a noção de
estrutura, foi entendida pelos filósofos nos dois sentidos. Contudo, uma tendência de se adotar
a segunda forma que é, além disso, aquela que é própria dos que se consideram estruturalistas.
Cf. MORA, Ferrater J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. p. 917-921. (Tomo II).
[verbete estrutura]. É preciso salientar, entretanto, que na doutrina filosófica denominada
estruturalismo, considera-se a noção de estrutura fundamental como conceito teórico e
metodológico e que tem como procedimento a determinação e a análise das estruturas. Tem como
autores importantes, vi-Strauss, Jacques Lacan, Louis Althusser, Saussurre, Michel Foucault,
Jacques Derrida, Roland Barthes, Jean Piaget, Noam Chomsky.
396
A obra de J. Gimeno Sacristán, professor catedrático de Didáctica da Universidade de Valencia, na
Espanha, deve ser destacada dentro da doutrina educacional. Destaca-se nela, a obra O currículo:
uma reflexão sobre a prática, pois nela o autor apresenta uma descrição reflexiva dos processos
por meio dos quais o currículo se transforma em prática pedagógica contextualizada. Com efeito,
Gimeno, nesta obra de leitura obrigatória para os investigadores atentos à questão curricular,
apresenta a importante questão da cultura e do momento histórico em que se cria e se aplica no
currículo. Traz ainda como reflexão a necessidade de conscientização da Filosofia, nas questões
curriculares, e também apresenta as crenças que embasam a política curricular e que, no seu
entendimento, determinam as práticas do quotidiano escolar. Aborda ainda a relação estreita entre
formação docente, cultura e procedimentos a serem utilizados com os alunos. A iia central da
obra é, justamente, criticar a falta de qualidade dos sistemas educacionais trazendo como proposta
as reformas curriculares que passem necessariamente pelo aperfeiçoamento do professor no
contexto sociocultural e a conscientização do currículo oculto. Veja-se SACRISTÁN, José Gimeno.
O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. cap. 6, p. 147-160; cap. 7,
p. 165-194.
195
Giroux, que dentre outros, apontam para o currículo, ora como o conjunto das
experiências educativas e culturais, vividas efetivamente pelos alunos, dentro do
contexto escolar, dependentes de intenções prévias, ora como propostas bastante
flexíveis, que permanece aberto e dependente das condições da sua aplicação.
Expressa bem essa tradição a definição apresentada por Lawrence
Stenhouse
397
para quem:
Um currículo é uma tentativa de comunicar os princípios e aspectos
essenciais de um propósito educativo, de modo que permaneça aberto a
uma discussão crítica e possa ser efetivamente realizado.
Por essa perspectiva epistemológica aberta, a construção do currículo
depende, por conseguinte, do significado da experiência que se torna na pedra
angular da educação e que é uma das idéias estruturantes da Escola Progressista
norte-america que tem em Jonh Dewey
398
um de seus principais inspiradores, ou
ainda da Escola Nova.
399
397
STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarollo del curriculum. Madrid: Morata, 1984. p. 29.
398
Jonh Dewey (1859-1952). Filósofo e pedagogo norte-americano. Nasceu em Burlington, estado de
Vermont. Foi, inicialmente, professor primário no interior e a partir da reflexão pedagógica
desenvolveu seu pensamento. Lecionou na Universidade de Minnesota (1888), Michigan (1889-
1894), Chicago (1894-1904) e, finalmente, passou a chefiar o Departamento de Filosofia da
Columbia University, em Nova Iorque (1904-1929), onde Anísio Teixeira (1900-1971), educador
brasileiro, foi seu aluno e seguidor de suas idéias no Brasil, cujas bases encontram-se no
Escolanovismo. Do ponto de vista filosófico, pode-se situar Dewey entre os empiristas (ele preferia
os termos instrumentalistas ou experimentalistas) mas, seu empirismo apresenta traços originais
que deve tanto a tradição americana. Dewey foi influenciado por Charles Sanders Peirce (1839-
1914) e por William James (1842-1910) quanto ao modo de vida americano e à sua própria
experiência pedagógica. Como empirista clássico, Dewey afirma que todo conhecimento autêntico
procede da experiência, mas a experiência para ele, não é uma simples recepção passiva de uma
grande quantidade de impressões. A experiência é ao contrário, uma operação ativa, inicialmente
uma resposta do organismo e depois da personalidade e da inteligência às solicitações do meio.
Dewey em suas obras − dentre elas destacamos [Interesse e esforço (1895), A criança e o
programa escolar (1902), Como pensamos (1910), Democracia e Educação (1916)] −, refere-se a
um novo individualismo, baseado na moral da plena realização de si mesmo, que não seria
privilégio de alguns, mas objetivo de cada um, e a partir do qual se constituiria uma sociedade em
que todos e cada um poderia desenvolver-se dentro de suas potencialidades.
399
Escola Nova (Escolanovismo) surge nos fins do século XIX na Europa e nos EUA. Este movimento
opunha-se às práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visando uma educação que pudesse
integrar o indivíduo na sociedade e, ao mesmo tempo, pudesse ampliar o acesso de todos à
escola. O escolanovismo desenvolveu-se no Brasil no momento em que o país sofria importantes
mudanças econômicas, políticas, culturais e sociais. O acelerado processo de urbanização e a
expansão da cultura cafeeira trouxeram o progresso industrial e econômico para o país, pom,
com eles surgiram graves conflitos de ordem política, social e jurídica, acarretando uma
transformação da mentalidade intelectual brasileira. No cerne da expansão do pensamento liberal
no Brasil, propagou-se o ideário escolanovista.
196
Academicamente, ambas as tradições o formas diferentes de conceituar o
currículo, porém não podem ser entendidas como realidades distintas e dicotômicas
de uma mesma prática.
Por outro lado, adotando-se uma perspectiva epistemologicamente negativa e
absolutamente niilista e que reduzem o conceito de currículo a mera mercadoria.
Na literatura educacional
400
, pode-se citar as seguintes frases colhidas no
ambiente educacional que refletem essa perspectiva mercantilista: o segredo e
alma do negócio promissor da educação, tudo que acontece no convívio escolar,
grau de limpeza dos corredores da escola”, etc.
Nesse cenário de equívocos, o currículo é tudo ou nada, e o prejuízo ético,
político, social, cultural, jurídico e, sobretudo, formativo, é fácil de ser anunciado,
constituindo-se, nesse sentido, em compreensões epistemológicas de currículo
reducionistas e empobrecedoras de todo o seu real sentido e alcance.
O que torna evidente porque se está vivendo num ethos
401
e num habitus
sócio-cultural-pedagógico, especialmente na área do ensino do Direito, que
preferência ao paradigma tecnicista e eficientista de currículo jurídico, à coisificação,
ao sistema pré-montado e mercantil de currículo.
Corrobora esse entendimento Eduardo C. B. Bittar, ao investigar em sua obra
O Direito na Pós-modernidade
402
, a crise existente no âmbito da prática do ensino do
Direito, assim afirma:
Num quadro complicado de mercantilização do ensino superior, no atual
contexto de liberdade de ensino, e de neoliberalismo nas políticas
definidoras da qualidade de ensino, a banalização do saber jurídico tornou-
se presente.
Por isso entende-se que é preciso superar o modelo de currículo na educação
concebido por Frederick Taylor
403
. Agora é a fase de superação de taylorização que
400
Exemplos colhidos na obra de MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa.
Petrópolis: Vozes, 2007. p. 17.
401
A expreso Ethos designa clima da instituição de ensino. Diz-se que uma escola tem um ethos
democrático e participativo quando oportunidade para que todos os intervenientes no processo
educativo possam participar na tomada de decisões. Por outro lado, diz-se que a escola tem um
ethos autoritário quando os processos deliberativos estão concentrados numa pessoa. MARQUES,
Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 66.
402
BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 379.
403
TAYLOR, Frederick W. Princípios da administração científica. São Paulo: Atlas, 1970. p. 27 et
seq.
197
deu péssimos resultados, sem contar que o tempo que se propôs foi perdido, porque
a lógica da aprendizagem é diferente da lógica da produção de fábrica.
Alunos não são peças para serem trabalhadas por professores/operários na
esteira dos currículos de montagem da escola. Sobretudo, porque esse paradigma
de currículo é elaborado em detrimento da dignidade da pessoa humana
404
e de
suas demandas de formação integral, humanística, cultural e histórica do educando;
em detrimento, inclusive, de contextos de complexidade, de interdisciplinaridade e
de transdisciplinaridade que são indispensáveis para que as incertezas e
transformações do nosso século sejam enfrentadas.
Ora, quando se critica o mundo contemporâneo pela frieza das relações do
mundo tecnológico, pela apolicidade dos cidadãos, pela deformação ética da
política, é importante não olvidar que os sujeitos dessas relações são frutos da
educação e moldados num sistema educacional que vai das primeiras séries até o
curso superior, que incita a violação desse princípio maior da dignidade da pessoa
humana.
Sob esse aspecto cumpre salientar que um dos conceitos determinantes,
construídos no pós-guerra com maior precisão, e tornado fonte de inspiração para a
construção dos sistemas jurídicos constitucionais contemporâneos é o conceito de
“dignidade da pessoa humana”.
O valor da dignidade da pessoa humana elevado a Princípio Fundamental da
Carta Constitucional do Brasil de 1988
405
, nos termos do art. 1º, inc. III impõe-se
como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e
parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema
constitucional em 1988.
406
A quebra da dignidade, sobretudo, tipificada no ensino, corresponde à
violação de reinvidicações pautadas nos Direitos Humanos, pois qualquer política
pública, qualquer meta governamental, qualquer sistema político, especialmente, o
404
Miguel Reale revela que toda cultura possui um centro próprio de valores, ou antes, “vários centros
de valor” secundários dispostos em torno de um valor fundamental, porquanto na sucessão dos
ciclos culturais, um valor se revela essencial: o da pessoa humana, que é o valor-fonte. Com
efeito, indica REALE o valor da “pessoa” não pode ser desligado do “social”, pois é somente na
sociedade que o homem é capaz de se reconhecer como pessoa. REALE, Miguel. Horizontes do
Direito e da História. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 295 (grifo nosso).
405
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 29 ed. atual. e
ampl. São Paulo: Atlas, 2008. Art. 1, inc. III, p. 1.
406
Cf. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 44.
198
sistema educacional, embora tenha liberdade de ação, deve respeitar certos
patamares mínimos de condições.
2.3.1 Currículo na Antigüidade Clássica
Os escritos de Platão e Aristóteles, na Antiguidade Clássica, demonstram
como as questões do currículo estavam presentes em seu horizonte de reflexão,
tal como as questões pertinentes à educação.
Conforme assevera Roberto Sidnei Macedo
407
havia neste período clássico grego, uma preocupação evidente em
construir a formação educacional do homem através de uma organização
dos conteúdos do conhecimento por áreas distintas do saber.
Platão elabora uma análise crítica e propositiva daquilo que era ensinado na
sua época, apresentando inclusive propostas curriculares sobre o que entendida por
necessário à prescritividade da educação.
Em Platão, assim como em Aristóteles ambos luminares incontestáveis que
autorizam os estudiosos a remontar o currículo à Grécia Antiga , currículo era o
termo que utilizavam quando queriam referir-se aos temas ensinados. Portanto, num
sentido bem próximo daquele que emergiu da Modernidade.
É preciso salientar que o ideal curricular em Atenas era o da Paidéia.
Em Leis, Platão
408
lembra que a cultura pessoal, que une a educação dada
por um Estado e a conduta de cada um, advém aos melhores homens como o
primeiro dos privilégios”. Contudo, como se observa, a educação na sociedade
grega consistia num verdadeiro projeto coletivo entre vida pessoal e vida coletiva.
Paiia, entretanto, é mais do que educação ministrada somente nas escolas,
é mais do que mera organização curricular, ou seja, por disciplina do saber: é um
ideal comum, que só se realiza integralmente na cidade, microcosmo do Universo.
Em Protágoras
409
, Platão configura o currículo, organizado sob uma
perspectiva disciplinar, como orientação curricular, inserido no contexto amplo
407
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 33.
408
PLATÃO. Das Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. p. I, 662 b.
409
Id. Diálogos: Protágoras, Górgias, Fedão. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA,
2002. p. 71.
199
educacional, a saber: instrução moral desde a mais tenra idade, aprendizado da
leitura e da escritura na escola, conhecimento de ritmo e harmonia pela poesia e
pelos instrumentos, ginástica e ensino da moralidade pública como extensão do
processo educativo.
Entretanto, a obra revela que a educação não acaba com o término do
currículo escolar: o jovem que conclui seus estudos e passa a participar da vida
pública deve estudar as leis a fim de que elas lhes modelem as atitudes.
Equivalente à educação superior hodierna, a efebia
410
correspondia, na
escola grega, ao ensino técnico de diversas especialidades, mas com especial
atenção à arte da retórica, filosofia e medicina.
Nesse sentido, procedeu Platão na República
411
e nas Leis
412
, organizando a
educação do ponto de vista da matriz curricular, fornecendo uma base comum a
todos os cidadãos de ambos os sexos aos 20 anos, sucedendo-se, da seguinte
forma: a educação infantil, dos três aos cinco anos, composto de jogos, contos e
fábulas seguidas; entre os sete e os 10 anos, pela aprendizagem das letras a
leitura e a escrita e pela introdução da aritmética e da geografia, cujo estudo se
prolonga a os 16 anos, acrescido da poesia e da música. Ainda, a dança e a
ginástica, que, como educação do corpo estão presentes desde o início e são
complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais.
A esse ciclo com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria
sucede, para os que se revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática
centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na
harmonia.
Demonstra-se assim, que o currículo nessa época se define como um plano
de estudos”, mas não deixa de conter a inspiração que motivou a perspectiva
disciplinar, ou seja, organizar a formação do homem, pela distinção das áreas do
saber.
410
O termo “efebo” (do grego ephebos, pelo latim ephebus) significa: “1. Na Antigüidade grega, jovem
que atingiu a puberdade, adolescente de 18 anos submetido pela cidade a certas obrigações
religiosas ou militares. 2. Na Roma antiga, membro do colégio militar, livre e geralmente da
aristocracia”. GRANDE Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova
Cultural, 1999. p. 349.
411
PLATÃO. A República. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 539a, 539b,539c,539d, 539e, 296-298.
412
Id. As Leis: incluindo Epinomis. Bauru: EDIPRO, 1999. Livro I, p. 91; Livro II, p. 112, 117, 126;
Livro V, p. 203; Livro VII, p. 275-321.
200
Aristóteles, em A Política
413
, formula questões que se situam no âmbito do
que hoje denominamos currículo, designadamente sobre aquilo que julgava devesse
ser apreendido pelos alunos.
É preciso salientar, entretanto, que essas formulações situadas no âmbito
curricular diziam respeito somente aos cidadãos livres, e particularmente aos
homens, não a outras camadas sociais. A respeito das mulheres ele não diz nada,
mesmo que pareça apreciar sua contribuição para vida da cidade e sua importância
para a família.
414
Seu objetivo principal é a instrução dos futuros cidadãos de um regime
perfeito e são, aqueles que, em virtude da idade, não adquiriam ainda seus plenos
poderes políticos (ateleis politas).
415
Ao introduzir princípios que regulam a procriação, Aristóteles por meio de sua
teoria fisiopedagógica, tentou pôr em controle o primeiro componente da educação,
a natureza. Ao designar todas as medidas indispensáveis à alimentação, o filósofo
examina o segundo componente da educação, o hábito.
416
Mediante esse segundo elemento, a criança se prepara para receber a
influência de um terceiro elemento, a escola.
417
De tal modo, alcançar-se-á, na visão
do filósofo, a virtude com a colaboração desses elementos: a natureza, o hábito, o
ensino (physei, ethei, didachê).
Nesse sentido, é preciso considerar tamm o exame correto do termo ensino
que se constitui, igualmente, a essência da problemática educacional.
Ao abordar a questão, Aristóteles a entender
418
então, que o currículo
existente deverá ser transformado e que o ensino das quatro matérias reconhecidas,
que se tinha por hábito ministrar aos jovens leitura e escrita (gramma,
grammatikên), ginástica (gymnastikên), música (mousikên) e desenho (graphikên),
413
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. passim.
414
Ibid., 1260b p. 9-25. Onde ele declara, unicamente, que é preciso educar as mulheres para o bem
da cidade.
415
Ibid., 1275 a p. 14-18.
416
Conforme indica Antoine Hourdakis, o termo em grego antigo é ethos, de onde vem também
etimologicamente o termo ética. Aristóteles e a Educação. São Paulo: Loyola, 2001. p. 38.
417
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. p. 1179 b 20-21.
418
Essa nossa interpretação vem da leitura na obra aristotélica, especialmente em A Política, das
seguintes passagens: 13337 b 25-26, 13338 a 15-17, 1338 a 15-17, 1338 a 37-41.
201
que, contudo, não eram naquela época ensinados de forma sistemática, deveriam
tornar-se objeto de legislação.
Aristóteles preocupa-se ainda, do ponto de vista curricular, tamm com a
ordem de prioridades na instrução e na educação. Assim, como a formação baseada
nos hábitos deve vir antes da formação baseada na razão, o exercício do corpo deve
vir antes do exercício do espírito.
Aristóteles enxerga o aluno como um todo, na sua constituição de um
organismo integral e sistêmico, porém, entende
419
que o objetivo último e universal
da educação consiste em formar um homem honesto, capaz, corajoso, justo e
disciplinado.
Conclui-se que a obra educativa desse filósofo procura harmonizar a paidéia
com a politéia, uma vez que, segundo ele, existe uma natureza política do homem,
construída, porém, na unidade da cidade e segundo uma organização política a que
se liga a Pedagogia tanto em seu objeto como em seu “programa.
Por via de conseqüência, a finalidade de todo legislador é tornar os cidadãos
bons e seu dever, portanto, é legislar sobre a educação
420
e, conseqüentemente,
sobre o currículo.
Aristóteles ensina que não existe Pedagogia independentemente da política.
Assim, para que uma cidade virtuosa possa depender de seus cidadãos, importa
que a educação os torne a todos bons e virtuosos.
Nesse sentido, a ética tem como objeto, em Aristóteles, uma descrição
completa da maneira pela qual a razão pode penetrar e dirigir a atividade humana.
Quanto à virtude, o filósofo
421
considera-a, uma disposição adquirida da vontade:
Aquele que conserva a justa medida é, de algum modo, um homem verdadeiro.
A ética, por ser uma busca, cumpre ensinar a agir não em sentido geral e
abstrato, mas nos casos concretos e particulares da vida. O ato humano é, nesse
sentido, uma escolha refletida, uma deliberação e uma decisão.
419
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. passim. Também em A Política.
São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 68.
420
Id. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 68.
421
HOURDAKIS, Antoine. Aristóteles e a Educação. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo:
Loyola, 2001, p. 38.
202
A educação em Aristóteles se faz, portanto, pelo conhecimento de que o
homem é o elemento construidor. Assim sendo, como disposição do homem, ela
deve realizar-se ao passar da potência para o ato.
O sistema educacional era, para Aristóteles, parte integrante do sistema
estatal, porém, relativamente à educação de nível superior, a obra de Aristóteles,
não enseja maior precisão de idéias.
É possível afirmar, contudo, que essa educação superior compreendesse do
ponto de vista curricular, as disciplinas de matemática, devido ao raciocínio dedutivo,
a astronomia, o estudo das ciências e a dialética, conteúdos curriculares
desenvolvidos em sua própria escola.
Comprova-se, portanto, desde os primórdios uma preocupação em discutir a
perspectiva disciplinar como orientação curricular, ou seja, construir a formação do
homem, pela da organização dos conteúdos do conhecimento por áreas distintas do
saber. Idealizando-se, assim, um extenso e demorado plano de estudos em que
deveria se basear a formação do homem.
Dessa maneira, fornecendo uma base comum de formação aos cidadãos.
2.3.2 Currículo na Idade Média
Essa inspiração que motivou a perspectiva disciplinar do currículo vai sofrer, a
partir de Marciano Capella (410-239), uma reorganização, com a organização
curricular de ensino, pautado pelo Trivium e pelo Quadrivium. As denominadas “sete
artes liberais”
422
repartidas entre a organização curricular do trivium (onde
organizam-se as áreas da gramática, retórica, dialética) e quadrivium (onde
organizam-se as áreas da aritmética, música, astronomia, geometria), bem como a
ciência sagrada (que mais tarde seria denominada Teologia).
Segundo apontam Giovanni Reale e Dario Antiseri
423
, nessa época, eram
ensinados, no currículo a filosofia e a teologia, ou seja, um conjunto de doutrinas
denominado Escolástica.
424
422
O termo artes liberais refere-se, na Idade Média, ao conjunto de disciplinas curriculares ensinadas
nas escolas.
423
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: patrística e escolástica. São Paulo:
Paulus, 2003. p.121.
203
Escolástica é a mais alta expressão da filosofia cristã medieval. Desenvolveu-
se a partir do século IX, teve seu apogeu entre o século XIII e início do XIV, entrando
em decadência até o surgimento do Renascimento.
Conforme aponta Maria Lúcia de Arruda Aranha
425
Chama-se escolástica por ser a filosofia ensinada nas escolas. Scholasticus
foi professor de artes liberais e mais tarde de filosofia e teologia.
Oficialmente é chamado magister.
No entanto, num sentido mais amplo lhe conferem Jacques Le Goff e Jean-
Claude Schimitt. Para Le Goff
426
o termo “escolástica” designava:
O magistério de um corpo de profissionais que se apoiava sobre o
estatuto sancionado pelo papa e se compunha de mestres encarregados de
comentar textos consagrados. O trabalho do mestre era supervisionado pelo
corpo institucional, que prescrevia os textos que deviam ser comentados
(legere) e condenavam quaisquer desvios, como a leitura de livros
proibidos. Assim foi confirmada a interdição de alguns livros de Aristóteles e
renovada a condenação de certos desvios doutrinais.
A universidade medieval e a escolástica eram ligadas uma a outra. A
universidade formada por um corpo curricular fechado e estanque, constituído pelos
mestres e a escolástica o ensino magistral que a universidade tinha por função
proporcionar. Viviam uma para outra: não havia universidade sem escostica, nem
escolástica sem universidade.
Vale dizer, num currículo disciplinar bem definido, com referências de aspecto
social, histórico, jurídico, cultural e fundamento especialmente filosófico.
Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média juntamente com a
imposição de um conhecimento mediado predominantemente pela e se prolonga
no Iluminismo.
427
Convencidos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua
424
Severino Boécio (480-524) é considerado o primeiro dos escolásticos e, portanto, uma figura-chave
no início da Idade Média. Seu objetivo era tornar conhecida aos latinos a cultura grega, por meio de
traduções e comentários, como por exemplo, a obra de Aristóteles.
425
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996. p. 73.
426
LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude. (Org.). Dicionário temático do ocidente medieval.
Bauru: EDUSC; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 367-368.
427
Iluminismo é o movimento filosófico, também conhecido como Esclarecimento, Ilustração ou Século
das Luzes, que se desenvolve particularmente na França, Alemanha e Inglaterra do século XVIII,
caracterizando-se pela defesa da ciência e da racionalidade crítica, contra a fé, a superstição e o
dogma religioso. Apresentando ainda uma dimensão literária, artística e política. No plano político
defende as liberdades individuais e os direitos do cidadão contra o autoritarismo e o abuso de
poder. Os iluministas consideravam que o homem poderia se emancipar através da razão e do
saber, ao qual todos deveriam ter livre acesso. O racionalismo e a teoria crítica do pensamento
204
totalidade pela compreensão humana, para os educadores daquela época a saída
era dividir, ou seja, fragmentar o conhecimento em áreas do saber.
2.3.3 Currículo na Modernidade
Na sua versão moderna, o currículo consolidou-se na virada do século XIX
para o século XX
428
, em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma
estrutura didática para sua transmissão (aquilo que os gregos denominam Paidéia,
desembocando no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”).
No entanto, conforme aponta Antônio Nóvoa
429
, que apesar de todas as
inovações que ocorreram ao longo do século XX, esse rculo coerente, e essa
estrutura curricular, mantiveram-se estáveis, porém, se revelaram incapazes de
responder às novas necessidades educativas.
Ademais afirma Ivor F. Goodson
430
, que o termo currículo, como maneira de
organizar e controlar os ideários de formão tinha surgido a partir da escola
calvinista, entre escoceses e holandeses.
Entretanto, em comparação com a configuração curricular da Antigüidade
Clássica e a perspectiva calvinista, é interessante notar, que desde os seus
primórdios, o termo currículo denota uma maneira de organizar e controlar os
ideários de formação, exercendo dessa forma, sua função de controle, aspecto esse
que foi objeto de críticas dos teóricos curriculares como veremos mais adiante.
A emergência da palavra curriculum, no sentido que modernamente
atribuímos ao termo está ligada, no entanto, a preocupações de organização e
método.
Nesse sentido, são os americanos a construir a configuração de currículo
como hoje se conhece, baseado numa perspectiva tecnicista e cientificista de
organização.
contemporâneo podem ser considerados herdeiros da tradição iluminista. Veja-se JAPIASSÚ,
Hilton; MARCONDES, Danilo. (Org.). Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1996. p. 137-138.
428
Conforme bem salienta Roberto Sidnei Macedo, na sua obra Currículo: campo, conceito e
pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 34.
429
NÓVOA, Antônio. Currículo e docência: a pessoa, a partilha, a prudência. In: GONÇALVES, E.;
PEREIRA, M.; CARVALHO, M. (Org.). Currículo e contemporaneidade: questões emergentes.
São Paulo: Alínea, 2004. p. 18-29.
430
GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 32.
205
Corrobora com esse entendimento Roberto Sidnei Macedo
431
, ao afirmar que:
São os americanos que vão forjar a concepção de currículo como
modernamente conhecemos, dando-lhe a feição de um instrumento
comprometido com os ideais científicos e administrativos do início do século
XX.
É neste contexto que John Franklin Bobbitt escreve, em 1918, a sua obra The
Curriculum, que passou a ser considerada pelos estudiosos, um marco na fundação
do currículo como um campo especializado de estudos.
A concepção de John Franklin Bobbitt reduz o currículo a uma questão de
organização. Sendo que por essa perspectiva, o currículo é, conforme aponta Tomaz
Tadeu da Silva
432
, “simplesmente uma mecânica”.
Não é por acaso que o conceito central, nessa visão, é o de desenvolvimento
curricular, um conceito que iria dominar a literatura estado-unidense sobre o
currículo até os anos 80.
Numa perspectiva que considera que as finalidades da educação estão
dadas, exclusivamente pelas exigências profissionais da vida adulta, o currículo
resume-se a uma questão de técnica, pois de acordo com John Franklin Bobbitt
433
a
educação, tal como a fábrica de aço, é um processo de moldagem”.
O modelo de currículo de John Franklin Bobbitt iria encontrar a sua
consolidação definitiva num livro de Ralph Tyler, publicado em 1949. Com efeito, o
paradigma estabelecido por Ralph Tyler iria dominar o campo do currículo nos
Estados Unidos, com influência em diversos países, incluindo o Brasil, pelas
próximas quatro décadas.
Apesar de admitir a filosofia e a sociedade como possíveis fontes de objetivos
para o currículo, o paradigma formulado centra-se em questões de organização e
desenvolvimento. Tal como no modelo de John Franklin Bobbitt, o currículo é
tamm, essencialmente uma questão técnica.
É interessante observar que tanto os modelos mais tecnocráticos como os
de John Franklin Bobbitt e Ralph Tyler, quanto os modelos mais progressistas de
431
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 35.
432
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto, 2000. p.
20.
433
BOBBITT, John Franklin. The curriculum. New York: Houghton Mifflin, 1918. p. 40.
206
currículo como de John Dewey, que emergiram no início do século XX, nos Estados
Unidos, constituíam de certa forma, uma reação ao currículo clássico, humanista,
que havia dominado a educação desde a sua institucionalização.
Como anteriormente foi demonstrado neste trabalho, esse currículo era
herdeiro do currículo das chamadas artes liberais que, vindo da Antigüidade
Clássica, se estabelecera na educação universitária da Idade Média e do
Renascimento, na forma dos chamados trivium (gramática, retórica, dialética) e
quadrivium (astronomia, geometria, música, aritmética).
Obviamente, o currículo clássico humanista tinha uma teoria do currículo”,
como será visto mais adiante, pois nesse modelo a finalidade era inserir os
estudantes no repertório das grandes obras literárias e artísticas das heranças
clássicas e grega e latina, incluindo o domínio da língua. Essas obras encarnavam
os mais altos ideais do espírito humano. Contudo, no modelo humanista de currículo,
o conhecimento dessas obras não estava separado do objetivo de formar o homem
na sua integralidade.
Tomaz Tadeu da Silva
434
corrobora com esse entendimento ao sintetizar sua
interpretação sobre esses modelos: cada um dos modelos curriculares
contemporâneos, ou seja, o tecnocrático e o progresssista ataca o modelo
humanista por um flanco.
Assim interpretando: o tecnocrático destaca a abstração e a suposta
inutilidade para a vida moderna e para as atividades laborais das habilidades e
conhecimentos cultivados pelo currículo humanista. O latim e o grego e as suas
respectivas literaturas pouco serviriam, segundo a crítica dos tecnocráticos, como
preparação para o trabalho da vida profissional contemporânea.
Por outro lado, o modelo progressista centrado na criança, ataca o currículo
humanista clássico pelo seu distanciamento dos interesses e das experiências das
crianças e dos jovens, desconsiderando-se a psicologia infantil.
Ambas as conceituações foram tamm contestadas, a partir dos anos 70,
com o movimento denominado reconceitualização do currículo”, que surge como
reação às concepções burocráticas e administrativas de currículo.
434
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto, 2000. p.
24.
207
Dentre os seus mais proeminentes defensores e suas respectivas obras,
destacam-se:
(1970) Paulo Freire, A pedagogia do oprimido
435
;
(1970) Louis Althusser, Aparelhos ideológicos de Estado
436
; (1970) Pierre
Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino
437
;
(1976) - William F. Pinar e Madeleine Grumet, Toward a poor curriculum
438
;
(1979) Michael W. Apple, Ideologia e currículo
439
;
(1981 e 1983) Henry A. Giroux, Teoria e resistência em educação, e Ideology,
culture and the process of scholooling.
440
2.3.4 Currículo no Brasil
Como aponta José Augusto Pacheco
441
a origem do campo curricular
brasileiro pode ser situada nas décadas de 1920, 1930, quando importantes
transformações políticas, econômicas e culturais ocorreram no país. Os primeiros
vestígios da preocupação com o campo ocorreram nas reformas dos pioneiros da
educação como Anísio Teixeira, em que se discutiu o currículo com base em John
Dewey, Fernando de Azevedo, Francisco Campos e Mário Casassanta.
Na década de 1960, estudos curriculares sobre o currículo foram realizados
no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Foram publicados os primeiros livros
sobre o currículo no Brasil, sobretudo, os de João Roberto Moreira e Marina Couto.
No Brasil, os artigos publicados sobre currículo refletem a influência das
teorias da reprodução de Pierre Bourdieu e Jean-Claude
Passeron
442
e das
abordagens sociológicas desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra.
435
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. passim.
436
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. passim.
437
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2008. passim.
438
PINAR, William F.; GRUMET, Madeleine R. Toward a poor curriculum. Dubuque: Kendall/Hunt,
1976. passim.
439
APPLE, Michael W.; BURAS, Kristen. Ideologia e currículo. Portugal: Porto, 1999. passim.
440
GIROUX, Henry A. Teoria e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986. Ideology,
culture and the process of schooling. Filadélfia: Temple University, 1984.
441
PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 8.
442
Refere-se especialmente a obra de Pierre Bourdieu elaborada em parceria com Jean-Claude
Passeron. O ponto de partida da obra de Bourdieu é a sua análise entre o sistema de ensino e o
sistema social. Para Bourdieu, a origem social marca de maneira inevitável e irreversível a carreira
208
Com o início da redemocratização do Brasil, e o enfraquecimento da Guerra
Fria, o referencial norte-americano na produção acadêmica e no campo das teorias
foi abalado. É nesse momento que explode, no nosso país, uma literatura
pedagógica de cunho mais progressista.
Os estudos desse período representam esforços em criticar as diretrizes
curriculares dos anos 70, mais do que reformular e fortalecer o campo curricular.
Assim, na cada de 1970, são publicados os livros de cunho tecnicista de Dalila
Sperb e Lina Traldi.
Posteriormente, iniciaram-se as publicações de obras na perspectiva crítica
do currículo, com duas linhas de Paulo Freire e Demerval Saviani.
Na última década, no que tange a manifestação científica ao campo curricular,
a educação conheceu uma significativa produção, sobretudo com publicações de
António Flávio Moreira, Tomaz Tadeu da Silva, Alfredo Veiga Neto.
Para a ciência do Direito, no entanto, as discussões científicas, acadêmicas e
normativas das diretrizes curriculares o recentes. Até meados da década de 90
praticamente o se ouvia falar em diretrizes curriculares para orientar proposta
alguma de desenvolvimento de um curso de Direito, no Brasil.
escolar e, depois, profissional, dos indivíduos. Essa origem social, segundo ele, produz primeiro o
fenômeno da seleção: a simples estatística das possibilidades em ascender ao ensino superior,
segundo a categoria social de origem mostra que o sistema escolar elimina de maneira contínua
uma forte proporção das crianças saídas das classes populares. No entanto, segundo o autor, é
um erro explicar o sucesso e o fracasso escolar apenas pela origem social. Existem outras causas
segundo o pesquisador francês que eles designam como a “herança cultural”. Entre as vantagens
que os “herdeiros” possuem, deve-se mencionar o maior ou menor donio da linguagem. A cultura
das classes superiores estaria tão próxima da cultura da escola que a criança originária de um
meio social inferior não poderia adquirir senão a formação cultural que é dada aos filhos da classe
culta. Portanto, para uns, a aprendizagem da cultura escolar é uma conquista duramente obtida;
para outros, é uma herança “normal”, que inclui a reprodução das normas. O caminho a percorrer é
diferente, conforme a classe de origem. Veja-se nesse sentido, BOURDIEU, Pierre; PASSERON,
Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Tradução de
Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 74-90, 119.
209
2.4 Espécies de Currículos
2.4.1 Currículo nacional
Entende-se por currículo nacional a existência de um plano de estudos e
programas de ensino, concebidos e definidos pelas autoridades educativas centrais
e de cumprimento obrigatório em todo o sistema educacional do país.
Com efeito, o plano de estudos e programas de ensino podem incluir não
as finalidades e os objetivos educacionais, mas também listas de conteúdos e
competências e sugestões metodológicas.
2.4.2 Currículo mínimo
O currículo mínimo é o conjunto de conteúdos, matérias e demais
componentes curriculares, fixado pelo órgão legalmente competente, diga-se o
Conselho Nacional de Educação, e que deve obrigatoriamente fazer parte de todos
os currículos plenos dos cursos da área específica, em todas as Instituições de
Educação Superior - IES.
443
O currículo mínimo é aquele que é obrigatório para as IES, que, ao
elaborarem seus currículos plenos, devem contemplar todos os conteúdos, matérias,
e demais atividades e conteúdos nele indicados como necessários.
2.4.3 Currículo pleno
Currículo pleno é o conjunto de atividades e disciplinas ou módulos que
formam o curso concretamente oferecido por uma determinada IES.
444
É ao currículo pleno que se vincula cada aluno ao se matricular em um
determinado curso em qualquer instituição. E é esse o currículo que ele deverá
cumprir para concluir o curso e obter a titulação desejada.
443
Cf. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 199.
444
Ibid., p. 200.
210
2.4.4 Currículo oficial
O currículo oficial é aquele que consta dos documentos oficiais da IES.
Tamm denominado de currículo explícito, ou seja, o que designa o programa
educativo formalmente constituindo pelas finalidades, objetivos, conteúdos e
sugestões metodológicas, tal como vem expressas nos programas de ensino.
A crítica
445
aponta, contudo, que os modelos de currículo oficial foram sendo
construídos ao longo da história da educação brasileira, de acordo com os critérios
econômicos, e que as mudanças legais significativas tamm foram feitas para
atender aos novos modelos econômicos que se desenham.
Nesse sentido, as reformas ocorridas na década de 1990 no Brasil e nos
demais países da América Latina, comprovariam que as políticas oficias estão sendo
alicerçadas nas novas demandas e necessidades do modelo produtivo.
2.4.5 Currículo oculto
O conceito de currículo oculto, tamm denominado por alguns autores como
currículo implícito, designa o conjunto de idéias, valores e práticas não explícitas que
dão forma ao programa educativo.
O reconhecimento do currículo oculto, presente num currículo real, reforça
ainda mais a reflexão necessária sobre o ensino, mais ainda o protagonismo dos
agentes educacionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e alerta: de
um lado, para as condições de mudança e inovação curricular, sabendo-se que não
existe uma conformidade do que se pretende com aquilo que faz e que a ocultação é
muito ampla, sutil, invisível; e, por outro, para as formas curriculares de reprodução.
O currículo oculto é o resultado da experiência escolar que não faz parte dos
programas oficiais e das políticas educativas, estando ligado, nas suas múltiplas
faces
446
, como mensagens o previstas que são transmitidas quer pela estrutura
física e social da escola, quer pelo próprio processo de ensino.
445
Veja-se a esse propósito ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, educação e currículo no Brasil.
São Paulo: Autores Associados, 2004. p. 228.
446
Conforme aponta Tadeu da Silva. Veja-se SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma
introdução crítica. Portugal: Porto Editora, 2000. p. 81-85.
211
A noção de currículo oculto nas palavras de Robert Dreeben
447
é sinônimo
de não escrito, escondido, latente, tácito, implícito, não estudado encerra duas
idéias principais:
a) que os alunos aprendem com a experiência social da escola;
b) a imprevisibilidade da ação pedagógica.
Para Horácio Wanderlei Rodrigues
448
, o currículo oculto é o que efetivamente
se materializa nas salas de aula.
Ramiro Marques
449
por outro lado, chama atenção para o papel
desempenhado pelo currículo oculto na inculcação de valores. Ainda que os valores
não sejam explicitados no currículo, a verdade é que eles nunca deixam de estar
presentes por intermédio implícito.
Sobre o currículo oculto é possível identificar quatro significados principais
nos discursos curriculares:
) expectativas não oficiais;
) resultado de aprendizagens não previstas;
) mensagens implícitas presentes na estrutura escolar;
) intervenção dos alunos.
Utiliza-se ainda a expressão currículo oculto para fazer referência ao que,
realmente, ocorre nas salas de aula, mas que não consta dos documentos oficiais.
Tendo em vista que na prática os conteúdos e as atividades formalmente
listados no currículo pleno, nem sempre, são efetivamente ministrados, trabalhados
ou orientados pelo corpo docente, que em nome da liberdade de ensinar acabam
modificando, no mundo real, o que foi projetado quando da discussão e elaboração.
O currículo oculto não é, portanto, propriamente o currículo, no sentido formal,
mas sim, uma determinada situação derivada da materialização concreta de um
determinado currículo pleno.
Esse tipo de currículo é, contudo, um vício dos projetos pedagógicos
tradicionais, especialmente quando se trata do curso de Direito. Isso ocorre porque
447
DREEBEN, Robert. La enseñanza: su teoria y su práctica. Madrid: Akal, 1985. p. 73-85.
448
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 185.
449
MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 43.
212
muitas vezes, o docente não concorda com o conteúdo atribuído, pela ementa, a
uma determinada disciplina; tem a tendência de substituí-lo por aquele que
considera ser o correto.
Horácio Wanderlei Rodrigues
450
critica inclusive essa prática, pois entende
que ela é comum nos cursos de Direito. Segundo Rodrigues
451
essa prática é
absolutamente equivocada, pois segundo o autor a liberdade de ensinar o
significa liberdade de o docente ministrar aquilo que bem entender, mas sim
autonomia pedagógica que ele possui para tratar os conteúdos previamente
definidos para o curso”.
De fato, ao agir assim, o docente prejudica o curso, especialmente, a
formação dos alunos, que acabam não tendo o acesso aos conteúdos previamente
determinados e que na maioria das vezes, são fundamentais para o estudo de
outros conteúdos trabalhados posteriormente.
Além disso, podem gerar a repetição ou sobreposição de conteúdos em
momentos diversos do curso.
2.4.6 Currículo centrado nos padrões culturais
Expressão que designa um currículo voltado, além dos aspectos de sua
configuração normativa, prescritiva e organizacional, tais como: o plano de estudos
de um curso, conjunto de programas de ensino, conjunto das aprendizagens
propostas e sua configuração legal, visa a enfocar os aspectos culturais na sua
constituição.
O currículo centrado em padrões culturais nasce quando as sociedades
começam a sentir necessidade de transmitir heranças culturais, precisando, para
isso, formar pessoas capazes de conservar o que de mais peculiar e sublime as
gerações foram construindo.
Se não fosse assim, não haveria progresso humano, e a vida dos homens e
mulheres de cada geração seria um eterno retorno. A criação humana nasce do
450
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 200.
451
Ibid., p. 201.
213
desejo de ir além do que os outros foram e é desafiada pela necessidade de
ultrapassar os limites fixados por aqueles que nos precederam.
Resulta d a necessidade fundamental de a educação se centrar na
transmissão de certos nones. Todas as grandes civilizações têm o seu cânone
cultural.
452
Cada civilização possui a sua matriz cultural específica.
O mundo está atravessado por várias matrizes civilizacionais culturais. E é
essa pluralidade de matrizes que constitui a maior riqueza dos seres humanos.
Embora essas matrizes devam se dialogar entre si, cada uma delas procura
conservar sua identidade. A instituição de ensino, seus cursos e seus respectivos
currículos devem expressar a matriz civilizacional a que pertencem.
O currículo centrado em padrões culturais não é uma construção permanente
e inacabada, é uma construção que deve ser estudada na relação com as condições
históricas, sociais, econômicas, jurídicas em que se produziram e produzem as suas
diversas matrizes culturais concretas e na ordenação particular de seu discursos e
na relação com o contexto de sua implementação global e local.
Nesse sentido, o currículo jurídico deve ser considerado um artefato social
não somente no cumprimento de determinações prescritivas nacionais, mas
tamm, em âmbito local e, sobretudo, cultural.
Isso significa que o currículo jurídico como imagem de futuro” deve ser
compreendido e construído na moldura mais ampla de suas determinações da
história; da contextualização social, econômica, política e geográfica em que se
localiza a instituição de educação superior seja pública ou privada.
Currículo cuja proposição cultural enfatize aspectos éticos e políticos que seja
considerado, além da dimensão pragmática do conhecimento, o universo simbólico,
estruturado pela linguagem nas interações culturais e subjetivas da vivência em
sociedade, que imprime sentido às ações coletivas para transformação das relações
sociais.
452
Veja-se nesse sentido as considerações de Ramiro Marques, sobre matriz cultural curricular
portuguesa. MARQUES, Ramiro. Dicionário breve de Pedagogia. Lisboa: Editorial Presença,
2000. p. 41, 113.
214
Ao privilegiar essa dimensão cultural e intersubjetiva, o currículo jurídico
rompe com as fronteiras tradicionais das disciplinas, transformando o conteúdo em
experiências que atravessam os sujeitos em suas múltiplas dimensões.
Desse modo, o projeto pedagógico das diferentes modalidades de instituições
de ensino superior que ofereçam o curso de Direito, encarnado na dinâmica
curricular, devem passar a ser a vida da escola”, reinventadas em novos espaços e
relações a partir de uma nova racionalidade e de uma convivência ética que leva em
consideração os princípios de participação solidária, voltada a tolerância, ao respeito
das diferenças e da dignidade da pessoa humana, e de solidariedade e ao
humanismo, ao compromisso de um futuro curricular, comprometido com a
qualidade do ensino jurídico e com a construção da cidadania.
A utopia, talvez a única que se possa realizar é acreditar em poder
estabelecer modificações no currículo do Direito, que possibilitem e auxiliem os
futuros bacharéis a entenderem que não se aprende Direito para formar-se
cartorialmente como advogado, juiz, promotor ou defensor público; que se aprende
Direito para realizar justiça comunitária e a cidadania.
Pessoas que, nas palavras de Luis Alberto Warat
453
, que entendam que
aprender Direito é preciso aprender de gente, de vínculos, de afetos, de
solidariedade”. O que, todavia, impende, uma mudança de postura das IES, dos
docentes, dos professores, dos coordenadores, dos próprios alunos, nos múltipolos
espaços onde se produzem o conhecimento.
O currículo prospectado numa imagem de futuro
454
deve ser compreendido,
como uma forma de política cultural
455
voltada, portanto, para a dimensão social do
processo educativo do curso de Direito.
Essa concepção ampliada de currículo jurídico, todavia, transcende o
determinismo legal acrítico imposto de forma heterônoma e nacional.
453
WARAT, Luis Alberto. Sobre a impossibilidade de ensinar Direito: notas polêmicas para a
desescolarização do Direito. In: FAGÚNDES, Paulo Ronay Ávila. (Org.). Retratos dos cursos
jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC,
2002. p. 345-380.
454
Nesse aspecto, reportamo-nos às considerações já expostas da presente tese, no item 1.3,
Educação superior e a imagem do futuro.”
455
Essa proposição é defendida por Henry A. Giroux e Peter McLAREN. Por uma pedagogia crítica da
representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, A. F. (Org.). Territórios contestados: o
currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 146.
215
Ao contrário, o currículo na sua dimensão cultural percebe as necessidades
locais, onde se encontra localizada a instituição de ensino, pondo em evidência bem
mais do que os documentos, planos e diretrizes heteronomamente impostos em
âmbito nacional nos quais se registram decisões sobre os objetivos, os conteúdos e
os métodos de aprendizagem e/ou ensino.
No currículo como fenômeno cultural, incluem-se, além disso, todas as formas
de aprendizagem (formal e não formal) que são conseqüências do processo de
vivência em um ambiente familiar, escolar, social, etc., onde se propõem
comportamentos e valores inevitavelmente associados a conhecimentos e
experiências.
É nessa perspectiva de compreensão de imagem de futuro sobre a
abrangência do currículo jurídico que se torna necessário desconstruir e reconstruir,
o que denomina-se “conteúdo curricular” do curso de Direito.
Todavia, é evidente que, ao emergirem de um aspecto cultural, que determina
a estrutura e orienta a dinâmica do ensino jurídico, e pelo lugar que ocupa como eixo
central na organização do planejamento do currículo do ensino, os conteúdos
curriculares não são neutros nem, tampouco, se resumem à listagem de
conhecimentos referidos nos campos, ou áreas, institucionalizadas pela ciência.
Agregam por isso mesmo posicionamento político, interesses e enfoques
culturais que estão presentes desde a sua seleção e ordenação no percurso de
formação do educando até os procedimentos adotados no seu desenvolvimento em
sala de aula. Assim sendo, entende-se que o currículo jurídico não é um elemento
inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social.
O currículo centrado na perspectiva cultural está, portanto, implicado nas
relações de poder, pois o currículo transmite visões sociais particulares e
interessadas.
Entende-se, portanto, que o currículo não é um elemento transcendente e
atemporal ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de
organização da sociedade, da origem das instituições de ensino e dos fundamentos
filosóficos da educação.
216
2.4.7 Currículo multicultural
Expressão que designa um programa educativo centrado na defesa da
diversidade cultural e que tem como finalidade o desenvolvimento de uma visão
multicultural.
2.4.8 Currículo intercultural
Expressão que designa um programa educativo que espaço e voz para a
integração no currículo das culturas minoritárias.
2.4.9 Currículo hegemônico
Expressão que designa um programa educativo que não proporciona espaço
para a expressão das culturas minoritárias. É tamm denominado currículo
monocultural.
2.5 Complexidade da Conceituação de Currículo
Não existe uma verdadeira e única definição de currículo que envolva todas
as idéias acerca da estruturação das atividades educativas do currículo.
Corrobora esse entendimento o dizer de Adalberto Dias de Carvalho
456
quando afirma que
Se percorrermos a literatura sobre o conceito de currículo encontraremos
várias noções e concepções. Nesse contexto, referimos: currículo formal,
currículo substancial, percepcionado, experienciado, currículo observado,
currículo operacional, informal, oculto, entre outras expressões.
É preciso assim admitir-se que o currículo se define pela sua complexidade.
Trata-se, portanto, de um conceito que não tem um sentido unívoco, visto que a
conceituação de currículo é problemática e não existe um consenso, pois se situa na
diversidade de funções e de conceitos em função de perspectivas que se adotam o
456
CARVALHO, Adalberto Dias de. (Coord.). Dicionário de Filosofia da Educação. Portugal: Porto
Editora, 2006. p. 68.
217
que vem a traduzir-se por vezes, em alguma imprecisão acerca da natureza e
âmbito do currículo.
457
O currículo, se comparado com um jogo com regras, torna-se pela sua própria
natureza e dimensão, bastante problemático e conflitual sempre que se procura
defini-lo. Assim, devido à sua natureza e dimensão pouco consensual, qualquer
tentativa de definir currículo converte-se numa tarefa árdua, problemática e
conflitual.
Assim, insistir numa definição abrangente de currículo poder-se-á torná-lo
extemporâneo e negativo dado que apesar da recente emergência do currículo
como campo de estudos e como conhecimento especializado, ainda não existe um
acordo sobre o que verdadeiramente significa.
No entanto, conforme afirma José Augusto Pacheco
458
, existe, porém,
consenso o que permite falar-se de um campo epistemologicamente específico
quanto ao objeto de estudo, que é de natureza prática e ligado à educação, e quanto
à metodologia, que é de natureza interdisciplinar, no quadro das Ciências Sociais e
Humanas.
Por exemplo, no contexto educacional, o currículo e suas diretrizes dizem
respeito à seqüência dos conteúdos (quando ensinar), às formas de estruturar e
acompanhar as atividades de ensino e de aprendizagem (como ensinar e avaliar a
aprendizagem) e às competências e habilidades a desenvolver (o que e por que
ensinar).
O currículo indica ainda a adequação e estruturação dos conhecimentos que
integram determinado domínio do saber, de modo a facilitar seu aprendizado em
tempo certo e nível adequado.
Sob essa perspectiva, pode-se compreender o currículo, como um núcleo que
corporifica o conjunto de todas as experiências cognitivas e afetivas proporcionadas
aos estudantes no decorrer do processo de sua formação, conjunto envolvido,
entretanto, com a produção de identidades individuais, coletivas, sociais e culturais
particulares.
457
RIBEIRO, Antonio. Desenvolvimento curricular. Lisboa: Texto, 1990. p. 11.
458
PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 34-35.
218
No campo da Pedagogia, entende-se o currículo como um conjunto
estruturado de disciplinas e atividades, organizado com o objetivo de possibilitar seja
alcançada certa meta proposta e fixada em função de um planejamento educativo.
No campo do Direito, a vivência do currículo e das questões que o envolvem
configuram-se hoje uma problemática significativa a professores e pesquisadores
acadêmicos, especialmente aqueles ligados à área da Ciência
459
e da Filosofia da
Educação, em que a discussão em torno do currículo assume cada vez maior
importância no conhecimento pedagógico.
Dentro da complexidade do que significa definir currículo, qualquer tentativa
de sistematização, deve passar, contudo, necessariamente, pela observação de
alguns dualismos apontados por José Domingo Contreras
460
:
o currículo deve propor o que se deve ensinar ou aquilo que os alunos
devem aprender?
o currículo é o que se deve ensinar e aprender ou é também o que se
ensina e aprende na prática?
o currículo é o que se deve ensinar e aprender ou inclui também a
metodologia (as estratégias, métodos) e os processos de ensino?
o currículo é algo especificado, delimitado e acabado que logo se aplica ou
é de igual modo algo aberto que se delimita no próprio processo de
aplicação?
Respondendo a essas questões, que expressam uma rie de interrogações,
pode-se dizer que é difícil encontrarmos uma definição única de currículo, visto que
sua conceituação é problemática.
Para se criar uma base comum de diálogo e discussão é imprescindível, no
entanto, que todos quantos se debrucem sobre a questão curricular estabeleçam as
459
Em seu sentido amplo e clássico, a ciência é um saber metódico e rigoroso, isto é, um conjunto de
conhecimentos metodicamente adquiridos, sistematicamente organizados, e suscetíveis de serem
transmitidos por um processo pedagógico de ensino. Modernamente, ciência é entendida como
modalidade de saber constituída por um conjunto de aquisições intelectuais que tem por finalidade
propor uma explicação racional e objetiva da realidade. Considera-se ainda ciência a forma de
conhecimento que não somente pretende apropriar-se do real para explicá-lo de modo racional e
objetivo, mas procura estabelecer entre os fenômenos observados relações universais e
necessárias, o que autoriza a previsão de resultados (efeitos) cujas causas podem ser detectadas
mediante procedimentos de controle experimental.
460
CONTRERAS, José Domingo. Enseñanza, curriculum y profesorado. Madrid: Akal, 1991. p. 177-
179.
219
relações de currículo com a transformação e emancipação da sociedade, com o
acesso à justiça, com a cultura, seus valores inerentes e, ainda, com as concepções
de Homem, Mundo e Informação.
2.6 Currículo como Campo de Estudo Específico
O campo de estudo curricular é complexo e interdisciplinar, tendo em vista
que a teoria do currículo envolve um amplo espectro de investigação acadêmica.
William F. Pinar
461
, por exemplo, aponta essa complexidade em termos
simbólicos, pois entende que o currículo envolve e exige que o situemos histórica,
social e autobiograficamente.
William Schubert
462
considera que representar o currículo como campo de
pesquisa e de prática necessita concebê-lo como algo que mantém certas
interdependências com outros campos do conhecimento, o que exige uma
perspectiva ecológica na qual o significado de qualquer elemento deve ser visto
como algo em constante configuração pelas interdependências com as forças com
as quais está relacionado.
Dentro desse campo abrangente, entretanto, destaca-se a Teoria da
Educação que se esforça para compreender o currículo, além das disciplinas
acadêmicas e escolares.
O currículo, como campo de conhecimento epistemológico educacional
específico somente começou a adquirir foro de preocupação teórica e
epistemológica com os trabalhos de John Dewey
463
, John Franklin Bobbitt
464
, Wenett
Chartes
465
, Vergil Herrick
466
e Ralph Tyler
467
.
461
PINAR, William F. O que é a teoria do currículo? Portugal: Porto Editora, 2007. p. 18, 49-50.
462
SCHUBERT, William. Curriculum: perspective, paradigm and possibility. New York: Macmillam
Pub. Comp, 1986. p. 15-17.
463
DEWEY, John. A escola, a sociedade e a criança e o currículo. Lisboa: Relógio d‟Água, 2002.
passim.
464
BOBBITT, John Franklin. The curriculum. New York: Houghton Mifflin, 1918. passim. How to
make a curriculum? Boston: Houghton Mifflin, 1924. passim.
465
CHARTERS, Wenett. Curriculum construction. New York: Macmillan, 1923. passim.
466
HERRICK, Vergil. Toward improved curriculum theory. In: CONFERENCE OF CURRICULUM
THEORY, 1947, Chicago. Paper. Chicago: The Chicago Press.
467
TYLER, Ralph. Basic principles of curriculum and instruction. Chicago: The University of
Chicago Press, 1949. passim.
220
Tal delineamento como campo de estudo específico reforçou-se com a
criação, nas universidades norte-americanas, dos departamentos específicos de
currículo e instrução, associado ao estudo das políticas educativas.
No campo do Direito, os estudos curriculares m vindo a ganhar cada vez
mais terreno nas universidades, especialmente nos cursos de s-graduação.
Porém, o delineamento como campo específico de produção científica na ciência do
Direito, não é ainda expressivo.
Além disso, no campo do Direito o currículo tem sido estudado não como
objeto de conhecimento específico.
Não há, portanto, uma disciplina específica na graduação, nem na pós-
graduação de departamentos específicos que trate da questão curricular e das
conseqüentes problemáticas epistemológicas críticas afeitas, exclusivamente, ao
conhecimento do Direito, como já existe na Ciência da Educação.
O que se constata, como se demonstrará adiante, entretanto, é a produção
acadêmica da temática conectada com a questão da denominada crise do ensino
jurídico”.
Percebe-se em razão disso a necessidade para a formulação e formação de
um adensamento da literatura específica sobre a temática, a fim de multiplicarem-se
os atores críticos do cenário do ensino jurídico.
Da interlocução desses atores, surgiram idéias e propostas, conceituações e
teorias, tendências vanguardistas contribuindo assim para os debates curriculares do
ensino do Direito.
Além disso, dentro do ensino do Direito, por exemplo, o ensino do Direito
Processual, ou o ensino do Direito Constitucional, tendem a centrar-se em
estratégias de ensino dentro de campos únicos, por outro lado, nota-se que a teoria
do currículo, lastreada na Ciência da Educação, pretende compreender o significado
geral do currículo, centrando-se especialmente, em temas interdisciplinares, tais
como a questão da Educação Ambiental, as questões de Educação para a Terceira
Idade, Educação Bioética, Educação à Distância, Ensino Não-Presencial, Educação
de Direitos Humanos, etc.
221
Assim como as relações entre o currículo, o indivíduo, o poder, sua formação,
a sociedade, temas que são freqüentemente ausentes na configuração do currículo
jurídico nas instituições privadas de ensino.
No entanto, é preciso levar em conta, também, o fato de que o currículo, seja
ele de qual categoria for, acaba numa prática pedagógica, sendo condensação e
expressão, não somente da imposição heterônoma da lei, que prescreve o que ele
deva ou não conter.
Apresenta-se, além disso, como uma construção de alcance educacional,
filosófico e cultural, é lógico que, por sua vez, impregne todo tipo de prática escolar.
O currículo é também o cruzamento de práticas diferentes e se converte em
configurador daquilo que se denomina como prática pedagógica nas aulas e nas
escolas. Considera-se, portanto, que esse campo epistemológico envolve
necessariamente conhecimentos interdisciplinares e transdisciplinares.
2.7 Teoria do Currículo
Para estudarmos as diretrizes curriculares instituídas, pela Resolução do
CNE/CES 9/2004
468
, para os cursos jurídicos é preciso se valer de uma teoria do
currículo.
É preciso, no entanto, salientar-se o desconhecimento de qualquer tentativa
de sistematização do fenômeno do currículo jurídico com a finalidade de
compreendê-lo na sua dimensão de alcance, sentido e complexidade no campo da
ciência do Direito.
Na procura do entendimento de um pensamento que de encontro a
concordâncias, ainda que as dificuldades sejam reconhecidas. A primeira dificuldade
reside na terminologia: Didática, Didática Geral, Currículo, Desenvolvimento
Curricular, Teoria Curricular, Teoria do Desenvolvimento Curricular.
diferentes classificações de teorias curriculares, que não são mais do que
tentativas de abordagens das concepções de currículo através das quais se
468
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17.
222
diferenciam formas distintas de relacionar a teoria com a prática e a escola com a
sociedade.
No campo da Ciência da Educação, contudo, define-se teoria do currículo
como sendo um conjunto organizado de análises, interpretações e compreensões
dos fenômenos curriculares.
469
Ou, ainda, como modo de organizar o pensamento
sobre todos os assuntos que são relevantes para sua evolução.
Conceitua-se tamm o currículo como sendo o conjunto generalizado de
definições, conceitos, proposições logicamente interligadas que representam uma
visão sistemática dos fenômenos curriculares”.
A teorização educacional crítica, muito tempo, consolidou a idéia de que o
currículo não envolve apenas questões técnicas e de organização, tal como
concebido pelas pedagógicas tecnicistas dos anos 70, enfatizando que o currículo
envolve além das questões relativas a conteúdos de ensino, procedimentos
didáticos, ele é um artefato social, sobretudo, cultural.
Por sua reflexão de proximidade filosófica, considera-se importante,
referência à obra de Tomaz Tadeu da Silva
470
, que explicita as três grandes teorias
curriculares, a saber:
) as teorias tradicionais, nas quais se incluem os seguintes conceitos:
ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento,
eficiência, objetivos;
) as teorias críticas, nas quais se incluem os seguintes conceitos:
ideologia, reprodução cultural e social, classe social, poder, capitalismo, relações
sociais de produção, conscientização, emancipação, currículo oculto, resistência;
) as teorias pós-críticas, nas quais se integram os seguintes conceitos:
identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder,
representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo.
Caminhando para uma síntese apresentam-se as grandes categorias das
teorias do currículo e seus respectivos conteúdos, de acordo com os conceitos que
elas, respectivamente, enfatizam pelos seguintes quadros:
469
Cf. MCCUTCHEON, Gail. Education criticism: reflections and reconsiderations. Journal of
Curriculum Theorizing, v. 4, n. 1, p. 18, 1982.
470
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto Editora, 2000.
p. 16.
223
Teorias Tradicionais do Currículo
Quadro 4 - Síntese dos conteúdos da teoria tradicional do currículo
Ensino
Organização
Aprendizagem
Planejamento
Avaliação
Eficiência
Metodologia
Objetivos
Didática
Teoria Críticas do Currículo
Quadro 5 - Síntese dos conteúdos da teoria crítica do currículo
Ideologias
Relações sociais de produção
Reprodução cultural e social
Conscientização
Poder
Emancipação e libertação
Classe social
Currículo oculto
Capitalismo
Resistência
Teoria Pós-crítica do Currículo
Quadro 6 Síntese dos conteúdos da teoria pós-crítica do currículo
Identidade
Representação
Alteridade
Cultura
Diferença
Gênero, raça, etnia, sexualidade
Subjetividade
Multiculturalismo
Significação e discurso
Desconstrução
Na teoria crítica, a educação e o currículo são vistos como profundamente
envolvidos com o processo cultural. Entretanto, diferenças importantes serem
enfatizadas. De forma geral, a educação e o currículo estão envolvidos com esse
processo, mas ele é visto, ao contrário da teoria tradicional, como fundamentalmente
político.
224
Na teoria crítica e pós-crítica
471
, a cultura não é vista como um conjunto
estático e inerte de valores e conhecimentos a serem transmitidos, nem ela existe de
forma homogênea e unitária. A tradição crítica vê o currículo como terreno de
produção simbólica cultural.
Sob essa visão, a educação e o currículo o atuam, apenas como correias
transmissoras de uma cultura produzida em outro local, por outros agentes, mas são
partes integrantes e ativas de um processo de produção e criação de sentidos, de
significações, de sujeitos.
O currículo pode ser movimentado por intenções e prescrições legais oficiais,
mas o resultado nunca será o intencionado, porque precisamente, essa transmissão
se em um contexto cultural de significação ativa dos conteúdos recebidos. A
“cultura” e o “cultural”, nesse sentido, não estão tanto naquilo que se transmite,
quanto naquilo que se faz com o que se transmite.
O currículo educacional então, como aponta Pierre Bourdieu
472
, não é visto tal
como na visão tradicional, como local de transmissão de uma cultural incontestada e
unitária, mas como campo em que se tentará impor tanto a definição particular de
cultura da classe ou grupo dominante quanto o conteúdo dessa cultural.
Aquilo que na visão tradicional é visto como o processo de continuidade
cultural da sociedade como um todo, é visto na teoria crítica como processo de
reprodução cultural e social dessa sociedade.
Essa perspectiva da cultura como um campo contestado e ativo tem
implicações importantes para a teoria curricular. Se combinarmos essa visão com
aquela que questiona a linguagem e o conhecimento como representação e reflexo
da realidade, somos obrigados a rejeitar a visão convencional do currículo que o
como um veículo de transmissão convencional do conhecimento como uma coisa”,
como um conjunto de informações e materiais inertes.
471
O aspecto cultural do currículo é ressaltado por MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa; SILVA, Tomaz
Tadeu da. (Org.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2008. p. 136-144.
472
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 1-90, 118, 253-266.
Id. Escritos sobre educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p.73-79.
225
Por essa perspectiva, o currículo não é o veículo de algo a ser transmitido e
passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá
cultura.
O currículo é assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os
conteúdos existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e,
sobretudo, de contestação e transgressão.
226
3 CURRÍCULO JURÍDICO E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS NO
CURSO DE DIREITO
O currículo é o que a geração mais velha escolhe dizer
às gerações mais novas. O currículo comunica o que
escolhemos lembrar do nosso passado, o que
acreditamos em relação ao presente, o que esperamos
para o futuro.
Madeleine R. Grumet
473
3.1 A Problemática da Crise Atual do Currículo Jurídico
É preciso considerar que a discussão historiográfica sobre a denominada
crise no ensino jurídico” não é recente.
474
473
GRUMET, Madeleine R. Bitter milk: women and teaching. Amhers: University of Massachusetts
Press.
474
Cf. BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil.
São Paulo: Perspectiva, 2004. PORTO, Inês da Fonseca. Ensino jurídico, diálogos com a
imaginação: construção do projeto didático no ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2000. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico: saber e poder. São Paulo: Acadêmica,
1988. FEITOSA NETO, Inácio José. O ensino jurídico brasileiro: uma análise dos discursos do
MEC e da OAB. Recife: Faculdade Maurício de Nassau, 2007. SANTOS, André Luiz Lopes dos.
Ensino jurídico: uma abordagem político-educacional. Campinas: Edicamp, 2002. OLIVEIRA,
André Macedo. Ensino jurídico: diálogo entre teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2004. SILVA, Fábio Costa Morais. Ensino Jurídico: a descoberta de novos saberes para a
democratização do Direito e da sociedade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. BITTAR,
Eduardo C. B. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São Paulo: Atlas, 2001. FAORO,
Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo,
2001. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. OAB sociedade e Estado. Novos paradigmas, novos
saberes, novos direitos. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL, XIII, 1990, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 23 de setembro de 1990. p. 106.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Por um novo ensino jurídico. Jornal Folha de São Paulo, 20 de junho
de 1994. FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1987. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Faculdades de Direito ou fábrica de ilusões? Rio de
Janeiro: IDES; Letra Capital, 1999. FALCÃO, Joaquim. Os advogados: ensino jurídico e mercado
de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 1984. OAB. Conselho Federal.
Ensino jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas. Brasília: OAB, 1996. OAB. Ensino
jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: OAB, 1996. OAB. Ensino jurídico: parâmetros
para a elevação de qualidade e avaliação. Brasília: OAB, 1996. OAB. Perfil do advogado
brasileiro. Brasília: OAB, 1996. OAB. Ensino jurídico: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil.
Brasília: OAB, 1997. WARAT, Luis Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino jurídico e
saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977. DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e
a crise brasileira. In: Encontros da UNB. Ensino jurídico. Brasília: Universidade de Brasília UNB,
1978-1979, pp. 52-53. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Passado, presente e futuro
do Direito. As arcadas e sua contribuição para o ensino do Direito no Brasil. In: 180 anos do
Ensino Jurídico no Brasil. Campinas: Millennium, 2007. NALINI, José Renato. O ensino da justiça
(ou a renovação da docência jurídica). In: 180 anos do Ensino Jurídico no Brasil. Campinas:
Millennium, 2007, pp. 283-292. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito
no século XXI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. CERQUEIRA, Daniel Torres de; FRAGALE
FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate. Campinas: Millenium, 2007.
227
Remonta, historicamente, a própria criação dos dois cursos jurídicos, um na
cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda, no Brasil. Quando então, os
denominados: Cursos de Ciências Jurídicas e Sociaisforam criados pela Lei de 11
de agosto, em 1827.
475
A referida lei conhecida como “Lei de criação dos cursos jurídicos no Brasil”,
promulgada com a rubrica do Imperador Pedro I e assinada por José Feliciano
Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo, determinava quanto aos currículos
o seguinte
476
:
Carta de Lei de 11 de agosto, em 1827
Dom Pedro Primeiro, por graça de Deos e unanime aclamação dos povos,
Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, fazemos saber a
todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos
a Lei seguinte:
Artigo - Crear-se-ão dous Cursos de Sciencias Jurídicas e Sociaes, hum
na Cidade de São Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco
annos e em nove Cadeiras, se ensinarão as materias seguintes:
1º Ano. 1ª cadeira: Direito Natural, Público, Análise da Constituição do
Império, Direito das Gentes, e Diplomacia.
2º Ano. cadeira: Continuação das matérias do ano antecedente.
cadeira: Direito Público Eclesiástico.
3º Ano. 1ª cadeira: Direito Pátrio Civil. 2ª cadeira: Direito Pátrio Criminal com
a Teoria do Processo Criminal.
Ano. cadeira: Continuação do Direito Pátrio Civil. cadeira: Direito
Mercantil e Marítimo.
5º Ano. 1ª cadeira: Economia Política. 2ª cadeira: Teoria e Prática do
Processo adotado pelas Leis do Império.
[...]
Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos onze dias do mez de Agosto de mil
oitocentos e vinte-sete, sexto da Independência e do Império.
Os cursos jurídicos no Brasil
477
surgiram em 1827, criados pela Carta de Lei
de 11 de agosto, pelo governo Imperial e prestaram-se a um papel político
fundamental: formaram os jovens, filhos da elite, que ocupariam os cargos públicos
475
BRASIL. Carta de Lei 1.827, de 11 de agosto de 1827. Registrada na Chancelaria-mór do
Império do Brazil, fls. 83, do Livro 1º. De Cartas, Leis e Alvarás. Rio de Janeiro, 21 de agosto de
1827, p. 5-7. Base de dados de legislação do Senado. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1800-1850/L1827.htm>. Acesso em: 25 maio; 10 ago. 2008.
476
Id.
477
Vamireh Chacon aponta que as primeiras faculdades de Direito chamavam-se “Faculdades de
Ciências Jurídicas e Sociais. CHACON, Vamireh. Formação das Ciências Sociais no Brasil: da
escola do Recife ao Código Civil. Brasília: Pararelo 15; São Paulo: UNESP, 2008. p. 13.
228
do nascente Estado Brasileiro e seriam os responsáveis ideológicos pela sua
consolidação, já que conferir um diploma de graduado em Direito significava a
certeza de ótima colocação social.
Corrobora esse entendimento Vamireh Chacon
478
ao afirmar que:
As primeiras faculdades de Direito surgiram para preparação dos quadros
políticos e administrativos do Império Brasileiro, logo após a Independência,
superando a desvantagem de continuar a tê-los formados com a
mentalidade reinol pela Universidade de Coimbra.
Buscando seu próprio curso de Direito, no entanto, o Brasil, reproduziria em
grande parte o enfoque adotado na Universidade de Coimbra, cujo modelo
obedecia, conforme indica José Reinaldo de Lima Lopes
479
, a Reforma Pombalina
de 1772, pretendendo-se ilustrada, capaz de trazer uma racionalidade moderna,
dedutivista e sistemática, porém não era democrática nem liberal, o que vinha bem a
calhar no Brasil escravocrata de então.
No entanto, essa mentalidade ainda estava presente nas sebentas didáticas
coimbrãs, associadas às exegeses conservadoras da legislação das Ordenações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas do Reino de Portugal, quando surgiu a Escola do
Recife e a Faculdade de Direito, em São Paulo, por onde passaram desde poetas
como Álvares de Azevedo e Castro Alves aos primeiros sociólogos e economistas do
Brasil, ademais de políticos e administradores e bacharéis de capazes de ser
grandes e objetivos advogados, ou magistrados, ou pensadores, ou ainda
pesquisadores sociais.
O objetivo inicial da criação dos cursos jurídicos, no Brasil, conforme assevera
Aurélio Wander Bastos
480
, era a formação de uma elite política e administrativa,
mão-de-obra essa que visava essencialmente a compor o staff elite dirigente do
país e que viabilizasse a Independência Nacional, consolidasse o Estado
Brasileiro, porém, não alcançar uma real profissionalização dos seus quadros
discentes.
A sucessão dos fatos políticos e o processo de instalação dos cursos
deslocaram para a formação de quadros judiciais (magistrados e advogados) o
478
CHACON, Vamireh. Formação das Ciências Sociais no Brasil: da escola do Recife ao Código
Civil. Brasília: Pararelo 15; São Paulo: UNESP, 2008. p. II. (Introdução).
479
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. São Paulo: Atlas, 2008. p. 315.
480
BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 1-2.
229
processo formativo das elites políticas, e residualmente atendeu-se ao intento
inicial, o que provocou inúmeras e sucessivas mudanças e reformas no ensino e na
estrutura do currículo jurídico.
Houve pelo menos duas reformas importantes nos cursos jurídicos ao longo
do século 19. Uma delas, em 1854 Decreto 1.386
481
: os cursos passaram a
chamar-se Faculdades de Direito e foram introduzidas duas disciplinas novas, o
Direito Romano (no primeiro ano) e Direito Administrativo (no quinto ano). Neste
mesmo ano, transferiu-se o curso de Olinda para Recife.
A segunda mudança importante foi a de 1879, a chamada reforma do ensino
livre. Além das faculdades oficiais podiam ser criadas outras, as faculdades livres”,
desde que obedecendo regras estabelecidas para as oficiais (quanto ao currículo e
titulação). As faculdades foram divididas em dois cursos (ou duas seções): Ciências
Jurídicas e Ciências Sociais.
O curso de Ciências Jurídicas abrangia Direito Natural, Romano,
Constitucional, Eclesiástico, Civil, Comercial, Criminal e as respectivas Práticas de
Processo, além da Medicina Legal.
Ciências Sociais deveriam contemplar assim: Direito Natural, Público
Universal, Constitucional, Eclesiástico, Das Gentes, Diplomacia e História dos
Tratados, Direito Administrativo, Economia Política, Ciência da Administração e
Higiene Pública.
A freqüência dos alunos passou a ser livre tamm. O ensino seria também
livre para os professores, e o propósito era ampliar os debates.
O sistema foi alterado em 1885 e a obrigatoriedade de freqüência às aulas
voltou, mas os conteúdos do ensino livre continuaram a ser discutidos até
proclamada a República.
482
Assim, é possível afirmar-se que a crise da formação do ensino do Direito e,
por via de conseqüência, da configuração de um adequado currículo, é parte
481
BRASIL. Decreto 1.386, de 28 de abril de 1854. novos estatutos aos cursos jurídicos.
Coleções das Leis do Brasil. Base de dados de legislação do Senado Federal. Disponível em
<www.senado.gov.br.legislação>. Acesso em: 10 ago. 2008.
482
Cf. VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no
Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 221-222.
230
intrínseca, desde a criação em 1827, dos primeiros cursos de Direito no Brasil em
Olinda e São Paulo no início do século passado.
483
Ocorre que, desde então, as Faculdades de Direito, no Brasil, prosseguiram
desempenhando suas importantes missões no ensino jurídico, muitas vezes,
lastreadas em modelos de configurações curriculares inadequados.
Não é difícil assim reconhecer, que as nossas faculdades assumiram
tradicionalmente uma função que não era destinada a uma sistemática de
profissionalização.
Somente com o aprofundamento do nosso processo de industrialização e de
urbanização, nos anos 50, um jurista de peso, San Tiago Dantas
484
, elaborará pela
primeira vez uma proposta de estrutura curricular de um curso de Direito mais
profissionalizado mediante disciplinas mais especializadas e de campos de estudo
com uma certa articulação acadêmica.
Transcorridos mais de 180 (cento e oitenta) anos da criação dos cursos
jurídicos, no Brasil, discutem-se, ainda hoje, reformas no ensino e no currículo
jurídico de toda sorte.
A historiografia do ensino jurídico
485
demonstra-nos, entretanto, que a maioria
das propostas de reforma do ensino jurídico se iniciou pela elaboração de
modificação curricular.
Acreditando-se, dessa maneira, poder resolver a crise estrutural do Direito por
meio de uma nova lei que, como num passe de mágica, alteraria a configuração da
matriz curricular. Sem que, contudo essas reformas passassem pela modificação de
comportamentos e posturas dos próprios mantenedores, que entendemos de todo
483
ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988. passim. A esse propósito veja-se ainda VENANCIO FILHO, Alberto.
Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
2004.
484
DANTAS, San Tiago. A educação jurídica e a crise brasileira. Revista de Ensino Jurídico,
Brasília, p. 52-53, 1978-79.
485
Sobre a historiografia do ensino jurídico reporta-se à obra que se tornou clássica, de autoria de
Aurélio Wander Bastos, que, todavia, se constitui num estudo hermenêutico sobre a evolução da
legislação e as conexões administrativas do ensino jurídico com as práticas universitárias, em que
se enfocam as funções do currículo jurídico no quadro dos objetivos e interesses do Estado
brasileiro. O autor se apóia em exaustiva pesquisa documental que permite a identificação das
conexões entre a legislação curricular e as flutuações das acomodações políticas das elites
brasileiras, e cuja documentação historiográfica permite demonstrar a influência que as elites
políticas exerceram na elaboração e na execução acadêmica dos currículos jurídicos. BASTOS,
Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. passim.
231
necessárias, pois, dizem respeito aos próprios agentes envolvidos no processo
educacional, de cada instituição de ensino, para que se possa efetivamente alterar a
qualidade do ensino jurídico brasileiro.
Pela análise da evolução das alterações implantadas, como se verá adiante,
fica claro que nenhuma das reformas do ensino acabou com as crises existentes.
Confirma essa tese Horácio Wanderlei Rodrigues
486
quando aponta que a
pretensão de corrigir o ensino do Direito através da simples alteração da matriz
curricular do curso é equivocada.
Entende-se, por isso, que a supressão, modificação ou alteração de somente
alguns dos componentes curriculares não o capazes, por si só de solucionar
problemas de percepção do próprio mundo; é preciso, como foi dito, mudar
comportamentos.
Como proceder para que haja a libertação dos padrões de comportamento
mais de dois séculos impostos ao ensino jurídico no Brasil?
Em primeiro lugar, acredita-se que é preciso a consciência da própria
responsabilidade no ato de ensinar. Se o doente não souber da gravidade de sua
doença, não conseguirá livrar-se dela, que por sua vez tanto maior lição
encerrará quanto mais grave mostrar-se. Da mesma forma no que se refere à crise
por que passamos, quanto mais profunda revelar-se, tanto mais esforço exigirá para
superá-la.
Em segundo lugar, acredita-se que é preciso vontade.
Convém aqui retornar às lições de Aristóteles
487
, especialmente a uma de
suas obras principais: a Ética a Nicômaco, em que o Estagirita, descreve com
micias as virtudes morais e intelectuais e discute sobre o conceito de “bem(tema
da Justiça), uma virtude moral, um ato voluntário, uma disposição de caráter que
depende da vontade.
Tal disposição, contudo, de fazer o que é justo e desejar o justo do outro
depende e a ele se dirige. Essa disposição de vontade implica, ainda, relação com
alguém.
486
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no culo XXI. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2005. p. 17.
487
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. Livro V, p. 1129a.
232
Nas palavras de Aristóteles
488
:
Vemos que todos os homens entendem por justiça aquela disposição de
caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz
agir justamente e desejar o que é justo; e do mesmo modo, por injustiça se
entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é
injusto.
Têm-se aqui, contudo, a convicção de que é possível mudar o
comportamento, com vontade e a postura dos próprios mantenedores, mormente a
partir de investimentos para que o projeto pedagógico e as novas diretrizes
curriculares instituídas para o Curso de Direito ex vi da Resolução 9/2004, saiam
do papel e sejam executados sem restrições de ordem teórica ou prática,
contemplando o regime de trabalho do corpo social para além da matriz curricular
(ensino), mesmo que em parâmetros mínimos, infra-estrutura de planejamento e
execução de conteúdos e atividades/competências e habilidades.
Assim, por exemplo, se as habilidades forem trabalhadas em sala de aula,
deve haver estrutura física e disponibilidade de material didático para a execução da
atividade. O mesmo serve para investimentos em tecnologia e no acervo físico e on
line da biblioteca, na qualificação dos bibliotecários; investimento em pesquisa,
especialmente no incentivo e publicação de revistas permanentes; investimentos,
por fim, num corpo docente multidisciplinar para a configuração do Núcleo de Prática
Jurídica da instituição de ensino.
Imprescindíveis para pôr em prática todas as mudanças, o comprometimento,
o engajamento político e, sobretudo, a vontade dos mantenedores das IES, dos
professores, coordenadores, e dos próprios alunos do curso para corrigir o rumo do
ensino jurídico brasileiro.
Diante da complexidade e da extensão que essa problemática envolve, é
forçoso que este estudo atue com propostas específicas, a fim de aumentar a
eficácia do tratamento para implantar mudanças curriculares concretas e
duradouras, baseadas não somente em políticas curriculares de governo, portanto,
passageiras, mas sim em políticas de Estado que modifiquem qualitativamente o
cenário da educação superior no Brasil.
488
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. Livro V, p. 229.
233
No campo educacional, as políticas curriculares devem conciliar tanto os
aspectos que devem ser modificados como os que devem permanecer na
configuração do currículo do ensino jurídico brasileiro.
No campo da epistemologia jurídica, a partir de uma lógica curricular aberta e
flexível, a fim de possibilitar maior entendimento e compreensão entre as pessoas e
as diversas culturas.
Na condição de seres humanos, a partir da consciência como seres
inacabados e complexos; como seres racionais, mas, sobretudo, afetivos, críticos e
gregários que são, e, portanto, dotados de vontade.
Na condição de seres políticos, a partir das próprias ações
489
, das próprias
experiências; dentro das possibilidades do convívio, do entrosamento e da prática
profissional e educacional em que estão inseridos.
A partir, por fim, da criação de metáforas novas, mas perenes, que ajudem a
compreender o mundo pós-moderno
490
, num processo de contínua impermanência,
de eterno fluxo, de contínua mudança.
Como na bela metáfora de Heráclito
491
, num perpétuo fluir de águas de um
rio... À imagem da própria vida humana... caótica, desconstrutível, mutável,
assimétrica, indeterminada, contínua, impermanente, não-linear.
Para enfrentar as mudanças e turbulência do entorno, no campo do currículo
e do próprio Direito, onde tudo se move lentamente, cumpre, a partir da criação de
novos paradigmas para compreender a Justiça, a criação de novos direitos, visto
que a sociedade se renova a cada dia.
489
Segundo Hannah Arendt, somente a ação (vita activa) é prerrogativa exclusiva do homem; nenhum
animal ou Deus é capaz de ação, e a ação depende inteiramente da constante presença de
outros. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense. 2001. p. 31.
490
Toulmin assevera que “nós precisamos nos reconciliar com a iia de que não vivemos mais no
mundo „moderno‟. O mundo moderno é atualmente uma coisa do passado... Nosso mundo s-
moderno ainda não descobriu como definir-se em termos do que é, mas somente em termos do
que acabou de deixar de ser. No devido tempo, a mudança da ciência moderna para a s-
moderna será evidentemente acompanhada por uma mudança correspondente também na
Filosofia e na Teologia”. TOULMIN, S. Return to cosmology. Berkeley: University of California
Press, 1982. p. 254.
491
Segundo Heráclito, “para os que entrarem nos mesmos rios, outras e outras são as águas que por
eles correm... Dispersam-se e... reúnem-se... juntas vêm e para longe fluem... aproximam-se e
afastam-se.” Segundo a interpretação platônica, aceita e desenvolvida por Aristóteles, Teofrasto e
os dóxagrafos, esta imagem do rio foi empregada por Heráclito para sublinhar a absoluta
continuidade da mudança em cada uma das coisas: tudo está num perpétuo fluir com um rio. Cf.
KIRK, Geoffrey S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, Malcom. Os filósofos pré-socráticos: história
crítica com seleção de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. p. 202.
234
Além disso, ou seja, dos aspectos históricos pretéritos, dos aspectos
filosóficos e dos aspectos comportamentais, na configuração da crise do currículo,
não se pode negar, por outro lado, o momento atual. Tempo que,
incontestavelmente, é caracterizado por um ritmo de mudanças vertiginoso, único na
história da humanidade, quer sejam elas de ordem social, econômica, jurídica,
política e educativa.
Novas tecnologias revolucionam a comunicação, difundem a informação
492
,
modificam a todo momento o processo de conhecimento, de trabalho, de educação
e, em conseqüência, o ensino e o currículo do Direito.
Katherine Hayles e Stephen Toulmin
493
apontam que o século XXI é o século
da crise, do caos, século de turbulências e de contínuas mudanças. Contudo, a
rapidez dessas mudanças nos enche de perplexidade
494
, tantos são múltiplos os
aspectos de que se revestem. Com efeito, é científica, é tecnológica, é econômica, é
social, é política, é jurídica, é filosófica, é artística, é moral, é cultural, é educacional
é, tamm, comunicacional.
Perplexidade
495
e espanto porque, nesta era de novas tecnologias, as notícias
muito deixaram de viajar no lombo dos burros, disseminando-se, ao contrário,
instantaneamente, por todo o globo, como se o mundo fosse uma grande aldeia”. O
mundo se torna uma província global, uma fábrica global, um shopping center
global.
496
492
Jean-Louis Bergel, afirma que a época atual, não é da insuficiência da informação, porém da
superabundância dos elementos de informação. É nesse contexto, segundo Bergel, que aparece a
necessidade de se recorrer à informática. Bergel aponta, contudo, que muitos juristas ainda
manifestam hesitação diante da informática jurídica. Isso se deve, segundo o autor, a uma
percepção do fenômeno informático. Pois, segundo ele, o computador não é rival do homem. Não
passa de um instrumento que está se tornando indispensável. Constitui-se um instrumento
precioso para os juristas que devem tirar partido dela. Por suas capacidades de memória, pelo
número e pela multiplicidade de seus acessos, pela velocidade de pesquisa, o computador
enriquece a informação e multiplica-lhe a eficácia. BERGEL, Louis. Teoria Geral do Direito. São
Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 73-75.
493
HAYLES; TOULMIN, 1990, apud DOLL JÚNIOR, William E. Currículo: uma perspectiva pós-
moderna. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 179.
494
Anísio Spínola Teixeira, já afirma em 1967 que “só com uma vida profundamente superficial
podemos não sentir as solicitações diversas e antagônicas das diferentes fases do conhecimento
educacional e humano, e os conflitos e perplexidades atordoantes da hora presente”. Pequena
introdução à Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 169.
495
Segundo Platão, a verdadeira marca de um filósofo é o espanto, a admiração, “a perplexidade que
ele experimenta. A Filosofia, com efeito, não tem outras origens.” Diálogos: Teeteto, Crátilo.
Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. p. 55
496
IANNI, Otávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 15.
235
Vive-se no tempo da globalização econômica, em que a extrema rapidez das
mudanças, além de transformar os meios de produção do capital, vem alterando
profundamente a maneira de pensar, de conviver, de conhecer, de habitar o mundo
e posturas perante a vida, metamorfoseando até mesmo aquilo que se concebe
como humano.
Conforme asseveram Geraldo Balduíno Horn e Geyso Dongley Germinari
497
a cada dia nos aproximamos mais de uma sociedade globalizada, ligada
instantaneamente através dos meios de comunicação de massas.
Do ponto de vista econômico, o fenômeno da globalização fez refletir seus
efeitos também sobre o Direito, seu ensino e seus currículos, pois, entende-se que a
globalização nos projeta, ao mesmo tempo, demandas e conseqüências várias e
contraditórias sobre os sistemas educativos.
Em obra organizada por José Eduardo Faria
498
, Direito e globalizão
econômica: implicações e perspectivas”, o autor analisa detalhadamente os reflexos
da globalização econômica e seu impacto no Direito.
Segundo aponta José Eduardo Faria
499
pode ser observado a partir da
década de 80, com a crise dos Estados Nacionais e do Direito.
Nesse sentido afirma José Eduardo Faria
500
:
Pela progressiva deteriorização da organicidade de seu sistema jurídico, o
virtual colapso do constitucionalismo e a crescente superação do equilíbrio
entre os poderes, as quais não abrangem o todo do problema, pois, com o
fenômeno da globalização econômica, a partir da década de 80, tamm
vão surgir outras rupturas institucionais nas estruturas jurídicas e poticas
legadas pelo Estado liberal, no século XIX, e pelo Estado Social, no século
XX.
José Eduardo Faria
501
assevera ainda que
Ao promover uma internacionalização dos direitos e das práticas jurídicas, o
fenômeno da globalização vem multiplicando as oportunidades profissionais
para os grandes escritórios especializados em direito econômico
transnacional e em “lex mercatória”, ao mesmo tempo em que também vem
restringindo drasticamente o mercado de trabalho dos especialistas em
497
HORN, Geraldo Balduíno; GERMINARI, Geyso Dongley. O ensino de história e seu currículo:
teoria e método. Rio de Janeiro: Vozes, 2006. p. 23.
498
FARIA, José Eduardo. (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São
Paulo: Malheiros, 1996. p. 10.
499
Ibid., p. 10-15.
500
Ibid., p. 10-15.
501
Ibid., p. 13.
236
direito nacional e com uma formação técnica meramente “convencional”,
isto é, exclusivamente normativista e legalista.
Tais aspectos podem ser contextualizados na mundialização da economia, na
desconcentração do aparelho estatal, na internacionalização do Estado, na
fragmentação das atividades produtivas, e na expansão de um Direito paralelo ao do
Estado, constatando-se disso que a conseqüência é o esvaziamento da soberania e
da autonomia dos Estados nacionais.
De fato, o nosso mundo é um local com muitas possibilidades de
comunicação, cujas partes se conhecem entre si, se influenciam reciprocamente, se
apóiam ou se opõem. Tem-se, portanto, a idéia de que a globalização constitui um
todo, embora com uma certa coesão. Contudo, nesse mundo, o que acontece a uma
pessoa repercute sobre as demais, como se fossem células de um órgão ou as
partes de um mesmo corpo.
A rede global conecta sociedades, culturas, a atualidade das vidas de povos e
indivíduos, a economia, a miséria, a poluição ambiental, os enfrentamentos ou a
política.
Não como negar que pensar o ensino e o currículo jurídico implica ter
presente esse contexto de transformações e circunstâncias que envolvem o Direito e
o Estado contemporâneo.
Especialmente, aquilo que diz respeito às funções e conteúdos do Direito e as
funções do Estado e os processos de fragmentação a que este se sujeita.
José Gimeno Sacristán
502
adverte sobre isso:
O mundo globalizado é um mundo em rede, no qual as partes são
interdependentes, constituindo uma rede de intercâmbios, empréstimos e
acordos de cooperação; no qual se adotam padrões de comportamento,
modelos culturais de outros ou algumas de suas características; no qual se
tecem projetos e destinos.
Paulo Freire
503
também alerta para o aspecto negativo da globalização
afirmando que:
502
GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. (Org.). Currículo na
contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2006. p. 51-80.
503
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 144.
237
O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua é a
ética do mercado e a ética universal do ser humano, pela qual devemos
lutar bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente. O
discurso da globalização astutamente oculta ou nela busca penumbrar a
reedição intensificada ao máximo mesmo que modificada, da medonha
malvadez, com que o capitalismo aparece na História. O discurso ideológico
da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de
uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões.
Entende-se que a globalização pode ser definida com a intensificação das
relações sociais, econômicas, jurídicas, políticas e culturais em escala mundial, que
ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados
por eventos ocorridos a muitas milhas de distância. É, contudo, um processo
irreversível, que traz em seu bojo aspectos positivos e negativos.
Do ponto de vista econômico a globalização diz respeito tanto ao
fortalecimento das empresas transnacionais, como também ao crescente processo
de planificação econômica em nível supranacional. Fenômenos que trazem como
contrapartida, o enfraquecimento político dos Estados-Nações, do conceito de
soberania, e o aumento do poder das organizações e organismos internacionais
para definir, desde políticas militares, aspectos jurídicos e estratégias de
desenvolvimento econômico.
No plano cultural, a globalização da cultura, viabilizada pelo desenvolvimento
acelerado dos diferentes meios de comunicação e tecnologia, ao mesmo tempo, em
que cria grupos de identidades tão importantes para o consumo, ameaça a
afirmação cultural de diferentes segmentos sociais.
Ainda, no plano cultural, a globalização, criou, contudo, as condições para a
intensificação de debate em torno da questão do direito à diferença, que engloba os
conceitos de multiculturalismo
504
, e interculturalismo e outros que procuram dar
explicações sobre a diversidade cultural do moderno Estado-Nação.
Nesse contexto de complexas e infinitas transformações e mudanças é
preciso, no entanto, enxergar, tanto os reflexos positivos, como os negativos da
globalização na educação e, por via de conseqüência, no ensino do Direito.
504
Registre-se que o conceito de multiculturalismo foi analisado anteriormente nesse trabalho, no
capítulo 1, item 1.9.7.
238
Sob o aspecto negativo adverte também o posicionamento de Paulo Luiz
Netto Lobo
505
, para quem:
O fascínio com a globalização, e a certeza apregoada por muitos de sua
inevitabilidade, tem levado alguns a acusarem os cursos jurídicos de
ultrapassados, porque o estão formando para o mercado globalizado, e
por entenderem que a justiça deixou de ser um valor em si e deve ser
coadjuvante nesse processo.
Ainda segundo Paulo Luiz Lobo
506
, a globalização econômica amesquinha o
papel da justiça, exatamente por esta realizar-se no espaço público, oposto àquele.
Sua lógica é: quanto mais mercado, menos justiça e, a fortiori, menos direito e
garantias individuais.
O fenômeno da globalização tanto pode supor possibilidades negativas
incidentes no ensino do Direito, como também, pode trazer novas possibilidades de
ter acesso ao estranho, de se enriquecer com o estranho, de rever e relativizar o que
é próprio, de adquirir novas competências em educação.
De propor assim, estímulos que melhorem e complementam a cultura escolar
e refazer o currículo jurídico.
Evitando-se, ademais, as deformações a respeito do que se acredita ser
imutável, a despeito de como se pode proceder no futuro na esfera da constituição
do saber, do ensino e da configuração de um currículo jurídico capaz de enfrentar
tais mudanças.
É preciso, nesse sentido, domesticar a globalização. Pois, se esta é,
indiscutivelmente, uma característica dos tempos atuais, não se pode desprezar o
fato de que este tempo, o tempo da pós-modernidade
507
, tamm se caracteriza
pela fragmentação dos diversos estratos do corpo social.
505
LOBO, Paulo Luiz Netto. Para preservar os padrões de qualidade do ensino jurídico. Anuário
ABEDi, Florianópolis, ano 1, p. 123-137, 2003.
506
Ibid., p. 126.
507
Cf. MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002. p. 43. Em sentido oposto,
afirma Toulmin, para quem “nós precisamos nos reconciliar com a idéia de que não vivemos mais
no mundo „moderno‟. O mundo moderno é atualmente uma coisa do passado... Nosso mundo pós-
moderno ainda não descobriu como definir-se em termos do que é, mas somente em termos do
que acabou de deixar de ser. No devido tempo, a mudança da Ciência Moderna para a pós-
moderna será evidentemente acompanhada por uma mudança correspondente também na
Filosofia e na Teologia”. TOULMIN, S. Return to Cosmology. Berkeley: University of California
Press, 1982, p. 254.
239
Isto significa que hoje, já não se pode mais pensar num mundo dividido entre:
leste e oeste, capitalistas e comunistas, ou, outras categorias afins. Além disso,
deve-se, pois, pensar o mundo pós-moderno, em sua dimensão total de enorme
complexidade.
Franc Morandi aponta que a pós-modernidade é uma designação indicadora
de outra relação pensamento-homem-mundo”.
508
A pós-modernidade não é, no
entanto, a negação da modernidade.
509
O que se propõe, segundo Franc Morandi, a partir do século 19, conforme a
crítica nietzschiana, e no decorrer do século 20, ao longo da evolução das ciências,
notadamente, uma fase de desconstrução (mundo fragmentado) que, contudo,
rejeita a visão global da história como progresso ou libertação.
No mundo pós-moderno, o que deve ser proposto, frise-se, é uma educação
do pensamento, do homem e da ciência humana jurídica e social que não reduza,
simplifique ou mesmo elimine a complexidade do mundo.
A esse propósito, adverte Edgar Morin
510
,
É necessário educarmos nosso pensamento justamente para os desafios da
complexidade. Pois o pensamento e a inteligência que sabe separar
508
Cf. MORANDI, Franc. Filosofia da Educação. Bauru: EDUSC, 2002, p. 43.
509
Em sentido contrário, veja-se a crítica feroz de Jürgen Habermas quanto ao legado da pós-
modernidade. Seu trabalho é importante porque, ao forjar a defesa da modernidade como parte de
uma crítica dos discursos s-modernos e pós-estruturalistas que emergiram na França a partir de
1968, ele inaugurou um debate entre as posições modernistas e pós-modernistas aparentemente
opostas. Além disso, Habermas tentou rever e reconstruir o trabalho anterior de seus colegas da
escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, revendo sua visão pessimista da
racionalidade e da luta democrática. Habermas, no entanto, identifica a pós-modernidade menos
como uma questão de estilo e cultura do que como uma questão de política. A rejeição da pós-
modernidade das grandes narrativas, sua negação das bases epistemológicas e sua acusação de
que a razão e a verdade estão sempre implicadas em relações de poder são encaradas por
Habermas como um retrocesso e também como uma ameaça a modernidade. Para ele, a s-
modernidade tem uma relação paradoxal com a modernidade. Por um lado, ela incorpora as piores
dimensões de um modernismo estético. Segundo ele, estende aqueles aspectos da vanguarda que
“vivem na experiência da rebelião contra tudo o que é normativo”. Conforme Habermas, a s-
modernidade corrói o projeto da modernidade ainda em seu processo de desdobramento com
sua promessa de democracia pela regra da razão, competência comunicativa e diferenciação
cultural. Para Habermas a pós-modernidade é culpada por um crime duplo de, ao mesmo tempo,
rejeitar os princípios do ethos modernista e não reconhecer suas contribuições mais emancipatória
para a vida contemporânea. Além disso, os pensadores s-modernos são conservadores cujas
raízes filosóficas vão ser reencontradas em várias teorias irracionalistas e do contra-iluminismo as
quais, segundo ele, parecem ter uma afinidade política peculiar com o fascismo. Nesse sentido,
reporta-se, especialmente à obra de Jürgen Habermas. O discurso filosófico na modernidade.
São Paulo: Martins Fontes, 1990. passim.
510
MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO,
Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução
de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17.
240
rompem o caráter complexo do mundo em fragmentos desunidos, fraciona
os problemas e unidimensiona o multidimensional. Essa inteligência é cada
vez mais míope, daltônica e vesga; termina a maior parte das vezes cega,
porque destrói todas as possibilidades de compreensão e reflexão,
eliminando na raiz as possibilidades de compreeno e reflexão, eliminando
na raiz as possibilidades de um juízo crítico e também as oportunidades de
um juízo corretor ou de uma vio a longo prazo.
Dessa maneira, inserido num universo complexo entregue ao ruído, num
mundo gerador de acontecimentos que amiúde o homem se sente incapaz de
decifrar. Um mundo onde novos países nascem e outros renascem de antigos
conflitos não resolvidos no passado e onde o homem, a cada dia mais individualista
na solidão das grandes cidades, reage a essa condição procurando integrar-se a
grupos de mesmo interesse e que passam a interagir entre si, dando origem a novos
conflitos e novos direitos.
Considerando isso, importa ampliar, expandir e diversificar as perspectivas de
análise e reflexão no enfrentamento dessas problemáticas tendo em vista que a
despeito de tantas conquistas, muitas são as incertezas e os desafios que se
impõem, considerando que, na mesma medida em que se logram conquistas,
agravam-se a desigualdade social, a miséria, a violência. Por toda parte vê-se
aumentar o desemprego, degradar-se o meio ambiente, acentuarem-se os
problemas demográficos, acenderem-se preconceitos.
Diante desse quadro, muitos se abrigam na apatia, no conformismo, no
ceticismo
511
, no individualismo ou no consumismo, recusando-se a tomar atitude,
simplesmente, cruzando os braços.
Conforme assevera Henry A. Giroux
512
Este é um tempo ruim, a cobiça esem toda a parte; a transformação de
tudo em mercadoria e a mediocridade dominam a cultura de massa; toda
511
Ceticismo é a concepção segundo a qual o conhecimento do real é imposvel à razão humana.
Portanto, o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda
a afirmação a uma dúvida constante. Oposto a dogmatismo. Cf. JAPIASSÚ Hilton; MARCONDES,
Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 41. No mesmo
sentido, para Johannes Hessen para quem “enquanto o dogmático encara a possibilidade de
contato entre sujeito e objeto como auto-evidente, o cético a contesta. Para o ceticismo, o sujeito
não seria capaz de apreender o objeto. O conhecimento como apreensão efetiva do objeto seria,
segundo ele, impossível. Enquanto o dogmatismo de um certo modo desconsidera o sujeito,
ceticismo não enxerga o objeto. Seu olhar escolado de modo tão unilateral ao sujeito, à função
cognoscente, que desconhece por completo a referência ao objeto. Sua atenção está sempre
completamente direcionada aos fatores subjetivos do conhecimento humano. HESSEN, Johannes.
Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 31-32.
512
GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas de
educação. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 15.
241
uma geração de pessoas, pobres e jovens está sendo perdida na
devastação cruciante da péssima escola, da pobreza, do desespero e do
desemprego.
Como conseqüência do avanço tecnológico e da evolução no cenário em que
o conhecimento se desenvolveu, ao longo das últimas décadas, a ciência moderna
consagrou o homem como sujeito epistêmico
513
, mas expulsou-o como sujeito
humano.
Nesse sentido, o ensino deve promover a inteligência geral apta a se referir
ao complexo, de modo multidimensional e dentro da concepção global.
514
O ensino jurídico, por sua vez, deve desenvolver um processo de ensino de
maior adequação, condizente aos novos tempos, capaz de desenvolver condições
de humanização.
Por isso, o ensino do Direito no Brasil, bem como, suas diretrizes curriculares
precisa ser pensado e organizado levando-se em conta estas transformações.
Tendo em vista que, nesse cenário de novas tecnologias e transformações,
freqüentemente, se valoriza o conhecimento factual, objetivo, útil, porém, o se
aceita a interferência de valores humanos, éticos, filosóficos, sobretudo, culturais, no
ensino e no currículo jurídico.
513
O termo sujeito epistêmico é usado aqui, em conexão com o conceito de epistemologia. Com
efeito, a epistemologia é um ramo da Filosofia. De modo especial, enquanto é essencialmente o
estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado a
determinar sua origem lógica (não psicológica), seu valor e seu alcance objetivo. A epistemologia
estuda os métodos, as estruturas e a validade do conhecimento. Questões epistemológicas tratam
do seguinte: De onde vem o conhecimento, O que é verdadeiro, Em que medida o conhecimento
contribui para o processo do conhecimento? A verdade é permanente ou mutável? Segundo André
Lalande a epistemologia se distingue, portanto, da teoria do conhecimento, da qual serve, contudo,
como introdução e auxiliar indispensável. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de
Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 293. Em sentido amplo, Hilton Japiassú entende por
epistemologia, o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua formação, de
seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos intelectuais. Segundo Japiassú,
pode-se distinguir 3 tipos de epistemologia, a epistemologia global ou geral que trata do saber
globalmente considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua organização, quer
sejam especulativos, quer científicos; a epistemologia particular que trata de levar em consideração
um campo particular do saber, quer seja especulativo, quer seja científico; a epistemologia
específica que trata de levar em conta uma disciplina intelectualmente constituída em unidade bem
definida do saber e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico, mostrando sua
organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela mantém com as demais
disciplinas. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 84-85.
514
Nesse sentido, tamm as considerações de Edgar Morin sobre o que a educação deve promover
para o futuro. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez; Brasília: UNESCO, 2002. p. 39.
242
Com tais propósitos, vale dizer, ressaltar a necessidade desses valores
reputados indispensáveis na configuração do atual currículo jurídico é que se realiza
o presente trabalho, bem como, apresenta-se uma proposta pedagógica em
oposição à tradicional, portanto, de desconstrução de antiquados paradigmas,
voltados para novos horizontes curriculares, no ensino do Direito, comprometidos, no
dizer de Luis Alberto Warat
515
:
Com as transformações da linguagem, como prática genuinamente
transgressora da discursividade instituída, como exercício da resistência a
todas as formas de violência simbólica, isto é, como uma prática política dos
direitos do homem à sua própria existência.
A intenção educativa, neste trabalho, é que no ensino e no currículo jurídico,
esses valores humanos, de respeito ao próximo, de respeito à condição da
dignidade da pessoa humana, ao meio ambiente, à solidariedade, à tolerância, aos
valores de justiça e da ética, aos aspectos filosóficos, sobretudo, culturais, não
sejam renegados. Urge assim, humanizar o ensino jurídico e, por via de
conseqüência, o currículo jurídico.
Carlos Aurélio Mota de Souza
516
afirma que humanizar o ensino do Direito é
trazer o homem para o centro das operações jurídicas, seja legislando, seja
administrando, seja decidindo causas, em que o homem deve sempre ser
privilegiado, como fim último das atitudes humanas, considerando nessa relação,
tanto o sujeito epistemológico quanto o sujeito humano.
Humanizar o ensino jurídico é, mutatis mutandi, transpor para o currículo das
instituições de ensino superior, a figura da pessoa humana com toda a dignidade
que a caracteriza e que a Constituição lhe confere e garante.
Impõe salientar que a atual Carta Magna Constitucional de 1988 elevou a
dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da República Federativa do
Brasil, conforme preceitua o art. 1º, inciso III, que assim dispõe
517
:
515
WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito: o Direito o estudado pela teoria jurídica
moderna. Porto Alegre: Fabris, 1997. p. 44.
516
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. As tendências contemporâneas da ideologia e práticas jurídicas.
In: ZIMERMAN, David; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. (Org.). Aspectos psicológicos na
prática jurídica. Campinas: Millennium, 2008. p. 3-22.
517
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 29 ed. atual.
ampl. São Paulo: Atlas, 2008.
243
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III a dignidade da pessoa humana.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana expresso na Constituição
Federal brasileira de 1988 revela, portanto, o sentido de valor supremo que norteia e
atrai o conteúdo de todos os demais direitos fundamentais. Impondo-se, por essa
razão, sua observância aos homens em suas relações interpessoais, bem como ao
Estado, de molde a que a pessoa nunca seja tratada como objeto.
É preciso, assim, respeitar e reverenciar a autonomia, a liberdade, a
igualdade e a integridade física, afetiva, moral e intelectual do ser humano.
Ora, os Princípios Constitucionais traçam a conduta a ser tida em qualquer
operação jurídica, pois são a base de toda e qualquer norma.
Além disso, os Princípios Constitucionais formam um mandamento nuclear,
embasam a exegese de todas as normas, sobremaneira, aquelas emanadas do
Direito Educacional e, que neste caso, instituíram as diretrizes curriculares para o
ensino jurídico, exemplo da Resolução n° 9/2004.
518
Evidente, pois, que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
519
deve
nortear a leitura e interpretação de qualquer norma, especialmente aquelas
relacionadas à Educação Nacional. Logo, se a dignidade da pessoa humana é
fundamento da República Federativa Brasileira, deve esta dignidade ser buscada, de
forma incessante, por todos os membros da sociedade, do Estado, da família, das
organizações, especialmente na gestão e na docência, das instituições superiores
escolares, tendo em vista que, um dos modos de alcançá-la efetivamente é pela
educação.
518
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17.
519
Ingo Wolfgang Sarlet apresenta um conceito de Dignidade da Pessoa Humana definindo-o como
sendo “a qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e
qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa
e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos.” SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.
244
É preciso além de reformar, constitucionalizar os currículos escolares,
sobrelevar, nas diferentes disciplinas, a pessoa humana como destinatária última de
todos os ensinamentos.
As dificuldades práticas iniciam-se quando se busca trazer ao ensino do
Direito e, especialmente, ao currículo jurídico, ao cervo reflexivo e necessário da
Pedagogia.
Na Pedagogia Tradicional do ensino do Direito, a proposta de educação está
centrada no professor, sendo que nessa concepção, ele tem a função de vigiar,
aconselhar, corrigir, e ensinar a matéria por meio de aulas expositivas, ficando a
cargo dos alunos prestar atenção e realizar exercícios repetitivos para gravar e
reproduzir a matéria dada.
520
Em oposição crítica, defende-se uma Pedagogia Nova do ensino jurídico
521
,
em que se assume o princípio ativo e norteador de valorização do indivíduo como
ser livre, ativo, social e cultural.
Onde o centro da atividade escolar não é o professor nem os conteúdos
disciplinares, mas sim o aluno ativo e curioso.
Onde o mais importante, não é o ensino, mas o processo de aprendizagem.
E, o professor é somente o facilitador no processo de busca do conhecimento do
aluno, organizando e coordenando as situações de aprendizagem.
Deisy Ventura
522
, por exemplo, defende o posicionamento que deve haver um
resgate da consciência de que o ensino superior de Direito é, essencialmente,
520
Veja-se a esse respeito, artigo que ilustra a distinção entre Pedagogia Tradicional e Pedagogia
Renovada, Pedagogia libertadora e Pedagogia ctico-social dos conteúdos, de lavra do
conselheiro, membro do Conselho Estadual de o Paulo, Prof. José Mario Pires Azanha.
Parâmetros curriculares nacionais e autonomia da escola. Internacional Studies on Law and
Education. Revista On-line Editora Mandruvá, n. 3, p. 1-10, 17 mar. 2006. Disponível em:
<http://www.hottopos.com/harvard3/zemar.htm>. Acesso em: 10 out. 2008.
521
Essa Pedagogia Nova inclui várias correntes do pensamento educacional, contudo, é posvel
basear suas idéias, no movimento da Escola Nova. É importante que se diga que o
Escolanovismocomo movimento educacional e filosófico, surge no Brasil, com a influência dos
pensadores ligados e signatários do movimento dos Pioneiros da Educação. O escolanovismo
surge no mundo nos fins do século XIX na Europa e nos Estados Unidos. Este movimento opunha-
se às práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visava a uma educação que pudesse integrar o
indivíduo na sociedade e, ao mesmo tempo, ampliar o acesso de todos à escola. No Brasil, Anísio
Teixeira, defendeu esse pensamento, baseando suas idéias em John Dewey, filósofo ligado ao
pragmatismo e empirismo norte-americano.
522
VENTURA, Deyse. Ensinar Direito. São Paulo: Manole, 2004. p. 16.
245
atividade de ensino; secundariamente, superior e de modo específico de Direito,
trazendo dentro dessa perspectiva, a identidade do que se tem a ensinar.
Ademais, é preciso buscar-se no campo de atuação profissional e do ensino
jurídico, seja pela via do inconformismo, da contestação, da resistência, como
tamm, pela via da crítica, uma saída para modificar o mundo.
Talvez mediante uma postura nova, um novo olhar, tendo em vista que nesse
cenário de contínuas e profundas mudanças, desestruturam-se as certezas, abalam-
se as crenças, questionam-se os saberes jurídicos.
523
O fato é que a crise se propaga por diferentes setores da atividade humana e
provoca tensões no campo da educação, especialmente do ensino do Direito.
Esse entendimento é corroborado por Joaquim Falcão quando afirma que o
ensino jurídico atravessa uma crise.
Segundo Joaquim Falcão
524
Os esforços de superação têm sido, contudo, praticamente inúteis. A crise
resiste e persiste, e se antes significava principalmente insatisfação coletiva
com o ensino administrado pelas faculdades, hoje em dia, significa muito
mais. A própria função social do advogado, do Direito e do desenvolvimento
da nossa cultura jurídica, encontram-se substancialmente atingidos.
O ensino jurídico, fazendo parte do mundo do Direito, reflete tanto a crise
deste como a do sistema sócio-político-econômico em sua totalidade. Por via de
conseqüência, atingiram-se tamm as diretrizes, os conteúdos dos currículos
jurídicos, bem como a formação do estudante de Direito, pois, a crise e a
523
Sob esse aspecto, defendendo a reforma do ensino jurídico, André Luiz Lopes dos Santos insiste
na necessidade de se lidar com as incertezas. Eis seu posicionamento: “Parece que os obstáculos
maiores para uma reforma do ensino jurídico estejam na dificuldade encontrada, tanto por alunos
quanto por professores, em modificar suas posturas tradicionais ante o processo de construção do
chamado saber jurídico. A postura crítica, quer do educador que se imagine capaz de transmitir um
saber pronto, quer no aluno que pretenda apenas receber esses conhecimentos, crendo, com base
neles, poder se julgar apto ao exercício das profissões jurídicas, nos parece o primeiro dos
entraves a serem removidos. Maior maleabilidade do educador, maior responsabilidade do
educando, maior comprometimento de ambos em relação a objetivos mais definidos. Mudando as
posturas, contudo e, é preciso ter muito clara essa noção essa prática abre espaço,
inevitavelmente, para o inesperado, para o imprevisível. Lida-se mais próxima e continuamente,
com incertezas. Segundo nos parece, contudo, esse é um preço que se deve pagar: abrir mão de
um falacioso porto seguro em que se vê ancorado o conhecimento jurídico, repetindo fórmulas
inquestionáveis (dogmática) e perpetuando ficções jurídicas”. SANTOS, André Luiz Lopes dos.
Acesso a que justiça: novos argumentos para o debate acerca do ensino jurídico no Brasil. In:
REIGOTA, João Manoel dos Santos et al. Direito, ciência e arte: estudos jurídicos
interdisciplinares. Campinas: Edicamp, 2001. p. 51-52.
524
FALCÃO, Joaquim. Os advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação
Joaquim Nabuco; Massagena, 1984. p. 39.
246
globalização incidente na educação, na mesma medida, incidem sobre os sujeitos
cognoscentes, sobre as formas de aprender, sobre as diretrizes e o conteúdo dos
currículos jurídicos.
Do resgate de autores como Roberto Lyra Filho, Boaventura de Souza
Santos, Luís Alberto Warat, José Geraldo Sousa nior e Fábio Costa Morais de
e Silva
525
, extraiu-se a seguinte interpretação, no que se refere à crise e aos
desafios do ensino do Direito: de que estudar Direito hoje, significa enfrentar a crise
da pós-modernidade, a emergência de demandas sociais alternativas e a
necessidade de se repensar ou de se des-pensar o lugar que o Direito e seus
operadores ocupam em todo esse processo.
Adota-se aqui a expressão “agente do Direito ao invés de “operador do
Direito, na esteira do pensamento do Professor Paulo Lopo Saraiva
526
, para quem
operador seria um termo apto a identificar quem trabalha com máquinas”.
Essa lúcida e perspicaz crítica nos faz compreender, acertadamente, como
aponta o professor Saraiva
527
que quem trabalha com máquinas não é operador é
agente, pois não apenas o manipula, como também o transforma, por meio de sua
ação.”
Por outro lado, deve-se considerar que, muitas vezes, nesse ambiente de
crise, é o próprio processo de escolarização que aliena do mundo, desumaniza e
oprime.
Os obstáculos pedagógicos e epistemogicos, os vícios da relação ensino-
aprendizagem, presentes no ensino jurídico moderno baseados no modelo
educativo da época do Império e a própria escolarização levaram muitos
estudiosos a sustentar a desinstalação das próprias escolas.
Apostando, dessa forma, numa formação humanística baseada numa
sociedade sem escolas” e na “desescolarização da sociedade”.
525
Veja-se, nesse sentido, especialmente, a obra de SILVA, Fábio Costa Morais de e. Ensino
jurídico: a descoberta de novos saberes para a democratização do Direito e da sociedade. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. p. 38.
526
SARAIVA, 2002, apud SANTOS, André Luiz Lopes dos. Ensino jurídico: uma abordagem político-
educacional. Campinas: Edicamp, 2002. p. 5.
527
Ibid., p. 5.
247
Dentre eles, destaca-se a proposta radical de Ivan Illich.
528
Não aqui, a intenção extrema de propor uma sociedade sem escolas”,
como fez Illich, porém, parafraseando Luis Alberto Warat
529
, a afirmar o potencial
educativo da contestação como fórmula de ensino-aprendizagem, especialmente no
que se refere ao currículo jurídico.
A jornada no processo de ensino permite constatar que
530
o atual currículo
jurídico treina, até hoje, para a recepção passiva de verdades alheias e pré-
estabelecidas; treina-se o aluno exclusivamente para o conhecimento exclusivo da
lei e da norma, nunca para atuar criativamente no desempenho do Direito e da
Justiça.
No contexto jurídico, o currículo tem sido mostrado historicamente como o
grande vilão do ensino do Direito.
531
Aliás, é um lugar comum (topöi)
532
atribuir a ele
toda sorte de mazelas, responsabilizando-o exclusivamente pela crise que se
configura para o ensino jurídico brasileiro.
528
Ivan Illich, padre que se tornou reformista social, assume tom radical nas suas obras Deschooling
Society e Medical Nemesis, ele sugere que não precisamos de escola alguma. Illich faz uma
distinção entre escolaridade e educação, acredita que a educação deveria ser disseminada pela
sociedade, em vez de ser conduzida em prédios especiais para esse propósito. Ele pensa que as
pessoas podem ser educadas no trabalho, em sua casa e onde estiverem nas suas atividades
cotidianas, suas reflexões voltam-se para o tema da educação, medicina, revolução e pobreza.
Alguns críticos dizem o que ele está fazendo é avaliar o papel da educação em uma sociedade
justa, o tipo ideal medieval que enfatizava os laços de cooperação entre indivíduos, a comunidade
social e a natureza. Segundo Illich, a educação deveria ser um tema convival em que instituições
encorajassem uma preocupação pelos outros indivíduos, pois as instituições tornaram-se
“manipulativas”. Assim, é preciso separar a aprendizagem e ensino e criar um novo estilo de
educação, baseando-se em novos elos entre os aprendizes e o mundo. ILLICH, Ivan. Deschooling
society. Nova York: Harper, 1956. passim.
529
WARAT, Luis Alberto. Sobre a impossibilidade de ensinar Direito: notas polêmicas para a
desescolarização do Direito. In: FAGÚNDES, Paulo Ronay Ávila. (Org.). Retratos dos cursos
jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC,
2002. p. 345-380.
530
Observa Paulo Freire que é pela constatação do que nos cerca que “nos tornamos capazes de
intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do
que simplesmente a de nos adaptar a ela”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 77.
531
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 17.
532
Segundo Eduardo C. B. Bittar, o termo topöi (plural de topos, em grego) “em sua semântica
originária e primígena, significa lugar. É o desta forma que se vale Aristóteles do termo para
explorar a temática da dialética, pois neste contexto quer-se indicar os lugares-comuns do
silogismo dialético, aqueles argumentos comumente explorados nos debates entre escolares,
pensadores e profissionais da palavra pública”. BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia
aristotélica: leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Barueri: Manole, 2003. p. 291-325.
248
Esse argumento carece de condição para prosperar visto que uma sociedade,
ou sistema social, não entra em crise pelo simples fato de seus membros afirmarem
que está em crise.
Por outro lado, não se podem compreender atitudes que se resumem,
meramente, em apontar problemas, tecer críticas que nada adiantam, por estarem
calcadas num mero e estéril academicismo desprovido de qualquer utilidade ou
efetividade. Mais do que apontar problemas é preciso encontrar soluções.
Desse modo, se, por um lado não se pode imputar, exclusivamente, ao
currículo a complexidade da crise que permeia a situação do ensino jurídico
brasileiro, por outro, tão pouco parece muito válido falar em crise do ensino jurídico.
Dado que há muito se observa essa situação a ponto de a ela praticamente terem-
se habituado quando, a característica mais marcante de uma crise é sua
transitoriedade.
Contudo, nada permanece indefinidamente em quebra ou ruptura: a própria
dinâmica dos elementos da crise conduz à superação das contradições. Também
por isso, talvez, seja preferível falar em falência dos paradigmasaplicados para o
ensino jurídico.
Nesse sentido, sustenta Roberto Fragale Filho
533
que é preferível falar em
falência funcional e falência sistêmica do modelo do ensino jurídico.
Por essa perspectiva, acredita-se que a falência funcional diz respeito à
incapacidade, de nossos cursos jurídicos, em oferecer graduados capacitados para
atuar nas diversas esferas profissionais, enquanto a falência sistêmica diz respeito à
incapacidade dos cursos de Direito, no Brasil, em formar bacharéis com novas
habilidades e competências, capazes de analisar o Direito à luz dos novos Direitos.
Por outro lado, a denominada crise no ensinono campo do Direito não tem
apenas um lado ruim, mas pode servir de fonte para algo melhor, propositivo, mais
autônomo e criativo, no sentido que aponta Everardo da Cunha Luna
534
:
Nos tempos de crise, em que predomina o pensamento crítico e, por crítica,
entendo, aqui, a participação numa atmosfera de desacordos, de
533
FRAGALE FILHO, Roberto; CERQUEIRA, Daniel Torres de. (Org.). O ensino jurídico em debate:
o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. Campinas: Millennium, 2006. p. V.
534
LUNA, Everardo da Cunha. A fundação dos cursos jurídicos no Brasil. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. LXXIX, p. 380-386, jan./dez.1984.
249
afirmações subjetivas enfim, parece-me que não podemos fugir dessa
limitação, o que traz, contudo, o benefício de termos mais liberdade de
expressão e de pensamento em meio aos conflitos entre homens e homens,
entre mulheres e mulheres, entre gerações e gerações, entre a humanidade
e a natureza, entre todos e todos.
A liberdade de expressão e de pensamento referida por Luna, entretanto,
pode funcionar no meio da crise do ensino, como uma espécie de mola propulsora
para a criatividade tanto docente quanto discente, e argumento para a
transformação do currículo jurídico e do próprio ensino do Direito.
Exemplo recente disso é o Projeto da Universidade de Bralia - UNB,
denominado “O Direito Achado na Rua.
535
Além disso, pode-se afirmar que a crise que passa o ensino de Direito, em
verdade é uma crise de percepção, da integralidade da vida que apresenta diversas
facetas:
O caos do interior do sistema educacional é o resultado da grande crise que
se vive na sociedade pós-moderna. Crise que, com efeito, repercute no interior do
sistema jurídico. O caos que em cada pessoa individualmente, se reflete na vida
coletiva. E, as dificuldades da vida social e econômica produzem um caos interior
em cada ser humano.
As crises são de acordo com os especialistas em educação
536
:
1) crise funcional (a crise de mercado de trabalho e a crise de identidade e
legitimidade dos operadores jurídicos), nesse sentido, os estudantes de
Direito já sentem os problemas que enfrentarão fora da universidade;
2) crise operacional (a crise curricular, crise didático-pedagógica e crise
administrativa). Indaga-se nesse sentido: O que se ensina num curso de
535
José Eduardo Faria e Celso Fernandes Campilongo referem-se ao Projeto Achado na Rua, como o
próprio nome da iniciativa indica, não uma preocupação tanto com o Direito dos Códigos, ensinado
nas faculdades, mas com as diferentes formas jurídicas efetivamente praticadas nas relações
sociais. Optando por uma análise crítica do Direito estatal, questionando as estratégias de
neutralização e despolitização estabelecidas pela dogmática jurídica e privilegiando a
transformação social em detrimento de permanência das instituições jurídicas, ou seja, tratando a
experiência jurídica sob um ângulo assumidamente político. Para Faria e Campilongo, este projeto
da UNB tem por objetivo agir como transmissor de informações em favor de uma ordem normativa
mais legítima, desformalizada e descentralizada. Sociologia jurídica no Brasil. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 38.
536
Veja-se a esse propósito artigo de Maria Nazareth Mello de Araújo Lambert. Análise das diretrizes
curriculares no curso de Direito. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Acre, n. 4, p. 177-
182, 2005.
250
Direito? -se, entretanto, única e tão somente a reprodução de uma
ideologia da classe dominante. Ensina-se ao aluno que o melhor caminho
é a apreensão dos conteúdos constantes no currículo e que somente
assim conseguirá vencer as barreiras apresentadas pela profissão e terá a
possibilidade de obter aprovação em concursos da OAB e outros
concursos públicos;
3) crise estrutural (a crise política e a crise epistemológica). A crise que afeta
o ensino jurídico é a mesma que atinge a sociedade como um todo. Afinal,
para onde caminha a humanidade? É uma questão crucial que, no
máximo, comporta uma resposta provisória.
Por outro lado, é preciso considerar que as estruturas políticas estão
passando por uma profunda transformação. Não se pode afirmar, que a simples
acusação da globalização enquanto arma da burguesia”, como afirma Horácio
Wanderlei Rodrigues
537
, o traga nenhuma luz para a discussão da transição
paradigmática.
Nesse cenário de transformações, no entanto, entende-se que o Direito, e o
ensino jurídico brasileiro e, por conseqüência, suas diretrizes curriculares não
possam continuar afastados da realidade concreta do povo, afastados da sociedade.
O próprio comportamento do docente ao enfrentar as inúmeras
transformações, no âmbito social, econômico, tecnológico, científico, político,
filosófico, cultural, jurídico e educacional, tamm se m alterando sobremodo no
intuito de compreender o que se passa em seu entorno, especialmente na área do
ensino jurídico.
Essas situações geram, no entanto, novos problemas e, via de regra, a
necessidade da formulação de novos direitos.
Conforme bem expressam as palavras de André Franco Montoro
538
Não existe um número fechado de direitos, pois, a dinâmica da vida
econômica e social e as transformações que se operam especialmente no
campo de novas tecnologias fazem surgir novas realidades e situações que
repercutem sobre as pessoas e sua relação.
537
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e Direito alternativo. São Paulo: Acadêmica,
1993. p. 192-200.
538
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 9.
251
A realidade demonstra, no entanto, que as instituições de ensino não
contemplam novas competências para fazer frente aos novos direitos, por uma
sociedade que exige configurações mais complexas de saberes, até mesmo diante
dos novos direitos surgidos
539
, caso, por exemplo, dos novos Direitos do
Consumidor
540
, do Direito Ambiental
541
, dos Direitos da Criança, do Adolescente
542
e
do Idoso.
543
Historicamente, eram apenas os Direitos de Primeira Geração: da liberdade,
igualdade, propriedade, direitos de votar (homens), enfim direitos individuais.
A partir de 1930, este modelo se rompe com a intervenção do Estado nas
diversas esferas da sociedade, transformando-se, ele mesmo, em Estado de bem-
estar-social.
O Estado adquire também uma personalidade privada, tornando-se grande
empreendedor e empregador por meio das empresas estatais e com isso o Direito
público avança. Além do mais, os movimentos e lutas da sociedade promovem a
conquista de novos direitos, que juntos com os direitos garantidos pelo Estado de
bem-estar-social, constituíram os Direitos de Segunda Geração: sociais, relações
trabalhistas, saúde, educação, direitos econômicos e direitos culturais.
As grandes guerras, os crimes contra a humanidade, os horrores do
holocausto nazista, as bombas de Hiroshima e Nagazaki e toda a sorte de ameaças
coletivas fizeram surgir Direitos de Terceira Geração Declaração Universal dos
Direitos Humanos, Declaração Universal dos Direitos dos Povos e da Solidariedade:
paz, autodeterminação, desenvolvimento, direitos coletivos e difusos: consumidor,
539
Sob a perspectiva negativa, ou seja, “de que não é possível assimilar nesta sociedade
contemporânea, denominada, por alguns como „sociedade da informação‟ os novos direitos
surgidos em razão dos direitos de 1ª, 2ª, e 4ª geração”, reporta-se ao trabalho de João Virgílio
Tagliani. A ousadia de um novo ensino jurídico. Anuário ABEDi, ano 2, p. 205-228, 2004.
540
BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e
outras providências. (Código do Consumidor). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 12 set. 1990.
541
BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. Diário Oficial da União, 13 fev.
1998, retificada em 31 de fevereiro de 1998. Seção 1, p. 1, e a Lei 9.795, 27 de abril de 1999.
(Educação Ambiental) Dispõe sobre educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação
Ambiental e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília:
DF, 28 abr. de 1999.
542
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 de abr.
1981.
543
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 out. 2003.
252
meio ambiente, criança e adolescente, minorias, portadores de necessidades
especiais, etc.
Os avanços da tecnologia e as ameaças ao meio ambiente, à vida humana e
às futuras gerações fizeram nascer os Direitos de Quarta Geração que, em parte,
ainda estão em gestação: direitos à vida das gerações futuras, direitos a uma vida
saudável e em harmonia com a natureza, desenvolvimento sustentável, bioética,
manipulação genética, biotecnologia, bioengenharia e direitos advindos da realidade
virtual.
Diante desses novos direitos, instituídos por força das normativas federais, e
de tantos outros surgidos com a evolução da sociedade, percebe-se que o corpo
docente e as próprias instituições que oferecem o ensino jurídico o incorporam
novos saberes curriculares em sua prática pedagógica, ou em desrespeito às novas
exigências geradas pelo ambiente em que se encontram inseridas.
Por conseguinte, diante desses novos direitos, é preciso incorporar novos
saberes no currículo, especialmente culturais e filosóficos, o que, parece o mínimo
para garantir a qualidade curricular do ensino do Direito. Pois, o Projeto Pedagógico
do curso de Direito de qualquer instituição de ensino deve ser capaz de traduzir a
necessidade de regulação jurídica e social, para fazer frente às constantes
transformações da sociedade.
Esses novos direitos, bem como novos saberes
544
na configuração do
currículo jurídico acrescentam ao saber jurídico, revelando-lhe um importante papel.
Nesse diapasão, esses novos saberes impregnados aos sujeitos
cognoscentes conferem-lhes, por isso mesmo, a sua relevante dimensão de sentido
que se perfaz, todavia, na educação transformadora e emancipadora.
Qualquer que sejam os obstáculos e os desafios que as condições da atual
sociedade coloquem à educação, ela continuará tendo um compromisso
544
Como adverte João Virgílio Tagliani: “é preciso dar importância a outros saberes, além do ensino e
da aprendizagem”, enfatizando-se no ensino do Direito o que ele denomina ensinagem, termo que
embora seja um neologismo, vem da moderna teoria da educação. Nesse sentido, entendemos
que a Pedagogia tradicional deu uma ênfase exagerada somente ao ensino, centralizando toda a
responsabilidade na eficiência dos métodos e nas técnicas de transmissão do conhecimento,
inspirada na didática magna de Comênio (1592-1670). TAGLIANI, João Virgílio. A ousadia de um
novo ensino jurídico. Anuário ABEDi, ano 2, p. 205-228, 2004. Nesse sentido veja-se, também, a
obra: LOPES, Edson Pereira. O conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de
Comenius. São Paulo: Mackenzie, 2003. passim.
253
fundamental: o de construir para a emancipação de todos os seres humanos,
processo que se dá hoje em dia mediante a universalização da cidadania.
É esse compromisso que, no entanto, legitima a intervenção educativa e que
deve direcionar os rumos e a qualidade de sua atuação social. No caminho trilhado
pelo exercício da cidadania
545
, aqui entendido não somente como direito positivado,
mas também como qualidade de vida, que é para as pessoas, modalidade
substantiva de existência autêntica e de condição de autonomia.
Essa destinação implica que a educação e, por via de conseqüência o
currículo, não se reduza ao funcionamento burocrático e administrativo do sistema
de ensino jurídico.
Em qualquer circunstância de tempo ou espaço, os objetivos educacionais
devem ser intrínsecos ao próprio processo formativo do humano, ao processo de
construção do humano no homem.
Esse posicionamento é compartilhado por Paulo Freire e Henry A. Giroux,
pioneiros do paradigma de educação emancipatória, cujas idéias permeiam esta
tese.
No paradigma de uma educação emancipatória a concepção de homem
supõe uma pessoa ativa-crítica-sujeito da história, que voz aos excluídos,
considera a pessoa humana, que compreenda o sujeito social e cultural que está no
mundo, com o mundo, inserido no mundo, evidenciando-se, nesse diapasão, a
pessoa criativa que constrói seu próprio conhecimento (não é simples receptáculo
passivo de informação). Uma educação que objetiva, portanto, a construção de uma
pessoa com função transformadora emancipatória.
Seguindo as vozes e o ensinamento de Freire
546
:
O homem é homem e o mundo é histórico-cultural na medida em que
ambos inacabados se encontram numa relação permanente, na qual o
homem transformando o mundo sofre os efeitos de sua própria
transformação.
545
Conforme determina o art. 205 da Constituição Federal de 1988: Art. 205 - A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua
qualificação para o trabalho. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República
Federativa do Brasil. 29 ed. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2008.
546
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 74.
254
Nessa concepção, o currículo jurídico, seus elementos e suas diretrizes não
podem ser separados da totalidade da sociedade, é historicamente situado e
culturalmente determinado.
O currículo constitui um eficaz instrumento tanto para que se desenvolvam
processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos
historicamente acumulados, como tamm, constitui-se meio socializador adequado
para crianças e jovens assimilarem valores tidos como desejáveis.
Em virtude da importância desses processos, a discussão em torno do
currículo assume cada vez mais lugar de destaque no conhecimento.
547
É, no entanto, essa dimensão emancipatória que deve ser considerada na
elaboração do currículo jurídico, cujo processo de construção não é exclusivamente
lógico e apenas e tão somente jurídico, mas tamm, social, filosófico e cultural.
Configura-se, assim, o currículo jurídico, seus elementos e suas diretrizes, em
conhecimentos e saberes que não se restringem unicamente ao conhecimento
jurídico, caminhando am da lei, fazem incidir toda a sua força transformadora e
emancipatória da educação sobre a formação das pessoas no ensino do Direito.
O currículo jurídico constitui-se, portanto, o pilar fundante e fundamental na
gestação da educação. No dizer de Antônio Joaquim Severino “o currículo é a
mediação da educação.
548
O professor é, tamm, responsável pela formação edificante desse pilar,
pois lida diretamente com uma diversidade de saberes heterogêneos que informam
sua prática pedagógica. Por isso, ele deve ser visto como um ator social, agente de
possíveis transformações na direção do ensino do Direito.
Essa lógica na produção do conhecimento encontra-se intimamente ligada à
construção permanente do currículo sob a perspectiva cultural dos saberes ligados à
fundamentação filosófica do educador. Saber cultural que é, no entanto, resultado da
práxis social do homem encarado como sujeito de relações consigo mesmo (auto-
conhecimento), com sua individualidade, com os outros seres humanos
(sociabilidade) e com a natureza.
547
Essa concepção é esposada por MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. (Org.). Currículo: questões
atuais. São Paulo: Papirus, 2006. p. 11.
548
SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD,
1994. p. 10.
255
Inserido, assim, num processo de interação criativa e construtiva (do real), de
onde emerge uma consciência individual, social e jurídica, crítica e transformadora
de si e do meio, significa um verdadeiro processo de geração e gestação do
conhecimento.
Daí se afirmar
549
que diferentes currículos formam diferentes pessoas, com
identidades e subjetividades sociais, o que determina, em última análise, a sua
inclusão ou exclusão social. Esses saberes integrados têm, portanto, posição
estratégica na condução do currículo jurídico, o que justifica mais uma vez essa
pesquisa.
Diante disso, impõe-se e exige-se cada vez mais dos bacharéis e dos
profissionais do Direito uma visão curricular mais ampla, holística, integral; porém,
menos legalista, dogmática e positivista no conhecimento e aplicação do Direito que
procura arredar o direito natural e moral reconhecendo tão-somente o direito
positivo, no sentido do direito vigente e eficaz em determinada sociedade, limitando
o conhecimento científico-jurídico ao estudo exclusivo das legislações positivas,
consideradas como fenômenos espaço-temporal.
Como nos diz Roberto Aguiar
550
:
Não mais a juridicidade isolada, no mundo onde a informação é o poder
e a interdisciplinaridade é uma necessidade. As normas jurídicas em si
mesmas consideradas são vazias. É a sua interpretação ou sua derrogação
por nova norma, que tem vida, e essa vida é dada por fatores transjurídicos
de natureza social, política, econômica e cultural. Logo, se o advogado não
conhecer filosofia, de ciência política, da sociologia, dentre outras ciências,
corre o risco de se tornar um reprodutor burocrático com menor das
interpretações dominantes relativas às normas jurídicas.
Além disso, constata-se que os bacharéis que vêm sendo formados dentro da
perspectiva curricular fechada, fragmentada de conhecimento, sobretudo, de mundo,
nos atuais cursos de Direito, não conseguem compreender, muito menos explicar,
no âmbito da juridicidade, a nova dimensão política, social, cultural e econômica da
sociedade.
549
Para Goodson a concepção de currículo é centrada em vivências, situando e fundamentando a
prática docente contemporânea, dentro de um projeto social emancipatório que permitirá ou não
sua exclusão do tecido social em razão da configuração curricular escolhida. GOODSON, Ivor F.
Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 2.
550
AGUIAR, apud RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e Direito alternativo. São
Paulo: Acadêmica, 1993. p. 180.
256
A dimica de transformações da sociedade, entretanto, requer do bacharel
que postule e decida sobre questões referentes à bioética, crimes de cibernética,
alta tecnologia, patentes, relações e contratos internacionais ou outras tantas formas
de avanço tecnológico.
Espera-se do bacharel que seja capaz, portanto, de analisar o Direito livre dos
entraves dos fundamentos filosóficos da Educação e do Direito, baseados,
exclusivamente, no pensamento positivista, formalista e abstrato, condicionado à
estrita legalidade, e que alcance pensar e compreender o Direito como fenômeno
social e cultural, integrador e holístico.
Nos dias de hoje, em razão dos efeitos incidentes da globalização sobre a
educação e conseqüentemente sobre o currículo, entende-se que a educação deva
ser entendida numa perspectiva mundial, ou seja, da educação global ou
internacional”.
Santomé Jurjo Torres
551
afirma que tal modalidade educacional caracteriza-
se, pelo estudo de núcleos temáticos curriculares, baseados na constante referência
às diversas áreas geográficas e culturais do mundo.
A educação global propõe o ensino e a aprendizagem recorrendo ao trabalho
nas salas de aula com unidades curriculares didáticas integradas, como: o ambiente,
a energia, o racismo, os conflitos lingüísticos, os direitos humanos, a alimentação, o
desenvolvimento, a população, etc. Porém, analisando tais conteúdos com uma
visão internacionalista vendo o mundo integrado por partes que interagem
constantemente como sistemas interdependentes.
Desta maneira, a educação global ou internacional deve preparar os jovens
para uma participação consciente em suas comunidades locais, levando sempre em
conta em suas análises e propostas as repercussões das suas intervenções a partir
de perspectivas nacionais e internacionais.
Salienta, ainda, Santomé Jurjo Torres, que desde 1974, a UNESCO
defendia a necessidade desta visão transnacional.
Por isso, a definição de holismo
552
, apontada por Paulo Roney Ávila
Fagúndez
553
, é acolhida neste trabalho.
551
Cf. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto
Alegre: Artmed, 1998. p. 90.
257
Para Paulo Roney Ávila Fagúndez, o holismo traz uma visão integral do
homem e busca, sobretudo, o resgate da concepção ética, pois se trata de um meio
imprescindível para que se tenha uma concepção do Direito.
O que quer o holismo é derrubar as fronteiras que separam as ciências e
reunificar o conhecimento. É, em suma, uma proposta de integralidade, que nasce
de legiões de conspiradores espalhados por toda a parte e que desejam uma
mudança efetiva da vida, a partir de uma percepção mais verdadeira do fenômeno
humano.
Vale dizer, de considerar o sistema jurídico interdependente dos demais.
Libertar o Direito dos compartimentos que lhe foram impostos, reunificar os
conhecimentos inseridos em diversos compartimentos.
Nesse contexto, não dúvida de que a ausência de formação acadêmica
integradora como suporte de soluções desses novos conflitos surgidos na
sociedade, am de gerar ensino de -qualidade, acaba por inviabilizar a própria
efetividade do Direito.
Para que o conceito de ensino de má-qualidade não se perca em abstração e
discurso ineficaz, salientam-se aqui alguns pontos entendidos como paradigmáticos
para uma avaliação eficaz e qualitativa no ensino jurídico:
a) tempo de duração de curso com carga horária mínima de 3.600 horas;
b) obrigatoriedade da apresentação da monografia final, acervo bibliográfico
mínimo e adequado, informatizado, acessível ao aluno e ao docente, já
que ele se constitui, no curso de Direito, como o núcleo fundamental de
viabilização do projeto pedagógico;
c) disponibilização de recursos materiais e financeiros para que o projeto
pedagógico saia do papel e seja executado conforme planejado;
552
Posição contrária frente ao enfoque holístico no ensino encontra-se a apreciação crítica de Ozmon
e Craver. Com efeito, segundo esses autores, o holismo conduz a uma atitude muito liberal com
relação à aprendizagem, pois o currículo universalista, segundo esse posicionamento é
extremamente teórico e cognitivo. Deixando assim, os seus seguidores de seguir os seus próximos
conselhos. Por exemplo, citam os autores: “uma coisa é aprender sobre a natureza humana em
grandes tratados, outra coisa bem diferente é engajar-se propositadamente em relacionamentos
sociais com outras pessoas no cotidiano”. OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M.
Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 50.
553
FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. Direito e holismo: introdução a uma visão jurídica de
integralidade. São Paulo: LTr, 2000. p. 53.
258
d) investimentos na infra-estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;
e) investimentos em tecnologia e na qualificação profissional dos
bibliotecários para a pesquisa;
f) investimentos em pessoal e material didático, suprimentos e suporte de
material;
g) processos de avaliação interna da instituição, como participação discente
e docente;
h) plano de carreira docente e dos coordenadores;
i) previsão de atividades em três níveis: ensino, pesquisa e extensão;
j) gestão adequada dos registros acadêmicos;
k) capacitação e programa de educação continuada para alunos e docentes;
l) matriz curricular que envolva os direitos difusos e coletivos;
m) enfoque curricular no Direito Público e na Filosofia do Direito, e nos temas
integrados da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade;
n) integração da graduação com a pós-graduação;
o) gestão democrática na condução organizacional;
p) currículo de perspectiva aberta e integradora;
q) possibilidade de construção do currículo no projeto pedagógico com a
participação discente e docente.
Sob a ótica quantitativa, é preciso salientar que no ensino jurídico são muitas
as instituições de ensino superior que oferecem cursos de Direito.
554
No último censo
do ensino superior de 2003
555
, por exemplo, aponta-se a existência de 704 cursos
jurídicos no Brasil.
554
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em:
<www.inep.gov.br>. Acesso em: 29 jun. 2008.
555
É preciso salientar que o último levantamento oficial sobre educação superior realizado e
disponibilizado pelo MEC é censo ano base 2003 que foi publicada somente em 2005, através do
documento denominado “Censo da Educação Superior: sinopse estatística 2003”. BRASIL.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP. Censo do Ensino
Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 27 nov.
2008.
259
No entanto, pode-se afirmar que tal número é controverso, pois uma simples
consulta ao cadastro das Instituições de Educação Superior, no site
556
do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, denominado INEP,
indica a existência de 870 cursos jurídicos.
Mais importante do que discutir o número de cursos jurídicos seria examinar o
número de matrículas em Direito. Conforme análise dos dados estatísticos
divulgados pelo INEP
557
sabe-se que, entre 1995 e 2003, as matrículas nos cursos
jurídicos privados saltaram de 170.534 (79%) para 448.424 (88%).
Constata-se, entretanto, que 76% do total de matrículas em Direito
concentram-se nas instituições com autonomia, ou seja, as universidades. Constata-
se, ainda, que três em cada quatro alunos estudam em instituições autônomas, e
mais de quatro em cada cinco estudantes dessas instituições integram o corpo
discente de instituições privadas de educação superior.
558
Percebe-se, contudo, que nas instituições de ensino superior são poucos os
docentes dos cursos jurídicos com preocupações sobre o ensino crítico de suas
diretrizes curriculares, visto que suas propostas para o magistério se revelammidas
em sua prática pedagógica.
No que tange especialmente ao aspecto qualitativo da docência do ensino
superior no curso de Direito, em razão da expressiva evolução em sentido
metodológico por que vem passando a educação, cabe ao professor do Direito
buscar novas estratégias de ensino e assumir uma nova postura diante da docência.
Cumpre que os professores considerem a mudança epistemológica, sem o que
arriscam insistir em longas discussões vazias com os alunos em sala de aula, sem
utilidade para a formação do bacharel em Direito.
O sociólogo Boaventura de Souza Santos,
559
pesquisador das raízes do
enfrentamento que o professor de Direito sofre em sua prática docente, afirma
categoricamente nesse sentido que:
556
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em:
<www.inep.gov.br>. Acesso em: 29 jun. 2008.
557
Id.
558
Id.
559
Nesse sentido, aponta Boaventura de Souza Santos, no artigo de sua lavra: A igualdade pela
diferença. Correio Braziliense, Brasília, p. 6-7, 25 jan. 2003. Caderno Pensar.
260
Os estudantes são treinados em faculdades de Direito e essas são as
faculdades que menos evoluíram, que menos se transformaram nos últimos
20 anos. São faculdades que não prestam atenção nas condições
sociológicas em que o direito é aplicado, que não prestam atenção nos
direitos emergentes das classes populares, nos direitos comunitários, nos
direitos indígenas, nos direitos dos camponeses e na resistência contra a
globalização neoliberal. São faculdades que tendem a privilegiar os direitos
processuais, que o muito importantes, mas que não podem ser tão
importantes quanto a iia do direito substantivo. Mais de 30% das decies
dos Tribunais neste país são feitas com base em decisões de processo, e
não com base no mérito da causa. Penso que isso é ruim para a
credibilidade do sistema judiciário.
De fato, alicerçado no pensamento de Boaventura de Souza Santos, entende-
se que os alunos do curso de Direito devem participar mais ativamente da
construção de uma nova prática jurídica, dentro das próprias faculdades de Direito.
O currículo jurídico deve voltar suas atenções especialmente para as
atividades de prática jurídicas desenvolvidas dentro dos Núcleos de cada instituição
de ensino, pois os Núcleos de Prática Jurídica configuram, em nosso entendimento,
o locus realizador do diálogo entre a teoria e prática, em que se concretiza
efetivamente o ensino, a pesquisa e a extensão.
Os Núcleos de Prática Jurídica são de fundamental importância para a
compreensão de como o Direito é aplicado, visto que têm um papel fundamental na
concretização da cidadania e dos direitos humanos, em que são percebidas
efetivamente as demandas reais e plurais da Justiça. Pois, os Núcleos de Prática
possibilitam, nesse sentido, a emancipação e transformação da própria instituição de
ensino, pois é neles que se permite e fomenta o vínculo do aluno do Direito com a
comunidade, proporcionando a ele a necessária humanização e sensibilização para
as questões sociais e jurídicas, constituindo-se, assim, num espaço de construção
crítica do Direito.
Não se pode desconsiderar, por outro lado, que algumas seccionais da OAB
têm manifestado seu inconformismo ao Conselho Federal alegando prejuízos para
os profissionais liberais da advocacia de seus Estados.
Razão por que se defende aqui a necessidade de triagem mais adequada,
sob supervisão de uma equipe interdisciplinar, nos atendimentos e nas orientações
prestadas à comunidade pelos Núcleos de Prática Jurídica, para que não haja
conflito entre os advogados inscritos na Ordem e os núcleos de assistência gratuita.
261
Essa equipe interdisciplinar constitui-se pelos próprios alunos e docentes de
outros cursos, por exemplo, o curso de Assistência Social. Saliente-se, que esse
modelo interdisciplinar no atendimento que é adotado pelo Núcleo de Prática
Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul, será analisado
oportunamente neste estudo.
Impõe-se assim a crítica quanto a uma adequada elaboração normativa da
construção
560
do seu currículo, que, nesse cenário de transformações, afetaram-
se particularmente as formas de aprender do ensino jurídico.
O ensino do Direito e, por via de conseqüência, o seu currículo jurídico bem
como suas diretrizes, mais do que nunca atravessam um momento questionamento,
razão pela qual é imperiosa sua análise e respectiva reformulação.
É hora de compreender que o ensino do Direito o mais se apresenta como
regramento curricular absoluto e inquestionável.
Pensar o currículo e as diretrizes curriculares nacionais no curso de Direito,
nesse contexto, deve significar a necessidade de considerar, de forma não sectária,
o largo espectro de diferenças que permeiam o tecido social, econômico, jurídico e
cultural, seus conflitos e constantes transformações.
3.2 Conceito de Currículo Jurídico e Sistematicidade
Horácio Wanderlei Rodrigues
561
conceitua o currículo jurídico como sendo a
forma de organização de conteúdos, matérias, disciplinas, módulos e demais
componentes curriculares, tais como estágio supervisionado, trabalho de curso e
atividades complementares.
560
Entende-se por perspectiva construtivista uma das correntes teóricas que concentra sua aplicação
em explicar como a experiência humana se desenvolve partindo do princípio que o
desenvolvimento da mesma é determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio. A
observação é norteada para o fato de que o homem constrói saberes, eliminando a iia de um
conhecimento “pré-dado”, e ele responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir
e organizar o seu conhecimento, de forma mais elaborada. Tal concepção apresentou profundos
avanços para a mudança de percepção epistemológica, contribuindo diretamente nos processos
educacionais. Esta visão preconiza a não acomodação às situações dadas criando, portanto, uma
futura assimilação do objeto, dando origem às sucessivas adaptações do sujeito ao meio, com o
constante desenvolvimento de seu cognitivismo.
561
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 199.
262
O currículo jurídico segundo esse entendimento
562
é o resultado da
organização de conteúdos, das matérias e disciplinas, consubstanciando-se, assim,
num conjunto formal de componentes curriculares nele, expressamente, previstos.
O conceito apresentado por Horácio Wanderlei Rodrigues não alcança,
entretanto, todo o alcance e a riqueza de sentido que deve apresentar o currículo
jurídico, vez que embora apresente uma tentativa de elaboração teórica do ponto de
vista do sistema
563
, circunscreve-se tão somente ao seu aspecto de sistema fechado
e formal.
Cumpre salientar que este trabalho objetiva enxergar por outras perspectivas
que não exclusivamente aquelas baseadas em sistemas fechados, em que causa e
efeito se imponham como leis de verdade absoluta e certeza de compreensão do
mundo.
562
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 199.
563
A palavra sistema, do grego systema, tem imeros significados. No léxico, indica, dentre outras
possibilidades: “Combinação de partes coordenadas para um mesmo resultado ou de maneira a
formar um conjunto. Conjunto de elementos relacionados entre si de modo coerente. Conjunto
organizado de princípios coordenados de modo a formar um todo científico ou um corpo de
doutrina. Conjunto de procedimentos, de práticas organizadas, destinadas a assegurar uma função
definida”. Cf. GRANDE Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova
Cultural, 1999. p. 832. [verbete sistema]. A compreensão dos fenômenos através da teoria dos
sistemas é analisada, sobretudo, por Kant, que associa a idéia de sistema ao conhecimento. Para
ele, o sistema é governado por um propósito contido em seu conceito, é um todo articulado e não
um agregado de partes externamente relacionadas que, se subtraídas, podem prejudicar o
sistema. KANT, Immanuel. Manual dos cursos de lógica geral. Tradução e apresentação de
Fausto Castilho. Campinas: Unicamp; Uberlândia: Edufu, 2003. § 116, p. 293. Id. Crítica da
faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 15-41. (Introdução). Veja-se, tamm, J. J.
Canotilho, para quem o sistema é o conjunto de elementos em interação, organizado em totalidade,
que reage às interações de tal forma que, quer no âmbito dos elementos constitutivos, quer no
âmbito do conjunto, aparecem fenômenos e qualidades novas não reconduzíveis aos elementos
isolados ou à sua simples soma. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional.
Coimbra: Almedina, 1993. p. 45. Ainda, encontramos o conceito de sistema para a ciência jurídica,
em Tércio Sampaio Ferraz Jr., para quem “no fim do culo XVIII, o jusnaturalismo havia
cunhado, para o Direito, o conceito de sistema, que se resumia na noção de um conjunto de
elementos ligados entre si pelas regras de dedução, entendendo-se com isto a unidade das
normas a partir de princípios dos quais eram deduzidas. Interpretar o Direito significava então a
inserção da norma em tela na totalidade do sistema”. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A
Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980. p. 69. Id. Conceito de sistema no Direito: uma
investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1976. p. 22-23. Nota-se que o Direito, visto como um sistema, também encontra suporte no
pensamento de Eros Roberto Grau, quando afirma: “Devemos reconhecer o Direito como um
sistema, o que o transforma em objeto de um pensar sistemático, e, em especial, permite-nos
interpretá-lo no contexto sistemático, ou seja, sistematicamente”. GRAU, Eros Roberto. O direito
posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 23. Veja-se ainda e,
especialmente, CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na
Ciência do Direito. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 66-83.
263
Assim, diferentemente de Horácio Wanderlei Rodrigues, parte-se não do
pressuposto meramente formal do conceito de currículo. Muito ao contrário, é
preciso considerá-lo em seu aspecto substancial. Ele exige, portanto, novos
princípios, uma nova visão de seus problemas e novos métodos apropriados aos
seus problemas.
É preciso enfatizar, no entanto, a sua natureza construtiva e não-linear de um
currículo pós-moderno.
Para César Cool Salvador
564
, existem duas concepções de currículos que
devem ser analisadas:
a) uma concepção centralizadora ou fechada currículo fechado: na qual o
currículo estabelece com minúcias os objetivos, conteúdos, materiais
didáticos e métodos que os professores vão utilizar em cada área de
ensino; corresponde ainda à idéia de unificar e homogeneizar ao máximo o
currículo para toda a população escolar e, conseqüentemente,
desenvolvê-lo como aplicação fiel do projeto escolar;
b) uma concepção descentralizadora e aberta currículo aberto: na qual
essa responsabilidade recai sobre os professores ou equipes de
professores de cada instituição; esta inclusive renuncia à proposta de
uniformizar o currículo em benefício de melhor adequação e de maior
respeito às características de cada contexto educativo particular,
concebendo o projeto curricular como algo indissociável.
Entende-se que o currículo jurídico deva ser compreendido como uma
construção não apenas normativa, mas uma construção de final aberto, não
determinista. Um currículo jurídico construtivo, não é exclusivamente normativo
(currículo fechado), é aquele que emerge através da ação e interação de seus
participantes no processo de ensino-aprendizagem (currículo aberto).
O currículo não pode ser estabelecido a priori, a o ser em termos amplos e
genéricos. Uma matriz, evidentemente não tem início nem fim, ela tem fronteiras e
pontos de intersecção, pleno de significados, e de focos que se interseccionam.
564
SALVADOR, Cesar Cool. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à
elaboração do currículo escolar. São Paulo: Ática, 1997. p. 37.
264
Sendo assim, quanto mais rico um currículo, mais have pontos de intersecção,
conexões construídas e, portanto, mais profundo, será seu significado.
Considerar o currículo jurídico em termos da construção de uma matriz está
de acordo com a idéia de John Dewey
565
da mente como um verbo e da idéia de J.
Bruner
566
da mente como um instrumento de construção, um instrumento que,
todavia, usamos para criar significado.
Isso exige um currículo jurídico, o somente percebido numa perspectiva
epistemológica restritiva, ou seja, como forma de organização de conteúdos,
matérias, disciplinas, módulos e demais componentes curriculares”.
Ao contrário, deve ser concebido como um currículo rico em diversidade,
numa perspectiva multicultural e heurística, assim como a sala de aula, que estimula
a exploração um passo além da descoberta, para que múltiplos usos e
interpretações e discursos entrem em cena.
Compreendido, assim, num contexto de sistematicidade aberta, como
construção normativa substancial, considerando-se sua perspectiva aberta. Locus de
cultura, valores, princípios, ética, justiça, em que a pluralidade da sua forma de
organização curricular é correlata às formas epistemológicas da discursividade,
sobretudo, da perspectiva da sistematicidade aberta da ciência jurídica.
Nesse sentido, a construção do currículo jurídico supõe certa perspectiva
aberta assumida da área da Filosofia do Direito e da Educação, dado que é da
finalidade e da função do sistema jurídico como um todo e, do qual faz parte
integrante, que lhe é conferido assentimento, direção e, sobretudo, valor.
Sem olvidar, além disso, do sentido da sua própria trajetória dentro do próprio
processo pedagógico. Com efeito, sob o aspecto pedagógico, num sistema
educacional fechado, os objetivos, conteúdos, estratégias o previamente
determinados, de maneira que o ensino é idêntico para todos os alunos, e as
variações em função do contexto são mínimas. Estruturado como processo linear e
acumulativo, o ensino assume a forma de seqüências fixas de instrução.
565
DEWEY, John. How we think. Boston: D. C. Heath, 1933. p. 37. Id. A escola, a sociedade e a
criança e o currículo. Lisboa: Relógio d‟Água, 2002. p. 8-40. Com efeito, com essas obras de
autoria de Dewey, tivemos a possibilidade de acesso, em razão de pesquisa efetuada junto à
Biblioteca da Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo (USP).
566
BRUNER, J. The process of education. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965. p. 1-76.
Id. Actual minds, possible worlds. Cambridge University Press, 1986. p. 10-53.
265
Em geral, os objetivos no currículo estão definidos em termos de
comportamento observáveis dos alunos, e os conteúdos são organizados em função
das disciplinas tradicionais do conhecimento, sem buscar conexões ou inter-relações
entre eles.
Num sistema fechado, atribui-se tamm grande importância ao resultado da
aprendizagem, cujo nível é determinado pelos critérios de comportamento que os
objetivos estabelecem. O processo de aprendizagem do aluno se traduz num
processo de hierarquia das seqüências de instrução planejadas. A única
individualização possível do ensino refere-se ao ritmo da aprendizagem, mas os
conteúdos, os objetivos, e a metodologia são inviáveis.
567
Sob o aspecto jurídico, cabem aqui as ponderações lastreadas em Claus-
Wilhelm Canaris
568
, de que o apego ao sistema como ordem teleológica, ou
axiológica, não significa naturalmente apelar a uma ordem imanente e imutável de
valores fechada à história e à cultura.
Assim sendo, um sistema jurídico como ordem axiológica configura-se como
sistema aberto, o que equivale a dizer como um sistema duplamente subordinado:
em primeiro lugar, à reserva de conhecimentos futuros melhores e, em segundo
lugar, à própria mutabilidade histórica da ordem jurídica, incluindo as suas pautas de
valoração determinantes.
De fato, como anteriormente demonstrado aqui, a própria problemática do
conceito de currículo, liga-se, pois, de forma indissociável, à sua construção
histórica, de diferentes tradições educativas, culturais e filosóficas.
Argumenta Eros Roberto Grau
569
que o sistema jurídico é um sistema aberto,
não fechado”. Aberto no sentido de que é incompleto, evolui e se modifica. Sendo
que é preciso considerar que a abertura do sistema científico decorre da
incompletude e da provisoriedade do próprio conhecimento científico.
567
COLL, César. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do
currículo escolar. São Paulo: Ática, 1997. p. 260.
568
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do
Direito. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 66-83.
569
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 23.
266
Decorre disso, que o sistema curricular é, portanto, dinâmico, suscetível de
aperfeiçoamento. Tal como o Direito que, assim, produto histórico, cultural, está em
contínua evolução.
Disso decorre tamm que se deve reconhecer não somente o currículo
jurídico, mas tamm, o próprio Direito como um sistema aberto, o que o transforma
em objeto de um pensar sistemático e, em especial, permite interpretá-lo no contexto
sistêmico, ou seja, sistematicamente.
Por essa perspectiva, o currículo jurídico não deve ser construído somente
pela imposição formal e heterônoma da lei e do Direito, uma vez que se entende que
o currículo jurídico não é apenas veículo para transmitir e organizar conhecimento,
um conjunto estanque e imutável de conteúdos, matérias, disciplinas, mas é,
sobretudo, um veículo para reverberar nossas próprias potencialidades como seres
humanos e agentes do Direito.
Como assevera William E. Doll Jr.
570
, o currículo não pode ser uma pista de
corrida, mas sim como uma passagem de transformação pessoal, e a aprendizagem
uma aventura na criação de significados”.
Dentro dessa perspectiva de sistematicidade aberta, considera-se o currículo
jurídico uma possibilidade pedagógica para o aluno criar e recriar a si mesmo, e à
sua cultura.
571
Portanto, o currículo jurídico e suas diretrizes devem ser construídos, assim,
além da normatividade que o representa, na condição mediadora da cultura e em
colaboração com a educação e na universidade, sobretudo, em consenso com todos
os agentes educacionais nela envolvidos.
O currículo jurídico deve, pois, constituir-se na própria jornada educativa para
a transformação interior e cultural do educando. Assim sendo, vincula-se o conceito
de currículo não somente à lei, mas também a realidades sociais, filosóficas e
570
DOLL JÚNIOR, William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artmed, 2002.
p. XIII.
571
Não se trata aqui de um suposto conhecimento universal, patrimônio da humanidade, categoria
fluida e contraproducente, quando se trata de dar conta da pluralidade e diversidade de posições e
posturas perante as posições e os acontecimentos do mundo. A cultura é considerada neste
contexto como o conjunto de traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma
comunidade ou de um grupo, compreendidos os aspectos que se podem considerar como o
terreno real, sólido, das práticas, representações, línguas e costumes de qualquer sociedade
histórica específica, bem como as formas contraditórias de senso comum que se enraízam na vida
popular e ajudam a moldá-la.
267
culturais, tendo em vista que são estas que decidem sobre a possibilidade ou não de
certa organização, mesmo de sua convivência ou inconveniência.
Por outro lado, é preciso considerar que o currículo jurídico, não se elabora do
vazio nem tão pouco se deve organizar de forma arbitrária.
José Sacristán Gimeno
572
refere-o como “a seleção cultural estruturada sob
condições psicopedagógicas dessa cultura que se oferece como projeto para a
instituição de ensino”.
Ora, o currículo jurídico é, antes de mais nada, um projeto de escolarização
que reflete a concepção epistemológica e a função cultural da instituição. Seja qual
for a concepção de cultura que se perfilha pansêmica, metafísica, eclética, seletiva
e de sistema aberto.
Contudo, a construção do currículo perpassa, sem dúvida, por fazer-se na
base de escolhas de conteúdos, que são a condição lógica do ensino e da
educação, porém, nessa escolha não podem ser relegados os valores éticos da
justiça, os princípios educacionais, a Filosofia, e cultura, como projeto de construção
de toda a sociedade.
O currículo é, portanto, uma representação do universo do conhecimento em
que não se deixará de reconhecer, a contribuição da Filosofia da Educação e do
Direito, como as correntes do Idealismo, do Realismo, do Naturalismo, do
Materialismo Histórico, do Intuicionismo, do Pragmatismo, do Humanismo, e
especialmente, no caso do curso de Direito, do Positivismo.
Dentro desse contexto, enquanto algumas correntes filosóficas defendem o
princípio da continuidade, da ordem, da perenidade e da imutabilidade do sistema e
da transformação da cultura, outras, em sentido oposto, defendem a inovação e a
desconstrução e uma nova reconstrução.
Advogando, assim, a educação e a cultura como fator imprescindível no
processo de configuração de sua estrutura, em desenvolvimento, inclusive com o
devir humano. Tudo isso, em prol da mudança para o seu próprio aperfeiçoamento
do sistema e do currículo jurídico.
572
GIMENO, José Sacristán. El curriculum: una reflexión sobre la práctica. Madrid: Morata, 1988. p.
42.
268
Sob a perspectiva cultural do currículo, enfocam-se, sobretudo, inferências
educativas no currículo jurídico como, por exemplo, a função cultural da instituição
jurídica que pode ser compreendida a partir de diferentes orientações, tais como a
educação jurídica como um fator e agente de mudança.
Nesse sentido, a tarefa do docente no curso de Direito deve capacitar o aluno
para reconhecer situações novas e resolvê-las inteligentemente, convertendo-se
assim a própria instituição de ensino superior, como instituição capaz de
salvaguardar valores que dizem respeito ao fortalecimento ao princípio da Dignidade
da Pessoa Humana, ao respeito ao próximo, ao respeito mútuo.
Currículo jurídico configurado, assim, no respeito ao diálogo, à tolerância, à
pluralidade cultural, à valorização dos diferentes saberes e culturas, ao valor da
justiça, da ética, no respeito ao meio ambiente, à saúde, e, sobretudo, ao respeito da
dignidade da pessoa humana.
Registre-se, nesse sentido, que o Plano Nacional de Educação PNE,
instituído pela Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001
573
uma das bases
normativas mais importantes da educação brasileira, inclui a exigência na
formulação e implantação das diretrizes curriculares nacionais dos cursos e dos
currículos, o estudo dos temas transversais anteriormente apontados.
Põe-se em relevo, nestes termos, o caráter político e a ordem do poder, na
determinação do currículo: não é somente a prescritividade que se materializa no
currículo, porém sua concretude.
Embora não se possa olvidar que o currículo, como demonstramos,
remonta à Grécia Clássica, dada a prescritividade da educação entre os gregos, a
exemplo da educação espartana, de caráter eminentemente militar, em que, cada
tempo (idade do educando) havia exercícios físicos e intelectuais bem marcados.
Vale dizer, o mesmo para a educação praticada em Atenas, onde o ideal da
Paiia se realiza prescritivamente. Se considerada a prescritividade como
parâmetro, a Idade Média se caracterizou pela educação e ensino pautados pelo
Trivium e pelo Quatrivium, um currículo disciplinar bem definido.
573
BRASIL. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan.
2001.
269
Ressalta-se, porém, que embora a prescritividade e a normatividade façam
parte integrante do conceito de currículo e das práticas curriculares, ambas
caracterizam apenas um dos aspectos da configuração do currículo jurídico, senão
que diz respeito à sua ontologia, se tido em seu conceito moderno.
No entanto, não se sustenta mais manter um critério curricular universal e um
currículo fechado somente numa prescritividade única. Logo, não se pode acatar o
conceito de currículo com um rol de coisas a serem transmitidas e absorvidas com
passividade.
O currículo jurídico não é terreno restrito somente a exegese da norma
jurídica resolutiva Resolução 9/2004, é, além disso, uma construção de caráter
e finalidade educativo, filosófico e, especialmente, cultural; no qual seus conteúdos,
e elementos, suas diretrizes, funcionam como matéria-prima de sua criação,
recriação e, por via de conseqüência, de questionamento dessas diretrizes, quer
pela via da contestação ou tamm pela via crítica da sua desconstrução.
A dinâmica curricular deve fundamentar-se na condição de sua natureza
epistemológica de caráter aberto.
Não se pode impor, todavia, um sentido monolítico, formal e fechado de
currículo, cuja concepção inadequada, tantas vezes incorpora os legisladores,
doutrinadores, professores, mantenedores de instituição de ensino e os próprios
professores na prática do ensino jurídico.
A concepção dinâmica de perspectiva epistemológica aberta de currículo se
revela, por exemplo, quando se pensam conjuntamente currículo, direito, educação,
filosofia, sociedade e cultura.
Por tudo isso, o currículo jurídico não se restringe, tão somente, a um
conceito meramente formal ou organizacional, como quer fazer crer Horácio
Wanderlei Rodrigues.
574
Consta-se, portanto, além da lei, envolvidos em sua construção, filosofias,
escolhas, comportamentos, valores, especialmente da cultura, a par, ainda, das
574
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 199.
270
finalidades, intenções e fundamentos filosóficos educativos do currículo, como
fartamente foi aqui demonstrado no capítulo I do presente trabalho.
3.3 Evolução Histórica da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico no
Ordenamento Jurídico Brasileiro
3.3.1 Configuração do “currículo único” (1827-1961)
Ao promover uma breve incursão histórica, a fim de identificar a configuração
estrutural dos currículos jurídicos, com repercussão no ensino jurídico brasileiro até
os dias atuais, constata-se que os primeiros cursos de Direito no Brasil, de 1827 a
1961, apresentavam um currículo único, pré-determinado, rígido, válido, porém, em
âmbito nacional e imposto de forma heterônoma pelo Estado.
575
A configuração do currículo jurídico desta época
576
constituía-se em nove
cadeiras (cathedra), a ser cumprido em cinco anos, e refletia, todavia, os aspectos
políticos e ideológicos do Império, com forte influência do Direito Natural e do Direito
Público Eclesiástico.
Nota-se, no entanto, que até a Proclamação da República, foi possível
uma única alteração curricular, conferida em 1854, com a inclusão na grade
curricular das cadeiras de Direito Romano e do Direito Administrativo.
575
Para elaboração deste capítulo, acerca de uma breve incursão histórica sobre a configuração do
currículo jurídico brasileiro, foram pesquisadas especialmente as obras de BASTOS, Aurélio
Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. VENÂNCIO FILHO,
Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo:
Perspectiva, 2004. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no culo
XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2005. Assim como as fontes primárias, leis e documentos históricos
especificamente sobre legislação educacional das épocas analisadas, e especialmente: BRASIL.
Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer CNE/CES
211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 set. 2004.
Seção I, p. 24.
576
Aurélio Wander Bastos em obra clássica O ensino jurídico no Brasil, fruto de sua tese de livre-
docência defendida na Universidade Gama Filho, em abril de 1995, ao analisar a configuração
histórica do currículo jurídico, indica inclusive, relativamente a configuração do currículo jurídico, no
período histórico do Império qual era o programa a ser cumprido em cada cadeira oferecida, bem
como, a extensa bibliografia a ser devidamente observada na ministração das disciplinas do curso
de Direito. Veja-se a esse respeito a obra de BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no
Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 35-79.
271
Pode-se afirmar que durante o Império, com a inclusão das duas cadeiras
anteriormente citadas, o curso de Direito apresentava-se sob uma estrutura de
currículo único, e obedecia rigidamente a seguinte configuração
577
:
Quadro 7 Configuração estrutural do currículo único do curso jurídico no Império
1º Ano
1ª cadeira: Direito Natural, Público, Análise da Constituão do Império, Direito das Gentes,
Diplomacia.
2º Ano
1ª cadeira: Continuação das matérias do ano antecedente.
2ª cadeira: Direito Público Eclesiástico.
3º Ano
1ª cadeira: Direito Pátrio Civil.
2ª cadeira: Direito Pátrio Criminal com Teoria do Processo Criminal.
4º Ano
1ª cadeira: Continuação do Direito Pátrio Civil.
2ª cadeira: Direito Mercantil e Marítimo.
5º Ano
1ª cadeira: Economia Política.
2ª cadeira: Teoria e Prática do Processo adotado pelas leis do Império.
Conforme aponta Horácio Wanderlei Rodrigues
578
, o ensino do Direito, e por
via de conseqüência, o currículo jurídico no Império se caracterizou por:
a) ter sido totalmente controlado pelo governo central (recursos, currículos,
metodologia, nomeação de professores, definição de programas);
b) ter sido o jusnaturalismo a doutrina dominante, até o período em que
foram introduzidos no Brasil o evolucionismo e o positivismo (década de
1870);
c) adotar exclusivamente a metodologia das “aulas-conferência”, semelhante
às de Coimbra;
d) ter sido o local de formação dos filhos das elites econômicas, que
ocupariam altos cargos políticos;
e) não acompanhar as mudanças sociais.
577
Cf. Carta de Lei 1.827, de 11 de agosto de 1827 conhecida como “Lei de criação dos cursos
jurídicos no Brasil”, promulgada com a rubrica do Imperador Pedro I e assinada José Feliciano
Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo. Veja-se registro na Chancellaria-mór do Império
do Brazil às fls. 83 do Livro 1º de Cartas, Leis e Alvarás. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. p.
5-7.
578
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995. p. 10.
272
A República Velha (1889 a 1930) marca o início de uma alteração sociológica
fundamental: novas classes sociais, essencialmente, a classe média, chegam ao
ensino jurídico. O novo aluno não dispõe de recursos ceis, como a mesada
paterna, e precisa trabalhar para se manter durante o curso.
Gradativamente, o diploma de bacharel em Direito perde a certeza da futura
boa colocação profissional: para o Estado nacional, consolidado, ele não mais se
faz imprescindível. Ao mesmo tempo, este bacharel depara-se com um mercado
interno ainda pouco desenvolvido, sem grandes perspectivas para a advocacia
autônoma.
Horácio Wanderlei Rodrigues
579
menciona que continuou havendo uma
desvinculação entre o ensino e a realidade social. Contudo, aponta algumas
modificações da estrutura curricular republicanas, quais sejam:
a) alteração no currículo dos cursos, buscando uma profissionalização maior;
b) influência decisiva do positivismo na concepção de Direito e no seu
ensino;
c) surgimento de novas faculdades de Direito;
d) início de discussões sobre a metodologia de ensino.
Em 1931, ocorre a reforma Francisco Campos, que buscou dar ao curso de
Direito caráter mais nitidamente profissionalizante. Inaugura-se um novo período
para o ensino jurídico: objetiva-se formar o operador técnico.
O Direito passa a ser visto como uma ordem coativa emanada da autoridade
estatal e constituída por um conjunto hierárquico de normas. Torna-se mera técnica
destinada a organizar, orientar e induzir as interações sociais.
Segundo José Eduardo Faria
580
:
Ao reduzir o Direito a um simples sistema de normas, o qual se limita a dar
sentido jurídico aos fatos sociais à medida que estes são enquadrados no
esquema normativo vigente, esta concepção torna desnecessário o
questionamento dos dogmas. Ou seja, despreza a discussão relativa à
função social das leis e dos códigos, valorizando exclusivamente seus
aspectos técnicos e procedimentais.
579
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 61-63.
580
FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987.
p. 28-29.
273
Com a Proclamação da República, algumas poucas alterações na
configuração do currículo jurídico foram realizadas, todas elas decorrentes, no
entanto, das modificações surgidas no campo da ciência, especialmente sob a
influência da corrente filosófica do Positivismo.
Esse entendimento é corroborado por Horácio Wanderlei Rodrigues
581
quando afirma que essas mudanças, introduzidas com a queda do império,
demonstram também as modificações políticas e epistemológicas que advinham
principalmente da aceitação da orientação positivista”.
Em 1890, foi extinta a cadeira de Direito Eclesiástico, devido à desvinculação
entre Estado e Igreja, não havia mais religião de Estado desde o Decreto 119-A,
de janeiro de 1890, e o art. 72, parágrafo 7º, da Constituição de 1891
582
, proibia
relações especiais do Estado com qualquer culto ou Igreja.
Era uma República laica, que precisava de uma teoria do Direito laica,
distante do Direito Natural que tomar ares semi-religiosos. Os tempos eram de
predomínio da História Natural e da Filosofia Evolucionista de Herbert Spencer.
O contato com a Biologia, ou História Natural, levava a explicar muitas coisas
pela “raça”: o presidencialismo funcionava bem nos Estados Unidos por causa da
“raça americana”.
583
Seria preciso esperar os anos 30 para que uma nova geração de intelectuais
(Gilberto Freire, rgio Buarque de Holanda, Oliveira Vianna, Caio Prado Jr.)
começasse a explicar o Brasil de modo diferente para que fosse modificado o
paradigma curricular do ensino jurídico.
Nessa época, ainda, foram criadas também as cadeiras de Filosofia e História
do Direito e de Legislação Comparada sobre o Direito Privado, até que adveio, já no
Período Republicano, a Lei 314, de 30/10/1895
584
, que fixou um novo currículo
para os cursos de Direito, configurado pela seguinte estrutura curricular:
581
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 62.
582
Veja-se a esse propósito os comentários de Paulo Bonavides e Paes de Andrade. História
Constitucional do Brasil. Brasília: OAB, 2002. cap. VII, p. 211-254; cap. VIII, p. 255-280.
583
Conforme aponta José Reinaldo de Lima Lopes. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na
História. São Paulo: Atlas, 2008. p. 346.
584
BRASIL. Lei 314, de 30 de outubro de 1895 (Reorganiza o Ensino das Faculdades de Direito).
Coleção das Leis do Brasil. Publicada na imprensa nacional em 31 dez. 1985. p. 001.000031.1.
274
Quadro 8 Configuração estrutural do currículo jurídico na República
1º Ano
1ª cadeira: Filosofia do Direito.
2ª cadeira: Direito Romano.
3ª cadeira: Direito Público Constitucional.
2º Ano
1ª cadeira: Direito Civil.
2ª cadeira: Direito Criminal.
3ª cadeira: Direito Internacional Público e Diplomacia.
4ª cadeira: Economia Política.
3º Ano
1ª cadeira: Direito Civil.
2ª cadeira: Direito Criminal, especialmente, Direito Militar e Regime Penitenciário.
3ª cadeira: Ciências das Finanças e Contabilidade do Estado.
4ª cadeira: Direito Comercial.
4º Ano
1ª cadeira: Direito Civil.
2ª cadeira: Direito Comercial (especialmente Direito Marítimo, Falência e Liquidação
Judiciária).
3ª cadeira: Teoria do Processo Civil, Comercial e Criminal.
4ª cadeira: Medicina Pública.
5º Ano
1ª cadeira: Prática Forense.
2ª cadeira: Ciência da Administração e Direito Administrativo.
3ª cadeira: História do Direito e, especialmente, do Direito Nacional.
4ª cadeira: Legislação Comparada sobre Direito Privado.
Percebe-se que esse segundo paradigma curricular é, com efeito, mais
abrangente que o primeiro, embora buscando uma maior profissionalização dos
egressos dos cursos de Direito.
Nota-se, contudo, além da exclusão da cadeira de Direito Eclesiástico, a
exclusão da cadeira de Direito Natural, fruto da influência positivista no movimento
republicano.
585
Depreende-se, no entanto, que das configurações apresentadas pelo
ordenamento jurídico legal à época vigentes, revelam, que os currículos do curso de
Direito, esteve não durante o Império, mas também, durante o período
Republicano, sob forte e incondicional controle político e ideológico, com poucas
alterações, o que explica a enraizada resistência a mudanças, somente incentiva a
partir de 1962, com a implantação do primeiro currículo mínimo nacional, para o
curso de Direito.
585
Veja-se a esse propósito comentário de Horácio Wanderlei Rodrigues. Pensando o ensino do
Direito no século XXI: diretrizes curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 63.
275
3.3.2 Configuração do “currículo mínimo” (1962-1995)
A configuração do currículo jurídico mantém-se com mesmo núcleo do
período histórico anterior, até que em 1962, o então Conselho Federal de
Educação
586
avançou da concepção, até então, vigente de “currículo único de
matriz rígida, pré-estabelecido, inalterado e uniforme, para todos os cursos, para a
concepção de currículo mínimopara os cursos de graduação no Brasil, incluindo-
se, portanto, o bacharelado em Direito, na forma e sob as competências da 1ª Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 4.024/61.
587
Sob a égide da LDB 4.024/61, o Conselho Federal de Educação, criado pela
citada lei, em substituição ao até então existente Conselho Nacional de Educação,
emitiu o Parecer 215
588
, aprovado por aquele Conselho em 15/9/62, propondo um
currículo mínimo de Direito, bacharelado, com duração de cinco anos, a ser
implantado a partir do ano letivo de 1963, constituído pela seguinte matriz curricular:
Quadro 9 Configuração estrutural do currículo mínimo (1962)
Introdução à Ciência do Direito
Direito Civil
Direito Comercial
Direito Judiciário (com prática forense)
Direito Internacional Privado
Direito Constitucional (incluindo noções de Teoria do Estado)
Direito Internacional Público
Direito Administrativo
Direito do Trabalho
Direito Penal
Medicina Legal
Direito Judiciário Penal (com prática forense)
Direito Financeiro e Finanças
Economia Política
586
Importante salientar que o Conselho Federal de Educação (CFE) foi extinto no governo de Itamar
Franco, durante a pasta do Ministro Murílio de Avellar Hingel, em 18 de outubro de 1994, pela
Medida Provisória 661, de 18 de outubro de 1994, publicada no DOU de 19.10.94, Seção I, p.
15.799, e que transformou o extinto Conselho Federal de Educação em Conselho Nacional de
Educação, cujas atribuições legais são conferidas, atualmente, por força Lei 9.131 de
24.11.1995.
587
BRASIL. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961.
Col. 1, p. 0011429.
588
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em 15 de setembro
de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out. 1962. Republicado na
Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962.
276
Esses instrumentos normativos revelam a concepção dos cursos em cada
época, como também ocorrera antes de 1961, quando ainda em funcionamento o
então Conselho Nacional de Educação, transformado, a partir da Lei nº 4.024/61, em
Conselho Federal de Educação.
O estudo comparado, dos marcos legais à época vigentes, incluindo o
advento da LDB lei 4.024/61, revela que embora currículo mínimo nacional
e a duração do curso ainda significassem dificuldades para as alterações
curriculares, as normas decorrentes da nova LDB, ao tempo em que instituíram
currículo mínimo, ensejavam por seu turno, que as instituições de ensino
elaborassem seus respectivos currículos plenos”, como forma de se adaptarem aos
novos reclamos regionais, sociais, econômicos e culturais da sociedade, o que de
fato, faz revelar uma certa flexibilidade curricular, ainda que mantida fixa a duração
de 5 anos para o curso de Direito.
Em 1962, pela primeira vez, o então Conselho Federal de Educação (CFE)
estabelece o currículo mínimo, substituindo o currículo pleno até então vigente.
Assim é o Parecer 215/1962
589
, que contém o primeiro currículo mínimo
do curso jurídico, no Brasil, em substituição ao currículo único”, e referencial para a
elaboração de currículo plenoem cada instituição, que foi homologado pelo então
Ministro de Educação e Cultura, o saudoso Prof. Darcy Ribeiro, nos termos da
Portaria Ministerial de 4/12/1962.
590
Ao analisar a configuração desse paradigma curricular o Conselheiro do CNE,
Relator Edson de Oliveira Nunes
591
assevera que a instituição desse novo modelo
era um estímulo para que
As instituições de ensino superior tivessem mais liberdade, porque a elas
incumbia a formalização e operacionalização do seu “currículo pleno”. Ainda
assim, o currículo de Direito se manteve gido, com ênfase bastante
tecnicista, sem a preocupação maior com a formação da consciência e do
fenômeno jurídicos, não se preocupando com os aspectos humanistas,
589
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em 15 de setembro
de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out. 1962. Republicado na
Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962.
590
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em 15 de setembro
de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out. 1962. Republicado na
Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962.
591
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES nº 211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22
set. 2004. p. 24.
277
políticos, culturais e sociais, mantendo-se, assim, o citado tecnicismo,
próprio do início e de boa parte do período republicano anterior.
Após o golpe militar de 1964, a tendência de profissionalização dos cursos de
Direito se acentua. As faculdades transmitem aos alunos informações genéricas e
presas à legislação, produzindo um conhecimento desarticulado da sociedade e
pouco sistematizado, incapaz de oferecer respostas satisfatórias para a
compreensão do ambiente e de preparar profissionalmente o bacharel.
592
Em 1968, o art. 26 da lei nº 5.540/68
593
determina que:
O Conselho Federal de Educação fixará o “currículo mínimo” e a duração
mínima dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em
lei e de outros necessários ao desenvolvimento nacional.
Até o início da década de 1970, período do milagre econômico”, quando a
economia brasileira apresentou crescimento aumentando as oportunidades de
trabalho, houve absorção ao mercado de trabalho do bacharel, e o descompasso
não foi sentido. Em virtude disso, cresceu, de modo significativo, o número de
faculdades de Direito, ampliando ainda mais o acesso a elas pela classe média.
Somente no final da década, quando outras profissões de nível superior passaram a
competir com o profissional formado em Direito, e a economia deu sinais de crise, as
deficiências da formação em Direito foram sentidas de modo mais crônico.
Embora, nos anos 70, tenham sido realizadas mudanças curriculares que
introduziram um ciclo básico ao currículo jurídico, contendo disciplinas vinculadas às
Ciências Sociais, a incapacidade não de integrar as categorias sociais e métodos
desse campo de conhecimento para melhor análise do jurídico, como tamm, a
presença dessas matérias apresentou uma dissociação com o curso de Direito como
um todo.
594
Em 1972, é introduzido o novo currículo mínimo que vigora até 1994 e o
estágio supervisionado torna-se obrigatório. No mesmo ano, o Conselho Federal de
592
FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987.
p. 244.
593
BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior
e sua articulação com a escola média e outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.4, p. 010369.
594
Cf. RIBAS, José. Desafios e prioridades para a reforma do ensino jurídico. In: OAB. Conselho
Federal do ensino jurídico: diagnósticos, perspectivas, propostas. Brasília: OAB, 1996. p. 177-
191.
278
Educação, institui a Resolução 3/72
595
, que fixa o currículo mínimo nacional do
curso de graduação em Direito, constituído pela seguinte configuração curricular
estrutural:
Quadro 10 Configuração estrutural do currículo mínimo nacional (1972-1994)
A. Básicas:
Introdução ao Estudo do Direito;
Economia;
Sociologia.
B. Profissionais:
Direito Constitucional (Teoria do Estado Sistema Constitucional Brasileiro)
Direito Civil (Parte Geral Obrigações Parte Geral e Parte Especial Coisas
Família Sucessão)
Direito Penal (Parte Geral − Parte Especial)
Direito Comercial (Comerciantes Sociedades Títulos de Crédito Contratos
Mercantis e Falências)
Direito do Trabalho (relação do Trabalho Contrato de Trabalho Processo
Trabalhista)
Direito Administrativo (Poderes Administrativos Atos e Contratos Administrativos
Controle de Administração Pública − Função Pública)
Direito Processual Civil (Teoria Geral Organização Judiciária Ações Recursos
Execuções)
Direito Processual Penal (Tipo de Procedimento − Recursos − Execução)
Prática Forense, sob a forma de estágio supervisionado
Estudo de Problemas Brasileiros e a prática de Educação Física, com predominância
desportiva, de acordo com a legislação específica
Duas opcionais dentre as seguintes:
a) Direito Internacional Público
b) Direito Internacional Privado
c) Ciências das Finanças e Direito Financeiro (Tributário e Fiscal)
d) Direito da Navegação (Marinha e Aeronáutica)
e) Direito Romano
f) Direito Agrário
g) Direito Previdenciário
h) Medicina Legal
Em 1994, é publicada a Portaria 1.886/94, tornando as atividades
complementares obrigatórias e introduzindo o Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC).
Para o entendimento das configurações curriculares do curso de Direito, ora
apontadas, é preciso assim, analisar a lei 314/1895
596
, a lei 4.024/61
597
e a lei
595
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Resolução 3/72. Documenta (140): 566, jul.
1972. Diário Oficial da União, 26 jul.1972. Seção 1, PT. 1, p. 6.623.
279
5.540/68
598
, bem como o instituído pela atual LDB 9.394/96. Ainda, é preciso
considerar os respectivos pareceres normativos do Conselho de Educação, como
forma de cotejar com o que se preconiza para a fixação das Diretrizes Curriculares
Nacionais do curso de graduação, em Direito, à luz da nova ordem jurídica
educacional brasileira.
Percebe-se por essa estrutura que o currículo então vigente para o curso de
Direito compreendia matérias consideradas básicas e profissionais, incluindo-se
nestas a matéria de Prática Forense, sob a forma de estágio supervisionado.
3.3.3 Configuração do “currículo mínimo nacional” (1980-1990)
Posteriormente ao currículo mínimo nacionalfixado pela Resolução CFE n°
3/72
599
, foi constituída pelo MEC, sob critério da representação regional, uma
Comissão de Especialistas de Ensino Jurídico, em 1980, com a finalidade de refletir
com profundidade a organização e o funcionamento dos cursos de Direito no país.
Em busca da qualidade do ensino jurídico, a referida Comissão apresenta
uma proposta de alteração do currículo implantado pela Resolução do extinto
Conselho Federal de Educação - CFE 3/72, que segundo Paulo Luiz Neto
Lobo
600
, encontrava-se desatualizada e insuficiente.
Essa proposta, contudo, não contemplava as necessárias mudanças
estruturais que resolvessem os problemas em torno do ensino jurídico no Brasil.
Pois, fundamentada, ainda, em concepções filosóficas baseadas unicamente num
legalismo positivista e tecnicismo, exclusivamente, formal, pouco comprometidas
com a formação educacional, de uma consciência e raciocínio jurídico. E, por isso
mesmo, incapazes de situar o profissional do Direito, com desempenhos eficientes e
596
BRASIL. Lei 314, de 30 de outubro de 1895 (Reorganiza o Ensino das Faculdades de Direito).
Coleção das Leis do Brasil. Publicada na imprensa nacional em 31 dez. 1985. p. 001.000031.1.
597
BRASIL. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961.
Col. 1, p. 0011429.
598
BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior
e sua articulação com a escola média e outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.4, p. 010369.
599
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Resolução 3/72. Documenta (140): 566, jul.
1972. Diário Oficial da União, 26 jul.1972. Seção 1, PT. 1, p. 6.623.
600
LOBO, Paulo Luiz Netto. O novo conteúdo mínino dos cursos jurídicos. In: OAB Conselho
Federal. Ensino Jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: OAB, 1996. p. 9.
280
adequados perante as situações sociais, econômicas, políticas e culturais, à época
emergentes.
De qualquer modo, vale registrar aqui, o modelo de configuração curricular
proposta por essa Comissão de Especialistas de Ensino Jurídico, constituída em
1980, pelo MEC, e configurada por quatro grupos de matérias, como a seguir se
apresenta:
Quadro 11 Proposta de configuração estrutural do currículo mínimo nacional MEC (1980)
1. Matérias Básicas
Introdução à Ciência do Direito
Sociologia Geral
Economia
Introdução à Ciência Política
Teoria da Administração
2. Matérias de Formação Geral
Teoria Geral do Direito
Sociologia Judica
Filosofia do Direito
Hermenêutica Jurídica
Teoria Geral do Estado
3. Matérias de Formação Profissional
Direito Constitucional
Direito Civil
Direito Penal
Direito Comercial
Direito Administrativo
Direito Internacional
Direito Financeiro e Tributário
Direito do Trabalho e Previdenciário
Direito Processual Civil
Direito Processual Penal
4. Matérias Direcionadas a Habilitações Específicas
Essa proposta de matriz curricular, contudo, o foi objeto de análise pelo
Conselho Federal de Educação, nem no MEC, sobretudo, porque, a Resolução
3/72, apesar de enfeixar um currículo mínimo nacional, permitia às instituições de
ensino certo grau de autonomia para definirem seus currículos plenos, desde que
fossem respeitados aqueles mínimos curriculares contidos na Resolução.
281
Esta situação perdurou até 1996, prorrogada para 1998, com a implantação
das diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico, de âmbito
nacional, fixados pela Portaria n° 1.886/94.
O disposto no art. 15 daquele ato concedia o prazo de dois anos, contados
daquela data, para o seu cumprimento, revogando, em seu art. 17, as disposições
em contrário, especialmente as Resoluções 3/72 e 15/73, do extinto Conselho
Federal de Educação, embora a Resolução n° 15/73, que tratava da Prática Forense
e Organização Judiciária, se encontrasse revogada com o advento da Lei
8.906/94 Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Assim, a partir da lei n° 8.906/94
601
, que trata do Estatuto da OAB, passa-se a
vislumbrar, contudo, uma maior presença da OAB na fiscalização do ensino jurídico
e das políticas curriculares do curso de Direito.
Com efeito, a lei 8.906 de 4 de julho de 1994, estabelece poderes ao
Conselho Federal em relação aos cursos jurídicos.
Diz o art. 54, inciso XV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil:
Colaborar como o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar,
previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para a
criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos.
Além desse fundamento legal, a OAB tem claro que lhe o atribuídas
competências que ultrapassam os limites da fiscalização da atividade profissional,
entendendo, com base na referida lei, em conformidade com o art. 44, inciso I, que
lhe incumbe o papel de “aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.
No entanto, há quem defenda a tese de que não é cabível a presença da OAB
de forma interveniente dentro das IES, e, por via de conseqüência, da fiscalização
da política curricular do ensino jurídico, posto que o curso de graduação jurídico não
forma advogados, mas sim bacharéis em Direito.
Nesse sentido registre-se, por exemplo, o documento de trabalho nº 55, de
maio de 2006, do Observatório Universitário, de autoria do Prof. Edson Nunes, cujo
teor afirma que de cada 100 alunos de Direito, apenas 44, 99% exercem a
601
BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil OAB. (EOAB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 5 jul. 1994.
282
advocacia, 2,32% optam pela Magistratura, pelas Procuradorias, pelo Ministério
Público e por serem Delegados de Polícia.
O restante dos 48%, segundo Nunes, encontram-se em outras atividades,
bem distintas como dirigentes de empresas ou corretores de imóveis.
De qualquer maneira, a partir da lei 8.906/94
602
, passa-se efetivamente a
vislumbrar maior presença da OAB no ensino jurídico, que tem seu ápice,
justamente, na elaboração da configuração do Parecer 146/2002
603
, que veio
efetivamente a substituir o currículo mínimoda Portaria MEC 1.886/94 por uma
incipiente configuração das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o
curso de Direito, como se verá a seguir.
3.3.4 Configuração do currículo de conteúdo mínimo do curso jurídico” (1994-
2002)
Em 1994, foi instituída a Portaria MEC 1.886, de 30 de dezembro de
1994
604
, do governo Itamar Franco, que trouxe algumas inovações e avanços ao
currículo do curso de Direito, especialmente pelo seu direcionamento à realidade
social e integração dos conteúdos com as atividades, conferindo relativa dimensão
teórico-prática ao currículo jurídico.
602
BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil OAB (EOAB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 5 jul. 1994.
603
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 146/2002, aprovado em 3 de abril de 2003. Dispõe sobre Diretrizes Curriculares
Nacionais dos cursos de graduação em Direito, Ciências Econômicas, Administração, Ciências
Contábeis, Turismo, Hotelaria, Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design. Revogado
pelo parecer CNE/CES 67, de 11 de março de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27
mar. 2003. Seção 1, p. 15. Registre-se, ainda, que, no ano de 2002, no âmbito deste texto
normativo - Parecer CNE/CES 146/2002, o Conselho Federal da OAB impetrou Mandado de
Segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça - STJ, contra a homologação do referido parecer e
a edição da Resolução, do CNE que o acompanhava. Nele, a OAB sustentava que o texto do
Parecer nº 146/2002 impugnado bem como a Resolução que o seguia, continha “lacônica e omissa
regulamentação, que não indicava quais as matérias mínimas e elementares que o curso de Direito
deverá ter, no que concerne à profissionalização, limitando-se a fixar as matérias do básico”... (Cf.
Mandado de Segurança 8.592/DF, cujo Ministro Relator Ministro Franciulli Netto, concedeu a
segurança).
604
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC 1.886, de 30 de dezembro de 1994.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, jan.1995. Seção I, p. 238.
283
O processo de formulação da Portaria MEC 1.886 teria a fundamentação
legal a extinção do Conselho Federal de Educação pela MP nº 661/94
605
, em seu art.
que daria ao MEC, após a extinção dos mandatos dos membros do CFE, o
exercício até 30 de abril de 1995, das atribuições do CNE, criado naquele ato.
O seu texto final foi elaborado pela Comissão de Especialistas do Ensino do
Direito da Secretaria de Educação Superior (SESu-MEC), deliberando-se o que ficou
definido em seminários regionais nas cidades de Porto Alegre, Recife e São Paulo,
após a ouvida de diversos profissionais ligados ao ensino do Direito, e por fim, após
realização do Seminário Nacional dos Cursos Jurídicos, realizado nos dias 6 e 7 de
dezembro de 1993, em Brasília.
Esse seminário teve como ponto de partida as conclusões e propostas tiradas
nos três encontros regionais, anteriormente realizados, e para ele foram convidados
todos os cursos de Direito e respectivos Centros Acadêmicos do país, além de
outras instituições representativas da área educacional e da área jurídica em geral.
As propostas e conclusões desses seminários foram agrupadas em três
grandes grupos: a) elevação de qualidade, b) avaliação interna e externa, c) reforma
dos currículos.
Registre-se que a Portaria MEC nº 1.886, teve uma grande aceitação do meio
acadêmico.
Para Aloysio Ferraz Pereira
606
a referida Portaria representava um
incontestável avanço político:
Eis o caminho que sabiamente a portaria elegeu para libertar o nosso
Direito do empirismo, da improvisação, do imobilismo, da ignorância e dos
interesses criados em benefício das elites retrógradas, com sua tradicional
clientela de bacharéis. Essa lei (sic) é uma rara oportunidade de contribuir
para a trágica e histórica inércia de uma sociedade nacional de
desigualdades e injustiças.
Já para o Conselho Nacional de Educação - CNE
607
,
605
O Conselho Federal de Educação (CFE) foi extinto no governo de Itamar Franco, durante a pasta
do Ministro Murílio de Avellar Hingel, em 18 de outubro de 1994, pela Medida Provisória 661, de
18 de outubro de 1994, publicada no Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 19 out. 1994. Seção I, p. 15.799, e que transformou o extinto Conselho Federal de Educação
em Conselho Nacional de Educação, cujas atribuições legais o conferidas atualmente, por força
da lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995.
606
PEREIRA, Aloysio Ferraz. Reforma curricular: perfumarias fundamentais. Revista de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade de Piracicaba, Piracicaba, v. 9, n. 20, p. 14, 2005.
284
O modelo de currículo mínimo implicava elevado detalhamento de
disciplinas e cargas horárias a serem obrigatoriamente cumpridas, sob pena
de não ser reconhecido o curso, ou até não ser autorizado quando de sua
proposição, o que proibia as instituições de inovar projetos pedagógicos, na
concepção dos cursos existentes, para atenderem às exigências de
diferentes ordens.
A Portaria MEC 1.886/94, de 30 de dezembro de 1994
608
, embora fixe no
corpo do seu texto normativo, pela primeira vez a expressão diretrizes curriculares,
os membros da Comissão de Ensino Jurídico da OAB, acabaram por corroborar a
tese de que o referido ato normativo fixava, na verdade, um currículo mínimopara
o curso jurídico mesmo que tratasse em sua ementa de duas concepções distintas
de currículos, expressas no próprio ato normativo.
Essas evidências são extraídas das obras clássicas em matéria curricular,
publicadas pela OAB: OAB - Ensino Jurídico: parâmetros para a elevação de
qualidade e avaliação
609
, e OAB Ensino Jurídico: diagnóstico, perspectivas e
propostas.
610
É o caso, por exemplo, das considerações ali traçadas por Paulo Luiz Neto
Lobo, João Maurício Adeodato e Aurélio Wander Bastos, que referem-se,
usualmente, a Portaria MEC 1.886/94, como: currículo mínimo ou novo
currículo mínimo”.
Ocorre que a MP n° 661/94, que extinguiu o CFE, dando nova redação ao art.
9, o incluiu, dentre as competências do novo CNE aquela para fixar o currículo
mínimo dos cursos superiores.
607
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 146/2002, aprovado em 3 de abril de 2003. Dispõe sobre Diretrizes Curriculares
Nacionais dos cursos de graduação em Direito, Ciências Econômicas, Administração, Ciências
Contábeis, Turismo, Hotelaria, Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design. Revogado
pelo parecer CNE/CES 67, de 11 de março de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27
mar. 2003. Seção 1, p. 15.
608
O texto da Portaria MEC 1.886/94, de 30 de dezembro de 1994, publicada no Diário Oficial da
União, Brasília, DF, n. 3, jan.1995, é o seguinte: “Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo
mínimo do curso jurídico”.
609
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB - Ensino Jurídico: parâmetros para a elevação de
qualidade e avaliação. Brasília: Conselho Federal da OAB, 1996. p. 3-145.
610
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB - Ensino Jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas.
Brasília: Conselho Federal da OAB, 1996. p. 3-316.
285
Tal competência só veio a surgir com a lei nº 9.131/95
611
ao tratar das
atribuições da Câmara de Educação Superior (CES), do CNE, estabeleceu:
Art. 9º. As maras emitirão pareceres e decidiram, privativa e
autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o
caso, recurso ao Conselho Pleno.
§ 2º. São atribuições da Câmara de Educação Superior:
c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da
Educação e do Desporto, para cursos de graduação.
Entende-se assim, que a Portaria em apreço para ter sua eficácia jurídica,
deveria ter recebido a avaliação do novo CNE.
Sua fundamentação jurídica basea-se na MP n° 765/94
612
que determinou:
O Ministério de Estado da Educação e do Desporto, no uso das atribuições
do Conselho Nacional de Educação, na forma do art. 4 da Medida Provisória
765 de 16 de dezembro de 1994, e considerando o que foi recomendado
nos Seminários Regionais e Nacional dos Cursos Jurídicos, e pela
Comissão de Especialistas de Ensino de Direito, da SESu/MEC, resolve...
Esse também foi o entendimento de Aurélio Wander Bastos, à época membro
da Comissão de Ensino Jurídico.
613
Por outro lado, segundo aponta Inácio Feitosa Neto
614
, a partir de 1995,
começam a surgir desentendimentos entre o MEC e a OAB, em relação às diretrizes
curriculares do curso de Direito.
É necessário que se diga, no entanto, que a Portaria MEC n° 1.886/94,
ensejou, uma incipiente formação do senso crítico relativamente aos alunos, pois
contemplou maior flexibilidade na composição do currículo pleno, através de
disciplinas optativas e diferentes atividades de estudos e de aprofundamento em
áreas temáticas.
Dentre os avanços, poder-se citar a concepção do estágio curricular
supervisionado como Prática Jurídica e não simplesmente como Prática Forense; a
manutenção da flexibilidade curricular, ensejando tamm que as instituições de
611
BRASIL. Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção I, p. 19.257.
612
Trata-se da MP nº 661/94, que fora reeditada.
613
BASTOS, Aurélio Wander. O novo currículo e as tendências do ensino jurídico no Brasil. In: OAB.
Ensino jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: OAB, 1996. p.127-128.
614
FEITOSA NETO, Inácio José. O ensino jurídico brasileiro: uma análise dos discursos do MEC e
da OAB. Recife: Faculdade Maurício de Nassau; Êxito Educacional, 2007. p. 73.
286
ensino adequassem seus currículos plenos às demandas e peculiaridades do
mercado de trabalho e das realidades locais e regionais, ainda com a
obrigatoriedade das atividades integradas das funções ensino, pesquisa e extensão.
A Portaria MEC 1.886/94, fixou assim um currículo mínimo nacional do
curso jurídico”, com duração de, no mínimo, 3.300 (três mil e trezentas) horas de
atividades, integralizáveis em, pelo menos cinco anos, ampliando-se desta forma a
carga horária mínima de 2.700 (duas mil e setecentas) em cotejo com a Resolução
CFE n° 3/72, para 3.300 (três mil e trezentas) horas/atividades.
Majorando, portanto, a duração mínima de quatro para cinco anos e a máxima
de sete para oito anos, parâmetros esses, dentro dos quais permitiu que cada
instituição tivesse a liberdade de estabelecer a carga horária curricular e sua
duração, para os controles acadêmicos relativos à sua integralização.
À semelhança dos atos normativos anteriores, a Portaria Ministerial
1.886/94, tamm estabeleceu, em seu art. 6º, “o conteúdo mínimo do curso jurídico,
além do estágio”, compreendendo as seguintes matérias, detalhadas e nominadas,
que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada
curso, que foram distribuídas em dois grupos, a saber:
Quadro 12 - Configuração estrutural do conteúdo mínimo do curso jurídico Portaria MEC
1.886/94
I. Matérias Fundamentais
Introdução ao Direito
Filosofia (Geral e Jurídica)
Ética (Geral e Profissional)
Sociologia (Geral e Jurídica)
Economia
Ciência Política (com Teoria do Estado)
II. Matérias Profissionalizantes
Direito Constitucional
Direito Civil
Direito Administrativo
Direito Tributário
Direito Penal
Direito Processual Civil
Direito Processual Penal
Direito do Trabalho
Direito Comercial
Direito Internacional
287
Verifica-se pela configuração, ora apresentada, que a Portaria analisada
trouxe algumas novidades de ordem curricular e pedagógica. Criando, assim, duas
espécies de matérias no currículo jurídico:
1) as matérias fundamentais: Introdução ao Direito, Filosofia, Sociologia,
Economia e Ciência Política; e
2) as de cunho profissionalizantes ou jurídicas: Direito Constitucional, Civil,
Administrativo, Tributário, Penal, Processual Civil, Processual Penal,
Trabalho, Comercial e Internacional.
Registre-se, ainda, que a Portaria 1.886/94 estabelecia que as demais
matérias e novos direitos serão incluídos nas disciplinas em que se desdobrar o
currículo pleno de cada curso, de acordo com as peculiaridades e com a
observância da interdisciplinariedade.
Além desses conteúdos, exigiu tamm a prática de Educação Física com
predominância desportiva (art. 7º), e permitiu que o curso, a partir do quarto ano ou
do período letivo correspondente, desde que respeitado o conteúdo mínimo nacional
contido no art. 6º transcrito, se direcionasse a “uma ou mais áreas de especialização
segundo as vocações e demandas sociais e de mercado de trabalho (art. 8º),
retoma assim o que se concebia com as habilitações específicas nos atos
normativos anteriores.
Com relação ao Núcleo de Prática Jurídica, dispunha a Portaria MEC
1.886/94:
a) secoordenado por professores do curso (impedindo, nesse sentido, a
utilização de outros profissionais da área jurídica que não sejam docentes,
resgatando a dignidade profissional do magistério;
b) deve funcionar em instalações adequadas, exigindo-se, portanto, a
criação de Laboratórios de Prática Jurídica. Os Laboratórios deveriam
estar estruturados para o atendimento ao blico e para propiciar o
treinamento das atividades profissionais dos principais agentes jurídicos. A
norma citava ainda expressamente a Advocacia, a Magistratura e o
Ministério Público, além de referir-se, genericamente, às demais profissões
jurídicas;
288
c) enumera uma série de atividades que deveriam ser desenvolvidas nos
Núcleos de Prática, tais como: redação de peças processuais e
profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e
sessões, visitas a órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e
técnicas de negociação coletivas, arbitragens e conciliação, sem lhes
atribuir características limitativas ou restritivas, que deveriam ser incluídas
dentro das atividades do estágio.
A Portaria MEC 1.886/94, estabelecia, ainda, em relação ao estágio
externo, que a Prática Jurídica poderia ser complementada mediante convênios que
possibilitassem a participação dos estudantes na prestação de serviços e assistência
jurídicos, incluída aí a assistência judiciária.
Esses convênios possibilitariam, segundo o entendimento dos que ajudaram
na elaboração na Portaria em apreço, a inserção do aluno em situações profissionais
reais às quais ele não teria acesso no curso, ou apenas, teria de forma simulada.
No entanto, como essas atividades eram definidas como complementares,
elas pressupunham, necessariamente, as atividades de prática jurídica
desenvolvidas no próprio Núcleo de Prática Jurídica NPJ. O que significava, na
realidade que nenhum dos estudantes poderia ser integralmente dispensado da
prática jurídica do curso, mas apenas complementá-la mediante o estágio externo.
A Portaria MEC 1.886/94, fazia também referência expressa ao estágio
profissional de advocacia, previsto no inciso II dos parágrafos a 4º do art. 9º da lei
nº 8.906/94.
Nesse aspecto, como indica Horácio Wanderlei Rodrigues
615
, foi aí que o
MEC por intermédio desse instrumento legal, diga-se Portaria MEC 1.886/94,
extrapolou sua competência legal, interferindo em matéria cuja competência
específica é da OAB. Não competindo às IES assumirem responsabilidades externas
aos interesses da OAB.
Ocorre que, autorização que na ocasião se referia quanto à possibilidade da
implementação mediante convênios, de mecanismos de intercâmbio de alunos entre
615
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2005. p. 93-94.
289
instituições de ensino, com o aproveitamento das suas atividades de ensino,
pesquisa, extensão e prática jurídica, eram inclusive desnecessárias, tendo em vista
o próprio Princípio da Autonomia Universitária expressa no texto constitucional, ex vi
do art. 207 da Constituição Federal de 1988.
A Portaria MEC 1.886/94 teve também pontos criticáveis no que se refere
ao artigo 4º, atividades complementares e ao parágrafo único do artigo (matérias
complementares e novos direitos), e o seu art. (acervo bibliográfico) e ainda
relativamente ao seu art. 14 (convênios de intercâmbio), e, finalmente, quanto ao
seu art. 12, que tratava do estágio da advocacia.
A crítica com relação à Portaria MEC 1.886/94, atingiu também a questão
de exigência no seu texto, de uma única possibilidade de elaboração de espécie de
trabalho de conclusão de curso, pois se configurava, no âmbito da normatividade
do Direito Educacional a idéia de novas diretrizes curriculares, que permitiria assim,
uma maior flexibilidade na configuração do currículo jurídico.
616
Eliane Botelho Junqueira e Horácio Wanderlei Rodrigues
617
, por exemplo,
apontavam naquela ocasião, no sentido de que a exigência no âmbito curricular
deveria ser de um Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, que poderia ser
desenvolvido por meio de atividades de pesquisa e extensão e não de monografia
final obrigatória.
Posição tamm defendida no Seminário da Comissão de Ensino Jurídico
CEJ, da OAB, em Florianópolis, 2000, e que consta da obra desses autores.
618
3.3.5 Configuração das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de
graduação em Direito”
O art. da Portaria 1.886/94
619
continha uma respeitável proposta
pedagógica, além do caráter metodológico, na medida em que enseja o atendimento
616
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23
dez.1996. p. 27.833-841.
617
RODRIGUES, Horácio Wanderlei; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do Direito no Brasil:
diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002.
618
Ibid.
619
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC 1.886, de 30 de dezembro de 1994.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, jan.1995. Seção 1, p. 238.
290
às vocações e demandas sociais e de mercado de trabalho, equivalendo dizer que
as instituições têm a liberdade e até a responsabilidade de flexibilizar o seu currículo
pleno para ensejar a formação de profissionais do Direito aptos a ajustar-se às
mudanças iminentes, inclusive de caráter regional, de forma que o operador do
Direito possa, além do conhecimento geral da ciência do Direito, aprofundar-se em
uma determinada área ou ramo específico a que pretenda dedicar-se
preferencialmente, sob a forma de estudos de especialização integrados aos
estudos da graduação, que podem culminar, posteriormente, com a pós-graduação
lato sensu, de acordo com os componentes do Núcleo de Especialização Temática,
complementando a carga horária indispensável à pós-graduação.
Ocorre, porém, que essa flexibilização, conforme apontou o conselheiro do
CNE, Dr. Edson de Oliveira Nunes
620
, esbarrou em uma rigidez do currículo mínimo
nacional para a graduação do bacharel em Direito, uma vez que tal procedimento
somente seria possível se fosse, primeiramente, como um pré-requisito, “observado
o currículo mínimo previsto no art. o que descaracteriza a definição de diretrizes
curriculares, expressão essa adotada na ementa da Portaria e que não corresponde
ao que as leis n° 9.131/95 e n° 9.394/96, com os conseqüentes Pareceres do
Conselho Nacional de Educação, entendiam como sendo Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Graduação” e Diretrizes Curriculares para cada Curso de
Graduação,” como ora se relata para o curso de graduação em Direito, bacharelado.
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de
Educação Superior, aprovou o Parecer CES/CNE 507/99, contendo a indicação para
que o Ministro de Estado da Educação revogasse as Portarias 1.886/94 e 3/96,
para assegurar a coerência nas Diretrizes Curriculares sob a nova concepção
preconizada nas leis supra-referidas, para todos os cursos de graduação, incluindo
tamm, os cursos de graduação em Direito.
Registre-se, porém, que as propostas já estavam em tramitação no âmbito do
Ministério e do próprio Conselho, em decorrência do Parecer CES/CNE 776/97 e
do Edital SESu/MEC 4/97.
620
Cf. posicionamento exarado pelo conselheiro do Conselho Nacional de Educação, Prof. Edson de
Oliveira Nunes, nos autos dos Processos nºs: 23001.000074/2002-10, 23001.000303/2001-15 e
23001.000150/2003-60, referente ao PARECER nº CES/CNE 211/2004 aprovado em 08/7/2004.
291
No Parecer CES/CNE 507/99
621
, alertara-se quanto à necessidade de que
se observasse toda a metodologia traçada pelo Edital remetido, de tal forma que a
mara de Educação Superior pudesse, no momento oportuno, deliberar sobre as
Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Direito, de acordo com a
nova ordem jurídica, de forma a permitir que as instituições definam currículos
adequados, capazes de se ajustarem às incessantes mudanças, não raro muito
rápidas, a exigir respostas efetivas e imediatas das instituições educacionais”.
Esse tamm é o posicionamento definido no Parecer CES/CNE n° 776/97
622
,
a que se acrescenta a seguinte orientação geral extraída do Edital 4/97
623
para a
sua organização, enfocada no Parecer CES/CNE n° 507/99, litteris:
As Diretrizes Curriculares têm por objetivo servir de referência para as IES
na organização de seus programas de formão, permitindo uma
flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação
de áreas do conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer
disciplinas e cargas horárias definidas. As Diretrizes Curriculares devem
contemplar ainda a denominação de diferentes formações e habilitações
para cada área do conhecimento, explicitando os objetivos e as demandas
existentes na sociedade.
O Parecer CES/CNE 507/99, da Câmara de Educação Superior enfatizou
tamm que:
A Flexibilização enfocada induz maior nível de responsabilidade das
instituições de educação quando da elaboração de sua proposta
pedagógica coerente com essa nova ordem e com as exigências da
sociedade contemporânea. Nesse novo contexto, no entanto, não
convivem bem a Portaria Ministerial 1.886/94, com a alteração que lhe
introduziu a Portaria 3/96, como se constata pela análise de cada
dispositivo do referido ato normativo, que esposou uma vio do currículo
do curso jurídico bem diversa daquela que, cinco anos depois, resulta da
nova política educacional brasileira contida na Lei de Diretrizes e Bases
9.394/96, construída sobre os pilares da nova Ordem Constitucional de
1988.
Cotejando, portanto, o currículo constante da Resolução CFE 3/72 com o
fixado pela Portaria MEC n° 1.886/94, verifica-se que, em ambos os atos normativos,
621
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 507/1999, aprovado em 19 de maio de 1999. Documenta (452), Brasília, DF, maio
1999.
622
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.
623
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Ensino Superior. Edital SESU/MEC n. 4, de
10 de dezembro de 1997. Diário Oficial da União, 12 dez. 1997. Seção III, p. 26.720. Documenta
(435), Brasília, dez. 1997.
292
ficou prevista a oferta de habilitações específicas (registradas no anverso do diploma
do bacharel em Direito), significando intensificação de estudos em áreas
correspondentes às matérias fixadas nesta Resolução (3/72) e em outras que sejam
indicadas nos currículos plenos” (art. 3º).
Dessa forma, conquanto o currículo mínimo fixado para todos os cursos de
Direito no país, tanto pela Resolução n° 3/72, como pela Portaria Ministerial
1.886/94, significasse evidente limite à autonomia, responsabilidade e liberdade das
instituições de ensino superior, as habilitações específicas”, a flexibilização da
duração dos cursos, no primeiro ato, e a possibilidade dos núcleos temáticos de
especialização, segundo as vocações e demandas sociais e de mercado de
trabalho”, a partir do quarto ano, na forma prevista no art. 8º do segundo ato,
certamente revelam o esforço para inovar na elaboração e na operacionalização do
currículo pleno”, a cargo de cada instituição.
Diante desse quadro, como alertara, a essa época a Associação Brasileira
do Ensino do Direito ABEDi
624
, e em outras ocasiões:
[...] os obstáculos do ensino jurídico somente seriam superados, se as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em Direito, bacharelado,
encontrassem do corpo docente e das administrações das instituições de
ensino superior, o total compromisso de atender aos reclamos de uma nova
época, constituindo-se efetivas respostas às novas aspirações e às novas
concepções jurídicas, ajustadas às necessidades locais, regionais,
nacionais, internacionais, que estão a exigir uma diversificação curricular,
nas instituições, na proporção direta das mudanças e das demandas
regionais, atuais e emergentes.
Nesse novo contexto legal, para substituir os currículos mínimos obrigatórios
nacionais, advieram então, as Diretrizes Curriculares Nacionais, lastreadas pelos
Pareceres CES/CNE 776/97
625
, 583/2001
626
e 67/2003
627
, além das
624
Associação Brasileira de Ensino do Direito - ABEDi. Congresso realizado na cidade de
Florianópolis, em 2003. Disponível em: <http://www.abedi.org>. Acesso em: 3 nov. 2008.
625
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.
626
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out.
2001.
627
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o referencial para as Diretrizes
Curriculares Nacionais DCNs dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2
jun. 2003.
293
propostas recebidas da SESu/MEC, dos órgãos de representação profissional e de
outros segmentos da sociedade brasileira, de cujas contribuições resultaram as
atuais Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito.
Convêm registrar que contribuíram na configuração dessas diretrizes
curriculares a Ordem dos Advogados do Brasil, por sua Presidência, por seu
Conselho Federal, por sua Comissão de Estudos Jurídicos, pelas Seccionais e
Subseccionais dos Estados, de diversas entidades públicas e privadas, em particular
da ABEDi, e de outras associações correlatas, além da discussão em congressos e
audiências públicas realizadas para o ensino superior.
3.4 Síntese da Configuração Estrutural do Currículo Jurídico dos Cursos de
Direito no Brasil
Embora não se tenha aqui a pretensão de elaborar uma análise da extensa
historiografia da configuração do currículo jurídico no Brasil, pode-se apresentar, no
entanto, um resumo sintético da longa trajetória dos marcos legais e regulatórios da
configuração estrutural dos currículos de Direito no país:
294
Quadro 13 Síntese da configuração estrutural dos currículos jurídicos ao longo da história
I. Primeiro momento histórico:
currículo único” para todos os cursos de Direito, no Brasil, de 1827 (Império) a 1889
(início da República) e até 1962.
II. Segundo momento histórico:
mudança de currículo único”, vigente no período anterior, para currículo mínimo
nacional e currículo pleno”, por instituição de ensino, com a flexibilização regional,
embora permanecesse rígido “currículo mínimo”.
III. Terceiro momento histórico:
de currículo mínimo” em 1962, perpassando por 1972 com as Resoluções nº 3/72 e nº
15/73, mantendo-se as concepções simultâneas de currículo mínimo nacional e
currículos plenos” institucionais.
IV. Quarto momento histórico:
currículo mínimonacional e currículo plenodas instituições com flexibilização para
habilitações e especializações temáticas, em 1994, com a Portaria Ministerial
1.886/94, para implantação a partir de 1996, posteriormente diferido para 1998, ainda
que a ementa da referida Portaria estivesse assim redigida, com um equívoco ou
contradição em seus termos: Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do
curso jurídico”, posto que, se diretrizes fossem, amplas e abertas, não haveria a
exigência expressa de determinado conteúdo mínimo do curso jurídico, nacional, ainda
que sem embargo dos currículos plenos das instituições.
V. Quinto momento histórico:
de “currículo mínimo” / “conteúdo mínimo do curso jurídico” para “diretrizes curriculares
nacionais da graduação em Direito”, em decorrência da lei nº 9.131/95, lei 9.394/96
e lei nº 10.172/2001, desse conjunto normativo resultando o Parecer CES/CNE nº
776/97, Edital 4/97, Parecer CES/CNE 507/99, culminando com o Parecer nº
0055/2004.
VI. Sexto e atual momento histórico:
Diretrizes Curriculares- Resolução CNE/CES nº 9/2004.
* Quadro sintético elaborado a partir de dados apresentados no Parecer CNE/CES n° 0055/2004.
3.5 O Currículo na Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB
9.394/96
Para compreendermos a organização curricular prescrita para os cursos de
graduação mantidos pelas IES, no Brasil, é necessário lançarmos um olhar para a
legislação de Direito Educacional em vigor.
628
628
Nesse sentido, reporta-se à obra de César Pereira da Silva Machado Júnior, que ao analisar o
conceito de educação escolar sob o aspecto jurídico, expõe, de maneira clara e abrangente, a
colaboração do Direito para a questão da compreensão do currículo, inserido numa perspectiva de
análise da educação efetiva, como direito social que segundo o autor traduz-se no pleno
desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e para o exercício consciente da
295
O currículo é, na nova legislação educacional, objeto de profundas mudanças
e transformações. No entanto, para que a política curricular
629
pensada, para o país,
pudesse ter um fundamento legal que garantisse sua implementação, o legislador
tratou de investir a concepção de currículo, atrelada a questão normativa da
Educação.
Nesse sentido, a partir da promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996
630
, desencadeou-se um
processo de reforma dos currículos em todo o Brasil.
Com o advento da nova LDB, deixou de existir a obrigatoriedade de os cursos
de graduação serem organizados com currículos plenos”, resultantes de somatória
entre os currículos mínimos prescritos pelo antigo Conselho Federal de Educação, e
a parte diversificada, definida por cada estabelecimento de ensino.
Da mesma forma, caducou a obrigatoriedade dos cursos organizarem-se em
dois ciclos: ciclo sico e o profissionalizante, determinado anteriormente pela lei
5.540/68.
631
Assim, para garantir ao Estado o direito de continuar prescrevendo um
currículo oficial”, o legislador assegurou à União, por meio da nova LDB, a
competência para baixar normas gerais sobre os cursos de graduação e pós-
graduação, como se depreende da leitura do dispositivo do art. 9º da LDB.
632
cidadania. Veja-se MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O direito à educação na
realidade brasileira. São Paulo: LTr, 2003. p. 85.
629
Em Elmore e Sykes, encontra-se o conceito de política curricular como ação simbólica
representante de uma ideologia. Assim se expressam os autores: nessa perspectiva, a política
curricular é uma ação simbólica, representando uma ideologia para a organização da autoridade e
que abrange tanto as decies da administração central como as decisões dos contextos
escolares. ELMORE; SYKES, 1992, apud PACHECO, José Augusto. Políticas curriculares:
referenciais para análise. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 107.
630
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23
dez.1996. p. 27.833-841.
631
BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior
e sua articulação com a escola média e outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.4, p. 010369.
632
Art. A União incumbir-sede: I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e
instituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos territórios; III - prestar assistência técnica e
financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus
sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função
redistributiva e supletiva; IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação
básica comum; V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação; VI - assegurar
296
Entretanto, ao contrário, da legislação anterior lei 4.024/61
633
e lei
5.540/68
634
que concebia o currículo como rol específico de matérias que deveriam
compor um dado curso, a nova LDB adota uma concepção em que o currículo é a
expressão de princípios e metas a que se propõe a educação, mais,
especificamente, o projeto educativo a ser perseguido como finalidade.
No entanto, a missão da educação, é ampla, e tendo em vista sua
importância, fez com que se exigisse na Constituição da República Federativa do
Brasil, de 5 de outubro de 1998
635
, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, organizassem em regime de colaboração seus sistemas de ensino, ex vi
do disposto no art. 211.
636
Cada um dos entes federativos é responsável por um aspecto relevante, em
cada nível, e modalidade de ensino do país. Dessa maneira, as respectivas pessoas
jurídicas de direito público devem articular-se entre si, deliberando e executando
políticas educacionais que possibilitem a oferta da educação escolar tanto no setor
público quanto no setor privado.
A União Federal é responsável, assim, pela coordenação da política nacional
de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas de ensino, e exerce a
processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior,
em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da
qualidade do ensino; VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação; VIII -
assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a
cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino; IX - autorizar,
reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de
educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. § 1º Na estrutura educacional,
haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervio e atividade
permanente, criado por lei. § Para o cumprimento do disposto nos incisos V a IX, a União terá
acesso a todos os dados e informações necessários de todos os estabelecimentos e órgãos
educacionais. § As atribuições constantes do inciso IX poderão ser delegadas aos Estados e ao
Distrito Federal, desde que mantenham instituições de educação superior. Cf. BRASIL. Lei
9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p.
27.833-841.
633
BRASIL. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961.
Col. 1, p. 0011429.
634
Id.
634
BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior
e sua articulação com a escola média e outras providências. Diário Oficial [da] Reblica
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col. 4, p. 010369.
635
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 29 ed. atual.
ampl. São Paulo: Atlas, 2008.
636
Id., art. 211.
297
função normativa, redistributiva e supletiva, em relação às demais instâncias
educacionais, conforme determina o art. 8º, § 1º da LDB
637
, lei nº 9.394/96.
À União cabe elaborar o Plano Nacional de Educação
638
, estabelecendo,
tamm, as competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
fundamental e ensino médio, bem como, para a educação superior, que nortearão
os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica
comum, em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
municípios.
A educação infantil é de responsabilidade exclusiva do município, enquanto
que o ensino fundamental é atribuição compulsória dividida entre os Estados e
municípios, e o ensino médio de responsabilidade dos Estados.
No intuito de assegurar uma formação básica comum, a nova LDB prevê que
os conteúdos curriculares do ensino fundamental e médio devem apresentar uma
base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, em razão da diversidade e das características regionais e
locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (art. 26 da LDB).
639
Conforme determina ainda o art. 26 § da LDB
640
, esses currículos devem
abranger, de maneira obrigatória, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o
conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política brasileira.
637
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23
dez.1996. p. 27.833-841.
638
O Plano Nacional de Educação PNE, que se constitui num plano composto de 295 diretrizes,
metas e objetivos a serem cumpridas no período de 10 anos, a partir da sua vigência, (2001-
2011), visa a promover a reconstrução da educação no país, em todos os níveis e modalidades de
ensino, foi instituído pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de
Educação e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 10 jan. 2001. Segundo aponta Valdemar Sguissardi, na obra por ele prefaciada, o PNE
constitui-se “num dos mais importantes instrumentos legais da política educacional brasileira”.
Veja-se, também, nesse sentido, BRANDÃO, Carlos da Fonseca. PNE passo a passo - lei
10.172/2001: discussão dos objetivos e metas do plano nacional de educação. São Paulo:
Avercamp, 2006. p. 90-91. Registre-se que o referido Plano foi objeto de 9 vetos presidenciais, no
governo de Fernando Henrique Cardoso. Vetos que, certamente, inviabilizaram, em grande
medida, o cumprimento de metas propostas, sobretudo, porque, esses vetos foram apostos,
justamente, sobre a diretriz que tratava da gestão de recursos e financiamentos na educação
superior. Com efeito, os vetos apostos deveriam ser a fonte orçamentária necessária para
aproximação do sistema de ensino da realidade desejável, expressa nos Princípios Constitucionais
Educacionais, especialmente, aqueles propugnados pelo art. 206 da nossa Constituição Brasileira
de 1988.
639
Id.
640
Nesse sentido, reporta-se à obra de César Pereira da Silva Machado Júnior, que ao analisar o
conceito de educação escolar sob o aspecto jurídico, expõe, de maneira clara e abrangente, a
298
O ensino de arte também deve constituir-se componente curricular obrigatório
nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento
cultural dos alunos, bem como o ensino da História do Brasil deve levar em
consideração as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, em especial das matrizes indígena, africana, e européia.
641
Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, segundo
determinação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
642
, as
seguintes diretrizes:
I. difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres
do cidadão, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II. consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada
estabelecimento;
III. orientação para o trabalho;
IV. promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-
formais.
Relativamente ao currículo do ensino médio, a lei n° 9.394/96
643
determina
que deverão ser observadas as seguintes diretrizes:
I. destaque para a educação tecnológica básica, a compreensão do
significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de
transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como
instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da
cidadania;
II. adoção de metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a
iniciativa dos estudantes.
colaboração do Direito para a questão da compreensão do currículo, inserido numa perspectiva de
análise da educação efetiva, como direito social que segundo o autor traduz-se no pleno
desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e para o exercício consciente da
cidadania. Veja-se MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O direito à educação na
realidade brasileira. São Paulo: LTr, 2003. p. 85.
641
Ibid., p. 85.
642
Conforme dispõe o art. 27 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996.
643
Conforme dispõe o art. 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996.
299
Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados
de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:
I. domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção
moderna;
II. conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
III. domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania.
É preciso ressaltar um aspecto importante quanto à elaboração e execução
da proposta pedagógica pelas próprias IES, é a possibilidade legal da participação
docente na elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento, e por via de
conseqüência, na configuração do currículo escolar, tendo em vista a permissão do
art. 12, inciso I e art. 13, inciso I, ambos dispostos na lei n° 9.394/96 - LDB.
644
Por fim, quanto ao currículo do ensino superior, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional
645
, estabelece às universidades a autonomia para a criação,
organização e extinção de cursos e programas de educação superior, obedecidas as
normas gerais da Uno, fixando os currículos respectivos, observadas as diretrizes
gerais pertinentes.
Ressalte-se, porém, que a educação, como atividade, não é, contudo, um
monopólio estatal ou um serviço público. Pode ser oferecida, no Brasil, pela iniciativa
privada, conforme expressamente o admite a Constituição de 1988 e a LDB em seu
art. 7º, que impõe, todavia, as seguintes condicionantes:
a) cumprir as normas gerais sobre a educação nacional previstas na Lei de
Diretrizes e Bases da educação nacional LDB lei 9.394, de
20.12.1996;
b) autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, conforme
preceitua o art. 209 da Constituição Federal.
Portanto, para a iniciativa privada o ensino será livre se atendidas as
condições de cumprimento das normas gerais de educação nacional, de autorização
644
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23
dez.1996. p. 27.833-841.
645
Conforme dispõe o art. 53, inc. II da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, n. 248, 23 dez. 1996.
300
e de avaliação
646
pelo Poder Público, conforme dispõe o artigo 209 da Constituição
Federal, que determina
647
:
Art. 209 - O ensino será livre à iniciativa privada atendidas as seguintes
condições:
I cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Da leitura desse dispositivo depreende-se que ao Estado cabe o dever
constitucional de avaliar as condições de criação de um estabelecimento privado de
ensino, a partir da análise de critérios estabelecidos pela legislação
infraconstitucional, para poder iniciar suas atividades, para autorização de seu
funcionamento, para o reconhecimento dos seus cursos.
Os estabelecimentos de ensino superior da iniciativa privada estão sujeitos a
avaliações periódicas, visando à ampliação do acesso ao ensino, bem como à
manutenção de sua qualidade.
O Ministério da Educação - MEC, o órgão da administração direta do Governo
Federal, tem competência legal para formular e avaliar a política nacional de
educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento de leis que a
regem; bem como competência para tratar de matérias como: política nacional de
educação, educação em geral, do ensino fundamental, do ensino médio e do ensino
superior, pesquisa educacional, pesquisa e extensão universitária. Para tanto, conta
com a colaboração do Conselho Nacional de Educação CNE.
Quanto ao contexto de avaliação, é preciso considerar a participação dos
estabelecimentos de ensino superior privados na prestação do ensino que, sem
dúvida, é bastante significativa.
648
646
Além do que se refere o artigo 209, II da CF/88, é preciso considerar que as normas para a
autorização e para a avaliação de qualidade das instituições de ensino superior encontram-se em
vários dispositivos infraconstitucionais, na própria LDB nº 9.394/96, e em legislação complementar.
Todos esses dispositivos configuram o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior, que
abrange a avaliação no sistema federal de ensino; a função de avaliação do desempenho individual
das instituições de ensino; a avaliação do ensino em cada curso de graduação; avaliação dos
programas de mestrado e doutorado e as atividades de pesquisa.
647
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 14. ed. rev.,
ampl. e atual. 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. (Atualizada até a Emenda
Constitucional nº 57). Art. 209, p. 107.
648
“O setor privado é responsável pela maior parte da educação brasileira, cerca de 1.800 estudantes
matriculados em quase mil instituições espalhadas pelo Brasil”. SCHWARTZMAN, Jacques;
SCHWARTZMAN, Simon. O ensino superior privado como setor econômico. Revista Ensaio, Rio
de Janeiro: Fundação Cesgranrio, v. 10, n. 37, p. 405-560, out./dez. 2002.
301
No que diz respeito ao ensino superior, por exemplo, com base nos dados do
último Censo da Educação Superior/2003, divulgados pelo MEC, o número de
Instituições de Ensino Superior Privado no país totaliza 1.652, sendo somente 207
as instituições públicas.
Esta situação, em termos numéricos, é demonstrada pelo quadro a seguir:
Quadro 14 Número de Instituições de Educação Superior, por organização acadêmica e
localização (Capital e interior), segundo a Unidade da Federação e a Categoria Administrativa
das IES 2003
649
Unidade da Federação e Categoria Administrativa
Total
Geral
Capital
Interior
Brasil
1.859
665
1.194
Pública
207
76
131
Federal
83
52
31
Estadual
65
24
41
Municipal
59
-
59
Privada
1.652
589
1.063
Particular
1.302
472
830
Comunitária/Confessional/Filantrópica
350
117
233
Fonte: MEC/INEP. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. Censo da Educação
Superior. Sinopse Estatística 2003. Brasília, 2003, p. 15.
Constata-se que a participação do setor privado alcança 70% do total dos
alunos e o setor blico 30%. Em 1988, o setor privado respondia por 61% das
matrículas. Em 2002, a participação alcançou os 70%.
650
Nesse cenário de expansão, a política curricular de instituições de ensino
superior, especialmente da iniciativa privada deve vir acompanhada, portanto, do
respectivo e acendrado zelo pelo Estado quanto à qualidade da IES, sem dispensar,
por óbvio o zelo interno de cada uma delas. Isto porque a educação superior
reveste-se de atributos de importância inquestionável para o desenvolvimento do
país, assumindo neste particular nítido conteúdo público, razão pela qual as
instituições privadas estão também vinculadas aos princípios constitucionais gerais
da educação.
649
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP. Censo
do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso
em: 27 nov. 2008.
650
Id.
302
As instituições privadas no que tange a elaboração e implantação de seus
currículos, portanto, não se encontram dispensadas da observância dos princípios
fundamentais do espaço público, como, por exemplo, da igualdade, liberdade,
democracia, respeito às minorias, dentre outros.
Essas instituições encontram-se tamm vinculadas à observação de toda a
legislação infraconstitucional relativamente à avaliação de qualidade do ensino. É
preciso observar, entretanto, que a avaliação das Instituições de Ensino Superior foi
objeto, na última década, de diversas leis, decretos, medidas provisórias, pareceres
do CNE, portarias, ministeriais, além de infindável mero de instrumentos
regulatórios, tais como
651
:
PARU Programa de Avaliação da Reforma Universitária, em 1983;
GERES Grupo Executivo para Reforma da Educação Superior, em 1985;
PAIUB Programa de Avaliação Institucional das Universidades
Brasileiras, em 1993;
ENC Exame Nacional de Cursos (PROVÃO), acompanhado de outros
meios avaliativos de questionário socioeconômico do aluno, ACE Análise
das Condições de Ensino, AÇO - Análise das Condições de Oferta e a
Avaliação Institucional dos Centros Universitários, em 1996.
SINAES Sistema Nacional da Educação Superior recentemente criado
pela lei n˚ 10.861, de 14 de abril de 2004.
652
Registre-se que o SINAES instituiu a avaliação institucional, interna e externa,
contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações,
compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das
instituições de educação superior e de seus cursos; o caráter público de todos os
procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos; o respeito à
identidade e à diversidade de instituições e de cursos; a participação do corpo
docente e cnico-administrativo das instituições de ensino superior e da sociedade
civil por meio de suas representações.
651
Cf. LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia universitária no Direito Educacional
brasileiro. São Paulo: Segmento, 2005.
652
BRASIL. Lei 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior SINAES e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, n. 72, 15 abril 2004. Seção 1, p. 03-04.
303
Por outro lado, é preciso considerar que, embora a garantia de um padrão
mínimo de qualidade”, especialmente no que tange à configuração dos currículos
jurídicos, nos cursos de graduação oferecidos pelas IES privadas, devem vir
acompanhados do respectivo zelo tanto por parte da própria instituição, como
tamm do Estado. Isto porque a educação superior reveste-se de atributos
inquestionáveis para o desenvolvimento do país.
As instituições privadas, portanto, não se encontram dispensadas da
observância na configuração de seus currículos, dos princípios fundamentais do
espaço público, como, por exemplo, da igualdade, liberdade, democracia, respeito
às minorias, dentre outros. Além disso, essas instituições encontram-se também
vinculadas à observação de toda a legislação infraconstitucional relativamente à
avaliação de qualidade do ensino jurídico, sejam elas consubstanciadas em
avaliações internas quanto externas.
A fiscalização do exercício profissional, esta sim, entende-se que deve ser
função precípua da OAB. Contudo, sua posição deve assumir, gradativamente, uma
função mais global, não o presa a casos isolados e paróquias de controle do
núcleo de prática forense da IES.
Entende-se que o caminho mais acertado é da avaliação sobre o
credenciamento e recredenciamento das IES no que se refere particularmente aos
cursos de Direito a nível de bacharelado.
No entanto, a avaliação, que passa essencialmente pela qualidade dos
currículos jurídicos, deveria ser procedida dentro de metodologias próprias e de
avaliadores competentes devidamente cadastrados pelo CNPq e CAPES a ser
promovida em regime de colaboração pelas seccionais da OAB.
3.6 Conceito de Diretrizes Curriculares
A expressão diretrizes curriculares foi utilizada pela primeira vez no Direito
Educacional brasileiro na Portaria MEC 1.886/94. Posteriormente, a competência
para sua definição foi atribuída pela lei 9.131/95 à Câmara de Educação Superior
do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE).
304
A lei 9.131, de 1995, que criou o Conselho Nacional de Educação, dispôs
sobre as diretrizes curriculares para os cursos de graduação quando tratou das
competências deste órgão na letra "c" do parágrafo 2
o
do seu art. 9
o
:
[...]
§ 2º São atribuições da Câmara de Educação Superior:
[...]
c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da
Educação e do Desporto, para os cursos de graduação;
[...]
Para tratar especificamente dessas diretrizes, o MEC estabeleceu e
homologou Parecer normativo exarado pela mara de Educação Superior do CNE,
Parecer n° 776/97
653
, que apresentou as orientações gerais a serem observadas na
formulação das diretrizes curriculares para todos os cursos de graduação.
As diretrizes curriculares constituem assim, no entender do CNE/CES,
orientações para a elaboração dos currículos que devem ser necessariamente
respeitadas por todas as instituições de ensino superior, pois que visam a assegurar
a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes, como forma de
romper com a rigidez dos currículos nimos”, de todos os cursos de graduação
(bacharelados e licenciaturas), que deveriam ter, a partir daí, segundo a normativa
jurídico-educacional, suas diretrizes curriculares específicas sendo elaboradas pelo
CNE e homologadas pelo MEC.
Na elaboração das propostas das diretrizes curriculares, o CNE entendeu por
esse parecer que é preciso:
1) assegurar, às instituições de ensino superior, ampla liberdade na
composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos
currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem
ministradas;
2) indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-
aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação
de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais
não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;
653
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.
305
3) evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de
graduação;
4) incentivar uma lida formação geral, necessária para que o futuro
graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de
exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados
tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;
5) estimular práticas de estudos independentes, visando a uma progressiva
autonomia profissional e intelectual do aluno;
6) encorajar o reconhecimento de habilidades, competências e
conhecimentos adquiridos fora do ambiente escolar, inclusive os que se
refiram à experiência profissional julgada relevante para a área de
formação considerada;
7) fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa
individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em
atividades de extensão;
8) incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem
instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes
acerca do desenvolvimento das atividades didáticas.
Assim sendo foram extintos os currículos mínimos em vigor nas IES. Desde
então, constata-se uma intensa produção de dispositivos legais, sobretudo
emanados pelo CNE, cabendo ao MEC o papel de coordenar a implementação da
reforma curricular nas IES.
A SEsu/MEC conduziu diretamente esse processo. Pelo Edital 4/97
654
,
essa secretaria formalizou orientações gerais para a elaboração das diretrizes
curriculares nacionais dos cursos de graduação.
Nesse edital o MEC expressa as proposições básicas da política educacional
a serem implantadas com a reforma e estabelece orientações gerais para a
elaboração de propostas curriculares para os cursos de graduação; tamm propõe
como objetivos e argumento fundamentais da reforma, a adaptação dos currículos
654
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Ensino Superior. Edital SESU/MEC n. 4, de
10 de dezembro de 1997. Diário Oficial da União, 12 dez. 1997. Seção III, p. 26.720. Documenta
(435), Brasília, dez. 1997.
306
às mudanças do perfil profissional, com base, dentre outros, nos seguintes
princípios:
a) flexibilidade na organização curricular;
b) dinamicidade do currículo;
c) adaptação às demandas do mercado de trabalho;
d) integração da graduação e pós-graduação;
e) ênfase na formação geral;
f) desenvolvimento de competências e habilidades gerais.
Como se observa, o princípio centrado na flexibilidade e nas competências é
recorrente e constitui-se, no discurso oficial o eixo integrador e articulador do novo
paradigma dos currículos.
Constata-se, ainda, que desde a publicação do Edital 4/97
655
, foi
disponibilizado no site do MEC, o texto das Diretrizes Curriculares para os Cursos de
Graduação Superior.
656
O referido documento apresenta os seguintes itens:
1. diretrizes gerais;
2. princípios;
3. objetivos e metas;
4. histórico;
5. diretrizes curriculares e legislação.
Esse documento acabou servindo de referência para que as comissões de
especialistas do MEC realizassem a regulamentação da reforma e a produção de
documentos específicos da reforma curricular.
Desencadeando-se, assim, uma nova etapa do processo de reforma, a
produção normativa em especial de pareceres e resoluções de aprovação das
diretrizes de cada curso de graduação, e a adequação, por parte das IES, aos novos
parâmetros legais, com prazos estipulados para cumprimento de processos de
655
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Ensino Superior. Edital SESU/MEC n. 4, de
10 de dezembro de 1997. Diário Oficial da União, 12 dez. 1997. Seção III, p. 26.720. Documenta
(435), Brasília, dez. 1997.
656
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação Superior.
Disponível em: <http://www.mec.gov.br/sesu/diretriz/curric.htm>. Acesso: 20 ago. 2008.
307
verificação e reconhecimento de cursos tanto para as IES blicas quanto para as
privadas.
657
No campo educacional e pedagógico, as diretrizes curriculares não podem se
constituir num corpo normativo, rígido e engessado, para não se confundirem com
os antigos “currículos mínimos profissionalizantes.
No campo jurídico, no entanto, pode-se dizer que as diretrizes curriculares
são as orientações gerais, definidas pelo órgão, juridicamente competentes, e
devem ser cumpridas pelas IES de todo o país, quando da elaboração dos seus
projetos pedagógicos e currículos plenos de seus cursos.
Devendo-se, porém, objetivar servir de referência para as instituições na
organização de seus programas de formação, permitindo-se, portanto, maior
flexibilidade e priorização de áreas de conhecimento, na construção pelas IES, dos
seus currículos plenos.
As diretrizes curriculares devem induzir, além disso, à criação de diferentes
formações e habilitações para cada área do conhecimento, possibilitando ainda
definirem múltiplos perfis profissionais, garantindo uma maior diversidade de
carreiras, promovendo a integração do ensino de graduação com a pós-graduação,
privilegiando, no perfil de seus formandos, as competências intelectuais que reflitam
a heterogeneidade das demandas sociais.
Assim sendo, as diretrizes curriculares para o curso de graduação em Direito
devem refletir uma dinâmica que atenda aos diferentes perfis de desempenho a
cada momento exigido pela sociedade, na heterogeneidade das mudanças sociais,
sempre acompanhadas de novas e mais sofisticadas tecnologias, novas e mais
complexas situações jurídicas, a exigir até contínuas revisões do projeto pedagógico
do curso jurídico, que assim se constituirá em caixa de ressonância dessas efetivas
demandas, para formar profissionais do Direito adaptáveis; com a suficiente
autonomia intelectual e de conhecimento e de pedagogia para que se ajuste sempre
657
Convém nesse sentido reportarmos à obra de Celso da Costa Frauches, que trouxe a compilação
sistematizada de todas as diretrizes curriculares atualmente em vigor para os cursos de graduação.
Veja-se nesse sentido, FRAUCHES, Celso da Costa. Diretrizes curriculares para os cursos de
graduação. Brasília: ABMES, 2008. p.183-205.
308
às necessidades emergentes, revelando adequado raciocínio jurídico, postura ética,
senso de justiça e sólida formação humanística.
658
Nesse aspecto, as diretrizes curriculares contêm mais do que continham os
antigos currículos mínimos, tendo em vista terem introduzido a necessidade de
desenvolver nos estudantes competências e habilidades visando à sua formação
profissional, e a exigência de elaboração, pelas IES, de projetos pedagógicos, que
se configuram no planejamento de seus cursos.
Afirma Inácio José Feitosa Neto
659
, que as Diretrizes Nacionais evidenciam de
forma consubstanciada, a influência da Reforma do Estado na educação superior
quando o defendidos os mesmos princípios representes na Administração Pública
Gerencial, tais como descentralização, flexibilização, avaliação e regulação.
Para Inácio José Feitosa Neto
660
, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
curso de Direito são expressão maior dos princípios constantes no Plano Diretor de
Reforma do Estado
661
, que buscava através da administração pública gerencial
expandir os serviços do Estado pela iniciativa privada, liberando o Estado de tal
finalidade.
De qualquer maneira, as DCNs surgem como um instrumento normativo de
flexibilização dando às IES poderes para organizarem seus projetos de cursos de
acordo com sua realidade local, valorizando a questão da inserção regional da IES e
sua missão institucional e constitucional.
Apresentam-se, portanto, como um contraponto ao currículo mínimo que
estabelece as condições curriculares mínimas de funcionamento dos cursos
jurídicos.
658
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES nº 211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22
set. 2004. Documenta (513), Brasília, jul. 2004.
659
BRASIL. MARE. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da
República, nov. 1995.
660
Id.
661
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Planejamento Político Estratégico. Brasília:
MEC, maio, 1995.
309
3.6.1 As diretrizes curriculares nacionais no Plano Nacional de Educação
PNE lei nº 10.172/2001
O Plano Nacional de Educação (PNE), constante da lei 10.172, de 09 de
janeiro de 2001
662
, que constitui-se em uma das mais importantes bases normativas
da educação brasileira e traça 294 diretrizes, metas e objetivos a serem cumpridas
pelo Estado, visando à reconstrução da educação do país.
Relativamente ao ensino superior, o PNE apresenta 35 metas a serem
alcançadas e para o período de 10 anos, iniciado em 2001, muito embora seja nesse
específico nível de ensino relativa à educação superior que o PNE sofreu o maior
número de vetos presidenciais
663
, na parte que não houve os vetos define: metas, as
diretrizes e os objetivos para a educação superior do Brasil, traçando o seguinte:
Meta 11 Estabelecer, em vel nacional, diretrizes curriculares que
assegurem a necesria flexibilidade e diversidade nos programas de
estudos oferecidos pelas instituições de educação superior, de forma a
melhor atender às necessidades diferenciais de suas clientelas e às
peculiaridades das regiões nas quais se inserem.
Meta 12 Incluir nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de
docentes temas relacionados às problemáticas tratadas nos temas
transversais, especialmente no que se refere à abordagem, tais como:
gênero, educação sexual, ética, justiça, diálogo, respeito mútuo,
solidariedade e tolerância, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e
temas locais.
É preciso considerar que essas diretrizes curriculares vêm sendo
progressivamente estipuladas pelo CNE para todos os cursos superiores brasileiros,
de forma que, se por um lado, os diferentes cursos superiores oferecidos por IES
diversas têm flexibilidade e diversidade e, assim atendem a diferentes necessidades
da população brasileira; por outro lado, estão sendo, como aponta Carlos da
Fonseca Brandão
664
, progressivamente alcançadas.
662
BRASIL. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan.
2001. (Meta 11). No mesmo sentido, veja-se, também: BRANDÃO, Carlos da Fonseca. PNE
passo a passo - lei nº 10.172/2001: discussão dos objetivos e metas do plano nacional de
educação. São Paulo: Avercamp, 2006.
663
Os vetos presidenciais referidos e apostos pelo eno, Presidente Fernando Henrique Cardoso,
encontram-se na Mensagem Presidencial de Veto 9, publicada no Diário Oficial da União [da]
República Federativa do Brasil, de 10 de janeiro de 2001.
664
BRANDÃO, Carlos da Fonseca. PNE passo a passo - lei nº 10.172/2001: discussão dos objetivos
e metas do plano nacional de educação. São Paulo: Avercamp, 2006. p. 90-91.
310
Dessa forma transversais a que se refere à meta de n° 12, relativamente
ensino superior, estipulada pela lei 10.172/2001 PNE
665
, gênero, educação
sexual, ética, justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade, e tolerância, pluralidade
cultural, meio ambiente, saúde e temas locais” estão sendo incorporadas,
paulatinamente, nos textos normativos educacionais, e autonomamente inseridas
pelas IES, nos cursos e respectivos currículos de graduação.
Convém registrar que os relevantes temas acima referidos foram incluídos
nas diretrizes curriculares dos cursos de formação docentes, como se pode verificar
nas Resoluções do CNE 1, de 18/02/2002
666
e 2 de 19/2/2002
667
e pelos
Pareceres do CNE 09/2001, que também tratam de outras questões sobre a
regulamentação e normatização dos cursos de formação de docentes.
Todos esses documentos foram aprovados pelo Conselho Pleno CP, do
Conselho Nacional de Educação CNE.
3.6.2 Síntese das diferenças estruturais entre currículo mínimo e diretrizes
curriculares
As principais diferenças entre os currículos mínimos e as diretrizes
curriculares” para os cursos de graduação podem ser demonstradas pelo seguinte
quadro:
665
BRASIL. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (PNE) Institui o Plano Nacional de Educação e
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jan.
2001. (Meta nº 11).
666
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resoluções CNE 1, de 18/02/2002. Dispõe sobre as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação sica, em vel
Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena. BRASIL. Conselho Pleno do Conselho
Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1/2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4
mar. 2002. Seção 1, p. 8.
667
BRASIL. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 2, de 19 de
fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação
plena, de formação de professores da educação básica em nível superior. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 9.
311
Quadro 15 Diferenças entre currículo mínimo e diretrizes curriculares
Currículos Mínimos
Diretrizes Curriculares
Paradigma curricular de conteúdo.
Paradigma curricular de habilidades e
competências.
Ênfase no exercício profissional, cujo
desempenho resulta especialmente das
disciplinas e matérias profissionalizantes
engessadas em uma grade curricular, com
conteúdos mínimos obrigatórios fixados
pelo CNE em uma resolução normativa
instituída por curso de graduação.
Ênfase nas habilidades e competências
construídas com formação profissional
fundamentada na competência teórica e
prática, de acordo com o perfil dos
formandos em razão das novas demandas.
As IES não têm liberdade (autonomia) para
reformulações nos componentes
curriculares estabelecidos nacionalmente
por Resoluções do CFE, inclusive quanto
aos conteúdos obrigatórios.
Ensejam, em certa medida, uma maior
autonomia das IES instituírem seus próprios
projetos pedagógicos para cada curso de
graduação oferecido. Conferência de maior
autonomia na definição dos currículos
plenos para os cursos de graduação.
Ênfase do currículo voltado exclusivamente
para a transmissão e informação do
conhecimento.
Ênfase curricular de preparo para as novas
demandas e transformações da sociedade,
do mercado de trabalho e do conhecimento.
Avaliação de desempenho ao final do
curso.
Avaliação durante o desenvolvimento do
curso de graduação.
Formação do profissional determinada para
uma única habilitação, visando direitos para
o exercício de uma profissão
regulamentada.
Enseja vários tipos de formação e
habilitação num mesmo programa.
Emitem diploma para validar o pleno
exercício profissional.
Não se vinculam a diploma e a exercício
profissional, pois os diplomas constituem
prova, válida, nacionalmente, da formação
recebida por seus titulares (art. 48 da lei nº
9.394/96).
3.7 O Conselho Nacional de Educação (CNE) e as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação
Para cumprimento das finalidades da educação nacional, o governo federal
sancionou em 24 de novembro de 1995, a lei n° 9.131/95
668
, provocando alterações
em dispositivos da lei n° 4.024 de 20 de dezembro de 1961.
669
668
BRASIL. Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.
312
A lei 9.131/95, alterando os art. 6°, 7°, 8°, da lei 4.024/61, estabeleceu
que ao Ministério do Estado da Educação e do Desporto cabe exercer as atribuições
do poder público federal em matéria educacional, cabendo-lhe ainda a atribuição de
formular e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e
velar pelo cumprimento das leis que o regem. Da nova redação dada ao artigo 6º,
prescreve que o MEC contará, ainda, no desempenho de suas funções, com a
colaboração do Conselho Nacional de Educação.
Convém registrar, ainda, que a lei 9.131/95, sancionada em 24 de
novembro de 1995, deu nova redação ao art. 9º, § , alínea c”, da então LDB
4.024/61, conferindo à CES do Conselho Nacional de Educação (CNE) a
competência para “a elaboração do projeto de Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN), que orientarão os cursos de graduação, a partir das propostas a serem
enviadas pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação ao
Conselho Nacional de Educação”, tal como viria a estabelecer o inciso VII do art.
da nova Lei de Diretrizes Básicas n° 9.394/96, publicada em dezembro de 1996.
Pode-se afirmar, portanto, que no desempenho de suas funções legais e
administrativas, o MEC conta com a colaboração do Conselho Nacional de
Educação e das suas respectivas Câmaras que o compõem.
Vale registrar aqui, que as alterações propostas pela lei 9.131/95, visaram
a regulamentar o papel do Conselho Nacional de Educação, órgão criado para
substituir o extinto Conselho Federal de Educação, extinto no governo de Itamar
Franco, durante a pasta do Ministro Murílio de Avelar Hingel, em 18 de outubro de
1994, pela Medida Provisória nº 661
670
que transformou, o extinto Conselho Federal
de Educação, no atual, Conselho Nacional de Educação CNE.
Da análise dessas normas legais, em matéria educacional, depreende-se que
o Conselho Nacional de Educação, instituído com competências específicas de
669
BRASIL. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961.
Col. 1, p. 0011429.
670
BRASIL. Medida Provisória nº 661, de 18 de outubro de 1994. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de
20 de dezembro de 1961, e da lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, e outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 out. 1994. Seção 1, p.
15.799.
313
acordo com a lei 9.131/95
671
, possui atribuições normativas, deliberativas, e de
supervisão assessoramento ao Ministério de Estado da Educação e do Desporto,
com atividade permanente.
Registre-se ainda que o Conselho Nacional de Educação CNE, de forma a
assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional, é
composto, atualmente, em razão de deliberação legal e regimental, por duas
maras: Câmara de Educação Básica CEB; mara de Educação Superior
CES.
O CNE é composto, atualmente, por 24 conselheiros, sendo 12 conselheiros
na CEB e 12 na CES. São membros natos do CNE o secretário de educação básica
CEB e o secretário de educação superior CES, ambos do MEC.
A escolha e a nomeação dos conselheiros do CNE são feitas pelo Presidente
da República
672
, sendo pelo menos a metade, obrigatoriamente, dentre os indicados
em listas elaboradas especialmente para cada Câmara, mediante consulta a
entidades da sociedade civil relacionada à área de atuação dos respectivos
colegiados.
A mara de Educação Superior é composta, atualmente, pelos seguintes
conselheiros: Aldo Vannucchi; Antônio de Araújo Freitas Júnior; lgio Henrique
Casses Trindade; Maria Beatriz Moreira Luce; Marília Ancona-Lopez; Mário Portugal
Pederneiras; Milton Linhares; Paulo Speller; Ronaldo Mota.
A Câmara de Educação Básica é composta pelos conselheiros: Adeum Hilário
Sauer; Antônio César Russi Callegari; Francisco Aparecido Cordão; Gersem José
dos Santos Luciano; José Fernandes de Lima; Maria do Pilar Lacerda Almeida e
Silva; Maria Izabel Azevedo Noronha; Mozart Neves Ramos; Raimundo Moacir
Mendes Feitosa; Regina Vinhaes Gracindo; Wilson Roberto de Mattos.
671
BRASIL. Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.
672
BRASIL. Decreto Presidencial de 13 de maio de 2008. Dispõe sobre a designação dos membros
para compor a Câmara do Conselho Nacional de Educação (CNE). Diário Oficial da União,
Brasília, DF, n. 91, 14 maio 2008. Seção 2, p. 02.
314
Ao Conselho Nacional de Educação, além de outras atribuições que lhe forem
conferidas por lei, compete
673
:
a) subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de
Educação;
b) manifestar-se sobre questões que abranjam mais de um nível ou
modalidade de ensino;
c) assessorar o Ministério da Educação e do Desporto no diagnóstico dos
problemas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de
ensino, especialmente no que diz respeito à integração dos seus
diferentes níveis e modalidades;
d) emitir parecer sobre assuntos da área educacional, por iniciativa de seus
conselheiros ou quando solicitado pelo Ministro de Estado da Educação e
do Desporto;
e) manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito
Federal;
f) analisar e emitir parecer sobre questões relativas à aplicação da legislação
educacional, no que diz respeito à integração entre os diferentes níveis e
modalidades de ensino;
g) elaborar o seu regimento, a ser aprovado pelo Ministro de Estado da
Educação e do Desporto.
A Câmara de Educação Superior delibera tamm sobre a autorização e o
recredenciamento de cursos das IES de educação superior, considerando os
relatórios elaborados pelas comissões de avaliação apresentados pelo MEC.
Cabe-lhes ainda, deliberar sobre os estatutos das universidades e sobre o
regimento das IES que fazem parte do sistema federal de ensino.
Além dessas atribuições legais, as 2 (duas) maras que compõem o CNE,
em conformidade com a lei 9.131/95, que deu nova redação ao artigo 9 da lei
4.024, têm atribuições específicas, especialmente de deliberar sobre as diretrizes
curriculares propostas pelo MEC, para os cursos de graduação no país, conforme se
constata da leitura do rol taxativo de atribuições legais previstas tanto para a Câmara
de Educação Superior, como tamm, para amara de Educação Básica.
673
Conforme dispõe o art. § da Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997.
315
Nesse sentido dispõe o art. 9 da lei n° 9.131/95
674
:
Art. 9º. As maras emitirão pareceres e decidirão, privativa e
autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o
caso, recurso ao Conselho Pleno.
§ 1º. São atribuições da Câmara de Educação Básica:
[...]
c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da
Educação e do Desporto; (grifo nosso)
§ 2º. São atribuições da Câmara de Educação Superior:
[...]
c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da
Educação e do Desporto, para os cursos de graduação (grifo nosso).
Assim, em cumprimento ao respectivo mandamento legal, a Câmara de
Educação Superior CES, do Conselho Nacional de Educação aprovou Parecer
CES 67, de 11 de março de 2003
675
, contendo todo um referencial para as DCNs
dos cursos de graduação, inclusive para o efetivo entendimento da transição entre o
regime anterior e o instituído pela LDB 9.394/96, como preceitua o seu art. 90º,
tendo, por razões de ordem metodológica, estabelecido um paralelo entre
Currículos Mínimos Nacionais” e as “Diretrizes Curriculares Nacionais”.
Constata-se que da interpretação desse parecer, quanto aos Currículos
Mínimos, o Referencial CES/CNE enfocou a concepção, abrangência e objetivos dos
referidos currículos, fixados por curso de graduação, ensejando as respectivas
formulações de grades curriculares cujo atendimento implicava fornecer diplomas
profissionais, assegurando o exercício das prerrogativas e o direito de cada
profissão.
Convém ressaltar que o Parecer CES/CNE 67/03 elencou os princípios que
lhes embasam a formulação, disto resultando o nítido referencial entre o regime
anterior e o proposto para nova ordem jurídica, verifica-se que existem diretrizes que
poderiam ser consideradas comuns aos cursos de graduação, enquanto outras
atenderiam à natureza e às peculiaridades de cada curso, desde que fossem
contempladas as alíneas “a” a “g” do item II do Parecer CNE/CES 583/2001, “litteris”:
674
BRASIL. Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.
675
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o referencial para as Diretrizes
Curriculares Nacionais DCNs dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2
jun. 2003.
316
a) perfil do formando/egresso/profissional conforme o curso, o projeto
pedagógico deverá orientar o currículo para um perfil profissional
desejado;
b) competência/habilidades/atitudes;
c) habilitações e ênfase;
d) conteúdos curriculares;
e) organização do curso;
f) estágios e atividades complementares;
g) acompanhamento e avaliação.
Para substituir os currículos mínimos obrigatórios nacionais, já neste novo
contexto legal, advieram as Diretrizes Curriculares Nacionais, lastreadas tamm
anteriormente pelos Pareceres CES/CNE 776/97
676
, 583/2001
677
, os quais,
juntamente com o Parecer CES/CNE nº 67/2003, informam as propostas recebidas
da SESu/MEC, dos órgãos de representação profissional e de outros segmentos da
sociedade brasileira, de cujas contribuições resultaram as atuais Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito, instituídas pela Resolução
9/2004.
Outro aspecto importante, é que com a entrada em vigor da lei 9.131
678
,
criou-se o amparo legal, para que fosse iniciado o processo de reorganização
curricular, atualmente vivido pelos diferentes cursos de graduação no país. Com
efeito, essas prescrições legais foram incorporadas no texto normativo da LDB, fato
tamm que justifica e assegura maior crítica e, por via de conseqüência,
possibilidade de desconstrução, pela via legislativa, da configuração curricular dos
cursos de graduação, conferindo nesse sentido, maior amparo legal para as
reformas curriculares, especialmente, as pretendidas para o curso de Direito.
676
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.
677
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out.
2001.
678
BRASIL. Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.
317
3.8 As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Direito
3.8.1 Resolução CNE/CES nº 9/2004
Em 29 de setembro de 2004, após imeros trabalhos e discussões do
Ministério da Educação e Cultura (MEC), foi elaborada pelo Conselho Nacional de
Educação, por sua Câmara de Educação Superior CNE, por via de Resolução
específica para tratar das diretrizes para a configuração do currículo jurídico.
Trata-se da Resolução CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004
679
, que
instituiu por força de 13 (treze) artigos, as novas Diretrizes Curriculares a serem
cumpridas, em âmbito nacional, pelas IES públicas e privadas para os cursos, de
bacharelado, em Direito.
Convém registrar, no entanto, que é preciso valer-se de outros documentos
normativos, além da Resolução 9/2004, atualmente, em vigor no ordenamento
jurídico educacional, para tentar-se compreender, de maneira sistêmica, a
orientação da configuração das atuais diretrizes curriculares nacionais para os
cursos de Direito.
Citam-se aqui, especialmente, os Pareceres emanados também da Câmara
de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação, especificamente os
Pareceres CES/CNE nº 776/97
680
, nº 583/2001
681
, nº 67/2003
682
, nº 55/2004
683
.
Pela interpretação, por exemplo, do Parecer CNE/CES 55/2004
684
, verifica-se
que havia uma proposta curricular anterior que consistia, diferentemente da atual
679
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17-18.
680
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.
681
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out.
2001.
682
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o referencial para as Diretrizes
Curriculares Nacionais DCNs dos cursos de graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2
jun. 2003.
683
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES nº 55/2004. Dispõe sobre diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito.
Aprovado em 18 de fev. 2004. Reexaminado pelo Parecer nº 211/2004. Documenta (509), Brasília,
DF, fev. 2004.
318
configuração, na seguinte matriz curricular para o curso de Direito, quanto ao
conteúdo fundamental: Economia, Sociologia, Filosofia, Ciência Política, Psicologia,
Ética, Antropologia.
Relativamente ao conteúdo profissionalizante: Introdução ao Direito, Direito
Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil,
Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual,
sendo que o Trabalho de Curso TC final era opcional.
Depreende-se dos instrumentos normativos de Direito Administrativo e de
Direito Educacional, em vigor, especificamente à Resolução 9/2004
685
que,
quanto à metodologia adotada, o curso de Direito deve enfocar pela ordem:
1. organização de curso;
2. projeto pedagógico;
3. perfil desejado do formando;
4. competências e habilidades;
5. conteúdos curriculares;
6. estágio curricular supervisionado;
7. atividades complementares;
8. sistema de avaliação;
9. trabalho e curso;
10. regime acadêmico;
11. duração do curso.
Por força da Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004
686
,
instituída para o curso de bacharelado em Direito, as atuais DCNS constituem-se
como:
Diretrizes cuja finalidade é orientar, em âmbito nacional, as Instituições de
Educação Superior IES, na organização de todos os seus cursos de graduação, e
na flexibilização da organização curricular.
684
Registre-se, por oportuno, que esse parecer, foi incorporado e reexaminado pelo Parecer
CNE/CES nº 211, de 8 de julho de 2004, dando origem, posteriormente, à Resolução CNE/CES
9, de 29 de setembro de 2004.
685
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17-18.
686
Id.
319
As Diretrizes Curriculares para o curso de Direito definem-se assim, como
orientações cuja finalidade é nortear, em âmbito nacional, as Instituições de
Educação Superior IES, na organização de todos os seus cursos de graduação, e
na flexibilização da organização curricular.
Percebe-se nitidamente que a Resolução 9/2004 o mais trata de
currículo mínimo”, mas de conteúdos e atividades essenciais”, dentro de grandes
áreas sem, todavia, detalhá-los.
No entanto, conforme dispõe o art. da Resolução ora sub examen, os
cursos de Direito devem trabalhar conteúdos e atividades que atendam a 3 (três)
eixos de formação interligados, que são os seguintes:
I. Eixo de Formação Fundamental: objetiva integrar ao aluno no campo,
estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber;
II. Eixo de Formação Profissional: abrangendo o enfoque dogmático, o
conhecimento e a aplicação dos diversos ramos, estudados
sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da ciência do
Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e
culturais do Brasil;
III. Eixo de Formação Prática: objetiva a integração entre a prática e os
conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos.
Embora a intenção do legislador do órgão educacional, diga-se Conselho
Nacional de Educação, fosse objetivar com a instituição de diretrizes gerais com a
finalidade de orientar as IES, na configuração de seus cursos e respectivos
currículos jurídicos, servindo assim, de referência para as instituições na
organização de seus programas de formação, permitindo-se maior flexibilidade e
priorização de áreas de conhecimento na construção dos currículos plenos, isso,
todavia, nem na prática nem na lei não ocorreu.
Isso porque, da simples leitura do art. 5 da Resolução 9/2004, depreende-
se que o conteúdo e as atividades, não são faculdades, que permitem a IES uma
escolha razoável na configuração de seus currículos, constituem-se, todavia, numa
imposição de conteúdos e atividades, tendo em vista que a norma emprega o termo
deverá contemplar” e não “poderá contemplar”.
320
Frise-se, nesse sentido, que o ato administrativo normativo educacional sub
examen indicou expressamente conteúdos essenciais exigíveis que devem,
obrigatoriamente, constar em todos e quaisquer currículos plenos de curso de
Direito.
As novas diretrizes constituem-se, em verdade, em conteúdos e atividades
obrigatórios, equiparando-se, portanto, novamente à antiga configuração de um
currículo mínimo” cujo paradigma curricular tanto se criticou, no passado.
Constata-se da leitura desse específico ato administrativo normativo de
natureza educacional, no entanto, a clara intenção do legislador em, mais uma vez,
impor de forma heterônoma a configuração de uma estrutura curricular onde será
fixado um “currículo mínimo” para o curso de Direito.
Corrobora essa tese Horácio Wanderlei Rodrigues
687
quando assevera que “é
equivocada, portanto, a afirmação de que não existem atualmente currículos
mínimos, mas apenas diretrizes curriculares”.
Ademais, conforme entende Rodrigues
688
, esse currículo mínimo é formado,
na Resolução CNE/CES 9/2004, pelos conteúdos constantes dos eixos de
formação fundamental e profissional e pelas atividades indicadas no eixo de
formação prática. Com isso, entende-se que a finalidade das atuais Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Direito, não foi plenamente atendida, posto
que, mais uma vez, restaram configuradas em um corpo normativo de matriz
curricular rígido e engessado, confundindo-se, portanto, com os antigos currículos
mínimos profissionalizantes.
Diversa não pode ser a interpretação, tendo em vista que esses conteúdos e
atividades são obrigatórios para todos os cursos de Direito, de todas as IES. Além
disso, na organização do curso de Direito e na elaboração dos currículos devem ser
observadas além das Diretrizes Nacionais, os pareceres normativos, indicando
expressamente os componentes curriculares, que abrange o perfil do formando, as
competências e habilidades; os conteúdos curriculares e a duração do curso; o
regime de oferta; as atividades complementares; o sistema de avaliação; o estágio
687
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando o ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Porto Alegre: Fundação Boiteux,
2005. p. 201.
688
Ibid., p. 201.
321
supervisionado; o trabalho de curso; ambos componentes obrigatórios da IES, sem
prejuízo de outros que tornem consistentes o projeto pedagógico.
3.8.2 Natureza jurídica da Resolução CNE/CES 9/2004
As Resoluções dos Conselhos de Educação têm largo emprego no Direito
Educacional. Dada a importância das decisões do Conselho, para o crescimento do
Direito Educacional, de se ponderá-las, tais como as decisões emanadas do
Supremo Tribunal Federal.
Resoluções (do latim resolutio, de resolvere significa resolver, deliberar,
romper
689
) são atos administrativos típicos dos órgãos colegiados.
A Resolução CNE/CES 9/2004, que instituiu as novas Diretrizes nacionais
para o curso de bacharelado em Direito, é ato emanado do poder normativo do
Conselho Nacional de Educação.
Para o Direito Administrativo, Resolução é a deliberação ou a determinação,
indicando assim, o ato pelo qual a autoridade pública, ou o Poder Público toma a
sua decisão, impõe uma ordem ou estabelece uma medida. Contudo, tem
significação genérica, pois que atinge qualquer espécie de deliberação ou de
determinação, baixada para ser obrigatoriamente cumprida ou geralmente acatada.
No entanto, no ordenamento jurídico brasileiro, somente por exceção
admitem-se resoluções individuais. Portanto, as resoluções, normativas ou
individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo
inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los, conforme
o campo de atuação da norma, ou os destinatários da providência concreta.
As resoluções são tomadas dentro da autoridade que se outorga ao poder,
pelo que não estão subordinadas nem sujeitas à aprovação ou referenda de
qualquer outro órgão poder.
As Resoluções são também usadas para os atos administrativos internos das
corporações legislativas e tribunais em geral.
689
Cf. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1220-1221.
322
É ato que se funda na própria atribuição conferida ao órgão ou representante
do Poder Público. Nesta razão, as resoluções entendem-se sempre como atos de
autoridade. E, em regra, dizem respeito a questões de ordem administrativa ou
regulamentar.
Celso Antônio Bandeira de Mello
690
, segundo clássica lição de Oswaldo
Aranha Bandeira de Mello, define Resolução como sendo a fórmula pela qual se
exprimem as deliberações dos órgãos colegiais.
Segundo Hely Meirelles
691
, as resoluções são atos administrativos normativos
expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo chefe do Executivo,
que deve expedir decretos), ou pelos presidentes dos tribunais e órgãos
legislativos, para disciplinar matéria de sua competência específica.
Por essas considerações pode-se concluir que a Resolução CNE/CES nº
9/2004, que instituiu as novas Diretrizes nacionais para o curso de bacharelado em
Direito, trata-se de um ato normativo e regulatório de caráter educacional.
Sob o aspecto formal, como atos emanados dos Conselhos, podem assumir,
além da forma de Resoluções, a forma de Deliberações, Indicações e Pareceres
Normativos.
Sob o aspecto substancial impõe analisar, a Resolução editada pela Câmara
de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação CNE/CES 9/2004,
que instituiu as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Direito,
do ponto de vista estrutural de alguns elementos que se reputam importantes, tais
como:
a) do perfil do aluno em Direito;
b) das formas de realização da interdisciplinaridade constante nesse
instrumento normativo;
c) da flexibilidade na gestão dos currículos jurídicos;
d) das formas de integração entre teoria e prática;
e) dos seus componentes e conteúdos curriculares;
f) das habilidades e competências exigidas na Resolução em apreço.
690
MELLO, 1979, apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2000. p. 393.
691
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 185.
323
Relativamente ao perfil do aluno em Direito, o artigo da Resolução sub
examen
692
, estabelece o perfil desejado do formando dispondo o que um curso de
Direito deverá oferecer ao estudante.
Esse dispositivo legal, na verdade delimita justamente o perfil e os objetivos
do curso a ser oferecido pelas diferentes modalidades administrativas de IES.
Veja-se assim:
Art. 3º - [...] Sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de
análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada
argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e
sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a
capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica,
indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e
do desenvolvimento da cidadania.
Pela leitura do referido dispositivo, percebe-se que um dos objetivos é
proporcionar a formação humanística do aluno, ou seja, não deve um curso de
Direito se preocupar com um currículo exclusivamente voltado para uma formação
técnico-jurídica.
É preciso, portanto, oferecer ao aluno, a possibilidade de uma formação de
cultura geral, que o prepare para a vida, para o desenvolvimento integral de suas
capacidades e potencialidades como ser humano, no sentido de uma educação
holística e não somente para uma profissão.
3.8.3 Finalidade das diretrizes curriculares para o curso de Direito
As atuais diretrizes curriculares instituídas para o curso de graduação em
Direito devem induzir à criação de diferentes formações e habilitações para cada
área do conhecimento, possibilitando, portanto, definirem-se múltiplos perfis
profissionais, visando e garantindo maior diversidade de carreiras; promovendo a
integração do ensino de graduação com a pós-graduação; privilegiando, no perfil de
seus alunos, as competências intelectuais que reflitam a heterogeneidade das
demandas sociais e regionais onde as IES se encontram geograficamente
localizadas.
692
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17.
324
Sob o aspecto pedagógico e educacional, deve-se considerar que as DCNs
atualmente instituídas por força da Resolução do CNE/CES nº 9/2004
693
, para o
curso de graduação em Direito, devem refletir uma dinâmica que atenda aos
diferentes perfis de desempenho a cada momento exigido pela sociedade, pela
heterogeneidade das mudanças sociais, econômicas e culturais.
Dinâmica curricular para o ensino do Direito que deve ser acompanhada, no
entanto, na realidade de novas e mais sofisticadas tecnologias, novas e mais
complexas situações jurídicas, a exigir até contínuas revisões do projeto pedagógico
do curso jurídico, que assim, se constituirá em caixa de ressonância dessas efetivas
demandas, para formar profissionais do Direito, adaptáveis e com a suficiente
autonomia intelectual e de conhecimento para que se ajuste sempre às
necessidades emergentes, revelando adequado raciocínio jurídico, postura ética,
senso de justiça e sólida formação humanística.
Segundo José Eduardo Faria
694
, o Direito pode ser concebido de dois modos:
como tecnologia de controle ou como atividade científica.
Enquanto tecnologia de controle, seu ensino será unidisciplinar, meramente
informativo, despolitizado, massificador e dogmático, estruturado em torno de um
sistema jurídico autárquico, auto-suficiente, completo, lógico e formalmente
coerente.
Enquanto atividade científica, crítica e especulativa, seu ensino será
formativo, não-dogmático e multidisciplinar, organizado a partir de uma interrogação
sobre a dimensão política, sobre as implicações socioeconômicas e sobre a
natureza ideológica de toda e qualquer ordem jurídica.
Parece que, especificamente nesse aspecto, a Resolução CNE/CES
9/2004 procura equilibrar-se entre os dois extremos.
693
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17.
694
FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987.
p. 27-33.
325
3.8.4 Diferenças entre a Portaria MEC 1.886/94 e a Resolução CNE/CES
9/2004
Houve uma considerável mudança na estrutura curricular prevista na Portaria
MEC nº 1.886/94 e Resolução CNE/CES nº 9/2004.
No art. 6 da Portaria nº 1.886/94, por exemplo, estabelecia-se o conteúdo
mínimo do curso de Direito, além do estágio. As matérias contidas nesse artigo
poderiam, contudo, estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de
cada curso.
Frise-se, no entanto, que “matéria” edisciplinas” não são palavras sinônimas.
Como adverte Katya Kozicki
695
, a matéria é o conteúdo, enquanto que a
disciplina é o continente. Assim sendo, uma matéria pode estar integralmente
contida em uma disciplina, bem como, pode estar desdobrada em várias. Entretanto,
o conteúdo mínimo previsto pela Portaria 1.886/94 diz respeito a matérias, mas a
composição delas em disciplinas fica a critério de cada curso, na organização de seu
currículo pleno. O art. 6 da Portaria MEC 1.886/94 explicita as matérias
fundamentais, a saber:
Introdução ao Direito;
Filosofia (Geral e Jurídica, Ética Geral e Profissional);
Sociologia (Geral e Jurídica);
Economia e Ciência Política (com Teoria do Estado).
Por seu turno, a Resolução nº 9/2004, em seu art. 5, estabelece quais são os
conteúdos e atividades que o curso de Direito deverá contemplar em seu projeto
pedagógico, em sua organização curricular. O inciso I do art. 5 da Resolução
9/2004 estabelece os conteúdos relativos ao eixo de formação fundamental, que
são:
Antropologia;
Ciência Política;
Economia;
695
KOZICHI, Katya. Afinal, o que significa uma “Teoria do Direito”? In: CERQUERIA, Daniel Torres;
FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas
propedêuticas na formação jurídica. São Paulo: Millenium, 2006. p. 20.
326
Ética;
Filosofia;
História;
Psicologia;
Sociologia.
Nota-se que são suprimidas as referências à divisão da Sociologia e da
Filosofia em geral e jurídica. Percebe-se, também, a ausência de referência à Teoria
do Estado. A Ética ganha um caráter mais autônomo nessa nova configuração
normativa sendo, inclusive, separada da Filosofia. Desaparece a disciplina de
Introdução ao Estudo de Direito.
Percebe-se, tamm, que a Resolução 9/2004, transforma, ainda, o
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), exigido na Portaria 1.886/94, em
Trabalho de Curso (TC).
3.8.5 Componentes estruturais curriculares na Resolução CNE/CES nº 9/2004
A organização dos cursos jurídicos
696
se expressa mediante a elaboração de
seu projeto-pedagógico, que compreende diversos componentes, tais como:
a) o perfil do formando;
b) as competências e habilidades;
c) o estágio curricular supervisionado;
d) as atividades complementares;
e) a duração do curso, a carga horária das atividades didáticas;
f) as condições de oferta e a vocação do curso;
g) o regime acadêmico;
h) o sistema de avaliação;
i) o trabalho de curso;
j) os modos da integração entre graduação e pós-graduação;
k) as formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
l) o regime acadêmico de oferta;
m) as formas de realização da interdisciplinaridade;
696
Conforme dispõe, atualmente, o art. da Resolução CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.
327
n) os modos de integração entre teoria e prática;
o) as formas de implantação;
p) a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica.
3.8.6 Síntese da configuração dos conteúdos dos componentes curriculares
dentro dos eixos de formação fundamental, profissional e prática
Os conteúdos dos componentes curriculares exigíveis, de maneira obrigatória,
atualmente em qualquer currículo pleno do curso de Direito, são constituídos, por 3
(três) eixos de formação:
328
Quadro 16 Síntese da configuração estrutural das Diretrizes Curriculares na Resolução
CNE/CES nº 9/2004
Resolução CNE/CES
nº 9/2004:
Conteúdos e
Atividades
expressamente
obrigatórios
1 - Eixo de Formação Fundamental
Antropologia,
Ciência Política,
Economia,
Ética,
Filosofia,
História,
Sociologia,
Psicologia.
2 - Eixo de Formação Profissional
Direito Constitucional,
Direito Administrativo,
Direito Tributário,
Direito Penal, Direito Civil,
Direito Empresarial,
Direito do Trabalho,
Direito Internacional,
Direito Processual.
3 - Eixo de Formação Prática
Estágio Supervisionado,
Trabalho de Cursos,
Atividades
Complementares.
Resolução CNE/CES
9/2004:
Conteúdos e
Atividades
indiretamente
obrigatórias
Decorrentes do
perfil definido para
o egresso e da necessidade
de trabalhar competências
e habilidades
Técnicas de redação
jurídica,
Hermenêutica jurídica,
Teoria da argumentação,
Tecnologias,
Metodologia à pesquisa do
Direito,
Teoria do Direito,
Teoria do Processo,
Estudos de casos.
Outros conteúdos e atividades obrigatórios
Constituição Federal Brasileira de
1988 (art. 5º)
Os conteúdos e
atividades necessários ao
pleno desenvolvimento da
pessoa humana e seu
preparo para a cidadania
Conteúdos propostos
nessa tese a serem
incluídos na
configuração das
Diretrizes
Curriculares
Constituição Federal
(art. 225, § , inc. 6º)
da lei nº 9.795/1999
e Decreto 4.281/2002
(Educação Ambiental)
Educação Ambiental
Temas e Práticas
Integradas:
Interdisplinares e
Transdicisplinares
Educação à Distância
Educação para 3ª Idade
Novos Direitos: Difusos e
Coletivos: Estatuto
da Criança e do
Adolescente, Direito
do Consumidor
Lei n° 9.394/1996
(LDB, art. 43, inc. III)
Lei n° 10.172/2001 (PNE)
e Resolução CNE/CES
n° 9/2004 (art. 2º)
Pesquisa e Extensão
Lei n° 10.861/2004
(SINAES) art. 5º, § 5º
ENADE
329
3.8.7 Elementos estruturais na Resolução CNE/CES nº 9/2004
Os elementos estruturais, no projeto pedagógico do curso de Direito, além da
sua concepção, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua
operacionalização, deverá abranger, segundo exigência do art. 2, § 1º da Resolução
nº 9/2004, os seguintes elementos:
I. concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às
suas inserções institucional, política, geográfica e social;
II. condições objetivas de oferta e a vocação do curso;
III. cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;
IV. formas de realização da interdisciplinaridade;
V. modos de integração entre teoria e prática;
VI. formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
VII. modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;
VIII. incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da
atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;
IX. concepção e composição das atividades de estágio curricular
supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem
como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática
Jurídica;
X. concepção e composição das atividades complementares; e,
XI. inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.
3.8.8 Formas de realização da interdisciplinaridade na Resolução CNE/CES
9/2004
As matrizes curriculares dos cursos de Direito são elaboradas, em geral, de
forma compartimentada, impedindo a integração das diversas áreas e dificultando a
formação integral do futuro bacharel.
As novas Diretrizes Curriculares, consubstanciada pela Resolução n° 9/2004,
em seu art. 2º, parágrafo 1º, inciso IV, exige que o curso de Direito, por meio da
concretização da elaboração de seus currículos, realize a interdisciplinaridade,
330
entretanto, será o projeto pedagógico de cada curso, que deverá especificar as
formas de sua realização.
Nesse sentido dispõe expressamente o art. 2, parágrafo 1º, inciso IV, da
Resolução sub examen:
Art. A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as
Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto
pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e
habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado,
as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso
como componente curricular obrigatório do curso, o regime acamico de
oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem
consistente o referido projeto pedagógico.
§ O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de
Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua
operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes
elementos estruturais:
[...]
IV - formas de realização da interdisciplinaridade; (grifo nosso).
No entanto, é preciso considerar que não basta, como ocorre na maioria dos
cursos de Direito, a simples inclusão no currículo de uma rie de disciplinas de
áreas afins e que propiciem, cada uma delas, uma visão estanque do fenômeno
jurídico, acarretando, dessa maneira, um conjunto de visões diferenciadas e isoladas
do mesmo objeto, sem, no entanto, propiciar ao aluno uma perspectiva concreta de
sua integralidade.
O discurso educacional tradicional tem como vertente a formação integral,
todavia, a realidade é invertida, volta-se ao individualismo de cada disciplina,
impedindo a formação do cidadão crítico, consciente de sua participação social e
política, sem a base sólida da formação global voltada ao desenvolvimento de suas
potencialidades, suas habilidades e competências.
A sociedade atualmente exige uma vivência interdependente com as diversas
áreas do saber. No entanto, a formação universitária atual pouco contribui para a
integralidade do ser humano, em razão da fragmentalidade do que é ensinado e a
ausência de comunicação com outros saberes, o que dificulta uma visão globalizada
331
sobre os fenômenos observados durante o curso que, por via de conseqüência,
refletirá na vida profissional do aluno.
697
Nesse contexto a interdisciplinaridade exerce papel fundamental por propiciar
um diálogo entre as várias áreas do conhecimento, quebrando as barreiras do
individualismo sem deixar de respeitar as peculiaridades de cada uma e buscar
pontos de conexão enriquecedores para a interpretação, seja do fato, da norma ou
da doutrina jurídica.
Consta-se na maioria das IES privadas, no entanto, a configuração de um
paradigma curricular restritivamente cnico e utilitarista
698
, freqüentemente
implantado e reverenciado nos currículos do curso de Direito.
É preciso, portanto, superar esse modelo, ceder lugar à formação integral do
aluno no curso de Direito, visando ao seu desenvolvimento multifocal constituído de
habilidades cognitivas, sociais, estéticas, morais e afetivas, pois ensinar como diz
Paulo Freire
699
:
Não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no
sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e
comunicar o inteligido.
Por isso mesmo a necessidade de buscar novos caminhos, técnicas e
recursos, a fim de proporcionar a curiosidade do educando, despertando interesse
pelo conhecimento e aquisição das mais diversas formas metodológicas, dentro e
697
Cf. MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. (Org.). O
ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005.
p. 18.
698
Utilitarismo doutrina ética defendida por John Stuart Mill, exposta na sua obra Utilitarianis como
tamm por Jeremy Bentham no texto de sua autoria Introduction to the principles of Morals and
Legislation. Pode-se acrescentar ainda, o elemento na teoria política de Hume em sua obra
Concerning the Principles of Morals. Na definição de Mill, as ações são boas quando tendem a
promover a felicidade, más quando tendem a promover o oposto da felicidade. As ações, boas ou
más, são consideradas assim do ponto de vista de suas conseqüências, sendo que o objetivo de
uma boa ação, de acordo com os princípios do utilitarismo, é promover em maior grau o bem geral.
As críticas ao utilitarismo geralmente apontam para a dificuldade de se estabelecer um critério de
bem geral, para o fato de que essa doutrina aceita o sacrifício de uma minoria em nome do bem
geral, e para a não-consideração das intenções e motivos nos quais a ação se baseia, levando em
conta apenas seus efeitos e conseqüências. Colomer, por exemplo, define utilitarismo como sendo
uma linha de pensamento individualista e racional, que se baseia num certo relativismo moral e na
aversão às ficções transcendentais, que promover a busca do prazer e da felicidade, que propõe o
egoísmo inteligente e as relações humanas com mútuo benefício. COLOMER, Josep M. El
utilitarismo: una teoría de la elección racional. Montesino, Barcelona, 1987. p.9.
699
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 119.
332
fora da sala de aula; envolvendo, assim, não somente a área do Direito, de
conhecimento específico, mas também de outras áreas e outros saberes.
A cultura interdisciplinar desenvolve capacidades e habilidades que,
certamente, auxiliaram o acadêmico a pensar e agir com criatividade, articulando as
áreas diferenciadas de saberes na busca de soluções necessárias para o
desenvolvimento da sua área de atuação profissional, dentro da perspectiva
mundializada e complexa do século XXI.
A interdisciplinaridade como proposta de construção de um novo paradigma
no ensino jurídico como fator de rompimento do velho e ultrapassado modelo do
conhecimento fragmentado propicia a formação integral do acadêmico como
profissional do Direito e instrumento de transformação social, conforme ensina Jurjo
Torres Santomé
700
:
a) desperta interesse e curiosidade dos estudantes, pois o que se estuda
está sempre vinculado a questões reais e práticas, estimulando os sujeitos
a analisarem os problemas nos quais se envolvem, e procurar soluções
para os mesmos;
b) permite a adaptação à mobilidade e flexibilidade nas futuras atividades
profissionais, contribuindo para o pensar e agir interdisciplinarmente;
c) favorece a integração institucional. Os educadores participam de uma
equipe com metas comuns;
d) permite abordar conhecimentos e questões que o estão ligados
especificamente a uma área, mas a todas como ecologia, educação
sexual, guerra e paz, discriminação, por exemplo.
Depreende-se daí, como aponta Fernando Frederico de Almeida Júnior
701
, a
necessidade de cada vez mais se preocupar com os conteúdos e atividades
integrantes do denominado eixo de formação fundamental”, que m como objetivo
integrar o aluno do Direito, estabelecendo relações interdisciplinares, com outras
áreas do saber, especialmente, os conteúdos de conhecimento da Antropologia,
700
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto
Alegre: Artmed, 1998. p. 83.
701
ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Frederico de. Os atuais objetivos do ensino de Direito no Brasil. In:
CERQUEIRA, Daniel Torres; CARLINI, Angélica; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. (Org.).
180 anos do ensino jurídico no Brasil. Campinas: Millenium; ABEDi, 2008. p. 171-209.
333
Ciência Política, Ética, Filosofia, História, Educação, Psicologia, Sociologia,
Economia.
Essa construção pedagógica interdisciplinar deve se iniciar com os conteúdos
do eixo de formação fundamental, denominado tamm de disciplinas
propedêuticasem relação à Constituição Federal e o tema dos Direitos Humanos
como eixos temáticos comuns a todas as disciplinas, considerando a maturidade
acadêmica dos alunos.
necessidade de se estender além dos estudos que envolvam conteúdos
interdisciplinares expressamente exigidos como dispõe o art. 2, § 1º, inciso IV, da
Resolução CNE/CES 9/2004; conteúdos curriculares inclusive de caráter
transdisciplinar e multidisciplinar, tendo em vista que o currículo jurídico não pode
mais permanecer isolado, estanque, fragmentado no conhecimento epistemológico
das disciplinas
702
, oferecidas no curso de Direito, arraigado a metodologias de
ensino anacrônicas e superadas.
Na continuidade do processo, por exemplo, os demais conteúdos dos eixos
de formação profissional e prática, devem ser ministrados tendo como pontos
comuns temas transversais propostos de forma consensual, pelo corpo docente,
discente, coordenação ou direção da IES, a exemplo do tema Desenvolvimento
Sustentável.
Outro exemplo, já citado anteriormente nessa tese, é o tema que versa sobre
Novos Direitos”. Assim, a cada semestre temas gerais transversais o propostos
para serem trabalhados por mais de uma “disciplina”, integrando assim
conhecimentos com o objetivo de criar a cultura de inter e transdisciplinaridade com
suporte de aplicação de uma nova pedagogia para o curso de Direito.
Deve-se, pois, evitar que o conhecimento jurídico fique isolado das demais
áreas do saber, assim como repelir a configuração de um currículo que enfoque
estritamente o ensino técnico-profissional.
702
A disciplina é um termo que toma sentido particular no contexto escolar. A disciplina escolar
aparece no início do culo. O termo substitui curso, matéria, e assinala um esforço de
sistematização dos saberes ensinados. Até o fim do culo XIX, a disciplina escolar é
primeiramente a política de estabelecimentos, a repressão das condutas repreensíveis segundo a
boa ordem. O termo descreverá progressivamente uma maneira de disciplinar o espírito, um
trabalho ordenado segundo regras e métodos seguros. Por extensão, a disciplina torna-se uma
área de saber abordada na escola: é o sentido que reconhecemos hoje no âmbito de ensinos
disciplinares. A disciplina é, portanto, tanto a maneira quanto o conteúdo de um saber particular.
Cf. MORANDI, Franc. Modelos e métodos em Pedagogia. Bauru: EDUSC, 2002. p. 56.
334
É necessário, portanto, proporcionar uma formação cultural geral ao aluno de
Direito. Isso somente é possível mediante a configuração de um currículo jurídico
voltado para a defesa da existência digna da pessoa humana, dos seus valores, dos
seus princípios éticos e morais.
Currículo jurídico que envolva com seus conteúdos o contato do aluno com as
desigualdades sociais e econômicas, e cuja matriz curricular evite a todo custo, uma
formação jurídica tradicional impregnada da práxis forense centrada na tecnicidade,
no dogmatismo e positivismo excessivo na interpretação e da valoração dos
fenômenos jurídicos, a fim de que o estudante perceba, criticamente, a instituição
jurídica, seu funcionamento, em consonância com a realidade.
Currículo judico, ainda, que constituído de valores e princípios éticos, com
conteúdos de aprendizagem de exigência normativa interdisciplinar, mas também
transdisciplinar voltado nesse diapasão, para a formação do bacharel numa
perspectiva humanística, sem esquecer, no entanto, a cientificidade do Direito.
Porém, que seja compromissado com a realização da Justiça na mudança da
realidade global e local, dentro de uma perspectiva integradora, que ultrapasse os
limites do conhecimento fragmentado de acumulação estéril de conhecimento e
dissociado da necessidade e utilidade social.
Currículo jurídico, cujo conjunto das disciplinas, deve ser distribuído, de forma
a propiciar, portanto, além de uma visão integrada do fenômeno jurídico e, ao
mesmo tempo, uma formação voltada ao mercado de trabalho e às necessidades
locais e regionais, uma formação e vertente humanística e ética, e que para ser
eficaz e completo deve ser metodologicamente integrado, abandonando a visão de
um currículo local, regional, para tornar-se interdisciplinar, transdisciplinar,
transnacional, global e planetário.
O currículo jurídico deve, portanto, envolver, numa justa medida, os mais
diversos saberes.
Segundo Edgar Morin
703
:
A inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre um saber
fragmentado em elementos desconjuntados e compartimentados nas
disciplinas, de um lado e, de outro, entre as realidades multidimensionadas,
703
MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.
p. 14.
335
globais, transnacionais, planetárias e os problemas cada vez mais
transversais, polidisciplinares e até transdicisplinares.
Com base no pensamento de Edgar Morin, entende-se que não a
interdisciplinaridade, mas, tamm, a transdisciplinaridade se constituem num dos
maiores desafios para a educação jurídica do século XXI.
Hilton Japiassú afirma que a interdisciplinaridade
704
Corresponde a uma nova etapa do desenvolvimento do conhecimento
científico e de sua visão epistemológica, que exige que as disciplinas
científicas, em seu processo constante e desejável de interpenetração,
fecundem-se cada vez mais reciprocamente. A interdisciplinaridade é um
método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que as disciplinas
interajam entre si.
Em perspectiva restrita Gaudencio Frigotto
705
, entende que a
interdisciplinaridade para o Direito é uma necessidade, porém para o autor a mesma
se impõe como problema fundamental epistemológico nas ciências sociais e no
plano material, histórico e cultural. Frigotto, portanto, não aceita interdisciplinaridade
como método de investigação científica, nem como técnica didática.
Por outro lado, inserido numa perspectiva mais abrangente, encontra-se o
posicionamento de Antonio Severino
706
, para quem a questão do conceito de
interdisciplinaridade passa pelo entendimento do conceito de totalidade.
No conceito de totalidade, enquanto categoria de análise da realidade, o ser
humano e suas criações são concebidos como uma construção histórica, cultural e
social.
Para o autor, os elementos constituintes do conceito de totalidade são: o
sujeito intencional (a sociedade), o projeto socioeducacional (sempre intencional) e a
cultura (universo do saber).
No entender de Antonio Severino
707
, o ser humano e a cultura, são realidades
unas, todavia, a prática da educação é fragmentária, pois separa o ser humano do
universo da cultura.
704
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1996. p.145.
705
O pensamento de Gaudencio Frigotto, autor de influência marxista está exposto na obra de
BIANCHETTI, Lucídio; JANTSCHI, Ario Pauyklo. (Org.). Interdisciplinaridade: para além da
filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 28-35.
706
SEVERINO, Antonio. Educação e transdisciplinaridade. São Paulo: Lucena, 2005. p. 307.
707
Ibid., p. 307.
336
Para superar essa fragmentação advoga a idéia da educação enquanto
projeto e pesquisa científica, enquanto processo interdisciplinar, vistos e
compreendidos pelo olhar de seu conceito de totalidade.
No mesmo diapasão, Hilton Japiassú entende que a transdiciplinaridade
708
Corresponde a uma abordagem científica, cultural, espiritual e social, que
diz respeito ao que está entre as disciplinas, através das disciplinas e além
das disciplinas. Pode atravessar as disciplinas e criar um campo de
conhecimento onde seja possível a existência de um novo paradigma ou de
um novo modo de coexistência e diálogo entre os filósofos e as ciências
naturais e humanas, sem que haja nenhuma hierarquia entre esses diversos
modos de problematização e experimentação.
Nos debates sobre o ensino do Direito, esses dois termos m ganhando
cada vez mais espaço, particularmente, no que se refere à interligação dos saberes
das diretrizes curriculares do ensino jurídico, visto que tanto a interdisciplinaridade
como a transdiciplinaridade propõem uma nova atitude epistemológica, diante da
questão do conhecimento jurídico.
O caráter imprescindível do trabalho curricular interdisciplinar na produção do
conhecimento jurídico não decorre de nenhuma arbitrariedade racional abstrata, mas
sim da própria forma de o homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito
e objeto do conhecimento social.
A interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, como metodologia de ensino
e como perspectiva epistemológica do conhecimento, são ambas imprescindíveis
como elementos fundamentadores de sentido e significado, dentro do atual contexto
do ensino no curso de Direito.
A interdisciplinaridade deve ser compreendida como a ligação entre as
disciplinas de uma mesma área do conhecimento, no caso do Direito, tais como:
a) Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro e Tributário;
b) Direito Civil, Empresarial, Consumidor e Econômico;
c) Direito Penal, Trabalhista e Ambiental, etc.
A ação interdisciplinar, portanto, é o primeiro passo para a relação entre as
disciplinas, ou seja, a interdisciplinaridade, respondendo à necessidade de
708
JAPIASSÚ, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da Filosofia. Rio de Janeiro: Imago,
2006. p. 39.
337
superação dos entraves causados pelo paradigma de fragmentação disciplinar
atribuído ao Racionalismo.
709
Isso porque se entende que o pensamento interdisciplinar, fugindo de uma
análise tecnicista do ordenamento jurídico brasileiro pode constituir-se na base
para a transformação da realidade no Direito.
Por esse caminho epistemológico e metodológico do conhecimento é possível
compreender o fenômeno jurídico em suas múltiplas particularidades, ampliar o
universo cognitivo da própria ciência jurídica.
Enquanto que o pensamento transdisciplinar
710
, também denominado
multidisciplinar, é complementar à abordagem disciplinar enseja que novos dados
aflorem a partir da confrontação das disciplinas que os articulam entre si, não no
sentido da procura da mestria entre várias disciplinas, mas para a abertura de todas
as disciplinas ao que as une e as ultrapassa.
A transdisciplinaridade propugna a recusa de toda e qualquer atitude que
rejeite o diálogo e a discussão, qualquer que seja sua origem, a fim de se incluírem
os mais diferentes níveis de realidade.
Registre-se que autores que fazem uma distinção entre os termos
interdisciplinaridade”, “pluridisciplinaridade” “multidisciplinaridade e
“transdisciplinaridade.
Para Dilsa Mondardo, Elizete Lanzoni Alves e Sidney Francisco Reis dos
Santos
711
, por exemplo, a Interdisciplinaridade consubstancia-se na inter-relação
entre as disciplinas, considerando seus objetivos e metodologias próprias para a
estruturação de um conhecimento compartilhado.
Exemplo de como isso ocorre é a relação entre Psicologia, Direito e Serviço
Social para atendimento ao público em um Núcleo de Prática Jurídica, com a
aplicação dos conhecimentos inerentes a cada uma das áreas envolvidas.
709
Cf. PERRENOUD, Philipe; THURLER, Monica Gather et. al. As competências para ensinar no
século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 72
710
Para uma referência mais profunda veja-se a crítica de D‟AMBROSIO, Ubiratan.
Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997. P. 13-36.
711
MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. (Org.). O
ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005.
p. 22.
338
Na Pluridisciplinaridade definem-se objetivos pedagógicos comuns das
disciplinas, proporcionando relações complementares entre elas. Exemplo: Teoria
Geral do Direito (da norma, do ordenamento jurídico, etc.).
A Multidisciplinaridade é uma etapa para a interdisciplinaridade, e esta uma
etapa para a transdisciplinaridade, ou seja, é a integração de conteúdos de
disciplinas heterogêneas, mas sem comunicação entre elas. Exemplo: a triagem das
pessoas atendidadas em um Núcleo de Prática Jurídica feita por profissionais e
acadêmicos das áreas do Direito, Psicologia e Serviço Social, mas sem diálogo
sobre os casos atendidos.
A Transdisciplinaridade é o grau ulterior das relações entre disciplinas, sem
escopo de integração e reciprocidade, mas de construção de sistemas ou cncia
global, comunicam-se além das áreas existentes na atualidade. Por exemplo: o
estudo da clonagem na Engenharia Genética, a Nanotecnologia (Micro robots) na
Exobiologia (pesquisa de vida em outros planetas).
É preciso considerar, entretanto, que essa nova dinâmica curricular que
propõe a transdisciplinaridade é desconhecida nos meios acadêmicos brasileiros.
Talvez porque, como afirma Ubiratan D´Ambrosio
712
:
[...] a universidade seja pedante, recusando-se a academia a leitura de
textos transdisciplinares. Da mesma forma que recusa uma discussão sobre
problemas educacionais a partir da Escolinha do Professor Raimundo e
recusa um estudo da sociedade brasileira através das telenovelas da Rede
Globo. Ou superamos esse ranço acadêmico ou estaremos fadados a uma
escola em especial uma universidade desvinculada da realidade.
De qualquer modo, é preciso apontar-se o interessante estudo sobre a
interdisciplinaridade de Julie Thompson Klein, intitulado Interdisciplinarity History,
Theory & Practice,
713
aponta-se ainda a coletânea Interdisciplinary Analysis and
Research.
714
712
Ubiratan D‟Ambrosio é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, em
São Paulo. Doutro em Matemática. Foi pró-reitor de Desenvolvimento Universitário da UNICAMP e
chefe da unidade de melhoramento de sistemas educativos do Departamento da Organização dos
Estados Americanos em Washington. Reportamo-nos aqui à sua obra Transdisciplinaridade. São
Paulo: Palas Athena, 1997. p. 86.
713
KLEIN, Julie Thompson. Interdisciplinary - history, theory & practice. Detroit: Wayne State
University Press, 1990. p. 3-79.
714
CHUBIN, Darly E.; PORTER, Alan; ROSSINI, Frederick A.; CONNOLLY, Terry. Interdisciplinary
analysis and research. Lomond Publication Inc.: Mt. Airy, 1986. p. 27-99.
339
No Brasil, sobre a transdiciplinaridade, menciona-se a obra de Pierre Weil,
Ubiratan DAmbrosio e Roberto Crema, Rumo à Nova Transdisciplinaridade
Sistemas Abertos de Conhecimento
715
e, tamm, as obras sobre a
transdisciplinaridade de Hilton Japiassú: O sonho transdisciplinar e as razões da
Filosofia
716
e a Interdisciplinaridade e patologia do saber.
717
Saliente-se que a última tem ampla circulação no meio educacional e foi
prefaciada pelo filósofo Georges Gusdorf, um dos defensores, na França, do
pensamento interdisciplinar.
Segundo George Gusdorf
718
o mundo em que vivemos:
[...] padece de uma doença muito grave, pois a racionalidade científica
desnatura a natureza e desumaniza o homem, uma vez que a harmonia da
aliança entre o homem, o mundo e Deus, o advento da ciência moderna, de
Galileu a Newton arruinou.
Para George Gusdorf
719
se a doença do mundo moderno corresponde a um
fracasso, a uma demissão do saber, chegou o momento de uma nova
epistemologia.
Trata-se, portanto, de preparar as grandes linhas de uma nova cultura, pois a
inteligência humana já é, por essência, interdisciplinar.
Ainda, segundo George Gusdorf
720
, quanto mais de desenvolvem as
disciplinas do conhecimento, diversificando-se, mais elas perdem o contato com a
realidade humana; por isso a dissociação sempre crescente das disciplinas
científicas, segundo um processo de inflação galopante, constitui a expressão de um
desmembramento da realidade humana.
A aproximação disciplinar que pode adquirir vários matizes ou níveis (multi,
pluri, inter, transdisciplinar) e que pode ser adjetivada de várias maneiras viria
como um remédio para esse mundo doente, para um mundo cuja harmonia se
perdeu.
715
WEIL, Pierre; D‟AMBROSIO, Ubiratan; CREMA, Roberto. Rumo à nova transdisciplinaridade:
sistemas abertos de conhecimento. São Paulo: Sumus, 1993. p. 3-49.
716
JAPIASSÚ, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da Filosofia. Rio de Janeiro: Imago,
2006. passim.
717
Id. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. passim.
718
GUSDORF, Georges. Prefácio. In: JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber.
Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 7-27.
719
Ibid., p. 7-27.
720
Ibid., p. 7-27.
340
A interdisciplinaridade visa à totalidade do saber, a única que possibilitará a
promoção da humanidade do homem. Assim, sob a ótica da interdisciplinaridade,
dentre os vários autores do segmento educacional que se dedica ao tema, Ivani
Fazenda pode ser apontada, no entanto, como responsável por farta produção
acadêmica que examina a interdisciplinaridade.
Para essa autora
721
, entretanto, a transdisciplinaridade é um ideal utópico,
visto que a própria idéia de transcendência pressupõe uma instância científica que
imponha autoridade às demais.
Discorda-se, respeitosamente, da autora por entender que diante da atual
configuração curricular do ensino jurídico, é possível tanto permitir uma abordagem
curricular interdisciplinar quanto transdisciplinar, considerando que o currículo do
Direito historicamente impõe a seu curso de forma inadequada total ausência de
comunicação com os outros saberes, solidão curricular das disciplinas jurídicas pela
aplicação restrita do positivismo e dogmatismo jurídico.
Em sentido contrário a defensa de paradigmas curriculares de perspectiva
transdisciplinar aplicada ao Direito, aponta-se Sidney Francisco Reis dos Santos
722
,
para quem, o Direito, não pode tratar de temas transdisciplinares, mas
exclusivamente de temas interdisciplinares.
Discorda-se, todavia, desses entendimentos de perspectiva epistemológica
restritiva, pois entende-se que o tipo de conhecimento científico transdisciplinar que
se comunica além das áreas de ciências específicas é o reconhecimento de que não
espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar
como mais corretos e verdadeiros complexos de explicações e de convivência com
a realidade.
Ao contrário, entende-se que a transdisciplinaridade é uma postura
transcultural de respeito pelas diferenças; de solidariedade na satisfação das
necessidades fundamentais, e de busca de uma convivência harmoniosa com o
outro.
721
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Dentre as obras mais relevantes destacam-se:
Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1999. O que é a
interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. Integração e interdisciplinaridade no ensino
brasileiro. São Paulo: Loyola, 1993.
722
SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. A vivência da interdisciplinaridade: uma nova perspectiva
para o operador jurídico. In: MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni. (Org.). O ensino
jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o Direito. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 35-51.
341
Respeitadas as peculiaridades de todas as disciplinas, cumpre buscar sempre
os pontos de conexão, enriquecedores de interpretação da norma, do fato social, do
Direito e da doutrina jurídica, do que resulta invariavelmente um diálogo fecundo e
enriquecedor com outros caminhos do conhecimento e outros saberes. Com efeito, o
mundo e a própria sociedade brasileira exige essa vivência interdependente do
Direito com as diversas áreas do conhecimento.
A ciência do Direito, como ciência especializada, não pode se fechar, no
soberbo isolamento da sua cnica. Pois, assim fazendo, separa-se de suas origens
e de seus fins, incapaz de se situar na totalidade do saber, na realidade humana,
perde qualquer valor cultural e torna-se um fator de alienação, como atesta de modo
evidente a crise atual da nossa civilização.
Importa, portanto, não perder de vista que à ciência do Direito convém estar
em sintonia permanente com as novas exigências da vida real, razão por que é
preciso cultivar o Direito em consonância com o paradigma de sociedade na qual ele
vive e encontra-se inserido.
É preciso repensar a dimensão educacional como cultura de formação
profissional continuada, de forma a propiciar desde os primeiros passos no ensino o
desenvolvimento de capacidades e habilidades imbricadas no currículo jurídico de
maneira continuada e sistemática.
Como defende Ada Dencker
723
:
Para uma efetiva transcendência dos objetos/objetivos particulares das
diferentes disciplinas, a organização do trabalho escolar necessita de metas
que transcendam os limites e os territórios das diferentes disciplinas, o que
tem contribuído para situar a idéia de transdisciplinaridade no centro das
atenções. No mesmo sentido em que se consolida a sensação de que o
conhecimento passa a significar o deslocamento do foco das atenções dos
conteúdos disciplinares para os projetos das pessoas.
De fato, o processo de aprendizagem ocorre ao longo da vida do indivíduo, ou
seja, a educação é permanente, por isso a necessidade da busca constante de
novos instrumentos e mecanismos metodológicos, que superem os limites de uma
educação e pedagogia tradicional.
723
DENCKER, Ada de Freitas Maneti. Pesquisa e interdisciplinaridade no ensino superior. São
Paulo: Aleph, 2002. p. 149.
342
É preciso, portanto, romper no ensino e no currículo jurídico as barreiras do
comodismo e ousar pensar e agir diferente, inovar e desenvolver uma visão geral,
integral, qualitativa e dinâmica.
A vida social regulada pelo Direito, entretanto, passa por transformações
contínuas, sujeitas, como tudo o que existe, a incertezas, imprevisibilidades, e
acasos, propensa a moldar-se aos acontecimentos, envolta em cores e matizes
variados.
Diante disso, o que se espera dos profissionais jurídicos da era dos novos
Direitos, é o seu comprometimento com a sociedade, com a capacidade de se
adaptar às novas contingências, a partir de reflexões inter e multidisciplinares, com
competência técnica, porém sem esquecer a cientificidade do Direito.
Impende, portanto, ao agente do Direito aproximar-se de seu objeto de estudo
com o espírito aberto e flexível, de tal sorte a compreender as rápidas e constantes
transformações sociais, interpretando a norma com espírito crítico, liberto de um
pensamento simplista, dogmático e fragmentário, excluindo o Direito da Justiça.
Na verdade, todo o modelo educacional e curricular brasileiro está a exigir
uma transformação de mentalidade. Nesse sentido, faz-se imperiosa uma educação
voltada para os desafios da complexidade, que se insurja contra a separação
fragmentária das disciplinas incapaz de captar o que está tecido em conjunto.
Admoesta Edgar Morin
724
,
Nossa formação escolar, mais ainda a universitária, nos ensina a separar os
objetos de seu contexto, as disciplinas umas das outras para não ter que
relacioná-las. Essa separação e fragmentação das disciplinas são
incapazes de captar “o que está tecido em conjunto”, isto é, o complexo,
segundo o sentido original do termo.
Parecem sobrar razões para que o aluno de Direito guarde distância de toda
visão determinista, mecanicista, formalista e quantitativa, que ignora, oculta e
dissolve tudo o que é subjetivo, afetivo, livre e criador. Tal visão, com efeito, apenas
separa as disciplinas.
724
MORIN, Edgar. Sobre a reforma universitária. In: ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO,
Edgar de Assis. (Org.). Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução
de Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17.
343
O caminho a percorrer é, portanto, o que aponta uma perspectiva integradora
do pensamento e das relações humanas, sobretudo, participativa na prática
comunitária, concentrada na efetiva inserção social e na Justiça.
Nesse diapasão, percebe-se que não é possível continuar admitindo a
incapacidade dos alunos de analisar o Direito à luz dessas transformações, dos
novos fenômenos sociais, políticos, culturais e econômicos.
Considerando isso, a delimitação das fronteiras do saber jurídico deve se dar
dentro da concepção de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
À Academia cabe, portanto, reconhecer urgentemente os novos paradigmas
do conhecimento científico, partindo daí para uma nova dinâmica curricular,
incorporando modelos de inter e transdisciplinaridade, assim como o
multiculturalismo
725
conseqüente.
Para tal intento, é preciso na confecção dos seus currículos jurídicos que haja
uma Teoria do Direito que possa refletir sobre estes caminhos enquanto objeto da
ciência específica do Direito, criando paradigmas e construindo hipóteses a serem
analisadas.
Da mesma forma que é necessária uma dogmática jurídica que seja capaz de
compreender a complexidade do Direito, enquanto instrumento regulador de
comportamentos e técnicas de decisão de conflitos, cujos conteúdos acerca de um
delineamento de uma Teoria do Direito, aliás, encontram-se ausentes no texto das
atuais Diretrizes Curriculares instituídas pela Resolução nº 9/2004.
No entanto, é preciso frisar que a compreensão cuja proposição para inclusão
faz-se nesse trabalho, deve-se dar, não mais a maneira proposta pelo Positivismo,
mas sim, em um viés que abre a Teoria Jurídica, a realidade social e aos discursos
plurais do contexto atual de profundas mudanças históricas, jurídicas, culturais e
econômicas.
725
Segundo posicionamento de Ubiratan D‟Ambrosio, com o qual compartilhamos, a educação
multicultural é a direção necessária que deve tomar o processo educativo para fazer frente à
complexidade de um mundo que se globaliza num ritmo crescente. D‟AMBROSIO, Ubiratan.
Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997. p. 86. No entanto, o grande objetivo é
evitar que o processo de globalização conduta, no entanto a uma homogeneização, cujo resultado
é a submissão e mesmo a extinção de várias expressões culturais. Assim como a biodiversidade é
essencial para a continuidade da vida, a diversidade cultural é essencial para a evolução do
potencial criativo de toda a humanidade. Novos modos de pensamento e de expressão podem
resultar de uma dinâmica de encontros culturais.
344
Inseridas nesse contexto de permanentes mudanças e transformação, as
Instituições de Ensino Superior - IES, especialmente a universidade precisam ser
repensadas, com o fito de criar ocasiões e novas configurações curriculares
integradoras da realidade social, econômica, política, jurídica, cultural e educacional
do país e do mundo.
Urge repensar a missão educativa e constitucional da universidade e do
ensino superior, elaborando-se teoricamente uma epistemologia jurídica de
convergência das disciplinas curriculares, operadoras de uma síntese do saber,
articulada com os diversos conhecimentos e promotora de uma imagem unificada do
próprio homem.
De que forma? Mediante a elaboração heterônoma de seus próprios
currículos de modo a fazer imergir, libertar e emancipar a pessoa humana, em
detrimento da perspectiva tecnicista e cientificista que objetiva o aluno em
desrespeito à pessoa humana.
Têm forte alcance educativo e filosófico as palavras de Joaquim Azevedo
726
:
Só desocultando as pessoas que escondemos atrás dos alunos é que
criaremos comunicação, sendo reconhecido como pessoa se consegue
ser aluno, isto é crescer, aprender, ter gosto de descoberta científica,
adquirir métodos de estudo, reunir esforços para progredir sempre, ser
responsável.
Registre-se tamm nesse aspecto, a defesa de Pierre Weil
727
sobre a
vivência da interdisciplinaridade como necessária no campo pessoal, social e
cotidiano. Pode-se ampliar este entendimento para o campo do Direito, sob o
aspecto transdisciplinar ao mundo forense, da formação do agente no currículo
jurídico, no qual os antigos paradigmas científicos são confrontados como novos
paradigmas científicos de caráter sistemático aberto, holístico, nas características
relevantes para a ciência do Direito.
Tal intento se atinge, contudo, não somente, determinando, de forma
heterônoma, pelo Estado, diretrizes curriculares mediante a instituição de norma
jurídica impositiva pelo órgão educacional competente, como é o caso da Resolução
726
AZEVEDO, Joaquim. O primado ao fazer saber-ser. In: CARNEIRO, Roberto. (Coord.). Ensino
secundário: desafios e alternativas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 132.
727
WEIL, Pierre. A mudança de sentido e o sentido da mudança. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 2000. p. 10-57.
345
9/2004, porém, garantindo, efetivamente às IES, maior liberdade para optarem
por um currículo jurídico próprio, cujo desenvolvimento de capacidades,
potencialidades, talentos, competências e habilidades multifocais do educando, seja
o principal alvo do discurso educacional das instituições de educação.
Nesse sentido, as diretrizes curriculares devem se conciliar no respeitar e na
garantia da Autonomia Constitucional das IES, no que se refere à elaboração dos
seus próprios currículos, e fazer cumprir, por outro lado, as necessidades locais e
regionais em que essas IES estão localizadas. Embora, frise-se que sua construção
seja freqüentemente elaborada, de maneira heterônoma, sem a participação
discente.
Assim, neste trabalho, entende-se que o processo da construção do currículo
no ensino jurídico deve ser construído num caminho de mão-dupla, numa
imprescindível interação, entre instituição e aluno e entre docente/discente. Não
construído e, imposto de forma heterônoma, como tem ocorrido.
Porém, é preciso considerar que a construção das diretrizes curriculares são
elaboradas e instituídas, até hoje, numa relação unilateral e heterônoma por parte do
Estado.
Propõe-se por isso, que a caminho da elaboração normativa deve ser trilhado
em consenso e diálogo com a comunidade acadêmica e, sobretudo, em respeito ao
Princípio da Autonomia da Universidade, participando nessa construção toda a
comunidade educacional envolvida, que o currículo, diz respeito, de forma
indissociável, à própria idéia de universidade.
3.8.9 Modos de integração entre teoria e prática na Resolução CNE/CES
9/2004
A Resolução CNE/CES 9/2004 dispõe em seu art. 2, parágrafo 1º, inc. V,
que o projeto, além da clara concepção do curso de Direito, com suas
peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem
prejuízo de outros, o modo de integração entre teoria e prática.
Conforme preconiza Horácio Wanderlei Rodrigues, teoria e prática não são
aspectos dissociáveis, como coisas diversas e opostas.
346
Nesse mesmo sentido, entende-se que somente a integração e a conjugação
de ambas pode possibilitar ao aluno perceber o Direito nas suas relações com a vida
social.
A prática forense adotada no paradigma anterior da Portaria nº 1.886/94,
incorporou a prática consistente em aulas expositivas, em sala de aula, com turmas
de 50 a 70 alunos, com um docente responsável pelo conteúdo.
Este modelo inadequado de prática forense limitava-se à mera reprodução de
peças processuais do dia-a-dia forense, consubstanciada no oferecimento de
disciplinas de Prática de Processo Civil, Prática de Processo Penal, Prática de
Processo do Trabalho e Tributário. Configurando-se assim, numa didática no ensino
jurídico, absolutamente inadequada enquanto proposta pedagógica que, aliás, ficou
conhecida, ironicamente, como “Teoria da Prática.
Nas últimas décadas, com a mudança de perfil do aluno do Direito no nosso
país e, inclusive, com a demanda e a possibilidade do acesso das camadas das
classes B e C no ensino superior, houve uma conseqüência, de exigência do aluno,
no curso de Direito, depender, cada vez mais da IES para sua formação profissional
(como uso de biblioteca, acesso às redes de informática, o professor com maior
disponibilidade e o estágio supervisionado, muitas vezes, a única possibilidade do
aluno se profissionalizar na área); o cenário Teoria/Prática do ensino jurídico
começou a se alterar.
Se por um lado as atuais diretrizes curriculares acompanharam essas
mudanças, impondo no texto normativo em vigor a exigência e a inclusão das
descrições pelas quais o modo de integração entre teoria e prática se configure, ex
vi do art. 2, § 1º, inc. V da Resolução, sub examen, por outro, as atividades
transversais do curso como monografia (hoje trabalho de curso), atividades
acadêmicas complementares e estágio supervisionado impõem gastos às IES, tais
como: infra-estrutura física e administrativa, com pessoal docente e técnico, bem
como de logística da prestação de serviço.
Certamente, a mitigação de recursos e investimentos na própria estrutura do
curso e do ensino redunda em má ou ineficiente formação do bacharel. Há, portanto,
inquestionável exigência de recursos das próprias IES, e de seus respectivos
mantenedores, especialmente nas IES privadas, bem como necessidade de
347
investimento em material humano e em equipamentos para o desenvolvimento da
integração pretendida pela norma educacional. O que nem sempre ocorre.
3.8.10 Habilidades e competências no currículo jurídico na Resolução
9/2004
Ao art. 4 da Resolução 9/2004 dispõe da exigência de que o curso de
graduação em Direito deverá possibilitar formação profissional que revele
habilidades e competências. Habilidades e competências essas a serem semeadas
e construídas no currículo jurídico visando à formação do profissional de Direito, e
que segundo se depreende da leitura do artigo da Resolução 9/2004
728
, são as
seguintes:
a) leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos
ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;
b) interpretação e aplicação do Direito;
c) pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de
outras fontes do Direito;
d) adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias,
administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e
procedimentos;
e) correta utilização da terminologia jurídica ou da ciência do Direito;
f) utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de
reflexão crítica;
g) julgamento e tomada de decisões; e,
h) domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e
aplicação do Direito.
Percebe-se que pela leitura do texto normativo mencionado, ao lado da
expressão habilidades foi aposta, no inc. 4 da Resolução 9/2004, a expressão
competência”.
728
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17.
348
A consulta a um dicionário da língua portuguesa
729
revela que esses verbetes
têm o significado de apto, competente, capaz de apreciar e resolver certo assunto,
fazer determinada coisa, capacidade, habilidade, aptidão e idoneidade.
Tais palavras têm, contudo, longa história no campo da educação e da
pedagogia
730
e não seria inadequado perguntar o que significa sua colocação no
texto legal das Diretrizes Curriculares. O que elas podem representar no contexto da
formação do futuro bacharel em Direito?
Sob o aspecto educacional e pedagógico, é preciso ter cuidado com o
emprego das expressões competências e habilidades apontadas no texto
normativo da Resolução nº 9/2004, porque o que, pretensamente, pode ser um
conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a
serem adotados e observados na organização curricular de cada IES, relativamente,
ao contexto da formação do aluno, pode constituir-se somente num slogan
educacional.
731
Além disso, como aponta J. Passmore
732
, habilidades e competências”,
podem constituir-se:
[...] capacidades opostas. Um médico, por exemplo, pode usar sua
habilidade tanto para matar quanto para curar. Analogamente um expert na
detecção da falácia pode usar sua habilidade para ocultar falácias em seu
próprio discurso, ao desviar delas nossa atenção.
O objetivo assim de desenvolver o pensamento crítico em um contexto
educacional, expressa não simplesmente uma preocupação com o ensino de certas
habilidades ou competências, mas deve voltar-se tamm, para o cultivo de um
certo conjunto de princípios, atitudes e valores que se manifestam em nossas formas
de conceber, agir e analisar fatos e discursos.
729
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 484 e 249.
730
Conforme apontam Dagmar Estermann Meyer e Maria Henriqueta Luce Kruse. Acerca de diretrizes
curriculares e projetos pedagógicos: um início de reflexão. Revista Brasileira de Enfermagem, v.
4, n. 56, p. 335-339, jul./ago. 2003.
731
A expreso slogan educacional é utilizada por Scheffler para caracterizar certas expressões e
palavras de ordem, que tornam símbolos de movimentos ou doutrinas educacionais, e cuja função
é atrair novas adesões ou reforçar a união dos aderentes em torno de certos princípios teóricos e
práticos. Com efeito, a expressão pode se identificar com um certo jargão pedagógico difuso que,
com a mesma facilidade que entra, sai de moda periodicamente, sem representar alterações
significativas nas formas pelas quais concebemos ou realizamos ações educativas. SCHEFFLER,
I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva, 1974. p. 38.
732
PASSMORE, J. The Philosophy of teaching. Londres: Duckworth, 1984. p. 168-169.
349
Nessa perspectiva, o desenvolvimento do espírito crítico deve assemelhar-se
a certos objetivos como o desenvolvimento do espírito de solidariedade, tolerância,
de apreço pela Justiça do que a capacidade para ler ou escrever ou ainda resolver
problemas lógicos e conflitos jurídicos.
Por isso não faz sentido afirmar que objetivos como o desenvolvimento da
capacidade crítica ou da solidariedade possam ser mal ou bem utilizados, como no
caso das capacidades, competências ou mesmo habilidades, mas simplesmente que
não foram suficientemente cultivados e desenvolvidos.
733
Por outro lado, sob o aspecto do ensino do Direito, a globalização e a
produção incansável do conhecimento e o avanço tecnológico exigem, contudo, do
egresso “competências e habilidades
734
específicas na área de atuação jurídica.
A idéia de competência é largamente analisada por Philippe Perrenoud.
Segundo Philippe Perrenoud, Monica Gather Thurner, Lino de Macedo, Nílson
José Machado, Cristina Dias Alessandrini
735
, competência seria a faculdade de mo-
bilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.)
visando solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações.
Habilidade, por seu turno, segundo entendimento esposado por Roberto
Aguiar
736
, é um conceito relacional: assim, quem é hábil, o é para determinada
função, procedimento ou interferência. A habilidade está voltada, portanto, para uma
direção; é, nesse sentido, uma aptidão intencional.
733
Nesse sentido reportamo-nos ao artigo de lavra de José Sérgio Carvalho: O discurso pedagógico
das diretrizes curriculares nacionais: competência crítica e interdisciplinaridade. Cadernos de
Pesquisa, n. 112, p. 155-165, mar. 2001.
734
Conforme apontam Paulo Abrão e Marcelo Dalmás Torelly, há de se admitir que a diferença
conceitual entre habilidades e competências não é consensual. Segundo esses autores, para
alguns há, no entanto, uma complementariedade entre esses conceitos, sendo difícil, porém,
distingui-los com exatidão, enquanto que para outros a diferença está no fato de as habilidades
relacionarem-se ao “fazer” e as competências ao “saber”. ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo
Dalmás. As diretrizes curriculares e o desenvolvimento das habilidades e competências nos cursos
de Direito: o exemplo privilegiado da assessoria jurídica popular. Anuário ABEDi, Florianópolis:
Fundação Boiteux, ano 3, p. 83-105, 2005.
735
PERRENOUD, Philippe; THURNER, Monica Gather; MACEDO, Lino de; MACHADO, Nílson José;
ALESSANDRINI, Cristina Dias. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos
professores e o desafio da avaliação. Tradução de Claúdia Schilling; Fátima Murad. Porto Alegre:
Artmed, 2002. p. 11-33, 137-155.
736
AGUIAR, Roberto. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2004. p.17-18.
350
Por outro lado, segundo posicionamento de Roberto Aguiar
737
o
necessárias habilidades específicas para o exercício jurídico.
Para Roberto Aguiar, além da habilidade preliminar de escolher o Direito
como profissão, faculdade e curso adequado, o aluno deveria escolher outras
específicas para o curso de Direito:
a) habilidade de dialogar, jogar e clamar por ética num mundo marcado pela
velocidade e ineditismo dos problemas;
b) habilidade de acumular repertório dentro de um contexto multidisciplinar;
c) habilidade de desenhar em sua existência caminhos éticos, opções
políticas transformadoras e soluções inovadoras;
d) habilidade de ser curioso, de não se conformar com a primeira solução, de
não aceitar caminhos superficiais e de contextualizar a questão ao invés
de simplesmente adequá-lo às formalidades legais ou ao entendimento
dominante e hegemônico;
e) habilidade de entender o mundo, promovendo uma consciência dinâmica
do que o cerca;
f) habilidade de entender o outro;
g) habilidade de entender a si mesmo;
h) habilidade de se comunicar, isto é, de perquirir o sentido mais profundo
nos textos e contextos, tornando-se capaz de recriar, ressemantizar,
construir imaginários, além de interpretar e redigir;
i) habilidade de entendimento e releitura das normas;
j) habilidade de entender, interferir e solver conflitos;
k) habilidade de deslocar o olhar;
l) habilidade de disciplinar-se;
m) habilidade de formar repertório;
n) habilidade de captar o novo;
o) habilidade de legislar;
p) habilidade de negociar;
q) habilidade de arbitrar;
r) habilidade de pesquisar;
737
AGUIAR, Roberto. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2004. p.17-18.
351
s) habilidade de fundamentar e argumentar;
t) habilidade de jogar;
u) habilidade de operar com as técnicas jurídicas tradicionais;
v) habilidade de trabalhar com as tecnologias;
w) habilidade de compreender novos problemas;
x) habilidade de trabalhar com outras línguas;
y) habilidade de agir e pensar multidisciplinarmente.
Aponta-se aqui a crítica tecida por João Virgílio Tagliani
738
, para quem o
projeto pedagógico de um curso de Direito deve ter por objetivo substituir uma
prática pedagógica predominantemente conteudista, centrada na transmissão de
fatos, conceitos e procedimentos, pela formação para o pensamento, para a
capacidade de identificar e resolver problemas e para a aquisição de habilidades e
competências.
Explica João Virgílio Tagliani
739
que, em primeiro lugar, estão as habilidades
necessárias a todos os cidadãos profissionais, que são as associadas ao saber
fazer”, como a ação física ou mental, que indica a capacidade adquirida, citando
como exemplos: identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar
informações, analisar situações-problema, sintetizar, julgar, comparar, classificar,
discutir, descrever, opinar, fazer generalizações, analogias, diagnósticos,
correlacionar e manipular.
Por sua vez, as competências, continua o mesmo autor, são um conjunto de
habilidades, desenvolvidas em harmonia, e ter competência significa estar habilitado
com conhecimentos e esquemas para desenvolver respostas inéditas, adequadas,
criativas e eficazes para problemas novos que se apresentem.
Competências, portanto, envolvem esquemas de percepção, pensamento,
avaliação, decisão e ação.
João Virgílio Tagliani
740
adverte ainda que não se pode esquecer de se formar
tamm na habilidade para resistir, para opor-se, para transformar e não apenas
para adaptar-se.
738
TAGLIANI, João Virgílio. Aprender Direito: para além do ensino fragmentado. São Carlos, [s.n.], p.
32-33.
739
Ibid., p. 32-34.
740
Ibid.
352
Entende-se neste trabalho que mais do que habilidades e competências é
preciso ter atitudes.
Outrossim, ao investir em um modelo de formação diferenciada pela
qualidade, o currículo do curso de Direito deve ter como objetivo geral oferecer ao
mercado profissionais preparados para gerar e gerir conhecimento, bem como para
atender às demandas do mundo pós-moderno, no que diz respeito ao
multiculturalismo, ao uso da tecnologia, ao desenvolvimento de habilidades relativas
ao trabalho, ao conhecimento das relações, à humanização da ciência, um currículo
que contempla contudo, um modelo de formação focado em habilidades,
competências e sobretudo atitudes.
Preparados para adquirir consciência de seu papel como cidadãos aptos para
entender o mundo no qual vão operar e o sentido de sua ação profissional, os
discentes do curso de Direito, tornar-se-ão agentes de aperfeiçoamento social,
político, judico e cultural.
O desafio curricular proposto ao estudante ultrapassa a simples possibilidade
de reconhecer a superação do Dogmatismo Tradicional, pois lhe impõe a tarefa de
repensá-lo em consonância com as contínuas mudanças sociais, a exigir a
construção de novos paradigmas capazes de solucionar as questões de conflito,
oriundas das novas demandas de mercado, em especial aquelas que advêm dos
denominados Direitos Difusos e Coletivos, do Direito do Consumidor, do Direito
Ambiental, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Direito da Informática, do
Direito da Bioética e da Biotecnologia, etc.
Configurando-se num currículo de perspectiva antropocêntrica, que servirá de
base à sua formação crítica e, sobretudo, humanística, que fará com que o aluno
privilegie a ética, o respeito, a dignidade, e a valorização ao outro, ao
multiculturalismo, a tolerância, e a disposição constante para a evolução no que diz
respeito ao conhecimento e às relações interpessoais.
Em síntese, o profissional egresso das IES que oferecem os cursos de Direito
deve estar dotado de fundamentos humanísticos, que lhe confiram habilidades
reflexivas, porém, tamm crítica, em face das relações sociais, interpessoais,
econômicas, políticas e culturais.
353
Baseadas, assim, na capacidade de desenvolvimento constante do egresso
em diálogo aberto e flexível com a realidade, mediante sólida formação universitária
de ensino teórico e prático orientado e capaz, hábil e competente para pensar,
adquirir e produzir criticamente o próprio saber.
3.9 A Flexibilidade, a Descentralização e o Princípio da Autonomia
Universitária na Gestão do Currículo Jurídico
No Direito Educacional brasileiro, embora a expressão “diretrizes curriculares
tenha sido empregada, pela primeira vez, no ordenamento jurídico-educacional pela
Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994
741
foi, a partir da edição da nova
LDB - Lei 9.394/1996,
742
promulgada em decorrência da promulgação da
Constituição de 1988, que fica definitivamente instituída a figura das diretrizes
curriculares nacionais, em substituição aos antigos currículos mínimos que,
segundo o entendimento de muitos, limitava por demais, os cursos de graduação em
estruturas curriculares estáticas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais, no entender do Conselho Nacional de
Educação, deveriam levar os cursos
[...] a abandonar as características de que muitas vezes se revestem, quais
sejam as de atuarem como meros instrumentos de transmissão de
conhecimento e informações, passando a orientar-se para oferecer uma
lida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os
desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho
e das condições de exercício profissional.
743
No entender das orientações do Conselho Nacional de Educação as diretrizes
curriculares nacionais, além de se constituírem em pametros que devem ser
respeitados por todas as instituições de ensino superior do país, devem também
assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes.
741
A Portaria MEC nº 1.886/94, fixava as diretrizes curriculares e conteúdo mínimo dos cursos
jurídicos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, 5 jan. 1995. Seção 1, p. 238.
742
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez. 1996.
p. 27.833-841.
743
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997. Dispõe sobre orientações para as
diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.
354
O grau de flexibilidade na gestão dos programas e dos currículos de ensino
varia consoante o nível de centralização do sistema de ensino. Assim, quanto maior
é a centralização do sistema do ensino, menor costuma ser a flexibilização na
gestão dos programas.
A flexibilidade na gestão dos programas vai da simples adaptação dos
programas aos contextos locais até a diferenciação curricular, no sentido de dar
respostas diversificadas às diferentes populações escolares.
Por outro lado, quando se fala de adaptação curricular, embora a concepção
dos programas seja da responsabilidade das autoridades educativas centrais, é
concedida alguma liberdade para que a instituição de ensino possa alterar a ordem
dos conteúdos, atribuir diferentes grandezas de importância e incluir alguns
componentes locais, respeitando-se os conteúdos e competências nucleares ou
essenciais.
De outra sorte, quando se trata de diferenciação curricular, essa diferenciação
diz respeito à criação de cursos alternativos, concebidos e geridos pela IES,
isoladamente ou em associação com outras escolas.
Entende-se aqui por autonomia curricular a possibilidade das IES,
isoladamente ou por associação, adaptarem seus currículos às necessidades locais
onde se encontram inseridas visando atender aos interesses das populações a que
servem.
Por outro lado, é preciso registrar que as alterações dos currículos jurídicos,
nos cursos de graduação, pelas IES, no sentido de adaptarem seus currículos tendo
por finalidade o cumprimento dessas necessidades locais e regionais onde as
instituições estão inseridas no diverso e heterogêneo espaço geográfico, político,
econômico e cultural brasileiro, tamm tem sido fonte de alguma discussão no
âmbito do Poder Judiciário.
Senão vejamos:
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. ENSINO. CURRÍCULO. ALTERAÇÃO. AUTONOMIA
UNIVERSITÁRIA.
1. A alteração do currículo, ou mesmo das regras e exigências para a
matrícula do aluno nas matérias a serem cursadas, está abrangida pela
355
autonomia didático-científica das instituições de ensino, sem que se
possa falar em direito adquirido do aluno a determinado currículo,
devendo ele se submeter às alterações que forem feitas ao longo do
curso.
2. Agravo que se nega provimento. (TRF da Região, Turma, Agravo
de Instrumento 2004.01.00.027630-6/MG, Rel. Des. Federal Maria
Isabel Galloti Rodrigues, DJU Seção 2, de 08.10.2004, p. 40).
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. MUDANÇA CURRICULAR. AUTONOMIA DIDÁTICO-
CIENTÍFICA. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 207 DA CF/88.
RAZOABILIDIDADE.
1. A autonomia didático-científica experimentada pelas universidades,
consoante expresso no art. 207 da CF/88, autoriza a modificação da
grade curricular, não havendo a configuração de direito adquirido do
aluno ao currículo de ingresso ao curso.
2. razoabilidade nas exigências agregadas ao currículo universitário,
porque não contundem elas como lógico, o racional nem as aspirações
de utilidade e bom senso. (TRF da Região, Turma, Agravo de
Instrumento n. 2004.04.01.014783-9/RS, Des. Federal Luiz Carlos de
Castro Lugon, DJU Seção 2, 10.11.2004, p. 752).
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. ENSINO SUPERIOR.
CURRÍCULO. ALTERAÇÃO APÓS O INGRESSO DO ALUNO NA
FACULDADE. POSSIBILIDADE.
1. Inexiste direito adquirido à imutabilidade de grade curricular.
Precedentes dessa Corte.
2. Alegadas situação de fato consolidada não configurada.
3. Agravo regimental improvido. (TRF da 1ª Região, 5ª Turma, Agravo
Regimental n. 2004.01.00.049422-7/GO, Rel. Des. Federal Fagundes
de Deus, DJU Seção 2, 24.02.2005, p. 43).
EMENTA:
ADMINISTRATIVO MANDADO DE SEGURANÇA ENSINO SUPERIOR
GRADE CURRICULAR ALTERAÇÃO AUTONOMIA DA
UNIVERSIDADE POSSIBILIDADE DIREITO ADQUIRIDO DO ALUNO
INEXISTÊNCIA.
A modificação na estrutura de grades curriculares está inserida na
esfera de atribuições inerentes às universidades, conforme se
depreende do disposto no art. 53 e incisos da Lei 9.394/96 (Lei das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que confere autonomia aos
referidos centros superiores de ensino para fixação dos currículos dos
cursos por eles ministrados.
Quando o aluno estabelece com as universidades relação jurídica que
compreende a prestação de serviços de ensino, na realidade, ele adere
a um estatuto que passa a reger esse vínculo que se criou entre ambos,
não se podendo, por isso, invocar direito adquirido a currículo, qualquer
que seja o curso, eis que as normas que regulam o dever do Estado
356
com a Educação o fundamentalmente de ordem blica,
inderrogáveis pelas partes.
Precedentes citados.
Recurso desprovido. (TRF da Região, Turma Especializada, Apelação
em Mandado de Segurança n. 2003.51.04.003052-0, Rel. Des. Federal Vera
Lúcia Lima, DJU Seção 2, 20.05.2005, p. 233).
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR.
CURSO DE DIREITO INTERROMPIDO. RETORNO SUJEIÇÃO À
GRADE CURRICULAR VIGENTE AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA.
1. O aluno que tem seu curso interrompido por vontade própria, em razão
de circunstâncias particulares, perde o direito de cumprir o currículo
existente ao tempo do ingresso na Universidade, sendo de rigor a
sujeição à nova grade curricular quando do seu retorno ao curso.
2. Dentro da evolução natural do ensino, a grade curricular pode ser
modificada a critério dos técnicos da Universidade, nos termos da
autonomia universitária didático-científica, assegurada no art. 207 da
Constituição Federal. (TRF da Região, Turma, MAS n. 234124
(1999.61.09.003176-0), Rel. Des. Federal Mairan Maira, DJU Seção 2,
07.10.2005, p. 405.
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO ENSINO SUPERIOR ALUNA
INADIMPLENTE ALTERAÇÃO NA GRADE REMATRÍCULA
IMPOSSIBILIDADE.
1. O particular atua, na prestação de ensino superior, com o fito de lucro,
exercendo um serviço público cujo exercício seria dever do Estado (art.
205, CF) constituindo-se em interesse primário do corpo social, mas
que, apesar de imprescindível, o Estado não consegue desempenhá-lo
de modo absoluto, de modo que pode ser delegado a terceiros.
2. A Constituição Federal assegura às universidades a autonomia didático-
científica e de gestão financeira e patrimonial, desde que cumpridas as
normas gerais da educação nacional (arts. 207, caput, e 209 inciso I,
CF).
3. A questão relativa a possíveis alterações da grade curricular dos cursos
é matéria afeta exclusivamente às normas internas da instituição de
ensino, inclusive a fim de garantir o padrão e a qualidade dos serviços
prestados.
4. Consoante de depreende dos autos, a negativa de matrícula do período
letivo de 2004 baseou-se em norma regulamentar da Universidade, no
caso, o art. 62 do Regimento Geral da Universidade Cruzeiro do SUL
UNICSUL, que condiciona o destrancamento de matrícula à adaptação
na grade curricular vigente.
5. A meu ver, tal condição não é abusiva, de forma que não se pode falar
em direito adquirido dos estudantes à manutenção da grade curricular
vigente no momento do ingresso no curso.
6. Não existe amparo legal para garantir a matrícula de aluno
inadimplente. MP. 1.477-43/97 convertida na Lei 9870/99.
357
7. O pagamento das mensalidades é a contraprestação da relação
contratual entre o aluno e o estabelecimento de ensino privado,
regulado pelo Código de Defesa do Consumidor.
8. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TRF da Região,
Turma, AG n. 198790 (2004.03.00.006677-4), Rel. Des. Federal
Lázaro Neto, DJU Seção 2, 07.07.2004, p. 153).
Percebe-se, pela jurisprudência ora colacionada, que o Poder Judiciário, vem
adotando entendimento no sentido de prestigiar a autonomia e a flexibilidade de
gestão das instituições frente à questão currículo, de seu conteúdo, bem como,
frente ao atendimento e cumprimento das diferentes necessidades, sejam elas
sociais, políticas, econômicas e educativas frente à localização e regionalização das
IES em todo o país.
Prevalecendo-se, portanto, o entendimento da observância das normas
internas para dirimir a questão do tudo isso para fazer frente às imposições
heterônomas sobre uma eventual alteração do conteúdo e de um possível
argumento de direito adquirido curricular, cuja solução depende, além disso, da
verificação do regramento interna corporis da IES.
Portanto, a existência de um currículo nacional
744
, a vigorar em âmbito
nacional para todo o Brasil, veda a autonomia curricular, gerando duvidosa eficácia e
pertinência em razão da generalização do currículo a todo o sistema de educação.
Entende-se não ser possível impor, especialmente à universidade, de forma
heterônoma, a uniformização de diretrizes curriculares nacionais para o curso de
Direito, que se devem respeitar suas diferentes realidades regionais, econômicas,
sociais, políticas e culturais, em que se encontram localizadas, em âmbito nacional,
a par das diferentes modalidades de Instituições de Educação Superior - IES.
Por outro lado, não se devem determinar prazos peremptórios para as IES
cumprirem a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais, sob pena de
imposição de sindicância administrativa às universidades.
De que constitui exemplo a injusta e ilegal determinação explicitada no art. 12
da Resolução 9/2004
745
, ora sub examen, que dispõe sobre prazo peremptório
744
A implantação de currículo nacional, seja talvez válida e eficaz, em países geograficamente e
demograficamente de reduzida dimensão, como é o caso, por exemplo, de Portugal.
745
Artigo 12 da Resolução 9/2004, dispõe que, As Diretrizes Curriculares Nacionais desta
resolução deverão ser implantadas pelas instituições de educação superior, obrigatoriamente, no
358
máximo de dois anos para que as novas Diretrizes Curriculares sejam implantadas
pelas IES, em âmbito nacional.
Viola-se, nesse caso, inclusive, o próprio Princípio Federativo
746
, cláusula
imutável da Constituição, já que muitas vezes, diante das diferentes realidades
econômicas, sociais, políticas e culturais nas quais as IES estão geograficamente
inseridas, as diretrizes não podem ser implantadas na prática.
747
É preciso registrar nesse sentido que a chamada legislação de Diretrizes,
inspirada no sistema de Weimar, é apenas a da lei de princípios, princípios estes
que não admitem nem comportam regulamentação do Poder Executivo Federal.
Diretriz, conforme aponta A. Almeida Jr.
748
, é linha de orientação, direção a
seguir, não as minudências do caminho. A idéia de diretriz, não se constitui,
portanto, norma de regulação obrigatória e coercitiva.
Por isso mesmo, é um contra-senso, criar-se por via Resolução
749
exigências
curriculares, muitas vezes, reflexo de uma política educacional persistentemente
centralizadora em relação ao ensino superior, inadequadas, ilegais e, por vezes,
prazo máximo de dois anos, aos alunos ingressantes, a partir da publicação desta. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.
746
Nesse sentido, é apontada a obra de Nina Ranieri, fruto de sua tese de doutorado em Direito na
Universidade de São Paulo USP, que demonstra sua contribuição na área de Direito Educacional
e que determina a característica persistentemente centralizadora da política educacional brasileira
em relação ao ensino superior, ao arrepio, entretanto, do Próprio Princípio Federativo. Sua obra
revela, com rigor jurídico, os abusos e as distorções que, em parte, anulam, os avanços
constitucionais, além de desvirtuarem os próprios preceitos da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação e reduzirem sua eficácia. RANIERI, Nina Beatriz. Educação superior, Direito e Estado.
São Paulo: EDUSP, 2000. passim.
747
Na configuração das diretrizes curriculares que dizem respeito ao ensino fundamental, por
exemplo, um paradoxo, citado por Carlos Jamil Cury. No entendimento desse autor os
currículos nacionais, “conteúdos mínimosna expressão do texto constitucional, conforme dispõe o
seu artigo 210
747
, dizem respeito a práticas de conteúdos gerais válidos para toda a nação.
Contudo, sua operacionalização enfrenta uma dupla problemática: se necessidade de
constrangimentos legais para esses nimos, seja pela afirmativa, seja pela negativa, a de se
considerar ainda o papel dos entes federativos. A pergunta clássica que se faz é sobre os justos
limites dos entes juridicamente autônomos no jogo da União X Unidades federadas que se
expressam também no âmbito de currículos mínimos para todos os cidadãos em qualquer Estado
ou município. Assim, pode-se interrogar: invade-se o território da autonomia dos Estados quando a
União impõe uma lista mínima de disciplinas? Basta uma listagem mínima de disciplinas para que o
objetivo da coesão nacional seja alcançado? Trata-se de uma peculiaridade dos Conselhos
Nacionais de sua explicitação? Ou é tarefa dos Conselhos Estaduais? Cf. CURY, Carlos Roberto
Jamil. Os parâmetros curriculares nacionais. Revista de Educação Brasileira, n. 2, p. 1-17,
maio/jun./jul./ago. 1996.
748
ALMEIDA JÚNIOR, A. Relatório geral da comiso. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Brasília, v. 13, p. 38-48.
749
Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo clássica lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello,
define Resolução como: “a fórmula pela qual se exprimem as deliberações dos órgãos colegiais”.
MELLO, 1979, apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2000. p. 393.
359
injustas. É o caso, anteriormente citado, da determinação instituída no art. 12 da
Resolução nº 9/2004, ora analisada.
Por outro lado, importa considerar que a enorme quantidade de normas,
Portarias (do Ministro da Educação), Resoluções (do Conselho Nacional de
Educação) e Decretos (do Presidente da República) terminam por criar um
verdadeiro cipoal legislativo em matéria educacional, com efeito deletério de
inviabilizar a implantação das diretrizes mais qualitativas para o ensino do Direito.
A multiplicidade dos textos, a desordem de uma regulamentação detalhada e
minuciosa, as contradições, as ambigüidades e as insuficiências que disso resultam,
impõem, como bem advertem M. Van de Kerchove e François Ost
750
:
Redescobrir os princípios embaixo da mixórdia de regulamentação,
restaurar os métodos de interpretação da lei, redescobrir métodos de
raciocínio, etc. Compete à doutrina desempenhar esse papel. É a ela, de
fato, que cabem a síntese do Direito, a reflexão crítica e construtiva, a
sistematização interdisciplinar das regras de Direito, a busca de mais
coerência e, amiúde, a inspiração de soluções novas.
Tais Resoluções, nem sempre respeitam o conteúdo material da Constituição
Federal, especialmente no que tange ao Princípio Federativo e das leis, que
estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
751
tornando, virtualmente,
impossível qualquer tentativa de apresentação de um marco normativo de caráter
sistemático, relativamente à configuração do currículo jurídico, adequado,
permanente e efetivo, em face do ensino superior. Especialmente, no que se refere
a uma política curricular do ensino jurídico nas universidades privadas.
Conforme citado no capítulo 3, item 3.8.1, desse trabalho, é preciso valer-
se de inúmeros outros documentos normativos, além da Resolução 9/2004, para
se compreender de maneira mais adequada e sistêmica, a orientação da
configuração das atuais diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Direito.
750
KERCHOVE, M. Van de; OST, François. Le systeme juridique: entre ordre et désordre. Paris:
PUF, 1988. p. 117 et seq.
751
Diretrizes, segundo aponta A. Almeida Jr., no Relatório Geral da Comissão que elaborou o
anteprojeto da Lei 4.024/61, é, in verbis: “A linha de orientação, norma de conduta. 'Base' é
superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do
caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce se
construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretriz e Bases conterá tão-só os preceitos
genéricos e fundamentais”. ALMEIDA JÚNIOR, A. de. Relatório geral da comissão. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 13, p. 38-48.
360
Para se interpretar um único ato normativo emanado na seara do Direito
Educacional, constituído de não mais de 13 artigos, é preciso valer-se de diversos e
complexos Pareceres oriundos tanto da Câmara de Educação Superior, da Câmara
de Educação Básica, quanto do seu Conselho Pleno.
No caso da exegese das Diretrizes Curriculares é preciso considerar-se, por
exemplo, além da Resolução nº 9/2004, os Pareceres CNE/CES nº 776/97, nº
583/2001, nº 67/2003, nº 55/2004 e Parecer CNE/CES de nº 55/2004.
Nesse sentido, Nina Beatriz Ranieri indica tamm a farta edição não de
Resoluções, mas de decretos, portarias, indicações, etc., que se seguiu à edição da
lei 9.394/96. De tal sorte que a regulamentação nega o que foi concedido pela lei
educacional norteada pelos eixos da descentralização expressa na discriminação
de competências das unidades federadas e dos sistemas de ensino; mas que não foi
suficiente à retração da atuação da União e o da simplificação de procedimentos
expresso pela margem de liberdade que concedeu às IES; mas que não dispensou
extensa regulamentação federal.
Embora a legislação permita às diferentes modalidades de IES que oferecem
cursos de Direito, em especial as universidades, rever constantemente e de forma
autônoma seus currículos, renovar seus métodos de ensino, a duração e
organização de seus cursos, tendo em vista o Princípio da Autonomia Universitária,
esculpida no art. 207 da Constituição Federal e as disposições do art. 53 da lei nº
9.394/96 LDB.
Esse entendimento é partilhado igualmente por José Augusto Pacheco e José
Carlos Morgado
752
, que afirmam
Ser de extrema pertinência no atual processo de reorganização do currículo
a conferência de autonomia curricular, entendida como capacidade de
decisão curricular que permita não só rupturas conscientes com rotinas
instaladas, mas também diferenciar a aprendizagem em função das
características dos alunos e construir respostas educativas inovadoras aos
reptos do tempo futuro, conquista que resulta, no entanto, de um
compromisso colectivo da comunidade educativa.
Constata-se, em sentido contrário, pelo cotejo com as diretrizes revogadas
que a Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994
753
que, as novas diretrizes
752
Cf. PACHECO, José Augusto; MORGADO, José Carlos. Construção e avaliação do projeto
curricular de escola. Portugal: Porto, 2002. p. 7-8.
361
curriculares instituídas pela Resolução 9/2004, trouxeram, por um lado, algum
avanço na capacidade de gestão acadêmica das Instituições de Ensino Superior -
IES, propondo alguns mecanismos que tornam o curso de Direito e o currículo mais
flexível na comunidade regional onde se encontra, por outro lado, trouxeram
diversas exigências normativas, baseadas em suposições sobre as IES, que não são
adequadas ao cumprimento das finalidades dos projetos político-pedagógicos dos
cursos de Direito.
Sob o aspecto positivo, no entanto, vale ressaltar, que as novas diretrizes
curriculares para o curso de Direito, instituídas pela Resolução nº 9/2004 definiram a
exigência do trabalho de curso em substituição à monografia final.
Conforme se depreende do artigo 10 da Resolução 9/2004
754
que
determina:
Art. 10. O trabalho de curso é componente curricular obrigatório,
desenvolvido individualmente, com conteúdo a ser fixado pelas instituições
de educação superior em função de seus projetos pedagógicos.
Parágrafo único. As IES deverão emitir regulamentação própria aprovada
por conselho competente, contendo necessariamente, critérios,
procedimentos e mecanismos de avaliação, além das diretrizes técnicas
relacionadas com a sua elaboração.
Nesse aspecto, é preciso que se diga, que a Resolução nº 9/2004 dignificou o
Princípio da Autonomia Universitária, insculpido na Carta Constitucional de 1998.
Sob o aspecto da flexibilidade, é possível afirmar-se que de fato, o que institui
a Resolução 9, de 29 de setembro de 2004, as novas Diretrizes Curriculares
Nacionais objetivam conferir maior flexibilidade curriculare a liberdade de ensino
às IES, para que elaborem seus projetos pedagógicos. Tendo em vista, nesse
sentido, as demandas sociais, políticas, culturais e econômicas, bem como os
avanços científicos e tecnológicos.
Convém destacar, contudo, que a idéia de flexibilidade tem sido ressaltada
pelos educadores e curriculistas oficiais, como fundamental para que os sistemas
753
Cumpre salientar que a Portaria MEC nº 1.886/94, que fixou asdiretrizes curriculares” e o
conteúdo mínimo dos cursos jurídicos, foi revogada pela Resolução CNE/CES 9, de 29 de
setembro de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em
Direito, bacharelado, e outras providências. Cf. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out.
2004. Seção 1, p.17
754
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). mara de Ensino Superior (CES). Resolução
CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 out. 2004.
Seção 1, p. 17.
362
educacionais, instituições de ensino e os próprios educadores possam promover
discussões, reelaborar, desconstruir e adequar a realidade brasileira da educação
no nosso país.
O sentido de flexibilidade
755
, no entanto, é excessivamente amplo ensejando
inúmeras leituras e interpretações, pelo que compete indagar do real sentido de
flexibilidade” mencionado expressamente na Resolução nº 9/2004.
Cumpre, portanto, indagar se autonomia e flexibilidade configuram-se como
possibilidades somente de direito ou de fato a cada universidade do país, ou se o
legislador as empregou na norma educacional somente como mais um recurso de
retórica? Ou, de outra forma, seriam tais noções exploradas política e juridicamente
para abrigar interesses e necessidades, ou o termo como foi empregado visa a
efetivar, de fato, a missão constitucional e educacional das diferentes modalidades
administrativas de IES?
Aponta Genylton Odilon Rêgo da Rocha
756
, que os críticos da idéia de
flexibilização no currículo têm afirmado que essa concepção não obstante a
aclamação ao respeito às diferenças e a pluralidade que tem lhe acompanhado os
discursos oficiais foi apropriada pelo capital.
Entende-se que a flexibilidade deve ser coerente com a concepção de uma
configuração de currículo por parte da instituição que garanta a formação de
advogados tamm flexíveis. Portanto, a integração, a qualidade e a flexibilidade
constituem-se nos elementos chaves para dar saltos de produtividade e
competitividade nos currículos jurídicos.
Carlos Roberto Jamil Cury
757
, em artigo sobre as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o ensino fundamental, deixa explícito o significado de diretriz
curricular, enfatizando que, ao contrário da legislação prescritiva pretérita que
755
Embora não traga um conceito do que seja propriamente “flexibilidade”, estuda-o Horácio
Wanderlei Rodrigues, tendo em vista o parecer exarado pela Câmara de Educação Superior do
Conselho Nacional de Educação, CNE/CES 776/97, em artigo publicado na Revista de Direito
Educacional. Cf. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A flexibilidade e o Direito Educacional
brasileiro. Revista @prender Virtual, p. 26-29, set./out. 2002. Disponível em:
<www.aprendervirtual.com>. Acesso em: 20 abril 2006.
756
ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. A organização curricular dos cursos de graduação: o que
mudou com a nova legislação educacional brasileira. In: CORREA, Paulo Sérgio de Almeida.
(Org.). A educação, o currículo e a formação de professores. Belém: EDUFPRA, 2006. p. 17-
50.
757
CURY, Carlos Roberto Jamil. Os parâmetros curriculares nacionais. Revista de Educação
Brasileira, n. 2, p. 1-17, maio/jun./jul./ago. 1996.
363
estabelecia a organização curricular nesse nível de ensino, a legislação o fazia,
engessando o currículo; contudo, as novas diretrizes devem ter como fundamento,
um caráter mais amplo e flexível.
Não se pode negar que o legislador ao promover as diretrizes curriculares
para o curso de Direito, em oposição aos currículos mínimos curriculares previstos
nas legislações pretéritas, orientou-se pela lógica da flexibilidade na organização de
cursos e carreiras, bem como pela tendência em considerar a formação no nível de
graduação, como etapa inicial da formação continuada.
Por outro lado, entende-se que não se pode impingir, de maneira
indiscriminada a todas as IES de ensino, a configuração de um currículo jurídico fixo,
em cumprimento de novas diretrizes curriculares nacionais, que acabam por vezes,
a ferir o próprio Princípio Federativo, em matéria de Direito Educacional.
Do ponto de vista do desenvolvimento
758
integrado de normas educacionais,
no sentido da configuração − por parte do órgão do Conselho Nacional de Educação
de diretrizes curriculares instituídas em âmbito nacional entende-se que essa
centralização promove a injustiça, que o desenvolvimento global das diretrizes
curriculares ocorre sem o desenvolvimento do atendimento dos próprios projetos
pedagógicos curriculares, e dos critérios locais e regionais onde as IES estão
localizadas.
Com efeito, o tradicional modelo centralizador de organização política
normativa e administrativa, de competências e de encargos em matéria educacional,
é inadequado, tendo em vista inclusive o tamanho do território brasileiro e as
profundas diferenças econômicas, sociais, políticas e culturais do país.
758
Ressalte-se que desenvolvimento e crescimento não são termos sinônimos. O crescimento é o
aumento progressivo e contínuo da realidade física material e que envolve mudanças estruturais e
quantitativas. Desenvolvimento, entretanto, é um processo interno coordenado que indica mudan-
ças de qualidade. É, contudo, uma política de longo prazo e não apenas uma etapa do processo. O
crescimento, por outro lado, nem sempre promove desenvolvimento. Por exemplo, o crescimento
das cidades sem um plano diretor, coordenado por uma legislação ambiental e estrutural adequa-
da, pode promover a contaminação das águas que afeta a saúde humana. O conceito de desen-
volvimento não é aquele de origem iluminista do culo XVII, fundado na noção de progresso, libe-
ralismo econômico e defesa do industrialismo e individualismo. Desenvolvimento, portanto, é en-
tendido como um processo de ação humana cujos critérios de sustentabilidade social, econômico,
ambiental, territorial, político e cultural compartilham a maximização da produção material com a
maximização do bem estar-geral e a qualidade de vida da população de um determinado Estado.
PERROUX, François. Note sur la notion de pôle de croissance. Économi Appliquée, Paris, n. 7, p.
376, 1955. (Tradução livre da autora).
364
Embora o Brasil seja um país estruturado no Federalismo, conforme dispõe o
art. da Constituição de República Federativa do Brasil
759
, o centralismo acaba por
ser uma prática freqüente em matéria de legislação educacional tiranizando todos os
Estados membros, fortalecendo o princípio da burocracia e criando uma inflação
normativa, que favorece a produção de leis sem eficácia.
Corrobora esse entendimento, o posicionamento de Osvaldo Ferreira de
Melo
760
, para quem:
[...] a centralização política, econômica e administrativa que ainda ocorre no
Brasil, ao arrepio da matéria constitucional, é resultado de obscuras forças
centrípetas que têm raízes longínquas no autoritarismo de nossas práticas
coloniais e do período imperial e, mais recentes, mas não menos
prejudiciais à construção democrática, no coronelismo da 1. República e nas
oligarquias geradoras de privilégios que marcaram todo o século XX. Tudo
isso somado ao despreparo de uma população desprovida de sustentação
educacional para reagir ao desmedido controle governamental em suas
vidas, que vem abortando suas utopias e sua liberdade.
A descentralização do poder estatal, por sua vez no Federalismo brasileiro,
deveria supor, conforme indica Nina Beatriz Ranieri
761
, graus quantitativamente
variáveis, determinados pela proporção relativa do número e da importância das
normas centrais e locais na ordem jurídica.
Resultando assim, da combinação de critérios funcionais e espaciais, bem
como de técnicas de repartição horizontal e vertical de competências que operam
segundo os estágios hierárquicos da ordem jurídica e a quantidade de matérias a
serem reguladas. A idéia subjacente é permitir que os dois níveis de estabilidade: o
central e o periférico funcionem, portanto, de forma autônoma e concomitantemente.
Além disso, em matéria de produção normativa educacional, não se pode
desconsiderar o fato de que o Brasil é uma das dez potências econômicas do
mundo, mas sua população apresenta desníveis de riqueza imensos, com bolsões
de pobreza comparados às comunidades econômicas carentes do mundo. Em
759
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 14. ed. rev.,
ampl. e atual. 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 17.
760
MELO, Osvaldo Ferreira de. O princípio federativo e a autonomia dos sistemas de ensino. Boletim
Jurídico, ano 3, n. 132, p. 2, 2005.
761
RANIERI, Nina Beatriz. Educação superior, Direito e Estado: na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº
9.394/96). São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p. 50.
365
matéria de educação, segundo o Censo Educacional
762
de 2003, o Brasil está entre
os últimos lugares do mundo, em nível de população escolarizada e de percentual
de jovens de 17 a 24 anos cursando a educação superior.
Entende-se que a produção e a racionalidade normativa brasileira, no sentido
da configuração de uma regra normativa em âmbito nacional, em matéria de Direito
Educacional, embora permita maior controle sobre as ações e decisões curriculares,
por outro lado, conduz a uma ordem de manutenção do centralismo, e em
conseqüência, de subdesenvolvimento.
Nesse contexto, para a construção de uma política curricular coerente, de
se observar novas fontes de produção normativa, inspiradoras em ordenamentos
jurídicos que permitam a descentralização, flexibilidade e autonomia na produção de
normas, observando-se assim, as exigências da coletividade periférica e dos novos
Direitos. Nesse caso, com auxílio na produção normativa sobre as diretrizes
curriculares, inclusive dos próprios Conselhos Estaduais de Educação.
Ainda, não se pode tamm desconhecer, na produção normativa de política
educacional
763
, a autonomia dos Entes Federados Estaduais e dos Sistemas
Estaduais de Ensino
Assim, entende-se impor diretrizes curriculares, em âmbito nacional a ser
obedecida por todas as IES do país, torna a norma educacional in caso,
profundamente injusta.
Entende-se assim que as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais devam se
constituir, portanto, num instrumento legal de forma a contemplar o respeito a esses
elementos; quais sejam: fundamentação teórica e normativa curricular de
flexibilidade, descentralização e respeito à autonomia das IES, de maneira
adequada na configuração do ensino do Direito e das IES, essencial para as novas
762
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP. Censo
do Ensino Superior 2003. Brasília: INEP, 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso
em: 27 nov. 2008.
763
Em termos jurídicos, a noção de Política Educacional é compreendida no sentido de programa de
ação, designando um conjunto de normas e atos unificados em torno de uma finalidade, ainda que
tais atos e normas sejam de natureza heterogênea e se submetam a regimes jurídicos próprios. Cf.
RANIERI, Nina Beatriz. Educação superior, Direito e Estado: na Lei de Diretrizes e Bases (Lei
9.394/96). São Paulo: EDUSP; FAPESP, 2000. p. 126-127. A Política é o estudo sistemático das
coisas do Estado. Estudo das formas de Poder nas relações humanas. Usada a palavra com um
atributivo, teremos uma expressão que denota um conjunto de meios ou de estratégias visando a
um fim. Cf. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC,
2000. p. 77.
366
habilidades e competências exigidas para a profissão do futuro em Direito, visando a
promover a formação humanística, técnico-jurídica e prática indispensável à
compreensão interdisciplinar e transdisciplinar do fenômeno jurídico e das
transformações sociais no mundo contemporâneo.
367
4 CULTURA E DESCONSTRUÇÃO NO CURRÍCULO JURÍDICO
O currículo não é, no entanto, um conceito, é uma
construção cultural, isto é, não é um conceito abstrato
que possui existência exterior sem a experiência
humana. Pelo contrário, é um modo de organizar um
conjunto de práticas educacionais humanas.
Shirley Grundy
764
4.1 Currículo como Construção Cultural
O homem não apenas existe, mas coexiste, vive em companhia dos homens.
Em razão dessa coexistência, os homens estabelecem vínculos, relações de
subordinação, de integração, regras de conduta e de comportamento.
Essas relações podem ocorrer em razão de pessoas e coisas. Existem duas
ordens de realidade: uma ordem de realidade natural ou físico natural, e uma outra
ordem de realidade denominada realidade cultural. De fato, no universo, coisas
em estado bruto, e coisas que construímos, portanto, dois mundos complementares:
o do mundo natural (dado) e o do cultural (construído).
necessidade de uma expressão técnica para indicar os elementos que são
apresentados aos homens, sem a sua participação intencional, quer para o seu
aperfeiçoamento, quer para o seu desenvolvimento; diz-se que eles formam aquilo
que lhes é dado (mundo natural).
Por outro lado, diz-se que construído é o termo empregado para indicar tudo
aquilo que se acrescenta à natureza, pelo conhecimento de suas leis visando a
atingir determinado fim.
765
Ora, assim como as obras humanas, como nos ensina Goffredo Telles Jr.
766
não são criadas do nada, ex nihilo, o currículo jurídico, o é uma criação elaborada
do vazio, do nada, não é um femeno dado pela natureza, depende da experiência
e do fazer humano para sua elaboração.
764
GRUNDY, Shirley. Curriculum: produt ou praxis? London: The Flamer Press, 1987. p. 5.
765
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 24.
766
TELLES JÚNIOR, Goffredo. O Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica.
São Paulo: Max Limonad, 1971. p. 313-318.
368
Defende-se, portanto, aqui a tese de que o currículo jurídico é uma
construção. É construção porque tamm, o objeto do conhecimento está sempre
em constante construção, não está inserido na natureza como um dado.
Ocorre que o objeto cognoscível é construído a partir do próprio processo de
produção de uma teoria e, como tal, se vincula à prática, pelo método de abordagem
utilizado, que delimita os parâmetros da realidade, respaldado por sua construção
epistemológica.
Assim sendo, todo o objeto de análise é construído. Toda a teoria efetuada
sobre ele, portanto, se caracteriza por ser um conhecimento aproximado, retificável,
e não o reflexo dos fatos.
Defende esse ponto de vista Gaston Bacherlard
767
quando afirma:
Para o espírito científico, todo o conhecimento é resposta a uma pergunta.
Se não pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é
evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.
Sendo questionado e criticamente perguntado pela Filosofia acerca de sua
configuração, verifica-se que o currículo jurídico juntamente com suas diretrizes
embora constituindo, como conjunto articulado, formal e normatizado de saberes,
regidos por uma ordem é instituído, a par disso, numa arena na qual se embatem
visões diferenciadas de mundo. Local, onde se produzem, elegem e transmitem
representações, discursos, narrativas e significados sobre as coisas e seres do
mundo.
O currículo é um propósito que corresponde a um conjunto de intenções,
traduzidos por uma relação de comunicação que veicula significados jurídicos,
sociais e educacionais historicamente válidos.
Ora, todas estas intenções variam de sociedade para sociedade, tendo
sempre por base uma matriz civilizacional que estabelece parâmetros globais e
legais de interpretação cultural, razão pela qual se afirma que o currículo não é
somente um conceito abstrato, mas também construção permanente de práticas,
com um significado marcadamente cultural.
767
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuições para uma psicanálise do
conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 18.
369
Por isso o currículo jurídico não pode ser compreendido, simplesmente, como
um conjunto de conteúdos, disciplinas, matérias, métodos, objetivos e experiências
que compõem o ensino do Direito.
Além da lei, da sua prescritividade e normatividade, como construção
permanente de práticas e cnicas, o currículo jurídico revela-se, portanto, como um
significado marcadamente cultural e filosófico e como um instrumento obrigatório
para análise das decisões educativas no âmbito do conhecimento do Direito,
considerando-se que esse conjunto é articulado: norma, filosofias, valores e cultura
que impulsiona os seres cognoscentes em determinada direção, a direção exata da
educação.
Por essa razão é que se defende nesta tese que o currículo jurídico é uma
construção cultural
768
, produto da ação e criação (cultural) humana. A criação
humana que nasce do desejo de ir além do que outros foram capazes, desafiada
pela necessidade de ultrapassar os limites fixados por aqueles que nos precederam.
Em sentido contrário, José Augusto Pacheco
769
defende a tese de que o
currículo é uma dimensão política da educação, ou seja, como um instrumento que
reflete quer a relação sempre existente entre a instituição de educação e a
sociedade, quer os interesses individuais do grupo, quer ainda os interesses
ideológicos.
Discorda-se, entretanto, de tal posicionamento, visto que o ponto de vista de
José Augusto Pacheco está baseado numa perspectiva epistemológica reducionista
do currículo, circunscrevendo-o, apenas, a um dos aspectos da configuração do
currículo jurídico.
Ao contrário, entende-se nesta tese que o currículo jurídico deve ser encarado
sob uma perspectiva epistemogica aberta, denotada e inserida na concepção
culturalista do Direito que surge, conforme aponta Tércio Sampaio Ferraz Jr.
770
:
Ante a necessidade de se ver o Direito como um fenômeno inserido em
situações vitais, dotado de sentido, onde a ciência jurídica, surge como uma
ciência cultural, não como produto metódico de procedimentos formais,
dedutivos e indutivos, mas como um conhecimento que constitui uma
unidade imanente, de base concreta e real, que repousa sobre valorações.
768
PACHECO, José Augusto. Currículo: teoria e práxis. Portugal: Porto Editora, 2001. p. 19.
769
Ibid., p. 19.
770
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980. p. 38.
370
Concepção culturalista do Direito
771
possibilita o alargamento conceitual na
configuração do currículo jurídico, que passa não mais a ser compreendido, o
somente sob uma perspectiva formal. Passa a ser perspectivado de maneira
substancial, fundamentando-se, portanto, na cultura.
Registre-se, por outro lado, que a acepção mais ampla é a mais relevante do
ponto de vista filosófico, uma vez que o entendimento do currículo, como realidade
cultural, e, por via de conseqüência, do Direito como ciência da cultura, obrigam a ir
além da própria lei, em busca de uma identidade cultural dos fenômenos
jurídicos.
afirmava Peter Häeberle
772
que o objetivo da ciência jurídica é o de criar
por meio do respectivo sistema normativo, que, por outro lado, é um dos
componentes culturais, um marco coerente em que se possa desenvolver a cultura
do respectivo grupo.
A cultura sob o prisma de Peter Häeberle
773
é entendida, num sentido amplo,
devendo representar o contexto de qualquer texto legal e de qualquer ação relevante
juridicamente significativa num Estado Constitucional.
Nesse sentido, o entendimento tanto do Direito quanto do Direito
Constitucional como ciência da cultura implicam, assim, a valorização não do
texto, mas tamm da realidade que lhe está subjacente, pois segundo afirma Peter
Häeberle
774
,
[...] a Constituição não se limita a ser um conjunto de textos jurídicos ou
mero compêndio de regras normativas, mas antes é a expressão de um
certo grau de desenvolvimento cultural, um modo de representação próprio
de um povo, espelho do seu legado cultural e fundamento da sua esperança
e desejo. Pode assim falar em constituições de letra viva, que o tanto no
fundo como na forma, expressão e instrumento mediador de cultura, marco
reprodutivo e de recepções culturais, bem como repositório de futuras
configurações culturais, experiências, vivências e saberes.
771
Segundo Maria Helena Diniz, representam as direções principais das teorias culturalistas do
Direito: A concepção de Emil Lask, a concepção tridimensional de Miguel Reale e a dimensão do
egologismo existencial de Carlos Cossio. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à
Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 132. Acrescentam-se também aí, as reflexões de
Ortega y Gasset e Recaséns Siches.
772
HÄBERLE, Peter. Teoria de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000.
p. 42.
773
Ibid., p. 42.
774
Ibid., p. 42.
371
Relevantes para o Direito, sob a perspectiva culturalista o, segundo Peter
Häeberle
775
, não apenas as normas contidas na lei fundamental, mas tamm todas
as respectivas objetivações e cristalizações culturais.
Designadamente a regulação legislativa e regulamentar, a jurisprudência, na
sua evolução contínua, o que obriga a considerar tanto as posições dominantes
como as minoritárias, os fundamentos das sentenças como o do voto vencido, a
existência ou não de correntes jurisprudenciais, os costumes, e as posições dos
sujeitos intervenientes nos mais variados procedimentos e processos públicos, até
mesmo os discursos políticos, as notícias dos meios de comunicação social, as
reações da opinião pública, as obras artísticas e literárias.
Todos esses e tantos outros fatores jurídico-culturais necessitam de ser
considerados na interpretação e na aplicação do Direito e da Constituição, a qual,
numa sociedade aberta, não deve ser vista como tarefa exclusiva de juristas
profissionais, antes deve caber à sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição.
776
A primeira questão que merece atenção nessa configuração é quanto à
amplitude do termo cultura.
Afinal, o que vem a se constituir cultura
777
?
Maria Helena Diniz
778
afirma que cultura é:
[...] tudo que o ser humano acrescenta as coisas homo additus naturae,
diziam os clássicos, com a intenção de aperfeiçoá-las. Abrange tudo que é
construído pelo homem em razão de um sistema de valores. O espírito
humano projeta-se sobre a natureza, dando-lhe uma nova dimensão que é
o valor.
Cultura é por esse entendimento, a natureza transformadora ou ordenada
pela pessoa humana com o escopo de atender aos seus interesses.
775
HÄBERLE, Peter. Teoria de la constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000.
p. 42.
776
Ibid., p. 42.
777
Em perspectiva cética quanto há impossibilidade de conceituar-se cultura, aponta-se Vasco Pereira
da Silva, para quem: encontrar uma noção de cultura, tendo em conta a multiplicidade e a
diversidade de concepções do mundo e da vida que ela pressupõe e implica, tanto em termos
históricos como na atualidade, afigura-se constituir uma tarefa vã. SILVA, Vasco Pereira. A cultura
a que tenho direito: direitos humanos fundamentais e cultura. Coimbra: Almedina, 2007. p. 8.
778
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000.
p. 131.
372
Adverte, contudo, Miguel Reale sobre as dificuldades de sua conceituação,
tendo em vista que muitas vezes, o termo cultura é empregado de maneira
inadequada.
Afirma Miguel Reale
779
que:
[...] a todo instante, se emprega esse termo, sem a clara noção de seu
significado, o que tem dado lugar a muitos equívocos. A palavra “cultura” já
em si mesma é multívoca e polêmica, não havendo conceito dela que possa
ser acolhido sem reservas ou fortes contraditas.
No entanto, é preciso considerar que, no plano filosófico, sociológico,
antropológico, político ou jurídico, nem sempre se tem percepção de que esse
conceito, na acepção que hoje se lhe atribui, implica profundas alterações nos
domínios das ciências humanas, em geral, bem como nos da Filosofia, desde a
teoria do conhecimento à ética.
Miguel Reale
780
aponta o primeiro sentido (tamm denominado
pessoal/subjetivo) que se toma como referência quando se trata do termo “cultura”:
[...] é aquele que é incorporado à linguagem comum, de seu uso corrente.
Nessa acepção geral, a palavra cultura vincula-se a cada pessoa indicando
ao cervo de conhecimentos e de convicções consubstanciam as suas
experiências e condicionam as suas atitudes, ou mais amplamente, o seu
comportamento como ser situado na sociedade e no mundo.
Miguel Reale
781
indica um segundo sentido de cultura (também denominado
social/objetivo):
Configurando-se nesse sentido, em acepção a um só tempo filosófica,
antropológica e sociológica, como acervo de bens materiais e espirituais
acumulados pela espécie humana através do tempo, mediante um processo
intencional ou não de realização de valores.
Depreende-se dos conceitos ora apresentados, que a cultura pode ser
considerada como o conjunto de tudo aquilo que, no plano material e espiritual, o
homem constrói sobre a base da natureza, quer para modifi-la, quer para
modificar-se a si mesmo.
779
REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 1.
780
Ibid., p. 2.
781
Ibid., p. 3.
373
A cultura é assim o conjunto de instrumentos, das obras, serviços, como
tamm, das atitudes espirituais e formas de comportamento que o homem veio
aperfeiçoando ao longo da história, como patrimônio da espécie humana.
Nesse sentido, entende-se que a visão culturalista do currículo jurídico é
resultante da experiência e do poder criador da mente humana. Contudo, a cultura
implica e envolve tomada de posição perante a realidade, pois não vivemos no
mundo sem rumo e sem fim. A existência é uma constante tomada de decisão e
implica, portanto, valores.
Miguel Reale
782
afirma que toda sociedade obedece a uma bua de valores,
de maneira que a fisionomia de uma época depende da forma como seus valores se
distribuem ou se ordenam.
O mundo dos valores representam, por conseguinte, o mundo do dever ser,
das normas ideais segundo as quais se realiza a existência humana, refletindo-se
em atos e obras, em formas de comportamento e em realizações de civilização e
cultura, ou seja, de bens que representam o objeto das ciências culturais.
A cultura implica, portanto, a idéia de valores. Ela existe exatamente porque
o homem, em busca da realização de fins que lhe o próprios, altera o que é dado,
alterando-se a si próprio.
A cultura implica, no projeto educativo de um currículo, uma educação para os
valores, que, por sua vez, devem constituir o eixo central de sua configuração e da
formação de todos os agentes educativos. Pois, os valores constituem-se uma base
comum dinâmica na realização das atividades curriculares e educativas da escola.
São, com efeito, os valores que configuram o rosto humano à instituição e ao
currículo escolar. No entanto, a vivência crítica dos valores por parte dos vários
agentes educativos permite a humanização intersubjetiva dos atos pedagógicos e
educativos.
Sob a perspectiva cultural o currículo jurídico dá-se assim, num universo
axiológico, pois o problema dos valores o está na transmissão teórica, mas na
sua vivência e prática.
782
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
374
Por isso que sob a ótica construtivista cultural, o currículo jurídico não pode
ser considerado somente, em sua estática positivista, ou, ainda, como
exclusivamente afeita a uma mera escolha do conteúdo formal e instrutivo que um
indivíduo recebe para poder-se integrar em uma sociedade, ou dos meios para lhe
permitir chegar até lá.
O currículo jurídico deve designar um processo vivo, que além de vincular
o sujeito ao seu meio ambiente próximo, o inclui ao sistema de valores de uma
sociedade, permitindo-lhe assim, adquirir além da cultura, valores, princípios éticos
de justiça, tolerância, solidariedade, e de permanente capacitação e formação
profissional para adequada integração desse indivíduo na sociedade.
O currículo nasce quando as sociedades começam a sentir necessidade de
transmitir culturas, precisando, para isso, criar uma geração capaz de conservar o
que de mais sublime as gerações anteriores construíram.
Infere-se daí que:
a) sociedade não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de
geração em geração;
b) a não ser assim, não poderia haver progresso educativo na história, e a
vida dos homens e mulheres de cada geração não seria mais do que um
eterno retorno;
c) as formas de realizar ou garantir essa transmissão chama-se educação.
783
Tomando-se o termo, ainda em sentido lato, designa-se por educação a
transmissão, bem como o aprendizado das técnicas culturais, que são as cnicas
de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é
capaz de satisfazer suas necessidades.
Proteger-se assim, contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e
trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico.
784
À exigência de sentido que resulta da socialização, e que engajam seu
sujeito, tomam lugar, muito especial, as instituições de ensino. O problema que
surge também daí é qual a cultura, quais são os valores que vão ingressar na
instituição educativa?
783
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 305.
784
Ibid., p. 305.
375
Ainda, sob o aspecto reduzido, qual é o currículo a ser selecionado e
configurado que é mais adequado ao ensino do Direito, tendo em vista que um
currículo não se elabora no vazio nem tão-pouco se organiza arbitrariamente.
José Gimeno Sacristán
785
refere o currículo, por exemplo, como uma seleção
cultural estruturada sob condições psicopedagógicas dessa cultura que se oferece
como projeto para a instituição escolar”.
Ora, como aprendizagem ao longo da vida, o currículo jurídico é, antes de
mais nada, um projeto com finalidades educativas, que reflete a função de cultura
da escola e concepções filosóficas, de saberes e de conhecimento.
No entanto, seja qual for a concepção filosófica que se perfilha, Idealista,
Realista, Naturalista, Positivista, Materialista-Dialética, Existencialista, Pragmatista,
Intuicionista, Reconstrutivista, Humanista como fartamente ficou demonstrado no
capítulo 1, desta tese , ou ainda, se de perspectiva epistemológica e cultural,
fechada ou aberta, a construção do currículo começa por fazer-se na base de seus
conteúdos que são a condição lógica do processo ensino/aprendizagem.
Como se demonstrou no capítulo II, deste trabalho, o cânone curricular
ocidental teve origem na Grécia antiga, como conseqüência das diferentes
perspectivas de visão de mundo, depois as cidades-estado da Grécia clássica. Em
seguida passou por Roma e o seu Império estendendo sua civilização para toda a
Europa. Séculos depois, o epicentro muda para a Europa da Cristandade, com o
surgimento das primeiras universidades onde seus currículos eram invariavelmente
fixos e engessados.
Posteriormente, com os Descobrimentos e o Renascimento, migram para as
cidades italianas, Países Baixos, Inglaterra, Espanha e Portugal. Com o Iluminismo,
a Alemanha, França e Inglaterra tornam-se os centros da civilização, influenciando
tamm com sua civilização a configuração dos currículos. Com a Revolução
Industrial a América estende sua influência do cânone curricular ao Novo Continente.
Embora o mundo atravesse hoje por várias matrizes culturais e civilizatórias,
cada civilização possui a sua matriz cultural e curricular específica. E, embora cada
matriz possa dialogar entre si, cada uma delas procura conservar sua identidade.
785
GIMENO, José Sacristán. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.
p. 42.
376
As instituições de ensino superior e seus respectivos currículos expressam
assim a matriz civilizacional cultural a qual pertencem. Resta saber qual dos
cânones culturais se quer para a configuração do currículo jurídico no nosso país.
Trata-se, pois, da seguinte questão: qual é a cultura, o cultivo, que será transmitido
às novas gerações, daquilo que foi transmitido?
No aspecto filosófico, trata-se da questão existencialista
786
, o que se faz
daquilo que o mundo nos fez? Qual é o novo conteúdo, a cultura que vai ingressar
nas escolas por intermédio dos currículos a partir da constatação da crise do ensino
jurídico? Ou seja, o problema que vai pôr na escola, desde suas origens, é a cultura,
quais são os valores que vão ingressar na instituição educativa.
Ainda, sob o aspecto reduzido, reelaborado, selecionado, indaga-se o que se
constitui mais adequado na mediação dos currículos escolares?
O currículo constituiu-se, por outro lado, numa representação do universo
do conhecimento, que influenciado por diferentes percepções de mundo, onde não
se deixará de reconhecer a contribuição da Filosofia da Educação e do Direito,
bem como das correntes da tradição filosófica, tais como: do Idealismo, do
Perenialismo, do Relativismo, e (Des)construtivismo.
Enquanto que as duas primeiras, sob o princípio da continuidade, defendem a
perenidade e imutabilidade da transmissão da cultura, as três últimas, sob o princípio
da inovação e reconstrução, advogam a educação e o currículo como, além de um
processo prescritivo e normativo, um processo cultural, em desenvolvimento e em
permanente mudança.
Partindo-se da hipótese do currículo jurídico como construção e
fenômeno cultural, é possível concebê-lo como importante agente de mudança.
Propõe-se com isso que o currículo jurídico deva incluir processos de
interpretação, discussão e comportamento dessas mudanças, sendo nesse contexto
tarefa do docente e da instituição de ensino, capacitar o educando para reconhecer
786
É de Sartre a seguinte afirmação: O essencial não é o que foi feito do homem, mas o que ele
faz daquilo que fizeram dele. O que foi feito dele o as estruturas, os conjuntos significantes
estudados pelas ciências humanas. O que ele faz é a própria história, a superação real dessas
estruturas numa práxis totalizadora”. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.
Lisboa: Presença, 1998. p. 117 (grifo nosso).
377
situações novas e resolvê-las, potencializando o aluno para as suas aptidões e
habilidades racionais, mas também, afetivas, sociais, criativas e estéticas.
Da análise, sob a perspectiva construtivista cultural do currículo, retiram-se
outras inferências educativas como, por exemplo, a função cultural possibilitadora de
mudanças na instituição escolar que pode ser perspectivada a partir de diferentes
finalidades educativas.
787
No cumprimento da especificação do caráter cultural que o currículo jurídico
apresenta, ligado aos conhecimentos que a instituição de ensino deve promover na
configuração curricular dos cursos de Direito, entende-se ser preciso delinear o
instituto em 5 (cinco) características:
1. de um currículo geral (universo comum de discurso, compreensão e
competência);
2. de um currículo especializado (referente às especialidades do
conhecimento pelas disciplinas e seus conteúdos essenciais);
3. de um currículo exploratório (adaptada aos interesses especiais e
particulares do aluno);
4. de currículo de enriquecimento (para aprofundar a experiência educativa
do aluno);
5. de um currículo de competências, habilidades, sobretudo, de atitudes
(racionais, sociais, morais, estéticas, criativas, afetivas).
O currículo jurídico releva-se, portanto, no cumprimento de sua natureza,
muito além de uma mera construção normativa, destaca-se na sua arena de sintaxe
cultural que se converte, de forma explícita e/ou implícita, em uma construção de
capital simbólico institucionalizado e em um espaço de interesses e investimentos
proporcionais aos espaços constituídos por posições sociais face ao conhecimento.
4.2 Currículo como Construção Cultural em Henry A. Giroux
Entre os autores que nos Estados Unidos ajudaram a desenvolver uma teoria
crítica sobre o currículo, destaca-se a figura de Henry A. Giroux. Tomaz Tadeu da
787
Veja-se a título de exemplo, as orientações de FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as
bases epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artmed, 1993. p. 10.
378
Silva
788
afirma que Giroux contribui de forma decisiva para traçar os contornos de
uma teorização crítica do currículo, que iria depois florescer de modo inesperado”.
Henry A. Giroux
789
volta-se para temáticas e direções que configuram o
currículo do ponto de vista cultural. Servindo-se de conceitos desenvolvidos pelos
autores da Escola de Frankfurt, Giroux ataca toda a racionalidade técnica e utilitária
do currículo, bem como o positivismo das perspectivas dominantes sobre o currículo.
Perspectiva essa, aliás, na qual, saliente-se, fundamenta, historicamente, o nosso
currículo jurídico.
A Escola de Frankfurt, integrada por expoentes como Theodor Wiesengrund
Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse fornecia uma crítica à epistemologia
implícita na racionalidade técnica que podia ser prontamente aplicada à crítica, tanto
das perspectivas dominantes sobre o currículo, quanto do próprio currículo existente.
Recorrer aos frankfurtianos possibilitou a Giroux produzir uma crítica à
epistemologia implicada na razão instrumental, e que segundo o autor favorecem
práticas educacionais que conduzem a alienação e à dominação. Segundo ele, tal
epistemologia, bem como a crítica a ela, é apreendida quando se recorre à teoria da
cultura presente na perspectiva proposta por Theodor Wiesengrund Adorno, Max
Horkheimer, Herbert Marcuse.
Segundo Henry Giroux
790
[...] a teoria da cultura da Escola de Frankfurt oferece novos conceitos e
categorias para análise do papel que a escola representa como agente da
reprodução cultural e social. Esclarecendo a relação entre poder e cultura,
aqueles teóricos ofereceram uma vio da maneira pela qual as ideologias
788
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica. Portugal: Porto Editora,
2000. p. 51.
789
Henry A. Giroux ocupa a tedra Waterbury na Escola de Educação Secundária da Penn State
University, nos Estados Unidos. Foi professor em Miami University, Tufts University e Boston
University. Publicou numerosos artigos científicos e capítulos em diferentes revistas e livros, o mais
recente de todos é Crítica Cultural Estudios Culturales, Harvard Education Review e New Art
Examiner. Além disso, é autor de 17 livros e organizador de sete. Organizador de três ries de
livros que abrangem os campos da pedagogia, dos estudos culturais e da reforma educativa,
publicados respectivamente, por Suny Press, University of Minnesota Press Bergin e Gravey
Press. Seus livros incluem: Educación post moderna, Cruzando límites, Vivir peligrosamente
(ganhador do prêmio Gustav Myers de 1995 como um dos melhores livros sobre Direitos Humanos
na América do Norte), Placeres: Aprendiendo cultura popular e culturas fugitivas: raza,
violência y juventud. Seus livros mais recentes são: Channel surfing: race talk and politics of
destruction of today youth (St. Martin) e Pedagogy and the politics of hope (Westview Press). É
membro do Comitê Editorial de 14 revistas e, atualmente, é diretor do Waterbury Forum in
Education and Cultural Studies, na Penn State University. Cf. IMBERNÓN, Francisco. (Org.). A
educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. viii.
790
GIROUX, Henry A. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez, 1983. p. 28.
379
dominantes o constituídas e mediadas por formações culturais
específicas. O conceito de cultura nesta visão existe em uma relação
particular com a base material da sociedade o valor explanatório de tal
relação será encontrado ao problematizar-se o conteúdo específico de uma
cultura, sua relação com os grupos dominantes e dominados, bem como a
genes histórico-social do ethos e das práticas culturais legitimadoras e de
seu papel na constituição de relações de dominação e resistência.
Entende-se que pela análise de Henry Giroux
791
as perspectivas dominantes,
em especial as de cunho Positivista, ao concentrarem-se em critérios de eficiência e
racionalidade burocrática, deixam de levar em consideração o caráter ético, político,
e cultural das ações humanas e sociais, e particularmente, no uso do currículo e do
conhecimento.
Segundo Henry Giroux
792
, como resultado dessa concepção, o currículo
contribui para a reprodução das desigualdades e das injustiças sociais.
Ainda, segundo esse autor havia uma rigidez estrutural na configuração do
currículo que não deixava espaço para a mediação e a ação humana, portanto, vai
em busca de uma teorização crítica, mais alternativa sobre a pedagogia e o
currículo.
A síntese que ora se apresenta baseia-se nos seus primeiros livros Ideology,
culture and the process of schooling (1981) e Teoria e resistência em educação
(1983).
793
Henry Giroux
794
afirma que os educadores e as educadoras progressistas em
todo mundo devem enfrentar o desafio de unir cultura e política para fazer com que
o pedagógico seja mais político unindo a aprendizagem, em seu sentido mais amplo,
à própria natureza da mudança social.
Esse posicionamento sugere que se refaçam as relações entre cultura,
pedagogia e política. O que falta para tornar qualquer noção viável de pedagogia em
profecia exemplar é o reconhecimento de que a cultura está composta de indivíduos
791
GIROUX, Henry A. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez, 1983. p. 28-29.
792
Ibid., p. 28-50.
793
As obras citadas encontram-se publicadas somente em inglês, faz-se aqui uma tradução livre em
português das referências dos títulos dessas duas obras, cujos originais o: Ideology, culture and
the process of schooling. Philadelphia London: Temple University Press; Falmet Press, 1981;
Theory and resistance in education, critical perspectives in social theory. South Hadley, Mass.:
Bergin & Garvey, 1983.
794
GIROUX, Henry A. Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar: cultura e política no novo
milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato.
Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 65-75.
380
e política, porque esta proporciona recursos por meio dos quais as pessoas
aprendem a pensar sobre si mesmas e a relacionarem-se com as demais e com o
mundo que as rodeia.
A força educativa da cultura, segundo Henry Giroux, está atenta às
representações e aos discursos éticos como condição necessária para a
aprendizagem, a diligência e o funcionamento das práticas sociais e políticas em si.
Como força pedagógica a cultura está saturada com a política e oferece em
seu sentido mais amplo o contexto e o conteúdo para a negociação do
conhecimento e das habilidades que facilitam a leitura crítica do mundo a partir de
uma postura de sujeito e possibilidade no marco de relações desiguais de poder.
Segundo Henry Giroux,
795
os educadores e educadoras devem dar ênfase ao
fato de que a Pedagogia representa uma prática moral e política, e não meramente
um procedimento técnico.
O desafio com o qual se defrontam educadores, educadoras e estudantes
representa, portanto, parte de um desafio para desenvolver e sustentar as culturas
públicas democráticas, para conseguir que educadores e educadoras explicitem as
metas morais e políticas, que funcionam em suas pticas e desenvolvam
pedagogias que se encarreguem de demonstrar criticamente como o conhecimento
está relacionado com o poder da transformação social.
No caso do currículo jurídico, esse argumento é especialmente importante,
tendo em vista a crise que se abateu sobre a sua configuração.
Os desafios trazidos pela massificação do ensino jurídico que se converteram
em grande manancial de ilusões para um número excessivamente crescente de
universitários, para os quais se deve sobre a existência de duvidar existirem vagas
proporcionais de trabalho, sabendo-se que a grande maioria dos cursos concentra-
se apenas no estudo da tecnologia extraída da dogmática jurídica.
Nesse sentido afirma José Eduardo Faria
796
:
795
GIROUX, Henry A. Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar: cultura e política no novo
milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato.
Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 65-75.
796
FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987.
p. 18.
381
A educação a nível universitário converteu-se, numa banal e
descompromissada atividade de informações genéricas e/ou
profissionalizantes com alunos sem saber ao certo o que fazer diante de
um conhecimento muitas vezes transmitido de maneira desarticulada e
pouco sistemática, sem rigor metodológico, sem reflexão crítica e sem
estímulo às investigações originais. A ênfase à rentabilidade educacional
anulou por completo, assim, a função formativa da Universidade brasileira,
mediante uma crescente marginalização das atividades criativas e críticas.
Como decorrência, as estruturas universitárias se verticalizaram, em
detrimento da autonomia acadêmica e da flexibilidade horizontal dos
projetos interdisciplinares, ao mesmo tempo em que os corpos docentes se
dispersaram entre departamentos estanques e fechados em sua própria
rotina burocrática
Esse desafio reforça também o argumento para formar professores,
professoras e estudantes que se movam por meio de fronteiras disciplinares,
políticas, jurídicas e culturais a fim de que se possam propor novas perguntas,
produzir contextos diversos dentro dos quais se possam organizar as energias de
uma visão moral e recorrer aos recursos intelectuais necessários para entender e
transformar aquelas instituições e forças que continuam, fazendo que a vida em
que vivemos e a sociedade em que vivemos sejam profundamente anti-
humanas
797
(grifo nosso).
Pelo espaço que ocupa na sociedade brasileira, com a predominância da
formação como aprendizagem ao longo da vida, o currículo jurídico é uma destacada
arena da política cultural, que se converte, de forma explícita ou implícita, em um
capital simbólico institucionalizado e em campo de interesses e investimentos face
ao conhecimento.
Nesse sentido, e seguindo os conceitos fundamentais de Henry A. Giroux
798
compreende-se que a escola deve ser vista e entendida como uma arena política,
jurídica e, sobretudo, cultural, na qual formas de experiência e de subjetividade o
construídas, desconstruídas e, tamm, reproduzidas, o que torna o currículo
jurídico um poderoso agente de mudança e de luta a favor das transformações da
sociedade. Porque se corporifica em uma estratégia de regulação, ou numa
estrutura dinâmica, em que os habitus escolares resultam das relações de poder.
797
HALL, S. Race. Culture and communications: looking backward an forward at cultural studies.
Rethinking Marxism, n. 5, p. 18, 1992.
798
GIROUX, Henry A.; McLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da; MOREIRA, A. F. (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas
políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 146.
382
O currículo, segundo Henry A. Giroux
799
, é uma construção cultural que
representa uma encruzilhada de práticas. Espaço onde se cruzam saber e poder,
discurso e regulação onde se condensam identidades individuais e sociais
corporificando relações sociais e culturais.
Fazer da instituição de educação um local de produção de tais identidades,
implica reconhecer quer a natureza subjetiva e cultural do currículo jurídico quer
práticas de desconstrução. Daí resulta que o currículo jurídico seja entendido como
uma prática discursiva e como autoridade textual.
Para Henry A. Giroux
800
a autoridade textual refere-se ao poder que os
educadores as utilizam para legitimar tanto o valor de uma imagem ou texto
particular, quanto a gama de interpretações que são arregimentadas para
compreendê-los.
Assim, conceituar o currículo jurídico como um texto legal a ser aprimorado
permanentemente, é entendê-lo, tamm, como uma criação discursiva que não é
simplesmente um texto, mas um texto de poder.
801
Para completar essa asserção, o currículo é um texto, além de normativo,
cultural, que é diferentemente construído no âmbito das abordagens filosóficas pós-
estruturalistas de poder e discurso.
Por outro lado, é preciso considerar as ponderações de Alfredo Veiga Neto
802
que sustenta que falar de fenômenos culturais não significa reduzir tudo a cultura,
mas significa: assumir que a cultura é uma das condições constitutivas de
existência de toda prática social, que toda prática social tem uma dinâmica cultural.
Não que não haja nada além do discurso, mas que toda prática social tem o seu
caráter discursivo.
799
GIROUX, Henry A.; McLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da; MOREIRA, A. F. (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas
políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 146.
800
Ibid., p. 146.
801
Expressão empregada por SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: uma introdução crítica.
Portugal: Porto, 2000. p. 49.
802
VEIGA NETO, Alfredo. Michel Foucalt e os estudos culturais. In: COSTA, M. (Org.). Estudos
culturais em educação. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 53.
383
4.3 Desconstrução na Filosofia Pós-Moderna de Jacques Derrida
Embora o termo pós-moderno seja de uso principalmente americano, a
maioria das idéias geradoras pós-modernas surgiram na França.
O pós-moderno representa, em geral, uma reação contra as tendências
generalizadoras, universalizantes, integradoras e racionalizadoras da modernidade,
ou seja, da época da cultura européia em que desde o Iluminismo até ao
cientificismo triunfante (no domínio das ciências Positivas e Sociais) da nossa época
se crê, por um lado, que o nível mais adequado para conhecer e organizar é o
geral, o global, o holístico, e que, por outro lado, esse conhecimento e essa
organização são progressivos e aditivos, representando vitórias sucessivas sobre a
irracionalidade e a desordem.
803
Os valores centrais do modernismo são, por exemplo, a generalidade e a
abstração, a racionalidade, a planificação, a hetero-disciplina, a funcionalidade.
A reação pós-moderna dirige-se contra tudo isso. Ao geral, opõe o particular,
ao gigantismo do grande opõe a beleza do pequeno; a eficácia da perspectiva macro
opõe a sutileza da perspectiva micro; ao sistema opõe o caso, à hetero-regulação
(heteronomia), a auto-regulação (autonomia); ao funcional opõe o lúdico; ao objetivo
opõe o subjetivo; à verdade opõe a política.
804
O Pós-Modernismo carrega, quer do ponto de vista existencial, quer em
relação ao conhecimento dos valores, um relativismo radical.
803
Segundo Goffredo Telles Júnior, a Filosofia ensina que o Universo é a diversidade das coisas
harmoniosamente ordenadas, dentro da unidade do todo. Para ele, a ordem é a disposição
conveniente de seres para a consecução de um fim comum. No entanto, segundo Telles Jr. a
desordem não é o contrário da ordem é somente uma “ordem contrária a outra” é a ordem que não
queremos. A desordem, nesse sentido, é uma pseudo-ilusão. TELLES JÚNIOR, Goffredo.
Iniciação na Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 10-11.
804
Sobre o pós-modernismo a bibliografia é farta. Aponta-se o texto fundador a obra de Lyotard, Jean-
François. A condição Pós-Moderna. 1979. Sob o pós-modernismo e impacto nas Ciências
Sociais, veja-se ROSENAU, Pauline Marie. Pós-Modernismo e Ciências Sociais: para uma
crítica sob a perspectiva marxista, 1991; CALLINICOS, Alex. Against Post-Modernism: a
marxism critique. New York, Palgrave Macmillan, 1990. Do ponto de vista da ética reportamos a
obra de BAUMAN, Zigmunt 1993 e António Manuel HESPANHA, sob a perspectiva do pós-
modernismo político, a obra: O poder, o direito e a justiça numa era de perplexidades. 1992.
Veja-se ainda SANTOS, Boaventura Souza. Pela o-de-Alice: o social e o político na pós-
modernidade. São Paulo: Cortez, 2003 e do mesmo autor Introdução a uma Ciência Pós-
Moderna. São Paulo: Graal, 2003. Sobre o pós-modernismo jurídico, veja-se, também,
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1991. LITOWITZ,
Douglas E. Filosofia s-Moderna e Direito. 1997. No Brasil: BITTAR, Eduardo C. B. O Direito
na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
384
No plano dos saberes sociais, como aponta António Manuel Hespanha
805
,
este relativismo leva à recusa de teorias gerais que tenham ambição de fundar
universalmente os valores ou os métodos, grandes narrativas, metanarrativas, e.g,
bem como à valorização do multiculturalismo, do pluralismo, da heterogeneidade, da
conflitualidade de paradigmas e de valores.
Os valores considerados pós-modernos conduzem também ao
desenvolvimento de um certo descrédito com relação aos princípios de integração,
generalização e totalidades. Mas também levam a uma leitura política dos discursos,
não podendo ser verdade, são instrumentos de manipulação.
O pós-moderno critica assim, a idéia de que os paradigmas culturais e
epistemológicos têm caráter histórico e aleatórios que, portanto, não são regime de
verdades, mas apenas, universos de crenças.
Essa idéia de que os saberes e os discursos constituem sistemas aleatórios
de sentido, em que não existem relações necessárias entre os significantes e os
significados, é responsável por aquilo a que se tem chamado a viragem lingüística
e que tem caracterizado a cultura pós-moderna, passando do Direito, à Arte, à
História, à Literatura, etc.
No estudo dessas culturas, a viragem lingüística teve paralelo na insistência
de um caráter local, dos valores culturais, em detrimento ao universal, como dito
anteriormente, ou seja, das representações, crenças, disposições emotivas ou da
sensibilidade.
Valores, que sob essa perspectiva, devem ser identificados a partir de uma
interpretação profunda dos comportamentos humanos das diversas culturas.
Essa visão de mundo retira qualquer necessidade ou universalização aos
valores de uma cultura, especialmente, da cultura ocidental. Faz-se, assim, uma
crítica à sociedade moderna.
Registre-se, como aponta António Manuel Hespanha
806
, que a essa tendência
cultural para recusar valores universais e para ligar os valores a contextos culturais
ou discursos locais, que contém em si mesmos os seus sistemas de sentido, e que,
805
HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Portugal:
Publicações Europa-América, 2003. p. 346.
806
Ibid., p. 347.
385
a partir deles, interpretam as coisas e os comportamentos, constroem as suas
imagens locais e lhes dão significados e avaliações locais, correspondem ao
desenvolvimento de uma teoria dos sistemas
807
, que realça justamente esses traços
adequados à teorização do Pós-Modernismo.
Trata-se da teoria dos sistemas autopoiéticos
808
que se constituiu num
modelo adequado para pensar os novos objetos culturais criados pelo Pós-
Modernismo.
Dentro da perspectiva pós-moderna, saberes, sistemas de valores, modelos
de comportamento, inclusive o Direito são encarados como discursos
809
,
obedecendo a códigos que os pré-formam e lhes dão sentido.
Ou seja, toda a construção, por exemplo, do que seja a verdade, a bondade,
a justiça, a beleza que, com essas práticas se quis fazer, todas as estratégias
visando a explicá-las como sólidas e credíveis, são sujeitas a uma crítica que visa a
desvendar o arbitrário que está na sua origem.
É a esta intenção de crítica, desmistificadora, ligada a uma viragem
lingüística” que se tem chamado desconstrutivismo.
Com efeito, todas as imagens, intuições e conceitos que orientam o cotidiano
e os saberes são tratados como figuras do discurso, como topos
810
literários e
sujeitos à crítica.
807
Registre-se que a conceituação de sistema e sua importância para a ciência jurídica já se analisou
nesse trabalho, no capítulo 3, item 3.2. É preciso considerar, no entanto, que a aplicação de um
enfoque sistêmico na educação, leva a conhecer aspectos e fenômenos próprios de todos e de
cada um dos processos educativos, e, com isso, suas conclusões poderiam ser generalizadas e
comparadas (validade universal) em qualquer universo pedagógico, possibilitando um caráter de
objetividade. Como aponta Colom, a teoria dos sistemas não pode ser entendida como uma
ideologia de corte educativo, mas sim como uma forma de entender a concepção da teoria. Sua
concepção assim deixa de ser teoria e passa a ser o campo da epistemologia. Por isso, uma vez
mais, deve ser rechaçada a qualificação de anti-humanista que lhe foi imposta. COLOM, Antoni J.
A (des)construção do conhecimento pedagógico: novas perspectivas para a educação. Porto
Alegre: Artmed, 2004. p. 49.
808
Autopoiesis é um termo de origem grega que significa autocriação. Foi introduzido na linguagem
sociológica contemporânea pelo construtivismo radical.
809
Para François Ost, por exemplo, o Direito deve ser compreendido como “linguagem, discurso e
narrativa”. Veja-se a esse respeito OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico.
São Leopoldo: UNISINOS, 2007. p. 30, 41-48.
810
O termo topos, segundo Eduardo Bittar, em sua semântica originária e primígena, significa lugar. É
desta forma originária que se vale Aristóteles para explorar a temática da dialética, pois neste
contexto quer-se indicar os lugares-comuns do silogismo dialético, aqueles argumentos
comumente explorados nos debates entre escolares, pensadores e profissionais da palavra
pública. BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia Aristotélica: leitura e interpretação do
pensamento aristotélico. Barueri: Manole, 2003. p. 291-325.
386
Muitos filósofos contribuíram com elementos importantes para o
empreendimento filosófico pós-moderno, no entanto, alguns deles se sobressaem.
É o caso, por exemplo, de Jacques Derrida e Henry A. Giroux. Embora, como
apontam Howard A. Ozmon e Samuel M. Craver
811
, ambos os filósofos tenham,
raramente, se referido a seus próprios trabalhos como pós-modernos.
Os esforços nesta pesquisa estão centrados, por opção metodológica, no
pensamento de Jacques Derrida e de Henry A. Giroux.
O filósofo franco-argelino Jacques Derrida
812
, quase sempre é lembrado por
seu trabalho relacionado à desconstrução, já que o próprio termo desconstrução foi
cunhado pelo autor, nos seus trabalhos sobre Literatura e Filosofia, durante os anos
1960.
Em suas obras
813
Jacques Derrida faz uma aproximação entre Filosofia e
Literatura, recusando-se a estabelecer limites estanques para definir esses dois
campos do saber, que sempre acreditou na necessidade de extrapolar limites,
tradicionalmente, conhecidos como filosóficos, levando assim a Filosofia a rias
outras áreas, especialmente ao Direito.
814
Destacam-se, também, seus escritos sobre a Educação.
815
Porém, ao mesmo
tempo, que enfatiza a necessidade da interação dessas disciplinas do
conhecimento, enfatiza também a necessidade de algo especificamente filosófico,
pois acredita não ser possível dissolver a Filosofia em outras disciplinas.
811
OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
812
Jacques Derrida nasceu em 1930, na cidade de El Biar, na Argélia e faleceu em Paris, em 8 de
outubro de 2004. Derrida foi professor na escola normal superior de Paris, colaborou, entre outras
publicações, no Tel Quel, o que levou alguns a filiá-lo ao estruturalismo francês contemporâneo.
Embora se tenha ocupado de temas abordados por autores estruturalistas (Claude vi-Strauss,
Lacan) ou afins ao estruturalismo (Michel Foucault), Derrida combinou esses temas com
inspirações procedentes da fenomenologia de Husserl, Heidegger e Hegel.
813
Algumas das obras mais conhecidas de Jacques Derrida já traduzidas do francês para o português
o: DERRIDA, Jacques. Força de Lei. São Paulo: Martins Fontes, p. 8. [Coleção Tópicos]. A
universidade sem condição. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. O animal que sou eu. São
Paulo: UNESP, 2002. Gêneses, genealogias, gêneros e o gênio. Porto Alegre: Sulina, 2005.
Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. O monolingüísmo do outro ou a prótese de
origem. Porto: Campo das Letras, 2001. Adeus a Emmanuel Lévinas. São Paulo: Perspectiva,
2008. De que amanhã... diálogo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
814
Veja-se a esse propósito especialmente a obra DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento
místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 8.
815
Veja-se a esse propósito a obra de DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. São
Paulo: Estação Liberdade, 2003, bem como a obra O olho da universidade.
387
Como aponta Katya Kozicki
816
é, justamente, essa aproximação da Filosofia
a outras disciplinas, especialmente da Literatura, que foi alvo das maiores críticas
recebidas por Derrida”, principalmente nos Estados Unidos, onde foi acusado de não
realizar pesquisas propriamente filosóficas e sim estudos literários.
Essa incompreensão sempre foi refutada por ele, o qual afirmou, repetidas
vezes, a necessidade do rigor e do método no campo filosófico, tendo apenas
imaginado limites, ou ausência de limites, para o que venha a ser Filosofia.
O significado do termo desconstrução é de difícil apreensão, e depende,
tamm, em que campo do saber o conceito está sendo referido.
Embora o termo desconstrução possa aparentemente ser considerado
incendiário, inimigo das instituições
817
tendo sido associado com subversão,
rejeição à ordem e à lei, promessa de liberdade e renascimento, o próprio Derrida
818
nunca procurou tornar absolutamente claro o seu sentido buscando inclusive
negações para explicar o seu conceito:
Desconstrução não é um método ou alguma ferramenta que vo pode
aplicar a algo externamente. Desconstrução é algo que acontece e
acontece internamente.
Para Jacques Derrida a desconstrução não é algo que possa ser apenas
utilizado, algo que possa ser apenas aplicado, por não ser ela um método ou uma
técnica propriamente dita não existe uma técnica desconstrutivista. No entanto, a
desconstrução é algo sempre relacionado a um texto, à leitura de um texto, o ler e
pensar um texto. Em Jacques Derrida, a desconstrução pode ser entendida como
uma forma de desestabilização, de colocar em questão, de questionar
819
, de criticar,
de buscar a alteridade, as fronteiras e os limites do texto.
816
KOZICKI, Katya. Verbete Jacques Derrida. In: BARRETO, Vicente de Paulo. (Org.). Dicionário de
Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 200.
817
Sob a perspectiva crítica veja-se Steven Connor. Teoria e valor cultural. São Paulo: Loyola, 1994.
p. 193-123.
818
DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla
Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 3-43. Sobre o conceito de desconstrução em
Jacques Derrida veja-se tamm sua obra A universidade sem condição. Tradução de Evandro
Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 22-27.
819
Corrobora esse entendimento Pedro Demo ao afirmar que o “conceito de questionamento é, por si
, desconstrutivo”. Segundo DEMO, questionar significa “não deixar as coisas como estão,
colocar defeito, ver problemas, pôr em vida”. Essa postura questionadora, desconstrutivista é,
portanto, a alma da ciência. DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo:
Atlas, 2000. p. 75.
388
Desconstruir é pensar a genealogia estruturada dos conceitos. É mostrar,
assim, como os conceitos fundamentais constituíram-se no interior de um domínio
determinado, em certos limites a partir dos quais eles se tornamlegíveis” remetendo
à própria constituição do que os construiu.
Para Jacques Derrida é necessário desestabilizar a interpretação dominante,
buscar novos sentidos, reconstruindo o texto em um movimento permanente de
interpretação. É somente esse movimento de passar pelo texto que permite alcançar
uma posição de exterioridade a ele, a partir do qual esse texto pode ser
desconstruído.
A desconstrução exige, assim, que toda leitura de um texto possa ser
submetida a uma nova leitura, em um movimento que une presente, passado e
futuro.
4.4 Desconstrução versus Positivismo Jurídico
Desconstruir o Direito pode ser uma forma de demonstrar que qualquer texto,
qualquer lei, qualquer tipo de norma jurídica incluindo-se particularmente a
resolução normativa pode ser questionada, interpretada, criticada, revelando-se o
caráter epistemológico aberto e contingente do ordenamento jurídico e abrindo
novas possibilidades para sua exegese e aplicação.
Não se pode olvidar que a finalidade principal do Direito é contribuir para a
instituição social, estreitar e atar os elos sociais, oferecendo aos indivíduos os
pontos de referência e as marcas necessárias para a sua segurança, educabilidade,
liberdade e autonomia.
820
O Direito deve ser compreendido muito mais do que leis, procedimentos, ritos
ou sanções, devendo constituir-se especialmente na práxis de ação recíproca de
convívio solidário, justo, tolerante e de sentido entre os homens.
820
Segundo Paulo Freire, a autonomia é um processo, é uma prática libertadora: “a autonomia
enquanto amadurecimento do ser para si é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É
neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências
estimuladoras de decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da
liberdade”. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 107. Nesse diapasão, entendemos que a autonomia deve ser
nuclear em todo o processo verdadeiramente educativo e axiológico.
389
Além disso, como afirma François Ost
821
, o Direito é um discurso
performativo, um tecido de ficções operativas que redizem o sentido e o valor da
vida em sociedade.
Ora, o Direito se apresenta em textos, textos que o produtos da ação
humana é produto cultural do homem. Entende-se que o Direito constitui-se de um
discurso performativo, como aponta François Ost e, como tal, pode ser
desconstruído.
Como afirma Jonathan Culler
822
, a desconstrução pode ser apresentada
como uma posição filosófica, uma estratégia política ou intelectual e um modo de
leitura”. (grifo nosso).
É, sob esse último prisma, ou seja, como modo de leitura (interpretação) que
se aplica à presente tese, tendo em vista que se revela aqui tamm, um dos pontos
em que a desconstrução pode ser de grande valia para a crítica do pensamento do
positivismo jurídico, pois permite a possibilidade exegética de caráter epistemológico
aberto e contingente do ordenamento jurídico; abrindo-se, portanto, novos caminhos
para sua aplicação e interpretação, sobretudo quanto às diretrizes de seus
currículos.
Por isso que desconstruir o positivismo do Direito pode ser uma forma de
demonstrar que qualquer texto, qualquer lei, qualquer norma jurídica pode ser
desestabilizada, ou seja, pode ser questionado.
Por outro lado, é preciso apontar a dimensão ética no trabalho de
desconstrução de Jacques Derrida, tendo em vista que a busca pela alteridade,
justamente pela perspectiva unívoca que se quer combater, buscando sempre o
outro lado da questão, a presença do outro, o combate da verdade absoluta implica
na concepção ética de Justiça.
A Justiça é também definida por uma relação ética com o outro, em resposta
ao sofrimento do outro, para o qual o sujeito tem uma infinita responsabilidade. Idéia
tamm que se coaduna como a noção política de Justiça, no sentido de que toda
relação ética é sempre situada em um determinado contexto sociopolítico,
821
OST, François. O tempo do Direito. Bauru, SP: Edusp, 2005. p. 13.
822
CULLER, Jonathan. Sobre a desconstrução: teoria crítica do pós-estruturalismo. Rio de Janeiro:
Record; Rosa dos Ventos, 1997. p. 99.
390
econômico, cultural de diversidade e complexidade, o qual implica diferentes
concepções éticas, levando à necessidade da escolha entre estas ou uma decisão.
A idéia ética de Justiça em Jacques Derrida
823
envolve a idéia de
transformação, abertura para o futuro que pode trazer mudanças.
Além disso, na perspectiva da desconstrução, existe sempre uma recusa em
equiparar Direito e Justiça: a Justiça, segundo Jacques Derrida, transcende os
limites do ordenamento jurídico, tal como ele é construído.
Nesse sentido, Jacques Derrida
824
afirma, a justiça do Direito, a justiça do
Direito não é justiça. Leis não são justas por serem leis. Nós não as obedecemos
porque são justas, mas porque elas têm autoridade.
Portanto, como indica Jacques Derrida
825
, o próprio Direito é uma
construção essencialmente desconstrutível. Muito embora o Direito seja uma
força autorizada, força que se justifica ou que tem aplicação justificada, essa mesma
justificação pode ser julgada injusta ou injustificável.
Reputa-se fundamental para este trabalho a ressalva de Jacques Derrida
826
quando afirma:
Quero logo insistir, para reservar a possibilidade de uma justiça, ou de uma
lei, que o apenas exceda ou contradiga o direito, mas que talvez o
tenha relação com o direito, ou mantenha com ele uma relação tão estranha
que pode tanto exigir o direito quanto excluí-lo. Na estrutura que assim
escrevo, o direito é essencialmente desconstrutível, ou porque ele é
fundado, construído sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis
(e esta é a história do direito, a possível e necessária transformação, por
vezes a melhora do direito), ou porque seu fundamento último por definição
não é fundado (grifo nosso).
Em Gramatologia
827
, Jacques Derrida afirma que a busca da metafísica
tradicional era entender o logos (do grego: discurso, palavra ou razão; os princípios
racionais centrais do universo).
Os filósofos supõem, desde a Antiguidade Clássica grega que a mente
humana tem uma relação de representação direta com o mundo exterior, e o logos é
823
Veja-se nesse aspecto a influência de Emmanuel Lévinas sobre a obra de Jacques Derrida. Adeus
a Emmanuel Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2008.
824
DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. São Paulo: Martins Fontes,
2007. p. 21.
825
Ibid., p. 8.
826
Ibid., p. 8.
827
Id. Gramatologia. o Paulo: Perspectiva, 2006. p. 3-79.
391
o principal organizador racional desse mundo. Assim como os escritores e os
oradores, os filósofos usam o discurso e a escrita para dar significado ou representar
alguma coisa. Portanto, palavras e combinações de palavras são os símbolos e as
representações de coisas, idéias, objetos de pensamento, etc.
Dessa maneira, os filósofos proporcionam análise, método e descrição
daquilo que, segundo eles, seriam representações exatas do logos; ou seja, o que é
visível à mente ou ao intelecto é relatado ou descrito como representante do logos.
Contudo, essa busca metafísica resulta em contradições e paradoxos.
Segundo Jacques Derrida
828
, isso ocorre porque as representações dos
filósofos não pertencem a um logos externo e oculto, mas à linguagem, isto é, aos
discursos ou textos. Ou seja, tudo o que temos é o texto, e nada mais.
O pesquisador intérprete deve ao trabalhar a partir do texto e não chegar a
uma visão externa e objetiva do logos ou mesmo daquilo que o orador/escritor/autor/
intérprete/filósofo realmente quer dizer. Olhando, assim, como as excentricidades
da linguagem confundem significados centrais nos textos. Parte dessa dificuldade
reside no fato de nunca se estar totalmente no controle da linguagem usada, pois as
palavras são representações com diversos graus de significado.
O autor, os leitores e os ouvintes trazem para o discurso suas próprias
ênfases e os graus de significados moldados pela experiência, e o contexto no qual
a escrita e a leitura ocorrem tamm pode influenciar o entendimento.
Em outras palavras, a leitura de um texto não é uma narrativa objetiva do
logos, ou mesmo do que o autor realmente quis dizer, mas sim a interpretação do
leitor, o entendimento atual do texto. Esse entendimento torna-se, por assim dizer, o
própriotexto” do texto.
O cenário Derridiano pode ser colocado da seguinte forma: considere alguém
tentando formular uma idéia ou um entendimento. À medida que o pensador capta o
entendimento essencial que deseja, tenta colocá-lo em palavras. Enquanto luta com
o projeto, confronta-se com a escolha exata das palavras adequadas para transmitir,
o mais precisamente possível, o modo como percebe a questão; porém, assim que
828
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 3-79.
392
encontra uma palavra, descobre que ela apenas pressupõe ou está relacionada com
outras palavras.
É preciso assim discutir com outras pessoas, receber crítica. Nesse processo
dialético e de discussão, o pensador revisa, descarta, recebe sugestões e muda as
palavras e descrições.
Segundo Jacques Derrida
829
, os filósofos celebram o significante (razão,
mente, consciência) sobre o significado (palavras, sinais, linguagem), quando é o
significado (as palavras e os sinais) que molda nosso pensar.
Em outras palavras, os filósofos seguiram direção equivocada. Supõe-se que
a mente precede a linguagem ou as palavras e sinais; porém perguntaria Jacques
Derrida, o que aconteceria se supuséssemos que a linguagem precede as mentes,
ou seja, que o homem mente porque tem linguagem?
Uma outra forma de abordagem, aquilo que chamamos de mente, vem de
textos culturais e do nosso modo como os lemos ou interpretamos. Segundo
Jacques Derrida, tudo o que temos é o texto e tudo o que conhecemos é o texto.
Os críticos apontam que Jacques Derrida sobrepõe a linguagem sobre o
pensamento e que a desconstrução de textos culturais apenas os reduz à sua
destruição”.
Como alguns críticos do Pós-Modernismo alegam, a consciência pós-
moderna parece propensa demais ao niilismo
830
e ao relativismo
831
, sempre pronta
para dizer que, como não uma verdade central, tudo é relativo e qualquer
interpretação é legítima, o que leva ao relativismo ético, sobretudo no que se refere
829
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. o Paulo: Perspectiva, 2006. p. 381.
830
Niilismo, do latim nihil: nada. Doutrina filosófica que nega a existência do absoluto, quer como
verdade, quer como valor ético. Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico
de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 196.
831
Entende-se por relativismo a doutrina que considera todo conhecimento relativo dependente de
fatores contextuais, e que varia de acordo com as circunstâncias, sendo impossível estabelecer um
conhecimento absoluto e uma certeza definitiva. Segundo Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, em
sentido ético, a concepção relativista considera todos os valores morais como relativos a
determinada cultura e a determinada época, podendo, portanto, variar no espaço e no tempo, não
possuindo fundamentos absolutos, nem caráter universal. É Japias quem exemplifica: “O fogo
arde na Hélade e na Pérsia, mas as idéias que os homens têm de certo e errado variam de lugar
para lugar”. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: EDIPRO, 2007. v. 7. Cf. JAPIASSÚ,
Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
p. 234.
393
no tratamento com as questões da Educação e do Direito, no qual tudo então seria
permitido.
Entretanto, isso não reflete o pensamento de Jacques Derrida. Pois o que faz
a sua reflexão é, todavia, incitar uma maior sensibilidade à dispersão e à interação
de significados por meio da linguagem, ao modo como as palavras referem-se a
outras palavras e significados e como cada indivíduo interpreta os significados.
Além do mais, os próprios pensamentos que as pessoas m partem de seu
contexto histórico, de sua época cultural, de sua linguagem e seu repertório de
significados, bem como dos usos que elas dão para essas coisas.
Em síntese: o que se pensa saber é instável. No entanto, tal afirmação não
significa que não se podem desenvolver entendimentos e assumir posições morais
em questões que consideramos importantes. Ao contrário, os entendimentos e
posicionamentos não têm nenhum status privilegiado sobre outros.
Isso, também, não significa que não se possa comunicar-se com os outros,
que a comunicação é problemática e inexata.
Considerando o posicionamento teórico Derridiano, acredita-se, com alicerce
na postura filosófica desconstrutivista questionar, portanto, o próprio texto legal
instituído de forma heterônoma pelo ato administrativo de caráter normativo imposto
pela Resolução 9/2004 do CNE que, atualmente, configura-se nas atuais
diretrizes curriculares no curso de Direito, propondo-se, às diretrizes curriculares em
apreço, uma diversa interpretação do texto normativo, consubstanciada na seguinte
proposição:
394
4.5 Síntese Propositiva para a Interpretação de Sistema Aberto de Currículo
Jurídico
Quadro 17 Síntese propositiva de sistema aberto do currículo jurídico
Pela proposição acima delineada, a configuração do currículo jurídico passa a
ser compreendida dentro de uma perspectiva de sistema aberto. Integrando-se,
portanto, na sua nova configuração normativa, além da lei, ou seja, de sua
perspectiva formalista (prescritividade e normatividade), uma sintaxe de natureza
cultural. A configuração do currículo jurídico passa a ser compreendido, não como
mais um conceito abstrato, baseado exclusivamente na sua estrutura formal do que
a norma regulatória da Resolução 9/2004 que lhe atribui como conteúdo
curricular.
O currículo jurídico compreendido nessa nova configuração cultural caminha
para legitimar espaços de instrução, ensino e educação que visem a, além da
aprendizagem e do conhecimento oficial entendido como conjunto de conteúdos,
disciplinas, sobretudo, atitudes, habilidades, competências, princípios, valores, que
devem fazer parte integrante do projeto pedagógico de qualquer curso de Direito.
O currículo jurídico sob essa nova perspectiva epistemológica passa a ser
construído pela ação e experiência do homem, do professor e, portanto, pela
Subsistema curricular
Educacional
Subsistema Cultural
Subsistema Administra-
tivo e Pedagógico
pedagógico educa-
cional
tivo e Organizacio-
nal
Subsistema Políti-
co/Econômico/Social
Subsistema
Filofico
Subsistema
Normativo
395
interdependência de práticas pedagógicas, em sala de aula, interdisciplinares,
transdisciplinares filosóficas e culturais que se inter-relacionam. Funcionando, dessa
maneira, como um sistema aberto no qual integram vários subsistemas, configurada
assim, pela proposição anteriormente delineada.
Essa configuração de sistematicidade aberta do currículo jurídico e de suas
diretrizes caracterizadas não exclusivamente pela norma, mas tamm pela cultura,
constitui-se em um possível caminho e instrumento fundamental para o
desenvolvimento de uma ordem social e jurídica igualitária e democrática. Portanto,
conferindo novos significados ao conhecimento, para o ensino Direito e
indispensáveis para construção de uma sociedade cuja finalidade precípua deve ser
a construção e o pleno desenvolvimento da pessoa humana, o seu preparo para a
cidadania, na construção de um caminho mais justo, solidário e ético.
Pela configuração, ora proposta, o currículo jurídico torna-se então e, ao
mesmo tempo, produto e produtor da cultura da sociedade
832
, locus de reconstrução
e desconstrução de um sistema de significados em que são partilhados, num mesmo
espaço e tempo, ações e propostas pedagógicas que necessitam ser questionadas
inclusive pela complexidade do universo acadêmico.
Tendo em vista também a complexidade das relações sociais, jurídicas e
econômicas, a pluralidade, a evolução dos tempos, a tecnologia, e a própria
evolução da sociedade, o processo de elaboração, avaliação, construção e
desconstrução de propostas curriculares são necessárias ao ensino do Direito. Por
outro lado, afirmar-se tamm, que sob essa perspectiva, o currículo jurídico, é
tamm um terreno de conflitos que origina, no seu processo de formulação,
constante elaboração, avaliação, construção e desconstrução de propostas
curriculares, quer por diferentes críticas e lógicas de pensamento e ciência, que são
intrínsecos à complexidade do universo acadêmico e escolar. Da interlocução dessa
nova síntese estrutural de sistematicidade aberta, que possui forte potencial
832
Essa tese é também sustentada na literatura norte-americana sobre a Teoria Crítica do Currículo
por Madeleine R. Grumet. Sua obra no Brasil ainda não foi traduzida, sendo citada somente por
William F. Pinar, professor de Teoria Curricular na Universidade do Canadá (University of British
Columbia), onde é responsável pelo Centro de Estudos de Internacionalização dos Currículos.
Saliente-se, no entanto, que suas obras mais relevantes, sobre a perspectiva curricular como
construção cultural, o: Psychoanalytic foundations. In: William F. Pinar and Madeleine R.
Grumet. Toward a poor curriculum. Dubuque, IA: Kendall/Hunt. p. 111-146. Madeleine R.
Grumet. Bitter milk: women and theaching. Amherst: University of Massachusetts Press; The
literary reference for curriculum criticism. In: W. Pinar. Contemporary curriculum discourses:
twenty years of JCT. New York: Peter Lang. p. 233-245.
396
questionador, pois não se restringe ao aspecto meramente legal do currículo, pode-
se formular as seguintes configurações, algo que certamente pode trazer
contribuição para a pós-modernidade do currículo jurídico:
4.6 Proposições para Desconstrução de Paradigmas para o Currículo
Jurídico
Propõe-se na presente tese de Doutorado, a desconstrução de inadequados
paradigmas da configuração do currículo jurídico atualmente em vigor ex vi da
Resolução nº 9/2004, para uma nova construção paradigmática, a seguir delineada:
Quadro 18 Proposição de novos paradigmas curriculares
Inadequados e Antigos Paradigmas
Novos Paradigmas
Paradigma curricular fixo com ênfase
exclusivamente na lei
Paradigma curricular de perspectiva
epistemológica aberta, enfocando-se temas
transversais, tais como diversidade cultural e
multiculturalismo, ética, justiça, valores,
princípios, filosofia.
Paradigma pedagógico tradicional, técnica de
ensino por memorização de conteúdos
Paradigma pedagógico novo, com conteúdos
críticos que incentivem a curiosidade do aluno
Paradigma curricular epistemológico
exclusivamente positivista
Paradigma curricular de perspectiva sistemática
aberta; visa além da lei, à complexidade,
sobretudo, à cultura.
Direito como ciência autônoma, separada das
outras disciplinas
Direito interligado a outras formas de
conhecimento, aplicação de metodologia
interdisciplinar e transdisciplinar.
Direito Penal punitivo e com sistema
penitenciário punitivo
Direito Penal e sistema penitenciário com
orientação preventiva e educativa
Decisões jurídicas puramente racionais e
automáticas na aplicação da lei
Decisões jurídicas que envolvam, além de
habilidade racional; as habilidades sensitivas,
habilidades cognitivas; habilidades psicológicas;
habilidades sociais; habilidades afetivas;
habilidades estéticas.
No caso de conflito: prevalência da arbitragem
No caso de conflito: mediação
Morosidade da Justiça, tendo em vista a
ineficiência de gestão administrativa
Princípio da eficiência, publicidade, ética,
moralidade administrativa na gestão da Justiça.
Educação jurídica com enfoque restrito à lei
Educação jurídica com enfoque humanista
4.6.1 Primeira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares
no curso de Direito
A configuração estrutural imposta no texto das atuais diretrizes,
especialmente no que diz respeito o art. 5º, da Resolução 9/2004, é restritiva do
397
ponto de vista epistemológico, pois impõe no projeto pedagógico dos cursos de
graduação em Direito, conteúdos curriculares obrigatórios, especificamente, no eixo
de formação profissional.
Ora, não se vislumbra da leitura do texto normativo, ora questionado, por
exemplo, conteúdos curriculares essenciais que tratem, no ensino de Direito, de uma
Teoria do Direito. A inclusão de uma Teoria Crítica do Direito, como conteúdo
curricular essencial se justifica, tendo em vista que a disciplinade Introdução ao
Estudo do Direito, como vêm sendo ministrada, sempre compreendeu uma série de
conceitos introdutórios ao estudo de Direito, visando à sistematização destes, e ao
mesmo tempo, apresentando as principais correntes de pensamento na ciência
jurídica.
Na prática estes conceitos, na maior parte das vezes, acabam sendo
trabalhados, também, nas denominadas disciplinasde Teoria Geral de Direito Civil,
Teoria Geral do Processo, etc., não merecendo, portanto, a compreensão de
conteúdos específicos de configuração de um conteúdo específico sobre a Teoria do
Direito.
Vale ressaltar aqui que a disciplina Introdução ao Estudo do Direito”,
apresentou diversas nomenclaturas no currículo jurídico ao longo das últimas
décadas que, contudo, provocaram um exame de seu conteúdo.
No entender de Carlos Magno Spricigo Venerio
833
, a expressão que se
apresenta mais adequada é a de Introdução ao Estudo do Direito, já para esse autor
a expressão Introdução à Ciência do Direito tem dois inconvenientes: em primeiro
lugar, a idéia de que a disciplina tratará com exclusividade do problema
epistemológico, deixando de lado e em segundo plano a abordagem preliminar do
próprio Direito, o que necessita ser feito ainda no primeiro ano de curso. Segundo,
aparenta resolver de plano uma discussão profunda e muito disputada que é a da
cientificidade do conhecimento jurídico, conhecida como dogmática jurídica.
833
VENERIO, Carlos Magno Spricigo. A introdução ao estudo de Direito. In: CERQUERIA, Daniel
Torres; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas
propedêuticas na formação jurídica. São Paulo: Millenium, 2006. p. 2-12.
398
Por seu turno a expressão Introdução ao Direito também parece descrever
de modo impreciso, segundo Carlos Magno Spricigo Venerio
834
, a atual configuração
desta disciplina introdutória. Lembrando a distinção kelseniana entre norma e
proposição jurídica. Assim sendo, se Introdução à Ciência do Direito parece propor
apenas a abordagem das proposições jurídicas, Introdução ao Direito”, como se
impôs no texto da Resolução 9/2004, também se equivoca, ao induzir a idéia de
circunscrever-se apenas ao conjunto de normas, ou seja, ao Direito Objetivo.
835
Defende-se, aqui, uma proposição mais ampla tendo em vista que, no
diversificado universo temático do Direito, o parece haver propriamente conteúdos
de introdução ao Estudo de Direito, visando à sistematização de conceitos
introdutórios ao estudo de Direito, razão pela qual, propõe-se a inclusão no texto
legal das atuais diretrizes curriculares nacionais, como conteúdo obrigatório, no eixo
de formação profissional, da “Teoria Geral do Direito”.
Quadro 19 - Conteúdo curricular propositivo no eixo de formação profissional das DCNs para o
curso de Direito
Teoria Geral do Direito que abrangeria no eixo de formação profissional, conteúdos no currículo
jurídico, por exemplo, de Epistemologia Jurídica, Teoria da Norma e Teoria do Ordenamento
Jurídico.
Propõe-se, portanto, neste trabalho, a crítica e, por via de conseqüência, a
desconstrução, pela via normativa, da Resolução 9/2004, no que tange
especificamente ao art. 5º, inc. II.
É preciso que se diga, no entanto, que a inclusão da Teoria do Direito, a ser
proposta na matriz curricular não implica uma visão reducionista do Direito; ou do
834
VENERIO, Carlos Magno Spricigo. A introdução ao estudo de Direito. In: CERQUERIA, Daniel
Torres; FRAGALE FILHO, Roberto. (Org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas
propedêuticas na formação jurídica. São Paulo: Millenium, 2006. p. 2-12.
835
Segundo definição apresentada por Jean-Louis Bergel, o Direito objetivo é o conjunto das regras
que regem a vida em sociedade e cujo respeito é garantido pelo Poder Público. Porém como bem
adverte Bergel, costuma-se ter tendência a identificá-lo com o direito positivo, ou seja, como o
conjunto das regras jurídicas vigentes num dado momento numa dada sociedade. Mas essa visão
é estrita demais, pois o estado do direito num país, e num determinado momento, é apenas a
expressão momentânea das múltiplas soluções possíveis, suscetíveis de serem aplicadas nos
inumeráveis campos que o Direito deve reger. Ele não pode dissociar-se de fenômenos mais
amplos, nem ser isolado de suas fontes ou de seu contexto. Depende da história, do meio humano,
social, econômico, cultural, das escolhas ideológicas. BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do
Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XVII.
399
entendimento dessa investigadora do que venha a se constituir a Teoria do Direito,
nos antigos paradigmas propostos por Hans Kelsen na sua Teoria Pura do Direito.
836
A principal crítica que se faz ao modelo da Teoria Pura do Direito, de Hans
Kelsen, é que em sua visão a legalidade é auto-suficiente na medida que uma
norma, pra ser válida, basta que se reporte a outra, anteriormente editada, o que
perfaz uma “validade normativa em cascata”, desde o topo, uma norma fundamental
(não a Constituição) até a base da pirâmide. Por esse modelo, fica descartada a
necessidade da participação popular ou qualquer outro mecanismo democrático de
elaboração e validação do Legislativo e do Direito.
Nessa medida, acreditando ser possível conferir ao Direito uma teoria que lhe
conferisse cientificidade, Hans Kelsen acaba por propiciar uma metodologia
autoritária, embora nunca pretendesse defender regimes autoritários tais como o
nazismo que o perseguiu inclusive como judeu. Hans Kelsen pretende afastar a
visão jusnaturalista do Direito, e através disso, a separação do Direito e da moral ou
dos princípios de justiça.
É preciso considerar nesta proposição as novas Teorias do Direito produzidas
por autores tais como Niklas Luhmnann, Gunther Teubner, François Ost, André-Jean
Arnaud ou Boaventura de Souza Santos, que articulam os paradigmas utilizados
pelas Ciências Sociais, (Sistemas, Modos de Produção e Reprodução, etc.), para
compreender melhora dinâmica jurídica, e que são praticamente desconhecidos e
pouco ventilados nos nossos currículos do curso bacharelado em Direito, agravando-
se ainda mais o isolamento auto-imposto pelo próprio campo jurídico.
Entende-se que a proposição da inclusão do conteúdo de uma Teoria Geral
Crítica do Direito no currículo jurídico deve passar, necessariamente, por uma
perspectiva interdisciplinar que permite, todavia, abrir a compreensão de mundo,
numa perspectiva sistemática alargada, interdisciplinar e transdisciplinar de
compreensão do fenômeno jurídico, inserida no universo das humanidades, que
possibilitem ampliar o universo cognitivo da própria ciência jurídica.
Consideramos aqui que a Teoria Geral do Direito tem o objetivo de apreender
o fenômeno jurídico mediante o estudo de sua razão de ser, de suas finalidades, de
836
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. cap. I, “Direito e Natureza”, p. 1-60; cap. VIII, “A interpretação”, p. 387-399.
400
seus conceitos fundamentais, de sua utilização, de seus instrumentos, de seu
método.
Uma construção intelectual metódica e organizada fundamentada na
observação e na explicação dos diversos sistemas jurídicos e destinada a definir os
grandes eixos da construção e da aplicação do Direito. Seu estudo não pode deixar
de lado os aspectos da metodologia jurídica.
837
A Teoria Geral Crítica do Direito põe em evidência na formação do futuro
bacharel, os elementos constantes e as principais variantes dos diversos sistemas
jurídicos, no sentido de estudar o Direito em seu conjunto, e não simplesmente num
único sistema jurídico em particular ou de um ramo específico do Direito,
descortinando-se dessa maneira, sob a diversidade deles, uma plataforma em
comum, de uma estrutura de pensamento em comum.
Configurada assim, nas palavras de Jean-Louis Bergel
838
, a Teoria Geral do
Direito, tende a despojar o Direito de seu aparelho técnico para atingir sua essência
a fim de descobrir seu significado metajurídico, e os valores que ele deve
perseguir, seu sentido com relação a uma visão total do Homem e do mundo...
(grifo nosso).
Faz-se mister uma Teoria Crítica do Direito que não o identifique
exclusivamente pelo direito posto, pela ordem instituída, no lugar de um currículo
centrado no professor, um currículo voltado para a interação e diálogo do
aluno/professor;
Uma Teoria que possibilite a crítica do discurso sobre o Direito que permita
assim na configuração dos seus currículos, no lugar de um currículo centrado no
ensino exclusivamente da lei, fundamentado na concepção filosófica do saber
jurídico do positivismo, um currículo de perspectiva epistemológica aberta, que
compreenda o fenômeno jurídico na sua perspectiva integral social, ética,
principiológica e cultural;
837
Veja-se, por exemplo, P. Delnoy. Initiation aux méthodes d’ application du Droit. Paris: Press
Universitaires de Liège, 1989. p. 10-47. V. Petev. Metodología y ciencia jurídica en el umbral del
siglo XXI. Universidad Externado de Colômbia, 1996. X. Dijon. Methodologie juridique: l
application de la norme. Paris: Story Scientia, 1996.
838
BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. XX.
401
No lugar de um currículo jurídico de matriz curricular fechada e disciplinar, um
currículo de conteúdos interdisciplinares e transdisciplinares, capazes de despertar
novas habilidades no agente do Direito, tais como as habilidades criativas, estéticas,
as habilidades emocionais, sociais.
No lugar de metodologia de ensino tradicional, da leitura dos códigos e
exposição de aula, a utilização de novas metodologias de ensino interativas e
lúdicas de ensino/aprendizagem, tais como: o smart board” (lousa inteligente),
power point”, internet”, filmes”, cursos de formação à distância”, aprendizagem
baseada em estudos de problemas”, pesquisas e ações coletivas de cidadania”,
etc.
A Teoria Geral Crítica do Direito, inserida assim, como conteúdo essencial
no eixo de formação profissional na atual configuração estrutural das diretrizes
curriculares do ensino do Direito torna-se, portanto, imprescindível, para a
configuração de um paradigma curricular de perspectiva do ensino jurídico, de
sistematicidade aberta, de comprometimento com a transformação da realidade
social econômica, jurídica, política, filosófica e cultural do nosso país.
Fugindo-se, todavia, de uma análise tecnicista e formal do ordenamento
jurídico e a permitir, nesse novo diapasão propositivo, a compreensão do fenômeno
jurídico em suas múltiplas particularidades, diversidades e complexidades.
4.6.2 Segunda proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares
no curso de Direito
Propõe-se a inclusão de conteúdos mínimos
839
, nas diretrizes curriculares nos
cursos de graduação em Direito, em seus respectivos currículos, por exemplo, das
disciplinas que integram os Direitos Difusos e Coletivos, como por exemplo, o Direito
do Consumidor, o Direito Ambiental, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o
Estatuto do Idoso.
Como demonstramos anteriormente, o primeiro passo para a transformação
dos currículos jurídicos, é justamente, revelar que o Direito passa por uma
transformação radical quanto aos seus conteúdos.
839
Registre-se que o atual conceito de diretrizes curriculares visa não apontar no currículo jurídico
“disciplinas obrigatórias”, mas sim de “conteúdos mínimos”.
402
Nesse sentido, precisamos nos conscientizar que o Direito não pode mais
pretender somente regular situações interpessoais, relações entre “A versus B”, mas
busca produzir normas que reflitam também interesses coletivos e difusos, de
natureza trans-individual.
Este questionamento na atual estrutura das diretrizes curriculares, contudo,
impõe uma reforma profunda nos currículos das faculdades de Direito, tendo em
vista que o ensino tradicional está em grande mero de instituições de ensino
superior, especialmente as privadas e a maioria das faculdades de Direito do país,
deixa de incluir esses conteúdos que reputamos essenciais nos cursos jurídicos.
Percebe-se, que esses conteúdos o ministrados na configuração dos
currículos somente na s-graduação, dos cursos de Direito, o que inviabiliza,
portanto, um aprofundamento, desde o início da formação do futuro bacharel e,
assim, mais consistente na concepção da sua compreensão do fenômeno jurídico.
Especialmente no que se refere à inclusão desses novos conteúdos, ainda
outras questões fundamentais que, no entanto, devem ser ressaltadas:
a) Não basta inserir-se esse novo conjunto de conteúdos ou criar uma série
de novas disciplinas ou ainda módulos. É necessário possuir um corpo do-
cente, no curso de Direito, qualificado e preparado para implementar as
proposições nessa tese ora delineadas.
b) Não basta inserir-se conteúdos curriculares, como dispõem as novas dire-
trizes curriculares, ex vi da Resolução nº 9/2004, tais como a Antropologia,
a Ciência Política, a Ética, a Filosofia, a Psicologia, e a Sociologia, por e-
xemplo, se o Direito Positivo continuar sendo ensinado de forma bancária
e dogmática. Portanto, onde a interdisciplinaridade e a transdisciplinarida-
de, visando à proposição de um currículo de caráter epistemologicamente
aberto, venham efetivamente a se configurar. Onde, todavia, o ensino des-
ses novos conteúdos propositivos auxiliem pensar o fenômeno jurídico
dentro da complexidade, de forma a permitir sua exegese além da mera
normatividade.
c) Além disso, é necessária para a proposição dos conteúdos ora propostos
a indispensável integração entre ensino, pesquisa e extensão, criando as-
403
sim efetivos mecanismos no currículo jurídico, de integração entre teoria e
prática.
4.6.3 Terceira proposição de desconstrução das atuais diretrizes curriculares
no curso de Direito
Diferentemente do currículo em vigor delineado pelas atuais diretrizes
curriculares, propõe-se nessa tese a possibilidade de implementação, nos cursos de
Direito, da configuração de um currículo flexível, denominado pela teoria da
educação de currículo híbrido e fundamentado na aprendizagem baseada em
problemas, tamm conhecida por PBL - Problem-Based Learning, ou ainda, pela
sigla ABP - Aprendizado Baseado em Problemas.
Ressalte-se, no entanto, que esse paradigma curricular surgiu na escola
médica da Universidade de MacMaster, no Canadá, na década de 1960, e foi
implantada posteriormente em Maastricht, na Holanda; Newcastle, na Austrália;
Harvard, nos Estados Unidos; além de outras universidades médicas.
No Brasil, a ABP foi implantada na Escola de Saúde Pública do Ceará, a partir
de 1993; na Faculdade de Medicina de Marília, FAMEMA, desde 1997; e no curso
de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Londrina, UEL, desde 1998.
Pode-se citar ainda outras instituições privadas de ensino, em São Paulo, que
ministram cursos de medicina, a exemplo, da Universidade Nove de Julho -
UNINOVE e da Universidade Cidade de São Paulo - UNICID, que recentemente
passaram a aplicar em seus currículos, essa nova metodologia de ensino curricular,
denominada ABP. Outros cursos de ciências médicas e da saúde também tiveram
experiência com ABP, como a UNIFESP, em São Paulo, a Faculdade de Medicina
de Botucatu e a Universidade do Estado de São Paulo, UNESP.
840
A ABP pode ser delineada como um novo paradigma de ensino-
aprendizagem, que coloca o aluno como foco central dessa relação e busca fazê-lo
capaz de construir seu conhecimento a partir da solução de problemas, discutidos
em grupos, compostos por outros alunos e orientados por um professor-tutor, ou
seja, o aluno vivencia momentos de estudo individual, intercalados com discussões
840
CARLINI, Angélica. Aprendizagem baseada em problemas e o ensino jurídico no Brasil: reflexões
sobre a viabilidade desse novo paradigma. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 2, p. 13-21, 2004.
404
nos grupos orientados por um tutor, todos envolvidos na solução de um mesmo
problema.
841
Os alunos devem discutir o problema e formular os objetivos de
aprendizagem, porque não se trata apenas de encontrar a solução, mas sim, e
principalmente, de entender por que se deve resolver aquele problema dado.
O objetivo principal da ABP é permitir que o aluno durante o curso e após sua
conclusão consiga construir conhecimento por si mesmo. Na estruturação da ABP
uma comissão curricular que se incumbe de desenvolver a escolha e os
problemas, que serão estudados e solucionados pelos alunos, nos grupos
tutoriais.
842
Essa comissão propõe um problema após ouvir os departamentos e os
professores das diferentes áreas do curso. A comissão de currículo é composta por
professores e alunos, e tem a incumbência de propor o currículo e suas atividades,
bem como supervisionar os tutores e o método didático-pedagógico.
A aprendizagem baseada por problemas pode, nesse contexto da pós-
modernidade, constituir-se em uma alternativa eficiente para a mudança do ensino
do Direito, principalmente para a construção de um profissional, cidadão mais
engajado com a realidade social de seu mundo.
Portanto, propõe-se aqui a possibilidade de um currículo híbrido, de caráter
misto, com base, por exemplo, no estudo empírico elaborado dentro do próprio
Núcleo de Prática Jurídica da instituição de ensino, em que a equipe interdisciplinar
responsável pela triagem, e pela elaboração do material didático e das peças
processuais, elabore e aplique sobre as atividades ali desenvolvidas, uma avaliação
própria, e pela escolha do “estudo de problemas” a serem realizados naquele local.
Na escolha dos casos de estudo, podem ser acatados os problemas / casos
sugeridos pelos docentes responsáveis pelas disciplinas teóricas e equipe
interdisciplinar, buscando-se ainda mais a realização da avaliação inclusive sob a
perspectiva interdisciplinar.
Convém registrar, contudo, que esse paradigma não se baseia na
transferência do conhecimento, mas no desenvolvimento da capacidade do aluno de
841
CARLINI, Angélica. Aprendizagem baseada em problemas e o ensino jurídico no Brasil: reflexões
sobre a viabilidade desse novo paradigma. Anuário ABEDi, Florianópolis, ano 2, p. 13-21, 2004.
842
Ibid.
405
buscar informações que serão necessárias para o desenvolvimento de sua atividade
profissional.
O método ABP requer, no entanto, dedicação, organização e aperfeiçoamento
constante do corpo docente. Sendo imprescindível, portanto, a presença de
docentes de todas as especialidades, sem as quais o seu desenvolvimento fica
inviabilizado.
O currículo, por esses novos paradigmas, objetiva apresentar os conteúdos
ao aluno de modo integrador e integrado do conhecimento. Nele a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade é real e não apenas formal.
Pela configuração curricular ora proposta, não há, contudo, a divisão em
disciplinas, mas sim em módulos. A integração dos conteúdos ocorre nos temas. E
os alunos, para atingir os objetivos de aprendizagem, traçados nos grupos tutoriais,
a partir dos problemas propostos, têm de buscar pela pesquisa, os conteúdos que
em um projeto pedagógico curricular tradicional estariam em diversas disciplinas.
Nesse sentido, não resta dúvida de que a filosofia pedagógica da proposta curricular
de aprendizagem por problemas é o aprendizado centrado no aluno.
É baseada, portanto, no estudo de problemas propostos com a finalidade de
fazer com que o aluno estude determinados conteúdos de forma reflexiva e não
somente por memorização, assim tensionada por problemas concretos. O problema
identificado torna-se o mediador principal do aprendizado. Estimula-se por essa
proposição curricular a atitude proativa juntamente com todas as habilidades e
competências dos alunos em busca do conhecimento.
Uma carga horária pode ser prevista para o estudo de cada problema. No
currículo baseado por problemas é possível, inclusive várias formas de avaliação,
previstas por módulos, contudo essas avaliações devem ser progressivas dos
conhecimentos, tendo por finalidade avaliar a qualidade do módulo.
Nessa proposição curricular o que é importante é a articulação entre o
problema estudado e o processo de problematização dos fenômenos. Nesse
sentido, os atos de currículo caminhariam de maneira interdisciplinar e
transdisciplinar, mediante uma nova práxis pedagógica que cultivaria a reflexão
ultrapassando a mera atividade intelectual, vinculando-se a uma aprendizagem na
qual a compreensão e a educação seriam transformadoras, éticas, políticas, sociais
406
e esteticamente recomendadas como perspectivas integradoras de solidariedade,
numa formação curricular pautada na problematização da realidade social.
A proposição ora esboçada essencialmente desconstrutiva de inadequados
paradigmas, em oposição ao currículo jurídico tradicional, instituído de forma
heterônoma aos cursos de Direito, o professor não deve descartar o imprevisto, na
medida em que a dialogicidade é constitutiva da própria proposta curricular. Sua
atitude de pesquisa deverá ser aguçada, porquanto a problematização da realidade
e dos conhecimentos que dinamizam teoricamente os temas criam constantemente
campos de inacabamento e necessidades de novos estudos e pesquisas. Nesse
sentido, o planejamento da atividade curricular deve incluir um processo pedagógico
multireferencial, na medida em que são necessários para o trabalho múltiplas fontes
de informação, destituindo o ensino/aprendizagem pautado exclusivamente na
memória de códigos.
Registre-se, finalmente, que a matriz conceitual da metodologia baseada em
problemas pode ser encontrada no pensamento de John Dewey (1859-1952),
filósofo norte-americano, citado nesta tese, no capítulo 1, item 1.9.8, e que se
destacou por sua atuação como teórico da educação. No Brasil, um dos seguidores
de suas idéias foi Anísio Teixeira
843
.
843
Anísio Spínola Teixeira (1900-1971). Advogado por formação e educador. Foi inspetor geral de
ensino e Secretário da Educação na Bahia, promovendo a reforma da instrução pública naquele
Estado. Signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), que divulgava as
diretrizes de um programa de reconstrução educacional para o país, teve participação ativa na
Associação Brasileira de Educação ABE. Foi, também, responsável pela criação de uma
universidade municipal, a Universidade do Distrito Federal, que teve duração efêmera. Em 1951,
assumiu a Secretaria-Geral da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que
seria por ele transformada em órgão (CAPES). Foi também Diretor do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos INEP. Participou ativamente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -
LDB de 1961. Além disso, Anísio Teixeira foi um dos principais idealizadores da Universidade de
Brasília - UNB. Integrou o extinto Conselho Federal de Educação - CFE. Se fosse possível
sintetizar o pensamento de Teixeira sobre a educação numa única frase, seria: “A educação é um
direito de todos”. Tal frase é o leit-motif da existência de Anísio Teixeira como educador. Aliás, a
este respeito é importante consignar que a frase “Educação é um direito”, na verdade, é o título da
tese apresentada por Anísio Teixeira para concurso à cátedra de Administração Escolar e
Educação Comparada da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do
Brasil, hoje Universidade do Rio de Janeiro. Tivemos acesso à tese por meio da Biblioteca de
Educação da USP, durante a elaboração das pesquisas para a realização da nossa dissertação de
mestrado. TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação é um Direito: bases para um plano de
organização do sistema democrático de educação no Brasil. 1958. 98 f. Tese (Doutorado em Livre
Docência) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade do Brasil, Rio de Janeiro,
1958.
407
Portanto, propõe-se desconstruir as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais a
fim de incluir-se em novo texto normativo das diretrizes curriculares para o curso de
graduação, em Direito, além das formas de interdisciplinaridade, já determinadas no
art. 2º, § 1º, inc. IV da Resolução 9/2004, como elemento estrutural essencial no
projeto pedagógico do curso de Direito, também as formas de realização do currículo
jurídico híbrido baseado no ABP.
Entende-se ainda, que essa nova configuração curricular híbrida, é um
exemplo concreto, de possibilidade da visualização da transdisciplinaridade no curso
de Direito, tendo em vista o rompimento disciplinar passível de ser vislumbrado
contra a disciplinaridade fragmentária que consiste em não mais se pensar em
disciplinas isoladas na tecnormatividade.
Configurando-se assim, em oposição a racionalidade curricular fixa e
positivista, a proposição do imaginário criativo curricular despositivador
844
estará
em pensar disciplinas temático-conceptuais, tais como, a inclusão de um conteúdo
de problemas ao redor da questão da guarda compartilhada, a ser ministrada em
módulos sobre “Família e Direito”, ao invés do conteúdo de Direito de Família como
ocorre tradicionalmente na matriz curricular de Direito Civil, na qual o objeto de
estudo não terá um cerne normativo único, mas um cerne problematizador sobre
essas questões familiares voltado a uma visão sócio-jurídica, imersa na
complexidade das relações sociais.
Finalmente registre-se que, a proposição de um currículo, baseado na ABP,
comporta ainda a inclusão de outros elementos como estruturais das diretrizes
curriculares, no currículo jurídico de conteúdos disciplinares tais como, por exemplo,
de Temas Integrados” ou ainda Temas Transdisciplinares e Complexos”, tendo em
vista a necessidade urgente da integração entre Direito e outras áreas do
conhecimento.
844
O termo despositivador é empregado por Sérgio Rodrigues Martinez. Veja-se MARTINEZ, Sérgio
Rodrigues. Manual da educação jurídica. Curitiba: Juruá, 2003. p. 61-62.
408
5 ESTUDO DE CASO
5.1 O Estudo de Caso Institucional do Curso de Direito da Universidade
Cruzeiro do Sul - UNICSUL
Pretende-se, neste capítulo, apresentar a pesquisa empírica realizada, no
período de abril de 2008 a agosto de 2008, na Universidade Cruzeiro do Sul
UNICSUL, cuja instituição privada de ensino, mantida pela Instituição Educacional
São Miguel Paulista, criada por ato constitutivo, pela Portaria MEC 893 de 24 de
junho de 1993
845
, encontra-se localizada na cidade de São Paulo.
O tipo de pesquisa de campo empregado é o estudo de caso institucional.
Conforme apontam Orides Mezzaroba e Claúdia Servilha Monteiro
846
Nesta modalidade de estudo de caso a investigação inicia-se a partir das
informações que existem sobre a Instituição a ser examinada. Parte-se,
então, para a coleta de todo o material disponível que possa fornecer
informações sobre sua criação, evolução e história, tais como: memórias,
arquivos, publicações e entrevistas.
A nossa preocupação fundamental no presente estudo de campo foi buscar
dados que possam oferecer um conhecimento mais amplo possível para se
examinar de forma mais aprofundada a Instituição, especialmente o Núcleo de
Prática Jurídica do curso de Direito da UNICSUL, objeto de estudo.
O presente estudo de caso, entretanto, não se resumiu apenas à simples
descrição do objeto aqui proposto, mas também enfatizar as qualidades e as
especificidades desse Núcleo de Prática Jurídica, tendo em vista que a trajetória da
construção do modelo institucional curricular adotado, constitui-se não em um
caminho de referência a ser seguido ou idealizado de maneira absoluta, mas sim,
um caminho de referência para o (re)desenho ou (re)construção do diálogo
imperioso entre teoria e prática no ensino do Direito.
845
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC 893, de 24 de junho de 1993. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, 25 jun. 1993. Seção 1, p. 8.506.
846
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no
Direito. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 124-125.
409
Convém registrar que é no Núcleo de Prática Jurídica que os futuros agentes
do Direito aprendem a lidar com as complexas situações que o fenômeno jurídico
possibilita enfrentar.
Além disso, o Núcleo de Prática conforme bem observa André Macedo de
Oliveira
847
:
m um importante papel na realização da cidadania e dos direitos
humanos no Brasil. Esse espaço das Faculdades de Direito é o ponto de
formação de profissionais de Direito socialmente comprometidos com a
defesa dos direitos humanos e de cidadania e que possam perceber as
demandas plurais de justiça.
É nesse relevante locus de realização da cidadania que os alunos de Direito
aprendem a lidar com situações novas, com situações imprevistas e cuja solução,
muitas vezes, não pode ser dada somente por parâmetros legais e jurisprudenciais
existentes na ciência jurídica.
Para formar alunos para esse perfil, aptos para lidar com as adversidades que
o fato concreto e o fenômeno jurídico apresentam, é preciso se criar mecanismos
dentro do próprio sistema de ensino, um local onde se desenvolvam talentos,
habilidades e competências, além de atitudes específicas, em que seja possível a
integração teórica e prática dos conteúdos, e em que a estrutura curricular seja
propícia a desenvolver a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, tarefa que a
escola e a pedagogia tradicional do ensino do Direito é, ainda, na maioria das vezes,
incapaz de realizar.
Ressalte-se que a escolha do presente estudo de caso, recaiu sobre um
Núcleo de Prática Jurídica, da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL, cuja
estrutura regimental e curricular é inovadora em relação à experiência da
interdisciplinaridade no ensino jurídico.
Percebe-se que a matriz curricular desse curso foi concebida com forte
intenção de fomentar o diálogo entre teoria e prática, e elaborar a integração de
conteúdos de aprendizagem que propiciam ao egresso uma construção mental e
comportamental contínua que ultrapassa os limites da sala de aula.
847
OLIVEIRA, André Macedo de. Ensino jurídico: diálogo entre teoria e prática. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 2004. p. 172.
410
Importante esclarecer que a integração de conteúdos curriculares não
significa desconsiderar as peculiaridades das disciplinas, mas construir o
conhecimento global a partir da interconexão entre seus objetos, o que exige antes
da integração de conteúdos, a integração das pessoas envolvidas num projeto de
parceria.
848
Sem a efetiva parceria entre docentes, discentes e IES, a prática
interdisciplinar não prospera, pois um projeto de integração não pode ficar restrito a
alguns professores idealistas, mas deve fazer parte do universo cotidiano de todos
os envolvidos no processo educacional: mantenedores, os coordenadores, os alunos
e, especialmente, dos professores, encontrando seu relevante espaço na
universidade.
O aprendizado coletivo constituído por uma equipe de trabalho interdisciplinar
no NPJ constitui-se num interessante instrumento de autoconhecimento, pois o
homem se conhece, sobretudo pela diferença.
849
Ora, aprendizado coletivo feito em grupo de trabalho, permite que a
heterogeneidade de cabeças trabalhe em prol da homogeneidade de tarefas.
850
Nessas condições, a singularidade de cada uma das visões de mundo esquemas
referenciais contrapõe-se à necessidade de se construir referenciais comuns, para
que haja comunicação e o desenvolvimento das tarefas do grupo.
851
O aprendizado em grupo trabalha a partir de informações científicas, ou seja,
os conteúdos freqüentemente estudados nas escolas de Direito. Essas informações,
entretanto, não serão simplesmente transmitidas aos alunos como um dado
fragmentado, abstrato e, portanto, esteriotipado, como em geral se apresenta o
conhecimento veiculado pelas disciplinas científicas. A consciência dessa
848
A expreso é o tulo da obra de Ivani Fazenda e cujas reflexões sobre a interdisciplinaridade
fundamentam inúmeros estudos sobre a realização da interdisciplinaridade no Brasil, vêm
influenciando a configuração das diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Reportamo-nos,
especialmente, à obra de FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: um projeto em
parceria. São Paulo: Loyola, 1999. passim.
849
PEREIRA, Maria Clara Infante et al. Análise da prática pedagógica: a interdisciplinaridade no fazer
pedagógico. Revista de Educação e Sociedade, São Paulo, n. 39, p. 287, ago. 1991.
850
BLEGER, José. Temas de Psicologia: entrevistas e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p.
70.
851
PEREIRA, Maria Clara Infante et al., op. cit., p. 69, nota 851.
411
insuficiência é o mote do grupo, que irá reconstruir a informação de forma genuína
pelo coletivo. É a aprendizagem como construção do saber.
852
Considerando isso, a escolha do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL não
se deu, portanto, de forma aleatória, como se constatou não somente na análise do
seu Projeto Pedagógico do curso de Direito e da análise do Regimento do Núcleo de
Prática Jurídica, e sim pela concretização desses instrumentos, que foram capazes
de fomentar, na realidade, o diálogo necessário entre um grupo de trabalho
interdisciplinar que alia teoria e a prática.
O trabalho do grupo interdisciplinar no NPJ da UNICSUL permitiu o
aprendizado coletivo, criando condições para que as informações estudadassejam
contextualizadas a partir das próprias visões de mundo de cada elemento do grupo.
O que permite, no caso da instituição analisada, a superação do pensamento
positivista formal em direção ao pensamento dialético substancial novas sínteses,
novas formas de ação no ensino e na implantação de seu currículo jurídico.
Dessa maneira, constatou-se na pesquisa de campo institucional, a
desconstrução de esquemas referenciais de orientação de ensino curricular
tradicional para orientação de novos paradigmas de ensino.
Aponta-se abaixo o quadro esquemático comparativo elaborado pelo saudoso
Prof. João Baptista Villela
853
, nos idos de 1967, sobre a necessidade da
configuração desses novos paradigmas sobre a metodologia do ensino e do
currículo jurídico. Para João Baptista Villela, a estrutura curricular de então
reclamava novos tempos respectivamente ao ensino jurídico:
852
PEREIRA, Maria Clara Infante et al. Análise da prática pedagógica: a interdisciplinaridade no fazer
pedagógico. Revista de Educação e Sociedade, São Paulo, n. 39, p. 290, ago. 1991.
853
VILLELA, João Batista. Uma formação jurídica para os novos tempos. Separata n. 17 da Revista
da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1967.
412
Quadro 20 Paradigma estrutural curricular elaborado por João Baptista Villela
ESTRUTURA DO ENSINO
ORIENTÃO TRADICIONAL
ORIENTÃO PARA
OS NOVOS TEMPOS
1. Atitude perante o objeto do
conhecimento do saber
jurídico
Predominantemente exegética
Predominantemente criativa e
interdisciplinar
2. Currículo
Estanque
Integrado
3. Meios complementares de
formação
Limitados
Abertos
4. Material de trabalho
Restrito (categorias não-
contemporâneas e
convencionais)
Amplo
5. Métodos pedagógicos
Centrados no professor
Centrados no aluno
6. Profissionalização
Monotípica
Politípica
Fonte: Quadro comparativo elaborado por João Baptista Villela. Uma formação jurídica para os novos
tempos. Separata nº 17 da Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1967.
Infelizmente, embora as atuais diretrizes curriculares exijam a realização
concreta da interdisciplinaridade na implantação dos cursos e nos currículos, isso
não reflete a realidade na maior parte dos cursos jurídicos das instituições de ensino.
Percebe-se, no entanto, que o trabalho atualmente desenvolvido no Núcleo
de Prática Jurídica, do curso de Direito da UNICSUL, segue uma linha teórica
coincidente, não para o cumprimento das atuais diretrizes curriculares,
notadamente no que se refere à forma de realização concreta da
interdisciplinaridade, como também vai muito além dessas exigências curriculares
normativas.
Entende-se que a prática interdisciplinar no Núcleo de Prática é importante
por duas razões: no lado epistemológico, porque o processo de captação não é
linearmente lógico, sempre incompleto, e em parte deturpante da realidade; torna-se
ainda mais incompleto e deturpante quando se reduz a realidade àquilo que os
métodos melhor captam, no lado ontológico, porque a realidade como tal, sendo
complexa, apresenta-se multifacetada, extremamente prismática e escorregadia, a
mente precisa simplificar para explicar, mas deve saber que está fazendo
interferência formalizante, sempre, pelo menos em parte, estranha.
854
A interdisciplinaridade, nesse sentido, dá o recado inverso do pensamento
formalista: não é a realidade que tem que caber nos métodos; são estes que
854
DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. p. 72.
413
precisam saber captar a realidade, moldando-se a ela. Assim, é possível ver a
interdisciplinaridade como filosofia de “trabalho de grupo”.
No Núcleo de Prática Jurídica, ora analisado, encontrou-se a formação de um
trabalho de grupo”, de uma equipe, cuja filosofia de trabalho interdisciplinar é
composta na sua estrutura por além de estudantes de Direito, professores do curso
de Direito e advogados do Núcleo; também e, especialmente, por psicólogos e
assistentes sociais que acompanham o desenvolvimento, registre-se, durante todo o
processo da Assistência Judiciária, desde sua triagem, até o desfecho do caso
concreto.
Convém registrar, aqui, que o oferecimento da Assistência Judiciária Gratuita
revela nas universidades a importante missão e responsabilidade social das
instituições privadas de ensino, para a concretização efetiva do acesso à Justiça.
855
É preciso que se diga que a missão e a responsabilidade social das
universidades, na formação do profissional do Direito fundamentam-se na qualidade
do currículo de seus cursos e isso deve abarcar um bom projeto pedagógico que
priorize nos seus cursos e respectivos currículos:
a) realização da interdisciplinaridade;
b) inserção do profissional no mercado de trabalho, com destaque, não pelo
simples fato de ter um diploma, mas, sobretudo, pela capacidade de
argumentação e de percepção crítico-construtivista do fenômeno jurídico;
c) qualificação do corpo docente;
d) grade curricular adequada;
e) biblioteca equipada e digitalizada;
f) ensino, pesquisa, extensão;
g) atividades complementares;
855
O acesso à Justiça constitui-se uma das mais eficientes formas de realização dos direitos humanos
e está previsto no artigo 5º, inciso XXXV e LXXIV, da Constituição Federal da República do Brasil,
bem como no art. 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Representa, ao mesmo
tempo, um direito e uma garantia de direitos e sua inclusão nos textos constitucionais decorre da
idéia de igualdade, mais especificamente da igualdade de oportunidades. Habitualmente, a
expressão acesso à justiça é utilizada como possibilidade de acesso ao órgão judicial. O conceito,
entretanto, vem evoluindo e se ampliando, incorporando aspectos de justiça social, expressando,
desta forma, a possibilidade, de viver em uma ordem social que garanta a cada pessoa um mínimo
necessário de sua dignidade. Mauro Capelletti e Bryant Garth construíram moderno conteúdo e
significado do acesso à Justiça, assinalando que a definição serve para indicar duas finalidades do
sistema jurídico: estar disponível a todos e produzir resultados favoráveis e socialmente justos.
CAPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988. p. 8.
414
h) núcleo de prática com equipe interdisciplinar.
Porém, isso tudo significa parte do processo de excelência, pois nada disso
faz sentido sem o interesse efetivo do aluno no aproveitamento da estrutura
educacional proporcionada.
5.2 Dados Institucionais da UNICSUL
Organização Acadêmica: Universidade;
Categoria Administrativa: Privativa-particular em sentido estrito;
Dirigente Principal: Reitora Profa. Dra. Sueli Cristina Marquesi;
Mantenedora: Instituição Educacional São Miguel Paulista;
Endereço da sede: Avenida Doutor Ussiel Cirilo, 225, Vila Jacuí;
CEP 08060-070 São Paulo SP;
Tel. (11) 2037-5700 - Fax (11) 2037-5700;
Site: www.unicsul.br;
Campi e unidades fora da sede:
Campus Anália Franco;
Campus Liberdade;
Campus Pinheiros;
Dados de criação: Documento: Portaria MEC 893, de 24/06/1993; Publicação
do Diário Oficial: 25/06/1993.
5.3 Coleta de Dados para o Estudo de Caso
Para a elaboração do presente estudo de caso, partiu-se da análise dos
seguintes documentos fornecidos pela IES:
Projeto Pedagógico Institucional PPI, da UNICSUL;
Projeto Pedagógico do curso de Direito PPC, da UNICSUL;
Estatuto e Regimento do Núcleo de Prática Jurídica do curso de Direito.
415
Os sujeitos
856
escolhidos para a elaboração do presente estudo de caso
institucional selecionados para responderem os questionários foram os alunos que
efetivamente fazem estágio no Núcleo de Prática Jurídica da IES, bem como foram
escolhidos para e elaboração de entrevista
857
o Coordenador do Curso de Direito da
UNICSUL, Prof. Ms. Adriano de Assis Ferreira
858
e o Coordenador do Núcleo de
Prática Jurídica, Prof. Ms. Sérgio Gabriel.
Foram tamm realizadas entrevistas pessoais com o Coordenador de Curso
e com o Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica e aplicado questionário e
entrevistas pessoais com alunos.
5.3.1 Entrevistas com o Coordenador de curso e Coordenador do Núcleo de
Prática Jurídica da UNICSUL
A realização de entrevistas com o Coordenador do curso de Direito da
UNICSUL e com o Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica para o estudo de
caso institucional, bem como a coleta de dados e de documentos, referentes à
produção das suas atividades, e dos atos constitutivos da IES, tiveram como objetivo
compreender a história da instituição de ensino, sua prática interdisciplinar
desenvolvida no Núcleo e as intercorrências enfrentadas ao longo de sua
constituição; da mesma forma, examinar os seus traços atuais de configuração e as
inovações trazidas na sua prática pedagógica para o curso de Direito.
Essas fontes asseguraram à pesquisa 2 (duas) entrevistas e 4 (quatro)
documentos, a saber descritos:
856
Conforme aponta Maria Martha Hübner, a palavra sujeito é amplamente aplicada em pesquisa,
indicando pessoas que formam as fontes de dados. HÜBNER, Maria Martha. Guia para
elaboração de monografias e projetos de dissertação de mestrado e tese de doutorado. São
Paulo: Thompson Learning, 1998. p. 48.
857
Segundo aponta Hübner, as entrevistas são utilizadas quando se quer obter a informação
diretamente do indivíduo e aprofundar questões perguntando-lhe a razão pela qual respondeu-as.
As entrevistas são muito utilizadas no método clínico, constituindo-se num dos principais
instrumentos de trabalho dos psicólogos, médicos e terapeutas em geral. Os questionárioso, por
sua vez, formas menos diretas do que as entrevistas e são adequados às situações em que se
quer abranger um grande número de pessoas em pouco tempo, pois eles permitem a aplicação
simultânea em certo número de pessoas. HÜBNER, Maria Martha. Guia para elaboração de
monografias e projetos de dissertação de mestrado e tese de doutorado. São Paulo:
Thompson Learning, 1998. p. 52.
858
Registre-se que o Coordenador do curso de Direito da UNICSUL, Prof. Adriano de Assis Ferreira, é
graduado em Direito pela USP (1999), Mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie - SP (2004), Mestre em Letras pela USP e Doutorando em Direito pela USP (2008),
conforme se depreende dos dados pessoais informados pela IES em seu cadastro de docentes.
416
Parecer da CES/CNE 527/1999, que homologa o reconhecimento do
curso de Direito da UNICSUL (documento anexo à presente tese);
Regimento do Núcleo de Prática Jurídica e a Matriz Curricular do curso de
Direito UNICSUL (documento anexo à presente tese);
Matriz Curricular do curso de Direito;
Avaliação Externa da Instituição.
5.3.2 Questionário com os alunos e demais profissionais do Núcleo de Prática
Jurídica da UNICSUL
A realização de questionário com os alunos e outros docentes e profissionais
que transitam no Núcleo de Prática Jurídica pretendeu medir o impacto de suas
atividades interdisciplinares no tempo e no espaço em que acontecem.
O questionário começou indagando sobre a história socioeconômica pessoal
dos entrevistados (indicação de dados pessoais
859
, tais como idade, meio de
transporte, formação renda familiar, tempo de dedicação aos estudos, interesses
pessoais por outras áreas de conhecimento), seguindo-se de questionamentos
sobre: as atividades de que participa no Núcleo, a contribuição que enxerga nessas
atividades para a formação do perfil e desenvolvimento das habilidades do egresso,
a existência concreta de atividades de interdisciplinaridade no núcleo, a existência
de atividades de mediação e arbitragem no Núcleo, a existência de atividades de
ensino/aprendizagem ali desenvolvidas, suas expectativas de formação, suas
impressões sobre o curso e sobre o núcleo, quais outras atividades congêneres
desenvolvidas no curso, além das atividades que abrangem a interdisciplinaridade.
Partiu-se de um modelo de questionário, aberto, embora relativamente
estruturado, em que se pretendeu captar dimensões variadas da experiência
analisada em relação aos sujeitos envolvidos, ao seu contexto socioeconômico e
comunitário e ao próprio curso de Direito.
Registre-se que a realização dessas entrevistas e questionários agregou ao
trabalho um questionário socioeconômico e demográfico sobre os alunos e o Núcleo
859
Por uma questão de ética, todos os entrevistados foram identificados somente pelas iniciais, sendo
certo que aqueles alunos que não quiseram se identificar, também seus nomes foram preservados
na pesquisa.
417
de Prática Jurídica da UNICSUL, e questionário sobre as atividades desenvolvidas
no Núcleo de Prática Jurídica (documento anexo à presente tese).
5.4 O Projeto de Desenvolvimento Institucional PDI e o Curso de Direito da
UNICSUL
A análise do Projeto de Desenvolvimento Institucional PDI, da UNICSUL
revela que os objetivos dessa IES se alinham com as diretrizes curriculares
instituídas pela Resolução nº 9/2004, pois se verificam os seguintes objetivos:
comprometer-se com a excelência acadêmica;
manter professores qualificados, titulados e atualizados;
formar e preparar para o mundo do trabalho;
formar em pesquisa e atividades de intervenção social;
formar para educação continuada;
desenvolver a responsabilidade social;
manter seriedade e transparência em acordo com os regulamentos
internos;
buscar a eficiência no atendimento ao alunado;
ter comprometimento e sintonia com a legislação da educação superior.
860
Por outro lado, depreende-se da análise do Projeto Pedagógico do Curso
PDC, da UNICSUL
861
, que o seu curso de Direito, seguindo as orientações
emanadas da Resolução nº 9/2004, pretende formar o profissional do Direito que:
a) compreenda o Direito enquanto ciência”, situando-o social e
filosoficamente e em suas relações com outras ciências;
b) compreenda o Direito enquanto tecnologia”, dominando tecnicamente as
disciplinas jurídicas tradicionais;
c) integre os conteúdos teóricos com a prática.
Para concretizar esse perfil, o curso de Direito afirma em seu PPC
862
que
assegurará aos graduandos
863
:
860
Cf. Projeto de Desenvolvimento Institucional. UNICSUL, 2008, p. 20.
861
Cf. UNIVERSIDADE Cruzeiro do Sul. Projeto Pedagógico do Curso de Direito. São Paulo:
UNICSUL, 2008.
862
Id.
418
sólida formação geral, humanística e axiológica;
capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica;
adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos
jurídicos e sociais;
postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão
para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da
ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da
cidadania.
Trata-se, portanto, de um curso de Direito em busca da difícil missão de
conciliar estudo científico com preparação profissional.
Percebe-se pela análise do PPC da UNICSUL, que o seu curso de Direito,
pretende formar o bacharel ao mesmo tempo consciente e tecnicamente
competente. O profissional tecnicamente competente revela-se no operador que
conhece a legislação brasileira e sabe manejá-la em busca de soluções para os
conflitos com que se depara.
Porém acredita-se que somente o profissional resultante dessa fusão será
capaz de atuar como advogado para a resolução de conflitos não somente
individuais, mas coletivos e globais. É preciso que o Projeto Pedagógico da IES
concentre seus esforços, na formação humanística
864
, não somente técnica.
Em consonância com o que estabelece o Projeto Pedagógico Institucional
865
,
o curso de Direito da UNICSUL pretende produzir identidades pessoais e
profissionais que revelem:
863
Conforme o art. 3º da Resolução CNE/CES nº 9/2004.
864
Em sentido contrário ao nosso posicionamento cita-se o entendimento de Eliane Botelho Junqueira
para quem a antiga formação profissional generalista e humanista não tem mais sentido para os
cursos jurídicos, pois segundo a autora, essa formação não mais atende às demandas do mercado
profissional moderno. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Diretrizes curriculares para o curso de
graduação. Revista de Estudos, Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior, n.
22, p. 3. Entende-se, no entanto, que as demandas do mercado de trabalho são uma questão
complexa, e, por vezes, ambígua, e, portanto, a velha dicotomia que, todavia, escolhe e exclde
um lado a formação generalista reprodutora do saber erudito e de outro a formação tecnicista, não
se pode mais admitir. É preciso uma formação que prepare para uma ampla gama de variedades
de perfis, desenvolvendo dentre outras qualidades a criatividade, a atitude positiva perante o
trabalho em equipe, a capacidade de negociação, de respeito às diferenças, que englobe e
abarque os perfis profissionais. Ou, ainda, sob outra perspectiva não fosse mais adequado refletir-
se sobre os conteúdos a serem ministrados nas disciplinas curriculares, dando um peso maior aos
conteúdos das matérias do eixo da formação fundamental como, por exemplo, Filosofia, Ética,
Sociologia, Antropologia, a fim de oxigenar o ensino jurídico.
865
Cf. Projeto Pedagógico Institucional. UNICSUL, 2008, p. 39-41.
419
postura crítica como cidadão sobre questões contemporâneas;
capacidade de diferentes inserções no mundo do trabalho;
aptidão para exercer suas funções de modo ético, tanto por razões
profissionais quanto por razões pessoais, sempre conscientes das
implicações sociais de suas ações;
capacidade de pensar criticamente, analisar e compreender as situações-
problema com as quais se depara, mobilizar seus conhecimentos,
decorrentes de sua inserção num contexto sócio-econômico-cultural e de
sua escolarização, na busca de soluções, aceitando as responsabilidades
sociais que delas emergem;
capacidade de transitar por diferentes campos do saber;
capacidade de estabelecer relações entre os diferentes saberes e de
aplicá-los nas situações cotidianas;
respeito à multiplicidade de diferenças dos seres humanos;
sólida formação técnico-profissional pautada por princípios ético-políticos e
técnico-científicos voltados para a complexidade das relações e das
demandas humanas e sociais;
capacidade de produzir novos conhecimentos, a partir dos conhecimentos
científicos e tecnológicos disponíveis, para atender demandas pessoais e
profissionais;
disponibilidade e competência para atuar em equipes multiprofissionais,
exercitando a interdisciplinaridade;
capacidade de compreender a profissão como um mecanismo de
transformação pessoal e social;
capacidade de compreender que a formação profissional é um processo
contínuo de construção de competências que demanda aperfeiçoamento e
atualização permanentes;
valorização da avaliação como instrumento de aprimoramento pessoal e
profissional;
capacidade de utilizar diversificadas fontes de informação e recursos
tecnológicos a fim de adquirir conhecimentos;
valorização da liberdade de expressão e do respeito à pessoa humana;
420
consciência das implicações econômico-políticas nas formas de produção
das identidades pessoais e profissionais;
compromisso com a preservação ambiental e valorização das ações que
concorrem para a melhoria da qualidade de vida.
Conclui-se pela análise do PPI e do PPC da UNICSUL, que o curso de Direito
desta IES, busca realizar as diretrizes contidas na Resolução CNE/CES 9/2004:
preocupa-se, num primeiro momento, em apresentar a inserção social do Direito na
sociedade contemporânea, desenvolvendo disciplinas do eixo de formação
fundamental; em seguida, preocupa-se em apresentar os conteúdos dogmáticos do
Direito enquanto tecnologia de resolução de conflitos; por fim, preocupado em
desenvolver praticamente os conteúdos acima, seja na elaboração de trabalhos
científicos, seja na elaboração de peças processuais.
Considera-se que o curso de Direito da UNICSUL objetiva privilegiar a
transmissão de conteúdos que envolvem o ser humano portador de direitos (Direito
Constitucional, Direitos Humanos), sobretudo em seu relacionamento privado
(Direito Civil). Porém, também se destaca, na sua matriz curricular, suas
repercussões sociais mais amplas, tratando de aspectos ligados à produção (Direito
do Trabalho) e ao consumo (Direito do Consumidor).
Ao privilegiar tais conteúdos curriculares, o curso de Direito da UNICSUL
pretende formar um profissional apto ao exercício da advocacia capaz de resolver os
principais problemas com que pode se deparar.
Para tanto, no percurso de formação, são propostos os seguintes objetivos de
aprendizagem:
1) Competências cognitivas
obter conhecimentos das áreas correlatas ao Direito, especificamente
daquelas que compõem o eixo de formação fundamental;
conhecer as disciplinas que compõem o eixo de formação profissional e de
seu uso técnico na solução de problemas jurídicos;
adquirir conhecimentos para uma prática judicial efetiva;
doutrina jurídica e seu processo de atualização;
421
jurisprudência e seu desenvolvimento;
legislação brasileira e suas modificações.
2) Habilidades
raciocinar, expressar-se e argumentar com segurança;
ler, interpretar e contextualizar corretamente os textos científicos, jurídicos
ou legislativos;
solucionar juridicamente os conflitos;
debater posições doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas;
produzir peças processuais;
elaborar textos científicos, legislativos ou jurídicos;
pesquisar as diversas fontes do Direito;
julgar e tomar decisões.
3) Atitudes
valorizar a democracia e suas instituições;
ser ético, consciente e crítico;
ser engajado e combativo na defesa da lei e na busca da solução de
conflitos;
ter profissionalismo durante a atuação prática;
respeitar direitos e cumprir deveres.
5.5 O Projeto Pedagógico do Curso de Direito da UNICSUL
O curso de Direito da UNICSUL foi criado pela Resolução CONSU 9, de
15/10/1993 e, mediante o Parecer CNE/CES 527/1999
866
, homologado pela
Portaria MEC 977, de 28 de junho de 1999 foi reconhecido pelo prazo de três
anos, conforme documento anexo à presente tese.
866
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior (CES). Parecer
CNE/CES nº 527/1999, aprovado em 8 de junho de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29
jun. 1999. Documenta (453), Brasília, DF, jun. 1999.
422
A renovação do seu reconhecimento foi definida pela Portaria MEC 3.609,
de 17/10/2005, com prazo de validade aa avaliação externa preconizada pela Lei
10.861, de 14 de abril de 2004, que institui o Sistema de Avaliação da Educação
Superior - SINAES.
867
Tendo-se em vista as observações contidas na mencionada Portaria MEC nº
3.609, e as novas diretrizes curriculares trazidas pela Resolução CNE/CES 9,
pode-se afirmar que o curso de Direito da UNICSUL passou por reformulações que
se concretizaram no Projeto Pedagógico ora analisado.
É possível afirmar, também, que tais reformulações nortearam-se,
primeiramente, pela missão e objetivos da IES, conforme explicitado pelo que consta
de seu PPI
868
:
Participar do processo de construção e difusão do conhecimento e da
cultura, tornando-os acessíveis à sociedade e contribuindo para o
desenvolvimento do ser humano em todas as suas potencialidades,
promovendo, assim, mudanças na região e no país por meio do ensino,
pesquisa e extensão.
Verifica-se que o Projeto Pedagógico dessa IES concretiza um curso calcado
nos valores éticos da universidade (responsabilidade social, respeito, compromisso,
participação e transparência) que conforme análise do PPC
869
busca, sobretudo:
a) crescimento dos indivíduos como profissionais e cidadãos;
b) consolidação da produção técnico-científica;
c) socialização do conhecimento produzido;
d) atualização para incorporar avanços científicos e tecnológicos, novas
metodologias, observando-se o que estabelece a legislação em vigor e as
demandas do mundo do trabalho;
e) articulação e qualidade do ensino de graduação com a pós-graduação e
pesquisa e a extensão comunitária e seus programas;
f) integração à comunidade universitária;
867
BRASIL. Lei 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior - SINAES. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n.
72, 15 abril 2004. Seção 1, p. 3-4.
868
Cf. Projeto Pedagógico Institucional da Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL, 2008, p. 9.
869
Cf. Projeto Pedagógico do Curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL,
2008, p. 9-10.
423
g) estabelecimento de convênios e parcerias com instituições públicas e
privadas, nacionais e internacionais;
h) qualidade da gestão a partir da avaliação institucional.
5.6 Matriz Curricular do Curso de Direito da UNICSUL
A matriz curricular do curso de Direito está em consonância com o Projeto
Pedagógico Institucional (PPI), pois foi desenvolvida de acordo com a metodologia
institucional de organização de Projetos Pedagógicos, e em consonância com a
Resolução nº 9 da CES/CNE.
Desenhou-se a matriz curricular a partir do perfil desejado dos egressos, em
que se explicitam os conhecimentos, habilidades e atitudes que se pretende
desenvolver. As ementas das disciplinas procuram garantir o estudo e a aplicação
dos conhecimentos fundamentais para a formação do acadêmico, como pessoa e
como profissional.
A matriz curricular apresentada se organiza, conforme a Resolução nº 9/2004,
em torno de três eixos de formação, a saber:
Eixo de Formação Fundamental: estabelece as relações do Direito com
outras áreas do saber, explicitando os limites e as especificidades da
ciência jurídica dentro do mundo científico e permitindo a compreensão da
sociedade contemporânea, a fim de conferir sentido filosófico e social ao
estudo e à futura atividade profissional do egresso. Compõe-se das
disciplinas: Ciência Política e Teoria do Estado I e II (80h), Economia
Aplicada ao Direito (40h), Estudo do Homem e da Sociedade I e II (80h),
Ética Geral (40h), Filosofia Geral (40h), Filosofia Jurídica (40h),
Hermenêutica e Jurisprudência Contemporânea (40h), Introdução ao
Direito I e II (80h), Língua Portuguesa e Produção Textual I e II (80h),
Metodologia do Estudo e da Pesquisa (40h), Sociologia Geral e Jurídica
(40h), Teoria Geral do Direito Privado (40h), Teoria Geral do Processo
(40h);
Eixo de Formação Profissional: enfoca o Direito de modo técnico e
dogmático e apresenta seus diversos ramos sistematizados e
424
contextualizados. Compreende as disciplinas: Direito Civil I a VII (560h),
Direito Constitucional I a III (240h), Direito do Consumidor (80h), Direito e
Processo do Trabalho I e II (160h), Direito Empresarial I e II (160h), Direito
Internacional (40h), Direito Penal I a VII (360h), Direito Processual Civil I a
VI (240h), Direito Processual Penal I a IV (200h), Direito Tributário (160h),
Direitos Humanos I e II (80h), Ética Profissional (40h), Medicina Legal e
Psicologia Forense (40h);
Eixo de Formação Prática: em consonância com a metodologia
institucional Aprender na Prática, integra os conteúdos teóricos
desenvolvidos nos demais eixos com a prática, especialmente por meio de
atividades relacionadas com estágio supervisionado, trabalho de curso e
atividades complementares. Compõe-se das disciplinas: Metodologia do
Trabalho de Curso (40h), Prática Jurídica Civil I a III (120h), Prática
Jurídica Penal I a III (120h), Prática Jurídica Trabalhista (80h), Trabalho de
Curso I e II (80h) e também das atividades complementares (200h) e do
estágio supervisionado (160h).
Em referência à matriz curricular anterior da IES, ora analisada nesse estudo
de caso, é possível afirmar-se que a nova matriz da UNICSUL, possibilita adequação
da carga horária em relação à antiga, que entrou em vigor em 2004.
Com efeito, percebe-se que houve redução na carga horária total, de 4200h
para 3960h. Essa redução total deu-se à redução da carga horária de algumas
disciplinas e adequação de outras à realidade do curso, como Estudos e Prática de
Direito Público I-A e I-B (40h cada).
Constata-se que houve a redução parcial de outras, como Direito
Constitucional (de 320h para 240h), Medicina Legal (80h para 40h) e Direito
Internacional (80h para 40h). Graças a essas eliminações e reduções, pôde-se
ampliar a carga de Direitos Humanos (40h para 80h), Direito do Consumidor (40h
para 80h) e adotar outras disciplinas, como Hermenêutica e Jurisprudência
Contemporânea (40h) e Direito Ambiental (40h).
Percebe-se tamm que redistribuição das disciplinas e de conteúdos em
praticamente todos os semestres, permitindo redução no número de disciplinas a
partir do terceiro semestre do curso, adaptando a matriz curricular às diretrizes do
425
curso de Direito e ao perfil do egresso que se deseja formar. Reputa-se que tais
medidas evitaram a sobrecarga de conteúdos curriculares aos alunos e permitirão
melhor gestão acadêmica, possibilitam, inclusive, a adoção de mais atividades
complementares de forma regular.
Nota-se preocupação de concentrar as disciplinas fundamentais nos primeiros
anos do curso, isso é necessário para que o acadêmico desenvolva o espírito crítico
e adquira os conhecimentos humanísticos necessários para o estudo das matérias
profissionalizantes e complementares.
Porém, de se frisar que, com uma concepção sistemática de Direito, sendo
o ordenamento jurídico composto de regras e princípios dos quais a dignidade da
pessoa humana possui especial relevo, tais valores humanísticos e o espírito crítico
devem ser trabalhados em todos os conteúdos curriculares do curso de Direito
sejam as fundamentais, as profissionais ou as práticas.
Na presente matriz curricular analisada, enfocam-se conteúdos úteis ao futuro
profissional formado pelo curso, pensando na inserção da IES na realidade
socioeconômica do País além da cidade de São Paulo.
Percebe-se, portanto, um esforço da IES estudada em propiciar ao estudante
a compreensão lógica de seu estudo e do papel do Direito na sociedade, em
consonância com as diretrizes do PPI para elaboração de currículos, tendo em vista
que as novas formas de organização da sociedade e da educação apontam para a
necessidade de uma concepção de currículo como um conjunto de elementos
mediante os quais concretizam os processos de ensino e de aprendizagem em um
determinado espaço e tempo, respeitando as especificidades locais, sem perder de
vista o contexto global, e garantindo a identidade e o diferencial desse curso.
Em termos teóricos, justifica-se o eixo de formação profissional como forma
de dar ao estudante um sentido mais claro e completo para o Direito-tecnologia”,
pois enfocou-se no currículo ramos tradicionais do Direito ligados a conflitos privados
(Direito Civil, em primeiro lugar, mas também Direito Trabalhista, Direito
Consumerista) ou a questões criminais (Direito Penal) que são bastante acessíveis
ao formando.
426
Além disso, tratando-se de boas perspectivas de atuação profissional,
entende-se que esses ramos propiciam possibilidades de inserção real do egresso
no mercado de trabalho.
É importante explicitar a concepção de currículo adotada pela UNICSUL, que
orienta a metodologia institucional de construção de currículos.
Contrapõe-se assim, à concepção tradicional de currículo, até a pouco em
vigor, em que se pautavam os currículos mínimos, definindo, independentemente do
contexto socioeconômico e cultural, um rol de disciplinas estanques, bem como
procedimentos metodológicos que privilegiavam o modelo transmissivo-reprodutivo.
Constatou-se, finalmente, que na configuração proposta pela IES em apreço,
o currículo deve ser entendido como elemento formador de identidades individuais e
sociais, o que deve pressupor, no entanto, a adoção de referenciais
socioantropológicos, psicológicos, epistemológicos e pedagógicos em consonância
com o perfil humano e profissional do egresso.
5.7 Estágio Supervisionado do Curso de Direito da UNICSUL
Conforme prevê a Resolução CNE/CES 9/2004, compete ao Núcleo de
Prática Jurídica (NPJ) a organização, o acompanhamento e o controle do Estágio
Curricular Supervisionado - ECS.
Para contemplar a referida resolução, foi implantado Programa de Estágio
Curricular Supervisionado com três modalidades de estágio, de forma a equalizar as
variadas condições dos alunos:
Estágio interno: é a modalidade de estágio em que o aluno integraliza as
horas de estágio nas dependências do NPJ;
Estágio externo: é a modalidade de estágio que se realiza em escritórios
de advocacia; departamentos jurídicos de empresas, sindicatos,
organizações não governamentais, etc; Poder Judiciário; Ministério
Público; Procuradoria do Estado e outros órgãos conveniados;
Estágio atividade: é a modalidade em que o estágio se mediante à
realização de atividades previamente determinadas. São exigidas do aluno
as seguintes atividades: elaboração de relatórios de audiências reais;
427
elaboração de relatórios de audiências simuladas; elaboração de relatórios
de visitas a órgãos públicos vinculados à atividade jurídica; elaboração de
relatório de comentários de acórdãos e outros.
Finalmente constou-se pela análise do NPJ da UNICSUL, que o Programa de
Estágio Curricular Supervisionado encontra-se devidamente previsto no
Regulamento Interno do NPJ daquela IES.
5.8 Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da UNICSUL
O Núcleo de Prática Jurídica é um órgão vinculado ao curso de Direito da
UNICSUL e tem como objetivo principal implementar, coordenar, supervisionar,
controlar e avaliar as atividades práticas dos acadêmicos do curso de Direito em
busca do aprimoramento prático-profissional na área jurídica, bem como integrar a
comunidade local à UNICSUL.
Segundo se depreende do regimento do NPJ e do PPC da UNICSUL,
compete ao Núcleo de Prática Jurídica a organização, o acompanhamento e o
controle do ECS.
Fundado em 11 de maio de 1998, o NPJ dessa IES conta com instalações
independentes do campus universitário e possui, atualmente, três unidades, uma
anexa ao campus São Miguel Paulista e, outra, anexa ao campus Anália Franco e
outra anexa ao campus Liberdade, conforme se constatou em visitas ali realizadas.
A primeira, instalada próximo ao campus São Miguel Paulista, foi inaugurada
pelo Professor Miguel Reale e tem, entre outras atividades, o Escritório de
Assistência Judiciária (AJUCSUL) e um anexo do Juizado Especial Cível do Foro
Regional de São Miguel Paulista (JEC), que resolve causas cíveis de menor
complexidade, previstas na legislação pertinente.
A segunda unidade, localizada próxima ao campus Anália Franco e
inaugurada em 18 de outubro de 2004, pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Dr. Marco Aurélio Mello, tem como principais atividades o Escritório de Assistência
Judiciária Gratuita (AJUCSUL) e uma Câmara de Conciliação e Arbitragem, que atua
em causas cíveis, consumidor, inquilinato e outros direitos disponíveis de menor
complexidade.
428
A unidade do campus Liberdade encontra-se em fase de implantação e atuará
em atividades desenvolvidas nas outras unidades ou pertinentes.
Entende-se que tais atividades de extensão, é que permitem ao curso de
Direito a plena integração com a comunidade, por meio da prestação de Assistência
Judiciária Gratuita.
Ademais, cada uma das unidades organiza, acompanha e controla as
atividades de Estágio Curricular Supervisionado (ECS) obrigatório dos acadêmicos
dos respectivos campi, conforme estabelece o artigo 7º, da Resolução CNE/CES
09/2004.
A figura abaixo demonstra, de forma sucinta, as principais atividades
desenvolvidas no NPJ, da IES ora analisada, bem como a equipe de profissionais
responsáveis por sua condução, incluindo-se a equipe interdisciplinar.
O funcionamento e organização do NPJ da UNICSUL:
Quadro 21 Estudo de Caso Organograma de Funcionamento e
Organização do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL
COORDENAÇÃO
São Miguel Paulista
Atividades
desenvolvidas:
Assistência Judiciária
Juizado Especial
Estágio
Supervisionado
Projeto de
Atendimento
Integral às mães
Equipe Profissional:
Advogados-
Orientadores
Advogado-Auxiliar
Assistente Social
Anália Franco
Atividades
desenvolvidas:
Assistência Judiciária
mara Interna de
Conciliação e
Arbitragem
Estágio
Supervisionado
Projetos de Extensão
Equipe Profissional:
Advogados-
Orientadores
Advogado-Auxiliar
Assistente Social
Liberdade
Atividade
desenvolvida:
Estágio
Supervisionado
Demais:
Assistência
Judiciária
incipiente
429
A Unidade de São Miguel Paulista (SM) dá atendimento à população carente
da região seja pela Assistência Judiciária Gratuita seja pelo Juizado Especial.
a) Estrutura: a unidade SM do NPJ funciona em um imóvel de dois
pavimentos, contendo: 1 sala para cursos e eventos, com 74 lugares e
audiências de instrução; 1 sala para secretaria e arquivo; 1 sala para
atendimento; 1 sala para Serviço Social; 1 cozinha; 1 sala para
coordenação, advogados e acervo jurídico; 1 sala de audiência de
conciliação; 1 sala para cartório do JEC.
b) Funcionamento: de 2ª a 6ª feira das 8h às 21h30.
Conforme foi informado pelo coordenador do Núcleo
870
, quando da realização
da entrevista pessoal, a unidade Anália Franco inicialmente atendia apenas à
população local em ações que fossem da competência do Foro Regional do
Tatuapé. Em razão do perfil socioeconômico daquela população, houve a
necessidade de ampliar o atendimento para a região da Vila Prudente, haja vista
tratar-se de uma parcela da população mais carente.
a) Estrutura: a Unidade AF do NPJ funciona em um imóvel de três
pavimentos, contendo: 1 sala para cursos e eventos, com 74 lugares; 1
sala para secretaria; 1 sala para atendimento; 1 sala para Serviço Social; 1
sala para acervo jurídico; 1 cozinha; 1 sala de advogados; 1 sala de
audiência de conciliação; 1 sala de audiência de arbitragem; 1 sala de
coordenação; 1 sala para arquivo.
b) Funcionamento: de 2ª a 6ª feira, das 08h às 17h.
5.9 Pontos de Estrangulamento do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de
Direito da UNICSUL
Fixados os pontos positivos curriculares no Núcleo de Prática Jurídica, ora
analisado, especialmente sua metodologia de ensino/aprendizagem na realização da
interdisciplinaridade, é necessário, por outro lado, pontuarem-se os seus pontos de
870
Trata-se do Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul, Prof. Ms.
Sérgio Gabriel, que trabalha na instituição há 10 (dez) anos e que acompanhou toda a implantação
do Núcleo de Prática Jurídica do curso de Direito.
430
estrangulamento, tendo em vista as entrevistas ali colhidas, em três aspectos que se
encontram ausentes:
ausência de sistema de avaliação interna das atividades realizadas no
Núcleo de Prática Jurídica;
ausência de atividade de mediação e arbitragem;
ausência de exame de autos findos.
5.9.1 Ausência de sistema de avaliação interna das atividades realizadas no
Núcleo de Prática Jurídica
Sob a ausência do primeiro aspecto, é preciso considerar as exigências do §
2º do art. 7º da Resolução CNE/CES nº 9/2004, que destaca o seguinte:
Art. 7°. § 2º - As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas e
reorientadas de acordo com os resultados teórico-práticos gradualmente
revelados pelo aluno, na forma definida na regulamentação do Núcleo de
Prática Jurídica, até que possa considerá-lo concluído, resguardando, como
padrão de qualidade, os domínios indispenveis ao exercício das diversas
carreiras contempladas pela formação jurídica.
Embora se encontre formalmente disposto no Regulamento do Núcleo, ora
analisado, na prática, esse sistema de avaliação interna não ocorre.
Sob a perspectiva restrita, entende-se que a vantagem de se dar
cumprimento ao disposto no § do art. da Resolução CNE/CES 9/2004 é
vantagem e a possibilidade do aluno, com capital cultural acima da média, poder
antecipar os créditos de estágio supervisionado”, sendo avaliados de forma
freqüente e continuada; diminui-se, ainda, sua permanência no Núcleo, viabilizando
espaço físico para outros alunos; e, por outro lado, diminui a exigência de
investimento em infra-estrutura, que, é fato, nem todos os laboratórios de prática
jurídica, mesmo de IES privadas, dispõem de equipamentos de informática em
número suficiente para atendimento da demanda de estágio e de Assistência
Judiciária Gratuita.
Além disso, entende-se que o sistema de avaliação interna conduz à maior
eficácia e à evolução do aprendizado do aluno, permitindo-se incorporar parâmetros
de avaliação das diversas profissões jurídicas, tais como exame da magistratura,
Ministério Público, polícia judiciária, e especialmente da advocacia.
431
A avaliação das atividades elaboradas no Núcleo deve decorrer do projeto da
assistência judiciária na prestação do serviço gratuito. Contudo, o Projeto
Pedagógico do curso deve explicitar quais o os conteúdos, habilidades,
competências e atitudes que se devem desenvolver no aluno, como prestador desse
serviço gratuito programado.
O projeto deve prever ainda, quais serão as etapas que o aluno irá percorrer e
o que deve revelar como de conhecimento adquirido no Núcleo e nas atividades de
estágio realizadas.
Vale ressaltar, o aluno deve ser avaliado pela qualidade do resultado
produzido. Assim sendo, entende-se que é preciso reformular e exigir essa prática
de avaliação.
5.9.2 Ausência de atividade de mediação e arbitragem
Sob a ausência do segundo aspecto que trata da ausência de atividade de
mediação e arbitragem nas atividades que compõem o estágio e no Núcleo de
Prática, é preciso que se diga que embora essas atividades transversais imponham
gastos à IES, como, por exemplo, a própria estrutura física, pessoal técnico e
administrativo voltado para a psicologia da arbitragem, negociação, e,
especialmente, mediação, essas atividades são, todavia, imprescindíveis para a
formação e intensificação de um perfil humanístico do agente do Direito.
A mitigação dessa estrutura que possibilite a realização dessas atividades
redunda em (de)formação do perfil do profissional e do jurista
871
revelado, por
exemplo, nos baixos índices de aprovação nos exames da OAB, e pela sobra
constante de vagas nos concursos públicos da Magistratura, Ministério Público e
Polícia Judiciária.
872
871
Eliane Junqueira, por exemplo, diz que os projetos pedagógicos dos cursos jurídicos não têm sido
criativos na definição de seus perfis profissionais. Conseqüentemente, eles nem mesmo obedecem
à lógica do mercado, pois oferecem produtos de má-qualidade sem sequer se preocupar com a
concorrência. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Diretrizes curriculares para o curso de Direito. Revista
da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, Brasília, DF, v. 16, n. 12, p. 49-
74, 1998.
872
Em todo o Brasil, os índices de reprovação nos exames da OAB alcançaram índices inaceitáveis. O
ex-presidente da OAB nacional, Roberto Busato, declarou que o exame da OAB não pode reprovar
do jeito que está reprovando. Ao mesmo tempo, já existe uma saturação no mercado de trabalho.
Em São Paulo, a Dra. Ivete Senise Ferreira, ex-presidente da Comissão de Exame de Ordem da
Seccional Paulista, afirmou que, na sua opinião, cada bacharel deveria fazer cinco vezes, no
432
No lugar de grades curriculares centradas no exclusivismo da ciência do
Direito é preciso incorporar novos conteúdos capazes de despertar habilidades
diversas nos agentes do Direito, tais como Criatividade, Informática Jurídica,
Psicologia da Negociação, Estudos ou Temas Interdisciplinares da Realidade
Brasileira, Técnicas de Negociação, Mediação e Conciliação.
873
Além desse argumento ressalte-se que o próprio Manual da Avaliação das
Condições de ensino do INEP/MEC exige esses elementos na configuração do
currículo como critérios do reconhecimento e da renovação dos cursos jurídicos.
Note-se, porém que essas avaliações iniciaram a partir da Lei 9.131 de 24
de novembro de 1995, que a partir desse texto legal a avaliação é transformada
em instrumento obrigatório e de utilização periódica para a elevação da qualidade
não só do ensino jurídico, como tamm do ensino superior em geral.
Para a sua realização, foram previstos procedimentos e critérios abrangentes
dos diversos fatores que determinam a qualidade e a eficiência das atividades de
ensino, pesquisa e extensão, conforme dispõe o art. 3º da Lei nº 9.131/95.
Desse instrumento legal resultou a definição de duas formas básicas para sua
concretização: a avaliação do ensino de graduação, pelo exame nacional de final de
curso, conhecido como Provão, elaborado com base nos conteúdos mínimos
estabelecidos em cada área do conhecimento e realizado pelo corpo discente; e a
análise do desempenho individual dos cursos realizada pelas próprias instituições,
compreendendo as modalidades de ensino, pesquisa e extensão, e que era
conduzida então por uma comissão externa à IES, conforme determinava o Decreto
nº 2.026, de 10/10/1996.
Entretanto, o Exame Nacional de Cursos que teve início em 1996 causou
enorme turbulência no meio acadêmico-profissional e na sociedade em geral.
máximo, o exame de Ordem, porque o candidato que faz o exame várias vezes, sem sucesso,
deveria ser aconselhado a repensar sua opção profissional. FERREIRA, 2000, apud LIMA,
Fernando. Reprovação no exame de Ordem. Disponível em:
<http://br.monografias.com/trabalhos905a-reprovação-exame.shtml>. Acesso em: 13 ago. 2008.
Contudo, deve-se considerar que a OAB integra um sistema de avaliação do perfil geral de
bacharel em Direito; é preciso também repensar esse sistema de avaliação já que não se discute a
formação ou perfil do profissional para a região, mas em nível nacional, situação de tarefa
avaliação na competência do exercício e fiscalização profissional e que também tem sido agravada
pela terceirização na elaboração da prova do exame da OAB.
873
Esses são apenas alguns exemplos de disciplinas e conteúdos curriculares extraídos da
experiência com docência e coordenação, e que se constituem em paradigmas arrojados de
currículo jurídico, implantados em IES de ensino privado.
433
As controvérsias questionavam a adequação de tal instrumento como modelo
de avaliação que se pretendia construir, tendo em vista que ele visava somente um
dos pólos do processo ensino / aprendizagem.
Além disso, criticava-se o fato de que o Provão não era a forma de avaliação
estritamente externa, pois além de não ser realizado interpares, tão pouco previa a
participação de entidades externas da sociedade científica, conselhos profissionais,
trabalhadores, egressos e organizações governamentais.
No entanto, foi esse caráter controverso que fez surgir novos instrumentos de
avaliação. Em 1996 é editada a nova lei que definiu as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que corroborou a
avaliação como metodologia periódica tanto dos cursos quanto das IES.
Frente à inevitabilidade do Provão, as Comissões de Especialistas de Ensino
em Direito do MEC e de Ensino Jurídico da OAB sugeriram a inclusão dos cursos
jurídicos na primeira realização do Provão.
Consolidava-se a partir daí a cultura de reforma do ensino jurídico.
Em 1997, iniciaram-se as visitas in loco das comissões externas aos cursos
jurídicos, compostas por consultores e avaliadores escolhidos pelas Comissões do
MEC e da OAB
874
e que haviam acompanhado as discussões de reforma do ensino
até então. Para a orientação dessas visitas, as comissões tanto do MEC quanto da
OAB construíram um roteiro de avaliação, designado por instrumento de avaliação.
Com efeito, esse documento continha diversos critérios e elementos, que eram
dispostos em 3 (três) grupos: qualificação do corpo docente, organização didático-
pedagógica e instalações (infra-estrutura).
Desde então, outros instrumentos de avaliação surgiram, como, por exemplo,
o Decreto 3.680/2001, que prevê a exigência de um perfil específico do
profissional de direito.
Atualmente, é a Lei 10.861/2004, conhecida como Lei do Sistema Nacional
de Avaliação do Ensino Superior - SINAES, que atribui competência ao INEP, para a
elaboração de instrumentos avaliativos das IES, e que prea exigência de uma
Comissão Própria de Avaliação (CPA).
874
Nesse contexto, ressalte-se nos trabalhos das referidas comissões, a participação intensa dos
professores Dr. Paulo Luiz Netto Lôbo e José Geraldo de Souza Jr.
434
O SINAES é formado por 3 (três) componentes principais: a avaliação das
IES, dos cursos e do desempenho dos estudantes. O SINAES avalia assim todos os
aspectos que giram em torno desses três eixos: o ensino, a pesquisa, a extensão, a
responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo
docente, as instalações e outros aspectos.
Note-se que esse sistema de avaliação possui uma série de instrumentos
complementares: auto-avaliação, avaliação externa, ENADE, e avaliação dos cursos
de graduação e instrumentos de informação censo e cadastramento. Os processos
avaliativos
875
são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de
Avaliação da Educação Superior - CONAES, mas a operacionalização é de
responsabilidade do INEP.
Por outro lado, é preciso que se diga que esses instrumentos de avaliação
não são elaborados com a participação da comunidade educacional; são impostos
freqüentemente numa postura heterônoma, burocrática e tecnicista. É preciso,
portanto, superar tamm esse comportamento autoririo na condução de
instrumentos e políticas de avaliação do currículo no ensino superior.
5.9.3 Ausência de exame de autos findos
Sob a ausência do terceiro aspecto, entende-se que o exame de autos do
Poder Judiciário, constitui-se uma fonte inesgotável de material de pesquisa teórica
e prática, e que possibilitam ao aluno do curso de Direito a visualização de todo o
iter processual, quer sob a ótica formal, quer sob a ótica substancial.
Esse material pode ser digitalizado em softwares aplicados especialmente ao
curso de Direito, com ajuda, por exemplo, dos alunos de outros cursos da IES,
(Curso de Informática ou Tecnologia) para uso em sala de aula, tanto em disciplinas
teóricas, como nos estudos de casos do estágio supervisionado.
Nesse sentido, a manipulação de equipamentos e softwares, visando a
elaboração de um acervo de processos findos mais relevantes abre nova janela e
espaço de interdisciplinaridade para o curso de Direito.
875
Registre-se, porém, que é a Portaria MEC 2.051 de 09 de julho de 2004 que regulamenta,
atualmente, o SINAES.
435
Por outro lado, certamente, a manipulação desses autos deve obedecer os
requisitos do segredo de justiça, principalmente no que tange aos casos que
envolvam relações de Direito de Família. Há que se respeitar, sem dúvida, as
normas dos Tribunais de Justiça.
Há, no entanto, uma infindável quantidade de processos que constituem
documentos históricos, de interesse cultural e científico para a memória da cultura
brasileira.
Finalmente, a elaboração, a título de proposição, de um arquivo digital
próprio, inserido no Núcleo de Prática Jurídica das IES, com base de dados virtuais,
constituídos no exame desses autos findos que, comem a cultura jurídica
brasileira, objetivando despertar a curiosidade e a criatividade dos alunos dos cursos
de Direito para o universo dessa produção jurídica.
436
CONCLUSÃO
Nesta tese de Doutorado, a Filosofia, a Filosofia da Educação e a Filosofia do
Direito nos permitiram ver e compreender a problemática da educação, do currículo,
e das diretrizes curriculares do curso de Direito sobre outros ângulos, sob novas
perspectivas, de maneira aberta, holística, integrada, e sem preconceitos. Com olhos
críticos, porém sem radicalismos.
A perspectiva epistemológica sistemática aberta adotada nesse trabalho,
fundamentada na Filosofia da Educação e do Direito facultou ampliar nossa visão e
estrutura-nos para compreender o mundo presente, seu processo de formação, suas
possibilidades de emancipação e transformação do currículo jurídico, permitindo
aproximar, como professores, do projeto pedagógico ideal do curso de Direito.
Conclui-se que o currículo jurídico juntamente com suas diretrizes não deve
constituir-se, em mera construção normativa fechada, positivista, permanentemente
imutável, pois são construções culturais elaboradas pela ação e experiência
humana, fundamentadas em concepções especialmente educacionais, filosóficas,
permanentemente renováveis e inacabadas, cujo conteúdo está permeado de
discursos, relações de poderes, interesses, escolhas, por isso a importância dos
princípios éticos e dos valores na sua substancial tornam-se cada vez mais decisivos
para a formação do bacharel em Direito.
Ora, nem mesmo o Direito deve ser compreendido somente como leis,
procedimentos, ritos ou sanções, devendo constituir-se especialmente na práxis de
ação recíproca de convívio cultural, solidário, justo, tolerante e de sentido entre os
homens.
O currículo jurídico constitui-se, portanto, numa construção permanente de
práticas, com um significado marcadamente cultural e filosófico e um instrumento
obrigatório para análise das decisões educativas, como importante agente de
mudança, dotado de sentido e finalidade, tendo na sua fundamentação filosófica
uma base imanente sobre a qual repousam valorações. Nesse diapasão, o currículo
jurídico inserido na concepção culturalista do Direito não pode ser compreendido,
portanto, simplesmente, como um conjunto metódico, de procedimentos formais, de
disciplinas, objetivos e experiências, ou ainda, pior de simples memorização de
conteúdos das leis, que vêm compondo ao longo da história o ensino do Direito.
437
O currículo jurídico dar-se assim num universo axiológico, pois o problema
dos valores não está na transmissão teórica, mas na sua vivência e prática
curricular. Currículo jurídico configurado, assim, no respeito ao diálogo, à tolerância,
à pluralidade cultural, à valorização dos diferentes saberes e culturas, ao valor da
justiça, da ética, no respeito ao meio ambiente, à saúde, e, sobretudo, ao respeito da
dignidade da pessoa humana.
Do percurso investigativo da presente tese conclui-se, portanto, que o
currículo jurídico além de constituir-se numa construção jurídica, é um fenômeno
cultural; não se trata, por isso, simplesmente de uma mera construção normativa
positivista permanentemente imutável. A prescritividde e a normatividade do
currículo jurídico constituem-se apenas e tão-somente uma de suas dimensões.
Da análise do estudo de caso, demonstrou-se, que o currículo jurídico deve
envolver, numa justa medida cultural, os mais diversos saberes, onde o espaço do
conhecimento seja, nomeadamente, integrado, interdisciplinar e transdisciplinar. A
interdisciplinaridade é um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com
que as disciplinas interajam entre si. Conclui-se assim, que a interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade correspondem a uma nova etapa do desenvolvimento do
conhecimento científico e de sua visão epistemológica, que exigem que as
disciplinas científicas, em seu processo constante e desejável de interpenetração,
fecundem-se cada vez mais reciprocamente.
O pensamento interdisciplinar e transdisciplinar fogem da análise tecnicista e
utilitarista do fenômeno jurídico, constituindo-se assim na base de transformação do
ensino e da realidade do Direito. Ora, o mundo e a própria sociedade brasileira
exigem essa vivência interdependente e transdisciplinar do Direito, com as diversas
áreas do conhecimento.
Por isso, propõe-se como recomendação a desconstrução das atuais DCNs,
no sentido de propor no eixo de formação profissional, das atuais DCNs para o curso
de Direito a inclusão no conteúdo curricular do currículo jurídico uma Teoria Geral
Crítica do Direito que passe necessariamente, por uma perspectiva interdisciplinar
que permita, todavia, abrir a compreensão de mundo do futuro bacharel, numa
perspectiva sistemática alargada, interdisciplinar e transdisciplinar de compreensão
do fenômeno jurídico, inserida no universo das humanidades, que possibilitem
ampliar o universo cognitivo da própria ciência jurídica.
438
Conclui-se, portanto, que uma necessidade imperiosa de mudança
curricular no papel da universidade. É necessário, para que isso ocorra que as
instituições de ensino tenham liberdade e flexibilidade para optarem por um currículo
jurídico cujo desenvolvimento de capacidades, potencialidades, talentos,
competências e habilidades multifocais do educando seja o principal alvo do
discurso educacional das instituições de educação.
As considerações sobre a educação, o currículo e as diretrizes
curriculares no curso de Direito, esboçadas neste trabalho, só serão efetivamente
alcançadas na medida em que as IES se engajem no processo de mudança
educacional, em especial, de mudança de modelo de construção curricular.
Conclui-se que isto não ocorre, principalmente, quando se trata de instituições
tradicionais apoiadas em fundamentos pedagógicos e filosóficos inadequados para
os nossos dias como é o caso do Positivismo. E, mesmo quando as IES propõem-
se a inovar, parece ser relativamente mais simples modificar a estrutura
administrativa ou funcional, ou mesmo ampliar recursos do que se disporem a inovar
aquilo que é seu próprio cerne: seu sistema de educar, sua forma de orientar seu
currículo e o seu processo de ensino-aprendizagem.
Nunca foi tão presente às próprias universidades a necessidade de
transformar suas estruturas para melhor adaptá-las às condições da sociedade, é o
que se constatou, inclusive, pela análise dos questionários do estudo de caso
proposto nesse trabalho. As instituições concebidas outrora para educar uma elite
devem aprender hoje a receber e instruir as massas; seus antecedentes, suas
experiências, que fizeram delas outrora o veículo de uma cultura e um sistema de
valores, não serão mais suficientes se isso não se juntar à capacidade e à vontade
de renovar. Atualmente a atenção geral está voltada para a inovação. Como iniciar
as mudanças, o que é necessário mudar, como difundir novas idéias e novas formas
de currículo? Obviamente, é mais fácil falar ou teorizar sobre as necessidades de
mudança do que realmente mudar.
É principalmente pelo aumento de compreensão dos problemas curriculares
educacionais, pela pesquisa de novas formas de fazer didático, por uma visão
interdisciplinar e transdisciplinar dos problemas do ensino jurídico e das áreas
profissionais, pelo desenvolvimento de sua mentalidade criativa, que estará o ensino
jurídico superior estruturando-se de forma a retomar seu tradicional papel social de
439
excelência que pode preparar e assumir os processos de formação evolutiva e
social. Isso significa atribuir às IES a tarefa e responsabilidade educacional e
constitucional de pensar e implementar novos currículos.
Por outro lado, constata-se, infelizmente, que a forma mais clássica de
organização do conteúdo do currículo jurídico adotado pelas inúmeras instituições
de ensino especialmente no curso de Direito, ainda predominante atualmente, é o
modelo linear disciplinar fechado, ou pelo conjunto de disciplinas justapostas, na
maioria das vezes de uma forma arbitrária. Isto ocasiona o fim da educação como
conhecimento, compreensão de mundo e capacitação para viver ativamente diante
do contexto de turbulências e de permanentes mudanças, de crises e caos em que
vive a sociedade atual.
Conclui-se, portanto, pela necessidade de uma nova configuração de um
currículo jurídico voltado para um modelo de natureza epistemológica aberta que
integre um novo conceito de racionalidade, não mais baseado no modelo tradicional
de racionalidade tecnoformal, mas sim num modelo crítico de interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade de racionalidade cultural e emancipatória.
Conclui-se, outrossim, pela necessidade de uma pedagogia nova para o
ensino jurídico em que se assume o princípio ativo e norteador de valorização do
indivíduo como ser livre, ativo, social e cultural. Onde o centro da atividade escolar
não é o professor nem os conteúdos disciplinares, mas sim o aluno ativo e curioso.
Onde o mais importante, não é o ensino, mas o processo de aprendizagem. Pois o
professor é somente o facilitador no processo de busca do conhecimento do aluno,
organizando e coordenando as situações de aprendizagem.
Imprescindível, para que isso ocorra, uma nova prática curricular;
emancipadora, libertadora, que possa contribuir para uma nova configuração
curricular pedagógica do ensino jurídico, de suas diretrizes e de seus conteúdos.
Nesse diapasão, pressupõe-se que sejam alteradas as fórmulas tradicionais de
transmissão de saberes, em oposição a uma educação jurídica estritamente formal e
positivista.
Construir um perfil profissional no currículo jurídico significa primeiramente
pensar uma identidade ou um conjunto de habilidades comuns a serem despertadas
nos alunos. Entretanto, para se pensar essa identidade é preciso enfrentar uma
440
questão anterior e intrínseca ao processo educacional, que é a singularidade da
diferença e da pluralidade de visões de mundo.
A discussão sobre o que seja e como definir um perfil profissional para os
currículos e para os cursos jurídicos está apenas no início. muitas dificuldades
em torno do tema. Contudo, entende-se que é preciso enfrentá-las para a
concepção de um projeto pedagógico que desperte nas pessoas o diálogo aberto
consigo mesmo e com o mundo e, que permita a busca da ampliação de novos
sentidos para o homem.
Abertura que fomenta dúvida ao invés das certezas. Pois aprendendo a
interrogar-se a si mesmo, o homem aprende a interrogar os outros e o mundo,
porque está em busca de sua própria compreensão da realidade que o cerca. Com
efeito, a busca de novos sentidos para a vida e a ação mobiliza a criatividade.
É somente pela escolha desse novo caminho curricular no ensino do Direito
que se torna possível substituir inadequados paradigmas racionais de
fundamentação jurídica, exclusivamente, fundamentada, filosoficamente, no
Positivismo, de muito superada pelas incontestes transformações sociais,
econômicas, jurídicas e culturais por que passam nossa sociedade.
O processo da construção normativa das diretrizes curriculares do ensino
jurídico deve ser construído no caminho de mão dupla, numa imprescindível
interação viva entre instituição educacional e aluno e entre docente/discente, jamais
construído e imposto de forma heterônoma, como tem ocorrido.
Ao o aceitar mais os sentidos que lhe são impostos, o homem busca a sua
própria realidade, num movimento de inquietação e de não acomodamento. Por isso
que entende-se que o homem é um ser inconcluso e precisa ter nítida consciência
de sua incompletude, pois é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se
funda a educação como processo permanente.
Esse processo permanente de desconstrução, inacabamento e reconstrução
quotidiana de si, fará desencadear no homem a compreensão de que a ação política
se dá também nos pequenos gestos em relação a pessoas que o rodeiam. O
aprendizado acontece assim não somente para melhor adaptação a uma realidade,
mas, sobretudo, para que se possa aprendê-la, constar para recriá-la, desconstruí-
la, reconstruí-la, transformando-a.
441
Nesse sentido, as conclusões do presente trabalho não pleiteiam aqui de
forma alguma ter alcançado a verdade absoluta sobre o tema. Inobstante isso,
defende-se intransigentemente, a mudança na lei que faculte ainda que de início,
apenas teoricamente desconstruir o texto normativo das atuais Diretrizes
Curriculares Nacionais instituídas para o curso de bacharelado em Direito.
Finalmente, tem-se a convicção de que é possível mudar o comportamento e
a postura dos próprios mantenedores, mormente, a partir de investimentos para que
o projeto pedagógico e as diretrizes curriculares saiam do papel. Dessa maneira,
sejam executados sem restrições de ordem teórica ou prática, contemplando o
regime de trabalho do corpo social para além da matriz curricular (ensino), mesmo
que em parâmetros mínimos, infra-estrutura de planejamento e execução de
conteúdos e atividades/competências e habilidades.
Recomenda-se a inclusão nas diretrizes curriculares do curso de Direito uma
educação e currículo jurídico fundamentado, além das habilidades racionais, nas
seguintes habilidades curriculares; habilidades sociais, habilidades emocionais,
habilidades afetivas, habilidades sensitivas, habilidades cognitivas; habilidades
psicológicas; habilidades estéticas que devem, todavia, estar presente em todos os
momentos da formação do indivíduo não podendo ser consideradas um produto
pronto e acabado, mas sim iniciado, a construir; e, o currículo jurídico, como
construção e fenômeno cultural, concebê-lo, portanto, como importante agente de
mudança na educação do país.
Por derradeiro, é preciso se conscientizar que as decisões tomadas a respeito
do currículo jurídico afetam vidas e sujeitos, de onde advém sua inegável
importância e, também, motivação para desenvolver o presente estudo reflexivo e
propositivo sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais fixadas para o curso de
Direito.
Assim, ao se refletir sobre essas possibilidades de transmissão e
transformação de saberes mediante nova configuração das diretrizes curriculares no
ensino do Direito, estar-se-á refletindo sobre a importância dos valores da sabedoria,
do convívio, da tolerância, da solidariedade, da liberdade, da cidadania, da
dignidade da pessoa humana e da justiça social.
442
Essas considerações finais permitiram trazer ao percurso investigativo tese as
seguintes sínteses conclusivas:
1 - a complexidade do tema da educação, do currículo e das diretrizes
curriculares no ensino jurídico exige flexibilidade e equilibrada noção de relativismo,
sobretudo uma mentalidade alargada e um olhar atento e ampliado sobre o tema;
2 - o estudo do tema exige uma pluralidade metodológica de investigação,
direciona, todavia, para uma perspectiva de racionalidade de pensamento complexo
e não-linear, que contemple, sobretudo, a interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade como metodologia de ensino jurídico;
3 - a necessidade de interpretar fenômenos singulares e complexos; caso do
currículo jurídico afasta, entretanto, a certeza dogmática do conhecimento científico
absoluto e imutável;
4 - a educação, o currículo e suas diretrizes no ensino jurídico passa por uma
objetividade relativa, uma vez que não é possível aceitar o conhecimento como
absoluto;
5 - a compreensão da educação, do currículo e das diretrizes curriculares no
ensino do Direito exige do intérprete uma perspectiva epistemológica jurídica e
filosófica aberta e flexível, visto que dele se espera além do conhecimento da
legislação, sólido conhecimento educacional, afetivo, histórico, político, social,
cultural, econômico e filosófico;
6 - a problemática do currículo e das diretrizes curriculares no curso de Direito
deve ser pensada, em sentido amplo, a partir da questão da educação, e em sentido
estrito, no contexto da problemática da crise atual do ensino jurídico;
7 - o currículo jurídico não é estático, supõe alteridade, vivência, relação.
Constitui-se, portanto, no desafio de uma realização humana individual e coletiva;
8 - a construção do currículo e suas diretrizes do ensino jurídico é uma
realização de liberdade, de emancipação, de autonomia, do sentido próprio da
finalidade educativa, objeto de perplexidade e de reflexão filosófica do Direito;
9 - o currículo jurídico não é um conceito abstrato, com existência exterior à
experiência humana, é fruto da ação e da experiência humana;
443
10 - o currículo jurídico é uma construção cultural;
11 - não se trata, por isso, simplesmente de uma mera construção normativa
positivista permanente e imutável, pois conclui-se que o currículo jurídico é, além de
uma construção legal, uma construção sobretudo cultural, cujo conteúdo está
permeado de discursos, relações de poderes, interesses, escolhas e valores;
12 - o currículo jurídico é, portanto, uma construção metajurídica; constata-se
além da lei, filosofias, escolhas, comportamentos, valores e cultura, a par de
intenções e finalidades educativas, porque diz respeito, sobretudo, àquilo que a
instituição de ensino faz e para quem faz, ou deixa de fazer para a educação
superior brasileira;
13 - a própria construção do Direito permite mudança e movimento; a
construção do currículo jurídico permite, por sua vez, dentro de uma perspectiva
epistemológica aberta e flexível, reorganizar-se, reconfigurar-se e, desconstruir-se;
14 - a construção do currículo e de suas diretrizes no ensino jurídico deve ser
elaborada autonomamente, nunca de forma heterônoma;
15 - a construção do currículo jurídico e/ou sua desconstrução dá-se num
contexto consensual, do qual devem participar, de maneira dialógica, todos os
sujeitos envolvidos no processo educacional para a sua configuração;
16 - a educação jurídica deve, mediante seu currículo e suas diretrizes,
instaurar, no curso de Direito, um processo democrático e integrador que vincule os
sujeitos cognoscentes ao seu ambiente social, afetivo, cultural, econômico, regional
e político;
17 - a educação no século XXI exige, superar os paradigmas curriculares
exclusivamente positivistas e dogmáticos, fechados em si mesmos e com uma visão
burocratizante do conhecimento e do ensino;
18 - as diretrizes curriculares devem implicar a formação do bacharel em
Direito no compromisso com ideais de aplicação da Justiça Social, de superação das
desigualdades sociais, que conduzam à aproximação urgente e efetiva entre
educação, Estado, Direito, Justiça e sociedade;
444
19 - as diretrizes curriculares do ensino jurídico devem inscrever-se no
princípio fundante e fundador do compromisso do Direito pela construção de uma
sociedade mais justa, solidária e fraterna, pelo desenvolvimento coletivo e individual
voltado à cidadania, à formação e ao desenvolvimento ético, integral, responsável e
digno do bacharel em Direito.
445
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abr. 1999.
BRASIL. Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais
e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. Diário Oficial da
União, 13 fev. 1998, retificada em 31 de fevereiro de 1998. Seção 1, p. 1.
481
BRASIL. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei nº
4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 nov. 1997. Seção 1, p. 19.257.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (LDBN) Estabelece as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez.1996. p. 27.833-841.
BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia
e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB (EOAB). Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 jul. 1994.
BRASIL. Medida Provisória nº 661, de 18 de outubro de 1994. Altera dispositivos da
lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e da lei nº 5.540, de 28 de novembro de
1968, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 19 out. 1994. Seção I, p. 15.799
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. (Código do Consumidor). Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. (Suplemento).
BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. (ECA) Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 de jul. de 1990, e retificada em 27 de set. de
1990.
BRASIL. Lei nº 314, de 30 de outubro de 1895 (Reorganiza o Ensino das
Faculdades de Direito). Coleção das Leis do Brasil. Publicada na imprensa
nacional em 31 dez. 1985. p. 001.000031.1.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 9 de abr. 1981.
BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do
ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 nov. 1968. Col.
4, p. 010369.
BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 27 dez. 1961. Col. 1, p. 0011429.
BRASIL. Decreto nº 1.386, de 28 de abril de 1854. Dá novos estatutos aos cursos
jurídicos. Coleções das Leis do Brasil. Base de dados de legislação do Senado
Federal. Disponível em: <www.senado.gov.br.legislação>. Acesso em: 10 ago. 2008.
482
BRASIL. Carta de Lei nº 1.827, de 11 de agosto de 1827. Crêa dous Cursos de
sciencias jurídicas e Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda.
Registrada na Chancelaria-mór do Império do Brazil, fls. 83, do Livro 1º de Cartas,
Leis e Alvarás. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. p. 5-7. Base de dados de
legislação do Senado. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1800-
1850/L1827.htm>. Acesso em: 25 maio; 10 ago. 2008.
Portarias Ministério da Educação (MEC)
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.785, de 9 de agosto de
2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 10. ago. 2001. Seção 1-E, p. 100.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.252, de 21 de junho de
2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 22 jun. 2001. Seção 1-E, p. 102.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 3, de 9 de janeiro de 1996.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 10 jan. 1996. Seção 1, p. 348.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 1.886, de 30 de dezembro
de 1994. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, jan. 1995. Seção 1, p. 238.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria MEC nº 893, de 24 de junho de
1993. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 3, 25 jun. 1993. Seção 1, p. 8.506.
Pareceres do Extinto Conselho Federal de Educação (CFE)
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 153/1986.
Documenta (303), Brasília, DF, p. 99, mar. 1986.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 224/1984.
Documenta (280), Brasília, DF, p. 7, abr. 1984.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 383/1983.
Documenta (272), Brasília, DF, p. 152, ago. 1983.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 124/1982.
Documenta (256), Brasília, DF, p. 111, mar. 1982.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 1.082/1980.
Documenta (239), Brasília, DF, p. 107, out. 1980.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 450/1980.
Documenta (234), Brasília, DF, p. 472, maio 1980.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 934/1979.
Documenta (224), Brasília, DF, p. 433, jul. 1979.
483
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 912/1979.
Documenta (224), Brasília, DF, p. 407, jul. 1979.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 170/1979.
Documenta (219), Brasília, DF, p. 116, fev. 1979.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 20/1977.
Documenta (194), Brasília, DF, p. 27, jan. 1977.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 1.364/1974.
Documenta (162), Brasília, DF, p. 115, maio 1974.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 660/1974.
Documenta (160), Brasília, DF, p. 231, mar. 1974.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 225/1973.
Documenta (147), Brasília, DF, p. 146, fev. 1973.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Resolução nº 3/72. Documenta
(140): 566, jul. 1972. Diário Oficial da União, 26 jul.1972. Seção 1, PT. 1, p. 6.623.
BRASIL. Conselho Federal de Educação (CFE). Parecer CFE nº 215, aprovado em
15 de setembro de 1962. Publicado na Documenta (8), Brasília, DF, p. 81-83, out.
1962. Republicado na Documenta (10), Brasília, DF, p. 16-19, dez. 1962.
Pareceres Conselho Nacional de Educação (CNE)
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 329/2004. Dispõe sobre carga horária mínima dos
cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial. Aprovado em 11 de
nov. de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 dez. 2004. Seção 1, p. 269.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 55/2004. Dispõe sobre diretrizes curriculares nacionais
para o curso de Direito. Aprovado em 18 de fev. 2004. Reexaminado pelo Parecer nº
211/2004. Documenta (509), Brasília, DF, fev. 2004.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 211/2004, aprovado em 8 de julho de 2004. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 22 set. 2004. Documenta (513), Brasília, jul. 2004.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 55/2004, aprovado em 18 de fev. de 2004. Dispõe
sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito. Reexaminado pelo
Parecer CNE/CES nº 211/2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 2004.
Seção 1, p. 25-26.
484
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2006. Dispõe sobre o
referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs dos cursos de
graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 2003.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 146/2002, aprovado em 3 de abril de 2003. Dispõe
sobre Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Direito,
Ciências Econômicas, Administração, Ciências Contábeis, Turismo, Hotelaria,
Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design. Revogado pelo parecer
CNE/CES nº 67, de 11 de março de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27
mar. 2003. Seção 1, p. 15.
BRASIL. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP
nº 1/2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 8.
BRASIL. Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP
nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de
licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da educação básica
em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 9.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 583/2001, aprovado em 4 de abril de 2001. Dispõe
sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 29 out. 2001.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 1.070/1999, aprovado em 23 de novembro de 1999.
Dispõe sobre critérios para autorização e reconhecimento de cursos de Instituições
de Ensino Superior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 jan. 2000.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 527/1999, aprovado em 8 de junho de 1999. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 29 jun. 1999. Documenta (453), Brasília, DF, jun.
1999.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Parecer CNE/CES nº 776/1997, aprovado em 3 de dezembro de 1997.
Dispõe sobre orientações para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação.
Documenta (435), Brasília, DF, dez. 1997.
Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE)
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 1 out. 2004. Seção 1, p. 17.
485
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001. Estabelece normas para o
funcionamento de cursos de pós-graduação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9
abril 2001. Seção 1, p. 12. Alterada pela Resolução CNE/CES nº 24, de 18 de
dezembro de 2002.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Ensino Superior
(CES). Resolução CNE/CES nº 3/1999. Fixa as condições de validade dos
certificados de cursos presenciais de especialização. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 07 out. 1999. Seção 1, p. 52. Revogada pela Resolução nº 1 de 03 de
abril de 2001.
Homepage e site institucional:
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Disponível em:
<http: www.mec.gov.br/sesu/diretriz/curric.htm>. Acesso em: 20 de ago. 2008.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Disponível em:
<http: portal.mec.gov.br/cne/>. Acessos em: 02 fev. 2008; 10 mar. 2008; 10-12 maio
2008 e 9-12 de fevereiro de 2009.
BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAPES/MEC. Disponível em:
<http:www.capes.gov.br/Scripts/Avaliação/MEdoReconhecimentosArea/GArea.
asp>. Acesso em: 02 fev. 2008.
BRASIL. Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP. Disponível em:
<http://www.faap.com.br>. Acesso em: 10. jul. 2008.
BRASIL. Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP.
Disponível em: <htpp://www.inep.gov.br/superior/sinaes/>. Acesso em: 10 fev. 2008.
BRASIL. Ministério da Educação MEC. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br/cne/.> Acesso em 10 de fev. 2008.
BRASIL. Senado Federal. Subsecretaria de Informações. Normas Jurídicas.
Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/servlests/NJUR.filtro?tipo+NJUILEGBRAS&nu>. Acessos
em: 10-12 maio 2008.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal STF. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível
em: <http:// gemini.stf.gov.br/cgibin/nphbrs?d=SJUR&n=jul&1currículos>. Acesso
em: jul. 2008.
BRASIL. Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL. Disponível em:
<http://www.unicsul.com.br>. Acesso em: 10. jul. 2008.
486
ANEXOS
Anexo A Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
RESOLUÇÃO CNE/CES N° 9, DE 29 DE SETEMBRO DE 2004
(*)
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Direito e dá outras providências.
O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de
Educação, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 9º, § 2º, alínea
“c”, da Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei
9.131, de 25 de novembro de 1995, tendo em vista as diretrizes e os princípios
fixados pelos Pareceres CES/CNE n
os
776/97, 583/2001, e 100/2002, e as Diretrizes
Curriculares Nacionais elaboradas pela Comissão de Especialistas de Ensino de
Direito, propostas ao CNE pela SESu/MEC, considerando o que consta do Parecer
CES/CNE 55/2004 de 18/2/2004, reconsiderado pelo Parecer CNE/CES 211,
aprovado em 8/7/2004, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação
em 23 de setembro de 2004, resolve:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares do Curso de
Graduação em Direito, Bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de
Educação Superior em sua organização curricular.
Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as
Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico,
abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos
curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o
(*)
CNE. Resolução CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, de outubro de 2004.
Seção 1, p. 17
487
sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do
curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros
aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.
§ O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de
Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização,
abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:
I - concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas
inserções institucional, política, geográfica e social;
II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso;
III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;
IV - formas de realização da interdisciplinaridade;
V - modos de integração entre teoria e prática;
VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
VII - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;
VIII - incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da
atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;
IX - concepção e composição das atividades de estágio curricular
supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a
forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;
X - concepção e composição das atividades complementares; e,
XI - inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.
§ Com base no princípio de educação continuada, as IES poderão incluir no
Projeto Pedagógico do curso, oferta de cursos de s-graduação lato sensu, nas
respectivas modalidades, de acordo com as efetivas demandas do desempenho
profissional.
Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do
graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise,
domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação,
interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura
reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a
aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do
Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.
Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação
profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:
488
I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou
normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;
II - interpretação e aplicação do Direito;
III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de
outras fontes do Direito;
IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias,
administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e
procedimentos;
V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;
VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de
reflexão crítica;
VII - julgamento e tomada de decisões; e,
VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e
aplicação do Direito.
Art. O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto
Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam
aos seguintes eixos interligados de formação:
I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no
campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber,
abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre
Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e
Sociologia.
II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o
conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do
Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados
segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais,
econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-
se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico,
conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito
Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito
Internacional e Direito Processual; e
III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os
conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades
relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e
489
Atividades Complementares.
Art. A organização curricular do curso de graduação em Direito estabelece
expressamente as condições para a sua efetiva conclusão e integralização curricular
de acordo com o regime acadêmico que as Instituições de Educação Superior
adotarem: regime seriado anual; regime seriado semestral; sistema de créditos com
matrícula por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção de pré-
requisitos, atendido o disposto nesta Resolução.
Art. O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório,
indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes
ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios,
aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de
operacionalização.
§ O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição,
através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e
operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho
competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou
instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária
implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e
da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em
qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que
deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES , para a avaliação
pertinente.
§ As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas e reorientadas de
acordo com os resultados teórico-práticos gradualmente revelados pelo aluno, na
forma definida na regulamentação do Núcleo de Prática Jurídica, até que se possa
considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios
indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas pela formação
jurídica.
Art. As atividades complementares são componentes curriculares
enriquecedores e complementadores do perfil do formando, possibilitam o
reconhecimento, por avaliação de habilidades, conhecimento e competência do
aluno, inclusive adquirida fora do ambiente acadêmico, incluindo a prática de
estudos e atividades independentes, transversais, opcionais, de interdisciplinaridade,
especialmente nas relações com o mercado do trabalho e com as ações de
490
extensão junto à comunidade.
Parágrafo único. A realização de atividades complementares não se confunde
com a do Estágio Supervisionado ou com a do Trabalho de Curso.
Art. 9º As Instituições de Educação Superior deverão adotar formas específicas
e alternativas de avaliação, interna e externa, sistemáticas, envolvendo todos
quantos se contenham no processo do curso, centradas em aspectos considerados
fundamentais para a identificação do perfil do formando.
Parágrafo único. Os planos de ensino, a serem fornecidos aos alunos antes do
início de cada período letivo, deverão conter, além dos conteúdos e das atividades,
a metodologia do processo de ensino-aprendizagem, os critérios de avaliação a que
serão submetidos e a bibliografia básica.
Art. 10. O Trabalho de Curso é componente curricular obrigatório, desenvolvido
individualmente, com conteúdo a ser fixado pelas Instituições de Educação Superior
em função de seus Projetos Pedagógicos.
Parágrafo único. As IES deverão emitir regulamentação própria aprovada por
Conselho competente, contendo necessariamente, critérios, procedimentos e
mecanismos de avaliação, além das diretrizes técnicas relacionadas com a sua
elaboração.
Art. 11. A duração e carga horária dos cursos de graduação serão
estabelecidas em Resolução da Câmara de Educação Superior.
Art. 12. As Diretrizes Curriculares Nacionais desta Resolução deverão ser
implantadas pelas Instituições de Educação Superior, obrigatoriamente, no prazo
máximo de dois anos, aos alunos ingressantes, a partir da publicação desta.
Parágrafo único. As IES poderão optar pela aplicação das DCN aos demais
alunos no período ou ano subseqüente à publicação desta.
Art. 13. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando
revogada a Portaria Ministerial 1.886, de 30 de dezembro de 1994 e demais
disposições em contrário.
Edson de Oliveira Nunes - Presidente da Câmara de Educação Superior
491
Anexo B - Pesquisa de Campo Questionário Elaborado para os Alunos do
Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL
Pesquisa de Campo desenvolvida com alunos e Coordenação do Núcleo de
Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL.
Desenvolvimento em estudo de Tese de Doutorado em Filosofia do Direito.
Professora Ms. Mônica Mansur Linhares.
Orientador: Professor Dr. Gabriel Chalita.
Maio/2008.
Parte I Pesquisa socioeconômica e demográfica junto aos alunos da UNICSUL.
1. Indicar somente as iniciais do nome:
2. Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
3. Idade ____________anos.
4. Reside próximo à Universidade? ( ) sim ( ) não. Indique o bairro:
5. Qual meio de transporte que utiliza para chegar à Universidade? Indicar:
6. Trabalha? ( ) sim ( ) não. Indique sua área de atuação profissional.
7. Formou-se em outros cursos superiores? ( ) sim ( ) não. Caso positivo, indique-
os.
8. Formou-se em outros cursos de pós-graduação? Caso positivo, indique-os.
9. Qual sua renda familiar? ( ) até 3 salários mínimos. ( ) de 3 a 5 salários mínimos.
( ) 5 a 10 salários mínimos. ( ) acima de 10 salários mínimos.
10. Possui ajuda financeira para pagar o curso de Graduação? Se sim, mencione a
fonte.
11. Dedica tempo aos estudos fora da Universidade? ( ) sim ( ) não. Se sim, indicar
o tempo de dedicação aproximado:
12. Tem interesse por outras áreas do conhecimento fora o Direito? ( ) sim ( ) não
Quais?
492
Parte II Perguntas específicas sobre as atividades desenvolvidas no NPJ:
13. Faz estágio no Núcleo de Prática Jurídica da Universidade? ( ) sim ( ) não
14. Faz estágio jurídico fora da Universidade? ( ) sim ( ) não. Se sim, indique a área
de atuação do estágio15. Quais as áreas do Direito que englobam o atendimento do
NPJ?
16. No seu entendimento, quais são os conhecimentos necessários que o Bacharel
deve dispor para elaborar as peças processuais e orientar de forma mais adequada o
atendimento na solução do conflito jurídico? Indique, por ordem de prioridade, pelo
menos, 3 (três) modalidades de conhecimentos. 17. Qual a principal atividade
realizada no seu dia-a-dia no NPJ?
18. Por quanto tempo (em horas) você desempenha essa atividade?
19. Quais são as outras atividades realizadas? Indique-as.
20. Existem professores que orientam na elaboração dessas peças? ( ) sim ( ) não.
Quantos?
21. Quais as atividades que você tem conhecimento e que são desenvolvidas no
Núcleo de Prática Jurídica?
22. Existe Prática de Arbitragem no NPJ? ( ) sim ( ) não. Se sim, indique quais são.
23. Existe prática de atividades de negociação, conciliação e mediação no NPJ?
( ) sim ( ) não. Indique quais são.
É freqüente? ( ) sim ( ) não.
24. Existe prática de atuação oral? ( ) sim ( ) não. É freqüente? ( ) sim ( ) não.
25. Existe um programa de visita a fóruns e tribunais para acompanhamento de
audiências fora da Universidade?
26. Essa visita é orientada? ( ) sim ( ) não. Se sim, quem realiza?
27. Existe análise de autos findos? É freqüente? ( ) sim ( ) não.
28. Como é feita essa análise?
29. É elaborado algum relatório sobre a análise de autos findos? ( ) sim ( ) não
30. Se sim, é freqüente a elaboração dos relatórios? ( ) sim ( ) não.
31. Existe a prática de elaboração de textos e peças jurídico-legais? ( ) sim ( ) não
32. É freqüente? ( ) sim ( ) não. Com qual freqüência (em horas)? 33. Existe
orientação nessa prática? ( ) sim ( ) não
34. Você elabora relatórios sobre essas peças processuais? ( ) sim ( ) não.
35. Quem faz a avaliação desses relatórios? ( ) sim ( ) não.
493
36. É freqüente? ( ) sim ( ) não.
37. Você tem conhecimento dessas avaliações? ( ) sim ( ) não
38. No seu entendimento, existe um método mais adequado para o ensino no Núcleo
de Prática Jurídica?
39. No seu entendimento, que áreas do Direito poderiam ser incluídas no atendimento
do NPJ do seu campus, para melhorar o acesso à Justiça da população próxima a
UNICSUL? Indicar e justificar
40. Existe equipe de profissionais de outras áreas, além do Direito, que atuam no
NPJ? Indique as áreas de atuação
41. Existe a atuação conjunta de outros professores do curso que dão orientação aos
alunos no NPJ, além dos professores e advogados específicos da área de atuação do
NPJ? Se sim, indique as disciplinas
42. Você entende necessária a atuação de outros profissionais no NPJ, além dos
profissionais do Direito? Se sim, indique pelo menos duas categorias de profissionais e
de as razões que justifiquem essa forma de atuação conjunta.
43. Você entende que a carga horária do estágio do NPJ é adequada para sua
formação profissional?
44. No seu entendimento quais são as habilidades e competências necessárias para a
formação mais adequada para o futuro bacharel e profissional do Direito?
45. Existe trabalho de monografia de conclusão de curso?
46. Em caso positivo, indicar o tema do seu trabalho e justificar a escolha.
47. Quais suas sugestões para a melhoria de (1) ensino e (2) atendimento das
pessoas no NPJ?
494
Anexo C Regimento Interno do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito
da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL
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N Ú C L E O D E P R Á T I C A J U R Í D I C A
CAPÍTULO I
DA FINALIDADE, DA ORGANIZAÇÃO E DAS COMPETÊNCIAS
Artigo - O Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), vinculado ao curso
de Direito, alocado á Área de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Cruzeiro
do Sul (UNICSUL), tem por finalidade implementar, supervisionar, controlar e avaliar
as atividades práticas dos acadêmicos do curso de Direito, bem como controlar o
Estágio Curricular Supervisionado obrigatório previsto no artigo 7º, da Resolução
CNE/CES nº 09/2004.
I - A UNICSUL, como dispõe de quatro campi universitários,
respectivamente nos bairros de São Miguel Paulista, Anália Franco, Liberdade e
Pinheiros, quando necessário, manterá unidades descentralizadas nas quatro
localidades, que serão, respectivamente, denominadas de Núcleo de Prática Jurídica
Unidade São Miguel Paulista (NPJ-SM), Núcleo de Prática Jurídica Unidade
Anália Franco (NPJ-AF), Núcleo de Prática Jurídica Unidade Liberdade (NPJ-LB)
e Núcleo de Prática Jurídica Unidade Pinheiros (NPJ-PI).
II - O NPJ possui um Coordenador, Advogados-Orientadores
e Advogados-Auxiliares, todos devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil, além de Estagiários-Administrativos, Assistente Social e
funcionários administrativos.
III - As unidades descentralizadas manterão atividades de
assistência judiciária à população carente; conciliação, mediação e arbitragem;
495
estágio curricular supervisionado obrigatório, além de outras atividades que poderão
ser implantadas, atendendo os fins de que trata o caput deste artigo.
IV Cada unidade do NPJ manterá uma secretaria para
arquivar e controlar toda a documentação produzida, recebida e expedida; para
expedir certificados de estágio curricular supervisionado obrigatório e para
desempenhar as demais atividades que lhe forem atribuídas. As atividades da
secretaria serão desempenhadas por funcionários técnico-administrativos ou
estagiários-administrativos especialmente contratados para este fim.
V - De forma a atender a finalidade prevista no caput deste
artigo, bem como para manter as atividades de que tratam o inciso III do mesmo
dispositivo, o NPJ manteem suas unidades, no mínimo, três áreas: Assistência
Judiciária Cruzeiro do Sul (AJUCSUL); Programa de Estágio Curricular
Supervisionado e Serviço de Conciliação, Mediação e Arbitragem, que poderá ser
realizado através da Câmara Interna de Conciliação, Mediação e Arbitragem (CCA)
ou através de Anexo do Juizado Especial Cível (JEC).
VI Cada unidade descentralizada do NPJ manterá uma
Assistente Social que será responsável pela triagem dos necessitados que farão uso
dos serviços de que trata o inciso III, bem como para desenvolver e acompanhar
projetos de extensão.
VII Além dos cargos previstos neste artigo, as unidades
manterão, em seus quadros, Estagiários Acadêmicos e Auxiliares de Estágio que
exercerão as atividades jurídicas mediante supervisão dos Advogados-Orientadores.
a) Os Estagiários Acadêmicos serão selecionados mediante
processo seletivo interno, de que participarão alunos de sétimo a cimo semestres
do curso de Direito.
b) Os Auxiliares de Estágio serão selecionados mediante
processo seletivo interno, de que participarão alunos de primeiro a sexto semestres
do curso de Direito.
c) Os processos seletivos internos de que tratam as alíneas
anteriores serão disciplinados através de edital a ser expedido pelo Coordenador do
NPJ.
Artigo 2º - Ao Coordenador do NPJ compete:
I Integrar o órgão colegiado do curso de Direito;
II Dar cumprimento às disposições deste Regulamento;
496
III Gerenciar o funcionamento global do NPJ, mantendo a
infra-estrutura necessária e a continuidade de suas atividades;
IV Coordenar as atividades dos Advogados-Orientadores,
Advogados-Auxiliares e Assistentes Sociais;
V Supervisionar as atividades administrativas;
VI Tomar decisões, em conjunto com a Coordenação do
curso de Direito sobre questões de ordem administrativa e outras, omissas neste
Regulamento;
VII Apresentar relatório anual circunstanciado das atividades
do NPJ à Coordenação do curso de Direito e/ou a qualquer outra autoridade interna
ou externa, quando solicitado;
VIII Organizar e presidir comissão de seleção para o
preenchimento de cargo de Advogado-Orientador e Advogado-Auxiliar;
IX Referendar, em conjunto com a Coordenação do curso
de Direito a indicação para o preenchimento de vagas de Advogado-Orientador,
Advogado-Auxiliar e Assistente Social;
X Selecionar candidatos a vagas administrativas;
XI Representar, interna e externamente, o NPJ;
XII Propor, implantar e implementar outras atividades que
julgar necessárias para complementar a formação prático-profissional do acadêmico
de Direito;
XIII Autorizar e supervisionar a realização de atividades
externas ao NPJ;
XIV Assinar correspondências externas que se originam no
NPJ;
XV Assinar certificados de estágio, atividades práticas e
simuladas, bem como demais documentos sob a responsabilidade do NPJ;
XVI Propor modificações no presente Regulamento.
Artigo - Ao Advogado-Orientador, sob a supervisão do
Coordenador do NPJ, compete:
I Analisar as questões jurídicas que forem a ele submetidas;
497
II Orientar os Estagiários Acadêmicos e Auxiliares de
Estágio no desempenho de suas funções, na elaboração dos trabalhos que lhes
forem atribuídos, corrigindo-os e assinando-os juntamente com o próprio Estagiário;
III Atender e entrevistar a parte interessada, sempre que se
fizer necessário, juntamente, ou não, com o Estagiário Acadêmico designado;
IV Realizar o acompanhamento das ações judiciais, em
cartório, quando necessário;
V Participar de audiências judiciais e extrajudiciais quando
necessário;
VI Praticar todos os atos privativos, sempre em conjunto
com o Estagiário Acadêmico designado sob sua responsabilidade;
VII Participar do processo de seleção de Estagiários
Acadêmicos e Auxiliares de Estágio;
VIII Elaborar e ministrar cursos aos Estagiários Acadêmicos,
Auxiliares de Estágio e demais interessados;
IX Dar cumprimento às normas do presente Regulamento.
Artigo - Ao Advogado-Auxiliar, sob a supervisão do Coordenador
do NPJ, compete:
I Realizar o acompanhamento das ações judiciais, em
cartório;
II Realizar o protocolo de petições e a distribuição de ações
de responsabilidade do NPJ;
III Realizar audiências judiciais e extrajudiciais;
IV Elaborar e ministrar cursos de férias e de estágio aos
Estagiários Acadêmicos, Auxiliares de Estágio e demais interessados;
V Dar cumprimento as normas do presente Regulamento.
Artigo - Os advogados integrantes do NPJ deverão ser egressos
dos quadros acadêmicos da UNICSUL, sempre que possível.
I - O processo de seleção para os cargos de Advogado-
Orientador e Advogado-Auxiliar deverá ser definido pelo Coordenador do NPJ em
conjunto com a Coordenação do curso de Direito e com a Direção de Centro.
II - Não se exigirá do Advogado-Orientador e do Advogado-
Auxiliar regime de dedicação exclusiva, desde que haja compatibilidade entre a
498
jornada de trabalho e suas atividades particulares. No entanto, de forma a
resguardar o uso exclusivo da estrutura, não será permitido que o profissional
acumule, nas áreas de atendimento do NPJ, e nos foros de atuação da AJUCSUL,
processos judiciais por ele patrocinado.
Artigo - Em qualquer hipótese, não é permitido aos Advogados-
Orientadores e aos Advogados-Auxiliares oferecer seus serviços profissionais a
quem procure os serviços da AJUCSUL, bem como tratar de assuntos profissionais
particulares nas dependências internas da UNICSUL.
CAPÍTULO II
DO ESCRITÓRIO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA (AJUCSUL)
Artigo 7º - A AJUCSUL, subordinada ao NPJ, tem por finalidade
proporcionar assistência judiciária gratuita à população carente do entorno da
Universidade, bem como propiciar aprimoramento da formação dos acadêmicos do
curso de Direito.
Artigo 8º - A AJUCSUL tem por objeto a prestação gratuita de
serviços jurídicos, judiciais e extrajudiciais em matéria de Direito Civil, Direito de
Família, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito do Consumidor, Direito do Idoso e
Infância e Juventude, a pessoas comprovadamente carentes.
I Consideram-se pessoas carentes, para os fins deste
Regulamento, as pessoas físicas com renda igual ou inferior a 03 (três) salários
mínimos, não proprietárias de bem imóvel ou proprietárias de moradia popular
(Projeto Cingapura, CDHU, INOCOOP, Cooperativas Habitacionais Populares etc),
que lhes sirva de residência.
II - A verificação da situação de carência ficará a cargo da
Assistente Social, que, além de entrevista para levantamento de situação
socioeconômica, realizará visitas domiciliares esporádicas com a finalidade de
comprovar a carência alegada.
III A existência de outros bens e direitos, além dos
mencionados no inciso anterior, não impedirão o atendimento jurídico desde que não
impliquem a concessão de renda para o assistido, nem tampouco modifique sua
situação socioeconômica.
499
IV - Na hipótese de, posteriormente aceito o caso, se
comprovar, por qualquer forma, que não subsiste a alegada carência, caberá à
AJUCSUL a renúncia imediata de eventual procuração outorgada pela parte.
V As áreas de atendimento jurídico de que trata o caput
deste artigo, ou outras que se julgar conveniente para a melhor formação do
acadêmico, serão implantadas de acordo com planejamento elaborado pelo
Coordenador do NPJ.
VI - O atendimento jurídico de que trata o caput deste artigo
será prestado desde que se respeite a competência dos respectivos foros regionais,
de acordo com a unidade:
a) A unidade São Miguel atuará em ações de
competência exclusiva do Foro Regional de São Miguel Paulista;
b) A unidade Anália Franco atuará em ações de
competência exclusiva dos Foros Regionais de Tatuapé e Vila Prudente, podendo
ser limitado a um único foro de acordo com o planejamento realizado pelo
Coordenador do NPJ;
c) A unidade Liberdade atuará em ações de competência
exclusiva dos Foros Central e Jabaquara, podendo ser limitado a um único foro de
acordo com o planejamento realizado pelo Coordenador do NPJ;.
d) A unidade Pinheiros atuaem ações de competência
exclusiva dos Foros Pinheiros e Lapa, podendo ser limitado a um único foro de
acordo com o planejamento realizado pelo Coordenador do NPJ;.
e) No caso de atendimentos em que se utilizem meios
alternativos de solução de conflito, não será necessária a delimitação específica de
competência.
VII A competência judicial as quais se vinculam as unidades
do NPJ poderão ser alteradas mediante estudo prévio que justifique a medida.
Artigo - A AJUCSUL terá suas atividades realizadas com a
participação dos Advogados-Orientadores, Advogados-Auxiliares, Estagiários
Acadêmicos e, eventualmente, Auxiliares de Estágio, com o apoio de uma estrutura
administrativa de pessoal e material.
Artigo 10º Qualquer peça jurídica, judicial ou extrajudicial da
AJUCSUL, deverá passar pelo exame do Advogado-Orientador e conter a sua
assinatura.
500
Artigo 11 - De forma a preservar-se a qualidade no aperfeiçoamento
técnico-profissional dos acadêmicos do curso de Direito, caberá ao Coordenador do
NPJ fixar o mero máximo de Estagiários Acadêmicos e Auxiliares de Estágios
destinados à cada unidade.
Artigo 12 - O período de estágio será de, no máximo, 10 (dez)
semestres e, no mínimo, de 02 (dois) meses.
I - Ao término do estágio devidamente cumprido, o Estagiário
Acadêmico e o Auxiliar de Estágio receberão do NPJ o certificado comprobatório,
assinado pelo Coordenador.
II - Não será fornecido certificado de horas de estágio para os
Estagiários Acadêmicos que permanecerem por período inferior ao mínimo
determinado no caput deste artigo.
III - As atividades de estágio serão desenvolvidas apenas no
período letivo, podendo, a critério do Coordenador do NPJ, instituir-se plantão nos
períodos não letivos, de forma a não prejudicar o atendimento aos assistidos.
Artigo 13 No ato de seu desligamento, o Estagiário Acadêmico
deverá entregar relatório a respeito das causas de sua responsabilidade, bem como
papéis e documentos de interesse da AJUCSUL que estejam em sua posse.
I - Todos os documentos e papéis referentes às causas
encerradas deverão ser entregues para arquivamento.
Artigo 14 Ao Estagiário Acadêmico compete:
I Assinar o termo de posse, no prazo de 10 (dez) dias a
contar de sua convocação, sob pena de, não o fazendo, tornar-se sem efeito a sua
seleção;
II Comparecer à AJUCSUL no dia e horário do seu
respectivo plantão semanal;
III - Efetuar o acompanhamento forense e as audiências dos
processos a ele designados; executar pessoalmente os trabalhos forenses;
IV Atender a todos os assistidos que lhe forem
encaminhados;
V Redigir a petição inicial, contestação e demais petições,
assinando-as juntamente com o Advogado-Orientador;
501
VI Nos atendimentos novos, elaborar a petição inicial no
prazo máximo de 30 (trinta) dias após o recebimento dos documentos necessários à
propositura da ação;
VII Acompanhar, zelosamente, as ações ajuizadas, dando
prévia ciência aos Advogados-Orientadores, mediante registros próprios tanto do
andamento do processo quanto das audiências designadas;
VIII Zelar pelo patrimônio moral e material da AJUCSUL;
IX Levar a bom termo todos os casos a ele designados;
X Dar cumprimento às normas do presente Regulamento.
Artigo 15 Os Estagiários Acadêmicos estarão sujeitos ao regime
disciplinar previsto no Estatuto da Advocacia, no Código de Ética e Disciplina, da
Ordem dos Advogados do Brasil, e no Regimento Geral da UNICSUL ou em outros
que vierem a substituir os citados documentos.
I - Além das penalidades previstas nos dispositivos
anteriormente citados, os Estagiários Acadêmicos estarão sujeitos às penalidades
de advertência, suspensão ou exclusão, nos seguintes casos:
a) Faltar ao plantão por 02 (duas) vezes consecutivas
ou 03 (três) intercaladas dentro do semestre letivo;
b) Deixar de comparecer às audiências dos processos
a eles confiados;
c) Deixar de realizar o acompanhamento forense dos
processos a ele confiados.
II As penalidades serão aplicadas pelo Coordenador, de
acordo com a gravidade do ato, no âmbito de sua competência, mediante
representação do Advogado-Orientador, em procedimento sumário, assegurando-se
o direito à ampla defesa.
Artigo 16 No exercício da atividade de estágio:
I - Fica expressamente proibido ao Estagiário Acadêmico e ao
Auxiliar de Estágio fornecer qualquer meio de contato pessoal aos assistidos.
II Não poderá o Estagiário Acadêmico e o Auxiliar de
Estágio encaminhar o assistido a advogados ou escritórios de advocacia,
independentemente de obter proveito próprio ou alheio, econômico ou não;
502
III - Não poderá o Estagiário Acadêmico e o Auxiliar de
Estágio fazer manifestação, prestar declaração ou dar entrevistas sobre assuntos
referentes à AJUCSUL e aos processos por ela patrocinados;
Artigo 17 Poderão ser admitidos Auxiliares de estágio, se
necessário, para a realização de atividades exclusivamente internas.
I - O Auxiliar de Estágio que tiver bom desempenho na
função, poderá ser aproveitado como Estagiário Acadêmico no semestre letivo
seguinte, sem a necessidade de participação do processo seletivo, desde que seja
promovido ao semestre subseqüente e efetue matrícula.
II - No que couber, o Auxiliar de Estágio estará sujeito às
mesmas regras atinentes aos Estagiários Acadêmicos.
Artigo 18 É vedado aos Advogados-Orientadores, Advogados-
Auxiliares, Estagiários Acadêmicos, Auxiliares de Estágio e aos funcionários receber
qualquer remuneração diretamente ou indiretamente dos assistidos ou pessoas por
eles indicadas, seja a que título for, inclusive reembolso de despesas.
I - Os Estagiários Acadêmicos e os Auxiliares de Estágio não
receberão remuneração, salvo, eventualmente, a critério da UNICSUL, bolsas de
estudos integrais ou parciais para o curso de Direito da Universidade.
Artigo 19 O assistido que comparecer pela primeira vez à
AJUCSUL deverá ter seu atendimento agendado com a Assistente Social para
realização de entrevista socioeconômica.
Artigo 20 Uma vez aprovado o atendimento do assistido pela
Assistente Social, será agendado comparecimento ao plantão jurídico, para
atendimento por um Estagiário Acadêmico sob a supervisão do respectivo
Advogado-Orientador.
I Eventualmente, na ausência do Estagiário Acadêmico,
caberá ao Advogado-Orientador o atendimento dos casos iniciais ou em andamento,
evitando-se prejuízo no atendimento ao assistido, ou então delegar a um Auxiliar de
Estágio.
II - Após o atendimento do assistido e preenchimento da ficha
de entrevista inicial pelo Estagiário Acadêmico, caberá ao Advogado-Orientador a
aprovação ou não do caso, segundo análise jurídica e acadêmica da situação.
503
Artigo 21 Aprovado pelo Advogado-Orientador e aceito o
patrocínio, o Estagiário Acadêmico que realizou o atendimento inicial tornar-se-á
responsável pelo caso, devendo vincular o assistido ao seu plantão de atendimento.
I - Tratando-se de situação em que seja exigida a tomada de
medida de urgência, caberá ao Estagiário Acadêmico, em conjunto com o
Advogado-Orientador, otimizar as providências necessárias que o caso exigir.
II Caberá ao Coordenador do NPJ definir o número máximo
de processos vinculados a cada Estagiário Acadêmico, considerando-se o
aproveitamento pedagógico da atividade.
Artigo 22 Admitido o patrocínio, o Estagiário Acadêmico deverá:
I Solicitar à secretaria da unidade o cadastramento da pasta
do assistido, em que serão arquivados todos os documentos e peças jurídicas a
serem elaboradas, não podendo retirá-la da AJUCSUL antes do respectivo
cadastramento;
II Abrir uma ficha de acompanhamento de processo e
providenciar seu arquivamento.
III Após cada atendimento, a pasta do assistido deverá ser
restituída à secretaria da unidade, a quem competirá a guarda, não podendo o
Estagiário Acadêmico retirá-la da AJUCSUL sem o registro de saída efetuado pela
secretaria.
Artigo 23 Ao encerrar-se um caso, o Estagiário Acadêmico
deverá:
I Anotar o motivo de encerramento na ficha de controle do
processo;
II Devolver os documentos pessoais que tenha recebido do
assistido, mediante recibo;
III Remeter a pasta à secretaria da unidade, com a ficha de
encerramento, assinada pelo Advogado-Orientador, e a ficha de controle do
processo;
Artigo 24 As intimações processuais serão recebidas por um dos
Advogados-Orientadores da AJUCSUL, que as encaminhará ao Estagiário
Acadêmico responsável pelo caso, com as devidas instruções, notadamente quanto
aos prazos a serem cumpridos.
504
I - Todos os prazos deverão ser controlados pelos Estagiários
Acadêmicos em conjunto com os Advogados-Orientadores, sob a supervisão do
Coordenador.
Artigo 25 - A AJUCSUL manterá, em suas dependências,
equipamento de reprodução gráfica, acessível aos Estagiários Acadêmicos e
Auxiliares de Estágio, para uso exclusivo dos interesses do NPJ e mediante
autorização conferida por um Advogado presente.
Artigo 26 Caberá à Ordem dos Advogados do Brasil a fiscalização
das atividades técnicas desenvolvidas pela AJUCSUL através das respectivas
Subseções.
Artigo 27 A AJUCSUL se dotada de toda infra-estrutura
necessária ao seu bom funcionamento, cabendo à UNICSUL a responsabilidade
pelo fornecimento de todos os recursos necessários.
CAPÍTULO III
DO SERVIÇO DE CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
Artigo 28 - O NPJ manterá, em suas unidades, serviços de
conciliação, mediação e arbitragem.
Artigo 29 - A atividade de conciliação poderá ser realizada através
de Anexos de Juizados Especiais Cíveis - JEC, que podem ser instalados mediante
convênio com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ou através de Câmara
Interna de Conciliação, Mediação e Arbitragem - CCA.
I Cabe ao Coordenador do NPJ, em conjunto com a
Coordenação do curso de Direito, a análise da conveniência de estabelecimento e
manutenção do convênio.
II - As atividades desenvolvidas pelo Anexo do Juizado
Especial Cível devem seguir as normas estabelecidas pela legislação pertinente,
bem como pelas diretrizes fixadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, cabendo à
UNICSUL fornecer a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento das tarefas, bem
como selecionar Conciliadores no quadro de acadêmicos do curso de Direito, a partir
do primeiro semestre letivo;
III Os acadêmicos selecionados, do primeiro ao sexto
semestres, serão considerados Auxiliares de Estágio, podendo as respectivas horas
505
serem computadas como atividade complementar; os demais acadêmicos
selecionados, do sétimo semestre em diante, serão considerados Estagiários
Acadêmicos, sendo suas horas computadas como estágio curricular supervisionado
obrigatório;
IV - As atividades desenvolvidas pelos Conciliadores serão
supervisionadas pelos Advogados-Orientadores.
V O processo de seleção dos Conciliadores se dará através
de edital elaborado pelo Coordenador do NPJ.
VI - No que couber, aos Conciliadores se aplicam as mesmas
regras atinentes aos Estagiários Acadêmicos.
Artigo 30 Nas unidades em que o haja o Anexo de Juizado
Especial Cível, os serviços de conciliação, mediação e arbitragem, quando houver,
serão desenvolvidos através das Câmaras Internas de Conciliação, Mediação e
Arbitragem.
I - As Câmaras Internas de Conciliação, Mediação e Arbitragem
funcionarão com as mesmas estruturas destinadas à AJUCSUL, cabendo à
UNICSUL apenas a disponibilização de espaço específico para realização das
audiências de tentativa de conciliação, mediação e arbitragem;
II - Os Estagiários Acadêmicos que atuarão nas respectivas
Câmaras receberão treinamento específico e desenvolverão as respectivas
atividades da seguinte forma:
a) A conciliação será realizada exclusivamente pelos
Estagiários Acadêmicos sob a supervisão do Advogado-Orientador;
b) A mediação serealizada por equipe multidisciplinar,
constituída por um Assistente Social, por um Advogado-Orientador e pelo Estagiário
Acadêmico, podendo, também, ser integrada por estagiários dos cursos de Serviço
Social e Psicologia;
c) A arbitragem será realizada por árbitro devidamente
capacitado, podendo este ser Advogado-Orientador, terceiro colaborador,
profissional nomeado pelas partes ou Estagiário Acadêmico do nono ou cimo
semestres do curso de Direito.
Artigo 31 A forma de seleção, o regime disciplinar e as regras a
que estarão sujeitos os Estagiários Acadêmicos da Câmara Interna de Conciliação,
506
Mediação e Arbitragem serão os mesmos previstos para os Estagiários Acadêmicos
da AJUCSUL.
CAPÍTULO IV
DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO OBRIGATÓRIO
Artigo 32 - O NPJ manterá Programa de Estágio Curricular
Supervisionado Obrigatório, no qual o acadêmico do curso de Direito deverá
integralizar as horas de estágio fixadas pelo Coordenador, da seguinte forma:
I - Os Estágios Supervisionados I e II serão desenvolvidos ao
longo dos sétimo e oitavo semestres respectivamente, através da realização de uma
das seguintes modalidades:
a) Estágio interno: o estágio interno é aquele realizado
nas dependências do NPJ através de suas unidades.
b) Estágio externo: o estágio externo é aquele realizado
em Escritórios de Advocacia, Departamentos jurídicos de empresas, órgãos públicos
e privados como Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria do Estado,
Sindicatos, Organizações não Governamentais e outros. As horas de estágios
externos estarão sujeitas à validação após o procedimento de avaliação realizado
pelo NPJ. A comprovação do estágio externo se famediante apresentação de
declaração de estágio contendo: nome do acadêmico; período estagiado; total de
horas de estágio no ano e identificação do supervisor de estágio no respectivo
órgão. O saldo de horas a cumprir poderá ser integralizado através de estágio
interno ou estágio atividade.
c) Estágio atividade: o acadêmico que não possa
realizar estágio interno ou externo ou que tenha saldo de horas a integralizar, deverá
completar tais horas de estágio supervisionado através da realização de atividades
discriminadas a seguir: realização de relatórios de audiências reais e simuladas;
elaboração de relatório de comentários de acórdãos; elaboração de petições;
relatórios de visitas jurídicas ou outras atividades previamente estabelecidas.
507
II - Os Estágios Supervisionados III e IV serão desenvolvidos ao
longo dos nono e cimo semestres do curso de Direito, através da realização de
uma das seguintes modalidades:
a) Estágio interno: o estágio interno é aquele realizado
nas dependências do NPJ.
b) Estágio externo: o estágio externo é aquele realizado
em Escritórios de Advocacia, Departamentos Jurídicos de empresas, órgãos
públicos e privados como Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria do
Estado, Sindicatos, Organizações não Governamentais e outros. As horas de
estágios externos estarão sujeitas à validação após o procedimento de avaliação
realizado pelo NPJ. A comprovação do estágio externo se fará mediante
apresentação de declaração de estágio contendo: nome do acadêmico; período
estagiado; total de horas de estágio no ano e identificação do supervisor de estágio
no respectivo órgão. O saldo de horas a cumprir poderá ser integralizado através de
estágio interno ou estágio atividade.
c) Estágio atividade: o acadêmico que não possa
realizar estágio interno ou externo ou que tenha saldo de horas a integralizar, deverá
completar tais horas de estágio supervisionado através da realização das atividades
discriminadas a seguir: realização de relatórios de audiências reais e simuladas;
elaboração de relatório de comentários de acórdãos; elaboração de petições;
relatórios de visitas jurídicas ou outras atividades previamente estabelecidas.
Artigo 33 - A não integralização das horas de Estágio Curricular
Supervisionado obrigatório dentro do prazo previamente estabelecido impede a
colação de grau do acadêmico formando.
Artigo 34 - A avaliação do estágio será realizada de forma
qualitativa e consiste em um processo de validação das horas de estágio de acordo
com a modalidade de estágio realizada, a saber:
I - No estágio interno, as horas de estágio serão apuradas pelo
NPJ e validadas mediante apresentação de relatório semestral a ser preenchido e
assinado pelo respectivo Advogado-Orientador, conforme modelo constante do
presente regulamento (anexo I);
II - No estágio externo, as horas de estágio serão computadas a
partir de declaração de estágio fornecida pelo órgão concedente e validadas através
da apresentação e avaliação de relatório semestral a ser preenchido e assinado pelo
508
respectivo Supervisor de Estágio, conforme modelo constante do presente
regulamento (anexo I);
III - No estágio atividade, as horas serão validadas pelos
Advogados Auxiliares através da avaliação dos relatórios e peças processuais
entregues pelos respectivos acadêmicos.
CAPÍTULO V
DO FUNCIONAMENTO
Artigo 35 O NPJ funciona das 08h às 17h, de segunda a sexta-
feira, podendo ser autorizada a realização de atividades no horário noturno ou aos
sábados, mediante análise da conveniência, em conjunto, pelos Advogados-
Orientadores e seu Coordenador. Cada Unidade terá seus plantões organizados em
escala respeitado o horário de abertura e fechamento.
I Não será permitido o atendimento a assistidos sem a
presença de um Advogado-Orientador.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Artigo 36 O presente Regulamento entrará em vigor a partir de
sua aprovação pelos órgãos colegiados da UNICSUL, tendo em vista o atendimento
das disposições da Resolução CNE/CES nº 09, de 29 de setembro de 2004.
Artigo 37 Revogam-se as disposições anteriores pertinentes ao
mesmo assunto.
509
Anexo D - Parecer da CNE/CES 527/1999, que homologa o reconhecimento
do curso de Direito da Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL
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