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EMILIANE MORAES SILVA
ANÁLISE CRÍTICA
DE PROPOSTA ESTÉTICO-CORPORAL:
A
REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADES EM
REPORTAGENS DE
PLÁSTICA E BELEZA.
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Estudos
Lingüísticos da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Lingüística.
Área de Concentração: Lingüistica.
Linha de Pesquisa: Análise do Discurso.
Orientadora: Profa. Dra. Sônia Maria de Oliveira
Pimenta.
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2008
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EMILIANE MORAES SILVA
ANÁLISE CRÍTICA
DE PROPOSTA ESTÉTICO-CORPORAL:
A
REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADES EM
REPORTAGENS DE
PLÁSTICA E BELEZA.
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Lingüística.
Área de Concentração: Lingüística.
Linha de Pesquisa: Análise do Discurso.
Orientadora: Profª. Drª. Sônia Maria de Oliveira
Pimenta.
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2008
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4
Ao Deus, em Cristo Jesus, autor e consumador da minha fé.
Aos meus pais, Gilson & Janita, que não falam a língua dos
anjos, mas a dos homens justificados; que são exemplos em
amor sincero e, em toda a trajetória de sonhos e realizações, não
procuraram seus próprios interesses, mas sofreram, superaram,
esperaram, lutaram e alcançaram graça e plenitude diante do Pai
e de nós, os amados que os cercam.
Às minhas irmãs.
À minha vó Cecília (in memorian).
5
AGRADECIMENTOS
Ao Gilson & Janita, pelo amor e apoio incondicional.
À Cássia, pelo auxílio e pelos recursos fundamentais.
À Emilene, pelo incentivo e palavras de estímulo.
À Gilsane, pelas admoestações, força e cumplicidade.
À Cecília, pelos momentos felizes que Deus nos ofertou no passado e por aqueles
que, em Cristo, acredito, estão por vir.
À Betel, à Redê e à Caverna... Esses lugares onde Deus fala e faz através de gente
compromissada, povo que se ama, importa com o outro e não se conforma com
perspectivas que situam a vida como mera tradução finita da materialidade dita humana.
Ao Christian Gillis & Ivênio dos Santos, pela porta aberta, conselhos e
direcionamentos em momentos certos.
Ao Marcelo, pelas orientações sobre a produção jornalística; pelos títulos do Giddens
e do Touraine (minhas novas aquisições para acervo particular); e, ainda, pelas nossas
inúmeras discussões sobre mídia, raça, identidade e gênero.
Às minhas amigas Jane & Lílian; presenças carinhosas, verdadeiras, que só tem
produzido bons frutos.
Ao Sistema Batista de Ensino.
Ao PÓS-LIN e aos professores do programa, especialmente aos do NAD.
A minha banca examinadora; professores Adail Rodrigues-Júnior e José Luiz Meurer.
À professora Sônia Pimenta, por me apresentar o universo da Análise Crítica e da
Lingüística Sistêmico-Funcional.
A todos os demais colegas e amigos, pessoas que através de auxílios, diálogos e
ações de graças, me apoiaram e me sustentaram nessa parte de minha caminhada.
6
“Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas
que se não vêem; porque as que se vêem são
temporais, e as que não se vêem são eternas.”
Paulo de Tarso
(II Coríntios 4:18)
7
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................... 08
SUMMARY....................................................................................................................... 09
LISTA DE FIGURAS.......................................................................................................... 10
LISTA DE QUADROS........................................................................................................ 11
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS..................................................................
19
1.1.
A TEORIA SOCIAL DO DISCURSO .................................................................................... 20
1.1.2. TEXTO, PRÁTICA DISCURSIVA E PRÁTICA SOCIAL...................................................... 22
1.1.3. A NOÇÃO DE GÊNERO E PRÉ-GÊNERO PARA A ADC................................................ 25
1.1.3. VALORAÇÃO DE ESTILOS E IDENTIDADES.................................................................. 26
1.2.
A LÍNGÜÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL DE HALLIDAY...................................................... 28
1.2.1 A METAFUNÇÃO-IDEACIONAL: O SISTEMA DE TRANSITIVIDADE.................................... 29
1.3.
A REPRESENTAÇÃO DE ATORES SOCIAIS........................................................................ 31
1.4.
A MULTIMODALIDADE.................................................................................................... 34
1.5.
A SEMIÓTICA SOCIAL.................................................................................................... 37
CAPÍTULO II - IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO, GÊNERO E RAÇA .......................
39
2.1. I
DENTIDADE E REPRESENTAÇÃO................................................................................... 40
2.2.
GÊNERO ...................................................................................................................... 42
2.3.
“ETNIA E RAÇA”............................................................................................................ 46
CAPÍTULO III - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS..................................................
52
3.1.
O CORPUS E OS PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE .......................................................... 53
3.2.
REPORTAGEM (1): “DE OLHO NA DOBRINHA”.................................................................. 57
3.3.
REPORTAGEM (2): “PLÁSTICA AFRO”.............................................................................. 76
3.4.
REPORTAGEM (3): “DONA DO SEU NARIZ”....................................................................... 93
3.5.
REPORTAGEM (4): “BELEZA GLOBALIZADA ..................................................................101
CONCLUSÃO.................................................................................................................. 115
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 121
ANEXOS ........................................................................................................................ 125
8
RESUMO
Este trabalho identifica e analisa as estratégias e a organização visual-léxico-discursiva,
utilizadas pela revista Plástica e beleza, em reportagens que visam incentivar a realização
de cirurgias plásticas, estéticas, em leitoras de supostas raças distintas. Tal proposta tem
como suporte teórico: a Análise do discurso crítica, de Norman Fairclough, a Semiótica
Social de Hodge e Kress, a Multimodalidade de Kress e Van Leeuwen e a Lingüística
Sistêmico-Funcional de Michael Halliday. Além dos trabalhos de Kress (1997) e
Thompson (1995) para a observação dos atores sociais e dos modos de operação de
ideologia. A análise tem como ponto-de-partida o estudo da sentença com base no
sistema de transitividade de Halliday. O foco são as identidades coletivas, os atores
sociais, as maneiras utilizadas e inseridas no corpus para tratar representações,
assumidas como raciais ou étnicas, e, ainda, a suposta hierarquização de identidades,
dentro de uma paisagem semiótica; na qual se insere um discurso que levanta e associa
beleza física às questões relacionadas à raça e à auto-estima feminina.
9
SUMMARY
This work identifies and analyzes the discourse-lexico-visual organization and strategics
that were applied by Plástica e beleza magazine, in reportings that encourage esthetical
plastic surgeries to ladies readers that belong to assumed distincts races.
The theorical presuppositions base are: Critical discourse analysis, by Norman Fairclough,
Social semiotics, by Hodge and Kress, Multimodal discourse, Kress and Van Leeuwen
and systemic-functional Linguistics, by Michael Halliday. As well as Kress (1997) and
Thompson (1995) works to social actors and operation´s ideologic mode investigation. The
sentence study, based on the transitivity system by Halliday, is the analysis´s starting
point. The focus is put a collective identities, social actors, the used modes that are
inserted on the corpus to consider assumed representations, like racial or ethnical, and,
still, an assumed form of an identity hierarchies of semiotic landscape; in which there is a
dicourse that develops and associates beauty physical and subjects related to race and
feminine self-esteem.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Os tipos de processos em Halliday (1994)........................................................ 30
Figura 2: cadeia para atender categorizações previstas no sistema de transitividade de
Halliday (1994) .................................................................................................................. 31
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Concepção tridimensional do discurso em Fairclough (1992).......................... 22
Quadro 2: Noções-base da TSD em Fairclough (2001).................................................... 24
Quadro 3: Resumo dos tipos de processos em Halliday (1994)........................................ 31
12
INTRODUÇÃO
13
No que se refere aos estudos de linguagens, o pesquisador tem assumido a responsabilidade
de ultrapassar a observação de redes de relações internas, que se estabelecem entre
conjuntos de elementos lingüísticos, e se voltado para o estudo das chamadas práticas
sociodiscursivas
1
. Nessas, a noção de contexto
2
não se restringe ao delineamento de
espaços ou circunstâncias de ordem material, mas diz respeito às características
organizacionais, ao controle das interações discursivas, e aos aspectos interdiscursivos,
ideológicos e socioculturais, que apontam para as finalidades e estratégias comuns aos
processos sociocognitvos de produção para interação. Nessa perspectiva, os sujeitos são
percebidos não só como falantes, locutores ou interlocutores, mas como atores ou agentes
3
que são influenciados e, ao mesmo tempo, capazes de exercer influência, através da
evocação e articulação, de acordo com a situação em que estiverem inseridos, de papéis
sociodiscursivos distintos.
Com trabalhos que atendem a essa perspectiva, a Análise do Discurso Crítica (ADC) e a
Semiótica Social têm, de forma bem-sucedida, composto diálogos e interfaces com outras
áreas de conhecimento e se aproximado de campos consolidados como a Sociologia, a
Antropologia e as Ciências Políticas
4
. Nesta pesquisa, por exemplo, recorremos aos estudos
antropológicos para a observação de gênero, identidades sociais, da representação dita
étnica ou racial, em reportagens selecionadas da revista Plástica e beleza da editora United
Magazines, periódico inserido há 10 anos no mercado brasileiro e especializado em estética
corporal feminina.
O que propomos é, a partir do estudo da sentença, perceber como o suporte midiático em
questão traduz representações assumidas como raciais ou étnicas, e se tais representações
sugerem hierarquização de identidades em discurso de temática estético-corporal, destinado
às mulheres, o qual levanta e associa beleza física em questões relacionadas à raça e à auto-
1
Noção básica da ADC, inserida na TDS de Fairclough (1992, p.90), que visa delimitar o discurso, além do
plano lingüístico, como “prática que contribui para a constituição das diferentes dimensões de estrutura
social”.
2
Noção que, segundo Fairclough (2001, p.37) corresponde situações, instituições, circunstâncias societais e
culturas que envolvem os falantes no ato da produção do discurso.
3
Fairclough (2003a, p. 223) e outros analistas do discurso observam o sujeito como ator ou agente social
que influenciam e são influenciados. Estes traduzem maneiras de ser, representações e identidades individuais
ou coletivas.
4
No Brasil, ressaltamos os núcleos de estudo da ADC dos professores Débora Figueiredo e Caldas-Coulthard
da UNISUL; Izabel Magalhães da UNB; Luiz Moita Lopes da UFRJ; Sônia Pimenta da UFMG e Viviane
Heberle da UFSC; os quais investigam o discurso e questões relacionadas ao gênero, à violência, à raça e etc.
14
estima feminina. Para consolidar essa proposta, selecionamos a Teoria Social do Discurso
(TSD) de Norman Fairclough, a Semiótica Social de Hodge e Kress, a Multimodalidade de
Kress e Van Leeuwen e a Lingüística Sistêmico-Funcional de Michael Halliday. Além dos
trabalhos de Kress (1997) e Thompson (1995) para a observação dos atores sociais e dos
modos de operação da ideologia.
Tanto da ADC como a Semiótica Social e a Multimodalidade privilegiam, além dos
aspectos constitutivos e de interdependência das práticas discursivas, a observação de
ideologias e mudanças sociais sugestionadas, veiculadas ou travadas no e pelo discurso.
Nas 3 propostas, a organização das chamadas escolhas realizacionais
5
constituiu-se em
base para percepção ou identificação de estratégias de legitimação de crenças ou de valores
sociais sugestionados numa materialidade discursiva ou paisagem semiótica.
O sistema de transitividade
6
que compõem metafunção ideacional da Lingüística
Sistêmico-Funcional de Halliday é base de sustentação para essa investigação. É através
desse que queremos identificar e analisar atributos e processos inseridos em sentenças ou
presunções valorativas; utilizadas para narrar comportamentos, ações ou identificar
experiências e características das identidades coletivas mencionadas pela revista e tratadas
nessa dissertação.
O trabalho individual de Van Leeuwen (1997), no qual esse analista discute e propõe
categorias de representação de atores sociais
7
, nos auxilia na identificação de possíveis
viabilizações de posturas solidárias, a partir de estratégias de personalização e de
encobrimento de participantes.
5
As escolhas realizacionais, modos semióticos ou estruturas de significação não-arbitrária, são mencionadas
nos trabalhos (adotados para essa pesquisa) de Fairclough (1997, 2003a), de Hodge e Kress (1988) e de Kress
e Van Leeuwen (2001).
6
As noções de Halliday (1995) e Fairclough (2003a) utilizadas para a composição desse parágrafo são
explicitadas no cap. II dessa dissertação.
7
A partir de Van Leeuwen (1997), Fairclough (2003a) menciona 7 categorias de representação de atores
sociais, entre as quais são citadas: a personalização e impersonalização de sujeitos. Ambos estudos são
trabalhados e mencionados no cap. II e na análise crítica composta nessa investigação.
15
Já a Teoria Social Crítica de Thompson (1995), através dos modos gerais de operação
ideológica, nos auxilia na percepção de formas simbólicas, estratégias, de estabelecimento
ou sustentação de relações sistematicamente assimétricas de poder ou dominação.
A fim de perceber quais complexos ideológicos
8
que permeiam e sustentam a estrutura
macro-social contemporânea, na qual também se insere e solidariza a leitora de Plástica e
beleza, recorremos aos estudos de Butler (1990, 2003).
Filósofa norte-americana, Judith
Butler propõe considerar o gênero como um modo de subjetivação de sujeitos sociais, ou
seja, uma estrutura performativa, constituída através da repetição de atos que tenham
alguma correspondência com normas sociais e culturais instituídas. Os trabalhos de Minow
(1984), Scott (1990, 1995) e Pimenta (2006) compõem diálogos com os de Butler e
também são considerados para o desenvolvimento do capítulo II dessa dissertação.
As noções de “raça” e “etnia”, aqui, consideradas, advém dos estudos sobre identidade e
reformulação do racismo em contextos pós-modernos, desenvolvidos por Munanga (1998,
2003). A partir desses, percebemos como diferentes atores sociais, coletividades ditas
étnicas, atuam em textos; e tentamos responder o que justificaria a operalidade dessas
noções classificatórias num periódico que associa a cirurgia plástica a temas como saúde e
auto-estima feminina.
Objetivamos, ainda, identificar se a matérias selecionadas, através da exploração de
estereótipos físicos, sugerem hierarquização de tais identidades ou representações humanas.
Fazemos isso reconhecendo atributos, valores, objetivos, desejos e comportamentos,
sugeridos pela instância produtora, aos grupos de leitoras, em análise crítica da composição
e organização de imagens, sentenças e cláusulas complexas do corpus a ser apresentado.
Esta dissertação possui uma introdução, 3 capítulos e conclusão. Na introdução, são
expostos os objetivos gerais da pesquisa, explicitamos os referenciais teóricos, utilizados
para a composição de uma análise do discurso crítica, e explicamos como estudos sobre
8
Noção admitida pela ADC e presente nos estudos de Semiótica Social de Hodge e Kress (1988, p.46) . Os
complexos ideológicos propiciam a investigação de ideologias inseridas e propagadas no e pelo discurso, as
quais representam, sustentam ou modificam relações de poder de uma ordem social existente.
16
gênero e raça são evocados, e organizados, para atender uma investigação cujo corpus,
conforme já ressaltado, foi coletado de uma revista feminina que apregoa o consumo de
um corpo perfeito e, em reportagens específicas, propõe procedimentos estéticos distintos
para leitoras de supostas raças ou etnias distintas.
Ao término dessa exposição inicial, fazemos considerações sobre a trajetória da cirurgia
plástica de cunho estético-corporal no Brasil, país que, segundo a Sociedade Brasileira de
Cirurgia Plástica (SBCP), assume, atualmente, o 2
º
lugar do mundo, em número, nesse tipo
de procedimento médico especializado, e discorremos, ainda, sobre a estrutura de subjugo e
inferiorização de representações sociais que correspondem às hierarquias baseadas na
supervalorização de um estilo dominante admitido como padrão.
“Pressupostos teóricos” é composto de uma visão sobre o cenário teórico constituído. Nele,
são apresentados os conceitos, as teorias e modelos, aparatos metodológicos, que subsidiam
as reflexões visual-lingüístico-discursivas elaboradas nesse trabalho. Concedemos destaque
ao modelo de Norman Fairclough para análise de eventos discursivos, abordamos as
noções-base texto, práticas discursivas e práticas sociais e, a fim de auxiliar na descrição
das estratégias utilizadas pela instância produtora na composição do corpus selecionado,
destacamos o significado acional demarcando a distinção entre gênero, pré-gênero e ação.
Ainda em “Pressupostos teóricos”, atemo-nos ao sistema de transitividade de Halliday
(1994), destacamos os estudos sobre representação de atores sociais de Van Leeuwen
(1997) e admitimos esses como ponto de partida para análise das valorações sugestionadas
para identidades e estilos, o que corresponde aos aspectos discursivos maneiras de ser
trabalhadas por Fairclough (2003a). Enfim, apresentamos a Semiótica Social de Hodge e
Kress (1988) e a Multimodalidade de Kress e Van Leeuwen (2001). Nessas, vemos que o
ato de escolha é feito através de um conjunto se signos que são afirmados ou negados no
contexto de uma determinada estrutura. Nesse momento, as noções de prática social,
produção, complexo ideológico, luta hegemônica e solidariedade, validadas também na
TSD, são destacadas.
17
No capítulo II, nos remetemos à identidade e representação. Considerando os estudos de
Stuart Hall, pontuamos que tais noções não possuem significado fixo ou final. Isso porque é
o ser, em sociedade, que atribuí, juntamente com a sua coletividade, significado às coisas e
ao mundo. Tal capítulo ainda observa, a partir de Munanga (1998, 2003), como a proposta
de hierarquização de valores, usos, costumes e identidades humanas é sugerida pelas
noções “raça” e “etnia”, ainda utilizadas para demarcar diferenças, principalmente físicas,
nas diversas comunidades do século XXI.
Em número de cirurgias plásticas realizadas, o Brasil perde apenas para os Estados Unidos.
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em matéria publicada na
revista Veja, em exemplar veiculado em julho de 2008, a média desses procedimentos,
hoje, é superior a 800 mil por ano. A SBCP ainda revela que a maioria, 60% dessas
cirurgias, é de cunho estético. As mulheres representam 81% do total estimado e 13%
dessas são jovens entre 14 e 18 anos. Tais procedimentos são realizados, em sua maioria,
em hospitais e cerca de 16% deles são feitos em clínicas especializadas. As lipoaspirações
lideram o segmento de intervenções estéticas, seguida pelas cirurgias para implantes de
silicone na mama, na face e no abdômen, respectivamente.
No que corresponde à prática social, a possibilidade de vislumbrar, por trás de um discurso
midiático, a propagação de ideologias que sustentam categorizações de supostas
heterogeneidades, faz com que esta pesquisa contribua para a atual reflexão a respeito de
conhecimentos e crenças tradicionalmente internalizados, em status de naturalização, na
sociedade neoliberal do século XXI. Dessa maneira, pretendemos atentar para a estrutura de
subjugo e inferiorização de representações sociais que correspondem às hierarquias,
relações de poder, baseadas na supervalorização de um estilo dominante, mas de baixa
reincidência, e, ainda, identificar o estímulo ao reconhecimento, à solidariedade, a partir de
um outro, legitimada.
Nesse contexto, a mídia se firma como sistema múltifacetário e polivalente que, ao
desempenhar suposta função informativa, presta solidariedade ao sistema econômico em
que se propõe atuar, além de estabelecer e contribuir, de maneira significativa, para a
legitimação de padrões subjetivos, ocultando o real caráter sócio-histórico desses padrões.
18
Em seguida, no capítulo I, nos atemos às teorias dos estudos de linguagens que subsidiaram
a nossa pesquisa.
19
CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS
TEÓRICOS
20
1.1. A TEORIA SOCIAL DO DISCURSO
A Teoria Social do Discurso (TSD), proposta pelo britânico Norman Fairclough na década
de 1990, volta-se para a observação da linguagem como prática articulada no contexto
social, que sugere ou traduz representações, relações sociais e identidades, propiciando a
manutenção, a quebra ou a reformulação de sistemas de conhecimento e crença.
De caráter transdisciplinar, a teoria de Fairclough operaliza a concepção da linguagem
como modo de interação e produção social a partir dos estudos de Bakhtin (1997, 2002)
sobre gêneros discursivos e dialogismo. É a partir dessas duas noções que a TSD observa
os discursos como parte de uma cadeia ativa e sugere a caracterização do espaço de luta
hegemônica – lugar onde circulam normas discursivas e ideológicas sob as quais os sujeitos
se qualificam – como conceito referencial para observação e análise de contradições sociais
e disputas pelo poder legitimadas através da linguagem, das escolhas dinamizadas pelo
sujeito no momento da constituão de eventos sóciodiscursivos.
A TSD percebe o discurso como a linguagem em uso, um modo de ação, uma forma em
que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também
um modo de representação.
Segundo Fairclough (1992, p. 90, 91),
O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social
que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e
convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são
subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas
de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.
A análise do discurso crítica une a análise de texto, do discurso e da estrutura social. Para o
analista britânico em questão, não é possível um entendimento real dos efeitos de um
21
discurso, no contexto social, sem se observar de perto o que acontece quando pessoas falam
ou escrevem.
Fairclough (1997, p.80) afirma que “o conceito de hegemonia implica o desenvolvimento –
em vários domínios da sociedade civil (...) – de práticas que naturalizam relações e
ideologias específicas e que são, em sua maioria, práticas discursivas.” A partir de tal
noção, a TSD dialoga com os estudos sobre sociedade e modernidade de Giddens (1991,
2002). Nesses, os indivíduos, sujeitos da pós-modernidade, são admitidos como seres ainda
direcionados por ícones institucionais, como sacerdotes e sábios que auxiliam na
sustentação das relações de dominação. Tais relações podem estar presentes em formas
simbólicas próprias da atividade social particular ou adquirir grau de naturalidade, a partir
das autoconstruções reflexivas que propiciam a internalização de conceitos e valores
dissimulados, aparentemente estratificados. Nesse sentido, Fairclough afirma que a luta
hegemônica pode ser vista como disputa pela sustentação de um status universal que atinge
não só o plano material, numa base capitalista, mas também o mental e o social, uma vez
que o poder depende da conquista do consenso, atitudes de solidariedade e ideologias
assimiladas.
A noção de ideologia da TSD é oriunda da TSC, Teoria Social Crítica de Thompson
(1995). Esta postula cinco modos gerais de operação que correspondem às noções de
legitimação, que diz respeito às ações consideradas justas e dignas de apoio; de
dissimulação, a qual traduz a utilização de estratégias consideradas simbólicas, de negação
ou ofuscação de conceitos; de unificação, que diz respeito à padronização ou aos símbolos
de identificação coletiva para se adquirir solidariedade; de fragmentação, a qual
corresponde à segmentação de indivíduos e grupos que possam representar uma ameaça a
um grupo dominante e a de reitificação; por meio do qual uma situação transitória é
representada como permanente, ocultando, assim, o seu caráter sócio-histórico.
De acordo com Fairclough (2001a, p.12), “as práticas discursivas são investidas
ideologicamente à medida que incorporam significações que contribuem para manter ou
reestruturar as relações de poder”. Ou seja, a ideologia é constituída por significações,
formas de ver o mundo, que se manifestam em textos, contribuindo para manter ou mudar
formas de poder. Norman Fairclough (2003a, p.8) afirma que textos são elementos de
22
eventos sociais que ocasionam mudanças casuais ou regulares em percepções, atitudes,
valores e relações sociais. Dessa maneira, a análise textual se firma parte essencial, mas não
o todo constitutivo, de uma investigação discursiva, na visão da TSD.
Fairclough (2003a) explica, ainda, que ideologias são, em princípio, representações. Essas,
ao serem legitimadas em práticas sociais, são anexadas às identidades dos sujeitos, os
chamados agentes sociais. A partir dessa ótica, a TSD, percebendo as noções de
metafunções de linguagens da Lingüística Sistêmico-Funcional de Halliday, propõe uma
análise de discurso voltada para três significações: a representacional, a acional e a
identificacional, que correspondem às práticas discursivas e, respectivamente, aos modos
de representar, agir e ser das esferas de produção e recepção de discurso. O significado
acional observa o texto como modo de interação em eventos sociais; já o representacional
enfatiza a representação de aspectos do mundo – físico, mental, social – ; e o significado
identificacional refere-se à construção e à negociação de identidades no discurso.
1.1.2. O TEXTO, A PRÁTICA DISCURSIVA & A PRÁTICA SOCIAL
Conforme já sugestionado, a ADC desenvolvida por Fairclough propõe que cada evento
discursivo seja analisado sob três ângulos ou dimensões que se completam: texto, prática
discursiva e prática social.
TEXTO
PRÁTICA DISCURSIVA
PRÁTICA SOCIAL
Quadro 1: Concepção tridimensional do discurso em Fairclough (1992)
Tal modelo propicia ao investigador, no momento da análise, o contado com a descrição,
interpretação e explicação do evento selecionado. Conforme se sistematiza no quadro
disposto na página anterior, a prática discursiva (produzir, distribuir e consumir textos) é
23
uma forma de prática social, mas nem toda prática social (algo que as pessoas fazem) é
uma prática discursiva.
A análise do evento discursivo como texto privilegia a descrição dos elementos lingüísticos,
incluindo o léxico, as opções gramaticais, a coesão e a estrutura do texto. Nessa
perspectiva, a prática discursiva propiciaria a identificação e análise de processos
sociocognitivos relacionados a ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares
nas diferentes práticas sociais realizadas pelo sujeitos.
Resende e Ramalho (2006, p.29) observam que o quadro tridimensional acima, inserido em
Discourse and social change (1992), foi remodelado, posteriormente, por Chouliaraki e
Fairclough (1999). Segundo essas pesquisadoras:
Chouliaraki e Fairclough (1999) mantêm as três dimensões do discurso, contudo de
maneira mais pulverizada na análise e com um fortalecimento da análise da prática
social, que passou a ser mais privilegiada nesse modelo posterior.
Em suas considerações, Resende e Ramalho (2006) acrescentam que houve, entre os
modelos, um movimento do discurso para a prática social, já que aquele passou a ser visto
como um momento dessa.
Nessa perspectiva, ao observar a produção, a distribuição e o consumo dos textos, a análise
da prática discursiva pode focalizar a recepção e interpretação realizada pelos leitores,
buscando discutir a coerência, construções de sentido, as intenções ou força ilocucionária
pertinentes, e, ainda, explorar as diferentes vozes e posicionamentos ideológicos a partir
das noções como a de interdiscursividade e a de intertextualidade.
A partir de Kristeva (1969) e Barthes (1969), a intertextualidade é percebida como
propriedade constitutiva de qualquer texto e o conjunto das relações explícitas ou implícitas
que um texto ou grupo de textos determinados mantém com outros. É a partir de tal noção
que a ADC evoca a interdiscursividade. Através dessa, um analista tem a oportunidade de
se voltar para a observação da heterogeneidade normal da linguagem escrita ou falada, suas
composições ou combinações de gêneros textuais e discursos diversos.
24
Segundo Fairclough (1992), a dimensão de análise de um evento discursivo como prática
social deve procurar explicar como o texto é investido de aspectos sociais ligados a
formações ideológicas e formas de hegemonia. Dessa maneira, efetiva-se uma análise de
tradição macrossociológica, com características interpretativas, voltada para a identificação
de circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e para a percepção
de maneiras, estratégias, que moldam a natureza de uma prática discursiva.
Em trabalho traduzido em 2001, pela Universidade Federal de Minas Gerais, Fairclough
disponibiliza, em quadro, um resumo de noções básicas da TSD; o qual está disposto
abaixo, para fechamento do subtópico 1.1 dessa pesquisa.
DISCURSO Uso da linguagem concebido como prática social.
(substantivo abstrato)
EVENTO DISCURSIVO Instância de uso da linguagem, analisada como texto,
prática discursiva, prática social.
TEXTO A linguagem escrita ou falada produzida num evento
Discursivo.
PRÁTICA DISCURSIVA A produção, distribuição e consumo de texto.
INTERDISCURSIVIDADE A constituição de um texto a partir de discursos e
gêneros diversos.
DISCURSO Modo de significar a experiência a partir de uma
(substantivo comum) perspectiva particular.
GÊNERO Uso da linguagem associado com uma atividade social
particular.
ORDEM DO DISCURSO Totalidade das práticas discursivas de uma instituição,
e as relações entre elas.
Quadro 2: Noções-base da TSD em Fairclough (2001)
25
1.1.3. AS NOÇÕES DE GÊNERO E PRÉ-GÊNERO PARA A ADC
Na Teoria Social do Discurso, cada prática produz e utiliza gêneros particulares que
articulam estilos e discursos de maneira relativamente estável num determinado contexto
sociohistórico e cultural. Fairclough (2003a, p.65) afirma que “gêneros são o aspecto
especificamente discursivo de maneiras de ação e interação no decorrer de eventos sociais”.
Assim, quando faz-se uma análise de um texto ou de interações em termos de gênero,
procura-se entender como tal materialidade figura, envolve diferentes agentes que o
produzem e consomem (lêem e interpretam) e, ainda, como essa contribui para ação social
e interação em eventos sociais.
Fairclough (2003a, p.66) considera que alguns gêneros pressupõem padrões
composicionais rigorosos e outros são mais flexíveis. O analista acrescenta que tais
estruturas também variam em relação aos níveis de abstração. Nessa perspectiva,
Fairclough (2003a) distingue os pré-gêneros dos gêneros situados. Os primeiros, conceito
resgatado de Swales (1990), são categorias mais abstratas, que transcendem redes
particulares de práticas sociais e que atuam na composição de diversos gêneros situados.
Narração, argumentação, descrição e conversação são pré-gêneros no sentido de que são
potenciais abstratos, próximos e passíveis de serem alçados na composição de diversos
tipos de texto.
Gêneros situados, por outro lado, são categorias menos abstratas, utilizadas para definir
gêneros que são específicos de uma rede de prática particular, segundo propõem
Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 56), “um tipo de linguagem usada na performance de
uma prática social particular”. No caso do corpus dessa pesquisa, a prática particular,
midiática, em análise tratam-se de exemplares de gênero situado: reportagem. Este se
traduz como ato de comunicação midiática que, convencionalmente, é produzido para
dissolver ou suprir a ignorância da instância pública em relação aos acontecimentos ou
assuntos diversos. Nesse contexto, ao se assumirem produtores de um periódico
especializado em estética corporal feminina, os sujeitos enunciadores de Plástica e beleza
consolidam uma identidade socioinstitucional de autoridade perante o leitor e o contexto de
que fazem parte e atuam.
26
1.1.4. VALORAÇÃO DE ESTILOS E IDENTIDADES
Em Analysing discourse (2003a, p.223), Fairclough afirma que estilos são identidades, e,
por isso, estão ligados à utilização de nominalizações, ou nomes, que melhor traduzem
maneiras de ser. No que se remete ao estudo dos processos de identificação de sujeitos,
como pessoas identificam elas mesmas ou são identificadas por outra, a TSD prevê uma
ADC além do processo textual de significação e destaca os efeitos constitutivos do
discurso. Nessa perspectiva, os estudos sobre representação desenvolvidos privilegiam, no
momento da análise, as identidades dos agentes inseridos no evento discursivo,
considerando, assim, os aspectos sociais e particulares que envolvem esses falantes.
Estilos são percebidos em uma cadeia de traços lingüísticos e não-lingüísticos. Eles
constituem o aspecto discursivo de identidades, ou seja, relacionam-se à identificação de
atores sociais, os agentes sociais em ação. Tal processo de identificação relaciona-se às
maneiras como a sociedade promove classificações e sustenta sistemas legitimação de
valores.
Fairclough (2003a, p.171) afirma que valoração pode ser implícita ou explícita e se
subdivide em 4 categorias: sentenças valorativas, sentenças com modalidades deôntica,
sentenças com processo verbal afetivo mental e presunções valorativas. As sentenças
valorativas são compostas a partir de processos relacionais. Nesses casos, o elemento
valorativo é, normalmente, um atributo, um adjetivo ou uma frase nominal. Entretanto, há
casos o verbo ou o advérbio assumem conotações valorativas como nas sentenças: “Ele
acovardou-se” ou “Ele compõe brilhantemente”.
Ressaltamos que a TSD resguarda a relatividade do discurso e ressalta que as sentenças
valorativas podem ser desejáveis ou não-desejáveis. Por exemplo, na frase: “Ela é
comunista”, o atributo é julgado como presunção valorativa positiva ou negativa de acordo
com a impressão particular de um falante.
27
Segundo Halliday (1985, p.75), polaridade é a escolha entre o positivo e o negativo, como
na oposição “é / não é”, e modalidade é “o julgamento do falante sobre as probabilidades
ou obrigatoriedades envolvidas no que se diz”, ou seja, as possibilidades intermediárias
entre sim e não, os tipos de indeterminação situados entre os chamados polos. Nesse
contexto, para o caso das escalas de obrigatoriedade e inclinação, Halliday (1985, p.86)
sugere o termo modulação. Entretanto, na perspectiva da ADC, Fairclough (2003, p. 168)
agrega a categoria de modulação à modalidade. Para ele, esta está relacionada ao quanto as
pessoas se comprometem quando elaboram afirmações, perguntas, demandas e ofertas.
Afirmações e perguntas referem-se à troca de conhecimento (à troca de informação de
Halliday); e demandas e ofertas à troca de atividade (a troca de bens e serviços de
Halliday), sendo que todas essas funções discursivas estariam relacionadas à modalidade.
As presunções valorativas são os casos em que a avaliação não é engatilhada por
marcadores relativamente transparentes de avaliação, ou seja, os valores estão mais
profundamente inseridos nos textos e a construção de significado depende do que está
implícito – o que está presumido. Segundo Fairclough (2003, p.58), as relações de poder
são mais eficientemente sustentadas por significado tidos, amplamente, como tácitos.
No caso das sentenças com processo verbal afetivo mental, diz-se que as avaliações são de
caráter afetivo porque são geralmente marcadas pela subjetividade; presentes em estruturas,
como “Eu gosto disso” ou “Eu adoro aquilo”, que auxiliam no processo de identificação de
afinidade. Esta pode ser baixa ou alta em relação ao sistema em que é inserida. Segundo
Hodge & Kress (1988, p.123), um alto grau de afinidade indica uma maior solidariedade
entre participantes, agentes sociais, e uma modalidade menor. Já um baixo grau de
afinidade indica uma solidariedade menor e um maior grau de poder na relação de um
participante com um outro.
28
1.2. A LINGÜÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL DE HALLIDAY
Na introdução de An introduction to functional grammar, Halliday (1994, p. 13) afirma que
a perspectiva sistêmico-funcional percebe a interpretação a partir do texto, do sistema e dos
elementos das estruturas lingüísticas. Nesse contexto, tal proposta privilegia a investigação
da linguagem em uso, os significados motivados por essa e a organização de sentenças ou
frases selecionadas por um indivíduo no momento de fala ou escrita.
Halliday (1994, p.13) observa que “todas as linguagens são organizadas em torno de duas
principais maneiras de significado, o ‘ideacional’ ou reflexivo, e o ‘interpessoal’ ou ativo.”
Assim, a língua é um construto essencialmente social que possibilita ao falante a expressão
de uma série de significados prováveis, escolhidos conscientemente, ou não, pelo usuário,
dentro de uma cadeia sintagmática que, relacionada às variações de contexto, produz
significados diferentes, os quais se organizam estruturalmente em um mecanismo
lingüístico, a gramática, cujo papel é unir as seleções feitas de forma sistematizada,
organizando-as.
Em sua proposta, Halliday (1994) trabalha o conceito de metafunções de linguagem e
afirma que essas ocorrem simultaneamente. A metafunção interpessoal corresponde à
relação com o outro, ou seja, à realização em que há troca entre falante e ouvinte, com
relação aos papéis da fala; já a metafunção ideacional diz respeito à representação e
codificação na língua de experiências de mundo e a metafunção textual se remete às
relações dentro do próprio enunciado ou entre o enunciado, a situação e a organização do
conteúdo.
Na metafunção interpessoal, a realização se dá através do sistema MODO, que organiza a
sentença em dois componentes: o modo oracional, constituído pelo sujeito – aquele que é
responsável pela validade da proposição, pelo finito – ligado às relações modais e temporais
da proposição - e o resíduo, composto de predicador, complemento e adjuntos – partes
constituintes do grupo verbal, essenciais para completarem o sentido da proposição.
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Na metafunção ideacional, a realização se dá através do sistema de transitividade que é
composto de três elementos: participante, processo e circunstâncias. Na metafunção
textual, a organização da mensagem ou conteúdo é concretizada por uma estrutura dividida
em duas partes: o tema, que é o ponto de partida da mensagem, e o rema, onde o tema é
desenvolvido.
Como nos interessa identificar e analisar atributos, valores, ações e comportamentos
relacionados de participantes sugeridos nas reportagens de Plástica e beleza, utilizamos,
como base de sustentação dessa investigação, o sistema de transitividade da metafunção
ideacional. É partindo desse instrumento para análise de sentenças que tentamos perceber
supostas hierarquizações de identidades coletivas no corpus coletado para essa dissertação.
1.2.1 A METAFUNÇÃO IDEACIONAL: O SISTEMA DE TRANSITIVIDADE
Para Halliday (1994, p.106), as diferentes representações lingüísticas de significado e
interpretações da realidade se realizam dentro de um sistema de transitividade, o qual se
distribui em tipos de processos (construções verbais), a partir de três elementos: o
participante, ou grupo nominal, aquele que realiza a ação ou é afetado por ela; o processo,
ou grupo verbal, que é a ação propriamente dita; e as circunstâncias, ou grupos opcionais
como os adverbiais ou preposicionais.
Halliday (1994) afirma que há três tipos de processos principais: material, mental e
relacional e três tipos de processos intermediários: comportamental, verbal e existencial. O
esquema disposto na página seguinte estabelece os tipos de processos e o tipo de
significado veiculados em cada um deles. Nele, é possível observar que os processos
materiais relacionam-se às experiências externas, às ações no mundo físico; os processos
mentais estão ligados às experiências do mundo interior, dos pensamentos e das emoções;
os relacionais, às relações de identificação e à classificação.
Os processos intermediários encontram-se na fronteira entre os principais. Os
comportamentais encontram-se entre os materiais e os mentais, e dizem respeito às
30
manifestações externas do mundo interior, e os verbais, entre os mentais e os relacionais, e
representam relações simbólicas exteriorizadas através da linguagem. Já os existenciais,
como o próprio nome já indica, encontram-se no simples fenômeno da existência.
Figura 1: Os tipos de processos (Halliday, 1994)
De forma objetiva, o quadro 3 na página seguinte mostra os diferentes processos e
principais participantes do sistema de transitividade de Halliday. Ressaltamos que, embora
essa pesquisa busque perceber valorações relacionadas às representações e identidades no
discurso, o que está diretamente associado a identificação de sentenças valorativas, nas
quais evidenciam-se processos relacionais, valores e atributos, os outros tipos de
processos e participantes são importantes e também percebidos durante a análise do
capítulo III. Isso porque presunções valorativas podem ser percebidas em expansões de
sentenças complexas ou até mesmo em modalizadores adverbiais, indicadores de
circunstâncias de sentenças simples, como já mencionamos anteriormente.
31
Quadro 3: Resumo dos tipos de processos (Halliday, 1994)
1.3. A REPRESENTAÇÃO DE ATORES SOCIAIS
Em sua Gramática Sistêmico-Funcional, Halliday (1994, p.33) define ator como sujeito
lógico, o agente da ação, cujas atividades e relações constituídas não são meramente
simbólicas ou restritas a um nível gramatical. Na Gramática do design visual, Kress e Van
Leeuwen (2001a., p.62) trabalham essa mesma noção para propor, em narrativas de
representação, a análise do desing da ação social.
Na Multimodalidade, na Semiótica Social e em outras teorias que compõem diálogo com a
ADC, um ator pode ser representado não de forma supostamente usual, através de um
nome, que traduz certa identidade única, mas por sua atividade ou outros modos que
presumem julgamentos acerca do que são ou do que fazem. Dessa maneira, a análise de
representações pode ser útil no desvelamento de ideologias em diferentes textos e
interações.
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Van Leeuwen (1997, p.219) apresenta uma descrição, classificação sociosemântica
minuciosa de atores sociais - indivíduos que ao atuar assumem identidades e papeis sociais,
sendo capazes representar e legitimar valores particulares ou universais. Segundo esse
analista, um ator pode ser ou ter sua atuação ofuscada ou enfatizada de acordo com o
objetivo da esfera produtora em relação ao receptores do discurso.
Fairclough (2003, p. 145-146) ressalta, entre as categorias legitimadas nos trabalhos de Van
Leeuwen (1997), 7: inclusão e exclusão; de pronome e de nome; função gramatical;
ativada e passivada; pessoal e impessoal, de nome e classificação, específica e genérica.
A categoria de exclusão pode se dá por supressão ou encobrimento. Na primeira, não há
qualquer referência aos participantes em qualquer parte do texto. Isso se daria por recursos
de construção gramatical como, por exemplo, uso de nominalizações e orações infinitivas
funcionando como participante gramatical, apagamento de beneficiários e outros. Já no
encobrimento, o ator está situado em segundo plano. Neste grupo, as identidades podem
não ser mencionadas diretamente em relação a uma dada atividade, mas são aludidas em
outro lugar no texto. Elipses em orações infinitivas formadas com gerúndio ou particípio
são exemplos de encobrimento.
Na categoria de ativação, os atores sociais são representados como forças ativas e
dinâmicas em uma atividade. Através dela, percebe-se “quem faz e a quem faz”. Na
categoria de passivação, os atores sociais são representados como meta, ou seja, são os
receptores finais da atividade.
A categoria impersonalização é diferente das demais que representam os atores sociais
como seres humanos. Nesse grupo, faz-se uso de substantivos abstratos ou concretos cujos
significados não incluem a característica semântica "humano". Fairclough (2003, p.146)
tratada impersonalização a partir da expressão-exemplo: “the filth”, “os imundos”,
nomeação reconhecidamente britânica para se referir aos policiais ingleses.
33
Entre as formas de personalização, Fairclough (2003, p. 145-146) destaca as categorias de
nome e pronome, nas quais cabe a distinção entre as pessoas do discurso e a utilização de
substantivos; a categoria função gramatical, que corresponde, por exemplo, à relação ator e
afetado dentro de uma circunstância ou à utilização de pronomes possessivos, e ainda as de
nomeação e classificação; generalização e especificação.
Na nomeação, há utilização de nomes próprios (sobrenome, nome, abreviações, letras ou
nomes) e, na classificação, os atores sociaiso organizados em subcategorias,
normalmente grupos nominais, firmadas a partir de critérios institucionalizados como
idade, sexo, origem, classe social, riqueza, raça, etnicidade, religião, orientação sexual,
entre outras.
Generalização e especificação são formas de personalização. Nessas ou atores podem ser
representados como classes ou como indivíduos específicos e identificáveis. Sobre essas
categorias, Fairclough (2003, p.l46) explica:
Quando atores sociais são classificados, eles pode ser representados especificamente
ou genericamente – por exemplo ‘os médicos’ pode se referir a um grupo específico
de médicos (aqueles que trabalham em um hospital particular), ou à classe de
médicos em geral, todos os médicos (‘os médicos vêem eles mesmo como deuses’).
Ressaltamos que Van Leeuwen (1997) prevê outras subcategorias associadas à
representação de atores sociais que são evocadas e mencionadas, nessa pesquisa, se
necessário, a partir da análise corpus coletado.
34
1.4. A MULTIMODALIDADE
De acordo com os historiadores, o advento da escrita corresponde ao 4
º
milênio a.C.
Entretanto, sabe-se que os registros, através de códigos lingüísticos, é posterior aos
registros visuais, não-verbais; tal fato revela que, num passado distante, a sociedade e suas
respectivas ações ou relações tinham, em suas bases, um provável sistema de comunicação
centrado em imagens, gestos ou outros tipos de manifestações icônicas efetivas de
linguagem. Esse sistema, no decorrer da história, cedeu espaço ao verbal, logocêntrico, hoje
predominante.
Entretanto, na contemporaneidade, a utilização de recursos multimídia - modalizações
lingüístico-discursivas de cunho audiovisual -, que caracterizam as ações capitalistas do
século XXI, são capazes de convencer e seduzir de forma tão ou mais eficiente que as de
cunho verbal. Prova disso são as intensas campanhas publicitárias e, até mesmo políticas,
que abusam de imagens de objetos, lugares, pessoas e vinhetas para impactar o leitor e
transformá-lo num consumidor em potencial de produto ou num propagador de um estilo de
vida.
Tais imagens, além de explorar recursos arquitetônicos como perspectivas, tonalidades e
enquadramentos, ao tentar constituir um discurso possível ou verossímil, acabam por
sugerir manutenção ou reestruturação de relações humanas, identidades individuais ou
coletivas, ou de papéis psicosociodiscursivos diferentes.
Dispostos a auxiliar na investigação de manifestações de linguagens para além do código
lingüístico, Kress & Van Leeuwen desenvolveram a Multimodalidade. Nessa, conforme
expõe Pimenta (2006, p.72), o evento discursivo é constituído por diversos modos
semióticos, isto é, unidades de significação não-arbitrárias, mas reconstrutivas, que,
organizadas, constituem uma determinada paisagem semiótica – noção do discurso
multimodal que diz respeito ao ato, à ação ou ao evento comunicativo efetivo, que
corresponde não só à materialização escrita, mas, também, à de ordem gestual, visual ou
oral.
35
Para analisar os discursos inseridos nos diversos gêneros de linguagem, Kress & Van
Leeuwen (2001) - a partir da Lingüística Sistêmico-Funcional– elaboram a Gramática do
design visual. Nessa, os constituintes da gramática proposta por Halliday são transpostos
para o campo visual. Dessa maneira, no que se remete à transitividade, Kress & Van
Leeuwen consideram, por exemplo, a narratividade presente ou sugerida em imagens e, a
partir de uma perspectiva ideacional, observam e categorizam participantes, sujeitos
envolvidos num evento discursivo imagético; os processos, ações experimentais, possíveis
e representadas; e as circunstâncias, caracteres delimitadores, pertinentes às atividades
desenvolvidas, além de critérios subjacentes, associados à organização e às escolhas
realizacionais.
Ressaltamos que a Multimodalidade mantém diálogo com a Teoria Social de Fairclough e
com a Semiótica Social de Hodge & Kress, ao procurar analisar como a linguagem traduz
relações sociais, identidades, além de sistemas de conhecimento e crenças. Nessa
perspectiva, o indivíduo falante influencia e é influenciado pelas comunidades discursivas
nas quais atua, faz uso e está sujeito aos sistemas logonômicos – conjuntos de regras que
prescrevem as condições de produção e recepção de significados – e é exposto aos
complexos ideológicos, responsáveis pela manutenção das chamadas relações de controle
social e de solidariedade que, por sua vez, tendem a aceitar, contemplar ou romper com as
ações linguageiras convencionais e eleger, ou discriminar, os eventos que transgridem as
regras logonômicas já previamente institucionalizadas.
Salientamos que, na estruturação do modelo de análise multimodal, Kress & Van Leeuwen
mencionam quatro domínios de prática nos quais se efetivam as relações entre os sujeitos e
a organização de possíveis significados: o do discurso, que diz respeito à tradução ou
representação, ao conhecimento e aos valores inseridos na sociedade; o da produção, que
remete à estruturação e à organização de mensagens; o da distribuição que corresponde ao
meio possível de veiculação; e o do design, que consiste na escolha dos já mencionados
modos realizacionais.
36
Dessa maneira, evidenciamos que perceber os níveis da representação e da comunicação
envolvidos nas relações humanas e os significados possíveis nas manifestações discursivas,
traduz-se em um dos objetivos da proposta multimodal australiana. Entretanto, observamos
que essa não percebe os parceiros envolvidos no processo comunicativo, o contexto e nem
as noções pertinentes às atividades discursivas como fixas e estáveis, mas, ao contrário,
admite que a formação de significados é dinâmica e de múltiplas articulações. Tal
percepção é sugerida, inclusive, na noção de potencial semiótico, mencionada em Kress e
Van Leeuwen (2001, p.42) que permite a um analista de discurso, durante o estudo de um
corpus, vislumbrar ou sugerir, mas não estratificar, o que é dito, o como é dito e as
significações dos recursos semióticos utilizados em uma situação comunicativa constituída.
37
1.5. A SEMIÓTICA SOCIAL
A Semiótica é a ciência da interpretação de signos na sociedade. Segundo Pimenta (2001),
ela baseia-se na capacidade inata do cérebro de produzir transformações mentais a partir
das nossas experiências corporais e de codificá-las em forma de signos ou sistema de
signos. A chamada Semiótica Social, de base australiana, tem os trabalhos de Hodge &
Kress (1988) como precursores. Nos estudos desses autores, privilegia-se a observação da
semiose – processo semiótico – e dos efeitos da produção, reprodução e circulação de
significados usados, de forma variada, pelos diferentes agentes da comunicação. Tais
agentes correspondem aos diversos papéis sociais legitimados, tais como pais, professores,
sacerdotes e artistas de televisão. Estes, quando dispõem de grande aceitação popular, têm
seus comportamentos, estilo de vida, seus valores e até suas interpretações reproduzidas ou
solidarizadas pelo grande público. Cientes disso, agências de publicidade, por exemplo,
recorrem, freqüentemente, aos artistas de maior evidência e, reconhecendo-os como
formadores de opinião que realmente são, através de textos apelativos ou da simples
exibição de suas imagens, garantem o sucesso de eventos, produtos, promoções e
campanhas de cunho diversos, até mesmo as de caráter assistencialista.
É através de agentes sociais, sejam esses personalidades famosas, educadores, profissionais
habilitados ou não, que a Semiótica percebe a propagação de valores, crenças e o
reconhecimento de outras identidades, nas diferentes comunidades discursivas e suas
respectivas instituições. Dessa maneira, os conhecimentos diversos, traduzidos em ações,
propiciam, conforme já foi sugerido, o processo contínuo de legitimação - ou de resistência
- de noções subjetivas percebidas, padronizadas ou classificadas pela coletividade como
certo ou errado, leal ou fraudulento, marginal ou de boa estirpe.
Na chamada Semiótica Social australiana, diferentemente da Escola de Praga e da Escola
de Paris, o interesse que permeia as relações humanas e os discursos hegemônicos
sustentados através das manifestações sociais são privilegiados. As relações de poder e as
estratégias capazes de seduzir ou persuadir uma macroesfera destinatária, a partir da
conservação de ideologias dominantes modalizadas, são focalizadas ou investigadas.
Entretanto, ressaltamos que, em relação ao suporte lingüístico-teórico, a Semótica Social
38
parte, como acontece em outras escolas, da noção de signo e significado advinda de
Saussure (1975).
Porém, Hodge & Kress não percebem o signo a partir de uma noção centrada em
impressões de cunho psíquico e arbitrário; pelo contrário: tais semioticistas ressaltam que
significações são motivadas pela interação da estrutura sintagmática – que corresponde ao
nível da sentença – e da estrutura paradigmática – que corresponde às escolhas discursivas.
As noções de prática social, produção, complexo ideológico, luta hegenica e
solidariedade, validadas na Teoria Social do Discurso, também são assimiladas nos estudos
de Hodge e Kress. Tais conceitos fluem de uma ótica marxista, em que o mundo material e
social implicam formas de organização que propiciam, na sociedade do século XXI, por
exemplo, a manutenção de desigualdades, a centralização de poder, a partir da concentração
de renda, ou valores, e de bens legitimados pelo uso da força, e, principalmente, conforme é
enfatizado por esta pesquisa, pela propagação de ideologias de controle que modalizam o
comportamento dos sujeitos, a fim de validar as estruturas de dominação.
Tal sistema é sustentado pela ação contínua da esfera dominante que, ao se assumir como
instância de produção do discurso, ciente das posturas de solidariedade ou resistência
possíveis e projetadas pela esfera de recepção, no momento da estruturação
comunicacional, promove escolhas realizacionais coniventes com seus objetivos e com
design eficiente que atinjam a esfera do desejo, permitindo a assimilação de mensagens e
de seus respectivos conteúdos. Tais escolhas, modos semióticos, de acordo com Pimenta
(2006, p.74), podem ser qualquer marca, qualquer movimento corporal ou símbolo, usados
para expressar pensamentos, informações ou ordens.
39
CAPÍTULO II
IDENTIDADE &
REPRESENTAÇÃO,
GÊNERO & RAÇA
2.1. IDENTIDADE & REPRESENTAÇÃO
40
Em seus estudos culturais, Hall (1995, p. 28) admite que não existem identidades fixas ou
permanentes. Ele afirma que o “eu” é constituído na relação com o outro, ou seja, que a
representações de pessoas, objetos e eventos no mundo não apresentam qualquer
significado fixo ou final. Nesse perspectiva, é possível afirmar que os eventos discursivos,
as práticas sociodiscursivas, gêneros e participantes não são passíveis às estratificações e
são mutáveis de uma cultura ou de um período para outro.
Considerando que os indivíduos, de alguma maneira, se posicionam quando sujeitados a
discursos, o autor de Quem precisa de identidade? percebe a linguagem como o elo de
ligação entre mapas conceituais, o veículo pelo qual as representações são traduzidas e
organizadas em signos, e as práticas discursivas como movimento que legitima, num
determinado contexto, o falante, sujeito social.
Sobre a constituição do sujeito e da identidade, a partir de eventos discursivos, Hall (2000,
p. 111, 112) explicita:
Utilizo o termo identidade para significar o ponto de encontro, o ponto de sutura,
entre, de um lado, os discursos e as práticas que tentam nos interpelar, nos falar ou
nos convocar para que assumamos nossos lugares como sujeitos sociais de discursos
particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que nos
constróem como sujeitos aos quais se pode falar. As identidades são, pois, pontos de
apego temporário às posições de sujeito que as práticas discursivas constróem para
nós. Elas são o resultado de uma bem-sucedida articulação ou fixação do sujeito ao
fluxo discursivo.
Corroborando esse pensamento de Stuart Hall, Kathyrn Woodward (2000, p.17), explica
que a representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos
quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos. É por meio dos
significados produzidos pelas representações que damos sentido a nossa experiência e
aquilo que somos.
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Ao entendê-las como assumidas e incorporadas, tanto Hall quanto Woodward admitem que
identidade e representação envolvem atitudes de julgamento, classificação, inclusão,
exclusão de indivíduos e coletividades, e que quem tem o poder de representar tem o poder
de definir e determinar uma identidade.
Em trabalho posterior, Hall (2005, p.17) destaca, mais uma vez, a subjetividade que
permeia as identidades e afirma que essas
vão se construindo a partir de uma gama de relações que se estabelecem entre gêneros,
gerações, etnias, classes: as pessoas têm determinado gênero, podem pertencer a uma
mesma geração ou etnia e circular em diferentes classes sociais. Todas essas
categorias, reunidas em uma pessoa, colocam-na em diferentes relações com seus
pares, o que torna difícil definir uma identidade, conduzindo-nos a buscar uma espécie
de lógica de produção de subjetividade.
Hall argumenta que, no contexto pós-moderno, as velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fragmentando o indivíduo moderno, até
aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é percebida
como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e
processo culturais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam
aos indivíduos uma suposta ancoragem estável no mundo social.
Bourdieu, em O poder simbólico (1998b, p.108), também se detém na construção das
noções identidade e representação. Nesse seu trabalho, o pesquisador afirma que a
representação tem o poder de construir uma realidade na medida em que ela pode
contribuir para produzir aquilo por ela descrito e designado. Para esse autor, as
representações podem ser tanto mentais quanto objetais. As primeiras são os atos de
percepção, de apreciação, de conhecimento e de reconhecimento em que os agentes
investem os seus interesses e seus pressupostos. As representações objetais, por sua vez,
ganham materialidade em coisas (bandeiras, insígnias, livros, etc.) ou atos (manifestações
públicas) que objetivam organizar, manipular e sancionar as imagens mentais.
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Bordieu (1988b, p. 369) percebe que, enquanto representação, a ideologia é uma tentativa
de fixar o significado, de estratificar no meio social um dado sentido particular,
interrompendo a “infinita semiose da linguagem”. Tal pesquisador, considerando os estudos
de Suart Hall, assume que a formação de identidades está envolvida numa luta simbólica,
tácita, na qual o poder simbólico se traduz na capacidade de um grupo, por exemplo, impor
um determinado significado a outro. Nesse sentido, a representação é constituída a partir
do lugar do outro, ao longo de uma falta e das divisões sugeridas pela presença de um não-
idêntico.
Em seus estudos sobre relações sociais, signo e representatividade, a pesquisadora Sônia
Pimenta (2006) afirma que a pesquisa voltada para identidade e representação traz uma
complexidade de assuntos a serem tratados e envolve diversas dimensões, incluindo física,
emocional, cognitiva, moral e social. A analista observa que, no contexto atual, no qual o
foco de investigações passou a se reter em práticas individuais em minorias, muitos
lingüistas e analistas do discurso passaram a perceber a investigação social não só como
uma contribuição, mas uma necessidade. Nessa perspectiva, a Pragmática, a Análise do
Discurso Crítica e a Semiótica Social têm levantado, em diferentes trabalhos, questões
fundamentais sobre as conseqüências e implicações do uso lingüístico e das diferentes
formas de linguagens em nossas interações humanas.
2.2. GÊNERO
Segundo Pimenta (2006, p.60), a pesquisa sobre relações de gênero e conceito sociocultural
de papéis sexuais encontram-se em uma quarta década e a suas repercussões nos meios
acadêmicos têm aumentado nos últimos anos. A analista afirma que as questões do
feminino e do poder na sociedade têm atingido diversas áreas do conhecimento, como a
filosofia, a política, a história, a literatura, os estudos culturais e de mídia, o cinema, a
antropologia, a saúde e a política social, o direito e a criminologia. Em seus diferentes
percursos, tais estudos têm percebido a linguagem como veículo para a legitimação de
crenças, valores e identidades.
43
Pimenta (2006, p.61) afirma que
as teorias feministas e culturais contemporâneas colocam a linguagem em uso
como um tema central de suas investigações. A linguagem é nos dias de hoje,
portanto um assunto político. Isso porque ela é um componente essencial em
qualquer cultura humana. Ela codifica os valores e as preocupações dos grupos
sociais, transmitindo-os para as próximas gerações. Além do mais, é através das
práticas discursivas que nos constituímos como sujeitos e nossas identidades são
estabelecidas.
Nesse contexto, a pesquisadora incentiva a realização de estudos sobre gênero que
focalizem a análise multimodal. Ela alerta que tais investigações são ainda incipientes e
praticamente inexistentes.
Para essa análise crítica, são mencionados os trabalhos de Butler (1990, 2003) e Scott
(1995). Em comum, tais estudos situam a sexualidade além da esfera física ou biológica.
Percebem-na como construção social que se remete às funções ou aos comportamentos-
padrão que auxiliam a um indivíduo, no contexto em que esse estiver inserido, à
identificação, aceitação e ao reconhecimento, em relação a determinado gênero.
A visão de Judith Butler (2003, p.29) sobre gênero difere de teorias feministas que, embora
delineiem a identidade feminina a partir o contexto cultural, situam a noção de sexo, como
construção naturalmente adquirida. Ressalta-se que essas teorias as quais se firmaram na
distinção sexo e nero impulsionaram estudos engajados. Esses defendiam perspectivas
“desnaturalizadoras” sob as quais, para muitos pesquisadores, se constituía, no senso
comum, a associação do feminino discriminado como frágil e submisso.
A filósofa norte-americana quis retirar da noção gênero a idéia de que este decorreria do
sexo e discutir em que medida tal distinção torna-se arbitrária. Segundo Butler (2003,
p.45), aceitar o sexo como um dado natural e o nero como um dado construído,
determinado culturalmente, seria aceitar também que esse último expressaria uma essência
44
do sujeito. Ela defendeu haver nessa relação uma suposta “unidade metafísica”; na qual se
diz que um eu verdadeiro é simultâneo ou sucessivamente revelado no sexo, no gênero e no
desejo.
Em Gender trouble, feminism and the subversion of identity, Butler (1990a, p.29)
argumentou que o nero seria um fenômeno inconstante e contextual, que esse não
denotaria um ser substantivo, mas corresponderia a “um ponto relativo de convergência
entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes”. A
pesquisadora propõe a idéia nero como efeito, e não a partir de um sujeito centrado. Ela
afirma que aceitar essa concepção seria admitir que a identidade, dita, para outros, essência,
são expressões e não um sentido restrito ou uma interpretação, em si, de um sujeito.
Dando seqüência às críticas aos estudos e às propostas chamadas feministas, Butler (2003)
alerta que seria válido considerar que as legitimações de nero e de identidade contribuem
para as relações de poder e solidificam hierarquias sociais. Scott (1999, 2001) e Minow
(1984) também admitem que diferentes identidades são constituídas por ações e valores
distintos, os quais tendem a julgamento e hierarquização.
Ao problematizar as estratégias de inclusão de grupos marginalizados, como as chamadas
ações afirmativas, Scott (2001, p.374) questiona:
As diferenças entre grupos sociais criados por exclusões prévias devem ser
positivamente reconhecidas para que se supere a discriminação? O tratamento
preferencial é necessário para compensar erros passados? Tal tratamento não seria
uma forma de aceitar e reproduzir as mesmas diferenças que são a base da
discriminação? A discriminação positiva é resposta à discriminação negativa?
Já Minow (1984, p.160) discorre sobre o que ele denomina de “dilema da diferença”. A
pesquisadora considera que
ignorar a diferença no caso de grupos subordinados deixa em seu lugar uma
‘neutralidade defeituosa’, mas centrar-se na diferença pode acentuar o estigma do
45
desvio. Tanto centrar-se na diferença como ignorá-la provocam o risco de recriá-la.
Este é o ‘dilema da diferença’.
Nessa mesma perspectiva, Butler (2003, p.35) observa que a insistência sobre a coerência e
unidade da categoria das mulheres rejeitou efetivamente a multiplicidade das interseções
culturais, sociais e políticas, nas quais o espectro concreto das ‘mulheres’ é constituído.
Nesse sentido, tal categoria, em suas pretensões globalizantes, tende a ser normativa,
excludente e ignorar outras dimensões que marcam privilégios, como de classe e de raça.
Conforme já salientado, ao assumir que a constituição da identidade social ativa,
interacional e representacional, desperta disputas ou jogos pelo poder, a análise do discurso
crítica tem realizado trabalhos voltados para a observação da linguagem em uso, dos papeis
sociais representados, ou sugeridos, e das ideologias projetadas em eventos discursivos.
Tais investigações destacam o contexto, a estrutura social, as dimensões culturais que
determinam a esfera do lingüístico, enfatizando as diferenças hierárquicas de poder, de
sexo, de raça e de idade em materialidades comuns, como as que selecionadas para
elaboração dessa essa pesquisa.
A noção de poder utilizada nos trabalhos da ADC, admitida por Fairclough e nos estudos
de gêneros supramencionados - Butler (1990, 2003), Scott (1999, 2001) e Minow (1984) –,
advém dos estudos de Foucault (1979, 1987). Nesses, o filósofo aborda, primeiramente, os
regimes de saber como forma de poder nos processos de formações discursivas. Para
Foucault (1987, p.43, 44), essas correspondem às regras de constituição de saberes que por
sua vez dizem respeito aos sistemas de dispersão e regularidades. Tais regras são as
circunstâncias a que estão submetidos os elementos ditos de repartição (objetos,
modalidades de enunciação, conceitos, escolhas temáticas). Elas são as condições de
existência (mas, também, de coexistência, de manutenção, de modificação e de
desaparecimento) de uma dada repartição da linguagem em uso.
É a partir dessa noção de formações discursivas que Foucault (1987) observa a constituição
de saberes como ponto de tensão de poder. Esse não é percebido como uma instituição,
46
estrutura ou determinada potência de que alguns sejam dotados. O poder é o nome dado a
uma situação estratégica complexa em uma sociedade determinada. Ele é exercido a partir
de inúmeros pontos permeados por relações desiguais e móveis. Para Foucault (1987), não
se pode fazer uma apreensão do poder, pois esse é essencialmente gerador de efeitos.
Em sua proposta para estudo crítico, Fairclough (2003a) afirma que logo após a análise do
discurso, recorrências, gêneros e vozes e de interações lingüísticas, o analista crítico deve
se ater na função do problema na prática. O foco nessa etapa seria verificar se há uma
função particular para o aspecto da linguagem em uso proposta em discussão, ou seja, para
além da descrição dos conflitos de poder em que as instâncias comunicacionais se
envolvem, o investigador deve avaliar sua função nas práticas discursiva e social. A etapa
seguinte são os possíveis modos de ultrapassar os obstáculos. O objetivo, nesse momento,
seria explorar as possibilidades de mudança e superação dos problemas identificados, o que
se efetivaria por meio das contradições das conjunturas.
Embora percebamos as fases de análise sugeridas por Fairclough (2003a), gostaríamos de
ressaltar, aqui, o “dilema da diferença” mencionado por Minow (1984). Considerando que
no cerne dessa investigação discutem-se padrões de beleza, raça e gênero, entendemos que
uma proposta para suposta superação de obstáculos se traduz apenas em maneira de se
recriar, modalizar ou rearticular diferenças.
2.3. “ETNIA” & “RAÇA”
O nome “raça” tem sua raiz etimológica no Latim. Ele é oriundo do termo “ratio”, que
significa sorte, categoria, espécie. Munanga (2004, p.15) observa que, na história das
Ciências Naturais, “raça” foi usado, primeiramente, na Zoologia e na Botânica, em estudos
como os de Carl Von Linnè (1707 – 1778). Nesses, foram propostas classificações de
plantas e animais, incluindo de seres humanos. Tais trabalhos tinham o caráter descritivo e,
na proposição de uma classificação de homo sapiens, não se restringiam às composições
físicas ou apenas de ordem biológica, mas, também, associavam a essas, descrições
psicológicas, comportamentais e culturais; a fim de delimitar supostas “raças”.
47
Em seus estudos, Munanga (2004, p.23) critica a classificação do sueco Linnè. Nessa, o
pesquisador sueco sugere a hierarquização de grupos humanos ao utilizar expressões:
“brancos”, “musculosos”, “de temperamento sangüíneo”, “engenhosos” e “governados por
lei” para discriminar a “raça” européia. Já os índios americanos, ditos ameríndios,
receberam de Linné as enumerações adjetivas: “morenos”, “governados pelo hábito”,
“cabeçudos”, “de corpo pintado” e “de temperamento colérico”. Os indivíduos da “raça”
asiática foram identificados como: “amarelos” e “governados pela opinião”; já os de
origem africana como “negros”, “fleumáticos”, “astuciosos” e “governado pela vontade de
seus chefes.”
Ainda no século XVIII, a noção de “raça” é transposta dos trabalhos naturalistas para os
estudos racionalistas desenvolvidos por filósofos iluministas. Munanga (2004, p.15, 16)
relembra que tais pesquisadores dos século das luzes contestaram os poderes dos príncipes
e o monopólio do conhecimento e da explicação, concentrado nas mãos da Igreja. Dessa
maneira, os iluministas se recusaram a aceitar uma explicação cíclica da história da
humanidade para buscar uma baseada na razão transparente e universal e na história
acumulativa e linear. A partir dessa visão, tais pesquisadores do século XVIII recolocam
em debate a questão do saber quem eram os povos recém-descobertos. Assim, lançam mão
do conceito “raça” já existente na Zoologia e na Botânica para nomear esses “outros” que
passam a ser reconhecidos, na macro esfera social ocidental, como “raças” diferentes.
Segundo Munanga (2004), essas se tornaram em objeto de pesquisa na disciplina chamada
História Natural da Humanidade, transformada mais tarde em Biologia e Antropologia
Física.
Kabengele Munanga admite que a variabilidade humana é uma fato empírico incontestável
que, como tal merece uma explicação científica. Nessa perspectiva, o estudioso admite que
os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o pensamento.
Munanga (2004, p.16) explica que
é neste sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade humana em
raças teriam servido (...) A classificação é um dado da unidade do espírito
48
humano. Todos nós já brincamos um dia, classificando nossos objetos em classes
ou categorias, de acordo com alguns critérios de semelhança e diferença.
Tal professor da USP admite a relevância da classificação e a distingue como ação distinta
da hierarquização. Para ele, se os naturalistas dos séculos XVIII e XIX tivessem limitado
seus trabalhos somente à sistematização dos grupos humanos, em função das características
físicas, eles não teriam causado nenhum problema à humanidade.
Infelizmente, desde o início, eles (os naturalistas) se deram o direito de hierarquizar,
isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças; e o fizeram
erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológico) e
as qualidades psicológicas, morais, coletivamente superiores aos da raça “negra” e
“amarela”, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor
clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do
queixo, etc. que segundo pensavam, os tornavam mais bonitos, mais inteligentes,
mais honestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e
dominar as outras raças. Munanga (2004, p.17)
Munanga sugere que a operação de hierarquização naturalista pavimenta o caminho do
racialismo. Ele ratifica que, no final do século XVIII, a cor da pele foi considerada como
critério fundamental e divisor d’águas entre as chamada “raças”. Por isso, a espécie humana
permanece dividida entre três supostas categorias estancas que resistem até hoje no
imaginário coletivo, como se percebe no corpus dessa pesquisa, e nas terminologias “raça
branca”, “negra” e “amarela”.
Pelos livros didáticos secundaristas, sabemos que a cor da pele, dos olhos e do cabelo são
definidas pela concentração de melanina. Um indivíduo considerado “negro” concentra
mais melanina que os chamados “amarelos”, os quais, por sua vez, concentram mais
melanina que os classificados “brancos”. Tal patrimônio genético corresponde a menos de
1% dos genes que constituem um ser humano; o que torna coerente a inferência que
percebe tal critério de classificação genético, para ditas “raças”, como inoperante e ineficaz.
Dessa maneira, é coerente afirmar que os negros da África e os autóctones da Austrália
49
possuem pele escura por causa da alta concentração da melanina, porém, nem por isso eles
são geneticamente parentes próximos. Assim como os pigmeus da África e da Ásia não
constituem o mesmo grupo biológico, apesar da pequena estatura que eles têm em comum.
Ao propor uma hierarquização de valores, usos, costumes e identidades humanas, trabalhos
de pesquisadores humanistas do século XVIII e XIX foram úteis para o período histórico
imperialista, no qual se efetivou o processo de ocidentalização de sociedades. Esse, embora
inserido num discurso progressista, estimulador de uma suposta modernização dos povos,
recebeu severas críticas da História Contemporânea. Isso porque tal processo se traduziu
numa supervalorização do estilo de vida do colonizador da Europa Ocidental, e numa
sucessão de eventos que propiciaram a usurpação de territórios e sociedades, através de
imposições políticas, econômicas e culturais, as quais, dentro do processo de exploração e
subjugo que caracteriza o sistema capitalista, viabilizaram a consolidação de valores e
práticas racistas.
Munanga (2004) ressalta a dimensão espacial e temporal que envolvem a noção “raça”,
delineia o processo de naturalização dessa, observa a inoperalidade de tal conceito na esfera
biológica e como a manutenção desse, no âmbito coletivo, nas diversas instituições sociais
da atualidade, torna possível o estabelecimento de relações de poder nos moldes dos
estudos naturalistas dos séculos XVIII e XIX.
Embora não se detenha no campo da linguagem, já que não é, logicamente, o objetivo de
sua explanação, o professor da USP legitima a sua preocupação com as estratégias
discursivas, entre essas as modalizações e substituições lexicais, que propiciam o
“mascaramento” de hierarquias estimuladas e consolidadas em sociedades do século XXI.
Segundo Munanga (2004, p. 27),
o que mudou na realidade são os termos ou conceitos, mas o esquema ideológico
que subentende a dominação e a exclusão ficou intacto. É por isso que os conceito
de etnia, de identidade étnica ou cultural são de uso agradável para todos: racistas
50
e anti-racistas. Constituem uma bandeira carregada para todos, embora cada um a
manipule e a direcione de acordo com seus interesses.
Para tal pesquisador, as comunidades atuais preferem recorrer ao termo “etnia” para
demarcar distinção entre seres humanos. Essa, no contexto acadêmico, segundo Munanga
(2004, p.26), remete-se ao conjunto de indivíduos que - além da cultura, na qual se inclui a
língua, histórica ou mitologicamente - têm um ancestral em comum e moram
geograficamente no mesmo território. Diferente da noção de “raça”, cujas bases de
consolidação, como já foi visto, estão relacionadas aos estudos de ordem biológica, tais
nomenclaturas, mais recentes, em suas trajetória e utilização, não sofreram tal transposição
ou transferência gradativa, já que foram estabelecidas diretamente na esfera sociocultural.
A amplitude de significação, potencialidade etno-semântica, de “raça” faz com que essa
atenda às diferentes manifestações da estrutura global social e das relações de poder que a
governam. Dessa maneira, os conceitos “negro”, “branco” e “mestiço” variam, num mesmo
tempo e espaço. O ser “negro” ou “branco” nos Estados Unidos, por exemplo, é diferente
do ser “negro” ou “branco” no Brasil, na Inglaterra ou na África do Sul. Por isso, é coerente
afirmar que o conteúdo dessas palavras são de cunho etno-semântico e político-ideológico.
Ou seja, se para um geneticista contemporâneo ou para um biólogo molecular a “raça” não
existe, no imaginário e na representação coletivos de diversas populações contemporâneas,
as diferentes “raças” são firmadas a partir das diferenças fenotípicas como a cor da pele e
outro critérios físico-morfológicos já mencionados. Munanga (2004) afirma que é a partir
dessas raças sociais que se reproduzem e se mantêm os racismos populares.
No que se remete ao contexto acadêmico, Kabengele Munanga (2004, p.23) observa que
tem havido a predileção pelo uso de “etnia” em pesquisas sobre racismo ou hierarquização
de culturas. O pesquisador considera que tal lexical é mais cômodo, dito politicamente
correto, para o papel discursivo desempenhado por um pesquisador e acrescenta:
Tanto o conceito de raça quanto o de etnia são hoje ideologicamente manipulados. É esse
duplo uso que cria confusão na mente dos jovens pesquisadores ou iniciantes. A confusão
51
está justamente no uso não claramente definido dos conceitos “raça” e “etnia”, “identidade
étnica negra”, “identidade étnico-racial negra”, etc.
No que se remete a essa pesquisa, “etnia”, “raça” e os outros lexemas utilizados para
traduzir diferentes estereótipos, na esfera física, são percebidos como sustentações léxico-
ideológicas, cuja classificação e hierarquia compostas servem para ser prestigiar um padrão
proposto e propagado pela prática particular em investigação.
52
CAPÍTULO III
DESCRIÇÃO & ANÁLISE DO
CORPUS
53
3.1. O CORPUS & OS PROCEDIMENTOS PARA A ANÁLISE
Há 10 anos no mercado, a revista Plástica e beleza sugere padrões de harmonia e beleza
física. Ao incentivar suas leitoras à reprodução, através da plástica, de estereótipos elitistas,
sugestionados, impostos ou mantidos, conforme discrimina a própria revista, pela “mídia”,
tal periódico, em sua argumentação, associa, no desenvolvimento de sua proposta central de
ordem estética, caracteres psicossociais, de base comportamental, sugerindo, por exemplo,
que a leitora alcance segurança, independência e aceitação através de procedimentos
plástico-cirúrgicos supostamente corretivos.
Embora já tenha se voltado para o leitor masculino, através de reportagens direcionadas,
coerentemente com sua proposta, Plástica e beleza investe nos mais diferentes modos
semióticos, convencionalmente pertencentes ao universo feminino, na constituição da
linguagem midiática, que é marcada por modalizações visuais de textos e exploração de
recursos imagéticos diversos.
Como suporte de veiculação de gêneros textuais ou discursivos pertinentes à proposta em
evidência, tal esfera de produção da revista, como a de outros periódicos disponíveis no
mercado, organiza suas informações constitutivas por seções temáticas, padronizadas. Um
leitor assíduo de Plástica e beleza sabe, por exemplo, que, normalmente, ao abrir um
exemplar, nele encontrará a seção de abertura “Gente”, em que o gênero explorado é a
entrevista feita com personalidades, com artistas famosos, cuja foto, em que há exibição,
exposição do corpo, é um macro componente visual semiótico, normalmente, encontrado na
capa. Sabe ainda que, após essa seção, são disponibilizadas “Sala de espera” e “Plástica do
mês”, nesta ordem. Das 10 seções oferecidas pela revista, “Plástica” é a maior e inclui
reportagens sobre procedimentos cirúrgicos estéticos diversos. Nessa seção, as matérias
veiculadas, com freqüência, ultrapassam a sua função, predominantemente informativa e
são transformados em estratégia publicitária, já que antecedem textos, propagandas sobre
tratamentos oferecidos por clínicas de estética variadas.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, através de site interativo disponibilizado na
internet, foram observados os 93 exemplares já publicados pela United Magazines entre
54
fevereiro de 1997 e maio de 2008. Foram selecionadas as reportagens em que supostas
raças ou etnias, identidades coletivas, foram exploradas em propostas específicas de
correção ou cirurgia plástica para mulheres admitidas, pela revista, como “ocidentais”,
“orientais” e “africanas”.
Compõem o corpus desta pesquisa, as reportagens: “De olho nas dobrinhas”; “Plástica
afro”, “Dona do seu nariz” e “Beleza globalizada”; matérias veiculadas nas edições de
número 40, 61, 79 e 93.
Salientamos que não é objetivo dessa pesquisa avaliar a qualidade das reportagens,
tampouco se elas cumpriram o seu papel de informar com veracidade os procedimentos
necessários para se efetivar uma intervenção estética plástico-cirúrgica.
Segundo já expomos na Introdução, pretendemos observar como atores sociais, as
identidades ditas étnicas são mencionadas, organizadas e atuam nos textos selecionados de
Plástica e beleza. Tentamos, ainda, perceber supostas hierarquias e responder o que
justificaria a operalidade de tais representações em um periódico que associa a cirurgia
plástica a temas como saúde e auto-estima feminina. Nesse intuito, após observação dos
textos, dinamizamos as etapas i, ii, iii e iv abaixo especificadas.
i. A etapa inicial compreende em identificar e selecionar sentenças e cláusulas
complexas em que estejam inseridas seleções lexicais, nomes ou nominalizações,
utilizadas pela instância produtora para evocar grupos de leitoras, representantes de
identidades coletivas admitidas, no discurso do suporte midiático em questão, como
étnicas ou raciais.
ii. A primeira etapa intermediária consiste na identificação e percepção, em cadeias, da
organização das representações lingüísticas, computadas na etapa anterior, em
sentenças simples e complexas, a partir do sistema de transitividade proposto na
metafunção ideacional de Halliday (1994).
55
iii. A segunda etapa intermediária viabiliza a classificação das sentenças simples e
complexas selecionadas, de acordo com a proposta de Fairclough (2003a) para o
estudo de estilos e identidades; valor e valoração.
iv. A terceira etapa intermediária corresponde à identificação e percepção, a partir da
contemplação da organização das sentenças lingüísticas selecionadas, das
estratégias para representação de atores sociais, a partir de Fairclough (2003a) –
que tem base nos estudos de Van Leeuwen (1997) - e da Gramática do desing
visual.
v. A última etapa, em concomitância com a etapa anterior, consolida a análise crítica e
percepção dos aspectos sociais ligados às formações ideológicas e formas de
hegemonia que sugerem a hierarquização social de identidades e estilos, através da
exploração de supostas diferenças, de gênero e de raça, e das teorias sociais sobre
representação e identidade exploradas no capítulo 2 dessa pesquisa.
Cientes das diversas escolhas possíveis e das complexidades que envolvem a estruturação
lingüística, identificamos, nas chamadas sentenças complexas, as expansões; que
correspondem às relações de interdependência: parataxis e hipotaxis. Fazemos isso à luz da
Gramática Sistêmico-Funcional (1994) e dos estudos de Fairclough (2003a) para análise
textual para pesquisa social.
Na análise das reportagens, cada uma das cláusulas ou sentenças complexas computadas
são transcritas e, em seguida, disponibilizadas em boxes encadeados, arrolados em páginas
distintas. Nesses, a classificação de valor e valoração é indicada primeiramente. Em
seguida, percebemos o fragmento dentro do sistema de transitividade. Distinguimos, assim,
os participantes, processos e circunstâncias.
Desenvolvemos a partir de aspectos textuais, da prática discursiva, a análise da prática
social. Para tal intuito, as identidades em foco, coletivas e individuais (como grupos
étnicos, médicos e jornalistas), deixam de ser tratados como meros participantes e são
observados como atores sociais. Nesse momento é que são evocados os estudos de Van
Leeuwen (1997) e modos de operação ideológica de Thompson (1995), trabalhados no
56
participante processo
expansão
circunstância
SENTENÇA
capítulo 2 dessa dissertação. A reflexão sobre subjugo e hierarquizações de identidades e
estilos, a partir de representações que evocam gênero e raça, tema principal presente, em
análise, compõe o último tópico dessa pesquisa.
Antes de prosseguirmos para especificação e análise de dados, disponibilizamos, a seguir,
uma cadeia-padrão, desenvolvida para essa investigação. Nela, são dispostos, na base
principal, os componentes do sistema de transitividade de Halliday (1994): participante,
processo e circunstância. As expansões (quando presentes) compõem uma base secundária,
anexas à base principal. Tais estruturas são situadas após a citação e classificação das
sentenças valorativas ou presunções valorativas previamente selecionadas. As
classificações são mencionadas na parte apical da cadeia.
As sentenças são enumeradas, entre parênteses, em seqüência ordenada, considerando, para
isso, o número da reportagem em análise e a disposição das cláusulas no texto. As alusões e
inferências que compõem a análise crítica, quando necessário, também são sugestionadas
nas cadeias. Isso para desvelar discursos e estratégias como os encobrimentos e as
impersonalizações de ações e atores sociais articulados nos diferentes textos, fragmentos,
indicados.
Figura 2: cadeia para atender categorizações previstas no sistema de transitividade de Halliday
(1994).
57
3.2. REPORTAGEM (1): “DE OLHO NA DOBRINHA
“De olho na dobrinha” foi publicada na seção plástica da edição de número 40 de Plástica e
beleza. Ela é uma reportagem, gênero situado, que discorre, incentiva e trata do
procedimento cirúrgico “ocidentalização”. Este, de cunho estético, é realizado em pessoas
que querem tornar o sulco das pálpebras superior dos olhos mais marcado ou evidente.
A cirurgia de cunho estético é indicada, na revista, para pessoas ditas “orientais”. Essas,
interessadas em ter uma aparência física próxima a dos povos chamados de “ocidentais”, se
submetem a uma intervenção médica que elevaria o canto lateral dos olhos e adquiririam,
dessa maneira, o que a revista chama de “um certo exotismo”.
De acordo com registro disposto no corpus, assina pela esfera discursiva produtora, dessa
matéria, Regina Nascimento. A identidade socioinstitucional de autoridade do texto é
garantida através das vozes, em discurso direto e indireto dos médicos, cirurgiões
plásticos, especialistas, professor doutor Ivo Pitanguy e Francisco Trentini.
Como as outras matérias, em análise posterior, “De olho na dobrinha” associa o pré-gênero
narrativo, descritivo e argumentativo. A leitora contempla na reportagem: descrições sobre
procedimentos cirúrgicos, a fala de médicos sobre processos técnicos e apelos diversos que
visam incitar mulheres cujo estereótipo físico revelam a ascendência asiática às
intervenções estéticas e, até mesmo, alusões a processos neo-liberais de colonização; os
quais justificariam o suposto “desejo da maioria dos asiáticos de ter uma aparência menos
oriental”.
Nesse contexto, o processo de ocidentalização de sociedades – o qual é observado sob a
ótica de Giddens (1991) nessa pesquisa - é aludido, mas, ao mesmo tempo, ofuscado, já que
os pontos de conflito que envolvem a hierarquização, subjugo, de usos, costumes e valores
são omitidos ou sequer tratados.
Em “De olho na dobrinha”, destacamos 13 sentenças, simples e complexas, nas quais
seleções lexicais que traduzem identidades raciais ou étnicas foram destacadas. Como a
58
reportagem objetiva alcançar uma leitora modelo
9
, a que o estereótipo físico revele a
ascendência oriental, tal representação está presente, sublinhada, explicita ou
implicitamente, nos fragmentos selecionados, dispostos e categorizados a seguir.
(1.1) “Os apelos da mídia, destacando olhos grandes e sensuais, lábios grossos,
mamas turbinadas e bumbum empinado, intensificam o desejo das descendentes
de imigrantes orientais pela aparência ocidentalizada.”
(1.2) “Como o que mais caracteriza a raça amarela
é o formato dos olhos, a busca
pela transformação estética idealizada começa pela ocidentalização das
pálpebras.”
(1.3) “Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, vem aumentando
o número de pacientes de origem ocidental
que procuram a cirurgia plástica de
ocidentalização das pálpebras para ficar mais próximo possível dos padrões de
beleza ocidental.”
(1.4) “Atrás do desejo de ocidentalização da imagem
está toda uma cultura e tradição
orientais. A transformação radical dos traços étnicos pode é perigosa, porque a
própria pessoa pode não se identificar com a nova imagem. Isso não pode ser
esquecido. Se ela não tiver uma estrutura psicológica bem definida, a não-
aceitação, certamente, irá gerar sérios distúrbios emocionais”, alerta o cirurgião
plástico Pro. Dr. Ivo Pitanguy.
(1.5) “O especialista esclarece que o desejo da maioria dos asiáticos
de ter uma
aparência menos oriental não é de hoje.”
(1.6) “O arquipélago do Havaí
, ao tornar-se Estado norte-americano, passou a adotar
seus costumes, embora algumas tradições ainda permaneçam, os cânones de
beleza sofreram intensa influência externa.”
(1.7) “Mas, foi a população japonesa
que mais aderiu ao predomínio da
ocidentalização, particularmente no vestuário e nos padrões de beleza.”
(1.8) “Com a globalização das comunicações, a tendência é a de os países asiáticos
se
ocidentalizarem muito mais.”
(1.9) “Os chineses
também começam a prestar mais atenção na moda e nos conceitos
de estética ocidentais.
9
Segundo o Charaudeau e Maingueneau (2006, p.298), a noção de leitor modelo permite opor o público
efetivo de um texto ao público que esse texto implica por suas características.
59
ator
Os apelos
da mídia
ator
(A mídia)
processo
material
(destaca)
meta
olhos grandes
(...) empinado
expansão
encaixada de
elaboração
destacando olhos
grandes (...) e
bumbum empinado
processo material
intensificam
comportante
(as orientais)
processo
mental
(anseiam)
extensão
pela aparência
ocidentalizada
meta
o desejo (...) pela
aparência
ocidentalizada
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
(1.10) O prof. Pitanguy observa que o sulco palpebral superior, geralmente bem
definido e cerca de 7 mm acima da linha ciliar nos ocidentais
, está ausente nos
orientais
.”
(1.11) “O aspecto amendoado, com elevação do canto lateral, confere aos olhos
orientais um certo exotismo.”
(1.12) “É notório que a raça amarela
apresenta outras características específicas, além
dos olhos puxados.
(1.13) “O cirurgião plástico Dr. Francisco Trentini diz que, freqüentemente, atende
pacientes de origem asiática
em sua clínica que querem modificar também o
formato do nariz e do rosto.”
(1.1) “Os apelos da mídia, destacando olhos grandes e sensuais, lábios grossos, mamas
turbinadas e bumbum empinado, intensificam o desejo das descendentes de imigrantes
orientais pela aparência ocidentalizada.”
60
A estrutura (1.1) é a sentença fatual
9
que compõem o leading de “De olho na dobrinha”.
Segundo Fairclough (2003a, p.109), esse tipo de cláusula “diz respeito ao acontecimento,
ao que este é, foi ou tem sido ” e se distingue das sentenças valorativas, que se referem ao
“desejável e ao indesejável”. Essas, de acordo com Fairclough (2003a, p.172) “são mais
claramente percebidas em processo relacionais em que o elemento valorativo é o atributo”.
(1.1) não se trata de uma estrutura organizada em torno de um processo relacional
atributivo, envolvendo diferentes entidades. Entretanto, ela apresenta valoração implícita;
fenômeno que Fairclough (2003a, p.173) denomina de presunção valorativa. O analista
britânico afirma que reserva essa categoria “para casos em que não há marcadores
relativamente transparentes de valoração”, ou seja, para casos “onde valores são com
freqüência mais profundamente inserido nos textos.”
O leading de “De olho na dobrinha” é um resumo de um texto que legitima o estereótipo da
mulher ocidental. Esse é admitido como padrão de beleza, é associado à sensualidade e, por
ser capaz de gerar poder, deve ser assimilado, através de intervenções plásticas, pelas
mulheres, leitoras, ditas “orientais”. Tal proposta é organizada já em (1.1) através de
presunção valorativa, a qual, além do que já foi exposto, sugere que a “os apelos da mídia”
são os responsáveis pela hierarquização dos estereótipos físicos mencionados pela revista.
Ainda, de acordo com Halliday (1995, p.192), (1.1) é uma sentença complexa; “uma
cláusula principal associada a outras sentenças que a modificam”. Ela inclui: o participante
e ator “os apelos da mídia”, o processo material “intensificam” e o atributo associado a
advérbio modal “acentuados demais”. Tal composição é acrescida da expansão de
intensificação causal - classificação prevista em Halliday (1995, p.306) - “a ponto de não
nos deixar à vontade com eles”. Essa atribui carga semântica de conseqüência à sentença
fatual em questão.
9
As noções de sentenças fatuais e sentenças não-fatuais advém das funções discursivas de Fairclough
(2003a, p.109) . A primeira corresponde a “cláusulas acerca do que é, foi e tem sido um determinado evento”
e a segunda abrange “pretensões e sentenças hipotéticas”.
61
Nessa sentença fatual, percebemos que o ator em tema
10
são “os apelos da mídia”;
nominalização que traduz um processo material implícito (apelar) e prenuncia o uso do
modo de operação ideológica denominado por Thompson (1995, p.85) de dissimulação
por eufemização, já que a esfera produtora, aparentemente, se exclui do contexto midiático
percebendo esse como um outro.
Conforme apenas sugerimos na cadeia acima, “as orientais”, em (1.1), podem ser
observadas como comportante do processo mental “anseiam”, se analisarmos a extensa
nominalização que compõe a meta da sentença fatual proposta.
Os atributos “olhos grandes e sensuais” e “lábios grossos” são explorados na composição
da paisagem semiótica da p.63. Tal composição apresenta uma mulher, participante
representado, em close-shot, projeção de próximo alcance, cujo olhar de oferta sugestiona,
ao leitor, segundo Kress e Van Leeuwen (2001, p. 124), contemplação.
10
Terminologia oriunda da escola de lingüístas de Praga. Em Halliday (1994, p.38), o tema corresponde ao
“elemento que serve como ponto de partida da mensagem; a parte em que a sentença se concentra, preocupa.”
62
identificado
a busca pela
transformão
estética idealizada
processo
relacional
começa
identificador
pela ocidentalização
das pálpebras
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
textual
Como
identificado
o que mais
caracteriza a
raça amarela
processo
relacional
é
identificador
o formato
dos olhos
expansão
por intensificão
causal
SENTENÇA VALORATIVA
(1.2) - “Como o que mais caracteriza a raça amarela é o formato dos olhos, a busca pela
transformação estética idealizada começa pela ocidentalização das pálpebras.”
O tema de (1.2) é uma expansão de intensificação causal. Ela revela em sua estrutura um
processo relacional intensivo em que “o formato dos olhos” é identificado como “o que
mais caracteriza a raça amarela”. Nesse contexto, o físico aparece como caractere
determinante de uma suposta raça, a amarela.
Além disso, essa identidade coletiva, “raça amarela”, componente do identificado e o item
lexical “ocidentalização”, componente do identificador, inseridos na sentença valorativa,
sugerem um processo de permuta de identidades, ou seja, a leitora dita “oriental” é
estimulada a perceber, mais uma vez, que o valor físico ocidental é corpo padrão a ser,
comprado, adquirido.
63
Em harmonia com tal proposta, o macro-componente semiótico da p.64, imagem feminina
em close-up é referência para a leitora descendente de orientais. Na participante, o nariz e
o formato do rosto não são, respectivamente, afinado ou angular, e os olhos, longe da
aparência ocidental comum, estão em contato com a leitora, o que define um olhar de
demanda, que sugere identificação, proximidade ou solicitação. Além disso, a imagem
apresenta variação gradativa de cores, que vão desde marrom até azul, com predominância,
no centro, de um tom vermelho-amarelado; o que nos faz remeter à seleção lexical,
identidade coletiva, “raça amarela” mencionada pela revista.
64
circunstância
Segundo dados da
Sociedade Brasileira
de Cirurgia Pstica,
processo material
vem aumentando
ator
o número de
(...) oriental
processo
material
(que) procuram
meta
a cirurgia
plástica
expansão encaixada
de elaboração
para ficar o
mais próximo
(...) ocidental
expansão encaixada
de intensificação
ator + expansões
o número de pacientes
de origem oriental (...)
padrões de beleza
ocidental
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
(1.3) - “Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, vem aumentando o
número de pacientes de origem oriental que procuram a cirurgia plástica de
ocidentalização das pálpebras para ficar mais próximo possível dos padrões de beleza
ocidental.
Em (1.3), a instituição “Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica” é o ator social que
legitima o argumento explicitado na sentença fatual (1.2). Nessa, duas expansões
encaixadas, uma de elaboração e outra de intensificação, especificam a cirurgia plástica
como recurso utilizado por pessoas de origem oriental para se adquirir uma aparência mais
próxima dos chamados ocidentais. Nesse contexto, o item lexical “ocidentalização” se
restringe, como em outras partes da reportagem, a uma concepção estética, e não diz
respeito a usos e costumes ou padrões comuns propagados pela Europa moderna.
65
discurso
direto
"Atrás do desejo
(...) emocionais"
processo
verbal
alerta
dizente
o cirurgião pstico
prof.Dr. Ivo Pitanguy
SENTENÇAS FATUAIS
+
SENTENÇAS NÃO-FATUAIS
circunstância
de localização
Atrás do desejo
de ocidentalização
da imagem
processo
existencial
está
existente
toda uma cultura
e tradição orientais
portador
A transformação
(...) étnicos
processo
relacional
é
atributo +
expansão
perigosa (...)
nova imagem
textual
porque
experenciador
a ppria
pessoa
processo mental
modalizado (+)
fenômeno
pode não
se identificar
circunstância
com a nova
imagem
expansão de
intensificação
causal
(1.4) “Atrás do desejo de ocidentalização da imagem está toda uma cultura e tradição
orientais. A transformação radical dos traços étnicos pode ser perigosa, porque a própria
pessoa pode não se identificar com a nova imagem. Isso não pode ser esquecido. Se ela
não tiver uma estrutura psicológica bem definida, a não-aceitação, certamente, irá gerar
sérios distúrbios emocionais”, alerta o cirurgião plástico Pro. Dr. Ivo Pitanguy.
66
textual
Se
portador
ela
processo
relacional
modalizado
não tiver
atributo
uma estrutura
psicológica bem
definida,
expansão de
intensificação
condicional
ator
a não-aceitação
advérbio modal (+)
processo material
certamente
irá gerar
meta
sérios distúrbios
emocionais
(1.4) é transcrição, demarcada por aspas, da fala do médico Ivo Pitanguy. Nessa, o discurso
direto - sentença de projeção de ilocução parataxis, conforme categoriza Halliday (1994,
p.232) - visa alertar sobre a dita transformação radical dos traços “étnicos”. Na organização
de tal fala, não percebemos a exploração de uma identidade coletiva, uma nominalização,
para se referir ou tratar sobre os brasileiros que são descendentes de indivíduos de nações
orientais. Tal identidade existe, mas é distanciada, revelando encobrimento, categoria de
exclusão proposta por Van Leeuwen (1997) e citada por Fairclough (2003a, p. 145).
No texto do “Prof. Dr. Ivo Pitanguy”, a pessoa que deseja fazer várias modificações
supostamente étnicas, conforme percebemos na expansão de intensificação causal, disposta
na cadeia da página anterior, é o ator social. Este, é o experenciador da expansão
supramencionada e o possível portador da expansão de intensificação condicional. Nessa,
o participante é caracterizado como ser que pode vivenciar sérios distúrbios emocionais,
devido a uma falta de uma estrutura psicológica “bem definida” e ao estranhamento da
nova imagem adquirida.
67
dizente
O especialista
processo
verbal
esclarece
experenciador
a maioria
dos asiáticos
processo
mental
desejam ter
fenômeno
uma aparência
menos oriental
grupo nominal
portador
(que) o desejo
da maioria (...)
ocidentalizada
processol
relacional
modalizado
não é
atributo
de hoje
discurso indireto
que o desejo da maioria
(...) de hoje
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
(1.5) – “O especialista esclarece que o desejo da maioria dos asiáticos de ter uma
aparência menos oriental não é de hoje.”
(1.5) retoma o discurso que os “asiáticos” anseiam por aparência mais ocidentalizada. Tal
sentença fatual, organizada em discurso indireto, trata-se de mais fala do médico Ivo
Pitanguy. Nessa, percebemos, em presunção valorativa que o dito “oriental”, o que não
anseia por uma aparência mais próxima dos povos ocidentais, faz parte de uma minoria a
qual ainda não cedeu aos apelos promovidos, conforme propõe o leading, pela mídia
capitalista, e por isso está fora do padrão já aderido por uma maioria. Tal discurso
prenuncia o fragmento (1.6), em que há a utilização do modo de operação ideológica de
legitimação, por narrativização, previsto por Thompson (1995, p.15), no qual prevalece a
crença de que um valor contaria com a adesão, solidariedade, da maioria devido às
supostas evidências inseridas em histórias do passado as quais legitimariam o presente.
68
expansão de
intensificação
concessiva
embora algumas
tradições ainda
permaneçam
ator
os cânones
de beleza
processo
material
sofreram
meta
intensa influência
externa
Expansão de
intensificação
concessiva
(1.6) - “O arquipélago do Havaí, ao tornar-se Estado norte-americano, passou a adotar
seus costumes, embora algumas tradições ainda permaneçam, os cânones de beleza
sofreram intensa influência externa.”
De acordo com Fairclough (2003a, p. 146), em (1.6) “O arquipélago do Havaí” é o ator
social sob impersonalização, já que o processo comportamental modalizado “passou a
adotar”, dessa sentença fatual, corresponde aos sujeitos ou indivíduos havaianos. São esses
que, embora, conforme expresso na expansão de intensificação concessiva, mantiveram
algumas tradições, ao se tornarem parte do estado norte-americano, mudaram seus
comportamentos e passaram a adotar costumes estadunidenses, sofrendo assim intensa
influência estrangeira sobre os seus “cânones de beleza”.
Os conflitos e questionamentos inseridos nesse processo de adoção dos costumes
estrangeiros pelo arquipélago havaiano não são focalizados pela revista; o que revela a
comportante
O arquipélago
do Havaí
expansão de
intensificação
temporal
ao tornar-se
Estado
norte-americano
processo
comportamental
passou a adotar
extensão
seus costumes
SENTENÇAS FATUAIS
+
PRESUÃO VALORATIVA
69
ofuscação dos pontos de instabilidade, submissão e sujeição de crenças e valores, que tal
ação promove ou teria promovido. A composição de tal discurso, revela o modo de
operação de legitimação por dissimulação, previsto em Thompson (1995, p.86); no qual as
instituições ou relações sociais são representadas de modo que desperte uma valorização
positiva em ouvintes ou leitores.
(1.7) – “Mas, foi a população japonesa que mais aderiu ao predomínio da ocidentalização,
particularmente no vestuário e nos padrões de beleza.”
(1.7) trata-se de uma expansão de elaboração aditiva e complementa a sentença fatual
(1.6). “A população japonesa”, em tal expansão, é identificada, dentro de uma construção
relacional intensiva, como a “que mais aderiu ao predomínio da ocidentalização”.
Como em “passou a adotar”, selecionado para a composição da sentença anterior, “aderiu”
é um processo comportamental, apenas sugerido, no qual percebemos, mais uma vez, a
valoração implícita, através de presunção valorativa que destaca os valores, vestuário e
padrões de beleza, ocidentais em detrimentos aos orientais e o modo de operação de
legitimação por dissimulação. Como em (1.6), faz-se em (1.7) o uso da impersonalização.
Essa, segundo Fairclough (2003a, p.146), é comum o uso de substantivos abstratos ou
concretos cujos significados não inclui a característica semântica “humano”.
textual
Mas
processo relacional
foi
identificado
a população
japonesa
identificador
que mais
aderiu (...)
ocidentalização
circunstância
particularmente
no vestuário (...)
e beleza
expansão de
elaboração
aditiva
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
70
(1.8) – “Com a globalização das comunicações, a tendência é a de os países asiáticos se
ocidentalizarem muito mais.”
Em (1.8), os “países asiáticos” é componente, identificador, do processo relacional “é”.
Como em (1.7), a impersonalização da identidade coletiva é efetivada pela referencia
metonímica de localização. O construito “se ocidentalizarem” sugere a relação de subjugo
já, narrativizada, explicitada em (1.6) e (1.7). Entretanto, no fragmento acima, tal processo
que sugere mudanças gradativas e imposições, culturais, políticas e econômicas, adquire
status de naturalização e é percebido como uma tendência do contexto contemporâneo
globalizado, o qual sabemos ser marcado, conforme sugere o fragmento, por um processo
de comunicação dinâmica e ativa.
circunstância
Com a globalização
das comunicões
identificado
a tendência
de beleza
processo
relacional
é
identificador
a de paises asiáticos
se ocidentalizarem
mais
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
71
experenciador
Os chineses
processo
mental
modalizado
também
começam
a prestar
fenômeno
mais atenção
circunstâncias
na moda
(...) ocidentais
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
(1.9) – “Os chineses também começam a prestar mais atenção na moda e nos conceitos de
estética ocidentais.”
Em (1.9), “os chineses” são os participantes do processo mental modalizado “começam a
prestar”, pois traduz o processo de percepção vivenciado pelo experenciador. A atenção
dada, pela identidade coletiva, atores sociais, à moda e aos conceitos ocidentais é
declarada, mas não justificada, revelando, mais uma vez, o modo de operação de
legitimação por dissimulação que ofusca a macro-esfera econômica, política e social
capitalista que envolvem e impulsionam esse suposto interesse pelos padrões de beleza
ditos ocidental.
72
(1.10) – “O prof. Pitanguy observa que o sulco palpebral superior, geralmente bem
definido e cerca de 7 mm acima da linha ciliar nos ocidentais, está ausente nos orientais.”
Após justificar uma suposta adesão de asiáticos a usos e costumes ocidentais, a esfera
produtora se volta para descrições, sentenças fatuais, elaboradas a partir de agentes sociais,
médicos especialistas, que auxiliam na legitimação do discurso da hierarquização de
estereótipos físicos.
Em (1.10), sentença em discurso indireto no qual se explora da fala do Dr. Ivo Pintanguy,
os itens lexicais “ocidentais” e “orientais” não são participantes, mas componentes
circunstanciais. Em tal sentença fatual com presunção valorativa o corpo que é organizado
como participante. “O suco palpebral superior” é identificado como valor estético
relevante, geralmente presente e bem-definido nos chamados ocidentais, mas “ausente” nos
orientais.
Além do texto verbal, o médico Ivo Pitanguy, que tem sua fala habilitada por acumular
papéis discursivos de autoridade distintos, médico e professor, contribui para a reportagem
com croquis intitulados “olho oriental” e “olho ocidental”. Tais textos não-verbais, em
gradação de cinza e legenda externa, periférica com descrições técnicas, são situados nas
disposições dado e novo, previstas por Kress e Van Leeuwen (2001, p.205). Segundo esses
dizente
O professor
Pitanguy
processo
verbal
observa
portador
(que) o sulco
(...) ocidentais
processo
relacional
está
atributo
ausente
circunstância
nas orientais
discurso
indireto
que o sulco
(...) orientais
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
73
autores, a disposição novo é, normalmente disposta à direita de jornais e revista, revela a
informação dominante e aceitável, que supera a informação inserida no dado; que
corresponde ao superável, repulsivo ou ao conteúdo de domínio público pleno. Ou seja, a
própria disposição semiótica dos croquis do agente social em questão é, também,
componente que estimula a “ocidentalização das pálpebras”, proposta pela revista. A
mesma estratégia será, por nós, evidenciada nas reportagens (3) e (4), “Dona do seu nariz”
e “Beleza globalizada”, em momento oportuno.
(1.11) – “O aspecto amendoado, com elevação do canto lateral, confere aos olhos
orientais um certo exotismo.
“Os olhos orientais” são o beneficiário da ação nominalizada, “elevação do canto lateral”,
explicitada na circunstância da sentença valorativa (1.11). Tal fragmento traduz o
resultado, definido na categoria meta, esse nos informa que, mesmo com a intervenção
cirúrgica, o descendente de oriental, embora passe a portar uma pálpebra supostamente
ocidental, exibirá “um certo exotismo”, nominalização de conotação positiva, advindo da
exposição do “aspecto amendoado” dos olhos dos pacientes.
ator
O aspecto
amendoado
circunstância
com elevação
do canto
lateral
processo
material
confere
beneficiário
aos olhos
orientais
meta
um certo
exotismo
SENTENÇA VALORATIVA
74
processo
relacional
É
atributo
notório
identificado
(que)
a raça
amarela
processo
relacional
apresenta
identificador
outras
características
(...) puxados
grupo nominal
portador
que a raça amarela
(...) puxados
SENTENÇA VALORATIVA
(1.12) – “É notório que a raça amarela apresenta outras características específicas, além
dos olhos puxados.”
Em (1.12), “raça amarela” é o item lexical que traduz o grupo de brasileiros descendentes
de indivíduos de nações asiáticas. Tal nominalização é trabalhada dentro da estrutura
transitiva relacional possessiva em que a expressão “outras características além dos olhos
puxados se comporta como identificador do processo “apresenta”. Tanto “raça amarela”
quanto “raça negra”, esta utilizada na reportagem a seguir, evidenciam o uso da
representação por classificação, identificada por Van Leeuwen (1997, p.221), categoria
firmada a partir de critérios institucionalizados como idade, sexo, origem, classe social,
riqueza, religião, orientação sexual, raça e etnicidade. Entretanto, ressaltamos que cor,
como critério de identificação de atores sociais, é utilizada, por Plástica e beleza, apenas
para classificar leitoras cujos estereótipos físicos revelem a descendência africana e
asiática, oriental.
75
ator
que (ele)
processo material
modalizado
freqüentemente
atende
meta
pacientes de
origem astica
circunstância
em sua cnica
dizente
O cirurgo pstico
Dr. Francisco
Trentini
processo verbal
diz
discurso indireto
que (...) os olhos.
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
(1.13) - “O cirurgião plástico Dr. Francisco Trentini diz que, freqüentemente, atende
pacientes de origem asiática em sua clínica que querem modificar também o formato do
nariz e do rosto.”
Além de Ivo Pitanguy, a reportagem ratifica o seu discurso utilizando a fala, uma outra
projeção, do outro médico, agente social, especialista em cirurgia plástica, Dr. Francisco
Trentini. Tal dizente afirma que além dos olhos, há “pacientes de origem oriental” que
desejam intervenções estéticas no nariz e também no rosto, o que revelaria a valoração
implícita, sugerida na última seqüência de quadros disposta na cadeia do fragmento (1.13).
Tal presunção valorativa finaliza e sustenta a proposta exposta durante toda a reportagem:
a submissão de descendentes de orientais aos padrões estéticos tipicamente europeus.
experenciador
pacientes de
origem asiática (que)
processo mental
modalizado
querem modificar
também
fenômeno
o formato do
nariz e do rosto
76
REPORTAGEM 2: “PLÁSTICA AFRO”
“Plástica Afro”, publicada na seção “Plástica” da edição de número 61 de Plástica e beleza,
é uma reportagem, gênero situado, que discorre, incentiva e trata da cirurgia plástica para
“afro-descendentes”. Assinam pela esfera discursiva produtora, dessa matéria, Renata
Menezes e o fotógrafo, Moisés Pazianotto.
A identidade sócioinstitucional de autoridade do texto é garantida através das vozes, em
discurso direto, dos médicos Arlindo Jacob e Marcos Grillo. Além desses, há a co-
participação das atrizes Taís Araújo, Adriana Alves e Adriana Bombom, num box,
componente da paisagem semiótica, denominado de “Elas fizeram”, que contém
depoimentos a respeito de cirurgias plásticas ditas bem-sucedidas.
No box “Você sabia...”, por exemplo, a reportagem associa rinoplastia, auto-estima e
interesse pela vida. O discurso dos especialistas que classificam tais intervenções como
procedimentos que visam “deixar o visual mais harmônico”, “corrigir imperfeições” e
“suavizar os traços sem tirar as características da etnia” também contribui para que a leitora
inspecione o próprio corpo à procura do “errado”, do “não-harmônico” ou do dito
“grosseiro” e se sinta desafiada a atingir, um estado de plenitude física sugestionado.
Nesse intuito, as participantes representadas, macro componentes semióticos que se
estendem entre as pp. 38 e 39, 40 e 41 não se traduzem somente em uma ilustração
chamativa, mas em referencias para a instância receptora. Elas instigam a comparação entre
o corpo da leitora e o corpo reafirmado ou habilitado pela revista.
Em “Plástica afro”, destacamos 13 sentenças, simples e complexas, nas quais seleções
lexicais que traduzem identidades étnicas foram destacadas. Como a reportagem objetiva
alcançar uma leitora modelo, a que o estereótipo físico revele a descendência africana, essa
identidade está presente, sublinhadas em destaque, explicita ou implicitamente, nos
fragmentos selecionados, dispostos e categorizados a seguir.
77
(2.1) “Os negros já foram privilegiados por seus ancestrais e têm a pele bronzeada por
natureza sem precisarem ficar expostos ao sol.
(2.2) “Além de (os negros
) possuírem o corpo mais resistente, as formas arredondadas e
volumosas”
(2.3) “Mas, se com todo este histórico ainda há algo que não agrada (a leitora negra
) –
por exemplo, o formato do nariz – veja como aperfeiçoar os traços com a ajuda do
bisturi”
(2.4) “A raça negra
esnoba (no bom sentido) de um montão de qualidades estéticas.”
(2.5) “Duvida? Então repare só no corpo das mulatas
do carnaval. Com pouquíssima
roupa, elas não têm o menor receio de soltar o rebolado e exibir um corpo sensual,
rígido e cheio de curvas, longe de qualquer imperfeição.”
(2.6) “Geralmente as negras
são assim mesmo, possuem um biótipo exótico, que quebra
qualquer padrão de beleza”
(2.7) “Mas como ninguém está longe dos ajustes do bisturi, não há mulata
que resista a
um procedimento cirúrgico para deixar o visual mais harmônico.”
(2.8) “A natureza genética já favoreceu aos negros
ter um bumbum volumoso e
arrebitado.”
(2.9) “O nariz é a região mais procurada (pelos negros
) para os retoques por motivos
hereditários”.
(2.10) “É comum em pessoas afro-descendentes
o nariz e os lábios serem grandes.”
(2.11) “Existem negras
e mulatas que querem reduzir esta região (os lábios) para deixar a
boca mais delicada.”
(2.12) “Você sabia... Que o nariz negróide afeta no comportamento dos afro-
descendentes?”
78
(2.1) “Os negros já foram privilegiados por seus ancestrais e têm a pele bronzeada por
natureza sem precisarem ficar expostos ao sol. (2.2) Além de possuírem o corpo mais
resistente, as formas arredondadas e volumosas”
Em (2.1), “os negros” é a identidade em thema. Tal lexema corresponde à meta do processo
material “foram privilegiados” em que “ancestrais” cumpre a função de ator. Nesse
contexto, a identidade coletiva, os atores sociais cuja representação corresponde à categoria
de classificação, “os negros” é retomada em expansões de extensão aditivas em que o
meta
Os negros
(textual) +
processo material
(já) foram
privilegiados
ator
por seus
ancestrais
expansões
e têm a pele (...)
volumosas...
SENTENÇAS VALORATIVAS
ator
e (os negros)
processo relacional
têm
atributo
a pele
bronzeada
expansão
encaixada de
elaboração
circunstância
sem precisarem
ficar expostos
ao sol
Expansão de
extensão aditiva
textual
além de
portador
(os negros)
processo
relacional
possrem
atributo
o corpo mais
resistente
(...) volumosas
Expansão de
extensão aditiva
79
grupo em evidência é participante portador dos atributos “pele bronzeada”, “corpo mais
resistente” e “formas arredondadas e volumosas”. Tais nominalizações, em que se percebe
a associação entre nome e qualificativos, prenuncia a estratégia da instância produtora
discursiva que, num primeiro momento, exalta o físico dos participantes e depois sugere,
para esses, intervenções cirúrgicas para seus supostos defeitos ou imperfeições.
(2.2) é complemento semântico de (2.1) e, por essa razão, estão arroladas em seqüência,
conforme identificamos na citação e na cadeia disposta acima. (2.2) trata-se de uma
expansão de extensão aditiva que especifica ou acrescenta informação à cláusula anterior.
Nela, o ator social é excluído da estrutura organizacional através de exploração da
categoria, ratificada por Fairclough (2003a., p.145), de encobrimento, como ocorreu no
fragmento (1.4) – numeração que corresponde à matéria anterior.
80
modo imperativo
Veja
resultado
atributivo
como aperfeiçoar
os traços
circunstância
de modo
com a ajuda
do bisturi
sentença interpessoal
imperativa
SENTENÇA FATUAL +
PRESUNÇÃO VALORATIVA
“(2.3) - Mas, se com todo este histórico ainda há algo que não agrada – por exemplo, o
formato do nariz – veja como aperfeiçoar os traços com a ajuda do bisturi”
textual
Mas
circunstância
se com todo
esse histórico
existente
existente
algo que
não agrada
identificado
(se) o formato
do nariz
processo
relacional
é
identificador
algo que
não agrada
expansão
extensão de
variação
por exemplo
o fomato do
nariz
Expansão de
extensão aditiva
SENTENÇAO-FATUAL +
PRESUÃO VALORATIVA
81
(2.3), leading de “Plástica afro”, é iniciada com uma expansão de extensão aditiva em que
o componente textual “mas” compõe o thema. Tal sentença ratifica a análise crítica que
prenunciamos no fragmento anterior. A matéria elogia os atributos físicos de “os negros” e
depois sugestiona supostas correções plásticas. Isso se legitima através da exploração da
função interpessoal, disposta em cadeia logo acima, em que uma afirmação imperativa
instiga a leitora a inspecionar o próprio corpo físico à procura de composições inaptas ou
incorretas - a matéria ainda contribui para essa auto-crítica da instância receptora,
sugerindo que os atores social “os negros” inspecionem o “o formato do nariz”. Tal
proposta é organizada através de uma expansão de extensão por variação, em que o textual
de condição “se” é disposto logo no início da sentença.
O existente “algo que não agrada” trata-se de uma sentença encaixada modalizada. Nessa, a
polaridade, “escolha entre polos positivo e negativo”, prevista por Halliday (1994, p.85),
atenua a composição corporal considerada reprovada, desagradável ou inadequada. A
expansão em evidência sugere a estrutura relacional comum ao sistema de transitividade.
Nessa perspectiva, “o formato do nariz” não é atributo, mas um elemento identificado.
Ressaltamos que o uso da interpessoal, em (2.3), é prenunciado no existente “algo que não
agrada”. Essa aproximação entre as esferas produtora e receptora sugere cumplicidade,
atitudes de solidariedade - conforme propõem Hodge e Kress (1988, p.123) - que atendam
a demanda - solicitação explícita, prevista por Halliday (1994, p.69) - através da seleção
em modo imperativo “Veja”. Nesse contexto, a leitora negra é o ator social, mais uma vez,
por exclusão por encobrimento, consolidado a partir de inferências - conforme propõe
Fairclough (2003a, p. 145), com base nos estudos de Kress (1997). Tal leitora negra
compõe, é representante, da identidade coletiva “os negros”, mencionada em (2.1) e
encoberta em (2.2).
A adequação à valores físicos torna-se nítida em (2.3) através da utilização de presunções
valorativas, as quais sugestionam hierarquização de componentes e esteriótipos físicos,
legitimadas através do verbo “aperfeiçoar” e do existente “algo que não lhe agrada”.
82
comportante
A raça negra
processo
comportamental
esnoba (no bom sentido)
extensão
atributiva
de um montão
de qualidades estéticas
SENTENÇA VALORATIVA
(2.4) - “A raça negra esnoba (no bom sentido) de um montão de qualidades estéticas.”
(2.4) é sentença inicial do primeiro parágrafo da reportagem. Ela prenuncia a manutenção
da estratégia utilizada no leading e discutida em (2.1) e (2.3). Entretanto, em vez de
valorizar “os negros”, a instância produtora utiliza outra seleção lexical, outra
nominalização de representação de identidade coletiva: “a raça negra”. Esta cumpre a
função de participante e atua como comportante do processo comportamental “esnoba”. O
valor positivo da sentença (2.4) é expresso na especificação, “(no bom sentido)”, disposta
entre parênteses logo após o processo, conforme podemos perceber na cadeia acima.
As “qualidades estéticas” da “raça negra” não são destacadas só em texto-verbal. Imagens
femininas são inseridas como componentes macro e micro-semióticos em todas as páginas
da reportagem. Nas p.38 e p.39, a imagem de uma mulher com olhar de demanda,
solicitação - o qual, segundo Kress e Van Leeuwen (2001, p. 124), é estabelecido acima do
olhar do leitor, sugerindo poder e autoridade - produz e sustenta uma relação imaginária
com o interactante.
Nesse contexto, considerando que o ato visual é a menor unidade de significação da
representação e interação visual, de acordo com Kress e Van Leeuwen (2001, p.122),
associamos tal atitude de demanda à sensualidade evidente na imagem feminina, das p.38 e
p.39, constituída pela exploração de um corpo suado, semi-nu, apenas coberto por uma
canga e colares sobrepostos.
83
(2.5) - “Duvida? Então repare só no corpo das mulatas do carnaval. Com pouquíssima
roupa, elas não têm o menor receio de soltar o rebolado e exibir um corpo sensual, rígido
e cheio de curvas, longe de qualquer imperfeição.”
Segundo Halliday (1994, p.83), as interrogativas, construções interpessoais, “especificam
a identidade que o questionador deseja oferta”. Em (2.5), a sentença “Duvida?” compõe o
thema. A resposta para essa indagação vem logo em seguida; tal qual uma oferta, ou um
convite à leitora, constituída de uma sentença valorativa composta pelo portador, “elas”,
pelo processo relacional modalizadonão tem” e, ainda, pelas seleções lexicais que
correspondem ao item atributo. Esse é formado por uma seqüência de valorações
organizada a partir da exploração e organização de nomes, qualificativos e verbos
nominalizados, com presunções valorativas que visam exaltar as características físicas da
identidade coletiva exposta na matéria em questão.
Nesse contexto, os atores sociais, explorados na exemplificação que resgata o evento
festivo carnaval, não são mais “os negros” e nem a “raça negra”, mas “as mulatas do
carnaval”; nominalização vigente após as estruturas interpessoais interrogativa e
imperativa: “Duvida?” e “Então, repare só no corpo das mulatas do caranaval”. Essas 2
aqui destacadas compõem a introdução do fragmento (2.5) e prenunciam a organização
ideacional transitiva, sentença valorativa relevante para o desenvolvimento da nossa
pesquisa.
circunstância
Com
pouquíssima
roupa
portador
elas
(as mulatas)
processo
relacional
modalizado
não têm
atributo
o menor
receio (...)
imperfeição
SENTEA VALORATIVA
+
PRESUNÇÕES VALORATIVAS
84
Mais que sustentar o discurso inserido no leading, a esfera produtora, tomando as “mulatas
do carnaval” como prova de que “a raça negra esnoba (no bom sentido) de um montão de
qualidades estéticas”, legitima, na organização textual (2.5), mais um ponto de referência e
comparação, em status de aprovação, para a leitora de Plástica e beleza, já que tais
“mulatas do carnaval” exibiriam, segundo a matéria, um corpo apto, “longe de qualquer
imperfeição”.
(2.6) – “Geralmente as negras são assim mesmo, possuem um biótipo exótico, que quebra
qualquer padrão de beleza”
Em (2.6), percebemos que o grupo nominal “as mulatas dos carnaval” corresponde,
abrange, está inserido ou associado de alguma forma, à identidade coletiva “as negras”.
Este é portador do atributo composto na nominalização “assim mesmo”. Este é
especificado na sentença valorativa subsequente “biótipo exótico, que quebra qualquer
padrão de beleza”.
advérbio modal
de freqüência
Geralmente
portador
as negras
processo relacional
são
atributo
assim mesmo
SENTENÇAS VALORATIVAS
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
portador
(Elas)
processo relacional
possuem
ator
um biótipo exotico
processo material
(que) quebra
meta
(qualquer) padrão
de beleza
atributo (+)
expansão encaixada
de elaboração
um biótipo exótico
que quebra qualquer
padrão de beleza
85
Explorando a expansão encaixada de elaboração mencionada no fim do parágrafo acima,
percebemos um significativo conteúdo ideológico implícito, uma presunção valorativa,
desenvolvido pela instância produtora, através da exaltação um estereótipo físico que,
embora extremamente reincidente no país, é admitido como “exótico”, seleção lexical que
pode ser percebido como o diferente, o atípico, o não-habilitado ou o fora do padrão.
(2.7) – “Mas como ninguém está longe dos ajustes do bisturi, não há mulata que resista a
um procedimento cirúrgico para deixar o visual mais harmônico.”
Em (2.7), “mulata” não assume a função de participante. Entretanto, o existente do
processo existencial em evidência apresenta, em sua constituição, uma expansão encaixada
de elaboração. Nessa, percebemos que a ação de “não resistir” é desempenhada pelo ator
social “mulatas”. Nessa perspectiva, podemos inferir, sugestionar, que tal representação se
traduziria em comportante num processo comportamental em que a ação pratica é
justificada por uma expansão de extensão por intensificação disposta ao final da sentença.
Apesar das supostas sentenças e presunções valorativas associadas aos participantes, “as
mulatas do carnaval”, “a raça negra” , “os negros” e “as negras”, os produtores do discurso
expansão
de extensão
causal
Mas (...)
bisturi
existenciador
Não há
comportante
(Mulata)
processo
comportamental
(não resite)
extensão
a um procedimento
cirúrgico
expansão de
extensão por
intensificação
de finalidade
para deixar o visual
mais harmônico
existente (+)
expansão encaixada
de elaboração
mulata que resista (...)
mais harmônico
PRESUNÇÃO VALORATIVA
86
mantém a estratégia prenunciada em (2.3) e advertem: “ninguém está longe dos ajustes do
bisturi”. Eles constituem tal argumento em thema de (2.7), fazendo com que uma expansão
de elaboração aditiva, na qual se evidencia na sua introdução a conjunção adversativa
“mas”, tenha posição de destaque na organização desse fragmento.
(2.8) – “A natureza genética já favoreceu aos negros ter um bumbum volumoso e
arrebitado.”
Em (2.8), a identidade coletiva “os negros” é beneficiário da ação promovida pelo
participante “a natureza genética”; ator social que revela a exploração da categoria, para a
representação de atores sociais, denominada de impersonalização - admitida por
Fairclough (2003a, p. 146).
As presunções valorativas presentes nessa sentença fatual são legitimadas através da
conotação semântica positiva que é sugerida no verbo “favorecer”, evidente na composição
do processo material, “favoreceu ter” e dos qualificativos “volumoso” e “arrebitado”, os
quais são componentes do participante meta da cláusula em questão.
ator
A natureza
genética
textual
(+) processo
material
(+)
favoreceu
(ter)
beneficiário
aos
negros
meta
um bumbum
volumoso e
arrebitado
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
87
(2.9) – “O nariz é a região mais procurada para os retoques por motivos hereditários”.
Em (2.9), a instância produtora exclui a representação da coletividade étnica através da
exploração do fenômeno da apassivação, sugerido na informação que compõe o
identificador da sentença valorativa em questão. Na estrutura, “o nariz” é o participante,
identificado, que é definido como “a região mais procurada para retoques”. A matéria
justifica tal afirmativa através da circunstância de causa “por motivos hereditários”.
Nesse contexto, evidenciamos o uso do modo de operação de dissimulação por
deslocamento – previsto por Thompson (1995, p.82) - já que a instância produtora ofusca
pontos de instabilidade, conotações positivas e negativas, que discriminariam quais ou
como caracteres físicos hereditários dos afro-descendentes moldam ou sugestionam um
processo de não-aceitação física que, segundo propõe Plástica Afro, impulsiona a procura,
por intervenções estético-corporal admitidas como corretivas.
identificado
O nariz
processo
relacional
é
identificador
a rego mais
procurada
para retoques
circunstância
de causa
por motivos
hereditários
SENTENÇA FATUAL+
PRESUÃO VALORATIVA
88
processo
relacional
É
atributo
comum
circunstância
em pessoas
afro-descendentes
portador
o nariz e osbios
serem grandes
SENTENÇA VALORATIVA
(2.10) – “É comum em pessoas afro-descendentes o nariz e os lábios serem grandes.”
Diferente dos outros fragmentos anteriores de “Plástica afro”, em (2.10), a seleção lexical
que corresponde à identidade coletiva em questão não é representada pela cor da pele, mas
pela descendência africana; revelando, assim, um uso distinto da categoria para
representação de atores sociais classificação – mencionada por Fairclough (2003a, p. 146).
Em (2.10), “comum” é o atributo referente ao portador disposto como rema, informação
secundária, conforme propõem Halliday (1994, p.38). Na referida sentença valorativa, que
também é fatual, além da evidenciada pelo atributo “comum”, outra valoração é
explicitada na estrutura que corresponde ao portador. Nessa, qualificativos associados a
nomes explicitam os supostos motivos que tornariam a cirurgia estética indicada aos
brasileiros descendentes de africanos.
89
existenciador
Existem
que querem reduzir
esta região
expansão encaixada
de elaboração
para deixar a
boca mais delicada
expansão de
intensificação
causal de finalidade
existente (+) expansões
negras e mulatas que
querem reduzir esta
região para deixar
a boca mais delicada
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÕES VALORATIVAS
(2.11) “Existem negras e mulatas que querem reduzir esta região (os lábios) para deixar a
boca mais delicada.”
“Negras e mulatas” são os itens lexicais, identidades sociais coletivas, selecionados na
composição de (2.11). Nessa sentença fatual, essas são participantes, existentes, do
processo existencial “existem”. Esse tem, em sua constituição, duas expansões. Uma
encaixada de elaboração e outra de intensificação causal. Na primeira, há uma presunção
valorativa, na qual o desejo das mulheres negras e mulatas, a necessidade de se adequar ou
de se subjugar a um padrão, está traduzido no processo mental modalizado “querem
reduzir”. Na segunda, a presunção valorativa corresponde a ratificação do padrão de
beleza através da seleção lexical “boca delicada”.
90
(2.12) – “Você sabia... Que o nariz negróide afeta no comportamento dos afros-
descendentes.”
(2.12) é uma construção interpessoal de demanda, a qual, segundo Halliday (1994, p.69)
incita e solicita uma resposta do leitor. Nessa sentença interrogativa, percebemos uma
informação que sugerimos como cláusula implícita, presunção valorativa, a qual a estrutura
ideacional, organização sugestionada, se encontra disposta acima.
Em tal presunção, o componente físico, traduzido pela grupo nominal “o nariz negróide”, é
capaz de alterar o comportamento social dos “afro-decendentes”. Tal afirmação ganha
status de autoridade, a partir da exploração da fonte responsável pela informação; o ator
social “Ambulatório de Rinoplastia do Hospital São Paulo”, conforme percebemos no
fragmento (2.13) analisado a seguir.
ator
O nariz negróide
processo
material
afeta
meta
no comportamento
dos afro-descendentes
PRESUNÇÃO VALORATIVA
IDEACIONAL
Você sabia que (...)
afro-descendentes?
SENTENÇA INTERROGATIVA
INTERPESSOAL
91
ator
O Ambulatório (...)
São Paulo
processo
material
realizou
meta
estudo
expansão
grupo com
processo
nominalizado
dizente
Estudo realizado
pelo Ambulatório
(...) São Paulo
processo
verbal
mostrou
comportante
pessoas (...)
negróide
processo
comportamental
revelaram
extensão (+)
expansão de
extensão aditiva
aumento da
auto estima (...)
interesse pela
vida
discurso
indireto
que pessoas
submetidas à operação
(...) interesse pela vida
circunstância
após a
internvenção
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUÃO VALORATIVA
(2.13) - “Estudo realizado pelo Ambulatório de Rinoplastia do Hospital São Paulo mostrou
que pessoas submetidas à operação de correção do nariz negróide revelaram aumento da
auto-estima e do interesse pela vida após a intervenção.”
Em (2.13), disponível em box, não há uma identidade representativa, assumida como
“étnica” coletiva, atuando como participante na sentença fatual. De acordo com o contexto,
percebemos que “pessoas submetidas à operação de correção do nariz negróide” é a seleção
lexical que inclui e se referir aos chamados “afro-descendentes” em evidência na
reportagem. O grupo nominal “Estudo realizado pelo Ambulatório de Rinoplastia do
Hospital São Paulo” , além de revelar, mais uma vez, o uso da categoria impersonalização,
atua como dizente, o qual que corresponde ao processo verbal “mostrou”.
O discurso indireto inserido nesse processo de transitividade determina, como
participante, o sujeito comportante, que tem sua auto-estima e interesse pela vida
intensificados após a intervenção médica. Esse discurso se faz vigente na extensão na qual
há, em sua consituição, uma expansão de extensão aditiva.
92
O discurso no box “Você sabia...” sugere que o desinteresse pelo convívio social pode ser
ocasionado pelo suposto incômodo que um “nariz negróide” causaria em seu portador; e
sugestiona que a intervenção cirúrgica seja suficiente para resolver questões de
relacionamentos e problemas de auto-aceitação e auto-estima.
O último argumento utilizado por “Plástica afro” para estimular a leitora que se assume
“afro descendente” às operações cirúrgicas de ordem estética é o box “Elas fizeram”. Nele,
há o depoimento, em discurso direto, de personalidades da televisão que se submeteram às
intervenções estéticas e se assumem como ex-pacientes bem-sucedidas. Em tal box, exibe-
se a imagem da modelo e atriz Adriana Bombom e as atrizes Taís Araújo e Adriana Alves
em close-shot. As 3 personalidades, como as participantes, figuras femininas das p. 40 e
41, estão em contado fictício com a leitora, através da exploração do olhar de solicitação,
demanda, como acontece no fragmento (1.2) da reportagem anterior.
93
REPORTAGEM 3: “DONA DO SEU NARIZ”
Em “Dona do seu nariz”, corpus coletado do exemplar de Plástica e beleza de novembro de
2006, as leitoras, classificadas “negra”, “européia” ou “oriental”, são incentivadas a
realizar a rinoplastia e “solucionar” ou “corrigir” supostos problemas de ordem estética.
Isto é notório logo na introdução – leading. Nesse, o termo “moda” evidencia uso da
categoria para representação de atores sociais de impersonalização, como acontece no
leading de “De olho na dobrinha” e no box “Você sabia...” de “Plástica afro”. Através da
exploração de tal categoria, prevista em Van Leeuwen (1997, p. 222), percebemos que a
instância produtora discursiva legitima autoridade, mesmo que a leitora não identifique
quem ou o que dita a instituição moda.
Em seu desenvolvimento, “Dona do seu nariz” apresenta uma forma linear, considerando
estereótipos físicos brasileiros, tratando-os em tópicos específicos, concedendo fala, através
do discurso direto, em três momentos distintos, a médicos cirurgiões que retratam os passos
envolvidos no procedimento sugerido e a multiplicidade das técnicas da suposta “correção”.
Na conclusão do artigo, próximo do que acontece na reportagem anterior, um quadro de
personalidades, artistas de televisão que optaram pela rinoplastia, é apresentado. Esse se
revela como estratégia de persuasão, solidariedade, já que tais mulheres de projeção
nacional têm seus comportamentos e opiniões assimiladas, com facilidade, pelo grande
público.
A esfera produtiva de “Dona do seu nariz” é constituída pela autora da matéria, Aline
Rodrigues, o fotógrafo Moisés Pazianotto, conforme explicitado pela reportagem, suas
fontes – entre as quais evidencia-se os cirurgiões Mariângela Santiago e Dimos Iksila.
Em “Dona do seu nariz”, a reportagem objetiva alcançar uma leitora modelo cujo
estereótipo explicite a descendência africana, européia ou oriental. Considerando isso,
destacamos diferentes construções lingüísticas nas quais seleções lexicais que traduzem
94
identidades étnicas, sublinhadas em destaque nos fragmentos, foram destacadas. 3
subtítulos, dispostos conjuntamente, e 7 sentenças, simples e complexas, foram
selecionados e categorizados a seguir.
(3.1) “Negra
gata
(3.2) “Sensualidade (da leitora) européia
(3.3) “Orientais
charmosas”
(3.4) “O nariz da raça negra
tem a ponta baixa e as asas, largas.”
(3.5) “Um nariz negróide
tem alguns pontos básicos de correção, como aumentar o dorso
e diminuir as laterais”, diz a cirurgiã plástica Mariângela Santiago (SP).
(3.6) “É comum notarmos nos descendentes de europeus
, principalmente nos de italianos,
gregos
, espanhóis, árabes e libaneses, a ponta caída e o dorso alto.”
(3.7) “O nariz das orientais
chega a se assemelhar com o negróide, já que tem asa larga,
dorso baixo e ponta esparramada.”
95
portador
européia
européia
processo
relacional
(pode ter)
(tem)
atributo
sensualidade
sensualidade
NOMINALIZAÇÃO
ATRIBUTIVA
(3.1) -“Negra gata
(3.2) -“Sensualidade européia”
(3.3) – “Orientais charmosas”
portador
negra
negra
processo
relacional
(pode ser / estar)
(é / está)
atributo
gata
seu nariz (?)
gata
NOMINALIZAÇÃO
ATRIBUTIVA
portador
orientais
orientais
processo
relacional
(podem ser / podem estar)
(são / estão)
atributo
charmosas
charmosas
NOMINALIZAÇÃO
ATRIBUTIVA
96
“Dona do seu nariz” contém subtítulos em que, também, há presunções valorativas
originais, cujas seleções lexicais não são retomadas durante o desenvolvimento da
materialidade discursiva. As estruturas (3.1), (3.2) e (3.3) tratam-se de nominalizações que
associam identidade coletiva a atributo subjetivos. Ao sugerir essa classificação de leitoras,
a reportagem contempla, de forma bem-sucedida, o universo das mulheres brasileiras; já
que a maioria destas têm alguma influência ou herança física de antepassados, de origem
estrangeira, que se remetem, pelo menos, a uma das 3 identidades exploradas.
Em (3.1), a identidade feminina é traduzida pelo cor, “negra”. Através de inferência,
percebemos que a informação dada à leitora é que essa é, está ou pode ser, gata. Já em
(3.2), a identidade é revelada pela continentalidade, o ser “européia”. Tal seleção lexical
não é seguido de atributo, mas por outro nome: “sensualidade”. Em (3.3), “orientais”
também resgata a questão da localização. Junto a tal nome, flexionado no plural, está
“charmosas”, a valoração conferida a essas mulheres supostamente de descendência
asiática. Considerando que a proposta de Plástica e beleza, ressaltamos a que a leitora que
se reconhece como “negra”, “européia” ou “oriental” é estimulada a adquirir as valorações
ser gata, ter sensualidade e ser charmosa, através das intervenções estéticas estimulas pela
revista.
97
(3.4) - “O nariz da raça negra tem a ponta baixa e as asas, largas.”
(3.4) é uma sentença valorativa em que o portador é o grupo nominal “o nariz da raça
negra”. Nesse estrutura, a seleção lexical que traduz a identidade coletiva nominalizada
“raça negra” apenas especifica o componente realmente enfatizado na organização
transitiva: “o nariz”. Esse, associado ao processo relacional de posse “tem”, apresenta
como atributo a seleção “a ponta baixa e as asas largas”, associação de nomes e
qualificativos que prenuncia a proposta da correção explicitada na afirmação, fala da
cirurgiã Mariângela Santiago, discriminada na página seguinte.
portador
O nariz da
raça negra
processo
relacional
tem
atributo
a ponta baixa
e as asas
largas
SENTENÇA VALORATIVA
98
portador
Um nariz
negróide
processo
relacional
tem
atributo
alguns pontos
(...) as laterais
sentença
projetada de locução
- parataxis
discurso
direto
"Um nariz
negróide (...)"
processo
verbal
diz
dizente
a cirurgiã plástica
Mariângela
Santiago (SP)
SENTENÇA VALORATIVA
+
PRESUÃO VALORATIVA
(3.5) - “Um nariz negróide tem alguns pontos básicos de correção, como aumentar o dorso
e diminuir as laterais”, diz a cirurgiã plástica Mariângela Santiago (SP).
Em (3.5), o discurso é legitimado pela fala, articulada numa sentença projetada de ilocução
parataxis, da médica, agente social, Mariângela Santiago. Como ocorre nas reportagens
anteriores, a fala de um especialista em estética corporal concede autoridade e legitima o
discurso da esfera produtora. Dessa maneira, Plástica e beleza garante credibilidade e
viabiliza atitudes de solidariedade da leitora, que encontra respaldo do profissional da
saúde para se submeter às cirurgias estéticas.
Em (3.5), conforme disposto na cadeia acima, o “nariz negróide” é o portador do atributo
“alguns pontos de correção”. Em tal sentença, com o processo relacional “ter”, possessivo,
sugestionado, a fala de médica sustenta a presunção valorativa que prevê o nariz dito
negróide como componente naturalmente inapto ou incorreto.
99
(3.6) “É comum notarmos nos descendentes de europeus, principalmente nos de italianos,
gregos, espanhóis, árabes e libaneses, a ponta caída e o dorso alto.”
De forma diferente das estruturas anteriores que compõem “Dona do seu nariz”, em (3.3)
há o uso da função interpessoal. Essa está vigente na utilização da 1
ª
pessoa do plural, que
segundo Halliday (1994, p.68) diz respeito à interatividade, papéis complementares
assumidos pelo falante e ouvinte. Tal seleção gera empatia, cumplicidade, aproximação
entre a leitora e a instância produtora discursiva; o que viabiliza o processo de
solidariedade ao discurso da padronização estética sustentado.
Em tal sentença valorativa, o portador do atributo comum é uma extensa nominalização;
na qual há preocupação em relacionar as identidades coletivas de nacionalidade européia
que possuem um nariz de “ponta caída e dorso alto”.
Essa preocupação, que diz respeito à especificação de componentes físicos a partir de
nacionalidades, não é presente nos textos que correspondem aos subtítulos (3.1) e (3.3). Tal
atitude prenuncia o que será explicitado na reportagem “Beleza globalizada”, a seguir: o
padrão de beleza física propagado e habilitado pela revista corresponde ao esteriótipo,
imagem, comum às mulheres de determinados países da Europa ocidental.
atributo
comum
processo
relacional
é
portador
notarmos
nos descendentes
(...) libaneses
SENTENÇA VALORATIVA
100
portador
O nariz das
orientais
processo
relacional
chega
a se assemelhar
atributo
com o negróide
portador
o nariz das
orientais
processo
relacional
tem
atributo
a asa larga
dorso baixo e ponta
esparramada
expansão
intensificação
causal
já que tem (...)
esparramada
SENTENÇA VALORATIVA
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
(3.7) – “O nariz das orientais chega a se assemelhar com o negróide, já que tem asa larga,
dorso baixo e ponta esparramada.”
Como nas 3 cadeias anteriores, em (3.7), é o componente corporal “nariz” que cumpre a
função de participante. Nesse fragmento, ele é sugerido, ainda, a partir de uma expansão de
intensificação causal, como portador do atributo “asa larga, dorso baixo e ponta
esparramada”. Como o nariz dito negróide apresenta supostos pontos de correção,
conforme exposto em (3.5), por inferência, presunção valorativa, é possível afirmar que ao
afirmar que o nariz dito oriental, focalizado em (3.7), também requer, naturalmente,
intervenções plásticas estético-corretivas.
101
REPORTAGEM 4: “BELEZA GLOBALIZADA”
“Beleza globalizada”, publicada na seção “Plástica” da edição de número 93 de Plástica &
Beleza. Ela é uma reportagem, gênero situado, que discrimina “pequenas correções”
estéticas capazes de deixar a leitora “mais segura” e “valorizar” o que essa teria “de
melhor”. Isso, sem “negar as origens”, conforme propõe o leading disposto na parte inferior
da p.58.
Durante a organização textual, “Beleza globalizada” propõe a rinoplastia para os
descendentes de árabes, africanos, orientais, italianos e espanhóis. Sugere, por exemplo,
aumento de seios, “bumbum” e alargamento da fenda pálpebral, para as descendentes de
orientais, e afinamento dos lábios e do nariz para as descendentes de africanos.
A matéria se desenvolve com os blocos, nos quais os títulos sugerem diferentes identidades
coletivas: “De olhos orientais para ocidentais”; “De lábios finíssimos para lábios sensuais”;
“De nariz de libanesa para nariz de sueca”; “De bumbum de americana para bumbum de
brasileira”; “De seios de brasileira para seios de americana”; “De nariz de angolana para
nariz de francesa” e “De lábios de africana para lábios de italiana”.
“Beleza globalizada” é encerrada com o tópico “Intercâmbio feminino”. Nessa conclusão, a
leitora será orientada a como passar a ter cabelos lisos, bronzear ou clarear a pele através de
relaxamentos a laser, bronzeamento artificial e produtos à base de hidroquinona que inibem
a produção de melanina.
Assinam pela esfera discursiva produtora, dessa matéria, Fabiana Gonçalves e o fotógrafo,
Moisés Pazianotto, conforme explicitado na reportagem. A identidade sócioinstitucional de
autoridade do texto é garantida através das vozes, em discurso direto, dos médicos,
cirurgiões plásticos, Paulo Miüller, Aristóteles Bersou Jr, Evaldo Bolivar, Raul Gonzáles,
Saraiva e a dermatologista Ana Lúcia Récio. Além desses, a profissional, cabeleireira,
102
Vivian Esteves, auxilia na constituição e legitimação de “Beleza globalizada” através de
uma projeção de ilocução parataxis.
Como as outra reportagens, “Beleza globalizada” concilia os pré-generos narrativo,
descritvo e argumentativo através de associação de composições verbais e não-verbais. As
imagens, situadas nas p. 58, p.60 e p.61, exploram 2 estereótipos físicos: um comum aos
povos asiáticos e outro próximo a um africano. Tais supostas identificações são ratificadas
pelo texto escrito, cujos os fragmentos, segundo os objetivos dessa pesquisa, são expostos,
em análise, a seguir.
É evidente que as 2 imagens, em close-shot, sofrem recortes. O objetivo é esboçar, para a
leitora, uma face sem os supostos aperfeiçoamentos adquiridos, através de intervenções
estéticas, e outra com os caracteres, valores físicos, assumidos como padrão pela instância
produtora discursiva. No centro, um lápis azul, com borracha na ponta, segurado pelas
participantes representados, além de sugerir o poder para se apagar e desenhar o próprio
rosto, divide a composição dado e novo.
Em “Beleza globalizada”, destacamos 10 sentenças, simples e complexas, nas quais
seleções lexicais que traduzem identidades étnicas foram mencionadas. Como a reportagem
objetiva alcançar uma leitora modelo, a que o estereótipo físico explicite a descendência
africana, européia ou oriental, essas identidades estão presentes, sublinhadas em destaque,
explicita ou implicitamente, nos fragmentos selecionados, dispostos e categorizados a
seguir.
(4.1) “Quando a solicitação da paciente árabe
é que o nariz, normalmente com dorso mais
alto e as narinas mais abertas, seja transformado em um típico europeu, mais
afinalado, deve-se tomar cuidado com o que é possível ser feito, pois nem sempre a
estrutura óssea e cartilaginosa permitem mudanças tão drásticas.”
(4.2) “Àrabes, negros, orientais e descendentes de italianos e espanhóis
costumam
procurar correções para harmonizar o nariz e o restante do rosto.”
103
(4.3) “Uma procura muito grande por parte das mulheres orientais é pela cirurgia de
implante de próteses de silicone, tanto nas mamas quanto no bumbum, já que ambos
costumam ser pequenos, abaixo da média mundial.”
(4.4) “A mulher oriental
não costuma acumular gordura no bumbum, mas sim no
abdômen e na região que vai das costas às nádegas. Portanto, ela
se beneficia muito
da transferência de gordura dessas áreas para os glúteos. Isso não significa a
descaracterização da raça, mas sim o realçamento da sua sensualidade – finaliza o
cirurgião plástico Bresou Jr.”
(4.5) “Os orientais
têm fenda palpebral muito fina e, quase sempre, não têm sulco ou
depressão nas pálpebras superiores.”
(4.6) “Descendentes árabes, espanhóis e italianos
possuem a giba proeminente (aquele
ossinho no dorso do nariz.”
(4.7) “Ao contrário das pessoas de descendência árabe e européia
, as pessoas de
descendência africana não têm muita cartilagem no septo-nasal”
(4.8) “A cirurgia também é indicada no caso das orientais
, em que a estrutura do nariz é
semelhante à das negras
, mas em menor proporção.”
(4.9) “O médico acrescenta que o objetivo desse procedimento é “oferecer ao paciente
muito mais naturalidade, amenizando os traços mais marcantes de que não goste,
sem jamais fazer um negro
parecer um caucasiano ou vice-versa.”
(4.10) “É comum as mulheres fazerem pequenas mudanças para conquistar o look
desejado – mesmo que elas não sejam características da própria etnia. Têm negras
com cabelo liso, loiras
com black power, branquinhas morenaças...”
104
(4.1) “Quando a solicitação da paciente árabe é que o nariz, normalmente com dorso
mais alto e as narinas mais abertas, seja transformado em um típico europeu, mais
afinalado, deve-se tomar cuidado com o que é possível ser feito, pois nem sempre a
estrutura óssea e cartilaginosa permitem mudanças tão drásticas.”
expansão de
intensificação
temporal
Quando (...)
afinalado
ator (+)
processo
modalizado
deve-se
tomar
meta
cuidado
circunstância
com (...)
feito
expansão de
intensificação
causal
pois (...)
drásticas
SENTENÇAS NÃO-FATUAL E FATUAL
(+)
PRESUNÇÃO VALORATIVA
textual
pois
circunstância
nem
sempre
ator
a estrutura
(...)
cartilaginosa
processo
material
permitem
meta
mudanças
tão drásticas
expansão de
intensificação
causal
textual
Quando
identificado
a solicitação
(...) arabe
processo
relacional
é
identificador
que (...)
europeu
expansão de
intensificação
temporal
105
(4.1) tem como tema uma expansão de intensificação temporal. Essa é uma sentença não-
fatual, conforme propõe Fairclough (2003a, p. 109), em que ação trata-se apenas de uma
sugestão ou hipótese articulada pela esfera discursiva produtora.
A identidade coletiva é representada pela seleção lexical “paciente árabe”. Essa é disposta,
conforme sugerimos na cadeia da página anterior, como componente do participante,
identificado, de uma sentença valorativa possível, em que a estrutura extensa “que o nariz,
normalmente com dorso mais alto e as narinas mais abertas, seja transformado em um
típico europeu, mais afinalado” corresponde ao participante identificador do processo
relacional “é”.
A informação principal em (4.1) é a sentença fatual “deve-se tomar cuidado com o que é
possível ser feito”. Esta é complementada, justificada, pela expansão de intensificação
causal “pois nem sempre a estrutura óssea e cartilaginosa permitem mudanças tão
drásticas”.
Conforme mencionamos anteriormente, inclusive no fragmento (3.6) de “Dona do seu
nariz”, o nariz europeu é explicitado em “Beleza globalizada” como padrão a ser adquirido.
Isso é ratificado no título tópico que tematiza a rinoplastia, situado na p.60 da reportagem:
“de nariz de libanesa para nariz de sueca”. Nesse contexto, estrategicamente, rescinde-se o
modo de operação ideológica denominado por Thompson (1995, p.85) de dissimulação por
eufemização, já que a esfera produtora ofusca os pontos de instabilidade que permeiam a
adesão de um grupo, supostamente formado por mulheres de descendência árabe, ao dito
valor físico, nariz europeu afinalado, em questão.
106
(4.2) – “Árabes, negros, orientais e descendentes de italianos e espanhóis costumam
procurar correções para harmonizar o nariz e o restante do rosto.”
(4.2) é uma sentença fatual com presunções valorativas. Nela, “árabes, negros, orientais e
descendentes de italianos e espanhóis” são os atores do processo material modalizado
“costumam procurar”. Tal estrutura é complementada pela meta acrescida de uma expansão
de intensificação de finalidade. Esta apresenta presunções valorativas legitimadas pelas
seleções lexicais “correções” e “harmonizar”; as quais sugerem que os grupos, identidades
coletivas mencionadas em (4.2), apresentam traços físicos naturalmente inaptos e
desarmônicos.
ator
Árabes, negros
(...) espanhóis
processo
material
modalizado
costumam
procurar
meta +
expansão de
intensificação
de finalidade
correções (...)
do rosto
SENTENÇA FATUAL
(+)
PRESUNÇÕES VALORATIVAS
107
(4.3) – “Uma procura muito grande por parte das mulheres orientais é pela cirurgia de
implante de próteses de silicone, tanto nas mamas quanto no bumbum, já que ambos
costumam ser pequenos, abaixo da média mundial.”
Em (4.3), a identidade coletiva “mulheres orientais” explorada compõe o participante
identificado da sentença fatual que introduz o fragmento em questão. Tal cláusula mantém
relação semântica com uma sentença valorativa, a expansão de intensificação causal “já
que ambos costumam ser pequenos, abaixo da média mundial”. Essa visa justificar o
comportamento de “parte das mulheres orientais” que, segundo a revista, recorrem a
cirurgia plástica para implantar silicone “tanto nas mamas quanto no bumbum”.
Nesse contexto, ressaltamos que “Beleza globalizada” e as outras 3 reportagens, aqui,
computadas, pouco privilegiam seleções lexicais que explicitem a descendência de
mulheres, pacientes ou leitoras brasileiras, cujo estereótipo físico resgate a origem asiática.
Essa omissão acaba por sugerir certo distanciamento da nacionalidade brasileira que,
certamente, é valor relevante para a maioria das leitoras de Plástica e beleza, sejam essas
de descendentes de africanos, europeus ou asiáticos.
identificado
Uma procura
(...) orientais
processo
relacional
é
identificador
pela cirurgia
(...) silicone
circunstância
tanto nas
(...) bumbum
expansão de
intensificação
causal
que (...)
mundial
SENTENÇA FATUAL
+
SENTENÇA VALORATIVA
108
sentença projetada
de locução -
parataxis
discurso
direto
A mulher oriental
(...) sensualidade
processo
verbal
finaliza
dizente
o médico
(...) Bresou Jr.
SENTENÇAS FATUAIS
+
PRESUNÇÕES VALORATIVAS
(4.4) – “A mulher oriental não costuma acumular gordura no bumbum, mas sim no
abdômen e na região que vai das costas às nádegas. Portanto, ela se beneficia muito da
transferência de gordura dessas áreas para os glúteos. Isso não significa a
descaracterização da raça, mas sim o realçamento da sua sensualidade – finaliza o
cirurgião plástico Bresou Jr.”
(4.4) trata-se de uma sentença projetada de ilocução partaxis, através da qual a instância
produtora utiliza a fala do médico Bresou Jr., em discurso direto, para legitimar a proposta
da intervenção plástica para mulheres “orientais”, as quais são incitadas, pela revista, a
reforçar a sensualidade através do aumento do glúteo.
No fragmento, “a mulher oriental” é participante, portadora, do atributo “gordura” cujo
processo relacional modalizado é “não costuma acumular”. Tais componentes são
portador
A mulher
oriental
processo
relacional
modalizado
não costuma
acumular
atributo
gordura no
bumbum
expansão de
extensão
concessiva
mas sim
no abdomem
(...) nádegas
SENTENÇA VALORATIVA
109
organizados em uma sentença valorativa, a qual é seguida por uma expansão de extensão
concessiva “mas sim o realçamento da sua sensualidade”.
Tal ator social é retomado através do pronome “ela”, na segunda sentença valorativa do
discurso direto em evidência. (4.4) retoma o discurso que identifica a noção “raça” além do
plano físico ou biológico. Como já registrado em Tal sentença projetada contém uma
sentença valorativa que identifica as intervenções cirúrgicas como ações que não
descaracterizariam a “raça”, mas que realçariam a sensualidade feminina das descendentes
de orientais.
(4.5) - “Os orientais têm fenda palpebral muito fina e, quase sempre, não têm sulco ou
depressão nas pálpebras superiores.”
(4.5) é uma descrição dos olhos, componente físicos, comuns em descendentes de orientais.
Esses, atores sociais nomeados “os orientais”, assumem a função de portador da sentença
valorativa que introduz o fragmento em questão. Tal cláusula é associada a uma expansão
de extensão aditiva a qual apresenta, em sua constituição, uma sentença de base relacional.
portador
Os orientais
processo
relacional
têm
atributo
fenda (...)
fina
textual
e
cricunstância
quase
sempre
ator
(os orientais)
processo
relacional
polarizado
não têm
atributo
sulco ou
superiores
expansão
de extensão
aditiva
e, quase
(...)
superiores
SENTENÇAS VALORATIVAS
110
Nesta, a identidade coletiva abordada é omitida; o que revela a exploração da categoria para
representação de atores sociais de encobrimento, conforme exposto por Fairclough (2003a,
p.146).
(4.5) é introdução do tópico de “Beleza globalizada”, disposto na p. 69, intitulado “De
olhos orientais para olhos ocidentais”. É a partir dessa descrição inicial que a revista irá
propor alterações para a leitora que tem ascendência oriental supostamente revelada através
dos olhos. Tal proposta de alteração física é explicitada também na participante
representado da p. 58. A imagem feminina em questão, disposta em close-shot, está em
contado com a leitora, através de um olhar de demanda, solicitação, conforme propõe Kress
e Van Leeuwen (2001, p. 124) na Gramática do design visual.
A partir da figura feminina, macro-componente visual da p.69, além da simulação da
pálpebra ocidental, a leitora é estimulada a adquirir e fazer uso de, também, lentes de
contado verdes, cor que corresponde aos olhos de indivíduos de descendência européia, e
maquiagem; com sombras, escurecimento de sobrancelhas e cílios alongados.
(4.6) – “Descendentes árabes, espanhóis e italianos possuem a giba proeminente (aquele
ossinho no dorso do nariz).”
Como em “Dona do seu nariz”, a rinoplastia em “Beleza globalizada” não é indicada
somente para leitoras de descendência africana ou oriental, mas também para árabes,
espanhóis e italianos. Esses assumem em (4.6) a função de portador do atributo expresso
na seleção lexical “a giba proeminente (aquele ossinho no dorso do nariz)”.
portador
Descendentes
(...) italianos
processo
relacional
possuem
atributo
a giba (...)
nariz
SENTENÇA VALORATIVA
111
Embora não corresponda aos supostos estereótipos físicos que evidenciariam, segundo a
revista, uma descendência italiana ou espanhola, ratificamos que o nariz considerado apto e
belo pela instância produtora é, sim, de origem européia. Isso é está implícito em “Dona do
seu nariz” e explicito em “Beleza globalizada”; através das seguintes constituições
lingüísticas: “De nariz de libanesa para nariz de sueca” e “De nariz de angolana para nariz
de francesa”. Essas estruturas, dispostas nas pp. 60 e 61 da matéria, intitulam tópicos
diferentes, os quais propõem permutas e, ainda, descrevem o pós-operátório e os
procedimentos necessários para a efetivação de uma rinoplastia.
(4.7) – “Ao contrário das pessoas de descendência árabe e européia, as pessoas de
descendência africana não têm muita cartilagem no septo-nasal”
A descendência africana é retomada em (4.7). Ela compõe o grupo nominal que
corresponde ao portador da referida sentença valorativa. Esta tem como tema uma
circunstância que possui, em sua constituição, seleções lexicais que traduzem outras 2
identidades coletivas: “pessoas de descedência árabe” e pessoas de descedência “européia”.
O atributo seguido de circunstância: “muita cartilagem no septo nasal” tem valoração
intensificada pelo advérbio modal “muito”. A modalização ainda se faz presente no
processo relacional possessivo defindo pela seleção lexical “não tem”. Tal fragmento
introduz o tópico “De nariz de africana para nariz de francesa”; estrutura nominal que
sugestiona, conforme sugerimos em (4.6), a adesão da leitora ao valor físico europeu
propagado pela revista.
circunstância
Ao contrário
(...) européia
portador
as pessoas
(...) africana
processo
relacional
polarizado
não tem
atributo
(+)
circunstância
muita
cartilagem
no septo-nasal
SENTENÇA VALORATIVA
112
(4.8) – “A cirurgia também é indicada no caso das orientais, em que a estrutura do nariz é
semelhante à das negras, mas em menor proporção.”
Em (4.8), há o apagamento do sujeito que indica a rinoplastia como cirurgia estético-
corretiva para os chamados “orientais”. Esses compõem a meta da sentença valorativa que
apresenta, como ator a seleção lexical “a cirurgia”, a qual pode ser classificada como
participante em impersonalização, conforme sugere Fairclough (2003a, p.146), a partir de
Van Leeuwen (1997) em seus estudos sobre identidade e representação.
O fragmento é encerrado com a expansão encaixada de elaboração, “em que a estrutura do
nariz é semelhante à das negras, mas em menor proporção”, que visa especificar, legitimar,
a informação proferida na cláusula simples anterior.
ator
A cirurgia
também
processo
material
é indicada
meta
no caso
das orientais
expansão
encaixada
de elaboração
em que (...)
proporção
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUNÇÃO VALORATIVA
113
(4.9) – “O médico acrescenta que o objetivo desse procedimento é “oferecer ao paciente
muito mais naturalidade, amenizando os traços mais marcantes de que não goste, sem
jamais fazer um negro parecer um caucasiano ou vice-versa.”
(4.9) apresenta uma sentença projetada de ilocução parataxis em que a fala do médico, Dr.
Saraiva, é associada ao texto através do discurso direto demarcado por aspas. O grupo
“traços mais marcantes de que não goste” é componente da expansão de elaboração por
clarificação interligada à expansão de extensão aditiva “sem jamais fazer um negro parecer
um caucasiano e vice-versa.”
A proposta, explicitada no discurso do Dr. Saraiva, diz respeito a uma suposta naturalidade
que seria concedida à paciente disposta a submeter a uma intervenção de ordem estética.
Nesse contexto, a nominalização “de que não goste” revela uma seleção em que a utilização
do advérbio de negação acaba por atenuar a sensação de desgostar ou desaprovar o próprio
dizente
O médico
processo
verbal
acrescenta
identificado
o objetivo
processo
relacional
é
alvo
que o objetivo é
amenizando (..)
não goste
elaboração
por clarificação
sem (...)
vice-versa
extensão
por adição
expansões
identificador
oferecer (...)
vice-versa
discurso
direto
"oferecer (...)
vice-versa"
SENTENÇA FATUAL
+
PRESUÃO VALORATIVA
114
corpo e supervalorizar o corpo do outro, percebido como melhor, mais belo ou apto. A
expansão de extensão aditiva encerra o fragmento e evoca a questão da transposição do que
a revista assume como “raça” ou “etnia”.
Além disso, percebemos que o suposto valor oferecido a “naturalidade” para “os traços
mais marcantes de que não goste” revela o modo de operação de legitimação, caracterizado
por Thompson (1995, p. 82) em que uma construção simbólica, assumida como universal,
sustenta relações sistematicamente assimétricas de poder.
(4.10) – “Têm negras com cabelo liso, loiras com black power, branquinhas morenaças...”
(4.10) trata-se de uma sentenças fatuais nas quais processo existencial, explícito na
primeira cláusula e explícito na segunda e na terceira, é a seleção lexical “têm”. No
fragmento, as identidades coletivas, em categoria de classificação de acordo com Van
Leeuwen (1997), “negras”, “loirinhas” e “branquinhas morenaças”, atuam como existentes;
sendo que o último trata-se de uma nominalização oriunda da união entre o nome
“branquinhas” e o qualificativo “morenaças”.
(4.10) objetiva o estimular outras mudanças no físico da leitora que podem ser adquiridas
com outros tratamentos estéticos disponíveis no mercado. Supostamente, a revista, nessa
sentenças fatuais sugere que as leitoras delineiem o seu físico conforme o seu próprio gosto
e vontade. Entretanto, conforme já explicitamos, Plástica e beleza privilegia e propaga, nos
artigos analisados, a adesão a um estereótipo físico europeu: a mulher de pele clara, nariz
processo
existencial
m
existente
negras
circunstância
com cabelo
liso
existente
loirinhas
circunstância
com black
power
existente
branquinhas
morenaças
SENTENÇA FATUAIS
+
PRESUNÇÕES VALORATIVAS
115
afinalado, com o sulco palpebral superior bem definido; como a participante representado,
presente na p.77, da matéria “Dona do seu nariz”.
CONCLUSÃO
Em suas discussões sobre “raça” e “etnia”, Munanga (2004, p.16) afirma que “a
classificação é um dado da unidade do espírito humano”. Sem adentrar nas subjetividades
que tal afirmação sugere, o antropólogo e professor da USP, a partir dessa, distingue o ato
da classificação e da hierarquização, legitima o 1
º
e confronta o 2
º
.
Munanga (2004, p.19), a discorrer sobre os estudos naturalistas e os racismos oriundos
desse, afirma que
“se os naturalistas dos séculos XVIII e XIX tivessem limitado seus trabalhos somente
à sistematização dos grupos humanos, em função das características físicas, eles não
teriam causado nenhum problema à humanidade. Suas classificações teriam sido
mantidas ou rejeitadas como sempre aconteceu na história do conhecimento
científico.”
Entretanto, conforme propõe a análise crítica, acreditamos que “manutenção” e “rejeição”
de classificações, nas quais se inserem valores, identidades e representações, imprimem
hierarquia e, consequentemente, conflitos ou disputas pelo poder. Esses confrontos que
revelam e sustentam padrões e hegemonias são, também, objetos de estudo de
pesquisadores de gênero, como Scott (1999, 2001), Minow (1984) e Bultler (2003); que
admitem as legitimações de representações e de identidade como instrumentos de
solidificação de hierarquias sociais.
Compartilhando de uma perspectiva similar, Hodge e Kress (1988) sugerem a investigação
de atitudes de solidariedade, instituídas no meio social, através de práticas particulares,
promovidas entre e pelos sujeitos. E é isso que empenhamos em fazer nessa pesquisa: a
observação e análise lingüística, visual e discursiva de reportagens de Plástica e beleza que
propõem cirurgias estéticas explorando, para isso, esteriótipos físicos-padrão e identidades
116
coletivas, supostamente raciais o étnicas, as quais são evocadas a partir de seleções lexicais
distintas.
Nas 4 reportagens expostas em análise, a esfera produtora discursiva sugere intervenções
estéticas que deixariam a leitora mais bela, segura e aceitável em seu meio de atuação
social. Além disso, o padrão de beleza defendido pela revista geraria sensualidade e,
consequentemente, poder.
Durante seus desenvolvimentos, as matérias sugestionam diferentes tipos de procedimentos
plásticos. Nesse contexto, só a rinoplastia é tema recorrente em todas as reportagens. A
alteração do formato do nariz seria indicada a descendentes de africanos, de orientais, de
libaneses, de árabes e de europeus; espanhóis e italianos.
Para a maioria dos descendentes de europeus, a revista não propõe cirurgias específicas, ao
contrário dos descendentes de asiáticos e africanos que são estimulados a reformar, além
dos narizes, os olhos, o formato do rosto e os lábios. Somente as chamadas lipoesculturas e
o implante de próteses de silicone nos seios são indicados, nas matérias, para todo e
qualquer tipo de esterótipo físico.
A não-aceitação da imagem pós-cirurgica e uma suposta “descaracterização da raça” são
preocupações reincidentes nas 4 matérias. Nesse contexto, nossa pesquisa observou que,
num primeiro momento, Plástica e beleza concede o mesmo valor, não promove
diferenciações entre as noções “raça” e “etnia”. Entretanto, posteriormente, percebemos
que a instância produtora manipula esses conceitos conforme seu interesse principal:
convencer a leitora que uma intervenção estético-cirúrgica, para todo qualquer caso, é
sempre possível e indicada.
Quando sugere uma “descaracterização da raça” devido a excesso de intervenções estéticas,
Plástica e beleza restringe a noção “raça” a esteriótipos físicos; como acontece nas
reportagens (2), (3), e (4), “Plástica afro”, “Dona do seu nariz” e “Beleza globalizada”.
Entretanto, ao assumir que atrás de um suposto “desejo de ocidentalização da imagem, está
117
toda uma cultura e tradição orientais”, como ocorre na reportagem (1), “De olho na
dobrinha”, ela se aproxima da noção de “etnia” admitida por Munanga (2003).
O termo “ocidentalização” não é restrito ao contexto estetico-corporal. Essa seleção lexical
foi utilizada pelas ciências humanas para traduzir processos de colonização e subjugo de
sociedades, como o das asiáticas e africanas ocorrido nos séculos XVIII e XIX.
Recentemente, em estudos sobre modernidade, Giddens (1991, p.174) define a globalização
como um processo ocidentalização, uma “difusão das instituições ocidentais através do
mundo, onde outras culturas são esmagadas”.
Sabemos que esse esmagamento recente, sugerido por Giddens, não privilegiou o uso da
força física, armada ou bélica, mas, econômica, política ideológica. Nesse contexto,
legitima-se a proposta prevista na Semiótica Social de Hodge e Kress (1988); a qual
sustenta que estruturas de dominação são bem-sucedidas através de propagação de
ideologias e manutenção de complexos logonômicos, sistema de legitimação de regras,
crenças e valores propagados por agente sociais, que modalizam e viabilizam o controle
de comportamentos de sujeitos.
Plástica e beleza discrimina em seus textos os desejos de mulheres não-européias de
adquirir uma aparência próxima à “ocidental”. Tal estereotipo físico, privilegiado pela
revista, corresponde ao dos antigos colonizadores dos séculos XVIII e XIX, entre os quais
destacamos os ingleses e os franceses. Nesse contexto, as reportagens mencionam “o
desejo”, “a procura” ou “a busca” por uma aparência que legitimaria uma crença
internalizada, a qual sugere a rejeição do próprio eu-físico e a assimilação, ou simulação, de
estereótipo estrangeiro, assumido e identificado como padrão.
Ao defender uma suposta beleza-padrão e ao mesmo tempo garantir atitudes de
solidariedade da leitora, a revista faz uso de diferentes estratégias para captação. Em “De
olho na dobrinha”, através de uma seleção lexical que revela a impersonalização do ator
social, a instância produtora se distancia da esfera midiática da qual, verdadeiramente, ela
faz parte, contribui, sustenta e é sustentada, responsabilizando os “apelos da mídia” pela
intensificação do “desejo das descendentes de imigrantes orientais pela aparência
ocidentalizada”. Cabe ressaltar que tal afirmativa sugere outra duas observações: a
predominância da mulher de “aparência ocidentalizada” na mídia e a exposição dessa com
118
caracteres que primam a sensualidade: “olhos grandes e sensuais, lábios grossos, mamas
turbinadas e bumbum empinado”.
Em “Beleza globalizada” a substituição de estereótipos físicos é explícita. A reportagem
ensina mulheres brasileiras, com o físico próximo de africanos, como: alisar cabelos, fazer
“branqueamento”, inibir a produção de melanina e tratar a macroquelia, o fator responsável,
segundo a revista, por “lábios gigantes e deformados”. O resultado desses investimentos é
face direita da participante representado da p. 61. Já as brasileiras, com o físico próximo a
de orientais, além dos “retoques” já enumerados, a participante representado da p. 60,
sugere, até mesmo, o uso de lentes de contado que deixem os olhos claros, verdes ou azuis,
como o de suecos, noruegueses e outros povos e tipicamente europeus.
No que se remete a temática gênero, Plástica e beleza sugere a empoderamento da mulher a
partir da sensualidade proveniente da submissão à moda e da a exibição um corpo físico
supostamente perfeito. Este garantiria à leitora: melhoria da auto-estima, de
relacionamentos sociais e maior capacidade de sedução. Essa promessa corresponde não só
o que um sujeito, ator social e participante, é capaz de possuir, mas, também, ao que esse é
capaz de demonstrar em suas diversas situações sócio-comunicacionais. Nessa perspectiva,
o físico é o fator auxiliador ou determinante para a felicidade da mulher que, nas 4 matérias
analisadas, é estimulada a encontrar em seu corpo “algo que não agrada”, “os traços étnicos
acentuados demais”. É a adequação ao estereótipo europeu sugerido que propiciaria
mudança significativa na qualidade e modo de vida das diferentes leitoras.
Dessa maneira, podemos afirmar que, em relação ao comportamento, a instância receptora
de Plástica e beleza, é constantemente convidada a submeter uma suposta moda ou padrão,
mesmo em “Dona do seu nariz”: reportagem cujo título é capaz de evocar, implicitamente,
complexidades associadas às questões do gênero, direcionando e canalizando o possível
discurso feminista inserido no título, o qual sugere autonomia e liberdade para a mulher-
leitora, para o procedimento e componente físico em tema: a rinoplastia e o nariz.
Segundo Munanga (2003, p.27), o termo “raça” emigrou de estudos botânicos, naturalistas,
para os antropológicos; o que gerou as pseudo-teorias hierarquizantes, racialistas, da antiga
119
antropologia-física. Esse movimento de noções e conceitos pode ser identificado, a partir de
Thompson (1995, p.22) como modo de operação ideológica: dissimulação por
eufemização; em que há deslocamento de noções e de suas respectivas conotações.
Plástica e beleza não faz uso das noções de “etnia” e “raça” para promover racismos.
Entretanto, como demonstramos, as reportagens trabalham com sentenças valorativas e
presunções valorativas que só não classificam, mas hierarquizam estereótipos físicos de
mulheres cujos corpos revelam ascendência africana, asiática ou européia. Para não sugerir
a categorização de estereótipos, a instância produtora utiliza de recursos língüísticos-
dicursivos para ofuscar pontos de instabilidades, que revelariam as relações de dominação
que a instituição de padrões imprime; o que nos viabilizou a análise das reportagens a partir
dos modos de operação ideológica de Thompson (1995).
Considerando que a noção de beleza é transitória, passível a variações sócio-históricas,
percebemos, no discurso de Plástica e beleza, o modo de operação de unificação; através
do qual, há a adoção de um referencial padrão partilhado. Entretanto, é a dissimulação o
modo de operação predominante no corpus. Ela corresponde à negação ou ofuscação por
construções simbólicas através do deslocamento e eufemização.
Segundo a revista, padrões de beleza física são impulsionados por fenômenos sociais
diversos, entre os quais, destacamos: “a moda”, “a mídia” e até a “globalização”.
Entretanto, as reportagens não sugerem a imposição de valores ou estilos, capitalistas ou
elitistas, que desembocam relações de dominação e poder.
No plano lingüístico, as diferentes identidades são articuladas de forma a convencer a
leitora a se submeter a procedimentos estéticos-cirúrgicos diversos. Nesse contexto, para
ressaltar partes de corpo admitidas como naturalmente “aptas” pelo a instância produtora,
as diferentes coletivas, ditas “étnicas” ou “raciais”, são organizada em tema como
participantes, em personalização, de processos relacionais atributivos ou de identificação.
Entretanto, para indicar supostas “correções” dos componentes ditos “não-harmônicos”,
também presentes no corpo da leitora, a instância produtora opta por encobrimentos e uso
da voz passiva e de pronomes. Dessa maneira, constituem-se paisagens semióticas em que
as escolhas realizacionais visam colher posturas de solidariedade, que sugerem a
120
identificação do “inapto” e adequação de padrão de beleza defendido, no caso do Brasil,
desde época da colonização.
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