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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
NO
ÊMIA DOS SANTOS SILVA
AMOR E REVELAÇÃO NA PEDAGOGIA DIALÓGICA:
DIÁLOGO ENTRE PAULO FREIRE E JUAN LUIS SEGUNDO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2009
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NO
ÊMIA DOS SANTOS SILVA
AMOR E REVELAÇÃO NA PEDAGOGIA DIALÓGICA:
DIÁLOGO ENTRE PAULO FREIRE E JUAN LUIS SEGUNDO
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião.
Orientação: Prof. Dr. Jung Mo Sung.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Si38a Silva, Noêmia dos Santos
Amor e revelação na pedagogia dialógica : diálogo entre Paulo
Freire e Juan Luis Segundo / Noêmia dos Santos Silva.-- São
Bernardo do Campo, 2009.
138fl.
Dissertação (Mestrado) Universidade Metodista de São
Paulo, Faculdade de Humanidades e Direito, curso de Pós-
Graduação em Ciências da Religião.
Orientação de: Jung Mo Sung
1. Freire, Paulo, 1921-1997 Crítica e interpretação 2.
Teologia e educação 3. Amor (Teologia) 4. Revelação
(Teologia) 5. Imagem de Deus 6. Segundo, Juan Luis, 1925-
1996 Crítica e interpretação I. Título
CDD
371.3
4
NOÊMIA DOS SANTOS SILVA
AMOR E REVELAÇÃO NA PEDAGOGIA DIALÓGICA:
DIÁLOGO ENTRE PAULO FREIRE E JUAN LUIS SEGUNDO
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial
às exigências do Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião.
Orientação: Prof. Dr. Jung Mo Sung.
Data da defesa: 13 de março de 2009.
Resultado: _____________________
BANCA EXAMINADORA:
Jung Mo Sung Prof. Dr.____________________
Universidade Metodista de São Paulo
Elydio dos Santos Neto Prof. Dr.____________________
Universidade Metodista de São Paulo
Ênio José da Costa Brito Prof. Dr.____________________
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
5
Para você que acredita
que nós temos
a missão de continuar
a construção deste
mundo pronunciando-o.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me acompanhou com sua luz dando-me coragem para enfrentar os desafios.
Ao IEPG e o CNPq, que colaboraram para que eu desse continuidade aos estudos através de
bolsas.
Ao IPF (Instituto Paulo Freire), que com carinho, abriu suas portas para que eu pudesse
pesquisar.
A minha família, que me compreendeu por dividir minhas férias entre estar com ela e
estudar.
A minha congregação, pelas orações e por terem permitido que eu fizesse esse curso.Por
aquelas com as quais partilhei minhas dificuldades, encontros e desencontros... A vocês que
me socorreram nas horas difíceis...
Aos meus professores, que me ajudaram nos momentos em que eu mais precisava...
Ao meu orientador, professor Jung Mo Sung, pela paciência, dedicação que me fizeram
acreditar nas minhas potencialidades. Descobri com você que eu sou muito mais do que
imaginava ser.
A todos os meus amigos e amigas, que estiveram ao meu lado dando-me coragem. Eu sempre
vou lembrar de vocês.
A minha terapeuta, com a qual partilhei o mais intimo do meu ser e me fez perceber o meu
valor enquanto pessoa humana inserida neste mundo.
A todos vocês, muito obrigada por fazerem parte de mais um capítulo da minha história.
História feita com sacrifícios, mas com a ajuda de vocês eu pude chegar até aqui e acreditar
que o sonho não realizamos sozinhas.
Quando a gente se põe a sonhar muitas pessoas se aproximam de nós e sonham conosco o
sonho que sonhamos!
7
Silva, Noêmia dos Santos. Amor e revelação na pedagogia dialógica: diálogo entre Paulo
Freire e Juan Luis Segundo. Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo,
2009 (Dissertação de Mestrado).
RESUMO
Esta pesquisa implica em uma abordagem interdisciplinar, pois analisa a pedagogia de um
educador e um teólogo envolvendo assim diferentes áreas do conhecimento, tais como
educação e teologia. Este estudo possibilita um aprofundamento dos conhecimentos
pedagógicos e teológicos acerca da temática do amor, diálogo e revelação. O objetivo com
esta pesquisa é de aprofundar a relação entre teologia e educação e educação e teologia
identificando a contribuição de Paulo Freire e Juan Luis Segundo no aprofundamento do tema
do amor e do diálogo. Paulo Freire acreditava que o mundo poderia ser transformado através
da educação problematizadora dialógica. O diálogo se fundamenta em elementos constitutivos
como fé, amor, humildade, confiança e esperança que também fazem parte da teologia cristã.
Trabalha-se com a hipótese que Freire fundamentou sua pedagogia na teologia cristã para
aprofundar a pedagogia dialógica. No pensamento de Juan Luis Segundo a revelação é um
processo pedagógico de aprender a aprender a ser humano. Trabalha-se com a hipótese que
Juan Luis Segundo fundamentou sua teologia também na educação. Desta forma a
possibilidade de comparação entre os autores.
Palavras chave: diálogo, amor, revelação, imagem de Deus, transformação.
8
Silva, Noemia Dos Santos. El amor y la revelación en la pedagogía dialógica: el diálogo entre
Paulo Freire y Juan Luis Segundo. Universidad Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2009 (Tesis de maestría)
RESÚMEN
Esta investigación implica en un enfoque interdisciplinario pues analiza la pedagogía de un
educador y de un teólogo, envolviendo, asi, diferentes áreas del conocimiento, tales como la
educación y la teología. Este estudio permite una profundización de los conocimientos
pedagógicos y teológicos acerca de la temática del amor, del diálogo y de la revelación. Esta
investigación tiene como objetivo profundizar la relación entre teologia y educación, tanto
como de educación y teología, identificando la contribuición de Paulo Freire y de Juan Luis
Segundo, al profundizar el tema del amor y del diálogo. Paulo Freire creía que el mundo
podría ser transformado a travez de la educación cuestionadora, utilizando el diálogo. El
diálogo se fundamenta en elementos constitutivos como fé, amor, humildad, confianza y
esperanza que también hacen parte de la teología cristiana. En el pensamiento de Juan Luis
Segundo, la revelación es un proceso pedagógico de aprender a aprender a ser humano. Se
trabaja con la hipótesis de que Juan Luis Segundo fundamentó su teología en la educación.
De esta forma existe la posibilidad de comparación entre estos autores.
Palabra clave: diálogo, amor, revelación, confianza la imágen de Dios, transformación.
9
Silva, dos Santos Noemia. Love and revelation in teaching dialagica: dialogue between Paulo
Freire and Juan Luis Segundo. Methodist University of Sao Paulo, Sao Bernardo do Campo,
2009(Master's thesis).
ABSTRACT
This research implies an interdisciplinary approach, because it analyzes the pedagogy of an
educator and a theologian thus involving different knowledge areas, such as education and
theology. This study allows a deepening of teaching and theological knowledge about the
theme of love, dialog and revelation. The objective this study is to deepen the relationship
between theology and education and education and theology identifying the contribution of
Paulo Freire and Juan Luis According to deepening the theme of love and dialog. Paulo Freire
believed that the world could be transformed by problematizing education dialogical. THE
dialog is based on elements as faith, love, humility, trust and hope that also part of Christian
theology. Working-with the hypothesis that Freire based its pedagogy in Christian theology to
deepen the pedagogy dialogical. In the thought of Juan Luis According to the disclosure is a
pedagogical process of learning to learn to humans. Working-with the hypothesis that Juan
Luis Second based his theology also in education. In this way there is the possibility of a
comparison between the authors.
Key Words: dialog, love, disclosure, the image of God, processing.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………...11
1 A EDUCAÇÃO LIBERTADORA EM PAULO FREIRE: DIÁLOGO E AMOR.......15
1.1 Educação e liberdade...............................................................................................15
1.2 Educação e diálogo..................................................................................................30
1.3 Elementos constitutivos do diálogo.........................................................................35
1.4 Amor, compromisso, libertação e retribuição.........................................................40
1.5 Três noções de amor................................................................................................46
1.6 O amor em Paulo Freire..........................................................................................49
2 REVELAÇÃO E AMOR NO PENSAMENTO DE JUAN LUIS SEGUNDO..............54
2.1 A pedagogia divina da revelação dialógica.............................................................54
2.2 Evangelização e pedagogia apressada.....................................................................64
2.3 Diálogo e transformação no processo de revelação................................................69
2.4 Amor ao próximo e economia de energia...............................................................77
2.5 Deus-amor e a liberdade criadora humana..............................................................88
3 DIÁLOGO E AMOR NA EDUCAÇÃO PARA SER HUMANO...................................93
3.1 Fundamentos teológicos da pedagogia de Paulo Freire..........................................94
3.2 Por uma práxis pedagógica das igrejas.................................................................101
3.2 As imagens de Deus na relação pedagogia-teologia.............................................112
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................127
11
INTRODUÇÃO
Como educadora na área de Ensino Religioso, uma de minhas grandes preocupações
era como ser educadora-aprendiz na diversidade religiosa e em outros tipos de diversidades
sem ser preconceituosa. E um dos pontos nos quais me fundamentei foi o diálogo. Sempre
procurei dialogar muito com os educandos durante as aulas e assim eu ia aprendendo a lidar
com essas diversidades. Procurei ser curiosa diante do diferente, que precisava ser conhecido,
respeitado. Percebi que esse diálogo com os educandos só poderia acontecer numa relação em
que nós tivéssemos respeito e amor um com o outro. Porém onde não havia esse respeito e
esse amor, não havia reciprocidade de aprendizagem. Encontrei educandos travados,
mostrando-se resistentes ao respeito à diversidade. Por isso uma das minhas indagações é: por
que, diante de certas pessoas, o diálogo não acontece por mais que você use todos os recursos
possíveis?
Ao iniciar o curso de Mestrado, eu tinha como projeto pesquisar o diálogo no Ensino
Religioso. Foi aí que me deparei com as leituras de Paulo Freire e Juan Luis Segundo, ambas
direcionando-me para a resposta aos meus questionamentos.
Paulo Freire, durante sua trajetória como educador, defendeu a tese de que a educação
deve libertar as pessoas de situações que as oprimam. Nesse sentido, ele acreditava em uma
pedagogia em que o diálogo era fator essencial no desenvolvimento da aprendizagem.
Partindo do princípio de que o diálogo é um fenômeno humano, ele não consiste
simplesmente em palavras, mas está fundamentado em elementos constitutivos: ação e
reflexão. Esses elementos estão ligados, interagindo sempre um com o outro. Sem esta práxis
(ação e reflexão), a palavra não é verdadeira. Sendo assim, a palavra verdadeira surge quando,
na interação da ão e reflexão, há uma transformação do mundo (FREIRE, 1975, p.111).
Dessa forma, a prática educativa precisa de uma constante crítica, a qual levante elementos
que contribuam para a transformação da realidade, além de verificar elementos que impeçam
essa transformação.
Para a práxis pedagógica dialógica se concretizar, pressupõe-se que é necessário haver
condições. Ao aprofundar este tema do diálogo, percebemos que as condições para dialogar
são o amor, a humildade, a fé no ser humano e pensar verdadeiro (práxis). Ao vivenciar estas
condições, consequentemente teremos a esperança e a confiança (FREIRE, 1982, p.107).
O amor é uma das condições para que haja diálogo. Focaremos, nesta pesquisa, na
temática do amor, pois supomos que ele seja o nutriente que Freire destacou com mais ênfase
12
na práxis da pedagogia dialógica. Dessa forma, ele o apresenta como fundamental. Não
diálogo, porém, se não um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a
pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não amor que a infunda
(1975, p.114). Além disso, vale salientar que ele destaca o amor como um compromisso para
com os seres humanos. Então, quem ama dialoga. Mas, este compromisso, porque é
amoroso, é dialógico (FREIRE, 1975, pp.114-115).
Sabemos que a tradição filosófica e teológica tem mostrado que , pelo menos, três
tipos de amor: eros, philia e ágape. (SPONVILLE, 1995, pp.241-311). O estudo deles tem
como objetivo observar as características que se aproximam desse amor, que é compromisso
com as pessoas, como já foi citado, especificamente com as oprimidas, as quais Freire relata
nos textos estudados para escrever esta dissertação.
Quando Freire descreve o amor na pedagogia dialógica, indícios da existência de
fatos importantes em sua vida que o levem a destacá-lo. Analisando seus textos e entrevistas,
percebe-se que ele foi uma pessoa que admirava Jesus Cristo e que o tinha como exemplo de
pedagogo. Costumo dizer que, independente da posição cristã em que sempre procurei estar,
Cristo seria, como é, um exemplo de pedagogo (FREIRE, 1977, p.7). Talvez Freire privilegie
o amor na práxis da pedagogia dialógica por ser uma virtude importante na tradição cristã, à
qual ele pertence. Como cristão, ele tinha contato com os ensinamentos do Evangelho de
Cristo, cuja proposta maior era vivenciar o amor
1
. Esse fato nos aponta para uma relação entre
educação e teologia, pressupondo que Freire fundamentou sua pedagogia dialógica em
virtudes
2
defendidas também no ambiente cristão.
Neste sentido, podemos propor um diálogo entre educação e teologia, trazendo para a
discussão o teólogo Juan Luis Segundo, que também escreveu sobre o amor. Ao se referir ao
amor, Segundo (1995) relata todo o processo de crescimento do ser humano, baseando-se em
teorias freudianas, para mostrar seu desenvolvimento enquanto ser egoísta (egocentrismo
eros) com probabilidade de chegar ao amor (ágape amor da descoberta de outras pessoas).
Sendo assim, há a possibilidade do ser humano desenvolver o amor defendido pelos
princípios cristãos de doar a própria vida em função da realização do outro. Além disso, ele
apresenta um Deus que se revela, numa pedagogia em que o ser humano aprende a aprender a
ser humano (SEGUNDO, 2000, p. 85).
O pensamento de Segundo (revela
ção como um processo pedagógico) mostra-nos um
Deus que dá tempo ao ser humano para aprofundar-se em seus problemas e resolvê-los. Se
1
Cf. Evangelho de São 13, 31-38.
2
Fé, amor, esperança, humildade e confiança.
13
aprender é um processo, a própria palavra remete a tempo. Assim, cada pessoa, por ser
diferente, tem seu tempo de aprender de forma diferente das demais. E ela só avança para o
passo seguinte à medida que aprendeu o conteúdo anterior, conhecimento que continuará
aproveitando em seu processo de aprendizagem e utilização do saber. Portanto, não
acúmulo de informações atropelando a aprendizagem do ser humano, mas o desejo de
amadurecimento e crescimento dele.
Tendo em vista esta possibilidade de diálogo entre educação e teologia,
especificamente na pedagogia dialógica defendida por Freire, e a noção de revelação como
um processo pedagógico centrado no amor apresentada por Segundo, revela-se instigante a
tarefa de verificação desta afinidade para constatar em que estes autores podem contribuir na
aplicação das respectivas teorias.
As condições para dialogar (amor, fé e humildade) como suas consequências
(esperança e confiança) fazem parte da teologia da tradição cristã à qual Freire pertence. Esse
fato nos leva a perceber que, na pedagogia dialógica que Freire defende, há características que
nos levam a pressupor que ele fundamentou-se na teologia cristã para aprofundar a pedagogia
dialógica.
Nosso objetivo com esta pesquisa é aprofundar a relação entre teologia e educação e
educação e teologia, identificando a contribuição de Paulo Freire e Juan Luis Segundo no
aprofundamento do tema do amor, diálogo e reelação.
A pesquisa será bibliográfica e enfocará, em um primeiro momento, o levantamento de
dados referentes à pedagogia dialógica defendida por Paulo Freire focada no amor. Com a
pesquisa, buscamos levantar as condições para este diálogo e as divergências em ações
antidialógicas.
No segundo momento, será analisada a noção de revelação, de Juan Luis Segundo,
como um processo pedagógico centrado no amor e diálogo.
A parte final será destinada à apresentação das análises realizadas referentes à busca
de dados educacionais que contribuam com o aprofundamento da teologia e dados teológicos
que contribuam com o aprofundamento da educação com pressupostos no todo de
comparação.
Com o t
ítulo Amor e revelação na pedagogia dialógica: um diálogo entre Paulo
Freire e Juan Luis Segundo a presente pesquisa envolve análise dos aspectos pedagógicos e
teológicos que caracterizam a temática do amor, revelação e diálogo no pensamento dos
autores destacados e a afinidade entre eles. A referida temática além da sua relevância teórica
14
e acadêmica no diálogo entre os campos da educação e teologia, poderá também contribuir
com o avanço da Ciência da Religião, na prática popular das igrejas e na área de Ensino
Religioso, foco de interesse para minha atuação, cuja contribuição qualitativa busco no
programa de Ciências da Religião.
Esta pesquisa implica em uma abordagem interdisciplinar, pois trata de analisar a
pedagogia de um educador e de um teólogo, envolvendo, dessa maneira, diferentes áreas do
conhecimento: educação e teologia. Acredita-se que este estudo possibilitará um
aprofundamento dos conhecimentos pedagógicos e teológicos acerca da temática do amor,
revelação e diálogo.
Em termos gerais, a análise a que esta pesquisa se propõe é poder criar condições de
diálogo entre teologia e educação. Este diálogo pode favorecer a ampliação e o
aprofundamento dos temas tratados nestas duas áreas, que podem parecer distantes, mas que,
ao realizar-se uma adequada aproximação, produzem mútuas interrogações e apontam para
caminhos mais consistentes para abordagem e compreensão das experiências do amor entre as
pessoas.
15
1 A EDUCAÇÃO LIBERTADORA EM PAULO FREIRE: DIÁLOGO E AMOR
Eu nunca neguei a minha camaradagem com Cristo e nunca neguei a contribuição de Marx
para melhorar a minha camaradagem com Cristo. Marx me ensinou a compreender melhor
os Evangelhos. Quem me apresentou a Marx foi à dor do povo quando eu trabalhei no SESI,
quando eu fui menino do mundo, dos rios de Jaboatão, foi à miséria, a deteriorização física,
a morte.
3
Paulo Freire
3
CORTELLA, Mário Sérgio & VENCESLAU, Paulo de Tarso (entrevistadores). Paulo Freire: memória.
Teoria e Debate, nº17, p. 38.
16
INTRODUÇÃO DO CAPÍTULO
Neste primeiro capítulo, pretendemos apresentar a educação libertadora dialógica em
Paulo Freire enfatizando o tema do amor.
Freire acreditava que o ser humano é um ser inacabado, em processo de criação e
recriação do mundo. Seguindo esta movimentação, ele transforma constantemente o espaço
onde vive, sendo vocacionado a ser mais junto com os companheiros de luta.
Para ele existem duas concepções de educação: a bancária e a problematizadora
libertadora. A educação bancária visa à transmissão do conteúdo aos educandos sem
problematizá-lo. O educador é o agente do conhecimento e os educandos meros ouvintes. Na
educação problematizadora libertadora, os conteúdos das aulas são problematizados; nesse
sentido, os educadores e os educandos aprendem juntos.
O diálogo é o ponto fundamental da pedagogia problematizadora libertadora. Ele
propicia a averiguação do conteúdo, explicitando-o para que o torne conhecido. Dessa forma,
ele torna compreensível ao educador e aos educandos. Porém, Freire afirma que, para dialogar
é preciso elementos constitutivos: amor, no ser humano, humildade, pensar verdadeiro,
esperança e confiança
4
. Sem esses elementos o diálogo fica comprometido.
Freire mostra que o amor é compromisso com a pessoa amada. Nessa mesma
dimensão, o amor é apresentado como um ato libertador, que exige sempre retribuições do ser
que se ama. A tradição teológica e filosófica tem mostrado que há, pelo menos, três tipos de
amor: eros, philia e ágape. Que tipo de amor é esse que Freire defende na pedagogia
dialógica?
4
Em entrevista à revista PRAVALER Freire acrescenta outra virtude importante ao se referir ao diálogo: a
tolerância, que é a virtude de conviver com o diferente para poder brigar com o antagônico (FREIRE, s/d, p.16)
17
1.1 EDUCAÇÃO E LIBERDADE
Escrever sobre a pedagogia de Paulo Freire é falar de sua vida, sua história, seus
encantos e desencantos pronunciando este mundo. Para ele existir humanamente, é
pronunciar o mundo
5
, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta
problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar (1975, p.112). A
vida de Freire foi uma constante pronúncia nesse mundo. A sua pedagogia se fundamenta em
experiências de vida e estudo profundo de autores que defendiam a mesma proposta de
educação
6
. Por isso, esta pesquisa trará alguns relatos da vida de Freire para fundamentar sua
proposta de educação.
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife, Pernambuco, em 19 de setembro de
1921, filho de um oficial de polícia (espírita) que morreu quando ele era ainda menino. Sua
mãe (católica) era dona de casa. De acordo com Vinícius Artur de Lima, a crise econômica de
1929 obrigou a família de Paulo Freire, que era da classe média baixa, a se transferir para a
pequena cidade de Jaboatão, situada nos arredores do Recife, onde ele passou a adolescência.
Sua família enfrentou uma situação muito difícil, vindo aa passar fome. Nesse contexto, ele
cresceu experimentando a pobreza e a fome e começou a compreender a fome dos outros
(1981, p. 22).
Suas primeiras experiências educacionais foram realizadas em 1963, em Angicos, Rio
Grande do Norte, com alfabetização de trabalhadores. Participou do MCP (Movimento de
Cultura Popular)
7
do Recife, PE. Suas atividades foram interrompidas devido ao golpe militar
de 31 de março de 1964. Ele fora preso, pois era acusado de ser um subversivo, portanto, um
perigo para a educação brasileira. Ficou 72 dias na prisão e depois foi exilado. Durante o
tempo de exílio, no Chile, trabalhou para a UNESCO, lecionou nas Universidades de Harvard,
5
Essa expressão é destacada com grande veemência na obra freiriana Pedagogia do oprimido (1975), para expressar que o oprimido
tem voz para discutir seus direitos, falar de suas necessidades e lutar por ações mais humanas que os libertem das opressoras.
Além disso, a pronúncia ao mundo também se com pessoas sensibilizadas com as injustiças sociais e se propõe a lutar por
medidas humanizadoras que favorecem a população em geral. Pronunciar o mundo significa denominar o mundo, dar um nome
ao mundo, existir com ele.
6
O pensamento de Paulo Freire sofreu influência não só de educadores como Gramsci, Lukàcs, Dewey, Anísio Teixeira, Emília
Ferreiro, Madalena F. Weffort, Jean Piaget, Vigotski, mas também de outros autores que o ajudaram a refletir sobre sua atuação
no mundo: Karl Marx, Friedrich Hegel, Jacques Maritain, Emanuel Mounier, Heidegger, Karl Jaspers, Jean-Paul Sartre, Tristão de
Athayd, Martin Buber e entre outros.
7
O MCP foi criado no Recife, Pernambuco, em maio de 1960, por um grupo de estudantes universitários, artistas e intelectuais,
dentre os quais Paulo Freire. Era mantido pela Prefeitura do Recife, à época chefiada pelo prefeito Miguel Arraes. O MCP era
fortemente influenciado pelas idéias socialistas e cristãs e tinha como objetivo principal encontrar uma prática educacional
brasileira, ligada às artes e a cultura do povo. Em suas atividades, dava-se ênfase à conscientização das massas através de
programas de alfabetização de adultos e alfabetização de bases. (LIMA, 1981, p.46)
18
nos Estados Unidos, e Genebra, na Suíça, e, de 1970 a julho de 1980, trabalhou para a
Unidade de Programa de Educação e Comunicação do Conselho Mundial das Igrejas em
Genebra (LIMA, 1981, p.24).
Durante sua vida, Freire foi um educador que se preocupou muito com a situação dos
seres humanos na sociedade. Para ele, os seres humanos são seres inacabados, que vivem
constantemente num processo de criação e recriação do mundo. Dessa forma eles vão
transformando junto o ambiente onde vivem. Enquanto criam e recriam, eles desenvolvem as
capacidades para as quais se sentem habilitados:
Observa-se por aí que o homem vai dinamizando seu mundo a partir destas
relações com ele e nele; vai criando, recriando
8
; decidindo. Acrescenta algo
ao mundo do qual ele mesmo é criador. Vai temporalizando os espaços
geográficos. Faz cultura. E é o jogo criador destas relações do homem com o
mundo o que não permite a não ser em termos relativos, a imobilidade das
sociedades e nem das culturas (FREIRE, 1979a, p. 36).
Freire acreditava que o ser humano enquanto estivesse vivo estaria neste processo de
elaboração e construção do seu ser. Por isso o inacabamento do ser ou sua inconclusão é
próprio da experiência vital. Onde vida, inacabamento (FREIRE, 2003, p.50). Então,
podemos acrescentar que reconhecido enquanto ser inacabado, o ser humano precisa ser
motivado a buscar sempre o que contribui para a realização desse processo. Para realizar esse
processo, supõe-se que ele precise apostar em algo que lhe tenha sentido. Ele precisa
descobrir o sentido de sua vida. Ampliando essa temática sobre o sentido da vida, Jung Mo
Sung esclarece que:
O sentido é o que sente, o que segue ou se persegue e o que se compreende.
Quando falamos do sentido da vida estamos tratando de duas acepções:
direção e significado; isto é, se a vida tem uma direção (finalidade) que
devemos seguir e se ela tem uma significação (SUG, 2006, 39).
Sung levanta aqui dois pontos importantes que contribuem para ampliar a tese de
Freire sobre o ser inacabado. Um é a direção: o ser humano precisa de uma direção. O outro é
que essa direção precisa ter uma significação. Então, para o ser humano inacabado descobrir o
sentido de sua vida, ele precisa encontrar uma direção que tenha significado. Nessa mesma
perspectiva, Sung também afirma que, além da direção e da significação, o sentido da vida
nos reporta para algo que está além da própria vida. Sendo assim, ele diz que:
perguntar pelo sentido da vida é perguntar por algo além dela, que está fora
dela para o qual a vida tenderia ou deveria ir. Nesse orientar-se para o que
8
O termo criar e recriar nos reporta a linguagem bíblica. Isso nos faz crer na influência da linguagem religiosa nos textos de
Freire.
19
ela não é, a própria vida adquiria o seu significado. Esse algo pode ser visto
como uma realidade objetiva Deus, deuses, seres sobrenaturais, um estado
superior de vida, etc. -, ou um conceito ou valor transcendental, que é visto
como fundamento último do sentido da práxis humana no interior da história
(SUNG, 2006, p.39-40).
Dessa forma, podemos perceber se o sentido da vida de uma pessoa está em acreditar
em Deus, pois as ações que essa pessoa executa serão resposta a esse sentido último no qual
ela descobriu que vale a pena acreditar. Então, percebemos que esse ser inacabado coloca o
sentido de sua existência em algo que está fora dela e esse sentido é que dará sustentabilidade
para ele partir para uma ação. O ser humano que descobre o sentido de sua vida percebe-se
como ser inacabado nesse processo de criar e recriar o mundo. Em outros termos, podemos
dizer que a descoberta do sentido da vida é que o remete a criar e recriar esse mundo junto
com o outro. Ou melhor, o ser humano só cria e recria a partir do momento em ele encontrar
um sentido para realizar tal ação. Com certeza, diante dessas constatações, pode ficar um
questionamento: o que o ser humano, enquanto ser inacabado, poderá fazer para descobrir o
sentido de sua vida? Essa é uma questão que tentaremos responder apresentando a proposta de
educação freireana.
É interessante observar que Freire, em seu livro Pedagogia da autonomia fala desse
gosto que ele tem em ser gente, humano, justamente pelo fato de ser inacabado, dono do seu
destino, que busca uma vida com sentido, ou seja, uma direção e um significado para algo
que está além da própria vida. Nesse caso, a passagem do ser humano pelo mundo não pode
ser predeterminada: ela vai ser construída conforme a direção e o significado que ele der a ela
em parceria com os outros seres humanos. Cada ser humano tem a responsabilidade de
construir seu próprio destino apoiando-se sempre no significado que dá a sua existência:
Gosto de ser homem, de ser gente porque sei que minha passagem pelo
mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que meu destino não é um
dado, mas algo que precisa ser feito de cuja responsabilidade não posso me
eximir. Gosto de ser gente porque a história que faço com os outros e de cuja
feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo
(FREIRE, 2003, p.52-53).
Freire levanta aqui dois pontos importantes em relação ao ser inacabado: possibilidade
e determinismo. Quando se fala em ser inacabado, com certeza, está se deixando de lado a
possibilidade de que o destino dessa pessoa já esteja determinado. Se o destino do ser humano
não está determinado, a tese de Freire de que o ser humano é ser inacabado faz sentido. Para
Sung não nascemos com o nosso destino traçado, seja por código genético, seja por estrelas
ou vontades divinas. Somos seres de muitas possibilidades, de muitos caminhos e sentidos
(2007, p.16). Logo, esse ser humano inacabado precisa ter uma proposta de vida que o leve a
20
criar e recriar constantemente suas ações naquilo que for possível. Ou melhor, como
dissemos, o ser humano precisa de uma direção que tenha significado, mas que isso seja algo
possível de realização.
Além do ser inacabado que busca um sentido para sua vida e por isso cria e recria esse
mundo, Freire levanta outra questão de fundamental importância em relação ao ser humano: a
vocação ontológica de Ser Mais
9
. Freire parte do pressuposto que, enquanto ser humano, as
pessoas são chamadas para serem felizes, realizadas, respeitadas, libertas do que as oprimem,
com direito de realizarem seus sonhos, amarem e serem amadas. O ser humano é chamado a
fazer a sua história com os demais, mas não uma história qualquer. Uma história que faça
diferença em meio a tantas outras. Esse movimento de busca, porém, se justifica na
medida em que se dirige ao Ser Mais, à humanização dos homens (FREIRE, 1975, p.106).
Para Rodinei Balbinot o termo ontologia parece não tomar o sentido de busca das causas
últimas ou primeiras, como um estudo do ser que é aquilo que é, como queria Aristóteles. [...]
pode-se dizer que no pensamento freireano o conceito de ontologia assume mais o significado
de tomar como objeto o ser que é aquilo que essendo (2006, p.115)
10
. O termo ontologia,
conceituado dentro da proposta freireana, nos remete a perceber um ser humano em
movimento, pois não é aquilo que é (estático, determinado), mas aquilo que está sendo, ou
melhor, que não está acabado, que está fazendo história.
Esclarecendo melhor a tese de Freire de que o ser humano nasceu com uma vocação
ontológica para Ser Mais, partamos do princípio de que, para ele, os seres humanos, por um
lado, existem como seres mais além de si mesmos como projetos , como seres que
caminham para frente; e, por outro lado, eles são seres que estão sendo como seres
inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente
inacabada (1975 p. 73-72). Com essa afirmação, Freire apresenta um ser humano que
caminha para frente (para ser mais do que é) inserido numa história também inacabada. Nessa
perspectiva, Balbinot saliena que:
O sentido de vocação ontológica , a partir desse prisma, adquire duas
dimensões centrais: uma dimensão transcendente
11
pelo que se percebe um
aspecto intuitivo na obra freireana e uma dimensão histórica. Freire
9
Manterei a expressão Ser Mais com as iniciais maiúsculas para respeitar a originalidade do texto do livro Pedagogia do
oprimido.
10
Grifos do autor.
11
Balbinot chama a atenção aqui para o fato de que muitos livros e artigos de Freire trazem uma linguagem simbólica. Além disso,
outro fator que precisa ser levado em consideração é a religiosidade do próprio Freire e o contexto do Recife onde desenvolveu
inicialmente seus trabalhos (2006 p.115-116).
21
acredita que o ser humano carrega potencialidades para além do que é,
mas isso acontece historicamente a unir fé existencial e ação histórica
(BALBINOT, 2006, p.115-116).
Como esclarece Balbinot, a vocação ontológica a Ser Mais na perspectiva freireana dá-
se na união entre a existencial e ação histórica. Ao falarmos de existencial, retomemos o
que já dissemos antes sobre o sentido da vida: a vida tem sentido quando encontramos algo
no qual vale a pena apostar (ter fé). E essa aposta não realizamos sozinhos, mas na história,
sendo gente com os demais seres inacabados.
Freire aponta a desumanização como elemento que impede o ser humano de
desenvolver sua vocação ontológica de Ser Mais, desumanização essa que tem duas vias: a
primeira de quem tem sua humanidade roubada e a segunda de quem rouba a humanidade do
outro. Esse dado é uma distorção da vocação humana. Na visão freireana, ninguém nasce com
a vocação de ter sua humanidade roubada:
A desumanização, que não se verifica, apenas, nos que tem sua humanidade
roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que roubam, é
distorção da vocação do Ser Mais. É distorção possível na história, mas não
vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é
vocação histórica dos homens, nada teríamos que fazer a não ser adaptar
uma atitude cínica ou de total desespero (FREIRE, 1975, p.40-41).
Para Freire é possível mudar esse quadro de desumanização. No momento, porém,
em que se comece a autêntica luta para criar a situação nova que nascerá da superação da
velha, já se está lutando pelo Ser Mais (FREIRE, 1975, p.47). A luta em si já vai
recuperando essa dignidade do ser humano. Quando ele se vê capaz de mudar o rumo de sua
história, renasce em si a esperança de dias melhores. Então ele recupera o que havia sido
perdido quando se sentiu injustiçado, oprimido. É essa força interior que o move para ação.
Como ser inacabado, agora ele é chamado a dizer não a essa desumanização e lutar para que
haja mais humanização no meio onde ele vive. Esse movimento de busca, porém, se
justifica na medida em que se dirige ao Ser Mais, à humanização dos homens (FREIRE,
1975, p.106).
Como se faz esse movimento de recuperar a vocação ontológica de Ser Mais? De se
libertarem de situações opressoras? Em resposta a esses questionamentos, Freire é bem
objetivo: Essa busca do Ser Mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no
individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-
se nas relações antagônicas
12
entre opressores e oprimidos (FREIRE, 1975, p.106). O
12
Falaremos mais adiante sobre a impossibilidade de antagônicos se relacionarem.
22
individualismo é uma característica que anula a vocação ontológica de Ser Mais. O ser
inacabado, que busca o sentido de sua vida, cria e recria esse mundo em parceria com os
outros seres humanos. Essa ação acontece dentro da história da humanidade. Por isso, a busca
para Ser Mais não pode realizar no isolamento: o Ser Mais que se busque no individualismo
conduz ao ter mais egoísta
13
, forma de ser menos (FREIRE, 1975, p.106)
14
. Dentro desse
individualismo a pessoa se torna menos.
A busca em conjunto para Ser Mais só acontece se as pessoas tiverem recuperada a
esperança perdida. Pois, se sou um ser inacabado e inserido num permanente processo de
busca, eu não posso buscar sem esperança (FREIRE, 1996, p.9). Como recuperar essa
esperança perdida? Se estivermos falando de esperança perdida, isso nos reporta à busca do
significado da vida. Para uma esperança perdida, consequentemente a perda do sentido da
vida. Talvez um ponto importante em que podemos destacar aqui para tratar dessa perda de
sentido da vida, da perda da esperança, é a questão religiosa.
Pelo fato de ter trabalhado junto à população pobre, sem expectativa de vida, Freire
deparou-se muito com um ser humano cuja esperança maior estava em Deus, mas em um
Deus que já determinou o destino humano. Sendo assim, ele encontrou um ser humano
conformado com a situação de miséria na qual estava inserido, pois acreditavam que Deus
queria assim. Era preciso sofrer para salvar a alma. Então, essa situação de miséria é como se
fosse um prêmio para ele. Diante desse quadro desumanizador, Freire lamenta ao dizer:
Quase sempre esse fatalismo está referido ao poder do destino ou da sina ou
do fado potências irremovíveis ou a uma distorcida visão de Deus.
Dentro do mundo mágico ou mítico em que se encontra a consciência
oprimida, sobretudo camponesa, quase imersa na natureza, encontra o
sofrimento, produto da exploração em que está a vontade de Deus, como se
ele fosse o fazedor dessa desordem organizada (FREIRE, 1975, p.67-78).
Temos aqui uma questão de fundo altamente religioso dento do contexto no qual
Freire cria sua pedagogia do oprimido
15
. O ser humano, enquanto ser inacabado, com a
proposta de criar e recriar esse mundo, estava anestesiado com uma religião que o impedia de
ver um Deus humanizador, libertador. Enquanto estavam preocupados em salvar suas almas,
13
Paulo Freire se refere com frequência em suas obras ao termo egoísmo, mas partindo do princípio daquelas pessoas que querem
lutar sozinhas para parecer que somente elas trabalharam pela libertação. E também quando o ser humano se isola no seu
individualismo, não participando das ações em conjunto. Essa idéia perpassa toda a obra Pedagogia do oprimido.
14
Grifos do autor.
15
Para Freire a pedagogia do oprimido, como pedagogia humana e libertária, terá dois momentos distintos. O primeiro em que
os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e o comprometendo-se na práxis com a sua transformação; o segundo
transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo
de permanente libertação (1975, p.57).
23
esqueciam de salvar suas vidas. E era justamente com a salvação dessas vidas que pensamos
que Freire estava preocupado. A pedagogia do oprimido freireana vem apresentar uma
contraproposta ao oprimido.
Freire acreditava que a liberdade das pessoas era possível, mas não era uma coisa
mágica. As pessoas precisam tornar-se competentes para se empenhar nessa luta, que é feita
por pessoas que se veem como seres inacabados, por isso sua história es no processo de
construção; o pode finalizar agora, pois a vida continua e enquanto houver vida é preciso
criar e recriar. A luta também é feita por pessoas que tomaram consciência de que são
vocacionadas a Ser Mais, por isso não podem se contentar com o ser menos, egoísta:
Vocação negada, mas afirmada na própria negação. Vocação negada na
injustiça, na exploração, na opressão na violência dos opressores. Mas
afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos pela
recuperação de sua humanidade roubada (FREIRE, 1975, p.40).
Para Freire, a educação era um meio de o ser humano compreender que ele era um ser
inacabado e com a vocação ontológica de Ser Mais. Porém, não era qualquer tipo de
educação. Essa educação precisaria criar meios que predispusesse tanto educadores como
educandos a refletirem sobre seus reais problemas e, em conjunto, buscarem uma solução.
Para Freire, existiam duas concepções de educação: a bancária e a problematizadora
libertadora. Faremos então um apanhado do que sejam essas duas concepções de educação.
Na concepção bancária de educação, o educador aparece como sujeito da educação e
os educandos são meros espectadores. Sendo assim, cabe ao educador definir o que é viável
que os educandos aprendam e a quantidade do conteúdo que se deve depositar na memória
deles para serem arquivados. Freire diz que quanto mais enchendo os recipientes com
seus depósitos, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixam docilmente encher,
tanto melhores educandos serão (FREIRE, 1975, p.82). O quadro
16
abaixo mostra as
características da educação bancária:
EDUCADOR EDUCANDO
O educador é o que educa. Os educandos, os que são educados.
O educador é o que sabe. Os educandos, os que não sabem.
16
Esse quadro foi baseado no livro Pedagogia do oprimido (1975), p. 84-85.
24
O educador é o que pensa. Os educandos, os pensados.
O educador é o que diz a palavra. Os educandos, os que escutam
docilmente.
O educador é o que disciplina. Os educandos, os disciplinados.
O educador é o que opta e prescreve sua
opção.
Os educandos, os que seguem a
prescrição.
O educador é o que oculta. Os educandos, os que têm a ilusão de que
atuam na atuação do educador.
O educador escolhe o conteúdo
programático.
Os educandos, jamais ouvidos nessa
escolha, se acomodam a ele.
O educador identifica a autoridade do
saber com sua autoridade funcional, que
opõe antagonicamente à liberdade dos
educandos.
Esses devem adaptar-se às determinações
daquele.
O educador, finalmente, é o sujeito do
processo.
Os educandos, meros objetos.
Com essa concepção de educação, a tendência é criar uma sociedade de pessoas
dóceis, que acham que tudo está bom, pois foram educadas para serem assim. A análise
crítica, tanto da metodologia como do conteúdo depositado na cabeça dos educandos, é nula,
pois a educação bancária é em si uma proposta acrítica, que foge de toda a proposta de
Freire (1975, p.111) de ação e reflexão (práxis). O educador foi treinado apenas para depositar
conteúdos. Consequentemente, refletir sobre sua ação pedagógica é uma tarefa para a qual ele
não foi preparado, que, na realidade, tal ação não é necessária em um lugar em que tudo
está determinado. Se a proposta educacional é levar os educandos a memorizarem
determinados conteúdos, o educador não tem o trabalho de refletir sobre sua ação: sua tarefa é
fazer o depósito dos conteúdos. Porém, se o educando não der conta de memorizar o conteúdo
depositado, a culpa não é do educador. A sua tarefa ele cumpriu e, se o educando não deu
conta de memorizar o que foi depositado em sua cabeça, é porque não estudou o suficiente.
Na proposta de educação bancária, o educando não é visto como sujeito. Recai, então, sobre
ele a culpa do fracasso escolar. Diante desse problema, Freire argumenta que a consciência
bancária pensa que quanto mais se dá mais se sabe. Mas a experiência revela que com esse
mesmo sistema só se formam indivíduos medíocres, porque não estímulo para a criação
(FREIRE, 1979a, p.21).
25
A proposta de educação bancária não educa o ser humano para perceber-se como ser
inacabado, uma vez que ela se preocupa mais em transmitir um conteúdo pronto. A leitura do
mundo do educando se torna ausente. Segundo Freire, a leitura do mundo precede a leitura
da palavra, daí que a posterior leitura dessa não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele (1982 p.11-12). Há uma preocupação em transmitir um conteúdo pronto sem se
preocupar em relacionar esse conteúdo com a vida do educando.
As características da educação bancária, descritas anteriormente, levam o ser
humano a não perceber sua vocação ontológica de Ser Mais. Pelo contrário, como não é
sujeito do seu próprio processo de aprendizagem, a tendência é tornar-se menos, egoísta,
individualista, visto que aqui a aprendizagem não é realizada num grupo de diálogo. Cada um
é responsável por decorar o que o educador depositou em cada cabeça, caracterizando uma
educação individualista, que não tem a preocupação em formar grupos que aprendam juntos,
pronunciando-se o mundo. Nesse sentido, Freire esclarece que a questão está em que pensar
autenticamente é perigoso. O estranho humanismo dessa concepção bancária se reduz à
tentativa de fazer dos homens o seu contrário o autômato, que é a negação de sua ontológica
vocação de Ser Mais (1975, p.87).
Nesse sentido, quando se põe a pensar diferente, necessário se faz que haja um
processo minucioso de transformar o educador bancário no educador dialógico libertador
17
.
E, para isso, requer-se tempo e disposição interna para acolher uma nova proposta de
educação. Ficar na concepção bancária é muito cômodo. Um educador bancário pode preparar
uma aula e dá-la anos e anos sem precisar modificá-la, pois o conteúdo é o mesmo; basta
apenas fazer o depósito na cabeça dos seus educandos. Por isso, para muitos educadores,
continuar do jeito em que se está é positivo. É como diz Freire: o professor arquiva
conhecimentos porque não os concebe como busca e não-busca, porque não é desafiado por
seus alunos. Em nossas escolas se enfatiza muito a consciência ingênua
18
(FREIRE, 1979a,
p. 20-21, grifo nosso).
17
A questão sobre o educador dialógico libertador será tratada mais adiante.
18
Freire apresenta as características da consciência ingênua como sendo:1. Revela certa simplicidade, tendente a
um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com
simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais. 2.
Há uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de
seus filhos comparando-a ao que faziam quando jovens. 3. Tende aceitar formas gregárias ou massificadoras de
comportamento. Esta tendência pode levar a uma consciência fanática. 4. Subestima o homem simples. 5. É
impermeável à investigação. Satisfaz-se com as experiências. Toda concepção científica para ela é um jogo de
palavras. Suas explicações são mágicas. 6. É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de
que tudo sabe. Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis. É polêmico, pois não pretende
esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidade do que de criticidade; não procura a verdade; trata de
26
Paulo Freire, inquieto diante dessa visão distorcida de educação, leva-nos a refletir
sobre o processo para chegar ao saber. Então se não houve criatividade, não houve
transformação, certamente o se aprendeu nada. Dessa forma, o saber só existe quando na
reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com
o mundo e com os outros (FREIRE, 1975, p.83). O saber, para ele, só existe dentro de uma
práxis.
Para Freire, práxis é a ação e reflexão dos homens no mundo para transformá-lo
(1975, p. 58). Nesse contexto, para que a aprendizagem aconteça, é preciso que esteja dentro
de uma práxis educativa em que uma reflexão sobre a ação constante. A aula dada hoje
precisa de uma avaliação para saber até que ponto foi válida ou não. Esse trabalho de avaliar
constantemente a prática é que leva ao saber, pois o educador passa a avaliar não somente sua
prática, mas também até que ponto ela está sendo válida à aprendizagem dos educandos.
Além disso, Freire acrescenta um elemento de fundamental importância na pedagogia
dialógica que é a transformação do mundo. Nesse sentido, seria oportuno dizer que a
educação existe para a transformação da sociedade. É papel da educação estimular os sujeitos
à transformação social. E a aprendizagem somente acontece dentro desse processo. Fora desse
processo, não há aprendizagem, mas arquivo de informações nas cabeças dos educandos:
O professor ainda é um superior que ensina a ignorantes. Isso forma uma
consciência bancária. O educando recebe passivamente os ensinamentos,
tornando-se depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita.
Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem que perde assim seu
poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve
ser de criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação (FREIRE,
1979a, p.20-21).
Nessa reflexão em torno da educação, Hugo Assmann contribui dizendo que a escola
não deve ser concebida como simples agência repassadora de conhecimentos, mas como
contexto e clima organizacional propício à iniciação em vivências personalizadas de aprender
a aprender
19
(2001, p.33). Essa contribuição de Assmann vem ao encontro da proposta de
Freire frente a uma educação mais preocupada com a humanização das pessoas. Além disso, é
impô-la e procura meios históricos para tentar convencer com suas idéias. Curioso ver como os ouvintes se
deixam levar pela manha, pelos gestos e pelos palavreados. Trata de brigar mais para ganhar mais. 7. Tem forte
conteúdo passional. Pode cair no fanatismo ou sectarismo. 8. Apresenta fortes compreensões mágicas. 9. Diz que
a realidade é estática e não mutável. (1979a, p.21-22).
19
No segundo capítulo desta dissertação, explicitaremos o termo aprender a aprender ao apresentarmos o método de revelação
divina presente na teologia de Juan Luis Segundo.
27
pertinente acrescentar que Assmann e Freire tinham propostas educacionais na mesma linha
de pensamento. Tanto é que podemos dizer que Assmann acredita que:
É preciso substituir a pedagogia das certezas e dos saberes pré-fixados por
uma pedagogia da pergunta, do melhoramento das perguntas e do
acessamento de informações. Em suma, por uma pedagogia da
complexidade, que saiba trabalhar com conceitos transversáteis, abertos para
surpresas e imprevistos (ASSMANN, 2001, p.33).
Freire também tem essa proposta de trocar a pedagogia das certezas por uma
pedagogia da pergunta. Por isso ele acreditava que o diálogo era ponto fundamental no
processo de aprendizagem.
Partindo do princípio de que o destino do homem é criar, recriar e transformar a
sociedade, que concepção de educação Freire apresenta para sanar esse problema? O oposto à
educação que foi apresentada: uma educação problematizadora libertadora. Como seria essa
educação problematizadora libertadora que vem contra a proposta de educar pessoas para
serem reprodutoras do sistema dominante?
Antes de entramos na educação problematizadora libertadora convém apresentar o
conceito de liberdade na ótica de Freire:
Liberdade é uma conquista e não uma dádiva; ela exige uma pesquisa
permanente. Pesquisa permanente que só existe no ato responsável daquele
que a realiza. Ninguém possui a liberdade, como condição para ser livre; ao
contrário, se a luta pela liberdade não se a possui. A liberdade não é um
ponto ideal, fora dos homens, em frente da qual eles se alienam. Não é uma
ideia de que se faz mito. É uma condição dispensável ao movimento de
pesquisa no qual os homens estão inseridos porque são seres inconclusos
(1975, p.46).
Freire deixa evidente que a liberdade é um processo e como processo ela há de estar
em constante movimento. O ser humano que a almeja faz necessário conquistá-la com
permanente pesquisa. Assim, pode-se afirmar que não é algo pronto, acabado, que, uma vez
conquistado, não se tem mais nada a conquistar. Pelo contrário, a liberdade de acordo com
Freire , é uma constante busca, pois, como seres inconclusos que somos, a luta pela liberdade
é um ato permanente. E Freire acreditava que a educação podia levar o ser humano a educar-
se para assumir como propósito de sua vida a luta pela libertação individual e comunitária.
Na proposta de educação problematizadora libertadora, os educadores, como os
educandos, são agentes críticos da aprendizagem. Não existe mais aquele que sabe tudo e
aquele que não sabe nada. Por isso Freire enfatiza que educador-educando e educando-
educador, no processo educativo libertador, são ambos os sujeitos cognoscentes diante de
objetos cognoscíveis, que os mediatizam (FREIRE, 1983, p. 53). Existe agora o ato de
28
aprender como um processo em que quem aprende ensina e quem ensina também está
aprendendo:
A educação libertadora é, fundamentalmente, uma situação na qual tanto os
professores como os alunos devem ser os que aprendem; devem ser os
sujeitos cognitivos, apesar de serem diferentes. Esse é, para mim, o primeiro
teste da educação libertadora: que tanto os professores como os alunos sejam
agentes críticos do ato de conhecer (FREIRE & SHOR, 2008, p. 46).
Problematizar
20
um assunto requer trabalho. Nessa concepção de educação, com
certeza, o educador precisa ser competente no que faz. Na concepção bancária de educação, o
educador precisava somente ter arquivado em sua mente conteúdos que o sistema educacional
julgava que os educandos soubessem. Pode ser que até o próprio educador não entendesse o
conteúdo que ele próprio estava ensinando. Mas isso não era importante, pois de fato o
conteúdo não era para ser compreendido, mas decorado. E para decorar não é preciso
necessariamente compreender. Na concepção de educação problematizadora libertadora,
competência e educação precisam caminhar juntas. O conteúdo a ser ministrado precisa ser
compreendido, discutido, criticado pelos agentes em processo de aprendizagem. Uma vez que
visa à liberdade, tanto de educandos como educadores, essa proposta de educação precisa de
uma atuação. Discutir por discutir não leva à libertação. Para Freire, libertação supõe uma
ação diferente frente ao sistema opressor e é nesse ponto que a pedagogia problematizadora
libertadora se fundamenta. Freire, ao criticar a concepção de educação bancária, apresenta
uma nova concepção de educação que exige uma práxis pedagógica que leve, tanto educador
como educandos, à libertação de um sistema opressor. Para isso ele parte do princípio de que
a educação precisa ultrapassar os muros da escola:
Uma das características de uma posição séria, na educação libertadora, é,
para mim, o estímulo à crítica que ultrapassa os muros da escola. Isto é, em
última análise, ao criticar as escolas tradicionais, o que devemos criticar é o
sistema capitalista que modelou essas escolas. A educação não criou as bases
econômicas da sociedade. Não obstante, sendo modelada pela economia a
educação pode transformar-se numa força que influencia a vida econômica.
[...] Precisamos entender a natureza sistemática da educação para atuar
eficientemente dentro dos espaços das escolas (FREIRE & SHOR, 2008, p.
48).
Freire defende aqui um conhecimento sério de tudo que envolve a educação. Para
isso, o educador há de tornar-se um profissional para o qual a formação permanente vira
rotina na sua docência. É a partir desse conhecimento permanente que o educador inicia um
processo de tornar-se competente dentro dos espaços escolares, e é a competência desse
20
Falaremos no próximo tópico sobre a problematização e diálogo.
29
educador que vai fazer a diferença na hora da ação. Por isso, Freire insiste no valor do
estímulo à crítica na educação libertadora. A constante revisão da práxis pedagógica
possibilita uma revisão critica dos achados.
Ampliando essa proposta de educação de Freire, Hugo Assmann acrescenta que educar
hoje significa defender vidas. Isso sugere pensar que a educação não supõe mais acúmulo
de conhecimentos, mas experiências de aprendizagem ao longo da vida inteira, isto é, o ser se
torna aprendente
21
(ASSMANN, 2001, p.22). Sendo assim, não pressa em adquirir certo
acúmulo de conhecimentos e depois, em curto tempo, tirar um diploma e achar que não tem
mais nada a aprender. É interessante destacar que, na visão de Assmann, essa ideia está
equivocada. Na educação que defende vidas, que busca a humanização das pessoas, os
processos cognitivos devem ser iguais aos processos vitais. Então, enquanto se vive, se
aprende. Não estamos falando aqui somente de aprendizagem escolar, mas de todos os
ambientes propiciadores de experiência do conhecimento: igrejas, sindicatos, clubes e outros.
Além disso, ele também acreditava que era preciso buscar novos caminhos diante da
emergência de novos conhecimentos. Em vez de procurar conhecimentos prontos, a educação
precisava se preocupar com ecologias cognitivas
22
que propiciem experiências de
aprendizagem (ASSMANN, 2001, p.22). Valendo-se disso, urge uma educação, cuja práxis
pedagógica se preocupe mais com o ser, defendendo propostas educacionais que visem à
humanização dos aprendentes. Essa proposta de educação vem ao encontro da pedagogia de
Freire, que dá relevância à libertação para o oprimido, que é um ser aprendente. Enquanto se
vive, a aprendizagem deve ser fator relevante para o ser humano. Por isso, para Freire a
educação tem caráter permanente. Não seres educados e não educados. Estamos todos nos
educando. Existem graus de educação, mas esses não são absolutos (FREIRE, 1979a, p.15).
Dessa forma, não existe aquela pessoa que sabe tudo e não resta mais nada a aprender.
Para Freire o homem, por ser inacabado, incompleto, não sabe de maneira absoluta. Somente
Deus sabe de maneira absoluta (FREIRE, 1979a, p.15). Então, enquanto ele viver, estará
nesse processo de aprendizagem através das várias situações que a vida lhe oferece.
Percebemos até aqui que a educação problematizadora libertadora mobiliza a escola a
tomar uma posição diante do problema levantado. Sendo assim, ela mexe com as bases do
sistema dominante. Freire, quando começou com essa proposta de educação problematizadora
libertadora, sofreu muita pressão e foi preso e exilado. Tudo isso porque essa proposta de
21
Agente cognitivo (indivíduo, grupo, organização, instituição, sistema) que se encontra em processo ativo em estar aprendendo.
22
Pedagogia que propicie vivências em estar aprendendo.
30
educação dá resultado. Ou melhor, a pessoa em processo de libertação é agente de sua própria
história, reconhece seus direitos e sabe lutar por eles. Por isso, quando se fala nessa proposta
de educação, não se está apenas falando de um método diferente de lidar com os conteúdos:
ela vai muito além. Freire afirma que estamos lidando de uma forma diferente com o
conhecimento e com a sociedade. Portanto, vale salientar que:
O educador libertador tem que estar atento para o fato de que a
transformação não é uma questão de métodos e técnicas. Se a educação
libertadora fosse só uma questão de métodos, então o problema seria mudar
algumas metodologias tradicionais por outras mais modernas. Mas não é
esse o problema. A questão é do estabelecimento de uma relação diferente
com o conhecimento e com a sociedade (FREIRE & SHOR, 2008, p. 48).
Também é válido acrescentar que essa forma diferente de lidar com o conhecimento e
com a sociedade é que está libertando as pessoas e, consequentemente, transformando o
espaço opressor. Por isso o papel do educador é muito importante nesse processo de
transformação. Cabe a ele ser testemunha dessa transformação, mostrando sempre que a luta
para transformar a sociedade precisa vir da população, precisa vir de baixo. A classe
dominante não está preocupada com o bem estar da população, mas sim em manter vivo o
sistema capitalista que, por sua vez, a mantém.
Então, como percebemos, a educação problematizadora libertadora leva o ser humano
a refletir sobre seus problemas e buscar uma solução para eles. Nessa concepção de educação,
o fato de os problemas de cada um, da comunidade, do local, serem assunto discutido em sala
de aula, ou em qualquer outro espaço onde a educação acontece, é um convite a
compreenderem que são seres inacabados e, como tal, precisam continuar fazendo a história
individual e coletiva. Nesse fazer a história, eles percebem que são chamados a Ser Mais. Eles
constroem a história, mas uma história de pessoas em processo de libertação e se capacitando
para se empreenderem na luta pelos seus direitos de cidadãos e, além disso, perceberem
também seus deveres de trabalhadores que transformam a sociedade na qual vivem. O papel
da educação esjustamente em recuperar o que o ser humano havia perdido e devolver a ele
a capacidade de descobrir que é capaz de transformar sua realidade se essa for desumana.
Porém não de ser de forma mágica, como se tudo dependesse de uma vontade de Deus, mas
problematizando os problemas da comunidade, do bairro, do espaço onde mora gente.
Lembrando sempre de buscar também a colaboração de outros órgãos competentes capazes,
de somarem forças junto à educação.
31
Chegamos aqui a um ponto chave da pedagogia defendida por Freire: problematizar
um assunto requer conversa, diálogo. O diálogo tem seu papel na problematização dos
conteúdos. Por isso, Freire o destaca na pedagogia problematizadora libertadora.
1.2 EDUCAÇÃO E DIÁLOGO
Outro fator importante na pedagogia problematizadora libertadora é o diálogo. O
educador precisa saber dialogar para problematizar o conteúdo das aulas. Não estamos nos
referindo somente às técnicas. Elas também são importantes e o podem faltar quando se
trata do tema do diálogo, mas o diálogo que Freire defende na educação problematizadora
libertadora ultrapassa as técnicas e envolve também virtudes como: amor, fé, humildade,
esperança, confiança e também o pensar verdadeiro (práxis). Essas virtudes serão discutidas
com mais atenção no tópico seguinte.
Freire teve a primeira experiência de diálogo junto aos seus pais e isso é um fato muito
marcante em toda sua trajetória como educador. O testemunho familiar de que o diálogo era
importante na convivência das pessoas o iniciou na sua pedagogia dialógica. Eu costumo
dizer que a minha experiência de diálogo começou com eles, realmente, e com o testemunho,
inclusive, deles (FREIRE, 1982, p.18). Acreditamos que, para Freire, o início da
aprendizagem do diálogo não poderia sair de outro meio senão do espaço familiar. Lendo e
observando, analisando seus escritos e entrevistas, percebemos que ele sempre parte da
experiência familiar para falar do que quer naquele momento. Isso pressupõe que ele foi um
educador que defendeu as coisas positivas aprendidas na experiência familiar. A família foi
sua primeira escola de aprendizagem do diálogo, na qual ele fundamentou sua pedagogia
enquanto educador.
Além do espaço familiar como escola dialógica, o ambiente de trabalho foi outra
oficina onde Freire aprendeu a dialogar com os companheiros de trabalho, com os pais dos
educandos e com as pessoas que encontrava diariamente. Enquanto diretor de Educação do
SESI
23
(Serviço Social da Indústria), Freire foi percebendo que o diálogo era algo prático. É
por meio da conversa com as pessoas que aprendemos a dialogar; ali testamos nossas
resistências e descobriremos até que ponto estamos preparados para fazer a experiência de
saber ouvir e saber falar diante das pessoas que nos são apresentadas no cotidiano. Ou melhor,
até que ponto temos condições de dialogar com o outro.
23
Freire trabalhou no SESI no período de 1946-1956. Durante esse período ele atuou como diretor da Divisão de Educação no
Ensino Fundamental I (antigamente chamado de primário).
32
Um fato extraordinário marcou profundamente a vida desse educador pernambucano:
quando recebera em seu gabinete uma mãe chorando, após a morte do filho, que queria que
fosse permitida a ida de todas as crianças ao enterro como última homenagem ao falecido.
Diante desse episódio concluiu que:
É como se aquela mãe, sofrida naquele dia, precisasse fazer permanente a
memória do seu filho com a presença maciça de seus companheiros de classe
no enterro. Foi me espantando e tentando compreender a razão de ser do
espanto, que fui, na verdade, aprendendo, de um lado, a dialogar mesmo com
a classe trabalhadora e, de outro, a compreender a sua estrutura de
pensamento, a sua linguagem, a entender o que eu chamaria de terrível
malvadeza do sistema capitalista. E fui me fazendo na prática, um educador.
E fui aprendendo, desde aquela época, a exercer uma prática de que não me
afastei até hoje: a de pensar sempre a prática. De fato, pensar a prática de
hoje não é apenas um caminho eficiente para melhorar a prática de amanhã,
mas também a forma eficaz de aprender a pensar certo (FREIRE & BETO,
1988, p.8).
A descrição de Freire de como ele aprendeu a dialogar nos remete para algo próprio da
sua pedagogia: tornar a situação do cotidiano um espaço de aprendizagem, aprender com as
pessoas com as quais encontramos diariamente. Aprender na prática. As pessoas dividem
conosco dores e alegrias que nos espantam, pois não temos uma receita pronta para cada
situação com que o educador se depara. Então, é o aprender a lidar com cada situação, no ato
em que ela nos é apresentada, que nos torna educadores-aprendizes. Isso é possível por meio
do diálogo diálogo que Freire aprendeu diante dos espantos que a realidade humana lhe
apresentou. Esse espantar-se sempre foi tornando-o esse educador competente naquilo em que
ele acreditava. Foi através desses espantos que ele foi se aperfeiçoando na arte de dialogar.
Esse aprender com a situação do momento fez grande diferença na prática educativa
freireana. O fato de não se considerar um educador pronto, mas aprendiz diante de cada aula
com os educandos, levou-o a ter uma experiência pedagógica que fez dele um mestre nos
diversos países por onde passou. Mas é interessante ressaltar que, enquanto vivo, ele estava
disposto a aprender. Levou, sim, por onde passou, seu método de alfabetização, sua pedagogia
dialógica. Porém, não levou o vocabulário brasileiro para alfabetizar estrangeiros, pois sabia
que cada povo tinha sua o vocabulário próprio. E a alfabetização com temas locais, pode-se
dizer, fazia-o sentir que o educador precisa estar em constante aprendizagem com os
educandos. Aprender o jeito de ser de outra nacionalidade, seu vocabulário, sua forma de
aprender, é uma arte que requer uma disposição interna de acreditar na potencialidade do
outro. E isso faz somente quem sabe dialogar e repensar sempre a sua prática.
33
Na sala de aula, o diálogo parte depois da realização da leitura do mundo dos
educandos e da constatação dos temas geradores.
[...] a confirmação conjunta do professor e dos alunos no ato comum de
conhecer e re-conhecer o objeto de estudo. Então, em vez de transferir o
conhecimento estaticamente, como se fosse uma posse fixa do professor o
diálogo requer uma aproximação dinâmica na direção do objeto (FREIRE &
SHOR, 2008, 124).
Um elemento de fundamental importância que aparece nesse texto é o fato de que o
educador dialógico o leva sua aula pronta, acabada para transmitir aos educando: eles
dialogam sobre o tema em pauta. A tarefa do educador é saber conduzir o diálogo para chegar
ao objetivo desejado. Se o objetivo é dialogar para descobrirem formas de consumir com
responsabilidade, o educador precisa saber orientar a fala dos educandos para que eles não
levantem vários problemas sobre o assunto desviando-se assim do objetivo desejado. Quando
se fala em consumo consciente, abre-se um leque enorme de questões a serem refletidas. O
educador dialógico precisa definir com os educandos quais questões serão discutidas. Assim,
o tema fica delimitado e o diálogo mais profundo uma vez que as questões são mais
direcionadas. Um dos objetivos do diálogo é transformar a realidade. Isso supõe uma ação.
Dessa forma o educador há de estar ciente do seu papel frente aos educandos. Então, quanto
mais delimitado for o assunto, mais estará propenso a chegar a um acordo. Ao passo que,
quando o assunto se expande muito, o discurso fica cansativo e não se chega a lugar nenhum.
O diálogo que não chega a lugar nenhum é um discurso vazio. Dialogar não é um
perguntar a esmo perguntar por perguntar, um responder por responder, um contentar-se por
tocar a periferia, apenas, do objeto da nossa curiosidade, ou um quefazer
24
sem programa
(FREIRE, 1982, p.169). Voltando ao exemplo anterior em relação ao consumo consciente, se
o educador não souber conduzir o diálogo delimitando-o, muitas questões serão levantadas em
torno desse assunto. Desta forma, corre-se o risco de não chegar a uma síntese final que
levará à ação e esta à transformação da realidade. É o blá, blá, blá a que tanto Freire se
refere em seus escritos. Dialogar por dialogar não tem uma razão de ser numa aula que tem
como objetivo maior a libertação.
24
Contraposição de dois termos, típica da linguagem dialética de Paulo Freire, a qual coloca em relevo aquilo que no pensamento
do autor é um elemento constitutivo da práxis: ação e reflexão. O quefazer está ligado à reflexão. O fazer que não está ligado a
reflexão é cego. O quefazer está ligado à reflexão, é a expressão da práxis. Nas palavras de Paulo Freire quefazer é a dialetização
permanência-mudança e que torna o processo educativo durável (1975, p.155). Todo homem é um ser do quefazer, isto é, um ser
que transformando o mundo, com o seu trabalho, cria o seu mundo. A educação é um quefazer permanente em razão da inclusão
do homem e do dever da realidade (1975, p. 85) (cf. GADOTTI, 1996, p.728)
34
Para dialogar, o educador precisa preparar o assunto antes de entrar em contato com os
educandos. Se a aula for sobre o consumo consciente, ele precisa pesquisar o assunto, estudá-
lo e compreendê-lo. Mas isso não significa que sua aula esteja pronta. As surpresas
encontradas no momento do diálogo podem não surpreendê-lo se ele não está como o dono da
verdade, aquele que quer dominar os educandos. Quem está aprendendo não precisa ir para a
sala de aula sabendo tudo. Sobre essa problemática, Freire nos leva a pensar da seguinte
forma:
[...] o diálogo que a gente trava, por exemplo, com um grupo de estudantes, é
um diálogo para o qual a gente se prepara, mesmo que isso não signifique
que a gente preveja o tipo de reação que os educandos possam ter em face de
algo que a gente diga, ou de algo que a gente não diga. De maneira que aí
também a preparação seria impossível no sentido de seus pormenores. Mas a
possibilidade de uma preparação se dá em torno do tema. O que não vale
dizer, porém, que eu me possa preparar para prever que tipo de resposta tu
vais dar a um tipo de análise que eu me proponho fazer em torno do tema. O
eu posso é prever como eu me comporto diante daquele tema em função da
tua curiosidade (FREIRE & GUIMARÃES, 1982, p.130-131).
Um questionamento nesse ponto dessa pesquisa talvez seja necessário para abrir
espaço ao aprofundamento da pedagogia dialógica freiriana: Dialogar para quê? Qual o
sentido do diálogo no ato educativo? Qual o objetivo do educador ao dialogar com os
educandos? Digamos que esses questionamentos abrem margem para a discussão de um ponto
extremamente importante na pedagogia do diálogo. Talvez a de maior valor até agora:
O que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese (seja em torno de um
conhecimento científico ou técnico, seja de um conhecimento
experiencial), é a problematização do próprio conhecimento em sua
indiscutível relação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual
incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la (FREIRE,
1985, p.35).
O objetivo do diálogo é problematizar o conhecimento. Tomando como objetivo do
diálogo a problematização do próprio conhecimento, percebe-se que ela também tem como
objetivo compreender, explicar e transformar a realidade. Essa é a educação libertadora que
visa a libertação dos oprimidos de situações que os levam à não-realização da sua vocação
ontológica de Ser Mais. Ou melhor, situações em que o ser humano se sente incapaz de guiar
sua própria história junto aos demais. Por meio do diálogo de temas ligados à realidade local,
educandos e educadores procuram entendê-los, explicá-los, para assim transformar o que
precisa ser transformado. Isso exige uma práxis que convém àqueles ousados e corajosos
como Freire.
35
Nessa mesma linha de pensamento, podemos adentrar em um outro ponto no que se
refere ao diálogo problematizador: o que convém ser problematizado no diálogo? O diálogo
problematizador não depende do conteúdo que vai ser problematizado. Tudo pode ser
problematizado (FREIRE, 1985, p.35). Acreditamos que tudo pode ser problematizado, mas
dentro de um contexto. O educador não vai discutir com os educandos um assunto que está
totalmente fora da realidade deles. Se eles são de famílias pobres em que a maioria dos pais
estão desempregados, não vão dialogar como gastar a mesada que ganham todo mês. Fica sem
sentido, pois se os pais nem salário têm como darão mesada aos filhos?
Essas reflexões nos possibilitam pensar sobre o papel do educador dentro do diálogo
para alcançar seu objetivo da educação libertadora problematizadora dialógica
25
. Uma vez
que tudo pode ser problematizado (dentro do contexto dos educandos e educadores), qual
seria o papel do educador na pedagogia dialógica? Para responder essa questão, Freire faz um
retrocesso ao papel do educador bancário até chegar ao educador dialógico:
O papel do educador não é de encher o educando de conhecimento de
ordem técnica ou não, mas sim o de proporcionar, através da relação
dialógica educador-educando, educando-educador, a organização de um
pensamento correto em ambos (FREIRE, 1985, p.35).
Sendo assim, o papel do educador é de fundamental importância. É através da
organização do pensamento correto (pensamento critico) que se chega a uma ação libertadora.
Tendo em vista este objetivo, o educador precisa ser competente para saber organizar tais
pensamentos, impedindo que o diálogo se transforme em palavras vazias e sem chegar a lugar
algum.
A reflexão apresentada até aqui sobre o diálogo nos permite questionar a respeito das
possibilidades e dos limites do diálogo. Na pedagogia dialógica, com quais limites podemos
nos deparar? Onde há possibilidade de o dialogo acontecer? As reflexões realizadas podem
parecer um ideologismo se não apresentarmos elementos que impedem a pedagogia dialógica
de acontecer. Em quais situações ela é viável e em quais não? A princípio, Freire sustenta que
o diálogo se entre iguais e diferentes, nunca entre antagônicos. Entre esses, o máximo que
pode haver é um pacto. Entre esses há, sim, o conflito de natureza contrária ao conflito
existente entre iguais e diferentes (FREIRE & GADOTTI, 1995, p.9). Deparamo-nos aqui
com o limite do diálogo: a impossibilidade de antagônicos dialogarem. Aí podemos pensar no
ponto entre aqueles que querem a transformação da realidade, pois está condizente com a
proposta da dignidade humana, e aqueles que não querem a transformação da realidade, pois
25
A partir desse tópico acrescentaremos o termo dialógica ao referirmo-nos à pedagogia problematizadora libertadora.
36
eles são beneficiados com essa realidade desumanizante e, por isso, não convém mudá-la.
Podemos pensar em opressor e oprimido: o opressor vai apresentar os motivos pelos quais ele
considera justo continuar oprimindo, ao passo que o oprimido vai apresentar os motivos pelos
quais considera justo não ser mais oprimido. Dentro desse contexto, o diálogo torna-se
impossível, pois cada um irá conduzi-lo para direções opostas. Entre diferentes, contudo,
apesar da diferença entre eles, os objetivos podem ser os mesmos. Entre patrão e empregados
nada impede ao patrão, também, querer um salário justo para os empregados e dividir o lucro
da empresa com eles, e isso não é empecilho ao dialogo se eles têm como objetivo o
crescimento da empresa. O mesmo ocorre entre iguais. Se os empregados da empresa querem
um salário justo, eles dialogarão dentro de uma perspectiva para chegarem a um acordo de
como farão para convencer o patrão do aumento salarial que eles merecem.
Depois dessa reflexão sobre o diálogo, fica evidente que ele não pode acontecer em
qualquer contexto. Entre antagônicos ele é inviável. No início desse tópico, dissemos que
dialogar não é só questão de técnicas, envolvem também elementos como amor, fé, esperança,
humildade, confiança e também o pensar verdadeiro (práxis). Freire insistia sempre na
presença dessas virtudes e da práxis na hora do diálogo. Por isso tratá-la-emos, no próximo
tópico.
1.3 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DIÁLOGO
Na opinião de Freire, o diálogo está fundamentado numa relação em que as pessoas
não têm pretensão de ser mais que as outras. Elas se comunicam buscando interagir uma na
fala da outra, com o propósito de juntas descobrirem uma proposta para a ação. Sendo assim,
as pessoas em diálogo necessitam nutrir-se de elementos constitutivos
26
do diálogo como
amor, humildade, esperança, fé, confiança e pensar verdadeiro (práxis) para estabelecer uma
relação de respeito mútuo entre os comunicadores. A receptividade da comunicação pode ser
mais eficaz se os sujeitos participantes estiverem nutridos desses elementos constitutivos. Daí
surge o conceito de diálogo enquanto ação para a prática da liberdade:
É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera
criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé,
da confiança. Por isso, o diálogo comunica. E quando os dois los do
diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com no outro, se
fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia
entre ambos. Só há comunicação (FREIRE, 1981, p.107).
26
Expressão do autor.
37
O diálogo é possível, segundo Freire (1975, p. 114), numa relação profunda de amor
ao mundo e ao ser humano. Ao amar, acolhemos com mais disposição o que a pessoa amada
sugere, embora seja diferente do que pensamos. Esse sentimento dá condições para as pessoas
superarem os conflitos gerados no momento do diálogo a chegarem ao acordo previsto.
Sendo fundamento do diálogo, o amor também é diálogo. E o amor não acontece numa
relação de dominação, mas de trocas recíprocas e respeito entre as pessoas em diálogo. Além
disso, ele é um ato de coragem, e não de medo; o amor é compromisso com as pessoas
(FREIRE, 1975, p.114-5), principalmente aquelas que estão oprimidas, excluídas à margem
da sociedade. Como a coragem e o compromisso são características pertinentes ao amor,
quem as tem se lança em projetos educativos para promoção e realização dessas pessoas,
cujos direitos de cidadão lhes são negados. Dessa relação amorosa dialógica, nasce mútua
aprendizagem, ou melhor, quem está coordenando também aprende com os demais
participantes do projeto. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender (FREIRE, 2003, p.26). É nessas relações de mútua aprendizagem que a
transformação da realidade desumana, e consequentemente, libertação do oprimido.
Para Freire a humildade também é uma das condições para dialogar. Ao pronunciar o
mundo, o homem recria-o
27
, isto é, supera a antiga situação criando uma nova. E como essa
recriação é constante, não pode ser um ato arrogante de algumas pessoas em particular. Para
dialogar, necessário se faz enxergar-se como ser limitado e não perceber essa limitação
apenas no outro. O diálogo torna-se impossível numa relação em que membros admitem-se
como diferentes, virtuosos por herança e julgam os demais como seres inferiores. Dessa forma
não reconhecem outros eus. O mesmo acontece, quando se sente participante de um gueto de
pessoas puras, que possuem o poder sobre a verdade e o saber, e os demais são considerados
seres inferiores. (FREIRE, 1975, p.115). Um comportamento assim fecha-se ao diálogo,
negando perceber o quanto as pessoas consideradas inferiores são importantes na
transformação do mundo. Num espaço onde o sujeito percebe o seu valor enquanto pessoa, o
diálogo se fortalece e pode estabelecer uma comunicação mais madura e mais consciente do
seu papel e de cada um em transformar o mundo. Mesmo que haja conflitos, inquietações,
quando já estabeleceu essa relação, as pessoas não se fecham, mas tentam compreender-se.
Para Freire, a fé é outra condição para dialogar. o também, diálogo, se não
uma intensa fé nos homens, fé no seu poder de fazer e refazer, de criar e recriar. Fé na sua
27
Quando as pessoas se pronunciam no mundo elas estão realizando esse processo de criação. Como o mundo é dinâmico, ou
seja, as pessoas estão em constantes buscas, o que foi criado num determinado momento, precisaria ser recriado para ter ser num
outro para continuar tendo sentido.
38
vocação de Ser Mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens
(FREIRE, 1975, p.116). O fato de as pessoas perceberem que podem apostar nelas contribui
para acreditarem, com mais convicção, em si mesmas. Esse dado fortalece a militância em
prol da luta para sair de esquemas que não condizem com o amadurecimento do ser. Com esse
amadurecimento, as pessoas, no processo educativo, vão percebendo que o meio onde vivem
é espaço de atuação também para elas.
De acordo com Freire, não diálogo verdadeiro se não nos seus sujeitos um
pensar verdadeiro (práxis) (FREIRE, 1975, p.118). Mas o que é um pensar verdadeiro? É
aquele pensar crítico que vê o mundo como um processo, uma realidade a ser transformada
constantemente se essa oprime o povo, principalmente o povo pobre. Essa realidade deve-se
transformar, e o pensar verdadeiro deve conduzir essas pessoas oprimidas a se libertarem
dessa opressão, procurando, junto com seus companheiros, alternativas para sanar essa
problemática que eles atravessam (FREIRE, 1975, p.118).
O pensar verdadeiro demanda uma profundidade na compreensão e na interpretação
dos fatos. Isso implica uma disponibilidade à revisão dos achados, reconhecer não somente a
possibilidade de mudar de opção, apreciação, mas o direito de fazê-la e assumir a mudança
operada. Quando as pessoas estão nesse processo não é possível mudar e fazer de conta que
não mudou. Para pensar verdadeiro exige-se coerência nas ações (FREIRE, 1975, p. 33-34).
Freire acreditava que o diálogo despertava a pessoa a ter esperança e
consequentemente a buscar não uma busca estritamente individual, mas uma busca em
comunhão com as outras pessoas. Para que isso ocorresse, o diálogo precisava ser verdadeiro:
não aceitar a dicotomia mundo-pessoa e reconhecer entre eles uma inquebrantável
solidariedade. Além disso, só um diálogo que implica num pensar crítico é capaz de fazer esse
processo (FREIRE, 1975, p.117-119).
O diálogo motiva os sujeitos a terem esperança, pois lhes mostra a possibilidade de um
mundo melhor. E enquanto espera, busca, por isso não pode ser uma esperança de cruzar os
braços e esperar as coisas caírem prontas nas mãos; é uma esperança de lutarem juntos e
vencerem juntos. Sendo o diálogo um encontro de pessoas que m como objetivo querer Ser
Mais, esse encontro precisa criar meios de despertar-lhes a esperança (FREIRE, 1975, p.117-
118).
Ao falar de esperança, Hubert Announ parte do pressuposto de que ela é uma aposta.
Para ele, existem dois tipos de apostas: a expectante e a enactante. Ele esclarece que a aposta
que propomos na verdade e no valor dos pressupostos da educação não é a expectante. Não
39
apostamos nem por indiferença nem por cálculo. Fazemos uma aposta enactante que
implique, ao mesmo tempo, a representação de um projeto e a ação prática para sua
realização (ANNOUN, 1998, p. 131). A proposta de educação freireana é uma aposta
enactante: ao mesmo tempo em que ele apresenta um projeto de educação libertadora, ele
enfrenta os desafios para pô-lo em ação. O pensamento de Announ é semelhante ao de Freire
no que se refere à mobilização para a ação:
a aposta enactada, que fundamenta princípios da educação, é [...] portadora
de uma esperança mobilizadora. É pensamento-ação. É um mesmo ser que
tem uma face que é pensamento como projeto teórico e outra que é ação
como realização das condições de realização do projeto, portanto do sucesso
da aposta (ANNOUN, 1998.p.145).
Partindo desse ponto, percebemos que a aposta enactada é justamente essa proposta de
educação que Freire defende: uma educação que leve os educandos a apostarem em dias
melhores, a acreditarem que são seres inacabados com a vocação ontológica de Ser Mais,
descobrindo assim o sentido de suas vidas. Dessa forma, a aposta educacional não pode ser
expectante, ficando apenas na expectativa e não partindo para ação. Freire espera uma
mobilização da educação para acionarem as pessoas a irem além do que elas são: a Ser Mais.
Além disso, vale salientar que, para Freire, se a fé é um dado do diálogo, a confiança
também faz parte dele. A confiança é suporte para os sujeitos dialógicos serem cada vez mais
companheiros ao pronunciar o mundo. Se a confiança for falha, é porque falharam as
condições discutidas anteriormente. Um falso amor, uma falsa humildade, uma falsa fé nos
homens não podem gerar confiança. A confiança se estabelece no testemunho que alguém
aos outros de suas reais e concretas intenções. Sendo assim, a confiança não pode existir
quando se prega uma coisa e os atos da pessoa afirmam outra. Se a palavra não é levada a
sério, não pode ser estímulo à confiança (FREIRE, 1975, p.117).
Freire também chama a atenção para as ações em que o diálogo não acontece. Esse
fato ele denomina antidiálogo. O antidiálogo, sendo o oposto do diálogo, acontece numa
relação em que uma pessoa se sobrepõe à outra. Há uma mera transmissão de informações por
parte de quem domina, deixando de lado a reflexão da ação (práxis). Dessa forma, não se gera
criticidade, pois não oportunidade de refletirem juntos sobre o objeto de discussão. Sendo
assim, o amor, a humildade e a fé, a esperança e a confiança são elementos ausentes nessa
relação:
O antidiálogo que implica numa relação vertical de A sobre B é o oposto a
tudo isso. É desamoroso. É acrítico e não gera criticidade, exatamente
porque é desamoroso. Não é humildade. É desesperançoso. Auto-suficiente.
No antidiálogo quebra aquela relação de simpatia entre seus pólos, que
40
caracteriza o diálogo. Por tudo isso, o antidiálogo não comunica. Faz
comunicados (FREIRE, 1975, p.108).
O antidiálogo também acontece quando pessoas não fundamentadas nas ações
discutidas anteriormente confundem a discussão guerreira, polêmica entre sujeitos, que o
aspirarem a comprometer-se com a pronúncia no mundo nem como a busca da verdade, mas
como impor a sua (FREIRE, 1975, p.113-114). O sujeito que não é amoroso, humilde e o
tem grande fé nos outros, certamente quererá impor sua verdade em qualquer discussão. E
isso gera sempre um mal estar, pois tem alguém querendo ser superior aos demais e não
companheiros de luta na pronúncia ao mundo. Quando uma relação de dominação, em que
a patologia amorosa se faz presente, isto é, sadismo em quem domina e masoquismo em quem
é dominado, essa relação é extremamente antidialógica. Nesse sentido, o diálogo é impedido
pelo fato de haver um sujeito que se julga superior ao outro, querendo dominá-lo. Quem
domina, domina porque sente prazer nessa ação; e quem é dominado também gosta dessa
acomodação. Num ambiente que se fundamenta em laços tão doentios, não espaço para
desenvolver uma ação dialógica fundamentada nos princípios defendidos por Freire (1975,
p.114).
Freire também parte do pressuposto de que ações que não motivam as pessoas a
permanentes buscas são antialógicas, pois a esperança é um fator de fundamental importância
na inclusão dos sujeitos na sociedade. Além disso, a desesperança conduz o indivíduo ao
silêncio, à negação do mundo e ao isolamento. Como buscar se não se tem nada a esperar?
Embora vivam em um mundo desumano as pessoas necessitam de motivações que o
despertem para esperar sempre algo melhor. Um fator como esse não deve ser motivo para
perder a esperança, mas motivo para mais esperança. Não concordando com essa forma como
a realidade está e procurando mudá-la, enquanto a pessoa espera, luta; se luta com esperança,
espera (FREIRE, 1975, p.117-118).
Outro fator antidialógico é o pensar o-verdadeiro que não leva os sujeitos a uma
criticidade: é um pensar que percebe a realidade não como um processo, mas como algo
estático. Dessa forma, incapaz de haver mudanças significativas para a vida das pessoas, é um
pensar ingênuo, que vê o tempo histórico como um peso, meras informações do passado sem
significado algum para o tempo presente. O presente deve ser algo normalizado e bem
comportado, pois é importante ser acomodado a esse hoje normalizado (FREIRE, 1975,
p.118).
Refletimos antes que a humildade
é um elemento forte de quem se dispõe a dialogar.
Sendo assim, a auto-suficiência, que é antônimo de humildade, contribui para o antidiálogo.
41
Quem não é humilde não deve se aproximar do povo, não pode ser seu companheiro de
pronunciar o mundo, pois vê os outros como seres inferiores e não como companheiros de
luta (FREIRE, 1975, p.116). O auto-suficiente pode sentir-se participante de um gueto de
homens puros, donos da verdade, como vimos antes, e isso impedem o diálogo, pois os que
estão fora são pessoas consideradas inferiores. Quem pensa assim, consequentemente pode
acreditar que somente ele deve se pronunciar o mundo. Dessa forma, a presença das massas
na história é visto como negativo, portanto deve-se evitar (FREIRE, 1975, p.115-116). O
auto-suficiente se fecha para a contribuição dos outros e até se sente ofendido com elas
(FREIRE, 1975, p.117). Nesse sentido, se a luta de pessoas dialógicas parte do princípio de
comunhão nas ões em que ninguém deve querer sobressair-se, a pessoa que é auto-
suficiente não tem disposição para lutar junto com pessoas que partilham ideias e ideais, pois
está fechado a tudo isso.
Percebemos então que, para o diálogo acontecer, ele precisa estar inserido num
contexto de possibilidade, as quais implicam em as pessoas dialogantes terem amor, fé,
humildade, confiança esperança umas para com as outras. Além disso, dialogar também
implica um pensar verdadeiro (práxis). Fora desse contexto, acontece somente o antidiálogo,
que não é amoroso, que não tem no outro, é auto-suficiente e desesperançoso. E talvez a
virtude que mais destacou a obra freireana tenha sido o amor, que parece ser o fundamento
das outras. É nessa perspectiva que ela será destacada no próximo tópico.
1.4 AMOR, COMPROMISSO, LIBERTAÇÃO E RETRIBUIÇÃO
Para delimitação dessa pesquisa, optamos pela temática do amor, pois em minha
trajetória como educadora deparei-me muitas vezes com situações em que o corpo docente
desdenhava sempre que diretores ou coordenadores diziam-nos que tínhamos que amar os
nossos educandos, tratá-los com amor. Parecia até que esse sentimento estava fora de moda.
Analisando a pedagogia dialógica de Paulo Freire, percebi que ele dá grande ênfase ao amor
no processo educativo.
Já dissemos antes que quem ama assume compromisso com o ser amado. Ao analisar a
história de Freire, sua infância e adolescência em meio a grandes necessidades (chegando até
a passar fome), seus primeiros anos como educador, suas primeiras experiências com seu
método de alfabetização de adultos, sua prisão, exílio e volta ao Brasil, vemos um homem
amoroso, comprometido com a educação problematizadora libertadora dialógica. Toda sua
42
luta pela pedagogia dialógica está imbuída de um sentimento que se pode denominar de amor.
Em um de seus relatos sobre o tempo de exílio ele se expressa assim:
Então, aprendi a controlar bem a ansiedade, a espera, aprendi a me controlar.
Porque, realmente, a gente tem que aprender essas coisas. Mas o grande
aprendizado que eu fazia e que ia se
ampliando
em todo esse processo era o
de como, na verdade, podia intensificar com o oprimido, meu compromisso
com as massas populares, com as classes sociais dominadas (FREIRE, 1988,
p.52).
Esse relato apresenta um Paulo Freire coerente com aquilo que fala. Se ele defende a
educação dialógica que um dos seus fundamentos é o amor, amor esse que é compromisso,
então, mesmo estando exilado, não esquece o que se ama. O exílio serve para ele como tempo
de descobertas para intensificar esse compromisso, esse amor pelos oprimidos. E foi
exatamente por defender uma educação em que os oprimidos podiam se libertar da opressão é
que ele foi preso e exilado. Por que a consequência negativa da ação de Freire não o levou a
desistir daquilo em que ele acreditava?
Talvez a resposta a essa questão seja justamente o fato de ele amar os oprimidos. Por
isso mesmo, em outros espaços fora do Brasil, ele continuava atuando com a mesma ousadia.
Em Cartas a Guiné-Bissau, ele se mostra preocupado com a população daquele país que
sofreu por causa dos colonizadores que deixaram como herança para o povo local a crença de
que o que é nacional não tem valor (FREIRE, 1978, p. 15). E Freire está junto com o povo
para descobrirem o quefazer para sair dessa situação de opressão. Esse amor-compromisso
que estava presente em Freire ultrapassou fronteiras para tornar-se ação em outros
continentes. Então, esse sentimento não era simplesmente para seus conterrâneos, mas para os
oprimidos, independentemente de onde eles estivessem.
No livro Extensão ou comunicação?, escrito no Chile, ele mostra como deve ser o
comportamento do técnico diante do camponês ao passar as técnicas agrícolas para eles. Quer
dizer, não era apenas uma inquietação diante do que via e não concordava, mas um desejo de
ver quem ele amava feliz. Então, pode-se dizer que ele assumiu a causa do oprimido: onde
quer que haja seres humanos em situação de opressão, ele poderia estar lá, uma vez que
assumira compromisso com essa causa.
Em uma carta destinada a Paulo Cavalcanti
28
, Freire descreve-o como sendo um
homem que trata as pessoas com humanidade e não como seres abstratos fora do mundo. Ao
falar sobre o amor, ele o apresenta como ato de libertação. Para esse humanismo radical,
28
Paulo Cavalcanti foi autor do pedido de habeas-corpus de Paulo Freire junto ao Superior Tribunal Militar (STM), o qual foi
concedido em maio de 1968.
43
amar não é um gesto, é um ato e um ato de libertação, que implica a comunhão dos sujeitos
que amam e se amam
(FREIRE, 1968
29
,
p. 272
).
Esse trecho da carta oferece elementos para
discutir a relação entre amor e libertação. Isso implica dizer que, ao amar, a pessoa se liberta
daquilo que a oprime. Como isso poderia ser dito em termos mais práticos? Que a pessoa só é
capaz de amar quando se liberta daquilo que a destrói. E o que pode destruir uma pessoa?
Hospedar o opressor dentro de si. Freire diz que o oprimido é hospedeiro do opressor
(FREIRE, 1975, p.55). Parte deles, ao se tornarem patrões, age como o patrão opressor que
ele tinha antes. Por meio da educação problematizadora libertadora dialógica, o oprimido
pode se libertar desse sentimento, dialogando com o educador e com os outros educandos
sobre como se dá esse processo de ser hospedeiro do opressor e sobre o que fazer para livrar-
se dele ou prevenir-se. O assunto, ao ser problematizado em aula ou em outros espaços
educativos, pode transformar a realidade opressora.
Sendo assim, quem ama é uma pessoa livre, e essa liberdade acontece na comunhão
das pessoas que amam e são amadas. Portanto, é um ato de reciprocidade em que os sujeitos
se encontram e estabelecem essa amorosidade
30
libertadora. E essa é a tarefa que esse amor
impõe aos segundos, uma vez que a libertação de uns e de outros não pode ser feita a não ser
por esses (FREIRE, 1968, p. 272).
Nesse sentido em que o amor é apresentado como ato libertador, consequentemente a
pessoa que ama e é amada não participa mais de uma situação de opressão. Ela agora tem
condições de ser sujeito atuante na sociedade e pode lutar pelos seus direitos em parceria com
os outros sujeitos. Por isso é que não é possível amor entre antagônicos, como também
está a razão pela qual se impõe a superação da contradição dominadores-dominados para que
haja amor verdadeiro (FREIRE, 1968, p. 272). Quando se ama, um não domina o outro, mas
ambos usufruem da relação horizontal. Nessa relação não existe quem pode mais, mas
podemos juntos. A relação é de parceiros, de pessoas que querem lutar juntas e vencerem
juntas. Portanto não há uma prescrição
31
de quem determina o que os demais devem fazer
(FREIRE, 1975, p.111). Há a liberdade de dialogarem e agirem em conjunto. O contrário
Freire denomina como sendo a patologia do amor: isto é, sadismo em quem domina;
masoquismo nos dominados (FREIRE, 1975, p.114). Nessa estreita relação, não espaço
29
A data referente (1968) é o ano em Paulo Freire escreveu esta carta a Paulo Cavalcanti.
30
Termo usado por Freire nos seus textos mais recentes para se referir ao amor.
31
Querer levar a pessoa a agir sem refletirporque alguém disse que é de determinada maneira.
44
para o amor defendido por Freire e, consequentemente, a libertação fica comprometida. Nesse
ambiente patológico, o dominador determina o que o outro irá fazer; e quem as ordens
também não é livre sendo ele prisioneiro desse sentimento de dominador que o impede de ter
uma relação horizontal com a pessoa dominada. Nessa sociedade há uma ânsia de impor-se
aos demais uma espécie de chantagem de amor. Isto é uma distorção do amor. Quem ama o
faz amando os defeitos e as qualidades do ser amado (FREIRE, 1979a, p.15).
No ambiente da sala de aula, Freire também chama atenção das educadoras para o
amor que liberta. Mas é preciso saber amar para haver libertação, pois amar de qualquer
forma pode levar a opressão:
É preciso, porém, saber amar. O fato de amar, não basta. Para amar como
educadora você precisa cientificamente saber como amar, saber como vo
pode fazer-se mais eficaz e tornar seu amor mais eficaz para que ele seja
meio de libertação e não prática de opressão
32
(FREIRE, s/d p.18).
Como amar cientificamente? Como se ama? O que fazer para ser mais eficaz e tornar o
amor mais eficaz para ser instrumento de libertação? Esses são alguns questionamentos que
levantamos diante dessa afirmação de Freire. A reflexão feita anteriormente em relação à
patologia do amor pode iluminar essa discussão de como se deve amar. A educadora que ama
os educandos e, por meio do diálogo, cria um ambiente de aprendizagem onde os educandos
têm espaço de amadurecimento e crescimento enquanto seres humanos, está amando
cientificamente. Essa relação educativa pode despertar nos educandos a consciência de serem
agentes da própria história. Dessa forma, é um ato libertador. Quando o contrário acontece,
isto é, a educadora tem medo de os educandos saírem do seu controle e estabelece com eles
uma relação de submissão, ela não está sabendo amar. O fato de serem submissos não os leva
à libertação, porque o ato libertador se numa relação horizontal na mesma proporção do
diálogo.
No que se refere à temática do amor, Humberto Maturana parte do pressuposto de que
toda ação humana é dotada de emoção. Por isso, para contribuir na relação das pessoas de
estarem juntas, há uma emoção fundadora particular, sem a qual essa relação não é possível,
que é o amor (2005, p.22). Dessa forma, o pensamento de Maturana é semelhante ao de
Freire. Para ambos, o amor, enquanto emoção que constitui a base dos seres humanos é
32
Esta citação refere-se ao texto
A prática à altura do sonho. s/d. Disponível em Instituto Paulo Freire, Textos
Selecionados, vol. 24, 2001.
45
indispensável na relação entre eles. O outro é um ser de fundamental importância quando a
relação está baseada nessa emoção. Sendo assim, o amor é a emoção que constitui o domínio
de ações em que nossas interações recorrentes com o outro fazem do outro um letimo outro
na convivência e é esse modo de convivência que contamos quando falamos do social
(MATURANA, 2005, p. 22).
Freire, ao escrever para um teólogo, quando se refere ao tema de amor e libertação, faz
a seguinte afirmação: o contrário do amor não é, como se pensa muitas vezes, o ódio, e sim o
medo de amar, que é o medo de ser livre (1979b, p.91). Assim, quem não ama é uma pessoa
que traz em si o medo de amar e esse medo de amar está justamente na resistência em ser
livre. Acreditamos que esse é um dado que a pedagogia dialógica freireana nos aponta como
elemento de fundamental importância para aprofundamento da temática do amor. Se medo de
amar (medo de ser livre) é o contrário de amor, quando passamos a amar alguém, nossos
educandos, pessoas de nossa convivência diária, pessoas excluídas da sociedade, passaremos
a ser livres e sem medo. Assim teremos a ousadia de sonhar com os que sonham com a
transformação da sociedade e lutar por isso. Talvez esse dado leve a compreender melhor
quando Freire diz que para dialogar é preciso amar as pessoas com as quais estamos
dialogando. Só quem ama seria capaz de fazer algo com o outro para sua libertação. Se as
pessoas em diálogo têm como objetivo a transformação do meio onde vivem, essa
transformação pode acontecer se houver amor. Esse amor libertador é suporte para
indignar-se diante da sociedade injusta e desumana na qual vivemos e, inquietos com essa
situação movermo-nos à ação.
Talvez possamos falar também de um amor que não espera nada em troca. É muito
comum dizer que quem realiza um ato por amor não espera retribuição da pessoa amada. Para
Freire, essa afirmação é falsa. Em relação a isso ele diz o seguinte:
O amor é uma tarefa do sujeito. É falso dizer que o amor não espera
retribuições. O amor é uma intercomunicação íntima de duas pessoas que se
respeitam. Cada um tem o outro, como sujeito do seu amor. Não se trata de
apropriar-se do outro (FREIRE, 1979a, p.15).
Que retribuição é essa que Freire diz que quem ama espera da pessoa amada? Partindo
da citação anterior, podemos começar pela expressão de que o amor é uma intercomunicação
de duas pessoas que se respeitam. Dessa afirmação, nascem duas exigências do amor para
ele poder existir: intercomunicação e respeito. Se amamos, queremos nos comunicar com o
outro, com a pessoa amada. Se falamos, queremos que ela nos ouça. E também queremos
46
ouvi-la. Há então a exigência da intercomunicação. Nessa intercomunicação é necessário que
haja respeito para que um saiba ouvir o outro.
Outro elemento é a inapropriação do outro: não se trata de apropriar do outro. Isso
quer dizer que a pessoa amada não é posse do amado. O oprimido o é posse de Freire.
Outras pessoas podem também lutar com eles em prol da libertação. É um amor libertador,
como já foi dito anteriormente. Ao amar, Freire essa liberdade aos que querem também
aderir a essa causa.
O mesmo pode acontecer em qualquer espaço educativo. Na sala de aula, o educador
amoroso quer ver a si mesmo e aos educandos aprendendo, a cada vez desenvolvendo mais
suas potencialidades, dando uma resposta ao conteúdo problematizado em sala de aula. Se não
se esperar isso, não há amor. Como amar se não se espera da pessoa amada uma resposta ao
amor que lhe foi dado?
Um líder religioso amoroso também espera dos fiéis a libertação através da
problematização dos problemas da comunidade. Se ao realizar esse ato educativo os fiéis não
se libertarem, ele ficará decepcionado. Ao amar, exigimos que a pessoa amada esteja sempre
bem, feliz, realizada. Essa é uma exigência de quem ama.
A mãe que ama o filho está constantemente preocupada com seu bem estar. Mesmo
quando o filho cresce, o amor de mãe tem essa preocupação com o seu bem estar. É um amor
que não adormece, está sempre acordado para ver as necessidades do filho.
Falar de amor, ao mesmo tempo em que é polêmico, complexo, é um tema que desde
os primórdios da antiguidade é tratado pela humanidade. Paulo Freire deu a ele um lugar
especial no diálogo, além de ter sido um homem amoroso pronunciando-se o mundo.
Observando o que dissemos até aqui sobre Freire, fica evidente que o amor que ele defendia
na pedagogia problematizadora libertadora dialógica, que ele sentia pelas pessoas, pela
educação, não era qualquer tipo de amor. Isso nos leva a perceber que, para descobrir que tipo
de amor é esse que ultrapassou fronteiras, precisamos nos apoiar em quem estudou sobre essa
temática.
1.5 TRÊS NOÇÕES DE AMOR
Quando tratamos do tema do amor em Freire, percebemos que ele n
ão se refere a
qualquer tipo de amor. O amor descrito nas obras de Freire e na sua prática pedagógica tem
um caráter especial. Sabemos que a tradição filosófica e teológica tem mostrado que há, pelo
47
menos, três tipos de amor
33
: eros, philia e ágape. A que noção de amor Freire se refere na
pedagogia problematizadora libertadora dialógica? André Comte Sponville, em seu livro
Pequeno tratado de grandes virtudes, fez um apanhado de vários autores que escreveram
sobre o assunto.
Para Sponville, o amor eros não é completude, mas incompletude (1995, p.252).
Desse ponto de vista, torna-se falsa a ideia de que, quando amamos alguém, essa pessoa nos
completa. Nos romances, filmes e novelas, são muito comuns apresentarem casais que se
amam e que uma completa o outro. Um é tudo para o outro. Eles vivem essa
complementaridade como se um bastasse ao outro. Esquece o mundo para viver esse amor.
Na vida real também é muito comum acontecer cenas como essa. Mas como entender a ideia
de Sponville de que o amor é incompletude?
Talvez, um dos pontos de que devemos partir é de que esse tipo de amor pode
completar naquele momento inicial de descoberta da pessoa amada, mas depois é como se
eles abrissem os olhos e percebessem que um não completa o outro, pois o amor não é fusão,
mas busca. Não é perfeição plena, mas pobreza devoradora. É o ponto decisivo de que
devemos partir. Ele cabe numa dupla definição: o amor é desejo e desejo é falta
(SPONVILLE, 1995, p.252). Então, enquanto o casal se ama, sentirá essa falta um do outro.
Não uma falta que mata, mas uma falta necessária para cultivar esse amor. Enquanto
incompletos, ambos estarão sempre buscando se completarem. Ao passo que, se o amor fosse
completude não precisaria buscar mais nada. E quando se pára de buscar, a vida perde o
sentido, pois o sentido da vida está justamente nesse movimento de buscar algo e nunca se
sentir completo.
Sponville destaca elementos de fundamental importância no que se refere ao
amor/eros. Uma falta, ao ser satisfeita, desaparece enquanto falta: a paixão não poderia
sobreviver por muito tempo à felicidade, nem a felicidade, sem dúvida, à paixão
(SPONVILLE, 1995, p.254). Enquanto a falta permanece, há o sofrimento-falta de quem
deseja a amada. Então, enquanto falta sofrimento. Mas ao encontrar a pessoa amada,
essa falta desaparece porque os amantes têm o que desejam: um ao outro. Pode-se dizer que
eles estão felizes. Enquanto durar esse momento de encontro, a felicidade também se pode
fazer presente. No entanto, a paixão não é suficiente para manter a felicidade do casal; nem a
felicidade é suficiente para manter o casal apaixonado. Enquanto a falta domina, há o
sofrimento do casal, e quando a falta não domina mais, há também sofrimento, pois o desejo
33
Para C. S. Lewis existem quatro tipos de amor: afeição, amizade, eros e caridade.
48
se abole em sua satisfação: portanto ele tem que estar insatisfeito ou morto, estar em falta ou
faltando, infeliz ou perdido... (SPONVILLE, 1995, p.254).
Sponville reflete sobre a questão de que o amor philia tem seu limite: que o se
pode ser amigo de todos nem da maioria (SPONVILLE, 1995, p.262). Talvez essa afirmação
seja pelo fato de o ser humano não dar conta de cultivar um sentimento dessa categoria por
muitas pessoas. Amar uma pessoa como amiga, por mais que o amante não exija nada do
outro, é um sentimento que tem certas exigências para que o amante se sinta feliz em amar o
amigo. Quando se ama alguém como amigo, é natural querer agradar o outro, dar um presente
de vez em quando, fazer uma visita a casa dele, além de outros cuidados. Tudo isso exige do
amante uma disponibilidade interior e exterior muito grande. Quando esse amor é
correspondido, a exigência aumenta ainda mais: passeios juntos, a cervejinha aos finais de
semana e uma lista interminável que essa amizade vai ditando para ambos.
Sponville segue questionando-se o seguinte: Como desejos diferentes para objetos
diferentes, também deve haver, se o amor é desejo, amores diferentes para diferentes objetos?
[...] pode-se gostar de vinho ou de música, de uma mulher ou de um país? [...]
(SPONVILLE, 1995, p. 268-269). E assim ele segue enumerando os vários tipos de amor e
diz que o que eles têm em comum e que justifica essa unicidade é o prazer. Sponville também
diz que amar é poder desfrutar alguma coisa ou se regozijar dela (1995, p.269). Com essa
definição do que seja amar, ele deixa bem distante a ideia platônica de que o amor é desejo e
desejo é falta.
Outro dado importante que Sponville apresenta é que philia é o amor quando
desabrocha entre humanos, e quaisquer que sejam suas formas, contanto que não se reduza a
falta ou à paixão (Eros) (1995, p.274) Esse é o tipo de amor que acompanha a maioria dos
casais quando Eros deixa de reinar. É comum ter esse amor louco no início do relacionamento
do casal; ao passo que quando o tempo vai passando, a tendência é permanecer nos casais essa
amizade que os unem e que os tornam ainda seres desejantes e felizes (SPONVILLE, 1995,
p.274).
Reflitamos agora numa terceira noção do amor que para Sponville é esse amor que
não é nem falta nem potência, nem paixão nem amizade, esse amor que ama até seus
inimigos, esse amor universal e desinteressado [...] (1995, p.290). O autor escolheu
denominá-lo de caridade (do francês charité), mas abandonou a expressão pelo simples fato
dela ter sido deturpada ao logo dos anos. Então ele optou pela palavra grega derivada do
verbo agapan que significa: acolher com amizade, amar, querer bem que está relacionada com
49
Platão e Homero; ou ágape que está relacionada com o grego das Escrituras (desde a Bíblia
dos Setenta até as epístolas apostólicas) (SPONVILLE, 1995, p.290)
A célebre frase do Evangelho de São João Deus é amor é um convite para
Sponville retomar a reflexão sobre a falta: Se Deus é amor, esse amor não pode ser falta, pois
a Deus nada falta. Nem amizade, pois Deus não se regozija com um ser, que seria causa de
sua alegria e o faria existir mais [...] (SPONVILLE, 1995, p.290). Então esse amor de Deus o
que é? É o amor que origem, que cria, ainda que esses atos não aumentem a sua alegria,
sua potência, sua perfeição, mas ao contrário, amputem-nas, ferem-nas e até mesmo
crucifiquem-nas. Daí afirma o autor - que se deve partir esse amor de Deus: da criação e da
cruz. (SPONVILLE, 1995, p.291). Mas não para procurar Deus, mas o amor: ágape o amor
divino que existe independente da existência de Deus.
Pode-se falar agora de um amor ágape: um reencontro da paixão, mas não no sentido
de Eros; é a paixão de Cristo, dos mártires; um amor louco que não é dos amantes, mas da
cruz. (SPONVILLE, 1995, p.295) A esse amor podemos denominá-lo de doação. E é
interessante observar que fala Sponville fala de um Deus da cruz: um Deus que morre na cruz
para salvar a humanidade. Então não se esfalando de um Deus todo poderoso, um Deus
absoluto; mas um Deus que morre, e morre numa cruz. Nisto está à humildade, a doação de
Si. Esse amor acontece também entre os seres humanos? Certamente. Existem pais, mães que
dão a vida por seus filhos. Por quê? questiona-se Sponville. Por amor: para deixar mais
lugar, mais poder, mais liberdade a seus filhos, [...] para não os impedir de existir, para não os
esmagar com sua presença, sua potência seu amor (SPONVILLE, 1995, p.295). Também
pessoas como Gandhi, Dom Romero, Martin Luther King entre outros. São pessoas que
doaram suas vidas em benefício do outro. Por amor enfrentaram desafios para que os outros
fossem mais livres, tivessem seus direitos respeitados.
Essa é a ideia de um amor desinteressado, diz Sponville. Um amor que não carece
mais de nada, pois ele basta a si mesmo. Um amor que não é falta, nem depende do amor do
outro para existir. Não é eros nem philia, mas é ágape, que se esquece de si mesmo e se doa
pelo outro:
Não mais a falta, a paixão, a cobiça (eros), não mais a potência alegre e
expansiva, a afirmação comum de uma existência reciprocamente
aumentada, o amor a si mesmo duplicado pelo ao outro (philia), mas a
retirada, mas a doçura, mas a delicadeza de existir menos, de se afirmar
menos, de se estender menos, mas a autolimitação de seu poder, de sua
força, de seu ser, mas o esquecimento de si, o sacrifício de seu prazer, de seu
bem estar, ou de seus interesses, o amor que não falta nada mas que, nem por
isso é cheio de si [...] (SPONVILEE, 1995, p.298).
50
Depois dessa reflexão sobre os três tipos de amor, eros, philia e ágape, podemos
pensar em qual deles está fundamentada a pedagogia dialógica de Paulo Freire. E, como
amoroso que era, que tipo de amor ele sentia pelo povo para investir sua vida em causas
educacionais tão ousadas? No próximo tópico apresentaremos os dados levantados, durante
essa pesquisa, que nos apontam a resposta desse questionamento.
1.6. O AMOR EM PAULO FREIRE
Para fazer essa análise, partamos do momento em que Freire foi preso. A razão de sua
prisão estava justamente no fato de ele defender uma educação que libertava as pessoas da
opressão em que elas viviam. Então ele foi visto como um subversivo, foi preso e depois
exilado, porque dentro da prisão ele o demonstrou que tinha mudado de ideia. Pelo
contrário, a prisão serviu para que ele elaborasse melhor sua pedagogia de educação
problematizadora libertadora. Então, no fundo, foi na cadeia que comecei a pensar no que
eu tinha que aprofundar do ponto de vista pedagógico (BETO & FREIRE, 1988, p.52).
Era inacreditável para Freire ser preso por ser um educador do povo. Só que a
educação que ele defendia estava mexendo com as bases do sistema brasileiro. A educação
estava deixando de ser bancária para ser problematizadora libertadora dialógica. Os
educandos já o recebiam mais um conteúdo pronto do educador, como descrevemos
anteriormente ao nos referirmos à educação bancária. Agora o educador problematizava o
conteúdo em sala de aula dialogando com os educandos para juntos chegarem à ação e assim
transformar a realidade deles se essa não estava condizente com a dignidade humana. Então
era preciso calar a voz desse homem que estava incitando o povo a perceber seus direitos e
lutar por eles.
Vemos até aqui não apenas um educador idealista que queria a todo custo levar em
frente sua proposta de educação, mas um homem comprometido com a população oprimida
do seu país. Por que tudo isso? O que levou Freire a lutar tanto assim? Freire era um educador
que partia do princípio de que a educação era algo prático. Ele aprendeu em sua vida prática a
dor de perder seu pai e ver sua família passando fome enquanto outros esbanjavam o que
tinham. Foi aí que ele aprendeu sobre a divisão de classes. Minha condição social não
permitia que eu tivesse uma educação. A experiência me ensinou, mais uma vez a relação
entre classe social e conhecimento (FREIRE & SHOR, 2008, p.52). Ele lutou a vida toda,
com muito sacrifício, para ter o que tinha. Mas, apesar do sacrifício, ele nunca desistiu de
51
lutar por aquilo que ele sonhava e acreditava. Além disso, na sua vida encontrou sempre
pessoas que o ajudavam, pois acreditavam nele, como expõe no depoimento a seguir:
Eu fiz a escola primária exatamente no período mais duro da fome. Não da
fome intensa, mas de uma fome suficiente para atrapalhar o aprendizado.
Quando terminei meu exame de admissão, era alto, grande, anguloso e feio.
Já tinha esse tamanho e pesava 47 quilos. Usava calças curtas porque minha
mãe não tinha condições de comprar calça comprida [...] Eu consegui fazer,
Deus sabe como, o primeiro ano de ginásio com 16 anos [...] Fiz esse meu
primeiro ano de ginásio num desses colégios privados, em Recife; em
Jaboatão havia escola primária. Mas minha mãe não tinha condições de
pagar a mensalidade, e, então foi uma verdadeira maratona para conseguir
um colégio que me recebesse com uma bolsa de estudos. Finalmente ele
encontrou o Colégio Oswaldo Cruz, e o dono do colégio, Aluízio Araújo
34
,
que fora antes seminarista, casado com uma senhora extraordinária, a quem
eu quero intenso bem, resolveu atender ao pedido da minha mãe (FREIRE,
1985, p.5).
Essa reflexão mostra um Paulo Freire que, em sua vida, percebeu que ser pobre não
significa ficar eternamente condenado à opressão, ficar à margem da sociedade. Na
adolescência, sua barriga roncava de fome tentava ler ou prestar atenção na sala de aula, mas
não entendia nada porque a fome era grande (FREIRE & SHOR, 2008, p. 52). Mas ele
acreditava em dias melhores, como mostra o depoimento acima. Pensamos que seja isso que o
levou a lutar com tanta veemência a favor da população carente, oprimida. Ele acreditava
numa transformação da realidade por meio da educação, isto é, se os problemas da população
se transformassem em temas geradores para ensinar a ler e escrever. Se para ele foi possível
reverter o quadro de pobreza no qual se deparou, era sinal que as outras pessoas pobres,
também, poderiam fazer o mesmo processo.
Foi a experiência de vida de Paulo Freire que o transformou em um homem amoroso a
ponto de doar sua vida para defender as pessoas oprimidas. Além disso, ele também se
empenhava nessa educação problematizadora libertadora dialógica em outros países onde fora
exilado. Então, dá para perceber que foi um amor além das fronteiras. Mesmo exilado, ele
continuou defendendo a educação na qual acreditava. Isso nos leva a perceber que ele não era
um louco que queria fazer barulho, mas um homem amoroso, comprometido com a libertação
do oprimido.
Talvez seja ousadia nossa, mas até aqui as reflexões apresentadas mostram que esse
amor que Paulo Freire tinha pelo povo é ágape. Um amor doação de si. Um amor de doar a
própria vida por uma causa, um amor que enfrenta o sacrifício para o desistir da pessoa
34
Aluízio Araújo foi também o sogro de Paulo Freire, pai de sua segunda esposa Ana Maria Araújo Freire (Nita).
52
amada. Um amor que deixa de viver seus sonhos particulares para se empenhar em viver o
sonho libertador de um povo. Você recua um passo, ao mesmo tempo ele avança o mesmo
tanto [...] para não esbarrar em você, para não o invadir, não o oprimir [...] para não impor sua
potência, nem mesmo sua alegria ou seu amor [...] (SPONVILLE, 1995, p.297).
Freire não impunha ao povo seu projeto de educação. Ele tinha meios de conquistar,
seduzir o povo e mostrar que ele era capaz de transformar a sociedade se unissem e se
empenhassem nessa missão. Quantas vezes voltara pensativo para casa por não ser entendido,
aliás, por não entender como falar para determinado grupo de pessoas. O que ele falava
precisava de um estar junto, de ver a realidade mais de perto e entender por que as pessoas
tinham aquele tipo de comportamento, como era o caso dos pais que batiam nos filhos. Ao ser
mostrada a realidade de Freire, que tinha o suficiente em casa, e daquele pai que não tinha
nada para levar aos seus filhos no final do dia, Freire, de forma humilde, aceitou aprofundar a
questão e ouviu aquele pai de família com atenção. Esse gesto é típico de quem ama
(CORTELLA & VENCESLAU, 1992, p. 25-29). Ele não quis impor sua potência diante
desse fato. Mostrou, sim, sua capacidade de saber ouvir e aceitar refletir melhor sobre o que
ele estava falando para aquele grupo.
Uma das descrições que achamos que mais se aproxima do amor que Freire sentia pelo
povo é de um reencontro da paixão, mas não no sentido de Eros; é a paixão de Cristo, dos
mártires; um amor louco que o é dos amantes, mas da cruz (SPONVILLE, 1995, p.295),
da doação da própria vida. Esse amor é que leva Freire a se comprometer em nome da
educação problematizadora libertadora dialógica, em nome da população que ele tanto amava.
É um amor louco, sim, mas esse amor louco que se preocupara com o bem estar da pessoa
amada. É o amor ágape. Pode ser que se partirmos de outros pontos, encontremos dados que
nos apontem para os outros tipos de amor na vida e na obra de Paulo Freire, mas o fato de ele
doar a própria vida em prol de uma educação que tinha como proposta libertar os oprimidos já
nos leva a pensar que esse amor seja ágape: o amor de doação até o extremo, porque tem um
compromisso com quem ama:
Não mais a falta, a paixão, a cobiça (eros), não mais a potência alegre e
expansiva, a afirmação comum de uma existência reciprocamente
aumentada, o amor a si mesmo duplicado pelo ao outro (philia), mas a
retirada, mas a doçura, mas a delicadeza de existir menos, de se afirmar
menos, de se estender menos, mas a autolimitação de seu poder, de sua
força, de seu ser, mas o esquecimento de si, o sacrifício de seu prazer, de seu
bem estar, ou de seus interesses, o amor que não falta nada mas que, nem por
isso é cheio de si [...] (SPONVILLE, 1995, p.298).
53
Em tudo isso está presente a pessoa de Paulo Freire e a educação que ele defendia. Se
o que ele pregava era o que aprendeu junto a sua família, aqui está todo o retrato de uma vida
familiar coberta de amor e vontade de viver, como é descrito nesses depoimentos de seus
filhos:
Paulo Freire, nosso pai, não tinha medo de amar. O amor para ele não se
limitava tão-somente ao amor pelas mulheres; tinha um conteúdo muito mais
amplo, muito mais universal. Amar para ele significava amar as pessoas, as
árvores, os pássaros, os animais e as crianças que, às vezes, na época do
Natal e do frio da Suíça, confundiam-no carinhosamente com Papai Noel.
O seu método não pode ser entendido, na sua forma mais ampla, se não se
levar em consideração o seu conteúdo eminentemente amoroso; amoroso
porque a sua proposta de libertação dos oprimidos não é uma proposta
piegas de quem, em um dia, sentindo-se culpado por explorar os oprimidos,
procura uma redenção, tentando ensinar o povo a ler e a escrever.
Paulo Freire era radicalmente o oposto disso; dizia que não cabia aos
apressores libertar os oprimidos, mas aos oprimidos libertarem a si mesmos
e aos opressores. Não se pode entender essa afirmação sem se levar em
consideração a sua dimensão amorosa.
N
ós, seus filhos e suas filhas, amigos e amigas, temos o imenso desafio de
dar continuidade a esse legado de amorosidade, reinventando-o, a cada dia.
(FREIRE, Lutgardes & FREIRE, Joaquim 2ª orelha do livro Educação e
Atualidade Brasileira)
Além disso, também é pertinente acrescentar que para Freire o amor é algo que quanto
mais se doa, mais aumenta. Em entrevista ao professor Carlos Alberto Torres, ao se referir à
morte de sua primeira esposa que tanto amava, Elza, e ao se casar com Nita, ele assim se
expressou:
Um dia, porém, mesmo mergulhado em muita dor, decidi viver de novo.
Viver se pôs diante de mim como dever, como direito e como gosto também.
Viver e amar. Descobri então alguma coisa que é, para mim, hoje, óbvia:
quanto mais você amou e ama, tanto mais você pode amar. Quanto menos
você amou e ama tanto menos você pode amar. Amo de novo. Outra mulher
me ajudou a voltar à vida a que tenho direito. E ante a qual tenho deveres.
[...] Amar outra vez não significa nem exige de nós matarmos as lembranças,
afogar as memórias, negar a vida que se viveu com o outro, negar o passado.
Amar outra vez, como gesto são e legítimo, requer apenas que não se deixe
insepultado o bem-amado que partiu (FREIRE, 2001, p.102)
Percebemos aqui um ser humano com uma capacidade infinita de amar e superar a dor
das perdas. Um homem que deixou como herança para as gerações futuras exatamente
capacidade de amar e ser amado:
Qual heran
ça que posso deixar? Exatamente uma. Penso que poderá ser dito
quando já não esteja no mundo: Paulo Freire foi um homem que amou. Ele
não podia compreender a vida e a existência humana sem amor e sem a
54
busca do conhecimento. Paulo Freire viveu, amou e tentou viver. Por isso
mesmo, foi um homem curioso (FREIRE, 2001, p.140).
Os dados que apresentamos até aqui nos apontam para um amor ágape presente na
pedagogia e vida de Paulo Freire. Porém, Peter Park, ao se referir ao amor na pedagogia de
Freire, ressalta que há a presença dos três tipos de amor estudados: eros, philia e ágape que
se unem para criar um poderoso veículo pedagógico (2001, p.201). Não descartamos essa
possibilidade, pois quando nos referimos a esses três tipos de amor percebemos que um
complementa o outro. Porém, seria equivocado dizer que na pedagogia de Paulo Freire
predomina somente eros, ou eros e philia sem o ágape. Por quê? Porque os amores eros e
philia não têm energia suficiente para doar-se em prol dos outros. Desse assunto trataremos
no segundo capítulo ao nos debruçarmos sobre o tema do amor na abordagem do teólogo Juan
Luis Segundo.
55
2 REVELAÇÃO E AMOR NO PENSAMENTO DE JUAN LUIS SEGUNDO
Segundo pertence a essa rara categoria de teólogos que conseguem formular, com notável honradez, as
perguntas que as pessoas se fazem e não essas perguntas que os teólogos costumam responder, sem que no-las
tenham formulado.
González Faus
35
35
Um prólogo que também não é em SEGUNDO, Juan Luís. O dogma que liberta. Paulinas: São Paulo, 2000, p.7.
56
INTRODUÇÃO DO CAPÍTULO
No capítulo anterior, apresentamos a pedagogia dialógica libertadora de Paulo Freire
focada no tema do amor. Para Freire, o ser humano é um ser inacabado, que nasceu com a
vocação ontológica de Ser Mais. Essa vocação, para ser realizada, necessita de uma educação
dialógica libertadora. Nessa proposta, tanto educador como educandos dialogam sobre o
conteúdo da aula, que precisa levar em consideração a realidade do educando. Nesse sentido,
é preciso fazer uma leitura do mundo do educando, averiguando o quê de fato ele precisa
aprender, e dialogarem sobre isso. Nessa concepção dialógica libertadora de educação, tanto
educando como educador aprendem. Ao contrário da concepção bancária de educação, em
que o educador deposita o conteúdo na cabeça dos educandos para que eles o memorizem.
Nesse segundo capítulo, pretendemos apresentar a teologia de Juan Luis Segundo,
destacando os temas da revelação e do amor num contexto de diálogo entre Deus e o ser
humano.
Para J.L. Segundo, a revelação é um diálogo entre Deus e o ser humano. Nesse
diálogo, o ser humano aprende a aprender a ser humano. Ele busca a causa e as soluções de
suas crises, suas dificuldades e problemas na sua vida pessoal e comunitária, em diálogo com
seu criador. Ás vezes, a igreja por não levar em consideração esse diálogo, respostas
prontas antes das pessoas fazerem as perguntas. Desta forma, age como uma pedagoga
apressada. Ou também, as pessoas podem fazer perguntas antes de estarem preparadas para
receberem as respostas. No processo de aprendizagem, o momento oportuno tanto de
responder como de perguntar, precisa ser observado.
Deus, que é amor, ao criar o ser humano, quis que ele fosse livre para poder dialogar
com ele na construção desse mundo. Isso significa que o ser humano tem a sua frente um
mundo a ser reconstruído. Porém ele nasce com numa estrutura egocêntrica predisposto a ser
um egoísta. Por sua vez, ele pode transcender este limite convertendo ao amor doação de si.
57
2.1 A PEDAGOGIA DIVINA DA REVELAÇÃO DIALÓGICA
Juan Luis Segundo nasceu no dia 31 de março de 1925, em Montevidéu (Uruguai). Em
1941, ingressou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e ordenou-se em 1955. Ele foi um religioso
que sempre teve um gosto muito grande pelos estudos e concluiu até o doutorado. Sempre foi
um teólogo muito preocupado com a libertação da teologia. É considerado um dos fundadores
da Teologia da Libertação, mas não concorda com certos posicionamentos dela que não
julgava libertadores.
Como teólogo, tinha uma afeição pela educação, pelo gosto de ensinar e aprender.
Tinha preferência pelos leigos, por isso fundou, junto com outros teólogos, o Centro Pedro
Fabro
36
, em 1965, em Montevidéu. Nesse centro, entre outras atividades, eram realizados
seminários de aprofundamento teológicos para leigos. Era nesse local que Juan Luis Segundo
realizava suas façanhas em desvendar o que estava oculto na religião à qual ele pertencia. Ele
procurava uma teologia que fosse aberta e verdadeira. Ele foi um teólogo muito inquieto.
Uma de suas preocupações era o divórcio entre a fé e a vida, como afirma Gustavo
Gutierrez em um de seus depoimentos (GUITIERREZ, 1997, p.94). Por isso, dedicou parte
de sua vida a estudar, junto com as pessoas interessadas, uma teologia em que valesse a pena
apostar, que tivesse sentido na vida do ser humano. Um dos temas que ele se dispôs a
investigar foi a questão dos dogmas, perpassando todo o Antigo Testamento até os dias atuais.
Para J.L. Segundo,
o dogma, como qualquer outra mensagem transmitida pelos homens, deve
ser interpretado. Isso supõe não uma tradução correta, quando se trata de
línguas diferentes, mas também todo trabalho histórico necessário para viajar
da letra morta da mensagem a sua significação viva hoje daquilo que com ele
se pretendeu transmitir ontem (2000, p. 32).
Percebemos aí uma preocupação de J.L. Segundo com a maneira como o dogma está
sendo repassado ao ser humano. Essa preocupação em como interpretar a mensagem
dogmática está bem explicita em toda a teologia segundiana. Para ele, o dogma precisaria ser
interpretado de uma forma que fizesse sentido para quem a mensagem revelada é destinada.
Por isso, é necessário fazer um levantamento histórico para averiguar o que está presente nas
entrelinhas da mensagem dogmática revelada. Cabe, então, afirmar que não basta
simplesmente repetir que foi dito, como no modelo de educação bancária de que tratou Paulo
36
O Centro Pedro Fabro foi um dos muitos Centros de Investigação e Ação Social criados e levados adiante pelos Jesuítas na
América Latina e outros continentes. A ideia original era impulsionar e promover o conhecimento da Doutrina Social da Igreja,
mas logo viu com mais urgente e conveniente na segunda parte de sessenta que esses centros acompanhassem a
transformação da mentalidade e estruturas sociais num sentido de justiça social preferentemente no setor da promoção popular.
Esta, juntamente com o empenho educativo, foi a principal tarefa que levaram a cabo (CORONADO, 1998, p.48).
58
Freire (1975, p.84-85), mas procurar compreender o que o emissor está querendo dizer com
tal mensagem na época em que foi emitida. Além disso, J. L. Segundo acrescenta que como
se pode compreender facilmente, isso requer um importante trabalho de interpretação
(hermenêutica) histórica. Entre outras coisas, ter-se-ia que reconhecer qual era o problema
que se debatia, ou a que crise que sofria, quando tal mensagem foi elaborada como resposta
(SEGUNDO, 2000, p.32). Temos, então, muito mais que uma transmissão de uma verdade
válida para sempre, mas uma resposta a uma determinada crise. Isso supõe que, nessa visão de
J.L. Segundo, o dogma é revelado em resposta a uma crise do ser humano. Visto dessa forma,
J.L. Segundo parte do pressuposto de que
o teólogo deve perguntar-se, por exemplo, o significado de tal palavra ou tal
frase na época determinada em que foi pronunciada para anunciar um
dogma. Porque as palavras, como as afirmações, têm sua história, e seu
conteúdo varia muitas vezes, de um lugar cultural a outro, ou de uma época
às seguintes (2000, p.33).
Nessa proposta de interpretação do dogma, temos então dois elementos que J.L.
Segundo apresenta como importantes: que crise sofria o povo quando tal mensagem foi
elaborada como resposta e o significado de tais palavras naquela época. Observando esses
dois elementos, fica mais fácil adentrar-se na mensagem que perpassa um dogma, e, além
disso, precaver-se de interpretações superficiais que impedem uma tradução verossímil da
mensagem que o emissor quis transmitir ao seu receptor.
Como já dissemos antes, J.L. Segundo estava preocupado com a maneira como o
dogma era passado para as pessoas. Para ele, havia necessidade de averiguar com
profundidade o porquê de tal mensagem para determinado povo e a validade ou não dessa
mensagem para os dias atuais. Ou melhor, um dogma revelado para determinado povo pode
ou não ser válido para outro. Mas, de acordo com o Vaticano II, pela revelação divina quis
Deus manifestar-Se e comunicar-Se a Si mesmo e os decretos eternos acerca de sua salvação
e dos homens (DEI VERBUM, 6, grifo nosso). O termo decretos eternos pressupõe algo que
seja válido eternamente. Se partirmos do princípio de que a revelação de Deus tem como
objetivo modificar a vida das pessoas, a noção de que ela é um decreto eterno não pode ser
levada em consideração. Para Jung Mo Sung a revelação de Deus não pode ser entendida
como uma transmissão de um conjunto de doutrinas e verdades válidas para toda eternidade,
Pois verdades e preceitos válidos para sempre e para todos os lugares não são capazes de
59
mudar a vida das pessoas
37
(2005, p.72). Além disso, J.L. Segundo diz que a teologia clássica
fala da revelação dogmática como um depósito, fechado com a morte da última testemunha
da morte de Jesus (1978b, p.134). J. L. Segundo baseia-se no evangelista João, para quem a
revelação continuará depois da desaparição física de Jesus em Espírito de verdade
(SEGUNDO, 1978b, p.133). Nesse sentido, é equivocado tratar a revelação como depósito
fechado. Ela continuará através das gerações, embora levando em consideração o que o povo
já aprendeu. Dessa forma, J.L. Segundo esclarece que a mesma verdade que estava no início
continua guiando-o para verdade plena (SEGUNDO, 2000, p.416).
A noção de revelação apresentada por J.L. Segundo contradiz a da teologia clássica e a
do Vaticano II. Para J.L. Segundo, a revelação não é uma mera transmissão de um conteúdo,
mas um método que consiste em levar o ser humano a uma aprendizagem de segundo grau.
Essa aprendizagem é um processo de aprender a aprender a ser humano. J.L. Segundo
apropriou essa expressão do antropólogo e cientista eclético Gregory Bateson, que significa:
não acumular conhecimentos, como num processo de simples adição, mas qualitativamente
ser capaz de enfrentar novas situações a partir do que aprendeu, multiplicando a informação
recebida (MURAD, 1994, p.35). Seria a aprendizagem que está relacionada com a vida do
educando e não um depósito de informações para ele decorar. Na aprendizagem de segundo
grau, o educando é capaz de reproduzir o que aprendeu, uma vez que o aprendido vem em
resposta ao que ele estava procurando. Então, a isso equivale dizer que é uma aprendizagem
que está relacionada com seu cotidiano, portanto não será esquecida com facilidade. A
aprendizagem se estende através da prática. O que ele aprendeu tem um valor a ser praticado e
essa prática consiste em uma mudança qualitativa de comportamento. Na aprendizagem de
segundo grau, o educando aprende a ser mais humano. Seria uma concepção de educação
semelhante à problematizadora libertadora dialógica defendida por Paulo Freire (1983, p. 53),
apresentada no primeiro capítulo.
É interessante mostrar que, em relação a essa aprendizagem de segundo grau, J.L.
Segundo destaca um ponto importante, que é aprender através de uma experiência. Alguém
que tem experiência conduz o outro a ter a sua. Ou melhor, a partir do exemplo do outro, o ser
humano faz sua aposta, se valer a pena:
Aprendemos a ser homens dirigidos por outros homens. É a isto que
chamamos de uma aprendizagem em segundo grau deutero-learning , um
aprender a aprender. No caso do cristianismo ou da Bíblia, aprendemos a
37
Aprofundaremos no final desse tópico sobre a mudança de vida que o dogma deve provocar na vida das pessoas uma vez que
ele vem em resposta a uma crise da comunidade.
60
prender entregando nossa existência e seu sentido a esse processo histórico
refletido nas experiências que se consignam em tal tradição (SEGUNDO,
1978b, p.196).
Essa metodologia é diferente da aprendizagem de primeiro grau em que só se aprende
respostas feitas a circunstâncias conhecidas (SEGUNDO, 1978b, p.197), ou seja, o educando
não tem oportunidade de elaborar as respostas para seus questionamentos, pois o educador
oferece as respostas prontas para ele apenas decorar, seguindo uma concepção bancária de
educação como foi apresentado antes. Como acontece na maioria dos espaços educativos,
escolas e igrejas oferecem questionários, com perguntas e respostas prontas, para os
educandos decorarem. Essa seria uma aprendizagem de primeiro grau, que é oposta à de
segundo grau, conforme apresentamos.
Afonso M. L. Soares (1997, p.139) sintetiza essas duas aprendizagens dizendo que
uma coisa é aprender (decorar) uma fórmula, continuando a repeti-la sempre, seja qual for o
problema. Outra é ser penetrada de um espírito, de um impulso que nos leva adiante,
servindo-nos, é claro, de soluções já encontradas sempre mais completas. Essas duas
aprendizagens referem-se ao que já foi visto no primeiro capítulo, em que foram apresentadas
as duas concepções de educação, bancária e libertadora, de acordo com a pedagogia de Paulo
Freire
38
. A educação bancária seria a aprendizagem de primeiro grau, enquanto a educação
dialógica seria a aprendizagem de segundo grau.
Depositar uma verdade pronta, um decreto que é considerado eterno, na cabeça de um
povo não tem sentido na teologia de J.L. Segundo. A noção que ele defende para a revelação
divina trata de aprender algo que tenha sentido para a vida do ser humano, quer dizer, que
venha em resposta ao que ele está procurando, ou, como já dissemos, que responda a uma
crise pela qual a comunidade está passando. Ao referir-se ao sentido da vida dentro do
processo de aprendizagem, Sung esclarece que quando um processo educacional não ajuda o
educando a conhecer ou construir um sentido que faça valer a pena lutar pela vida e pelo
processo de humanização, esse mesmo processo educacional acaba por não oferecer o sentido
da sua própria ação educativa (2006, p.43). Falar de construir sentido lembra processo. O
sentido da vida é construído dentro de um processo. Isso equivale dizer que, o sentido da vida
não é algo pronto, acabado. Enquanto o ser humano vive espredisposto a lutar pela vida e
pelo processo de humanização. J.L. Segundo também afirma que Deus não se revela a não
ser na e para a humanização dos homens e mulheres que buscam dar sentido às suas
38
No terceiro capítulo, aprofundaremos mais essa afinidade presente em Paulo e Juan Luis Segundo.
61
existências (2000, p.294). E a educação faz parte desse processo. Por isso é que Sung diz
que, se a educação não desempenha esse papel, sua ação educativa não terá sentido, como não
tem sentido, dentro da teologia defendida por J.L. Segundo, Deus revelar verdades eternas e
parar por aí. A verdade é construída dentro de um campo de sentido na vida do ser humano
em resposta a suas questões vitais:
[...] porque se trata de um processo de aprender a aprender e, nele, a verdade
principal que se aprende não é simplesmente a última (que por sua vez, será
ulteriormente modificada e enriquecida), mas antes como se superam as
crises e como se aprofundam os elementos que levaram e continuam levando
a elas (SEGUNDO, 2000, p.105).
Já dissemos que o dogma nasce para responder a uma crise da comunidade. Portanto,
podemos dizer que ela tem seu papel importante na revelação do dogma. É através das crises
que Deus revela ao ser humano; é nas crises que o ser humano faz sua pergunta e Deus
responde. Para ilustrar essa questão, podemos citar uma narrativa do Antigo Testamento: o
dilúvio universal.
J.L. Segundo esclarece que existem dois tipos de linguagem: a digital e a icônica. A
linguagem digital (denotativa) é a que mais imita a linguagem científica, aplicada às coisas
ou abstrações. Nesse gênero literário, procuram usar palavras em que se pode identificar
claramente que deixam de lado os elementos imaginativos e afetivos, a fim de que as normas
dogmáticas sejam a mais exata possível e descarte o erro com maior clareza (2000, p.55).
Por outro lado, J. L. Segundo esclarece que a linguagem icônica (conotativa) consiste em
apresentar imagem daquilo que quer comunicar, especialmente atitudes de relacionamento
com os demais (1997, p. 43-4). Esse esclarecimento sobre as linguagens serve de base para
falarmos da narrativa bíblica à qual nos referimos. Os textos da Bíblia trazem uma linguagem
icônica, porém nem todo teólogo a como tal. Para quem a revelação é um depósito de
verdades fechadas, decretos eternos, falar em linguagem icônica é uma blasfêmia, pois Deus
já revelou o que tinha que revelar e o deixou margem para mais revelações. Todavia, para
os teólogos que enxergam o dogma como espaço aberto para Deus revelar, a linguagem
icônica é a ideal para esse tipo de comunicação, pois ela utiliza figuras de linguagem que
apelam para a imaginação e o afeto (SEGUNDO, 2000, p. 55) presentes também nas
narrativas bíblicas.
O exemplo ilustrativo para mostrar que Deus revela nas crises do ser humano
encontra-se no texto de Gênesis (cap. 6-9), que trata do dogma de que não haverá mais dilúvio
na terra. A Bíblia apresenta duas narrativas que se referem ao dilúvio. Não é nosso objetivo
aprofundarmos essa questão, mas apenas esclarecer que estamos nos referindo a duas
62
narrativas sobre o mesmo fato. J.L. Segundo parte do princípio de que que a geologia e a
paleontologia demonstram que nunca houve uma inundação que submergisse a terra inteira,
depois do aparecimento do homem sobre ela, quer dizer, desde o começo da era quaternária
[...] tal inundação, de acordo com pelo menos uma das narrações, teria sido provocada por
quarenta dias de chuva (2000, p.57-8). Além disso, o espaço geográfico onde os fatos
aconteceram (Palestina) é uma região montanhosa , em que dificilmente poderia ocorrer tal
inundação. Diante desse fato, J.L. Segundo diz que qualquer leitor contemporâneo da
redação compreenderia que está lendo algo lendário (2000, p.58). Talvez o termo mítico
coubesse melhor aqui por se tratar de uma narrativa de caráter dogmático.
J.L. Segundo diz que se trata de duas narrações com elementos diversos, mas que
estão centradas num mesmo núcleo: Noé que se comporta diferente dos outros homens, a arca
e os animais, a inundação universal e o novo começo da humanidade, a partir de Noé
(SEGUNDO, 2000, p.58). Não se trata aqui de buscar se de fato essas narrações são
verdadeiras ou não, mas de mostrar o objetivo do autor em colocá-las como texto sagrado na
Bíblia: trata-se de uma lenda que veicula uma verdade (SEGUNDO, 2000, p.59). Que verdade
é essa? Se Deus revela nas crises, que crise tinha esse povo para buscar uma resposta numa
narrativa como a do dilúvio universal?
Para J.L. Segundo o dogma que emerge dessa narrativa é o de que sempre pesarão no
coração de Deus o amor e a compaixão pelo ser humano. Depois de qualquer escala do mal,
haverá sempre um novo começo. Ao provar o sabor da destruição com castigo, Deus não
gostou dele. Mas para os autores da Bíblia, isso não significa que Deus não vai castigar mais.
Quando o ser humano precisar ser curado, ele o castigará, mas não destruirá a história (cf.
SEGUNDO, 2000, p.71). Pressupomos que a crise por que esse povo estivesse passando seria
a necessidade de recomeçar depois de uma longa vida perdida no meio da desumanização, do
pecado que gera morte.
Em relação ao aprofundamento da crise, J.L. Segundo apresenta o dogma da igreja
Católica do Concílio de Florença, segundo o qual fora da Igreja não salvação, em
contrapartida ao do Vaticano II, que afirma que fora da Igreja há salvação. Isso não
significa que o dogma atual esteja negando o antigo. O que ocorreu aqui foi o
aprofundamento de uma crise, gerando a criatividade necessária para superá-la. Nesse caso,
foi preciso um passo adiante no caminho para uma verdade mais profunda e a pergunta gerada
pode ter sido: Por que fora da igreja não salvação? Com a pluralidade religiosa ganhando
espaço no mundo e a igreja Católica perdendo terreno, entrou em crise afirmação defendida
63
pelo Concílio de Florença. Nesse caso, não tinha mais sentido deixar fora da salvação milhões
de pessoas pertencentes a opiniões religiosas diferentes. A diversidade religiosa provocou
uma crise dentro da Igreja Católica. Dessa forma, J.L. Segundo esclarece que:
Com efeito, entrou em crise um conceito superficial, quantitativo e externo
da igreja. E quando se buscou um conceito mais profundo e rico dessa
realidade, em sua relação com o resto da humanidade, descobriu-se, ao
mesmo tempo, como se ampliavam as fronteiras do horizonte os limites da
salvação humana (2000, p.106).
É nas crises que o ser humano se questiona, e Deus revela sua verdade para que a
pessoa descubra como superá-las e como aprofundar os elementos que levaram a elas. Nesse
sentido, J.L. Segundo diz que a revelação divina não é um depósito de informações corretas,
mas um processo pedagógico verdadeiro (2000, p.404). Portanto, é válido acrescentar que
Deus não está preocupado tanto com o conteúdo que vai revelar, mas com o como o ser
humano vai lidar com suas crises e, por isso, é um processo pedagógico verdadeiro. O como
revelar está mais na preocupação divina do que o conteúdo em si a ser revelado. Por esse
motivo, J.L. Segundo enfatiza que nesse processo revelatório não se aprendem coisas, mas
aprende-se a aprender a ser humano; a pessoa aprende a lidar com suas crises vitais. J.L.
Segundo diz que esse processo pedagógico verdadeiro de Deus é exatamente como em toda
pedagogia: guia-se uma criança (essa é a etimologia da palavra) que aprende a buscar a
verdade usando da experiência e, nessa, de seus próprios equívocos e erros (2000, p.405). É
válido destacar aqui um elemento novo: o papel do erro no processo de aprendizagem. Para
J.L. Segundo, pelo desejo de sobreviver com sentido e através do procedimento ensaio e
erro, Deus nos foi ensinando a conhecê-lo e a conhecer-nos (1995, p.158). Portanto também
é adequado acrescentar que, para ele:
Uma verdade objetiva se torna também subjetiva, se torna parte de
alguém e geradora interna de novas verdades, quando é capaz de enfrentar
crises. Porque é aí que se começa a formular novos questionamentos e
hipóteses, e o ser humano se põe a caminhar e fazer o caminho. Mas, note-se
bem, essas crises dinâmicas procedem da descoberta do não-verdadeiro no
pensamento próprio. Ou talvez, para ser mais exato, do não totalmente
verdadeiro, do não suficiente verdadeiro. Do parcialmente errôneo. A
realidade empurra o homem para a uma verdade sempre maior pelo
procedimento que, em etimologia, é chamado de ensaio e erro (trial and
error). Daí que o erro experimentado, detectado e corrigido se torne
componente de todo processo de interiorização da verdade. Dito em outras
palavras, de toda pedagogia. E, como é óbvio assinalar, da pedagogia
divina
39
(SEGUNDO, 2000, p.143).
39
A expressão pedagogia divina foi apropriada por J.L. Segundo do documento do Concílio Vaticano II Dei Verbum (15):
Os livros do Antigo Testamento em conformidade com a condição do gênero humano dos tempos anteriores à salvação
64
O erro tem seu papel no processo de aprendizagem. É através do erro que o educando
começa a elaborar suas hipóteses para acertar. Quando se erra e esse erro é corrigido,
respeitando as etapas de aprendizagem na qual se encontra o educando, o erro experimentado
é a base para chegar a uma verdade mais madura. O educando sabe que tal fato é errado, não
simplesmente porque alguém lhe advertiu, mas devido ao fato de esse erro fazer parte de uma
experiência na sua vida no processo para se chegar ao que é certo. No que se refere à
revelação divina, J.L. Segundo diz o seguinte:
[...] o plano divino não consiste em distribuir informação correta de uma vez
pra sempre, mas de levar adiante um processo educativo em que se aprende a
aprender. Por isso, o Antigo Testamento que pelo longo espaço de tempo
que transcorrem em seus diferentes escritos deixa perceber (ainda mais no
Novo) o imperfeito e o transitório de certas possessões da verdade é
declarado pelo Concílio demonstração da verdadeira pedagogia divina
(DV 15). Pedagogia feita de afirmações provisórias, mas que, não é em si
mesma provisória. Graças a Deus... (2000, p.141).
É interessante observar o jogo de palavras em que a Dei Verbum (15) apresenta no que
se refere aos livros da Bíblia: imperfeito e transitório Esses livros, embora contenham coisas
imperfeitas e transitórias, manifestam, contudo a verdadeira pedagogia divina Se algo é
imperfeito é porque ainda não chegou a sua perfeição completa. Se ele ainda não é perfeito
não pode ser definitivo. O definitivo seria, nesse caso, o que é perfeito. Se for essa a
pedagogia divina de transmitir verdades imperfeitas e transitórias, J.L. Segundo chama a
atenção para o fato de que se trata de uma pedagogia feita de afirmações provisórias. Mas que
em si não são provisórias. O termo provisório nos remete à ideia de algo que serviu para um
momento, pois não tinha algo melhor para ser colocado no lugar, mas que vai ser trocado.
Quando J.L. Segundo se refere ao que é transitório alude-se a algo que deixou de ser
verdadeiro (ou, pelo menos, total e plenamente verdadeiro), embora o tenha sido em tempos
passados. Pareceria que o conceito de verdade, ao juntar com o de pedagogia, relativizava-
se, e não em sentido pejorativo (2000, p.404).
O mesmo se pode dizer da pedagogia divina que tem afirmações provisórias. Porém,
existe uma diferença: a pedagogia divina tem afirmações provisórias, mas essas não são
deixadas de lado quando aparece outra, pois a outra vem para aprofundar a provisória. Em
relação aos livros da Bíblia, J.L. Segundo chama a atenção para o fato de que Deus é autor
de um processo educativo cujas etapas formam o conteúdo desses livros (2000, p.139). E
realizada por Jesus Cristo manifestam a todos o conhecimento de Deus e do homem e os modos pelos quais o justo e misterioso
Deus trata os homens. Esses livros, embora contenham coisas imperfeitas e transitórias, manifestam contudo a verdadeira
pedagogia divina (1968, p.132).
65
quando se trata de um processo educativo, o que se aprendeu no passado serve também para
os dias atuais, mas não como uma verdade última. Uma verdade é que as gerações de hoje
fazem suas devidas adaptações. Como exemplos ilustrativos, J.L. Segundo diz que Jesus já
indicava o mesmo no que se refere à validez ou verdade de sua concepção do matrimônio (cf.
Mt. 19: 8)
40
·, ou as [...] obrigações que Deus havia imposto às atividades humanas em dia de
sábado (cf. Mc. 2: 27)
41
(2000, p.404). Em entrevista a José Castilho Coronado, J.L. Segundo,
ao referir-se a pedagogia divina, diz:
[...] falar da pedagogia divina significa que, como em todas as coisas, há
aquelas que são de crianças e que, mais tarde, a criança irá corrigi-las
quando adulta. Então, qual pai de família não sabe estar dizendo coisas
errôneas quando as simplificam para que a criança as entenda? Bem, se
assim faz Deus, então até o mais simples pai de família entende que Deus
tem de deixar as pessoas fazerem experiências das coisas que não estão bem
feitas para que, depois, mais adiante, percebam que a vida é mais complexa e
que caminha pouco a pouco (CORONADO, 1998, p.47).
Uma vez que estamos tratando de uma pedagogia, o imperfeito e o transitório fazem
parte dela. Nem sempre o educando está preparado para ouvir uma verdade tal como ela é.
Nesse sentido, precisa-se traduzi-la em termos mais próximos à sua compreensão. Quando
esse educando amadurece mais e está preparado para ouvir essa verdade como de fato ela é, a
impressão que se tem é que o que lhe fora dito antes parece uma mentira, quando, na
realidade, não é bem assim. Como se trata de um método de aprender a prender a ser humano,
a verdade verdadeira
42
, se é que podemos dizer assim, foi-lhe dita quando cognitivamente ele
tinha condições de assimilar, não o conteúdo, mas tudo o que envolve essa verdade. Nessa
perspectiva, J.L. Segundo diz que uma vez que a igreja supera a concepção de que a revelação
do dogma não é um ditado de verdades eternas, mas uma pedagogia divina, são admissíveis
coisas imperfeitas e transitórias (2000, p.83). Com base nessa afirmação, ele cita o seguinte
exemplo:
[...] é imperfeita e transitória uma concepção para a qual a vida acaba
definitivamente com a morte, concepção que aparece aqui e ali, em todo
Antigo Testamento, até que, sobretudo nos livros deuterocanônicos, dá lugar,
pouco a pouco, a ideia de uma vida em que a justiça sobrevive à morte (cf.
Sb. 1: 15)
43
(SEGUNDO, 2000, p.83).
40
Jesus respondeu: Moisés permitiu o divórcio, porque vocês são duros de coração. Mas não foi assim desde o início.
41
E Jesus acrescentou: O sábado foi feito para servir o homem e não o homem para servir o sábado’” (grifo do próprio texto).
42
Grifo nosso.
43
[...] porque a justiça é imortal.
66
Além disso, é pertinente acrescentar que, na teologia segundiana, Deus o parece se
preocupar com o fato de revelar algo que seja verdade em si mesma, verdade eterna, verdade
inalterável, mas que se torne verdade na humanização progressiva do ser humano
(SEGUNDO, 2000, p.404). Esse fato nos remete ao que já dissemos anteriormente sobre a
metodologia divina de aprender a aprender a ser humano. É na humanização das pessoas que
o dogma se torna uma verdade. Sendo assim, se algo é considerado um dogma, mas que o
humaniza as pessoas, ele não pode ser considerado uma verdade. Ele pode ser considerado
uma verdade a partir do momento que leva as pessoas a se tornarem mais humanas, pois se
compromete mais com processo de libertação do ser humano.
J.L. Segundo apresenta, com ênfase, em sua teologia o Deus que espera, que dá tempo,
pois não falou ainda tudo e tem muito que dizer. Deus não quer transmitir ao povo preceitos
fechados, mas dialogar a respeito do que está transmitindo. Portanto, se o dogma revelado
vale eternamente, termina aqui o trabalho revelação divina. Ele pode cruzar os braços ver
como as gerações o executa. Não é assim o Deus da teologia segundiana. O teólogo uruguaio
apresenta um Deus com características bem diferentes no processo da revelação: um Deus que
quer o amadurecimento, o crescimento do ser humano, por isso está pronto para iluminar as
existências que o acompanham. Um Deus que não é um pedagogo apressado que dá as
respostas antes das pessoas fazerem as perguntas (SEGUNDO, 2000, p.292), mas aquele
pedagogo que sabe que quando se dispõe a ensinar é preciso descobrir o momento oportuno
de cada educando no seu processo de aprendizagem.
2.2 EVANGELIZAÇÃO E PEDAGOGIA APRESSADA
Os povos bárbaros são um exemplo ilustrativo diante da pedagogia apressada da Igreja
Católica. Eles invadiram o Império Romano do Ocidente na Idade Média e eram considerados
povos com uma cultura inferior à dos Romanos por não serem cristãos. Com isso, no
processo de conversão, não tiveram a oportunidade que teve o povo do Antigo Testamento de
ter toda uma caminhada para elaborar seus dogmas. Em relação a esse episódio, J.L. Segundo
explica que
A indiscutível autoridade que subsiste em Roma e a representa diante dos
bárbaros, como centro de uma civilização que cobiçaram por longo tempo e
que trouxe de terras longínquas, é o sumo pontífice. Vários desses povos, por
suas conversões em massa, de cuja sinceridade e profundidade se teria muito
a discutir, consideraram-se se cristãos e praticaram essa religião, isto é,
seu culto. Muitos deles encontraram o cristianismo e adotaram-no, na forma
herética: a ariana (como, por exemplo, os lombardos, perto de Roma e
dominadores de grande parte da Itália). No entanto, no longo prazo, mais que
67
os dogmas que não compreendem, teve peso, em sua evolução, o respeito a
essa autoridade religiosa centrada em Roma e, quase se poderia dizer,
herdeira daquilo que tangivelmente subsistia o antigo Império, que atraiu e
fascinou, durante tanto tempo. De modo que, um após outro, todos vão se
colocando sob a autoridade ortodoxa do pontífice romano (SEGUNDO,
2000, p.275).
Percebemos, então, que a conversão dos povos bárbaros ao cristianismo católico se
deu às pressas, sem uma preparação intensiva do que viria a ser a religião a qual eles estavam
se convertendo. Foi falha a aprendizagem de segundo grau em que a pessoa aprende a
aprender a ser humano. Sendo assim, permaneceu a aprendizagem de primeiro grau em que as
pessoas recebem informações prontas e, muitas vezes, nem sabem o que fazer com elas.
Diante disso, J.L. Segundo faz o seguinte questionamento: Por acaso não é óbvio que os
povos bárbaros se converteram ao cristianismo com facilidade e rapidez? (2000, p. 277).
Esse questionamento abre espaço para percebermos a urgência com que a igreja queria a
conversão desses povos, agindo como uma pedagoga apressada, que não espera o tempo
oportuno do educando. Mas J.L. Segundo também adverte em relação à seguinte questão: e,
se, talvez, essa conversão tenha sido momento de pressão e violência, postos a serviço do
Evangelho, logo a fé cristã se converteu numa espécie de tradição inextrincavelmente
arraigada nesses povos (2000, p.277). Percebemos que, por um lado, temos a rapidez e a
facilidade com que os povos bárbaros se converteram, e, por outro, embora esse fato o seja
positivo, ser cristão tornou-se uma tradição para eles. A igreja entrou aqui num erro
pedagógico de alto custo à aprendizagem desses povos. É complexo demais consertar o que se
errou, pois se deve ser muito competente para resgatar tamanha barbaridade cometida nessa
pedagogia apressada.
J.L. Segundo diz que os povos bárbaros reproduziram em sua cultura e costumes um
quadro muito semelhante ao do povo judeu, sob o reinado de Davi
44
. Isto é, sob o primeiro rei
javista de todo Israel, no momento em que se começa a redigir e colecionar a palavra bíblica
de Deus (2000, p.277). Contudo, não é nosso objetivo entrarmos em detalhes sobre as
semelhanças entre esses dois povos, mas somente citar sua existência. E uma vez que estamos
tratando de um processo pedagógico, comparar um povo com outro serve de base para
perceber onde a educação foi falha e onde ela agiu com competência.
Estamos diante de um impasse sobre o comportamento da igreja, que agiu como uma
pedagoga apressada em relação aos povos rbaros. Caberiam aqui alguns questionamentos
para levar adiante essa reflexão. Nesse ponto, J.L. Segundo faz três:
44
II Samuel 2 ss.
68
Voltar àquele ponto zero da revelação para fazer o caminho? Incorporar
esses povos novos, da maneira mais rápida possível, no nível cristão
alcançado pela igreja no mundo helênico, esquecendo a passagem pela
experiência? Ou tentar algo novo, dado que ambos os extremos pareciam
inviáveis? (2000, p.277)
Diante desses questionamentos de J.L. Segundo, podemos levantar três pontos
importantes. Essa primeira alternativa da igreja (voltar ao seu início e começar novamente a
caminhada com um grupo novo de fiéis) parece impossível se olharmos o contexto histórico
daquela época. A igreja estava preocupada com conversão em massa para agregar fiéis, com a
finalidade de ficar sobre a educação do Sumo Pontífice (cf. SEGUNDO, 2000, p.279).
Também J.L. Segundo parte do ponto que para voltar ao ponto zero, a igreja teria que ter um
compartimento estanque entre duas formas de cristianismo. A que preço? É verdade que,
assim, tinha começado a criar o dogma do Antigo Testamento (2000, p.278). Essa seria
uma solução viável, mas, como já dissemos, impossível para aquela época.
A segunda alternativa é incorporar esses povos o mais rápido possível a uma igreja
que já tem longos anos de caminhada. Ou melhor, agir como uma pedagoga apressada que
não deixa o educando fazer sua experiência de aprendizagem. Essa é a maneira mais cil
quando se trata de conversão de massas. Foi essa a opção da igreja tendo em vista um grupo
novo convertido a sua doutrina.
A terceira alternativa é tentar alguma coisa nova. O que seja essa coisa nova não é
explicitado por J.L. Segundo, mas pressupomos que siga a linha de fazer a experiência,
mesmo que essa tenha um custo muito alto para a igreja, uma vez que o autor é categórico em
insistir nesse ponto: Por que a pedagogia divina não continuou com os povos bárbaros, o
lento, mas seguro, caminho que fez o dogma até o umbral da mensagem cristã?(SEGUNDO,
2000, p.278, grifo do autor). Por que os povos bárbaros não tiveram a oportunidade de fazer
sua experiência de Deus no processo de conversão? De acordo com J.L. Segundo:
É porque não se busca a Verdade como aconteceu no passado e vimos ser
feito no Antigo Testamento. Já se sabem as respostas certas. Somente é
necessário torná-las compreensíveis pouco a pouco, bem ou mal, aos povos
que por elas perguntam. Uma parte da igreja, pelo menos, sabe-as e sabe
explicá-las. É a igreja docens, a docente. E esse não é um juízo pejorativo: é,
sim, uma circunstância grave, crítica
, problemática (SEGUNDO, 2000,
p.278, grifos do autor).
J.L. Segundo lamenta que, quando já se sabe as respostas das questões, é um perigo
recorrer à pedagogia apressada. Nesse caso, ele volta à comparação entre os povos bárbaros e
o povo judeu no início da monarquia, principalmente no período em que começava a redação
do que é hoje o depósito (da primeira fase) da revelação divina e do dogma revelado nesse
69
período (SEGUNDO, 2000, p.278). Para ele, existem muitas semelhanças entre esses dois
grupos. Dessa forma, o processo pedagógico usado para elaboração do dogma do povo judeu,
também poderia servir de base para os povos bárbaros (SEGUNDO, 2000, p.278). Com isso,
os povos bárbaros deveriam ter a mesma oportunidade do povo judeu de entrar numa escola
de aprendizagem da experiência de Deus, tendo seus direitos de iniciantes respeitados. Para
efeito de comparação, J.L. Segundo apresenta dois pontos de semelhança entre o povo judeu e
os povos bárbaros:
Em primeiro lugar, a adoção da cristã pelos povos bárbaros não produz
nada semelhante a uma rápida e generalizada transformação dos costumes
violentos neles existentes, até então. Assassinatos, por um lado, e heróicas
virtudes, por outro, entremeiam-se, de maneira inusitada. A mesma mistura
de barbárie e humanidade que pauta a história de Davi e da sucessão ao
trono, da parte de Salomão, pauta também a desventura e, muitas vezes,
sangrentas sucessão dos primeiros reis cristãos, francos, visigodos e
lombardos (SEGUNDO, 2000, 278).
De acordo com esse primeiro ponto, podemos perceber que tanto os povos bárbaros
como o povo judeu provém de uma cultura onde a violência é um dado constante. Uma
educação por passos exigiria um gasto de energia muito grande. Talvez, em se tratando dos
povos bárbaros, por apresentarem o que agrada a Deus e o que lhe desagrada foi uma forma
de amenizar a situação de violência que predominava entre eles.
Em segundo lugar, e por pouco que se pense com muita relação com o
anterior, a escassez, ou melhor, a lentidão de tudo o que se faz (e se fará
durante séculos) para educar esses povos está centrada numa introjeção da
mais elementar moral cívica nas mentes de todos os membros da população.
Essa moral, no nível alcançado pela cultura desses povos, supõe, para tornar-
se interior, um tipo de aliança com Deus, semelhante àquela que os antigos
profetas pregaram em Israel. E, talvez, o mais importante uma interpretação
da experiência histórica como aquela que fez a deutoronomista com as
antigas memórias relativas aos juízes de Israel, anteriores a monarquia. Com
a conhecida sequência: Israel esquece Iahweh, Iahweh envia inimigos
poderosos que suscitam crises em Israel, Israel em crise volta para Iahweh,
Iahweh suscita um caudilho (juiz) libertador de seu povo... Esse será o
sentido daquilo que, agora, se chama a Providência (como antes se chamava
Aliança) (SEGUNDO, 2000, p.279).
Esse segundo ponto mostra que os povos bárbaros o sofreram as crises necessárias
para receber a revelação de Deus. Foram-lhe impostos dogmas prontos para que vivessem
sem ao menos questioná-los. Foram vítimas de uma pedagogia apressada da aprendizagem de
primeiro grau em que a educação se deu com o simples depósito do conteúdo religioso na
cabeça deles. Tendo em vista esse problema pedagógico da igreja, J.L. Segundo lamenta:
Os povos bárbaros tinham que fazer seu caminho, o dogma não lhes podia
ter caído do céu. Tinha que se enraizar nos problemas que se ofereciam à sua
70
experiência assim como aconteceu com Israel. E, produzir, como é lógico,
coisas imperfeitas e transitórias (DV 15). Ou dizendo melhor, coisas que
agora se sabe que são imperfeitas e que serão transitórias... que mesmo
os erros se explicam pela necessidade pedagógica, pois Deus não ia
cometer o defeito do pedagogo apressado (2000, p.281, grifos do autor).
Esse é um fato que J.L. Segundo destaca com frequência no processo de revelação. A
experiência, o aprender a aprender a ser humano, faz falta na caminhada de um povo. Esse
início de aprendizagem, que requer uma atenção especial do pedagogo, pois a pessoa ainda
está numa infantil, não foi observado, foi nula para os povos bárbaros. Nesse ponto, J.L.
Segundo ressalta que os primeiros povos bárbaros, que se tornaram cristãos, receberam
imediatamente uma formação teológica, que no processo veterotestamentário, a pedagogia
divina gastou oitocentos século para preparar (2000, p.285). Nesse caso, J.L. Segundo
esclarece que houve dois equívocos: um trata da igreja que tem as respostas prontas e agiu
como uma pedagoga apressada dando as respostas antes de os povos bárbaros fazerem as
perguntas; outro são os povos rbaros, com suas expectativas, fazerem perguntas antes de
cognitivamente terem capacidade de entender o conteúdo das respostas:
Assim, não se trata apenas de a igreja docente ter ignorado esse papel ativo
no educando e, com isso, ter abusado de sua passividade. Esses povos não
foram passivos na aquisição de sua fé cristã. Mas, em sua fascinação por um
império ambicionado, a curiosidade acabou por levá-los a perguntar por
coisas julgadas tanto mais maravilhosas quanto mais ficavam fora de sua
compreensão (SEGUNDO, 2000, p.282).
Sendo assim, o docente precisa estar atento à hora oportuna de responder como o
discente de perguntar. O mesmo se pode dizer da conquista hispano-portuguesa dos povos
pré-colombianos e dos escravos africanos
45
trazidos para ao continente americano. Eles
também sofreram com a pedagogia apressada. Com relação a esses povos J.L. Segundo faz a
seguinte observação:
[...] a pedagogia adiantada e imposta corta, violentamente um processo
autóctone. que o povo continua pensando. Como não se lhe mais
oportunidade de levar a prática o que pensa, é a imaginação que transborda,
sem controle. É sem gerar experiência, a não ser num processo lentíssimo. A
teologia que quer estar junto desse povo volta, então, atrás e até muito
atrás sem conseguir encontrar com o processo vital que, nesse caso, se
barbarizou (SEGUNDO, 2000, p.290).
Vimos até aqui que a evangelização dos chamados povos bárbaros não respeitou as
etapas de uma aprendizagem de segundo grau em que se aprende a aprender a ser humano,
mas foi feita às pressas, numa linguagem de primeiro grau. Há a possibilidade de que o que
45
Os escravos eram batizados e catequizados rudemente nos navios que os traziam para o Brasil por
missionários jesuítas e franciscanos, ou então nos portos de desembarque. Eram feitos cristãos à força. Recebiam
o nome cristão. Até o sobrenome era mudado. Perdiam a sua identidade (WILGES, 1994, p.122).
71
foi aprendido não tenha um valor qualitativo na vida deles, portanto não houve a mudança
prevista e eles continuaram sendo violentos diante da sociedade.
2.3 DIÁLOGO E TRANSFORMAÇÃO NO PROCESSO DE REVELAÇÃO
Estamos falando de um método pedagógico da revelação divina presente na teologia
segundiana: aprender a aprender a ser humano. Essa metodologia divina proposta por J.L.
Segundo afirma que a revelação não é depósito de verdades fechadas, então ela pressupõe
uma ação dialógica de Deus com o ser humano. No processo de aprender a aprender a ser
humano, o criador abre espaço para que sua criatura formule seus questionamentos e dialogue
com ele. Por isso, é nesse diálogo que a metodologia de aprender a aprender a ser humano se
faz necessária. O questionamento dirigido ao criador faz parte de uma crise, como já dissemos
antes. Essa crise, pode-se dizer, desestabiliza a criatura e ela quer respostas para tal
acontecimento. Supomos que as respostas não possam ser superficiais, pois a metodologia
empregada é justamente para que a pessoa supere suas crises e aprofunde em suas causas
reais: isso requer tempo, diálogo e compreensão da crise. Nesse sentido, J.L. Segundo diz que:
O Deus da Bíblia, o Deus cristão, não se tem nunca revelado aos seres humanos a não
ser numa única linguagem que esses podiam entender: o desse antes e depois onde o
afeto e a atuação do ser humano se torne história. O Deus eterno chama os seres
humanos a dialogar com ele dentro dessa história. Sabemos que todo o universo foi
criado para que esse diálogo possa existir, ou seja, para que cada resposta do ser
humano a Deus, seja antes apaixonadamente guardada e em seguida respeitada
(SEGUNDO, 1995, p.553-4).
Dentro de um processo dialógico de Deus com o ser humano, as coisas não podem
ficar acabadas, prontas. Se Deus chama o ser humano para dialogar dentro da história, o
diálogo é constante, pois a história não pára. Se a história não pára é porque os seres humanos
continuam nascendo, vivendo e morrendo. E, nessa trajetória, Deus dialoga com seu povo.
Chega-se à conclusão de que o mais importante dessa reflexão de J.L. Segundo é que o
universo foi criado para que esse diálogo pudesse existir. Por isso, J.L. Segundo também diz o
seguinte:
[...] quem faz teologia bíblica sabe que os ouvidos ainda não estão
acostumados a escutar certas coisas. E a aceitá-las, apesar de que o processo
de aprender a aprender, o processo de uma pedagogia que não acumula
informações, mas que ajuda o homem a aprofundar-se em seus problemas e
resolvê-los através de uma experiência cada vez mais acertada e complexa, é
muito mais humano e, consequentemente, mais digno de Deus do que tarefa
de ditar (2000, p.85).
72
De fato, para quem está acostumado a ouvir que a revelação de Deus é um depósito de
verdades fechado, soa estranho saber que ela é um processo de aprender a aprender a ser
humano. Mas, em se tratando de humanidade, o depósito de verdades fechadas está
equivocado. A cada tempo as pessoas têm seus questionamentos para os quais, supomos,
precisam de respostas. Os questionamentos podem até ser os mesmos, mas as respostas
precisam ser adequadas a cada pessoa, a cada povo, pois esses são diferentes. Nesse sentido
J.L. Segundo esclarece que:
[...] Deus mesmo aparece diferente segundo as diferentes situações de seu
povo. Isto significa muito mais do que uma preocupação por ressuscitar o
contexto concreto de cada palavra de Deus. Se Deus apresenta sempre
diferentemente, a verdade a respeito dele deve ser diferente também (1978b,
p.40).
Então podemos falar que a palavra reveladora de Deus é sempre nova, uma novidade
para seu receptor. Andrés Torres Queiruga acrescenta, por sua vez, que, pelo fato de a
revelação ser um processo, ela se identifica com a história do ser humano avançando em seu
avanço e realizando em sua realização. Por isso a revelação é sempre palavra nova para o
homem (1995, p.200). Sendo assim, é oportuno dizer que a renovação constante da revelação
divina dá a ela o caráter de novidade. Dessa forma, ela não é palavra ultrapassada que uma
vez ouvida por uma geração é descartada pela outra. Para isso ela precisa ser reformulada.
Mais adiante apresentaremos os motivos que levam a revelação a precisar de reforma.
Nessa reflexão sobre a renovação da revelação, necessário se faz acrescentar que, uma
vez que estamos falando de revelação, aquilo que é revelado, a tradição da Igreja Católica o
denominou de dogma. Em si, o conteúdo da revelação é dogma. Eduardo Gross, seguindo o
pensamento de J.L. Segundo, diz que os dogmas são representações simbólicas dos valores
de uma determinada tradição. Eles o são simplesmente fórmulas fixas de caráter mágico ou
misterioso, mas memória histórica de uma fé religiosa aberta à experiência do presente a
partir da tradição
46
(GROSS, 2000, p.132). Gross esclarece que o dogma visto nessa
perspectiva de J.L Segundo é um convite a superar a visão de dogma como um conteúdo
racional, transmitido ao povo numa aprendizagem de primeiro grau, numa linguagem digital.
Como o mesmo J.L. Segundo esclarece, o dogma é algo que se entende mal, é uma espécie
de freio para afiançar a fé, porque é uma coisa a qual não experimenta, senão a qual se
pronta (CORONADO, 1998, 69). Por isso, é muito importante libertar as pessoas dessa
46
Cf. SEGUNDO. O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré, vol. I, p. 97-8. Segundo apresenta o conceito de dogma em suas
reflexões de um modo amplo possibilitando o leitor ter uma outra visão do dogma enquanto limite negativo na caminhada do
povo.
73
concepção errada do dogma e le-las a pensar e a fazer experiências por si mesmas, como
afirma J.L. Segundo. Para que essas representações simbólicas manifestem uma tradição viva,
precisam de constante reformulação. Gross, seguindo o pensamento de Segundo, apresenta
quatro motivos pelos quais o dogma precisa ser reformulado:
Em primeiro lugar, a força expressiva do tempo que compõe um dogma
muda conforme o contexto histórico e local. Em segundo lugar, a verdade
não aparece toda de uma vez para sempre; é necessário que, a partir da
experiência da fé frente à realidade, o crescimento na possibilidade de
expressão de valores significativos se reflita na simbolização operada pelos
dogmas. Em terceiro lugar, cada representação dogmática utiliza uma
moldura filosófica determinada, de modo que o aprofundamento da
cosmologia, da antropologia, ou de qualquer elemento que constitua tal
moldura implica a necessidade de transformar a simbolização anterior. Em
quarto, é necessário que os dogmas representem valores existenciais que
respondem a anseios humanos concretos; quando a possibilidade de
expressão desses valores ou quando as preocupações concretas se
modificam, é necessário que os dogmas acompanhem tal transformação. Por
isso, o amadurecimento humano necessita de uma evolução dogmática
correspondente (GROSS, 2000, p.131).
Com a apresentação desses quatro motivos pelos quais o dogma precisa ser
reformulado, podemos perceber que, em se tratando de uma pedagogia divina, está aí o
motivo pelo qual Deus não pode fazer da revelação um depósito de verdades fechadas,
decreto eterno. Se o fizer, não está levando em consideração as gerações que ele criou e a
diversidade de povos que ocupam os diversos espaços geográficos desse mundo.
J.L. Segundo diz que a revelação do dogma acontece na vida das pessoas. Ela faz parte
da história do povo: não conhecimento ou ensinamento sobre Deus num plano abstrato.
Deus revela agindo (1976b, p.51). Com base nessa afirmação segundiana, podemos dizer que
a revelação dogmática não é algo isolado: Deus não revela fora da história para alguém fazer
uso do que Deus falou e transmitir para o povo. Isso não é a revelação do Deus judeu-cristão:
Deus fala com o povo. O termo com já nos adverte que Deus não fala sozinho. O termo com
exige um complemento e esse complemento pode ser o povo, um profeta ou alguém
semelhante. Os relatos dos textos sagrados sempre nos apresentam Deus falando com alguém
e vice-versa. Queiruga nos ajuda a refletir sobre essa questão ao afirmar que a revelação
dogmática não tem de entrar na vida do homem, visto que é a presença viva daquele mesmo
que está sustentando seu ser, suscitando sua liberdade e empurrando sua história (1995
p.154-5). Além disso, ele também diz que Deus o precisa chegar ao homem, porque está
sempre com ele. Por isso, para o homem a revelação efetiva é sempre uma experiência
realizada, algo com o qual se encontra no mesmo ato de tomar consciência dela: é aperceber-
74
se de que alguém já está presente, falando, perdoando, animando, interpelando... (1995,
p.155).
Além disso, para Queiruga a revelação de Deus tão-somente na resposta do homem
se faz realidade concreta (1995, p.200). Sendo assim, podemos dizer que, para o ser humano
respondê-la, ela precisa fazer sentido na vida dele. Vale, então, lembrar o processo de
aprender a aprender a ser humano e o que discutimos antes sobre a busca de um significado da
vida no processo de aprendizagem que o leve a acreditar que vale a pena apostar no que ela
diz. Se Deus revelou que Cristo morreu para nos salvar, que significado essa morte de Cristo
tem para o cristão hoje? Cristo morreu para nos salvar de quê? Tudo isso precisa estar bem
integrado na vida de quem recebe a revelação. o basta ser uma aprendizagem de primeiro
grau, como diz J.L. Segundo, um depósito de um conteúdo sem que ocorra uma
aprendizagem. Por isso é que Deus dialoga com o ser humano no processo da revelação. Ele
quer fazer-se entendido. Sua Palavra-reveladora precisa tornar-se concreta na ação humana.
Murad, seguindo o pensamento de Segundo, enfoca que a palavra só significa quando
ilumina hoje a experiência real (2003, p.155). Além disso, podemos dizer que o povo
necessita compreender a palavra de Deus para que ela tenha sentido na existência dele. Com
relação a essa reflexão, J.L. Segundo diz o seguinte:
O mero fato, a mera atuação de Deus não o revela se a significação dessa
ação não for compreendida. É preciso que Jesus ensine o que significa a sua
atuação. A narração não interpretada não basta para revelar-nos a Deus. Os
que crucificaram a Cristo não viram outros fatos senão os que os apóstolos
viram e, no entanto, não interpretaram esses fatos e não conheceram o Deus
que neles se revelava (1 Cor. 1: 22
47
; 2: 8
48
e 14
49
). (1976b, p.51).
J.L. Segundo, como teólogo, sempre procurou descobrir uma teologia que tivesse um
sabor de vida. Toda caminhada da teologia clássica mostrava nuanças de algo que estava
mais preocupado em manter o status de uma instituição do que levar ao povo a verdadeira
revelação de Deus. Por isso, é muito comum em seus textos ele voltar sempre à tese de que a
palavra Deus precisa ter um significado na vida das pessoas. Não basta só falar que é de Deus.
Esse Deus, do qual se está falando, fala com um povo concreto, e essas palavras precisam ser
traduzidas em gestos concretos. Por esse motivo ele nos diz que aquilo que chamamos
47
Os judeus pedem sinais e os gregos procuram sabedoria [...].
48
Nenhuma autoridade do mundo conheceu tal sabedoria, pois se a tivessem conhecido não teriam crucificado o Senhor da
glória.
49
Fechado em si mesmo, o homem não aceita o que vem do Espírito de Deus. É uma loucura para ele, e não pode
compreender, porque são coisas que devem ser avaliadas espiritualmente.
75
milagres de Jesus eram, na realidade, como nos diz o Evangelho, sinais, isto é, atos
significativos, atuação que falava por si mesma revelando aquele que a fazia (SEGUNDO,
1976b, p.50-51). Portanto, é de fundamental importância saber interpretar os sinais de Deus.
Numa aprendizagem de segundo grau, a palavra de Deus necessita ser estudada, pois a
interpretação da história da revelação divina na caminhada dos antepassados precisa chegar à
humanidade no contexto de hoje.
Podemos, pois, dizer que a revelação de Deus se compõe necessariamente de
dois elementos inseparáveis: uma narração e uma interpretação. A primeira
apresenta um fato: a ação de Deus no mundo dos homens. A segunda
interpreta esse fato desvendando o seu significado: uma atuação que revela a
Deus e ilumina, ao mesmo tempo, a nossa existência (SEGUNDO, 1976b,
p.51).
J.L. Segundo também diz com frequência que a revelação é possível porque Deus
caminha com seu povo e, nesse caminhar, o diálogo acontece. O diálogo se torna impossível
se Deus está nas alturas e o povo na Terra (SEGUNDO, 2000, p.146). Para dialogar, é preciso
estar juntos, sofrer juntos e estar apaixonado pelo povo. Fora disso não se tem diálogo e a
revelação torna-se impossível, porque o povo não vai entender nada. Se ninguém entende,
para que falar? Então Deus se aproxima do povo para revelar sua mensagem, para ensiná-lo a
proceder com Sabedoria. Que atitude tomar diante dos acontecimentos da vida? O povo
precisa de orientação diante de tudo isso e um Deus que conhece o mais íntimo do ser
humano
50
é que pode dizer faça isso e o aquilo. É esse o Deus que J.L. Segundo procurou
mostrar para o povo durante o tempo em que se pôs a libertar a teologia de esquemas que
apresentam uma religião muito separada da vida das pessoas
51
.
Não dúvida de que a mentalidade de Deus bíblica é muito diferente.
Apresenta-nos um Deus apaixonado, sofrendo com os sofrimentos de seu
povo, esvaziando-se a si mesmo para assumir a condição e a história dos
homens, amando até a morte, alegrando-se desproporcionalmente com o
arrependimento de um só pecador... (SEGUNDO, 1978, p.53)
Se o Deus que revela é um Deus que caminha com o povo, que faz história com o
povo, a revelação também é histórica. Ela também caminha e faz história junto com o povo.
Imaginar um povo caminhando sem a revelação de Deus que o orienta na superação das crises
parece algo impossível dentro de um universo religioso. Nesse sentido, enquanto houver
povo, a revelação torna-se necessária para orientá-lo, mas não uma orientação de cima para
50
Cf. O salmo 139 principalmente os versículos 14 e 15.
51
Cf. Gutierrez, na contracapa do livro Uma teologia com sabor de vida, diz que Segundo Sempre se preocupou com o divórcio entre
a fé e a vida. Por isso sua obra esteve sempre centra nesse assunto capital.
76
baixo como já dissemos. O Deus-amor, que tem tempo, doa-o para quem ele ama. E o objeto
do amor de Deus é seu povo. Não um povo exclusivo, mas a humanidade toda:
A revelação dá aos que compreendem e aceitam pela fé a consciência reflexa
do que antes era só espontâneo. Esse mundo não se compõe de homens que
caminham pelo caminho do erro até a morte, enquanto que uns poucos
tiveram a sorte de conhecer a verdadeira estrada e caminham por ela até a
salvação. Não. Todos percorrem o mesmo caminho. Uns com uma confiança
cega, seguindo o coração (Rm 2, 14ss). Outros ouviram, acreditaram e
sabem. Não sabem tudo, evidentemente, mas sabem, por exemplo, de onde
vem e para onde vai essa força mais profunda e unânime que existe no
coração dos homens e que põe em marcha a humanidade. E aprenderam
dessa revelação muitas outras coisas sobre as exigências e as condições de
um amor autêntico. Não sabem tudo. Continuaram necessitando do que os
outros sabem. Porém sabem o bastante para ajudar. E para isso lhes foram
dado o que sabem (J.L. SEGUNDO, 1970, p.48).
J.L. Segundo fala que Deus, ao revelar, utiliza uma linguagem compreensível ao ser
humano. Tendo como objetivo levar o receptor a aprender a aprender a ser humano, a
mensagem divina, ao lhe ser enviada, precisa levá-lo a ser capaz de enfrentar novas situações
a partir do que recebeu. Ou melhor, essa revelação precisaria provocar uma mudança
qualitativa na vida desse receptor, por isso ela deve ser compreensível para ele. Sobre esse
mesmo prisma, J.L. Segundo nos leva a entender que
a mensagem comunicada deve cair dentro de um marco compreensível e
interessante para o ser humano. Seria inútil, então, pretender conceber uma
palavra de Deus dirigida ao ser humano que não estivesse expressa na
linguagem dos homens, ou que não conseguisse chamar atenção deles para
algum valor perceptível derivado do fato de conhecê-la (SEGUNDO, 2000,
p.396).
Pressupomos, então, que Deus ao falar com o ser humano utiliza uma linguagem
humana para que ele possa compreender. Isso nos leva à hipótese de que Deus quer ser
entendido e, para ser entendido, ele precisa falar numa linguagem compreensível ao seu
receptor. Quando duas pessoas falam e se entendem, acontece um diálogo, não de um ser
superior que quer comunicar uma mensagem extraordinária ao mundo, de um Deus-amor que
caminha com seu povo e dialoga com ele ouvindo e respondendo de acordo com suas
necessidades.
Seguindo o pensamento de J.L. Segundo, Sung diz que revelação que não nos leva a
conversão constante, mudança/aprimoramento constante de nossas vidas, não é revelação no
sentido cristão (2005, p.73). Para entender melhor essa questão, Sung parte do pressuposto
de que a revelação de Deus é um processo de comunicação, a qual começa a se
estabelecer quando o receptor percebe que uma diferença transmitida afeta ou muda a sua
forma de ver o mundo, sua conduta ou até mesmo sua própria vida. Em outras palavras,
77
ocorre uma revelação quando uma diferença faz diferença
52
na vida das pessoas ou dos povos
(SUNG, 2005, p.73). Se a mensagem comunicada é um fato comum na vida do ser humano
que para ele não significa nada, não é visto como uma diferença. Para ser diferente, a
mensagem enviada precisa partir de um plano em que o receptor, ao recebê-la, nota que ela é
diferente das demais. Por quê? Porque essa mensagem enviada vem em resposta a seus
questionamentos, como já dissemos antes, e por isso é diferente. No momento de crise ele
perguntou e Deus enviou uma mensagem que veio ao encontro do que ele precisava ouvir. Aí
está a diferença: a mensagem enviada era a que ele precisava ouvir e, ao ouvi-la, ele
modificou o que precisaria em sua vida, então fez diferença: modificou vida da pessoa. Uma
vez que provocada essa mudança, que foi significativa para ele, será capaz de multiplicá-la.
Aconteceu aqui uma aprendizagem de segundo grau. O que o educando aprendeu teve uma
mudança qualitativa em sua vida, levando-o a repassar o aprendido. Há aqui a possibilidade
de essa mensagem repassada também causar uma mudança qualitativa na vida das pessoas se
vier ao encontro das respostas das crises delas.
Então, J. L. Segundo diz que se não compreensão da mensagem, a (presumida)
diferença não chega a ser percebida (2000, p.396). A diferença será percebida a partir do
momento em que o receptor entende a mensagem. Se o receptor entende a mensagem, há
possibilidade de dialogar sobre ela e, consequentemente, como disse Sung, contribuir para o
processo de conversão do receptor.
Podemos dizer que Sung, seguindo o pensamento de J.L. Segundo, apresenta a
revelação como condutora do ser humano no processo de conversão e este, como anunciador
da revelação de Deus, pode até modificar a vida de outros seres humanos. Por sua vez, Afonso
M. L. Soares diz que a revelação não é algo que constitua uma verdade, sem antes
transformar a vida histórica do ser humano. Essa verdade comunicada é possuída à medida
que se consiga convertê-la em diferença humanizadora dentro da história (2003 p.156-157).
Para maior compreensão dessa temática, Queiruga acrescenta que Deus se manifesta
enquanto ajuda a transformar o mundo; o critério decisivo não é a ortodoxia, mas a
ortopráxis’” (1985, p.94). Isso equivale a dizer que não é o seguimento de uma doutrina dita
como verdadeira, mas a práxis correta (humanizante), a verdade final. Por isso, J.L. Segundo
diz que a teologia joanina, essa não se possui, faz-se (cf. Jo. 3: 21
53
; 1Jo. 1: 6
54
). Não é uma
52
A expressão enviar uma diferença que faz diferença é um termo apropriado de BATESON, G. Pasos hacia una ecologia de la
mente. Trad. Cast. Buenos Aires, Carlos Lohé, 1972, p.487-495.
53
Mas quem age conforme a verdade se aproxima da luz para que suas ações sejam vistas, porque são feitas como Deus quer.
78
verdade que possa caber num livro (e menos, diria, em muitos), nem numa fórmula, nem na
perfeição de um saber. É a verdade feita, posta em ação (2000, p.399). Também é válido
acrescentar que para J.L. Segundo
até que a ortopráxis se torne realidade, não importa o quanto seja efêmera e
contingente, o cristão não sabe ainda a verdade. Deve, pois, e por um
imperativo da consciência moral unir-se aos demais homens (cristãos ou não
cristãos) para buscar a verdade. Não apesar da revelação, mas pela própria
natureza da revelação (2000, p.399).
Temos aqui um elemento importante na mensagem da revelação que vale a pena
investigar com mais acuidade. A revelação tem como objetivo transformar o mundo, torná-lo
mais humano. Essa mudança pode acontecer dentro de um processo de conversão do ser
humano. Se for um processo, ele requererá tempo, disponibilidade, aprendizagem. Somente,
portanto, quando ocorrer essa aprendizagem é que a mudança pode acontecer. Então, essa
transformação do mundo, essa humanização das pessoas é algo que precisa acontecer
constantemente para ele responder a sua vocação ontológica de Ser Mais, como já vimos na
pedagogia de Paulo Freire (cf. FREIRE, 1975, p.106). Uma vez que pare esse processo, o ser
humano pode regredir ao ser menos desumanizador, o que impede que ele acredite que é
capaz de criar e recriar esse mundo, de transformar o que não condiz com a dignidade
humana.
Já vimos no primeiro capítulo que, de acordo Paulo Freire, o diálogo é uma
comunicação horizontal de uma pessoa em relação a outra. Nesse fazer dialógico não existe
alguém que saiba mais para dominar o outro que saiba menos e manipular a comunicação a
seu favor. Por isso, Freire fala que para dialogar é preciso que haja condições. Para o diálogo
ser verdadeiro é preciso de amor, fé no ser humano, humildade, esperança, confiança e pensar
verdadeiro (verdadeiro) (FREIRE, 1981, p.10). Sem esses requisitos o diálogo fica
comprometido.
Essas mesmas condições para dialogar apresentadas na pedagogia dialógica defendida
por Freire podem ser aplicadas na teologia de J.L. Segundo. Deus, ao se comunicar com o ser
humano, estabelece essa comunicação num plano horizontal. Logo, não um Deus todo
poderoso que comunica algo extraordinário para os seres inferiores se sentirem amedrontados
e realizar o que ele deseja; mas um Deus que ama e estabelece um diálogo em que o ser
humano busca uma resposta para suas crises e, nessa busca, Deus vai ao seu encontro para
54
Se dizemos que estamos em comunhão com Deus e no entanto andamos em trevas, somos mentirosos e não colocamos em
prática a verdade.
79
verificar o que de fato está acontecendo. Estamos falando, portanto, de um Deus-humildade
que acredita no ser humano, por isso vai ao seu encontro. Tal encontro dialógico possibilita ao
ser humano ter esperança numa nova chance de retomar sua vida e confiar em dias melhores.
Talvez um novo elemento possa ser acrescentado a esse processo de revelação em que
o ser humano aprende a aprender a ser humano. No diálogo de Deus com o ser humano, Deus
comunica uma diferença que faz diferença e, ao fazer diferença, ela transforma a vida da
pessoa. Uma vez que a pessoa aprofundou-se no real fator de suas crises, consequentemente
pode haver uma transformação em sua vida, e, como já dissemos antes, a revelação só é válida
quando leva o ser humano à mudança de horizonte em sua vida, à conversão constante.
Pressupomos que, enquanto Deus e o ser humano dialogam, dialogam para transformar o
mundo primeiro uma mudança pessoal e depois comunitária. Estaríamos falando aqui na
vocação para libertação criadora do ser humano. Deus-amor, ao criar o mundo, deixou-o
incompleto para que o ser humano, na sua liberdade pudesse dar continuidade à obra da
criação.
2.4 AMOR AO PRÓXIMO E ECONOMIA DE ENERGIA
No primeiro capítulo, foi tratado o tema do amor como elemento importante da
pedagogia dialógica defendida por Paulo Freire. Para Freire, o amor é um dos fundamentos
onde o diálogo se apoia. Temos condições para dialogar com alguém quando a amamos e, a
partir disso, pode-se afirmar que quem ama assume compromisso com o ser amado. Nesse
segundo tópico deste capítulo, abordaremos o tema Deus-amor e o ser humano com sua
liberdade criadora na teologia de J.L. Segundo.
J.L. Segundo foi um teólogo que sempre procurou dialogar com outras áreas do
conhecimento. Em seu livro Que mundo? Que homem? Que Deus?, por exemplo, ele faz
um diálogo da teologia com a ciência e com a filosofia. Para tratar do tema do amor, ele
também dialogou com autores de outras áreas.
Iniciemos essa discussão sobre o amor, partindo do mandamento amar o próximo
como a ti mesmo (Lv. 19: 18)
55
. J.L. Segundo afirma que o texto bíblico esclarece que o
próximo é teu irmão, teu compatriota (v. 17 a-b)
56
, e os filhos do teu povo (v 18 a)
57
. Isso
55
Ame o seu próximo como a si mesmo. Eu sou Javé.
56
Não guarde ódio contra seu irmão. Repreenda abertamente o seu concidadão, e assim você não carregará o pecado dele.
57
Não seja vingativo, nem guarde rancor contra seus concidadãos.
80
significa que o próximo são as pessoas que de fato são próximas, ou parentalmente ou
geograficamente. O mandamento exige um amor somente aos que estão próximos por um
motivo ou por outro. Fica evidente que se trata de um amor egocêntrico (amar somente
aqueles que estão próximos). Mas J.L. Segundo esclarece que essa lei foi estabelecida dentro
de um contexto de crise do povo no exílio. Por isso ele diz que sem maiores elocubrações
psicológicas, é exigido ao israelita: que [...] inclua no círculo de seu egocentrismo aqueles que
têm os mesmos interesses e defendem as mesmas coisas que ele (SEGUNDO, 1995, p. 196).
Além disso, também é válido acrescentar que situado o preceito em seu devido contexto, não
pareceria exigir a ruptura da estrutura egocêntrica fundamental, mas que o eu percebe que esta
se fortalece com a inclusão afetiva daqueles que podem ajudar na obtenção dos valores que o
eu estabeleceu como próprios (SEGUNDO, 1995, p.196). Internalizada universalmente, essa
lei restringe o campo relacional amoroso. Isso, de certa forma, impede o ser humano (que
segue a lei mosaica) de ampliar seu espaço de relações amorosas. É pertinente, portanto,
referirmo-nos à economia de energia em que cada pessoa tem que restringir o seu campo
relacional amoroso. A respeito dessa economia de energia, J.L. Segundo, ao estudar esse
assunto em outras áreas do conhecimento, constatou que:
A psicologia, a biologia, a física mostram com clareza que o amor, como
qualquer outra atividade humana ou natural deve ser compreendido dentro
de um quadro de economia de energia existente. [...] se amamos realmente
um número determinado de pessoas, não podemos incorporar outras pessoas
dentro do nosso amor sem distribuir de outra maneira a mesma energia
disponível, isto é, sem deixar sem energia certas áreas de nosso amor pelo
primeiro grupo de pessoas (SEGUNDO, 1978b, p.173).
Estamos diante de um impasse muito grande: aprendemos que devemos amar sem
medidas e J.L. Segundo está nos levando a refletir que o amor tem seu limite. Não damos
conta de amar todo mundo, pois não temos energia suficiente para um amor universal. E isso
é compatível com o que refletimos antes sobre o mandamento de amar o próximo como a ti
mesmo. Esse amor ao próximo estabelece limite para o amor, uma vez que próximo era o
que estava próximo por ser parente ou por ocupar o mesmo espaço geográfico. Nesse sentido,
J.L. Segundo diz que a eficácia do amor, quando dispõe de uma determinada quantidade
de energia, requer uma prudente distribuição energética, obviamente limitada, assim como
dolorosas opções muito parecidas as do egoísmo (1978b, p.177). Não temos energia
suficiente para distribuir a milhões e milhões de pessoas que habitam os cinco continentes do
mundo. Se quisermos amar a todos os pobres do Brasil, mesmo assim não teríamos energia
81
amorosa para distribuir a mesma quantidade para cada um. Esse fato nos leva a perceber a
nossa limitação humana diante do amor. Para tanto, J.L. Segundo ressalta que:
Se nosso amor pela humanidade em geral permanece vago e ineficaz, isso
não se deve simplesmente a nosso egoísmo, mas a condição humana dentro
da qual cada pessoa somente tem uma quantidade de energia disponível.
Podemos fazer com ela infinitas combinações. O que certamente não
podemos fazer é aumentá-la, pelo menos em termos absolutos (SEGUNDO,
1978b, p.173).
Vemos a partir daí que a nossa condição de humanos não conta de amar a todo
mundo, mas estabelece um marco para englobar quem se deve amar ou não. Até aqui
mostramos que, na lei mosaica, esse marco é o próximo (parente ou conterrâneo) e não se
podia estender mais que isso. O estrangeiro já caía fora desse marco amoroso, não se tinha
mais energia para estender um pouco mais. Seguindo o pensamento de J.L. Segundo, Murad
diz que dentro de um quadro de economia energética existente, não se pode amar
concretamente a todos, dado que a energia humana é limitada. O amor progride a partir
daqueles que estão mais próximos (1983, p.90). Nesse caso, podemos até falar de um amor
mais profundo, uma vez que a energia que temos pode ser distribuída para um número mais
restrito de pessoas. Como, em se tratando de amor, supõe-se a necessidade de ser cultivado,
quando uma pessoa ama outra, esse amor exige determinados cuidados como, por exemplo,
estar juntos, que implica disponibilidade de tempo e predisposição para acolher a pessoa
amada. Já dissemos antes, quando tratávamos do amor philia, que Sponville ressalta que não
podemos ser amigos de todas as pessoas nem da maioria (1995, p.262). Acreditamos que é a
isso que a lei mosaica e as áreas do conhecimento citadas se referem quando estabelecem o
campo relacional estipulando ao ser humano certa cota de energia para amar. E o limite,
pressupõe-se, que é estabelecido conforme as condições que se tem para amar. Para o povo de
Moisés foi o exílio no qual eles se encontravam.
J.L. Segundo diz que nenhum homem pode amar eficazmente sem estabelecer limites
a esses núcleos de pessoas realmente por serem próximas. Somente aos poucos se passa a
conhecer os outros como pessoas (1976b, p.164). Essa citação de J.L. Segundo chama a
atenção para o fato de conhecer o outro como pessoa para poder amar. Podemos reportar aqui
a quem era considerado próximo na lei mosaica: o parente ou o conterrâneo. Pensamos que
isso não seja um fato isolado em se tratando da temática do amor. Se para amar exige-se
conhecer o outro, estar com ele, no contexto de mundo de milhares e milhares de anos atrás,
não se tinha contato com muitas pessoas como temos hoje. O estrangeiro, deduzimos, era o
muito distante. Amar a ele implicava em uma distância geográfica a qual, talvez, o povo de
82
Moisés não tinha condições de percorrer. Consequentemente, o estrangeiro era aquele que a
lei não exigia que amasse. E isso, de fato, estabelece certa coerência: como amar alguém com
quem não tenho oportunidade de estar junto constantemente?
Sendo assim é válido completar que se a nossa cota de energia amorosa der conta de
amar somente duas pessoas, que esse amor seja autêntico, verdadeiro, compromissado, e isso
é que faz o amor ser amor. À medida que conhecemos esses próximos, podemos amá-los com
mais intensidade ou esse amor perderá o seu potencial se nossa condição de humano julgar
necessário. Dessa forma, também, ao conhecermos outras pessoas, elas podem entrar em
nosso círculo amoroso se nossa condição de humano julgar possível. Diante dessa
constatação, Murad contribui, salientando que a economia de energia do amor supõe um
mecanismo que ajuda a manter uma multidão de pessoas fora dessa vizinhança ou
proximidade, em que se é capaz de exercer um amor eficaz (1983, p.90).
Sendo assim, queremos ressaltar dois pontos que sintetizam essa reflexão sobre o
amor: proximidade e distância. Para o povo de Moisés, o amor implicava proximidade
familiar ou geográfica. Fora dessa proximidade, a lei o era obrigatória; com isso, o
estrangeiro ficava fora dessa obrigação de amar. Percebemos aqui que o estrangeiro é o
distante. Se para amar a lei exige proximidade, o estrangeiro que está distante fica fora do
que a lei estabeleceu para o amor. Dentro dessa constatação, o estrangeiro não é amado. Essa
é a lei que o Antigo Testamento estabeleceu para o povo. E o Novo Testamento, o que
apresenta de novidade diante dessa lei do amor?
J.L. Segundo observa que, para Jesus, proximidade não é condicionamento do amor,
mas criação do amor (Lc 10, 36-37)
58
(1995, p.198). O amor que se tem por alguém é que
vai criar essa proximidade. Como exemplo dessa criação de proximidade, J.L. Segundo cita a
parábola que Jesus contou do bom samaritano e acrescenta que nada menos que aquele que
une um judeu com a pessoa mais longe dele no ambiente palestino: um samaritano
(SEGUNDO, 1995, p.198). J.L. Segundo destaca que, até aqui, Jesus não parece interessado
em mudar a fórmula do amor a si, o amor egocêntrico
59
. É lógico que ele apresenta um dado
novo em relação à proximidade, (o próximo pode ser qualquer pessoa independente de ser
parente ou morar no mesmo espaço geográfico), mas não exige o abandono do amor a si.
58
“’Na sua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? O especialista em leis respondeu:
Aquele que praticou misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vá, e faça a mesma coisa’”.
59
Lendo toda a parábola (Lc, 10: 25-37), observamos que Jesus não pede para o especialista em leis mudar a lei sobre amor que
ele aprendeu Ame o seu Deus de todo coração, com toda a sua alma, com toda a sua força e com toda a sua mente; e ao seu
próximo como a si mesmo.
83
Dessa forma, J.L. Segundo completa dizendo que o exemplo apresentado por Cristo na
parábola mostra que qualquer um pode utilizar as mil ocasiões fortuitas que se apresentam
para fazer de outro ser humano, e mesmo de um estrangeiro, um próximo (SEGUNDO,
1978b, p.174). Para José Comblin, o próximo é a pessoa do pobre, do marginalizado da
sociedade (2004, p.144-145) o que de certa forma corresponde às condições do samaritano
na época de Jesus. O judeu considerava o samaritano uma pessoa fora do seu relacionamento,
pois não pertenciam à mesma religião, ao mesmo espaço geográfico. Nesse sentido, tinha
práticas impuras e, consequentemente, um judeu ao se relacionar com um samaritano,
tornava-se impuro.
Até aqui não vimos nada de novo, apenas a mudança de conceito do que vem a ser o
próximo, mas o amor continua dentro de uma restrição relacional. Tanto Moisés como Jesus
falam de um amor egocêntrico, que exige proximidade, mas temos que levar em consideração
que até aqui discutimos uma lei e os dados de algumas áreas do conhecimento em relação ao
amor. Nesse caso, faltam dados teológicos para investigar outros campos de sentido que até
então não foi possível investigar por causa da delimitação que esses dois referenciais citados
estabeleceram. Resta saber, pois, o que a teologia traz de novidades que ajudem a ampliar a
reflexão sobre o amor egocêntrico. Como superar esse egocentrismo e partir para um amor
criador?
2.5 DEUS-AMOR E A LIBERDADE CRIADORA HUMANA
A novidade está na teologia joanina. João diz que Jesus falou: Esse é o meu
mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei, porque ninguém tem maior amor do
que aquele que dá a vida por seus amigos (Jo. 15: 12-13). Esse amor da teologia joanina
implica na doação da vida, um amor que vai muito além da proximidade geográfica e
familiar; vai muito além de socorrer alguém que está ferido. Esse amor é o ápice de uma
relação amorosa: doação de si, da própria vida. J.L. Segundo nos ajuda a refletir nessa questão
dizendo que o que é necessário é começar de novo uma análise fenomenológica do que é
esse amor que aparece como mandamento único do Novo Testamento (1978b, p.171).
Voltando à reflexão a respeito do limite do amor, faz-se necessário perguntarmos se
esse amor doação da própria vida também estabelece limites. Doamos a vida apenas para
aquele grupo no qual depositamos nossa cota de energia amorosa? Somos capazes de doar
nossa própria vida para o bem da humanidade? Esse é um ponto chave que nos permite passar
para um tipo de amor maior. J.L. Segundo deixa claro que a esse tipo de amor as fontes do
84
cristianismo veem como uma possibilidade estritamente divina como algo que supera todas as
possibilidades do universo, o fato de um ser limitado, indigente, miserável, poder, apesar de
sua pobreza, esquecer-se de si mesmo e dar-se (SEGUNDO, 1970, p.25). Então, podemos
falar de um amor divino, um amor de Deus.
Vimos antes que a tradição filosófica e teológica tem nos mostrado que há pelo menos
três tipos de amor: eros, philia e ágape. Para Sponville, o amor eros é incompletude, falta,
paixão (1995, p.252). Ao passo que philia é o amor quando desabrocha entre humanos, e
quaisquer que sejam suas formas, contanto que não se reduza a falta ou à paixão (Eros)
(SPONVILLE, 1995, p.274). Ágape é esse amor que o é nem falta nem potência, nem
paixão nem amizade, esse amor que ama até seus inimigos, esse amor universal e
desinteressado (SPONVILLE, 1995, p.290).
Nessa reflexão sobre o amor, J.L. Segundo recorre às noções de amor Ágape e Eros
para mostrar seus opostos. Segundo esclarece que as línguas europeias modernas não possuem
um termo para diferenciar esses dois tipos de amor, ao passo que as Bíblias nascidas na terra
cristã resolveram essa problemática estabelecendo o termo amor para Eros e caridade para
Ágape. Porém, às vezes a palavra caridade fica tão vazia, pois pode ser confundida com
esmola, que as Bíblias modernas decidiram optar pela palavra amor, apesar da ambiguidade
(SEGUNDO, 1995, p.199). J.L. Segundo diz que eros procura atrair a outra pessoa,
apoderar-se dela, ou dela usufruir (SEGUNDO, 1995, p.198). Ao contrário, no amor ágape
o afeto impele a dar a outra pessoa coisas de nossa propriedade, ou até mesmo uma parte ou
a totalidade de nossa vida (SEGUNDO, 1995, p.198-199). Então, podemos chamar esse
amor de Deus de Ágape: amor doação da própria vida. Em relação a esse amor de Deus, J.L.
Segundo faz a seguinte reflexão:
Amar de verdade [...] é fazer-nos vulneráveis, sensíveis às penas e alegrias
daqueles a quem amamos. Deus é assim, diz-nos São João. Porém se é
assim, tudo que fazemos para um homem qualquer a quem Deus ama dessa
forma afeta a Ele. Afeta a ele na mesma medida, porque precisamente seu
amor não é limitado, não vai até certo ponto, não põe amortecedores entre
Ele e o homem que ama. Nenhum amor real, visível, efetivo, nenhum
egoísmo real, visível, efetivo se perde no homem que é o seu objeto
imediato: tudo chega a Ele que ama esse homem. Não põe efeito de uma
segunda intenção, não por incluir esse ato num por amor de Deus, mas por
causa dessa solidariedade que todo amor verdadeiro cria (SEGUNDO, 1977,
p.28).
Paul Tillich comenta que, no Novo Testamento, a palavra ágape é usada para definir o
amor de Deus, mas usa-se esse mesmo termo para designar o amor de um ser humano para
com o outro, além do amor do ser humano para com Deus. O que de comum nessas três
85
relações de amor (TILLICH, 1967, p.234)? Na realidade, são apresentados três tipos de
relacionamentos, mas não três tipos de amor. o amor de Deus para com o ser humano; o
amor do ser humano para como Deus; e o amor de um ser humano para com o outro. Não
seria um equívoco usar o mesmo termo para conceituar amores muito diferentes? Para mostrar
que há algo em comum nos três tipos de relacionamentos amorosos apresentados
anteriormente, Tillich argumenta que o desejo está presente em cada um deles:
Deve-se comparar o tipo ágape com os outros tipos [...]: amor como libido é
o movimento da necessidade em direção aquilo que satisfaz sua necessidade;
amor como philia é o movimento do igual em direção a um outro igual;
amor como eros é o movimento daquele que é inferior em poder e sentido
para aquele que é superior (TILLICH, 1967, p.234).
Tillich mostra que o amor ágape é muito diferente de eros e philia. É um amor livre
que não depende do ser amado para amar:
Todo amor, exceto o ágape, é dependente de características contingentes que
mudam e são parciais. É dependente de repulsa e atração, de paixão e
simpatia. Ágape é independente desses estados. Ele afirma o outro
incondicionalmente, isto é não obstante qualidades superiores ou inferiores,
agradáveis ou desagradáveis. Ágape une o amante e o amado por causa da
imagem de plenitude que Deus tem de ambos. Portanto o ágape é universal;
ninguém com quem é possível tecnicamente é preferido. Ágape aceita o
outro apesar de sua resistência. Ele sofre e perdoa. Ele busca a realização do
outro. [...] busca o outro por causa da unidade última de ser com ser dentro
do fundamento divino (TILLICH, 1967, p.234-235).
Observa-se que ágape é descrito como um amor livre e, pelo fato de possuir essa
liberdade, ele não depende do que o outro sente para sentir. Sendo assim, ele é pleno,
absoluto, pois não é influenciado por sentimentos que o diminuam. Devido a isso, ele tem
condições de aceitar o amado tal como ele é e buscar sua realização. Deus atua no sentido da
realização de cada criatura e no sentido de trazer para a unidade de sua vida todos aqueles que
estão separados e desintegrados (TILLICH, 1967, p.235). A desintegração do ser faz com
que o amor divino, ágape, busque o ser desintegrado e o integre em sua unidade amorosa.
Este é o trabalho do amor ágape: estar constantemente buscando integrar os seres que estão
desintegrados e levá-los à plena realização.
Tillich faz entender que o amor divino está unido aos outros tipos de amor. O ser
humano utiliza-se de vários tipos de linguagem (poética, mística, devocional) para mostrar
que o amor de Deus também pode ser philia e eros. É necessidade humana estabelecer essa
relação e ela é possível apenas utilizando esses tipos de linguagens, pois na realidade Deus
não necessita ter quaisquer sentimentos de dependência humana:
86
Já que ágape está em geral (embora nem sempre e nem necessariamente)
unido a outros tipos de amor, é natural que o simbolismo cristão use esses
tipos pra tornar concreto o amor divino. Na medida em que a linguagem
devocional fala do anseio de Deus por sua criatura, e na medida em que a
linguagem mística fala da necessidade que Deus tem do homem o elemento
de libido é introduzido no amor divino. Mas só no simbolismo poético-
religioso, pois Deus não necessita de nada (TILLICH, 1967, p.235).
É comum o ser humano atribuir a Deus a imagem de companheiro das horas difíceis,
que sempre está sempre consigo quando mais precisa. Essa imagem, esse simbolismo de
amigo atribuído a Deus, é uma necessidade do ser para mostrar que o amor divino está sempre
presente para ouvir quando alguém necessita. Na linguagem humana, alguém que faz esse
papel é denominado amigo. Isso faz com que o humano sinta necessidade de atribuir uma
linguagem humana a um ser divino, pois assim pode haver mais proximidade; quando se
reporta a um Deus todo divinizado, sagrado, o humano tem certos receios de proximidade. O
sagrado, divino, sempre foi ensinado como sendo distante, o humano não é digno de -lo.
Quando o humano encontra um símbolo humano para descrever o que é divino, ele perde o
medo desse encontro; então se tem um amigo próximo. Mas Tillich afirma que esse é apenas
um símbolo para traduzir sentimentos humanos, pois Deus não pode ser igualado ao ser
humano:
Quando na linguagem bíblica e devocional sugere que os discípulos são os
amigos de Deus (ou Cristo), o elemento de philia é introduzido na noção
de amor divino, embora de forma simbólico metafórica, pois não existe
igualdade entre Deus e o homem (TILLICH, 1967, p.235).
O amor divino também pode ser comparado a eros, esse amor que deseja a pessoa
amada mais que tudo. Num desejo eloquente de encontrar Deus, o ser humano pode supor que
Deus também tem esse desejo de encontrar-se com ele, como fossem duas pessoas
apaixonadas. É comum, na linguagem religiosa, atribuir-se a Deus o simbolismo do esposo
que vem ao encontro da amada, mas é apenas uma linguagem simbólica, pois, na realidade,
Deus não tem esse contato carnal com o ser humano, pois não tem tais desejos:
Se Deus é descrito em linguagem religiosa e teológica como conduzindo em
direção [...] à plenitude última na qual ele é tudo em tudo, pode ser
comparado, com o tipo eros de amor, o impulso pelo summum bonum; mas
só pode ser comparado, não igualado, com eros, pois Deus, em sua
eternidade, transcende a realização e não- realização da realidade (TILLICH,
1967, p.235).
Tillich diz que os três tipos de amor contribuem a simbolização do amor divino, mas
o símbolo básico e adequado é ágape (TILLICH, 1967, p.235). Os outros dois servem mais
para necessidade simbólica dos seres humanos se expressarem. Como a linguagem religiosa é
87
cheia de simbolismos e metáforas, todas essas linguagens também se atribuem a Deus, uma
vez que ele faz mais parte do universo religioso do que eles, seres humanos.
Estamos discutindo os tipos de amor do ser humano para com Deus. Nesse
relacionamento, ele se utiliza de diversas linguagens para traduzir esse sentimento. Tillich
salienta que o amor ágape do ser humano para com Deus não corresponde à mesma forma do
ágape dos seres humanos para com os seres humanos e de Deus para com os seres humanos.
Quando o ser humano, imbuído do amor ágape para com Deus, procura traduzir esse
sentimento, há um vácuo que impede essa correlação, pois se trata do tremendum (do
sagrado). Então, a alternativa que ele encontra é o uso de linguagens subjetivas que permitam
esse encontro, não havendo correspondência. Há, portanto, uma tradução que corresponde a
esse desejo. Por isso, no ágape entre Deus e o ser humano, não correspondência, pois se
trata de seres de diferentes categorias. Se a palavra amor for usada no sentido geral, pode-se
falar de um Deus que se une voluntariamente ao ser humano:
O ágape entre homens e o ágape de Deus para com os homens se
correspondem um ao outro já que um é o fundamento do outro. Mas o ágape
do homem para com Deus cai fora dessa correlação estrita. Afirmar o sentido
e o anseio últimos de Deus por sua relação última não é amor no mesmo
sentido que ágape. Aqui não se ama a Deus apesar de ou no perdão, como
no ágape para com o homem. Portanto, aqui a palavra só pode ser usada no
sentido geral de amor com ênfase na união voluntária com a vontade divina
(TILLICH, 1967, p.235).
Tillich insiste que, na relação de amor do ser humano para com Deus, existe tendência
de ser de natureza eros, pois envolve elevação do inferior ao superior, dos bens inferiores ao
summum bonum (TILLICH, 1967, p.235). É um desejo de amor do ser humano a outro ser
que está muito acima dele. Sendo Deus um ente divino, o ser humano sempre não pode ser
considerado na mesma categoria. Está nesse ponto a natureza do amor eros que o humano
atribui a Deus. Eu te amo, sou louca de amor, por ti meu Senhor! Essa frase tirada de um
hino religioso expressa todo esse amor humano para com o divino. É eros que comanda essa
paixão por um Deus superior ao seu amante. [...] o homem alcança seu bem supremo em
Deus e ele anseia por essa plenitude em Deus. Se eros e ágape não pode se unir, ágape para
com Deus é impossível (TILLICH, 1967, p.235).
Relembremos aqui do que já vimos sobre a revelação. O Deus que dialoga no processo
de revelação com seu povo é um Deus que doa a própria vida. Ele não tem outra ocupação a
não ser amar o seu povo. E, porque ama, doa. É o pedagogo que tem tempo e o seu amor é
ilimitado. Aqui não é viável falarmos de economia de energia amorosa, porque Deus é amor.
E se ele é amor, não o que economizar, o que faz com que não precise poupar sua energia
88
amorosa, pois ele a tem por tempos infinitos. Além disso, o amor de Deus é único para cada
pessoa. É como diz J.L. Segundo:
Deus, o Deus cristão é amor. Mas não só ou não tanto um amor (falso amor)
que une duas pessoas e as separa do mundo e do tempo. Mas o amor que
constrói na história da sociedade humana. O amor que, desde o começo da
evolução da matéria, rompe sistematicamente a síntese simplificadora em
busca de sínteses mais custosas, porém mais totais, onde todas as
originalidades sejam libertadoras e assumidas (SEGUNDO, 1976b, p.70).
Recebemos a graça de amar porque Deus nos ama. J.L. Segundo diz que é por isso
que nós também podemos dar-nos o que é uma possibilidade divina, uma possibilidade
eminente sobrenatural (1Jo. 4: 7)
60
(1977, p.39). Além disso, J.L. Segundo diz que amar
autenticamente o outro significa dar-lhe uma sociedade onde possa desenvolver-se e realizar-
se (SEGUNDO, 1977, p.31). Então, quando se fala de amor doação, está-se falando na luta
por uma sociedade mais justa e humana, uma sociedade onde a dignidade das pessoas é
respeitada. Para ser mais objetivo, J.L. Segundo destaca que quem não tem a experiência
(terrena) do amor (ágape) não pode formar o conceito correto de Deus nem empregá-lo numa
frase como Deus é amor ou Jesus é Deus. O caminho semântico é inverso: na experiência
sairá o conteúdo que se deve dar ao termo Deus (SEGUNDO, 1985, p.41). O amor doação
implica em, antes de dizer que ama, mostrá-lo em gestos concretos.
Ter a capacidade de doar a própria vida pelo outro é um dom que Deus nos . Mas
como nós, seres humanos egocêntricos (egoístas), podemos chegar a esse tipo de amor e
usufruir dessa graça divina? J.L. Segundo parte do princípio de que para amar o outro, o ser
humano precisa continuar amando a si mesmo, pois é do amor a si mesmo que a pessoa
recebe a energia psíquica para amar os demais. Além disso, esclarece J.L. Segundo, o amor
aos demais sem o amor de si mesmo estaria como que dependurado no vazio, sem energia
para produzir qualquer coisa (1985, p. 212). J.L. Segundo mostra aqui a importância do amor
a si para se chegar ao outro. Logo, para amar os demais, o ser humano deve conservar esse
amor si.
Seguindo na teologia segundiana, em relação ao amor que é dom de si, Murad destaca
que, quando J.L. Segundo se refere a esse tema, ele o apresenta como possível para uma
minoria. Jesus é um mestre muito exigente com seus discípulos e assim solicita um amor
muito difícil de realizar. Não é alcançável para todos, e seria até desumano pedir de todos os
homens esse amor, quando faltam as condições, os pressupostos energéticos (MURAD,
60
Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. E todo aquele que ama, nasceu de Deus conhece a Deus.
89
1983, p.167). Murad diz que o Evangelho, embora não sendo para a massa, não é elitista, pois
a pregação de Jesus se volta para a multidão no sentido de dar-lhe habilidades para viver o
amor. Nesse sentido, a mensagem de Jesus é antimassa, mas está a serviço da multidão (1983,
p.167).
Comblin, ao se referir à célebre expressão de São João de que Deus é amor (1Jo. 3:
7), diz que é aquele amor em plenitude que perfaz a totalidade da vida humana (2004,
p.140-1). Chega-se a esse amor através da conversão
61
, que para uns pode ser repentina, como
para São Paulo (At. 9: 1-30), ou mais demorada, como é o caso de Santo Agostinho
(BROWN, 2005, p.195-218). Esse é um dado que pode contribuir para a reflexão da teologia
segundiana, pois apresenta o meio de se chegar a esse amor que é Deus. A conversão muda o
horizonte da pessoa, muda o rumo da vida. Certamente a pessoa muda o rumo da vida porque
passa a apostar em uma outra coisa. E, se estamos falando em aposta, estamos falando de fé. E
o tema da fé está muito presente na produção teológica segundiana.
Ao tratar do tema Deus é amor, amor que é doação de Si, J.L. Segundo constata que
essa ação é possível dentro de um plano onde Deus teve plena liberdade para realizar essa
ação. Por isso é valida a seguinte afirmação segundiana:
Se dizemos com João que Deus é amor e que seu amor leva a dar a própria
vida de seu filho (1Jo 4,8. 16; cf. 3,16) isso somente pode querer dizer
alguma coisa, ou seja, somente pode fazer sentido, se não é a mera essência
ou natureza divina que decide o que Deus é, mas alguma coisa prévia,
precedente: uma decisão livre (SEGUNDO, 1995, p.114-115).
Se estivermos falando da liberdade de Deus em doar a vida de seu próprio Filho para
nossa salvação, também podemos falar de um Deus que criou o ser humano livre para dar
continuidade a sua criação. Nesse sentido, J.L. Segundo afirma que Deus quis fazer um
mundo, onde tivesse os homens como interlocutores livres, capazes de decisão, ou seja,
cooperadores criativos num projeto comum a ambos: Deus e os homens (SEGUNDO, 1995,
p.133). Isso faz supor que o mundo ainda não está pronto e que Deus ao ser humano a sua
continuidade. O ser humano, por sua vez, ao dar continuidade à criação do mundo, dialoga
com Deus. O mais interessante de tudo isso é que Deus quis o ser humano livre para poder
dialogar com ele. Será que não é exagero de Segundo dizer tudo isso? Não seria confiar
demais no ser humano dando a ele essa liberdade de criação? Aonde J.L. Segundo quer chegar
com essa afirmação? Podemos tentar responder a essa questão com as palavras de Comblin:
61
Conversão é vista por Comblin como mudança de horizonte na vida.
90
Com efeito, a liberdade humana deriva do amor de Deus. [...] Para a filosofia
grega, Deus era o fundamento da ordem, ele próprio era parte dessa ordem.
Por conseguinte o ser humano realizava o seu destino ocupando o seu lugar
na ordem cósmica: a razão de ser dos homens era a submissão à ordem
universal estabelecida e movida por Deus (COMBLIN, 1996, p.67).
Para a filosofia grega, Deus estabelece uma ordem e o ser humano a executa. Nesse
sentido, tudo já está determinado, cabe ao ser humano executar o que estava estabelecido por
Deus. O ser humano está sujeito à lei de Deus.
Na tradição bíblica, Deus não é fundamento da ordem, mas é apresentado como amor.
O Deus amor criou o ser humano livre para poder dialogar com ele, como já foi afirmado
anteriormente. Como dialogar com alguém em quem tudo esestabelecido? Se Deus quer
dialogar com o ser humano no plano da criação, o tem sentido tudo ficar organizado,
estabelecido. O Deus que é amor, ao criar o ser humano livre, já tinha em vista essa desordem.
Comblin acrescenta que:
A Bíblia mostra que a razão de ser da liberdade humana é o amor de Deus.
Deus precisava da liberdade humana para amar e ser amado. E por causa da
liberdade humana, Deus que era todo-poderoso, tornou-se impotente diante
do ser humano livre. Deus tornou-se capaz de fracassar, capaz de sofrer. [...]
O amor pode renunciar livremente ao poder, ao mando, a dominação, a
ordem. [...] Que Deus é amor e que a vocação humana é a liberdade são as
duas faces da mesma realidade, as duas vertentes do mesmo movimento
(COMBLIN, 1996 p.67).
Comblin nos faz refletir que num universo onde Deus é amor pode haver uma
desordem. A consequência do amor de Deus é a liberdade humana, e por causa dessa
liberdade, Deus se torna impotente diante das ações dos seres humanos. Sendo assim, não
pode intervir na história do ser humano e isso provoca uma desordem: ser humano livre faz o
que quer e nem sempre esse querer é o querer de Deus para o seu mundo. Ou melhor, a ação
do ser humano livre nem sempre é uma ação que constrói esse mundo. Sob essa perspectiva,
Comblin esclarece que na Bíblia, todavia, tudo é diferente porque Deus é amor. O amor não
funda ordem, mas desordem. O amor quebra toda estrutura de ordem. O amor funda a
liberdade e, por conseguinte, a desordem. O pecado é consequência do amor de Deus (1996,
p.65).
Soa estranho ouvir que o pecado é consequência do amor de Deus, mas, se estamos
vendo dentro dessa perspectiva de Comblin, de fato o pecado é consequência do amor de
Deus, pois, uma vez que Deus deixou o ser humano livre para dar continuidade à obra da
criação, ele pode cometer os maiores pecados por conta dessa liberdade. Já vimos, porém, que
no processo de revelação, em que Deus segue o método de aprender a aprender a ser humano,
o erro tem um papel importante na aprendizagem. Então o pecado, aqui, como consequência
91
do amor de Deus, é uma forma de o ser humano corrigi-lo, buscar alternativas que o levem a
descobrir os reais motivos pelos quais ele errou e recomeçar dentro de um plano que leve em
consideração a liberdade criadora.
É comum na produção teológica segundiana encontrarmos a expressão liberdade
criadora do ser humano. J.L. Segundo faz uso dessa expressão em vários momentos em que
se refere ao ser humano: cada ser humano está estruturado para inventar seu próprio caminho
num universo incompleto e colocado nas mãos humanas. Pelo menos, em relação a seu
sentido (SEGUNDO, 1995, p.133). Como estamos diante de um mundo incompleto, é dado
ao ser humano completá-lo, e cada ser é convidado a inventar seu próprio caminho. Isso
equivale a dizer que o destino do ser humano não está determinado, visto que cabe a cada ser
determinar como será o seu futuro, dialogando com Deus no processo de revelação em que se
aprende a aprender a ser humano. Talvez esteja aí um ponto de fundamental importância na
teologia segundiana: Deus criou o ser humano livre para inventar o seu próprio caminho e,
nessa invenção, o ser humano e o ser divino dialogam. É nessa proposta de diálogo que
podemos pressupor por onde caminha a ação do ser humano: se ele é capaz de amar doando
sua própria vida ou se se fecha a um amor egoísta que o transforma o mundo. Dessa forma,
J.L. Segundo acrescenta que o ser humano é resultado da opção que fez a liberdade. E não
vice-versa. De tal modo que, verdadeiramente, posso dizer: eu sou minha liberdade (em ato).
Ou se preferirmos: meu ser é o resultado do que minha liberdade decidiu’” (SEGUNDO,
1995, p.107). Nesse ponto, J.L. Segundo insiste que:
[...] a liberdade do homem é criadora, mas tem verdadeiro sentido de
liberdade quando se realiza no amor que é dom de si à comunidade, e vice-
versa, o destino do homem é social, mas de tal maneira que possa ser livre e
criador no social. Para a imagem cristã do homem não existe o social como
preexistindo à pessoa, mas também não existe o particular como refúgio da
arbitrariedade (1970, p.57).
Seguindo o pensamento de J.L. Segundo, Gross (2000, p.95) diz que a liberdade
criadora presente em cada pessoa através da graça faz com que o ser humano se constitua
como uma personalidade em busca de efetivação. Nesse sentido, Gross conclui que, com
essa afirmação, J.L. Segundo está consciente de que ele está dando importância ao ser
humano na sua individualidade. Embora ele reconheça que o ser humano possua uma
estrutura egocêntrica, a cada ser foi dada a tarefa de refazer o mundo. Nesse ponto é oportuno
lembrar o que já dissemos antes: o ser humano nasce egocêntrico, mas com a tarefa de
continuar a obra da criação de Deus. Ou melhor, ao ser humano Deus a tarefa de
reconstruir o mundo, mas ele tem a liberdade de escolher se aceita ou não essa tarefa. Quando
92
ele se dispõe a reconstruir esse mundo, cai no ensaio do acerto e erro, mas ao caminhar para
uma verdade mais madura, ele se dispõe a consertar seu erro. Essa questão já foi abordada no
primeiro item desse capítulo, quando discorremos sobre a importância do erro no processo de
aprendizagem da revelação divina. Sobre essas conclusões da teologia de J.L. Segundo, Gross
acrescenta que:
[...] a afirmação do ser humano como criador é a intenção de Paulo quando
esse fala que em Cristo a humanidade chegou, pela filiação divina, à
maturidade, não estando mais submissa a lei representada pela figura do
pedagogo-escravo que tinha autoridade sobre a criança. Enquanto que Deus
criou o mundo a partir do nada, as pessoas humanas são os filhos e filhas que
continuam essa obra, embora limitadas pela realidade que encontram diante
de si representada em Paulo pela lei. Mas, para que o ser humano se
manifeste como tal, essas limitações são o que justamente precisa ser
transcendido pelo menos relativamente
transcendido na tarefa criadora
(GROSS, 2000, 95).
Para o ser humano desempenhar sua liberdade criadora, J.L. Segundo afirma que ele
precisa transcender suas limitações. Porém, o que o ser humano deve fazer para transcender
suas limitações? foi afirmado anteriormente, de acordo com Comblin, que o ser humano
chega ao amor doação de si através de um processo de conversão. Ao se referir à liberdade
criadora do ser humano, surge uma questão, talvez, um tanto polêmica. Se Deus deu ao ser
humano a liberdade, está-se falando também de amor. A liberdade criadora resultado no amor
dom de si. Nesse sentido, J.L. Segundo acrescenta que o ser humano criador quando, à
semelhança de Deus, e participando da vida divina, ama e cria condições favoráveis para esse
amor (SEGUNDO, 1997a, p.86). O ser humano é capaz de reconstruir o mundo onde
vivem ele e o outro se ele for capaz de um amor que doe a própria vida. Diante do
questionamento feito anteriormente, Gross salienta que Segundo caracteriza a fé como
elemento-base para transcender a limitação humana diante da liberdade criadora:
Nesse sentido, a tarefa criadora do ser humano pressupõe fé. Segundo, ainda
a partir dessa figura do apóstolo Paulo, aponta para a necessidade da fé como
uma aposta na possibilidade de transcender as limitações dada capaz de
assumir, a partir da liberdade, a continuação da obra criadora que tem sido
efetivada na evolução pelo simples acaso (GROSS, 2000, p.96).
A fé é apresentada por Gross como elemento principal para o ser humano transcender
suas limitações diante da liberdade criadora. Quando Comblin apresenta a conversão como
elemento para se chegar ao amor dom de si, ele também está partindo de uma aposta, de uma
fé. O ser humano deixa de acreditar em determinado caminho que ele seguia para apostar em
outro. Como são os casos do apóstolo Paulo e de Santo Agostinho, exemplos estes citados
anteriormente. Paulo deixou de perseguir os cristãos para ser um anunciador do Evangelho de
93
Jesus; Santo Agostinho deixou sua vida mundana para servir à Igreja como padre. Pode-se
dizer que eles transcenderam suas limitações mudando o rumo de suas vidas em direção a
uma liberdade criadora.
Gross diz que a ligação da tarefa criadora é a fé, vista no sentido de aposta; enquanto
elemento antropológico, aponta também para o caráter escatológico da obra criadora. Ele
justifica que a obra criadora pressupõe fé, de acordo com a teologia segundiana, pois sem uma
noção de permanência essa criação se manifesta como algo absurdo. Isso equivale a dizer que
essa necessidade de noção de permanência implica no fato de que aquilo que é construído na
história do ser humano, sendo resultado da ação da graça pela liberdade, não tem um caráter
meramente passageiro diante de uma realidade vista como sobrenatural (GROSS, 2000, p.96).
Continuando nessa mesma linha de pensamento, ele esclarece que por isso a formulação de
J.L. Segundo propõe a escatologia cristã tradicional. Para ele, o escatológico é uma
qualificação da obra terrena de modo que o corruptível adquira um caráter incorruptível.
(1977, p.66) Gross diz que a figura da realidade escatológica que Paulo emprega em 1Cor. 3:
10-15 é privilegiada por J.L. Segundo na ilustração da ideia apresentada. Gross ressalta que,
para J.L. Segundo, esse texto aponta para a obra humana na construção da realidade
escatológica. Nesse sentido, o escatológico é uma transformação qualitativa dessa obra
humana, isto é, uma purificação (GROSS, 2000, p.96). Além disso, Gross também acrescenta
que J.L. Segundo, tendo em vista o pensamento de Paulo, afirma que os elementos perecíveis
dessa obra são queimados ao passar pelo fogo (do juízo), enquanto que os elementos criadores
são mantidos como valor eterno (GROSS, 2000, p.96). Nesse sentido, J.L. Segundo afirma
que:
Deus associou o ser humano ao universo criado a tal ponto que a nova terra e
o próprio novo céu não conterão o que o ser humano livremente tenha
deixado de fazer. Mesmo que a história ainda não o mostre, a liberdade,
quando ama, está inscrevendo algo definitivo no que será morada comum e
gloriosa de Deus e dos seres humanos (cf. Ap. 21: 1-3)
62
(SEGUNDO, 2000,
p. 362).
J.L. Segundo diz que a plenitude final o é uma outra criação, nem um lugar de
prêmios e castigos, mas o coroamento da obra divino-humana, a revelação da capacidade
dessa obra em integrar o absoluto no relativo(1977, p.81 ). Seria, talvez, o ser humano, em
seu processo de aprender a aprender a ser humano, chegar a um ponto onde ele se veja
62
Vi, então, um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também, descer
do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para o seu marido.
Nisso, saiu do trono uma voz forte. E ouvi: Essa é a tenda de Deus com os homens. Ele vai morar com eles. Eles serão o seu
povo e ele, o Deus-com-eles, será o seu Deus’”.
94
plenificado, pois já elaborou com eficácia a revelação divina. As respostas a suas crises, no
processo de revelação divina, está no seu ápice, por isso essa mudança para algo mais
consistente, o que é visto como final de um tempo e início de outro:
[...] segundo o evangelho (Mt 25, 31ss) Deus que ama delicada e
respeitosamente - esse ser livre e responsável seja, ele próprio, afetado, sem
defesa possível, por essa liberdade humana que condiciona, historicamente,
os demais seres humanos num cosmos único e socialmente estruturado e
interdependente. Daí, também, que Deus não possa, sem contra sentido,
terminar sua criação ou valorizá-la, sem levar em conta o curso que os
homens imprimirão a esse universo que ele próprio lhes entregou por fazer
(SEGUNDO, 1995, p.399).
Diante dessa questão, outro ponto que é válido acrescentar é o amadurecimento do ser
humano. Pressupomos que um ser humano maduro escolherá um caminho para continuar a
criação de Deus que seja humano, ou melhor, que de fato também construa a felicidade do
outro ser, uma vez que somos interdependentes. Nessa perspectiva, J.L. Segundo parafraseia a
Carta aos Romanos (8: 19-22)
63
, dizendo que:
A ansiosa espera da criação deseja vivamente a revelação da criatividade
madura do homem. A criação, de fato, foi submetida à inutilidade na espera
que sua história seja libertada de servir a corrupção e participe, assim, na
liberdade gloriosa de homens a criadores, filhos de Deus. Por isso, a criação
geme de dor até o presente, esperando o resultado da história humana [...]
(SEGUNDO, 1995, pp.399-400).
Somente um ser humano maduro será capaz de assumir sua liberdade criadora diante
do mundo que está a sua frente. O fato de sermos interdependentes nos remete a uma
responsabilidade para com o outro. O que fazemos para nós poderá afetar ao outro também.
Se esse fazer implica construir algo bom, os demais serão beneficiados, mas, se nossa ação for
destrutiva, os demais também serão destruídos.
Neste capítulo usamos com frequência a expressão aprender a aprender a ser
humano, pois se refere ao método da pedagogia divina defendido por J.L. Segundo. Talvez
seja o momento de pensarmos o que de fato é ser humano? Um dos pontos que J.L. Segundo
destaca em sua teologia é que o SER se torna HUMANO na medida em que ele ama.
Nascido em uma estrutura egocêntrica, o ser humano, pelo fato de Deus ser amor, também
tem a vocação de amar. Mas é preciso ser educado para isso.
63
A própria criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus. Entregue ao poder do nada não por sua
própria vontade, mas por vontade daquele que a submeteu , a criação abriga a esperança, pois ela também será liberta da
escravidão, da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus. Sabemos que a criação toda geme e sofre as
dores do parto até agora.
95
2 DIÁLOGO E AMOR NA EDUCAÇÃO PARA SER HUMANO
64
Para Deus não existe tempo; porque essobre ele. O homem pelo contrário está no tempo e
abre uma janela para o tempo: dimensiona-se e tem consciência de um ontem e de um
amanhã.
O homem primitivo viveu sob o tempo, e quando teve consciência do tempo se estoricizou.
Deus vive no presente e para ele meu futuro é presente. Por isso não podemos dizer que Deus
preve, mas que ve tudo no seu presente (FREIRE,1979, p.16).
O homem encontrará o Deus vivo unicamente no homem, em sua história. Não nas alturas
nem no além. Mas por outro lado, não conseguirá captar o Deus vivo somente a partir da
história do homem. Deus se revela na história, mas não aflora da história (SEGUNDO,1976,
p.1972).
64
O termo ser humano se refere a tornar-se humano
96
INTRODUÇÃO DO CAPÍTULO
No primeiro capítulo, apresentamos a pedagogia dialógica libertadora de Paulo Freire,
focando o tema do amor. Para Freire, existem duas concepções de educação: a bancária e a
problematizadora libertadora dialógica. A primeira tem como objetivo maior levar os
educandos a memorizarem o conteúdo, ao passo que a segunda objetiva levar as pessoas a se
libertarem da opressão, humanizando-os.
No segundo capítulo, apresentamos a teologia de Juan Luis Segundo, na qual ele
mostra que Deus, para revelar, usa um método próprio de aprender a aprender a ser humano
(aprendizagem de primeiro grau). Nesse método, Deus-amor dialoga com o ser humano, e a
revelação é vista como um processo pedagógico. Concebemos aqui a tese de que Deus criou o
ser humano livre e deu a ele a missão de continuar a obra da criação.
Neste terceiro capítulo, pretendemos apresentar a afinidade que existe entre esses dois
autores. Partimos da hipótese de que a pedagogia problematizadora libertadora dialógica de
Paulo Freire está fundamentada em pressupostos teológicos, bem como seu pensamento está
marcado pela sua visão do cristianismo, e, por isso, ele tem reflexões pedagógico-teológicas
sobre a igreja e suas práticas pastoral-educacionais. De outro lado, a teologia de Juan Luis
Segundo, ao apresentar a revelação como um processo pedagógico de aprender a ser humano,
se fundamenta em pressupostos educacionais. Temos então um educador que também se
fundamentou em alguns princípios teológicos na construção da sua pedagogia; e um teólogo
que construiu a sua teologia utilizando também de alguns princípios pedagógicos. O eixo da
análise será a partir da imagem de Deus que predomina na articulação pedagogia-teologia de
Freire e teologia-pedagogia de J.L. Segundo.
Num primeiro momento, apresentaremos as bases teológicas nas quais Freire
fundamentou sua pedagogia e a contribuição dessa pedagogia para a teologia. Partimos do
princípio de que na visão de Freire existem três tipos de igrejas: tradicionalista, modernizante
(em ambas predomina a visão bancária de educação) e profética (visão problematizadora
libertadora dialógica de educação). Fazendo uma articulação com o pensamento de Juan Luis
Segundo, tais conceitos corresponderiam à aprendizagem de primeiro grau (concepção
bancária de educação) e aprendizagem de segundo grau (concepção problematizadora
libertadora dialógica de educação). Posteriormente, apresentaremos a imagem de Deus
assumida nas concepções de educação: bancária (primeiro grau) e problematizadora
libertadora dialógica (segundo grau) sob a ótica da teologia segundiana.
97
3.1 FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DA PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE
A vida de Paulo Freire foi marcada pela influência religiosa. Sua mãe era católica e seu
pai, espírita, mas, de acordo com ele, pelo fato de predominar o machismo na sociedade
brasileira, o pai jamais impunha sua religião à família. Os filhos cresceram aprendendo a
respeitar a diversidade religiosa (cf. CORTELLA & VENCESLAU, 1992, p.30-1). Nesse
contexto de diversidade religiosa, Freire teve a liberdade de optar pela sua. Em um de seus
relatos sobre a infância ele assim se declara:
Na minha infância longínqua, nas aulas de catecismo, em que um saudoso,
mas ingênuo sacerdote falava da danação das almas perdidas para sempre no
fogo de um inferno eterno, não obstante o medo que me tomava, no que
ficava realmente em mim era a bondade grande, a valentia de amar, sem
limites, que o Cristo nos testemunhava (FREIRE, 1977b, p.1).
Para ele, foi um fato marcante ter decidido fazer sua Primeira Comunhão, não pelo
sacramento em si, mas pela sua decisão livre de optar por algo que ele considerava importante
naquele momento. Além disso, quando ele comunicou o fato ao seu pai espírita, este não foi
contra o filho e se dispôs a acompanhá-lo no dia de receber o sacramento:
Lembro-me de que, por volta de 1928, houve uma coisa que acho que não
existe mais, chamada Semana das Missões. Depois de comparecer a toda a
semana, cheguei a meu pai, num sábado à tarde e disse: Meu pai, amanhã
vou fazer minha primeira comunhão. Veja bem, eu não perguntei, eu
comuniquei. Ele me beijou a testa e falou: Eu irei com você. Ali ele foi um
pedagogo democrata (
CORTELLA & VENCESLAU, 1992, p.31).
Embora o pai de Freire não o tenha influenciado a seguir sua opção religiosa, deixou
para o filho o testemunho de pedagogo democrata, como ele mesmo diz. Esse testemunho
marcou toda a pedagogia de Freire, como já vimos antes. Foi com o testemunho,
principalmente da família, que Freire encontrou o real motivo para desenvolver seu ofício
como educador comprometido com a causa dos oprimidos. Além disso, também os
ensinamentos dos Evangelhos deram base para que ele percebesse que ser educador é muito
mais que ensinar a ler e a escrever. Educar é transformar o mundo, humanizando-se e
contribuindo para que o outro se humanize também:
[...] a prática pedagógica a que me entreguei, desde a minha juventude, no
caminho libertador, teve muito a ver com minha opção cristã. Certa vez eu
disse numa entrevista
65
, que muito moço ainda eu fui aos morros do Recife,
65
Eu nunca neguei a minha camaradagem com Cristo e nunca neguei a contribuição de Marx para melhorar a
minha camaradagem com Cristo. Marx me ensinou a compreender melhor os Evangelhos. Quem me apresentou
a Marx foi a dor do povo quando eu trabalhei no SESI, quando eu fui menino do mundo, dos rios de Jaboatão,
foi a miséria, a deteriorização física, a morte. Sou um pedagogo também dessa revolta, da indignação. Fui a
Marx e não descobri razão nenhuma para não continuar minha camaradagem com Cristo. (CF.CORTELLA &
VENCESLAU, 1992,p.38)
98
zonas rurais, por causa de certa intimidade petulante ou gostosamente
petulante com Cristo. Fui até lá por causa dEle. Mas chegando lá, a realidade
dramática e desafiante do povo me remete inclusive a Marx, que eu venho,
leio e estudo. Mas fazendo não deixei jamais de continuar me encontrando
com o Cristo nas esquinas das ruas. [...] a prática inicial [...] com a
movimentação cristã e no desenrolar dessa prática ela vai se fazendo cada
vez mais política. E é a politização dessa prática, ou melhor, a consciência
do caráter político dessa prática que faz perceber que assim como eu me
tornava político por um educador, eu me tornava político por um cristão
(FREIRE, s/d)
66
.
Nessa entrevista, Freire deixa evidente o processo de amadurecimento da fé pelo qual
ele passou. Ele não parou nas primeiras lições do catecismo. O sofrimento por que ele passara
na infância, junto ao sofrimento do povo da sua vida adulta
67
, levaram-no a perceber que
precisaria compreender melhor a realidade do povo para atuar com ele
68
. Sendo assim, ele
procurou estudar Marx, mas nem por isso deixou de acreditar no valor dos ensinamentos de
Jesus. Ele soube aproveitar dos dois elementos para fundamentar sua pedagogia em preceitos
humanizadores.
No ano de 1992, ao dar entrevista para a Teoria e Debate, referindo-se ao estágio de fé
no qual ele se encontrava, diz o seguinte:
Sou mais um homem de fé do que um homem religioso. A minha se
funda, sobretudo na crença de um Deus que, não é o fazedor da minha
história, mas é uma presença na história dos homens e das mulheres, na
minha crença de que Deus não mente, Cristo não mente. Eu estou no mundo
acreditando numa transcendentalidade que eu não dicotomizo não separo da
mundanidade. No fundo eu vivo dialeticamente a História e a Meta-História,
sem jamais admitir ruptura entre elas (CORTELLA & VENCESLAU, 1992,
p.38-9).
Esse breve apanhado histórico da na vida de Paulo Freire o mostra desde uma
infância que busca a vivência dos sacramentos até uma mais universal. Temos, então, as
etapas da fé na vida de Freire. De acordo com James Fowler, a
69
passa por sete estágios:
66
Essa foi uma entrevista de Paulo Freire concedida à revista Tempo e Presença.
67
Freire também militava no movimento de Ação Católica atuando junto à população pobre do Recife. A Ação Católica é uma
espécie de apostolado leigo criado pelo Papa Pio XI em meados da década de vinte. [...] consistia numa organização de leigos que
participam do apostolado hierárquico da igreja, isenta de qualquer participação partidária voltada para o estabelecimento do reino
universal de Jesus Cristo(LIMA, Vinícios Artur de. Comunicação e cultura: as idéias de Paulo Freire. Paz e Terra: Rio de Janeiro,
1981).
68
Paulo freire se afastou temporariamente da igreja quando tinha por volta de 20 anos por causa da distância entre a vida, o
compromisso que essa exige e a pregação dos padres nos sermões aos domingos. Mas ele não separou de Deus. Influenciado por
Tristão de Athayde ele redescobriu a igreja sendo atuante da Ação Católica. (cf. STRECK, 1994, p. 25-6)
69
Segundo Fowler a não é sempre religiosa em seu conteúdo ou contexto. [...] A é o modo em que uma pessoa ou um
grupo penetra no campo de força da vida. É o nosso modo de achar coerência nas múltiplas forças e relações que constituem a
nossa vida e dar sentido a elas. A fé é um mod e relações que constituem a nossa vida e dar sentido a elas. A fé é um modo pelo
99
lactância ou indiferenciada
70
, intuitivo-projetiva, mítico-literal, sintético-convencional,
intuitivo-reflexiva, fé conjuntiva e universalizante. Não é nosso objetivo adentrar com
detalhes no que seja cada estágio de fé, mas mostrar a sua existência. No entanto,
explicitaremos o que vem a ser o estágio de fé universalizante, pois a possibilidade de que
Freire tenha chegado até ele. De acordo com Fowler (1992, p. 168), a pessoa que está no
estágio de universalizante engaja-se em gastar e ser gasta para a transformação da
realidade atual na direção de uma realidade transcendente. Temos todo o engajamento de
Freire em transformar a realidade desumana através de uma proposta pedagógica
fundamentada no diálogo amoroso. Por conta disso ele foi preso e exilado, mas não rompeu
com seu sonho de transformar o mundo pronunciando-se nele. Segundo Ana Maria Araújo
Freire
71
A serviço do Conselho [Mundial das igreja] andarilhou, como gosta de
dizer, pela África, pela Ásia, pela Oceania e pela América, com exceção do
Brasil para sua tristeza , e ajudava, principalmente, os países que tinham
conquistado sua independência política e sistematizavam seus planos de
educação. Cabo Verde, Angola, principalmente Guiné-Bissau o conheceram
por seu trabalho quando se empenhavam nos anos 60 para livrar-se das
guerras do colonialismo, para extirpar os resquícios do opressor que tinha
feito de muitos dos corpos negros africanos cabeças brancas de portugueses
de além-mar. Esses povos queriam e precisam se libertar da consciência
hospedeira do opressor para tornar cidadãos de seus países e do mundo.
Freire os assistiu nessa difícil tarefa. Enfim, viajou o mundo experimentando
o gosto de aprender com o outro (ARAÚJO FREIRE, 1996 p.42-3).
Depois de andarilhar pelo mundo pronunciando-se em meio a terras estrangeiras, ele
volta ao Brasil em agosto de 1979, onde é recebido calorosamente pelo povo brasileiro com
toda garra para re-aprender no seu país (ARAÚJO FREIRE, 1996, p.4[3). Ao descrever a
pessoa de Paulo Freire, Mário Sérgio Cortella o define como sendo:
Paulo Freire (19921-1997) foi uma pessoa encantadora nas múltiplas
acepções que esse adjetivo carrega. Encantava as pessoas (no sentido de
enfeitiçá-las) como uma figura miúda (grande por dentro), seu sotaque
pernambucano (jamais abandonado) e sua barba bem cuidada (herança
profética).
Seu maior poder de encantar tinha, no entanto, outra fonte: uma inesgot
ável
incapacidade de desistir. De algumas pessoas se diz que são incapazes de
fazer o mal, são incapazes de matar uma mosca, são incapazes de ofender
qual a pessoa a si mesma em relação aos outros, sobre um pano de fundo de propósitos e planos partilhados (FOWLER,
1992, p.15).
70
Fowler apresenta seis estágios da fé, nesse caso a fé indiferenciada não é contada como estágio.
71
A primeira esposa de Paulo Freire foi a professora Elza Maria Costa de Oliveira (1961-1986) com quem teve cinco filhos: Maria
Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgarddes. Casou-se novamente com Ana Maria Araújo (Nita) em 19 de
agosto de 1988.
100
alguém; Paulo Freire sofria (felizmente para nós) de uma outra incapacidade:
não perdia a esperança (CORTELLA, 2005, p.2).
Paulo Freire faleceu na madrugada do dia dois de maio de 1997 de um enfarto agudo
do miocárdio. De acordo com Nita (Ana Maria Araújo Freire) ele morreu com uma intensa
vontade de viver:
Horas antes, nosso diálogo ainda vivo em mim, foi Nitinha, não me deixe
morrer! Quero tanto viver! Respondi perguntando Você quer viver por
mim? Três vezes perguntei e três vezes ele respondeu com um sorriso doce,
manso e calmo: Também. [...] No seu também incluía o mundo todo
(ARAÚJO FREIRE, 1997, p.11).
A vontade de Freire de viver para o mundo todo deixa transparecer a universalidade na
qual ele estava envolvido. Ele não queria viver somente para sua esposa (um amor para com o
próximo, como já discutimos antes), ele queria viver para o mundo mundo esse pelo qual
ele andarilhou, mundo que conheceu, amou. Não um amor passageiro, mas aquele amor que
doa a própria vida, um amor que, por onde passa, acredita na transformação qualitativa da
realidade. Por isso se faz pertinente destacar que, segundo Fowler, as pessoas no estágio de
universalizante:
[...] exibem, tipicamente, qualidades que estremecem nossos critérios usuais
de normalidade. A sua indiferença, a autopreservação e a vivacidade de seu
gosto e percepção da realidade moral e religiosa transcendente dão às suas
ações e palavras uma qualidade extraordinária e frequentemente
imprevisível. Com sua devoção, a sua compaixão universalizante elas podem
ofender nossas percepções provincianas da justiça. Por superarem a obsessão
pela sobrevivência, segurança e relevância, elas ameaçam nossos comedidos
padrões de justiça, bondade e prudência. Suas visões ampliadas da
comunidade universal revelam a parcialidade de nossas tribos e pseudo-
espécies. E as suas iniciativas de lideranças, muitas vezes envolvendo
estratégias de sofrimento não-violento e respeito incondicional pelo ser,
constituem afrontas as nossas noções usuais de relevância. Não é de
estranhar que as pessoas do estágio 6 frequentemente tornam-se mártires
pelas visões que encarnam (FOWLER, 1992, p. 169).
O estágio de fé que alcançou dava-lhe a possibilidade de transcender um amor
limitado ao próximo para chegar ao amor doação de si, amor que doa a própria vida. Ou
como, dissemos no primeiro capítulo, o amor que Freire defendia e sentia era ágape. No amor
ágape, o sujeito não se esquece de si, supera a sua condição egoísta e se encontra no amor
para com o outro. Se o sujeito se esquecesse de si, não teria como ele ser o sujeito no e do
amor.
Tudo isso nos leva a perceber que Freire foi um educador que fundamentou sua
pedagogia em elementos teológicos, pois teve uma vivência religiosa comprometida com os
problemas sociais, o que mais tarde o levou a um estágio de fé universalizante. Ele mesmo diz
101
que ainda que eu não seja teólogo, mas um enfeitiçado pela teologia que marcou muitos
aspectos de minha pedagogia, tenho, às vezes, a impressão de que o Terceiro Mundo pode,
por isso, converter-se em uma fonte inspiradora do ressurgir teológico (FREIRE, 1979b
p.90). De acordo com José R. Lima Jardilino:
[...] de maneira muito abrangente, podemos afirmar que a questão religiosa
acompanha Paulo Freire desde os primeiros momentos de sua formação
intelectual. É possível perceber nos seus primeiros escritos a influência do
humanismo cristão recebida através de autores como Tristão de Athayde,
Jacques Manitain e Emanuel Mounier (
JARDILINO, 2007, p.2).
Também é interessante destacar que Baudulino A. Andreola fala que, na década de 50
e início dos anos 60, Mounier serviu de inspiração para os cristãos de esquerda do Brasil e de
muitos países da América Latina. Esses cristãos buscavam um caminho de inserção política
nos movimentos que lutavam para transformação das estruturas injustas. Paulo Freire
participou desse período histórico e, por isso, Andreola salienta que:
Freire viveu intensamente esse período da história brasileira e esse clima de
mobilização em que Mounier foi uma das referências mais importantes.
Viveu esse clima em dois contextos, um deles, o do Movimento de Cultura
Popular do no Recife aonde a influência de Mounier chegou [...]. O outro foi
os do grupo de Ação Católica (ANDREOLA, 2005, p.61-2).
Percebemos então que, quando Freire se pôs a escrever sobre sua pedagogia
libertadora dialógica, ele buscava elementos de iluminação em autores cristãos. Por isso, é
comum encontrar em seus livros, principalmente em Pedagogia do oprimido, termos como
amor, fé, humildade, confiança, diálogo, esperança, libertação
72
, que são virtudes também da
teologia cristã. Conforme já apresentamos no primeiro capítulo, Freire diz que, para dialogar,
é preciso ter amor, fé no ser humano, humildade, confiança, esperança e pensar verdadeiro
(práxis). Sem esses elementos, o diálogo fica comprometido. Pensamos que ele tenha buscado
uma referência teológica para fundamentar sua pedagogia para mostrar que as virtudes
também devem estar presentes na educação. Certamente a religião foi o lugar em que ele
encontrou esses fundamentos teológicos para tratar de uma proposta educacional libertadora
dialógica. No entanto, ele mesmo diz que independente da posição cristã em que sempre
procurei estar, Cristo seria para mim um exemplo de pedagogo (1977, p.7). Além disso,
Danilo Streck afirma que assim como a teologia latino-americana possui uma forte marca
pedagógica, também a pedagogia de Paulo Freire está muito próxima da teologia (1994, p.
27).
72
Existem outros termos: comunhão, anuncia, denuncia, profetismo, criar o mundo.
102
Ao explicitarmos a relação entre pedagogia e teologia no pensamento de Freire,
acreditamos que ele pode iluminar a teologia com as suas reflexões pedagógicas. Participando
do Conselho Mundial das Igrejas (CMI), na Suíça (Genebra), Freire desenvolveu mais a sua
reflexão religiosa-teológica que contribuiu para sua pedagogia, bem como pôde oferecer uma
boa bagagem pedagógica para as igrejas repensarem sua práxis. Nesse sentido, Mário Bueno
Ribeiro chama atenção para o seguinte:
Ao ser convidado para trabalhar no CMI, Paulo Freire, ligado ao
Departamento de Educação e Formação Ecumênica, desenvolveu ações
compatíveis como um dos programas do organismo: o programa de Diaconia
e Solidariedade. Esse programa incentivava as igrejas à cooperação na
diaconia (termo grego que significa serviço) por todo o mundo. Ele
preparava grupos para oferecer conhecimentos especializados e
assessoramento técnico e capacitam igrejas locais para promover programas
em benefício das necessidades humanas e desenvolvimento de suas
comunidades.
Nesse organismo de importante for
ça transformadora e mobilizadora voltada
para o bem-estar humano é que Paulo Freire se sentiu motivado a trabalhar e,
trabalhando, redescobriu sua pátria, sua terra (RIBEIRO, 2005, p.39).
No convite para participar do CMI, Freire encontra o espaço para desenvolver sua
pedagogia, pois estava exilado momento este muito importante para ele, pois tem a
oportunidade de desenvolver sua proposta libertadora de educação em um espaço religioso. A
respeito de sua chegada a Genebra ele diz que:
A primeira coisa que mais me preocupava era saber até que ponto eu ia me
mover bem num contexto diferente, sobretudo no contexto do trabalho, que
era uma casa de fé, uma casa ecumênica na verdade é ou foi, durante o
tempo que estive lá.
Nunca ningu
ém me perguntou, no Conselho Mundial, em dez anos, se eu era
isso ou aquilo, do ponto de vista religioso. Nunca fui chamado pelo
secretário geral que era assim uma espécie de papa para me dizer se
acautele ou modere um pouco seu discurso!, nada! Eu nunca talvez tenha
sido tão livre, enquanto trabalhador, quanto fui lá (FREIRE, 2000 p.104-
105).
Percebemos aqui um Freire que se sente acolhido em um espaço religioso para
colaborar com sua pedagogia libertadora de educação. É interessante destacar que essa
liberdade possibilitava a ele ser o que de fato era. Se ele tinha uma opção religiosa ou não,
isso não vinha ao caso para o Conselho Mundial das Igrejas. Pressupomos que o Conselho
estava querendo mesmo era uma colaboração de Freire, como educador, naquele momento.
Por isso, ele não era podado no que dizia. Nesse relato, também percebemos que ele
conseguiu conviver num espaço que era muito diferente para ele. Além disso, o contexto
religioso apontava para a convivência com a diversidade religiosa que ele teve suas primeiras
lições junto à sua família. Isso é fruto de uma fé universalizante. Nessa perspectiva, Fowler
103
diz que tais pessoas estão prontas para ter comunhão com qualquer pessoa dos outros
estágios e de quaisquer outras tradições de fé (1992, p.169).
De acordo com a pesquisa realizada percebemos um Paulo Freire muito preocupado
em transformar a realidade desumanizadora. Ele apresenta propostas pedagógicas que podem
colaborar para sanar essa problemática, como já descrevemos. Para ele, era impossível cruzar
os braços diante de uma realidade tão desumana. Como vimos, seu pensamento teve forte
influência dos Evangelhos e de autores cristãos. Nesse sentido, sua contribuição pedagógico-
teológica para repensar as práticas pastoral-educacionais das igrejas foi de suma importância,
visto que Freire acreditava numa igreja que pudesse se preocupar mais com a vida do ser
humano e não simplesmente com sua alma. Os estágios de pelos quais passara davam-lhe a
autonomia de perceber que não concordava com o modo como as igrejas se comportavam
diante da sociedade. Por isso, há a hipótese de que, no estágio de fé no qual Freire se
encontrava, era muito angustiante concordar com certas práticas religiosas, pertencendo a uma
instituição. Sendo assim, ele preferira não aderir a nenhuma e ser um homem de livre se
pronunciando no mundo. Nesse sentido, podemos nos perguntar em que o pensamento de
Freire pode contribuir para repensar as práticas pastoral-educacionais das igrejas tornando-as
mais humanas?
3.2 POR UMA PRÁXIS PEDAGÓGICA LIBERTADORA DAS IGREJAS
Para Freire, as igrejas são instituições inseridas na história, onde a educação também
se dá. Da mesma forma que o quefazer educativo da Igreja não pode ser compreendido fora da
realidade em que se acha (1981, p.105). Como educadora, as igrejas devem repensar a sua
práxis na sociedade, tornando-a mais humana. Pressupomos que a crítica de Freire aponte
exatamente uma igreja que não acompanha as necessidades reais de libertação dos fiéis no
contexto de sociedade no qual eles estão inseridos. Por um lado, tem-se um fiel oprimido
numa situação desumana; por outro, para acompanhar o processo de libertação desse fiel, que
modelo de igreja temos? Reportando-nos ao que já apresentamos no primeiro capítulo, em
que Freire esclarece sobre as duas concepções de educação, bancária e problematizadora
libertadora dialógica, que modelo de educação essas igrejas devem oferecer para libertar seus
fiéis dessa opressão, devolvendo a eles a dignidade de seres humanos? Para verificar com
mais acuidade a dialética dessa questão, é necessário fazer um levantamento, apontando como
104
Freire analisa o comportamento das igrejas na sociedade. Frente a essa análise, como ele
denomina essas igrejas?
Freire acredita que as igrejas, enquanto permanecem na neutralidade, sem assumirem
um papel educativo dialógico-libertador, acabam ficando do lado da classe dominante e
contra a classe dominada (1982, p.105). Para ele existem “‘ingênuos de diferentes matizes,
inocentes, com a melhor das intenções na sua percepção da igreja e da história. De outro
lado, os/as que espertamente escondem sua opção real (1982, p.105). Percebe-se então que,
no que se refere à neutralidade, existem dois grupos de pessoas: uns chamados de inocentes e
outros de espertos. Esses grupos, ao permanecerem nessa neutralidade, criam ações que
aparentemente parecem ser a favor dos oprimidos, mas é apenas um disfarce, pois na
realidade favorecem a classe dominadora. Essas são práticas de acordo com Freire
anestesiadoras ou de ação aspirina, que têm como finalidade última preservar o sistema já
existente sem se preocupar em libertar os oprimidos (1982, p.106).
Para Freire, esses inocentes defendem ações que dizem transformar os corações das
pessoas sem transformar a sociedade: essa ilusão de que com prédicas, obras humanitárias e
um desenvolvimento de uma racionalidade desgarrada do mundo é possível, primeiro mudar
as consciências, depois transformar o mundo, existe apenas naqueles que chamamos de
inocentes (1982, p.106). Além disso, Freire diz que os espertos têm consciência de que essas
ações servem para retardar o processo fundamental que é, na verdade, a transformação
radical das estruturas sociais para que se possa dar com a instauração de uma nova prática
social, a mudança das consciências (1982, p.106). Diante desses dois grupos, contudo, Freire
observa que existe uma diferença. Os dois atravessam a ideologia das classes dominantes e
por elas são atravessados, mas os espertos assumem essa ideologia. São bastante conscientes
do que fazem (1982, p.106).
Freire ressalta que, os inocentes, ao atravessarem essa ideologia da classe dominante,
ou ficam a favor dessa ideologia, tornando-se espertos, ou assumem a causa dos oprimidos, o
que requer uma nova aprendizagem junto a eles (cf. FREIRE, 1982, p.106). Essa nova
aprendizagem exige um esforço de quem se dispõe a aprender. Por isso, Freire aponta a
necessidade de fazer-se a verdadeira Páscoa. Isto é, que morram como elitistas para
renascerem como revolucionários, por mais humilde que seja a sua tarefa como tais (1982,
p.107). Podemos falar aqui do suicídio de classes
73
que é um termo próprio de Almicar
73
Essa expressão é uma metáfora que significa que os homens e as mulheres que querem participar de uma sociedade
revolucionária devem matar em si seus desejos de serem exploradores. Expressão, revolucionário da Guiné-Bissau, para designar a
105
Cabral
74
apropriado por Freire para designar a passagem dos intelectuais integrantes das
classes médias [...] para o pólo dos subalternos ao identificarem com seus interesses,
necessidades e valores emancipatórios (STRECK, 1999, p.35). Porém, para que esse suicídio
aconteça, Freire esclarece que é necessário que esses inocentes deixem muitos mitos que são
importantes para eles: o mito de sua superioridade, o mito de sua pureza de alma, o mito de
suas virtudes, o mito de seu saber, o mito de sua tarefa é salvar os pobres. O mito da
inferioridade do povo, o mito de sua impureza, não espiritual, mas física, o mito de sua
ignorância absoluta (1982, p.107). Para fazer a passagem para a vida nova, necessário se faz
se deparar com a velha realidade e avaliar o quanto ela é destruidora, desumanizadora e
assumir, aos poucos, o que a nova realidade lhe propõe. É assumir riscos, mas riscos
compensadores, pois o novo indivíduo agora é dono da sua história junto aos demais. Além
disso, Freire diz que a verdadeira Páscoa não é verbalização comemorativa, mas práxis,
compromisso histórico. [...] a Páscoa é morrer para viver (1982, p.107).
Essa apresentação serviu para percebemos a posição que a igreja assume frente à
sociedade. Por um lado, vemos igrejas que se declaram a favor da elite dominante, que Freire
os denomina de espertas, pois está a favor de quem está ganhando; por outro, temos uma
igreja que Freire a denomina de ingênua, mas que tem a possibilidade de suicidar-se como
classe dominante e renascer para ficar ao lado dos oprimidos. Dentro desse contexto, Freire
observa que existem três modelos de igreja, que ele denomina como sendo tradicionalista,
modernizante e profética.
A igreja tradicionalista, como o nome mesmo já diz, tem características próprias de
uma tradição. Observando a tradição cristã, percebe-se que ela tem como um dos seus
objetivos maior a salvação da alma dos fiéis. Por isso, ela faz campanhas para conseguir
convencer as pessoas a se preocuparem com as coisas de Deus e deixar as coisas do mundo. É
nessa perspectiva que Freire, como educador, adverte as igrejas contra suas posições
alienantes:
Missionária no pior sentido da palavra conquistadora de almas, essa igreja,
dicotomizando mundanidade de transcendência, toma aquela como a
sujeira, na qual os seres humanos devem pagar por seus pecados. Por isso
mesmo, quanto mais sofram tanto mais se purificam e, assim, alcança o céu,
atitude dos homens que, apesar de serem provenientes das classes dominantes, se engajam na luta pela libertação dos oprimidos e
com o mesmo sentido que Marx emprega a expressão trânsfuga de classe (GADOTTI, 1996, p.731).
74
Almicar Cabral é considerado o pai da nacionalidade cabo-verdiana. Foi um dos mais carismáticos líderes africanos cuja ação
não se limitou ao plano político, mas desempenhou um importante papel cultural tanto em Cabo-Verde como em Guiné-Bissau.
Ele era natural de Guiné-Bissau. Fundou em 1956 o PAIGC (Partido africano para Independência de Guiné-Bissau e Cabo-
Verde) que lutou pela autodeterminação desses dois territórios.
106
a paz eterna. O trabalho não é ação dos homens e das mulheres sobre o
mundo, refazendo-o e fazendo-se nele, mas a pena que pagam por ser
homens e mulheres (FREIRE, 1982, p.117).
Freire apresenta a igreja tradicionalista como conquistadoras de almas. Tendo como
objetivo conquistar as almas para Deus, ela faz tudo que lhe convém para deixar o pecador em
estado permanente de culpa. Agindo dessa maneira, ela tem como propósito levar o fiel,
constantemente, a fazer atos de expiação pelos seus pecados. Dessa forma, esse pecador fica
tão alienado que se vê como pecador e nada mais. Sendo assim, ele evita fazer as coisas do
mundo para não pecar mais. Anestesiado dessa forma, o ser humano não se percebe como ser
inacabado nascido com a vocação ontológica de Ser Mais, de ser humano para criar e recriar
esse mundo junto aos demais. Poder-se-ia dizer que esse tipo de igreja aprisiona o ser
humano, pois ele não tem mais liberdade para fazer outras coisas sem se sentir culpado
precisa viver agora somente para a igreja, para Deus. Para ganhar o céu é preciso sofrer na
Terra. Esse é o preço da vida eterna. Freire diz que uma igreja como essa morre de frio no
seio morno da burguesia, por isso não pode olhar com bons olhos e ouvir com bons ouvidos a
defesa das ideias e das práticas consideradas pelas elites como diabólicas (1982,116).
Enquanto as igrejas agem assim, estão defendendo as classes opressoras e deixando de lado a
classe oprimida. Um povo bonzinho, que vive somente para Deus, não problemas, não
exige seus direitos de seres humanos, não tem consciência da verdadeira mensagem
libertadora de Jesus Cristo que tanto as igrejas pregam. Enquanto age dessa forma, a elite fica
satisfeita, pois seu capital só tende a aumentar. O patrão fica satisfeito com um empregado
que trabalha, até além do previsto, para sacrificar-se em nome da sua própria salvação.
Dialogando com Freire a respeito da igreja como salvadora de almas, Sung parte do
pressuposto de que as igrejas, ao terem esse tipo de comportamento, apresentam o ser humano
como fosse dividido em duas partes: a alma espiritual e o corpo material; e o cristianismo
devesse cuidar de uma parte, a alma (2008, p.26). Paulo Freire chama a atenção das igrejas
para o problema que é gerado em torno dessa prática. Para ele, é impossível chegar à
transcendência sem passar pela mundanidade; é impossível chegar à meta-história sem
experimentar-se na história; é impossível chegar à salvação sem a libertação (1982, p.117).
Aqui está o ponto crucial de toda pedagogia freiriana: a libertação acontece na e dentro da
história do ser humano. Não libertação do ser humano apenas rezando para Deus. Como
dissemos no primeiro capítulo, a libertação acontece dentro de um processo pedagógico onde
educandos e educadores assumem ações concretas na sociedade. Depois de fazerem uma
leitura do mundo deles, os temas geradores são levantados, e, por meio do diálogo, os
107
problemas são problematizados para assim chegarem a ações concretas. É uma educação que
visa a libertar de verdade e não somente a anestesiar o problema.
Nesse sentido, é oportuno voltar à questão sobre a salvação da alma, em que Sung
salienta que, ao agir dessa forma, as igrejas demonstram uma distinção entre salvação da alma
e do corpo. Para ele, esse comportamento das igrejas demonstra que o cuidado com a
salvação espiritual não teria nenhuma relação com os problemas corporais, com os
sofrimentos de uma grande parte da população brasileira que é pobre (2008, p.26). Aqui se
faz pertinente questionar como uma alma se salva sem o corpo? Ou como um corpo se salva
sem a presença da alma? É estranho, no contexto de mundo atual, imaginar um ser humano
preocupado somente com a salvação da alma sem se preocupar com seu ser integral. Na
pedagogia freiriana, como já falamos, para salvar a alma é preciso salvar o corpo também.
Salvação da alma e corpo são duas dimensões que caminham juntas; transcendentalidade e
mundanidade caminham juntas.
De onde vem essa ideia de que alma e corpo são duas dimensões separadas no
processo de salvação? Sung esclarece que não é uma questão presente no texto bíblico. O
livro do Gênesis, ao se referir à criação da humanidade, diz que Deus modelou o homem
com argila do solo, inflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser
vivente (Gênesis 2.7). Até aqui a criação do ser humano aparece como forma positiva no
plano de Deus. Além disso, Sung também acrescenta que no capítulo 1 de Gênesis Deus viu
que tudo que tinha feito era muito bom (Gênesis. 1.31). Mas para o que Sung chama a
atenção é o fato de que o livro bíblico não diz que Deus ficou contente com o corpo do
homem e que depois juntou uma alma a esse corpo. [...] O que a Bíblia diz é muito mais
profundo. Diz que Deus modelou o homem. Não o corpo (2007, p.29). O que Sung mostra
aqui é que na narrativa da criação do ser humano na Bíblia o aparece essa dicotomia entre
corpo e alma. A criação corpo e alma não tem fundamento no texto bíblico. O texto bíblico
apresenta Deus modelando o homem e dando-lhe um hálito de vida (cf. SUNG, 2007, p.29).
Até aqui não aparece Deus criando a alma do ser humano. Por isso Sung insiste em
dizer que, para a tradição bíblica, o ser humano não é um composto de alma e corpo, mas um
ser vivente. E, como ser vivente, luta contra a morte. Para a Bíblia, a principal luta do ser
humano não é da alma contra o corpo, mas da vida contra a morte (2007, p. 29). Essas
afirmações de Sung levantam questões que vêm ao encontro da pedagogia freiriana sobre uma
educação em que a valorização do ser humano integral é tema principal de discussão. Freire
não apresenta uma alma humana mais importante do que o corpo de uma mulher ou de um
108
homem. Ele apresenta um ser humano inacabado com a vocação ontológica de Ser Mais,
como já discorremos no primeiro capítulo. A todo o momento Freire mostra que a educação
deve levar o ser humano a se libertar da opressão na qual se encontra, pois essa o leva à morte
enquanto protagonista de sua história junto aos demais. A educação libertadora
problematizadora dialógica dá condições ao ser humano para lutar a favor de sua vida
vencendo a desumanidade.
Seguindo essa discussão sobre a defesa da vida mostrando que a principal luta do ser
humano é contra a morte , Sung se fundamenta no texto bíblico para mostrar que Deus se
preocupou com a continuidade da vida do ser humano dando-lhe o que comer.
Por isso, logo após ter criado o ser humano como ser vivente, o livro de
Gênesis diz que Deus plantou um jardim onde cresceu toda espécie de
árvores formosas de ver e boas de comer (Gênesis, 2: 9) e deu-lhe um
mandamento: Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do
conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela
comeres terás que morrer (Gênesis, 2.16-17). Comer para poder viver e
assim manter o grande dom de deus que é a vida (SUNG, 2007, p.29-30).
Sung também diz que no Evangelho de Jesus Cristo perpassa a mesma ideia de que
Deus se preocupa com a salvação da vida do ser humano o estabelecendo distinção entre
corpo e alma: Deus nos criou como seres viventes para que possamos viver; por isso Jesus
diz que, ao contrário daqueles que só vem para roubar, matar, destruir, ele veio para que
tenhamos vida e a tenhamos em abundância (cf. João 10: 10) (SUNG, 2008, p.30). Mas de
onde veio essa história de salvação da alma em detrimento do corpo, questiona-se Sung? Em
resposta a essa questão, Sung esclarece que ela não tem fundamento bíblico, mas veio
principalmente do mundo grego. O grande filósofo Platão, dizia que o corpo é a prisão da
alma e que, portanto, deveríamos libertar a alma do domínio do corpo (2008, p.30). Temos
aqui um grande impasse: se não é bíblica a salvação da alma em detrimento do corpo, por que
as igrejas cristãs insistem tanto nessa questão?
Diante dessa visão distorcida das igrejas, o oprimido silencia cada vez mais. Freire
afirma que, para sanar essa problemática, seria preciso de uma educação que, desafiando o
povo, lhe permitisse perceber a raison dêtre da realidade social (1982, p.116). Uma
educação que desafiasse o povo a se pronunciar e o a calar em nome de uma igreja
opressora. Existe uma incoerência quando a igreja defende esse tipo de comportamento do
povo. Por isso é que Freire se questiona afirmando que a nossa tarefa se simplificaria se
tivéssemos de nos perguntar qual deveria ser o papel das igrejas na América Latina em face
da educação se essa pergunta se prepusesse à coerência das igrejas em relação ao Evangelho
109
(1982, p.116). Uma igreja que silencia os oprimidos, que lhe tira o direito de criar e recriar
esse mundo, de ter seu espaço na sociedade será que é cristã? Se ser igreja cristã pressupõe
seguir os ensinamentos do Evangelho de Cristo, essas igrejas estão distantes da mensagem do
mestre. Por que essa distância? A partir do momento em que as igrejas estão do lado da elite,
da classe dominante, da classe opressora, consequentemente está ao contrário da mensagem
de Cristo de libertar o oprimido, de dar-lhe o direito de pronunciar o mundo.
Freire faz uma observação pertinente em relação a esse comportamento nada positivo
das igrejas diante da classe oprimida: quanto mais imersas na cultura do silêncio
75
estejam as
massas populares, quanto maior for a violência das classes opressoras, tanto mais tente
aquelas massas a refugiar-se em tais igrejas (1982, p.117). Para Freire, isso é muito
constrangedor. Segundo a sua pedagogia, essas massas carecem de uma educação que as
liberte desse sistema opressor. Talvez aquilo que mais o constrange é o fato de que as igrejas,
que deveriam fazer esse papel de educar-se com as massas para a libertação, estão fazendo o
papel inverso: de opressora das massas. É uma incoerência, difícil de não ser percebida.
Outro fato para o qual Freire chama a atenção é que as massas, uma vez que estão
nessa catarse alienante, querem chegar à transcendência sem passar pela mundanidade;
querem a meta-história sem experimentar-se na história; querem a salvação sem a libertação
(1982, p.117). Aí se pode falar da dor do povo: ele está tão oprimido, tão sofrido, tão negado
de seus direitos, que o único lugar de refúgio são essas igrejas. Então, ele acredita na proposta
de salvação que elas oferecem e a assume como se fosse a única solução para sanar a dor de
ser um oprimido. Se, no mundo, tudo é pecado, ele não pode passar pelas coisas do mundo
para obter a salvação. Ao deixar o mundo de impurezas, Freire diz que é como se as massas
estivessem dizendo aos opressores os senhores são poderosos, mas possuem um mundo feio
que nós recusamos (1982, p.117). Tendo essa visão de mundo passada pelas igrejas, eles não
percebem as reais causas de sua opressão e não percebem o futuro como tarefa de libertação
que tem de criar (FREIRE, 1982, p.118).
Freire apresenta um dado chocante: a necessidade das igrejas de se apresentarem como
refúgio das massas. São igrejas que carecem das pessoas oprimidas, mas não para educá-las
para liberdade, para serem livres e independentes; existe outro objetivo que transparece nesse
relato de Freire: uma igreja carente de fiéis dependentes. Enquanto permanecem nessa
dependência, eles encontram o consolo aparente nesses espaços. Talvez esteja aqui a resposta
75
É fruto da sociedade opressora em que os homens e as mulheres não podem refletir nem tomar decisões acerca de tudo aquilo
que os afeta (não podem pronunciar sua palavra como diz Paulo Freire) (JGADOTT, 1996, p.719)
110
para o questionamento que fizemos anteriormente: por que as igrejas insistem nessa visão
distorcida do cristianismo segundo a qual se deve salvar a alma e esquecer a salvação do
corpo? Esse discurso é cômodo e amedronta as pessoas. Por isso, elas correm para igrejas
assim, pois são elas que oferecem uma proposta de salvação segura.
Poder-se-ia perguntar a Freire, numa linguagem própria dele, que fazer para inverter
esse tipo de educação que as igrejas transmitem para seus fiéis que os anestesiam,
silenciando-os diante de seus reais problemas? Como resposta, segundo o próprio Paulo
Freire, somente a mudança qualitativa da consciência popular pode superar definitivamente a
necessidade da igreja como refúgio das massas. E essa mudança qualitativa não se opera [...]
nem dentro da consciência por ela mesma, nem automática, nem mecanicamente (1982,
p.118). A mudança qualitativa na consciência popular acontecerá através de um plano de
educação em que igreja e povo se empenhem em fazer uma leitura de mundo, observando
quais são seus reais problemas e dialogando sobre eles. Não um dialogar por dialogar, mas um
diálogo que leve à ação, como já dissemos no primeiro capítulo.
Entretanto, apenas a partir do momento em que as pessoas recebem outro tipo de
educação para a liberdade, para pronunciar o mundo, como já foi apresentado no primeiro
capítulo, é que vão superar essa necessidade das igrejas de serem refúgio das massas. Uma
vez que os fiéis se libertem da alienação que os oprime, eles podem mudar de comportamento
e essa igreja tradicionalista não lhes será mais necessária. Eles precisam de outro tipo de
igreja, coerente com a ideia de libertação em que eles estão apostando. Diante disso, a igreja
que não muda o seu perfil perde os fiéis que estão conscientes de sua realidade. Mas como
sempre haverá pessoas oprimidas, essas igrejas mantêm-se em seu sistema de refúgio das
massas para oprimi-las ainda mais. Nesse sentido, Freire esclarece que proibidas de dizer
sua palavra, enquanto classe social subordinada ganha, no refúgio, a ilusão de que falam na
expressão de suas súplicas de salvação (1982, p.117).
Além disso, Freire diz que essa forma tradicional de igreja corresponde às sociedades
fechadas, com um mínimo de mercado interno, exportadoras de matérias-primas; sociedades
preponderantes agrícolas, em que a cultura do silêncio é a conotação fundamental (FREIRE,
1982, p.118). Essas são as características da sociedade onde as igrejas tradicionalistas ganham
espaço. Portanto, Freire esclarece que:
O papel que tais igrejas podem desempenhar e vem desempenhando, no
campo da educação tem, portanto, de estar condicionado por sua visão do
mundo, da religião, dos seres humanos e de seu destino. Sua concepção da
educação, que se concretiza em sua prática correspondente, não pode deixar
de ser quietista, alienada e alienante (FREIRE, 1982, p.118).
111
Vale acrescentar também, voltando ao grupo dos neutros (inocentes e espertos), que
somente os inocentes podem superar o seu equívoco, através de sua práxis, para,
comprometendo com as classes dominadas, em forma diferente, fazem-se realmente
proféticos (1982, p.118).
Passamos agora ao modelo de igreja modernizante. Essa nova posição de igreja surge
na transição em que a América Latina experimenta a superação de estruturas tradicionais por
estruturas modernizantes. Nessa era industrial, novos desafios exigem da classe dominante
respostas diferentes. Não que ela queira ser boazinha com a classe dominada, mas agem em
função de benefício próprio (FREIRE, 1982, p.119). Freire diz que os
interesses imperialistas, que em si condicionam a própria transição da
sociedade, se fazem mais, e mais agressivos, expressando-se através de
variadas formas de penetração e de controle da sociedade dependente. Em
certo momento desse período, a ênfase no processo da industrialização
provoca a configuração de uma ideologia do desenvolvimento, de caráter
nacionalista, que, entre outras teses, defende o pacto entre as burguesias
nacionais e o proletariado emergente (FREIRE, 1982, p.119).
Como age a igreja nesse meio de revolução industrial? Novos avanços tecnológicos,
nova sociedade, o que a igrejas trazem de novidade? Freire apresenta um quadro que ainda
não é aquele que sua pedagogia defende. Ele diz que se tem de um lado uma igreja tradicional
ao lado de uma igreja modernizando-se
76
. A educação também está nesse processo: de um
lado uma educação livresca ao lado de uma educação técnico-profissional, consequência da
industrialização. Além disso, tem-se um proletariado modernizado ao lado de um
proletariado tradicional (FREIRE, 1982, p.120). Em meio a tudo isso, a igreja tradicional se
moderniza, tornando seu tradicionalismo mais eficiente para refugiar o proletariado que se
moderniza, mas continua na cultura do silêncio:
Desafiada pela eficiência que começa a ser exigida pelas sociedades que vão
superando suas estruturas arcaicas, a igreja modernizante aperfeiçoa sua
burocracia para ser mais eficaz, quer na sua atividade social-assistencial quer
na sua ação pastoral. Interessa-se, assim, por substituir as formas empíricas
antes usadas no seu quefazer assistencial, por procedimentos técnicos. Seus
antigos Centros de Caridade orientados por leigos na Igreja Católica, por
Filhas de Maria passam a chamar-se Centros de Comunidade, sob a
direção de assistentes sociais. Os homens e as mulheres que antes eram João,
Carolina, Joaquim, Madalena, são agora números em fichas verdes, amarelas
e azuis. Os chamados meios de comunicação com as massas, no fundo,
meios de comunicados às massas, são uma atração irresistível (FREIRE,
1982, p.121).
76
Juan Luis Segundo adverte para o grande perigo que correm as igrejas no Brasil que se modernizaram sem serem evangelizadas.
(cf.LIMA, Maristela, 1987).
112
Diante desse novo quadro da igreja, Freire observa que ela apenas modernizou-se para
acompanhar a revolução industrial, mas internamente continua servindo à classe dominante,
pois não educa seus fiéis a partirem em busca da Páscoa da libertação. Daí que defenda as
reformas estruturais e não a transformação radical das estruturas; daí que fale em
humanização do capitalismo e o em sua total supressão (1982, p.121). Sendo assim, o
há transformação radical das estruturas sociais e nem da postura da igreja, pois, como já foi
dito, o povo continua no silêncio, mergulhado no seu sofrimento em que a única alternativa
seria frequentar essas igrejas para salvar sua alma, já que os seus direitos como ser humano,
há muito tempo eles não têm mais.
Em relação à juventude dessa época, Freire diz que aqueles que se sentem desafiados
por essa realidade dramática, desde que não entrem no grupo dos inocentes ou espertos, o
podem aceitar posições conservadoras e reformistas, mas provocada por esse posicionamento
da igreja, assumem atitudes, nem sempre válidas, como a postura objetivista (FREIRE, 1982,
p.122). Parece que as pessoas estão um tanto perdidas, pois não têm o que buscar para escapar
desse sistema opressor apoiado pelas igrejas modernizantes. Para essas igrejas, tudo está
muito bom, pois continua apoiada pela elite, já que mantêm o domínio das massas. De acordo
com Freire, a igreja modernizante diria hoje, de novo, ao Cristo: Por que, Mestre, partir, se
tudo aqui é tão belo, tão bom? ’” (1982, p.123).
Com relação à educação, Freire esclarece que a modernização acaba contribuindo com
a libertação do quadro-negro, das aulas mais estáticas, dos conteúdos mais livrescos,
oferecendo-lhes projetores e outras ajudas audiovisuais, aulas mais dinâmicas e ensino
técnico-profissional (1982, p.124). Libertou os educandos de quê? A mudança ocorrida foi
apenas externa, pois o jeito de lidar com os educandos continuou o mesmo.
Combatida pelas igrejas tradicionalistas e modernizantes, outra posição de igreja
aparece nessa sociedade, a qual Freire denomina profética. A igreja profética é utópica e
esperançosa, recusando os paliativos assistencialistas, os reformistas amaciadores, se
compromete com as classes sociais dominadas para transformação radical da sociedade
(1982, p.124). Agora se tem uma posição de igreja que está mais comprometida com os
oprimidos. Para Freire, essa igreja sabe muito bem que para ser precisa estar sendo (1982,
p.124). Ela precisa ser coerente em suas defesas, precisa assumir uma posição e não ficar na
neutralidade de quem defende mas não defende, como foi visto na posição das igrejas
tradicionalistas e modernizantes. Por isso, Freire esclarece que a igreja profética não
dicotomiza mundanidade de transcendência nem salvação de libertação (1982, p.24). Numa
113
outra linguagem, pode-se dizer que as coisas de Deus caminham junto com as coisas do
mundo, pois não como separar essas duas realidades, uma vez que o mundo é de Deus e o
que é de Deus é dos seus filhos. Então, a mundanidade o é algo negativo que impeça o ser
humano de se salvar. Pelo contrário, a mundanidade é um meio de o ser humano conhecer-se,
libertar-se e chegar mais perto de Deus, da transcendência.
Na igreja profética, as ações são em conjunto, por isso as libertações não se dá apenas
no âmbito individual. Antes de tudo, essa libertação precisa acontecer no grupo. Nesse
sentido, vale lembrar o que já foi dito: para mudar as consciências é preciso mudar as
estruturas sociais. Por isso agora há uma igreja que anuncia e denuncia, que junto propõe
mudanças, que luta pelo novo na sociedade. Assim sendo, Freire afirma o seguinte:
Não significando também a perspectiva profética ser utópica e esperançosa,
a atitude de quem, fora do mundo concreto, fala de um mundo de sonhos
impossíveis, requer naturalmente o conhecimento científico do mundo
concreto. É que, ser profético, utópico e esperançoso [...] é denunciar e
anunciar através da práxis real. Daí o conhecimento científico da realidade
como condições necessárias à eficiência profética (FREIRE, 1982, p.125).
Percebe-se uma igreja com base de sustentação não nos ensinamentos doutrinários,
mas que se fundamenta também na ciência para se afirmar como tal. Uma igreja assim não
depende de massas oprimidas para encher seus templos, mas de sujeitos ativos na sociedade,
que lutam pelos seus direitos de cidadãos. Dessa maneira, Freire diz que por isso mesmo ela
sabe muito bem que a autenticidade da denúncia e do anúncio, como processo permanente, só
alcança seu ponto máximo quando as classes dominadas, através de sua práxis real, se fazem
também proféticas, utópicas e também esperançosas, portanto revolucionárias (1982, p.125).
Freire também salienta que, uma vez que Jesus não foi conservador, a igreja profética
também precisa assumir essa característica. Sendo assim, as características dessa igreja, para
serem coerentes com os ensinamentos de Jesus, são as seguintes:
[...] andarilha, viajeira constante, morrendo sempre e sempre renascendo.
Para ser, tem que estar sendo. Por isso mesmo é que não profetismo sem
assunção da existência como a tensão dramática entre passado e futuro, entre
ficar e partir, entre dizer palavras e o silêncio castrador, entre ser e não ser
[...] Não há profetismo sem risco (FREIRE, 1982, p.126).
Esse é um convite para a mudança da teologia do desenvolvimento para a teologia da
libertação, que precisa assumir as características descritas acima. Nesse contexto de igreja
numa linha profética
a educação se instauraria como método de ação transformadora. Como
práxis política a serviço da permanente libertação dos seres humanos, que
não se dá, repitamos, nas suas consciências apenas, mas na radical
114
modificação das estruturas em cujo processo transformam as consciências
(FREIRE, 1982, p.127).
É provável que em cada modelo de igreja apresentado, dentro de cada um, perpassem
características das três. Ou melhor, numa igreja, grupos tradicionalistas, modernizantes e
proféticos. Embora haja sempre uma base forte que sustenta determinada igreja mostrando sua
real posição, numa igreja tradicionalista predomina uma doutrina baseada na tradição da
igreja, quer dizer, sempre foi assim e continuará assim. Esse é o pilar que a faz tradicionalista.
No entanto, há pequenos grupos, embora seguindo a tradição da igreja, usam meios modernos
de professar a fé. Porém, talvez seja o mínimo os que buscam a transformação da realidade,
pronunciando-se o mundo como profeta. A mesma comparação pode-se fazer também com os
demais modelos de igrejas.
Esse apanhado sobre os modelos de igreja deixou notável a necessidade de repensar a
práxis educativa que elas assumem, menos a profética que já parte desse exercício constante.
As igrejas tradicionalistas e modernizante têm uma prática educativa que o é humanizadora,
pois ela contribui para o ser humano ficar mais oprimido do que ele é. Diante dessa
constatação, Casiano Floristàn chama a atenção para quatro pontos importantes sobre a
reflexão da práxis. Ele parte do princípio de que a práxis é ação criadora e não simplesmente
renovadora. Para a práxis ser criadora, é necessário que haja certo grau de consciência crítica
na pessoa que realiza a ação e certo nível de criatividade em quem recebe a ação, pois a práxis
criadora é inovadora diante das novas realidades e novas situações. Nesse sentido, as pessoas
precisam criar e inventar, pois não basta repetir os resultados (FLORISTÀN, 1993, p.179).
Outro ponto que Floristàn destaca é o fato de a práxis ser uma ação reflexiva e o
exclusivamente espontânea. Para ele, se a práxis criadora exige um elevado grau de
consciência crítica, para superar o nível espontâneo da prática, necessário se faz uma reflexão
profunda. Nesse sentido, precisa-se ser crítico: saber o que se quer e onde procurar. Sendo
assim, a transformação de muitos aspectos, às vezes, pode não ser rápida do jeito radical que
se esperava (FLORISTÀN, 1993, p.180).
No terceiro ponto, Floristàn diz que a práxis é ação libertadora e de nenhum modo
alienante. A ação humana é práxis quando ela faz parte de um projeto libertador. Para ele, a
finalidade de toda atividade prática e de toda práxis é a transformação de todo o mundo
natural e social para que essa realidade seja mais humana e mais livre (FLORISTÀN, 1992,
p.180).
O quarto ponto refere-se ao fato de que a práxis é ação radical e não meramente
reformista. Segundo Floristàn, a práxis procura transformar a direção e a organização da
115
sociedade por meio da observação das relações econômicas, políticas e sociais, pelo fato de a
sociedade estar dividida em classes sociais. Nasce então uma luta de classes e nasce a
atividade política, que não é uma luta objetiva mais que ideológica. A práxis política alcança
seu apogeu na práxis radical e procura transformar as raízes das bases econômicas e sociais
nas quais estão sustentadas as classes dominantes para construir uma nova sociedade
(FLORISTÀN, 1992, p.180).
Essa contribuição de Floristàn reforça o que apresentamos desde o início dessa
pesquisa sobre o pensamento de Freire a respeito da práxis educativa humanizadora. Neste
ponto, não basta simplesmente refletir sobre nossa ação, mas, antes de tudo, repensar até que
ponto nossa reflexão sobre a nossa própria ação cria ões mais humanas. Ou melhor, até que
ponto nossa ação-reflexão está criando ações que libertam as pessoas de seus estados de
opressão?
Pensamos que, diante desses três modelos de igrejas apresentados, a predominância
de uma imagem de Deus. Quando se tem um ser humano oprimido, desmoralizado, sem voz
sem, sem vez, que é fruto de uma educação bancária, que modelo de igreja lhe oferece
conforto anestesiador? Que imagem de Deus está presente nessa igreja? Ou então, quando o
ser humano está no processo de libertação, pois se conscientizou de seu inacabamento e de
sua vocação ontológica de Ser Mais, fruto de uma educação problematizadora libertadora
dialógica, que modelo de igreja lhe fortalece, fazendo crer que Deus o deixou livre para criar
e recriar esse mundo? Que imagem de Deus está presente nessa igreja? Qual a relação dessas
concepções de educação com as aprendizagens que Juan Luis Segundo define como sendo de
primeiro e segundo grau? Esses questionamentos nos remetem ao segundo tópico desse
capítulo.
3.3 AS IMAGENS DE DEUS NA RELAÇÃO PEDAGOGIA-TEOLOGIA
Pretendemos fazer uma articulação sobre a relação pedagogia-teologia em Paulo Freire
e teologia-pedagogia em Juan Luis Segundo, mostrando a imagem de Deus que perpassa na
teoria desses autores. Vamos partir do seguinte esquema:
DEUS OPRESSOR
(todo poderoso)
DEUS LIBERTADOR
(amor)
Educação bancária
(aprendizagem de primeiro grau)
Educação libertadora
(aprendizagem de segundo grau: aprender
a aprender a ser humano)
116
Igreja tradicionalista
Igreja modernizante
Igreja profética
Ser humano oprimido Ser humano em processo de libertação
Nos modelos de igrejas apresentados, articulados com as concepções de educação,
perpassa também certa imagem de Deus. O quadro acima mostra que a concepção bancária de
educação (aprendizagem de primeiro grau) contribui para que a pessoa religiosa procure as
igrejas tradicionalistas e modernizantes que possuem um discurso de fundo altamente
alienante. Isso impossibilita a pronúncia do fiel ao mundo e, dessa forma, cada vez mais ele se
sente oprimido. De outro modo, a concepção problematizadora libertadora dialógica de
educação (aprendizagem de segundo grau aprender a aprender a ser humano) contribui para
a pessoa religiosa procurar a igreja profética. Esse modelo de igreja tem uma proposta
libertadora, que leva os seus fiéis a se pronunciarem o mundo transformando-o
qualitativamente.
Diante dessas duas realidades apresentadas, surgem duas imagens de Deus. Uma de
um Deus opressor, presente na educação bancária (aprendizagem de primeiro grau), outra de
um Deus libertador, presente na educação problematizadora libertadora (aprendizagem de
segundo grau). Se partirmos para termos mais teológicos, podemos dizer que temos, de um
lado, um Deus amor (libertador) e, de outro, um Deus todo poderoso (opressor). Para essas
duas imagens de Deus temos também duas imagens de ser humano. Para um Deus-amor-
libertador, temos um ser humano em seu processo de libertação, pronunciando-se no mundo
junto aos demais, que está consciente de que é um ser inacabado, com vocação ontológica de
Ser Mais. No caminho inverso, para o Deus opressor-todo-poderoso, temos um ser humano
oprimido, que não se conscientizou de seu inacabamento, e, portanto, sente-se vocacionado a
ser menos, egoísta e passivo frente às opressões do mundo.
Para Freire, na concepção de educação bancária o educando é visto como um
ignorante que não tem nada a contribuir no seu processo de aprendizagem; o educador é o
sábio que tem o conhecimento para depositar nas cabeças dos educandos. Temos então, um
educador que sabe tudo e um educando que não sabe nada. Se o educando não sabe nada, ele
também não tem nada a contribuir. Nesse caso, resta-lhe somente fechar a boca e escutar o
que o educador tem a lhe dizer. Alienado nessa situação, cabe ao educador dar a ele o
conhecimento que o sistema educacional julga importante, sem levar em consideração sua
leitura de mundo.
117
Para Juan Luis Segundo, a teologia clássica apresenta a revelação como um depósito
de verdades fechado. Nessa perspectiva, cabe aos líderes da igreja transmitir o que foi
revelado aos demais, sem que esses tenham a oportunidade de dialogarem sobre o que foi
revelado, ou seja, não se a oportunidade de atualização do depósito da revelação para os
dias atuais o que a tradição da igreja prescreve deve ser transmitido tal como está lá. Resta
às pessoas aceitar o que foi prescrito sem oportunidade para questionamentos. Temos aqui
uma aprendizagem que J.L. Segundo denomina de primeiro grau: aprender coisas prontas.
Fazendo uma comparação entre a educação bancária de Paulo Freire e a aprendizagem
de primeiro grau de Juan Luis Segundo, percebemos que ambas têm como característica
principal repassar verdades prontas ao educando. Enquanto a educação formal concebe a
aprendizagem como memorização de questionários, regras e outras coisas semelhantes, na
igreja também levam os seus fiéis a memorizarem o que elas querem que eles aprendam.
Portanto, a aprendizagem é vista em ambas as abordagens como memorização de um
conteúdo, sem levar em consideração o significado que ele tenha para os educandos. E os
educandos a recebem como seres passivos e alienados.
Ao observar as características das três igrejas apresentadas (tradicionalista,
modernizante e profética), constatamos que as igrejas tradicionalistas e modernizantes
assumem uma educação bancária (aprendizagem de primeiro grau). Ao assumir a educação
bancária, a igreja nega ao seu fiel o direito de pronunciar o mundo, pois não dialoga sobre os
seus problemas. Pelo contrário, os problemas apresentados são colocados nas mãos de Deus
para que ele resolva como numa mágica. Como nem sempre isso acontece, o fiel que não
recebe essa graça de Deus sente-se ainda mais culpado, entrando cada vez mais num abismo
de opressão. Ao invés de serem dialogados e resolvidos, os problemas humanos são
anestesiados com orações fervorosas. Passada a anestesia, a tendência é o problema voltar
com mais força ainda e, assim, vira um círculo vicioso em que o ser humano se depara com o
ser menos impedindo que ele se perceba como ser inacabado e com a vocação de Ser Mais.
Essas igrejas olham para os seus fiéis como meros receptores da mensagem da
revelação. Com esse impacto, eles não têm oportunidade de falar, pois Deus já revelou o que é
para ser seguido. Temos aqui a visão de um Deus que é um pedagogo apressado que as
respostas antes de as pessoas fazerem as perguntas (SEGUNDO, 2000, p.292). Isso é próprio
da visão bancária de educação: o conteúdo está determinado, o educador precisa dar conta
dele, então não resta tempo para perguntas dos educandos.
118
A igreja que possui uma visão bancária de educação (aprendizagem de primeiro grau)
age da mesma forma com seus fiéis. Para um líder religioso bancário, depositar uma
mensagem de Deus na cabeça dos fiéis é cômodo para ele. Se for depositar para que os
fiéis escutem docilmente, não necessidade de se preparar para isso. O depósito da
mensagem religiosa está preparado de tal forma que não deixa margem para questionamentos.
É somente ouvir e praticar o que ouviu. Os fiéis são meros receptores de um depósito como na
educação formal.
Percebe-se assim que a igreja, enquanto espaço de educação, também acompanha a
educação formal, pois ambas estão inseridas num mesmo contexto social, no qual existe
opressor e oprimido, a classe dominante e a massa popular. A igreja, dentro desse contexto,
também assume a educação bancária, e o que é mais lamentável: uma vez que as massas
populares são silenciadas, mais se refugiam nessas igrejas, pois encontram nelas um espaço de
atuação.
Por que essas igrejas não dialogam? Porque, para dialogar, Freire diz que precisamos
amar, ter fé no ser humano, ser humilde, ter esperança, confiança e um pensar verdadeiro. Se
essa igreja se considera dona de uma verdade, ela não é humilde. A humildade é uma das
virtudes que tem como requisito não estar acima do outro. Se eu sou a dona da verdade, eu
sou maior do que o outro. Como diz Freire, o diálogo torna-se impossível numa relação em
que membros admitem-se como diferentes, virtuosos por herança e julgam os demais como
seres inferiores e não reconhecem outros eus. O mesmo acontece quando o indivíduo se sente
participante de um gueto de pessoas puras, que possuem o poder sobre a verdade e o saber
enquanto os demais são considerados seres inferiores (FREIRE, 1975, p.115).
O mesmo se pode dizer em relação às outras virtudes. Se o sou humilde, eu não
posso amar o outro, acreditar nele, pois uma coisa é consequência da outra. Para Freire, se
falta uma dessas virtudes, já não dá para dialogar, mas passar comunicados.
Nesse caso, o que predomina é o antidiálogo, que não é humilde, amoroso e não tem fé
no ser humano. Se não é amoroso, Freire esclarece que há aqui a patologia do amor, um amor
doentio. Quando há uma relação de dominação, em que a patologia amorosa se faz presente,
isto é, sadismo em quem domina e masoquismo em quem é dominado, essa relação é
extremamente antidialógica. Isso implica numa relação vertical. Na patologia do amor, o
sádico é aquele que dita as regras e o masoquista as executa. Dentro de um espaço religioso,
podemos dizer que há um Deus masoquista (ou um líder religioso) que, pelo fato de amar de
uma forma doentia, querem cada vez mais o sofrimento do fiel. O fiel, pelo fato de gostar de
119
sofrer (amando de forma sádica), se aliena cada vez mais a esse ser superior. Com isso, o
diálogo se torna realmente impossível. O que acontece é um ditar um preceito e o outro acatar
como verdade. Podemos até falar aqui de uma relação paternalista. Um Deus que é aquele pai
que prescreveu o destino do ser humano, que agora é obrigado a realizar o que foi prescrito.
Em outras palavras, o ser humano não pode fazer nada diferente, pois seu destino já está
traçado por Deus. Ele não pode mudar o que foi determinado. Se ele sofre, é porque Deus
quer assim. Quando Deus quiser que seja diferente, as coisas mudam.
Ao assumirem a concepção bancária de educação (aprendizagem de primeiro grau), as
igrejas tradicionalistas e modernizantes passam aos seus fiéis uma imagem de um Deus
opressor todo poderoso diante de um ser humano oprimido.
Se Deus é todo-poderoso-opressor, os decretos eternos que ele revelou à humanidade
não precisam ser entendidos, apenas praticados, observados. A linguagem divina, portanto,
não é muito importante, pois ele não precisa ser compreendido, mas obedecido cegamente.
Como ele é todo-poderoso, a liberdade humana fica nula, pois para ele ser todo-
poderoso o ser humano não pode ser livre, já que a liberdade implica a pessoa poder escolher
o que quer fazer. Aqui é Deus quem determina tudo, pois ele tem poder para isso. Nesse
sentido, Comblin diz que:
[...] Para a filosofia grega, Deus era o fundamento da ordem, ele próprio era
parte dessa ordem. Por conseguinte, o ser humano realizava o seu destino
ocupando o seu lugar na ordem cósmica: a razão de ser dos homens era a
submissão à ordem universal estabelecida e movida por Deus (COMBLIN,
1996, p.67).
O Deus-todo-poderoso, fundamento da ordem, quer as coisas todas organizadas para
que nada saia do seu controle, para que o ser humano não peque e desestruture o mundo. O
ser humano que causa desordem, que peca, não é bem visto aos olhos desse Deus e, por isso,
precisa se purificar para ficar limpo dos seus pecados. Uma das formas de se fazer essa
purificação é frequentando a igreja e esquecendo as coisas mundanas.
Diante de um Deus-todo-poderoso-opressor, temos um ser humano oprimido,
submisso, ingênuo, alienado, medroso. Além disso, a crença de que seu destino esteja
traçado, pois é Deus quem determina o destino do ser humano.
Para Sung, quem coloca o poder acima de tudo, não respeita a liberdade do outro e
impõe a sua vontade. que, ao impor a sua vontade, o poder, não consegue estabelecer uma
relação de amor, mas apenas de obediência e dominação (2008 p.36-7). Por isso é que, diante
de uma imagem de Deus-todo-poderoso-opressor, tem-se um ser humano submisso, alienado,
e é impossível estabelecer uma relação de amor, visto que no amor a relação é horizontal: não
120
existe quem domina e quem é dominado; existem seres em processo de libertação que se
amam e são amados.
Por outro lado, na educação problematizadora libertadora dialógica, tanto os
educadores como as educandos aprendem juntos. Essa visão de educação oportunidade
para todos serem agentes de seu processo de aprendizagem. Por isso a leitura do mundo é de
fundamental importância para se chegar à leitura da palavra, como dissemos no primeiro
capítulo. Aqui, educandos e educadores, trazem seus reais problemas para o contexto escolar
para serem problematizados, dialogados e solucionados, pois tal conceito de educação visa à
libertação das pessoas do que as oprimem. Esse é o modelo de educação defendido por Freire,
que tinha uma preocupação muito grande com o ser humano, principalmente aquele que era
oprimido, desvalorizado, alienado social. Essa visão de educação vem justamente para dar
resposta a essas questões de cunho político, educacional, social e, por que não dizer também,
teológico? Nesse emaranhado de entraves do qual o ser humano é vítima, Freire mostra que
ele é gente, é humano e, como tal, seus reais problemas precisam ser mostrados,
problematizados, dialogados e resolvidos, para assim acontecer a transformação do mundo.
Na pedagogia divina, a revelação é um processo no qual a pessoa aprende a aprender a
ser humano, uma aprendizagem de segundo grau. A aprendizagem é concebida como um
processo em que, diante de uma crise, o ser humano faz uma pergunta, e Deus a responde essa
pergunta dialogando. Nessa perspectiva, ele vai aprendendo conforme faz as perguntas e Deus
as responde. Essa é uma aprendizagem de segundo grau, em que se aprende algo que tenha
um significado para a vida, ou melhor, o que se aprende serve para transformar o educando
qualitativamente e ele é capaz de multiplicar o que aprendeu.
Fazendo uma comparação entre a concepção problematizadora libertadora dialógica de
educação de Freire e a aprendizagem de segundo grau (aprender a aprender a ser humano) de
J.L. Segundo, um ponto relevante perpassa a abordagem desses autores: a aprendizagem
acontece dentro de um processo dialógico no qual tanto educador como educando dialogam
conteúdos que fazem parte do seu mundo real para transformá-lo e essa transformação é
qualitativa. Aprende-se o que serve para a pessoa tornar-se mais humana pronunciando o
mundo. Portanto, a pessoa é sujeito de sua própria aprendizagem, ela interage no seu processo
de aprendizagem. Se não concorda com o que está aprendendo, não tem obrigação de acatar.
De acordo com as características da igreja profética, podemos dizer que ela tem uma
visão problematizadora libertadora dialógica de educação (aprendizagem de segundo grau
aprender a aprender a ser humano). Ela trata os seus fiéis como agentes transformadores do
121
quefazer religioso. Ou seja, o fiel é agente de construção de sua própria história em parceria
com a igreja Igreja e ser humano trabalham numa mesma proposta de libertação e, para isso,
não precisam separar-se do mundo. Se o ser humano está no mundo, é inserido nesse mundo
que ele vai buscar sua libertação. Essa libertação o é uma coisa mágica, que parte de um
simbolismo em que basta repetir orações, escrever em papéis que querem essa libertação, para
que ela aconteça. Essa libertação vem de um processo pedagógico em que enquanto se vive
ela precisa ser buscada. É como dissemos no catulo primeiro: o ser humano precisa
tornar-se aprendente diante da libertação.
Temos então uma igreja também aprendente, pois enquanto busca a libertação de seus
fiéis ela também se liberta. Além disso, a igreja é o próprio povo. Povo e igreja mediatizados
pelo mundo criam e recriam esse espaço.
Na igreja profética é possível o diálogo acontecer, pois a relação entre as pessoas é
horizontal e entre Deus e as pessoas também. um Deus que caminha com o povo para
dialogar diante de suas crises e um educador que dialoga com seus educandos os temas
geradores depois de ter feito a leitura do mundo. Se for possível o diálogo acontecer, é porque
existe amor, fé no ser humano e humildade.
O amor tem grande relevância na pedagogia de Freire, bem como na teologia de J.L.
Segundo. Para Freire, o amor é condição para o diálogo acontecer. Para ele não diálogo
sem um profundo amor ao mundo e aos seres humanos. Quando amamos as pessoas, somos
capazes de dialogar com elas. Quando amamos as pessoas, somos capazes de assumir uma
educação que se comprometa em devolver ao ser humano o seu direito de pronunciar o
mundo, de ser um agente transformador de sua realidade e, consequentemente, o mundo à sua
volta, não sozinho, de forma egoísta, mas junto à comunidade, sendo parceiros de um mundo
novo, sofrendo as dores do parto do processo de liberdade, como diz Freire: A libertação [...]
é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce desse parto é um homem novo que só é
viável e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a humanização de todos
(1975, p.48). Foi nesse projeto amoroso de educação libertadora que Freire mostrou na prática
a teoria que ele tanto defendia: a libertação acontece dentro de um processo em que os reais
problemas dos educandos são problematizados por meio do diálogo em que um de seus
fundamentos é o amor.
Ao assumir uma proposta de educa
ção problematizadora libertadora dialógica
(aprendizagem de segundo grau aprender a aprender a ser humano), a igreja profética
122
apresenta uma imagem de um Deus-amor-libertador que tem diante de Si um ser humano em
processo de libertação.
No processo de revelação, Deus-amor-libertador dialoga com o ser humano, mas
numa linguagem que ele compreende. Por isso, Deus chega até o humano para revelar sua
mensagem. Com esse propósito, J.L. Segundo diz que:
O Deus da Bíblia, o Deus cristão, não se tem nunca revelado aos seres
humanos a não ser numa única linguagem que esses podiam entender: o desse
antes e depois onde o afeto e a atuação do ser humano se torne história. O
Deus eterno chama os seres humanos a dialogar com ele dentro dessa
história. Sabemos que todo o universo foi criado para que esse diálogo possa
existir, ou seja, para que cada resposta do ser humano a Deus, seja antes
apaixonadamente guardada e em seguida respeitada (SEGUNDO, 1995,
pp.553-554).
Sob essa ótica da teologia segundiana, podemos perceber que o Deus-amor- libertador
dialoga com o ser humano no processo de revelação, por isso a linguagem que ele utiliza
precisa ser acessível ao seu receptor. Outro fato importante que J.L. Segundo apresenta é que
Deus dialoga dentro da história humana. Então, quando se fala em Deus, não é um Deus
distante do povo, é um Deus que está perto, dialogando, intervindo na história. O que chama
mais a atenção é que todo o universo foi criado para que Deus pudesse dialogar com o ser
humano. Vemos aqui a importância do diálogo para Deus: Ele criou o mundo, o ser humano
para não ficar sozinho, mas não criou o mundo para dominá-lo, e sim para dialogar com esse
mundo. Deus queria companhia. J.L. Segundo diz que o temos um Deus solitário, mais ou
menos paternal... Temos um Deus-nós como todos nós sobre a terra que queria ser e trabalhar
por ser. Apesar de todas as nossas imagens destorcidas e desfiguradas, o Deus que Jesus nos
revelou é um Deus-sociedade (1976b, p.70). Além disso, o Deus que está conosco
dialogando nesse mundo para sua transformação, guardando cada resposta do ser humano
com muito afeto, é um Deus amoroso.
Diante de um Deus-amor-libertador temos um ser humano que é amado, respeitado,
querido: Deus fez o ser humano para dialogar com ele e para lhe fazer companhia. Esse
Deus companheiro quer ver o ser humano livre para transformar esse mundo, por isso ele o
fez livre, e essa liberdade Deus só podia conceder ao ser humano sendo amor. Nessa
perspectiva, Comblin insiste que:
A Bíblia mostra que a razão de ser da liberdade humana é o amor de Deus.
Deus precisava da liberdade humana para amar e ser amado. E por causa da
liberdade humana, Deus que era todo-poderoso, tornou-se impotente diante do
ser humano livre. Deus tornou-se capaz de fracassar, capaz de sofrer. [...] O
amor pode renunciar livremente ao poder, ao mando, à dominação, à ordem.
[...] Que Deus é amor e que a vocação humana é a liberdade são as duas faces
123
da mesma realidade, as duas vertentes do mesmo movimento (COMBLIN,
1996 p.67).
Comblin nos apresenta um Deus que cria o ser humano livre para poder amar e ser
amado. Por causa dessa liberdade humana, Deus não é mais todo poderoso, porque, se ele o
for, estará aprisionando essa liberdade. Um Deus que é todo poderoso dá ordens para o ser
humano executar. Um Deus que é amor dialoga, ama e quer ser amado, quer companhia, por
isso precisa de um ser humano livre, pois o amor e a liberdade caminham juntos, como disse
Comblin.
Além disso, Comblin diz que na Bíblia, todavia, tudo é diferente porque Deus é amor.
O amor não funda ordem, mas desordem. O amor quebra toda estrutura de ordem. O amor
funda a liberdade e, por conseguinte, a desordem. O pecado é consequência do amor de Deus
(1996, p.65). Então, percebemos que diante de um Deus-amor-libertador temos um ser
humano pecador, mas pressupomos que, pelo fato de ele ser pecador, o amor que Deus tem
por ele não diminui por causa do seu pecado, uma vez que o amor de Deus é dom de Si e ele o
doa por inteiro. Além disso, se o amor funda a liberdade, essa liberdade causa a desordem,
pois o ser humano livre acaba desestruturando a ordem do mundo. Enquanto ele está no
processo de libertação, cai no ensaio erro e acerto, como já dissemos no segundo capítulo, e
acaba provocando uma desordem. Diante dessa questão, Sung diz que:
quem ama se auto-impõe limites ao seu amor e vontade, mesmo que seja
todo-poderoso. Esse limite é a liberdade do outro. Pois só na liberdade o
amor pode florescer. Significa que quem opta pela lógica do amor não
manda, só interpela. Se não atendido, não impõe, espera. Quando o amado
retorna de seu erro, não cobra, perdoa (SUNG, 2008, p.37).
Diante de um ser humano livre, torna-se complicado dizer que o destino dele já está
determinado. Paulo Freire já dizia que o bom de ser gente é que não temos um destino
predeterminado, que juntos vamos decidindo o nosso destino ao pronunciar nesse mundo. J.L.
Segundo também parte do pressuposto de que o destino do ser humano não esdeterminado,
pois uma vez que é livre cada ser humano está estruturado para inventar seu próprio caminho
num universo incompleto e colocado nas mãos humanas. Pelo menos, em relação a seu
sentido (SEGUNDO, 1995, p.133).
Então podemos dizer que a imagem do Deus-amor-libertador é um Deus que , porque
ama, quer dialogar com o ser humano. Ele tem desejo de dialogar com o mundo, por isso
comunica-se com o ser humano diante de seus desejos. Já vimos no segundo capítulo que é
nas crises que o ser humano busca uma resposta de Deus e que Deus guarda cada resposta do
124
ser humano com muito carinho. Vimos também que outro desejo de Deus é amar e ser amado.
Uma vez que ele é amor, criou o ser humano livre e assim, por consequência, o pecado.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando a gente se põe a sonhar muitas pessoas se aproximam de nós e sonham conosco o
sonho que sonhamos!
Noêmia dos Santos Silva
126
Paulo Freire foi um educador preocupado com a situação das pessoas oprimidas no
mundo. Ele acreditava que era possível transformar essa situação desumanizante. Por onde ele
passava, suas ações mostravam essa possibilidade. Sua proposta de educação
problematizadora libertadora dialógica tinha como objetivo principal conduzir os educandos
ao seu processo de libertação, o qual acontece à medida que educando e educador se deparam
com os reais problemas da comunidade e juntos procuram uma possível solução.
É neste contexto também que Juan Luis Segundo apresenta a revelação divina como
um método de aprender a aprender a ser humano. O ser humano que vive oprimido aprende a
ser humano num diálogo com Deus. O ser humano em crise faz sua pergunta e Deus dialoga
com ele para que se aprofunde no fato que o levou a tal desestruturação. A resposta nasce
desse aprofundamento da crise e tem como objetivo transformar a vida da pessoa, tornando-a
mais humana.
A proposta educacional de Freire sustenta que o ser humano pode se libertar através de
uma práxis político-pedagógica comprometida com a transformação qualitativa da sociedade.
No método de revelação divina, J.L. Segundo mostra que Deus é um pedagogo que quer
ensinar o ser humano a aprender a ser humano. Nas duas propostas perpassa a preocupação de
educar o ser humano para transcender as estruturas sociais desumanizadoras.
Diante disto temos um desafio. Tanto a instituição escolar como a igreja ainda não têm
uma base sólida que sustente seres humanos em processo de libertação. As estruturas nas
quais elas estão sustentadas são elitistas: por um lado se dizem a favor de uma educação que
defenda a classe popular, mas na sua prática educativa predomina a educação bancária
(aprendizagem de primeiro grau). Sendo assim, o atual contexto de sociedade aponta para
uma grande dificuldade de reverter esta situação, a não ser que pessoas ousadas, vendo esta
realidade, se empenhem em fazer algo diferente.
Freire e J.L. Segundo também viveram neste contexto de mundo, com o qual eles não
concordavam e procuraram soluções que possibilitassem o rompimento com estruturas
desumanizadoras. E pagaram um preço muito alto pelas suas ousadias.
Freire foi exilado no Chile por acreditar na possibilidade de um mundo novo.
Cheguei ao Chile de corpo inteiro. Paixão, saudade, tristeza, esperança, desejos, sonhos
rasgados, mas não desfeitos, ofensas, saberes acumulados, mais tramas inúmeras vividas,
disponibilidade à vida, temores, receios, dúvidas, vontade de viver e de amar. Esperança,
sobretudo (1993c, p.35). Essa predisposição que Freire tinha para se empenhar em
transformar foi o que não permitiu que ele encarasse o exílio como ponto final de sua luta. O
127
exílio significou para ele anos de aprendizagem com outros povos, que lhe possibilitaram
conhecer novas culturas e conviver com o diferente. A família, como dissemos, foi sua
primeira escola de aprendizagem. O exílio foi uma das tantas outras que Freire encontrou em
sua trajetória de aprofundamento de ser humano em processo de libertação, pronunciando o
mundo. No exílio, ele sofreu, foi amparado, amou e foi amado. Em tempo de exílio, ele
andarilhou pelo mundo levando seu sonho de esperança de transformar a realidade
desumanizadora realidade essa que oprime as pessoas, levando-as a não acreditarem na
capacidade que têm de lutar por um mundo melhor. Voltando ao Brasil, ele continuou essa
luta mesmo em meio às grandes críticas que travavam contra sua pessoa. Faleceu ainda com
toda a garra para viver e lutar por um mundo novo. Em depoimento à revista Cultura Vozes,
Araújo Freire (Nita), ao referir-se sobre sua morte, assim se declara:
Assim morreu Paulo, lúcido, corajoso, amoroso, humorado, inventivo, certo
de que tinha muito de si para dar aos que ele amava... certo de que sua tarefa
entre nós não tinha terminado... que havia muito o que fazer... por quem e
por que lutar... havia este mundo cheio de dores que o fazia sofrer muito,
mas também de esperanças, no qual ele ainda queria intervir como
verdadeiro humanista que foi. Partiu Paulo cheio de fé em Deus, humilde,
terno e manso. No mundo deixou um vazio que centenas ou milhares de nós
tem que ir suprindo no trabalho político-ideológico-educacional. Em mim
muita dor e saudade dos tempos partilhados com a intensidade que só o
amor, a paixão e o carinho sabem marcar. Partiu Paulo, sereno, cheio de
em Deus e certo de que os homens e as mulheres ainda farão um mundo
mais justo, mais bonito e mais alegre. Sua face de feição risonha, resignada e
feliz, nos dizia que tinha encontrado com o Senhor (ARAÚJO FREIRE,
1997, p.12).
É interessante observar que nos relatos das pessoas transparece sempre essa ideia que
Freire tinha de transformar, reinventar, pronunciar o mundo. Olhando a realidade a sua volta,
sabendo o que poderia enfrentar se ousasse fazer algo diferente, nada lhe intimidava. A
esperança de um mundo novo o levava a apostar naquilo em que todo o mundo já o
acreditava mais. O estágio de universalizante, no qual supomos que ele se encontrava,
fazia dele um profeta da esperança em meio a estruturas político-ideológico-educacionais não
comprometidas com os esfarrapados do mundo. Segundo Corttela, Freire era um homem
cheio de esperança:
Na reinvenção do mundo, na necessidade de inconformar-se com as coisas
do mundo como estão. Dizia que uma das coisas fundamentais era tornar
possível o que parece não ser impossível. A gente tem que lutar para tornar
possível o que ainda não é possível. Isto faz parte da tarefa histórica de
redesenhar e reconstruir o mundo.
Tarefa hist
órica era uma expressão muito usada por Paulo Freire; ora, de
quem recebera esta tarefa? De si mesmo, na relação com o mundo real. Sua
128
consciência ética apontava sempre para uma imperativa a obra perene da
construção da felicidade coletiva (CORTELLA, 2005, p.2, grifo do autor).
A leitura das obras e da vida de Freire é um legado para quem quiser apostar numa
nova sociedade tendo em vista a libertação do ser humano. O preço pago é alto, mas com
amor a pessoa será capaz de enfrentar os desafios. Porém, o qualquer tipo de amor: aquele
com o qual Freire amou e foi amado.
Na história de Juan Luis Segundo perpassa também a coragem de quem soube apostar
em uma sociedade onde o humano fosse considerado um valor. Como teólogo e educador, ele
acreditava que a religião deveria tornar-se compreensível às pessoas. Um dos fatos marcantes
em sua vida foi o trabalho realizado no Centro Pedro Fabro, do qual ele fora fundador. Com
suas ideias revolucionárias, J.L. Segundo tentava estudar com as pessoas uma religião que não
fosse separada da vida. Viver e ser religioso são duas dimensões que não tem como ser
dicotomizadas. Devido a isso, a educação que acontecia no Centro Pedro Fabro era uma
ameaça para a sociedade. Em seu depoimento, Maria Helena Lasida, economista uruguaia e
professora da Faculdade Ciências Econômicas, fala da importância que foi para ela participar
dos grupos de reflexões junto com J.L. Segundo no Centro Pedro Fabro:
Em poucas palavras, diria que Juan Luis provocou-me perguntas essenciais,
deu-me palavras para expressá-las e motivos para convertê-las em aposta em
favor da vida. Aproximou-me do mistério do homem e de Deus e convidou-
me a amá-los apaixonadamente. Não creio que possa dar conta, através
destas linhas, da força libertadora e humanizadora da teologia de Juan Luis
[....] (LASIDA, 1997a, p.147).
Provocar novas perguntas nas pessoas era o estilo próprio deste teólogo educador. Para
ele, a evangelização teria que ser libertadora. E as pessoas, para libertar-se dessa religião que
assume ainda uma aprendizagem de primeiro grau, precisariam partir das perguntas
elaboradas pelo povo. Então, como educador e teólogo, o papel dele era não responder o que
lhe perguntava. Cabia a ele, como pedagogo, proporcionar a quem perguntava a possibilidade
de novas perguntas para aprofundar-se no assunto questionado. Assim, a própria pessoa
poderia chegar à resposta procurada. Era nessa busca de perguntas e repostas que as pessoas
iam se libertando da imagem desvirtuada de Deus, para perceber que Deus é Amor e, como
Amor, ele quer o ser humano livre.
Em 1975, durante o governo militar, o Centro Pedro Fabro foi fechado e Juan Luis
submetido a oito anos de isolamento:
E então, após o meu regresso, disseram a mim e aquele que me havia
enviado a carta [sacerdote teólogo que compartilhava dos mesmos ideais]
que, como éramos os mais conhecidos do Centro [Pedro Fabro], éramos um
perigo para as demais casas. Portanto, deveríamos viver s dali para frente,
129
fora das demais casas dos jesuítas. E assim vivemos os dois durante oito
anos na casa em que, anteriormente, vivêramos os quatro, sendo eu nunca
mais um jesuíta voltou a entrar nessa casa; nem o provincial, nem o superior,
absolutamente ninguém, exceto um amigo de meu companheiro que, por
outro lado, era meu condiscípulo que vinha de quando em quando visitá-lo.
Fora assim, nunca ninguém veio visitar-nos ou ver-nos. Assim, quando havia
visita no Uruguai, faziam com que passassem, por todas as casas dos
jesuítas, menos pela nossa (CORONADO, 1998, pp.53-54).
O fim do Centro Pedro Fabro (1965-1975) foi muito triste para Juan Luis Segundo.
Estava ali todo um investimento gasto para montar materialmente essa escola de
aprendizagem para o povo. A biblioteca tinha mais de quinze mil obras. Mas isso não era
tudo. Até a Revista Perspectiva de Diálogo (1966-1975), que pertencia ao Centro Pedro Fabro
estava com seus dias contados. As perdas materiais foram dolorosas, mas as afetivas foram
bem maiores. O Centro Pedro Fabro não era apenas uma casa onde acontecia uma
aprendizagem diferente era também o lugar onde as relações eram diferentes. O clima de
amor e amizade predominava entre as pessoas do Centro Pedro Fabro, por isso ele fazia
diferença nas terras uruguaias.
J.L. Segundo faleceu no dia dezessete de janeiro de 1996 de parada cardíaca, no
Uruguai. Deixou muitas obras escritas e a esperança de ter provocado muitas perguntas nas
pessoas diante de tantas respostas que elas já tinham prontas:
Você vivia refletindo historicamente Jesus de Nazaré morreu por causa do
Reino... e você foi seguindo obstinadamente essa proposta buscando o
significado concreto disso no hoje da América Latina, carregando uma
suspeita a tudo que cheirasse manipulação dessa mensagem, até quando
ela parecia ser de libertação e, de fato, estivesse profundamente empenhada
nisso. Mas você alertava, empunhando ora Marx, ora Freud sempre Paulo
de Tarso de que a construção para ser sólida deveria começar pela
construção do sujeito. Era sua chave antropológica, para que a chave potica
pudesse ser lida corretamente. Você vivia repetindo coisas que nos
incomodavam e que muita gente não podia ouvir. Afinal, a gente sempre tem
certo medo da liberdade... isso de assumir o que é conveniente sem se
preocupar com o permitido do pedagogo às vezes assusta e a gente prefere
ficar no Pecado (QUEIROZ, 1997b, p.665).
Juan Luis Segundo se empenhou em passar ao povo uma teologia que tivesse um sabor
de vida e para isso precisava pensar em novas propostas educacionais para a igreja. Paulo
Freire pronunciou o mundo com suas propostas educacionais fundamentadas em princípios
teológicos que contribuíram para que percebesse que o amor de ser o fundamento de
qualquer proposta de educação que vise a transformar a sociedade de forma criativa,
tornando-a mais humana.
Paulo Freire faleceu um ano ap
ós o falecimento de J.L. Segundo, também por
complicações cardíacas. Morrem duas pessoas que tanto amaram o mundo, pois os corações
130
delas chegaram ao seu limite. Contudo, deixaram plantada a semente de um mundo novo. Aos
que ficaram, resta regar essa semente para que ela cresça e dê frutos em abundância. E um dos
caminhos pode ser a colaboração da pedagogia em ajudar a teologia a repensar sua pedagogia
em suas práticas pastorais; e a colaboração da teologia em ajudar a educação a lidar melhor
com temas religiosos no processo educativo, seja nas escolas ou na vida cotidiana.
131
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6.Obras de Juan Luis Segundo:
(Em ordem de publicação por ano e ordem alfabética no mesmo ano).
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______. Os sacramentos hoje. Tradução de Luiz João Gaio.São Paulo; Loyola, 1971
(Coleção Teologia aberta para leigo adulto, Vol. IV)
______. Evolução e culpa. Tradução de Luiz João Gaio. São Paulo: Loyola, 1975a (Coleção
Teologia aberta para leigo adulto, Vol. V).
______. Massas e minorias: na dialética divina da libertação. Tradução de Luiz João Gaio.
São Paulo: Loyola, 1975b.
______. A nossa idéia de Deus. Tradução de Luiz João Gaio. São Paulo: Loyola, 1976b
(Coleção Teologia aberta para leigo adulto, Vol. III).
______. Essa Comunidade chamada igreja. Tradução de Francisco N. Alencar Arraes e
Francisco da Rocha Guimarães. São Paulo: Loyola, 1976a (Coleção Teologia aberta para
leigo adulto, Vol. I).
______. Graça e condição humana. . Luiz João Gaio. São Paulo: Loyola, 1977, (Coleção
Teologia aberta para leigo adulto, Vol. II).
______. Ação Pastoral latino-americana: seus motivos ocultos. Tradução de Benno Brod.
São Paulo: Loyola, 1978a.
______. Libertação da teologia. Tradução de Benno Brod. São Paulo: Loyola, 1978b.
______. Da sociedade à teologia. Tradução de Benno Broad. São Paulo: Loyola, 1983a.
______. e ideologia: as novas dimensões do homem. Tradução de Luiz João Gaio.São
Paulo: Loyola, 1983b.
136
______. O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré: fé e ideologia. Tradução de Brenno
Brod. São Paulo: Paulinas, 1985a, VOL.I.
______. O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré: cristologia. Tradução de Brenno
Brod. São Paulo: Paulinas, 1985b, II/II.
______. Teologia da libertação: uma advertência à igreja. Tradução de Brenno Brod. São
Paulo: Paulinas, 1987.
______. Que mundo? Que homem? Que Deus? Aproximações entre ciência, filosofia e
teologia. Tradução de Magda Furtado de Queiroz. São Paulo: Paulinas, 1995.
______. A graça de ser livres. In: SOARES, Afonso M. L. (org). Juan Luis Segundo: uma
teologia com sabor de vida. São Paulo: Paulinas, 1997a.
______. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed.
São Paulo: Paulus, 1997b.
______. Um único amor. In: SOARES, Afonso M. L. (org). Juan Luis Segundo: uma
teologia com sabor de vida. São Paulo: Paulinas, 1997c.
______. O dogma que liberta. Tradução de Magda Furtado de Queiroz. 2ª ed. São Paulo:
Paulinas, 2000.
7. Obras que discutem com Juan Luis Segundo:
(em ordem alfabética)
BONELLI, Marcos Antônio Gusmão. As concepções de liberdade construídas por Santo
Agostinho e Juan Luis Segundo. 2008. 272f. Tese (Doutorado em Teologia) Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2005.
BOTELHO, André da Conceição da Rocha. Juan Luis Segundo: a teologia pedagógica do
aprender a aprender. Rio de Janeiro, PUC-RIO, 2002.
GROSS, Eduardo. Concepção de fé de Juan Luis Segundo. São Leopoldo, 2000.
MURAD, Afonso. Este cristianismo inquieto: a fé encarnada em Juan Luis Segundo. São
Paulo: Loyola, 1994.
PINTO, Valmir Flôres. O ser humano entre o sagrado e o secular: uma concepção cristã do
ser humano em Juan Luis Segundo. 2005. 118f. Dissertação (Mestrado em Teologia)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2005.
SOARES, Afonso M. L. Candomblé, sincretismos e cristianismo: um diálogo com Juan
Luis Segundo. In: SOARES, Afonso M. L. (org). Juan Luis Segundo: uma teologia com
sabor de vida. São Paulo: Paulinas, 1997c.
______. Interfaces da revelação: pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso no
Brasil. São Paulo: Paulinas, 2003.
137
8. Artigos e entrevistas que discutem Juan Luis Segundo:
(em ordem alfabética)
ASSMANN, Hugo. Os ardis do amor em busca de sua eficácia: as reflexões de Juan Luis
Segundo sobre O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré. Perspectivas teológicas. Belo
Horizonte: Faculdade de Teologia da Companhia de Jesus, v.15, pp.223-59, 1983.
CORONADO, João Castilho (entrevistador). Livres e responsáveis: o legado teológico de
Juan Luis Segundo. São Paulo: Paulinas, 1998.
LAZIDA, Maria Helena. Palavras para dizer a . In SOARES, Afonso M. L. (org). Juan
Luis Segundo: uma teologia com sabor de vida. São Paulo: Paulinas, 1997.
LIMA, Maristela. A teologia da libertação por um de seus teólogos. Atualização, Belo
Horizonte, v.8, n.210. nov/dez, 1987.
QUEIRUGA, Andrés Torres. Juan Luis Segundo: uma teologia verdadeira. In: SOARES,
Afonso M. L. (org). Juan Luis Segundo: uma teologia com sabor de vida. São Paulo:
Paulinas, 1997.
QUEIROZ, Magda Furtado. Da tradutora e amiga do autor. In. A história perdida e
recuperada de Jesus de Nazaré: dos sinóticos a Paulo. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1997b.
SILVA, Clademilson Fernandes Paulino da. SEGUNDO, Juan Luis. Que mundo? Que
homem? Que Deus? Aproximações entre ciência, filosofia e teologia. São Paulo: Paulinas,
1995 (resenha).
SOARES, Afonso M. L. O mal existe. Que bom!? Intuição teológica contemporânea a
respeito do mal da dor e do pecado a partir da obra de Juan Luis Segundo. Vida
Pastoral. São Paulo: Paulus, nº. 189, pp. 2-11, julho/agosto, 1996.
______. Juan Luis Segundo: uma amizade para toda a vida. In: SOARES, Afonso M.
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9. Literatura Geral
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Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. 2ª ed. Petrópolis, Editora
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______. Curiosidade e prazer de aprender: o papel da curiosidade na aprendizagem
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BATESON, Gregory. Pasos hacia uma ecologia de la mente. Trad. Cast. Buenos Aires,
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CATECISMO da Igreja Católica. São Paulo: Loyola 1997.
COMBLIN, José. Cristãos rumo ao século XXI: nova caminhada de libertação. 4ª ed. São
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______. Vocação para a liberdade. 3ª ed. São Paulo: Paulus, 1998.
______. O caminho: ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004.
COMPÊNDIO do Vaticano II: constituições, decretos, declarações.
FLORISTÀN, Casiano. Teologia Práctica: teoria y práxis de la accion pastoral.
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