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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE
CENTRO DE HUMANIDADES – CH
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA E CULTURAS
REINALDO FORTE CARVALHO
“CORDEL, ALMANAQUES E HORÓSCOPOS”:
E(ru)dição dos folhetos populares em Juazeiro do Norte-CE.
(1940 – 1960)
FORTALEZA
2008
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REINALDO FORTE CARVALHO
“CORDEL, ALMANAQUES E HORÓSCOPOS”:
E(ru)dição dos folhetos populares em Juazeiro do Norte-CE.
(1940 – 1960)
Dissertação submetida à Coordenação do Programa de
Pós-Graduação em História e Culturas da
Universidade Estadual do Ceará UECE. Como
requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre
em História.
Orientador:
Prof. Dr. José Olivenor Souza Chaves.
FORTALEZA
2008
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REINALDO FORTE CARVALHO
“CORDEL, ALMANAQUES E HORÓSCOPOS”:
E(ru)dição dos folhetos populares no Juazeiro do Norte-Ce.
(1940 – 1960)
Dissertação submetida à Coordenação do Programa de
Pós-Graduação em História e Culturas da
Universidade Estadual do Ceará UECE. Como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
História.
Orientador:
Profº Dr. José Olivenor Souza Chaves.
APROVADO EM 30/ 10/ 2008
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________________________
Orientador: Prof°. Dr. José Olivenor Souza Chaves
1° Membro – Profª. Drª. Zilda Maria Menezes Lima
______________________________________________________________________
2° Membro – Profª. Drª. Chrislene Carvalho dos Santos
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.
Para meu pai, o seu Itamar, minha saudosa
mãe Deny (in memória).
Meus irmãos Debra, Jamal,
Samara, e Marcelo e aos meus
sobrinhos.
Em especial dedico a minha esposa
e companheira incansável nos
desafios de minha vida, Aureni, e
ao Samuel, meu filho amado.
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AGRADECIMENTOS
Na realização deste trabalho contei com a colaboração de diversas pessoas que foram
importantes na sua composição. Sem elas jamais poderia tê-lo concluído com êxito, portanto
urge cita-los:
Ao Sr. José Olivenor Souza Chaves, professor do Mestrado Acadêmico em História e
Culturas do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Ceará
UECE, por ter sido o orientador dessa pesquisa, sempre aberto a discutir comigo tanto os
instrumentos teóricos utilizados, quanto na discussão sob a ótica e as categorias nele
utilizadas. Sua amizade, dedicação, disponibilidade e incentivo são motivo de grande
admiração e gratidão.
Agradeço a todos os que fazem o MAHIS, dentre eles: a coordenação na pessoa do
Profº Dr. Marco Aurélio Ferreira da Silva, e o Profº Dr. Erick Assis de Araújo. Aos
professores que contribuíram direta ou indiretamente na realização deste momento, que são os
professores: Damasceno, Lucili Cortez, Gisafran Mota, Pádua, Carlos Jacinto, Germano e
Albio. Aos funcionários do mestrado Elisbão e Ciro.
Agradeço a CAPES e Fundação Cearense de Amparo a Pesquisa - FUNCAP, pelo
apoio financeiro durante o curso de pós-graduação.
Aos amigos e alunos do mestrado que participaram desde o início da caminhada no
programa, destes cito: Weber, Aline rosa, Nagila, Marcelo, Alyne Virino, Carol, Vitorino,
Luciana, Luana, Cícero, Garotinho entre outros.
Agradeço em especial aos amigos e companheiros de trabalho do Departamento de
História da Universidade Regional do Cariri URCA, pela força e motivação que
dispensaram em contribuir na realização da pesquisa.
Aos poetas e cantadores populares do Juazeiro do Norte, em especial ao poeta Pedro
Bandeira que foi de suma importância na contribuição de algumas fontes de pesquisa para a
realização da mesma.
A minha família que em todos os momentos incentivaram de uma forma ou de outra
na realização da pesquisa. Eles que durante diversos meses suportaram momentos de ausência
do meu convívio, trocados pelas constantes viagens entre Crato e Fortaleza.
Agradeço a todas as pessoas que ainda não citadas por imperdoável esquecimento e
pelo reduzido espaço, colaboraram para a realização desse trabalho.
Enfim, agradeço a Deus, pois acredito que sem a sua ajuda não existiria esse trabalho.
15
15
“Também ajudo a escrever a história de um povo,
tanto decanto e canto a história de um povo,
como escrevo,
que minha intenção é ajudar a contar a história de um povo que não tem muita
história”.
Poeta Pedro Bandeira.
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RESUMO
Nesta pesquisa, buscou-se analisar a produção da literatura de folhetos populares na cidade de
Juazeiro do Norte, a partir da inserção das primeiras tipografias na década de quarenta,
responsáveis pela distribuição em larga escala de uma literatura popular para todo o Nordeste.
A escolha do recorte temporal é definida a partir do ano de 1940, pelo registro da abertura de
algumas tipografias, dentre elas a Tipografia São Francisco, em meio ao crescimento do
mercado editorial na cidade de Juazeiro. O período final de 1960 é definido a partir do
surgimento da Tipografia Casa dos Horóscopos de propriedade de Manoel Caboclo e Silva,
que passou a editar ininterruptamente, até 1996, o almanaque “Juízo do Ano para o Nordeste”.
Diante desta questão, buscou-se compreender como foi se constituindo uma cultura dos versos
na cidade de Juazeiro do Norte através da composição e transmissão de uma oralidade e
produção de uma cultura escrita que vai ter na literatura de cordel seu grande carro chefe.
Nossa intenção foi compreender como essa produção cultural passou a ser definida dentro
dessa sociedade através das narrativas orais que ganhavam corpo nas páginas impressas do
cordel.
Palavras-Chave: Edição, erudição, cordel, cultura popular.
17
17
ABSTRACT
In this research, we tried to analyze the production of popular literature of leaflets in the city
of Juazeiro do Norte, from the insertion of the first printers in the decade of forty, responsible
for large-scale distribution of a popular literature throughout the Northeast. The choice of the
clipping time is defined from the year 1940, the record of the opening of some forms, among
them the Tipografia São Francisco, amid the growth of the publishing market in the city of
Juazeiro. The final period of 1960 is defined from the onset of Printing House of Horoscopes
property of Manoel Caboclo e Silva now seamlessly edit until 1996 the almanac "judge of the
Year for the Northeast." In this issue, we tried to understand as it is a culture of verses in the
city of Juazeiro do Norte through the composition and transmission of oral and written
production of a crop that will be in the literature of cordel its great car chief. Our intention
was to understand how this cultural production came to be defined within that society through
the oral narratives which gained in the pages of the printed string.
Keywords: Edition, erudition, cordel, popular culture.
18
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1: A EDIÇÃO DA LITERATURA DE CORDEL NO JOASEIRO DO
PADRE CICERO................................................................................................................... 18
1.1. A historicidade da literatura de folhetos populares........................................................... 18
1.2. A literatura de folhetos populares no Joaseiro...................................................................29
1.3. A edição da literatura de cordel no Juazeiro do Norte.......................................................38
CAPÍTULO 2: EDITORES, POETAS E ASTROLOGOS: ERUDIÇÃO POPULAR EM
JUAZEIRO............................................................................................................................. 54
2.1. José Bernardo da Silva: o imperador das letras................................................................ 58
2.2. Expedito Sebastião da Silva: o contador das palavras...................................................... 61
2.3. João de Cristo Rei: o profeta dos versos........................................................................... 67
2.4. Manoel Caboclo e Silva: um narrador de histórias........................................................... 78
CAPÍTULO 3: A PRODUÇÃO DOS ALMANAQUES POPULARES EM JUAZEIRO
DO NORTE............................................................................................................................ 91
3.1. Almanaques astrológicos: “ciência” e magia na cidade de Juazeiro................................ 94
3.2. A Casa dos Horóscopos: Caboclo e os astros................................................................... 99
3.3. Almanaque Juízo do Ano: científico e popular............................................................... 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 116
ACERVOS E FONTES....................................................................................................... 119
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................. 123
19
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INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa, analisa-se a produção da literatura de folhetos populares, na cidade de
Juazeiro do Norte, a partir da inserção das primeiras tipografias, na década de quarenta, cuja
principal referência foi a Tipografia São Francisco, responsável pela distribuição, em larga
escala, da literatura de cordel para todo o Nordeste, durante quatro décadas, até o surgimento
da produção da literatura alternativa dos almanaques astrológicos pela Casa dos Horóscopos
de Manoel Caboclo e Silva.
A delimitação temática desta pesquisa busca compreender como a produção dos
principais poetas foi importante para a construção de uma versificação que traz em si a
composição de enredos das narrativas circunstanciais; também de uma tradição popular em
torno da pessoa do padre Cícero e da própria cidade de Juazeiro, em determinado momento da
produção dos almanaques astrológicos, que passam a definir elementos da ciência e da magia,
do passado e do futuro, dentro de uma literatura de temática alternativa.
A escolha do recorte temporal é definida, a partir do ano de 1940, pelo registro de
abertura da Tipografia São Francisco, em meio ao crescimento do mercado editorial, na
cidade de Juazeiro do Norte, com o surgimento de cinco novas oficinas tipográficas, dentre
elas algumas como: a Tipografia de Odílio Figueiredo, Tipografia da Livraria Ramiro e a
Tipografia D’ O Juazeiro. O período final de 1960 é definido, a partir do surgimento da
Tipografia Casa dos Horóscopos, de propriedade de Manoel Caboclo e Silva, que passou a
editar, ininterruptamente, até 1996, o almanaque “Juízo do Ano para o Nordeste”.
Tomando como referente espacial a cidade de Juazeiro do Norte, espaço de
convergência de elementos de uma criação própria da literatura de cordel, cuja principal
referência era a religiosidade. Buscou-se entender como a organização de uma estrutura
gráfica, nesta cidade, projetou mais ainda essa cultura, e de que forma ela possibilitou o
surgimento de um mercado tanto editorial como também comercial.
Inicialmente, fez-se um levantamento bibliográfico sobre a poética popular: o primeiro
sobre o cordel, o repente e a canção de viola. Após tal levantamento, encontrou-se uma
produção balizada em duas vertentes: uma que vai basicamente descrever, por meio da análise
dos memorialistas, os aspectos das cantorias, a partir de uma perspectiva do regionalismo
20
20
folclórico e de tradições; e outra que trata, especificamente, da produção da literatura de
cordel, na segunda metade do século XX, na cidade de Juazeiro do Norte.
Diante desta questão, é pertinente compreender como foi se constituindo uma cultura
dos versos, na cidade de Juazeiro do Norte, através da composição e transmissão de uma
oralidade e produção de uma cultura escrita que vai ter, na literatura de cordel, seu grande
carro chefe. A intenção é compreender como essa produção cultural passou a ser definida,
dentro dessa sociedade através das narrativas orais que ganhavam corpo, nas páginas
impressas do cordel.
Assim sendo, buscou-se entender melhor como foi se constituindo o processo de
erudição e edição da literatura de folhetos, na cidade Juazeiro, a partir da análise da
composição e transmissão e das narrativas orais para uma cultura que passa a definir
elementos de uma produção da escrita.
Para Eric Havelock, compreender a constituição desse processo de transmissão das
narrativas orais para uma cultura escrita, dentro das sociedades modernas e contemporâneas, é
primeiramente necessário saber que, “à medida que buscamos um entendimento mais
profundo do que a cultura escrita pode significar para nós, pois é superposta a uma oralidade
em que nascemos e que governa, dessa forma, as atividades normais da vida cotidiana”.
1
No entanto, segundo Walter Ong, a relação entre a oralidade e a cultura escrita nas
sociedades implica certas tensões de sentido que, para o referido autor, são definidas a partir
da compreensão de que:
As palavras escritas são resíduos. A tradição oral não tem mais resíduos ou depósitos.
Quando uma história oral contada e recontada não está sendo narrada, tudo que dela
subsiste é seu potencial de ser narrada por certos seres humanos. Estamos, quase todos
nós (aqueles que lêem textos como estes), tão impregnados da cultura escrita que
raramente nos sentimos a vontade numa situação em que a verbalização é tão pouco
semelhante a alguma coisa, como ocorre na tradição oral
.
2
Portanto, dentro dessa ordem de idéias, procuramos analisar a composição de uma
literatura de folhetos que passou a ser produzida, na cidade de Juazeiro do Norte, em meio ao
1
HAVELOCK, Eric. A Equação Oralidade Cultura Escrita: Uma formula para a mente moderna. In: OLSON,
D. ; TORRANCE, N. Cultura Escrita e Oralidade. São Paulo: Ática, 1995, p. 18.
2
ONG, Walter. A Oralidade da linguagem. A Descoberta Moderna das Culturas Orais Primarias. In: Oralidade
e Cultura Escrita. Campinas: Papirus, 1998, p. 20.
21
21
processo de composição das narrativas orais. Diante disto, nossa intenção é saber como essa
cultura passou a ser produzida e difundida, através da literatura de folhetos.
Para tanto, é necessário compreender como o conceito de cultura passa a ser
apropriado, em relação a essa questão. Segundo Marshall Sahlins, cultura é, na prática,
historicamente reproduzida, ou seja, interpretar uma dada cultura é perceber como as
“circunstâncias contingentes da ação não se conformam necessariamente aos significados que
lhes são atribuídos por grupos específicos, sabe-se que os homens criativamente repensam
seus esquemas convencionais. É nesses termos que a cultura é alterada historicamente na
ação”.
3
Portanto, a cultura é alterada e reproduzida, a partir da prática das várias ações dos
sujeitos historicamente situados no espaço-tempo de uma dada realidade social, que criam e
repensam seus atos conforme seus esquemas convencionais. Como pensar, então, o processo
de criação, organização e produção da literatura de folhetos, na cidade de Juazeiro do Norte, a
partir da instalação de diversas gráficas e da inserção de uma cultura de impressão de uma
escrita literária?
Outra questão, que passou a ser definida, refere-se a como essa prática cultural passa a
ser produzida, em meio ao processo de transição de uma cultura poética, que tem como base a
transmissão de uma oralidade musical, oriunda do mundo rural, para uma que utiliza os
elementos da produção/impressão escrita, presente na modernidade das sociedades urbanas.
Sobre esta questão, Elba Braga Ramalho expõe que a cultura brasileira experimenta
continuamente a dialética entre os valores culturais do mundo rural e as imposições da vida
urbana. Segundo a autora, essa dialética se expressa especificamente, através da musicalidade
da cantoria sertaneja, que sofreu forte influência do fenômeno de transculturação musical.
Para Elba Ramalho Braga, esse fenômeno é definido como sendo a síntese musical que foi
promovida, através do contato cultural que fora ocasionado pela ocupação humana, ao longo
do processo de colonização do sertão nordestino.
3
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p.07. Segundo Marshall Sahlins, a
história é ordenada culturalmente de maneiras diferentes nas diversas sociedades e os esquemas culturais,
ordenados historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados na prática. A síntese
desses contrários desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas envolvidas. Para o
autor, se por um lado, a cultura é historicamente reproduzida na ação, por outro lado, ela é alterada
historicamente na ação, e essa alteração de alguns sentidos muda a relação de posição entre as categorias
culturais.
22
22
A Cantoria nordestina, como uma das formas populares da manifestação artística
musical, circunscreve-se, principalmente, à zona sertaneja da região. Entretanto, as
contínuas migrações dos nordestinos que fogem das secas periódicas (longos períodos
de estiagem) abriram espaço em outros pontos do Brasil. Embora, em todos os seus
elementos constitutivos, seja parte da cultura rural, ela também pertence de fato - à
cultura urbana na qual se encontra espalhada a tragédia do homem do campo
nordestino.
4
Em meio a essa tônica, uma produção da literatura de folhetos foi sendo difundida e
ocupando seu espaço não na zona rural, como no espaço urbano das cidades. Para a autora,
este processo foi se constituindo, através da expressão oral dos indivíduos inseridos em uma
cultura rural ou urbana.
Segundo Raymond Williams, a utilização dos conceitos, que são definidos em relação
às transformações efetivadas, a partir das experiências sociais existentes entre comunidades
urbanas e rurais, conseqüentemente, passa a ser alvo das várias mudanças que foram se
sucedendo, ao longo do processo histórico das sociedades humanas.
Para o autor, o fato fundamental é que todas essas experiências transformadoras em
relação ao campo e às concepções da vida urbana persistiram, com um poder extraordinário,
de modo que, mesmo depois de a sociedade tornar-se predominantemente urbana, a literatura,
durante uma geração, continuou basicamente rural.
Para Raymond Williams, a realidade histórica destas comunidades é
surpreendentemente variada, pois, estas cristalizam e generalizam uma grande quantidade de
práticas sócio-culturais. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida de
virtudes simples. À cidade associou-se a idéia de centro de realizações, de saber, comunicação
e luz. Também se constatam associações negativas: a cidade como lugar de barulho,
mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação.
Para o autor, a perspectiva existente entre campo e cidade se efetiva dentro da relação
de identidade que eles vão manter entre si, a partir do próprio conceito generalizado de
“desenvolvimento”, impostas a eles, a partir de uma dada realidade histórica.
5
4
RAMALHO, Elba Braga. Cantoria nordestina: proposta de novo enredo para o metro cantado. Fortaleza:
UECE, 2001, p. 15 (Tese apresentada ao concurso de professor titular de Musicologia da UECE).
5
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras,
1989, p. 12.
23
23
Sobre esta perspectiva, Sulamita Vieira expõe que isto se evidencia, a partir dos meios
de comunicação, ou seja, a imprensa e o rádio. Para a autora, o mundo do sertão foi se
delineando dentro da cultura urbana, através de vários mecanismos que foram se constituindo
dentro do processo de construção das identidades, experiências e das práticas dos indivíduos
que compõem esse contexto.
Segundo Vieira, que analisa a construção da cultura sertaneja, a partir de sua
expressividade cultural, presente na musicalidade do baião de Luís Gonzaga, é interessante
perceber como acontece a apropriação de elementos da cultura regional e como estes passam
a definir uma representação de mundo, com base num “sertão das lembranças”, utilizando-se
da difusão radiofônica para todo o Brasil, nas décadas 40 e 50.
6
Portanto, com base na análise de uma historiografia específica sobre o assunto,
concentra-se a presente pesquisa na investigação de fontes empíricas que pudessem fornecer
indícios sobre a produção literária de folhetos, na cidade de Juazeiro. Aos poucos, por assim
dizer, foram sendo farejados esses indícios na particularidade de gavetas de antigas
escrivaninhas; na privacidade de baús, que guardam relíquias de família; ou em estantes
esquecidas pelas poeiras do tempo.
Na medida em que ia havendo contato com a documentação empírica, foi ficando cada
vez mais lúcido o objeto de pesquisa, a partir da análise das fontes. De então em diante, com o
aprofundamento da investigação, foi encontrada uma documentação diversificada sobre a
produção da literatura de folhetos, como escritos textuais, também relatos e depoimentos
orais.
As fontes primárias são compostas por meio de um conjunto de registros literários e
vão de folhetos de cordel a poemas avulsos que passaram a ser catalogados na pesquisa.
Sobre esta documentação acima referida, registros literários, folhetos de Cordel e
poemas avulsos foram inicialmente catalogados, devido a sua grande quantidade e diversidade
temática.
6
VIEIRA, Sulamita. O sertão em movimento: a dinâmica da produção cultural. Saão Paulo: Annablume, 2000,
p. 168.
24
24
Outro registro importante são entrevistas realizadas na década de setenta pela equipe
do “Projeto de Literatura de Cordel”, com os principais poetas e cordelistas da cidade de
Juazeiro, alguns falecidos, como Expedito Sebastião da Silva, João de Cristo Rei e Manoel
Caboclo, as quais se encontram digitalizadas nos arquivos do Museu da Imagem e do Som
MIS, na cidade de Fortaleza.
Sobre as fontes utilizadas na pesquisa, a preocupação foi definir, metodologicamente,
que tipo de tratamento deveria ser reservado a cada uma delas. Nossa primeira preocupação
foi definir um meio de diagnosticar, classificar e selecionar as fontes da pesquisa.
Ao catalogar as fontes, anotando suas peculiaridades, algumas perguntas se fizeram
pertinentes: Que tipo de fonte é essa? Que relação tem essas fontes com o objeto de pesquisa?
O que falam as mesmas sobre o objeto?
Estas preocupações iniciais possibilitaram a classificação das mesmas em categorias
diferenciadas pela metodologia de análise que as distribui nas categorias de escrito/textuais,
orais e áudio-visual. Com o processo de classificação definido, passamos a realizar a seleção
das fontes dentro de uma escolha criteriosa e fundamentada a partir da relevância das mesmas
para a pesquisa.
Esta seleção foi se configurando a partir do momento em que a leitura das fontes
passou a constituir indícios de “efetuação” de um passado histórico. Diante disto, percebemos,
através de uma interpretação crítica, ou, pelo estranhamento das fontes, a possibilidade de
compreender este momento histórico a partir de uma perspectiva teórica expressa por Roger
Chartier, quando diz que: a função do historiador é interpretar o passado dentro das variações
dos espaços que o legitimam, “reconstruindo” suas “variações”, ou seja: “A tarefa do
historiador é, então a de reconstruir as variações que diferenciam os espaços legíveis” isto
é, os textos nas suas formas discursivas e materiais e as que governam as circunstâncias de
sua “efetuação” ou seja, as leituras compreendidas como práticas concretas e como
procedimentos de interpretação”.
7
Roger Chartier estabelece, pois, a idéia de que o texto é portador de um significado
que traz, em si, uma verdade, a qual cabe ao leitor desvendá-la. Para Chartier, o leitor, ao
7
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e
XVIII. Tradução de Mary Del Priori – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 12.
25
25
interpretar o texto, constrói novos significados a partir de “espaços legíveis”, que se
constituem numa espécie de materialidade discursiva da leitura. Os discursos, diz Chartier,
“só existem quando se tornam realidades físicas (...), transmitidas por uma voz que ou
narra, declamando num palco de teatro”.
8
Na análise das fontes escrito/textuais, a utilização
dessa abordagem teórico-metodológica nos faz compreender como os textos, artigos e
entrevistas são meros discursos que, historicamente, produzem sentidos e constroem
significações
9
.
Diante destas questões, no primeiro capítulo analiso a edição dos folhetos populares
no Joaseiro do Padre Cícero, dentro de uma concepção conceitual da produção e transmissão
de uma cultura com base na prática da tradição oral e da escrita. Assim, procuro apresentar, a
partir de uma análise historiográfica, o cenário histórico no qual a cultura da literatura de
folhetos foi sendo introduzida nos sertões cearenses na região dos Cariris Novos, de maneira
especial na cidade de Juazeiro do Norte. Deste modo, interessa-me saber como a literatura de
folhetos passou a ser produzida na cidade do Juazeiro do Norte, transformando-a em um dos
principais centros de produção e distribuição desta cultura principalmente depois da segunda
metade do século XX. No primeiro tópico, procuro analisar como essa produção cultural foi
sendo historicamente, analisada e interpretada por folcloristas, memorialistas e historiadores
da cultura sertaneja. No segundo tópico, procuro descrever como foi se constituindo um
espaço gráfico na cidade do Juazeiro do Norte, quando esta passou a ser, na segunda metade
do século XX, um pólo de convergência de mecanismos de difusão e transmissão de uma
cultura poética. Neste mesmo tópico, busco ainda entender como esse espaço poético das
gráficas passou a ter significado junto a uma comunidade de ouvintes e leitores, ou
transmissores e receptores desta poética. No terceiro tópico, procuro discutir como foi se
organizando a produção da poética a partir da produção existente entre os poetas e os editores
que passaram a consolidar uma produção voltada para um mercado de editoração que crescia
naquele momento na cidade do Juazeiro do Norte
O segundo capítulo tem o objetivo de analisar o processo erudição popular presente na
produção da literatura de cordel a partir dos seus principais poetas. Neste capítulo, analisamos
como foi sendo produzida uma composição poética a partir dos vários enredos sobre a mística
do lugar. Neste momento nossa analisa se volta para a produção poética dos principais nomes
8
Idem, p.8.
9
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel e Bertrand
Brasil, 1990, p. 121.
26
26
do cenário poético da cidade de Juazeiro. Inicialmente analisamos a trajetória e a inserção de
José Bernardo da Silva, proprietário da Tipografia São Francisco, que passou a ser o principal
editor, poeta, e agente distribuidor durante quatro décadas na produção do mercado de
editoração de folhetos populares na cidade de Juazeiro do Norte. Em seguida, analisamos o
poeta Expedito Sebastião da Silva, sua obra, e a história do lugar a partir das narrativas dos
milagres. Em outro momento, nos debruçamos sobre o Juazeiro celeste presente na poética de
João de Cristo Rei. E, por último, investigamos a obra poética de Manoel Caboclo e Silva
como um narrador de histórias.
No terceiro e último capítulo, busquei investigar como se desenvolveu uma literatura
alternativa, os almanaques de feira, ou astrológicos, dentro do processo de produção dos
folhetos populares na cidade do Juazeiro do Norte. Nesse capítulo, procurei entender como a
ciência astrológica é inserida dentro do contexto da produção da literatura de cordel na cidade
de Juazeiro do Norte. Em seguida, busquei compreender como surgiu a “Casa dos
Horóscopos”, uma editora de propriedade do poeta e astrólogo Manoel Caboclo e Silva, a
qual produzia, especificamente, almanaques astrológicos para todo o Nordeste por um período
de mais de quatro décadas. Por fim, analisou-se a produção do “Almanaque Juízo do Ano para
o Nordeste” editado por Manoel Caboclo.
27
27
CAPÍTULO I – A edição da Literatura de Cordel no Joaseiro do Padre Cícero.
A produção dos folhetos populares na cidade de Juazeiro do Norte tem sido alvo de
várias reflexões ao longo do século XX. Os estudos sobre a produção da literatura de cordel
na cidade de Juazeiro do Norte passou a ser um objeto valioso para a pesquisa histórica, cuja
produção historiográfica se torna cada vez mais fértil.
Segundo a discussão bibliografia, essa produção literária transformou a cidade de
Juazeiro no principal centro de difusão de diversas composições de narrativas orais que
passaram a ser reproduzidas através da cultura escrita da literatura de cordel, que foi sendo
definida por uma característica própria do lugar.
Diante destas questões, procuramos neste estudo entender como foi se constituindo a
produção da literatura de folhetos de cordel na cidade de Juazeiro Norte a partir da primeira
metade do século XX.
1. 1. A historicidade da literatura de folhetos populares.
A impressão de pequenos livros em verso teve início na França, mais precisamente na
cidade de Troyes, que se transformou no maior centro de produção da literatura de folhetos. A
literatura de folhetos era bastante conhecida naquele período, devido algumas de suas
características básicas que se definia a partir de uma produção que era impressa em papel
barato, vendido a preços baixos por uma rede de mercadores e poetas ambulantes, e que
estava voltado, sobretudo para o público rural.
Esta literatura ficou conhecida na França como bibliothèque bleue, que era produzida
a partir da tradução de versos, textos, e narrativas de livros oriundos de uma literatura
publicada.
Segundo Robert Darton, a literatura produzida para a bibliothèque bleue era destinada
aos camponeses, que ora passavam a ter acesso leitura destes pequenos livrinhos de capa azul
que divertiam a todos com suas narrativas em verso.
28
28
Impressos num papel barato, com tipos gastos, vendidos por 1 vintém, lidos até se
desmancharem, esses livrinhos contém pistas para uma cultura popular que, sob outros
aspectos, é mais inacessível do que a civilização inscrita na Agulha de Cleópatra. (...)
A bibliothèque bleue certamente fazia parte de um nível humilde de cultura
.
10
Para Roger Chartier, esse tipo de literatura passou a ser produzida com a intenção de
alcançar o grande público.
Parece claro que a quase totalidade das obras que compõem o fundo francês da livraria
de colportage não foi escrita para um tal fim, A bibliothèque bleue é uma fórmula
editorial que vai beber no repertório de textos publicados, aqueles que mais
parecem convir às expectativas do grande público que ela quer atingir. Donde duas
precauções são necessárias: não tomar os livros de capa azul como populares em si
mesmos, pois eles pertencem a todos os gêneros da literatura erudita; considerar que
eles já possuíam uma primeira existência editorial, às vezes muito antiga, antes de ter
ingressado no repertório de livros para o grande público
.
11
Segundo Chartier, essa literatura reeditava obras que no passado limitava-se a uma
comunidade de leitores que era reduzida pelo nível de erudição de determinados grupos
sociais. Para o autor, o grande desenvolvimento desse tipo de literatura se verifica devido o
formato editorial que facilitava a publicação e distribuição que utilizava o modelo de
colportage
12
.
A difusão da literatura de folhetos ocorreu bastante rápida através das vendas dos
ambulantes em toda a Europa em um momento onde as economias nacionais retomavam seu
crescimento em decorrência do mercantilismo comercial. O crescimento econômico, o
renascimento, a reforma, as descobertas e o processo de urbanização das cidades são fatores
que contribuíram bastante para a difusão da literatura de folhetos em toda a Europa. Pois, a
partir desse crescimento econômico e a rápida difusão dessa literatura resultou na proliferação
de inúmeras editoras.
Segundo José Ribamar Lopes, a literatura de folhetos chegou ao Brasil no período
colonial, quando os portugueses começaram a difundir esses pequenos livros de capa azul.
10
DARTON. Robert. O beijo de lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 213.
11
CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e
XVIII. Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 1999, p. 20.
12
Vide: LUYTEN, Joseph Maria. O que é literatura popular. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 31(Primeiros
Passos). A expressão Literatura de colportage era o modelo de venda ambulante que carregavam os pequenos
folhetos ce capa azul em caixas presas à nuca. Os vendedores levavam também uma grande quantidade de
jornais, livros e diferentes mercadorias. No caso do Nordeste do Brasil essa atividade foi atribuida também ao
vendedor ambulante, ou folheteiro da literatura cordel.
29
29
Para o autor, essa literatura era vista como um elemento bastante popular nos costumes
cotidianos das pessoas de diversas condições.
13
No Brasil, a difusão da literatura de folhetos se concentrou inicialmente nas áreas da
zona da mata e depois adentrou gradativamente no agreste e posteriormente no sertão
nordestino. A literatura de folhetos produzida nesta região encontra elementos favoráveis para
a sua difusão, pois, a mesma terá ao longo do tempo uma identificação muito intensa com as
demais práticas culturais dos vários grupos sociais que compõem essa realidade.
Sempre foi muito vivo no Nordeste o costume das histórias narradas nos serões
familiares, nas varandas das fazendas de gado, na casa-grande e nas roças dos
engenhos de cana-de-açúcar. Esse costume veio de uma longa tradição ibérica, dos
romanceiros, das histórias de Carlos Magno e dos Doze Pares de Franca e outros
grandes livros populares. Originou-se também de contos maravilhosos de “varinha de
condão”, de bichos falantes, de bois sobretudo na região nordestina, onde se
desenvolveu o ciclo do gado; e ainda de histórias do folclore universal e africano
estas trazidas pelos escravos, acostumados à narrativa oral em suas terras de origem
.
14
No entanto, a produção da literatura de folhetos no Brasil colonial não teve uma
grande difusão como se deu na Europa, pois, faltavam as editoras para fazer o trabalho de
impressão dos folhetos. Esta dificuldade por outro lado possibilitou a difusão das narrativas
orais através das gestas e das cantorias através dos menestréis do sertão nordestino.
Com o advento da imprensa no Brasil, que ocorreu a partir da vinda das primeiras
máquinas e com surgimento das primeiras editoras passou-se a se produzir uma literatura
tipicamente brasileira.
Gradativamente foram surgindo pequenas gráficas artesanais que com o
desenvolvimento da imprensa nos grandes centros urbanos, adquiriam pequenas máquinas que
não eram mais usadas pelas grandes editoras por serem consideradas obsoletas para as
grandes tiragens de jornais e de livros. A partir da estruturação das pequenas gráficas, onde
grande parte delas funcionava dentro de um sistema de trabalho totalmente artesanal, foi-se
criando e produzindo uma literatura popular genuinamente brasileira, adaptada às reais
condições da cultura local, principalmente a de características tipicamente sertaneja.
13
LOPES, José Ribamar (org.). Literatura de cordel: antologia. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 1984,
p. 12.
14
MEYER, Marlyse (org.). Autores de cordel. São Paulo: Abril Educação, 1980, p. 7 (Literatura Comentada).
30
30
Sobre essa concepção José Ribamar Lopes, afirma que:
A literatura de cordel, obviamente, surgiria após o aparecimento das pequenas
tipografias avulsas, espalhadas por várias cidades interioranas e capitais nordestinas, o
que ocorreu a partir dos fins do século passado. Desses centros maiores é que
saíram e se difundiram pela região os folhetos de cordel, vendidos nas feiras livres e
mercados, estações rodoviárias e ferroviárias
.
15
Com a inserção da impressa no Brasil a literatura de folhetos passou a ter um espaço
privilegiado na publicação, aproveitando o intervalo entre uma edição e outra do jornal,
passou-se a divulgar alguns versos em certas colunas direcionadas nos jornais para esse tipo
de expressão cultural da época. Estas publicações, ao longo do tempo foram ganhando
notoriedade no seio dos que se denominavam guardiões das tradições culturais do povo.
Em meio a esse contexto, a produção da literatura de folhetos foi sendo difundida no
sertão adentro através dos próprios poetas e vendedores ambulantes, passando a narrar as mais
interessantes temáticas históricas que o povo pudesse ouvir. Nesse momento, a difusão da
literatura de folhetos teve uma grande contribuição da cantoria que exerceu uma função
significativa que era chegar através das narrativas orais nos lugares mais distantes do sertão
nordestino, onde a cultura impressa dos folhetos não conseguia chegar.
No entanto, alguns fatores dificultaram a difusão dos folhetos no sertão nordestino.
Inicialmente, é necessário entender que no processo de difusão a literatura de folhetos não
houve o interesse exclusivo de um público de leitores e ouvintes, pois a inserção da literatura
era limitada aos moradores das pequenas vilas e fazendas da região. Outro fator é decorrente
de problemas relacionados às questões de ordem econômica e técnica.
Outra questão importante está relacionada à falta de registros acerca da produção da
literatura de folheto em um determinado tempo da história. A ausência desses registros deixou
uma lacuna enorme na compreensão do processo de produção e difusão da literatura de
folhetos no sertão nordestino. A ausência destes registros impossibilitou a análise das
principais representações poéticas da literatura de folhetos como sendo preponderante para
compreensão dos elementos dos ciclos históricos de cada época.
15
LOPES. Op Cit. p.12.
31
31
Sobre esta questão, Gilmar de Carvalho expõe que a ausência destes registros causou a
existência de uma lacuna entre a oralidade dos cantadores e o surgimento dos primeiros
folhetos impressos. Para Carvalho, esta lacuna é decorrente de duas possibilidades: a primeira
se acentua pela falta do caráter de um suporte documental que não resistiu à ação do tempo; a
segunda decorre do fato de que a produção de folhetos não foi catalogada como um objeto de
estudo mais sistemático por parte dos pesquisadores do folclore ou dos teóricos da literatura.
Entre José de Alencar e Araripe Junior, que se debruçaram sobre a produção poética, e
os primeiros exemplares constantes dos arquivos e coleções, existe um intervalo que
instiga no sentido de que sejam procuradas pistas que ajudem a reconstituir a trajetória
dos folhetos, numa cronologia que permita uma contextualização desta literatura e que
diga de sua importância e permanência.
16
Diante desta ausência de informações, alguns especialistas têm-se voltado para uma
análise que remonta a releitura historiográfica que tem como base certos folcloristas como
Silvio Romero, Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Gustavo Barroso, entre outros que foram
os principais responsáveis pela produção de parte dos registros no início do século XX.
Estes folcloristas esboçaram um registro bibliográfico acerca da composição e
produção de uma literatura de folhetos, que tinha como objetivo central, relatar a trajetória de
uma dada tradição cultural que traz elementos da musicalidade européia, em relação ao
homem sertanejo. Para estes autores, estes registros também serviriam como documento
histórico que legitimasse o processo de subserviência da cultura popular à cultura erudita.
Segundo José Alves Sobrinho, dentre estes nomes figurava “Rodrigues de Carvalho
(1903) e Pereira da Costa (1906), que seguiram à risca o antigo processo de documentação
folclórica adotado pelos primeiros estudiosos e defensores da cultura do povo (Varnhagem,
Basílio de Magalhães, general Couto de Magalhães, Sílvio Romero e Melo Morais) que
estavam mais preocupados em anotar o produto que o produtor”.
17
Para estes folcloristas, os elementos regionais como a musicalidade, a dança e a
literatura, entre outros, tornaram-se relevantes no processo de codificação da origem do
patrimônio cultural do povo brasileiro. Segundo os mesmos o patrimônio miscigenado foi
16
CARVALHO, Gilmar de. Lyra popular: o cordel do Juazeiro. Fortaleza: Museu do Ceará, Secretária de
Cultura do Estado do Ceará, 2006, p. 15.
17
SOBRINHO, JoAlves. Cantadores, Repentistas e Poetas Populares. Campina Grande: Bagagem Editora,
2003, p. 17.
32
32
transmitido ao longo do tempo, de geração a geração, através de dispositivos da memória
popular, por meio de métodos da oralidade contida na linguagem poética da cultura sertaneja,
representada por meio de um conjunto de mitos, lendas, signos, crenças, costumes e hábitos.
De acordo com os folcloristas acima mencionados, estes elementos da cultura
sertaneja representam o registro básico de uma literatura regionalista, que traz, em si,
elementos da cultura européia que, aos poucos, foi sendo codificada através dos inúmeros
processos das mudanças e das transformações que ocorreram ao longo do tempo dentro das
diversas culturas.
De acordo com Sobrinho, esse processo vai se verificar, com mais ênfase, quando a
cultura sertaneja passou por um momento de transição a partir do processo de
desenvolvimento da “literatura de cordel”. Para o autor, foi através da produção literária de
Leandro Gomes de Barros, Chagas Batista e João Martins de Athayde, que passou a se
organizar um mercado de produção editorial da literatura de folhetos, antes somente divulgada
pela oralidade das cantorias de seus poetas nos sertões do Nordeste brasileiro.
Segundo os folcloristas a sonoridade da música sertaneja é importante nesse processo
por ser responsável pela composição de uma narrativa histórica a partir de elementos do
cotidiano da cultura sertaneja, os quais compõem um conjunto de saberes que são através da
oralidade como da escrita, transmitidos de geração a geração.
Para Câmara Cascudo, a cantoria é importante dentro deste processo de transmissão
oral, pois a mesma foi fundamental na codificação de elementos da cultura sertaneja. Segundo
Cascudo, o folclore se caracteriza através de dois níveis de composição na cultura sertaneja
que se desenvolvem a partir do ciclo do gado (século XVIII até a primeira metade do século
XIX), e do ciclo social ou heróico do cangaço (século XIX e XX). O primeiro ciclo
transmitido oralmente, e, o segundo, pela via da escrita.
Segundo o autor acima referido, o ciclo do gado e o ciclo social definem os motivos
que caracterizam a poesia tradicional sertaneja como sendo a expressão autêntica da cultura
popular brasileira. Para Cascudo, o ciclo do gado expressa, em sua poesia, as nuanças das
práticas cotidianas do sertanejo através das “gestas” que compreende as crônicas da cultura e
das lendas pastoris do sertão nordestino. Sobre este ciclo, Cascudo afirma que o mesmo:
33
33
Compreende as “gestas” dos bois que se perderam anos e anos nas serras e capoeirões
e lograram escapar aos golpes dos vaqueiros. A notícia de um animal arisco, veloz,
fugindo aos melhores vaqueiros, corre de fazenda em fazenda e é comentado nas
“apartações”. A lenda vai aparecendo. Um dia o dono do animal resolve mandar “dar
campo”, custe o que custar, ao boi rebelde. Juntam-se vaqueiros, prepara-se comida
para todos, saem para o mato. Desta ou outra vez, o boi é derrubado, trazido, com
mascara ou peado, para a humildade do curral. Incapaz de subter-se à vida dos outros,
abatem-no. Um cantador forja os versos. É o boi Surubim, o boi Barroso, o boi da
Mão de Pau, o boi Espácio, a vaca do Burel, a “besta” da serra de Joana Gomes...
ficam registrados no armorial da memória sertaneja.
18
Para o autor, a importância do ciclo do gado se dar pelo fato da percepção dessa
antiguidade cultural como função social que, ao longo do tempo, foi sendo registrada em
versos que retratam com detalhes pitorescos o ambiente rural vivenciado.
Para Cascudo, essa percepção tinha como motivo, essencial, retratar e relatar, através
da poesia matuta, as diversas relações e práticas da vida do homem sertanejo a partir das
representações do mundo do trabalho humano.
O folclorista também expõe em sua obra o ciclo social como um momento bastante
importante para esse processo formador da cultura popular no nordeste. Segundo o autor, o
ciclo social é um momento em que a cantoria popular é retratada por meio de novos
elementos dentro da cultura sertaneja, elementos estes produtores de outra percepção presente
na composição da poética sertaneja.
De acordo com Cascudo, no ciclo social os elementos presentes dentro da produção
poética da cantoria sertaneja trazem pouca expressividade em relação ao ciclo anterior. Para
Cascudo, essa distinção em relação ao outro é definida pelo fato do mesmo ter uma escassez
referente aos elementos pertinentes à cultura popular sertaneja, dando uma maior ênfase às
questões não tanto relevantes dentro da produção poética da cantoria matuta.
Outra questão proposta por Câmara Cascudo diz respeito à paisagem sertaneja pelo
cantador e poeta popular neste momento do ciclo social. Segundo Cascudo, o cantador
registra a paisagem do sertão nordestino nos versos de sua poesia. No entanto, o poeta
reproduz uma imagem sem expressividade e sem vida, pois a paisagem é parcamente fixada.
18
CASCUDO, Luis da Câmara. Vaqueiros e cantadores: folclore poético do sertão de Pernambuco, Paraíba,
Rio Grande do Norte e Cea. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1954, p. 15.
34
34
No ciclo social a paisagem parece estar subjugada dentro do enredo que passa a ser
constituído, em primeiro plano, pelas ações dos personagens principais, caracterizadas pelas
práticas e mobilidade social dos cangaceiros e jagunços. Sua funcionalidade é somente para
ambiar o episódio, ou seja, “como uma legitima canção de “gesta”, o romance tradicional
sertanejo só tem ação, movimento, finalidades exclusivamente humanas.
19
Cascudo afirma que, posterior a este ciclo, a produção poética sertaneja é um simples
reflexo da inserção da civilização e modernização dentro da cultura sertaneja, seja nas
pequenas vilas e lugarejos ou nos mais longínquos rincões do sertão nordestino.
Fica evidente que a produção da cultura sertaneja neste momento passa a ser definida a
partir de determinadas práticas rurais e urbanas portadoras de maior relevância dentro do
contexto histórico do cotidiano do sertanejo, na medida em que engloba tanto as questões de
natureza política e econômica, como, também, sócio-cultural.
Essa forma de explorar a temática do cangaço e do padre cero passa a ter uma
amplitude bem maior, pois irá proporcionar, na produção poética sertaneja, uma possível
erudição por parte daqueles que a produzem e divulgam seus poemas e versos por todo o país.
Segundo Cascudo, o processo de erudição por qual passou a poética sertaneja foi se
consolidando a partir da primeira metade do século XX, a partir do momento em que poetas e
cantadores passaram a publicar através de uma incipiente produção artesanal da poesia
matuta, como era chamada, e que era vendida nas feiras das cidades nordestinas em pequenos
folhetos pelos próprios poetas.
Em outro momento, Francisco Linhares e Otacílio Batista expõem, a partir de um
determinismo etno-geográfico, que a cultura da musicalidade sertaneja no Brasil remonta ao
período colonial, de onde se ouviu as primeiras trovas de viola. De acordo com Linhares e
Batista, “coube ao Brasil o privilégio do aparecimento do legítimo cantador de viola, com
Gregório de Matos Guerra, nascido na Bahia, no século XVIII e primeiro doutor brasileiro.
Seguido pelo padre Domingos Caldas Barbosa, que também improvisava ao som da viola”.
20
19
Idem, p. 16.
20
LINHARES, Francisco e BATISTA, Otacilio. Antologia ilusrada dos cantadores. Fortaleza: Imprensa
Universitária / UFC, 1976, p. 19.
35
35
Para estes autores, a difusão cultural foi se consolidando ao longo da história sertaneja,
alcançando sua maior expressividade na Paraíba, de onde veio surgir os maiores cantadores de
que se tem notícia em todo o Nordeste brasileiro.
Outra perspectiva é fundamentada por José Alves Sobrinho. Segundo Sobrinho a
consolidação da poética sertaneja é delimitada a partir de um centralismo regionalista e, mais
especificamente, quando relaciona seus principais precursores. Para Sobrinho, a história da
cantoria no Brasil se consolida, inicialmente, na Serra do Teixeira, localizada no sertão da
Paraíba, através da poesia do poeta Agostinho Nunes da Costa, de seus filhos Ugolino Nunes
da Costa e Nicandro Nunes da Costa, bem como de seu neto Francisco das Chagas Batista
21
.
De acordo com estes autores, a poética sertaneja passou a ser difundida através da
cantoria e do talento genial de seus arautos, que saiam da Paraíba sertão a dentro,
proclamando pelas vilas e cidades as mais belas canções do cancioneiro popular. Segundo
esses autores, a Paraíba torna-se, assim, o berço e o pólo difusor dessa cultura, pois é da
mesma que vai migrar para outras regiões do Brasil, inúmeros cantadores em busca de um
espaço próprio para a divulgação de sua poesia e musicalidade, produzida ainda de maneira
artesanal.
De acordo com Leonardo Mota esse processo de transmissão foi sendo difundido por
todo o sertão através dos diversos cantadores e poetas populares, os quais foram se
concentrando nos principais centros urbanos do Nordeste. Neste momento as cidades passam
a ser um importante espaço de difusão da poética sertaneja, na medida em que é nas cidades
que o poeta popular passa a definir um mercado consumidor para sua poesia.
Segundo Leonardo Mota, em sua obra Sertão Alegre: poesia e linguagem do sertão
nordestino, a cidade de Juazeiro do Norte passa a ser o centro promissor desse mercado, pois
é nesta cidade que cantadores e poetas populares vão ser inspirados pela mística religiosa em
torno do milagre e do Padre Cícero, a qual cercava o pequeno lugarejo. Para Mota, Juazeiro
do Norte é considerado a “Meca dos Sertões”, lugar das peregrinações, da religiosidade e dos
encantos. Para Mota, Juazeiro representa a lendária cidade de Padre Cícero Romão Batista,
da qual o cantador João Mendes de Oliveira disse que era “o nosso Jerusalém””.
22
21
Cf. ALVES SOBRINHO, José. Op Cit. p. 17.
22
MOTA, Leonardo. Sertão alegre: poesia e linguagem do sertão nordestino. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC
Editora, 2002, p. 28.
36
36
De acordo com os relatos de Leonardo Mota, as diversas narrativas que foram
produzidas passaram a delinear elementos simbólicos dentro da cultura poética do mundo
sertanejo. Um dos primeiros poetas a começar a definir os fecundos traços sobre o papel,
formatando as primeiras trilhas poéticas dessa tradição literária, foi o poeta João Mendes de
Oliveira, mais conhecido como o “Cantador de Juazeiro”.
Segundo Leonardo Mota, em seu livro Cantadores
23
, o mesmo relata que em uma
viagem que fez a Juazeiro, teve a oportunidade de conhecer o poeta João Mendes de Oliveira.
De acordo com o autor, o poeta era um tipo comum a todos que, como tantos outros,
vendendo seus folhetos como um mascate ambulante, cantando seus versos pelas ruas do
pequeno povoado de Juazeiro. Para Leonardo Mota, João Mendes era um cantador
inigualável, que oferecia, com grande habilidade, seus manuscritos ao som de uma viola,
versejando com larga erudição do povo e da cidade do Juazeiro.
Diante destas questões, percebemos que Mota passa a eleger a cidade de Juazeiro do
Norte como um centro de convergência de uma cultura poética a partir da inserção de alguns
cantadores, poetas populares que, de passagem, ou não, começaram a produzir uma literatura
de folhetos que difundia o milagre da hóstia, e os poderes milagrosos do Padre Cícero.
Para Mota, a cidade de Juazeiro do Norte passa a ser alvo da prática de uma “cultura
incomum” - a inserção da produção da literatura de folhetos de cordel - ao contexto urbano da
cidade de Juazeiro do Norte. O poeta João Mendes será o agente externo responsável pela
inserção dessa prática no cotidiano sócio-cultural da cidade de Juazeiro do Norte. Segundo o
autor, a literatura de folhetos passou a ser difundida na cidade de Juazeiro a partir da prática
cultural da cantoria que foi o elo de ligação presente nas práticas culturais existentes entre o
campo e a cidade.
24
Para os autores acima citado, a produção da poética sertaneja passa a ser definida a
partir da inserção de inúmeros cantadores e poetas populares nos espaços urbanos das cidades.
23
MOTA, Leonardo. Cantadores. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2002, p. 117.
24
Vide: WILLIAMS, Raymond. Op Cit. p. 12. Para o autor, a relação entre o campo e a cidade expõe um fato
fundamental, que é perceber como todas as experiências transformadoras em relação ao campo e às concepções
da vida urbana persistiram com um poder extraordinário, de modo que, mesmo depois de a sociedade torna-se
predominantemente urbana, a literatura, durante uma geração, continuou basicamente rural; e mesmo no século
XX, numa terra urbana e industrializada, é extraordinário como ainda persistem formas de antigas idéias e
experiências.
37
37
Em relação à Juazeiro do Norte, esta inserção e produção da literatura de folhetos vai se dar
em meio ao contexto da religiosidade em torno do patriarca, que passa a ser o principal
elemento de inspiração para os poetas que passam a produzir uma poética acerca deste espaço
urbano.
Em relação a esta questão, Franklin Machado expõe que com difusão da cantoria de
viola que foi sendo disseminada pelos sertões cearenses por volta da segunda metade do
século XIX, através dos “cantadores que estendiam a sua pregação oral pelas vilas, feiras e
fazendas por onde cantavam”
25
. O sertão dos cariris novos passa, assim, a ser o grande palco
de inúmeros poetas, cordelistas e cantadores populares que vão utilizar a diversidade cultural
desta região para composição de suas produções, através de elementos marcantes do cotidiano
como a religiosidade, a política e os costumes populares.
Segundo o autor, o mesmo relata que a partir da primeira metade do século XX, a
cidade de Juazeiro é o espaço em que os “poetas populares e os cantadores podem viver de
sua arte, cantando pelas praças como muezins chamando os fieis à prece num canto dolente e
arrastado. Ou, como camelôs vendendo sua lavra em pregões”.
26
De acordo com o autor, a relação entre o poeta e a sua poesia está profundamente
ligada aos fatos e acontecimentos históricos acima referidos, componentes diretos do
cotidiano da cidade de Juazeiro do Norte e, ao mesmo tempo, fonte inesgotável de inspiração
poética.
Para Franklin Machado, o cariri é um campo fértil para inúmeros poetas populares em
razão de sua riqueza e diversidade cultural, imprescindível, portanto, na construção de novos
saberes. Adro para as pregações do padre Cícero Romão Batista, Juazeiro do Norte logo se
torna a capital do Cariri. De acordo com Machado, “o próprio vigário estimulou a fundação de
tipografias em sua cidade para a publicação de orações e folhetos, tão procurados pelos
romeiros e penitentes”.
27
nos inícios do século XX, Juazeiro do Norte passa a ser o centro da religiosidade
popular no Nordeste. O “milagre da hóstia”, a figura emblemática do patriarca Padre Cícero,
25
MACHADO, Franklin. O que é literatura de cordel. Rio de Janeiro: Codecri, 1980, p. 34.
26
Idem, p.35.
27
Ibidem, p. 35.
38
38
assim como um conjunto de representações simbólicas da colina do horto e a relação entre o
sagrado e o profano, transformam Juazeiro numa fonte de inspiração para a criação poética de
vários poetas populares.
Segundo o autor, é na cidade de Juazeiro do Norte que os poetas populares vão
encontrar um mercado bastante propício para criação e divulgação de uma literatura de
folhetos que passa a ser produzida com mais intensidade, por um lado, dentro de uma relação
mística onde beatos e penitentes advogam, para si, a santidade divina; e, por outro, inspirada
pela demonstração da de milhares de romeiros que, em períodos de visitação à cidade
“santa”, se avolumam para pedir graças ao “santo” que fica no sol.
No entanto, nossa intenção é pensar como foi se constituindo a produção de uma
literatura de folhetos de cordel como prática cultural que foi se consolidando em meio ao
contexto rural e urbano em relação à cidade do Juazeiro do Norte.
Portanto, no próximo tópico iremos investigar como a cidade de Joaseiro foi se
constituindo espaço de produção de enredos e narrativas na produção de uma literatura de
folhetos populares.
1.2. A literatura de folhetos populares no Juazeiro.
A cidade de Juazeiro do Norte, ao longo do século XX foi alvo de um conjunto de
fatores e de sucessivos eventos históricos que a transformaram em um território do sagrado
em decorrência do fenômeno do milagre da hóstia. Estes fatores foram motivados em grande
parte devido a uma intensa peregrinação religiosa em direção a cidade proporcionada pela
de inúmeros devotos que acreditavam no poder do milagre como dádiva de Deus para o povo
sertanejo.
As inúmeras peregrinações religiosas proporcionaram a difusão de narrativas orais que
ao longo do tempo foram sendo popularizadas naturalmente através dos próprios devotos que
visitavam constantemente a cidade do Juazeiro do Norte.
A projeção destes fatores e eventos alimentou a circulação de um variado repertório de
narrativas orais, que foram registradas pela memória dos ouvintes, reatualizadas e
39
39
transmitidas por varias gerações, até comporem um arcabouço literário que passou a ser
produzido em larga escala na segunda metade do século XX.
Este arcabouço literário foi se constituindo ao longo da construção de um processo
histórico que tem como base a tradição religiosa em torno do imaginário popular que cerca a
pessoa de Padre Cícero, que foi a principal fonte de inspiração para a produção de uma série
de narrativas.
Para E. P. Thompsom, a transmissão das narrativas orais é reproduzida ao longo do
tempo numa atmosfera lentamente diversificada dos costumes, que segundo o autor, devem
ser vistas como as diversas relações existentes entre os grupos a partir de suas experiências e
práticas sociais.
As tradições se perpetuam em grande parte mediante a transmissão oral, com o seu
repertório de anedotas e narrativas exemplares. Sempre que a tradição oral é
suplementada pela alfabetização crescente, os produtos impressos de maior circulação
- brochuras com baladas populares, almanaques, panfletos, coletâneas de “ultimas
palavras” e relatos anedóticos de crime – tendem a se sujeitar a expectativas da cultura
oral, em vez de desafiá-las com novas opções.
28
A matriz dessas narrativas terá como elemento fecundo o mito do milagre da hóstia e a
figura do Padre cero, como elo que alimenta esta transmissão oral que vai interligar a
diversas narrativas que compõem esta paisagem poética.
Estas narrativas passam a compor enredos de uma tradição poética que passam a ser
transmitida a partir das várias lembranças que são revigoradas pela memória e pelo imaginário
de poetas e devotos que alimentam continuamente a nesta tradição, perpetuando, assim, a
memória do milagre e do santo milagreiro.
Para Paul Zumthor:
28
THOMPSOM, E.P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo. Companhia
das Letras, 1998, p. 18. Segundo o autor, os conceitos sobre costumes e tradições vão ser definidos a partir do
seculo XVIII na Europa, e que vão se constituir especificamente como uma “retórica de legitimação” que se
efetiva em um processo de um fluxo continuo entre o “codificado”, e o “não codificado”. Para o autor, os
costumes são um campo de mudanças e disutas, uma arena que se apresentava com reinvidiçações conflitantes
entre as classes sociais.
40
40
Uma tradição poética existe durável e fecunda, se mantida pela reminiscência, pelo
costume e pelo esquecimento. A este preço, o passado permanece vivo, limpo de seus
parasitas.
29
De acordo com Paul Zumthor, as sociedades modernas européias dos séculos XVI e
XVII, idealizaram a “perpetuação da memória”, como elemento fundamental para
preservação dos mitos fundadores de tais comunidades. Estas sociedades tinham a
preocupação de preservar a pureza da imagem original, e assim defini-la como elemento de
uma verdade absoluta.
Segundo Paul Zumthor, estas sociedade conseguiram perpetuar a memória através do
relato das narrativas que envolviam os grandes fatos destas comunidades. Para Zumthor, as
antigas narrativas foram sendo preservadas pela rememoração dos grandes feitos e vitórias
destes povos através das “canções de gestas”.
Ora, a finalidade da canção de gesta é, pela narrativa de uma vitória, a nossa,
assegurada ou prometida, restaurar no mundo o esplendor de uma verdade que o mal
tinha ofuscado. Este discurso de verdade não pode se basear apenas na memória, se
empresta a acepção banal de “relembrar”. Ele se fundamenta numa contrapartida que
cai sobre ela, de a gente a entende em sua dualidade profunda, como uma atividade de
triagem, de redistribuição, de deslocamento, de mascaramento e ainda de negação.
30
Estas sociedades celebravam a perpetuação de um passado glorioso que ao longo do
tempo permaneceria vivo por meio da transmissão e preservação de uma tradição poética.
Esta tradição poética cria a história, ata o liame social e, por conseguinte, confere sua
continuidade aos comportamentos que constituem uma dada cultura. Para Zumthor, esta
tradição é responsável pela produção literária de textos antigos e novos, que se associam e
fundam uma realidade histórica, que é tida como lugar de relações intertextuais de uma dita
sociedade.
Uma tradição poética pode se definir como um continuum onde se gravou a marca de
textos anteriores, e que tende a determinar, por isso mesmo, a produção de textos
novos. É nela que se arraigam e por ela se justificam as convenções que regem a
sensibilidade poética e permitem a fruição dos textos. A tradição funda assim a
realidade poética, assegurando-lhe o caráter que a define de maneira fundamental: sua
autodeterminação. Lugar de relações intertextuais, ela confere ao poema um estatuto
referencial particular e eminente, pois este poema remete e adere a um sistema
concebido como definitivo... de onde um dinamismo alegre, na encruzilhada de uma
participação unânime.
31
29
ZUMTHOR, Paul. Tradição e Esquecimento. Trad. Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Hucitec,
1997, p, 17.
30
Idem, p. 17.
31
Ibidem, p. 23.
41
41
De acordo com o autor essa realidade poética passa a ser definida dentro do processo
de uma transmissão oral e escrita a partir de “temas” ou “motivos”, que definem a
composição de uma história literária que tem como base uma “configuração imaginaria não
aleatória, de um conjunto ordenado e (ao menos virtualmente) organizado de sugestões
representativas, afetivas, prospectivas”.
32
Para Zumthor, a composição da tradição funciona como um repertório de paradigmas
e de virtualidades relacionadas a uma realidade histórica, que através da produção, seleção e
associação de textos passam a compor uma dada paisagem literária.
Segundo Câmara Cascudo, o ciclo social do folclore do nordeste brasileiro tem alguns
temas que compõem uma paisagem literária, que pela lei das convergências nucleou uma
tradição poética na pessoa de Padre cero. Para o autor, esta tradição poética tem como
núcleo irradiante o milagre da hóstia, que funciona como tema principal de um paradigma
fundador de toda uma realidade histórica.
33
Alguns destes temas que compõem essa paisagem literária em torno da pessoa do
Padre Cícero, são os mais variados possíveis, dentre eles os que reforçam a fama do patriarca
em eventos históricos que foram fundamentais para a consolidação de todo um imaginário a
cerca do mesmo; os temas mais importantes vão desde a relação do padre com as questões
políticas às de ordem mística religiosas.
Esta paisagem literária é composta de temas que referenciam o Padre Cícero dentro de
uma dupla perspectiva o homem político, como o dominador de cangaceiros e valentões, líder
de guerrilheiros, coronel do sertão; e o pastor das ovelhas de caráter bondoso, puro, humilde,
profeta, milagreiro, santo e enviado de Deus entre outros.
Estas temáticas fazem parte de toda uma realidade histórica que foi sendo produzida
ao longo do tempo, e que foi apropriada pela versificação poética a partir da construção de um
conjunto de composições textuais que fazem parte do imaginário popular que passa a ser
transmitida e preservada como uma tradição histórica.
32
Ibidem, p. 23.
33
CASCUDO, Luis da Câmara. Vaqueiros e Cantadores:folclore poético do sertão de Pernambuco, Paraiba,
Rio Grande do Norte e Cea. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1954, p. 104.
42
42
Em um poema de Albertino de Macedo, a figura do Padre Cícero é associada à
realidade histórica relacionada à temática do conflito eclesiástico que envolveu a sua pessoa e
que culminou com a suspensão de suas ordens pela determinação hierárquica da igreja
romana. No entanto, esse tema passa a convergir dentro dessa tradição poética elementos que
estão interligados também ao fenômeno místico religioso do milagre que permeia o
imaginário popular que constitui essa paisagem cultural.
Privado dos paramentos,
sem administrar sacramentos,
é firme sem vacilar!
Os mandamentos da Igreja
não importa suspenso seja
venera sem blasfemar...
O Padre do Joazeiro,
sacerdote verdadeiro,
ministro de Deus, bondoso,
levando a cruz do Calvário
neste afã de seu fadário
é radiante, é virtuoso...
Assim pois, calmo e sereno
SEMELHANTE A UM DEUS PEQUENO,
lá no seu pôsto a pregar,
estimula o povo em massa,
concitando que na graça
de Deus, vive a venerar...
34
A tradição poética em torno da pessoa do Padre Cícero vai constituindo uma memória
popular em meio a essa paisagem literária que é responsável por definir todo um arcabouço
poético de uma dada realidade histórica. Esta tradição poética não é uma simples coleção de
lembranças folclóricas que ao longo do tempo foram coletadas pela composição de um
imaginário coletivo, ou muito menos por elementos que foram apropriados pela memória
popular de um determinado grupo social. A composição dessa tradição vai designar a
constituição da paisagem literária como pano de fundo de um passado vivo que representa a
realidade histórica de um determinado lugar sócio-espacial.
O Padre cero e seus romeiros são os principais sujeitos históricos dessa trama que
passa a ser construída, e que tem como pano de fundo a cidade de Juazeiro e o milagre da
hóstia como representação simbólica deste lugar ao longo do tempo. As diversas narrativas
que são produzidas passam a delinear os traços, e marcos simbólicos dessa paisagem poética
34
MACEDO, Albertino. Apud CASCUDO. Op. cit, p. 106.
43
43
que cerca o pequeno povoado. Um dos primeiros poetas a começar a definir inicialmente os
fecundos traços desse rascunho sobre o papel, formatando as primeiras trilhas poéticas dessa
tradição literária foi o poeta João Mendes de Oliveira, mais conhecido como o “Cantador de
Juazeiro”.
Segundo Leonardo Mota, em seu livro os “Cantadores”, relata que em uma viagem
que fez a Juazeiro teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o poeta João Mendes de
Oliveira. De acordo com o autor, João Mendes era um tipo comum a todos os menestréis
daquela época, que, como tantos outros, sobreviviam de sua arte vendendo seus folhetos e
cantando seus versos como um mascate ambulante pelas ruas do pequeno povoado de
Juazeiro. Segundo o autor, João Mendes era um cantador inigualável, que oferecia seus
manuscritos ao som de uma viola, e com grande habilidade, versejada tamanha erudição sobre
a cidade do Juazeiro, a vida dos romeiros e do Padre Cícero Romão.
Segundo Leonardo Mota, a poesia de João Mendes é animatógrafa. Pois, para ele, a
poesia de João Mendes, reflete de uma forma intencional, a humildade e a singeleza da alma
dos inúmeros romeiros que são devotos da Mãe de Deus, que abandonados por todos, se
refugiam nas levas dos peregrinos que se dirigem para a “santa cidade”, em busca de ajuda e
da proteção do Padre Cícero.
Na poesia de João Mendes, percebemos a organização de uma tradição literária que
aos poucos vai definindo uma paisagem poética que cerca a terra de devoção da Mãe de Deus.
Que traz como elemento principal dentro desse processo a figura do romeiro, devoto fiel da
Mãe das Dores, que vem a este lugar em busca de proteção divina, atrás de uma oportunidade
que Deus possa prover para si não só um pouco de alento nesta vida, mas também de salvação
para a eternidade. No poema intitulado “Proteção da e de Deus”, João Mendes de
Oliveira
35
descreve a paisagem poética que gira em torno da mística e da devoção do romeiro
35
OLIVEIRA, João Mendes de. “Proteção da Mae de Deus”. Apud: MOTA, Leonardo. Cantadores: poesia e
linguagem no sertão cearense. Rio São Paulo Fortaleza: ABC Editora, 2002, p. 127. Em sua obra Leonardo
Mota procura divulgar um perfil singularizado acerca do cantador e do poeta sertanejo, mostrando o mesmo na
sua intimidade matuta, ouvindo-o no sertão, procurando apreender de seus segredos poeticos. Neste caso, ele
seleciona cinco nomes dos mais expressivos improvisadores dos mais belos vates matutos, dentre eles Cego
Aderaldo, Sinfronio, Anselmo, Passarinho, Serrador, Dantas Quesado e João Mendes de Oliveira. Nesta obra,
Mota prioriza a personalização do poeta em relação ao seu linguajar, ou seja, Mota consegue em sua obra
traduzir a liguagem nordestina com todas as suas peculiaridades vocais transpostas do “sentido magico da
audição”, para o “sentido neutro da visão”, a linguagem dita e ouvida e depois como que “xerografada”, a
mesma linguagem, mas agora na palavra escxrita, e posta no papel, e afinal impressa.
44
44
em relação ao Padre Cícero e a Mãe das Dores como símbolos da religiosidade popular de
Juazeiro.
Logo no primeiro dia
Que eu cheguei no Juazêro,
Pegou a chegar romêro
Pra uvi a voz do Missia,
Este Pade é nosso guia,
É a nossa satisfação,
Consola todo cristão,
Ensinando o bom camim,
Trabalhando aqui sozim,
Garantindo a salvação.
Cumo defensora e guia,
Com um manto de ouro fino,
Rogou a Jesus Menino
A Santa Virge Maria,
Mãe dôo rico e sem valia:
- “Jesus Cristo, venha cá,
Não prometi pra faltá!
Quando estive em Juazêro,
Salvei a todo romero
Que veio me visitá.
Eu sou a Virge das Dôre,
Ciço é o dono do Sacraro;
A ele dou o meu Rosaro,
Conheçam bem, pecadôre:
Quem a Ciço respeitá
Ficará com Deus Eterno,
Não consito i pro inferno
Quem ouvi Ciço falá!”
A poesia de João Mendes nos da uma radiografia preliminar da religiosidade popular
em torno desse imaginário social que foi sendo construído pela tradição literária dentro dessa
dada singularidade cultural que gira em torno da terra da Mãe de Deus e da santificação do
patriarca pelos romeiros que peregrinavam em busca da proteção divina e de dias melhores.
Para João Mendes, a devoção do romeiro na pessoa do Padre Cícero é explicada pelo
fato de o mesmo reconhecer na pessoa do Padre Cícero a sua relação divinal com as Três
pessoas da Santíssima Trindade. A relação divina do Padre Cícero como santo popular, passa
a ser um elemento indissociável na escrita poética do referido autor, se tornando uma marca
registrada na poesia do mesmo.
O meu Padrim Pade Ciço
Protege a qualqué pessoa,
Vem gente até de Alagoa,
De mais longe e de mais perto,
Tudo o que ele diz é certo,
45
45
Não tem quem prove o contraro!
Bispo, Padre e Missionaro
Vão de encontro ao meu Padrim:
Ele, porém, ta sozim
Na devoção do Rosaro!
Viva o auto da Natureza,
Viva S. Miguel Arcanjo,
E viva a corte dos Anjo,
Viva toda a realeza,
Viva a santa luz acesa,
Viva esta boa semente,
Viva Deus Onipotente,
Viva a cruz da Redeção,
E o Padre Ciço Romão
Viva! Viva, eternamente!
Nada mais tenho a dizê.
Sou João Mendes de Oliveira,
Nesta língua brasilêra
Eu nada pude aprendê,
Porém posso conhecê
De tudo quanto é verdade!
Não tenho capacidade,
Mas, sei que não digo a toa:
- Pade Ciço é uma pessoa
Da Santíssima Trindade!...
A poesia de João Mendes é um autêntico esboço da constituição dessa tradição poética
que foi sendo produzida, no imaginário religioso, a qual escolhia a pessoa do Padre Cícero
como centro de devoção do catolicismo popular na terra da Mãe de Deus.
Em outro poema intitulado “Visita dos Romeiros”, o poeta popular João Mendes de
Oliveira
36
resenha uma caricatura da relação existente entre a devoção dos romeiros advindos
de todas as partes que vinham ter com o Padre Cícero. Para o poeta, a crença no Padrinho
Ciço é definida por uma relação mediadora de proteção divina que é estabelecida pelos
poderes taumaturgicos que o reverendo do Juazeiro exerce sobre cada romeiro, que
diferentemente um dos outros definem singularmente suas práticas de devoção, submissão e
gratidão com o santinho.
É um pastô delicado,
É a nossa proteção,
É a salvação das almas
O Padre Ciço Romão,
É a justiça divina
Da Santa Religião
É dono do Horto Santo,
É dono da Santa Sé,
36
OLIVEIRA, João Mendes de. “Visita dos Romeiros”. In: MOTA, Leonardo. Op. Cit. p. 125.
46
46
É uma das Três Pessoas,
É filho de São José,
Manda mais que o Venceslau,
Pode mais que o João Tomé.
Vem até lá de Roma,
Vem carta do Ceará,
Vem carta de Pernambuco,
Vem carta do Paraná,
Vem carta de Cajazeira,
Vem carta de Quipapá.
Vem Carta do Maranhão,
Vem carta do Aracati,
Vem carta do Cabrobó,
Vem carta do Piôi,
Vem carta do Batrité,
E vem carta do Apodí.
É interessante na poesia de João Mendes, a forma descritiva que o mesmo usa para
traçar um paralelo terreno entre o Padre Cícero e seus devotos, e ao mesmo tempo, quando
descreve sua relação sacramental dentro de uma comparação com a representação divina.
Estes elementos presente tanto na ordem do sagrado como do profano, são significativos na
poesia de João Mendes, pois não conseguimos diferenciar quando esta descrevendo o Padre
Cícero homem, ou o ser divino.
Meu Padrim é quem possui
Talento, força e podê
Dado pela Providênça!
Quem duvidá – venha vê!
Ele é quem dá dereção
Do que se tem de fazê...
Com relação à ciença
Ele é que tem toda ela!
Tudo ele faz diferente,
Até o benzê da vela,
Sítio, fazenda de gado,
Matriz, sobrado e capela.
Viva Deus primeiramente,
Viva S. Pedro chaverô,
Viva os seus santos Ministro,
Viva o Divino Cordêro,
Viva a Santíssima Virge,
Viva o Santo Juazêro!
Viva a Sagrada Famia,
No céu a Divina Luz,
Viva o Sinhô São José,
Viva o mistero da Cruz!
Viva o Padrim Padre Ciço
Para sempre, Amêm, Jesus!
Viva o Bom Jesus dos Passo,
47
47
Viva Santo Antônio Também,
Viva o Santo Juazêro,
Que é nosso Jerusalém,
Viva o Padrim Padre Ciço
Para todo sempre, Amêm!
Os elementos sagrados que compõem a poesia de João Mendes vão definindo passo a
passo como essa constituição temática acerca da figura do Patriarca vai se configurando
dentro da produção da literatura de folhetos de cordel na cidade de Juazeiro. Neste momento
podemos perceber que a produção de folhetos se volta especificamente para referenciar a
figura do Padre Cícero, como elemento aglutinador de toda uma tradição histórica que passa a
ser construída e organizada dentro do processo de transmissão de uma narrativa popular.
1. 3. A edição da literatura de cordel em Juazeiro do Norte.
As diversas narrativas orais passaram a ganhar forma dentro do trabalho artesanal de
poetas e cordelistas que adotaram a cidade de Juazeiro como lugar de sobrevivência para a
produção de sua literatura. A partir da instalação de pequenas oficinas artesanais que
produziam uma quantidade bastante incipiente de literatura de folhetos, aos poucos a cidade
de Juazeiro do Norte passou a ganhar notoriedade como um dos principais centros produtores
de um promissor mercado editorial que foi se constituindo a partir da circulação das diversas
composições literárias.
Segundo alguns autores estas narrativas passaram a ser publicadas em forma de
folhetos, poemas, e almanaques de cunho religioso, e que eram produzidos com objetivo de
suprir um mercado incipiente que hora emergia em meio ao processo de urbanização da
cidade de Juazeiro do Norte, sob os auspícios de seu Patriarca.
Grande parte desta literatura era artesanalmente confeccionada em pequenas oficinas
instaladas nas próprias moradias dos poetas que passaram a editar suas próprias poesias para
serem vendidas nas feiras e ruas das cidades.
Em meio a esse contexto que se organizava o processo de produção de uma literatura de
folhetos na cidade de Juazeiro do Norte, foi fundada a Tipografia Felícia no ano de 1909, que
tinha o objetivo principal publicar o jornal “O Rebate”.
48
48
Segundo Maria de Lourdes de Araújo, a inauguração da Tipografia Felícia representou
um grande investimento dentro do projeto de mudanças que o Padre Cícero vinha
implementando na cidade de Juazeiro nos inícios do século XX. A referida tipografia tinha
por objetivo produzir o primeiro jornal semanal da cidade de Juazeiro, o qual circularia,
gratuitamente, entre os anos de 1909 e 1911. Lançado com o nome de “O Rebate, o jornal
tinha a função de informar a população da cidade a respeito dos ataques proferidos pela
imprensa do Crato ao processo de luta pela autonomia política de Juazeiro.
37
De acordo com o relato do poeta Manoel Caboclo e Silva o Jornal o Rebate era de
propriedade do Padre Cícero que utilizava o mesmo em sua defesa contra as acusações da
diocese do Crato.
O jornal era dele, era o Rebate, parece que era do padre Peixoto, depois vendeu ao
padre Cícero, aí tinha O Rebate, aí saia dois jornais, aquilo foi uma coisa muito antiga,
saia dois jornal, saia um contra o padre Cícero e doutor Floro e outro do padre Cícero
O Rebate pra rebater. Era um choque. O nome do outro eu não me lembro como era, o
outro era no Crato, saia um no Crato contra o padre Cícero, saia O Rebate aqui pra
rebater, chamava-se O Rebate; até os meninos fizeram um trabalho que até eu dei a
tipografia aqui pra eles.
38
Segundo Gilmar de Carvalho este jornal foi utilizado como porta-voz das elites,
consequentemente, visto como veículo de idéias para consumo dos letrados da sociedade
juazeirense que, segundo o autor, exerciam o “papel de formadores da opinião pública e
condutores vanguardistas de uma luta à qual os seguimentos populares passavam a aderir”.
39
Para Gilmar de Carvalho, o jornal “O Rebate” se configurava num espaço privilegiado
para a observação dos confrontos existentes entre os poderes dominantes das cidades de
Juazeiro e Crato, numa fase em que a imprensa era marcada por forte conteúdo doutrinário,
tanto político como religioso.
Sobre essa questão, Otonite Cortez expõe que o embate de forças entre Crato e Juazeiro
vai se acirrar mais ainda a partir da troca de insultos que passava a acontecer entre os
responsáveis pelas redações dos jornais “O Rebate” e o “Correio do Cariry”.
37
Vide: ARAUJO, Maria de Lourdes de. A cidade do Padre Cícero: trabalho e . Rio de Janeiro: UFRJ, 2005
(Tese de Doutorado).
38
SILVA, Manoel Caboclo e. Museu da Imagem e do Som MIS. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do
Norte: 1970, FK7000421 (Entrevista realizada por Oswald Barroso, Edivar e equipe do Ceres).
39
CARVALHO, Gilmar. Op. Cit. p. 18.
49
49
Aquela luta teve como principal estratégia o discurso de dois jornais que sustentaram
uma acirrada polêmica em torno da questão da emancipação política de Juazeiro: o
jornal O Rebate, editado em Juazeiro e dirigido pelo Padre Joaquim de Alencar
Peixoto com a colaboração do Dr. Floro, cujas provocações aos cratenses eram
revidadas pelo Jornal Correio do Cariry, dirigido por José Alves de Figueiredo e pelo
Dr. Raul de Sousa Carvalho. Não raro, a polêmica entre os dois jornais anunciavam a
invasão do Crato pelos “romeiros”, e a invasão de Juazeiro pela polícia, a fim de
“bater o fanatismo”
40
.
A instalação da tipografia e a impressão do primeiro jornal que procurava promover a
difusão do ideal de modernidade, bem como possibilitou a divulgação, numa coluna intitulada
“Lyra Popular”,
41
trechos de poemas da poética sertaneja produzida, naquele momento, por
poetas e cantadores de renome na cultura popular. Nesta coluna, era publicada a produção
poética de nomes como o de Leandro Gomes de Barros, Antonio Silvino, Inácio da
Catingueira, entre outros.
Em um relato bastante interessante sobre a cidade de Juazeiro, a imprensa local e a
dinâmica social, Agostinho Balmes Odísio, arquiteto e escultor italiano, que chegou ao Cariri
no mês de outubro de 1934. Agostinho chegou a cidade com o objetivo de realizar alguns
trabalhos ligados a arte, aproveitou para escrever, num diário de notas, as impressões sobre a
sua experiência de vida pessoal e profissional em Juazeiro do Norte. Como um memorialista
passou a compor uma narrativa realista. Observador direto dos fatos, Agostinho relata o
acontecido como se fosse um repórter do cotidiano, indo diretamente à cena, realizando,
assim, um amplo painel da problemática do Juazeiro ao analisar questões de suas mudanças
urbanas.
Segundo Agostinho B. Odisio, a cidade de Juazeiro, no ano de 1934, tinha em torno de
quarenta mil almas apenadas por água no lombo de jumentos, sem saneamento, vias precárias,
sociedade de casebres de taipa, lugar de fanatismo e violência e, constantemente, invadida por
beatos e cangaceiros.
Em seu diário de anotações, Agostinho faz uma cartografia detalhada de algumas
particularidades da urbanidade da cidade de Juazeiro naquele momento, com uma precisão
singular de um observador de uma dada realidade social. Em seus trajetos pela cidade,
Agostinho menciona dados importantes sobre a imprensa local, sobretudo quando faz
referência ao jornal “O Rebate”.
40
CORTEZ, Antonia Otonite de Oliveira. A construção da “cidade da cultura: Crato (1889-1960). Rio de
Janeiro: UFRJ, 2000, p. 78.
41
Vide: CARVALHO, Gilmar de. Op. Cit. p.18.
50
50
Esta cidade, com mais de quarenta mil abitantes, so tem um jornalzinho mantido como
esforço particular do prefeito local.
O pequeno jornal, semanário, não ultrapassa na sua tiragem as cem pias e conta
quatro assignantes, os quães, amigos do prefeito, tomaram assignatura quase por
diferencia.
As cem cópias semanais nunca são totalmente vendidas, e na confecção do jornal o
prefeto perde semanalmente de trinta a quarenta mil reis do seu bolso.
Este facto basta por si, para aquilatar o grau de adiantamento do povo de Juazeiro
42
.
No relato acima, percebe-se que a imprensa juazeirense estava enquadrada dentro de
uma configuração bem diferenciada das que estão contidas em outros registros. Portanto, é
contraditório, para uma cidade de quarenta mil habitantes, somente serem produzidos cem
exemplares de jornais por semana e, mesmo assim, nem todos eram distribuídos,
proporcionando um prejuízo de quarenta mil réis aos cofres do prefeito, sem contar que cada
exemplar era distribuído gratuitamente.
Diante destas questões, percebemos que a descrição do cenário que o artista expõe
sobre a cidade do Juazeiro nos mostra particularidades importantes sobre o cotidiano urbano
social da cidade. A amostragem das percepções que Agostinho faz sobre o cotidiano urbano
da cidade de Juazeiro, nada mais é do que um relato social da história e das práticas ordinárias
de um povo, que foram registradas através do olhar atento de um voyeurs que caminha pela
cidade transcrevendo traços e trajetórias em uma “texturologia” própria. Seu registro é o de
um “usuário da cidade que extrai fragmentos do enunciado para atualizá-los em segredo”,
fazendo do seu percurso sua “retórica ambulante”.
43
Segundo Michel de Certeau, essa retórica da caminhada remete a normatização social
que a introduz numa noção de retórica habitante”, das maneiras de fazerdos indivíduos
que compõem o espaço urbano. De acordo com Certeau, a fala dos passos perdidos, do
voyeurs pela cidade, denota a perspectiva de uma “mítica” daquilo que “faz andar”, ou seja:
Caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de
um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa
experiência social da privação de lugar uma experiência, é verdade, esfarelada em
deportações inumeráveis e ínfimas (deslocamentos e caminhadas), compensada pelas
relações e os cruzamentos desses êxodos que se entrelaçam criando um tecido urbano,
e posta sob do que deveria ser, enfim, o lugar, mas é apenas um nome, a Cidade. A
identidade fornecida por esse lugar é tanto mais simbólica (nomeada) quanto,
malgrado a desigualdade dos títulos e das rendas entre habitantes da cidade, existe
42
ODÍSIO, Agostinho Balmes. Memória sobre Juazeiro do Padre Cícero 1935. Fortaleza: Museu do Ceará,
Secretária de Cultura do Estado do Ceará, 2006, s/n (Edição Fac-similar).
43
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petropolis, RJ: Vozes, 1994, p. 179
51
51
somente um pulular de passantes, uma rede de estadas tomadas de empréstimos por
uma circulação, uma agitação através das aparências do próprio, um universo de
locações freqüentadas por um não-lugar ou por lugares sonhados.
44
De acordo com o relato de Agostinho Balmes Odísio, é prudente entendermos, com
certo estranhamento, as falas e gestos sobre a perspectiva do ideário de tornar a cidade de
Juazeiro um mercado promissor de uma cultura letrada, haja vista o discurso civilizador não
ser condizente com a realidade do lugar.
O meu ver Juazeiro ainda permanecerá bastante tempo nesta situação, mas porém
fatalmente terá que sentir uma metamorphose. Com Padre Cícero em vida, Juazeiro
mantinha-se com a costumeira rotina que o fanatismo lhe criou, devido às contínuas
romeiradas que mantinham a vida da cidade, cada vez mais em movimento quanto
mais grande eram as crises dos fanatismos do sertões, com Padre Cícero morto,
desaparecido o porque das visitas de romeiros ao lugar, a cidade terá que
forçosamente tomar outro aspecto e o povo outro rumo; o Juazeiro progride tornando-
se cidade operosa, culta e progressista ou fatalmente setrecederá ficando a itaoca dos
sertão nordestino.
45
Portanto, percebemos que o desejo de civilidade era de procurar mudar a partir das
visitas freqüentes de romeiros à cidade de Juazeiro do Norte. Para Odísio fica evidente que o
fanatismo religioso, em torno do patriarca, passava a definir elementos da construção
simbólica sobre o lugar, como um simples espaço de crença.
Para Maria de Lourdes de Araújo, o anseio de progresso e desenvolvimento da cidade
de Juazeiro do Norte teve como ponto central a sacralização política da pessoa de Padre
Cícero. O patriarca foi, pois, a mola propulsora do processo de consolidação de um mercado
com base no consumo de bens simbólicos representados na sua própria imagem de santo
milagreiro. Portanto, para a cidade de Juazeiro passa a convergir um grande mercado de bens
religiosos, materializados numa intensa comercialização de folhetos, orações, almanaques,
imagens, etc.
46
De acordo com Araújo, a produção e venda da literatura de folhetos está
intrinsecamente ligada a um mercado consumidor que, do mesmo modo, encontra-se
associado a um conjunto de objetos simbólicos produzidos e, ou comercializados nos circuitos
das romarias e nas imediações dos “lugares santos”.
44
Idem, p.183.
45
ODÍSIO. Op Cit. s/n.
46
ARAÚJO. Op. Cit. 2005, p.
52
52
A partir do “milagre da hóstia”, das constantes peregrinações de inúmeros romeiros
pelas ruas de Juazeiro e da produção de folhetos sobre o lugar, Juazeiro do Norte passa a ser
um espaço promissor para difusão da poesia popular, tornando-se, assim, o principal centro
comercial dessa cultura.
Segundo Marinalva Vilar de Lima, a relação existente entre escritores, leitores e
ouvintes se dentro de um processo de circulação dessas diversas narrativas históricas, que
passam a constituir elementos de trocas entre os bens simbólicos, produzidos pelo imaginário
coletivo da sociedade juazeirense.
Neste mundo estão igualmente inseridos os leitores / ouvintes. O poeta insere-se no
cotidiano da sociedade para qual escreve. É assim que assinalamos a presença dele na
região.
Muitas vezes, o homem que escreve é aquele que chega ao Juazeiro de visita,
que nele vai morar, ou que está de passagem. Ele pode vir de outras regiões, levando e
trazendo histórias. É o narrador que tem sempre o que contar, seja porque vem de
longe, seja por que possui a sabedoria. Nesse universo, confundem-se os autores e
ouvintes e a própria autoria não é considerada relevante, que as histórias são tão
belas como abundantes. Assim, as histórias são mais importantes que os autores e a
beleza da história é atestada pela sua capacidade de circulação.
47
Em meio a esse processo, passa a funcionar precariamente, no ano de 1936, a
Folheteria Silva, localizada à Rua São Francisco na cidade de Juazeiro. Segundo Rosilene
Alves de Melo, a notícia da existência da Folhetaria Silva em Juazeiro atraiu um “contingente
cada vez maior de folheteiros e agentes de outras cidades, o que aumentou consideravelmente
o volume de negócios realizados e, conseqüentemente, o capita”l.
48
O registro de pequenas oficinas artesanais que produziam estes tipos de artigos, é
confirmado quando da abertura da Folhetaria Silva, no ano de 1936. No entanto, grande parte
da produção era confeccionada com base num modelo de produção tipicamente artesanal,
muito aquém das potencialidades da indústria moderna.
A partir do funcionamento da referida folhetaria, a produção textual de literatura de
folhetos que se especializava em torno de uma temática que se voltava para a figura do Padre
Cícero passou a definir uma lógica de mercado consumidor na cidade de Juazeiro.
47
LIMA, Marinalva Vilar, Narradores do Padre Cícero: do auditório à bancada. Fortaleza: UFC, 2000, p. 157.
(Coleção Alagadiço Novo).
48
MELO, Rosilene Alves. Arcanos do verso: trajetória da Tipográfia São Francisco em Juazeiro do Norte,
1926-1982. (Dissertação de Mestrado). Fortaleza: UFC, 2003, p. 80.
53
53
Conseqüentemente, em meio a esse contexto, foi-se configurando um incipiente mercado
consumidor da produção literária de cordel em todo o Nordeste.
Somente a partir do ano de 1939, depois que o proprietário José Bernardo da Silva
adquiriu um novo prédio localizado à Rua Santa Luzia nº 263, a Folhetaria Silva passou a ser
registrada com a razão social de Tipografia São Francisco. A partir do ano de 1940, a
Tipografia São Francisco tornou-se a grande responsável pela produção e distribuição de todo
um conjunto de narrativas literárias para um mercado que crescia em todo o sertão nordestino.
No ano de 1939 entra em funcionamento a Tipografia São Francisco na cidade de
Juazeiro do Norte. A partir deste momento, esta pequena oficina localizada em uma casinha
situada à Rua Santa Luzia nº 263, que mantinha no seu interior, uma rotina de trabalho que se
voltava para uma produção bastante incipiente na confecção de folhetos de literatura popular
de poemas e romances, duas décadas depois passaria as ser a mais importante gráfica no ramo
da produção do cordel.
Inicialmente, a produção dos folhetos era tipicamente artesanal devido às condições
limitadas na impressão dos mesmos, e da necessidade de suprir o próprio mercado. Os
folhetos eram confeccionados numa proporcionalidade em que os mesmos eram vendidos e
distribuídos de acordo com os pedidos dos folheteiros.
As tarefas da produção artesanal da pequena oficina eram especificamente divididas
pela força de trabalho do próprio proprietário José Bernardo da Silva e de sua família, que
diariamente produziam uma quantidade suficiente de folhetos de literatura popular que iria
supria um insipiente mercado que ora crescia lentamente.
A rotina da oficina era diariamente a mesma na confecção e impressão dos folhetos
pelos membros da família de José Bernardo. A dinâmica do trabalho no interior da oficina era
intensificava-se desde as primeiras horas da manhã até ao anoitecer, ultrapassando os limites
do espaço do lazer familiar, pois a produção dos folhetos começava a partir da confecção dos
versos, impressão, acabamento e venda dos mesmos pelos folheteiros.
É relevante perceber que o crescimento da Tipografia Silva, deve ser compreendido a
partir de um conjunto de fatores que naturalmente foi delineando uma serie de eventos, como:
54
54
o fim de um ciclo poético e o surgimento de outro (heróico para o social, com novas
temáticas, tendo o padre Cícero como personagem principal); a mudança de um centro do
comercio distribuidor dos folhetos (Recife para Juazeiro do Norte e de Juazeiro para outros
centros urbanos); o fim de uma era editorial, e surgimento de outra (falência de João Martins
de Athayde, e a compra dos direitos autorais por José Bernardo da Silva); e o aparecimento de
novos poetas editores motivados pelo surgimento de um novo mercado comercial que ora se
expandia em meio ao processo de urbanização das cidades interioranas (a literatura popular
vai se interiorizando).
José Bernardo da Silva desde o início de sua trajetória a frente da criação, produção e
venda dos folhetos de literatura popular, mostrou ser um hábil administrador, quando passou a
conhecer bem de perto todo o processo de organização interno e externo da comercialização
editorial.
Em entrevista concedida ao “Projeto Literatura de Cordel”, Expedito Sebastião da
Silva funcionário da Tipografia faz um relato de como José Bernardo da Silva conseguiu se
tornar o maior negociante de literatura neste período, diz ele:
Ele começou a escrever os folhetozinho que era sobre padre Cícero e vendendo.
Mandava imprimir por José Barbosa que o pai do doutor Geraldo Barbosa, no
Crato, e vendendo aqui. Depois ele já tinha um trocadinho...
Isso aí ele disse-me mas eu estou…
Muito antes, isso foi naqueles, no ano de vinte e seis por assim, em 1926. Ele disse
que com poucos anos depois, 8 anos depois o padre Cícero faleceu; foi em vinte e seis.
Aí então ele disse que um senhor tinha uma máquina lá em Barbalha, pedal, e essa dita
máquina quando eu entrei ainda alcancei, e ela depois essa dita máquina o Cícero
comprou da filha dele, endireitou ela e ainda hoje trabalha com ela; num trabalha
mais porque ele vendeu a fábrica para um rapaz. começou a tirar, tirava duas
páginas.
A gente chamava apelo nome dela mas eu esqueci. quando foi depois aí ele foi
no Crato, José Barbosa foi acabar a gráfica e então disse que tinha uma máquina pra
vender a ele à prestação, ele comprou, que foi pode ser a mãe da oficina, essa, ela
pegava oito páginas. ele comprou. A gente chamava ela quebra-pedra porque ela
era dessas que abria e fechava, sempre à pedal, e ficou trabalhando com ela um tempo;
foi tempo que o padre Cícero morreu. quando ele botou logo essa gráfica na rua
São Francisco então ele deu o nome de Tipografia São Francisco, é o nome da
primeira.
Era na rua São Francisco. então quando padre Cícero morreu ele comprou na rua
Santa Luzia, uns casebres e se instalou, mas não mudando o nome da tipografia,
continuou São Francisco, e ele ficou, e foi numa época boa que naquele tempo o
cordel não tinha televisão e rádio aqui era muito difícil, era mais alguma pessoa que
tinha, então os sertanejos naquela época, tudo que queria saber procurava logo um
cordel. ele se instalou e teve uma venda extraordinária, era ele, a mulher e duas
filhas, que dobrava.
Ana Vicença de Arruda. E então cortava os livros, num tinha máquina de cortar, ele
disse que sempre... e a mulher me contava que cortavam os livros, era com faca, na
pintura...
55
55
Era na mão. quando foi depois ele arranjou uma máquina de cortar. passou-se
um bocado de tempo, melhorou mais a situação daquele trabalho árduo de cortar papel
na mão.
49
Como se pode perceber no relato de Expedito, as condições limitadas que inicialmente
a produção de folhetos que era produzida pela tipografia, era decorrente da forma de trabalho
utilizado naquele período que era totalmente com base no oficio de mão-de-obra artesanal.
Inicialmente, a produção de folhetos o trabalho se limitava também a um pequeno número de
pessoas, pois José Bernardo usava a própria família na confecção dos folhetos. Somente a
partir da compra de algumas maquinas é que a produção passou a ter uma maior
expressividade.
A habilidade empreendedora de José Bernardo fez com que a Tipografia São
Francisco diversificasse a produção de folhetos em um momento onde as grandes editoras
concorrentes passavam a entrar em processos sucessórios de falência, e consequentemente, a
venda dos direitos autorais das mesmas e de suas maquinas que a muito estavam
ultrapassadas. A aquisição dos direitos e de parte desse maquinário por José Bernardo da
Silva, aos poucos foi ganhando mais projeção no contexto editorial e possibilitando uma
organização maior na pequena tipografia que gradativamente foi proporcionando a
contratação de funcionários com experiência no ramo gráfico.
O pessoal nessa época ele procurava a gráfica São Francisco por causa de todos os
folhetos a capa ia o nome e o endereço, e então procuravam.
Sim, os vendedores. Num careceu mais ele sair vendendo, o pessoal vinha procurar
a gráfica.
Ele vendia, saía com aquela mala nas costas e saía andando nessas feiras ao redor e ia
vender, mas depois disso não careceu mais, o pessoal procurava. Aqui no Cariri era o
único local que vendia cordel. E ele foi daí por diante...
Existia João Martins de Athayde. Então nesse período ele chega, compra uma outra
máquina, essa daí pegando dezesseis páginas, que era Marinon (sic), ele chegou,
instalou lá, aumentou os empregados. Nessa época eu já tava trabalhando lá.
Aumentou os empregados.
Em 1941. Ele chegou, tirava por dia, dava pra sair todo dia um folheto de dezesseis
páginas. Um sofrimento...
Seis mil.
Dois dias tirava um de trinta e dois, seis mil de trinta e duas páginas. ele depois
comprou uma outra máquina do mesmo tipo, pegando 16 páginas, que é uma que tem
ainda nessa gráfica lá, aquela.
Sim. Ele comprou essa outra máquina, então saía todo dia um folheto de trinta e duas
páginas, 16 numa 16 noutra, eqüivale a um folheto de trinta e duas páginas. E assim
ele foi batalhando, aí foi quando...
Dava doze mil folhetos diários, e sempre faltando folheto. Aí é quando o João
Athayde resolve de não mais publicar folheto, deixar. Aí mandou chamar ele, aí
vendeu todos os originais, a autoria de todos os originais. Ele comprou e ficou com o
49
SILVA, Expedito Sebastião da. Museu da Imagem e do Som MIS. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro
do Norte: Tipografia São Francisco, 1978, FK7000413 (Entrevista realizada por Otávio Menezes).
56
56
direito. foi que foi a produção extraordinária, era assim quatro máquinas
trabalhando efetivamente em cordel.
Não, os originais porque as máquinas ele tinha vendido pra outra pessoa. Agora
todos os originais pertencente a João Athayde e com nome de Leandro Gomes de
Barros, pertence à Lira Nordestino.
Isso foi em cinqüenta e um pra cinqüenta e dois. foi uma saída extraordinária,
se trabalhava, se fazia serão
.
50
Diante destas questões, percebemos que segundo o relato acima, podemos afirmar que
a produção de folhetos da gráfica de José Bernardo foi aumentando significativamente a partir
do momento que foi se adquirindo novas maquinas. Com o aumento da produção, Juazeiro
passou a ser um dos principais centros de comercialização de folhetos de cordel. No entanto, é
interessante entender que o aumento da produção de folhetos esta relacionada não a
organização da tipografia São Francisco no mercado editorial, mas a falência de outros
centros produtores de folhetos de cordel no nordeste. A falência de outros centros produtores,
possibilitaram a José Bernardo da Silva adentrar no mundo editorial dos folhetos por meio de
uma produção muito incipiente devido as condições limitadas que sua tipografia mantinha na
produção dos folhetos. Somente com a compra de outras maquinas, é que José Bernardo aos
poucos vai conquistando um espaço privilegiado no mercado editorial de folhetos de cordel
no Nordeste.
Entretanto, fica evidente que elemento significativo na produção dos folhetos de José
Bernardo é o seu esforço empreendedor, que fez com que a produção de folhetos da
Tipografia São Francisco tornasse a cidade de Juazeiro na década de quarenta o único lugar
que se produzia folhetos em quantidade suficiente para suprir a carência comercial do
Nordeste e do resto do país.
No entanto, a maior habilidade que José Bernardo da Silva possuía era o seu profundo
conhecimento sobre o mercado editorial e comercial dos folhetos de literatura popular. A
larga experiência que fora adquirida através da prática peregrina que o mesmo teve quando do
inicio de sua atividade como folheteiro pelos sertões adentro, vendendo os poemas pelas
feiras das várias vilas e cidade por onde passava. Esta experiência comercial foi definidora no
conhecimento das facetas na prática do mercado editorial.
...os folhetos difundiam acontecimentos importantes da cidade mítica e formava um
público crescente de leitores-ouvintes, tornando-se mercado prospero e atrativo para
artesãos e poetas, imprimindo novas práticas culturais e econômicas na “Roma dos
Humildes”.
50
Idem.
57
57
Em geral, os folhetos eram comercializados nas feiras livres, onde os versos eram
lidos em voz alta para divulgar os conteúdos atrair os leitores, surgia, então, um novo
oficio especializado na Terra da Promissão: o folheteiro, cuja importante função era
difundir a religiosidade, e produção e comercialização de bens simbólicos.
51
À proporção que este mercado editorial crescia, a indústria das letras impulsionava,
ainda mais, a criação e produção de novas temáticas que pudessem compor o expressivo
repertório das narrativas poéticas. Entre as narrativas de maior visibilidade destacam-se as
histórias de Trancoso,
52
de encantamento, bíblicas, de santos, orações, novenas, ladainhas e
benditos.
Na proporção que o mercado editorial se expandia, crescia, também, o número de
gráficas e pequenas tipografias na cidade de Juazeiro. Segundo Rosilene Alves de Melo, nas
“primeiras décadas do século XX, o sucesso obtido no comércio destas publicações estimulou
a instalação de tipografias especializadas neste lucrativo filão editorial”.
53
Segundo Alves de Melo, esse filão editorial foi disputado, palmo a palmo, por poetas,
editores e folheteiros que, em contato direto com os leitores-ouvintes, passavam a definir um
meio de tornar-se um profundo conhecedor do gosto popular e das expectativas do público, ao
observar, atentamente, quais os títulos que tinham maior saída.
O momento da venda do folheto, ocasião em que o folheteiro desloca-se para as feiras
e ali apresenta as histórias, possibilita esse contato permanente com o leitor-ouvinte. É
desse convívio, quando ocorre a recepção imediata do público e é possível perceber a
reação da audiência, que o folheteiro se alimenta de subsídios para seu acervo de
títulos. Essa percepção é imediata, que a proximidade entre o folheteiro e o leitor é
muito intensa.
54
Em meio a essa intensa produção de folhetos de cordel, inúmeros cantadores,
cordelistas e poetas passaram a disputar os meios de difusão da cultura popular na cidade de
Juazeiro do Norte. O mercado de folheto de cordéis vai ter sua fase áurea entre as décadas de
1930 e 1960, momento em que grande parte das tipografias passou a investir na compra de
51
ARAÚJO. Op Cit. p. 88.
52
Vide: MARQUES, Francisco W. Op. Cit. Segundo o autor, por esses termos se designam na cultura sertaneja
as histórias fantasticas ou sobrenaturais e evoca a terra natal do portugues Gonçalo Bandarra (séc. XVI),
sapateiro português da região de nome Trancoso, que através de suas trovas sebastianisticas profetizara o
surgimento de um rei”encoberto” que restauraria a grandeza de Portugal. O termo imigrou de Portugal para o
Nordeste btrasileiro o que demonstra um contato com o imaginário sebastianista pelos sertões desde os tempos
coloniais.
53
MELO, Rosilene Alves de. “A literatura de folhetos e a saga da e(ru)dição popular”. In: MARQUES, Roberto
e LIMA, Marinalva Vilar de. Estudos regionais: limites e possibilidades. Crato: NERE/CERES Editora, 2004, p.
152.
54
MELO. Op. Cit. 2003, p.57.
58
58
máquinas e na aplicação de novas técnicas, a exemplo da xilogravura, para que, assim,
pudessem alcançar um mercado consumidor cada vez mais expressivo.
A cidade de Juazeiro desde o inicio do culo se transformou no centro de
convergência de romeiros e peregrinos que buscavam encontrar um lugar de paz e
tranqüilidade para os problemas da vida. A partir da segunda metade do século XX, Juazeiro
se torna o lugar da promessa de prosperidade para todos àqueles que se dirigiam para a
mesma. Juazeiro não era somente o lugar da reza e do pagamento da promessa, era o lugar
onde o homem do campo buscava encontrar meios de trabalho para melhorar sua condição de
vida.
No inicio da década de cinqüenta a cidade de Juazeiro do Norte passa a ser um dos
principais centros na produção da literatura de cordel. Esta produção se da em decorrência da
inserção de várias gráficas que foram se instalando ao longo da primeira metade do século
XX, transformando a cidade em um grande celeiro de poetas e cordelistas.
Juazeiro do Norte passou a convergir neste período uma grande quantidade de poetas,
editores e vendedores de folhetos em busca de um espaço onde os mesmos pudessem
desenvolver sua arte e oficio, e assim, encontrar condições para sobreviver.
Em meio a esse contexto de peregrinação dos romeiros e de migração urbana, muitos
procuravam encontrar na cidade de Juazeiro trabalho para manter sua sobrevivência. O
trabalho nas várias oficinas que se espalhavam pelas casas e casebres da cidade tornava-se
uma das alternativas para este indivíduo que geralmente era oriundo do campo, onde exercia
um tipo de trabalho que se voltava exclusivamente para o trato com a agricultura. Este
trabalhador rural era inserido dentro do mundo do trabalho artesanal e fabril das diversas
oficinas que se espalhavam pela cidade. Eles inicialmente passavam a exercer a funções de
auxiliar fazendo o trabalho pesado, depois passavam gradativamente galgar outros espaços
dentro do universo da produção destas pequenas oficinas.
Esta realidade, também não era diferente nas gráficas de Juazeiro, onde muitos eram
cooptados para o trabalho mais pesado. Neste contexto das gráficas, era comum dentro das
relações do mundo do trabalho destas pequenas oficinas nos depararmos com uma das
59
59
condições imediatas para a inserção destes indivíduos dentro do processo de produção das
mesmas, que era a informalidade no tipo de contrato de trabalho.
O trabalho nas gráficas tinha funções que absorvia certa quantidade de mão-de-obra de
trabalhadores sem muita qualificação. Estas funções eram a porta de entrada para àqueles que
passavam a exercer o oficio de auxiliar na produção de folhetos. Em grande parte, este tipo de
trabalhador passava a fazer o trabalho pesado, e com o tempo iam sendo aos poucos inseridos
dentro do mundo da edição e erudição da produção da literatura de folhetos.
Com o tempo de trabalho, a experiência e o aprendizado do oficio que o trabalhador
ganhava na atividade do prelo o qualificava mais a subir dentro da estrutura de produção da
literatura de folhetos. Naturalmente, alguns trabalhadores destas oficinas de palavras
passavam a ter uma qualificação superior aos demais em relação à composição dos folhetos
de cordéis, quando passaram a ser eles próprios a produzir, editar e assinar suas próprias
temáticas.
Segundo o relato de Expedito Sebastião da Silva, esta realidade pode ser bem retratada
a partir do processo de produção da literatura de folhetos aumentou vertiginosamente, fazendo
com que a Tipografia São Francisco chega-se a ter em suas dependências uma quantidade de
doze funcionários (homens) trabalhando em uma jornada de trabalho que incluía horas extras
para dar conta das encomendas. Também no mesmo relato, Expedito afirma que era comum
na gráfica ter o auxilio do trabalho feminino. No caso da Tipografia São Francisco, tinha uma
grande quantidade de mulheres que faziam o serviço de dobrar o papel tanto na gráfica como
nas casas das ruas vizinhas, que segundo ele era trabalho particular.
Isso foi em cinqüenta e um pra cinqüenta e dois. foi uma saída extraordinária,
se trabalhava, se fazia serão… Doze (homens). Trabalhando no cordel. Fora as moças
que dobravam e encadernavam. Tinha a sessão das máquinas e a sessão que dobrava e
a encadernação. Era tanto que não dava vencimento, então as casas particulares, ele
arrumou mulheres que em casa, mandava folheto pra lá, pra dobrarem, e o rapaz ia
buscar todo dia e levar livro. ficou pra ter mais expansão pra mais vencimento. As
moças ficaram então pra encadernação, e era muitas mulheres que dobravam em
diversas ruas. Quando foi depois aí começou o declínio. Era, esse trabalho particular.
55
Como se ver, a grande quantidade de pessoas envolvidas na produção da literatura de
folhetos na cidade de Juazeiro era totalmente ligada à informalidade nesse tipo trabalho. Essa
55
Depoimento de Expedito Sebastião da Silva ao “Projeto Literatura de Cordel”, a Otavio Menezes. Realizada
na Tipografia São Francisco – Juazeiro do Norte, 03 de dezembro de 1978, FK7000413.
60
60
condição era uma realidade que estava presente em todos os casos que envolviam o
trabalhador sem qualificação profissional dentro desse contexto de pequenas oficinas na
cidade de Juazeiro. Um caso bastante interessante sobre esta questão é o que envolveu o
proprietário da Tipografia São Francisco José Bernardo da Silva e o seu funcionário Manoel
Caboclo e Silva, que depois de mais de uma cada de serviços prestados nunca recebeu
indenização pelo período em questão.
Sobre este assunto, Manoel Caboclo relata que a informalidade da atividade do artesão
gráfico correspondia a uma realidade do trabalho daquele período na cidade de Juazeiro, e que
era comum muitos trabalharem e não terem seus direitos preservados. Sobre a polêmica do
não pagamento dos direitos indenizatórios pelo período trabalhado na Tipografia São
Francisco, ele comenta que esse problema não o fez desistir de seu oficio de poeta popular,
pois, diz Caboclo: “Trabalhei na tipografia de José Bernardo da Silva, mas quando eu sai de lá
eu sai, como se diz, eu sai só levando a coragem e a cara, mas com a coragem que me sobra
eu enfrento as dificuldades e continuo a escrever meus livrinhos e dando gosto em prazer esse
povo por aí a fora”.
56
Como podemos perceber as condições de trabalho nas gráficas definia um tipo de
relação profissional onde os direitos trabalhistas geralmente não eram cumpridos pelos
proprietários, e por outro lado, o funcionário não tinha como exigi-los. Possivelmente isso
ocorria devido a não legalização do trabalhador artesão junto aos órgãos responsáveis daquela
época.
As dificuldades que esse tipo de trabalhador enfrentava se dava devido à falta de uma
legalização e de certo modo pela acomodação do artesão a sua situação dentro do processo de
informalidade que o trabalho nas gráficas estabelecia naquele momento.
No entanto, apesar desta problemática existente dentro do sistema, a informalidade da
atividade era uma marca registrada desta prática profissional. Pois, mesmo com passar do
tempo e o crescimento da estrutura gráfica no mercado de trabalho, muitos destes
trabalhadores continuavam alheios a esta questão, continuando a exercerem os mesmos
ofícios sem nenhum direito como o de editor, poeta, folheteiros e cordelistas.
56
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva ao “Projeto Literatura de Cordel e Xilogravura”, entrevistado por
Oswald Barroso e equipe Ceres. Juazeiro do Norte-Ce. FK700423, década de 1970.
61
61
De acordo com Alves de Melo, “a cidade de Juazeiro do Norte protagonizou uma
trama de acontecimentos que possibilitaram o surgimento de práticas e saberes de uma cultura
singular. Este lugar, que teve no “milagre da hóstia” o seu mito de origem, alimentou-se da
circulação de um variado repertório de narrativas orais registradas pela memória dos ouvintes,
reatualizadas e transmitidas através das gerações”.
57
A transmissão oral destas narrativas é um elemento fundamental dentro do processo de
composição de um enredo que foi sendo produzido em torno do milagre e da figura do Padre
Cícero. Segundo Gilmar de Carvalho, esse imaginário religioso, ao longo do século XX, se
transformará no principal elemento de composição de uma literatura popular.
58
Segundo Marinalva Vilar de Lima, o contexto pós-milagre passou a ser descrito por
uma intensa produção da poesia popular da época. De acordo com Lima, esta produção
poética passa a definir uma narrativa histórica que consolida mais ainda a fama
taumatúrgica do Padre Cícero. Esta narrativa, produzida no período em que o Padre Cícero se
encontra suspenso de suas ordenanças de roco do pequeno povoado do Joazeiro, é
alimentada continuamente pelo imaginário social-religioso dos romeiros que procuram o
povoado de Joaseiro para serem abençoados. Para a autora, essa produção poética vai ser
responsável pela construção de uma trama “em cujo roteiro mesclam-se arquétipos de
catolicismo popularizado e de um catolicismo ortodoxo”.
59
Para Lima, a produção dessa narrativa poética tem sua periodização definida a partir
de duas perspectivas que, de acordo com a autora, se estabelecem por meio de uma
composição escrita e outra cantada. Segundo a autora, a primeira é organizada pelos poemas
de Leandro Gomes de Barros e, a segunda, cantada pelo cantador de viola Cego Aderaldo.
A primeira terá seu seguimento com a organização de um mercado editorial que vai se
sedimentar ao longo do século XX, com a inserção da várias tipografias na cidade de Juazeiro
e do surgimento de uma prole de poetas populares que vão dar continuidade a uma produção
com características genuinamente da tradição em torno do milagre e do patriarca de Juazeiro.
57
Idem, p. 17.
58
Vide: CARVALHO, Gilmar. Madeira matriz: cultura e memória. São Paulo: Annablume, 1998.
59
LIMA. Op. Cit. 2000, p. 101.
62
62
Nesta linha de produção teremos os nomes de poetas como João de Cristo Rei,
Expedito Sebastião da Silva e Manoel Caboclo e Silva. Com relação à segunda, a poesia
cantada não teve tanta influência, pelo fato da tradição de uma cultura escrita predominar
fortemente na região em especifico na cidade de Juazeiro.
Portanto, no capítulo seguinte procuramos compreender como a produção da literatura
de folhetos foi se constituindo em meio a uma tradição popular a partir dos principais poetas e
cordelistas da cidade de Juazeiro do Norte.
63
63
CAPITULO 2: Editores, poetas e astrólogos: erudição popular em Juazeiro.
A análise sobre os folhetos populares remete aos principais precursores desta atividade
na cidade do Juazeiro do Norte no final da primeira metade do século XX. Os pioneiros
responsáveis pela produção dos folhetos populares foram José Bernardo da Silva, João de
Cristo Rei, Expedito Sebastião da Silva e Manoel Caboclo e Silva que passaram a produzir
uma composição poética bastante singular dentro da produção dos folhetos populares no
Nordeste.
Estes poetas retrataram as representações do cotidiano místico e religioso que cercava
a cidade do padre Cícero. A investigação sobre os precursores da produção dos folhetos
populares na cidade de Juazeiro é importante para entender o processo de organização que
esta cultura passou a ter a partir da composição de uma erudição popular por parte deles.
Um dos veis evidenciados na análise e interpretação dos estudiosos da erudição
popular presente na literatura de folhetos, foi tentar caracterizá-la a partir de uma
homogeneidade cultural que procura justificar a existência da mesma a partir de uma
classificação entre o que seria literatura erudita e a popular.
De acordo com essa percepção científica que tem sua origem no século XIX, à referida
interpretação tende a separar o que seria erudito do popular. A mesma foi justificada quando
às idéias do modernismo ilustrado procuraram impedir a produção de uma literatura artesanal
que era produzida pelos artistas do povo, e que circulava livremente no seio da sociedade da
época. Para os intelectuais das luzes, a separação entre o erudito e o popular era afirmada com
o pretexto de justificar a produção da literatura popular dentro de uma tendência que a
desqualificava e inferiorizava diante de uma cultura superior. De acordo com o pensamento
da época, esta expressão cultural era depois preservada considerando-a enquanto parte de um
passado idílico, que passava a condição de tradição do folclore local.
Segundo Paul Zumthor, a oposição do “popular” ao “erudito” remete, quando muito,
aos costumes predominantes em que à sociedade humana vivia a sensibilidade e o pensamento
dos indivíduos em um momento de mudança e transformação das sociedades modernas. Para
ele, popular e erudito, significa:
64
64
Na verdade, o que a palavra erudito designa é uma tendência, no seio de uma cultura
comum, à satisfação de necessidades isoladas da globalização vivida, à instauração de
condutas autônomas, exprimíveis numa linguagem consciente de seus fins e móvel em
relação a elas; popular, a tendência a alto grau de funcionalidade de formas, no
interior de costumes ancorados na experiência cotidiana, com desígnios coletivos e em
linguagem relativamente cristalizada.
60
Portanto, esta relação entre os conceitos de erudito e popular pode ser designado a
partir do momento que a sociedade moderna passou a definir um entusiasmo pelo popular,
que foi se caracterizando por meio do retorno ao campo, e consequentemente as origens e
tradições da uma pureza que era preservada nas práticas e virtudes dos tempos mais antigos.
Esse retorno é marcado pelo silêncio do povo, cuja palavra foi cortada para melhor ser
domesticada.
A partir do século XIX, essa forma de repressão da forma do falo como expressão
popular se constitui como um momento de intensa perseguição e censura por parte das
instituições de poder na Europa. Neste momento a literatura de Colportage é energicamente
perseguida, quando foi criada uma comissão para examinar o conteúdo dos livros de
Colportage, para verificar se a mesma era contrária à ordem, à moral e à religião,
salvaguardando os indivíduos das influências das leituras perniciosas.
61
Com a censura das expressões populares, os intelectuais instauraram a
institucionalização dos estudos folcloristas que tinha a função de preservar os resquícios de
uma cultura original em nome de racionalização cultural. A racionalização passava a manter
domínio sobre tudo o que era considerado cultura do povo.
A partir do momento que os intelectuais passaram a definir a literatura de Colportage
como autenticamente de uso do povo, eles perceberam que a mesma traz em si elementos de
obras eruditas que são adaptadas ao “gosto” popular.
Sobre esta questão, Roger Chartier afirma que a produção dos livrinhos de capa azul
na França oitocentista, atendia a um mero bem maior de pessoas de origem rural, embora
em alguns momentos ultrapasse as fronteiras das classes menos favorecidas, chegando até as
classes hierarquicamente superiores. Para Chartier, a produção textual desta literatura era
60
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a “literatura” medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 119.
61
Vide: DARTON, Robert, Edição e sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992.
65
65
proveniente do trabalho de obras clássicas, como também da erudição de certos profissionais
letrados que assinavam estes trabalhos.
Portanto, a partir destas idéias, algumas questões são colocadas para analise neste
capitulo: Como passou a se constituir elementos da erudição intelectual dentro da produção de
uma literatura tipicamente popular? Como os produtores deste tipo de literatura expressam
suas idéias nas obras populares? Como foi se constituindo uma erudição popular a partir da
produção literária dos poetas e do “gosto” do povo?
Diante destas questões, um dos objetivos desta pesquisa é analisar como passou a se
constituir a formação de uma erudição popular na literatura de folhetos a partir das obras dos
principais poetas populares da cidade de Juazeiro do Norte na segunda metade do século XX.
Compreender a formação de uma erudição popular na produção da literatura de
folhetos no Juazeiro do Norte, é necessário entender que com a configuração do contexto das
peregrinações religiosas para a cidade do Padre Cícero, foi surgindo uma prole de poetas
populares no cenário literário dessa sociedade. Estes poetas passaram a produzir novos temas
para a literatura de folhetos que aos poucos se consolidava a partir de um novo olhar que
referenciava a pessoa do patriarca, o milagre e também o cotidiano da própria cidade.
Estes poetas passam a produzir temáticas que traz uma nova perspectiva sobre o
patriarca que passa a ser visto como um verdadeiro mediador entre Deus e o homem, e a
cidade de Juazeiro como um paraíso celeste aqui na terra. Os poetas passam a canonizar
através dos versos a pessoa do Padre Cícero e tornando a cidade como lugar santo.
Segundo Marcela Guasque Stinghen, que faz uma analise de um tipo de narrativa
canônica que foi produzida acerca da pessoa do Padre Cícero, diz que essa produção literária
era basicamente decorrente da construção do cotidiano personificado no imaginário social. A
autora expõe em seu trabalho, que um corpus documental foi produzido de acordo com o
predomínio da noticia ou do testemunho que serão utilizados como fontes primárias coletadas
por estes autores ao longo do processo histórico, e que estes poetas vão trabalhar,
simultaneamente, na polemização de fatos cotidianos e na tradução de elementos referentes à
religiosidade de seu público.
66
66
Ao sabor das contingências históricas, nas três primeiras décadas do século XX, os
poetas buscaram lidar com a vida e com os fatos em que se envolveu o Padre Cícero,
sem, contudo, ignorar a popular. Sua postura, naquele momento, revelava-se um
pouco distanciada, se comparada ao comportamento nitidamente devoto de poetas
contemporâneos, como um Manoel Caboclo ou um João de Cristo Rei. Os antigos
procuravam traduzir, discutir e investigar fatos do cotidiano, ao invés de reproduzir
elementos de uma tradição construída, até porque estavam em vias de construir uma
tradição, ou melhor, de criar uma série de mecanismos verbais capazes de funcionar
na representação de um Padre Cícero que se adequasse, ao mesmo tempo, aos padrões
de Literatura de Folhetos e às exigências impostas pelo imaginário religioso popular.
62
A composição dessa tradição poética em torno desse imaginário religioso passou a ser
à base de formação de uma temática que passou a se constituir através de elementos da
representação simbólicas do sagrado e do profano em torno da figura do Padre Cícero.
Os precursores desta produção poética em torno desse imaginário vão surgir nas
primeiras décadas do século XX. Os nomes mais relevantes desta produção são os poetas:
João Mendes de Oliveira, Antonio Caetano de Palhares, João de Cristo Rei, José Bernardo da
Silva, Manoel Caboclo e Silva e Expedito Sebastião da Silva; que serão os principais editores
e poetas de bancada responsáveis pela criação, produção e divulgação de textos e imagens que
passaram a compor algumas temáticas sobre o imaginário religioso que cerca a mística
religiosa em torno do Juazeiro e da pessoa de Padre Cícero.
Analisando a produção literária de alguns deste poetas, passamos a perceber elementos
da composição de uma erudição popular, principalmente em relação à produção literária de
José Bernardo da Silva (1901-1972), Expedito Sebastião da Silva (1928-1997), João de Cristo
Rei (1900-1983) e Manoel Caboclo e Silva (1916-1996). Na analise da produção literária dos
quatro poetas percebemos a utilização de uma mesma temática que fora bastante utilizada,
que seria sobre a pessoa de Padre Cícero, no entanto, com suas singularidades e
especificidades próprias que vão compor o mesmo quadro, mas de formas e perspectivas
diferenciadas.
Diante destas questões, buscou-se compreender como essa erudição popular presente
na obra destes poetas passou a ser construída a partir da percepção de mundo que eles se
utilizam em relação ao tempo e espaço de uma dada realidade histórica da cidade do Juazeiro.
62
STINGHEN, Marcela Guasque. Padre Cícero: a canonização popular. Campinas-SP: UEC, 2000, p. 61
(Dissertação de Mestrado).
67
67
A escolha se dar pelo fato de que esses poetas são contemporâneos de um mesmo
momento histórico, suas poesias trilham caminhos opostos, mas que convergem para um
mesmo ponto; tanto uma como a outra esta presa a um passado especifico que é retratado pelo
marco de uma tradição religiosa. No entanto, é interessante perceber que em suas obras eles
convivem com um presente que os alimenta através do imaginário popular que permeia o
cotidiano religioso, repassando para seus leitores na forma do fazer poético, um modo
diferente de produzir uma literatura com uma expressiva erudição popular.
2.1. José Bernardo da Silva: o imperador das letras.
O editor e poeta de bancada José Bernardo da Silva natural de Palmeira dos índios -
Al, a 02 de novembro de 1901 e falecido no Juazeiro do Norte-Ce, em, 18 de outubro de
1972, proprietário da Tipografia São Francisco e o principal responsável pela produção da
literatura de folhetos populares em todo o Nordeste na década de cinqüenta.
Agricultor pobre e humilde teve uma vida marcada pela miséria e a fome que atingia a
população do sertão pernambucano, no ano de 1924 casa-se com Ana Vicença da Silva.
Pouco tempo depois, segue para Juazeiro em busca de melhores condições de vida. Em 1926
chega Juazeiro em um momento bastante interessante de sua história, pois neste ano, três
grandes acontecimentos sacudiram a população desta cidade que sempre esteve envolvida em
vários conflitos e tensões políticas e religiosas desde a realização do milagre da hóstia. Estes
eventos foram protagonizados inicialmente pela visita de Virgulino Ferreira da Silva o
“Lampião”, que causou um grande furor na terra do padre Cícero; quatro dias depois, os
moradores da cidade são surpreendidos com a morte de Floro Bartolomeu um dos principais
conselheiros do patriarca; e, por fim, a chegada dos trilhos da rede ferroviária ligando
Juazeiro aos outros centros urbanos.
Ao chegar a Juazeiro dirigiu-se ao padre Cícero para pedir consentimento para morar e
viver na cidade, ouvindo os conselhos do patriarca José Bernardo da Silva passou a observar
atentamente o cotidiano daquele lugar. Após obter a permissão do padre Cícero para morar no
local, José Bernardo começou a comercializar remédios caseiros, raízes e miçangas pelas ruas
e feiras da cidade. Segundo Agostinho Balmes Odisio, as feiras era o local onde grande parte
dos moradores ganhava seu sustento. Existia a feira nova que funcionava diariamente pelas
68
68
ruas da cidade, e acontecia aos sábados uma grande feira que comercializava uma variedade
de produtos diferentes, como o mercado de rapaduras, de esteiras, de carne, redes, frutas, do
sal, dos artigos de barro e artigos de palhas e da farinha.
Para Agostinho Balmes Odisio, as feiras eram importantes para a economia da cidade
de Juazeiro, pois “grande parte desta gente tirava o sustento pela semana, fazendo o mediador
de negociações, ajudando a carregar mercadorias, arrumar barracas, ajudar vender, guardar
animais, roubando aqui e acolá, pedindo esmola, ajuntando os restos, cavando enfim – o deles
de mil formas, que a nós parecem fúteis, mas que para eles é o meio de vida”
63
.
Lentamente José Bernardo da Silva começou a viajar para pequenas localidades
próximas a Juazeiro, e assim foi expandindo as vendas de seus artigos. Aos poucos foi
introduzindo os folhetos da literatura popular nos artigos que eram vendidos em suas viagens.
Em poço tempo a venda dos folhetos superou a dos demais artigos, tornando-se o carro-chefe
de sua atividade comercial.
Gradativamente a comercialização dos folhetos populares proporcionou uma
necessidade de se aumentar à venda deste produto em suas viagens. Devido a essa
necessidade, José Bernardo da Silva passou a reproduzir os folhetos em sua própria casa.
Dispondo de poucos recursos, começou a confeccionar na Rua São Francisco seus próprios
folhetos editados pelo selo da Folhetaria Silva que seria o embrião da Tipografia São
Francisco, começava então uma trajetória de sucesso de um dos maiores produtores de
folhetos populares no Nordeste.
A Folhetaria Silva passou a ficar conhecida na cidade de Juazeiro. Diariamente crescia
o número de folheteiros que se dirigiam a folhetaria para comprar os folhetos. Aos poucos
José Bernardo foi constituindo um pequeno capital no qual passou a adquirir equipamentos
que possuíam a capacidade de aumentar o ritmo de impressão dos folhetos.
64
O volume de negócios cresceu a ponto de disponibilizar em pouco tempo a compra de
dois imóveis à Rua Santa Luzia, uma como residência da família e outra como espaço da
fabrica o qual perdurou por mais de quatro décadas. Em 1939 José Bernardo da Silva registra
a fundação da Tipografia São Francisco, começava uma trajetória de sucesso no mercado
63
ODÍSIO. Op. Cit. 2006, p. 66.
64
MELO. Op. Cit. 2003, p.80.
69
69
editorial dos folhetos populares. Na década seguinte, José Bernardo comprou por quinze mil
cruzeiros os direitos autorais de 168 títulos do acervo de João Martins de Athayde, iniciava
neste momento um período em que a Tipografia São Francisco passava a deter poder sobre a
produção dos folhetos populares em todo o Nordeste.
Com a compra do acervo a tipografia de José Bernardo passou a aumentar
continuamente os pedidos de venda pelo fato da concorrência com a própria editora de João
Martins de Athayde não estar mais no mercado, e que grande parte dos clientes terem também
migrado para a Tipografia São Francisco.
Um dos fatores que possibilitaram o crescimento da Tipografia São Francisco na
produção da literatura de cordel foi devido o tino e o arrojo comercial de José Bernardo da
Silva, que não tinha a posse dos direitos autorais sobre o acervo de João Martins de
Athayde, como também da utilização de uma o de obra barata e fácil de ser cooptada na
cidade de Juazeiro e que trabalhava sem nenhum registro no ministério, a qual possibilitava o
corte nos custo e um baixo valor no produto final, sem contar que os folhetos agora eram
distribuídos a partir de Juazeiro para todo o Nordeste.
Consolidava-se então um novo agente distribuidor dos folhetos populares, pois a
tipografia de José Bernardo crescia a cada dia no cenário da produção e distribuição dos
folhetos de cordel para todo o Nordeste.
Entretanto, a tipografia de José Bernardo da Silva também foi responsável pela
formação de determinados indivíduos que passaram a fazer parte do cenário da produção da
literatura de folhetos populares na cidade de Juazeiro. Nomes como o de Expedito Sebastião
da Silva que ficou conhecido pela sua destreza em contar e metrificar as palavras nos poemas
dos cordéis e pelas suas narrativas sobre o milagre da hóstia. Outro nome é o de Manoel
Caboclo e Silva que desenvolveu ao longo de sua passagem pela Tipografia São Francisco um
conhecimento não na produção, editoração e distribuição dos folhetos de cordel, como
também na arte e magia da ciência astrológica.
A Tipografia São Francisco passou a ser o espaço de formação destes artesãos dos
versos, como também o lugar de produção de inúmeros enredos e narrativas do cotidiano
social da cidade de Juazeiro a partir da segunda metade do século XX.
70
70
2.2. Expedito Sebastião da Silva: o contador das palavras.
Expedito Sebastião da Silva nasceu no dia 20 de janeiro de 1928, no número 463 da
Rua José Marrocos, na cidade de Juazeiro, ficou órfão muito cedo e foi morar com uma tia
que o registrou como filho, começou a trabalhar muito cedo, aos dezessete anos aceitou o
convite de José Bernardo da Silva para trabalhar na Tipografia São Francisco.
Em entrevista concedida ao “Projeto Literatura de Cordel” em 03 de dezembro de
1978, Expedito Sebastião da Silva, relata como foi que começou sua atividade poética, diz
ele:
Foi em 1948.
Já escrevia. Olhe desde quando eu estudava eu já escrevia mas eu não tinha assim uma
noção certa de escrever o cordel, uma regra certa, então tinha o finado Antônio
Caetano de Palhares (sic), que era um poeta antigo do tempo do padre Cícero.
Ele era do Rio Grade do Norte mas ele morava vizinho a mim, na rua do
Salgadinho. E então ele chegou um dia e viu um soneto que eu tinha feito, ele foi e
disse: “Expedito, mas você... eu achei tão engraçadinho isso aqui, você escreveu numa
simplicidade tão grande...”, eu cheguei e mostrei a ele um folheto que eu tinha feito.
Mas aquilo dali eu fiz somente porque me dava uma vontade de escrever e escrevia.
O relato de Expedito revela a forma bastante simples de como era produzida a
literatura de folhetos, o seu fazer poético surgia da inspiração natural e de uma vontade
própria e auto-didática na sua forma de escrever. Expedito usa da criatividade, transformando
a poesia numa brincadeira de criança através de elementos da comédia e da sátira.
Era sobre casos de colegas que passava, eu chegava e escrevia, eu fazia mentiras
naquele negócio ali, daquele colega, fazia o casamento dele com a dona Feia, era
pra fazer a corda (sic), aí ele achou muito importante aquilo. Ele disse: “o que eu acho
mais engraçado em você é sua criatividade.” Então, eu na escola fazia soneto. Tinha
meu professor que gostava, ele gostou muito de um soneto que eu fiz no dia do
estudante. Ele achou maravilhoso e desde então eu fiquei escrevendo soneto, até
que o finado Antônio Caetano, que morreu (?), ele chegou disse que eu fizesse,
começasse a escrever folheto. ele me ensinou as regras como seria, de seis linhas,
de dez. de sete e uma furtada (sic). Ele era preparado. Todo tipo de poesia de cordel
ele me ensinou.
65
Segundo Expedito no início de sua formação ele teve um grande apoio do poeta
Antonio Caetano de Palhares, que segundo ele foi um dos principais incentivadores na
produção de uma verve poética na sua vida. Para Expedito, sua inserção no contexto da
produção gráfica dos cordéis se deu pelo conhecimento que Antonio de Palhares tinha com
65
SILVA, Expedito Sebastião da. Museu da Imagem e do Som - MIS. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro
do Norte: Tipografia São Francisco, 03 de dezembro de 1978, FK7000413 (Entrevista realizada por Otavio
Menezes).
71
71
José Bernardo da Silva que sempre encomendava e comprava os direitos autorais das histórias
produzidas pelo poeta e que foi o responsável por apresentar o jovem poeta ao proprietário da
Tipografia São Francisco, vejamos:
Ele vendia a Zé Bernardo.
Era. Agora Zé Bernardo pagava a ele os direitos autorais. Aí então quando ele escrevia
ele mandava eu corrigir. Negócio de português, essas coisa. eu corrigia. Quando
tinha um erro numa rima eu chegava e mostrava a ele, ele retificava. Aí eu comecei
a ler os folhetos de João Athayde, comecei a me inspirar nos folhetos de João
Athayde. Tinha uma ruma de folhetos de João Athayde. Quando foi depois eu
escrevi... O primeiro folheto que eu escrevi pra gráfica, que foi impresso, foi “A moça
que dançou em São Paulo”, a moça fantasma que dançou depois de morta, em São
Paulo. Aí foi uma sensação esse folheto. Antes disso ele me apresentou ao seu
Bernardo. Aí Bernardo viu um folheto que tinha feito de brincadeira, gostou, aí me
chamou pra trabalhar com ele. Aí nesse tempo eu trabalhava lá no curtume, no
escritório lá.
66
Expedito Sebastião da Silva é um daqueles casos atípicos da literatura, sua inserção na
gráfica de José Bernardo propiciou sua entrada no universo dos folhetos de cordel, que passou
a ser consolidada a partir da função que passou a exercer dentro do processo gráfico dos
folhetos. A rigidez na correção das rimas do cordel proporcionou uma forma bastante peculiar
de fazer versos.
Em sua obra, Expedito expressa um universo social permeado por elementos de um
mundo dividido entre o bem e o mal. E em meio a essa ambigüidade, sua poesia ancora no
imaginário popular característico de uma memória de vida.
É.
Homem ... foi a mamãe quando a gente era pequeno ela contava a de São Pedro,
contava como exemplo assim de...
Naquele tempo a gente fazia aquela reunião, aqueles menino né, aquelas pessoas
mais velhas iam contar aquelas histórias, lá pra aquelas...
67
Em meio a essa produção poética composta por Expedito, o milagre passa a ser o
grande referencial de toda a sua verve poética, que terá a pessoa do Padre Cícero como o
principal personagem. Para Martine Kunz, Expedito será não um devoto inconteste de
Padre Cícero, como também um hábil defensor do patriarca através de seus poemas.
O poeta se delicia. Em poucas estrofes um milagre, em poucas páginas um acúmulo de
maravilhas. O papel foi escrito sob medida para o principal ator, não há tempo morto e
66
Idem.
67
SILVA, Expedito Sebastião da. Museu da Imagem do Som – MIS. “Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do
Norte: Tipografia Lira Nordestina, 1978, FK7000004 (Entrevista realizado por Oswald Barroso e equipe do
Ceres).
72
72
muitos coups de théâtre. É milagre de vedete e interpretação de star. O modo
espontâneo, sem pompa, como é tratado um assunto tão prestigioso traduz o quanto o
sagrado é intrincado no profano: o espantoso virá rotineiro e o poeta apropria-se do
santo sem maiores rodeios, lembrando assim que poesia e religião são para ele
exercícios cotidianos. Mas Expedito destaca-se dos demais poetas quando resolve
engajar-se nas questões polêmicas em torno do grande sacerdote. Deixando de lado
biografia milagres e profecias, ele soube, em nome dos romeiros e a pedido deles,
engrossar a voz, abandonar a postura de cidadão pacato e quebrar o pacto com o seu
eterno bom humor.
68
Segundo Martine Kunz, a poética de Expedito, é bastante expressiva sobre o relato do
milagre, pois, o mesmo soube como ninguém apropriar-se do evento histórico de uma forma
bastante singular. Para a autora, “quando a hóstia se transformou em sangue na boca da beata
Maria de Araújo, foi, o a pedra fundamental no movimento popular de Juazeiro, mas
também, no imaginário poético nordestino, o estopim da miríade de sonhos e lendas
inspirados na figura profética do Padre Cícero”.
69
Na poesia de Expedito Sebastião da Silva, selecionamos os poemas que retratam o
imaginário poético acerca do milagre e da pessoa do Padre Cícero, fazendo um paralelo com o
contexto histórico da cidade de Juazeiro a partir do ano de 1889 até o ano de 1914, pois o
autor vai traçar um relato do milagre a partir de uma visão do passado. Na escrita de Expedito
Sebastião o evento do milagre passa a ser construído a partir dos relatos memoriais que ele vai
utilizar. A memória do evento e resgatada à preservada pela literatura de Expedito.
Em um de seus poemas, intitulado “Os milagres do Padre Cícero”,
70
o poeta Expedito
Sebastião da Silva relata e retrata muito bem como a composição poética de sua literatura
passa a ser constituída. Segundo o autor, a sua poética se expressa não pelos elementos
criativos e imaginativos que permeiam a visão de mundo que o poeta tem de uma dada
realidade histórica, como pela coleta e registro de fragmentos da memória de uma tradição
que foi transmitida ao longo do tempo pelos antigos. Para Expedito Sebastião da Silva, a
autenticidade do fato histórico, corresponde à integridade poética que o próprio autor terá ao
transmitir essa realidade histórica que foi absorvida pela tradição popular.
E sobre os grandes milagres
Que foram por ele obrados
Vou relatar sobre alguns
68
Idem, p. 27.
69
KUNZ, Martine. Cordel: A voz do verso. Fortaleza: Museu do Ceará/ Secretaria de Cultura e Desporto do
Ceará, 2001, p. 16.
70
SILVA, Expedito Sebastião da. Os milagres do Padre Cícero. Juazeiro do Norte: Tipografia Lira Nordestina,
1986, 16pp.
73
73
Que a mim foram contados
Por velhos daquela época
Que os tem memoríados
É interessante percebermos que o poeta torna explicito em seu poema que o processo
de transmissão da tradição através do registro de memória dos antigos, é um dos elementos de
autenticação de veracidade acerca do tema abordado pelo autor como elemento pertencente a
uma dada realidade histórica.
Em meio a esse contexto que envolvia o milagre e a pessoa do patriarca, vai se
delineando o rascunho de uma paisagem poética, que passa a se consolidar e perpetuar a partir
de uma tradição oral presente no catolicismo popular dos inúmeros romeiros que visitavam o
povoado. Esta tradição oral que tinha como base o milagre foi sendo difundida e se tornou
uma fonte inesgotável para inspiração de toda uma literatura que passou a ser produzida
naquele momento, que seria o cordel.
Sobre esta questão, o poeta Expedito Sebastião da Silva em seu folheto intitulado
Verdades Incontestáveis ou A Voz dos Romeiros,
71
faz referência ao relato do milagre da
hóstia em Joaseiro e do poder taumaturgo do Padre Cícero. Segundo o poeta, o milagre é uma
autêntica demonstração do poder divino na vida da humilde beata Maria de Araújo, que fora
escolhida como demonstração da relação de comunhão existente entre o vigário do pequeno
povoado, e Deus.
Neste poema, o autor relata a controvérsia que o evento gerou naquele momento,
quando suscitou uma atitude enérgica e imediata dos representantes do poder local da igreja
romana. Para o autor, a ação da igreja providenciou rapidamente o enviou de várias comissões
que pudessem apurar com todos os detalhes o caso do milagre, e assim estabelecer um
processo eclesiástico administrativo com relação à pessoa do Padre Cícero.
Pois saiba que apareceu
na hora que comungava
Maria de Araújo.
A hóstia se transformava
em sangue na boca dela
que a capela incensava.
Vieram vários doutores
para o fato averiguar,
71
SILVA, Expedito Sebastião da. Verdades Incontestáveis ou A Voz dos Romeiros. Juazeiro do Norte-Ce:
Tpografia São Francisco, 1956.
74
74
fizeram vários exames
queriam certificar
mas na boca da beata
nada puderam encontrar.
O seu sistema bucal
era normal e perfeito,
sem uma carie sequer
sem ter nos dentes um defeito
mas sempre na comunhão,
dando-se do mesmo jeito
.
No poema de Expedito Sebastião da Silva, percebemos que o mesmo sai na defesa do
patriarca, pois, enquanto a hierarquia religiosa usava todos os meios necessários para
contrapor-se a veracidade do evento stico, afirmando que o mesmo não passava de um
“embuste”, a literatura popular colocava-se como uma arma poderosa contra as acusações dos
inimigos de Padre Cícero.
Então diversas toalhas
Deste sangue foram tinta(s),
Vistas e verificadas
Por personagem distintas
Será quem presenciou
Com falsidade nos minta?
Não; porque em Juazeiro
Como no Crato também,
Não têm falsário nenhum
Não fala mal de ninguém
São gentes civilizadas,
Que só compreensão têm
Fica evidente no poema de Expedito Sebastião da Silva, que a sua composição poética
não passa a definir elementos de defesa em relação ao Padre Cícero, como também de
personificar o patriarca como representante direto do ser divino aqui na terra, e que fora
enviado por Deus para defender os desprovidos deste mundo.
Para Expedito Sebastião da Silva, Padre Cícero encarna a santidade divina dentro de
sua prática taumaturgica, que passa ser o ponto central do seu ministério terreal. Como
podemos perceber no poema do autor, a expressividade que o mesmo vai dar em relação aos
supostos poderes do padre definiam a relação existente entre ele e o devoto, como princípio
de gratidão e submissão dentro da retribuição da cura de seus males.
O padre Cícero é um santo
Ele foi e a de ser,
Como na terra e no céu
75
75
Procurará defender
Aquele que neste mundo
O procura combater
Eis aqui certos milagres
Que foram por ele operados,
Sobre os pobres como sejam:
Em cegos e aleijados
Com seus remédios mateiros
E sendo sempre aprovados
Ele ensinava remédio
Sem sequer ver o doente
Só de raízes de paus
Quem fizesse fielmente
Tomando-o com fé ficava
Curado completamente
O milagre passou a ser um elemento indissociável na história do pequeno povoado, o
mesmo se tornou uma marca indelével dentro do contexto da poética popular oral e escrita
que foi sendo produzida em torno do lugar e da figura do patriarca. O povoado de Joaseiro
passou a ser o espaço de uma construção de poética imaginaria que foi sendo cristalizada por
uma tradição religiosa popular que foi se formando e se consolidando ao longo do tempo
através da apropriação de elementos que permeavam o contexto histórico da época. Esta
poética foi sendo definida a partir dos cânticos, rezas, orações e benditos que são vistos como
o elemento primeiro dentro do processo de transmissão da produção oral para uma escrita do
cordel.
De acordo com Rosilene Alves de Melo, o pequeno povoado de Joaseiro protagonizou
uma trama de acontecimentos que possibilitaram o surgimento de uma tradição poética que
teve no “milagre da hóstia” o seu mito de origem, que se alimentou a partir da circulação de
um variado repertório de narrativas orais registradas pela memória dos ouvintes, reatualizadas
e transmitidas através das gerações.
72
Aos poucos estas narrativas orais vão formando um público crescente e assim
consolidando uma intricada rede de comunicação entre leitores e ouvintes que passam a
incorporar dentro desta cultura novos elementos da religiosidade popular como dádivas,
bênçãos e outros milagres.
A criação dessa narrativa histórica que tem como base a tradição que passa a ser
construída em torno do imaginário religioso do milagre e da figura do patriarca. Segundo
72
MELO. Op. Cit. 2003, p. 17.
76
76
Franklin Machado, os poetas populares passam a produzir uma narrativa poética inspirada a
partir do imaginário social que permeia os moradores do povoado. De acordo com o autor, o
próprio vigário estimulou a fundação de tipografias em sua cidade para a publicação de
orações e folhetos, tão procurados pelos romeiros e penitentes.
73
A partir do milagre, a figura do patriarca de Joaseiro, passou a ser representada nos
diversos bens simbólicos que passaram a existir no contexto religioso que envolve a colina do
horto; na relação mística de beatos e penitentes que advogam para si santidade divina; e pela
inexplicável demonstração da de milhares de romeiros que se avolumam em períodos de
visitação e peregrinação à cidade santa para pedir ao “santo que fica no sol”.
2.3. João de Cristo Rei: o profeta dos versos.
Na analise da produção poética de João de Cristo Rei, faremos um paralelo com o
contexto histórico que vai do ano de 1900 a 1931, traçando um perfil da poesia do autor com
o processo de peregrinação de inúmeros romeiros que vinham para a cidade de Juazeiro em
busca de uma graça do Padim para amenizar seu sofrimento.
João de Cristo Rei nasceu no dia 24 de junho na cidade de Areias, no sertão da
Paraíba. Seu verdadeiro nome era João Quinto Sobrinho, filho de Sebastião Barbosa da Silva
e de Gonçalina Maria da Conceição. Logo cedo perdeu seus pais, vindo a morar com uma tia
que era casada com José Quinto, de onde veio herdar o seu sobrenome.
Na infância sofreu as influências dos ensinamentos cristãos e de uma poesia popular
regional que aflorou na sua fase adulta uma poética própria e bastante estilizada. Apreendeu a
ler e a dominar o universo das palavras em especifico de uma literatura cordel poética,
romanceada e principalmente de uma perspectiva bíblica.
As influências do ensino cristão alimentaram profundamente João de Cristo Rei a
nutrir um desejo pessoal pela vida sacerdotal, o qual não foi possível realizar. No entanto,
esse desejo passou a ser colocado em prática dentro de sua escrita poética, que como um
apologista da palavra defendia as Leis da Santa Igreja, como afirma no depoimento:
73
MACHADO, Franklin. O que é literatura de cordel. Rio de Janeiro: Codecri, 1980, p. 35.
77
77
Não, senhor! Eu não pude estudar, naquele tempo o Sr. compreende, era um tempo
atrasado... Meus pais não tiveram possibilidade. Eu tinha vontade de ser padre,
muitíssima mesmo, aquando eu estava pra casar disse que queria que aparecesse
um cristão que me levasse para o seminário e eu deixava a moça e ia ser padre. Tinha
muita vontade, mas não foi possível... Então, sou religioso, leio muito a Bíblia,
compreende? Sei defender as Leis católicas, apostólicas, romana.
74
A influência da vida religiosa alimentou outra vontade na vida de Cristo Rei, que foi o
desejo pelo aprendizado da leitura, um dos pontos fundamentais na prática da composição
poética de sua obra. O domínio da leitura proporcionou que Cristo Rei pudesse manipular o
universo das palavras com uma habilidade própria que o diferencia dos demais. No entanto,
segundo o depoimento de sua filha, D. Maria das Virgens Dias o aprendizado da leitura é
decorrente do grande esforço de João de Cristo Rei.
Ele aprendeu a ler com muita dificuldade. Naquele tempo tudo era mais difícil. Não
tinha escola... Desde novo, ele trabalhava, vivia ocupado com serviço. Quando
acabava o papel, ele escrevia na areia do riacho. Passava a mão na areia e escrevia
aquele dever, aquelas contas... Quando ele andava nas ruas, ficava olhando as placas.
Aí, na hora que passava uma pessoa, perguntava:
- Moço, sabe ler?
- Sei.
- Que nome é aquele, naquela placa?
O pessoal dizia, aí ele dizia:
- Ah! É o mesmo que eu tava dizendo. Eu já sei ler...
75
Estas leituras influenciaram fortemente em relação a um imaginário religioso que
refletiu significativamente ao longo do tempo na composição de uma poética carregada de
elementos do profetismo bíblico. Esta característica da poética de Cristo Rei foi
profundamente marcada por uma intensa prática do hábito religioso herdado das leituras que o
mesmo tinha da Bíblia e do Lunário Perpétuo.
João de Cristo Rei ao longo dos primeiros anos de sua vida geograficamente esteve
distante no que diz respeito aos acontecimentos concernentes ao milagre de Juazeiro nas
primeiras décadas do culo XX. No entanto, também ouviu as narrativas que falavam do
milagre e do santo milagreiro de Juazeiro, por intermédio das inúmeras caravanas de
peregrinos que se dirigiam em levas intermináveis para a “Meca dos Sertões”.
74
Idem, p. 16.
75
Depoimento de Maria das Virgens Dias. In: LOPES, Regis. João de Cristo Rei: o profeta de Juazeiro.
Fortaleza: SECULT, 1994, p. 15, v. 5 (Coleção Perfis).
78
78
A influência do fanatismo religioso de inúmeros peregrinos e beatos que proclamavam
ideais messiânicos de santidade cristã grassavam por todo o sertão nas primeiras décadas do
século XX, com certeza também permeava o universo mental de Cristo Rei.
O fanatismo religioso em torno da pessoa do Padre Cícero foi sendo difundido na
proporção e na intensidade que aumentava as peregrinações que afluíam para o pequeno
povoado. A fama do Padre Cícero passou rapidamente a ser conhecida pela transmissão oral
de inúmeros romeiros que divulgavam pelos sertões afora os poderes taumaturgicos do
patriarca de Joaseiro.
Nesse momento a transmissão oral é um elemento importante dentro do processo de
composição de uma narrativa histórica que passa a ser produzida em torno do milagre e da
figura do Padre Cícero. A narrativa histórica que passa a ser produzida e transmitida a partir
deste momento absorve toda uma concepção religiosa de mundo que é construída pelo
imaginário social que cerca a vida dos romeiros que visitam o Joaseiro. Esse imaginário
coletivo religioso se transforma no principal elemento dentro do processo de transmissão de
uma composição poética popular que será produzida ao longo século XX.
Segundo Marinalva Vilar de Lima, o contexto pós-milagre passa a ser descrito por
uma intensa produção da poesia popular da época. De acordo com a mesma, esta produção
poética passa a definir para a historiografia brasileira uma narrativa histórica que consolida a
fama taumaturgica do Padre Cicero como elemento intrínseco ao imaginário social dos
diversos romeiros que procuram o povoado de Joaseiro para serem abençoados. Para a autora,
essa produção poética vai ser responsável pela construção de uma trama, em cujo roteiro
mesclam-se arquétipos de catolicismo popularizado e de um catolicismo ortodoxo.
76
De acordo com a autora, essa narrativa poética passa a ser produzida no período em
que o Padre cero esta suspenso de suas ordenanças como pároco do pequeno povoado.
Segundo Marinalva Vilar de Lima, a produção dessa narrativa poética tem sua periodização
definida a partir de duas perspectivas que de acordo com ela se estabelece por meio de uma
composição escrita e outra cantada, que para a autora, a primeira é organizada pelos poemas
de Leandro Gomes de Barros, e a cantada por Cego Aderaldo.
76
LIMA, Marinalva Vilar de. Narradores do Padre Cícero: do auditório a bancada. Fortaleza: UFC, 2000, p.
101.
79
79
Na literatura de Leandro Gomes de Barros, percebemos como a transmissão do evento
milagroso e do afastamento do vigário do povoado passaram a ser difundidos por todos
aqueles peregrinos que visitavam Joaseiro nas inúmeras romarias nos primeiros anos que
começou toda a polêmica acerca do milagre. A participação do romeiro da difusão do milagre
foi fundamental na construção e consolidação de uma narrativa histórica que ao longo do
tempo foi sendo cristalizada através de uma tradição oral peculiar do local em torno do
evento.
Há uns quinze dias passados,
disse-me um velho romeiro
que está suspenso de ordem
por não ser interesseiro,
os padres detestam ele
por não gostar de dinheiro.
Está suspenso de ordem,
não faz um batizado;
não casa mais, nem confessa,
esta quase inutilizado.
Porém com toda justiça
não diz nada do bispado.
77
Segundo Ralph Della Cava
78
, as peregrinações de milhares de romeiros que chegavam
a Joaseiro a cada momento, proporcionou o rápido crescimento do pequeno povoado que
entre o ano de 1890 até 1909 chegou rapidamente ao índice de 15 mil habitantes, sem contar
com os movimentos migratórios temporários de certos moradores do lugar.
Esse fluxo intermitente de romeiros à terra da Mãe de Deus, em pouco tempo vai
transformar o pequeno povoado do Joaseiro no principal centro de peregrinação religiosa do
nordeste. É para Joaseiro que vai afluir uma multidão de romeiros que trazem consigo a
esperança de realização do milagre divino para solução dos seus problemas.
É interessante entendermos que o processo de peregrinação não contribuiu para o
processo de transmissão oral acerca do evento que envolvia o milagre da hóstia, como
também alimentou toda uma cultura poética que passou a ser produzida através de narrativas
do imaginário religioso de inúmeros romeiros. Em grande parte, os romeiros que afluíam para
Joaseiro, muitos deles se decidiam em permanecer e estabelecer moradia no povoado. A
permanência dos romeiros no povoado possibilitou ao longo do tempo que todo um
77
BARROS, L. G. Apud LIMA, Marinalva Vilar, Op. Cit, p. 104.
78
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 138.
80
80
imaginário religioso passa-se a fazer parte de uma diversificada e intricada rede de relações
sócio-cultural. Com a inserção de inúmeros romeiros na estrutura sócio-espacial do povoado,
aos poucos foi se consolidando no imaginário social dos moradores de Joaseiro, uma
concepção mística acerca do lugar e de seu patriarca.
A grande quantidade de peregrinos que chegavam ao pequeno povoado causava um
profundo impacto no lugar, pois, o mesmo vai ser alvo de uma crescente visitação de
peregrinos, que em grande parte passa a residir no povoado causando assim o aumento no
índice de sua população demográfica.
79
De acordo com Della Cava, as intensas peregrinações ao povoado sofreram algumas
alterações em vários aspectos, principalmente devido o impacto das medidas tomadas pelo
poder eclesiástico de Roma em relação ao fenômeno do milagre da hóstia como sendo um
“embuste” por parte do Padre Cícero e do grupo de beatas e beatos fanáticos que o
acompanhavam. Para ele, o primeiro destes aspectos se verifica a partir do momento onde as
peregrinações tornam-se “espontâneas”, o ciclo de romeiros em direção ao pequeno povoado
passa a ser continuo e natural; em segundo lugar, é constatado que o movimento migratório
no período do conflito se caracteriza por romeiros oriundos de outras províncias do nordeste,
configurando-se uma estratégia de pressão da igreja sobre os moradores da província; e em
terceiro, é constatado que a partir de 1894, o ciclo social representado pelo movimento
migratórios dos romeiros em direção a Joaseiro, é totalmente heterogêneo. Para Della Cava,
essa diversidade social foi um fator preponderante que contribuiu diretamente com o processo
de estruturação urbana da rápida expansão política, econômica e social do povoado de
Joaseiro.
A peregrinação foi o principal veiculo da rápida expansão demográfica de Joaseiro.
Importa, no entanto, distinguir entre as peregrinações que ocorreram no auge dos
“milagres” (anteriormente à condenação de 1894) e aquelas que se verificaram nas
quatro décadas seguintes. As primeiras, como foi visto atrás, eram iniciadas,
principalmente, pelos padres “dissidentes” que acreditavam no “milagre do Joaseiro”
e o propagavam. Sob os auspícios clericais, tais peregrinações originavam-se, em
grande parte, nos municípios do Vale do Cariri e nas cidades pernambucanas, do outro
lado dos limites com o Estado do Ceará. Eram menos freqüentes os contingentes
vindos da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Quanto aos peregrinos, eram eles
recrutados em todas as classes da sociedade; não eram poucos os fazendeiros ricos,
chefes políticos e funcionários públicos, assim como os comerciantes, médicos,
79
O aumento da população do povoado de Joaseiro no final do seculo XIX e inicio do século XX, apontam para
os seguintes números: em 1890 era cerca de 2.245 pessoas; em 1905 o povoado já contava com o número de
12.000 habitantes; no ano de 1920, somava o total de 22.067 habitantes. Sobre o crescimento ver: CASIMIRO,
Renato. Antes Qu’eu M’esqueça: primeiros escritos. Fortaleza: ABC Editora, 2000.
81
81
advogados e educadores. Havia, também, grande número de trabalhadores rurais sem
terra que, em 1894, representavam a maioria da população permanente da aldeia.
80
Para Della Cava, a gênese da expansão do povoado tem sua explicação no processo
migratório das peregrinações que buscavam em Joaseiro solução de seus problemas devido
especificamente aos problemas econômicos ocasionados pelos períodos constantes de seca
que assolavam todo o nordeste causando fome, miséria e morte.
De acordo com Luitgarde Oliveira C. Barros, os problemas causados pelos grandes
períodos de secas no nordeste eram tenebrosos, a estiagem causava percas irreparáveis a
população sertaneja, muitos que não conseguiam alimento acabavam tendo que sobreviver de
uma dieta alimentar bastante rústica, e que em grande parte dos casos acabava em óbito,
quando utilizavam elementos da flora e fauna que compõem a vegetação da caatinga.
O povo faminto recorria à mucunã, alimento perigoso, que pelo dito popular, quando
“sujo mata, e lavada aleja”. As outras alternativas de comida menos perigosas eram a
macambira e o xiquexique. Matavam a sede chupando o miolo do facheiro do
xiquexique. O tempo foi passando e também esse recursos desaparecendo. No auge do
desespero o povo comia cachorro, morcego, cobras e urubus. Até couro salgado serviu
de alimento. A disenteria grassava fazendo muitas vitimas.
81
O flagelo constante das secas caracterizou-se como um elemento central na vida dos
romeiros que buscavam no povoado de Joaseiro e na pessoa de seu patriarca um pouco de
esperança para continuar a viver em meio a esse momento de grande estiagem no sertão
nordestino. Os romeiros que migravam para o povoado nas inúmeras caravanas que para
convergia, eram movidos pelo anseio de encontrar naquele lugar o milagre que mudaria o
destino da vida de cada um deles. Todos aqueles que se dirigiam para este lugar acreditavam
que encontrariam ajuda necessária na pessoa do Padre Cícero, e que seriam por ele
abençoados através da graça da redenção divina, pois criam que o “Padimera um homem
bom e santo.
Segundo Luitgarde Oliveira C. Barros, a seca levava multidões de flagelados a sair de
seus locais de origem em busca de alimento, e em cortejos saiam pelas trilhas do sertão em
caravanas de retirantes a procura de ajuda, aliavam-se a outros em grupos organizados para
80
Idem, p. 138.
81
BARROS, Luitgarde O. C. A terra da Mãe de Deus. Rio de Janeiro: Francisco Alves; Brasília. INL, 1988, P.
135.
82
82
cometerem saques
82
e outras ações nos comércios e fazendas do sertão onde eram recebidos a
bala pelos proprietários, e grande parte deles procuravam o Juazeiro tangidos pela fome,
levados pela fama de bondade do Padre Cícero que procuraria por todos os meios salva-los da
morte.
83
O povoado de Joaseiro passou a ser uma espécie de cidade refugio para muitos
retirantes que fugiam desesperados com a miséria que a seca promovia. A cada dia crescia o
fluxo de retirantes originário de todas as partes do sertão que escolhia ir para Joaseiro naquele
momento em que a província era assolada pela calamidade da seca.
De acordo com Luitgarde Oliveira C. Barros, neste período começou a ser projetado
no imaginário social do romeiro, uma imagem mítica do lugar e do patriarca que passava a ser
representada pelos cânticos e louvações dos benditos que coloca juazeiro como terra da
redenção da Mãe de Deus.
Bendito e Louvado seja
o lugar da redenção
Nossa Senhora das Dores
e Padrinho Cícero Romão
Bendito e Louvado seja
o lugar da redenção
a terra da Mãe de Deus
o porto da salvação
O pequeno povoado passou a ser refugio de uma grande massa de deserdados
camponeses que fugiam não das misérias causadas pelas secas, mas também em busca de
encontrar a Terra Prometida que seria a resposta para a solução dos problemas relacionados à
falta de pequeno espaço de terra para plantarem. Muitos deles chegavam a Joaseiro em busca
de sobrevivência, de um lugar onde pudessem receber uma esmola, uma oração, e um pouco
de comida.
Joaseiro tornou-se lugar de peregrinação religiosa e de prece para todos os que
peregrinavam pelas trilhas do sertão fugindo da seca, da fome e da morte. E é no pequeno
povoado que eles vão encontrar o refrigério para sua alma atormentada pela miséria causada
82
Ver, NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará.
Niteroi: UFF, 1998. (Tese de Doutorado).
83
Idem, p. 135.
83
83
pelas secas. O romeiro acreditava que através das orações do santo padre ele teria seu perdão
e assim seria abençoado pelo milagre divino.
E foi em meio a esse contexto de peregrinação, fanatismo, seca, fome e miséria, que
no ano de 1927 chega pela primeira vez a Juazeiro, João de Cristo Rei. Nesta mesma visita
conheceu o seu grande líder espiritual o Padre Cícero, que foi o principal incentivador de seus
dons poéticos, ou proféticos. Começava assim uma história de mistérios entre santos e
demônios, o bem e o mal e Deus e o Diabo na Terra da Mãe das Dores.
...eu vim a Juazeiro, onde encontrei uma novidade, onde eu estava arranchado me
contaram uma novidade de um caso que estava se dando de uma moça contando
história de outro mundo... Eu achei interessante, eu digo, eu entendi de fazer um
versinho, então tirei de minha mentalidade umas rimas. Fiz um versinho. Um tanto
errado e coisa e tal, mas que saiu de gosto. Cheguei aqui, fui ler pro meu Padrinho
Ciço, ele achou muito bonito e disse:
- Você de ora em diante vai ser poeta. Vai ser poeta.
- Meu Padrinho, eu não tenho nada o que escrever, porque sou um tanto
ignorante e não tenho assunto nenhum. O Sr. me dê aí um assunto...
- Faça o que você quiser e fizer, tudo o quanto você quiser e fizer eu dou por
bem-feito.
Pronto, daí por diante eu comecei a escrever.
84
No ano de 1931, João de Cristo Rei depois de várias peregrinações, passa morar
definitivamente em Juazeiro, onde começa a compor toda sua poesia profética. Segundo Regis
Lopes, o perfil de João Cristo Rei se confunde com os próprios romeiros, passando assim, a
ser o “porta-voz da idéias e dos ideais que circula(va)m no imaginário dos fiés devotos do Pe.
Cícero”, pois, “sua poesia é fruto de um sujeito ativo em contato com seu ambiente”.
85
Analisando da produção poética de João de Cristo Rei, dentro desse processo de
construção dessa tradição, se torna significativa pelo fato de que a mesma retrata elementos de
uma composição literária diferente das demais, pois expressa a essência do imaginário místico
dos devotos do Padre Cícero. Sua poesia se enquadra dentro de uma perspectiva que prega um
tipo de profetismo messiânico que traz uma mensagem de desencanto com este mundo
corrupto e desmantelado, que carece da remissão de Deus.
84
Depoimento do poeta João de Cristo Rei para o Projeto Literatura de Cordel, apud. LOPES, Regis. Op Cit,
1994, p. 16.
85
LOPES, Regis. Op Cit, 1994, p. 11.
84
84
Em seu poema intitulado “Profecia de Padrinho Cícero sobre a Igreja do Horto”,
86
o
poeta João de Cristo Rei mostra toda a sua versatilidade poética na reprodução de uma
narrativa histórica que envolveu o Padre Cícero na construção da igreja do Horto. Para Cristo
Rei, a representação da Igreja do Horto inacabada pelo Padre Cícero, parece com o mundo
precisa ter um dia o seu fim, no entanto, o Padrinho anuncia que esta é uma tarefa que
somente Deus pode realizar.
De Padrinho Cícero vou dá para o povo
um aviso novo desta profecia
é sobre a igreja que no santo horto
cheio de conforto ele construía
Um romeiro velho falando comigo
sobre caso antigo visto em Juazeiro
custou-me esta história que vou descrever
para se dizer ao povo romeiro
Olhando uma cheia do Rio Salgadinho
Estava meu Padrinho na relva sombria
Falando dos casos que se deu com ele
Daí veio dele esta profecia
A poesia de João de Cristo Rei é simples, mas carregada de elementos proféticos e
simbólicos pertencentes ao imaginário popular, que podem ser percebidos nas práticas
cotidianas de devoção dos romeiros que visitam a cidade de Juazeiro e de todo aquele que
acredita no poder místico em torno da figura do padrinho Cícero.
Os poemas de Cristo Rei estão permeados de elementos bíblicos cristãos que foram
incorporados a partir de uma vivência em meio a esse movimento religioso que ocorre em
Juazeiro. As temáticas dos poemas de Cristo Rei sempre exploram o mundo stico existente
entre o bem e mal, como: “O Anti-Cristo em Pessoa Propagando a Corrupção”, “O Homem
que falou com o Diabo em Juazeiro”, entre outros.
O poeta popular João de Cristo Rei, diversificava sua produção de cordéis escrevendo
sobre assuntos que tratavam do cotidiano tanto dos diversos romeiros que viajam dias para
chegar à cidade de Juazeiro, como também, de temas relacionados a romances como o de
“Juliano e Carmelita”, onde descreve a vitória do amor, o bem da felicidade e o choque do
traidor, a derrota do orgulho e a glória do vencedor.
86
CRISTO REI, João de. “Profecia de Padrinho Cícero Sobre a Igreja do Horto”. Apud. LOPES, Regis. João de
Cristo Rei: o profeta de Juazeiro. Fortaleza: SECULT, 1994, p. 44 (Coleção Perfis).
85
85
Nos versos de Cristo Rei, o passado é retratado como um lugar onde as coisas eram
mais interessantes, e onde a lembrança traz a de saudade dos momentos inesquecíveis na
memória, e o presente resta o desencanto pelo porvir, vejamos:
Como já foi no passado e está sendo hoje em dia
Meu coração contristado lamenta suspeita e chora
Considerando abundância daquele tempo de outrora
Como foi antigamente como está sendo agora
Antigamente o inverno era constante e correto
Quem trabalhava no campo ainda num sendo esperto
De tudo que solfejava fazia seu único certo
Segundo Cristo Rei, isso mostra como o passado é visto como lugar de saudosismo e
de beleza, pois “quando uma vaca custava cinco mil réis, naquele tempo, tudo aquele, o povo
no terreiro de noite, no lual contando história de trancoso, contando história do casamento
francês e outras coisas, fala dessas coisa, é bonito viu?”. Para o poeta essas temáticas são
bastante inspiradas, no entanto, são difíceis de ser editada, não vende muito, pois ninguém
não quer mais ler versos que fala que de outubro para novembro a grossa chuva caía os
arvoredos frondavam tornando a relva sombria o campo ficava alegre a natureza floria”.
87
Como podemos perceber, Cristo Rei tem a percepção de sua produção não apenas
como inspiração, mas também, como um produto que precisa encontrar no mercado editorial
seu grande filão, pois ninguém mais quer ler sobre o saudosismo do passado, todos estão
interessados nas novidades do presente. Para Cristo Rei, a literatura de folhetos passa a ter
uma nova função, agora com um teor voltado para um tipo de leitor mais exigente que espera
encontrar no cordel uma temática que esteja voltada mais para uma função informativa e
jornalística, do que mesmo poética.
Segundo Cristo Rei, na década de cinqüenta a produção de folhetos era feita segundo a
tiragem das temáticas que eram produzidas conforme a vendagem das mesmas. Para Cristo
Rei, muitas temáticas que eram escritas às vezes não saiam do esboço original, pois se a
temática anterior estivesse sendo editada com bastante freqüência, era um sinal que este
cordel teve boa aceitação com base na lei da oferta e da procura. De acordo com Cristo Rei, a
reedição destes cordéis reforçava a idéia de que a produção da literatura de folhetos se voltava
para um tipo de público e de mercado naquele momento.
87
Depoimento de João de Cristo Rei. Museu da Imagem e do Som – MIS. “Projeto Literatura de Cordel”.
Juazeiro do Norte: FK7000427, (Entrevistadores: Edivar Costa, Carlos Matos E Oswald Barroso).
86
86
Para Cristo Rei, muitos de seus originais ficaram engavetados e nunca foram editados.
No entanto, outros tiveram anualmente grandes tiragens em decorrência da boa aceitação no
mercado editorial, principalmente no período das festas que se voltam para a devoção do
Padre Cicero, diz ele:
“A Nova Despedida dos Romeiros em Homenagem a Nossa Senhora”, é despedida
dos romeiros, agora eu para distinguir da outra então botei assim: “A Nova Despedida
dos Romeiros em Homenagem a Nossa Senhora”, essa eu já fiz essa semana.
Tirei dois mil. Agora esse foi tirado muito, viu?, desse daí foram tirados muitos
exemplares, de dez milheiro pra lá, e de cada vez dois mil tirei umas cinco vezes.
Ainda essa semana minha filha tirou dele, esse novo, agora foi tirado dois mil, mas do
outro, titulado “Despedida de Romeiro” foi tirado uns doze, eu tirei dez mil e minha
filha esta semana tirou quatro pra ela vender numa festa do Padrinho Ciço. Então
deste agora, pela primeira vez eu tirei dois mil.
88
Como podemos perceber o mercado editorial dos folhetos não seguia uma seqüência
normal de publicação, pelo contrário era de acordo com o que o período em questão estava
associado à temática proposta.
Outra questão preponderante no processo de produção dos folhetos era a questão
financeira, que em grande parte dos casos era um fator inibidor na realização do mesmo, pois
grande parte dos poetas e cordelistas não conseguiam arcar sozinhos com os gastos da tiragem
de uma temática. Para alguns poetas e cordelistas, a publicação de um folheto se tornava
difícil devido os altos custos na produção da literatura de folhetos.
Em seu depoimento a equipe do Ceres, Cristo Rei relata que a dificuldade de editar os
folhetos era uma constante na vida dos cordelistas e poetas populares que tentavam de todas
as formas publicar seus versos, diz ele: “Eu paguei por esse dois mil, duzentos conto. Tem os
originais. aqui: “História de Cazuza Sátiro, o Maior Matador de Onça”. Foi feito agora,
num está impresso ainda. Quando aparecer dinheiro”.
89
No mesmo depoimento, Cristo Rei relata também que naquele tempo tinha outras
dificuldades que proibiam a venda e a circulação de algumas temáticas. Segundo o poeta, a
igreja por ordem do bispado da região, agia como um órgão fiscalizador dos bons costumes e
da moral dos habitantes da cidade. Pois, quando no uso do poder, a mesma tentava coibir o
fanatismo religioso presente no imaginário dos diversos devotos que visitavam o Juazeiro nos
88
Idem.
89
Depoimento de João de Cristo Rei. Museu da Imagem e do Som – MIS. “Projeto Literatura de Cordel”.
Juazeiro do Norte: FK7000427, (Entrevistadores: Edivar Costa, Carlos Matos E Oswald Barroso).
87
87
períodos de romarias. Para a igreja, em grande parte esse fanatismo era alimentado pelos
escritos das literaturas de folhetos que se produzia acerca do Padre Cícero e da mística da
cidade. Para Cristo Rei, quando ocorria esse tipo de fato era necessário tentar vender a
tiragem em outra cidade.
Não, foi esse ano, no começo do ano. Dezesseis, esse ai é a primeira página, é isso
mesmo, que tem dois originais agora, tem outro aqui num sei se é, esse aqui, mais
num é, eu tenho aqui um original: Juazeiro santo a nova Jerusalém, santa cruz, deixa
eu ver esse aqui: Não, mais num tem. tem mesmo daqueles... Foi em cinqüenta e
três, 1953. Foi em cinqüenta e três. A primeira foi em cinqüenta e dois, a primeira vez
eu vendi, a segunda eu vendi, na terceira o padre falou muito, então eu fui saber
porque ele proibia a venda daquele verso; ele disse que é porque num tinha pedido
licença ao bispo, porque o senhor num pediu licença ao bispo, eu digo mais será
possível eu incomodar o bispo?, não incomodava de jeito nenhum, o senhor falasse a
ele, pedisse que ele daria a permissão, o senhor vendeu sem permissão por isso nós
não consentimos o senhor vender. num vendi mais, fiz desgosto, num reproduzi
mais, mas era muito vendável. De cada vez foi tirava um, foram tirado três vezes.
Cinqüenta e três e a terceira em cinqüenta e quatro. Vendia mais em Canindé porque
muita gente na festa, né?, e agora pessoas que me compravam em grosso também por
aqui pra vender por fora, eu vendi quatro espinhara, vendi por a fora, mas sempre
vendi mais aqui em Canindé.
90
Segundo Cristo Rei, a produção da literatura precisava ser adaptada às novas
realidades do mundo que se modernizava, a escrita dos versos precisava se organizar em
relação aos ditames que o progresso promovia em meio às práticas culturais. Pois, a literatura
de folhetos passava a competir com os novos meios de comunicação que passavam a ser
utilizados como elementos de diversão.
2.4. Manoel Caboclo e Silva: um narrador de histórias.
Manoel Caboclo nasceu em Belo Jardim, Pernambuco, no dia 2 de janeiro de 1926,
filho de João Caboclo da Silva e Rita Zeferino de Atayde. Aos seis anos de idade sua família
mudou-se para Caririaçu, lugarejo localizado na Serra de São Pedro, cerca de 25 quilômetros
da cidade de Juazeiro do Norte.
Pouco tempo depois seu pai vendeu a propriedade em Caririaçu, e veio morar com a
família no Juazeiro. Em depoimento concedido ao Projeto Literatura de Cordel Manoel
Caboclo narra com uma riqueza de detalhes as lembranças deste fato, diz ele:
Meu pai era de Alagoas.
90
Idem.
88
88
Ele veio pelo simples fato, ele não gostava muito, ele não acreditava muito aqui no
Cariri, era um lugar seco, mas o sogro dele tinha vindo, morava aqui e ele veio visitar
o sogro, quando chegou aqui gostou da cidade, conversou com o padre Cícero, achou
ele muito bacana, muito bom, o padre Cícero convidou ele: “meu amiguinho vem
embora pr'aqui, pra esse Juazeiro”, e o meu pai chegando o terreno dela é vizinho o
terreno do doutor Butt (sic), ele vendeu a propriedade de porteira fechada, deu por
setecentos mil réis, porteira fechada. O senhor entende o que é porteira fechada? É o
seguinte, o senhor chega aqui aí diz: “eu quero vender essa casa de portas fechada?” aí
eu digo: “vendo”.Por quanto dá?” “Por tanto.” “Então retira o povo, só sai as
pessoas, o resto, tudo que se tem aqui.” Então naquele tempo se vendia propriedade de
porteira fechada com gado, com animal, tudo quanto tivesse, porteira fechada
significava isto, ninguém retirava nada, o senhor chegou aqui comprou um terreno de
porteira fechada, eu fazia lhe entregar os objetos todinho, mostrar o que era, me
retirava, o senhor compra numa tabolada (sic); então ele vendeu tudo de porteira
fechada por setecentos mil réis, era muito dinheiro, chegando aqui em Juazeiro foi
para a rua Santa Luzia, casa número 40, ele foi morar lá, comprou uma casinha, parece
que por quarenta mil réis, gastou os duzentos mil réis, quando o dinheiro acabou-se
ele levou uma nota de quinhentos mil réis, a nota de quinhentos mil réis era
aproximadamente isso [dobra um papel mostrando o tamanho da nota], pra o padre
Cícero trocar, chegou disse: “meu padrinho, eu queria que o senhor me trocasse
quinhentos mil réis que o dinheiro acabou-se”. Ele disse: “onde vo achou esse
dinheiro?” Ele disse: “foi eu que vendi minha propriedade ao doutor Butt, está aqui os
recibos...” Ele dava uns documentos e ficava com outros que era pra provar o dinheiro
de aonde vinha, padre Cícero olhou e disse: “eu num tenho esse dinheiro mas você
ao coronel Farnando...”, coronel Farnando era ali vizinho onde é a casa de capitão
Adauto, hoje da mãe do capitão Adauto, onde tão destruindo, ali era a casa de coronel
Farnando; chegou lá disse: “vá onde está o coronel Farnando diga a ele que eu mandei
dizer que ele trocasse esses quinhentos mil réis seu”. Meu pai vai lá, quando chegou lá
o coronel Farnando olhou, disse: “onde você arranjou esse dinheiro?”, ele contou a
história, ele disse: “você volte, diga o padre Cícero que assine nas costas dessa nota de
garantia.” o padre Cícero foi e botou “padre Cícero Romão Batista” nas costa da
nota, chamou Manoel Timóteo, que era o delegado, disse: “Manoel Timóteo, venha
cá!” Manoel Timóteo chegou, disse: “você vai aonde está o coronel Farnando mais
este homem e diga a ele que troque esse dinheiro que eu garanto. o coronel
Farnando entrou pra dentro, chegou lá, pegou um saco prato de moedas de duzentos
reis de prata de moeda de duzentos réis, de quatrocentos réis, de um mil réis e de dois
mil réis, encheu o saco danado, ora, quinhentos mil réis de moedinha, aí ele disse:
“agora, como leva o dinheiro pra casa?” Aí o Manoel Timóteo disse: “vai dois
soldados com ele deixar o dinheiro em casa.” Aí lá vai os dois soldado veio ele, com o
saco de dinheiro danado na cabeça, [risos] quando chegou em casa com o saco de
dinheiro, isso uma história bonita, quando chega em casa, a finada minha mãe
disse: “e agora com esse dinheiro os ladrão roubam o dinheiro, o que é que se faz?”
Vai na casa de padre Cícero e diz: “meu padrinho eu queria que o senhor guardasse
meu dinheiro, meu padrinho, que eu tenho medo de ladrão roubar que nós não
temos onde guardar...”, que não tinha banco, não tinha nada, aí padre Cícero chamou e
disse: “traga sua mulher aqui, venha os dois.” minha e foi mais meu pai. Padre
Cícero foi no reservado, chamou eles dois e disse: “olhe...”, daí vem à história da
botija, disse: “vocês chegue no pé do fogão ou num lugar determinado, cave um
buraco, cace um pote, bote o dinheiro num pote, quando acabar enterre e cubra, bote
um sinal, um e outro fica sabendo, nem um nem outro conta o segredo, se você morrer
primeiro a sua mulher sabe aonde está o dinheiro e se você morrer primeiro seu
marido sabe onde está o dinheiro, guarde o dinheiro de vocês e quando forem tirar
esse dinheiro pra se servirem dele à noite, abre, tire a quantidadezinha que precisa e o
resto tranca que vocês dois ficam sabendo desse segredo.” Porque havia muito
roubo e era essa causa dos sertanejos, dos homens que tinham qualquer dinheiro
enterrarem debaixo do chão, é a realidade da botija, que nós chamamos uma botija de
dinheiro debaixo da terra, porque não havia banco, não tinha segureza e tinha ladrões
e assaltos demais, o homem que pegasse um dinheiro, o cara tomava na mão assim na
marra, se o camarada visse um camarada com uma nota de dez cruzeiro ou vinte
89
89
cruzeiro, e principalmente naquela época que era a época do cangaceirismo, da
ignorância, da tristeza, de tudo, conforme eu escrevi até neste almanaque.
91
As lembranças das experiências dos tempos de infância é uma das características na
obra de Manoel Caboclo, pois as mesmas foram sendo armazenadas nas memórias de vida do
poeta, que através de uma habilidade própria consegue transformá-las em narrativas históricas
a partir de uma poética singular.
Um exemplo disso é a narrativa acerca da venda da propriedade de seu pai, pois, o fato
histórico tornou-se um elemento tão interessante da memória criativa de Manoel Caboclo, que
ele mesmo a transformou em um poema, como percebemos no relato abaixo as peculiaridades
do mesmo.
Isso aí eu fiz, é uma história tão bonita, dava pra ter uma história bonita, porque isso aí
foi o seguinte, meu pai ia vender essa dita propriedade que ele tinha na serra de São
Pedro, chegou disse: “meu padrinho eu vim aqui pro senhor dar licença eu vender
minha propriedade e ir embora pra Alagoas, meu Padrinho.” Isso foi em 1932, isso às
oito horas, seis pras oito horas da noite. padre Cícero chegou disse: “mas meu
amiguinho pra onde é que você vai?” “Vou pra Alagoas Padre Cícero, que aqui não
pr’eu viver, o ano está seco, uma seca muito grande.” ele disse: “não não que
aqui dá pra nós, todo mundo vai escapar, Nossa Senhora ajuda e nós não morre,
ninguém vai morrer de fome não.” disse: “num venda sua propriedade porque nós
vamos marchando para um tempo que as coisas vão ficar muito cara.” perguntou:
“sua propriedade tem mororó?o finado meu pai disse: “tem.” Ele disse: “a pois
num venda não, você não corte um de mororó de maneira nenhuma, nem consinta
ninguém cortar, porque o mororó uma carga muito bonita, muito boa de sementes e
essas sementes o senhor colhe e prepare o café, o cade mororó cura vinte e cinco
qualidade de doença diferentes, inclusive o diabete em começo, uma pessoa estando
com o começo de diabete ele pode tomar o café do mororó que ele fica bom ou tomar
o entrecasca ou a raiz do mororó ou o chá.” disse: “a flor do mororó cura as
doenças do coração, combate às doenças do coração quando está começando, portanto
não venda sua propriedade que nós vamos marchando para um tempo que o café vai
ficar tão difícil que será tomado em dose como se toma uma dose de uísque, uma
bebida estrangeira que vocês não conhece.” Naquela época. E disse assim: “se bota
uma bebida, dois dedos, mediu nos dedos assim, dessa bebida, é um dinheiro tão
grande que vocês fazem uma carga de qualquer mercadoria com o dinheiro que
compra essa bebida e bota em cima de um jumento e o jumento não carrega, com o
dinheiro que se gasta, essa bebida é estrangeira.” Ele dizendo. disse: “o cavai
ficar de condição de um pai de família num poder tomar café três vezes ao dia,
pode tomar uma xicrinha por dia e assim mesmo os pobre não terão direito ao café e o
mororó um ótimo café.” disse: “não venda sua propriedade não.” Então eu
baseei nisto ele falando, ele falou sobre muitas coisas, pediu para que ninguém
roubasse, ninguém matasse, ninguém desonrasse, vivesse honestamente, não roubasse
na balança, ele pedia sempre isto. [fala para uma pessoa de fora] Isso aqui é pra
mostrar o rapaz né? Acho que ele deva vir por aqui ao meio dia. [retoma a conversa] E
então era assim, baseado nisto aí eu fiz.
92
91
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. “Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421 (Entrevista realizada por Oswald Barroso, Edvar Costa e equipe).
92
Idem.
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É em meio a todo esse contexto histórico, a família de Manoel Caboclo mudou-se para
Juazeiro, ainda menino começou a trabalhar como vendedor de lenha até agregar-se como
aprendiz realizando atividades paralelas na produção dos folhetos de cordel catando aparas de
papel na tipografia de José Bernardo da Silva. No ano de 1938, aos vinte e dois anos de idade
passou a ser um dos primeiros jovens a trabalhar no processo produtivo da Tipografia São
Francisco de Jose Bernardo da Silva.
Segundo Rosilene Alves de Melo “a convivência cotidiana com os folhetos e a
observação dos segredos, e das estratégias utilizados pelos poetas para “prender” o leitor,
aliado ao gosto pela poesia fizeram com que Manoel Caboclo se aventurasse a escrever suas
primeiras histórias”.
93
Sua trajetória na Tipografia São Francisco é marcada pela aprendizagem e evolução
poética que o mesmo vai adquirir ao longo do tempo que trabalhou ao lado de José Bernardo,
Expedito Sebastião e depois com o contato que teve com João Ferreira de Lima, este último o
incentivou nos estudos dos astros.
A trajetória poética de Manoel Caboclo é caracterizada inicialmente pela produção
anônima de seus folhetos que durante o tempo de trabalho junto a José Bernardo produziu
uma grande quantidade de poemas e nunca assinou nenhum deles perdendo o direito de cobrar
pela autoria dos mesmos.
O meu primeiro cordel?
É o seguinte, eu quando trabalhava com João Ferreira eu tinha bastante originais, que
o João Ferreira tinha um bocado de originais; eu escrevia os dele. Passei a escrever
com Bernardo a literatura de cordel dele, depois passei com João Ferreira
escrevendo sempre o folheto dele em comunhão com ele. Não, ele escrevia, eu não
escrevia, quando foi depois apareceu um poeta por nome João Cordeiro de Lima, um
poetazinho muito fraco mas muito bonzinho mas num tinha português num tinha coisa
nenhuma, ele escrevia aquilo ali uma coisa assim, então eu fazia um negócio como eu
fiz com ele para que ele me comprasse os livros que eu escrevia o folheto e dava o
título, aí deixei o titulo como se fosse dele, aí ele me cobrava dois milheiro, três, assim
ele gostava. Eu dava pra ele.
E dava para ele, escrevia e dizia que era ele, e dava pra ele, o título. Aí eu num botava
nem meu nome, era ele.
94
A partir do ano de 1956, Manoel Caboclo passou a assinar a produção poética de seus
folhetos cordéis, depois de receber orientação do pesquisador Liedo Maranhão, que o
93
MELO. Op Cit, p.91.
94
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. “Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421 (Entrevista realizada por Oswald Barroso, Edvar Costa e equipe).
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91
incentivou a proteger sua obra literária através do registro dos direitos autorais das mesmas,
diz ele:
Isso foi em 1956 ou cinqüenta e quatro, ainda hoje eu tenho esses folhetos mas
conservei tudo com o nome dele, o que eu tinha dado ficou dado mesmo, eu num ia
mudar depois pra meu nome; depois quando eu vim escrever mesmo diretamente pra
mim foi em 1970 pra cá, foi quando eu comecei porque Liedo Maranhão esteve na
minha casa e viu os folheto e disse: “você jamais escreva deixando o nome para outro,
nada, tudo que escrever seja com o seu nome.” Eu digo: “Liedo, eu não tenho
vaidade.” “Isso não é vaidade, é uma coisa que vai ficar numa antologia no futuro e
então como é que você fica? Você faz folheto, diz que é de um, depois diz que é de
outro.” Eu fiz pra outros também, folhetinhos bonzinho quando acabar vendia, o
camarada dizia: “bote meu nome que eu quero dois milheiro!” Ora, eu queria era o
dinheiro, pobre com precisão, “leva!” fazia de conta que vendia, aquilo pra mim não
tinha influencia. Ainda hoje eu escrevo. Às vezes chega um senhor aqui diz: “seu
Manoel, queria escrever uma história mas eu não sei escrever, queria que o senhor
escrevesse um romance, um meio romance.” Eu digo: “romance eu não escrevo não,
escrevo folheto de oito páginas que é... “Então você escreva!” eu escrevo a
história todinha conforme ele me diz, quando acabar ele bota assim no autor fulano
de tal, bota o nome dele, num importa não, recebo meus duzento, trezento ou
quatrocentos conto; aquilo num vale nada, a gente quando morre... Agora que eu
estou entendo que a gente quando morre ainda deixa o nome. Depois de outros
tomarem as providencias mas que a gente mesmo não pode tomar as providencia para
deixar o nome gravado na historia, são outros que incentivam. Agora depois desses
incentivos é que eu venho escrevendo meus livrinho, vem fazendo auma acroste,
todos os meus livros eu estou botando d'agora pro diante eu estou botando uma acroste
no final, quando escrevo um livro boto no final “Manoel Caboclo e Silva” e tal, e tal,
conforme os senhores têm vistos.
95
A obra de Manoel Caboclo se caracteriza a partir de algumas temáticas que foram
sendo produzidas pela “necessidade de interferir, e incorporar sua visão de mundo ao universo
mítico do cordel. Pode-se falar de obra voltada para a recuperação da memória da cidade e
para a cristalização e desdobramento do papel do padre Cícero”.
96
Manoel Caboclo produziu poemas circunstanciais que vão desde os mais variados
detalhes presentes no cotidiano vivenciado pela sociedade contemporânea como violência,
romances, lutas e histórias de amor. Entretanto, a maior parte de produção se concentra na
vertente religiosa em especifico na pessoa do Padre Cícero.
Na poesia de Manoel Caboclo e Silva, os elementos que estão interligados a temas que
retratam a vertente religiosa se voltam especificamente para a pessoa do patriarca de Juazeiro.
95
Idem.
96
CARVALHO, Gilmar de. “Introdução”. In: SILVA, Manoel Caboclo e, 1916-1996. Manoel Caboclo. São
Paulo: Hedra, 2000, p. 18. (Biblioteca de Cordel).
92
92
A figura do padre Cícero também está intimamente presente a obra poética como podemos
perceber nos poemas “O sermão do Padre Cícero no ano de 32”, produzido no ano de 1974.
97
No ano de trinta e dois
no primeiro de Janeiro
os raios do sol queimavam
as folhas no taboleiro
não teve barra de ano
nem sinal de nevoeiro
Quando o dia alviçareiro
dava o sinal da manhã
no nascente rebentava
as barras cor de Romã
nos galhos secos das árvores
cantava triste o Cauã
Não se via folhas verdes
aos vales e serrania
no céu azul escarpado
nem uma nuvem se via
parece que a natureza
tranqüila dormia
Perdeu-se toda lavoura
dos pobres agricultores
o gado morrendo a fome
era horror dos horrores
o sertão quase deserto
ficou poucos moradores
O povo no Juazeiro
fazia reunião
na porta de meu padrinho
para fazer oração
receber as santas “benças”
ouvir o santo sermão
Eram 6 horas da tarde
o povo estava esperando
na janela principal
meu padrinho ia chegando
em nome da mãe de Deus
os romeiros abençoando
Tinha cabra valentão
que era fera bravia
não acreditava em Deus
nem ao governo temia
na frente do Padre Cícero
perdia a fala e tremia
Meu padrinho naquela hora
a todo mundo agradava
a uns dava conselho
a outros esmolas dava
para uns era remédio
e a outros consolava
97
SILVA, Manoel Caboclo e. O Sermão do Padre Cícero no ano de trinta e dois”. Juazeiro do Norte: 1974
(Coleção do IPESC doada por Antonio Renato Casimiro ao Museu do Ceará).
93
93
A produção poética de Manoel Caboclo passa a constituir uma rica narrativa acerca da
tradição histórica em torno da pessoa do Padre Cícero. Como testemunha ocular de vários dos
acontecimentos históricos, Manoel Caboclo passa a compor uma poética com características
próprias acerca deste lugar. Esta composição poética se constitui como base de todo um
arcabouço cultural que consolida ainda mais a tradição religiosa na figura do Padre Cícero
como elemento central de toda uma concepção de mundo naquele momento.
Em depoimento ao projeto de literatura de cordel, Manoel Caboclo faz um relato sobre
o beato que matou a mãe e recebeu do padre Cícero a penitência de passar o resto de sua vida
a peregrinar pedindo esmola e a chorar.
Essas cenas eu assisti. Assisti cena do beato, o beato com a cruz nas costas chorando...
Não me lembro o nome dele, andava de porta em porta pedindo esmola quando ele
chegava na esquina... saia naquele quarteirão chorando, quando ele chegava nessa
esquina a primeira pessoa que ele encontrasse pedindo esmola ou necessitada ele
pegava as esmola que recebeu aí entregava o outro.
Parece que é, parece que era aquele que o padre Cícero deu pra ele essa penitencia
dele chorar até o fim da vida, aí ele cumpria aquela penitencia com amor, não era com
desprezo não, era por livre e espontânea vontade, ele obedecia àquela ordem, vivia
naquela sociedade no meio da sociedade mas cumprindo aquela missão sem um tico
de vergonha, sem medo de contar o que tinha acontecido na vida dele, porque fazia
aquilo em obediência ao padre Cícero.
98
As narrativas históricas de Manoel Caboclo trazem detalhes interessantes na
composição de sua poética, pois os relatos constituem uma memória vivida sobre o fato
histórico de um determinado momento do passado, como é o relato acerca do caso do boi
mansinho que o Beato José Lourenço recebeu de presente do padre Cícero.
O beato Zé Lourenço, eu cheguei a ver o beato mas não tive conhecimento, intimidade
com ele, mas cheguei a ver ele aqui em Juazeiro, uma ou duas vezes, era um negrão
alto.
Sim, tinha aquele caso do boi mansinho, aquilo parece que foi um boi que
presentearam o padre Cícero, mas tudo que é zelado tem amor, aí o boi fazia o
seguinte, o boi vivia solto pelas as ruas, o boi chegava aqui dizia: “ah! Olha o boi
do meu Padrinho, uma espiga de milho a ele!” um dava uma espiga de milho e
boi comia. Adiante chegava na casa vizinha, ele botava a cabeça na porta: “dá um
pedaço de pão!” dava um pedaço de pão ao boi, o boi comia. Adiante chegava
outro dava água, adiante outro dava uma palha de milho, adiante outro dava um
punhado de farinha e o boi acostumou-se e saía rua a cima, rua a baixo comendo pelas
casas, viu, quando você dava fé o boi chegava, era um boi bonito, todo mundo gostava
o boi mansinho, chamava-se o boi mansinho, o pessoal começaram o fanatismo
com o boi, um chegava e amarava um laço de fita no chifre do bóio [boi], outro
amarrava na calda doio, aí o boi ficava todo enfeitado, todo bonito, [risos] andando
98
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. “Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421 (Entrevista realizada por Oswald Barroso, Edvar Costa e equipe).
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rua a riba, rua a baixo, correu o boato que o boi tava operando milagre, você sabe
que as coisa tudo tem um princípio, tudo tem um princípio e tudo tem um fim, aí
quando doutor Floro tomou conhecimento que o boi o pessoal estava dizendo que o
boi operava milagre, mandou pegar o boi, matar e dar aos presos pra comer, aí
mataram o boi e deram aos presos pra comer.
99
As narrativas históricas sobre o cotidiano da cidade de Juazeiro do Norte, e da pessoa
do Padre Cícero. As memórias de Manoel Caboclo sobre os fatos históricos da cidade e do
padre cero, são fartas em suas lembranças, que às relatas com a precisão não de um
observador in locu, mas também de um nato e hábil narrador que se utiliza dosenso prático
para relatá-las como suas experiências de vida.
100
Os relatos de Manoel Caboclo sobre os fatos cotidianos da cidade de Juazeiro nos dão
uma visão mais precisa de como a história foi sendo produzida ao longo do tempo através
destes agentes históricos que se constituíram como produtores de uma narrativa poética sobre
o contexto histórico vivenciado por esta sociedade.
Sim, então aquele padre, o camarada quando chegava ali mudava de sentido, de ação;
então o padre Cícero, podia ser o criminoso que houvesse, chegando aonde ele estava,
mudaria o plano, mudaria ação, então o padre Cícero para que ele não continuasse na
sua maldade lhe daria um castigo, botava ele para trabalhar, entrega ele no poder
judiciário com a condição dele ficar um preso entregue ao doutor Floro como um
sentenciado mesmo sem o crime dele ter sido desta cidade, ele ficava como um
exilado, então ficava uma espécie de asilo, ninguém vinha também, o governo não
vinha atrás, quando era um indivíduo que era descoberto próprio mesmo, o padre
Cícero entregava, que a justiça vinha atrás, ele entregava, mas quando era um
individuo que vinha procurando um asilo, queria ficar exilado, vinha de Alagoas, dum
canto qualquer onde ele tinha matado, tinha praticado um crime, ou era um
criminoso desses que andava, vivia de matar gente e queria viver honestamente,
vinha, chegava e confessava a ele, aí ele entregava ele para o doutor Floro, aí o doutor
Floro daria o castigo: “você vai ficar, ninguém vem lhe buscar mas você vai ficar aqui
carregando pedra pra cidade, trabalhando, você ganha comida, vai viver
trabalhando pra cidade, construindo essa cidade, trazendo pedra do Horto pra fazer
esses calçamento”, era umas pedrona grande; o senhor via um cabra daquele com
uma pedra na cabeça era um monstro deste tamanho, sacudia lá, quando ele voltava, ia
buscar outra, o dia todinho carregando pedra; você perguntar: “rapaz, você num podia
deixar isso aí e vai caçar...?” “Não, estou cumprindo aqui uma ordem e tal.”
101
No depoimento de Manoel Caboclo, o relato histórico sobre a ação autoritária do Dr.
Floro, quando mandava matar aquele que transgredisse as normas de conduta e
99
Idem.
100
BENJAMIN, Walter, “O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. In: Magia e técnica, arte
e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 200 (Obras escolhidas;
v. 1).
101
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421 (Entrevista realizada por Oswald Barroso, Edvar Costa e equipe).
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comportamento que era definida segundo a lei que ele mesmo tinha estabelecido para coibir
os exageros dos moradores da cidade de Juazeiro.
O doutor Floro? Houve muitos, os que desobedeciam morria, o cara matou, matou por
que? Perversidade, tava bêbado e matou o outro. Diz: “então você vai preso e amanhã
você vai pagar na morte.” Pagava com a morte, doutor Floro fez isto muito: “você
matou, mas matar por que? Você matou sua mulher por que? Porque chegou em casa
bêbado. Mas ser bêbado e chegar em casa assassinar sua mulher? Não tem dúvida não,
vai, você fica.” E quando tinha razão também o camarada não matava todos não;
como parece que houve casos de razão que o doutor Floro dizia: “você tá livre, pode ir
embora. Você matou mas o cara veio lhe matar, você matou pela justa razão.” Como
teve um caso dum cidadão que tinha uma mulher e parece que foi um cabo, começou a
namorar com a mulher do camarada, aí o marido da mulher conheceu foi onde
estava, chegou disse: “doutor, tem um cabo da polícia que está seduzindo minha
mulher. O que é que o senhor acha?” o doutor chamou o cabo, deu conselho e etc.
e tal, e mandou que...; ele disse: “eu queria que o senhor retirasse esse homem daqui.”
Ele disse: “eu não posso tirar esse homem daqui porque ele na corporação.” Ao o
cara ficou, quando foi um dia ele chegou em casa e encontrou o cabo mais a mulher,
passou fogo na mulher e matou os dois, que quando matou, saiu direito foi na casa
do doutor Floro, quando chegou disse: “pronto, o negócio é esse, o cabo tava em
casa mais minha mulher de tal maneira e o senhor manda me matar também, fazer o
que quiser.” Ele disse: “não, matar não, você vai embora, nós não queremos você aqui
pra não insinuar mas você pode ir embora.” Pronto, isso aí são coisas...
102
Estes relatos mostram que o poeta Manoel Caboclo se constitui como um guardião da
memória dos momentos históricos que foram se constituindo em torno da cidade e de seus
habitantes.
“você fique aqui, num pratique maldade, porque praticou a maldade, morre.” Doutor
Floro também botou aquela lei, também aquele que praticar, que roubar, que matar,
que desonrar, que beber, que praticar maldade, morre, e morria mesmo; então o cara
pra não morrer, era as duas leis, era a lei da... padre Cícero se baseava, como quando
doutor Floro chegou pra poder botar essa lei de matar, o padre Cícero na praça
mandou chamar o doutor Floro, padre Cícero e todos os presos, o padre Cícero
disse: “quem matou, não mate mais, quem roubou, o roube mais, quem foi
desonesto, não seja mais, quem foi impuro, não seja mais, quem foi desrespeitadores,
não seja mais, respeitem as leis de Deus, respeitem o governo e respeitem as leis
eclesiásticas que está todo mundo perdoado, Deus perdoa e a justiça perdoa.” Quando
terminou doutor Floro disse: “todos estão perdoados, vão pra suas casas, depois o
que praticar maldade, morre.” Ficou tão simples isto, claro, que todo mundo sabia,
quando praticava maldade morria mesmo; passado já um ano ou mais, o senhor podia
pegar uma bolsa de dinheiro, cheia de dinheiro, sacudir no meio da rua, no meio da
rua, se uma criança de um ano ou dois anos num pegasse, que uma pessoa velha
passava quando via a nota, o cara corria pra acolá, passava por fora, quando via o
dinheiro, uma nota de dinheiro ela bolava, o vento levava e ninguém apanhava, porque
ele mandava fazer experiência, saber de que maneira estava girando Juazeiro: “você
vai levar uma nota de dez mil reis..” ou de cinqüenta mil reis, naquele tempo,
mandava o soldado: “bote no meio da rua e fique lá, fique de parte, a paisana
olhando pra ver como é que está girando.” Ela passava o dia todinho lá, o soldado
olhando de cá, a nota lá, todo mundo passando pra lá e pra cá e a nota no meio da rua,
quando era cinco horas da tarde o cara apanhava a nota: “pronto Doutor, olha aqui.”
102
Idem.
96
96
Dizia: “ninguém viu?” “Todo mundo viu.” “E num quiseram a nota não? “Não,
ninguém quis não.”
103
Os relatos históricos memoriados por Manoel Caboclo formaram um grande
arcabouço poético que foi produzido ao longo dos anos. A partir da década de sessenta,
Caboclo passa a editar sua produção através de sua própria tipografia. No entanto, o que ele
mais gostava de produzir era a literatura de cordel.
Então, tenho muito gosto pela literatura de cordel e peço aos senhores que sejam
incentivadores da literatura de cordel, deixem livre, escrevam nos livros quando
escrever a liberdade para a literatura de cordel, para que o poeta possa vender livre,
porque é uma tradição; a literatura de cordel não deve morrer, não deve ficar em
museu pra se saber quem era não, a literatura de cordel deve seguir até os fins dos
tempos, porque é uma coisa que agrada.
104
Para Caboclo a literatura de cordel é uma tradição poética que não pode ser deixada de
lado, pois a mesma é uma das autênticas expressões da cultura do povo sertanejo, e por isso
não deve ser esquecida. Para Caboclo a literatura de cordel é a forma mais simples que o
poeta tem para se comunicar com seu público, pois desde a sua produção da poética do cordel
o poeta já procura identificá-la com as coisas simples da vida do homem comum.
Segundo Manoel Caboclo, a construção de sua escrita poética caracteriza-se pela
prática do fazer cotidiano do homem comum, onde o mesmo faz com que as coisas do dia a
dia possam ser vista como arte popular.
Como eu escrevi aquele folhetinho da “Juvenal e Cristina”.
Juvenal e Cristina? Como foi que eu originei ela? Aquilo é o seguinte, eu cheguei
aqui, à noite, eu perdi o sono, estava um chuvinha fina e eu perdi os sono, já onze
horas da noite, que eu estou sofrendo um pouco de insônia, de cansaço mental, que eu
nunca tive uma férias, nem do INPS, olhe, eu pago INPS dez anos, eu nunca
requeri uma licença do INPS, não senhor, de jeito nenhum eu nunca requeri, eu nunca
tive um dia de descanso, a minha vida é trabalhar; então eu me senti cansado, me
sentei nesta mesma mesa e tinha um pedacinho de papel aqui em cima da mesa, eu
peguei aqui e encontrei “Cristina, mulher do advogado... esposa do advogado fulano
de tal e tal”, o pedaço de papel rasgou, na frente dizia: “apaixonou-se pelo
individuo de procedência de baixo galão...” e terminou, num disse mais o resto: “no
qual hoje a separação do casal, estão tratando do desquite e tal...”, aí terminou o papel,
era um pedacinho pequenininho assim, eu baixei a cabeça aqui pensei, eu
digo: “eu vou escrever a história, agora eu não tenho o roteiro da história mas não vou
também botar o nome das personagens, não sei quem era, nem quem era advogado
nem quem não era; aí botei:
“já era tarde da noite,
ainda eu estava acordado
103
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421 (Entrevista realizada por Oswald Barroso, Edvar Costa e equipe)
104
Idem.
97
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debruçado numa mesa
com um papel desbotado
escrevendo de Cristina
à noite e seu passado.
Serve até por testemunho
os recorte dos jornais
novela e televisão
aonde vimos demais
se repetirem nas cenas
os quadros sentimentais…”
me veio àquela história de Cristina, conforme o senhor deve ter lido, escrevi
aquela história até chegar o final. Aí a gente baseia no roteiro de uma história qualquer
que a gente ouve falar ou mesmo cria na mente e leva até o fim. Eu posso criar na
mente uma história e levar ela até terminar e sempre quando termino, eu termino
sempre combatendo o mal, mostrando o exemplo de que ninguém deve seguir o que
aquela pessoa segui daquela maneira e se dar mal.
105
Segundo Caboclo, a poética da literatura de cordel teve na produção do mercado
editorial momentos de uma grande distribuição e venda dos folhetos. Para Caboclo isso é
decorrência das transformações e mudanças sociais por qual passou a sociedade a partir da
década de cinqüenta que participou intensamente do processo de inserção do rádio da
televisão, que proporcionou um avanço não só na comunicação áudio visual, como também na
cultura escrita.
Mas aquilo que é bom não morre, aquilo que é de bem para a coletividade, aquilo que
é de bom para uma sociedade mesmo que se apague, mas não é de tudo, renasce, é que
nem o amor, o amor ele está fervoroso depois ele morre, ele dorme, ele num morre,
ele dorme, quando a gente menos pensa, ele acorda novamente, então é isto que está
se dando com o cordel, o cordel está sendo entendido hoje pelas pessoas de cultura,
pelas pessoas que m uma capacidade importante, estão entendendo que o cordel
tem algum valor. O valor o cordel está simplesmente na educação do nosso povo,
porque o cordel é muito primário antes do MOBRAL, cordel vem de tão distante, não
pelo simples fato de ser pendurado em cordas, em cordões, essa coisa, como quer
dizer “cordel” , quer dizer, com as cordas do coração vibram as histórias, as notícias,
aquilo muito antes de haver este meio de comunicação que nós temos hoje, que se fala
de um Brasil para o exterior, e do exterior para o Brasil, sem trabalho; naquela época
quando Dom Pedro II montava a cavalo ou saía num carro viajando, dez, doze, quinze
léguas por dia para visitar uma cidade, já o cordel trazia aqueles conhecimentos para o
povo. O cordel vem ajudando as escolas, porque o difícil num é o senhor desenvolver
um estudo quando o senhor está muito além, uma química ou a medicina, uma
engenharia, difícil é o senhores aprenderem o “abc”. O senhor nota quando o senhor
era criança que estava na escola, quando o professor ou a professora dizia: “isso aqui o
que é?” lá vai, aquilo lhe dava dor de cabeça, dava vontade de chorar, dava vontade de
desistir; tudo aquilo tornou-se um bem para seus estudos, para as academias de letras
do dia de amanhã; então o cordel ensinava naquela época dava gosto a uma
criança por meio de uma poesia muito fácil ele desenvolver as coisas; então o cordel é
um sentido que torna-se um pouco profundo porque é os amentos e lamentos do
coração, é as cordas do coração quem vibra; importante se ver um indivíduo que num
tem nenhuma cultura mas tem o dom de poesia, orador de poesia é uma coisa e cultura
é outra, se um indivíduo culto e letrado mas não é poético, se um indivíduo que
num tem nada de cultura e tem uma poesia bonita. Isso é uma coisa muito importante.
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Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421 (Entrevista realizada por Oswald Barroso, Edvar Costa e equipe).
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Então, eu sempre cultivo a poesia porque a poesia está cada vez mais instruindo o
nosso povo, nós por meio da poesia, o senhor num conhece por meio da poesia,
mesmo por meio da literatura, o senhor num conhece aquelas histórias do passado
todas de um povo, mas dentro da poesia da literatura de cordel o senhor poderá
conhecer muita coisa daquilo do passado; agora uma coisa importante, a coisa
imaginária, quando nós dissemos uma palavra outro tinha dito anterior, quando na
sua inteligência o senhor descobre uma coisa qualquer vai atrás, outro já descobriu
aquilo mesmo que o senhor descobriu, apenas que aquele indivíduo num cultivou e o
senhor hoje fazendo pesquisa e cultivando aquilo que houve. Então isso é muito
importante, as palavras são repetidas, são repetidas, aqueles som é repetido como as
transmissões de rádio são repetidas de uma para outra. Hoje nós temos essa facilidade.
Hoje já os homens tão entendendo, estão tendo gosto com a literatura de cordel porque
viram que a literatura de cordel foi à mola, o desenvolvimento de um povo ignorante
que havia no tempo passado. Então eu adoro muito a literatura de cordel, eu gosto, eu
sou um pequeno poeta dos mais fracos, mas o que me fez poeta num é porque eu
tivesse lá um dom, é não, foi o gosto, aquele gosto que eu tenho de escrever.
106
Para Caboclo o processo de difusão da literatura de folhetos teve seu declínio devido
uma série de fatores. Segundo o poeta este declínio se deu devido quando o mercado da venda
da literatura de cordel começou a entrar em decadência, quando do abandono da atividade de
alguns nomes tradicionais deste ramo comercial. Outro fator é o desaparecimento da profissão
de folheteiro devido à cobrança de impostos sobre a venda dos cordéis e por causa dos
pequenos lucros que este negócio proporcionava aos mesmos.
Ah! Isto, a queda disto começou antes do MOBRAL, mais ou menos em 1950 por
assim, ele teve muita atividade logo no começo mas depois fracou, ficou José
Bernardo da Silva mantendo; é tanto que Joaquim Batista deixou de escrever, João
Martins de Ataíde deixou de escrever, vendou as propriedades dele; e finalmente esses
homens que mantinham a literatura de cordel resolveram abandonar porque não dava
futuro, não vendia suficiente. Então, depois que entrou Mobral, este movimento do
Mobral, então as crianças começaram a criar gosto pela literatura de cordel, pelas
músicas, pelas poesias, essa coisa, então, aquilo ali é muito bom, a literatura de cordel
teve um impulso; e hoje, não isto como nosso governo também amparou mais, está
amparando, amparou e está amparando mais a literatura de cordel; é tanto que é uma
coisa livre, num está livre total porque num ainda um conhecimento geral nos
delegados para amparar a literatura de cordel nas feira, no transmissor, naquele
homem que faz a venda do cordel, aquele está desprotegido, aquele pobre daquele
homem compra um centinho [100] daquele folheto ou dois, conforme as condições,
vai vender nas feiras, mas quando chega nas feiras o delegado manda cobrar, estipular
uma cota naquilo ali que às vezes o cara num pode pagar, como tem deles de me
contar que o delegado cobra trinta conto pra ele vender um cento de folheto que
compra por quarenta ou cinqüenta, um centinho daquele folheto de oito páginas, pra ir
vender com cinco, seis, oito, dez léguas, em cima de um caminhão, sujeito até a
morrer numa virada por aí a fora, pra vender aquele folheto, pra daquilo ali tirar trinta
conto pra dar ao delgado. Por garantia de quê? O que é que o delegado está garantindo
no folheto? Folheteiro? Porque ele garante o comércio, ele garante uma banca de
mercadoria, ele garante uma joalheria, uma coisa qualquer, o delegado está garantido
com o policiamento, mas o quem garante um pobre dum homem que está lendo um
folheto no meio da feira? O que o soldado está garantindo a ele, em quê? Que garantia
ele tem do soldado? Nenhuma. Mas se acha obrigado a pagar; não todas as cidades,
mas aquelas menos civilizadas, porque se um delegado... ele é um homem civilizado,
ele já entende que aquele moço que está na feira está cumprindo um dever, está
trabalhando e ao mesmo tempo ele está educando por meio do cordel, àqueles
106
Idem.
99
99
alfabetos do da serra, aqueles homens que não tiveram cultura, que nunca
freqüentaram um banco de uma escola e outros que nem podem freqüentar porque
passa o dia trabalhando, um dia por oito ou dez cruzeiros para dar de comer a oito ou
dez filhos e a noite está totalmente enfadado num vai mais aprender, diz logo: “eu
num vou mais aprender nada disso. O que me importa com a vida? Que eu num ganho
nem pra viver? Então é isto, mas as crianças, os filhos se interessam, quando o pai
está nessa situação o filho diz: “mas eu li o romance, uma história tão bonita “Juvenal
e Cristina, Geraldo e Madalena, Alonso e Marina”, e outros. Aquilo nos traz a
recordação porque a poesia é como a música ela entra em letra e música, a poesia bem
feita por quem sabe, ela entra não a letra e como a música; então aquilo ajuda o
desenvolvimento cultural do nosso povo.
107
Os meios de comunicação também passaram em determinado momento gerar efeitos
que contribuíram com o desgaste na difusão de uma literatura a popular, em especifico com
relação à produção e distribuição dos folhetos de cordel. Para Caboclo os meios de
comunicação promoveram um avanço da difusão de novas culturas, no entanto, para o poeta a
produção da literatura de cordel teve que dar espaço à outra formas de expressões culturais,
como por exemplo, a música.
Portanto, diante destas questões, percebemos que os meios de comunicação passam a
definir uma nova prática cultura, no entanto, segundo Manoel Caboclo não foram
responsáveis diretamente pelo processo de declínio da produção da literatura de folhetos de
cordel no Nordeste. Para o poeta Manoel Caboclo, a produção de literatura de folhetos é uma
coisa muito importante, pois a mesma tem uma finalidade de informar, ensinar e promover a
cultura do povo.
Então, eu sempre cultivo a poesia porque a poesia está cada vez mais instruindo o
nosso povo, nós por meio da poesia, o senhor num conhece por meio da poesia,
mesmo por meio da literatura, o senhor num conhece aquelas histórias do passado
todas de um povo, mas dentro da poesia da literatura de cordel o senhor poderá
conhecer muita coisa daquilo do passado; agora uma coisa importante, a coisa
imaginária, quando nós dissemos uma palavra outro tinha dito anterior, quando na
sua inteligência o senhor descobre uma coisa qualquer vai atrás, outro já descobriu
aquilo mesmo que o senhor descobriu, apenas que aquele indivíduo num cultivou e o
senhor hoje fazendo pesquisa e cultivando aquilo que houve. Então isso é muito
importante, as palavras são repetidas, são repetidas, aqueles som é repetido como as
transmissões de rádio são repetidas de uma para outra. Hoje nós temos essa facilidade.
Hoje já os homens tão entendendo, estão tendo gosto com a literatura de cordel porque
viram que a literatura de cordel foi à mola, o desenvolvimento de um povo ignorante
que havia no tempo passado.
108
Para Manoel Caboclo a literatura de cordel teve um papel definitivo no processo de
difusão cultural para o povo.
107
Ibidem.
108
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. Museu da Imagem e do Som MIS. “Projeto Literatura de Cordel”.
Juazeiro do Norte: FK700423 (Entrevistadores: Oswald Barroso e equipe do Ceres).
100
100
CAPITULO 3: A produção dos almanaques populares em Juazeiro do Norte.
A produção dos folhetos populares no Juazeiro do Norte foi bastante expressiva no
cenário nordestino não devido à inserção de algumas gráficas que passaram a surgir na
cidade por volta da década de cinqüenta, e especificamente pelo grande sucesso no mercado
editorial que a Tipografia São Francisco de propriedade de José Bernardo da Silva teve em
todo o Nordeste. Mas também pelo surgimento de novos poetas editores de cordel que
passaram a produzir um leque variado de temáticas para suas produções. Estes novos artesãos
dos versos ficaram conhecidos devido às várias formas do fazer poético presente em suas
obras.
Estes poetas passaram a produzir um tipo de literatura que traz em si elementos
significativos do cotidiano sócio-cultural da urbanidade da cidade de Juazeiro a partir do
processo de construção das narrativas que envolviam o imaginário religioso, e de eventos
pitorescos que aconteciam na cidade. Em grande parte a produção destes poetas era definida a
partir da escolha de suas temáticas que tinham como base o teor das diversas circunstâncias
que cercam o cotidiano urbano e rural da sociedade moderna.
No entanto, a partir da década de cinqüenta a produção de folhetos populares passa por
algumas transformações em decorrência das mudanças que passaram a ocorrer na sociedade.
A inserção dos meios de comunicação no contexto rural do Nordeste brasileiro possibilitou ao
indivíduo pertencente a este contexto uma maior facilidade no recebimento de novas
informações. Estas transformações possibilitaram que os editores dos folhetos populares
produzissem mais temáticas elaboradas com base nos eventos que se sucediam no cotidiano
da sociedade naquele momento. No entanto, a rapidez das informações pelos meios de
comunicação, causa uma mudança significativa nas relações sociais dos indivíduos,
principalmente no que concerne a prática da leitura dos folhetos de cordel.
A produção dos folhetos populares até a década de setenta alcançou percentuais
extraordinários, vindo à crise em seguida. Muitos colocaram a culpa no preço do papel, na
inserção de novas tecnologias e na questão de que ninguém mais comprava cordel para ler, se
informar e se divertir. No entanto, a crise não pode ser explicada por esta perspectiva, mas
por um conjunto de fatores que são responsáveis por represarem a produção dos folhetos
populares em todo o Nordeste.
101
101
Em meio a esse processo de crise na produção de uma literatura tipicamente popular
que se pautava na publicação dos folhetos de cordel, passou a se produzir outro tipo de
literatura que tinha uma proposta diferenciada, que foi a dos almanaques astrológicos ou
livrinhos de feira como são conhecidos. Esse tipo de literatura foi ganhando espaço no
contexto de produção dos folhetos populares em todo o Nordeste.
Estes folhetos eram comercializados nas feiras, mercados públicos e em diversos
pontos de vendas de folhetos populares espalhadas nas inúmeras localidades do Brasil. A
distribuição desses almanaques era feita especificamente pelos próprios autores que
mantinham uma clientela seleta no consumo de suas publicações. Os autores dos almanaques
mantinham uma rede de agentes que tinham a responsabilidade de ser representante exclusivo
na negociação e distribuição dos almanaques nas várias cidades. É comum encontrar o
registro dos vários agentes, negociantes de literatura de cordel, folheteiros e vendedores
ambulantes desse tipo de literatura, no verso da última página dos almanaques astrológicos.
Esses dados correspondiam ao nome dos mesmos, endereço e os artigos que se
comercializava, como é o caso de um agente chamado Francisco das Chagas residente à Rua
Abílio Martins, 17, ICe, que expõe a venda não os almanaques astrológicos como
também livros, vidros, drogas medicinais entre outros. Este agente era um dos que
negociavam com o poeta e astrólogo Manoel Caboclo da cidade de Juazeiro do Norte o seu
“Almanaque Juiz do Ano para o Nordeste”.
109
Poucos eram os poetas ou cordelistas que se dedicavam à produção dos almanaques
astrológicos, pois para a confecção e produção desse tipo de folheto era necessário que os
mesmos tivessem uma formação básica acerca da ciência astrológica. Estes poetas populares
se diferenciavam dos demais, devido ao profundo conhecimento adquirido através das
diversas leituras acerca da astrologia, do ocultismo e da magia. A leitura acerca da ciência
astrológica mesclava uma perspectiva pseudo-científico à mística popular do ocultismo e da
magia, que ao longo do tempo foi se unindo a uma vasta experiência de vida de cada um
desses indivíduos. Esta junção proporcionou a acumulação de saberes e práticas por parte
desses indivíduos, que passaram a ser os principais representantes de um conhecimento que
109
SILVA, Manoel Caboclo e. Almanaque Juízo do ano para o Nordeste. Juazeiro do Norte: Casa dos
Horóscopos, 1972, p. 20.
102
102
une o científico e o popular “numa maneira poética e cifrada de ler este vasto mundo,
desafiador e imprevisível”.
110
Portanto, procurando entender como os almanaques astrológicos passaram a ser
produzidos e distribuídos como uma alternativa literária dentro da produção de folhetos
populares na cidade do Juazeiro, buscou-se neste capítulo analisar como a astrologia foi sendo
apreendida pelos poetas como ciência, e difundida por eles como produção cultural dentro do
contexto da editoração dos folhetos populares no Juazeiro do Norte.
Para isso, procuramos analisar como o “Almanaque Juízo do Ano”, de autoria de
Manoel Caboclo, passou a ser produzido ao longo de quatro décadas. Neste capitulo, buscou-
se entender como esse profeta do tempo concebia as concepções sobre o passado e o futuro
através do estudo da “ciência” astrológica, e assim, construía toda uma visão de mundo que
era permeada por elementos presente na cultura popular.
Inicialmente, analisou-se como a produção dos almanaques passou a ser inserida e
produzida na cidade de Juazeiro do Norte a partir do momento em que a Tipografia São
Francisco passou a editar o “Almanaque de Pernambuco” de autoria de José Ferreira de Lima.
Neste primeiro momento, a análise da literatura de folhetos populares tornou-se uma rica
fonte de pesquisa, pois foi delineando a trajetória da inserção da prática da ciência astrológica
dentro do contexto de edição dos folhetos de cordel na cidade de Juazeiro do Norte.
Em um segundo momento, investigou-se como surgiu a primeira gráfica tipicamente
voltada para a produção de almanaques astrológicos na cidade de Juazeiro, que foi a “Casa
dos Horóscopos” de propriedade do poeta Manoel Caboclo e Silva que passou a produzir de
sua autoria por mais de quatro décadas o “Almanaque juízo do ano para o Nordeste”. Neste
tópico utilizaremos as fontes historiográficas na construção do trajeto histórico, e as
entrevistas com o poeta e astrólogo Manoel Caboclo gravadas pelo “Projeto Literatura de
Cordel” realizadas na década de setenta pelo grupo CERES, disponível no Museu da Imagem
e do Som – MIS na cidade de Fortaleza.
A utilização dessas entrevistas tem como finalidade compreender a partir do
depoimento de Manoel Caboclo, como o mesmo foi apresentado à ciência astrológica e de que
110
SILVA, Manoel Caboclo e. Manoel Caboclo. São Paulo: Hedra, 2000, p.31.
103
103
forma este poeta mesclou a astrologia a sua poesia. Pretende-se, também, entender como o
poeta Manoel Caboclo passou a produzir o seu “Almanaque Juízo do Ano” através da Casa
dos Horóscopos na década de sessenta na cidade no Juazeiro do Norte.
Finalizando, analiso o Almanaque Juízo do Ano buscando compreender como o poeta
Manoel Caboclo fazia suas previsões astrológicas para o ano vindouro através de uma leitura
dos astros que se mesclava a uma experiência de vida que se voltava para uma visão de
mundo tipicamente do cotidiano da cultura do homem sertanejo.
Neste tópico utilizou-se da analise dos depoimentos de Manoel Caboclo procurando
entender como o poeta fazia o registro de suas previsões no seu almanaque. Também se
passou a analisar as previsões astrológicas que Caboclo fazia para o devido ano que era
lançado o Almanaque Juízo do Ano. Outra fonte utilizada foi o jornal a Ação, que sempre
trazia matérias sobre as previsões astrológicas dos estudiosos dos astros, e as condições do
clima e do tempo para a região do Cariri. Buscou-se neste momento fazer uma correlação
entre as previsões do almanaque para o ano subseqüente comparando-os ao transcurso dos
eventos climáticos previstos naquele período.
Diante disto, pretende-se perceber neste capítulo como a produção deste almanaque
que tinham como objetivo principal informar o homem do campo sobre as previsões do tempo
e das estações do ano, ao longo do tempo passou a se constituir como parte integrante da
cultura do povo sertanejo e como principal fonte de inspiração para a produção de outra
categoria de folhetos populares.
3.1. Almanaques astrológicos: ciência e magia na cidade do Juazeiro.
A produção dos almanaques remonta à Europa do século XVII, onde tinha um teor
informativo e de orientação para a população do campo. Segundo Robert Mandrou, os
almanaques passaram a ter uma visibilidade mais popular junto ao povo na França do antigo
regime devido às várias modificações que os mesmos foram recebendo através do trabalho
dos editores de calendários astrológicos anuais, que passaram a introduzir e “reunir num
livro os conhecimentos mais importantes da época nos campos matemática e da astrologia”.
111
111
MANDROU, Robert. “De la culture populare aux 17 et 18 siècles: la bibliotèque bleue de Troyes”. APUD
MELO. Op. Cit. 2003, p. 122.
104
104
De acordo com Jacques Le Goff, os almanaques constituem uma categoria
multifacetada dos saberes populares de uma determinada cultura que passam a ser publicados
por uma produção literária que se dirige para informar um publico limitado à arte da leitura e
da escrita. Segundo Le Goff, esta literatura se caracteriza por fazer uma amostragem
pertencente às práticas da cultura popular, pois, os mesmos são “ilustrados com signos,
figuras, imagens, o almanaque dirige-se aos analfabetos e a quem lê pouco”.
112
Segundo Le Goff, os almanaques oferecem um saber ilimitado da cultura do povo,
pois reúne uma quantidade variada de informações sobre os mais diversos assuntos
pertencentes ao cotidiano dessas sociedades.
Reúne e oferece um saber para todos: astronômico, com os eclipses e as fases da Lua;
religioso e social, com as festas e especialmente as festas dos santos que dão lugar aos
aniversários no seio das famílias; cientifico e técnico, com conselhos sobre os
trabalhos agrícolas, a medicina, a higiene; histórico, com as cronologias, os grandes
personagens, os acontecimentos históricos e anedóticos; utilitários, com a indicação
das feiras, das chegadas e partidas dos correios; literário, com anedotas, fábulas,
contos; e finalmente, astrológico.
113
Os almanaques trazem informações necessárias à prática cotidiana do individuo que é
desprovido de conhecimento cientificamente aprofundado sobre determinados assuntos,
principalmente os de ordem técnicas como os relacionados aos estudos das estações do ano.
Segundo Rosilene Alves Melo, os almanaques eram publicações anuais que “apresentavam
previsões de chuvas e de secas, as épocas mais propícias ao plantio e a colheita, informações
sobre as doenças e o uso das plantas medicinais para curá-las. Além disto, os almanaques
trazem o calendário anual, as datas comemorativas, orações, os santos de cada dia, eclipses e
anedotas”.
114
No Brasil os almanaques passaram a ser publicados a partir do século XVIII, e se
voltam para uma diversidade de assuntos e temáticas que correspondem às expectativas de
cada publico que os produtores e editores objetivavam atingir. Os assuntos se diversificavam
dentro de várias propostas para atingir todo o mercado, desde temáticas que versava sobre a
administração política, econômica e cultural, também foram sendo produzidos almanaques
que se voltava para a medicina social e para o publico feminino. Entre esses assuntos, foram
publicados no Brasil o Almanaque Histórico do Rio de Janeiro, um dos pioneiros, o
112
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1994, p. 527.
113
Idem, p. 527.
114
MELO. Op. Cit. 2003, p. 121.
105
105
Almanaque das Fluminenses (1890), o Almanaque Brasileiro (1903), o Almanaque, mercantil
e industrial da Província de São Paulo (1957) e o Almanaque Biotônico Fontoura.
Em uma investigação sobre a trajetória da Tipografia São Francisco na cidade de
Juazeiro do Norte, Rosilene Alves de Melo expõe que os almanaques eram editados no
Brasil desde o século XVIII, no entanto, essa produção era muito especifica para alguns tipos
de temáticas. Somente depois é que os almanaques passaram a ser produzidos dentro de uma
diversidade de assuntos que se voltava para todos os níveis sociais. Segundo a autora, os
almanaques passam a fazer bastante sucesso pela dinamicidade que os mesmos vão ter
alcançando os objetivos que o mercado publicitário projetava naquele momento.
No século XIX, os almanaques passaram a ser publicados em meio ao processo de
inserção da imprensa ganhando bastante notoriedade. No bojo destas publicações de natureza
mais administrativa vai surgir a publicação de um gênero de caráter mais popular dos
almanaques, conhecido como Almanaques de Feira ou Folhinhas de Inverno. Estes pequenos
folhetos voltam-se com mais intensidade para orientar o agricultor a respeito das épocas
propicias ao plantio e à colheita, as ocorrências de secas e inundações. Estes almanaques
também trazem seções de orientações sobre diversas composições de chás de ervas naturais
indicados no combate às doenças, bem como propaganda de diversos tipos de remédios,
talismãs, anéis e toda sorte de amuletos.
115
Os almanaques passaram a ser produzidos na cidade do Juazeiro a partir da década de
1950, quando João Ferreira de Lima conheceu José Bernardo da Silva proprietário da
Tipografia São Francisco. O contato entre os dois foi fortalecido ainda mais pelo interesse
mutuo das ciências ocultas que os aproximou ainda mais, este contato também foi o pontapé
inicial para uma série de transações comerciais entre os dois. Pois, a partir desse momento, a
tipografia de José Bernardo da Silva passou a produzir o Almanaque de Pernambuco de
autoria de João Ferreira de Lima. O Almanaque de Pernambuco era uma publicação anual
editada desde 1935, que apresentava previsões de chuvas, secas, calendários e orientações de
uma medicina alternativa que circulava entre os agricultores do sertão nordestino. Este gênero
de literatura vai ser mito bem aceito pelo homem do campo, pois traz informações necessárias
a sobrevivência do mesmo.
115
Idem, p. 124.
106
106
A boa aceitação dos almanaques pelos agricultores é devido ao teor das informações
contidas nos mesmos, que procura orientar o homem do campo com conselhos e previsões,
informando-os sobre os cuidados com a saúde, como combater as pestes e a fome, como
também de indicações astrológicas para o ano em curso.
116
A produção dos almanaques astrológicos na cidade do Juazeiro nos mostra que era
comum à manifestação de outras práticas religiosas, e que as mesmas não se limitavam
simplesmente à fé católica, e a devoção ao Padre Cícero. Estas práticas heterodoxas da
religiosidade popular grassavam as margens da cultura oficializada em contrapartida as
tentativas de controle por parte da Igreja. É possível afirmar que sob o véu das crenças e
práticas da católica, se oculta uma diversidade de práticas que se expressam dentro de um
sincretismo religioso amalgamado ao catolicismo.
Segundo Rosilene Alves de Melo, estas práticas heterodoxas eram combatidas desde a
primeira metade do século XX, no entanto, durante um bom tempo as interdições destas
práticas não resolviam esse problema, pois, a “despeito do controle, a “feitiçaria” grassava em
Juazeiro. Circulando nas margens da cultura oficializada, os feiticeiros, macumbeiros, além
das resadeiras e benzedeiras, realizavam seus “trabalhos” e curas à luz do dia”.
117
Em meio a esse contexto que envolve as práticas da religiosidade católica e popular, e
a produção da literatura de folhetos, foi surgindo aos poucos uma pequena produção de
almanaques astrológicos que foi ganhando uma expressividade a mais dentro do mercado
editorial da cidade de Juazeiro do Norte. Como dissemos inicialmente, estes almanaques
passaram a ser produzido pela Tipografia São Francisco de José Bernardo da Silva na década
de cinqüenta por encomenda do poeta e astrólogo pernambucano João Ferreira de Lima, que
passou a publicar o Almanaque de Pernambuco.
Com a publicação do Almanaque de Pernambuco, José Bernardo da Silva passou a
definir a partir desse novo gênero literário, um tipo de publico mais especifico para a
produção de folhetos populares na cidade de Juazeiro do Norte.
116
Ibidem, p. 121.
117
MELO, Rosilene Alves de. “O outro Juazeiro: histórias das crenças e práticas ocultas na cidade sagrada”. In:
Caderno de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri, Tendências – V. 2, n. 1(jul/2004). – Crato,
2004, p. 34.
107
107
A produção de almanaques passou a cada encomenda, ser produzido em grande escala
pela Tipografia São Francisco que dominava um novo filão dentro do mercado editorial na
cidade e em todo o Nordeste. Em meio a esse processo de produção dos almanaques
astrológicos, foi se constituindo um público especifico que se voltava para esse tipo de leitura
popular. Outro fator sobre esse momento, é que aos poucos também foi se constituindo um
grupo de admiradores e estudiosos da ciência astrológica na cidade de Juazeiro. Um desses
principais estudiosos passou a ser Manoel Caboclo e Silva funcionário de José Bernardo que
passou a ter interesse pelas previsões da ciência astrológica.
Segundo Gilmar de Carvalho, Caboclo tornou-se um especialista quando uniu a arte
escrita de sua poética às previsões astrológicas. Caboclo fazia uma leitura de seu com base
nos elementos teóricos do saber astrológico, que aos poucos foi se fundindo a uma
experiência que se voltava totalmente para o compromisso com a cultura do homem do
campo. Para Gilmar de Carvalho, os elementos da natureza ciência e magia se mesclam na
escrita dos almanaques através dos saberes tradicionais da cultura sertaneja que permeava o
imaginário de Manoel Caboclo. De acordo com Gilmar de Carvalho, Caboclo é:
Interprete dos sonhos do sertão, guardião de uma memória que não pode se perder,
porta-voz dos que fazem seu impulso de vida, Caboclo reinventou para nós o mundo
da cultura, com o som dolente de sua litania de oráculo, o correr da pena do poeta de
bancada e o matraquear de suas velhas maquinas que ecoarão para todo sempre por
este sertão a dentro.
118
A trajetória de Manoel Caboclo no estudo da ciência astrológica tem seu inicio quando
ainda era funcionário da Tipografia São Francisco. Nesse período teve seu primeiro contato
com João Ferreira de Lima, quando o mesmo passou a produzir seu almanaque na Tipografia
São Francisco. A partir de então passou a se constituir os primeiros passos de uma sociedade
que os uniria no final da década de cinqüenta, no processo de produção dos almanaques
astrológicos na cidade de Juazeiro.
A amizade com João Ferreira de Lima rendeu bons frutos para Manoel Caboclo no que
concerne ao estudo dos astros e na publicação de seus almanaques. Esta aproximação com
João Ferreira projetou Caboclo para dentro do estudo da ciência e da magia astrológica. Aos
118
CARVALHO, Gilmar de. “Introdução”. In: SILVA, Manoel Caboclo. Manoel Caboclo. Saõ Paulo: Hedra,
2000, p. 34 (Biblioteca de Cordel).
108
108
poucos Manoel Caboclo foi se aprofundando na literatura de cunho esotérico, e assim,
constituindo um saber e uma prática do fazer astrológico tipicamente seu.
Segundo Gilmar de Carvalho, essa prática é bem definida em relação ao seu lado
profético que era chancelado pela sua escrita como uma referencia na compreensão das
“tessituras de mundo pessoal que apontava para o amanhã, onde planetas seriam responsáveis
por chuvas abundantes, ou verões tórridos, pela fartura ou pela miséria”
119
. O mundo que
Caboclo fazia a partir suas leituras evidenciam seu compromisso com o lado esotérico e
místico que o rodeava, que era revestido de uma aura de cientificidade que fora adquirida ao
longo de um profundo aperfeiçoamento da literatura astrológica.
No final da década seguinte Manoel Caboclo sai da Tipografia de São Francisco, e
passou a aceitar a encomenda de horóscopos, e parte para a mais arrojada iniciativa literária
que é publicar seu próprio almanaque, com o lançamento dos primeiros exemplares do
almanaque a “Folha do Ano”.
Este lançamento seria o embrião do almanaque intitulado “Juízo do Ano”, editado pela
Casa dos Horóscopos de sua propriedade no ano de 1960, e que se manteve em circulação até
1996.
3.2. Casa dos Horóscopos: Caboclo e os astros
A produção poética de Manoel Caboclo foi se constituindo ao longo do tempo dentro
de um processo de autonomia editorial que poucos poetas na cidade de Juazeiro possuíam.
Caboclo não era um poeta que adquiriu um cabedal na arte de fazer poesia como também
conhecia os segredos da editoração, no entanto faltava-lhe o tino comercial para distribuir sua
arte poética.
Entretanto, os segredos que Manoel Caboclo adquiriu no processo de editoração
herdado do tempo que trabalhou na Tipografia São Francisco foram de muita valia para o
mesmo quando passou a produzir seus próprios poemas. Pois a experiência adquirida ao longo
dos doze anos na Tipografia São Francisco, possibilitou que o mesmo acumulasse um vasto
119
CARVALHO, Gilmar de. Op. cit. 2000, p. 31.
109
109
conhecimento no trabalho tipográfico, que quando de sua saída da mesma resultou na parceria
comercial com o editor pernambucano João Ferreira Lima.
A sociedade comercial com Ferreira lima seria desfeita no final da década de
cinqüenta. A ruptura comercial fora anunciada na publicação do Almanaque de Pernambuco
para o ano de 1961, que trazia a seguinte nota “estou desligado de toda sociedade com o Sr.
Manoel Caboclo”.
Com a dissolução da parceria comercial entre os dois, Manoel Caboclo passa a receber
pedidos de consultas, horóscopo e almanaques na sua própria casa. Caboclo ficou com parte
do maquinário que foram transferidos para sua residência, e a partir de então, Manoel Caboclo
passa a produzir seu próprio almanaque, proporcionando assim, a abertura de sua própria
gráfica no ano de 1966.
Para mim mesmo? 1966.
Comprei a João Ferreira de Lima, quando nós nos separamos eu comprei a parte dele
aí fiquei com a tipografiazinha mas não pude nem sequer aumentar, de maneira
nenhuma minhas condições não deu pra aumentar.
Ainda não, tudo dos outros, só vim lançar depois.
Eu comecei a editar livros de... Agora estou editando de Joaquim Batista de Sena
porque eu comprei os direitos a ele...
Está com uns três anos que eu comprei os direitos dele, ele tinha um bocado de
romance, não vendeu tudo mas vendeu uma parte e eu comprei partes originais, estava
mais de dez anos sem escrever, os originais bons, eu comprei os originais e
estou escrevendo
120
.
Com a sua inserção no mercado editorial, Caboclo passou a competir pelo filão da
produção poética ao lado de José Bernardo da Silva, editando e comercializando diretamente
com outros poetas e cordelistas da cidade do Juazeiro e da região.
Eu editei livros de João Cordeiro, eu editei livros de João de Cristo Rei...
Já, era porque eles faziam os livros e traziam, outros me venderam os direitos, outros
me davam mesmo e eu escrevia, contando que eu tenho originais bastante meu e de
outras pessoas que adquiri.
João de Cristo Rei, sempre foram os que eu escrevi mais foram esses dois. Agora,
outros eu escrevo mas eu não tomo parte nele, eu escrevo muito livro, folheto, mas
não tomo parte porque digamos que o senhor é o poeta, chega e diz: “por quanto o
senhor faz esse livro? Eu ajusto em trezentos, quatrocentos, quinhentos conto,
pronto, ajustei, botei na máquina, tirei, entreguei pro senhor, é o autor e tudo foi o
senhor; isso aí eu não falo, eu falo aqueles de quem eu faço comércio com eles.
121
120
CABOCLO, Manoel. Depoimento projeto Literatura de Cordel – CERES.
121
Idem.
110
110
Com a abertura da gráfica, Caboclo passou a produzir alguns trabalhos de sua autoria e
a comprar os direitos autorais de outros autores, procurando assim diversificar a produção de
sua editoração.
No entanto, dentro do universo de produção das tipografias não se produzia somente
folhetos de cordel, havia toda uma diversidade de publicações para todos os tipos de gosto
literários. Um desses gêneros que passou a ser bastante produzido dentro das tipografias
foram os almanaques astrológicos que tinham uma tiragem bastante expressiva devido à
especificidade de seu publico alvo, que era em geral o homem do campo. Estas publicações
constituíam um importante material que sistematizava a divulgação de saberes e práticas
culturais pertencentes ao povo sertanejo.
A larga experiência acumulada no trabalho gráfico e um profundo conhecimento na
leitura da “ciência” astrológica, ligada a uma criatividade especial fez com que Manoel
Caboclo voltasse sua produção poética para a escrita dos almanaques e horóscopos
astrológicos que durante um longo período passou a ser o carro chefe de sua atividade
econômica e de estudo pessoal.
O interesse de Manoel Caboclo pela astrologia nasceu inicialmente através do
convívio com o poeta e astrólogo pernambucano João Ferreira de Lima (1902-1972), que
sempre viajava a Juazeiro para encomendar a confecção de seus folhetos na Tipografia São
Francisco de propriedade de José Bernardo da Silva.
A influência de João Ferreira foi de suma importância para a inserção de Manoel
Caboclo no universo da literatura ocultista como o Livro de São Cipriano, Lunário Perpétuo
entre outros. A utilização da literatura ocultista, e a visão de mundo impregnada por
imaginário religioso na pessoa do Padre Cícero, é apropriada por Manoel Caboclo através de
uma hermenêutica do cotidiano que o transforma em uma dos principais representantes da
produção de almanaques astrológicos no nordeste brasileiro.
No roteiro de suas leituras, Caboclo percorria uma infinidade de temas presentes nos
compêndios esgotados das editoras esotéricas que faziam parte de sua biblioteca pessoal,
como: A leitura do nosso destino pelas estrelas compiladas das ciências ocultasde Sellen
Jazer; “A sorte revelada pelo horóscopo cabalístico” de Francisco Valdomiro Lorenz; o
111
111
Manual de astrologia e numerologia – Grandes revelações sobre os mistérios do destinode
Rubens Peiruque; O maravilhoso mundo dos sonhos de Silvano Ventura; e inúmeras
edições do “Almanaque do pensamento” e “O romance da astrologia” de Omar Cardoso.
122
A experiência gráfica adquirida ao longo do período que trabalhou ao lado de José
Bernardo da Silva, na produção e confecção dos folhetos de cordel, juntamente com as
orientações sobre a astrologia com José Ferreira de Lima, qualificou Manoel Caboclo como
um especialista que soube com ninguém “fundir oralidade e escrita, ciência e magia, passado
e futuro na trama de um texto tão rico quanto às experiências que ele acumulou”.
123
Gilmar de Carvalho expõe que a produção dos almanaques astrológicos vai alargar a
hermenêutica do cotidiano e a visão de mundo que rodeia o imaginário poético de Manoel
Caboclo e Silva. Para o autor, os almanaques astrológicos produzidos por Manoel Caboclo
esta interligado com vários elementos da natureza.
Caboclo fazia a tessitura de um mundo pessoal que apontava para o amanhã, onde
planetas seriam responsáveis por chuvas abundantes ou verões tórridos, pela fartura ou
pela miséria. O arcano solar poderia trazer um grande amor, com a fugacidade de uma
estrela cadente nos céus de Juazeiro. Ou uma perda irreparável que poderia ser carpida
com o luto que cobre todo dia 20 os devotos do padre Cícero.
Os astros eram para Caboclo uma maneira poética e cifrada de ler este vasto mundo,
desafiador e imprevisível.
124
Essa maneira poética e cifrada de ler o vasto mundo dos astros e dos homens faz com
que Caboclo se transforme em um profundo conhecedor da “ciência” astrológica, passando a
produzir na cidade de Juazeiro do Norte um dos mais importantes almanaques astrológico que
fora publicado por ele por mais de quatro décadas. Seus primeiros exemplares de horóscopos
e almanaques foram produzidos e publicados no ano de 1950. Segundo o relato de Manoel
Caboclo ele mesmo confeccionava e distribuía gratuitamente os horóscopos, às vezes
recebendo alguns trocados pela produção dos folhetos, diz ele:
O primeiro horóscopo que eu fiz foi em 1950. Eu fazia horóscopo grátis, fazia pra
todo mundo, você chegasse pedia, quando tinha tempo, fazia e dava a pessoa o
horóscopo, a pessoa às vezes me dava um agrado, um agradinho qualquer, cinco
cruzeiro, dez cruzeiro, outros num me dava nada, e aquilo eu fazia pra comprovar
se aquilo estava dando certo, depois eu comecei a estudar com João Ferreira de
Lima, tive também muitas comunhões com o professor Benevides e a depois com o
professor Rubens, parece que foi o professor Rubens, também era astrólogo, e eu
122
CARVALHO. Apud CABOCLO. Op Cit, 1996, p. 32.
123
Idem, p. 33.
124
Ibidem, p.31.
112
112
tinha alguns conhecimento dado pelo padre Augusto, dado também por doutor Diniz,
que eu toda vida fui chegado aos homens de letras, eu toda vida gostei de tirar. Então
as experiências eu venho tirando com o tempo, com a passagem dos astros, eu tiro a
experiência num ano...
125
Sobre a produção dos almanaques Manoel Caboclo diz que os primeiros eram
produzidos em parceria com Manoel Luis e João Ferreira no inicio da década de sessenta. No
entanto, devido uma pequena desavença com os parceiros deixou de escrevê-los.
Eu fiz um almanaque em 1961, foi o primeiro, fiz em sessenta e um... foi editado por
mim. Esse eu editei ele.
Foi não, foi a minha mesmo. Eu fazendo os folheto, fiz o Almanaque, fiz no
outro ano, fiz um milheiro, no outro ano eu fiz; eu tinha amizade com Manoel Luis,
eu fazia o almanaque de Manoel Luis. eu notei... nesse tempo eu ainda fazia de
João Ferreira e de Manoel Luis, eu escrevia os deles, o nome deles. eu notei que
houve um desgosto porque eu estava querendo escrever, eles acharam que eu queria
tomar uma frente, uma coisa qualquer, eu sendo amigos deles fazia o mesmo artigo, aí
eu mudei pra literatura de cordel e deixei o Almanaque pra João Ferreira de Lima e
pra o outro; todos dois era meus amigos, eu era quem fazia, eles me davam lucro; aí
eu abri de mão pra eles e parei com a minha tiragem de Almanaque, fiquei tirando um
milheiro, outras vez tinha anos que eu não tirava, então quando foi em 1969 eu tirei
1968, sessenta e nove e vinha tirando, variando, ano variado, tirava pouquinho pra
incentivar o pessoal.
126
No entanto, com a sociedade desfeita devido às desavenças, Manoel Caboclo passa a
produzir uma pequena quantidade de almanaques, chegando uma tiragem muito pequena por
ano. Entretanto por volta do ano de 1970, Caboclo passou a investir na produção de sues
almanaques retornando a confecção dos mesmos com algumas novidades, pois traziam agora
um novo formato, um pouco maior e com pequenos textos que traziam palavras de incentivo e
motivação para o homem do campo, tendo uma perspectiva voltada mais para a concepção
mais popular e menos cientifica.
Agora em 1970 pra eu entrei em cheio porque eu me separei de João Ferreira de
Lima, fiquei com Manoel Luis, o Almanaque de Manoel Luis era pequenininho,
muito pequeno, eu entendi de fazer o almanaquezinho maior e venho fazendo; num
é nem pelas pré-edições, eu faço o Almanaque porque tem muita coisinha que
incentiva ao analfabeto, incentiva a pessoa, eu dou aqueles exemplos, como bem “A
raposa pagando imposto”, como “Este mundo é mesmo assim”, explico a literatura de
cordel, explico uma coisa e outra, dou sempre um exemplo, uma lição de moral, e
aquilo que eu venho fazendo no meu almanaque, ele é mais dedicado a isto.
127
125
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421.
126
Idem.
127
Ibidem.
113
113
Em seu depoimento, Manoel Caboclo relata como o estudo e os cálculos da astrologia
são importantes, e como os astros são reveladores na compreensão dos vários momentos
históricos por qual passam as sociedades humanas, diz ele:
Getúlio Vargas morreu a 24 de agosto, o presidente Jânio Quadros deixou o mandado
a 24 de agosto, o presidente Costa e Silva foi acometido de doença grave a 29 de
agosto e falecendo depois, o governador de Pernambuco Agamenon Magalhães
morreu no mês de agosto, o presidente Castelo Branco morreu a 18 de julho na
influencia da estrela Ciro, morre a 23 de agosto o ex-presidente Juscelino Kubtscheh,
pai da pobreza de 1968; isto nos prova que os astros movem os homens, cada um na
sua direção ou na sua profissão, portanto sempre o mês de agosto é dedicado ao
desgosto para o parlamento, isto são causas astrológicas, são coisas especificas que eu
faço dentro da astrologia; então, assim como eu dou os presságios para uma
determinada classe, podemos dar com muito mais facilidade para uma pessoa só;
então no mês de agosto, o mês de agosto forma uma conjunção do sol com as
caniculares, o sol do mês de agosto se acha no signo de leão e ele quando se aproxima
antes ele vai recebendo logo antes ele vai recebendo influência sessenta dias e sessenta
dias depois ele ainda está influenciando, mesmo que ele não esteja no poder mas
influenciando, então quando o sol faz conjunção com a estrela Ciro, justamente as
caniculares da 22 a 23 de julho, então nessa época é quando os presidentes correm
aquele certo desgosto, tem um desgosto por uma coisa qualquer. É isto, isso é uma das
provas de astrologias.
128
No relato de Manoel Caboclo percebemos que ele passa a produzir em parte sua
“ciência” astrológica fazendo comparações através de uma leitura com base nos fatos e
acontecimentos do contexto histórico. Esta percepção do momento é fundamental dentro do
processo de organização da leitura dos astros, pois em grande parte o especialista da
astrologia precisa estar ligado aos acontecimentos históricos para fazer as devidas analogias
com o passado, o presente e o futuro.
Essa leitura histórica é referente a uma composição dos elementos com base em
circunstâncias, pois os mesmos são produzidos a partir de uma perspectiva ligada as noticias
do momento histórico vivido, principalmente em relação às questões que envolvem os
problemas climáticos. Vejamos:
Outras como os senhores verem, eu escrevo o Almanaque e gosto de dar sempre
aquele segmento. Eu não disse que em 1977 era seca, nem setenta e seis, eu estou
dizendo que são anos medianos mas disse no Almanaque de 1975, página 16 que de
1975 a setenta e oito os astros (?) transitando no signo do ferro e do fogo, que traziam
secas em algumas partes, traziam terremoto, tremores de terra e coisas espantosas na
vida da humanidade mundial. Então por causa esses são cálculos de astrologia.
129
128
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. Projeto Literatura de Cordel”. Juazeiro do Norte: Museu da
Imagem e do Som – MIS, 1970, FK7000421.
129
Idem.
114
114
A leitura dos astros por Caboclo transportava determinados elementos tanto de sua
poesia como também da experiência que o mesmo tinha do cotidiano do homem simples que
convive com o sofrimento e as lutas da vida. Sua poesia está intimamente ligada não aos
problemas da natureza que esta condicionada a uma leitura com base na astrologia, como
também de uma visão do cotidiano das catástrofes que mostram o desequilíbrio climático
devido à ação do ser humano. A percepção dos problemas climáticos está profundamente
relacionada às previsões bíblicas apocalípticas presente em sua poética.
Portanto, é interessante entender que as previsões não podem ser vistas como
algo que é determinado pelo escrutínio lógico da ciência, mas pela perspectiva de elementos
circunstanciais apontarem para determinadas situações possíveis de realizações no futuro
imprevisível.
3.3. Almanaque Juízo do Ano: cientifico e popular.
O almanaque Juízo do Ano, foi editado a partir de 1960 até 1996, é a principal
referência da produção desse tipo de literatura que passou a ser publicada anualmente pela
Casa dos Horóscopos de propriedade de Manoel Caboclo na cidade de Juazeiro do Norte.
Segundo Gilmar de Carvalho, esta “publicação se inscreveu na tradição de divulgação de
conhecimentos acumulados e recriados pela ótica da sabedoria popular”.
130
Este almanaque assim como grande parte deste tipo de literatura traz em si
informações características das várias formas do fazer cotidiano
131
do homem do campo. Os
almanaques constituem um tipo de literatura bastante simplificada, voltada especificamente
para uma clientela bastante popular, apresentando algumas características únicas em sua
formatação.
Em relação ao almanaque “Juízo do Ano” editado por Manoel Caboclo, o mesmo
apresenta na capa um pequeno calendário com imagens figuras e signos de astros e luminares,
o ano de lançamento e um acróstico que sempre inicia com as letras da palavra Nordeste, na
parte inferior sempre finaliza com a identificação de “cientifico e popular – M. C. e Silva”.
130
CARVALHO, Gilmar de. “O juízo do ano”. In: Lyra popular: o cordel do Juazeiro. Fortaleza: Museu do
Ceará, Secretária de Cultura do Estado do Ceará, 2006, p. 27.
131
CERTEAU. Op. Cit, 1994, p. 41.
115
115
Segundo Gilmar de Carvalho, a escolha de ter o Nordeste como ponto de referencia de
seu almanaque denota não uma perspectiva estilística e de ação do autor, mas, também
“mercadológica que evidenciava os pontos básicos de sua linha editorial, como a
comunicação com a zona rural, a iniciação esotérica e a incondicional em um Deus que
tudo resolvia”.
132
De acordo com Michel de Certeau, as práticas de fazer na produção do uso ou do
consumo, se faz notar com produtos próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos
impostos por uma ordem econômica dominante.
133
Caboclo era um exímio conhecedor do mercado editorial dos folhetos populares,
especificamente dos almanaques astrológicos, que passou a ser o carro chefe de sua produção
de onde retirava parte de seu sustento profissional. A produção dos almanaques não ajudou
no sustento, mas também transformou Manoel Caboclo em um dos grandes produtores deste
tipo folheto popular dentro do mercado editorial do Nordeste.
A formatação do almanaque que Manoel Caboclo produzia era bastante similar a dos
folhetos de cordel. Essa característica é justificada, devido à utilização do mesmo material e
maquinário de sua oficina artesanal que funcionava em sua própria casa. Os folhetos de cordel
e almanaques que eram produzidos na gráfica “Casa dos Horóscopos” de sua propriedade
ficaram em determinado momento limitados pela extensão e dimensão que passou a ter as
vendas dos almanaques e folhetos. A venda dos folhetos e almanaques passou a ser
produzidos em larga escala para todo o Nordeste, alcançando em determinado momento uma
produção de mais de 30 mil folhetos.
A partir da década de setenta, Manoel Caboclo recorre a serviço de terceiros para a
produção de seus almanaques. A produção dos almanaques precisavam se adequar às
exigências e mudanças que o mercado editorial passava a ter naquele momento. Caboclo,
como um bom conhecedor do mercado sabia que sua pequena gráfica não tinha como
competir com a concorrência das demais tipografias que diversificavam a cada dia sua
produção. Em meio a esse contexto, Manoel Caboclo, passou a produzir seus folhetos e
almanaques na Gráfica Sobreira, o lugar onde a produção do Juízo do Ano ficou sendo
132
CARVALHO. Op. cit. 2006, p. 33.
133
CERTEAU. Op. cit. 1994, p. 39.
116
116
produzida devido a uma melhor qualidade e rapidez em que os folhetos vão ser
confeccionados.
Segundo Gilmar de Carvalho, a produção dos almanaques e folhetos populares passou
a ser produzida buscando um espaço dentro do mercado de uma grande indústria editorial de
conotação popular, que ora se estabelecia a partir da grande concorrência na publicação de
folhetos populares neste período.
Com uma média de 24 páginas, miolo em papel jornal, capa com duas cores, definição
de autoria, ilustrado por antigos clichês de que dispunha, era impresso, até 1970, em
seu próprio parque gráfico passando, em seguida, a ser produzido na Gráfica Sobreira,
dotada de maiores recursos. Com o mesmo formato dos folhetos de cordel (16,5 x 12
cm), contava com uma rede de distribuidores em todo o Nordeste do Brasil e manteve
viva uma indústria editorial de forte conotação popular.
134
No seu almanaque para o ano de 1970, Manoel Caboclo faz suas previsões com um
teor bastante critico a realidade do homem pobre. Como em todos os seus almanaques
Caboclo sempre forma um acróstico da palavra Nordeste na capa de seu folheto, No folheto
do ano em questão, Manoel Caboclo mostra sua preocupação com a desigualdade social que
os problemas climáticos podem trazer para o homem pobre.
No Litoral, no agreste ou no sertão
O inverno mediano já nos traz
Relâmpagos e chuvas desiguais,
Dando lucros a uns, a outros não
É feliz quem cuidar da plantação,
Sol e Júpiter governando traz enredo:
Todo rico sofrendo muito medo
E o pobre passando precisão.
As previsões astrais de Manoel Caboclo para o ano de 1970, da uma amostragem que
as projeções climáticas estavam desfavoráveis para colheitas, pois o período invernoso seria
mediano e com chuvas desiguais em todas as regiões do Nordeste, e que este ano seria de
grandes dificuldades tanto para o rico, como também para o pobre.
Procurando ter uma compreensão melhor sobre as premunições astrais, passamos a
buscar nos jornais da região o que os mesmos diziam sobre as previsões climáticas do tempo
neste ano. Os relatos encontrados no jornal a “Ação” sobre as previsões climáticas do ano de
1970, mostram que em todo o período deste ano as chuvas eram esparsas, oscilando no inicio
134
Idem, p. 27.
117
117
com algumas chuvas de janeiro a março. No entanto a partir de abril, é comum encontrar
vários artigos sobre a preocupação das autoridades da região com a possível calamidade que o
flagelo das secas pode causar no Cariri. Os artigos sobre a calamidade climática passaram a
ser um assunto que está registrado em quase todos os exemplares do jornal “Ação” deste do
ano de 1970. Diante disto, estes registros nos mostram que este ano se configurou um longo
período de estiagem na “região do Cariri bem assim o Ceará inteiro estão preocupados com a
presente falta de chuvas que vem prejudicando a lavoura, causando grande prejuízo aos
agricultores e apreensão à zona rural, com suas plantações morrendo e danificadas pela
lagarta”.
135
Na edição do dia 28 de fevereiro o artigo do jornal relata a possibilidade de chuvas, e a
esperança em se ter um bom inverno no Cariri devido algumas precipitações que caíram na
região. No entanto o mesmo artigo também nos mostra o relato de ocorrência de saque na
cidade de Campo Sales pelos flagelados da seca.
Após uma longa estiagem que vinha preocupando a zona do Cariri e o Estado inteiro,
voltou a chover em nossa região, na noite de quita feira, atingindo 45 milimetros em
Crato e até quando encerrávamos nossos expedientes, o tempo era promissor. Tivemos
notícias de chuvas em cidades vizinhas, o que vem amenizar parcialmente a grave
situação com ameaça de seca, ao ponto de em Campos Sales ter havido invasão da
feira por 500 flagelados, no dia 23 deste, não havendo porém maiores
conseqüências.
136
Como podemos perceber no acróstico do almanaque de Manoel Caboclo para o ano de
1970, fazia previsões de um ano com um inverno mediano com chuvas esparsas
caracterizando um período de grande apreensão em relação a um bom inverno. Segundo a
previsão de Caboclo, o ano de 70 é regido pela confluência de Sol e Júpiter, que de acordo
com ciência astrológica trazem bastante preocupação em relação à produção de gêneros
alimentícios e consequentemente a sobrevivência do ser humano.
Em outra edição, o jornal relata da invasão dos flagelados das secas na cidade de
Juazeiro do Norte, reivindicando aos governantes as frentes de trabalho tão comum nesse
período, e que ficou conhecida como a “Indústria da Seca”.
O comércio a indústria e os estabelecimentos bancários foram fechados, ontem, em
Juazeiro do Norte sob ameaça de invasão por grupos de flagelados que perambulavam
135
Jornal a “AÇÃO”. Falta de chuva vem preocupando o Cariri!. Crato:Ano XXX, 21 de Fevereiro de 1970, Nº
1322, p. 01.
136
Jornal a AÇÃO. Inverno tende a melhorar. Crato: Ano XXX, 28 de Fevereiro de 1970, Nº 1323, p. 01.
118
118
pelas ruas da cidade, reivindicando frentes de trabalho. Na última quinta feira, os
lavradores estiveram em frente à Prefeitura Municipal, com o mesmo objetivo. As
autoridades policiais do Crato e Juazeiro do Norte montaram um forte esquema de
segurança para evitar um possível saque ao comércio.
137
Segundo as duas últimas estrofes do acróstico, Caboclo prevê um período de tensão e
medo do saque por parte daqueles que representam o poder financeiro, e a necessidade e fome
do povo pobre. As noticias do jornal são incisivas no registro de um ano com um inverno
bastante irregular e de poucas chuvas, que justifica a condição d um período de calamidade
climática assolado pela seca que causou fome, miséria e êxodo do povo pobre que já é
castigado naturalmente pela desigualdade social.
As previsões de Caboclo para o ano de 1970 são assim vaticinadas dentro dessa
perspectiva de compreensão do contexto histórico contidos nos registro do jornal a Ação. No
entanto, é necessário entender que as previsões não podem ser legitimadas em relação ao fato
histórico noticiado, pois a pseudo-ciência astrológica trabalho como o improvável, ou seja, as
previsões são mais uma projeção futura sobre os fatores climáticos da natureza em um
determinado período que é determinado não pela aferição cientifica, mas pela comparação dos
anos anteriores e pelo senso comum do ser humano.
Em um dos exemplares do almanaque “O Juízo do Ano para o Nordeste” editado no
ano de 1972, Manoel Caboclo mostra a sua habilidade com a “ciência” dos astros. Este
folheto foi editado com dezesseis folhas, na sua composição textual traz várias seções, como
as previsões astrológicas e do tempo para o ano de 1972, o horóscopo, curiosidades, saúde,
Padre Cícero entre outros.
No almanaque publicado para o ano de 1972, Manoel Caboclo faz na sua poesia de
capa faz suas previsões para um ano bissexto, prevenindo todos por cautela no plantio por
ser um período de trovões, enchentes, e chuvas variadas, vejamos:
NORDESTE, a Terra é tão bela
O teu povo trabalhando
Regando a terra e plantando
Deus abençoando ela
E sedo deves tratar dela
Seja baixio ou chapada
Trovões, enchentes, chuvas variadas
Em ano bissexto, precisa cautela.
137
Jornal a AÇÃO. Flagelados tentam invadir a região. Crato: Ano XXX, 23 de maio de 1970, nº 1334, p. 04.
119
119
A poesia de Manoel Caboclo esta permeada pelos elementos da natureza, da relação
do homem com a terra e de uma aureola mística da ciência astrológica. No almanaque de
1972, Manoel Caboclo inicia fazendo a descrição do mapa astral desse período dizendo que o
“ano de 1972 entra num dia de sábado. É bissexto; seus planetas são: Saturno e o Sol,
Mercúrio é o regente no vigésimo oitavo ano do ciclo lunar. A lua minguando em Câncer”.
138
Segundo Manoel Caboclo o ano que entra neste dia, terá um inverno cumprindo,
friorento com chuvas variadas, e em parte seco. Na primavera denota ventos. No estio
umidade. No outono seco e frio, úmido, estéril de mantimentos, penúria de trigo, pouco
azeite, mel e vinho; abundância de frutas e pouco peixe.
Para Manoel Caboclo as previsões astrais para o clima e as estações do ano de 72,
mostram um período de sérias conseqüências para agricultura, que produziriam pouco neste
ano. Caboclo continua fazendo suas previsões para este ano bissexto com um teor bastante
pessimista, dizendo que este seria um período muito difícil para todos, principalmente no que
diz respeito à saúde do povo, vejamos:
Denota febres epidêmicas, doenças dos olhos, reumatismos, muitos acidentes. Muitos
velhos acabaram seus dias no dito ano. Traz mortandade no gado miúdo, ovelhas e
criações pequenas. Cairão casas velhas, haverá falência, carestia nos mantimentos.
Plantem sedo aproveitando as chuvas que caírem de dezembro à março do ano
seguinte. O inverno mostra entrar variado, depois vai melhorando com chuvas mais
agradáveis, procurem os terrenos férteis. Quem for ativo terá lucros compensadores.
Também mostra enchentes em algumas partes e estiagens em outras.
139
Para as previsões do ano de 1974 não são muito animadoras, no acróstico que Caboclo
faz em seu almanaque, suas previsões para este período são de muitas trovoadas, doenças e
agonias. Para Caboclo este ano será marcado por outro grande flagelo climático, que são as
enchentes. No acróstico do almanaque de 1974, Caboclo, profetiza que:
NORDESTE, o autor da Criação
O Deus que me deu entendimento
Relativo aos astros no firmamento
Do inverno vou dar a predição:
Estejam todos a cuidar da plantação
Safra média, doença e agonia
Trovoadas, tempo vário e carestia
138
SILVA, Manoel Caboclo e. Almanaque Juízo do Ano para o Nordeste. Juazeiro do Norte: Casa dos
Horóscopos, 1972, p. 01.
139
Idem.
120
120
Emburaca da praia ao sertão.
140
Segundo Caboclo, este ano entra numa terça-feira, é regido por Marte e Saturno, que
de acordo com o astrólogo são dois planetas maléficos e inimigos da natureza humana, e que
esse dois astros sempre predizem calamidades, incêndios, roubos e perigos. Para Caboclo, o
planeta Marte é o principal astro que influência a natureza a essa agitação, pois Marte entra no
trigésimo ano do ciclo lunar, tem seu acento no quinto céu, sua cor é avermelhada, é positivo,
elétrico e tem domínio sobre o ferro e o fogo. É o planeta que mais se assemelha com a Terra,
devido sua estrutura geográfica. De acordo com Caboclo, este planeta é a causa que resolve os
ventos, causa tempestades, chuvas de pedras, escuridão, ora calor e ora frio, terremotos em
algumas partes do mundo. Caboclo também prever que:
O ano que entra numa terça-feira, o inverno será muito frio, escuro, chuvoso e com
muitas neves; a primavera úmida; o estio quente; o outono seco. No mar haverá
tempestades, naufrágios e infortúnios. No dito ano, haverá muita carestia de trigo e
mantimentos, embora prometa haver safra. O mel o azeite e as frutas serão medianas.
O Gado miúdo morrerá pela abundancia de sangue e calor que reina nele. Denota este
planeta enfermidades e mortes no sexo feminino, principalmente crianças; algumas
mortes repentinas de algumas pessoas ilustres e notáveis.
141
As previsões para o ano de 1974 mostram um período onde as calamidades das
enchentes trariam grandes dificuldades para este período. Sobre esta questão, em uma edição
do jornal datada de 12 de janeiro, faz referencia primeiras chuvas que caem com abundância
no Cariri, trazendo alento para o agricultor e a esperança de uma boa safra para este período.
Enquanto isso, existe plantações em abundância em toda a região, visando uma boa
safra e confiando em um bom inverno neste ano. os chamados “Profetas da Chuva”
acreditam que teremos uma boa estação invernosa. Por seu termo, o Governo do
Estado está preparado para iniciar a operação de “chuvas artificiais” no momento em
que achar necessário.
142
Como podemos perceber no relato do Jornal os profetas do tempo estavam atentos ao
que os astros previam para este ano. Caboclo como profundo conhecedor da natureza, por ter
um senso comum bastante aguçado e de uma habilidade especial no manejo da “ciência”
astrológica, faz previsões para este mesmo ano, de um período astral com um inverno muito
rigoroso.
140
SILVA, Manoel Caboclo e. Almanaque Juizo do Ano para o Nordeste. Juazeiro do Norte: Casa dos
Horoscopos, 1974, capa.
141
Idem.
142
AÇÃO. Inverno chegou na região do Cariri. Ano XXXIV. 12 de janeiro de 1974. nº 1450, p. 01.
121
121
Compreender o sentido que as previsões promovem dentro do processo de produção
dos folhetos populares, em especifico os almanaques astrológicos, é ter percepção da visão de
mundo do poeta, ligada ao conhecimento que o mesmo tem da “ciência” astrológica unida a
uma vocação própria para produzir naturalmente uma poética circunstancial. Portanto,
entender como as previsões de Manoel Caboclo podem ser analisadas é necessário
compreender o universo que rodeia o poeta, e saber que suas previsões em grande parte são
produzidas a partir de uma perspectiva ligada as notícias do momento histórico vivido,
principalmente em relação às questões que envolvem os problemas climáticos, e de que forma
isso pode ser produzido e lançado para circular dentro da dinâmica do mercado consumidor,
como vemos no poema intitulado “As enchentes no Brasil no ano de setenta e quatro”.
143
Segundo Manoel Caboclo em seu depoimento ao projeto de literatura de cordel, o
poema acima citado foram produzidos cerca de vinte milheiros de folhetos durante o período
do inverno, e das grandes enchentes que ocorreram no ano de 1974.
144
Para o ano de 1974, Caboclo não faz suas previsões de um inverno muito rigoroso,
como também lança um folheto de cordel intitulado “As enchentes no Brasil no ano de setenta
e quatro”, falando sobre as enchentes que inundaram todo o território nacional. Manoel
Caboclo em seu depoimento ao projeto de literatura de cordel revela que foram produzidos
cerca de vinte milheiros de folhetos durante o período do inverno.
No folheto sobre as enchentes no Brasil no ano de 74, Manoel Caboclo passa a relatar
como um jornalista, os momentos de grande dificuldade e aflição que as inundações causaram
nas várias regiões do Estado do Ceará e do Brasil. Segundo Caboclo as chuvas foram
torrenciais causando destruição e morte, desabrigando milhares de pessoas e trazendo fome e
miséria para um povo tão sofrido.
Alerta todo Brasil
para ter informação
sobre os acontecimentos
que fez a inundação
destruiu muitas cidades
sítios e povoação.
Não falo o nome de todas
por não ter ocasião
143
SILVA, Manoel Caboclo e. “As enchentes no Brasil no ano de setenta e quatro”. Apud. BATISTA, Sebastião
Nunes. Antologia da literatura de cordel. 1ª ed. Fundação José Augusto, 1977, p. 290.
144
Depoimento de Manoel Caboclo e Silva. Op. Cit. 1970, FK7000421.
122
122
somente no Ceará
perdeu muita habitação
são 29 cidades
sofrendo destruição.
As chuvas caíam fortes
quase em toda região
as cidades sufocadas
na grande inundação
as águas levando tudo
gente, casa e plantação.
Prejuízos incalculáveis
pra todo lado se vendo
123 açudes
as paredes derretendo
as águas arrombaram todos
rasgando a terra e descendo.
Estradas intransitáveis
na região do Estado
as rodagens destruídas
trilhos de ferro quebrados
e várias pontes caíram
feitas de cimento armado.
O relato macabro que Caboclo faz sobre a inundação das enchentes tem uma
intencionalidade de explorar ao máximo a força de destruição da enchente, mostrando todo o
trajeto de destruição que as águas causaram em todas as cidades e regiões do Ceará e de
outros Estados. Caboclo relata a dor e o sofrimento dos desabrigados pela perca das moradas
e dos que foram tragados pelas correntezas da enchente.
No Iguatu é doloroso
o sofrer daquela gente
deixando suas moradas
pelo horror da enchente
jogadas pelas calçadas
tantas crianças inocentes.
Nas noites frias e escuras
o trovão estremecia
o povo pelas calçadas
dormindo na terra fria
outros mortos afogados
pela enchente descia.
As trombas d’água que vinham
eram de admirar
cadeira, cama e colchão
animais mortos passar
engalhados nos balseiros
por sobre as águas rolar.
O povo amedrontado
foi então se retirando
deixando casa e comida
as casas foram arriando
123
123
as águas tomando conta
cada vez mais aumentando.
Teve ruas que ficaram
nas águas submergidas
e outras desmoronadas
a maior parte caídas
teve fabricas que ficaram
totalmente destruídas.
No relato de destruição causada pela natureza, Caboclo expressa que a ação
devastadora das enchentes nas cidades do interior do Ceará, fez com que o governo decretasse
estado de calamidade publicas em algumas regiões atingidas pelas grandes inundações.
Em Sobral e Aracati
A coisa lá não é boa
A água dentro das casas
seus moradores à toa
e o rio velho gemendo
levando tudo na proa.
Há também outra cidade
que quase se consumiu
a água entrou na igreja
e as paredes ruiu
lá foi a maior tristeza
quando a igreja caiu.
Outro caso admirável
que faz cortar o coração
é as serras desabando
sobre casas e plantação
deixando seus donos mortos
debaixo do frio chão.
São provas que a Escritura
sua palavra não erra
quando São Lucas falou
em flagelos, fome e guerra
disse ele: - “Sinal no céu
será castigo na terra”.
Vocês ainda estão lembrados
de um cometa que passou
durante o mês de dezembro
todo rádio anunciou
“Foi um aviso do céu
que Jesus mandou”.
As previsões de Caboclo para 74 passam a ser relatadas pela sua poesia com os
detalhes de um observador atento aos noticiários da época sobre a destruição que as
inundações causaram por onde passava. Sua poesia se torna a forma legal de chancelar suas
previsões registrando e legitimando as mesmas pela própria ocorrência dos fatos sobre as
enchentes que inundaram varias partes do Brasil.
124
124
Como podermos perceber o relato das enchentes no ano de 74 é muito bem detalhado
por Manoel Caboclo, que tem a preocupação de mostrar e comparar os fatos com o evento
histórico. Para Caboclo, as previsões astrais precisavam ser legitimadas através realização do
fato histórico que passava a ser noticia pelos registros dos meios de comunicação, e portanto
chancelada dentro da produção de sua escrita poética como uma documentação histórica deste
momento.
125
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar este trabalho dissertativo sobre os folhetos populares espero ter
contribuído para estimular outras investigações dentro desta temática. Inicialmente nossa
intenção era de analisar a produção poética através da palavra cantada, falada e escrita da
cultura popular em meio ao processo de tradição e erudição da mesma. No entanto, ao longo
da pesquisa e do contato com as fontes, foi se definindo a delimitação desta analise dentro da
dimensão da produção dos folhetos populares na cidade de Juazeiro do Norte.
A investigação se concentrou em determinadas fontes que se voltava para a analise da
inserção das primeiras gráficas no inicio do século XX, que tiveram um aspecto fundamental
dentro do processo de transição das narrativas orais desta comunidade para a projeção de uma
cultura escrita. O surgimento de um parque gráfico possibilitou não a delimitação de um
espaço geograficamente organizado por diversas editoras, como da construção de saber, de
produção de conhecimento, de circulação de idéias e de formação intelectual de sujeitos que
encontraram neste oficio oportunidade de sobrevivência e, principalmente, a possibilidade de
participar do universo da criação artística.
145
Em meio a esse processo de inserção das primeiras gráficas foi surgindo um grupo de
editores/poetas pioneiros pela produção da literatura de cordel e da organização de um
mercado consumidor de folhetos populares que definia uma comunidade de leitores/ouvintes
responsáveis por proporcionar a circulação de diversas narrativas que passaram a ser recriadas
cotidianamente pelas práticas de inúmeros indivíduos sociais.
A consolidação de um mercado consumidor dos folhetos populares adaptava-se
constantemente às transformações e mudanças ocorridas ao longo do tempo, para tanto era
necessário diversificar seus produtos. A produção dos almanaques astrológicos passou a ser
essa proposta alternativa para o mercado consumidor dos folhetos populares, no entanto, os
mesmos tinham um caráter bastante limitado a alcançar um público bastante seleto com
interesse específico concernente as previsões futuras.
Portanto, penetrar nos territórios da edição e erudição dos folhetos populares é
resultado de um aprendizado que se faz a partir da investigação da produção e divulgação do
145
MELO. Op. Cit. 2003, p. 195.
126
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mercado editorial da literatura de cordel. Para tanto, a analise de seus principais editores e
poetas, e do processo de produção de suas narrativas é importante para compreender como são
construídas novas versões da história que passam a circular em meio aos costumes de uma
determinada cultura.
Estas narrativas vão ganhando corpo através da materialidade da produção escrita da
literatura de cordel, que a partir da organização de uma estruturação gráfica possibilitou o
surgimento de um mercado editorial especializado nesta área. A composição e transmissão
dessas narrativas orais e a produção de uma cultura escrita constitui através da literatura de
cordel uma cultura de versos que passa a produzir um mercado consumidor para a mesma.
Portanto, a analise do processo de edição e erudição de folhetos populares visualiza
como foi se definindo a composição e transmissão dessas narrativas por meio dos elementos
de uma produção da escrita. Neste processo as narrativas são recriadas através de uma
dinâmica que as faz circular, alimentado e revitalizando as mesmas nos vários espaços de
produção do conhecimento e do saber popular.
A analise sobre a edição dos folhetos populares no Juazeiro do Norte, nos permitiu
através da discussão historiográfica entender como foi se efetivando a transmissão de uma
cultura com base na prática da tradição oral e da escrita. Essa discussão historiográfica
possibilitou a compreensão do cenário histórico no qual a cultura da literatura de folhetos foi
sendo introduzida nos sertões cearenses na região dos Cariris Novos. Historicamente,
analisou-se como foi constituindo um espaço poético e gráfico que passou a ter significado
junto a uma comunidade de ouvintes e leitores, ou transmissores e receptores desta cultura.
Na analise sobre o processo de erudição popular presente na produção da literatura de
cordel, concentramos nossa investigação nos principais editores/poetas, e como os mesmos
foram produzindo uma composição poética a partir dos vários enredos sobre a mística do
lugar. Neste momento a analisa se voltou para a produção poética dos principais nomes do
cenário poético da cidade de Juazeiro como José Bernardo da Silva, João de Cristo Rei,
Expedito Sebastião da Silva e Manoel Caboclo e Silva.
Por fim a investigação ancorou na produção dos almanaques de feira, ou astrológicos,
como proposta alternativa dentro do processo de produção dos folhetos populares na cidade
127
127
do Juazeiro do Norte. Neste momento, procurei entender como a ciência astrológica é inserida
dentro do contexto da produção da literatura de cordel na cidade de Juazeiro do Norte. Em
seguida, busquei compreender como surgiu a “Casa dos Horóscopos”, uma editora de
propriedade do poeta e astrólogo Manoel Caboclo e Silva, a qual produzia, especificamente,
almanaques astrológicos para todo o Nordeste por um período de mais de quatro décadas. Por
fim, analisou-se a produção do “Almanaque Juízo do Ano para o Nordeste” editado por
Manoel Caboclo.
128
128
ACERVOS E FONTES
Acervos Consultados:
Biblioteca Publica Menezes Pimentel – Fortaleza.
Departamento Histórico Diocesano Padre Gomes – Crato
Memorial Padre Cícero – Juazeiro do Norte
Museu do Ceará - Fortaleza
Museu da Imagem e do Som do Ceará – MIS. Fortaleza
Universidade Regional do Cariri URCA. Núcleo de Documentação e Pesquisa em Língua e
Literatura Popular. Crato.
Auditório Pedro Bandeira – Juazeiro do Norte.
Fontes de Pesquisa:
Jornais:
Ação - Crato (1964- 1978)
Folha do Cariri - Crato (1968-1969)
Diário do Nordeste – Fortaleza (1982-1996)
O Povo – Fortaleza (1974 – 1996)
Fontes Orais:
Depoimentos do Projeto Literatura de Cordel. Museu da Imagem e do Som - MIS. Fortaleza.
Depoimento de Maria das Virgens Dias. In: LOPES, Regis. João de Cristo Rei: o profeta de
Juazeiro. Fortaleza: SECULT, 1994, p. 15, v. 5 (Coleção Perfis).
Museu da Imagem e do Som - MIS
FK700423
Literatura de Cordel e Xilogravura
Entrevistados: Stênio Diniz e Manoel Caboclo e Silva
Entrevistadores: Oswald Barroso e equipe do Ceres
129
129
Local Juazeiro do Norte - CE
D
ATA
:
1970
FK7000421
Literatura de Cordel
Entrevistado: Manoel Caboclo
Entrevistadores: Oswald Barroso e equipe do Ceres.
Local: Juazeiro do Norte – CE
Data: 1970.
FK7000004
L
ITERATURA DE
C
ORDEL
E
XPEDITO
S
EBASTIÃO DA
S
ILVA
E
NTREVISTADORES
:
O
SWALD
B
ARROSO E EQUIPE DO CERES
L
OCAL
:
G
RÁFICA
L
IRA
N
ORDESTINA
-
J
UAZEIRO
N
ORTE
CE
DATA:
1978.
FK7000424
Entrevistados: Stênio Diniz, Expedito Sebastião de Silva e Patativa do Assaré
Local: Ceará
FK7000413
Literatura Cordel
Entrevistados: Expedito Sebastião da Silva
Entrevistador: Otávio Menezes
D
ATA
:
03
DE DEZEMBRO DE
1978
Local: Tipografia São Francisco - Juazeiro - CE
FK7000427
Cantoria
Entrevistados: João de Cristo Rei e Vicente Fiscal
Entrevistadores: Edvar Costa, Carlos Matos e Oswald Barroso.
Almanaques Astrológicos:
130
130
SILVA, Manoel Caboclo e. Almanaque Juízo do Ano para o Nordeste. Juazeiro do Norte:
Casa dos Horóscopos (Ano de publicação: 1968, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975,
1976, 1977, 1978, 1979,1980).
Folhetos e Romances Pesquisados:
CRISTO REI, João de. “Profecia de Padrinho Cícero Sobre a Igreja do Horto”. Apud.
LOPES, Regis. João de Cristo Rei: o profeta de Juazeiro. Fortaleza: SECULT, 1994, p. 44
(Coleção Perfis).
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Juazeiro do Norte: impresso por Manoel Caboclo, s.d. (Coleção IPESC).
__________, O mundo em Lamentação.Juazeiro do Norte: s.d.(Coleção IPESC).
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que viu no inferno. Juazeiro do Norte: s.d. (Coleção Ipesc).
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Lira Nordestina, 1986, 16pp.
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Tpografia São Francisco, 1956.
_________, Retirada? Juazeiro do Norte. Tipografia São Francisco, s.d (Coleção IPESC
doada por Renato Casimiro ao Museu do Ceará - 6532)
_________, São Miguel Profetiza o fim do Mundo Encarnado numa Menina Em Planaltina
Brasília. Juazeiro do Norte: Tipografia São Francisco, s.d (Coleção do IPESC doada por
Antonio Renato Casimiro ao Museu do Ceará - 6535)
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