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Para a maioria dos sistemas, contudo, existe nas origens um só princípio, o
Um, Bem, Pai, Transcendência, etc., que mediante um complicado processo
engendra indiretamente o princípio do Mal, ou melhor, da Deficiência, ou o
Erro a partir do qual é gerado o Universo.
Para alguns grupos, a pugna entre os dois princípios, bom e perverso, pode
se dar já no âmbito do divino. Para outros, pelo menos o cosmo visível e o
homem se vem governados pela luta entre eses dois princípios, Bem e Mal.
Em geral, os sistemas gnósticos pensam que a matéria na qual vive o homem
e seu próprio corpo é a última escala do ser e que ela é má. Este pensamento
dualista se manifesta na teologia, na cosmologia, na antropologia e na
soteriologia. (in ALVAR, 2007: 200-201. Tradução nossa)
“Demiurgo” vem do grego demioergós, demiourgós, o grande artesão ou
arquiteto do universo. No gnosticismo o demiurgo encontra-se inúmeras emanações
distante do Deus Supremo. Em muitos dos sistemas é antagonista dele e personifica
o poder do mal, o Satã ou anjo caído. Às vezes, é identificado com Jeová, Deus
Criador do judaísmo, degradado a inferior, obtuso, repulsivo. Criador imperfeito,
cego, malvado, orgulhoso, invejoso e ignorante, ele acredita erroneamente ser o
único Deus eterno:
Ele se tornou arrogante dizendo: “Sou eu quem é Deus e não tem nenhum
outro aparte de mim” (...). E uma voz surgiu de cima do reino do poder
absoluto, dizendo: “Tu estás equivocado, Samael” (em aramaico, “deus dos
cegos”). E ele disse: “Se alguma outra coisa existe antes do que eu, que
apareça!” E, de imediato, Sabedoria estendeu um dedo e introduziu luz na
matéria e desceu atrás dela na região do Caos (...). E ele de novo disse a
seus rebentos: “Sou eu quem é o Deus de Todo”. E Zoé a filha de Sabedoria,
clamou, disse-lhe: “Tu estás iludido, Saklas!” (“bobo” em aramaico).
(HIPÓSTASES DOS ARCONTES apud PAGELS, 2004a: 103. Tradução
nossa)
Essa degradação é acompanhada pela exaltação do que for conveniente para
esse propósito na história bíblica (Cf. JONAS, 2003: 124 e ss.). Assim, a serpente
passa de tentadora a símbolo reverenciado do poder espiritual acósmico.
Desafiando o demiurgo, ela traz a gnose para despertar o homem, cativo no mundo.
Outras figuras bíblicas rejeitadas nas tradições judaica e cristã ortodoxas, como
Caim, Esaú, os sodomitas e Judas, são também exaltadas. Entretanto, aquelas que
eram louvadas, como Abel e Jacó entre outras, representam a maioria de não
iluminados. A mesma reversão de valores é aplicada em relação à lei, aos profetas,
ao status do povo eleito, e assim por diante com bem poucas exceções, entre elas
Jesus Cristo e Set, terceiro filho de Adão e Eva. Nas heresiologias são mencionados