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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH
O Ex-combatente da Guerra do Paraguai nas Ruas do Rio de
Janeiro: Discursos e Práticas em torno de um Exército
Vencedor (1870 – 1874)
Everaldo Pereira Frade
RIO DE JANEIRO
2006
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2
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo analisar a trajetória do Exército brasileiro ao
longo do século XIX, enfatizando as suas relações com o Estado nacional e o seu papel na
formação do mesmo. Destacaremos como ponto de inflexão nessa trajetória a atuação na
Guerra do Paraguai (1865-1870) e no período imediatamente posterior ao conflito (1870-
1874), defendendo a hipótese de que o conflito colocou obstáculos à profissionalização da
instituição, sobretudo em relação à sua oficialidade.
Discutiremos também o posicionamento da elite política diante do retorno dos ex-
combatentes, suas estratégias, suas ações e seus discursos no sentido de capitalizar o
descontentamento dos militares, no caso dos liberais, ou neutralizá-los, no caso dos
conservadores, ao mesmo tempo em que eram discutidas e implementadas reformas
importantes no exército.
PALAVRAS-CHAVE
BRASIL – IMPÉRIO - GUERRA DO PARAGUAI – EX-
COMBATENTES –
EXÉRCITO - POLÍTICA
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3
ABSTRACT
This paper's objective is to analyze the Brazilian Army trajectory throughout the
20
th
century, focusing on its relationship with and role creation of the National Brazilian
Estate.
We will emphasize the Paraguay War (1865-1870) and the period immediately after
that (1870-1874), defending the hipothesys that this conflict created obstacles to the
professionalism of the institution, especially in regards of making it an official institution.
We will also discuss the political elite's stand towards the war veterans, its
strategies, actions and plans on capitalizing on the dissatisfaction of the military personnel
(for the liberals) or to neutralize it (in the case of conservatives), at the same time that there
is a discussion and implementation of important reforms going on the Army.
KEY-WORD
BRAZIL – EMPIRE – PARAGUAY WAR – WAR VETERANS –
ARMY – POLITICAL
4
AGRADECIMENTOS
Como toda trajetória tem um ponto de partida, meus primeiros agradecimentos,
post-mortem, são para os meus pais (Catharina Pereira Frade) e para meu irmão Sidney
Frade, que mesmo sem grande cultura escolar, formal, souberam me incutir o gosto pela
leitura e o estudo, valorizando a educação como mecanismo de aperfeiçoamento humano.
Aos meus irmãos, nove ao todo, agradeço o carinho, o companheirismo e o desvelo
com que me trataram ao longo da vida. A minha formação não seria possível sem vocês.
Aos amigos e amigas, tantos, amealhados ao longo do tempo, que não ouso fazer
citações por causa das injustiças, agradeço os conselhos, na maioria bons, as palavras de
incentivo e muitas vezes o apoio material, dada a minha dureza secular.
À minha companheira Eliane, parceira dos bons e maus momentos, retribuo o amor
e a paixão a mim dedicados, muitas vezes sem a competência necessária, embora com o
mesmo fervor, em virtude da falta de tempo causada pelos afazeres profissionais e
acadêmicos.
Ao meus orientador, professor Orlando de Barros, agradeço as indicações
minuciosas e precisas que nortearam meu trabalho e, ao mesmo tempo, a afetividade com
que me tratou ao longo da orientação. A admiração e a amizade só fizeram crescer neste
período.
Obrigado a todos.
5
Frade, Everaldo Pereira
Os ex-combatentes da Guerra do Paraguai nas ruas do Rio de Janeiro: Discursos
e práticas em torno de um exército vencedor (1870-1874)./ Everaldo Pereira Frade –
Rio de Janeiro: [s.n.], 2006.
122 f.
Orientador: Prof. Dr. Orlando de Barros
Dissertação de Mestrado (Pós-graduação em História)
--- Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2006.
1.Império – História – Brasil – Século XIX. 2. Guerra – Paraguai – Brasil –
História
(1865-1870). 3. Ex-combatentes – Exército – Reformas. 4. Política.
6
ÍNDICE
Introdução-------------------------------------------------------------------------------------1
Cap. 1 – Do exército aristocrático ao meritocrático:
em direção à profissionalização----------------------------------------------15
Cap. 2 – O exército na Guerra do Paraguai:
uma quebra no processo de profissionalização---------------------------34
Cap. 3 – Os ex-combatentes nas ruas do Rio de Janeiro:
discursos e práticas em torno de um exército vencedor----------------50
Cap. 4 – Do caos à reorganização:
o exército brasileiro em tempos de paz (1870/1874)---------------------86
Conclusão-----------------------------------------------------------------------------------105
Anexos---------------------------------------------------------------------------------------107
Fontes---------------------------------------------------------------------------------------117
Bibliografia--------------------------------------------------------------------------------117
7
INTRODUÇÃO
O objetivo desta dissertação é analisar as ações dos ex-combatentes da Guerra do
Paraguai no seu retorno ao Brasil após o conflito, enfatizando as suas reivindicações e a sua
relação com os segmentos civis da sociedade imperial.
Dessa forma, procuraremos destacar a trajetória dos oficiais do Exército ao longo do
período imperial, sua relação com as elites políticas e o seu papel na construção do Estado.
Estas análises são fundamentais para se entender o comportamento dos militares e do
exército durante e após a guerra.
O conflito, ao contrário do que defendeu a maioria dos autores, dificultou o pleno
desenvolvimento dessa força, desorganizando o seu sistema de promoções e de formação,
misturando ao Exército contingentes oriundos de outras milícias (voluntários da pátria,
guardas nacionais, policiais etc.) e introduzindo indivíduos no quadro da oficialidade sem a
qualificação necessária às patentes.
Esta situação teve como principal conseqüência a postergação de uma atuação coesa
dos oficiais militares, na crítica à classe política e à sociedade imperial e suas mazelas,
movimento que somente tomaria corpo na década de 1880, com as chamadas Questões
Militares, momento em que o Exército retomava os níveis de profissionalização e coesão
interna presentes nos anos imediatamente anteriores à guerra.
8
Recentemente, o historiador José Murilo de Carvalho
1
atentou para a lacuna
existente na historiografia brasileira entre o fim da guerra (1870) e a década de 1880,
momento da eclosão das Questões Militares, ressaltando a necessidade de se abordar o
retorno desses ex-combatentes, seus destinos, suas reivindicações, suas ações, seus
discursos e sobre o que silenciaram.
No entanto, analisar estas trajetórias demanda um trabalho hercúleo, pois trata-se de
um contingente de mais de 100 mil militares, com a documentação espalhada por várias
instituições de pesquisa, com destaque para a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional e o
Arquivo do Exército. O manuseio do montante de informações contidas nestes acervos
daria para escrever diversas dissertações e teses, demandando tempo e recursos dos
pesquisadores, não existentes, a meu ver, nos programas de pós-graduação, sobretudo no
Mestrado, onde o tempo exíguo e a carência de bolsas de pesquisas impediram uma análise
mais aprofundada de tão rico assunto.
Face às dificuldades que acabo de expor, busquei fazer um levantamento
qualitativo, destacando da documentação as informações necessárias para comprovar as
minhas hipóteses de trabalho. Utilizei fontes heterogêneas, primárias e secundárias, onde se
destacaram os periódicos, sobretudo o jornal A Reforma, os documentos do Ministério da
Guerra, relativos à carreira dos militares, e a extensa bibliografia que cobre o período entre
1850 e 1880.
O principal eixo teórico da dissertação é o conceito clássico da construção do
Estado de Max Weber
2
, que me norteia na análise da construção do Estado Imperial
brasileiro, monárquico e liberal, e do papel do Exército como instrumento do “monopólio
1
Revista Nossa História, a. 2, nº 13, nov. 2004, edição da Biblioteca Nacional.
2
WEBER, Max. Economia y sociedade. México: Fondo de Cultura Económica, 1956.
9
da violência legítima”, elemento constitutivo da própria definição de Estado, seguindo o
conceito de Weber. Para discutir a formação do estado brasileiro utilizei autores de diversas
matizes teóricas, destacando Raymundo Faoro (linha weberiana), Nelson Werneck Sodré
(marxista), José Murilo de Carvalho e John Schulz (liberais).
No capítulo I ao tratarmos da formação do Exército, buscamos demonstrar que a
formação de um exército profissional no Brasil foi sendo progressivamente feita a partir de
1850, e que o Exército brasileiro à época da guerra (1865), era uma força em transição, pois
reunia na sua oficialidade tanto militares que ascenderam na carreira através da
meritocracia, quanto militares que ascenderam pelas relações político/sociais.
Examinando o processo de independência do Brasil veremos que a nossa
experiência histórica foi peculiar, em relação às outras nações latino-americanas, em vários
aspectos. Primeiro, por fazer-se sem a presença de um exército libertador, passo importante
para a criação de um exército nacional
3
e, segundo, por manter-se o regime escravista.
Aqui, o poder privado, desde a independência e pelo menos até a Guerra do
Paraguai, dividiu esse monopólio com o Exército, criando obstáculos para a formação de
uma força armada moderna.
No campo da prestação de serviço militar, o século XIX foi marcado, em todo
Ocidente, por trajetórias convergentes em direção a formas de recrutamento de sentido
universal. No entanto, no Brasil, a escravidão impediu a formação de uma força armada de
conscrição nacional, pois drenou braços recrutáveis para o setor produtivo, ao mesmo
tempo em que forçou o desvio de indivíduos para a manutenção da ordem privada
4
.
3
COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles – O Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do
império. São Paulo: Ed. HUCITEC: Ed. UNICAMP, 1996.
4
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 59/60
10
Esta situação foi mantida durante quase todo o período imperial e a organização das
forças armadas dependeu diretamente dos grupos políticos que estavam no poder e dos seus
respectivos projetos de construção do Estado. Quando os liberais assumiam o poder, a
tendência era desmobilizar as tropas de linha e reforçar as milícias provinciais
(principalmente a Guarda Nacional), já os conservadores geralmente buscaram utilizar as
forças armadas como instrumento para a centralização do poder, embora não dispensassem
a Guarda Nacional.
Segundo Raymundo Faoro, as relações entre o Exército e a política imperial foram
marcadas por divergências desde o momento da Independência, geralmente associadas ao
papel pouco importante que as elites políticas relegaram às forças armadas na construção
do Estado
5
. Com a ausência de campanhas militares de monta no processo de
independência, as forças armadas tiveram poucas oportunidades para mostrar a importância
dos militares na vida nacional.
O governo imperial foi profundamente civil e os políticos se orgulhavam em
apontar as vantagens do sistema brasileiro sobre os governos militares das repúblicas
vizinhas. A convicção da legitimidade do governo civil era tão forte que se tornou um
obstáculo à percepção da seriedade da ameaça representada pela oposição militar ao final
do Império. Desde 1831 até o surgimento das questões militares no início dos anos 1880 o
Exército teve reduzida influência nas decisões da política nacional. Um dos melhores
indicadores dessa situação era o fato de que freqüentemente os ministérios militares eram
ocupados por ministros civis
6
.
5
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 2, 10ª
ed., São Paulo: Ed. Globo, 1995.
6
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, Relum-Dumará, 1996.
11
A partir de 1850, no entanto, o Exército começou a adquirir uma certa autonomia
em relação a política imperial, no âmbito relativo à própria instituição, principalmente após
as reformas colocadas em prática pelos conservadores. A força passou de uma organização
aristocrática, não educada e não profissional, a uma força educada, profissional, dotada de
um vigoroso “sentido de solidariedade institucional”
7
, capaz de exercer pressões sobre o
Estado imperial em torno das suas reivindicações.
Essa transformação só foi possível por causa do estabelecimento de critérios rígidos
de promoções dentro da hierarquia militar, critérios não mais relacionados ao nascimento,
ao poder econômico ou à influência política, e sim ao mérito e à formação acadêmica. A
oficialidade militar, recrutada fora da elite escravista e sujeita a padrões de ascensão
estranhos às normas da sociedade imperial vigente, tendia a desenvolver opiniões
autônomas acerca da sociedade e do papel das forças armadas
8
.
Em relação à formação do Exército que estava sendo formado para enfrentar o
Paraguai, a principal discussão que se coloca era se ele poderia ser considerado uma força
moderna e profissional ou não. Utilizando como referências os exércitos europeus, sejam os
originados das revoluções burguesas – caso do exército napoleônico – ou o exército
prussiano, veremos que alguns aspectos da instituição brasileira poderiam ser considerados
modernos, entre eles a profissionalização da oficialidade e o sistema de promoções.
Se a referência for o exército napoleônico, veremos que o exército em 1865 estava
em vias de se tornar um exército profissional, principalmente a partir das reformas de 1850,
ou seja, era uma força em transição, pois os oficiais oriundos da Academia Militar eram
ainda minoria em relação ao corpo de oficiais, sobressaindo-se ainda os militares sem
7
SCHULZ, John. O exército na política: origens da intervenção militar – 1850-1894. São Paulo:
EDUSP, 1994.
8
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 63
12
instrução técnica, indivíduos que construíram as suas carreiras auxiliados pelas suas
relações político/sociais com a elite civil. Situação que começou a se inverter com as
reformas e a preferência da elites pelas profissões civis, principalmente a advocacia. A
profissionalização, no entanto, foi obstacularizada pela eclosão do conflito, onde as
academias foram fechadas e as normas de promoções alteradas.
Tomando por exemplo o exército prussiano – onde parte da oficialidade era oriunda
da aristocracia e a outra era pertencente a outros grupos da sociedade, principalmente à
burguesia -, podemos considerar o exército brasileiro, em relação à oficialidade, como um
exército moderno. Podemos assentar a nossa conclusão na análise do alto escalão do
exército, onde os principais comandantes foram oriundos da aristocracia brasileira,
militares que entraram para a instituição antes das reformas de 1850 e que tiveram carreiras
meteóricas
9
.
Nenhum dos oficiais oriundos da Academia Militar, embora possuíssem uma
formação técnica muito mais apropriada para atuar no conflito, conseguiu alcançar postos
tão importantes como os oficiais tarimbeiros. Destaco como motivos: a pouca idade dos
oficiais – quem entrou para a Academia Militar em 1850, tinha na época da guerra em torno
de 35 a 40 anos e a pouca experiência em conflitos.
Outro pressuposto para a formação de um exército moderno e profissional foi a
conscrição universal da tropa. O recrutamento em todas as classes sociais da sociedade foi
uma característica presente tanto no exército napoleônico, como no prussiano. No caso
francês, teoricamente, o exército era formado por cidadãos. Ao chamado da pátria:
9
Ver em anexos a tabela dos generais brasileiros de 1860 a 1889.
13
Citoyens, la patrie est em danger
10
todos os homens válidos deveriam se alistar, de
acordo com as necessidades. No entanto, apesar do apelo, o recrutamento forçado não foi
incomum.
No caso brasileiro, a manutenção da escravidão impedia o recrutamento universal,
pois o escravo é propriedade particular e não pode ser convocado. Da mesma forma, a
escravidão ocupava uma parcela da população livre na sua vigilância, diminuindo a base do
recrutamento. Sob este ponto de vista, dificilmente poderia ser formada uma tropa
profissional, recrutada em todas as classes sociais e disposta a proteger a pátria, algo difuso
para alguns grupos daquela sociedade.
Entretanto, as estratégias empreendidas pelo governo para formar o exército
brasileiro, foi o que mais próximo poderia se chegar de uma conscrição universal,
principalmente diante da presença da escravidão. As vantagens concedidas com o decreto
3371, a libertação de escravos para lutarem na guerra, as campanhas de alistamento
11
em
todo o país, entre outras ações das autoridades, fizeram com que milhares de homens de
todas as classes sociais se alistassem livremente. Ao lado destes, outros tantos foram
forçados a marchar para o front, no entanto, essa também foi uma característica dos
exércitos profissionais europeus.
Em síntese, podemos dizer que o exército brasileiro, formado para lutar contra o
Paraguai, pode ser considerado um exército moderno e profissional: os oficiais eram
oriundos parte da aristocracia e parte dos segmentos médios e a tropa foi recrutada entre
10
“Cidadãos, a pátria está em perigo”. In AZEVEDO, Dionísio. Reminiscências da Campanha do
Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.
11
Entre as campanhas de alistamento empreendidas pelo governo, destaco duas: a primeira foi a
grande campanha feita pelos periódicos da época (estratégia que visava alcançar segmentos médios da
população) e a segunda, de forte valor simbólico, foi a transformação do imperador D. Pedro II no primeiro
voluntário.
14
todas as camadas sociais. Essas características o aproximam do modelo prussiano, pelo
menos na montagem de seus efetivos.
O Exército, dentro desses novos padrões, já reunia alguns requisitos para assumir o
“monopólio da violência legítima”, com possibilidades de cumprir um papel de destaque na
construção do Estado, isso antes mesmo da Guerra do Paraguai.
Nos exemplos europeus, para concentrar os meios de coerção em suas mãos, os
agentes da centralização tiveram que desarmar a sociedade senhorial através da longa luta
travada pelo Estado moderno na sua manifestação clássica, a monarquia absolutista. Se esse
processo implicou na extração das prerrogativas militares dos proprietários, a dinâmica a
ele impressa pôde enfrentar os entraves feudais e, afinal, se legitimar, através da
necessidade de um poder que viabilizasse a sobrevivência desses mesmos interesses
privados, no contexto de uma nova ordem de relações políticas e econômicas
12
.
Discutir a composição do contingente do Exército brasileiro, quanto à sua formação
profissional e suas origens sociais, ao longo do período imperial, também é de suma
importância para o estudo dos seus atos pós-guerra do Paraguai.
Na nossa dissertação, utilizaremos o termo “oficialidade” para denominar os altos
postos de comando, em oposição a “tropa”, composta por oficiais subalternos e soldados.
Esta divisão é encontrada na maioria dos autores que analisam a trajetória do Exército
aparecendo principalmente nas obras que embasam este trabalho, embora não seja
incomum o termo “tropa” se remeter ao conjunto dos efetivos do Exército ou de outras
forças armadas.
12
IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: a Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do
exército. Rio de Janeiro: E-papers, 2002.
15
A divisão entre oficialidade e tropa, mais do que uma questão de terminologia, está
ligada também às diferentes formas de adesão dos dois grupos às forças armadas e a sua
postura política ao longo do período imperial. Analisaremos separadamente os dois grupos,
observando as transformações e as permanências entre 1822 e 1870.
Em relação à origem social da oficialidade, a maior parte dos historiadores
identifica na elite, definida por John Schulz como o grupo que participava da política
nacional, ocupantes de cargos no poder Executivo (conselheiros, ministros, senadores,
deputados etc.), composta por fazendeiros, comerciantes ricos, altos funcionários militares
e civis, a origem da maioria dos oficiais até 1850. Muitas vezes o termo “elite” se confunde
com “aristocracia”. Este último termo, segundo Celso Castro
13
, no caso do Brasil, deve ser
utilizado com cuidado, pois designa um grupo de indivíduos socialmente privilegiados por
herança e não como sinônimo de nobreza.
Nos anos posteriores a 1850, altera-se o quadro e passa a haver um equilíbrio entre
indivíduos da elite e da não-elite
14
. Conceituar a não-elite é um pouco mais complexo, pois
esta, por oposição à elite, seria composta por todo o restante da sociedade que não participa
da política nacional, não detêm poder econômico, não tem acesso a altos cargos
governamentais etc.
Entretanto, a existência dentro da não-elite de outras subdivisões, tornam a
conceituação da sociedade brasileira mais complicada e de certa maneira polêmica,
principalmente por causa da presença da escravidão negra. A sociedade imperial era
dividida em classes ou era uma sociedade estamental? Qual a posição do escravo? Existia
naquele momento uma classe média? Os parâmetros para se definir um segmento
13
CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
14
SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 29
16
populacional são baseados em níveis de participação política, de formação
educacional/cultural ou de condições econômicas?
Utilizando o termo não-elite, a população estaria dividida em pelo menos três
grupos: os escravos, os homens livres pobres e os homens livres assalariados (funcionários,
militares ou profissionais liberais) ou pequenos e médios proprietários de terras, que vivem
das rendas da sua produção.
No entanto, qual o setor da não-elite que fornece homens para a oficialidade? Para
Nelson Werneck Sodré
15
eles foram recrutados nas camadas livres, não proprietárias, mais
precisamente na classe média nascente. John Schulz identifica nas famílias de pequenos
proprietários, funcionários médios e oficiais subalternos a origem dos oficiais. Assim posta,
a polêmica parece estar ligada a questões de terminologia, pois ambos os autores referem-se
ao mesmo grupo social, composto por indivíduos que vivem de seus salários ou das rendas
de suas propriedades.
Esse grupo forneceu, após 1850, principalmente na segunda metade da década de
1860, em torno da metade dos oficiais do Exército brasileiro.
No capítulo II, destacaremos a atuação do Exército nos campos de batalha,
ressaltando que a dinâmica da guerra foi responsável pela quebra no ritmo de
profissionalização da instituição, sobretudo da sua oficialidade. Neste capítulo, com base
em uma documentação primária heterogênea, composta por correspondências, ofícios,
relatórios e também por relatos de combatentes, entre outras, analisaremos as ações
desenvolvidas pelos militares brasileiros no quotidiano do conflito, suas reações, seus
sacrifícios e suas expectativas.
15
SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,
1979.
17
Neste parte nos deparamos com uma tarefa das mais difíceis, pois a documentação
utilizada, assim como a bibliografia disponível, compõem-se geralmente de relatos de
oficiais, correspondência dos comandantes e descrições de indivíduos que acompanharam
as ações, ora trazendo a visão oficial, ora apresentando versões eivadas de preconceitos.
Nas entrelinhas desse material é que procuramos buscar os indícios de como se
relacionaram oficiais e tropa durante o período da guerra.
Em relação à historiografia da Guerra do Paraguai podemos dividi-la em pelo
menos quatro grupos. No primeiro, podem ser agrupadas as obras contendo os relatos de
ex-combatentes e observadores do conflito, valiosos por mostrar as ações “por dentro”, na
maioria das vezes do ângulo do participante, embora essas publicações possam estar
sujeitas a diversas criticas, por se tratarem mais de fontes históricas do que obras analíticas,
elas nos proporcionam saber como viviam os militares, como eles se relacionavam entre si,
como eles enfrentavam as más condições de vida, comuns nas guerras, etc. Entre esses
relatos, alguns se tornaram clássicos. Entre eles, podemos destacar: Reminiscências da
Campanha do Paraguai, de Dionísio Cerqueira, as obras de Alfredo d´Escragnolle Taunay,
sobretudo A Retirada da Laguna. Além de História da Guerra do Paraguai, do prussiano
Marx von Versen e dos brasileiros Cunha Mattos e Sena Madureira, este último relatando
principalmente as batalhas.
No segundo grupo poderia ser destacada uma literatura mais tradicional, civil ou
militar, memorialista, preocupada em eleger mitos e heróis ou focalizar os combates,
batalhas, atos "heróicos" isolados, ou seja, relatos predominantemente militares. Nessas
obras os paraguaios são considerados os grandes causadores do conflito e Solano Lopez um
grande tirano. Tasso Fragoso (1934), Teixeira Soares (1955) e Paulo de Queiroz Duarte
18
(1981), embora tenham publicado as suas obras com diferença de vários anos um para
outro, são exemplos desse tipo de historiografia.
No terceiro grupo reúnem-se os trabalhos revisionistas, onde o Paraguai é visto
como um país em vias de se tornar uma potência ou, no mínimo, um país com uma
economia independente do imperialismo inglês. A Grã-Bretanha, nesta versão, é
considerada por estes autores, o “quarto” integrante da Tríplice Aliança que,
mancomunado com os governos brasileiro e argentino, buscaram destruir o Paraguai. Entre
os autores, se destacam o brasileiro Júlio José Chiavenatto – Genocídio americano: A
Guerra do Paraguai – e o argentino Leon Pomer – La Guerra Del Paraguay. Gran
negócio!
Mais recentemente algumas obras retomaram o conflito como tema, novas
abordagens surgiram, não só em relação à análise das causas e conseqüências da guerra,
mas tocando num assunto que sempre foi considerado tabu, a constituição das forças
brasileiras: o recrutamento forçado, a presença de escravos nas fileiras do Exército, a
omissão de determinados setores da sociedade, entre outros. Nesse grupo, autores como
Wilma Peres Costa – A Espada de Dâmocles...-, Ricardo Salles – Guerra do Paraguai:
escravidão e cidadania na formação do exército -, Francisco Doratioto – A Maldita
Guerra... -, Jorge Prata Sousa – Escravidão ou morte – os escravos brasileiros na Guerra
do Paraguai - e a coletânea de artigos organizada por Maria Eduarda Marques – A Guerra
do Paraguai – 130 anos depois -, merecem menção.
No capítulo III, ao discutir o retorno dos ex-combatentes, abordaremos o clima de
tensão e festa que envolveu os desembarques, a tentativa de parte da elite política de se
aproveitar do descontentamento militar e a postura dos oficiais, destacando as suas ações,
19
reivindicações e suas relações com a elite civil. Para tanto, analisaremos a recepção aos ex-
combatentes e a conjuntura política nacional no período.
Na análise dos editoriais e artigos publicados pelo jornal A Reforma – órgão
democrático, ao longo do ano de 1870, destacando o desembarque dos ex-combatentes da
Guerra do Paraguai na Corte do Rio de Janeiro, discutirei, utilizando os conceitos da
semiologia, sobretudo as reflexões contidas nos textos de Michel Foucalt
16
, Eliseo Verón
17
,
Patrick Charaudeau
18
e Orlando de Barros
19
, a tentativa de aproveitamento do
descontentamento militar pelos políticos liberais para retornarem ao poder, assim como os
desdobramentos dessa ação.
O discurso crítico, nitidamente político, presente implicitamente e explicitamente
nos artigos, embora tenha como alvo o gabinete Conservador, tinha com destinatários os
próprios militares e o imperador D. Pedro II. No campo do efeito dos sentido
20
, o discurso
busca: 1) derrubar o gabinete conservador; 2) incentivar a manifestação dos militares; 3)
pressionar o imperador para que realize mudanças no quadro político.
A maioria dos artigos era assinada sob pseudônimos, que faziam referências à classe
militar: “O Voluntário da Pátria”, “Um Militar”, “O Oficial do Exército”, “O Exército” etc.
O conteúdo dos artigos, no entanto, não trazia nenhuma referência a propostas do Exército,
tais como reforma militar, aumento de soldo, promoções, leis de alistamento, modernização
16
FOUCALT, Michel. A Ordem do Discurso. Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2
de dezembro de 1970. Edições Loyola, São Paulo, 1996.
17
VERON, Eliseo. “Quand lire c`est faire: l´enonciation dans le discours de la presse ecrite”. In
Semiotique II, IREP, Paris, 1983.
18
CHARAUDEAU, Patrick. (sous la direction de). La presse, produit, production, réception. Didier
Érudition, Collection Langages, discours et sociétés. Paris, 1988.
19
BARROS, Orlando de. A propósito de um texto, a propósito de um texto, a propósito de outro texto.
Mestrado da UERJ, 2003 e 2005.
20
Segundo Eliseo Veron, uma mensagem não produz jamais, de maneira automática, um só efeito. O
discurso produz diversos efeitos, chamado pelo autor de campos de efeitos de sentidos. Eliseo Veron. Op. Cit.
p. 74
20
e valorização das forças armadas etc., assuntos recorrentes nas páginas do periódico O
Militar
21
.
O auge da campanha do jornal ocorreu durante as comemorações da vitória (10 de
julho de 1870). Nesse evento ocorreram alguns incidentes envolvendo ex-combatentes e
populares contra a polícia, fatos corriqueiros no Rio de Janeiro da época. O principal
tumulto ocorreu quando a carruagem da família real foi cercada e impedida de prosseguir
seu trajeto. Este fato assustou os políticos conservadores e o imperador, embora tenha sido
(segundo outras fontes da época) um ato pacífico. Amplamente explorado pelo jornal, o
episódio mais uma vez foi utilizado com propósitos políticos, sendo mostrado como uma
manifestação de repúdio, pelos militares, às práticas do gabinete conservador.
Segundo Foucault
22
, embora haja uma tentativa de controlar e organizar a produção
do discurso, visando o domínio dos acontecimentos que ele possa a vir desencadear, nem
sempre é possível prever as suas conseqüências. No caso presente, os articulistas do jornal
A Reforma foram duramente criticados pelos conservadores, incluindo aí editoriais no
Jornal do Commercio
23
, que o condenavam por espalhar o terror através do destaque que
dava às acusações dos ex-combatentes, principalmente os oficiais, contra o governo e aos
tumultos na cidade e pelos “velhos liberais”, contrários a grandes manifestações populares.
21
O jornal O Militar (1854-55, 1860-61), publicado por jovens oficiais e estudantes militares,
criticava constantemente o sistema político imperial, principalmente quando as leis e projetos eram
desfavoráveis aos militares. As edições do jornal encontram-se na Biblioteca Nacional.
22
FOUCAULT, Michel. Op. Cit. p. 42
23
RENAULT, Delso. Rio de Janeiro: A vida da cidade refletida nos jornais (1850/1870). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 15
21
Analisar a recepção dos artigos do jornal, principalmente por parte dos militares, é
uma tarefa muito difícil
24
, pois, nos documentos que consultamos referentes ao militares (a
maioria sob a guarda do Arquivo do Exército), não existem depoimentos dos mesmos,
proibidos de se expressar pelos jornais assuntos políticos e militares desde 1859, além de
que, naquele momento, não circulava nenhum órgão de divulgação das idéias militares.
No quarto e último capítulo, abordaremos a reorganização do Exército, mostrando o
caos existente nos primeiros anos do pós-guerra, as dificuldades dos ex-combatentes para
receberem os seus benefícios e a rotina violenta dos quartéis, no retorno dos militares à vida
comum, o desprezo a que a classe militar se viu relegada e as reformas militares aprovadas
mas não colocadas em prática.
Capítulo 1 - Do exército aristocrático ao meritocrático: em direção à
profissionalização
Com a independência do Brasil e a retirada das tropas portuguesas em 1822, D.
Pedro I ficou praticamente sem exército. Esta situação, agravada pelos problemas
econômicos que o novo país enfrentava, principalmente com a queda nas vendas de
algodão, açúcar e fumo, tornaram difícil a criação de forças armadas no Brasil.
Contando apenas com um pequeno número de oficiais brasileiros e portugueses,
remanescentes do exército português, e necessitando consolidar o processo de emancipação
do país – incompleto pela presença de portugueses leais à ex-metrópole nos portos do Norte
- D. Pedro se viu forçado a contratar estrangeiros.
24
Segundo Patrick Charaudeau, todo ato de linguagem, inclusive o discurso, tem um destinatário
ideal, construído pelo produtor , no entanto, existe uma distância entre o destinatário ideal e o destinatário
real, muitas vezes dificultando a recepção. Patrick Charaudeau. Op. Cit. p. 103
22
Desta forma constituiu-se o embrião do primeiro exército brasileiro. Composto
majoritariamente por estrangeiros na alta oficialidade, principalmente portugueses, e na
tropa por brasileiros (recrutados) e mercenários estrangeiros. Foram estes efetivos que
atuaram na repressão do levante em Pernambuco (1824) e na guerra da Cisplatina
(1825/1828)
25
.
Aos poucos, no entanto, os estrangeiros foram sendo substituídos pelos brasileiros,
circunstância acelerada pela independência do Uruguai e a rebelião dos soldados
mercenários no Rio de Janeiro, ambos os fatos ocorridos em 1828. Soma-se a estes revezes
a luta no interior do Exército, reunindo a tropa e a oficialidade brasileira contra a
oficialidade portuguesa e as tropas mercenárias, num processo de lutas que Wilma Peres
Costa denominou de nacionalização do exército
26
.
Até 1831, ano da abdicação de D. Pedro I, período conturbado da política nacional,
a insubordinação, segundo Nelson Werneck Sodré
27
, foi a principal característica do
exército. Essa rebeldia, talvez reflexo da instabilidade política daquele momento, era
provocada por oficiais que não acatavam ordens superiores e soldados que se revoltavam
contra a forma de recrutamento (forçado), o atraso dos soldos e os castigos físicos. Entre
1831 e 1832, vários motins ocorreram na cidade do Rio de Janeiro envolvendo militares.
Nelson Werneck Sodré destacou os seguintes
28
:
12 de julho de 1831 – 26º Batalhão de Infantaria
14 de julho - Corpo de Polícia da Corte
25
SCHULZ, John. O exército na política: Op. Cit. p. 25
26
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 45
27
SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil.. Op. Cit. p. 18
28
SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Op. Cit. p. 23/24
23
06 de outubro - Corpo de Artilharia (Ilha das Cobras)
02 de abril de 1832 - Fortalezas de Villegagnon e Santa Cruz
17 de abril - Tropas sediadas na Quinta da Boa Vista
Como observou Thomas Holloway, no seu trabalho sobre a polícia no Rio de
Janeiro
29
, embora não tenham provocado maiores conseqüências, sendo rapidamente
debeladas pelo governo, essas rebeliões assustaram as autoridades, provocando mudanças
na polícia, e nas forças armadas, principalmente no Exército.
Na Regência (1831-1840), acentuadamente no período em os liberais estiveram no
poder (1831-1837), o exército foi colocado em segundo plano por motivos de ordem
ideológica e econômica. No campo ideológico temia-se que o fortalecimento das tropas
regulares viria a ser utilizado para suprimir as liberdades individuais e provinciais.
A fragmentação dos meios de violência, em última instância, significava que não
podiam existir garantias suficientemente seguras de que as autoridades seriam mais
poderosas que seus oponentes, que, aliás, dada a rotatividade dos partidos, poderiam estar
no poder no dia seguinte
30
. No campo econômico, faltavam verbas para a organização e
manutenção de uma força profissional
31
.
Segundo José Murilo de Carvalho, a ojeriza dos liberais por exércitos permanentes
prendia-se a três argumentos. O primeiro dizia respeito ao papel desses exércitos no
aparecimento de pequenos Bonapartes, como já acontecia em outros países como a
Argentina (Rosas) e o México (Santa Anna). O segundo era de que um grande exército
29
HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século
XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
30
MENDES, Fábio Faria. O tributo de sangue: recrutamento militar e construção do Estado no Brasil
imperial. Rio de Janeiro: Tese de doutorado, IUPERJ, 1997.
31
SCHULZ, John. O Exército e o Império. In HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da
Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
24
retiraria da produção numeroso contingente de mão-de-obra. Em terceiro lugar, em função
dos “elementos mesmos de que é composta”, a tropa tendia a ser antes fator de anarquia do
que de ordem pois tendia a unir-se à população
32
. Este último argumento estava relacionado
a um problema essencial da classe proprietária: a manutenção da ordem social, decorrente
do “grande medo” de uma rebelião, popular ou de escravos, de maiores proporções, tal qual
a ocorrida no Haiti em 1835.
A descentralização política promovida pelos liberais entre os anos de 1831 e 1837
isolou os militares no interior do aparelho estatal, priorizando o comando civil no que se
refere à manutenção da ordem interna, exemplo disso foi a ampliação do controle privado
dos meios de repressão e a desmobilização do exército de linha
33
.
O principal mecanismo utilizado para atingir os fins acima descritos é a Guarda
Nacional, criada a 18 de agosto de 1831, integrada por todos os cidadãos eleitores, armada
e comandada pelos “senhores de terras e escravos”
34
, ela foi utilizada inicialmente para
debelar as insurreições de caráter mais popular da primeira fase da regência, tornando-se
rapidamente instrumento de controle das “classes perigosas” rurais e urbanas
35
.
A criação da Guarda Nacional pode ser considerada como exemplo da política
liberal em relação ao exército, pois, ao mesmo tempo que reforçou o poder localizado nas
províncias, criou um contingente de reserva sem praticamente nenhum ônus para o tesouro
nacional.
Segundo Jeanne Berrance de Castro, a criação da Guarda Nacional delimitou o
campo de atuação do Exército, reservando para ele o papel de defesa e ataque em caso de
32
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, Relum-Dumará, 1996.
33
IZECKSOHN, Vitor. Op. Cit. p. 20
34
SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Op. Cit. p. 33
35
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: Ed. Unb,
1981.
25
conflitos externos, enquanto que as milícias se encarregariam das querelas internas. Embora
tenha fracassado nessa tarefa de debelar os conflitos internos, principalmente os que
envolviam as elites, a Guarda Nacional desempenhou um papel importante pois acabou por
retardar a reforma da estrutura militar brasileira, situação que perdurou pelo menos até a
década de 1850. A partir desse momento, período em que se acentua a implementação de
reformas no Exército, até cerca de 1870, a Guarda Nacional passou a ser utilizada cada vez
mais como força complementar às forças regulares
36
.
Com a subida dos conservadores ao poder (1837), através da regência de Araújo
Lima, inicia-se a reorganização do Exército, considerado como instrumento necessário na
política de recentralização do poder, processo conhecido como Regresso Conservador e
levado a cabo pelo “grupo saquarema”, forjado através da aliança entre a alta burocracia,
particularmente setores da magistratura e da cafeicultura fluminense, núcleo pensante do
partido conservador
37
.
A principal característica desse período foi a reestruturação das instituições liberais,
através de uma série de reformas jurídico-administrativas, incluindo também as forças
armadas profissionais e a Guarda Nacional
38
.
Assim, para fazer frente às várias rebeliões que ocorriam naquelas datas, aumentou-
se o efetivo do Exército e a instituição foi revitalizada. Sob o comando de Luís Alves de
Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, as tropas regulares, engrossadas com contingentes
da Guarda Nacional, saíram vitoriosas contra a Balaiada/MA (1841), as revoltas liberais em
São Paulo e Minas Gerais (1842) e a Revolução Farroupilha/RS (1845).
36
CASTRO, Jeanne Berrance de. “A Guarda Nacional”. In HOLANDA, Sérgio Buarque de. História
Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
37
MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. São Paulo: Ed.
HUCITEC, 1990.
38
SOUZA, Adriana Barreto. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a
política militar conservadora . Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.
26
Com a vitória das forças governistas contra a Revolução Praieira (1849), consolida-
se a política de centralização do poder. Para alguns autores, entre eles John Schulz
39
, os
anos de 1849 a 1864 foram marcados pela estabilidade política e prosperidade econômica,
proporcionada pela expansão cafeeira, tornando possível o aprofundamento das reformas
no Exército.
O exército de D. Pedro I, tinha o seu corpo de oficiais majoritariamente oriundo da
aristocracia, seja brasileira
40
ou portuguesa, os militares eram filhos de proprietários de
terras, comerciantes ricos, altos funcionários civis e militares. Estes indivíduos ingressavam
no exército como oficiais ou como cadetes com honras de oficial, avançando rapidamente
na carreira. Era comum chegar ao posto de capitão aos vinte anos, coronel aos trinta e
general pouco depois dos quarenta.
A ascensão rápida desses oficiais estava associada às suas ligações de parentesco ou
políticas, geralmente. As forças armadas atraiam esses indivíduos, pois poderiam se
transformar em trampolim para uma carreira política. Este padrão, onde as promoções eram
feitas com base nas conexões sociais, sem muitas mudanças, perdurou até 1850
41
.
Com a paz interna e a expansão econômica que marcou o período, os militares
voltaram a sua atenção para as reformas, buscando introduzir práticas que fizessem o
exército brasileiro se assemelhar aos modernos exércitos europeus.
Esse discurso estava presente, inclusive, na Fala do Trono de 1850, quando o
imperador D. Pedro II, expôs o desejo de aumentar a força do Exército, no sentido de
39
SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 27
40
SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. p. 27
41
SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 24/26
27
transformá-lo numa organização regular e vigorosa, equiparável aos exércitos das nações
civilizadas
42
.
As reformas no exército, levadas a efeito principalmente pelo Ministro Manoel
Felizardo de Souza e Mello (1848-1852), provocaram profundas transformações na
instituição, possibilitando, entre outras coisas: a melhoria do ensino, a burocratização da
carreira, a criação gradativa de um corpo de oficiais com visão própria e profissional em
relação às necessidades militares
43
.
Um ponto essencial nessas reformas foi a mudança na lei de promoções,
proporcionando maiores chances de competição entre homens da elite e da não-elite.
A lei de 1850 instituiu normas rígidas de promoção, estipulando que para ganhar
uma patente era necessário ter pelo menos 18 anos e ser alfabetizado. As promoções da alta
oficialidade (de major a coronel) deveriam ocorrer por mérito ou por tempo de serviço,
levando em média de sete a oito anos antes de cada nova promoção por mérito nos tempos
de paz e cerca de dez anos quando a promoção era por tempo de serviço. Os oficiais-
generais eram escolhidos com base no mérito e os intervalos de tempo variavam: nos
períodos de guerra o tempo poderia se resumir à metade, enquanto que nas armas técnicas
artilharia, estado-maior e engenharia – as promoções eram por estudo, até o posto de
major
44
.
A citada lei definia que os oficiais da artilharia, estado-maior e engenharia deveriam
concluir o curso de nível superior de suas armas, aplicados na Academia Militar. Quem não
possuía o curso só podia servir na cavalaria e na infantaria.
42
SOUZA, Adriana Barreto. O Exército na consolidação do Império. Op. Cit. p. 111
43
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 63
44
SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. p. 26/28
28
A titulo de comparação, analisaremos a trajetória de um dos oficiais da ativa no ano
de 1850. Trata-se do próprio Manoel Felizardo, empreendedor das referidas reformas: este
militar, formado em matemática, em Coimbra, assumiu o cargo de professor da Academia
Militar em 1827, no posto de capitão, aos 21 anos de idade, ocupando vários cargos
administrativos e executivos (presidência das províncias do Maranhão, Ceará, Alagoas e
São Paulo), antes de tornar-se ministro da guerra em 1848 – com o posto de tenente-
coronel.
Essa carreira de ascensão rápida, dependente das ligações políticas, passou a ser,
após a reforma de 1850, cada vez mais rara, pois os requisitos de tempo de serviço
impediam esse progresso. A média de idade, que era em torno de 28 anos de idade para os
majores, antes de 1850, passou para 39 anos em média nos anos posteriores à reforma.
A principal conseqüência desse novo critério de promoções foi a de acabar com
parte da atração, que a carreira militar exercia sobre a elite, que passava a ver na
magistratura melhores oportunidades de ascensão rápida, principalmente na esfera política.
Formado em média aos 20 anos, o advogado não precisava esperar as promoções e, através
das suas ligações políticas, poderia tornar-se rapidamente um juiz, prefeito ou assumir um
cargo na burocracia estatal
45
.
Dessa forma, ampliaram-se as chances de indivíduos oriundos das famílias de
pequenos fazendeiros, funcionários públicos médios e oficiais subalternos, alcançarem a
oficialidade.
Do ponto de vista da carreira militar, a oficialidade do Exército passou de um grupo
não profissional e não educado, geralmente formado em cursos que nada tinham a ver com
45
SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. 26/28
29
atividades militares ou mesmo sem instrução básica, muitos até semi-analfabetizados, para
um grupo profissional, de formação superior, compatível com cada setor militar escolhido.
Esta mudança acabou criando, em relação ao oficialato, uma organização dual,
dividida entre um núcleo profissional minoritário, embora crescente, pertencente às
camadas médias e socializado nas escolas militares e o contingente egresso das oligarquias
rurais. O Primeiro grupo possuía conhecimento teórico sobre a “arte da guerra”, enquanto
que o segundo era responsável pelo fornecimento de tropas
46
.
Essa formação profissional, adquirida na Academia Militar, acentuou o abismo
existente entre o grau de instrução da oficialidade e da tropa. Antes da reforma de 1850, a
distância entre um e outro grupo estava ligada a questões de nascimento, de diferenças
sociais. Os indivíduos oriundos da elite, pertencentes a oficialidade, e a tropa, composta
por homens dos grupos sociais médios e baixos, tinham em comum o baixo grau de
formação.
Após 1850 o panorama se alterou, a oficialidade, formada na Academia Militar –
ilha de instrução em uma sociedade constituída por uma maioria analfabeta
47
-, era educada
por engenheiros, lia muito e estava geralmente a par do que acontecia no mundo e no resto
do país, enquanto que o grau de escolaridade da tropa continuava baixíssimo.
Segundo Celso Castro, a existência de academias militares com acesso
“democratizado” desempenhou um papel central no processo de profissionalização dos
exércitos modernos. Criadas após as guerras napoleônicas e sem restrições sociais ao
ingresso no corpo de oficiais, possibilitava à oficialidade desenvolver sua identidade social
centrada na própria instituição. Se no exército pré-moderno, o corpo de oficiais estava
46
IZECKSOHN, Vitor. Op. Cit. p. 38
47
SCHULZ, John. O exército na política. Op. Cit. 31
30
baseado na sociedade em virtude de sua origem aristocrática, com a profissionalização
passou a ser dotado de uma relativa autonomia em relação ao restante da sociedade. A
aristocracia de berço foi progressivamente substituída pela aristocracia do mérito, aferido
através da educação. Esse processo se consolidou na maioria dos exércitos por volta de
1870
48
.
Essa diferença de formação também foi comum no interior da própria oficialidade.
Nos anos imediatamente anteriores à Guerra do Paraguai, muitos dos oficiais não tinham
cursado a Academia, tendo entrado no exército antes de 1850 e galgado postos por suas
relações sociais ou por tempo de serviço. Essa situação causou várias divergências durante
a guerra e também após, opondo os chamados “científicos”, oriundos da academia e os
“tarimbeiros”
49
, principalmente em torno das promoções.
Podemos assentar a nossa conclusão na análise do alto escalão do exército, onde os
principais comandantes são oriundos da aristocracia brasileira, militares que entraram para
a instituição antes das reformas de 1850 e que tiveram carreiras meteóricas. Entre eles
destaco:
Manuel Luís Osório – Marquês de Herval
Carreira: Tenente (aos 19 anos), Capitão (30), Major (34), Tenente-Coronel
(36), Coronel (44) e Brigadeiro (51).
Comandante-em-chefe das forças brasileiras em 1865.
Manoel Marques de Souza – Visconde de Porto Alegre
48
CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
49
O termo “tarimbeiro” refere-se ao oficial que passou pelos postos de soldado, cabo e sargento sem
ter feito cursos de formação de oficiais. KOOGAN/HOUAISS – Enciclopédia e Dicionário. 4ª Ed. – Rio de
Janeiro: Seifer, 1999.
31
Carreira: Tenente (19), Capitão (22), Major (24), Tenente-Coronel (33),
Coronel (37), Brigadeiro (42) e Marechal (47) .
Comandante do Segundo Corpo do Exército
Polidoro da Fonseca Quintanilha – Visconde de Santa Teresa
Carreira: Tenente (23), Capitão (25), Major (35), Tenente-Coronel (39),
Coronel (48), Brigadeiro (53) e Marechal (64).
Comandante do Primeiro Corpo do Exército
Luís Alves de Lima e Silva – Marquês de Caxias
Carreira: Tenente (17), Capitão (19), Major (25), Tenente-Coronel (34),
Coronel (36), Brigadeiro (38) e Marechal (39).
Comandante em chefe das forças aliadas
50
A mudança nos critérios de promoções e formação do oficialato, foram seguidas por
reformas ocorridas no ensino militar, principalmente em relação à Academia Militar.
Embora a Academia Militar existisse desde 1811, só a partir de 1850 é que o ensino ali
ministrado estaria conectado diretamente à carreira. O ensino militar, então, entrou em fase
de ampliação e profissionalização. Em 1851 Manoel Felizardo sugeriu a adoção de um
regime de quartel para a Academia Militar, mais adequada, segundo ele, a formar
intelectuais do que soldados (oficiais).
O resultado prático das reivindicações do ministro foi a divisão da Academia Militar
em duas: manteve-se a Escola Central, localizada no Largo de São Francisco, específica do
ensino das ciências matemáticas, físicas e naturais, formando oficiais de artilharia e
50
DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro,
Biblioteca do Exército, 1981.
32
engenharia e criou-se uma Escola Militar e de Aplicação, instalada na Fortaleza de São
João (1855) e, posteriormente, na Praia Vermelha (1857), voltada para o ensino
profissional, ambas as escolas localizadas na Corte. Assim, na Praia Vermelha ficariam os
cursos práticos e no Largo de São Francisco os estudos teóricos
Além dessas, foram criadas uma escola militar no Rio Grande do Sul, responsável
pela formação de oficiais da cavalaria, e a escola de tiro de Campo Grande/RJ para formar
sargentos e tenentes aptos para a instrução da tropa.
Até 1845, os critérios para a entrada nas academias eram bastante modestos,
bastando o candidato ser alfabetizado e dominar as quatro operações matemáticas. A partir
do referido ano, ocorreram alterações substanciais: o candidato tinha que dominar
gramática portuguesa, francês e geografia para todos os cursos que concorresse e ainda
gramática latina para os candidatos aos cursos de engenharia. Embora as mudanças
representem uma elitização nos critérios de ingresso às academias, estas foram
compensadas pela criação de escolas preparatórias gratuitas no Rio de Janeiro e em Porto
Alegre, fato que ampliou as oportunidades de acesso para os grupos não pertencentes à
elite
51
.
Embora possuíssem uma formação técnica muito mais apropriada para atuar no
conflito, nenhum dos oficiais oriundos da Academia Militar conseguiu alcançar postos tão
importantes como os oficiais acima referidos. Destaco como motivos: a pouca idade dos
oficiais – quem entrou para a Academia Militar em 1850, tinha na época da guerra em torno
de 35 a 40 anos e a pouca ou nenhuma experiência em conflitos.
Entretanto, as estratégias empreendidas pelo governo para formar o exército
brasileiro, foi o que mais próximo poderia se chegar de uma conscrição universal,
51
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 64
33
principalmente diante da presença da escravidão. As vantagens concedidas com o decreto
3371, a libertação de escravos para lutarem na guerra, as campanhas de alistamento
52
em
todo o país, entre outras ações das autoridades, fizeram com que milhares de homens de
todas as classes sociais se alistassem livremente. Ao lado destes, outros tantos foram
forçados a marchar para o front, no entanto, essa também foi uma característica dos
exércitos profissionais europeus.
Os primeiros anos do conflito mostraram que a profissionalização do contingente
não bastou para formar um exército moderno. Como veremos no próximo capítulo, a infra-
estrutura precária do exército brasileiro dificultou demais as ações dos soldados, fazendo
com que estes tivessem que redobrar os seus esforços e sacrifícios, para conseguir sair
vitoriosos dos campos de batalha.
Diferentemente da oficialidade, onde detectamos várias transformações ao longo do
período colonial, o recrutamento da tropa se caracterizou pela permanência de critérios
herdados do período colonial. O recrutamento compulsório sempre foi o mais comum
instrumento para preencher o corpo do Exército brasileiro.
O recrutamento atingia geralmente a população livre, de baixa extração social,
marginal economicamente e vítima da exclusão institucional (não votava nem era votada,
era analfabeta etc.). Nas áreas rurais era subordinada social, político e ideologicamente aos
grandes proprietários e nas cidades formou uma multidão de prestadores de pequenos
52
Entre as campanhas de alistamento empreendidas pelo governo, destaco duas: a primeira foi a
grande campanha feita pelos periódicos da época (estratégia que visava alcançar segmentos médios da
população) e a segunda, de forte valor simbólico, foi a transformação do imperador D. Pedro II no primeiro
voluntário.
34
serviços, biscateiros, vendedores ambulantes, pequenos artesãos, desocupados, vagabundos,
mendigos e marginalizados de toda ordem
53
.
Hendrik Kraay
54
, analisando o recrutamento ao longo do período imperial no Brasil,
identificou mais detalhadamente qual a clientela atingida pelos recrutadores nos tempos de
paz: homens brancos e mulatos livres solteiros, de 18 a 35 anos.
Ele destacou ainda as exceções que constavam das legislações em vigor sobre
recrutamento, geralmente baseadas no critério econômico. Estavam excluídos do serviço
militar, entre outros: “capitães-do-mato, vaqueiros, artesãos, cocheiros, marinheiros,
pescadores, um filho de cada lavrador, um certo número de caixeiros de cada
estabelecimento comercial e estudantes”
55
.
Um dos motivos para que ocorresse essa adesão forçada da classe livre ao exército
foi a escravidão. A manutenção da ordem escravista tornava impossível a formação de um
contingente de conscrição nacional, composto por indivíduos de todas as classes sociais,
pressuposto para a criação de um exército moderno. Primeiro porque o escravo não era
alistável e segundo porque outros braços aptos para o serviço militar tinham que ser
desviados para a manutenção da ordem privada.
Para fazer face a esse problema, o governo imperial chegou a fazer uso de soldados
estrangeiros (mercenários), alternativa que também não surtiu efeito por causa da
insubmissão das ditas tropas, cujo ápice foi a rebelião na Corte em 1828
56
, e o alto custo
desse contingente.
53
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército. Rio de
Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1990. p. 59/63
54
KRAAY, Hendrik. Reconsidering recruitment in Imperial Brazil.IN The Americas, 55: 1 july 1998.
55
KRAAY, Hendrik. Op. Cit. p. 15
56
RIBEIRO, Gladys Sabina. “Pés-de-chumbo” e “Garrafeiros”: conflitos e tensões nas ruas do Rio de
Janeiro no Primeiro Reinado (1822-1831). In Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, vol. 12,
nºs 23/24, 1992.
35
Na realidade, desde a colônia e durante todo o século XIX, o recrutamento parecia
uma espécie de caçada humana, da qual a população alistável fugia com horror
57
. Em
muitos dos casos os alistadores, sobretudo os juízes de paz e a Guarda Nacional,
utilizavam-se das suas prerrogativas para perseguir desafetos políticos ou proteger seus
aliados.
O recrutamento era visto como uma degradação social e os recrutas eram
literalmente capturados para o serviço militar, através de métodos brutais e diretos
58
,
método comum no mundo.
Muitos eram obrigados a entrar para o exército por terem tido problemas com as
leis. Um desses casos foi retratado por Martins Pena na peça “Um juiz de paz na roça”
59
,
onde o personagem principal, José da Fonseca, por ter cometido um delito, foi forçado a se
transformar em soldado e seguir para as guerras do Rio Grande, só que, para escapar desta
situação, casou-se escondido com a filha de seu carcereiro. Embora seja uma obra ficcional,
o autor lida com elementos presentes na realidade e, portanto, a situação destacada parece
não ter sido incomum durante o período imperial.
Identificado o público alvo desse alistamento forçado, nos resta analisar o porque da
recusa desses indivíduos em fazer parte do Exército, visto que a sociedade escravista
permitia poucas oportunidades de trabalho para os homens livres. A possibilidade de uma
ocupação regular remunerada, representada pelo serviço no Exército, poderia vir a tornar
atraente este tipo de atividade, no entanto, os maus-tratos, o baixo soldo e os constantes
57
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit. p. 37
58
SALLES, Ricardo. Op. Cit. p. 80
59
PENA, Martins. Um juiz de Paz na Roça, segunda edição. Rio de Janeiro: Tipographia Imparcial de
F. de Paula Brito, 1843.
36
atrasos, impingiam ao serviço militar um caráter de castigo
60
, impedindo que este se
tornasse algo atrativo para este segmento da população.
As reformas ocorridas nas forças armadas a partir de 1850, não alteraram o quadro
vigente, pois incidiram sobre a oficialidade, não se ocupando com as condições da tropa. A
principal mudança nesse cenário, pelo menos na sua forma quantitativa, iria ocorrer ao
longo da Guerra do Paraguai.
O confronto com o Paraguai nos seus primeiros momentos expôs a fragilidade das
forças brasileiras. Diante de um exército estimado em cerca de 70 a 80 mil homens
(contando com os efetivos de reserva), boa parte deles muito bem treinada, o Brasil
dispunha, para o ano fiscal de 1864, de um efetivo fixado em 17.000 homens, distribuídos
pelo seu extenso território
61
.
O início do conflito, mostrou que o Império brasileiro não estava preparado para
enfrentar o poderio dos efetivos paraguaios, evidenciando assim a pouca importância dada
ao Exército, organizado para combater rebeliões dentro do país ou conflitos contra
adversários belicamente tão modestos quanto ele, como a Argentina e Uruguai. Nesses
casos, confiava-se geralmente nos efetivos de reserva representado pela Guarda Nacional
ou bastava deslocar batalhões das capitais ou, no caso dos conflitos externos, utilizar as
forças estacionadas no Rio Grande do Sul.
Numericamente falando, poderíamos afirmar que era um contingente aquém das
necessidades do país, com um corpo de oficiais proporcionalmente muito superior ao
número de soldados.
60
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 58
61
BETHEL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. In MARQUES, Maria E. C.
Magalhães (Org.). A Guerra do Paraguai - 130 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume - Dumará, 1995.
37
A guerra pegou o governo brasileiro de surpresa, apesar da política agressiva que o
país desenvolvia na região, pois as autoridades não esperavam enfrentar um adversário tão
superior. Exemplo disso foi a inexistência de um plano de mobilização de tropas.
Frente a isso, o governo imperial empreendeu um esforço de recrutamento de
dimensões nacionais, pois organizar o exército era a única condição de vitória para o
Império. O chamamento para a defesa do país, incidiu sobre os corpos da Guarda Nacional,
dos corpos de polícia das províncias e dos batalhões de voluntários. Além, é claro, dos
efetivos do exército regular. Todos sob as ordens e organizados pela oficialidade do
exército e pelo Ministério dos Negócios da Guerra e seus órgãos.
O primeiro passo para contornar a situação foi a promulgação, por parte do Governo
Imperial, do Decreto 3371, criando os Batalhões de Voluntários da Pátria, a 07 de janeiro
de 1865. Este decreto foi criado para incentivar o engajamento de voluntários, oferecendo
ao final do conflito, além de outras vantagens: gratificação de 300$000, na ocasião da
baixa, área de terra de 22.500 braças quadradas nas colônias militares ou agrícolas,
passagens para onde solicitarem logo que for declarada a paz, no caso que tenham que se
transportar por mar, direito aos empregos públicos de preferência, em igualdade de
habilitações, a quaisquer outros indivíduos; as famílias dos Voluntários, que faleceram no
campo de batalha ou em conseqüência dos ferimentos recebidos nela, terão o direito à
pensão ou meio soldo, conforme se acha estabelecido para oficiais e praças do Exército,
soldo dobrado de voluntário aos que ficarem inutilizados por ferimentos recebidos em
combate
62
.
62
Jornal do Commercio, Rio de janeiro, 09 de janeiro de 1865.
38
A criação desses batalhões tinha como objetivo atrair indivíduos de diferentes
grupos sociais, apelando para o espírito voluntário/patriótico da população. Intento que deu
resultado no primeiro ano de mobilização, quando homens de várias classes sociais se
engajaram na defesa da pátria. No entanto, em face do prolongamento do conflito e a
necessidade sempre crescente de efetivos, o recrutamento forçado volta a ser o instrumento
mais utilizado para atender às necessidades das forças brasileiras.
A diferença entre a coerção empregada nos tempos de paz e nos tempos da guerra,
residia no fato de que havia agora uma forma moral, os batalhões de Voluntários da Pátria,
empregada no sentido de dar uma legitimação social a este tipo de recrutamento,
possibilitando a aceitação do mesmo pelos demais segmentos da população e de certo modo
pelos próprios indivíduos compulsoriamente transformados em voluntários.
Embora consideremos que o recrutamento forçado fosse o principal mecanismo
utilizado para repor as baixas causadas pelas doenças e combates no conflito, ele não foi o
único. Prosseguindo com seu esforço de suprir o Exército com material humano, as
autoridades, além do decreto 3371, pressionaram a Guarda Nacional, através da designação
de seus membros para o serviço de guerra. Esta determinação causou protestos, fugas e toda
sorte de manipulações por parte das elites para fugirem da guerra.
Esse segmento da população, detentor de um alto poder de pressão sobre as
autoridades imperiais, da qual muitos dos seus membros faziam parte, encontraram na
substituição a oportunidade de escaparem de seguir para o front de batalha. Dessa foi
facultado aos proprietários oferecerem escravos ou pagar homens livres para se tornarem
combatentes em seus lugares e nos de seus filhos e familiares
63
. A contar pelos vários
63
SOUSA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte – os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio
de Janeiro: Ed. MAUA/Ed. ADESA, 1996.
39
anúncios veiculados nos periódicos da época, onde homens livres ofereciam-se para
marchar no lugar dos designados, em troca de uma indenização, a substituição poderia
tornar-se um bom negócio
64
.
Outro grupo integrado a esse esforço de guerra foi composto por escravos. Esses
indivíduos recebiam a alforria com a obrigação de fazerem parte do exército e irem para a
frente do conflito. Essas alforrias eram originárias de doações, substituição, compra por
parte do governo etc
65
.
Embora não existam estimativas confiáveis sobre o número de escravos que
combateram na guerra, até porque não foi incomum a fuga de escravos para engajarem-se
no exército
66
, alguns argumentos podem ser levantados para debater a primeira opinião
citada acima: 1) O perigo de se armar um grande número de escravos; 2) o perigo de se
transformar um escravo em Voluntário da Pátria; 3) o transtorno da liberação de mão-de-
obra para emprego na guerra; 4) o controle do recrutamento pelos senhores de escravos.
Diante desses argumentos não se sustenta a tese de que os escravos foram maioria
na guerra. Os senhores de escravos, principalmente os do sudeste, não liberariam a sua
mão-de-obra, num momento em que o preço do escravo estava em alta. Por outro lado,
existia uma população livre numerosa e ociosa, não integrada à economia escravista, esta
sim apta a fornecer a maioria dos combatentes.
64
A proporção de tropas oriundas da Guarda Nacional caiu de cerca de 75% em 1866, para menos de
45% em 1869. In BETHEL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. Op. Cit. p. 18
65
SALLES, Ricardo. Op. Cit. p. 41
66
Entre os autores que defendem que houve a fuga de escravos para se apresentarem para lutar,
podemos citar: COSTA, Emília Viotti da. A Abolição. São Paulo: Ed. Global, 1982/GRAHAM, Richard.
Escravidão, Reforma e Imperialismo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1979.
40
Estima-se que o Brasil mobilizou algo em torno de 130 mil a 150 mil homens ao
longo do período da guerra (1865/1870).
Capítulo 2 - O exército na Guerra do Paraguai: uma quebra no processo de
profissionalização
O conflito entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, precipitou-se em meio à crise no
Uruguai, independente do Brasil desde 1828, palco constante de rivalidades luso-
espanholas a partir do século XVII, culminando com a invasão portuguesa à Banda
Oriental, cuja ação foi efetuada em 1816. Aproveitando a crise interna uruguaia,
representada principalmente pela luta política entre os Blancos e Colorados, e utilizando
como motivo supostas retaliações contra cidadãos brasileiros residentes na região, o
Império deu um ultimatum ao governo uruguaio em 04 de agosto de 1864. Esta notificação
continha uma série de exigências e ameaçava o país vizinho de invasão caso estas não
fossem cumpridas.
O conflito pode ser dividido em pelo menos quatro fases, relacionadas aos
comandos que o exército brasileiro esteve submetido e não propriamente às ações. São elas:
comando do argentino Bartolomé Mitre (primeira e segunda fases), Marquês de Caxias
(terceira) e Conde d´Eu (última)
67
.
Estava aberto o caminho para a mais grave crise que a Região da Bacia do Prata
enfrentaria. O Paraguai, que advertia há tempos que a autonomia e independência do
67
Em relação às fases da Guerra do Paraguai, a título de exemplo, cito a subdivisão feita por Leslie
Bethell, baseada nas principais ações militares. Para esse autor, o conflito pode ser dividido em três fases: a
primeira marca a ofensiva paraguaia (dezembro de 1864/abril de 1866), a segunda destaca a ofensiva aliada e
o período dos principais combates (abril de 1866/janeiro de 1869) e a terceira enfoca a tentativa de
reorganização do exército paraguaio e a utilização das técnicas de guerra de guerrilhas (janeiro de 1869/março
de 1870). In BETHELL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. In MARQUES, Maria E.
C. Magalhães (Org.). A Guerra do Paraguai - 130 Anos Depois. Rio de Janeiro: Relume - Dumará, 1995.
41
Uruguai era condição primordial para o equilíbrio de forças no Rio da Prata, retrucou o
ultimatum brasileiro com um outro, onde condenava a intervenção no país vizinho. Tropas
brasileiras invadiriam o Uruguai a 16 de outubro de 1864, cumprindo as ameaças. Era a
guerra. O Paraguai, preocupado com a livre navegação no Prata e o possível bloqueio de
sua única saída para o mar, apreendeu o vapor mercante brasileiro Marquês de Olinda.
Foram rompidas as relações diplomáticas entre os dois países. O Paraguai, que vinha se
mobilizando para o conflito há algum tempo, declara formalmente guerra ao Brasil - 13 de
dezembro de 1864, iniciando a invasão do Mato Grosso.
A primeira iniciou-se com a invasão do Brasil pelas tropas paraguaias a partir da
província do Mato Grosso, em dezembro de 1864. O ano de 1865 começou com a
declaração de guerra do Paraguai à Argentina - 18 de março, motivada pela negativa de
permissão desta última para que as tropas paraguaias cruzassem seus territórios e a região
das Missões, em litígio, e a invasão da província argentina de Corrientes. Em 1º de maio foi
firmado o Tratado da Tríplice Aliança, que reuniu Argentina, Brasil e Uruguai contra o
Paraguai. Os principais pontos de acordo foram: o fim da ditadura de López; livre
navegação no Prata; a anexação do território reivindicado pelo Brasil, no nordeste do
Paraguai, e pela Argentina, no leste e oeste do Paraguai.
Ainda em 1865, as forças paraguaias invadiram o Rio Grande do Sul, através da
região de Uruguaiana, com o intuito de chegarem até o Uruguai. Apesar da surpresa das
ações, comandadas pelo coronel paraguaio Estigarribia, e o melhor preparo das forças
paraguaias, eles não chegaram a seu destino, rendendo-se parte do contingente, inclusive o
seu comandante, ao exército aliado, na ocasião representados pelo imperador Pedro II (na
sua única aparição na região do conflito), pelo presidente argentino Bartolomeu Mitre,
também comandante das forças aliadas, e ao presidente uruguaio Venâncio Flores.
42
Enquanto isso, um contingente de aproximadamente 27.000 soldados paraguaios
retornava ao seu território. Ao final do primeiro ano da guerra, as únicas tropas paraguaias
estacionadas em solo brasileiro estavam localizadas no Mato Grosso, palco secundário do
conflito. Nesse meio tempo, ocorreu a única batalha naval importante, quando a esquadra
paraguaia foi praticamente destruída pela marinha brasileira. Foi a batalha de Riachuelo, no
Rio Paraná, em 11 de junho.
A segunda fase começou com a passagem dos aliados para a ofensiva com a
invasão do território paraguaio, em abril de 1866, com a fixação do acampamento de
Tuiuti. Nesse período, o contingente formado por combatentes brasileiros, argentinos e
uruguaios, sob o comando do argentino Mitre, iria enfrentar períodos de lutas contínuas e
sangrentas, com períodos de imobilidade. As principais batalhas foram: primeira batalha de
Tuituti (24 de maio de 1866), Curuzu (03 de dezembro de 1866), Curupaiti (23 de
dezembro de 1866) e segunda batalha do Tuiuti (03 de dezembro de 1867). Em outubro de
1866, o marechal Luis Alves de Lima e Silva, então Marquês de Caxias, foi nomeado
comandante-em-chefe das forças brasileiras terrestres e navais, unificando o comando antes
dividido entre o general Osório (primeiro corpo do exército), general Conde de Porto
Alegre (segundo corpo do exército) e o almirante Tamandaré (marinha). O comando-
geral, no entanto, ainda era do presidente Mitre.
A terceira fase está relacionada com a transmissão do comando-em-chefe, de todas
as forças aliadas, de Mitre para Caxias, em 13 de janeiro de 1868. A principal tarefa de
Caxias era reorganizar o contingente aliado, afim de transpor a fortaleza de Humaitá, cuja
localização bloqueava o acesso ao Rio Paraguai e à capital Assunção. A fortaleza só foi
ocupada em agosto de 1868 e em janeiro de 1869, após a destruição de grande parte do já
combalido exército paraguaio na batalha de Lomas Valentinas (27 de dezembro de 1868),
43
finalmente Assunção foi ocupada e Caxias deu por encerrado o conflito, dando por
completamente derrotado o exército paraguaio.
No entanto, a guerra teria a sua quarta fase, caracterizada pela resistência dos
paraguaios. Solano Lopez tentou reorganizar as suas poucas forças, dispersas pelo interior
do país – na sua maioria velhos e crianças – e retomar a luta, dessa vez através de ações de
guerrilhas. Esta situação, apesar do retorno de Caxias para o Brasil
68
, forçou o governo
brasileiro a manter as forças brasileiras em solo paraguaio até 1872. O comando-em-chefe
passou às mãos do Conde d´Eu, 15 de abril de 1869, e sua principal missão era acabar com
a resistência paraguaia e capturar Solano Lopez. Sua tarefa foi facilitada após a vitória na
batalha de Campo Grande (16 de agosto de 1869), também chamada de Acosta Ñu, onde
foram massacradas as forças paraguaias. Embora Lopez tenha novamente conseguido
escapar, alguns meses depois ele seria encurralado e morto em Cerro Cora, encerrando a
chamada Guerra do Paraguai.
Ao longo dos seus quase cinco anos e meio o conflito figurou como uma das piores
guerras do mundo no século XIX, mesmo entremeada por longos períodos sem operações
bélicas de importância, grandes batalhas foram travadas, vitimando milhares de
combatentes e não combatentes
Os números da guerra são expressivos, mesmo levando-se em conta o exagero de
alguns autores, que freqüentemente manipularam cifras para realçar seus argumentos.
Observando algumas estimativas encontramos certos disparates, aproveitamos então um
68
O Marquês de Caxias deixou o comando em janeiro de 1869, substituído interinamente pelo
Marechal Guilherme Xavier de Souza, que, por sua vez, passou o comando para o Conde d´Eu em abril do
mesmo ano. In DUARTE, Paulo Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro,
Biblioteca do Exército, 1981. p. 35
44
estudo recente realizado pelo historiador inglês Leslie Bethell
69
, que calculou os efetivos
mobilizados pelos contendores: Do lado paraguaio de 70 mil a 80 mil homens, da
Argentina de 10 mil a 15 mil, do Uruguai cerca de 5 mil homens e do Brasil, que no
decorrer da guerra foi assumindo responsabilidades cada vez maiores, de 130 mil a 150 mil
homens.
Utilizando-se os números do mesmo autor, percebe-se a terrível mortandade da
guerra. No início do conflito as doenças, as intempéries, e as más condições das tropas e o
serviço de saúde inadequado, iriam causar a maior parte das vítimas. Com o decorrer da
guerra, contudo, os combatentes estavam melhor adaptados e melhor abastecidos, os
terrenos já eram conhecidos e as doenças já não eram as maiores causadoras de baixas. As
batalhas contribuíam, agora, com uma maior porcentagem para aumentar os índices de
mortos e feridos. Somando as duas causas (doenças e ações bélicas), o número estimado
ficou em torno de: do lado paraguaio entre 50 mil e 80 mil mortes. Do lado aliado a
situação foi a seguinte, Argentina (18 mil homens), Uruguai (perdas insignificantes) e
Brasil (entre 25 mil e 50 mil mortos em combates, acrescidos dos mortos por doenças).
As conseqüências da Grande Guerra foram desastrosas para todos os países
envolvidos, sobretudo para o Paraguai e Brasil. O Paraguai utilizou, no esforço de guerra,
todos os recursos humanos e econômicos disponíveis. Ao final do conflito estava exaurido,
com a população drasticamente reduzida e a economia praticamente falida, contribuindo
para esta situação os pesados encargos assumidos como perdedor da guerra.
O Brasil, embora considerado o grande vencedor, não estava em situação financeira
muito diferente. Diversos empréstimos foram feitos na Europa, principalmente com
69
BETHEL, Leslie. A Guerra do Paraguai - História e Historiografia. Op. Cit. 21
45
banqueiros ingleses, o que acarretou ou alimentou o estado de crise crônica que persistia
desde a independência.
O exército brasileiro, como foi destacado por vários autores, não estava preparado
para o conflito. Primeiro por não ter um plano de mobilização de tropas e segundo por não
possuir a infra-estrutura básica para enfrentar um conflito das proporções da Guerra do
Paraguai. O abastecimento das tropas era precário, principalmente nos primeiros anos, em
relação à alimentação e água potável, situação que, agravada com a falta de um serviço
médico adequado, contribuía para aumentar a incidência de doenças.
Para os brasileiros o sacrifício começava bem antes. Recrutados muitas vezes de
forma compulsória, retirado dos seus rincões e colocados dentro de navios adaptados e
apinhados de soldados, ou submetidos a marchas forçadas por centenas de quilômetros, em
direção à corte do Rio de Janeiro, local de concentração de tropas e onde era ministrado um
tosco treinamento, muitos não resistiam e ficavam pelo caminho. Alguns doentes ou
mortos, outros como desertores.
Na chegada ao porto de Montevidéu, última parada do comboio antes dos campos
de batalha, muitos acabavam ficando pelos hospitais, fora de combate, muitas vezes por
doenças contraídas na viagem ou trazidas de seus lugares de origem.
As condições higiênicas e sanitárias dos acampamentos também deixavam a desejar.
Na maioria dos relatos de quem testemunhou ou participou das ações, fica evidente que,
tanto de um lado quanto de outro, as condições foram precárias. Acantonados em áreas
pantanosas, sujeitos à chuva e ao frio, equipados com fardamento inadequado
70
,
70
Segundo ilustrações contidas no livro de Paulo de Queiroz Duarte (Os Voluntários da Pátria na
Guerra do Paraguai) cada batalhão confeccionava o seu próprio fardamento, a maioria deles inadequadas
para o clima e o relevo da região do conflito.In DUARTE, Paulo Queiroz. Os Voluntários da Pátria na
Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1981.
46
despreparados, mau alimentados, os combatentes eram vítimas fáceis de inimigas tão
poderosas, quanto as armas: as doenças.
O General-de-Brigada João Severiano da Fonseca, futuro Patrono do Serviço de
Saúde do Exército, nos deixou uma narrativa insuspeita das condições das enfermarias onde
atuou; em ofício, remetido ao General Antônio Sampaio, ele desabafava e pedia
providências.
"(...) Não são as doenças, nem o número de doentes que me
assustam; o que me acovarda, Sr. General, ou antes, o que me
desespera é a impossibilidade que tenho e os meus
companheiros, de socorrer os enfermos, e de combater e
prevenir as moléstias por que, de um lado, faltam-me
completamente os meios de ação, não tendo esta Divisão, de
três mil homens, um só grão de medicamento, um só fio de
curativo; e de outro, sendo nossa voz tão desautorizada, que
não se atende os nossos conselhos, nem buscar satisfazer os
mais comuns e necessários preceitos de higiene e profilaxia
militar, adaptado ao soldado em campanha. Desde 1 do
corrente que peço, insisto e suplico medicamentos, dietas,
barracas, enfermeiros, cozinheiros. (...) Das ambulâncias das
Brigadas recém-chegadas nada há a aproveitar, sendo incrível
e cruel que se mandasse para um exército em operações
ambulâncias de cirurgia para mil e cem praças, sem um único
instrumento cirúrgico, e apenas um saca-rolhas e um
isqueiro;(...) Todavia, é dever de minha profissão combater
47
até a última as causas do mal do meu próximo como é dever
do soldado combater até a última pela honra do seu País."
71
Os primeiros anos do conflito podem ser descritos como uma guerra de doentes,
onde as epidemias eram responsáveis pela maioria das baixas. Ao invés das balas
adversárias, os soldados caíam devido às doenças. O cólera-morbo, a malária, a disenteria,
a febre amarela, a varíola e outras enfermidades, alcançavam mais longe que os canhões
inimigos. Segundo o observador prussiano Max von Versen,
72
os médicos ingleses,
que atuavam do lado paraguaio, estimaram em 40.000 o número de perdas, causadas
principalmente pela desinteria, escarlatina, bexiga e pela febre chuchu. O mesmo autor
indica, ainda, que as moléstias se originavam da água extraída do solo paludoso, pelo
consumo de carne sem hortaliça, pela falta de pão e até mesmo do sal, além do vestuário
impróprio.
Do lado aliado as condições não foram diferentes. O avanço das tropas por terrenos
insalubres, sob um clima freqüentemente inconstante, propiciaram que os surtos ceifassem
milhares de vidas. Um trecho, retirado do épico relato do Visconde de Taunay sobre a
Retirada da Laguna, nos dá bem a noção dos inconvenientes proporcionados por esta
situação.
"A 18, desde a madrugada, começou copiosa chuva que não
tardou em ensopar o nosso pobre fato e nos predispôs mais
tristemente para uma marcha ainda mais lenta que nos dias
precedentes. Nem sempre caía chuva com a mesma força, mas
71
SILVA, Alberto Martins da. João Severiano. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989. p. 34
72
VERSEN, Max von. História da Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
EDUSP, 1976. p. 29
48
havia de vez em quando aguaceiros que não tardavam em
encharcar o solo, de modo tal que a cada passo ficavam as
carretas presas e retidas nos caldeirões que abriam. Que
espetáculo constrangedor o do grupo dos nossos míseros
enfermos, a quem, sob desabaladas bátegas e no meio dos
regatos que elas formavam, tínhamos de deixar no
chão!(...)Quase que diariamente sucedia que o sol, fraco de
manhã, após noites glaciais, tornava-se depois escaldante.
Variação perene que acabava arruinando-nos a saúde. neste
mesmo dia, acastelando-se a oeste espessas nuvens, daí
proveio cedo novo dilúvio, que transformou em furiosa
torrente um ribeirão já por si volumoso.(...) Morríamos de
frio; estávamos a jejuar, e só com muito trabalho, à meia-noite
pudemos ter fogo, à custa de empilhar muita lenha verde que
ardia quase sem labaredas."
73
Os contingentes mais atingidos foram, sem dúvida, aqueles formados pelas
camadas inferiores. Os soldados, principalmente, os do Norte e Nordeste, desacostumados
ao clima pantaneiro, eram os mais vulneráveis às doenças. Muitos já chegavam
subnutridos, submetidos a vida inteira a um regime alimentar deficiente. Oriundos, via de
regra, de famílias pobres ou de condição escrava, dispunham de uma situação de vida
precária nos seus lugares de origem. Somava-se a isto a falta de recursos pecuniários
73
TAUNAY, Alfredo d'Escragnolle. A Retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai ,
traduzida da 5ª edição francesa por Affonso de E. Taunay. 18ª ed. brasileira. São Paulo: Melhoramentos;
Brasília: INL, 1975. p. 40
49
necessários para adquirir os produtos complementares à ração e ao fardamento regulares
que recebiam.
Uma parte considerável dos recrutados não chegou nem a alcançar o front. Segundo
Paulo Queiroz Duarte
74
, foi crítica a situação, referindo-se ao 4º CVP, formado na Corte e
embarcado em abril de 1865:
"Naquela quadra de abril, grassava no Rio de Janeiro uma
violenta epidemia de varíola, doença grandemente infecciosa
e contagiosa que se manifestou no curso da viagem e se
propagou com tal violência que cerca da metade do efetivo do
Corpo chegou à capital do Uruguai atacado da terrível
moléstia.(...) Os hospitais de Montevidéu, que já abrigavam
muitos doentes, ficaram repletos de variolosos e no cemitério
local sepultaram-se inúmeros jovens patriotas."
75
Outro testemunho, acerca das péssimas condições do efetivo, é dado pelo próprio
Marquês de Caxias. Em correspondência,
76
ele notificava, ao Ministério dos Negócios da
Guerra, o recebimento do vapor Itapicurú com 332 praças. Este barco partiu da Corte com
420 soldados. A diferença, portanto, ficara pelo caminho, internada em hospitais de Santa
Catarina, Montevidéu e Corrientes.
74
DUARTE, Paulo Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro,
Biblioteca do Exército, 1981. p. 38
75
DUARTE, Paulo Queiroz. Op. Cit. p. 43
76
Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra, - 06 de dezembro de
1867.
Seção Guerra, Arquivo Nacional .
50
Analisando o relatório do Marquês de Caxias
77
, da força sob o seu comando,
verifica-se as condições adversas de saúde do efetivo brasileiro. De um total de 42.814
homens, 10.635 estavam doentes, ou seja, cerca de 25% do contingente encontravam-se
fora de combate.
O militar Sena Madureira também destacou a situação do soldado que baixava
enfermaria durante o avanço das tropas brasileiras:
“Era triste a sorte do soldado, naquela travessia, quando
baixava doente no hospital. Nas marchas seguidas, batidos
sem cessar por chuvas copiosas através de campos alagados e
vagueando arroios cheios; que comodidades podiam ter os
pobres enfermos? (...) nossas condições eram desfavoráveis e
só com muita previdência se podia ter um serviço sanitário
regular”
78
Destacando a correspondência do Marquês de Caxias, referente aos anos de 1867 e
1868
79
, período considerado como o auge da guerra e momento de concentração do maior
número de soldados brasileiros na frente de batalha, percebe-se como foi difícil a vida nos
campos de guerra e nos acampamentos. A tensão entre soldados e oficiais e as más
condições de higiene, saúde e de abastecimento, marcaram esse cotidiano, entremeados
pelos embates com o inimigo, num momento decisivo do conflito.
77
Idem
78
MADUREIRA, Sena. A Guerra do Paraguai. Brasília: ED. UNB, 1982. p. 36
79
Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra, Seção Guerra, -
Arquivo Nacional.
51
As tensões sociais no Brasil, causadas sobretudo pelas relações escravistas de
trabalho, transferiram-se para o interior do Exército, no teatro das operações de guerra.
Foram constantes as rivalidades entre a oficialidade e a soldadesca.
Foram comuns os entreveros, numa luta não declarada entre senhores e ex-escravos,
ricos e pobres, brancos e negros. Reproduzindo o que acontecia nas cidades, nos campos,
nas fazendas e em qualquer lugar do país onde subsistiam as relações escravistas de
trabalho.
Como exemplo dessa relação, recorremos novamente ao relato de Dionísio
Cerqueira. Embora utilizando dos serviços de um soldado negro que “cozinhava a nossa
bóia (...), lavava-me a roupa e cuidava do armamento e equipamento”
80
, ele destaca que
os negros realizavam as piores tarefas da guarnição, servindo nos hospitais, fazendo os
serviços de limpeza e as demais tarefas pesadas.
Por meio da correspondência de Caxias e de outros relatos da mesma natureza,
percebe-se a dificuldade de se manter a disciplina do contingente. Várias condenações à
morte servem de exemplo, principalmente quando o crime é cometido contra um oficial.
Em oficio endereçado ao Ministério dos Negócios da Guerra, Caxias remetia o processo do
soldado Atanazio Francisco Torres de Menezes,
81
do 51º Corpo de Voluntários da Pátria
82
,
condenado à morte por matar um oficial. Em sua defesa, ele alegou que o militar o
humilhara. Em outro ofício, consta o processo do soldado do 53º CVP José Francisco
80
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1980. p. 27
81
Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra - 09 de julho de
1867.
82
Daqui por diante onde for mencionado Corpo de Voluntários da Pátria passaremos a denominar
CVP.
52
Bezerra
83
, condenado à pena máxima por ter assassinado o alferes do mesmo Corpo, José
Pedro de Moura Gondim. A representação do acampamento aliado pode ser definida como
um espaço marcado por toda ordem de tensões entre oficiais e soldados, destacando as
deserções e os crimes, que expunham os ressentimentos dos soldados frente ao tratamento
desumano recebido por parte dos seus superiores
84
Um recurso utilizado pelos comandantes era o suplício das pranchadas
85
, onde o
condenado era submetido a um grande número de golpes, na maioria das vezes morrendo,
sem ter sido oficialmente condenado à morte. Dionísio Cerqueira,
86
no livro
Reminiscências da Campanha do Paraguai, nos oferece um relato desse tipo de castigo.
Ele narra que, no Acampamento de Cuencas, dois soldados foram supliciados por terem
atacado um oficial, ambos falecendo em decorrência dos golpes, nas contas de Cerqueira
foram cerca de 1.800 golpes, número com certeza exagerado. Ele arrematou assim o seu
relato, justificando esse tipo de condenação:
"Iam ser arcabuzados, sem a sanção do Imperador? A
aplicação do castigo nos exércitos deve ser pronta. A demora
enfraquece a autoridade; e quando o processo se arrasta em
longas discussões e chicanas forenses, quando são esquecidos
e postos à margem os sãos e nobres preceitos disciplinares,
torna-se ridículo, com ofensa do que a vida militar tem de
mais belo e nobre e constitui a sua grandeza: a disciplina, a
83
Correspondência do Marquês de Caxias ao Ministério dos Negócios da Guerra - 02 de dezembro de
1868.
84
IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: Op. Cit. p. 44
85
Segundo as descrições a pranchada era um suplício, aplicado com uma espécie de espada sem ponta
e sem gume, em virtude de que o condenado recebia golpes nas costas e nos ombros. Geralmente as pancadas
não excediam a 50, mas em alguns casos, dependendo da gravidade da falta cometida ou da severidade do
comandante, poderiam ser aplicados um número que poderia levar o indivíduo à morte.
86
CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit p. 31
53
subordinação e o respeito mútuo entre superiores e
inferiores."
87
É importante ressaltar que o mencionado autor, apesar de ter se alistado logo no
início da guerra como voluntário, era oriundo de uma tradicional família baiana e ocupava
naquele momento o posto de oficial, ainda que subalterno, justificando assim as suas
reflexões. Ao mesmo tempo, sua preocupação com a disciplina, constitui-se numa pista
expressiva do medo da oficialidade em relação aos soldados. Estes incidentes eram
causados pelos mais diversos motivos: humilhações, roubos, jogo, bebedeiras. Agravados
pela acirrada luta pela sobrevivência, comum em situações de conflito.
Uma outra característica dos acampamentos aliados foi a presença de uma espécie
de acampamento paralelo. Influenciando tanto para aumentar a indisciplina quanto para
propagar as doenças. Uma plêiade de elementos civis acompanhavam o exército. Eram
mães, esposas, filhos, prostitutas, jogadores, comerciantes, aventureiros. Uns para cuidar
dos seus, outros pretendendo rapiná-los.
A descrição desses acampamentos e as suas relações com o contingente do Exército
está presente em várias memórias da guerra. Dionísio Cerqueira nos fala de Tuiuti, onde "o
jogo de cartas campeava infreme. (e...) Alguns camaradas afeiçoavam-se demasiado ao
vício..."
88
. Ainda em relação à descrição dos acampamentos paralelos ele prosseguia:
"Cada barraca era um bazar, onde se viam as mais
variadas mercâncias: esporas, fitas, perfumarias, vestidos,
87
CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit. p. 32
88
CERQUEIRA, Dionísio. Idem. p. 37
54
bombachas, (...), ao lado de queijos, salames, vinhos zurrapas,
fino Clicquot, sardinhas de Nantes, charutos de Havana (...),
havia bascos, alemães, italianos, franceses, castelhanos,
portugueses. Eram raríssimos então os brasileiros, argentinos
e orientais."
89
Max von Versen, figura enigmática que circulou com relativa facilidade entre os
dois lados da contenda, também fez referência a este intenso comércio:
"Em cada seção do acampamento encontra-se uma espécie de
mercado, onde por preços fabulosos, os negociantes
ofereciam todos os artefatos, característicos da civilização,
por exemplo, conservas de beefsteak aux champignons ou aux
truffes, vários outros acepipes, vinhos finos e bebidas
espirituosas, e até artigos de toilette para homens e senhoras,
porque muitos oficiais parecia terem trazido para ali as
prezadas consortes. Os pagamentos realizavam-se sempre em
libra e meia libra esterlina. (...)Neste complexo de tantos
regalos, o espectador desprevenido poderia imaginar que, em
vez de enxergar arraiais consagrados ao culto de Marte, tinha
a ventura de assistir o festim popular em feira de aldeia."
90
89
CERQUEIRA, Dionísio. Idem. p. 38
90
VERSEN, Max von. Op. Cit. p. 43
55
Excetuando-se os devidos exageros de ambos os autores, pródigos em imprecisões
ao longo de seus respectivos relatos, campeavam a prostituição e o jogo. Os soldados se
divertiam com seus folguedos próprios, suas cantorias, seus jogos. Infelizmente, não se
encontram descrições a esse respeito, nem mesmo dos cronistas que assistiram às ações.
Certamente não consumiam os produtos, nem freqüentavam os mesmos locais descritos
tanto por Cerqueira quanto por von Versen. Comerciavam, talvez, com produtos furtados
ou recolhidos nos saques e restos das batalhas.
Apesar dos sacrifícios ao longo do conflito, poucos militares recebiam o
reconhecimento, principalmente quando se tratavam de soldados. Os elogios em ordens do
dia, as promoções e, sobretudo, as condecorações honoríficas, quase não contemplavam a
parte inferior da hierarquia militar. Dessa forma, os soldados tinham que se contentar com o
bom conceito entre os seus pares, já que, segundo Cerqueira: “a justiça não podia ser
distribuída a todos, porque os generais não tinham o dom da ubiqüidade, e muitos atos de
bravura ficaram ignorados
91
Não eram só os soldados que protestavam contra esta falta de reconhecimento, os
oficiais também estavam sujeitos a isso. Muitos dos militares iriam cobrar posteriormente
as honras que não receberam, acentuando a divisão dentro exército. Entre as reivindicações
feitas no pós-guerra, freqüentemente figuravam as promoções. Situação que se agravaria
com a diminuição dos efetivos a partir de 1870.
Do ponto de vista político a guerra foi decisiva para o Império brasileiro, trazendo a
princípio um certo prestígio ao regime, logo após a vitória. Segundo Joaquim Nabuco:
91
CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit. p. 40
56
"A guerra com o Paraguai teve importância tão
decisiva sobre o destino nacional (...) que se pode ver nela
como que o divisor de águas da história contemporânea. Ela
marca o apogeu do Império, mas também procedem dela as
causas principais da decadência e da queda da dinastia (...)"
92
Entretanto, ela traria outras conseqüências a médio prazo. O exército imperial que
retornava do conflito havia passado por uma verdadeira metamorfose. Cioso do seu próprio
valor e honra provados em combate, o exército se encontraria, mais do que nunca,
profundamente ressentido do desdém das elites políticas com relação aos seus sacrifícios e
necessidades
93
.
Alguns segmentos estavam insatisfeitos e não tardariam a fazer ver e ouvir os seus
protestos. Seguindo a análise de Joaquim Nabuco, percebe-se que um novo agente político
entrou em cena, num país fortemente oligárquico. O Exército passaria a representar a única
instituição verdadeiramente nacional e com moral suficiente para promover a queda da
monarquia. No entanto esta tarefa não seria realizada de pronto e as ações e protestos,
ouvidos no período dos desembarques, seriam sufocadas ou controladas pelas estratégias
empreendidas pelas autoridades.
Capítulo 3 - Os ex-combatentes nas ruas do Rio de Janeiro: discursos e práticas
em torno de um exército vencedor
92
NABUCO, J. Um estadista do Império. Nabuco do Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. São
Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949. p. 38
93
MENDES, Fábio Faria. O tributo de sangue: recrutamento militar e construção do Estado no Brasil
imperial. Rio de Janeiro: Tese de doutorado, IUPERJ, 1997.
57
“Hontem às 6 horas da tarde desembarcaram os
voluntários da pátria no arsenal da marinha.
Ahí estava levantado um arco triumphal em
cujas fachadas lia-se esta inscrição
em letras de ouro:
A pátria agradecida
Ás phalanges victoriosas”
94
O dia 1º de março de 1870 é considerado oficialmente como a data do final da
Guerra do Paraguai, marcando o momento da última resistência paraguaia e a morte do
generalíssimo Solano López. No entanto, o conflito já tinha sido decidido desde a
ocupação de Assunção pelas tropas brasileiras comandadas por Caxias, a 5 de janeiro de
1869, restando apenas um pequeno exército paraguaio
95
, reorganizado por López,
atuando através de guerrilhas, sem, contudo, fazer face ao grande contingente do
exército aliado.
Esta foi a última ação de grande porte na guerra. A partir daí as forças brasileiras
ficaram ociosas, estacionadas em Assunção, esperando o momento do retorno aos seus
lugares de origem. A situação, que durou em torno de seis meses, não era das melhores.
Muitos desses soldados estavam ausentes há mais de 4 anos e não viam sentido em
94
A Reforma – 0rgão Democrático. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1870.
95
Este pequeno exército foi massacrado na batalha de Campo Grande ou Acosta Ñu, a 16 de agosto de
1869, onde um efetivo de cerca de 20.000 homens do exército aliado, comandados pelo conde d’Eu,
defrontou-se com 1.500 paraguaios, na sua maioria crianças e velhos. BETHEL, Leslie. Cronologia da
Guerra. In MARQUES, Maria Eduarda M. (Org.). Guerra do Paraguai – 130 anos depois. Rio de Janeiro:
Relume/Dumará, 1994.
58
prorrogar mais a estadia em solo paraguaio. A insatisfação quase geral da tropa,
agravada pelas dificuldades de abastecimento de água e comida, comuns desde o início
do conflito, acabou por fomentar desordens e insubordinações, tornando-se comuns os
saques e a violência, principalmente contra a população paraguaia.
As críticas a esta situação aumentavam, sendo oriundas tanto de setores militares,
quanto da sociedade civil brasileira, que criticavam a indefinição das autoridades
brasileiras. A partir de fins de 1869 e início de 1870, intensificaram-se as discussões
sobre como e quando começaria a evacuação e o embarque dos ex-combatentes para o
Brasil.
Antes de destacarmos o desembarque dos ex-combatentes na Corte, porém,
abordaremos a conjuntura política do país naquele período, pois ela ajuda a entender
algumas posições assumidas pelos oficiais, em relação aos partidos políticos e algumas
ações desenvolvidas na Corte.
O quadro político desse período foi marcado pela freqüente troca de gabinetes em
1868 e a conseqüente inversão partidária. Nesse momento, o Gabinete Zacharias
(composto pela coalizão expressa na Liga Progressista)
96
foi substituído pelo Gabinete
16 de julho, dirigido pelos conservadores. Esta inversão partidária esteve ligada
diretamente à condução da guerra e à crise representada pela confrontação entre o futuro
96
A Liga Progressista foi uma coalizão entre elementos moderados do Partido Conservador e do
Partido Liberal contra os conservadores e os liberais “ortodoxos”. Apesar de não ser um partido, a Liga
dominou o cenário político do Império na década de 1860, liderando os gabinetes entre 1862 e 1868. Sobre a
Liga Progressista e a política imperial, ver:
COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles – o exército, a Guerra do Paraguai e a crise do
império. São Paulo: ED. HUCITEC/ED. UNICAMP, 1996.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Do Império à República, vol. 5, tomo II da História geral da
civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1972.
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império – Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua
época. 5ª Ed., Vol. II. Rio de Janeiro: Toopbooks, 1997.
59
Duque de Caxias, comandante-em-chefe das forças brasileiras, e o gabinete liberal.
Caxias, um dos principais membros do Partido Conservador, ao assumir o cargo, teria
exigido a substituição do ministro da Guerra Ângelo Muniz da Silva Ferraz (liberal) por
João Lustosa da Cunha Paranaguá, homem de sua confiança. Esse fato teve como
desdobramento político a queda do Gabinete Zacharias, em julho de 1868, determinada
pela intervenção do Imperador Pedro II, através do Poder Moderador, embora este
gabinete possuísse maioria na câmara.
Há um consenso entre os autores ao elegerem esse episódio como o início da
decadência do sistema político da monarquia. A partir de então, este sistema passou a ser
sistematicamente contestado pelos dois partidos, que criticavam o mecanismo que
possibilitava o Imperador, através do Poder Moderador, promover a alternância dos
partidos no poder. Apesar de não ter sido a primeira vez que ocorreu a inversão
partidária, desta vez a mudança ocorreu mesmo com os liberais mantendo a maioria na
Câmara. Segundo a autora, a guerra teve um papel preponderante nesses episódios, pois
dessa vez “não se escolhia o comandante por ser do partido do gabinete, mas o
gabinete por ser do partido do general, a razão de Estado se impondo sobre a lógica da
vida partidária.”
97
Parece que esta era também a opinião de Nabuco, que analisando os
acontecimentos do período enfatizava a relação entre a política e a guerra:
“E, senhores, ainda são lamentáveis, para todo homem
que ama o sistema representativo, os motivos a que se atribui
o 16 de julho. Em geral se diz que estes motivos foram as
97
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit. p. 257
60
necessidades da guerra e as necessidades das finanças; era
preciso acabar com a guerra, e para acabar com a guerra
cumpria que houvesse um ministério que inspirasse confiança
ao general, de modo que o general era antes político do que
militar! (...) Complicou-se o estado de guerra com uma reação
profunda no país, reação que podia dar em uma guerra civil se
não fosse a prudência do Partido Liberal.
98
Embora a crise política iniciada em 1868, com a intervenção autoritária dos
militares, personificada na figura de Caxias, não tenha se encaminhado para uma guerra
civil, como suspeitava Nabuco de Araújo, ela teve desdobramentos com o fim do
conflito no Paraguai e o retorno dos ex-combatentes. O episódio da ascensão política de
Caxias serviu para sugerir (embora em vão) que o prestígio dos militares seria relevado.
Foi frustrante e a frustração ligou-se à idéia de que as esperanças não se realizariam
devido à aproximação excessiva entre Caxias e o regime monárquico. Na Corte, as
discussões e as manifestações a respeito da situação envolveram políticos, militares e
população civil, sendo perceptíveis principalmente através da análise dos periódicos.
Analisar a crise é essencial pois ela foi um dos fatores que estimularam a
rivalidade entre os militares e prejudicaram a sua ação política comum. A nossa hipótese
principal nesse capítulo é que a divisão dos oficiais em torno dos partidos Liberal e
Conservador prejudicou a coesão interna da Instituição nos primeiros anos após a
98
NABUCO, Joaquim. Op. Cit. p. 51
61
guerra, situação que facilitou o controle da ordem por parte do governo e adiou ações
mais significativas do Exército.
Embora a divisão dentro do Exército fosse mesmo anterior à guerra, por conta de
vários fatores, ela se acentuaria durante o conflito, estendendo-se até os primeiros anos
depois da guerra. Segundo Sérgio Buarque de Holanda
99
, a própria guerra já fornecia
elementos para a divisão do meio militar, entre eles a disputa por promoções, a busca de
glórias militares individuais, de reconhecimento e mesmo a convicção política dos
principais oficiais.
No entanto, segundo ainda o mesmo autor
100
, foram os anos de paz, posteriores à
guerra, que contribuíram para a falta de coesão da classe. Esta divisão se acentuou com a
aproximação dos oficiais ex-combatentes com a política, possibilitada em grande parte
pela estratégia de cooptação empreendida pelos políticos civis.
A estratégia de atrair militares para as fileiras partidárias dos liberais ou
conservadoras, não era um fato novo na política brasileira. O motivo desse interesse,
segundo Oliveira Viana, tinha relação com a disputa do espaço político:
“Os nossos políticos civis sempre viram no exército
um campo a explorar em benefício dos interesses deles: os da
oposição – para subirem ao poder; os do governo – para se
conservarem nele. Os que estão em baixo vão aos quartéis
para desalojar do poder os que estão em cima; estes apóiam-se
nos quartéis para não serem desalojados pelos que estão
99
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Do império à república. vol. 5, tomo II da História geral da
civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1972.
100
HOLANDA. S. B. Op. Cit. p. 40
62
debaixo. E tem sido esta – a de mero instrumento das
ambições civis – a função propriamente política do exército
em nossa história.
101
Veremos que este comportamento político, descrito por Oliveira Viana acentuam-
se com o fim da Guerra do Paraguai. Os oficiais que saíram prestigiados da guerra e que
ainda não pertenciam a nenhuma das duas fileiras partidárias, foram disputados através
das mais diversas artimanhas; estas iam desde a aceleração nos processos de pedido de
pensão até o oferecimento de cargos públicos, além, é claro, da concessão de títulos de
nobreza. Os conservadores levavam vantagem sobre os liberais, pois dominavam o
aparelho burocrático do Estado e dispunham do poder de deferir ou indeferir as
solicitações de benefícios. A concessão muitas vezes dependia de simpatias políticas e
da proteção de “padrinhos” militares ou civis, disso se aproveitavam os partidos.
Dois dos mais prestigiosos heróis de guerra encabeçavam a lista de militares
envolvidos na política. Um foi Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, ex-
comandante-em-chefe das forças brasileiras, pertencente de longa data ao Partido
Conservador. O outro foi o general Osório, militar que gozava de grande influência entre
a tropa e que teve participação importante no conflito, fazendo parte do Partido Liberal.
Caxias e Osório são personagens emblemáticos do pós-guerra, pois, de certa forma, na
condição de monarquistas, refrearam a radicalização dos oficiais mais jovens. Além
desses, a maioria dos oficiais ex-combatentes foi convidada, por um ou por outro
partido, para fazerem parte das suas hostes.
101
OLIVEIRA VIANA, F. J. O ocaso do império. São Paulo: Melhoramentos, 1925. p. 74
63
A ação dos partidos, por outro lado, era bem aceita pelos oficiais, boa parte deles
pertencentes às camadas médias e ávidos por ampliar a sua participação política na
sociedade imperial.
As discussões sobre a situação política eram acompanhadas através dos periódicos,
que foram auxiliares importantes dos partidos na cooptação dos oficiais, principalmente
os veículos de oposição, mais radicais na sua crítica.
A ação das autoridades, logo após o término do conflito, evidenciou os temores e
as dificuldades que estes enfrentavam para trazer de volta os ex-combatentes brasileiros.
Assim, a proposta do governo era de mandar os ex-combatentes direto para suas
províncias de origem, evitando a passagem destes pela Corte, excetuando-se,
evidentemente, os efetivos pertencentes à própria Corte e à província do Rio de Janeiro.
A alegação era de que reunir todos os batalhões em um só comboio e desembarcá-los na
cidade, acarretaria uma despesa à qual o governo não estava preparado. Portanto, a
proposta era do embarque pouco à pouco, à formiga, para citar um termo da época,
direto para as províncias de origem, proposta defendida pelo ministro dos Negócios
Exteriores, José Maria da Silva Paranhos.
“... A meu ver marche cada corpo de voluntários para a sua
província em cada vapor transporte que sahir d’aqui para o
Império; recebam nos seus penates as ovações de seus
amigos, compatriotas e parentes, ovações que se misturarão
com muitas lágrimas, com muitas dores íntimas e pungentes.
(...) Mas reunir em uma só frotilha todos os batalhões de
voluntários, fazei-os desembarcar no Rio de Janeiro, recebeio-
64
os (ilegível) de applausos frenéticos na côrte do Império,
seria, além de uma despeza injustificável, um sarcasmo
doloroso, uma ironia pungente aos míseros inválidos da
pátria, que ahi estão em seu asylo, feridos, mutilados,
inutilizados para sempre.”
102
Esta postura do governo não esconde as suas preocupações com a falta de recursos
para o pagamento das pensões e benefícios, somando isso ao receio de desordens e
rebeliões, decorrentes da insatisfação dos ex-combatentes e do grave momento político
vivido no país. A falta de verba para os pagamentos foi fruto da crise econômica que
assolou o país no período do pós-guerra, após os empréstimos tomados aos banqueiros
ingleses para financiar o esforço de guerra.
As preocupações com as desordens e rebeliões foram constantes na Corte,
especialmente em períodos pós conflitos. Como exemplo, podemos destacar o caso dos
mercenários irlandeses e alemães contratados por D. Pedro I para as guerras no Sul.
Revoltados com atrasos nos salários e vivendo de forma miserável nos quartéis da rua
dos Barbonos, eles se rebelaram em 1828 e foram violentamente reprimidos pelas
autoridades da época
103
.
Outros motivos podem ser alegados para a retenção das forças brasileiras, estas
mais ligadas a interesses particulares. Embora a manutenção das tropas brasileira em
102
Trecho reproduzido pelo jornal A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 18 de janeiro de
1870. O citado artigo foi publicado originalmente pelo Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 16 de janeiro de
1870.
103
RIBEIRO, Gladys Sabina. “Pés-de-chumbo” e “Garrafeiros”: conflitos e tensões nas ruas do Rio
de Janeiro no Primeiro Reinado (1822-1831). In Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, vol.
12, nºs 23/24, 1992.
65
Assunção não agradasse aos soldados, favorecia grandes comerciantes, principalmente
os do Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Apesar de faltar um estudo mais aprofundado
sobre o abastecimento do Exército brasileiro durante a guerra, vários relatos atestam o
grande movimento de comerciantes varejistas que acompanharam as ações militares
104
.
Estes formavam verdadeiros acampamentos paralelos onde vendiam os mais
variados produtos, sendo constantemente providos desde a Corte e Buenos Aires.
Quanto maior fosse o período de estadia do Exército em solo paraguaio maiores seriam
os lucros desse grupo. O comércio, no varejo e no atacado, movimentou grandes somas
de dinheiro, forçando o governo brasileiro a buscar empréstimos externos juntos aos
banqueiros ingleses para cobrir os gastos de abastecimento e manutenção da tropa. Para
facilitar a circulação de numerário, o banqueiro Barão de Mauá chegou a manter uma
filial do seu banco junto às tropas aliadas
105
.
Embora fossem altos os lucros de alguns com a manutenção do contingente
brasileiro, este não parece um motivo suficientemente forte para manter a tropa em solo
paraguaio, podemos destacar também a rivalidade entre o Brasil e a Argentina em
relação ao domínio dos assuntos paraguaios. No entanto, o lucro dos comerciantes foi
um argumento freqüentemente utilizado pelos oposicionistas do governo, que acusavam
o mesmo de também lucrar com isso.
104
Referências sobre os comerciantes que acompanhavam as tropas aliadas, ver: CERQUEIRA,
Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
1980.
VERSEN, Max von. História da Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
EDUSP, 1976.
TAUNAY, Alfredo d'Escragnolle. A Retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai ,
traduzida da 5ª edição francesa por Affonso de E. Taunay. 18ª ed. brasileira. São Paulo: Melhoramentos;
Brasília: INL, 1975.
105
CERQUEIRA, Dionísio. Op. Cit. p. 47
66
A partir de fevereiro de 1870, dentro de um clima misto de tensão e festa,
começaram a desembarcar os ex-combatentes na Corte do Rio de Janeiro, local
privilegiado para se observar suas reações.
Segundo as estimativas das autoridades, destacando-se aí o ministério dos
Negócios da Guerra, cujo titular era o tenente-general João Frederico Caldwell – barão
de Muritiba, e o ministério dos Negócios Exteriores, comandado por José Maria da
Silva Paranhos, futuro marquês do Rio Branco, passariam pelo Rio de Janeiro cerca de
6 a 8 mil homens, daí mais da metade seguiria para as suas províncias de origem,
conforme orientação das autoridades.
O jornal A Reforma – 0rgão Democrático, através de seus editoriais e a coluna de
matérias pagas, denunciou o procedimento do Gabinete Conservador, argumentando que
a intenção do governo, afastando os ex-combatentes da Corte, seria a de faltar com as
promessas contidas no decreto 3371.
A VOLTA DOS VOLUNTÁRIOS
E DA GUARDA NACIONAL
“(...) O correspondente que escreve de Assunção para
o Jornal do Commercio, combate a idéia da volta dos
Voluntários da Pátria em corpos reunidos e em uma frotilha, e
do seu desembarque no Rio de Janeiro por duas razões que
revoltam o bom senso.
67
(...) Qual é porém a suspeita do governo? ... de que
elle tem medo?
Não querem crer que o actual gabinete pretenda faltar
aos voluntários com os prêmios que lhes foram garantidos e
que n’essa intenção oppõe-se a que elles cheguem reunidos e
em força capaz de exigir imponentes o seu direito.
(...) Ainda na hypothese cruel de receios de
perturbação da ordem pública, e de exigências da parte dos
voluntários, a opposição do governo á vinda do sr. conde d’Eu
á frente d’elles é inexplicável, e faz duvidar do bom senso do
ministério; porque o ilustre príncipe general, com o prestígio
da victória, e com a força do amor dos soldados seria o
elemento mais forte, e garantia segura da ordem e da
disciplina militar dos corpos que consigo trouxer.
(...) Que o sr. Paranhos quer e insta que os Voluntários
da Pátria sejam retirados do Paraguay sem organização
militar, e levado ás respectivas provinciais, como depois da
festa músicos a pé. J.M. DE MACEDO”
106
.
Parece claro nesse artigo a intenção de se colocar a opinião pública contra o
governo conservador, através da exploração do descontentamento militar, estratégia
freqüentemente utilizada mutuamente por ambos os partidos, ao longo da história do
106
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1870.
68
país. Ao mesmo tempo que tentava desmascarar os propósitos do governo, o jornal
buscava capitalizar para os liberais a insatisfação reinante, tentando também uma
aproximação com o conde d’Eu, comandante-em-chefe das forças brasileiras no
Paraguai e substituto do conservador marquês de Caxias no referido comando, fato que,
somado à abolição da escravidão no Paraguai, foi responsável por atrair para ele as
simpatias dos políticos liberais.
Assim, os partidos políticos capitalizavam os descontentamentos e as rixas dentro
do Exército, utilizando-as em proveito próprio na luta pelo poder.
Apesar das idéias discordantes dos dois partidos em relação ao desembarque das
tropas, ambos tinham como orientação política principal, segundo Wilma Peres Costa
107
,
a preocupação em neutralizar “a força nova que emergia”. Estimular as rivalidades,
impedir o cortejo dos militares pelas ruas do Rio, mistificar a atuação dos voluntários da
pátria e guardas nacionais, cooptar politicamente os oficiais, foram estratégias que
tiveram como objetivo principal o enfraquecimento do Exército.
Nos primeiros anos após a guerra, estas estratégias deram resultado. Isso fica claro
nas manifestações de rua promovidas por oficiais ao longo do ano de 1870, ora
imputadas aos oficiais simpatizantes do Partido Conservador ora aos do Partido Liberal,
nunca fruto de uma ação conjunta da instituição.
Retomando a discussão sobre o desembarque, a manobra dos liberais do periódico
A Reforma não passou despercebida pelos conservadores. A réplica veio cerca de um
107
COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles. Op. Cit. p. 297
69
mês mais tarde (fevereiro de 1870), através da coluna À PEDIDOS
108
do Jornal do
Commercio, onde o articulista acusava, veladamente, os liberais de incentivarem os ex-
combatentes a realizar rebeliões e cometer violências:
“OS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA”
(...) A liberdade não se cimenta pelas armas, não tem
outros soldados senão os cidadãos que a defendem pelos
meios legaes. A autoridade firma-se no respeito do povo e não
quererá jamais transformar os defensores da pátria em
veteranos de Cesar.
(...) Insinuar o emprego contra a autoridade constituída e
a bem de interesses facciosos, das armas heróicas que
vingárão a affronta irrogada ao estandarte da pátria, é ultrajar
a bravura e a lealdade dos cidadãos que voluntariamente
expuzerão a vida e derramárão o sangue pela honra do Brazil.
(...) Planejão o impossível aquelles que esperão por essa
fórma ver lançada, por sobre as águas que turvão a ponte por
onde dêm o assalto ao poder.
(...) Perdem seu tempo e desacreditão-se na opinião
pública os que buscão afastar os voluntários da pátria do
caminho da honra e do dever.
108
A coluna A PEDIDOS, supostamente paga, expressava geralmente a opinião de pessoas ligadas à
linha política defendida pelo jornal. Na maioria das vezes os autores utilizavam-se de pseudônimos, embora o
teor dos textos revelassem as idéias que os mesmos defendiam. Freqüentemente o espaço era também
utilizado pelos articulistas dos próprios jornais, no intuito de ocultarem seus nomes quando os ataques eram
mais veementes.
70
Eles serão na paz tão dignos da gratidão nacional como
forão na guerra.”
109
Os conservadores, avessos às rebeliões, principalmente quando estavam no poder,
através dos artigos no Jornal do Commercio apelavam para o patriotismo da tropa,
temerosos de serem vítimas dos distúrbios supostamente incentivados pelos liberais. O
temor de ter contra si os defensores da pátria demonstra que a situação não estava
totalmente sob o controle das autoridades, a concentração de milhares de homens,
reivindicando suas pensões e outros benefícios, esse descontentamento, se bem
aproveitado pela oposição, poderia trazer grandes dificuldades para o governo.
É sintomático que este artigo tenha saído exatamente no período em que os
primeiros batalhões de ex-combatentes estavam desembarcando no Rio de Janeiro
(fevereiro de 1870), evidenciando o receio do governo em relação à aglomeração de
tropas na cidade e as conseqüências que isto poderia acarretar. Assim, o governo tratou
de tomar algumas providências em relação ao desembarque.
A estratégia do governo em embarcar os soldados à formiga e sem passar pela
Corte, não foi posta em prática; um dos motivos era que o transporte utilizado para tal
fim necessariamente fazia escala na cidade, pois se tratavam de navios mercantes
adaptados para o transporte de tropas. A solução adotada foi o escalonamento dos
desembarques ao longo do ano de 1870. A estratégia era embarcar dois ou três
batalhões, desembarcá-los na Corte e, antes que chegassem novos contingentes,
109
Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1870.
71
embarcá-los novamente para suas províncias de origem, transferindo para estas a tarefa
de controle sobre os ex-combatentes.
Essa situação aconteceu, por exemplo, com o 17º Batalhão de Voluntários,
prontamente denunciada pelo jornal A Reforma:
LICENCIAMENTO DOS VOLUNTÁRIOS
“As folhas confidenciaes noticiaram hontem que na
madrugada de 3 do corrente o batalhão nº 17 de voluntários da
pátria embarcou para Minas no 1º trem da estrada de Ferro de
D. Pedro II.
O fato surpreendeu-nos. Era sabido que a maior parte dos
voluntários havia solicitado o licenciamento aqui mesmo na
Corte, allegando residirem a grande distância de Ouro-Preto,
muitos na província do Rio de Janeiro”.
110
Além dos procedimentos acima destacados, os cuidados com o desembarque
incluíam o recolhimento dos doentes e mutilados, até a elaboração do roteiro a ser
percorrido nos desfiles militares. Quanto às festividades, os ex-combatentes teriam que
cumprir um roteiro oficial, elaborado pelo ministério dos Negócios da Guerra, afim de
serem evitados distúrbios e confusões no centro da cidade.
110
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 05 de março de 1870.
72
O roteiro oficial foi assim definido:
“Ao approximarem-se os vapores conduzindo o 1º
contingente de tropas que regressão do Paraguay, a fortaleza
de Santa cruz estará prevenida para, na ocasião da passagem
pela mesma fortaleza, annunciar com uma salva de 21 tiros
sua entrada no porto.
(...) As praças que houverem adoecido em viagem e os
doentes que vierem de passagem nos mesmos vapores serão
immediatamente transportados para o hospital militar.
As tropas que desembarcarem apresentar-se-hão
uniformizadas, equipadas e armadas, como é de estylo em
ordem de marcha.
(...) As tropas desfilarão pelo portão do Arsenal da
Marinha, e percorreráõ em marcha e formatura conveniente as
seguintes ruas da cidade: rua Direita, rua de São Pedro,
calçada da mesma rua através do campo da Aclamação até a
face da Cidade Nova, onde volveráõ para a estação da estrada
de ferro D. Pedro II à face do quartel do campo, em cujo
portão estará postada uma guarda de honra com banda militar
para recebê-las e sauda-las durante a passagem com o hymno
nacional. Prosseguirão depois na sua marcha pela face do
campo do lado da Ilustríssima Câmara Municipal, rua e praça
da Constituição, rua do Theatro, largo de São Francisco de
73
Paula, rua do Ouvidor, rua Direita e largo do Paço, onde
marcharáõ em continência caso ahi se achem SS.MM.
Imperiaes, seguindo depois para o ponto de embarque que fôr-
lhes designado, afim de recolherem-se aos seus quartéis.”
Secretaria de estado dos Negócios da Guerra, em 24 de
janeiro de 1870. Mariano Carlos de Souza Corrêa
111
Após tomadas todas as precauções, iniciou-se o embarque, em solo paraguaio, nos
primeiros dias de fevereiro. A primeira brigada, composta pelos batalhões 17, 40 e 53 de
Voluntários, pertencentes respectivamente às províncias de Minas Gerais, Bahia e
Pernambuco, comandadas pelo coronel Faria Rocha, partiram de Rosário, na Argentina,
nos transportes Presidente, Galgo e São José. Assim o correspondente do Jornal do
Commercio informava aos leitores
112
.
O primeiro contingente desembarcou na Corte no dia 23 de fevereiro no Arsenal
da Marinha, para onde acorreram diversos populares curiosos com a chegada dos
“heróis de guerra”.
A partir daí até o mês de agosto do ano de 1870, tornou-se freqüente a chegada
de batalhões. O periódico A Reforma cobriu esta chegada e assim as anunciou:
“Chegou o transporte Werneck, procedente do Paraguay,
trazendo o batalhão 23º de voluntários (1º batalhão da côrte),
composto por 478 praças e 38 oficiais.
111
Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1870.
112
Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1870.
74
O batalhão aquartellou-se na ponta da Armação, em
Nictherohy, onde espera as ordens e disposições para a sua
entrada na côrte.
Também entrou hontem á tarde o vapor Cuyabá,
conduzindo os voluntários de Pernambuco, batalhão nº 30.”
113
“Hontem fizeram a sua entrada triumphal n’esta côrte os
batalhões de voluntários nº 35 de São Paulo, 42 de
Pernambuco e 46 da Bahia.
Ás 5 horas desfilou a brigada percorrendo as ruas da
cidade entre as mais vivas acclamações de júbilo e
enthusiasmo da população inteira.”
114
Os feridos e doentes tiveram como destino o Hospital Militar do Andaraí ou a
Santa Casa da Misericórdia e os inválidos permanentes (portadores de aleijões ou
mutilações) seguiram para o Asilo dos Inválidos da Pátria
115
.
O governo buscou isolar os doentes e os estropiados pela guerra, esses deveriam
ficar reclusos, seguindo direto para o Asilo ou ficando de quarentena dentro dos quartéis.
O desfile militar, entendido como uma demonstração de vitória da pátria, deveria
113
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 20 de março de 1870.
114
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 19 de abril de 1870.
115
O Asilo dos Inválidos da Pátria foi criado pelo decreto 244, de 30 de novembro de 1841, com o
intuito de abrigar militares inutilizados no serviço da pátria, principalmente aqueles que em serviço de guerra
(internas ou externas) adquirissem lesões que o impossibilitassem de trabalhar. No entanto, só passou a
funcionar a partir de outubro de 1866, na ponta da Armação (Niterói). A sede definitiva, localizada na ilha de
Bom Jesus, fronteiriça à ilha do Governador, na baia da Guanabara, foi inaugurada no dia 29 de julho de
1868, com a presença da família imperial e o Corpo Diplomático. Os primeiros asilados foram o capitão
reformado João Antônio da Silva e o sargento Francisco Moreira dos Santos Filho, ambos em 1866. In
Subsídios históricos sobre o Asilo dos Inválidos da Pátria. Lata 815/pasta 14 – Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro.
75
mostrar apenas os sãos, os fortes, os heróis. Os inválidos ficaram às margens das
festividades, acentuando uma tendência que vinha desde o começo do conflito, pois o
retorno dos primeiros feridos e doentes era ocultado o máximo possível para não
influenciarem negativamente no ânimo dos novos contingentes. Exemplo disso foi o
caso do alferes Cândido da Fonseca Galvão, ou Dom Oba II D’África, retratado por
Eduardo Silva
116
, que desembarcou na corte em 1866, estropiado por um ferimento na
mão direita e logo mandado de volta para a Bahia, sua província de origem.
Apesar do clima de tensão, a cidade ficou em festa com a chegada dos ex-
combatentes, a população saiu às ruas, as casas foram enfeitadas e as comemorações
contaram muitas vezes com a presença da família real. Recorremos novamente ao jornal
A Reforma para descrevermos um desses desembarques:
“O Batalhão nº 41 de voluntários da pátria da Bahia fez
hontem á tarde a sua entrada triumphal n’esta Corte.
O povo foi recebe-lo ao arsenal de marinha, aonde
também o esperava sua magestade o imperador.
(...) Vivam os voluntários da pátria.
Vivam o exército e a armada nacionaes.
Estes vivas foram calorosamente applaudidos, e o hymno
nacional respondeu ao enthusiasmo geral.
Depois o batalhão desfilou pelas ruas designadas no
programma official, e em todas ellas foi recebido com
estrepitosas ovações do povo
116
SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o príncipe do povo – Vida, tempo e pensamento de um
homem livre de cor. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
76
Em vários discursos e poesias foram mencionados os
patrióticos serviços d’esse contingente de bravos.”
117
Os festejos, via de regra, se estendiam até altas horas da noite com grande
participação popular, principalmente próximo ao largo do Paço Imperial, atual Praça
Quinze, local de dispersão das tropas após as paradas militares. Nesse local, além das
bandas de música, desfilavam as sociedades que participavam do entrudo
118
, tais como a
Sociedade Club Errante, dos tipógrafos, o Club dos Democráticos Carnavalescos e a
Sociedade Infantes do Diabo. Discursos e poesias eram declamados, rememorando os
feitos dos soldados e dos comandantes, expunham-se armas e construíam-se arcos do
triunfo comemorativos. Além dessas atividades, fizeram parte das comemorações, as
missas, apresentações teatrais e outras atividades em recinto fechado, restritas à
oficialidade, à elite política e à família real.
As classes populares se divertiam seguindo as bandas ou observando a
movimentação. O grande número de pessoas nas ruas dificultava o trabalho das
autoridades, sendo comuns as bebedeiras e brigas.
A ordem era evitar conflitos desnecessários entre policiais e militares, ou entre os
policiais e os populares, fato que poderia acarretar conseqüências não desejadas pelas
autoridades. Essa tolerância por parte das autoridades dizia respeito apenas aos dias de
festas, nos dias comuns a repressão e o controle do espaço urbano eram mantidas no seu
117
A Reforma – 0rgão Democrático. Rio de Janeiro, 27 de março de 1870.
118
O entrudo foi uma espécie de folguedo carnavalesco muito popular no Rio de Janeiro do século
XIX, que consistia em jogar água, talco, tinta etc., uns nos outros. KOOGAN/HOUAISS – Enciclopédia e
Dicionário. 4ª Ed. – Rio de Janeiro: Seifer, 1999.
77
ritmo normal, reforçado com o retorno do 31º batalhão de voluntários da pátria,
composto por homens do Corpo Policial da Corte
119
, no final de abril de 1870
120
.
Embora não possamos avaliar ao certo se existe uma relação entre o retorno dos
ex-combatentes e o aumento dos níveis de violência na Corte, os relatórios dos chefes de
Polícia atestam um aumento significativo no número de crimes nos anos de maior
intensidade de desembarques. Vejamos o quadro
121
a seguir:
ANO HOMICÍDIOS TENTATIVAS DE
HOMICÍDIOS
FERIMENTOS
GRAVES
1869 08 07 15
1870 17 08 45
1871 16 02 23
Como era comum, as autoridades imputavam às classes mais pobres a autoria
desses crimes, conforme o relatório do Chefe de Polícia Francisco de Farias Lemos:
“ Não é satisfatório, pois, o estado de segurança
individual. (...) Venho a propósito, rememorar não só que a
quase totalidade dos crimes contra a pessoa têm sido
119
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do
século XIX. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1997.
120
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 31 de maio de 1870.
121
Relatório do Chefe de Polícia da Corte, 1870, microfilme, Seção Justiça, Arquivo Nacional.
78
perpetrados por indivíduos da ínfima classe da sociedade –
escravos, estrangeiros, proletários e desordeiros, vulgarmente
conhecidos por capoeiras”
122
O fato do relatório ter apontado os capoeiras também como responsáveis pelo
aumento dos crimes na cidade, pode estar ligado à disputa de “territórios” pelos mesmos,
principalmente agora que as maltas recebiam de volta antigos integrantes que foram à
guerra.
123
Os ex-combatentes oriundos dos segmentos mais pobres da população, via de
regra soldados e baixa oficialidade, ao retornarem aos seus domicílios e à sua vida
normal, voltaram a ser discriminados, apesar da sua condição de “heróis de guerra”, fato
que não livrava o indivíduo da ação repressiva e violenta da polícia. Foi o caso do ex-
voluntário da pátria Canuto José Antônio, preso num cortiço da rua das Laranjeiras junto
com a preta Josefina. Acusado de roubo, ele foi torturado a mando do subdelegado do
Engenho Velho, que, acompanhado da força policial, ordenou “amarrar uma corda na
testa do preso e apertar um torniquete até obter uma confissão real ou mentirosa do
comettimento de um crime”
124
. Esse tratamento só atingia os ex-combatentes
pertencentes aos segmentos populares (homens brancos, negros, mestiços e
estrangeiros pobres), ou seja: soldados e baixa oficialidade.
De forma diferente era tratada a alta oficialidade. A cada chegada de um vapor
trazendo tropas a cidade se agitava, aumentando o burburinho quando desembarcava
122
Relatório do Chefe de Polícia da Corte, 1870, microfilme, Seção Justiça, Arquivo Nacional.
123
Carlos Eugênio Líbano. A Negregada Instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 1993.
124
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 06 de maio de 1870.
79
junto um ou outro "grande" nome do Exército. A chegada de Pinheiro Guimarães, por
exemplo, foi bastante festejada e amplamente destacada pelo jornal A REFORMA
125
,
fato esse justificado pelo mesmo ser militante do Partido Liberal. No entanto, ninguém
teve destaque maior na chegada que o comandante-em-chefe do Exército o general
Gastão D'orleans, conde d'Eu. A cobertura foi feita por todos os periódicos e milhares de
pessoas foram às ruas para recebê-lo. Foi assim descrita pelo jornal A REFORMA:
“Ás 7 horas de 29 de abril o Castello fez o signal do
transporte Galgo, que vinha demandando o nosso porto. Duas
divisões navaes sahiram ao seu encontro, levando a bordo do
navio chefe a família imperial; e uma barca da empresa Ferry,
esplendidamente adornada, acompanho-as com grande
número de pessoas distinctas.
(...) Do arsenal da marinha sahiu o sr. conde d'Eu a pé,
acompanhado da família imperial, e precedido por um grupo
de meninas, discípulas do conservatório de música, que
cantavam o hymno da Victoria ao som de uma banda marcial.
O povo seguia, victoriando-o a todo momento.
Seis batalhões, cinco da Guarda Nacional, e um de
Voluntários da Pátria, faziam alas na rua Direita desde o
portão do arsenal até a capella imperial, e entre ellas desfilou
o préstito. Em frente a praça do comércio, o povo descobriu-
se e levantou um viva estrepitoso ao general Osório, que foi
125
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 03 de maio de 1870.
80
correspondido pelo príncipe com uma saudação ao retrato do
seu bravo companheiro d'armas, collocado ali defronte no
London and Brazilian Bank."
126
O destaque dado à chegada do conde d’Eu pelos periódicos de oposição ao
governo, está ligado à hostilidade que estes mantinham em relação ao Duque de Caxias e
ao governo. Os liberais atribuíam ao Duque a queda do gabinete liberal e a inversão
partidária de 1868 e o criticavam desde então. O conde d’Eu
127
substituiu Caxias no
comando das forças brasileiras em 15 de abril de 1869, levando a guerra a seu termo em
1870. Além de ter assumido o comando do Exército, pesa a favor do Conde o fato de ter
libertado os escravos paraguaios ao fim do conflito. A emancipação dos escravos era
uma causa encampada por setores do Partido Liberal.
A principal estratégia utilizada pelas duas facções políticas era a de desmerecer os
militares que integravam, ou apenas simpatizavam, com o partido oposto, revolvendo
fatos ocorridos durante a guerra. Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, era o
mais atacado pelos liberais. As principais acusações estavam ligadas aos fatos ocorridos
na guerra quando foi acusado de covardia por deixar o exército antes do conflito
terminar. Quem assumiu o comando das operações até 1870 – ano da morte do general
paraguaio Solano López – foi o Conde d’Eu, possível motivo do mesmo ter sido
hostilizado pelos conservadores e elogiado pelos liberais.
Outro militar envolvido foi o general Osório, militante do Partido Liberal, acusado
pelos conservadores de não conduzir bem as suas tropas durante as batalhas. Assim, os
126
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 01 de maio de 1870.
127
BETHEL, Leslie. Cronologia da Guerra. Op Cit. p. 27
81
partidos políticos capitalizavam os descontentamentos e as rivalidades dentro do
Exército, utilizando-os em proveito próprio na luta pelo poder.
Essas rivalidades não ficaram restritas aos artigos dos periódicos e nem ao interior
dos quartéis, chegando algumas vezes a ganhar as ruas. Esta situação transformou as
festas em espaços de manifestações e conflitos envolvendo militares e também civis.
Entre essas ações, duas merecem destaque por terem assustado bastante as
autoridades e fomentado ações punitivas contra os militares. A primeira aconteceu nas
comemorações pela volta do conde d’Eu, quando cerca de cem oficiais do Exército
foram responsáveis por vários tumultos no decorrer dos festejos ocorridos no domingo,
dia 02 de maio de 1870.
Apesar da gravidade dos fatos, o Jornal do Commercio omitiu as notícias sobre as
manifestações, descrevendo, do seu modo peculiar, apenas a parte festiva dos
acontecimentos daquela tarde:
“(...) Immensa multidão enchia as ruas; as janellas das
casas brilhantemente enfeitadas com colchas de seda e
bandeirolas estavão guarnecidas de senhoras que acenavam
com lenços saudando os bravos voluntários da pátria, e sobre
elles espargindo flôres; as gyrandolas e foquetes atroavão os
ares, misturando-se aos repiques dos sinos e ás aclamações
enthusiasticas da multidão”.
128
128
Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 03 de maio de 1870.
82
A confusão começou na rua Direita, próximo ao largo do Paço Imperial, algumas
horas após a celebração do te deum em agradecimento ao retorno do Conde d’Eu,
realizado na igreja da Glória. Segundo o jornal A Reforma
129
, os referidos militares
investiram contra alguns populares e estudantes de Medicina, prosseguiram depois para
a rua da Constituição onde depredaram o arco comemorativo ali colocado, apedrejaram a
estátua do Conde d’Eu e atacaram a banda de música que se apresentava no local. A
alegação dos militares para tal violência era de que tanto os populares, quanto a banda se
recusaram a dar vivas ao Duque de Caxias. Ainda de acordo com o jornal, o grupo era
composto por simpatizantes do Partido Conservador.
Esses acontecimentos tiveram grande repercussão, sendo assunto para ásperas
discussões através dos dois jornais. Os acusados se defenderam através do Jornal
do Commercio com o seguinte artigo:
“MANIFESTAÇÃO DOS OFFICIAES – No domingo sahirão
encorporados mais de 100 officiaes de voluntários ou de linha
que havião feito a guerra do Paraguay, e, precedidos de uma
banda de música, percorrerão algumas ruas da cidade,
festejando a conclusão da guerra... Não foi uma manifestação
política, como quis fazer acreditar A REFORMA, mas uma
demonstração de justo enthusiasmo e um protesto formulado
contra os gazeteiros e oradores de esquina que, não tendo
querido ver as balas paraguayas, ousão hoje desacatar os
cidadãos ilustres que expuzeram a sua vida pela pátria.
129
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 03 de maio de 1870.
83
É inexato tudo quanto refere A REFORMA sobre as
ocorrências de domingo. A população inteira applaudio a
manifestação, e um grande número de cidadãos distinctos
unio-se aos officiaes que a realizarão.
Esses MILITARES ASSALARIADOS, segundo a
expressão do eminente sr. José Júlio (que escreve de graça
para A Reforma), pertencem a todos os partidos, e podemos
assegurar que a maior parte delles ao partido liberal. Não
confundem, porém, os verdadeiros liberaes com os
especuladores políticos, e não estão dispostos a pactuar com
os rancores e injustiças ridículas da Reforma. Em questões
desta ordem esquecem-se das misérias das nossas lutas
políticas e só se lembrão da glória nacional e dos brilhantes
dos feitos dos nossos generaes e soldados. Porque razão não
empunharão uma espada os guerreiros de casaca que hoje
fazem assuadas nas ruas e querem fazer política á custa dos
combates e batalhas que fizérão os nossos valentes soldados?
Os militares que percorrerão as ruas no domingo só
reagirão contra três imprudentes que ousarão dar o grito de
MORRA quando elles saldavão um dos valentes e ilustres
generaes brazileiros”.
130
130
Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 04 de maio de 1870.
84
Essas discussões, num tom notadamente político, expõem claramente como as
disputas entre os conservadores e os liberais influenciaram alguns segmentos do
Exército, principalmente a oficialidade, embora o articulista diga que a manifestação
contou com liberais e conservadores. Por outro lado, essa politização dos militares faria
com que eles passassem cada vez mais a participar da vida política nacional, levando a
instituição a desempenhar um papel importante e decisivo na queda do Império e em
todos os fatos políticos do país a partir de então.
Essas disputas chegaram ao confronto direto, em alguns casos envolvendo
militares e civis, como atestam os fatos descritos acima.
Os militares envolvidos nos tumultos do dia 02 de maio pertenciam ao corpo
regular do Exército, ou seja, estes eram militares de carreira e o termo “militares
assalariados” confirma isso. O articulista do jornal A Reforma procurou diferenciar os
militares regulares dos chamados Voluntários da Pátria. O tom pejorativo do termo
“militares assalariados” pode ser considerado como parte de uma estratégia utilizada
pelos políticos no sentido de desmerecer o papel desses militares e enfraquecer o
Exército, ao mesmo tempo que buscava mitificar e glorificar os voluntários e guardas
nacionais, acentuando uma situação que vinha desde o tempo da guerra, quando os
militares regulares, principalmente os soldados, tinham um tratamento diferenciado dos
demais combatentes e quando os Guardas Nacionais e Voluntários da Pátria, recebiam
privilégios que eram negados à força profissional.
Apesar da gravidade dos fatos, os militares envolvidos no tumulto não receberam
nenhuma punição.
85
Situação mais grave ocorreria cerca de dois meses depois, reunindo dessa vez
civis e militares nas reivindicações.
Em fins de maio o ministro dos Negócios da Guerra, Barão de Muritiba, solicitou
ao Parlamento a quantia de 200 contos de réis para a construção de um monumento à
vitória na Guerra do Paraguai. Apesar da oposição dos liberais e da crise econômica
vivida pelo país, a verba foi aprovada. A construção, chamada de Templo da Vitória,
teria lugar no campo de Sant’anna. A concepção ficou a cargo do italiano Brumelleschi e
seria retocada pelo também italiano Facchinetti. A obra desde seu início gerou
polêmicas, pois seria construída com materiais de pouca durabilidade, tais como papel,
madeira e lona, com grande custo, além de ser desmontada alguns dias depois das
comemorações, marcadas para o dia 10 de julho de 1870.
Somasse a isso o fato de que naquele momento a cidade passava por uma das suas
piores crises sociais, sobretudo pelo agravamento das condições de moradia devido à
migração interna e externa, o que ocasionou o aumento no número de cortiços. Segundo
Sidney Chalhoub, “imigrantes portugueses e negros – crioulos ou africanos; escravos
vivendo “sobre si”, libertos e livres – dividiam democraticamente, mesmo que nem
sempre de forma pacífica, os cortiços que, a despeito dos esforços dos higienistas,
continuavam a proliferar pela cidade.”
131
Entre os moradores de cortiços
132
destacaram-
se os ex-combatentes de baixa renda. Os problemas de abastecimento de água e os
constantes surtos de febre amarela também contribuíam para deixar a população bastante
contrariada.
131
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril – cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996. p. 53
132
Segundo o relatório do Chefe de Polícia Francisco de Faria Lemos, existiam na Corte do Rio de
Janeiro em 1870, 642 cortiços com 9.769 quartos, abrigando cerca de 21.929 habitantes. Relatório do Chefe
de Polícia da Corte, ano de 1870, Seção Justiça, Arquivo Nacional.
86
O jornal A Reforma, novamente aproveitando o descontentamento popular,
denunciou as manobras do ministério dos Negócios da Guerra, que estava mais
preocupado com a segurança do evento, e mais uma vez instigou os militares e o povo à
desobediência.
“AS BAYONETAS DO GOVERNO DEFENDENDO O
SEU BARRACÃO.
Advertido o ministério, por sua consciência, pelas
manifestações das ruas, da imprensa e dos cafés, do
descontentamento do povo d’esta capital, que morre de sede
ao tempo que se gastam centenas de contos de réis com
intitulados festejos nacionaes, deu ordem que de Nictheroy
viesse uma ala do 1º batalhão de infantaria para amanhã
ajudar ao batalhão do depósito e ao 1º regimento de cavallaria
a reprimirem qualquer desacato que esse bom povo em um
justo acesso e indignação resolva praticar.
Se o governo teme alguma manifestação popular, melhor será
tomar a nobre resolução de não dar mais motivo de
descontentamento geral.
Satisfaça as mais urgentes necessidades do povo fluminense e
faça justiça plena ao exército que acabou de prestar ao paiz o
serviço do seu sangue. O
exército.”
133
133
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 10 de julho de 1870.
87
Influenciado pelos jornais de oposição ou pela cobrança de ingressos de entrada, o
povo boicotou o evento na sua inauguração, mesmo com a presença do imperador Pedro
II e sua família. Os motivos para o fracasso de público podem estar ligados ao alto preço
cobrado pelos ingressos, à obrigatoriedade de se estar bem trajado, à campanha
empreendida pelos jornais contra essa festividade ou mesmo o medo de tumultos e
violência. O reforço no número de soldados destacados para cobrir as festividades, atesta
que o temor de que poderia acontecer atos violentos é compartilhado tanto pelo povo,
quanto pelas autoridades. O fato é que as arquibancadas ficaram vazias e segundo o
jornal A Reforma
134
, dos cerca de 15 mil lugares, menos de um terço estava ocupado.
Além do jornal A Reforma, outros periódicos descreveram a festa: dois ligados ao
governo - o Jornal do Commercio, resumiu-se a descrever os monumentos e anunciar a
programação e o Diário Official destacou a participação e entusiasmo da população – e
um da oposição – periódico Comédia Social -, que destacou a falta de espectadores.
Descreve este último que o local mais animado era em frente à Casa da Moeda onde os
“coupés” paravam saindo daí personagens de “chinó” e “casaca dourada”. No final,
diante do fiasco da festa, o imperador franqueou a entrada a todos que quisessem
assistir, nesse momento as pessoas que estavam nas cercanias acorreram para a entrada e
assim a festa foi “invadida” por “pretos com samburás, sujeitos em mangas de camisa e
muita gente sem gravata”.
135
Fato mais grave ocorreu na mesma noite, 10 de julho, quando militares e populares
se colocaram à frente do veículo que transportava a família imperial para o Theatro
134
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 12 de julho de 1870.
135
A Comédia Social, Rio de Janeiro, 11 de julho de 1870.
88
Lyrico, impedindo o prosseguimento. Os manifestantes pediam a troca do governo
(gabinete), culpando-os pela crise econômica e política que se desenrolava naquele
período. Apesar de ter sido uma manifestação pacífica, o tumulto assustou bastante as
autoridades. Fizeram parte dos acontecimentos civis e militares, os primeiros
reclamando, entre outras coisas, da carestia e da falta de água, e os outros protestando
contra a falta de cumprimento de seus direitos. Os brados e gritos eram direcionados aos
integrantes do governo conservador, poupando os manifestantes a figura do imperador.
Diferente dos fatos ocorridos no dia 02 de maio, supostamente cometidos por
oficiais simpatizantes do Partido Conservador, quando não ocorreu nenhuma punição, as
manifestações do 10 de julho, causaram represálias e repreensões nos quartéis. Com a
pressão, logo os manifestantes começaram a tentar explicar o que houve através dos
jornais ou em cartas ao imperador. O jornal A REFORMA reproduziu uma dessas cartas,
dirigida ao imperador Pedro II:
“(...) Vossa magestade viu em torno de seu carro a massa
compacta de cidadãos que pediam a retirada do gabinete e que
demonstravam plena confiança em vossa magestade, que lhes
fará justiça.
Não há um grupo de descontentes, era a população
inteira da capital que exprimia pelos lábios d’aquelles, sem
distincção de classes, que se achavam na ocasião.
(...) Todo o Rio de Janeiro sabe que os officiaes do
exército não violaram a oppinião pública; que não não foram
arrastados por ambições loucas, e que unicamente cada
89
official, como qualquer homem do povo, cedendo à
indignação há muito tempo concentrada, manifestou a seu
monarcha a necessidade de mudar de ministros.
Negando que nas manifestações da noite de 10 tivesse
havido uma acção, e muito menos uma sedição militar, não
quero arredar do exército a responsabilidade que lhe póde
caber por essas demonstrações, pois se n’ella certo número de
militares procederam individualmente, sem prévia
combinação, sem plano, nem por isso deixam de exprimir a
opinião collectiva.”
136
O anonimato do autor da carta, estratégia comum na imprensa da época, pode ser
explicado de duas maneiras: a primeira era o receio de alguma represália por parte das
autoridades, civis ou militares, se de fato foi escrita por um militar e a segunda por se
tratar de um artigo de um articulista do jornal, que, por motivos de segurança, não
revelaria a sua identidade. O jornal A Reforma utilizou-se muito desse expediente para
instigar os ex-combatentes aos protestos. Vários desses artigos repetiam seus conteúdos,
mudando apenas o pseudônimo, entre eles destacam-se: “um voluntário da pátria”, “um
militar”, “um patriota”, “o exército”, “muitos oficiais” etc.
A manifestação de julho provocou por parte do governo duas reações diretas: uma
foi o fim das festas e desfiles pela cidade - os batalhões que chegaram a partir de 10 de
julho foram recolhidos diretamente aos quartéis - e a segunda providência foi uma
136
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 22 de julho de 1870.
90
investigação à procura dos responsáveis. O resultado dessa última foi a prisão dos
alferes Bibiano José Teixeira Ruas, Exergisto Leopoldino de Andrade Costa e Manoel
Francelino de d’Almeida Passos
137
, recolhidos à fortaleza da Lage por ordem do
ministro da guerra. Apesar da participação de diversos oficiais na manifestação, apenas
os militares dos postos mais baixos foram penalizados.
Em setembro do mesmo ano, o jornal faria a última tentativa de utilizar os
incidentes de julho para fins políticos: através de uma carta assinada por “Um Oficial do
Exército”, dirigida a D. Pedro II, protestando contra os ministros pela falta de
reconhecimento, “honras militares, condecorações e títulos”
138
, negados aos oficiais de
linha do Exército e, segundo o missivista, distribuídos aos voluntários da pátria. Oculto
por trás de um pseudônimo, ele externou as suas reivindicações e deixou no ar uma
ameaça velada: “... Se o descontentamento crescer, se os queixumes se unirem em uma
só voz, qual será a conseqüência?”
139
.
Outrossim, o periódico foi abandonando a temática dos ex-combatentes como
argumento de crítica política, concentrando suas atenções em outros assuntos, tais como
a abolição da escravidão e a mudança na forma de governo (republicanismo).
A pressão por parte dos militares e dos liberais deu em parte resultado, já que em
28 de setembro de 1870 foi anunciada a troca do ministério
140
, sem, entretanto, haver
uma inversão partidária. A mudança foi, sem dúvidas, uma estratégia dos conservadores
para diminuir as tensões políticas do momento e se manterem no poder. No entanto,
137
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 04 de agosto de 1870.
138
A Reforma – 0rgão Democrático, Rio de Janeiro, 10 de julho de 1870.
139
Idem
140
O ministro dos Negócios da Guerra – Barão de Muritiba – sairia do cargo em novembro do mesmo
ano, conforme o aviso publicado na Ordem do Dia número 743, de 08/11/1870. Coleção de Ordens do Dia,
Arquivo do Exército.
91
podemos considerá-la fruto das diversas manifestações ocorridas durante todo o ano de
1870, sejam elas coletivas, como as que descrevemos neste capítulo, ou individuais,
ocorridas principalmente dentro dos quartéis e através de artigos de jornais.
Embora o êxito das manifestações ocorridas durante o desembarque tenha sido
parcial, não alcançando os objetivos que os ex-combatentes buscavam, ou seja, o
reconhecimento dos seus sacrifícios durante a guerra. Eles conseguiram manter-se em
evidência, se inserindo definitivamente no cenário político do país. Ao identificar nos
políticos civis e nas instituições mantidas por eles os principais causadores das suas
frustrações, passaram aos poucos a desenvolver o espírito de classe e a coesão que seria
de importância fundamental nos papéis que lhes caberiam no processo da queda do
Império e da Proclamação da República.
Para a tropa, os problemas mais comuns foram os salários baixos e
constantemente atrasados, as más condições de vida nos quartéis, incluindo ai os maus
tratos físicos, e a demora na resolução dos pedidos de pensão, para viúvas, órfãos e
aleijados.
Desses problemas, o que mais causou reclamações por parte dos ex-
combatentes, foram os pedidos de pensões. Estas solicitações, geralmente de trâmite
burocrático lento, passaram a demorar ainda mais nos anos posteriores à guerra,
principalmente em face do grande número de pedidos e das exigências em termos de
documentação.
A demora na resolução desses pedidos muitas vezes deixava o suplicante em
dificuldades financeiras, fazendo com que eles fizessem requerimentos diretos ao
imperador, como foi o caso do voluntário Cândido da Fonseca Galvão, que “não
92
podendo aplicar-se às suas antigas ocupações em conseqüência de moléstia que adquiriu
no Campo [...] da Guerra”, solicitava uma pensão
141
, ou de outros ex-combatentes que
pediam “proteção” a intermediários para que as suas petições “tivessem um despacho
qualquer, pois dormiam na Secretaria da Guerra”
142
.
Com a desmobilização da tropa, a partir de 1870, restou a esse segmento militar
a tentativa de conseguir alcançar os seus objetivos - recebimento dos benefícios
previstos no decreto 3371 - através da justiça, já que as manifestações foram se tornando
cada vez mais raras, sendo geralmente organizadas por militares (oficiais) da ativa. Com
o tempo, os ex-soldados retornaram ao anonimato de suas vidas comuns.
Capítulo 4 - Do caos à reorganização: o exército brasileiro em tempos de paz
(1870/1874)
O contingente que retornou do conflito no Paraguai se deparou com uma situação
de caos no exército. Mal aparelhada para receber os milhares de soldados e centenas de
oficiais que passariam pela Corte, assoberbada pelos milhares de pedidos que se
seguiram ao desembarque, somados a outros tantos que aguardavam na fila desde o
período da guerra, a instituição teve que fazer reformas em duas frentes: nos seus
procedimentos burocráticos e na alocação dos contingentes.
As forças brasileiras eram compostas por corpos de voluntários da Pátria e
corpos do exército de linha. Os primeiros foram imediatamente dispensados, como
previa o decreto 3371 de 7 de janeiro de 1865, exceção feita aos que desejavam se
141
Eduardo Silva. Op. Cit. p. 65
142
Abaixo assinado remetido ao senador Silveira da Mota, constando o nome de 22 voluntários de
diversos corpos. Publicado no jornal A Reforma, Rio de Janeiro, 22 de julho de 1870.
93
engajar nas forças regulares. Dessa forma, em março de 1870, o barão de Muritiba –
ministro dos Negócios da Guerra - dava baixa ao 17, 40, 53, 23, 30, 40 e 53
143
corpos de
VP, estacionados no Rio de Janeiro, assim procedendo sempre que chegava um novo
batalhão.
As forças de linha, no entanto, foram recolhidas aos quartéis esperando a
designação dos seus novos batalhões. Como não existiam instalações necessárias para
serem abrigados todos os ex-combatentes, houve pressões para uma desmobilização
imediata dos efetivos, proposta pelo governo, logo obstadas pela resistência dos
militares do exército de linha. O argumento utilizado era que dezenas de oficiais
ficariam sem batalhões para comandar.
Na Corte, principal pólo de concentração de efetivos, a situação gerou desordens
e conflitos, preocupando tanto o alto escalão do exército quanto ao governo. O receio
das autoridades ganharia sentido com as manifestações ocorridas em julho de 1870,
apressando a reorganização dos corpos do exército.
Através do decreto 4572 de 12 de agosto do corrente, foi aprovado o “plano de
organização dos corpos de Artilharia, Cavalaria e Infantaria” do exército, perfazendo um
efetivo total de 1. 295 oficiais e 23.346 praças, embora a fixação de forças para os anos
1870-71 fosse de 16.000 praças. Essa discrepância numérica (7.346 homens a menos)
causaria mal estar entre a oficialidade, refratária a diminuição de efetivos. O exército
tinha proposto um aumento no número de praças, vetado pelo governo. Em
contrapartida, o número de oficiais não entrou na fixação de forças, mantendo
praticamente inalterado durante os anos de 1870-74, período coberto por esta pesquisa.
143
Ordem do dia 710 – 11 de março de 1870.
94
A diminuição da tropa, além de um sinal de desprestígio da instituição, na visão
dos militares, significavam uma demora maior nas promoções. Paralelo a isso, houve
também a diminuição da dotação orçamentária, diminuída em 10% em relação aos anos
que antecederam ao conflito. O corte nas verbas afetaria sobremaneira a vida dos ex-
combatentes
144
, acarretando, ou melhor, acentuando os problemas existentes durante
todo o período imperial, tais como salários baixos, condições de trabalho insatisfatórias,
demora nas concessões de pensões etc.
Somada à falta de reconhecimento social pelos sacrifícios na guerra, a
reorganização do exército aprofundou a insatisfação militar, fazendo com que a
oficialidade tentasse pressionar o governo, ao mesmo tempo que buscava controlar a
tropa nos quartéis, espaço de conflitos quase constantes entre oficiais, entre soldados e
entre oficiais e soldados.
As primeiras reclamações surgiram quando o exército promoveu diversos oficiais
dos corpos de Voluntários da Pátria para postos de honra dentro do exército de linha,
embora fossem apenas a confirmação de promoções feitas durante o conflito, sem efeito
legal, por se tratarem de cargos honoríficos, alguns oficiais se sentiram desprestigiados,
pois as suas promoções aconteciam num ritmo bem mais lento. De uma só vez foram
promovidos 1 coronel, 2 brigadeiros, 2 tenentes-coronéis, 22 majores, 69 capitães, 105
tenentes e 181 alferes.
144
O corte de verbas acabou afetando mortos e vivos, pois até as despesas com funeral de oficiais foi
diminuída. O Ministério da Guerra definiu como máximo de despesa a quantia de 100 mil réis. Para
estabelecer um parâmetro, o enterro do tenente do 1. Regimento de Cavalaria Francisco Maria de Mattos
Telles de Menezes custou 143 mil réis. Ordem do dia 881 (06/09/1870).
95
O ministério do exército voltou atrás e os ex-combatentes acabaram recebendo
baixa e retornando aos seus domicílios. Podemos comprovar isso comparando as
listagens publicadas nas Ordens do Dia com o nome dos oficiais que assumiram postos
nos batalhões do Rio, nenhum ex-voluntário da pátria assumiu posto de oficial.
Em aviso circular de 16 de agosto
145
de 1872, o Ministério dos Negócios da
Guerra exigia informações sobre oficiais honorários que, por seus serviços relevantes e
outras circunstâncias, poderiam ser conservados adidos aos corpos de linha. Diante das
reclamações da oficialidade o ministério, em circular de 25 de agosto de 1872, mandou
dispensar os oficiais honorários do exército de linha. Dessa vez houve reclamações dos
oficiais honorários, que alegaram não haver oficiais para os postos que ocupavam e
terem prestado bons serviços. Em resposta, o ministério argumentava que, embora “o
governo imperial se empenhasse em tomar na consideração os serviços prestados
durante a árdua campanha do Paraguai; procurava fazê-lo, harmonizando esse empenho
com as justas prescrições do serviço público”.
A preocupação dos militares de linha era a de que fossem preteridos nas
promoções. Durante a guerra os oficiais galgaram rapidamente degraus dentro da
carreira, alguns vindos dos corpos especiais (Voluntários da Pátria e Corpos de Polícia).
Nos anos de 1870-71, durante a reorganização do exército, as promoções ainda eram
feitas com rapidez. A partir daí, com a diminuição dos efetivos e a reabertura das escolas
militares, fechadas durante o conflito, a ascensão tendeu a ficar mais difícil e essa
demora passou a justificar uma série de requerimentos. Foi o caso do tenente-coronel
João de Souza Fagundes: em requerimento ao Ministério dos Negócios da Guerra
145
Ordem do dia 871 – 16 de agosto de 1872.
96
solicitou a promoção para major por “ter sido preterido ainda durante a guerra” (22 de
setembro de 1866).
Do outro lado da hierarquia militar, longe das condecorações e das promoções,
localizavam-se os soldados. Apesar das dificuldades da vida militar, foi grande o
número de ex-voluntários que decidiram entrar para o exército de linha. Uma das
explicações pode estar ligada aos benefícios estipulados pelo decreto 3371, que no seu
artigo 7 estabelecia que “os voluntários que desistindo da baixa continuarem a servir no
exército por mais três anos, terão direito à gratificação de 300 réis diários, além do
soldo”. A adesão parece que foi tão grande, que o ministro da guerra, João Frederico
Caldwell, resolveu diminuir o valor da gratificação para 90 réis diários, como todos os
soldados que engajaram.
Essa resolução fez aumentar o número de requerimentos direcionados ao
Imperador e, posteriormente, analisados no Conselho de Estado (seção de Guerra e
Marinha), reivindicando o direito à gratificação. Em 18 de novembro de 1871, os titulares
do Conselho – Duque de Caxias, Visconde do Abaeté e o Barão do Muritiba – apreciaram o
requerimento do sargento Ignácio Raymundo Vieira, que reclamava o pagamento dos 300
réis diários. Eles confirmaram o direito dos engajados, remetendo o caso para o imperador
para que ele “resolva o que for mais acertado”
146
.
Esse tipo de pedido tramitou na burocracia estatal junto com as mais diversas
solicitações. Abaixo, destacamos algumas:
Paulino José Soares – solicitou pensão por ter sido ferido na guerra. A pensão foi
indeferida porque, apesar do mesmo ter sido reformado por incapacidade física, ele poderia
146
Sessão do Conselho Supremo Militar - 18 de novembro de 1871. Coleção das Ordens do dia –
Arquivo do Exército.
97
prover os meios de subsistência (era oficial de sapateiro). Passou por inspeção na Corte
(07/01/70) e foi constatado uma cicatriz de um ferimento na perna esquerda, com o
enfraquecimento da mesma. O ministério alegava que o requerente “Facilmente poderá
ganhar os meios para a sua subsistência”
147
.
Manoel Adolpho dos Santos – veio “aos pés da Vossa Magestade Imperial”
pedindo a graça de um emprego em qualquer repartição ou estabelecimento da Marinha ou
do Exército nesta Corte. O suplicante alega que se sacrificou na guerra e se encontra em
circunstância crítica
148
.
Uma preocupação constante da oficialidade em relação aos soldados e oficiais
subalternos, dizia respeito às insubordinações e à violência reinante dentro dos quartéis. Foi
novamente através das ordens do dia que conseguimos visualizar esse comportamento por
parte da escala inferior do exército. O rol de infrações inclui jogo, desacatos, bebedeiras,
roubos, agressões, assassinatos etc.
Muitos ex-voluntários também estiveram envolvidos em crimes fora dos quartéis.
Comparando nossa lista de requerimentos com o registro de condenados da Casa de
Correção da Corte, documento que continha a discrição das penas, um pequeno resumo da
vida carcerária do presidiário e a fotografia (observamos que cerca de 80% da população
carcerária era de negros, muitos ainda escravos), encontramos pelo menos sete ex-
combatentes cumprindo pena no período de 1870-74.
Os ex-combatentes sentenciados foram:
Emygio José Rodrigues – roubo – pena: 8 anos – Entrada: 19/05/1870.
147
Ofício de fé – Paulino José Soares – Arquivo do Exército. Obs. Um seu homônimo foi encontrado
cumprindo pena de 8 anos por furto na Casa de Correção da Corte em 1870.
148
Ofício de fé – Manoel Adolpho dos Santos – Arquivo do Exército. Obs. Não conseguimos detectar
se a sua petição foi ou não deferida pelo Imperador.
98
Paulino José Soares de Souza – roubo – pena: 8 anos – 18/08/1870.
José Furtado - homicídio – pena: 6 anos – 06/09/1870.
Francisco Vicente da Silva – homicídio – pena: 12 anos – 21/04/71.
Narciso da Silva Soares – homicídio – pena: 2 anos – 16/08/71
Francisco de Paula Ferreira – homicídio – pena: 6 anos – 14/06/72.
Antônio do Espírito Santo – desobediência – pena 4 anos – 12/10/72.
Do conjunto de fichas pesquisadas, encontramos a seguinte incidência de crimes:
CRIME Nº. DE OCORRÊNCIAS
RETIRADA DE PRESOS 04
FERIMENTOS 09
FURTO 14
ROUBO 27
HOMICIDIO 24
DESOBEDIÊNCIAS e AMEAÇAS 01
ESTELIONATO 13
TENTATIVA DE ASSASSINATO 02
TOTAL: 94
149
149
Registro de condenados da Casa de Correção da Corte, 1870-1874, Seção de documentos
manuscritos, Biblioteca Nacional.
99
Entre os estabelecimentos militares mais violentos destacou-se o Asilo dos
Inválidos da Pátria. Nesta instituição, inaugurada em 1868, eram abrigados os militares que
voltaram da guerra estropiados, mutilados e sem condições de prover o próprio sustento,
além de um quartel que abrigava soldados convalescentes de doenças e soldados sãos que
ali tiravam serviço.
Por ser um lugar isolado, localizado na ilha de Bom Jesus (vizinha à Ilha do
Governador), e abrigar pessoas doentes, parece que a disciplina não era das mais rígidas
nesse estabelecimento. Detectamos na nossa documentação diversos casos envolvendo
moradores ou aquartelados do asilo.
Alferes honorário Abílio Augusto Pinto, serviu no Asilo de 1869 a 1895, por seu
mau comportamento foi solicitado o seu afastamento em 03/05/73. Entre os seus delitos,
consta ter invadido a casa de um morador da ilha (Bom Jesus) e espancado o morador,
respondeu a processo e foi absolvido pelo CSM
150
.
Cabo de Esquadra reformado adido Manoel Nunes dos santos, faltou ao serviço.
Foi preso pela polícia da Corte com um saco contendo 14 pares de sapatos extraviados do
asilo. Foi condenado a 1 ano de prisão com trabalhos
151
.
Em outros estabelecimentos militares a situação não parece muito diferente, pois
os casos foram abundantes. A seguir arrolamos alguns:
Tenente Constantino José Nunes - Foi preso por ameaças ao capitão do 11 B
(Infantaria) Frederico Augusto da Gama e Costa e condenado a três anos de prisão.
150
Oficio de fé – Oficial Abílio Augusto Pinto - Arquivo do Exército.
151
Ordem do dia 881 – 06 de setembro de 1872.
100
Solicitou redução da pena para um ano. “Alega o suplicante ter prestado ao país bons
serviços, tendo permanecido 5 anos na GP”
152
. Pedido indeferido.
Soldado Francisco Theodoro da Silva – Armado com faca e ébrio, tentou agredir
um cabo. Pena: 6 meses de prisão com trabalho.
Para conter a insubordinação e a violência, o exército freqüentemente se utilizava
da repressão, seja ela na forma da reclusão do acusado ou da violência direta através dos
castigos corporais.
Condenado a receber 50 pancadas de espada de prancha e seis meses de prisão com
trabalho, por deixar um preso fugir da fortaleza de Santa Cruz, O soldado Gregório Antônio
de Carvalho, teve diminuída a sua pena para 6 meses de prisão com trabalho pelo Conselho
Superior Militar - Sessão de 15/02/1872.
Pelo que transparece na documentação, por diversas vezes foram cometidos
excessos por parte dos oficiais responsáveis pela aplicação das penas. Exemplo disso foi o
Aviso Circular que recomendava a observância do que dispõe o aviso de 13 de abril de
1859 sobre castigos corporais a praças de pré, indicando as formalidades com que devem
ser executadas. Entre elas constava a necessidade de se “formar o batalhão e assistir a ele o
comandante e no seu impedimento o major”
153
.
Muitas dessas condenações estão relacionadas à dificuldades encontradas pelos ex-
combatentes ao retornarem à vida comum. Confrontos entre militares ex-combatentes e
não-combatentes, entre militares e civis, insatisfação pelos benefícios não recebidos, entre
outros. Nem sempre as autoridades militares sabiam lidar com estes casos, tomando muitas
vezes saídas mais drásticas para manter sobre controle estes indivíduos.
152
Ofício de fé - Tenente Constantino José Nunes – Arquivo do Exército.
153
Ordem do dia 899 – 21 de dezembro de 1872.
101
Foi o caso do soldado José Antônio das Virgens do 12º B. I., da província do Pará.
Inválido em conseqüência de ferimentos recebidos na guerra, teve a perna direita amputada;
sem família, turbulento e alcoólatra, “sempre em rixa com a policia e com paisanos, aos
quais insulta e provoca quando não é atendido nas suas desarrazoadas exigências”.
Remetido para a Corte do Rio de Janeiro, “porque ahí, onde mais abundam os meios de
repressão adoptados às circunstâncias do indicado soldado, pode ele ser contido”. O
soldado foi parar no Asilo dos Inválidos, em 11 de outubro de
De 1872, onde continuou com a conduta desregrada, sendo considerado “ prejudicial à
tranqüilidade pública em qualquer parte que se ache”.
Remetido de volta ao Pará, foi indicado como seu destino final, pelo ministro da
guerra Oliveira Junqueira, o presídio de Fernando de Noronha local, segundo o ministro,
“para aqueles que não se regulam pelas regras da moralidade, e que desconhecem os
princípios abraçados pela boa sociedade”.
O Conselho Superior Militar aprovou a idéia reforçando-a, dizendo que “ é de toda
conveniência não só em relação à disciplina, como o próprio interesse dos inválidos,que
sejam removidos para as fortalezas ou estabelecimentos militares, aquelas praças que por
seus vícios e má índole se tornarem prejudiciais á boa ordem, que deve reinar nesses asilos,
uma vez que a par dos necessários meios de repressão, lhe sejam proporcionados todos os
bons tratamentos, que deve ao Estado aos soldados que se inutilizaram no serviço da
pátria”
154
Segundo os autores consultados e as fontes analisadas, embora insatisfeitos com a
situação do exército após a Guerra do Paraguai, os militares não tiveram papel relevante
nas reformas colocadas em prática no período de 1872 e 1874. Em ambas as ocasiões a
154
Ordem do dia 940 – 31 de maio de 1873. Arquivo do Exército.
102
empreitada foi dirigida pelo ministro da guerra João José de Oliveira Junqueira, civil, titular
da pasta entre 1872 e 1875.
Convencido das necessidades de reformas substanciais na instituição, ele optou por
fazê-la de cima para baixo, selecionando uns poucos generais para que apresentassem os
seus pontos de vista. Assim, baseado principalmente em relatórios do Conde d´Eu e de
Sena Madureira, ele elaborou os projetos apresentados ao Parlamento entre 1872 e 1874.
No seu relato o Conde d´Eu expôs os problemas enfrentados em vários setores do
exército durante o conflito. Os principais arrolados por ele foram: o suprimento dos
contingentes, finanças, transporte, registros de oficiais e praças, corpo médico,
recrutamento, treinamento etc. As reformas nos setores acima mencionados, ligadas às
dificuldades do exército em tempos de guerra, se justificariam em caso de um novo
conflito, hipótese não descartada por alguns militares, incluindo aí o Conde d´Eu
155
.
No projeto apresentado em 1872, várias sugestões do Conde d´Eu foram incluídas,
sendo algumas aceitas, principalmente as menos onerosas aos cofres públicos, outras foram
postergadas e apareceriam novamente nos anos seguintes.
Entre as solicitações mais polêmicas, estava o aumento do soldo, este sim uma
reivindicação de toda a classe militar, superior ou subalterna. Os salários tinham sido
reajustados pela última vez em 1852, logo, nenhum combatente recebeu aumento nos
últimos 20 anos. Em 1873 o Parlamento aprovou o aumento de 50%. No entanto, o que
parecia uma boa notícia para os militares, viraria fonte de insatisfação posteriormente. Por
problemas no orçamento, os salários continuaram apenas no papel por mais uma década.
155
Os reformistas, incluindo o Conde d´Eu, Osório e outros, pregavam a guerra contra a Argentina.
Durante as discussões sobre o tratado de paz com o Paraguai em 1875, se prevalecesse o ponto de vista do
grupo, o Brasil teria declarado guerra à Argentina. SCHULZ, John. Op. Cit. p. 79
103
Em 1874 o ministro Oliveira Junqueira voltaria à carga em nova tentativa de
reforma. Dessa vez a discussão principal ficaria por conta da lei de recrutamento militar.
Havia ficado evidente durante a guerra, as limitações de um exército formado
através do recrutamento forçado, forma de seleção incompatível com as condições da
guerra moderna. Durante anos os oficiais reclamaram que o exército era pequeno demais e
os recrutados vinham da escória da sociedade.
A violência e as injustiças para compor a tropa, os vários tipos de isenções, a
insuficiente oferta de recrutados, a interferência política na seleção de soldados, não
podiam continuar sendo as bases de formação do exército profissional, eficiente e moderno
que desejavam os oficiais reformistas
156
.
As críticas ao recrutamento compulsório e às propostas de mudança do sistema
constavam do relatório feita por Sena Madureira
157
ao ministério da guerra, elaborado a
partir da observação dos principais exércitos, em viagem que fizera à Europa, sobretudo à
França e à Prússia.
Sena Madureira elogiava principalmente o sistema prussiano, baseado no serviço
universal de tempo curto (3 anos), com isenções limitadas e excluindo a compensação
financeira e a substituição pessoal aos selecionados. Além disso, havia a preocupação de se
manter um contingente de reserva, periodicamente treinado. Soma-se a isso, a importância
adquirida pelo certificado militar, requisito para qualquer emprego ou função pública.
No período que vai do fim da guerra franco-prussiana (1870) ao final do século
XIX, a tropa de soldados deixou de ser permanente, sendo substituída pelo serviço militar
obrigatório por um determinado tempo de serviço. Após a vitória da Prússia contra a
156
MENDES, Fábio Faria. O tributo de sangue: Op. Cit. p. 74
157
SENA, Madureira. Estudo militar dos principais Estados da Europa apresentado ao Ministério da
Guerra ... 1874.
104
França, o sistema de conscrição prussiano disseminou-se pelos exércitos europeus.
Considerado decisivo para a vitória prussiana, o recrutamento de indivíduos em todos os
segmentos da população dava a idéia de que qualquer cidadão é um soldado em potencial e
as forças armadas, além de responsáveis pela defesa nacional, tornando-se também os
quartéis “escolas de nacionalidade”
158
.
No Brasil, inúmeros projetos legislativos, ao longo de todo o período imperial,
haviam proposto a troca do recrutamento forçado por alguma modalidade em favor do
sorteio militar, semelhante ao utilizado em loterias. Segundo os defensores dessa
modalidade, o sistema evitaria perturbações econômicas e sociais provocadas pelo
recrutamento forçado e manteria a oferta regular de recrutados.
A lei da reforma do exército foi aprovada no dia 26 de setembro de 1874, prevendo
entre outras coisas, o recrutamento por sorteio e o serviço por 6 anos para homens entre 19
e 25 anos e o fim das punições corporais.
Apesar da boa acolhida das mudanças por parte dos oficiais, a maioria defendia uma
lei de recrutamento menos arbitrária e mais consoante com as necessidade de um exército
moderno, a reforma tornou-se alvo de discordância por parte da elite política. Os políticos
civis conservadores e liberais divergiram, entretanto, sobre os prováveis efeitos políticos da
adoção da conscrição universal. Para os liberais, a implementação de um mecanismo de
alocação da prestação militar baseadas em loterias neutralizaria as interferências do
recrutamento sobre a competição política e permitiria uma distribuição eqüitativa e
eficiente dos encargos. Os conservadores, entretanto, temiam o potencial tirânico e
158
CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
105
centralizador que se colocava nas mãos do governo com a conscrição, preferindo o serviço
voluntário, mais suave nas suas implicações políticas
159
.
O não cumprimento das reformas tornou-se alvo de disputas políticas entre liberais
e conservadores, como se tornara comum no período imperial. Os liberais, fora do poder,
criticavam os conservadores por não implementarem as mudanças. Quando passaram à
oposição, os conservadores teceram as mesmas críticas aos liberais. Na verdade, a elite
política, seja ela pertencente ao partido Liberal ou ao Conservador, ignorou o exército por
toda a década de 1870, mostrando que as dificuldades enfrentadas pela instituição e os
sacrifícios que os militares passaram na guerra não sensibilizaram a elite política civil no
sentido de melhorar a situação material, social e economicamente do exército e de seu
contingente.
Podemos indicar também como fatores que levaram a não aplicação das leis
contidas nas reformas, impedindo que, passadas as emergências da guerra, a reforma da
prestação militar se realizasse em moldes universais e modernos a ausência de um
movimento reformista poderoso, a força dos interesses atingidos pelas propostas de
reforma, principalmente o patronato, preocupado com a perda da mão-de-obra, mesmo que
temporária - em Aviso Circular, o Conselho Superior Militar determinava que nenhum
individuo assentasse praça nos corpos do exército, sem que primeiro se examinasse se era
de condição livre. Esta medida se deve ao fato de aparecerem pessoas reclamando
indenizações pelos escravos, causando
prejuízos aos cofres públicos
160
, - e a repulsa que a maioria dos civis tinha da vida
militar
161
.
159
MENDES, Fábio Faria. Op. Cit. p. 53
160
Ordem do dia 807 – 18 de novembro de 1871. Arquivo do exército.
106
Ao contrário do que foi solicitado pelas reformas, o governo procedeu à
desmobilização das forças armadas. Os efetivos brasileiros tiveram uma queda significativa
em relação aos anos do conflito e até mesmo aos anos pré-guerra.
O quadro abaixo mostra o número de soldados para cada ano fiscal.
ANO PAZ GUERRA
1864 18.000 24.000
1865 18.000 60.000
1866 18.000 60.000
1867 18.000 60.000
1868 20.000 60.000
1869 20.000 60.000
1870 17.000 33.000
1871 17.000 33.000
1872 17.000 33.000
1873 17.000 33.000
1874 17.000 22.000
162
Paralelo à diminuição da tropa, houve também a diminuição da dotação
orçamentária referente ao Ministério dos Negócios da Guerra.
161
MENDES, Fábio Faria. Op. Cit. p. 61
162
Tabela extraída de John Schulz. O Exército e a política. Op. Cit. p. 216
107
Para fazer face a esta situação, os gabinetes conservadores do período buscavam
colocar em prática uma política de austeridade econômica, cortando verbas de alguns
ministérios, notadamente os da área militar.
O exército, que nas décadas anteriores ao conflito recebia em torno de 20% a 25%
dos recursos do Império, passou a receber 10% a menos nos anos de pós-guerra.
PORCENTAGENS DE GASTOS MILITARES
ANO
%
1863.64 21,9
1864.65 32,7
1865.66 49,5
1866.67 45,0
1867.68 45,1
1868.69 41,8
1869.70 42,3
1870.71 18,0
163
163
Idem. p. 210
108
As reduções de efetivos e verbas acarretaram, respectivamente, uma morosidade
maior no ritmo das promoções e a estagnação dos salários – o último aumento tinha
ocorrido em 1852
164
. Abaixo a tabela aprovada em 1873.
Decreto 2105 (08/02/73) “Aumenta os soldos dos oficiais e praças de pré do Exército e
da Armada.”
Marechal do Exército 500$000
Capitão 100$000
Alferes 60$000
Sargento $800
Soldado $150
165
As disputas por promoções no exército foram atenuadas durante a guerra pela
constante abertura de vagas causadas pelas baixas, como já foi dito. No entanto, terminado
o conflito, o quadro se agravou com a desmobilização dos efetivos e o decréscimo do
contingente do exército a níveis mais baixos do que os anos pré-guerra. Assim, o tempo
médio para as promoções aumentou e a disputa ficou mais acirrada.
Os critérios de promoção não eram uniformes e é mais provável que a transferência
e a promoção de oficiais sem curso da sua arma irritassem os mais graduados, favorecendo
164
SCHULZ, John. Idem. p. 211
165
Ordem do Dia 917 – 17 de fevereiro de 1873 – Arquivo do Exército.
109
a emergência de um acentuado sentimento de insatisfação profissional da parte daqueles
que se sentiam injustiçados
166
.
Segundo John Schulz:
“Seguindo-se ao período de promoções rápidas
durante a Guerra do Paraguai, a progressão desacelerou-se
nos anos 70 e 80. Muitos homens permanecerão como
tenentes e capitães por mais de uma década [...]. Entre os que
eram oficiais de infantarias em 1871, os coronéis haviam
permanecido nessa patente por uma média de 1,9 anos,
tenentes-coronéis 1,6 e majores 1,5 respectivamente. Em
1888, as médias eram de 5,0; 3,1 e 4,3 respectivamente. A
cavalaria e o corpo de engenheiros também sofreram
promoções mais lentas, enquanto artilharia e o estado-maior
apresentavam uma leve aceleração. Surpreendentemente, a
infantaria e a cavalaria desfrutavam de promoções mais
rápidas do que os ramos especializados”
167
.
Esta situação gerou reclamações por parte dos oficiais de linha, principalmente dos
militares oriundos da Academia Militar, cujos ramos da Engenharia e da Artilharia, foram
os mais prejudicados. A concessão de patentes, pensões, títulos nobiliárquicos
168
, nos anos
166
IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: Op. Cit. p. 53
167
SCHULZ, John. Op. Cit. p. 81
168
Analisando o quadro de generais do exército brasileiro entre 1860 e 1889, detectamos que a
distribuição de títulos, feita pelo governo imperial, agraciou indistintamente os militares com 4 títulos de
visconde e 13 de barões. Ver anexos.
110
logo a seguir a guerra, virou um campo de disputa que desagradava os oficiais de linha,
freqüentemente preteridos em prol dos voluntários da pátria
169
.
Estas questões, bastante candentes no período, farão, somadas a outras, com que os
militares aumentem progressivamente as suas críticas em relação às instituições
monárquicas, identificando nelas as causas das agruras que passavam no dia a dia e da
subalternidade a que estavam relevados no nível político e social. Os jovens oficiais
passaram a fazer escolhas baseadas na elaboração de uma ordem política que pudesse
favorecer os novos interesses no interior da corporação, sepultando, definitivamente, os
padrões de lealdade anteriormente vigentes
170
.
As ações de protesto e de desagrado descritas no capítulo anterior, podem ser
interpretadas como fruto da insatisfação dos militares, estando estas ligadas a
reivindicações tanto no campo social, quanto no profissional. Com o término da guerra, os
militares cobrariam o reconhecimento dos seus sacrifícios e mais espaço econômico e
político dentro da sociedade imperial. Embora estivessem relacionadas ao mesmo tempo à
tropa e a oficialidade, será esta última a principal porta-voz desses reclames.
A oficialidade, entretanto, continuou como um grupo atuante dentro do cenário
nacional, fortalecidos pelo status que o Exército adquiriu após a guerra. Segundo Nelson
Werneck Sodré:
“O Exército que surge da guerra com o Paraguai é
força nova na vida do país, - não será relegado mais a
169
SCHULZ, John. O Exército e a política. Op. Cit. p. 82/83
170
IZECKSOHN, Vitor. Op. Cit. p. 63/64
111
segundo plano, não se conformará mais com isso, não se
conformará com um papel subalterno na vida nacional”
171
.
O Exército, enquanto instituição, assumiu um papel importante no pós-guerra,
embora, como eu tenho ressaltado ao longo do meu trabalho, a coesão do Exército tenha
sido muito mais resultado do choque entre a posição dos militares e o sistema político
monárquico, do que proveniente de uma unidade específica da corporação antes e durante o
conflito.
A guerra, ao expor as deficiências da estrutura militar do Império, permitiu aos
oficiais do núcleo profissional assumir uma postura acentuadamente crítica ao modelo
político então existente no país. Assim sendo, várias e importantes reflexões parecem se
manifestar no interior do núcleo profissional do exército brasileiro, tais como a progressão
da idéia republicana, a abolição e o descontentamento face á estrutura social e política do
país.
Desse desprezo ficaria o ressentimento, que só viria à tona de forma consistente e
imbuída de uma certa unidade nas questões militares da década de 1880.
CONCLUSÃO
As Questões Militares da década de 1880 colocaram os oficiais do exército
brasileiro no centro das discussões a respeito do papel, dos direitos e deveres da classe
militar, fazendo emergir a insatisfação dos mesmos diante da negligência e descaso com
171
SODRÉ, Nelson Werneck. A História militar do Brasil. Op. Cit. p. 110
112
que eram tratados pelo governo imperial. Embora o abandono a que estavam relegados não
fosse um fato novo na história da instituição, os militares assumiam agora o papel de
protagonistas, fazendo ouvir as suas vozes e as suas críticas, à medida que construíam a
coesão interna, necessária para o fortalecimento da sua posição em relação aos políticos
civis e ao regime político brasileiro.
No nosso trabalho procuramos demonstrar que ao mesmo tempo que ia se
profissionalizando, a oficialidade do exército aumentava o tom das suas críticas em relação
às mazelas da sociedade brasileira. O governo civil, por sua vez, mesmo sendo o
responsável pela modernização das forças armadas, procurou obstruir as ações dos militares
com o receio de virem o fortalecimento do exército ameaçar a sua supremacia política.
Nesse sentido, mostramos ainda que a participação brasileira na Guerra do Paraguai
criou uma situação paradoxal, pois ao mesmo tempo em que limitou a profissionalização do
corpo de oficiais, postergando, de certa forma, ações mais concretas no pós-guerra,
aureolou os militares com honras simbólicas pelos sacrifícios e a coragem, verdadeira ou
falsa, demonstradas no campo de batalha, acarretando as simpatias da população, que os
considerava heróis de guerra.
O período do pós-guerra, sobretudo o da década de 1870, assinala o momento da
reorganização do exército, em meio à tentativa dos partidos políticos tentam refrear as
pressões dos militares sobre o regime político, situação agravada pela grave crise
econômica vivida pelo país. Os oficiais, por sua vez, exaustos pelo esforço de guerra e
preocupados com o seu meio de sobrevivência, se viram envolvidos pelos problemas
comuns em tempos de paz, entre eles a relação com a burocracia estatal, retardando
promoções, pensões e títulos honoríficos, e o dia a dia dos quartéis, onde a relação com o
restante da tropa era marcada pela violência e a insubmissão.
113
Assim, a cooptação política dos oficiais, a disputa por promoções e títulos e o dever
de manter a disciplina dentro dos quartéis, num quadro caótico de pós-guerra, onde a
quebra das promessas do governo e as feridas da guerra, ainda abertas, contribuíram para a
insubordinação e a violência entre os níveis da escala hierárquica. Esta situação prejudicou
a unidade de pensamento e ação da oficialidade, contribuindo para facilitar a ação da elite
política civil no sentido de anular as possíveis pretensões dos militares, sejam elas a
modernização da instituição ou uma maior participação no sistema político brasileiro.
O êxito inicial dos políticos civis não impediu, contudo, o aumento do tom das
críticas dos militares, tendo como principais locutores (na década de 1880), oficiais ex-
combatentes e a nova geração de oficiais que estava sendo educada na Academia Militar.
O desdobramento dessa nova postura do exército, analisado por diversos autores,
levaria os oficiais a não esconder as suas simpatias pelo abolicionismo e pelo
republicanismo, culminando com a intervenção militar, a primeira da história do Brasil,
liderada por um herói de guerra, Marechal Deodoro da Fonseca, recém convertido à causa
da República.
ANEXOS
CONDENAÇÕES
Cabo Silvério Honorato dos Santos – assassinou o segundo sargento João
Francisco Bezerra. Condenado a morte, o Conselho Superior Militar mandou
cumprir após recurso da graça ao Imperador. Ordem do dia – 755
(14/02/1870).
114
Soldado Manoel Piranha – insubordinação contra major. Condenado a 6 meses
de prisão. Ordem do dia – 755 (14/02/1870).
sico Ernesto José Antônio – embriagado praticou atos de insubordinação e
ofensas com palavras obscenas ao diretor do hospital militar do Andaraí.
Condenado a 3 meses de prisão pelo Conselho Superior Militar e depois
absolvido. Ordem do dia 757 (04/03/1870).
Forriel Antônio Guedes Bezerra/soldado Juventino Alves de Carvalho –
provocaram desordens. O soldado, embriagado, bateu num recruta, resistiu à
prisão e invadiu a casa do comandante. Preso, houve uma tentativa de retirá-lo
à força por parte do forriel e de mais alguns praças armados de cacete. Penas:
forriel – 6 anos com trabalho/soldado – 3 anos com trabalho. Ordem do dia
763 (25/05/1870).
Soldado Jeronymo Leandro de Oliveira – assassinou o soldado Manoel
Ferreira de Jesus. O Conselho Superior Militar confirmou a condenação à
morte. Ordem do dia – 768 (30/06/1870).
115
Soldado Antônio Luiz Francisco da Silva – provocou um conflito com guardas
urbanos no largo do Moura. Pena: 1 ano de prisão com trabalho. Ordem do dia
768(30/06/1870).
Soldado Casimiro de Mello e Costa – recusa-se a fazer o serviço, desrespeita
seus superiores e fez desordens na fortaleza de Santa Cruz, onde estava preso.
Pena: 6 anos com trabalho. Ordem do dia 768 (30/06/1870).
Soldado Pedro Solino - espancou e fraturou o braço do prisioneiro paraguaio
Ramon Rodriguez. Pena: 1 mês de prisão. Ordem do dia 769 (11/07/1870).
Cabo Ignácio Francisco da Silva, soldados Miguel Ferreira do Couto,
Raymundo Rodrigues de Araújo e Antônio Pereira Custódio - Provocaram
tumulto dentro do xadrez grande do campo da Aclamação, ferindo outros
soldados e o comandante da guarda. Penas: cabo – 20 anos de prisão/soldados
-10 anos. Ordem do dia 770 (17/07/1870).
Alferes Farmacêutico Luiz Antônio Murtinho – acusado de furtar do hospital
militar do Andaraí 20 vidros com sulfato de quinina e 1 com bismuto,
vendendo-os na botica da rua Direita, mero 5. Foi absolvido pelo Conselho
Superior Militar. Ordem do dia 882 (12/09/1872).
116
Comutações de penas. “Em comemoração da Sagrada Paixão e Morte do
Redemptor, sua Alteza a Princesa Imperial Regente em nome do Imperador” comuta:
Para galés perpétuas a pena de morte imposta ao soldado Manoel do
Sacramento (crime ocorrido durante a guerra); idem para o anspeçada
Lúcio Alves. Ordem do dia 846 (05/04/1872).
Para 10 anos a pena de morte para os soldados Jose Nunes da Motta e
Manoel Florêncio de Souza. Ordem do dia 846 (05/04/1872).
Conselho Supremo Militar
Comutação de pena de morte por ordem do Imperador – Soldado
Genuíno Dorothêo Rodrigues da Silva. Acatada pelo Conselho. Sessão
de 31/01/1871.
Confirmou a condenação do alferes Manoel da Cruz Oliveira,
condenado por embriaguez e roubo ainda durante a guerra. Pena: perda
da comissão de alferes. Sessão de 03/07/1871.
Reformou a sentença ao soldado Gregório Antônio de Carvalho,
condenado a receber 50 pancadas de espada de prancha e seis meses de
prisão com trabalho, por deixar um preso fugir da fortaleza de Santa
Cruz. A pena passou para 6 meses de prisão com trabalho. Sessão de
15/02/1872.
117
GENERAIS DO EXÉRCITO BRSILEIRO ENTRE 1860 E 1889
NOME/
NASC.
PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR
Antônio de Sampaio
1810
Não especificada Não cursou a Academia
Alexandre Argolo Ferrão
(Visc. de Itaboraí) 1821
Militar (Brigadeiro) Academia Militar
Guilherme Xavier de Souza
1818
Militar (Capitão) Academia Militar
Vitorino José Carneiro (Barão
de S. Borja) 1816
Militar (Major) Não cursou a Academia
Joaquim Fontes
1808
Civil Não cursou a Academia
João Guilherme Bruce
1805
Civil Não cursou a Academia
Jacinto Bittencourt
1808
Militar (Major) Não cursou a Academia
Ricardo Gomes Jardim
1805
Militar (Major) Academia Militar
118
NOME/
NASC.
PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR
José Auto Guimarães (Barão de
Jaguarão) 1819
Civil Não cursou a Academia
Carlos Resin
1801
Civil Não cursou a Academia
João Mena Barreto
1827
Militar (Major) Não cursou a Academia
Pedro Xavier de Castro
1809
Militar (Tenente/Coronel) Não cursou a Academia
Hilário Gurjão
1820
Civil Não cursou a Academia
João Fonseca Costa (Visc. da
Penha) 1823
Militar (Marechal) Academia Militar
Salustiano dos Reis (Barão de
Camaquan) 1822
Civil Não cursou a Academia
José Corrêa da Câmara (Visc.
de Pelotas) 1824
Civil Não cursou a Academia
Emílio Mallet (Barão de
Itapevi) 1801
Civil Academia Militar
Herculano da Silva Pedra Civil Não cursou a Academia
119
NOME/
NASC.
PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR
1817 Civil
Antônio da Silva Paranhos
1818
Civil Não cursou a Academia
Frederico A. de Mesquita
(Barão de Cacequi) 1822
Civil Não cursou a Academia
Francisco Gomes de Freitas
1822
Militar (Tenente/Coronel) Academia Militar
Carlos de Oliveira Néri
1825
Militar (Brigadeiro) Não cursou a Academia
José de Miranda Reis (Barão de
Miranda Reis) 1824
Militar (Major) Academia Militar
Luiz Pereira de Carvalho (
Barão de S. Sepé) 1821
Militar (Tenente/Coronel.) Não cursou a Academia
Manoel da Cunha Lins
1820
Civil Não cursou a Academia
Antônio Pedro de Alencastro
1816
Civil Academia Militar
Francisco Antônio Raposo
(Barão de Caruaru) 1817
Civil Academia Militar
120
NOME/
NASC.
PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR
João do Rego Barros Falcão
1817
Militar (Coronel) Não cursou a Academia
Hermes Ernesto da Fonseca
1824
Militar (Major) Academia Militar
Inocêncio Veloso Pederneiras
(Barão de Bojurú) 1818
Civil
Civil Academia Militar
João Antônio Valporto
1830
Civil Academia Militar
Manoel Deodoro da Fonseca
1827
Militar (Major) Academia Militar
José Joaquim de Carvalho
1813
Militar (Alferes) Academia Militar
Cristiano de Azeredo Coutinho
1817
Civil Academia Militar
Luiz Guilherme Woolf
1816
Militar (Capitão) Academia militar
Severiano Martins da Fonseca
(Barão de Alagoas) 1825
Militar (Major) Academia Militar
121
NOME/
NASC.
PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR
Augusto Frederico Pacheco
1817
Militar (Major) Não cursou a Academia
Conrado da Silva Bittencourt
1829
Militar (Marechal) Academia Militar
Justiniano Sabino da Rocha
1826
Militar (Brigadeiro) Academia Militar
Agostinho Marques de Sá
1829 Civil
Civil Academia Militar
Antônio Tibúrcio Ferreira de
Souza 1837
Civil
Civil Academia Militar
Hermenegildo de Albuquerque
Portocarreiro 1818
Militar (Capitão) Academia Militar
Carlos Resin Filho
1831
Militar (Brigadeiro) Academia Militar
Floriano Peixoto
1839 Civil
Civil Academia Militar
Izidoro Fernandes
1829 Civil
Civil Não cursou a Academia
122
NOME/
NASC.
PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR
José Ângelo de Morais Rego
1825
Militar (Tenente/Coronel) Academia Militar
José Lopez de Oliveira
1819
Civil Não cursou a Academia
José Maria de Alencastro
1823
Militar (Capitão) Academia Militar
José Luiz da Costa Jr.
1829
Civil Não cursou a Academia
Antônio Enéas Gustavo Galvão
(Barão do Rio Apa) 1832
Militar (Coronel) Academia Militar
José Clarindo de Queiroz
1841
Civil Academia Militar
Antônio Nicolau Falcão da
Frota 1834
Militar (Capitão) Academia Militar
José de Almeida Barreto
1830
Civil Academia Militar
José Simeão de Oliveira
1838
Civil Academia Militar
123
NOME/
NASC.
PROFISSÃO DO PAI FORMAÇÃO MILITAR
Antônio Maria coelho (Barão
de Anhambaí) 1827
Militar (Tenente/Coronel) Academia Militar
172
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