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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
A MUDANÇA ESTRUTURAL E O DESENVOLVIMENTO DOS
PROGRAMAS DE PESQUISA REALISTA E
CONSTRUTIVISTA ESTRUTURAIS: uma discussão
metateórica
Fernando Neves da Costa Maia
Belo Horizonte
2009
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FERNANDO NEVES DA COSTA MAIA
A MUDANÇA ESTRUTURAL E O DESENVOLVIMENTO DOS
PROGRAMAS DE PESQUISA REALISTA E CONSTRUTIVISTA
ESTRUTURAIS: uma discussão metateórica
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais, da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Relações Internacionais, elaborada sob a orientação
do Prof. Dr. Eduardo Soares Neves Silva
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Belo Horizonte
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Maia, Fernando Neves da Costa
M217m A mudança estrutural e o desenvolvimento dos programas de pesquisa realista
e construtivista estruturais: uma discussão metateórica / Fernando Neves da Costa
Maia. Belo Horizonte, 2009.
188f. : Il.
Orientador: Eduardo Soares Neves Silva
Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.
1. Relões internacionais - Filosofia. 2. Positivismo. 3. Mudança 4. Lakatos,
Imre. 5. Laudan, Larry. 6. Popper, Karl Raimund, Sir, 1902-1994. 7. Waltz,
Kenneth Neal, 1924- . 8. Gilpin, Robert, 1930- . 9. Wendt, Alexander, 1966- . I.
Silva, Eduardo Soares Neves. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. III. Título.
CDU: 327
Aos meus pais,
que merecem um presente melhor.
AGRADECIMENTOS
Ao chegar ao fim desta dissertação, pude constatar que a escrita dela foi o momento de
maior isolamento. Não obstante, ela foi possível porque várias pessoas contribuíram direta
ou indiretamente para a sua conclusão. Faço aqui o reconhecimento dessas contribuições.
Agradeço especialmente ao meu orientador, Prof. Eduardo Soares Neves Silva, que
acreditou em mim e neste trabalho e que, com seu amplo conhecimento, me permitiu
compreender mais aprofundadamente várias das questões tratadas aqui. Talvez sua modéstia
o permita perceber o quanto sua orientação e convívio foram importantes para mim.
Agradeço à Profª. Matilde de Souza que viu o início deste trabalho no 39º PREPES,
antes mesmo do meu ingresso no Programa de Pósgraduação em Relações Internacionais da
PUC Minas. O projeto que deu início a esta dissertação, ainda que modificado em rios
pontos posteriormente, beneficiou-se diretamente de sua orientação. Ademais, conversas
frequentes e algumas sugestões de leitura foram extremamente importantes para mim.
Aos professores do Programa com quem convivi e de quem recebi valiosas lições.
Devo um agradecimento especial a toda equipe do Boletim Conjuntura Internacional
do Departamento de Relações Internacionais. O convívio com todos, nos meses que ali
trabalhei, me permitiu aprender muito pessoal e intelectualmente.
Agradeço aos colegas do Mestrado pela convivência e pelas conversas nesses dois
anos. Em especial, gostaria de agradecer não por serem mais importantes, mas por estarem
mais próximas no convívio à Joana, com quem aprendi muito mais do que questões de
política externa, à Luciana, cujas conversas constantes me permitiram esclarecer rios dos
meus pontos de vista e à Layla, que se mostrou uma interlocutora presente e perspicaz.
Agradeço também à Paula que não apenas facilitou o dia-a-dia no Mestrado, mas
também tornou-o mais agradável. Seu convívio foi muito importante para mim.
À Cudia, cuja presença me permitiu entender o sentido saint-exuperiano da palavra
cativar”.
Aos amigos de Belo Horizonte e de Boa Esperança e à família pelos bons momentos
de convivência.
Por fim, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG), cuja concessão da bolsa de mestrado me permitiu levar adiante os estudos.
A todos, “gratidão – essa palavra tudo.” (Carlos Drummond de Andrade).
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo discutir a maneira pela qual realismo e construtivismo
estruturais desenvolvem seus programas de pesquisa em torno do problema da mudança
estrutural. O estabelecimento de um critério lakatosiano, mediado pelas considerações
laudanianas acerca dos problemas conceituais permite, de um lado, a reorganização do campo
de Relações Internacionais em torno dos conceitos ‘positivismo’ e ‘póspositivismo’ que
marcam os supostos ‘grandes debates do campo. De outro lado, permite o confronto dos
programas de pesquisa a partir das abordagens de Kenneth Waltz, Robert Gilpin e Alexander
Wendt. A centralidade dos problemas conceituais desafia o argumento wendtiano sobre a
mudança e ainda organiza a maneira pela qual se pode discutir mudança no marco realista
estrutural.
Palavras-chave: Teoria de Relações Internacionais. Metateoria. Positivismo. spositivismo.
Programa de Pesquisa. Mudança. Lakatos. Laudan. Popper. Waltz. Gilpin. Wendt.
ABSTRACT
This dissertation aims to discuss how structural realism and constructivism carry out their
research programs concerning the structural change issue. Setting a Lakatosian criterion for
appraising research programs, reconciled by Laudanian considerations on conceptual
problems allows, on the one hand, the rearrangement of the International Relations field
around the concepts of ‘positivism and ‘post-positivism’ that distinguish the so-called ‘great
debatesof the field. On the other hand, it allows the confrontation of the research programs
on the grounds of Kenneth Waltz, Robert Gilpin and Alexander Wendt’s approaches. The
centrality of the conceptual problems challenges the Wendtian proposition on change and also
arranges the way in which change can be discussed in the structural realist point of view.
Key-words: International Relations Theory. Meta-theory. Positivism. Post-positivism.
Research program. Change. Lakatos. Laudan. Popper. Waltz. Gilpin. Wendt.
LISTA DE SIGLAS
PPC – Programa de Pesquisa Científico
PPPPCC – Programas de Pesquisa Científicos
RI – Relações Internacionais
TIPTheory of International Politics
STIP – Social Theory of International Politics
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10
2 TEORIA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E POSITIVISMO:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS ......................................13
2.1 Positivismo Histórico e Cientificidade ................................................................13
2.2 Uma ciência não positivista? As relações entre Karl Popper e o Círculo de
Viena ..........................................................................................................................32
2.3 Um critério de avaliação teórica voltado para as Relações Internacionais .......51
2.3.1 A centralidade do argumento lakatosiano .........................................................51
2.3.2 As discussões epistemológicas nas Relações Internacionais .............................59
3 OS TERMOS DA DISPUTA ENTRE PROGRAMAS RIVAIS ..........................67
3.1 Os termos lakatosianos do debate .......................................................................67
3.1.1 Discussão preliminar .........................................................................................67
3.1.1.1 Neorrealismo..................................................................................................81
3.1.1.2 Construtivismo ..............................................................................................85
3.2 O marco estruturalista ........................................................................................88
4 ELEMENTOS CENTRAIS PARA UMA DISCUSSÃO
INTERPROGRAMÁTICA SOBRE MUDANÇA ...................................................103
4.1 Problematização – A mudança enquanto problema ..........................................106
4.2 Os programas de pesquisa e mudança ...............................................................115
4.2.1 O PPC realista estrutural ..................................................................................116
4.2.1.1 Waltz e a mudança ........................................................................................121
4.2.1.2 Gilpin e a mudança ........................................................................................134
4.2.2 Wendt e a mudança ...........................................................................................143
5. ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO LAKATOSIANO DOS
PROGRAMAS DE PESQUISA A PARTIR DA MUDANÇA ................................153
5.1 Neorrealismo e mudança.....................................................................................154
5.1.1 A inclusão de Robert Gilpin no PPC neorrealista .............................................154
5.2 Construtivismo estrutural e mudança ................................................................160
5.3 Avaliação .............................................................................................................164
6. CONCLUSÃO .......................................................................................................172
REFERÊNCIAS ........................................................................................................175
10
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação cumpre o objetivo de discutir a maneira pela qual realismo e
construtivismo estruturais desenvolvem seus programas de pesquisa em torno do problema da
mudança internacional.
O ponto de partida é a apresentação crítica de uma historiografia tradicional do campo
das Relações Internacionais que entende que a consolidação da disciplina encontra nos
chamados grandes debates as suas balizas e o seu sentido (NEVES-SILVA, 2007). Isso se
torna um problema de pesquisa no momento em que se analisa a maneira como esses debates
foram conduzidos culminando numa polarização entre positivistas e póspositivistas. Como
afirma Wight (2006), [o] positivismo constitui, não apenas o padrão para o qual se diz que o
mainstream converge e o ponto focal em torno do qual as abordagens o-mainstream situam
suas críticas, mas também, talvez, a própria definição de ciência.” (WIGHT, 2006, p.14)
1
.
Nesse sentido, o positivismo emerge como o conceito central para o entendimento do “fazer
científico” da disciplina.
A questão é que um estudo detido da maneira como efetivamente esses pretensos
debates se dão e o que significa a adesão a uma proposta positivista mostra a deficiência dos
argumentos baseados nesses conceitos. No primeiro caso, constata-se que a idéia de debate
utilizada no campo envolve a negação de pretensão à verdade do oponente, ou seja, ao invés
de se enfrentá-lo, nega-se lhe a pretensão à verdade. E no segundo caso, o conceito de
positivismo serve de espaço para a referida negação. A característica marcante da
historiografia do campo que permeia a disputa é o esvaziamento do conteúdo epistemológico
dos debates. Por outras palavras, aqueles conceitos tornam-se imprecisos em função desse
esvaziamento. Ao mesmo tempo, é esse o espaço do qual nos valemos para sustentar a
fecundidade das discussões metateóricas em que a dimensão epistemológica ganha
proemincia. O argumento basal é o de que a visão do nosso conhecimento das coisas
(ELMAN e ELMAN, 2003) é fundamental para qualquer discussão que se pretenda científica,
visão essa que pode ser não positivista em mais de um sentido e ainda consistente com uma
epistemologia racionalista em que não apenas os fundamentos do conhecimento o
explicitados como também um critério de avaliação de abordagens rivais é estabelecido.
1
Tradução nossa de: “Positivism constitutes, not only the standard around which the mainstream is said to
converge, and the focal point around which non-mainstream approaches situate their criticisms, but also,
perhaps, the definition of science itself.”.
11
Imre Lakatos, com a sua metodologia dos programas de pesquisa científicos, está num
lugar importante na filosofia da ciência. Como será apresentado, Lakatos pode ser situado na
confluência de um afastamento da intenção positivista mais básica e um avanço em relação à
metodologia popperiana de modo a evitar a adesão ao relativismo kuhniano. Desse modo,
Lakatos ocupa um duplo lugar nessa dissertação: sua metodologia cria o espaço em que se dá
a disputa entre realismo e construtivismo estruturais em torno do problema da mudança
internacional, particularmente em suas vertentes expostas por Kenneth Waltz, Robert Gilpin e
Alexander Wendt. Além disso, a perspectiva lakatosiana oferece um verdadeiro metacritério a
partir do qual se pode abordar a referida disputa.
Assim sendo, o primeiro capítulo da dissertação discute alguns aspectos da
consolidação do “fazer científico” do campo, particularmente no que tange a deficiência da
constante referência aos grandes debates e ao positivismo. A perspectiva histórica do
positivismo evidencia algumas características que dão a ele um lugar específico na filosofia
da ciência, bastante diverso do que supõe a historiografia tradicional do campo de Relações
Internacionais. Ficará claro como a perspectiva inaugurada por Karl Popper se afasta da
intenção positivista e como Lakatos está num ponto ainda mais distante. É nesse momento
que a perspectiva lakatosiana será discutida.
Essa perspectiva, contudo, precisa ser ponderada no que tange a importância dos
problemas conceituais para o progresso científico. Larry Laudan foi quem chamou atenção
para a centralidade desse tipo de problema científico, a qual incorporamos à discussão. O
critério fundamental a partir do qual se pode falar em progresso científico é empírico, como
demonstrou Lakatos (1999a) e o próprio Laudan (1977). Entretanto a disputa entre
abordagens rivais pode se dar também em torno de problemas não empíricos, conceituais,
com uma tida influência sobre a maneira pela qual as teorias abordam problemas
eminentemente empíricos. Daí, crê-se, a importância dessa discussão específica para o campo
de Relações Internacionais. Este é também o recurso metodológico adotado aqui para abordar
a disputa em torno da mudança internacional. Por outras palavras, o objetivo é averiguar se
existe consistência ou não na maneira como os referidos autores abordam teoricamente,
conceitualmente, o problema da mudança no marco de seus programas de pesquisa. Nesse
sentido, esta dissertação não aborda problemas empíricos, senão a sua fundamentação
conceitual.
O segundo capítulo cumpre a tarefa de situar os termos lakatosianos e estruturalistas
da disputa. A assunção de que ambas as abordagens trabalham a metodologia lakatosiana a
partir do enquadramento lakatosiano do problema da mudança cria as condições para se saber
12
como realismo e construtivismo estruturais desenvolvem essa metodologia. Como
conseqüência, uma ampliação das fronteiras do debate com a incorporação um programa
de pesquisa rival, o que permite a discussão da consistência e coerência entre programas de
pesquisa rivais e não apenas dentro (ou intra) de um referido programa tal como fazem os
autores citados anteriormente.
O enquadramento lakatosiano da disputa por parte de Alexander Wendt se faz a partir
da leitura estruturacionista do estruturalismo waltziano. Esse, portanto, é um ponto a ser
exposto detidamente já que ele está no centro do argumento wendtiano.
Uma vez situados os termos do debate, o capítulo 3 começa pela exposição da
mudança internacional enquanto um problema, particularmente para o neorrealismo segundo a
atribuição de alguns protagonistas. Em seguida, o entendimento de Waltz, Gilpin e Wendt
sobre mudança estrutural serve como fundamento para a discussão analítica subsequente.
O quarto capítulo, a partir da orientação metateórica traçada no capítulo 1, analisa os
programas em questão com base nos entendimentos levantados no capítulo anterior. O
objetivo é evidenciar como o entendimento de cada autor contribui para o desenvolvimento do
seu programa de pesquisa. Para tanto, discute-se a inclusão de Gilpin no marco neorrealista e
como ela é acomodada ali e, além disso, como Wendt, a partir da interpretação de Waltz,
sustentará um programa rival capaz de avançar em relação à ele. Ao final, será analisada
como os compromissos assumidos pelos autores são consistentes entre si e como contribuem
para a consistência do próprio programa.
13
2 TEORIA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E POSITIVISMO: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
2.1 Positivismo Histórico e Cientificidade
Este capítulo discute alguns aspectos da maneira pela qual o campo de Relações
Internacionais (RI) se consolidou, particularmente, em torno de um fazer científico fundado na
auto-imagem dos ‘grandes debates’.
A crença de que cada debate significou um avanço científico em relação ao seu antecessor
(KAHLER, 1997) gerou duas tendências: de um lado, a explicação dos avaos científicos do
campo, principalmente
2
, pelo impacto de eventos, ou seja, pelas aparentes anomalias que as
relações internacionais apresentam (KAHLER, 1997) às teorias vigentes e, de outro, a
polarização da discussão científica atual em torno de um (terceiro) debate
3
entre os chamados
positivistas e póspositivistas. Nesse momento, examina-se os aspectos desse debate cujas
implicações serão levadas adiante nos próximos capítulos na análise da mudança internacional.
A ciência, enquanto tipo específico de atividade humana voltada para o conhecimento da
realidade, passou a ser vista e respeitada enquanto fonte segura de conhecimento e utilizada
sempre que se quer atribuir autoridade a determinada afirmação ou estudo (CHALMERS, 1993).
Essa situação, historicamente, traz consigo o movimento de surgimento e ampliação do
positivismo
4
a partir do século XIX, principalmente a partir dos trabalhos do francês Auguste
2
É preciso esclarecer que Kahler (1997), primeiro, oferece outros elementos para a análise dos avanços científicos
das RI e, segundo,o estabelece nenhum peso para esses elementos. O enfoque dado a um deles aquidaí dizer-se
‘principalmente’ – decorre da necessidade de enfrentar uma demanda espefica do campo que ficará esclarecida nos
próximos capítulos.
3
Para um contato com os aspectos do chamado Terceiro Debate, veja-se Lapid (1989).
4
Segundo Domingues (2004, p.169), o termo goza de um “espectro dilatado” visto que engloba vários
desdobramentos e ramificações do positivismo a partir da posição inicial defendida por Auguste Comte. Nesse
sentido, podem ser considerados o empirismo inglês, o iluminismo francês e o empirismo lógico do ponto de vista
da “motivação filosófica” e o materialismo naturalista, o empiro-criticismo e algumas formas de instrumentalismo do
ponto de vista do projeto científico. Diante desse quadro, é possível situar o programa positivista (a expressão é
Domingues, 2004) numa perspectiva histórica o que pode ser chamado de positivismo histórico. Para um contato
com essa discussão e para uma visão mais abrangente sobre o positivismo nas ciências humanas, ver Domingues
(2004), e para uma discussão sobre Auguste Comte ver o capítulo sobre ele escrito por Aron (2002). Nas Relações
14
Comte. O centro do argumento em torno dessa aceitação da ciência está na possibilidade e
necessidade de aprimoramento do espírito humano como base para uma reforma social
5
.
O positivismo comteano enquanto uma filosofia do conhecimento baseia-se em três
pressupostos (ARON, 2002, pp.94-95): primeiro, o de que a sociedade européia, industrial e
ocidental é um exemplo a ser seguido pelas demais; segundo, o de que a dupla universalidade do
pensamento científico se aplica tanto às ciências da natureza quanto às demais áreas do
pensamento humano (ciências humanas); e, terceiro, o de que a unidade humana dá-se em torno
da possibilidade de aprimoramento do espírito humano rumo ao pensamento positivo.
A história, nesse contexto, aparece como um “quadro” em que são mostradas as diferentes
sociedades nos seus diferentes estágios de realização humana. Já que existe uma natureza
humana reconhecível e definível em todas as sociedades em todos os tempos, bem como uma
natureza socialou uma ordem essencial no dizer de Aron (2002) que também é reconhecível a
despeito das variações nas sociedades, e que da estabilidade dessas naturezas é possível inferir o
devir histórico, pode-se dizer que, por essa visão, todas as sociedades hão de passar pelas mesmas
etapas até alcançarem o estágio em que se encontra a sociedade ocidental de tipo científico-
industrial, o que se pode chamar também de estágio positivo. Segundo Aron (2002), a posição
comteana envolve dizer que na medida em que os homens pensam cientificamente, “(...) a
atividade principal das coletividades deixa de ser a guerra de homens contra homens, para se
transformar na luta dos homens contra a natureza, ou a exploração racional dos recursos
naturais.”. (ARON, 2002, p.85. Itálicos adicionados.).
Diante dessa posição fundamentada naqueles três pressupostos, Comte formula duas leis
essenciais: a lei dos três estados e da classificação das ciências. A primeira refere-se às
sucessivas e evolutivas fases pelas quais o espírito humano passou ao longo da história (ARON,
2002, p. 87): teológica, na qual a ocorrência de fenômenos é atribuída a seres ou forças que são
comparáveis ao próprio homem; metafísica¸ na qual esses fenômenos são atribuídos a entidades
abstratas, como a natureza; e positiva, na qual “o homem se limita a observar os fenômenos e a
Internacionais, foco do presente trabalho, a discussão sobre o tema ganha contornos muito particulares que serão
expostos oportunamente. Sobre esse ponto, ver Neufeld (1995).
5
Ressalte-se que a emergência do positivismo comteano não pode ser dissociado do ambiente social no qual ele
emerge, qual seja, o da Revolução Industrial. Isto se faz importante o porque a história por si seja capaz de
oferecer uma explicação segura do presente nem tampouco as bases para se predizer o curso da hisria humana
(POPPER, 2005), mas sim porque nossas ideias, conceitos e percepções são historicamente moldados. É preciso,
pois, que se tenha claro quais situações moldaram nossa visão de mundo numa determinada época para que se possa
fazer um avaliação crítica da mesma.
15
fixar relações regulares que podem existir entre eles, seja num momento dado, seja no curso do
tempo; renuncia a descobrir as causas dos fatos e se contenta em estabelecer as leis que os
governam.” (ARON, 2002, p.87).
Ainda nas palavras do próprio Comte, no seu Curso de Filosofia Positiva,
O espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia
a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos
fenômenos, para preocupar-se em descobrir, graças ao uso bem combinado do
raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de
sucessão e similitude. (COMTE, 1988, p.4. Itálicos adicionados).
Comte (1988) identifica, pois, uma lei fundamental
6
que governa o desenvolvimento
humano a partir da qual o autor deriva as leis dos três estados e da classificação das ciências
no sentido exposto anteriormente. Segundo ele, essa lei é solidamente estabelecida, quer na base
de provas racionais fornecidas pelo conhecimento da nossa organização, quer na base de
verificações históricas resultantes dum exame atento do passado (COMTE, 1988, pp.3-4.
Itálicos adicionados).
Cabe uma explicação acerca do método combinado positivista: ao estabelecer uma lei
fundamental que serve de base para as leis dos três estados e da classificação das ciências, Comte
(1988) estabelece as condições de entrada do indutivismo na filosofia do conhecimento, ao menos
enquanto um corpo coerentemente estabelecido de regras de conhecimento da realidade
7
. Para o
positivismo comteano, um conhecimento é real se for baseado em fatos observados. E é
justamente o acúmulo de dados obtidos por meio da observação que permite a construção de
teorias. Por outras palavras, a experiência de observação a base segura que permite o
conhecimento científico permite ao cientista generalizar a partir de algumas afirmações
singulares desde que obedecidas as seguintes condições (CHALMERS, 1993, p. 26): primeiro, a
de que o número de proposições de observação que forma a base da generalização deve ser
grande; segundo, as observações devem ser repetidas sob uma ampla variedade de condições; e,
finalmente, nenhuma proposição de observação deve conflitar com a lei universal derivada.
6
A expressão é do próprio Comte, empregada no seu Curso de Filosofia Positiva.
7
Dizemos isso porque um olhar atento sobre a história da filosofia pode revelar que filósofos como David Hume e
Francis Bacon – este confessadamente um marco para o surgimento do espírito positivista” na história (v. COMTE,
1988, p.8) revela que o indutivismo aparece como um modo de abordar a realidade. A posição defendida aqui
estabelece que apenas com Auguste Comte o indutivismo recebe um tratamento sistemático.
16
Apesar das críticas
8
a essa maneira específica de generalizar, o princípio da indução
9
,
modo específico desse processo, tornou-se o fundamento do indutivismo adotado pelo
positivismo, na medida em que Comte (1988, p.5) vale-se do empiricismo calcado na observação
como critério seguro de acesso à realidade. Uma vez que o cientista siga as condões do
princípio da indução é cito inferir leis e teorias (universais) a partir de observações
(particulares). Chalmers (1993) assim sintetiza o princípio: “se um grande número de As foi
observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos esses As observados possuíam sem
exceção a propriedade B, então todos os As têm a propriedade B.” (CHALMERS, 1993, p.27).
Entretanto, o indutivismo não se resume à mera indução. Sabe-se até o momento que para
o indutivismo teorias fundam-se em observações, mas elas precisam de alguma generalização
um agregado de leis a partir da qual se possa deduzir a explicação. Isso permite, pois, a
incorporação do raciocínio dedutivo ao indutivo. Segundo Comte (1988), se não vinculássemos
de imediato os fenômenos a algum princípio, “(...) não apenas nos seria impossível combinar
essas observações isoladas e, por conseguinte, tirar daí algum fruto, mas seríamos inteiramente
incapazes de retê-los; no mais das vezes, os fatos passariam despercebidos aos nossos olhos.”
(COMTE, 1988, p.5).
Diante desse quadro, vê-se porque o indutivismo não se resume à mera indução: ele é,
pois, uma combinação de um processo indutivo e de outro dedutivo, nessa ordem
10
. É justamente
o raciocínio dedutivo que permite ao cientista fazer explicações e previsões a partir das teorias
(empiricamente) formuladas.
Desse modo, é possível dizer-se também que o positivismo comteano é indutivista ao
incorporar aqueles dois raciocínios na sua epistemologia. Por outras palavras, a lei fundamental
do positivismo guarda um caráter eminentemente indutivista, pois, ela é fruto de observações das
trajetórias das várias sociedades bem como das diversas ciências e ainda permite que se suponha
ou preveja que caminho as sociedades e ciências atrasadas” seguirão (via lei dos três estados e
8
Para um contato abrangente e mais acessível com essas críticas, remeto o leitor a Chalmers (1993). Para um
aprofundamento, ver, especialmente, Popper (1999; 2004a)
9
Princípio esse que nos leva a uma justificação de uma afirmação universal por meio de um salto indutivo dado a
partir de afirmações singulares.
10
É importante ressaltar que a ordem desses procedimentos, quais sejam, a formulação de leis e teorias via indução a
partir de fatos observados e a formulação de previsões e explicações a partir daquelas leis e teorias via dedução,
importa, sob pena de, caso ela o seja seguida, estarmos diante de outro procedimento que não o indutivismo.
Chalmers (1993, p.28) expõe graficamente o argumento indutivista da ciência ao qual remeto o leitor.
17
da classificação das ciências). Assim sendo, sempre que se utiliza as expressões demonstrar e
provar, no âmbito do positivismo, é cito afirmar que demonstração e prova estão ligadas ao
entendimento indutivista
11
do conhecimento científico, visto que, sempre a observação será feita
por meio de uma teoria totalmente embasada na empiria. Para o positivista, portanto, todo
conhecimento é conhecimento provado (LAKATOS, 1999a).
Concomitantemente, a classificação das ciências acompanha a lei dos três estados. Para
Aron (2002), “no pensamento de Comte, a lei dos três estados só tem um sentido rigoroso quando
combinada com a classificação das ciências” (ARON, 2002, p.87. Itálicos adicionados). Assim, o
fazer científico também acompanha a evolução do espírito humano, de modo que é possível
esperar que esse empreendimento nos vários donios de conhecimento caminhará para a
maneira de pensar positiva, ainda que não percorra e chegue ao estado positivo simultaneamente.
de chegar a ele em obediência a uma ordem invariável e necessária dada por uma lei
fundamental (COMTE, 1988, p.8).
Comte (1988) destaca que já se observa a maneira de pensar positiva nas quatro
categorias de fenômenos naturais – astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos – mas o mesmo
não ocorre em disciplinas cujo objeto é “mais complexo” (ARON, 2002, p.88). Segundo ele, os
fenômenos sociais ainda adotam os métodos teológico e metafísico como meio de investigação e
argumentação, mas de se esperar que a maneira de pensar positiva se imponha também sobre
essa quinta categoria de fenômenos fundando, com isso, a física social
12
(COMTE, 1988, p.9).
Ao se impor sobre essa área, poder-se-ia dizer que o positivismo cumpriria seu caráter
universalista e substituiria definitivamente as filosofias teológica e metafísica.
Importante notar um aspecto: para Comte, a sociedade do século XIX estava em crise
justamente por se tratar de um momento de transição de uma ordem histórica teológico-militar
para uma ordem científico-industrial
13
(ARON, 2002; COMTE, 1988). E é justamente dessa
contradição entre uma ordem que está a desaparecer e outra nascente que aquele autor estabelece
a lei dos três estados e, mais, a emprega para o ramo científico. A partir da caracterização desse
momento, Comte pretende demonstrar sua lei fundamental de que
11
Ressalte-se: indução + dedução, nessa ordem.
12
A física social se juntaria à física celeste, terrestre e orgânica enquanto categorias de conhecimento.
13
Daí a necessidade se enquadrar Comte historicamente, a saber, no seio da Revolução Industrial.
18
Cada uma das nossas concepções principais, cada ramo dos nossos conhecimentos passa
sucessivamente por três estados históricos diferentes (...). Em outros termos, o espírito
humano, por sua própria natureza, emprega sucessivamente, em cada uma de suas
investigações, três métodos de filosofar cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo
radicalmente oposto (...). Daí três sortes de filosofia, ou de sistemas gerais de
concepções sobre o conjunto dos fenômenos, que se excluem mutuamente: a primeira é
o ponto de partida necessário da inteligência humana, a terceira, seu estado fixo e
definitivo; a segunda está destinada unicamente a servir de transição. (COMTE, 1988,
p.4. Itálicos adicionados.).
O trecho expõe o cerne da discussão: o momento de contradição seria superado com o
advento de uma sociedade industrial-científica. Note-se, contudo, que a superação da contradição
não se pelo choque de classes como suporia um Karl Marx, por exemplo. Para Comte, a
superação é algo imanentemente humano. Tal posição pode ainda ser sustentada na medida em
que aquele autor trata a lei fundamental como uma necessidade do espírito humano
14
(COMTE,
1988, p.9) que não pode conservar-se o mesmo numa determinada área do conhecimento se
noutra já ganhou “novo andamento filosófico” (COMTE, 1988, p.9), qual seja, o positivo.
Ora, se o espírito humano e as sociedades em geral tendem a um determinado fim, o
mesmo pode ser dito acerca da maneira de filosofar: o estado científico ou positivo de
prevalecer sobre os demais em todas as áreas do conhecimento. É possível, pois, uma ciência
positiva social: a sociologia, ou a sica social que cumpre a função de compreender o devir
histórico inevivel (ARON, 2002, p. 86) na medida em que a inevitabilidade de uma ordem
científico-industrial não se realiza simultaneamente em todas as sociedades. Desse modo, é com a
lei dos três estados combinada com a classificação das ciências que Comte espera provar que, no
âmbito da própria ciência, a maneira de pensar da matemática e da física deve imperar também
nas ciências do homem.
Entretanto, as páginas anteriores o encerram a discussão sobre o positivismo. O que foi
colocado serve, até o momento, para caracterizar parte do positivismo histórico (DOMINGUES,
2004; MOULINES, 1986). O importante agora passa a ser a fundamentação epistemológica do
positivismo, principalmente sua aplicação nas ciências sociais diante dessa localização histórica.
Isto se dá por dois motivos: primeiro porque toda a discussão proposta para a dissertação
fundamenta-se, de um lado, em entendimentos precisos do que seja positivismo, indutivismo,
14
Lembremos que Comte (1988) consegue trazer a ideia de necessidade e de progresso para a discussão ao
considerar o espírito humano como uno, reconhecível e definível em qualquer sociedade em qualquer tempo (cf.
ARON, 2002). E é justamente essa posição que permite falar-se do caráter definitivo do positivismo na discussão
feita acima.
19
racionalidade, por exemplo, e, de outro, na crítica feita ao próprio positivismo enquanto filosofia
da ciência; segundo porque nas Relações Internacionais criou-se uma auto-imagem que se define
em torno do positivismo, seja enquanto modelo científico a ser seguido, seja enquanto modelo a
ser criticado (WIGHT, 2006). Existe nas RI, e nas Ciências Sociais em geral (ALEXANDER,
1987; HOLLIS e SMITH, 1990), a tendência de se fazer do positivismo um diabo” ou uma
caricatura” (DOMINGUES, 2004) de modo a criticá-lo mais facilmente.
As consequências de se adotar essas posições são prontamente visíveis: perde-se a
perspectiva histórica do positivismo e, por conseguinte, a localização e dimensão das suas
críticas. Por isso mesmo, é um erro considerar que toda perspectiva que se apresenta como
científica é positivista ou mesmo que haja unidade entre as perspectivas positivistas. Pensar de
outra maneira pode levar à consideração de que a ciência é, em si mesma, ruim e que, por
conseguinte, axiologicamente, apenas posições críticas devem ser adotadas. Essa afirmação é
central, o porque ela seja moralmente importante. O problema aqui não é normativo no sentido
de uma atribuão de um ‘dever-ser’ a um estado de coisas. Nesse ponto da discussão, o que é
relevante é o fato de que o empreendimento científico passa a ser considerado um mal em si
mesmo que precisa ser descartado, fruto de uma “caricatura” do positivismo que é adotada a
priori.
Do ponto de vista intelectual, essa posição é, no mínimo, desonesta: caso se queira dar
algum tratamento sério à ciência, em qualquer donio, é preciso que se adote uma postura que
não a prostre ex ante nem, tampouco, que a deifique como fizeram os positivistas. Uma revisão
na abordagem científica para se evitar tais excessos implica responder: é possível defender uma
posição científica não positivista? E ainda, é possível estabelecer um critério de avaliação
racional de teorias em RI? As respostas, contudo, o são tão simples. Responder “sim” ou
“nãoa qualquer uma delas pode revelar alguns compromissos daquele que está a respondê-las e
traz algumas consequências do ponto de vista analítico. Por outras palavras, no caso das RI,
defendemos a posição de que as auto-imagens reforçam um entendimento equivocado do “fazer
científico e do positivismo
15
, particularmente num sentido que apresenta o debate sobre o
positivismo como epistemológico, sendo, de fato, normativo. Utiliza-se aqui a hipótese de que é
possível responder afirmativamente às indagações a partir de um redimensionamento de algumas
questões epistemológicas que concernem o campo das RI, especialmente o “debate” que se
15
Argumento que também é defendido por Neves-Silva (2007) e por Smith (1995), por exemplo.
20
convencionou chamar de positivista e spositivista. Essa tarefa envolve, pois, mapear as
discussões positivistas visto que são elas a fonte de alguns equívocos do campo.
Cumpre ressaltar de antemão, antes de qualquer análise mais técnica, que essa discussão
proposta para as RI é feita do ponto de vista metateórico. As diferentes definições de metateoria
(CHERNOFF, 2007; ELMAN e ELMAN, 2003; NEUFELD, 2005) apontam para um aspecto
basal da mesma: a escolha de teorias
16
e os fundamentos do nosso conhecimento. Essa discussão
torna-se particularmente crítica para as RI tendo em vista a formação e consolidação do campo
em torno dos chamados grandes debates
17
(SMITH, 1995; NEVES-SILVA, 2007), cujo
desenrolar gerou a crença de que cada debate imprimiu um avao científico (KAHLER, 1997).
Para Neves-Silva (2007), parte substantiva dos dilemas que convulsionam o campo de RI está
relacionada a um parti pris que sugere que “a consolidação da disciplina de Relações
Internacionais encontraria nesses debates não suas balizas, mas também, em larga medida, o
seu sentido” (NEVES-SILVA, 2007, p.1)
18
.
Entretanto, uma posição metateórica, evidencia que os referidos debates não ocorreram,
ao menos não com a intensidade e autoconsciência a eles atribuídas pela historiografia tradicional
do campo. No máximo ocorreu (...) uma troca post-factum conduzida por epígonos” (NEVES-
SILVA, 2007, p.5)
19
, mas não debate ou diálogo. Neves-Silva (2007) afirma que os constantes
embates entre as correntes teóricas do campo de RI podem ser entendidos por meio da figura da
antilogia, para a qual para um argumento, sempre existe outro de igual força. Ora, na medida em
que as forças dos argumentos são sempre equilibradas, tem-se um espaço no qual emergem o
discurso e as auto-imagens do campo em torno de um constante debate que é reconstruído
continuamente (NEVES-SILVA, 2007)
20
.
16
Do ponto de vista lakatosiano, fala-se não de teorias, mas de séries de teorias. Assim, ao menos a partir dessa
perspectiva, o problema da escolha volta-se para programas de pesquisa científico rivais. Ver Lakatos (1999a;
1999b).
17
Entre os autores do campo, não existe consenso quanto ao número desses debates: Lapid (1989) fala em três
debates, Wæver (1996; 1997) fala em quatro.
18
Tradução nossa de: (...) the consolidation of the discipline of International Relations would find in these debates
not only their landmarks, but as well, and to a good extent, its sense”.
19
Tradução nossa de: “(...) a post-factum exchange conducted by epigones”.
20
Foge do escopo do presente trabalho reconstruir a emergência desse discurso dominante.
21
O chamado Terceiro Debate (LAPID, 1989) sugere um traço importante das RI: a ideia de
incomensurabilidade
21
atrelada ao paradigmatismo
22
de Lapid (1989). Essa ideia permitiu ao
campo criar a sua imagem pluralista (WÆVER, 1996) na medida em que três tradições – realista,
pluralista e marxista – deveriam conviver no mesmo campo já que
Cada [paradigma] viu um lado da realidade que era importante mas que poderia ser
expresso apenas da sua perspectiva, que não poderia ser traduzido para os outros dois,
nem incluídos numa grande síntese. A disciplina, assim, ficou, em certa medida, mais
rica por ter três vozes, mas também potencialmente em risco de fragmentação.
(WÆVER, 1996, p.155. Itálicos adicionados)
23
.
Assim como a antilogia permite a criação um espaço em que a imagem em torno de
debates é constantemente renovada (NEVES-SILVA, 2007), a ideia de incomensurabilidade
desempenha uma função conservadora (WÆVER, 1996). Como bem afirma GUZZINI (apud
WÆVER, 1996), ela tornou-se uma bem recebida barreira contra quaisquer críticas e uma boa
maneira de legitimação para a rotina científica. ‘Não me critique, nós falamos línguas
diferentes.’” (GUZZINI apud WÆVER, 1996, p.158)
24
. Diante dessa situação, é possível
perceber porquê foi afirmado anteriormente que os ditos debates efetivamente não ocorreram. Ao
fim e ao cabo, durante os clássicos debates do campo, foi sempre possível a algum protagonista
proteger-se de uma crítica recorrendo à incomensurabilidade
25
.
21
Ideia essa que pode ser atribuída a Kuhn (2005).
22
Sinteticamente, o que esem jogo é a ideia de que construtos mais duradouros e de maior escala (paradigmas
segundo a perspectiva kuhniana, programas de pesquisa científica segundo a lakatosiana e tradição de pesquisa
segundo a laudaniana) – eo teorias isoladas – são as unidades de produção, acumulação e conservação do
conhecimento (LAPID, 1989, p.239). Esses construtos passam a integrar e até mesmo se definir a partir de seus
componentes temáticos. Emerge dessa posição a dificuldade de estabelecimento de um procedimento de avaliação
válido no nível paradigmático. Assim, o argumento lapidiano caminha para a defesa do perfil interparadigmático
dos debates teóricos internacionais.
23
Tradução nossa de: “Each saw a side of reality that was important but could only be told from its perspective, not
translated into the other two, nor subsumed in some grand synthesis. The discipline was thus in some sense richer for
having all three voices, but also potentially in danger of fragmenting”.
24
Tradução nossa de: “’It became a welcomed barrier against any critique and a good legitimation for scientific
routine. ‘Don’t criticise me, we speak differente languages’”.
25
Cabe ressaltar um ponto: o argumento de que as RI conviveriam com três paradigmas é, nos moldes kuhnianos,
insustentável. O caráter esotérico da ciência normal, voltada para a resolução de quebra-cabeças, pressupõe, para
Kuhn (2005), a existência de um único paradigma. Desse modo, a concorrência de três “paradigmas” as aspas são
propositais revela não uma situação de ciência normal em RI, mas de pré-ciência (GUZZINI, 1998). Contudo, um
problema conceitual, dentre os vários que o conceito de paradigma enseja na obra de Kuhn (2005), logo aparece: se
paradigma emerge num ambiente de ciência normal e em RI vivenciamos um momento de pré-ciência (GUZZINI,
1998), logo, os três entes os quais convencionou-se chamar de paradigmas” não são paradigmas, ao menos do ponto
de vista kuhniano. Essa situação revela a maneira imprecisa de emprego dos conceitos em RI. Para uma discussão
22
Desse modo, as RI fundam-se numa base frágil no que tange os debates. Wight (2002),
numa discussão acerca do fazer científico do campo, afirma que, ao olhá-lo, vê “(...) uma
disciplina que é estruturada ao redor de um conjunto de profundas contestações sobre a própria
ideia de ciência e a medida em que as RI podem e devem ser uma ciência” (WIGHT, 2002, p.
23)
26
. Essas contestações às quais aquele autor alude, referem-se ao contínuo ataque que os
fundamentos da disciplina recebem por parte de seus protagonistas (NEVES-SILVA, 2007). A
consequência dessa situação é a rarefação das discussões epistemológicas que são, na verdade,
normativas. Isso o significa que a disciplina não dê importância àquelas discussões. O ponto de
interesse aqui é outro: é a maneira pela qual aquelas discussões são feitas. Por outras palavras, os
protagonistas do campo, ao situarem os debates teóricos em torno de questões epistemológicas
27
,
fazem-no de forma travestida, rarefazendo o conteúdo epistemológico daquelas questões em prol
de posições normativas.
crítica a respeito desses aspectos da obra de Kuhn (2005), remeto o leitor ao volume editado por LAKATOS e
MUSGRAVE (1999), especialmente o capítulo escrito por Margaret Masterman sobre alguns aspectos do conceito
de paradigma. De resto, a própria noção de incomensurabilidade de paradigmas mostra-se insustentável segundo
Laudan (1977; 1996). Kuhn (2005) argumentou que não haveria uma língua neutraa partir da qual poder-se-ia
traduzir os termos de uma teoria ou programa de pesquisa nos termos de outra(o) ou os conceitos de um paradigma
nos termos do outro. Isto porque as teorias científicas, na acepção kuhniana, definem os seus próprios termos
teóricos (LAUDAN, 1977) de modo que não haveria um critério racional a partir do qual se poderia avaliar os
méritos de paradigmas: o critério passa ser o de consentimento da comunidade (KUHN, 2005, p.128) baseado no
convencimento pela persuasão que em última instância fundamenta-se em critérios pessoais e subjetivos (KUHN,
2005, p.247). Para Laudan (1977), a falha desse argumento esem supor que uma escolha racional entre teorias ou
programas de pesquisa exija ou uma linguagem teórica neutra ou a tradução da linguagem de uma teoria para outra.
O simples ato de dizer que duas posões são incomensuráveis supõe a comensurabilidade das mesmas. Se assim
não fosse, argumenta Laudan (1996, p.10), como seria possível, por exemplo, afirmar que a teoria do flogisto
enfrentou problemas que a química de Lavoisier o resolveu ou que a mecânica cssica enfrenta problemas o
resolvidos pela teoria da relatividade? O compartilhamento de problemas empíricos, elemento que a continuidade
na empresa científica (v. LAKATOS, 1999a; 1999b; LAUDAN, 1977), está no centro da disputa entre teorias
diferentes. Por outras palavras, diferentes teorias (incomensuráveis no sentido kuhniano) enfrentam problemas
(empíricos) semelhantes. Isto se em função dos termos nos quais o problema é caracterizado. Depende, pois, da
aceitação de uma gama de assunções teóricas necessárias para caracterizar o problema (LAUDAN, 1977) de modo
que a caracterização do problema não se confunde com sua solução. Assim sendo, “(...) na medida em que as
assunções teóricas necessárias para caracterizar o problema são diferentes das teorias que tentam resolvê-lo, então
é possível mostrar que teorias explicativas rivais estão voltadas para o mesmo problema. (LAUDAN, 1977, p.143.
Itálicos no original. Tradução nossa). Ademais, a tradução interteórica (intertheory translation) reivindicada por
Kuhn (2005) não é sinônimo de comparação teórica (LAUDAN, 1996) o que gera a possibilidade de se discutir
racionalmente a progressividade de teorias ou programas rivais ainda que se suponha a incomensurabilidade das(os)
mesmas(os) em termos das visões de mundo que eso em jogo. Por tudo isso, o argumento de incomensurabilidade
mostra-se insustentável.
26
Tradução nossa de: “(...) I see adiscipline that is structured around a set of deep contestations over the very idea of
science itself and the extent to which IR can, and should, be a science.”.
27
Neves-Silva (2007, p.4), apresenta uma lista de alguns problemas epistemológicos atinentes às RI.
23
Para Cochran (1999), “toda teoria em Relações Internacionais é teoria normativa”
(COCHRAN, 1999, p.1)
28
na medida em que tais teorias assumem algum critério de seleção e
interpretação dos dados, bem como para estabelecer a importância da pesquisa. A dificuldade de
se reconhecer essa afirmação conduz a algumas distorções no que se refere às relações entre
normatividade e epistemologia.
O sentido de normativo, tal como exposto por Cochran (1999), envolve um “(...) critério
de julgamento ético na potica mundial (...)e a busca por (...) princípios compartilhados para
uma inclusão moral expandida e uma reconstrução social na prática internacional” (COCHRAN,
1999, p.2)
29
. O reconhecimento da necessidade de se discutir questões normativas em RI
entretanto, se faz de uma maneira equivocada e coloca essas mesmas discussões numa
encruzilhada decorrente da historiografia teórica das RI. A necessidade da ampliação da inclusão
moral, particularmente com a partir dos anos 1960 com os trabalhos da Escola Inglesa em torno
de uma ética de coexistência (COCHRAN, 1999) que se apresenta com ideias de respeito mútuo
e tolerância, conduziu a um caminho de centralidade de questões normativas, que no limite é
pura ontologia. Nesse caso, a ideia de normatividade está aliada aos referidos conceitos de
respeito mútuo e tolerância. A existência de uma variedade de argumentos normativos, tais como
o cosmopolita, comunitarista, feminista e pós-modernista (COCHRAN, 1999) decorre da
inexistência de discussões acerca de como fundamentar essas mesmas posições. O argumento
exposto por Cochran (1999), a partir de um pressuposto utilizado por Andrew Linklater, sugere
que a normatividade advinda dessas posições só seria possível ou alcançável se os agentes
internacionais(...) tiverem a capacidade de superar os constrangimentos que o neorrealismo
imputa à anarquia.” (LINKLATER apud COCHRAN, 1999, p.3)
30
. Por outras palavras, aquela
variedade de argumentos normativos repousa sobre o fundamento de que as RI precisam criar um
modus vivendi que supere o auto-interesse instaurado pela anarquia internacional. Eles
apresentam, portanto, possibilidades de convivência.
Esse mesmo argumento coloca o segundo caminho da encruzilhada: no limite, razões de
ordem puramente epistemológica, ligadas à necessidade de se estudar as RI enquanto um
28
Tradução nossa de: “All theory in International Relations is normative theory.”.
29
Tradução nossa de: “(…) the criteria of ethical judgment in world politics (…) e “(…) shared principles for
extended moral inclusion and social reconstruction in international practice.”.
30
Tradução nossa de: “(…) the capacity to overcome the constraints which neo-realism imputes to anarchy.”.
24
domínio de conhecimento específico que tem sua própria dinâmica, imporiam uma
marginalidade às questões normativas. Imputa-se ao realismo potico e, em certa medida, ao
institucionalismo neoliberal a pouca importância dada à normatividade da vida internacional e
um apego muito grande à questões teóricas e epistemológicas.
Se essa encruzilhada existe, ela é equivocada e decorre da historiografia teórica do campo.
Ela polariza questões que, na verdade estão ligadas. Quando se disse que tal historiografia
apresentava-se a partir de uma rarefação de questões epistemológicas, não se estava e nem se está
a defender o abandono da normatividade rumo à pura epistemologia, mas sim expondo a maneira
pela qual os debates se constituíram. Por outras palavras, a constatação da normatividade ou do
excesso de normatividade do campo não impõe o seu abandono, mas sim a necessidade de
submetê-la às discussões epistemológicas das quais o podem ser separadas. As RI precisam
encontrar um espaço e um critério de julgamento ético, como afirma corretamente Cochran
(1999). Entretanto, essa necessidade não se impõe às expensas da epistemologia.
Desse modo, compartilhamos das preocupações expostas por Cochran (1999), para quem
a maneira pela qual as questões normativas são apresentadas importa no momento de se
fundamentar e justificar determinada posição ontológica. Isso significa que os fundamentos
epistemológicos precisam ser explicitados tendo em vista sua dupla implicação para as discussões
normativas: primeiro, mostra que epistemologia e normatividade estão ligadas e, segundo,
permite a crítica enquanto tarefa científica.
Cochran (1999) assim constata a situação das discussões normativas do campo:
ao focar na maneira de se determinar as prioridades ontológicas a respeito de indivíduos
e comunidades, a teoria normativa de RI não trabalhou teoricamente as assunções
epistemológicas que fundamentam suas prioridades ontológicas, e são precisamente
essas assunções epistemológicas que são a fonte do impasse entre cosmopolitas e
comunitaristas. (COCHRAN, 1999, p.15)
31
.
Pode-se ampliar o raciocínio e afirmar que a maneira pela qual os debates teóricos se
apresentam nas RI decorre justamente da ausência de “trabalho epistemológicoe, além disso, as
discussões normativas, tal como se apresentam, encontrariam seu sentido nessa ausência de
31
Tradução nossa de: “In focusing on how to determine ontological priorities regarding individuals and
communities, normative IR theory has left untheorized the epistemological assumptions which ground their
ontological priorities, and it is precisely these epistemological assumptions that are the source of impasse between
cosmopolitans and communitarians.”.
25
discussões epistemológicas, ou seja, faz pouco sentido discutir queses puramente normativas
resumidas a ideias de respeito tuo e tolencia porque aquelas não discutem seus fundamentos
epistemológicos
32
.
Essa normatividade evidencia-se por meio de uma atribuição por negação (NEVES-
SILVA, 2007): passa-se a atribuir ao oponente aquilo que ele não é, ou ainda, aquele que sustenta
uma posição passa a atribuir determinada pecha ao oponente ou teoria porque esse oponente ou
teoria é contrário àquela sustentada por quem a atribui. Diante desse quadro, aquilo que se chama
debate” ou “diálogo” não o é porque não se “enfrenta o oponente”; apenas nega-se-lhe a
pretensão à verdade.
A proposta de uma discussão metateórica faz com que a epistemologia tenha um lugar de
destaque. Isto porque o que se busca são os fundamentos e compromissos das teorias,
evidenciando as nossas possibilidades de conhecimento. Note-se que esse foco está para além
das teorias em si no que tange os seus objetos e métodos. Ao enfatizar a importância dos
fundamentos e compromissos teóricos cria-se um novo espaço para discussão, esse sim, de
verdadeiro debate acerca das possibilidades e limites das teorias. A metateoria permite, pois, que
se discuta as visões do nosso conhecimento. Contudo, esse conhecimento mesmo não é foco da
discussão metateórica (ELMAN e ELMAN, 2003). Do ponto de vista da hipótese aventada por
Neves-Silva (2007),
a partir do momento em que o espaço para um debate para além das teorias é aberto, não
apenas a redescrição dessas teorias é possível, mas também o debate sobre seus
fundamentos e compromissos. Em outras palavras, a emergência do “debate
metateórico” suspende a regra de antilogia e permite o crescimento do campo das
Relações Internacionais. (NEVES-SILVA, 2007, p.5)
33
.
O que foi apresentado até o momento lança as bases para as respostas das duas questões
levantadas anteriormente. Pensa-se que as discussões epistemológicas do campo, afora toda sua
rarefação, são marcadas por um entendimento equivocado do que seja o positivismo. Isso
contribui para uma visão bastante peculiar do campo: toda a discussão epistemológica é marcada
32
A partir desse ponto, este trabalho rompe com o argumento exposto por Cochran (1999): sua defesa das questões
normativas segue o caminho do pragmatismo filosófico exposto, por exemplo, por Richard Rorty o qual o
subscrevemos aqui, tendo em vista os fundamentos do nosso argumento.
33
Tradução nossa de: “(...) from the moment the space for a debate beyond theories is open, not only the
redescription of these is made possible but also the debate about assumptions and commitments. In other words, the
emergence of the “meta-theoretical debate” suspends the rule of antilogy and allows for setting up the field of
International Relations”.
26
por um debate dito entre positivistas e póspositivistas. Entretanto, um levantamento bibliográfico
sobre o tema mostrará que não consenso entre esses termos, o objeto e o escopo do debate
(HOLLIS, 1996; NEUFELD, 1995; NICHOLSON, 1996; RYTÖVUORI-APUNEN, 2005;
RUSU-TODOREAN, [s/d]; SMITH, 1995; 1996; VASQUEZ, 1995; WIGHT, 2006). Apesar de
diferenças de ênfase, essa bibliografia busca superar o positivismo que se crê dominante nas RI
(SMITH, 1996) e encontrar uma forma de fazer ciência póspositivista. Essa passagem do
positivismo para o póspositivismo mostra-se probletica justamente pela ausência de rigor
epistemológico. A discussão metateórica proposta é capaz de mostrar que o entendimento que se
tem desses termos é equivocado e gera distorções analíticas e, ainda, mostra que vários
protagonistas que se supunha ter posições opostas compartilham, na verdade, de uma mesma
posição. Senão vejamos.
Tendo em vista o objetivo do presente trabalho
34
, um mapeamento do positivismo
histórico logo põe em pauta alguns problemas. O positivismo comteano, exposto na primeira
parte dessa discussão, foi um movimento temporalmente delimitado tendo em vista o baixo
número de seguidores capazes de levar adiante essa filosofia. Nas palavras de Giddens (1997), o
positivismo [comteano] morreu com o encolhimento dos grupos de discípulos que resistiram até
o Festival da Humanidade celebrado em Londres, em 1881.” (GIDDENS, 1997, p.178. Itálicos
adicionados).
Portanto, 1881 é uma data importante, pois serve de baliza para se determinar os limites
temporais do positivismo comteano e demonstrar que aquilo que genericamente se chama de
positivismo o é o tipo puro” comteano, mas sim um positivismo histórico, do qual
participam outros autores, como Emile Durkheim, Rudolf Carnap, Moritz Schlick, Otto Neurath,
Herbert Feigl, dentre outros, esses últimos compondo o chamado Círculo de Viena. Aliás, como
destaca Giddens (1997), a difusão do positivismo, deve-se muito mais à influência de Durkheim e
do rculo de Viena com o chamado positivismo ou empirismo lógico do que das ideias do
próprio Comte.
Ora, se é possível apresentar um positivismo histórico, a despeito das características
próprias que cada um desses momentos apresentou, então é possível isolar algumas
caractesticas comuns, definidoras do positivismo como filosofia da ciência. Três são as
34
Neves-Silva (2007) discute detidamente, do ponto de vista metateórico, o sentido do debate entre positivistas e
póspositivistas em RI trazendo um sentido preciso do que seja Teoria Crítica. O objetivo deste trabalho é ir além
dessa posição e mostrar alguns desdobramentos do debate.
27
principais características (NEVES-SILVA, 2007): o fenomenalismo que se evidencia pela busca
de leis que explicam as relações entre fenômenos
35
, o que implica a adoção do chamado princípio
humeano da causação; o verificacionismo, “entendido como a estratégia que atribui verdade à
situação na qual o sentido das proposições é verificado a partir de suas condições de observação,
o que leva à adoção de uma teoria de verdade por correspondência (NEVES-SILVA, 2007,
pp.7-8)
36
e a uma posão neutra com relação à observação; e o redutivismo, “entendido como o
procedimento que estabelece que um elemento numa classe de objetos pode, sem prejuízo, ser
tomado em termos de outra classe, particularmente, que processos podem ser reduzidos a
eventos” (NEVES-SILVA, 2007, p.8)
37
, o que possibilita a adoção de um modelo dedutivo-
nomológico.
Essas três características determinam o lugar do positivismo na filosofia da ciência.
Entretanto, uma característica marca as ciências sociais em geral, e as RI em particular: a
dificuldade de reconhecer a existência de variantes do positivismo e, por isso mesmo, tomar o
indutivismo como traço definidor dessa corrente. Um olhar metateórico sobre a questão mostra
que o positivismo comteano não é o mesmo dos outros. positivismos o indutivistas, como
aquele apresentado pelo positivismo lógico. A dificuldade de reconhecer essas nuanças faz com
que sempre se associe positivismo a indutivismo. É preciso ter claro que variações há e que,
contudo, isso não coloca o indutivismo em uma posição marginal, visto que o redutivismo, ou
seja, a ideia de que é possível reduzir uma classe de fenômenos a outra, é o espaço onde ele pode
35
Comte (1988, p.4) deixa claro essa posição ao afirmar que “(...) no estado positivo, o espírito humano,
reconhecendo a impossibilidade de obter nões absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a
conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem
combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, suas relações invariáveis de sucessão e similitude. A
explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre
os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número e progresso da ciência tende cada vez mais a
diminuir”. Em Durkheim a mesma situação ocorre. Giddens (1997, p.179) ao comentar aquele autor afirma que para
Durkheim, “o objetivo da sociologia era chegar à formulação de princípios que tivessem o mesmo status objetivo
que as leis científicas. (...) Toda ciência, afirmava Durkheim, inclusive a sociologia, avança lenta e
cautelosamente pela generalização paciente por indução, com base em regularidades observadas nos fatos sociais”.
Do mesmo modo, no Círculo de Viena tal ideia está presente. Para Ernst Mach, o “elo” entre o positivismo de Comte
e o positivismogico, “o conhecimento cienfico era ‘relativo’ no sentido de Comte; o objeto da ciência era
descobrir relações entre os fenômenos.” (GIDDENS, 1997, p. 183).
36
Tradução nossa de: understood as the strategy which attribute truth to the situation in which the sense of
propositions is verified starting from their conditions of observation, which implies the adoption of a theory of truth
by correspondence (...)”.
37
Tradução nossa de: “understood as the procedure which establishes that an element in a class of objects can,
without any loss, be taken in terms of another class, particularly, that processes can be reduced to events”.
28
se manifestar. Entretanto, o redutivismo que reduz eventos singulares a uma lei de eventos
38
que é o cerne do indutivismo é apenas uma das possibilidades, não a única. Contra essa
posição, positivistas como Schlick, Carnap, por exemplo,construíram o seu positivismo. É
preciso ter claro esse problema, pois o reconhecimento do papel do indutivismo marca um
momento de inflexão na filosofia do conhecimento, principalmente a partir de Karl Popper (1999;
2004a; 2006).
algum equívoco na leitura que se faz das ideias de Popper, muito devido à sua suposta
vinculação ao rculo de Viena. Ele não foi membro do Círculo, mas teve sua obra,
especialmente A lógica da pesquisa científica, discutida pelos membros do grupo. Convencionou-
se associar o nome de Popper ao rculo, o que gera a suposição errada de que todos eles
compartilham das mesmas posições
39
.
Em RI, a situação o é diferente, como o argumento levantado por Smith (1996) sugere.
Esse autor, ao traçar uma história do positivismo, destaca três variantes. A primeira é a de
Auguste Comte, a segunda está ligada ao positivismo lógico e a terceira se mostra um
desdobramento do positivismo lógico que, segundo Smith (1996, p.15), teve grande influência
sobre a literatura das ciências sociais e das RI. Citando Christopher Lloyd, Smith (1996) sintetiza
quatro características dessa variante: o logicismo que defende o argumento de que a confirmação
de teorias científicas deve seguir os cânones da lógica dedutiva; o verificacionismo empírico que
afirma que são científicas as afirmações empiricamente verificáveis ou falsificáveis; a defesa
da distinção entre teoria e observação, ou seja, a visão de que existe uma estrita separão entre
observações e teorias, sendo que as observações são vistas como teoricamente neutras” (SMITH,
1996, p.15)
40
e a teoria humeana de causação segundo a qual o estabelecimento de relações
causais é uma questão de descobrir os relacionamentos invariantes entre eventos observados
41
.
Mais adiante, Smith (1996) afirma que
38
Promovendo, pois, o chamado salto indutivo.
39
Giddens (1997, p.201-202), por exemplo, aponta alguns pontos de contato e de afastamento entre Popper e o
positivismo lógico.
40
Tradução nossa de: “the view that there is a strict separation between observations and theories, with observations
being seen as theoretically neutral.
41
Note-se como essas questões se aproximam da formulação comteana conforme visto em nota, anteriormente.
Por outras palavras, a ideia de que a descoberta de leis efetivas do universo, bem como de suas relações invariáveis
de sucessão e similitude é possível graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação (COMTE, 1988) tem
uma nítida aproximação com a teoria humeana da causação. É a partir dessa teoria que, para Comte, deve-se entender
a relação dos fenômenos.
29
Essa visão foi extremamente importante nas ciências sociais, em que a ortodoxia dos
anos 1950 e 1960 foi de tentar aplicar as ideias dos principais proponentes dessa visão,
Carnap, Nagel, Hempel e Popper, para as novatas disciplinas das ciências sociais.
(SMITH, 1996, p.15. Itálicos adicionados)
42
.
A posição exposta por Lloyd e defendida por Smith (1996) é simplesmente inconsistente
com Popper (1999; 2004a; 2006). Toda a obra de Popper constitui um esforço de derrubar a tese
anunciada por Lloyd (apud Smith, 1996) na sua terceira característica de uma das vertentes
positivistas que afirma existir uma separação entre teoria e observação ou de que observações são
teoricamente neutras. Em O conhecimento objetivo, no apêndice intitulado “O balde e o holofote:
duas teorias do conhecimento”, Popper (1999) faz a seguinte observação: sempre uma
observação é precedida por um interesse em particular, uma indagação, ou um problema em
suma, por algo teórico” (POPPER, 1999, p.314). Em A lógica da pesquisa científica, o autor
afirma que
Em poucas palavras, entendo que nossa linguagem comum está cheia de teorias; que a
observação é sempre uma observação à luz de teorias; que só o preconceito indutivista
leva as pessoas a pensarem em uma possível linguagem fenomênica, livre de teorias,
distinguível de uma “linguagem teórica” (...). (POPPER, 2004a, p.61, n.1. Itálicos no
original).
Por fim, em Conjecturas e Refutações, Popper (2006) argumenta que (...) toda
observação envolve interpretação à luz do nosso conhecimento teórico, ou que o conhecimento
puramente observacional, não adulterado pela teoria, seria, imaginando que tal era possível,
absolutamente estéril e inútil” (POPPER, 2006, p.43).
As citações bastam para apontar a inconsistência do argumento exposto por Smith (1996).
A epistemologia popperiana marca um momento importante da filosofia do conhecimento por
derrubar o argumento de que é possível adquirir conhecimento por mera indução. Popper (1999;
2004a) solucionou, pois, o chamado problema da indução, através de uma argumentação que
rigorosamente desloca a indução para uma posição acessória na ciência
43
. Afirmou-se que o
indutivismo fundamenta-se na indução e na dedução. Ora, se toda observação é precedida por
uma teoria que a orienta, não há como falar em separação de teoria e observação; não há
42
Tradução nossa de: “This view was extremely important in the social sciences, where the orthodoxy of the 1950s
and 1960s was one of trying to apply the ideas of the main proponents of this view, Carnap, Nagel, Hempel and
Popper, to the fledgling social science disciplines”.
43
Para um contato com os argumentos, veja-se, principalmente, Popper (1999; 2004a).
30
conhecimento puramente observacional. Aquele autor supera uma concepção indutivista de
ciência. Nesse sentido, pode-se dizer que Popper (1999; 2004a; 2006) é pós-indutivista.
Interessante notar que, do ponto de vista metateórico, uma vez que se assume que o traço
distintivo do positivismo é o indutivismo, como parecem fazer alguns tricos de RI, então
poder-se-ia dizer que Popper também é póspositivista.
A despeito desses equívocos com relação ao tratamento dispensado ao positivismo, esses
problemas são recorrentes em RI. Kauppi e Viotti (1999), numa discussão sobre o tema, também
ligada a um entendimento equivocado de Popper, assim discutem alguns aspectos da obra de
Waltz (1979)
44
:
Um exemplo no estudo das relações internacionais de uma ciência social positivista em
funcionamento é o esforço de Kenneth Waltz de oferecer uma teoria da política
internacional mais formal. Para Waltz, teorias explicam leis”. (KAUPPI e VIOTTI,
1999, p. 17)
45
.
Após essa afirmação, aqueles autores citam um longo trecho do primeiro capítulo de
Theory of International Politics em que Waltz (1979) estabelece os critérios de teste de teorias
46
e
concluem afirmando que o positivismo que Waltz deve a Popper é claro no último comentário
que enfatiza a importância da falseabilidade no teste de teorias e hipóteses inferidas a partir
delas” (KAUPPI e VIOTTI, 1999, p.18)
47
. O interessante desse trecho é, primeiro, a afirmação de
que Waltz é um positivista e, segundo, que tal positivismo é uma herança popperiana. Com
relação a esse segundo ponto, Kauppi e Viotti (1999), numa nota feita logo ao final do trecho
citado, afirmam que Waltz (1979) deixa claro a influência popperiana em seu pensamento na
página 123 de sua obra. Segundo esse autor,
Testar teorias, obviamente, sempre significa inferir expectativas, ou hipóteses, dessas
teorias e testar essas expectativas. Testar teorias é uma tarefa difícil e sutil, feita apenas
pela interdependência de fato e teoria, pela difícil relação entre realidade e teoria
44
Gostaríamos de ressaltar que a inclusão de Waltz nesse momento da discussão faz-se por questões meramente
ilustrativas. O fato de ele ser um dos autores centrais da dissertação, juntamente com Alexander Wendt, não impede
que aventemos algumas inconsistências de interpretações de sua obra com o propósito de ilustrar o argumento aqui
defendido.
45
Tradução nossa de: “One example in the study of international relations of a positivist social science at work is the
effort of Kenneth Waltz to offer a more formal theory os international politics. To Waltz, ‘theories explain laws.’”.
46
Veja-se Waltz (1979, p.13).
47
Tradução nossa de: “The positivism Waltz owes to Popper is clear in the last comment that underscores the
importance of falsifiability in the test of theories and hypotheses drawn there from.”.
31
enquanto instrumento para a sua apreensão. (WALTZ, 1979, p.123-124. Itálicos
adicionados)
48
.
É inegável a influência de Popper na obra de Waltz (1979). Aliás, todo o seu capítulo 1,
está voltado para uma concepção popperiana de ciência, ainda que do ponto de vista
metodológico seja possível sustentar uma posição lakatosiana
49
. Todavia, o julgamento do status
positivista de Waltz precisa ser qualificado a partir da posição do próprio Popper. Se se assume
que Popper é póspositivista por ser pós-indutivista, então Waltz (1979), ao assumir
compromissos popperianoscomo a interdependência entre teoria e observação – estaria a adotar
uma posição pós-indutivista de ciência e, portanto, póspositivista.
Por sua vez, diante da perspectiva metateórica, ao apresentar as correntes do positivismo
histórico, foi dito que o caráter distintivo das reiteradas posições positivista não é o indutivismo,
mas uma conjunção de ts características: fenomenalismo, verificacionismo e redutivismo. É por
essas características que se deve, pois, avaliar a posição popperiana, especialmente em vista de
sua aproximão e afastamento do positivismo lógico. Se se assume que Popper (1999; 2004a,
2006) mantém essas três características, então é licito dizer que ele é um positivista, não
indutivista por um lado, ctico do positivismo lógico por outro, mas ainda assim, positivista. O
que dizer de Waltz? Poder-se-ia dizer que sua posição é positivista, fruto de sua inflncia
popperiana. Contudo, de se pensar numa hipótese que se afasta de Popper (1999; 2004a;
2006), embora seja por ele admitida: a sua metodologia falsificacionista – verificacionista,
fundamentalmente não é a única compatível com sua visão de ciência. Por outras palavras,
pensa-se que é possível encontrar uma metodologia não verificacionista e, portanto, em mais de
um sentido não-positivista, que seja compatível com uma ciência pós-indutivista. Lakatos (1999a;
1999b) busca fazê-lo e na medida em que obtiver sucesso nesse empreendimento, será possível
defender uma posição o-positivista de ciência.
A resposta à segunda indagação é possível estabelecer um critério de avaliação
(racional) de teorias, especialmente em RI? está diretamente ligada à primeira e exige um
pouco mais de elaboração, visto que ela emerge de um debate travado, no âmbito da filosofia do
conhecimento, entre Karl Popper, Thomas Kuhn e Imre Lakatos. A importância de um critério
48
Tradução nossa de: “testing theories, of course always means inferring expectations, or hypotheses, from them and
testing those expectations. Testing theories is a difficult and subtle task, made so by the interdependence of fact and
theory, by the elusive relation between reality and theory as an instrument for its apprehension.”.
49
Essa tese será exposta e defendida oportunamente.
32
racional de avaliação de teorias, do ponto de vista metateórico, será demonstrada a partir dos
argumentos sustentados por Lakatos (1999a; 1999b).
Diante do exposto, o debate entre positivistas e spositivistas em RI, tal como
empreendido pela grande maioria dos textos da área, fica enfraquecido uma vez que emergem
questões eminentemente epistemológicas como as aventadas acerca do lugar do positivismo
historicamente, bem como do lugar de alguns autores nessa intenção positivista.
2.2 Uma ciência não positivista? As relações entre Karl Popper e o Círculo de Viena
A primeira seção, ao estabelecer um quadro metateórico para as discussões
epistemológicas em RI, colocou um problema crítico ligado à localização de Karl Popper nas
discussões positivistas. Tal autor encontra-se na interseção de duas importantes discussões
filoficas uma com o Círculo de Viena e outra com a chamada Teoria Crítica ligada à Escola
de Frankfurt, particularmente, o debate travado com Theodor Adorno em torno da chamada
querela do positivismo – que precisam ser esclarecidas. O estabelecimento de um critério que alie
ao mesmo tempo cientificidade e racionalidade e que permita discutir os usos de Lakatos e o
entendimento que se constrói em torno desses usos em RI deve partir do esclarecimento da
posição popperiana no marco dos problemas aventados na seção anterior, especialmente em vista
de sua aproximação e afastamento do positivismo lógico
50
.
50
Não se discute, contudo, a relação de Popper com a Escola de Frankfurt em torno da chamada querela do
positivismo travada com Adorno. A Sociedade de Sociologia alemã realizou em Tübingen, no ano de 1961, um
evento para debater os fundamentos epistemológicos do positivismo e da dialética (FREITAG, 2004, p.43). O debate
não se encerrou nas discussões daqueles dois autores, obtendo, pois, ampla aceitação por parte de positivistas e
teóricos críticos (FREITAG, 2004). Sobre esse ponto, Wiggershaus (2006) destaca o papel desempenhado,
especialmente, por rgen Habermas na defesa e no avanço das ideias adornianas sobre a questão. Foram, contudo,
Popper e Adorno quem estabeleceram os termos iniciais da querela. Em linhas gerais, o primeiro autor apresentou
vinte e sete teses sobre a lógica das ciências sociais (ver POPPER, 2004b) a partir das quais Adorno teceu seus
comentários (ver ADORNO, 1999). As teses refletem diretamente seu entendimento epistemológico apresentado em
A lógica da pesquisa científica. Adorno afirma que Popper é um positivista, tendo em vista, segundo ele, a
preponderância da metodologia científica apegada à lógica formal e situacional no processo do conhecimento
(FREITAG, 2004). Existe, pois, um princípio fetichizado da lógica imanente (ADORNO, 1999, p.111) que
determina o lugar do positivismo na filosofia da ciência especialmente em Popper, mas também em Max Weber
uma vez que o respeito ao método permite ao observador fazer ciência neutra” e objetiva” e aproximar-se da
verdade (FREITAG, 2004, p.47). Para Adorno, ao hipostasiar “(...) ao controle científico o sujeito cognoscente (...)
como topos noeticos (...)” (ADORNO, 1999, p.114-115), o positivista adota uma posição subjetiva e não objetiva do
uso da razão. Isto desconsidera que “(...) a ciência, incluída a lógica formal, não é apenas força social produtiva, mas
33
A dimensão histórica do positivismo (DOMINGUES, 2004; MOULINES, 1982) permite
traçar sua trajetória e verificar as origens do positivismo lógico no final dos anos 1920 e no início
dos 1930. O ano de 1881 marca o limite do positivismo comteano tal como defendido por
Giddens (1997). Entretanto, de 1881 a 1929, o positivismo não desapareceu, ou seja, não um
salto do positivismo comteano para o lógico. Isto torna importante a tarefa de compreender a
passagem até a emergência do empirismo lógico no âmbito do Círculo de Viena.
Segundo Moulines (1982), a despeito da polissemia que o conceito enseja, é possível
traçar uma linha de desenvolvimento histórico tendo em vista o fato de que o positivismo é muito
mais uma atitude que um sistema filofico (MOULINES, 1982, p.306). Esse sistema, enquanto
aspiração de uso metodológico para todos os ramos da ciência, foi conseguido com Comte
(1988). Não obstante esse fato, o positivismo mudou sua atitude ao longo dos tempos, sendo,
portanto, o comteano diferente do lógico.
Tomando-se o positivismo lógico como um marco, uma historiografia apontaria
sinteticamente para três fases anteriores a ele (MOULINES, 1982): um protopositivismo, de
origem francesa, anterior a Comte, do culo XIII até o XIX; o positivismo clássico de Auguste
Comte e seus discípulos, da metade do século XIX; e o positivismo crítico, de origem alemã
fundamentalmente, do final do século XIX até a consolidação do rculo de Viena.
A seção anterior expôs os fundamentos do argumento comteano que, na classificação de
Moulines (1982), constitui o centro da segunda fase. A posição de Comte, voltada para uma
sistematização filofica em torno de uma lei fundamental que determina o curso da história
igualmente relação social de produção.” (ADORNO, 1999, p.112). Assim sendo, continua Adorno, qualquer
tentativa de separação entre valor e neutralidade no marco de um empreendimento científico - social, especialmente -
já é uma valoração de que algo verdadeiro (científico) é melhor do que algo falso (não-científico, pré-científico) e,
portanto, “a análise de quaisquer teoremas plenos de conteúdo das ciências sociais precisaria tocar seus elementos
axiológicos, mesmo que os teoremas não os justifiquem.” (ADORNO, 1999, p.181). Ao “tocar seus elementos
axiológicos” a sociologia evidenciaria seu elemento crítico, colocando em análise as teorias, conceitos e hipóteses
utilizadas para representar e analisar a sociedade contemporânea (FREITAG, 2004). A crítica permite, pois, o
conhecimento ao questionar o próprio conhecimento. Evidencia-se nessa posição a dimensão dialética do
conhecimento, já que ela é capaz de abarcar os elementos de contradição e de transformação contidos num conceito
(FREITAG, 2004), situação abominada por um positivista na acepção adorniana. A dialética permite que não se
separe o conhecimento do processo de vida real e que, ao mesmo tempo, se evidencie sua autonomia como uma
derivação de sua função social (ADORNO, 1999). Desse modo, para Adorno, essa ambiguidade conflitante com o
princípio da não-contradição da ciência ou da lógica científica seria equacionada pelo pensamento dialético: “(...) a
ciência seria autônoma, e não o seria.” (ADORNO, 1999, p.113). A presente dissertação o adotará a crítica
adorniana como fundamento do entendimento da filosofia de Karl Popper. Reconhece-se a importância de tal
discussão em torno da ideia de positivismo, mas tendo em vista os objetivos deste trabalho, o foco passa a ser como
aquele autor oferece uma concepção distinta de ciência. Crê-se que essa tarefa pode ser alcançada a partir da relação
daquele autor com o Círculo de Viena.
34
humana e a classificação das ciências, foi amplamente criticada pelas posições subsequentes.
Como sintetiza Moulines,
A aversão a todo sistema filosófico, incluindo um de tipo positivista, e a suspeita de que
os fundamentos da ciência são muito mais duvidosos do que se quer admitir,
características que já se insinuam em alguns protopositivistas do século XVIII,
ressurgirão com força renovada entre os positivistas críticos alemães do último terço do
culo XIX, sobretudo pelo seu porta-voz mais eminente, Ernst Mach. (MOULINES,
1982, p.314. Tradução nossa. Itálicos adicionados.)
51
.
Ernst Mach é considerado o ponto de ligação entre essas fases (GIDDENS, 1997;
HALLER, 1996; MOULINES, 1982). Esse autor escreve num momento peculiar da ciência cujo
impacto sobre o combate à metasica será distinto daquele proposto por Comte. No limite, trata-
se de impor um limite entre a ciência e não-ciência
52
, entre a ciência e a metafísica. Tanto o
positivismo comteano quanto o lógico estão preocupados em algum grau com uma superação da
metasica enquanto possibilidade de conhecimento: Comte, por um lado, reivindica uma
superação quase que natural da metafísica tendo em vista a imanência de uma natureza humana
capaz de progredir; para o positivismo lógico, por outro, a naturalidade comteana é substituída
pela sua negação: nega-se a pretensão de sentido da metafísica. Nessa mudança de atitude, Mach
desempenhou um papel fundamental.
No século XIX, as ciências naturais, especialmente a física, enfrentavam problemas
conceituais, a partir de uma reconsideração da menica newtoniana. A termodinâmica
desenvolveu-se a partir de conceitos que eram estranhos à sica newtoniana dominante,
desafiando, pois, os fundamentos conceituais e epistemológicos da mecânica. O ponto central de
divergência para aqueles que se dedicavam ao tema residia num
(...) ceticismo com relação à mecânica, a qual logo será um componente essencial do
positivismo crítico. Para ele, parecia muito duvidoso o valor das explicações mecânicas
51
Tradução nossa de: “La aversíon a todo sistema filosófico, incluindo un sistema de corte positivista, y la sospecha
de que los fundamentos de La ciencia son mucho más dudosos de lo que se quiere admitir, características que ya se
insinuan en algunos proto-positivistas del XVIII, resurgirán com renovada fuerza en los positivistas críticos alemanes
del último Tercio del XIX, sobre todo en su portavoz más eminente, Ernst Mach.”.
52
Note-se que esse é o ponto central da crítica de Popper: ele está preocupado com o estabelecimento de um critério
nítido entre ciência e não-ciência, mas estabelecerá um critério que se afasta, em alguma medida, do positivismo
lógico como será visto adiante.
35
de fenômenos não mecânicos (eletromagnetismo, fenômenos térmicos), que era o
objetivo básico da maioria dos cientistas da época. (MOULINES, 1982, p.316)
53
.
Assim, criticava-se a pretensão da mecânica de explicar todo e qualquer fenômeno
natural. Mach influenciou essa crítica ao recuperar o fundamento da hipótese comteana, pois para
ele em especial, não compete à ciência descobrir as causas dos fenômenos (situação que os afasta
da sica newtoniana centrada no conceito de força como elemento analítico central), mas sim
descrevê-los de maneira mais precisa possível (MOULINES, 1982). Isto permitiria, no caso da
física, afastar as obscuridades dos conceitos de causa e tendência que estão sempre associados ao
conceito de força. Por outras palavras, o conceito de força, que para a mecânica newtoniana é
central na explicação do movimento dos corpos, é obscurecido pelas ideias de causa (dos
movimentos) e de tendência (em permanecer em determinado estado).
Diante de obscuridades conceituais, Mach e outros propunham um princípio de economia
conceitual: quanto mais simples os conceitos empregados, melhores serão as descrições. Isto
justifica o uso de conceitos abstratos (MOULINES, 1982, p.317), mas se, e somente se, eles
puderem ser reduzidos a conceitos empíricos básicos. Tem-se, pois, o espaço para o surgimento
do redutivismo
54
: ao dizer que os conceitos abstratos podem ser reduzidos à empiria, estabelece-
se classes de equivalência a partir das quais um conceito pode ser reduzido a outro. No limite,
essa redução será uma tautologia tendo em vista os desdobramentos conceituais feitos a partir das
premissas estabelecidas. Entretanto, para Mach, a redução o encontra amparos somente na
redução de conceitos, mas também na experiência (MOULINES, 1982, p.318). Ela é o
fundamento a partir do qual se podem descrever fenômenos. Esse autor busca, portanto, “(...)
determinar as relações de dependência entre os fenômenos e de eliminar toda a obscuridade
metasica” (MACH apud MOULINES, 1982, p.318. Itálicos no original.)
55
. Por outras palavras,
pode-se dizer que a experiência pode nos ensinar diretamente (MOULINES, 1982) porque os
fenômenos guardam uma relação de dependência que podem ser acessadas a partir de sua análise
conceitual.
53
Tradução nossa de: “(...) El escepticismo con respecto a la mecánica, el cual luego será un componente esencial
del positivismo crítico. Le parecía muy dudoso el valor de las explicaciones mecánicas de fenómenos no mecánicos
(electromagnetismo, fenómenos térmicos), que era el objetivo básico de la mayoría de los científicos de la época”.
54
Redutivismo esse que não reduz eventos singulares a uma lei de eventos como no indutivismo comteano.
55
Tradução nossa de: “(...) determinar las relaciones de dependencia entre los fenómenos y de eliminar toda
oscuridad metafísica”.
36
Ressalte-se que essa relação entre conceitos e empiria, entre conceitos e observação será o
ponto de distanciamento do positivismo lógico em relação ao comteano. É preciso notar, contudo,
que em Mach, na sua tentativa de solucionar um problema da sica, se encontram os
fundamentos da posição adotada pelo Círculo de Viena. Não por acaso, Ernst Mach é um
precursor desse movimento, situação reconhecida pelos próprios membros do grupo no
panfleto que expôs a chamada concepção científica do mundo em 1929 (v. CARNAP, HAHN,
NEURATH, 1986). Segundo os autores do panfleto,
Nesta atmosfera liberal viveu Ernst Mach (nascido em 1838), que estivera em Viena
como estudante e ‘Privatdozent’ (1861-64), e para lá voltou somente em idade avançada,
quando lhe foi criada uma cátedra especial de filosofia das ciências indutivas (1895).
Mach esforçou-se especialmente por purificar a ciência empírica, e em primeira linha a
física, de ideias metafísicas. Lembrem-se sua crítica ao espaço absoluto, que o tornou
precursor de Einstein, a luta contra a metafísica da coisa-em-si e do conceito de
substância, bem como suas investigações sobre a construção dos conceitos científicos a
partir de elementos últimos, os dados dos sentidos. (...) A atuação dos físicos Mach e
Boltzmann em uma cátedra filosófica torna compreensível o fato de reinar vívido
interesse pelos problemas epistemológicos e lógicos ligados aos fundamentos da física.
Tais problemas de fundamentos conduziram igualmente a esforços pela renovação da
lógica. (...) Estas influências provenientes de diferentes flancos tiveram por
consequência o fato de quem em Viena, especialmente desde a virada do culo, um
grande número de pessoas discutia frequente e calorosamente problemas em estreita
ligação com a ciência empírica. (CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986, pp.7-8).
Toda essa discussão que se mostra crítica a Comte influenciou decisivamente a última
fase do positivismo (MOULINES, 1982). Veja-se, por exemplo, a influência de Mach sobre
Rudolf Carnap (MOULINES, 1982; RYCKMAN, 1996)
56
e sobre Moritz Schlick (CARNAP,
HAHN, NEURATH, 1986). De certa forma, a grande maioria dos autores dorculo a receberam
em alguma medida, ainda que de forma indireta. O sico alemão Heinrich Hertz demonstra em
seu Princípios da Matemática sua influência machiana. Sua diferenciação entre questões
apriorísticas e questões empíricas seria mais tarde uma das características do positivismo lógico
56
Segundo Moulines, “Esta é, em definitivo, a mesma empresa, cuja realização formal e efetiva se dedicou Carnap
quarenta anos mais tarde em seu Logische Aufbau der Welt, com a única diferença (ainda que essencial) de que
Carnap dispunha de um instrumento do qual Mach carecia completamente: a lógica dos Principia Mathematica
(MOULINES, 1982, p.323). Para Ryckman, “a ciência se distingue da metafísica não pelo fato de perseguir
essências (Wesenprobleme) mas somente por problemas de coordenação (Zuordnungsprobleme), i.e., de determinar
quais objetos ou objetos-tipo estão associados em cada relação. Isso foi enfatizado especialmente por Mach, e em
várias oportunidades Carnap repete as críticas de Mach de que a ciência busca somente dependências funcionais
fixas.” (RYCKMAN, 1996, p.152).
37
(MOULINES, 1982). Tem-se, com isso, as várias possibilidades de entrada da concepção crítica
do século XIX num grupo de teóricos vienenses no século XX
57
.
A orientação fundamental do Círculo é a ciência livre de metafísica (CARNAP, HAHN,
NEURATH, 1986, p.9). Para o grupo, não há problemas insolúveis, o que significa que “o
esclarecimento de problemas filosóficos tradicionais conduz a que eles sejam parcialmente
desmascarados como pseudoproblemas e parcialmente transformados em problemas empíricos
sendo assim submetidos ao juízo das ciências empíricas.” (CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986,
p.10). A tarefa da filosofia consiste no esclarecimento de proposições, de modo que só terão
validade para a ciência os juízos submetidos à ciência empírica. Contrario sensu, só serão
científicos os enunciados capazes de se submeterem ao juízo das ciências empíricas.
A passagem de problemas filoficos a problemas empíricos submetidos ao juízo das
ciências empíricas é possibilitada pela análise lógica dos enunciados. Nesse ponto talvez resida a
grande diferea entre os positivismos em discussão.
Para Carnap, Hahn e Neurath (1986) existem dois tipos de enunciados: os enunciados da
ciência empírica e os vazios de significação. O sentido
58
dos primeiros pode ser obtido por meio
da redução a enunciados mais simples sobre o que é dado empiricamente (CARNAP, HAHN,
NEURATH, 1986). Sobre o problema do dado, Schlick (1988) defende que a afirmação “somente
o dado é realcarece de sentido. Por outras palavras, Schlick e o Círculo de Viena não defendem
a ideia de que o dado é a medida de todas as coisas. O dado tem relevância para essa corrente
enquanto possibilidade de verificação ou constatação de enunciados. Nas palavras de Schlick,
(...) um enunciado tem um sentido indicável, se fizer alguma diferença verificável o
fato de ser ele verdadeiro ou falso. (...) Ora, uma diferença constatável só existe se for
uma diferença encontvel no próprio dado, uma vez que constatável significa
57
É preciso fazer a ressalva de que, tendo em vista a gama de autores que se pode incluir no rótulo “positivista
lógico”, não se fará aqui uma discussão exaustiva do tema visto que isso implicaria cotejar as diferentes posições dos
autores de modo a aferir seus pontos de contato e de distanciamentos. Essa tarefa foge dos objetivos da dissertação,
visto que o que importa agora é caracterizar o centro do pensamento desse grupo ainda que se possam constatar
variações entre seus membros de modo a se ter claro como esse positivismo lógico é, ao mesmo tempo, um
distanciamento do comteano e ainda positivismo. Toma-se como marco do positivismo lógico a publicação do
panfleto A concepção científica do mundo o Círculo de Viena [Wissenschaftiche Weltauffassung der Wiener Kreis]
(v. CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986) em 1929, embora reconheçamos que os autores envolvidos nesse
movimento desenvolviam trabalhos antes da publicação do panfleto. Neste documento, os autores defendem uma
visão científica do mundo capaz de purificar a ciência empírica das ideias metafísicas.
58
Tratamos aqui sentido e significação como equivalentes apesar de estarmos cientes de que distinções possam ser
feitas. Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de Filosofia em verbete sobre o tema, mostra como esses conceitos
apresentam nuanças. Fazemos essa observação em nota porque essa equivalência torna-se crítica em Wittgenstein
(2008) e, em larga medida, no positivismo lógico.
38
indubitavelmente nem mais nem menos do que “capaz de ser identificado no dado.
(SCHLICK, 1988, p.45. Itálicos no original. Grifos adicionados).
Com essa posição, o positivismo lógico rompe com a posição indutivista do positivismo
comteano. A ideia de uma lei fundamental que governa o desenvolvimento humano, estabelecida
a partir do uso combinado do raciocínio e da observação (COMTE, 1988) nada diz ao
positivismo lógico. O argumento de que essa lei impõe a sucessão de três etapas para a superação
da metafísica funda-se num uso da realidade que nada diz ao empirista lógico. Isto porque “(...) o
sentido de uma proposição obviamente não depende de as circunstâncias nas quais nos
encontramos em determinado momento permitirem ou impedirem a verificação efetiva.”
(SCHLICK, 1988). Por outras palavras, o sentido de uma lei dos três estados não é determinado
indutivamente pelo bom uso da razão e da observação da hisria humana, mas sim pelas suas
possibilidades lógicas que encontram no dado o seu sentido. O dado comteano, por si , nada
diz. É metasica.
Essa situação abre espaço para o segundo tipo de enunciado: os vazios de significação. Na
medida em que determinado enunciado não puder ser verificado logicamente com base na
empiria, ele carecerá de sentido e será, portanto, metasico. Segundo Carnap, Hahn e Neurath
(1986), a arte, a música e a poesia são os meios mais adequados de expressão desse tipo de
enunciado. A ciência vale-se de uma roupagem verbal
59
(CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986).
Foi dito anteriormente que o interesse recai sobre dois tipos de enunciados: os enunciados
da ciência empírica e os vazios de significação. Tendo em vista o que foi exposto, pode-se
afirmar que interessa para a ciência aqueles enunciados dotados de conteúdo fático e, portanto,
verificáveis logicamente. Tudo mais é metafísica. Carnap, Hahn e Neurath (1986, p.12) afirmam
que a concepção científica do mundo orienta-se por duas determinações: primeiro, ela é empirista
e positivista, ou seja, conhecimento é conhecimento dado pela possibilidade lógica do mesmo que
determina o seu sentido; segundo, o material empírico é analisado pelo método lógico
60
mediante
uma redução gradativa de cada conceito a “(...) conceitos de grau nimo, que se relacionam
59
É essa roupagem verbal que permite a inflncia de Wittgenstein (WITTGENSTEIN, 2008) no Círculo. A relação
entre realidade, linguagem e pensamento pode ser considerada o centro dessa obra que acaba influenciando o Círculo
de Viena. Certamente aqui a influência é a do chamado primeiro Wittgenstein, de Tractatus Logico-Philosophicus
publicado em 1921. O afastamento da posição contida nessa obra caracterizando um segundo Wittgenstein é
apresentado posteriormente em Investigações Filosóficas, obra publicada em 1953, postumamente.
60
A lógica adotada pelo Círculo é a lógica formal ou simbólica voltada para a estrutura do raciocínio.
39
com o próprio dado(CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986, p.12). É isso que Schlick (1988)
chama de verificação: “todo enunciado tem sentido na medida em que é possível fazer sua
verificação; exprime aquilo que é verificado, nada mais fora disto.” (SCHLICK, 1988, p.46.
Itálicos no original). Assim sendo, a impossibilidade de verificação é lógica
61
e o real, ou seja,
se não se pode verificar um enunciado não é porque ele seja empiricamente inviável, mas sim
logicamente inviável. E termina Schlick (1988) afirmando que “o que é impossível
empiricamente, permanece cogitável e portanto possível. Ao contrário, o que é logicamente
impossível, é contraditório e por conseguinte nem sequer pensável. (SCHLICK, 1988, p.46.
Itálicos no original).
Diante dessas duas determinações, interessam para a ciência os enunciados capazes de
serem verificados. Alfred Jules Ayer afirmou que apenas dois tipos de enunciados – no marco da
ciência empírica e, portanto, longe de serem destituídos de sentido submetem-se a esse critério:
os empíricos ou factuais e as tautologias ou formais (MILNE, 1987). Nas palavras de Ayer,
Dizemos que uma sentença é factualmente significante a uma dada pessoa se, e somente
se, ela souber como verificar a proposição que ela pretende expressar ou seja, se ela
souber quais observações a levariam, sob certas condições, a aceitar a proposição como
sendo verdadeira, ou rejeitá-la como sendo falsa. Se, por outro lado, a suposta
proposição é de tal maneira que a assunção de sua verdade, ou falsidade, é consistente
com qualquer assunção qualquer que seja seu entendimento sobre a natureza de sua
experncia futura, então, ela é, se não for uma tautologia, uma mera pseudo-proposição.
A sentença que a expressa pode ser emocionalmente significante para a pessoa; mas ela
não é literalmente significante. E com relação às questões o procedimento é o mesmo.
Nós indagamos em cada caso que observações nos conduziriam a uma resposta para a
questão, de uma maneira ou outra; e, se nada puder ser descoberto, devemos concluir
que a sentença em consideração não expressa uma questão genuína, embora sua
aparência gramatical sugira fortemente que ela o faz (1946, p.35). (AYER apud MILNE,
1987, pp.90-91)
62
.
Sobre as tautologias, Ayer afirma:
61
Afirmação que demonstra uma influência de Wittgenstein (2008).
62
Tradução nossa de: We say that a sentence is factually significant to any given person, if, and only if, he knows
how to verify the proposition it purports to express that is, if he knows what observations would lead him, under
certain conditions, to accept the proposition as being true, or reject it as false. If, on the other hand, the putative
proposition is of such a character that the assumption of this truth, or falsehood, is consistent with any assumption
whatsoever concerning the nature of his future experience, then, as far as he is concerned, it is, if not a tautology, a
mere pseudo-proposition. The sentence expressing it may be emotionally significant to him; but it is not literally
significant. And with regard to questions the procedure is the same. We enquire in every case what observations
would lead us to answer the question, one way or the other; and, if none can be discovered, we must conclude that
the sentence under consideration does not, as far as we are concerned, express a genuine question, however strongly
its grammatical appearance may suggest that it does. (1946, p.35).
40
Creio que podemos preservar a relevância lógica da distinção de Kant entre proposições
sintéticas e analíticas, e evitando ao mesmo tempo as confues que danificam sua
consideração real sobre isso, se dizemos que uma proposição é analítica quando sua
validade depende somente das definições dos símbolos que ela contém, e sintética
quando sua validade é determinada por fatos da experiência. (AYER apud MILNE,
1987, p.91)
63
.
As tautologias referem-se a questões formais ligadas às consequências lógicas de nossas
convenções linguísticas (MILNE, 1987). Elas são passíveis de verificação tendo em vista a auto-
contradição que sua negação implica
64
. Caso sua negação não implique em contradição então a
afirmação será falsa
65
(MILNE, 1987). Sendo analíticas, portanto, as tautologias apenas
desdobram conhecimento contido nas definições e encontram sua verificação na possibilidade
de auto-contradição. Assim sendo, os enunciados empíricos encontram sua validade
empiricamente e os tautológicos nos critérios formais.
Ressalte-se que Ayer não foi o único a estabelecer essa distinção entre enunciados
empíricos e tautologias para as ciências. Ela já está presente no panfleto de 1929 quando Carnap,
Hahn e Neurath afirmam que
A concepção científica do mundoo admite um conhecimento incondicionalmente
válido a partir da razão pura, “juízos sintéticos a priori (...). A tese fundamental do
empirismo moderno consiste exatamente na recusa da possibilidade de conhecimento
sintético a priori. A concepção científica do mundo admite apenas proposições
empíricas sobre objetos de toda espécie e proposições analíticas da lógica e da
matemática. (CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986, pp.11-12. Itálicos adicionados).
É este o mapa do positivismo lógico. Os últimos argumentos permitem encerrar o
raciocínio acerca da superação da metafísica nessa corrente de pensamento e como ela se
distancia de Comte. A afirmação anterior de que uma lei dos três estados o faz sentido para o
positivista lógico e que, portanto, ela não faz parte do domínio científico liga-se ao argumento de
que tal lei não é nem verificável empiricamente salvo por indução nem é uma tautologia.
Com isso, eles rompem com a visão indutivista comteana, que para o rculo será metasica
63
Tradução nossa de: “I think we can preserve the logical import of Kant’s distinction between analytic and synthetic
propositions, while avoiding the confusions which mar his actual account of it, if we say that a proposition is analytic when its
validity depends solely on the definitions of the symbols it contains, and synthetic when its validity is determined by the facts of
experience.”.
64
Um exemplo: um triângulo não tem três lados.
65
Caso em que se pudesse admitir realmente que um triânguloo tem três lados.
41
visto que ou ela é indutivamente gerada ou então não se pode afirmar sua origem. Para os
membros do rculo não se pode fiar um argumento na mera indução porque não se pode supor
aprioristicamente que determinadas regularidades ocorrem. Segundo Carnap, Hahn e Neurath
(1986), o indutivismo é valido na medida em que regularidades existem, “(...) mas a reflexão
epistemológica exige que se conceda significação a uma inferência indutiva apenas na medida em
que possa ser empiricamente examinada.” (CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986, p.15. Itálicos
adicionados). Com esse argumento, o positivismo lógico amplia o olhar” científico sobre a
realidade. Existem, portanto, positivismos não indutivistas. Nos termos propostos por Neves-
Silva (2007), as ideias do Círculo de Viena, ainda que estejam distante do positivismo comteano,
podem ser chamadas de positivistas por manterem os traços distintivos de verificacionismo,
redutivismo e fenomenalismo.
Tem-se, diante desse quadro positivista, a possibilidade de se analisar a posição de Karl
Popper atentando, especialmente, para seu afastamento do positivismo lógico e como esse
movimento cria uma nova visão da ciência (pós-indutivista, fundamentalmente) que se distancia
de aspectos positivistas. A discussão ora feita esclarece a ideia recorrente nas Ciências Sociais e
nas RI de que o positivismo refere-se, basicamente, a verificacionismo e indutivismo. Como foi
dito anteriormente, há positivismos não indutivistas que abalam aquele argumento. A questão é
que o positivismo que chega até aquelas áreas do conhecimento recebe algo dos positivismos
comteano e, por isso mesmo, tende a reconhecer o indutivismo como o seu traço distintivo.
Perde-se a dimensão histórica que apresenta outras possibilidades de positivismos. As
caractesticas do positivismo nas RI apresentadas por Smith (1995, pp.15-16) demonstram como
elas apresentam traços comteano e lógico: a crença na unidade das ciências, a distinção entre
teoria e observação, a crença na existência de regularidades nos mundos social e natural e uma
epistemologia empiricista voltada para a falsificação ou validação empírica.
Desse modo, Waltz (1979) quando fundamenta seu fazer científico numa crítica ao
indutivismo a ilusão indutivista, segundo ele está escrevendo em meio ao entendimento de
que o indutivismo é um dos tros distintivos do positivismo. É válido dizer isso de Waltz (1979)
não porque aquela distinção seja certa como as páginas anteriores demonstram, mas sim porque
ele recebe essa influência de uma tradição sociológica que toma a distinção como definidora do
42
positivismo
66
. Desse modo, é licito dizer que aqueles que criticam o indutivismo são, por isso
mesmo, pós-indutivistas e, ao mesmo tempo, póspositivistas. Ressalte-se: póspositivistas por
entenderem que uma das marcas do positivismo é o indutivismo.
Entretanto, tomar essa distinção pelo valor de face elimina as nuanças que o positivismo
historicamente apresentou. Ao fundir tros comteanos e lógicos, o positivismo hipertrofia-se
gerando algumas distorções analíticas como a que se apresentou anteriormente. Além disso,
desvia o foco da análise daquilo que realmente constitui o centro da discussão. Particularmente, é
preciso verificar como Popper, sendo um crítico do indutivismo e do próprio positivismo lógico,
mantém ou não tros positivistas. Essa discussão pode evitar a hipertrofia do termo e ainda
permitir a defesa de um fazer científico não positivista.
Popper publica seu Lógica da Pesquisa Científica [Logik der Forschung] pela primeira
vez em 1935 em Viena. O ponto de partida de sua crítica pode ser identificado num seminal
artigo intitulado O que entendo por Filosofia(v. POPPER, 2004b). Nele Popper volta-se para
um ponto que os positivistas lógicos tomavam como dado: a inexistência de problemas
filoficos. Os membros do Círculo tratavam esses problemas como pseudoproblemas e por isso
mesmo poderiam ser submetidos ao juízo das ciências empíricas mediante a análise lógica de
enunciados (CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986). Apenas os enunciados empíricos e as
tautologias poderiam submeter-se a essa análise e, portanto, ser verificados. Ao fixar a tarefa da
ciência como sendo a de verificar, mediante análise lógica, os enunciados empíricos e as
tautologias, os positivistas lógicos aboliram os problemas filosóficos: ou eles eram
pseudoproblemas e, portanto, verifiveis ou eles eram metafísica e, portanto, destituídos de
sentido. Para Popper (2004b), o Círculo separou filosofia e ciência, dando à primeira um papel
marginal. Além disso, reduziu a filosofia a uma atividade e, como tal, aboliu necessidade de
teorias (POPPER, 2006). Contudo, sua posição é distinta ao afirmar que “o que eu considero por
filosofia, nunca terá que ser, e nunca poderá ser, divorciada das ciências” (POPPER, 2004b,
p.98). A ciência, enquanto formadora de um tipo específico de conhecimento, não pode ser
separada da atividade crítica que a filosofia enseja. Por isso, para Popper (2004b; 2006) a teoria
do conhecimento está no “coração da filosofia”. Diante dessa situação, argumenta Popper, os
positivistas lógicos não foram capazes de reconhecer que sua posição, em si mesma,
66
Não refazemos aqui a trajetória dessa posição que entra nas Ciências Sociais e nas RI. Cremos que apresentar a
trajetória do positivismo é muito mais esclarecedor para a posição que se está a defender.
43
pressupunha uma relação entre ciência e filosofia, ainda que essa relação implicasse uma atrofia
da filosofia. Na perspectiva popperiana, a posição do rculo colocava um problema filosófico
genuíno ligado à teoria do conhecimento e não um pseudoproblema.
A filosofia envolve uma atividade crítica. Nosso conhecimento está vinculado à
possibilidade de abordar criticamente nossos problemas e suas soluções. Para Popper, (...) é a
pergunta crítica dentro das ciências, suas descobertas e seus métodos que permanecem uma
caractestica da pergunta filosófica (...).” (POPPER, 2004b, p.98). Se Wittgenstein (2008)
afirmou que o território disputável da ciência é delimitado pela filosofia e que esta tem por fim o
esclarecimento lógico dos pensamentos” (WITTGENSTEIN, 2008, 4.112; 4.113)
67
, Popper
(2004b) ampliou esse terririo colocando a crítica como o centro da atividade filosófica. Para
ele, portanto, “(...) a principal tarefa da filosofia é especular criticamente sobre o universo e sobre
o nosso lugar no universo, incluindo nossos poderes de conhecimento e nossos poderes para o
bem e para o mal.” (POPPER, 2004b, p.100). As consequências dessa posição estão longe de
serem triviais, ensejando até mesmo considerações éticas como se depreende do trecho final da
citação
68
.
Com isso, inicia-se o afastamento de Popper em relação ao positivismo lógico,
independentemente de ele ter ou não feito parte dessa corrente. Sua posição crítica também
chamada de racionalismo críticoé incompatível com o positivismo lógico em alguma medida.
Na concepção científica do positivismo lógico, dois são os enunciados relevantes: as
tautologias e os empíricos. Ambos seriam verifiveis, ou seja, seria possível verificar a verdade
dos mesmos. Para Popper (2004a), contudo, ambos os enunciados estão ligados a sentimentos de
crença ou convicção psicologismo que conformam a posição de que “(...) enunciados podem
encontrar justificação não apenas em enunciados, mas também na experiência perceptual.”
(POPPER, 2004a, p.100). Enunciados que encontram justificação em enunciados são tautologias;
aqueles que encontram justificação na experiência perceptual são os empíricos. É esta a medida
da sua verdade. Para Popper (2004b), esses enunciados que ensejam um tipo de conhecimento do
senso comum com uma conotação de certeza e que começam (...) a partir daquilo que parece o
67
Os números após o ano referem-se aos aforismos em que essa citação aparece.
68
Aliás, em vários momentos do seu artigo “O que entendo por Filosofia”, Popper (2004b) mostra as consequências
que uma posição crítica traz, seja do ponto de vista do abandono de posições tradicionais calcadas no nosso senso
comum, seja a mesmo nas decisões tomadas sobre a guerra. Estamos cientes, portanto, de que posições sobre
filosofia do conhecimento o estão separadas de posições éticas “(...) para o bem e para o mal”.
44
conhecimento mais seguro ou básico que podemos adquirir (conhecimento observacional), a fim
de erigir sobre estes fundamentos um edifício de conhecimento seguro, não [resistem] à crítica.”
(POPPER, 2004b, p.97. Itálicos adicionados).
Desse modo, Popper (2004b; 2006) propõe que os enunciados tautológicos e empíricos
sejam submetidos à crítica. Isso altera substancialmente uma suposta relação popperiana com o
positivismo lógico: aquilo que para essa última corrente significava a base sobre a qual o
conhecimento poderia ser erigido e submetido a um exame crítico, para Popper, ao contrário, a
ciência encontra seu sentido e possibilita a ampliação do nosso conhecimento na submissão
daquilo que ele chamou de enunciados básicos
69
ao exame crítico. É interessante notar como essa
perspectiva traz a necessidade de teorias: para Popper (1999; 2004a; 2006) é nos termos de uma
teoria que são formuladas as proposições de observação ou enunciados básicos. As teorias,
entendidas como enunciados universais que nos permitem capturar o mundo, racionalizando-o,
explicando-o e dominando-o (POPPER, 2004a), precedem e orientam nossa observação essa é,
portanto, theory laden (POPPER, 1999; 2004a; 2006).
Essa situação demanda o estabelecimento de um critério que imponha limites à rejeição
ou aceitação de determinados enunciados básicos
70
para que se possa distinguir os enunciados das
ciências empíricas dos demais tipos de enunciados. Nesse ponto, Popper consegue inserir seu
critério de demarcação capaz de traçar um limite entre o fazer científico e o não-científico ou
metasico. Por outras palavras, discute-se
(...) o problema de encontrar um critério pelo qual possamos distinguir as asserções da
ciência empírica das asserções o-empíricas. Minha solução é o princípio de que uma
asserção é empírica se houver conjunções (finitas) de asserções empíricas isoladas
(“asserções básicas”ou “asseões de teste”) que a contradigam. (POPPER, 1999,
p.334, n.19. Itálicos adicionados)
71
.
uma tentativa por parte desse autor de separar esse critério do critério de sentido (ou
significação) do positivismo lógico. Popper (2004a) considera a possibilidade de aproximar o
69
Popper (2004a) define esses enunciados como “(...) enunciados asseveradores de que um evento observável está
ocorrendo em certa região individual do espaço e do tempo (POPPER, 2004a, p.110. Itálicos adicionados).
70
Na verdade, Popper (2004a) levanta essa ideia numa crítica dirigida a Rudolph Carnap e suas sentenças
protocolares. Furtamo-nos de refazer os argumentos para captarmos o centro do argumento. Para um contato, veja-se
Popper (2004a, p.99 e ss.)
71
Enunciado seria uma colocação melhor do que asserção. Trata-se, cremos, de um desvio de tradução.
45
critério de significação com o critério indutivista, mas isso não o satisfaz: logicamente o cririo
indutivista não se sustenta
72
e o critério de sentido é
(...) demasiado restrito (e demasiado lato): exclui da ciência praticamente tudo o que é,
de facto [sic], característico dela (embora falhe, na realidade, em excluir a astrologia).
Nenhuma teoria científica pode alguma vez ser deduzida de enunciados de observação,
ou descrita como uma função de verdade desses mesmos enunciados. (POPPER, 2006,
p.64. Itálicos no original e grifos adicionados).
Popper (2004a), ao cogitar a aproximação entre os referidos critérios o faz segundo a
suscetibilidade que os enunciados apresentam de serem conclusivamente julgáveis a partir de sua
verdade e sua falsidade. O verificacionismo para o positivismo lógico apresenta, portanto, a dupla
faceta de verdade e falsidade. Note-se que essa dupla faceta encontra na verdade o seu
fundamento: os enunciados tautológicos e empíricos oferecem um sentido verdadeiro
representacional do mundo. Desse modo, o falso é o contrário de verdadeiro e tamm é uma
representação da realidade. Para Popper, entretanto, o critério deve ser outro: a falseabilidade.
Uma teoria será falseável se, e somente se, apresentar falseadores potenciais, quais sejam,
aqueles enunciados básicos com os quais a teoria é incompatível (POPPER, 2004a). Esse critério
estabelece uma assimetria entre a verificação e a falsificação: os enunciados universais que
compõem uma teoria (...) nunca são deriváveis de enunciados singulares, mas podem ser
contraditados pelos enunciados singulares. (...) É possível concluir acerca da falsidade de
enunciados universais a partir da verdade de enunciados singulares.” (POPPER, 2004a, p.43).
O critério popperiano permite, pois, que aprendamos com nossos erros como se depreende
do trecho a seguir:
(...) em vez de esperar passivamente que as repetições nos imprimam ou imponham
padrões de regularidade, somos nós quem activamente [sic] tentamos impor esses
padrões e regularidades ao mundo. Tentamos descobrir similaridades no mundo e
interpretá-lo em termos de leis por nós inventadas. Sem esperar por premissas, saltamos
para as conclusões – que poderão ter de ser abandonadas mais tarde, caso a observação
demonstre que estavam erradas. (POPPER, 2006, p.72. Itálicos adicionados).
O trecho, além de reforçar a tese de que as tentativas de entender o mundo são anteriores
à quaisquer tipo de observação, colocou ainda a ideia de que a ciência progride por tentativa e
erro (CHALMERS, 1993), no movimento entre conjecturas e refutações.
72
Ver, principalmente, Popper (1999; 2004a).
46
É este o quadro geral da epistemologia e metodologia popperiana. Em comparação com o
positivismo lógico, vê-se que tanto essa corrente quanto Popper fundamentam sua epistemologia
numa crítica ao positivismo comteano, especialmente na sua assunção indutivista. o, portanto,
pós-indutivistas nesse aspecto. Entretanto, a partir de um quadro histórico, viu-se que não
procede a associação estreita entre positivismo e indutivismo. A análise de qualquer posição que
se diga positivista deve ser balizada seus traços distintivos: fenomenalismo, verificacionismo e
redutivismo. O positivismo lógico é positivismo não por ser indutivista (ele não o é, como foi
discutido), mas por apresentar traços fenomenalistas, verificacionistas e redutivistas
73
. É a partir
desses traços que se deve avaliar a posão popperiana tendo em vista sua constante associação
àquela corrente de pensamento.
O afastamento de Popper em relação ao positivismo lógico se processa mediante sua
crítica à impossibilidade de rejeitarmos certos enunciados (básicos para Popper e protocolares
para Carnap). Em consequência, Popper (2004a) expõe uma visão de ciência, cujo cerne está na
avaliação crítica de nossas teorias. A essa epistemologia, Popper (1999; 2004a; 2006) alia uma
metodologia falsificacionista que permite submeter as teorias enunciados universais a teste.
Contudo, sua posição não enseja o fenomenalismo, ao menos não nos termos propostos pelo
positivismo lógico. A atribuão de alguma lei que governa a relação entre fenômenos faz-se
exclusivamente pela precedência que as teorias têm em relação à observação. E como tal, estão
sujeitas à análise, à crítica, à refutação caso algum evento contradiga essa lei e à superação por
uma lei melhor que explique determinado fenômeno. Desse ponto de vista, portanto, a
epistemologia popperiana não pode ser considerada positivista.
Pode-se considerar a epistemologia popperiana anti-redutivista. Sua posição contrasta
com a posição defendida pelo positivismo lógico. Segundo Carnap, Hahn e Neurath (1986),
Do mesmo modo que o sentido de todo enunciado cienfico deve poder ser indicado por
meio de uma redução a um enunciado sobre o dado, assim também o sentido de cada
conceito, pertencente a qualquer ramo da ciência, deve poder ser indicado por meio de
uma redução gradativa a outros conceitos até aos conceitos de grau mínimo, que se
relacionam com o pprio dado. Caso se empreendesse tal análise para todos os
conceitos, estes se enquadrariam num sistema de redução, em um sistema de
constituição”. (CARNAP, HAHN, NEURATH, 1986, p.12. Itálicos adicionados).
73
Ressalte-se mais uma vez que o redutivismo do positivismo lógico não procede indutivamente.
47
Transcrevemos um trecho do argumento de Popper (2004a; 2006) que vai de encontro ao
argumento positivista lógico:
Ao fim da seção 25, expliquei, rapidamente, de que modo o uso de universais tais como
“copo ou “água”, num enunciado do tipo “aqui está um copo de água”, transcende
necessariamente a experiência. Isso se deve ao fato de que palavras como “copo” ou
“água” são usadas para caracterizar o comportamento legalóide de certas coisas o que se
pode exprimir dando-lhes o nome palavras disposicionais”. Ora, como toda lei
transcende a experiência o que é apenas outra maneira de afirmar não ser ela
verificável todo predicado que expresse comportamento legalóide também transcende
a experiência. Essa a razão por que o enunciado “este vaso contém água” é uma hipótese
suscetível de teste, mas não verificável que transcende a experncia. Dado esse motivo,
é impossível “constituir um termo verdadeiramente universal (como pretendeu Carnap),
ou seja, defini-lo em termos puramente experimentais ou observacionais, ou “reduzi-lo”
a termos puramente experienciais ou observacionais uma vez que todos os universais
são disposicionais, ele não pode ser reduzido à experiência. Devemos introduzi-los como
termos não definidos, excetuados os que possam ser definidos em termos de outros
universais o experienciais (“água”, por exemplo, se nos inclinarmos por defini-la
como “um composto de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio”). (POPPER,
2004a, p.484. Itálicos no original. Grifos adicionados).
Ressaltamos aqui um ponto que pode gerar dúvida: redução nesse caso é um termo
preciso que não pode se confunde com a mera equivalência de palavras
74
. As passagens grifadas
apontam para o distanciamento da posição popperiana do positivismo lógico: os predicados de
quaisquer enunciados são disposicionais o que permite questioná-los e submetê-los a testes
(POPPER, 2006). o como falar num fundamento observacional mínimo fundado no dado
capaz de determinar o sentido de conceitos mais amplos; não se pode reduzir quaisquer processos
a eventos singulares fundados no dado. Em Conjecturas e Refutações, Popper assim conclui o
raciocínio: nunca devemos aceitar uma regra que imponha a interrupção dos nossos testes num
qualquer ponto em particular quando chegarmos, por exemplo, a predicados simples.
(POPPER, 2006, p.374). Mesmo esses predicados simples podem ser submetidos a testes de
acordo com a sua epistemologia.
Existe, contudo, um resquício de positivismo oriundo da metodologia falsificacionista
popperiana. Ao criticar o positivismo lógico, Popper impõe a necessidade de submeter a testes as
proposições científicas. Isso significa que, mais do que verificar o sentido dos enunciados
empíricos e tautológicos, importa examiná-los criticamente (POPPER, 2004b). Como foi visto,
74
Matilha é o coletivo de cão. Eu posso utilizar matilha para me referir àquela coletividade sem prejuízo. Houve uma
equivalência dos termos, mas não redução, tal como esse conceito é entendido aqui. No mesmo sentido do trecho
citado, o termo água pode ser tomado como equivalente a um composto de dois átomos de hidrogênio e um de
oxigênio.
48
em vários casos, senão na grande maioria deles, isso implica o abandono das tautologias e dos
enunciados empíricos. Só assim, na perspectiva popperiana, a ciência progride “(...) para alcançar
um ponto mais perto da verdade (...). (POPPER, 2004b, p.93. Itálicos adicionados). Duas
considerações decorrem dessa posição. Primeiro, isso coloca o critério falsificacionista como
sendo mais importante do que a verificação de sentido lógico dos enunciados, visto que ele
permite a atividade crítica da ciência. Segundo, a ideia de verdade como verossimilhança. Se não
podemos chegar a uma verdade absoluta, podemos chegar mais perto dela abandonando nossas
teorias antigas a partir de experimentos criados para submetê-las a testes
75
(POPPER, 2004a). O
abandono de teorias falsificadas por outras
76
, mais audaciosas, constitui, na visão popperiana, um
movimento progressivo rumo à verdade ainda que essa não seja alcançada absolutamente.
Entretanto, ainda que Popper (1999; 2004a; 2006) seja crítico da ideia de verificabilidade
no sentido do alcance da verdade e a substitua pelo critério de falseabilidade, esse mesmo critério
guarda traços verificacionistas. E nesse ponto tem-se mais um distanciamento da intenção
positivista. Segundo Neves-Silva (2007) aquele traço positivista define-se pela “(...) estratégia
que atribui verdade à situação na qual o sentido das proposições é verificado a partir de suas
condições de observação, o que leva à adoção de uma teoria de verdade por correspondência.”
(NEVES-SILVA, 2007, pp.7-8. Itálicos no original. Grifo adicionado)
77
. Écito dizer que
Popper rompe com a ideia de verdade por correspondência ao colocar a ideia de verossimilhança
advinda do seu critério falsificacionista, mas ele não rompe com um aspecto verificacionista.
Entretanto, o entendimento de verificacionismo é distinto num e noutro casos: para o positivismo
lógico a verificação encontra amparo na ideia de verdade, ou seja, verificar é verificar a verdade
de enunciados singulares; para Popper a verificação encontra amparo na falsidade de enunciados,
ou seja, verificar é verificar a falsidade de enunciados gerais, tendo em vista a impossibilidade de
se alcançar a verdade. Isso permite a esse autor construir todo seu argumento crítico ao
positivismo e atacar a ideia de verdade por correspondência: na medida em que não se pode
conhecer o verdadeiro, o máximo que se pode dizer sobre ele são juízos de falsidade. Daí a
assimetria entre verificação e falsificação. Na concepção popperiana, o falso gera
75
Ou seja, fazendo conjecturas e refutando-as.
76
Sobre os critérios de aceitação de teorias novas, ver Popper (1999).
77
Tradução nossa de: “(...) strategy which attribute truth to the situation in which the sense of propositions is verified
starting from their conditions of observation, which implies the of a theory of truth by correspondence.”.
49
conhecimento
78
. Do falso pode-se acessar instâncias do real: pode-se chegar mais próximo do
verdadeiro não porque se tem acesso direto a ele, mas por meio da eliminação dos erros. Se as
teorias são aqueles enunciados universais que permitem capturar o mundo, racionalizá-lo,
explicá-lo e dominá-lo, é a partir da atividade crítica dessas teorias que se poderá apontar os erros
de nossas observações e, portanto, aproximar de uma instância mais próxima da verdade do real.
Note-se que Popper não está a negar a existência de um enunciado universal verdadeiro acerca do
real. Seu ponto de divergência está no acesso direto a esse enunciado: na medida em que tal
acesso não existe, o máximo que se pode dizer sobre o real o juízos de falsidade, o que permite
uma paulatina aproximão da verdade. Ressalte-se que esse processo, contudo, não implica
certeza
79
do conhecimento: se não se pode saber certamente se um conhecimento produzido é
verdadeiro, resta a opção de apontar a sua falsidade. Assim sendo, uma teoria não é função de
verdade de enunciados de observação (POPPER, 2006).
Anteriormente, quando se discutiu a possibilidade de aprendizado com nossos erros,
transcreveu-se um trecho em que o aspecto verificacionista – ainda que falsificacionista
aparece:
(...) em vez de esperar passivamente que as repetições nos imprimam ou imponham
padrões de regularidade, somos nós quem activamente [sic] tentamos impor esses
padrões e regularidades ao mundo. Tentamos descobrir similaridades no mundo e
interpretá-lo em termos de leis por nós inventadas. Sem esperar por premissas, saltamos
para as conclusões – que poderão ter de ser abandonadas mais tarde, caso a observação
demonstre que estavam erradas. (POPPER, 2006, p.72. Itálicos adicionados).
A última frase apresenta uma condição em que a falsidade, e não o sentido, das próprias
proposições são verificadas a partir das condições de observação
80
: verificar a falsidade, o erro é
o máximo que se pode dizer acerca do verdadeiro.
Analisando-se toda a empresa popperiana, a partir de sua epistemologia, é possível dizer
que ele dá um passo para fora da tradição positivista. Um duplo movimento afasta o racionalismo
78
Note-se que nesse caso, não importa a qualificação desse positivismo: tanto o comteano quanto o lógico estão
presos a uma ideia de verdade por correspondência.
79
No caso do positivismo, verificar implica acertar, ou seja, verificar significa dizer algo de verdadeiro e certo acerca
do real.
80
Obviamente, esse o é o único momento em que Popper apresenta essa posição. Em A lógica da pesquisa
científica pode-se encontrar argumentos mais detalhados, ainda que ele procure separar o critério de falseabilidade de
um tipo de verificacionismo. O que defendemos aqui é que, a despeito dessa tentativa, Popper abre espaço para um
traço positivista em seu argumento, ainda que se distancie do positivismo ao adotar uma verdade por
verossimilhança.
50
crítico daquela tradição: a atividade crítica do empreendimento filofico e um verificacionismo
metodológico de falsidade. Esse movimento é permeado também pelos tros que o afastam
de um fenomenalismo estrito e rejeitam o recurso redutivista. Assim sendo, pode-se dizer que o
passo dado para fora tradição positivista coloca Popper num lugar póspositivista. Por outras
palavras, o movimento de afastamento do positivismo lógico que tem início com a atividade
filofica crítica, e que ganha ímpeto com um afastamento do redutivismo e do fenomenalismo,
chega ao seu ponto mais distante com a crítica ao verificacionismo positivista que encontra sua
medida na busca pela verdade.
Esse movimento mostra a importância de se conhecer as maneiras pelas quais o
positivismo se apresentou historicamente: Popper é um spositivista não por ser pós-indutivista,
mas por assumir uma ideia de verificacionismo que, juntamente com o redutivismo e o
fenomenalismo, se afasta epistemológica e metodologicamente da intenção positivista. Desse
modo, quando se diz que Popper é um verificacionista, é preciso qualificar esse termo tendo em
vista seu sentido preciso anteriormente exposto. O argumento que se está a defender rompe com a
crença de que criticar o indutivismo coloca o crítico numa posição póspositivista. Essa crença,
em si mesma, não está errada. Mas a dimensão hisrica do positivismo mostra que o indutivismo
não é o seu traço distintivo e que aqueles que defendem essa crença valem-se de uma leitura
muito específica do positivismo que é feita pelas Ciências Sociais em geral e que chega às RI.
Defende-se, pois, uma empresa científica póspositivista por entendermos que Popper está distante
do positivismo em geral, não apenas aquele de matiz indutivista.
Ressalve-se um último ponto: não se defende aqui o uso da empiria por ela mesma. A
maneira como se lida com ela é que é importante. Desse modo, abandona-se aqui quaisquer
perspectivas que qualifiquem o recurso à empiria como empreitada positivista. Esse argumento
mostra-se insustentável criticamente. Por outras palavras, se o critério a ser estabelecido é o uso
da empiria, então seremos todos positivistas, visto que qualquer argumento que se pretenda
científico recorrerá a dados empíricos. Cremos que essa visão não permite um debate mais amplo
e consistente sobre questões que realmente estão em jogo.
Por tudo o que foi exposto até agora, se pode responder afirmativamente à pergunta
levantada na primeira seção é possível defender uma posição científica não positivista?
Encontramos essa resposta no afastamento de Popper em relação ao positivismo lógico. Os
debates que sucederam a obra de Popper, particularmente com Lakatos (1999a; 1999b), Kuhn
51
(2005) e Laudan (1977), contribuíram para reforçar esse afastamento. O argumento popperiano
abre espaço para a defesa de uma metodologia não verificacionista e, portanto, rigorosamente
não positivista. Interessante notar como essas obras assumem essa epistemologia póspositivista
popperiana e trabalham a partir dela, particularmente, refinando o falsificacionismo de Popper
voltado a demarcação científica e, por conseguinte, para escolha de teorias. o, portanto,
póspositivistas
81
. Com isso, pode-se defender também um critério de avaliação teórico e,
portanto, metateórico, com grande relevância para as RI como será demonstrado.
2.3 Um critério de avaliação trica voltado para as Relações Internacionais
2.3.1 A centralidade do argumento lakatosiano
Do ponto de vista da filosofia da ciência, a obra de Popper pode ser considerada um
marco. Toda uma linha de argumentação crítica em larga medida que marcou os debates
filoficos foi construída a partir daquele autor. Duas linhas críticas se seguiram a partir de então:
de um lado, a perspectiva apresentada por Thomas Kuhn em seu A estrutura das revoluções
científicas (KUHN, 2005), publicada originalmente em 1962, que ataca os fundamentos
popperianos no sentido defender o argumento de que o critério usado para escolha de teorias não
é tão objetivo como queria Popper, mas é institucional e, em última instância, subjetivo (KUHN,
2005); e de outro lado uma perspectiva colocada por Lakatos (1999a) que se afasta daquela
apresentada por Kuhn (2005) e mantém uma proximidade com a epistemologia popperiana. A
crítica lakatosiana recai fundamentalmente sobre a metodologia falsificacionista aventada por
Popper. Larry Laudan, crítico do próprio Lakatos e de Kuhn, insere-se nessa segunda linha crítica
para a qual, a despeito dos problemas do falsificacionismo popperiano, é possível encontrar um
critério de avaliação de teorias que não se fundamenta em critérios subjetivos. A importância
81
Não se exclui, obviamente, a possibilidade de que alguma posição guarde traços positivistas ainda que se
fundamente no marco popperiano. Uma eventual avaliação desse tipo deve ser feita a partir dos elementos centrais
do positivismo tal como o exposto. Em linhas gerais, contudo, pode-se inserir os referidos autores num marco
póspositivista a partir do argumento defendido.
52
dessas discussões estão longe de serem triviais para as RI. Tanto Guzzini (1998) quanto Elman e
Elman (2003) invocam, a partir de perspectivas metateóricas diferentes, a centralidade dessas
discussões para o campo.
A posição de Kuhn (2005) abriu espaço para uma posição relativista da ciência (POPPER,
1970, 2006; LAKATOS, 1999a, 1999b) que, como argumenta Diniz (2002), “é incapaz de dar
conta da vitalidade e sucesso do empreendimento científico.(DINIZ, 2002, p.137). Para Kuhn
(2005) o existe um critério objetivo para adesão a um paradigma. A adesão é feita, ao fim e ao
cabo, subjetivamente por consentimento da comunidade de cientistas de determinado campo.
Lakatos (1999a) abre uma outra linha de argumento, crítica de Popper em um sentido, na medida
em que busca evitar algumas dificuldades enfrentadas pelas vertentes do falsificacionismo
dogmático e metodológico – mas voltada para um estabelecimento de um critério racional,
objetivo, de demarcação científica que permita avaliar e escolher – normativamente entre
teorias rivais. Por outras palavras, Lakatos (1999a; 1999b) procurou estabelecer um critério de
cientificidade que, a partir de Popper, explicava a série histórica de desenvolvimento da ciência
para além de termos eminentemente subjetivos
82
e ainda refinar a posição popperiana. Ao fim e
ao cabo, para Lakatos (1999a), os falsificacionismos dogmático e metodológico ingênuo guardam
dois pontos em comum que conflitam com a história da ciência:
De fato, não é difícil identificar pelo menos duas caractesticas cruciais comuns tanto ao
falsificacionismo dogmático quando ao nosso metodológico que são claramente
dissonantes da história concreta da ciência: que (1) um teste é ou deve ser uma luta
de duas partes entre teoria e experimento de modo que no confronto final apenas essas
duas se enfrentem; e (2) o único resultado interessante de tal confronto é a falsificação
(conclusiva): [as únicas genuínas] descobertas o refutações de hiteses
científicas.’. Entretanto, a história da ciência sugere que (1’) testes são pelo menos
lutas de três partes entre teorias rivais e experimento e (2’) alguns dos experimentos
mais interessantes resultam, prima facie, em confirmação mais do que em falsificação.
(LAKATOS, 1999a, p.115. Itálicos no original)
83
.
82
E portanto conseguia, por exemplo, explicar a mudança da física newtoniana para a einsteiniana de uma outra
maneira que não a mudança gestáltica de paradigmas.
83
Tradução nossa de: Indeed, it is not difficult to see at least two crucial characteristics common to both dogmatic
and out methodological falsificationism which are clearly dissonant with the actual history of science: that (1) a test
is or must be made a two cornered fight between theory and experiment so that in the final confrontation only
these two face each other; and (2) the only interesting outcome of such confrontation is (conclusive) falsification:
‘[the only genuine] discoveries are refutations of scientific hypotheses.’. However, the history of science suggests
that (1’) tests are at least three-cornered fights between rival theories and experiment and (2) some of the most
interesting experiments result, prima facie, in confirmation rather than falsification.”.
53
Diante desse quadro, o falsificacionismo metodológico sofisticado de Lakatos distancia-se
dos demais, particularmente do ingênuo, por suas regras de aceitação (ou critério de
demarcação) e de falsificação ou eliminação (LAKATOS, 1999a, p.116). Sobre as regras de
aceitação, o autor afirma:
Para o falsificacionista innuo qualquer teoria que possa ser interpretada como
experimentalmente falsificável é aceitável’ ou ‘científica’. Para o falsificacionista
sofisticado, uma teoria é ‘aceitável ou ‘científica’ somente se ela apresentar um
excedente de conteúdo empírico com relação a sua predecessora (ou rival), ou seja,
somente se conduzir à descoberta de novos fatos. Essa condição pode ser analisada a
partir de duas cláusulas: a de que a teoria a nova teoria tenha excedente de contdo
empírico (‘aceitabilidade
1
’) e que parte desse conteúdo excedente tenha sido verificado
(‘aceitabilidade
2
’). A primeira cláusula pode ser checada instantaneamente por análise
lógica a priori; a segunda pode ser checada apenas empiricamente e isso pode levar um
tempo indefinido. (LAKATOS, 1999a, p.116. Itálicos no original. Grifos adicionados.)
84
.
Sobre as regras de falsificação, Lakatos defende que:
Para o falsificacionista ingênuo, uma teoria é falsificada por uma afirmação
‘observacional’ (‘fortificada’) que conflita com ela (ou que se decide interpretar como
conflitando com ela). Para o falsificacionista sofisticado, uma teoria científica T é
falsificada se e somente se outra teoria T’ tiver sido formulada com as seguintes
características: (1) T tem excesso de conteúdo empírico em relação a T: ou seja, ela
prediz fatos novos, ou seja, fatos improváveis, ou ate mesmo proibidos, à luz de T; (2) T
explica o sucesso prévio de T, ou seja, todo o conteúdo o refutado de T é incluído
(dentro dos limites do erro observacional) no conteúdo de T; e (3) algum parte do
conteúdo excedente de T é corroborado. (LAKATOS, 1999a, p.116. Itálicos no
original.)
85
.
84
Tradução nossa de:For the naive falsificationist any theory which can be interpreted as experimentally falsifiable,
is ‘acceptable’ or ‘scientific. For the sophisticated falsificationist a theory is ‘acceptable’ or ‘scientific’ only if it has
corroborated excess empirical content over its predecessors (or rival), that is, only if it leads to the discovery of novel
facts. This condition can be analyzed into two clauses: that the theory has excess of empirical content
(‘acceptability
1
’) and that some of this excess content is verified (‘acceptability
2
’). The first clause can be checked
instantly by a priori logical analysis; the second can be checked only empirically and this may take an indefinite
time.”.
85
Tradução nossa de: “For the naive falsificationist a theory is falsified by a (‘fortified’) ‘observational’ statement
which conflicts with it (or which he decides to interpret as conflicting with it). For the sophisticated falsificationist a
scientific theory T is falsified if and only if another theory T’ has been proposed with the following characteristics:
(1) T’ has excess empirical content over T: that is, it predicts novel facts, that is, facts that improbable in the light of,
or even forbidden, by T; (2) T’ explains the previous success of T, that is, all the unrefuted content of T is included
(within the limits of observational error) in the content of T’; and (3) some of the excess content of T’ is
corroborated.”.
54
Das citações depreende-se que a empiria, ou o critério empírico, é tomado como critério
definidor da atividade científica
86
. Lakatos (1999a) mostra como a relação entre teoria e empiria
não é tão simples como supõem os falsificacionistas ingênuos. Note-se como sua proposta está
ainda mais distante de uma intenção positivista: Lakatos (1999a) não é um indutivista no seu
sentido primário, tal como discutido anteriormente, e tampouco um verificacionista de verdade e
de falsidade. Nesse ponto, Lakatos afasta-se da proposta popperiana e refina sua metodologia
mostrando como a ideia popperiana de falsificação é equivocada, pois falsificação com a
emergência de uma nova teoria. Isso torna os testes de teorias uma luta de três partes entre uma
teoria anterior que oferece o problema e uma posterior que o resolve a partir de um
experimento. Só se pode falar em falsificação, portanto, com a emergência de uma teoria nova
que preencha as regras supracitadas.
Essas regras influenciam também a ppria redescrição histórica da ciência: na medida em
que no processo de teste teórico estão envolvidas teorias e experimentos, elas podem ser
colocadas em série séries de teorias constituindo, pois, programas de pesquisa científicos. O
progresso científico, ou a reconstrução racional da história da ciência, envolve, para Lakatos
(1999b), a substituição de um programa de pesquisa por outro em termos de mudanças de
problemas (problemshifts) progressivas ou degenerescentes. Desse modo,
(...) as grandes realizações científicas são programas de pesquisa que podem ser
avaliados em termos de mudança de problemas progressivas ou degenerescentes; e
revoluções científicas compreendem a substituição de um programa de pesquisa
(superando em progresso) por outro. (LAKATOS, 1999b, p.110)
87
.
Com essa posição, Lakatos consegue evitar a saída relativista da crítica kuhniana a Popper
e ainda aprimorar o critério falsificacionista. Um dos pontos de maior fraqueza do argumento de
Kuhn (2005) e sobre o qual o argumento lakatosiano ganha força está justamente no fato daquele
autor o conseguir estabelecer um critério para avaliar os ritos dos paradigmas. Segundo
Kuhn (2005),
86
Observe-se, contudo, que o próprio conceito de fato novo (novel fact) pode ser considerado um ponto de
dificuldade para a proposta lakatosiana. Elman e Elman (2003), ao discutirem as contribuições de Lakatos para a
filosofia da ciência e para as RI em particular apontam para quatro sentidos que o conceito pode apresentar
demonstrando a controvérsia que existe em torno dele.
87
Tradução nossa de: “(...) the great scientific achievements are research programmes which can be evaluated in
terms of progressive and degenerating problemshifts; and scientific revolutions consist of one research programme
superseding (overtaking in progress) another.”.
55
(...) devemos reconhecer que um paradigma pode ser muito limitado, tanto no âmbito
como na precisão, quando de sua primeira aparição. Os paradigmas adquirem seu status
porque são mais bem sucedidos que seus competidores na solução de alguns problemas
que o grupo de cientistas reconhece como graves. De início, o sucesso de um paradigma
(...) é, a principio, em grande parte, uma promessa de sucesso que pode ser descoberta
em exemplos selecionados e ainda incompletos. A ciência normal consiste na
atualização dessa promessa, atualização que se obtém ampliando-se o conhecimento
daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando-
se a correlação entre esses fatos e as predições do paradigma e articulando-se ainda mais
com o próprio paradigma. (KUHN, 2005, p.44. Itálicos adicionados).
A esse trecho, some-se outro que apresenta um argumento similar: “para ser aceito como
paradigma, uma teoria deve parecer melhor que suas competidoras, mas não precisa (e de fato
isso nunca acontece) explicar todos os fatos com os quais pode ser confrontada. (KUHN, 2005,
p.38. Itálicos adicionados).
Afora a imprecisão do conceito paradigma – que nesse caso parece confundir-se com uma
teoria Kuhn (2005) não apresenta um critério consistente para dizer o que significa ser mais
bem sucedido que seus competidorese “parecer melhor que suas competidoras”. Se tal cririo
estiver ligado a aspectos subjetivos da comunidade científica, então a saída será relativista e em
pouco contribuirá para se decidir em quais circunstâncias a substituição de paradigmas é
efetivamente melhor. Se se trata, ao fim e ao cabo, de um critério subjetivo, então a atribuição de
melhoria na substituição de paradigmas e mesmo no acúmulo de conhecimento num estado de
ciência normal é algo atribuído aprioristicamente sem um fundamento filosoficamente
orientado
88
. Lakatos (1999a) consegue apresentar um critério normativo
89
que aponta onde
teorias ou programas de pesquisas o “melhoresdo que outro e ainda não atribui a priori que
esse progresso é necessariamente melhor ou, nos termos lakatosianos, que ele é necessariamente
progressivo.
88
A todo esse argumento, some-se a crítica feita em nota, no início deste capítulo, sobre o conceito kuhniano de
incomensurabilidade.
89
Com isso, estamos defendendo uma posição que, num certo sentido, se aproxima do argumento apresentado por
Cochran (1999): a historiografia da ciência está próxima da filosofia da cncia na medida em que “(...) (a) a filosofia
da ciência provê metodologias normativas em termos de quais são usadas pelo historiador para reconstruir a ‘história
interna’ e, portanto, prover uma explicação racional do crescimento do conhecimento objetivo; (b) duas
metodologias podem ser avaliadas com a ajuda da história (normativamente interpretada); (c) qualquer reconstrução
racional da história precisa ser suplementada por uma ‘história externa’ (cio-psicológica) empírica.(LAKATOS,
1999b, p.102). Não há, pois, como separar a normatividade das escolhas teóricas. O argumento aqui é que, tendo em
vista a especificidade das discussões tricas em RI, fruto de sua historiografia, a relação entre normatividade e
epistemologia toma contornos muito peculiares, como já foi apresentado.
56
Isso o mantém numa vertente empirista da filosofia da ciência, reforçando ainda mais o
argumento de que a observação é orientada por teorias e que o teste dessas é feito empiricamente
confrontando-se não teorias isoladas e a empiria, mas conjuntos de teorias e a experiência
empírica. Desse modo, o critério lakatosiano é empírico na medida em que está voltado para a
produção de fatos novos ainda que esse seja um conceito controvertido e, portanto, a ideia
de crescimento e o conceito de caráter empírico estão fundidos num só.(LAKATOS, 1999a:
p.119. Itálicos no original).
A partir desse fundamento, Lakatos (1999a) apresenta sua metodologia dos programas de
pesquisa científicos centrada na definição de um núcleo-duro de um programa, do cinturão
protetor de hipóteses auxiliares e das heurísticas positiva e negativa que orientam a pesquisa do
programa.
O funcionamento de um programa de pesquisa de acordo com a metodologia lakatosiana
envolve o reconhecimento de que a unidade básica de avaliação é uma rie de teorias
(...) com um núcleo duroaceito convencionalmente (e, portanto, ‘irrefutável’ por uma
decisão temporia) e com uma heurística positivaque define problemas, delineia a
construção de um cinturão protetor de hipóteses auxiliares, antecipa anomalias e as
transforma em exemplos bem sucedidos, tudo de acordo com um plano preconcebido.
(LAKATOS, 1999b, pp.110-111. Itálicos no original)
90
.
Esse plano engendrado pelo programa de pesquisa impõe caminhos que devem ser
evitados (heurística negativa) e outros que devem ser buscados (heurística positiva) (LAKATOS,
1999a, p.132). O núcleo duro (hard core) é o elemento caracterizador de um programa de
pesquisa, irrefutável por decisão metodológica de seus protagonistas” (LAKATOS, 1999a,
p.133. Itálicos adicionados.)
91
. A chamada heurística negativa impede que o núcleo seja
desafiado ou testado, o que envolve a proibição de direcionamento do chamado modus tollens
(modo que nega validade) ao núcleo. Testes e desafios são direcionados às hipóteses auxiliares
que compõem o cinturão protetor do cleo. As anomalias enfrentadas pelo programa devem
conduzir a mudanças ou problemshifts
92
no cinturão de hipóteses auxiliares, observacionais
90
Tradução nossa de: “(...) with a conventionally accepted (and thus by provisional decision irrefutable’) hard
core and with positive heuristic which defines problems, outlines the construction of a belt of auxiliary
hypotheses, foresees anomalies and turns them victoriously into examples, all according to a preconceived plan.”.
91
Tradução nossa de: “irrefutable by the methodological decision of its protagonists.”.
92
Por problemshift, Lakatos (1999c) entende uma série de teorias científicas que substituem umas às outras com o
passar do tempo.” (LAKATOS, 1999c, p.101. Tradução nossa).
57
(LAKATOS, 1999) sem, portanto, abalar o núcleo. Quando existe mudança apenas nas hiteses
auxiliares do programa tem-se uma mudança intraprogramática. Quando, contudo, ela contraria
a heurística negativa tem-se uma mudança interprogramática. Nesse caso, uma verdadeira
mudança dos elementos do núcleo de modo que passa a existir um novo programa de pesquisa.
Lakatos (1999a) distingue mudança progressiva de degenerescente. No primeiro caso, a
metodologia exige, em franca sintonia com os critérios de aceitabilidade, que as mudanças levem
à previsão de fatos novos e que parte deles seja corroborado empiricamente. Exige-se, pois,
progresso teórico
93
e empírico, respectivamente. Em especial, exige-se que o crescimento teórico
antecipe o crescimento empírico, ou seja, que o programa, ao longo do tempo, mantenha a
predição de fatos novos com algum sucesso (LAKATOS, 1999b). Uma mudança se
degenerescente se não houver ampliação de conteúdo empírico, mas apenas eliminação de
anomalias por meio de truques verbais (verbal tricks) (LAKATOS, 1999c). As novas teorias
apenas (...) salvam o programa de evidências que não o confirmam, e nada mais.” (ELMAN e
ELMAN, 2003, p.28)
94
.
A formulação de hipóteses auxiliares de maneira arbitrária ou ad hoc evidencia o
elemento de degenerescência do programa. Elas podem ser de ts tipos (LAKATOS, 1999a,
p.172) a: hiteses que não oferecem nenhum excesso de contdo empírico no sentido de
predição de fatos novos em relão à uma predecessora ou competidora (ad hoc
1
); ou ainda que
preveja fatos novos, as hipóteses podem não ter seu conteúdo corroborado (ad hoc
2
); por fim,
aquelas hipóteses que não se enquadram em nenhuma das categorias anteriores mas, não
obstante, são construídas em desacordo com a heurística positiva do programa são chamadas de
ad hoc
3
.
A heurística positiva é, sinteticamente, uma “(...) técnica de digestão de anomalias e de
solução de problemas [problem solving].(LAKATOS, 1999c, p.106)
95
e que reforça o elemento
de autonomia da ciência trica (LAKATOS, 1999a). Se a heurística negativa protege o núcleo
contra testes e refutações, a heurística positiva fornece sugestões e dicas de “(...) como mudar,
93
Ou seja, se cada hipótese H numa sequência H
1
,H
2
,H
3
,...,H
n
prediz tudo que as hipóteses predecessoras
predisseram e ainda algo a mais.” (LAKATOS, 1999c, p.101. Tradução nossa). O progresso teórico gera o que
Lakatos (1999c) chama de crescimento de conjecturas preditivas (growth of predictive conjectures) (LAKATOS,
1999c).
94
Tradução nossa de: “(...) save the program from disconfirming evidence, and nothing else.”.
95
Tradução nossa de: “(...) a problem-solving, anomaly-digesting technique.”.
58
desenvolver as ‘variantes refuveis’ do programa de pesquisa, como modificar, sofisticar o
cinturão protetor ‘refutável’. (LAKATOS, 1999a, p.135)
96
. Nesse sentido, esse elemento da
metodologia oferece o “espírito do programa (LAKATOS, 1999c) impedindo que os
protagonistas se percam no oceano de anomalias que a realidade oferece (LAKATOS, 1999a). É
nesse contexto que o terceiro tipo de hipótese ad hoc ganha relevância: pode ser que o (pretenso)
progresso seja conseguido pela incorporação de hipóteses desconexas ao programa (LAKATOS,
1999a; 1999c). Para se evitar esse cenário, Lakatos (1999a) afirma que as hipóteses auxiliares
devem ser formuladas (...) em concordância com a heurística positiva de um genuíno programa
de pesquisa. Essa nova exigência nos traz o problema da continuidade na ciência.” (LAKATOS,
1999a, p.182. Itálicos no original)
97
.
Como conseqüência, Lakatos (1999a) apresenta os conceitos de ciência madura e poder
heurístico. A existência de genuínos programas de pesquisa e não de hipóteses remendadas
caracterizam uma ciência madura de modo que “(...) não apenas fatos novos, mas também, num
sentido muito importante, novas hipóteses auxiliares são antecipadas; [uma] ciência madura
diferentemente de [uma] tentativa e erro medíocre tem ‘poder heurístico’. (LAKATOS, 1999a,
p.175. Itálicos no original)
98
.
Para Lakatos (1999a), o poder heurístico
99
ou seja, a capacidade que o programa tem de
antecipar fatos novos durante seu desenvolvimento (MOTTERLINI, 1999, p.10, n.44), bem como
de explicar suas refutações naquele período (LAKATOS, 1999a, p.137) gera a autonomia da
ciência trica: os problemas com os quais os cientistas trabalham num dado programa são
definidos pela heurística positiva do mesmo e o pelas anomalias de modo que apenas quando
a força condutora da heurística positiva enfraquece é que se pode dar mais atenção às anomalias.”
(LAKATOS, 1999b, p.111)
100
.
96
Tradução nossa de: “(...) how to change, develop the ‘refutable variants’ of the research-programme, how to
modify, sophisticate, the ‘refutable protective belt.”.
97
Tradução nossa de: “(...) in accordance with the positive heuristic of a genuine research programme. This new
requirement brings us to the problem of continuity in science.”.
98
Tradução nossa de: “(...) not only novel facts but, in na important sense, also novel auxiliary theories, are
anticipated; mature science – unlike pedestrian trial-and-error has ‘heuristic power.”.
99
Lakatos (1999a, p.155) afirma que poder explanatório (explanatory power) também pode ser usado sem prejuízo.
100
Tradução nossa de: “only when the driving force of the positive heuristic weakens, may more attention be given
to anomalies.”.
59
Nesse marco, um programa rival só substitui outro se explicar o sucesso do seu
competidor e superá-lo em poder heurístico. O progresso de um mostra-se um fator de
degenerescência para o outro na medida em que os fatos novos produzidos pelo primeiro
constituirão anomalias para o segundo dificultando, pois, seu progresso.
Assim sendo, crê-se que se se quiser discutir metateoria, avaliar a produção científica de
determinado campo de conhecimento é preciso encontrar um critério capaz de apontar onde está
ocorrendo produção de conhecimento progressivo ou degenerescente.
2.3.2 As discussões epistemológicas nas Relações Internacionais
Essas discussões de filosofia da ciência não são desconhecidas pelo campo de RI. O
reconhecimento da importância das mesmas, entretanto, é feito a partir da leitura que alguns
autores do campo fazem dessas questões. Essa leitura recebe uma influência direta do quadro
metateórico exposto na primeira seção. As deficiências expostas naquele momento nos permitem
agora averiguar a consistência do uso dessa filosofia em RI, ao menos enquanto espaço de efetiva
discussão e de produção teórica, e, ainda, avaliar as próprias teorias do campo. Ressalte-se que
essa dupla tarefa se impõe a partir da especificidade dos ditos “debates teóricos” aliada à
proliferação teórica do campo.
A proliferação teórica vivenciada pelas RI nos últimos anos gerou algumas tentativas de
fundamentar esse acontecimento em bases metatricas (v. GUZZINI, 1998; JAMES, 2002). A
perspectiva apresentada por Guzzini (1998) vale-se da perspectiva kuhniana, a partir da qual ele
empreende uma reconstrução da situação teórica do campo a partir do que ele chama de crise do
paradigma realista
101
.
101
Segundo Guzzini (1998), “com a crise do realismo, as auto-descrições da disciplina nos anos setenta e oitenta não
foram propostas para incluir esse quadro fragmentado sob uma única abordagem teórica.(GUZZINI, 1998, p.114.
Tradução nossa). Criou-se o chamado debate interparadigmático (GUZZINI, 1998; WÆVER, 1996, 1997) um
primeiro momento de auto-reflexão do campo – e com ele uma banalização do uso de Kuhn em RI, segundo Guzzini
(1998), especialmente no que tange o uso do conceito de incomensurabilidade para explicar a convivência de três
‘paradigmas’ (realista, pluralista e estruturalista ou marxista) no campo. A disciplina começava sua transformação de
uma disciplina fundamentada num objeto e numa escola orientada, portanto, pelo paradigma realista para uma
disciplina fundada em debates entre escolas ou paradigmas mutuamente irredutíveis (GUZZINI, 1998, p.108).
60
Guzzini (1998) é crítico do debate interparadigmático
102
(v. WÆVER, 1996; 1997) no
lugar do qual proe uma matriz metateórica capaz de refoar e clarear as posições e as críticas
teóricas e ainda de permitir a visualização de algumas aproximações teóricas até então
desprezadas, uma vez que o quadro estático do debate interparadigmático (GUZZINI, 1998) não
evidenciava, segundo o autor, as supostas relações que os paradigmas guardavam entre si (tais
como a chamada síntese neo-neo, por exemplo). O custo do estabelecimento dessa discussão foi,
para o autor, o esvaziamento do conteúdo normativo do debate no que tange os aspectos éticos, a
despeito de algumas posições defendidas no campo, como no caso da Escola Inglesa. O ponto
defendido por Guzzini (1998), portanto, resolve-se como tentativa de superar a ausência de um
pensamento normativo enquanto critério que balize as discussões teóricas.
A ascensão dos debates metateóricos, segundo Guzzini (1998), fragilizou ainda mais a
frágil posição do paradigma realista que, desde os anos 1970, se perdera enquanto uma
abordagem compreensiva
103
(GUZZINI, 1998, p.210) dos fenômenos internacionais. Esse
ambiente desenhado pelo autor permitiu uma interpretação do ambiente teórico internacional
original cujos fundamentos ele vai buscar na epistemologia kuhniana. Assim sendo, ainda que
Guzzini (1998) o expresse literalmente, para ele, do ponto de vista kuhniano, o paradigma
realista deixou de governar o grupo de praticantes da ciência e como tal abalou a condição
necessária para a prática de ciência normal. As RI viveriam, portanto, um ambiente de pré-ciência
com o esfacelamento de um paradigma que fundara a disciplina e criara a sua identidade e a
emergência de várias posições concorrentes que reivindicam legitimidade para governar a prática
científica da comunidade.
Entretanto, o argumento defendido por Guzzini (1998), afora algumas inconsistências
internas, menores, é frágil no entendimento que às questões em jogo, particularmente da
relação entre epistemologia e normatividade. Tudo isso, crê-se, decorrência do compromisso
kuhniano assumido do ponto de vista metateórico.
102
O argumento levantado pelo autor é que esse pretenso debate contribuiu para “(...) suspender um momento
histórico no desenvolvimento da disciplina a partir de supostas categorias imutáveis.” (GUZZINI, 1998, p.109.
Tradução nossa), ou seja, o debate legitimou as novas perspectivas e ao mesmo tempo “congelou-as” em categorias
imutáveis. Com isso, foi possível para o realismo manter-se protegido de seus adversários ao criar uma barreira que
legitimava outras posições independentes.
103
Cremos que se trata de um emprego infeliz do termo ‘compreensivo tendo em vista sua associação com
abordagens da teoria social.
61
A historiografia teórica do campo mostra como a ideia de epistemologia vem travestida de
normatividade e acaba separando esses conceitos que na verdade estão muito próximos
(COCHRAN, 1999; LAKATOS, 1999b). O argumento de Guzzini (1998) contribui para reforçar
essa separação e ainda a ideia de pluralidade teórica que recebe tratamento epistemológico a
partir da década de 1990. Ora, este é justamente o ponto que se está a criticar neste trabalho: tal
pluralidade não recebe tratamento epistemológico como supõe Guzzini (1998). O autor encontra
a discussão epistemológica onde não há, ao menos com a intensidade e auto-consciência que se
costuma atribuir. Isso inverte ao próprio Guzzini (1998) a crítica de que o momento inter-
paradigmático seria estático: ao mostrar uma matriz a partir da qual, supostamente, seria possível
visualizar as discussões epistemológicas, Guzzini (1998) mostra na verdade uma estática dos
debates em RI formados a partir da auto-imagem que se consolidou no campo. Há, portanto, uma
variedade de posições que não debatem como se suporia e que reivindicam uma suposta viria
num suposto debate a partir de uma negação da pretensão de verdade do oponente.
Desse modo, onde Guzzini (1998) vê epistemologia, existe normatividade tal como a
entendemos aqui. Por outras palavras, onde ele reivindica mais normatividade para se contrapor a
um excesso de epistemologia, existe, ao contrário, um excesso de normatividade que precisa ser
compensado por mais epistemologia. Ressalte-se mais uma vez que a dicotomização entre
questões normativas e epistemológicas decorre de uma especificidade das RI. Defende-se aqui,
tal como Cochran (1999) e Lakatos (1999b), que esses conceitos estão próximos e se influenciam
mutuamente.
Para discutir teoria ou debates teóricos em RI deve-se, pois, encontrar um critério. Isto
significa que a posição kuhniana adotada por Guzzini (1998) para descrever o quadro teórico das
RI a partir dos anos 1990 em nada ajuda. No limite, qualquer critério subjetivo poderia ser
invocado para explicar a emergência de um paradigma sucessor do realista. Ademais, pode-se
indagar se o realismo se perdeu enquanto abordagem compreensiva das RI. A defesa desse
argumento é auto-evidente à luz de Kuhn (2005), mas mostra-se insustentável à luz metateórica:
se ele se refere às possibilidades de conhecimento a partir de seus fundamentos e compromissos,
então o se pode supor aprioristicamente que o realismo se perdeu nem tampouco defen-lo
cegamente sem confrontá-lo com outras posições. Somente a partir do cotejo do realismo,
62
enquanto teoria ou programa de pesquisa
104
, com seus rivais é que se pode explicar racional e
normativamente o seu sucesso ou fracasso. Assim, pode-se responder afirmativamente à segunda
indagação feita ainda na primeira seção: é possível encontrar um metacritério racional num
quadro spositivista de ciência. Isso impõe o abandono da perspectiva kuhniana seja porque
ela é inconsistente no marco das discussões em filosofia da ciência (v. LAKATOS;
MUSGRAVE, 1999), seja porque ela é insuficiente para dar conta de discussões epistemológicas
que a pluralidade teórica do campo impõe – e a aproximação à posição lakatosiana.
Por fim, cumpre esclarecer um ponto que decorre da centralidade da proposta de Lakatos
(1999a) e do seu emprego para o campo de RI. O lugar da metodologia dos programas de
pesquisa científicos na filosofia da ciência foi exposto. Resta, contudo, um problema com seu
critério empírico de avaliação do progresso científico. Para Lakatos, “(...) a experiência ainda
permanece (...) o árbitro imparcial’ da controvérsia científica. Não podemos nos livrar do
problema da base empírica’ se quisermos aprender com nossa experiência (...).” (LAKATOS,
1999a, p.131. Itálicos no original)
105
. Assim, ainda que se quisesse afirmar, tal como faz o
falsificacionista dogmático, que só se pode emitir juízos sobre a experiência avaliando suas
inconsistências, do ponto de vista do falsificacionismo sofisticado, avalia-se teorias ou
proposições teóricas entre si e não com relação à empiria. Isso não invalida o critério empírico:
num dado teste existirão conjuntos de teorias relacionadas entre si a partir das quais se julga a
inconsistência dos juízos. É o que se depreende do seguinte trecho:
(...) experimentos não destroem simplesmente teorias, (...) nenhuma teoria proíbe um
estado de coisas especificado previamente. Isso o significa que nós propomos uma
teoria e a Natureza pode gritar NÃO; ao ins disso, propomos uma rede de teorias e a
Natureza pode gritar INCONSISTENTE.(...)
O problema é então alterado do velho problema de substituir uma teoria refutada por
‘fatos’ para um novo problema de como resolver inconsistências entre teorias
proximamente associadas. Qual das teorias mutuamente inconsistentes deve ser
eliminada? O falsificacionismo sofisticado pode responder essa questão facilmente:
deve-se tentar substituir a primeira, depois a outra, então possivelmente ambas, e optar
por aquele conjunto que provê o maior aumento de conteúdo corroborado, que provê a
mudança de problemas mais progressiva. (LAKATOS, 1999a, p.130. Itálicos no
original. Grifo adicionado)
106
.
104
No encaminhamento da dissertação ficará claro o tratamento dispensado à questão.
105
Tradução nossa de: “(…) experience still remains (...) ‘the impartial arbiter of scientific controversy. We cannot
get rid of the problem of the ‘empirical basis’, if we want to learn from experience..
106
Tradução nossa de: “(...) experiments do not simply overthrow theories, (...) no theory forbids a state of affairs
specifiable in advance. It is not that we propose a theory and Nature may shout NO; rather, we propose a maze of
63
Entretanto, para as RI algumas especificidades se imem, sobretudo pelos problemas
epistemológicos que precisam ser discutidos. Segundo Laudan (1977), considera-se problema
empírico como qualquer coisa do mundo natural que nos afeta e que precisa de explicação. O fato
de a observação ser orientada por teorias (theory laden) impõe que o que é visto como um
problema empírico depende das teorias que estão a orientar o pesquisador (LAUDAN, 1977).
Assim, problemas empíricos são “(...) problemas de primeira ordem; são questões substantivas
sobre os objetos que constituem o donio de uma dada ciência. (...) Julgamos a adequação das
soluções a problemas empíricos ao estudar os objetos no domínio.” (LAUDAN, 1977, p.15.
Itálicos no original)
107
. A inexistência de um consenso acerca do objeto de estudo das RI talvez
tenha levado Guzzini (1998) a entender esse problema a partir do declínio da aceitação por parte
dos protagonistas do campo de um suposto paradigma realista. Desse modo, a perspectiva
evocada por Guzzini enseja a necessidade de uma ciência normal em RI para que se possa falar
em solução de problemas empíricos. Enquanto um novo paradigma não emergir para orientar a
comunidade científica de RI, o campo estará fadado a uma constante discussão filofica de seus
pressupostos num ambiente pré-científico.
A partir da posição metateórica apresentada, crê-se que o problema pode ser colocado
noutros termos. As RI não precisam entrar numa rota de ciência normal para que o trabalho
científico verdadeiramente epistemológico tenha início. Como foi afirmado, parte substantiva
dos dilemas que convulsionam o campo de RI está relacionada a um parti pris que sugere que
(...) a consolidação da disciplina de Relações Internacionais encontraria nesses debates não
suas balizas, mas também, em larga medida, o seu sentido” (NEVES-SILVA, 2007, p.1)
108
. Com
isso, a discussão acerca dos referidos debates passa pela necessidade de se dar tratamento
epistemológico a eles. Talvez a identidade do campo, se a discussão for colocada nesses termos,
seja mesmo de um campo plural que se orienta não por um, mas por vários objetos constituindo
theories, and Nature may shout INCONSISTENT. The problem is then shifted from the old problem of replacing a
theory refuted by ‘facts’ to the new problem of how to resolve inconsistencies between closely associated theories.
Which of the mutually inconsistent theories should be eliminated? The sophisticated falsificationist can answer that
question easily: one had to try to replace the first one, then the other, then possibly both, and opt for that new set-up
which provides the biggest increase in corroborated content, which provides the most progressive problemshift.”.
107
Tradução nossa de: “(...) first order problems; they are substantive questions about the objects which constitute
the domain of any given science. (…) [W]e judge the adequacy of solutions to empirical problems by studying the
objects in the domain.”.
108
Tradução nossa de: “(...) the consolidation of the discipline of International Relations would find in these debates
not only their landmarks, but as well, and to a good extent, its sense.”.
64
áreas temáticas. Na medida em que os objetos dos donios o descritos nos termos de teorias,
então o problema passa a ser o quão melhores essas teorias são para resolver problemas
empíricos
109
. A pluralidade de posições que fervilham nas RI passa a ser, do ponto de vista
lakatosiano e também do laudaniano, algo benéfico. Ressalte-se: benéfico se, e somente se, elas
puderem ser discutidas epistemologicamente. Por outras palavras, a multiplicidade de posições
decorre da própria tentativa de solucionar os problemas empíricos. Entretanto, por uma
especificidade do campo, essas posições nunca foram colocadas para debater seus méritos de um
ponto de vista efetivamente epistemológico.
Nesse sentido, nãocomo fugir dos problemas empíricos: a empiria é o critério básico a
partir do qual o progresso num domínio científico é avaliado. Contudo, um outro problema – que
não se cria a partir da especificidade das RI, mas se impõe de maneira mais premente por causa
dela – se coloca. Segundo Laudan (1977), “seria um equívoco enorme, entretanto, imaginar que o
progresso científico e a racionalidade consistem inteiramente na solução de problemas
empíricos” (LAUDAN, 1977, p.45. Itálicos adicionados)
110
. Laudan afirma ainda que críticos e
proponentes de uma teoria (...) frequentemente invocam critérios de avaliação teórica que não
tem nada a ver com a capacidade da teoria de resolver os problemas empíricos do donio
científico relevante.” (LAUDAN, 1977, p.47)
111
. Isso impõe, portanto, a necessidade de se
analisar os chamados problemas conceituais, que são tão importantes quanto os empíricos para o
progresso científico.
Problemas conceituais não são problemas empíricos, mas decorrem diretamente das
teorias que se está a utilizar e que, por isso mesmo, afetam a própria resolução de problemas
empíricos. Eles decorrem de problemas internos, ligados à inconsistência ou ambiguidade dos
termos teóricos, ou de problemas externos, ligados a uma tensão entre duas teorias em que uma
se invoca como mais bem fundamentada do que a outra, mas uma delas, ou ambas, apresenta(m)
inconsistências lógicas, ou, ainda que logicamente consistentes entre si, a aceitação de uma torna
109
Efetivamente, esse é o papel da ciência para Laudan (1977): solução de problemas (problem-solving). Note-se que
essa posição é distinta da de solução de quebra-cabeças defendida por Kuhn (2005): para Laudan a solução de
problemas se faz à luz de discuses epistemológicas, ou seja, no constante embate de diferentes posições enquanto
que para Kuhn essa solução ganha um caráter eminentemente esotérico.
110
Tradução nossa de: “It would be an enormous mistake, however, to imagine that scientific progress and rationality
consist entirely of solving empirical problems.”.
111
Tradução nossa de: “(...) often invoke criteria of theoretical appraisal which have nothing whatever to do with a
theory’s capacity to solve the empirical problems of the relevant scientific domain.”.
65
inconcebível a aceitação de outra, ou, por fim, no caso de uma das teorias meramente reforçar a
outra, então uma delas não apresenta relevância para o domínio científico (LAUDAN, 1977).
Segundo Laudan (1977), os empiristas mais aguerridos como Popper e outros, não tanto
como Lakatos, colocaram o critério empírico como o definidor das escolhas tricas. Em relação
à posição lakatosiana, Laudan (1977) amplia o escopo da atividade científica que precisa
considerar também os problemas conceituais que as teorias apresentam. Essa posão, contudo,
não contradiz o critério lakatosiano, ou seja, um critério empírico é o fundamento da avaliação
teórica, mas ele precisa ser situado à luz da consistência das pprias teorias colocadas em teste.
Crê-se que não é cito atribuir a Lakatos (1999a) a desconsideração desse tipo de
problema. Ao estabelecer o papel a ser desempenhado pelas heurísticas do programa de pesquisa,
Lakatos (1999a) afirma que é possível sustentar que elas oferecem uma definição direta e
implícita da estrutura (framework) conceitual do programa (LAKATOS, 1999a, p.132, n.1). É
justamente esse elemento que Lakatos (1999a, p.177) toma como normativo quando se explica a
continuidade da empresa científica, contrariamente a Kuhn (2005) para quem a estrutura
conceitual é sócio-psicológica. Desse modo,
O falsificacionista sofisticado admite que qualquer parte do corpo científico seja
substituído, mas apenas sob a condição de que ele seja substituído de uma maneira
‘progressiva’, de modo que a substituição antecipe exitosamente fatos novos. Nessa
reconstrução racional da falsificação os ‘experimentos cruciais negativos’ o
desempenham qualquer papel. Ele não vê nada errado com um grupo de cientistas
brilhantes conspirando para reunir tudo o que puderem no seu programa de pesquisa
(‘estrutura conceitual’ se quiserem) favorito com um núcleo duro sagrado. (LAKATOS,
1999a, p.187. Itálicos no original)
112
.
A questão é que, se se pode aproximar o conceito lakatosiano de ‘estrutura conceitual da
perspectiva laudaniana, não fica clara na abordagem lakatosiana o real lugar dessa estrutura
conceitual na metodologia dos programas de pesquisa
113
ainda que se possa vislumbrar alguma
importância da mesma no marco de sua metodologia. Desse modo, a incorporação do argumento
laudaniano amplia o escopo do debate e dá maior visibilidade à dimensão conceitual das teorias.
112
Tradução nossa de: “The sophisticated falsificationist allows any part of the body of science to be replaced but
only on the condition that it is replaced in a ‘progressiveway so that the replacement successfully anticipates novel
facts. In his rational reconstruction of falsification ‘negative crucial experiments’ play no role. He sees nothing
wrong with a group of brilliant scientists conspiring to pack everything they can into their favourite research
programme (‘conceptual framework’ if you wish) with a sacred hard core.”.
113
Veja-se Lakatos (1999a, p.104) para o lugar dessas estruturas conceituais no marco do falsificacionismo
metodológico.
66
É racional escolher aquela teoria que amplia o contdo empírico (Lakatos) à luz de sua
consistência conceitual. Por outras palavras, o jogo de três partes tem como árbitro a consistência
teórica das teorias que dele participam
114
. As consequências não são triviais. Esse argumento
evita uma dicotomia presente tanto em Kuhn quanto em Lakatos que separa a atividade científica
em estágios “iniciante” e “avançado” (LAUDAN, 1977)
115
: os estágios mais avançados da
ciência (ciência madura’ para Lakatos e ‘normal’ para Kuhn) apresentariam paradigmas ou
programas de pesquisa “(...) mais progressivos, mais genuinamente científicos do que sua
contrapartida imatura.” (LAUDAN, 1977, p.150)
116
. Para Laudan (1977, p.151), no limite, essa
dicotomia é metodologicamente suspeita por acabar deixando os modelos de racionalidade
científica imunes à crítica empírica. Nada garante que os estágios mais avançados apresentam
maior poder heurístico e são mais progressivos do que os estágios anteriores. Mais ainda, pode
ser que aquilo que se chama de ciência madura ou normal seja construído sobre uma frágil base
conceitual de modo que no embate entre posições rivais, aquele momento avançado, à luz dos
problemas conceituais, mostra-se problemático. Desse modo, Laudan (1977) consegue antever
uma teoria científica que, do ponto de vista puramente empírico dos critérios kuhniano e
lakatosiano, seria imatura, no sentido de que seu poder heurístico é mais limitado, mas que é
fundamentada sobre uma base teórica mais lida. Essa ciência dita imatura poderia resistir
melhor e por mais tempo aos testes empíricos a que fosse submetida ao passo que um programa
dito maduro logo apresentaria dificuldades decorrentes de problemas conceituais.
Contudo, é preciso ressaltar que o aumento de contdo excedente não pode ser feito às
expensas de inconsistência conceitual. Esse critério laudaniano não rompe com o lakatosiano,
mas redescreve os termos do debate epistemológico, o qual incorporamos às RI. Muitas vezes, o
mesmo fundamento empírico é utilizado por teorias rivais na solução de problemas. Isso desvia o
foco da controvérsia para questões puramente conceituais a partir das quais o mérito dessas
teorias – a partir de um mesmo fundamento empírico deve ser avaliado.
114
Desse ponto de vista, portanto, o progresso teórico aludido por Lakatos (1999a) precisa ser mediado
conceitualmente.
115
Para Kuhn (apud LAUDAN, 1977, p.47), a maturidade de um determinado domínio científico seria aferida pela
inexistência de problemas conceituais (não-empíricos). O caráter esotérico da ciência normal é ditado, portanto, pela
solução de quebra-cabeças.
116
Tradução nossa de: “(...) more progressive, more genuinely scientific than its immature counterpart.”.
67
3. OS TERMOS DA DISPUTA ENTRE PROGRAMAS RIVAIS
O capítulo anterior apresentou um critério metatrico que permite esclarecer alguns
desacertos das discussões teóricas fundamentalmente epistemológicas que marcam as RI.
Uma dupla tarefa foi cumprida: de um lado, mostrou-se a deficiência da auto-imagem em
torno dos grandes debates” em desconsiderar os aspectos epistemológicos que a ideia de
debate enseja e, de outro, estabeleceu-se um critério funcional para comparar e discutir os
ritos de teorias. Essa última tarefa é fundamental para a análise daqueles textos ditos
críticos” que, não obstante enunciarem uma forma “nova”, senão “melhor” de se empreender
cientificamente na produção de conhecimento novo, não estabelecem os critérios
epistemológicos a partir dos quais se pode dizer que aquela suposta proposta é efetivamente
“nova” e “melhor”. A partir dos argumentos expostos no capítulo anterior, doravante a
dissertação analisa um problema concreto, qual seja o da mudança, colocada pela vertente
estrutural do construtivismo, exposta de maneira mais clara por Alexander Wendt (1999) e
que se pretende uma alternativa ao realismo estrutural. Dois são os objetivos do presente
capítulo: situar a discussão em termos lakatosianos no marco dos programas de pesquisa
científica realista e construtivista estruturais e situá-la num marco estruturalista, visto que
esse é o ponto de partida de Wendt, via estruturacionismo, exposto por Anthony Giddens.
Essa dupla tarefa coloca as balizas dentro das quais a discussão sobre mudança será
apresentada, bem como estabelece a pertinência desse tema no marco dos referidos programas
de pesquisa.
3.1 Os termos lakatosianos do debate
3.1.1 Discussão preliminar
O conceito lakatosiano de programa de pesquisa científica (PPC) é recorrente nas RI
117
no sentido de ser invocado sempre que se quer dar um contorno de “cientificidade” a um
117
Veja-se, por exemplo, o volume editado por Robert Keohane (1986), particularmente os ensaios do próprio
Keohane e do Waltz, bem como a revista The American Political Science Review de 1997 que traz o debate entre
68
determinado empreendimento acadêmico. Nem sempre, contudo, o emprego da epistemologia
lakatosiana em determinado campo se faz de maneira fiel àquilo que Lakatos (1999a) defende
como o legítimo critério de cientificidade, ou seja, algumas vezes o emprego daquela
epistemologia se faz à custa de sua própria coerência ou da coerência do seu uso, situação que
pode caracterizar muito mais um apelo retórico da parte daquele que a enuncia do que um
verdadeiro interesse em produzir um tipo de conhecimento específico o científico capaz
de ampliar
118
o nosso conhecimento.
Essa observação é importante porque o estudo do problema da mudança tal como se
fará aqui impõe um uso de PPC com alguma coerência. Diz-se ‘com alguma’ porque o que se
busca aqui não é analisar a correção da aplicação de Lakatos, mas, antes, como eventuais
divergências em torno dessa aplicação na análise de um determinado tema, a mudança
afetam a coerência do programa como um todo. Para que isso seja feito, portanto, é preciso
que tanto o realismo quanto o construtivismo estruturais coloquem o debate em termos
eminentemente lakatosianos. O apelo a essa coerência evita distorções inaceitáveis como
aquela que se constata, por exemplo, no argumento defendido por Hopf (1998) acerca do
construtivismo. Em seu artigo
119
, uma seção é dedicada a uma agenda de pesquisa, onde se lê:
essa seção tem por objetivo tirar o construtivismo das margens ao articular um frouxo
programa de pesquisa lakatosiano para um estudo construtivista das relações internacionais”
(HOPF, 1998, p.186. Itálicos adicionados)
120
. Ao final desse trecho, o autor coloca a seguinte
nota:
o próprio Waltz e Randall Schweller, Thomas Christensen, Jack Snyder, John Vasquez, Colin e Miriam Elman
em torno da progressividade ou degenerescência de um pretenso PPC realista e o volume editado por Elman e
Elman (2003) em que o metacririo e a metodologia dos PPPPCC são empregados na discussão sobre progresso
científico no campo.
118
Obviamente, o emprego do termo ampliar não está associado à ideia de que o conhecimento se acumula com
o progresso científico. Ampliação significa, no caso, que o progresso científico se dá com a coerência empírica e
conceitual das teorias. No marco lakatosiano, isso é aferido com a ajuda da metodologia dos programas de
pesquisa científicos.
119
Sinteticamente, o texto lida com construtivismos (convencional e crítico), a partir dos quais Hopf (1998)
defende um lugar de destaque ao construtivismo na teoria de relações internacionais. Curioso notar que aquilo
que o autor defende como construtivismo crítico enquadra-se, atualmente, na vertente chamada pós-estruturalista
de RI. Não existe em seu texto o rigor de separar o construtivismo (voltado, genericamente, para a construção
social da realidade por um agente) e o s-estruturalismo (que, ao questionar a existência ontológica de um
agente construtor da realidade, defende a constituição do mesmo em práticas discursivas); e, no marco do
próprio construtivismo, a separação que hoje se faz de construtivismo estrutural (Alexander Wendt, por
exemplo) de regra-orientado (Nicolas Onuf, por exemplo). Cremos que Hopf (1998) se equivoca ao situar os
problemas do construtivismo na distinção convencional e crítico, visto que ela perde algumas nuanças
importantes dessas vertentes teóricas.
120
Tradução nossa de: “this section aims at moving constructivism from the margins by articulating a loosely
Lakatosian research program for a constructivist study of international relations.”.
69
É uma adaptação frouxa porque, enquanto eu adoto o critério lakatosiano para aquilo
que constitui uma mudança progressiva e degenerescente num programa de
pesquisa, não adoto seus padrões de falsificacionismo e seus associados “cinturões
de proteção” de hipóteses auxiliares. (HOPF, 1998, p.186, n.53. Itálicos
adicionados)
121
.
O trecho expõe um uso que, em si mesmo, não é coerente com a proposta lakatosiana
e, portanto, não serve aos propósitos do presente trabalho. O caminho a ser seguido aqui,
contudo, não é convencional, no sentido de perseguir o entendimento que realismo e
construtivismo estruturais m dos PPPPCC e nem como eles trabalham esse entendimento.
Se esse fosse o objetivo, tratar-se-ia de ampliar, por exemplo, o debate travado entre Vasquez
(1997), Waltz (1997), Christensen e Snyder (1997), Elman e Elman (1997), Schweller (1997)
e Walt (1997)
122
acerca da constituição do núcleo duro do programa neorrealista, dos
imperativos heurísticos (positivos e negativos) para a pesquisa empírica, bem como da
progressividade ou degenerescência do mesmo. Partindo-se de um lugar metateórico, a
pesquisa busca atacar o ‘problema do entendimento de Lakatos em RI’ de outro ângulo. Ao
invés de definir ou situar os referidos PPPPCC a partir de seus núcleos duros e critérios
heurísticos, assume-se que a metodologia lakatosiana é trabalhada por eles. A partir dessa
assunção, busca-se evidenciar como realismo e construtivismo estruturais efetivamente
realizam aquela metodologia. Note-se que essa é uma abordagem distinta daquela dita
convencional: o entendimento que se tem acerca de Lakatos em cada PPC fica em segundo
plano e passa a ser importante como esse entendimento é implementado para a solução de
problemas que se nos impõem. Tanto melhor se a realização de um programa de pesquisa e a
solução de problemas, quer por parte dos realistas quer por parte dos construtivistas, se fizer
coerentemente, ou seja, se a produção de conteúdo empírico for teoricamente orientada. Pior
para o programa se tal empreendimento for feito à custa de uma fraqueza trica justamente o
que acarretaria uma aplicação insustentável do PPC haja vista as concessões que deveriam ser
feitas em relação ao núcleo duro para manter uma pretensa coerência empírica.
A mudança de enfoque permite que se realize um efetivo debate metateórico entre dois
PPPPCC tendo em vista os fundamentos epistemológicos dos mesmos. As consequências
disso são prontamente observáveis: há, pois, uma ampliação das fronteiras do debate
121
Tradução nossa de: “It is a loose adaptation because, while I adopt Lakatosian criteria for what constitutes a
progressive and degenerative shift in a research program, I do not adopt his standards of falsificationism or their
associated ‘protective belts’ of auxiliary hypotheses.”.
122
Trata-se do importante volume já citado da The American Political Science Review de 1997.
70
incorporando um PPC rival, ou seja, passa-se a discutir consistência e coerência entre
programas de pesquisa rivais e não apenas dentro (ou intra) de um referido programa tal
como fazem os autores citados anteriormente. Além disso, ainda que se quisesse discutir
PPPPCC rivais, poder-se-ia cair numa situação de mera descrição e comparação de núcleos e
critérios heurísticos caso se ficasse preso àquela posição já exposta. Busca-se, pois, sair da
mera descrição e tentar enfrentar efetivamente o debate do ponto de vista metateórico
cotejando os fundamentos epistemológicos do realismo e construtivismo tendo como ponto
comum a questão da mudança.
Ressalte-se que o enfoque proposto não diminui a importância dos aspectos aqui
chamados de convencionais. Ao contrário, sua centralidade é constatada de maneira mais
clara a partir das exigências do cumprimento de uma agenda de pesquisa empírica. Por outras
palavras, uma decorrência da nossa proposta é a necessidade de se averiguar como se
comportam as agendas de pesquisa propostas por programas rivais, especialmente como as
anomalias são efetivamente equacionadas no âmbito de cada PPC a partir dos fundamentos
epistemológicos dos mesmos. O debate aqui proposto permite encaminhar as discussões nesse
sentido. Assim sendo, nossa proposta amplia o escopo do debate ao permitir o cotejo das
agendas. Não há, portanto, contradição entre a perspectiva que se está a propor e aquela dita
convencional.
Ressalte-se ainda que a assunção referida não será feita tomando pelo valor de face os
argumentos expostos por autores. Evita-se, pois, incluir no debate posições como aquelas
defendidas por Hopf (1998), por exemplo. A posição que se está a defender implica, primeiro,
o abandono da tentativa de se estabelecer um critério intraprogramático para se decidir quais
autores podem ser incluídos no programa, ou seja, evita-se trabalhar com o PPC como um
todo
123
ainda que se reconheça a importância de se delimitar os limites de cada programa para
os propósitos deste trabalho e, segundo, em decorrência da afirmação anterior, essa posição
abrange a possibilidade de se trabalhar com autores e não com o programa, desde que se
consiga manter a proximidade desses autores com o PPC. Por outras palavras, ainda que o
seja o objetivo, do ponto de vista aqui adotado, definir o núcleo e as heurísticas
124
para se
apontar quem pertence ao programa, pode-se buscar o modelo de cientificidade perseguido
pelos autores num dado PPC a partir dos termos em que o debate é colocado. Ora, na medida
123
Ressalte-se: evita-se essa tarefa não porque ela não seja importante, mas porque o objetivo aqui proposto
impõe uma outra abordagem do problema.
124
Uma leitura da bibliografia especializada no tema mostrará que essa tarefa, ainda que importante, não goza de
consenso por parte dos seus protagosnistas.
71
em que os autores perseguem um programa de pesquisa científico é possível averiguar a
partir desses termos eminentemente lakatosianos se o empreendimento torna-o efetivamente
um programa de pesquisa científico e, mais ainda, pode-se avaliar a coerência de programas
rivais a partir das posições dos autores. Assim sendo, do ponto de vista metodológico, optou-
se por discutir como três autores Kenneth Waltz, Robert Gilpin e Alexander Wendt
trabalham seus PPPPCC a partir do problema da mudança. É a partir do cotejo das posições
desses autores sobre esse fenômeno que se avaliará como realismo e construtivismo
estruturais efetivamente realizam os termos lakatosianos do debate. Do ponto de vista do
objetivo aqui perseguido, esse modo de abordar o problema mostra-se mais fecundo. A
discussão lakatosiana serve, nesse trabalho, a um duplo propósito, portanto: ela é o critério a
partir do qual os programas rivais serão avaliados e ainda é o fundamento da afirmação de que
tanto realismo quanto construtivismos estruturais procuram construir programas de pesquisa
científicos.
Contudo, essa opção metodológica pode levar a um equívoco que precisa ser evitado.
Elman e Elman (1995) expõem o problema ao comentar o trabalho de Schroeder (1994):
Schroeder equivocadamente confunde o neorrealismo com o [livro] Theory of
International Politics de Waltz. Isso leva a dois erros que estão relacionados.
Primeiro, Schroeder compreende mal os tipos de evidência que imporiam um
desafio significante à abordagem neorrealista em geral ao ins [das evidências
quem imporiam um desafio] à teoria de Waltz em particular. Ele, portanto,
subestima a medida a qual sua interpretação do recorte histórico está de fato
consistente com a leitura neorrealista da política internacional. Segundo, ao
caracterizar mal o neorrealismo como sendo idêntico à teoria de Waltz, Schroeder
omite toda uma literatura neorrealista, como a escola da transição de poder.
(ELMAN e ELMAN, 1995, p. 183. Itálicos no original.)
125
.
Não se pode nesse trabalho, portanto, tomar todo o realismo estrutural como sendo
Waltz e Gilpin e suas respectivas obras. Seguindo o raciocínio exposto por Elman e Elman
(1995), tanto é verdade que algumas evidências imporiam um desafio significativo à
abordagem neorrealista em geral e não à Waltz em particular, quanto é igualmente verdadeiro
sustentar o raciocínio inverso de que algumas evidências imporiam um desafio significativo à
abordagem waltziana em particular, mas não ao neorrealismo em geral.
125
Tradução nossa de: “Schroeder mistakenly conflates neo-realism with Waltz’s Theory of International
Politics. This leads to two related erros. First, Schroeder misunderstands the kinds of evidence that would pose a
significant challenge to neo-realist approach in general, rather than to Waltz’s theory in particular. He therefore
underestimates the extent to which his rendition of the historical record is in fact consistent with a neo-realist
reading of international politics. Second, by mischaracterizing neo-realism as being identical to Waltz’s theory,
Schroeder omits entire neo-realist literatures, such as power transition school.”.
72
Não se pode também tomar todo o construtivismo apenas pela obra de Alexander
Wendt. Assim sendo, o modo diferenciado pelo qual os referidos autores realizam seus
respectivos PPPPCC decorre da maneira como eles enfrentam os problemas que se lhes
apresentam, particularmente o problema da mudança. No caso do construtivismo estrutural
algumas especificidades se impõem na tentativa de se evitar esse equívoco. Em certo sentido,
o desenvolvimento do neorrealismo deveu-se, em larga medida, ao trabalho de vários autores
que apontaram eventuais inconsistências na obra de Waltz (1979) e tentaram aprimorá-la,
sem, contudo, abandonar a perspectiva realista
126
. A concepção do construtivismo, ao
contrário, é em si problemática. Isto porque, de um lado, aquilo que se poderia chamar de
construtivismo não goza de consenso entre aqueles que se intitulam construtivistas. Segundo
Zehfuss (2002), nas RI, construtivismo “tornou-se um fenômeno inescapável” (ZEHFUSS,
2002, p.2). Contudo, defini-lo e, mais, dizer quem se enquadra nessa definição é uma tarefa
mais complicada e que possui muito pouco consenso. Um ponto mais básico e que precisa ser
resolvido refere-se ao seu status teórico ou filosófico. Ainda nas palavras da autora,
(...) existe também a discussão sobre se o construtivismo deve ser visto
propriamente como uma teoria de RI ou, ao invés disso, como uma categoria
filosófica, uma metateoria ou um método de pesquisa empírica, ou se ele é na
verdade uma abordagem relevante em vários níveis. (ZEHFUSS, 2002, p.8)
127
.
Historicamente, quem inaugura o construtivismo é Nicholas Onuf com seu World of
Our Making, de 1989. No mesmo ano é publicada a obra de Friedrich Kratochwil Rules,
Norms and Decisions
128
. Entretanto, a associação mais forte com essa corrente é feita com
126
É o caso, por exemplo, do trabalho de Snyder (1984) sobre a problemática do funcionamento das alianças.
Acerca do mesmo tema, merece destaque também o trabalho de Christensen e Snyder (1990). O próprio
Mearsheimer em seu The Tragedy of Great Power Politics oferece uma importante contribuição ao neorrealismo
revendo algumas hipóteses comportamentais derivadas da obra waltziana, num sentido diferente do daquele
exposto pelos autores anteriores.
127
Tradução nossa de: “(...) there is also discussion about whether constructivism is properly to be seen as a
theory of IR or rather as a philosophical category, a metatheory or a method for empirical research, or whether it
is indeed an approach relevant at several levels.”.
128
Interessante notar que Kratochwil, de um outro ponto de vista, ao menos distante do ponto de vista
wendtiano, está preocupado com as práticas sociais fundadas em regras e normas e, para as RI, como as práticas
domésticas influenciam as práticas internacionais. Segundo o autor, “(...) a mudança fundamental do sistema
internacional ocorre quando atores, por meio de suas práticas, mudam as regras e normas constitutivas da
interação internacional” (KOSLOWSKI e KRATOCHWIL, 1994, p.216). Este é o cerne do argumento que
permite a Kratochwil desafiar a mesmo a posição gilpiana sobre a mudança. Segundo aquele autor, sua
proposta permite gerar um programa de pesquisa voltada para a investigação de casos cruciais numa perspectiva
comparada, a qual “(...) nos permitirá examinar mais criticamente o entendimento convencional de que guerras
sistêmicas são o instrumento fundamental de reordenação das relações internacionais (Gilpin). Embora guerras
sejam obviamente o fator mais importante de alterações fundamentais, as mudanças dentro de sistemas e a
diferenciação de tipos entre sistemas estão provavelmente mais relacionadas a mudanças de percepção que, por
73
Wendt, cuja obra adquire consistência na década de 1990 com um artigo publicado em
1992 e o próprio livro de 1999 em que ele busca consolidar uma teoria social da potica
internacional
129
. Existiriam, portanto, com base no argumento de Zehfuss (2002), três
vertentes ou construtivismos
130
cujos fundamentos são diferentes. Na dificuldade de trabalhar
com os três em conjunto, optou-se por trabalhar apenas com a posição wendtiana tendo em
vista, primeiro, a expcita contraposição que Wendt (1999) busca fazer a Waltz (1979),
segundo, os termos em que a contraposição é colocada: uma alteração da perspectiva
estrutural waltziana a partir de uma perspectiva estruturacionista
131
. Isso permite colocar o
diálogo proposto em termos muito mais equilibrados do que seria se fosse utilizado uma outra
perspectiva
132
.
Poder-se-ia levantar um contra-argumento ao que ora se apresenta afirmando-se que
mesmo o realismo não goza da unidade que se sue, haja vista a existência de um realismo
clássico (de Hans Morgenthau e Edward Carr, por exemplo) e outro estrutural ou
neorrealismo (de Kenneth Waltz e John Mearsheimer, por exemplo). O ponto é que ainda que
se possa falar em dois realismos (como em três construtivismos), a proficuidade do trabalho
que se criou em torno da obra de Waltz ao realismo
133
muito mais consistência do que o
trabalho em torno de um dos três construtivismos. É possível encontrar e perseguir uma linha
seu turno, são tanto influenciadas pela ascensão e queda de normas quanto por guerras particulares. Isso ocorre
porque guerras decidem algumas questões, tais como a derrota dos desafiantes (e.g., Atenas, França ou
Alemanha/Japão), mas não outras (tais como as de qual padrão de interação existirá depois que o desafio for
superado).” (KRATOCHWIL, 1989, pp.261-262).
129
Literalmente, do inglês, Social Theory of International Politics. Considera-se, pois, essa obra como um
momento em que os argumentos de Wendt estão mais elaborados e mais bem desenvolvidos. Ela insere-se no
período que Ringmar (1997) chama de o Wendt tardio fruto de uma mudança na sua agenda de pesquisa
(RINGMAR, 1997, p.277). Segundo Ringmar, “o Wendt atual prefere falar de ‘interação social’ ao invés de
‘estruturação’, e sobre ‘construtivismo’ ao ins de ‘realismo cienfico’” (op.cit. p.278), contrapondo esse
“Wendt tardio” a um “Wendt inicial”, marcado pela obra de 1987. Ressalte-se que não propriamente um
abandono dos temas discutidos pelo “Wendt inicial” na obra de 1999. Tanto isso é verdade que nessa obra, ainda
que as ideias de interacionismo simbólico e construtivismo, por exemplo, dêem o seu tom, seria um equívoco
reduzir o papel que a teoria da estruturação e o realismo científico desempenham na sua obra como um todo e na
construção da via media em particular. Ringmar (1997) chama atenção para esses dois momentos na obra geral
de Wendt o que, para ele, cria uma tensão entre eles (RINGMAR, 1997, p.270).
130
Lembremos que Hopf (1998) também fala em construtivismos, mas organiza as posições de uma outra
maneira.
131
Veja-se Giddens (1979; 2003).
132
Um outro ponto que poderia ser levantado também para sustentar a centralidade da nossa proposta está no
reconhecimento de que, ainda que exista uma contraposição explícita de Wendt a Waltz, os méritos dessa
posição não foram apresentados e discutidos, ao menos com o vigor que se esperaria.
133
E aqui o se está a incorrer no mesmo equívoco cometido por Schroeder tal como apontado por Elman e
Elman: a aludida consistência do neorrealismo em torno da obra de Waltz se faz não pela própria obra de Waltz,
mas sim pelo desenvolvimento gerado pelo trabalho de outros autores como já foi dito.
74
de trabalho entre Morgenthau e Waltz, por exemplo, a partir de suas considerações acerca da
balança de poder no ambiente internacional e daí extrair as implicações para a análise da
política internacional
134
. Existiria, pois, uma certa continuidade entre as abordagens que
permite enfrentar o mérito intrínseco das mesmas.
A metodologia lakatosiana dos programas de pesquisa científica permite abordar essa
continuidade a partir do trabalho que os protagonistas do programa realizam em torno de um
núcleo comum. A existência de predições contraditórias decorrentes de hipóteses auxiliares
igualmente contradirias situação que permite averiguar a progressividade ou
degenerescência dos programas em causa que são constrdas para proteger um núcleo
comum enseja um tipo de continuidade epistemológica que dá consistência ao programa.
Do ponto de vista do construtivismo, o argumento da ausência de unidade
(KUBÁLKOVÁ, 2001; STERLING-FOLKER, 2000; ZEHFUSS, 2002) dificulta a discussão
sobre a proposta
135
. Para Sterling-Folker (2000), a guinada construtivista” na teoria de RI
com a entrada da dimensão sociológica voltada para os aspectos endógenos da interação com
foco na constituição de interesses e identidades dos atores não constitui um novo campo de
investigação teórica. Isto porque, sumarissimamente, a autora encontra uma proximidade
entre a lógica que rege o institucionalismo liberal o que ela chama de lógica da eficiência
funcional-institucional e a que rege o construtivismo o que faz com que essa última
abordagem o seja uma alternativa viável à primeira. Desse modo, o apelo a uma ontologia
baseada em processos [process-based ontology], ou seja, o compromisso metateórico de que a
interação humana ou os processos de interação humana são o único componente da realidade
social (STERLING-FOLKER, 2000), seria algo que poderia ser acomodado no âmbito da
própria abordagem institucionalista. Para a autora,
Os termos “instituição”, “estrutura” e “processo” são usados frequentemente
intercambiavelmente na literatura liberal para denotar o[(s)] “arranjo(s)
particular[(es)] construído[(s)] pelo homem” que “envolve[(m)] o conjunto de regras
(formais e informais) conectadas e persistentes que prescrevem papéis
134
Sobre essa discussão em particular e para uma discussão mais ampla das abordagens realista, remeto o leitor à
Diniz (2007).
135
De resto, existe divergências mesmo quanto as origens da abordagem. Segundo Sterling-Folker (2000),
“enquanto tanto [David] Dessler quanto [Alexander] Wendt traçam as origens do construtivismo no trabalho de
Anthony Giddens sobre a ‘teoria da estruturação’ (Dessler, 1989: 442; Wendt, 1987: 356), Wendt posteriormente
citou um número de outras teorias sociais como antecedentes, incluindo ‘cognitivistas, pós-estruturalistas,
feministas e feministas pós-modernas, teóricos regra-orientados e estruturacionistas’ (1992: 393). [John] Ruggie
traça o ‘projeto social construtivista’ num conjunto diferente de teóricos incluindo a Escola Inglesa, Durkheim e
Weber, mas ele também reconhece Giddens e os pós-modernistas como antecedentes (1998: 11, 28-32).
(STERLING-FOLKER, 2000, p.98, n.6).
75
comportamentais, constrangem atividades e moldam expectativas” (Keohane, 1989:
162-63, 1990: 175). Processos são práticas coletivas, tanto formais-materiais quanto
ideacionais, que os seres humanos criam e praticam para interagir entre si e alcançar
objetivos particulares (Keohane, 1989: 10, 1990: 175). (STERLING-FOLKER,
2000, p.110)
136
.
Sem, contudo, deixar de reconhecer o papel desempenhado pelo construtivismo na
ênfase numa tensão entre uma ontologia baseada em processos e a assunção de interesses
exogenamente constitdos, Sterling-Folker (2000), ao demonstrar uma possível acomodação
dessa tensão, acaba por colocar em dúvida o pprio lugar do construtivismo no quadro
teórico de RI, seja do ponto de vista de qual construtivismo emergirá da contraposição dos
debates entre os protagonistas da abordagem, seja em relação às demais abordagens teóricas
do campo, ou seja, o real mérito de uma alternativa dita construtivista em relação a
abordagens, quiçá programas, rivais.
Kubálková (2001) vale-se do argumento defendido por Sterling-Folker (2000) para
sustentar a pluralidade da abordagem construtivista, particularmente, para criticar a forma de
construtivismo que ela chama de branda (soft constructivism) e para defender a forma regra-
orientada: o primeiro, argumenta a autora, é a versão que emergiu do fim da Guerra Fria, cujo
expoente é Alexander Wendt e o último é um produto do Terceiro Debate em RI.
Nesse ponto o argumento da autora precisa ser qualificado. Sua crítica e defesa de dois
tipos de construtivismo fundam-se na dicotomia imposta pelo Terceiro Debate em RI entre
positivistas e póspositivistas. Segundo a autora,
Os vislumbres não positivistas que muitas versões do construtivismo brando
proveem o passageiros na melhor das hipóteses e o contorno positivista nunca foi
seriamente desafiado. É como se por brevíssimos momentos, o tráfico pendesse para
a esquerda apenas para voltar imediatamente para o lado direito da estrada. Não é
necessário dizer que todo o tráfico restante permaneceu o tempo todo ou a maior
parte dele dirigindo pelo lado direito. Tudo isso teria pouca consequência o fosse
por um detalhe, qual seja, o de que o temos um, mas muitos construtivismos.
Existe o construtivismo brando do pós-Guerra Fria inspirado e promovido pela
política acadêmica dos efeitos daquela falha patente da disciplina de explicar e
mesmo antecipar o fim da Guerra Fria. E existem outros construtivismos que
emergiram do Terceiro, ou seja pós-positivista, debate na disciplina de RI. Os
líderes do mainstream destacaram que o teste de qual versão do construtivismo
vencerá sefeito nos termos positivistas, ou seja, em termos de utilidade empírica
e este é o teste que ora enfrentamos. Os construtivistas pós-modernos, a outra forma
136
Tradução nossa de: “The terms ‘institution’, ‘structure’ and ‘process’ are frequently used interchangeably in
the liberal literature to denote the ‘particular human-constructed arrangement(s)’ that ‘involve persistent and
connected sets of rules (formal and informal) that prescribe behavioral roles, constrain activity, and shape
expectations’ (Keohane, 1989: 162-63, 1990: 175). Processes are collective practices, both formal-material and
ideational, that human beings create and practice in order to interact with one another and achieve particular
goals (Keohane, 1989: 10, 1990: 175).
76
de construtivismo que emergiu do Terceiro Debate, contudo, se abstêm dessa
competição baseados no seu argumento antifundacionalista que nega que discursos
tenham uma realidade por trás de si que pode ser acessada. O construtivismo regra-
orientado aceita o desafio. (KUBÁLKOVÁ, 2001, p.9. Itálicos adicionados)
137
.
Pelo exposto, o chamado mainstream de RI, neorrealismo e institucionalismo,
juntamente com o construtivismo brando, wendtiano
138
, estaria marcado por uma atividade
eminentemente positivista. Contra eles, opor-se-ia uma crítica s-positivista que, ao abrir
espaço para uma preocupação com regras, estas entendidas como “(...) a forma principal de
atividade humana e social que nos permite ver pessoas interagindo num e com um mundo
inextricavelmente social e material” (KUBÁLKOVÁ, 2001, p.26)
139
, permitiria não apenas
demonstrar a fraqueza do mainstream como também supri-la.
Graficamente, a área em cinza localiza a crítica de Kubálková (2001) da seguinte
maneira:
TERCEIRO DEBATE
POSITIVISTAS PÓS-POSITIVISTAS
Neorrealismo e Neo-Institucionalismo Construtivismo regra-orientado
Construtivismo brando (...)
137
Tradução nossa de: “The non-positivist glimpses that most versions of soft constructivist provide are fleeting
at best and the positivist framework has been never seriously challenged. It is as if a few brief moments, the
traffic swung to the left, only to return back straightaway to the right side of the road. Needless to say all of the
other traffic has kept driving all the time or most of the time on the right. All of this would be of little
consequence not for one detail, namely, that we do not have one constructivism but several. There is the post
cold war soft constructivism encouraged and elevated by the academic politics of the aftermath of the
discipline’s glaring failure to have explained let alone anticipated the end of the cold war. And there are other
constructivists, which emerged out of the Third, that is the post-positivist, Debate in the IR discipline. The
leaders of the mainstream have forewarned that the test as to which version of constructivism will make it will be
played out in positivist terms, that is on the grounds of empirical utility, and is the test we face now. Postmodern
constructivists, the other form that emerged out of the Third Debate, however disqualify themselves from such a
contest based upon their anti-foundationalist claim denying that discourses have reality behind them to be
checked against. Rule-oriented constructivism accepts the challenge.”.
138
Kubálková (2001), ao analisar o desempenho dessa abordagem no fim da Guerra Fria, chega a afirmar que o
construtivismo brando nada mais é do que o mainstream de RI adaptado para o contexto pós-Guerra Fria, em que
se tem, ao fim e ao cabo, apenas “uma abordagem utilitarista [da síntese neo-neo] modificada por uma dose de
voluntarismo.” (KUBÁLKOVÁ, 2001, p.9).
139
Tradução nossa de: “(...) a crucial formo of human and social activity that enables us to see people as
interacting in, and with, an inextricably social and material world.”.
FIGURA 1: O lugar do construtivismo no Terceiro Debate. Adaptado de KUBÁLKOVA (2001).
77
A maneira quase que descritiva com a qual Zehfuss (2002)
140
apresenta os três
construtivismos e a crítica específica de Sterling-Folker (2000) dão ao argumento de cisão da
abordagem construtivista de Kubálková (2001) uma maior abrangência: primeiro porque essa
autora não se atém a descrever posições rivais, mas busca enfrentá-las mostrando suas
fraquezas e em segundo lugar, em decorrência disso, o escopo da crítica é maior.
Contudo, pelos argumentos desenvolvidos no capítulo anterior, a crítica de Kubálková
(2001) ao chamado construtivismo brando e sua localização no marco do Terceiro Debate
incorpora todas as deficiências que ele apresenta do ponto de vista metateórico e, por
conseguinte, esvazia a problemática epistemológica envolvida na discussão
141
. Fazendo essa
ressalva, pode-se perseguir o argumento da autora e incorporá-lo aos demais para perceber
que, por eles, o restaria margem para se dizer de uma continuidade entre as propostas
construtivistas: não existiria um ponto pacífico que pudesse orientar um programa de pesquisa
científico construtivista.
De resto, mesmo a compatibilização pontual de autores mostra-se problemática. No
caso específico de Wendt, a imensa literatura dedicada aos aspectos de sua obra está voltada
para uma perspectiva crítica. Crê-se que isso acaba por limitar o alcance da sua proposta, não
obstante reconhecer-se aqui a necessidade e os méritos dessas críticas
142
. Mesmo a inclusão
integral de Emanuel Adler na abordagem wendtiana enfrenta dificuldades. O reconhecimento
dos ganhos epistemológicos e ontológicos advindos do trabalho com a teoria da estruturação
de inspiração giddensiana aproxima aquele autor da intenção wendtiana (ADLER, 1999;
2005), o que sinaliza para alguma proximidade entre as propostas. Contudo, a sua
incorporação da teoria da evolução cognitiva sinaliza para um afastamento daquela
intenção a partir da incorporação de perspectivas que são a ela estranhas, ao menos do ponto
de vista do reconhecimento da sua importância por parte de Wendt (1999). Segundo Adler,
Os construtivistas consideram a mútua constituição de agentes e estruturas, ou
estruturação, parte integrante da ontologia construtivista. (...) Diferente da
estruturação, a teoria da evolução cognitiva (...) trata não apenas da co-reprodução
de agentes e estruturas, num círculo vicioso, mas trata também da transformação
em particular, a institucionalização de novas ideias e conhecimentos como práticas
140
A obra é um grande esforço de apresentar e criticar o construtivismo em RI. As críticas, contudo vão num
sentido distinto do que se busca aqui.
141
Pode-se sustentar a hipótese de que, num duplo sentindo, a ausência de consenso na abordagem construtivista
alimenta a e é alimentado pela maneira como o Terceiro Debate em torno de positivistas e s-positivistas se
colocou em RI. Por outras palavras, crê-se que o esvaziamento epistemológico do debate legitima tanto aquela
ausência de consenso quanto o próprio debate.
142
Para um contato com essas críticas, remeto o leitor ao volume organizado por Guzzini e Leander (2006).
78
sociais. O ponto chave a ser lembrado sobre a co-constituição de agentes e
estruturas, entretanto, seja na sua versão da [teoria] da estruturação, seja na da
evolução cognitiva, é que ela ocorre nas e por meio das práticas. Comunidades de
práticas, portanto, desempenham um papel crucial na mútua constituição de agentes
e estruturas. (ADLER, 2005, pp.11-12. Itálicos adicionados)
143
.
Após apresentar a ideia de comunidades de práticas, Adler apresenta as características
importantes do construtivismo, nessa perspectiva por ele defendida. Dentre elas, uma
esclarece todo o argumento. Segundo o autor,
(...) o construtivismo toma a linguagem como o veículo para a difusão e
institucionalização de ideias dentro e entre comunidades como uma condição
necessária para persistência no tempo de práticas institucionalizadas e como um
mecanismo para a construção social da realidade. Além disso, as comunidades em
torno das quais o conhecimento se desenvolve, que desempenham um papel crucial
na construção da realidade social, são constituídas pela linguagem. Primeiras e
principais, portanto, [essas comunidades] são comunidades de discurso’; ou seja,
‘comunidades de produtores em competição, de intérpretes e críticos, de audiências
e consumidores, e de fregueses e outros atores significantes que se tornam sujeitos
do discurso em si. É apenas nessas comunidades concretas e vivas que o discurso se
torna significante’. Desse modo, discurso e prática não podem ser facilmente
separados. (ADLER, 2005, p.13. Itálicos adicionados)
144
.
Adler no importante texto de 1997 Seizing the middle ground acena para esse
enfoque discursivo do construtivismo, situando a sua base científica no pragmatismo da
filosofia da ciência (ADLER, 2005, p. 97). A ideia é rever a matriz teórica apresentada por
Wendt (1999) incorporando uma teoria dinâmica da seleção institucional, qual seja, a da
evolução cognitiva (ADLER, 2005, p.105). Isso permite, na concepção de Adler, responder a
algumas perguntas importantes para as RI tais como: por que certas ideias e conceitos
adquirem autoridade epistêmica, discursiva e institucional? Ou ainda, quais normas e
143
Tradução nossa de: “Constructivists consider the mutual constitution of agents and structures or structuration,
to be part of constructivism’s ontology. (…) Unlike structuration, the teory of cognitive evolution, which I
feature in this book, is not only about the co-reproduction of agents and structures, in a vicious circle, but is
about transformation in particular, the institutionalization of novel ideas and knowledge as social practices.
The key point to remember about the co-constitution of agents and structures, however, whether in the
structuration or the cognitive-evolution version, is that it occurs in and through practice. Communities of
practice, therefore, play a crucial role in the mutual constitution of agents and structures.”.
144
Tradução nossa de: “(...) constructivism takes language as the vehicle for the diffusion and institutionalization
of ideas within and between communities, as a necessary condition for the persistence over time of
institutionalized practices, and as a mechanism for the construction of social reality. Moreover, the communities
around which knowledge evolves, which play a crucial role in the construction of social reality, are constituted
by language. First and foremost, therefore, they are ‘communities of discourse’; that is, ‘communities of
competing producers, of interpreters and critics, of audiences and consumers, and of patrons and other
significant actors who become the subject of discourse itself. It is only in these concrete living and breathing
communities that discourse becomes meaningful’. Thus discourse and practice cannot easily be separated..
79
enunciadas por quem, constituem o jogo que as nações jogam? (ADLER, 2005, p.105). Diante
desse quadro, é possível notar um afastamento da proposta wendtiana, o que dificulta a
inclusão de Adler como um construtivista eminentemente estrutural. O reconhecimento desse
problema não impede, contudo, a abordagem do problema posto se, e somente se, se tiver
consciência de sua diferença para o quadro construtivista estrutural.
Não obstante todas essas divergências, existe uma dimensão que os protagonistas do
construtivismo tomam como problemática e que é, na verdade, um ponto a partir do qual se
pode defender a continuidade daquela abordagem. A metodologia lakatosiana contribui para o
argumento ao se estabelecer que, por decisão metodológica de seus protagonistas, o
construtivismo – enquanto um programa de pesquisa – há de ter um núcleo irrefutável.
Quando se toma a ideia de construção social da realidade por meio de práticas, tal como
exposto anteriormente por Adler (2005), como o núcleo desse PPC, pode-se notar
continuidade em relação à proposta wendtiana onde se via segmentação. Normas, regras,
agentes, estrutura, instituições, discursos tornam-se elementos de propostas que visam
entender como práticas constroem a realidade social humana. Particularmente, normas e
regras
145
são o centro da análise tendo em vista serem um ponto de convergência comum dos
compromissos epistemológicos dos autores. Variam, todavia, na maneira de abordar o seu
papel na conformação daquelas práticas.
Assim sendo, a incorporação da proposta estruturacionista giddensiana, para a qual as
regras (e recursos) “(...) esboçados na produção e reprodução da ação social são, ao mesmo
tempo, os meios de reprodução do sistema (a dualidade da estrutura).” (GIDDENS, 2003,
p.22. Itálicos adicionados), aliadas ao seu caráter sancionador normativamente
estabelecido
146
que estão envolvidos na conduta social, produz um tipo de relão entre
atores e práticas que é distinto daquele produzido pelos construtivistas regra-orientados que
o de orientar-se por outra perspectiva, cujo foco é a linguagem. Particularmente nesse caso,
a ênfase recai sobre a não dissociação de práticas e discursos na construção social da
realidade.
145
Usamos aqui os dois termos intercambiavelmente tendo em vista o fato de a literatura não ser muito precisa
em defini-los. Assim sendo, deixamos que cada autor apresente seu entendimento sobre cada um desses termos.
146
Giddens (1979; 2003) parece distinguir normas e regras. Ao mesmo tempo, contudo, o caráter sancionador
das normas parece ser dado por regras que guardam um aspecto que ele chama de regulador (Giddens, 1979).
Assim sendo, aquela distinção não fica muito clara.
80
Note-se que é verdadeiro o argumento de que o construtivismo de Wendt
147
é distinto
do de Adler, Kratochwil e Onuf, mas ainda assim é possível encontrar uma preocupação
comum que dá ao construtivismo uma linha de continuidade: num caso, a construção social da
realidade é estudada a partir das práticas de atores imersos num sistema de regras que
orientam essas práticas conformando uma dinâmica sistêmica mais ou menos estruturada
148
,
e noutro caso, a ênfase recai no discurso como espaço de produção de regras que orientam e
perpetuam as práticas. A noção de sujeito e estrutura cede lugar ao discurso enquanto
condição para a exisncia das práticas. A face visível das regras, nesse caso, não se encontra
na estrutura dos sistemas sociais, ou ainda, na estruturação de agentes utilizando e enunciando
regras num sistema social, mas sim, nos discursos. Pode-se dizer que o entendimento de
regras por Kubálková (2001) como sendo “(...) a forma principal de atividade humana e
social que nos permite ver pessoas interagindo num e com um mundo inextricavelmente
social e material” (KUBÁLKOVÁ, 2001, p.26) demanda a dimensão discursiva justamente
porque é nela que as regras estão situadas, ou seja, as regras são o locus que permitem ‘ver’
pessoas interagindo num e com um mundo inextricavelmente social e material.
Farrell (2002), apesar de voltado para um problema específico da agenda de pesquisa
construtivista, qual seja, o de estudos de segurança, busca justamente mostrar que, não
obstante essas nuanças
149
, o construtivismo pode ter sua unidade em torno da dimensão
normativa – que aqui tratamos por regras e constituir-se-ia, portanto, um verdadeiro
programa de pesquisa.
A defesa dessa continuidade conformando um programa de pesquisa construtivista não
exclui a possibilidade de se trabalhar apenas com a vertente estruturacionista de Alexander
Wendt tal como se expôs no início do capítulo. Do ponto de vista lakatosiano, estamos
trabalhando com uma das hipóteses que compõem o programa e que, para Wendt, é a melhor
por conseguir enfrentar as supostas anomalias do neorrealismo. A fecundidade dessa proposta
147
Também chamado pela literatura de estrutural ou brando, por exemplo.
148
Trata-se, portanto, nesse caso, de estudar a estruturação de sistemas sociais, ou seja, a maneira pela qual esse
sistema “(...) via aplicação de regras (...) e recursos, e num contexto de resultados não esperados, é produzido e
reproduzido na interação.” (GIDDENS, 1979, p.66. Tradução nossa.).
149
Valendo-se de uma outra terminologia entre construtivistas e culturalistas, Farrell (2002) ressalta a
preocupação que ambos têm com o impacto de normas para a segurança internacional. Seu entendimento é de
que normas são crenças intersubjetivas situadas nas e reproduzidas pelas práticas sociais que definem atores e as
possibilidades de ação (FARREL, 2002, p.49) e isso os aproxima. Apesar disso, eles mantêm diferenças não
apenas no que tange as expectativas de organização da política internacional mas também de nível de análise: os
construtivistas, segundo o autor, voltados para o impacto de normas internacionais conformando similaridades na
forma e ação estatais e os culturalistas buscando diferenças para a atuação estatal a partir das normas
internacionais.
81
em relação às demais, no marco do construtivismo, é uma questão a ser equacionada no marco
desse programa e que foge aos propósitos desse trabalho.
O objetivo, portanto, é: uma vez estabelecida a unidade do realismo e do
construtivismo, deve-se estabelecer os termos que fundamentam a afirmação de que tanto
realismo quanto construtivismos estruturais desenvolvem programas de pesquisa científica.
Resgatando o argumento já exposto, é a assunção por parte dos autores de que estão
trabalhando um programa de pesquisa que permite tratar ou colocar toda a disputa em termos
lakatosianos.
3.1.1.1 Neorrealismo
O ponto de partida aqui é Waltz
150
, particularmente a obra, de 1979, Theory of
International Politics (TIP). Essa obra pode ser considerada um amadurecimento e uma
sistematização do argumento exposto na sua obra anterior, de 1959, fundado nas três imagens
que localizam as causas da guerra no comportamento humano (primeira imagem), na
organização interna dos Estados (segunda imagem) e na anarquia internacional (terceira
imagem) (WALTZ, 2004). Crítico das duas primeiras imagens, Waltz (2004) coloca a
anarquia internacional como o fator decisivo na explicação da ocorrência de guerras e chama
atenção para padrões mais duradouros da potica internacional, a despeito das constantes
alterações que ocorrem no nível das unidades. Tais padrões decorrem da estrutura de ação
que condiciona a ação estatal a despeito das variações nos tipos das unidades previstas pela
primeira e segunda imagens. Obviamente, aspectos no vel unitário são importantes para
qualquer análise, visto que eles evidenciam as causas imediatas ou ativas das guerras
(WALTZ, 2004, p.288-289). Contudo, “(...) nem sempre é verdade que as causas imediatas
fornecem uma explicação suficiente para as guerras que ocorreram” (WALTZ, 2004, p.290) e
a terceira imagem chama atenção para a causa permissiva na política internacional ligada ao
150
Não se inclui Morgenthau porque, em relação a ele, Waltz impõe um importante avanço, seja do ponto de
vista empírico, seja do epistemológico. Segundo Diniz, “ao contrário da obra de Morgenthau, a de Waltz
assenta-se sobre uma discussão bem mais rigorosa de filosofia da ciência e de critérios de cientificidade a que
ele dedica os quatro primeiros capítulos (WALTZ, 1979, p.1-78) de um total de nove e sobre o recurso
sistemático a tradições científicas consolidadas, como o método sociológico de Durkheim. Sua retomada de
temas clássicos da discussão realista, aliada a uma construção teórica rigorosa, levaram a que se falasse não mais
simplesmente de Realismo Político, mas sim de Neorrealismo (por exemplo, KEOHANE, 1986) ou Realismo
Estrutural (por, WALTZ, 2000).” (DINIZ, 2007: p.42. Itálicos no original).
82
seu ambiente anárquico. Assim sendo, resgatando Rousseau, Waltz afirma que “(...) a guerra
ocorre porque não há nada que a evite.” (WALTZ, 2004, p.232).
A obra de 1979 tem como ponto de partida essa terceira imagem, para a qual Waltz
formulará um preâmbulo epistemológico – com o intuito de dar coerência ao argumento – , no
capítulo 1, do qual decorre sua teoria da política internacional.
O tom eminentemente popperiano marca a argumentação do primeiro capítulo de TIP.
Para Waltz (1979), a produção de conhecimento não é um problema da quantidade daquilo
que se observa, senão de explicação daquilo que se observa. Teorias, na visão indutivista, a
qual Waltz (1979) está a criticar, são coleções de leis que estabelecem relações entre
variáveis. Entretanto, na medida em que são apenas variáveis acumuladas, estabelecem
apenas relações entre si, mas o explicam por que os fenômenos ocorrem. Nesse sentido,
para o autor, não podem ser teorias. Teorias explicam leis (WALTZ, 1979, p.6). A partir dessa
concepção, a diferenciação entre leis e teorias é qualitativa: “leis identificam associações
invariantes ou prováveis. Teorias mostram por que associações acontecem.” (WALTZ, 1979,
p.5)
151
. Por essa definição, teorias passam a ser avaliadas a partir do seu poder explicativo.
Waltz (1979) afirma que “(...) os fatos não falam por eles mesmos porque associações nunca
contêm ou sugerem conclusivamente sua própria explicação (WALTZ, 1979, p.4)
152
. A
explicação vem de uma teoria com poder explicativo que antecede e dirige a observação.
Ora, essa posição é claramente popperiana, nos termos apresentados no capítulo anterior, o
que permite associar o argumento waltziano àquela epistemologia.
Como teorias não são reproduções da realidade, mas sim instrumentos que permitem
ao observador explicar determinados femenos, faz-se necessário avaliar ou testar o
desempenho das teorias nessa tarefa. Um dos méritos do TIP foi chamar atenção para a
necessidade da sujeição das teorias a testes e apontar um critério para essa tarefa. Contudo,
Waltz (1979) resumiu toda a discussão a apenas três páginas. A maior parte do
aprofundamento nesse tema veio com discussões travadas posteriormente
153
.
O argumento que se defende aqui é o de que, a despeito do fundamento
epistemológico popperiano, o critério dos testes teóricos é lakatosiano. Por outras palavras, o
cerne da posição waltziana comporta a inclusão de Lakatos. Ao situar Waltz nos debates
151
Tradução nossa de: “Laws identify invariant or probable associations. Theories show why those associations
obtain.”.
152
Tradução nossa de: “(...) facts do not speak for themselves because associations never contain or conclusively
suggest their own explanation (…).”.
153
Particularmente em 1986 e 1997.
83
epistemológicos, pode-se constatar claramente a sua negação do critério popperiano de
falsificabilidade como um teste legítimo de teorias. Na medida em que teoria e fatos guardam
uma relação de interdependência (WALTZ, 1979; 1986), é sempre possível encontrar uma
situação que contradiga um experimento (WALTZ, 1997, p.914). Note-se como nesse
argumento Waltz exe sua intenção popperiana e ao mesmo tempo acena para o argumento
lakatosiano. Essa posição é explicitada nos trabalhos tardios de Waltz, particularmente em
1986, 1997 e 2003. Contudo, o aludido critério lakatosiano pode ser encontrado em 1979,
como se depreende da seguinte passagem:
Os resultados desfavoráveis dos testes não devem conduzir a uma rejeição apressada
de teorias. Nem os resultados favoráveis devem conduzir a uma aceitação
facilmente. Mesmo se passar por todos os testes, deve-se lembrar que uma teoria
é crível somente em relação à variedade e dificuldade dos testes, e que nenhuma
teoria se provada verdadeira. (WALTZ, 1979, p.14)
154
.
A constatação desse argumento coloca a discussão e mais especificamente o próprio
neorrealismo em termos eminentemente lakatosianos, ou seja, a posição de que os resultados
dos testes a que são submetidos uma teoria não habilitam o estudioso a rejeitá-la ou aceitá-la
facilmente é um forte indício de um afastamento de uma posição popperiana para quem os
testes permitiriam falsear conclusivamente uma teoria e de uma aproximação da posição
lakatosiana (v. LAKATOS, 1999a). Isso significa que o neorrealismo não é uma teoria
isolada, mas pode ser caracterizado como um programa de pesquisa científico que congrega
diversas teorias balança de poder, balança de ameaças, alianças, transição de poder, etc.
que, como tal, compartilham a adesão a um núcleo duro e aos procedimentos heurísticos. Por
outras palavras, do ponto de vista lakatosiano, é de se esperar que as diversas teorias que
compõem o programa neorrealista estejam orbitando o núcleo compondo o cinturão protetor
que de protegê-lo em decorrência do modus tollens que norteia a heurística negativa.
Assim sendo, pode-se se sustentar que o neorrealismo começa com Waltz (1979) não porque
o neorrealismo se resuma àquele autor, mas porque ele criou as bases para a continuidade de
outros autores.
Esse é o fundamento da crítica de Elman e Elman (1997) a Vasquez (1997). O cerne
do argumento desse autor está numa suposta degenerescência do programa neorrealista. A
154
Tradução nossa de: “The unfavorable results of tests should not lead to the hasty rejection of theories. Nor
should favorable results lead to their easy acceptance. Even if all tests are passed, one must remember that a
theory is made credible only in proportion to the variety and difficulty of the tests, and that no theory can ever be
proved true.”.
84
crítica daqueles autores recai sobre um ponto do argumento de Vasquez (1997) evidenciado
pela posição de Robert Gilpin no marco do PPC em questão. Afirmam eles:
O quarto indicador [de degenerescência] de Vasquez sugere que se “coletivamente a
família de teorias lida com um conjunto de hipóteses contraditórias que em larga
medida aumentam a probabilidade de pelo menos uma passar num teste empírico,
então o programa de pesquisa pode ser avaliado como degenerescente” (p.901). Esse
indicador está equivocado, uma vez que ele simplesmente descreve o
desenvolvimento ordinário de um programa de pesquisa. De acordo com Lakatos,
mudanças no cinturão protetor de hipóteses auxiliares são projetadas para proteger o
núcleo duro. Essas mudanças de problema intraprogramáticas [intraprogram
problemshifts] combinam o núcleo duro com diferentes hipóteses auxiliares para
gerar diferentes predições. Desse modo, Lakatos antecipa que uma família de teorias
baseadas no mesmo núcleo inviolável fará predições contraditórias. Assim, por
exemplo, o fato de Gilpin (1981) e Waltz (1979) “predizerem coisas contraditórias”
(pp.908-9) não é indicador da natureza degenerescente do programa de pesquisa
neorrealista. (ELMAN e ELMAN, 1997, p.924. Itálicos no original. Grifos
adicionados.)
155
.
O trecho expõe o problema que deverá ser enfrentado a partir do próximo capítulo e
que consiste em estudar a relação entre as posições de Gilpin e Waltz, no que toca o problema
da mudança. Do ponto de vista do PPC, sua inclusão na discussão é equacionada a partir do
argumento exposto por Elman e Elman (1997), ou seja, Gilpin (1981) pode ser tratado nos
mesmos termos lakatosianos. Do ponto de vista prático isso implicará responder, primeiro,
em que medida aquelas duas posições são efetivamente contraditórias do ponto de vista de
suas intenções teóricas, ou seja, é preciso saber em que medida isso que se chama de
‘contraditório’ entenda-se: posições contraditórias entre si, posições intraprogramáticas que
equacionam os problemas de modo distinto, e o contraditórias em relação ao que determina
o núcleo duro do PPC – é consistente ou não com a dinâmica instaurada pela anarquia
internacional do ponto de vista empírico, tal como colocado por Waltz (1979), por exemplo.
Em segundo lugar, é preciso saber em que medida isso que se chama de ‘contraditórionão
apenas não é indicador de degenerescência, mas pode ser indicador de progressividade do
programa.
155
Tradução nossa de: “Vasquez’s fourth indicator suggests that if ‘collectively the family of theories fields a set
of contradictory hypotheses which greatly increase the probability of at least one passing an empirical test, then a
research program can be appraised as degenerating’ (p.901). This indicator is misleading, since it simply
describes the ordinary development of a research program. According to Lakatos, changes in the protective belt
of auxiliary hypotheses are designed to protect the hard core. These intraprogram problemshifts combine the
hard core with different auxiliary hypotheses to produce dissimilar predictions. That is, contrary to Vasquez’s
claim, Lakatos anticipates that a family of theories based on the same inviolable core will make contradictory
predictions. Thus, for example, the fact that Gilpin (1981) and Waltz (1979) ‘predict contradictory things)
(pp.908-9) is not an indicator of the degenerating nature of the neorealist research program.”.
85
A situação aventada por Elman e Elman (1997) impõe, contudo, uma qualificação do
ponto de vista estritamente lakatosiano: o argumento implica verificar se as diferentes
predições geradas no marco do neorrealismo se apóiam nas hipóteses auxiliares do PPC.
Enquanto o trabalho científico estiver voltado para testar e modificar as variantes refutáveis
(LAKATOS, 1999a, p.135) do núcleo do programa irrefutável por decisão metodológica
dos seus protagonistas (LAKATOS, 1999a) – mais consistente será a atividade daquele
programa. Contrario sensu, na medida em que as predições contraditórias forem feitas como
decorrência direta do núcleo duro, ou seja, daquele elemento que se decidira irrefutável, ter-
se-á uma evidência de que o programa caminha para a degenerescência. Isto porque
desdobramentos de hipóteses decorrentes diretamente do núcleo duro apontam para a
incapacidade do PPC de gerar hiteses capazes de acomodar as anomalias
156
. Assim sendo,
posições contraditórias entre si, posições intraprogramáticas que equacionam os problemas de
modo distinto, não o, em si mesmas, do ponto de vista lakatosiano, degenerescentes. Nesse
ponto, o argumento sustentado por Elman e Elman (1997) contra o de Vasquez (apud
ELMAN e ELMAN, 1997) é pertinente. Todavia, resta saber, tal como aqui se afirma a partir
da qualificação, se o equacionamento de problemas de modo distinto se faz às custas de um
abalo do núcleo. Nesse sentido, a crítica de Vasquez (apud ELMAN e ELMAN, 1997), qual
seja, a de que a família de teorias que lida com um conjunto de hipóteses contraditórias
visando aumentar a probabilidade de pelo menos uma passar num teste é degenerescente, teria
razão.
3.1.1.2 Construtivismo
O mesmo problema se aplica ao construtivismo. Muito do argumento já foi colocado
quando se discutiu uma linha de continuidade dessa abordagem. Acrescente-se apenas o
argumento defendido por Farrell (2002): a existência de posições contraditórias acerca do
156
Ressalte-se que a heurística positiva dita os rumos da pesquisa ou aquilo que Lakatos (1999a) chama de
ordem de pesquisa. Isto significa que as hiteses não são geradas ecleticamente, mas antes, seguem os ditames
daquele elemento da metodologia lakatosiana. Desse modo, afirma Lakatos que “poucos cientistas teóricos
engajados num programa de pesquisa prestam atenção exagerada em ‘refutações’. Eles têm uma política de
pesquisa de longo prazo que antecipa essas refutações” (LAKATOS, 1999a, p.135) que decorre da heustica
positiva.
86
comportamento estatal no marco do construtivismo não o impede de se tornar um programa
de pesquisa coerente, pois “(...) é perfeitamente legítimo que um programa de pesquisa
contenha predições contraditórias.” (FARRELL, 2002, p.54)
157
, se e somente a contradição
for entendida nos termos anteriores. Isso contribui para que se possa caracterizar como a
“leitura” que Wendt faz do neorrealismo deve ser abordada.
A busca de Wendt (1999) pela reordenação dos fundamentos ontológicos e
epistemológicos das teorias de RI permitiu criar uma teoria original voltada para enfrentar
problemas novos no ambiente internacional. Para tanto, trouxe novos fundamentos para sua
posição da teoria social (a teoria da estruturação de Anthony Giddens, por exemplo) e da
filosofia do conhecimento (o realismo científico de Roy Bhaskar, por exemplo). Essa
reordenação, contudo, não elimina a possibilidade se de encontrar a intenção lakatosiana na
proposta de Wendt.
Waltz (1979) tem muito claro quais são os seus pontos de partida epistemológicos
veja-se o primeiro capítulo todo dedicado a essa questão ainda que os termos lakatosianos
da disputa sejam explicitados em obras posteriores. Wendt, por outro, lado não segue essa
organização, nem na obra de 1999 e nem mesmo em outras obras de destaque como as de
1987 e 1992. Suas considerações epistemológicas diluem-se ao longo dos textos e os
momentos dedicados a esse tema estão voltados muito mais para a consolidação daqueles
fundamentos trazidos da teoria social e da filosofia do que para expor os seus pontos de
partida. É possível questionar se essa situação deriva de um “alinhamento automático à
epistemologia waltziana ou se existe algum tipo de desconsideração dessas questões. Essa
última possibilidade é insustentável uma vez que, como veremos, a adoção de um
enquadramento lakatosiano para a discussão por parte de Wendt (1999). Com efeito, em dois
momentos do início de seu Social Theory of International Politics, Wendt (1999) expõe sua
posição. O ponto de partida é exposto pela seguinte afirmação:
Tomarei o estruturalismo de Waltz e seu diálogo com Ashley e Ruggie como
meu ponto de partida, mas daí em diante empreenderei uma substancial
reorganização conceitual” que, ao fim e ao cabo, promoverá uma teoria estrutural
diferente do neorrealismo tanto em tipo quanto em conteúdo. Essa teoria compete
com o argumento de Waltz de várias maneiras e o reforça em outras. Contudo, eu a
vejo primeiramente como uma tentativa de explicar as condições culturais de
157
Tradução nossa de: “(…) it is perfectly legitimate for a research program to contain theories that make
contradictory predictions.”
87
possibilidade, e fazendo assim, as bases para culturas da anarquia alternativas, “não-
realista”. (WENDT, 1999, p.15. Itálicos adicionados.)
158
.
Em seguida, a partir daquele ponto de partida, expõe os termos da disputa com Waltz e
o neorrealismo:
Seria útil considerar se os esforços de reforma do neorrealismo são todos
compatíveis com o “núcleo duro” do programa de pesquisa neorrealista, e
particularmente com sua ontologia, ou se alguns desses esforços podem constituir
“mudanças de problemas degenerescentes”. Ao invés de desafiar a coerência
ontológica do neorrealismo neoliberalismo, entretanto, deixe-me estipular o
núcleo de uma alternativa. A intuição básica é que o problema no projeto de sistema
de estados hoje situa-se na conceituação de estrutura e teoria estrutural e que,
portanto, é preciso uma reorganização conceitual de todo o empreendimento.
(WENDT, 1999, p.20. Itálicos adicionados)
159
.
A citação sintetiza o argumento: o compromisso com a metodologia lakatosiana
permite Wendt (1999) localizar o problema no programa neorrealista no seu núcleo duro.
Assim sendo, tal compromisso ime uma dupla consequência: ele é tanto resultado daquela
localização quanto reforço desse compromisso. Por outras palavras, a localização de um
problema na teoria estrutural adotada pelo neorrealismo leva Wendt (1999) a buscar uma
solução para o mesmo na teoria estruturacionista. Com efeito, uma vez que Wendt (1999), a
partir de sua trajetória, localiza esse problema no núcleo do neorrealismo, sua nova proposta
será não uma hipótese auxiliar ao núcleo, mas antes uma reforma do próprio núcleo o que faz
com que o construtivismo de compromisso estruturacionista torne-se um programa rival ao
neorrealismo. Tratar-se-ia, portanto, nos termos lakatosianos, de uma mudança
interprogramática. Ao mesmo tempo, o uso desses termos reforça a opção pelo uso
consistente e sistemático diferente do que faz Hopf (1998), por exemplo daquela
metodologia. Daí a recorrência dos termos empregados por Lakatos (1999a).
158
Tradução nossa de: “I shall take Waltz’s structuralism and Ashley and Ruggie’s conversation with it as
my starting point, but from there engage in some substantional ‘conceptual reorganizationthat will ultimately
yield a structural theory of different in both kind and content from Neorealism. This theory competes with
Waltz’s argument in some ways, and supports it in others. But I see it primarily as trying to explain the latter’s
cultural conditions of possibility, and in so doing the basis for alternative, ‘non-realist’ cultures of anarchy.”.
159
Tradução nossa de: “It would be useful to consider whether the efforts to reform Neorealism are all
compatible with the ‘hard core’ with Neorealist research program, and particularly its ontology, or whether some
of these efforts might constitute ‘degenerating problemshifts’. Rather than challenge the ontological coherence
of Neorealist-Neoliberalism, however, let me just stipulate the core of an alternative. The basic intuituin is that
the problem in the states systemic project today lies in the Neorealist conceptualization of structure and
structural theory, and what is therefore needed is a conceptual reorganization of the whole enterprise.”.
88
Resta saber se, primeiro, a “leitura” que Wendt (1999) faz do neorrealismo para
apontar uma deficiência nuclear é consistente e, segundo, se em decorrência dessa leitura a
proposta estruturacionista para o construtivismo é progressiva como quer Wendt, ou seja, se
se está diante de uma mudança interprogramática progressiva.
A seção seguinte expõe as balizas estruturalistas, particularmente o fundamento da
crítica ao estruturalismo, da qual se vale Wendt (1987; 1992; 1999) para a conceber a sua
proposta construtivista.
3.2 O marco estruturalista
Se a realização dos PPPPCC lakatosianos no marco de cada programa estabelece as
balizas para a análise ora proposta, o estruturalismo está na base das considerações de cada
programa acerca da mudança. É preciso, pois, ter claro que os termos do debate também são
estruturalistas. Isso permite, de um lado, estabelecer as fronteiras de cada uma das propostas
apresentadas pelos autores em si mesmas consideradas e, de outro, especificamente no caso
construtivista, estabelecer as próprias fronteiras da posição que Wendt (v. 1987; 1992; 1995;
1999) defende em relação a posições construtivistas concorrentes. Pelo exposto, busca-se
isolar variáveis estranhas às propostas de modo a se ter claro o cerne do argumento de cada
autor. Essa situação é particularmente importante para o construtivismo tendo em vista suas
rias propostas, situação que dificulta a sua unidade. Assim sendo, o construtivismo torna-se,
ao mesmo tempo, gênero e espécie perseguida por vários autores buscando defender suas
posições.
Tal situação é constatada pelo próprio Wendt. A posição por ele defendida advém da
tentativa de se situar em meio à profusão trica vivenciada pelo campo de RI nos anos 1980
e 1990
160
. O lugar por ele defendido é uma via media entre as posições racionalistas e
reflexivistas expostas por Keohane (1988).
Sobre a via media cumpre ressaltar o fato de que a associação dessa posição wendtiana
com aquela de Keohane (1988), tal como exposto por Sterling-Folker (2000), por exemplo, é
feita para esclarecer a tentativa de um incipiente debate entre posições díspares e de
160
Para um contato com essa profusão a partir dos chamado ‘debate interparadigmático’, veja-se Wæver (1996;
1997).
89
denominação pouco precisa tais como teorias racionalistas e reflexivistas, ou positivistas e
pós-positivistas ou ainda modernas e pós-modernas. Trata-se de um artigo de 1988 que é uma
mensagem de Keohane proferida durante o encontro anual da ISA (International Studies
Association), associação de que foi presidente durante o biênio 1988/89. O autor chama
atenção para a possibilidade uma síntese entre os chamados racionalistas e os reflexivistas
que permita entender tanto as práticas e instituições internacionais, foco de sua análise, quanto
as relações entre elas. Além disso, aponta para o fato de que essa síntese não será feita num
único ato. Exige-se, pois, uma “(...) competição construtiva e um diálogo entre esses dois
programas de pesquisa e a investigação teoricamente informada dos fatos.” (KEOHANE,
1988, p.393.)
161
. Note-se que a intenção de sua proposta se aproxima daquela aqui defendida,
mas Keohane (1988) não a persegue tal como aqui se sugere. Ela serviu, contudo, para
inspirar propostas como a de Wendt, por exemplo.
Na concepção de Keohane (1988), à posição racionalista (neorrealistas e neo-
institucionalistas), que conseguiu uma síntese a chamada síntese neo-neo e estabeleceu,
pois, um espaço compartilhado de alguns pressupostos (o viés racionalista, anarquia, padrões
de atuação de instituições, dentre outros), contrapunha-se, noutro extremo, a posição
reflexivista (WÆVER, 1997, p.19). Foram criadas, portanto, as possibilidades de se pensar
um meio termo entre aquelas duas posições. Wæver (1997), sintetiza a possibilidade aberta
por Keohane (1988) afirmando:
De um lado estava a abordagem racionalista, referindo-se ao unido programa de
pesquisa neorrealista e neoliberal do qual ele mesmo é um dos líderes, e de outro
lado estava o que Keohane colocou sob o rótulo de ‘reflexivistas’, que deveria
encampar aqueles inspirados pelo pós-modernismo frans e pela hermenêutica
alemã, bem como as últimas perspectivas wittgenteinianas sobre regras e o
construtivismo social. (WÆVER, 1997, 19-20)
162
.
Nesse campo insere-se a posição de Wendt que, não obstante ser apresentada
primeiramente em 1987 e ser, portanto, anterior à proposta de Keohane, mantém com essa
última uma consonância. Wendt (1992) é um crítico do neorrealismo e do neo-
161
Tradução nossa de: “(…) require constructive competition and dialogue between these two research programs
– and the theoretically informed investigation of facts.”.
162
Tradução nossa de: “On the one side was the rationalist approach, referring to the merged neo-realist neo-
liberalist research programme of which he himself is one of the leaders, and on the other side were what
Keohane united under the label of ‘reflectivists’, which was to cover those inspired by French postmodernism
and German hermeneutics as well as late-Wittgensteinian rules-perspectives and social constructivism.”.
90
institucionalismo por não considerarem a ideia de processo
163
nas interações internacionais
capazes de redefinir as identidades e interesses dos atores em questão. Para eles, segundo o
autor, identidades e interesses são fixos e a ideia de processo que se incorpora àquelas
posições conta de explicar eventuais mudanças nos comportamentos dos atores, mas não
de suas identidades ou interesses. Isto porque a vertente que Keohane (1988) chama de
racionalista (...) reduz processo à dinâmicas de interação comportamental entre atores
exogenamente constituídos (...)” (WENDT, 1992, p.392. Itálicos adicionados.)
164
. Mesmo o
argumento institucionalista liberal de que a participação em instituições liberais favoreceria
um comportamento cooperativo envolve a assunção de interesses e identidades exogenamente
criadas e não decorrem do processo de interação (WENDT, 1992). Ainda nesse caso, existe a
assunção de que os constrangimentos estruturais têm prevalência sobre os processos de
interação, ou ainda, a ideia de processo que ali se concebe está diretamente ligada à dinâmica
estrutural. Assim, eventuais mudanças de comportamento decorrem de alterações no nível
estrutural
165
. Essa visão não incorpora, pois, a possibilidade de intersubjetividade
166
.
Tal situação seria possível, entretanto, com a incorporação de conceitos sociológicos
capazes de lidar com mudança de identidade e interesses. Segundo Wendt,
A ironia é que teorias sociais que buscam explicar identidades e interesses existem.
Keohane chamou-as de “reflexivistas”; pelo fato de eu querer enfatizar o foco delas
na construção social da subjetividade e minimizar suas imagens de problemáticas,
seguindo Nicholas Onuf, chamá-las-ei de “construtivistas”. A despeito de
importantes diferenças, cognitivistas, pós-estruturalistas, feministas, teóricos de
regras e estruturacionistas compartilham da preocupação com a queso
163
Ressalte-se que para Wendt (1992) as instituições internacionais também conseguiriam alterar identidades e
interesses. Sua crítica recai justamente sobre a impossibilidade que os racionalistas, a partir de seus pressupostos
epistemológicos e ontológicos, teriam de considerar aqueles tipos de alterações pelas quais os atores sofreriam
em decorrência da participação em instituições internacionais.
164
Tradução nossa de: “(...) reduces process to dynamics of behavioral interaction among exogenously
constituted actors (…)”.
165
Do ponto de vista da síntese neo-neo, no que tange a participação dos atores em instituições internacionais,
cumpre ressaltar o argumento apresentado por Diniz (2003) de que a questão relevante é “(...) ‘instituições
internacionais podem modificar a dinâmica de interesses instaurada pela anarquia do sistema internacional ou
apenas modificam ligeiramente o comportamento dos Estados, a partir daquela dinâmica?’. Apenas essa
pergunta permite colocar a teoria institucionalista como uma alternativa’ ao realismo ‘estrutural’, e não como
um mero complemento deste.” (DINIZ, 2003, p.136).
166
Obviamente, como bem pondera Wendt (1992, p.393, n.7), existe uma ampla literatura que se poderia
incorporar ao marco racionalista em análise voltada para o problema da formação de preferências. Não nos
interessa aqui examiná-la visto que o próprio Wendt é crítico dela na medida em que ele vislumbra uma
extrapolação dos limites racionalistas que seriam compatíveis com a proposta em exame. Justamente por isso, é
interessante ver como, a partir da sua crítica, Wendt vai se posicionar perante essa lacuna e propor uma
alternativa.
91
“sociológicabásica isolada pelos racionalistas ou seja, a questão da formação de
identidades e interesses. (WENDT, 1992, p.393)
167
.
Wendt (1992) complementa sua posição afirmando que o potencial do construtivismo
foi obscurecido pelos recentes debates epistemológicos entre modernistas e smodernistas:
os primeiros apontando a ausência de rigor científico dos últimos e esses celebrando aquela
ausência (WENDT, 1992, p.393). Essa divisão, segundo o autor, também alimenta uma
divisão no construtivismo. Segundo ele,
Com relação à substância das relações internacionais, entretanto, tanto os
construtivistas modernos quanto os pós-modernos estão interessados em como
práticas conscientes [knowledgeable] constituem os sujeitos (...). Eles compartilham
uma concepção cognitiva, intersubjetiva do processo no qual identidades e
interesses o endógenos à interação, diferentemente da posição racionalista-
comportamental para a qual eles são exógenos. (WENDT, 1992, p.394. Itálicos
adicionados)
168
.
O trecho citado expõe o cerne do argumento de Wendt em relação aos demais
construtivistas. Sua posição é clara na obra de 1999, donde se lê:
No meio acadêmico, tornou-se lugar comum ver a política internacional como
“socialmente construída”. Valendo-se de uma variedade de teorias sociais teoria
crítica, s-modernismo, teoria feminista, institucionalismo histórico,
institucionalismo sociológico, interacionismo simbólico, teoria da estruturação,
dente outras estudantes de política internacional mais e mais aceitaram dois
princípios básicos do “construtivismo”: (1) que as estruturas da associação humana
são determinadas primariamente pelas ideias compartilhadas do que pelas forças
materiais, e (2) que identidades e interesses de atores com determinados propósitos
são construídos por aquelas ideias compartilhadas ao invés de dados pela natureza.
O primeiro [princípio] representa uma abordagem “idealista” para a vida social, e na
sua ênfase nas ideias compartilhadas é também “social” numa maneira em que a
ênfase da visão materialista oposta na biologia, tecnologia ou no ambiente o é. O
segundo [princípio] é uma abordagem “holista” ou “estruturalista” dada a sua ênfase
nos poderes emergentes das estruturas sociais, que se opõe à visão “individualista
de que estruturas sociais são redutíveis aos indivíduos. O construtivismo pode,
portanto, ser visto como um “idealismo estrutural”. (...) Como a lista acima sugere,
existem muitas formas de construtivismo. Neste livro eu defendo uma forma e uso-a
167
Tradução nossa de: “The irony is that social theories which seek to explain identities and interests do exist.
Keohane has called them ‘reflectivist’; because I want to emphasize their focus on the social construction of
subjectivity and minimize their image problem, following Nicholas Onuf I will call them ‘constructivist’.
Despite important differences, cognitivists, poststructuralists, standpoint and postmodern feminists, rule
theorists, and structurationists share a concern with the basic ‘sociological’ issue bracketed by rationalists
namely, the issue of identity- and interest-formation.”.
168
Tradução nossa de: “With respect to the substance of international relations, however, both modern and
postmodern constructivists are interested in how knowledgeable practices constitute subjects (…). They share a
cognitive, intersubjective conception of process in which identities and interests are endogenous to interaction,
rather than a rationalist-behavioral one in which they are exogenous.”.
92
para teorizar sobre o sistema internacional. A versão do construtivismo que defendo
é moderada e vale-se especialmente da sociologia estruturacionista e interacionista.
Como tal, essa versão aceita pontos importantes das perspectivas materialista e
individualista e apóia uma abordagem científica para a investigação social. Por essas
razões, ela deve ser rejeitada pelos construtivistas mais radicais por o ir longe o
suficiente; de fato é um construtivismo estreito [thin]. Ela vai muito mais longe do
que a maioria dos atuais acadêmicos do mainstream de Relações Internacionais que
rejeitam qualquer discussão sobre construção social como sendo “pós-modernismo”.
Entre esses extremos, espero encontrar uma via media filosoficamente orientada.
(WENDT, 1999: pp.1-2. Itálicos adicionados)
169
.
Afora as considerações de ordem eminentemente epistemológica que serão tratadas
oportunamente para fundamentar a ideia wendtiana de mudaa, a citação exe e sintetiza a
posição defendida por Wendt em relação aos seus rivais, seja do ponto de vista do “lugar
epistemológico” em que ele está em relação aos demais, seja do ponto de vista daquilo que ele
chamou de via media.
O apego wendtiano à discussão estruturalista a partir da crítica estruturacionista ao
estruturalismo feita por Anthony Giddens – serve para definir o seu lugar na discussão
construtivista e, ao mesmo tempo, para criticar a posição realista estrutural
170
. É justamente
essa crítica, a partir dos compromissos assumidos, que se quer avaliar aqui.
Wendt vai buscar na teoria social sua crítica à concepção estruturalista vigente em RI
tendo em vista o fato de que (...) neorrealismo e neoliberalismo [institucional] são ‘sub-
169
Tradução nossa de: “In recent academic scholarship it has become commonplace to see international politics
described as ‘socially constructed’. Drawing on a variety of social theories critical theory, postmodernism,
feminist theory, historical institutionalism, sociological institutionalism, symbolic interactionism, structuration
theory, and the like students of international politics have increasingly accepted two basic tenets of
constructivism: (1) that structures of human association are determined primarily by shared ideas rather than
material forces, and (2) that the identities and interests of purposive actors are constructed by these shared ideas
rather than given by nature. The first represents and ‘idealist’ approach to social life, and in its emphasis on the
sharing ideas it is also ‘social’ in a way which the opposing ‘materialist’ view’s emphasis on biology,
technology, or the environment, is not. The second is a ‘holist’ or ‘structuralist’ approach because of its
emphasis on the emergent powers of social structures, which opposes the ‘individualist’ view that social
structures are reducible to individuals. Constructivism could therefore be seen as a kind of ‘structural idealism’.
(…) As the list above suggests there are many forms of constructivism. In this book I defend one form and use it
to theorize about the international system. The version of constructivism that I defend is a moderate one that
draws especially on structurationist and symbolic interactionist sociology. As such it concedes important points
to materialist and individualist perspectives and endorses a scientific approach to social enquiry. For these
reasons it may be rejected by more radical constructivists for not going far enough; indeed it is a thin
constructivism. It goes much farther than most mainstream International Relations scholars today, however, who
sometimes dismiss any talk of social construction as ‘postmodernism’. Between these extremes I hope to find a
philosophically principled middle way.”.
170
Ressalta-se aqui que o argumento de Wendt não é construído apenas pela aproximação com Giddens. Ele traz
discussões de outras áreas, tais como do interacionismo simbólico e do realismo crítico, dentre outros. Desse
modo, sua teoria social da política internacional deve ser avaliada nesse contexto. Apesar disso, a aproximação
com Giddens é o ponto de inflexão na teoria de RI que permite, de um lado, definir a posição de Wendt em
relação aos demais protagonistas do construtivismo e, de outro, propor uma alternativa ao neorrealismo. Por isso
o seu destaque aqui.
93
socializados’ no sentido de que eles prestam pouca atenção aos modos pelos quais os atores
na potica mundial são socialmente construídos.” (WENDT, 1999, p.4)
171
. O STIP está
dividido em duas partes: na primeira, Wendt (1999) trata daquilo que ele chama de questões
de segunda ordem, quais sejam, questões de teoria social que não compõem o centro da sua
teoria de potica internacional, mas que precisam ser colocadas como fundamento das
questões substantivas da sua teoria social da potica internacional exposta na segunda parte
da obra. Assim sendo, é a partir da teoria social que aquele autor vai se contrapor ao
neorrealismo. Essa preocupação já se encontra expressa no artigo de 1987 onde Wendt afirma
que o seu interesse é criticar a teoria estrutural tal como usada especialmente pelo
neorrealismo e desenvolver (...) uma nova abordagem à teorização estrutural sobre as
relações internacionais adaptada do trabalho dos ‘teóricos da estruturação’ na sociologia.”
(WENDT, 1987, p.336)
172
. Wendt (1987, p.336, n.2) toma a expressão ‘teóricos da
estruturaçãonum sentido mais amplo abarcando não apenas Giddens, o primeiro nome a ser
associado com o estruturacionismo, mas também Roy Bhaskar e Pierre Bourdieu, por
exemplo. Naquele artigo, o autor buscou apontar a relevância da discussão para as RI, muito
mais do que desenvolver as ideias de Giddens. Isso, contudo, não impede de abordar o
problema a partir desse autor.
Ao fim e ao cabo, toda a discussão pode ser vista sob a ótica da teoria da ação.
Wendt, a partir da sua crítica ao estruturalismo neorrealista, quer entender a ação no nível
internacional a partir das críticas dirigidas às posições teóricas dominantes nas RI nas décadas
de 1980 e 1990, críticas essas que permitem situá-lo numa via media tal como foi dito.
Nesse sentido, a incorporação que o autor faz de Giddens é importante tendo em vista suas
preocupações com a maneira pela qual a ação vem sendo trabalhada pela teoria social.
Crítico de uma tradição sociológica funcionalista e estruturalista fundamentalmente
britânica e estadunidense cujas origens remontam, segundo o autor, ao século XIX, e
insatisfeito com a hermenêutica ou formas de sociologia interpretativa que passaram a compor
a teoria social, Giddens (1979; 2001; 2003) propõe a incorporação de questões centrais para a
teoria social que foram marginalizadas com o domínio daquelas abordagens da teoria social.
171
Tradução nossa de: “(...) neorealism and neoliberalism are ‘undersocialized in the sense that they pay
insufficient attention to the ways in which the actors in world politics are socially constructed.”.
172
Tradução nossa de: “(...) a new approach to structural theorizing about international relations adapted from
the work of ‘structuration theorists’ in sociology.”.
94
O cerne da preocupação de Giddens (1979; 2003) é redefinir a teoria da ação em
moldes filosoficamente distintos de até então. Três são os problemas
173
por ele detectados:
primeiro, o pouco aprofundamento em questões ligadas à análise institucional com discussões
ligadas a poder e mudança social, por exemplo; segundo, a ausência de uma teoria do sujeito
ativo [acting subject]; terceiro, a necessidade de situar a ação no tempo e no espaço como um
fluxo contínuo de condutas. A chamada teoria da estruturação surge do tratamento dessas
questões.
A concepção de um sujeito ativo, apesar de ser apenas um dos problemas em questão,
é particularmente importante por ser para essa concepção que conflui toda a reformulação que
Giddens faz da teoria social vigente, particularmente o tratamento que ele aos conceitos de
sistema e estrutura. Além disso, é a partir da relação entre estrutura e sujeito que se pode, no
marco da teoria social, entender o lugar do estruturacionismo no tratamento da ação. Do ponto
de vista do funcionalismo e, especialmente, do estruturalismo, a despeito de algumas nuanças
que lhes são características, a ideia de estrutura empregada despreza o sujeito ativo
(GIDDENS, 2001, p.144). O trecho a seguir sintetiza a crítica estruturacionista àquelas duas
abordagens da teoria social:
O que venho dizendo até aqui carrega a implicação de que, embora se possa, se
assim se desejar, continuar falando de “padrões” sociais, isso deve ser feito para se
referir à reprodução estável de sistemas de interação social. Caso a noção de
estrutura não possa ser utilizada nesse sentido, em que é supérflua, de que outra
forma pode ser conceituada? Poderia parecer que uma resposta pronta reside no
próprio conceito tal como empregado no “estruturalismo”. Embora este termo tenha
sido utilizado de formas muito difusas, “estrutura” aqui [para o estruturalismo]
refere-se a algo semelhante a uma mensagem ou a um código subjacente capaz de
explicar a aparência superficial dos mitos, expressões linguísticas etc. A dificuldade
específica em relação a esta versão do conceito de estrutura é que ela taxativamente
despreza o sujeito ativo. Embora eu tenha argumentado que o funcionalismo
demonstra-se incapaz de desenvolver um tratamento satisfatório para a ação
intencional, com certeza não a ignora: a distinção de Merton entre funções
manifestas e funções latentes esdirigida precisamente a esse fim. Nenhuma análise
correlata faz-se presente na literatura estruturalista, em que, se é que sujeitos
humanos aparecem, em geral o fazem somente numa roupagem de formas nebulosas
dos chamados, nas palavras de Althusser, “portadores” (Träger) de um meio de
produção. Muitos estruturalistas admitiram essa limitação. Assim, vi-Strauss, ao
173
Problemas esses que, para Giddens (1993) decorrem em larga medida da forte influência do chamado
‘segundo Wittgenstein’, de Investigações filosóficas, sobre a referida tradição sociológica anglo-americana. Para
Giddens (1993) a preocupação com a filosofia da ação é reflexo dessa influência, mesmo para posições críticas
dela, e sofre, ao mesmo, tempo das limitações da mesma. Nas palavras de Giddens, “como tratado pelos autores
anglo-americanos, a ‘filosofia da ação’ compartilha enormemente das limitações da filosofia pós-
wittgensteiniana como um todo, mesmo quando os escritores em questão são discípulos próximos da
Wittgenstein e divergem substancialmente de algumas de suas posições: particularmente a ausência de
preocupação com a estrutura social, com o desenvolvimento institucional e mudança.” (GIDDENS, 1993, p.77).
Esses três últimos pontos são o foco da exposição a seguir.
95
comentar acerca da caracterização de sua obra por parte de Ricoeur como “kantismo
com sujeito ausente”, dispôs-se a aceitar tal designação. (GIDDENS, 2001, pp.143-
144. Itálicos adicionados.).
Ao mesmo tempo, Giddens (2001) também critica a tradição interpretativista
174
da
teoria social afirmando que “concomitantemente, parece-me de suma importância evitar
recair no subjetivismo que o abandono do conceito de estrutura implicaria.” (GIDDENS,
2001, p.144). Nesse ponto, o autor busca evitar aquilo que ele considera como fraquezas dessa
tradição que recebe inflncia de Wittgenstein
175
(GIDDENS, 1979; 1993) não sem antes
reconhecer os seus méritos. A partir do estudo da aproximação e do afastamento de três
autores – Harold Garfinkel, Alfred Schutz e Peter Winch – em relação à Wittgenstein,
Giddens (1993) aponta quatro pontos de importância da tradição em tela: a Verstehen (ou
compreensão empática
176
) é o centro de toda interação social e como tal, o é apenas um
técnica de investigação, mas é a “(...) forma experimental particular no qual o pensamento de
senso comum toma conhecimento do mundo social cultural.” (SCHUTZ apud GIDDENS,
1993, p.59)
177
; por isso mesmo, a dotação de sentido das condutas passa ser o recurso
utilizado tanto pelos cientistas sociais quanto pelos atores leigos na análise e explicação
daquelas condutas; o conhecimento torna-se o centro dessa dotação de sentido; e por fim, os
conceitos utilizados pelos cientistas sociais ligam-se ou dependem do conhecimento daqueles
conceitos utilizados pelos leigos na dotação de sentido do mundo (GIDDENS, 1993, p.59).
Apesar de reconhecer alguns méritos da tradição interpretativista, principalmente por
colocar alguns temas na pauta de discussões, Giddens mostra-se crítico da mesma, primeiro,
por tratar a ação em termos de significado e não de Praxis, ou seja, em termos do (...)
174
Tradição essa que apresenta três vertentes: a filosofia hermenêutica, ou Geisteswissenschaften, de tradição
alemã, a filosofia da linguagem de inspiração wittgensteiniana, e a fenomenologia (GIDDENS, 1993). Não
obstante o reconhecimento dessas vertentes, a tônica das suas obras, especialmente a de 1979, tende a enfatizar
uma posição crítica a Wittgenstein.
175
Trata-se nesse caso da influência do segundo Wittgenstein de Investigações Filosóficas que vai influenciar,
fundamentalmente, a filosofia da linguagem e outras tradições da teoria social contra as quais Giddens (1979;
1993) se volta. Entretanto, para Wallner (1997) existe uma descontinuidade entre a filosofia anterior e posterior
daquele autor no que tange o tratamento da própria linguagem. Pode-se falar, portanto, num afastamento das
Investigações Filosóficas em relação ao Tractatus. Desse modo, os problemas filosóficos do Tractatus,
fundamentalmente o primeiro Wittgenstein, que inspiraram o Círculo de Viena tal como exposto no primeiro
capítulo do presente trabalho devem ser ponderados à luz dessa mudança para que se tenha claro o lugar da
crítica de Giddens (1979; 1993). Para uma discussão sobre a unidade da obra de Wittgenstein em que são
apresentados os aspectos de sua filosofia anterior e posterior, veja-se Wallner (1997).
176
A origem da expressão pode ser remontada a uma outra tradição de pensamento filosófico alemão, cujo
precursor é Wilhelm Dilthey.
177
Tradução nossa de: “(...) the particular experimental form in which commonsense thinking takes cognizance
of the social cultural world.”.
96
envolvimento dos atores com a realização prática de interesses, incluindo a transformação
material da natureza através da atividade humana.” (GIDDENS, 1993, p.59)
178
. A ideia de
práxis, do grego ação
179
, conceito que vem sempre associado aos de prática e processo
180
,
ganhou destaque pelo trabalho de Wittgenstein e seus seguidores, especialmente, a
aproximação entre linguagem e práticas sociais (GIDDENS, 1979).
Não obstante o reconhecimento da importância da abordagem daquele filósofo, cujas
consequências foram a possibilidade de se pensar uma filosofia da ação alternativa, Giddens
(1979) é crítico daquela aproximação por conceber, segundo ele, a ideia de que (...) [a]
sociedade é como uma linguagem” (GIDDENS, 1979, p.4)
181
. Por outras palavras, ele
incorpora a noção de práticas
182
como o centro de uma teoria social, mas ao mesmo tempo
abandona as consequências que Wittgenstein dá àquela noção. Para o autor, a linguagem é um
meio para a prática social (GIDDENS, 1979, p.40) e não a sua razão de ser, o que implica, no
limite, a inexistência do que Giddens (1979) chama de “práticas significativas”: “(...)[a]
significação deve antes ser entendida como um elemento integral das práticas sociais em
geral.” (GIDDENS, 1979, p.39. Itálicos no original)
183
. Os sujeitos aplicam um estoque de
conhecimento ‘inconsciente’ na produção e reprodução social, e podem muitas vezes vir a ser
chamados a racionalizar, ou seja, a oferecer as razões para suas atividades do ponto de vista
discursivo
184
. Mas não o fazem sempre tendo em vista a dimensão prática
185
da ação.
Ao abrir espaço para uma dimensão discursiva e prática da ação, Giddens consegue
evitar a ideia de sociedade como linguagem e a consequente análise da ação humana a partir
dos problemas de linguagem e significado, e ainda manter a dimensão praxiológica da ão.
178
Tradução nossa de: “(...) the involvement of actors with the practical realization of interests, including the
material transformation of nature through human activity.”.
179
Não obstante ser essa a tradução mais adequada, Giddens (1979) não oferece a tradução do conceito, apenas o
explica na página 59, e parece associá-lo diretamente à ideia de prática como se pode depreender do trecho em
que o autor afirma que possível sustentar uma “(...) continuidade direta entre Marx e Wittgenstein no que diz
respeito à produção e reprodução da sociedade enquanto Praxis.” (GIDDENS, 1979, p.4). Ora o que é produzido
e reproduzido na sociedade são práticas perpetradas no processo de agir, ou na ação, e não as práticas por elas
mesmas como Giddens parece sugerir ao entender Praxis como práticas.
180
Infelizmente, não se pode aqui retratar as origens dessa associação. Remeto, contudo, o leitor à Arendt (2005)
para um primeiro contato com a discussão.
181
Tradução nossa de: “(...) society is like a language.”.
182
Ressalvamos o disposto em nota o que concerne o sentido que o autor dá a Praxis.
183
Tradução nossa de: “(...) signification should rather be understood as an integral element of social practices
in general.”.
184
Situação que implica a existência de uma consciência discursiva na ação.
185
É o que Giddens (1979; 2003) chama de consciência prática, o conhecimentoo-discursivo e o-
inconsciente empregado pelos atores sociais.
97
Como consequência, Giddens recoloca a análise institucional no centro da teoria social,
análise esta que, segundo ele, não foi devidamente trabalhada por Wittgenstein (GIDDENS,
1979; 2003). Ela lida com a reprodução crônica de regras e recursos os elementos
definidores de seu conceito de estrutura como características de sistemas sociais
186
(GIDDENS, 1979, p.80), particularmente, como as práticas foram profundamente
sedimentadas no tempo e no espaço. A essas práticas sedimentadas, Giddens (1979) o
nome de instituição. Por outras palavras, a análise institucional busca entender como
determinado emprego de regras e recursos ao longo do tempo, ou seja, como determinada
estrutura foi estruturada “(...) passando a orientar a conduta dos agentes humanos dotados de
capacidade cognoscitiva.” (GIDDENS, 2003, p.20). É a partir desse quadro estruturacionista
que aquele autor conseguientender, por exemplo, a mudança social e as relações de poder.
As consequências dessa abordagem para a ão e, por conseguinte, para a crítica ao
subjetivismo da tradição interpretativa são patentes: ação ou agência refere-se a um fluxo
contínuo de condutas ou a “(...) ‘um fluxo de intervenções causais reais ou contempladas de
seres corpóreos no processo contínuo de eventos-no-mundo’.” (GIDDENS, 1979, p.55)
187
.
Giddens (1979; 2003) rompe também com uma tradição sociológica que entende que com
a descoberta da intencionalidade da ação ter-se-ia desvendada a ação, ou seja, ao contrário da
tradição hermenêutica que ele critica, a perspectiva sociológica giddensiana não interpreta as
ações segundo a projeção de intenções. Nesse sentido, a agência “não se refere às inteões
que as pessoas m ao fazer as coisas, mas à capacidade delas para realizar essas coisas em
primeiro lugar (sendo por isso que ‘agência’ subentende poder [...]). (GIDDENS, 2003,
p.10). Dessa posição depreende-se que agência, agente e poder
188
estão intimamente ligados.
Agência é, pois, a capacidade de agir e pode agir, ou seja, pode ser agente o indivíduo
perpetrador capaz de realizar e atuar, em qualquer fase de uma sequência de condutas, de
modo diferente (GIDDENS, 2003).
O conceito que permite fazer a ligação entre as questões relativas à agência e aquelas
relativas à estrutura é o de dualidade da estrutura. Ao situar sua posição a partir de um duplo
afastamento do entendimento que o estruturalismo e a sociologia interpretativa têm do
conceito de estrutura, Giddens (2001) se pergunta como é possível conciliar aquele conceito
186
Sistemas sociais entendidos como padronização de relações sociais entre atores ou coletividades (GIDDENS,
1979; 2003).
187
Tradução nossa de: “(...) ‘stream o factual or contemplated causal interventions of corporal beings in the
ongoing process of events-in-the-world’.”.
188
Poder entendido como capacidade de obter resultados (GIDDENS, 1979; 2003).
98
com a necessária centralidade do sujeito ativo sem cair, por um lado, no determinismo e, por
outro, no voluntarismo
189
. Sua resposta envolve a incorporação da produção e reprodução da
sociedade a partir das práticas dos agentes e da dualidade da estrutura. Esta pode ser
entendida como
(...) a recursividade essencial da vida social, enquanto constituída em pticas
sociais: estrutura é tanto meio quanto resultado da reprodução das práticas. A
estrutura entra simultaneamente na constituição dos agentes e das práticas sociais e
‘existe’ nos momentos gerativos dessa constituição. (GIDDENS, 1979, p.5)
190
.
Com esse conceito, Giddens consegue cindir alguns dualismos presentes na teoria
social indivíduo e sociedade, sujeito e objeto, por exemplo com as práticas sociais e
mostrar que eles não estão separados, mas sim compõem o mesmo processo de composição da
vida social. Daí a recursividade permitir falar-se em dualidade e não em dualismos.
A segunda crítica da tradição interpretativista apontada por Giddens (1993) diz
respeito ao o reconhecimento da centralidade do poder na vida social. Para Giddens
(1979;1993; 2003) as relações de poder permeiam toda a atividade social. Até mesmo os
significados que se consideram relevantes e que contam para as práticas socais expressam
assimetrias de poder (GIDDENS, 1993).
A terceira crítica dirige-se especificamente ao entendimento de regras e normas por
parte dos filósofos posteriores a Wittgenstein. Para Giddens (1993), sempre há a possibilidade
de interpretações diferenciadas das regras e normas sociais. No marco do estruturacionismo,
passa a ser interessante analisar a divisão de interesses em torno de determinadas
interpretações. Para tanto, torna-se relevante entender as relações de poder, bem como a
análise institucional da mudança
191
.
São essas, portanto, as considerações que delimitam o lugar do estruturacionismo na
teoria social e que servirão de fundamento para a posição que Alexander Wendt defenderá no
campo de RI. São particularmente importantes aqui a dimensão social inserida na discussão,
189
No limite, harmonizar uma longa dualidade que marcou a teoria sociológica entre individualistas e
coletivistas metodológicos. É desse ponto que se pode pensar o chamado problema da agência e estrutura, que
nas RI recebeu o tratamento por parte de Wendt (1987), por exemplo.
190
Tradução nossa de: “(...) the essential recursiveness of social life, as constituted in social practices: structure
is both medium and outcome of the reproduction of practices. Structure enters simultaneously into the
constitution of the agent and social practices, and ‘exists’ in the generating moments of this constitution..
191
Giddens (1993) também não se satisfaz com uma possível abordagem dos problemas em tela a partir da teoria
crítica com base nos autores por ele analisados: Jürgen Habermas, Hans-Georg Gadamer e Karl-Otto Apel. Para
um contato com o argumento, veja-se Giddens (1993, p.60 e ss.).
99
bem como a ideia de processo. Para Wendt a discussão caminhará no sentido de tratar
interesses e identidades endogenamente, ou seja, como constrdos e constituídos no processo
de interação.
Ressalte-se que Waltz (1979) não desconsidera, em si mesma, a ideia de processo.
Contudo, os compromissos epistemológicos por ele assumidos levam-no a situar esse conceito
no nível das unidades – e não do sistema – e, por conseguinte, a concebê-lo como o padrão de
relacionamento entre as unidades do sistema internacional. Tendo em vista seus propósitos,
Waltz (1979) não incorpora esse elemento na análise da potica internacional, cujos
fundamentos residem, segundo ele, na estrutura anárquica do sistema internacional. Ao fim e
ao cabo, variações nos processos de relacionamento das unidades decorrem muito mais das
características dessas unidades um elemento, portanto, de segunda imagem (WALTZ, 2004
[1959]) e o foco analítico nesse ponto não consegue explicar padrões de continuidade na
política internacional (WALTZ, 1979; 1986; 2004). Daí a necessidade de uma teoria
sistêmica portanto, de terceira imagem (WALTZ, 2004) que consiga dar conta dessa
situação, a despeito de variações nos processos de interação das unidades.
É justamente a partir desse ponto que Wendt estabelece sua crítica, cujos fundamentos
estão da esteira da crítica estruturacionista ao estruturalismo. Ao criticar a abordagem
waltziana, especificamente a partir de seus compromissos estruturalistas, Wendt (1987; 1992)
mostra como uma teoria da ão no nível internacional pode ser concebida ao se incorporar
justamente aquilo que Waltz (2004) chama de segunda imagem e que fora, segundo as
críticas, subutilizado por aquele autor, especialmente na obra de 1979. Com a utilização do
estruturacionismo, Wendt resgata a segunda imagem como um locus importante de análise da
ação estatal. Por outras palavras, Wendt (1999) busca entender como a potica internacional,
tal como se apresenta, é antes fruto de uma constrão social e, portanto, uma decorrência das
práticas empreendidas no processo de interação dos estados. Se é assim, é no processo de
interação que agora é algo proeminente tendo em vista a necessidade da rotinização das
práticas sociais para a manutenção de determinado entendimento que estão tanto a
sustentação de determinada prática social quanto a possibilidade de mudança da mesma. Do
ponto de vista empírico, os acontecimentos do final da década de 1980 e do início da de 1990
(principalmente a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética), segundo essa
abordagem, mostravam-se como um desafio ao neorrealismo e por isso mesmo precisariam
ser explicados de outra maneira.
100
A incorporação de conceitos eminentemente sociológicos com a entrada de discussões
da teoria social para as RI marcam um momento de inflexão das teorias do campo com a
entrada de novos temas a mudança como aqui se quer estudar e com eles a promessa não
de resolver pretensas anomalias do chamado mainstream como também de promover o
progresso científico do campo. Nesse momento, tem-se a confluência dos dois temas
abordados no presente capítulo: de um lado, a ‘abertura sociológica’ trazida por Wendt (1987;
1992; 1995; 1999) cumpre a dupla tarefa de ser a sua maneira de se posicionar perante os
demais protagonistas do construtivismo, além de ser o fundamento de crítica ao neorrealismo
ao apontar a deficiência que aquele programa de pesquisa teria ao considerar a mudança e, de
outro, de definir as balizas de um programa de pesquisa rival ao realismo estrutural que
pretende acomodar todas as questões mencionadas. É justamente na confluência dessa
‘abertura social’ com a formulação de um programa de pesquisa alternativo que Wendt
pretende encontrar a força do seu construtivismo. Sobre esse ponto, Wendt assim argumentou,
em 1995, ao discutir alguns aspectos concernentes ao problema da guerra e da paz,
especialmente no que tange as relações de poder que os estados estabelecem e como elas
afetam a predisposição dos mesmo para ir à guerra: a dinâmica da interdependência e da
formação de uma identidade coletiva afetam diretamente as relações de poder (WENDT,
1995). A distribuição de capacidades materiais é importante e este será um fator de cálculo
para os estados, especialmente os incrementos militares. Contudo,
(...) o significado do poder depende da estrutura subjacente de conhecimento
compartilhado. (...) Para se deslocar da anarquia e forças materiais para a política de
poder e guerra os neorrealistas, portanto, foram forçados a fazer assunções
adicionais, ad hoc, sobre a estrutura social do sistema internacional. Vemos isso no
interesse de Mearsheimer no “hipernacionalismo”, a ênfase de Stephen Walt na
ideologia na “balança de ameaças, o foco de Randall Schweller na distinção status-
quo e revisionismo e, como argumentei no meu artigo “Anarchy, a assunção de
Waltz de que anarquias são sistemas de auto-ajuda. Incorporar essas assunções gera
mais poder explicativo, mas como? Nesses casos, o trabalho causal crucial é feito
pelos fatores sociais, não pelos materiais. Este é o núcleo da visão construtivista de
estrutura, não da neorrealista. O problema torna-se ainda mais agudo quando os
neorrealistas tentam explicar a ausência relativa de guerras interestatais no mundo
atual. (...) O amparo dos neorrealistas em fatores sociais para fazer o seu trabalho de
explicação sugere que se há um candidato a programa de pesquisa degenerescente na
teoria de RI, o neorrealismo é ele. A resposta progressiva (no sentido lakatosiano)
seria retornar às raízes materialistas do realismo ao mostrar que os entendimentos
basais que dão significado às capacidades são causados por condições materiais
ainda mais profundas, ou que capacidades têm um significado intrínseco que não
pode ser ignorado. Para mostrar que a base material determina a superestrutura
internacional, por outras palavras, os realistas deveriam estar expurgando o conteúdo
101
social de suas teorias, não adicionando-o como estão a fazer. (WENDT, 1995:
pp.78-79. Itálicos no original)
192
.
O trecho é muito significativo da posição wendtiana: se nos seus trabalhos a intenção é
demonstrar a fragilidade da concepção estruturalista que a impede de considerar aspectos
relevantes da vida social (internacional), Wendt (1995; 1999) caminha no sentido de mostrar
que eventuais tentativas de fazer tais considerações demonstrariam a degenerescência do
neorrealismo e, por conseguinte, a progressividade do construtivismo. No presente trabalho, o
argumento de progressividade e degenerescência é avaliado a partir das considerações acerca
da mudaa internacional, uma vez que esse é um dos pontos de maior crítica de Wendt.
Vale ressaltar que se expõe aqui apenas uma hipótese do construtivismo que visa, pois,
superar o neorrealismo. É dentro desses limites que a progressividade ou degenerescência
deve se estudada. Por conseguinte, os aspectos de mudança de núcleo e, por extensão, de uma
verdadeira mudança interprogramática, tal como foi aludido no final da seção anterior,
precisarão ser explicitados posteriormente. Isto envolve um aspecto basal: saber como Wendt,
via estruturacionismo, trata a construção social da realidade que há de compor o núcleo da sua
proposta construtivista. Isso permitirá, de um lado, conhecer o seu entendimento de mudança
e, mais ainda, localizá-la no âmbito do PPC e, de outro, estabelecer um espaço para se
entender a crítica de que, diferentemente do que pensam os neorrealistas, o seu PPC é
degenerescente por estarem ou desconsiderando o conteúdo social da dinâmica internacional
ou, caso estejam a fazê-lo, estejam a promover emendas ad hoc ao núcleo para dar conta
desse conteúdo.
Nesse sentido, a incorporação da crítica estruturacionista ao estruturalismo, ou melhor,
a localização do problema do neorrealismo na incorporação de um viés estruturalista
192
Tradução nossa de: “(...) the meaning of power depends on the underlying structure of shared knowledge.
(…) In order to get from anarchy and material forces to power politics and war, therefore, neorealists have been
forced to make additional, ad hoc assumptions about the social structure of international system. We see this in
Mearsheimer’s interest in ‘hyper-nationalism’, Stephen Walt’s emphasis on ideology in the ‘balance of threat’,
Randall Schweller’s focus on the status quo-revisionist distinction and, as I argued in my ‘Anarchy piece,
Waltz’s assumption that anarchies are self-help systems. Incorporating these assumptions generates more
explanatory power, but how? In these cases the crucial causal work is done by social, not material factors. This is
the core of a constructivist view of structure, not a realist one. The problem becomes even more acute when
neorealists try to explain the relative absence of inter-state war in today’s world. (…) Neorealist’s growing
reliance on social factors to do their explanatory work suggests that if there were a candidate for a degenerating
research program in IR theory, this is it. The progressive response (in the Lakatosian sense) would be to return to
realism’s materialist roots by showing that the background understandings that give capabilities meaning are
caused by still deeper material conditions, or that capabilities have intrinsic meaning that cannot be ignored. To
show that the material base determines international superstructure, in other words, realists should be purging
their theory of social content, not adding it as they are doing.”.
102
(WENDT, 1987), faz-se exclusivamente para Wendt, primeiro, mostrar a incompatibilidade
nuclear entre as propostas e, segundo, para considerar a mudança interprogramática como
progressiva (WENDT, 1992; 1995; 1999). São esses, portanto, os limites da discussão.
Em si mesmo, essa preocupação não é nova. O volume editado por Robert Keohane
em 1986 traz várias críticas ao neorrealismo. Dentre elas, a de Ruggie (1986) enfatiza
justamente a impossibilidade de Waltz (1979) considerar a mudança na política internacional
tendo em vista a maneira pela qual ele usa a metodologia durkheimiana. O próximo capítulo
busca discutir o tema da mudança a partir dos autores apontados anteriormente. O interesse
será mostrar como cada um deles trabalha esse tema para posteriormente localizá-la no marco
de cada PPC. Por outras palavras, o próximo capítulo apresenta a ideia de mudança para
Waltz bem como essa crítica de Ruggie (1986) e a resposta de Waltz (1986) a partir dos
compromissos epistemológicos por ele enunciados, bem como a as ideias de Gilpin (1981) e
Wendt (1999). Em cada um desses casos também os compromissos de ordem epistemológica
serão expostos de modo a se ter claro o lugar da mudança para cada autor. Os conceitos que
serão destacados para cada autor são os de sistema, estrutura e processo internacional tendo
em vista a sua centralidade para acomodar o conceito de mudança.
Assume-se uma hitese incidental aqui de que as críticas de Ruggie (1986) são
distintas das de Wendt (1999). Dever-se-á buscar como esse último autor trabalha com as
críticas do primeiro, em especial, como ele a recebe no marco do estruturacionismo. Crê-se
que isso é importante para determinar o lugar da crítica wendtiana sobre o tema.
103
4. ELEMENTOS CENTRAIS PARA UMA DISCUSSÃO INTERPROGRAMÁTICA
SOBRE MUDANÇA
O argumento sustentado nos catulos precedentes enseja uma análise peculiar da
maneira pela qual construtivismo e realismo estruturais desenvolvem seus respectivos
PPPPCC a partir do problema da mudança. Tal como se argumentou, o ponto de partida do
estudo é a maneira pela qual as RI se entendem como um campo científico distinto dos
demais, a partir dos chamados “grandes debates” (SMITH, 1995). Na esteira desse
argumento, a contraposição entre positivistas e pós-positivistas, no marco do terceiro debate
(LAPID, 1989), tornou-se a “metáfora condutora” (WÆVER, 1997) das discussões ditas
teóricas em RI. Lapid (1989) apresenta essa contraposição que fornece o cerne do
argumento – em seu artigo defendendo que
a falha da promessa positivista-empiricista de uma ciência comportamental
cumulativa forçou os acadêmicos de quase todas as disciplinas sociais a reexaminar
os fundamentos ontológicos, epistemológicos de seus empreendimentos científicos.
O “terceiro debate” no campo de relações internacionais é similar a esse fermento
intelectual e constitui um continuado esforço de maturação disciplinar de
reconsiderar as opções teóricas numa era “pós-positivista”. (LAPID, 1989, p.235)
193
.
O argumento defendido no primeiro capítulo ataca justamente essa maneira de situar o
esforço de maturação disciplinar das RI, tal como propõe Lapid (1989), a partir do
esvaziamento epistemológico que as discussões tricas do campo apresentam. Positivismo e
pós-positivismo tornam-se conceitos vazios de significação epistemológica sendo capazes de
acomodar, no limite, qualquer proposição e servindo para negar a pretensão à verdade de
oponentes teóricos (v. NEVES-SILVA, 2007). Como salienta Wight (2006),
Positivismo constitui, não apenas o padrão para o qual se diz que o mainstream
converge e o ponto focal em torno do qual as abordagens não-mainstream situam
193
Tradução nossa de: “the demise of the empiricist-positivist promise for a cumulative behavioral science
recently has forced scholars from nearly all social disciplines to reexamine the ontological, epistemological, and
axiological foundations of their scientific endeavors. The ‘third debate’ in the field of international relations
parallels this intellectual ferment and constitutes a still maturing disciplinary effort to reconsider theoretical
options in a ‘post-positivist’ era.”.
104
suas críticas, mas também, talvez, a própria definição de ciência. (WIGHT, 2006,
p.14)
194
.
Como foi visto, é possível sustentar uma posição não-positivista de ciência,
compatível com um entendimento pós-induvista da mesma, a partir do paulatino afastamento
de uma metodologia verificacionista e, em mais de um sentido, fenomenalista e redutivista
que Karl Popper e, posteriormente, Imre Lakatos e Larry Laudan propõem. Como
consequência, evita-se o entendimento estreito entre positivismo e ciência que acadêmicos
inspirados pelo Terceiro Debate tendem a reproduzir, como se depreende do argumento de
Wight (2006). É possível, pois, manter uma concepção científica das RI sem adotar uma
perspectiva positivista tendo em vista o sentido preciso desse conceito tal como se viu
195
e
sem tampouco cair numa posição relativista de ciência. Nesse sentido a posição ocupada por
Lakatos (1999a; 1999b) na filosofia da ciência é peculiar: as críticas dirigidas a Karl Popper
o significam o abandono de uma perspectiva racionalista da ciência tal como propõe Kuhn
(2005)
196
. Ao contrário, elas permitem um desenvolvimento consistente da empreitada
racionalista.
Crê-se que, com esse argumento, o lugar da epistemologia está colocado para os
debates ditos teóricos no campo das RI. Ressalte-se, contudo, que, tal como se argumentou, as
discussões epistemológicas não implicam desconsideração dos aspectos normativos
envolvidos nas escolhas de teorias (COCHRAN, 1999; LAKATOS, 1999a, 1999b). A
metodologia lakatosiana dos programas de pesquisa científicos, juntamente com o amparo da
proposta laudaniana, serve como critério de avaliação das discussões ou debates teóricos do
campo e, por conseguinte, permite avaliar o mérito de abordagens que se intitulam
progressivas. Ao mesmo tempo, o entendimento de tal metodologia permite compreender os
194
Tradução nossa de: “Positivism constitutes, not only the standard around which the mainstream is said to
converge, and the focal point around which non-mainstream approaches situate their criticisms, but also,
perhaps, the definition of science itself.”.
195
Apenas nesse aspecto, essa proposta se aproxima da posição de Wight (2006). Segundo seu argumento,
aquela associação estreita entre positivismo e ciência e por conseguinte a dicotomia entre positivismo e pós-
positivismo é equivocada. Pode-se, pois, defender uma teoria das ciências sociais não fundada em pressupostos
positivistas. A partir dessa premissa, aquele autor pretende “(...) iluminar algumas das confusões que cercam o
rótulo ‘positivismo’ e mostrar como uma posiçãoo-positivista das RI pode acomodar muitas das assim
chamadas críticas ‘pós-positivistas’ do positivismo sem retroceder a uma atitude anti-científica frágil e
potencialmente relativista.” (WIGHT, 2006, p.14. Itálicos adicionados.). A partir desse ponto, Wight (2006)
trilha um caminho distinto do que aqui se propõe associando-se ao chamado realismo científico, abordagem
defendida de forma mais clara por Roy Bhaskar. Não se discute aqui os méritos dessa posição, mas remeto o
leitor ao próprio Wight (2006) para um contato com o argumento.
196
Uma opção mais extrema seria a de Paul Feyerabend.
105
termos em que a disputa entre realistas e construtivistas estruturais – disputa essa em torno do
problema da mudança que é o objeto de estudo desse trabalhoestá colocada.
O segundo capítulo cumpriu, pois, o duplo propósito de situar os termos lakatosianos
dessa disputa e determinar o fundamento estruturacionista da abordagem construtivista. Essa
discussão é premente especialmente para o construtivista estrutural, visto que o argumento
está centrado na progressividade que o PPC construtivista apresentaria ao PPC neorrealista.
Desse modo, ao incorporar toda uma problemática trazida da teoria social, o construtivismo de
vertente estrutural desenvolveria
197
um programa progressivo em relação ao rival
neorrealismo enquanto esse, por seu turno, seria degenerescente.
O fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União
Soviética, marca um ponto de inflexão teórica das RI: esse evento é tratado por parte dos
construtivistas, sejam aqueles regra-orientados, sejam os estruturais, como o que na
linguagem popperiana é chamado de experimento crucial. Isto porque a maneira pacífica com
a qual o fim da ordem bipolar se dera
198
, argumentam os construtivistas (v. KUBÁLKOVÁ,
2001; WENDT, 1992; 1999), não seria explicada e sequer prevista pelos realistas, situação
que enfraqueceria a posição daquela abordagem. Ao mesmo tempo, esse é o espaço de disputa
no qual os construtivistas reivindicam uma posição de destaque. O argumento é o de que a
guinada construtivista”, a partir da incorporação da dimensão sociológica, consegue
acomodar temas que para o realismo constituem anomalias. Assim sendo, o segundo capítulo
mostrou como uma das vertentes do construtivismo procura equacionar essas anomalias
atacando o fundamento estrutural do realismo por meio do estruturacionismo de inspiração
giddensiana.
É na conflncia dessas várias questões que o problema da mudança se coloca para a
teoria de RI, particularmente na maneira pela qual a ação estatal se processa
199
. Como foi
197
Diz-se desenvolveria porque essa é a hitese a ser perseguida aqui para que se mostre como, caso ela seja
pertinente, o construtivismo o apenas amplia empiricamente seu escopo de entendimento em relação ao
neorrealismo, como ainda o faz de maneira teoricamente consistente.
198
Não consenso sobre a nova ordem que emergiu do pós-Guerra Fria, nem mesmo entre os adeptos da
vertente realista que não definem a polaridade do sistema internacional em termos do número de grandes
potências no período em questão. Para um contato, veja-se, por exemplo, Waltz (1993; 2000), Wohlforth (1999),
Layne (1993), Mearsheimer (2001).
199
Ressalte-se que a preocupação com a ação estatal não é uma exclusividade do construtivismo. O próprio
Waltz ([1959] 2004), ao analisar os aspectos envolvidos nas três imagens comumente utilizadas para localizar as
origens das guerras, afirma: “ao relacionar a primeira e a segunda imagem com a terceira, percebi a terceira
imagem como ‘a estrutura da ação do Estado’ e como ‘uma teoria dos efeitos condicionantes do próprio sistema
de estados’. A explicação de resultados internacionais requer o exame das situações dos Estados, bem como de
suas características individuais.” (WALTZ, 2004, p.xi. Itálicos adicionados). A diferença entre as abordagens
106
defendido, situar essa probletica no marco da teoria da ação permite compreender o lugar
da crítica estruturacionista ao realismo e com isso ter claro o próprio lugar da mudança na
concepção teórica do construtivismo estrutural.
Pelo exposto, tem-se o lugar para discutir a mudança no marco de cada PPC a partir de
Waltz, Gilpin e Wendt. Este é o objetivo deste terceiro capítulo. Na medida em que se está a
tratar de programas de pesquisa, o capítulo inicia com um delineamento das partes
constitutivas do programa de pesquisa científico neorrealista
200
: o núcleo duro, as heurísticas
positiva e negativa cujas consequências são fundamentais para a formulação das hipóteses
auxiliares que hão de proteger o núcleo. Com isso feito, pode-se apresentar o entendimento
que Waltz e Gilpin têm sobre o problema da mudança, bem como situá-los no marco do PPC.
A segunda parte do capítulo trata do construtivismo, particularmente como a
incorporação do trabalho de Anthony Giddens permite Wendt recolocar o problema da
mudança em outros termos. O objetivo é mostrar a releitura” e o entendimento que Wendt
tem do neorrealismo para que se consiga ter claro se e em que medida a proposta
construtivista impõe uma verdadeira mudança interprogramática em relação ao realismo,
como pretende Wendt ao “estipular o núcleo de uma alternativa” (WENDT, 1999, p.20).
Nesse caso também será feito um delineamento das partes constitutivas do programa de
pesquisa científico construtivista. Ao final do capítulo ter-se-á as bases para avaliar o
desenvolvimento dos programas de pesquisa no que tange a mudança internacional.
4.1 Problematização – A mudança enquanto problema
A mudança caracteriza-se como um verdadeiro problema para a teoria social tendo em
vista as demandas de ordem trica que se impõem para explicá-la. Para Sztompka (1998),
pode-se considerar o problema da mudança como o problema da sociologia, fazendo com que
cedo ou tarde seja necessário enfrentá-lo (HAFERKAMP e SMELSER apud SZTOMPKA,
1998). Como ele constata,
está na maneira de pensar a ação, situação que decorre dos compromissos de ordem epistemológica assumidos
pelas abordagens.
200
Ressalvado aqui o disposto no capítulo anterior de o objetivo da dissertação o é exaurir essa discussão.
Portanto, o trabalho se a partir da constituição do neorrealismo enquanto um PPC em torno da disputa, ainda
que sobre aspectos distintos, que os protagonistas desse PPC travam.
107
Assim tem sido desde as origens da sociologia, no século XIX, quando ela surgiu na
tentativa de explicar a transição da sociedade tradicional para a moderna, vale dizer,
a ascensão da ordem urbana, industrial e capitalista. Agora, no encerramento do
século XX, vivemos uma transição igualmente radical da modernidade triunfante,
que pouco a pouco abarcou todo o globo, para novos modos de vida, ainda
nebulosos o bastante para justificar o rótulo de “pós-modernidade”. (SZTOMPKA,
1998, p.13).
A literatura especializada no assunto não mantém uma unidade conceitual e enseja,
pois, diferentes tipos de mudança. Por vezes, ela é entendida como mudança sistêmica,
institucional, estrutural ou, simplesmente, como mudança social. Contudo, Sztompka (1998)
defende o argumento de que é possível encontrar uma intenção comum entre essas posições
em torno da mudança estrutural. Afirma ele:
Se observarmos as definições de mudança social encontradas nos livros de
sociologia, veremos que, embora autores diversos dêem ênfase a diferentes tipos de
mudança, para a maioria parece ser crucial a mudança estrutural nos
relacionamentos, organização e laços entre os componentes da sociedade.
“Mudança social é a transformação da organização da sociedade e de seus
padrões de pensamento e comportamento através do tempo.” (Macionis, 1987: 638)
“Mudança social é a modificação ou transformação da maneira como a
sociedade é organizada.” (Persell, 1987: 586)
“Mudança social diz respeito às variações das relações entre indivíduos,
grupos, organizações, culturas e sociedades através do tempo.” (Ritzer et al., 1987:
560)
“Mudanças sociais são as alterações dos padrões de comportamento, relações,
instituições e estrutura social através do tempo.” (Farley, 1990: 626)
A razão da ênfase na mudança estrutural talvez seja a maior frequência com que ela
leva a mudanças da, em vez de na sociedade. A estrutura social é uma espécie de
esqueleto sobre o qual a sociedade e suas operações estão fundadas. Quando o
esqueleto muda, todo o resto também tende a mudar. (SZTOMPKA, 1998, p.30.
Itálicos no original. Grifo adicionado).
A ênfase no aspecto estrutural da mudança abre espaço para a discussão dos aspectos
sistêmicos e da ação envolvidos nas discussões teóricas sociais, de modo que os diferentes
tipos de mudança referidos anteriormente ganham unidade em torno da dimensão estrutural.
Essa discussão emergiu nas RI em meados da década de 1980 e ganhou ímpeto a partir
dos anos 1990. Tal como argumentado no trecho citado anteriormente, o neorrealismo foi
atacado justamente na sua (in)capacidade de conciliar mudanças do e no sistema
internacional
201
.
201
Veja-se, por exemplo, o argumento exposto por Waltz (1986).
108
Efetivamente, como se disse, entender e explicar a mudança constitui um verdadeiro
problema para as teorias de RI. Problema que tanto é empírico quanto teórico, conceitual. No
primeiro caso, trata-se de averiguar se e como alterações nas ações dos atores ou nos eventos
internacionais são consistentes ou não com as expectativas teóricas, alterações essas que hão
de ter seu valor ou sua importância evidenciados com as descobertas das pesquisas
subsequentes (JAMES, 2002, p.125). Entretanto, como bem ressalva James (2002),
fundamentando seu argumento a partir de Laudan (1977), numa perspectiva que se aproxima
daquela aqui defendida, “(...) [a] descrição de problemas empíricos é trica. Esse
componente da heurística positiva concentra-se na articulação de problemas empíricos, não
nas ações e eventos que já aconteceram na potica mundial.” (JAMES, 2002, p.125. Itálicos
no original. Grifo adicionado)
202
. Do ponto de vista desta dissertação, o objetivo é
compreender como, pela via da rivalidade entre programas de pesquisa, um problema
empírico – a mudaa – é articulado teoricamente. Por outras palavras, essa dissertação
mantém constante um dos lados da luta de três partes entre teorias rivais e experimento de que
trata Lakatos (1999a): o experimento que testa o problema empírico colocado por uma teoria
rival não será discutido aqui, senão a articulação das teorias em torno do problema empírico.
Reconhece-se, contudo, a necessidade de se testar empiricamente os resultados a que se
chegar ao final dessa pesquisa.
Reconhece-se ainda a importância de situações concretas, fundamentalmente a
mudança do sistema internacional medieval para o moderno (RUGGIE, 1986; SPRUYT,
1994) e o final da Guerra Fria e a emergência de um novo sistema internacional
(HALLIDAY, 1995; KOSLOWSKI e KRATOCHWILL, 1994; KUBÁLKOVÁ, 2001;
WENDT, 1992, 1995, 1999). A tenncia do campo de RI em explicar a sua evolão pela
influência dos eventos – events-driven ou seja, pelas aparentes anomalias da potica
internacional (KAHLER, 1997), colocou o fim da Guerra Fria como o evento decisivo para o
enfraquecimento do neorrealismo. A maneira pacífica como se dera o evento, ao menos com a
ausência de guerra entre as potências, tende a aprofundar as críticas ao neorrealismo. O ataque
centrava-se justamente nos compromissos epistemológicos em torno de um estruturalismo
que, segundo críticos de diferentes perspectivas (v. HOLLIS e SMITH, 1990; KEOHANE,
1986; KOSLOWSKI e KRATOCHWILL, 1994; KUBÁLKOVÁ, 2001; WENDT, 1992,
1995, 1999), o apenas limitava, como também determinava a ação dos agentes de uma
202
Tradução nossa de: “(...) [the] description of empirical problems is theoretical. The component of the positive
heuristics focuses on the articulation of empirical problems, not the actions and events that already have
occurred in world politics.”.
109
maneira que deslocou a preocupação com a agência para uma posição marginal nas discussões
(HOLLIS e SMITH, 1990).
Como salienta James (2002), “(...) a coisa mais importante a se reconhecer a respeito
do último século é a marcha acelerada da mudança e o consequente reforço do nível de
complexidade.” (JAMES, 2002, p.8)
203
, de modo que, como assevera aquele autor, “todas as
mudanças de mais longo alcance nas relações internacionais durante o século XX estão
conectadas de algum modo com o alcance ampliado dos contatos entre indivíduos, grupos de
interesse, governos e organizações transnacionais (...). (JAMES, 2002, p.8)
204
.
Esse quadro criou um novo consenso teórico em RI que, ao mesmo tempo, demandava
a incorporação não apenas de atores, mas também de temas e perspectivas analíticas, e
portanto impunha a marginalidade do neorrealismo e, em decorrência disso, abria espaço para
a incorporação de problemas da teoria social no campo. Não apenas tal incorporação foi feita
como ela tornou-se o parti pris para as discussões teóricas
205
. Eis, portanto, o espaço de
discussão da mudança
206
em meio à complexidade das RI do mundo pós-Guerra Fria e ao
constante ataque aos fundamentos neorrealistas.
Ruggie (1986) foi um dos primeiros a criticar o neorrealismo, crítica essa voltada
eminentemente para a teoria de potica internacional de Waltz (1979), na maneira pela qual
sistema e estrutura são trabalhados por aquele autor. O cerne da crítica está no uso da
metodologia durkheimiana
207
que leva Waltz a perder não apenas a dimensão da mudança,
203
Tradução nossa de: “(...) the most important thing to recognize about the last century is the rapid pace of
change and the resulting enhanced level of complexity.”.
204
Tradução nossa de: “all of the far-reaching changes in international relations during the twentieth century are
connected in some way with the expanded range of contacts among individuals, interest groups, governments,
and transnational organizations (…).”.
205
E, com isso, todos os problemas concernentes à auto-imagem do campo em torno dos grandes debates,
especialmente, do Terceiro Debate, tal como se discutiu no capítulo 1.
206
Interessante notar que o consenso formado em torno da complexidade das RI no pós-Guerra Fria coloca,
como afirma James (2002), o conceito de fronteira como o “(...) novo e amplo espaço político dentro do qual a
governança pode ser investigada sob condições de turbulência.” (JAMES, 2002, p.11).
207
Para outra crítica centrada no uso de Durkheim, veja-se Barkdull (1995). O argumento desse autor é o de que
“(...) a interpretação de Waltz de Durkheim ignora [o fato de que] o principal objeto de Da divisão do trabalho
social é [o] progresso ou então, se não o progresso, mudança social e moral. De fato, a análise de Durkheim
indica que a própria anarquia pode mudar e, com isso, que a natureza da política da política internacional o
será e não foi colocada como a ‘uniformidade patente’ [striking sameness] que Waltz observa. Ademais, se se
quer ser fiel ao significado de Durkheim, o se pode entender a transformação das relações sociais
internacionais somente em termos de mudanças na distribuição das capacidades entre ‘unidades semelhantes’
autônomas. Ao invés disso, para entender mudança no e do sistema internacional é preciso atentar para
importantes variáveis que impelem as sociedades rumo a novas de relacionamento social: crescimento
populacional, o avanço da divisão do trabalho, os efeitos da competição, o desenvolvimento de melhorias na
tecnologia de comunicação e transporte e a resposta a tais variáveis em bases morais da sociedade.”
(BARKDULL, 1994, pp.669-670. Itálicos no original.).
110
mas também os seus determinantes (RUGGIE, 1986). Sucintamente, o autor argumenta que
na concepção de sistema de Waltz (1979),
(...) processos no nível da unidade são todos produtos e não são todos produtivos.
Desse modo, o que Anthony Giddens diz de Durkheim é dito de maneira muito mais
apropriada de Waltz: ele adota o que se supõe ser um princípio metodológico e o
transforma num ontológico (Giddens, 1978: 126). Como consequência, enquanto seu
modelo no final das contas pode refletir mudanças a partir dos seus próprios
parâmetros, ele carece de qualquer base para predizê-las. (RUGGIE, 1986, p.151.
Itálicos no original.)
208
.
A causa das deficiências do modelo waltziano apontada por Ruggie (1986) reside no
uso da metodologia durkheimiana. O aumento do volume e da densidade dinâmica
209
situação plenamente consistente com o cenário s-Guerra Fria, ao menos para aqueles que
invocam o argumento do aumento da complexidade como causa da evolução do campo
teórico – é negligenciado por Waltz (1979) tendo em vista o fato de que esse autor retira esses
fatores do nível dos processos na medida em que, como argumenta Ruggie (1986), a estrutura
molda ou determina os processos sem permitir que o inverso ocorra, ou seja, sem permitir que
os processos afetem a estrutura
210
.
Na década de 1990, a ênfase da crítica recaiu especificamente sobre o estudo da
estrutura, ênfase reconhecida pelo próprio Ruggie para quem “(...) o estudo da mudança
208
Tradução nossa de: “(...) unit-level processes become all product and are not all productive. Hence, what
Anthony Giddens says of Durkehim is said even more appropriately of Waltz: he adopts what is supposed to be a
methodological principle, and turns it into an ontological one (Giddens 1978: 126). In consequence, while his
model in the end may reflect changes in its own parameters, it lacks any basis on which to predict them.”.
209
Volume e densidade dinâmica são conceitos empregados por Durkheim (1999) para referir-se às condições de
existência da coletividade. O volume refere-se ao aumento material da natalidade, o que implica o aumento no
número das unidades sociais, e a densidade dinâmica refere-se ao aumento no contato entre os indivíduos para
poderem agir e reagir uns em relação aos outros (DURKHEIM, 1999). O entendimento da crítica de Ruggie
(1986) envolve o reconhecimento dos Estados como unidades sociais e os emergentes processos internacionais
como variáveis da densidade dinâmica.
210
Ruggie (1998) chega a afirmar que “(...) a disciplina [de RI] perdera seu único meio sistemático pelo qual se
falava sobre a possibilidade de transformação institucional do sistema de estados e o apenas no interior dele.
Nem os desenvolvimentos teóricos subsequentes fornecem uma alternativa. Pelo contrário. O neorrealismo,
criado nos anos 1970 (Waltz 1975, 1979), gerou o que pareceu ser a lida base para a crença de que tal
transformação era altamente improvável de acontecer (devido a própria dinâmica da política da balança de
poder), ou se acontecesse, ela seria secundária (simplesmente reduzindo o número de unidades na política
internacional). O institucionalismo neoliberal, que surgiu alguns anos mais tarde (Keohane 1984; Oye 1986) era
silente com relação ao assunto. Em suma, como concebido pelos maiores corpos de teorias de relações
internacionais, todo o sistema de estados simplesmente era: dotado com um estado ontológico do ser, mas não
do vir a ser [becoming] (...).” (RUGGIE, 1998, p.131. Itálicos no original). Essa citação é importante por abrir
espaço para o cerne da discussão estruturacionista incorporada ao campo: a ontologia do sistema de estados,
juntamente com estrutura e agentes. Segundo Dougherty e Pfaltzgraff (2003, p.136), essa tríade compõe a
chamada ontologia estruturacionista. Toda a questão pode ser desafiada, cremos, indagando-se se uma discussão
puramente ontológica prescinde da discussão epistemológica. Esse é ponto a ser discutido.
111
consiste necessariamente e por definição no estudo da estrutura.” (RUGGIE apud
DOUGHERTY e PFALTZGRAFF, 2003, p.136). É nesse momento, portanto, que a crítica
estruturacionista ao estruturalismo do neorrealismo ganha força com Alexander Wendt, por
exemplo.
A importância desse panorama crítico ao neorrealismo está também na maneira como
as críticas foram colocadas: os eventos do final dos anos 1980 e início dos 1990 o apenas
enfraqueciam o neorrealismo como também mostravam-se como verdadeiras anomalias. O
próprio Wendt (1999) destaca a centralidade de proposta construtivista a partir da dificuldade
que as teorias do mainstream tiveram para explicar o fim da Guerra Fria, ou mais
genericamente, para explicar a mudança sistêmica. Nas palavras de Koslowski e Kratochwil
(1994):
que o fim da Guerra Fria teve o potencial de representar um caso crucial para a
corroboração ou refutação do programa de pesquisa realista estrutural, seus
expoentes recorreram a vários artifícios para proteger o núcleo teórico do
neorrealismo. (KOSLOWSKI e KRATOCHWILL, 1994, p.218. Itálicos
adicionados.)
211
.
Os artifícios (gambits) de que tratam os autores, sucintamente, são: primeiro, o
desenho de um cenário pessimista para o cenário pós-Guerra Fria de traço multipolar;
segundo, o tratamento da mudança como uma consequência das alterações nas capacidades
militares; terceiro, aquilo que Koslowski e Kratochwil (1994) chamam de escusa
epistemológica por considerar que casos singulares o servem para refutar teorias; quarto, o
argumento de que nada aconteceu e, portanto, o ambiente internacional permanece anárquico
e bipolar; e quinto, em franca sintonia com o primeiro artifício, apesar de os autores
argumentarem que ele é inconsistente com a noção de persistência da anarquia, o argumento
de que o sistema internacional s-Guerra Fria é unipolar, mas tal configuração é instável e
cederá lugar para a multipolaridade.
Uma leitura atenta desses articios evidencia algumas inconsistências do argumento.
Dois são importantes na nossa visão. Em primeiro lugar, note-se a circularidade do argumento
de Koslowski e Kratochwil (1994): há a hipótese de que o evento em tela é central e,
simultaneamente, essa centralidade é pressuposta para sustentar a crítica de que não se deu
atenção ao fim da Guerra Fria. E se é esse o caso, então a ideia de teste decisivo
211
Tradução nossa de: “Since the end of the cold war had the potential of representing a crucial case for the
corroboration or refutation of the structural realist research program, its exponents have resorted to various
gambits to shelter neorealism’s theoretical core.”.
112
fundamentado, no caso, numa mera pressuposição encontra problemas de ordem lógica tal
como o próprio Lakatos (1999a) discutiu em sua crítica a Popper. Com isso, crê-se que
qualquer crítica que se baseie nesse pressuposto enfrentará problemas por desconsiderar
solidamente a dimensão epistemológica envolvida. Existe ainda um desdobramento dessa
situação que se refere ao próprio entendimento do teste de teorias e, no limite, o que constitui
o neorrealismo que está sendo testado e como este há de se comportar em relação aos rivais.
Em segundo lugar, torna-se problemática a maneira como a unipolaridade é
trabalhada. Partindo-se do pressuposto que tanto neorrealismo quanto construtivismo são
programas de pesquisa rivais, é preciso considerar a variável tempo na avaliação deles. É
Lakatos (1999a) quem ensina que a rejeição de um programa de pesquisa envolve (...) a
decisão de parar de trabalhar nele.(LAKATOS, 1999a, p.157, n.1. Itálicos no original)
212
.
Isto significa que anomalias, por si , não determinam a rejeição ou refutação de um
programa de pesquisa. Pode demorar algum tempo para que, com o trabalho num dado
programa, se consiga explicar determinadas anomalias a partir de novas hipóteses auxiliares.
Ainda assim, nada garante que a acomodação de anomalias será progressiva; daí a
necessidade de critérios de avaliação. O ponto aqui é que não se pode determinar a fraqueza
de um programa em meio a tantas anomalias nem a força de um rival pelo raciocínio inverso.
Muitas vezes num dado momento t um programa não conseguirá explicar determinados
eventos, mas isso não ime o seu abandono em prol de um rival, visto que num momento t
1
uma hipótese auxiliar pode fortalecê-lo: é justamente porque a rivalidade de programas de
pesquisas é um processo prolongado (protracted process) no tempo de efetivo trabalho neles
(LAKATOS, 1999b, p.112) que sua progressividade ou degeneresncia precisa levar em
conta essa dimensão. Do ponto de vista da rivalidade de programas, Lakatos (1999b) afirma
que
Mesmo se dois programas rivais explicarem a mesma gama de evidência, a mesma
evidência dará mais suporte a um do que outro dependendo de se a evidência foi,
como foi, produzida’ pela teoria ou explicada de um modo ad hoc. O peso da
evidência não é uma mera função das hipóteses falsificáveis e a evidência; é função
também de fatores temporais e heurísticos. (LAKATOS, 1999b, p.180. Itálicos no
original. Grifo adicionado)
213
.
212
Tradução nossa de: “(...) the decision to cease working on it.”.
213
Tradução nossa de: “Even if two rival programmes explain the same range of evidence, the same evidence
will give more support to the one than to the other depending on whether the evidence was, as it were,
‘produced’ by the theory or explained in an ad hoc way. The weight of evidence is not merely a function of a
falsifiable hypothesis and the evidence; it is also function of temporal and heuristic factors.”.
113
A discussão sobre unipolaridade
214
é importante nesse sentido. Segundo Diniz (2007),
essa é uma discussão pica voltada para atender um problema específico que se impôs na
década de 1990 do ponto de vista da teoria da balança de poder: refletir sobre uma
configuração específica do sistema internacional, suas características e consequências
(DINIZ, 2007). Sendo pica, portanto, essa discussão não apresentou (...) grandes
alternativas às perspectivas teóricas sobre a dinâmica geral [realista] da potica internacional
(...)(DINIZ, 2007, p.100), mas corrigiu a hipótese em voga até 1999 de que a unipolaridade
era passageira, instável e cederia lugar a uma configuração multipolar
215
.
Obviamente, o se pode imputar a qualquer autor que escreveu antes de 1999 a
crítica de não ter previsto ou estudado sistematicamente o tema. Muitos deles nem tinham
esse como uma preocupação. O fato é que, o trabalho no programa de pesquisa realista
incorporou ao longo do tempo uma hipótese tratada como improvável até então. O que é
preciso analisar nesse caso é se, primeiro, o estudo da unipolaridade, em especial a proposta
de Wohlforth (1999), é consistente com o núcleo do neorrealismo, ou seja, se a criação da
hipótese auxiliar de unipolaridade é criada seguindo-se os ditames da heurística positiva do
programa e, segundo, se essa hipótese é progressiva ou ad hoc.
Tudo isso mostra que, diferente do que afirmaram Koslowski e Kratochwil (1994), a
unipolaridade pode ser consistente com a anarquia internacional e que, como demonstra
Wohlforth (1999), ela pode ser durável e estável. Resta saber se essa hipótese é um artifício, e
portanto ad hoc, destinado apenas para salvar um abalo do núcleo. Esse estudo permite
mostrar que os comportamentos dos atores do sistema internacional pós-Guerra Fria são
consistentes com as expectativas da configuração unipolar e não o resultado do processo de
mudança que desafia as expectativas neorrealistas.
Em suma, o argumento defendido por Koslowski e Kratochwil (1994) sintetiza dois
traços comuns às críticas ao neorrealismo: de um lado elas apontam a degenerescência ou
fraqueza do neorrealismo frente os desafios do cenário atual e de outro denunciam a
construção ad hoc de hipóteses para tentar salvar o referido programa daquela situação.
É possível perceber como a avaliação e mesmo os debates de abordagens rivais no
campo de RI são feitos de maneira equivocada. Esse equívoco se estende de maneira mais
generalizada quando se trata do processo de mudança. Pode-se sustentar que a discussão sobre
214
Para um primeiro contato com esse assunto, remeto o leitor a Diniz (2007).
215
O ano de 1999 é referência pela publicação do artigo de William Wohlforth, The stability of a unipolar world
em que ele desafia de maneira decisiva, cremos, a hipótese aludida. Sobre essa hipótese a bibliografia é ampla.
Para um aprofundamento, veja-se Layne (1993), Mearsheimer (2001) e Waltz (1993; 2000).
114
unipolaridade gera um quadro estático das RI, de modo que subsistiria a crítica de que o
neorrealismo não consegue explicar como se deu a mudança de uma situação estática
(bipolaridade) para outra (unipolaridade)
216
. E ainda, se o sistema atual é unipolar, resta saber
que variáveis estariam em jogo nessa mudança sistêmica.
James (2002), contrário ao consenso teórico que o ambiente complexo e dinâmico
do pós-Guerra Fria como o momento de esgotamento do neorrealismo de base sistêmica
217
,
defende o argumento de que por causa desse cenário é que se impõe o uso das teorias
sistêmicas em RI, visto que “(...) interações políticas produzem padrões que podem ser
detectados por pesquisa sistemática.” (JAMES, 2002, p.12. Itálicos no original)
218
. A
complexidade do nível da unidade, a assimetria no impacto do sistema sobre as unidades, a
amplitude dos efeitos sistêmicos e a durabilidade da influência sistêmica são características
que imem, segundo James (2002), a centralidade das discussões sistêmicas para o
entendimento da mudança e dos processos de interação no nível internacional
219
. Com esse
argumento, o autor adota uma posição que desafia o consenso teórico do período atual:
O fato de eventos ocorrerem mais rapidamente do que no passado não altera o
conteúdo imutável do comportamento político: a busca dos objetivos selecionados
pelos atores com base em suas identidades (i.e., status de poder) dentro de um
contexto de sistema (Gilpin 1981). Com essa assunção intacta, mesmo a quantidade
e diversidade dos desenvolvimentos que atravessam o século XX e o novo milênio
podem se tornar inteligíveis, ao menos em princípio. (JAMES, 2002, p.12)
220
.
O argumento de James (2002) não exclui a necessidade de se estudar a relação entre
sistema, estrutura e agentes e ainda desafia toda uma tradição crítica ao neorrealismo no ponto
em que esses críticos sustentam sua superioridade: a teoria sistêmica (e suas considerações
sobre estrutura e ação) encampada pelo programa de pesquisa neorrealista cujos
216
Kubálková (2001) afirma que “o problema da posição do neorrealismo [nas] RI, a abordagem dominante das
RI à época do New Thinking soviético, é que ele tira duas ‘fotografias’ do mundo, uma antes e outra depois do
colapso da URSS. Ele não tem condições de uni-las.” (KUBÁLKOVÁ, 2001, p.10).
217
Num tom quase jocoso, Goldmann (apud James, 2002) observa que “(...) [o] equivalente científico social da
corrão política foi se dissociar do Theory of International Politics [de Waltz]” (GOLDMANN apud JAMES,
2002, p.225, n.17), de modo que abandonar a visão sistêmica equivale a abandonar a visão estrutural. Nesse
sentido, como afirma James (2002), os dois sentimentos aparecem como simbióticos.
218
Tradução nossa de: “(...) political interactions produce patterns that can be detected by systematic research.”.
219
Para um exame detalhado desses pontos, veja-se James (2002, pp.14-20).
220
Tradução nossa de: “the fact that events occur more rapidly than in the past does not alter the unchanging
contento of political behavior: the pursuit of goals selected by actors on the basis of their identity (i.e., power
status) within the context of a system (Gilpin 1981). With that assumption intact, even the multitude and
diversity of developments spanning the twentieth century and the new millennium can become intelligible, at
least in principle.”.
115
fundamentos estão sim em Waltz (1979; 2004) gera possibilidades de se pensar não apenas
os femenos internacionais do século XX, mas também a própria mudança. O que é preciso
ponderar especialmente no caso da mudança do mesmo modo que em relação às análises
sobre a unipolaridade, como visto há pouco – é se sua incorporação ao programa é consistente
com o núcleo atentando-se para uma eventual incorporação ad hoc. Como se afirmou no
capítulo precedente, tanto melhor para o PPC se essa incorporação não se faz às expensas de
um enfraquecimento do núcleo.
Se se pode questionar a maneira pela qual as críticas são feitas no campo a partir da
afirmação de James (2002), então estamos diante de uma situação em que ou as discussões e
debates no campo de RI não são conduzidos de maneira consistente ou, ainda que feitos
consistentemente, o neorrealismo de fato tem problemas. Pelos argumentos expostos
anteriormente, vê-se que o problema da mudança cria o espaço ideal para o estudo proposto.
O caminho a ser percorrido envolve sustentar a posição de que o uso da empiria que
orienta a evolução do campo (KAHLER, 1997) precisa ser teoricamente orientado no sentido
de que a construção de hipóteses auxiliares precisa ser guiada pela heurística positiva do
programa (LAKATOS, 1999a, 1999b; LAUDAN, 1977; ZAHAR, 1973) para que a
articulação de problemas empíricos seja lida. Não basta apenas resolver problemas de
fato, os eventos em questão imem problemas com os quais as teorias precisam lidar. Como
assevera James (2002), a descrição de problemas empíricos é uma questão teórica e é sob essa
ótica que ela será abordada aqui.
4.2 Os programas de pesquisa e mudança
Uma vez situado o problema da mudança e como seu estudo abre espaço para uma
discussão mais ampla de aspectos epistemológicos que cercam o tema, pode-se mostrar como
alguns autores trabalham esse problema no marco de seus PPPPCC e efetivamente
desenvolvem esses programas. O objetivo aqui é definir os traços fundamentais de cada
programa de pesquisa para que se tenha claro o lugar do argumento de cada autor.
O capítulo precedente mostrou como tanto realismo quanto construtivismo situam suas
propostas em termos eminentemente lakatosianos que impõe o conhecimento dos elementos
básicos desses programas. Como foi ressaltado naquela ocasião, o objetivo não é perseguir
116
esses elementos em si mesmos, mas situá-los para que se tenham as balizas da discussão. O
realismo será discutido primeiro por duas razões: primeiro ele precede cronologicamente o
construtivismo e, segundo, ele serve de fundamento para a crítica posterior.
4.2.1 O PPC realista estrutural
A discussão de 1959 sobre a (...) localização da suposta causa principal dos
resultados da potica internacional” (WALTZ, 2004, p.x) criou as bases para que, em 1979,
Waltz fundamentasse sua abordagem sobre a potica internacional sobre uma lida base
epistemológica e metodológica dedicando quatro dos nove capítulos de sua obra àquela
fundamentação. Nesse sentido, como argumenta Diniz (2007), a
(...) retomada de temas clássicos da discussão realista, aliada a uma construção
teórica rigorosa, levaram a que se falasseo mais simplesmente de Realismo
Político, mas sim de Neorrealismo (por exemplo, KEOHANE, 1986) ou Realismo
Estrutural (por exemplo, WALTZ, 2000). (DINIZ, 2007, p.42. Itálicos no original).
Essa lida fundamentação aliada à abertura que a obra de Waltz enseja à perspectiva
lakatosiana fez com que o neorrealismo ou realismo estrutural se desenvolve-se como um
programa de pesquisa.
Entretanto, como ponderam Elamn e Elman (2003), a definição do núcleo duro de um
programa de pesquisa é um dos mais difíceis problemas enfrentados por aqueles que
trabalham com a metodologia dos programas de pesquisa científicos lakatosianos. Isto porque
(...) Lakatos não oferece uma estrutura operacional clara para a análise de programas de
pesquisa.” (KEOHANE e MARTIN, 2003, p.71)
221
. As disputas entre os protagonistas em
torno da definição do núcleo tendem ser amplas e variadas (ELMAN e ELMAN, 2003, p.62).
A situação é verifivel no âmbito do próprio neorrealismo (v. CHRISTENSEN e SNYDER,
1997; DiCICCO e LEVY, 2003; ELMAN e ELMAN, 1995, 1997, 2003; JAMES, 2002;
KEOHANE, 1986; KEOHANE e MARTIN, 2003; MORAVCSIK, 2003; SCHWELLER,
2003).
221
Tradução nossa de: “(...) Lakatos does not provide a clear operational framework for the analysis of research
programs.”.
117
Segundo Lakatos (1999a), um programa de pesquisa é caracterizado pelo seu núcleo
duro que é “(...) ‘irrefutável’ por decisão metodológica de seus protagonistas: anomalias
devem conduzir a mudanças apenas no cinturão protetor’ de hiteses auxiliares,
‘observacionais’ e condições iniciais. (LAKATOS, 1999a, p.133)
222
. Em nota, o autor
esclarece que a emergência do núcleo não se num único momento mas num lento processo
de tentativa e erro (LAKATOS, 1999a, p.133, n.4). Entretanto, ele não oferece mais
indicações de como extrair um núcleo desse processo. Isso cria um problema: tendo em vista
a dificuldade apontada por Keohane e Martin (2003) e a necessidade de caracterizar o núcleo
para o desenvolvimento dos trabalhos, como solucionar esse problema?
Elman e Elman (2003) criticam, corretamente a nosso sentir, o argumento de que o
núcleo seria definido ou descrito por consenso entre os protagonistas de um dado programa de
pesquisa. Os autores argumentam que “(...) consenso não parece ser formado facilmente,
mesmo nas teorias de RI mais populares e comuns.” (ELMAN e ELMAN, 2003, p.62)
223
.
Portanto, a solão do problema não pode ser consensual: as referências do início da seção
demonstram a dificuldade de se conseguir consenso no marco do realismo. Obviamente, é
possível encontrar alguns elementos comuns às propostas, mas isso, por si só, não garante o
consenso. Sempre será possível contestar uma posição concorrente como a variedade de
propostas sugere.
Uma solução ao problema pode ser encontrada no próprio Lakatos (1999a): a abertura
ao convencionalismo que realça a importância das decisões metodológicas em discussões
epistemológicas. Desse modo, a irrefutabilidade do núcleo duro por decisão metodológica dos
protagonistas de um dado programa de pesquisa abre espaço para que os elementos desse
núcleo, ou seja, os elementos que hão de ser tomados como irrefutáveis, decorram das opções
metodológicas daqueles protagonistas. Ao contrário de impor um “vale tudometodológico,
essa posição demanda dos protagonistas o exame cuidadoso das discussões do campo para
que se evitem equívocos. No caso do realismo, é preciso situar os elementos não apenas a
partir da obra de Waltz, mas de outros autores que discutiram aspectos da obra deste. Isso se
faz em obediência ao argumento lakatosiano de que a emergência do núcleo se faz num lento
processo de tentativa e erro.
222
Tradução nossa de: “(...) ‘irrefutableby the methodological decision of its protagonists: anomalies must lead
to changes only in the ‘protective’ belt of auxiliary, ‘observational’ hypothesis and initial conditions.”.
223
Tradução nossa de: “(...) consensuses do not seem to form easily, even on the most popular and widespread
IR theories.”.
118
Uma análise daquela literatura que traz discussões acerca do núcleo duro do programa
realista mostra que, além da falta de consenso, as discussões tendem a ser conduzidas de
modo a apontar deficiências do programa e com isso limitar o seu alcance. Geralmente, a
análise do núcleo parte de uma postura crítica de modo que sua identificação presta-se
exclusivamente à criação das bases para a crítica.
A posição de James (2002, pp.120-125) mostra-se prudente visto que está voltada para
uma defesa do realismo enquanto PPC e ao mesmo tempo enfrenta alguns pontos que outras
posições contestam
224
. Mesmo no caso de Elman e Elman (1997), defensores do neorrealismo,
James (2002, p.241, n.3) aponta a incompletude da lista de elementos daqueles autores. Os
elementos do núcleo não podem ser escolhidos tendo por base um critério de inclusão
225
: não
se busca a lista com mais elementos, mas sim aquela que oferece mais consistentemente os
elementos que hão de compor o núcleo. Essa consistência é teórica, visto que os elementos do
núcleo o são passíveis de escrutínio empírico.
Assim sendo, os elementos constantes do núcleo duro do programa de pesquisa
neorrealista ou realista estrutural são
226
: (i) os atores mais importantes na potica mundial são
entidades territorialmente organizadas (cidades-estado e estados modernos); (ii) o
comportamento estatal é racional
227
; (iii) os estados buscam segurança e calculam seus
interesses em termos de seu posicionamento relativo no interior do sistema internacional
228
;
(iv) a anarquia é o princípio ordenador das relações internacionais; (v) os estados, as unidades
224
Como, por exemplo, no caso de se saber se o neorrealismo comporta realmente a ideia de racionalidade
estatal (cf. SCHWELLER, 2003) dos atores e qual o escopo desse conceito.
225
Como se verá, a lista proposta por James (2002) contém seis parâmetros ao passo que a de Elman e Elman
(1997, p.924) contém sete. A quantidade não é, portanto, o fator decisivo.
226
Todos os elementos são de James (2002, p.121). A tradução é nossa.
227
Sobre controvérsias em torno desse ponto, veja-se James (2002, pp.121-122) e Schweller (2003), por
exemplo.
228
Fazemos duas ressalvas: primeiro, a questão da busca da segurança precisa ser qualificada visto que a
maneira como James (2002) deixa o conceito sem a precisão necessária. Existe uma divisão no âmbito do
realismo fruto das considerações do próprio Waltz (1979), que enseja o chamado realismo defensivo, e de
Mearsheimer (2001) com o realismo ofensivo. Tal divisão está ligada ao entendimento desses autores sobre a
maneira pela qual os Estados garantirão sua segurança no interior do sistema internacional. Mearsheimer (2001)
discute esse ponto, contrapondo-se a Waltz (1979), indagando ‘quanto poder os Estados querem?’. O ponto aqui
é que, não obstante essa divisão que está ligada à uma mudança intraprogramática ambos os autores, e o
programa como um todo, reconhecem o imperativo de garantir sua segurança como o imperativo central dos
atores sob a anarquia. É a partir dele que os Estados poderão buscar outros fins. É preciso notar que manutenção
da segurança e da sobrevivência são tratadas como sinônimos, de modo que sob a anarquia os Estados são
levados a buscar e garantir sua sobrevivência. Isso põe em destaque a centralidade do conceito de poder como
elemento que viabiliza a sobrevivência. Crê-se que o termo sobrevivência é mais preciso do que o termo
segurança. Para uma visão sintética do avanço em de Mearsheimer (2001) em relação a Waltz (1979) sobre esse
ponto, remeto o leitor a Diniz (2007, p.97). A segunda ressalva a ser feita, em franca sintonia com a primeira,
refere-se à expressão “posicionamento relativo no interior do sistema internacional”: a variável crítica que
permite aferir esse posicionamento é a distribuição dos recursos entre as unidades (v. Diniz, 2007, p.97).
119
do sistema internacional, o são diferenciadas pela função; (vi) a estrutura é definida pela
distribuição de recursos entre os Estados.
A heurística negativa impede qualquer desafio ou teste dos elementos do núcleo. Não
se pode portanto desenvolver teorias que estabeleçam uma causalidade entre os fenômenos
internacionais e atores não-estatais como o Greenpeace ou a Organização das Nações
Unidas
229
. Nada impede, contudo, que os testes teóricos sejam feitos com outras entidades
territorialmente organizadas (cidades-estados, tribos com ou sem governantes, impérios, por
exemplo
230
). Aliás, essa é a maneira encontrada por Wohlforth et alli. (2007) para testar as
expectativas de um sistema unipolar.
Os testes e desafios são direcionados às hipóteses teóricas construídas para
defender esse núcleo. Nesse sentido, passa a ser importante a maneira como essas hipóteses
são construídas, ou seja, os imperativos da heurística positiva, que é “(...) um conjunto de
sugestões ou indicações (...)” (LAKATOS, 1999a, p.135)
231
que “guiam a produção de teorias
específicas no programa.” (WORRAL apud ELMAN e ELMAN, 2003, p.27)
232
.
Assim sendo, a heurística positiva do programa de pesquisa realista inclui indicações e
sugestões para o desenvolvimento de teorias voltadas para o entendimento dos resultados
políticos internacionais (ELMAN e ELMAN, 2003) do ponto de vista da formação das
balanças de poder, da estabilidade de determinada configuração do sistema internacional, da
dinâmica das alianças, etc. Isso significa que, em consonância com a heurística negativa, “(...)
a falha numa hipótese gera questões sobre o significado empírico de capacidade, segurança e
outros conceitos numa análise particular e o no próprio núcleo duro de axiomas.”
(JAMES, 2002, p.124. Itálicos adicionados)
233
.
Em franca sintonia com a metodologia dos programas de pesquisa científicos de
Lakatos, James (2002) pondera que a heurística positiva não pode ser delimitada apenas com
base em Waltz (1979), por ele considerado como o marco zero (ou T
0
na sua terminologia) do
programa. Várias das críticas ao neorrealismo perdem essa dimensão e acabam tomando
problemas da abordagem waltziana como um problema de todo o programa. Para James
(2002),
229
Os exemplos são de Elman e Elman (2003, p.26).
230
Para outras formas de organização política distinta da estatal, veja-se Creveld (2004).
231
Tradução nossa de: “(...) a partially articulated set of suggestions or hints (...)”.
232
Tradução nossa de: “guides the production of specific theories within the programme.”.
233
Tradução nossa de: “(...) the failure of a hypothesis produces questions about empirical meaning of capability,
security and other concepts within a particular analysis rather than the hard core of axioms itself.”.
120
(...) a heurística positiva vista pelas lentes de T
0
[Waltz] parece um sistema de
equações indeterminado: com mais [coisas] desconhecidas do que expressões,
soluções múltiplas permanecem viáveis. (...) O realismo estrutural em T
0
, em suma,
é problemático em termos da sua heurística positiva. Ele é determinista, estático,
capaz de gerar umas poucas explicações e predições bem gerais e baseado em pelo
menos uma assunção fortemente contestada. Desafios ampliados ao
empreendimento de pesquisa faz com que essas dificuldades precisem ser
abordadas. (JAMES, 2002, p.181. Itálicos no original)
234
.
Apesar de se poder questionar a maneira como James (2002) aborda Waltz
235
, a
citação expõe claramente um procedimento que fortalece o argumento realista: é verdade que
algumas situações desafiam a abordagem waltziana, mas no âmbito da metodologia dos
programas de pesquisa não apenas existe a possibilidade como se impõe a necessidade de
analisar outras abordagens teóricas que, não obstante serem contraditórias entre si, não o são
em relação ao núcleo, ensejam soluções às anomalias enfrentadas pelo programa. Desse
modo, existem aspectos da heurística positiva que hão de ser encontradas não em T
0
mas em
T
n
. A importância das balanças de poder regionais, por exemplo, o era considerada por
Waltz (1979). Apenas com Mearsheimer, em 2001, esse aspecto da política internacional
ganhou relevância, com um grande ganho para a as análises.
A importância desse exemplo é sentida no argumento do próprio James (2002) que
o incorpora a obra de Mearsheimer de 2001. Segundo aquele autor, o papel desempenhado
pelos Estados Unidos no Sudeste Asiático e na América Latina é distinto e esse desempenho
o pode ser explicado pela variação no número de grandes potências (JAMES, 2002, p.179).
Nesse ponto a análise desse autor torna-se vaga e imprecisa: “mudança dos indicadores
baseados em capacidade” e “tratamento inclusivo da estrutura” são expressões vagas que o
autor emprega para tentar entender essa variação do comportamento de uma grande potência
sem perder o foco nos aspectos estruturais do sistema internacional. A questão é que esse
comportamento distinto pode ser acomodado analisando-se os diferentes aspectos das
balanças de poder regionais no sudeste asiático e na América Latina, especialmente no que se
234
Tradução nossa de: “(...) the positive heuristic viewed through the lens of T
0
[Waltz] resembles an
underdetermined system of equations: with more unknowns than expressions, multiple solutions remain viable.
(…) Structural realism at T
0
, to sum things up, is problematic in terms of the positive heuristic. It is
deterministic, static, capable of yielding only a few very general explanations and predictions based on at least
one strongly challenged assumption. Escalating challenges to the research enterprise demand that these
difficulties be addressed.”.
235
A pecha de determinismo é muitas vezes atribuída ao sistemismo e estruturalismo de Waltz como fundamento
das críticas. Tal situação precisa ser avaliada com cautela. Para uma boa crítica à visão de que Waltz é
determinista e que, portanto, o neorrealismo comporta uma conduta incoerente com a estrutura do sistema
internacional, veja-se Freire (2006).
121
refere aos fatores de maior ou menor engajamento dos Estados Unidos naquelas regiões, sem
se perder o foco na estrutura do sistema internacional, numa abordagem muito mais
consistente do que a apresentada por James (2002). Desse modo, a valorização das balanças
regionais é um elemento que, não obstante ausente da perspectiva waltziana, precisa ser
incorporado à heurística positiva.
Em suma, esses são os aspectos do programa de pesquisa realista que hão balizar as
discussões sobre mudança.
4.2.1.1 Waltz e a mudança
O amadurecimento científico, mais do que uma mudança substantiva, é um traço
distintivo entre as obras de 1959 e 1979 de Waltz (MOURITZEN, 1997). Por outras palavras,
a teoria de potica internacional proposta por Waltz em 1979 está, basicamente, na
confluência da terceira imagem, cuja fundamentação filofica de inspiração rousseauniana
fora amplamente discutida em 1959, com uma lida discussão da mesma a partir da filosofia
da ciência nos primeiros quatro capítulos da obra de 1979. Nasce daí, portanto, a teoria
sistêmica, cujo aspecto estrutural permite tratar a política internacional como um donio
distinto dos demais (WALTZ, 1979; 1990). Pode-se sustentar também que os equívocos de
interpretação da obra e da proposta de Waltz estão ligados ao entendimento do elemento
sistêmico e estrutural
236
.
Em 1959 (v. WALTZ, 2004), Waltz demonstrou a qualidade parcial das análises
baseadas exclusivamente nas primeira e segunda imagens, que 1979 foram chamadas de
reducionistas. A parcialidade é enfatizada pelo apego a determinados aspectos analíticos
características dos governantes e características dos Estados em detrimento da incorporação
das características do ambiente ou da estrutura de ação (WALTZ, 2004), em que os Estados
atuam. Esse ambiente ganha destaque na medida em que variações nas características
236
Veja-se, por exemplo, o argumento defendido por Wendt (1987) que chega a deturpar o argumento waltziano:
para sustentar uma posição individualista do neorrealismo Wendt (1987) afirma que a definição individualista
que o neorrealismo oferece da estrutura do sistema internacional é redutível às propriedades dos estados à
distribuição de capacidades (...) (Wendt, 1987, p.341. Itálicos adicionados). Ora, a afirmação do autor é
visivelmente inconsistente com Waltz (1979). Independentemente, de ser individualista ou não, uma leitura
atenta dos capítulos 4 e 5 da obra de 1979, mostra que a distribuição de capacidades, para Waltz, é um atributo
sistêmico e não das unidades – estados.
122
(individuais e nacionais) das unidades não se refletem nos resultados poticos internacionais
(WALTZ, 1979; 2004).
O estabelecimento de uma relação de causalidade entre os femenos internacionais é
uma decorrência dos compromissos teóricos
237
assumidos. O ponto de discórdia de Waltz em
relação às análises centradas nas primeira e segunda imagens reside num descompasso entre
as supostas causas e os supostos resultados: diferentes ‘causas’ podem produzir os mesmos
efeitos; as mesmas ‘causas’ podem ter diferentes consequências. A menos que se saiba como
um domínio está organizado, dificilmente se pode derivar as causas dos efeitos.” (WALTZ,
1979, p.78. Itálicos adicionados)
238
. Assim sendo, se mais de uma causa concorre para o
resultado, a eliminação de uma delas não garante a eliminação do efeito que se quer atacar, ou
seja, (...) o erro (...) consiste em identificar uma causa em que duas ou mais podem atuar”
(WALTZ, 2004, p.288). Para Waltz, isso impõe uma abordagem sistêmica.
Tal abordagem contrapõe-se à analítica que permeia as posições reducionistas. Teorias
reducionistas são aquelas que centram as causas dos fenômenos internacionais no nível
individual ou nacional de modo que o conhecimento dos atributos das partes, bem como suas
interações, é condição suficiente para o conhecimento do todo (v. WALTZ, 1979, caps. 2 e 3).
O todo é, pois, conhecido pelo estudo das partes. Segundo Waltz (1979),
[o método analítico] (...) funciona, e funciona maravilhosamente, onde relações entre
muitos fatores podem ser reduzidas a relações entre pares de variáveis enquanto ‘as
outras coisas são mantidas constantese onde está o princípio de que as influências
perturbadoras não incluídas nas variáveis são pequenas. Pelo fato de o procedimento
analítico ser mais simples, ele é preferido a uma abordagem sistêmica. Mas a
análise não é sempre suficiente. Ela será suficiente apenas onde os efeitos do nível
sistêmico são ausentes ou fracos o suficiente para serem ignorados. Ela será
insuficiente, e uma abordagem sistêmica será necessária, se os resultados são
afetados não somente pelas propriedades e interconexões de variáveis, mas também
pela maneira pela qual elas estão organizadas. (WALTZ, 1979, p.39. Itálicos
adicionados)
239
.
237
Waltz (2004) não coloca a discussão em termos teóricos; sua preocupação está voltada para as imagens e
como elas orientam diferentes explicações e expectativas da potica internacional.
238
Tradução nossa de: “different ‘causes’ may produce the same effects; the same ‘causes’ may have different
consequences. Unless one knows how a realm is organized, one can hardly tell the causes from the effects.”.
239
Tradução nossa de: “(...) it works, and works wonderfully, where relations among several factors can be
resolved into relations between pairs of variables while ‘other things are held equaland where the assumption
can be made that perturbing influences not included in the variables are small. Because analytic procedure is
simpler, it is preferred to a systems approach. But analysis is not always sufficient. It will be sufficient only
where systems-level effects are absent or are weak enough to be ignored. It will be insufficient, and a systems
approach will be needed, if outcomes are affected not only by the properties and interconnections of variables
but also by the way in which they are organized.”.
123
Waltz (1979) defende portanto que, na medida em que as supostas causas no nível
unitário não são acompanhadas de alterações nos resultados poticos, se deve buscar tais
causas no nível sistêmico. O uso do método comparativo permite confrontar as diferentes
expectativas comportamentais de unidades submetidas a diferentes ambientes de modo a
evidenciar-se a inflncia dos mesmos sobre as unidades. Se o ambiente em que estão essas
unidades doméstico ou internacional influenciam o comportamento das unidades e, por
conseguinte, os resultados atingidos na política internacional, então é preciso que se leve em
conta esses ambientes na teorização sobre política internacional. Uma teoria sistêmica
permite, na concepção de Waltz (1979), considerar os efeitos do ambiente em que os Estados
estão sobre o seu comportamento.
Existe um problema de fundo na discussão waltziana que diz respeito à necessidade de
um entendimento político das questões internacionais. Particularmente, passa a ser importante
levar em consideração as exigências de ação do Estado (WALTZ, 2004, p.198) ou o que
Waltz (2004) chama de contexto político da ação social. As abordagens reducionistas
internacionais tendem a enfatizar aspectos não-políticos, fundamentalmente ciopsicológicos
(WALTZ, 2004), de modo que as soluções aventadas a tais problemas passam a ser
igualmente não-políticas
240
e até mesmo apolíticas, com se as soluções operassem no vácuo
(WALTZ, 2004, p.97). A dimensão potica é patente na discussão waltziana (v. WALTZ,
2004, p.97; 1979, p.18-19, 38). Entretanto, o se depreende do seu posicionamento um
entendimento claro da importância do político. Nesse sentido, como afirma Diniz (2007),
(...) uma teoria de política internacional visa identificar as dinâmicas ambientais sobre as
quais pode ser necessário decidir e agir.” (DINIZ, 2007, p.117. Itálicos adicionados). A
necessidade de decisão e ação sobre problemas que o ambiente internacional apresenta,
ponderados os custos, riscos e oportunidades da adoção de determinado curso de ação
(DINIZ, 2007, p.117) evidenciam a dimensão potica aventada por Waltz. As considerações
acerca da variação ambiental permitem, pois, incorporar a dimensão potica na análise dos
problemas internacionais. Do contrário, “negligenciar os diferentes ambientes de ação leva-
nos a explicar por meio da ação humana fenômenos acerca dos quais a explicação por meio da
estrutura sociopotica é a um só tempo mais precisa e útil.” (WALTZ, 2004, p.239).
Um sistema é composto por uma estrutura e por unidades em interação (WALTZ,
1979, p.79). A estrutura é o elemento primordial da construção sistêmica waltziana: ela
240
Waltz (2004, p.97) afirma que a ênfase de determinadas abordagens em aspectos sociopsicológicos acaba por
produzir um utopismo político como na defesa de um governo mundial para a solução dos problemas da guerra.
124
permite pensar o sistema como um todo (WALTZ, 1979, p.79) e ainda qualifica politicamente
os diferentes ambientes que se está a analisar. Assim sendo, sob estruturas diferentes as
unidades estarão dispostas de maneira diferente de modo que é possível esperar um
comportamento diferente das unidades em decorrência das diferentes estruturas. A estrutura é
apenas parte da explicação de comportamentos e resultados (WALTZ, 1979, p.73, p.87) visto
que aspectos do nível da unidade precisam ser considerados em determinadas situações.
Entretanto, a abstração das características das unidades, tal como proposto por Waltz (1979),
cria uma imagem puramente posicional da sociedade (WALTZ, 1979, p.80) que permite
estabelecer os efeitos da maneira pela qual os Estados estão dispostos sobre as interações que
eles empreendem (WALTZ, 1979). Para aquele autor, “o conceito de estrutura está baseado
no fato de que unidades justapostas e combinadas diferentemente comportam-se
diferentemente e, ao interagirem, produzem resultados diferentes.” (WALTZ, 1979, p.81.
Itálicos adicionados)
241
. Nesse sentido, Diniz (2007) afirma que a ênfase numa teoria
sistêmica tem como propósito de
(...) isolar e identificar os efeitos decorrentes exclusivamente da maneira como eso
arranjadas as interações entre as unidades, ou seja, os efeitos estruturais. Com isso,
(...) é possível prever processos de interação semelhantes, sempre que estiverem
presentes estruturas semelhantes e enquanto estas perdurarem. (...) [Esta] é [a]
contribuição [de teorias sistêmicas]. A ação de outras causas exigiria outras
considerações teóricas. (DINIZ, 2007, p.43. Itálicos no original. Grifo adicionado).
Na medida em que a estrutura permite pensar a potica internacional como um
domínio distinto dos demais, ela permite também separar causas que ocorrem no nível das
unidades de causas que ocorrem no nível sistêmico.
Três aspectos definem uma estrutura: um princípio de ordenação, o caráter das
unidades tendo em vista o grau de especificação de funções desempenhados pelas unidades do
sistema e a distribuição de recursos (capabilites). Tais aspectos são discutidos detidamente
no capítulo 5 do TIP
242
. Tendo em vista os propósitos aqui definidos, é importante notar que,
primeiro, o sistema internacional é anárquico do ponto de vista do seu princípio de ordenação
o que significa que a produção de ordem decorre das decisões individuais dos Estados
(DINIZ, 2007) e que, portanto, não existe instância superior a eles capaz de garanti-la. A
sobrevivência torna-se o elemento motivacional crítico para as unidades nesse ambiente na
241
Tradução nossa de: “the concept of structure is base on the fact that units differently juxtaposed and combined
behave differently and in interacting produce different outcomes.”.
242
Ver Waltz (1979, p.79-101).
125
medida em que ela é o pré-requisito para se alcançar quaisquer outros objetivos que o Estado
tenha sob pena de seu desaparecimento enquanto entidade potica. Existe muita confusão em
torno desse elemento: a sobrevivência é assumida teoricamente, é um conceito e não uma
descrição da realidade nem tampouco uma entidade concreta (WALTZ, 1979, pp.89-90)
243
.
Nesse sentido, Waltz (1979) afirma que “o motivo da sobrevivência é tomado como o
fundamento da ação num mundo em que a segurança dos estados não está assegurada e não
como uma descrição realista do impulso que está por trás de cada ato do estado.” (WALTZ,
1979, p.92)
244
.
245
Segundo, as unidades, Estados, são funcionalmente semelhantes
246
(WALTZ, 1979;
1986). A semelhança está no fato de todos os estados serem unidades políticas autônomas
(WALTZ, 1979, p.94) em decorrência da soberania
247
. Isto significa que na busca pela
sobrevivência terão que executar tarefas semelhantes a despeito de suas habilidades que
variam de fazê-lo. Como consequência, essa dimensão é atrofiada em relação ao cenário
doméstico em que existe um alto grau de especialização entre as unidades que podem contar
com as demais unidades para a provisão daquilo em que as demais necessitam.
243
Em analogia com a microeconomia, Waltz (1979) afirma que mercados e firmas são conceitos empregados
para a construção de teorias. E afirma que “a assunção de que os homens comportam-se como [homo
economicus], que se sabe ser falso enquanto afirmação descritiva, torna-se útil na construção de teorias.”
(WALTZ, 1979, p.89).
244
Tradução nossa de: “the survival motive is taken as the ground of action in world where the security of states
is not assured, rather than as a realistic description of the impulse that lies behind every act of state.”.
245
Desse quadro decorre uma situação que fora colocada pelo próprio Waltz em 1979 e que será reconhecida
por Mearsheimer em 2001: para Waltz (1979) a assunção de que a sobrevivência é o fundamento da ação dos
estados (do ponto de vista teórico e não do descritivo) inclui “(...) o fato de que nenhum estado age
exclusivamente para garantir sua sobrevivência. [A assunção] inclui o fato de que alguns estados podem
persistentemente buscar objetivos que eles valorizam muito mais que a sobrevivência (...)” (WALTZ, 1979, p.92.
Tradução nossa.). Para Mearsheimer (2001), a sobrevivência também é o objetivo principal dos estados, do
ponto de vista da manutenção da integridade territorial e da autonomia de suas ordens políticas domésticas
(MEARSHEIMER, 2001, p.31), mas na política internacional eles não têm certeza das intenções dos outros
estados de modo que as causas de agressão entre eles colocam um elemento de incerteza nas relações entre
aquelas unidades. Para Mearsheimer (2001), “a assunção (...) é de que existem muitas razões além da segurança
pelas quais um estado pode se comportar agressivamente em relação a outro estado. De fato, é a incerteza sobre
se essas causas da guerra não relacionadas à segurança [non-security causes] estão em jogo, ou podem vir a
estar em jogo, que impele as grandes potências a se preocuparem com suas sobrevivências (...)”
(MEARSHEIMER, 2001, p.414, n.8. Itálicos adicionados. Tradução nossa). Crê-se que o argumento de
Mearsheimer (2001), ainda que desdobrado noutro sentido do de Waltz (1979), expõe de maneira clara e
complementa o argumento waltziano sobre essa discussão sobre sobrevivência.
246
Semelhante, como pondera Waltz (1986) o significa ‘idêntico’: as unidades variam consideravelmente no
que tange a dotação de recursos e desenvolvimento econômico por exemplo (v. WALTZ, 1986, p.345, n..2).
247
O que não significa que, sendo soberanos, os estados podem agir no mundo como quiserem e nem que se
desconsidera a existência de atores não estatais na política internacional. Para um contato com o argumento,
veja-se Waltz (1979, pp.93-97).
126
Internacionalmente, em decorrência do princípio de ordenação, os estados, no limite, contam
apenas consigo mesmos – self-help – para a provisão daquilo de que necessitam
248
. Assim,
Cada unidade faz para si exatamente o que todas as outras estão fazendo. Suas vidas
são caracterizadas pela duplicação de esforços mais do que pela divisão do trabalho
que produziria sua integração. Interações e trocas entre segmentos são mutáveis e
esporádicas. Troca de produtos, mesmo se mais ou menos regular, evidencia apenas
“simples relações de mutualismo que nada têm em comum com a divisão do
trabalho” (...). Unidades semelhantes interagem apenas marginalmente dada a sua
semelhança generalizada. Quanto mais as unidades forem semelhantes, menos elas
podem ganhar cooperando umas com as outras. (WALTZ, 1986, pp.323-324.
Itálicos no original)
249
.
Em terceiro lugar, na medida em que são funcionalmente semelhantes, em ambientes
anárquicos, as unidades são distinguidas principalmente pela maior ou menor capacidade de
desempenhar tarefas similares (WALTZ, 1979, p.97). Os recursos envolvidos nessa
capacidade são: tamanho da população, tamanho do território, dotação de recursos,
capacidade ecomica, força militar, estabilidade econômica e competência (WALTZ, 1979,
p.131). Para Diniz (2007),
Essa capacidade diferenciada pode inclusive servir para reforçar ou intensificar as
regras que as favorecem, ou pode permitir uma ainda maior capacidade de
apropriação diferenciada dos recursos sistêmicos. (...) Evidentemente, portanto,
tende a haver uma grande competição em torno das regras e dos recursos entre as
unidades relevantes. Em sistemas hierárquicos, essa competição tende a ser
regulamentada pela instância ordenadora central. Em sistemas anárquicos, em
função da inexistência de uma instância reguladora central, as próprias regras são
produto das interações entre as unidades do sistema, e serão determinadas pela
maior ou menor capacidade de impor suas preferências; o foco, então, recai
diretamente sobre o controle dos recursos, e é em torno desse controle que as
unidades competem. (DINIZ, 2007, p.45).
Esses são os elementos essenciais para a análise dos efeitos estruturais. No ambiente
internacional, uma vez que a diferenciação das unidades é baixa e, portanto, seu impacto
tende a ser igualmente baixo, os efeitos são uma decorrência do princípio de ordenação
248
Essa situação afeta toda a discussão sobre interdepenncia equivocadamente, segundo Waltz (1979), feita.
Para a posição de Waltz sobre o tema, veja-se Waltz (1979, caps.5 e 6).
249
Tradução nossa de: “each unit does for itself roughly what all of the others are doing. Their lives are
characterized by a duplication of effort rather than by a division of labor that would produce their integration.
Interactions and exchanges among segments are variable and sporadic. Exchange of products, even if more or
less regular, gives rise only to ‘simple relations of mutualism having nothing in common with the division of
labor(…). Like units interact only marginally because of their pervasive resemblance. The more nearly units
are alike, the less they can gain by cooperating with one another.”.
127
anárquico e da distribuição de capacidades no interior do sistema, particularmente entre os
pólos.
Um ponto a ser ressaltado na abordagem waltziana diz respeito a uma distinção que
aparece em sua obra e que passa desapercebida em muitas discussões e traz consequências
para a maneira como se aborda a posão de Waltz (1979). É possível estabelecer uma
distinção decorrente em larga medida, senão em função da separação entre teorias sistêmicas
e reducionistas, entre comportamento (behavior) e resultados (outcomes). Não existe uma
definição clara dos termos, mas se pode traçar algumas nuanças importantes para a discussão.
Teorias reducionistas estão voltadas para explicar o comportamento das partes
(WALTZ, 1979, p.60). Ainda que se fale em resultados nessa abordagem, eles estão
submetidos a uma visão dos (...) elementos e combinação de elementos localizados nos
níveis nacional ou subnacional” (WALTZ, 1979, p.60)
250
. Por outras palavras, do ponto de
vista das teorias reducionistas, resultados são agregados das ações separadas dos estados, dos
seus atributos e o comportamento de cada um se a partir de suas características internas
(WALTZ, 1979). Waltz (1979) critica essa abordagem na medida em que “de atributos não se
pode predizer resultados se resultados dependem das situações dos atores bem como de seus
atributos.” (WALTZ, 1979, p.61. Itálicos adicionados)
251
. Aquele autor, desse modo situa o
resultado sistêmico na confluência entre o ambiente de ação e os atributos das unidades.
As consequências dessa posição são importantes. De um lado, Waltz (1979) reforça
sua posão sistêmica ao separar o nível das unidades em interação e dos seus atributos do
nível sistêmico cuja estrutura exerce influência sobre as unidades. De outro lado, e em
decorrência daquela separação, Waltz (1979, p.61) desafia a crença comum de que os
resultados políticos internacionais são determinados pelas características dos estados. Para o
autor, tais resultados são afetados (e o determinados) pelas características dos estados na
medida em que a estrutura também afeta os resultados. Ao fazer aquela separação, ele está a
mostrar que o ambiente em que as unidades estão influencia seu comportamento. Isto porque,
como pondera Waltz (1979, p.65), historicamente, os resultados alcançados pelos estados
raramente correspondem às suas intenções. A causa dessa discrepância, segundo ele, não está
nas características das unidades, mas no ambiente em que os atores cooperam. Assim sendo,
250
Tradução nossa de: “(...) elements and combination of elements located at national or subnational levels.”.
251
Tradução nossa de: “From attributes one cannot predict outcomes if outcomes depend on the situations of the
actors as well as on their attributes.”.
128
Cada estado formula políticas e decide sobre as ações de acordo com seus próprios
processos internos, mas suas decisões são moldadas justamente pela presença de
outros estados, bem como pelas interações com eles. Quando e como as forças
internas encontram expressão externa, se elas encontram, não pode ser explicado em
termos das unidades em interação se a situação em que elas atuam e interagem as
constrange em algumas ações, as conduz a outras e afeta os resultados de suas
interações. (...) Se mudanças nos resultados estão ligadas diretamente a mudanças
nos atores, como explicar as similaridades de resultados que persistem ou são
recorrentes mesmo quando os atores variam? (WALTZ, 1979, p.65)
252
.
A indagação com a qual Waltz (1979) encerra a citação é importante para esclarecer
um ponto frequentemente usado de maneira equivocada pelos críticos de Waltz: na visão
waltziana, mudanças nos resultados sistêmicos o estão ligadas diretamente à mudança nas
características das unidades, ou seja, não existe uma relação direta entre objetivos perseguidos
pelos estados e as ações empreendidas por eles de modo que uma mudança nos primeiros
conduza a uma mudança nas segundas
253
. Ora, se as ações o decorrem diretamente dos
objetivos ou se os objetivos não determinam as ações, então entre objetivos e ações existe um
outro elemento que influencia as ações. Por outras palavras, como sintetiza Mouritzen (1997),
se sua teoria buscasse considerar os resultados sistêmicos diretamente com base na
estrutura (...), isto é, evitando o comportamento das unidades, então o holismo
estaria em jogo. Mas o ponto é que sua estrutura não é um agente, apenas um
‘seletor’ primitivo [Theory of International Politics: 73] que encoraja certos tipos de
comportamento e desencoraja outros via mecanismos de base unitária como
socialização e competição mútua (imitação). (MOURITZEN, 1997, p.73)
254
.
Graficamente, pode-se representar a posição waltziana da seguinte maneira:
252
Tradução nossa de: “Each state arrives at policies and decides on actions according to its own internal
processes, but its decisions are shaped by the very presence of other states as well as by interactions with them.
When and how internal forces find external expression, if they do, cannot be explained in terms of the interacting
parties if the situation in which they act and interact constrains them from some actions, disposes them toward
others, and affects the outcomes of their interactions. (…) If changes in international outcomes are linked
directly to changes in actors, how can one account for similarities of outcomes that persist or recur even as actors
vary?.
253
Para Mouritzen (1997), adotar essa posição ensejaria uma posição holista que Waltz (1979) está longe de
aceitar. A herança popperiana de Waltz o afasta tanto do holismo quanto do historicismo que poderia ser
facilmente abraço adotando-se o holismo. Segundo Mouritzen (1997), “uma coisa é que se deva evitar o
psicologismo; mas o devemos, segundo Popper, cair no extremo oposto e buscar explicar os fenômenos sociais
com base nas propriedades emergentes do todo, apenas (holismo). Pior ainda, o holismo pode facilmente
conduzir ao historicismo, a visão de que o todo se desenvolve deterministicamente de acordo com sua própria lei
imanente de desenvolvimento histórico (em contraste com leis científicas do tipo ‘se...então...’).”
(MOURITZEN, 1997, p.73. Tradução nossa).
254
Tradução nossa de: “If his theory sought to account for systemic outcomes directly on the basis of systemic
structure (…), i.e. short-cutting units’ behavior, then holism would be at stake. But the point is that his structure
is not an agent, only a primitive ‘selector(TIP: 73) that encourages certain types of behavior and discourages
others via the unit-base mechanisms of socialization and mutual competition (emulation).”.
129
Partindo-se do argumento de Mouritzen (1997), compreende-se o argumento estrutural
de Waltz (1979) para quem
(...) estruturas limitam e moldam agentes e agências e as direcionam de maneiras
que tendem a uma qualidade comum de resultados muito embora os esfoos e
objetivos dos agentes e agências variem. Estruturas não geram seus efeitos
diretamente. (...) Agentes e agências agem; sistemas como um todo não. Mas as
ações dos agentes e agências são afetadas pela estrutura do sistema. Em si mesma,
a estrutura não conduz diretamente a um resultado e não a outro. Estruturas afetam
o comportamento no sistema, mas o faz indiretamente. Os efeitos são produzidos de
duas maneiras: pela socialização dos atores e pela competição entre eles.
(WALTZ, 1979, p.74. Itálicos adicionados)
255
.
Isso elimina qualquer pecha de determinismo do sistemismo waltziano. A abstração
das características das unidades tem como objetivo isolar os efeitos estruturais. Desse modo,
Waltz (1979) distingue comportamento de resultado e determinar de afetar: estruturas afetam,
via socialização e competição
256
, o comportamento das unidades que, por sua vez, hão de
gerar determinados resultados. Comportamentos geram resultados (WALTZ, 1979, p.72) que
a estrutura do sistema de beneficiar ou punir: aquelas unidades cujo comportamento
produzir determinados resultados esperados pela estrutura hão de ser premiados, e vice-versa.
Assim sendo, Waltz (1979; 1997) esboça graficamente a sua teoria:
255
Tradução nossa de: “(...) structures limit and mold agents and agencies and point them in ways that tend
toward a common quality of outcomes even though the efforts and aims of agents and agencies vary. Structures
do not work their effects directly. (…) Agents and agencies act; systems as wholes do not. But the actions of
agents and agencies are affected by the system’s structure. In itself a structure does not directly lead to one
outcome rather than another. Structure affects behavior within the system, but does so indirectly. The effects are
produced in two ways: through socialization of the actors and through competition among them.”.
256
Para uma discussão sobre esses dois mecanismos, veja-se Waltz (1979, pp.74-77).
Estrutura do sistema
internacional
Comportamento da
unidade
Resultado Sistêmico
Adaptado de MOURITZEN (1997, p.69)
Socialização e
Competição
F
IGURA 2
130
Note-se que, caso se tratasse de uma posição holista, dever-se-ia observar a
unidirecionalidade das setas, particularmente de cima (da estrutura) para baixo (para as
unidades) (WALTZ, 1997). Ao estabelecer o duplo sentido, Waltz por um lado mantém
isolados os componentes centrais de sua teoria sistêmica (estrutura e unidades em interação)
para que se tenha claro que elementos o de afetar cada um dos componentes e, por outro,
abre espaço para que esses elementos se afetem sem, contudo, perder o foco na dimensão
estrutural.
Como pondera o autor, uma teoria há de iluminar determinadas questões enquanto
deixa outras sem consideração, não porque não sejam importantes, mas porque uma teoria
recorta um domínio da realidade para explicar. Desse modo, uma teoria sismica cujo foco
está na dimensão estrutural não está tratando da interação das unidades per se. Como se disse
no início dessa discussão, uma teoria de potica internacional está voltada para a identificação
das dinâmicas ambientais sobre as quais é necessário decidir e agir (DINIZ, 2007). Isto não se
confunde com a identificação de cada decisão concreta, como essa decisão foi alcançada e
como ela foi possível num determinado momento. Não que essa identificação não seja
importante para as RI: o ponto de discórdia de Waltz (1979) é que algumas abordagens que
ele chama de reducionistas derivaram explicações da política internacional, essas ditas
sistêmicas, a partir de generalizações de processos de interação no nível da unidade. A
questão é que existem tantos processos em curso envolvidos, por exemplo, numa única
decisão quantos se possa imaginar. Se se toma todo o processo político internacional
situação que demanda a articulação de política internacional e doméstica uma abordagem
desse tipo apenas ampliaria o número de processos e de variáveis a serem consideradas de
Estrutura Internacional
Unidades em Interação
Fonte: WALTZ, 1997, p.914
SISTEMA
F
IGURA 3: O sistema waltziano
131
modo que a análise seria complicada. No limite, aquilo que seria uma análise voltada para
explicar determinado fenômeno, torna-se uma descrição do mesmo.
Waltz (1979; 2004) identifica essa situação como problemática e busca dar um novo
tratamento a ela. Ressalte-se: esse tratamento parte de uma abordagem sistêmica, mas não
perde o foco nas unidades em interação. Segundo o autor, “dado que os níveis nacional e
internacional estão ligados, teorias de ambos os tipos (...) nos dizem algumas coisas, mas não
as mesmas coisas sobre comportamentos e resultados em ambos os níveis.” (WALTZ, 1979,
p.123)
257
. Com isso,
A clara percepção de constrangimentos oferece muitas pistas das reações esperadas
dos estados, mas por si a teoria [sistêmica] não pode explicar aquelas reações.
Elas dependem não apenas dos constrangimentos internacionais como também das
características dos estados. Como um estado em particular reagirá? Para responder
essa questão, precisamos não apenas de uma teoria do mercado, por assim dizer, mas
também de uma teoria sobre as firmas que o compõem. Contra o que um estado terá
que reagir? A teoria da balança de poder pode dar respostas amplas e úteis a essa
questão. A teoria explica porquê uma certa similaridade de comportamento é
esperada de estados semelhantemente situados. O comportamento esperado é
semelhante, não idêntico. Para explicar diferenças esperadas nas respostas
nacionais, uma teoria teria que mostrar como as diferentes estruturas internas dos
estados afetam suas ações e políticas externas. (WALTZ, 1979, p.122. Itálicos
adicionados)
258
.
A partir de todas essas considerações, é possível encontrar o espaço de discussão da
mudança na visão waltziana.
A citação anterior trouxe à baila a teoria da balança de poder
259
. Para Waltz (1979),
esta é uma teoria sobre o resultados produzidos pelas ações não coordenadas dos estados. A
balança de poder há de se estabelecer onde quer que existam dois requisitos: que determinado
sistema seja anárquico e que seja ocupado por unidades querendo sobreviver. Esse é,
portanto, um resultado esperado pelo sistema sempre que esses requisitos estiverem presentes.
A questão é que, a partir dessa teoria, é possível identificar, historicamente, momentos em que
257
Tradução nossa de: “because the national and the international levels are linked, theories of both types (…)
tell us some things, but not the same things, about behavior and outcomes at both levels.”.
258
Tradução nossa de: “The clear perception of constraints provides many clues to the expected reactions of
states, but by itself the theory cannot explain those reactions. They depend not only on international constraints
but also on the characteristics of states. How will a particular state react? To answer that question we need not
only a theory of the market, so to speak, but also a theory about the firms that compose it. What will a state have
to react to? Balance-of-power theory can give general and useful answers to that question. The theory explains
why a certain similariy of behavior is expected from similarly situated states. The expected behavior is similar,
not identical. To explain the expected differences in national responses, a theory would have to show how the
different internal structures of states affect their external policies and actions.”.
259
Não é nosso foco aprofundar nessa discussão específica aqui. Para uma discussão aprofundada sobre o tema,
no marco da tradição realista em RI, remeto o leitor a Diniz (2007).
132
o número de grandes potências variou e com ela o comportamento esperado das unidades,
qual seja, o esforço de balanceamento (balancing) (WALTZ, 1979, p.163). Esse esforço há de
afetar tanto as grandes potências, los do sistema, quanto os estados menores no que tange
sua margem de manobra, especialmente, alguns comportamentos possíveis como
bandwagoning e buck-passing
260
.
Essas variações constituem mudanças que Waltz (1979) procura considerar.
Recentemente, Waltz (2000) tentou rebater as críticas de que o cenário pós-Guerra Fria
demonstraria a obsolescência da ênfase realista na anarquia, na auto-ajuda e na balança de
poder (WALTZ, 2000, p.5) na medida em que as mudanças vivenciadas no período alteraram
substantivamente (senão qualitativamente) a política internacional. Daí o uso de expressões
como por exemplo ‘potica mundial’ ou ‘potica global’ para marcar essa diferença. O
próprio Waltz (2000) faz uma indagação que marca a sua preocupação com o problema da
mudança: que tipos de mudaa alterariam o sistema potico internacional tão
profundamente que as velhas maneiras de pensar não mais seriam relevantes?” (WALTZ,
2000, p.5)
261
.
Waltz (1979; 1986; 2000) distingue mudanças do sistema de mudanças no sistema. A
maneira pela qual ele concebeu a estrutura influi na análise já que é preciso separar mudanças
no nível das unidades daquelas no nível sistêmico. Do ponto de vista do princípio de
ordenação, o sistema seria alterado pela mudança da anarquia para a hierarquia. No caso da
especificação das unidades, o segundo elemento da definição da estrutura não se aplica tendo
em vista a semelhança funcional das unidades. A distribuição de recursos entre as unidades
enseja mudança do sistema, seja nos anárquicos seja nos hierárquicos (WALTZ, 1979,
pp.100-101). Na medida em que a anarquia perdurar, é de se esperar que o fator decisivo para
a ocorrência de mudanças no nível sistêmico seja a distribuição de recursos. Uma mudança na
estrutura altera as expectativas comportamentais das unidades e dos resultados que suas
interações hão de produzir (WALTZ, 1979, p.97)
262
.
A subsistência da anarquia e a inexistência de mudanças significativas (consequential
changes) no número dos los significa que determinado sistema é estável (WALTZ, 1979,
p.161). Enquanto essa determinada configuração perdurar é de se esperar processos de
260
Sobre esses comportamentos, numa discussão voltada para as teorias realistas, ver Diniz (2007).
261
Tradução nossa de: “What sorts of changes would alter the international political system so profoundly that
old ways of thinking would no longer be relevant?”.
262
Waltz (1979), nos capítulos 7 a 9, demonstra como, em sistemas cujo princípio de ordenação é o mesmo
(anárquico, no caso), mudanças de comportamentos e resultados decorrem de mudanças na distribuição de
recursos entre estados.
133
interação semelhantes e similaridades nos comportamentos. Eventuais alterações nos
processos de interação (como mudaas nos transportes, comunicação ou na maneira de
guerrear, por exemplo), por si , não alteram a estabilidade do sistema, ou seja, não são
mudanças de sistema; seriam caso houvesse impacto na distribuição de capacidades. São,
portanto, mudaas no sistema.
Tanto em 1979 quanto em 1986, Waltz denominou transformação a mudança de
princípio de ordenação
263
. Entretanto, não deu maior atenção ao tema na medida em que,
primeiro, está interessado em mostrar como certas mudanças ditas sistêmicas são, na verdade,
mudanças no sistema. Assume-se, pois, a manutenção do princípio de ordenação hierárquico
de modo que a mudança vislumbrada por Waltz (1979; 1986) está ligada à distribuição de
recursos no sistema
264
.
A ênfase na permancia da anarquia juntamente com uma preocupação em
demonstrar como sistemas estáveis, particularmente, o bipolar em contraposição ao multipolar
geram expectativas comportamentais e padrões de interação similares sugere um quadro em
que a mudança decorre exclusivamente das mudanças de recurso entre as unidades. Essa
situação é central no marco da discussão waltziana sobre o balanceamento de poder: torna-se
importante considerar a competição pela distribuição de recursos “(...) que aumentam a
chance de cada Estado de sobreviver na política internacional.” (DINIZ, 2007, p.62). A
balança de poder é o equilíbrio a que se chega a partir dessa competição (DINIZ, 2007).
Como foi dito, ela é o resultado produzido pelas ações não coordenadas dos estados uma vez
que o sistema é anárquico e as unidades querem sobreviver. Historicamente, essa competição
mudou, sendo mais intensa em alguns períodos e menos em outra: em qualquer caso o
objetivo era evitar a preponderância de um estado mais forte sobre os demais.
263
Mearsheimer (2001) é quem deu um tratamento mais consistente à questão da transformação, ainda que do
ponto de vista do seu realismo ofensivo: para ele a situação ideal para a garantia da sobrevivência no mundo
anárquico é ser o hegêmona no sistema (MEARSHEIMER, 2001, p.34): o hegêmona é a única grande potência
do sistema internacional e não encontra outras grandes potências ou prováveis competidores em outras regiões
do globo que possam ameaçá-lo. Caso essa situação seja alcançada, a sobrevivência estaria praticamente
garantida e o sistema seria transformado em hierárquico (MEARSHEIMER, 2001, p.415, n.13). O argumento é
bem mais objetivo do que o de Waltz (1979; 1986) e oferece parâmetros para avaliar situações concretas.
Obviamente, foge do escopo aqui aprofundar essa discussão e até mesmo avaliar o mérito do argumento
defendido por Mearsheimer (2001).
264
Nesse sentido, para Waltz (1986) mudanças em algumas unidades hão de tornar seus relacionamentos mais
fáceis ou difíceis, mas, em prinpio, não constituirão mudanças estruturais. Não se pode supor, como afirma
aquele autor, que mudanças nas unidades, ainda que tenham uma grande repercussão, sejam estruturais ou
transformações. Assim, “por todas as mudanças de fronteiras, de forma social, econômica e política, de atividade
econômica e militar, a substância e estilo da política mundial permanece notavelmente constante. (WALTZ,
1986, p.329. Itálicos adicionados. Tradução nossa).
134
Os meios para buscar o balanceamento o: esforços internos, situação em que os
desequilíbrios entre os grandes atores do sistema são corrigidos pelo incremento nos recursos
próprios, e esforços externos, em que existe compartilhamento de recursos visando
contrabalançar uma ameaça comum. Alianças são o mecanismo usado nesse caso. Note-se
que esses não são esforços excludentes na medida em que, afora a posse dos recursos (riqueza
e capacidade bélica, por exemplo), será preciso a gestão interna dos mesmos de modo a
disponibilizá-los para a formação de uma aliança. Entretanto, a distribuição dos recursos
afetará a escolha dos próprios meios empregados no balanceamento (WALTZ, 1979).
Diante desse quadro, o balanceamento torna-se um elemento fundamental para
entender a mudança no marco da proposta waltziana (1979). É certo que a distribuição de
recursos, ou melhor, a alteração nessa distribuição é, num sistema arquico, o fator crítico
para a mudança. Nesse sentido, uma eventual falha na formação de alianças pode deixar
alguns estados envolvidos numa situação fraca ao mesmo tempo em que consolida a posição
de outros estados. Do mesmo modo, num eventual engajamento entre as grandes potências,
uma delas pode ter recursos destruídos de tal ordem que torna-se muito custoso, senão
impossível, continuar alocando o restante dos recursos num esforço de balanceamento e
mesmo para a formação de uma aliança. Ou ainda, pode ser que algum estado acumulou
sistematicamente recursos de modo que ele altera significativamente o número de los do
sistema fazendo com que os padrões de interação sejam alterados nesse e também nos outros
casos.
Este é o entendimento de mudança que se pode extrair da proposta waltziana.
4.2.1.2 Gilpin e a mudança
Robert Gilpin em 1981 publicou seu War and Change in World Politics, um trabalho
voltado para a considerações de alguns acontecimentos nos anos 1970 e 1980 que afetaram os
intercâmbios nas RI e que se relacionam com a ideia de mudança. Sua proposta é, portanto,
estudar a mudança potica internacional de maneira genérica, ou seja, estudar os elementos
que estão envolvidos num fenômeno que se chama mudança, mas sem a pretensão de
estabelecer uma ‘lei geral da mudança’ (GILPIN, 1981, p.3). Um estudo aprofundado sobre o
tema, na visão de Gilpin (1981), decorre, em larga medida, da sua insatisfação com o
135
tratamento do tema pelo campo de RI. Ele reconhece algumas obras excepcionais que
abordaram o tema, dentre eles, ninguém menos que Waltz (1979) (v. GILPIN, 1981, p.4), mas
a maneira não sistemática pela qual essas obras trabalharam a mudança, Waltz (1979)
inclusive, está no centro da discórdia do argumento gilpiniano.
Gilpin (1981) parte de uma crítica a um argumento recorrente, nesse ponto
aproximando-se do argumento waltziano: recorrentemente se diz nas análises, seja atualmente
seja em 1981, que:
Nos anos recentes, teóricos das relações internacionais tenderam a enfatizar as
influências moderadoras e estabilizadoras dos desenvolvimentos contemporâneos
sobre o comportamento dos estados, principalmente a crescente interdependência
econômica entre as nações e o poder de destruição das armas modernas. Esses
importantes desenvolvimentos encorajaram muitos indivíduos a acreditar que a
evolução pacífica substituiu o conflito militar como o principal meio de ajuste entre
estados-nação no mundo contemporâneo. (GILPIN, 1981, pp.4-5. Itálicos
adicionados)
265
.
Gilpin (1981), contudo, assume que as relações internacionais continuam sendo uma
(...) disputa recorrente (recurring struggle) por riqueza e poder entre atores independentes
num estado de anarquia (GILPIN, 1981, p.7. Itálicos adicionados.)
266
, ou seja, ele assume que
a competição pela distribuição de recursos entre unidades independentes (semelhantes, nesse
sentido), eventualmente precisando ir à guerra por eles, num ambiente anárquico está no cerne
das relações internacionais. Ele não desconhece o peso dos acontecimentos citados
anteriormente, mas chama atenção para o fato de que a relação entre guerra e mudaa está no
cerne do entendimento da mudança no sistema internacional, mesmo em tempos de paz. Isto
porque o que se quer ao fim e ao cabo é um tipo de paz, uma paz que atenda e proteja os
interesses vitais de algum(ns) estado(s), até mesmo o(s) seu(s) entendimento(s) de
moralidade. É nesse sentido que se deve analisar o argumento recorrente no campo de que
uma evolução pacífica das interações tomou o lugar dos enfrentamentos militares: pode ser
que, explorando o argumento gilpiniano, as alterações nas interações não alterem os termos da
paz que fora anteriormente estabelecida, ou seja, a manutenção dos arranjos
265
Tradução nossa de: “In recent years theorists of international relations have tended to stress the moderating
and stabilizing influences of contemporary developments on the behavior of states, especially the increasing
economic interdependence among nations and the destructiveness of modern weapons. These important
developments have encouraged many individuals to believe that peaceful evolution has replaced military conflict
as the principal means of adjusting relations among nation-states in the contemporary world.”.
266
Tradução nossa de: “(...) a recurring struggle for wealth and power among independent actors in a state of
anarchy.”.
136
institucionalizados mantém uma paz que resguarda os interesses dos mais fortes eliminando,
ao menos temporariamente, a necessidade da competição por recursos de poder.
Desse modo, certos arranjos sociais atendem melhor certos interesses e por isso eles
tendem a refletir o poder relativo dos atores envolvidos (GILPIN, 1981). Estabelece-se uma
relação entre arranjos sociais e poder de modo que, com o tempo, os interesses dos atores e o
equilíbrio de poder mudam em consequência de fatores econômicos, tecnológicos,
principalmente. Como resultado, o novo sistema, no que tange seus arranjos, refleti as
preferências dos novos atores dominantes. Gilpin (1981, p.9) estabelece uma precondição
para a mudança potica: um descompasso entre o sistema social vigente e a redistribuição de
poder em direção aos atores que se beneficiam mais com a mudança no sistema. Gilpin (1981)
o apenas reconhece como dá um peso causal aos fatores sociais, particularmente nos
arranjos formados ou rotinizados, na sustentação de uma dada distribuição (material) de
recursos. Ao fim e ao cabo, afirma o autor,
Como em qualquer sistema potico ou social, o processo de mudança político
internacional reflete no final das contas os esforços de indivíduos ou grupos para
transformar instituições e sistemas de modo a estabelecer seus interesses. Dado que
esses interesses e poderes dos grupos (ou estados) mudam, com o tempo o sistema
político será mudado de modo a refletir essas mudanças subjacentes em interesses e
poder. (GILPIN, 1981, p.10)
267
.
A tendência sistêmica é de manutenção do status quo na medida em que as mudanças
de interações no nível interestatal (conflitos, alianças, interações diplomáticas) ocorrem como
ajustes para a preservação das características sistêmicas. Gilpin (1981) é impreciso nesse
ponto. Sua discussão sobre estabilidade (v. GILPIN, 1981, pp.90-92) perde uma dimensão
que o próprio Waltz (1979) tem mais clara e que é perfeitamente consistente com o argumento
gilpiniano: um sistema é estável quando ele permanece anárquico e quando o variações
no número de los (WALTZ, 1979, p.161). A partir desse entendimento, Gilpin (1981)
oferece alguns fatores que podem alterar esse quadro de estabilidade.
Existem fatores tanto domésticos quanto internacionais que afetam a estabilidade do
sistema (GILPIN, 1981), dentre eles o crescimento diferencial de poder
268
(differential
growth of power). Ele altera o custo de mudaa do sistema. Segundo o autor,
267
Tradução nossa de: “As is the case in any social or political system, the process of international political
change ultimately reflects the efforts of individuals or groups to transform institutions and systems in order to
advance their interests. Because these interests and the powers of groups (or states) change, in time the political
system wil be changed in ways that Will reflect these underlying shifts in interests and Power.”.
268
Poder, para Gilpin (1981) refere-se a recursos dos estados, militares, económicos e tecnológicos.
137
(...) o fator que mais desestabiliza é a tendência num sistema internacional que o
poder dos estados membros tem de mudar a taxas diferentes devido a
desenvolvimentos políticos, econômicos e tecnológicos. Com o tempo, o
crescimento diferencial do poder de vários estados no sistema causa uma
redistribuição de poder no sistema. (GILPIN, 1981, p.13)
269
.
Dois elementos marcam o quadro de desequilíbrio que o crescimento diferencial do
poder causa (GILPIN, 1981, p.14): primeiro, os benefícios para mudar o sistema internacional
aumentam e, segundo, um descompasso entre os componentes do sistema: distribuição de
poder entre os estados, hierarquia de prestígio, divisão do território, regras do sistema e
economia internacional. A hierarquia de prestígio, a divisão do território e as regras do
sistema permanecem inalteradas, refletindo os interesses das potências existentes enquanto
uma nova distribuição de poder se instalou. É esse descompasso entre os elementos e sua “(...)
implicação para os ganhos e perdas relativos entre os vários estados no sistema que causa a
mudança potica internacional. (GILPIN, 1981, p.14)
270
. Uma mudança altera, pois, a
relação custo/benefício para a ação dos estados na medida em que determinados arranjos
beneficiam mais determinados estados do que outros.
A discussão de alguns elementos de esclarecer a proposta de Gilpin (1981). Existe
o reconhecimento da necessidade de uma discussão sobre o estado. A recorrência desse
elemento da potica internacional não é por acaso: tanto Gilpin (1981) quanto Waltz (1979)
reconhecem que a potica internacional convive com outros atores além do estado. Citando
Ernst Haas, Gilpin (1981) afirma que “(...) atores em relações internacionais são aquelas
entidades capazes de alocar demandas efetivamente.” (HAAS apud GILPIN, 1981, p.18)
271
.
Assim, ainda que convivam com outras entidades, os principais atores das RI são os estados
na medida em que eles conseguem prover bens públicos à sociedade. Além disso, ele cumpre
duas funções: doméstica, de proteger o direito de propriedade de indivíduos e grupos
exercendo o monopólio legítimo do uso da força, e externa de proteção do direito de
propriedade e segurança de seus cidadãos em relação aos membros e ações de outros estados
(GILPIN, 1981, pp.15-17). O próprio princípio de soberania permite que eles não enfrentem
269
Tradução nossa de: “(...) the most destabilizing factor is the tendency in an international system for the
powers of member states to change at different rates because of political economic and technological
developments. In time, the differential growth in power of the various states in the system causes a fundamental
redistribution of power in the system.”.
270
Tradução nossa de: “(...) implications for relative gains and losses among the various states in the system that
cause international political change.”.
271
Tradução nossa de: “(...) actors in international relations are those entities capable of putting forth demands
effectively.”.
138
autoridade superior a eles e que eles, sozinhos, definam e protejam os direitos dos seus
cidadãos. É preciso considerar o estado em sua perspectiva histórica
272
na medida em que
outras entidades políticas existiram voltadas para a provisão de bens públicos aos cidadãos.
Desse modo, como ressalta Gilpin (1981), o ‘sucesso’ do estado-nação como entidade potica
dominante deve ser analisado a partir das condições históricas que tornaram possível a sua
emergência.
Ao discutir os interesses e objetivos do estado, Gilpin (1981) qualifica o entendimento
realista dominante de que a segurança é pré-requisito para a busca de outros interesses e
objetivos. O autor mostra como a busca pela segurança implica o sacrifício de outros
objetivos com custo para a sociedade de modo que um estado buscará uma combinação entre
seus vários objetivos. Com isso, uma mudança no custo relativo desses objetivos ou na
capacidade de alcançá-los implicará uma mudança de comportamento do estado evidenciada
por uma mudança em sua potica externa (GILPIN, 1981, p.25).
A atuação externa de um estado se num ambiente sistema internacional de
constrangimentos e oportunidades. É nesse ambiente, portanto, que seus interesses devem ser
buscados. Três aspectos marcam o sistema internacional: a convivência daquilo que o autor
chama de diversas entidades (GILPIN, 1981, p.26), dentre as quais atores, processos, etc., um
contexto de interação regular entre seus elementos que podem variar de um baixo contato ate
a interdependência dos estados e, por fim, a existência de formas de controle regulando o
comportamento dos estados, formas essas que variam de regras informais até instituições
formais
273
. Sobre esse último aspecto, é preciso ressaltar que a existência da anarquia não
implica a inexistência de ordem de modo que o sistema pode exercer controle sobre o
comportamento dos estados
274
(GILPIN, 1981, p.28).
O controle
275
sobre o sistema é um elemento importante no entendimento da mudança
na visão gilpiniana visto que ele influencia a manutenção dos interesses e, em contrapartida, é
justamente na possibilidade de os elementos político, econômico e tecnológico saírem do
controle dos estados dominantes de um determinado equilíbrio que a mudança se coloca.
Segundo Gilpin (1981), três fatores influem no controle sobre ou governança do sistema
internacional: primeiro, o controle se baseia na distribuição de poder entre os estados, situação
272
Uma boa obra a esse respeito é a de Creveld (2003).
273
Para uma discussão aprofundada desses aspectos, veja-se Gilpin (1981, pp.25-27).
274
O argumento mais difundido sobre essa questão talvez seja o de Hedley Bull e seu A sociedade anárquica.
275
Controle relativo e não absoluto, ou seja, nenhum estado ou grupo de estados consegue exercer um controle
completo, absoluto sobre o sistema.
139
que determina quem governa o sistema e quais interesses são promovidos com o
funcionamento do sistema sob determinada configuração. Para o autor, em cada sistema
internacional, a distribuição de poder na hierarquia internacional de poder e prestígio
organizam e controlam os processos de interação entre os elementos do sistema. (...) Esses
estados dominantes buscaram exercer controle sobre o sistema para atingir seus interesses.”
(GILPIN, 1981, p.29)
276
.
O exercício da autoridade no plano internacional é feito pelo prestígio, o segundo
elemento de governança do sistema. O prestígio comporta uma dimensão moral e funcional;
refere-se ao comando (GILPIN, 1981, p.30), à percepção de outros estados com relação à
capacidade própria no exercício desse poder (GILPIN, 1981, p.31). Distingue-se, por isso
mesmo, do poder, cujo fundamento é eminentemente material. Entretanto, Gilpin (1981)
aproxima o exercício do poder do prestígio para que ambos funcionem como controle sobre
os estados menores (GILPIN, 1981, p.30). Nas suas palavras, “prestígio é a reputação para o
poder (...). (GILPIN, 1981, p.31)
277
. Na medida em que os estados dominantes proveem
segurança e ordem econômica ao sistema, Gilpin (1981) espera uma adesão dos estados
menores a esse arranjo institucional visto que eles preferem “(...) a certeza do status quo às
incertezas da mudança.” (GILPIN, 1981, p.30)
278
.
situações, contudo, em que a base de prestígiose descola da base material,
tornam-se inconsistentes na acepção gilpiniana em decorrência do crescimento diferencial do
poder. Diante desse quadro, a governança do sistema é afetada, uma vez que as percepções
o correspondem às realidades de poder (GILPIN, 1981, p.33). Gilpin (1981) a resolução
da crise na guerra:
O então estado dominante está cada vez menos capaz de impor sua vontade sobre os
demais e/ou proteger seus interesses. O estado ou estados em ascensão no sistema
crescentemente demandam mudanças no sistema que refletirão o novo poder ganho
e seus interesses não satisfeitos. Finalmente, o impasse e a questão de quem
gerencia o sistema são resolvidos por meio do conflito armado. (GILPIN, 1981,
p.33)
279
.
276
Tradução nossa de: “In every international system the dominant powers in the international hierarchy of
power and prestige organize and control the processes of interaction among the elements of the system. (…)
These dominant states have sought to exert control over the system in order to advance their self-interests.”.
277
Tradução nossa de: “Prestige is the reputation for power (...).”.
278
Tradução nossa de: “(...) the certainty of the status quo to the uncertainties of change.”.
279
Tradução nossa de: “The once-dominant state is decreasingly able to impose its will on others and/or to
protect its interests. The rising state or states in the system increasingly demand changes in the system that will
reflect their newly gained power and their unmet interests. Finally, the stalemate and issue of who will run the
system are resolved through armed conflict.”.
140
O terceiro elemento de governança refere-se aos direitos e regras que governam ou ao
menos influenciam as interações. Gilpin (1981) discute as nuanças desse terceiro aspecto (v.
GILPIN, 1981, pp.34 e ss.), mas o fundamento do argumento reside no fato de as regras e
direitos estarem fundados no poder e interesses dos estados dominantes (GILPIN, 1981, p.35).
É por meio de regras e direitos que esses estados promovem seus interesses e, por esse
raciocínio, estarão dispostos a alocar recursos na manutenção dessas regras de modo que os
seus lugares na hierarquia de prestígio sejam mantidos.
Tendo em vista todo esse fundamento, Gilpin (1981) distingue três tipos de mudança.
Nesse ponto, portanto, Gilpin (1981) amplia o escopo anatico do femeno em relação a
Waltz (1979) ensejando, pois, outros tipos de mudança que esse último autor não considera.
Da proposta waltziana, extrai-se apenas a preocupação com o que Gilpin (1981) considera ser
uma mudança sistêmica. O primeiro tipo é chamado de mudança de sistema (systems change).
Nesse caso, existe uma mudança na natureza dos atores que comem o sistema: cidades-
estado, impérios, estados-nação, dentre outros
280
. Os aspectos organizacionais influem na
maneira como determinados estados atingirão e sustentarão seus interesses. Assim,
(...) uma mudança de sistema se relaciona com os aspectos de custo/benefício da
organização de um grupo e os modos pelos quais desenvolvimentos econômicos,
tecnológicos dentre outros afetam a escala, eficiência e viabilidade de diferentes
tipos de organizações políticas. (GILPIN, 1981, p.42)
281
.
Segundo Gilpin (1981), esse é um tipo de mudança que deve estar na preocupação dos
teóricos tendo em vista os novos tipos de atores existentes atualmente: corporações
multinacionais, ou atores transnacionais em geral. A grande questão que se coloca nesse tipo
de mudaa, e que está relacionada com a centralidade do estado nas RI, e a de por que um ou
outro tipo de entidade é mais adequada a ambientes históricos particulares (GILPIN, 1981,
p.41). Depreende-se do argumento do autor que as discussões sobre a importância desses
outros atores em relação ao estado não estão sendo conduzidas adequadamente. Nesse
sentido, mesmo a convivência com outros atores não impõe uma mudança tão grande a ponto
de alterar a maneira como o moderno sistema de estados se apresenta.
280
A ascensão e queda das cidades estado gregas, o declínio do sistema europeu medieval e a emerncia do
moderno sistema de estados são exemplos dessas mudanças (GILPIN, 1981, p.41).
281
Tradução nossa de: “(...) a systems change relates to the cost/benefit aspects of organizational membership
and the ways in which economic, technological and other developments affect the scale, efficiency and viability
of different types of political organization.”.
141
O segundo tipo de mudança é chamado de sistêmica (systemic change), foco da
proposta gilpiniana. Trata-se de uma mudança no sistema e não de sistema. Esse tipo está
associado à mudança na governança do sistema no que tange a distribuição de poder,
hierarquia de prestígio, suas regras e direitos. O cerne desse tipo está na substituição de
estados dominantes, ou, na acepção waltziana, de pólos do sistema
282
.
Por fim, o terceiro tipo de mudança refere-se à mudança nas interações de cunho
político e ecomico entre as unidades do sistema. Mudanças nas regras são uma evidência
desse tipo na medida em que alteram o padrão de relacionamento dos atores de modo a
sustentar determinado arranjo institucional. Não se trata, pois, de uma mudaa na hierarquia
de poder e prestígio do sistema, apesar de Gilpin (1981) considerar esse tipo como um
presságio para outras mudanças no sistema. Mudanças nas interações ocorrem com mais
frequência do que as outras e muitos acadêmicos tomam esse tipo como o tipo fundamental de
mudança, o que, para o autor não está correto.
Este é o entendimento que Gilpin (1981) oferece sobre a mudança. Existe um último
aspecto a ser considerado de grande importância para a discussão dessa dissertação que está
ligado ao entendimento estrutural de Gilpin (1981) do sistema internacional.
Gilpin (1981) afirma que não se pode prever a mudança com base na estrutura social.
Entretanto, a partir de algumas variáveis estruturais ou de certas estruturas é possível inferir a
possibilidade de mudança. Segundo o autor,
A estrutura do sistema internacional é importante tendo em vista os seus profundos
efeitos sobre o custo do exercício do poder e com isso de mudar o sistema
internacional. O número de estados e a distribuição de recursos entre eles afeta a
facilidade com a qual coalizões são conseguidas ou contrabalanceamento de poder
pode ser formado. Estes fatores estruturais determinam a estabilidade ou
instabilidade de um sistema internacional, com isso facilitando ou inibindo a
mudança política internacional. (GILPIN, 1981, p.88)
283
.
282
Gilpin (1981) reconhece um ponto relevante para as RI: apesar de seu foco ser o moderno sistema de estados,
o autor reconhece os escassos trabalhos voltados o estudo da mudança sistêmica em sistemas não ocidentais.
Mesmo os existentes, segundo o autor, tendem a ser de cunho eminentemente histórico e descritivo. Não
abordam, pois, a mudança da maneira sistemática e teórica como a proposta. Eis, portanto, um espaço para testes
dessa perspectiva.
283
Tradução nossa de: “The structure of the international system is significant because of its profound effects on
the cost of exercising power and hence of changing the international system. The number of states and
distribution of capabilities among them affect the ease with which winning coalitions or counterbalances of
power can be formed. These structural factors determine the stability or instability of an international system,
thus facilitating or inhibiting international political change.”.
142
Com base na citação, Gilpin (1981) associa-se à posição de Waltz (1979) de que,
primeiro, as diferentes maneiras de combinação dos atores afetam seu comportamento e, por
conseguinte os resultados atingidos (v. WALTZ, 1979, p.81) e, segundo, a estrutura do
sistema não determina, mas afeta “(...) a capacidade e disposição de um grupo ou estado de
tentar mudar o sistema.” (GILPIN, 1981, p.85)
284
. Para Gilpin (1981), a competição por
recursos algo que se coloca em função da distribuição dos recursos particularmente como
essa competição muda com o tempo é o fator mais importante na base do processo de
mudança (GILPIN, 1981, p.86). Tem-se com isso espaço para uma discussão dinâmica das
relações de poder visto que
É o crescimento diferencial ou desigual de poder entre os estados num sistema que
encoraja esforços por certos estados a mudar o sistema de modo a promover seus
próprios interesses ou para assegurar esses interesses ameaçados por seus rivais
oligopolistas. (GILPIN, 1981, p.93)
285
.
Assim como não se pode prever a mudança sistêmica com base nos elementos
estruturais, tampouco se pode determinar a potica externa com base nos aspectos domésticos
(GILPIN, 1981, p.96). As variáveis dosticas quantitativas e qualitativas são muitas de
modo que seria difícil determinar o peso relativo de cada uma. Entretanto, é preciso que
domesticamente os arranjos sociais garantam que os potenciais benefícios de mudança
sistêmica excedam os custos da tarefa (GILPIN, 1981, p.98). Isto porque os arranjos sociais,
políticos e econômicos domésticos afetam os incentivos para comportamentos que contribuem
ou não para reforçar o poder do estado e, com isso, afetar a propensão de ampliar seu controle
sobre o sistema. A hitese defendida por Gilpin (1981) é a de que a complementaridade
entre os interesses dos grupos domésticos com a expansão do estado criam as condições para
a mudança sistêmica internacional. Contrario sensu, se “(...) o crescimento e expansão do
estão imem um alto custo a esses grupos e/ou ameaçam seus interesses, então um forte
desincentivo [para a mudança do sistema internacional] existe.” (GILPIN, 1981, p.97)
286
.
284
Tradução nossa de: “(...) the capacity and willingness of a group or state to try to change the system.”.
285
Tradução nossa de: “It is the differential or uneven growth of power among states in a system that encourages
efforts by certain states to change the system in order to enhance their own interests or to make more secure
those interests threatened by their oligopolistic rivals.”.
286
Tradução nossa de: “(...) the growth and expansion of the state impose a heavy cost on these groups and/or
threaten their interests, then a strong disincentive exists..
143
4.2.2 Wendt e a mudança
Preliminarmente, é preciso esclarecer um aspecto metodológico da dissertação no que
tange a apresentação do programa de pesquisa construtivista. A demarcação do que vem a ser
um programa construtivista foge do objetivo proposto na medida em que trata-se de uma
questão a ser discutida pelos seus protagonistas. A linha de continuidade que se pode
evidenciar entre as propostas ditas construtivistas
287
e que, portanto, pode constituir o núcleo
duro (ou parte dele) desse programa oferece as balizas para avaliação das propostas que se
dizem construtivistas. Note-se, contudo, que tal avaliação é um problema distinto do que se
apresenta aqui.
Com isso, é importante saber como a proposta wendtiana gera um tipo construtivismo
que eventualmente também pode gerar continuidade, como a partir de Adler (2005), por
exemplo. Por outras palavras, a partir da intuição básica proposta por Wendt (1999) de que o
problema no projeto de sistema de estados demanda uma reorganização conceitual do
empreendimento estrutural (WENDT, 1999, p.20), existe a proposta de uma “solução” –
estruturacionista, no caso – àquele problema cuja importância aqui está na “leitura” que
Wendt (1999) faz do mesmo e o na sua adequação ao quadro geral construtivista. É essa
“leitura” que se está a analisar; é dessa “leitura” específica do neorrealismo que Wendt (1999)
proporá o enquadramento lakatosiano do problema em tela criando um programa de pesquisa
alternativo construtivista estrutural ao neorrealismo. Desse modo, seguindo esse
enquadramento, mantém-se o argumento de um programa construtivista estrutural rival ao
realista estrutural. Se e como essa proposta é acomodada no marco geral construtivista é um
problema que foge dos esforços desse trabalho ainda que suas linhas gerais tenham sido
traçadas no capítulo precedente.
Por outro lado, a disputa interna do neorrealismo emerge como central porque ela
revela a consistência da “leitura” que Wendt (1999) propõe. Do ponto de vista metodológico,
isso permite centrar a discussão em torno de alguns autores apenas.
Uma vez feita esse esclarecimento, pode-se apresentar o argumento de Wendt (1999).
Ainda que se possa analisar o conjunto da obra wendtiana a partir da sua aproximação e
afastamento de alguns temas, o que abriria espaço para se falar num ‘primeiro’ e num
‘segundo’ Wendt (v. RINGMAR, 1997), sua trajetória encontra coerência num confronto com
287
Veja-se o capítulo 2 desta dissertação.
144
o neorrealismo e em larga medida com a chamada síntese neo-neo (v. WÆVER, 1997;
WENDT, 1999). Como se disse no capítulo anterior, Wendt trabalha na esteira das
incorporações sociológicas no campo de RI. Desde 1987, ano em que inicia sua discussão
sobre o problema agente-estrutura e propõe uma postura estruturacionista, Wendt
paulatinamente foi fazendo compromissos com várias dimensões da teoria social
288
– o
próprio estruturacionismo, mas também o interacionismo simbólico quem culminaram no
Social Theory of Internacional Politics (STIP)
289
de 1999. Um dos elementos que a obra
permite tratar é a mudaa, visto que esse é o fundamento de grande parte da crítica ao
neorrealismo. É esse o ponto que permite confrontar o neorrealismo em termos
eminentemente lakatosianos como se viu no capítulo anterior. Nesse sentido, o foco
específico dessa seção é a visão wendtiana de mudança a partir de alguns compromissos por
ele assumidos, em especial o estruturacionismo de Anthony Giddens.
A proposta de Wendt (1999) é desenvolver uma teoria do sistema internacional
enquanto construção social (WENDT, 1999, p.xiii). Essa proposta é ao mesmo tempo uma
decorrência dos problemas que se colocaram na década de 1990 e o fundamento para as
mudanças experimentadas. Assim, o construtivismo encontra no fim da Guerra Fria o seu
espaço de emergência visto que tal femeno pegou todos os acadêmicos de surpresa e deixou
particularmente o mainstream exposto por o explicar esse femeno que Wendt (1999)
enquadra na categoria de mudança sistêmica (WENDT, 1999, p.4).
Dois elementos são importantes nesse ambiente: primeiro a própria mudança, como
ela foi possível e como ela pode ser explicada e, segundo, em decorrência disso, processos
institucionais que sustentam as práticas dos estados, ou as práticas de potica externa, e que
podem ser transformadas. Para incorporar esses elementos Wendt (1999) vai trabalhar o que
ele chama de questões de segunda ordem (v. WENDT, 1999, caps. 1 a 4), ligadas à teoria
social que fornecem o substrato para as discussões de primeira ordem ligadas à teoria
substantiva de política internacional (v. WENDT, 1999, caps. 5 a 7). Especificamente no caso
das primeiras, Wendt (1999) trabalha questões sobre o que existe (ontologia) e como nós
podemos explicá-lo (epistemologia e metodologia), daí o seu compromisso com o realismo
científico, o idealismo, o holismo, e o positivismo.
288
O que, para Ringmar (1997), explica essa divisão em ‘dois Wendts’ e boa parte da fraqueza da proposta
wendtiana.
289
O título da obra não é acidental, portanto: “o livro é sobre ‘teoria social’ em geral e, mais especificamente,
sobre uma teoria mais ‘social’ da política internacional do o] Neorrealismo ou o neoliberalismo.(WENDT,
1999, p.7. Tradução nossa).
145
O uso desses termos é em si mesmo problemático, seja por causa do seu emprego, seja
por causa do desconhecimento de aspectos subjacentes a eles. No primeiro caso, se
empregado da maneira precisa como a filosofia do conhecimento trabalha, o holismo
entendido como explicação dos fenômenos sociais a partir das propriedades emergentes do
todo, apenas (MOURITZEN, 1997) traria a impossibilidade de sua refutação em termos
popperianos. Entretanto, a posição holista de Wendt (1999) significa que “(...) os efeitos das
estruturas sociais não podem ser reduzidos a agentes e suas interações independentemente
existentes (...)” (WENDT, 1999, p.26)
290
e que por isso mesmo, tais efeitos precisam
considerar a construção dos agentes nos sentidos causal e constitutivo (WENDT, 1999, p.26).
No segundo caso, como se viu no primeiro capítulo o emprego do conceito positivismo é
muito preciso e não se adéqua ao entendimento wendtiano. Sua crença na ciência (WENDT,
1999, p.39) fundamenta-se na dicotomia positivismo/pós-positivismo do Terceiro Debate.
Eivado dessa discussão, Wendt (1999) crê que fazer ciência é ser positivista. Pelo exposto no
primeiro capítulo, essa associação não se sustenta. Assim sendo, pelos exemplos, vê-se que é
possível contestar o emprego de conceitos que fundamentam a posição wendtiana, mas
seguimos aqui sua terminologia cientes de que elas podem apresentar imprecisões.
A incapacidade do mainstream de lidar com os problemas da década de 1990 reside,
particularmente no caso neorrealista, na maneira como se trabalhou a teoria sistêmica em
especial o seu aspecto estrutural. Nesse sentido,o neorrealismo trabalha com um tipo de teoria
sistêmica e concebe a estrutura de uma maneira que Wendt (1987; 1999) crê o ser a única
possível. É possível, pois, manter os termos sistêmicos e estruturais da discussão:
Como Waltz, meu objetivo é desenvolver uma teoria da política internacional
sistêmica oposta à reducionista. Contudo, ao assumir essa posição, contesto sua
exclusão dos fatores do nível da unidade da teorização sistêmica argumentando que
ele interpretou mal o que divide os dois tipos de teoria. Argumento que é impossível
para as estruturas terem efeitos sem os atributos e interações dos agentes. Se isso
está correto, então o desafio da teoria “sistêmica” o é mostrar que a “estrutura”
tem mais poder explicativo que os “agentes”, como se os dois fossem separados,
mas mostrar como agentes são estruturados diferentemente pelo sistema para
produzir diferentes efeitos. (WENDT, 1999, p.12)
291
.
290
Tradução nossa de: “(...) the effects of social structures cannot be reduced to independently existing agents
and their interactions (…)”.
291
Tradução nossa de: “Like Waltz, I am to develop a systemic as opposed to reductionist theory of international
politics. However, in taking this stance I take issue with his exclusion of unit-level factors from systemic
theorizing, on the grounds that he has misconstrued what divides the two kinds of theory. I argue that it is
impossible for structures to have effects apart from attributes and interactions of agents. If that is right, then the
challenge of ‘systemic’ theory is not to show that ‘structure’ has more explanatory power than ‘agents’ as if the
two were separate, but to show how agents are differently structured by the system so as to produce different
effects.”.
146
Este é o centro do projeto sistêmico estatal (states systemic project) wendtiano. Por um
lado, o objetivo é mostrar que entre estruturas e atores existem processos acontecendo
(RINGMAR, 1997) e, por outro, mais do que causar efeitos, a estrutura constitui aqueles
atores (v. WENDT, 1999, cap.4) em decorrência da abertura idealista que a teoria enseja.
Diante desse quadro, o projeto de Wendt (1999) é estatal e sistêmico. No primeiro caso, ele
assume a centralidade desse ator para a política internacional seja como regulador da
violência dostica que encontra outros centros reguladores internacionalmente, seja meio
para a mudança sismica acontecer. Para tanto, Wendt (1987; 1999) atribui características
antropomórficas ao estado (interesses, necessidades, responsabilidades, racionalidade) não
como recurso teórico, mas como uma como uma fundamentação ontológica
292
: estados
realmente são agentes (WENDT, 1999)
293
e, portanto, a forma de subjetividade dominante da
política internacional. No segundo caso, Wendt (1999) aprofunda os argumentos defendidos
na citação anterior de modo a evidenciar uma teoria sistêmica diferente.
Interessante notar que Wendt (1999) novo tratamento a um ponto que tanto Waltz
(1979) quanto Gilpin (1981) tinham como pacífico: ele questiona a independência do sistema
político internacional em relação aos demais donios, ou seja, é justo assumir uma
diferenciação institucional no sistema internacional entre sub-sistemas potico, econômico,
dentre outros? (WENDT, 1999, p.14)
294
. Wendt (1999) crê que desde a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) o sistema internacional tem experimentado uma paulatina diferenciação
institucional, diferentemente do que se suporia caso se assumisse uma lógica o diferenciada
das relações estatais. Nesse caso existe uma única lógica convivendo com outros setores que,
por si mesmos, não constituem lógicas distintas. A diferenciação que o autor identifica
295
entre as esferas potica e econômica e uma nascente esfera da sociedade civil global –
demonstra que a natureza da vida internacional está mudando e que, portanto, o conteúdo do
internacional não é constante (WENDT, 1999)
296
.
292
Essa fundamentação decorre de sua aproximação do realismo científico.
293
Ver especialmente Wendt (1999, pp.215 e ss.).
294
Tradução nossa de: “Is it fair to assume institutional differentiation within the international system between
political, economic and perhaps other functional sub-systems?”.
295
Cuja causa ele atribui à expansão do capitalismo (WENDT, 1999, p.14).
296
Em 1987, Wendt abre espaço para essa discussão, ainda que em termos um pouco diferentes, ao rejeitar o que
ele chama de monismo estrutural: “(...) a visão de que existe apenas um conjunto de princípios organizadores
subjacentes, tais como aqueles da economia, que podem ser explicados em termos generativos e, portanto,
constitutivos dos agentes. (WENDT, 1987, p.366, n.79. Tradução nossa). Wendt (1987) identifica quatro
147
É justamente nessa ‘contaminação’ entre aqueles sub-sistemas que ele a
possibilidade de outras ‘lógicas’ da própria interação política. O ponto aqui é marcar um
distanciamento do neorrealismo para produzir uma teoria estrutural diferente em tipo e em
conteúdo daquele. Wendt (1999) é muito sucinto em seu resgate do neorrealismo, enfatizando
três características que ele usa como ponto de partida. Primeiro, Wendt (1987; 1999)
considera Waltz um individualista e não um estruturalista (v. WENDT, 1987, pp.341-343;
1999, pp.15-16) tendo em vista a sua aproximação com a análise microeconômica que o leva
a tratar estados como firmas e o sistema internacional como mercado. Segundo, e estrutura
trabalhada pelo neorrealismo é materialista em função da importância atribuída à distribuição
de recursos no sistema. Ela apenas constrange, mas não gera os estados agentes: a estrutura
do sistema não pode gerar agentes se elas estão reduzidas às propriedades dos agentes em
primeiro lugar.(WENDT, 1987, p.342)
297
. Isto faz com que a mudança, para Wendt (1999),
seja vista a partir das mudanças na polaridade do sistema. Por fim, em terceiro lugar está a
distinção que Waltz (1979) faz entre teorização no nível sistêmico e no nível das unidades.
Para Wendt (1999) essa distinção faz com que processos sejam vistos a partir do nível das
unidades e não do sistema.
Uma das críticas
298
que Wendt (1999) levanta dessas características é justamente a
incapacidade que do neorrealismo em explicar a mudança. Pela posição construtivista, Wendt
(1999) está interessado no aspecto social da mudança como aquela encampada pelo fim da
Guerra Fria. Com uma lógica da anarquia constante, fundada em torno da ideia de auto-ajuda,
argumenta Wendt (1999), os neorrealistas não consideram a mudança social uma mudança
estrutural porque ela o altera a distribuição de poder ou transcende a anarquia (WENDT,
1999, p.17).
Como se disse no capítulo precedente, a proposta wendtiana abre espaço para uma
verdadeira mudança interprogramática de programa de pesquisa tendo em vista o
enquadramento eminentemente lakatosiano do problema (v. WENDT, 1995; 1999, p.20).
Para tanto ele empreende três passos: primeiro, uma redefinição do conteúdo da estrutura. Ela
estruturas sociais que podem constituir os estados: dostica-econômica, doméstica-política, internacional-
econômica e internacional-potica. Genericamente, o adensamento da estrutura sistêmica é uma condição que
Wendt impõe para que se possa falar em constituição dos agentes. O que se coloca com isso é a necessidade de
teorização sobre as articulações entre essas diferentes estruturas.
297
Tradução nossa de: “system structure cannot generate agents if they are reduced to the properties of agents in
the first place.”.
298
As outras duas cticas apontadas por Wendt (1999) – a dificuldade de o neorrealismo gerar hipóteses
falsificáveis e a adequação de sua explicação de ‘um número pequeno de coisas grandes e importantes’ – não são
explorados aqui.
148
é muito mais um fenômeno social do que material. A base dessa sociabilidade, que reforça a
dimensão idealista wendtiana, está no conhecimento compartilhado. A premissa do
argumento é a de que “(...) pessoas agem em relação a objetos, incluindo outras pessoas, com
base nos significados que esses objetos têm para elas.” (WENDT, 1999, p.140. Itálicos
adicionados)
299
. Ainda que o aspecto central seja o idealismo, Wendt (1999) mantém uma
dimensão materialista
300
, uma ‘herança’ do realismo científico adotado que possibilitará a
falar-se em causação e constituição. Entretanto o aspecto idealista guardaria uma precedência
sobre o materialista na medida esses últimos adquirem significados apenas a partir dos
primeiros (WENDT, 1999, p.24). A cultura é o conhecimento compartilhado (WENDT, 1999,
p.141)
301
. Isso significa que
O caráter da vida internacional é determinado pelas crenças e expectativas que
estados têm uns sobre os outros, e essas são constituídas largamente por estruturas
sociais ao invés de materiais. Isso não significa que o poder material e os interesses
não são importantes, mas sim que seu significado e efeitos dependem da estrutura
social do sistema e, especificamente, de qual das três “culturas” da anarquia é
dominante – hobbesiana, lockeana ou kantiana. (WENDT, 1999, p.20)
302
.
Ao abrir espaço para a dimensão social da estrutura evidenciada pelo seu aspecto
cultural, Wendt (1999) na mudança daquelas culturas a mudança estrutural. Assim, uma
verdadeira mudança estrutural, na visão wendtiana, ocorreu não com a mudança da polaridade
material com o fim da bipolaridade em 1991, mas com o fim da Guerra Fria em 1989
(WENDT, 1999, p.20). Foi esse o momento que permitiu uma mudança na cultura da
anarquia ou, na expressão utilizada em 1987, a mudança estrutural criou as condições de
possibilidade (conditions of possibility) (WENDT, 1987, p.342) para uma nova ação estatal.
299
Tradução nossa de: “(...) people act toward objects, including each other on the basis of the meanings those
objects have for them.”.
300
O que Wendt (1999, cap.3) chama de rump materialism.
301
A importância da cultura para a política internacional fora evidenciada por Wendt antes de 1999 num trabalho
em conjunto com Ronald Jepperson e Peter Katzenstein de 1996. Nesse trabalho, também se encontra os
primórdios do mapa da teorização estrutural amplamente desenvolvido em 1999. Para um contato com essas
discussões, veja-se Jepperson, Wendt e Katzenstein (1996).
302
Tradução nossa de: “the character of international life is determined by the beliefs and expectations that states
have about each other, and these are constituted largely by social rather than material structures. This does not
mean that material power and interests are unimportant, but rather that their meaning and effects depend on the
social structure of the system, and specifically on which of the three ‘cultures’ of anarchy is dominat –
Hobbesian, Lockean, or Kantian.”.
149
O segundo passo dado por Wendt (1999) é reforçar a dimensão holista da sua teoria
tendo em vista os efeitos constitutivos e causais da estrutura sobre os agentes
303
. O
individualista, que concebe as explicações sociais a partir das propriedades e interações de
indivíduos existentes (WENDT, 1999, p.26), ignora duas dimensões abordadas pelo holismo:
de um lado, como o sistema internacional afeta as identidades e não apenas o comportamento
e, de outro, como essas identidades são constituídas e não apenas causadas pelo sistema
(WENDT, 1999, p.21).
O terceiro passo está na incorporação da dimensão processual ou da interação como
uma preocupação da teoria sistêmica de modo a evidenciar-se mais resultados do que
esperado pelo argumento waltziano (WENDT, 1999, p.21). Contra Waltz (1979), Wendt
(1999) argumenta que a anarquia não tem uma ‘lógica’ independente dos processos que a
sustentam (WENDT; 1992; 1999, p.21).
Wendt (1999) distingue dois níveis da estrutura: a micro-estrutura e a macro-
estrutura
304
. O primeiro refere-se ao nível das interações das unidades – lembrando que
diferentemente de Waltz (1979), Wendt (1999) considera a interação como um aspecto
sistêmico. O segundo nível, que poderia ser aproximado do entendimento de estrutura
utilizado por Waltz (1979) (v. WENDT, 1999, p.147), é o vel que permite (...) caracterizar
o mundo do ponto de vista do sistema.” (WENDT, 1999, p.147)
305
e explicar as grandes
tendências do sistema como um todo (WENDT, 1999, p.149). O autor acrescenta ainda um
elemento que ele mesmo não considera um nível, mas que deve ser considerado nas análises:
o ‘nível’ da unidade em contraposição ao vel das interações (micro) e o sistêmico (macro).
Wendt (1999) usa o primeiro para fazer um contraponto ao nível micro: esse ‘nível’ explica os
resultados a partir dos atributos dos estados apenas (WENDT, 1999, p.147).
O conceito de práticas é particularmente importante para essa distinção na medida em
que “(...) [as] macro-estruturas são produzidas e reproduzidas apenas pelas práticas e
estruturas de interação no nível micro.(WENDT, 1999, p.150)
306
. Contudo, a relação entre
as duas estruturas é de superveniência. Isto significa que “(...) as macro-estruturas são ao
mesmo tempo não redutíveis a e é de certo modo dependentes da micro-estrutura para sua
303
Ressalvamos aqui o que foi argumentado anteriormente acerca do emprego do conceito de holismo que
adquire um sentido em Waltz (1979) (v. MOURITZEN, 1997) e outro em Wendt (1999)
304
Para os fundamentos desse argumento, veja-se, especialmente, Wendt (1999, pp.145-147).
305
Tradução nossa de: “(...) depict the world from the standpoint of the system.”.
306
Tradução nossa de: “(...) macro-level structures are only produced and reproduced by practices and
interaction structures at the micro level.”.
150
existência.” (WENDT, 1999, pp.155-156)
307
. Wendt (1999) defende que a macro-estrutura é
importante como um fim em si mesmo dada a sua dimensão de múltipla realização (multiple
realizability) de resultados. Isto porque alguns efeitos da estrutura não podem ser reduzidos às
propriedades e interações dos indivíduos (na visão individualista na acepção wendtiana) na
medida em que existem regularidades relativamente autônomas na macro-estrutura que não
podem sê-lo (WENDT, 1999, p.155).
Wendt (1999) leva essa discussão para analisar a mudança. Como se disse
anteriormente, na medida em que a anarquia comporta mais de uma lógica, a mudança
estrutural refere-se à mudança dessas lógicas ou culturas. O termo anarquia refere-se
(...) a uma ausência (“sem regra”), não a uma presença; ele nos diz o que não e
não o que há. É recipiente vazio, sem significado intrínseco. O que significado à
anarquia são os tipos de pessoas que vivem ali e a estrutura dos seus
relacionamentos. (WENDT, 1999, p.309)
308
.
Para o autor, a anarquia pode ter três tipos de estruturas no nível macro: hobbesiana,
lockeana e kantiana (WENDT, 1999, p.247). Wendt (1999), afirma que apenas a cultura
hobbesiana pode ser descrita como self-help, de modo que para ele, Waltz (1979) teria
considerado apenas um tipo de estrutura. Por outras palavras, Waltz (1979) teria confundido
toda a estrutura do sistema internacional com um dos seus tipos. Os entendimentos
compartilhados sobre a violência organizada (WENDT, 1999, p.313) diferenciam aquelas
culturas. Esses entendimentos são sustentados pelas práticas de potica externa dos estados.
Daí dizer-se que “estruturas e agentes são ambos resultados do que as pessoas fazem.
(WENDT, 1999, p.313. Itálicos no original)
309
. Processos, como se disse, envolvem a
sustentação dessas práticas
310
: “agentes e estruturas são eles mesmos processos, em outras
palavras, continuadas ‘realizações da prática’. Ao fim e ao cabo, esta é a base para a
afirmação de que a ‘anarquia é o que os estados fazem dela.’” (WENDT, 1999, p.313)
311
.
307
Tradução nossa de: “(...) macro-structures are both not reducible to and yet somehow dependent for their
existence on micro-structures.”.
308
Tradução nossa de: “(...) to na absence (‘without rule’), not a presence; it tells us what there is not, not what
there is. It is an empty vessel, without intrinsic meanining. What gives anarchy meaning are the kinds of people
who live there and the structure of their relationship.”.
309
Tradução nossa de: “Structures and agents are both effects of what people do.”.
310
Aquilo que tomamos como dado é na verdade processo que se estabilizou e que nos aparece como dado
(WENDT, 1999, p.340)
311
Tradução nossa de: “Agents and structures are themselves processes, in other words, on-going
‘accomplishments of practice’. Ultimately this is the basis for the claim that ‘anarchy is what states make of it’.”.
151
Assim, Wendt (1999) entende a mudança como uma mudança nos processos na medida em
que as estruturas estão sempre em processo: “[a] mudaa estrutural ocorre quando atores
redefinem quem eles são e o que eles querem.” (WENDT, 1999, pp.336-337)
312
As mudanças são decorrentes dos processos de interação que produzem, reproduzem e
transformam a estrutura sistêmica. Com pondera Drulák (2006),
Embora [Wendt] diga que “não devemos tratar estrutura e processo como diferentes
níveis de análise” e que os veis micro e macro “são [ambos] estruturados e ambos
instanciados por processos” (1999: 186), o primeiro se refere a realidades que
mudam o tempo todo daí, orbitar [em torno] de processo e agência enquanto
que o último se refere a [uma] realidade extremamente estável, perto do que é
geralmente entendido como estrutura. É o princípio da superveniência que torna o
nível macro mais estrutural e o nível micro mais processual. (DRULÁK, 2006,
pp.150-151. Itálicos adicionados)
313
.
Interessante notar que, a despeito do foco na mudança estrutural, Wendt (1999) a
considera de difícil ocorrência; ela é a exceção e não a regra. Por um lado, a internalização de
papéis contribui para a estabilidade de uma estrutura cultrual e, por outro, a existência de
condições sistêmicas impedem a mudança mesmo se os atores a quiserem (WENDT, 1999,
p.340). Tal é o caso de instituições como a soberania e a balança de poder que (...) premiam
certas práticas e punem outras.” (WENDT, 1999, p.340)
314
.
Ele entende que mudança estrutural ou sistêmica, na sua dimensão social, ocorre na
macro-estrutura (WENDT, 1999, p.338), ou seja, uma alteração da cultura da anarquia.
Historicamente, ocorreu apenas uma mudança macro-estrutural: da cultura hobbesiana para a
lockeana, atual (WENDT, 1999, p.339). O sistema internacional atual vive o desafio de se
ampliar para uma cultura kantiana.
Entretanto, Wendt (1999) se contradiz ao afirmar que sua obra é incompleta com
relação à explicação da mudança macro-estrutural (WENDT, 1999, p.365), o que deixa seu
sua obra concentrada apenas nas questões micro-estruturais. E afirma que existe
(...) um espaço entre mudança cultural e mudança identitária porque a mudança
cultural requer não apenas que identidades mudem, mas que suas frequência e
312
Tradução nossa de: “Structural change occurs when actors redefine who they are and what they want.”.
313
Tradução nossa de: “Even though he says that ‘we should not treat structure process as different levels of
analysis’ and that micro- and macro-levels ‘are [both] structured and both instantiated by process (1999: 186),
the former refers to realities which change all the time hence, it gravitates to process and agency while the
latter refers to extremely stable reality, close to what is usually understood as structure. It is the principle of
supervenience which make the macro-level more structural and the micro-level more processual.”.
314
Tradução nossa de: “(...) reward certain practices and punish others.”.
152
distribuição cruzem um limiar a partir do qual a lógica da estrutura pende para uma
nova lógica. Uma cultura lockeana de 200 membros não mudará apenas porque dois
dos seus membros adquiriram uma identidade kantiana, a menos que talvez [esses
dois] sejam também suas únicas superpotências, caso em que os demais estados
podem fazer o mesmo. (WENDT, 1999, p.365. Itálicos adicionados)
315
.
Wendt (1999) abre a conclusão do capítulo final de sua resgatando a ideia de processo
como o centro da proposta construtivista em contraposição ao neorrealismo. Daí, portanto, o
emprego da expressão processo da política internacional (WENDT, 1999, p.366). A posão
construtivista wendtiana, nesse sentido, abre espaço para uma contraposição normativa ao
neorrealismo. Sobre essa contraposição, o autor afirma que
O compromisso realista com o auto-interesse contribui para criar e reificar mundos
de auto-ajuda na política internacional. Na medida em que o realismo está
assumindo pelo menos implicitamente não apenas o que a vida internacional é, mas
o que ela deve ser; ele se torna uma teoria tanto normativa quando positiva. Dando o
passo construtivista para ver o egoísmo como estando sempre em jogo no processo
social nos ajuda a ver que o auto-interesse o é [um] deus ex machina externo
guiando o sistema internacional, mas em si um produto continuado do sistema. Se o
auto-interesse não é sustentado por prática ele desaparecerá. A possibilidade de
mudança estrutural nasce desse fato. (WENDT, 1999, p.369. Itálicos no original)
316
.
As implicações dessas assunções, bem como das demais, serão discutidas no próximo
capítulo.
315
Tradução nossa de: “(...) a gap between cultural change and identity change because cultural change requires
not only that identities change, but that their frequency and distribution cross a threshold at which the logic of
the structure tips over into a new logic. A Lockean culture with 200 members will not change just because two of
its members acquire a Kantian identity, unless perhaps they are also its only superpowers, in which case other
states may follow suit.”.
316
Tradução nossa de: Realism’s commitment to self-interest participates in creating and reifying self-help
worlds in international politics. To that extent Realism is taking an at least implicit stand not only on what
international life is, but on what it should be; it becomes a normative as well as a positive theory. Making the
constructivist move of seeing egoism as always at stake in the social process helps us see that self-interest is not
some external deus ex machina driving the international system, but itself an on-going product of the system. If
self-interest is not sustained by practice it will die out. The possibility of structural change is born out of that
fact.”.
153
5 ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO LAKATOSIANO DOS PROGRAMAS DE
PESQUISA A PARTIR DA MUDANÇA
Este capítulo analisa a maneira pela qual o realismo e construtivismo estrutural
desenvolvem seus programas de pesquisa em torno da mudança. Segundo Rosenau (1989),
Muito frequentemente nos enganamos presumindo que mudanças políticas e sociais
fundamentais são autoevidentes, como se existisse uma realidade objetiva para as
diferenças que percebemos em dois ou mais pontos no tempo. Mas mudanças, e
continuidades também, não são fenômenos objetivos. Suas existências adquirem
significado por meio de formulação conceitual e não [por] observação empírica.
Não é a história que determina se uma mudança ocorreu, mas antes o interesse dos
observadores aquelas escalas de tempo e espaço nas quais eles buscam traçar
transformações no passado e avaliar aquelas que podem estar no futuro.
(ROSENAU, 1989, p.15. Itálicos adicionados)
317
.
Afora um equívoco no trecho final, que ensejaria um argumento historicista (v.
POPPER, 2005), o argumento defendido por Rosenau (1989) é importante por abrir espaço
para uma discussão que se aproxima do objetivo exposto no primeiro capítulo. O lugar de
destaque das assunções teóricas ou das formulações conceituais na expressão de Rosenau
(1989) coloca em evidência a maneira pela qual os autores discutidos nos capítulos
precedentes concebem a mudança. Essa concepção, cremos, precisa ser mediada por um
critério lakatosiano, tal como discutido no primeiro capítulo.
O presente capítulo resgata esse critério e o aproxima das discussões teóricas
precedentes de modo a evidenciar-se a consistência de suas assunções teóricas. Como se
argumentou no primeiro capítulo, num cotejo entre as posições de Laudan (1977) e Lakatos
(1999a), o critério empírico de progresso científico precisa ser mediado teoricamente. O
trabalho dos programas de pesquisa rivais em torno da mudaa pode demonstrar a
consistência teórica das posições adotadas. Nesse sentido, a primeira discussão lida com as
posições de Waltz (1979) e Gilpin (1981), particularmente a inclusão do segundo no PPC
neorrealista e a consistência do programa em torno da mudaa. Uma segunda discussão lida
com a posição construtivista wendtiana, particularmente como sua ideia de mudança busca se
317
Tradução nossa de: “All too often we delude ourselves into presuming that fundamental social and political
changes are self evident, as if there is an objective reality to the differences we perceive at two or more points in
time. But changes, and continuities too, are not objective phenomena. Their existence acquires meaning through
conceptual formulation and not empirical observation. It is not history that dictates whether change has occurred,
but rather the interests of observers those scales of time and space in which they seek to trace transformations
in the past and to evaluate those that may lie ahead in the future.”.
154
afastar do neorrealismo criando um PPC rival. O capítulo se encerra com uma terceira
discussão que avalia os dois pontos anteriores tendo por base o critério metateórico
apresentado no primeiro capítulo.
5.1 Neorrealismo e mudança
5.1.1 A inclusão de Robert Gilpin no PPC neorrealista
Um aspecto importante a ser considerado é a inclusão de Gilpin (1981) como um
protagonista do programa. Como se argumentou no capítulo 2, não se pode confundir ou
tomar o neorrealismo pela obra de Waltz (1979). As hipóteses aventadas por esses autores
sobre a mudança podem ser contraditórias entre si, ou seja, elas constituem posições
intraprogramáticas que equacionam os problemas de modo distinto, mas não são
contraditórias em relação ao que determina o núcleo duro do PPC. Ademais, na medida em
que elas não abalam o núcleo tem-se a possibilidade de progressividade no programa.
Guzzini (1997), ao discutir a obra de Robert Gilpin, defende a não inclusão desse autor
no marco neorrealista (GUZZINI, 1997, p.124). A proposta gilpiniana, para aquele autor,
seria melhor compreendida como um novo programa de pesquisa, ainda que interessado no
poder ou na ascensão e queda das potências e voltado para as questões de economia potica
internacional. Sua posição contribuiu para as discussões travadas no âmbito de uma
abordagem que ficou conhecida como teoria da estabilidade hegemônica
318
. Segundo Guzzini
(1997), Gilpin, nas suas obras tardias, está interessado na relação entre poder e riqueza,
particularmente no impacto da economia internacional sobre a segurança estatal. Ora mesmo
em se tratando disso, a posição defendida por Guzzini (1997) é inconsistente: é verdadeiro
que Gilpin, particularmente na obra de 1981, está interessado na dinâmica de poder e seus
condicionantes para a mudança sistêmica. Entretanto, aquela proximidade entre poder e
riqueza, ou melhor, entre força e riqueza é uma preocupação que está colocada para o próprio
Waltz (1979) quando ele afirma que
318
Para um panorama dessa abordagem, veja-se Vadell (2005).
155
Se Charles P. Kindleberger estivesse certo ao dizer que “o estado-nação é apenas
uma unidade econômica” (1969, p.207), então a estrutura da política mundial teria
de ser redefinida. Isso seria necessário porque capacidades econômicas não podem
ser separadas de outras capacidades dos estados. A distinção frequentemente feita
entre questões alta e baixa política [high and low politics] está mal colocada.
Estados usam meios econômicos para fins militares e políticos; e meios militares e
políticos para alcançar interesses econômicos. (WALTZ, 1979, p.94. Itálicos
adicionados)
319
.
O problema da separação da esfera ecomica, em especial no caso da teoria da
estabilidade hegemônica, está em desconsiderar justamente a compatibilidade que a economia
e comércio internacionais têm com questões de segurança (v. GOWA, 1994). Se se assumem,
diferentemente do argumento sugerido por Guzzini (1997), os aspectos mencionados
anteriormente, então é possível aproximar as preocupações de Waltz e Gilpin
320
.
A tendência de aproximação desses autores no marco do neorrealismo também o
pode valer-se de razões utilitaristas e a-históricas, tal como sugere Guzzini (1997, p.123). Para
aquele autor, a metodologia utilitarista trazida da economia e as assunções a-historicistas
estariam no centro da proposta neorrealista. Crê-se que essas razões são inconsistentes em si
mesmas e o refletem qualquer critério fundamentado seja no entendimento preciso desses
conceitos, seja no seu enquadramento no neorrealismo a partir do qual se possa avaliar o
rito de outras posições.
Finalmente, argumenta-se aqui que a metodologia dos programas de pesquisa
científica de Lakatos (1999a) oferece um critério consistente para avaliar a incorporação da
proposta gilpiniana no marco do neorrealismo. O argumento é de que existe uma adesão ao
núcleo do programa discutido no capítulo anterior a partir do qual Gilpin (1981) oferece
uma hipótese auxiliar voltada para discutir o processo de mudança potica. Trata-se, portanto,
de uma discussão voltada para a heurística positiva do programa. Isto porque, como se
discutiu, a existência de hipóteses auxiliares contraditórias entre si, voltadas para o
equacionamento da mudança de maneira distinta não são, em si mesmas, degenerescentes. A
adesão ao núcleo do programa juntamente com a busca de solução de problemas empíricos no
espírito do programa, ou seja, em concordância com a heurística positiva são, antes,
319
Tradução nossa de: “If Charles P. Kindleberger were right in saying that ‘the nation-state is just about through
as an economic unit’ (1969, p.207), then the structure of international politics would have to be redefined. That
would be necessary because economic capabilities cannot be separated from the other capabilities of states. The
distinction frequently drawn between matters of high and low politics is misplaced. States use economic means
for military and political ends; and military and political means for the achievement of economic interests.”.
320
Obviamente, seria necessário também avaliar o mérito da própria proposta da teoria da estabilidade
hegemônica e como essas posições geram abordagens distintas para o funcionamento do comércio e economia
internacionais. Para uma discussão sobre isso, veja-se Gowa (1994).
156
verdadeiros critérios de progressividade do programa. Por outras palavras, a capacidade que o
programa tem de gerar hipóteses auxiliares distintas em franca sintonia com o núcleo duro e
heurística positiva deve ser visto como um fator de progressividade e não de degenerescência
do mesmo. E é justamente esse caso que, tal como foi discutido no capítulo anterior, rege a
relação entre Gilpin (1981) e Waltz (1979) como veremos a seguir. É esse também o caso que
Lakatos (1999a) enfatiza ao atribuir centralidade às séries de teorias como unidade básica de
avaliação no caso de um programa de pesquisa. Assim sendo, a aludida capacidade permiti
a avaliação dos méritos relativos do programa realista.
Segundo James (2002), pode-se avançar os trabalhos de um programa do ponto de
vista da heurística positiva a partir da criação de teorias bem desenvolvidas que sejam
consistentes com o núcleo e a heurística negativa (JAMES, 2002, p.126). O autor afirma ainda
que
Talvez o aspecto mais surpreendente do realismo estrutural de Waltz (1979) seja a
distribuição de tempo e esforço de reação a ele.: “[E]xistiram tentativas de aplicar a
teoria de Waltz, tentativas de mostrar seus problemas e algumas tentativas solidárias
de defendê-la. Mas até agora curiosamente houve pouca tentativa de desenvolvê-la
(Buzan, Jones e Little, 1993: 6). Em mais de duas décadas, apenas um par de
estudos subsequentes poderia se aproximar de esforços autoconscientes e completos
de construir sobre o fundamento criado por Waltz. (JAMES, 2002, p.127. Itálicos no
original)
321
.
A discussão sobre processo potico pode ser derivada de uma distinção que Waltz
(1979) faz entre teoria de potica internacional e teoria de potica externa. Segundo ele,
Uma teoria sobre política externa é uma teoria no vel nacional. Ela leva a
expectativas sobre as respostas que políticas diferentes darão às pressões externas.
Uma teoria de política internacional sustenta as políticas externas de nações
enquanto busca explicar apenas alguns aspectos delas. Ela pode nos dizer com quais
condições internacionais as políticas nacionais têm que lidar. (WALTZ, 1979,
p.72)
322
.
321
Tradução nossa de: “Perhaps the most amazing aspect of Waltz’s (1979) structural realism is the distribution
of time and effort in reaction to it: ‘[T]here have been attempts to apply Waltz’s theory, attempts to debunk it,
and some sympathetically critical attempts to defend it. But so far there has been surprisingly little sustained
attempt to develop it(Buzan, Jones and Little 1993: 6). In over two decades only a pair of subsequent studies
would seem to approximate full-fledged, self-conscious efforts to build directly on the foundation created by
Waltz.”.
322
Tradução nossa de: “A theory about foreign policy is a theory at the national level. It leads to expectations
about the responses that dissimilar polities will make to external pressures. A theory of international politics
bears on the foreign policies of nations while claiming to explain only certain aspects of them. It can tell us what
international conditions national policies have to cope with.”.
157
Ao não compreender o enfoque específico da proposta waltziana, vários autores
propuseram abordagens que se diziam alternativas àquela com um nítido interesse em superar
as supostas ‘deficiências’ da teoria de potica internacional proposta por Waltz (1979)
323
. O
equívoco dessas abordagens é se suporem alternativas quando na verdade tratam de
fenômenos e problemas distintos (DINIZ, 2007). Uma teoria de política internacional não é
formulada para explicar o processo de decisão política, de modo que “(...) não são capazes de
explicar, por si sós, as decisões tomadas, e muito menos como elas foram tomadas.” (DINIZ,
2007, p.122. Itálicos no original. Grifo adicionado).
Waltz (1979) estabelece muito claramente a diferença entre aquelas duas posições.
Contudo, seu interesse em demarcar os seus limites para esclarecer o que está em jogo em
cada uma delas, leva-o a subestimar os processos poticos em sua teoria, uma falha que se
o escapou às críticas das abordagens alternativas, tampouco deixou de ser enfrentada, de
modo consistente, por abordagens realistas posteriores a Waltz. Segundo Diniz (2007), a
compreensão plena dos processos políticos internacionais demanda a associação das duas
perspectivas ainda que se possa sustentar que essa associação mantenha a integridade do
escopo de cada perspectiva. Por outras palavras, processos poticos estão separados de efeitos
estruturais, ainda que se possa distinguir o que esperar de cada perspectiva (DINIZ, 2007):
As predições decorrentes das teorias de política internacional tendem a ser
do tipo: a adoção do curso de ação S implicará a consequência T, ao
passo que a adoção do curso de ação alternativo U implicará a
consequência V;
Já as predições decorrentes das teorias de decisão política, no que concerne
à política externa, tendem a ser do tipo: dadas as características do
processo decisório do Estado E, a adoção do curso de ação U é mais
provável que a adoção do curso de ação S. (DINIZ, 2007, p.124. Itálicos
no original.).
A ênfase no primeiro aspecto como fundamento da demarcação entre teorias
sistêmicas leva, como foi dito, Waltz (1979) a subestimar – e o a desconsiderar – a
importância dos processos políticos. Isso fica claro quando ele argumenta que a omissão dos
atributos das unidades tem por objetivo traçar “(...) os efeitos esperados da estrutura sobre o
processo e do processo sobre a estrutura. Isso pode ser feito apenas se estrutura e processo
forem distintamente definidos. (...) Estruturas políticas moldam processos políticos (...).”
(WALTZ, 1979, p.82)
324
. Noutro trecho, ele afirma que “[a] estrutura política produz uma
similaridade em processo e performance enquanto uma estrutura perdurar.” (WALTZ, 1979,
323
Para uma discussão dessa questão, remeto o leitor a Diniz (2007, pp.117 e ss.).
324
Tradução nossa de: “(...) the expected effects of structure on process and of process on structure. That can be
done only if structure and process are distinctly defined. (…) Political structures shape political process (…).”.
158
p.87)
325
. Note-se que o espaço da discussão dos processos poticos internacionais está
colocado: Waltz (1979) admite a mútua influência que estrutura e processos têm um sobre o
outro
326
, mas acaba refém de sua proposta de mostrar que a maneira de organização influi na
maneira como as unidades interagem mais do que variações nos seus atributos.
Em obras posteriores a 1979, particularmente em 1986, Waltz (1986) torna explícita
essa mútua influência entre estrutura e unidades ao afirmar que
Longe de pensar os processos no vel da unidade como “todo produtos...e não todo
produtores” (...), penso o processo no vel das unidades como uma fonte tanto de
mudança no sistema quanto de uma possível mudança do sistema, embora essa
última seja mais difícil de imaginar. Nem estrutura nem unidades determinam
resultados. Um afeta o outro. (WALTZ, 1986, p.328)
327
.
Mais do que discutir processos de interação, Waltz (1979; 1986) cria as possibilidade
de se discutir o processo político no plano internacional ao reconhecer a dependência entre
estrutura e unidades. Nesse sentido, é possível dizer que o processo potico é um fenômeno
mais amplo que processo de interação. O estudo do primeiro não se reduz ao estudo das
estruturas e tampouco das unidades, ou dos processos de interação, mas é viabilizado pela
confluência dos dois. Como se disse, o interesse waltziano de definir o escopo de uma
teorização sobre o nível sistêmico e o nível das unidades o impede, todavia, de efetivamente
conceber a mútua influência de estruturas e unidades no processo político internacional.
Gilpin (1981), no marco do neorrealismo, oferece uma hipótese para pensar o processo
de mudaa política de uma maneira inteiramente consistente com o núcleo do programa.
Com isso, a incorporação do crescimento diferencial do poder, da hierarquia de prestígio bem
como de outras variáveis, faz-se de maneira inteiramente consistente com o as expectativas
sistêmicas e estruturais. A subsseção dedicada a Gilpin (1981) no capítulo anterior mostra
que: Gilpin (1981) (i) reconhece a centralidade do estado como ator principal das RI; (ii)
assume que a racionalidade daqueles atores remonta não à produção de determinado
resultado, que pode o se concretizar por inúmeros fatores intervenientes, mas ao
empreendimento da ação em que sopesam custos e benefícios (GILPIN, 1981, p.x); (iii)
defende que o objetivo da segurança continua sendo a característica fundamental das relações
325
Tradução nossa de: “Political structure produces similarity in process and performance so long as structure
endures.”.
326
Veja o esboço gráfico deste argumento na Figura 3 nesta dissertação.
327
Tradução nossa de: “Far from thinking of unit-level processes as ‘all produc…and not at all productive (…) I
think of unit-level processes as a source both of change in systems and of possible change of systems, hard
though it is to imagine the latter. Neither structure nor units determine outcomes. Each affects the other.”.
159
internacionais, mas a sua consecução envolve um impasse (trade-off) entre outros objetivos e
interesses dos estados que são considerados no cálculo potico de cada estado; (iv) sustenta
que a recorrência do objetivo anterior se coloca em virtude da anarquia internacional, de
modo que ele nela o princípio ordenador do sistema; (v) discute a centralidade do Estado
nas RI, mas implicitamente considera-o funcionalmente semelhante na medida em que, do
ponto de vista externo, o Estado deve proteger o direito de propriedade e seguraa de seus
cidadãos em relação aos membros e ações de outros estados;
328
e, por fim, (vi) Gilpin trata a
distribuição de recursos como o elemento estrutural que permite discutir a mudança a partir da
influência desse elemento sobre as unidades, especificamente nos esforços dos atores políticos
para alcançarem seus objetivos (GILPIN, 1981, p.10).
Pelo exposto, vê-se que é possível aproximar Gilpin (1981) do programa neorrealista.
Ele encontra na dimensão processual o espaço para discutir a mudança numa maneira distinta
da de Waltz (1979). A hipótese da mudança cujo fundamento está no crescimento
diferencial do poder e é proposta por Gilpin (1981) em função de sua insatisfação com a
maneira como o assunto fora tratado até então é inserida no programa sem um rompimento
ou um abalo do núcleo, ao menos do ponto de vista dos compromissos assumidos pelo autor
para sustentar sua hitese. Trata-se, portanto, de uma mudança de problema (problemshift)
329
intraprogramática na acepção lakatosiana. Para Elman e Elman (2003),
Isso não significa dizer que emendas dirigidas para resolver anomalias são
automaticamente degenerescentes. De acordo com Lakatos, não há nada de errado
com mudanças de problemas [problemshifts] voltadas para lidar com fatos
discrepantes na medida em que elas também produzam novas predições. (ELMAN e
ELMAN, 2003, p, 30. Itálicos no original.)
330
.
Essa constatação demanda uma tarefa empírica
331
: testar as expectativas tricas em
situações concretas. Como se disse no primeiro capítulo, a empiria é o critério básico a partir
do qual o progresso num domínio científico é avaliado. Essa tarefa permiti averiguar a
progressividade ou degenerescência dessa mudança de problema. Se a hipótese incorporada
328
Nesse ponto Gilpin (1981, p.18) chamará de self-regarding o self-help waltziano.
329
É preciso esclarecer que problemshift (mudança de problema) deve ser entendido como theoryshift (mudajnça
de teoria ou teórica). Lakatos (1999a) considerou essa última expressão problemática optando por utilizar a
primeira.
330
Tradução nossa de: “This is not to say that amendments directed to solving anomalies are automatically
degenerating. According to Lakatos, there is nothing wrong with problemshifts designed to account for
discrepant facts, so long as they also produce novel predictions.”.
331
Tarefa essa que não será executada neste trabalho.
160
por Gilpin (1981), seguindo as expectativas lakatosianas, levar a produção de fatos novos
332
corroborados empiricamente sem abalar o núcleo e ainda seguir a heurística positiva, ter-se-á
uma mudança progressiva. A hipótese sustentada neste trabalho é a de que a incorporação da
dinâmica processual em torno da mudança por Gilpin (1981) cria um espaço progressivo de
mudança no programa neorrealista. Muito mais do que responder a uma demanda externa ao
programa, a posição de Gilpin (1981) se faz em função de uma demanda interna, a partir de
uma deficiência que ele encontra em Waltz (1979). Esse último autor não na estabilidade a
característica imutável do sistema: de modo que sua definição de estabilidade abre espaço
para a mudança. Este é justamente o ponto de partida de Gilpin (1981) que salienta as
condições e fatores que ensejariam uma ruptura com o status quo. Isto pode evidenciar uma
posição cuja preocupação é muito mais levar adiante um projeto sistêmico como é o que
fundamenta o que hoje se chama realismo estrutural do que salvá-lo de abalos. Se isso é
assim, sua posição aponta para a progressividade muito mais do que para a degenerescência.
Pela hipótese defendida aqui, não se espera, portanto, encontrar nenhum traço de
arbitrariedade
333
na proposta gilpiniana.
A consistência de sua posição com o núcleo duro do programa, tal como se
argumentou anteriormente, fortalece a nossa hipótese. Daí dizermos no início dessa seção que
uma contradição entre as posições de Waltz (1979) e de Gilpin (1981) sobre a mudança deve
ser vista como equacionamento de um problema de modo distinto, como contradição entre si,
sem contradizer o que determina o núcleo duro do programa. Do ponto estritamente teórico,
conceitual, portanto, no que tange a posição dos dois autores, é possível defender a
consistência da proposta neorrealista em torno da mudaa. Não há, pois, abalo do núcleo.
5.2 Construtivismo estrutural e mudança
A característica mais marcante da abordagem wendtiana está na sua apreensão do
neorrealismo. O cerne da sua proposta está na reorganização conceitual do quadro
estruturalista vigente nas RI. Sua proposta, portanto, abre uma nova hipótese no marco do
programa construtivista. Nesse sentido, como se viu no capítulo 2, a proposta wendtiana,
332
Sobre as controvérsias em torno desse conceito, remeto o leitor à Elman e Elman (2003, pp.33-39).
333
Essa é uma outra expressão que Lakatos (1999a, p.175) utiliza para se referir à construção de hipóteses
auxiliares ad hoc.
161
fundamentalmente estruturacionista, é distinta da proposta do chamado construtivismo regra-
orientado.
Wendt (1996) assume que o centro de sua perspectiva envolve, primeiro, a assunção
dos estados como principais atores do sistema, segundo, a estrutura intersubjetiva do sistema
e, terceiro, a construção de identidades e interesses por essas estruturas (WENDT, 1996). Em
decorrência disso, em 1999, Wendt afirma que
Seria útil considerar se os esforços de reforma do neo-realismo são todos
compatíveis com o “núcleo duro” do programa de pesquisa neo-realista, e
particularmente com sua ontologia, ou se alguns desses esforços podem constituir
“mudanças de problemas degenerescentes”. Ao invés de desafiar a coerência
ontológica do neo-realismo neo-liberalismo, entretanto, deixe-me estipular o
núcleo de uma alternativa. A intuição básica é que o problema no projeto de sistema
de estados hoje situa-se na conceituação de estrutura e teoria estrutural e que,
portanto, é preciso uma reorganização conceitual de todo o empreendimento.
(WENDT, 1999, p.20. Itálicos adicionados)
334
.
Explicitamente, Wendt (1999) está reconhecendo a incompatibilidade nuclear entre
sua proposta, genericamente construtivista, e a neorrealista. Por outras palavras, a sua
reorganização conceitual envolve, pois, uma mudança de problema interprogramática. Essa
mudança se impôs porque, como Wendt (1995) argumentou, o neorrealismo estaria a
incorporar hipóteses sociais com o propósito de defender o núcleo de abalos decorrentes de
demandas empíricas. Transcrevemos mais uma vez o trecho em que ele esclarece sua posição:
(...) o significado do poder depende da estrutura subjacente de conhecimento
compartilhado. (...) Para se deslocar da anarquia e forças materiais para política de
poder e guerra os neo-realistas, portanto, foram forçados a fazer assunções
adicionais, ad hoc, sobre a estrutura social do sistema internacional. Vemos isso no
interesse de Mearsheimer no “hipernacionalismo”, a ênfase de Stephen Walt na
ideologia na “balança de ameaças, o foco de Randall Schweller na distinção status-
quo e revisionismo e, como argumentei no meu artigo “Anarchy, a assunção de
Waltz de que anarquias são sistemas de auto-ajuda. Incorporar essas assunções gera
mais poder explicativo, mas como? Nesses casos, o trabalho causal crucial é feito
pelos fatores sociais, não pelos materiais. Este é o núcleo da visão construtivista de
estrutura, não da neo-realista. O problema torna-se ainda mais agudo quando os neo-
realistas tentam explicar a ausência relativa de guerras interestatais no mundo atual.
(...) O amparo dos neo-realistas em fatores sociais para fazer o seu trabalho de
explicação sugere que se há um candidato a programa de pesquisa degenerescente na
teoria de RI, o neo-realismo é ele. A resposta progressiva (no sentido lakatosiano)
334
Tradução nossa de: “It would be useful to consider whether the efforts to reform Neorealism are all
compatible with the ‘hard core’ with Neorealist research program, and particularly its ontology, or whether some
of these efforts might constitute ‘degenerating problemshifts’. Rather than challenge the ontological coherence
of Neorealist-Neoliberalism, however, let me just stipulate the core of an alternative. The basic intuition is that
the problem in the states systemic project today lies in the Neorealist conceptualization of structure and
structural theory, and what is therefore needed is a conceptual reorganization of the whole enterprise.”.
162
seria retornar às raízes materialistas do realismo ao mostrar que os entendimentos
basais que dão significado às capacidades são causados por condições materiais
ainda mais profundas, ou que capacidades têm um significado intrínseco que não
pode ser ignorado. Para mostrar que a base material determina a superestrutura
internacional, por outras palavras, os realistas deveriam estar expurgando o conteúdo
social de suas teorias, não adicionando-o como estão a fazer. (WENDT, 1995:
pp.78-79. Itálicos no original)
335
.
Dois aspectos do argumento são importantes: primeiro, a incompatibilidade entre as
propostas que constituiriam programas distintos e, segundo, o lugar de destaque que o
construtivismo pode ocupar no entendimento de fenômenos atuais.
Um dos problemas enfrentados pelo neorrealismo, segundo Wendt (1999), e que
demanda essa mudança interprogramática, é a mudança estrutural. O adensamento social
trazido pelo construtivismo por um lado capaz de explicar a relativa estabilidade do sistema
internacional atual e por outro capaz de desafiar os fundamentos neorrealistas é a marca de
sua progressividade.
É interessante notar, contudo, como Wendt (1999) fundamenta seu argumento. O
apelo à degenerescência do programa neorrealista fundamenta-se numa confusão entre o
núcleo irredutível daquele PPC e uma hipótese auxiliar: mais especificamente, Wendt (1999)
ao afirmar que a mudança é uma deficiência do neorrealismo, coloca-a como um elemento do
núcleo daquele programa. Por outras palavras, a afirmação genérica “o realismo estrutural não
pensa a mudança” se faz às custas de uma identificação equivocada de que a deficiência de se
pensar a mudança seria uma decorrência de uma omissão no núcleo do programa realista
estrutural, particularmente, na maneira como a estrutura sistêmica seria por ele concebida,
segundo a visão de Wendt (1999): individualista, materialista e negligente com relação aos
processos de interação.
335
Tradução nossa de: “(...) the meaning of power depends on the underlying structure of shared knowledge.
(…) In order to get from anarchy and material forces to power politics and war, therefore, neorealists have been
forced to make additional, ad hoc assumptions about the social structure of international system. We see this in
Mearsheimer’s interest in ‘hyper-nationalism’, Stephen Walt’s emphasis on ideology in the ‘balance of threat’,
Randall Schweller’s focus on the status quo-revisionist distinction and, as I argued in my ‘Anarchy piece,
Waltz’s assumption that anarchies are self-help systems. Incorporating these assumptions generates more
explanatory power, but how? In these cases the crucial causal work is done by social, not material factors. This is
the core of a constructivist view of structure, not a realist one. The problem becomes even more acute when
neorealists try to explain the relative absence of inter-state war in today’s world. (…) Neorealist’s growing
reliance on social factors to do their explanatory work suggests that if there were a candidate for a degenerating
research program in IR theory, this is it. The progressive response (in the Lakatosian sense) would be to return to
realism’s materialist roots by showing that the background understandings that give capabilities meaning are
caused by still deeper material conditions, or that capabilities have intrinsic meaning that cannot be ignored. To
show that the material base determines international superstructure, in other words, realists should be purging
their theory of social content, not adding it as they are doing.”.
163
Desse ponto de vista, o passo dado por Wendt (1995; 1999) no sentido de promover
uma mudança interprogramática é consistente consistente na medida em que, seguindo a
metodologia lakatosiana, uma mudança nos elementos do núcleo duro implica uma mudança
no próprio programa. Contudo, esse passo se fundamenta no argumento equivocado de que a
deficiência neorrealista em lidar com a mudança evidenciaria uma fraqueza de seu núcleo.
Supri-la demandaria, por esse raciocínio, uma mudança de programa.
Um ponto parece fundamental para o equívoco wendtiano: uma visão que toma o todo
pela parte, ou seja, toma todo o programa neorrealista pela obra de Waltz (1979). Essa aliás,
uma situação para a qual se havia advertido no capítulo 2. Naquele momento argumentou-
se que tanto é verdade que algumas evidências imporiam um desafio significativo à
abordagem neorrealista em geral e não à Waltz em particular, quanto é igualmente verdadeiro
sustentar o raciocínio inverso de que algumas evidências imporiam um desafio significativo à
abordagem waltziana em particular, mas não ao neorrealismo em geral. Wendt (1999) perde
justamente essa segunda dimensão e toma uma limitação da abordagem waltziana como uma
limitação de todo o programa.
Esse ‘cacoete metonímicopode ser observado por toda a obra de Wendt (1999) em
que se constata a imprecisão com a qual ele emprega ‘Waltz’ e ‘neorrealismo
equivalentemente. Do ponto de vista estritamente lakatosiano, não se pode confundir o
programa de pesquisa com os seus protagonistas, ainda que determinado protagonista, como é
o caso de Waltz (1979), tenha contribuído para o estabelecimento do programa. Ao
apresentarmos o entendimento de Wendt (1999) sobre a mudaa, deliberadamente, adotamos
a sua posição na reprodução dos argumentos de modo a evidenciar-se o seu emprego dos
termos ‘Waltz’ e ‘neorrealismo’.
Ora, a discussão anterior, bem como as abordagens de Waltz (1979) e Gilpin (1981),
mostram como Wendt não é capaz de reconhecer importantes nuances historiográficas e
epistemológicas. O não rompimento de Gilpin (1981) com o que hoje se pode chamar de
núcleo do PPC realista estrutural apresenta-se como uma hipótese auxiliar sobre a mudança
em relação à posição anterior waltziana sobre o mesmo tema. Por outras palavras, trata-se de
uma mudança intraprogramática que se faz a partir da construção de uma hipótese auxiliar
para proteger o núcleo do programa. É intraprogramática porque existe adesão integral ao
núcleo tal como se demonstrou anteriormente. Ela pode ser progressiva na medida em que
essa adesão ao núcleo não é feita simplesmente para salvá-lo de um abalo. Assim, a hipótese
criada por Gilpin (1981) não é uma decorrência direta daquele núcleo, mas sim uma hipótese
auxiliar que, não obstante contraditória com Waltz (1979), é consistente com o núcleo. Esse
164
quadro contribui para o entendimento da afirmação anterior de que a posição de Gilpin (1981)
se faz em função de uma demanda interna, a partir de uma deficiência que ele encontra em
Waltz (1979).
5.3 Avaliação
O capítulo 1 ofereceu um metacritério que utilizamos agora nessa discussão. O
metacritério encontra-se na confluência das posições de Lakatos (1999a) e Laudan (1977).
Afirmou-se naquele momento que a avaliação de teorias ou de programas de pesquisa tem
como fundamento um critério empírico, mas esse critério precisa ser balizado teoricamente, à
luz de solidez conceitual.
Lakatos (1999a, p.119) colocou o critério empírico como decisivo para a avaliação de
séries de teorias. Crescimento do conhecimento e caráter empírico das proposições estão
intimamente ligados (LAKATOS, 1999a, p.119). Não por acaso, a produção de fatos novos é
central na metodologia lakatosiana. As emendas teóricas no cinturão de proteção para
proteger o núcleo devem ter o critério empírico de produção de fatos novos como suas
balizas. Só assim é possível falar em progressividade ou degenerescência. Assim sendo, ele
afirma que:
Tomemos uma série de teorias, T
1
,
T
2
,T
3
, ... em que cada teoria subsequente resulte
da adição de cláusulas auxiliares a (ou de reinterpretações de) uma teoria anterior
com vistas a acomodar alguma anomalia, cada teoria possuindo pelo menos um
conteúdo irrefutado tão grande quanto o da sua predecessora. Diga-se que tal série
de teorias é teoricamente progressiva (ou constitui uma mudança de problema
teoricamente progressiva’) se cada nova teoria tiver algum excedente empírico em
relação à sua predecessora, isto é, se ela predisser algum fato novo, previamente
inesperado. Diga-se que uma rie de teorias teoricamente progressiva é também
empiricamente progressiva (ou constitui uma mudança de problema empiricamente
progressiva) se parte de seu excedente empírico for também corroborado, isto é, se
cada nova teoria nos conduz à real descoberta de um fato novo. Finalmente, chame-
se uma mudança de problema de progressiva se ela é tanto teórica quanto
empiricamente progressiva, e de degenerescente se ela não o for. (LAKATOS,
1999a, p.118. Itálicos no original. Grifo adicionado)
336
.
336
Tradução nossa de: “Let us take a series of theories, T
1
,
T
2
,T
3
,… where each subsequent theory results from
adding auxiliary clauses to (or from semantical reinterpretation of) the previous theory in order to accommodate
some anomaly, each theory having at least as much content as the unrefuted content of its predecessor. Let us say
that such a series of theories is theoretically progressive (or ‘constitutes a theoretically progressive
problemshift’) if each new theory has some excess empirical content over its predecessor, that is, if it predicts
some novel, hitherto unexpected fact. Let us say that a theoretically progressive series of theories is also
empirically progressive (or ‘constitutes an empirically progressive problemshift’) if some of this excess
165
Note-se que ainda que Lakatos (1999a) distinga progressividade teórica de empírica,
ambas têm como escopo um critério eminentemente empírico. O poder heurístico
(LAKATOS, 1999a) é o que permite avaliar programas de pesquisa: isto envolve saber
quantos fatos novos os programas produziram e sua capacidade de explicar as suas refutações
no curso do seu desenvolvimento (LAKATOS, 1999a, p.137). O poder heurístico envolve,
portanto, a capacidade do programa de antecipar fatos novos durante seu crescimento
(MOTTERLINI, 1999, p.10, n.44).
O problema é que uma adesão irrestrita desse critério pode levar a distorções como
aquelas que Elman e Elman (2003, p.33) parecem incorrer na sua síntese do argumento de
progressividade e degenerescência lakatosiano. Numa parte do fluxograma proposto, lê-se
(ELMAN e ELMAN, 2003, p.33): A emenda teórica produz predições de ‘novos fatos’? Se
sim, há de se perguntar: Os fatos novos são, eventualmente, empiricamente corroborados? Se
sim, de se perguntar: A emenda trica desobedece a heurística negativa ao emendar o
núcleo? Se sim, ter-se-á, segundo Elman e Elman (2003) uma mudança interprogramática
progressiva. Ora, o argumento abre espaço para a afirmação de que qualquer mudança
interprogramática é sempre progressiva. Bastaria que a produção de fatos novos fosse
corroborada empiricamente a partir de uma emenda ao núcleo para que um programa rival
progressivo emergisse. Por esse raciocínio, a emenda que Wendt (1999) propõe ao núcleo do
neorrealismo levaria à produção de fatos novos corroborados empiricamente de tal modo que
a progressividade do programa construtivista, ao menos a partir dessa hipótese introduzida
por Wendt (1999), estaria garantida.
O argumento pode ser atacado de varias maneiras tendo em vista a necessidade de
qualificação de alguns pontos a partir da própria intenção lakatosiana
337
. Entretanto, ele serve
para qualificar o entendimento proposto no capítulo 1 de que o critério empírico precisa de
uma mediação conceitual, ou seja, faz-se necessário incluir a consistência conceitual como o
espaço em que a progressividade empírica também deve ser avaliada. Segundo Laudan
(1977), problemas conceituais são “(...) questões sobre o bom fundamento das estruturas
conceituais (e.g., teorias) que são concebidas para responder à questões de primeira ordem
empirical content is also corroborated, that is, if each new theory leads up to the actual discovery of some new
fact. Finally, let us call a problemshift progressive if it is both theoretically and empirically progressive, and
degenerating if it is not.”.
337
Algo que não fazemos aqui por fugir da nossa proposta.
166
[problemas empíricos]. (LAUDAN, 1977, p.48)
338
. Essa incorporação é crítica para as
discussões epistemológicas em RI.
Como foi discutido no primeiro capítulo, a categoria dos problemas conceituais
envolve: por um lado, problemas conceituais internos, quando uma teoria T exibe certas
inconsistências internas, ou quando suas categorias de análise são vagas e imprecisas e, por
outro, problemas conceituais externos, quando a teoria T entra em conflito com uma outra
teoria T’ em função da crença que os protagonistas de T têm nos seus fundamentos
(LAUDAN, 1977, p.49). No primeiro caso, existe uma ampla bibliografia voltada para
discutir as inconsistências internas da abordagem wendtiana
339
. Contudo, não é interesse da
dissertação abordar essa bibliografia, de modo que com isso o se pode confirmar a
consistência dessas leituras. A abordagem dessa dissertação abre espaço, todavia, para a
discussão de problemas externos, particularmente, a partir da maneira como o construtivismo
de vertente estrutural sustenta sua pretensa progressividade em relação ao neorrealismo.
Na seção anterior afirmou-se que o cerne do argumento wendtiano está numa confusão
entre hipótese auxiliar e núcleo do programa realista estrutural. Se esse programa fosse
degenerescente, do ponto de vista da metodologia lakatosiana, dever-se-ia esperar um abalo
do núcleo irredutível com a incorporação de Gilpin (1981). Por outras palavras, se a
degenerescência estivesse em jogo e se a mudaa fosse um elemento do núcleo, ou melhor,
se o núcleo contivesse qualquer elemento que vedasse a mudança, então a contribuição de
Gilpin (1981) estaria em sério descompasso com esse núcleo.
Contrariamente a essa posição, argumenta-se aqui que a mudança o fere o núcleo
irredutível na medida em que não nada nele que a impeça de acontecer. A discussão
waltziana sobre estabilidade não é um elemento do núcleo e, em si mesma, não impede a
mudança. A contribuição de Gilpin (1981) se faz em fuão de produção de conteúdo
excedente; ela é uma hipótese auxiliar que, por não ser contraditória com o núcleo, não é
degenerescente. Desse modo, o programa de pesquisa realista estrutural, e o Waltz (1979),
sustenta-se pela construção de uma hipótese auxiliar sobre a mudança, ou seja, ela é
equacionada não por Waltz, mas pelo programa ao longo do tempo pela incorporação de
uma hipótese auxiliar
340
.
338
Tradução nossa de: “(...) questions about the well-foundedness of the conceptual structures (e.g., theories)
which have been devised to answer the first order questions.”.
339
Veja-se, por exemplo, o importante volume editado por Guzzini e Leander (2006).
340
Poder-se-ia contra-argumentar afirmando que se trataria de uma hipótese ad hoc
3
que fora construída em
descompasso com o espírito do programa. A questão é que a dimensão político processual que a mudança
167
A crítica de Wendt (1999) deixa de reconhecer os avanços do neorrealismo do ponto
de vista de hiteses auxiliares e de heurística positiva, “(...) essa técnica de digestão de
anomalias e de solução de problemas [problem solving].” (LAKATOS, 1999c, p.106)
341
. Daí
a importância do fator tempo, tal como exposto no capítulo anterior, para a ‘digestãodesses
problemas. Nesse sentido, Wendt (1999) interpreta mal a obra waltziana, o que faz com que
ele incorra no que se chamou de ‘cacoete metonímico’ ao tomar eventuais inconsistências da
obra de Waltz (1979) como uma inconsisncia de todo o programa realista estrutural.
Em si mesma, essa posão não enseja uma fragilidade. A fragilidade advém da
interpretação errônea de Waltz e de um paulatino afastamento de uma intenção original que
Wendt defendia mais abertamente em seus primeiros trabalho. É esse afastamento que gera a
aludida fragilidade no marco da própria abordagem wendtiana. Explica-se.
Um dos propósitos do capítulo 2 foi situar a proposta giddensiana no marco da teoria
social que serve de substrato para todo o argumento wendtiano. A questão que se coloca,
diante desse quadro, é como Wendt, em especial o Wendt tardio de 1999, vai se situar em
relação a essa adesão à intenção giddensiana e, mais ainda, como ele vai desenvolver uma
teoria de potica internacional a partir dela, mantendo sua consistência em torno dessas
questões ao longo do tempo. Nesse sentido, a separação proposta por Ringmar (1997) entre
um primeiro e um segundo Wendt serve como ponto de partida para se discutir a coerência da
proposta wendtiana. Não que exista uma ruptura entre os pretensos primeiroe “segundo”
Wendt, mas as concessões que ele faz ao longo do tempo para sustentar seus argumentos
acabam por enfraquecê-lo diante dos seus próprios compromissos giddensianos. Assim, é na
confluência de uma leitura específica do neorrealismo e de um afastamento dos seus primeiros
compromissos que se pode verificar uma certa inconsistência na proposta de Wendt (1999).
O capítulo 3 expôs o argumento wendtiano na sua forma mais elaborada, voltado para
a sustentação de uma teoria de RI cujos fundamentos teóricos ele desenvolvera ao longo dos
anos. E é justamente na aplicação desses fundamentos por meio de uma teoria (social) de
política internacional que se pode evidenciar uma diferença em relação ao momento de
teorização. O argumento aqui é de que quanto mais Wendt insistir nessa leitura específica de
Waltz de modo a se colocar em franca oposição a ele, como o seu antípoda, mais ele se afasta
de sua intenção original, efetivamente estruturacionista. É nesse caminho que estão as
referidas concessões e, por conseguinte, o seu próprio enfraquecimento.
enseja é algo que pode ser considerado com integrante do programa. Algo aliás que o próprio Waltz (1979)
reconheceu.
341
Tradução nossa de: “(...) a problem-solving, anomaly-digesting technique.”.
168
Pode-se constatar, por exemplo, a pouca clareza com a qual Wendt trata as relações
entre regra, ação e linguagem, conceitos que são tão caros a Giddens (1979; 2001). Wendt
(1987, p.359) chega a reconhecer a importância das regras e práticas na conformação da
estrutura do sistema de estados abrindo espaço até para uma dimensão discursiva que as
estruturas sociais têm na medida em que elas são “(...) inseparáveis das razões e auto-
entendimentos que os agentes trazem para suas ações.” (WENDT, 1987, p.359)
342
. O ponto é
que, mesmo com uma franca adesão ao estruturacionismo giddensiano, Wendt (1987) coma
a se afastar da relação entre esses conceitos e com outros mais que fazem parte daquela
proposta à qual ele explicitamente aderiu. O paulatino afastamento dessa intenção inicial traz
consequências para a maneira pela qual ele trata outros temas. Veja-se, por exemplo, a
maneira pela qual ele trata a dimensão processual. Ainda que não esteja colocado nesses
termos, Wendt (1999) desinstitucionaliza o processo político da maneira como ele se
apresenta em Waltz (1979), por exemplo, ao tentar evidenciar as várias relações que o
domínio potico guarda com outros donios de modo a criar uma verdadeira diferenciação
institucional
343
.
Se se pudesse criar um ‘tipo ideal’ institucional para o argumento em questão dever-
se-ia sustentar que existem determinados processos que se fazem fora das instituições e que,
embora de baixa institucionalização ou sem institucionalização, podem ter impacto
estruturante capaz de mudar estruturas institucionalizadas. A disputa em torno de regras pode
ser o lugar em que se pode constatar esse impacto. Wendt (1999), seguindo a inspiração
giddensiana, reconhece que existe um espaço anterior à institucionalização em que a
enunciação de regras e a própria institucionalização que se seguirá, para utilizarmos algo que
se aproxima do próprio Gilpin (1981), não se dará na exata medida do peso material relativo
dos atores. A questão é que, como se viu no capítulo anterior, isso cede lugar para a
valorização de uma estrutura que se aproxima da concepção neorrealista: de difícil mudança e
que em alguma medida depende da existência de atores, cujo peso material relativo é
significativo, sustentando determinada configuração estrutural. Não por acaso, ao discutir as
possibilidades de mudança do que ele chama de atual cultura lockeana, Wendt (1999) afirma
que, ao fim e ao cabo, a existência de superpotências um conceito fundado eminentemente
342
Tradução nossa de: “(…) inseparable from the reasons and self-understandings that agents bring to their
actions.”.
343
Note-se que o próprio conceito precisa ser discutido do ponto de vista giddensiano tendo em vista a adesão
que Wendt faz à proposta de Giddens.
169
num aspecto material é o fator determinante de mudança da cultura da anarquia. Nas suas
palavras,
Uma cultura lockeana de 200 membros não mudará apenas porque dois dos seus
membros adquiriram uma identidade kantiana, a menos que talvez [esses dois]
sejam também suas únicas superpotências, caso em que os demais estados podem
fazer o mesmo. (WENDT, 1999, p.365. Itálicos adicionados.)
344
.
Se é assim, um tido enfraquecimento da relão de causalidade que se quer dar à
cultura ou, mais genericamente, ao conhecimento compartilhado sobre o mundo. Por outras
palavras, a tentativa wendtiana de tornar a anarquia uma variável dependente das estruturas
ideacionais vê-se enfraquecida com as concessões que são feitas a aspectos materiais
345
. Isso
abala a própria posão alternativa que Wendt (1999) quer ter em relação ao neorrealismo: a
mudança estrutural passa a depender do peso relativo dos estados bem como a explicação
acerca da estabilidade do cenário pós-Guerra Fria com uma pretensa abertura para uma
‘cultura kantiana’ mais cooperativa e segura. Ao fim e ao cabo, Wendt (1999) permite a
afirmação de que espaço para uma estrutura estruturada (e não apenas estruturante) que
ele o consegue demonstrar como o lado estruturado se dá para além da pura materialidade.
Essas situações ilustram o argumento que se está a defender aqui. Se a adesão ao
estruturacionismo é explicita num dado momento, ainda que pouco trabalhada, ela vai se
tornando cada vez mais implícita cedendo lugar a uma preocupação constante de se contrapor
a Waltz, ou seja, Wendt deixa de trabalhar naquilo que era sua intenção original para se
contrapor a um Waltz que ele interpreta mal. É nesse movimento que as concessões como as
que se acabou de apresentar precisam ser feitas de modo a sustentar aquela interpretação. Por
outras palavras, quanto mais Wendt (1999) insiste em se afastar de uma posição que ele
entende estar em Waltz, e por extensão em todo o neorrealismo, mais ele deixa de reconhecer
que existe algo na sua intenção original que confere consistência à sua proposta como um
programa de pesquisa rival.
344
Tradução nossa de: “A Lockean culture with 200 members will not change just because two of its members
acquire a Kantian identity, unless perhaps they are also its only superpowers, in which case other states may
follow suit.”.
345
Ademais, o valor causal da cultura (JEPPERSON, WENDT E KATZENSTEIN, 1996; WENDT, 1996; 1999)
voltado para explicar questões atuais, particularmente a ausência de guerra interestatal no mundo atual
(WENDT, 1995), pode ser questionado. Isto porque o princípio da superveniência, voltado para explicar
fenômenos entre níveis, opera geralmente “(...) em apenas uma direção, mas superveniência bilateral (ou
‘mútua’ constituição) é também uma possibilidade.” (WENDT, 1996, p.49) A macro-estrutura é, portanto,
superveniente à micro-estrutura. Como se argumentou no capítulo anterior, Wendt (1999) acaba sustentando que
a mudança estrutural é de difícil ocorrência e que o explicaria as mudanças macro-estruturais.
170
Isso não significa, contudo, que o construtivismo ou o construtivismo estrutural como
um todo apresenta problemas. Seria interessante encontrar uma continuidade na proposta
wendtiana de modo que, sem rompê-la, suas inconsistências fossem supridas. Trata-se, pois,
de uma ‘correção de rumos’ que se afaste da intenção de constante contraposição
346
a Waltz e
resgate aquilo que é a razão de ser de um programa de pesquisa construtivista estrutural, qual
seja, a fecundidade que o estruturacionismo apresenta. Isso significa que o próprio Wendt
poderia voltar aos trabalhos anteriores para resgatar uma linha de trabalho eminentemente
estruturacionista, ou ainda, alguém com uma hipótese auxiliar para compor o programa de
pesquisa aventado por Wendt (1995; 1999); alguém comprometido com a proposta
estruturacionista, mas que equacione as deficiências apresentadas de outra maneira. O próprio
Adler (2005), que em alguma medida difere de Wendt, mas não rompe com ele, pode vir a
contribuir para o programa construtivista estrutural. Em alguns momentos, aquele autor expõe
claramente sua posição, como se depreende, por exemplo, da seguinte passagem:
As Relações Internacionais Comunitárias [Communitarian IR] pode ajudar também
a introduzir ao mainstream teórico de RI o papel das comunidades de conhecimento,
comunidades de discurso (...) na estruturação e evolução dinâmica da realidade
social. (ADLER, 2005, p. 4)
347
.
Noutro momento, afirma que:
Os construtivistas consideram a mútua constituição de agentes e estruturas, ou
estruturação, parte integrante da ontologia construtivista. A teoria da estruturação,
tal como sustentada pela pelo princípio da ‘dualidade da estrutura’, sustenta que
‘estruturas, enquanto regras e recursos, são ao mesmo tempo precondição e o
resultado não intencional da agência das pessoas. ... As pessoas valem-se das
estruturas para proceder na interação diária’. Assim, quando as pessoas agem, elas
reproduzem essas estruturas. ‘A estrutura cria a possibilidade da agência que por seu
turno torna possível a reprodução não intencional destas mesmas estruturas.’.
Diferente da estruturação, a teoria da evolução cognitiva (...) trata não apenas da co-
reprodução de agentes e estruturas, num rculo vicioso, mas trata também da
transformaçãoem particular, a institucionalização de novas ideias e conhecimentos
como práticas sociais. O ponto chave a ser lembrado sobre a co-constituição de
agentes e estruturas, entretanto, seja na sua versão da [teoria] da estruturação, seja na
da evolução cognitiva, é que ela ocorre nas e por meio das práticas. Comunidades de
práticas, portanto, desempenham um papel crucial na mútua constituição de agentes
e estruturas. (ADLER, 2005, pp.11-12.)
348
346
Ressalte-se: contraposição cujo fundamenteo é uma interpretação equivocada de Waltz
347
Tradução nossa de: “Communitarian IR can also help introduce to mainstream IR theory the role of
knowledge communities, discourse communites (…) in the structuration and dynamic evolution of social
reality.”.
348
Tradução nossa de: “Constructivists consider the mutual constitution of agents and structures or structuration,
to be part of constructivism’s ontology. Strucuration theory, as sustained by the principle of the ‘duality of
structure’, maintains that ‘structures, as rules and resources, are both the precondition and the unintended
outcome of people’s agency. People draw upon structures to proceed in their daily interaction.’. Thus, when
171
Essas passagens ilustram o argumento anterior de que Adler pode oferecer um espaço
no marco construtivista estrutural para uma eventual correção das inconsistências
mencionadas. Isso demanda, portanto, trabalho dos protagonistas.
Poder-se-ia indagar ao final: o programa neorrealista é melhor do que o
construtivista? Não. As discussões de filosofia da ciência não permitem colocar a disputa
nesses termos. O que se pode responder a partir de toda a discussão feita é que a disputa em
torno da mudança evidencia algumas situações que desafiam a consistência dos argumentos
apresentados pelos autores, particularmente no arranjo conceitual de que eles se valem. Como
se afirmou, a correção de eventuais inconsistências num e noutro programas e mesmo o
confronto entre eles demanda trabalho dos seus protagonistas. Esse trabalho não envolve tanto
o reconhecimento dos avanços dos programas rivais, seo a produção de consistência e
progressividade próprios em face das evidências. Afinal, como pondera Lakatos (1999a):
Mesmo se dois programas rivais explicarem a mesma gama de evidência, a mesma
evidência dará mais suporte a um do que outro dependendo de se a evidência foi,
como foi, produzida pela teoria ou explicada de um modo ad hoc. O peso da
evidência não é uma mera função das hipóteses falsificáveis e a evidência; é função
também de fatores temporais e heurísticos. (LAKATOS, 1999b, p.180. Itálicos no
original. Grifo adicionado)
349
.
people act, they reproduce these structures. ‘Structures allows for agency, which in turn makes for the
unintended reproduction of the very same structures’.Unlike structuration, the teory of cognitive evolution (…)
is not only about the co-reproduction of agents and structures, in a vicious circle, but is about transformation in
particular, the institutionalization of novel ideas and knowledge as social practices. The key point to remember
about the co-constitution of agents and structures, however, whether in the structuration or the cognitive-
evolution version, is that it occurs in and through practice. Communities of practice, therefore, play a crucial role
in the mutual constitution of agents and structures.”.
349
Tradução nossa de: “Even if two rival programmes explain the same range of evidence, the same evidence
will give more support to the one than to the other depending on whether the evidence was, as it were,
‘produced’ by the theory or explained in an ad hoc way. The weight of evidence is not merely a function of a
falsifiable hypothesis and the evidence; it is also function of temporal and heuristic factors.”.
172
6 CONCLUSÃO
A discussão feita nesta dissertação se propôs, genericamente, a estabelecer um espaço
para debates verdadeiramente epistemológicos. Por outras palavras, ao estabelecermos o
espaço para discussões metateóricas, ficou premente a necessidade de fundamentação
epistemológica dos chamados ‘grandes debates’ de RI. Isso desafia o entendimento corrente
do campo acerca da condução daqueles debates: sustentou-se aqui que o constante apelo a
considerações normativas precisa ser amparado epistemologicamente e que a própria
epistemologia enseja um tratamento normativo das questões científicas. Desse modo, a
dicotomização que se pode evidenciar desses conceitos decorre de uma leitura específica dos
mesmos que se consolidou no campo. No nosso juízo, esses conceitos estão muito próximos
e, por isso, influenciam a maneira pela qual se pode avaliar orito de abordagens rivais.
Esse quadro epistemológico serviu de fundamento para o confronto de dois programas
de pesquisa rivais no que concerne a mudança sistêmica. O estabelecimento de um
metacritério permitiu expor a maneira pela qual realismo e construtivismo em suas vertentes
estruturais desenvolvem seus programas de pesquisa em torno de um problema empírico
comum: a mudança. Ao mesmo tempo, a discussão feita s em evidência a necessidade de
consistência conceitual como mediadora da consistência empírica. Esse ponto decorre da
aproximação das metodologias lakatosiana e laudaniana de modo que fica evidente neste
trabalho a discussão conceitual do problema aventado.
Quo Vadis?, pode-se perguntar depois de tudo o que foi exposto. Dois pontos
merecem destaque enquanto desdobramentos do argumento sustentado. Em primeiro lugar,
toda a discussão conceitual, teórica se fez e se faz de acordo com o critério aqui formulado
em função de problemas empíricos
350
. Como se discutiu em Lakatos (1999a) e mesmo em
Laudan (1977), a centralidade dos problemas empíricos está no fundamento da empresa
científica de modo que é a eles que ela deve servir. Essa situação demanda um constante
trabalho nos programas de pesquisa de modo a levar adiante essa exigência de solução de
problemas empíricos. Como se argumentou, isso exige, pois, o desenvolvimento e o
cumprimento de uma agenda de pesquisa empírica. Particularmente no caso em tela, o
confronto entre as agendas realista e construtivista a partir das expectativas geradas por cada
programa pode ser o espaço ideal para o aprofundamento dos argumentos expostos aqui. A
350
Entendidos genericamente, segundo Laudan (1977, p.15), como tudo aquilo que nos parece diferente ou que
precisa de explicação.
173
incorporação da hitese auxiliar de unipolaridade do sistema internacional atual no marco
realista estrutural enseja uma discussão ampla acerca do comportamento das unidades bem
como das condições de mudança do próprio sistema e mesmo uma eventual revisão da
hipótese gilpiniana caso seja pertinente.
Do mesmo modo, o cumprimento de uma agenda de pesquisa construtivista e em
evidência, de um lado, a necessidade de debates entre os protagonistas do construtivismo,
particularmente entre os seus vários tipos para que se tenha claro o escopo de cada abordagem
e, de outro, a necessidade enfrentamento de queses empíricas. Como se argumentou, o peso
da evidência tende a favorecer uma abordagem mais do que outra e, do ponto de vista
lakatosiano, um programa mais do que outro. Isso será feito mediante trabalho empírico
mediado por consistência teórica. Mesmo no caso construtivista, o trabalho em torno de uma
contraposição ao argumento neorrealista unipolar e às condições de mudança estrutural
podem ensejar o espaço da disputa em relação ao peso das evidências empíricas.
Em segundo lugar, fica claro a fecundidade de discussões metateóricas para o campo
de RI tendo em vista a proliferação de teorias, principalmente nos últimos anos. O apelo ao
progresso científico demanda, ao mesmo tempo, o estabelecimento de um espaço
epistemológico para tanto e ainda um critério a partir do qual se pode afirmar onde existe
progresso. Essas demandas podem ser atendidas quando colocadas numa perspectiva
metateórica, ou seja, quando as visões do nosso conhecimento das coisas são colocadas em
evidência. Aliás, esse segundo ponto está em franca sintonia com o primeiro na medida em
que os compromissos metateóricos assumidos hão de influenciar a maneira pela qual os
problemas empíricos serão situados.
De resto, como se sustentou nos capítulos precedentes, a profusão teórica do campo de
RI não encontra no ambiente de ciência normal kuhniano, governado por um paradigma, as
condições para o progresso científico. Cremos que é do confronto epistemologicamente
orientado – de abordagens alternativas, rivais que o campo pode avançar. Mais ainda, é
justamente esse confronto que viabiliza o desenvolvimento de trabalhos voltados para solução
de problemas científicos (empíricos e conceituais). Desse modo, ainda que se sustente a
identidade das RI como um campo plural, fundado a partir de vários objetos que constituem
áreas temáticas distintas, não se exclui, primeiro, a necessidade de fundamentar as discussões
teóricas que cada área procederá e, segundo, a necessidade de levar adiante as próprias áreas,
eventualmente estabelecendo contatos entre elas, a partir dos problemas solucionados ao
longo do tempo. assim é possível discutir progresso tanto científico quanto normativo
no campo de RI.
174
É esse o caminho que se deve seguir a partir de tudo o que foi dito. Ao mesmo tempo,
é essa a contribuição normativa que se pode dar ao campo.
175
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