contrário, de uma rigorosa realidade lógica na qual o próprio fato da predicação verdadeira
atesta a integralidade do conceito, isto é, a plena continência dos predicados na noção do
sujeito.
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É a partir deste plano que os laços de inerência identificados na relação
proposicional serão apreendidos como um aspecto efetivo das substâncias existentes,
permitindo a Leibniz fundamentar o conceito de substância individual em sua completude:
Ora, é bem constante que toda predicação tem algum fundamento verdadeiro
na natureza das coisas, e quando uma proposição não é idêntica, isto é, quando o
predicado não está expressamente compreendido no sujeito, é preciso que esteja
compreendido nele virtualmente. A isto chamam os filósofos in-esse, dizendo estar o
predicado no sujeito. É preciso, pois, o termo do sujeito conter sempre o do predicado,
de tal forma que quem entender perfeitamente a noção do sujeito julgue também que o
predicado lhe pertence.
Se os termos ou conceitos indicam uma realidade (o atual), trazendo a proposição do
plano abstrato para o domínio da efetividade; e se a substância deve ser tomada como o
sujeito último da predicação, o adágio escolástico da determinação da verdade enquanto
inserção do predicado no sujeito (praedicatum inest subjecto) assume um sentido radical,
alcançando o plano das verdades de fato e fornecendo o operador lógico do conceito de
substância individual.
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Dado que em toda proposição verdadeira os predicados devem estar
compreendidos no sujeito, à definição real do sujeito último deve convir a presença de
absolutamente todos os seus predicados, sem que um deles sequer esteja ausente. Afinal, trata-
se de um ente determinado cuja “essência” não se resume a uma estrutura lógica formal,
senão que abrange a riqueza de seus estados factuais. Tomada enquanto sujeito último, a
substância aparece como um indivíduo cuja singularidade se faz pelo seu caráter total. Nas
palavras de Cardoso, “a substância é os seus atributos” (1992, p.60). Seu conceito, por
conseguinte, não pode estar dissociado desta realidade, caracterizando-se assim como uma
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Eis o que os comentadores consideram uma espécie de nominalismo assumido por Leibniz em seus escritos
anteriores ao Discurso. Em 1677 o autor escreve em Dialogus de Connexione: “Efetivamente, se bem que os
caracteres sejam arbitrários, o seu uso e conexão, porém, têm algo que não é arbitrário, a saber, uma certa
proporção entre os caracteres e as coisas e relações mútuas dos diversos caracteres que exprimem as mesmas
coisas. E esta proporção ou relação é o fundamento da verdade.” (LEIBNIZ, Apud Cardoso,1992, p.25) Fichant
irá propor este nominalismo como um elemento fundamental na apropriação leibniziana do in-esse: “Com efeito,
a opção nominalista regia a versão propriamente leibniziana do adágio [praedicatum inest subjecto], no sentido
em que a atribuição verdadeira não remete à inerência real nas coisas mesmas de um acidente no sujeito, senão
que exprime uma enunciação, isto é, um comércio entre termos, noções ou idéias: [a saber] que em toda
proposição verdadeira a noção do predicado está contida na noção do sujeito.” (2004, p. 42)
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Segundo Sleigh, em suas primeiras elaborações lógicas Leibniz restringia a tese do in-esse às proposições
universais. Justamente ao aplicá-la às proposições afirmativas em geral, isto é, às verdades de fato, surge a
conseqüência de que o conceito da substância individual é completo. (1995, p. 108)
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