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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO COMUNICAÇÃO E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS
NÍVEL DE MESTRADO EM LETRAS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUAGEM E SOCIEDADE
ALUNOS BRASIGUAIOS EM ESCOLA DE FRONTEIRA
BRASIL/PARAGUAI: um estudo lingüístico sobre aprendizagem do
português em Ponta Porã, MS.
CASCAVEL – PR
2009
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1
IONE VIER DALINGHAUS
ALUNOS BRASIGUAIOS EM ESCOLA DE FRONTEIRA
BRASIL/PARAGUAI: um estudo lingüístico sobre aprendizagem do
português em Ponta Porã, MS.
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE,
para obtenção do tulo de Mestre em Letras,
junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade. Linha de pesquisa:
Práticas Lingüísticas, Culturais e de Ensino.
Orientadora: Profª Dra. Maria Ceres
Pereira
Cascavel – PR
2009
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2
FICHA CATALOGRÁFICA
___________________________________________________________________
Dalinghaus, Ione Vier.
ALUNOS BRASIGUAIOS EM ESCOLA DE FRONTEIRA BRASIL/PARAGUAI: um
estudo lingüístico sobre aprendizagem do português em Ponta Porã, MS.- Cascavel,
2009, 164 p.
Bibliografia.
Dissertação (mestrado). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2009.
Orientadora: Profª Drª Maria Ceres Pereira.
1. Palavras-chave: fronteira, bilingüismo, aprendizagem.
___________________________________________________________________
3
ALUNOS BRASIGUAIOS EM ESCOLA DE FRONTEIRA
BRASIL/PARAGUAI: um estudo lingüístico sobre aprendizagem do
português em Ponta Porã, MS.
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre
em Letras e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Letras, nível de mestrado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
– UNIOESTE – em 17 de fevereiro de 2009.
_____________________________
Prof(a) Dr(a). Aparecida Feolla Sella - UNIOESTE
Coordenador(a)
Apresentada à Comissão examinadora, integrada pelos Professores:
____________________________________
Profª. Drª.Maria Inês Pagliarini Cox – UNIC – Universidade de Cuiabá
____________________________________
Prof. Dr Ciro Damke - UNIOESTE
____________________________________
Profª. Drª Maria Ceres Pereira - UNIOESTE
Orientadora
Membro
Cascavel,17 de fevereiro de 2009.
4
DEDICATÓRIA
A duas pessoas muito especiais (in memoriam), que
comemoraram comigo o ingresso no curso de
Mestrado, mas que não podem compartilhar do
desfecho dessa conquista. Marli e Ana, que DEUS as
acolha na sua plenitude e lhes retribua em paz de
espírito o incondicional apoio dado em minha vida
acadêmica.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS pela sabedoria e persistência durante toda a trajetória
desse mestrado. Às pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a
efetivação dessa pesquisa.
Agradecimentos especiais:
À minha orientadora Profª Drª Maria Ceres Pereira, pela confiança, paciência
e dedicação. Obrigada Ceres, pela sua afetuosidade e compreensão ilimitadas.
Aos familiares, especialmente ao esposo Winfrid e filha Josiane, que durante
toda a trajetória acadêmica demonstraram compreensão, apoiando-me em todos os
momentos; à Juliana e Paulo, que mesmo de longe sempre me deram força nos
estudos, reconhecendo a necessidade do aprimoramento.
Aos sujeitos da pesquisa cujos nomes omito por questões éticas sem os
quais o trabalho o teria sido possível. Um agradecimento especial à professora
que me atendeu prontamente todas as vezes que solicitei seus préstimos,
preocupando-se inclusive com a coleta do corpus.
À direção, coordenação e demais funcionários da Escola Brasiguaia, pelo
carinho e por todas as contribuições recebidas;
Às amigas Alzira Facco, Clarice Dalinghaus e Cristina Pereira Horst, pelas
brilhantes contribuições para a finalização do texto.
Por fim, manifesto meu agradecimento aos funcionários da coordenação do
curso de mestrado, aos professores, especialmente aos que fizeram parte da do
Seminário de Dissertação e colegas, companheiros de caminhada, com o desejo de
muito êxito em sua vida profissional. A todas as pessoas que de alguma forma
contribuíram para a realização do meu sonho. Todos vocês terão sempre um lugar
especial reservado no meu coração.
6
EPÍGRAFE
Uma língua é um comportamento social e como tal está
intrinsecamente ligada à vida, à cultura e à história de um
povo. São os falares, os modos de ser, os valores, as crenças
que fazem com que os povos sejam diferentes ou
semelhantes, porém singulares.
Heloísa Augusta Brito de Mello (1999)
7
RESUMO
DALINGHAUS, Ione Vier. ALUNOS BRASIGUAIOS EM ESCOLA DE FRONTEIRA
BRASIL/PARAGUAI: um estudo lingüístico sobre aprendizagem do português
em Ponta Porã, MS, 2009, 148 p. Dissertação (Mestrado em Letras) Programa de
Pós-Graduação em Letras, Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNIOESTE, Cascavel, 2009.
Orientadora: Profª Drª Maria Ceres Pereira
Defesa: 17 de fevereiro de 2009.
Nesta pesquisa estudaram-se lingüisticamente os processos de aprendizagem de
quatro alunos brasiguaios em uma escola pública da fronteira entre Brasil/Paraguai.
Verificou-se como a realidade bilíngüe da professora de português potencializa o
desempenho dos discentes selecionados neste estudo. A escola localiza-se em
Ponta Porã, MS, fronteira seca com Pedro Juan Caballero, Paraguai e atende mais
de 90% de alunos oriundos do Paraguai. O aporte teórico que norteia este estudo se
ampara na Lingüística Aplicada, especialmente em etnografia escolar, cujos
principais autores são: Erickson (1986; 1989; 2001); André (1995; 2000); Cox; Assis-
Peterson (2001); Moita Lopes (1996, 2006); Bortoni-Ricardo (2004). Justifica-se esta
investigação especialmente pela escassez de estudos lingüísticos sobre questões
de avaliação e aprendizagem na fronteira. O corpus compôs-se de provas de
classificação, avaliações em língua portuguesa, documentos, diário de campo e
entrevistas com os sujeitos da pesquisa. Aponta-se, entre outros resultados, para a
necessidade de políticas lingüísticas e educacionais que dêem conta da
complexidade presente em escolas fronteiriças, evidenciando-se alguns avanços
registrados neste espaço geopolítico no tocante ao ensino de alunos bilíngües em
Mato Grosso do Sul. O estudo e permanência em campo se deram no período de
fevereiro de 2007 a dezembro de 2008. Espera-se, por meio desta pesquisa,
contribuir para a maximização de políticas lingüísticas e educacionais em situações
de ensino formal em espaços fronteiriços brasileiros.
Palavras-chave: fronteira, bilingüismo, aprendizagem.
8
ABSTRACT
DALINGHAUS, Ione Vier. Alunos BRASIGUAIOS EM ESCOLA DE FRONTEIRA
BRASIL/PARAGUAI: um estudo lingüístico sobre aprendizagem do português
em Ponta Porã, MS, 2009, 148 p. Dissertação (Mestrado em Letras) Programa de
Pós-Graduação em Letras, Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNIOESTE, Cascavel, 2009.
Orientadora: Profª Drª Maria Ceres Pereira
Defesa: 17 de fevereiro de 2009.
The focus of this research was the linguistic study about the learning process of four
“brasiguaios” students. They studied at a public school located in a dry frontier between
Brazil (Ponta Porã-MS) and Paraguay (Pedro Juan Caballero). At this school more than ninety
per cent of the students came from Paraguay and bilingual teacher could improve the
student’s performance. The theory of this research was based on Applied Linguistics,
especially from the school etnography, whose principal authors are: Erickson (1986; 1989;
2001); André (1995; 2000); Cox; Assis-Peterson (2001); Moita Lopes (1996; 2006); Bortoni-
Ricardo (2004). This research can be justified considering the few researches linguistic
studies related with avaliation and learning in border areas. The corpus was compound of
“classification tests”, Portuguese Evaluation, documents, field diary and interviews with the
participants of the research. Consequently it is necessary a State Educational and linguistic
politics, however improvements to teaching bilingual children can be realized in Mato Grosso
do Sul Public Schools. The study was implemented between February of 2007 and December
of 2008 and it can be considered a way to improve the Education of Brazilian Speakers of
Spanish or Bilingual which live in this area .
Keywords: Frontier, Bilingualism, Learning
9
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
PALAVRAS INICIAIS...............................................................................
11
CAPÍTULO I – DELINEANDO OS PASSOS DA PESQUISA................. 16
1.1 CLASSIFICAÇÃO DO TIPO DE PESQUISA........................................... 16
1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA E OBJETIVOS DA PESQUISA..................... 22
1.3 O CONTEXTO ESCOLAR........................................................................
24
1.3.1 As atividades extra-classe........................................................................
26
1.3.2 Os projetos em andamento na escola......................................................
27
1.3.3 O perfil dos educandos............................................................................ 30
1.4 SELEÇÃO DOS INSTRUMENTOS UTILIZADOS....................................
32
1.5 OS SUJEITOS DO ESTUDO................................................................... 36
1.6 VEREDAS E PERCALÇOS DA INVESTIGAÇÃO................................... 38
CAPÍTULO II O CENÁRIO SOCIOLINGÜÍSTICO DA PESQUISA E
ALGUNS CONCEITOS RELEVANTES...................................................
42
2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES...................................................... 42
2.1.2 O termo fronteira e suas diferentes facetas............................................. 42
2.1.3 Bilingüismo, bilingualidade, diglossia e sujeito bilíngüe.......................... 46
2.1.4
O sujeito brasiguaio..................................................................................
50
2.2 DADOS DO PANORAMA SOCIOLINGUÍSTICO..................................... 53
2.2.1
O Brasil como país plurilíngüe................................................................. 54
2.2.2 O plurilingüismo/multiculturalismo............................................................ 57
2.3 A SITUAÇÃO FRONTEIRIÇA SOB UM OLHAR POLÍTICO.................... 60
2.3.1 Pedro Juan Caballero e Ponta Porã – retomada histórica....................... 60
2.3.2 Ponta Porã: raízes paraguaias................................................................. 65
2.3.3 As mudanças no PDFF - Programa de Desenvolvimento da Faixa de
Fronteira...................................................................................................
67
2.3.4 As políticas lingüísticas e questões de fronteira...................................... 69
CAPÍTULO III DO CENÁRIO BILÍNGÜE AOS TEXTOS DE
AVALIAÇÃO............................................................................................
78
3.1 AS PROVAS DE CLASSIFICAÇÃO NA ESCOLA BRASIGUAIA............ 78
3.1.1 Origem e alterações................................................................................ 78
3.1.2
Aplicação das provas de classificação.....................................................
81
3.1.3 Análise das provas dos sujeitos da pesquisa...........................................
83
3.1.4
A prova de classificação de Juanita.........................................................
84
3.1.5
A prova de classificação de Joselito........................................................
94
3.1.6
A prova de classificação de Paquito........................................................
99
3.1.7
A prova de classificação de Miguelito......................................................
108
3.2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA REFACÇÃO DAS PROVAS.........
111
3.2.1
A prova de refacção de Juanita................................................................
111
3.2.2
A prova de refacção de Joselito ..............................................................
118
10
3.2.3
A prova de refacção de Paquito...............................................................
125
3.2.4
A prova de refacção de Miguelito.............................................................
130
3.3 ALGUMAS ATITUDES DA PROFESSORA E SEU OLHAR APÓS A
ANÁLISE DA PESQUISA.........................................................................
137
3.3.1
Trajetória de Pepa a partir de suas “lembranças”....................................
139
3.3.2 A avaliação na perspectiva bilíngüe ........................................................
143
3.3.3
O desempenho dos alunos brasiguaios sob o olhar de Pepa..................
145
3.4 DO CENÁRIO BILÍNGÜE AO BILINGÜISMO – PALAVRAS FINAIS.......
152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................
158
APÊNDICES.............................................................................................
164
ANEXOS.................................................................................................. 182
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1 – Foto satélite da Escola Brasiguaia.........................................
25
Imagem 2 – Foto de alunos na hora do lanche......................................... 26
Imagem 3 – Foto de alunos em sala de aula............................................. 26
Imagem 4 Foto de uma das danças típicas apresentadas no projeto “Dois
países, uma só cultura”....................................................................
27
Imagem 5 – Foto dos alunos durante as apresentações do projeto......... 27
Imagem 6 – Foto da cidade de Ponta Porã – MS..................................... 60
Imagem 7 – Foto da praça paraguaia situada na linha de fronteira........... 60
Imagem 8 – Foto do símbolo de Ponta Porã, “A princesinha dos ervais”.. 66
Tabela 1 – Interferências do espanhol.................................................... 97
Tabela 2 – Escrita padrão e não padrão................................................ 104
PALAVRAS INICIAIS
Dos 15.700 km de divisas geopolíticas existentes no Brasil, a maior parte está
relacionada a países hispano-falantes. As denominadas fronteiras secas não
apresentam marco geográfico, intensificando assim a liberdade de ir e vir das
pessoas e tornando tais contextos sociolingüisticamente complexos. Esta
complexidade transforma as relações de ensino e aprendizagem em grandes
desafios. A presente pesquisa desenvolveu-se em uma escola pública municipal,
localizada em Ponta Porã, MS, divisa seca com Pedro Juan Caballero, Paraguai.
Uma escola que tem como língua de ensino o português e atende mais de 90% de
alunos oriundos do país vizinho, cujas línguas oficiais são o espanhol e o guarani.
Diante desta realidade plurilíngüe e multicultural, evidencia-se, tanto em
Ponta Porã como em outras cidades fronteiriças, a necessidade de pesquisas
sociolingüísticas, tanto para analisar a fala como a escrita da população,
principalmente, dentro da perspectiva da sociolingüística educacional. Isso não
significa dizer que não existam estudos sobre educação bilíngüe e sobre educação
em contextos bi/multilíngües em outros programas. Afirma Mello (1999, p.18) que os
escassos trabalhos realizados no Brasil sobre questões relacionadas ao bilingüismo,
seja na esfera social ou individual, em sua maioria dizem respeito aos estudos
sociolingüísticos referentes às línguas indígenas brasileiras.
Portanto, as pesquisas se restringem a determinados espaços geográficos
específicos e ocorre a necessidade de se averiguar como as relações se
materializam no processo ensino-aprendizagem e avaliação em língua portuguesa.
Neste sentido, definiu-se o cenário desta pesquisa, integrada ao Programa de
12
Mestrado em Letras da Unioeste - PR, com o apoio da CAPES Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior.
O presente estudo parte do pressuposto de que ensinar a língua portuguesa
não é tarefa fácil, porque os obstáculos aumentam quando se trata de situações
bilíngües ou multilíngües, isto é, a maioria dos alunos fala outra língua além daquela
esperada, contemplada pela escola, no caso, a língua portuguesa, que sofre
interferências principalmente da língua espanhola.
Vale ressaltar que a alfabetização na escola pesquisada se em ngua
portuguesa, sendo essa também a ngua de ensino para as demais disciplinas.
Além de alunos paraguaios e brasileiros, escolas de Ponta Porã, públicas ou
particulares, atendem igualmente alunos considerados brasiguaios.
A situação lingüística dos alunos da escola selecionada é extremamente
desafiadora visto que a maioria desconhece o português na variedade escrita
padrão (BORTONI-RICARDO, 2004) por usá-lo somente na modalidade oral. Nesse
cenário fronteiriço, uma espécie de língua franca
1
se instala, o portunhol, uma
mescla do português com o espanhol, cujos conceitos referentes ao termo serão
apresentados no decorrer do trabalho.
A análise começa com as provas de classificação
2
e termina com os diálogos
com os sujeitos da pesquisa, discutindo-se algumas questões consideradas
problemáticas, tanto nas provas de classificação como nas avaliações de língua
portuguesa que fazem parte do corpus coletado.
1
“[...] língua usada para a comunicação entre povos que falam línguas ou variedades diferentes,
como ocorre em algumas transações comerciais entre determinados grupos lingüísticos.” (MELLO,
1999, p. 34)
2
Instrumento utilizado para mensurar os conhecimentos dos novos alunos que ingressam na escola e
não possuem o termo de transferência da escola freqüentada. Portanto, doravante, sempre que nos
referirmos a esse teste de conhecimentos, o termo utilizado será prova de classificação, pois é assim
que esse instrumento de avaliação é conhecido na escola pesquisada.
13
A realidade encontrada nas escolas de Ponta Porã, MS, não é diferente do
contexto escolar de outros estabelecimentos de ensino localizados em regiões
fronteiriças brasileiras. As situações de multilingüismo e multiculturalismo,
sinalizadas nesses espaços, têm origem na época da conquista da América, quando
os espanhóis se instalaram no Paraguai, impondo a sua língua, religião e cultura.
Esse contexto rico e peculiar em situações de bilingüismo encontrado nas
escolas de Ponta Porã, MS, é, portanto, fonte relevante às pesquisas voltadas ao
ambiente de ensino e aprendizagem, cujos desafios se baseiam em políticas
lingüísticas e opções pelas línguas envolvidas no cenário. Assim, algumas dessas
línguas, como no caso o português, são valorizadas na sala de aula e outras
ganham um espaço limitado.
Estudos que tratam de temáticas relacionadas a áreas de fronteiras com
outros países, entre eles Oliveira (2003); Pereira, M.C. (2003); Pereira, J.H. (2003);
Cavalcante (2004); Teis (2004); Sturza (2007) revelam contextos conflituosos, haja
vista que, nessas áreas, diferentes identidades étnicas e lingüísticas dividem o
mesmo espaço.
Com o intuito de manter em sigilo o nome oficial da escola em que se realizou
a presente pesquisa, optou-se por um nome fictício: Escola Brasiguaia. Foi escolhido
esse nome em virtude do grande número de brasiguaios que freqüentam a escola.
Os sujeitos da pesquisa, ou seja, a professora e os quatro alunos que fazem parte
do estudo de caso, também terão a sua identidade preservada. Os nomes referidos
são, portanto, pseudônimos.
O aporte teórico que norteia este estudo se ampara na Lingüística Aplicada,
especialmente em etnografia escolar, cujos principais autores são: Erickson (1986;
14
1989; 2001); André (1995; 2000); Cox; Assis-Peterson (2001); Moita Lopes (1996,
2006); Bortoni-Ricardo (2004).
O trabalho contempla também uma retomada teórica sobre questões
relevantes como as políticas lingüísticas, bi/ multilingüismo e diglossia, apoiando-se
em Grosjean (1982); Melià (1992;1997); Mello (1999); Calvet (2002) e Oliveira
(2003).
O texto está composto de três capítulos, reservando-se ao primeiro um relato
dos procedimentos metodológicos, especificando os passos da pesquisa, desde a
delimitação do tema, seguindo para a seleção dos sujeitos da investigação, do
material, até à metodologia para a análise do corpus.
Num segundo momento, aborda-se parte da trajetória da sociolingüística, com
base em teóricos fundamentais como: Labov (1974); Calvet (2002); Orlandi (2007) e
pesquisadores interessados em uma Sociolingüística Educacional como: Cavalcanti
(1999); Santos (1999); Pereira & Angnes (2006). Nessa seção, também têm espaço
informações sobre o contexto focalizado na pesquisa: Ponta Pora e Pedro Juan
Caballero. Instiga-se o leitor a refletir sobre bi/multilingüismo, diglossia entre outros
conceitos. Reserva-se ainda um espaço para discutir preconceitos lingüísticos,
políticas lingüísticas e o termo “fronteira”, cujas principais fundamentações estão em
Campigoto (2000); Oliveira G.M (2003); Raffestin (2005) e Oliveira T.C.M (2005).
Na terceira seção, reservada especificamente para a análise do corpus, tenta-
se reconstruir as histórias dos alunos bilíngües no tocante à sua trajetória escolar,
considerando-se aspectos como a relação bilingüismo, as provas de classificação e
o acompanhamento/desempenho escolar por meio de avaliações de língua
portuguesa. Explicita-se também, neste capítulo, a trajetória da professora, a fim de
verificar como a realidade bilíngüe da docente potencializa o desempenho de seus
15
alunos (bi/multilíngües) por meio das correções feitas nas avaliações dos alunos.
Discute-se ainda o cenário bilíngüe e o bilingüismo na escola, a partir da análise dos
dados coletados. Algumas imagens (fotos) reproduzidas nesta dissertação não
indicam a fonte, pois são registros feitos pela autora durante a pesquisa de campo.
Pretende-se, portanto, com este estudo, contribuir com a linha de pesquisa
Práticas Lingüísticas, Culturais e de Ensino na construção de um mapeamento das
situações de ensino da ngua portuguesa em áreas de fronteiras bilíngües e o
impacto na escola. Espera-se encontrar respostas para alguns dilemas relacionados
ao processo de avaliação e aprendizagem do português escrito, haja vista as
dificuldades de alunos paraguaios e brasiguaios que buscam o letramento em
escolas brasileiras, cuja língua de ensino é o português.
Finalmente, ressalta-se que este trabalho não tem a pretensão de solucionar
os problemas do ensino-aprendizagem originários do conflito lingüístico em
discussão, mas contribuir, de certa forma, para amenizá-los.
16
CAPÍTULO I
DELINEANDO OS PASSOS DA PESQUISA
Antes de pesquisar qualquer tema, é necessário delinear detalhadamente os
passos a serem seguidos, ao contrário, corre-se o risco de romper com a trajetória, o
que poderia interferir negativamente nos resultados finais da investigação.
Portanto, este capítulo tem por objetivo explicitar os procedimentos adotados,
desde a escolha e delimitação do tema, passando pela coleta e análise dos dados,
até o final do processo de redação da dissertação, levando-se sempre em conta o
contexto sócio-cultural em que a pesquisa foi desenvolvida.
Considera-se importante esse momento a fim de que o leitor possa situar-se
melhor, e, conseqüentemente, tenha um melhor aproveitamento da leitura e dos
resultados apresentados.
1.1 CLASSIFICAÇÃO DO TIPO DE PESQUISA
O método que norteia esta pesquisa etnográfica é de caráter empírico, de
cunho qualitativo/interpretativo, enfatizando-se um estudo de caso.
Em pesquisa etnográfica, seguindo os pressupostos da abordagem
metodológica qualitativa, duas referências relevantes encontradas na literatura são
os trabalhos de Erickson (1986; 1989; 2001) e André (1995; 2000).
Para Erickson (2001), a pesquisa qualitativa, também denominada
interpretativa ou interpretativista, observa o fato no meio natural em que ocorre e
observa ações humanas, procurando interpretá-las a partir do ponto de vista das
17
pessoas que as praticam. Explicita que as ações do próprio pesquisador devem ser
analisadas de forma idêntica às ações das pessoas observadas.
Apesar das inúmeras literaturas que tentam definir a pesquisa qualitativa, o
conceito ainda é passível de discussão, pois não são raras as críticas em relação ao
uso do termo. pesquisadores que defendem o seu trabalho como qualitativo
simplesmente pela inexistência de dados numéricos. André, que faz uma ampla
discussão sobre o assunto, prefere reservar os termos quantitativo e qualitativo para
diferenciar técnicas de coleta ou para designar o tipo do dado obtido.
A autora pontua que “as interações de sala de aula ocorrem sempre num
contexto permeado por uma multiplicidade de significados” (ANDRÉ 1995, p. 3) e
que essa aproximação ao contexto escolar permite compreender os mecanismos de
dominação e resistência presentes no cotidiano da escola, bem como os
mecanismos de opressão e contestação. Dessa forma, de acordo com a autora,
perceber-se-ão as atitudes, os valores, as crenças, os diferentes modos de ver e de
sentir o mundo, enfim, passa-se a vivenciar o dia-a-dia da instituição escolar. É
nessa imersão que será possível avaliar as relações face a face seja de
professores, funcionários administrativos ou alunos avaliando-se por fim, as
ideologias que estão nesse cenário.
Para Moita Lopes
A etnografia na sala de aula é uma DESCRIÇÃO narrativa dos
padrões característicos da vida diária dos participantes sociais
(professores e alunos) na sala de aula de línguas na tentativa de
compreender os processos de ensinar/aprender línguas.” (MOITA
LOPES,1996, p. 88, grifo do autor)
Moita Lopes concorda com Erickson (1996) quando assevera que para fazer
pesquisa etnográfica na escola devem-se seguir algumas etapas como a
observação participante, a escrita de diários, entrevistas com alunos e professores,
18
gravações de aulas em áudio e vídeo, etc., com o intuito de elucidar o que está
acontecendo neste contexto; de que forma esses acontecimentos estão
organizados; o que isso significa para alunos e professores e, por último, como
essas organizações poderiam ser comparadas a outros contextos de aprendizagem.
Ao retomar a pergunta “o que está acontecendo aqui?”, coloca-se em prática
um dos princípios da etnografia qualitativa. E foi no intuito de responder a esse
questionamento que as aulas foram observadas; conversou-se com os alunos, com
a professora, a direção e a coordenação da escola; foram efetuadas entrevistas;
coletados documentos, enfim, tudo isso para descrever os fatos, discuti-los e,
posteriormente, interpretá-los, atendendo assim a alguns dos princípios da pesquisa
de cunho etnográfico qualitativo.
Quando o pesquisador percebe que está excessivamente engajado no
contexto em investigação, convém optar pela cnica do estranhamento, ou seja,
afastar-se um pouco do foco, recolher-se para refletir melhor sobre o que foi visto
e retornar mais tarde com “outro olhar”. Se esse procedimento não for adotado,
corre-se o risco de interferir nas ações e, conseqüentemente, no resultado.
Como afirmam Pereira e Jung
[...] o pesquisador não vai para o campo isento de determinadas
crenças, padrões, suas idéias, enfim, todo este conjunto poderá
influenciar sua postura frente ao modus vivendi do outro. As
inquietações do pesquisador etnográfico também deverão ser
transportadas para o relatório etnográfico. (PEREIRA; JUNG, 1998,
<http://www.ufgd.edu.br/~mceres/publicacoes.htm>.Acesso em: 22
jan. 2008.)
É justamente por isso que o estranhamento deve ser feito, ou seja, para que
as ideologias e crenças do pesquisador não interfiram nos resultados da
investigação. As pesquisadoras acima citadas mostram em seu artigo duas
experiências surpreendentes no campo de pesquisa. Pereira, que é de raça negra,
ao fazer a pesquisa etnográfica de doutorado conviveu durante três meses com
19
imigrantes alemães no interior do estado paranaense. a pesquisadora Jung
nascera na comunidade rural de descendência alemã. “Estudara na escola
multisseriada que passara a ser seu foco de pesquisa. Compartilhava com os
moradores o mesmo background cultural e lingüístico, sendo, portanto, falante de
alemão falado na comunidade” (PEREIRA & JUNG, 1998).
As autoras contam no artigo que nas pesquisas realizadas, tanto o
estranhamento como o familiar se fizeram necessários, pois, no caso de Jung
“Estranhar o que antes era o seu modo de viver leva a problematizar a própria
identidade”. A familiaridade com o modo de viver de seus conterrâneos persistia,
apesar de ter se afastado da comunidade por diversas vezes. Isso, conforme afirma
a pesquisadora, dificultou o trabalho de investigação.
O campo de pesquisa de Pereira se identifica em parte, com o lócus da nossa
investigação, pois o estudo envolve uma escola freqüentada também por paraguaios
ou por brasiguaios.
Dada a mobilidade peculiar em região de fronteira, ora crianças
brasileiras mudavam com seus pais para o Paraguai, ingressavam
em escolas daquele país, iniciavam seus estudos e voltavam para o
Brasil; ora crianças paraguaias mudavam-se para o Brasil e
ingressavam em escolas públicas cujo ensino era ministrado
somente em português; ora as crianças de ascendência alemã,
falantes do alemão como língua ingressavam na escola falando
um “português” muito aquém daquele esperado e contemplado pela
escola. (PEREIRA E JUNG, 1998)
3
.
Portanto, o que era familiar para Jung mostrava-se estranho para Pereira. Por
isso foi necessário ‘estranhar’ o familiar e tornar o familiar ‘estranho’. Na pesquisa
em andamento, o familiar seria o fato de ter sido professora. Em determinadas
situações, a orientação metodológica deve ser fortemente presente no sentido de
não permitir que a profissão influencie nos resultados. Salienta-se aqui que para
3
Disponível em: <http://www.ufgd.edu.br/~mceres/publicacoes.htm>. Acesso em: 22 jan. 2008.)
20
fazer a reconstrução das trajetórias dos alunos e da professora envolvidos na
investigação, foi necessário que a autora desta investigação se ausentasse das
crenças ou ideologias pré-formuladas, a fim de adotar a postura adequada no ato da
interpretação dos dados coletados.
Erickson (2001) confirma que alguns pontos significativos a serem
observados durante a pesquisa etnográfica. O primeiro deles é justamente “a
invisibilidade da vida cotidiana”, que ocorre quando o pesquisador está
excessivamente engajado no contexto interacional da pesquisa. Ressalta-se assim,
o caráter reflexivo da pesquisa por meio da pergunta: o que está acontecendo aqui?
De acordo com Pereira,
Sempre que o pesquisador se fizer esta pergunta, durante o seu
trabalho, estará ressaltando o caráter reflexivo da pesquisa. Por
outro lado, ao construir respostas para o que está acontecendo aqui,
o pesquisador e docente, quando for o caso, estarão sendo
ajudados a tornar o familiar algo estranho e interessante. (PEREIRA,
1999, p.39, grifo da autora)
Ao refazer a pergunta, o pesquisador problematiza o que antes era invisível,
tornando-o familiar. As orientações metodológicas de Erickson (2001) reforçadas por
Pereira (1998) às quais alertam para o excesso de familiaridade, são relevantes para
esta pesquisa, pois, como iniciante em investigações em contextos escolares,
precisa-se desconsiderar o fato de ser professora, para não tornar o ambiente e os
sujeitos observados em algo familiar.
As peculiaridades do cenário de sala de aula de fronteira precisam se tornar
familiares para, juntamente com os atores envolvidos, buscar re-construir os
significados e assim, reconstruir as trajetórias dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
Seguindo as orientações de Erickson, eis o segundo ponto a ser observado
na pesquisa etnográfica: “Há uma necessidade de adquirir um conhecimento
21
específico através da documentação de certos detalhes da prática concreta.” O autor
quer dizer que, ao tentar responder o que está acontecendo no local de pesquisa,
entram em jogo vários fatores, principalmente o contexto e os atores envolvidos, ou
seja, professores e alunos.
O terceiro ponto a ser observado, ainda de acordo com Erickson, são os
significados locais. É necessário considerar as famílias, os amigos, os encontros
sociais, isto é, verificar como se estabelecem as interações conversacionais no
ambiente macro. Esse é mais um ponto colocado em prática na presente pesquisa.
O pesquisador ressalta que um quarto ponto a ser observado, isto é, a
“necessidade de ter conhecimento comparativo de diferentes meios sociais”. A
busca das relações entre o contexto micro (a escola) e o contexto macro (a
comunidade), pode auxiliar o pesquisador a elucidar o que realmente está
acontecendo no próprio contexto escolar.
Por fim, Erickson recomenda que o pesquisador não limite o seu trabalho a
um único tipo de dado, pois se correria o risco de chegar a conclusões equivocadas.
A triangulação, isto é, a comparação dos dados obtidos por meio dos diferentes
instrumentos selecionados para a pesquisa é uma boa opção para garantir
resultados mais precisos, uma vez que essa comparação permite a confirmação ou
não das informações coletadas.
Todas essas orientações sobre como fazer pesquisa em contextos escolares
serviram como suporte para o desenvolvimento do projeto. Procurou-se selecionar
diferentes instrumentos de coleta para que fosse possível, ao final, fazer a
triangulação dos dados.
Em uma pesquisa de metodologia etnográfica, cabe também ao pesquisador
modificar, se necessário, as técnicas e rever questões relacionadas à investigação.
22
Trata-se de uma metodologia flexível, pois o projeto pré-estabelecido é passível de
mudanças. É necessário, portanto, nesse tipo de pesquisa, rever constantemente as
ações e técnicas selecionadas, reavaliá-las e, se necessário, reformulá-las. Esta
prática tornou-se necessária, por várias vezes, durante a pesquisa de campo.
Classifica-se, portanto, a presente pesquisa como um estudo de caso
etnográfico, modalidade de pesquisa que surgiu recentemente na literatura
educacional. André (1995, p.30) alerta que nem todos os tipos de estudo de caso
podem ser incluídos na perspectiva etnográfica, da mesma forma como nem todo
estudo do tipo etnográfico se classifica como um estudo de caso. Para ser
considerado etnográfico o objeto de estudo deve ser bem delimitado e, ao mesmo
tempo, preencher os requisitos da etnografia.
1.2 DELIMITAÇÃO DO TEMA E OBJETIVOS
A motivação para pesquisar em escola de fronteira surgiu durante o curso de
Especialização realizado em 2005, na cidade fronteiriça de Ponta Porã, MS, já
conhecida em função da atuação como professora universitária. A proposta inicial
apresentada no anteprojeto de Mestrado em Letras da UNIOESTE, PR, em 2006,
sofreu algumas alterações e ajustes após os primeiros contados com a orientadora.
Contudo, manteve-se o foco inicial, isto é, investigar a aprendizagem em contexto
escolar de fronteira, considerando-se línguas em contato/conflito, especialmente o
português e o espanhol.
Traçou-se então, como objetivo geral para esse novo projeto de pesquisa,
estudar lingüisticamente os processos de avaliação de quatro alunos brasiguaios em
23
uma escola brasileira, verificando como a realidade bilíngüe da professora
4
potencializa um melhor desempenho de seus alunos (bi/multilíngües) por meio de
avaliações e textos produzidos.
Assim, as perguntas de pesquisa se desdobram em:
a) Como os alunos paraguaios (sujeitos da pesquisa) ingressaram nessa
escola fronteiriça e qual a sua trajetória escolar?
b) Como é o desempenho desses discentes, especialmente na modalidade
escrita da língua portuguesa?
c) Existe um diferencial na correção de textos e avaliações de alunos
bilíngües?
d) Quais as modalidades de avaliação que são utilizadas na escola?
e) Durante as aulas de português é permitido que os alunos paraguaios
façam uso de sua língua materna?
Estes e outros questionamentos foram necessários para que fossem
elaborados os objetivos específicos:
1. Reconstruir as histórias dos alunos bilíngües no tocante à sua trajetória
escolar, considerando:
1.1 a relação bilingüismo e provas de classificação;
1.2 o acompanhamento/desempenho escolar por meio de avaliações em
português;
1.3 a explicitação das interferências entre os sistemas de escrita do
português e do espanhol.
2. Reconstruir a trajetória profissional da professora de português desses
alunos, tendo em vista:
4
Entende-se aqui por professora, a docente que integra o grupo de estudo e não a autora da
investigação, que também atua no magistério.
24
2.1 a constituição de seu bilingüismo;
2.2 a sua concepção de erro no contexto bi/multilíngüe;
2.3 suas atitudes em relação ao processo de avaliação.
3. Refletir com a professora sobre o desempenho de seus alunos bilíngües
envolvidos nessa pesquisa.
Entende-se que o momento da reflexão conjunta entre a professora e a
iniciante em pesquisa é crucial para buscar os sentidos mais reais da interpretação
dos registros. Através da discussão com a docente sobre a trajetória de cada um
desses alunos pretende-se explicitar, assim, os diferentes fatos observados e buscar
um melhor entendimento de certas atitudes por ela tomadas durante o processo de
avaliação.
O título definitivo do trabalho, ALUNOS BRASIGUAIOS EM ESCOLA DE
FRONTEIRA BRASIL/PARAGUAI: um estudo lingüístico sobre aprendizagem do
português em Ponta Porã, MS. surgiu após o seminário de dissertação, acatando-se
as sugestões de mudanças da banca.
1.3 O CONTEXTO ESCOLAR
A história da Escola Brasiguaia
5
teve início em março de 1955, ocasião em
que o então prefeito João Portela Freire doou ao governo do Estado de Mato Grosso
um terreno para a construção do prédio onde funcionaria o Grupo Escolar da Zona
Sul. Em outubro de 1980, é criada por meio do decreto 707 a Escola Estadual de
Primeiro Grau, cujo funcionamento foi autorizado em 1981. Em outubro de 1986, por
meio da deliberação CCE 1508, é reconhecido o ensino de grau (1ª a
séries) nessa escola e em agosto de 1990, autoriza-se o funcionamento da classe
5
As informações desta página foram extraídas do Histórico de Criação da escola, documento não
anexado a esta dissertação em função da opção pelo anonimato da escola.
25
especial, bem como o Núcleo Avançado de Educação Supletiva NAES. A Escola
foi incorporada à rede municipal de ensino em 1994, pelo então prefeito de Ponta
Porã, Oscar Goldoni.
Atualmente, a Escola Brasiguaia está localizada a menos de cem metros da
divisa com Pedro Juan Caballero, Paraguai. Quanto ao quadro geral de funcionários,
esse estabelecimento de ensino conta com 96 funcionários, dos quais 64 são
professores e os demais, servidores no setor administrativo. A escola é mantida com
recursos vindos do PDDE Programa Dinheiro Diretamente na Escola e tem o apoio
da Secretaria Municipal de Educação que garante os uniformes e a merenda
escolar. De acordo com a direção, esses recursos não são suficientes para manter a
escola, por isso freqüentemente são organizadas promoções beneficentes.
Imagem 1 – Foto satélite da Escola Brasiguaia. A escola está sinalizada pelo círculo branco.
Imagem disponível em: http://www.glosk.com/BR/Ponta_Pora/-932857/aerial_pt.htm Acesso
em 14 abr. 2008.
1.3.1 As atividades extra-classe
26
Além das aulas, são oferecidas às crianças algumas atividades extra-classe
como os esportes promovidos pela FUNCESP – Fundação de Cultura e Esportes de
Ponta Porã. Os alunos têm também acesso à biblioteca, cujo acervo é composto por
mais de dois mil livros. A escola dispõe ainda de um profissional da área de
Psicologia, disponível uma vez na semana aos alunos que necessitem desse
atendimento.
Imagem 2 foto de alunos na hora do
lanche. Registro feito em 12/11/2007.
Imagem 3 foto de alunos em sala de aula.
Registro feito em 05/12/07.
Para as crianças que apresentam dificuldades na língua portuguesa, são
oferecidas duas horas seguidas de reforço, uma vez na semana, em turno diferente
do habitual. É a coordenação da escola quem seleciona as crianças que necessitam
desse atendimento extra-classe. De acordo com um dos responsáveis por essas
aulas, é relevante esse trabalho extra-classe “pois quando o aluno vai mal em língua
portuguesa, essa dificuldade se reflete nas demais disciplinas.”
Não existe material didático e pedagógico específico para o reforço de língua
portuguesa. O professor prepara o material de acordo com as maiores dificuldades
observadas nos alunos. O docente informou que o trabalho é voltado também para o
processo seletivo vestibular, mesmo que se trate de discentes do ensino
fundamental.
27
Quanto aos resultados, o professor afirma que praticamente todos os alunos
que freqüentam as aulas apresentam melhorias na escrita.
1.3.2 Os projetos em andamento na escola
Durante o período da pesquisa de campo, observou-se o desenvolvimento de
alguns projetos pedagógicos. Um deles, realizado em parceria com a FIP
Faculdades Integradas de Ponta Porã, é o Projeto Soletrando, cujo principal objetivo
é desenvolver a oralidade, tanto no português como no espanhol.
Outro projeto denominado Dois países, uma cultura visa possibilitar ao
educando “o acesso à cultura sobre um prisma bilíngüe e trilíngüe, objetivando uma
transformação de consciência do seu próprio “eu e auto-valorização.” O referido
projeto contempla as disciplinas Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Espanhol e
a disciplina de Artes.
Imagem 4 Foto de uma das danças típicas
apresentadas no projeto. Registro feito em
13/11/2007
Imagem 5 Foto dos alunos durante as
apresentações. Registro feito em 13/11/2007.
Ressalta-se que o título do projeto Dois países, uma cultura apresenta
certa ambigüidade, pois se sugere no título, uma cultura única para paraguaios e
28
brasileiros, o que significaria discriminar uma delas. Porém, de acordo com as
organizadoras, o projeto visa, por meio da apresentação dos costumes e da própria
língua, conhecer e valorizar a cultura dos dois países sanando a necessidade dos
educandos bilíngües, que são maioria na escola. Enfatizam que por meio de
atividades teóricas e práticas, o evento propicia aos discentes conhecimentos
culturais e lingüísticos que envolvem as duas cidades vizinhas de onde se originam
os alunos, Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.
O referido projeto, segundo as professoras da própria escola responsáveis
pela sua organização, “visa elevar a consciência do educando sobre o seu valor
cultural respeitando as diferenças que formam nossa realidade educativa” bem como
“Levar o aluno a conhecer, reconhecer e valorizar sua cultura fazendo uma leitura
crítica do espaço onde está inserido, resgatando a satisfação de aprender com
experiências individuais e coletivas.” Pretende-se assim, entre outros objetivos
específicos, “Propiciar ao educando o intercâmbio artístico e a reflexão sobre a
língua e sociedade como um todo.” Convém frisar que a participação dos alunos foi
avaliada observando-se cada etapa do processo, desde a participação na
elaboração das poesias e poemas até o desenvolvimento do conteúdo e da estética
dos trabalhos apresentados.
A primeira etapa do projeto executado por duas professoras de língua
portuguesa ocorreu em sala de aula, por meio de um trabalho de conscientização
sobre as diferenças e semelhanças das cidades consideradas gêmeas, Ponta Porã
e Pedro Juan Caballero. Os alunos das séries finais do Ensino fundamental
envolvidos no projeto criaram poesias, as quais foram avaliadas pelas professoras
na disciplina de língua portuguesa e, posteriormente, expostas no local de
encerramento, a quadra de esportes da própria escola.
29
Além da exposição dos trabalhos e das apresentações culturais dos discentes
da escola, o evento contou com a participação de diversos segmentos da
comunidade pontaporanense, com músicas e danças típicas paraguaias e
brasileiras. Foi significativo o número de familiares que prestigiaram o encerramento
do projeto. A imprensa local também se fez presente registrando as apresentações,.
Isto demonstra a importância deste projeto para a comunidade.
Portanto, levando em conta as três línguas em contato nessa escola
(espanhol, guarani e português), propõe-se nesse projeto a valorização e incentivo
da cultura trilíngüe, levando o aluno a refletir sobre a cultura regional e propiciando a
ele a oportunidade de “conhecer, observar e recriar a arte dos dois países.”,
resgatando-se assim a satisfação do aluno em aprender com experiências
individuais e coletivas.
Os coordenadores do projeto Dois países, uma cultura garantem que a
experiência feita em 2007 foi muito positiva e que, para os anos subseqüentes
haverá mais empenho no sentido de intensificar as atividades. Esse evento acabou
sendo inserido na programação anual da escola e a partir de 2008 envolvendo
também os alunos de outras turmas que não participaram dessa primeira etapa.
Além destes projetos lingüísticos e culturais, a escola participa anualmente da
Olimpíada de Matemática.
Embora não se tenha confirmada a prática do bilingüismo nas aulas
observadas, a iniciativa dos educadores da Escola Brasiguaia em realizar projetos
como o citado demonstra interesse em promover a socialização entre os alunos
paraguaios e os brasileiros, na tentativa de diminuir os preconceitos. A atitude é
exatamente contrária ao que se presenciava séculos atrás, conforme Oliveira
(2003), em que predominava nas escolas a imposição do português e se
30
pressupunha a destruição das línguas e das culturas dos índios, dos negros e dos
imigrantes.
1.3.3 O perfil dos educandos
De acordo com dados obtidos junto à secretaria da Escola Brasiguaia o
atendidos neste estabelecimento uma média de 1.500 alunos na educação infantil e
no Ensino Regular, nos períodos matutino e vespertino, além 150 discentes, em
média, no EJA Educação de Jovens e adultos, que funciona no período noturno. A
quantidade de alunos bi/trilíngüe é superior a 90% devido, principalmente, à
proximidade com o país vizinho, o Paraguai. Ressalta-se que a fronteira seca facilita
consideravelmente o ir e vir dos alunos paraguaios. Entre a escola brasileira e o
território paraguaio, a distância é inferior a cem metros. Evidentemente, se a divisa
fosse por acidente geográfico certamente o acesso seria dificultado e,
provavelmente o número de alunos paraguaios nas escolas brasileiras de Ponta
Porã seria bem mais reduzido.
O estabelecimento funciona em três turnos e não oferece Ensino Médio.
Atendem-se, portanto, crianças a partir de 6 anos, de acordo com o que consta na
legislação. Quando terminam o ensino fundamental, a faixa etária média é de 15
anos.
Com a nova nomenclatura da mobilidade, os alunos são matriculados para o
ano e são inseridos automaticamente no ano assim que completem os 7 anos.
Os anos iniciais (1º e 2º) são destinados à alfabetização e, pelo critério da idade. Por
falta de espaço físico a direção optou por uma extensão (um outro espaço) que fica
próxima à escola e atende as turmas iniciais.
31
Além dos paraguaios e brasiguaios, freqüenta a escola uma minoria de
brasileiros (menos de 10% do total de alunos matriculados). Trata-se, portanto, de
um contexto plurilíngüe e multicultural, uma vez que se mesclam as três línguas em
contato, o português língua oficial do Brasil, o guarani e o espanhol línguas
oficiais do Paraguai. A observação dos históricos escolares disponíveis na secretaria
da escola e as conversas informais com os alunos permitem afirmar que a grande
maioria deles já morou ou ainda mora no Paraguai. Alguns se autodenominam
brasiguaios pelo fato de o pai ser brasileiro e a mãe paraguaia, ou vice-versa. No
entanto, como já foi explicitado anteriormente, existem outras concepções para esse
termo.
Quando questionados sobre a sua procedência, muitos alunos dizem ter
nascido no Brasil, “no Hospital Regional de Ponta Porã”, porém o que acontece
freqüentemente é a opção dos pais em registrar seus filhos no Brasil objetivando
‘vantagens’. Portanto, a crença de que a cidadania brasileira dará benefícios leva a
atitudes diferentes, às vezes prefere-se o nascimento de fato em hospitais
brasileiros e registra-se no Brasil. também outras situações em que as crianças
nascem no Paraguai e são registradas no Brasil. Como afirma uma das secretárias
da escola em uma conversa informal registrada em nosso diário de campo no dia 13
de novembro de 2007, “muitos alunos dizem que são brasileiros, mas na verdade
são paraguaios”.
Geralmente os pais registram os filhos no Brasil, como dito acima, por
causa dos benefícios. Apesar disto, continuam morando no Paraguai por
conveniência econômica visto que, naquele país os preços da comida e do aluguel
são mais acessíveis. A secretária da escola afirma que há casos de alunos com
dupla identidade. Isto é, são registrados no Brasil e, posteriormente, no Paraguai.
32
Destaca ainda que, destes, alguns que no Paraguai são registrados com outro
nome. Esta prática de alguns pais se ampara na crença de que os filhos terão
“vantagens” em ambos os países. A idealização de que a escola brasileira tem um
ensino de melhor qualidade pode, provavelmente, influenciar nesta opção.
De acordo com a professora Pepa, ao contrário do que normalmente se
imagina, é pequeno o número de alunos que domina a língua guarani. Segundo ela,
a dificuldade está principalmente na escrita, uma vez que o ensino dessa língua
passou a integrar os currículos das escolas públicas paraguaias apenas
recentemente, em 1992, contemplando somente uma aula por semana.
1.4 SELEÇÃO DOS INSTRUMENTOS UTILIZADOS
Com o intuito de atingir os objetivos propostos selecionaram-se os seguintes
instrumentos de coleta dos dados:
a) observação não participante;
b) diário de campo;
c) coleta de provas de classificação e provas de português;
d) coleta documental;
e) entrevistas gravadas com os sujeitos da pesquisa.
f) provas de refacção.
A partir desses instrumentos de coleta espera-se triangular os registros com
vistas a uma interpretação significativa de forma a responder aos objetivos
propostos, principalmente no que está relacionado à avaliação, sempre focalizando
33
o fator lingüístico. Convém explicitar o que se entende por cada um desses
instrumentos.
Considerando-se primordialmente o contexto social, é preciso estar atento ao
que acontece no cotidiano da escola, especialmente durante o processo de
avaliação. De acordo com Marconi & Lakatos (2006, p.90) na observação não
participante, o pesquisador “presencia o fato, mas não participa dele; não se deixa
envolver pelas situações; faz mais o papel de espectador.” Esta modalidade de
observação, de acordo com as autoras, é também denominada de passiva, pois o
pesquisador é apenas um elemento a mais. Marconi & Lakatos (2006, p.90-91)
afirmam ainda que, a observação pode ser classificada como participante quando o
pesquisador se incorpora no grupo, confundindo-se com ele. “Fica tão próximo
quanto um membro do grupo que está estudando e participa das atividades normais
deste”. Portanto, a observação-participante permite ao investigador uma
proximidade maior com alunos e a professora, identificando estruturas de poder e
capturando a dinâmica da sala de aula. Permite também, como lembra Pereira
(1999) “rever o foco da investigação, ajustando-o, quando necessário, reavaliando
os instrumentos e até mesmo repensando os fundamentos teóricos.” (PEREIRA,
1999, p.39).
Por meio do diário de campo são coletadas e registradas as ocorrências
consideradas relevantes para a pesquisa. Esses dados podem ser coletados em
todo o ambiente escolar, desde a sala de aula até secretaria, sala dos professores,
biblioteca, sala da direção, sala da coordenação, enfim, durante as aulas ou nos
intervalos. São informações que aparecerão no decorrer da dissertação.
Os documentos, tanto dos alunos como da escola fornecidos pela secretaria
do estabelecimento, permitem a comprovação de alguns fatos importantes para a
34
análise. As fotografias também contribuem para maior veracidade dos fatos
relatados e destaca-se que estas foram feitas pela autora desta dissertação, durante
o período da pesquisa de campo, em 2007 e 2008. O material escaneado para
posterior análise (provas e textos dos alunos) não consta na lista de ilustrações, pois
considera-se que já está explicitado ao longo do texto.
As avaliações coletadas representam importantes instrumentos para a
análise. Por meio desse material foram elaboradas as provas de refacção
posteriormente aplicadas aos alunos selecionados. Convém esclarecer o que
entendemos por refacção: é a reaplicação das questões que os alunos não
souberam responder adequadamente durante as avaliações ao ingressarem na
escola – as provas de classificação – ou durante as avaliações de português.
Após a refacção das questões problemáticas, partiu-se para uma
aproximação maior com os sujeitos discentes, analisando-se as questões em
conjunto, em diálogos gravados.
As entrevistas, quando efetuadas com perguntas relevantes e bem
formuladas, são importantes instrumentos de coleta, pois, ao contrário dos
questionários fechados, proporcionam ao entrevistado oportunidades de acrescentar
informações consideradas relevantes. É possível, por meio de tal instrumento,
perceber reações e atitudes capazes de revelar questões até então ocultas. O termo
entrevista, construído a partir de duas palavras entre e vista refere-se, de acordo
com Richardson, (1985, p. 161) “ao ato de ver, ter preocupação de algo [...]”. Ou
seja, permite ao pesquisador interagir com o sujeito em determinadas situações.
Vale lembrar que as entrevistas com a professora aconteceram em três
etapas conforme os roteiros (Apêndices 3, 4, 5). Observa-se que as transcrições das
entrevistas tornaram-se bastante extensas, o que inviabilizou os anexos impressos.
35
Decidiu-se, assim, anexá-las, em CD (arquivos PDF), na versão final do texto que
ficará disponível na biblioteca da UNIOESTE de Cascavel, PR. Lembramos que os
fragmentos relevantes foram destacados e aproveitados no próprio texto.
Optou-se num primeiro momento, pela entrevista dirigida, observando-se a
orientação de Richardson (1985, p. 161), para quem a entrevista dirigida
“desenvolve-se através de perguntas precisas, pré-formuladas e com uma ordem
preestabelecida.” Na segunda entrevista decidiu-se passar o roteiro dos
questionamentos para a professora, pois se percebeu que ela se sentia mais à
vontade narrando naturalmente a sua trajetória. Trata-se, portanto, de uma
entrevista narrativa, em que Pepa narra os fatos e a entrevistadora interfere o
mínimo possível. Este tipo de entrevista parte da premissa de que as pesquisas
deveriam abrir espaço para ouvir a voz do professor (GOODSON, 1995).
A última etapa das entrevistas se concretizou somente após analisados os
dados referentes aos alunos, ao final de novembro de 2008, com novas alterações
na metodologia para garantir melhores resultados. Após interromper o processo de
gravação por três vezes, pois a professora sentia necessidade de rever o corpus,
decidiu-se digitar as respostas e, ao final, solicitou-se que ela fizesse a leitura para
garantir que o escrito conferia com o dito. Neste diálogo foram abordadas as
questões mais relevantes da pesquisa, relacionadas especialmente ao desempenho
dos alunos participantes da pesquisa.
Somente depois de finalizadas as coletas e entrevistas e analisados os
dados foi possível confrontá-los, fazendo-se a triangulação.
1.5 OS SUJEITOS DO ESTUDO
36
Conforme anunciado anteriormente, decidiu-se utilizar codinomes para os
sujeitos da pesquisa. Trata-se de nomes comuns na língua espanhola, que o
estudo envolve sujeitos falantes dessa língua. Assim, a professora foi denominada
Pepa e os alunos são Juanita, Joselito, Paquito e Miguelito.
Pepa é mineira, cursou o magistério, fez licenciatura em Letras com
habilitação ao Espanhol e, mais tarde especializou-se em “Língua e Literatura
de Expressão Hispânica”. Embora tenha ministrado aulas de espanhol,
atualmente leciona português como professora concursada em Ponta Porã e
em Sanga Puitã, ambas cidades situadas no Mato Grosso do Sul.
Juanita filha de pai paraguaio e mãe brasileira, nasceu em Sanga Puitã,
distrito de Ponta Porã, em dezembro de 1992. Estudou em Pedro Juan
Caballero até concluir o grado e, ao ingressar na Escola Brasiguaia em
março de 2004 passou a freqüentar o ano. No texto produzido durante a
prova de classificação, apresentou várias interferências do espanhol.
Concluiu a série nesse estabelecimento de ensino, solicitando
transferência para uma escola Estadual de Ponta Porã, onde estudou até
concluir a 5ª série. Retornou à Escola Brasiguaia em 2007 e atualmente
freqüenta o 8º ano.
Joselito Nascido em Ponta Porã em 10 de novembro de 1992 e alfabetizado
em escola paraguaia de Pedro Juan Caballero, esse aluno ingressou na
Escola Brasiguaia em 2005, considerado apto para cursar a série, hoje
equivalente ao ano. Apresenta muitas interferências lexicais do espanhol
no texto produzido durante a prova de classificação. Esse aluno é, cujo pai é
brasileiro, é o único sujeito de pesquisa que tem mãe paraguaia. Sempre
37
morou no Paraguai, por isso teve contato com três línguas, o guarani, o
espanhol e o português, as quais fala e afirma escrever.
Paquito Nascido em 05 de março de 1993 em Amambai, MS, Paquito é filho
de pai paraguaio e mãe brasileira. Foi alfabetizado em Ponta Porã, onde fez o
e ciclos. A documentação apresentada na Escola Brasiguaia, quando
transferido, revela que ao freqüentar o ciclo inicial esse aluno tinha muitas
dificuldades de aprendizagem e, inclusive de dicção, por isso freqüentou
aulas de reforço. Foi transferido para uma escola paraguaia em 2003, e ao
procurar novamente a Escola Brasiguaia em Ponta Porã em fevereiro de
2007, foi submetido à prova de classificação, por não apresentar comprovante
da conclusão do “7º grado”. Inicialmente Paquito foi admitido para o ano,
porém, como não acompanhava os conteúdos, voltou para o 6º ano.
Miguelito Nascido em Ponta Porã em 10 de novembro de 1991, mas
registrado somente em 2002. Em sua certidão de nascimento fornecida pela
escola não consta o nome do pai. Sua e é brasileira. Miguelito foi
alfabetizado no Paraguai e, solicitando transferência para a Escola Brasiguaia
em Ponta Porã foi submetido à prova de classificação em março de 2004,
aprovado para freqüentar a série. Percebeu-se, pela produção de texto
feita na prova de classificação, que esse aluno ingressou na escola com
muitas limitações na escrita.
1.6 VEREDAS E PERCALÇOS DA INVESTIGAÇÃO
38
Uma vez definidos tema, objetivos, tipo de pesquisa, instrumentos de coleta,
procedimentos metodológicos e apresentados os sujeitos da pesquisa, relatam-se
aqui os caminhos percorridos e as alterações que se fizeram necessárias para o
alcance dos objetivos propostos.
De acordo com o diário de campo, os contatos preliminares com a direção da
escola ocorreram no início do ano letivo 2007, quando se expôs o projeto e solicitou-
se permissão para focalizar a pesquisa na Escola Brasiguaia. Esses contatos iniciais
são recomendados por Erickson sempre que o pesquisador opta pela pesquisa de
campo.
O processo de negociar a entrada envolve contatar as várias partes
que estarão envolvidas e serão afetadas pela pesquisa,
explicitando-lhes os propósitos e procedimentos da pesquisa,
obtendo o consentimento para realizar filmagens (e aplicação) de
outros instrumentos para a coleta de dados (ERICKSON, 1986, p.
44).
A receptividade ocorreu de forma positiva, de acordo com a expectativa. Isto
porque, percebeu-se durante os contatos com a direção e coordenação do
estabelecimento, o interesse pela presente pesquisa, devido ao contexto
bi/multilíngüe e multicultural. A direção da escola manifestou, na ocasião, o interesse
de, juntamente com a Universidade, oferecer um curso de formação continuada aos
docentes no tocante ao ensino bilíngüe em fronteira. Na ocasião, a diretora disse
que os professores: ficam muitas vezes angustiados por não saber lidar com certas
situações do dia-a-dia dessa escola, onde a maioria dos alunos fala duas ou até três
línguas”. Este curso funcionaria como Projeto de Atualização em parceria com a
Universidade, no entanto as negociações não avançaram por questões,
principalmente financeiras. Mas, a possibilidade continua aberta.
39
A direção da escola nos informou sobre o processo de validação que ocorre
todos os anos e forneceu modelos de provas de classificação, aplicadas no início do
ano letivo para os alunos que não dispõem do documento de transferência. A
informação foi considerada relevante para o objeto desta pesquisa, pois se buscava
um corpus que possibilitasse analisar situações de avaliação. Solicitou-se então que
a secretária da escola fizesse um levantamento sobre as turmas que possuíam
alunos paraguaios ou brasiguaios, ingressados em 2007, por meio da prova de
classificação.
Com esse levantamento em mãos e atendendo-se à proposta inicial do
projeto de pesquisa, selecionou-se uma professora monolíngüe e outra bilíngüe.
Trabalhar-se-ia então com essas duas docentes e com os respectivos alunos
classificados atendidos por elas, o que permitiria o confronto do processo avaliativo
em diferentes perspectivas, ou seja, sob olhares diferentes. Porém, a professora
monolíngüe desistiu de participar do projeto quando não havia mais tempo hábil
para substituí-la.
Em conseqüência desse imprevisto, participou do estudo apenas a professora
bilíngüe, denominada Pepa, que ao receber a carta-convite
6
(Apêndice 1)
comprometeu-se com a pesquisa e se propôs a fotocopiar as avaliações dos alunos
que fossem inseridos no grupo de estudo, a fim de que se pudesse, posteriormente,
analisar esses materiais e discutir o processo avaliativo com ela.
O retorno à escola com o intuito de assistir algumas aulas coincidiu com a
prova oral sobre verbos em todas as turmas em que Pepa lecionava. Os alunos
estavam ansiosos e pelo visto, não preparados para responder às questões feitas
6
Documento entregue inicialmente à professora e, mais tarde, outro documento semelhante foi
entregue aos alunos convidados a participar do estudo. Essas cartas-convite, modelos anexos, foram
arquivadas após assinadas pelos responsáveis. Esse procedimento faz parte da questão de ética na
pesquisa, além de propiciar mais segurança ao pesquisador.
40
pela professora. Acompanhou-se a docente até as demais salas de 6º e ano e
ocorreu a mesma situação, isto é, a professora, insatisfeita, chamava a atenção dos
alunos solicitando que estudassem para o dia seguinte, pois não haveria outra
chance. Alertou-os para o fato de que ficariam em exame e recuperação se não
conseguissem a nota mínima.
Aproveitou-se a visita também para conferir e coletar documentos, conversar
com os coordenadores e acompanhar a organização do projeto Dois países, uma
cultura, cujo encerramento ocorreria no dia seguinte. Os detalhes sobre esse evento
serão apresentados na próxima seção do trabalho, quando serão comentados
também outros projetos organizados pela escola.
Naquela tarde, por estar diretamente envolvida com o projeto cultural, a
professora foi substituída por vários momentos, sendo que, quando ela saía da sala,
a prova oral sobre verbos era feita por outro professor. Este permitiu que
conversássemos informalmente com os alunos e, partir dos dados pessoais
coletados e anotados no diário de campo, foram definitivamente selecionados os
novos sujeitos da pesquisa, observando-se os seguintes critérios: alunos paraguaios
ou brasiguaios cuja trajetória escolar envolvesse os dois países, Paraguai e Brasil, e
que fossem bi ou trilíngües. Selecionaram-se inicialmente seis alunos, cujos pais
receberam cartas-convite (Apêndice 2) solicitando autorização para entrevistas e
conversas informais e explicando a finalidade da investigação. No entanto, decidiu-
se realizar a pesquisa somente com 4 destes, pois uma aluna passou para o período
vespertino e um dos meninos não retornou a carta-convite. Assim, o estudo de caso
envolveu a docente bilíngüe e quatro discentes brasiguaios, totalizando 5 sujeitos.
Em dezembro de 2007, percebeu-se que alunos e professores se
mostravam preocupados com a recuperação e prova final. Acompanhou-se a
41
aplicação da prova bimestral do bimestre no ano e vale ressaltar que as aulas
observadas foram sempre da mesma professora, selecionada como participante
ativa da pesquisa. Além de permitir livre acesso a suas aulas, a docente sempre
demonstrou disponibilidade em tudo o que lhe fosse solicitado. No último capítulo,
reservado para as análises, serão comentados mais detalhadamente alguns
procedimentos adotados pela professora.
A seção seguinte contempla os dados relacionados ao local da pesquisa,
explicitando-se alguns termos freqüentemente utilizados e delineando o espaço
fronteiriço que centraliza o foco principal desse estudo.
42
CAPÍTULO II
O CENÁRIO SOCIOLINGÜÍSTICO DA PESQUISA E ALGUNS CONCEITOS
RELEVANTES
2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Inicia-se esta seção apresentando-se as diferentes definições sobre conceitos
como fronteira, bilingüismo, bilingüalidade, sujeito bilíngüe e sujeito brasiguaio, que
serão freqüentemente retomados nesse trabalho.
Posteriormente traça-se, ainda que parcialmente, um panorama sobre a
situação sociolingüística, para em seguida comentar o contexto sociolingüístico e
cultural em que ocorreu a pesquisa de campo da qual se origina o presente trabalho.
Note-se que, em relação ao panorama sociolingüístico, serão apresentados somente
os dados mais relevantes, apenas para situar o leitor num âmbito geral.
2.1.2 O termo fronteira e suas diferentes facetas
Fronteira é um termo polêmico e polissêmico, por isso faz-se necessária uma
séria reflexão a respeito do seu significado, uma vez que a pesquisa de campo foi
realizada justamente em uma escola localizada nesse espaço, uma divisa seca entre
o Brasil e o Paraguai.
Mas, afinal, que espaço é esse, até onde podemos ir? Qual a diferença entre
linha de fronteira e faixa de fronteira? De acordo com o Art. 1º da Lei 6.634, de 2
de maio de 1979, é considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa
interna de 150 km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à linha
divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de
43
Fronteira
7
. Ao delimitar a faixa de fronteira brasileira, a referida Lei prevê também
que nesses 150 km de largura, faixa considerada indispensável à segurança
nacional, é vedada a construção de pontes, estradas internacionais, campos de
pouso ou indústrias, sem a prévia autorização do governo federal.
Conforme dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa
(divisão territorial de 2001 e censo 2000), na fronteira brasileira 10 países, 11
estados e 120 municípios. Nas 5.500 escolas existentes no território fronteiriço,
585 mil alunos e 28 mil professores.
É preciso lembrar que a fronteira está vinculada à história de diferentes
povos, diferentes culturas e civilizações e, conseqüentemente, a diferentes
identidades. Muller afirma que o conceito fronteira é empregado de modo diferente
por quem é morador desse tipo de espaço e por um simples habitante desses locais.
“Para aqueles que vivem nesses lugares, a linha divisória é tênue e não passa
necessariamente pela demarcação geopolítica.” (MULLER, 2005, p.584)
A autora enfatiza que a fronteira constitui-se numa delimitação territorial que
irá definir, no caso em questão, onde se encerra um país e onde se inicia outro,
estipulando a interrupção do poder de um Estado num determinado território.
Originária do latim frontaria, a expressão fronteira significa “território que
ficava em frente ou nas margens” (ZIENTARA, apud MULLER, 2005, P 576). Os
conceitos são múltiplos, mas a idéia que normalmente se tem sobre o termo fronteira
é de uma linha divisória entre dois países. Entende-se, porém, que a fronteira não
pode ser limitada a uma linha, pois ela é muito mais que isso. As linhas
demarcatórias muitas vezes correspondem a limites firmados entre representantes
7
Disponível e: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6634.htm>. Acesso em: 21 ag. 2008.
44
políticos das nações em questão, não correspondendo a divisões naturais. Por isso
o termo denota uma atenção especial, desde a sua origem aos diferentes conceitos.
Ao comentar o termo fronteira Raffestin (2005, p.12 ) afirma que, “a história
não pode ser interpretável sem ela, pois as sociedades foram sempre definidas
pelas fronteiras que elas traçaram. Elas acompanham os movimentos dos povos e
marcam grandes viradas nas transformações das civilizações.”
Assim, é preciso reconhecer que o conceito de fronteira é polissêmico e que
esse espaço multicultural e multilíngüe propicia aos países envolvidos, amplas
oportunidades de desenvolvimento econômico e sócio-cultural.
As fronteiras integram o processo de classificação e representação da
realidade social, suscitando a construção de novas histórias de acordo com os
diferentes olhares de cada historiador que por ali circula. Campigoto (2000) realizou
importante reflexão sobre fronteira em sua tese de doutorado intitulada
Hermenêutica da Fronteira: a Fronteira entre o Brasil e o Paraguai, cujo objeto de
estudo era o acontecer da fronteira nas diversas formas de linguagem. Para este
autor, a linguagem de fronteira pode ser considerada um caso bastante especial
porque opera segundo o modo de abstração.
Talvez nossa linguagem sobre a fronteira possa ser metaforizada na
figura da criança que inicia a dominar a fala e, encontrando um
objeto pertencente ao pai, pronuncia a palavra ‘papai’ e não o nome
do objeto encontrado. Então, podemos inquirir os modos sob os
quais ocorre que um determinado rio, uma montanha, uma rocha ou
um marco qualquer venham a tornarem-se sinônimos de fronteira.
(CAMPIGOTO p.13)
O pesquisador propôs-se a escrever a “história da fronteira na sua própria
historicidade”, tentando comprovar que a fronteira acontece na e pela linguagem.
Revela, entre outras considerações, que “escrever a história da fronteira é ter como
objeto uma ausência dupla, um passado que não podemos ver mais, e a linha de
45
fronteira, que jamais podemos ver. (Ibid, p. 17). O autor pontua também que “Neste
jogo entre o signo e o ausente ocorre a compreensão da fronteira.” (CAMPIGOTO,
2000, p. 14). Estas afirmações reforçam a complexidade do termo em discussão.
Grimson adverte que, ao analisar zonas de fronteira, devem-se levar em
consideração dois elementos. O primeiro deles é que muitos habitantes dizem que
“a fronteira não existe” ou que “estamos integrados desde sempre.” Quanto ao
segundo elemento a ser considerado, trata-se do discurso nativo da “irmandade
imemorial” como base articuladora transfronteiriça, vista como zona periférica e
marginalizada. (GRIMSON, 2000, p.29)
Ao parafrasear Girard (1972), Raffestin (2005) diz que a fronteira nasce da
diferença, pois é a sua perda que causa a confusão pela violência. O autor defende
a faixa fronteiriça como grande reveladora da necessidade que as sociedades têm
de serem inventoras de modos de diferenciação no contexto espaço-temporal. Para
ele, “A perda do sentido profundo a respeito de limite ou de fronteira em toda a sua
complexidade resulta da recorrência a um modo fortemente solicitado pelo poder
público, que é o mapa”. (RAFFESTIN, 2005, p. 12)
Percebe-se, portanto, que os autores acima citados têm um ponto em comum,
isto é, são unânimes em reconhecer que o termo é de difícil definição. Sabe-se que
na prática as diretrizes políticas nacionais em relação às áreas fronteiriças
geralmente não são cumpridas. Existem sim, algumas propostas documentais, mas
na realidade, as ações não correspondem ao esperado. Assim, nas escolas tenta-se
vencer o grande desafio da diferença com as condições precárias disponíveis.
2.1.3 Bilingüismo, bilingüalidade, diglossia e sujeito bilíngüe
46
As situações de conflito são visíveis na Escola Brasiguaia, pois se trabalha
num contexto de bilingüismo, multilingüismo e inclusive, de diglossia. E é sobre os
diferentes conceitos atribuídos a esses três termos que se desdobra a dissertação a
partir de agora.
Conforme mencionado anteriormente, o Paraguai possui dois idiomas oficiais:
o guarani e o espanhol, além dos inúmeros dialetos indígenas e dos dialetos
portunhol e jopará que se originaram da mescla das línguas em contato, resultando
disso uma sociedade bi/plurilíngüe e uma situação de diglossia.
A diglossia é caracterizada por Ferguson como,
Uma situação lingüística relativamente estável na qual, além dos
dialetos principais da língua (que podem incluir um padrão ou
padrões regionais) uma variedade superposta, muito divergente,
altamente codificada [...] que é aprendida principalmente através da
educação formal e usada na maior parte da escrita e fala formais,
mas que não é usada por nenhum setor da comunidade na
conversação usual. (FERGUSON, 1974, p.111)
Assim, pode-se dizer que quando duas variedades de uma língua coexistem
em uma mesma comunidade, porém, cada qual desempenhando um papel definido.
O autor exemplifica com a língua padrão e o dialeto regional, que são usados de
acordo com o contexto.
No entanto, de acordo com Grosjean, (apud MELLO,1999, p.40), a definição
de Ferguson tem sido estendida a situações em que duas ou mais variedades de
uma mesma língua são usadas em diferentes ocasiões sociais, ou ainda, quando
duas línguas quaisquer estão em contato.
Levando-se em conta os conceitos acima, o fenômeno diglóssico é visível no
contexto de fronteira em que se realiza a presente pesquisa e se evidencia
especialmente no território paraguaio, em relação ao uso das duas línguas oficiais,
pois, enquanto o espanhol é considerado como a língua formal, sendo, portanto a
47
principal língua de escolarização, o guarani é mais utilizado em situações familiares
ou informais, especialmente as que envolvem um grau emocional mais elevado.
Esse é um comportamento facilmente perceptível para aqueles que cruzam a linha
de fronteira. Sabe-se que o estigma
8
em relação ao guarani ainda existe e surgiu por
questões históricas, uma vez que o espanhol é a língua do dominador.
A diglossia se confirma também nas conversas informais com os alunos
sujeitos da investigação, uma vez que durante os diálogos, observou-se certa
valorização da variedade padrão do português. O interesse maior em aprender esta
língua está no prestígio que esta representa para a sociedade. Percebeu-se pelo
discurso dos alunos que utilizando a variedade não-padrão, estes o
estigmatizados na escola. Se forem tomados como regra a definição e o exemplo
dados por Ferguson e Grosjean, essa é uma situação de diglossia, pois uma
variedade da língua se sobrepõe à outra.
Vale ressaltar aqui que o português é falado em Pedro Juan Caballero mais
por necessidade do que por simpatia pela língua, pois a maioria dos turistas de
compras não fala o espanhol ou o guarani. Daí a necessidade de aprender e falar o
português. Os idiomas oficiais do Paraguai são falados pelos comerciantes de Pedro
Juan Caballero geralmente quando é conveniente para eles, por exemplo, quando
se trata de algo confidencial que não deve chegar ao conhecimento dos clientes.
Os trabalhos de Labov (1972) e Gumperz (1982) demonstram que situações
conflituosas como as citadas acima podem ocorrer sempre que duas variedades
lingüísticas ou línguas pertencentes a culturas diferentes entram em contato.
Considera-se, portanto, imprescindível o estudo de situações diglóssicas, a fim de
8
Goffman (1988), ao introduzir conceitualmente a noção de estigma marca, sinal imputa essa
condição àquelas pessoas que se afastam do “padrão” corrente em determinados contextos. O
estigma é entendido por esse autor como uma linguagem de relações.
48
compreender as atitudes dos falantes de duas ou mais nguas ou de variantes de
língua em uma mesma comunidade. Conforme Revuz (1998) por meio desse estudo
pode-se auxiliar na avaliação de suas possíveis influências no comportamento
lingüístico das pessoas. Portanto, esse conhecimento pode facilitar o entendimento
de certos comportamentos dos sujeitos desta pesquisa, relatados na seção da
análise.
Calvet afirma que tanto Ferguson como Fishman tendiam a subestimar os
conflitos de que as situações de diglossia dão testemunho e que,
A noção de diglossia teve um eco muito importante na
sociolingüística nascente, antes de abrir o flanco a certo número de
críticas, vindo particularmente dos pesquisadores que trabalhavam
com os crioulos e com o bilingüismo hispânico (sobretudo os
lingüistas catalães) (CALVET, 2002, p.62. Grifo do autor).
Paralelamente à diglossia, aparece o termo bilingüismo, cujas conceituações
são inúmeras, postulando-se muitas divergências quanto ao termo. Mello (1999) fez
uma retomada teórica dos diferentes autores que se empenharam em definir
bilingüismo e comenta que,
As definições variam entre pontos extremos. Alguns consideram
bilíngües apenas aqueles indivíduos cujo desempenho lingüístico,
em todos os níveis (fala, leitura, escrita e compreensão), se
assemelha ao de um falante nativo (Bloonfield, 1933; Thiery, citado
por Grosjean, 1982); outros avaliam o desempenho lingüístico dos
bilíngües segundo uma escala de fluência gradativa [...] (Haugen,
1969); e para outros o bilingüismo é simplesmente uma questão de
uso regular, de alternância de duas ou mais línguas. (MELLO, 1999,
p.19)
Portanto, ser bilíngüe, na atualidade, não é uma situação rara e estima-se que
metade da população mundial seja bilíngüe ou até multilíngüe. Desenvolver o
bilingüismo não significa, entretanto, que nas diversas etapas do desenvolvimento
da linguagem, as habilidades ouvir, falar, ler e escrever sejam iguais nas duas
49
línguas. Embora seja difícil para os especialistas precisar ao certo qual língua é
dominante, em termos de desempenho, os pesquisadores concordam que no
aspecto cognitivo sempre uma das línguas domina a situação. O fato é que
geralmente as questões de poder econômico, político ou social influenciam para que
haja uma língua de maior prestígio, ou seja, um idioma superior.
Como pontua Pereira “não é uma tarefa fácil determinar se alguém é bilíngüe
ou não, principalmente porque situações diversas”. A autora menciona o
bilingüismo passivo, praticado por indivíduos que “ouvem com entendimento uma
dada língua, lêem nesta língua, mas não a falam nem a escrevem”. Acrescenta que,
por outro lado, “há outras pessoas que entendem uma língua falada, mas elas
mesmas não falam esta língua”. (PEREIRA, 1999, p.64)
A professora Pepa, na segunda entrevista dessa pesquisa assim define o
termo bilingüismo: Bilingüismo pra mim é quando você sabe escrevê, fala e lê, então
você tem o domínio de todos os treis, eu acho que eu poderia me considerar
bilíngüe, mais não sou bilíngüe porque eu não falo fluentemente. Percebe-se que na
concepção da professora, somente é bilíngüe o sujeito que domina três habilidades
em idiomas diferentes, ou seja, a escrita, a fala e a leitura.
Diante das dificuldades e divergências para definir os conceitos de
bilingüismo e sujeito bilíngüe, considera-se importante que o pesquisador disposto a
trabalhar com situações de conflito lingüístico defina a sua postura quanto ao termo
utilizado. Notou-se, durante o período de investigação, que os próprios professores,
quando questionados sobre a sua condição bilíngüe ou monolíngüe, ficam na dúvida
ao posicionar-se. Isso porque o conceito de sujeito bilíngüe se torna dependente ou
das competências, ou do ponto de partida das funções das nguas, e das atitudes
dos falantes.
50
Jürgen Heye (2003) desenvolveu um estudo sobre bilingüismo e
bilingüalidade e sugere que se for considerado bilíngüe somente o indivíduo que
possui domínio igual ao nativo em duas línguas, por certo serão excluídas a grande
maioria. Para esse autor, a condição bilíngüe se modifica na trajetória de vida dos
indivíduos e assume diferentes contornos em relação ao domínio e à variação de
uso de ambas as línguas. A coexistência de duas línguas, num determinado espaço
social, deve ser analisada de acordo com os diferentes contornos (estágios) de
bilingüismo, que se definem nos diferentes momentos de vida dos indivíduos
bilíngües.” (HEYE, 2003, p.34)
Heye propõe também uma distinção entre bilingüismo e bilingüalidade,
considerando que os estágios acima mencionados são estabelecidos pelos
diferentes contextos em que está inserido o sujeito bilíngüe. Nesta perspectiva, o
pesquisador entende por bilingüismo “[...] a situação em que coexistem duas línguas
como meio de comunicação num determinado espaço social” e por bilingüalidade
“os diferentes estágios distintos de bilingüismo, pelos quais os indivíduos, portadores
da condição bilíngüe, passam na sua trajetória de vida.” (HEYE, 2003, p.34)
2.1.4 O sujeito brasiguaio
Conforme explicitado na introdução, adotou-se para este estudo uma nova
concepção para o termo brasiguaio, utilizando-o para o sujeito que freqüentou
escolas do Paraguai e atualmente estuda em escola brasileira. Porém, a literatura
apresenta diferentes conceitos para esse termo, entre elas Santos (1999).
[...] a denominação brasiguaios não se aplica a todos os imigrantes
brasileiros no Paraguai. Para o grupo composto pelos brasileiros
chamados euro-brasileiros, ou seja, grandes produtores de grãos
através da agricultura realizada por máquinas sofisticadas e que
geralmente têm residências no Brasil onde também estudam seus
filhos, a crise inexiste. (SANTOS, 1999, p.21-22)
51
A professora Pepa, ao comentar a presença dos brasiguaios nas escolas em
que trabalha, assim define o termo:
Brasiguaio pra mim (risos) é uma pessoa que nasce no Paraguai, é registrado no
Brasil e acha que é brasileiro. Na verdade ele foi criado no Paraguai, fala espanhol,
guarani e português porque é conveniente pra ele não ficar diferente dos outros,
porque ele na verdade queria ser brasileiro. Então os pais vêm no Brasil, registram
no Brasil pra ser brasileiro i ele é paraguaio e brasileiro então ele é brasiguaio
(Professora Pepa, entrevista 2)
Vale citar um estudo de Mestrado realizado por Teis (2004), cuja análise
evidencia que a identidade do aluno brasiguaio do município de Itaipulândia, PR. é
reconstruída a partir dos seguintes aspectos: sua aproximação da representação
simbólica que possui o Paraguai e sua população; sua aproximação do modelo
hegemônico de homem branco ocidental possuidor de capitais e sua aproximação
do “modelo ideal” de aluno pretendido pela escola e pelos interesses
mercadológicos capitalistas.
Para a autora, a denominação brasiguaios é utilizada “para fazer referência a
um grupo sem muitas condições financeiras, o que os leva a viverem duras
experiências de carências e conflitos durante sua integração em território paraguaio,
bem como durante o regresso ao Brasil.” E reforça que o termo é pejorativo,
freqüentemente significando “povo humilde, sem terra, sem país ou pátria.” (TEIS,
2004, p. 19-20)
Sabe-se que no país vizinho os brasiguaios, às vezes, não são bem vistos.
Esse fato fica muito evidente em um artigo de autoria de Alejandro Sciscioli,
disponível on line
9
. Inicia-se classificando e acusando os brasiguaios: “Hacendados
9
Artigo intitulado La presencia incómoda de los ‘brasiguayos’ Disponível em:
<http://www.tierramerica.net/2003/1118/acentos2.shtml>. Acesso em: 28 jun. 2008.
52
brasileños afincados en Paraguay son acusados de acaparar tierras, sostener
prácticas agrícolas insostenibles e imponer su cultura.”
De acordo com o que está posto, esses brasileiros que se instalaram em
terras paraguaias possuem 1,2 milhões de hectares, isto é, 40 por cento da
superfície total de dois Estados paraguaios: Canindeyú y Alto Paraná, fronteiriços
com os Estados brasileiros do Paraná e Mato Grosso do Sul. Eles convivem com
295 mil paraguaios, incluídos os descendentes de imigrantes brasileiros com
residência legal.
Sciscioli enfatiza na matéria que os brasiguaios são acusados por pequenos
produtores rurais, de contaminações por agrotóxicos e de querer impor a sua cultura
e sua língua em grande parte do território paraguaio. A reportagem revela que tudo
começou no auge do governo de Alfredo Stroessner (1954-1989), quando o Instituto
de Bienestar Rural - IBR adquiriu grandes extensões de terras com o intuito atrair os
brasileiros da fronteira.
Ressalta-se que atualmente ainda é assim, pois a lei permite que, mesmo
sem residência legal ou, sem condições legais de imigrantes, brasileiros adquiram
terras no Paraguai. E o pior, segundo enfatiza Adolfo Grantze, secretário geral da
Organización Nacional Campesina, neste mesmo artigo, é que "Vienen los
brasileños y compran todavía hoy tierras sin dificultades, aunque haya gente dentro.
Después van con un fiscal a pedir el desalojo". A presença de brasileiros e
descendentes em algumas zonas fronteiriças ultrapassa os 90 por cento e, na
ausência de imposição por parte do governo paraguaio, foram fundadas escolas por
conta própria, “donde se habla, se lee y se educa en portugués", sustenta Tallone.
Percebe-se assim que o preconceito contra os paraguaios existente no Brasil
se reverte contra os brasiguaios instalados no Paraguai. Essa atitude certamente se
53
reflete no ensino, em ambos os lados. Portanto, na faixa fronteiriça, os professores
trabalham num contexto de intensos conflitos sociais, com a presença do
bi/plurilingüismo, em que a diglossia também é um fenômeno lingüístico constante.
2.2 DADOS DO PANORAMA SOCIOLINGÜÍSTICO
O cenário monolíngüe que até recentemente predominava no Brasil, mesmo
sem condizer com a realidade, ainda é verificado em outros países. Prova disso são
os dados apontados por Romaine (apud Cavalcanti, 1999, p.388), quando afirma
que, “Há cerca de trinta vezes mais línguas do que há países. Isso implica a
presença do bilingüismo em praticamente todos os países do mundo.”
Paulston (1994, p.3) também afirma que “a maioria das nações no mundo é
multilíngue”, porém admite que as estatísticas sejam insuficientes e que, além disso,
uma indefinição quanto ao termo bilingüismo, devido a falta de interesse de
alguns países. Por isso, para avaliar o plurilingüismo no mundo é necessário
considerar os planos psicológico, social, sociológico e etnológico, além de outros.
Isso pode ser feito por meio do levantamento de dados quantitativos e qualitativos.
Wolsfon (1989, p.257) garante que “não sequer uma única nação
monolíngüe; o que são línguas majoritárias e línguas minoritárias, línguas
dominantes e línguas dominadas.” Mello (1999) pontua que a exemplo do Brasil,
país não oficialmente bilíngüe, outras nações como a França, os Estados Unidos, o
Japão e a Alemanha, vivem uma realidade multilíngüe. Afirma a autora que entre os
países bilíngües, trilíngües e multilíngües estão também o Canadá, a Suíça, a
Bélgica, o Paraguai e a Índia, somando-se em torno de 800 variedades. Garante
54
ainda a autora que na Nigéria são faladas cerca de 400 línguas e variedades, das
quais, quatro oficiais.
É importante ressaltar que o fato de uma nação ser multilíngüe não garante
que haja muitos indivíduos multilíngües, pois as fronteiras geopolíticas raramente
refletem as fronteiras lingüísticas.
De acordo com Grosjean (1982, p. 33), os Estados Unidos estão entre os
países que apresentam o maior número de bilíngües e a França é considerado o
mais uniforme país da Europa em termos lingüísticos. Além do francês, são falados
na França o bretão, o basco, o flamengo, o catalão e o occitano, sendo que 6% dos
franceses usam regularmente duas línguas. Mello (1999) apresenta dados ainda
mais recentes fornecidos pela pesquisadora Leanne Hilton, da Universidade da
Califórnia em Berkeley. Segundo Hilton, no Canadá e nos Estados Unidos 175
línguas, porém, por motivos econômicos, só 20 são aprendidas em casa, pelas
crianças.
A seguir apresentaremos alguns dados sobre a situação sociolingüística no
Brasil, discutindo-se paralelamente a mitologia do preconceito lingüístico.
2.2.1 O Brasil como país plurilíngüe
O cenário do monolingüismo lingüístico, segundo Bagno (2006), não se
sustenta mais para o Brasil. Para esse autor, o maior e o mais sério de todos os
mitos que compõem a mitologia do preconceito lingüístico da sociedade brasileira é
o de que “a língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade
surpreendente”. (BAGNO, 2006, p..15). Aqui mesmo, em Dourados, no Mato Grosso
do Sul, uma significativa mescla de línguas e dialetos, haja vista a forte presença
das línguas indígenas. Note-se também a mistura de povos que vieram do Sul do
55
país ou mesmo do país vizinho, o Paraguai, em busca de terras mais produtivas e
melhores condições de vida. Portanto, são falados aqui em Dourados, além do
português e das línguas indígenas, o espanhol e vários dialetos.
Cavalcanti (1999) posiciona-se da mesma forma que Bagno, isto é,
defendendo o multilingüismo no Brasil. Ela pontua que “Esse mito é eficaz para
apagar as minorias, isto é, as nações indígenas, as comunidades imigrantes e, por
extensão, as maiorias tratadas como minorias, ou seja, as comunidades falantes de
variedades desprestigiadas do português.” (CAVALCANTI,1999, p.387)
Nesse país tem-se como língua oficial o português, porém, é inegável que se
falam muitas outras línguas, principalmente as indígenas. Para Orlandi, o Brasil é
um país multilíngüe como acontece com os países em geral.
[...] como todo país, o Brasil tem a sua língua oficial, ao lado das
muitas línguas indígenas, falares regionais, línguas de imigração
etc. Isso porque ao lado da multiplicidade concreta de línguas há,
nos Estados, a necessidade da construção de uma unidade
imaginária. (ORLANDI, 2007, p. 59).
Os autores acima citados defendem o plurilingüismo no Brasil, pois, num país
que acolheu e continua acolhendo um expressivo número de imigrantes alemães,
italianos, japoneses, poloneses, além de muitos outros colonizado por indígenas,
não como admitir que se fale uma única língua e que exista uma única cultura.
Ressalta-se que o respeito ao multiculturalismo está contemplado nos PCNs –
Parâmetros Curriculares Nacionais, texto que rege as Escolas de ensino
fundamental no Brasil. O documento argumenta para a necessidade do debate de
questões sociais em busca do respeito pelas diferenças e convoca a escola e os
educadores para o compromisso com a cidadania. (PCNs, 1998a, p. 17-41).
56
Pereira e Angnes (2006) apontam dados levantados por Maher (1996).
Pontuam que mesmo desconsiderando-se as línguas de sinais e as de imigração,
são faladas nesse país que se monolíngüe, cerca de 200 línguas, a maioria
indígenas. Convêm frisar que antes da chegada dos europeus em 1500, existiam no
Brasil nada menos que seis milhões de índios, número reduzido a 200 mil na
primeira metade do século 20. Atualmente a população indígena no país está
estimada em 400 a 500 mil, não havendo estatísticas exatas. (PEREIRA &
ANGNES, 2006, p.22)
Cavalcanti (1999, p. 389) comenta que atualmente o universo indígena no
Brasil é pequeno, porém, extremamente rico e diversificado. Pontua que, embora
não haja um levantamento oficial e preciso, estima-se que das cerca de 1.300
línguas faladas na época em que o Brasil foi colonizado, apenas 170 sobreviveram.
A autora afirma que “[...] a taxa de crescimento populacional, hoje, no entanto, e
felizmente, é maior do que a população não-indígena: 4% ao ano”.
Cita-se também a classificação feita por D. Rodrigues (1988, apud SANTOS,
1999, p.11) para as línguas faladas no Brasil. Ele as divide em dois grupos: “as
línguas indígenas, de tradição imemorial, todas pré-colombianas; as línguas
alienígenas, introduzidas a partir da colonização portuguesa”. Portanto, além das
170 línguas indígenas, coexistem 30 línguas de imigrantes e uma majoritária, ou
seja, a língua portuguesa brasileira.
De acordo com Borstel,
No Brasil, mesmo que se tenha oficialmente a língua portuguesa
como uma ngua institucionalizada e o país seja visto como
monolíngüe [...] não é possível deixar de levar em consideração a
inter-relação de culturas e identidades sociais em contextos simples
ou complexos de aproximação de línguas e culturas. O ambiente
específico é a Escola em que se encontram
crianças e jovens,
revelando-se culturalmente e convivendo com a diversidade cultural.
(BORSTEL, 2007, p.104)
57
Diante deste emaranhado de informações, evidencia-se que o Brasil vive uma
realidade plurilíngüe e multicultural. O fato de o Brasil fazer fronteira com o Paraguai,
que têm como língua oficial o espanhol e o guarani, propicia maiores possibilidades
de contatos lingüísticos com essas línguas.
Convém ressaltar, portanto, que as pesquisas sociolingüísticas realizadas no
território brasileiro revelam a existência de inúmeras variedades geográficas e
sociais em diferentes regiões. Podem-se citar como exemplos os dialetos gaúcho,
carioca e os falares nordestinos. Essa diversidade não ocorre somente em termos
fonéticos, mas também no campo léxico, originando certo preconceito lingüístico.
10
Portanto, os contextos de minorias bilíngües se revelam significativamente
mais complexos do que aparentam num primeiro momento e isso é possível
comprovar com as pesquisas realizadas, entre elas Jung (1997); Pereira (1999);
Borstel (2007), Damke & Teis (2006), além de outras.
2.2.2 O plurilingüismo/multiculturalismo
De acordo com os dados obtidos em Mello (1999, p.36-38), nos Estados
Unidos o bilingüismo é estigmatizado por causa do grande número de imigrantes,
pois esses representam para muitos uma ameaça social. Assim, inúmeros
imigrantes evitam falar a língua materna para não serem denunciados.
A situação no Brasil é muito semelhante. O estigma em torno das línguas
indígenas é visível, favorecendo-se as línguas dos brancos, isto é, as línguas
européias. na França, conforme lembra Eckert (apud Mello,1999, p.37) “o francês
é associado à modernidade e à oportunidade, enquanto o occitano lembra a
10
O termo preconceito lingüístico será retomado posteriormente, haja vista a sua forte presença na
região fronteiriça.
58
vergonha de quando os professores penduravam um sapato de madeira no pescoço
daqueles que falavam o occitano na escola, como forma de punição”.
A preferência de algumas línguas em detrimento de outras tem gerado
conflitos. Portanto, entre as principais causas que levam ao bi-multilingüismo estão
os movimentos migratórios que ocorrem por razões sociais, econômicas ou
religiosas. Corroboram também para o uso regular de duas ou mais nguas, os
sentimentos federativos e nacionalistas; casamentos inter-raciais; atividades
comerciais, fatores culturais e educacionais. Entende-se, no entanto, que o contato
entre línguas não é suficiente para que uma comunidade se torne bi-ou multilíngüe,
pois o que mais influi são as atitudes dos falantes.
Em Ponta Porã, na fronteira Brasil/Paraguai, o encontro de três línguas o
guarani e o espanhol línguas oficiais do Paraguai, e o português, língua oficial do
Brasil representa uma riqueza lingüística/cultural ainda pouco explorada.
Com o advento do MERCOSUL Mercado Comum do Sul intensificaram-se
as transações comerciais em Pedro Juan Caballero e conseqüentemente
fortaleceram-se os dialetos como o portunhol e o jopará. A posição geográfica de
Ponta Porã, divisa seca com o Paraguai favorece ainda mais os intercâmbios
lingüísticos e culturais.
Essa miscigenação lingüística e cultural tem sua origem na época da
conquista da América, quando os espanhóis se instalaram no Paraguai, impondo a
sua língua, sua religião e sua cultura. Quem conhece a história do Paraguai está
ciente dos prejuízos que a população deste país do Continente Americano sofreu e
dos reflexos da dominação européia que persistem até hoje. Ao perder o seu espaço
econômico, os paraguaios perderam também a identidade de povo forte e lutador.
De acordo com Bourdieu (1996), as lutas em torno da identidade étnica ou regional,
59
que envolve estigmas ou emblemas relacionadas à origem ou lugar de origem,
assim como as demais marcas lhes são correlatas, como, por exemplo, o sotaque,
[...] constitui um caso particular das lutas entre classificações do
poder de fazer ver e de fazer crer, de fazer conhecer e de fazer
reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo
social e, por essa via, de fazer e desfazer os grupos.
(BOURDIEU,1996, p.108. Grifos do autor).
Considera-se pertinente a citação acima, por ilustrar como as manifestações
de poder podem influenciar a sociedade, especialmente num território que é
bruscamente invadido por estranhos que, rompendo com o processo cultural em
andamento para impor as suas ideologias e alcançar os seus objetivos.
O Paraguai no século XIX se diferenciava de outros países latino-americanos
pelo seu progresso econômico autônomo a partir da independência em 1811. Esta
evolução era visível também na cultura, visto que os governos de José Francia e
Carlos Lopes se propuseram a erradicar o analfabetismo no país. Com a chegada
dos espanhóis, mudou completamente a vida dos nativos. A sociedade entrou em
crise, pois os dialetos falados passaram a ser estigmatizados e, aos poucos, foi
imposta a língua dos dominantes: o espanhol, também conhecido como castelhano.
Quanto a esse tipo de situação, Berger e Luckmann (2004) pontuam que as
crises individuais e coletivas se originam da própria sociedade. Para eles, estar em
sociedade acarreta um contínuo processo de modificação na realidade subjetiva do
indivíduo, que pode conseqüentemente “mudar de mundos”.
Assim, pode-se afirmar que os paraguaios, bem como outros povos que
vivenciaram o processo de colonização protagonizado pelos espanhóis, passaram
por uma mudança radical, ou seja, tiveram que submeter-se aos novos hábitos e à
60
nova língua. É o que Berger e Luckmann chamam de transformação total ou
mudança de mundo.
Os preconceitos lingüísticos, sociais e econômicos que se originaram da
colonização e da conquista, intensificaram-se com a guerra do Paraguai, ocorrida
entre dezembro de 1864 a março de 1870.
A seção seguinte contempla um panorama sobre as línguas e culturas que se
mesclam na faixa de fronteira onde foi efetivada a investigação. Fazem-se também
referências aos avanços evidenciados em relação às políticas lingüísticas nesses
espaços.
2.3 A SITUAÇÃO FRONTEIRIÇA SOB UM OLHAR POLÍTICO
2.3.1 Pedro Juan Caballero e Ponta Porã – retomada histórica
Imagem 1 – Foto da cidade de Ponta
Porã, MS. Disponível em:
<http://www.pontaporaemdia.com.br/fotos.htm>
Acesso em 22 jun. 2008
Imagem 2 Foto da praça
localizada na linha de fronteira
entre Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero, próximo à escola.
Registro feito em 01/11/2007.
61
A retomada de alguns antecedentes históricos
11
de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero se faz necessária para que seja melhor compreendida a atual situação
dos alunos bilíngües, sujeitos da pesquisa. Por isso voltamo-nos agora ao contexto
de investigação, isto é, Ponta Porã, onde está situada a Escola Brasiguaia. Nesse
espaço fronteiriço culturas e línguas se mesclam com muita naturalidade nos dois
territórios, Brasil e Paraguai, pois as cidades geminadas são separadas apenas por
uma avenida. Residem na fronteira pessoas vindas de diferentes regiões brasileiras,
especialmente do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso e São Paulo. Instalaram-
se também, tanto no lado brasileiro como no lado paraguaio, pessoas de diferentes
nacionalidades como japoneses, chineses, uruguaios e outros. Ressalta-se ainda a
forte presença dos brasiguaios que entram e saem do território paraguaio levando a
sua língua. O comércio paraguaio, no qual os brasileiros buscam preços mais
acessíveis, incentiva ainda mais o ir e vir dos turistas.
Além disso, como afirma a pesquisadora Pereira (2003, p.3), “A proximidade
geográfica das duas cidades faz com que a população compartilhe o somente o
território, mas conseqüentemente, toda construção cultural dos fronteiriços”. A
chipa
12
, o tereré e a polca paraguaia, elementos culturais típicos da cultura
paraguaia e hoje, bastante comuns na cidade de Ponta Porã, são apenas pequenas
amostras dessa mescla cultural. A mistura é ainda mais perceptível em relação às
línguas faladas nos dois territórios, o brasileiro e o paraguaio.
11
Parte desses dados históricos foram obtidos junto ao Consulado Brasileiro no Paraguai por Maria
Helena Pires Santos, durante os seus estudos de Mestrado que resultaram na dissertação. (1999).
12
Chipa paraguaya, também denominada Pan Paraguay, que se prepara com amido de mandioca,
queijo, farinha de milho e anis. O tereré é infusão da erva-mate com água bem gelada, servida em um
recipiente especial denominado guampa e uma bomba. Pela tradição a guampa passa de mão em
mão, a exemplo do chimarrão. A polca paraguaya e suas principais derivações guarania e chama
são gêneros musicais que representam importantes aspectos da identidade cultural não apenas do
próprio Paraguai, mas também das regiões norte da Argentina e centro-sul do Estado de Mato
Grosso do Sul – Brasil.
62
É significativa, portanto, a diversidade cultural e lingüística nesse espaço.
Como afirma Sturza, que se dedica a estudos sobre situações de fronteiras,
A história das idéias lingüísticas sobre as línguas de fronteira se
constitui nos discursos acadêmicos sobre o cruzamento das línguas
portuguesa e espanhola nas zonas de fronteira. O espaço de
enunciação fronteiriço se define como um espaço no qual se
enunciam dizeres sobre as línguas. Esses dizeres têm sentidos
políticos que determinam uma distribuição para as línguas,
atribuindo-lhes uma hierarquia. Mas, no conjunto das línguas de
fronteira, incluem-se práticas lingüísticas que resultam do
cruzamento entre as línguas dominantes na fronteira, o português e
o espanhol. [...] Nessa fronteira é a ngua portuguesa e os dialetos
de base portuguesa que determinam uma política de línguas.
(STURZA, 2006, p.8).
Ressalta-se que nesse contexto fronteiriço não existem apenas as duas
línguas citadas. Quem não sabe falar o português ou o espanhol, arrisca o
portunhol, ou o jopará - termos a serem esclarecidos em seguida. Mas, ao nosso
ponto de vista, o importante é que a comunicação aconteça.
Embora o guarani seja uma das línguas oficiais do Paraguai, o ensino formal
desta língua em Pedro Juan Caballero teve início pouco tempo, isto é, a partir
de 1992, enquanto o espanhol está incluído nos currículos das escolas do município
paraguaio desde a colonização.
Mesclam-se, portanto, nessa área fronteiriça, diferentes hábitos culturais e
três línguas o português, o guarani e o espanhol além dos dialetos denominados
portunhol mistura do português com o espanhol e do jopará, conhecido como
uma mescla do espanhol e do guarani.
Ao fazer uma revisão da literatura sobre o portunhol, Judd (2007) revela que o
primeiro lingüista a descrever a situação lingüística ao longo da fronteira brasileiro-
uruguaia foi José Pedro Rona (1963). Neste primeiro estudo, observa que o dialeto
63
que se havia formado na fronteira é uma mescla de português e espanhol, mas que
não é nem português nem espanhol. Judd comenta que Rona também parece ter
sido o primeiro a anotar um nome para o dialeto. Ele escreveu ‘[este] dialeto
intermediário recebe aqui [na fronteira] o nome de ‘dialeto fronteiriço’ (RONA, 1963,
apud JUDD, 2007, grifos do autor). Ressalta que o termo fronteiriço passou a ser
rejeitado devido a sua designação muito ampla; o brasilero foi definido como a
forma mais neutra no estrato popular, e o portunhol, caracterizado como a
designação mais neutra que se escuta dos membros cultos da comunidade urbana.
Sturza (2005) reforça que o marco inaugural sobre a situação das línguas na
fronteira Brasil-Uruguai, é o trabalho "Dialecto Fronterizo en el Norte del Uruguay",
de José Pedro Rona. A autora comenta que a partir desse trabalho, ao longo de
meio século, os estudos sobre a presença da língua portuguesa na zona de fronteira
foram tendo regularidade e continuaram a focalizar este "Dialecto Fronterizo" como
questão fundamental. (STURZA,2005)
13
O portunhol não é a língua do imigrante, nem a do estado, tampouco a do
nativo. Esse dialeto fronteiriço como um todo pode ser definido não como uma
influência portuguesa na língua espanhola, mas como a influência do espanhol em
uma base portuguesa bem estabelecida.
Embora não aparente, o termo jopará é considerado de difícil definição até
mesmo pelo lingüista e sociólogo Melià, que muitos anos se dedica a pesquisas
no Paraguai. Ele admite que é muito difícil traçar o perfil do falante do jopará, que
se trata de um dialeto ainda não normatizado.
13
Disponível em <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009- 67252005000200021&script=sci_arttext
– >. Acesso em 05 jul.2008.
64
[…] ya que la falta de normatividad es tan marcada que desafía
cualquier categorización. Es tan circunstancial y tan sujeta a la
competencia-o incompetencia- de cada individuo, que desconcierta
a quien pretende trazarle el perfil (MELIÁ, 1992, p. 184).
Toda essa diversidade, aliada à falta de políticas lingüísticas adequadas,
coloca numa situação difícil os professores que atuam nas escolas brasileiras de
fronteira. Eles tentam ensinar o português dentro das possibilidades que lhes são
oferecidas, ou seja, sem recursos didáticos específicos e, geralmente, sem preparo
teórico suficiente.
Feitas essas considerações iniciais sobre o cenário sociolingüístico da
pesquisa, abordam-se algumas questões históricas relacionadas ao país vizinho, o
Paraguai, pois considera-se que algumas atitudes demonstradas por alunos e
professores refletem questões históricas.
Na guerra contra o Paraguai (1865-1870), Argentina, Uruguai e Brasil
juntaram forças com o objetivo de derrotar Solano Lopes, o então dirigente
paraguaio. De acordo com Muller Lopes, estimulado por interesses ingleses, Solano
Lopes “deflagrou um acirrado conflito na região com o intuito de ampliar o território
paraguaio”. (MULLER LOPES, 2005, p. 579). Com o Tratado da Tríplice Aliança
contra o Paraguai estabeleceram-se novas bases para a delimitação da área
fronteiriça. Esse conflito resultou na morte do Tenente Antônio João e três soldados
e culminou com a morte de Francisco Solano Lopes. Em seguida, Brasil e Paraguai
assinaram o famoso Tratado de Paz e Amizade, que alterava o traçado de fronteiras
anterior. Assim, definiu-se a fronteira entre Brasil e Paraguai, cuja confirmação
definitiva se daria com a assinatura do Tratado Complementar Mangabeira-Ibarra. A
partir daí, muitos brasileiros infiltraram-se em terras paraguaias buscando nelas o
progresso. Contudo, por não terem atingido os objetivos propostos, parte destes
retornou ao Brasil. Alguns insistiram na permanência e ressalta-se que atualmente
65
ainda existe certa preocupação em relação ao retorno desses sujeitos, que muitas
vezes, sequer são reconhecidos como cidadãos em sua nova pátria. Esses são os
denominados brasiguaios, termo esclarecido anteriormente, pois não são
paraguaios nem brasileiros.
2.3.2 Ponta Porã: raízes paraguaias
A referida cidade sul-mato-grossense em que está focalizada a presente
pesquisa pertencia ao território paraguaio até o período pós-guerra declarada ao
Paraguai (1865-1870). De acordo com Quintas (2006, p.14), até o término desse
conflito bélico ocorrido entre a Tríplice Aliança – Brasil, Argentina e Uruguai
Laguna Punta Porã era apenas o nome de um local, às margens de um lago no
Paraguai, onde viajantes e carreteiros paravam para refazer suas energias.
A origem etimológica do termo Ponta é espanhola (Punta) e Porã é um termo
guarani que significa bonito. O nome se deve, portanto, às características do local,
ou seja, “[...] um lugar alto e bonito situado na cordilheira de Amambaí”. Nesse local
existia uma ponta de mata a Oeste do antigo aeroporto de Pedro Juan Caballero.
Aos poucos, o local foi habitado por autoridades brasileiras e para a
instalação do centro administrativo, policial e fiscal foi escolhida a região das
figueiras. Confirma-se assim, com esses dados históricos, que a cidade de Ponta
Porã surgiu no lado paraguaio, isto é, no outro lado da fronteira. Houve um período
de grande crescimento no povoamento da região (1893-1895), época em que
chegou a Ponta Porã uma corrente migratória proveniente do Rio Grande do Sul. O
povoamento se intensificou com a fixação dos ex-combatentes e a demarcação da
fronteira entre os dois países, Brasil e Paraguai.
Ponta Porã, localizada no Mato Grosso do Sul, região Centro Oeste, faz
fronteira ao Norte com os municípios Antônio João, Bela Vista, Jardim e Guia Lopes;
66
ao Sul com Aral Moreira e Laguna Caarapã; ao Leste com Dourados e Maracajú e
ao Oeste, faz fronteira com o Paraguai. O município foi fundado em 25 de março de
1892 e, de acordo com dados do censo populacional do IBGE Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística divulgados em 2007
14
a população é de 72.207
habitantes, num território de 5.328,621 km².
Imagem 8 Foto do símbolo de Ponta Porã, “A princesinha dos ervais”, disponível
em: http://www.portalms.com.br/canais/Dados-Geograficos-de-Ponta- Pora/Mato-Grosso-do-
Sul/Ponta-Pora/Dados-Gerais/15/61/113/710.html> Acesso em: 22 ago. 2008.
O município foi subdividido em áreas e essa divisão, de acordo com Quintas
(2006), ocorreu baseada em critérios sócio-econômicos e ambientais. Ressalta-se
que predomina no município a população urbana. De acordo com Sella (2006), a
atividade ervateira pode ser considerada o mais forte laço de unidade entre os dois
municípios, Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. De 1880 a 1940 a região fronteiriça
teve sua economia subordinada ao Ciclo da Erva-mate, atividade rude que por mais
de meio século movimentou o mercado local e até internacional.
14
Dados disponíveis em: http://www.portalms.com.br/canais/Dados-Geograficos-de-Ponta-Pora/Mato-
Grosso-do-Sul/Ponta-Pora/Dados-Gerais/15/61/113/710.html> Acesso em: 22 ag. 2008.
67
Ponta Porã é, portanto, a soma de uma intensa miscigenação sua principal
característica - que começou com a exploração dos ervais e com a corrente
migratória gaúcha. “Hábitos e costumes ultrapassaram a fronteira paraguaia ou
brasileira sendo absorvidos pela população vizinha.(QUINTAS, 2006, p.66). Ponta
Porã é considerada a cidade gêmea de Pedro Juan Caballero e seu povo partilha
cultura semelhante em todas as suas formas de expressão e muitas vezes, até no
jeito de viver.
2.3.3 As mudanças no PDFF - Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira
Embora pequenas, algumas mudanças podem ser constatadas em relação
às políticas aplicadas a contextos de fronteira no Brasil. De acordo com o Ministro de
Estado da Integração Nacional, Ciro Ferreira Gomes (2005, p. 7),
A
faixa de
fronteira é uma área especial que, em função de questões históricas e políticas, tem
sido associada a uma agenda negativa, ficando praticamente abandonada pelo
Estado.” O político pontua que, “a isto deve ser acrescido o fato de que a legislação
brasileira que dispõe sobre seu uso é de 1979, ou seja, elaborada durante o regime
de exceção, razão pela qual a área é vista e considerada apenas do ponto de vista
da segurança nacional.”
Portanto, Gomes reconhece a falta de atenção do Estado às faixas
fronteiriças do país até recentemente. Ele acrescenta que o próprio conceito de
segurança evoluiu nas últimas décadas e que, atualmente, a segurança nacional
está relacionada também à ocupação do solo, ao fortalecimento da cidadania e às
condições de vida da população.
O Ministro reforça que, “Reconhecendo o caráter estratégico do
desenvolvimento dessa região e, ainda, a enorme dívida a ser resgatada, o
68
Ministério da Integração Nacional relançou o Programa de Desenvolvimento da
Faixa de Fronteira PDFF”. Gomes garante que o novo PDFF contempla “diretrizes
claras de fortalecimento da cidadania e do estímulo às potencialidades locais e aos
empreendimentos de pequeno e médio portes.” ( Ibid, 2005, p.8)
O Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira
15
deve atingir os
seguintes resultados:
a. Estimular processos sub-regionais de desenvolvimento,
contribuindo para a redução da desigualdade regional e para a
integração da América do Sul.
b. Melhoria da governança e estímulo à participação da sociedade
civil, envolvendo a articulação dos atores locais em torno a
projetos de desenvolvimento na Faixa de Fronteira.
c. Estruturação e dinamização de Arranjos Produtivos Locais e
transfronteiriços.
d. Promoção articulada da infra-estrutura econômica e social,
associado às estratégias locais de desenvolvimento.
e. Melhoria das condições de cidadania da população local.
f.
Revisão do marco regulatório que possui impacto no
desenvolvimento econômico da região e nas condições de
cidadania.
Sabe-se que a fronteira ultrapassa o fato geográfico, pois as pessoas
envolvidas nesse espaço e a incontestável riqueza nele existente fazem da fronteira
também um fato social. A reformulação do documento, ou seja, a criação de nova
agenda política para o PDFF ocorreu devido à intensa diversidade regional, bem
como pela inadequação do padrão histórico de intervenção. Antecedentes históricos
dão conta de que os órgãos governamentais vêm atuando de forma fragmentada
nas áreas fronteiriças, geralmente sem apoio do Governo Federal.
Entende-se, dessa forma, que o PDFF visa mudanças quanto ao padrão das
últimas décadas e, dentre elas estão a articulação do programa com a nova Política
15
Informações disponíveis em:
<http://www.integracao.gov.br/programas/programasregionais/faixa/resultados.asp?area=spr_fronteir
a> Acesso em: 30 jun. 2008.
69
de Desenvolvimento Regional, além do fortalecimento das condições de cidadania
para a população local e organização da sociedade civil.
2.3.4 As políticas lingüísticas e questões de fronteira
A política lingüística não é algo novo, embora sua terminologia tenha surgido
mais recentemente. Por ocasião do “descobrimento” do Brasil, conforme registros, o
país era plurilíngüe. Muitas línguas indígenas eram faladas. Foram paulatinamente
sendo deslocadas por uma política lingüística que privilegiava a língua européia o
português.
Fatos relevantes que nos remetem aos séculos XVIII e XIX contribuíram
significativamente para a implementação do que hoje denominamos políticas
lingüísticas e planejamentos lingüísticos. A língua portuguesa, trazida ao Brasil pelos
colonizadores, conviveu e até hoje convive com inúmeras línguas indígenas (apesar
de hoje serem absolutamente minoritárias se comparadas à língua portuguesa). A
imposição do português como língua de uso geral ocorreu no século XVIII,
resultando como língua nacional do Brasil após a independência. Porém, sabe-se
que a esse processo subjazem relações políticas, que resultaram na expulsão dos
jesuítas e na proibição do uso da língua geral na Colônia. se esboçava uma
política lingüística com vistas a uma perspectiva de “construção do monolingüismo”.
Como afirma Orlandi (2007, p.8), “não possibilidade de se ter língua que
não esteja afetada desde sempre pelo político. Uma língua é um corpo simbólico-
político que faz parte das relações entre sujeitos na sua vida social e histórica”.
Portanto, não há como desvincular língua e política, pois ambas estão
relacionadas ao social. As políticas lingüísticas deveriam ser construídas tendo
como base a sociedade e sua história e esta perspectiva deveria nortear escolhas
70
lingüísticas próprias aos contextos, principalmente de minorias lingüísticas e de
fronteira(s).
Quanto à falsa imagem da unidade lingüística do Brasil, Oliveira (2003, p.8)
pontua que “essa é uma conseqüência da intervenção do estado e da ideologia da
‘unidade nacional’ que desde sempre, com diferentes premissas e em diferentes
formatos, conduziram as ações culturais no Brasil.”
Mas, como surgem as políticas lingüísticas e como conceituá-las? Calvet
(2002, p.145) chama de políticas lingüísticas um conjunto de escolhas conscientes
referentes às relações entre língua(s) e vida social, e planejamento lingüístico a
implementação prática de uma política lingüística.
Quem pode elaborar as políticas lingüísticas e em que medida o homem pode
interferir na língua ou nas línguas? Estes são questionamentos aos quais Calvet se
remete constantemente. Em As políticas lingüísticas (2007, p.20-21), o autor afirma
que qualquer grupo pode elaborar uma política lingüística, mas apenas o Estado tem
o poder e os meios de formalizar e/ou oficializar em prática suas escolhas políticas.
Porém, Pagotto lembra que a cada imposição corresponde de certa forma, uma
exclusão.
[...] qualquer proposição do Estado de política lingüística, por mais
democrática que seja, terá dentro dela essa contradição. Incluir, pela
via do Estado, também significa normatizar e submeter as
diferenças a uma lei. Políticas lingüísticas são implementadas de
uma maneira ou de outra, em função da maneira como se constitui a
relação entre as pessoas e o Estado no mundo moderno. Mas é
preciso ter em mente que sempre haverá um preço a pagar por elas.
O preço da normatização, que é sempre a exclusão” (PAGOTTO,
2007, p.50-51).
Exemplificando com a ngua portuguesa, pode-se dizer que ao ser
privilegiada a variedade padrão, corre-se o risco de estigmatizar a variedade não-
padrão. Assim, entende-se que é grande a responsabilidade daqueles que instituem
71
as normas de funcionamento das línguas. Essa tarefa exige um profundo
conhecimento da realidade lingüística.
Calvet (2007, p.11-36) faz uma retomada histórica dos lingüistas norte-
americanos e europeus que contribuíram ou, tentaram contribuir para estabelecer as
normas do uso da língua. Menciona o primeiro modelo de Haugen (1964), que partiu
essencialmente do problema da norma lingüística e da padronização, pois não
concordava com as divergências existentes nas gramáticas. Propunha assim uma
avaliação da mudança lingüística.
Note-se que o primeiro modelo de Haugen inspirava-se na proposta de
Herbert Simon, que sugeria quatro estágios para um planejamento lingüístico, ou
seja, o diagnóstico de um problema; a concepção das soluções; a escolha de uma
das soluções e a avaliação da solução tomada. Haugen partia dos problemas para
os decisores, as alternativas, a avaliação e a aplicação.
Explicitando melhor, na visão do lingüista, os problemas representavam a
não-comunicação; os decisores seriam os próprios usuários da língua representados
pelos segmentos sociais; as alternativas seriam os meios oficiais para se
desenvolver um planejamento lingüístico e a avaliação perpassaria por critérios
objetivos que permitissem a escolha da solução, que posteriormente deveria ser
aceita pelos decisores. Sendo assim, se é o governo que controla o sistema escolar
e as mídias, a melhor estratégia consiste em introduzir a reforma lingüística
escolhida por meio da escola.
Calvet entende que ao propor um novo sintagma, o planejamento lingüístico,
“Haugen não chegou a criar um conceito novo, mas delimitou, sobretudo um domínio
de atividade, sem desenvolver qualquer crítica aos conceitos adotados.” (CALVET,
2007, p.24-25).
72
A história nos mostra que por longa data prevaleceu a concepção de ngua
como instrumento de comunicação, visão estruturalista cujo precursor foi Saussure
(1969). Nos estudos de Calvet aparecem Punya S. Ray e Valter Tauli (1968) que
defendem essa concepção, isto é, insistem no caráter instrumental da língua,
tentando assim, medir a sua eficácia. Ambos são criticados pelo lingüista por
desconsiderarem a língua como um fato social, ignorando os vínculos entre a língua
e a sociedade. Calvet pondera que foi justamente contra essa concepção que se
desenvolveu a Sociolingüística.
O segundo modelo de Haugen aparece em 1983, inspirado em Kloss (1967)
que sugeriu a divisão das línguas das Comunidades Econômicas e Européias em
línguas germânicas e línguas românicas. Outra sugestão de Kloss que teve
repercussões significativas, segundo Calvet, foi a distinção entre o planejamento do
corpus e o planejamento do status, correspondendo respectivamente à forma e às
funções da língua. Ao retomar a distinção de Kloss e integrá-la ao seu novo modelo,
Haugen passou a cruzar as noções de forma e função da língua.
Para Calvet (2007, p. 35), os primeiros teóricos-norteamericanos da política e
do planejamento lingüísticos pecavam pela falta de visão teórica; eles tendiam a
negligenciar o aspecto social da intervenção planejadora sobre as línguas, ao
contrário dos lingüistas europeus que insistiam na concepção social e dos
conseqüentes conflitos lingüísticos.
Para Pagotto, a implementação de políticas lingüísticas parece obedecer a
dois tipos de ações diferentes: “ações de força por parte do Estado com vistas a
reafirmar sua própria existência e ações que visam a atender demandas específicas
de grupos ou setores da sociedade, normalmente voltadas para o pluralismo”.
(PAGOTTO, 2007, p 35).
73
Orlandi (2007, p.7) afirma que “em geral, quando se fala em política
lingüística, se dão como pressupostas as teorias e também a existência da língua
como tal. [...] Fica implícito que podemos ‘manipular’ como queremos a política
lingüística”.
Enfatiza-se que, ao contrário do que ocorre em outros países, o termo
políticas lingüísticas no Brasil é ainda bastante recente e as discussões têm
suscitado um olhar crítico e inovador para o uso da língua portuguesa, haja vista a
diversidade de movimentos sociais surgidos ultimamente.
Percebe-se que os sistemas nacionais de educação escolar ainda tendem a
centralizar-se nas instituições de poder, com o risco de desconsiderarem-se as
singularidades regionais, especialmente as áreas que fazem fronteira com outros
países. Os autores que ainda defendem o monolingüismo no Brasil aos poucos se
dão conta de que não é possível ignorar a coexistência de 180 línguas indígenas
e outras 30 línguas de imigrantes da Europa, Ásia, Oriente Médio e até de outros
países do continente americano
16
.
Ao comentar os resultados em suas recentes pesquisas realizadas em 1999,
2000, 2002 e 2003, Savedra (2003, p.40) evidencia a necessidade de definição de
uma política lingüística para o Brasil, “que contemple as diferentes situações de
bilingüismo que se apresentam no território nacional provenientes, em sua maioria,
de contextos de imigração”.
A autora ressalta que:
a) a Constituição atual em seus artigos 215 e 216 admite que o
Brasil é um país pluricultural e multilíngüe; b) no Brasil coexiste um
grande número de línguas imigrantes; c) para integração cultural e
lingüística das comunidades de imigrantes no território nacional
pouco foi feito e ainda persiste o desprezo por minorias lingüísticas,
16
Dados do censo demográfico realizado pelo IBGE em 2000.
74
revelando a discriminação legal para com as comunidades de língua
materna não portuguesa; d) a pluralidade lingüística no Brasil
delineia situações diversas de bilingüismo e multilingüismo e
somente a educação indígena está contemplada com propostas
curriculares de educação bilíngüe na Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) de 1996. (SAVEDRA, 2003, p. 40)
É notório que ainda há muito a ser feito em prol de uma política lingüística que
abranja coerentemente os múltiplos aspectos que a ela dizem respeito. No entanto,
reconhece-se que houve avanços nesse sentido. Citam-se como exemplo, as
informações apresentadas por Oliveira (2003, p.9) ao comentar os dados fornecidos
pelo RCNEI - Referencial curricular para as escolas indígenas (1998) do MEC- -
Ministério de Educação e Cultura, que testemunham a mudança com o processo de
construção de uma educação escolar indígena diferenciada, bilíngüe e intercultural,
observável nos últimos anos, e que atende cerca de 76.000 alunos.
Outra iniciativa relevante é a implementação do Projeto de Integração
Educacional do Ensino Fundamental que iniciou entre os Ministérios de educação do
Brasil e da Argentina em 2005
17
, cuja expansão prevê o envolvimento também de
escolas do Uruguai, do Paraguai e da Venezuela. Nesse projeto es prevista a
inclusão dos municípios de Ponta Porã, MS, e de Pedro Juan Caballero, Paraguai.
Está em andamento também o projeto Escolas Bilíngües de Fronteira
18
,
criado em 2004, cuja avaliação dos resultados vem sendo feita a partir de um
modelo pedagógico comum em que dez escolas, sendo cinco brasileiras e cinco
argentinas, promovem um intercâmbio entre professores do ensino fundamental. De
acordo com Sulamita Miguita, uma das responsáveis pela implantação do referido
projeto em Mato Grosso do Sul e técnica pedagógica da Secretaria de Estado de
Educação SED, “as aulas são ministradas no idioma do professor, com teatro,
17
Dados disponíveis em: <http://www.il.org.br/Pagina%20Noticia%20Cidades%20Integradas%20-
%20Dia%202911%20Ensino%20Espanhol%20e%20Portugues.htm>. .Acesso em: 15 mar. 2008.
18
Fonte: Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul. Sede em Campo Grande.
75
cantigas de roda, desenhos, vídeos e instrumentos do dia-a-dia.” Ela pontua que o
projeto oportuniza ao aluno o contato com o conteúdo escolar adequado à sua faixa
etária e, ao mesmo tempo, mostra elementos básicos da cultura do outro país.
Desde que iniciou, o intercâmbio lingüístico ocorre nos anos iniciais do ensino
fundamental em dez escolas, uma de cada município. De acordo com os
responsáveis pelo projeto, a experiência mostra que mais importante que o
aprendizado das línguas é a troca cultural que as escolas promovem entre os
estudantes dos dois países.
O projeto Escolas Bilíngües de Fronteira faz parte do plano de ação do
MERCOSUL 2006/2010 e deverá ser implantado em Mato Grosso do Sul a partir de
2009. Trata-se de uma iniciativa do Ministério da Educação com apoio do Instituto
de Política Lingüística - IPOL e está em desenvolvimento cinco anos em alguns
municípios do Rio Grande do Sul. A meta é promover o intercâmbio e o domínio da
língua, da cultura e dos costumes dos países do MERCOSUL, que fazem fronteira
com o Brasil.
A prática é feita com professores de nações vizinhas, uma vez por semana,
com aulas para crianças dos anos iniciais do ensino fundamental. Segundo a
coordenadora de educação básica de Campo Grande, MS, Carla De Britto Ribeiro
Carvalho, “a idéia é iniciar o projeto em uma escola de Ponta Porã”, justamente no
município em que desenvolvemos a pesquisa. Num segundo momento, o projeto
deverá ser instalado em Corumbá, através da Secretaria Municipal de Educação do
referido município. Essa iniciativa demonstra que, aos poucos, a realidade em
educação na fronteira brasileira está mudando para uma consciência voltada à
integração, à valorização da diversidade, ao bilingüismo, reconhecendo a relevância
76
dos códigos culturais e lingüísticos e, certamente, mudando a realidade das escolas
em que o projeto será implantado.
Outra iniciativa digna de ser mencionada está relacionada ao sistema de
cotas. se estabeleceram em determinados Estados, entre eles o Mato Grosso do
Sul, as cotas para afro-descendentes e indígenas nas Universidades públicas,
porém o ensino bilíngüe, quando praticado, ainda é incipiente. Apesar disto, a
prática significa um avanço bastante considerável se levarmos em consideração que
Durante séculos de predomínio de imposição do português não
foram poucas as reações daqueles que tiveram seu patrimônio
cultural e lingüístico espoliado. [...] A política de integração do índio,
do negro e do imigrante pressupunha a destruição de suas línguas e
das suas culturas e sua adaptação ao formato luso-brasileiro.
(OLIVEIRA, 2003, p.8-9)
Os movimentos em prol da política de inclusão surgidos nos últimos anos
mostram que a situação está mudando, mas ainda faltam ações concretas para que
as regiões fronteiriças, espaços de hibridismo cultural e lingüístico recebam um
atendimento mais específico a esse tipo de contexto. A ausência dessas ações pode
resultar no apagamento das nguas minoritárias, da mesma forma como acontecia
na época da colonização.
É o caso, por exemplo, do que ocorreu com as línguas de imigração, em
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estados brasileiros que concentram grande
número de imigrantes alemães e italianos. De acordo com Oliveira, as nguas dos
imigrantes são ensinadas como estrangeiras, portanto desvinculadas das práticas
lingüísticas das comunidades a que pertencem, o que pode intensificar os conflitos
existentes com o Estado de origem dos ascendentes desses imigrantes.
(OLIVEIRA, 2003, p. 10)
77
Contudo, aos que lutam contra qualquer tipo de discriminação lingüística,
Oliveira (2003, p.11) lembra que a publicação da Declaração Universal dos Direitos
Lingüísticos no Brasil, acompanhada pela análise do mexicano Rainer Enrique
Hamel, visa introduzir de forma mais sistemática o conceito de direito lingüístico,
com as importantes implicações que ddecorrem. Essa é, ao nosso entender, uma
atitude que pode trazer relevantes mudanças para a melhoria do ensino nas regiões
de fronteira.
Trazer o cenário sociolingüístico da pesquisa é relevante no sentido de
articular a complexidade do cenário no tocante ao processo de avaliação na
perspectiva lingüística. Ou seja, como essa complexidade se materializa nos
enunciados das avaliações, de alguma forma a realidade bi/trilíngüe dos alunos se
faz presente. Se sim, como? Se não, então por que todo o discurso lingüístico-
cultural dos projetos da escola? Diante destas perguntas, passemos a abordar
questões de avaliação e aprendizagem à luz dos modelos coletados na escola.
78
CAPITULO III
DO CENÁRIO BI/TRILÍNGÜE AOS TEXTOS DE AVALIAÇÃO
Para iniciar este capítulo é relevante trazer dados sobre o processo de
validação, pois a análise inicial se dará com base nas provas aplicadas para
aceitação das crianças à Escola Brasiguaia.
3.1 AS PROVAS DE CLASSIFICAÇÃO NA ESCOLA BRASIGUAIA
3.1.1. Origem e alterações
A prova de classificação surgiu devido à falta do documento de transferência,
tanto por parte de alunos paraguaios como brasileiros. Esse documento que
comprova o grado” ou o ano concluído pelo aluno antes de ingressar na nova
escola, nem sempre é disponibilizado, colocando em situação difícil os
administradores do estabelecimento de ensino. Essas situações são muito comuns
na Escola Brasiguaia, bem como em outras escolas de Ponta Porã, que muitos
dos alunos nelas matriculados foram alfabetizados em casa ou nas fazendas em que
trabalham seus pais.
Torna-se necessário, portanto, nesse contexto, um processo de validação, ou
seja, um teste de conhecimentos denominado prova de classificação, para que
esses alunos sejam inseridos na sala em que melhor se adaptem. A Escola
Brasiguaia, ao implantar esse processo, amparou-se na LDB 9.394
19
, de Darcy
Ribeiro e na Resolução Municipal – 036 de junho de 2006. (cf. Anexo 1).
19
Disponível em: < http/ www.cee.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=10 - 20k –
>.Acesso em: 08 jul. 2008.
79
O inciso segundo do artigo 24 da LDB prevê que na Educação Básica, nos
níveis fundamental e médio, a classificação em qualquer rie ou etapa, exceto a
primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento a
série ou fase anterior, na própria escola;
b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação
feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e
experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa
adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de
ensino [...]. (LDB, 1996, p.17)
Portanto, é no item C do Artigo 24, inciso segundo, que está o amparo legal
para a prática da prova de classificação. Além disso, para adotar esse procedimento
na Escola Brasiguaia, a direção do estabelecimento buscou apoio também na Lei
Municipal que rege sobre a organização do ensino Fundamental. No Capítulo V,
Artigo 31, da resolução acima citada, que trata especificamente da classificação,
está previsto que,
Classificar é o procedimento que a Unidade Escolar adota em
conformidade com sua proposta Pedagógica, para posicionar o
aluno em uma das séries do ensino Fundamental, baseando-se nas
suas experiências e desempenhos, adquiridos por meios formais e
informais. (RESOLUÇÃO/SIE/SEME nº 036, 2006, p.4)
A resolução estabelece alguns parâmetros de idade e ano (cf. art. 34,) além
de prever os procedimentos a serem adotados para a aplicação da prova. (cf.art.
35). No caso de matrículas para estrangeiros, o que ocorre freqüentemente na
Escola Brasiguaia em função da proximidade com o Paraguai, existe também a
legislação Estadual, a Lei 6.815/80. A Deliberação Estadual do CEE/MS
1672/85 da referida lei prevê que ao matricular o aluno estrangeiro a escola deve
exigir do candidato um documento comprobatório de seu registro no serviço de
80
Estrangeiro da Polícia Federal. O documento estabelece inclusive uma multa que
penaliza a direção da escola, caso a regra não seja cumprida.
Ocorre, porém, conforme o exposto acima, que não raramente os paraguaios
que procuram a Escola Brasiguaia deixam de apresentar o referido documento, uma
vez que estudaram em ambientes informais e não conseguem, portanto, comprovar
o grau de escolaridade que deveria constar no documento comprobatório. Além
disso, a liberação desse documento implica em custos financeiros, o que certamente
representa mais um obstáculo para os pais ou responsáveis por essas crianças, na
maioria das vezes economicamente carentes.
Ainda de acordo com Lei Municipal de Ponta Porã, a classificação poderá ser
solicitada pelo próprio aluno, quando maior; pelo seu responsável quando menor,
mediante requerimento dirigido à Direção da Unidade Escolar (Art. 32). A nota
mínima exigida para a aprovação nas áreas de conhecimento deve ser igual ou
superior a 6,0 (seis). A Lei prevê ainda que a prova seja elaborada “por uma
comissão designada pela direção da escola, com acompanhamento do coordenador
pedagógico” e isso de fato está ocorrendo na Escola em pesquisa. As questões
devem ser elaboradas abrangendo os componentes curriculares da Base Nacional
Comum que antecedam a série pretendida.
Observam-se algumas mudanças na elaboração das questões a partir de
2008. Até 2007, as provas eram iniciadas com um texto envolvendo conteúdos de
História ou Geografia referente à cidade, região ou país, seguindo-se questões
objetivas de interpretação. Na seqüência, as perguntas relacionavam-se a cálculos
matemáticos, geografia e conhecimentos gerais, sempre com alternativas objetivas.
Por último, exigia-se uma produção textual, de acordo com o que era solicitado no
81
enunciado. O teste escrito somava dez pontos, mas o valor individual das questões
não era constava na prova.
Para 2008 a Secretaria Municipal de Educação sugeriu que constasse em
cada questão, o seu peso equivalente. Essa alteração de fato ocorreu (cf. Anexos
2;3) porém o valor atribuído à produção textual continua não sendo especificado. O
total de questões varia de acordo com o nível da prova, isto é, quanto mais
avançado o nível, maior o número de questões. Outra inovação constatada nas
provas elaboradas para aplicação em 2008 foi a inserção de uma a três questões
com enunciados e alternativas em espanhol. Isto demonstra que, de fato, a escola
está tomando consciência da necessidade de mudanças em função da diversidade
lingüística.
A partir de 2008 houve alterações também em relação à prática adotada para
os discentes classificados, pois antes, se o aluno apresentasse dificuldades de
adaptação na turma em que estivesse inserido fazia-se o remanejamento,
retrocedendo ou avançando um ano. Agora, de acordo com a coordenação da
escola, esses remanejamentos são evitados e, mesmo com dificuldades de
adaptação, o discente deve freqüentar a mesma turma até terminar o ano letivo.
Vale informar que quando o aluno vem munido do documento de transferência,
denominado translado no Paraguai, dispensam-se as provas de classificação. O
critério adotado, nesses casos, é o “grado” freqüentado no país vizinho, levando-se
também em conta a legislação relacionada à distorção idade e ano.
3.1.2 Aplicação das provas de classificação
As provas de classificação são aplicadas logo no início do ano, para os alunos
matriculados ou, em qualquer época do ano letivo, no caso dos alunos
82
retardatários, isto é, os que procuram a escola após a época específica para as
matrículas. Esse teste interdisciplinar é elaborado e corrigido pelos coordenadores
da escola e as entrevistas com os alunos ou seus responsáveis acontecem nas
primeiras semanas de aula.
Assim, a primeira prova que o candidato faz corresponde a um ano inferior ao
que ele afirma ter freqüentado. Salienta-se que o reprovação, porém, se o
aluno não atingir a média seis (6,0) é submetido à outra prova, de nível inferior, e
assim, sucessivamente, até alcançar a média mínima. Esse procedimento, pelo que
consta, não tem amparo legal, é uma atitude tomada pela comissão responsável da
escola, no intuito de não permitir que o aluno fique sem estudar.
A escola, conforme relatado acima, tem mostrado a preocupação em valorizar
a situação sócio-cultural e lingüística de seu alunado. Contudo, questões que se
colocam são: a) o cenário da escola é plurilíngüe; b) a administração escolar tem
consciência da realidade bilíngüe de seus alunos; c) por ter preocupação com os
aspectos sócio-culturais e lingüísticos a escola propõe projetos diversificados. Estas
considerações dialogam com os objetivos da pesquisa que, para relembrar são os
seguintes:
Estudar lingüisticamente os processos de avaliação de quatro alunos
brasiguaios em, uma escola brasileira, verificando como a realidade bilíngüe da
professora potencializa melhor desempenho de seus alunos (bi/multilíngües) por
meio de avaliações e textos produzidos:
1 Reconstruir as histórias dos alunos bilíngües no tocante à trajetória escolar
considerando:
1.1 a relações bilingüismo e prova de classificação;
83
1.2 o acompanhamento/desempenho escolar através das avaliações em
português;
1.3 a explicitação das interferências entre os sistemas de escrita do português
e espanhol.
2. Reconstruir a trajetória profissional da professora de português desses alunos,
tendo em vista:
2.1 a constituição de seu bilingüismo;
2.2 a sua concepção de erro no contexto bi/multilíngüe
2.3 suas atitudes em relação ao processo de avaliação
3. Refletir com a professora sobre o desempenho de seus alunos bilíngües
envolvidos nessa pesquisa.
Portanto, baseados especialmente nestes objetivos é que passamos a
comentar as provas dos alunos coletadas durante a investigação.
3.1.3 Análise das provas dos sujeitos da pesquisa
Iniciemos pelo objetivo geral e, assim, vejamos primeiramente as provas de
classificação, aplicadas na entrada dos alunos a esta escola. Analisaremos a
produção textual de cada sujeito e posteriormente comentaremos as provas de
refacção, em que os alunos refazem algumas questões das provas de português e
de classificação. A análise será associada ao dizer dos alunos em suas entrevistas
realizadas após as refacções.
Convêm lembrar que parte das provas será escaneada, e outras partes serão
digitadas visto que, ao escanear, percebeu-se a perda de legibilidade. Ao mesmo
tempo, ao escanear, preservando a qualidade, seria necessário um espaço maior o
84
que tornaria o trabalho mais extenso. Finalmente desta forma, procurou-se garantir a
fidelidade do texto original.
Antes de analisar as provas, abre-se aqui um parênteses para comentar a
questão dos erros de português, sob o posicionamento da sociolingüista educacional
Bortoni-Ricardo (2004). Para essa autora, a expressão “erros de português” é
considerada inadequada e preconceituosa. “Erros de português são simplesmente
diferenças entre variedades da língua”. (BORTONI-RICARDO, 2004, p.37, grifo da
autora).
Assim, ao utilizarmos a palavra erros para designar erros de português, será
utilizado sempre o recurso itálico, pois adotaremos a concepção da autora citada.
Todavia, este procedimento não será válido para situações de uso da palavra erro
quando esta estiver no sentido de erros de cálculo ou de interpretação, pois nesse
caso não se trata de variantes ou diferenças, mas de equívocos no raciocínio do
aluno.
Ressaltamos também que, ao reproduzir parte das transcrições das
entrevistas feitas com os sujeitos da pesquisa, as falas precedidas da letra “E” foram
proferidas pela entrevistadora, autora desse trabalho; as falas dos sujeitos da
pesquisa serão sempre precedidas pela inicial do respectivo pseudônimo. Feitas
estas considerações preliminares, passemos à análise.
3.1.4 A prova de classificação de Juanita
A prova dessa aluna inicia-se com o texto:
A árvore
A semente com o vento,
Caiu na terra fofinha.
Veio a chuva, veio o sol.
E brotou a sementinha.
O caule foi para cima.
Hoje tem frutos e flores.
E as folhinhas? São belas!
Até parece que o vento,
Brinca de pique com elas.
Dela tudo recebemos.
85
A raiz firmou na terra.
A plantinha foi crescendo.
Bem lá no alto da serra.
Até a sombra da ramada.
Eu chego mesmo a pensar
Que ali mora uma fada.
(Lucina M.M. Passos)
Ao texto segue-se o seguinte enunciado “Marque com X a resposta certa:”
1. Qual é o título do poema?
a. O Caule. b.A Semente. c.A Árvore. d.A Planta.
2. Qual é o autor o poema?
a. Vinicius de Moraes.
b. Cecília Meireles.
c. Monteiro Lobato
d. Luciana M.M. Passos
3. Como a semente brotou?
a. Com a chuva que caiu na terra fofinha, brotou a sementinha.
b. Com o vento que caiu na terra fofinha, veio a chuva, veio o sol e brotou a
sementinha.
c. Com o sol que caiu na terra fofinha brotou a sementinha.
d. Com a terra fofinha brotou a sementinha.
4. O que fez com que a planta firmasse na terra?
a. O caule foi para cima, a raiz firmou na terra.
b. A folha foi para cima, a raiz firmou na terra.
c. A flor foi para cima, a raiz firmou na terra.
d. O fruto foi para cima, a raiz firmou na terra.
5. Como a planta está hoje?
a. Hoje tem folhas e sem frutos.
b. Hoje tem frutos e flores.
c. Hoje tem raiz e não tem folhas..
d. Hoje tem folhas e não tem raiz.
6. O que recebemos desta planta?
a. Dela não recebemos nada.
b. Dela recebemos água.
c. Dela recebemos chuva e sol.
d. Dela tudo recebemos, até a
sombra da ramada.
7. Quais são as partes da planta?
a. Raiz, caule, folhas, frutos e flores.
b. Raiz, braço, perna e cabeça.
c. Folha, nariz, raiz e boca.
d. Frutos, flores, olhos, orelhas e
cabelos.
8. O que a planta precisa para sobreviver?
a. Terra seca, neblina e carne.
b. Água, luz e calor do sol, terra fofa e ar.
c. Água, gelo, alface e sorvete.
d. Água, ar, doce e suco.
9. Numa macieira nasceram 245 maçãs, foram colhidas 132 maçãs. Quantas maçãs
restaram na macieira?
a. 114 maçãs.
b. 113 maçãs.
c. 115 maçãs.
d. 112 maçãs.
10. No laranjal havia 106 laranjas. Com as chuvas nasceram mais 375 laranjas. Quantas
laranjas ficaram no laranjal?
86
a. 491 laranjas.
b. 483 laranjas.
c. 481laranjas.
d. 484 laranjas.
11. Foram vendidos 3 feixes de cana. Cada feixe tinha 3 dúzias de canas. Quantas canas
foram vendidas no total?
a. 111 canas.
b. 109 canas.
c. 110 canas.
d. 108 canas.
12. Foram compradas duas dúzias de bananas para serem divididas entre 4 crianças.
Quantas bananas cada criança recebeu?
a. 6 bananas.
b. 4 bananas.
c. 12 bananas.
d. 8 bananas.
Observe a figura abaixo com atenção e escreva a sua história sobre o que você e
conhece a respeito do nascimento das plantas. Valor da produção de texto: 1,6
Imagem 9 – Figura para a produção de texto de Juanita
A prova da Juanita, assim como as demais que serão mostradas, não têm
diferencial de provas aplicadas a qualquer aluno de escola brasileira cuja língua de
ensino é o português. que se recordar que esta aluna tem pai brasileiro e mãe
paraguaia. O início da escolarização foi em Pedro Juan Caballero até o quarto
”grado”. Como se pode ver, a prova se constitui de boa parte de exercícios de
marcar (x) e uma produção de texto orientada por imagens que ilustram o
processo de plantio, germinação e crescimento de plantas. A idéia é que, pelas
imagens, o aluno seja levado a construir um texto significativo apesar de
87
descontextualizado. O texto produzido pela menina será transcrito abaixo porque
escaneado não dará visibilidade para leitura.
A cementia creceo
Meu pai plantá a cementi, a sementi brotou com a luz di sol, agua, terra, a cementi
creceu, creceu, e creceu.
A cementi creceu, era uma planta muito bunita a raiz crezeu bástanti, na cementi
ficou uma planta grandi. As folha creceram, as cementi criou, floris bunita, era uma
árvore (.../ilegível)frutas gostosas esa planta era a melhor fruta quitein afruta dela e
o morango.
Considerando que a prova era avaliada em uma escala de 0 (zero) a 10 (dez),
sem especificar o valor individual de cada questão, fora atribuído ao texto o valor
máximo de 1,6. Juanita obteve o valor de 1,0. A nota geral dessa aluna na prova de
classificação realizada em março de 2004 foi 6,6. Juanita foi considerada apta para
freqüentar a 4ª série.
Vejamos o que ocorreu na prova da menina. Primeiramente, destaca-se que,
conforme anunciado, a escola demonstra preocupação com questões de
valorização de língua e cultura da comunidade de onde provêm os alunos. A prova,
em geral, não evidencia isto, pois não disponibiliza questões que permitam ao aluno
o trânsito entre as línguas. A prova é monolíngüe em português e há que se
observar que a mesma é em uma situação de validação/qualificação cujos
resultados poderão manter o aluno na série da qual chegou do Paraguai, avançar ou
retroceder.
Para a análise do texto produzido, convêm lembrar os critérios da
textualidade, de acordo com Beaugrande & Dressler (1981, p.20, apud
MARCUSCHI, 2008, p. 133). Estes critérios seriam, em resumo, a coesão e
coerência, orientadas pelo texto; a intencionalidade e aceitabilidade, de acordo com
o aspecto psicológico; a informatividade, relacionada ao aspecto computacional e,
88
finalmente, a situacionalidade e a intertextualidade, sob o aspecto sociodiscursivo.
Diante desses critérios, lembram os autores que hão de ser observados quatro
aspectos centrais como língua, cognição, processamento e sociedade, tomando-se
o cuidado para não transformar esses aspectos em regras constitutivas do texto.
Costa Val (1999, p.10 -11), ao comentar os critérios acima citados, enfatiza
que,
A intencionalidade concerne ao empenho do produtor em construir
um discurso coerente, coeso e capaz de satisfazer os objetivos que
tem em mente numa determinada situação comunicativa [...] O outro
lado da moeda é a aceitabilidade, que concerne à expectativa do
recebedor de que o conjunto de ocorrências com que se defronta
seja um texto coerente, coeso, útil e relevante [...].
A autora lembra que a textualidade é o conjunto de características que fazem
com que um texto seja realmente um texto eo somente uma seqüência de frases.
A coerência e a coesão, citados por Beaugrande & Dressler (1981, p.20, apud
MARCUSCHI, 2008, p. 133) têm como função promover a inter-relação semântica
entre os elementos do discurso, sendo que a coerência diz respeito ao nexo entre os
conceitos e a coesão.
Levando-se em conta que os textos aqui analisados foram produzidos por
crianças e adolescentes que ainda desconhecem grande parte desses critérios e,
considerando-se que os textos foram produzidos por alunos bilíngües em situações
de avaliação/validação, decidiu-se concentrar a análise especialmente nas
discrepâncias entre a escrita dos alunos e a ortografia do português com o intuito de
discriminar as possíveis interferências do sistema de escrita do espanhol. Além
disso, faz-se um comparativo entre as normas lingüísticas padrão e as normas
empregadas pelos discentes, que os brasiguaios geralmente têm uma
89
origem/tradição rural que os distancia da norma mais próxima daquela idealizada e
ensinada pela escola para a escrita padrão.
Assim, outros problemas encontrados nas produções textuais, como falta de
coesão e coerência serão apenas apontados, porém não analisados, uma vez que a
análise destes critérios, considerados fatores fundamentais para a eficiência do
texto, exigiria um estudo à parte devido à sua complexidade.
Feitos estes esclarecimentos, segue-se a análise relativa ao texto de Juanita.
Há vários indícios das hipóteses da aluna na construção do texto. Partindo da
ilustração, percebe-se que a menina atentou para a temática que é o processo de
plantio da semente, da germinação e a transformação em arbusto. Todavia,
imaginou um cenário de plantio de morangos. A ilustração da prova traz uma
imagem que mais se aproxima de um de milho. A menina tem noção da
distribuição do texto que deve se iniciar pela escritura de um título, o que nomeou de
“A cementia crece.”
Esse título demonstra a insegurança da aluna em relação à formação do
diminutivo. Comparemos com dados relatados por Pereira e Costa (2007) em que os
autores trazem exemplos de um aluno escolarizado no Paraguai e que passou a
estudar em escola brasileira. Nos casos de Pereira e Costa observaram-se os
seguintes exemplos de formação do diminutivo:
Dê o diminutivo destas palavras: formiga...............formiguia
amigo................ amiguio
bicho............... ...bichio
Estes exemplos mostram que este tipo de ocorrência pode estar ligado a
variações regionais, no emprego de /η/ representado pelo encontro consonantal nh,
na formação do diminutivo. O exemplo bichio em lugar de bichinho, bem como os
90
demais acima citados, confirmam que a formação do diminutivo pode ter essas
possibilidades, que são possibilidades lingüísticas regionais. Por outro lado, a
formação do diminutivo em espanhol não segue a mesma regra da formação em
português. De acordo com a gramática espanhola de González Hermoso; Cuenot;
Sánchez Alfaro (1997, p.78), o diminutivo das palavras terminadas em /a/ se forma
com a perda da última letra acrescentando-se o sufixo - ita no singular ou - itas, para
os vocábulos em plural. Os autores citam como exemplo a palavra casita, diminutivo
de casa.
Assim, o diminutivo de semilla, que significa semente, seria semillita.
Desconhecendo as regras da gramática da língua portuguesa, a criança certamente
tentou fazer uma aproximação à formação dessa língua, contudo, a nasalização – nh
não foi representada adequadamente e o resultado disto foi a formação de cementia
em lugar de sementinha. A troca de letras é algo que o exercício da escrita e
observação diárias vão se corrigindo, fazendo com que a correção ocorra.
Ao iniciar o texto, a menina emprega algumas palavras pautadas pela
oralidade, ou seja, pela forma como estas palavras o faladas plantá, cementi,
floris. Na grafia da palavra cementi reflete-se o fenômeno de vocalismo de postônica
que reduz a vogal /e/ para /i/, a exemplo do que ocorre também em bastanti e floris.
Já em bunitas, inscreve-se na escrita de Juanita a marca de um processo de
harmonia vocálica, característico de variedades do português brasileiro,
pronunciando-se o /u/ no lugar de /o/. A presença destas ocorrências no texto da
menina demonstra que não existia até então, um maior conhecimento do português
escrito padrão. Isso se justifica pelo fato de Juanita ter estudado em escola
paraguaia até o “grado”, onde a língua de ensino é o espanhol e não se ensina o
português como língua estrangeira.
91
Em relação ao verbo plantar, observa-se que este foi empregado na terceira
pessoa do singular do Presente do Indicativo referindo-se ao pai de Juanita.
Contudo, não se consegue precisar se a menina quis usar o verbo no Pretérito como
os demais do texto, ou se houve equívoco usando planta (Presente do Indicativo) ao
invés de plantou (uniformizando no Pretérito, como em brotou).
A concordância também se pautou pela regularidade da fala – “As folha
creceram, as cementi criou, floris bunita [....]”. Informa-se que as ocorrências de
concordância inadequada na escrita normalmente são “corrigidas” pelo professor,
que o seu papel ao ensinar a língua materna é propiciar ao aluno a competência
comunicativa
20
para que tenha êxito em situações que o exijam, porém, não houve
nenhuma marca deixada no texto. Não se sabe, no entanto, quais os critérios
utilizados na correção, uma vez que não tivemos acesso aos nomes dos professores
responsáveis pela mesma.
Bortoni-Ricardo (2004) chama a atenção para ocorrências como “as menina
bonita” em que a concordância está inadequada. É o que acabamos de relatar em
relação ao texto de Juanita no fragmento destacado acima. Quanto a esse
fenômeno, a autora pontua que há duas coisas que devem ser observadas pelo
professor:
1) no português brasileiro, tendemos a flexionar o primeiro elemento
do sintagma nominal plural e a não marcar os demais. Esta é uma
tendência que se explica porque geralmente dispensamos elementos
redundantes na comunicação e as diversas marcas de plural no
sintagma nominal plural são redundantes. Ao escrever sintagmas
nominais plurais, seu aluno vai tender a flexionar somente o primeiro
elemento, que pode ser um artigo, um pronome possessivo,
demonstrativo etc. Exemplos:
“os amigo”: “meus brinquedo”; “aqueles homi”; “os meus tio”.
20
Para Hymes, não basta que o indivíduo saiba e use a fonologia, a sintaxe e o xico da língua para
caracterizá-lo como competente em termos comunicativos. É necessário que esse indivíduo saiba e
use as regras do discurso específico da comunidade na qual está inserido. (HYMES, 1967)
92
2) Quanto mais diferente for a forma do plural de um nome ou
pronome da sua forma singular, mais tendemos a usar a marca de
plural naquele nome ou pronome. Quando a forma plural é apenas um
acréscimo de um /s/, tendemos a não empregá-la.
(BORTONI-RICARDO, 2004, p.89.)
Sabe-se que nas escolas são priorizadas as regras gramaticais, pautadas
pela tradição gramatical normativa, cujo uso exclusivo é de uma minoria letrada.
Portanto, o que estiver fora dessas regras é diferente e o diferente costuma ser
estigmatizado. Por isso, Bagno (2004), sociolingüista, que costuma criticar as
escolas pelo fato de não darem a devida atenção às variantes lingüísticas no Brasil,
admite que, dentro do possível, a escola deve oportunizar ao aluno um aprendizado
mais formal, desde que isso não implique a desvalorização da própria variedade
lingüística que o aluno traz internalizada. Bagno enfatiza que,
Cabe à escola levar os alunos a se apoderar também das regras
lingüísticas que gozam de prestígio, a enriquecer o seu repertório
lingüístico, de modo a permitir a eles o acesso pleno à maior gama
possível de recursos para que possam adquirir uma competência
comunicativa cada vez mais ampla e diversificada. (BAGNO, 2004, p.
9, grifos do autor).
Voltando à produção textual de Juanita, pode-se afirmar que, apesar de
pequeno, o texto faz sentido e, através dele, a aluna explicita domínio acerca do
processo de plantio e crescimento de uma planta. Em termos de interferência do
espanhol em sua escrita, detectaram-se duas situações. Primeiramente com o verbo
crescer na terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo que seria
cresceu, mas ela escreveu creceu, situação que se repete por várias vezes,
inclusive na terceira pessoa do plural creceram. Vale lembrar que em espanhol este
verbo é grafado com <c> e não com <sc> como é em português. A segunda
93
interferência identificada é o pronome possessivo esa que no português é escrito
com <ss> e no espanhol, como não existe a grafia <ss>, é escrito com um <s>
apenas.
Juanita escreveu palavras sem separá-las imaginando ser uma quitein,
afruta mostrando que, nesta fase do processo escolar, as crianças ainda não têm
noção de palavra. Isto pode ter acontecido também pelo fato de que na fala são
pronunciadas como únicas, sem separação. Ao iniciar a escolarização, os alunos
geralmente demonstram esta dificuldade. Observam-se ainda, no texto de Juanita,
problemas quanto à pontuação, porém, em proporção menor.
A professora ou o professor (pois não se sabe quem avaliou o processo de
classificação) somente sinalizou os problemas lingüísticos encontrados no texto de
Juanita. Exemplo: circulou o acento de plantá e fez um pequeno traço nas palavras
cuja escrita tinha alguma inadequação. E, em termos de avaliação, a docente
considerou o texto satisfatório, pois o valor máximo da produção era de 1,6 e atribuiu
à aluna o valor 1,0.
Em relação às questões objetivas da prova pode-se afirmar que Juanita teve
problemas com as questões 4 e 12. Na questão de número 5, marcada como errada,
constatou-se que o corretor marcou como resposta errada, todavia, parece ter
havido um equívoco na correção, visto que a resposta B - “Hoje tem flores e frutos.”,
assinalada pela aluna, é a única que está de acordo com o texto.
Ao analisar o conteúdo das proposições constata-se que as respostas das
questões de interpretação não apresentam complexidade maior. Assim, as
respostas surgem com obviedade a partir de uma segunda leitura do texto.
Provavelmente este tipo de proposição leve em consideração a capacidade de
concentração dos alunos e não, uma avaliação de conteúdos propriamente dita.
94
Na segunda etapa da análise enfocaremos as questões que geraram
problemas e faremos a comparação da produção textual realizada durante a
pesquisa.
3.1.5 A prova de classificação de Joselito
Este aluno realizou a prova em 2005, quanto foi classificado para a série.
Segue o conteúdo:
Origem do nome de Ponta Porã
Antes de se chamar Ponta Porã, a nossa cidade e toda essa região de Pedro Juan
Caballero, era chamada de Punta Porã.
Antes da guerra do Paraguai, Ponta Porã, era apenas uma região deserta,
habitada, somente, por algumas tribos de índios, como os nhandevas e os caiuás,
descendentes do povo guarani, que viviam em harmonia com a natureza, caçavam,
coletavam frutos e pescavam, além do cultivo de pequenas roças.
Ponta Porã está situada na Serra de Amambaí, que é uma continuidade da Serra
de Maracaju. A serra e alguns capões de mata que aqui existiam, davam aspecto de
beleza ao lugar, que passou a ser denominado de Punta Porã, que quer dizer, Ponta
Bonita, e, mais tarde, com a chegada dos colonizadores, passou a ser denominada de
Ponta Porã.
Assim, a origem do nome Ponta Porã, está ligada a três culturas: guarani,
espanhola e portuguesa.
Marque um X na resposta certa:
1) Antes de se chamar a nossa cidade Ponta Porã, qual era o seu nome anterior?
a) Pedro Juan Caballero b ) Punta Porã c ) Amambaí
2) Antes da guerra do Paraguai, como era a região de Ponta Porã?
a ) Deserta, habitada por várias tribos de índios.
b ) Deserta, habitada por uma tribo de índios.
c )Deserta, habitada, somente, por algumas tribos de índios.
3) Quais eram as tribos que habitavam Ponta Porã?
a ) Os nhandevas e os caiuás
b ) Guató e ofaié.
c ) Ofaié e guató.
4) Em que serra está situada Ponta Porã. E é uma continuidade de que serra?
b) Ponta Porã está situada na Serra de Cantareira, que é continuidade da Serra de
Amambaí.
c) Ponta Porã está situada na Serra de Amambai que é continuidade da Serra de
Maracaju.
95
d) Ponta Porã está situada na Serra de Bodoquena que é continuidade da Serra da
Cantareira.
5) A origem do nome Ponta Porã está ligada a três culturas. Quais são elas?
a ) guarani, chinesa e espanhola.
b ) Nordestina, amazonense e cearense.
c ) Guarani, espanhola e portuguesa.
6) Para os índios cultivarem suas pequenas roças, as sementes precisaram de:
( a ) ar, água e solo fértil. ( b ) ar e sol. ( c ) vento.
7) A planta passa pelas seguintes fases:
( a ) nace, cresce e morre.
( b ) nace, cresce, reproduz e morre..
( c ) nasce, reproduz e morre.
8) Nas primeiras plantações os índios plantaram 934 pés de milho e 880 pés de mandioca.
Ao todo foram plantados quantos pés?
( a ) 1818. b ) 1816. ( c ) 1814.
9) Os índios colheram 5 sacos de milho. Cada saco pesa 30 quilos. Quantos quilos de milho
colheram?
( a ) 150. ( b ) 180. ( c ) 140.
10) Os índios colheram 5 cestas de frutas e em cada cesta havia doze frutas. Pensaram em
dividir as frutas entre duas tribos. Quantas frutas cada tribo recebeu?
( a ) 60. ( b ) 30. ( c ) 40.
11) Observe o mapa e responda:
a. A que
estado se refere o mapa: ______________________________
b. Qual sua capital?___________________________________________
c. Quais os países e estados que fazem limite com esse estado?
96
Norte: ___________________ Sul: _____________________
Leste: ___________________ Oeste: ___________________
Ao fazer esta prova, Joselito obteve a nota 9,5 e foi inserido na série. Na
época ainda não se explicitava o valor de cada questão e nesta prova também não
está explícito o valor do texto. Conforme se pode observar, o texto utilizado para a
interpretação contempla dados históricos e geográficos sobre Ponta Porã e basta
um pouco de atenção para encontrar as respostas. O menino teve apenas duas
respostas consideradas erradas, a 1 e a 10, que serão discutidas na segunda etapa
da análise. Na questão de número 11, Joselito se equivocou com os limites ao Leste
e Oeste, porém o erro passou despercebido. Em relação ao texto produzido,
perceberam-se muitas interferências lexicais
21
do espanhol. Vale lembrar que o
21
Grosjean (1994, In Mello, 1999) a interferência como um desvio que ocorre na língua que está
sendo falada. Isso devido à influência de outra língua que foi desativada. Ele enfatiza que as
interferências podem ocorrer em todos os níveis e em todas as modalidades.
97
durante a análise utilizaremos também o termo hibridismo como equivalente a
interferências. Tomamos por base o conceito de Bhabha, para quem o hibridismo é
[ ...] uma problemática de representação e de individuação colonial
que reverte os efeitos da recusa colonialista, de modo que outros
saberes "negados" se infiltrem no discurso dominante e tornem
estranha a base de sua autoridade suas regras de conhecimento.
(BHABHA, apud PAGANO & MAGALHÃES, s.d )
Esta definição foi criada a partir de uma releitura do conceito de hibridização
textual backhtiniano. Para Bakhtin, a hibridização
[...] é uma mistura de duas linguagens sociais dentro dos limites de
um único enunciado; um encontro, dentro da arena de um
enunciado, entre duas consciências lingüísticas diferentes,
separadas uma da outra por uma época, pela diferenciação social
ou por algum outro fator. (BHABHA, apud PAGANO & MAGALHÃES,
s.d)
Portanto, devido à forte presença de hibridismo no texto de Joselito decidimos
adotar o sistema de tabelas, a exemplo de Bortoni-Ricardo (2004). Este
procedimento foi adotado no intuito de propiciar um melhor entendimento por parte
do leitor. Seguem-se, portanto, na tabela abaixo, as interferências lexicais do texto
de Joselito e, ao lado, as palavras correspondentes no português.
Tabela 1 – Interferências do espanhol
ESPANHOL PORTUGUÊS
ben/bien Bem
melhorarón Melhorarão
mudarón Mudarão
nosa Nossa
más Mais
agua (sem acento) Água
una Uma
Quanto à estrutura do texto, o menino não atribuiu título e tampouco
demonstrou cuidado com a organização de parágrafos. Esta atitude, provavelmente
98
tenha ocorrido porque o mesmo não possuía ainda domínio da estrutura adequada
da elaboração de texto. Outro problema detectado está relacionado ao uso da
pontuação, praticamente inexistente no texto produzido. Constatam-se também
problemas de coesão e coerência, pertinentes para uma produção textual de um
aluno de ou ano. Percebe-se que o aluno escreveu muito preso à proposta
orientativa do texto, não extrapolando para uma escrita mais pessoal, cujas relações
iriam além da proposta dada pelo enunciado. Pode-se dizer que o menino limitou-se
a reproduzir informações do texto disponível no início da prova, que trata justamente
de Ponta Porã.
Por uma questão semântica, provavelmente, o aluno tenha inserido a palavra
substituída em lugar da palavra situada, presente no início do parágrafo seguinte
do texto no qual se pautou, gerando assim uma incoerência em sua construção:
“algús índios está substituída na Serra de Amambai”. Quanto a essa incoerência,
nenhum comentário foi feito por quem corrigiu o texto, e é exatamente nessas
situações que, ao nosso ponto de vista, entra o papel do professor, pois esse tipo de
ocorrência gera a falta de entendimento por parte do leitor. No fragmento acima se
observa que, na primeira palavra que deveria ser alguns, não houve interferência,
todavia, é notável o problema na representação do ambiente nasalizado da palavra
alguns em português.
Entendemos que enquanto existe comunicação, mesmo que a escrita ou a
oralidade não estejam de acordo com as regras formais da língua portuguesa, pode-
se admitir a diferença. Nessas situações o professor pode aproveitar para comentar
a linguagem padrão e, aos poucos, ampliar o conhecimento do aluno. No entanto,
quando a criança não consegue se fazer entender, a situação é mais séria e merece
cuidado especial, pois atitudes assim, podem refletir em problemas futuros. Erickson
99
(1987) observa que as diferenças culturais, nas situações de interação social,
podem ser assumidas como fronteiras ou como barreiras culturais:
Fronteiras culturais podem ser consideradas como evidência de
padrões distintos de comportamentos apropriados por exemplo,
duas maneiras subculturalmente distintas de pronunciar consoantes
finais. Fronteiras a presença manifesta de diferenças culturais
são fenômenos politicamente neutros; nenhuma diferença em
direitos e deveres é atribuída a pessoas que se comportam de um
ou de outro modo culturalmente distinto. Em situações de conflito
intergrupal, entretanto, fronteiras culturais podem ser tratadas como
barreiras culturais, isto é, os traços de diferenças culturais deixam
de ser fenômenos politicamente neutros; direitos e deveres são
distribuídos diferentemente, dependendo de a pessoa revelar-se
como portadora de um tipo de conhecimento cultural e não de outro.
(ERICKSON, 1987, p.345, grifos do autor)
Entende-se, pois, a partir do ponto de vista de Erickson, que grande parte das
situações relatadas no presente trabalho, tanto na análise das provas de Joselito
como dos demais sujeitos discentes desta pesquisa, podem ser classificadas como
barreiras culturais. Isto porque se observaram correções e atitudes em que se
evidencia a falta de neutralidade diante de interferências, tanto na fala como na
escrita destes alunos.
Finalizando os comentários relacionados à prova de classificação de Joselito,
enfatiza-se que
a
o denominar Ponta Porã como “nosa cidade” mesmo residindo em
Pedro Juan Caballero, Joselito demonstra, de certa forma, a familiaridade com a
cidade vizinha, gerada pela proximidade com a sua cidade, Pedro Juan Caballero.
3.1.6 A prova de classificação de Paquito
A prova realizada em 2007 por esse menino inicia-se com o mapa da América
do Sul seguido de um texto relacionado ao Brasil. Logo após 15 perguntas, sendo a
metade delas relacionada ao texto.
100
Brasil, o meu país!
O Brasil está localizado na América do Sul e
possui limites com quase todos os países sul-
americanos, exceto Chile e Equador. O Brasil é o maior
país sul-americano, com 8.547.403 km, sendo o quinto
maior país em extensão territorial do mundo e uma
população de aproximadamente 170 milhões de
habitantes.
O Brasil está dividido em 26 estados e pelo
Distrito Federal, onde está localizada a capital do país
Brasília e cerca de 4.200 municípios. Todo o seu litoral
é banhado pelo Oceano Atlântico.
O Brasil é conhecido pelo seu futebol, é recordista em Copas do Mundo, disputando
todas as copas. Conquistando o título de Penta Campeão. Destaca-se pela exuberância de
sua fauna e flora, colorindo um cenário deslumbrante que atrai turistas de todos os países. A
maior concentração de fauna do mundo é encontrada no Pantanal localizado parte em
nosso estado – Mato Grosso do Sul – cuja ave-símbolo é o tuiuiú.
O Brasil apresenta uma distribuição muito desigual da renda, onde poucos têm um
bom padrão de vida, com muita educação, saúde e alimentação. E a maior parte dos
brasileiros não tem dinheiro suficiente nem mesmo para as necessidades básicas.
A subnutrição, altos índices de mortalidade infantil, o desemprego e o aumento da
violência são desafios que devem ser superados para termos um país mais justo.
1) O Continente Americano é composto por vários países, dos espaços abaixo em qual
deles você mora?
a) Argentina b) Bolívia c) Brasil d) Chile
2) Das informações abaixo, qual não corresponde ao texto: Brasil, o meu país?
a) Está localizado na América do Sul.
b) Faz limite com quase todos os países sul-americanos, exceto Chile e Equador.
c) É o maior país do Continente sul-americano.
d) É banhado pelo Oceano Pacífico.
3) O Brasil é conhecido pelo seu futebol, é recordista em Copas do Mundo. Quantos títulos o
Brasil já conquistou?
a) Três títulos b) Quatro títulos c) Cinco títulos d) Seis títulos
4) o Brasil está dividido em 26 estados e pelo Distrito Federal. Qual dos estados abaixo você
mora?
a) Goiás b) Mato Grosso c) Mato Grosso do Sul d) Minas Gerais
5) O que atrai os turistas de todos os países para visitar o Brasil?
a) A exuberância da sua fauna e flora.
b) O futebol, por ser recordista em Copas do Mundo.
c) O aumento da violência nas grandes cidades.
d) A oferta de emprego.
6) Mato Grosso do Sul está localizado na região Centro-Oeste. Das informações abaixo,
qual corresponde ao seu Estado?
101
a) Sua capital é Cuiabá.
b) A ave símbolo é o tuiuiú.
c) Faz fronteira com o Chile e o Equador.
7) Para termos um Brasil mais justo é preciso superar alguns desafios, que são:
a) O aumento da população;
b) A distribuição muito desigual de renda, onde muitos têm um bom padrão de vida;
c) A subnutrição, altos índices de mortalidade infantil, o desemprego e o aumento da
violência;
d) O aumento da violência nas grandes cidades.
8) Fernando comprou uma televisão quando foi ao Rio de Janeiro por R$625,00 e vai pagar
em 5 prestações de R$95,00. Quanto ele deu de entrada?
a) R$ 100,00
b) R$ 150,00
c) R$ 175,00
d) R$ 475,00
9. Cinco ônibus partiram para uma excursão para Campo Grande, cada um levando 37
passageiros. Qual o total de pessoas nessa excursão, contando os motoristas?
a) 175 pessoas.
b) 180 pessoas.
c) 185 pessoas.
d) 190 pessoas.
10) Saí para fazer compras no shopping de Campo Grande. Do dinheiro que eu tinha, gastei
R$ 345,00 em roupas e R$ 268,00 em calçados. Quanto eu tinha, se ainda me sobraram R$
380,00?
a) R$ 893,00.
b) R$ 993,00.
c) R$ 983,00.
d) R$ 1000,00.
11) Marcos foi ao pet shopping comprar 4,5 kg de ração para seu cachorro, levou consigo
uma nota de R$ 20,00. Se um quilo de ração custa 3,00, quantos Marcos trará de troco?
a) R$ 6,50
b) R$ 5,50
c) R$ 13,50
d) R$ 6,00
12) A distância entre Ponta Porã e Campo Grande é de 320 km Pra chegar até Campo
Grande leva cerca de 5 horas de viagem de ônibus. Quantos km o ônibus faz por hora?
a) 64 Km
b) 32 Km
c) 61 Km
d) 120 Km
13) Numa das lojas de Ponta Porã um aparelho de televisão custa R$ 520,00. Comprando à
vista você tem um desconto de 10%. Qual o valor do desconto?
a) R$ 52,00
b) R$ 55,00
c) R$ 100,00
d) R$ 104,00
14) O Brasil é banhado pelo Oceano Atlântico. É comum encontrarmos golfinhos e baleias
nas praias brasileiras. Esses animais são:
a) Mamíferos.
b) Répteis.
c) Anfíbios.
d) Aves.
15) Quais são, basicamente, as fases do ciclo vital das baleias e dos golfinhos?
a) Nascem e morrem.
b) Nascem, crescem e morrem.
c) Nascem, crescem, reproduzem e morrem.
102
d)
Nenhuma das respostas.
16) Observe o desenho e escreva um texto falando um pouco da história, dos costumes e
pontos turísticos do Estado de Mato Grosso do Sul.
Texto produzido por Paquito na prova de classificação
Destaca-se, inicialmente, que da prova de Paquito somente algumas partes
foram escaneadas e que, na digitação do texto e das questões, foram mantidos os
problemas de pontuação constatados, para garantir a fidelidade ao texto original.
A situação de Paquito é um pouco diferente dos demais sujeitos da nossa
pesquisa, pois foi alfabetizado no Brasil em 2002 e freqüentou uma escola paraguaia
103
de 2003 a 2007. Quando retornou ao Brasil em 2007, foi submetido à prova de
classificação e aprovado para o ano. Contudo, o menino não acompanhava os
conteúdos dessa turma e percebeu-se então que as dificuldades de aprendizagem
constatadas no período de alfabetização persistiam, apesar de o aluno ter
participado de várias aulas de reforço naquela época. Por esse motivo a escola
optou por remanejá-lo para o 6º ano.
No caso desse menino, considerando-se o histórico de idas e vindas entre as
escolas brasileira e paraguaia, parece que a aplicação da prova de classificação não
foi suficientemente eficaz para perceber os problemas de aprendizagem do aluno e
classificá-lo de acordo com o seu grau de conhecimento. Isso se evidencia pelo fato
de Paquito ter errado apenas quatro das quinze questões apresentadas, mas,
apesar deste resultado positivo, continuar apresentando os problemas percebidos na
fase de alfabetização, como já dito anteriormente.
As questões da prova de classificação foram refeitas com o aluno e serão
comentadas na segunda etapa da análise. Na perspectiva escolar, o problema mais
grave desse aluno está na produção textual. O aluno apresenta uma produção com
letra quase ilegível. Considera-se, porém, que problemas de escrita vão além de
uma questão ortográfica e de letras bem desenhadas. É possível perceber que o
texto produzido apresenta inúmeros problemas. Um deles está na estrutura
organizacional mínima exigida, a começar pela falta de título e uso de parágrafos.
Além disso, várias falhas de coesão, com total ausência de pontuação, inclusive
do ponto final. O maior número de apontamentos feitos na correção está relacionado
a palavras e estruturas pautadas na oralidade, o que, aliás, não é algo peculiar de
alunos nesta fase de escolarização.
104
Confira na tabela abaixo as 13 ocorrências assinaladas no texto pelo (a)
professor (a), e ao lado, como seriam as mesmas expressões na escrita-padrão:
Tabela 2 – escrita padrão e não-padrão
ESCRITA NÃO-PADRÃO ESCRITA PADRÃO
1) u jantar o jantar
2) pantanau pantanal
3) du mato grosso do mato grosso
4) a trair atraiu
5) i ø beleza e a beleza
6) i teim e tem
7) simbolo (sem acento) símbolo
8) i ta localizado e está localizado
9) nu mato groso du sul no mato grosso do sul
10) muito bichor lindor muito bichos lindos
11) agua (sem acento) água
12) cenario cenário
13) atrai turista de todo país atrai turistas de todos os países
Primeiramente vejamos as marcas da oralidade. Elas podem ser observadas
nas ocorrências de números 1, 2, 3, 5, 6, 8, 9. Na primeira situação, houve a troca
do <u> pelo artigo <o> semelhante ao que ocorreu na situação 3 e 9, em que temos
as combinações de preposição com o artigo, respectivamente: de + o= do e em + o
= no. Na ocorrência 2 o /u/ final substitui o /l/. A palavra “pantanal” é finalizada com
uma oclusiva velar. De acordo com Cagliari (2007, p.35), “Não é raro encontrar
falantes que deslocam de tal modo essas articulações, chegando mesmo a emitir
uma oclusiva palatal ou uvular, conforme o caso”. O autor exemplifica a explicação
por meio da palavra “cal”, cuja pronúncia é muitas vezes representada
foneticamente como [kaw]. Portanto, o menino escreveu “pantanau”, transferindo
para a escrita o que o que é próprio da oralidade.
a situação 4 difere das demais, pois nesta, o ponto não está em processos
próprios de fala. Caracteriza-se mais pela noção de palavra, portanto, de escrita. Em
“a trair” o aluno demonstra que conhece o sentido da palavra, tendo em vista a
105
localização da mesma no texto em relação a turistas. Vários fatos podem ter
contribuído para essa ocorrência, entre eles o nervosismo e a distração, pois se
observarmos a penúltima linha do texto, constataremos que a mesma palavra “atrair”
foi escrita corretamente. Por isso não podemos afirmar que a ocorrência anterior se
deu por falta de conhecimento da escrita do vocábulo.
Observa-se também na ocorrência 5 a sinalização de ausência (ø) do artigo
definido singular feminino (a) antes do substantivo beleza. Embora não esteja entre
os objetivos dessa pesquisa estudar interferências da língua guarani, não podemos
ignorar, diante da presente situação, que Paquito é falante do guarani e que nessa
língua não se utiliza artigo antes de substantivo. De acordo com a gramática de
Antonio
Guasch,
Como no existe el verbo ser ni los pronombres posesivos (al estilo
latino, griego y castellano), tampoco existe el artículo en guaraní. Ni
hace falta, pues súplese convenientemente por los demostrativos
ko, ku, upe, pe, etc., devidamente empleados. (GUASCH, 1996,
p.50)
O autor afirma, portanto, que os pronomes demonstrativos, se empregados
adequadamente, suprem a ausência dos artigos e dos possessivos. Assim, a falta
do artigo (a) diante da palavra “beleza” poderia ser justificada dessa forma, ou pode
ter ocorrido também por distração ou mesmo por nervosismo.
A falta do acento agudo foi notada nas situações 7, 11 e 12. No segundo
caso, essa ausência poderia ser justificada como interferência da língua espanhola,
uma vez que nesse idioma a palavra “agua” é escrita sem acento. No entanto, não
se pode afirmar que se estamos diante de uma influência do espanhol, já que alunos
brasileiros também não costumam acentuar as palavras. O mesmo acontece com o
vocábulo “cenário”, que no espanhol se escreve “escenario”, sem acento, por ser
uma paroxítona terminada em vogal. Classifica-se, porém, como interferência do
106
espanhol o artigo indefinido “un” do espanhol, que passou despercebido por quem
corrigiu o texto.
Em relação à situação 7, em que temos uma palavra proparoxítona, também
denominada esdrújula no espanhol, se observarmos as regras de acentuação
gráfica em ambas as línguas, o acento é obrigatório. Conforme a gramática
española de González Hermoso; Cuenot y Sánchez Alfaro (1997, p.19), “Todas las
palabras que llevan el acento tónico en la antepenúltima sílaba llevan tilde en esta
sílaba y se llaman palabras esdrújulas.” não se pode afirmar com segurança
tratar-se de influência do espanhol pelo fato de muitos alunos brasileiros
apresentarem dificuldades na acentuação das palavras.
Observe que o professor(a) sinalizou também finais de palavras em que o <s>
está mais parecido com o <r>. Isso ocorreu, por exemplo, na situação 10, em “bichor
lindor”. Presume-se que o aluno apenas não soube expressar-se adequadamente na
escrita, pois mesmo na oralidade soaria estranho o <r> ao final, no lugar da marca
de plural adequada <s>. Estranha-se, porém, que a palavra “muito” que antecede
“bichor lindor” não tenha sido sinalizada. Está no singular, ferindo a regra de
concordância nominal. A tendência do português brasileiro nos sintagmas nominais
é suprimir a segunda e não a primeira palavra como, por exemplo, em casas bonita.
Bortoni-Ricardo (2004) enfatiza que os chamados erros cometidos pelos
alunos, podem ser explicados pelo próprio sistema e processo evolutivo da língua,
podendo, portanto, ser previstos e trabalhados com uma abordagem sistêmica.
Mas, por que a autora defende esse ponto de vista? Porque, segundo ela,
fenômenos como esses se registram em diferentes estados e regiões, de norte a sul
do país. Bortoni-Ricardo entende que,
107
A tarefa educativa da escola, em relação à ngua materna, é
justamente criar condições para que o educando desenvolva sua
competência comunicativa e possa usar, com segurança, os
recursos comunicativos que forem necessários para desempenhar-
se bem nos contextos sociais em que age. (BORTONI-RICARDO,
2004, p. 78)
Portanto, situações como as relatadas acima, propiciam ao professor a
oportunidade de conscientizar o aluno de que, além da linguagem coloquial que ele
está acostumado a ouvir ou mesmo, a falar, existe uma modalidade formal ensinada
na escola, no intuito de prepará-lo para as diferentes situações, entre elas o
mercado de trabalho. Marcuschi sugere que a escola cumpra o seu papel de
ensinar, porém sempre com cautela, aproveitando os conhecimentos
internalizados pelo aluno.
Considerando que a capacidade comunicativa já se acha muito bem
desenvolvida no aluno quando ele chega à escola, o tipo de
atividade da escola não deve ser ensinar o que ele sabe. Nem
tolher as capacidades instaladas na interação. Assim a resposta
pode ser dada na medida em que se postula que a escola não
ensina língua, mas usos da língua e formas não corriqueiras de
comunicação escrita e oral. MARCUSCHI, 2008, p.55)
Ao construir o seu texto, Paquito colocou em prática o que sabia da língua
portuguesa na modalidade oral. Além disso, buscou alguns subsídios no 3º
parágrafo do texto denominado “Brasil, o meu país”, disponível no início da prova.
Dos três pontos solicitados no enunciado, isto é, falar da história, dos costumes e
dos pontos turísticos do Mato Grosso do Sul, Paquito atendeu apenas o último,
exatamente o que constava no texto original. Ao texto produzido fora atribuído 0,5
(meio ponto), que somado aos demais acertos da prova de classificação, resultou
em 7,5 (sete e meio), nota suficiente para reingressar na escola brasileira, cuja nota
mínima exigida era 6 (seis). Sabe-se apenas o valor individual das questões que ele
108
acertou, no entanto não está explícito o valor atribuído à produção textual. Por isso
fica difícil comentar a nota atribuída ao aluno.
3.1.7 A prova de classificação de Miguelito
Analisemos agora, em termos gerais, o teste de Miguelito, realizado em
março de 2004, quando este aluno foi considerado apto a freqüentar a 3ª série após
ter sido alfabetizado no Paraguai. Os conteúdos da prova coincidem com os de
Juanita, que o teste foi aplicado na mesma época e para o mesmo nível. Por isso
optamos por não digitar a prova toda, mas somente o texto produzido.
Mesmo tendo sido submetidos à prova de classificação do mesmo nível (2ª
série), Miguelito, com a nota 5,4 foi classificado para a série, enquanto Juanita,
com a nota 7,5 passou a freqüentar a série. Porém, ao rever as questões na
prova do menino, constatamos que a de número 5 estava respondida
adequadamente, contudo foi assinalada como errada. Ao averiguar a prova de
Miguelito, percebeu-se haver um equívoco na correção. Assim, sua nota final ficaria
6,1 e, a nota mínima exigida seria 6,0. A nota a ele atribuída foi de 5,4. Não
entraremos aqui em questões de julgamento no sentido de levantar “culpados”. O
fato ocorreu. É um fato passado que não tem retorno. Chamou, todavia, atenção
porque, com isto o aluno foi prejudicado, o que evidencia quão árdua é a tarefa de
avaliar. Pontua-se aqui que ambas as provas foram aplicadas pelo mesmo professor
e que na prova de Juanita também constatamos uma correção inadequada.
À produção textual de Miguelito fora atribuído 0,5 quando o valor máximo era
1,6. Vale frisar que esse aluno escreveu somente uma frase, o suficiente para
revelar seus inúmeros problemas com a escrita padrão da língua portuguesa. Para
garantir melhor visibilidade, digitamos o texto produzido:
109
Un homei planta a cemente natera macia e rega acemente edepois de um dia depois
ganaseu a plantia.
Na correção foram sinalizadas as seguintes palavras: homei cemente
natera – acemente ganaseu. Quem revisou o texto não percebeu ou preferiu
ignorar a redundância da palavra “depois”.
Tentamos entender o que o menino escreveu e chegamos à seguinte frase na
linguagem padrão: Um homem plantou a semente na terra, regou-a e um dia depois
já nasceu a planta.
Os critérios para a avaliação não estão visíveis na prova, mas certamente o
mínimo exigido é que o texto seja produzido de acordo com o que é solicitado no
enunciado. O menino revelou, ao escrever essas poucas palavras, que entendeu o
enunciado ou, pelo menos a figura: uma mão jogando a semente na terra e, em
seguida a semente brotando. Ele não soube ou não quis, contudo, dar seqüência à
narrativa, interrompendo o texto ao nascer a plantinha. Demonstrou saber que para
garantir o nascimento de uma planta, a semente deve ser jogada em terra “macia” e
depois, regada. No entanto, não pôs título e como o texto é extremamente pequeno,
não como avaliar se esse aluno sabe ou não como deve ser estruturado um
texto. Voltaremos a comentá-lo ao analisar as refacções.
Vejamos agora os apontamentos ortográficos feitos pelo professor. Como são
poucos, optamos por comentá-los na seqüência, sem a utilização de tabela. Na
palavra “homei” antecedida pelo artigo indefinido masculino “un do espanhol
constata-se o <i> no lugar do <m>, marca da linguagem oral. O artigo foi ignorado
na hora da correção. A ocorrência de erro em relação ao vocábulo “cemente”, que
em seguida aparece unido ao artigo <a> “acemente”, não pode ser atribuída à
110
oralidade e tampouco à influência do espanhol, uma vez que a tradução dessa
palavra é semilla. Portanto, a escrita inadequada no caso de “cemente” pode ter
ocorrido por falta de conhecimento da escrita padrão do português.
na situação seguinte, o aluno faz a junção do artigo gerando uma nova
palavra “acemente”, o que poderíamos classificar como processo de aglutinação. O
acréscimo do <a>, nesse caso, nada tem a ver com o processo de oposição que
acontece com alguns vocábulos da língua portuguesa, como em atípico ou anormal.
Pode-se afirmar, portanto, que a escrita de Miguelito é bastante sensível à
oralidade, indiciando a dificuldade para identificar as palavras formais. Apresenta
também falta de domínio das idiossincrasias do sistema de escrita do português no
tocante ao emprego de letras diferentes como <j> antes de <a>, <o> ou <u> como
em ganaseu em lugar de nasceu, e ao emprego das letras concorrentes <s> ou
<c> num mesmo contexto, como vimos em semente e cemente. O que fica evidente
como influência da língua espanhola é o artigo un antes da palavra homei.
Feitas essas primeiras considerações sobre a atuação dos sujeitos nas
provas de classificação, passemos agora à 2ª etapa da análise.
3.2 OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA REFACÇÃO DAS PROVAS
No intuito de tentar entender, ainda que parcialmente, o que fez com que os
nossos sujeitos da pesquisa não soubessem responder adequadamente algumas
questões da prova de classificação e das provas de português, elaborou-se um novo
teste escrito, denominado prova de refacção (cf Ap. 6-9). Nesse teste a
111
pesquisadora reproduziu apenas as questões problemáticas e solicitou uma nova
produção textual sobre o mesmo assunto da prova de classificação. Conforme
explicitado no Capítulo I, que trata dos procedimentos metodológicos, embora
fossem avaliações diferenciadas refletindo as dificuldades de cada um, estas foram
aplicadas simultaneamente, em uma única sala. Nesta etapa evitou-se qualquer tipo
de interferência na prova dos alunos. A participação da pesquisadora limitou-se a
acompanhar o processo de aplicação e recolher as avaliações para posterior
análise.
Em etapa seguinte, após analisar as questões respondidas e a nova
produção textual, conversou-se com cada sujeito, em particular. Essa conversa foi
gravada e transcrita, por ser este um dos momentos mais importantes para a
análise.
Portanto, na mesma seqüência em que foram apresentadas as provas de
classificação, serão comentadas agora as provas de refacção. Enfatiza-se que as
respostas dos alunos estão destacadas em negrito.
3.2.1 A prova de refacção de Juanita
Esta prova teve 13 questões, além da produção textual Comentaremos
apenas as mais relevantes para a pesquisa, sendo que as demais podem ser
conferidas no (Apêndice 6). Na prova de classificação, essa menina acertou todas
as questões de interpretação do texto e “errou” apenas três questões objetivas
relacionadas a cálculos matemáticos, as quais serão apresentadas e analisadas:
9. Numa macieira nasceram 245 maçãs, foram colhidas 132 maçãs. Quantas maçãs
restaram na macieira?
a) 114 maçãs.
112
b) 113 maçãs.
c) 115 maçãs.
d) 112 maçãs.
11. Foram vendidos 3 feixes de cana. Cada feixe tinha 3 zias de canas. Quantas
canas foram vendidas no total?
b) 111 canas.
c) 109 canas.
d) 110 canas.
e) 108 canas.
12. Foram compradas duas zias de bananas para serem divididas entre 4 crianças.
Quantas bananas cada criança recebeu?
a) 6 bananas.
b) 4 bananas.
c) 12 bananas.
d) 8 bananas.
Para surpresa nossa, verificamos que Juanita não errou nenhum cálculo das
3 questões refeitas. Na questão em que havia optado pela alternativa “d) 112
maçãs” decidiu agora a opção “b) 113 maças. Como a diferença é de apenas um
número, certamente houve equívoco na soma, não na leitura do enunciado, pois fica
claro que a menina entendeu que para chegar ao resultado desejado teria que fazer
um cálculo de subtração.
Na questão 11 a resposta inicial era “b) 109 canas” e passou a ser “d)108
canas” na prova de refacção. Para chegar a esse resultado a aluna teria que
multiplicar uma dúzia por 3 e multiplicar esse resultado novamente por 3, que
eram 3 feixes com 3 dúzias cada. Já na questão 12, a menina teria que inicialmente
multiplicar 12 por 2 ou somar 12 com 12 para saber quanto são duas dúzias e, em
seguida dividir esse resultado por 4, o que resultaria em “a) 6 bananas”. Esse foi o
113
resultado encontrado na segunda prova, pois na prova de classificação a alternativa
marcada foi “d) 8 bananas”.
Dias após, tentamos saber o porquê dos acertos atuais em questões cujos
resultados foram considerados errados na prova de classificação. Juanita teve
dificuldade para explicar o que aconteceu e, por isso, não se pode afirmar se ela
havia ou não entendido os enunciados.
E Você lembra que cálculos você fez na prova de classificação? Ou não lembra
mais?
J – Não lembro.
E Por exemplo, nessa aqui das bananas, pra chegar a esse resultado, o que você
fez?
J Uma dúzia é 12 né, eu tinha duas zias que 24 né, então eu dividi essas
24 pra vê quantas ficava pra cada criança.
E – E quantas crianças eram?
J – Eram 4. Aí deu 6.
E – Ok, é isso mesmo. E por que da outra vez você não respondeu 6 e sim 8.
J – Não sei.
Vejamos outras questões refeitas, desta vez, retiradas de provas de
português realizadas em 2007 com a professora Pepa. Na interpretação do texto “A
infância”, Juanita reincidiu no erro em 3 das 4 questões refeitas, ou seja, as de
número 5, 6 e 7. Teve problemas também com as questões 9 e 10 relacionadas ao
texto “O bicho”.
Para responder adequadamente a questão 5, cuja alternativa correta seria a
“c”, a aluna teria que saber diferenciar verbos ativos e passivos. Na entrevista
percebeu-se que ela não dominava o conteúdo, pois apesar de alegar nervosismo
pelo fato de estar em situação de prova, Juanita admitiu que, mesmo nesse
momento em que conversava tranqüilamente conosco, não conseguia lembrar o que
era ativo e passivo. Nesse fragmento da entrevista, fica evidenciado que o problema
não está no enunciado, mas sim na falta de conhecimento do conteúdo.
E – Você entendeu a pergunta?
114
J – Não..
E - Você não sabia o que era ativo e passivo?
J - É que nessa hora eu tava muito nervosa né (...)
E - Você estava nervosa para responder as perguntas?
J – Haã.
E – Certo, então agora você sabe o que é ativo e passivo?
J – Risos (assinalando com a cabeça que não)
E - Não? Você não saberia dar a diferença entre um verbo que é ativo e um verbo
que é passivo?
J – Não.
Nas demais perguntas, desta vez relacionadas ao texto “A infância” a aluna
teria que conhecer as literaturas solicitadas pela professora. A questão 9,
relacionada ao texto intitulado “O bichoexigia conhecimento do verbo no gerúndio,
pois o enunciado solicitava que fosse assinalada uma ação contínua do sujeito.
Perguntamos à Juanita o que ela entendia por “uma ação contínua do sujeito” e ela
respondeu que era uma ação que continuava.
Portanto, o faltou conhecimento nesse caso. A alternativa “d”, marcada nas
duas provas, é a única que apresenta o verbo no gerúndio “catando comida entre os
detritos”. No entanto, a professora sinalizou como errada, o que pode ter sido um
descuido por parte dela. Essa é uma das questões a serem esclarecidas na última
entrevista com a docente.
A prova de refacção de Juanita, assim como as demais, termina com a
produção textual referente ao mesmo tema apresentado na prova de classificação,
Este novo texto foi solicitado aos sujeitos da pesquisa para que se faça um
comparativo, no intuito de perceber se houve avanços na escrita e se as
interferências do espanhol continuam na mesma proporção, se diminuíram ou se
deixaram de existir.
Para melhor visualização nesse comparativo, apresentaremos na seqüência
as duas produções textuais de Juanita, sendo que o primeiro texto foi digitado,
devido a sua ilegibilidade, e o segundo, escaneado:
115
Texto produzido em 2004 (prova de classificação ):
A cementia creceo
Meu pai plantá a cementi, a sementi brotou com a luz di sol, agua, terra, a cementi
creceu, creceu, e creceu.
A cementi creceu, era uma planta muito bunita a raiz crezeu bástanti, na cementi
ficou uma planta grandi. As folha creceram, as cementi criou, floris bunita, era uma
árvore (.../ilegível) frutas gostosas esa planta era a melhor fruta quitein afruta dela e
o morango.
Texto produzido em 2007 (prova de refacção):
Quanto à estrutura textual percebeu-se que, ao contrário do texto anterior,
este último está sem título. Constatou-se novamente a ausência de parágrafo, o que
talvez se justifique por se tratar de um texto muito pequeno. As duas versões do
texto atenderam ao seguinte enunciado: Observe a figura abaixo com atenção e
escreva a sua história sobre o que você e conhece a respeito do nascimento das
plantas.
Como se pode observar, no segundo texto as interferências lexicais do
espanhol aumentaram, pois no primeiro foram identificadas apenas três: creceu,
116
creceram e o pronome demonstrativo esa. Temos, portanto, o verbo crescer no
pretérito perfeito, escrito sem a letra ,<s> e em seguida, o pronome demonstrativo
escrito com um <s> apenas, exatamente como seria escrito no espanhol.
No texto atual podem-se citar quatro interferências: humedo, nacendo, s,
crecendo. Convêm lembrar que a palavra úmido, na língua espanhola, é grafada
com <h> e acento no <u>, portanto húmedo. Questionada sobre a falta do <s> no
verbo nascer, a menina ficou muito confusa: “É porque eu tinha esquecido que tinha
esse <s>. Tem que ter o <i> aqui no meio, naciendo.” Esta fala confirma a
interferência, pois um aluno brasileiro poderia dizer que esqueceu o <s>, mas
certamente não demonstraria vida em relação ao <i>. Essa dúvida, sim, indica a
oscilação entre os dois sistemas de escrita, pois a menina desliza para o espanhol.
Além disso, a menina utilizou o más como advérbio de intensidade, que no
português corresponde à mais. Vale lembrar que no espanhol a conjunção
adversativa mas também existe, com a mesma grafia do português, o que pode ter
contribuído para confundir a aluna.
Observe que o segundo texto inicia-se com “A pessõa”, que traduzindo para o
espanhol seria “La persona”. O que ocorreu aqui, ou seja, a colocação do til sobre a
letra <o>, pode ter sido uma tentativa de nasalização, visto que na língua espanhola
a vogal “o” está diante de uma consoante nasalizada. Trata-se aqui de um hiato, ou
seja, “uma seqüência de vogais com um limite silábico entre elas [...] o que significa
uma pequena pausa entre os dois sons.” (CAGLIARI, 2007, p.73). Portanto, a
ocorrência acima poderia ser classificada também como uma interferência do
espanhol na escrita do português.
Por outro lado, Juanita demonstra através dos vocábulos “pessõa”, e
“sucessivamente”, ao final do texto, que conseguiu assimilar bem o uso do <ss>,
117
apesar de ser esta uma das particularidades da língua portuguesa. Ressalta-se que
o uso de <ss> não é admitido pela nomenclatura gramatical da língua espanhola, a
exemplo do que acontece com a consoante <ç>.
Ao finalizar os comentários sobre os problemas constatados na escrita de
Juanita, ressalta-se que foram analisados apenas os fenômenos considerados
relevantes para este trabalho. Destaca-se que, mesmo após três anos de estudos no
Brasil, essa menina continua mesclando as duas línguas na escrita e tem
consciência disso, pois, quando entrevistada, explicitou como lida com o hibridismo:
E - Bom, e hoje você costuma misturar ainda o espanhol com o português quando
você faz algum texto?
J – Sim.
E - E o que a professora faz?
J - Ah a professora corrige.
E - E você...como é que você fica nessa situação, você se sente mal ou você fica
contente de ela corrigir?
J - Contente né.
Esta fala da menina confirma a postura sensível da professora ao corrigir a
escrita da aluna e a humildade desta, em aceitar com naturalidade as intervenções.
Finalizando a entrevista com Juanita, perguntamos sobre a sua reação diante do
nosso convite para participar do estudo.
J - Ah eu fiquei com medo (risos)
E - Por que você ficou com medo?
J - Ah, eu não sei.
E - Você ficou com medo porque de repente essa provinha que você fosse fazer
comigo poderia fazer com que você voltasse para o 6º ano por exemplo?
J – É
E - isso já aconteceu aqui na escola?
J - Não, comigo não.
E - Mas alguém algum dia falou pra você que isso poderia acontecer se você não
acompanhasse os conteúdos?
J – Não.
Este comentário revela a insegurança da menina no contexto social em
que está inserida. O medo se justifica, pois o remanejamento de alunos que
demonstrassem dificuldades para acompanhar os conteúdos da série que
118
estivessem freqüentando era uma prática utilizada até 2007. Vale lembrar o que
foi citado neste trabalho sobre a referida polêmica, ou seja, que a comissão
responsável pelo processo de validação/classificação extinguiu essa prática por
considerá-la ineficiente e constrangedora. Embora o remanejamento não esteja
acontecendo mais, nota-se que os alunos ficaram, de certa forma “traumatizados” e
o medo ainda é uma constante.
3.2.2 A prova de refacção de Joselito
Conforme se pode conferir (Apêndice 7) o teste desse aluno consta de
apenas uma questão relativa à prova de classificação, sendo as demais extraídas de
avaliações de língua portuguesa realizadas em 2007.
Reproduziremos aqui somente as questões que possam responder, em parte,
às perguntas da pesquisa.
Marque um X na resposta certa:
1) Antes de se chamar a nossa cidade Ponta Porã, qual era o seu nome anterior?
a. Pedro Juan Caballero b. Punta a Porã c. Amambai
Observe que Joselito reincidiu no erro de interpretação referente ao texto
Origem do nome de Ponta Porã, pois novamente assinalou Amambaí. Ao deparar-se
com o equívoco no momento da entrevista, o menino concordou que a resposta
esperada era Punta Porã e estava muito clara no texto dado.
E – Você está vendo? Não estava claro no texto?
J – Estava.
E – E por que você errou? O que você acha que aconteceu?
J – Porque eu não li direito.
E – Mas você entendeu tudo o que estava escrito?
J – Entendi.
E – Foi falta de atenção?
J – Foi.
119
Fica evidente, nesse fragmento, que não houve dificuldades na leitura,
contudo, a atenção dispensada ao texto não foi suficiente para apreender o
essencial, portanto, não houve compreensão. Vejamos outro texto e suas
respectivas questões retiradas das provas de português aplicadas pela professora
Pepa. As respostas serão digitadas e depois comentadas.
Leia o texto e depois responda:
DORME, RUAZINHA....É TUDO ESCURO (Mário Quintana)
Dorme ruazinha...É tudo escuro
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos.
Dorme...Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem de guardas por acaso persegui-los
Na noite, alta, como sobre um muro
As estrelinhas cantam como grilos...
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha...Não há nada...
Só os meus passos...mas tão leves são,
Que até parecem, pela madrugada,
os da minha futura assombração.
3) Responda:
a. Com qual sentimento o poeta fala de sua rua?
Que não a ladrões que é muito sossegado.
b. Explique a comparação: “o vento enovelou-se como um cão”.
Que estava cuidando dela como um cão.
c. Qual é a única coisa que poderia perturbar o sono da ruazinha?
Os ladrões do jardim.
Sabemos que a compreensão do texto é o primeiro requisito para que este
seja interpretado adequadamente. Se não houver compreensão, tanto do enunciado
como do texto em si, é grande a probabilidade de equívocos. Ao comentarmos o
primeiro equívoco, da letra “a”, Joselito confirmou não haver entendido o enunciado,
porém, admitiu ter estado distraído no momento da leitura.
120
E Qual foi a pergunta..”Com qual sentimento o poeta fala de sua rua?” O que é
sentimento?
J – O que você sente.
E – E você tinha entendido a pergunta?
J – Não.
E – Não? Faltou saber o que era sentimento?
J – Não, eu tava pensando em outra coisa...
E – E o que você estava pensando?
J – Eu tava distraído.
Pelo visto, ele estava distraído nas duas ocasiões, tanto na avaliação em sala
de aula quanto na refacção da prova, feita conosco. Na primeira vez respondeu:
“Que não tem ladrão é tudo silêncio”. Se compararmos com a resposta dada “Que
não a ladrões que é muito sossegado”, notamos que o sentido das duas respostas é
o mesmo. O problema maior talvez não tenha sido a distração, como ele afirmou ao
rever a questão, pois ao comentar em seguida outras questões que envolviam as
palavras “sentimento” e “sentimentalismo” o menino confirmou que não sabia o
significado dessas palavras. Na letra “b” a resposta foi correta. Na avaliação em sala
a resposta dada “Dorme ruzinha e tão escuro.” não correspondeu ao que era
esperado pela professora. Tentando entender o que ocorreu, pedimos ao menino
que explicasse oralmente a comparação “O vento enovelou-se como um cão”.
Percebemos então que o equívoco havia ocorrido por falta de conhecimento do
verbo “enovelou-se”. Observe o diálogo transcrito:
E Bom, explique a comparação O vento enovelou-se como um cão”, então você
já ouviu essa expressão? Enovelou-se como um cão?
J- Não.
E Um cão enovelado é um cão quando ta... (pausa) como você imagina que seja
isso?
J – Enrolado, deitado?
E Dormindo, deitadinho, enroladinho, né? E o vento fez esse mesmo movimento?
É isso?
J – É, pelo que ta falando aqui.
E que aqui quando você respondeu essa questão, você sabia o que era
enovelou-se?
J – Não.
E Não? Então quer dizer que durante a prova vocês não perguntam pra professora
quando vocês não sabem?
J – Não.
121
Observa-se que, mesmo tendo dúvidas no entendimento dos enunciados,
Joselito não questionou a professora. Não se pode afirmar se houve desinteresse
por parte do aluno, ou se a postura rígida da professora durante a avaliação
influenciou no comportamento do menino.
Na letra “c”, a resposta seria “Só os meus passos”. No entanto, o menino
respondeu:
Resposta 1 – O lampiões e o jardim.(na prova de classificação)
Resposta 2 – Os ladrões e o jardim. (na prova de refacção)
Portanto, as respostas o semelhantes, mudando apenas uma palavra e
com ela o sentido. Mesmo após reler o texto conosco, Joselito não conseguiu dar a
resposta esperada. Mais uma vez justificou o fato como “falta de atenção”.
Vejamos agora o terceiro e último texto da prova de refacção deste aluno,
seguido das questões, cujas respostas foram consideradas inadequadas na prova
de português:
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa
Não examinava, nem cheirava
Engolia com voracidade.
O bicho não era cão
Não era gato
Não era rato
O bicho, meu Deus, era um Homem!
5) A causa principal de nossa admiração pela poesia é porque:
a. ( ) O autor retratou uma cena que humilha a nossa condição humana
b. ( ) O autor procurou comparar o homem com cães e gatos
c. ( ) O homem já não vive mais nesse ambiente de miséria
d. ( ) É falsa a notícia de que a humanidade passa fome
e. ( ) Dos pobres é o reino dos céus.
6) No texto, a palavra “pátio” pode muito bem representar um “depósito de lixo”; para nós,
entretanto, escolares, ela está ligada a um significado de:
122
a. ( ) descanso
b. ( ) aula
c. ( ) livro
d. ( ) silêncio
e. ( ) trabalho
Nas duas questões acima, os equívocos da primeira prova se repetiram.
Diante da resposta incorreta na questão 5, lemos o texto em voz alta tentando
prender a atenção do aluno. Ao terminarmos a leitura, o menino concluiu que a
resposta ideal seria a letra “a” e não a “b” que havia assinalado por duas vezes, o
que nos permite concluir que houve realmente falta de atenção por ocasião da prova
em sala. Na questão seguinte, em que a resposta também seria a letra “a”, Joselito
havia marcado a letra “e”, nas duas ocasiões. Novamente atribui o equívoco à falta
de leitura, mas pelo visto, o problema aqui está mais uma vez na falta de
conhecimento da palavra.
E – O que seria o pátio?
J – Descanso?
E – Primeiro eu quero saber se você sabe o que é pátio...
J – (silêncio)...pátio não é quintal?
E Pode ser quintal...ou o pátio aqui da escola, né? Quando você sai da sala de
aula você está no...pátio. É um lugar de trabalho?
J – Não.
E – Não. Você colocou, um local de trabalho. O que você acha que seria.
J – Descanso?
E – Descanso, exatamente, agora você chegou lá. Então quer dizer, faltou...
J – leitura.
Por fim, comentamos com Joselito os textos por ele produzidos. O primeiro por
ocasião da prova de classificação e o segundo, na prova de refacção, cujos
conteúdos estão na seqüência:
123
Texto 1 – produzido em 2005 (prova de classificação)
Texto 2 – produzido em 2007 (prova de refacção)
Observando-se os dois textos pode-se afirmar que:
124
O primeiro é bem mais extenso que o segundo. Ambos não possuem título,
nem parágrafos e apresentam problemas de pontuação. Embora o segundo texto
seja menor, demonstra que o aluno progrediu, especialmente em relação aos itens
coerência e interferências entre os sistemas de escrita. Observe que no texto 1
apontamos 7 interferências do espanhol, enquanto neste último o identificamos
nenhuma. Isto confirma o que o menino relatou por ocasião da entrevista, quando
questionado sobre suas dificuldades na aprendizagem do português:
E – E você acha difícil o português na escrita?
J – Não.
E – Não tem problema nenhum?
J – Não tenho.
E – Você não mistura o português com o espanhol hoje na escrita?
J – Não.
E - Não mistura mais?
J – Não.
Em contrapartida, constata-se aqui um problema de concordância no
sintagma nominal “muitos habitante”. Parece que nesse caso, de acordo com
Bortoni-Ricardo (2004, p.59), aplicou-se “a regra dos estilos não-monitorados do
português brasileiro, que marca o plural dos sintagmas só uma vez”. A autora lembra
que esta regra gradual está presente no repertório de praticamente todos os
brasileiros, independentemente de seus antecedentes geográficos.
Percebeu-se ainda que no texto 2 houve um desprendimento bem maior do
texto orientativo, prevalecendo as idéias do aluno. Contudo, o mesmo equivocou-se
ao final quando, ao invés de cidade escreveu país.
Assim como Juanita, esse aluno também manifestou em sua entrevista o
sentimento de insegurança em relação à escola. Confira o que ele respondeu
quando perguntamos sobre a sua reação ao ser convidado a participar do nosso
estudo:
J – Eu fiquei com medo... eu fiquei meio gelado... com medo.
125
E – Por que você ficou com medo?
J – Não sei, eu achei que ia fazer alguma coisa diferente ...
E – Por exemplo...
J É...fiquei com medo de me tirarem da escola, como por exemplo, que essa
pesquisa ia me prejudica em alguma coisa ..
E – Agora você já está mais tranqüilo?
J – Já ... é que todo mundo falou que não faz nada né?
E Que não tem problema nenhum... eh.. por exemplo você ficou com medo que
essa provinha aqui ou pelo fato de você fazer essa prova você poderia ser rebaixado
para outra sala?
J – É, fiquei com medo de ser rebaixado ou me mandarem de novo pra lá né...
E Para o Paraguai...? mas houve alguma ameaça desse tipo aqui na escola já?
Alguém já falou isso pra você?
J – Não, ninguém falou nada.
Estranha-se o fato de que,
apesar de afirmar que nunca sofreu qualquer tipo de
ameaça na escola, a desconfiança e o medo do remanejamento ou da exclusão
continuam.
3.2.3 A prova de refacção de Paquito
A prova de refacção deste aluno (cf. Apêndice 8) distingue-se das demais por
ser mais extensa, pois se trata de um menino que apresenta muitas dificuldades de
aprendizado, desde a alfabetização. Vale lembrar que Paquito foi aprovado para o
ano, mas voltou para o ano por não acompanhar os conteúdos programáticos da
turma em que estava inserido.
Para evitar que a análise tome proporções demasiadamente extensas, serão
comentadas apenas algumas das questões refeitas, ou seja, aquelas que possam
ajudar a responder algumas das perguntas feitas nessa investigação. Iniciemos,
portanto, pela análise das questões que representaram maior grau de dificuldade
para esse menino durante a prova de classificação realizada em fevereiro de 2007.
1) Para termos um Brasil mais justo é preciso superar alguns desafios, que são:
a. O aumento da população;
b. A distribuição muito desigual de renda, onde muitos têm um bom padrão de
vida;
126
c. A subnutrição, altos índices de mortalidade infantil, o desemprego e o aumento da
violência;
d. O aumento da violência nas grandes cidades.
2) Marcos foi ao pet shopping comprar 4,5 Kg de ração para seu cachorro, levou consigo
uma nota de R$ 20,00. se um quilo de ração custa 3,00, quantos Marcos trará de troco?
a. R$ 6,50
b. R$ 5,50
c. R$ 13,50
d. R$ 6,00
3) A distância entre Ponta Porã e Campo Grande é de 320 Km Pra chegar até Campo
Grande leva cerca de 5 horas de viagem de ônibus. Quantos Km o ônibus faz por hora?
a. 64 Km
b. 32 Km
c. 61 Km
d. 120 Km
Das três questões acima, Paquito acertou somente a primeira. Nas demais,
as respostas coincidem com as da prova anterior. Tentando explicar em sua
entrevista os equívocos cometidos por ocasião da prova de classificação, esse aluno
atribuiu as dificuldades ao fato de ter estudado no Paraguai, onde não teve aulas de
português.
P- É porque eu não entendia nada, é porque quando eu vim, eu vim no primeiro dia e
já me tiraram da sala e me mando faze a prova e eu não sabia nada.
E - Você não sabia nada de português?
P- Não porque no Paraguai a coisa é muito fácil... a nota é só até cinco...aqui é deiz.
E - Lá você não tinha aulas de português?
P- Não.
Paquito afirmou também em sua entrevista que sequer conseguiu ler o texto
da prova:
E - Você conseguiu ler o texto pelo menos?
P- Não, muito poco, só lia mais em espanhol.
E - Ah...então quer dizer que se o texto tivesse sido em espanhol você teria
conseguido responder?
P- Sim.
Apesar de esse menino ter sido escolarizado no Brasil, em Ponta Porã até
2003, após esse período estudou em escola paraguaia, em que a língua de ensino é
o espanhol. No entanto, essa entrevista aconteceu em 2008, ou seja, um ano depois
127
do regresso de Paquito à escola brasileira. Se o problema maior era mesmo a falta
de conhecimento do português, como ele mesmo alega, certamente os problemas
com a língua ainda não foram superados.
Para resolver as questões 3 e 4, além de saber o português para entender os
enunciados, esse aluno deveria dominar os conteúdos de matemática. Ao
comentarmos com ele os equívocos repetidos, o menino confessou que não fez
cálculo algum, simplesmente “chutou” as respostas. Insistimos então em reler os
enunciados e em refazer os cálculos com ele. Ficou evidente que o menino tem
dificuldades em matemática, especialmente porque não sabe a tabuada e que,
apesar da deficiência na língua portuguesa, conseguiu entender os enunciados.
Ao conversar conosco, disse que está freqüentando aulas particulares em
quase todas as disciplinas, pois está ciente das suas deficiências de aprendizagem.
Discutimos também com Paquito os textos por ele produzidos nas duas
provas. O primeiro foi analisado anteriormente, mas será reapresentado aqui para
que seja comparado com o atual, ou seja, produzido durante a prova de refacção.
Texto produzido em 2007 (prova de classificação) :
128
Texto produzido em 2008 (prova de refacção) :
Visualizando os dois textos, o primeiro com as correções da professora e o
segundo, sem sinalizações, é possível perceber que os problemas quanto à
estrutura e ortografia persistem. O menino se utilizou da pontuação apenas duas
vezes neste segundo texto, continua não acentuando as palavras e usa letras
minúsculas em substantivos próprios. Além disso, volta a apresentar erros de
concordância em “muito turista”, quando as duas palavras deveriam ser flexionadas.
Em contrapartida, flexiona corretamente o sintagma nominal “muitos animais”, na
terceira linha, o que nos leva a crer que o equívoco anterior tenha ocorrido por
distração e não por falta de conhecimento.
Nota-se a supressão de sílabas em algumas palavras como em “pantal” e
“terré”, cuja grafia correta seria pantanal e tereré. Na quinta linha o aluno escreveu
um substantivo sem separá-lo do artigo definido, resultando em “ocostume”. Aqui
não se trata de interferência, pois no espanhol essa palavra seria feminina e com
outra grafia “la costumbre”. Certamente o equívoco aconteceu porque, no mesmo
texto, na linha seguinte, o aluno utilizou a palavra “acostumado”. Nesse último caso,
a primeira letra faz parte do léxico, o que não ocorre na palavra anterior. Em
espanhol, igualmente ocorreria o mesmo – acostumbrado.
129
Apesar de todos os problemas relatados, observa-se que o menino mostrou
avanço em relação ao hibridismo das línguas português e espanhol, pois, desta vez,
nenhuma interferência foi identificada. Na entrevista abordamos esse assunto e,
pelo visto, Paquito está convicto de ter superado as interferências.
E - Muito bem... você ainda tem dificuldade, por exemplo, em misturar o espanhol
com o português nos seus textos?
P- Não...não
E - Ta tranqüilo já? Melhorou bastante?
P- Sim.
No entanto, as interferências voltaram a aparecer em outro texto que ele
refez, desta vez sobre um tema dado em uma prova de português. Essa narrativa
será digitada, uma vez que, escaneada oferece pouca legibilidade. Narrando a
seqüência de quadrinhos dada na prova o menino escreveu:
De onde o senhor tava indo no tinha monstro onça e fogo facá e ele pasava pelo fogo e
não sentia nada e tinha faca atrás dele i ele não sentia nada e cuando vino o caminho do
futuro pidio socorro.
Neste pequeno fragmento, identificamos quatro interferências do espanhol.
Duas são relativas aos verbos vir e pedir, “vino” e ”pidió”, ambas estão na pessoa
do singular, no Pretérito Indefinido, Modo indicativo da Língua Espanhola, que
corresponde ao Pretérito Perfeito da língua portuguesa. Portanto, “vino”, no
espanhol significa veio e “pidió” equivale a pediu. Constataram-se também
interferências dos advérbios “cuando” e “no”, que em português correspondem a
quando e não. Ao reler seu próprio texto, o menino teve muitas dificuldades na
leitura e, ao comentar o hibridismo, admitiu que ainda mistura “um poco” o espanhol.
No entanto, os problemas mais relevantes do texto 2 estão relacionados à
letra, quase ilegível e à falta de coerência, pois nem mesmo soube interpretar o que
130
escreveu. Apesar disso, pode-se dizer que, além de diminuírem as interferências e
que quase todas as discrepâncias encontradas na escrita de Paquito indiciam a
presença de fenômenos de variedades orais do português e não do espanhol.
Em relação às questões refeitas, o aluno não sabia diferenciar na questão 7
“primitivo” de “derivado“, por isso errou grande parte da questão. Na questão 8 e nas
demais que seguem, (cf. Apêndice 8) acredita-se que houve falta atenção na leitura
do enunciado, pois ao fazer uma nova leitura por ocasião da entrevista, o próprio
aluno encontrou as respostas corretas.
3.2.4 A prova de refacção de Miguelito
Conforme explicitado na seção anterior em que comentamos o
desempenho desse menino na prova de classificação, trata-se de um aluno que
demonstra significativas dificuldades, não na língua portuguesa, como também
em outras disciplinas. Essas dificuldades ficaram ainda mais evidentes após a
aplicação da prova de refacção (Apêndice 9) e da entrevista realizada
posteriormente. Comentemos inicialmente as 3 primeiras questões retiradas da
prova de classificação. Houve dois acertos e um erro. Vale lembrar que a questão 2
havia sido sinalizada como errada pelo professor, embora a resposta estivesse
correta, a exemplo da resposta atual.
1) O que fez com que a planta se firmasse na terra?
a. ( ) O caule foi para cima, a raiz firmou na terra.
b. ( ) A folha foi para cima, a raiz firmou na terra.
c. ( ) A flor foi para cima, a raiz firmou na terra.
d. ( ) O fruto foi para cima, a raiz firmou na terra.
2) Como a planta está hoje?
a. ( ) Hoje tem folhas e sem frutos.
b. ( ) Hoje tem frutos e flores.
c. ( ) Hoje tem raiz e não tem folhas.
d. ( ) Hoje tem folhas e não tem raiz.
131
3) foram compradas duas dúzias de bananas para serem divididas entre 4 crianças.
Quantas bananas cada criança receberá?
a. ( ) 6 bananas
b. ( ) 4 bananas
c. ( ) 12 bananas
d. ( ) 8 bananas
Na questão de número 3 o menino assinalou a mesma alternativa da outra
vez, cometendo, portanto, o mesmo equívoco. Para chegar à resposta correta, que
seria a letra “a”, bastaria dividir 24 por 4, que ele chegaria ao resultado “6 bananas”.
Porém, se o aluno não soubesse somar mentalmente duas dúzias ou mesmo, se
não soubesse quanto é uma dúzia, teria dificuldades. Percebeu-se, na entrevista,
que Miguelito o estava seguro dos cálculos a serem feitos, pois não soube
explicar como chegou ao resultado que apontou.
Em relação ao novo texto produzido, pode-se afirmar que houve avanços em
termos de conteúdo, porém persistem os problemas ortográficos.
Texto produzido em 2004 (prova de classificação):
Un homei planta a cemente natera macia e rega acemente edepois de um dia depois
ganaseu a plantia.
Texto produzido em 2007:
O menino cavou um fundo, e colocou a cemente e depois enterrou.
Depois de alguns dia a cemente comecou a crescer e, virar plantinha, passa chuva,
passa sol, passa frio. Com o tempo a plantinha cresceu mais, e comecou a dar frutos.
Ambos os textos estão sem título e iniciam sem parágrafo, porém atendem ao
enunciado e seguem uma seqüência lógica, sendo, portanto, coerentes. Note-se que
no texto 2 o menino tem melhor noção de palavra, pois não repetiu aglutinações
que ocorreram no texto 1 como em “acemente” e ”natera”. Porém, Miguelito continua
132
escrevendo “cemente” ao invés de “semente”. Em seu segundo texto tenta utilizar a
pontuação, embora nem sempre a utilize adequadamente. Identificamos também
concordância nominal inadequada em “alguns dia” na segunda linha. O uso da letra
<c> em lugar de <ç> na palavra “comecou” poderia ter relação com a língua
espanhola, que nessa língua não existe a grafia <ç>. No entanto, como a letra
utilizada no espanhol nesse caso seria /z/, o equívoco não pode ser classificado
como uma influência desta língua.
Miguelito parece ter resolvido o problema de identificação da palavra formal,
pois os casos de hipossegmentação na escrita desaparecem. Contudo, persiste o
uso da norma popular em relação à marcação do plural na língua portuguesa. Ao
contrário do que o menino comenta em sua entrevista, ao falar sobre possíveis
mesclas do espanhol e português na escrita, não constatamos influências da língua
espanhola no texto 2.
E – E hoje você mistura o português com o espanhol quando você vai escreve algum
texto?
M – Misturo um poco.
E – E você fica chateado quando a professora corrige ou ela não corrige?
M – Corrige e fala pra mim...eu tento fazê mais melhor.
O comentário acima revela que, com muito esforço e humildade, esse aluno
está superando uma das maiores dificuldades de alunos estrangeiros que estudam a
língua materna de outro país, nesse caso, os brasiguaios que estudam na escola
brasileira.
A prova de refacção segue agora com a interpretação do texto “Infância”:
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre as mangueiras lia a história de Robinson Crusoé.
133
Comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
A ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
Chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha café gostoso, café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito e dava um suspiro...que fundo.
Longe meu pai campeava no mato sem fim da fazenda.
Eu não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
5) O poeta não toca nos sentimentalismos paternos e, por isso, sentimos no texto uma
ausência de:
a. ( ) justiça
b. ( ) dinheiro
c. ( ) paz
d. ( ) carinho
6) O menino recorda uma figura quase lendária daqueles tempos de fazenda. Essa figura é:
a. ( ) Robinson Crusoé
b. ( ) o mato sem fim da fazenda
c. ( ) a velha ama preta
d. ( ) o berço onde pousou um
mosquito.
7) A expressão que responde ao item anterior é:
a. ( ) “uma voz que aprendeu a
ninar nos longes da senzala”
b. ( ) “lia a história de Robinson
Crusoé”
c. ( ) “lá longe meu pai
campeava”
d. ( ) “Psiu...não acorde o menino”.
Nenhuma das respostas dadas acima está correta. Na questão 5, a resposta
esperada era “carinho”, portanto, letra “d”. Na questão 6, a correta seria “a velha
ama preta”, alternativa “c” e na questão 7 em que o menino apontou a letra “c”,
esperava-se que ele assinalasse a alternativa “a”. Comparando as respostas da
prova de refacção com as da prova de classificação, percebeu-se que houve
mudanças na escolha das alternativas, contudo, as respostas continuaram erradas.
Ao comentar os equívocos na entrevista, notou-se que o aluno estava
bastante confuso, lembrava com dificuldade dos personagens “Robinson Crusoé” e
da “ama preta”. Após reler o texto em voz alta justificou os erros alegando “falta de
atenção”. No entanto, ficou evidente que ele não sabia o significado da palavra
“sentimentalismo”. Disse que assinalou a alternativa “c” na questão 5 “paz” porque:
134
M É porque ficava ele e a mãe dele fazia café esperando o pai que vinha do
mato, da caçada e ele sozinho lá, lendo o livro dele.
E então você não acha que ali, fala de sentimento, falando em sentimentalismo
paterno não seria carinho?
M – Seria , (risos) mas foi mal.
É por isso que Marcuschi afirma que
[...] a compreensão não é um simples ato de identificação de
informações, mas uma construção de sentidos com base em
atividades inferenciais. Para se compreender bem um texto, tem-se
que sair dele, pois o texto sempre monitora o seu leitor para além de
si próprio e esse é um aspecto notável quanto à produção de
sentido. (MARCUSCHI, 2008, p.233).
Miguelito também demonstrou bastante dificuldade na atividade de
interpretação do texto que segue:
DORME, RUAZINHA....É TUDO ESCURO (Mário Quintana)
Dorme ruazinha...É tudo escuro
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos.
Dorme...Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem de guardas por acaso persegui-los
Na noite, alta, como sobre um muro
As estrelinhas cantam como grilos...
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha...Não há nada...
Só os meus passos...mas tão leves são,
Que até parecem, pela madrugada,
os da minha futura assombração.
Logo na primeira pergunta reaparece a palavra
sentimento, que
representou um obstáculo para o aluno no texto anterior. Por isso, novamente não
soube responder, com precisão, a questão 8, letra “a” em que se perguntava: Com
qual sentimento o poeta fala de sua rua? O menino respondeu: É tudo escuro, que
135
o passo dele ninguém pode ouvir”. Eis o fragmento da entrevista em que
comentamos essa questão:
E Você colocou aqui, é tudo escuro que o passo dele ninguém pode ouvir. Isso é
sentimento? O que que é sentimento pra você?
M – (Silencio).
E – Ele está preocupado? Ele está falando com tristeza? Com alegria?
M – Com alegria.
E – Com alegria? Ou ele está falando com tranqüilidade?
M – É.
E – Seria tranqüilidade né, porque ele está falando de uma rua ...
M – Onde não tinha ninguém,
E – Que era muito tanquila...
M – que era muito tranqüila, só o vento que batia na porta.
E – Não tinha perigo nenhum, não é isso?
E – Muito bem. E você errou por quê?
M – (hesitou)
E – Porque não sabia o que era sentimento?
M – É. É isso?
E – É mesmo?
M – Sim.
O aluno teve dificuldades ainda com a segunda pergunta, letra “b” desta vez
porque desconhecia o verbo enovelar-se.
b) Explique a comparação: “o vento enovelou-se como um cão”.
Resposta: Por que o vento dormia na calçada.
Conversando conosco após a prova Miguelito demonstrou nunca ter ouvido a
referida expressão
.
E Você acha que o cachorro, ele fica parecido com um novelo quando ele fica
enroladinho?
M – Não.
E – Não? Enovelou-se. Ele fica em forma de novelo de lã, não é verdade?
M – (pensativo)
E – E o vento pode fazer isso?
M – Não.
Na mesma questão 8, o menino acertou a resposta da pergunta “c” que ele
havia errado na prova de português realizada em sala. No último texto de
interpretação intitulado “O bicho”, apresentado na análise de Joselito, as
respostas de Miguelito foram as seguintes:
9) A causa principal de nossa admiração pela poesia é porque o autor retratou uma cena
que humilha a nossa condição humana. Essa admiração nos dá um sentimento de:
136
a. ( ) prazer
b. ( ) admiração
c. ( ) pena
d. ( ) desprezo
e. ( ) força
Note-se que a questão envolve novamente a palavra sentimento que Miguelito
não conhecia. Conseqüentemente, não soube responder de forma adequada,
assinalando a alternativa “c” quando a ideal seria a letra “b) admiração.” Confira como
ele justificou a sua resposta
:
Então vamos de novo... (leitura do texto) Essa admiração nos um sentimento
de...de que?
M – De pena.
E – De pena? Por que de pena?
M – É porque o mendigo não tem onde mora e ninguém não dá trabalho pra ele.
Perguntamos a Miguelito qual foi a sua reação ao ser convidado a participar da
pesquisa:
M – Fiquei um poco com medo.
E – (risos) Por que que você ficou com medo?
M – Eu achei que ...que se eu fosse fazê essa prova e tirá nota baxa eu ia voltá de novo
pra tercera série por aí, segunda....
E – Terceira ou segunda? Mas hoje você está em que série?
M – Sétimo ano.
E – Mas você acha que eles poderiam te passar pro terceiro ano?
M – Ahã...sim.
E – Mas você sabe que isso não vai acontecer né?
M – Agora eu sei.
A exemplo dos demais alunos, sujeitos da pesquisa, Miguelito demonstrou, por
meio da sua fala, muita insegurança no contexto escolar em que vive. Ao final da
investigação, mostrou-se mais tranqüilo.
Até esta parte da análise, tentamos cumprir com os objetivos específicos
relacionados aos alunos. A seção seguinte abordará os demais objetivos, voltados à
professora.
137
3.3 ALGUMAS ATITUDES DA PROFESSORA E SEU OLHAR APÓS A ANÁLISE DA
PESQUISA
Nesta seção pretende-se discutir com a docente algumas questões pendentes
que possam elucidar, ainda que parcialmente, dúvidas relativas ao desempenho
escolar das crianças na língua portuguesa. A discussão se remete principalmente às
atitudes dessa professora em situações de avaliação de língua portuguesa, que ela
diz dominar as duas línguas, o português e o espanhol.
Foram registradas no diário de campo desta pesquisa 15 observações de aulas
de português ministradas por Pepa, todas em 2007. Como o objeto da pesquisa está
mais focado na avaliação, será relatadas aqui duas das aulas observadas no dia 05 de
dezembro, por ocasião da aplicação da prova bimestral do 4º bimestre no 7º ano.
Os alunos aparentavam certa ansiedade ao entrarem na sala. Ficaram contentes
quando a professora concedeu quinze minutos para a revisão do conteúdo. Passado
esse tempo, solicitou que todos guardassem os materiais, apenas permanecendo em
cima da carteira o estritamente necessário como lápis, borracha e caneta.
A prova foi individual, num total de 15 questões, envolvendo interpretação de
texto e gramática. Os alunos teriam duas aulas de 50 minutos para terminar a
avaliação. Antes de começarem a responder, a professora leu todas as questões e se
dispôs a esclarecer dúvidas quanto aos enunciados. Em seguida solicitou silêncio total
e alertou os alunos para que não tentassem copiar dos colegas, pois seriam punidos.
Não foram registradas ocorrências que comprometessem o bom andamento da
avaliação, percebia-se apenas que alguns alunos não sabiam responder certas
questões.
Ao entregar as provas os discentes recebiam uma folha de ofício em branco
para conjugar os verbos esquecer e estudar em todos os tempos dos modos indicativo
138
e subjuntivo. Ao ouvir as reclamações de alguns dizendo que não sabiam os verbos a
professora respondeu: “esse é mais um motivo para deixar vocês em exame, vocês
têm obrigação de saber verbos.”
Essa atitude da professora revela sua postura exigente. A escolha dos verbos a
serem conjugados por escrito pelos alunos parece ser proposital, pois se demonstram
não saber o conteúdo é porque não estudaram ou porque já o esqueceram. Analisando
a fala da docente, o exame final é visto como uma espécie de castigo aos que o
corresponderam com as expectativas da professora.
Ao final dessa aula questionei a docente sobre a finalidade da atividade feita
depois da prova, qual o peso que a mesma teria. E ela disse: “Se algum aluno não
conseguir nota boa na prova, então avalio os verbos.” Percebe-se assim que a
atividade relacionada a verbos foi dada como uma segunda chance para o aluno, e não
como punição.
Finalizando, a professora comentou informalmente que devido ao sistema de
avaliação da escola, principalmente por exigir-se pouca nota no exame final, a
incidência de alunos reprovados é pequena.
Antes de comentar as entrevistas de Pepa, vale lembrar aqui os objetivos 2 e 3
da investigação, que são: 2. Reconstruir a trajetória profissional da professora de
português desses alunos, tendo em vista: a constituição de seu bilingüismo; a sua
concepção de erro no contexto bi/multilíngüe; suas atitudes em relação ao processo de
avaliação. 3) Refletir com a professora sobre o desempenho de seus alunos bilíngües
envolvidos nessa pesquisa. Estes objetivos foram trabalhados ao longo da dissertação.
Contudo, vale recuperar dois pontos relevantes e explorá-los em consonância à
proposta feita: a trajetória de Pepa e o seu ponto de vista em relação a questões de
avaliação.
139
3.3.1 Trajetória de Pepa a partir de suas “lembranças”
Ressalta-se que, ao apresentarmos os nossos sujeitos da pesquisa no Capítulo
I, adiantamos algumas informações que fazem parte da trajetória dessa docente, aqui
denominada Pepa, com a qual foram realizadas três entrevistas. A seqüência dos
assuntos tratados é, respectivamente: A trajetória profissional e o ensino de português;
A experiência de Pepa no contexto bilíngüe e a última, que se refere especificamente à
questões de avaliação e desempenho dos alunos, em que buscamos saber,
principalmente, como a realidade bilíngüe da professora potencializa um melhor
desempenho de seus alunos (bi/multilíngües) por meio de avaliações e textos
produzidos.
Iniciemos, portanto com a narrativa sobre a trajetória da professora, lembrando
que as transcrições inseridas no texto foram destacadas em itálico e fonte menor, para
facilitar a leitura.
Oriunda do sertão mineiro e de família paupérrima mesmo, segundo sua própria
afirmação, Pepa trabalhou na roça desde cedo e foi obrigada a interromper seus
estudos por ordem do pai. Fiz o Ensino Fundamental e meu pai não deixou a gente
estudar mais. Retornou à sala de aula somente após conseguir emprego como
vendedora, terminando assim o ensino médio, o magistério. Casada e com três filhos,
dedicou-se à família. Residiu em diferentes regiões brasileiras, fixando residência em
Ponta Porã, Mato Grosso do Sul.
Fez o magistério porque sonhava um dia ser professora, pois o professor era
alguma coisa muito distante da gente [...] uma coisa maravilhosa e a gente pensa que
nunca vai chegar onde ele está [...]. Foi em Ponta Porã que Pepa fez o curso de Letras
Português/ Espanhol e lembra, emocionada, do dia de sua formatura: [...] no dia em
que eu peguei o meu diploma que eu disse, meu Deus, eu consegui e eu chorei
naquele dia porque foi o dia mais emocionante da minha vida. Vale lembrar que antes
140
mesmo de terminar a graduação, já estava empregada na rede pública municipal.
Ampliou a sua trajetória profissional mais tarde, por meio de concurso estadual.
Pepa não se contentou com a graduação, e na primeira oportunidade que teve
fez a especialização em Língua e Literatura de Expressão Hispânica, em 2005.
Justifica-se essa opção pelo fato de a professora ter se identificado muito com a língua
espanhola durante o curso de Letras. Pepa sempre gostou muito de ler, mas confessa
que a princípio detestava a língua portuguesa e até ficou em recuperação. Porém
passou a encantar-se com essa disciplina por causa do seu professor. Atualmente
considera o português uma disciplina primordial em tudo, enfatizando a leitura como
suporte ao aprendizado das demais disciplinas uma veiz que se você não sabe lê,
como você vai interpreta matemática se não souber português, como é que vai
interpretar geografia, história, ciências, química [...].
Esta docente ainda não desistiu do seu sonho maior, ser doutora, porque
doutora era tudo de bom, porque a minha mãe me dizia isso, sabe, eu queria fazer pela
minha mãe e eu vou fazer um dia se Deus quiser.
A escola de Ponta Porã é a sua primeira experiência como professora em
contextos bi/multilíngües. Devido aos freqüentes contatos com a língua espanhola e,
principalmente, por ter estudado espanhol no curso de Letras, consegue um bom
entendimento com os seus alunos, demonstra grande carinho pelos “brasiguaios” e
esforça-se para que esses se sintam bem nas escolas em que leciona. Lamenta a sua
falta de conhecimentos na língua guarani, pois isso a impede de conseguir uma
interação ainda maior com os alunos “brasiguaios” e paraguaios. Segundo a
professora, para os pais desses alunos, o empecilho maior é a escrita do português,
que a maioria não domina. Ela conta que seguidamente aparecem pais na escola
solicitando que não sejam dadas tarefas extra-escolares, pois se sentem
impossibilitados de ajudar seus filhos por não conhecerem o português padrão.
141
A professora revela por meio das entrevistas, grande interesse por cursos de
orientação e aperfeiçoamento para trabalhar em contextos escolares bilíngües.
Lamenta que haja tão poucas oportunidades para aprimorar o conhecimento nesse
sentido. Quanto à metodologia para ensinar o português, ela própria admite que é
rígida na sala de aula, pois acredita que manter a disciplina é importante e que o
ensino tradicional traz melhores resultados. Lamenta que os livros didáticos atuais o
contemplem o contexto social do aluno: ainda prefiro o material antigo, não que eu
seja antiga, eu gosto do material antigo porque tinha um leque muito mais amplo de
opção. Pepa diz que os textos dos livros didáticos, além de muito extensos e, portanto,
cansativos, estão totalmente fora da realidade dos contextos fronteiriços. Segundo ela,
a diversidade de fronteira não é levada em consideração na elaboração dos materiais
didáticos, nem nas provas realizadas em nível Nacional para avaliar o desempenho dos
alunos.
[...] aqui na fronteira é até uma coisa bem atípica porque aqui a gente tem coreano, a
gente tem chinês, a gente tem árabe, então é uma miscelânea de línguas uma loucura
um vuco vuco de línguas (risos), mas o que eles sabem mesmo é o guarani.
(Professora Pepa, entrevista 1)
Convêm lembrar que o conhecimento do guarani restringe-se à oralidade, na
maioria das situações, haja vista que este idioma é ensinado nas escolas paraguaias
apenas como língua estrangeira, portanto, com uma ou duas aulas semanais.
Na primeira entrevista, a professora comenta também sobre a principal
dificuldade de seus alunos na ngua portuguesa: a escrita. [...] eles falam bem o
português, [...] pra escrever que é uma tragédia porque eles misturam o espanhol com
o português. Outra dificuldade apontada pela professora está relacionada à
interpretação de texto, apesar de reconhecer que o português e o espanhol são
bastante semelhantes, tanto na escrita como na oralidade.
142
Contudo, de acordo com Pepa, quando o aluno percebe a necessidade de
aprender o português ele aprende bem, pois segundo ela, a língua é utilizada também
contra o brasileiro. Apesar das dificuldades apontadas, a professora afirma que os
alunos paraguaios e brasiguaios gostam do português:
Gostam porque pra eles é como se fosse uma arma a língua portuguesa, primeiro
porque podem dobrar o brasileiro, segundo porque, ele sabendo o português ele vai
falar o português com você, mas na hora em que ele quiser falar alguma coisa e te
detonar ele vai falar em guarani coisa que você não sabe [...] saber português na
fronteira para os paraguaios é uma questão de domínio [...] eles acham eles têm que
falar português porque têm que ser melhor que os brasileiros. (Professora Pepa,
entrevista 1))
Tece uma crítica aos brasileiros que não se preocupam em aprender os idiomas
paraguaios ou até mesmo se envergonham de utilizá-los: [...] o brasileiro tem vergonha
de falar o guarani e o espanhol, principalmente eles acham uma língua pejorativa né, é
de índio sabe, di bugre, língua de bugre [..]. Essa crítica é reforçada na segunda
entrevista, desta vez ao falar sobre a sua condição bilíngüe e sobre os preconceitos em
torno das línguas faladas na fronteira com o Brasil. Mas, de acordo com a professora,
esta atitude é recíproca, pois assim como os brasileiros, os brasiguaios também
preferem falar o português:
[...] os brasiguaios têm vergonha de falar o espanhol, a maioria deles tem vergonha de
falar o espanhol porque acha que é pejorativo falar espanhol porque você vai ser
considerado paraguaio e paraguaio é pejorativo [...] é feio você falar que você mora
na fronteira com a linha do Paraguai porque o Paraguai é mal visto por causa que tudo
é linha, tudo é falsificado e tudo que é contrabando é do Paraguai, tudo o que é
droga vem do Paraguai. (Professora Pepa, entrevista 1)
Esta crítica estende-se também aos professores que demonstram o preconceito.
Porém, Pepa afirma não medir esforços para diminuir o estigma nas escolas em que
atua. Comenta que no primeiro dia de aula tenta valorizar ao máximo a cultura
paraguaia, pois percebe os olhares tímidos das crianças.
[...] quando eu pergunto quem é paraguaio na sala, se não for pra falar uma coisa boa
ninguém levanta a mão, mas [...] eles querem realmente é que mostre o pais deles
143
como ele é, a beleza que tem o Paraguai. Então eu falo assim, gente eu acho o
Paraguai lindu, a cultura de vocês é maravilhosa. Quem fala espanhol e quem fala
guarani? Aí, quando eles que eu to falando bem do país deles eles levantam a mão
e eles sentem orgulho de ser paraguaios, mas do contrário, não porque eles têm
vergonha de falar que são paraguaios porque podem ser enxovalhados depois podem
ser mal vistos podem ser criticados por serem paraguaios e essa parte é muito
triste.(Professora Pepa, entrevista 1)
3.3.2 A avaliação na perspectiva bilíngüe
Considerando as diversidades apontadas no contexto escolar fronteiriço em que
atua, a professora faz algumas considerações sobre sua forma de avaliar, explicando
como procede diante das interferências do espanhol na escrita:
[...] eu não posso considera erro na medida em que ele é brasiguaio e a língua materna
dele é português e espanhol ao mesmo tempo. Quando você vai avaliar o teu aluno,
você tem que duas coisas, se ele aprendeu o que ta fazendo você não pode olha
muito para a ortografia [...] se ele entendeu, se ele colocou a resposta certa mesmo que
a resposta dele esteja graficamente errada não esteja correta na grafia tem que valoriza
[...]. (Professora Pepa, entrevista 2)
A docente entende que em um contexto fronteiriço, a avaliação deve ser
diferenciada, avaliando-se os alunos de forma contínua e diversificada, observando-se
os cadernos e propiciando aos alunos diferentes modalidades de avaliações. Sugere
que se faça um ensino contextualizado e lamenta a falta de recursos tecnológicos nas
escolas. As autoras Bortoni-Ricardo e Dettoni, ao abordar a questão da diversidade
lembram que
[...] a escola tem que aceitar a diversidade e torná-la funcional. Tem
também de conscientizar-se de que às diversidades sociolingüísticas
correspondem desigualdades sociais. Na medida em que não somos
sensíveis às primeiras, estamos contribuindo para agravar essas
últimas.
(BORTONI-RICARDO & DETTONI, 2001, p.102)
Quanto às provas de classificação às quais são submetidos os alunos ao
ingressarem na escola, a professora Pepa entende que o válidas, mas não
suficientemente eficazes, pois além da avaliação escrita deveria haver uma prova oral
144
buscando o conhecimento de mundo desse aluno. Comentamos com Pepa uma das
inovações no documento avaliativo da escola, isto é, a inserção de pelo menos duas
questões em língua espanhola.
A professora mostrou-se surpresa com a mudança, avaliando-a como positiva,
pois para os alunos paraguaios será de suma relevância, uma vez que para eles ainda
existem dificuldades em interpretar questões em português. Mas, como essa prova é
aplicada também para alunos brasileiros, pontua que para esses discentes a inovação
poderá representar uma dificuldade, uma vez que nem todos que entram na escola
pela prova de classificação já tiveram conhecimentos formais em língua espanhola.
Na opinião da professora, antes de fazer a prova de classificação os alunos
deveriam assistir algumas aulas na série equivalente à série ou grado” que
freqüentavam. Se, no entanto, após o primeiro bimestre demonstrassem dificuldades
de aprendizagem, aí sim se aplicaria a prova de classificação. Passamos a comentar
em seguida questões pertinentes quanto ao desempenho dos sujeitos discentes.
3.3. 3 O desempenho dos alunos brasiguaios sob o olhar de Pepa
Para responder aos questionamentos relativos ao desempenho dos alunos,
sujeitos da pesquisa, a professora leu atentamente a análise feita a partir do material
por ela cedido e a partir das provas de classificação. Por várias vezes, retomou o texto
e as provas para sanar dúvidas.
Seguindo a ordem das análises anteriores, comecemos novamente por Juanita
que ingressou na Escola Brasiguaia em 2004 e foi aluna de Pepa somente em 2007,
isto é, durante o primeiro ano da pesquisa. Pedimos que tentasse explicar o aumento
das interferências lexicais do espanhol no segundo texto produzido por essa aluna,
após 4 anos de estudos nessa escola brasileira. A professora acredita que as
interferências identificadas no texto 2 são frutos do meio social em que a menina vive,
145
pois ela continua morando no Paraguai e, portanto, falando espanhol e guarani. Pepa
atribui o fato também à falta de perspectivas, pois assim como os demais alunos que
vêm do Paraguai, essa menina não vê a real necessidade de aprender o português. Ao
justificar a escrita da palavra “cementia” em lugar de semente, a professora disse
atribuir o fato à falta de atenção, pois a aluna chegou a escrever a palavra uma vez
com <s.> Afirmou não se tratar de interferência. Pepa revisou a questão 9 relacionada
ao texto “O bicho”, na qual havíamos constatado um erro de correção. Confirmou que
Foi realmente um erro de correção.
Quanto às dificuldades de Juanita em relação à interpretação de textos a
professora comentou que esta dificuldade é comum dos alunos que vêm do Paraguai,
pois eles não conhecem o português formal. Mesmo freqüentando a nossa escola 4
anos a convivência maior dela continua sendo com paraguaios. Talvez isso explique
essa dificuldade.
Terminando a análise sobre Juanita, a professora fez o seguinte comentário:
Mesmo não sendo minha aluna no momento, eu creio que ela não tem maiores
perspectivas de futuro, por isso não se incomoda em aprender corretamente o
português, porque acha que vai continuar sempre vivendo no Paraguai.(Pepa,
entrevista 3)
Em seguida o foco da análise da professora vai para Joselito que entrou na
Escola Brasiguaia em 2005, quando começou a cursar a série. Foi aluno de Pepa
somente no ano e, de acordo com a professora, demonstrava ser inteligente e eu
pude observar que a mãe sempre cobrava do filho as tarefas, o estudo para as provas,
ao contrário da família de Juanita que jamais apareceu na escola. Pepa frisou que a
cobrança e o apoio da família são fundamentais para melhorar o desempenho dos
alunos, especialmente quando são alunos que vêm do Paraguai. E pontuou que muitas
vezes os próprios pais o sabem a língua portuguesa e por isso não conseguem
ajudar seus filhos.
146
Quando Pepa passou a ser professora de Joselito se haviam passado três
anos da prova de classificação. Questionamos a professora sobre a eficácia do
processo seletivo no caso desse menino. Ela afirmou que o aluno tem acompanhado o
conteúdo sem maiores problemas. Apesar de demonstrar preguiça na sala de aula, o
desempenho dele nas avaliações de português, quando meu aluno, foi satisfatório.
Vejamos agora a situação de Paquito, no olhar Pepa que continuou sendo
professora dele em 2008. De acordo com a professora,
[...] trata-se de um menino muito inteligente e participativo e que tem melhor
desempenho na oralidade. O problema dele está na escrita que eu avalio considerando
a situação de bilingüismo dele. Se eu não fizer isso ele ficará retido sempre.
Perguntamos então se essa forma de avaliar se deve ao fato de ela ser uma
professora bilíngüe e obtivemos a confirmação: Eu penso que sim, pois se eu falasse
somente o português eu teria dificuldade em avaliar esse aluno, uma vez que eu
entendo o que ele quer dizer. Pepa frisa que já presenciou colegas avaliando os alunos
sem levar em consideração o aspecto bilingüismo.
Comentamos também com a professora algumas das influências do espanhol
identificadas no texto 1 de Joselito. As justificativas foram essas:
a) a palavra atrair, escrita pelo aluno de forma fragmentada - a trair - foi
considerada como Falta de atenção mesmo.
b) a ausência (ø) do artigo definido singular feminino (a) antes do substantivo
beleza, a professora justificou como possível interferência do guarani, pois esse
menino fala o guarani inclusive na escola, é bem possível que seja uma interferência
dessa língua, tendo em vista que o guarani não tem artigo.
c) o uso do “r” no lugar do “s” para indicar plural em “muito bichor lindor”, de
acordo com Pepa aconteceu certamente por distração.
Por último, comentamos a situação de Paquito que também continua sendo
aluno dessa professora. Esse menino, segundo Pepa, ainda apresenta muitos
147
problemas na língua portuguesa. Ele é um aluno apático, superprotegido pela mãe,
pois tem problemas de saúde. É muito retraído e desinteressado como a maioria dos
alunos paraguaios. Tem dificuldades na aprendizagem e não é participativo e, além
disso, falta muito. Apesar de considerar-se uma docente não preconceituosa, o
discurso de Pepa revela preconceito quando compara o desinteresse de Paquito à
maioria dos alunos paraguaios.
Percebemos, durante a pesquisa, que na perspectiva escolar a maior dificuldade
desse menino está relacionada à produção textual e por isso perguntamos à professora
o que ela tem feito para atenuar esta dificuldade:
O que eu tenho feito é dar ditado, produção de texto, passo conteúdo na lousa para
discussão em sala, mas ele não participa por isso ele não progride. Os erros
ortográficos dele são gritantes e parece que ele não faz nada pra melhorar.
Em seguida, questionamos a professora sobre um dos problemas identificado no
texto 1 de Miguelito, ou seja, a falta de noção de palavra. Embora o segundo texto
produzido apresentasse significativa melhora, a professora afirmou que esse problema
ainda não fora sanado. No ano até se justificaria, mas ele continua com os mesmos
erros da época em que entrou aqui na escola. Quando corrigido, nem reage, também
nada faz para melhorar.
Esse aluno errou muitas questões de interpretação e, ao tentar justificar os erros
durante a entrevista alegava distração ou falta de atenção, informação confirmada pela
professora: Parece que está vivendo em outro mundo, alheio às tarefas escolares.
Sobre a falta de conhecimento das palavras “sentimento” e “sentimentalismo”
revelada pelo aluno, a professora demonstrou surpresa: É estranho porque essas
palavras existem tanto no espanhol como no português. Portanto, no nível em que ele
está, 7º ano, esses seriam vocábulos que ele deveria conhecer. Lembramos, porém,
que os mesmos vocábulos também eram desconhecidos para Joselito, quando fez a
interpretação.
148
Para finalizar, questionamos a professora em relação a possíveis
remanejamentos de alunos na escola, no caso de demonstrarem desempenho
insatisfatório. Informamo-la sobre o receio demonstrado pelos alunos ao participarem
do nosso estudo, com medo de serem remanejados de sala. Pepa disse que este medo
não se justifica, pois atualmente os remanejamentos acontecem somente quando os
pais solicitam ou quando os alunos estão aptos para freqüentar um ano mais
avançado, sendo, portanto bastante raros. A professora que está na escola 4 anos
não lembra de ter presenciado ameaças dessa prática e acrescentou: - aqui todos os
alunos são muito bem-vindos. Sabemos, contudo, que em anos anteriores os
remanejamentos aconteciam com freqüência, o que poderia justificar o medo dos
alunos demonstrado no início da pesquisa.
Conclui-se assim, pelo discurso de Pepa que, embora demonstre interesse em
fazer um ensino diferenciado, que a maioria dos seus alunos é de origem paraguaia,
a docente enfrenta diversas dificuldades. Talvez a maior delas seja a falta de políticas
lingüísticas e educacionais em que possa amparar-se, pois isso reflete também na falta
de materiais didáticos adequados para um ensino-aprendizagem condizente ao
contexto multilíngüe em que atua. Outro obstáculo relevante é o que ela denomina
como desinteresse dos alunos, presente várias vezes na entrevista 3:
a) Mesmo não sendo minha aluna no momento, eu creio que ela não tem maiores
perspectivas de futuro, por isso não se incomoda em aprender corretamente o
português, porque acha que vai continuar sempre vivendo no Paraguai.”
b) É muito retraído e desinteressado como a maioria dos alunos paraguaios.”
c) “Os erros ortográficos dele são gritantes e parece que ele não faz nada pra
melhorar. “
d) Quando corrigido, nem reage, também nada faz para melhorar. “
e) Parece que está vivendo em outro mundo, alheio às tarefas escolares.”
149
Estranha-se, contudo, o fato de que nos contatos mantidos com os alunos, eles
afirmavam gostar mais do português que do espanhol. A própria docente, admite essa
preferência, porém adverte que não é uma questão de gosto, mas de certa
necessidade em aprender a língua portuguesa para defender-se dos brasileiros.
O desinteresse dos alunos enfatizado diversas vezes pela professora poderia,
ao nosso entendimento, ser parte de uma crença da própria docente, de que esses
alunos, pelo fato de serem oriundos do Paraguai, não precisam aprender o português,
pois praticam outras nguas que suprem as suas necessidades. Isto não é uma
afirmação, apenas uma suposição, a exemplo de uma das revelações da pesquisa de
Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001, p.86),
[...] as atitudes mais tradicionais da professora em relação aos papéis
sociais em sala de aula estavam associadas à crença de que crianças
de classes sociais mais altas teriam um melhor desempenho escolar do
que seus colegas pertencentes a classes mais pobres.
Vale lembrar que as crenças no contexto de ensino-aprendizagem podem
mudar o nosso comportamento, cegando-nos para certas atitudes dos alunos. Com
isso, por mais que o discente estigmatizado se esforce para superar as dificuldades,
o professor tende ao perceber o êxito alcançado, pois não acredita que tal
progresso seja possível.
No contexto em análise, evidenciou-se que Pepa, apesar de não acreditar
muito no avanço dos seus alunos brasiguaios, tenta fazer a diferença na escola, pois
participa de projetos, cativa os alunos, faz avaliações diferenciadas e, principalmente,
tenta considerar os conhecimentos internalizados dos alunos. Todavia, percebeu-se no
discurso da professora, a sua frustração pela impossibilidade em participar de cursos
direcionados ao ensino em contextos bilíngües.
150
Evidenciou-se também certo desânimo pela falta de apoio dos colegas e
principalmente, pelos resultados insatisfatórios em sala de aula, pois seu maior desejo
é que o aluno supere o mestre.
Revendo a fala da professora em relação ao exemplo da escrita da palavra
sementia, que ela classificou simplesmente como falta de atenção, houve, ao nosso
ponto de vista, falta de sensibilidade para perceber que esse fato lingüístico poderia
estar relacionado à variações regionais. Pepa também não se deu conta de que a
formação do diminutivo em espanhol não segue a mesma regra da formação do
diminutivo em português. Frisamos que em várias situações semelhantes, as causas
de problemas lingüísticos ou de interferências foram atribuídas à falta de atenção do
aluno, isto é, interpretados como erros lingüísticos.
Diante de fatos como os acima relatados, percebe-se que a professora em
questão não está suficientemente preparada para lidar com determinadas situações
relacionadas a contextos bilíngües. Ficou evidente, no entanto, no discurso de Pepa,
que não se trata de falta de interesse e sim, de falta de oportunidades. A escola, sem o
apoio dos órgãos governamentais competentes, também nem sempre se sente segura
para agir, pois não lhe são dados recursos nem autonomia suficientes.
uma forte convicção entre pesquisadora em formação, direção e docente
da escola, de que contextos escolares fronteiriços exigem deste conjunto uma
qualificação específica, para que saibam lidar com as peculiaridades desses alunos.
Enquanto essa situação de despreparo persistir, alunos continuarão vivenciando
preconceitos étnicos, lingüísticos e culturais, com poucas perspectivas de avanços na
aprendizagem, levando ao fracasso escolar.
Desenvolver pesquisa em contexto sociolinguisticamente complexo como este,
não se esgota em uma dissertação de mestrado. Assim, este trabalho se encerra
deixando outras perguntas, outros desafios, e desta forma, não apresentaremos como
151
de costume as chamadas Considerações Finais. Preferimos abordar a seguir a questão
do bilingüismo na Escola Brasiguaia, a título de finalização temporária.
3.4 DO CENÁRIO BILÍNGÜE AO BILINGÜISMO – PALAVRAS FINAIS
Finalmente, após encerrar a pesquisa de campo e analisar os dados coletados,
torna-se possível abordar o fator bilingüismo dentro da escola, ainda não denominando
de bilingüismo institucional porque a escola não tem como prática o ensino bilíngüe.
Podemos fazer tal afirmação porque a língua de ensino é única, Língua Portuguesa,
com exceção das aulas de língua espanhola como LE, de acordo ao explicitado ao
longo desta dissertação.
Os projetos desenvolvidos pela escola e citados neste trabalho sugerem um
ensino bilíngüe, porém, na prática este não acontece, pois, além de priorizar-se o
português como língua de ensino, se proíbe o uso de outras línguas na oralidade em
sala de aula. Vale lembrar que no pátio da escola, onde os alunos se sentem mais à
vontade, as três línguas fluem com naturalidade e não existe um controle maior sobre
este fato. No entanto, ao perceber a presença dos professores, as crianças se retraem.
Cita-se como exemplo uma ocorrência observada durante a pesquisa de campo. A
pesquisadora estava em uma sala de aula aplicando um teste aos sujeitos participantes
do estudo de caso quando se iniciou o intervalo. Do lado de fora, descontraidamente,
os alunos paraguaios conversavam em guarani. Esta conversa cessou imediatamente
ao abrir-se a porta da sala. Perguntei a eles em que língua estavam falando e,
timidamente os meninos foram se dispersando, apesar da minha insistência para que
continuassem a conversa. Observei que a partir disso a língua falada passou a ser o
português. Este fato revela o constrangimento das crianças ao fazer uso da língua
materna de seus pais. Este mesmo sentimento constrangedor se fez sentir durante as
152
entrevistas e das conversas informais feitas com alguns alunos por ocasião da
pesquisa. A maioria afirmou ter “vergonha” de falar o guarani.
Levando-se em conta os projetos desenvolvidos na escola, pode-se dizer que há
uma sensibilidade por parte desta no tocante ao bilingüismo, todavia a própria direção
sente necessidade de um trabalho de formação continuada aos professores para que,
efetivamente, tenham instrumentais para trabalhar com o cenário sociolinguisticamente
complexo.
Diante da situação mencionada, Bortoni-Ricardo & Dettoni (2001, p.81)
asseveram que “A literatura internacional especializada em educação tem enfatizado a
questão do conflito que se estabelece entre a cultura de crianças oriundas de minorias
étnicas ou de segmentos pobres da sociedade e a cultura da escola.” As autoras
desenvolveram uma pesquisa sob o prisma da ‘pedagogia culturalmente sensível’
(ERICKSON, 1987) e tentaram demonstrar que “a escola precisa tornar-se
culturalmente sensível para lidar competentemente com a variação lingüística e cultural
de nossas crianças.” (BORTONI-RICARDO & DETTONI, 2001, p.102)
Ao final da presente investigação, pode-se dizer que na Escola Brasiguaia ainda
falta percorrer um longo caminho para que as diferenças sejam vistas como parte do
processo do ensino-aprendizagem e não como são pontuadas atualmente, isto é, como
falta de atenção, falta de interesse do aluno e até mesmo como afirma a professora,
uma tragédia na escrita: [..] pra escrever que é uma tragédia porque eles misturam o
espanhol com o português. As flutuações dos alunos bilíngües são tratadas como
barreiras ao sucesso na vida escolar.
Um dos primeiros passos para atenuar essa problemática lingüística seria
ofertar aos alunos paraguaios e brasiguaios as mesmas oportunidades dadas aos
alunos brasileiros. Poderíamos citar como exemplo da diferença de oportunidade as
avaliações que, com exceção do que ocorre na disciplina de língua espanhola, o
153
elaboradas em ngua portuguesa. que essa escola contempla também em seu
currículo o ensino da língua espanhola, nada mais justo que incluir nas provas das
diferentes disciplinas alguns enunciados em espanhol, a exemplo da inovação feita a
partir de 2008 com as provas de classificação. Nota-se que, neste aspecto começa a
surgir na Escola Brasiguaia, ainda que timidamente, a prática do bilingüismo. Todavia,
as correções dessas provas continuam evidenciando a prática do monolingüismo, pois
se desconsideram os conhecimentos na língua espanhola, priorizando-se sempre a
língua portuguesa.
Durante o período da pesquisa, ou seja, em 2007 e 2008, não presenciamos a
realização de nenhum curso relacionado ao ensino bilíngüe que tenha sido promovido
pela escola ou por outros segmentos da sociedade de Ponta Porã. Isto demonstra que,
de fato, a tendência é prosseguir assim, sem perspectivas de inovações nesse sentido.
No entanto, as políticas lingüísticas vigentes no Brasil têm se voltado para
discussões acerca das relações entre língua(s) e cultura(s) e suas implicações no
ensino e no tocante a situações de fronteiras. Isto tem se manifestado em projetos
governamentais como As escolas de fronteira. Projetos estes estimulados pelo MEC
(Ministério de Educação e Cultura), principalmente entre Brasil e Argentina.
O Ministro da Integração Nacional, Ciro Ferreira Gomes, ao relançar o Programa
de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira PDFF
22
pontua a necessidade de serem
conhecidas a história e a realidade da Faixa de Fronteira e o fortalecimento da cultura
local. Desse conhecimento poderão brotar propostas de soluções ou de melhorias para
a realidade específica das fronteiras, inclusive com a ampliação dos projetos como os
das escolas de fronteiras já referidos.
22
Essas informações estão disponíveis no site:
<http://www.integracao.gov.br/programas/programasregionais/faixa/prioridades.asp?area=spr_fronteira>.
Acesso em: 12 abr.2008.
154
Todavia, enquanto os avanços não se concretizam, o processo ensino-
aprendizagem nos contextos de fronteira continua debilitado, refletindo nas avaliações
toda essa problemática. Faltam recursos financeiros, materiais didáticos específicos,
cursos direcionados aos professores, enfim, uma política lingüística eficaz que
conta desse complexo ambiente escolar, respeitando as peculiaridades da fronteira.
Embora os questionamentos que motivaram esta investigação tenham sido
respondidos no decorrer do trabalho, faz-se aqui uma síntese das respostas obtidas:
a) para ingressar na Escola Brasiguaia, os alunos que não dispõem do
documento de transferência passam obrigatoriamente pelo processo
classificatório;
b) o desempenho dos alunos brasiguaios, sujeitos da pesquisa, não
corresponde às expectativas da professora de língua portuguesa;
c) em algumas situações, constatou-se que o entendimento dos enunciados
ficou prejudicado pela falta de conhecimento do léxico no português;
d) por ser bilíngüe, isto é, conseguir comunicar-se no português e no espanhol,
a professora Pepa tenta desconsiderar as interferências do espanhol na
escrita (para efeito de nota), porém ela se contradiz quando afirma que “a
escrita desses alunos é uma tragédia” e ao dizer que nas aulas de português
não pode permitir que os alunos falem em outra língua;
e) quanto à avaliação, a escola sugere que o aluno seja avaliado de forma
continuada, utilizando-se diferentes instrumentos avaliativos e valorizando a
participação e assiduidade do discente; (todavia, não é possível afirmar se
isto está acontecendo de fato, haja vista que na presente pesquisa observou-
se apenas a metodologia de uma professora);
f) durante as aulas, com exceção da disciplina língua espanhola, não é
permitido que os alunos desta escola municipal falem outra língua que não
155
seja o português (mesmo assim os alunos tentam fazê-lo e, quando isto
acontece, às vezes acaba passando despercebido pela professora).
Convêm lembrar aqui que nas salas de aula das sociedades complexas, via de
regra, as fronteiras culturais e lingüísticas se transformam em barreiras. No caso da
presente pesquisa, percebeu-se que, por vezes, adolescentes são impedidos de
progredir na escolaridade em razão do o domínio do português padrão. Não
raramente, ao passar pelo processo de classificação em escola brasileira, os alunos
paraguaios ou os denominados brasiguaios têm de retroagir na escolaridade.
Diante dos resultados apontados, pode-se afirmar que a problemática abordada
não se esgotou. Sugere-se, portanto, que novos estudos sobre a aprendizagem na
fronteira sejam efetivados. E, nesse caso, uma proposta de futuras pesquisas seria a
de investigar como está sendo conduzido o processo de ingresso de alunos paraguaios
nas demais escolas de fronteira em Ponta Porã. Isto porque, a entrada não se da
mesma forma em todas as escolas.
Outra temática relevante a ser pesquisada seria a implantação do projeto
Escolas bilíngües de fronteira a partir de 2009 em Ponta Porã, na Escola Estadual João
Brembatti Calvoso. Sugere-se ainda, um estudo comparativo entre alunos brasiguaios
com mãe brasileira e brasiguaios com mãe paraguaia, pois, constatou-se neste
trabalho que o bilingüismo dos filhos de mães brasileiras parece se assentar no
português, ao passo que o dos filhos de mães paraguaias tende a assentar-se no
espanhol.
Finalmente, espera-se que o presente trabalho desperte o interesse de outros
pesquisadores que, assim como nós, tenham a pretensão de contribuir para um ensino-
aprendizagem mais eficaz em espaços fronteiriços, onde a diversidade é uma
constante.
156
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162
APÊNDICES
163
APÊNDICE 1 – Carta-convite para a professora
______________________________________________________________________
Ponta Porá, 15 de abril de 2007.
Prezada professora,
Por meio deste convidamos Vossa Senhoria a participar da nossa pesquisa de Mestrado a
ser desenvolvida na Escola Municipal Ramiro Noronha de Ponta Porã. Objetivamos, com este
trabalho, investigar a questão da avaliação no contexto bilíngüe dessa escola, haja vista o
expressivo número de alunos provenientes do Paraguai.
Dessa forma tentaremos contribuir para a melhoria do ensino do português como língua
estrangeira, especialmente no que tange ao processo avaliativo. Com o intuito de preservar a sua
identidade, bem como a de seus alunos, manteremos sigilo quanto aos nomes. Agradecemos
desde já a sua contribuição que, com certeza, será relevante para o nosso trabalho.
Atenciosamente,
Ione Vier Dalinghaus
164
APÊNDICE 2 – Carta-convite para os pais ou responsáveis
______________________________________________________________________
Ponta Porá, 01 de novembro de 2007.
Prezados pais,
Sou professora e venho, por meio desta, solicitar a vossa autorização para que seu filho
(a) ___________________________________________ participe de uma pesquisa na Escola
Ramiro Noronha. A vossa contribuição será no sentido de permitir que o seu filho converse
comigo, sempre acompanhado da professora Ana Marlene. Estou certa de que esse trabalho será
muito importante para melhorar o ensino do português, especialmente em relação ao processo de
avaliação. Agradeço, desde já a sua colaboração.
Atenciosamente,
Ione Vier Dalinghaus
________________________________________
Assinatura do pai/ mãe ou responsável.
165
APÊNDICE 3 - Roteiro da 1ª entrevista com a professora:
A trajetória profissional e o ensino de português na fronteira
1. Fale um pouco da sua trajetória profissional. Você sempre foi professora ou teve
outras profissões?
2. Você gosta da profissão?
3. Hoje, qual a sua formação profissional? Pensa em continuar estudando?
4. É concursada ou contratada?
5. Você prefere trabalhar com crianças, adolescentes ou adultos?
6. Já levou alguma decepção na sua trajetória de professora?
7. O que mais te preocupa nessa profissão?
8. Você concorda com a política educacional brasileira?
9. Como profissional da educação, você tem algum sonho?
10. Em quantas escolas você trabalha? Quantos períodos?
11. Sobra tempo suficiente para preparar as aulas?
12. A direção da escola demonstra preocupação com a qualidade do ensino, especialmente
com o ensino de línguas?
13. O que você tem a dizer sobre o material didático disponível para o ensino de
português?
14. Você tem liberdade para utilizar a metodologia que quiser, ou deve seguir as
imposições da escola?
15. Quanto aos seus colegas nessa escola, você percebe motivação?
16. Quando são oferecidos cursos de formação continuada, você costuma freqüentar?
17. Nesses anos todos de profissão, você acha que o ensino de português tem piorado? A
que se deve esse fato?
18. O que você sugere para motivar as aulas de língua portuguesa?
19. Como você divide o tempo de suas aulas de português? Você prioridade à leitura,
redação, interpretação, exercícios ou outras atividades?
20. Em sua opinião, em que consiste a maior dificuldade dos seus alunos aqui na escola:
na escrita ou na fala do português?
166
APÊNDICE 4 - Roteiro da entrevista 2 com a professora
Experiência de Pepa em contextos bilíngues
21. Você se considera uma professora bilíngüe?
22. Qual a sua concepção de bilíngüe?
23. Quantos dos seus alunos são bilíngües?
24. Você tem algum curso ou preparo especial para lidar com esse diferencial na escola?
25. Como você vê o contexto bilíngüe na sua escola, como positivo ou negativo?
26. Você atende também alunos “brasiguaios”? Como você definiria esse termo?
27. As maiores dificuldades ao ensinar o português para os alunos que vêm do Paraguai está
na oralidade ou na escrita?
28. Você exige de seus alunos o português padrão? Inclusive quando os encontra fora da sala
de aula?
29. Que atitudes você percebe em seus alunos em relação à língua portuguesa?
30. Se você acha que algum preconceito lingüístico em suas aulas, como costuma lidar
com essa situação?
167
APÊNDICE 5 - Roteiro da entrevista 3 com a professora
Processo avaliativo e desempenho dos alunos
E Professora, primeiramente, quanto às provas de classificação a que são submetidos os
alunos. Na sua opinião, este processo de validação é suficientemente eficaz para adequar os
alunos à sala de aula?
1 - Percebeu-se que para 2008 houve pequenas mudanças na elaboração das provas, entre
elas a inserção de pelo menos duas questões com enunciados em espanhol. Qual a sua
opinião quanto a isso?
2 - Alguma outra sugestão de mudança quanto a esse processo seletivo?
3 - Em relação ao desempenho dos alunos sujeitos da pesquisa: quantos anos Juanita é
sua aluna? Como você justificaria, no caso dessa aluna, o aumento das interferências lexicais
no segundo texto, após 4 anos de estudos nessa escola?
4- Me chamou a atenção no texto de Juanita e um texto produzido por outro sujeito da
pesquisa o uso da palavra cementia no lugar de semente. Sabemos que no espanhol o
vocábulo correspondente seria semilla. Como você analisaria essa ocorrência?
5 - A questão 9, relacionada ao texto intitulado “O bicho” exigia conhecimento do verbo no
gerúndio, pois o enunciado solicitava que fosse assinalada uma ação contínua do sujeito.
Perguntamos à Juanita o que ela entendia por “uma ação contínua do sujeito” e ela respondeu
que era uma ação que continuava. Portanto, não faltou conhecimento do conteúdo. A
alternativa “d”, marcada nas duas provas, é a única que apresenta o verbo no gerúndio
“catando comida entre os detritos”. No entanto, possivelmente por descuido, você sinalizou
como a resposta como errada. Se houve “erro” de fato, que resposta você esperava?
6 - Na interpretação do texto “A infância” Juanita reincidiu no erro em 3 das 4 questões refeitas,
ou seja, as de número 5, 6 e 7. Teve problemas também com as questões 9 e 10 relacionadas
ao texto “O bicho”. Como você justificaria essas dificuldades de interpretação?
7 - Em termos gerais, como você classificaria essa aluna hoje, ao entrar no nono ano?
8 Joselito entrou na Escola Brasiguaia em 2005, quando começou a cursar a série. Desde
quando você acompanha o aprendizado desse menino?
9 - No caso de Joselito, você entende que a prova de classificação foi eficaz?
10 - Apesar de não querer admiti-lo, Paquito ainda mistura bastante as duas línguas, português
e espanhol na escrita. Como você age nessas situações?
11 - Essa forma de avaliar se deve ao fato de você ser uma professora bilíngüe?
12- Comentemos um pouco as interferências identificadas no texto 1. Por exemplo, a trair ,
como você justificaria essa ocorrência, sendo que em seguida, no mesmo texto ele escreveu
atrai (em uma só palavra)?
13- Observa-se na ocorrência 5 a sinalização de ausência do artigo definido singular feminino
(a) antes do substantivo beleza. O que você acha que ocorreu aí?
168
14 - Como você justificaria o uso do “r” no lugar do “s” para indicar plural em “muito bichor
lindor”?
15- Você que acompanha esse menino nas aulas de português, como avalia o seu
desempenho?
16 - Percebe-se que na perspectiva escolar a maior dificuldade desse menino está relacionada
à produção textual. Miguelito apresenta problemas de estrutura, pontuação, linguagem
coloquial, interferências lexicais do espanhol, além de dificuldades com a concordância verbal
e nominal. O que você tem feito para atenuar essas dificuldades?
17 - Nota-se no texto a falta de noção de palavra. Esse tipo de ocorrência é comum na faixa
etária em que o menino se encontrava ao fazer a prova de classificação? (série) ou você
avalia como uma dificuldade particular de Miguelito?
18 - Esse aluno errou muitas questões de interpretação e cada vez que questionávamos a
razão ele alegava estar distraído na hora de responder. Ele apresenta dificuldades de
concentração em sala de aula?
19 - Professora, lembro que em um dos nossos contatos anteriores você insistiu na importância
do conhecimento do léxico. E foi justamente a falta de conhecimento das palavras sentimento e
sentimentalismo que dificultou a prova desse menino.
20 - Para finalizar, percebi durante a pesquisa, especialmente nos primeiros contatos com os
sujeitos da pesquisa, certo receio em participar do nosso estudo. Este medo se confirmou mais
tarde, nas entrevistas, quando, mais tranqüilos diziam ter medo de serem remanejados de
sala ou, até mesmo, mandados de volta às escolas paraguaias. Como professora, o que você
tem a dizer sobre essa atitude?
169
APÊNDICE 6 - Refacção das questões – JUANITA
Leia com muita atenção:
A árvore
A semente com o vento,
Caiu na terra fofinha.
Veio a chuva, veio o sol.
E brotou a sementinha.
O caule foi para cima.
A raiz firmou na terra.
A plantinha foi crescendo.
Bem lá no alto da serra.
Hoje tem frutos e flores.
E as folhinhas? São belas!
Até parece que o vento,
Brinca de pique com elas.
Dela tudo recebemos.
Até a sombra da ramada.
Eu chego mesmo a pensar
Que ali mora uma fada.
(Lucina M.M. Passos)
1) O que fez com que a planta firmasse na terra?
e. O caule foi para cima, a raiz firmou na terra.
f. A folha foi para cima, a raiz firmou na terra.
g. A flor foi para cima, a raiz firmou na terra.
h. O fruto foi para cima, a raiz firmou na terra.
2) Numa macieira nasceram 245 maçãs, foram colhidas 132 maçãs. Quantas maçãs restaram
na macieira?
e. 114 maçãs.
f. 113 maçãs.
g. 115 maçãs.
h. 112 maçãs.
3) Foram vendidos 3 feixes de cana. Cada feixe tinha 3 dúzias de canas. Quantas canas foram
vendidas no total?
e. 111 canas.
f. 109 canas.
g. 110 canas.
h. 108 canas.
4) Foram compradas duas zias de bananas para serem divididas entre 4 crianças. Quantas
bananas cada criança recebeu?
e. 6 bananas.
f. 4 bananas.
g. 12 bananas.
h. 8 bananas.
Leia o texto e responda as perguntas que o seguem:
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre as mangueiras lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
A ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
Chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha café gostoso, café bom.
170
Minha mãe ficava sentada cosendo olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito e dava um suspiro...que fundo.
Longe meu pai campeava no mato sem fim da fazenda.
Eu não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
5) Os personagens do texto são ativos e passivos. A atividade é revelada pelos verbos que
iniciam a ação. Marque a relação correta de pessoas e verbos ativos:
a. ( ) “Meu irmão pequeno dormia”.
b. ( ) “Minha mãe ficava sentada”.
c. ( ) “Meu pai montava a cavalo”.
d. ( ) “Minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé”.
6) O menino recorda uma figura quase lendária daqueles tempos de fazenda. Essa figura é:
a. ( ) Robinson Crusoé
b. ( ) o mato sem fim da fazenda
c. ( ) a velha ama preta
d. ( ) o berço onde pousou um mosquito.
7) Essa mesma figura aparece em outro poeta, num canto de simplicidade, candura e
recompenda. Assinale a relação entre elas:
a. ( ) Dona Inácia e Negrinha, de Monteiro Lobato
b. ( ) Capitu, de Machado de Assis
c. ( ) Iracema, de José de alencar
d. ( )Ireno no céu, de Manuel Bandeiras.
8) “E eu não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé”. Observando
a conclusão do autor, podemos dizer que o marinheiro solitário também pode representar:
a. ( ) Que todos nós somos um pouco de Robinson Crusoé, pois muitas vezes estamos na
solidão do nosso interior, diante somente de nós mesmos e de Deus.
b. ( ) Que o homem difere de Robinson Crusoé, pois hoje em dia não mais ilhas
isoladas perdidas pelo oceano.
c. ( ) Que a vida humana não tem sentido se não houver diversões, alegrias, passeios e
festas de grupos humanos.
d. ( ) Que o homem só é feliz se puder cumprimentar, amar e matar seu semelhante.
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa
Não examinava, nem cheirava
Engolia com voracidade.
O bicho não era cão
Não era gato
Não era rato
O bicho, meu Deus, era um Homem!
9) Marque uma ação que denota uma ação contínua do sujeito:
171
a. ( ) o bicho não era cão
b. ( ) não examinava nem cheirava
c. ( ) não era rato
d. ( ) catando comida entre os detritos
e. ( ) engolia com verocidade
10) Marque uma ação que denota uma “ação rápida do sujeito”:
a. ( ) não examinava nem cheirava
b. ( ) não era gato
c. ( ) Vi ontem um bicho
d. ( ) catando comida entre os detritos
e. ( ) engolia com verocidade
11) A causa principal de nossa admiração pela poesia é porque:
a. ( ) O autor retratou uma cena que humilha a nossa condição humana
b. ( ) O autor procurou comparar o homem com cães e gatos
c. ( ) O homem já não vive mais nesse ambiente de miséria
d. ( ) É falsa a notícia de que a humanidade passa fome
e. ( ) Dos pobres é o reino dos céus.
12) No texto, a palavra “pátio” pode muito bem representar um “depósito de lixo”; para nós,
entretanto, escolares, ela está ligada a um significado de:
a. ( ) descanso
b. ( ) aula
c. ( ) livro
d. ( ) silêncio
e. ( ) trabalho
13) Resuma a história:
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14. Observe a figura abaixo com atenção e escreva a sua história sobre o que você vê e
conhece a respeito do nascimento das plantas.
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172
APÊNDICE 7 - Refacção de questões de PAQUITO
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Brasil, o meu país!
O Brasil está localizado na América do Sul e possui limites com quase todos os países sul-
americanos, exceto Chile e Equador. O Brasil é o maior país sul-americano, com 8.547.403 km,
sendo o quinto maior país em extensão territorial do mundo e uma população de
aproximadamente 170 milhões de habitantes.
O Brasil está dividido em 26 estados e pelo Distrito Federal, onde está localizada a capital
do país Brasília e cerca de 4.200 municípios. Todo o seu litoral é banhado pelo Oceano
Atlântico.
O Brasil é conhecido pelo seu futebol, é recordista em Copas do Mundo, disputando todas
as copas. Conquistando o título de Penta Campeão. Destaca-se pela exuberância de sua fauna e
flora, colorindo um cenário deslumbrante que atrai turistas de todos os países. A maior
concentração de fauna do mundo é encontrada no Pantanal localizado parte em nosso estado
Mato Grosso do Sul – suja ave-símbolo é o tuiuiú.
O Brasil apresenta uma distribuição muito desigual da renda, onde poucos têm um bom
padrão de vida , com muita educação, saúde e alimentação. E a maior parte dos brasileiros não
tem dinheiro suficiente nem mesmo para as necessidades básicas.
1) Para termos um Brasil mais justo é preciso superar alguns desafios, que são:
e) O aumento da população;
f) A distribuição muito desigual de renda, onde muitos têm um bom padrão de vida;
g) A subnutrição, altos índices de mortalidade infantil, o desemprego e o aumento da
violência;
h) O aumento da violência nas grandes cidades.
2) Marcos foi ao pet shopping comprar 4,5 Kg de ração para seu cachorro, levou consigo uma
nota de R$ 20,00. se um quilo de ração custa 3,00, quantos Marcos trará de troco?
b) R$ 6,50
c) R$ 5,50
d) R$ 13,50
e) R$ 6,00
3) A distância entre Ponta Porã e Campo Grande é de 320 Km Pra chegar até Campo Grande
leva cerca de 5 horas de viagem de ônibus. Quantos Km o ônibus faz por hora?
e) 64 Km
f) 32 Km
g) 61 Km
h) 120 Km
Observe o desenho e escreva um texto falando um pouco da história, dos costumes e pontos
turísticos do Estado do Mato Grosso do Sul:
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5) Observe a figura e crie uma narrativa a partir da seqüência dos quadrinhos:
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6) Você acha que os seres humanos têm motivos para temer o futuro? Por quê? Que perigos, na
sua opinião ameaçam a humanidade? Existem meios de prevenir-se contra esses perigos?
Como?
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7) Os substantivos do quadro estão misturados. Separe os primitivos dos derivados e escreva-os
nas páginas do quadro ao lado:
cabelo
açougueiro
sapato fuzileiro
camisa
hoteleiro fuzil
cabeleireiro
relojoeiro
hotel
Primitivos
_____________________
_____________________
_____________________
_____________________
_____________________
Derivados
_____________________
_____________________
_____________________
_____________________
_____________________
8) Escreva no diminutivo plural os seguintes substantivos:
Princesa: _________________________
chapéu: _________________________
carão: _________________________
prisão: _________________________
pardal: _________________________
jornal: _________________________
lição: _________________________
verão: _________________________
jardim: _________________________
farol: _________________________
TEXTO: O LOBO E O MENINO
Era uma vez um lobo que andava com muita fome, e porta onde passasse, parava logo e punha-
se a cheirar! Farejou numa e ouviu uma criança a chorar lá dentro, e uma voz de mulher que dizia
assim:
- Não chores! Olha que se choras, chamo o lobo para vir te comer!
O lobo foi o que quis ouvir, e ficou-se à porta tempos esquecidos, e a lamber os beiços muito
consolado, mas à tarde, as palavras da mulher eram diferentes, porque dizia assim para o
menino chorão:
- Não chores, meu menino não chores. Anda que se aça vier o lobo havemos de mata-lo!
O lobo foi-se logo andando, mal ouviu isso, e ia então dizendo consigo:
- Olha, olha! Nesta casa dizem uma coisa e fazem outra.
Trindade Coelho
ESTUDO DO TEXTO:
8) no texto um verbo que normalmente se aplica à necessidade de alimento para os animais.
Esse verbo é:
a) ( ) andava b) ( ) parava c) ( ) farejou d)( ) chorar
9) No ambiente familiar do texto, o lobo é sinônimo de:
a) ( ) prêmio b) ( ) consolo c) ( ) castigo d) ( ) promessa
10) A primeira atitude da mãe diante do choro do filho foi de ameaça, entretanto, com o passar
das horas, a atitude materna passou a ser de:
a) ( ) satisfação b) ( ) consolo c) ( ) temor d) ( ) misericórdia
175
11) A retirada do lobo foi motivada pela:
a) ( ) falta de compreensão dos seres
humanos
b) ( ) contradição das afirmações
ouvidas
c) ( ) inutilidade de sua pessoa
d) ( ) procura de alimentos
12) Muitas vezes, pessoas, animais e objetos nos parecem bons ou maus conforme a:
a) ( ) utilidade b) ( ) beleza c) ( ) simpatia d) ( ) aparência
176
APÊNDICE 8 - Refação das questões: JOSELITO
________________________________________________________________________
Origem do nome de Ponta Porã
Antes de se chamar Ponta Porã, a nossa cidade e toda essa região de Pedro Juan
Caballero, era chamada de Punta Porã.
Antes da guerra do Paraguai, Ponta Porã, era apenas uma região deserta, habitada,
somente, por algumas tribos de índios, como os nhandevas e os caiuás, descendentes do povo
guarani, que viviam em harmonia com a natureza, caçavam, coletavam frutos e pescavam, além
do cultivo de pequenas roças.
Ponta Porã está situada na Serra de Amambaí, que é uma continuidade da Serra de
Maracaju. A serra e alguns capões de mata que aqui existiam, davam aspecto de beleza ao lugar,
que passou a ser denominado de Punta Porã, que quer dizer, Ponta Bonita, e, mais tarde, com a
chegada dos colonizadores, passou a ser denominada de Ponta Porã.
Assim, a origem do nome Ponta Porã, está ligada a três culturas: guarani, espanhola e
portuguesa.
Marque um X na resposta certa:
1) Antes de se chamar a nossa cidade Ponta Porã, qual era o seu nome anterior?
a. ( ) Pedro Juan Caballero
b. ( ) Punta Porã
c. ( ) Amambai
2) Produção de texto:
Baseado no texto faça uma linda produção contando sobre o desenvolvimento de Ponta Porã,
sendo uma cidade fronteiriça.
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Leia o texto e depois responda:
DORME, RUAZINHA....É TUDO ESCURO (Mário Quintana)
Dorme ruazinha...É tudo escuro
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos.
Dorme...Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem de guardas por acaso persegui-los
Na noite, alta, como sobre um muro
As estrelinhas cantam como grilos...
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
177
Dorme, ruazinha...Não há nada...
Só os meus passos...mas tão leves são,
Que até parecem, pela madrugada,
os da minha futura assombração.
3) Responda:
d. Com qual sentimento o poeta fala de sua rua?
________________________________________________________________________ .
e. Explique a comparação: “o vento enovelou-se como um cão”.
________________________________________________________________________ .
f. Qual é a única coisa que poderia perturbar o sono da ruazinha?
________________________________________________________________________ .
4) O texto é um poema e como tal tem uma série de particularidades. Responda:
a) De quantos versos se compõe o poema de Mário Quintana?
_________________________________________________________________________
b) De quantos quartetos e tercetos se compõe o poema? ____________________________
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa
Não examinava, nem cheirava
Engolia com voracidade.
O bicho não era cão
Não era gato
Não era rato
O bicho, meu Deus, era um Homem!
5) A causa principal de nossa admiração pela poesia é porque:
f. ( ) O autor retratou uma cena que humilha a nossa condição humana
g. ( ) O autor procurou comparar o homem com cães e gatos
h. ( ) O homem já não vive mais nesse ambiente de miséria
i. ( ) É falsa a notícia de que a humanidade passa fome
j. ( ) Dos pobres é o reino dos céus.
6) No texto, a palavra “pátio” pode muito bem representar um “depósito de lixo”; para nós,
entretanto, escolares, ela está ligada a um significado de:
f. ( ) descanso
g. ( ) aula
h. ( ) livro
i. ( ) silêncio
j. ( ) trabalho
178
APÊNDICE 9 - Refacção das questões – MIGUELITO
________________________________________________________________________
Leia com muita atenção:
A árvore
A semente com o vento,
Caiu na terra fofinha.
Veio a chuva, veio o sol.
E brotou a sementinha.
O caule foi para cima.
A raiz firmou na terra.
A plantinha foi crescendo.
Bem lá no alto da serra.
Hoje tem frutos e flores.
E as folhinhas? São belas!
Até parece que o vento,
Brinca de pique com elas.
Dela tudo recebemos.
Até a sombra da ramada.
Eu chego mesmo a pensar
Eu ali mora uma fada.
1) O que fez com que a planta se firmasse na terra?
e. ( ) O caule foi para cima, a raiz firmou na terra.
f. ( ) A folha foi para cima, a raiz firmou na terra.
g. ( ) A flor foi para cima, a raiz firmou na terra.
h. ( ) O fruto foi para cima, a raiz firmou na terra.
2) Como a planta está hoje?
e. ( ) Hoje tem folhas e sem frutos.
f. ( ) Hoje tem frutos e flores.
g. ( ) Hoje tem raiz e não tem folhas.
h. ( ) Hoje tem folhas e não tem raiz.
3) foram compradas duas dúzias de bananas para serem divididas entre 4 crianças. Quantas
bananas cada criança receberá?
e. ( ) 6 bananas
f. ( ) 4 bananas
g. ( ) 12 bananas
h. ( ) 8 bananas
4) Observe a figura abaixo com atenção e escreva a sua história sobre o que você vê e conhece a
respeito do nascimento das plantas.
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179
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Leia o texto e responda as perguntas que o seguem:
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre as mangueiras lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
A ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
Chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha café gostoso, café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito e dava um suspiro...que fundo.
Longe meu pai campeava no mato sem fim da fazenda.
Eu não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
5) O poeta não toca nos sentimentalismos paternos e, por isso, sentimos no texto uma ausência
de:
e. ( ) justiça
f. ( ) dinheiro
g. ( ) paz
h. ( ) carinho
6) O menino recorda uma figura quase lendária daqueles tempos de fazenda. Essa figura é:
e. ( ) Robinson Crusoé
f. ( ) o mato sem fim da fazenda
g. ( ) a velha ama preta
h. ( ) o berço onde pousou um mosquito.
7) A expressão que responde ao item anterior é:
e. ( ) “uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala”
f. ( ) “lia a história de Robinson Crusoé”
g. ( ) “lá longe meu pai campeava”
h. ( ) “Psiu...não acorde o menino”.
Leia o texto e depois responda:
DORME, RUAZINHA....É TUDO ESCURO (Mário Quintana)
Dorme ruazinha...É tudo escuro
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos.
Dorme...Não há ladrões, eu te asseguro...
180
Nem de guardas por acaso persegui-los
Na noite, alta, como sobre um muro
As estrelinhas cantam como grilos...
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha...Não há nada...
Só os meus passos...mas tão leves são,
Que até parecem, pela madrugada,
os da minha futura assombração.
8. Responda:
a. Com qual sentimento o poeta fala de sua rua?
______________________________________________________________________________
b. Explique a comparação: “o vento enovelou-se como um cão”.
______________________________________________________________________________
c. Qual é a única coisa que poderia perturbar o sono da ruazinha?
______________________________________________________________________________
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa
Não examinava, nem cheirava
Engolia com voracidade.
O bicho não era cão
Não era gato
Não era rato
O bicho, meu Deus, era um Homem!
9) A causa principal de nossa admiração pela poesia é porque o autor retratou uma cena que
humilha a nossa condição humana. Essa admiração nos dá um sentimento de:
f. ( ) prazer
g. ( ) admiração
h. ( ) pena
i. ( ) desprezo
j. ( ) força
10) Resuma a história:
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