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A Ambigüidade da Visão das Esposas
Espartanas
Isabel Sant’Ana Martins Romeo
Rio de Janeiro
2006
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
Orientador: Fábio de Souza Lessa
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
Orientador: Fábio de Souza Lessa
A Ambigüidade da Visão das Esposas
Espartanas
Isabel Sant’Ana Martins Romeo
Dissertação apresentada à Coordenação
do Programa de Pós-Graduação em
História Comparada, visando a obtenção
do título de Mestre em História
Comparada.
Rio de Janeiro
2006
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
Orientador: Fábio de Souza Lessa
A Ambigüidade da Visão das Esposas
Espartanas
Isabel Sant’Ana Martins Romeo
Dissertação apresentada à coordenação do Programa de Pós-Graduação em
História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ,
visando a obtenção do título de mestre em História Comparada.
Examinadores:
________________________________
Profº Drº. Fábio de Souza Lessa – UFRJ
________________________________
Profª Drª. Maria Regina Candido – UERJ
________________________________
Profº Drº. José Francisco de Moura – UVA
Rio de Janeiro
2006
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ROMEO, Isabel Sant’Ana Martins. A Ambigüidade da Visão das Esposas
Espartanas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro/
Programa de Pós-Graduação em História Comparada, 2006. Dissertação
de Mestrado em História Comparada.
1- História de Gênero 2- Esparta 3- Grécia Clássica 4- Identidade/ Alteridade
5- Análise do Discurso
v
Resumo
Estudo comparado que desenvolve o sentido e o alcance da construção da
identidade das espartanas “bem-nascidas” no período compreendido entre o V e
o IV século a.C.. A partir do pressuposto de que as identidades adquirem
sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos os quais são
representadas, analisamos comparativamente as obras de Aristóteles, Tucídides,
Píndaro, Plutarco, Platão e Xenofonte no intuito de compreender essa
construção identitária. Na Grécia, embora existam pequenas diferenças nos
dialetos locais, o tronco simbólico e lingüístico é o mesmo. Ou seja, a
representação enquanto processo cultural produz significados que permeiam
todas as relações sociais e oferecem sentido à experiência cotidiana grega. Nosso
trabalho indaga a historiografia e a imagem construída da espartana e de
Esparta as quais, mesmo quando questionadas, ainda são utilizadas como
cópias fiéis da Esparta que um dia existiu na História.
vi
Abstrat
Comparative study that develops the sense of the construction and the
place of the Spartan upper class women’s identities construct in the period
between V and VI centuries B. C.. Knowing that the identities only acquire sense
in through the language and symbolic systems, we analyzed the works of Plato,
Aristotle, Plutarch, Thucydides, Pindar and Xenofonte in order to understand
these constructions of identities. In Greece despite each pólis’s specific way of
life, the symbolic and linguistic roots are the same. There is a cultural
representation that put out social life and give a true meaning to their quotidian
experience life. The Sparta history is only possible if we believe in it. This work
will question the Sparta historiography and its image that even when
questioned, it is still utilized as a faithful copy of Sparta, that once existed in
History.
vii
Agradecimentos
Agradeço em primeiro lugar ao meu maravilhoso orientador, Fábio Lessa
pelo carinho, paciência, “toques importantes”, pela proteção e confiança, a
Maria Regina e ao José Francisco pela paciência e pelo grande apoio
historiográfico e documental sem o qual não conseguiria expor tão bem esse
trabalho. Aos outros professores do PPGHC/amigos do programa que direta ou
indiretamente me ajudaram com indagações e reflexões sobre o meu trabalho,
aos meus pais, a Aiune que gastou seu tempo para me auxiliar com as buscas na
internet, as minhas “companheiras de luta” Fernanda (não podia deixar essa
tradutora de lado!), a Bárbara e Angélica pela força nos momentos de
“enlouquecimento”, a todas as minhas “fofíssimas” professoras de grego
(Alessandra, Dulce e Luciene), aos meus amigos Érica, Filipe e Isa, aos meus
queridos irmãos que me ajudaram sem perguntar, ao meu grande amor e futuro
(próximo) marido Edvaldo. Por último deixo meu eterno agradecimento ao
pessoal da Ramatis (dos dois lados) que me ajudaram psicologicamente e
intuitivamente nessa caminhada. Meu muitíssimo obrigada a todos!!!
viii
Sumário:
Introdução 10
Capítulo I – Discutindo os discursos 22
1-A Historiografia e os Modelos de Esparta 26
2-Identidades e Alteridades nas Construções de Esparta 39
3-As Lacedemônias: Autonomia e Liberdade 44
Capitulo II – Esparta aos Olhos dos Gregos 49
1-Esparta: a Pólis de Licurgo e dos Espartanos 53
2-Comparação, Delimitação, Desmedida 60
3-O Espaço Feminino na Pólis 65
Capítulo III – A Construção dos Discursos 78
Comparações, Percepções e Prudência 87
Conclusão 101
Bibliografia 105
ix
Diante da imensidão do cosmo,
os tempos da história humana e
as pretensões humanas são
insignificantes. Se pudéssemos
nos comunicar com um
mosquito, descobriríamos que
até o mosquito se acha o centro
do mundo. Mas a pretensão do
homem de conhecer a verdade,
além de ser efêmera, é também
ilusória.
Carlo Ginzburg
...o que isso quer dizer é que
saberíamos muito mais das
complexidades da vida se nos
aplicássemos a estudar com
afinco as suas contradições em
vez de perdermos tanto tempo
com as identidades e as
coerências, que essas têm
obrigação de explicar-se por si
mesmas.
José Saramago
Para Ed, Tavo e Dada
x
Introdução
Entre os séculos VIII e VI a.C
1
, ocorreram mudanças sociais que
influenciaram não somente as instituições políticas como também a visão de
mundo dos cidadãos lacedemônios. Com a formação hoplítica, a virtude
individual perde terreno para a coletividade.
O guerreiro que antes ligava-se a thymós
2
(vontade, desejo, valor, ira,
coração), isto é, agir com pouco pensar em busca de reconhecimento pessoal,
carecia de um maior domínio de si, de bom senso, sophrosíne
3
. A luta agora é
feita em conjunto. A unidade da formação hóplita tornava o guerreiro
responsável por ele e pelos seus companheiros.
Essa valorização do bom senso e da moderação não se limitava à
Lacedemônia, mas também era apreciada por toda a Grécia, como explica
Vernant:
“A dignidade do comportamento tem uma significação institucional,
exterioriza uma atitude moral, uma forma psicológica, que se impõe
como obrigação: o futuro cidadão deve ser exercitado em dominar
suas paixões, suas emoções e seus instintos (a agogé lacedemônia é
precisamente destinada a experimentar esse poder de domínio de si).”
(VERNANT, 1992, pp. 64-65)
Assim, a alteração na formação de guerra transformou profundamente a
sociedade fundamentada na produção de guerreiros. Essas são questões comuns
1
Todas as datas presentes nesta dissertação referem-se ao período anterior ao nascimento de
Cristo. Caso nos remetamos ao período posterior, prestaremos o devido esclarecimento.
2
Θυµός
3
Σωφροσύνη
xi
a diversos estudiosos de Esparta, mas o que parece não ter explicação é o
desregramento
4
atribuído às mulheres desta pólis.
Em 1998, surgiu nosso primeiro interesse pelas mulheres de Esparta. A
pouca freqüência com que elas apareciam na historiografia de certa forma nos
instigava. A partir daí, procuramos nos aprofundar nesse objeto tão obscurecido
pelas limitações da documentação que a ele se referem. Quanto mais
conhecimento adquiríamos, mais estranha nos era a idéia de liberdade tão
associada às esposas da lis de Leônidas. Liberdade associada a três eixos
principais: o fato de herdarem a terra, a prática de exercícios no espaço público
e a liberdade sexual. Nosso trabalho busca romper com essa visão
demonstrando que o modelo espartano está em total acordo com os princípios
de Esparta e da Grécia como um todo. Defendemos que afirmar a existência de
uma liberdade feminina pode ser, no mínimo, perigoso.
Nosso estudo não pretende ressaltar diferenças políades. Pelo contrário,
nossa proposta é questionar a identidade Grécia/Atenas que desde muito tempo
é trabalhada como sinônimo, excluindo todas as especificidades locais das
demais leis. Desta forma, Esparta se torna visível como contraparte, o outro.
Dissertando sobre essa situação, Redfield escreve: “Os espartanos são eles
próprios gregos e formularam e desempenharam algumas idéias gregas; sua
experiência prática era uma das origens da tradição utópica grega e vice-versa”
(REDFIELD, 1977/1978, p. 147).
Trabalhando com esse conhecimento, questionamos como Esparta pode
ser o outro, o diferente, se a documentação insiste em transmití-la como modelo
4
A referência comumente traduzida por licenciosidade na obra Política de Aristóteles é των
γυναικων άνεσις, que significa afrouxamento das regras àquilo referente às mulheres,
frouxidão, no caso específico em relação às mulheres lacedemônias.
xii
ideal a seguir? Como é possível o padrão encontrar-se fora da norma?
5
Todavia, vale lembrar que a maioria dos autores que trabalham a miragem
espartana deixa as mulheres às margens desse conceito
6
.
No livro organizado por Tadeu da Silva (SILVA: 2000), Kathryn
Woodward enuncia que as identidades adquirem sentido por meio da
linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas. Assim, a
identidade é construída tanto simbolicamente como socialmente. “Os discursos
e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os
indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar”
7
(WOODWARD, 2000, p. 17). Na Grécia, embora existam pequenas diferenças
nos dialetos locais, o tronco simbólico e lingüístico é o mesmo. Ou seja, a
representação enquanto processo cultural produz significados que permeiam
todas as relações sociais e oferecem sentido à experiência cotidiana grega.
Em O Orientalismo, Edward Said trabalha com os discursos ocidentais
sobre o Oriente. Ele coloca que:
“... é a Europa que articula o Oriente. Essa articulação é a prerrogativa
não de um marionetista, mas de um genuíno criador, cujo poder de
dar vida representa, anima e constitui aquele espaço além das
fronteiras que sem isso seria silencioso e perigoso” (SAID, 1990, p.
67).
Quando encaramos Esparta, apesar de contarmos com pessoas que
viveram e contaram sobre sua história, não encontramos nenhum documento
textual escrito por um(a) espartano(a). Dessa forma, nossa base encontra-se na
5
Numa outra hipótese poderíamos vincular a miragem espartana e a desmedida das
espartanas. Como num jogo de contrapontos, a miragem ressaltaria a bravura masculina e
desqualificaria o desprendimento feminino em Esparta.
6
Sobre o conceito de miragem espartana ler: MOURA, 2000.
7
Lembramos que se o poder está ligado ao processo de significação logo, no discurso e, se
nossos discursos não são espartanos, todo o espaço autorizado culturalmente como Esparta é
oferecido por aqueles que atribuíram sentido a Esparta na Antigüidade. Isto é, o sentido
atribuído a Esparta pelos discursos é geralmente confundido com aquilo que realmente existiu.
xiii
criação de uma Esparta que, apesar de possuir laços com outras póleis enquanto
parte do mundo grego e uma vez inserida em uma mesma língua, em um
mesmo sistema de valores, possui especificidades geradoras e reprodutoras de
toda uma lógica social interna.
É nessa lógica própria que suas mulheres estão incluídas. Isto é, as
mulheres espartanas são peças-chaves na construção e na reprodução daquilo
que os antigos descreveram como Esparta. Nessa linha de raciocínio, sua
suposta liberdade defendida pela historiografia e ratificada pela
documentação textual não passa de uma dinâmica socialmente moldada que
assegura a reprodução e o resguardo da sociedade. Nas palavras de Aristóteles:
“o legislador, querendo que toda comunidade fosse igualmente
belicosa, atingiu claramente seu objetivo em relação aos homens, mas
falhou quanto às mulheres, que vivem licenciosamente, entregues a
todas as formas de depravação e da maneira mais luxuriosa. Disto
resulta inevitavelmente que numa cidade assim estruturada a riqueza
é excessivamente apreciada, especialmente se os homens se deixam
governar pelas mulheres” (ARISTÓTELES. Política, II, 1270 a).
O filósofo relaciona a comunidade como indústria de guerra em
contradição com o fato das mulheres governarem seus homens. O que de fato a
priori causa estranheza foi a maneira pela qual a sociedade pôde manter-se. O
conceito estabelecido de falha está incluso no sistema de valor do filósofo e o
paradoxo é: como as mulheres possuem tanto poder, em uma sociedade de
guerreiros como a espartana?
A relatividade perpassa a ordem do discurso, pois para Aristóteles, o
espaço ideal feminino é o da reclusão. A sociedade espartana foi o que foi,
porque seu funcionamento foi tal como o estabelecido. As mulheres eram
extremamente necessárias para a reprodução dos valores militares.
xiv
A suposta ambigüidade existente quando comparamos a postura
guerreira masculina e a liberdade feminina se perde quando enfocamos esses
padrões como meios de reprodução social.
As categorias estabelecidas por Aristóteles para a compreensão social de
Esparta não possuem sentido se não observarmos sua postura como parte dos
valores gregos e, principalmente, em simbiose com o seu papel na sociedade
ateniense. O próprio conceito originário do grego kategoréo
8
que significa
acusar publicamente, revelar, isto é, a manifestação do que é o outro delineia
conceitos genéricos que hoje incluímos como significado da palavra categoria.
Quanto menos autorizado um autor que deseja impor sua visão ou
posição particular for, menor a eficiência em se fazer reconhecer, isto é, de
exercer um efeito simbólico (BOURDIEU, 1989, p. 146). “O poder simbólico é,
com efeito, esse poder invisível o qual pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
exercem.” (BOURDIEU, 1989, pp. 07-08)
Geralmente, são os historiadores aqueles que reconhecem a autoridade
do filósofo. Com isso, tentam driblar a falta de documentação escrita e
principalmente a falta de documentação espartana. Não desmerecemos o que foi
escrito por Aristóteles, tanto que a Política é obra importante em nosso corpus
documental. Entretanto, reconhecemos interesses e a posição social do filósofo
na articulação do discurso, por isso nosso cuidado.
Quando nos remetemos à posição social, muitas vezes limitamos os
espaços de atuação de gênero. Michelet identificava as mulheres com a esfera
privada e acreditava que se estas começassem a atuar no espaço público
8
Κατηγορέω.
xv
ocasionariam um desequilíbrio na história, pois a própria relação entre os sexos
é um dos motores da História (MICHELET, 1995, pp. 23-44).
Nós, historiadores, devemos estar atentos à noção de pluralidade e de
mudanças sociais em relação ao estudo de gênero. A identidade é dinâmica, e o
conceito de gênero é aprendido de diversas formas nos diferentes grupos
sociais. As mulheres são diferentes entre si. Este é o primeiro passo para um
estudo que questiona o estereótipo.
As palavras são históricas. Ao explicar a História de Gênero, Joan Scott
diz que sua idéia é descobrir o leque de papéis e de simbolismos sexuais nas
diferentes sociedades e períodos, é encontrar qual era o seu sentido e como eles
funcionavam para manter a ordem social ou para mudá-la” (SCOTT, 1995, p.
72). Quando trabalhamos com gênero, devemos atentar não para o discurso,
em sua maioria masculino, mas também para pequenos detalhes ou pequenas
ausências que nos ajudam na construção do nosso próprio discurso. “O
essencial é identificar, para cada configuração histórica, os mecanismos que
enunciam e representam como ‘natural’ e biológica a divisão social dos papéis e
das funções” (SOIHET, 1997, p. 107).
A organização da sociedade Espartana do V século estava vinculada a
valores militares e a qualidades físicas. Estes são difundidos pelas instituições
educativas nas quais as mulheres também estão inseridas. James Redfield
chama atenção para as mulheres de Esparta como ferozes realizadoras do
código guerreiro. E acrescenta que, para compreensão destas, faz-se necessário
um estudo sobre todo o sistema espartano. Até porque, aquelas mulheres
possuem significado no seu meio cultural (REDFIELD, 1977/1978, p. 149).
Delineamos modelos. E no que se refere às lacedemônias, o modelo de
mulheres da aristocracia. Sabemos que as mulheres, mesmo aquelas que
xvi
compartilham um mesmo status social, não são iguais
9
e muitas vezes o modelo
acaba obscurecendo a existência de singularidades. Contudo, por fazerem parte
de uma mesma cultura e de um mesmo grupo social, alguns traços comuns
podem ser detectados e afirmados como pontos de identidade.
Aplicaremos à pesquisa a Análise de Discurso
10
. Apreendemos os textos
como produtos sociais e vinculadores de sentido. Atentamos para o espaço da
fala e o do silêncio, as ambigüidades, as concordâncias, sem deixar de lado o
contexto espartano no seio do mundo grego.
Ordenamos os discursos através da comparação dos mesmos,
obviamente respeitando as diferenças temporais. Trilhamos uma comparação
que delimita semelhanças e diferenças existentes não somente entre os autores,
quando se remetem às esposas espartanas, mas também o confronto
comparativo dos espaços de atuação dos diferentes gêneros e o cotejo dos
modelos atenienses e espartanos enquanto possibilidades gregas.
Nesta dissertação, seguiremos a linha de comparar o comparável,
proposta por Marc Bloch. Mais do que uma comparação entre sociedades de
proximidade espacial e temporal, nos ocuparemos de sociedades idênticas e
opostas, no interior de um jogo de imagens que se atraem e se afastam mutua e
constantemente.
O grande historiador francês informava que a História era o estudo do
homem no tempo. Isso parecia ser nossa grande diferença em relação aos
estudos da sociologia. O medo constante dos temíveis anacronismo e
etnocentrismo era a marca que denegria o método comparativo. Os críticos
ainda hoje questionam que em um estudo dessa natureza utilizamos nossa
9
Não podemos mais falar em classificações naturais, agrupam-se elementos semelhantes,
entretanto, esses elementos não são idênticos e conservam especificidades (BOURDIEU, 1989,
p.114).
10
Ver PINTO: 2002; DOOLEY: 2003; ORLANDI: 2001/ 2005.
xvii
cultura como base. Mas será que alguém é capaz de fazer diferente? Afinal
somos frutos de nosso tempo, ou não?
Apesar da linha de Bloch, nos permitimos tomar emprestados alguns
conceitos bastante pertinentes na comparação do incomparável, Detienne. Em
primeiro lugar, a percepção da sociedade como um conjunto complexo e infinito
de elementos inseridos em relações e práticas sociais, onde acontecem as
articulações humanas de um determinado tempo e espaço (BUSTAMANTE &
THELM, 2003, p. 11). Além disso, não existe necessariamente uma linearidade,
uma causalidade ou evolução dos fenômenos sociais. A comparação é inovadora
na medida que percebe o pesquisador (enquanto sujeito) em relação com o
objeto de pesquisa.
Focados na construção dos discursos e em seu processo de significação,
trazemos à tona as construções culturais e as organizações discursivas. Os
discursos são compreendidos em sua influência na historiografia, em seu padrão
para as generalizações e nas características destacadas como específicas de
Esparta e nas que conferem a identidade grega.
Buscamos, a partir da análise comparativa dos discursos, distinguir
nessas mulheres as similitudes, onde a finalidade das mesmas (sejam de Atenas
ou Esparta) era a procriação. A diferença entre elas encontra-se na sensibilidade
em relação às condutas femininas para o nascimento de crianças perfeitas.
Poderemos, então, questionar uma historiografia que sempre tratou a Grécia
Antiga a imagem e semelhança de Atenas e que sempre delimitou as diferenças
da pólis de Péricles diante da pólis de Licurgo.
xviii
Reconhecemos as mulheres como produto cultural
11
(HUFTON, 1998, p.
243), construção historicamente datada e localizada, determinante no seu
comportamento e na sua apreensão do mundo. Estamos alertas ao fato de que
as mulheres devem ser compreendidas em seu contexto. Mas o estudo das
lacedemônias, assim como de quaisquer outras, não deve acontecer isolando-as
dos homens, pois sem eles a dinâmica cultural da sociedade se perde. Para
compreensão do contexto, é necessário observar homens e mulheres que o
constituem; criando e recriando-o.
Aymard diz que, quando a História caminha pela comparação, ela
parece não mais se distinguir da sociologia, porque o objetivo é compreender
uma sociedade (AYMARD, 1990, p. 271). Ponto corrente nos estudos
comparativos é a preocupação com o contexto. Assim, fica evidente nosso
objetivo quando tratamos da relação entre os sexos. Não se trata de uma
comparação pura e simples, mas sim da observação minuciosa de valores e
crenças imersos culturalmente na sociedade que pretendemos conhecer.
Quando conhecemos o contexto, a possibilidade de anacronismo e quiçá de
etnocentrismo tendem a diminuir.
Nosso trabalho indaga a imagem construída de Esparta. Imagem essa
que mesmo quando questionada ainda é utilizada como pia fiel da Esparta
que um dia existiu na História. Intentamos, apesar de já nos inserirmos na
imagem construída, repensar e principalmente re-focar o olhar.
E para tanto, a análise dos discursos é fundamental para avaliarmos
“criticamente os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos
vinculados àqueles produtos na sociedade” (PINTO, 2002, p. 11). Nossa análise
11
Quando trabalhamos as mulheres como produtos culturais, não estamos negando seu papel
ativo na formação e reprodução da cultura onde estão inseridas, nem excluímos os homens
indivíduos do sexo masculino - desse processo (ativo/passivo).
xix
não se limitará aos discursos construídos na época, mas reunirá também as
construções historiográficas referentes a tais discursos. Quais interpretações
foram dadas? Elas encontram-se contextualizadas? Como o contexto foi
construído? Em que bases se formaram? Será que as práticas sociais das
espartanas bem-nascidas foram analisadas como partes de um discurso que em
nenhum momento tencionou objetividade?
Ao invés de nos embrenharmos na busca incansável de delinear rostos
espartanos que só existem enquanto discursos, pesquisamos o porquê foi dito o
que foi dito sobre as esposas espartanas e revelado o que foi revelado (da forma
em que foi revelado). Como explica Sourvinou-Inwood (SOURVINOU-
INWOOD, 1995, pp. 111-120), quando nos calcamos em modelos antropológicos
como geralmente acontece no estudo da Antiguidade Clássica muitas vezes
esquecemos que a realidade que tomamos como verdadeira também é uma
construção do próprio pesquisador.
Foucault já elucidou que o discurso regulariza, policia e estabelece a
fronteira entre o que é e o que não é. Esse é o mecanismo do poder. O próprio
enunciado manipula a realidade, ainda mais se tratando de uma sociedade tão
afastada temporalmente.
“Não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e o que não se diz;
é preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como
são distribuídos os que podem e os que não podem falar, que tipo de
discurso é autorizado ou que forma de discrição é exigida a uns e
outros. Não existe um só, mais muitos silêncios e são parte integrante
das estratégias que apóiam e atravessam os discursos(FOUCAULT,
1988, p. 30).
Ponderando de forma qualitativa, dialogamos com Sarah Pomeroy,
Claude Mossé, Paul Cartledge, entre outros que, de uma forma ou de outra,
tentam delimitar espaços na sociedade herdeira de Licurgo. Quanto à nossa
xx
documentação, escutamos as vozes de Aristóteles, Xenofonte, Platão, Plutarco,
Píndaro e Simônides
12
. Optamos por trabalhar com Plutarco, apesar de sua
distância temporal, devido à sua inegável contribuição para a história de
Esparta. A proximidade temporal pode permitir uma maior identidade e, de
certa maneira, confundir o estudioso. Em nosso caso, tanto o próximo quanto o
distante, estão carregados de imagens miragens, o que de certo modo dificulta a
assimilação do contexto social e de sua harmonia apesar das especificidades.
13
A princípio, nosso plano era partir da documentação para a
historiografia, mas decidimos pelo caminho inverso, pois nosso questionamento
principal partiu das interpretações dos documentos, isto é, da historiografia
edificada sob a documentação. Outra opção foi nos limitarmos à documentação
textual e às estelas funerárias devido ao pequeno espaço voltado para o
feminino na documentação imagética espartana e, acima de tudo, à restrição
temporal do curso de mestrado.
Esta dissertação está estruturada em três capítulos: Discutindo os
Discursos, Esparta aos Olhos dos Gregos, A Construção dos Discursos. No
primeiro capítulo, trabalharemos com a análise historiográfica: o que se diz,
quais modelos foram utilizados, partindo de que dados e fundamentando quais
hipóteses, como a realidade grega foi apreendida e como o contexto foi
construído pelos historiadores? Em Esparta aos Olhos dos Gregos,
indagaremos a documentação, seus discursos, seus silêncios, seu contexto, seus
conceitos, seus autores”. No terceiro capítulo, vamos moldar nosso discurso e
suas próprias construções em constante diálogo com a documentação e com a
12
Política, A constituição dos Lacedemônios, A República e As Leis, Moralia e Vidas Paralelas,
Obras Completas e fragmentos, respectivamente.
13
Como bem nos explica Orlandi: “Embora o texto se apresente, para o analista, como uma
unidade imaginária, enquanto manifestação material concreta do discurso ele se oferece como
um excelente observatório do funcionamento simbólico” (ORLANDI, 2001, 12).
xxi
historiografia corrente, não esquecendo do paralelo de gênero comparando
espartanos e espartanas e da articulação Esparta/Atenas e Esparta/Grécia.
Dessa forma, questionamos e construímos um novo olhar.
xxii
Capítulo I
Discutindo os Discursos
O título sugestivo deixa claro nosso objetivo neste primeiro capítulo.
Entretanto, como foi exposto na introdução, os discursos que aludimos aqui
referem-se, principalmente, à historiografia. Mas porque ela? Por que não partir
para a documentação e comprovar as hipóteses que parecem dissonar daquelas
que mostraremos aqui? Para respondermos, vale relembrar um pouco sobre o
paradigma pós-moderno.
Na introdução de Domínios da História, Ciro Flamarion Cardoso
escreve sobre a influência pós-moderna nos estudos voltados para História
enquanto contraponto do paradigma iluminista que buscava uma História com
aspirações científicas e racionais.
“Acreditava-se que, fora de tal atitude básica, o saber histórico não
responderia às demandas surgidas da práxis social humana no que
tange à existência e à experiência dos seres humanos no tempo, nem
seria adequado no enfoque da temporalidade histórica como objeto”
(CARDOSO, 1997, p.4).
Críticas apontavam falhas no paradigma iluminista. Censuravam a
idéia de progresso e a própria racionalidade dos discursos historiográficos na
medida em que reconheciam o poder nos próprios discursos. Além disso,
muitos estudiosos incomodavam-se com a falta de preocupação da História com
o indivíduo, o subjetivo. “Os últimos anos do século XIX caracterizaram-se,
então, por um mal-estar teórico e epistemológico entre os cientistas naturais,
similar aos cientistas sociais da atualidade” (CARDOSO, 1997, p.13).
A partir daí, começa a construção do paradigma pós-moderno, onde
declarou-se a morte aos centros centro entendido como lugar de fala pois
xxiii
todas as posturas não são legítimas ou naturais, mas articulam interesses, visões
particulares imersas em poderes. A História cede terreno para Histórias. Assim,
compreenderam que:
“Todas as representações humanas de todos os tipos são
simbolicamente mediadas. Em outras palavras, o conhecimento
humano em todas as suas formas tem a ver com linguagens (no
sentido semiótico: verbais tanto quanto não-verbais) e processos de
significação (semioses)” (CARDOSO, 1997, p.18).
O anseio pela verdade abriu caminhos para a aceitação de múltiplos
olhares e de diversas verdades graças ao reconhecimento da historicidade da
própria História. Essa trilha reconheceu na própria historiografia uma
construção. E, com esse ponto clarificado, respondemos a nossa primeira
pergunta.
Como a maioria dos estudiosos, nosso primeiro contato com as esposas
lacedemônias foi através da historiografia onde o estereótipo de liberdade e
autonomia jamais conquistado por nenhuma outra mulher no mundo antigo
era, e ainda é, muito latente. Construções evidentemente embasadas na
documentação escrita do mesmo período. Porém, ao retornarmos para esses
escritos, uma nova interpretação aconteceu, não que esta seja especificamente
revolucionária ou coisa parecida. Um novo olhar, uma constatação interessante
e capaz de transformar as construções e considerações geradas ao redor destas
mulheres.
Iniciamos por estas construções historiográficas, porque muitas vezes
elas direcionam olhares dos historiadores e criam a verdade. Os olhos ficam tão
acostumados a certas relações e percepções que acabam direcionando as
pesquisas para lugares conhecidos. Não entendemos esse adestramento como
algo negativo, muito pelo contrário, é preciso estabelecer princípios básicos e
xxiv
aceitos para que o aprofundamento nos objetos de investigação aconteça. Sem
eles, haveria uma dificuldade maior para avançarmos nas pesquisas. “A obra
historiográfica é, pois, uma das formas possíveis de representação
14
do passado,
o que leva a dar relevância, e submeter a discussão dois conceitos: verdade e
verossimilitude” (VALDIVIESO, 2004, p.14).
Trabalhando de forma qualitativa e com historiografia geralmente
recente, percebemos forte vinculação dos estudos sobre as esposas espartanas e
a história de gênero.
Foi definitivamente na segunda metade do século XX que a História
rendeu-se a temas e grupos sociais até então excluídos. Em muitos casos
relacionado aos movimentos feministas, o estudo das mulheres no Brasil
ganhou força na década de 1980 e modificou de vez a antiga forma de se fazer
História. Até finais de 1970, os historiadores sociais compreendiam mulheres
como uma categoria homogênea de pessoas biologicamente femininas que,
apesar de contextos e papéis sociais diferentes, existiam enquanto essência
inalterável (Ver: SCOTT, 1995; BURKE, 1992; SOIHET, 1997 e TILLY, 1994.).
As tensões na disciplina História das Mulheres
15
aparecem justo
quando questionaram essa categoria essencial e reconheceram as mulheres
como múltiplas e diferentes. Emerge daí a História de Gênero; “a palavra [que]
indica uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como
‘sexo’ ou ‘diferença sexual’” (SOIHET, 1997, p.279).
14
Representação é compreendida aqui como fruto do trabalho do historiador plasmada em uma
narração; adquirindo assim forma narrativa numa proposição historiográfica.
15
“Longe de supor uma especialização ou subdisciplina histórica, a aparição da história das
mulheres um molho de enfoques historiográficos recentes e inovadores, pois como tal de
ser entendida desde agora para não gerar equívocos provoca trocas muito importantes na
historiografia em geral, dando prosseguimento a percepções distintas da natureza do cultural,
ampliando este âmbito conceitual extraordinariamente e, sobre tudo, reavaliando a relação dos
atores sociais com o poder, inclusive considerando profundamente este mesmo conceito.”
(SANDOICA, 2004, p.30). Segundo essa mesma autora, existe um discurso próximo ou vizinho
a história das mulheres” que existe desde a antiguidade, e este, não tem nada de ingênuo, mas
sim, constrói uma categoria biológica e social de mulher.
xxv
Partindo do pressuposto que compreender é interpretar e que toda a
compreensão depende dos contextos e jogos lingüísticos preexistentes que são
expressos nos discursos, escapamos da homogeneidade do discurso
dominante quando percebemos ali, mais que um ponto de vista, a construção de
uma verdade imersa num conjunto delas. Neste caso, como todos os atores
sociais, as mulheres são construções discursivas.
Seja como for, a História de Gênero é sempre relacional, obrigando os
estudiosos a uma estratégia metodológica relacional (de comparação) e política.
Apesar de muitos historiadores discordarem desse último ponto, entendemos
todas as histórias sob o aspecto de história política, como expressão de um
olhar, de uma interpretação, e enquanto escolha de um sujeito de conhecimento
em relação a documentação, bibliografia, métodos, teorias e visões de mundo
que obviamente influem no trabalho final.
Não se trata de estudarmos experiências, mas construções, isto é,
compreender os homens e as mulheres espartanos como categorias discursivas,
produtos culturais dotados de intenções e poderes que se reproduzem e se
transformam pelo tempo. “Interessam-me a determinação histórica dos
processos de identificação e de individualização dos sujeitos e de constituição de
sentidos, assim como sua formulação e circulação” (ORLANDI, 2001, 35).
Percebendo o processo de socialização do gênero a consciência social
do papel de cada ator social inculcados em meninos e meninas, elaborada por
discursos e linguagens próprias –, compreendemos as relações de poder e
negociação estabelecidas entre os sexos e ratificadas socialmente. Quando
exposta a relação de identidade e diferença dos gêneros (estabelecida no espaço
de fala), fica mais acessível vivenciar as próprias construções sociais espartanas,
tanto das mulheres quanto da própria sociedade em si.
xxvi
1. A Historiografia e os Modelos de Esparta
Recentemente, ainda balançado com o ataque às torres gêmeas do
WTC, Paul Cartledge escreveu o artigo intitulado To Die For? (CARTLEDGE,
2002) que, a grosso modo, poderia ser traduzido por: “Morrer Pelo Quê?”. A
idéia era entender os atos terroristas. Fruto de seu tempo, Cartledge tentou
fazer uma ponte entre os acontecimentos que tanto o chocaram em seu
momento atual com a história espartana, para perceber até onde poderia ir uma
ideologia de morte.
Ele desenhou o mais famoso ato espartano (a Batalha das Termópilas)
como a grande prova de honra
16
para os antigos. Questionou o fato desta
batalha - ser menos um ato heróico, mas principalmente, um desprendimento
da vida. A máquina de guerra caminhou para a morte rumo a uma luta onde a
desproporção numérica era de assustar qualquer mortal. O vínculo de Esparta
com o poder de guerra era conhecido desde seus antigos ancestrais dóricos.
Porém, quais seriam as razões para tanto? A defesa da Grécia e a preservação de
uma cultura ou civilização que influenciou toda uma forma de vida ocidental?
Essa é uma informação retroativa. Sabemos disso porque vivemos neste tempo.
Mas será que havia essa consciência nestes guerreiros?
No referente às mulheres, o autor enfatiza um caráter dúbio. Ele se
remete ao comportamento feminino como não usual, e ressalva que isso apenas
acontece em relação a um padrão grego (que não é explicitado por ele). Traz à
tona as mulheres de Atenas como contraparte e diz que as espartanas sofrem
16
Um trabalho muito interessante sobre a noção de honra para os espartanos é o de Vernant,
onde desenvolve a hipótese da percepção da honra através da desonra, pois os jovens da agogé
eram obrigados a tomar atitudes classificadas como desonrosas para entenderem o campo da
honra pois ainda não eram cidadãos de plenos poderes. Além disso, o autor delimita um
paralelo entre o ideal de herói encontrado na Ilíada do período arcaico com o ideal hóplita do
período clássico (VERNANT, 2001).
xxvii
uma forma de educação estatal – state education
17
– que separa meninos e
meninas, mas comparavelmente rigorosa e física. A quantidade de comida é a
mesma para ambos os sexos devido a um caráter eugênico. Elas não se
acovardavam e não permitiam que seus filhos o fizessem
18
. Humilhavam
aqueles que ficavam solteiros por muito tempo, herdavam propriedades e terras.
Às vezes, eram infiéis e fugiam com estes neste caso o autor faz referência a
Helena mulher do rei espartano que, ao fugir, incita a Guerra de Tróia (1250-
1240). Outras dormiam com diferentes homens encorajadas por seus próprios
cônjuges.
Cartledge expõe algumas características femininas espartanas sem fazer
menção à documentação ou pensar em comprová-las. Parte do pressuposto que
essas características foram assimiladas por todos e reconhecidas como
verdadeiras até porque são anos de validação da historiografia. Não pretende
alongar-se por demais nesse assunto, pois como indicamos anteriormente, ele
tenta um paralelo entre os espartanos e o fundamentalismo do homem bomba.
No trabalho organizado por Cameron e Kuhrt em 1993, Mary Lefkowitz
trabalha o poder feminino nas sociedades antigas. Segundo seu raciocínio, as
sociedades antigas, por razões práticas, oferecem poucas oportunidades às
mulheres para agirem como indivíduos fora do contexto de suas famílias. As
mulheres podiam ser corajosas
19
, mas não independentes. Elas estariam ligadas
à manutenção dos costumes.
20
17
Essa construção de Cartledge não defende a existência de uma instituição escolar tal como
conhecemos no mundo ocidental atual. A educação estatal aqui é a resposta de uma prática
cotidiana, um capital simbólico que perpassa e é defendido pelos indivíduos.
18
Se levarmos Aristóteles em consideração, ele não nega a existência de coragem em mulheres,
mas a considera menor, pois “um homem seria considerado covarde se tivesse apenas a coragem
de uma mulher corajosa” (ARISTÓTELES. Política, III, 1277b).
19
A autora ao não articular a coragem feminina com a masculina não contradiz Aristóteles.
20
Para compreender essa visão a autora cita a personagem Antígona de Sófacles, quando ela, e
sua irmã Ismênia defendiam o costume que Creonte insistia em não acatar, demonstrando um
comportamento de tirano. Longe da independência Antígona estava fazendo o que (pelo
xxviii
Mais adiante, a autora escreve que Aristóteles resguardava como
normativo tudo que julgava aceitável na vida ateniense e considerava desviante
todas as demais condutas. Para ela deixando de lado a visão aristotélica do
poder da espartana –, as mulheres afetavam o rumo dos eventos se agissem a
favor de um homem de sua família. Segundo Lefkowitz, não existe poder
feminino no espaço público.
Chocando-se com o estereótipo de reclusão, Marta Mega de Andrade
escreve:
“Sem querer entrar no mérito das conclusões, gostaria contudo de
chamar a atenção para uma estrutura que faz do aparecimento e da
atividade em uma esfera pública a razão da emancipação, que, por
sua vez, existe justamente porque as mulheres (ocidentais de classe
média), hoje, têm um papel político, econômico e social fundamental
na esfera pública do trabalho, do consumo e da opinião. Isto
subentende que a capacidade das mulheres atuarem como sujeitos
sociais plenos depende de seu acesso aos instrumentos que regem a
esfera pública, o que está na base da conquista dos movimentos
feministas contemporâneos. Nesta visão coloca-se a premissa de que
toda liberdade e emancipação feminina pressupõe um combate na e
pela esfera pública” (ANDRADE, 2003, p.2).
Ao discutir a visão de liberdade atrelada ao espaço público, a autora
antecipa nossa indagação sobre a relação espartana/ liberdade devido à sua
atuação no espaço público. Todavia, seu trabalho está envolvido em repensar o
“lugar social” das atenienses, e neste sentido confronta-se com a historiografia
sobre as atenienses analisando estelas funerárias de algumas delas.
Andrade caminha lado a lado com Sourvinou-Inwood. Segundo esta, os
estudos da Antiguidade constituem um lócus muito interessante na medida em
que são muitas e diversas as “histórias construídas ao longo de vários séculos
em diferentes meios culturais, cada uma reverberando construções ideológicas
do presente e moldando as construções do passado através de gerações
costume) sua família esperava que ela fizesse, isto é, enterrar seus irmãos (LEFKOWITZ, 1993,
p.50).
xxix
sucessivas” (Sourvinou-Inwood, 1995, p.111). A autora não diminui o valor das
construções; ela pondera sobre as revisões recentes que, baseadas na
antropologia moderna, discutem a reclusão feminina acreditando que
caminham em terrenos seguros.
Esse tipo de método explicativo é perigoso porque encobre diferenças e
estrutura-se por meio de modelos alógenos capazes de distorcer a realidade
específica da sociedade antiga. Resultando na “criação de construções cuja
relação com a realidade vivida e a idealização normativa da sociedade observada
é problemática” (Sourvinou-Inwood, 1995, p. 113).
Trabalhando com a hipótese de complementaridade entre os sexos na
esfera pública ateniense pois a mulher era responsável por um setor de
extremo valor social, cultural e político: a religião a autora acredita que a
desigualdade e a relação de subordinação encontravam-se justamente no
interior do oîkos. Sourvinou-Inwood estuda, antes de mais nada, o
posicionamento estrutural normativo, o poder e o controle que deveriam ser
conquistados pela afeição pessoal. Quando analisa o poder feminino no espaço
público ateniense, inicia-se uma reescritura historiográfica onde o próprio
modelo de reclusão ateniense e o de liberdade espartana são postos na berlinda.
Trazemos à tona modelos atenienses, ou melhor, novos modelos de
leitura da sociedade ateniense. Assim como estes, oferecemos um novo olhar
sobre Esparta por detrás de novas espartanas. A mudança na abordagem do
feminino muda toda a concepção ideológica de uma sociedade, como acontece
nos trabalhos citados que questionam a reclusão como padrão feminino
ateniense
21
. O próprio redirecionamento do olhar balança antigas estruturas.
21
Fábio Lessa trabalhou esse questionamento a partir da comprovação da existência de uma
rede social de amizade feminina em Atenas (LESSA, 2001).
xxx
Esta abertura permite a construção de novas bases, pois enfraquece um dos
sustentáculos historiográfico da liberdade da espartana.
Sentimos o grande vácuo historiográfico quando trabalhamos os artigos
organizados por Elisa Garrido sobre as mulheres no mundo antigo. Neles,
espartanas e atenienses são estudadas acentuando suas diferenças. No Artigo de
Calvo-Sotelo intitulado A Lisístrata de Aristófanes, o autor, após explicar
detalhadamente o enredo da comédia, ressalta algumas personagens. Dentre
elas, caracteriza a espartana – Lampito – como bela, inteligente, valorosa e
desenvolvida
22
, e acrescenta: “Como toda a espartana típica, é de constituição
atlética, vigorosa, pratica ginástica, jura pelos ‘Dioscuros’, sua referência
geográfica é o Taigetos, fala lacônico e desconfia do sistema democrático
ateniense” (CALVO-SOTELO, 1986, p.165). Em outro artigo intitulado A Mulher
e a Pólis Grega, escrito por Iglesias Garcia, encontramos:
“Se há algo para destacar da mulher espartana é que se movia pela
cidade com bastante maior soltura que o admitido em outros lugares.
Os demais gregos, de forma particular os atenienses, censuravam
muito duramente (...) a liberdade das mulheres lacedemônias”
(GARCIA, 1986, p. 117).
Neste sentido, o autor entende a opinião de Aristóteles sobre as
espartanas, e essa idéia é exposta de forma bem clara, como extensiva a
qualquer grego não espartano porque justificava seu sistema peculiar e sua
compreensão de virtude particular. Em resumo, Garcia entende Esparta não
como o contraponto da pólis de ricles, mas como o contra-senso de toda uma
mentalidade grega. Com as palavras sistema e moral salienta que tanto os
22
Apesar de não explicitar o que ele entende por desenvolvida o texto aponta para o
desenvolvimento relacionar-se com o físico, provavelmente respaldado nas atividades físicas
dessas mulheres.
xxxi
costumes quanto a forma de organização da sociedade espartana encontram-se
em desconformidade com o padrão ateniense-grego.
Em um dos poucos livros voltados exclusivamente para as mulheres de
Esparta (Spartan Woman), Sarah Pomeroy nos traz mais questionamentos que
possibilidades plausíveis. Logo no prefácio, a autora explica a dificuldade na
construção de uma idéia realista sobre como mulheres e homens viveram em
Esparta, apesar de perceber um senso comum nos discursos dos outros gregos
sobre a pólis de Licurgo. É justamente esse acordo que ocasiona dúvidas ao
estudo dessa sociedade. As representações construídas tendem a ser “mais
idealizadas ou fantásticas do que realistas” (POMEROY, 2002, p. VIII).
Trilhando o caminho conhecido, a autora delimita o espaço do que considera
uma miragem de Esparta e o que provavelmente constituiu uma realidade
cotidiana espartana, visto que a História é uma conversa do presente com os
muitos passados” (POMEROY, 2002, p. VIII).
Pomeroy escreve que do mesmo modo que os meninos eram educados
para serem guerreiros, as meninas o eram para serem mães de guerreiros. O
sistema educacional uniforme preparava todas as meninas para tornarem-se o
mesmo tipo de mãe. Essa meta, diz ela, “obviamente não requeria a prática a
todo o momento e o exame minucioso imposto a todos os meninos”
(POMEROY, 2002, p. 4). A afirmação nos faz questionar como é possível um
sistema buscar a homogeneidade no que concerne ao tipo de e desejada sem
bombardeá-las a todo instante com os padrões estabelecidos.
xxxii
O modelo que estava tão normatizado culturalmente é apresentado pela
autora quase como um descuido social, ou seja, as instituições
23
que tratavam
da educação feminina eram mais displicentes do que as masculinas. A autora
ainda afirma que, comparadas às demais gregas, “as espartanas possuíam muito
tempo para fazer o que queriam” (POMEROY, 2002, p. 4). E deixa a cabo de
nossa imaginação qual seriam estes desejos realizáveis o facilmente graças ao
excesso de tempo.
Sarah Pomeroy ainda defende que possuímos uma visão moldada pelas
obras de Xenofonte e Plutarco. Seu livro cobre uma linha temporal bastante
longa, o que transforma sua obra, de certa forma, em algo superficial.
Comparando com alis democrática, diz que pouco sabemos sobre a vida
destes homens e mulheres
24
. Entretanto, afirma existir um acordo nas
evidências daquilo que os demais gregos acreditavam ser Esparta. Nesse
sentido, pede cuidado com a documentação para distinguirmos uma pretensa
realidade histórica daquilo que se convencionou chamar miragem espartana
25
.
A própria cronologia da Antiguidade está vinculada estritamente com uma visão
política que, em muitos momentos, deixa de lado eventos importantes da
história espartana. A linha do tempo tal como conhecemos
26
não nos diz “como
os espartanos manipularam, criaram e recriaram sua própria história”
(POMEROY, 2002, p. IX).
23
Quando nos referimos a um sistema educacional, diferente do existente na atualidade,
trabalhamos a educação pelos costumes. Envolvemos aqui rituais que ressaltavam os valores
espartanos assim como as atitudes que serviam de exemplos sociais para os mais jovens.
24
É com base nisso que costumamos afirmar a existência de uma visão atenocêntrica, pois o
grande incentivo, as grandes instituições de pesquisas encontram-se lá; em Atenas. Permitindo
um maior número de estudos e uma riqueza arqueológica quase incomparável.
25
Para saber mais sobre essa imagem-miragem de Esparta ver: MOURA, 2000
26
Período Arcaico de 750 à 490, Período Clássico de 490 até 323 e o Helenista de 323 ao ano 30
a.C.
xxxiii
No capítulo inicial, a autora apresenta a educação das mulheres de
Atenas, cuja a responsabilidade era dos pais, não havendo uma vigilância por
parte da pólis à proporção que estas jovens deveriam se encontrar a distância
dos olhares públicos. O sistema educacional
27
é parte importante da organização
política, sendo construído e reafirmado dessa forma. na pólis de Leônidas
havia um sistema educacional
28
para ambos os sexos, imposto e compulsório a
todos. Pomeroy salienta que a educação dispunha-se para que as meninas se
tornassem mães espartanas e para que os rapazes se convertessem no tipo de
guerreiro desejado. O sistema masculino é encarado como diferente daquele
proposto para as meninas. É mais árduo e de dedicação total – tanto que a
agogé abrangia até o momento do sono, pois os rapazes dormiam juntos
29
.
Tendo por finalidade que as meninas dessem à luz as melhores
sementes e criassem os melhores hóplitai, Pomeroy fala numa expectativa de
homogeneização do tipo de mãe. Todavia sua explicação tropeça ao entender
que para atingirem essa meta não havia necessidade de uma prática freqüente,
nem muito menos, de um exame minucioso como era imposto aos rapazes
(POMEROY, 2002, p. 4).
Mais adiante, escreve que pela repetição dos coros, gerações sucessivas
apreenderam a pensar e agir como seus pais. Não seria esse um meio eficaz de
consciência e conservação de valores? E, ainda em relação à educação feminina,
a autora frisa o suporte e o cuidado da autoridade pública. Nesse caso, a
27
A preocupação com a educação é lugar comum em nosso corpus documental seja na forma
explícita ou implícita.
28
Esse costume não escrito, base da educação, que denominamos aqui por sistema educacional,
é explicado por Pomeroy como parte da organização política e da mesma maneira que a
influencia é por ela influenciada (POMEROY, 2002, p.3).
29
De encontro à perspectiva de Pomeroy, Mossé diz claramente que a espartana é diferente dos
demais gregos, mas “em nada se diferencia dos homens” - neste caso está se referindo aos
espartanos. “Vemos, pois, que é uma vida completamente oposta a dos <<outros gregos>> que
trancavam as suas mulheres e as obrigavam a trabalhar a lã; uma vida voltada para fora que não
se diferenciava em nada da dos homens” (MOSSE, 1990, pp. 88-90).
xxxiv
afirmação descrita nos parágrafos anteriores perde-se na própria construção do
discurso.
Ainda em relação à educação, a autora salienta também que as
espartanas tinham muito tempo para dedicarem-se ao aprendizado da leitura e
da escrita. Defende a idéia de que a comunicação entre mães e filhos – educados
na agogé - era feita através de cartas. Fortifica sua hipótese com as evidências
arqueológicas de pedidos por escrito nos templos religiosos mas, nesse caso,
apesar de não haver expressão de Pomeroy neste sentido, o aprendizado da
escrita se estenderia a outras gregas (POMEROY, 2002, p. 8). Ela confronta as
atenienses e espartanas em busca de um padrão de diferenciação. Espartanas
como encorajadoras da guerra
30
estariam no espaço da fala, em detrimento do
silêncio ateniense.
A corrida fazia parte de festivais. Sendo assim, não apenas as
espartanas participavam dessa prática, mas também outras mulheres de outras
póleis. Pomeroy cita uma competição pan-helênica, mas sugere dúvidas quanto
à participação feminina de Atenas. O fato, porém, de existir uma competição
feminina entre póleis já nos oferece ferramentas para continuarmos nosso
caminho rumo à desarticulação da associação Espartana/Liberdade, na medida
que nos permite afirmar que esportes eram praticados por outras gregas (isto é,
a prática de exercícios não era restrita às espartanas).
30
Quem trabalha muito bem essa questão é Pasi Loman, que além de defender a hipótese de que
as gregas glorificavam as guerras, diz que os exercícios físicos praticados pelas espartanas
objetivavam a sua defesa, a de seus filhos e a de sua pólis. A impressão das mulheres, longe da
passividade relatada com freqüência na documentação, é de plena atividade nas guerras.
Através da motivação (ou incitação) e suporte (emocional e espiritual) que davam aos
guerreiros, as mulheres eram valorizadas e mostravam seu comprometimento à pólis (LOMAN,
2004, pp. 34-54).
xxxv
Diferente de Claude Mossé (MOSSÉ, 1991, p. 141), que escreveu que os
exercícios físicos cessavam com o casamento
31
, Pomeroy defende a hipótese com
base em Aristófanes e Crítias, que tanto as grávidas quanto as mulheres
maduras se exercitavam.
Na eterna ausência dos pais, as crianças eram formadas
principalmente, senão unicamente, pelas mães (POMEROY, 2002, p. 52).
Entendemos o advérbio unicamente restrito às crianças do sexo feminino, caso
contrário estaríamos deixando para trás toda uma tradição onde a educação
masculina espartana era fomentada nos ginásios.
Por diversas vezes e maneiras, a autora escreve sobre a influência
políade nos costumes e expectativas da sociedade proposta por Licurgo,
chegando a comparar as espartanas às mães republicanas norte-americanas em
matéria de sacrifícios patrióticos. Entretanto, não articula a hipótese desta ser a
ponta do fio de Ariadne em relação a toda nossa construção ocidental das
mulheres espartanas.
A autora desvincula a possibilidade de herança como status diferencial
da espartana, e explica que isso indica a existência de muitas famílias onde não
havia filhos sobreviventes, revelando que a herança só acontecia no caso de
ausência masculina na família (POMEROY, 2002, p. 56).
Na conclusão desse trabalho, Pomeroy percebe as espartanas como
mulheres diferentes na medida em que eram sadias, se exercitavam, estudavam
mousiké
32
e eram livres para relações homossexuais. Além de ser impossível
deixar de falar destas mulheres quando discutimos a economia espartana. No
entanto, é preciso relativizar as diferenciações porque a maneira grega de
31
Segundo ela, as meninas espartanas passavam bastante tempo fora de casa, mas seus treinos
tinham como propósito procriar filhos vigorosos, quando casavam, passavam suas vidas para a
administração do lar e do cuidado de seus filhos (MOSSE, 1991, pp. 141-142).
32
Μουσική.
xxxvi
pensar exagera as diferenças para enquadrá-las em categorias comparadas
(POMEROY, 2002, p. 141).
Paul Cartledge, em um dos breves espaços de sua obra destinados às
lacedemônias, concorda com Pomeroy quando diz: “A mulher de Esparta, além
disso, era livre do trabalho pesado diário que suas irmãs atenienses tinham
como destino normal” (CARTLEDGE, 2003, p. 33). Ambos, assim como a
maioria dos estudiosos da Grécia dos culos V e VI, tomando a conduta
feminina ateniense como norma, atribuem adjetivos e atitudes às lacedemônias
que deixam de lado instituições (relacionadas a tradição e a reprodução de
modelos idealizados) e as especificidades de Esparta. Isso acontece porque a
maior parte dos estudos da Grécia Clássica está focada em Atenas graças a
contribuição e estímulo de muitos institutos de pesquisa e da farta
documentação oferecida por essa pólis. Esse excesso de documentação em
comparação com as demais póleis – abre precedentes para generalizações.
Em O Homem Grego organizado por Pierre Vernant, James Redfield
trabalha o homem e a vida doméstica seguindo parâmetros interessantes.
Segundo o autor, os gregos sempre aprenderam que na ordem da pólis o poder
legítimo encontrava-se em mãos masculinas, e qualquer ameaça de poder
feminino devia ser controlada rapidamente, por isso a desqualificação de tudo
aquilo contrário a essa ordem. Quando trabalha Esparta, diz se tratar de uma
sociedade de regime ambíguo. No ritual, as mulheres adquiriam status
equiparados aos homens, logo, sendo a sociedade espartana ritualizada
33
, isso
acontecia o tempo todo. Esse argumento explicaria a visão negativa do espaço
33
O que está em perfeito acordo com a idéia de sociedade grega, que também nos é transmitida
como ritualizada.
xxxvii
de atuação feminina freqüente na documentação textual (REDFIELD, 1994, pp.
153-155).
“Se as mulheres são o sinal da nossa queda na condição de natureza,
não devemos esquecer que é a natureza quem nos alimenta. As
mulheres são o problema e a solução; são o sinal da nossa
mortalidade, mas também tornam possível que a vida continue não
só, à letra, com a sua fertilidade, mas também no plano das
instituições” (REDFIELD, 1994, p. 171).
Referindo-se às gregas em geral, Redfield acredita na participação
feminina na construção social, seja espartana ou ateniense. Como explica
Bourdieu, as estruturas de dominação masculina são produtos de um trabalho
árduo (histórico) de reprodução, onde agentes como os próprios homens e
mulheres e instituições, como a família, a escola e o Estado fazem parte. “O
poder simbólico não pode se exercer sem colaboração dos que lhe são
subordinados e que se subordinam a ele porque o constroem como poder”
(BOURDIEU, 2002, p. 52).
Em Os Gregos Antigos Finley argumenta que:
“Todos os gregos, apesar de espalhados, tinham consciência de
pertencer a uma única cultura - <<serem da mesma raça e com a
mesma língua, possuindo santuários comuns dos deuses e iguais
rituais, costumes semelhantes>> - tal como Heródoto se expressou”
(FINLEY, 1988, p. 15).
Para o autor, a civilização comum não significava identidade absoluta,
mas para os gregos as diferenças eram pequenas em relação aos pontos
comuns.
34
Organizando seu trabalho temporalmente, quando faz referências ao
34
Para Becker, “no começo havia grandes diferenças entre os helenos (políticas e mesmo
lingüísticas), sem sentido algum de comunhão nacional. Só mais tarde [o autor não deixa claro o
espaço temporal ao qual se refere] tomaram consciência da sua mesma origem e se sentiram
irmanados pelas semelhanças de costumes, língua, religião e outros fatores de cultura e de
civilização.” (BECKER, 1978, p. 112). Esse discurso identitário ganha mais força no século
xxxviii
período clássico, ele critica o conceito de pólis e lança o desafio: se a pólis tem
tanto poder, em que sentido os gregos eram livres como julgavam ser? “A
liberdade não se equiparava à anarquia, mas a uma existência ordenada, dentro
de uma comunidade que era governada por um código estabelecido, por todos
respeitado” (FINLEY, 1988, p. 51).
O fato da comunidade ser a fonte da lei era justamente a garantia de
liberdade. Todavia, se a pólis era a fonte da lei, até onde haveria nela um espaço
de liberdade para que a própria comunidade alterasse a ordem estabelecida?
Essa provocação arremessada não pretende disponibilizar a resposta. É nessa
mística em torno do conceito de liberdade, nessa imprecisão, que
impulsionamos nosso estudo.
Em outro trabalho de Finley, ele expõe que o amor pela vitória em
Esparta definiu vencedores e perdedores, criando diferenças entre os iguais.
“Tudo isso era compactamente reforçado, psicologicamente e
institucionalmente. Vivendo em público durante a maior parte de
suas vidas, os espartanos eram muito mais suscetíveis que a maioria
dos povos às pressões da opinião pública e à rede de recompensas em
punições, com sua grande ênfase, durante a infância, no castigo
corporal, e, na fase adulta, em variedade rica e imaginativa, de
expressões de desagrado social ou mesmo ostracismo” (FINLEY,
1991, p. 29).
Se incorporarmos as espartanas à interpretação de Finley,
perceberemos um modelo coerente onde, obedecendo a padrões políades, as
mulheres ficavam expostas para que o cuidado com sua conduta acontecesse de
forma contínua. Nesse caso, aquilo que hoje a historiografia considera liberdade
de ação estaria preso a um modelo de conduta reconhecido simbolicamente
como aquele que deve ser seguido. Assim, muitos estudiosos poderiam até
com as guerras contra os rbaros. Até porque, a identidade se molda quando delimitamos
aquilo que ela não é. Ela “é relacional” (WOODWARD, 2000, p.9), marcada pela diferença.
xxxix
arriscar que o modelo espartano obtinha controle maior sobre suas mulheres
que o ateniense
35
.
Um trabalho que nos ajuda no desenvolvimento dessa história é o de
José Carlos Rodrigues, O Tabu do Corpo. Nele, evidenciamos que a sociedade
humana é basicamente um sistema de significação.
“... esta atribuição de sentido ao mundo se torna possível porque a
sociedade é ela mesma, um sistema estruturado cujos componentes
relacionam-se segundo uma determinada lógica, lógica esta que é
introjetada nas mentes dos indivíduos e, por esse caminho,
‘projetada’, sobre o mundo, na medida em que este, para ser
apreendido pelos indivíduos, deve ser representado em suas mentes
e, portanto, ‘concebido’” (RODRIGUES, 1983, p. 43).
O que muitas vezes não é considerado historiograficamente é a
consonância do papel feminino com o modelo social existente. Resquícios da
História das Mulheres, que ganhou espaço graças a articulações feministas que
vitimizavam as mulheres em um mundo masculino. Ou seja, muitas vezes os
discursos historiográficos que exaltam as mulheres não reconhecem sua
participação na manutenção do status quo. E, nessas bases, construíram a
Esparta que conhecemos e reproduzimos.
2. Identidades e Alteridades nas Construções de Esparta
35
Como bem explica Platão: “Quem se propõe formular leis para a pólis, a fim de regulamentar a
vida dos cidadãos no exercício de suas funções públicas e sociais, porém não considera
aconselhável regulamentar a vida particular no que for necessário, permitindo a cada um fazer
durante o dia o que bem entender, por achar que o urgência de regulamentar tudo com
muito rigor e deixando sem leis a vida privada, na esperança de que todos acabarão por agir de
acordo com a lei no que entende com os costumes públicos e sociais, está, evidentemente
errado” (PLATÃO. Leis. VI, 780 a-b). Esse trecho além de apontar o desregramento como ponto
negativo, explica porque Esparta é um modelo para a aristocracia grega.
xl
Na historiografia atual, as alteridades das espartanas são muitas.
Dentre elas, estão as atenienses, as gregas em geral e seus compatriotas do sexo
masculino. Todos eles confluem ratificando uma identidade de autonomia e
liberdade às esposas lacedemônias. Pressupondo o fato da construção da
identidade dessas mulheres pautar-se em símbolos reconhecidos socialmente e
existir como oposição de outra(s) identidade (s); nosso modelo de identidade
feminino espartano se reconhece enquanto tal na medida em que as suas
alteridades são reconhecidas como o são. Isto quer dizer que a construção da
espartana não se encontra sozinha, mas numa rede de articulações identitárias
que traçam o caminho pelo qual a História acontece.
A escolha das características na construção de uma identidade não
invalida possíveis contradições como é o caso das referentes às espartanas.
Essas qualidades e/ou defeitos estão sempre imersos em sistemas de
representações produzidos por uma cultura particular, gerando significados que
permeiam todas as relações sociais, na medida que são responsáveis pelo
sentido das experiências vividas. Essa prática de significação está envolta por
relações de poder (capazes de definir os incluídos e os excluídos dessa
identidade). Todavia, vale lembrar que não podemos desarticular os significados
sociais de seus contextos, pois tanto o processo de significação quanto a
identidade são históricos.
“Toda prática social é simbolicamente marcada. As identidades são
diversas e cambiantes, tanto nos contextos sociais nos quais elas são
vividas quanto nos sistemas simbólicos por meio dos quais damos
sentido as nossas próprias posições” (WOODWARD, 2000, p.33).
Se imaginarmos que os sistemas classificatórios produzem significados
estabelecendo diferenças, criando assim uma ordem social, um sistema
xli
partilhado de significação (cultura
36
); “é apenas exagerando a diferença entre o
que está dentro e o que está fora, acima e abaixo, homem e mulher, a favor e
contra, que se cria a aparência de uma ordem. (...) A ordem social é mantida por
meio de oposições binárias” (WOODWARD, 2000, p.46).
Assim, a identidade é plena quando:
“Quaisquer que sejam os conjuntos de significados construídos pelos
discursos, eles podem ser eficazes se eles nos recrutam como
sujeito. Os sujeitos são assim, sujeitados ao discurso e devem, eles
próprios, assumi-lo como indivíduos que, dessa forma, se posicionam
a si próprios” (WOODWARD, 2000, p.55).
Trazendo isto para o nosso contexto, temos acesso, pela documentação,
às identidades criadas, mas não a uma confirmação feminina lacedemônia de
posicionamento de si.
37
Nesta documentação, capturamos os sistemas
simbólicos gregos em geral e espartanos em particular para, a partir daí,
entender a identidade da esposa lacedemônia em conformidade com os padrões
culturais da época.
Como descrevemos, as opiniões e concepções historiográficas
transformam-se em vista do tema abordado e da apreensão significativa de cada
autor. Em contrapartida, boa parte da interpretação acontece seguindo um
legado já instituído e caracterizado como verdadeiro. Na maioria dos casos, é na
relação direta com as atenienses que as espartanas são desenvolvidas. As
releituras correntes do feminino na pólis de Péricles ainda não atingiram espaço
36
Certeau escreve que “Para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor de práticas
sociais; é preciso que essas práticas sociais tenham significado para aquele que as realiza”; pois
a cultura não consiste em receber, mas em realizar o ato pelo qual cada um marca aquilo que
outros lhe dão para viver e pensar” (CERTEAU, 1995, pp. 9-10).
37
Quando adotamos os discursos não espartanos reconhecemos a existência de um sistema
simbólico grego que nos permitirá compreensão de nossas personagens. Entretanto, como
salienta Auge: “Nem todos têm o mesmo direito à palavra, o direito às mesmas palavras ou ao
mesmo emprego das palavras, nem a mesma capacidade de domínio do sistema, mesmo
quando, de diferentes pontos de vista todos fazem referências a um mesmo conjunto de
representações” (AUGE, 1999, p.153).
xlii
suficiente a ponto de abalar a rígida estrutura, lacônica, das esposas de
Esparta
38
. Concordamos com Silva que é “na perspectiva da diversidade, a
diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas,
essencializadas. São tomadas como dados ou fatos da vida social diante dos
quais se deve tomar posição” (SILVA, 2000, p. 73).
Percebendo a relação de dependência existente entre a identidade e a
diferença, onde uma se define quando a outra está claramente estabelecida e
sendo ambas criações lingüísticas, o que acontece quando um dos pilares é
destruído? Uma nova relação é firmada e as identidades redefinidas.
“A possibilidade de ‘cruzar fronteiras’ e de ‘estar na fronteira’, de ter
uma identidade ambígua, indefinida, é uma demonstração do caráter
‘artificialmente’ imposto das identidades fixas. O cruzamento de
fronteiras’ e o cultivo propositado de identidades ambíguas é,
entretanto, ao mesmo tempo uma poderosa estratégia política de
questionamento das operações de fixação da identidade” (SILVA,
2000, p. 89).
A representação entendida como sistema de significação do real
assenta tanto identidades quanto diferenças. Sendo fruto de um trabalho
discursivo, capaz de demarcar fronteiras simbólicas, está imbuída de poderes.
“O sujeito é produzido ‘como um efeito’ do discurso e no discurso” (HALL,
2000, p. 119).
Se o sujeito, no nosso caso a espartana, é produto do discurso e tem
vida por meio do mesmo, a ambigüidade
39
na construção de sua identidade, a
princípio, não é uma contradição. Haja visto que o processo de instituição
identitária enreda ambigüidades.
38
Foi partindo desse pressuposto que lançamos mão de alguns textos cuja crítica ao modelo
ateniense era o foco principal.
39
A ambigüidade acontece na contraposição liberdade x traço cultural, a própria concepção de
liberdade descrita anteriormente por Finley, onde a ordenação deve ser respeitada, e, seu
enfoque de maior controle social em Esparta, fragiliza ainda mais a idéia de autonomia e
liberdade (FINLEY, 1998, p.51).
xliii
Divagando para os discursos sobre o Oriente, entendidos orientalistas,
Edward Said escreve:
“... por causa do orientalismo, o Oriente não era (e não é) um tema
livre de pensamento e de ação. Isso não quer dizer que o orientalismo
determine de modo unilateral o que pode ser dito sobre o Oriente,
mas que é toda a rede de interesses que inevitavelmente faz valer seu
prestígio (e, portanto, sempre se envolve) toda vez que aquela
entidade peculiar, ‘o Oriente’, esteja em questão” (SAID, 1990, p. 15).
Depreendemos que, por maior que seja o leque de discursos existentes
no caso dele em relação ao Oriente, e em nosso caso em relação à pólis de
Licurgo –, o discurso de credibilidade parece avançar num sentido único.
Explicando de outra forma, o poder creditado a esses discursos é grande o
suficiente para macular todos os que dele tentam se desvencilhar.
Trabalhando no sentido de Woodward, Silva e Hall, O sentido dos
outros, de Marc Augé, compreende as identidades coletivas segregando
alteridades. Para o Antropólogo que estudou rituais de feitiçaria africanos, “o
indivíduo não existe senão pela sua posição num sistema de relações cujos
parâmetros principais são a filiação e a aliança (...) Elas não têm existência a
não ser na e pela relação ao outro, de que são o instrumento” (AUGE, 1999, p.
28). Só existem sentidos nos atos quando em relações sociais.
“É preciso apreender a jogar o jogo e, muito literalmente, a respeitar
as regras da civilidade, de sorte que uma cultura (mas que é também
uma sociedade) ou uma sociedade (mas que é também uma cultura)
poderia ser definida como zona imposta de consenso sobre as regras
do eu (do jogo) este jogo de palavras que se empenham
desajeitadamente em sugerir a necessidade de um ponto de vista
único sobre o homem singular/plural” (AUGE, 1999, p.37).
Uns trabalham a existência identitária individual contraindo sentido
em meio a laços sociais; ao passo que outros afirmam o mesmo sentido partindo
xliv
de um discurso. Sejam relações sociais, sejam linguisticamente, ambos
implicam poder.
O poder do discurso acontece segundo uma aceitação social, um regime
de verdade reconhecido por um grupo que possui laços identitários. O discurso
acolhido – e porque não dizer escolhido socialmente assume o caráter de
verdade, estabelecendo ferramentas capazes de diferenciar enunciados
verdadeiros dos falsos. O discurso de verdade produzido cria os efeitos que
regulam tanto a si mesmos quanto todos aqueles que ajudaram em sua
construção. “A ‘verdade’ está circurlamente ligada a sistemas de poder, que a
produzem e apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem”
(FOUCAULT, 1979, p.14). Por isso, nossa preocupação com os modelos descritos
nos discursos.
3. As Lacedemônias: Autonomia e Liberdade
Levando em consideração a percepção de liberdade para os antigos e
seguindo a interpretação de Finley (FINLEY, 1988, p.51), onde a liberdade
estava circunscrita numa ordem. E, acompanhando a linha de raciocínio de
Ginzburg (GINZBURG, 2002, p.59) que afirma que na Grécia Antiga a retórica,
a história e a prova estão estritamente ligadas, aceitaríamos de bom grado o
juízo de liberdade entre as esposas espartanas. Todavia, os discursos não
evidenciam ordem, mas desregramento
40
.
40
Platão discute isso quando escreve: “Em Virtude da fraqueza ingênita, o sexo feminino é
naturalmente mais dissimulado e artificial, como também difícil de dirigir. Por isso,
erradamente o legislador negligenciou nessa parte e o entregou à desordem muito própria”
(PLATÃO. Leis. VI, 781 a).
xlv
Historiograficamente, a liberdade narrada não inclui a regulação do ir-
e-vir, tanto que a argumentação é de que as esposas espartanas podiam herdar,
o que ocasionaria uma estabilidade e uma mobilidade, uma suposta liberdade
sexual e a prática de exercícios no espaço público. Persistindo em Finley
(FINLEY, 1991, p.29), podemos considerar essa última característica como um
ponto a mais de controle
41
não do corpo quanto da mente dessas mulheres,
pois nesse momento elas cantavam coros que ressaltavam a tradição oral de
costumes espartanos e exercitavam-se seguindo um programa políade. Nesse
sentido, o modelo de liberdade e autonomia deixam de ser válidos porque
encontram-se enquadrados dentro de padrões modernos.
Quando falamos em método científico, o entendemos como não sendo
de forma alguma um guia pelo qual deve se pautar a realidade (FONTES, 1997,
p.355). Ele é um instrumento de trabalho, convertendo pontos de identificação
de dados e os ordenando a fim de estabelecer uma leitura da sociedade
estudada. O modelo representa relações ou funções, entrelaçando unidades de
um sistema, daí as generalizações adequadas para a elaboração das hipóteses.
Esses modelos permitem a construção explicativa, que seria parte da
construção da realidade ou, pelo menos, de parte dessa realidade.
O questionamento dos modelos construídos aparece na própria relação
do discurso expresso no documento com seu contexto. Elos entre as concepções
devem ser criados pelos estudiosos para compreensão dos discursos onde são
expressas “determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e
o consumo dos discursos” (CARDOSO, 1997, p. 378).
41
Como descrito anteriormente os exercícios no espaço público ficavam expostos aos olhos de
todos, facilitando um controle social.
xlvi
Salientamos a própria construção dos discursos historiográficos, e
colocamos à prova a edificação de modelos muito latentes. Como explica
Momigliano:
“Os homens escrevem a História quando querem registrar
acontecimentos em um quadro cronológico. Todo registro é uma
seleção, e ainda que uma seleção de fatos não implique
necessariamente em princípios de interpretação, muitas vezes é o que
acontece. Acontecimentos podem ser escolhidos para registro porque
tanto explicam uma mudança ou apontam para uma moral como
indicam um padrão recorrente. A conservação da memória do
passado, o quadro cronológico e uma interpretação dos
acontecimentos, são elementos de historiografia que são encontrados
em muitas civilizações” (MOMIGLIANO, 2004, pp. 54-55).
Seguindo as construções, Elaine Fanthan descreve as espartanas como
as únicas gregas quase em igualdade com os homens. “Eram criadas como os
garotos”, e as esposas podiam sair quando quisessem. Estas não eram
propriedade de seus maridos, pois a sociedade com base na eugenia permitia
que elas fossem reivindicadas por outro homem. A mulher não era posse do
marido, sua servidão encontrava-se na maternidade assim como o homem na
guerra. “Além do cumprimento desse dever cívico, nenhuma restrição era feita a
sua liberdade” (FANTHAN, 1994, p.56).
Esse texto torna patentes as ambigüidades discursivas. A autora
desarticula deveres vicos da possibilidade de restrição da liberdade, assegura
que a esposa espartana não estava na posse de seu marido, todavia pode ser
reivindicada por um homem qualquer que com ela queira ter filhos. Se
reivindicada, é porque esse é um direito de qualquer homem, logo, ela deve
cumpri-lo em prol da sociedade. Nesse sentido, a autora enfrenta uma
armadilha de suas próprias palavras.
42
42
Essa opinião reforça a idéia de sacrifício individual em prol da lis que trabalharemos mais
adiante.
xlvii
Na passagem de Xenofonte sobre a possibilidade de procriação com
outros homens, isso fica bem claro quando ele diz que o marido deveria ser
convencido. Outro ponto importante é o caráter de lei que ele estabelece sobre o
discurso quando escreve que esse tipo de procriação foi legalizada. “Se alguém,
por sua vez, não queria coabitar com sua mulher, mas desejava ter filhos dignos,
legalizou a procriação, se convencia o marido, com qualquer mulher que
tivesse boa prole e fosse nobre.” (XENOFONTE. A Constituição dos
Lacedemônios. I, 8). As palavras que ressaltamos em negrito demonstram
respectivamente o caráter de lei e a idéia do poder masculino sobre a
perspectiva de procriação de sua mulher com outro varão.
Percebendo a ordenação social como algo que não limita a liberdade
nesse sentido a liberdade só existe dentro dessa ordenação -, por que considerar
apenas as espartanas como livres, se as demais mulheres, reconhecidas como
esposas legítimas de cidadãos, também agem dessa forma?
Atualmente, encontramos críticas aos excessos pós-modernos – que
reduziriam a análise histórica a um discurso, que assinala contradições entre os
discursos e as representações ideológicas e a realidade.
Jesús Cepeda escreve que foi na década de oitenta que começou uma
grande difusão dos estudos sobre as espartanas. Surgiu aí uma ruptura nas
linhas de investigação desse tema. Na denominada minimalista, os
investigadores reservaram às lacedemônias um papel insignificante, muito
próximo da figura dos escravos, entre eles encontrava-se Cartledge. Frente a
essa, a corrente maximalista apreendia essas mulheres como um grupo de
grande capacidade de movimentação e decisão o que estaria fora das normas
gregas na época. Pomeroy se encaixaria aqui. Mas como Cepeda aponta, o que
divide os investigadores é se as espartanas eram ou não donas de seu próprio
xlviii
destino, ou seja, se tinham autonomia e liberdade (percebam essa articulação
moderna entre autonomia e liberdade). O autor ainda instiga os leitores com as
palavras pronunciadas por Marilyn Arthur numa conferência em Princeton.
Segundo ela, a única coisa segura que podemos proferir sobre as espartanas é
que elas existiram (ARTHUR apud CEPEDA, 2004, pp. 141-142).
O questionamento sobre a existência ou não da liberdade é parte
integrante dos estudos vinculados às espartanas. Nada parece certo nesse
sentido. Todavia, o grande número de investigadores maximalistas que
reforçam o conceito de liberdade da espartana conquistaram o espaço de
discurso da verdade. Até porque essa é uma preocupação muito mais
historiográfica que grega. A documentação em nenhum momento trabalha
vinculando espartanas ao conceito de autonomia, mas sim afrouxamento de
regras, desregramentos.
No próximo capítulo discutiremos a base desses discursos: a
documentação. Onde as argumentações retóricas dos estudiosos são
fundamentadas e ganham sentido. Analisaremos esses discursos construindo,
assim, fundamentos aptos a contribuir para uma nova historiografia espartana.
xlix
Capítulo II
Esparta aos Olhos dos Gregos
familiarizados com as idéias e interpretações historiográficas
trabalhadas no capítulo anterior, nos deixaremos levar pelos textos literários e
pelas inscrições
43
onde esses autores e nós fomos encontrar subsídios para
interpretação do contexto e do simbólico acerca das espartanas. Trabalharemos
as características identitárias gregas e a percepção da existência das mesmas,
separando aquilo que é tomado simbolicamente como grego da singularidade de
Esparta. Concluída essa delimitação, partiremos para análise dos discursos
sobre as espartanas e seus correspondentes modos de vida.
Com o avanço dos estudos étnicos, cresce o número possível de
identidades e, ao mesmo tempo, muitas são postas na berlinda devido ao seu
caráter homogenizador. No caso dos gregos, não foi diferente. Essa percepção,
já tão normatizada, foi colocada em dúvida.
44
Ciro Flamarion Cardoso analisa Xenofonte para verificar o lugar da
autoconsciência étnica grega baseada em elementos culturais comuns, dentre
eles, um mito de origem comum
45
que os possibilitam identificação através dos
43
Infelizmente deixamos de fora de nosso corpus documental a iconografia por percebermos
que o limite temporal proposto pelo mestrado é demasiadamente diminuto para uma análise
mais apurada. Buscaremos desenvolver esse tópico tão importante em pesquisas futuras.
44
Um bom exemplo sobre essa temática é o trabalho de Jane Webster que questiona o conceito
de romanização, imbuído da idéia de processo civilizatório, como se a própria relação de Roma
com seus subjugados o a alterasse também. Ela defende a hipóteses de que esse conceito e a
própria forma de percepção do poder como algo do império para província (em mão única), são
frutos da historiografia do século XIX, auge do colonialismo inglês. Só acrescentamos que,
seguindo a mesma linha de pensamento, a percepção de etnias ou de múltiplas identidades
também é fruto de nosso tempo. Até porque, como nos informava Croce “toda história é
contemporânea” (WEBSTER, 2003).
45
Katharyn Woodward escreve na coletânea organizada por Thomas Tadeu de Silva que um dos
pontos norteadores na constituição de uma identidade é o apelo a antecedentes históricos
comuns (WOODWARD, 2000, p.11).
l
laços de sangue
46
(CARDOSO, 2002, p. 75). O historiador delineia o conceito de
etnia como:
‘... um agregado estável de pessoas historicamente estabelecido
num dado território, possuindo em comum particularidades
relativamente estáveis de língua e cultura reconhecendo também sua
unidade e sua diferença em relação a outras formações similares
(autoconsciência) e expressando tudo isso mediante um nome auto-
aplicado (etnônimo)’” (DRAGADZE apud CARDOSO, 2002, p.76).
O fato dos gregos creditarem valor na comunidade onde se integravam
47
nos garante a possibilidade de trabalhar essa identidade. Visualizamos isso
principalmente em Tucídides e Píndaro. No caso do autor da Guerra do
Peloponeso, a percepção de identidade entre os gregos é explícita e bastante
comentada. em Píndaro, essa percepção, apesar de não estar oculta, também
não é tão evidente como no exemplo anterior.
Consideramos nesses documentos o fortalecimento dos laços de
identidade no período clássico. Principalmente nos momentos de união contra o
inimigo bárbaro comum
48
. Nos pedidos de aliança na guerra do Peloponeso,
esses traços eram exaltados ao máximo. No início de um de seus livros,
Tucídides celebra uma história comum para Hélade:
“É obvio que a região agora chamada Hélade não era povoada
estavelmente desde a mais alta antiguidade, migrações foram
freqüentes nos primeiros tempos, cada povo deixando facilmente
46
Bárbara Cassin defende que “...é-se grego por cultura e não por natureza: é somente para um
bárbaro (mas qualquer grego pode então barbarizar’) que a natureza, o solo ou sangue, faz o
grego” (CASSIN, 1993, p. 10).
47
Boardman acredita que a história das cidades-estados é uma história de fracasso em conseguir
uma unidade. Por mais que se pensasse em federalismo, as póleis gregas valorizavam demais
suas tradições (singulares) para se subordinarem a um sistema onde seu voto seria um dentre
vários. (BOARDMAN, 1988, p.151).
48
Blundell desenvolve essa hipótese escrevendo que o sucesso de defesa de seus territórios
(gregos), durante a guerra contra os persas, ajudou na produção de um forte senso de identidade
e valores na Grécia, que eles começaram a ver como fundamentalmente opostos aos dos persas.
E, ainda segundo ela, foi essa persistente antítese, em alguns contextos paralela a contraposição
feminino/masculino, que coloriu o pensamento grego no V século (BLUNDELL, 1995, p.95).
li
suas terras sempre que forçado por ataque de qualquer tribo mais
numerosa” (TUCÍDIDES, I, 2).
Flamariom Cardoso trata essa integração como núcleo de peso na
construção de uma etnia sem, no entanto, descartar a força da alteridade
(CARDOSO, 2002, p. 79). Como nos deixa claro Tucídides nesta passagem: Na
realidade, todos os helenos costumavam portar armas, porque os lugares onde
viviam não eram protegidos e os contatos entre eles eram arriscados, por isso
em sua vida cotidiana eles normalmente andavam armados, tal como ainda
fazem os bárbaros” (TUCÍDIDES, I, 6). Aqui, encontramos delineada a
identificação versus alteridade, onde aquilo que era grego, em uma época de
medo, evoluiu. O mesmo não aconteceu com os bárbaros que permaneciam
agindo da mesma forma. A percepção de uma superação desmerece os bárbaros
e enaltece a identidade compartilhada pelo historiador. O que absolutamente
não desmerece a proposição. “Cada povo tem seus diferentes costumes, porém
cada homem elogia suas próprias tradições” (PÍNDARO, Fragmento 229).
Píndaro traz a característica da língua como ponto forte de identidade
helena escrevendo: “Não existe pólis tão bárbara nem língua tão obscura para
não ter ouvido as glórias do herói Peleo, feliz genro dos deuses” (PÍNDARO.
Istímicas VI, 24-25). O poeta faz uso de uma forma hiperbólica, para
demonstrar toda a fama de Peleo, pois não os gregos de mesma língua
mas também os povos de línguas obscuras conhecem sua fama.
Sabendo que os dialetos eram diferentes, porém mutuamente
compreensíveis, os deuses e as cerimônias semelhantes. Por trás dos detalhes
distintos perceptíveis em qualquer domínio, quase sempre se podia notar um
fundo comum – pelo menos naqueles pontos selecionados por meio dos quais a
lii
cultura servia justamente, de fundamento à autoconsciência étnica”
(CARDOSO, 2002, p. 90).
O problema da identidade grega aconteceu também devido a uma
transposição e, conseqüentemente, não encaixe do conceito de Estado-nação
para a Antiguidade
49
. Não existia uma unidade política. Segundo Finley, foi
justamente essa falta de autoridade central política e religiosa e a dispersão
dos gregos entre os bárbaros que favoreceram o sentimento de pertencimento
cultural entre os gregos. Enquanto a dispersão acentuava a identidade, pois o
outro estava próximo o bastante para que a demarcação dos espaços identitários
acontecesse constantemente, a não imposição política e religiosa enfraquecia a
possibilidade de rebeliões (FINLEY, 1979, p. 189).
Nosso intento, que a princípio transparece homogenizar, entende e
confirma a existência de especificidades. Especificidades, ambíguas ou não,
como as existentes em qualquer pessoa em suas múltiplas identidades. Isso não
desmerece nenhuma delas, mas as classifica em ordem de importância pessoal
num determinado tempo e espaço.
“...é essencial aqui que captemos a nota contextual devida. Cada um
dos gregos antigos, ao viver em uma sociedade complexa, pertencia a
uma multiplicidade de grupos. (...) O ethos, (..), de subdivisões
regionais dos helenos, normalmente mais amplo que a pólis, tal como
os beócios e os arcádios, o estrato social, o grupo generacional e os
companheiros de banquete. É evidente que os interesses e demandas
destes diferentes grupos não eram sempre consonantes, e que
freqüentemente entravam em conflito” (FINLEY, 1979, pp. 196-197).
“....o que temos na antiguidade grega é o que às vezes se chamou de
‘etnicidade embutida’, no contexto da qual um cidadão de uma cidade
como Esparta podia identificar-se não somente com uma etnicidade
dórica como também com uma etnicidade grega que continha
49
Essa explicação sobre o problema da identidade grega, que possibilitou diversos discursos
que condenavam o uso do termo gregos, como já comentamos é fruto de questionamentos
atuais, e como podemos observar no trabalho de Cardoso, utilização de um conceito moderno
(Estado-nação) transposto para a antiguidade.
liii
subdivisões étnicas do tipo dos dórios e eólios” (HALL apud
CARDOSO, 2002, p. 79).
somos capazes de apreender sobre a possível esposa lacedemônia do
período clássico quando temos clara esse nivelamento identitário. Dito de outra
maneira, compreendendo a conexão de Esparta com os valores gregos, nos
apropriamos do simbólico proposto pelos antigos e podemos até arriscar o
entendimento de uma ordem social que, diversamente do que acredita-se, não
exclui, mas necessita das mulheres para sua reprodução.
1. Esparta: a Pólis de Licurgo e dos Espartanos
Logo no início de sua obra, Tucídides escreve, a propósito de uma
interpretação das gerações posteriores que visitassem Esparta
50
, que a carência
de ornamentos permitiria uma falta de subsídios e poderia por em dúvida a
existência de sua grande fama.
“Com efeito, se a pólis dos lacedemônios se tornasse deserta e nada
restasse dela senão seus templos e as fundações dos outros edifícios,
penso que a posteridade, após um longo período de tempo, custaria a
crer que seu poder fosse tão grande quanto sua fama. E eles, todavia,
ocupavam 2/5 do Peloponeso e exercem a hegemonia sobre todo ele,
bem como sobre muitos de seus aliados em outras regiões; isso não
obstante, como Esparta não é compactamente edificada à semelhança
de uma pólis, e não foi dotada de custosos templos e outras
construções (ela é habitada à maneira dos povoados no antigo estilo
helênico), seu poder pareceria menor do que o real” (TUCÍDIDES, I,
10).
50
Não podemos deixar de citar aqui o grande trabalho arqueológico realizado em Esparta,
organizado pela British School at Athens em dois volumes onde o primeiro (metodologia e
interpretação) foi publicado em 2002 e o segundo (dados arqueológicos) em 1996; The Lacônia
Survey. Infelizmente, em virtude da limitação temporal do mestrado optamos por trabalhar esse
documento riquíssimo em nossos estudos posteriores. Para informações detalhadas sobre esse
trabalho ver MOURA, 1998.
liv
Tucídides
51
estava certo na medida em que o número reduzido de
artefatos da cultura material, somado a falta de documentação textual elaborada
pelos próprios espartanos, abre precedentes para lacunas sem repostas. Além
disso, essa fama quem nos passa é a aristocracia. Mas como Moura explica:
“... as imagens de Esparta devem ser entendidas não apenas a partir
do grupo social e do arcabouço mental de quem as produziu, como
também através do estudo dos contextos locais de produção e de
recepção destas mensagens, ao invés de, pura e simplesmente,
concentrar-se no grau e no teor de sua ‘veracidade’” (MOURA, 2000,
p.58).
Mesmo Tucídides se contradiz em alguns momentos, como no
documento citado anteriormente. Ele menciona a hegemonia espartana sobre
muitos de seus aliados, o que ao longo de sua obra parece não ter muito sentido,
pois na maioria das vezes as alianças estabelecidas se restringiam à ajuda mútua
em caso de ataques, e em todos os casos, impostos não eram cobrados
52
. A
propósito, Esparta entrou na guerra impulsionada por outras póleis
(obviamente que ao participarem da guerra deixaram claro que compartilhavam
dessa visão) que acreditavam em seu poder bélico para conter o avanço
hegemônico de Atenas.
Para Sue Blundell, a posição de Esparta não era usual na Grécia. Sua
auto-suficiência em alimentos lembramos que as terras ocupadas pelos
lacedemônios estavam dentre as mais férteis de todo o território helênico –
51
A Guerra do Peloponeso foi escrita por Tucídides entre 431 e 404. Influenciado por Péricles,
esse ateniense que também lutou nessa guerra teve sua obra interrompida por sua morte em
400 a. C. Mas apesar de ser parte da guerra buscava a verdade (TUCÍDIDES, I, 22).
52
Tucídides escreve: “Os lacedemônios mantiveram sua hegemonia sem transformar os aliados
em tributários”. Entretanto, mais adiante no mesmo capítulo informa que Esparta influenciava
na forma de governo, para que estivesse em conformidade com os interesses de Esparta.
(TUCÍDIDES, I, 19). Já no discurso dos coríntios na busca de convencer os Espartanos em
“libertar a Hélade” escreve: “até o momento frustrastes a ânsia de liberdade não somente dos
povos sujeitos a eles [atenienses], mas agora de vossos próprios aliados” (TUCÍDIDES, I, 69).
Esparta aparece ao mesmo tempo como libertadora e hegemônica, isso aumenta os indícios da
apreensão da liberdade pelos gregos como algo direcionado, e controlado.
lv
seria a principal razão do não desenvolvimento de uma tradição de relação com
outras comunidades (BRUNDELL, 1995, p.96). De forma análoga, mas com
diferente acepção, Hornblower acredita que os espartanos ao necessitarem da
ajuda de aliados nas guerras precisavam consultá-los com freqüência. Para ele, a
determinação do meio físico na Ática era ainda “mais obviamente verdade” que
na pólis de Leônidas (HORNBLOWER, 1992, p.105).
O cerne espartano é de fato sua forma de vida, epitédeumatos
53
, isto é, a
sua maneira de viver e os costumes que aparecem, em conformidade ou não,
com os padrões gregos como justificativa dos discursos ao bel prazer daqueles
que nos beneficiaram com seu legado.
O que atentamos aqui é a manipulação da identidade e da diferença nos
discursos. Exaltavam-se a ordem e a disciplina de seus exércitos, ao mesmo
tempo em que se criticava a conduta em relação às mulheres quando lhes
aprouvessem. Alguns, a exemplo de Xenofonte, simplesmente afastavam seu
discurso de características que pudessem ocasionar problemas à boa fama de
Esparta. Moura, ao trabalhar a ideologia oligárquica, escreve que Xenofonte
“monitora seu discurso com vistas a alcançar o objetivo de elevar a lacedemônia
como modelo de pólis ideal, de espelho em que se devem mirar” (MOURA,
2000, p. 80).
Compreendendo que a miragem espartana estava construída nos
valores gregos de honra, disciplina, desapego às honrarias e procriação de
varões perfeitos (eugenia) para usufruto e crescimento do bem maior que era a
pólis
54
, começamos a articular o lugar da esposa nesta sociedade. O
entendimento do social dividido em esferas de atuação, isto é, até onde seu
53
Έπιτήδευµατος.
54
No próximo capítulo trabalharemos a fundo essa percepção de excelência da lis.
lvi
status social e cultural lhe permite atuar, seria um dos motores da sociedade
políade.
Platão e Aristóteles são manifestos ao declararem a diferença entre os
homens: “cada um de nós não nasceu igual a outro, mas com naturezas
diferentes, cada um para execução de uma tarefa.” (PLATÃO. A República, I,
370 a-e)
55
, “A pólis não é constituída somente de numerosos seres humanos,
mas é também composta de seres humanos especificamente diferentes”
(ARISTÓTELES. Política, II, 1261b). Nesses dois exemplos, é mister a
articulação da diferença humana com o bem-estar da pólis. A pólis deve sua
existência a essa diferença e conseqüentemente à ordenação dessa diferença.
Por isso, a necessidade e o soerguer da disciplina como um dos
baluartes da identidade grega e, principalmente, como elemento desejado por
todos e segundo os discursos-miragem, uma característica espartana. Píndaro
descreve a relação disciplina / pólis na Ode a Erfamosto de Opous: “... se
dedicas as vibrações de sua lira às vitórias na luta de um homem originário da
famosa Opous. Orgulhosa de seu filho e de sua cidade, patrimônio de Temis
[justiça] e de sua filha gloriosa, salvadora Eunomia [ordem]” (PÍNDARO.
Olímpica IX, 13-16).
O beócio Píndaro, nascido por volta de 518, trabalha seus escritos
acompanham os períodos de paz das guerras greco-persicas – considerando
aspectos míticos e, quase sempre, deixa de lado o vencedor sobre o qual escreve
em prol de sua descendência e de sua terra natal. O que não deve causar
estranhamento porque a apresentação das personagens encontradas em nossa
55
No entendimento de que não existe uma igualdade de homens e isso é ponto importante
para a formação das leis podemos refutar discursos que defendem uma igualdade entre
homens e mulheres esparciatas. Lembramos que as esposas não vão guerrear no campo de
batalha. No diálogo para a formação da pólis ideal, Platão já exemplifica que os homens
necessitam um do outro (PLATÃO. A República, II, 369 a-e).
lvii
documentação segue o mesmo modelo. Assim, “é evidente, pois, que a pólis é
por natureza anterior ao indivíduo, porque se o indivíduo [Άνθρωπος] separado
não se basta a si mesmo será semelhante as demais partes em relação com o
todo...” (ARISTÓTELES. Política, I, 1253a).
Dessa maneira, todos os aspectos estão interligados para uma vida
melhor do homem em sociedade e para o funcionamento da mesma. A
disciplina que perpassa por todo o universo políade será, por hora, posta de lado
devido à sua complexidade em relação às mulheres. Retornemos, então, aos
padrões menos ambíguos.
Quando nossa documentação faz referências à honra, freqüentemente
esta vem vinculada com a coragem, característica essencialmente masculina.
Nas Leis de Platão, onde ocorre um diálogo, não sem conflitos, entre um
ateniense, Clínias (cretense) e Megilo (lacedemônio); em meio a divagações
sobre a covardia de um comandante, Megilo responde: “Esse, então, é que seria
de todo incapaz; não comandante de homens porém mais propriamente de
mulheres” (PLATÃO. Leis. I, 639b). Essa passagem traz à tona dois elementos
importantes. Em primeiro lugar, a associação covardia e incapacidade, que se
enquadrava na esfera da vergonha e não da honra. E o mais interessante para
nosso estudo: a vinculação do covarde como comandante das mulheres
56
.
Por que a escolha de Platão em colocar essas palavras na boca de
Megilo? Se estivéssemos tratando de Aristófanes, poderíamos supor ser uma
inversão, uma ironia. Mas não é isso que acontece. Platão selecionou essa fala
como proveniente de um espartano, pois não existe contradição nenhuma nisso.
Esse valor que não é específico de Esparta, mas, sobretudo grego – nos
56
Como já discutimos em nota anterior, a coragem masculina é maior do que a feminina, sua
medida é diferente nos diferentes sexos.
lviii
assegura ainda mais o questionamento sobre a suposta liberdade auferida as
mulheres na pólis de Leônidas.
Píndaro relaciona a honra a glórias de vitória. Estas fazem o homem
esquecer-se do Hades e não temê-lo. “Verdadeiramente, um homem [Άνήρ]
esquece Hades quando faz o que é apropriado/ digno”
57
(PÍNDARO. Olímpica
VIII, 70-73). A opção de utilizar a palavra anér, ao invés de ánthropos, limita o
substantivo homem como aquele pertencente ao sexo masculino, e não no
sentido de humanidade. Mais uma vez, encontramos as mulheres às margens da
concepção de honra, que estaria fortemente vinculada a virtudes militares e
viris.
Ainda na obra de Píndaro, descobrimos em meio a Nemaicas I a
evocação da felicidade sem a busca de grandes riquezas. “Não desejo possuir
muita riqueza oculta em minha casa, mas dispor da que tenha para ser feliz e
que digam de mim que ajudo aos amigos” (PÍNDARO. Nemaica I, 31-33). Aqui,
a idéia do desapego às riquezas
58
(tão estimadas pelas Lacedemônias segundo
Aristóteles) parece estar inclusa no imaginário grego e, principalmente, é um
ponto ressaltado na miragem espartana. Plutarco também escreve sobre isso:
“pois que não tinha na pólis [se refere especificamente a Esparta] nem riqueza
nem indigência, os recursos eram iguais para todos e a simplicidade dos
recursos facilitava a vida” (PLUTARCO. Licurgo. 24). Neste caso, Plutarco
parece encaixar Esparta nas descrições da República de Platão onde os bens são
comuns.
57
Em Simonides, o esquecimento de Hades em uma batalha deixará a lembrança dos guerreiros
para a eternidade. “Esses homens colocam fama imortal sobre sua querida pólis, e lançam sobre
si mesmos a nuvem negra da morte. Eles morrem, mas não estão mortos: o valor deles dá a eles
a glória e os trazem da casa do Hades” (SIMONIDES. Antologia Palatina, IX). Mais um indício
da exaltação do todo - pólis – em detrimento de suas partes – os homens.
58
Podemos encontrar também em Tucídides um exemplo sobre a simplicidade dos trajes dos
lacedemônios (TUCÍDIDES, I, 6).
lix
A preocupação latente com os nascimentos é outra característica
marcante de Esparta e da Grécia como um todo. Pois esse era o valor máximo do
cidadão. Sobre esse assunto podemos nos remeter a praticamente toda nossa
documentação, pois a preocupação com a descendência está em todos os lados,
desde a apresentação do indivíduo como filho de alguém e de um determinado
lugar, até ser esta a primeira preocupação dos legisladores por serem os homens
a essência da pólis que, após sua constituição, os sobrepõe.
Como pudemos observar, longe da miragem espartana encontrar-se em
desarmonia com os valores gregos, ela é a resposta mais verossímil para sua
prática. Essa miragem, como o próprio nome deixa claro, estabelece um ideal
que esquece a existência de ações e homens reais na história. Não nos
preocupamos aqui em demonstrar qual modelo está mais próximo ou mais
distante de uma possível realidade espartana, mas compreender as
ambigüidades relativas a esse modelo principalmente com relação à verdade
descrita pela historiografia. Historiografia essa que menospreza o papel
feminino nesta pólis para sua reprodução nesse caso nos remetemos à
reprodução de sua própria miragem.
Esse modelo tão bem arquitetado e defendido em alguns momentos nos
revela surpresas. Uma delas é a menção freqüente de Esparta feita nas obras de
Píndaro que sequer apresenta um vencedor lacedemônio. E a segunda, na obra
de Tucídides que revela a humanidade espartana escondida em prol do modelo.
“De todos os eventos desta guerra este foi o mais inesperado para os
helenos. Com efeito, ninguém poderia imaginar que os lacedemônios
jamais fossem compelidos pela fome ou por qualquer outra
necessidade a entregar as armas, pensava-se que eles as conservariam
até a morte, lutando enquanto pudessem, e ninguém poderia
acreditar que os que se renderam fossem tão bravos quanto os que
morreram” (TUCÍDIDES, IV, 40).
lx
Esse é o momento de esmiuçar a questão da disciplina, tão valorizada
pelos gregos. O controle das paixões. Essa era uma característica importante e
que dificilmente era encontrada nas esposas espartanas, e por que não dizer no
sexo feminino como um todo? “Em virtude da fraqueza ingênita, o sexo
feminino é naturalmente mais dissimulado e artificial, como também difícil de
dirigir.”
59
(PLATÃO. Leis. VI, 781 a-b).
A disciplina constitui uma grande virtude [areté] na sociedade grega.
Importante na formação hoplítica, que não se limitava ao momento do combate.
Para um bom funcionamento políade e conseqüentemente uma vida mais feliz,
a disciplina deveria ser seguida por todos. Plutarco confere a Agesislau uma
sentença que exemplifica isso muito bem: “A força de uma pólis está na virtude
de seus habitantes” (PLUTARCO. Moralia. 210e. 30). Essa virtude confere honra
e está diretamente ligada ao equilíbrio.
Equilíbrio que, na maioria das vezes falta aos indivíduos do sexo
feminino. Por isso, a preocupação aristotélica quanto à ambição desmedida das
espartanas no que tange à questão de riquezas e de sua falta de regras, o que
com certeza estaria ligado à futura degradação de Esparta (ARISTÓTELES.
Política. II, 1270 a).
2. Comparação, Delimitação, Desmedida
Delimitados os valores gregos de virtude exacerbados na imagem-
miragem espartana, focaremos agora nossos esforços em compreender o
59
Platão expande a dificuldade de regrar, ordenar às mulheres em geral. Diferente de
Aristóteles que observa essa característica pouco nobre apenas como atributo das lacedemônias
(PLATÃO. Leis. VI, 781 a-b). Essa citação encontra-se na nota 40.
lxi
espaço, tão contraditório a princípio, da esposa esparciata no bojo dessa
identidade.
Foi primordialmente a partir da Nova História que a temática feminina,
assim como a do corpo, ganhou impulso na História, deixando de lado os nomes
próprios na busca de todo um processo cultural, social e discursivo (DEL
PRIORE, 1994, p.50). Nessa relação de mão dupla, “as mudanças na
organização das relações sociais correspondem sempre à mudança nas
representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente
um sentido único” (SOIHET, 1997, p.103). Nas palavras de Miriam Leite:
“A leitura racional e reflexiva das fontes da história social vem
revelando as armadilhas da visão masculina o mascaramento da
verdade e leva uma busca da compreensão convincente geral, sem
colocar a mulher como o oposto do homem, numa relação
espetacular, nem fazer uma homogeneização de todas as mulheres,
numa categoria monolítica mulher. A busca das diferenças de gênero
completa a pesquisa das diferenças das camadas sociais e aproveita,
da antropologia, o conceito de descrição densa da configuração
cultural” (LEITE, 1994, p.58).
Nessa relação dinâmica entre os dois sexos, cutural e socialmente, existe
um aspecto dinâmico, gender roles
60
(SANTIAGO, 2005), que nos revela
comportamentos autorizados como femininos e masculinos nas múltiplas
situações vividas. Isso enriquecesse nosso estudo em dois pontos diferentes mas
complementares. O primeiro é a identificação desses comportamentos
exclusivos femininos na Esparta do V século. O segundo é não compreender e
estudar as esposas dessa pólis levando nossas evidencias daquilo que
60
Para José Carlos Rodrigues, “o comportamento individual está subordinado a determinados
códigos (...) que programam coletivamente a maneira de agir, de pensar e de sentir
consideradas adequadas ou justas, e que estes comportamentos – quer se conformem às normas
coletivamente estabelecidas, quer delas se desviem são inexoravelmente mensagens
significantes e expressam a natureza do sistema social” (RODRIGUES, 1983, p.44).
lxii
compreendemos como característica feminina. Por isso, nos detivemos tanto no
contexto. Só ele é capaz de nos conferir ferramentas neste sentido.
Em Inventando o sexo, Thomas Laqueur trabalha as diversas acepções
do feminino e masculino a partir das informações sobre os corpos. O autor
explica que nossa visão pós-iluminista é bem diferente da dos antigos. O que
deixa certos discursos desse período não inteligíveis para homens e mulheres de
nossos dias.
“Ser homem ou mulher era manter uma posição social, um lugar na
sociedade, assumir um papel cultural, não ser organicamente um ou
outro de dois sexos incomensuráveis. Em outras palavras, o sexo
antes do culo XVII, era ainda uma categoria sociológica e não
ontológica” (LAQUEUR, 2001, p.19).
Essa transformação acontece quando a biologia passa a harmonizar com
as demandas culturais, e seus discursos oferecem bases para as teorias vigentes
na época.
“O fato de que em certa época o discurso dominante interpretava os
corpos masculino e feminino como versões hierárquicas e
verticalmente ordenadas de um sexo, e em outra época como opostos
horizontalmente ordenados e incomensuráveis, deve depender de
outra coisa que não das grandes constelações de descobertas reais ou
supostas” (LAQUEUR, 2001, p.21).
Em nosso caso visualizamos essa diferença e, digamos, uma razão
importante que justifique a presença masculina no topo da hierarquia social.
Um dos argumentos oferecidos por Xenofontes é que “... o sexo masculino é
mais capaz de guardar moderação que a condição feminina” (XENOFONTE. A
Constituição dos Lacedemônios. III, 4). A moderação, que trabalhamos
anteriormente, tão valorizada como virtude, não fazia parte do arcabouço
lxiii
comportamental feminino. Concluímos então que, na falta dessa virtude, o sexo
feminino não é tão perfeito como o masculino. Aristóteles explica que:
“Também isso é igualmente válido para o homem e para os demais
animais, pois os animais domésticos são melhores por natureza que
os selvagens, e para todos eles é melhor viver submetidos aos homens
porque assim conseguem sua segurança. Assim mesmo, tratando-se
da relação entre macho e fêmea, o primeiro é superior e a segunda
inferior por natureza, o primeiro rege, a segunda é regida”
(ARISTÓTELES. Política, I, 1254b).
Afirmando a inferioridade feminina como parte da ordenação social
61
Aristóteles esclarece a existência de uma comunidade de interesses entre ambas
as partes. Comunidade essa que existe em prol da própria felicidade humana.
Porque as diferentes partes
são de suma importância para o bom
funcionamento políade. Aristóteles conclui que tanto comandantes como
comandados possuem virtudes, mas há diferenças nessas qualidades, da mesma
forma que existem por natureza comandantes e comandados (ARISTÓTELES.
Política, I, 1260a).
62
A depreciação do feminino não é rara na documentação. Numa
passagem de Tucídides, onde os espartanos se rendem ao serem questionados
pelos aliados atenienses se os que morreram eram mais bravos; eles respondem
que as flechas matam indistintamente. Mas o substantivo que utilizam para se
referir às flechas é Átractos [Άτρακτος], que também significa fuso objeto
manipulado apenas por mulheres demonstrando o desprezo dos espartanos
pelas flechas.
61
Percebemos que a própria estrutura onde o macho rege é considerada pelos antigos como um
bem para aquele inferior que se deixa reger. Platão também defende essa postura quando trata
os homens como guardiões do rebanho, rebanho composto por mulheres e crianças (PLATÃO.
A República,V, 451 a-e).
62
Platão também escreve sobre a inferioridade da virtude feminina: “Quanto a mulher, em
relação à virtude, é naturalmente inferior ao homem, tanto a diferença nesse ponto atinge mais
do dobro” (PLATÃO. Leis. VI, 781 a-b).
lxiv
O que queremos mostrar com isso é o desdém que os espartanos, assim
como os helenos em geral, nutrem por aquilo que é feminino. Mesmo que
apareça de forma subjetiva como um joguete de palavras. O discurso aparece de
diversas formas, sejam implícitas ou explícitas, para reafirmar ou justificar
demarcação de espaços de poder. Como Laqueur esclarece “... houve
interesse em buscar evidência de dois sexos distintos, diferenças anatômicas e
fisiológicas concretas entre o homem e a mulher, quando essas diferenças se
tornaram politicamente importantes” (LAQUEUR, 2001, p.21).
63
O sexo, seja no mundo de sexo único, seja no de dois sexos, é
situacional, explicável apenas naquela situação singular de luta de gêneros e
poder (LAQUEUR, 2001, 23). As atitudes cotidianas geram e estruturam o
discurso e vice-versa em uma dialética em constante transformação. Todavia, “o
que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem
ou de subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as
pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras”
(BOURDIEU, 1989, p.15).
Trabalhando com redes de poder que perpassam identidades, seja de
gênero, ou políade, que no nível macro é nomeada de grega, estamos sempre
atentos a todas as relações de poder. Porque nem sempre o fato de compartilhar
o mesmo gênero é suficiente para superar certas especificidades políades tão
marcadas em discursos que visam justamente uma identidade, que inclui e
exclui o feminino.
63
Encontramos em Foucault complementação das idéias de Laqueur quando ele escreve que: “a
casualidade no sujeito, o inconsciente do sujeito, a verdade do sujeito no outro que sabe, o
saber, nele, daquilo que ele próprio ignora, tudo isso foi possível desenrolar-se no discurso do
sexo. Contudo, não devido a alguma propriedade natural inerente ao próprio sexo, mas em
função das táticas de poder que são imanentes a tal discurso” (FOUCAULT, 1988, pp.68-69).
lxv
A relação entre cultura e os significados por ela produzidos deve ser
apreendida a partir dos sistemas de representação no nosso caso os discursos
os quais são frutos de um processo cultural e produzem os significados que
permeiam todas as relações sociais desta cultura. É por meio desses significados
que a experiência ganha sentido.
Sabendo que a produção de significados está envolta em relações de
poder (vinculo que define quem está incluído e quem não está), afirmamos que
o próprio sentido dado para realidade também faz parte dessa estrutura.
Percebemos as espartanas de forma ativa em sua sociedade,
reproduzindo signos e significados que as constroem enquanto tais. E,
somando-se a isso, reconhecemos uma estrutura que as sobrepõe, que as
constrói e é por elas construída, na medida em que discursos e atos estão em
conformidade com ela. Neste sentido, a liberdade, que se encontra concatenada
culturalmente aos ideais espartanos, perde seu sentido enquanto liberdade de
ação. Como nos fazem crer a historiografia do tema.
Os discursos são formas de apreensão e significação da realidade social.
O simples fato de haver um discurso sobre os exercícios realizados por estas
mulheres no espaço público é importante. Pois demonstra uma perspectiva
de normatização. A própria prática dos exercícios pode ser entendida como uma
forma de adestramento do corpo, e por que não dizer de coerção, de forma a se
coadunar culturalmente.
3. O Espaço Feminino na Pólis
lxvi
Ginzburg apresenta o abismo que separa a palavra da coisa em si
quando escreve: “A linguagem não pode dar uma imagem adequada da
realidade” (GINZBURG, 2002, p.28). O autor continua com um alerta aos
historiadores, prescrevendo cuidado na medida em que o documento é apenas
um ponto de vista sobre a sociedade, que além de seletivo, é parcial. Tudo irá
depender “das relações de força que condicionam, por meio da possibilidade de
acesso à documentação, a imagem total que uma sociedade deixa de si”
(GINZBURG, 2002, p. 43).
Essas relações de força, imbuídas de poderes, só podem ser captadas
por meio dos sistemas simbólicos
64
transmitidos pela linguagem que os
representa. Tão logo a linha identidade/alteridade seja traçada e defina grupos,
seus símbolos nos permitem o conhecimento dos significados que concedem
sentido àquela experiência. Isto é, compreendendo aquilo que se convencionou
entender como esposa esparciata espartana, alcançamos um sentido de todo o
processo cultural de Esparta, ou pelo menos daquilo que se convencionou
acreditar ser Esparta. Nesta relação, a compreensão da sociedade espartana
também é essencial para captação das lacedemônias.
Entendendo os textos e todas as formas de uso da linguagem como
produtos culturais existentes nas práticas sociais contextualizadas histórica e
socialmente, delimitamos o modelo social das esposas espartanas a partir
destes, compreendendo-as em seu contexto social, histórico e cultural, sem
deixar de lado os textos em si e todas as relações de força neles existentes. Como
bem explica Foucault: “É sempre possível dizer o verdadeiro no espaço de uma
exterioridade selvagem; mas não nos entregamos no verdadeiro senão
64
Como já trabalhamos anteriormente, a existência de um padrão simbólico helênico facilita
nossa apreensão do discurso e do contexto simbólico.
lxvii
obedecendo às regras de uma polícia’ discursiva que devemos reativar em cada
um dos nossos discursos” (FOUCAULT, 1996, p. 35).
Todavia, um estudo dessa natureza é possível desde que tomemos o
discurso como parte de uma prática. Entendemos que se o discurso não cria o
mundo, se apropria dele e proporciona a este mundo múltiplos significados. O
discurso age sobre o real constituindo assim uma realidade (RAGO, 1998, p. 27).
Ele contribui para a compreensão de parte da realidade que não se deixa
apreender. No fundo, as categorias de apreensão da realidade não passam de
tentativas de conferir ordem àquilo que não se permite organizar.
A idéia é explicar o modo em que o discurso se apresenta, observando, a
partir da linguagem, a construção das identidades e as relações sociais
estabelecidas pelos participantes do processo comunicacional. Para tanto,
designamos valor ao dispositivo de enunciação, isto é:
“explicação de diferentes posicionamentos ideológicos ou
posições enunciativas ou ainda lugares de fala – ou seja, as
diferentes maneiras de construir a representação de uma
determinada prática social ou área de conhecimento propostas
pelos sujeitos que aparecem nos textos e que são assumidas ou
não pelos participantes do evento comunicativo em curso
(PINTO, 2002, p. 32).
Entendemos o mundo da linguagem como mundo da aparência, do
ideológico, do poder, onde somos condenados a viver. Falamos em aparência,
visto que seria demasiado pretensioso falar em captura do real. A questão da
ideologia é trabalhada por Aristóteles enquanto doxa
65
aquilo que
compartilhamos socialmente e o poder presente nas diversas formas de
65
“Doxa é uma palavra emprestada do grego e designa a opinião, a reputação, o que dizemos das
coisas ou das pessoas. A doxa corresponde ao sentido comum, isto é, a um conjunto de
representações socialmente predominantes, cuja verdade é incerta, tomadas, mais
freqüentemente, na sua formulação lingüística corrente” (CHARAUDEAU, 2004. p. 176).
lxviii
comunicação ditam regras de uma boa interação (PINTO, 2002, p. 45). O
poder dos discursos é visto em seus efeitos na essência das relações sociais.
Trabalhando com a ordem dos discursos proposta por Foucault,
percebemos uma “seleção entre alternativas que é condicionada socialmente”
(PINTO, 2002, p. 58), compreendendo assim todo um processo de produção e
recepção de valores culturais onde o poder está em jogo.
“... Todo discurso é um simulacro interesseiro, produzido com o
objetivo de se conseguir ‘dar a última palavra’ na arena da
comunicação, isto é, de ter reconhecidas pelos outros as
representações, identidades e relações sociais construídas por
seu intermédio” (PINTO, 2002, p.88).
Com foco nas identificações criadas e reconhecidas nos discursos, e no
poder que isso envolve, encaminharemos nossa análise dos discursos. Até
porque, as identidades são construídas e naturalizadas nos discursos sendo
assim expostas por meio de signos culturalmente aceitos e reconhecidos. O
próprio signo, que aqui limitamos para a palavra, carrega em si o que é e o que
deixa claro não ser – sua diferença. Como explica Tadeu da Silva, na medida em
que normatizamos uma identidade, esta passa a ser reconhecida como normal
ou padrão, que a partir dela as demais serão hierarquizadas (SILVA, 2000,
p.83).
Para Orlandi, “A organização do texto não expressa, dessa perspectiva
teórica, concepções de mundo mas indícios de como o autor pratica
significações” (ORLANDI, 2001, p.12). Neste sentido, os documentos
pesquisados aqui demonstraram um caminho reconhecido conjuntamente
66
:
a busca do bem estar da pólis está acima de qualquer vontade individual. Esse
66
Quando escrevemos sobre um caminho reconhecido conjuntamente, estamos nos remetendo
a percepções de mundo comuns entre os gregos, ou pelo menos entre aqueles que deixaram seu
testemunho sobre seu tempo.
lxix
valor máximo grego é reconhecido nas significações de todos os nossos
discursos.
Em um artigo sobre as mulheres nas obras de Aristóteles, Maria da
Graça Schalcher debate sobre esse espaço feminino na pólis. A autora reconhece
uma espécie de nivelamento humano em relação ao sexo e simultaneamente nos
instiga com uma pergunta muito pertinente: como o homem (individuo do sexo
masculino) pode ser considerado tão perfeito se necessita da mulher para a
procriação? Citamos aqui as palavras de Marta Mega de Andrade:
“... E os deuses criaram belo o mal, reverso de um bem.
Pudessem os homens procriar sem as mulheres, essa dolosa
praga, que mesmo sendo a mulher-abelha, esconde em sua
origem a raça de Pandora. A ambigüidade do gênero feminino
percorre a literatura grega que não se cansa de usar essa
ambigüidade não apenas para falar das mulheres, mas
principalmente para falar dos homens e de suas relações
mútuas, mesmo suas relações políticas. O século V a.C, em
Atenas, foi um século em que se ‘falava’aos homens com as
mulheres” (ANDRADE, 2003, p.119).
A relação de gênero parece ter lugar privilegiado na compreensão da
existência da multiplicidade humana na pólis. Multiplicidade essa
imprescindível para sua existência. Em primeiríssimo lugar, a pólis existe
devido aos homens e às mulheres capazes de oferecer seu suprimento humano.
Essa seria a grande interpretação das palavras de Aristóteles quando ele escreve
que: Em primeiro lugar se unem de modo necessário os seres que não podem
existir uns sem os outros, como a fêmea [θήλυ] e o macho [άρρεν] para a
geração” (ARISTÓTELES. Política, I, 1252a). Essa seria uma tendência natural
para produção de um semelhante.
67
Lessa, ao se reportar à esposa ateniense,
descreve:
67
Aristóteles escreve “φυσικόν τό έφίεσθαι” no sentido de “para produzir um semelhante”.
lxx
“Para nós, a procriação e, principalmente, a criação e educação
dos filhos, pelo menos nos seus primeiros anos de vida mais do
que a tecelagem constituem os indícios mais propícios para
identificarmos uma personagem feminina representada num
vaso como sendo uma esposa bem-nascida. Esta inferência é
resultante do fato de que a concepção de um filho significa a
concretização do herdeiro, que será responsável pela
manutenção do patrimônio, por cuidar dos pais na velhice, por
realizar os funerais familiares e por manter o culto
doméstico”(LESSA, 1998, p.187).
Por isso, a constante preocupação na literatura grega com a educação e
o regramento das mulheres. A falta de um controle efetivo sobre os cidadãos
seria a causa da destruição dessa comunidade, que estava acima dos mesmos.
Isso justifica as críticas de Aristóteles
68
às espartanas e, principalmente, sua
articulação com um fracasso espartano.
Inversamente, encontramos a mesma justificativa
69
para a criação e a
disseminação da miragem espartana onde os espartanos eram
reconhecidamente disciplinados e controlados. Neste caso como em muitos
outros encontrados nos documentos antigos, os sexos são trabalhados a partir
de uma dicotomia hierárquica onde as mulheres estão ao lado dos princípios
menores. Colocando de outra maneira, as espartanas desregradas se
contrapunham aos homens disciplinados. E quando escrevem, os antigos falam
aos homens no sentido de reforçar o comportamento que deveria ser assumido
por eles.
68
O próprio Plutarco faz referência a essas idéias de Aristóteles quando escreve “Não é exato
como pretende Aristóteles. Que depois de tentar instruir as mulheres desistiu [neste caso o
autor se refere a Licurgo], incapaz de moderar-lhes a licença e o império sobre seus maridos”
(PLUTARCO. Licurgo, 14). Ao negar esse fato, Plutarco, só reforça a preocupação com a conduta
das mulheres.
69
A justificativa que nos referimos aqui é o bem da pólis.
lxxi
Tudo isso justifica os exercícios, danças e cantos nuas
70
, casamento por
rapto, o banimento de estrangeiros, a difamação pública dos celibatários, o
reforço do sentimento de comunidade na proibição e desqualificação daqueles
que buscavam riquezas.
71
Quando Plutarco escreve que “Era vedado inscrever os nomes dos
mortos nas lápides, exceto os dos guerreiros caídos em combate e os das
mulheres mortas em trabalho de parto” (PLUTARCO. Licurgo”, 27)
72
, ele quer
dizer que mereciam ser lembrados pela pólis após a morte aqueles que
morreram a seu serviço. E quais seriam esses, na divisão dos gêneros, se não o
parto e a guerra?
As inscrições lacônicas, ao mesmo tempo em que são fáceis de
identificar, são difíceis de datar (devido a forma escrita de suas letras)
73
. Nas
Inscriptiones Graecarum
74
, encontramos inscrições funerárias espartanas onde
muitos dos mortos são citados pelo nome e polémoi [ΠΟΛÉΜΟΙ] (na
batalha/combate)
75
, e mulheres com a inscrição deu à luz” (ΛΕΧΟΙ).
Entretanto não são só por batalhas e partos que são lembrados os mortos.
Alguns são citados com o nome de sua pólis de origem
76
, e ainda existem
70
Segundo Legras, a paidéia feminina espartana é atribuída a Licurgo. Alguns historiadores a
descrevem como um simples reflexo da agogé masculina. A questão da nudez na prática de
exercícios físicos, para os historiadores que seguem a linha de Calame, está ligada a
interpretação da paidéia onde diferente da agogé que busca a formação de guerreiros, formaria
as futuras mães procriadoras de guerreiros (mère procréatrices de guerriers). Além disso a
paidéia destinada as jovens é considerada “nessa linha” como ritual que transformaria a menina
em mulher (LEGRAS, 1998, p.71).
71
Trabalharemos este ponto posteriormente de forma mais detalhada.
72
Xenofonte escreve: “A penalidade para a falta com os deveres era a exclusão de todas as
honras futuras” (XENOFONTE. Constituição dos Lacedemônios. III, 3). Neste caso ele reforça a
perspectiva das honras àqueles que agiram para a comunidade.
73
Para maiores informações sobre essa datação ver: JEFFERY, 1990.
74
Utilizaremos a abreviação IG todas as vezes que nos referirmos as Inscriptiones Graecarum.
75
Para citar apenas alguns temos ΆΙΝΕΤΟΣ ΕΝ ГΟΛΕΜΟΙ(IG. v. ix. 701), ΝΙΚΑΗΙΚΛΗΣ
ΕΝ ГΟΛΕΜΩΙ (IG. v. ix. 704), entre outros que a palavra “polémoi” (batalha/
combate/choque/ guerra) encontra-se incompleta.
76
“[Ό ∆ΕΙΝΑ] ΗΙΑΙΕΥΞ” que quer dizer de um habitante originário de Iasos (IG. v. ix. 711).
lxxii
exemplos de pessoas que organizaram monumentos, venceram jogos olímpicos,
dentre outros feitos considerados nobres pelos gregos.
77
Todos os mortos que receberam inscrições são homenageados pela pólis
graças a ação/ações dedicada(s) a continuação da mesma
78
. Ou seja, seria uma
espécie de retorno e principalmente exaltação pública: você será lembrado, se
agir pela sua comunidade. Até porque esse era o papel das partes: agir para
manutenção do todo.
“A cidade, embora seja constituída por uma multidão, como
dissemos antes, deve existir como uma unidade, graças à
educação dos cidadãos; é estranho que justamente o introdutor
de um sistema de educação, convencido
79
de que com isso fará
a cidade moralmente melhor, tenha ilusão de poder aperfeiçoá-
la com medidas do tipo das mencionadas
80
, em vez de confiar
nos costumes, na filosofia e nas leis como as vigentes na
Lacedemônia e em Creta em relação a propriedade e aos
repastos coletivos” (ARISTÓTELES. Política, II, 1264 a).
Aristóteles fala da comunidade e sua relação de dependência ante a
diferença. Exemplifica com Esparta e Creta que souberam medir aquilo
considerado bem comum no seio da comunidade daquilo que seria considerado
bem próprio. Contudo, o que nos chama atenção nesse trecho é a preocupação
com a educação (base para qualquer pólis segundo o filósofo) e a importância
dedicada aos costumes. Costumes esses que deveriam estar de acordo com o
77
Em uma inscrição (IG. v. ix. 724) encontramos uma homenagem a um estrangeiro que
combateu pela pólis de Licurgo. Neste caso até a costumeira aversão espartana por estrangeiros
pode ser revista. Isso é confirmado por Tucídides quando descreve a resposta lacedemônia ao
chamado da Tegéia, onde a expedição dos lacedemônios era composta por soldados hilotas
(TUCIDIDES, V, 64).
78
Esclarecemos aqui que encontramos contrariamente as expectativas estelas em
homenagem a crianças (IG. v. ix 766 e 801), e algumas que limitam-se a inscrição: “Salve”, e o
nome da pessoa (seja uma mulher ou um homem) (IG. v.ix. 768, 771, 772, 777, 778). Isso não
invalida nossa perspectiva na medida em que os casos das crianças são isolados (apenas dois) e
estão em perfeita harmonia com a hipótese que vincula reprodução como atividade para o bem
da pólis, que transcende os indivíduos; já as estelas simplificadas, isto é, que não explicam
causa da morte, reforçam a identidade lacônica de objetividade.
79
Neste ponto Aristóteles se refere a Sócrates.
80
Aristóteles critica a idéia de que uma pólis baseada na comunidade de bens põe fim aos males
atualmente encontrados nas póleis.
lxxiii
tipo de pólis em que se localizavam e, se nos permitem a audácia, em concórdia
com os valores gregos que destrinchamos ao longo de nosso trabalho.
Assim, quando Plutarco escreve que por determinação de Licurgo
81
as
jovens deveriam se exercitar na corrida, na luta, no lançamento de dardos e
discos, visto que “a semente do homem, fortemente enraizada em corpos
robustos, produzisse os mais belos germes, e que também as mulheres fossem
suficientemente fortes para suportar a gravidez e lutar com êxito contra as dores
do parto” (PLUTARCO. Licurgo, 14), existe a preocupação com a reprodução
mais básica da pólis: a de seus membros
82
.
Por trás de todo o ritual, considerado libertador da esposa esparciata
espartana pela historiografia, existe a preocupação com a sobrevivência da pólis.
Neste caso, a ação das atenienses poderia ser considerada da mesma maneira.
Outro exemplo de atuação no espaço público neste caso fazemos
referência à tebanas ou à sicilianas
83
- encontramos nas palavras de Píndaro:
“Eu quero no momento elevar minhas orações a mãe, venerável deusa que as
jovens cantam com freqüência próximo de minha porta, junto com Pan, à noite”
(PÍNDARO. Píticas III, 77-79).
Podemos alegar que se tratava de um ritual religioso
84
(diga-se de
passagem, também imprescindível para a manutenção da pólis). Todavia, será
81
O que demonstra ser algo considerado como algo maior por ser, de certa forma, imposta
pelo legislador, algo que deve ser respeitado em prol daquilo que é mais importante: a pólis.
82
A obra de Xenofonte completa nossa percepção quando diz: “Eu observei a algum tempo que
Esparta foi muito poderosa e célebre em toda Hélade, como é evidente, ainda que fosse uma das
póleis com menos habitantes, e me surpreendi de como isso podia ocorrer” (XENOFONTE, A
Constituição dos Lacedemônios. I, 1). Esse filósofo viveu por tempo considerável em Esparta.
83
Segundo nota da tradução espanhola, essa passagem de Píndaro causa problemas entre os
pesquisadores, não se sabe ao certo a que mães se refere (Deméter ou Cebéle), nem a que local
diz respeito, se se trata de um culto tebano ou um rito siciliano. Biógrafos antigos interpretaram
ao pé da letra a referência a casa de Píndaro.
84
Segundo Andrade: “... na expressão religiosa e imaginária de uma experiência do espaço e do
tempo da cidade ateniense, a mulher atua como operador de sentido, o feminino confere
viabilidade a pátria. Mas a mulher mesma atua em palavras, gestos, danças, esperadas ou não,
na configuração da identidade em seus extremos guerra e paz, exterior e interior, urbano e
agrário, liberdade e escravidão, velho e novo, semelhança e diferença” (ANDRADE, 1998,
p.397).
lxxiv
que os exercícios, coros, danças praticados pelas espartanas também não
estariam atrelados à premissa de perpetuação políade? Nesse caso, não
estaríamos vislumbrado que pontos correntemente endossados como
contraditórios a tudo aquilo que se construiu como grego em Esparta estão mais
próximos desse modelo grego do que se pensava? “A virtude da parte precisa
ser pensada em relação a virtude do todo...” (SCHALCHER, 1998, p.339).
Para Maria Aparecida Silva, a singularidade do espaço da mulher no
sistema social grego e o “caráter inusitado” das espartanas seriam, talvez, efeito
da necessidade dos autores gregos de criação de modelos opostos e conflitantes,
fundamento da rivalidade entre Atenas e Esparta. Em sua opinião, existem
“exageros narrativos” de peculiaridades culturais (SILVA, 2003, p. 241).
Silva faz o alerta de um fato importante. Grande parte das informações
que nos chegaram das espartanas foram produzidas/escritas nos fins do Período
Clássico. O quarto século demarca a transição entre a prosperidade (do século
anterior) e o declínio do sistema políade. Foi neste mesmo período que tanto
Atenas quanto Esparta perdiam sua hegemonia para Alexandre (SILVA, 2003,
p. 243).
Aristóteles, Platão e Xenofonte escreveram alertando sobre os
malefícios que viriam junto com o desmantelamento do sistema políade. Essa
preocupação é bem nítida quando fazem referências às “riquezas”
85
. Ponto
reafirmado negativamente como caráter feminino. O amor que as espartanas
possuíam pelas riquezas seria a causa da destruição de Esparta.
A possibilidade de herança da mulher espartana, interpretada como
possibilidade de poder em mãos erradas, pode ser entendida como manutenção
85
Ver (PLATÃO. Leis, XII 806 a -c), (ARISTÓTELES. Política, II, 1270 a), (XENOFONTE. A
República dos Lacedemônios. XII 3), (PLUTARCO. Licurgo. v. 24).
lxxv
da terra em poder de famílias que perderam seus representantes do sexo
masculino. Ou seja, a mulher estaria servindo de instrumento para a
manutenção das terras de uma família até a chegada de um varão (que poderia
ser um filho ou um marido) que pudesse administrar as terras familiares. Isso
também era, de certa forma, uma despreocupação a mais para os maridos, pais
e filhos que iam lutar pela pólis. Sabiam que, no caso de sua falta, suas mães,
esposas e filhas estariam asseguradas
86
.
Sabemos que as obras de Plutarco são temporalmente distantes do
período que aludimos e, ao contrário do que poderíamos pensar, são bastante
trabalhadas pelos historiadores de Esparta devido à opulência de detalhes.
Contudo, alguns de seus escritos parecem esquecidos nos trabalhos que dizem
respeito à liberdade das espartanas.
Plutarco escreve como máxima de espartanas: “Desde menina aprendi a
obedecer a meu pai e pratiquei isso, quando me fiz mulher, a meu marido. Logo,
se me propõe coisas justas exponha com claridade, em primeiro lugar, a meu
marido” (PLUTARCO. Moralia. Anónima 23. 241b). Ao perguntarem a uma
menina pobre que dote havia entregado àquele que a desposou, ela responde: “A
moderação familiar” (PLUTARCO. Moralia. Anónima 24. 241b.). Quando
questionada se havia tido relações íntimas com seu marido, uma espartana
respondeu: eu não, mas sim ele comigo” (PLUTARCO. Moralia. Anónima 25.
241b.).
Encontramos todas as frases em harmonia com os valores gregos de
esposa. No primeiro caso, a esposa faz menção à obediência e principalmente à
necessidade de aval do marido quanto a possíveis propostas de outrem isso
86
Passagem importante que torna mais forte esse argumento é a insistente afirmação de
Tucídides em relação às mulheres, onde mulheres e crianças foram feitas escravas (TUCIDIDES,
V, 3).
lxxvi
volta a confirmar o ponto trabalhado relativo ao empréstimo de esposas na
Lacedemônia. Na segunda máxima, ao responder a “moderação familiar”, a
esposa espartana coloca a idéia de comedimento como algo de extrema
importância, capaz de superar o mérito ou o valor de um dote. Ao remeter estas
palavras como pronunciadas por uma espartana, Plutarco não assume que
isso era possível, mas também louvável para sobreviver ao tempo.
Em outras palavras, as espartanas, assim como as atenienses e as
mulheres reconhecidas gregas, no período clássico, buscavam agir com
moderação como lhes era apresentado como padrão. Não afirmamos que todas
seguiam o modelo ideal proposto naquela sociedade, mas era nele que se
miravam para suas ações.
Na última máxima proposta, vislumbramos uma percepção de
passividade, pois não era a mulher que mantinha relações íntimas com seu
marido, mas, ele as tinha com ela. Nestes casos, as contradições se dissipam.
Nas obras de Xenofonte
87
e Plutarco
88
nunca foi deixado de lado o
caráter social das danças e exercícios. O próprio coro as lembrava do modelo a
seguir em prol da pólis, e estimulava o casamento pois as jovens dançavam nuas
no espaço público para serem vistas (PLUTARCO. Licurgo. 14). Seguindo o
mesmo caminho, fundamentamos os atos públicos de difamação dos
celibatários que contradiziam o modelo e esqueciam-se do bem maior
(PLUTARCO. Licurgo. 15).
87
“... em primeiro lugar fez com que as mulheres exercitassem seus corpos não menos que os
masculinos. Logo, organizou competições para as mulheres, entre elas a corrida e as provas de
força, exatamente como fez com os varões, convencido de que de mulheres vigorosas também os
filhos nascem mais robustos” (XENOFONTE. Constituição dos Lacedemônios, I. 4).
88
Após escrever que por determinação de Licurgo as jovens deveriam se exercitar na corrida, na
luta, no lançamento de dardos e discos, Plutarco completa: “Desejava que a semente do homem,
fortemente enraizada em corpos robustos, produzisse os mais belos germes, e que também as
mulheres fossem suficientemente fortes para suportar a gravidez e lutar com êxito contra as
dores do parto” (PLUTARCO. Licurgo. 14).
lxxvii
Outro ponto que reforçava o bem-estar políade é o banimento dos
estrangeiros, pois eles podiam trazer a desarmonia para a pólis:
“É que os estrangeiros, quando aparecem, não trazem
unicamente seus corpos, mas também, suas idéias, idéias novas
que acarretam julgamentos novos, em conseqüência, nascem
daí certos sentimentos e preferências que, em confronto com a
constituição vigente, produzem, como na harmonia, notas
falsas e discordantes” (PLUTARCO. Licurgo.27).
Um último exemplo é o casamento por rapto. Qual seria o interesse
principal a não ser preservar as mulheres para futuro casamento caso este no
qual se encontravam não lograsse frutos. O itálico foi proposital na medida que
esse recurso, mais do que preservar as mulheres em si, se propunha a preservar
sua possibilidade de reprodução para a pólis. Por isso, a ambigüidade da visão
das esposas espartanas nos discursos gregos.
Assumimos que os escritos de nosso corpus documental foram
produzidos num momento de alerta e, essencialmente num período em que a
disciplina e o controle eram essenciais para que o sistema políade não se
dissolvesse. É nítido mais uma vez os esforços de todos pela pólis
fundamentalmente pela educação inculcada nos costumes. E o não
afrouxamento [“των γυναικων άνεσις”] ante as mulheres assumia caráter de
lei/padrão.
No próximo capítulo trabalharemos mais sobre a percepção da pólis
como o fim máximo dos discursos, os discursos em si, e a construção das
identidades/alteridades femininas de Esparta.
lxxviii
Capítulo III
A Construção dos Discursos
Nos capítulos anteriores trabalhamos a ambigüidade da esposa
espartana bem-nascida nos discursos fornecidos tanto pelo nosso corpus
documental quanto pela historiografia, agora compreenderemos a construção
destes discursos.
Aquilo que nos foi deixado simbolicamente pelos antigos – estruturas de
mundo pessoais mesmo neste período em que as idéias positivas herdadas de
Auguste Comte são alvo das críticas mais ferrenhas, permanece como
representação justa. Representação esta que “sanciona e justifica a visão dóxica
das divisões, manifestando-a na objetividade de uma ortodoxia por um
verdadeiro ato de criação que, proclamando-a a vista de todos e em nome de
todos, lhe confere a universalidade prática do oficial” (BOURDIEU, 1989, p.
238).
Ao nomearmos aquilo que nos cerca, propomos princípios que
direcionam nosso olhar e propõem divisões explicativas como naturais e
existentes em nosso dia-a-dia, de onde são provenientes. Entretanto não
podemos esquecer que o discurso pode chegar a tal nível de reconhecimento que
se transformam em instituições reconhecidas (BOURDIEU, 1989, p.238).
Esse efeito de normatização aumenta o poder do discurso e seu efeito
de autoridade social que a cultura legitima. Com o reconhecimento público de
normalidade, o discurso passa a assumir um efeito de oficialização
(BOURDIEU, 1989, p. 246), de verdade. Verdade que não existe sem poder ou
fora dele. “Porque a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a
lxxix
múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder”
(FOUCAULT, 1979, p.12).
Cada sociedade possui seu regime de verdade, isto é, discursos
escolhidos e acolhidos como verdadeiros. As próprias sociedades controlam
mecanismos capazes de diferenciar enunciados verdadeiros dos falsos. Embora
contemos com um número limitado de discursos sobre Esparta
89
, é a partir dos
valores (positivos e negativos) propostos por eles que somos capazes de
construir os nossos discursos. Neste sentido, as identidades criadas no discurso
e pelo discurso deixam de assumir status de natural.
Qualquer texto pode ser apresentado de diversas maneiras, seguindo
perspectivas próprias. E para compreendermos os discursos, é necessário
encarar dois tipos de memória: a institucional, que estabiliza, e aquela que é
constituída pelo esquecimento. Isto é,
“... se, de um lado, há imprevisibilidade na relação do sujeito
com o sentido, da linguagem com o mundo, toda formação
social, no entanto, tem formas de controle da interpretação,
que são historicamente determinadas: modos de se
interpretar, não é todo mundo que pode interpretar de acordo
com sua vontade, especialistas, um corpo social a quem
se delegam poderes de interpretar (logo de “atribuir”
sentidos)”.
“Os sentidos estão sempre “administrados”, não soltos. Diante
de qualquer fato, de qualquer objeto simbólico somos instados
a interpretar, havendo uma injunção a interpretar. Ao falar
89
Em um trabalho dedicado a percepção de Esparta a partir das obras de Plutarco, Maria
Aparecida Silva escreve que “O sistema espartano foi interpretado pela tradição literária grega
como resultado da instituição de um conjunto de leis transformadoras de sua ordem social. Ao
escrever a biografia de Licurgo não vemos em Plutarco a idealização, o romance ou a invenção
da história espartana, mas uma intenção de datar e historicizar o nascimento da cidade
reconhecida por suas qualidades militares.” Mais adiante ela escreve: “O papel fundante
atribuído à instituição de novas leis é um tema recorrente no pensamento heleno. Continuando
o debate de Platão, Aristóteles, e Políbio, Plutarco estudou a constituição espartana ao longo de
sua história, procurando identificar os motivos de sua decadência. Ele pensou a história de
Esparta, como pensava seus antecessores, a partir da história de uma constituição. Portanto,
Plutarco analisou a cidade espartana sob uma perspectiva oriunda da tradição grega” (SILVA,
2004, p. 87).
lxxx
interpretamos. Mas, ao mesmo tempo, os sentidos parecem já
estar sempre lá” (ORLANDI, 2005, p. 10).
O discurso acontece pela ngua, todavia, esta não se trata de um todo
homogêneo. Não conseguimos separar quem é quem no processo discursivo
porque ele nos é apresentado por inteiro.
“Os dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a
serem decodificadas. São efeitos de sentido que são produzidos
em condições determinadas e que estão de alguma forma
presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o
analista de discurso tem de apreender” (ORLANDI, 2005, p.
30).
O próprio dizer não é algo particular. As palavras são de todos,
significam pela língua e pela história. A existência de um já-dito sustenta a
possibilidade do dizer o que é dito, isto é, a base para o entendimento de um
discurso perpassa por sua relação com os sujeitos e com a ideologia (ORLANDI,
2005, p. 32). Neste sentido, seguimos as idéias de Finley ao defender que todos
os gregos, mesmo dispersos, se compreendiam como pertencentes a uma
mesma cultura, e que isso, civilização comum, não era entendida como, ou não
significava uma identidade absoluta (FINLEY, 1988, pp. 15-16).
As diferenças no dialeto, na organização e na prática do culto religioso,
na formação política adotada pela pólis eram consideradas pequenas em relação
aos pontos comuns (FINLEY, 1988, p. 16). Entretanto, existe um ponto no
discurso de Finley que nos deixa uma contradição. Isso acontece quando diz
que, com freqüência, a moral e os valores também eram diferentes entre o
conjunto de pessoas que se acreditavam helenos. Compreendendo que sua
referência à moral e aos valores estariam inclusas na idéia de areté, ou virtude
no grego, e como trabalhamos no capítulo anterior, pelo menos no que tange
lxxxi
aos discursos que nos chegaram, os gregos compartilhavam modelos de honra e
vergonha
90
.
Especificamente, nos referimos às virtudes em defesa da pólis. Virtudes
essas que, escritas em fins do período clássico, buscavam tomar fôlego para que
os gregos / helenos não assistissem ao desmembramento total do sistema que a
tanto defendiam e viviam por. Essa não era uma via de mão única, mas uma
relação dialética onde, com o bem-estar da polis, o indivíduo também estaria
feliz e vice-versa. Tanto que a política, πολιτικός, palavra derivada de pólis, tem
em sua origem a idéia de cívico, daquilo que é composto pelos cidadãos.
Aristóteles é categórico ao afirmar que a própria existência da pólis se devia a
uma busca do bem-estar de seus cidadãos (ARISTÓTELES. Política. I, 1253a).
Seguindo as orientações de Aristóteles, a pólis era uma comunidade de
cidadãos que objetivava o bem comum
91
.
“A pólis é um complexo, no mesmo sentido de quaisquer outras
coisas que são um todo mas se compõe de muitas partes; é
claro, portanto, que devemos primeiro investigar a natureza do
cidadão, pois uma pólis é uma multidão de cidadãos, e portanto
se deve perguntar quem tem direito ao título de cidadão, e qual
é essencialmente a natureza do cidadão” (ARISTÓTELES.
Política, III, 1275 a).
Aristóteles acreditava que uma pólis só poderia ser considerada bem
governada quando supria as necessidades básicas de seus cidadãos. Porém,
90
Píndaro escreve “o que é mais desejado que pais honrados para os homens de bem.” Aqui
existe diferença entre a tradução espanhola (pais respeitáveis) e a inglesa (pais queridos). A
dúvida fica no termo κεδνων que cabe em si todas essas traduções, mas decidimos traduzí-la por
honrado pela força e peso que denota essa palavra na sociedade grega.
91
Considerando a teoria de Bourdieu, a razão e a razão de ser de uma instituição (ou de uma
medida administrativa) a dos seus efeitos sociais, não está na ‘vontade’ de um indivíduo ou de
um grupo mas sim no campo de forças antagônicas ou complementares no qual, em função dos
interesses associados às diferentes posições e dos habitus dos seus ocupantes, se geram as
‘vontades’ e no qual se define e se redefine continuamente, na luta e através da luta – a
realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos” (BOURDIEU, 1989,
p.81). Assim, a pólis entendida pelos gregos como bem maior, seria o resultado de vontades,
mais do que isso de valorização e reconhecimento de um poder social definido e redefinido
continuamente pelos próprios atores sociais.
lxxxii
havia a dificuldade de determinar a maneira de atingir estes objetivos
(ARISTÓTELES. Política. II, 1269b).
Platão, tanto na República quanto nas Leis, esclarece que: “... todo o
governo, como governo, não tem por finalidade velar pelo bem de mais
ninguém, senão do súdito de que cuida, quer este seja uma pessoa pública ou
particular” (PLATÃO. A República. I, 345 a-e). Do mesmo modo que Aristóteles,
Platão acredita que a pólis é a reunião de indivíduos em busca de auto-
suficiência (PLATÃO. A República. II, 369a-e; ARISTÓTELES. Política. I, 1253 a).
Aristóteles relaciona a família (a menor unidade de agrupamento e
autoridade) como estágio inicial de desenvolvimento da pólis. O filósofo
entendia que o estudo do micro facilitava o entendimento do macro e por essa
razão demonstrou tanto interesse pela família (ARISTÓTELES. Política. I, 1252
a.). Vale ressaltar que Platão discorda de Aristóteles no que tange ao valor da
família. Enquanto este não dissocia pólis de família, aquele não só confia no fato
de que a família não deve existir, como também a ausência dela é preferível
(SISSA, 1996, p. 146).
Platão e Aristóteles podem pensar de maneira diferente quanto ao papel
da família no interior da pólis, contudo, concordam que a educação dos jovens é
de suma importância para a vida em comum.
“Ninguém contestará que a educação dos jovens requer uma
atenção especial do legislador, pois a negligência das póleis a
este respeito é nociva aos respectivos governos; a educação deve
ser adequada a cada forma de governo, porquanto o caráter
específico de cada constituição a resguarda e mesmo lhe dá
bases firmes desde o princípio - por exemplo, o caráter
democrático cria a democracia e o caráter oligárquico a
oligarquia, e o melhor caráter sempre origina uma constituição
melhor” (ARISTÓTELES. Política. VIII, 1337 a - grifo nosso).
lxxxiii
A educação deveria estar sempre de acordo com a forma de governo
adotada pela pólis. Porém, o mais importante de tudo era a educação pelos
costumes (PLATÃO. A República. II, 377 a-e). Por esse motivo, Platão
preocupava-se com os autores de fábulas, pois essas influenciavam no
desenvolvimento das crianças (no que diz respeito a valores ou virtudes). Esta
também teria sido uma preocupação de Licurgo (segundo Plutarco), pois, para
ele, as normas importantes para a prática de virtude e para o bem público
seriam fixas e inabaláveis se estivessem nos costumes dos cidadãos. A eficácia
das leis seria maior quando encorajadas nos jovens através do processo
educativo (PLUTARCO. Licurgo,13.).
Um homem não se basta. Ele é filho de alguém e proveniente de um
lugar específico. Por isso, os antigos fazem uso de apostos. Apostos necessários
que parecem estar atrelados aos indivíduos. Essa própria exposição da ngua
grega no período clássico nos demonstra a falta de uma auto-
representatividade do indivíduo.
A pólis simboliza o ponto máximo de identidade entre os gregos. Numa
escala decrescente, após uma identidade helênica encontramos a identidade
políade, que ultrapassa o sentimento de pertencimento grego, tanto que a
identificação dos indivíduos como gregos não evitava a guerra entre eles ou a
escravização de helenos. E por último, a identidade familiar, como uma pequena
comunidade. “Os gregos não só se consideravam como gregos (helenos), em
contrapartida aos bárbaros, mas também e em primeiro lugar, como membros
de grupos e subgrupos no interior da Hélade” (FINLEY, 1988, p.31).
Segundo Stuart Hall, é na relação do sujeito com as práticas discursivas
(o processo subjetivo é enfatizado) que a identificação aparece. Por isso, a
importância de alegar a lis e o nome de seu pai ou familiar que mereça ser
lxxxiv
lembrado. Para o senso comum, a identidade acontece ou se concretiza com
base no reconhecimento de uma origem comum ou de características
compartilhadas, ou a partir de um ideal comum (HALL, 2000, pp.105-106).
Neste caso, a pólis abarca em si mesma uma origem comum, um ideal
comum proposto por uma educação que reforça os valores de honra e
vergonha da comunidade e a divisão harmônica ou o compartilhar de
características definidas como políades.
Hall explica que diferente do senso comum a abordagem discursiva
trabalha ou entende a identificação como um processo que está constantemente
se determinando. As identidades estão sempre em construção, limitando o que
está dentro e o que está fora de seu grupo.
Assim o interesse por todo um trabalho discursivo capaz de delimitar as
fronteiras simbólicas está justificado. Por isso também a perspectiva dos antigos
de Platão a Plutarco e da historiografia atual em trabalhar a dualidade e
diferenças das póleis
92
. Não apenas da Cidade-Estado, mas também uma
demarcação daquilo que é próprio e valorizado para cada gênero e, dentro disso,
para cada classe ou grupo que representam. Numa diferenciação sem fim que
chega ao complexo discurso de identidade individual.
É justamente pelo fato das identidades serem construções discursivas
que não podemos desvinculá-las de seu contexto de produção histórico, espacial
e temporal. Pois além de um contexto, elas são parte de práticas específicas,
estratégias e iniciativas específicas daqueles que as proferem (HALL, 2000, p.
109).
92
A idéia é demarcar e diferenciar aquilo que é próprio de uma lis. Desse modo cria-se o
discurso de identidade.
lxxxv
A sociedade humana é basicamente um sistema de significação. Nela se
definem as identidades. A própria concepção de gênero acontece dessa forma, às
vezes tão naturalizadas que não nos damos conta de nosso comprometimento
na reprodução de certos discursos. Neste caso, as sociedades elegem alguns
atributos que configuram aquilo que determina como masculino ou feminino.
Assim são expostos o que o homem e a mulher são, suas virtudes e cios (o que
deve ser procurado e o que deve ser afastado). Contudo essas identidades não se
limitam aos discursos, mas agem também sobre seus/nossos corpos físicos.
Esses atributos são de maneira geral os mesmos para todos os membros
da sociedade, apesar de especificidades encontradas nas diferentes classes,
grupos e categorias que uma sociedade é capaz de englobar (RODRIGUES,
1983, pp. 44-45). Diferenças chaves para a distinção entre os grupos. Isso
justifica parte da construção discursiva da espartana no que tange à ênfase na
diferenciação das mesmas em relação às mulheres de Atenas.
A crise no sistema políade e a interminável procura daquilo que poderia
salvar esse modo de vida têm parte neste jogo de diferenciação. Aristóteles
(Política. II, 1270 a) e Platão (Leis. XXI, 781 a-b) imputam grande parte da culpa
da desorganização espartana às suas mulheres. O enfraquecimento desse
modelo era compreendido como a decadência da cultura helena como um todo.
Isto é, se a pólis era o objetivo maior dos indivíduos gregos, o que seria dos
mesmos com a dissolução da Cidade-Estado?
Cartledge trabalha em The Greeks as polaridades – marcas da sociedade
grega do V século. Para ele:
“Começando no mais alto grau de generalidade, os gregos
clássicos dividem todos os tipos humanos [humankind] em
duas categorias mutuamente excludentes e antitéticas: nós e
lxxxvi
eles ou, como eles colocaram, gregos e bárbaros. (...). De fato, a
antítese grego-bárbaros é uma dicotomia estritamente polar,
sendo não somente contraditória mas conjuntamente exaustiva
e mutuamente exclusiva” (CARTLEDGE, 1993, p. 11).
A partir do esquema gregos + bárbaros = todos os tipos humanos”
93
,
Cartledge estabelece a grande tônica do pensamento grego. Segundo ele, essa
polaridade foi a instância máxima dos costumes ideológicos gregos de
dicotomia. O hallmark, isto é, o selo de qualidade e autenticidade de uma
mentalidade e de uma cultura.
Alertamos para o caráter histórico desse discurso grego que é deixado à
parte do processo de análise da documentação. Apesar de oferecidas como
dualidades a-históricas
94
, elas são construções temporais, espaciais e,
principalmente, culturalmente determinadas. A separação antitética entre
gregos e bárbaros é uma construção do V século. Ela se firmou após as vitórias
dos gregos nas guerras contra os persas – 480-479 (CARTLEDGE, 1993, p. 13).
A identidade construída sob os alicerces políades carecia cada vez mais
de disciplina para a manutenção desta mesma estrutura que não se
encontrava em seus áureos tempos. É nessa articulação que vislumbramos todo
o excesso de preocupação com o sistema educacional (daí Esparta ter surgido
como um padrão a ser seguido) e com a disciplina das mulheres (descritas por
Aristóteles e Platão de encontro à personificação ideal feminina).
Como já foi exaustivamente exposto neste trabalho, a conduta feminina
encontrava-se em total sincronia com aquilo que a sociedade espartana
93
“greeks+barbarians=all humankind”(CARTLEDGE, 1993, p. 11).
94
mencionamos anteriormente que uma das características do processo de identificação
(identidade/alteridade) acontece a partir de um apelo a características fixas no tempo e no
espaço. Entretanto se o processo de identificação e diferenciação acontece por meio dos atos de
fala, ou seja, pela língua, e através de um discurso, sabendo que a linguagem é marcada por
indeterminações e pela instabilidade, a própria identidade também está inserida nesse contexto
de indefinições definidas (SILVA, 2000, p. 79).
lxxxvii
acreditava ser mais importante para sua manutenção e reprodução. Mesmo
denegridas pelos autores antigos e aclamadas pelos modernos, arriscamos
afirmar que o papel feminino, na Lacedemônia, foi mais do que uma opção, foi
também uma tentativa de manutenção de toda a sociedade proposta por
Licurgo. Enfim, um lampejo de esperança para uma pólis que observava a
extinção de seu povo.
Isso tornaria legítimas as atitudes impostas às esposas espartanas
(parte integrante do ideário grego). Ressaltamos a palavra imposta por
desacreditar numa suposta passividade feminina ante seu papel social, como
por muito tempo a História das Mulheres nos fizeram afiançar. Realçamos
também que essa imposição não seria uma exclusividade feminina, assim como
seu papel ativo, uma vez que todos os indivíduos estão de certa maneira
atrelados a normas sociais.
95
A grande contradição dos discursos sobre as esposas espartanas reside
aí. O grande interesse em demonstrar o poder e o papel feminino na História
caminhava lado a lado com a crença em seu papel de vítima, o qual atava essas
mesmas mulheres a uma representação passiva.
Comparações, Percepções e Prudência
No trabalho Ensino da História organizado por Martha Abreu e Rachel
Soihet, encontramos uma discussão sobre a História de Gênero. Nela, as autoras
colocam que essa nova história tenta desfazer a “invisibilidade das mulheres
95
Bourdieu esclarece que “Será possível suspenderem-se os efeitos desta violência simbólica
quando se faz a história das mulheres? A dominação masculina não continuará a pesar na
investigação (masculina ou feminina) sobre as mulheres e, se sim, de que modo? (...). A visão
feminina é uma visão dominada, que não se vê a si própria” (BOURDIEU, 1995, p.59).
lxxxviii
como sujeitos históricos” (ABREU & SOIHET, 2003, p.187). Segundo elas, “os
estudos sobre as relações entre homens e mulheres trazem à baila cenas da
intimidade, da vida cotidiana, associadas ou não a processos políticos” (ABREU
& SOIHET, 2003, p.190).
Não negamos que a História de Gênero desenvolveu temas até então
pouco estudados, mas a possibilidade de desvinculação desse estudo do
processo político não nos parece viável. Pois como afirmam posteriormente, a
relação feminino/masculino é reconhecida quando percebemos sua associação
com os demais sistemas de poder, pulverizados culturalmente (ABREU &
SOIHET, 2003, p.196).
Para conceituação de gênero, lançamos mão da definição de Joan Scott
que diz que gênero é a organização social da diferença sexual. Entretanto
ressaltamos que essa percepção não defende que gênero abarque diferenças
físicas fixas e naturais entre os dois sexos instituídos, e sim, que gênero é um
saber capaz de estabelecer significados para as diferenças corporais.
Significados que são definidos culturalmente e se modificam no tempo. Nada no
corpo, mesmo os órgãos genitais, determina como a divisão social será
demarcada (SCOTT, 1994, p. 13).
Quando entramos em contato com esse novo campo da História, a
História de Gênero, uma questão permanece latente: Como essa hierarquia de
gênero é construída? Como esta consegue sempre se reciclar e permanecer no
seio das sociedades? Que poder é esse que age sobre as mulheres (e homens)?
Podemos compreender um pouco sobre isso a partir das palavras de Certeau:
“A presença e a circulação de uma representação (ensinada
como código da promoção socioeconômica por pregadores, por
educadores ou por vulgarizadores) não indicam de modo algum
lxxxix
o que ela é para seus usuários. É ainda necessário analisar a sua
manipulação pelos praticantes que não a fabricam. então é
que se pode apreciar a diferença ou a semelhança entre a
produção da imagem e a produção secundária que se esconde
nos processos de sua utilização” (CERTEAU, 1994, p. 40).
Eni de Mesquita Sâmara, em um estudo sobre mulheres latino-
americanas, diz ser imprescindível examinar os papéis sociais existentes nos
conflitos entre o que as mulheres pensam que são
96
e o que são
verdadeiramente (SAMARA, 1997, pp. 15-25). Porém, o ponto que mais nos
chamou atenção em seu trabalho foi a percepção da mulher enquanto produtora
de um discurso masculinizado. Assim como as mulheres que estudamos aqui,
elas são personagens históricas e não vítimas. As mulheres constroem e
reproduzem o social e o cultural nos quais estão inseridas.
Adicionamos a esta questão a perspectiva de Foucault (FOUCAULT,
1996). Diz ele que todo discurso está ligado a relações com desejo e poder, logo,
em todas as sociedades existem narrativas que se repetem, conservam e
permanecem. Essas narrativas tradicionais devem ser questionadas, pois ao
mesmo tempo em que são impressões (reflexos) daquele que escreve sobre sua
sociedade; agem sobre o mesmo
97
.
Em A Dominação Masculina, Bourdieu afirma que todos nós estamos
incluídos nas estruturas históricas de dominação masculina. Mesmo quando
ousamos pensar sobre esta dominação, o nosso modo de pensar também é
produto dessa dominação, que faz parte de toda uma cultura que sempre se
reestrutura a partir de práticas e discursos em consonância com a dominação
96
Em nossos estudos infelizmente não contamos com esses discursos. O próprio Brulé se
questiona como restituir a palavra às mulheres gregas? Como restituir aos grupos sociais que
não deixaram vestígios, particularmente, particularmente todos aqueles que não puderam ter
sua escrita - “qui n’ont pas pu ou pas su écrire.” Nossa situação ainda se torna mais frágil
quando nos damos conta que mesmo depois do período renascentista, os historiadores da
Grécia eram todos do sexo masculino. Homens que traduziram, classificaram, criticaram e
explicaram os documentos clássicos gregos (BRULÉ, 1999, p.82).
97
Essas palavras corroboram nossa hipótese, descrita nas páginas anteriores.
xc
(BOURDIEU, 2002). Não negamos nosso papel ativo para modificação da
práxis. A livre escolha seria decidir modificar, ou não, a própria cultura e a
partir daí seus signos e seus discursos. Isto é, muda-se todo um discurso de
poder a partir das transformações das identidades. Caminhando neste sentido,
as estruturas vão delimitando espaços de atuação, (re)criando discursos e
(re)definindo papéis sociais.
Como fugir de uma estrutura “estruturante e estruturada”? Negociações
e acomodações nas estruturas, nos discursos e nas práticas acontecem a todo o
momento. Assim, nem sempre o que se diz é o que se faz ou o que se tem. Mas o
ideal tende a ser onde se quer chegar. Se se quer chegar é porque o discurso foi
aceito como norma e padrão por um conjunto de pessoas que compartilham
uma identidade cultural, e que buscam, mesmo que por caminhos diferentes,
atingir de certa forma o ideal.
As Espartanas, como as demais gregas, possuíam o ideal da
maternidade, da maternidade de varões. Era isso que almejavam. Neste caso
não contradição entre os papéis e as atitudes das lacedemônias quando
comparadas com as demais gregas, e com as atenienses em particular. Esses
eram os casos mencionados pelas inscrições funerárias
98
, no momento em que
agiam em benefício de suas póleis e, conseqüentemente, cumpriam seus papéis
de esposas.
“Ler é fazer um gesto de interpretação configurando esse gesto
na política da significação. Leituras diferentes não são gratuitas
nem brotam naturalmente. Elas atestam modos de
subjetivação distintos dos sujeitos pela sua relação com a
materialidade da linguagem, ou melhor, com o corpo do texto
que guarda em si os vestígios da simbolização de relações de
98
Agradeço muito a Luciene de Lima Oliveira pela grande ajuda na tradução dessas inscrições.
Explanaremos os pormenores dessas inscrições mais adiante.
xci
poder, na passagem do discurso a texto, em seus espaços
abertos de significação” (ORLANDI, 2001, p. 68).
Foi observando esses vestígios da simbolização que pudemos construir
bases sólidas para a consolidar nossa hipótese. Simbolismo que não se limita
àquele que escreveu, mas àqueles que leram e interpretaram o que foi escrito.
Trazer à tona os mecanismos de produção de sentido em um texto é “tornar
visível o modo como a exterioridade (sujeito, história) está presente nele, é
trabalhar sua historicidade” (ORLANDI, 2001, p. 64).
Nesse sentido pudemos desenvolver a importância da comparação ou
História Comparada em nosso trabalho. Porque o método comparativo nos
possibilitou como observadores e porque não adicionar aqui intérpretes dos
documentos antigos o afastamento de nosso próprio ponto de observação.
Quando percebemos as sociedades como uma multiplicidade, deixamos de
tentar descrevê-la para explicá-la como processo histórico.
Por isso, a preocupação demasiada com aqueles que escrevem, o seu
tempo e o seu espaço. O envoltório ambíguo das esposas lacedemônias não se
fixou em um ponto, mas transformou uma discussão de história de gênero em
uma nova perspectiva sobre a sociedade espartana em particular e grega no
geral.
A sociedade é um conjunto complexo e quase infinito de elementos que
se combinam e coabitam continuamente. Mesmo as combinações que
transparecem ser mais naturais são construções históricas. Logo, os elementos
inseridos nas relações e práticas sociais, onde existem as articulações humanas,
possibilitam também um número quase infinito de combinações e ações sociais
(BUSTAMANTE & THELM, 2003, p. 11).
xcii
A diferença fundamental do método comparativo é dominar códigos
culturais (evitando anacronismos). Controlados o tempo e o espaço que
operamos, administramos e atuamos nesse tempo/espaço num jogo de
comparação.
O tempo nos permitiu reconhecer continuidades e rupturas e os
espaços delineados trouxeram as semelhanças e diferenças políades e gregas. Os
dispares Esparta e Atenas ou espartanos e atenienses, longe de se excluírem (até
porque muitos de nossos discursos eram dos outros), se complementaram no
mesmo sentido em que se reconheciam como singulares (AYMARD, 1990, p.
272).
Estudando com afinco as inscrições, podemos elucidar essas
continuidades, rupturas e valores sociais importantes
99
:
“Sou túmulo da mãe, da filha e ainda do filho, os quais
receberam por sorte o rápido caminho para o Hades. Dentre os
quais, um chamava-se Alexánor entre os jovens; A outra (teve)
sua boa saúde arruinada antes do matrimônio. A Musa
observou a educação de um jovem rapaz, (educação) que Hades
zeloso, separou até que a criança se tornasse adulta. Por um
lado a mãe tem dois filhos, assim, por outro lado, é uma tripla
aflição” (IG. v. ix 726).
Neste primeiro exemplo, um único nome é anunciado: o masculino (do
filho), o que se subentende ser aquele que merece ser revelado, o mais
importante. Em relação à filha, teve “sua boa saúde arruinada antes do
99
A Epigrafia é uma palavra grega (Επιγραφη) que significa inscrição, escrever ou gravar sobre.
Essa ciência não é simplesmente uma técnica de leitura e edições de textos gravados sobre pedra
ou sobre qualquer outro material durável. Seus estudiosos possuem preocupação com a
interpretação. Esse trabalho, devido a constantes descobertas com escavações, está sempre
recomeçando. As inscrições são duráveis, em sua maioria, pois foram gravadas sob materiais
duráveis. Esse fato nos informa que essas informações buscavam, de certa forma, sobreviver
por espaços temporais maiores. Corvisier nos informa que as pessoas responsáveis pelas lápides
funerárias não eram necessariamente letradas (no sentido de saber ler e escrever), seu trabalho
consistia em desenhar as letras de acordo com um modelo que lhes foi confiado, provavelmente
por antepassados que ganharam a vida na mesma atividade. Eles tinham a técnica de escrever
em paralelo de acordo também com o tamanho da superfície em que iriam escrever, ou
desenhar as letras (CORVISIER, 1997, pp. 59-62).
xciii
casamento”, neste sentido, o casamento é considerado marco de uma vida
feminina
100
. o ponto que demarca antagonismo refere-se a: se por um lado, a
mãe teve dois filhos (ou seja, cumpriu com primor seu papel social), a aflição é
tripla, pois todos morreram, a pólis perdeu três de seus integrantes.
As inscrições não tinham como único fim informar quem jaz ou onde
jaz. Seu destino maior compreende o discurso daquilo que deve ou não ser
louvado pela pólis. E principalmente, aqueles que a recebiam (principalmente
em Esparta) eram exemplos a serem seguidos. A inscrição era uma exaltação
pública de seus padrões. Isso fica bem visível na inscrição que diz: “Não vejas
com admiração. Aqui estou em repouso no Pasikléos. Do filho de Lusímakhos”
(IG. v. ix. 731). Neste caso, podemos interpretar tanto como uma informação
daquilo que não é considerado virtude naquela sociedade, um filho sem nome e
sem pólis, quanto bem ao estilo lacônico um aviso “não me admire” não fiz
nada que não deveria ser feito em prol de minha lis.
As inscrições são mais uma evidência da pólis superar, em importância,
seus indivíduos. Pois mesmo os mortos serviam de exemplos daquilo que é
considerado ou não virtuoso para o bem-estar social.
Os documentos gravados na antiguidade são de natureza diferente dos
da atualidade. Documentos legislativos, atos públicos, tratados internacionais,
textos em honra a alguém ou funerários, contas públicas ou privadas, contratos
e escritas de natureza religiosa. O Epigrafista tenta compreender o critério de
escolha daqueles que escreveram sobre aqueles que deviam ser lembrados.
Como demarcavam quem seria lembrado ou não, que feitos eram considerados
honrados ao ponto de merecer uma dedicatória. Esse questionamento pode ser
100
E porque não dizer que a pólis perde também uma futura mãe.
xciv
transposto para a atualidade que continua selecionando eventos para gravarem
como história.
Em outra inscrição encontramos: “De maneira nenhuma, se concede a
aflição e a tristeza para aquela que gera” (IG. v. ix. 733). Esta inscrição referente
à morte de Fausto, que “a moîra funesta decretou não ter descendentes”,
representa que sua honrada mãe “quebrou seus flancos” para seu nascimento. O
que demonstra sua origem de mãe virtuosa, que não merecia esse desgosto.
As virtudes descritas encontram-se em harmonia tanto com as virtudes
espartanas quanto com os padrões gregos. Então onde reside o problema? E,
principalmente, por que a demarcação de limites entre Esparta e Atenas? Em
outras palavras, por que Esparta como contraponto/modelo de Atenas?
Embora tenhamos norteado nosso estudo para averiguação dos pontos
análogos, reconhecemos a existência das especificidades políades. Diferenças
tão importantes que causavam admiração e repulsa pela pólis por qual morreu
Leônidas. Foram estas mesmas disparidades que, além de demarcar a
identidade políade, possibilitaram nosso estudo. Porque sem elas não
verificaríamos as ambigüidades dos discursos sobre as esposas espartanas.
Essa questão ficou ainda mais pungente quando tivemos acesso à
informação sobre o conteúdo do código de Gortina em Creta. O código
menciona as mulheres desta pólis como herdeiras/proprietárias de terra.
101
Por
que Aristóteles não faz referencia a Creta quando discursa sobre o poder das
espartanas por ter em mãos grande parte das terras de Esparta? Seria para
ressaltar a falta de virtudes destas mulheres? Seria medo de que Atenas seguisse
101
Lembramos que um dos argumentos de Aristóteles para a decadência do sistema espartano
foi a grande quantidade de terras nas mãos de espartanas.
xcv
o mesmo caminho (lembramos que Aristóteles assim como Platão eram bem-
nascidos, detentores de terras)?
Estudando sobre as mulheres e a propriedade, Stephen Hodkinson
102
estabelece tópicos interessantes (HODKINSON, 2006). Segundo ele, o
argumento máximo da influência feminina sobre seus maridos acontece pelo
fato de herdarem terras. Seus questionamentos são: qual a relação da espartana
com a terra, qual o impacto da sua condição de herdeira em seu status e
influência e, por último, qual era o papel dessa apropriação em meio à crise do
sistema espartano (acrescentamos aqui a crise do sistema políade como um
todo).
Para o autor, o desmoronamento de Esparta está ligada a concentração
de terras nas mãos de algumas famílias. E a mulher espartana, ao herdar,
repetia esse modelo que interessava à elite espartana. Por ser de seu interesse,
foi esse próprio grupo que legitimou a possibilidade de herança por parte das
mulheres. Essa possibilidade fazia com que famílias abastadas não perdessem
suas terras em caso de morte de parentes do sexo masculino. Essa concentração
deixou muitos esparciatas à margem das deliberações e discursos
103
que
aconteciam nas sissítias (onde havia uma obrigação mensal
104
de oferta de
comida).
Hodkinson trabalha a hipótese da propriedade hereditária feminina
como dote, uma herança pré-mortem (HODKINSON, 2006, p. 4). E da
mesma maneira que em Atenas, a ausência de dote limitava a capacidade da
mulher de conseguir um bom casamento (HODKINSON, 2006, p. 11). Todos
102
Para conhecer melhor os trabalhos de Hodkinson vide bibliografia.
103
Quando em 450/451 foi instaurada em Atenas a dupla descendência, ou seja, para ser
cidadão era necessário ser filho de mãe e pai atenienses. Esse tipo de atitude também restringiu
ainda mais o grupo capaz de decidir e deliberar sobre o futuro dessa pólis.
104
Essa demarcação temporal foi retirada do texto de Hodkinson (HODKINSON, 2006 ).
xcvi
esses argumentos contradizem de alguma forma os escritos de Plutarco. Até
porque Hodkinson pretende oferecer uma descrição mais factível tanto das
esposas quanto da pólis.
Entretanto, como exposto anteriormente, defendemos a hipótese que a
herança feminina acontecia na falta de um parente do sexo masculino. Esta
possibilidade oferecia segurança para pais, filhos e maridos que se encontravam
constantemente em estado de guerra.
Encontramos no trabalho de Claude Mossé uma referência a
Demóstenes que descreve muitas mulheres que, devido a desgraças políades,
tiveram que alugar seus trabalhos como amas, fiandeiras, etc. Outro exemplo
ainda no mesmo texto, acontece quando Mossé cita o caso de Euxideus,
advogado de defesa do Contra Eubolo e a mulher que vende fitas a fim de
alimentar seus filhos na ausência do marido (prisioneiro de guerra) (MOSSÉ,
1995, p. 21).
Esse exemplo de esposas desguarnecidas em caso de ausência de seus
maridos nos leva a questionar como sucederia caso isso acontecesse em Esparta.
Lembramos que, segundo Xenofonte, Licurgo estabeleceu que as esposas se
ocupassem apenas com a procriação e deixassem atividades como fiar nas mãos
de escravos(as). Assim, se considerarmos a ausência de moedas e o desestímulo
ao comércio, a situação das lacedemônias ficava ainda pior na ausência de seus
maridos caso não pudessem herdar terras.
105
“Licurgo, por sua vez, pensou que as escravas bastavam para
produzir vestidos e, como considerava que a procriação era a
principal missão das mulheres livres, em primeiro lugar fez
com que as mulheres exercitassem seus corpos não menos que
os masculinos. Logo, organizou competições para as mulheres,
entre elas a corrida e as provas de força, exatamente como fez
105
Dessa maneira esses indícios apresentam recursos que corroboram nossa explicação.
xcvii
com os varões, convencido de que de mulheres vigorosas
também os filhos nascem mais robustos” (XENOFONTE.
Constituição dos Lacedemônios, I. 4).
Retornando a Hodkinson, ele escreve que Xenofonte descreve a
iniciação dessa relação
106
em termos de um arranjo concernente a homens.
Entretanto, alguns estudiosos modernos tentaram reinterpretar essa prática em termos
de uma liberdade sexual das espartanas e seus desejos de iniciarem relações amorosas
fora do casamento (HODKINSON, 2006, p. 14).
Como já discutimos anteriormente, não podemos reputar liberdade
sexual às espartanas na medida em que elas não escolhiam aqueles com quem
desejavam obter filhos perfeitos, mas sim eram escolhidas.
Assim conclui que:
“A contribuição da mulher para a crise da sociedade espartana
não foi, portanto, um fenômeno independente: nem o caso de
dominação feminina sobre as ostensivas regras masculinas,
como Aristóteles assegura, nem luxuria feminina solapando a
austeridade masculina, como Plutarco a entender. Isso foi
mais um produto das mudanças de regras de uma minoria da
população feminina esparticiata, mulheres de lares
aristocráticos, enraizados em mudanças fundamentais que
afetaram globalmente as características socioeconômicas da
sociedade espartana” (HODKINSON, 2006, p. 20).
Neste caso, o autor de Women and Property estabelece subgrupos no
seio dos esparciatas, que desde o começo do trabalho consideramos, a título de
análise, como um grupo coeso. Argumentação muito bem fundamentada. Não
intentamos entrar nesta discussão, por hora. O importante é compreender que,
apesar de acreditar que realmente a causa pelo declínio espartano passou pela
apropriação feminina de terras e de sua concentração por uma elite, o autor não
estabelece as mulheres como as únicas responsáveis.
106
Neste caso o autor discute o arranjo entre homens que gostariam de uma mulher para ter
filhos sem necessariamente contrair matrimônio.
xcviii
Compreendemos que sendo Esparta o grande modelo da aristocracia
grega, e especificamente para os atenienses, era sobre estas mulheres (que
agiam de forma coerente com valores espartanos e gregos) que se encontrava o
mais ferrenho controle. O modelo de força, disciplina e austeridade não podia
ser destruído. A fragilidade espartana demonstraria a todos, se não o fim, o
começo do fim do sistema políade.
E assim construíram os discursos identitários das silenciosas
espartanas. Desregradas, livres, donas de seu nariz, culpadas pelos problemas
espartanos, corajosas, musculosas, etc.
Identidades fabricadas por demarcação daquilo que não se é, elas não
agiam como as demais gregas. Essa marca que diferencia acontece pelos
sistemas simbólicos de representação (textos/imagens/discursos) e pelas
formas de exclusão social. A partir daí que nosso sistema classificatório, assim
como o grego, adquiriu existência. Isso demarcou o ser espartana. O exagero
grotesco encontrado em nossa documentação demonstrava o temor do fim de
uma forma de vida defendida por uma aristocracia grega.
Para Aristóteles, toda coisa viva era entendida como telos, ou final.
“Entretanto, teleios, o adjetivo grego de telos, não significava somente eventual
ou completo, mas completo no sentido de perfeito” (CARTLEDGE, 1993, p. 67).
O animal humano, segundo Aristóteles, ocupa a posição de fim perfeito. O
macho humano é o mais masculino de todas as coisas vivas, e a mulher, a mais
feminina. O homem deveria regrar porque o ato de regrar requer o exercício da
razão e, nesse departamento, as mulheres são consideradas inferiores aos
homens (CARTLEDGE, 1993, p. 69). E o exemplo das espartanas, em
Aristóteles, vem a somar ao padrão estabelecido de desqualificação do
feminino.
xcix
Neste caso entendemos o espanto do filósofo ao deparar que os
espartanos modelos em virilidade masculina, isto é, detentores de
racionalidade – não regrarem suas mulheres.
O ato de regrar as mulheres não estava limitado, para Aristóteles, ao
bem estar da pólis
107
que, consequentemente, trazia consigo o bem-estar de
todos os seus cidadãos. Apesar disse ser o foco principal, o filósofo acreditava
que as regras também tornariam as mulheres mais felizes porque:.
“A autoridade do senhor sobre as crianças e a mulher e sobre
toda a casa, que denominamos a arte da economia doméstica, é
exercida no interesse dos que obedecem, ou no interesse
comum de ambas as partes essencialmente no interesse dos
que obedecem, como acontece com outras artes (medicina e os
exercícios atléticos por exemplo), praticados no interesse das
pessoas sobre as quais elas atuam, embora também possam
acidentalmente ser exercidas no interesse de quem exerce, pois
nada impede o treinador de ser às vezes uma das pessoas que
se exercitam” (ARISTÓTELES. Política. III, 1279 a).
Além de corroborar com nossa hipótese de que os exercícios não devem
ser associados à liberdade, Aristóteles tenta legitimar um discurso onde aqueles
que detêm poder agem em prol daqueles que não o possuem. A superioridade
aconteceria em prol dos inferiores. Assim existe um discurso reconhecido onde
os mais necessitados contam com as graças dos que não o são. Platão segue essa
linha no Mito da caverna onde expõe que os privilegiados trabalhavam para que
aqueles que ainda não tivessem visto a luz, a conhecessem.
O fio de Ariadne é: a ambigüidade dos discursos acontece pelo fato dos
autores desvincularem as espartanas de sua sociedade. A documentação, em
especial Aristóteles, descreve as espartanas como causadoras da ruína social
lacedemônia, culpadas, por não aceitarem a disciplina inerente ao sistema
107
“O relaxamento dos costumes das mulheres da lacedemônia também frusta as intenções da
constituição local e é nocivo ao bem-estar da cidade” (ARISTÓTELES. Política. II, 1270 a).
c
políade. A historiografia já visualiza mulheres guerreiras, quase pós-modernas,
que não aceitam imposições num mundo masculino, que agem por si, que são
responsáveis por seus atos e merecem crédito por isso.
Nós oferecemos outra opção, onde não existem culpados ou guerreiros,
mas pessoas, seres humanos que defendem pontos de vista para atingirem a
felicidade, seu bem estar e o dos seus compatriotas. Lutam pelo que acham
certo e por aquilo que acreditam condizer com a realidade. E isso não está em
desacordo com a cultura grega (em geral) ou espartana (em particular).
Nosso intento não é ou foi desvendar as verdadeiras, as reais mulheres
de Esparta. Entretanto pontuamos contradições nos discursos, tanto
historiográficos quanto documentais. Ambos interessados em falar a verdade,
ambos influentes em suas épocas. Discursos parciais, capazes de nos trazer
partes-verdades que justificam/justificassem um determinado ponto de vista.
Assim como este.
ci
V. Conclusão
No início da pesquisa seguíamos os questionamentos de Perrot quando
transcrevia a pergunta de Gianna Pomata: “Essa avalanche de discursos sobre as
mulheres terá alguma vez tido conseqüências práticas sobre a vida delas?” Seria
essa história capaz de nos devolver uma visão historiográfica feminina?
(PERROT, 1995, p.11)
Daí em diante, nosso trabalho buscou compreender as limitações
discursivas daquilo que se refere à Esparta do período clássico, e
prioritariamente às espartanas. Compreendemos, portanto, que todos,
independentemente do sexo, deviam trabalhar em prol de sua comunidade.
Dessa maneira, como dimensionar o verdadeiro peso do discurso? Como
defrontar discursos e práticas? Acreditamos que “imaginar o mundo não
consiste em torná-lo presente no nosso pensamento. É o nosso pensamento que
faz parte do mundo e é presença no mundo” (VERNANT, 1994, p.15).
A historiografia que demarca liberdade para as espartanas é a mesma
que insiste em fixar um antagonismo entre Atenas e Esparta. A liberdade é
apenas um ponto a mais nesse jogo de confrontação. Cada pólis grega
engendrava um grande número de grupos que, assim como a identidade helena
e políade, auferiam novas e múltiplas categorias identitárias.
Não intentamos discutir as generalizações em História Antiga.
Concordamos com Finley quando escreve que os estudiosos tendem a dedicar
pouco tempo questionando suas generalizações, inclinando-se dessa forma a
freqüentes contradições e noções inadequadas (FINLEY, 1979, p. 92). Contudo,
são estas mesmas generalizações que possibilitam o trabalho histórico, e
principalmente seu aprimoramento e aprofundamento.
cii
O texto documental não é o ponto de partida nem o de chegada, mas o
lugar de observação do analista. É no discurso que conhecemos nossos
indivíduos-objeto. E como qualquer discurso, aquele que analisamos é
incompleto, assim como são incompletos os sentidos que apreendemos e seus
sujeitos (ORLANDI, 2001, p. 92). Mesmo a apropriação identitária das
espartanas nos discursos historiográficos é móvel. “As palavras não significam
em si. Elas significam porque têm textualidades, ou seja, porque sua
interpretação deriva de um discurso que as sustenta, que as provê de realidade
significativa. E sua disposição em texto faz parte dessa realidade” (ORLANDI,
2001, p. 86).
Considerando que os indivíduos recebem, desde seu nascimento,
qualquer que seja seu sexo, representações e normas que o definem em sua
sociedade. Podendo aceitá-las ou refutá-las. Mas mesmo quando lutam e as
negam, as reconhecem como a forma de ser. Ou seja, a negação contém em si a
afirmação de sua existência e de sua força.
Assim somos e assim foi. A pólis se sobrepunha aos indivíduos, mas era
criação dos mesmos. Da mesma forma, carecia da presença humana e de seu
reconhecimento para se reproduzir tanto fisicamente quanto discursivamente.
Esse era o grande traço grego. Sua forma de vida dita civilizada, que o
diferenciava dos demais, dos bárbaros.
Os que cumpriam seu papel nesse jogo eram exaltados e a eles
conferiam status de honra. Aqueles que tentavam escapar do modelo ficavam
denegridos e sofriam penalidades pela audácia entendida como
desconsideração para com a comunidade. Um exemplo disso eram as mulheres
que não podiam ter filhos, os celibatários e os efeminados. Numa sociedade de
confronto, onde, para se ser reconhecido, é preciso prevalecer sobre os rivais
ciii
numa incessante competição pela glória, cada indivíduo está sujeito ao olhar do
outro, cada indivíduo existe em função desse olhar” (VERNANT, 1994, p. 20).
A própria percepção de liberdade estava ligada à vida do cidadão. Antes
de mais nada o homem deve ser senhor de si, controlar a si mesmo. Cada qual
deveria encontrar maneiras de controle de si, tal como era conveniente a um
homem livre, cujo ideal era não ser escravo de ninguém, nem dos outros nem de
si mesmo (VERNANT, 1987, p.41). Neste sentido as espartanas não se achavam
no campo da thymós, do desejo, da desmedida – se não controlado – pelo
contrário, encontravam-se mais vulneráveis ao olhar público em sua atuação no
espaço público.
Esse costume relacionado à manutenção guerreira da pólis, está
justificada ante a outras instituições espartanas que se diferenciavam das
atenienses. Dentre elas, a educação na agogé e os banquetes públicos (sissítias),
que estavam associados à esfera do comum como atividades cívicas, enquanto
em Atenas tanto a educação quanto os banquetes encontravam-se na esfera do
privado, do particular.
Isso tudo sem mencionar a construção de Vernant com relação ao
politeísmo, que, segundo o autor, não tinha nenhum fundamento. A adesão
estava baseada nos costumes. Tanto quanto a língua, os estilos de
comportamento nos âmbitos públicos e privados, e a religião não necessitam de
justificativa além da própria existência, pois se é praticado provou ser
necessário. Isso exprimia o modo como os gregos regulamentavam suas relações
com o além (VERNANT, 2006, p.7).
Assim podíamos apenas aceitar que se as espartanas agiam como
agiam, havia em si justificativa para isso. Entretanto, como defendemos ao
civ
longo desse trabalho, algumas razões poderiam ser citadas e trabalhadas para
compreensão desse comportamento.
Principalmente se levarmos em consideração que é a partir do
adestramento do corpo que são impostas às disposições sociais mais
fundamentais. Todas as sociedades possuem formas próprias de adestramento
corporal capaz de tornar o corpo feminino ou masculino (BOURDIEU, 2002,
pp. 70-71). E o corpo feminino espartano era determinado e adestrado para
deixá-lo mais forte para o parto. Essa era sua disposição social, e era para isso
que seus corpos eram instruídos.
A historiografia que relata a liberdade das espartanas está mais
vinculada com uma percepção ateniense de estranhamento com relação à pólis
de Leônidas do que com a investigação de uma possível Esparta aos olhos de
seus cidadãos. As idéias são transmitidas repetidamente, e passam a ser
propagadas como a verdade de forma acrítica. As informações congeladas que
nos permitem avançar em nossas pesquisas também são capazes de nos induzir
a uma História sem juízo crítico, pois as informações já foram dispostas a
priori.
Se nossos discursos autorizados são aqueles que nos chegam dos
atenienses, ou de qualquer grego não espartano, isso deve ser levado em
consideração no momento em que analisamos nosso corpus documental.
Tudo existe por necessidade. Contudo, da mesma forma, aquilo que
existe está condenado a perecer, a se transformar. O que foi necessário num
dado momento numa determinada sociedade não vale para outras. Todo o tipo
de sociedade humana existe por necessidade do momento dado em que se
impõe.
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