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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA
JAQUELINE FEITOSA BATISTA
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA
DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
TERESINA-PI
2007
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1
JAQUELINE FEITOSA BATISTA
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA
DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Dissertação apresentada como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em História do Brasil, ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Federal do Piauí.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Alcides do
Nascimento
TERESINA-PI
2007
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JAQUELINE FEITOSA BATISTA
O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA
DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Dissertação apresentada como parte dos
requisitos para obtenção do tulo de
Mestre em História do Brasil, ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Piauí.
Aprovada em: _____ /_____/ _______
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento UFPI
Orientador
____________________________________________________________
Profª. Dra. Áurea da Paz Pinheiro UFPI
Examinadora
____________________________________________________________
Profª. Drª Shara Jane Holanda Costa Adad
Examinadora
3
À memória de
Mª Antonia e
Bina Batista
4
AGRADECIMENTOS
O ato de agradecer é um ato de reconhecimento. Reconhecimento de que
não estamos sozinhos. Os passos que nos conduziram até aqui foram guiados por
muitas mãos solidárias. Impossível indicar todos os nomes das pessoas cujas
essências foram alimentando direta ou indiretamente os rumos desse trabalho.
Impossível escolher palavras capazes de expressar o nível do agradecimento a
essas pessoas cujas marcas são indeléveis em mim e naquilo que consigo imprimir
no papel. As lacunas e falhas e não o poucas são responsabilidade minha,
mas coloco-as a disposição dos muitos fascinados pela cidade, para que possam
completar-me e corrigir-me.
A Deus, energia maior, motivadora e suporte.
À minha grande família pais, mães, irmãs, irmãos, tios, tias, primos,
primas olhares atentos, curiosidades sufocadas, silêncio respeitoso, incentivo
sempre.
À D. Antonia, minha mãe, a quem devo o que sou, com muito orgulho.
À D. Ceiça, mestra em grandes e pequenas coisas, que soube, como
verdadeira mãe interessar-se pelo que faço, respeitando minhas escolhas.
À Érica, pela “culpa” em inúmeros momentos de insight.
À Shamália, pela cumplicidade intelectual, amizade e parceria
experienciada nesses anos em que, como numa música, tivemos silêncios entre
uma nota e outra.
À Gorete, irmã maravilhosa, pelas constantes orações e pela confiança de
que no fim tudo daria certo.
À Joana, Eliane, Jurandir, Assis, Raimundo, Antonio, Osvaldo, Ícaro,
Danilo, Kalynna, Lucas, Lorena, Jorge, Marcelo, Jordana, Samuel, Valdiana, Ana
Lúcia, Antonio José, Manoel, Cristina, Jonathan, Rosário, Lara Beatriz, Albenor, por
simplesmente existirem e fazerem parte da vida que escolhi.
5
À Universidade Federal do Piauí, instituição que possibilitou através do
Mestrado em História do Brasil, a realização desse trabalho.
Á Secretaria Estadual da Educação do Estado do Piauí, pelo apoio
concedido através da concessão de bolsa de estudo para o Curso de Mestrado em
História do Brasil.
Ao Professor Dr. Francisco Alcides do Nascimento, cuja solidez, paciência
e solidariedade garantiram as âncoras necessárias para a realização desse trabalho.
À equipe de professores do Mestrado em História do Brasil, em cuja
convincia pude degustar os novos sabores da produção historiográfica piauiense.
À primeira turma de Mestrado em História do Brasil da UFPI pela partilha
facilitada pela boa vontade de todos.
À Ana Cristina, querida aluna de Biblioteconomia da UESPI, que se tornou
colaboradora.
À Alessandra, da equipe da SEMPLAN PMT, pela simpatia, atenção e
desprendimento ao oferecer rico material, que viabilizou esse trabalho.
Aos funcionários de órgãos públicos por quem fui gentilmente recebida e
atendida.
Aos amigos que torceram para que tudo desse certo.
6
eu ando por ruas velhas
de onde a saudade me olha
eu vejo o largo do amparo
eu cruzo a rua da glória
rua larga, estrada nova
rua graça, rua estreita
ruas de uma cidadela
perdida em livros de história
ou num canto da memória
empoeirada, amarela
Glauco Luz Cidadela.
7
RESUMO
A temática do patrimônio, considerada sob o aspecto da preservação cultural num
sentido amplo encontra-se presente nas sociedades humanas desde os
primórdios. Continuamente reinventada, sua prática é resultado da necessidade de
dotar os grupos humanos de uma identidade que assegure sua existência. Embora
se trate de um objeto presente nas discussões atuais, as questões relativas ao
patrimônio em Teresina ainda constituem um problema a ser enfrentado.
Considerando tal afirmação, o objetivo desse trabalho consistiu em discutir o
processo de descaracterização arquitetônica que marcou o centro histórico de
Teresina no final do século XX, visando refletir sobre as causas de tal processo e
suas possíveis conseqüências. A metodologia constituiu-se de pesquisa
bibliográfica, coleta de informões em órgãos públicos, jornais, levantamento
fotográfico, organização e análise dos dados obtidos para a compreensão da
temática proposta. O resultado indicou que o processo de descaracterização do
centro histórico de Teresina se aprofundou nas últimas cadas do século XX, em
linhas gerais, vinculado às transformações espaciais da cidade na década de 1980,
decorrência em parte das transformações ocorridas no campo os processos de
favelização e verticalização sinalizam para o perfil dos novos atores sociais e do
aumento da complexidade social. Fato apreendido no processo da pesquisa foi a
demolição de inúmeros imóveis residenciais e/ou comerciais para a construção de
estacionamentos no período estudado. Isso se deve em grande parte à criação de
novas centralidades na cidade, à ampliação da malha urbana (ligada tanto aos
setores mais frágeis quanto àqueles denominados “nobres da sociedade) e ao
esvaziamento da área central de grande parte dos seus tradicionais usuários.
Acreditamos que o processo de descaracterização do centro histórico de Teresina
representa muito mais do que uma adequação da arquitetura da cidade às
condições propostas pela modernidade, assim como a preservação da memória
histórica da cidade ultrapassa um inventário fotográfico, devendo haver um reforço
que alimente a relação dos indivíduos com essa área histórica a partir do
reconhecimento da identidade cultural da cidade, reforçando a história cultural do
lugar como um valor a ser preservado. Discutir esse tema, polêmico e instigante e,
por isso, importante elemento para que possamos compreender a realidade histórica
da qual somos parte, implica buscar os principais conceitos, o que se fez a partir da
contribuição de diversos autores.
PALAVRAS-CHAVE: Cidade Memória Cultura Patrimônio
8
ABSTRACT
The theme of the patrimony, considered under the aspect of the cultural preservation
in a wide sense is present in the human societies from the origins. Continually
reinvented, his/her practice is resulted of the need of endowing the human groups of
an identity to assure his/her existence. Although it is treated of a present object in the
current discussions, the relative subjects to the patrimony in Teresina still constitute a
problem to be faced. Considering such statement, the objective of that work
consisted of discussing the process of architectural loss of the characteristic that it
marked the historical center of Teresina in the end of the century XX, seeking to
contemplate on the causes of such a process and their possible consequences. The
methodology was constituted of bibliographical research, collection of information in
public organs, newspapers, photographic rising, organization and analysis of the data
obtained for the understanding of the theme proposal. The result indicated that the
process of loss of the characteristic of the historical center of Teresina was deepened
in the last decades of the century XX, in general lines, linked to the space
transformations of the city in the decade of 1980, consequence partly of the
transformations happened in the field the slum formation processes and to turn
vertical signal for the new social actors' profile and of the increase of the social
complexity. Fact apprehended in the process of the research was the demolition of
countless immobile residential and/or you trade for the construction of parkings in the
studied period. That is largely due to the creation of new central points in the city, to
the enlargement of the urban (linked so much to the most fragile sections as for those
denominated "noble" of the society) mesh and the emptying of the central area of
their traditional users' great part. We believed that the process of loss of the
characteristic of the historical center of Teresina acts much more than an adaptation
of the architecture of the city to the conditions proposed by the modernity, as well as
the preservation of the historical memory of the city it crosses a photographic
inventory, should have a reinforcement that feeds the individuals' relationship with
that historical area starting from the recognition of the cultural identity of the city,
reinforcing the cultural history of the place as a value to be preserved. To discuss
that theme, controversial and curious and, for that, important element so that we can
understand the historical reality of the which we are part, implicates to look for the
main concepts, what was made starting from the several authors' contribution.
KEY-WORDS: City Memory Culture Patrimony.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1
Rua Simplício Mendes, centro comercial
52
Foto 2
Calçadão. Rua Simplício Mendes
53
Foto 3
Calçadão. Rua Simplício Mendes.
54
Foto 4
Calçadão. Rua Simplício Mendes
54
Foto 5
Área da Praça Rio Branco
55
Foto 6, 7
e 8
Casa localizada na Rua Senador Teodoro Pacheco, em diferentes
épocas.
59
Foto 9
Idosos conversando na Praça Rio Branco
63
Fotos 10 ,
11, 12, 13,
14 e 15
Seqüência de imagens evidenciando mudança na arquitetura da área
edificada na Rua Senador Teodoro Pacheco.
67
Fotos 16,
17 e 18
Edifício à rua Areolino de Abreu em processo de descaracterização.
68
Foto 19
Edifício demolido que deu lugar ao Metropolitan Hotel.
74
Fotos 20 e
21
Fachada do Metropolitan Hotel
74
Foto 16 e
17
Seqüência de imagens evidenciando mudança na arquitetura da área
edificada na Rua Senador Teodoro Pacheco.
76
Fotos 22,
23, 24, 25
e 26
Casa Dôta, localizada no entorno da Praça Saraiva. As imagens
demonstram a intervenção de descaracterização da fachada do
imóvel, após ter seu nome sugerido para tombamento.
76
Foto 27
Casa Dota, atualmente.
76
Foto 28
Fachada do Teatro 4 de Setembro
83
Foto 29
Ponte Metálica sobre o rio Parnaíba
83
Foto 30
Fachada da Estação Ferroviária de Teresina
83
Fotos 31,
32 e 33
Imagens da Praça Pedro II, nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX
que a reforma na década de 1990 restaurou parcialmente
87
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DE TERESINA 1970/ 2000 p. 48
TABELA 2: QUANTIDADE DE FAVELAS E VILAS EM TERESINA 1991/1996 P. 50
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEF Caixa Econômica Federal
CEPRO Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí
DCR Divisão de Conservação e Restauração
DET Divisão de Estudos e Tombamentos
DOM Diário Oficial do Município
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPAC Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Teresina
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MES Ministério da Educação e Saúde
MINC Ministério da Cultura
NAP Núcleo de Antropologia Pré-Histórica
PET Plano Estrutural de Teresina
PMT Prefeitura Municipal de Teresina
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEMPLAN Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação
SEMTCAS Secretaria Municipal de Trabalho, Cidadania e de Assistência Social
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
ZP Zona de Preservação
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
1. O CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO: ORIGENS, TENDÊNCIAS
E PERSPECTIVAS DO PATRIMÔNIO. ............................................................... 24
2. O CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA: (RE)CONSTRUÇÃO HISTÓRICA ..... 42
3. PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL DE TERESINA: LIMITES OU
POSSIBILIDADES? ............................................................................................. 70
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 82
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95
APÊNDICES .............................................................................................................. 82
ANEXOS ................................................................................................................. 103
INTRODUÇÃO
Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de
transformar em 'documentos' certos objetos distribuídos de outra
maneira. Esta nova distribuão cultural é o primeiro trabalho. Na
realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples
fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao
mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto. Este gesto consiste em
'isolar' um corpo, como se faz em física, em 'desfigurar' as coisas
para constituí-las como peças que preenchem lacunas de um
conjunto, proposto a priori. Ele forma a 'coleção'.[...]. Longe de
aceitar os 'dados', ele os constitui. (Michel de Certeau)
Nos vemos atualmente impregnados pelos ventos novos que sopram a
produção historiográfica. Novos conceitos, novos problemas, novas abordagens vêm
ganhando corpo e imprimem ao ofício do historiador novos desafios, dentre os quais
o de se fazer ouvir pode ser o mais relevante. Para que sua voz produza eco, o
historiador necessita estabelecer o diálogo com novas fontes, e, mais do que isso,
redefinir o seu lugar em meio a um universo de inquietações que provocam a
superação dos limites impostos pela tradição, da qual somos nós mesmos os
herdeiros.
Nesse cenário, o conceito de cultura é retomado sob um novo prisma:
caleidoscópio de onde emanam diferentes significações capturadas pelo olhar do
historiador, constituindo tema pertinente aos estudos atuais, de modo que,
[...] para o historiador, assim como para o etnólogo, o objetivo é fazer
funcionar um conjunto cultural, fazer com que apareçam suas leis,
ouvir seus silêncios, estruturar uma paisagem que não poderia ser
um simples reflexo, sob pena de nada ser. Mas seria um erro
acreditar que esses instrumentos sejam neutros e seu olhar, inerte:
nada se oferece, tudo deve ser tomado, e a mesma violência da
interpretação pode aqui criar ou suprimir (CERTEAU, 1995, p. 79-
80).
Fazemos uso das palavras de Certeau para discorrer sobre dois conceitos
diferentes, mas de certo modo, imbricados: cultura e patrimônio. As idéias aqui
expostas estão norteadas pelas reflexões de pesquisadores cujos resultados têm
encaminhado a produção historiográfica no sentido de intercambiar-se com as
ciências sociais, apontando para resultados cada vez mais complexos a respeito do
ser humano, o Outro que não é mais um deus ou a musa, mas o anônimo”
(CERTEAU, 1995, p. 61).
O trabalho a que nos propusemos objetivou a efetivação de uma pesquisa
realizada no centro histórico de Teresina. O mesmo é resultado de um envolvimento
pessoal pelo tema da conservação, que emergiu da experiência adquirida junto ao
Núcleo de Antropologia Pré-Histórica NAP, da Universidade Federal do Piauí, onde
foi possível, desde 1994, através de projetos científicos, desenvolver uma série de
atuações voltadas para o estudo e a prática de ações conservacionistas em sítios
arqueológicos no Piauí. Essa gratificante experiência alimentou o interesse para o
centro histórico de Teresina como um possível objeto de estudo, cuja preocupação
ligar-se-ia ao tema da preservação/conservação de seu patrimônio histórico.
Um interesse particular pela área da conservação possibilitou um olhar
sobre o patrimônio cultural teresinense, que, de modo geral, resiste silenciosamente
ao esquecimento. Salvo algumas exceções, a história de Teresina que embora
relativamente nova, possui seus monumentos tradicionais, locais que lhe
caracterizam assim como ao seu povo e que constituem testemunho da sua história
não passa pela conservação e preservação dos seus vestígios históricos.
Concordando com Figueiredo (1987, p. 14), para quem “[...] toda cidade
possui um patrimônio cultural que lhe é particular, formado por diversos elementos
que a compõem e que já se transformaram em tradicionais [...]” e ainda, quando
afirma que “[...] um processo de desenvolvimento que não considera a importância
da manutenção dessas áreas, modificando seu uso, acabará por descaracterizá-las
e destruir sua identidade, a referência de seus cidadãos”, nos propusemos
desenvolver uma pesquisa sobre a reestruturação arquitetônica do centro histórico
de Teresina, dando enfoque à conservação do Patrimônio Histórico e Cultural.
Outro fator que contribuiu para a elaboração da nossa proposta foi a
percepção da ação da sociedade que mantém uma relação agressiva com aqueles
elementos que figuram como marcos do processo histórico de Teresina. Este
problema nos encaminhou para a reflexão sobre o que representam esses lugares
de memória
1
para nosso povo e como nos relacionamos com eles.
Jacques Le Goff (2003)
2
, refletindo acerca da relação entre história e
memória, discute sobre o papel que a memória coletiva
3
desempenha, não como
importante fator para a compreensão da sociedade, mas tamm como elemento
essencial da identidade, seja ela individual ou coletiva, nos estudos que se fazem na
segunda metade do século XX, reportando-se às pesquisas que são feitas sobre o
tema, nas mais diversas áreas do conhecimento.
1
Expressão criada por Pierre Nora em “Entre memória e história, a problemática dos lugarestexto
em que afirma que não memória espontânea e que os lugares de memória são criação dos
seres humanos contemporâneos, que os estabelecem como espaço de unificação onde a
ritualização de uma memória-história dá o sentido de identidade, necessário à sua existência.
2
Cf. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão [et al.] 5 ed. Campinas, SP:
UNICAMP, 2003, 546 p. Dedica um capítulo ao tema memória “tal como surge nas ciências
humanas”, colocando-o como um “conceito crucial”. Aqui o autor faz referência aos trabalhos que
revolucionam o estudo e o conhecimento da memória, destacando as contribuições de renomadas
figuras do mundo acadêmico-científico cujos trabalhos aproximaram “[...] a memória aos fenômenos
diretamente ligados à esfera das ciências humanas e sociais”.
3
Conceito criado por Maurice Halbwachs. Para ele, a memória é partilhada, transmitida e também
construída pelo grupo ou sociedade. Em “A memória coletiva”, texto de 1950, Halbwachs nos faz
compreender que “[...] nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos
outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais nós estivemos envolvidos, e com
objetos que nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que
outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco
e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem (1990, p. 26). Nesse sentido, a
memória individual encontra-se inserida na memória coletiva, ou seja, o ato de lembrar processa-se
efetivamente a partir da sociedade, por sua presença ou a evocação, através dos outros, ou daquilo
que produziram.
Exorbitando a história como ciência e como culto blico, ao mesmo
tempo a montante, enquanto reservatório (móvel) da história, rico em
arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo)
do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes
questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias
de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes
dominadas, lutando, todas, pelo poder ou pela vida, pela
sobrevivência e pela promoção (LE GOFF, 2003, p. 469).
Parte-se do principio que a “[...] memória é um elemento essencial do que
se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das
atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na
angústia” (LE GOFF, 2003, p. 469). No Piauí, assim como no Brasil, a memória
selecionada muitas vezes esteve imbuída de um caráter patriótico, sagrado,
prestigioso, exclusivista e elitista, muito distante da realidade dos “sujeitos sociais”
que constituem nossa sociedade. Le Goff (2003, p.470), fundamentando essa
reflexão, aponta sobre o papel político do historiador, de modo que este deve “[...]
trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a
servidão dos homens” (sic), que a memória coletiva “[...] é resultado da luta pela
dominação da recordação e da tradição [...] (2003, p. 471)”. Por esse viés o autor
nos remete a ver e estudar a memória coletiva não somente como uma conquista,
mas tamm como um instrumento e um objeto de poder.
Compreender as relações travadas entre os consumidores da área central
de Teresina e os significados dados ao que se convencionou chamar patrimônio
cultural teresinense é tarefa instigante. Assim, escolhemos como locus de
observação o ambiente e as práticas cotidianas dos agentes envolvidos no processo
de construção e reconstrução do centro histórico de Teresina tendo, portanto, como
objetivo analisar e discutir a relação que se estabelece entre o espaço construído no
centro histórico de Teresina e seus agentes históricos e como se a apropriação
deste espaço no cotidiano por seus consumidores, no período de 1980-1990.
Tivemos a intenção de, ao nos determos numa realidade e analisar as
condições objetivas da construção e reconstrução do centro histórico, compreender
e interpretar criticamente a dinâmica interna dessa relação a partir de uma visão do
historiador.
Ao compreender o espaço não como instrumento de dominação, mas
também como universo dos desejos, das expectativas e necessidades dos sujeitos
que o compartilham, acreditamos que não há espaço vácuo, nem de matéria nem de
sentido; nem espaço imutável. “[...] Agentes e atores sociais públicos e privados
intervêm nos processos que criam e renovam a cidade através da conservação,
renovação e reabilitação do mobiliário” (MEDEIROS, 2003, p. 5). O caráter de
mudança permanente construção/destruição define bem a dinamicidade do
espaço.
Procuramos não partir de uma visão pré-determinada da realidade,
buscando para isso, explorá-la em seus diversos aspectos, no sentido de desvelar
falsas concepções e permitir análises mais conscientes de práticas sociais pelos
próprios agentes envolvidos no processo de reestruturação do centro histórico de
Teresina.
Nesse sentido, a pesquisa baseou-se no principio de que a (re)construção
do centro histórico de Teresina passa pela afirmação de autorias não individuais,
mas, coletivas, e o que ela propôs-se foi a investigação das formas pelas quais
significados e representações são produzidos nesse espaço para daí, capturar nas
relações sociais ali travadas, o ambiente em que vivemos. A fonte emanadora dos
significados e representações apontados é a cultura, na qual estamos inseridos.
Tudo o que resulta da atividade humana ação intencional ou o é
cultura. Porém, seguindo a reflexão de Certeau (1995, p. 141), não basta ser autor
de práticas sociais; “[...] é preciso que essas práticas sociais tenham significado para
aquele que as realiza”.
O sugestivo título A cultura no plural”, da obra de Certeau (1995, p. 142),
exprime bem que um conceito de cultura é possível mediante a constatação de
que “uma cultura monolítica impede que as atividades criadoras tornem-se
significativas. [...]”. E ainda: “[...] A cultura no singular tornou-se uma mistificação
política. Mais do que isso, ela é mortífera. Ameaça a própria criatividade [...]”. A
pluralidade notadamente é fonte de riqueza e capacidade criadora, motivadora de
atividade enquanto que a uniformidade cultural empobrece e poda.
Tomando emprestada a idéia de Weber (apud Geertz 1973, p. 15), de que
“[...] o homem é um animal que vive preso a uma teia de significados por ele mesmo
criada”, Geertz (1973, p. 20) sugere que essa teia e sua análise seja o que
chamamos de cultura. A missão do estudioso da cultura no caso, o antropólogo
seria desvendar esses significados, estabelecendo relações entre si, de forma a
fazer uma interpretação semtica do objeto estudado. E essa interpretação seria
amplamente efetivada através de uma descrição densa que implica em “[...] tentar ler
um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas
suspeitas e comentários tendenciosos”, ou seja, através do levantamento de seus
múltiplos significados.
Pelo prisma das análises apresentadas, a cultura deixa de ser vista como
fenômeno natural, sendo, portanto, referendada como fenômeno social e por esse
viés, sua origem está nos agentes sociais os seres humanos.
E quanto à sua manutenção e transmissão de seus valores? Nesse
sentido, Ulpiano Meneses (1992, p. 189) evoca que
É preciso, pois, sublinhar que os valores são sempre atribuídos. Daí
serem sempre historicamente marcados. Assim, para se falar de
valores culturais, exige-se conhecimento das redes de interação por
intermédio dos quais são produzidos, armazenados, postos em
circulação, consumidos, reciclados e descartados os valores.
Se toda criação do ser humano é cultural, a cultura constitui-se em
domínio público. Mas, neste caso, porque
[...] Uma ignorância compacta relega „a massa‟ ao esquecimento. Ela
se apóia, sem dúvida, no privilégio que possui a escrita, na repressão
que exerceu sobre o oral e sobre as expressões diferentes,
transformadas em „folclores‟ nas fronteiras de um império. [...] Cultura
de mestres, de professores e de letrados: ela cala „o resto‟ porque se
quer e se diz a origem de tudo. Uma interpretação teórica está,
portanto, ligada ao poder de um grupo e à estrutura da sociedade
onde ela conquistou esse lugar (CERTEAU, 1995, p. 168).
As idéias de Certeau são partilhadas pela maioria daqueles cuja
sensibilidade os levaram a romper a distância tradicional entre o laboratório e o
campo propriamente dito, realizando por meio desse gesto uma conexão
enriquecedora em todos os sentidos, ampliando o campo de investigação ao indicar
que o conceito de cultura reestrutura o conceito de patrimônio.
As produções recentes voltadas para a temática do patrimônio têm
revelado um profundo alargamento do conceito de patrimônio. Este abandona o
significado exclusivo associado diretamente ao aspecto arquitetônico e adquire
novas conotações de portador das práticas sociais e por essa via, suporte da
memória coletiva, inserido em uma dada realidade social. Nesse sentido, ao
patrimônio material inclui-se o patrimônio imaterial ou intangível que abarca todas as
práticas que dão sentido à história de um grupo.
Pretende-se, assim, romper com o senso comum que define o
patrimônio como uma coleção estática de objetos, documentos e
edificações. Agrega-se uma nova contribuição para o entendimento
dos sentidos da construção de imagens patrimoniais, condizentes
com orientações culturais, historiográficas, artísticas e políticas dos
períodos analisados (KERSTEN, 2000, p. 16).
As diferentes representações culturais passam a ser vistas como
relevantes mecanismos da memória e por meio dessa memória práticas
preservacionistas seriam implementadas.
A esse respeito, Ulpiano Meneses (1992, p. 189) considera que um ponto
a ser discutido é a eleição desse patrimônio. O patrimônio é um artefato cultural
inventado e sua sobrevivência sempre foi (é) produto de uma escolha legitimada no
presente por meio da generalização social do patrimônio julgando-o único e com um
mesmo sentido para todos, estabelecendo-o como a memória nacional,
concentrando-se apenas no foco de excepcionalidade como elemento de
qualificação cultural.
Tais considerações têm sentido quando temos como pressuposto o fato de
que na produção do conhecimento, o sujeito não se desvincula do seu próprio tempo
e mais especificamente, que a realidade o se constitui como um dado a priori.
Trata-se de considerá-la como construção
4
. Portanto,
Ao associar-se a edificações e monumentos comemorativos e à
glória de uma nação, o conceito de patrimônio estaria recoberto por
conotação ideológica, pois o passado e a tradição seriam reescritos e
reinterpretados, através deles, com base em elementos, fatos e
situações que, pinçados, redesenhariam um quadro que
simbolicamente remeteria à cultura comum (KERSTEN, 2000, p. 45).
E mais profundamente, cabe considerar o fato de que a seleção de
documentos, objetos, edificações, tradições “[...] constrói uma significativa
gradação de silêncio e esquecimento”. Muito embora isto não queira significar uma
4
Cf. CHARTIER, Roger. História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela
Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, 247 p. Enfatiza o papel que o estudo das
representações tem para se compreender a realidade social, referência quando se considera a
realidade como representação, isto é, construção significativa.
lógica determinista, já que “[...] a tradição pode reinventar o patrimônio,
transfigurando-o” (KERSTEN, 2000, p. 46).
Promover o deslocamento da nação para a sociedade e introduzir a noção
de patrimônio como memória, inscrevendo-o dessa forma no presente, aberto ao
poder de fecundação, não é tarefa menor, muito menos fácil, mas é uma
necessidade. Um passo dado nessa direção dependerá visceralmente, de nosso
projeto de sociedade, do tipo de relações que desejamos instaurar entre os seres
humanos” (MENESES, 1992, p. 194).
está a chave de leitura que responde à questão que norteia o presente
texto. Os atuais estudos acerca da cultura são a ponte que vincula o intelectual à
sua sociedade de modo que o mesmo redescubra nela os elementos que ancorem
sua produção. Como “homem amarrado a teias de significados que ele mesmo
teceu” (MENESES, 1992, p. 194) em sociedade a busca do significado pode
passar pelos caminhos da preservação, cujo ato de manter os testemunhos das
manifestações culturais e ambientais nos possibilitam reconhecer nossa identidade,
valorizando-a e estabelecendo referenciais para a construção do futuro.
Diante desses pressupostos, algumas questões foram norteadoras da
pesquisa: Qual a concepção e função de centro histórico que fundamenta nossa
construção? Encontrando-se o espaço definido, como ele é apropriado? Como a
relação dialética entre espaço e cotidiano marca as práticas ali realizadas? Com o
objetivo de responder a essas questões o trabalho foi dividido em três capítulos.
O capítulo um, O caminho da construção de um conceito: origens,
tendências e perspectivas do patrimônio no Brasil, trabalhando o conceito de
patrimônio, faz uso especialmente, das bases legais e dos escritos de autores
voltados para o estudo da trajetória da construção da noção de patrimônio.
O capítulo dois, O Centro histórico de Teresina: (Re)Construção Histórica
destaca a re-construção histórica da cidade no período de 1980-1990, apontando
para o fato de como o processo de reestruturação arquitetônica foi se solidificando
com as idéias e práticas do seu tempo e usos do seu espaço. Buscou-se situar o
centro histórico de Teresina no seu contexto histórico, social e cultural tentando
entender como as condições sociais se relacionam à organização e reorganização
do espo, se estruturando dialeticamente a partir das contradições e das diversas
relações que nesse espaço são estabelecidas. As principais fontes buscadas para o
desenvolvimento desse capítulo foram artigos de jornais da época, especificamente
O Estado e O Dia, as revistas Presença e Cadernos de Teresina, os indicadores
sociais informados pelos órgãos oficiais (CEPRO, IBGE, dentre outros) e por fim, a
produção acadêmica dos pesquisadores que têm refletido sobre as questões
urbanas locais de forma bastante profícua.
Ao discutir a problemática da reestruturação arquitetônica do centro
histórico a partir da reconstrução histórica das diversas concepções de centro e das
relações ali travadas, a pesquisa pretendeu situar a sua perspectiva de cidade como
um produto do seu tempo e espaço e não de uma natureza dada, abstrata e
universal.
No capítulo três, Apresentando o Centro Histórico de Teresina: limites ou
possibilidades?, destacamos alguns aspectos do centro histórico: espaço físico,
indicação das áreas de moradia e as de comércio, apontamento dos
estacionamentos e de áreas sem uso definido (casas fechadas) cuja perspectiva
futura se encaminham para a demolição e “construção” de novos estacionamentos.
Trata-se aqui de uma proposta, dentre as várias possibilidades de se
aproximar dessa realidade, um olhar, com base nos problemas e indagações postos
no presente, sem perder de vista que existe uma pluralidade de múltiplas vozes que
se cruzam tecendo, como tramas, o processo histórico de criação e recriação
permanente de nossa cidade. Como proposta, encontra-se aberta às mais diversas
contribuições que venham minimizar suas lacunas e superar seus limites.
1. O CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO: ORIGENS,
TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DO PATRIMÔNIO.
Quando se discute o termo patrimônio, os conceitos cristalizados
ligados à idéia de monumentalidade, excepcionalidade, antiguidade, herança social
de um passado comum a todos, quase que naturalmente nos atravessam. Esses
conceitos de certo modo eliminam ou minimizam os conflitos e as contradições que
se encontram interconectados, sinalizando sutilmente para uma suposta
sobrevivência natural de determinados bens e valores representativos da história de
um grupo social.
É na Europa que são iniciadas as ações e as discussões voltadas para a
defesa de preservação do patrimônio, da manutenção de obras artísticas em países
como a Itália, que marca fortemente o caráter grandioso, excepcional e de modelo
europeu que a partir de então se buscou preservar nas diferentes regiões do
ocidente, inclusive no Brasil. Nesse sentido, aquilo que não se enquadrasse dentro
desses princípios, pouco ou nenhum valor teria, o que permitiria sua marginalidade
no contexto das políticas preservacionistas.
No Brasil, mais recentemente, o binômio patrimônio cultural passa a
constituir os bens não de natureza material, mas também aqueles de caráter
imaterial, estabelecido na Constituição Brasileira, de 1988
5
. Passa-se, assim, à
5
Em seu artigo 216 exprime como patrimônio cultural brasileiro: os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I. as formas de expressão;
II. os modos de criar, fazer e viver;
III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV. as obras, os objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais;
concepção de patrimônio como portador de referência e identidade
6
, presente na
ação e na memória dos grupos formadores da sociedade.
No Brasil, a promulgação d Decreto-Lei 25/1937, ainda em vigor,
organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e instituiu o
instrumento do tombamento.
7
A inscrição, em um dos quatro livros do tombo
8
, de
bens móveis ou imóveis cuja conservação é de interesse público impede legalmente
que eles sejam destruídos ou mutilados. O ato do tombamento, privilégio do poder
Executivo, não implica desapropriação e nem determina o uso, tratando-se sim de
“[...] uma fórmula realista de compromisso entre o direito individual à propriedade e a
defesa do interesse público relativamente à preservação de valores culturais”
(FONSECA, 1997, p. 54-59).
O órgão público federal ao qual cabe, desde a promulgação do Decreto-
Lei nº 25/37, a competência legal da proteção no Brasil, bem como o trabalho
técnico de inventário de conhecimento, o estabelecimento de critérios e a execução
de obras de restauração, é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o
Iphan.
No Piauí, a lei 4515, de 09 de novembro de 1992 dispõe sobre a
proteção do patrimônio cultural do Estado. No artigo constitui-se patrimônio os
V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
6
Em dezembro de 2002, foi conferido o título de “Patrimônio cultural do Brasil à Arte Kusiva pintura
corporal e arte gráfica Wajãpi”, dos índios Wajãpi do estado do Amapá, o primeiro bem cultural
indígena registrado no Livro dos Saberes do patrimônio imaterial.
No Piauí, o IPHAN lançou o Edital “Mapeamento, Documentação e Apoio ao Patrimônio Cultural
Imaterial”, como ação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, instituído pelo Governo
Federal, em 2000, com o objetivo de promover a salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, em
sua dimensão imaterial, por meio da produção e do tratamento de informações sobre bens dessa
natureza e também mediante a promoção da melhoria das condições sociais e materiais que
propiciam sua existência e continuidade. Fonte: Jornal Meio Norte, caderno alternativo, Teresina,
28/set./ 2005.
7
Tombar significa inscrever determinado bem em livros especiais. A partir do momento da inscrição,
o bem essubmetido à proteção especial, de onde decorrem direitos, obrigações e restrições.
então, o ato jurídico torna-se efetivo, elevando o bem à categoria de bem da nação.
8
1 livro do Tombo Arqueológico; Etnogfico e Paisagístico; 2- Livro do Tombo Histórico; 3- Livro do
Tombo de Belas Artes; e 4- Livro do Tombo de Artes Aplicadas.
bens de natureza material e imaterial, portadores de referência à identidade, à
memória de diferentes grupos formadores da comunidade piauiense e que venham a
ser reconhecidos como de valor cultural. Aí estão incluídos bens móveis e imóveis.
Teresina passa a contar com uma lei de tombamento de 16 de agosto de
1988, a de nº 1942 que dispõe sobre o tombamento e a preservação do patrimônio
cultural, histórico, artístico e paisagístico. Sua finalidade é a de preservar a memória
do município de Teresina, através da proteção, mediante tombamento dos bens
públicos ou particulares, monumentos naturais e construções situadas no município.
O termo patrimônio, de domínio público, é usado muito freqüentemente no
nosso cotidiano. Gonçalves (2003, p. 22) aponta que parece não haver limite para o
processo de qualificação dessa palavra, uma vez que:
Falamos dos patrimônios econômicos e financeiros, dos patrimônios
imobiliários; referimo-nos ao patrimônio econômico e financeiro de
uma empresa, de um país, de uma família, de um individuo; usamos
também a noção de patrimônios culturais, arquitetônicos, históricos,
artísticos, etnográficos, ecológicos, genéticos; sem falar nos
chamados patrimônios intangíveis, de recente e oportuna
formulação no Brasil.
Considerada de extrema importância para a vida social e mental de
qualquer coletividade humana, essa categoria de pensamento, embora corretamente
associada aos processos de formação dos Estados nacionais, em fins do século
XVIII, possui um caráter milenar. Kersten (2000, p. 32) desenvolvendo a mesma
reflexão, indica a presença dessa categoria no mundo clássico, de modo que a
noção de patrimônio teria suas origens no grego mnemosynon referindo-se à
memória.
Françoise Choay (2001, p. 18) estabelece como monumento “[...] tudo o
que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que
outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou
crenças” constituindo-se estes em um “universal cultural”, presentes em quase todas
as sociedades, na forma de edifícios com uma função de memória. Este monumento
primevo, como poderíamos cha-lo, pode ser relacionado ao valor de
rememoração intencional de Riegl, em texto escrito em 1903
9
, no qual discute os
valores em que se baseiam os vários conceitos de monumentos. Seguindo essa
linha de pensamento, o valor de rememoração intencional relaciona-se à própria
razão de ser de um monumento, fato que exigiria a conservação do seu estado
original para as gerações futuras, exatamente como era, numa espécie de presente
eterno.
Se considerarmos que povos da Antigüidade construíram edifícios
monumentais com a idéia de que através deles seus valores sobrevivessem assim
como suas formas, o termo monumento pode ser definido a partir do seu modo de
atuação sobre a memória, por sua natureza afetiva, haja vista que como bem coloca
Choay (2001, p. 18), “[...] não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra,
mas de tocar, pela emoção, uma memória viva [...]”. E a autora continua com muita
precisão, quando refere-se ao patrimônio como representando um passado [...]
localizado e selecionado para fins vitais, que pode, de forma direta, contribuir para
manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional,
tribal ou familiar[...]”. Ao tentar combater a angústia da morte e do aniquilamento o
monumento transformar-se-ia em um instrumento tranqüilizador, já que constitui uma
garantia das origens, dissipando a inquietação gerada pela incerteza dos começos.
Esse conceito de monumento original” se amplia com o tempo, para incluir obras
que causam encantamento pela beleza ou espanto, pela técnica. Ainda assim, sua
9
RIEGL, Aloïs. Monumentos: valores atribuídos e sua evolução histórica, primeiro capítulo de O culto
moderno dos monumentos, traduzido pela Revista de Museologia, em seu nº 1, no segundo
semestre de 1989.
importância deriva da experiência estética ligada, portanto, à experiência do
espaço.
Para Le Goff (2003, p. 526), a “[…] memória coletiva e a sua forma
científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos e os
monumentos”. Para o autor, como um sinal do passado, o monumento traduz uma
das funções primordiais do espírito, a memória.
O sentido memorial original do monumento foi gradativamente sendo
perdido, gras a duas causas principais sumarizadas por Choay (2001): a
importância crescente atribuída ao conceito de arte no ocidente, a partir do
Renascimento e o desenvolvimento, aperfeiçoamento e difusão das memórias
artificiais. Em se tratando do objeto de estudo aqui proposto ligado ao espaço
urbano, é possível depreender a partir daí que a invenção e a popularização da
imprensa tenham reduzido a autoridade do monumento para este espaço social,
que a atividade de informar e formar os cidadãos foram para ela transferidas.
Marcadamente, a partir de então, as relações com a cidade passam a
depender cada vez menos do conhecimento de seus sinais arquitetônicos
específicos, sendo privilegiada a linguagem impressa, dado relevante para a
proposta do trabalho. A função primordial do monumento, carregada para o
patrimônio, é fundar uma identidade; vencer a morte ou a própria vida, se
considerarmos que seus ciclos tudo transformam sem cessar.
Françoise Choay (2001) nos mostra que até meados do culo XVIII, a
seleção de monumentos históricos produzia-se entre os antiquários que garantirão
uma destacada importância aos testemunhos da cultura material por meio de um
estudo que desembocou numa abordagem comparável à das ciências naturais, de
modo que,
Reunindo seu corpus de antiguidades [...], o objetivo primeiro dos
antiquários é tornar visível o passado, sobretudo o silencioso ou não
expresso. Eles não se limitam, porém, a uma soma. A imagem se
por a serviço de um todo comparativo que lhes permite
estabelecer séries tipológicas, às vezes até seqüências cronológicas
e realizar, assim, uma espécie de história natural das produções
humanas.
10
Considerando as colocações de Abreu (2003, p.31) o significado de bem
comum dado ao termo patrimônio liga-se ao processo desencadeado pela
Revolão Francesa, considerando o contexto no qual os sentimentos
revolucionários ameaçavam destruir todas as aquisições de épocas anteriores,
expressões do Antigo Regime. Opondo-se a esses sentimentos, foi invocado o fervor
patriótico orientando para uma apropriação das heranças dos nobres como herança
do povo do Estado-Nação “[...] sendo relidas como novos sinais diacríticos”.
A partir do culo XVIII, portanto, efetiva-se a noção de patrimônio
incorporando a idéia de herança aliada à de patrimônio arquitetural, sendo a França
o primeiro país da Europa a estabelecer uma legislação específica tendo essa
concepção como base. Na segunda metade desse mesmo século, o termo
patrimônio histórico, fundamentado no conceito de monumento histórico nascido na
Europa, se difunde por todo o ocidente.
O monumento, de acordo com Jacques Le Goff (1994, 535-536), é tanto
uma herança do passado como tamm uma escolha do historiador, justamente por
que representa um testemunho das sociedades históricas. Assim como um
documento é um monumento, que fala muito além do seu conteúdo superficial,
por conter implicações e expressões de uma determinada época e local, o oposto
também é válido. Um monumento é mantido através do esforço de uma dada
sociedade em legar às gerações futuras, parte de sua memória, mesmo que seletiva,
10
Para um estudo mais minucioso da proposta da autora faz-se interessante a leitura do capítulo I:
Os humanismos e o monumento antigo, da obra “A alegoria do patrimônio” onde a pesquisadora
aprofunda as questões pertinentes às civilizações clássicas e sua relação com os monumentos.
uma vez que se faz, por parte dessa sociedade, uma eleição do que deve ou não ser
registrado, de qual seria a melhor história para se contar.
[...] Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo. [...] um
monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma aparência
enganadora, uma montagem. É preciso começar por desmontar,
demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as
condições de produção dos documentos-monumentos.
A partir das noções de monumentos e das ações de preservação que
marcaram os séculos XIX e XX, forja-se o conceito de patrimônio, com o advento da
modernidade, contrapondo-se em certa medida ao momento de grandes mudanças,
especialmente no ambiente urbano, em sua forma mais definida a cidade que
passa por constantes adaptações aos novos tempos, ao tempo em que exprime em
sua tecitura os novosdigos transmissores da nova realidade. A lógica moderna da
renovação é de certo modo complementada pelos movimentos de preservação.
O advento de uma administração assumida pelo Estado, consolidada na
década de 70 do século XX, resulta, conforme Choay (2001, p. 207), da expansão
das políticas de proteção aos monumentos que chegam a tornar-se um culto, a
“religião ecumênica do patrimônio edificado”, também chamada indústria do
patrimônio, preparada desde o século XIX. O culto do patrimônio impôs vertiginoso
crescimento e reforço a política cultural a partir da década de 1960, não no
território francês, mas extrapolando essas fronteiras, no que a referida autora
denominou “mundialização dos valores e das referências ocidentais”, expansão
simbolizada pela Convenção do Patrimônio da Unesco de 1972
11
.
11
O artigo da Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural que trata
das definições do patrimônio cultural e natural, considera como patrimônio cultural:
- os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou
estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos, que tenham um
valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Choay (2001, p. 207) ao trabalhar o patrimônio histórico como sujeito de
uma alegoria, é enfática no sentido de afirmar que a partir daí, a universalidade do
sistema ocidental de pensamento e de valores quanto a esse tema, estava
proclamada. Ao mesmo tempo questiona a vagueza impressa ao critério valor
excepcional, o que dificulta sua aplicação. A adoção da noção de valor como
definitivo para o patrimônio, associado aos termos universal e absoluto não deve nos
remeter à compreensão limitada deste como sendo válido para todas as épocas,
assim como a universalidade pode ser interpretada muito toscamente se
considerados os valores válidos para todas as realidades em nível geral, para todos
os países signatários, que em 1991 somavam 112.
A ocorrência de uma expansão tipológica do patrimônio histórico forja uma
proximidade cada vez maior entre passado e presente, de maneira que o passado a
ser preservado “aproxima-se” cada vez mais do presente, levando o patrimônio
histórico a abranger outras tipologias, entre as quais está incluído “[...] um mundo de
edifícios modestos, nem memoriais, nem prestigiosos, reconhecidos e valorizados
por disciplinas novas [...]” garantem aos produtos cnicos da era industrial e pós-
industrial no caso, os edifícios, sempre ameaçados de demolição os mesmos
privilégios e direitos à conservação, gerando, nas palavras da Choay (2001, p. 209),
um complexo de Noé, principalmente, edifícios da era industrial e pós-industrial.
No bojo dessas construções esboça-se a noção de patrimônio da
humanidade que adquire contornos mais sólidos quando da criação da Unesco, na
década de 1940, ao final da Segunda Guerra Mundial, como uma tentativa de por
- os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura,
unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da
história, da arte ou da ciência;
- os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como
as zonas, inclusive lugares arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de
vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.
Quanto ao termo “sítios”, no material pesquisado, foi substituído por “lugares notáveis” cf. LOPES,
Ana Elvira Barros Ferreira. Cidadania cultural: legislação. Vol 1. p. 14.
fim aos antagonismos entre as nações, inserindo-se o conceito antropológico de
cultura, em contraposição às tendências racistas que provocaram a Segunda Guerra
Mundial. Essa virada antropológica (ou cultural?) garantiu à categoria uma maior
amplitude de modo que ganha contorno a idéia que Abreu (2003, p. 33) explicita
muito bem, “[...] a idéia de que havia um patrimônio cultural a ser preservado e que
incluía não apenas a história e a arte de cada país, mas o conjunto de realizações
humanas em suas mais diversas expressões”.
Cortado pela análise antropológica de figuras como Claude vi-Strauss,
prefigura-se, em relação ao patrimônio, a noção de que no interior mesmo da nação
existiam culturas diversas e plurais, ou seja, a cada nação comportaria uma
infinidade de culturas e subculturas e, ainda, que a cultura congrega bens materiais
e imateriais ou intangíveis, o que inclui hábitos, costumes, tradições e crenças.
No ocidente o patrimônio, antes associado exclusivamente a coisas
corpóreas e sendo a preservação como bem expressa Sant‟Anna (2003, p. 48), “[...]
uma prática constituída de operações voltadas para a seleção, proteção, guarda e
conservação dessas coisas [...]”, sob a influência dos paises asticos e os do
chamado Terceiro Mundo, o patrimônio adquire uma nova percepção, expandindo
seu significado uma vez que seu patrimônio, para a autora, “[...] é constituído de
criões populares anônimas, não o importantes em si por sua materialidade, mas
pelo fato de serem expressões de conhecimentos, práticas e processos culturais,
bem como de um modo específico de relacionamento com o meio ambiente [...]
(2003, p. 49). De acordo com esse princípio, para essas sociedades, mais
importante do que preservar um objeto é preservar e transmitir o saber que o
produz, possibilitando por essa via sua vivência na atualidade, de modo que nesse
entendimento, as pessoas que detêm o saber, preservam e transmitem as tradições,
tornando-se mais importantes do que as coisas que as corporificam.
Fundada na conservação e na autenticidade do objeto, a prática ocidental
de preservação e sua codificação legal não o conta da abertura provocada pela
nova noção de patrimônio cultural. No Brasil, o projeto proposto ao SPHAN, em
1930, por Mário de Andrade, considera os aspectos ligados às produções
populares quando o mesmo apresenta uma definição abrangente de arte ao
estabelecer as culturas popular e ameríndia cantos, lendas, culinária, contos,
provérbios, medicina, ditos, entre outros inseridas como expressões artísticas,
muito embora seu conceito vanguardista e visionário de patrimônio não tenha se
consolidado àquela época.
Em uma evolução, o termo patrimônio, como categoria de pensamento
passa de uma restrita significação, a uma definição mais abrangente, ao tempo em
que o monumento adquire conotações de um “signo digno de conservação”, os
estudos atuais, embora considerem o seu aspecto milenar, apontam coerentemente
para o fato de que não podemos naturalizar essa categoria de pensamento. Como
bem entende Kersten (2000, p.28) “O patrimônio, como um artefato cultural
inventado, vai adquirir significados no processo de sua construção, passando por
intersubjetividades e recursos ficcionais”. Estas posturas sofrem grande influência da
Antropologia, desde Lévi-Strauss, como foi apontado acima, a Geertz,
estabelecendo por essa abordagem denominada História Cultural, que o discurso do
patrimônio, ao representar uma situação ou evento, traduzindo-o, teria como
característica o fato de ser interpretativo, pois cada nova geração relê e refaz seu
patrimônio cultural de acordo com seus referenciais socioculturais.
As palavras de Geertz (1973, p. 36) parecem emblemáticas:
Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é
uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral
particular, construída num tempo particular por certos membros de
uma sociedade particular. Para compreender o que isso significa,
para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais
do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais
do que é comum a todas as catedrais. Você precisa compreender
também e, em minha opinião, da forma mais crítica os conceitos
específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que
ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua
criação. Não é diferente com os homens; eles também, até o último
deles, são artefatos culturais.
Efetivamente, o que se apreende é que nesse processo de construção, a
definição de patrimônio, ao considerar a produção humana em sua totalidade,
supondo que a capacidade de produzir cultura e ser produzido por ela é
característica de toda a humanidade, revela o conjunto das discussões que o termo
desperta nos meios acadêmicos, conforme revela Kersten (2000) ao longo de sua
abordagem.
Nessa acepção, ao se considerar toda a produção humana
necessidade de se constituir uma relão dialógica com o conceito de memória
nacional. Ao compreendermos com Kersten (2000, p. 43) que “[...] a idéia moderna
de Estado-Nação, apesar de suas particularidades, baseia-se, também, na ficção da
existência de um patrimônio cultural coletivo como unificador e integrador; patrimônio
este que cria a ilusão de uma cultura comum, que constitui o sustentáculo da
nacionalidade”, é pertinente a idéia de que o conceito de memória nacional ao
apresentar-se como unificador, superando ou mesmo escamoteando as diferenças,
como afirma literalmente a autora, tende a sublimar o conflito que perpassa a
sociedade humana.
Tal conceito encontrar-se-ia recoberto por uma conotação ideológica,
autenticando a nação, permitindo a percepção desta como uma realidade única e
totalizadora, no que a autora (p. 46) nos remete a considerarmos que “no caso da
seleção de objetos, documentos ou edificação como monumentos patrimoniais, a
tradição, ao enaltecer certos fatos, situações ou objetos, constrói uma significativa
gradação de silêncio e esquecimento”, o que corrobora a idéia de que memória é
poder. Assim, a preservação de uma determinada memória implica no silêncio de
tantas outras silenciadas. A mesma reflexão pode ser usada quando das
sobreposições quando se redefine uma arquitetura, o que se quer esquecer?
Por outro lado é pertinente invocar as reflexões defendidas por Certeau de
que a tradição pode reinventar o patrimônio, transfigurando-o astutamente, idéia
também apontada por Kersten (2000, p. 46), já que
[...] o resgate da memória pode dar forma e conteúdo a
reivindicações políticas, o que permite o fortalecimento de
movimentos sociais ou étnicos, que objetivam resgatar sua
identidade, preservando aquilo cujo significado político lhes seria
mais interessante [...].
Na mesma direção aponta Nigro (2003, p.) , quando afirma que
[...] as recentes trilhas preservacionistas incorporam a afirmação do
patrimônio como um direito social pelo fato de se instituir como um
importante campo de afirmação de identidades coletivas e como
elemento estruturador de memórias sociais. [...].
Kersten (2000, p. 46) define em seu ponto de vista, de modo claro, que
[...] de maneira geral, pode-se dizer que como uma construção
social, recortada e definida a partir de critérios criados a posteriori,
os vínculos que o patrimônio estabelece entre o presente e o
passado são frutos de uma empatia definida com o vencedor.
A autora (2000, p. 46) invoca o trabalho de Walter Benjamin por meio do
qual ela leva-nos ao exercício da reflexão, quando conclui:
Sob esta perspectiva, o patrimônio que se preservaria seria o
referido à história dos vencedores; aliada à tradição, a história seria
contada a partir deles. Os homens do presente reordenariam e
dariam sentido aos fatos pretéritos, reconstruindo o passado e a
memória. A lógica desta reconstrução seria sempre dada pelo
presente. Portanto, a possibilidade de evocar o passado estaria
associada a idéias e valores, a espaços ou objetos, como um
recurso mnemônico, acionado dentro de um campo simbólico a
partir dos capitais culturais disponíveis, definidos por aqueles a
quem coube recuperar os fatos, agregando-os e dando-lhes sentido.
Considerando um ou outro termo usado pela autora, suas colocações
constituem uma boa introdução para a experiência brasileira neste campo, cuja
preocupação preservadora por parte do poder público é relativamente recente.
A pesquisa de Fonseca (1997, p. 90) destaca que a relevância dos
movimentos intelectuais da década de 1920 para o estudo da trajetória do
patrimônio no Brasil se justifica por refletirem em sua essência um dado comum, “[...]
a crítica aos modelos políticos e culturais da Velha República” por um lado, e, por
outro, o fato de que a “[...] participação dos intelectuais modernistas na
administração pública federal só teve início efetivamente após a Revolução de 30”.
Embora suprimindo a representação política e instaurando a censura, fator
de retrocesso, Fonseca aponta como avanço do governo Vargas a função
organizadora da vida social e política do país assumida pelo Estado Novo, assim
como a abertura de espaços para os intelectuais, tanto dos que assumiram
claramente a função de ideólogos do regime, quanto dos mais reticentes, de modo
que puderam ver condições de participarem da edificação da nação.
Gestos “[...] como a nomeação de Carlos Drumonnd de Andrade como
chefe-de-gabinete, e a admissão, nos quadros do MES
12
, de rios intelectuais
vinculados ao Modernismo, nos anos trinta, sinais concretos da relação que então se
estabeleceu entre o governo e aqueles intelectuais” confirmam para Fonseca (1997,
93) a significação do Modernismo na cultura e em certa medida, na vida política do
12
Ministério da Educação e Saúde.
Brasil. Para a autora, na verdade, [...] a missão dos modernistas extrapolava o
campo restrito da literatura e das artes. Tratava-se de, ao buscar definir os limites
entre a criação literária e a militância política, repensar a função social da arte”. A
temática do patrimônio surge no Brasil assentada em pressupostos Modernistas.
A proposta de uma única instituição para proteger todo o universo dos
bens culturais, a forma abrangente e articulada de como o tema foi tratado assim
como os nomes de intelectuais com posições vanguardistas, estabeleceu um grande
diferencial entre o Brasil e os outros paises.
A criação do SPHAN em 1936, constitui marco das iniciativas do Estado,
sem, contudo desconsiderar as ações promovidas através dos museus. Estruturado
em duas divisões técnicas, a Divisão de Estudos e Tombamento (DET) e a Divisão
de Conservação e Restauração (DCR), teve entre seus formuladores mais
proeminentes além do já citado Mário de Andrade, Rodrigo de M. F. de Andrade, que
dirigiu o órgão (1936-1967) e formulou o Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937, vencendo
o projeto inicial e mais vanguardista de Mário de Andrade que concebia em sua
proposta à frente de sua época uma atuação do Estado na área da cultura
voltada para a coletivização do saber, de modo que seria impossível dissociar
preservação ao patrimônio de educação. Para Fonseca (idem ibidem), Mário de
Andrade
Acreditava que, divulgando as produções artísticas, tanto as eruditas
como as populares, criando condições de acesso a essas
produções, se estaria contribuindo para despertar a população para
o que costumava ficar reservado para o gozo das elites a fruição
estética. Desse modo, se estaria, ao mesmo tempo, democratizando
a cultura e despertando na população o sentimento de apego às
„coisas nossas‟.
As diferenças entre o projeto inicial e aquele efetivado, mais voltado para a
garantia de meios legais para a atuação do SPHAN, onde se define oficialmente, no
artigo do Decreto Lei 25/1937, o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como
sendo “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação
seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do
Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico”, como forma de assegurar a resolução de problemas jurídicos ligados ao
direito de propriedade. É perceptível a ênfase dada à preservação cuja prioridade
voltou-se para os bens de pedra e cal.
Neste constitutivo o tombamento é o instrumento proposto como proteção
e se constitui em ação que concretiza a existência do bem patrimonial, aqui designa
o registro, o arquivo e a catalogação de bens que passam a ser preservados e
reconhecidos como patrimônio, podendo ocorrer nas esferas federal, estadual e/ou
municipal
13
.
O tombamento é classificado por Kersten quanto à sua eficácia em
provisório e definitivo
14
. Quanto ao tipo, são previstos dois tipos de tombamentos: o
compulsório
15
, quando se trata de uma imposição do poder público, se comprovada
13
Em termos jurídicos, o ato de tombamento restringe, parcialmente, o direito de propriedade
privada, mas não retira o bem de seu proprietário, embora afete seu pleno desfrute do bem
restringindo seu uso e seus encargos.
14
O provisório defende bens suscetíveis a serem tombados e efetiva-se no recebimento da
notificação pelo proprietário. É uma medida acautelatória, que tem valor até que sejam
processados os passos necessários para o tombamento definitivo; que segue os trâmites da lei
até inscrever o bem num dos Livros do Tombo.
15
O tombamento compulsório tem fases distintas:
a) a notificação, ao proprietário ou possuidor do bem, que induz ao efeito cautelar do
tombamento provisório;
b) a fase instrutória, quandoo abertas oportunidades para contestação;
c) a fase deliberativa, na qual verifica-se o parecer do Conselho no sentido do tombamento e,
finalmente,
d) cumpridos os atos e as formalidades, o registro do bem no respectivo Livro do Tombo e no
Cartório.
(Trata-se de uma exigência legal para que haja a inscrição em livro de registro imobiliário do
imóvel de propriedade particular, averbado ao lado da transcrição do domínio.)
a referencialidade do bem, e o voluntário, quando o proprietário ou a entidade
responsável, opta pela tutela estatal do bem
16
.
Os anos 1970 apresentam novos desafios à política de preservação no
Brasil. Assinalado por um regime ditatorial desde o golpe de 1964, o país vive na
década de 1970 um período marcante da sua história, no qual se destaca a
manifestação da sociedade em resistência ao regime Se não houvesse resistência,
como se explicaria tanta violência?
No bojo das grandes manifestações dos anos 1960 que tendiam a
questionar os valores da sociedade moderna, brotam movimentos em vários países
contra o colonialismo, a favor dos direitos civis dos negros, questionadores do
modelo tradicional de família, pela morte do sujeito”, pregando uma contracultura,
questionando os pressupostos fechados da física clássica e do cartesianismo, enfim,
traduzindo uma crise da modernidade, como crise de identidade, segundo o conceito
tradicional e único, uma crise de referências. O Brasil não fica imune. Inadequado
aos novos tempos, o velho sistema da mordaça não se sustenta, embora de uma
maneira “lenta e gradual”, ocorre a instauração de um governo civil, de bases
democráticas, estabelecidas na Constituição Federal de 1988.
Tais transformações ocorridas nos anos 1960 e 1970 têm um importante
caráter ao influenciarem na mudança do conceito de patrimônio que até então foi
defendido nas políticas de preservação. A sociedade civil passa a reconhecer vários
grupos e associações que defendem os interesses de setores mais amplos o que
implica numa ampliação daquilo que seria o nosso patrimônio. A valorização da
cultura de caráter mais popular e dos valores agregados às camadas populares
16
A legislação federal prevê três tipos de tombamento: aquele de ofício, destinado a bens
pertencentes à União, Estados e Municípios; os tombamentos voluntário e compulsório, todos de
responsabilidade administrativa do Presidente da República, do Governador ou do Prefeito,
dependendo da situação político-geográfica do bem.
ganha o direito de preservação como resultado da ampliação de participação
política.
Transformado em autarquia, vinculado à Secretaria da Presidência da
República pelo Decreto 99.492, mas novamente subordinado ao MINC, em 1992,
o agora IPHAN, do ponto de vista da preservação patrimonial, compatibilizando os
interesses da preservação ao modelo de desenvolvimento do país, desde a década
de 1960, com a colaboração da UNESCO, procura atender as necessidades da
preservação adotando as orientações de articular o potencial cultural dos bens ao
seu potencial turístico. Nesse sentido a preservação de bens culturais vistos em
conjunto, dentro de centros urbanos passa a ser discutida e efetivada trazendo
consigo a expressão “Patrimônio Ambiental Urbano”.
17
A aproximação com os temas antropológicos, nas últimas décadas do
século XX, estabeleceu a crítica à preservação de bens de pedra e cal, direcionando
para o fato de que a política de patrimônio deveria ir além do belo e do velho na
preservação de bens arquitetônicos, mergulhando numa concepção mais
abrangente de patrimônio que considera a diversidade cultural, étnica e religiosa do
Brasil, processo que se evidencia na Carta de 1988, em seu artigo 216.
As tendências e trajetória tomadas pela política de preservação do
patrimônio no Brasil trilharam um caminho construído como parte do processo
histórico do nosso país onde não é possível sua trilha sem considerar os vestígios,
intencionais ou não, deixados por nós nesse percurso.
O momento atual é bem expresso pelas palavras de Fonseca (1997, p.
56):
17
Vale lembrar que o decreto que determina Ouro Preto como primeira cidade preservada no Brasil é
de 1933, graças à ação dos intelectuais mineiros.
A imagem que a expressão „patrimônio histórico a artístico‟ evoca
entre as pessoas é a de um conjunto de monumentos antigos que
devemos preservar, ou porque constituem obras de arte
excepcionais, ou por terem sido palco de eventos marcantes,
referidos em documentos e em narrativas dos historiadores.
Entretanto é forçoso reconhecer que essa imagem, construída pela
política de patrimônio conduzida pelo Estado por mais de sessenta
anos, está longe de refletir a diversidade, assim como as tensões e
os conflitos que caracterizam a produção cultural do Brasil,
sobretudo a atual, mas também a do passado.
É dessa idéia que abstraímos o fato de que as mudanças provocadas pelo
debate entre as forças desencadeadas em torno da discussão e afirmação de um
patrimônio nacional, enquanto alegoria, têm fomentado inúmeras reflexões que
articulam pesquisadores em eventos locais, nacionais e internacionais, cujo objetivo
maior é a promoção de situações em que o debate possibilite atitudes efetivas de
preservação do patrimônio cuja representação englobe os amplos setores sociais.
2. O CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA: (RE)CONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Na medida em que a historiografia se metamorfoseia com a efusão de
novas preocupações que resultam da sensibilidade em relação a “outras histórias”,
as pesquisas se multiplicam, na tentativa de entender e responder aos novos
questionamentos a partir de um novo olhar sobre a realidade contraditória, dado
que é marcada por um progressivo grau de modernidade paralelo às duras e
inaceitáveis condições sociais de vida da maioria da população.
A historiografia, sob novos conceitos, vem (re)atualizando antigas
questões, trazendo a renovação temática e metodológica, ao redefinir e ampliar
noções tradicionais e, mais importante, ao possibilitar a expressão de setores sociais
até então “sem voz” que passam a ser vistos como sujeitos sociais em seus
múltiplos significados, evidenciando o caráter diverso da história, na medida em que
somente os fatores objetivos mostraram-se insuficientes para esclarecer os
mecanismos estruturantes da sociedade. Tomando as idéias de Queiroz (2001, p.
307) para o fim aqui proposto:
Nesse diapasão, sujeitos novos e suas experiências, tidas pela
historiografia centrada nos objetos institucionais como experiências
sem história significando uma ausência de sentido, no limite
compreendidas como insólitas ou mesmo residuais, vêm para um
cenário de reconhecimento e de legitimação social. Dentre essas
ações sociais de sujeitos antes espoliados do direito à memória
realçam hábitos e costumes reprimidos pelo processo civilizacional.
[...] Assim, formas diferenciadas de arranjos sociais [...], maneiras de
pensar rebeldes aos cânones da razão ocidental, modos de fazer, de
saber e de se relacionar que solicitam um novo olhar e explicações
ainda não canonizados, são os objetos preferenciais da historiografia
de sabor cultural. Essas novas temáticas favorecem o
reconhecimento desse outro [...].
Nesse ínterim, o foco da análise do historiador se fragmentou
multiplicando-se as possibilidades de se olhar uma determinada realidade. No dizer
de Hall (2001, p. 9), um
[...] tipo diferente de mudança estrutural está transformando as
sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando
as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade, que, no passado, nos tinha fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais [...].
Tais mudanças m compelido as várias áreas disciplinares a uma
desconstrução interior e a história não ficou imune. Significativos trabalhos foram
realizados com a intenção de deslocar as análises do eixo político-econômico para a
dimensão cultural, simbólica e semiótica, promovendo, assim, uma transposição das
perspectivas macroestruturais para o âmbito da cultura, do cotidiano, imaginário,
valores e representações. Tais temas m sido inclusive lugares-comuns nas mais
recentes linhas de pesquisas de s-graduações das mais importantes instituições
de ensino do país.
Nesse sentido, as condições materiais não dizem tudo sobre a sociedade,
porque é ela composta de múltiplas dimensões, constituindo-se numa pluralidade em
que é possível vislumbrarmos referências significativas construídas por indivíduos
múltiplos, através das quais ordenam suas vidas, distinguem sua existência e se
situam no mundo. Ao mesmo tempo, as condições imateriais não falam sozinhas
uma vez que o seu “sentido de si” , como uma tela, necessita da interação de
variados materiais para expressar o sentimento e a sensibilidade do artista.
A cidade, que “[...] se coloca, mais do que nunca como um desafio, sendo
o lugar por excelência „onde as coisas acontecem‟” (PESAVENTO, 2002, p. 9)
transforma-se sob os olhares do historiador na medida em que se multiplicam as
possibilidades de análise sobre esse “lugar do homem (sic), que se mostra múltiplo
comportando múltiplas experiências pessoais e coletivas e o espaço, em cuja
configuração esse homem (sic) aparece ao pesquisador social está cheio de
lembranças, experiências e memórias, constituindo-se lugar que, além de uma
existência material, emana um sistema de representações, no entender de Chartier,
foco da análise do pesquisador. Nesse contexto, conforme Pesavento (2002, p. 9), a
cidade [...] se presta à multiplicidade de olhares entrecruzados que, de forma
transdisciplinar, abordam o real na busca de cadeias de significados”. A cidade se
coloca a nós como um problema: tal como a esfinge, ela se impõe como um enigma
de cuja decifração depende a nossa sobrevivência. A autora prossegue utilizando-se
das contribuições de Alan Mons sobre o tema, definindo, entre outras coisas, que
“[...] há metáforas visíveis, que se expressam nas imagens urbanas visuais, na
fotografia, na arquitetura, na pintura, nas esculturas, nos monumentos e prédios
como um todo, no traçado das ruas, nos graffiti e na publicidade [...]”.
E com mais clareza define:
Cidade-problema, cidade-representação, cidade-plural, cidade-
metáfora o urbano se impõe para o historiador [...] nos dias de hoje
como um domínio estimulante. A cidade não é simplesmente um fato,
um dado colocado pela concretude da vida, mas como um objeto de
análise e tema de reflexão, ela é construída como um desafio e,
como tal, objeto de questionamento (PESAVENTO, 2002, p. 10).
À vista dessas colocações, os pesquisadores não permanecem refratários
às indagações suscitadas no espaço urbano, exercitando um olhar que procura tocar
as diversas matizes emanadas do consumo da cidade em seus múltiplos cenários,
das ruas às formas arquitetônicas, das pessoas às relações entre elas travadas
assim como dos hábitos às instituições ali gestadas.
Esse olhar, cortado pelo viés cultural, repercutiu nas reflexões sobre a
cidade, no Piauí
18
, alimentando a produção de trabalhos consistentes cujo enfoque
deu solidez para que a proposta aqui desenvolvida fosse encaminhada, já que
estudar a cidade é tarefa instigante por ser ela portadora das mais diversas
significações.
Essa tendência em se compreender as diferentes relações travadas na
cidade de Teresina a partir da análise do cotidiano, do social e do cultural tem
alimentado o interesse dos pesquisadores que se voltam para o tema, absorvidos
pela vontade de entender as tramas do tecido social do qual todos fazemos parte.
Assim, para Lima (2003, p. 39),
[...] a partir de mudanças produzidas no espaço urbano de Teresina,
desde meados da década de 1980, ensejaram-se novos olhares e
configurações sobre a cidade [...] olhares desesperançados,
realidades sombrias, referências e identidades abaladas que
compõem o drama cotidiano de centenas de famílias em busca de
um lugar no mundo e elaboradoras, através de experiências e de sua
própria lógica, de um modo de viver e de ser parte da cidade. [...].
Esse processo de aprofundamento dos problemas sociais é resultado do
acelerado crescimento da década de 1970, que não foi acompanhado de um
planejamento articulador, capaz de gerir adequadamente o consumo do espaço
urbano. A cidade cresce e redefine-se, reconfigura-se e, aferindo novos significados
à vida dos seus habitantes, Teresina experiencia uma nova dinâmica em que os
18
Aqui destacamos os trabalhos dos professores: Áurea da Paz Pinheiro (Em especial, quando da
organização, com o Prof. Alcides Nascimento, do livro Cidade, História e Memória, resultado do I
Encontro Estadual da Associação Nacional de História ANPUH-PI e III Encontro Regional
Nordeste, da Associação Nacional de História Oral, realizados em Teresina, entre os dias 10 e 13
de abril de 2002, num evento que recebeu a denominação “Cidade, História e Memória: Teresina-
150 anos”.) , Antonia Jesuíta de Lima, Edwar de Alencar Castelo Branco, Elisângela Barbosa,
Francisco Alcides do Nascimento, Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz dentre outros.
baixos níveis de qualidade de vida da população se evidenciam com mais clareza no
processo de segregação apontado por Irlane Abreu
19
.
Choques, conflitos e contradições sociais, resultam do impacto do amplo
processo de urbanização vivido pela cidade provocado especialmente pelo
movimento migratório nas décadas de 1960 e 1970. Tais situações se evidenciam no
contraste e desigualdade que marcam o cenário urbano teresinense na década de
1980, caracterizado entre outros fatores pela incidência de ocupões de terras
públicas e privadas que culminam na eclosão das “vilas” e favelas, e embates que
envolvem famílias pobres, poder público e diferentes organizações que surgem na
tentativa de defender os interesses dos setores mais frágeis da população e ao
mesmo tempo, contribuir para a discussão dos problemas de gestão da cidade e
ainda apontar propostas de solução.
A ameaça constante de conflitos a partir da freqüente afluência de famílias
migrantes de outros municípios e de outros Estados
20
impõe ao poder público a
implementação de políticas efetivas no sentido de gerir os problemas de uso e
ocupação do solo, ainda na década de 1980
21
. Por esse meio “legal”, o poder
público evidencia o processo de segregação social, com a construção de novos
conjuntos habitacionais e criação de assentamentos em áreas de expansão da
19
Cf. ABREU, Irlane G. de. O crescimento da Zona Leste de Teresina: um caso de segregação?.
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, 1983.
20
Teresina, conforme os dados do IBGE, 1996, apresentou um ritmo de crescimento superior ao do
Piauí, nas décadas de 1970, 1980 e 1990, figurando com o município mais populoso do estado.
21
O II PET- Plano Estrutural de Teresina, estabelece premissas básicas do modelo de gestão do
espaço urbano e o perfil da cidade até o ano 2000, tornando-se o instrumento regulador e guia do
processo de modificação da rede urbana. Neste Plano é determinada uma “estruturação
ocupacional que atenue a demanda no centro, inibindo os processos de saturação e reduzindo a
necessidade de acesso a este pólo” (Teresina: aspectos e características, 1993, p.38).
Posteriormente, em 1989 foi criado o Conselho de Desenvolvimento Urbano CDU, cuja função
seria a viabilizar a execução do Plano. Em 1993 se dá a primeira atualização do II PET que se
processa em meio diferentes faces da realidade teresinense, consubstanciadas em novos
problemas como a aceleração da verticalização e o aumento populacional.
cidade, regiões periricas, separadas do centro por um grande vazio que se tornou
área de especulação.
A década de 1980 assiste a um avanço do processo de verticalização da
cidade em áreas nobres, confirmando segundo Irlane Abreu, (1983, p. 19), a
segregação orientada pelos setores elitistas da sociedade que reserva para si os
espaços em que serão erguidos enormes edifícios nas ditas áreas Ilhotas e zona
leste.
Como parte da ação do poder público, a cidade foi definida em seu
perímetro urbano em bairros distribuídos em cinco regiões Centro, Norte, Sul,
Leste e Sudeste. Neste zoneamento e reordenamento espacial, áreas até então
tidas como zona rural, foram transformadas em bairros, como é o caso de Todos os
Santos, Pedra Mole, Socopo e Esplanada, Olarias, São Joaquim, deixando evidente
o processo de expansão de Teresina. No dizer de Lima (2003, p. 56), formava-se
então,
[...] um novo perfil da zona urbana, cuja única restrição de
crescimento era a Zona Oeste, ao tempo em que surgia uma nova
periferia. Desta forma, o que, nas cadas de 1970 e 1980, era, na
configuração espacial de Teresina, considerado periferia, perde essa
condição ao se produzirem, para além do seu limite, novas áreas de
expansão, construídas igualmente sem serviços e equipamentos
coletivos.
A década de 1990 caracteriza-se pelo crescimento da cidade, de forma
progressiva e acelerada. Dados do IBGE revelam que em 1991, a população rural
representava um mero menor que 10% do total de habitantes de Teresina.
Observe-se na tabela a seguir, os números e percentuais que ele aponta:
TABELA 1: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DE TERESINA 1970/ 2000
ANO
TOTAL
POP. URBANA
POP. RURAL
%
%
1970
220.487
181.062
82,12
39.452
17,88
1980
377.774
339.042
89,74
38.732
10,26
1991
599.272
556.911
92,93
42.361
7,07
1996
655.473
613.767
93,64
41.706
6,36
2000
715.360
677.470
94,70
37.890
5,29
Fonte: IBGE : Contagem da População (1970, 1980, 1991, 1996) e Censos Demográficos (1970, 1980, 1991, 2000)
Seguindo a reflexão de Lima (2003, p. 57), a cidade sofre nova redefinição
do perímetro urbano em 1994, quando antigas áreas povoadas são transformadas
em bairros e são incorporadas oficialmente à malha urbana.
Avaliando-se as décadas de 1960, 1970 e 1980, a partir dos dados
numéricos, conclui-se que ocorre uma explosão demográfica na cidade associada ao
“forte processo migratório que acontece no Piauí e Estados vizinhos”
22
, de acordo
com o livro Perfil Teresina: aspectos e características, apresentado pela Prefeitura,
em 1993. Famílias oriundas das zonas rurais, vivenciando as tradicionais formas de
exploração que caracterizam o Nordeste, são impulsionadas por diversos motivos a
buscar na cidade, melhores condições de vida saúde e educação, principalmente.
Outro fator determinante para o êxodo rural, diz respeito às condições climáticas da
região e à ausência de investimento em uma política responsável, de investimentos
capazes de responder às necessidades do trabalhador rural.
À grande maioria das famílias migrantes acresce o mero de pobres na
cidade em situação de desemprego, subemprego ou na informalidade, vivendo com
menos de um salário mínimo, em áreas de risco e na ilegalidade, revelando uma
realidade preocupante cujos desdobramentos incidirão sobre o aumento dos
22
A Fundação CEPRO informa que entre os anos 1960, 1970 e 1980 os fluxos migratórios
nordestinos participam com 97,5%, 96,6¨% e 93,5% respectivamente, sobre o total de imigrantes no
Piauí. Desse total, a grande maioria é formada por cearenses e maranhenses. Dados obtidos na
Carta CEPRO, Teresina, v. 15, n 1, jan/jun 1994, p. 93.
problemas que a cidade vivenciará a partir de então, tais como o aumento do
desemprego, a queda do poder aquisitivo, a deterioração das condições de moradia
e da qualidade de vida da população, motores das mais diversas ações de ocupação
de terras que se espalha como um rastilho de pólvora em áreas ociosas. Lima (2003,
p. 82) afirma que,
Em face da impossibilidade de acesso a um terreno por vias legais e
do encontro de um lugar em que possa construir referências locais
de pertencimento, a população pobre produz formas próprias de
expressão de suas necessidades, mesmo contrariando o direito
inalienável da propriedade privada e da ordem estatal, balizada na
defesa da lei e no uso da „violência legítima‟.
Uma espécie de coroamento dessa situação ocorre com as enchentes dos
rios Poti e Parnaíba, em 1985, convergindo, portanto, na luta pela moradia de
famílias alagadas”, a quem a mídia cobertura, o que favorece a sociedade civil
tomar parte e definir uma posição de apoio ou repúdio aos atos dos Sem-Tetos. O
poder público estadual e municipal viu-se obrigado a gerir os conflitos sendo
condição sine qua non a interlocão com os sem-teto. As fortes pressões do
movimento sobre o governo obrigaram-no a assumir compromissos com projetos a
fim de resolver os problemas ligados à habitação em Teresina que se revelam,
segundo Lima (2003, p. 117), “[...] ínfimas ações do poder público no que concerne à
regularização de posse das áreas de propriedade do Município, incidindo, com
efeito, em tensão permanente das famílias frente à indefinição da situação e à
constante insegurança da moradia [...]”
O Censo sobre as Favelas, realizado em 1991 e 1996 pela Prefeitura
Municipal de Teresina revelou o crescimento populacional da cidade por zonas,
como é demonstrado na tabela a seguir:
TABELA 2: QUANTIDADE DE FAVELAS E VILAS EM TERESINA 1991/1996
ZONA
ANO
% DE CRESCIMENTO POR
ZONA
1991
1993
1996
1991/1993
1993/1996
NORTE
15
17
20
13,33
17,65
SUL
18
39
48
116,67
23,08
LESTE
14
51
48
264,29
-5,88
SUDESTE
06
28
28
366,67
0,00
CENTRO
03
06
05
100,00
-16,67
TOTAL
56
141
149
151,79
5,67
FONTE: Censo das Vilas e Favelas (Teresina, Prefeitura Municipal. SEMTCAS, 1996)
Da análise dos dados é pertinente para este trabalho destacar que as
favelas e as vilas têm sido a solução para os problemas da moradia na cidade, em
primeiro lugar e ainda, a inflexão do crescimento do padrão periférico do município,
com a localização da população de baixa renda em áreas distantes da Zona Centro
que se torna paulatinamente o cenário das contradições sociais em que a exclusão
social, como “herança deixada” é exposta das mais diversas formas, como a
marginalização de menores, constituindo-se e um
[...] espetáculo, observado no dia a dia, formando um cenário de
crianças e adolescentes marginalizados que buscam a rua para
sobreviver, tem se tornado cada vez mais forte. São crianças pobres,
maltrapilhas, famintas ou mesmo doentes, perambulando pelo centro
da cidade, ora em calçadões, praças, adro das igrejas, área de
supermercados, onde muitas delas fazem moradia. Conhecidos por
„meninos de rua‟ que, abandonados por suas famílias
desestruturadas, saem do convívio familiar, não obtendo mais
contatos, ficando abandonadas pelas ruas. [...] encontramos ainda
grupos de meninas e meninos obrigados ao trabalho, a fim de
sustentarem a família. Tentam limpar pára-brisas [...], lavam carros,
vendem balas, [...] e outras miudezas, e, enfrentando a indiferença
da sociedade, buscam, assim, alguns centavos e, quem sabe, a
única chance na disputa desigual pela sobrevivência (Araújo, 1997,
104).
E ainda pela “invasão” dos trabalhadores informais os ambulantes, que
“tomam o centro comercial de Teresina, apresentados na imprensa escrita local
como vítimas da crise econômica e do desemprego, que encontram nesta atividade,
[...] uma maneira de garantir seu sustento, transformando, portanto,
as ruas e praças do centro em verdadeiras feiras livres. As ruas onde
maior concentração de camelôs são Álvaro Mendes e Simplício
Mendes (Calçadão), Rui Barbosa, Senador Teodoro Pacheco,
Coelho Rodrigues e várias praças como Rio Branco, João Luiz
Ferreira e Pedro II (O Estado, 14.07.1987).
A atividade comercial informal no centro de Teresina adquire maiores
contornos por toda a década de 1990. Nessa área, os ambulantes, à vontade
perante manifesta falta de infra-estrutura, expõem as mais diversas mercadorias,
ocupando de forma desordenada as ruas, calçadas e praças gerando uma situação
de insatisfação dos lojistas. Estes alegam que “[...] a grande maioria de camelôs
atrapalha o acesso às lojas, já que eles se instalam, na maioria das vezes, nas
portas dos estabelecimentos, além da ação dos trombadinhas (grifo nosso) que
acabam afastando a clientela” [...] (O Estado, 22.07.1987).
Em pesquisa de campo junto aos trabalhadores informais localizados nas
ruas Álvaro Mendes e Simplício Mendes, por meio de aplicação de entrevista a
sessenta e três ambulantes dessa área, foi possível identificar, definir a
escolaridade, indicar a situação comercial e opinião pessoal de cada um dos
entrevistados sobre a escolha e o sentimento em relação à profissão e as sugestões
quanto à melhoria das condições do trabalho na área central da cidade
23
. Os
resultados obtidos permitiram a construção, por amostragem dessas ruas, de um
perfil do vendedor ambulante do Centro de Teresina. A aplicação do questionário
permitiu a obtenção da informação de que esses trabalhadores preferem a
23
Os dados aqui discutidos foram coletados em conjunto com Maria Lidyane Resende, aluna da
graduação, na produção do seu trabalho de conclusão do curso de graduação da Universidade
Estadual do Piauí UESPI, com minha orientação e participação direta, com o tema O trabalho
informal no centro de Teresina no período de 1990 a 2005. A monografia foi apresentada em
evento público, na cidade de José de Freitas Pi, pólo da UESPI, em 09. 08. 2006, em banca
por mim presidida.
Foto 1: Rua Simplício Mendes, centro comercial.
Fonte: Teresina Ontem e Hoje.
denominação de vendedores ambulantes, rejeitando o termo camelô, pela carga de
preconceito que o mesmo carrega em nossa sociedade.
24
A grande maioria tem idade superior a vinte e cinco anos; 50,8% o
oriundos de cidades do interior do Piauí e 23,8% provém de outros Estados
(Maranhão, Pará e Ceará), em busca de melhores condições de vida e de estudo.
No quesito escolaridade os resultados indicam que um pequeno
percentual de analfabetos (4,8%),
prevalecendo uma maioria (33,3%) entre
os que possuem o Ensino Fundamental
incompleto. 66,6% são proprietários das
barracas fixadas em um único ponto
comercial, de acordo com a determinação
da SDU
25
Centro/Norte, que tem o
registro de 71,5% desses trabalhadores
dos quais 68,2% apontam em média, um
rendimento médio mensal de 1 a 2 salários
mínimos e 31,8% auferem acima de 2
salários mínimos.
Quanto ao tempo de trabalho no setor informal, 65,1% dos entrevistados
exercem essa atividade mais de nove anos e a ocupação foi resultado da
necessidade em função da situação de desempregado. Interessante notar que
28,6% indicou como motivo, a não subordinação a um patrão.
24
Vale ressaltar que o uso do termo camelô, nesse texto, não se vincula, intencionalmente a essa
idéia preconceituosa disseminada entre nós.
25
Superintendência de Desenvolvimento Urbano.
Foto 2: Calçadão, um dos pontos preferidos pelos ambulantes, para desenvolver sua atividade. Foto: Jaqueline Feitosa
Batista.
A pesquisa não abordou diretamente as condições de trabalho dos
ambulantes, mas ao serem motivados para indicar sugestões para melhorar suas
condições de trabalho, os entrevistados solicitaram: melhor distribuição do espaço;
barracas produzidas e fixas; construção de um camelódromo para segurança
pessoal, das barracas e mercadorias; melhor atuação da diretoria do sindicato; que
os fiscais da prefeitura permitam aos vendedores ambulantes trabalhar, mesmo
sendo mercadorias irregulares; retirada de carga/descarga dos caminhões no horário
comercial e que haja uma fiscalização séria e atuante da prefeitura para proibir a
especulação de alguns vendedores ambulantes e dar oportunidade de trabalho a
quem precisa.
As imagens a seguir destacam alguns dos espaços consumidos pelos
ambulantes, no centro. É possível visualizarmos o tipo de equipamento que usam
como barraca: uma estrutura em geral de ferro, que dia-a-dia, é parcialmente
desmontada e permanece na área, improvisadamente, dando um ar de abandono a
esse espaço em dias de domingo ou feriado, quando foi feita a imagem , ao
contrário dos dias ordinários de expediente, quando se encontra abarrotado de
pessoas e objetos que se tocam em um frenesi de trocas de suores, sons e odores.
Destaca-se tamm a quantidade de objetos nas calçadas, impondo uma
circulação em função da sua localização e não do interesse de um possível
transeunte no local.
Foto 2
Fotos 3 e 4:
Centro comercial,
Caadão da
Álvaro Mendes
Foto: Jaqueline
Feitosa Batista
As imagens foram registradas num feriado. A partir do registro, percebe-se
o quanto as atividades de cunho cultural quando existem em Teresina pouco
motivam a população a flanar pelo centro histórico a fim de conhecer a história, o
patrimônio ou a arquitetura da cidade. Não existe um projeto governamental
específico maior para o consumo das possibilidades que o centro oferece, tais como
visita ao museu, lazer nas praças, eventos culturais ou outros que incentivem o
turismo.
E somando-se a isso, os grupos isolados ou pessoas que queiram
apreciar a cidade em domingos ou feriados, não conseguem fa-lo uma vez que o
passeio é prejudicado, haja vista que as condições da área utilizada pelo comércio
ambulante durante os dias de atividade comercial cotidiana, por serem improvisadas,
permanecem as mesmas nos domingos ou feriados, no que se refere a instalações,
bancas, quiosques ou barracas.
Foto 5: Trecho da Praça Rio Branco. Foto: Jaqueline Feitosa Batista.
A imprensa escrita local destaca continuamente, por todas as décadas do
final do século XX e no inicio deste, inúmeras situações que envolvem os
vendedores ambulantes do centro da cidade, informando sobre seus fazeres e
dificuldades, conforme indicam as manchetes de jornais como O Estado.
26
A
chamada da primeira página é reveladora:
Ao contrario dos lojistas, que estão tendo uma melhora no seu
número de vendas, os ambulantes continuam enfrentando uma crise
muito grande e muitos deles estão pensando em deixar a profissão,
não o fazendo por absoluta falta de condições de encontrar outro
trabalho. A profissão de camelô atrai muita gente que está passando
por dificuldades ou desempregadas, que em nessa atividade uma
forma de sustentar a família. (grifo meu)
Tais manchetes sinalizam não apenas para a ação da Prefeitura com
vistas a disciplinar o comércio
27
, mas tamm para a organização desses
trabalhadores em entidade representativa Sindicato dos Feirantes e Vendedores
Ambulantes de Teresina , com poderes de interlocução junto ao poder público
municipal. Em matéria no mesmo jornal, Vanderley de Alcântara, o Mestre Paulo,
líder dos feirantes e ambulantes de Teresina na época, rebate acusações dos
lojistas de que estariam prejudicando o movimento no centro comercial. Para ele,
26
Camelôs enfrentam crise para venda 16.08.1987
Bancas de frutas invadem o centro 05.12.1987
Camelôs vão debater concessão de alvarás 17.01.1990
Camelôs querem calçadão na Rua Coelho Rodrigues 20.01.1990
Crise aumenta mercado informal 10.03.1992
Aumenta o número de ambulantes 31.05.1992
Mercado informal traz economia a consumidor 08.10.1992
Mercado informal ocupa mais espaços no centro 28.11.1992
Biscateiros fazem de tudo para garantir sobrevivência 29.12.1992
27
O Código de Posturas do Município Lei 1940, de 16 de agosto de 1988 estabelece quanto a
esse tema:
Art. 165 O exercício do comércio ambulante dependerá sempre de licença especial, que será
concedida de conformidade com a legislação municipal pertinente.
Art. 166 É vedado ao vendedor ambulante:
I Estacionar nas vias públicas e em outros logradouros fora dos locais previamente
estabelecidos pela Prefeitura Municipal;
II Impedir ou dificultar o trânsito nas vias e logradouros públicos.
A nossa classe é muito trabalhadora e o ofício de camelô é muito
sacrificado, além de que não acredito que o pouco movimento que
temos atrapalhar o movimento das grandes lojas, mesmo porque
já compramos delas para revender. Além disso, há espaço para
todos e o Sindicato está procurando organizar a classe [...]
28
Para o poder blico municipal e especialmente para os lojistas, esses
vendedores, ocupando de forma indevida as ruas, calçadas e praças propiciam o
agravamento de inúmeros problemas, tais como os de segurança pública e de
tráfego, que acabam favorecendo a depredação de equipamentos urbanos, a
inibição de investimentos na área, a desvalorização das edificações, praças e
monumentos, decorrendo daí o aumento da marginalidade prostituição, tráfico e
consumo de drogas e furtos, entre outros.
Indagados quanto ao gosto pela atividade de vendedor ambulante na
pesquisa direta, alguns dos entrevistados afirmaram gostar da mesma por motivos
vários: única fonte de renda; dinheiro no bolso, sempre; a não sujeição a um patrão;
liberdade de horário; é divertida a desordem no centro. Outros entrevistados tocaram
no tema da discriminação a que estão sujeitos, fato que os motiva a desejar um
trabalho com carteira assinada.
Pari passu a esse movimento de ingresso de novos usuários no Centro,
observa-se, na área central, que constitui o centro histórico, o connuo
esvaziamento da função de moradia, uma vez que as residências vão cedendo lugar
às casas comerciais ou simplesmente permanecem fechadas, para aluguel. Trata-
se, agora, de população, com um poder aquisitivo mais alto, e em grande parte, se
desloca em direção à Zona Leste.
Esse processo é descrito e analisado por Irlane Abreu, (1983, p. 73), em
dissertação de mestrado, intitulada “O crescimento da Zona Leste de Teresina Um
28
Líder da classe diz que camelôs não estão prejudicando lojistas. O Dia.
caso de segregação?. Nesse estudo, a autora indica, que “[...] a partir dos anos 60
teve início uma migração das populações do antigo centro tradicional da cidade para
o leste, além do rio Poti, movimento este que se intensificou na década de 70.”
A partir de então, inúmeros prédios, em situação de abandono passam por
problemas de ordem estrutural, ameaçando desabar no Centro.
Várias são as notícias na imprensa escrita sobre o problema. O jornal O
Dia informa que vários edifícios comerciais no centro de Teresina estão condenados
à demolição, outros, que estão em ruínas, são passíveis de interdição pelo poder
público municipal, principalmente entre as ruas Paissandu e Felix Pacheco. O
mesmo jornal destaca a ação da Prefeitura Municipal na ocasião em que se o
processo de demolição de casarões, com mais de cem anos de idade, onde
funcionavam, na época, dezenas de boates, com a justificativa de que constituíam
perigo à população já que estavam ameaçados de desabamento.
29
Construídos mais de cem anos, os prédios situados na área da
Paissandu, no centro de Teresina, ficaram intactos até anteontem,
quando alguns ameaçados de desabamento começaram a ser
derrubados. Segundo orientação da Secretaria de Planejamento da
Prefeitura, não uma medida radical, obrigando que todos eles
sejam demolidos, mas sim a prevenção de que alguns, em estado
de ruína, podem ser considerados como grande ameaça contra os
que neles residem.
De estilo desconhecido, alguns deles ainda se acham em condições
de recuperação, mas o perigo na maioria dos iveis, ali situados
está exatamente no teto, por tratar-se de um trabalho executado a
base de tronco de carnaubeiras que chegaram a sofrer diante de
goteiras que foram surgindo nos telhados e em conseqüência,
apodrecendo ripas, travessas, caibros, e até vigas sustentadoras do
telhado.
Nessa condição estava o prédio onde funcionaram várias boites, na
rua Félix Pacheco, esquina com João Cabral, que está sendo
totalmente demolido, inclusive as fortes paredes medindo até um
metro de largura. [...]
30
29
“Prefeitura quer acabar com os casarões”, O Dia, 15/04/1980.
30
“Prefeitura derruba casas da Paissandu”, O Dia, 26.07.1980.
Fotos 6, 7 e 8: Rua Senador
Teodoro Pacheco. Casa, segundo
ficha do IPAC, muito
descaracterizada no interior. Na
fachada, as portas laterais à porta
central eram originalmente janelas.
Foto 6: Acervo da FUNDAC.
Foto 7: Acervo da SEMPLAN.
Foto 8: Jaqueline Feitosa Batista.
“Monumento histórico é ameaçado”, tulo da matéria veiculada pelo jornal
O Estado em 15.07.1981 informando que
[...] a possível demolição do prédio onde hoje funciona o Colégio
Pedro II, construído no culo passado, pelo Bao de Gurguéia
Domingos do Rego Monteiro, representando um monumento
histórico do Piauí tanto pela sua linha arquitetônica quanto por
estimável valor de culto às tradições do nosso povo. O prédio seria
demolido, para em seu lugar, a Diocese de Teresina dar
prosseguimento à construção de um shopping center [...]
O estado de deterioração da área do Centro da cidade é denunciado pelo
Clube de Diretores Lojistas, que sugere ao poder público municipal a criação de uma
linha de crédito destinada ao financiamento de reformas, pinturas e melhoria física
dos prédios da área, já que o estado em que se encontra
[...] o centro comercial é deplorável, além do lixo que se acumula
nas calçadas e calçadões, existem casarões fechados, sujos e
deteriorados, caadas quebradas, terrenos baldios cobertos de
mato, calçadas e asfalto esburacados, enfim, uma paisagem
entristecedora que com certeza oferece, especialmente ao visitante
uma desagradável impressão da nossa querida cidade. [...]. (O
Estado, 03.05.1983).
31
A degradação da área do Centro de Teresina ainda transparece na
situão denunciada pelo mesmo jornal, quando informa que
Devido à falta de tampas, várias galerias que fazem o escoamento
de águas servidas, no Centro de Teresina se encontram abertas,
provocando a queda de pessoas, que, inclusive, chegaram a se
machucar, além de exalar um mau cheiro insuportável, como ocorre
com a que existe entre as ruas Paissandu e Simplício Mendes. (O
Estado, 01.09.1983).
32
Pouco tempo depois, novo pedido dos lojistas à Prefeitura de Teresina
para que fosse realizado o “embelezamento urbanístico” do centro comercial,
31
“Lojistas querem reforma de prédios antigos do Centro”, O Estado, 03/05/1983.
32
“Pedestres caem esgoto sem tampa no centro”, O Estado, 01/09/1983.
apontada como uma medida que beneficiaria tanto o comércio, quanto melhoraria o
aspecto da cidade, comprova a ineficácia da ação do poder público.
33
Em matéria publicada nos dias 15 e 16.09.1985, o jornal O Estado informa
sobre a possibilidade de demolição do Clube dos Diários, fato que gerou protestos
entre seus sócios. O Clube dos Diários é da década de 1920 do século passado,
portanto, haviam transcorrido 68 anos da construção dos primeiros edifícios da
cidade. Durante aproximadamente oitenta anos, o Clube foi o principal local da
cidade onde os segmentos mais abastados da sociedade dançavam, comemoravam
aniversários, colação de grau, entre outros eventos. Para esses segmentos o Clube
dos Diários transformou-se em “lugar de memória da cidade. É compreensível,
portanto, que os setores intelectuais tenham saído em sua defesa, desenvolvendo
uma campanha a favor da sua preservação arquitetônica.
A notícia da destruição de um dos mais antigos prédios da cidade, o
edifício onde funcionava a Alfaiataria Militar; localizado na Rua Paissandu,
provocada pela forte chuva é tema de matéria do jornal O Estado, em 13.03.1987.
O mesmo jornal O Estado informa em matérias publicadas nos dias 21 e
22.07.1987, sobre o desabamento de um prédio no centro comercial, na rua Álvaro
Mendes, onde três pessoas foram mortas e duas ficaram feridas, por causa das más
condições físicas do prédio, alertando ainda para as possibilidades de desabamento
dos prédios vizinhos.
As notícias chamam a atenção para o fato de que a maioria dos imóveis ali
situados representa um perigo justamente por apresentarem um teto executado à
base de carnaubeiras, que sem manutenção freqüente, encontrava-se exposto às
condições das intemries, especialmente das chuvas. As goteiras nos telhados
33
“Lojistas querem embelezamento do centro da cidade”, O Estado, 15 e 16/09/1985.
acabavam por comprometer todo o madeiramento. Tais condições propiciariam um
ambiente insalubre e inseguro, constituindo uma ameaça à saúde pública e ao
sonho de cidade progresso, imagem que o discurso tentava produzir e divulgar.
A idéia de cidade produzida pelo discurso emanado dos canais acima
destacados encontra-se ainda no projeto da sua implantação enquanto capital. A
preocupação com a organização dos espaços, a simetria das ruas e a construção de
prédios que unissem beleza e funcionalidade fez de Teresina palco em que foram
encenadas peças teatrais que refletiam tanto o saber médico quanto a técnica do
urbanismo.
34
uma nítida intenção ao dar visibilidade à cidade pelo prisma da
higienização e do sanitarismo, bastando nos dias atuais percorrer a Rua Paissandu
e verificar in locu que os velhos edifícios onde se localizavam os cabarés famosos
desapareceram, ao passo que edifícios como o Clube dos Diários e o “monumento
histórico onde funcionava o Colégio Pedro II”, tombados, passam à categoria de
patrimônio cultural da cidade.
Mas quem além dos sujeitos já indicados, constitui os tradicionais usuários
do Centro de Teresina? Como se dá o consumo dessa área por esses sujeitos?
A pesquisa realizada em jornais da época revela a apropriação desse
território por parte dos diversos setores sociais, apontando para usos e consumos
que, num certo sentido, dão vida ao Centro histórico da cidade. Território cuja
personalidade está investida dos tipos de consumo que dele é feito. Assim, podemos
identificar, quanto às praças do centro que, cada uma, no período estudado, está
atravessada por uma identidade própria:
34
Vide anexo I
A Praça Saraiva, através da realização da Feira de Arte Popular e do
Encontro de Folguedos, foi durante boa parte da década de 1980, ponto de encontro
da população, especialmente jovem, oriunda dos diversos bairros da cidade, nos
finais de semana. Durante muito tempo ali tamm funcionou um feirão de carros
usados e, quando da constrão do terminal de ônibus da zona sul, foi tomada por
vendedores ambulantes com bancas de frutas e verduras, além de quinquilharias.
O Complexo Praça da Bandeira e Praça Rio Branco transfigura-se em
espaço de idosos, aposentados, cegos e pedintes, mas tamm sedia o Festival de
Violeiros
35
e atividades voltadas para o público infantil fazendo referência ao dia da
criança. Destaca-se ainda o consumo desse espaço por menores que circulam pelo
centro, como espaço de diversão ao fazer da fonte localizada na praça, uma
piscina.
36
A cada de 1990, cujo contexto é de crise econômica agravada pelo
Plano Brasil, consolida na Praça Saraiva a concentração de músicos, vendedores
ambulantes, hippies, ambulantes e malabaristas que se fixam no local, buscando
sobreviver.
37
35
“Velhinhas cegas preferem as praças” O Estado, 23/09/1980.
“Cantadores abrem seu encontro em Teresina” O Estado, 23 e 24/08/1981.
36
“As delicias da poluição para meninos” O Estado, 30.10.1981.
37
“Praça transformada em centro de sobrevivência” O Estado, 15-16.06.1990.
Foto 8: Idosos na Praça Rio Branco. Foto: Teresina Ontem
e Hoje.
A Praça Pedro II e seu entorno vivencia a vocação de sediar
manifestações de caráter político protestos, especialmente de estudantes, e
eventos associados às artes Projeto Pixinguinha, Salão de Humor, Setembro
Rock, Salão de Artes Plásticas do Piauí, troca e venda de revistas dos mais variados
tipos, e outros. Isso se deve à proximidade com a sede do governo estadual, assim
como por abrigar inúmeras referências das artes em Teresina: Centro Artesanal,
Cine Rex, Teatro 4 de Setembro, Clube dos Diários.
38
Ouvir cada geração a respeito dos valores e significados destas áreas do
centro histórico de Teresina é apreender as palavras de Pesavento (op. cit. 2002, p.
16.) quando afirma que a
[...] modificação do espaço de uma cidade, dando a ela forma e
feição, contêm em si um projeto político de gerenciamento do
urbano em sua totalidade. É por um lado, uma tarefa de
profissionais especificamente habilitados para tal urbanistas,
arquitetos, engenheiros , mas também comporta o que se poderia
chamar de intervenção do cotidiano. Ou seja, esse espaço sonhado,
desejado, batalhado e/ou imposto é, por sua vez, também
reformulado, vivido e descaracterizado pelos habitantes da urbe,
que, a seu turno, o requalificam e lhe conferem novos sentidos. [...]
Daí o é surpresa que na “cidade da Memória” dos da geração de M.
Paulo Nunes (2002, p.) a modificação na Praça Pedro II, “[...] hoje felizmente
restaurada, depois da equivocada intervenção que a desfigurou completamente [...]”
tenha sido recebida com aplausos pela carga de energia que fez agir sobre sua
sensibilidade, reportando-os a uma época de seu passado, atuando sob a sua
memória. De outro lado, a memória dos atores sociais que vivenciaram a época
acima descrita, cujos sentidos se vinculavam diretamente à configuração espacial da
Praça Pedro II e às impressões nela articuladas, viram-se furtados de sua memória.
38
Ato público na praça encerra greve na UFPIO Estado, 10.04.1981.
Estudantes promovem concentração” O Estado, 03.12.1981.
“Ato público hoje na Praça Pedro II” O Estado, 16.04.1982.
“Polícia dispersa ato público na Praça Pedro II O Estado, 28.04.1983.
Ou seja, o que parecia restauração para uns, constituía-se desfiguração para outros.
Claramente,
[...] as imagens urbanas trazidas pela arquitetura ou pelo traçado
da cidade, ou pela publicidade, pela fotografia, pelo cartaz, pelo
selo, pela pintura, pelo desenho e pela caricatura têm, pois, o
potencial de remeter também, [...] a um outro tempo. [...]. O espaço
urbano, na sua materialidade imagética, torna-se, assim, um dos
suportes da memória social da cidade.[...] (PESAVENTO, 2002, p.
16).
Resguardar a memória coletiva na materialidade da cidade, nas condições
propostas pelo modo de vida da modernidade em que a fugacidade deteriora o
sentido de permanência, o velho é substituído pelo novo ou dinda em que o novo
se superpõe ao velho, numa bricolagem , o interesse pelo tema do patrimônio
cultural de Teresina como um bem a ser preservado ganha destaque nos meios de
comunicação oficiais tanto em nível estadual quanto municipal.
Em artigo intitulado “A propósito de preservação de bens culturais”, de
Olavo Pereira da Silva, em 1985, já se discutia na Revista Presença Órgão oficial
da Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí (p. 18-19) as questões
ligadas à preservação dos chamados “bens culturais”. Para o autor, então
superintendente do SPHAN-MG, a “[...] preservação do patrimônio cultural se
justifica quando em função da melhoria da qualidade de vida do lugar onde se
encontra localizado [...]” e ainda, sobre a viabilidade da preservação no Brasil, “[...]
deve ser compromissada com as raízes culturais do país, [...] um objetivo político
que cabe a todos nós realizar e cujo centro é o povo, o verdadeiro proprietário do
patrimônio e da cultura brasileira. [...]”.
A mesma revista, agora em 1987, traz referências à “política de
preservação no Piauí”, em que Alcília A. Albuquerque questiona se no nosso
Estado uma civilidade, um modo hábil de intervir na preservação do acervo cultural
piauiense. Na proposição da autora, quando se trata das questões ligadas ao acervo
patrimonial do Piauí,
O problema maior está em Teresina, capital planejada, onde se
constata uma sede devastadora de „progresso‟ e também, um incrível
desprezo pela memória. Aos cento e trinta e cinco anos de idade, a
cidade, hoje, perdeu mais de 80% de suas edificações mais
antigas, existindo pouquíssimos exemplares perdidos num
emaranhado de edificações de “Gosto Duvidoso” grifo meu.
Albuquerque, no mesmo artigo informando sobre as condições do trabalho
legal de preservação no Piauí, destaca em Teresina a realização, através da
Fundação Cultural Monsenhor Chaves de alguns tombamentos, “[...] não existindo,
porém, uma legislação municipal nem uma organização administrativa que respalde
o processo de preservão.[...]” De fato, a lei que dispõe sobre o tombamento e
preservação do patrimônio cultural, histórico, artístico e paisagístico de Teresina é
sancionada somente em 16.08.1988, a Lei 1. 942. Em seguida outras são
aprovadas
39
.
A Revista Presença, publicada em dezembro de 1993, aborda o tema
quando da apresentação da proposta de tombamento aprovado por unanimidade
do Teatro 4 de Setembro, quando o relator, José Eduardo Pereira Filho comenta que
“[...] de fato, assiste-se em nosso Estado, e de forma mais
acentuada em Teresina, a destruição e descaracterização criminosa
de prédios de valor histórico e arquitetônico, o que se constata sob
mais leiga visão, como vivo sinal da especulação selvagem do setor
imobiliário, originada no rápido e desordenado crescimento desta
Capital.
39
LEGISLAÇÃO URBANA DE TERESINA. Lei nº 2.264 de 16 de dezembro de 1993. Lei nº 2.265 de
16 de dezembro de 1993. Lei nº 2.266 de 16 de dezembro de 1993. LEIS DE ORGANIZAÇÃO DO
ESPAÇO URBANO DE TERESINA. Caderno 2, Legislação Urbana de Teresina, 1988. LEI
DISPOSITIVA SOBRE A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PIAUÍ, 4.515,
1992. LEIS DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL DE TERESINA, caderno 6, Legislação Urbana de
Teresina, 1988, 34 p.
A seqüência de fotos a seguir evidencia essa descaracterização em
processo contínuo, alcançando os dias atuais, quando foram registradas as últimas
imagens, na Rua Senador Teodoro Pacheco.
Foto 12 : Jaqueline Feitosa Batista.
Foto 10 : Acervo FUNDAC.
Foto 11: Acervo SEMPLAN-PMT
Foto 13: Jaqueline Feitosa Batista
Fotos 14: Jaqueline Feitosa Batista
Fotos 15: Jaqueline Feitosa Batista
Acompanhando o processo, verifica-se que um estacionamento ocupa a
área onde anteriormente havia um imóvel, isolando e ao mesmo tempo ameaçando
as duas unidades sobreviventes no trecho vizinho ao prédio que ocupou o lugar da
antiga Rádio Pioneira, de propriedade da Diocese.
A ausência de uma legislação de direcionamento das modificações do
cenário urbano, o apenas na questão do patrimônio, facilitou durante essa
década, a situação denunciada nos meios de comunicação social e naqueles oficiais
cuja tarefa seria o de zelar pela preservação da cultura local.
O mesmo problema pode ser verificado nas imagens de edificação
localizada à rua Areolino de Abreu, cujas intervenções de descaracterização são
evidentes, agravadas ainda mais pela presença do estacionamento em sua lateral
que ainda conserva vestígios da porta da fachada principal e o desaparecimento das
janelas e abertura de novas portas na fachada lateral.
Fotos 16, 17 e 18: acervo SEMPLAN
As palavras de José Eduardo Pereira Filho na revista Presença acima já
referenciada apontam que
[...] Não raro, da noite para o dia, desaparecem do cenário
urbanístico desta e de outras cidade do Piauí, singelos exemplares
da nossa arquitetura, que não é excepcionalmente rica e, com o
tempo, na multiplicação da insensibilidade que campeia, vai
perdendo os seus referenciais históricos sentimentais.[...]
3. PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL DE TERESINA: LIMITES OU
POSSIBILIDADES?
Em que medida as políticas empreendidas pelo poder público municipal e
estadual foram responsáveis pela descaracterização arquitetônica do centro histórico
de Teresina?
Até que ponto, comerciantes e vendedores ambulantes contribuem para a
descaracterização arquitetônica do centro histórico de Teresina?
Num momento em que o centro histórico de Teresina vive transformações,
criam-se novos paradigmas para o patrimônio público, reflexo dos avanços nos
discursos e práticas nesse campo em nível internacional simpósios, congressos,
seminários em cujos eventos realizados amadurecem novos pressupostos
metodológicos com vistas a abarcar o patrimônio em suas mais variadas
expressões, as cidades, pela sua configuração, constituem-se numa experiência
visual.
O transeunte, consumidor desse espaço, mergulha em locais saturados de
significações acumuladas ao longo do tempo, compartilhando-as nos traçados das
ruas, nas suas construções, nas pras ladeadas pelos edifícios blicos, religiosos
e particulares.
Como suporte da memória, o traçado da cidade e a organização das
edificações, assim como as transformações nela ocorridas constituem pontos de
referência para os agentes sociais a ela agregados, cuja orientação ou apreensão
resulta das impressões obtidas em sua experiência cotidiana de consumo.
É fato que a experiência visual da cidade nem sempre teve como
conseqüência uma impressão agradável. Poluição, violência, multidão, trânsito
caótico, são afirmações que num certo sentido, contradizem expressões de
satisfação com o conforto, a beleza e o progresso da cidade em relação ao campo.
Como um campo de pesquisa, atravessada por várias disciplinas, a cidade
tornou-se instigante objeto para as ciências sociais, de cujo interesse resultou numa
rica variedade de estudos da questão urbana, saberes constituídos que formam hoje
imagens e representações das cidades que orientam os estudos atuais sobre o
tema
40
.
A cronologia pertinente à legislação que versa sobre o patrimônio em
Teresina confirma-se na leitura da pesquisa de Pedrazzani (2005) intitulada
Patrimônio cultural de Teresina-PI: o processo de preservação nas décadas de 1980
e 1990
41
. De acordo com sua pesquisa, o patrimônio de Teresina esteve por toda a
década de 1980, relegado a um segundo plano, pouco se fazendo pela sua
preservação, “[...] à mercê de esporádicas manifestações de proteção do seu
patrimônio por parte da Fundação Cultural do Piauí. [...]” (2005, p. 55), tendo como
suporte basicamente as leis estaduais.
O que se verifica, no entanto é a demolição de rios edifícios, entre os
quais aqueles localizados na rua Paissandu, assim como a total demolição da Casa
Antonino Freire motivada por interesses econômicos. Interessante aqui é a
percepção de Pedrazzani para o fato de que a proposição de leis e projetos de lei,
denotam uma prática vinculada à discussão dos anos 1930 a da preservação do
patrimônio tradicional, aquele de pedra e cal “[...] pois pouco se havia feito em
favor deste. [...]” (2005, p. 64), deixando à margem “[...] os novos conceitos
40
No Brasil, pesquisadores como Milton Santos, Maria Stela Brescianni, Maria Izilda Santos de
Matos, Ana Fani Alessandri Carlos, Sandra Jatahy Pesavento, são, entre muitos, nomes
importantes cujas referências, embora nem sempre expressamente citadas, constituem suporte
teórico para as pesquisas atuais sobre o estudo das cidades, em seus mais diversos aspectos.
41
Recomendamos a leitura da dissertação de Mestrado em Políticas Públicas da referida autora por
trazer, de modo organizado, um histórico da elaboração e propostas de leis no que tange ao tema
da preservação patrimonial em Teresina, no período de 1980 e 1990.
consagrados na literatura brasileira, prestes a serem embutidos na nova
Constituição do país [...]” (2005, p. 77), conseqüência do processo que culminou
com a sagração internacional da noção de patrimônio cultural.
Embora preocupante, esse não constitui problema específico de Teresina.
Marcelo Brito, coordenador do Urbis/Iphan
42
, em palestra inaugural no Seminário
Internacional sobre reabilitação urbana de sítios históricos realizado em 2003, em
Brasília, denuncia a “[...] destruição e descaracterização do patrimônio edificado e
urbanístico das cidades brasileiras”.
43
A implantação da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, em 1986,
inscreve oficialmente o interesse do poder público nas questões pertinentes à
preservação do patrimônio cultural teresinense. Cabe lembrar que se trata do
resultado das denúncias por parte, em geral, dos intelectuais locais, assim como
uma resposta às exigências nacionais de enquadramento das políticas públicas de
preservação em voga desde a reabertura política.
É possível discernir os passos da formulação de uma legislação com
vistas à implantação de uma política patrimonial nas cadas de 80 e 90 em que de
acordo com Façanha (2004, p. 40), o poder público municipal entra em cena, de
forma mais intensa com o intuito de adequar a legislação urbana à evolução da
cidade.
A Lei 1942, de 16/08/1988, constitui exemplo dessa intervenção, ao
dispor sobre o tombamento e preservação do patrimônio cultural, histórico, artístico e
42
Programa de reabilitação urbana de sítios históricos lançado em dezembro de 2000, pelo
MinC/Iphan em parceria com a CEF, com o objetivo de incentivar e apoiar a formulação de planos
de preservação, alocando investimentos em várias instituições parceiras, além da CEF, como
BNDES, Sebrae e Ministério do Trabalho e da Saúde.
43
Documento acessado no site do IPHAN, www.iphan.gov.br, em 17 de abril de 2004.
paisagístico localizado no território do município
44
assim como a redação da lei
orgânica do município de Teresina, de 1999, publicada na íntegra, no Diário Oficial
do Município DOM 756, de 22.02.2000, na qual o poder público municipal
assume a responsabilidade de promover e proteger o patrimônio cultural
teresinense, por meio de inventário, registros, vigilância, tombamento e preservação.
Esta lei traz como finalidade expressa a preservação da memória do município
através da proteção, mediante tombamento dos bens entre os quais estariam
inclusas construções e obras de arte de notável qualidade estética ou
particularmente representativas de determinada época ou estilo; edificações,
monumentos intimamente vinculados a fato memorável da história local ou a pessoa
de excepcional notoriedade; monumentos naturais, como sítios e paisagens, de
notável feição, inclusive os agenciados pela industria humana.
Nesse contexto, a edificação do Metropolitan Hotel, na Avenida Frei
Serafim, é apontada como responsável, em grande medida, pela derrubada do
conjunto de leis aprovadas em 1988, reflexo dos embates entre os agentes
imobiliários atuantes nessa área central, parte integrante do centro da cidade, e o
poder público municipal.
Ao tratar dessa questão, na Revista Cadernos de Teresina de dezembro
de 1988, o Deptº de Patrimônio Histórico do Estado do Piauí, SPHAN-Pró Memória e
Prefeitura, apresentam ao público leitor alguns aspectos relevantes que envolvem a
legislação de preservação do patrimônio ambiental em Teresina:
[...] a especulação imobiliária tem sido a causa da destruição
sistemática do patrimônio arquitetônico da cidade [...] (p. 13)
[...] Atualmente, devido ao alto índice de crescimento da cidade, o
seu centro urbano, região de ocupação mais antiga, passa por um
processo acelerado de renovação, ao concentrar grande número de
44
Convém destacar neste documento a afirmação do tombamento como ato voluntário ou
compulsório disposto em seu Art. 4º afirma o tombamento como ato voluntário ou compulsório.
atividades. Essa característica de ocupação radiocêntrica, além de
ocasionar diversos problemas de infra-estrutura, principalmente
quanto ao sistema viário, estrangulado pela barreira física dos dois
rios que limitam a região central, elevam sobremaneira o custo da
terra, favorecendo a especulação imobiliária. [...] (MOURA,
FIGUEIREDO e COSTA, 1988, p. 13)
Foto 19: Antiga edificação cuja demolição deu lugar à construção do edifício Metropolitan
Hotel. Foto: Acervo Fundac.
Foto 20 e 21: Fachada do Metropolitan Hotel durante o dia e à noite
Para além do fator econômico, outros elementos tais como a pouca idade,
a condição de capital do Estado e pólo de atração de migrações, não permitiram à
cidade formar uma imagem urbana identificada com sua população, por meio da
consolidação de um acervo arquitetônico de maior densidade isso,
conseqüentemente, contribuiu para a ausência de expressiva mobilização popular
na defesa do seu acervo. Isso leva a concluir, que
[...] tal quadro de fragilidade em relação ao acervo existente explica
a reação em cadeia de demolições e descaracterizações que se
sucederam a uma maior atuação do Departamento do Patrimônio
Histórico do Estado; no sentido de assegurar a sua permanência
através do tombamento. (MOURA, FIGUEIREDO e COSTA, 1988,
p. 14)
O pessoal que responde pelas entidades envolvidas com a preservação
em Teresina e no Piauí reconhece que houve problemas na abordagem com os
proprietários e/ou famílias proprietárias de edifícios particulares de interesse para a
preservação assumindo que
[...] A experiência tem demonstrado que o tombamento de imóveis
de propriedade particular em Teresina tem sido uma providência
desastrosa, bastando um simples levantamento fotográfico para
desencadear a reação dos proprietários, que agem de diversas
formas para sustar a medida, sendo mais freqüente a completa
demolição do imóvel a ser protegido. [...] (MOURA, FIGUEIREDO e
COSTA, 1988, p. 14).
A descaracterização da Casa Dôta exemplarmente corrobora no aspecto
real, a ausência de esclarecimentos da população quanto ao significado de uma
política de preservação por parte desses órgãos voltados para esse propósito. As
imagens demonstram a intervenção de descaracterização da fachada do imóvel,
após ter seu nome sugerido para tombamento.
Foto 27: Casa Dota, localizada no entorno da Praça Saraiva. A imagem
mostra a fachada atual do imóvel.
Fotos: Acervo da PMT - SEMPLAN
Fotos 22 a 26: Casa Dota, localizada no entorno da Praça Saraiva. Fotos: Acervo da FUNDAC
Sob este aspecto, Sousa (1993, p. 12) ao referir-se a esse desencontro,
para o caso de Oeiras, escreve:
[...] Os cririos da ação preservadora realizada pelo Estado não são
suficientemente esclarecidos. Sem a necessária publicidade e
discussão prévia do assunto, a ação do Estado nos permite
enxergar [...] que a preservação do patrimônio histórico que temos
não é precisamente a que queremos [...].
Em 1993 a Prefeitura Municipal publica o Perfil de Teresina e ali, na
Apresentação do documento (p.10), salta aos olhos na versão oficial, a realidade de
Teresina, sua
“[...] evidente fragilidade econômica, sobrevivendo basicamente da
administração pública e do setor informal; o escandaloso percentual
de analfabetos e de evao escolar comprometendo o exercício
pleno da cidadania e nosso desenvolvimento; a crueldade da
desnutrição, das altas taxas de mortalidade e da deficiência do
sistema de saúde sacrificando nossa população; o grande número
de pessoas provenientes do interior do Piauí e do Ceará, Pará,
Tocantins e Maranhão na migração intensa ou na busca da
prestação de serviços sobrecarregando nossa infra-estrutura
social, dentre outros fatores”.
E encerra afirmando que o “[...] contexto econômico-social de Teresina é
grave [...]”. Esse é, portanto, o cenário que marca a realidade da cidade cuja função
de capital acaba por favorecer a incidência de uma complexidade de elementos lhe
conferindo singularidades cujas significações descortinam-se ao olhar historiográfico.
Do ponto de vista legal, ocorre a elaboração do II Plano Estrutural de
Teresina, que consiste, de acordo com o Art. 1º, no “instrumento normativo e
orientador dos processos de transformação urbana, nos seus aspectos político-
sociais, sico-ambientais e administrativos”.
As diretrizes do II PET, resultado dos objetivos expostos em seu Art.
foram orientadas no sentido de definir-se um Código de Patrimônio Ambiental onde
destacamos a primeira diretriz que prega a proteção ambiental e do patrimônio
arquitetônico, como um dos objetivos a ser alcançado.
O II Plano Diretor de Teresina, em seu texto, ao final da década de 1980
“[...] indica a necessidade de uma estrutura ocupacional que atenue a demanda ao
centro, inibindo os processos de saturação e reduzindo a necessidade de acesso a
este pólo [...]” e mais adiante, o documento informa ser proposta do Plano Diretor a
definição de uma nova estrutura na cidade de novos pólos de interesses que
integrem centros geradores de empregos em bairros distantes do Centro, com o
intuito de “controlar e inibir o crescimento no centro da cidade”
45
. (PMT: 1993, p.
37s)
Teresina é caracterizada como uma economia subdesenvolvida em
processo intenso de urbanização, imersa em um quadro de recessão generalizada e
forte, com uma estrutura fundiária de grandes latifúndios, cujos proprietários que
concentram terra e capital não têm interesse em explorar a terra diretamente e
uma forte concentração de capital e o setor secundário apresenta uma estrutura
frágil, principalmente no que diz respeito à geração de empregos.
A atividade comercial é assinalada pela sua importância na economia do
município. Entretanto, é a atividade informal que abriga grande parte da população.
A importância desse segmento na ocupação da mão-de-obra deve-se ao fato de
responder às necessidades de emprego e renda que o setor formal limitado não
consegue abarcar. De acordo com a SEMPLAN (1993) havia, na área do
Mercado Central, 450 vendedores ambulantes trabalhando.
Qual é o impacto de todo esse volume de pessoas e de intenções do
poder público sobre o centro?
45
Grifos meus.
Os problemas de circulação de veículos automotores no centro da cidade,
agregados ao sensível aumento de ambulantes nas calçadas e praças ao contribuir
para um ambiente caótico constituem matéria nos meios de comunicação de massa,
tais como o Jornal O Estado que destaca, já em 1981, a crise de estacionamento na
cidade referindo-se ao congestionamento de veículos estacionados em ruas como
Simplício Mendes.
Andar pelo calçadão entre lixeiras, orelhões, barracas, caixotes, mesas e
cadeiras, instaladas nas calçadas tornou-se um incômodo para o transeunte comum.
Ao mesmo tempo, convive-se com uma precária manutenção dos equipamentos
urbanos: precário calçamento das vias de circulação, calçadas quebradas, esgotos
desprotegidos. Tais questões direcionam para a incapacidade do poder público em
resolver as demandas locais, assim como para a relação pouco sensível da
população com o ambiente do centro histórico, onde trafega, trabalha ou
simplesmente transita.
Ao passo em que as intervenções associadas aos interesses do setor
privado, parcela de agentes especialmente vinculada aos interesses econômicos/
imobiliários, as propostas de intervenção por parte do poder público neste cenário
procuram responder a objetivos explícitos de disciplinamento.
São projetos de ordenamento, num processo de hierarquização dos
espaços estruturados em zonas ambientais e mais especificamente de controle do
tráfego e regulamentação das atividades dos vendedores ambulantes.
A edição de 11.08.1981 do Jornal O Estado noticia que a Secretaria
Municipal de Serviços Urbanos apresentou um projeto para instalação de
estacionamentos rotativos na área central. O mesmo jornal divulga, agora em 1985 a
ampliação do projeto Zonazul, com o intuito de criarem-se novos estacionamentos
rotativos, privilegiando áreas como a Praça João Luiz Ferreira.
Essa tentativa de bitolar a cidade já é nítida quando da elaboração do
mapa de Saraiva
46
, para a parição de Teresina, tendência perseguida pelo poder
público quando da elaboração de mapas, leis, códigos de posturas e de obras, e
planos estruturais sem os quais o disciplinamento seria impossibilitado. Tal
disciplinamento estaria justificado na idéia de progresso e modernidade que
impregna Teresina desde os seus primórdios fundacionais vinculada ao status de
capital.
Uma série de leis urbanísticas foi determinada no sentido de viabilizar a
implantação do Plano Diretor, envolvendo o plano estrutural, a organização do
espaço urbano, o parcelamento e o uso do solo, a ocupação do solo, o patrimônio
ambiental, código de posturas e código de obras e edificações. Foram criadas oito
zonas de preservação ambiental, sendo que as principais áreas de proteção do
patrimônio arquitetônico e histórico da cidade corresponderiam às zonas de
preservação ZP1, ZP2 e ZP3 e a cidade encontrava-se dividida em cinco
administrações regionais, com cento e dez bairros oficiais e cento e quarenta e uma
“ocupações subnormais”, registradas no Censo das Vilas e Favelas, de 1993.
No Brasil a discussão sobre a questão patrimonial passa a reconhecer,
segundo Brito (2003, p. 1) “[...] cada vez mais a urgência de se articular a política
cultural às demais políticas setoriais que incidem sobre as cidades, como as de
desenvolvimento urbano, meio ambiente, educação, turismo, etc [...]” buscando por
esse caminho alcançar plenamente as funções sociais da cidade e da propriedade
urbana.
46
Conf. Anexo I.
O poder público reconhece na cidade a existência de inúmeros
47
monumentos de valor artístico, histórico e estético, dignos de preservação, mas
assegura, à época da publicação do Perfil-1993, a preservação parcial de 97 prédios
da cidade e 23 espaços urbanos.
O IPAC Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Teresina consistiu
em uma iniciativa da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, buscando por meio de
um levantamento identificador das construções históricas, a coleta de dados
capazes de orientar, a delimitação, para o caso do Centro Histórico de Teresina, o
perímetro urbano a ser preservado, apresentando-se como instrumento norteador
das políticas de preservação
Em artigo publicado na Revista Presença (1994, p.27) Olavo Pereira da
Silva, arquiteto que coordenou esse inventário escreve que “[...] preservar é matéria
delicada [...]”, e para nós, em meio aos inúmeros monumentos de valor, que
critério usar para selecionar aqueles dignos de preservação?
O conhecimento, [...] pela percepção e pela análise racional, evitando-se
a visão fatalista do arruinamento [...]”, do acervo de interesse de preservação é
premissa para qualquer programa com vias a proteção. Foram cinco os pontos que o
a realização do IPAC objetivou, de acordo com seu coordenador, assim subscritos:
1. Mostrar uma ntese dos bens que compõe o acervo de
interesse de preservação;
2. Formar uma base sólida para a realização de políticas e planos
de conservação dos organismos governamentais;
3. Fornecer subsídios a estudos e pesquisas nas instituições
culturais e educativas;
4. Despertar e conscientizar a opinião pública para o valor desse
patrimônio; e
5. Criar possibilidades de cooperação para a difusão e
salvaguarda do acervo cultural, de forma a evitar sua perda
irreparável. (Idem. Ibidem)
47
Grifo meu.
Segundo Silva (2000, p. 27), o IPAC/PI deve ser capaz de “[...] revelar,
com prudência e lucidez, a sutileza
48
de valores que, desapreciados ou estimados
em épocas passadas e no presente, possam vir a ser valiosos para outras
gerações.
Ao caracterizar a relação das pessoas com o patrimônio edificado no
Piauí, Silva, no mesmo artigo denuncia “[...] a fragilidade das tramas de organização
do solo e a desestabilização dos setores antigos [...]” uma vez que as formas de
ocupação e uso do solo tornam evidente a ausência da mais incipiente política
urbanística de valorização das estruturas tradicionais, confirmando a prática do mais
“[...] perverso dos sistemas de renovação que é o de remover a identidade do lugar
[...]”.
Os anos posteriores foram de arquivamento na Fundação Cultural
Monsenhor Chaves dos dados do IPAC, digitalizados e impressos em forma de
fichas distinguindo os tipos de construção predominantes na arquitetura piauiense.
Quanto à população de Teresina, houve um acesso muito restrito, sem divulgação
efetiva, permanecendo o documento fora do alcance de conhecimento do público em
geral, fugindo dos objetivos reproduzidos acima, a partir das colocações do seu
coordenador.
Da análise das fichas classificadas em arquitetura civil de função
residencial e comercial, arquitetura religiosa e funerária, arquitetura oficial,
arquitetura industrial e equipamentos urbanos é possível constituir o nível de
preservação ou descaracterização sofrido pelo Centro histórico de Teresina. Foram
inventariados em Teresina 306 bens dignos de preservação, assim organizados: 253
48
Grifo meu.
da categoria civil, 22 imóveis oficiais, 11 religiosos, 7 industriais e 13 equipamentos
urbanos, que revelam segundo o autor,
“[...] sigularidades tipológicas tais como: dupla-bica; corredores de
entrada; cozinha com forno de alvenaria; forrações tipo espinha-de-
peixe, às vezes agameladas, ou ainda planos compondo quadros
com tabuados de saia-e-camisa; dobradiças e espelhos de
fechadura em ferro forjado; vergas arqueadas e ogivais que
tipificaram a imagem urbana de cidades como Teresina e Amarante”
(SILVA, 2000, p. 27).
A realização do IPAC também revelou algumas exclusividades em
Teresina como o Teatro 4 de Setembro, o Aqueduto do Pirajá, a Ponte Metálica
sobre o Parnaíba e a Estação Ferroviária. Outro aspecto
que o Inventário confirmou foi a influência da arquitetura
luso-maranhense oitocentista, inclusive de materiais
como as bacias das sacadas de lioz português, azulejos
de manufatura lusitana, gradis de ferro batido mas, com
marcadas distinções das coberturas de carnaúba e das
paredes de terra crua.
Foto 28: Teatro 4 de Setembro.
Acervo: SEMPLAN
Foto 29: Ponte metálica sobre o rio Parnaíba. Acervo: SEMPLAN
Foto 30: Estação Ferroviária
Acervo: SEMPLAN
Além dessas constatações, o IPAC destacou tamm uma curiosidade.
Trata-se da construção em série de prédios públicos no Piae por extensão, na
capital, como os mercados públicos difundidos na primeira metade do século XX
em quadra única, de partido retangular com pátio central e os grupos escolares.
O autor afirma no artigo que “[...] das edificações cadastradas em
Teresina, poucas conservam a configuração original interna e externa; grande
parte apresenta algum tipo de descaracterização com diferentes graus de
reversibilidade e outras trazem apenas vestígios da construção original” (SILVA,
2000, p. 28).
Mas é interessante verificar que dos imóveis inventariados apenas um
encontrava-se em ruína, prevalecendo aqueles em estado de descaracterização,
com um nível de conservação variando de parcialmente reversível para reversível. O
inventário considera o estado de conservação sob o prisma de bom (48); bom com
pequenas alterações (43); bom com descaracterização parcial reversível (44); bom
com descaracterização reversível (14); razoável (14); razoável com pequenas
alterações (09); razoável com descaracterização p/ reversível (59); precário com
reversibilidade parcial (1); ruínas (1); e em obras (09).
Somando-se os números, 140 exemplares da arquitetura teresinense
encontram-se na condição de bom estado, com possibilidades de reversibilidade na
descaracterização sofrida; 90 acham-se em situação razoável, com as mesmas
condições de reversibilidade, resultando em um mero bem menor de edifícios cuja
situão é considerada grave, de ruína, em obras ou em situação precária.
Como trabalhar com informações ao que parece, conflitantes? Buscando
cumprir os objetivos postos, o autor procura chamar a atenção para os resultados
que apontam para uma fragmentação do tecido urbano tradicional de Teresina,
resultado dos novos empreendimentos, não se podendo mais determinar um
conjunto único, como em Oeiras, Piracuruca e Amarante. O estudo das fichas indica
grande parte dos bens em situação de ambientação isolada do conjunto histórico
(84), o que os deixa sujeitos às mudanças mais radicais.
Mais do que considerar os dados em si, o campo revelou que de fato, o
processo de descaracterização em Teresina é abrangente, e a legislação em vigor,
que especifica as questões pertinentes à preservação do patrimônio cultural
arquitetônico pouco eficácia teve na orientação das práticas que aconteceram, em
geral, movidos pelos interesses do mercado, a fim de adequar esteticamente esses
imóveis com vistas a favorecer o consumo. A transcrição textual das palavras
noção das emoções vividas ao longo da realização do IPAC:
[...] as descaracterizações que vão da pintura das alvenarias à
ocupação dos afastamentos e calçadas, passando pelos aparelhos de
ar-condicionado, abertura de vãos, placas e letreiros, a eliminação
sumária de casas antigas para dar lugar a novos prédios; além da
poluição sonora. [...] encontramos prédios em processo de
arruinamento (SILVA, 2000, p. 28).
O monumento, enquanto patrimônio cultural, em linhas gerais, é definido a
partir do modo como atua sobre a memória. Tem, portanto uma natureza afetiva:
“não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela
emoção, uma memória viva” (CHOAY, 2001:18). Um passado “localizado e
selecionado para fins vitais, que pode, de forma direta, contribuir para manter e
preservar a identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional, tribal ou
familiar”, evocando um passado específico apto a contribuir para manter e preservar
a identidade de um grupo.
O princípio de seleção adotado pela equipe que organizou o IPAC/PI fez
um esforço no sentido de o considerar significativos de valores históricos
ideológicos tão somente os edifícios monumentais, mas tamm a casa de moradia,
e conforme as práticas adotadas em geral, mais o conjunto do que o núcleo isolado
do seu entorno.
Transitar pelas ruas de Teresina de posse das fichas do IPAC nos leva a
perceber que vários edifícios foram deixados de fora, em função da decisão dos
realizadores, ao priorizar determinados exemplares em detrimentos de outros, isso é
compreensível, uma vez que a eleição daquilo que merece ser enquadrado como
patrimônio a ser preservado é subjetiva. Mas tal fato não invalida a importância do
Inventário
49
.
A análise do IPAC-PI constitui estimulo à leitura da cidade, a uma
percepção visual e ao interesse para se registrar imagens de edifícios/monumentos
que não temos certeza de quanto tempo ainda estarão de pé, ou ilesas.
Mas num programa de conservação dos conjuntos, é importante identificar
as peculiaridades funcionais da cidade e os nós que lhes dão certa unidade,
identificar e proteger as formas em si. Assim, a intenção de preservar as fachadas
dos edifícios que defrontam uma praça tradicional de comércio, por exemplo, o
decorre necessariamente na preservação do próprio mercado, a menos que o gesto
seja acompanhado de esforços visando às fontes de sua vitalidade e de sua
estabilidade social e econômica. Ao que parece, esses esforços não foram
aplicados, uma vez que pouco se fez na prática com o material produzido no
inventário.
Ler a cidade a partir das imagens é atitude adotada há muito. Captar suas
imagens por meio da fotografia e, num certo sentido, conge-la num dado momento
revela o ser humano que se esconde atrás da máquina.
49
A produção sistemática dos inventários referentes a sítios urbanos, bens imóveis e referências
culturais, é atividade considerada fundamental e indicada pelo Iphan.
A questão da autenticidade é igualmente complexa e de grande
importância em se tratando do patrimônio, mas principalmente quando se faz
referência à representação.
A Praça Pedro II, por exemplo, tanto no que se refere às sucessivas
descaracterizações, quanto naquilo que se refere à tentativa do poder público de
recompor um quadro imagético anterior, como parte do projeto de revitalização do
Centro Histórico não é ela própria, como todos os edifícios do patrimônio,
representações, artifícios resultado de determinadas iias? Também não seriam
todas as Praças Pedro II, a cada época, autênticas?
Nesse sentido, a obra física da revitalização trouxe o sentido de consumo
da época que a Praça desperta no imaginário local, ou se perdeu o sentido de mais
uma época? Se a possibilidade de construir a identidade a partir de uma
representação arquitetônica do passado for aceitável, é a vivência do espaço que
traz autoridade de existência a um bem como patrimônio.
Fotos 31 e 32: Imagens da Praça Pedro II,
nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX
que a reforma na década de 1990 (foto 33)
restaurou parcialmente.
Fotos 31 e 32: Acervo FUNDAC
Foto 33: Jaqueline Feitosa Batista
Foto 31
Foto 32
Foto 33
Os questionamentos apontam para a necessidade de se fazer uma
reflexão mais profunda quando se trata de definir o que preservar, pois essa decisão
é acompanhada de outra, o que se quer apagar. Cabe considerar nesse processo
reflexivo que o que impede o encarceramento do monumento em uma redoma é o
valor de uso, a necessidade de continuar a ocupação humana com suas funções
cotidianas, originais ou não, sem negar ou impedir a atualização diária de suas
possibilidades daí a necessidade de compreender as dinâmicas da cidade para fins
de conservação.
Pensar a preservação do Centro Histórico de Teresina através da
aplicação de uma política patrimonial não tem como proposta engessar a cidade,
transformando-a em mausoléu, ou museu encerrado em um tempo pretérito, almeja-
se, ao contrario, discutir a possibilidade da convincia dialética entre as diversas
épocas, para que se possa não apenas transmitir uma tradição, mas efetivamente
dotar as gerações futuras de um bloco testemunho
50
para permitir outras narrativas.
Sabe-se que não podemos fugir do movimento portador da modernidade,
mas a fascinação que o moderno exerce sobre a sociedade é também, e
principalmente alimentada pelos valores do consumo irreflexo, que molda práticas
“refinadas” de mudar a cada ano, o carro, a decoração da casa, jogar fora utensílios
velhos para substituí-los por referenciais da moda, pintar ou reformar a casa no final
do ano, gestos intencionalmente alimentados pela mídia e inconscientemente
repetidos pelas gerações, de quem nós somos parte.
Os discursos definidores de antigo” e moderno” existem como um
conjunto de idéias, forjadas por aqueles que fazem usos deles como forma de
50
Termo usado em arqueologia para designar, em uma área escavada, um trecho do solo
arqueológico, intacto, para futuras pesquisas, com técnicas mais avançadas, propiciando
condições para novos dados que poderão inclusive mudar, parcialmente ou completamente, os
resultados obtidos anteriormente.
Foto: Jaqueline Feitosa Batista
apropriação de estruturas, conjunturas, desejando esboçar feições, estabelecer
limites, indicar usos e legitimar discursos. Não se pode deixar de considerar uma
análise mais profunda, a de que a própria formulação de conceitos como “antigo” e
“moderno” constituem discursos e como discurso, embutem uma intenção. Quem
sabe negar a conexão de tempos, donde passado, presente e futuro cruzam-se sob
o tecido construído da cidade, que com uma colcha de retalhos, aceita várias
significações não no tempo, mas também no espaço. O consumo dessas
significações variadas determinará suas atualizações e ressignificações que a
geração atual deve permitir que se faça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao nos determos no cotidiano do centro histórico de Teresina buscamos
entender como esse espaço é percebido e vivido pelas pessoas que são usuárias do
mesmo, para daí tecer considerações sobre as razões de sua descaracterização.
O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em
partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma
opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos,
ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver
nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O
cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É
uma história a meio de nós mesmos, quase em retirada, às vezes
velada. Não se deve esquecer este “mundo memória”, segundo a
expressão de Péguy. É um mundo que amamos profundamente,
memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do
corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil
sublinhar a importância do domínio desta história "irracional” ou desta
“não-história”, como o diz ainda A. Dupront. O que interessa ao
historiador do cotidiano é o invisível [...], (CERTEAU, 1995, p. 31) .
Entendemos portanto, que é na tessitura do cotidiano que estão os nós a
serem atados ou desatados de nosso lugar de construtores e reconstrutores da
cidade. A tentativa de fazer do espaço-ambiente possibilidade e, o, limite, passou
a ser um objetivo a ser alcançado por vários setores da sociedade, preocupados
com a preservação do patrimônio cultural local. Nesse sentido, a tentativa foi a de
apontar as possibilidades do patrimônio em Teresina.
Ao buscar o cotidiano do centro histórico de uma cidade e sua relação
com o espaço na construção das relações sociais ali travadas, a tentativa foi a de
afirmá-lo como lugar de astúcia, criatividade e memória. Apesar do projeto de
revitalização do centro histórico ser construído a partir de uma determinada
concepção de monumento, de sociedade e de individuo, nós sociedade é que o
qualificamos. Nós o fazemos espaço de liberdade ou opressão.
O transcurso da pesquisa permite o levantamento da questão de que as
diversas possibilidades de apropriação e mudança do ambiente passam pela
percepção, pelo conhecimento e pelo desejo dos que compartilham o espaço.
Algumas dessas possibilidades o discutidas ao longo desse texto, porém muitas
outras, neste e em outros cotidianos eso sendo tecidas.
A proposta parte da perspectiva de que o espaço de uma cidade funciona
não apenas como ambiente disciplinador de hábitos e atitudes ou de construção de
conceitos, mas como lugar de afirmação de identidades e autorias, espaço do ouvir
e do falar.
Mas, considerando que são intenções, o desafio permanece enquanto
quisermos fazer da cidade espaço criador e re-criador de cultura e de afirmação de
autorias, sem, contudo, perder de vista o que nos diz Certeau (1995, p. 190):
[...] Essas velharias que parecem dormir, casas desfiguradas,
fábricas desativadas, cacos de histórias naufragadas, elas ainda hoje
formam as ruínas de uma cidade desconhecida, estranha. Irrompem
na cidade modernista, cidade de massa, homogênea, como os
lapsos de uma linguagem que ninguém conhece, quem sabe,
inconsciente. Elas surpreendem.
Pois que como produção social, são as cidades depósitos de significações
cujas superpostas através dos tempos constituem variadas possibilidades de se
entrar no seu universo.
A escrita desse texto foi motivada pelo desejo de tratar questões relativas
à (des)caracterização do patrimônio histórico-cultural de Teresina, e por extensão,
suas conseqüências na construção da memória coletiva e da identidade local de
uma cidade brasileira quase nunca posta em evidência quando o tema é patrimônio
histórico.
Dissertar acerca de um tema dessa natureza implicou em trabalhar com
conceitos específicos, dentre eles, o conceito de memória como uma construção
feita no presente a partir de vivências ocorridas no passado.
Na mesma linha, o traçar de um histórico da evolução do patrimônio
permitiu perceber primeiro que a escolha daquilo que vale ser mantido como
representante da histórica local reflete a priorização de uma memória coletiva
dominante. Segundo, como o patrimônio histórico-cultural por ser seleção
intervém diretamente na memória coletiva, foi possível compreender que uma
ruptura em relação à identidade social local, pois os consumidores desse espaço, na
sua relação com o patrimônio cultural eleito como seu representante, em linhas
gerais, pouco revelam uma identificação que motive uma ação de pertencimento e
por essa via, busque ou incentive sua preservação.
Dadas as constantes reformas, demolições e descaracterizações ocorridas
no Centro Histórico de Teresina percebe-se que existe um estranhamento entre a
população em geral e os monumentos, e a história local que eles representam.
Pôde-se evidenciar na atuação do poder público municipal, relativa à
preservação do patrimônio histórico-cultural, o privilégio dos bens imóveis, tamm
ficando perceptível uma tomada de direção para um único tipo de memória, a
dominante.
Ao privilegiar um único tipo de memória, é compreensível a falta de interesse
do teresinense em relação à sua história, àquela social, de cunho oficial, transmitida
inclusive nas escolas. Não é possível reconhecer uma herança cultural e reproduzi-
la como tradição se não continuidade da sua representação na história local,
como bem definiu Chartier (1990).
A existência de políticas públicas associadas à preservação da memória e a
sua aplicação são importantes, mas é imprescindível que suas intenções
considerem os anseios da comunidade em geral, e desse encontro possa ser viável
alimentar o sentimento de pertença e com ele, viabilizar ações de preservação que
não impliquem engessamento.
Esse distanciamento será reduzido na medida em que:
Os órgãos públicos, cuja preocupação deve ser em principio, com o que é
público, avaliem que não podem perder de vista os vários tipos de
memória que compõem o cotidiano de nossa cidade;
As propostas de leis e projetos que envolvam a preservação do Centro
Histórico devem constituir-se considerando os vários centros que
interagem ordinariamente na área do Centro Histórico;
Integrar educação patrimonial no ensino formal;
Inserir no calendário de atividades culturais da cidade fóruns de discussão
descentralizados, possibilitando à comunidade uma participação efetiva
nas tomadas de decisão em questões que envolvam projetos de
revitalização da área do centro histórico, especificamente, aqueles
compromissos assumidos com a Agenda 2015.
Um alargamento da atuação dos órgãos oficiais no Estado tem se solidificado
em relação ao patrimônio imaterial, na esteira das discussões que marcaram o final
do século XX, culminando na aprovação do Decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000.
A realização do Seminário Patrimônio (I)Material Piauiense, numa ação conjunta da
FUNDAC, da UESPI e da Fundação CEPRO e da proposta do IPHAN/PI de se fazer
o inventário do patrimônio imaterial piauiense são gestos recentes que podem
responder satisfatoriamente a necessidade de trabalhar com um novo conceito de
patrimônio cultural, com vias a contribuir social e politicamente para a construção do
acervo que represente de modo amplo e diversificado as expressões culturais da
nossa população.
A mão certa de Certeau (2003, p.298-299), que acompanhou a realização deste
trabalho novamente é acessada para que reafirmemos que “a muitas mãos”
acontecem as inveões e reinvenções do cotidiano, numa escrita que,
representativa, existe a partir de uma perda.
A escritura [...] soletra uma ausência que é o seu preâmbulo e o seu
destino final. Ela procede por abandonos sucessivos dos lugares
ocupados, e se articula numa exterioridade que lhe escapa, tendo o
seu destinatário vindo de outro lugar, visitante esperado mas nunca
ouvido nos caminhos escriturísticos traçados na página pelas
viagens de um desejo.
Discutir esse tema é sem dúvida um desafio. Ao tratarmos do patrimônio, nos
seus conceitos; na sua trajetória histórica; no seu aspecto material e imaterial,
questionando sobre os artefatos que poderão vir a ser representativos em uma dada
cultura, respondemos a um toque a um gesto cuja escrita visou atender.
Àqueles interessados na visita a esta escrita, estamos cientes que, conforme
Certeau (2002, p. 299),
“[...] a escrita só tem sentido fora de si mesma, num lugar outro, o do
leitor, que produz como a sua própria necessidade indo ela mesma
para esta presença que não poderia ganhar. Vai em direção a uma
palavra que não lhe será jamais dada e que, por isso mesmo,
constrói o movimento de ser indefinidamente ligada a uma resposta
solta, ab-soluta, a do outro. Dessa perda se forma a escrita. É um
gesto de moribundo, uma defecção do ter percorrendo o campo de
um saber, modesta aprendizagem dofazer sinal‟ [...].
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nacional.
DECRETO LEI 4515/92 dispõe sobre a proteção do patrimônio cultural do
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TERESINA Agenda 2015: plano de desenvolvimento sustentável. Teresina:
Conselho Estratégico de Teresina, 2002.
JORNAL O ESTADO
Camelôs enfrentam crise para vender 16.08.1987
Bancas de frutas invadem o centro 05.12.1987
Camelôs vão debater concessão de alvarás 17.01.1990
Camelôs querem calçadão na Rua Coelho Rodrigues 20.01.1990
Crise aumenta mercado informal 10.03.1992
Aumenta o número de ambulantes 31.05.1992
Mercado informal traz economia a consumidor 08.10.1992
Mercado informal ocupa mais espaços no centro 28.11.1992
Biscateiros fazem de tudo para garantir sobrevivência 29.12.1992
Lojistas querem reforma de prédios antigos do Centro, O Estado, 03/05/1983.
Pedestres caem esgoto sem tampa no centro, O Estado, 01/09/1983.
Lojistas querem embelezamento do centro da cidade, O Estado, 15 e 16/09/1985.
Velhinhas cegas preferem as praças, O Estado, 23/09/1980.
Cantadores abrem seu encontro em Teresina, O Estado, 23 e 24/08/1981.
As delicias da poluição para meninos, O Estado, 30.10.1981.
Praça transformada em centro de sobrevivência” O Estado, 15-16.06.1990.
Ato público na praça encerra greve na UFPI, O Estado, 10.04.1981.
Estudantes promovem concentração, O Estado, 03.12.1981.
Ato público hoje na Praça Pedro II, O Estado, 16.04.1982.
Polícia dispersa ato público na Praça Pedro II, O Estado, 28.04.1983.B
JORNAL O DIA
Prefeitura quer acabar com os casarões, O Dia, 15.04.1980.
Prefeitura derruba casas da Paissandu, O Dia, 26.07.1980.
100
APÊNDICES
APÊNDICE A COLETA DE DADOS ENTRE OS VENDEDORES AMBULANTES
LOCALIZADOS NAS RUAS ÁLVARO MENDES E SIMPLÍCIO
MENDES, NO CENTRO DE TERESINA - 2006
Quadro I
FAIXA ETÁRIA IDADE DOS VENDEDORES AMBULANTES
IDADE/ANO
QUANTIDADE
%
15 a 20
07
11,1
20 a 25
12
19,0
24 a 30
17
27,0
Acima de 30
27
42,9
TOTAL
63
100,0
Quadro II
ORIGEM DO VENDEDOR AMBULANTE
DISCRIMINAÇÃO
QUANTIDADE
%
Teresina PI
16
25,4
Outros Municipios
32
50,8
Outros Estados
15
23,8
TOTAL
63
100,0
Quadro III
ESCOLARIDADE DOS VENDEDORES AMBULANTES
NÍVEL
QUANTIDADE
%
Analfabeto
03
4,8
Alfabetizado
09
14,3
1º Grau Incompleto
21
33,3
1 Grau Completo
14
22,2
2º Grau Incompleto
07
11,1
2º Grau Completo
09
14,3
3º Grau
-
-
TOTAL
63
100,0
Quadro IV
ADMINISTRAÇÃO DA BARRACA DO VENDEDOR AMBULANTE
DISCRIMINAÇÃO
QUANTIDADE
%
Proprietário
42
66,6
Cônjuge
04
6,4
Família
07
11,1
Ocupante
03
4,8
Outros
07
11,1
TOTAL
63
100,0
101
Quadro V
TIPO DE MERCADORIA VENDIDA PELO VENDEDOR AMBULANTE
DISCRIMINAÇÃO
QUANTIDADE
%
Confecção
38
60,2
CDs e DVDs
08
12,7
Bolsas/ Cintos
04
6,4
Relógios/ Bijuterias
04
6,4
Eletro-eletrônicos
05
7,9
Calçados
04
6,4
TOTAL
63
100,0
Quadro VI
SITUAÇÃO DOS VENDEDORES AMBULANTES QUANTO AO REGISTRO/NÃO
REGISTRO NA SDU CENTRO/NORTE
DISCRIMINAÇÃO
QUANTIDADE
%
Registrados
45
71,5
Não registrados
18
28,6
TOTAL
63
100,0
Quadro VII
RENDIMENTO MÉDIO MENSAL DOS VENDEDORES AMBULANTES
DISCRIMINAÇÃO
QUANTIDADE
%
1 Salário Mínimo (SM)
13
20,6
1 a 2 Salários Mínimos
30
47,6
Acima de 2 SM
20
31,8
TOTAL
63
100,0
Quadro VIII
TEMPO DE TRABALHO NO SETOR INFORMAL DO VENDEDOR AMBULANTE
TEMPO/ ANO
QUANTIDADE
%
De 1 a 3
09
14,3
De 4 a 8
13
20,6
Acima de 9
63
65,1
TOTAL
63
100,0
Quadro IX
MOTIVOS DA ESCOLHA DA OCUPAÇÃO PELO VENDEDOR AMBULANTE
DISCRIMINAÇÃO
QUANTIDADE
%
Porque está
desempregado
40
63,4
Uma renda adicional
03
4,8
Porque ganha mais
02
3,2
Para não ser empregado
18
28,6
TOTAL
63
100,0
FONTE: Pesquisa Direta, em conjunto com Maria Lidyane Resende maio de 2006.
102
APÊNDICE B QUESTIONÁRIO / ENTREVISTA APLICADO AOS AMBULANTES
1. IDENTIFICAÇÃO
Nome
Idade
Local do nascimento
2. ESCOLARIDADE
Alfabetizado
1º Grau Incompleto (Ensino Fundamental)
1º Grau Completo (Ensino Fundamental)
2º Grau Incompleto (Ensino Médio)
2º Grau Completo (Ensino Médio)
3º Grau (Ensino Superior)
3. SITUAÇÃO COMERCIAL
Administração da Barraca
Tipo de mercadoria
É cadastrado ou registrado?
Rendimento médio mensal
Há quanto tempo você é vendedor ambulante?
4. OPINIÃO PESSOAL
Por que escolheu a profissão de vendedor ambulante?
Gosta de ser vendedor ambulante?
Qual sua sugestão para melhorar o mercado informal?
103
ANEXOS
ANEXO I MAPA MAIS ANTIGO DA CIDADE DE TERESINA
FONTE: ACERVO DO IPHAN/PI
104
ANEXO II VISTA AÉREA DA PRAÇA DA BANDEIRA, MARCO INICIAL DE
TERESINA. FONTE: SEMPLAN.
105
ANEXO III VISTA DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA. FONTE: TERESINA
ONTEM E HOJE
106
ANEXO IV MAPA DO CENTRO DE TERESINA. FONTE: SEMPLAN
107
ANEXO VI AMOSTRA DE FICHAS DO IPAC
108
109
110
111
112
113
114
115
116
Os moribundos são proscritos (outcasts)
porque são os desviantes da instituição por e para a conservação da vida.
Um ‘luto antecipado’, fenômeno de rejeição institucional,
os coloca de antemão na ‘câmara da morte’;
envolve-os de silêncio ou, pior ainda,
de mentiras que protegem os vivos contra a voz que poderia
quebrar essa clausura para gritar: ‘Estou morrendo!’ (M. Certeau)
117
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