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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIA HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA
ITALIANA
RAFFAELLA CAIRA
O ITALIANO FALADO EM CURITIBA POR UM GRUPO DE FALANTES
NATIVOS QUE VIVEM NO BRASIL HÁ CERCA DE CINQUENTA ANOS
São Paulo
2009
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIA HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA
ITALIANA
O ITALIANO FALADO EM CURITIBA POR UM GRUPO DE FALANTES
NATIVOS QUE VIVEM NO BRASIL HÁ CERCA DE CINQUENTA ANOS
RAFFAELLA CAIRA
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós- Graduação em Língua e Literatura Italiana, do
Departamento de Letras Modernas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciência Humanas da Universidade
De São Paulo, para obtenção do título de Mestre em
Letras.
Orientadora: Profa. Dra. Olga Alejandra Mordente
São Paulo
2009
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Dedico este trabalho ao Germano, meu marido e meu
grande amigo, que desde sempre, me acompanha e
está ao meu lado, dando-me força para superar todos
os momentos difíceis e também à amada Giorgia,
fruto do nosso grande amor e da nossa cumplicidade.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a toda a minha família que, mesmo longe, esteve sempre presente,
particularmente ao meu querido pai Beniamino, que sempre acreditou nas minhas
capacidades e me estimulou a alcançar novos objetivos.
À Profa. Dra. Olga Alejandra Mordente, pela compreensão, disponibilidade, apoio e
orientação.
À Profa. Dra. Lucia Sgobaro Zanette do DELEM – UFPR, pelos conselhos, amizade e
estimulo ao longo deste trabalho.
À amiga, Profa. Karine Marielly Rocha da Cunha do DELEM - UFPR, pelo constante
apoio e pela grande ajuda.
Ao amigo Gerson Stella, pelo carinho e pelas horas de dedicação absoluta.
Ao Oscar e a Arnalda que acreditaram desde o começo na importância deste projeto.
A todos os meus amigos que acompanharam os meus momentos de alegria e tristeza.
Aos italianos entrevistados, pela confiança, compreensão e colaboração absoluta.
5
SUMÁRIO
Riassunto..................................................................................................................... 05
Resumo........................................................................................................................07
Abstract........................................................................................................................09
Introdução....................................................................................................................11
Objetivos......................................................................................................................15
Justificativa..................................................................................................................17
Metodologia.................................................................................................................19
Capítulo I. A Itália e a emigração................................................................................22
1.1. Causas e números da emigração italiana................................................23
1.2. A emigração italiana no Brasil...............................................................27
Capítulo II. A imigração italiana no Paraná ................................................................33
2.1. A segunda imigração .............................................................................37
Capítulo III. Situação lingüística da Itália na época da grande emigração..................39
3.1. Problemas culturais e lingüísticos na Itália pós-unificação....................39
3.2. A língua do emigrante............................................................................43
Capítulo IV. O italiano e suas transformações. Transcrição e análise das entrevistas
efetuadas......................................................................................................................48
4.1. Metodologia das entrevistas..................................................................49
4.2. Características dos entrevistados..........................................................50
4.3. Normas para transcrição........................................................................51
Entrevista N.1.............................................................................................................54
Entrevista N.2.............................................................................................................62
Entrevista N.3.............................................................................................................68
Entrevista N.4.............................................................................................................80
Entrevista N. 5............................................................................................................86
Entrevista N.6.............................................................................................................95
Considerações gerais.................................................................................................101
Conclusões ...............................................................................................................104
Referências bibliográficas.........................................................................................106
Anexo 1.....................................................................................................................111
6
INDICE DAS TABELAS
Tabela 4.1. Normas para transcrição .....................................................................52
Tabela 4.2. Entrevista 1 .........................................................................................61
Tabela 4.3. Entrevista 2..........................................................................................67
Tabela 4.4. Entrevista 3 .........................................................................................79
Tabela 4.5. Entrevista 4..........................................................................................85
Tabela 4.6 Entrevista 5...........................................................................................94
7
L’ITALIANO PARLATO A CURITIBA DA UN GRUPPO DI
MADRELINGUA CHE VIVE IN BRASILE DA CIRCA CINQUANTA ANNI
RAFFAELLA CAIRA
RIASSUNTO
Alla fine del XIX secolo e durante il XX secolo la storia del Brasile è stata
caratterizzata da una forte immigrazione di uomini e donne di diverse età, provenienti
da molte parti del mondo che cercavano qui un luogo dove vivere, lavorare e trovare
condizioni di vita meno dure dei luoghi che, con tristezza, dovevano lasciare. Molti
furono gli italiani che già dal lontano 1875 cominciarono ad arrivare nei principali
porti brasiliani.
Il fenomeno migratorio cominciò in Paranà nella stessa decade, in seguito alle
campagne di reclutamento che il governo paranaense promosse per attrarre dall’Italia
mano d’opera da destinare all’agricoltura dopo l’abolizione della schiavitù. Infatti a
partire da quella data numerosi italiani provenienti soprattutto dalle regioni
settentrionali dell’Italia si stanziarono lungo il litorale paranaense prima e nei dintorni
della capitale Curitiba poi, creando numerose colonie nelle quali vivevano rispettando
usi e costumi della madrepatria.
Attraverso la realizzazione di una serie di interviste, il seguente studio si
propone l’obiettivo di analizzare il lessico utilizzato da un gruppo di italiani, che vive
in Paraná nella cittá di Curitiba e che qui emigró dopo la fine della Seconda Guerra
Mondiale, nel periodo compreso tra la fine degli anni quaranta e gli inizi degli anni
Settanta. Nostro obiettivo è anche quello di stabilire quanto la lingua italiana sia stata
da loro conservata o quanto questa sia stata influenzata dalla lingua portoghese dopo
numerosi anni di vita in un altro Paese.
I soggetti intervistati condividono diverse caratteristiche: infatti oltre a vivere
nella stessa città, essi possono essere considerati bilingue, sebbene parlino
8
quotidianamente soltanto la lingua portoghese. Alcuni di loro sono arrivati a Curitiba
all’inizio dell’adolescenza e, ben presto, per potersi integrare meglio, hanno
abbandonato l’uso della lingua italiana, anche in casa, ed hanno adottato la lingua
portoghese come nuova lingua madre. Altri, pur essendo arrivati già adulti, in seguito
a matrimoni con locali, hanno preferito utilizzare quotidianamente ed insegnare ai
propri figli la lingua portogese al posto di quella italiana. La maggior parte di loro
mantiene contatto con l’Italia e con la lingua italiana attraverso corsi di lingua,
incontri con altre persone facenti parte della comunitá o semplicemente leggendo libri
o guardando la televisione italiana. Inoltre, la maggior parte di loro, per diverse
ragioni, legate alla guerra o all’impossibilitá economica, non ha compiuto gli studi
superiori.
Dopo un lungo periodo di permanenza fuori dall’Italia abbiamo constatato,
naturalmente, una perdita parziale nel repertorio lessicale di origine e la presenza di
alcune interferenze della lingua portoghese nella lingua italiana orale. Fenomeno
questo ampiamente giustificato dai circa cinquanta anni di lontananza dalla terra di
origine. I fattori che determinano la manutenzione o la perdita della lingua madre
dipendono dalla prossimità o dalla lontananza che i soggetti intervistati mantengono
con la comunità italiana residente a Curitiba o con l’Italia ed anche dal grado di
scolarità dell’individuo. Tuttavia, nonostante la chiara influenza della lingua
portoghese sulla lingua italiana, possiamo considerare che l’italiano parlato oggi dagli
individui oggetto di questo lavoro si è conservato abbastanza bene.
Parole chiave: immigrazione, italiano, portoghese, bilinguismo, erosione linguistica.
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O ITALIANO FALADO EM CURITIBA POR UM GRUPO DE FALANTES
NATIVOS QUE VIVEM NO BRASIL HÁ CERCA DE CINQUENTA ANOS
RAFFAELLA CAIRA
RESUMO
No final do século XIX e durante o século XX, a história do Brasil se
caracterizou pela intensa imigração de homens e mulheres de diferentes idades,
provenientes de muitas partes do mundo e que procuravam aqui um lugar para viver,
trabalhar e encontrar condições de vida menos duras do que aquelas presentes nos
lugares que, com tristeza, tiveram de deixar. Foram muitos os italianos que desde
1875 começaram a chegar aos principais portos brasileiros. No Paraná, o fenômeno
migratório teve início na mesma década, em consequência de campanhas de
recrutamento que o governo paranaense promoveu a fim de atrair mão-de-obra
italiana para a agricultura depois de abolida a escravidão. De fato, a partir daquela
data, inúmeros italianos originários sobretudo das regiões setentrionais da Itália se
estabeleceram primeiramente ao longo do litoral paranaense e, mais tarde, nos
arredores da capital Curitiba, criando inúmeras colônias onde viviam de acordo com
os usos e costumes da pátria-mãe.
Mediante a realização de uma série de entrevistas, este estudo se propõe a
analisar o léxico usado por um grupo de italianos, que vive na cidade de Curitiba, no
Paraná, e que emigrou para cá ao fim da Segunda Guerra Mundial, no período
compreendido entre o final dos anos quarenta e o início dos anos setenta. Nosso
objetivo será também o de estabelecer quanto a língua italiana foi preservada por eles
ou quanto o idioma sofreu interferências da língua portuguesa depois de vários anos
de vida em um outro país.
10
Os indivíduos entrevistados têm em comum diversas características: na
realidade, além de viverem na mesma cidade, eles podem ser considerados bilíngues,
ainda que falem quotidianamente apenas a língua portuguesa. Alguns deles chegaram
a Curitiba no começo da adolescência e, bem depressa, para melhor se integrarem,
abandonaram o uso da língua italiana, até mesmo em casa, e adotaram o português
como nova língua-mãe. Outros, tendo chegado já adultos e depois de se casarem com
pessoas da localidade, preferiram utilizar quotidianamente e ensinar aos próprios
filhos a ngua portuguesa em lugar da italiana. A maior parte deles mantém contato
com a Itália e com o idioma italiano por meio de cursos de língua, encontros com
outras pessoas pertencentes à comunidade ou simplesmente lendo livros ou assistindo
à televisão italiana. Além disso, a maior parte deles, por diversas razões, ligadas à
guerra ou à impossibilidade econômica, não completou os estudos.
Após um longo período de permanência fora da Itália constatamos,
naturalmente, uma perda no repertório lexical de origem e a presença de algumas
interferências da língua portuguesa na língua italiana falada. Fenômeno este
amplamente justificado pelos quase cinquenta anos de vida longe da terra natal. Os
fatores que determinam a manutenção ou a perda dependem da aproximação ou do
distanciamento que os indivíduos mantêm com a comunidade italiana residente em
Curitiba ou com a Itália e também do seu grau de escolaridade. Entretanto, apesar da
clara influência da língua portuguesa sobre a italiana, podemos considerar que o
italiano falado hoje pelos indivíduos objeto deste trabalho se preservou bastante bem.
Palavras-chave: imigração, italiano, português, bilinguismo, erosão lingüística.
11
THE ITALIAN LANGUAGE SPOKEN IN CURITIBA BY A GROUP OF
NATIVE SPEAKERS WHO HAVE LIVED IN BRAZIL FOR AROUND FIFTY
YEARS.
RAFFAELLA CAIRA
ABSTRACT
By the end of the XIX century and during the XX century, the history of
Brazil was characterized by the intense immigration of men and women from
different ages, who came from several parts of the world. These people were looking
for a place to live, work and have better life conditions, in opposition to the hard life
they had in the places they sadly left. A huge number of Italians has arrived in the
main Brazilian harbours since 1875. In Parana, the emigration movement started in
the same decade, as a consequence of recruitment campaigns promoted by the state
government in order to bring Italian labors to the agriculture after the slavery
abolition. Actually, from that date, lots of Italians who came especially from the north
of Italy established themselves along the coast of Parana at first. Later, the Italian also
went to the outskirts of Curitiba and created many colonies where they lived
according to their nation’s habits and customs.
The present study has the intention of analyzing the lexicon used by a group of
Italians through a series of interviews. These Italians, who live in the city of Curitiba,
in Parana, emigrated to this region in the end of the Second World War, in the period
between the end of the forties and the beginning of the sixties. Our objective is also to
analyze how much of the Italian language was preserved by them or the intensity of
the Portuguese language interferences in their mother tongue after several years of
living in another country.
12
The interviewed people have many characteristics in common. In fact, besides
living in the same city, they can be considered bilingual, even if they speak only the
Portuguese language in their daily life. Some of them arrived in Curitiba in the
beginning of their teen years. In order to interact better to others, they quickly
abandoned the Italian language and adopted the Portuguese as their new mother
tongue, even at home. Other immigrants came at an older age and, after getting
married to Brazilian natives, preferred to use and teach their own children the
Portuguese language instead of the Italian. Most of the interviewed Italians keep in
contact with Italy and the Italian language through language courses, meetings with
other people from the same community or just by reading books or watching the
Italian TV channel. In addition, most of them did not finish their studies due to the
war or financial problems.
After being such a long period out of Italy we could certainly notice the loss in
the original lexicon and the presence of some Portuguese interference in the Italian
spoken. This fact can be explained by the fifty years living far from their homeland.
The factors that determine the language continuation or its loss depend on the
proximity or detachment these people keep with Italy or with the Italian community
that lives in Curitiba, and also their schooling level. Despite the strong Portuguese
influence on the Italian language, we can consider the Italian spoken nowadays by the
interviewed people in this paper has been well preserved.
Key words: immigration, Italian language, Portuguese language, Bilingualism,
Linguistic Attrition
13
INTRODUÇÃO
Segundo dados da Embaixada Italiana em Brasília, que constam do
documento: Presenza italiana in Brasile cenni sulle collettività, os cidadãos
italianos inscritos na AIRE (Associazione Italiana Residenti all’Estero) passam de
308.000, mais da metade dos quais vive nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Ainda de
acordo com a mesma fonte, a população brasileira “oriunda” é estimada em 25
milhões de pessoas, aproximadamente 15% da população brasileira.
A emigração italiana no Brasil remonta ao século XVI. Tratava-se então de
navegantes, exploradores, aventureiros, missionários, soldados e pequenos
comerciantes que se instalaram principalmente na região costeira que vai do Rio de
Janeiro a Belém. Entretanto, até o fim do século XIX o fluxo migratório italiano fora
de modestas dimensões. De fato o censo brasileiro de 1872 registrou a presença de
apenas 6.000 italianos residentes em todo o país. A grande imigração italiana no
Brasil iniciou propriamente no final do culo XIX sob pressões abolicionistas que
levaram o governo brasileiro a promover a imigração maciça de homens livres
destinados às plantações agrícolas no lugar da mão-de-obra escrava. À grande
demanda brasileira correspondeu o clímax da crise italiana que se seguiu à unificação
do país em 1861. Problemas de ordem social, política e econômica começaram, de
fato, a interferir diretamente na vida do cidadão da época, deixando-o sem
possibilidade de continuar vivendo dignamente no próprio país.
Para atenuar a difícil situação interna, o governo italiano não viu outra
alternativa a não ser enviar os próprios cidadãos para novos mundos, em busca de
novas terras, por meio de uma série de acordos, previamente assinados, com os
governantes de alguns países, entre eles o Brasil. Tais acordos garantiam aos italianos
apoio e assistência in loco além de trabalho e de um lugar para dormir. Diante dessa
situação e sem outras alternativas, milhares de italianos aceitaram partir para o
desconhecido, na esperança de encontrar nessas novas terras aquilo que a Itália o
podia mais oferecer-lhes e atraídos por uma propaganda algumas vezes enganosa, que
mostrava o novo mundo como lugar do resgate e do renascimento.
14
Mas logo depois da sua chegada esses emigrantes puderam verificar que as
promessas não eram totalmente verdadeiras: foram muitos os problemas que os
pioneiros desta aventura tiveram de enfrentar, problemas ligados às condições de
trabalho, que não eram as esperadas, à remuneração que lhes garantia apenas a
sobrevivência, às condições climáticas que eram desfavoráveis e tornavam difícil a
sua adaptação.
Os imigrantes que chegaram nas ondas sucessivas encontraram melhores condições
de vida, graças aos esforços dos pioneiros que prepararam um ambiente mais propício
e lutaram pelo reconhecimento do seu trabalho. Deve-se ressaltar, no entanto, que
nem sempre a sua adaptação foi facilitada por quem vivia no Brasil algum
tempo. Ao contrário, os novos imigrantes, que eram cultural, econômica e
socialmente diferentes dos primeiros, tiveram de enfrentar inúmeras dificuldades.
De acordo com o que afirma Angelo Trento no livro Do outro lado do
Atlântico: “Os recém-chegados provocaram tantos rancores, tanta desconfiança,
tanta animosidade nos que residiam anos no país [....] As causas dessa situação
foram substancialmente três: culturais, políticas e de geração.”
Apesar disso, a imigração começou a ser vista, a partir daquele momento,
como uma boa alternativa seja para os “oriundi”, seja para aqueles que os acolhiam e
que podiam, assim, enriquecer com a sua experiência profissional. Impossível dizer,
diante desses fatos, quão significativa tenha sido a presença dos italianos no
desenvolvimento da história brasileira, do fim do século XIX até os nossos dias. Aos
italianos si atribui o aumento da produção e o aperfeiçoamento das práticas
econômicas nas cidades onde se estabeleceram, além do incremento das indústrias,
seja com a oferta de mão-de-obra, seja com o investimento para a criação de novas
fábricas. Eles modificaram, além disso, a fisionomia urbana por meio de suas técnicas
arquitetônicas; contribuíram para a modernização das cidades e influenciaram os
campos da música, do esporte e da educação, deixando a sua marca em cada setor.
Levando em consideração tudo o que se disse até o momento e tendo em vista
a grande presença de italianos no território brasileiro, os estudos que se podem fazer
sobre esse assunto são inúmeros. O trabalho em questão tem o objetivo de estudar o
léxico utilizado por alguns indivíduos pertencentes à comunidade italiana que se
15
estabeleceram na cidade de Curitiba ao final da Segunda Guerra Mundial; de
verificar, então, quanto a ngua italiana se conservou depois de muitos anos de vida
no Brasil.
Curitiba, capital do estado do Paraná, concentra um grande mero de
imigrantes italianos, muitos dos quais chegaram no período sucessivo à Segunda
Guerra. Por meio de uma série de entrevistas se procurará ter uma visão geral do que
acontece do ponto de vista linguístico a indivíduos que vivem mais de cinquenta
anos em um novo país e que estão, portanto, sujeitos às interferências de uma segunda
língua.
O presente trabalho se subdivide em quatro capítulos:
No primeiro será apresentado um quadro geral da emigração italiana, quando
e por que começou e quais foram os países aos quais os italianos se dirigiram, para ter
uma ideia mais clara das proporções deste vasto fenômeno. Neste capítulo se abordará
ainda o tema da emigração italiana para o Brasil: o que induziu os italianos a
desembarcar no território brasileiro e qual foi a sua história neste país. Entre os
estudos anteriormente feitos sobre o assunto se fará referência sobretudo ao livro: Do
outro lado do Atlântico, de Angelo Trento.
No segundo se traçará a história da emigração italiana em território
paranaense, da chegada dos primeiros colonos e da formação dos primeiros
assentamentos até a imigração mais recente (tais estudos serão efetuados levando em
conta trabalhos anteriores publicados por grandes estudiosos como, por exemplo,
Altiva Pilatti Balhana e Stefano Ferrarini). Veremos quais foram as razões que
levaram o governo paranaense a recrutar tantos imigrantes e quais eram as tarefas que
os esperavam, percorreremos as dificuldades por eles enfrentadas e os seus sucessos.
Além disso, serão evidenciadas as diferenças entre a primeira onda migratória, que
vai das últimas três décadas do século XIX até os anos que precedem o início da
Primeira Guerra Mundial, e a segunda onda, que vai dos anos seguintes ao final da
Segunda Guerra até os anos setenta do século XX. Além disso, serão evidenciadas as
diferenças entre o primeiro e o segundo emigrante, cujas condições econômicas,
socioculturais e de trabalho eram certamente diferentes.
16
No terceiro capítulo se apresentará a situação linguística em que se encontrava
a Itália neste século de emigração, levando-se em conta, de um lado, a grande força
que os dialetos tinham na época em que partiram os pioneiros e, de outro, a grande
vontade de alguns de impor uma língua comum, mbolo de unidade e de união
nacional, que, de todo modo, demorou para se afirmar. Serão também analisadas as
diferenças linguísticas entre os primeiros imigrantes, cuja ngua era quase
exclusivamente o dialeto, e os segundos, capazes de usar, graças à instrução
escolar, um italiano padrão.
Em um último momento, serão apresentadas as entrevistas feitas com alguns
italianos residentes cerca de cinquenta anos na cidade de Curitiba e será proposta
uma análise minuciosa relativa ao léxico usado por eles, a fim de poder definir quanto
a língua italiana efetivamente se conservou depois de vários anos de vida no Brasil e
quanto esse idioma sofreu interferências da língua portuguesa. Tal análise será feita
tendo presente alguns estudos e algumas considerações feitas anteriormente por
estudiosos e pesquisadores de várias universidades brasileiras, entre eles os trabalhos
sobre a comunidade italiana presente no estado de São Paulo feitos pelas professoras
doutoras Loredana de Stauber Caprara, Olga Alejandra Mordente e Gigliola Maggio,
da Universidade de São Paulo (USP).
A transcrição ortográfica das entrevistas terá como base as normas do Projeto
NURC Norma Urbana Culta, conhecido em âmbito nacional, cujo objeto principal é
o estudo da língua culta falada no Brasil.
Espera-se que este estudo possa ser útil para novas pesquisas sobre o aspecto
linguístico das comunidades italianas presentes na cidade de Curitiba, em particular, e
no estado do Paraná, em geral.
17
OBJETIVOS
Revendo o que anteriormente se escreveu sobre as comunidades italianas
presentes em território paranaense, notou-se que a maior parte dos estudiosos
concentrou a própria atenção nas causas e nas motivações que levaram centenas de
milhares de italianos a chegar ao estado. Esses trabalhos também deram atenção às
comunidades mais antigas presentes no Paraná, entre as quais a colônia de Santa
Felicidade, que se encontra a aproximadamente sete quilômetros de Curitiba, e a
colônia Antonio Chaves, pertencente ao município de Colombo. Faltam, assim,
estudos recentes sobre a segunda onda migratória, sobre os últimos imigrantes, vale
dizer sobre aqueles que chegaram ao Paraná logo depois da Segunda Guerra Mundial.
Estes, tendo se integrado perfeitamente ao tecido urbano curitibano e não tendo se
isolado no interior das colônias, como acontecera com os pioneiros, passaram quase
despercebidos. Poucos são conhecidos, é difícil encontrá-los e reconstruir a sua
história.
Mediante a realização de uma série de entrevistas, este estudo se propõe a
analisar o léxico usado por um grupo de italianos, que vive na cidade de Curitiba, no
Paraná, e que emigrou para cá ao fim da Segunda Guerra Mundial, no período
compreendido entre o final dos anos quarenta e o início dos anos setenta. Nosso
objetivo será também o de estabelecer quanto a língua italiana foi preservada por eles
ou quanto o idioma sofreu interferências da língua portuguesa depois de vários anos
de vida em um outro país.
Os indivíduos entrevistados têm em comum diversas características: na
realidade, além de viverem na mesma cidade, eles podem ser considerados bilíngues,
ainda que falem quotidianamente apenas a língua portuguesa. Alguns deles chegaram
a Curitiba no começo da adolescência e, bem depressa, para melhor se integrarem,
abandonaram o uso da língua italiana, até mesmo em casa, e adotaram o português
como nova língua-mãe. Outros, tendo chegado já adultos e depois de se casarem com
pessoas da localidade, preferiram utilizar quotidianamente e ensinar aos próprios
filhos a ngua portuguesa em lugar da italiana. A maior parte deles mantém contato
com a Itália e com o idioma italiano por meio de cursos de língua, encontros com
18
outras pessoas pertencentes à comunidade ou simplesmente lendo livros ou assistindo
à televisão italiana.
Além disso, a maior parte deles, por diversas razões, ligadas à guerra ou à
impossibilidade econômica, não completou os estudos.
Por meio desta análise se procurará verificar as interferências da língua
portuguesa sobre a língua italiana oral e determinar a que se deve esse fenômeno,
levando-se em conta, de um lado, a vontade de não esquecer a própria língua-mãe e,
de outro, a consciência de que, para se integrar em um novo país, é preciso aprender
não só a viver como os nativos mas também a se comunicar na língua deles.
19
JUSTIFICATIVA
Segundo estimativas das autoridades consulares, a comunidade de origem
italiana atualmente presente na circunscrição consular de Curitiba, que compreende os
estados do Paraná e de Santa Catarina, é de cerca 4 milhões de pessoas.
A quase
totalidade dos imigrantes italianos que chegaram ao território paranaense provém das
regiões do Norte da Itália, em particular do Vêneto: na verdade, eles encontraram
nesse estado as condições ideais para poder continuar a tradição agrícola que sempre
os acompanhou e da qual faziam parte.
Os estudos feitos até o momento sobre a comunidade italiana no Paraná
evidenciaram essencialmente o aspecto histórico, demográfico, socioeconômico e
cultural. Esses mesmos estudos revelaram como, mais de 130 anos depois da chegada
das primeiras comitivas de italianos ao porto de Paranaguá, a cultura dos
descendentes dos primeiros imigrantes se transformou consideravelmente, integrando-
se em parte ao mosaico cultural brasileiro. Mas seus efeitos são ainda evidentes na
persistência do folclore de origem, nas diversas festas, encontros, manifestações que
frequentemente se realizam. Porém, pouco se sabe sobre o grande patrimônio
linguístico desta comunidade e sobre como a língua italiana se conservou depois de
anos de vida no Brasil. A vontade de contribuir para a reconstrução da história dos
imigrantes italianos que se estabeleceram no Paraná, em Curitiba, seja do ponto de
vista sociocultural ou do estritamente linguístico, é, pois, a base deste trabalho.
A fim de efetuar uma análise mais completa do fenômeno, serão analisados os
estudos que anos os docentes e pesquisadores da USP têm feito sobre o tema. De
seus trabalhos e publicações se extrai uma visão muito particularizada de um
determinado aspecto da emigração italiana no Brasil: o aspecto linguístico da
comunidade italiana presente no estado de São Paulo. Tais estudos jogam luz sobre o
processo de conservação ou transformação da ngua italiana e explicam as causas e
os porquês dele.
Então, tendo como referência os dados fornecidos por esses estudiosos, este
trabalho se justifica pela vontade de dar uma nova contribuição a este amplo tema,
20
pela necessidade de entender a importância deste fenômeno em um estado, o Paraná, e
em uma cidade, Curitiba, onde ainda pouco se sabe sobre os imigrantes.
21
METODOLOGIA
O corpus deste trabalho é constituído de uma rie de seis entrevistas feitas a
um grupo de italianos que emigraram para o Brasil e se estabeleceram na cidade de
Curitiba após a Segunda Guerra Mundial, no período compreendido entre 1948 e
1969.
Na verdade, nossa intenção era a de poder fazer um número maior de entrevistas, de
modo a ter uma visão mais ampla dos fenômenos linguísticos verificados no interior
da comunidade italiana presente na capital paranaense.
Todavia, isso não foi possível em razão da dificuldade de encontrar essas pessoas que
no momento vivem em diversos bairros da cidade e são bastante reservadas e
desconfiadas daqueles que têm a intenção de se aproximar para descobrir algo sobre o
seu passado ou para promover estudos sobre a sua partida da Itália e a consequente
chegada ao Brasil.
Graças à ajuda de um intermediário, descendente de italianos, que nos permitiu entrar
em contato com várias famílias, e à sociedade “Dante Alighieri”, que nos forneceu o
nome de alguns integrantes da comunidade, entramos em contato com 20 pessoas.
Desde o início se explicou a eles, de modo claro, qual seria o objetivo de nossa
pesquisa e como cada um deles poderia contribuir. A honestidade e sinceridade de
nossas intenções provavelmente assustaram a maior parte deles. De fato das 20
pessoas contatadas, 7 se recusaram a colaborar, elencando inúmeros motivos, como
falta de tempo, ou afirmando que estavam momentaneamente fora da cidade. Outros,
ainda que tenham aceitado nos encontrar, ao saber da necessidade de registrar as
entrevistas e de posteriormente submetê-las a uma análise linguística, decidiram não
continuar. Das 20 pessoas contatadas, pois, somente 6 concordaram em ser
entrevistadas. Estas, superado o constrangimento inicial, demonstraram ser
extremamente colaborativas respondendo a todas as perguntas feitas e acrescentando
informações que elevaram muito o nível da discussão. Nossa vontade era também
entrevistar um número igual de indivíduos do sexo feminino e do sexo masculino para
efetivamente verificar se a língua-mãe se conservou mais pelos homens do que pelas
22
mulheres. Conseguimos localizar, entretanto, somente duas pessoas do sexo feminino,
por isso a maior parte dos entrevistados é do sexo masculino.
A maioria deles tem aproximadamente setenta anos e passou toda a vida no Brasil.
Suas regiões de origem são exclusivamente setentrionais: quatro provêm do Vêneto,
um da Lombardia e um do Trentino Alto Adige.
Uma vez escolhido o grupo de pessoas a entrevistar, preparou-se uma série de
perguntas para cada um dos sujeitos em questão. Tais perguntas foram pensadas de
modo a percorrer de novo, junto aos protagonistas, as etapas principais de sua
história: de sua partida da Itália à chegada ao Brasil, das primeiras impressões sobre
este novo país aos primeiros objetivos alcançados. Deve-se esclarecer que, no
momento da entrevista propriamente dita, muitas perguntas foram deixadas de lado e
privilegiou-se uma conversação muito mais espontânea e emocionante, de tal modo
que o entrevistado se sentisse à vontade e não constrangido na presença do gravador.
O questionário, composto de 24 perguntas, serviu mais como guia e apoio na fase
inicial da conversação, mas foi utilizado pouco e de forma diferente com cada um dos
entrevistados.
As entrevistas foram feitas com a ajuda de um gravador digital e na casa dos
entrevistados, em um ambiente previamente preparado de modo a evitar interrupções
e rumores. Isso foi possível apenas em parte e muitas vezes foram necessárias
interrupções e pausas. Cada entrevista durou mais ou menos 40 minutos, dos quais
aproximadamente 10 foram usados para a transcrição e sucessiva análise. Foram
selecionados trechos que, na nossa opinião, apresentavam maiores possibilidades de
estudo. Naturalmente, em se tratando de entrevistas espontâneas, os maiores
problemas se deram no momento em que o entrevistado, por exemplo, abaixava o tom
de voz, acelerava o discurso ou iniciava a frase em voz alta e a terminava quase
sussurrando. Tudo isso criou uma série de dificuldades que se tentou resolver da
melhor forma possível.
Para a transcrição de tais entrevistas usamos como guia os estudos sobre o
português falado no Brasil feitos pelo projeto NURC Norma Urbana Culta, mas
também as publicações sobre o LIP (Lessico Italiano Parlato), obra de estudiosos de
várias universidades italianas sob a coordenação de Tullio De Mauro.
23
Gostaríamos, enfim, de salientar que o presente estudo não pretende fornecer
uma visão global sobre o aspecto linguístico dos italianos que vivem na cidade de
Curitiba, uma vez que o restrito número de entrevistados não permite uma visão
completa do fenômeno, mas pretende apenas tecer uma série de considerações
relativas ao léxico utilizado por um grupo de imigrantes que, depois da Segunda
Guerra Mundial, escolheu esta cidade como segunda pátria e que adotou o português
como língua a ser usada diariamente.
24
CAPÍTULO I : A ITÁLIA E A EMIGRAÇÃO
“Se devi lasciare la tua patria,
salendo sulla nave,
distogli lo sguardo dai confini
che ti hanno visto nascere.”
Pitágoras
A história da emigração italiana é a história de uma sociedade antiga e
fechada, presa ao turbilhão de transformações que estavam mudando as feições do
país. É a história das classes pobres que caminhavam em direção à liberdade e ao
bem-estar. Para ser entendida, a emigração italiana deve ser inserida na história do
país como parte essencial de um crescimento que exigiu difíceis escolhas, mas que
registrou também muito egoísmo e muitos erros.
Para saber como o país cresceu, para entender como se desenvolveu o
capitalismo italiano, é indispensável lembrar que milhões de camponeses foram
expulsos de suas terras e outros milhões de trabalhadores preferiram escolher
espontaneamente, muitas vezes como sinal de protesto, uma nova pátria. Cem anos
atrás, quando a emigração atingiu dimensões alarmantes, a Itália era um país em
dificuldade: jovem, atrasado, inexperiente e sem matérias-primas. Na península se
construíam as primeiras escolas e os italianos apenas começavam a se conhecer.
Segundo afirma Delisio Villa no livro Storia dimenticata:
Nella nuova Italia tutto era diviso: la destra tra conservazione e modernizzazione, la
sinistra fra riforme e rivoluzione, i socialisti fra rivendicazioni ed anarchia, i cattolici
fra rifiuto e conciliazione
1
.
O Estado era muito frágil e se apoiava sobre uma única classe, sobre uma
burguesia ainda escassa, egoísta e medrosa. As classes populares não tinham direito
1
Villa, Delisio: Storia dimenticata, Ente Vicentini nel Mondo, p. 47.
25
ao voto: para eles o Estado era um patrão abusivo que se devia combater com todas as
forças. A emigração italiana nasce neste contexto: ela é parte de um grandioso
fenômeno que atingiu toda a Europa no culo XIX e que levou aproximadamente
sessenta milhões de europeus além-mar. Esta colossal e tardia transmigração é fruto,
ao mesmo tempo, de um impressionante aumento da população e do rápido processo
de industrialização que se realiza no continente. A passagem da sociedade rural para
um novo modo de viver junto constitui, talvez, o maior fato histórico do século XX e
seguramente uma transformação decisiva na história do homem.
1.1 Causas e números da emigração italiana
E io lasso ‘a casa mia, lasso ‘o paese, e me ne vaco ‘n
America a zappare. Pe’ fa’ fortuna parto, e sto nu
mese senza vede cchiu’ terra: cielo e mare. E lasso ‘a
casa mia, l’ Italia bella, pe’ ghi luntano assaie, ‘n
terra straniera. E sotto a n’ atu cielo e n’ ata stella
trasporto li guaglioni e la mugliera. E
accummencia la malincuinia penzanno a la campagna
addo so’ nato; a chella vecchia santa ‘e mamma mia,
e a tutt’ ‘e ccose care d’’o passato...
Raffaele Viviani “Scalo marittimo”
Gente la più sedentaria, la più attaccata alla terra e al tetto che li vide nascere, la più
schiava delle proprie tradizioni domestiche e campestri……, dalla sera alla mattina
decidono di partire. È gente che non sa fare altro che il contadino…
Circolare del Prefetto di Cremona
26
De acordo com as afirmações de Gian Antonio Stella e Vito Teti no livro La
nave della Sila, foram quase 27 milhões os italianos que no intervalo de um século, de
1869, ou seja, quando da proclamação do Reino da Itália, a 1970 deixaram a
península e, carregados de esperança, transpuseram os Alpes e cruzaram o oceano em
busca de uma nova pátria. A história da emigração italiana, porém, é muito mais
antiga se é verdadeiro um provérbio do século XIV que diz que “pássaros e
florentinos estão em todo o mundo”; que Giovanni da Montecorvino encontrou, em
1333, um médico milanês em Pequim; e que Lione foi, em uma certa fase, uma cidade
bilíngue onde se falava o francês e o italiano. O grande êxodo, porém, foi aquele que
viu a península esvaziar-se a partir das últimas três décadas do século XIX. Desde os
primeiros anos da unificação nacional (1861), de fato, as migrações para o exterior
representaram, por um longo período, um fenômeno característico da evolução
demográfica, econômica e social do novo Reino. De acordo com Delisio Villa:
Il 1860 è proprio l’ anno zero della nostra emigrazione. Nel 1860 inizia la lunga
marcia degli italiani alla ricerca di nuovi spazi, in Europa ed in America.
2
Para Angelo Trento a miséria foi “a verdadeira e exclusiva causa da emigração
transoceânica entre 1880 e a primeira guerra mundial
3
Realmente a maior parte da população italiana da época vivia em um estado de
extrema pobreza. Uma pesquisa parlamentar dirigida por Stefano Jacini, católico
moderado diversas vezes ministro, nos oferece uma fotografia precisa, região por
região, das condições de vida da maior parte dos italianos:
Nelle valli delle Alpi e degli Appennini, ed anche nelle pianure, specialmente nell’
Italia Meridionale, e perfino in alcune province fra le meglio coltivate dell’ alta
Italia, sorgono tuguri ove in un’ unica camera affumicata e priva di aria e luce
vivono insieme uomini, capre, maiali e pollame. E tali catapecchie si contano forse a
centinaia di migliaia.
2
Villa, Delisio: opera citata, p. 52.
3
Trento, Angelo: Do outro lado do Atlântico, um século de imigração italiana no Brasil. Brasil, Nobel, 2000,
p. 31.
27
Entretanto, atribuir a origem deste imponente êxodo somente à miséria seria
simplista. Não que a miséria não tenha tido o seu peso, mas deve-se considerá-la uma
co-causa de motivações muito mais complexas. Angelo Trento resume muito
claramente as principais causas que levaram centenas de milhares de italianos a
procurar melhores condições de vida em outros países:
A literatura sobre as causas internas da vaga emigratória transoceânica do período
1880-1914 é vasta: bastará acenar esquematicamente para o fato de que o fluxo é
determinado por motivos seja de ordem demográfica (diminuição do índice de
mortalidade e estabilização do índice de natalidade após 1870), seja de ordem
econômica (entre estes últimos, o primeiro lugar é assumido, sem dúvida, pela
depressão agrícola dos anos ’80, que provocou uma crise de disponibilidades
alimentícias). Mas foi sobretudo a impossibilidade, para os camponeses, de
conseguirem dinheiro vivo que impulsionou massas inteiras a atravessar o oceano.
Todos esses fenômenos, juntamente com a taxa sobre a farinha, cujo não pagamento
podia comportar o confisco da propriedade, resolveram-se numa sangria do mundo
camponês. Entre 1875 e 1881 foram confiscadas 61.831 pequenas propriedades e
entre 1884 e 1901, 215.759 .
4
Bastaria este quadro desolador para demonstrar que os fatores de expulsão tinham
uma incidência maior que os de atração. O êxodo não foi certamente freado pelas
classes dirigentes da época que, ao contrário, viam com alívio uma emigração que
constituía uma válvula de escape para a paz social.
5
Naturalmente havia aqueles que
se mostravam contrários à emigração: em primeiro lugar os proprietários de terras,
que temiam os efeitos da visível diminuição da força de trabalho ligada ao êxodo, em
termos de aumento dos salários e melhoria dos contratos a favor dos camponeses.
Mas a corrente favorável à emigração, que tinha entre seus principais expoentes os
armadores genoveses, se intensificou progressivamente.
4
Trento, Angelo: opera citata, p. 31.
5
Trento, Angelo: opera citata, p. 31.
28
Este sucinto quadro mostra quanto era duro e difícil viver na Itália naqueles
anos e como deveria ser o ânimo dos italianos diante desta situação. A difícil situação
interna e a consciência de que a Itália não tinha muito para oferecer levou milhões de
italianos, pois, a deixar a pátria e a dirigir-se para novas terras. Começa, assim, um
processo que ao longo de um século levaria milhões de italianos a estabelecer-se em
várias partes do mundo.
Mas quais foram as regiões de onde partiu o maior número de emigrantes e
quais foram os países aos quais os italianos se dirigiram? A emigração não atingiu ao
mesmo tempo e em igual medida todos os territórios do Estado italiano, mas ao longo
do tempo foram diversas as áreas de proveniência e a importância dos fluxos. Do
ponto de vista temporal, foram as regiões do Norte as primeiras a se interessar pelo
fenômeno, pois, sendo as zonas economicamente mais ricas, foram as primeiras a
sentir os desequilíbrios ligados ao desenvolvimento industrial enquanto, em relação às
suas dimensões, foi dos territórios do Nordeste (Triveneto e Emilia) e daqueles do Sul
que se verificaram fluxos mais consistentes da população. O atraso da emigração
meridional em relação àquela do norte derivou, provavelmente, de um envolvimento
mais gradual nos processos além de uma geral e menor disponibilidade de fundos
indispensáveis para enfrentar as longas e caras viagens. Mais ou menos no fim do
século XIX o êxodo de massa do Sul sofria o efeito de dois fatores conjuntos: a
formação de uma nova demanda de mão-de-obra especializada nos Estados Unidos,
que agiu como fator de atração, e a reestruturação dos transportes marítimos
primeiramente em Nápoles e, em um segundo momento, em Palermo que, com a
introdução da navegação a vapor, trouxe uma notável diminuição no tempo e no custo
das viagens.
Em relação aos destinos das correntes migratórias, entre 1876 e 1885 a meta
principal foi a Europa central, com cerca de 64% dos expatriados. Os países de maior
atração foram a França, a Alemanha e a Suíça. De 1885 aos anos seguintes à primeira
guerra mundial assumiram um peso maior os destinos transoceânicos, representados
sobretudo pelo Brasil, Argentina e Estados Unidos. Logo depois da primeira grande
guerra, a emigração continental novamente superou a transoceânica, até porque esta
última sentiu o efeito das leis restritivas promulgadas por alguns países de emigração
29
(entre eles primeiramente os Estados Unidos). Entre o fim do segundo conflito
mundial e a primeira metade dos anos cinquenta, os fluxos se dirigiram de maneira
quase análoga a países europeus e a nações extraeuropeias, para, nos anos seguintes,
orientar-se predominantemente ao mercado de trabalho europeu.
1.2 A emigração italiana no Brasil
No final do século XIX e durante o século XX, a história do Brasil se caracterizou
por uma forte imigração de homens e mulheres de diversas idades, provenientes de
muitas partes do mundo que buscavam aqui um lugar para viver, trabalhar e encontrar
condições de vida menos duras do que as encontradas nos países que, com tristeza,
tiveram de deixar. Foram muitos os italianos que na época começaram a chegar aos
portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá. Tantas histórias diferentes de uma
humanidade diferente mas unidas pelo mesmo intento: a busca de um lugar onde
pudessem viver dignamente a própria existência e dar uma vida digna desse nome aos
próprios filhos. De acordo com Angelo Trento:
Cartografi, marinai, religiosi, avventurieri, scultori, soldati e botanici italiani
calcarono le terre dell’ immensa colonia portoghese sin dal XVI secolo….
6
Entretanto a imigração propriamente dita teve início em 1875 e, durante um século,
descarregou nos portos brasileiros um milhão e meio de italianos. Como afirma
Angelo Trento em Do outro lado do Atlântico:
Será a partir do fim dos anos 70 que a emigração italiana para o Brasil começará a
assumir um aspecto mais preciso e dimensões apreciáveis e até a transformar-se em
6
Trento, Angelo: In Brasile, in: Bevilacqua P., Clementi De A., Franzina E., Storia dell’ emigrazione
italiana. Arrivi. Roma, Donzelli, 2002, p. 3.
30
fenômeno de massa entre 1887 e 1902, contribuindo, de modo decisivo, para o
aumento demográfico do país.
7
Os italianos tiveram um papel fundamental no processo de modernização do Brasil
contemporâneo, participando em primeira pessoa do desenvolvimento da economia de
exportação, da industrialização, dos processos de politização e nacionalização das
massas. Muitos deles, talvez os mais empreendedores, abandonaram o campo, ao qual
se dirigiram inicialmente, e se aventuraram no setor de serviços, no comércio, no
atacado e no varejo, contribuindo significativamente para o rápido desenvolvimento
das cidades brasileiras. Mas o caminho para chegar a esse status foi longo e doloroso,
feito de ilusões e desilusões, esperanças e abandonos, saudades e uma grande força de
vontade.
Mas o que levou o governo brasileiro a receber tantos imigrantes italianos e
quais esperanças trouxeram um número tão elevado de italianos ao vasto e distante
Brasil? O território brasileiro sempre apresentou um contraste extraordinário: de um
lado, grandes riquezas naturais (ouro, diamantes, minerais); de outro, uma pobreza
extrema de mão-de-obra, suficiente apenas para atender as necessidades básicas. Os
portugueses, que dominavam a imensa colônia, procuraram resolver o problema,
transportando da África milhares de escravos. Mas isso foi bastante apenas para
assegurar a coleta de madeiras de lei e para manter de inicialmente a indústria
açucareira, mais tarde a de criação de gado e depois a exploração das minas de ouro e
diamantes. O Brasil se apresentava, pois, como um imenso cofre repleto de tesouros
que não podiam ser explorados por falta de braços. Conforme salientado por Trento, a
partir de 1840 o café toma a dianteira e substitui o açúcar como produto de
exportação: em pouco tempo, o Brasil assegura o controle do mercado mundial. São
naturalmente os trabalhadores negros das grandes fazendas que cultivam as plantas.
Entretanto, em 1888, último dos estados civis a fazê-lo, o Brasil mediante a “lei
áurea” acaba com a escravidão, fechando um capítulo que durava mais de três
séculos. Para o país é um grande choque, visto que agora os escravos negros não
7
Trento, Angelo: Do outro lado do Atlântico, um século de imigração italiana no Brasil. Brasil, Nobel, 2000,
p. 18.
31
querem mais trabalhar para os antigos patrões. Para um país sempre às voltas com a
falta de mão-de-obra é um verdadeiro drama.
O governo brasileiro pensa que a solução para o problema poderia ser
encontrada na Itália: a matéria-prima de que o Brasil precisa é abundante em muitas
regiões da península, especialmente no Vêneto, onde as pessoas são descritas como
dóceis, respeitosas, trabalhadoras e também limpas. Além disso, a chegada de
imigrantes vindos da Europa poderia atender tanto à exigência de povoar os imensos
estados do Sul do país, quanto à volontà di “sbiancare” una razza ritenuta troppo
scura.
8
Na segunda metade do século XX, o governo brasileiro anuncia, pois, as
vantagens da emigração. Aos emigrantes se oferece até mesmo a viagem gratuita e a
promessa de um pedaço de terra para cultivar. Os camponeses italianos, miseráveis e
sem outras oportunidades, na esperança de finalmente obter este pedaço de terra para
trabalhar e sem se ater a detalhes, assinaram um contrato em branco, por meio do qual
as autoridades brasileiras se reservaram o direito de dispor dos emigrantes de acordo
com a necessidade.
Conta Enzo Andriolo:
In cambio del biglietto e della promessa di un pezzo di terra da coltivare gli
emigranti si obbligavano ad andare dove avesse voluto il governo e venivano inviati
sovente in zone selvagge e malsane, a sostituire gli schiavi liberati.
9
Uma parte dos recém-chegados era enviada para os imensos, selvagens e
despovoados estados do Brasil meridional (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná), onde condições climáticas e culturais mais parecidas com as europeias
permitiam aos imigrantes pôr em prática os próprios conhecimentos. Mas, como
afirma Trento:
8
Trento, Angelo: opera citata, p.3.
9
Stella Gian Antonio, Teti, Vito: La nave della Sila. Guida al museo dell’emigrazione. Catanzaro,
Rubbettino, 2006, p. 26.
32
Il processo di acquisizione della terra fu tutt’altro che facile. Gli immigranti erano
trasportati, gratuitamente, dal porto di sbarco ai vari nuclei. Questi [........] erano
divisi in lotti tra i 25 ed i 60 ettari, che venivano concessi esclusivamente a famiglie e
dovevano essere riscattati ratealmente a partire dal secondo anno, cioè dopo aver
effettuato il primo raccolto. I coloni ricevevano una casa provvisoria, noncsussidi
alimentari, attrezzi agricoli e sementi da rimborsare in seguito [.......] La famiglia
colonica si assumeva l’obbligo di disboscare una parte del lotto, preparare il terreno
per le coltivazioni, seminare, costruire la propria abitazione e aprire strade e sentieri
per delimitare i confini della proprietà.
10
Sua vida no interior das colônias não foi absolutamente fácil, sobretudo porque,
terminado o entusiasmo inicial, os imigrantes perceberam as dificuldades que tinham
de enfrentar, dificuldades ligadas à escassa e onerosa assistência de saúde, à falta de
escolas, ao isolamento excessivo e à presença dos índios que: si tramutò
frequentemente in scontri e nell’organizzazione di spedizioni punitive e razzie.
11
Se nas áreas coloniais uma parte significativa da emigração italiana conseguiu coroar
o sonho de adquirir um fundo agrícola, muito diferente foi a situação para quem foi
trabalhar nas fazendas. Ali a vida era muito mais dura e não dava ao imigrante a
possibilidade de economizar para poder comprar o próprio terreno. Além disso:
Il mondo della fazenda era un mondo di segregazione [.........] violenza e molestie
sessuali. La volontà del proprietario o dell’amministratore era legge e non esisteva
quasi libertá personale; l’assistenza sanitaria, l’istruzione e gli stessi conforti
religiosi risultavano assenti o assicurati con grande parsimonia.
12
A chegada de numerosos imigrantes da península italiana permitia uma ampla
reposição; além disso, a perspicácia dos fazendeiros ao contratar famílias de regiões
diferentes para dificultar ações comuns e o isolamento das próprias plantações
10
Trento, Angelo: In Brasile, in: Bevilacqua P., Clementi De A., Franzina E., Storia dell’ emigrazione
italiana. Arrivi. Roma, Donzelli, 2002, p. 8.
11
Trento, Angelo: opera citata, p. 8.
12
Trento, Angelo: opera citata, p. 11.
33
impediram práticas difundidas de revolta. A forma mais eficaz de protesto foi
representada pelo abandono da plantação. Aqueles que decidiam migrar novamente
ou procuravam outras fazendas que podiam oferecer-lhes melhores condições de vida
ou voltavam à pátria ou se transferiam para os centros urbanos em busca de novas
ocupações. A maior parte dos exilados das fazendas engrossou a fila das populações
urbanas, tanto é que desde o fim dos anos 90 do século XIX, por exemplo, São Paulo
forniva l’immagine di città italiana.
13
Os italianos se estabeleceram em mercados de trabalho que ofereciam uma
grande gama de ocupações: não foram poucos os peninsulares que passaram a exercer
funções de pedreiro, comerciante, artesão, engraxate, vendedor ambulante de jornais e
amolador. A maior parte deles vivia em enormes cortiços, subdivididos em pequenos
apartamentos. À medida que a sua condição financeira melhorava, eles começavam a
construir as próprias casas, reproduzindo os modelos arquitetônicos da pátria-mãe e
recriando uma pequena Itália em território brasileiro.
A emigração italiana no Brasil se intensificou entre 1887 e 1902. De acordo
com Angleo Trento: Nel quindicennio 1887 – 1902 giunsero in Brasile quasi 900.000
persone, ossia quasi il 60% degli stranieri in entrata.
14
O Brasil se colocava em
terceiro lugar no incessante fluxo da emigração italiana, atrás dos Estados Unidos e da
Argentina. Depois de 1902, as chegadas reduziram-se consideravelmente, pois o
governo italiano decidiu proibir a emigração subsidiada, por causa de denúncias sobre
as dramáticas condições dos italianos, comparados a escravos brancos nas fazendas.
Essa redução, provavelmente, se justificou também pela crise de superprodução do
café, que determinou uma exacerbação das más condições de vida e de trabalho nas
plantações.
Afirma Trento: Nel ventennio tra le due guerre, le entrate diminuirono ulteriormente,
mentre una leggera ripresa si registrò dopo il 1946.
15
Mais da metade desse último
fluxo se deu em um clima de reproposição da emigração assistida. A partir dos anos
60, porém, as chegadas se reduziram a poucas centenas ao ano e corresponderam a
lógicas de transferência de encarregados de sociedades italianas com investimentos no
13
Trento, Angelo: opera citata, p. 12.
14
Trento, Angelo: opera citata, p. 5.
15
Trento, Angelo: opera citata, p. 5.
34
Brasil ou a escolhas de vida guiadas pela curiosidade intelectual. As características
sociodemográficas dos imigrantes mudaram com o tempo: enquanto até 1915
prevaleceram a mão-de-obra rural e os núcleos familiares, com taxas de alfabetização
ainda baixas, a partir dos anos 20 começou a diminuir o componente feminino e
camponês em favor de solteiros, artesãos, proletariado de fábrica e trabalhadores
braçais. Tal caracterização profissional se acentuou no segundo pós-guerra, com a
chegada de técnicos e operários especializados, enquanto crescia o nível de instrução.
Foi o Vêneto, principalmente, a região que forneceu os maiores contingentes,
em especial antes de 1895, quando praticamente um em cada dois italianos provinha
dessa região. A partir do final do século XIX, começaram a ganhar peso outras
regiões, entre elas a Campânia, a Calábria e o Abruzzo. Trento afirma que:
Entre 1878 e 1886, emigraram apenas vênetos e lombardos (especialmente para as
áreas de colonização do Sul) e meridionais(dirigidos, em parte, para as fazendas,
mas sobretudo, para os centros urbanos). entre 1887 e 1895, tem-se uma nítida
maioria de setentrionais [......] enquanto o grosso da emigração meridional começará
depois de 1893-95 e tornar-se-á majoritário a partir de 1898.
16
Cada uma dessas populações recriou, onde se estabelecia uma pequena
comunidade, um pedaço próprio da Itália em que mantinha os usos e os costumes da
região de origem. Isso garantiu a preservação de muitas tradições italianas em
território brasileiro e permitiu aos emigrantes atenuar, em parte, a saudade de casa.
Apesar dos inúmeros problemas e das grandes humilhações que os italianos tiveram
de sofrer, é verdade também que eles, nos locais em que se instalaram, contribuíram
para a modernização da economia e da sociedade brasileira.
Mais de um século se passou desde a chegada das primeiras colônias de
italianos em território brasileiro, mas o afeto, a admiração e o reconhecimento em
relação a eles estão ainda vivos na mente de todos que conferem grandes méritos a
essas pessoas e aos trabalhos e estudos dedicados a elas.
16
Trento, Angelo: Do outro lado do Atlântico, um século de imigração italiana no Brasil. Brasil, Nobel,
2000, p. 40.
35
CAPITULO II: A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO PARANÁ
O estabelecimento de núcleos coloniais no Paraná, iniciado precocemente com
a colonização açoriana em Rio Negro, em 1816, desenvolveu-se lentamente. Até 1853
as colônias estabelecidas eram apenas três, e os imigrantes recebidos nestes núcleos
somavam 420 pessoas. Até 1864, somente duas novas colônias foram organizadas.
Entretanto, desde os primeiros tempos da sua emancipação político-administrativa, os
governantes do Paraná procuravam desenvolver uma política imigratória adaptada às
condições peculiares da Província. Ao contrário de outras regiões do Império, onde a
imigração se destinava a suprir a carência de mão-de-obra na grande lavoura de
exportação, no Paraná o problema imigratório foi desde logo colocado no sentido de
criar uma agricultura de abastecimento. Analisando a situação da agricultura na
Província, dizia o seu Presidente:
É para lamentar que esta Província, cujos terrenos produzem, com abundância, a
mandioca, o arroz, o café, a cana, o fumo, o milho, o centeio, a cevada, o trigo e
todos os gêneros alimentícios, compensando tão prodigiosamente os trabalhos do
agricultor, receba da marina e por preços tão exagerados a mór parte daqueles
gêneros.
Este estado de cousas porém temo que continuará, e que quando colonos
morigerados e laboriosos vierem povoar vossas terras vastas e fecundas, aparecerá a
abastança dos gêneros alimentícios e abundantes sobras do consumo irão dar nova
vida ao comércio de exportação de produtos agrícolas.
17
De acordo com esta orientação, os governantes da Província, nos anos seguintes,
procuraram ativar planos de colonização baseados no estabelecimento de colônias
agrícolas nos arredores de centros urbanos.
17
Mattos de, Francisco Liberato. In: Balhana Pilatti, Altiva, Santa Felicidade. Uma paróquia vêneta no
Brasil. Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba, 1978, p. 21.
36
Da década de 1830 até 1860, alemães primeiro de Rio Negro, depois da
colônia Dona Francisca, vieram estabelecer-se no rocio de Curitiba, sobretudo nas
partes norte, noroeste e nordeste da cidade, em pequenas chácaras. Assim registrou-se
um surto demográfico bastante significativo assinalado por uma tendência ascendente
da população curitibana em meados do século XIX. Observando o êxito alcançado
pela colonização espontânea das cercanias de Curitiba que propiciava melhorias
sensíveis nas técnicas agrícolas, aumento da produção e do comércio, novos projetos
foram desenvolvidos, visando colonizar intensivamente o planalto de Curitiba, o
litoral e outras regiões do Paraná. A partir de 1870, o programa foi dinamizado,
principalmente na administração de Lamenha Lins, seguindo uma tendência geral
observada em todo o Brasil no sentido de reativar a imigração. A intensa atividade
colonizadora dos anos 70 é assinalada pelo estabelecimento de 26 novos núcleos
coloniais, a maioria dos quais na região de Curitiba.
Nesta década teve início a imigração italiana no Paraná. Os governos
provinciais usualmente transferiam a competência de colonizar às empresas
particulares que, por meio de concessões, eram incumbidas de introduzir imigrantes
em seus territórios. Com a adoção do sistema de contratos que cediam aos
empresários de núcleos coloniais, além de vastas extensões de terra a baixo preço,
importantes recursos financeiros para a instalação e manutenção dos colonos
introduzidos, logo surgiram vários agentes do novo ramo de negócio, muitas vezes
pouco escrupulosos. Como testemunha Altiva Pilatti Balhana:
Por um contrato desse gênero efetuado em 1871, entre o Governo da Província do
Paraná e Savino Tripoti, foi programada a instalação de imigrantes italianos no
litoral paranaense, em colônias fundadas para recebê-los.
18
A primeira leva de colonos chegou ao porto de Paranaguá em fevereiro de 1875 e a
segunda apenas em setembro de 1876, tendo se fixado em Alexandra, colônia fundada
18
Pilatti Balhana, Altiva: Santa Felicidade. Uma paróquia vêneta no Brasil. Curitiba, Fundação Cultural,
1978, p. 23.
37
pelo mesmo Tripoti, que escolhera este lugar quer pela posição favorável quer pela
proximidade do porto de Paranaguá.
Favorecido de especiais recomendações do Exm. Ministro aos Presidentes das
províncias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, percorri todas as regiões
marítimas das mesmas não deixando de observar nenhum lugar que pela boa
qualidade dos terrenos, pela facilidade das comunicações, pelas proximidades de
mercados consumidores e de um porto de mar para a exportação, pudessem, no meu
entender, assegurar a prosperidade do futuro estabelecimento. Uma localidade que
reunisse todas essas condições, encontrei-a somente aos pés da Serra da Prata, no
Município de Paranaguá.
19
Dificuldades surgiram logo na fase inicial da instalação da colônia e, embora
situada a pequena distância de Paranaguá, a colônia não progrediu. Várias causas
foram apontadas para explicar o fracasso da empresa, sobretudo a insalubridade do
clima. A fim de acomodar não somente aqueles que não desejavam mais permanecer
em Alexandra, bem como outros que continuavam a chegar em grande número, o
Governo Provincial criou, em 1877, a Colônia Nova Itália, com sede em Morretes.
O território de Morretes, situado a aproximadamente cinqüenta quilômetros de
Paranaguá e por isso muito próximo do mar, está ao sopé da Serra do Mar, mas tem
uma altitude que não ultrapassa os 10 metros. É, por isso mesmo, muito quente e
úmido como todo o litoral do Brasil.
20
A experiência de Alexandra criou, porém, um clima desfavorável à colonização no
litoral do Paraná. Os núcleos da Colônia Nova Itália nunca alcançaram real
prosperidade.
Assim, como afirma Altiva Pilatti Balhana:
19
Tripoti, Savino, in: Balhana Pilatti, Altiva, opera citata, p. 23, 24.
20
Cusano, Alfredo, in: Ferrarini, Sebastiano: A imigração italiana na Província do Paraná e o Município de
Colombo. Curitiba, 1973, p.78.
38
De cerca de dois mil e quinhentos imigrantes instalados no litoral, foi bem pequeno o
contingente daqueles que ali permaneceram. Os demais, por iniciativa própria, ou
com auxílio oficial foram se transferindo para o planalto. Alguns se fixaram nas
colônias existentes, onde se instalaram ao lado de imigrantes de outras
nacionalidades, como nas colônias Argelina, Pilarzinho, Muricy, Orleans, Inspetor
Carvalho, Antonio Rebouças, Presidente Faria, Maria José, Balbino Cunha e
Antonio Prado [.....] outros colonos foram localizados em colônias criadas para tal
fim, como as de Antonio Chaves, atual município de Colombo, Santa Gabriela e Novo
Tirol. Muitos reimigrantes adquiriram terrenos da municipalidade de Curitiba,
constituindo colônias de povoamento espontâneo, como a colônia Dantas, na Água
Verde [........] Outros, ainda, adquiriram terrenos de particulares, como em Santa
Felicidade, Ferraia, Campo Magro, Bateis e outras. Finalmente, muitos foram os
italianos que se fixaram na própria cidade de Curitiba.
21
Superadas as dificuldades dos primeiros contatos com o país de adoção, existe
um consenso de que os imigrantes italianos estabelecidos no Paraná passaram logo a
desfrutar condições de vida bastante favoráveis. Em relatório apresentado ao Ministro
do Exterior da Itália, em 1895, Pietro Colbacchini assinalava que:
Il benessere in cui vivono, l’ assoluta assenza di poveri e mendicanti, la salute
fiorente che traspare dalle loro persone tarchiate e dai loro visi rotondi, tutto questo
ed altrochè potrei dire, mostra abbastanza che il Paraè il paese più proprio alla
prosperità dei nostri emigrati italiani.
22
21
Pilatti Balhana, Altiva: Santa Felicidade. Uma Paróquia Vêneta no Brasil. Curitiba, Fundação Cultural,
1978, p. 27, 28.
22
Colbacchini, Pietro, in: Balhana Pilatti, Altiva, opera citata, p. 28.
39
2.1 A segunda imigração
No decorrer dos anos seguintes, outros italianos, procedentes sobretudo das
regiões setentrionais da Itália, elegeram o Paraná e Curitiba como sua nova pátria,
valendo-se de relatos daqueles que aqui já viviam. Essa onda imigratória foi constante
até o final da Primeira Grande Guerra Mundial, evento que marcou o bloqueio deste
fenômeno. Nos anos entre a Primeira e a Segunda Guerra, foram poucos os que
chegaram em solo paranaense em virtude das restrições impostas pelo regime fascista.
Tratava-se, sobretudo, de grupos de pessoas que fugiam da guerra por vários motivos.
Uma notável retomada do processo imigratório verificou-se logo após o final do
Segundo Grande Conflito, momento em que a ponte entre Itália e Brasil foi reaberta,
através de um acordo bilateral que previa três tipos de imigração: individual (na base
de atos de chamada e de ofertas de trabalho), de grupos e cooperativas (sobretudo de
colonização agrícola) e dirigida. A partir dessa reabertura, dá-se início ao que
chamamos de segunda grande imigração italiana em território paranaense em geral e
especificamente na cidade de Curitiba.
Inicialmente será traçado um perfil deste imigrante: qual a sua procedência e
formação e quais os fatores que motivaram sua chegada. Como já aconteceu no
primeiro grande fluxo imigratório, a maior parte dos que chegaram a Curitiba após o
término da Segunda Guerra eram oriundos das regiões do Vêneto e do Trentino,
porém, diferentemente daquela, nesta nova etapa o perfil individual era muito
diferente. Enquanto na primeira imigração era visível a figura do “contadino” que
tinha como atribuição principal a colonização do estado através de terras recebidas do
Governo, na segunda fase imigratória este individuo possuía já uma qualificação
técnica que ajudaria, com seus conhecimentos, no desenvolvimento de uma cidade
ainda em fase de construção. Eram, portanto, visíveis as diferenças tanto em nível
cultural e social quanto no que diz respeito a um preparo maior para o
desenvolvimento de atividades ligadas menos à agricultura e mais ao mundo da
industrialização.
A partir dessas considerações e vendo a imigração italiana como um
“fenômeno único”, podemos avaliar a importância da figura do imigrante para o
40
desenvolvimento do estado do Paraná. Ou seja, de uma forma diferente, tanto o
primeiro quanto o segundo imigrante eram importantes dentro de um contexto de
formação de um estado novo e de uma cidade que começava a dar seus primeiros
passos na direção de sua autoafirmação em termos de seu desenvolvimento. Curitiba
estava, neste período, vivendo um processo de transformação: de cidade
eminentemente agrícola necessitava incrementar outros setores como, por exemplo,
comércio, indústria e transportes. Ao mesmo tempo, como afirma Angelo Trento:
O fim do conflito mundial e a difícil tarefa da reconstrução tornaram novamente
atual, para os italianos, o caminho da emigração como solução para os problemas
criados pela escassez de trabalho e de capitais.
23
Ou seja, mais uma vez, como ocorrera vários anos antes, o italiano aparece como
solução para suprir as necessidades existentes em Curitiba, assim como o Paraná e
especificamente sua capital representam para o italiano a oportunidade que ele
esperava após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial.
Mesmo não existindo uma literatura específica que trata do processo
imigratório do pós-guerra que, como dito anteriormente, os estudos sobre a
presença de italianos no Paraná e na sua capital restringem-se à imigração ocorrida
entre o final do culo XIX e o começo do século XX —, as informações dadas a
respeito desta segunda onda imigratória são o resultado do que se ouviu durante as
entrevistas efetuadas para este trabalho.
23
Trento, Angelo: Do outro lado do Atlântico, um século de imigração italiana no Brasil. Brasil, Nobel,
2000, p. 405.
41
CAPÍTULO III: SITUACÃO LINGUÍSTICA DA ITÁLIA NA ÉPOCA DA
GRANDE EMIGRAÇÃO
Algumas décadas depois da unificação, o Estado teve de combater as
limitações impostas pela condição dos próprios habitantes: grandes massas iletradas
se contrapunham a uma restrita elite de homens cultos. O analfabetismo e o uso do
dialeto nativo se opunham à difusão do toscano fiorentino, oposição esta reforçada
pela escassez de meios e de infraestrutura escolar. A situação melhorou
progressivamente, graças a algumas reformas e à obra política de organização do
Estado: limitou-se o índice de analfabetismo e aumentou-se o acesso da população ao
estudo. Estes fenômenos foram acompanhados de dinâmicas internas da população,
como o processo de migração para os grandes centros e os grandes fluxos migratórios
ao exterior, mas também em direção a cidades mais desenvolvidas no próprio Estado
nacional. Estes últimos dois fenômenos contribuíram para a difusão do toscano
fiorentino como língua nacional e para o desaparecimento dos dialetos, que foram
relegados a língua não-oficial.
3.1 Problemas culturais e linguísticos na Itália pós-unificação
Quando da unificação da Itália, ainda eram pouquíssimos aqueles que tinham
condições de usar a língua nacional. Segundo o que se lê em Storia linguistica
dell’Italia unita di Tullio de Mauro, o censo de 1861 mostrou que o analfabetismo
chegava a 78%: era de, no mínimo, 50% no Piemonte e na Lombardia, e, no máximo,
de 90% nas ilhas. Mas muitos dos 22% restantes eram capazes apenas de escrever o
próprio nome e de decifrar um pouco as letras de forma.
Sem contar a Toscana e Roma, pode-se calcular que somente 0,8% da
população italiana era realmente capaz de falar e escrever em italiano
(aproximadamente 160.000 pessoas de um total de 20 milhões); contando com a
Toscana e com Roma, cujos dialetos locais eram, em relação à estrutura fonológica,
42
morfológica e lexical, próximos à língua comum, chegava-se a 2,5%, o equivalente a
cerca de 600.000 pessoas.
Isso significa que a língua de uso cotidiano, para a grande maioria da população
italiana, no momento da unificação, ainda era o dialeto local. O problema da
unificação linguística, que tinha sido identificado pelos intelectuais da primeira
metade do século XIX, se configurava, pois, como um dos mais urgentes. De fato, no
novo Estado a unificação política e econômica exigia contínuas e intensas trocas entre
todas as regiões, e uma ngua comum que fosse verdadeiramente usada por toda a
população era uma exigência imprescindível.
O problema, porém, não era apenas como divulgar a língua nacional, mas sim
definir o modelo de língua se difundiria. De fato, sendo praticamente apenas uma
língua literária, o italiano era como uma língua morta, era pobre e incerta, como muito
bem havia indicado Manzoni desde 1821: ela não oferecia todos os termos e sentidos
que serviam à comunicação global, nos escritórios, nas escolas, nos mercados, nas
oficinas, nos laboratórios científicos etc., e não podia referir-se a um código seguro,
consagrado pelo uso, que garantisse a compreensão recíproca. A autoridade de um
intelectual como Manzoni, graças também ao exemplo concreto dos Promessi Sposi,
impôs a sua solução que consistia na adoção da língua falada pelos florentinos cultos,
difundida por meio de um grupo de mestres treinados no uso do florentino e através
de um dicionário.
De acordo com Laura e Giulio Lepschy:
Egli non voleva che fosse la letteratura a decidere quale doveva essere la lingua
nazionale; voleva invece che la letteratura adottasse la lingua che meglio conveniva
alle condizioni del paese.
24
Os escritores não deviam, pois, tentar impor ao país a língua retórica e arcaica
da literatura italiana do passado; ao contrário, deviam usar um idioma vivo, que
pudesse se tornar língua nacional, escrita e falada. Essa solução encontrou apoio na
24
Lepschy, Laura e Lepschy Giulio: La lingua italiana. Storia, varietà dell’ uso, grammatica. Milano,
Bompiani, 1993, p. 20.
43
classe política do Estado unitário, e efetivamente nas escolas de ensino fundamental
se tentou impor o modelo florentino, combatendo duramente o uso dos dialetos. A
solução manzoniana revelou-se, porém, abstrata e impraticável. Era uma contradição
querer impor o uso de uma língua viva por meio do estudo e das regras de um
dicionário. Uma língua verdadeiramente viva não podia ser imposta do alto, mas
somente podia nascer do uso concreto dos falantes e pressupunha a participação em
momentos de vida coletiva, trabalho, estudo, lazer. Era esta a objeção que um grande
linguista, Graziadio Isaia Ascoli, fazia à alternativa de Manzoni. No prefácio do
Archivio glottologico italiano de 1873, ele afirmava que uma verdadeira língua
nacional somente poderia nascer da circulação das ideias em uma sociedade civil viva
e rica de trocas.
Em teoria, a escola se oferecia como o instrumento mais adequado para a
difusão da língua comum. As leis Casati (1859) e Coppino (1877) haviam
determinado o princípio da obrigatoriedade da instrução básica, prevendo pesadas
sanções aos pais que não mandassem os filhos às escolas municipais sem providenciar
uma outra forma de instrução a eles. As estruturas, porém, eram frequentemente
carentes, o pessoal inadequado e muitas crianças, especialmente no Sul, escapavam à
obrigatoriedade, porque estavam empenhadas nos trabalhos do campo e em outras
atividades e também porque, na situação de profundo atraso das massas populares,
não se compreendia a importância da instrução e não se percebia a sua necessidade.
Mesmo as classes proprietárias às vezes não favoreciam a educação dos camponeses
com medo de que ela pudesse torná-los menos dóceis.
Portanto, a difusão do italiano foi um processo lento, gradual e difícil.
Juntamente com o aumento da instrução (em 1901 o percentual de analfabetismo
havia caído para 48,7%), outros fatores sociais contribuíram para a afirmação da
língua nacional: o alistamento obrigatório que determinou o deslocamento e a
convivência em quartéis distantes da região de origem de milhares de jovens
provenientes de lugares diferentes, que para se comunicar entre si e com os seus
superiores eram obrigados a falar italiano; a ampliação das trocas no mercado
nacional que, para negócios de diferentes naturezas, obrigava pessoas de várias
regiões a se comunicar entre si; o crescimento da burocracia, com a qual mais cedo ou
44
mais tarde todos teriam de lidar; a migração para o exterior, que colocava os
analfabetos em contato com sociedades mais evoluídas. Quando iniciou a
industrialização, tiveram início as migrações internas, que provocaram a mistura de
pessoas das mais diversas origens regionais as quais descobriram como era
indispensável ter um instrumento de comunicação comum.
A difusão dos jornais e da imprensa periódica também teve influência, ao menos
sobre os estratos alfabetizados, que estavam crescendo. No século XX, um poderoso
fator de unificação linguística seria a mídia de grande abrangência como o rádio, o
cinema e, em anos mais recentes, a televisão. Estes fenômenos tiveram consequências
tanto na situação cultural quanto na linguística. A tendência geral desses eventos foi,
sem dúvida, a de enfraquecer os dialetos e de reforçar o uso do italiano.
Pelas considerações feitas, fica evidente como o processo de unificação
linguística, assim como o de unificação nacional, foi longo e doloroso: foi necessário
quase um século para completá-lo. Ainda hoje, em muitas áreas da Itália, a língua
italiana é usada nas ocasiões “oficiais”, enquanto a língua preferida em âmbito
familiar é o dialeto. Tal dicotomia entre língua oficial e dialetos marca profundamente
a cultura italiana desde o período sucessivo à unificação nacional e perdura até os dias
de hoje. Se é verdade que a língua representa a identidade de um povo, então é cil
entender as dificuldades que o italiano teve de enfrentar para se impor como língua
oficial do Estado.
G.I Ascoli afirmava que:
La situazione linguistica di un paese non si cambia con un decreto, o dando alla
gente un dizionario del dialetto che si propone come standard nazionale. La
formazione di una lingua nazionale è un fenomeno storico complesso che dipende da
forze sociali e culturali.
25
Foram necessárias muitas décadas, muitas mudanças internas e duas grandes
guerras para se chegar à situação atual, uma situação que seguramente a língua
25
Ascoli, G.I., in: Lepschy, Laura e Lepschy Giulio, opera citata, p. 22.
45
italiana como língua não apenas escrita mas também falada, mas que deve conviver
ainda com muitos dialetos e muitas variantes regionais.
3.2 A língua do emigrante
Segundo os resultados de pesquisas sociolinguísticas feitas em diversas áreas
por estudiosos como Alberto Sobrero, Massimo Vedovelli, Tullio De Mauro e
Gaetano Berruto, a emigração foi um grande fator de italianização. De fato, além de
reduzir o número dos analfabetos na pátria, ela conscientizou tanto aqueles que
permaneceram em casa quanto aqueles que voltavam com ideias mais avançadas
acerca da importância da instrução e da posse da ngua nacional como instrumento
para melhorar as próprias condições.
Se prima l’esercizio dell’occhio e della mano sembrava ginnastica inutile escrevia
em 1911 o demógrafo Francesco Coletti relatando as conclusões de uma sondagem
relativa ao Abruzzo e ao Molise, mas que se podem facilmente generalizar ora
appare fecondo e santo. Chi da giovane non ha appreso, ovvero ha dimenticato, torna
a scuola [....] ed il contadino paga mensilmente il maestro.
26
Antes de fornecer um quadro geral sobre a condição linguística em que se
encontravam os italianos na época de sua partida, é preciso que se façam algumas
considerações gerais sobre a língua usada por quem vive no exterior há muito tempo.
A partir do que foi lido e analisado, podemos afirmar que o processo de
dessemantização e de redução da bagagem lexical é um fenômeno determinante na
língua italiana falada por quem vive no exterior. Isto se deve à falta de contato com a
realidade linguística nacional, à falta de reforço ou de renovação necessários para usar
as estruturas linguísticas de modo espontâneo e automático, ao contato com outros
26
Coletti, Francesco: Dell’emigrazione italiana, in: Serianni, Luca: Storia della língua italiana. Il secondo
Ottocento, Bologna, Il Mulino, 1990, p. 25.
46
códigos linguísticos e à contínua passagem de uma língua para a outra. De acordo
com Vincenzo Lo Cascio:
La prima cosa che succede nel momento della perdita della propria lingua è quella di
perdere la capacità di usare tutta la batteria di sinonimie. Nell’albero gerarchico
rimangono le parole presenti nei nodi più alti, cioè quelle semanticamente meno
ricche.
27
Naturalmente para analisar adequadamente a língua falada pelos italianos no
exterior seria necessário fazer uma distinção com base na geração, na área geográfica
de imigração, no tipo de língua com a qual se tem contato, no momento da emigração,
na competência da ngua nacional e no grau de dialetofonia no momento da partida.
Obviamente, todos eles são elementos que nos permitiriam entender melhor a
presença ou a ausência de alguns fenômenos, além da manutenção ou da perda da
língua-mãe.
Lo Cascio afirma ainda:
Il parlato degli emigranti italiani, la maggioranza dei quali ha lasciato l’Italia nel
momento in cui la dialettofonia era alta, è fatto di residui di italiano e di residui di
dialetto. La competenza dell’italiano non ha subito una vera e propria evoluzione, si
è invece impoverita al massimo, ridotta quasi al livello soglia, e permeata di molto
forestierismi, elementi lessicali integrati nel discorso quotidiano, caratterizzato da
meccanismi intonativi non autoctoni ma provenienti dalle lingue con cui gli italiani
all’estero sono a contatto, da spostamenti di accenti nella struttura prosodica a causa
di prestiti dalla L2, da calchi sintattici, da cambiamenti nell’ordine delle parole...
28
Provavelmente foi isso que aconteceu aos emigrantes italianos que chegaram ao
Brasil ao longo de um século, ou seja do final dos anos 70 do século XIX até o início
27
Lo Cascio, Vincenzo: Ricchezza e povertà dell’italiano all’estero, in: De Mauro, Tullio: Come parlano gli
italiani, Roma, La Nuova Itália,1997, p. 64.
28
Lo Cascio, Vincenzo: Ricchezza e povertà dell’italiano parlato all’estero, in: De Mauro, Tullio: opera
citata, p. 64.
47
dos anos 70 do século XX. Obviamente estes fenômenos têm graus diferentes de
acordo com a situação: momento da partida, pertencimento a uma comunidade e nível
de cultura, por exemplo.
Vejamos, pois, quais eram as condições linguísticas em que se encontravam os
emigrantes na época de sua partida, isto é, que língua falavam e de que forma ela foi
mantida com o passar dos anos, sofrendo as contínuas interferências de uma segunda
língua; vejamos, enfim, que diferenças lingüísticas existem entre o primeiro e o
segundo emigrante.
Para poder reconstruir um quadro geral verdadeiro sobre o tema é necessário
fazer alguns esclarecimentos. Primeiramente se falará dos emigrantes italianos que
chegaram ao estado do Paraná e à sua capital, Curitiba. Além disso, chamaremos de
primeiros emigrantes todos aqueles que deixaram a Itália logo depois da unificação
nacional: mais de uma vez se afirmou neste trabalho que a primeira onda migratória
propriamente dita foi a que aconteceu entre 1875 e os anos anteriores à explosão da
Primeira Guerra Mundial. O termo segundo emigrante será usado para referir-se a
quem deixou o país no período que vai do final do segundo conflito mundial até o
início dos anos 70. Tal esclarecimento é indispensável em vista das diferentes
condições sociais, econômicas e culturais que vigoravam no país nestes dois períodos
e também da diferente extração sociocultural dos dois emigrantes. De fato, os
primeiros eram em sua maioria camponeses, pobres e analfabetos, à procura de terra
para cultivar; os segundos faziam parte de uma classe trabalhadora mais
especializada (técnicos, comerciantes, artesãos), que tinha estudado e conseguido um
diploma e que migrava não somente por necessidade mas também por desilusão com
os acontecimentos que sucederam a guerra ou para ter uma experiência de vida em
um outro país.
A situação linguística quando da partida dos primeiros emigrantes previa o uso
do dialeto nativo como língua-mãe (L1). A maior parte delas nunca tinha falado
italiano nem frequentado a escola, apesar de a lei Coppino, promulgada em julho de
1877, tornar obrigatória a frequência à escola, ainda que limitada aos primeiros dois
anos. Nas diferentes comunidades italianas que se estabeleceram no exterior após a
unificação nacional se falava, pois, quase exclusivamente dialeto. Isso aconteceu
48
também com a comunidade italiana que se fixou na capital do Paraná, Curitiba. Das
memórias de Giuseppe Martini, um dos pioneiros da já citada colônia de Santa
Felicidade, apreende-se que a língua falada em casa era o dialeto vêneto junto à língua
portuguesa, que começava a fazer o papel de segunda língua (L2). No momento em
que chegaram ao país de adoção, pois, os emigrantes tiveram de aprender rapidamente
a ngua desse país para poder dialogar com os proprietários dos terrenos, receber o
pagamento, obter os documentos necessários para se tratar ou os bens de primeira
necessidade. O dialeto sobrevivia no interior das comunidades de italianos que
estavam próximas, era usado como registro informal e representava os vínculos de
solidariedade entre os indivíduos.
Os segundos emigrantes, que constituem a maioria dos imigrantes italianos
ainda vivos, além do dialeto, que falavam sobretudo em casa e em determinadas
situações, eram capazes de usar a língua italiana que haviam estudado na escola e
com a qual começavam a se familiarizar. Quando chegaram aos países anfitriões,
continuaram a usar, durante um certo período, o dialeto enquanto cada vez mais
substituíam o italiano pelo português, que se tornou para eles a nova língua-mãe e que
começaram a ensinar até mesmo para os seus filhos. O conhecimento e o uso da nova
língua logo se impuseram como condição necessária não apenas para a plena
participação na vida civil, mas também, como já acontecera com os pioneiros, para
encontrar trabalho e sobreviver dignamente.
Além disso, é necessário ressaltar que os segundos, diferentemente dos primeiros, não
se dirigiram às colônias, onde havia outros membros da mesma comunidade que
falavam a mesma língua, mas se fixaram em diversos bairros da cidade, chegando a
confundir-se com os nativos e sendo, assim, obrigados a se expressar na língua
portuguesa.
De acordo com o que se depreender das entrevistas feitas com os emigrantes
italianos que chegaram à capital paranaense entre o fim da Segunda Guerra Mundial e
o início dos anos 70, pode-se afirmar que a sua ngua oral, em relação às palavras de
uso mais frequente, é similar àquela de seus conterrâneos residentes na Itália.
Naturalmente, não tendo acompanhado a evolução da língua-mãe, é preciso pesquisar
as diferenças, por exemplo, nos neologismos e no número e tipo de palavras menos
49
frequentes, na desenvoltura, na prolixidade e nas interferências. A língua oral desses
emigrantes é, antes de tudo, coloquial, caseira e informal: faltam a elegância e a
variedade estilística característica de quem ainda vive na Itália. Apesar disto, há, por
parte deles, a vontade de não esquecer uma língua que faz parte de seu passado e de
sua história. Para eles, o italiano é a língua da memória, das recordações, do contato
com uma pátria distante geograficamente, mas sempre presente nos seus corações.
50
CAPÍTULO IV: O ITALIANO E SUAS TRANSFORMAÇÕES.
TRANSCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS EFETUADAS
O corpus é constituído de seis entrevistas efetuadas com imigrantes italianos
residentes na cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, e em seguida transcritas
e analisadas individualmente. Esses imigrantes chegaram aqui no período conhecido
como pós-guerra, aproximadamente entre 1949 e 1970.
Efetuar a transcrição de entrevistas não é uma tarefa simples, pois demanda
muitas horas de empenho, ouvindo atentamente e, em alguns casos, várias vezes o
mesmo trecho para poder compreendê-lo da melhor forma possível. Salientamos que
algumas vezes, mesmo ouvindo repetidamente uma palavra, não foi possível decifrá-
la. Nestes casos, para não alterar a essência da frase, resolvemos marcá-la com um
sinal pré-definido. Em se tratando de entrevistas espontâneas, um dos problemas mais
frequentes era que o entrevistado alterava repentinamente tanto a entonação quanto a
velocidade da voz. Estes fenômenos são comuns e perceptíveis em quase todas as
entrevistas, quem sabe pelo acúmulo de sentimentos e emoção experimentados
quando da proposição do assunto.
Para a transcrição dos testemunhos foram utilizados os procedimentos do
Projeto NURC Norma Urbana Culta que é de âmbito nacional e internacional e
tem como objetivo o estudo da linguagem culta falada no Brasil. Para tanto,
utilizaram-se suas normas de transcrição, embora alguma modificação tivesse de ser
realizada.
Pela análise das entrevistas efetuadas e levando em consideração o efeito
causado pelo longo período vivido em contato com uma segunda língua, é nosso
objetivo detectar as interferências do português no repertório lexical da ngua italiana
falada pelo imigrante. Espera-se, também, determinar as causas que foram relevantes
para a alteração na língua italiana falada.
51
4.1 Metodologia das entrevistas
Localizar o imigrante italiano do período do pós-guerra foi um grande desafio.
Somente com a ajuda de outras pessoas conhecidas é que estes encontros foram
possíveis. Impossível foi encontrá-los dentro dos núcleos italianos aqui existentes, e
este fato chamou-nos muito a atenção, pois todos os colaboradores deste trabalho
moram longe uns dos outros e também dos bairros tidos como italianos em Curitiba.
Depois de ter feito este primeiro contato e de o entrevistado aceitar colaborar com o
trabalho, informamos-lhe antecipadamente como a entrevista seria conduzida e quais
os objetivos concretos.
Para tanto, criamos um questionário direcionado, composto por 24 perguntas
(conforme mostra o anexo 1) que tratavam seja dos motivos da saída da Itália como,
por exemplo, da impressão quando da chegada ao destino. Essa sequência de
perguntas foi quebrada quando o entrevistado, levado por um sentimento o um
outro fator qualquer, tomava alguma variante que foi devidamente respeitada pelo
entrevistador. Tudo isso para que não houvesse perda de espontaneidade por parte do
entrevistado.
Para deixá-los mais à vontade, preferimos efetuar as entrevistas na casa dos
entrevistados, tomando os devidos cuidados para que não houvesse interferência de
nenhuma ordem. Mesmo assim, em alguns casos, as interrupções foram inevitáveis.
Em média cada entrevista teve duração aproximada de 40 minutos, enquanto para
cada transcrição não se levou mais de 10 minutos. Os trechos selecionados foram os
que, na nossa opinião, apresentavam maior possibilidade de análise.
Cada entrevista será precedida de algumas informações gerais sobre o
entrevistado, como, por exemplo: data e lugar de nascimento, ano de partida da Itália,
grau de escolaridade e profissão. Tudo isso para que se desenhe um quadro claro de
cada uma das entrevistas. Após a transcrição dos trechos selecionados, será feita uma
análise linguístico-lexical, com o objetivo de destacar a manutenção ou a perda de
desempenho da ngua-mãe, ou ainda a eventual transformação causada por vários
motivos, sobretudo os muitos anos de contato direto com a língua portuguesa e o uso
52
cotidiano de um outro código linguístico. Procuraremos então verificar os efeitos da
exposição prolongada a uma L2.
Concluída a análise de cada uma das entrevistas, apresentaremos uma tabela
composta pelos principais fenômenos encontrados. Cada uma das tabelas será
elaborada da melhor forma possível, de modo a oferecer um quadro claro daquilo que
foi detectado durante a transcrição.
4.2 Características dos entrevistados
Todos os entrevistados têm como língua-mãe o italiano, são provenientes da
região Norte da Itália e estão na terceira idade. Quatro deles são do sexo masculino e
dois do feminino. Todos vivem no Brasil, na cidade de Curitiba, há muito tempo.
Alguns deles chegaram ao país logo após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial,
ou seja, no início dos anos cinquenta; outros aqui vieram na década de sessenta.
Portanto, fica claro que todos eles construíram as suas histórias em território
brasileiro, seja do ponto de vista profissional, seja do ponto de vista pessoal, que se
refere à formação de um núcleo familiar, visto que quase todos se casaram com
brasileiros.
Outra característica comum entre eles é o fato de serem aposentados, entretanto,
alguns continuam desenvolvendo algum tipo de atividade profissional. Todos eles
usam a língua portuguesa no cotidiano, dentro e fora de suas casas, tanto que os filhos
aqui gerados foram criados dentro deste código linguístico. Talvez por isso notamos,
por parte deles, um ótimo desempenho na L2 falada.
Um fato que merece destaque é que dois dos entrevistados desenvolvem suas
atividades profissionais ligadas diretamente à língua italiana, sendo eles professores
em uma escola particular. Os outros apenas em ocasiões especiais conseguem manter
diálogos com outros falantes nativos. Entre essas ocasiões, citamos:
- encontros sociais diversos;
- cursos de língua ou cultura italiana, etc.
53
Outro ponto em comum a salientar é que nenhum deles, quando da chegada a
Curitiba, instalou-se em qualquer um dos vários núcleos italianos ali existentes,
núcleos estes formados quando da primeira grande imigração, ocorrida entre o final
do século XIX e o início do século XX. Ao contrário, foram-se instalando em
diferentes bairros da cidade, misturando-se assim com os curitibanos, fato este que
possibilitou uma maior integração e que facilitou e acelerou o processo de
aprendizagem da língua portuguesa falada.
A demonstração espontânea de um grande amor pela Pátria, seja entre os que
chegaram ao Brasil aos vinte e poucos anos, quer entre aqueles que chegaram quando
eram crianças, é outro fato que chamou a atenção durante as entrevistas, mais
claramente ao final delas.
Finalmente, alguns dos entrevistados tiveram a oportunidade de retornar à
Itália algumas vezes e assim acompanhar de perto a evolução gradual do seu País. Os
outros testemunharam essa evolução de longe, mesmo assim com bastante interesse,
já que todos, sem exceção, lá deixaram muitos de seus familiares.
4.3 Normas para transcrição
Como já frisamos anteriormente, para a transcrição dos testemunhos foram
utilizados procedimentos do Projeto NURC, Norma Urbana Culta, que é de âmbito
nacional e internacional e tem como objetivo o estudo da linguagem culta falada no
Brasil. Para tanto, utilizaram-se suas normas de transcrição, embora alguma
modificação tivesse de ser realizada. Por exemplo, em lugar do sinal destinado ao
significado de incompreensão ( ), usado pelos pesquisadores do NURC, preferiu-se
usar um outro símbolo, melhor definido, ou seja: (incompreensível). Além disso, no
lugar do sinal indicativo de uma pausa ... , preferiu-se utilizar o símbolo (+). À
exceção desses casos, de forma geral, respeitaram-se as normas de transcrição do
Projeto Nurc. A seguir apresentamos a tabela que resume as normas utilizadas e que
permite uma maior compreensão do trecho transcrito.
54
Tabela 4.1. NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO
Ocorrências
Sinais
Exemplificação
Incompreensão de
palavras ou segmentos
(incomprensibile) Beh sai quando si è
bambini (incomprensibile)
son tutti belli
Hipótese do que se
ouviu
(hipótese) Ho fatto la finale con una
argentina (incomprensibile)
(non me la dimenticherò)
Truncamento / Lei ha fatto la richiesta per /
la prima volta io / e alcuni
anni fa / prima ancora di
iniziare la guerra
Entonação enfática maiúscula Mio papà era muratore però
non c’era LAVORO
Prolongamento de
vogais e consoantes
: podendo
aumentar para ::
ou mais
E:: mia mamma era una
donna semplice
Interrogação ? Come mai mettono la roba
ad asciugare per terra?
Qualquer pausa (+) podendo
aumentar para
(++) ou mais
Mia nonna e due zii fratelli
di mio papà stavano già qui
(+) allora lei ha fatto la
richiesta
Comentários
descritivos do
transcritor
((minúscula)) Coccodrilli per la strada gli
indios (+) come si vedeva
nei film ((risate)) no?
Superposição,
simultaneidade de
vozes
Ligando
[
as linhas
Due familglie
[
due famiglie
55
Citações literais ou
leituras de textos
durante a gravação
“ ” La cosa che mi ha chiamato
molta ma molta attenzione era
la roba stesa per terra dico
come mai mettono ad
asciugare la roba per terra?”
OBSERVAÇÕES:
1) Iniciais maiúsculas: somente para nomes próprios.
2) Fáticos: ah, eh, neh, beh.
3) Números: por extenso.
4) Não se indica o ponto de exclamação.
5) Não se anota o cadenciamento da frase.
6) Não se utilizam sinais picos da língua escrita como: ponto-e-vírgula, ponto-final,
dois-pontos, vírgula.
56
ENTREVISTA N°1
Sexo: feminino
Ano de nascimento: 1939
Lugar de nascimento: Cessalto, província de Treviso
Partida da Itália: 1950, aos 11 anos
Profissão: aposentada
Doc che ricordi (+) ha del suo luogo di nascita?
Inf beh sai quando si è bambini (incomprensibile) son tutti belli però c’era una
grande difficoltà del dopoguerra come è stato in Italia che tutti lo sanno (++) e:: mia
mamma era una donna semplice una contadina mio papà era muratore però non c’era
LAVORO (++) e: e così (++)
Doc avete deciso di partire
Inf perché mia nonna e due zii fratelli di mio papà stavano già qui (+) allora lei ha
fatto la richiesta (+) per / la prima volta (+) io / e alcuni anni fa / prima ancora di
iniziare la guerra (incomprensibile) dopo invece è scoppiata la guerra i porti si son
chiusi e non (+) insomma siamo arrivati qui (++) e:: nel cinquantuno il tre di gennaio
del cinquantuno
Doc del cinquantuno
Inf cioè (+) il viaggio è durato un mese pressappoco non mi ricordo bene la data (+)
do / tutto il mese di dicembre siamo arrivati proprio
Doc tutta la famiglia è arrivata qui?
57
Inf due famigl
[
Doc due famiglie
Inf il fratello di mio papà eravamo in ventidue persone
Doc ventidue persone
Inf tra le due famiglie
Doc quando le hanno detto che: (+) che sareste partiti per venire in questo nuovo
paese (+) come gliel’hanno detto?
Inf eh:: insomma la NONNA la nonna che ci mandava notizie che il Brasile era
meraviglioso che era questo quel / (+) però a me / l’immagine che un bambino fa di
Brasile di: (+) dei: coccodrilli per la strada gli indios (+) come si vedeva nei film
((risate)) no? E quell’idea era un’idea che si faceva a quei tempi non è che sapevamo
TANTO come oggi si sa tutto neh? (+) a quei tempi invece: (+) però era un’illusione
era una un mondo nuovo quasi un altro pianeta quasi (+) a quei tempi (+) eravamo
contentissimi
Doc non eravate dispiaciuti di lasciare il paese
[
Inf no no (+) no per niente (+)
Doc gli amici?
Inf no per niente (+) cioè conoscere i cugini che avevamo qua (+) la preoccupazione
di parlare un’altra lingua (+) no (+) per me per ese / era stato bellissimo (++) anche se
dopo quando siamo ((risate)) arrivati (+) abbiamo avuto qualche delusione ma (+++)
[
Doc in generale eravate contenti
58
Inf si perché: mio papà poi era lui era molto arrabbiato con l’Italia perché aveva
perso due o tre fratelli nella prima guerra (+) allora diceva che l’Italia era sua
debitora che aveva (+) ammazzato i suo / i suoi fratelli che lui non sarebbe mai più
ritornato (++) era (+) molto (+) arrabbiato con la patria (+) è arrivato qui era un
paradiso (+) secondo lui: era una meraviglia
Doc e il viaggio ti ricordi qualcosa del viaggio?
Inf si:: non molto perché (+) cioè GIOCAVAMO li: mi ricordo che: un giorno il
mare era troppo (++) passavamo il (+) il golfo Leone la non lo so almeno (++) e:
(incomprensibile) stavamo molto bene insomma ((risate)) sai il mare (+) ma
comunque (+) eh c’era tanta gente c’erano anche degli arabi nella nave e loro
facevano quelle / cantavano facevano quelle insalatone di CIPOLLA la mangiavano
con le mani e io ero spaventata perché era una cosa diversa no?
Doc e la nave è partita (+) da Genova?
Inf a Genova si (+) e si chiamava Santa Cruz e anche quella faceva l’ultimo viaggio
perché era molto rovinata che ormani era (++) cioè non (+) non tornava più a
viaggiare era l’ultimo
Doc e dove siete arrivati ((nome)) siete arrivati anche voi a Santos?
Inf no no noi siamo sbarcati a Rio
Doc a Rio
Inf e e siamo andati in un’isola come era una un’hospederia una cosa così (+)
perché dovevamo rimanere (+) un tem / un periodo (+) eh? E si chiamava Isola dei
Fiori a Rio (+) e e IO mi son spaventata tantissimo perché:: era tutto diverso (+) la
cosa che mi ha chiamato molta ma molta attenzione (+) era la roba stesa per terra
59
dico “come mai mettono a asciugare la roba per terra”(+) ma non era quello la roba
era per prendere il sole per diventare bianca e ma era un costume diverso no? Dopo
c’erano delle cose un po’ buffe anche che non si può neanche ((risate)) è meglio non
dirle / comunque mio cugino era un po’ più grande no? (+) e lui ‘nsomma c’erano
delle ragazze lì lui voleva (+) scherzava così no?
(interrupção da transcrição)
60
Análise
Em uma primeira análise desta entrevista, percebe-se que a língua italiana foi
bem conservada. Essa impressão fica evidente levando-se em consideração que a
entrevistada vive no Brasil mais de cinquenta anos e que fala português
cotidianamente.
Desde que chegou a Curitiba, teve muito pouco contato com a Itália e com a
língua italiana. A partir da sua chegada, para facilitar o relacionamento com as
crianças da mesma idade (11 anos), resolveu adotar a língua portuguesa de forma
definitiva. Fato este que se estendeu até a juventude, quando conheceu e se relacionou
com um jovem também italiano, que viria a ser seu marido. O casal manteve o hábito
de usar até os dias atuais o português como Língua1 (L1). Como prova desta
afirmação, podemos verificar que aos filhos não foi ensinada a língua italiana. Apesar
de ter utilizado a língua portuguesa por toda uma vida, a manutenção do italiano em
um nível que beira a perfeição e a ausência quer de cursos, quer de contato com a
língua-mãe, faz-nos crer em um caso evidente de amor à Pátria.
Mesmo assim, fazendo-se uma leitura mais cnica, percebem-se alguns
pontos que merecem análise e que denotam a influência do português no italiano.
A primeira palavra que evidencia tal influência no italiano falado é
debitora”, na frase: “Mio papà diceva che l’Italia era sua debitora”. Este termo
deixa clara a fusão entre as duas línguas, pois mantém a raiz da palavra italiana
“debito”, acrescentando a terminação declinada em português: “devedor devedora”.
Do contrário, no italiano, seguindo a regra das palavras masculinas terminadas em
“ore”, a transformação para o nero feminino é feita utilizando-se a terminação em
“trice”, ou seja: “debitore debitrice”. Provavelmente o uso inadequado da palavra
“debitora” deve-se ou ao não conhecimento de algumas regras gramaticais do italiano,
justificado pelo pouco tempo de estudo quando a entrevistada ainda vivia na Itália, ou
à influência direta do português.
Outra palavra que merece uma reflexão é hospederia”, na frase: “Siamo
andati in um’isola che era come un’hospederia”. Primeiramente podemos frisar que
ela não existe no dicionário italiano. A tradução mais adequada neste caso seria
61
“centri di accoglienza”; um termo relativamente novo, pois se tornou conhecido pelos
italianos a partir do momento em que a Itália começou a ser alvo de imigrantes
estrangeiros e viu-se na obrigação de criar um espaço para recebê-los. Pensando no
contexto, vemos que a entrevistada, para se fazer entender, foi “obrigada” a usar um
termo genuinamente português, pois cinquenta anos não existia a expressão “centri
di accoglienza”. É possível que a troca da terminação “ária” (normal no português)
por “eria” (própria do italiano) deva-se à tentativa de maquiar a palavra com traços do
italiano.
Na sequência da entrevista, encontramos a expressão Mi ha chiamato molta
ma molta attenzione”. Neste caso, é clara a interferência do português, quando a
entrevistada empresta a expressão portuguesa “Me chamou a atenção”, traduzindo-a
literalmente, em vez de usar “Mi ha colpito molto”, frase que certamente seria
utilizada por uma falante da língua italiana.
Apesar de a entrevistada demonstrar grande conhecimento da língua-mãe, os
cinquenta anos de contato com outro idioma justificam a presença de algumas
situações que permitiram esta análise técnica.
O último termo encontrado no trecho transcrito é costume na frase: “La
roba era per prendere il sole per diventare bianca e ma era un costume diverso no?”.
Neste caso específico, salientamos a presença no italiano, assim como no português,
do dualismo “costume abitudine” e “costume hábito”. Entretanto, devemos
salientar que o termo mais frequente no italiano é “abitudine”, ao contrário da palavra
“costume”, que é atualmente pouco utilizada. no português, acreditamos existir um
equilíbrio no uso destes dois termos. Em decorrência desta análise, fica difícil
determinar as causas mais prováveis da escolha do termo pela entrevistada.
Apesar dos elementos acima analisados, que denotam a grande influência do
português na língua italiana falada, podemos concluir que a entrevistada possui um
ótimo conhecimento da ngua-mãe; de fato, o léxico utilizado é bastante amplo, tanto
o sistema verbal quanto o pronominal foram adequadamente utilizados e o uso das
conjunções e dos advérbios foi fiel ao da L1.
Podemos dizer, pois, que nesta primeira entrevista temos a língua italiana
preservada quase na sua totalidade, principalmente se levarmos em consideração o
62
momento da chegada ao Brasil, quando a entrevistada contava com apenas 11 anos e
não tinha, portanto, na Itália, atingido a maturidade no aprendizado da língua-mãe.
Apesar de uma vida inteira vivida em solo brasileiro, o contato direto com a língua
portuguesa e com os falantes desse idioma não ameaçou a sobrevivência da língua
italiana.
63
TABELA 4.2.
Palavras ou trechos identificados e sua correspondência em italiano.
ENTREVISTA 1
Italiano
incorreto
Italiano
correto
debitora debitrice
hospederia centro
d’accoglienza
Palavras
costume
abitudine
Trecho
Mi ha chiamato
molta attenzione
Mi ha molto
colpito
64
ENTREVISTA N° 2
Sexo: masculino
Ano de nascimento: 1939
Lugar de nascimento: Palazzolo sull’Oglio, província de Brescia
Partida da Itália: 1966, aos 27 anos
Profissão: professor de italiano
Doc perché è partito dall’Italia ed è venuto qui?
Inf io (+) ero:: sacerdote (+) eh: ma un sacerdote religioso i miei superiori (+) mi
hanno detto che io avevo le capacità le qualità di essere direttore di un seminario
minore qui in Brasile ed allora io sono venuto qui per fare il direttore del seminario e
mi hanno spedito a Min / a sud di Minas Gerais (+) e sono stato là un anno
Doc e:: cosa si ricorda dell’Italia nel periodo precedente alla sua partenza come si
ricorda l’Italia come si ricorda la gente?
Inf Bom l’Italia in quell’epoca negli anni sessanta (+) era un popolo che stava bene
(+) io mi ricordo: il passaggio piano piano dal dopoguerra le persone ormai avevano
già la loro macchina i miei parenti anche un lavoro abbastanza fisso stabile la mia
cittadina ((nome)) era una città (+) dina molto industriale (+) c’erano molti scioperi
(+) per:: migliorare gli stipendi scioperi: per gli stipendi scioperi politici: e varie
battaglie fra: democrazia e comunismo (++) ma:: che tutti stavano bene non c’erano
poveri per le vie nessuno non c’era gente che chiedeva l’elemosina non c’erano: (+) /
mi ricordo (+) che al mio paese è venuto un africano un sacerdote nero è stato l’unico
nero che io ho conosciuto nella mia vita che ho incontrato non c’erano (+) / erano (+)
lombardi bresciani: e il popolo viveva e lavorava nella mia cittadina non c’erano
emigrazioni interne (+) e stavano tutti bene mi ricordo (+) di questo
65
Doc e: quando lei ha saputo o ha scelto uhm: che sarebbe venuto qui in Brasile che
idea aveva del Brasile come si immaginava questo paese?
Inf siccome alcuni padri della mia congregazione (+) (rito) / quando tornavano in
Italia facevano delle visite (+) in seminario per parlarci del Brasile (+) per cui si
aveva una certa idea ma un’idea più sbagliata di molti neri di molti serpenti di:: una
miseria e:: (+) sai avevo: alcune idee giuste ma molte sbagliate (+) non (++) non
specchiavano la realtà
Doc e cosa si ricorda del viaggio lei è partito da dove e con chi?
Inf io sono ((risate)) io sono partito con la nave Andrea C. (+) mi ricordo molto di
quel viaggio (+) prima di tutto il momento della partenza (+) è il momento (+) per me
che era la prima volta ero giovane aveva ventisei ventisette / avevo ventisei ventisette
anni (+) sa io e il mio amico ridevamo ma molti piangevano QUANDO la sirena della
nave ha dato segno che si staccava (+) (li io) / stava uscendo dal porto ma era / perché
suonavano delle musiche di ADDIO ((risate)) per cui era terribile è stato terribile
(incomprensibile) non ho pianto sai ma i parenti erano vicino a te dopo piano piano
la neve si / la nave si allontanava (+) e dopo però quando siamo entrati: (+) nel mare
ALLORA è stato un viaggio bellissimo indimenticabile tredici giorni sa (+) ((risate))
al mattina noi andavamo a al mattino alla mattina noi andavamo a: celebrare: la messa
ma dopo tutto il giorno era gioco sport leggere film (+) alla sera (+) c’era una: / un
complesso musicale che suonava e noi andavamo là: a vedere a ballare ascoltare
eccetera musiche italiane prendere delle birre olandesi tedesche eccetera che sulla
nave (ce n’erano) di tutti i tipi ho passato tredici giorni molto belli c’é stato un
campionato di ping pong e io (+) ho fatto la finale con un’argentina (incomprensibile)
(non me la dimenticherò) un’argentina di origine tedesca bionda bella e ho vinto ma:
perché mi piaceva molto giocare a: ping pong e:: insomma e sono stati tredici giorni
bellissimi
66
Doc quindi la sua è stata una scelta? Ha deciso di venire qui in Brasile o è stato un
po’ costretto?
Inf no: il superiore mi ha chiesto un su / il superiore e siccome lui era stato mio
professore mio re / direttore eccetera ci: intendavamo e lui mi ha detto io ho bisogno
che tu vada in (Brasile)” ho detto “ci vado”(+) sai non: non avevo ancora preso un
lavoro fisso in Italia il posto fisso mi avevano mandato a sostituire un altro padre
anziano che era morto allora quando mi ha chiesto non ci ho pensato UN minuto ma
non per fatto di obbedienza (ho detto) “ma va bene (+) andiamo (+) in Brasile.
(interrupção da transcrição)
67
Análise
Como pudemos constatar na entrevista anterior, também neste caso é
evidente a conservação da língua-mãe; e, neste caso específico, pode-se notar ainda
certa superioridade, ocasionada por fatores que analisaremos na sequência.
O entrevistado primeiramente era mais velho quando chegou ao Brasil, pois
tinha já 27 anos contra os 11 da entrevistada 1. Possuía também um nível de
escolaridade bem superior, naturalmente, ainda mais se levarmos em consideração
que era padre, portanto, tinha toda uma formação adquirida dentro de um seminário.
Todavia, fazendo-se uma análise mais detalhada do trecho transcrito, pode-se
notar a influência da língua portuguesa em razão dos mais de trinta anos vividos no
Brasil e em contato direto com esse idioma. Não podemos deixar de salientar também
que, quando aqui chegou, exercia as funções de padre e que, após algum tempo, se
afastou de suas atividades e casou-se com uma brasileira. Tais acontecimentos
fizeram aumentar muito o seu contato direto com a língua portuguesa. Além disso, o
entrevistado declarou ser professor de língua italiana e trabalhar em uma escola
particular há mais de dez anos. Tudo isso serve para reiterar a ideia da força da
influência exercida por uma Língua 2 (L2) no desempenho da L1.
O uso, por exemplo, da expressão bompara iniciar uma sentença é, por si
só, uma prova da influência da L2.
Por diversas vezes aparece, no trecho transcrito, a palavra padre referindo-
se a sacerdote, quando no italiano a palavra certa seria “prete”. Na língua italiana
existe também “padre” neste sentido, porém, com uso muito específico: diante do
nome do sacerdote, referindo-se ao sumo pontífice...etc. Ou seja, é possível que o uso
deste vocábulo por parte do entrevistado tenha ocorrido somente pela influência direta
do português.
Podemos destacar também a conjugação do verbo “avere”, na frase: “Ero
giovane aveva ventisei ventisette anni”. O uso do verbo “avere”, neste caso,
conjugado no Imperfeito do Indicativo, está com a terminação errada, pois no italiano
a forma correta seria “avevo”. Já que no português a terminação do verbo no
Imperfeito do Indicativo em primeira pessoa do singular tem a terminação em “a”,
68
pode ter havido uma influência direta da L2 na L1. Porém, na transcrição fica
evidente que este foi apenas um lapso por parte do entrevistado, que logo a seguir
efetuou a devida correção, como segue: “avevo ventisei ventisette anni”. Situações
semelhantes a essa reforçam a ideia da força do subconsciente influindo diretamente
no desempenho da língua italiana falada.
Fazendo uma análise global desta entrevista, percebe-se, até mais que no caso
anterior, a preservação quase perfeita da ngua-mãe. Como prova desta afirmação,
temos a presença de poucas ocorrências analisadas; ocorrências essas que de forma
alguma ameaçam o julgamento positivo no desempenho da língua italiana.
69
TABELA 4.3.
Palavras ou trechos identificados e sua correspondência em italiano.
ENTREVISTA 2
Português
Italiano
Italiano
incorreto
Italiano
correto
bom
bene,
allora
padre
prete
io aveva io avevo
70
ENTREVISTA N°3
Sexo: masculino
Ano de nascimento: 1940
Lugar de nascimento: Bengasi, Libia
Cidade na Itália: Lonigo, província de Vicenza
Partida da Itália: 1952, aos 12 anos
Profissão: aposentado
Doc lei è arrivato qua in Brasile quando? Quanti anni aveva quando siete partiti
dall’Italia per il Brasile?
Inf ah il Brasile avevo dodici anni
Doc dodici anni (+) e: quindi lei già studiava in Italia
[
Inf già
[
Doc andava a scuola
[
Inf il primario neh
Doc
Inf primo o secondo anno
Doc sì, quindi aveva già cominciato a studiare?
Inf si:: sì
71
Doc e siete arrivati qui in Brasile in che anno?
Inf nel cinquantadue
Doc cinquantadue (+) si ricorda il giorno della partenza dall’Italia?
Inf partenza dall’Italia e: (++++) mi sembra che è stato: il giorno (+) cinque o sei di
nove / di ottobre (+) e siamo arrivati (++) il giorno dodici (+) novembre
Doc novembre? Più di un mese
Inf eh:
Doc eh e quando ha saputo che: e; tutta la famiglia si sarebbe trasferita in Brasile?
Inf ah prima è venuto mio zio (+) mio zio ((nome )) neh è venuto qui per / nel
quarantotto quarantanove (+) e allora ci ha / (+) mia madre il principale scopio
(+) é che:: dice (senti) io con quattro figli da sola (+) prima che (+) viene un’altra
guerra (+++) vado a perdere questi quattro figli io vado via eh (+) allora mio zio ha
fatto la: la domanda (++) ha fatto i documenti tutti legali neh e siamo venuti in
Brasile
Doc quindi quello è stato il motivo principale
[
Inf ah:: sì
[
Doc perché la mamma era preoccupata
[
Inf preoccupata
[
Doc per la guerra
72
Inf e i miei zii (+) uno che stava sta qui ha abitato qui (+) nel tempo di guerra è
andato in (+) in India (++) lottare contra gli inglesi e l’altro mio zio (nome) è andato
in:: e: (++) e:: a Siberia
Doc in Siberia
Inf eh
Doc e che ricordi ha dell’Italia? (+) all’epoca lei aveva già dodici anni quindi era già:
grandicello
Inf eh io io mia mamma mi ha messo in una colonia agricola (+) che formavamo
tecnici agricoli non era: a nivello universitario (+) ma sapeva (+) si imparava tutto per
l’/ per l’agricultura neh (+) come si piantava il grano come si piantava que / fare
l’incerto come è che si dice là in Italia incerto?
Doc l’innesto
Inf eh (++) então a me mi piaceva eh
Doc era una cosa che le piaceva
[
Inf era ben di (+) diversificata perché era una cosa nel campo dopo c’era da portar le
pecore la vicino (+) a pastolare
Doc a pascolare
Inf eh
Doc e com’era la gente all’epoca (+) in Italia?
73
Inf ah io: io ho avuto solo conosci / conoscimento coi bambini con i miei i miei
colleghi neh
Doc
Inf va va tutto bene
Doc in che città italiana vivevate quando siete venuti via dall’Africa?
[
Inf a Lonigo
[
Doc Lonigo
[
Inf provincia?
[
Doc di Vicenza
Inf Lonigo è è città (+) dove è nata mia madre
Doc tua mamma
Inf mia mamma era ((cognome))
Doc ah (+) ok e quindi siete partiti per il Brasile con la nave? Si ricorda il nome della
nave?
Inf si:: eh Sebastiano Tarotto ((risate))
Doc Cavotto?
Inf eh:
74
Doc com’era il viaggio in nave?
[
Inf ah:
[
Doc cosa si ricorda di questo mese?
Inf uno spettacolo
Doc uno spettacolo ((risate))
Inf a me mi è piaciuto eh
Doc era bello
Inf perché tutte le notti c’era un cinema un film diferente si stava / sono successe
cose:: diferenti anche così / stavamo uma notte mi ricordo vedendo un film la tutti
(quasi parlando così) che gli italiani i più vecchi sai (+) quando arrivavano i nostri
neh (++) ((risate)) arrivano i nostri dicevano neh (++) un giorno stavamo la tutti
vedendo ‘sto film (+) un gabbiano ha battuto nel filo della nave è caduto (+) sulla
folla che stava la embaixo
Doc ((risate))
Inf madonna ha fatto un casino ((risate)) (me lo ricordo)
Doc tutti si sono spaventati
Inf eh tutti (+) e dopo un altro giorno questa nave ‘sto Sebastiano Cabotto era
l’ultima viaggio che faceva di ritorno dal Brasile perché era stata venduta per un’altra
compagnia (+) era di una compagnia (+) giovanese mi mi sembra che l’altra
compagnia era triestina
75
Doc ah
Inf allora: era di notte così stavano tutti dormindo (+) han han cominciato a a a solt /
lanciare i foghetti com’é che dicono?
Doc lanciare i missili (+) dei razzi?
Inf eh madonna (+++) molta gente ha pensato che stavano avvisando perché stava
affondando la nave
Doc
Inf Madonna:
Doc era un falso allarme invece ((risate))
Inf falso allarme
Doc e sulla nave c’era / c’erano persone che venivano da quale parte d’Italia si
ricorda?
Inf ah sì (+) mi ricordo (+) del Veneto Piemonte e dopo un un (++) è salita:: quando
si è fermata a Napoli anche c’era ( ) ge / gente a Napoli
Doc è partita da Genova la nave vero?
Inf da Ge / eh
Doc da Genova
Inf Genova e Napoli
76
Doc
Inf Napoli las Palmas già in Africa lì neh
[
Doc
Inf las Palmas qui a (+) dove abitava (+) ((nome)) lì a (++) Recife
Doc
Inf Recife Rio de Janeiro Rio de Janeiro Santos
Doc e voi vi siete fermati a Santos?
Inf Santos siamo scesi a Santos
(interrupção da transcrição)
77
Análise
Ao contrário das entrevistas precedentes, a entrevista 3 apresenta uma
influência muito maior da língua portuguesa. Isto fica claro pelo grande número de
termos e expressões pertencentes à L2 e adaptadas para a L1. Uma das justificativas
possíveis é o fato de o entrevistado ter chegado ao Brasil em 1952, quando tinha
apenas 12 anos de idade. Nota-se também que ele possuía apenas formação primária e
que, ao longo dos mais de cinquenta anos vividos em Curitiba, teve pouco contato
com a língua italiana e com membros da comunidade que aqui viviam.
Outro fator que chama a atenção é que declarou nunca ter tido oportunidade de
frequentar cursos que possibilitassem uma melhor conservação da língua-mãe,
portanto, enquanto a L2 evoluía ao longo dos anos, por meio de contato diário com
falantes nativos, a L1 perdia, no mesmo ritmo, a sua força.
Na sequência vamos à análise dos casos que merecem atenção. Em virtude da
presença de muitas ocorrências, como já frisamos anteriormente, preferimos dividi-las
em várias categorias, como vemos a seguir:
- Empréstimos da língua portuguesa.
Primário palavra que no português identifica uma formação escolar elementar; no
italiano, a palavra correta a ser utilizada seria “scuole elementari”.
Contra – advérbio da língua portuguesa, que corresponde ao italiano “contro”.
Agricultura – substantivo da língua portuguesa, em italiano: “agricoltura”.
Então – advérbio que corresponde ao italiano “allora”.
Embaixo – advérbio de lugar, equivalente em italiano a “sotto”.
Uma – artigo indefinido, que em italiano seria “una”.
78
Dormindo gerúndio do verbo “dormir” na língua portuguesa. A forma correta na
língua italiana seria “dormendo”.
Diferente adjetivo que no português não apresenta como sinônimo a palavra
“diverso”, como ocorre na língua italiana. Todavia o mais utilizado em italiano é
“diverso”, tendo a palavra “differente” um uso muito limitado.
Nota-se também que o entrevistado usa a regra do italiano para a formação do plural
da mesma palavra: “diferenti”.
Os casos acima analisados mostram a influência da L2 no desempenho da L1,
certamente motivada pelos 12 anos vividos na Itália contra os mais de cinquenta
vividos no Brasil.
- Fusão entre as duas línguas.
Nivello substantivo que apresenta a raiz da palavra portuguesa “nível” e a
terminação da mesma palavra que no italiano seria “livello”.
Conoscimento – neste caso, temos a raiz da palavra “conoscenza” da língua italiana e
a terminação da palavra “conhecimento” da língua portuguesa.
Foguetti o entrevistado faz uso corretamente da regra italiana para a formação das
palavras masculinas no plural, no entanto o faz em uma palavra genuinamente
portuguesa, que é “foguetes”.
Estes casos podem significar uma tentativa por parte do entrevistado de demonstrar
competência na L1, mesmo quando não possuía conhecimento suficiente para este
desempenho.
79
Outro caso que chamou a atenção, e que pode ter relação com os anteriores,
foi o uso da palavra incerto” na frase: “come si piantava il grano......, come si faceva
l’incerto...”. Vemos aí possivelmente a tentativa de reproduzir foneticamente de modo
semelhante ao italiano a palavra portuguesa “enxerto”, porém foi criada uma palavra
nova, pois em italiano deveria ser utilizado “innesto”.
- Uso indevido das preposições.
Na frase: “Mio zio è andato a Siberia”, nota-se o uso indevido da preposição “a”
quando deveria ser utilizada a preposição “in”.
Na frase “Mi ricordo venivano del Veneto”. Aqui se nota o uso de “del” no lugar de
“dal”, que seria o correto na língua italiana.
Analisamos o uso das preposições mesmo sabendo que seria impossível para o
entrevistado um desempenho melhor, que ele teve pouco contato com o ensino das
regras gramaticais da língua italiana.
- Outros casos.
A expressão ultima viaggio” na frase questa nave ‘sto Sebastiano Cabotto
era l’ultima viaggio che faceva...” demonstra a total influência da L2 na L1, que a
palavra “viagem” em português é feminina singular, ao contrário do italiano; portanto,
o entrevistado faz concordar o adjetivo dizendo “ultima viaggio” no lugar de “ultimo
viaggio”.
As palavras scopio”, pastolaree giovanesetambém merecem análise.
Trata-se possivelmente de termos que o entrevistado deve ter ouvido em alguma
circunstância, porém sem tê-las interiorizado.
80
Isso justificaria a reprodução delas de forma equivocada. As palavras em questão, em
italiano, seriam: “scopo”, “pascolare” e “genovese”.
Em alguns trechos transcritos, verificamos que a concordância verbal não está
conforme as regras gramaticais italianas, como, por exemplo:
- formavamona frase: “mia mamma mi ha messo in uma colonia agricola che
formavamo tecnici agricoli”.
- vado a perdere” na frase: “prima che viene un’altra guerra vado a perdere questi
quattro figli io vado via”.
Quanto à palavra neh”, há vários casos em que o entrevistado conclui a frase
de forma a pedir uma confirmação por parte do entrevistado usando esta expressão,
que remete ao português “não é verdade?”, e que corresponde ao italiano “vero?”.
Para finalizar a análise desta entrevista, podemos frisar que a língua italiana
foi bem conservada, porém apresenta grande interferência da língua de adoção.
Comparativamente às duas primeiras entrevistas, nesta é bem mais visível a presença
dos dois códigos linguísticos no discurso.
Isso, todavia, é justificável, como dissemos anteriormente, pelos mais de cinquenta
anos de contato com a L2 e sem a convivência direta com a L1.
81
TABELA 4.4.
Palavras ou trechos identificados e sua correspondência em italiano.
ENTREVISTA 3
Palavras / trechos Italiano correto
Italiano
incorreto
Scopio, giovanese,
prima che vado a
perdere, formavamo,
pastolare, ultima
viaggio, del Veneto,
diferente, diferenti, a
Siberia
Scopo, genovese, prima
di perdere, formava,
pascolare, ultimo
viaggio, dal Veneto,
diverso, diversi, in
Siberia
Português
correto
Primario, agricultura,
dormindo, contra,
então, la embaixo,
uma, neh?
Elementari, agricoltura,
dormendo, contro,
allora, lì sotto, una,
vero?
Mista
Incerto,
conoscimento,
foguetti, nivelo
Innesto, conoscenza,
razzi, livello
82
ENTREVISTA N. 4
Sexo: masculino
Ano de nascimento: 1929
Lugar de nascimento: Venezia
Partida da Itália: 1951, aos 22 anos
Profissão: aposentado
Doc: Parlando della partenza dall’Italia e Lei è venuto qui in nave naturalmente
[
Inf: in nave giusto
Doc: cosa si ricorda del viaggio in nave?
Inf: tutto perfettamente mi ricordo tutto
Doc: Ci racconti qualcosa (+) degli episodi
Inf: (incomprensibile) degli episodi tutto qua prima cosa so/ son mbarcato a Genova
(++) giusto su una nave mista (+) passeggeri e carico neh i passeggeri non c’era non
era cabine (+) era un (++) (incomprensibile) come come come i buoi come se
((risate)) era una cosa interessante neh era alojamento per uomini e alojamento per
donne e bambini (+) e cuccette era cinque cinque piani neh então quelle persone si
alzavano lì/ abbiamo navigato durante sedici giorni (++) per arrivare qui (+) a Rio de
Janeiro neh (++) e::: durante la nave: (+) il comandante a: cercava di mantenere
insomma:: le persone un po’ motivate perché è logico non si sapeva cosa si trovava né
(+) ma (+) abbiamo trascorso questi sedici giorni (+) e (incomprensibile) posso dirti
anche con una certa alleGRIA (++) perché la gente non sapeva cosa trovava domani
neh (++) eh logicamente è stata una sorpre/ arrivando a Rio de Janeiro (+++) è stata
83
una cosa interessante neh (++) tre quattro ragazzi (++) abbiamo preso un un um
onibus come si dice un tram e siamo fatto un giro neh (incomprensibile) tante volontà
(incomprensibile) non avevamo voglia di ritornare neh e dopo cosa è successo? (+)
continuava ancora abbiamo chiesto perché non si parlava male male neh (+)
(incomprensibile) inton siamo scesi e abbiamo fatto un po’ (+) un po’ di soldi
ciascuno per prendere un taxi e per ritornare al porto questa è stata la cosa più mi ha
(++) e dopo il giorno dopo siamo arrivati a Santos siamo scesi a Santos inton siamo
stati accolti dalla dalla:: con (++) (incomprensibile) dall:: immigrazione neh
l’immigrazione che ha fatto i documenti para (+) per potere inton rimanere qui in
Brasile neh (+) il giorno dopo son arrivato a Curitiba (+) sono arrivato a Curitiba il
giorno due novembre (++) e a Santos sono cittadino italiano in Brasile il trentuno
ottobre del millenovecentocinquantuno
Doc: La prima impressione di Rio de Janeiro perché è stata la prima (+) città
brasiliana che ha visto?
Inf: Ah:: adesso è difficile di dire questo perché la gente stava con la testa così
confusa eh tutta una cosa nuova una cosa diferente nel senso non non ne imaginavo
cosa fosse Rio de Janeiro non sapevo che c’era il Cristo Redentor (+) non sapevo che
c’era il Corcovado sapevo che c’era la gente di colore questo si sapeva ma (++) sulle
altre cose no neh
Doc: è stata una bell’immagine?
Inf: un’immagine diferente veramente bella perché logico Venezia è una cosa e
Rio de Janeiro è un’altra cosa (+) ecco ma posso dirti (+) una persona che nasce a
Venezia ha una certa nozione di turismo (++) perché abita a Venezia il movimento di
Venezia e tutto questo (+) e Rio per me era una cosa differente neh:: posso dire una
cosa BELLA però senza nozione nessuna neh
Doc: E Curitiba invece?
84
Inf: oh Curitiba l’ho trovata piccolina (++) una cit veramente provinciana (+)
comparando con le città d’Italia che conoscevo neh giusto e Curitiba è una città
bellina ma piccolina (++) eh:: pos/ un grande paese da noi altri (+) e:: si conosce tutti
neh parlando del Veneto eh cosa succede? Qua a Curitiba oh:: (incomprensibile) una
cosa che era una famiglia praticamente inton sono molte le persone che si conosce/
perché la città era pic/ non aveva preso ancora eh:: una città grande come si vede oggi
(+) Curitiba è cresciuta molto neh in quel tempo (+) Curitiba aveva un centottanta
duecento mila abitanti (+) quando sono arrivato io nel cinquantuno (+) oggi è una
città bem diferente neh
(Interrupção da transcrição)
85
Análise
Também nesta entrevista, é marcante a boa preservação da língua italiana. O
entrevistado em questão veio para o Brasil com 22 anos de idade, ou seja, tinha
certa formação na língua italiana. Além disso, ao longo de todos esses anos no Brasil,
tem participado periodicamente de atividades junto à comunidade italiana de Curitiba.
Porém o contato de todos esses anos, tanto com a sociedade curitibana de um modo
geral, quanto com a sua própria família, formada a partir da união com uma brasileira,
contribuíram para que, mesmo de forma sutil, houvesse influência da L2 no
desempenho da L1.
A seguir analisaremos as principais ocorrências encontradas no trecho transcrito.
Em primeiro lugar, identificamos dois casos de autocorreção: o entrevistado
usa a palavra inicialmente em português, para, logo em seguida, corrigi-la
pronunciando-a no italiano correto.
- Ocorrência 1: “abbiamo preso um um um ônibus come si dice un tram”.
- Ocorrência 2: “l’immigrazione ha fatto i documenti para per poter rimanere qui in
Brasile”.
Vê-se perfeitamente que no discurso surge de forma mais espontânea a palavra em
português, enquanto aquela italiana vem após um momento de reflexão.
Como já ocorreu durante a análise da entrevista 3, temos a presença do
adjetivo “diferente”, mais comum em português, usado no lugar de diverso”, que é
o mais difundido na língua italiana.
Outro aspecto interessante que podemos notar no trecho transcrito foi a
presença dos termos entãoe inton”. O primeiro é um claro empréstimo da língua
86
portuguesa, que em italiano a palavra a ser usada é allora”. No segundo caso,
um desejo evidente de italianizar foneticamente a mesma palavra.
Existem também algumas falhas na conjugação dos verbos, como:
- non c’era cabine”, quando deveria ter dito: non c’erano cabine”;
- noi siamo fatto un giro”, no lugar de: noi abbiamo fatto un giroo ci siamo
fatti un giro”.
Tal fato pode ser atribuído ao longo período longe das regras gramaticais do italiano.
Pode-se ainda levar em conta o fator emocional uma vez que estava falando sobre a
sua vida, a sua história.
Propriamente da língua portuguesa é o termo provinciana”, na frase:
“Curitiba l’ho trovata piccolina una città veramente provinciana”, usado em lugar da
palavra italiana “provinciale”.
Também pertence ao português o vocábulo alojamento”, empregado na
frase: Era uma cosa interessante neh era alojamento per uomini e alojamento per
donne e bambini”, quando deveria ter sido usada a palavra “alloggio”.
Vemos que o entrevistado em questão usa inúmeras vezes a expressão neh
para concluir suas frases. Pode-se dizer que se trata de um hábito brasileiro absorvido
por um italiano ao longo do tempo.
Concluindo, notamos que a competência na língua italiana é muito boa e que
as ocorrências merecedoras de análise são normais, como frisamos várias vezes
anteriormente, em pessoas que vivem sem contato com a língua-mãe por um longo
período.
87
TABELA 4.5
Palavras ou trechos identificados e sua correspondência em italiano.
ENTREVISTA 4
Português
Italiano
Italiano
incorreto
Italiano
correto
neh?
vero?
no?
ônibus
autobus
para
per
diferente
diverso
non c’era
cabine
non c’erano
cabine
noi siamo fatto
un giro
abbiamo fatto
un giro,
ci siamo fatti un
giro
então
allora
provinciana
provinciale
88
ENTREVISTA N. 5
Sexo: feminino
Ano de nascimento: 1939
Lugar de nascimento: Vicenza
Partida da Itália: 1948, aos 9 anos
Profissão: comerciante
Doc: Perché siete venuti in Brasile? Si ricorda la ragione?
Inf: Sì:: (+) e:: mio papà (+) papà aveva finito la guerra + e la non c’era del lavoro
(+++) é stato chiamato (per venire) in Brasile (++) per l’arch/ l’architetto ma a
Niema/ Niemeyer (+++) e:: (++++) ha lavorato con lui un anno (++) e dopo e::
(++++++++++++) precisava (+++) venire via per (+++) per :: (++) il la temperatura
(era) molto alta (++) e non (++) si acostumava
Doc: E quando le hanno detto che voi dovevate lasciare l’Italia (++) e dovevate venire
qui in Brasile? Come gliel’hanno detto? Si ricorda?
Inf: No tanto perché:: (++) e:: mio papà è venuto un anno prima (+++) e:: io e mia
mia mamma siamo venute dopo un anno (+++) allora non no non sapre/ (+++) non
sapr/ (++) non saprei dirti (++) il motivo com’è stato:: non mi ricordo
Doc: E ma quando Lei ha saputo che dovevate venire qui in Brasile era contenta era
felice o era dispiaciuta di lasciare l’Italia?
Inf: Bom mia mamma (++) piangeva solo piangeva (neh) (++) io era piccola então
no no (++) non sapeva ::: (++) come (++++) neh (++) então è stato assim (++) un::
viaggio molto brutto
Doc: Cosa si ricorda del viaggio?
89
Inf: Niente (++) e:: (+++) no noi stavamo num:: numa cabine (+++)
(incomprensibile) sotto neh (++++) e:: mia mamma praticamente stava in letto il
tempo (++) intiero
Doc: Perché?
Inf: Perché:: (++++) si sentiva male
[
Doc: si sentiva male
Inf: si sentiva male
Doc: e Lei invece cosa faceva?
Inf: Bom (++) io andavo per ci/ per (+++) e:: per (++) cima per (++) baixo
(Interrupção da gravação)
Doc: Allora stava dicendo della nave cosa faceva Lei?
Inf: Giocava ((risate)) giocava (+++) sola non c’era molto (++) molte cose da fare
Doc: E quando siete arrivati in Brasile si ricorda che mese era?
Inf: No
Doc: No
90
Inf: No
Doc: E quando ha visto/ dove siete sbarcati?
Inf: A Rio de Janeiro
Doc: E la prima immagine che si ricorda di Rio de Janeiro come è che Le è sembrata
questa città nuova? (++) Ha dei ricordi?
Inf: Un poco (++) molto poco (+++) e:: (++) quando noi siamo arrivati (++++) non
siamo stati a Rio (+) siamo venuti qua per Curitiba (++) e da Curitiba Campo Largo
(+++) perché mio papà (+) lavorava in una numa : (++) fabbrica di ceramiche (++)
e:: (++++++) (incomprensibile) ele era pintor
Doc:
Inf: E lavorava in:: ceramiche (++) pintava a mano
Doc:
Inf: Siamo stati sei anni in Campo Largo (++) dopo siamo (+) ritornati qua a Curitiba
Doc: E voi a casa parlavate solo l’italiano vero quando siete appena arrivati
[
Inf: Sì sì sì
Doc: E poi
[
Inf: solo l’italiano
Doc: il portoghese come è che l’ha imparato?
91
Inf: a scuola
(Interrupção da transcrição)
92
Análise
Em uma primeira análise, devemos salientar que a entrevistada número 5 foi
aquela que obteve o menor índice de desempenho na língua italiana falada. Como
veremos a seguir, o mero de termos passíveis de análise é muito grande e, além
disso, é marcado pelo uso da língua portuguesa como uma espécie de apoio. A
justificativa mais plausível pode ser atribuída ao fato de a referida entrevistada ter
vindo ao Brasil quando contava com apenas nove anos de idade, ou seja, pouco ou
quase nada obteve na Itália em termos de formação educacional.
Outro fator que pode explicar este fraco desempenho é que, logo que chegou
ao Brasil, começou a estudar. E todo o estudo foi desenvolvido em língua portuguesa,
o que, portanto, a afastou mais e mais da L1.
Além disso, conforme a própria entrevistada, a sua família ficou instalada em
uma região distante dos principais núcleos italianos, tornando ainda mais difícil o
contato com a língua italiana.
Em seguida, passaremos a analisar o trecho transcrito; porém, em virtude do
grande número de ocorrências, como já fizemos anteriormente, vamos dividi-las
também em categorias.
Empréstimos do português, verbos.
- precisavana frase: “mio papà........ precisava venire via”, quando o correto, na
língua italiana, deveria ser “doveva”.
- acostumavana frase: “la temperatura era molto alta e lui non si acostumava”,
neste caso o verbo mais adequado em italiano seria “si abituava”.
- erana frase: “io era piccola”, quando a conjugação correta em italiano seria “io
ero”.
- pintava” na frase “lui lavorava in ceramiche pintava a mano”, neste caso o verbo
correto seria “dipingeva”.
93
Nas ocorrências acima, nota-se a direta influência da L2 na L1, pois a entrevistada,
por falta de recursos, acaba por fazer uma espécie de mescla entre os dois códigos
linguísticos.
Empréstimos do português, expressões.
- bom”, então”, neh”. Trata-se de três expressões próprias da língua portuguesa,
muito utilizadas pela entrevistada e que reforçam a idéia da falta de habilidade no
desempenho da língua-mãe.
As expressões citadas são, como já dissemos, muito comuns, tanto que aparecem por
diversas vezes também nas entrevistas analisadas anteriormente, fato este que
demonstra um traço que aproxima de certa forma os imigrantes de um mesmo
período, no que se refere ao desempenho da L1 falada.
- assimna frase: “è stato assim un viaggio molto brutto”. O advérbio correto na
língua italiana seria “così”.
Empréstimos do português, frases.
- numa cabine’, em: “noi stavamo num numa cabine”, quando a expressão em
italiano deveria ser “in una cabina”.
- “cima per baixo”, em: “io andavo per cima per baixo”. A expressão italiana
poderia ser: “andavo da una parte all’altra”. Nota-se aqui uma tentativa de
italianizar a frase usando a preposição “per” no lugar de “para”.
- “ele era pintor”, a frase em italiano seria: “lui era pittore”.
94
Fusão entre as duas línguas.
- sapeva” na frase: “io era piccola então non sapeva...”.
- giocava”, na frase: “io giocava sola”.
Nestas duas ocorrências, a entrevistada, mesmo usando o verbo italiano adequado, se
deixa influenciar pelo português quando efetua a conjugação no Imperfeito do
Indicativo.
Preposições.
- perna frase: “è stato chiamato per venire in Brasile per l’architetto...”. Nesta
frase a preposição que deveria ser usada, segundo as normas gramaticais da língua
italiana, è “dall’”, por tratar-se de uma frase passiva.
- in letto”, na frase: “mia mamma praticamente stava in letto il tempo intiero”. A
preposição a ser utilizada neste caso seria “a”.
- per Curitiba”, na frase: “siamo venuti qua per Curitiba”, a preposição adequada
em italiano seria “a”.
- in ceramiche”’na frase: “lavorava in ceramiche”, a entrevistada usa aqui inno
lugar de “con le”.
- in Campo Largo” na frase: “siamo stati sei anni in Campo Largo”, a preposição
a” deveria ter sido usada neste caso.
No uso dessas preposições, observa-se que a entrevistada é diretamente influenciada
pela L2, que é a mais conhecida e a mais empregada no seu dia-a-dia.
Para concluir a análise desta entrevista, podemos citar algumas situações extra
que merecem destaque. As longas pausas durante a entrevista podem ser consideradas
fator de insegurança no desempenho da L1. Na ausência de outros recursos, a
entrevistada via-se na dependência de “ganhar tempo” para refletir sobre o que
deveria falar.
95
O uso excessivo de palavras e expressões próprias do português demonstra a
impossibilidade de um desempenho mais satisfatório. A preferência por respostas
breves comprova também a dificuldade de se expressar em uma língua que, por
diversas vezes durante a entrevista, dava mostras de ser, para ela, quase uma língua
desconhecida.
Não obstante todas as dificuldades aqui citadas, sentimo-nos obrigados a
enaltecer o grande esforço que a entrevistada demonstrou, tanto na vontade de
colaborar da melhor forma possível com este trabalho, como na tentativa de buscar
dentro de si própria rastros de um idioma não utilizado por ela muito tempo e que
se transformou quase em uma língua desconhecida. Levando-se tudo isso em
consideração, podemos concluir que o italiano usado pela entrevistada número 5 é
satisfatório.
96
TABELA 4.6.
Palavras ou trechos identificados e sua correspondência em italiano.
ENTREVISTA 5
Palavras / trechos Italiano correto
Italiano
incorreto
Per l’architetto, lei
stava in letto, siamo
venuti per Curitiba,
lavorava in ceramiche,
siamo stati sei anni in
Campo Largo
dall’architetto, lei stava
a letto, siamo venuti a
Curitiba,
lavorava con le
ceramiche, siamo stati
sei anni a Campo Largo
Português
correto
Precisava,
acostumava, bom,
neh?, era, então,
assim, numa cabine,
ele era pintor, pintava
doveva, abituava, allora,
vero?, ero, allora, così,
in una cabina, lui era
pittore
Mista
Io sapeva, io giocava,
cima per baixo
io sapevo, io giocavo,
da una parte all’altra
97
ENTREVISTA N° 6
Sexo: masculino
Ano de nascimento: 1942
Lugar de nascimento: San Lorenzo, província de Trento
Partida da Itália: 1969, aos 27 anos
Profissão: professor de italiano
Doc in che anno Lei è partito dall’Italia per venire qui in Brasile?
Inf sono partito nel sessantanove (+ + +) sì nel sessantanove
Doc quanti anni aveva?
Inf avevo 27 anni
Doc quindi Lei aveva già:: finito gli studi in Italia?
Inf
Doc si era laureato?
Inf no laureato non / no perché io ho fatto gli studi: eh:: di filosofia e teologia
(+) ma:: ah:: in seminario e perciò (++) non c’era un titolo di studi (+) equivalente
alla laurea
Doc e e negli anni in cui Lei studiava prima di partire per il Brasile com’era l’Italia?
98
Inf Eh:: era un’Italia molto bella molto vivace molto (+ + ) eh (+ + ) che stava
cercando eh:: come dire un rinnovamento (+ + ) forse spirituale proprio eh:: era
l’epoca delle:: (+ ) dei movimenti studenteschi (+) nel sessantotto (+) ma era l’epoca
che: era stata preceduta anche dal Concilio Vaticano Secondo con una / (+) che aveva
portato in Italia una (+) secondo me un bellissimo (+) eh:: (+) una bellissima ricerca
di conoscenza (+) del del mondo (+) eh: di vedere oltre oltre l’Italia eh? (++) è stato
un / era un’epoca molto bella e l’ITALIA anche così come eh: dal punto di vista
sociale era in (+) in effervescenza c’erano molti movimenti operai politicamente era
(+) era molto (+) interessante eh:: (++) sì (+) ho un ottimo ricordo di quell’epoca
Doc e allora cosa l’ha spinta a lasciare l’Italia e a:: venire qui in Brasile?
Inf dunque come ti ho detto io ho fatto gli studi di teologia sono diventato prete (+) e
volevo venire qui in: in Brasile (+) per aiutare la chiesa di qui che sapevo ahn: aveva
(+) grande necessità di di preti di sacerdoti perché (+) per esempio a San Paolo (+)
che: già a quell’epoca era una città eh: (+) mostruosa di grande (++) ahn: c’erano
meno preti che nella diocesi di Trento dove io (+) sono nato e cresciuto eh:: (++++)
eh:: la provincia di Trento e la diocesi avevano quattrocento mila abitanti e San Paolo
ne aveva otto milioni
Doc quindi siete venuti qui per portare un po’ di supporto ahn:: spirituale?
Inf si (++) ahn:: non tanto supporto credo che la la: la:: il nostro desiderio il MIO
desiderio era quello di eh:: (++) di dare eh:: alla gente eh? Un po’ più di eh:: (++) si
supporto assistenza MA di dare una una scintilla che li portasse a: ad andare da soli ad
avere più (+) più::
Doc più indipendenza
Inf indipendenza
99
Doc Lei è partito insieme ad un gruppo o è partito da solo?
Inf no siamo venuti / eravamo (++) sei preti sulla stessa nave (+) eh:: quattro siamo
venuti a San Paolo (+) o siamo andati a San Paolo e due eh:: avevano come destino
Rio Grande do Sul
Doc cosa si aspettava dal Brasile? qual’era l’idea che Lei aveva di questo paese
prima di intraprendere questo viaggio?
Inf eh:: io ho fatto tutta la teologia in un seminario eh:: (+) di Verona (+) che si
chiamava ((nome del seminario)) un seminario molto ahn:: (++) molto
all’avanguardia (+) tanto per quanto riguarda gli studi come per quanto riguarda la
forma / riguardava la formazione dei preti (+) dei seminaristi eh:: (++) e c’era una
formazione specifica rispetto de / di dell’America Latina (+) perciò eravamo a
conoscenza di moltissime cose che (+) in altre scuole non (+) non si sapevano (++)
eh:: avevamo incontri con moltissimi (+) eh::: (+) non solo vescovi o sacerdoti ma
intellettuali (+) eh:: latino – americani (++) messicani onduregni e: e::: che altro: (++)
abbiamo conosciuto moltissimi BRASILIANI argentini eh:: boliviani ne abbiamo
conosciuti della gente (+) ogni fine settimana venivano ‘na decina di vescovi dal
concilio veniva (+) a cercare qualcuno che potesse ((risate)) andare a dargli una mano
(++) e allora ‘nsomma (++) abbiamo abbiamo sentito molte cose
Doc qual’era l’idea principale (+) che si tramandava del Brasile?
Inf bene: nonostante tutto quello che possono avere (+) insegnato e:: comunicato
rispetto della situazione del Brasile (+) io avevo un’idea che era (+) abbastanza credo
comune di un paese molto povero e: questo credo che sia vero eh? (almeno) fino ad
oggi mio Dio non si può nascondere ma (+) eh::: (+++) ma: (+) l’idea che avevo era
un po’ (+) esagerata vai (+) credo
Doc siete partiti dall’Italia quando (+) per venire qui in Brasile e da dove?
100
Inf bene siamo partiti allora già che: tu vuoi sapere / beh ((risate)) sono venuto con la
nave partiti da Genova (++) se non mi sbaglio alla fine / no no non mi sbaglio alla
fine di ottobre (+) ma non mi ricordo perfettamente se è stato il giorno ventuno
ventidue ventitre (+) e siamo arrivati il giorno sei (+) novembre a Rio de Janeiro
Doc che ricordi ha della nave qualche immagine particolare che le è rimasta impressa
(+++) la gente?
Inf no la gente non / se no (+) no non (+) quello che mi che mi ricordo è che con gli
altri colleghi eravamo preoccupatissimi di imparare:: il portoghese (+) e dopo (+)
pochi giorni forse un giorno due tre forse che eravamo sulla nave abbiamo conosciuto
una suora (+) di una cittadina dell’interno di San Paolo e lei ha cominciato a darci
lezione di (+) portoghese (+) per sei ore al giorno (++) questo me lo ricordo molto
bene ((risate)) dopo mi ricordo che mangiavo patate come (+) MAI nella mia vita e
quando il capitano nell’ultimo giorno è passato di tavolo in tavolo a chiedere eh:: se
eravamo contenti e questo e quello io gli ho chiesto “ma mi dica quante tonnellate di
patate abbiamo imbarcato a Genova?” ((risate)) lui ci è rimasto male poveretto (+)
che ci si può fare
Doc c’era gente che veniva un po’ da dall’Italia intera su questa nave?
Inf credo di si beh: c’era / la nave era piena (era) l’Augustus il suo ultimo viaggio
(++) dopo questo viaggio ti dico é (++) stata venduta al ferro vecchio ((risate)) eh:: e
c’era molta gente adesso io non mi ricordo di essermi interessato se / ma italiani non
erano molti (++) e c’erano molti (+) brasiliani e argentini che erano stati in Italia per::
(+) delle vacanze per trovare dei parenti: cose di questo tipo italiani pochissimi (+)
non mi ricordo ma non: credo che eravamo solo noi (++) e c’era il cardinale di Rio de
Janeiro (+++) che si chiamava ((cognome)) ma non era ((nome )) era stato suo
ausiliare e in quell’epoca era già vescovo di Recife (++) lui era (++) don ((nome e
cognome)) era molto conservatore lui
101
Doc quando siete arrivati a Rio de Janeiro qual’è stata la prima immagine che ha
avuto di questa città? Come se la ricorda Rio de Janeiro?
Inf eh:: l’unico ricordo che ho fino ad oggi fino adesso è che (++) quando siamo
andati sul Corcovado (++) eh: siamo passati nella:: floresta da Tijuca (+++) mi ha
sbalordito il (+) la vivacità del: della foresta (++) io: non avevo mai visto un: bosco
come ci sono dalle mie parti in Trentino (+) così:: pieno di alberi che (+) sarebbe
stato impossibile entrarci
(interrupção da transcrição)
102
Análise
O entrevistado em questão veio para o Brasil em 1969, aos 27 anos de idade.
Era padre, com toda uma formação teológica feita dentro de um seminário na Itália.
Segundo as suas próprias declarações, foi convidado a trabalhar no Brasil, que
naquela época apresentava certo déficit no número de sacerdotes.
Após trabalhar em território brasileiro por determinado tempo, abandonou o
sacerdócio e casou-se com uma brasileira. Este fato e os quase quarenta anos vividos
no Brasil, entretanto, não foram suficientes para que houvesse perda ou qualquer tipo
de alteração no seu desempenho da língua-mãe, que foi conservada integralmente.
Provavelmente dois fatores influenciaram a ótima conservação da língua; o
primeiro é jamais ter perdido o contato com os italianos e com a língua italiana, pois
retorna à Itália periodicamente; o segundo fator determinante é que desempenha as
funções de professor de língua italiana, em uma escola da qual ele mesmo é
proprietário, já há mais de dez anos.
Todos os comentários que fizemos acerca desta entrevista são amplamente
comprovados na transcrição dela, uma vez que na escolha do léxico, nas
concordâncias, na riqueza do texto, observa-se claramente o domínio da L1. No
trecho transcrito não foram encontrados elementos que demonstrassem qualquer
dificuldade no trato com a língua, quer da influência da língua portuguesa, quer na
falta de recursos quanto à gramática italiana, ou de qualquer outra ordem. Ao
contrário, verificou-se ao longo do diálogo a riqueza e grande espontaneidade que são
características dos nativos, reforçadas pelo nível de preparo ao longo de uma vida de
estudos.
De todas as entrevistas constantes neste trabalho, esta é, sem sombra de
dúvida, a que melhor testemunha que, mesmo se tendo vivido quase meio século em
contato direto com uma L2, pode-se sim preservar de modo íntegro a língua-mãe.
Temos plena consciência, porém, de que fatos como estes representam uma exceção.
103
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Pensando as entrevistas de um modo global, podemos verificar perda na
qualidade do discurso na língua italiana, fenômeno este que acreditamos ser natural
em indivíduos que se mantêm a certa distância do seu País de origem. Essa conclusão
tem como base a definição de “língua” segundo Vincenzo Monti: è un organismo
vivente”.
Além disso, conforme vários linguistas, a língua italiana sofreu nas últimas
décadas um processo evolutivo ainda mais significativo que o considerado normal em
qualquer outra língua, com a criação de neologismos, novas formas verbais e lexicais
e o empréstimo de palavras estrangeiras.
Ainda que o processo evolutivo da língua italiana tenha sido muito
significativo nas últimas décadas, temos a certeza de que, para um falante que vive na
Itália, a assimilação dessas transformações ocorreu de forma automática, enquanto o
mesmo não podemos afirmar para os falantes que acompanharam de longe este
processo.
Neste último caso enquadram-se os indivíduos objeto deste trabalho; algo em
torno de cinco décadas de afastamento justificariam até uma perda total da língua
falada. Perda essa que não ocorreu absolutamente com os nossos entrevistados, o que
não significa dizer que não houve transformação ou perda parcial, quer provocadas
pela influência direta da L2 na L1, quer pela falta de interesse pessoal em procurar
meios para preservar a língua-mãe.
Tratando de cada entrevista de um modo mais singular ou específico,
destacamos a seguir que:
Uma delas, a de número 6, alcançou níveis de perfeição, algo praticamente
impossível para um indivíduo que vive longe da Itália há quarenta anos.
Duas delas (as de mero 1 e 2) também merecem destaque do ponto de vista
da performance, inclusive se pensarmos no processo de transformação da língua
italiana ocorrido nas últimas décadas.
104
Na entrevista de número 2, este ótimo desempenho pode perfeitamente ser
justificado, seja pelo nível de escolaridade do entrevistado, seja pela idade que ele
tinha quando aqui chegou, o que lhe permitiu ainda na Itália a aquisição de toda uma
bagagem linguístico-cultural. Acrescente-se a estes o fato de estar ele desenvolvendo
aqui, já há algum tempo, o papel de professor de italiano.
na entrevista de número 1, as justificativas para ótima preservação da L1
são bem diversas; trata-se de uma pessoa que demonstra claramente, na maneira de se
expressar, um grande amor tanto pela Pátria quanto pela língua. Mesmo tendo vivido
distante de um ambiente propício para a conservação da língua, o seu grande interesse
fez com que, com grande esforço, fosse encontrando oportunidades para relacionar-se
com o mundo italiano.
A entrevista número 4 demonstra também um indivíduo com um bom nível
quanto ao discurso na L1. Este bom nível pode ser atribuído ao fato de, segundo as
suas próprias palavras, jamais ter abandonado o meio italiano. Isso porque, desde a
sua chegada, ele participa de inúmeros eventos organizados por membros da
comunidade italiana que, como ele, aqui chegaram na década de cinquenta.
Continuando a comentar cada entrevista de forma individual, temos a de
número 3 cujo entrevistado, mesmo não tendo atingido níveis tão altos quanto aqueles
tratados anteriormente e mesmo tendo sofrido a evidente influência da L2, conseguiu
desenvolver um diálogo bastante satisfatório, a ponto de permitir tranquilamente uma
conversação com qualquer italiano que dele se aproximasse.
Concluindo a série de entrevistas, encontramos a de número 5 na qual a
entrevistada mostrou claramente ter dificuldades no desenvolvimento do discurso na
língua-mãe. Era visível o desejo de buscar na lembrança palavras ou expressões em
italiano, mesmo precisando de muito tempo para uma melhor reflexão. Entre as
causas que podem ter contribuído para este resultado e indo além daquelas
justificativas mencionadas como a influência da L2 e o contato com brasileiros
—, podemos enumerar outras, por exemplo, a falta de oportunidades para um contato
maior com a comunidade italiana, ou quem sabe até a falta de desejo em preservar um
idioma que se tornara quase estranho em virtude do tempo.
105
Concluindo este estudo, temos nas entrevistas, mesmo que sejam uma pequena
amostra de todo um quadro, a prova incontestável de que é possível a manutenção da
língua-mãe mesmo longe do país de origem. De um total de seis, sendo quatro
consideradas ótimas ou boas, uma satisfatória e somente uma reputada como
insatisfatória, temos uma visível demonstração de que os imigrantes que chegaram a
Curitiba logo após a Segunda Guerra preservaram bem a língua-mãe.
Sendo Curitiba uma cidade que oferece muitas possibilidades de acesso ao
mundo italiano, seja ele cultural, histórico ou linguístico, quem sabe tenhamos o
segredo que justifique este resultado positivo em relação à conservação da língua.
106
CONCLUSÕES
Primeiramente devemos deixar clara a satisfação em tratar de um assunto tão
rico quanto o da imigração italiana no Brasil. A vontade de aprofundar o
conhecimento a respeito deste tema, buscando na literatura dos últimos cem anos algo
que tratasse do assunto, demonstrou uma carência no que diz respeito a imigração do
pós-guerra em Curitiba; quase a totalidade das informações referiam-se a primeira
grande chegada de italianos nesta cidade.
Além dos livros que, mesmo não sendo muitos, ajudavam a compreender de
certa forma a trajetória daquele italiano vindo ao final do século XIX ao Brasil, havia
também a possibilidade de buscar dentro dos núcleos italianos existentes na capital
paranaense, através de relatos de descendentes, informações a respeito.
Porém, para ampliar o estudo em relação a este fenômeno, que é o
desenvolvimento pleno do italiano em território paranaense nos últimos 130 anos, era
necessário conhecer mais a fundo a história daquele que partiu da Itália mais ou
menos há cinqüenta anos.
Começamos então a buscar dentro dos núcleos; entretanto, para nossa
surpresa, nada encontramos que pudesse contribuir para que iniciássemos esta
pesquisa. Ou seja, este italiano não se encontrava neste local, mais ainda, ninguém
tinha informações que permitissem a sua localização.
Todas essas dificuldades contribuíam para aumentar o desejo de descobrir
mais sobre o assunto; para tanto, começamos o trabalho a partir de contatos em locais
onde existia o fluxo de imigrantes italianos, como por exemplo: associações culturais,
escolas de línguas, universidades, etc.
E a partir daí, quando conseguimos encontrar o que procurávamos, é que
pudemos dar início a este trabalho.
Tendo como exemplo todo o estudo desenvolvido no Estado de São Paulo
sobre o aspecto linguístico nas comunidades italianas, é que decidimos analisar a
língua dos imigrantes que chegaram em Curitiba por volta de 1950.
107
Mesmo que tenhamos analisados um numero restrito de entrevistas, em
virtude das dificuldades aqui destacadas, a opinião formada após um estudo do
material disponível é que, embora passados quase cinqüenta anos, a língua italiana
foi muito bem preservada pelo imigrante italiano residente em Curitiba.
A intenção principal deste trabalho é contribuir, de forma simples, com este
tema; jamais pensamos em termos conclusivos, pois estamos conscientes de que
muitos caminhos existem ainda a serem percorridos.
Quem sabe esta pequena amostra sugerida em nosso trabalho possa ser o
início de um estudo bem mais aprofundado sobre o imigrante italiano que chegou a
Curitiba no pós-guerra do ponto de vista linguístico, dado que este é um aspecto ainda
pouco explorado, tendo sido privilegiados até agora os temas mais relacionados com a
história e a cultura italiana do primeiro imigrante.
108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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113
ANEXO 1
1) Luogo ed anno di nascita?
2) Cosa si ricorda della sua città d’origine?
3) Che ricordi ha degli anni trascorsi in Italia?
4) Com’era la sua famiglia, da quante persone era composta?
5) Lei aveva studiato in Italia? Fino a quale classe?
6) In che anno è partito/a per venire qui in Brasile? Perché è partito/a?
7) È partito/a da solo/a o insieme alla sua famiglia, ai suoi amici?
8) Da dove è partito/a?
9) Che idea aveva del Brasile quando ha deciso di partire? Come se lo aspettava?
10) Che ricordi ha della nave? Come passava le giornate? Ha fatto amicizia?
11) Appena è sbarcato in territorio brasiliano qual’ è stata la prima impressione che ha
avuto?
12) Quale è stata la sua destinazione appena è sbarcato/a?
13) Quando ha raggiunto la città di Curitiba?
14) Quando e come ha imparato la lingua portoghese?
15) Mi racconti un po degli anni passati a Curitiba? Che lavoro ha fatto? Come si è
integrato nella città?
16) Quali occasioni, se c’erano, aveva di continuare a parlare l’ italiano?
17) Con chi lo parlava?
18) Si è sposato/a? Ha sposato una persona che faceva parte della comunità italiana
oppure un/una brasiliano/a?
19) Che lingua parla quotidianamente? Che lingua ha insegnato ai suoi figli?
20) Quando è ritornato in Italia per la prima volta?
21) Come l’ha trovata?
22) Come vede l’ Italia da lontano?
23) Ritornerebbe in Italia per sempre?
24) Lei si sente più italiano/a o brasiliano/a?
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