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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
CURSO DE MESTRADO
A BRINCADEIRA DE ANTONIO NÓBREGA:
UMA TÉCNICA A PARTIR DA RECRIAÇÃO DAS TRADIÇÕES
POPULARES BRASILEIRAS
Linha de Pesquisa: Processos e Métodos de Construção Cênica
Orientador: prof.º dr.º Zeca Ligiéro (José Luiz Ligiéro Coelho)
Mestranda: Camile Cecília dos Anjos
Rio de Janeiro
Abril de 2009
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2
A BRINCADEIRA DE ANTONIO NÓBREGA:
UMA TÉCNICA A PARTIR DA RECRIAÇÃO DAS TRADIÇÕES POPULARES
BRASILEIRAS
por
Camile Cecília dos Anjos
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Artes Cênicas do
Centro de Letras e Artes da UNIRIO,
como requisito parcial para a obtenção
do grau de Mestre em Teatro, sob
orientão do Professor Doutor José
Luiz Ligiéro Coelho.
Rio de Janeiro
Abril de 2009
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3
A Cadu.
Pessoa fundamental nesse trabalho e na minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
A Zeca Ligiéro, pela orientação, pelas conversas e ensinamentos.
A Denise Zenícola, pelas observações valiosas.
A Elza de Andrade e Nara Kaiserman, pelas colocões que ajudaram a definir o rumo dessa
pesquisa na banca de análise de projeto.
Aos integrantes do Grupo Milongas, por dividirem comigo os ônuns e bônus dessa difícil escolha
que fizemos na vida.
A Daniel Chagas, pela edição dos vídeos e por tantas experiências trocadas.
A Rodrigo Amém, pela revisão do inglês.
A Ana Carolina Gomes, pela ajuda com o Power Point.
A Aline Duenha e Sabrina de Moura, pelo apoio irrestrito em todos os momentos, independente
da distância.
A Marcelo Assunção, pela estadia em São Paulo.
A Antonio brega, por me conceder entrevista e por realizar o trabalho que inspirou essa
pesquisa.
Aos funcionários e professores do Instituto Brincante: Rita, Silmara, Erina, Otávio e Luciano;
que carinhosamente me receberam e prontamente contribuíram com informações e quaisquer
materiais que eu solicitasse.
Aos professores e funcionário da UniRio.
Ao CNPq, pelos doze meses de bolsa.
Aos professores que compõem a banca.
A Eduardo Ramos, pelas imeras revisões.
As minhas irmãs, pai e e, por sempre apoiaram e viabilizaram minhas empreitadas, mesmo,
talvez, sem compreendê-las completamente.
A todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho, muito
obrigada.
5
RESUMO
Através de uma experiência prática e teórica, essa dissertação pretende analisar os
procedimentos cênicos criativos do artista Antonio Nóbrega, e compreender a reelaboração e
transposição para o palco que este executa a partir de elementos da cultura popular brasileira.
Através da análise da figura de Tonheta, identificar o repertório técnico utilizado no processo de
composição desse personagem e as relações que se pode obter entre as brincadeiras populares e o
teatro contemponeo. Propõe uma reflexão para as contribuições práticas que esse processo de
recriação de Antonio Nóbrega pode legar ao ator que procura embasar sua arte na cultura popular
de seu ps, sem, no entanto, deixar de dialogar com os procedimentos cênicos universais.
6
ABSTRACT
By a practical-theoretical approach, this dissertation intends to analyse performer Antonio
Nóbrega’s creative acting techniques in order to understand his method of reassembling and
transposing elements of brazilian popular culture onto stage. By examining Tonheta’s character,
it also contemplates the technical repertoir applied in the character composing process, as well as
the relations which may be stablished between popular traditions and contemporary theater.
This paper provides a discussion on the practical contributions Antonio Nóbrega’s
transposing process may grant actors who seek a popular cultural native background for their art,
with no disregard for universal acting techniques.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ___________________________________________________________p. 01
CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS ENTRE O ATOR E O BRINCANTE
1.1 - Pontos de encontro entre a cena contemporânea e a cultura popular ______________p. 07
1.1.1 - O corpo dessemantizado __________________________________________p. 14
1.1.2 - Entre jogo e brincadeira ___________________________________________p. 17
1.1.3 - Contato com as culturas orientais ___________________________________p. 23
CAPÍTULO 2 A BRINCADEIRA DE ANTONIO NÓBREGA: IDENTIDADE E
ELEMENTOS CONSTITUINTES DA CENA
2.1 - Primeiras pisadas de um brincante erudito __________________________________p. 29
2.1.1- Trajetória ______________________________________________________p. 29
2.1.2 - Movimento Armorial _____________________________________________p. 32
2.1.3 - Formação técnica ________________________________________________p. 38
2.3 - Os Espetáculos _______________________________________________________p. 46
2.3.1 - Figural (1990) __________________________________________________p. 49
2.3.2 - Brincante (1992) ________________________________________________p. 64
2.3.3 - Segundas Histórias (1994) _________________________________________p. 71
CAPÍTULO 3 – TONHETA: ARQUEOLOGIA E COMPOSIÇÃO DO PERSONAGEM
3.1 - Origens _____________________________________________________________p. 76
3.1.1 – Breve histórico _________________________________________________p. 76
3.1.2 – O cômico popular _______________________________________________p. 83
3.2 - A Influência das Brincadeiras e Figuras ____________________________________p. 85
3.3 - Influência dos “Heróis” Brasileiros _______________________________________p. 90
3.3.1 - Tipologia de Malandros ___________________________________________p. 90
8
3.3.2 - Pedro Malasartes ________________________________________________p. 92
3.3.3 - João Grilo _____________________________________________________p. 96
3.3.4 - Violência – sexo – comida _______________________________________p. 100
3.3.5 - Pontos comuns e diferenças _______________________________________p. 102
3.4 - A Composição Corporal _______________________________________________p. 107
3.4.1 - Corpo híbrido __________________________________________________p. 107
3.4.2 - O corpo brincante de Tonheta _____________________________________p. 111
CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________p. 117
BIBLIOGRAFIA _________________________________________________________p. 121
ANEXO I - Entrevista com Antonio Nóbrega ____________________________________p. 128
ANEXO II - Histórico do Grupo Milongas ______________________________________p. 138
ANEXO III - Publicões de Imprensa _________________________________________p. 146
9
INTRODUÇÃO
Os motivos que me levaram a pesquisar o artista Antonio Nóbrega estão diretamente
ligados a minha trajetória prática como atriz. Em agosto de 2002 iniciei a graduação do curso de
Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO, com habilitação
em Interpretação. Com uma necessidade imensa de criação, típica de quem começa a dar os
primeiros passos na profissão, juntei-me a outros alunos para pesquisarmos de forma prática e
teórica uma temática que algum tempo já despertava a minha atenção: manifestações da
cultura popular brasileira. O conhecimento que tínhamos a respeito desse universo era nimo,
mas ainda assim todos se empenharam nessa empreitada, da qual não nhamos sequer a idéia da
vastidão e de sua complexidade. Percorremos bibliotecas, museus, grupos cantadores de Bumba-
meu-boi, professoras que nos ensinassem danças tradicionais e o que mais pudéssemos angariar
de material relacionado à cultura popular. Por uma questão de acaso, nos aprofundamos em
danças de manifestações de origem nordestina: Maracatu, Frevo, Coco-de-roda, Caboclinhos,
Ciranda, Cavalhada, Bumba-meu-boi e Cavalo Marinho. Vale ressaltar que, apesar do empenho
em investigar essas tradições, nunca quisemos ser um grupo de cultura popular. Éramos apenas
um grupo de atores e estudantes de teatro que se interessaram principalmente pelos pressupostos
estéticos e pelos visíveis aspectos cênicos dessas manifestações, que deu origem ao Grupo
Milongas
1
. Acredito que nossos treinamentos podem ser identificados no processo criativo do
artista Antonio Nóbrega e, através do andamento dessa pesquisa, de ordem teórica e prática,
pretendo enriquecer as formas de trabalho do Grupo Milongas, através da observação e
identificação da técnica própria que desenvolveu Antonio Nóbrega, na qual alia elementos da
1
Maiores informações sobre o grupo C.f. anexo II.
10
cultura popular a técnicas de dança e teatro e a partir da qual se expressa artisticamente com uma
linguagem particular, que congrega uma rie de influências da cena teatral contemporânea a
serviço de seus anseios artísticos. Pesquisar o trabalho de Antonio Nóbrega pra mim, se em
duas frentes de interesse, uma enquanto estudiosa acadêmica de teatro e de manifestações da
cultura popular brasileira, e outra como atriz pesquisadora de um grupo de teatro contemporâneo
que alia na prática elementos da cultura popular à cena teatral em prol da formação de uma
linguagem artística que expresse de forma singular os anseios de uma coletividade.
O termo “cultura popular”, bastante problematizado por diversos pesquisadores, será neste
trabalho, assim como no trabalho do Grupo Milongas, embasado segundo a perspectiva de
Renato Ortiz (ORTIZ, 1980), como um femeno de reprodução social ao mesmo tempo que um
elemento de transformação. Trata-se de um espaço internamente heterogêneo com relevante
caráter de ambigüidade, sem exclusão das polaridades, e que estabelece uma relação de poder
com a sociedade global na qual está inserida.
Utilizar as tradições da cultura popular brasileira como matriz criativa foi de extrema
importância para a criação da identidade do Grupo Milongas em seus aspectos cênicos, corporais
e estéticos. E é justamente nesse ponto que surge minha identificação com o trabalho artístico de
Antonio Nóbrega, que fundamenta sua criação em elementos do universo da cultura popular
brasileira, principalmente nordestina. Apesar de seu foco estar sempre voltado para esse universo
das tradições, ele realiza um processo de criação pessoal a partir delas, que individualiza seu
trabalho. Seus espetáculos estão sempre imersos no universo popular, bem como suas músicas e
as danças que reproduz são explicitamente extraídas das manifestações, entretanto, uma
singularidade, uma identidade que ele imprime através de seu processo criativo. o se trata de
encarar as manifestações da cultura popular como algo estático, pelo contrário, essas
manifestações estão em constante movimento e autorecriação. A respeito de Nóbrega
11
especificamente, o que me chama atenção é seu procedimento de reelaboração da tradição em
função de uma identidade artística que, no caso de seu trabalho corporal, que é o que desperta o
interesse dessa pesquisa, resulta em uma técnica desenvolvida por ele, calcada nos ensinamentos
que obteve ao longo de sua carreira, tais como a técnica de teatro-dança de Klauss Viana, ou os
fundamentos da Antropologia Teatral de Eugenio Barba, utilizados em função de uma maior
expressividade cênica, aplicada na prática das danças das manifestações popular. A motivação
determinante dessa pesquisa é, portanto, perceber o desenvolvimento desta técnica de
reelaboração artística das danças populares desenvolvido por Antonio Nóbrega, visando sua
futura aplicabilidade no trabalho do Grupo Milongas, quer dizer, como a utilização de elementos
corporais das danças populares pode contribuir para o trabalho do ator contemporâneo em geral.
Analisar o processo criativo de um artista que usa as bases corporais de determinadas tradições
culturais para a criação de sua própria arte, ou que “modela seu comportamento cênico segundo
uma rede bem experimentada de regras que definem um estilo ou um gênero codificado”
(BARBA, 1994: 27).
A título de organização, essa dissertação se dividiu em três capítulos, o primeiro se ateve
aos contextos culturais que propiciaram a experiência de Nóbrega: os pontos de encontro entre o
brincante e o ator, as proximidades entre o teatro contemporâneo e as manifestações da cultura
popular brasileira, além das colaborações que efetivamente um pode dar ao outro. As perguntas
que orientaram o processo da pesquisa se colocam neste capítulo: A prática das danças e
brincadeiras populares pode ser um eficiente instrumento de formação do ator contemporâneo?
As exigências técnicas do ator de hoje podem ser supridas atras dessas práticas? Existe uma
técnica da tradição? Minha experiência pessoal junto ao Grupo Milongas foi também de grande
importância para a elaboração dessas questões, pois o diálogo com a prática se deu
concomitantemente ao desenrolar dessa pesquisa.
12
O segundo capítulo aborda o “brinquedo de Antonio Nóbrega e os elementos
constituintes da cena, ou seja, sua formação técnica, influências e o resultado artístico, ou seja,
seus espetáculos enquanto formato de brincadeira, que remetem ao universo das tradições. Os
espetáculos escolhidos para análise foram Figural; Brincante e Segundas Histórias, pois são os
que apresentam maior ênfase no aspecto teatral. O foco se deu nos elementos e aspectos que
comem e inspiram seu universo artístico. Perceber quais relações e recursos técnicos ele utiliza
para criar e recriar, ou seja, identificar o que é visível e o que o é visível para o blico,
entender de onde proem os elementos utilizados por ele e sua retomada dos jogos das tradições
populares.
O terceiro capítulo se ateve à composição e atuação do personagem Tonheta, presente nos
três espetáculos analisados no segundo capítulo. Sua arqueologia dentro do universo do
imaginário popular e sua relação com personagens de folguedos e tradições, além da
identificação e análise de suas bases corporais.
A análise restringiu-se a registros audiovisuais, arquivos de imprensa e relatos do próprio
artista, uma vez que não tive a oportunidade de assistir aos espetáculos pessoalmente.
Essa pesquisa compreendeu uma metodologia que uniu aspectos práticos e teóricos. Além
do embasamento em outras pesquisas, acamicas ou o, a respeito deste mesmo universo. Foi
realizada também uma viagem a São Paulo, onde está localizado o Instituto Brincante, o teatro-
escola idealizado por Antonio Nóbrega e Rosane Almeida. A pesquisa de campo foi realizada
durante o período de 24 a 28 de agosto de 2008. Durante os quatro dias em que estive pude
conhecer as instalações do Instituto, fazer aulas de Dança Popular, Percussão e Dança com
Percussão, além de documentar parte delas através recurso áudio-visual. Pude ainda conversar
com os professores e compreender melhor a metodologia adotada por eles que, além de
trabalharem no Brincante atuam como bailarinos em alguns espetáculos de Nóbrega. Tive a
13
oportunidade de consultar o acervo do Instituto, que dispõe de uma pequena biblioteca, além de
vídeos, incluindo os espetáculos de Antonio Nóbrega, dos quais me disponibilizaram cópias,
além de artigos de imprensa com críticas dos espetáculos que estão no cerne dessa pesquisa. A
importância dessa viagem se deu principalmente por possibilitar que eu realizasse uma entrevista
de aproximadamente 30 minutos com Antonio brega, durante a qual ele esclareceu pontos
fundamentais para o andamento de meu trabalho. Entrevista devidamente registrada em áudio-
visual, e que fora transcrita e inserida como anexo ao final dessa dissertação.
14
1 – DIÁLOGOS ENTRE O ATOR E O BRINCANTE
Antes de entrar propriamente no universo artístico de Antonio brega, considerei
relevante traçar alguns pontos de encontro, de uma forma mais ampla, entre as práticas do ator e
do brincante, uma vez que essa pesquisa é balizada também por uma experiência prática de
minha parte junto ao Grupo Milongas e que, acredito que possa contribuir também para o
trabalho de outros artistas que se interesse em aproximar a cultura popular da arte teatral.
A título de verticalização o estudo se concentrará nos elementos que dizem respeito
diretamente ao ofício do ator. Essa escolha se deu ainda por constatar que o ator - e o seu corpo -
é o elemento essencial e mais específico da arte teatral contemporânea. Conforme Hans-Thies
Lehman pode-se dizer acerca do teatro que nada mais vem as o corpo. Chegamos. Não se
pode estar nem vir a ser mais presente” (LEHMAN, 2007: 399). Além do foco dessa pesquisa ser
voltado, primordialmente, para o trabalho corporal do artista Antonio Nóbrega, e seu personagem
Tonheta.
Não suponho de modo algum que os encontros aqui traçados sejam os únicos possíveis,
nem que tais caminhos sejam mais importantes que outros, são apenas possibilidades de buscar
“pontos de apoio” (BARBA, 1994: 28), em uma linguagem com a qual temos identificação
cultural e que está ao nosso alcance. Além de promover uma reaproximação com nossa
ancestralidade, por vezes esquecida, mas que é a raiz que nos sustenta como artistas e cidadãos.
É importante ressaltar que, quando utilizo o termo “contemporâneo”, atribuo-lhe apenas o
seu sentido temporal, quer dizer, de dias atuais, não pretendo com isso fechar um conceito. Os
pontos levantados não caracterizam um tipo específico de teatro, eles foram apontados por
representarem certa tendência comum a várias linguagens cênicas que se pode verificar nos
15
teatros de hoje, como também são frequentemente apontados por importantes teóricos que se
dedicaram a esse tema, além de poderem ser identificados no trabalho artístico de Antonio
Nóbrega. Assim como os termos cultura popular e “brincadeiras” também dirão respeito às
manifestações identificadas no trabalho do artista - Cavalo Marinho, Capoeira, Frevo e
Caboclinhos - em seus aspectos mais gerais e recorrentes, uma vez que seria inviável e
inconseqüente tentar abarcá-las em sua totalidade.
1.1 Pontos de encontro entre a cena contemporânea e a cultura
popular
De uma forma geral é possível enumerar uma série de encontros entre a cena teatral
contemporânea e as manifestações da cultura popular brasileira. Muitas técnicas e características
almejadas pelos atores contemporâneos são por vezes procuradas em tradições distantes de nossa
realidade, percebo entretanto, que diversos desses aspectos podem ser facilmente encontrados nas
próprias brincadeiras populares nordestinas e, naturalmente, de uma forma mais próxima ao
contexto do ator brasileiro.
Nesse momento serão considerados os aspectos da cena, por tal motivo a comparação será
embasada fundamentalmente na brincadeira do Cavalo Marinho pernambucano, uma vez que esta
apresenta uma estrutura nica mais elaborada e complexa, dentre as abordadas por essa
pesquisa, e também porque considerei com mais pontos relevantes ao se colocar em paralelo com
a cena teatral contemporânea.
É importante ressaltar que eu não sou a primeira pesquisadora a atentar para as ligações
entre teatro e cultura popular. Outros estudiosos também se dedicaram intensamente para essa
16
conexão. Hermilo Borba Filho, entre as décadas de 40 e 70 do século XX, buscou identificar as
noções do “teatro da crueldade” de Artaud e do “teatro épico” de Brecht na brincadeira do
Bumba-meu-boi. Mais atualmente, Mariana Oliveira procurou identificar os ecos da brincadeira
do Cavalo Marinho no jogo de cena entre atores contemporâneos. Ainda com o brinquedo do
Cavalo Marinho, Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra relacionou os conceitos de
performance apontados por Renato Cohen. Também devemos destacar o Grupo Lume Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais, na UNICAMP Campinas, que desenvolve uma pesquisa
prática, coordenada pelo ator Jesser de Souza e integrantes do Grupo MunduRodá, na qual aliam
o treinamento técnico à brincadeira do Cavalo Marinho. Ressalte-se ainda os estudos da
etnocenologia
2
, campo de estudo multidisciplinar que pesquisa os procedimentos espetaculares,
expressos através do corpo, nas diversas áreas de atuação humana.
A proximidade com as artes plásticas nos anos 70 levou ao campo da performance,
inicialmente manifestando-se através dos Happenings e outras formas que conduziam a
interatividade. Entretanto este termo de difícil definição expandiu-se e, abarca atualmente
também o campo da antropologia. Os performers seriam aqueles que transitam entre arte e vida,
na performance evidencia-se mais os processos que as conclusões, seria mais próximo da idéia de
ação e interação. Segundo Richard Schechner (SCHECHNER, 2003), a performance pode ser
artística, ritual ou cotidiana, é marcada por um contexto ou uma convenção que a delimita, e são
feitas de comportamentos restaurados. Para o autor, todo comportamento executado por qualquer
pessoa é uma repetição de algo existente, que pode ser deslocado de seu contexto de origem, ou
recombinado com outros comportamentos.
2
A respeito ver GREINER, Christine e BIÃO, Armindo (orgs.) Etnocenologia textos selecionados. São Paulo:
Aannablume, 1999.
17
Os bitos, rituais e rotinas da vida são comportamentos restaurados. Comportamentos
restaurados são comportamentos vivos tratados como um cineasta trata um pedaço de
filme. Esses pedaços de comportamento podem ser rearranjados ou reconstruídos; eles
são independentes do sistema causal (pessoal, social, político, tecnológico...) que os
levou a existir. Eles têm uma vida própria (SCHECHNER, 2003: 33).
Uma das características do teatro a partir dos anos 80 é o desenvolvimento de projetos
solos. Característica que podemos detectar internacionalmente em performers como Dario Fo,
Spaldin Gray, Denise Stoklos e, neste mesmo sentido, em Antonio Nóbrega. Nóbrega agrega ao
seu trabalho a tradição do brincante popular nordestino à concepção de um solo-performance
contemporâneo. Categoria esta criada por Michael Kirby e apontada pelo pesquisador Zeca
Ligiéro (LIGIÉRO, 1989) como uma característica de solo-performance, na qual a fronteira entre
o ator e o personagem se torna tênue, pois o material do personagem e a biografia do ator se
misturam diante dos olhos do espectador. Ligiéro chama atenção para as qualidades artísticas da
performer Denise Stoklos, e afirma que “Para um ator fazer teatro sozinho é necessário no
mínimo ser circense, mímico, ser capaz de dançar, projetar a voz e estar interessado numa boa
discussão” (LIGIÉRO, 1989: 36). Acredito que Nóbrega preencha todos esses quesitos. O autor
ainda nos atenta para o fato de que as atuações solo são característica de artistas populares que,
desde a Idade Média, atuam em feiras e praças públicas. Nóbrega afirma que Tonheta seria uma
espécie de seu alterego cômico, ele utiliza sua biografia para a criação de um personagem de si
mesmo, executando dessa forma uma autoperformance.
Uma temática recorrente nas manifestações da cultura popular, seja nas lendas orais, seja
nas festas ou nas brincadeiras, é a da celebração dos mortos. Segundo Mário de Andrade (1982),
a temática da morte estaria presente em todas as danças dramáticas, e evidenciam-se
principalmente nas brincadeiras do Cavalo Marinho ou do Bumba-meu-boi. O enredo central de
uma das peças da brincadeira é a figura mítica do boi, que morre e posteriormente ressuscita. A
18
relação com o universo dos mortos, ou com as chamadas entidades do além, são fator recorrente
na cultura popular, seja por intermédio religioso, como no Candomblé ou na Umbanda, ou
através da brincadeiras, constituindo-se como “segredos” das mesmas. Existe, por exemplo, uma
figura do Cavalo Marinho chamado Caboclo de Arubá e, embora o se saiba claramente, pois há
um mistério em torno da figura e uma espécie de pacto de silêncio sobre a mesma, parece ser uma
entidade que realmente incorpora em determinados figureiros, em horas proibitivas da
madrugada, e realiza façanhas corporais, tais como, caminhadas sobre cacos de vidro. Por essa
razão, nem todo brinquedo teria um figureiro “capaz” de colocar tal figura.
O teatro pós-dramático preconizado por Lehman (2007) - estudo que reúne diversas
tendências da vanguarda cênica mundial - seria aquele em que uma linguagem especificamente
teatral é posta em evidência, livre de associações e significados, e independente de outras artes. O
que importa para o teatro s-dramático não é o que os elementos representam e sim o que eles
são pela sua presença. Lehman apóia os fundamentos do teatro s-dramático na poética da
morte
(LEHMAN, 2007: 371), segundo ele o fato de ator e público compartilhar um
determinado tempo, significa que envelhecem juntos, ou se encaminham para morte, seria uma
“insinuação a mortalidade” (idem), e complementa citando Heiner Muller, que a especificidade
do teatro seria o “moribundo potencial” (idem). Enquanto no cinema nós assistimos a morte, no
teatro nós a dividimos. O teatro, assim como a morte, é algo que não se explica, está para além da
informação. Também é possível identificar uma ligação com o mundo dos mortos, ou com a
ancestralidade, na inclinação que Grotowiski e Eugenio Barba demonstram com relação ao
xamanismo. Seria o ator uma espécie de xamã, que se comunica com os vivos e os mortos. No
texto recolhido de uma conferência realizada por Grotowiski em Gabinetto Viesseux, em 15 de
julho de 1985, intitulado Você é filho de alguém, ele discorre amplamente sobre a necessidade de
ligação com seus antepassados, e sobre o conhecimento e contato com o passado que permitem
19
um maior conhecimento do presente. Logo, entrar em contato com seus ancestrais proporciona o
contato consigo mesmo.
[...] mas se eu conheço o teu segredo, Calderón, consigo compreender o meu. Eu não
falo com vo como o autor que devo encenar, falo com você como meu longínquo
a. Isso significa que eu me preparo para falar com os meus antepassados. Mas ao
mesmo tempo não posso negá-los. São a minha base, a minha fonte. É uma queso
pessoal entre eu e eles (GROTOWISKI, 1985).
Também podemos notar nos brincantes determinadas caractesticas que remetem ao xamanismo,
como o ato do travestimento, a utilização de alegorias de animais que remetem a um devir
homem-animal, assim como os rituais de fechamento de corpo”, que ocorrem antes de algumas
sessões do brinquedo. Os banhos de ervas e rezas também são formas de proteção comuns que
precedem à brincadeira.
Outro fator de aproximação seria o tipo de interpretação e performance pública realizada
pelos brincantes, uma vez que, como na maioria dos teatros que acontecem na rua, não
apresentam características naturalistas. São eles propositalmente exagerados, atingindo o grotesco
(como veremos detalhadamente no capítulo 3), e atuam dentro de uma estrutura interna aberta,
totalmente disponível para o jogo cênico, seja com os outros brincantes, seja com a platéia. As
brincadeiras, que possuem uma estrutura dramática visível, depositam no brincante o foco central
de seu interesse, e este, por sua vez, utiliza seu corpo como recurso fundamental e decisivo de sua
comunicação. Recorde-se que a brincadeira ocorre em vias públicas, locais de grande circulação,
às vezes em meio de festas promovidas pelo poder público local. A ão cênica não é
necessariamente poupada dos muitos barulhos em torno da roda, além da utilização das máscaras
abafar muito a voz dos brincantes. É, portanto, a corporeidade e o jogo entre os brincadores e,
entre estes e a platéia, que sustentam primordialmente a estrutura do evento. É relevante ressaltar
20
que a música também se sobressai nesse contexto, mas ela está em sintonia com o jogo dos
participantes. Os brincantes, apesar de estarem amparados por um roteiro pré-definido, se apóiam
firmemente na improvisação, o que se observa é uma criação que ocorre no “aqui-agora”, em
conjunto com o público, que tem a possibilidade de interferir livremente no espetáculo, ajudando
a concebê-lo naquele momento compartilhado por todos. A “fábula” do Cavalo Marinho não se
constrói a partir de um encadeamento lógico, o que ocorre o momentos que se fazem naquele
instante e que em seguida se esvaem. Portanto, mais uma vez sublinho que, o que interessa ao
público é de fato a “brincadeira”, quer dizer o jogo, a troca, e a corporeidade vivaz e
extracotidiana dos brincantes.
As figuras, que é como são chamados os personagens do Cavalo Marinho, são personas,
delineamentos, silhuetas de personagens, que não apresentam um caráter profundamente
psicologizado, nem apresentam grandes conflitos emocionais. Encontram paralelo nos tipos
micos da Commedia dell`arte. Segundo a definição de Patrice Pavis, “a figura designa um tipo
de personagem sem que seja precisado de que traços particulares essa personagem se compõe”
(PAVIS, 2001: 167).
As cenas presentes na brincadeira são multifocais, em diversos momentos o espectador
necessita escolher o que prefere assistir. Eventualmente, inclusive, criam paradoxos, como por
exemplo, no episódio do baile em homenagem a São Gonçalo (no Cavalo Marinho) momento
de maior manifestação de religiosidade da brincadeira - ao mesmo tempo em que os galantes
estão declamando singelos versos em louvor ao santo, os personagens Mateus e Bastião estão
correndo aos berros, perseguidos pela figura do Bode. Também a integração das linguagens
contribui para essa diversificação de focos, há uma divisão de atenção constante entre o banco
(sicos), o Capio (este o “coordenador” da brincadeira e que pode estar se relacionando com
alguma figura) e Mateus e Bastião, que se relacionam com todos e entre si. Do mesmo modo,
21
também é comum verificar no teatro contemporâneo cenas que não possuam um único foco; o
espectador é, de certo modo, “responsável” por sua escolha, assim como a busca pela utilização
de diferentes linguagens artísticas, como a sica, a dança, as artes plásticas. Estas se
apresentam cada vez mais e se misturam na cena teatral, com a mesma importância dos demais
elementos: ou seja, esses elementos o têm a finalidade de reafirmar o que é dito pela
interpretação e pelo texto, mas, sim, de revelar uma rie de outras possibilidades artísticas,
criando uma cena híbrida, resultado de uma bricolagem de influências. Todos estes aspectos
levantados redundam, para o espectador, em um contato mais sensorial do que intelectual com o
espetáculo. Ainda a respeito da simultaneidade e justaposão de cenas, Renato Cohen determina
que “A emissão contemporânea é marcada pela sobreposição, simultaneidade, encontro dos
múltiplos, criando qual Janos mitológico estruturas bicéfalas, nas quais os opostos não se
alternam, permanecem justapostos” (COHEN, 2004: 103).
A brincadeira, e por conseqüência, os brincantes, encontram-se num limiar entre vida
privada, vida social, festa, espetáculo e ritual, lugar do campo mítico, bastante procurado pelo
teatro contemporâneo, e que busca uma interação mais ativa com o público. Ao mesmo tempo em
que o tom ritualístico (desde Artaud) vem sendo implantado a cena que, não deixa nunca de ser
espetáculo.
1.1.1 - O corpo dessemantizado
O reconhecimento de que o teatro vive ao mesmo tempo da transcendência do corpo e
de suas limitações leva para além da verdade evidente de que o corpo constitui o centro
e a fascinação do teatro. A fascinação com o corpo, evidente na dança e na acrobacia,
mas também perceptível na concentração corporal e mental dos atores, sugere nada
menos do que a idéia da possível espiritualização do corpo (LEHMAN, 2007: 360).
22
Todo o processo de expansão de meios de comunicação em massa e novas dias legaram
ao teatro a busca, como esboçamos, do elemento que lhe é exclusivo: a compartilhação de
experiências. Por isso quem está no centro do teatro contemporâneo é aquele que se faz
concretamente presente no momento do espetáculo, quem se relaciona diretamente com o
público, sem intermediários: ou seja, o ator, que através de seu corpo vai estabelecer a conexão
direta com o espectador realizando a experiência de troca.
Segundo Lehman, no teatro “dramático o corpo é utilizado como um instrumento para
representar o abstrato, o que se passa no interior do personagem, ou então como tema (da dor, da
sexualidade, da daa, etc.). Já no teatro “pós-dramático” o corpo arrisca-se em novas conexões,
como ao ligar-se a tecnologias gerando o corpo-máquina (LEHMAN, 2007: 333). O corpo do
ator contemporâneo perde sua função semântica e se expõe somente enquanto materialidade.
Foi necessária a emancipação do teatro como uma dimensão própria da arte para se
compreender que o corpo, sem prolongar uma existência como significante, pode ser
agente provocador de uma experiência livre de sentido, que não consiste na atualização
de um real e de um significado, mas é experiência do potencial (LEHMAN, 2007: 336).
Ainda de acordo com o mesmo autor, a dança funcionaria como um “dispositivo
exemplar” para a constituição do teatro pós-dramático, uma vez que os movimentos de uma
coreografia de dança moderna encerram seus objetivos em si mesmos. O espectador de dança
concentra sua atenção na movimentação dos membros e contração dos músculos dos bailarinos, e
não no que ele poderia estar representando através de tal movimentação.
Outro recurso utilizado no teatro pós-dramático que diz respeito ao corpo é a exposição do
corpo “inumano”, ou seja, aquele imperfeito, inacabado “Surge assim uma cena de pesadelo na
qual os corpos escapam a qualquer categorização, mas ao mesmo tempo, de modo paradoxal,
deixam entrever sua beleza mesmo na desfiguração (LEHMAN, 2007: 344). A contemplação do
23
corpo não é mais pelo seu ideal de beleza, conforme herança ancestral dos helenos, mas por sua
imperfeição. Verifica-se nessa afirmativa uma intensa proximidade com o corpo grotesco, do
qual falaremos a respeito no terceiro capítulo, comumente utilizado nas brincadeiras populares e
também explorado pelo personagem Tonheta, de Antonio Nóbrega.
A desfiguração corporal pode se encaminhar também para uma objetificação do corpo. O
autor cita o exemplo da careta, que transfigura o rosto do ator em uma máscara, o que pode ainda
se estender para a postura de todo o corpo. O teatro pós-dramático ainda estreitou laços com o
mundo dos autômatos e dos bonecos, ou seja, dos corpos sem vida, que costumavam ser
utilizados apenas em espetáculos voltados para o público infantil. Desde a teoria do Unheimlich
3
de Freud, ou seja, o “estranhamente familiar”, a arte vem diminuindo a distância entre os vivos e
não-vivos.
Ainda a respeito da desfiguração corporal que se no teatro pós-dramático, o autor
atenta para a relação com animais que, diferentemente do gênero dramático, no qual se explorava
a antropormofização com o intuito de comparar o comportamento humano ao animalesco, no
pós-dramático os corpos dos humanos e dos animais se equiparam: “O corpo, que se torna quase
mudo, que suspira, grita e solta ruídos animais, é a quintessência de uma realidade mítica para
além do drama humano. Na deformação e na monstruosidade, no autismo e nos distúrbios da fala,
os corpos humanos se aproximam do reino animal” (LEHMAN, 2007: 351). O corpo humano e o
animal se equivalem e, não apenas um se aproxima do outro, como animais que de fato são, mas
por vezes, também dividem a cena com o ator. No Cavalo Marinho os personagens se dividem
nas categorias de humanos, animais e fantásticos, não existe hierarquia, e cada figura que toma
parte na roda encerra em si próprio sua finalidade, não pretendem significar além do que são e
3
A respeito ver FREUD, Sigmund. “O estranho” In: História de uma neurose infantil e outros trabalhos. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
24
apresentam. O Boi é uma figura colocada por brincantes na qual o homem fica encoberto pela
estrutura, já o cavalo no qual o capitão está montado/vestido, e também a Burrinha, se mistura
com a figura humana, gerando um corpo devir homem-animal.
Também o corpo atlético é explorado pelo teatro s-dramático, uma vez que uma
maior exposição dos limites corporais, seja através da exaustão, de movimentos acrobáticos ou
quando estes são colocados em situação de risco. Um alto preparo físico é exigido dos atores para
que possam realizar as mais vigorosas movimentações, de maneira que o foco seja a atuação do
próprio corpo. Esta capacitação física pode ser adquirida mediante a prática de exercícios físicos,
esportes ou, acrescento, através da dança do Frevo, do Caboclinhos, do Cavalo Marinho ou do
jogo da Capoeira - dos quais os benefícios como prontidão, agilidade, ritmo, coordenação, serão
mais detalhadamente observados no catulo 3 - e que ainda podem ser uma rica fonte de
movimentos para o ator no processo de desconstrução do corpo cotidiano e na elaboração de
novas técnicas e possibilidades expressivas.
A reelaboração de movimentos a partir de matrizes corporais que proporcionam
possibilidades de oposições de membros, torções e desequilíbrios, e que ainda, seja proveniente
de um fator externo, permite que o ator trabalhe mediante posicionamentos não naturais ao seu
corpo, diminuindo a tendência à significação, que um impulso interno naturalmente tende a
imprimir ao movimento, afastando dessa forma a corporeidade da abstração, conforme
mencionado por Lehman (1997: 333). A utilização de movimentos das danças populares, apesar
de inseridos em um contexto repleto de significados culturais que suportam tais manifestações,
quando retirados de seu universo de origem e utilizados como ponto de partida para a composição
de uma partitura corporal artística, pode ser uma rica ferramenta de construção de um corpo
extracotidiano, ficando a cargo do ator a atribuição de significado, ou não, em sua atuação.
25
1.1.2 – Entre jogo e brincadeira
O termo brincadeira ou brinquedo é o mais recorrente hoje entre os atuantes das
manifestações tradicionais da cultura brasileira, especialmente no nordeste, para designar o que
alguns folcloristas costumavam denominar “folguedo popular”. Neste trabalho fez-se a opção de
utilizar os termos empregados tanto pelos atuantes das tradições, como também por Antonio
Nóbrega, portanto, quando se fizer referência às manifestações populares o termo brinquedo ou
brincadeira será empregado, bem como brincantes ou brincadores para referir-se aos atuantes das
mesmas.
Segundo o contexto nico que pretendo discorrer nesta pesquisa, entendo a brincadeira
como um termo sinônimo ao jogo, atribuindo-lhe o sentido abrangente empregado em outras
línguas (to play, spielen, jouer, jugar). Tal termo reúne as duas idéias, a de jogo e de brincadeira
(diversão), o que me parece mais apropriado para se referir a tais manifestações culturais
populares. Em pesquisa de campo, Mariana Oliveira define o termo segundo o discurso dos
próprios participantes de um grupo de Cavalo Marinho: “brincadeira seria primordialmente
diversão, vadiação, não para quem nela toma parte, mas também para quem a contempla
(OLIVEIRA, 2005: 46). Difere do que conhecemos como brincadeiras infantis, pois trata-se de
“brincadeira ria”, formada principalmente por adultos, aonde só brinca quem sabe. Ou seja,
existe uma série de regras implícitas que devem ser respeitadas. Acrescenta-se, portanto, uma
idéia de técnica, de compromisso, consciência, atenção e responsabilidade, além do elemento
espetacular, pois “a brincadeira deve ser bonita de assistir e agradar ao povo
(OLIVEIRA, 2005:
47).
26
Afirmamos que as expressões jogo do ator e “jogo dramático” é a que melhor abarca a
aproximação que pretendo investigar entre jogo e brincadeira. Pois são estes que melhor
reencontram “de maneira sintomática, a tradição espontânea e improvisada do jogo (PAVIS,
2001: 219).
Huizinga (2001) defende que a noção de ludicidade seja anterior a de cultura. Uma vez
que trata-se de uma prática vivida também pelos animais, de um acontecimento da natureza, o
jogo transcenderia quaisquer necessidades fisiológicas ou psicológica, sendo assim uma função
significante. Resume da seguinte forma o conceito de jogo:
[...] poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como “não
séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de
maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material,
com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e
temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de
grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença
ou outros meios semelhantes (HUIZINGA, 2001: 16).
Em síntese das definições anteriores entendo, pois, a brincadeira como uma manifestação
coletiva que envolve várias linguagens artísticas identifiveis (poesia, música, dança e teatro)
em uma atuação espetacular, extracotidiana, envolvida em realidade e temporalidades próprias,
nas quais os seus participantes estão em uma dimensão que os permite modificar o mundo
conforme as próprias leis estabelecidas muito pela brincadeira. Como exemplo de tradições
que se enquadram em tais características é possível citar o Cavalo Marinho, o Bumba-meu-boi, o
Maracatu Rural, o Caboclinhos, os Reisados, sendo que essas brincadeiras são comumente
encontradas no nordeste brasileiro e influenciam diretamente o trabalho de Antonio Nóbrega.
Essas brincadeiras que ajudam a compor e que inspiram o trabalho de Nóbrega são
oriundas de um universo popular, não-literário, onde é bastante presente a figura do mico e das
festas do povo (dos carnavais), e estão presentes tanto em tradições profanas como religiosas. O
27
elemento de comicidade é como um instrumento utilizado pelos brincantes para subverter a
ordem social instaurada, uma vez que dentro da brincadeira (festa/jogo) a realidade é outra, e
quem a comanda é o cômico. A brincadeira tem um fim em si, uma espécie de celebração e
libertação temporária do mundo oficial. “Durante o carnaval é a própria vida que representa e
interpreta uma outra forma livre da sua realização, isto é, o seu próprio renascimento e renovação
sobre melhores princípios. Aqui a forma efetiva da vida é ao mesmo tempo sua forma ideal
ressuscitada” (BAKHTIN, 1993: 07).
registros de manifestações populares festivas em todas as épocas de nossa civilização,
e em todos os continentes. As festas do povo podem ocorrer sob diversas justificativas, tais como:
iniciar ou encerrar um peodo de plantio ou colheita agrícola; para saudar ícones ou figuras
religiosas; celebrar a vitória de um determinado grupo sobre outros; ou simplesmente para
divertir, libertar, mudar a ordem estabelecida das coisas e criar um mundo paralelo, invertido e
efêmero, que dialoga com o mundo oficial, sem deixar de transgredí-lo, ou subvertê-lo. Por um
momento, o que existe de mais rio na sociedade é submetido irremediavelmente às regras
estabelecidas pela festa.
É importante esclarecer que cada festa possui sua especificidade, e que estamos lidando
aqui com noções gerais e características recorrentes das mesmas. No entanto, os motivos que
impulsionam a realização de cada uma, os anseios de seus participantes e o que representam para
aquele determinado grupo que a produz, merece um olhar pormenorizado no caso de estudos
particulares das mesmas.
Acredito que as brincadeiras populares apresentam forte aspecto de jogo, no que concerne
a formação de imagens, no apuro visual, e no caráter representativo que as envolve. o dados
que as remete e aproxima das formas artísticas cênicas. Outro dado relevante que aproxima a
cena dramática da brincadeira, reside no aspecto da cumplicidade de platéia, sem a qual nem uma
28
nem outra podem realizar-se satisfatoriamente. Isso envolve uma implícita aceitação de regras e
funções por parte da platéia e dos atuantes. Esse jogo que por todos é aceito representa o próprio
sentido da festa. Possui em determinadas tradições uma natureza quase independente, por mais
que determinados contextos religiosos ou históricos possam justificá-los. Tal aspecto possibilita
até mesmo que a escatologia e certa violência sejam devidamente amenizadas e toleradas, uma
vez que a “seriedade” desse jogo impõe um recorte momentâneo na seriedade cotidiana. Nos
limites da regra e da suspensão da seriedade transitam os jogadores, que estão a todo tempo com
outro dado inerente a quem joga: o risco. Sua incumbência a dominar e se impor no ritual
coletivo.
São estes, portanto, alguns dos elementos das brincadeiras que são possíveis de serem
contextualizadas no jogo dramático. É fundamental ressaltar que, no entanto, não estamos
tratando de um espetáculo cênico no estrito senso, pois a brincadeira, assim como a festa, não se
situa totalmente na esfera artística, nem busca se propagar ou se identificar como tal. Podemos
afirmar que elas localizam-se no limiar, se relacionam com a arte e com a vida social
simultaneamente.
As brincadeiras populares ocorrem normalmente nas ruas ou praças das cidades, e por
vezes no interior de residências, no quintal ou na frente da casa do dono” do brinquedo. É como
se ocorresse uma suspensão temporária do cotidiano e do espaço público comum para a
realização da brincadeira de um coletivo, que a produz para si e também para os que assistem,
como uma expressão de sua cultura. Existe a idéia de criar um ritual espetaculoso, como forma de
dar um contorno especial para o momento. No entanto, o objetivo da brincadeira é ser brincada.
O jogo como elemento constituinte do teatro é aceito universalmente desde o teatro
clássico, com vários formatos e diferentes regras. Trata-se de um elemento sempre presente na
atuação do ator e sua relação com os outros atores da cena, com a platéia, na forma como
29
expressa suas emoções, como age com seu corpo, como interage com os objetos de cena, a forma
de enunciação de seu texto, etc.
A partir das experiências do teatro épico de Brecht, quando o ator que se coloca como um
intermediário entre o personagem e o público - ou seja, ele claramente não se transforma no
personagem -, ele manipula com o contexto histórico e com as contradições de determinada
situação. Seu preceito localiza-se, ao menos na teoria, em delegar a cada espectador um juízo
sobre os percursos da narrativa, o poupando-o de dados contraditórios no que diz respeito às
soluções narrativas e à reputação de cada personagem. Podemos afirmar que a opção pelo
elemento da contradição é fortemente responsável pelo legado do teatro épico no que diz respeito
ao trabalho do ator, uma vez que provoca necessariamente uma série de embates entre atores e
platéia.
Ainda mais recentemente, observamos formas que colocam o jogo como elemento central
e grande atrativo da cena, como as cnicas de teatro-esporte
4
, fortemente fundamentada na
capacidade de improvisar dos atores, mediante a um conjunto de regras previamente estipuladas.
Nesse tipo de teatro, a disputa suscitada pelo jogo é estimulada entre os atuantes e a platéia. Seja
qual for a linguagem teatral, podemos afirmar que o jogo é um dado inerente a ela e cada vez
mais essencial e procurado pelos artistas.
O jogo como prática cênica dos atores tem também se manifestado no teatro
contemporâneo como uma ferramenta que contribui para a quebra da ilusão. Uma vez que o jogo
se estabelece, sabemos que não estamos a tratar da realidade, e não existe conflito entre o que é
real e o que é teatro. Uma vez que “Aquele que joga sabe, ele mesmo, que o jogo é somente jogo,
e que se encontra num mundo que é determinado pela seriedade dos fins (GADAMER, 1997:
4
Técnica criada por Keith Johnstone, no Canadá. Ver mais em JOHNSTONE, Keith. Impro: Improvisacion y el
teatro. 4ª edición. Santiago: Cuatro Vientos Editorial, 2004.
30
1756). Também quem assiste sabe que aquela realidade é temporária, criada pelos jogadores e
que tão logo finde o jogo ela se esvairá.
1.1.3 – Contato com as culturas orientais
Mencionar o teatro oriental como se tratasse de um tema só, desconsiderando as múltiplas
culturas que naturalmente possuem grandes diferenças entre si, seria uma temeridade e
inconseqüência. Portanto, não pretendo aqui dissertar sobre tradições como a do Nô, Kabuki,
Teatro de Bali, Kathakali, Kioghen, Ópera de Pequim, pois tal intento demandaria uma pesquisa
complexa, e certamente até mais intensa e extensa do que essa, para cada uma das citadas
manifestações artístico-culturais. o obstante, a influência que as tradições da cultura oriental
exerceram e continua exercendo nos artistas ocidentais é factual, e por isso importante de ser
mencionada. Para não me estender demasiadamente nesse tema, abordarei portanto, as
características mais marcantes do teatro oriental que, mais podem ser observadas nas produções
ocidentais de artistas que procuram por essas tradições.
As manifestações artístico-culturais do Oriente vêm sendo pesquisadas por artistas como
Antonin Artaud, Bertold Brecht, Jerzy Grotowiski, Etienne Dècroux, Eugenio Barba, Peter
Brook, Richard Schechner, dentre outros que muito influenciaram a configuração da arte teatral
dos dias de hoje. Também Antonio Nóbrega foi beber em tais fontes, além de se influenciar pelos
estudos da mímica de Etienne Dècroux e da Antropologia Teatral, de Eugenio Barba, o artista
expressa, em vários momentos durante a entrevista a autora
5
, a forte influência que tais
manifestações exercem sobre seu trabalho de ator/brincante.
5
C.f. anexo I.
31
As caractesticas orientais que aparecem de forma mais expressiva na cena teatral do
ocidente são: o rompimento com a interpretação naturalista através de uma movimentação que
apresenta formas estilizadas; a utilização de diferentes linguagens artísticas (música, dança,
teatro) em igualdade de importância; o gestual codificado; o treinamento intensivo dos atores que
desenvolvem grande habilidade e força corporal; a utilização sígnica das palavras, ou seja, a
fonética é mais valorizada do que a sentica; fundamentação em uma forte base espiritual, de
religação com mitos, deuses e antepassados. É importante ressaltar que todos os elementos do
teatro oriental são essenciais para sua plena realização e estão em harmonia. A respeito do teatro
Nô, a pesquisadora Darcy Yasuco Kusano faz uma analogia que acredito, possa se estender a
diversas formas espetaculares da tradição oriental:
Assim como todos os elementos que constituem um ideograma relacionam-se entre si
na constituição do seu significado total, todos os elementos que constituem o teatro Nô
enquanto atuação: palco, vestuário, scara, gestos, canto, música, dança, atores,
músicos e coro relacionam-se entre si, na formação harmoniosa da peça como um todo.
Nesse sentido, podemos considerar o Nô como um ideograma teatral (KUSANO, 1988:
54).
Cada elemento constitutivo é essencial e insubstituível. Possui um valor sígnico
específico e ritualístico para a realização de cada espetáculo. Por essa razão a tradição é
extremamente importante e valorizada.
É importante ressaltar, entretanto, que essa busca por influências de outras culturas o
chamado multiculturalismo gera descontentamento por parte de alguns cticos e mesmo de
artistas da cultura “explorada. Esse movimento, que originariamente teria uma dimensão política
de contato e troca entre os pses desenvolvidos e marginalizados, como os países do Oriente e da
África, acabou por gerar descontentamento. Segundo Lehman “Subsiste na comunicação
intercultural uma ambiguidade latente na medida em que as formas de expressão cultural ainda
32
sejam formas de uma cultura politicamente dominante ou oprimida, entre as quais não se
simplesmente ‘comunicação” (LEHMAN, 2007: 411).
Independentemente das posições favoráveis ou contrárias a essa tendência, chamo a
atenção para o fato de que todas as características aqui mencionadas, que o almejadas pelos
artistas ocidentais que saem em busca de outras culturas, podem ser reconhecidas nas tradições
da cultura popular brasileira, como no Cavalo Marinho ou no Bumba-meu-boi, por exemplo.
Essas manifestações agregam diferentes linguagens artísticas. Trata-se de tradições ligadas ao
corpo coletivo, com interpretação codificada e anti-naturalista, tendência metafísica,
especialização de figuras, ritualização e prazer sensorial antes do intelectual. É preciso lembrar
que o Cavalo Marinho, apesar de não se ter documentado uma origem oficial - como é comum às
tradições populares - apresenta fortes ligações com a cultura africana. Conforme será visto
detalhadamente no terceiro capítulo, uma das hipóteses mais aceitas entre os brincantes seria a de
que a brincadeira teria surgido nas senzalas, por criação dos escravos africanos. De acordo com a
definição de K.K. Fu-kiau (FU-KIAU apud LIGIÉRO, 2008
6
) a respeito da performance africana,
esta seria marcada pela presença da tríade “cantar-dançar-batucar”. Além ainda, da presença
ritualística de culto aos ancestrais, da utilização do corpo como veículo de expressão cultural.
Assim sendo, a proximidade entre a cultura oriental e o Cavalo Marinho se estreitaria através dos
traços africanos da brincadeira, uma vez que essas duas culturas apresentam mais pontos em
comum do que a européia, marcada mais pela anulação do corpo (principalmente no que diz
respeito a religiosidade, como se pode observar no comportamento dos seguidores de doutrinas
como o catolicismo) e por uma tradição mais racionalista.
6
LIGIÉRO, Zeca. “O conceito de ‘motrizes culturais’ aplicado às praticas performativas de origens africanas na
diáspora americana”. http://www.portalabrace.org/vcongresso/textosestudosperformance.html. Acessado em 22 de
outubro de 2008.
33
O antropólogo Alejandro Frigério (2003) constatou, em sua pesquisa a respeito da
presença da africanidade nas américas, um conjunto de características comuns e recorrentes em
diferentes lugares desse continente, por conta dos africanos que, para lá, foram levados à força.
Apesar de considerar a imensa diversidade cultural, de idiomas e grupos étnicos, foi possível
traçar elementos que se repetem nos diferentes lugares onde houve a migração africana
compulsória. Devido a essa desterritorialização sofrida principalmente pelos grupos situados na
África Ocidental e Central, de onde teria vindo a maior parte dos escravos trazidos para a
América, os africanos, que em sua grande maioria preservam sua cultura e história através da
oralidade, trouxeram inscritos em seu corpo a preservação de sua identidade, que se espalhou por
diversos cantos das Américas. As caractesticas apontadas por Frigério, e que podem ser
identificadas na brincadeira do Cavalo Marinho (por exemplo) e que, a aproxima da cultura
asiática, são a multidimensionalidade (união das diferentes linguagens: canto, dança, teatro),
participação (a uma interação ativa entre público e atuantes), onipresença na vida cotidiana
(relação entre a manifestação e as atividades cotidianas daquela comunidade), conversação
(diálogos são estabelecidos entre sicos, dançarinos, tambores e público), destaque para o
estilo individual de cada participante (mais importante que a realização perfeita da dança, do
toque ou do canto, é a atitude impressa na atividade, quer dizer, o “como” cada um a
desempenha), cumprimento de nítidas funções sociais (questões sociais são discutidas e as
relações presentes no grupo podem ser discutidas dentro da brincadeira, já que esta está
imbricada a vida cotidiana dos participantes).
O objetivo dessa explanação é lembrar que as tradições da cultura popular brasileira, em
grande parte, estão enraizadas na cultura africana, que se identifica em muitos pontos com a
asiática. Muitas vezes o que se é a busca de artistas pelas tradições orientais através de
34
métodos e técnicas européias, entretanto é preciso chamar a atenção para a proximidade com essa
cultura milenar via cultura popular brasileira, ou poderia dizer, afro-brasileira. Não pretendo com
isso desvalorizar as tradições culturais do oriente, apenas considero que talvez as nossas sejam
pouco exploradas se considerarmos sua potencialidade artística. Além do fato óbvio de se tratar
de manifestações mais próximas da nossa realidade, consequentemente mais identificárias e
capazes de gerar uma singularidade ao artista brasileiro. Busco no pensamento de Klauss Vianna,
que por anos pesquisou a movimentação da dança brasileira, e que como veremos, fortemente
influenciou o trabalho de Antonio Nóbrega, respaldo para essa observação:
A contribuição da cultura regional está hoje positivada como fator imprescindível na
criação da obra de arte original de um povo. É o único elemento que lhe pode emprestar
realmente um caráter próprio, que a fará distinguir-se aos olhos do mundo por uma
estranha beleza e poesia, reveladas com grande força e originalidade. Para ser entendida
universalmente, é necessário que a obra de arte seja sincera e tal sinceridade somente é
conseguida quando surge de todos os elementos culturais que contribuíram para a
formação do artista (VIANNA, 1990: 73).
35
7
Imagem encontrada no programa da 7è Biennale de La Danse Lyon/França, de 12
a 29 de Setembro de 1996. Fotógrafo: Y. Mello.
Imagem n.01: Percebe-se na composição desses personagens do espetáculo Figural, a influência
das tradições orientais no trabalho de Antonio Nóbrega. O posicionamento dos braços, mãos e
dedos, pernas e pés remetem a imagens da cultura oriental, como dançarinas indianas, ou atores
da Ópera de Pequim.
7
C.f. Anexo III.
36
2 A BRINCADEIRA DE ANTONIO NÓBREGA: IDENTIDADE E
ELEMENTOS CONSTITUINTES DA CENA.
2.1 – Primeiras pisadas de um brincante erudito
2.1.1 - Trajetória
8
Antonio Carlos Nóbrega nasceu no Recife, Pernambuco, em 02 de maio de 1952. Sua
primeira formação artística foi musical. Muito cedo começou a estudar violino na Escola de Belas
Artes do Recife e ainda criança, no final dos anos 60, participava da Orquestra de Câmara da
Paraíba e da Orquestra Sinfônica do Recife. O trabalho como músico seria duradouro e em 1970,
após um dos seus recitais, receberia o convite de Ariano Suassuna para integrar, como
instrumentista e compositor, o Quinteto Armorial.
O conjunto idealizado por Suassuna, diretor do Departamento de Extensão Cultural da
Universidade Federal de Pernambuco, seria o representante musical do recém-criado Movimento
Armorial. Destinava-se a criar uma música de câmara erudita brasileira de raízes populares.
Nóbrega, ao aceitar o convite, conviveria com um reperrio que conjugava o folclórico-medieval
com os cantadores tradicionais nordestinos, e com instrumentos musicais típicos, que mais tarde
utilizaria em seus espetáculos (rabeca, viola caipira, pífano), e estreitaria seu contato não com
Suassuna, como também com outros artistas inseridos no contexto do Movimento Armorial.
8
Informações disponibilizadas no sítio virtual oficial do artista: www.antonionobrega.com.br, acessado em 12 de
novembro de 2007.
37
Todos, imbuídos do objetivo de chegar a uma cultura “real”, resultante da união da cultura
erudita com a cultura popular.
O casamento entre o erudito e o popular promovido pelo Movimento Armorial, alicerçado
por um conceito de defesa da identidade cultural, foi o primeiro contato que Antonio brega
travou com as tradições populares nordestinas. O até então violinista Nóbrega não se fixou
somente na sica. Foi a campo a procura de mestres e brincantes para aprender também os
principais fundamentos das brincadeiras. Seu principal mestre popular fora Antonio Pereira, que
atuava como “capitão” de um grupo de Bumba-meu-boi chamado Boi Misterioso, do bairro de
Afogados, no Recife. Com ele aprendeu alguns “segredos” do universo popular através do
contato freqüente que tiveram. Foi por meio dessas pesquisas pessoais que Antonio brega pela
primeira vez, conheceu um Mateus, personagem comum em brincadeiras como Bumba-meu-boi e
Cavalo Marinho. Esta figura foi fundamental para a criação de seu personagem Tonheta, como
veremos no capítulo seguinte. Nóbrega passou a interessar-se pela movimentação dessa e de
outras figuras das brincadeiras, bem como pelas danças típicas, e outras manifestações, como o
Frevo, a Capoeira, o Caboclinhos. A imagem dos personagens das brincadeiras e interesse pelas
danças levou Nóbrega a estudar a expressividade corporal com o coreógrafo Klauss Vianna,
quando foi em busca de uma conscientização técnica
9
e a aplicou nas movimentações oriundas da
cultura popular brasileira.
A partir de 1976 começa a desenvolver um estilo próprio de concepção nas artes cênicas,
dança e sica, apresentado a partir de então os seguintes espetáculos: A Bandeira do Divino, A
Arte da Cantoria, Maracatu Misterioso, Mateus Presepeiro, O Reino do Meio Dia, Figural,
9
O termo conscientização do movimento está sendo utilizado por ser a terminologia empregada por Klauss Vianna e
sua esposa Angel Vianna, introdutores das noções de preparo corporal para atores no Brasil. Entretanto de forma
alguma pretendo dizer que haja uma ausência de técnica ou de consciência na atuação dos participantes das
manifestações da cultura popular brasileira.
38
Brincante, Segundas Histórias e Na Pancada do Ganzá (este último, um espetáculo-recital) com
grande sucesso no Brasil e representando o ps em festivais artísticos no exterior, com prêmios
como “Shell”, “APCA” e “Mambembe”.
estabelecido no estado de São Paulo, foi professor do departamento de Artes Corporais
da Unicamp e em 1986 fundou a cadeira de Danças Brasileiras no Instituto de Artes da mesma
instituição. Em 1989 foi considerado o artista destaque do Carlton Dance Festival. Voltaria a se
destacar em um evento de daa em 1996, quando Figural seria apresentado no Festival de Lyon
(França), junto com outras companhias de dança brasileiras. Em 1997, lança o espetáculo,
acompanhado do CD homônimo, Madeira Que Cupim Não Rói, com o qual viajou pelas
principais capitais brasileiras. Em 1998 lança o espetáculo Pernambuco falando para o Mundo
10
,
novamente acompanhado de um CD. No ano de 1999, volta à França e participa do Festival
D’Avignon, com o espetáculo Pernambouc preparado especialmente para o público francês. Em
2000, estreou em Lisboa O Marco do Meio Dia, espetáculo produzido sob os auspícios da
primeira Comissão Nacional para as Comemorações do V Centenário do Descobrimento do
Brasil, com o qual se apresentou em Paris, Hannover e em rias cidades brasileiras. O ano de
2002 é marcado pela estréia do espetáculo Lunário Perpétuo e pelo lançamento do CD
homônimo. Em 2006 lança um CD em comemoração ao centenário do frevo, o 9 de Frevereiro, e
seu respectivo espetáculo
11
. Em 2008, dirigiu e produziu o espetáculo Passo, uma pesquisa em
dança desenvolvida com outros bailarinos com quem trabalha freqüentemente em seus shows.
Desde 1992, juntamente com Rosane Almeida, dirige o espaço cultural Teatro e Escola
Brincante, em São Paulo. Tal instituição abriga cursos regulares, muitos dos quais oferecidos
gratuitamente aos interessados, graças ao subsídio de empresas públicas e privadas, além de um
10
A expressão é popular no Recife e surgiu como slogan de inauguração da Rádio Jornal, nos anos 40.
11
Em 2008, 9 de Frevereiro seria lançado em DVD, com a dirão de Walter Carvalho.
39
acervo que abriga livros e filmes relacionados à antropologia e a movimentos culturais de forma
geral, além de um centro de documentação da carreira do artista.
Antonio Nóbrega, entretanto, não pode ser considerado como, exclusivamente, artista
popular, ou um “Mestre” de qualquer manifestação tradicional; ao contrário, trata-se de um artista
com formação acadêmica (ainda que incompleta) e erudita que, no entanto utiliza essas duas
vertentes, para a criação de uma obra autoral. Um artista com donio de um vasto repertório
técnico, que amealhou ao longo dos anos um público fiel, e que se apresenta nas melhores salas
de espetáculo das cidades onde cumpre temporada. A longa carreira que construiu pela própria
pesquisa aliada e o referendo desde cedo de um artista conceituado permitiu que Nóbrega se
estabelecesse aos olhos do público e do Estado como um legítimo representante e defensor da
cultura popular brasileira. Uma obra que acumula espetáculos mas que, curiosamente, conduz a
um único personagem: Tonheta.
2.1.2 - Movimento Armorial
A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação
com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro popular do Nordeste (Literatura
de Cordel), com a sica de viola, rabeca ou fano que acompanha seus cantares” e
com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das
Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados
(SUASSUNA, apud NOGUEIRA, 2002: 112).
O Movimento Armorial foi lançado, em caráter oficial, em Recife-PE, em 18 de outubro
de 1970. Um concerto da Orquestra Armorial de Câmera, intitulado Três Séculos de Música
Nordestina: Do Barroco ao Armorial, e uma exposição de gravuras, pinturas e esculturas,
ocorrida na barroca Igreja de São Pedro dos Clérigos, celebraria a fundação. Tais eventos tinham
promoção do Departamento de Extensão Cultural (DEC) da Universidade Federal de
40
Pernambuco, cujo diretor era o próprio Ariano (NOGUEIRA, 2002: 111). É digno de nota que
em momento histórico de vigência do AI-5, onde reuniões blicas, sobretudo da comunidade
universitária eram extremamente vigiadas e muitas vezes rechaçadas violentamente, a fundação
do Movimento Armorial não tenha tido qualquer represália conhecida.
Objetivo do Movimento Armorial consistia em realizar uma fusão artística de elementos
da cultura popular e da cultura erudita com o intuito de se afirmar uma identidade cultural
genuinamente brasileira, alheio à indústria de cultura de massa, em um momento em que essa
cultura começava a obter reconhecimento cultural. O movimento abrangia todo tipo de expressão
artística: a música, o teatro, a literatura, as artes plásticas, a dança e a arquitetura.
Os conceitos que envolvem a arte armorial estão intrinsecamente ligados ao universo
criativo de Suassuna, que além de percorrer por diversas formas literárias (prosa, verso e teatro)
ainda se aventura na tapeçaria, xilogravura e rios outros tipos de ilustrações, além de música,
cinema e dança. Em sua obra, Suassuna explicita uma visão de mundo na qual o sertanejo
representa o homem e o Sertão reflete o mundo. Ou seja, apesar de uma estética e ambientações
regionalistas, se reporta e temas universais. Suassuna pretende conceber a cultura nordestina
como uma expressão singular do povo brasileiro, e para tanto promove em sua obra uma
interligação do real com o universo mitológico sertanejo, verificado principalmente no conteúdo
dos romanceiros cordelistas e nas temáticas das expressões tradicionais da região. Suassuna apóia
sua ideologia na idéia sustentada pelo fator da miscigenação, ou seja, que o Brasil seria fruto da
união de três etnias: branca, negra e indígena. Nesse pensamento, primeiramente organizado
como uma visão harmonizadora da mestiçagem por Gilberto Freyre (2002), o fator primordial e
determinante é a mistura dos povos europeus, indígenas e africanos; toda manifestação surgida
desse entrelaçamento seria mestiça, o que Suassuna chamaria de “castanho”, e a mestiçagem seria
a característica fundamental da formação do povo brasileiro. Tal convicção se apresenta clara no
41
título de sua tese de livre docência A onça castanha e a Ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura
brasileira.
O conceito de mestiçagem ganhou relevo principalmente a partir do final do século XIX,
sustentada em contornos políticos da criação de uma identidade nacional. Com a implementação
do projeto nacionalista da era Vargas a idéia de uma cultura “genuinamente” brasileira (em
contraposição às investidas do comunismo soviético, que propagava-se após o grande êxito da
Revolução Russa de 1917), mestiça por natureza, se consolida através das pesquisas de
folcloristas e estudiosos brasileiros como Luiz da mara Cascudo e rio de Andrade. A
adesão pela idéia da mestiçagem, difere de hibridação - defendida atualmente por Canclini (1997)
- não se ocupa com a individualização das culturas, as inflncias específicas de cada uma e suas
repercussões na constituição da cultura brasileira. Em verdade, opta-se por uma unificação das
culturas a partir de um condensado das etnias. Tende-se, ainda, a uma supervalorização da
influência “branca”. A cultura européia muitas vezes sobrepuja-se às demais ou as adapta aos
modelos europeus dominadores: é o que se chama de embranquecimento das culturas indígenas e
africanas. O que se observa é que, para Suassuna e, conseqüentemente para o Movimento
Armorial, essas questões não parecem estar em pauta. O seu interesse é a fundição da cultura
“castanha” com a clássica (branca e européia). O resultado estético desse casamento remete ao
mundo medieval, principalmente os romances ibéricos, origem das poesias orais cantadas pelos
cancioneiros, e que muito influenciaram temas de cordéis.
Cabe frisar que a tentativa de criação de uma identidade nacional a partir da cultura
popular é contestada por alguns estudiosos. Para Renato Ortiz, a memória popular diz respeito à
vivência de uma determinada tradição por um grupo restrito, que se manifesta de acordo com
seus interesses e concebe sua interpretação simbólica; já a identidade nacional se refere a
questões universais e históricas, e é construída a partir de relações políticas, e acrescenta que o
42
Estado, através de seus intelectuais, se apropria das práticas populares para apresentá-las como
expressões da cultura nacional” (ORTIZ, 1980: 140).
Suassuna não esconde sua atração pelos fundamentos da cultura ibérica, especialmente
pelo barroco, e em suas criações essa influência parece sobressair às demais. Este dado talvez
justifique também a sua notória preferência pela estética régia (monárquica) e a recorrente
temática do sebastianismo, além da forte influência do catolicismo ibérico, da qual o autor é
devoto. Foi, portanto, a vontade de “miscigenar a arte, de misturar a estética das tradições
populares com a cultura culta, ou erudita, que impulsionou Suassuna para a criação do
Movimento Armorial, premissa que parece ainda balizar seu trabalho e de outros que
participaram do movimento, como Antonio Nóbrega, apesar deste apresentar uma abertura maior
para as tradições de origem negra e indígena. Entretanto, é necessário ressaltar estudos como de
Canclini (1997), que percebem as tradições populares não como algo estanque, mas sim móvel,
com entradas e saídas da modernidade, e relações diretas com diferentes sistemas culturais dos
quais absorve informações e influências. Isso significa, em outras palavras, que o ideal do
Movimento Armorial de criação de uma identidade “estável a partir da mistura cultura popular
com cultura erudita, como se fossem duas entidades puras e fixas, é totalmente upico. Significa
lançar um olhar ingênuo e ao mesmo tempo conservador sobre a cultura popular que
desconsidera seus constantes processos de contestação e de transformação.
A respeito do termo Armorial, Suassuna, após os quatro primeiros anos do lançamento
oficial do movimento, torna público o documento O Movimento Armorial, no qual expõe uma
definição para esclarecer seu conteúdo, que expressa não somente uma adjetivação, mas todo um
conceito.
43
O Movimento Armorial pretende realizar uma Arte brasileira erudita a partir das raízes
populares da nossa Cultura. Por isso, algumas pessoas estranham, às vezes, que
tenhamos adotado o nome de “armorial” para denominá-lo. Acontece que, sendo
armorial” o conjunto de insígnias, brasões, estandartes e bandeiras de um Povo, no
Brasil a Heráldica é uma Arte muito mais popular do que qualquer outra coisa. Assim, o
nome que adotamos significava, muito bem, que nós desejávamos ligar-nos a essas
heráldicas raízes da Cultura popular brasileira (SUASSUNA, apud NOGUEIRA, 2002:
113).
O Quinteto Armorial, vertente do movimento do qual Antonio Nóbrega participou, teve
sua primeira formação em 1969 e a segunda em 1971, constituída por: Antonio José Madureira,
na viola sertaneja; Edílson Eulálio, no violão; Antonio Nóbrega, no violino; Jarbas Maciel, na
viola de arco; José Tavares de Amorim, na flauta e Fernando Torres Barbosa, no marimbau
12
. O
grupo permaneceu ativo até o início da década de 80
13
. No entanto, Antonio Nóbrega, mesmo em
sua carreira solo, manteve em suas composições as influências do estilo armorial. É possível
afirmar que alguns dos ideais do movimento ainda parecem ser determinantes em todas as frentes
de seu trabalho, como a fusão entre elementos estéticos da cultura popular e erudita, característica
marcante em sua música, dança e composição corporal.
Se no espetáculo eu tenho dez elementos de comunicação com o público, desses dez,
cinco tem um respaldo, digamos mais erudito, são as referências eruditas. As outras
cinco, por outro lado seriam as referências mais populares. Tenho sempre essa ligação
de elementos que vem de códigos de diferentes culturas
14
.
Essa tentativa de união entre elementos eruditos e populares com a finalidade de alicerçar
uma arte “genuinamente” brasileira me parece, entretanto, um pouco deslocadas na
contemporaneidade. Já no início dos anos 70, a oposição declarada de Ariano Suassuna e do
Movimento Armorial ao Tropicalismo soava datada, e pior, alinhada mesmo que
12
“Berimbau de latas”, que consiste num arame, pregado a uma tábua e esticado por cima de duas latas, que
servem ao mesmo tempo, de cavalete para o arame e de caixa de ressoncia (SUASSUNA, apud NOGUEIRA,
2002:125).
13
O Quinteto Armorial inspirou a formação do Quarteto Romançal por um dos seus integrantes, Antônio Madureira.
14
Antonio brega em entrevista ao programa Roda Viva”, da emissora TV Cultura, dezembro de 1996.
44
involuntariamente, ao nacionalismo estatal, no período mais opressivo da ditadura
15
(lembrando
um de seus lemas: Brasil, ame-o ou deixe-o”). Tal anacronismo torna-se ainda mais claro na
sociedade de hoje, que não pode mais ser identificada por uma única manifestação de cultura, é
inerente a pós-modernidade uma cultura híbrida, ou seja, uma ausência de purismo que
caracterize um grupo social. As distâncias geográficas diminuíram devido às facilidades de
transportes, o uso da tecnologia aumentou decisivamente a comunicação entre povos das mais
diversas sociedades. Por mais desprovida de recurso que se encontre um grupo de indivíduos,
minimamente se verifica um aparelho de televisão que invada suas vidas com informações de
todas as partes do mundo. Diante de tais fatos torna-se inviável a constituição de uma identidade
nacional constituída por uma cultura única, mesmo sendo esta por por natureza híbrida, como
no caso da brasileira.
No entanto, a área da cultura popular no Brasil mostra-se como um terreno de múltiplas
interpretações para um mesmo fenômeno. Os trabalhos artísticos surgidos no bojo do Movimento
Armorial, incluído os de Nóbrega, o tidos conservadores e monolíticos para estudiosos como
Cadengue (1999); ou tido como um representante da cultura midiática, disposto a apropriar-se
por colagem de referências para a partir d produzir um espetáculo palatável para o gosto das
classes alta e média, de acordo com Benjamin (2003)
16
. É questão interessante identificar quais
referências são admissíveis dentro do contexto de um trabalho artístico que represente a cultura
popular ou a “nossa identidade cultural”. Nóbrega ampliou seu horizonte de referências, e
construiu sua personagem (ou persona) Tonheta, a partir de fontes contemporâneas e não-
15
Este “confronto estético” encontra paralelo nos anos 60, quando a chamada MPB (com raízes universitárias,
baseada na bossa nova, no samba, etc.) se opunha aos sicos da Jovem Guarda (ou -Iê-Iê), considerados
alienados, cooptados pela cultura de massa, em suma, “americanizados”. A manifestação mais representativa deste
confronto foi a chamada “Passeata contra a guitarra elétrica”. Entretanto, essas tendências criativas seriam
aglutinadas, poucos anos depois, justamente pela Tropilia.
16
BENJAMIN, Roberto. Os Romances da Tradição Ibérica na Obra Midiática de Antonio Carlos brega”.
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP17_benjamin.pdf. Acessado em 14 de janeiro
de 2009.
45
familiares ao universo armorial: a dança-teatro de Klauss Vianna e o teatro antropológico de
Eugênio Barba, e mesmo manifestações do teatro oriental. Nada disso o impediu de ser saudado
por Suassuna como um “verdadeiro ator brasileiro”.
2.1.3 - Formação técnica
Em uma situação de representação organizada, a presença física e mental do ator
modela-se segundo princípios diferentes dos da vida cotidiana. A utilização
extracotidiana do corpo-mente é aquilo a que se chama técnica” (BARBA, 1994: 23).
Em um período de dez a quinze anos, Nóbrega se dedicou em estudar os mestres e artistas
populares, principalmente do nordeste brasileiro, quando aprendeu na prática, as danças, os
cantos e a forma de atuar dos brincantes. Em um momento posterior, sentiu uma necessidade de
“dilatar”
17
a expressividade dessas movimentações, e para tanto mudou-se para São Paulo,
também em busca de uma profissionalização de sua arte. Após algumas aulas mais regulares de
dança (jazz, balé, dança contemporânea) que não o satisfizeram, conheceu o corgrafo e
preparador corporal Klauss Vianna, que através de sua técnica de conscientização e expressão
corporal, encaixou-se perfeitamente em suas propostas.
Nóbrega por mais de um ano trabalhou com Vianna com o intuito de melhor apreender o
universo corporal no qual tinha se inserido: o das danças populares. Os personagens das tradições
são figuras cênicas essencialmente dançantes, modelo com o qual Nóbrega identificou o seu
trabalho, e por esse motivo buscou alguém que transitasse nessas duas linguagens: dança e teatro.
A tal “dilatação” pela qual procurava Nóbrega foi encontrada através da técnica Vianna de
“conscientização dos espaços internos do corpo” e de ampliação destes através da respiração.
17
Termo utilizado pelo artista em ocasião de uma aula-espetáculo no teatro do Sesc Copacabana no Rio de
Janeiro/RJ, em 05 de setembro de 2008.
46
Esses espaços correspondem às articulações do corpo que passam a “respirar” também, como
explica o coreógrafo:
Na verdade, o corpo não respira apenas através dos pulmões. Em linguagem corporal,
fechar, calcificar e endurecer são sinimos de asfixia, degeneração, esterilidade.
Respirar, ao contrário, significa abrir, dar espaço. Portanto, subtrair os espaços
corporais é o mesmo que impedir a respiração, bloqueando o ritmo livre e natural dos
movimentos (VIANNA, 1990: 55).
Klauss Vianna iniciou seu trabalho de pesquisa corporal na dança, como coreógrafo.
Porém, em etapa posterior, sentiu-se atrdo pelo teatro passou a trabalhar a expressão corporal
dos atores, transferindo para estes, alguns fundamentos da dança, com o intuito de
instrumentalizar o corpo para a técnica do ator, mesmo que este o possuísse uma formação
prévia no campo da dança.
No final da década de 60 o teatro brasileiro ainda estava fortemente embasado no ator que
tivesse presença de palco e uma boa impostação vocal. O corpo era apenas como um suporte, sem
expressividade ou linguagem própria. No entanto, outras áreas artísticas como a dança moderna e
as artes plásticas chamavam a atenção da classe teatral, que ansiava por se desprender do
formato tradicional, e também via o estabelecimento das primeiras escolas e conservatórios de
arte dramática. Foi em tal contexto que a pesquisa desenvolvida por Klauss Vianna foi de
extrema relevância, uma vez que passou a despertar nos atores com quem trabalhava uma
consciência corporal, até então inédita, para que estes utilizassem também o corpo como forma
de expressão cênica. Essa nova ferramenta para a técnica do ator ganhou ainda mais força no
período de ditadura, pois era necessário descobrir outras formas de linguagens que fossem
capazes de driblar o rigor da censura, e também se sobressair em um momento de extrema
inspiração das artes como um todo. Klauss, juntamente com sua esposa Angel Vianna, trabalharia
47
em muitas montagens teatrais e com importantes diretores e encenadores, tais como: José Renato,
José Celso Martinez Corrêa, Fauzi Arap, Amir Haddad, Adolfo Celi, Ivan de Albuquerque, Paulo
Afonso Grisolli, e Aderbal Freire-Filho. Seu trabalho consistia não apenas em direcionar o corpo
do ator para o personagem que iria desempenhar, mas também para estabelecer um trabalho de
contínuo auto-conhecimento corporal. Através da consciência de seu corpo e da descoberta da
infinidade de movimentos que ele é capaz de realizar, o artista se torna apto a utilizar seu corpo
de forma mais precisa, para qualquer personagem que venha a interpretar. Essa conscientização
corporal também propicia que o ator tenha maior noção dos movimentos desnecessários que
realiza, podendo obter mais precisão no gestual, e uma maior eficiência em sua comunicação
não-verbal com o público. “Podemos afirmar que Klauss trabalhou o ator como um suporte
maleável capaz de exprimir a nova linguagem corporal, que foi predominantemente nesta fase do
teatro, contribuindo decisivamente para a redefinição do corpo do ator em cena” (TAVARES,
2007: 23).
Nóbrega não simplesmente reproduz os movimentos e passos das danças populares no
palco, mas cria sua produção artística a partir da união deles com outras técnicas corporais. No
entanto, ele mantém a identidade do movimento, de forma que seja reconhecível para alguém que
tenha conhecimento prévio do mesmo, mas implementa uma clara recriação, uma marca pessoal e
artística com intuito de espetacularização do mesmo para o palco. Conforme indica Klauss
Vianna, é apenas através de uma repetição incansável que o movimento se torna seu, passa a ser
preenchido com sua individualidade e tem a forma que expresse seu interior, sendo único e
impossível de ser copiado. Não há como negar a dedicação e disciplina que Nóbrega tem com seu
trabalho. É notório que o bailarino/ator realiza treinos corporais diariamente, que se evidenciam
no resultado artístico apresentado corporalmente em seus espetáculos.
48
Os espetáculos de Antonio Nóbrega não apresentam grandes soluções de cenários, ou
utilização de tecnologias e aparatos técnicos. A base técnica de sustentação de seus espetáculos
está focada em sua presença cênica e em suas possibilidades expressivas. Alguns artistas são
parceiros relativamente constantes em seus espetáculos: o artista plástico Romero de Andrade
Lima (assinando a autoria de cenários de alguns dos seus espetáculos), este também ligado ao
Movimento Armorial, e o escritor Bráulio Tavares (que, entre outras coisas, traçou a genealogia
de Tonheta, como veremos adiante).
Além do trabalho com Klauss Vianna, Nóbrega foi muito influenciado também pelos
princípios da Antropologia Teatral de Eugenio Barba e as manifestações orientais que estão
ligadas a esse estudo, como o Teatro de Bali e o Kathakali - manifestações essas que não separam
as linguagens de teatro e dança. O fator presença é, portanto, de grande importância para o artista,
uma vez influenciado pela pesquisa de Eugenio Barba que, através da utilização do corpo de
forma extracotidiana, busca conferir ao ator/bailarino uma maior “presença cênica”.
O livro de Barba para mim, ele é muito qualificador. No que diz respeito à técnica, por
exemplo, os conceitos de equilíbrio precário, de jogo de oposições, isso é facilmente,
potencialmente a gente encontra na cultura popular e eu procuro potencializar ao
máximo na técnica que eu estou organizando
18
.
Segundo Barba, todos possuem uma técnica cotidiana, mesmo que de maneira
inconsciente. Esta é construída ao longo de toda vida de acordo com a cultura em que a pessoa
está inserida, seus padrões sociais, seus contexto familiares, etc. Entretanto, quando se está em
situação de representação uma outra cnica vem à tona (que pode inclusive, também ser
inconsciente), uma técnica extracotidiana. Em outras palavras, um delineamento corporal e
energético diferente do que utilizamos na vida comum. Neste ponto inclui-se também a lei do
18
C.f. anexo I (entrevista a autora).
49
máximo esfoo, ou seja, na vida cotidiana utilizamos o nimo de energia possível para realizar
ações; nas situação de representação, pelo contrário, cada simples movimento deve ser
transbordante de energia, de forma a conferir-lhe o máximo de presença e impacto cênico. Este
estado corporal extracotidiano que utiliza o máximo de energia para se manifestar é o que
Eugenio Barba chama de corpo dilatado.
A técnica extracotidiana foi definida por Barba por meio de alguns princípios que
retornam. Ou seja, características que são comuns a diversas culturas e em diferentes situações de
representação. Ainda de acordo com Barba, a partir do momento em que o ator se apropria desses
princípios ele alcança um diferencial em sua presença nica, que define como pré-
expressividade. Trata-se de uma zona intermediária, aonde o ator ainda não é o personagem (ou,
não é), mas também não é o ator, o homem comum. Podemos afirmar que elas predispõem o
ator para a atuação.
Trata-se de uma técnica teatral absolutamente focada no ator, mais especificamente, em
sua presença. Os princípios que retornam são apoiados principalmente em um desequilíbrio
corporal, chamado também equilíbrio de luxo
19
. Uma vez que o corpo se posiciona fora de seu
eixo de equilíbrio lhe é atribuído um diferente estado de tensão do que lhe é usual. A partir deste
ponto o corpo entra em uma atitude extracotidiana, ou seja, diferente de seu uso na vida do dia-a-
dia. A alteração do equilíbrio natural corporal é um dos principais fundamentos da mímica
moderna, caracteriza a base de diversas formas de teatro/dança asiáticos, e também pode ser
observado mesmo na base do balé clássico. A Antropologia Teatral pôde ser elaborada através da
observação de culturas diversas e em diferentes localidades. As viagens para a observação de
culturas nos mais diferentes lugares do mundo constituem-se numa prática comum aos atores da
companhia de Barba, o Odin Theatret.
19
Terminologia adotada primeiramente por Etienne Dècroux.
50
No caso de Antonio Nóbrega é bastante evidente, que uma determinada movimentação
corporal oriunda de uma tradição cultural reflete mais do que apenas um movimento rico em
oposições, torções, desequilíbrios e outros fatores tangíveis. Compreendo que este movimento
seja preenchido por seu contexto expressivo, por sua “utilidade” originária dentro do corpo
social onde está inserido. Quando Nóbrega em seus espetáculos desempenha as danças e
movimentações aprendidas no contexto das brincadeiras, mesmo quando reelabora corporalmente
esses movimentos, eles conservam intacta sua essência expressiva que contribue para a presença
cênica do artista, que tem conhecimento e vivência da tradição que está sendo citada.
Em entrevista concedida à autora
20
, Nóbrega revelou estar desenvolvendo uma pesquisa
em busca de uma linguagem corporal coletiva, a partir da prática das danças populares. Ele
pretende perceber um léxico comum às diversas linguagens das diferentes manifestações
brasileiras, e a partir desses pontos comuns sistematizar um vocabulário corporal do que ele tem
denominado, “na falta de um nome melhor”, de dança brasileira contemporânea
21
. Trataria-se de
uma linguagem corporal que parte das matrizes das danças populares e que seriam retrabalhadas
a partir de outras técnicas, como as da dança contemporânea e clássica, além das já citadas
influências do artista, a fim de ressignificar e conferir outros contornos aos movimentos base.
Nóbrega procura uma daa que seja coletiva, mas que expresse as individualidades. As danças
populares, uma vez que não dispõe de uma técnica codificada e sistematizada, como o balé
clássico, por exemplo, caracteriza-se por registrar a individualidade da pessoa que a executa.
Cada grupo, comunidade ou nação
22
, possui uma espécie de “sotaque” que diferencia o seu
Maracatu, ou sua roda de Capoeira, o que atribui um tom de coletividade à dança. No entanto, a
20
Cf. anexo I.
21
A esse respeito, é importante destacar que durante o ano de 2005 Nóbrega produziu e apresentou um programa no
canal de TV fechada Futura, onde apresentava as danças populares de diversas regiões do ps; programa esse
chamado de Danças Brasileiras.
22
Denominação normalmente utilizada para designar grupos de Maracatu de Baque Virado, como os grupos
Maracatu Nação Cabinda ou Maracatu Nação Estrela Brilhante.
51
atitude demandada por cada dança em virtude de seu contexto cultural, permite que cada
brincante fa refletir na movimentação que executa um estilo próprio, que se expressa através do
corpo. A intenção dessa pesquisa é criar uma dança brasileira, não mais popular, mas com
aplicabilidade para qualquer pessoa que trabalhe com a expressividade corporal. Essa pesquisa
deu origem a um trabalho que Nóbrega dirigiu e no qual faz duas participações: o espetáculo de
dança Passo, que tem elenco composto por um grupo de bailarinos/atores que com freência
participam de seus espetáculos, e que também ministram aulas no Instituto Brincante.
Essa busca de Nóbrega pode ter sido provocada através do contato que teve com Klauss
Vianna, uma vez que o coreógrafo compactuava com a idéia de que é necessário que haja uma
dança brasileira, regida por seus próprios códigos, uma vez que a musculatura de um bailarino
brasileiro difere da de um russo, por exemplo. Por essa razão, assimilar a técnica estrangeira é
muito mais penoso para o bailarino que não se reconhece nela e acaba apenas por executar os
movimentos mecanicamente, refletindo apenas a forma, sem nenhum preenchimento artístico.
Vianna afirmava ser ridículo pensar que a daa só se faz a partir de cinco posições ou que só é
lida a dança que nasceu na Europa (VIANNA, 1990: 33). Imbuído de tal opinião pesquisou
linguagens corporais tipicamente brasileiras, tais como: a Capoeira, a gestualidade e
movimentação do corpo do povo carioca, o Candomblé. Para ele era importante que os
movimentos fossem preenchidos de acordo com cada indivíduo que executasse a dança, já que
assim cada um atribuiria a uma mesma movimentação sua pessoalidade, encontrando o seu
próprio movimento.
O que posso dar as pessoas são informações para que criem suas danças honestamente,
com técnicas que sejam convincentes para elas mesmas. Isso faz surgir um estilo
pessoal, por mais semelhantes que essas pessoas sejam entre si. Isso é o que entendo
por contemporâneo, moderno em dança. O que busco é dar espaço para as
individualidades: posso ter um estilo meu e isso não será prejudicado quando estiver
dançando em grupo (VIANNA, 1990: 63).
52
Antonio Nóbrega apresenta uma consciência e domínio técnico de seu corpo que o
possibilita reelaborar os movimentos conforme seus interesses artísticos. Executa coreografias em
que a Capoeira dialoga livremente com o Frevo e o Caboclinhos, e uma pisada de Cavalo
Marinho pode transformar-se no caminhar de um determinado personagem. É também possível
ainda criar novos movimentos que componham este mesmo alfabeto corporal, tomando “por base
seus impulsos internos, ligando o movimento diretamente à emoção e traduzindo-o em ação
cênica” (TAVARES, 2007: 30). Ora, os movimentos e danças das tradições, chamados por Mário
de Andrade (1982) de Danças Dramáticas, estão inseridos em contextos culturais que lhes
conferem significados. Tal dado gera a impressão que Nóbrega parte deste universo para escutar
seus impulsos internos e criar novas possibilidades corporais que possam integrar o mesmo
vocabulário.
2.3 - Os Espetáculos
Os trabalhos do artista Antonio Nóbrega se fundamentam no universo gregário das
brincadeiras populares, uma vez que em seus espetáculos normalmente momentos de dança,
de poesia, de teatro e de música. Além da união das diferentes linguagens artísticas, Nóbrega
apresenta outras fortes características fundamentadas em elementos das tradições brasileiras,
principalmente as pernambucanas. A temática das canções que interpreta, em geral, remete aos
personagens do universo popular do sertanejo, do cangaceiro, do brincante; e mesmo os arranjos
musicais revelam forte influência desta ambientação apresentando toques e ritmos característicos,
como do Frevo, do Maracatu, da Embolada, do Cancioneiro, etc. Compõem ainda seus
53
espetáculos movimentos de danças picas dessas manifestações e figuras oriundas do imaginário
popular.
Se por um lado o trabalho corporal de Antonio Nóbrega se deixa influenciar fortemente
pelas manifestações de cultura popular, por outro não abre mão de executá-las a partir das
técnicas de dança e teatro que adquiriu e desenvolveu ao longo de seu trabalho. A assimilação de
tais técnicas incluiu períodos de pesquisa no exterior, o que lhes conferiu uma nova roupagem
influenciada por sua base de formação erudita, aliada a sua criatividade autoral. Podemos
considerá-lo um artista híbrido (CANCLINI, 1997), que dessencializa tanto a idéia de uma
tradição auto-gerada, construída por camadas populares, quanto a noção de arte pura, ou arte
erudita. O artista Antonio Nóbrega vive em um meio urbano: reside atualmente em São Paulo e
anteriormente vivia em Recife, duas das maiores capitais brasileiras. A influência procedente do
universo urbano colabora para que Nóbrega, ao mesmo tempo em que baseia seu trabalho em
tradições enraizadas, possa transformá-las ou reutilizá-las conforme lhe aprouver e com as mais
diversas influências, ou seja, de acordo com o que for mais eficiente para o seu trabalho. Não
existe um compromisso prévio com quaisquer tipos de regras ou preceitos da tradição, ainda que
se mantenha um vínculo com sua gestualidade original
23
.
Essas sobreposições de elementos originários de diferentes manifestações ganham
unidade no trabalho autoral do artista, ficando claro seu olhar distanciado e sua
consciência na reelaboração composicional, apropriando-se dos elementos e criando um
universo artístico próprio, coisa que não acontece nas manifestações em seus estados
originais. Nelas o universo de cada folguedo, seu ritmo, seus personagens e sua
indumentária não se alternam, o que é Maracatu é Maracatu, o que é Caboclinhos é
Caboclinhos e assim por diante (HADDAD, 2002: 112).
23
Acrescento aqui um esclarecimento de que minha visão em relação à cultura popular brasileira não é de algo
estanque e imutável, pelo contrário, a entendo com uma mobilidade constante, em permanente reelaboração e que
mantém contato com outros meios culturais que a influencia e se deixam influenciar por ela. No caso de Nóbrega a
diferença é que esse processo se dá de forma mais rápida e com o objetivo de uma composição cênica.
54
O que Nóbrega realiza é uma forma de transposição da brincadeira para o palco,
promovendo para tanto as adaptações necessárias para esse novo espaço, inclusive
ressignificando o teor e objetivo da brincadeira. Ele espetaculariza artisticamente o brinquedo,
sugerindo o tom das brincadeiras, ao mesmo tempo em que apresenta um trabalho artístico
concebido dentro do sistema codificado do teatro ocidental tradicional, de forma a agradar ao
mais variado público, sem necessidade de um prévio conhecimento das tradições ali citadas. Seus
espetáculos são idealizados para palcos de teatros comerciais, o chamado palco italiano, onde o
público se mantém sentado, na penumbra, e em um posicionamento frontal. Esse dado, no
entanto, não leva o artista ao distanciamento da quarta parede”, e nem uma tentativa de
ilusionismo. O artista se comunica diretamente com o público deixando claro os termos da
brincadeira. Podemos afirmar que a aparente contradição entre o espaço cênico ideal para o
ilusionismo e a comunicação direta do ator, segundo os códigos do teatro popular não-ilusionista
constitui-se em um elemento de evidente surpresa e encanto para o público. Mesmo nos
espetáculos em que ocorre a presença de personagens, sejam interpretados por brega ou por
seus companheiros de cena, estes se comportam mais à semelhança de figuras
24
das brincadeiras
do que a personagens psicologizados comuns a dramaturgia tradicional.
O que Nóbrega leva à cena, entretanto, é o clima da festividade e do jogo, seja na
integração de diversas linguagens artísticas, na comicidade e, a meu ver principalmente, em sua
corporeidade. O artista transita livremente entre o espetáculo formal e a brincadeira, e isso fica
evidente no uso de seu corpo nos espetáculos mais musicais, como em Lunário Perpétuo ou no
mais recente, 9 de Frevereiro, por exemplo. Quando seu corpo está ereto, em conformidade com
os moldes sociais, quem está presente é o artista Antonio Nóbrega. Entretanto quando seu corpo
se curva, retorce, dança, brinca, faz caretas, trata-se de uma figura de brincadeira popular, que
24
Denominação utilizada para designar os personagens das brincadeiras populares.
55
Nóbrega batizou de Tonheta, mas poderia também ser identificado por malandro, amarelo,
vagabundo, Mateus, João Grilo, etc. É o corpo do brincante: subvertido, transgredido, que não é
reconhecido e respeitado pelos moldes sociais dominantes; o corpo do cômico dos antigos
carnavais, do riso jocoso do povo em liberdade. O corpo do brincante é o corpo que se expressa,
que reflete o mundo inteiro, o corpo grotesco de que trata Bakhtin. O grotesco, integrado à
cultura popular, faz o mundo aproximar-se do homem, corporifica-o, reintegra-o por meio do
corpo à vida corporal
(BAKHTIN, 1993: 34). Entendo que esse corpo específico interessa ao
teatro, uma vez que ele se comunica, e dialoga com o mundo, com a sociedade, com o
contemporâneo. Essa maleabilidade é expressa nas danças características das brincadeiras
populares, e foi através do aprendizado delas que Antonio Nóbrega obteve experiência corporal
para dar vida a seus personagens.
2.3.1 - Figural (1990)
Nóbrega aprofunda o estereótipo até atingir o arquétipo. Com isso torna seus
espetáculos universalizantes (MOURA, 1993).
Em Figural, Antonio Nóbrega apresenta nove personagens que não se relacionam entre si,
cada um deles é vestido no palco, a vista de todos. Ele coloca o figurino e a máscara de cada um
deles e seu corpo imediatamente se “ajusta ao personagem. o como estilizões de figuras
míticas do imaginário popular, segundo Nóbrega “pequenas iluminuras do baú da nossa memória
coletiva”
25
. Através dessa coletânea de referências imagéticas, o artista utiliza todo seu
virtuosismo artístico, ele canta, executa mímicas, acrobacias e malabares, além de tocar diversos
instrumentos (violino, vioo, viola nordestina, sanfona, percussão).
25
Release do espetáculo, sem assinatura.
56
Esse espetáculo foi fruto de uma bolsa de estudos que Nóbrega recebeu da Fundação
Vitae em 1990, para realizar uma pesquisa teórica a respeito da codificação da linguagem gestual
e corporal brasileira. A necessidade de colocar em prática essa pesquisa, segundo Nóbrega,
resultou em Figural. Podemos afirmar que o espetáculo surge de modo parecido com o conceito
das aulas-espetáculo, que Ariano Suassuna passou a ministrar com freqüência a partir dos anos
90, guardadas as diferenças evidentes entre cada um dos performers, onde o que poderia ser
compreendido como didático ou conceitual, adere ao espetáculo. Desse modo, Figural,
sobretudo antes da entrada de Tonheta, assemelha-se a uma demonstração coreográfica-corporal.
Os personagens são executados com precisão de movimentos, e foram colecionados e
reelaborados a partir das manifestações culturais populares. Essas figuras são reconhecíveis
mesmo em outras culturas, ainda que inspiradas a priori nos personagens que permeiam o
imaginário popular do nordeste, e que tenham sido elaboradas corporal e gestualmente a partir
das brincadeiras populares brasileiras. Tal elaboração corporal codificada proporcionou maior
facilidade de assimilação e compreensão para platéias de outros países, assim como a
comunicação não-verbal, a não ser pelas canções (algumas inclusive cantadas em gromelô) e pelo
último personagem apresentado, Tonheta.
Romero de Andrade Lima, artista plástico também ligado ao Movimento Armorial,
juntamente com Nóbrega assume a concepção visual do espetáculo, assina ainda a elaboração dos
figurinos e das máscaras, ambos confeccionados a partir de reaproveitamento do lixo e de roupas
velhas. Materiais do cotidiano, como cadarços, tampas de garrafa, canetas que não escrevem
mais, brinquedos quebrados, santinhos”, sacos de batata, pedaços de plástico e etc, foram
primordiais para dar vida a tais figuras com um aspecto mais artesanal, sem que tais materiais
atribuíssem aos personagens, sobretudo a Tonheta, uma idéia de miserabilidade. Ressalta-se, sim,
57
uma visão de colcha de retalhos, de referências do mundo que se unem às figuras do mundo que
são apresentadas.
A trilha sonora acompanha a característica do estilo armorial de combinar o erudito com o
popular. As músicas que compõem o espetáculo compreendem composições do próprio Antonio
Nóbrega, de Antonio José Madureira, João Pernambuco, Tchaikovsky e Irving Berlin. Este
último, compositor de canções populares para cinema e teatro norte-americano da Broadway.
O texto que no espetáculo restringe-se ao último personagem, e o que permanece por
mais tempo em cena, o Tonheta, que alterna improviso (ou aparentes improvisos) com o texto de
Bráulio Tavares. Esse é o primeiro espetáculo de Antonio brega no qual Tonheta toma parte
com a configuração que se mantém atualmente. Trata-se de um personagem mico que
constantemente aparecerá nos espetáculos seguintes do artista, em maiores ou menores
intervenções. Tonheta será analisado mais profundamente no próximo capítulo.
Segundo brega, os tipos de figuras que comem Figural são dois: “as do panteão
místico brasileiro e as das “fabulações farsescas” (NÓBREGA, apud MOURA, 1995). Em
entrevista o artista definiu, em poucas palavras, cada uma das figuras que integram o espetáculo:
Cazumbá – Misto de animal e homem. Criatura representativa do arquétipo primordial.
Figura das matas e também dos tabuleiros descampados do mundo. Um duende
tropical, um fauno ou sátiro mugangueiro (NÓBREGA, apud MOURA, 1995).
Trata-se de um personagem híbrido, cercado de magia, relacionado ao mundo dos mortos,
pode ser encontrado no Bumba-meu-boi do Maranhão, também chamado de Careta. A figura do
Bumba-meu-boi utiliza máscara colorida, veste uma bata na altura da cintura, o que valoriza o
seu constante rebolar. Carrega nas mãos um chocalho, com o qual marca o ritmo do folguedo, e
um chicote, com o qual ameaça o público. a estilização de Nóbrega veste apenas uma calça
marrom bastante justa ao corpo, com uma espécie de tanga por cima, da mesma cor. A máscara,
58
também em tom de marrom, remete a uma figura mais ligada a terra, a raízes, que é acompanhada
também pela movimentação corporal. Para esta figura brega utiliza muitos movimentos da
Capoeira Angola, principalmente aqueles mais próximos ao solo, como a queda de rim, a
negativa, o e até mesmo a ginga. Desloca-se com os joelhos fletidos e nas pontas dos pés com
o peito projetado para frente. Sua imagem remete a figura de um fauno, um personagem mítico,
que o se define entre homem, animal e ser fantástico. Também a trilha sonora que faz fundo a
performance do personagem se caracteriza por sons de tambor e de natureza, contribuindo para a
criação de uma atmosfera mítica e selvagem.
Velha Figura presente no imaginário coletivo de várias culturas. Em Figural eu
exploro seu lado trágico através de sua ligação com a mãe-terra, de onde proveio e
para onde breve retornará. A principal referência de que me vali para criar o seu
universo gestual corporal foi a de um orixá, Obaluaê (NÓBREGA, apud MOURA,
1995).
A figura da Velha está fortemente presente nas histórias da cultura oral, tanto com raízes
medievais como africanas, e também em toda sorte de superstições. São muitas vezes as
personificações do grotesco (como no folguedo como Cavalo Marinho, com características que
serão pormenorizadas mais adiante), ou da maldade, e não é por acaso que a atitude opressora é
muitas vezes definida como “velhacaria”. Também o por vezes as criaturas mais pximas do
segredo da morte, da eternidade, e portadoras de conselhos valiosos, adquiridos com a
observação de muitos anos. Conhecem orações, fórmulas medicinais, e sabem como ninguém
lidar com criaas. Segundo mara Cascudo, também podem ser um sinal de sorte, afirma em
seu verbete a respeito dessa figura: “Encontrar uma velha pela manhã sorte, especialmente se
for a primeira pessoa com quem se depara e ainda mais sendo negra” (CASCUDO, 1998: 722).
O figurino deste personagem é composto por muitos tecidos envelhecidos, em tons de
azul escuro e marrom. Também usa uma scara branca, que esconde todo o rosto, ela carrega
59
um cajado que a ajuda na movimentação. Sempre curvada para frente, seu movimento mais
marcante está nos quadris que se movimentam lateralmente, assemelhando-se à dança dos orixás,
conforme indicado pelo pprio artista.
Guerreiro Muita gente identifica nessa figura a de uma espécie de cangaceiro-
samurai. Na verdade, através da articulação geométrica e tensa dos seus movimentos,
busco representar o arquétipo masculino. No Brasil, o cangaceiro é justamente uma das
representações simbólicas desse arquétipo (NÓBREGA, apud MOURA, 1995).
Para desenvolver corporalmente o Guerreiro, Nóbrega recorre ao arquétipo do Samurai, o
qual acredita ser uma forte influência no imaginário da cultura brasileira. A figura de homem
viril, corajoso e forte é colocada através de um corpo reto, preciso, porém sem peso, e detalhado
através de pequenas movimentações dos dedos das mãos, como as mudras indianas. Percebo que
o Samurai de que fala Nóbrega reside justamente nessa movimentação que, por vezes assemelha-
se ao Tai chi chuan. Entretanto o figurino de cores vivas calça vermelha e capa amarela - e a
máscara com feições fortemente delineadas, com barba e chapéu com estrelas (estilizado)
remetem imediatamente a figura do cangaceiro.
A gaiata, a vaidosa, a dançarina O que sei dela é que, através do grotesco, procuro
explorar uma das faces do feminino. Ela fica do lado oposto da figura do guerreiro. Em
sua composição também reúno tros de Catirina e Ians da memória pessoal, que
guardo dos tipos presentes nas manifestações populares (NÓBREGA, apud MOURA,
1995).
Percebe-se uma mescla de influências para a composição desta personagem. Em sua
declaração alude às figuras da Catirina e de Iansã, mesclando uma figura tradicional dos
folguedos nordestinos, com um ori dos cultos afro-brasileiros. A primeira seria uma espécie de
versão feminina do personagem-cômico Mateus; figura decisiva para o desenrolar da morte do
boi nas brincadeiras de Bumba-meu-boi, que justifica dramaticamente o folguedo. Aparece
60
também em alguns brinquedos de Cavalo Marinho e em Reisados. Por sua vez, Ian (também
chamada de Oyá) é o orixá dos ventos e tempestades, mulher de Xangô e Ogum. Talvez seja ela
então a referência que promove a força corporal observada na Gaiata.
Nóbrega parece não apresentar nenhuma preocupação de fidelidade com a tradição, pois
ele utiliza para suas criações diferentes refencias em fuão de uma experiência criativa, sem
que essas necessariamente possuam semelhanças, corporal ou culturalmente, entre si. Além das
referências citadas pelo artista, pode-se observar ainda nessa mesma personagem, outros traços
de figuras de realidades distantes. Observa-se características da bailarina clássica, presente em
sua precisão e leveza corporal, referência esta que, através da qual podemos supor que Nóbrega
promova uma aproximação com a cultura erudita. Um outro elemento notável aparece no andar
de passos curtos, assemelhando-se ao da gueixa, assim como a máscara também lembra essa
figura oriental. Por último, também se detecta traços da daa do Frevo, nas rápidas cruzadas de
pernas que executa pontualmente.
Paquito Bandeira Exímio dançarino de merengues, salsas e boleros e sambas.
Malandro refinado, apesar dos seus traços fisionômicos se identificaram com os pés-
rapados do mundo. Ao seu favor, todavia, conta-se que uma tal de Madona, depois de
inúmeras investidas amorosas para conquistar o primo-irmão, Antonio Bandeira,
desiludida, contentou-se em passar uma noite na ilhas Seichelles com Paquito. O apetite
sexual de Paquito deixou Madona impossibilitada de fazer certos passos de dança
(NÓBREGA, apud MOURA, 1995).
Trata-se de um personagem destinado a demonstrar a semelhança entre os malandros
populares da cultura hispânica e brasileira. Possível versão masculina da personagem da
dançarina, Paquito (apelido popular na cultura hispânica) seduz pela dança. Percebe-se que a
influência de Nóbrega também provém da cultura midiática de massa, ao invocar o mito do ator
Hollywoodiano. O personagem se exibe com pequenos movimentos de malabares com uma bola.
Desloca-se com uma ginga que deixa sempre seu quadril em evidência e utiliza ainda algumas
61
movimentações de Frevo no que concerne a leveza e agilidade do corpo, para caracterizar o seu
malandro. Dança com uma boneca de pano
26
, a qual ele controla os movimentos através de seu
próprio corpo, recurso também utilizado pelo personagem Tonheta no espetáculo Brincante, que
será visto mais adiante.
Mirrele Bijou Cantatriz de procedência francesa. Sucessora absoluta de Edith Piaf,
com a qual hostilizou duramente, enciumada que estava por saber da relação libidinosa
que ela mantinha com o ator Yves Montand (NÓBREGA, apud MOURA, 1995).
Mais uma vez se percebe a influência da cultura cinematográfica européia. A personagem
toca acordeom e usa um vestido longo aos moldes coloniais. Sua máscara, com feições
propositadamente irregulares, como é comum nas brincadeiras populares, dão o tom mico da
personagem. Tem uma voz aguda e estridente e canta em uma espécie de gromelô, no qual
mistura portugs e francês, através do qual se comunica diretamente com o público, que realiza
uma espécie de coral coordenado por ela.
Nossa Santa Essas figuras são daquelas cuja a representação teatrais ficam naquele
terreno movediço, onde se entrecruzam a dança, a mímica e a ppria atuação teatral
(NÓBREGA, apud MOURA, 1995).
Não como não conectar essa figura à personagem da Compadecida de Ariano
Suassuna. É certo que a religiosidade é um dado presente nas manifestações populares, Nóbrega
expressa a imagem da virgem Maria com um figurino bastante característico dessa entidade,
através de um manto azul e uma longa bata marrom onde se tem pintado artesanalmente um
coração vermelho com espadas encravadas nele. Sua movimentação é lenta e com gestual
discreto, concentrado principalmente na mãos, que ora estão espalmadas para frente, ora se
26
Brincadeira comum no nordeste brasileiro, chamada Forró de Bonecas. Pode ser dançada com uma boneca de
pano ou com uma mulher de verdade, que finge ser a boneca.
62
voltam para o colo, fazendo menção a uma criança, e seu rosto que, através de uma máscara
branca de feições delicadas se volta para cima, como que em oração.
João Sidurino ou Mestre Siduca Assim como Tonheta, essa figura está presente em
todos os três espetáculos que fazem parte do repertório da Companhia Brincante
Figural, Brincante e Segundas Histórias. É um misto de cantador e Mestre de
Cerimônias. É inspirado em diversas figuras da cultura popular: os apresentadores de
circo, os cantadores, os menestréis presentes em festas e praças públicas (NÓBREGA,
apud MOURA, 1995).
Seria a versão “séria” de Nóbrega, enquanto Tonheta a cômica. Inspirado no personagem
João Siduíno de O Grande Sero: Veredas, de Guimarães Rosa. Personagem possivelmente
retirado de Figural com o passar do tempo pois, dentre os registros áudio-visuais disponíveis no
acervo do Instituto Brincante, o personagem não aparecia em nenhuma das gravações. Por tal
motivo não é possível analisar sua performance dentro deste espetáculo, a observação se limitará
a sua atuação em Brincante e Segundas História.
Tonheta Tonheta, como se diz por , é a menina dos meus olhos, juntamente com
João Sidurino são as personagens as quais mais me devoto. São a cara e a coroa de uma
mesma moeda. Tonheta é um misto de bufão, palhaço, vagabundo... e sei mais o
quê... Reúne traços de vários tipos populares do Brasil. Conduz uma carroça, que é
palco de suas apresentações (NÓBREGA, apud MOURA, 1995).
Tonheta é o único personagem de Figural que mesmo antes de se vestir já se faz presente,
aliás, o ato de colocar seu figurino já é o primeiro “número” deste personagem cômico, único que
se comunica através de palavras, claramente, com a platéia. O capítulo seguinte será todo
direcionado para a composição e atuação desta figura, portanto uma análise mais superficial
torna-se dispensável neste momento.
63
Imagem publicada no Jornal O Estado de São Paulo São Paulo / SP, em
23 de setembro de 1996. Fotógrafo: Heitor Hui/AE.
Imagem n. 02: Nóbrega posa para foto como todas as máscaras dos personagens de Figural,
incluindo a de Tonheta, ou seja, seu próprio rosto com careta. Da direita para esquerda, de
cima para baixo, Cazumbá, Guerreiro, Paquito Bandeira, Nossa Santa, Tonheta (Antonio
Nóbrega), Mirrele Bijou.
64
Imagem divulgada no Jornal Hot Tickets Londres/Inglaterra, em agosto de
2000,por ocaso de divulgação do espetáculo. Fotógrafo não divulgado.
Imagem n. 03: Personagem Cazumbá, nessa imagem percebe-se a utilização de movimentações
da Capoeira, nesse caso Nóbrega realiza uma “queda de rim” para compor a movimentação do
personagem.
Imagem n. 04: Antonio Nóbrega no espetáculo Passo, realizando o movimento da Capoeira.
Imagem divulgada pelo sitio virtual www.sescsp.org.br, por ocaso da
temporada do espetáculo, acessado em 05 de abril de 2009. Fotógrafo não
divulgado.
65
Imagem n. 05: máscara de autoria de Abel Teixeira. www.acasa.org.br/midia/grande/MF-
01292.jpg. Acessado em 12 de fevereiro de 2009.
27
Imagem n. 06: publicada pelo Jornal do Commercio Recife/PE, em 27 de janeiro de
1995. Fotógrafo não divulgado.
Imagens n. 05 e n. 06: Um exemplo de scara de Cazumbá tradicional da brincadeira
maranhense, inspiradora da outra utilizada por Antonio Nóbrega (ao lado), criada pelo artista
plástico Romero de Andrade Lima.
27
C.f. anexo III.
66
Imagem encontrada no programa da 7è Biennale de La Danse Lyon/França, de 12
a 29 de Setembro de 1996. Fotógrafo: Y. Mello.
Imagem n. 07: personagem Velha.
28
Imagem publicada pelo Jornal The New York Times Nova Iorque/EUA, em 18 de
abril de 1999. Fotógrafo não divulgado.
Imagem n. 08: personagem Guerreiro.
28
C.f. anexo III.
67
Imagem n. 09: publicada pelo Jornal O Tempo Belo Horizonte/MG,
em 10 de maio de 1997.
Fotógrafo não divulgado.
Imagem n. 10: publicada pelo Jornal do Commercio Recife/PE, em
27 de janeiro de 1995. Fotógrafo não divulgado.
Imagens n. 09 e n. 10: personagem Gaiata, a dançarina, versão feminina do malandro.
Imagens n. 11 e n. 12: personagem Paquito Bandeira, o malandro espanhol, a versão masculina
da dançarina. Na imagem n. 11 ele dança com uma boneca de pano.
Imagem n. 11: publicada pelo Jornal O Tempo Belo
Horizonte/MG, em 10 de maio de 1997. Fotógrafo não
divulgado.
Imagem n. 12: publicada pelo Jornal do Commercio
Recife/PE, em 27 de janeiro de 1995. Fotógrafo não divulgado.
68
29
Imagem n. 13: publicada pelo Jornal The Washington Post,
Washington/EUA, em 29 de abril de1999. Fotógrafo não divulgado.
Imagem n. 14: publicada pelo Jornal do Commercio Recife/PE, em 27
de janeiro de 1995. Fotógrafo não divulgado.
Imagem n. 13: personagem Mirrele Bijou, a cantora francesa.
Imagem n. 14: personagem Nossa Santa, personificação da religiosidade popular.
Imagem do programa do espetáculo
Segundas Histórias.
Imagem n. 15: João Sidurino, personagem presente nos espetáculos Figural, Brincante e
Segundas Histórias. Seria a versão “séria” de Tonheta.
29
C.f. anexo III.
69
Imagem publicada pelo Jornal do Commercio Recife/PE, em 27 de janeiro de 1995.
Fotógrafo não divulgado.
Imagem n. 16: Tonheta, personagem presente nos espetáculos Figural, Brincante e Segundas
Histórias. Versão cômica de Antonio Nóbrega.
70
2.3.2 - Brincante (1992)
Com Brincante Antonio brega consegue realizar aquele milagre teatral com que
todos sonham: tudo foi tão e de tal modo cuidadosamente trabalhado que, para a platéia,
o resultado vira festa, espontânea e contagiante (HELIODORA, 1994).
É o especulo no qual o personagem Tonheta se configura definitivamente, e torna-se
para o público uma espécie de marca registrada do artista. Neste espetáculo o bailarino-ator
divide o palco com Rosane Almeida, que vive a atriz mambembe Rosalina de Jesus, além das
outras personagens que contracenam com Tonheta. Por sua vez, Nóbrega desempenha o papel do
ator mambembe e espécie de mestre de cerimônias João Sidurino ou Mestre Siduca (que já tinha
aparecido em Figural) e o andarilho Tonheta. O casal de saltimbancos narra, em meio a
“apetrechos fubentos” (NÓBREGA, apud HELVECIA, 1995: 15), como ele próprio nomeia os
panos desbotados do cenário, as aventuras e peripécias de Tonheta. Esse “arlequim dos trópicos
percorre o mundo puxando uma carroça recoberta de fotos, latas velhas, desenhos, panos, fitas e
outras bugigangas recolhidas ao longo de sua caminhada (lembrando imediatamente as
composições que estão presentes em Figural), fazendo de sua carra uma alegoria de elementos
de incorporação memorial. É como se a carroça fosse, mais uma vez, a expressão da coleção de
fragmentos que compõem a vida dos que estão dentro e fora da cena.
Todos os personagens da cena dominam as técnicas de canto, daa, mímica, acrobacias,
uma vez que o têm recursos materiais, partem da penúria maior, libertadora, e usam voz e
corpo” (NÓBREGA, apud HELVECIA, 1995: 15).
No início do espetáculo, João Sidurino, à moda de um apresentador circense, anuncia o
nascimento de Tonheta. É quando Rosalina de Jesus entra em cena, como uma vidente que narra
sua genealogia, num sotaque que mistura italiano com regionalismo nordestino. A composição
71
que a atriz empresta ao personagem, que oscila entre o farsesco e o quase charlatão, nos induzem
a vida sobre a veracidade da história, e mesmo a vida da existência real de Tonheta. À parte
dessa questão, a cena mostra que, depois de nascer, e gritar para os quatro ventos que tem fome
de comida e de vida, Tonheta ganha as estradas do mundo, sempre sozinho. Antes de “pedalar”
sua carroça, tem um encontro com a sedutora Eva, cena em que Rosane mostra seus talentos
como malabarista ao brincar com as maçãs do pecado original. Tonheta então, recebe um
comunicado de Deus: poderá possuir na vida aquilo que couber na sua carroça. Ao prosseguir
em sua jornada encontra a fanática religiosa Deuzdete, com quem tem um desentendimento ao
estilo de mero de palhaçaria, que culmina com a fanática realizando uma espécie de conversão
religiosa em Tonheta, durante a qual ele está na posição de quatro apoios e ela montada sobre ele,
em referência ao ato sexual, ela movimenta sua cabeça violentamente enquanto, em êxtase, prega
palavras de evangelização.
Finalmente, se apaixona por uma moça de voz estridente que morre em seguida, cena em
que Nóbrega dança com uma boneca de pano (Forró de bonecas). Indignado com a morte da
amada, conclama a Morte, mas, quando esta lhe aparece corporificada, Tonheta se arrepende. Em
uma disputa de adivinhações, na qual satiriza o enigma da esfinge de Édipo, consegue enganá-la
com sua esperteza.
Esse espetáculo, diferente de Figural, se apóia em uma dramaturgia mais estruturada, com
menos momentos de improviso, registrada pela ctica que o premiou. Tem a direção de Romero
Andrade de Lima e recebeu três indicações ao premio Shell de Teatro: texto, por Bráulio Tavares
(ganhador do prêmio); figurino, por Romero Andrade de Lima, e ator, pelo próprio Antonio
Nóbrega.
Brincante narra as origens do personagem Tonheta, e a cena que ilustra sua concepção se
com seu pai embaixo da saia da já citada vidente (Rosalina de Jesus) que, em êxtase sexual
72
narra acontecimentos cosmológicos e supernaturais que aconteceram nesse momento,
relacionando o movimento de elementos da natureza como cometas, árvores do bosque e águas
dos rios com a situação de prazer carnal. Conforme Bakhtin (1993), uma transposição de
elementos do macrocosmo ao microcosmo, ou seja, diminui-se as fronteiras entre o corpo e o
mundo, de forma a materializar corporalmente o universo. Essa aproximação entre o que é
considerado elevado, espiritual/cosmológico e o material/corporal, é uma característica do que o
autor denomina realismo grotesco, característica da cultura popular da idade dia que,
entretanto, também se verifica nas brincadeiras nordestinas ainda hoje praticadas, assim como na
influência dessas sobre os espetáculos artísticos de Antonio Nóbrega.
Em vários outros aspectos, as características do estilo grotesco, apontadas por Bakhtin,
podem ser reconhecidas nas brincadeiras tradicionais pernambucanas e nos espetáculos onde
figura Tonheta. O exagero, a abundância no uso do corpo e de suas atividades, costumam ser
enfatizadas nesse estilo de teatro popular. Segundo o mesmo autor, o grotesco popular não é
puramente satírico de um fato negativo. Ele também se aplica a fatos positivos, ampliando
qualitativamente as possibilidades de imagens e ligações suscitadas por tal acontecimento. É
comum que determinadas partes do corpo sejam exageradamente grandes; no rosto, normalmente
são enfatizados o nariz e a boca, além de tudo aquilo que poderia saltar do corpo e o desfigura,
como os olhos esbugalhados e caretas que retorcem o rosto. Também é próprio ao grotesco a
inversão do corpo, com movimentos que o deformam, que fazem a cabeça ocupar o lugar do
traseiro, e vice-versa. Esse tipo de atitude é bastante comum nos personagens satíricos das
brincadeiras, principalmente nas figuras de Mateus e Bastião, do Cavalo Marinho, ou no Velho,
do Pastoril Profano, que abusam das caretas e dos movimentos corporais escandalosos, como
atirar-se ao chão, se arrastar com o traseiro, passar por debaixo das pernas de outra pessoa, etc.
Também os demais personagens do Cavalo Marinho utilizam máscaras de tamanho exagerado
73
nas quais normalmente se salienta um nariz desproporcional, às vezes torto. Características
também observadas no universo circense, presente nos espetáculos de Nóbrega, seja através da
forma de humor, dos números com malabares e mesmo da temática.
Toda a lógica dos movimentos corporais, vista pelo cômico popular (e que se pode
verificar hoje nos espetáculos de feira e nos circos), é uma lógica corporal e topográfica. O
sistema de movimentos desse corpo é orientado em função do alto e do baixo (vôos e quedas).
Sua expressão mais elementar por assim dizer, o fenômeno primeiro do mico popular – é um
movimento circular, isto é, uma permutação permanente do alto e do baixo do corpo e vice-versa,
ou seu equivalente, a permutação da terra e do céu (BAKHTIN, 1993: 309).
Seguida da cena da concepção de Tonheta, ilumina-se a imagem de Antonio Nóbrega -
um homem pequeno, de meia idade, de ralos cabelos grisalhos - vestido de fralda e toca de be,
sentado, com as pernas um pouco afastadas, fazendo caretas ao som estridente do violino que
toca. Seus dedos dos pés também se retorcem ao ritmo da melodia. Ao se deslocar realiza
movimentos pélvicos para frente e para trás, às vezes mostrando o traseiro e rebolando. As
primeiras palavras do recém-nascido Tonheta se referem à comida, à fome: _ os recém-nascidos
são maquinazinhas de comer e descomer
30
. Cena que segue com um longo discurso sobre a boca
e o aparelho digestivo.
Podemos verificar nessa seqüência inicial do espetáculo Brincante tanto uma presença de
algumas características do grotesco, presentes nas brincadeiras, como vimos; e também a
presença dos temas sexo e comida, indicados por Burke (1989), faltando apenas a temática da
violência que completaria a tríade, como será analisado no capítulo seguinte.
30
Fala do personagem no espetáculo Brincante.
74
Imagem n. 17: material de divulgação do espetáculo Brincante.
75
Imagem disponível no sítio virtual www.scielo.br, acessado em 10 de março de 2009. Fotógrafo não
divulgado.
Imagem n. 18: cena do espetáculo Brincante em que Tonheta encontra com a Morte.
76
1.3.3 - Segundas Histórias (1994)
Tudo é muito simples, ingênuo, mas extremamente delicado, como se Antonio Nóbrega
procurasse resgatar uma maneira de contar histórias, de descobrir através da fábula (e
das suas inúmeras formas expressivas) um universo popular do qual se apropria através
de uma perspectiva erudita (MACKSEN, 1994)
31
.
É posvel detectar que Segundas Histórias começa do ponto onde Brincante termina.
Tonheta es desiludido pela morte de sua amada, como se esta fosse uma espécie de Julieta de
Shakespeare, mas Deus aparece-lhe mais uma vez para lhe contar a boa nova: sua amada não
morrera. Por isso, Tonheta deve seguir em sua demanda para poder reencontrá-la. Assim como no
espetáculo anterior, Antonio Nóbrega e Rosane Almeida dão vida aos personagens utilizando
diversas linguagens expressivas: dança, canto, mica, música, circo e, em determinado
momento, até o ventriloquismo. ainda a utilização de grandes bonecos com instrumentos que
formam uma banda, uma referência ao universo popular dos mamulengos. Registre-se que os
bonecos do espetáculo foram confeccionados por um conhecido mestre pernambucano, Mestre
Saúba.
Em sua constante tentativa de colocar elementos eruditos e popular lado a lado, Nóbrega
atinge um tom nitidamente mais lírico em Segundas Histórias mantendo, entretanto, o humor das
presepadas de Tonheta. No texto, mais uma vez assinado por Bráulio Tavares, estão diluídas
referências à tragédia grega, aos contos de Bocaccio, Cervantes e Rabelais, além de músicas de
Bartók, Prokofiev, Rimsky-korsakov, Dvorák e Mozart. Estes temas musicais convivem com
composições do próprio Antonio Nóbrega, Pixinguinha e Vicente Celestino. No entanto, é
necessário ressaltar a impossibilidade de alcançar uma pureza de culturas, ou seja, dentre os
31
C.f. anexo III.
77
elementos “eruditos e populares que brega utiliza na composição de seus espetáculos,
uma hibridização de outras influências que se confundem, como por exemplo, a da cultura
midiática, de massa, ou a cultura de outras sociedades, além das demais influências que estão
imersas e diluídas nas duas que ele toma como base.
Nóbrega, que assume a concepção e direção deste espetáculo, compõe uma cena de tom
memorialístico, que acentua a importância da narrativa. uma frase de Tavares que Nóbrega
gosta de repetir: A vida pode acabar, mas as histórias continuam.” Através de Tonheta se
uma narração de uma espécie de síntese da memória popular, que passa por histórias bíblicas até
shows de televisão.
Os figurinos de Luciana Buarque mantêm a mesma linha de Brincante, inclusive os
personagens que se repetem (João Sidurino, Rosalina de Jesus e Tonheta) mantiveram o mesmo,
portanto era natural que se mantivesse uma coerência nos demais.
No ano de estréia desse espetáculo, Antonio Nóbrega recebeu o Prêmio de Shell pelo
conjunto da obra.
Em Segundas Histórias acontecem batalhas entre Tonheta e figuras míticas que cruzam o
seu caminho, entretanto a encenação destas é sempre de forma lúdica, sem força de violência de
fato.
Tonheta, a exemplo das figuras das brincadeiras populares que o inspiram, tem sempre à
mão uma piada de duplo sentido ou alguma pilhéria para fazer com alguém da platéia, que é
solicitada em vários momentos do espetáculo. Esses momentos são marcados pelo improviso do
ator, que segue um roteiro pré-estabelecido. Todavia, ele tem liberdade total para criação
individual. Entretanto, é evidente que o clima imposto naturalmente pela tradição por uma sala de
teatro o deixa o público tão disponível para intervenções como nas brincadeiras que acontecem
em via pública.
78
Tonheta, mais uma vez, encontra-se com a Morte e, ao estilo Pedro Malasartes, consegue
driblar com astúcia o inevitável. Ela diz que ele pode escolher a forma como quer morrer, e ele
escolhe “morrer de rir. Para tanto, a Morte é desafiada a contar-lhe uma piada tão engraçada que
produza essa consequência. Ao final, a Morte desapontada é vencida pelo cansaço, pois ao invés
de morrer ele, ao rir das piadas, rejuvenesce vinte anos.
Em Segundas Histórias, Tonheta volta a ter um diálogo com Deus, no qual é incumbido
de enfrentar diversos perigos, que remetem as aventuras narradas pelos romanceiros populares.
Eis que ao fim dessa longa saga encontrará novamente sua amada. Tonheta sai então
“cavalgando” em uma galinha, com a mesma estrutura do cavalo do capitão do Cavalo Marinho,
e para se locomover em sua montaria realiza a mesma movimentão de pernas que os brincantes
costumam fazer quando colocam a figura da Burrinha. Todas as peripécias do personagem são
encenadas ao som de uma canção, executada mecanicamente, ao estilo dos cantadores populares,
que narra em verso, os episódios do herói, atribuindo um formato épico a cena. Também os
diálogos travados entre Tonheta e as figuras que cruzam o seu caminho se em rimas,
remetendo aos versos de cordel.
79
Imagem n. 19: Imagem do convite para a estréia de Segundas Histórias, no Instituto Brincante.
Na foto, os três personagens do espetáculo, da esquerda para direita, João Sidurino, Rosalina de
Jesus e Tonheta.
80
Imagens de divulgação do Instituto Brincante. www.institutobrincante.org.br, acessado em 03 de maio de 2008.
Imagens n. 20 e n. 21: cenas do espetáculo Segundas Histórias.
81
3 – TONHETA: ARQUEOLOGIA E COMPOSIÇÃO DO PERSONAGEM
3.1 – Origens
3.1.1 – Breve histórico
muito tempo venho idealizando uma espécie de epopéia picaresca a partir das
façanhas de uma figura que há mais tempo ainda venho elaborando. Vendo de fora essa
figura, o industrioso Tonheta, ela é um misto de pícaro, bufão, clown, arlequim,
vagabundo, ou sei lá o quê. Sentindo por dentro, todavia, e isso para mim é mais
importante, Tonheta é uma espécie de colcha de retalhos, desses tipos populares que
povoam as ruas e praças do meu ps, que me tocam profundamente deixando-me numa
desordem interior cujos contrários dor e alegria se confundem misteriosamente.
(NÓBREGA, 1994)
32
.
Podemos afirmar que Antonio Nóbrega é ator de um personagem único, e este claramente
é Tonheta. Ele remete à primeira vista aos pressupostos dos atores-tipo da Commedia dell’arte,
com a diferea que Nóbrega é, alguma vezes, o único ator em cena, e em outras, o personagem
para o qual a dinâmica do espetáculo converge. O próprio artista, em entrevista, se autodefiniu
através da música que o próprio personagem canta diversas vezes no espetáculo Brincante: “Eu
sou Tonheta, brincante e carroceiro andante... (NÓBREGA, apud HELVÉCIA, 1995: 17). Desse
modo, Nóbrega aciona a sua criatura em maiores e menores momentos de sua obra, conforme a
conveniência de cada espetáculo, e por meio dele opina. As escolhas, sejam elas coreográficas ou
musicais, são também escolhas de Antonio Nóbrega.
O personagem Tonheta apareceu pela primeira vez, formalmente em um espetáculo, em
A Bandeira do Divino (1978), e mais de dez anos depois em Figural (1990). Posteriormente,
32
Texto do programa do espetáculo Segundas Histórias.
82
protagonizou Brincante e Segundas Histórias, e fez esporádicas participações em espetáculos
seguintes. O último que teve a presença desta figura foi Lurio Perpétuo (2002).
Quando Nóbrega começou se interessar pelas brincadeiras populares ficou
particularmente encantado com a figura do Mateus, presente em tradições populares como o
Bumba-meu-boi e o Cavalo Marinho. Segundo ele, “Mateus seria o ancestral basilar de Tonheta.
É o portador do dionisíaco, do grotesco. O Mateus que gerou Tonheta é o guariba, tipo de
macaco” (NÓBREGA apud HELVÉCIA, 1995: 18). Nóbrega teria se inspirado ainda em outros
personagens pícaros, como palhaços, arlequins, bufões e os do cinema, Charles Chaplin e ator
mico Oscarito, além de uma outra figura das brincadeiras populares: o Velho do Pastoril.
O nome Tonheta surgiu a partir da fusão de seu apelido de infância, Toinho, com o nome
de um Velho do Pastoril, bastante famoso na Recife nos anos 70, o Velho Faceta; a mistura de
Toinho com Faceta, resultou em Tonheta.
O Pastoril é uma manifestação cultural de origem católico-européia, que chegou ao Brasil
durante o período colonial. Trata-se de uma espécie de tradição calcada na dramatização da
natividade de Cristo, que é representado normalmente próximo a presépios e igrejas. É
importante ressaltar que tal manifestação ganhou no Brasil ares significativamente mais profanos,
tornando-se um brinquedo popular de forte teor satírico e licencioso: o chamado Pastoril Profano,
ou Pastoril de Ponta-de-rua. Segundo essa versão, o pastor é tomado agora pela figura de um
Velho (também chamado de Bedegueba), figura de forte conteúdo sexual, que dança
escandalosamente e conta piadas de conteúdo picante, estabelecendo-se como uma espécie de
palho que “leiloa” brincadeiras entre os espectadores. O público, por sua vez, participa
ativamente do brinquedo. também uma significativa transformação na figura das pastorinhas,
uma vez que no Pastoril tradicional estas costumam ser representadas por crianças e adolescentes
com um comportamento polido e recatado, mas que agora dão lugar a mulheres sensuais,
83
podendo tratar-se inclusive de prostitutas contratadas pelo Velho. As pastoras se dividem em dois
grupos, o do Cordão Azul e o do Cordão Encarnado, que travam disputas inflamadas pelos
simpatizantes de cada cordão.
Tonheta é um artista errante que vaga pelo mundo com sua carroça carregada de todos os
seus “bens”. Ele é um multiinstrumentista que toca diversos instrumentos de maneira simultânea
e inventou uma geringonça por ele chamada de “hipermultipolisintetizador DX 14 Ypisilone”:
esta consiste em uma super bateria que, acionada por pedais, permite que ele cante, toque violão
(ou cavaquinho, ou acordeom) e pandeiro, além de emitir outros sons como vários tipos de
buzinas.
Toda a narrativa que descreve a história e a ancestralidade de Tonheta é relacionada a
figuras marginais. Seu pai era um vigarista que vagava pela corte européia e fora degradado para
o Brasil, mais especificamente para a Ilha de Itamaracá, aonde tornou-se chefe de bandos fora-da-
lei, como “contrabandistas de doenças venéreas”, “falsificadores de macacos empalhados”,
“traficantes de água benta” e “atores ambulantes. Alguns dos personagens errantes que
inspiraram Tonheta em algum momento de sua trajetória, de modo voluntário ou não, cometeram
desvios de conduta, como roubo ou assassinato. A trajetória do pai, poucas vezes mencionada, é
onde Tonheta mais se aproxima de tais desvios. Sua índole é cordial.
Enquanto em Figural, Tonheta faz sua primeira grande aparição com poucas informações
sobre seus antecedentes, nos espetáculos Brincante e Segundas Histórias, a biografia do
personagem é narrada e explorada por uma dupla de atores ambulantes: Jo Sidurino e Rosalina
de Jesus. Trata-se de um músico e uma ex-artista circense; esta última, uma espécie de vidente
urbana, com falso sotaque espanhol e jeito de vigarista. O próprio Tonheta é o protagonista de
histórias de enganação e marginalidade, e reflete diversos tipos de cômico popular, desde o artista
ambulante, até o charlatão que vende fórmulas mirabolantes para males incuráveis. Ainda
84
menino, enganou um padre e colocou fogo na casa do mesmo, para escapar de uma educação
severa e violenta. Segundo a narrativa de Rosalina, aos 18 anos, Tonheta realizou experiências
agrícolas: _ Cruzou o bambu com a beterraba, inventando a cana de úcar”. E ainda, ao
descobrir a “glândula da telepatia” “vendia pensamentos positivos em doses homeopáticas”.
No período que compreendeu as primeiras apresentações de Brincante e Segundas
histórias, o personagem Tonheta desfrutou de grande notoriedade. O primeiro espetáculo
marcaria a inauguração do Teatro-Escola Brincante, e tal construção contou com cobertura
constante da mídia local
33
. No entanto esta não ficou restrita à cidade de São Paulo. Um concurso
chegou a ser promovido pelo jornal carioca O Globo, em que os leitores deveriam escrever
esquetes protagonizadas pelo personagem. Nessa época Tonheta adentrou pela teledramaturgia
fez participação na novela Ana Raio e Zé Trovão da rede Manchete. No entanto, essa participação
seria abreviada por insatisfação da parte de Antonio Nóbrega com o rumo que autores e direção
estavam dando ao seu personagem, e não se pode afirmar que a experiência televisiva tenha
influído nessa popularidade. Tratava-se, portanto, de um raro caso de popularidade restrita ao
boca a boca e às matérias de imprensa escrita. Foi ainda cogitada a possibilidade de se realizar
um filme das artimanhas de Tonheta, que seria dirigido por Cacá Diegues, entretanto o projeto
não se concretizou.
Tonheta é o único personagem de Antonio Nóbrega que não usa máscara em Figural.
Como vimos, Nóbrega apresenta uma série de figuras criadas por ele com inspiração no universo
das tradições da cultura popular pernambucana e todos (com exceção de Tonheta) são
apresentados com máscaras. Assim como nas brincadeiras populares de Cavalo Marinho, todas as
figuras, com exceção dos “palhaços” Mateus e Bastião, utilizam o recurso da máscara. Entretanto
33
Esta dissertação teve contato com registros de reportagens da TV Cultura e de matérias em jornais paulistanos
através do Centro de Documentação do Instituto Brincante.
85
a expressão facial é uma característica muito marcante dessas figuras, que pintam o rosto de preto
com carvão (em referência aos escravos) e tanto seus corpos como seus rostos se retorcem
constantemente em caretas grotescas. Não existe, portanto, a máscara no seu sentido estritamente
material. Tonheta não apresenta o rosto pintado de preto, mas faz uso das caretas e do corpo
subvertido, como será visto mais adiante.
86
Capa do disco Velho Faceta - Pastoril do Faceta
1978 - Bandeirantes Discos
Imagem disponível no sítio virtual
www.luizberto.com, acessado em
05 de fevereiro de 2009. Fotógrafo
não divulgado.
Imagens n. 22 e n. 23: Velho Faceta, palhaço famoso do Pastoril Profano de Pernambuco,
figura inspiradora, declaradamente por Antonio Nóbrega, na criação do personagem Tonheta.
87
Imagem do material de divulgação do AT&T Latino Cultural
Festival 2000.
Imagem n. 24: Tonheta com sua geringonça multiinstrumental, o hipermultipolisintetizador
DX 14 Ypisilone”
88
3.1.2 – O cômico popular
As manifestações como o Cavalo Marinho, Mamulengos, Chegança e Pastoril, são
também catalogadas por estudiosos com a denominação de Teatro Popular, por possuírem uma
estrutura dramática pré-definida. No entanto, essa estrutura é móvel e transforma-se ao sabor das
necessidades e influências dos brincantes, mesclando-se a elementos midiáticos, cotidianos ou da
cultura oficial. Podemos afirmar que a característica determinante desse teatro popular não está
centrada no texto emitido pelos atores, nem sequer no enredo que é apresentado. Ela está calcada
na atuação dos personagens, nas ações praticadas por estes, d a importância do corpo e da
expressividade nesse tipo de especulo. Acrobacias, truques de ilusionismo, números de dança e
outras habilidades corporais, como a prestidigitação, o cuspir fogo, são comuns nessas
encenações que remontam os primórdios do teatro ocidental.
Quando inserido em peças teatrais, o artista popular costuma atuar dentro de uma
estrutura tradicional, conhecida por quem assiste. Desse modo, respaldado pelo contexto a sua
volta, o artista fica livre para arriscar os seus improvisos. Tal característica encontra um paralelo
na galeria de tipos da Commedia dell`arte e também ocorre nas brincadeiras de Cavalo Marinho.
um fio narrativo claro e personagens pré-caracterizados. Desse ponto de partida entram os
artistas com suas capacidades de jogar e improvisar. Segundo Borba Filho, referindo-se a atuação
dos brincantes do Boi Misterioso, de Recife:
(...) os diálogos mistura de tradicionalismo e improvisação - assemelhando-se à
técnica empregada pelos comediantes da velha comédia popular latina. (...) Como a
antiga comédia popular italiana, o Bumba-meu-boi possui um soggetto, em torno do
qual são improvisados os diálogos, os lazzi; vários personagens se assemelham entre si:
o Doutor, o Fanfarrão, os Briguelas, os palhaços, o Arlequim, este último embora com
funções diferentes, mesmo guardando o nome (BORBA FILHO, 1977:24).
89
Os arlequins, zannis e criados da Commedia dell`arte, são personagens-tipo que atuavam
tanto em peças teatrais populares vividos por atores profissionais que se especializavam em um
universo restrito de papéis e funções dramáticas, como também podiam ser desempenhados por
pessoas comuns nos períodos festivos (como os carnavalescos). Através dos personagens tinham
maior liberdade para criticar, xingar e injuriar pessoas ou instituições sociais sem sofrer
represálias. Os micos detêm uma espécie de salvo conduto para transitar tanto nas camadas
populares como entre as elites, atuando como um possível apaziguador das tensões sociais.
Mateus, o principal elemento inspirador do personagem Tonheta, é um tipo cssico da
linhagem dos cômicos populares. Ele remonta a figuras como os bobos carnavalescos, que desde
o período medieval europeu, atuavam no mundo de acordo com a ordem das inversões, do
“mundo de cabeça para baixo” (BURKE, 1989). Por essa ordem, os pobres ocupam o lugar dos
nobres, as mulheres dos homens, as caças dos caçadores, etc. O personagem se nutre também das
tradições de determinadas culturas africanas, que tão fortemente influenciaram as brasileiras, uma
vez que essas culturas “já possuíam uma tradição de representação de fato da realidade através de
danças dramáticas” (TINHORÃO, 2000: 76). Outro dado marcante e digno de nota é a presença
dos ritmos dos tambores e das danças.
3.2 - A Influência das Brincadeiras e Figuras
Existem versões que apontam que o Cavalo Marinho seja apenas uma variante
pernambucana da brincadeira do Bumba-meu-boi. No entanto, podemos observar muitas e
significativas diferenças entre as duas manifestações. Elas estão situadas desde a escolha dos
instrumentos musicais utilizados (no uso da rabeca no Cavalo Marinho e da zabumba no Bumba-
90
meu-boi), como também no enredo da encenação. O Bumba-meu-boi mais conhecido, ou
“tradicional”, apresenta um roteiro mais rígido, com uma narrativa mais obediente a uma ordem
cronológica de ações. Por sua vez, o Cavalo Marinho seria mais episódico, com quadros
independentes que não se prendem há uma lógica seqüencial dos fatos. Por fim, o Cavalo
Marinho também apresenta peculiaridades como a Dança dos Arcos
34
e o Tombo do Marguio
35
,
que não aparecem nas brincadeiras de Bumba-meu-boi.
A descrição da figura de Mateus, no entanto, é a tarefa que mais interessa a essa pesquisa.
É importante ressaltar que ela encontra-se de maneira bastante semelhante em ambas as tradições,
e por essa razão as brincadeiras serão abordadas em seus aspectos comuns. Utilizar-se a
denominação de Cavalo Marinho, que seria a vero pernambucana, de influencia mais direta no
trabalho de Antonio Nóbrega.
O Cavalo Marinho é uma brincadeira que abrange as linguagens da música e do canto
(toadas), do teatro (figuras), da daa (pisadas) e da poesia (loas). Suas apresentações ocorrem
em espaços públicos abertos durante determinados períodos do ano, sendo mais recorrentes no
período natalino. São catalogadas aproximadamente 76 figuras que dividem-se em três
categorias: animais, humanos e fantásticos. Dentro da lógica estrutural da brincadeira, Mateus e
seu companheiro Bastião, são dois “negos” contratados pelo Capitão; a este último cabe a
coordenação da brincadeira e a organização da roda onde se dará o baile em homenagem a São
Gonçalo. Mateus e Bastião agem como uma dupla de palhaços que fica em cena durante toda a
brincadeira, com suas bexigas de boi, que são utilizadas tanto para marcar o ritmo das toadas
34
Momento mais religioso da brincadeira, em que se realiza uma dança com arcos enfeitados de fitas coloridas em
homenagem a São Gonçalo.
35
Também chamado de Mergulhão ou simplesmente Marguio, é uma espécie de jogo corporal que antecede a
brincadeira do Cavalo Marinho. Os participantes têm que entrar e sair da roda num curto período da música,
utilizando para tal uma frase de movimento que exige um sapateado muito rápido, chamado trupé. Dentro dessa frase
de movimento os brincantes têm liberdade de improvisar, mas é preciso que sejam muito ágeis para não perderem o
tempo da música e estragar a dinâmica do jogo.
91
como para desferir pancadas nas outras figuras da “cena”, no público, no chão e até em si mesmo.
Trata-se de figuras galhofeiras que, com esperteza e um repertório de piadas de duplo sentido,
conseguem por alguns instantes subverter a ordem estabelecida e se sobreporem a outras figuras
hierarquicamente superiores.
Oliveira (2005) nos faz atentar para as ltiplas influências que podem ser percebidas a
partir da brincadeira do Cavalo Marinho. Sem que se possa estabelecer sua origem com exatidão,
essa tradição popular apresentaria características de outras manifestações, tais como: os
Batuques, as Danças de São Gonçalo, o Bumba-meu-boi, os Reisados, o Mamulengo, além de
outras manifestações de cunho religioso. A autora ressalta ainda que as relações entre as histórias
vividas pelas figuras na brincadeira se entrecruzam com a realidade e a formação histórica de
cada região. A versão histórica que define o Cavalo Marinho como uma brincadeira com origem
nas senzalas do peodo escravocrata brasileiro é bastante aceita entre os brincantes. Tal aceitação
provavelmente ocorre por uma espécie de identificação com a situação de pobreza e opressão
vivenciada pelos brincantes, em boa parte formada por trabalhadores dos canaviais e moradores
de áreas pouco favorecidas, como a Zona da Mata Norte pernambucana. O fato é que muitas
figuras do Cavalo Marinho podem ser identificadas com personagens emblemáticos do universo
dos engenhos e senzalas: os escravos, o senhor de engenho, o capitão-do-mato, a autoridade
militar.
Conforme anteriormente afirmado, as figuras de Mateus e Bastião seriam os escravos,
alforriados ou fugitivos, que vagam em busca de trabalho e sobrevivência, com seu matulão às
costas (espécie de bagagem com quinquilharias pessoais que carregam, compondo sua
indumentária). Assemelham-se à figura do retirante, do indivíduo muito pobre, que permanece
em constante migração. A figura da autoridade policial seria representada pelo Soldado da Gurita,
uma vez que as festas promovidas pelos escravos, apesar de toleradas pelos fazendeiros e
92
autoridades locais, por vezes sofria com a repressão policial. Tal proibição aparece personificada
na figura do Empata Samba, que impede os músicos de tocarem os seus instrumentos. A função
do capitão do mato é representada na forma do Bode, figura que persegue os negros Mateus e
Bastião.
93
(OLIVEIRA, 2005: 76). Fotógrafa: Mariana Oliveira.
Imagem publicada pela revista Ícaro Brasil (out./2004) n. 242.
Fotógrafa: Iara Venanzi.
Imagens n. 25 e n. 26: Na primeira foto, brincantes de Cavalo Marinho realizam o “jogo do
marguio”. Na segunda, a reelaboração de Antonio Nóbrega em função da composição do
personagem Tonheta.
94
Imagem n. 23: (OLIVEIRA, 2005: 181) Fotógrafa: Mariana Oliveira.
Imagem n. 24: imagem publicada pela revista RAIZ, disponível no sítio
virtual www.revistaraiz.uol.com.br, acessado em 25 de janeiro de 2009.
Imagem do material de divulgação
do AT&T Latino Cultural Festival
2000.
Imagens n. 27, n. 28 e n. 29: dois exemplos de pessoas vestindo a figura de Mateus. Em ambos
nota-se a presença do corpo grotesco, através de caretas, da pintura do rosto (e dos dentes) e o
corpo retorcido (n. 23). Em baixo, Tonheta, também utilizando o recurso da careta.
95
3.3 - Influência dos “Heróis” Brasileiros
3.3.1 – Tipologia de malandros
Nas sociedades em que a desigualdade social não é tão visível, como a norte-americana,
tomada por DaMatta (1981) como exemplo, os mitos e heróis assemelham-se aos cidadãos
comuns. Uma vez que o país é rico, repleto de oportunidades, basta uma boa dose de
perseveraa e caráter para obter uma vida tranqüila e sem privações. Estabelece-se, portanto,
uma identificação de modos que qualquer integrante de tal sociedade mira-se nos heróis como em
um espelho. Já sociedades mais estratificadas, em que os diferentes níveis hierárquicos são mais
evidentes, quer dizer, muitos pobres e poucos ricos, a ascensão social, ainda que improvável,
passa a ser o grande desafio do herói deste grupo. A tendência do mito/herói brasileiro é a busca
de algo extraordirio, fora de seu cotidiano, mesmo sobrenatural, e que produza uma reviravolta
completa na sua vida, de forma a transformá-lo em uma pessoa vencedora, que conquistou algo
(uma fortuna, uma princesa, etc), mas sem necessariamente alterar o contexto a sua volta, a
situação inicial.
Desse modo, a trajetória do herói segue a mesma curvatura da sociedade que engendra a
dramatização, já que, em ambos os casos, deve-se ser o que ainda não se é, o aceno do
futuro aberto, rico e grandioso se constituindo no ponto crucial de todas as reviravoltas
e tragédias que reproduzimos em nossas narrativas (DAMATTA, 1981: 258).
Segundo DaMatta, os “atores” do drama social brasileiro seriam divididos por três tipos
de heróis: o caxias, o malandro e o renunciador. O autor relaciona cada um desses tipos a festas
ou manifestações populares: o caxias seria aquele que age de acordo com as leis e regras, e teria
96
como festa de referência a parada militar de 7 de Setembro; o malandro, por sua vez, seria o
marginal, aquele que burla as regras, mas que ainda assim, vive dentro delas. Sua festa
correspondente seria o carnaval; finalmente, o renunciador seria aquele que renega todas as
regras das sociedade para criar as suas próprias, e está normalmente ligado a manifestações
religiosas, procissões, são os romeiros e santos.
DaMatta afirma que apenas o malandro dentro de nossa hierarquia social vive em função
do tempo presente, e do abandono de posições fixas, em meio a uma coletividade presa às leis e à
ordem.
Seguindo esta linha de pensamento, Tonheta ligar-se-ia aos malandros, aqueles que vivem
à margem da sociedade, os vadios, andarilhos errantes, e espertos. Importante ressaltar que
DaMatta elege como representante principal desta linhagem Pedro Malasartes, dentre os
inúmeros personagens com essas características que permeiam o imaginário coletivo e a cultura
brasileira. Essa opção do autor deixa claro que, o tipo de malandro analisado, é o que poderíamos
chamar de “malandro do interior” ou “malandro rural”, quer difere do “malandro carioca”, ou
“malandro urbano”, que vive na boemia, no mundo do samba e da mulata. O malandro em
questão, tendo como expoente Pedro Malasartes, se aproxima mais dos propósitos dessa pesquisa,
por criar maior identificação com o universo de Tonheta, um malandro do Sertão.
Para análise de Tonheta tomarei dois personagens como referência comparativa: o próprio
Pedro Malasartes, figura presente na história oral de várias comunidades, e João Grilo,
personagem com o mesmo tipo de caracterização, criado pelo autor Ariano Suassuna na peça
Auto da Compadecida. Suassuna que, como visto no catulo anterior, exerce influência decisiva
no trabalho de Antonio Nóbrega.
97
3.3.2 – Pedro Malasartes
As histórias de Pedro Malasartes se notabilizam por um estilo narrativo solto, composto
de episódios livres, ordenados de maneira claramente dependente do estilo de quem narra. Os
relatos definem o caráter do herói e do meio onde ele opera: inclui os momentos em que Pedro
Malasartes engana pessoas de posição social superior, em que sujeita-se a situação moralmente
ambígua de induzir um assassinato, e também a destruição consciente de bens de consumo
pertencentes ao patrão
36
.
Um traço evidente do personagem Pedro Malasartes é converter suas desvantagens em
vantagens. Em um lance extremamente simbólico, ele equilibra as valências entre fezes e
dinheiro, ao vender uma quantidade da mesma afirmando que se tratava de algo valioso. Em
linguagem moderna, podemos tê-lo como um agente subversivo, perseguidor e algoz implacável
dos poderosos; suas ações revelam uma vingança e ainda o vel de respeito existente nas
relações entre ricos e pobres.
Pedro Malasartes é um homem de trajeto sinuoso e solitário, destinado ridicularizar os
símbolos e os agentes do poder e da hierarquia, que em determinado momento o ofendem ou
desestabilizam o seu núcleo familiar. Sua vingança é obtida por meio de sagacidade e de
zombaria, e dialoga com a esperança coletiva (e quase sempre o-correspondida) de correção
dos desvios do mundo, de redução das diferenças sociais sem revoluções ou armas. Trata-se de
uma narrativa calcada em um modelo de ascensão social, que coloca a questão: quais as
possibilidades de um indivíduo abandonar seu destino de pobreza, miséria e de exploração, sem
36
As narrativas de Malasartes utilizadas nessa pesquisa foram baseadas no recolhimento de CASCUDO apud
DaMatta 1981: 273 et. seq.
98
que com isso esteja comprometido o modelo social vigente, sem que haja uma significativa
mobilidade entre os seus atores?
Pedro Malasartes é um personagem de origem pobre que, em uma situação de triunfo, se
recusa a deter uma posição de prestígio e poder. Afinal, ostentar é característica do seu oponente,
o Patrão opressor. Seu sucesso localiza-se em uma zona intermediária, sem interligação com a
ordem estrutural da sociedade. É o herói das zonas e situações ambíguas, onde estão relativizadas
as noções de certo e errado, justo e injusto; zonas de caráter amoral. Induz a dubiedade nos
códigos e leis rígidos que sufocam o mais pobre atrás das grades invisíveis do trabalho, do
iletramento, e da injustiça social.
DaMatta chama a atenção para a oposição existente entre o núcleo familiar de Pedro, e o
fazendeiro “rico e velhaco”, que misturam-se nos planos das descontinuidades políticas, sociais e
econômicas. O dado mais relevante da família de Pedro Malasartes é que ela compõe um grupo
doméstico de impossível perpetuação: um casal de velhos e dois filhos homens. Caracteriza,
portanto, um estado de pobreza e de emergência na busca de solões para o sustento do núcleo.
O pobre é necessariamente algm que tem de sair de si mesmo na busca de recursos, e que por
isso não é auto-suficiente em seus desejos e vontades. Os pais, velhos e sem condições de
produtividade sexual e social, voltam-se para os filhos, a força motora do núcleo, os únicos
possíveis geradores de sustento. Os rapazes, por conseqüência, precisam voltar-se para o mundo
exterior.
A pobreza é a motivação principal, a condição decisiva dessa sda da lula familiar, ou
célula mater, onde todos estão amparados por fraternidade consangüínea, para o mundo não-
fraterno da exploração. O núcleo formado pelos irmãos João e Pedro é pobre de origem, porém
fértil de capacidade de exogamia econômica e política. Essa caractestica é um contexto
99
privilegiado para o caráter do personagem Pedro, vocacionado para a criatividade e o
nomadismo.
O termo “ganhar a vida designa a trajetória diária de quem é pobre e precisa desdobrar-se
para obter o sustento diário; o rico, por sua vez, nada precisa fazer, não carece de qualquer
movimentação física ou existencial. A narrativa distingue dois domínios bastante precisos e
específicos: a “casa”, que é a expressão do cleo familiar e existência bastante consistente,
envolta por laços de afetividade; e a “vida, aquela coisa não afetiva, e que precisa ser ganha. A
“casa e a “vida estabelecem as relações sociais na narrativa. O grupo social que simboliza os
pobres se apresenta através de uma família; os ricos, ao contrário, são personificados em apenas
um homem, o fazendeiro.
A relação de trabalho é estabelecida através de um contrato de trabalho, impessoal, e que,
segundo a narrativa ressalta, é de impossível cumprimento, em benefício exclusivo do fazendeiro:
por esse contrato o empregado não poderia recusar nenhum tipo de serviço, e ambos jamais
poderiam ficar zangados com o outro, sob pena de perder uma tira de couro das costas.
O contrato de trabalho impede que João (honesto e trabalhador) expresse qualquer
indignão ou descontentamento. Isso aumenta significativamente a sua humilhação, pois, uma
vez lesado pelo patrão, retorna para a casa mais pobre do que antes, ferido, e calado. Esse retorno
de João, derrotado e diminuído, é o ponto de onde Pedro Malasartes inicia sua trajetória e por
onde justifica as condições que o definem (vadio e astuto); vadiagem ou astúcia são recusas
pessoais em transacionar comercialmente a própria força de trabalho. Logo, os malandros
preferem reter para si essa força, e flutuam na estrutura social, por vezes entrando, saindo, ou
mesmo transcendendo. Podemos afirmar que a astúcia equivale ao “jeito (ou “jeitinho”),
equivale em utilizar-se das regras em proveito próprio, mas sem destruí-las. É burlar o que está
escrito através de uma esperteza que não cabe no papel, no universo formal.
100
A iniciativa de vingança de Pedro Malasartes é de natureza estritamente pessoal, sem ser
motivada por convicção política ou ideológica. Ela também não significa uma tomada de
consciência social. Pedro vai procurar o patrão após ficar sabendo da natureza do contrato que
prendeu e lesou o irmão e que, supostamente, também irá prendê-lo. No entanto, ele subverte e
reinterpreta as regras do contrato e as ordens do patrão ao cumprí-las ao pé da letra.
Ao receber a ordem de retornar da plantação de milho quando a cachorrinha que o
acompanha também voltar, Pedro desfere uma paulada no animal: este, que antes estava imóvel e
não fazia menção de se mover, volta correndo para casa, permitindo automaticamente a volta de
Pedro, sem “desrespeitar a ordem do fazendeiro; diante da ordem de limpar a plantação de
mandioca, Pedro Malasartes arranca tudo o que está plantado, deixando o local limpo”;
quando é incumbido de trazer uma grande quantidade de paus sem nós, Pedro Malasartes corta
todo o bananal, alegando que a bananeira é “um pau sem nó”; ao ter que colocar um carro de bois
com bois e tudo em uma casinha minúscula, corta os bois e o carro e atira os pedaços janela
adentro. Finalmente, ao ver-se ameaçado de morte pelo revoltado Patrão, Pedro chega a um
extremo: articula a morte de uma inocente (a mulher do fazendeiro) em seu lugar, e para não
revelar o crime para a justiça, exige dinheiro do patrão.
Dessa maneira, sempre achando uma brecha interpretativa nas ordens do patrão, Pedro
consegue reverter todas as situações em seu favor. Seja porque se beneficia com elas, ou porque
estas resultam em prejuízos ao fazendeiro, que não pode se zangar, devido aos termos
estabelecidos no contrato, e nem castigá-lo, pois ele cumpre exatamente o que é ordenado. Se
Pedro Malasartes contava apenas com sua força de trabalho, a força do fazendeiro constituía-se
de seus bens. À medida que, cumprindo o contrato ao pé da letra, Pedro Malasartes consegue
fragilizar esse patrimônio, a força opressora uma vez desequilibrada, cria condições ideais para
uma “virada de jogo”. Pedro Malasartes estabelece o “poder dos fracos”, que consiste em destruir
101
a opressão através da obediência malandra e sagaz. Segue precisamente o dito popular, que reza:
“contra esperteza, esperteza e meia.
A narrativa opõe o poder de fortes e de fracos. Pedro Malasartes é sempre associado e está
às voltas com imagens e elementos que indicam a sua condição social inferior (fezes, urubus,
cadáveres); isso tamm ocorre com a figura do fazendeiro (dinheiro, criação de animais, terras),
e inclui características de caráter negativas que existem de modo compensatório (mesquinharia,
avareza). Os pobres são definidos por princípios pessoais, internos; os ricos, por aquilo que
possuem exteriormente.
Porém, apesar de destruir o fazendeiro econômica e moralmente, Pedro Malasartes não
ocupa o seu lugar. Isso significaria reproduzir o sistema. Pode-se concluir que interessa a Pedro
Malasartes ser o herói dos espaços ambíguos, sendo este um dos pontos centrais da narrativa. Ele
não atua como um vingador social coletivo e generalizado: o passado não tem peso, e o futuro ele
não espera. o deseja ser bandido, valentão, ou profeta. Em determinado momento, troca sua
vingaa por uma determinada soma em dinheiro. O econômico, portanto, prevalece sobre
qualquer compensação social e potica. Por essa solução, o malandro poderá prosseguir
sossegado por suas andanças.
Pedro Malasartes é um ser da limiaridade, do nem nem cá, vertente sica do mundo
social brasileiro.
3.3.3 – João Grilo
O “amarelinho”, que representa o típico batalhador do sertão nordestino, e é a designação
constante do personagem João Grilo. Ela não surge como designação pejorativa na peça. Tal
102
descrição é apenas uma constatação, pois ele é (ou pelo menos, deveria ser) igual a tantos
desafortunados, com história de privações e grandes riscos. No entanto, Grilo é personificação do
indiduo que tornou-se astuto para poder vencer toda sorte de adversidades. Dentro da obra de
Ariano Suassuna, essas características aparecem também evocadas nas figuras de Quaderna,
Cancão e Benedito. João Grilo é uma figura que faz parte do imaginário popular, pode ser um
desdobramento da figura de Mateus, assim como seu companheiro Chi encontraria seu
equivalente em Bastião.
João Grilo protagonizou a peça mais aclamada do dramaturgo, o Auto da Compadecida,
escrita em prosa, e que tem como fontes de inspiração os autos de Gil Vicente (e porque não
citar, o Teatro Jesuítico de José de Anchieta), os folhetos populares e um entremez religioso. A
peça apresenta episódios que o autor explora e enriquece, além de multiplicar os personagens, por
se tratar de uma peça longa, prevista para ter duração semelhante a de um espetáculo teatral
dividido em atos, segundo a tradição ocidental.
Ressalte-se que João Grilo não apenas segue a linhagem dos Malandros, como Pedro
Malasartes, como também possui muitos traços comuns. No entanto, o João Grilo que será visto
aqui é o “recriado por Suassuna, e inserido em um contexto que prima por uma moralidade
católica e uma estética que remete aos já citados autos medievais. Trata-se de características
marcantes desse autor. Contudo, os pontos que me levaram a eleger esse personagem para base
da pesquisa, que tem por centro o personagem de Tonheta, não foram apenas o que eles possuem
em comum. As distâncias reveladas pela dramaturgia entre esses personagens que, aparentemente
habitam lugares similares e provém de autorias tão próximas, também são nítidas e dignas de
reflexão.
Assim como Pedro Malasartes, o que move João Grilo é a vingança, a fome e o dinheiro;
em resumo, conforme mencionado, a necessidade de “ganhar a vida”. Desse modo, todas as
103
“embrulhadas” em que se mete na trama de Auto da Compadecida são motivadas por um desses
fatores. Essa necessidade de sobrevincia a qualquer preço e a no poder reconstrutor do
dinheiro, está presente também nos outros personagens e na atmosfera social em que estão
inseridos. Um bom exemplo desse contexto está na história narrada por João de uma mulher que,
por conta da fome ao invés de parir menino teve cavalo; _ pois a comida é mais barata e é
coisa que se pode vender (SUASSUNA, 1978: 27).
João Grilo também arquiteta uma vingança contra seus patrões exploradores. Isso porque
constantemente relembra de um momento que esteve doente e recebeu como tratamento o
descaso do padeiro e sua esposa. _ Três dias passei em cima de uma cama, com febre, e nem um
copo d`água me mandaram (...) Bife passado na manteiga para a cachorra, e fome para João
Grilo. É demais! (SUASSUNA, 1978: 157).
O personagem vende para sua patroa que, “adora bicho e dinheiro” um gato que ele
afirma que defeca, ou por suas palavras, “descome” dinheiro. Por meio a uma seqüência de
mentiras faz com que o padre desrespeite o fazendeiro Antonio Moraes e o calunia de maluco.
Promove a morte do cangaceiro Severino de Aracaju ao prometer-lhe uma gaita que teria o poder
de ressucitá-lo e, depois de morto, ainda o saqueia. Apenas para enumerar algumas das façanhas
arquitetadas por João Grilo.
Ao final, quando João Grilo e Chicó finalmente encontram-se ricos, com o dinheiro de
todas as artimanhas que tinham inventado, um ato de fé de Chicó, e aqui se percebe o tom de
moralidade religiosa do autor, faz com que eles entreguem todo dinheiro a Nossa Senhora
Aparecida, permanecendo na mesma situação social e de penúria que se encontravam no início da
peça. Concluímos que, apesar de conseguir driblar as dificuldades sociais que lhe aparecem,
assim como Malasartes, no momento em que eles podem alterar sua realidade, renunciam a ela.
104
Pedro, contudo, pode por alguns instantes desfrutar com sua família da quantia em dinheiro, mas
não é difícil supor que sairá em breve da rotina de vadiagem para novas peripécias.
O momento marcante da moralidade, entretanto, se concentra no julgamento dos
personagens mortos, realizado por um Jesus Cristo negro - que declara ter aparecido para eles
nessa forma “de propósito, para provocar comentários” - pelo demônio e por Nossa Senhora
Aparecida; sendo estes o juiz, o promotor e a advogada, respectivamente. Tal julgamento termina
com a ida dos membros da igreja e dos patrões de João para o purgatório, com a absolvição e ida
ao paraíso de Severino, redimido por sua ppria condão de loucura e de ser um instrumento
para a lera divina, e com a ressurreição de João Grilo, que ao apelar para a compadecida
consegue uma segunda chance. Segundo Nogueira (2002: 55), o mesmo fogo que queima, redime
e conduz ao divino. Dessa maneira, João Grilo torna-se o principal agente da absolvição dos
personagens do julgamento. O dito “amarelo”, assim designado para expressar um indivíduo de
pouco brilho, se apresenta como um ser quase divino, o que se reforça pela sua “parceria” com
Nossa Senhora. O “amarelo” que designava sua característica subnutrida e opaca ressurge
momentaneamente ungido de uma luz divina.
João Grilo é instrumento ficcional de Suassuna para exercício de um diálogo
complementar e antagônico entre morte e vida. Esse dado é o que permite a quase “santidade” do
personagem, por meio da sua ressurreição. Registre-se que apenas Jesus, segundo o mesmo
contexto católico em que a peça está inserida, foi capaz de igual façanha. Para o “amarelo e
hábil Grilo a finitude que a todos espera parece um pouco menos gida (NOGUEIRA 2002: 74-
75).
105
3.3.4 – Violência – sexo - comida
Nos carnavais medievais, segundo Burke (1989), imperava uma temática baseada na
tríade: comida, sexo e violência. Ou seja, atividades ligadas à carne, ou mais especificamente, ao
corpo. As bexigas (extraídas do boi ou do porco) utilizadas por muitos tipos cômicos nas festas
populares européias, e também inclusive por Mateus e Bastião, figuras do Cavalo Marinho,
podem ser interpretadas como uma simbologia dessa tríade, uma vez que esse objeto é retirado
das entranhas de um animal que faz parte da alimentação dos humanos. Essas bexigas o
utilizadas para bater nas pessoas, para afastar com violência os indesejados, e tamm pode ser
encarada como um símbolo fálico.
Tanto nas brincadeiras populares, como o Cavalo Marinho e o Pastoril Profano, quanto
nas narrativas do imaginário popular e nas histórias de Pedro Malasartes, a temática da violência
se manifesta de diferentes formas, seja em seu enredo, seja também no ambiente de sua
apresentação espetacular. É significativo que a peça de Ariano Suassuna, Auto da compadecida,
inspirada pelo universo da cultura popular, aborde amplamente a questão da violência. A ligação
desses universos com a vida cotidiana também se apresenta como uma possível justificativa para
esse dado.
No que diz respeito ao Cavalo Marinho pode-se começar pelo universo inspirador do
enredo do brinquedo, o dos engenhos escravocratas e, como dito, a extensão de alguns
personagens desse cenário para as figuras da brincadeira. Mateus e Bastião, com suas bexigas
batem em várias figuras, com o intuito de expulsá-las, além de usar esse mesmo recurso para
afastar o público e “organizar” a roda da brincadeira. Também os Bodes aparecem com a
finalidade de perseguir os dois “negos, quando simultaneamente ocorre a dança em homenagem
106
a São Gonçalo, um dos momentos de maior religiosidade da brincadeira, criando um clima
paradoxal pela mistura do sagrado e do profano.
Desavenças ainda podem ocorrer entre as pessoas que estão participando da brincadeira,
entre o público, ou com alguma figura do ritual que passa do limite da brincadeira ou tem alguma
piada mal interpretada. No relato de Borba Filho, a respeito do Boi Misterioso, grupo tradicional
de Bumba-meu-boi de Recife, a questão da violência aparece bem evidente: “Brigas podem
surgir a qualquer momento. A atmosfera é quente, a cachaça está correndo, um espectador mais
sisudo pode não gostar das ‘liberdades do Mateus, das marradas do Boi, das investidas do
Jaraguá. Brigas e até mortes” (BORBA FILHO, 1977: 25).
Pedro Malasartes e João Grilo também estão ligados a uma realidade de violência.
Podemos citar o patrão que promete arrancar “uma tira de couro das costas”, e o Major Antônio
Moraes, cuja a garantia de um empréstimo contraído pelo personagem Chicó é idêntica. Chegam
ao limite de tramar assassinatos, no caso de Pedro, da esposa de seu patrão; no de João Grilo, o
do cangaceiro Severino de Aracaju. Porém, é correto afirmar que em ambos os casos se trata de
uma forma de legítima defesa: ambos estavam jurados de morte e, em busca da sobrevivência,
arquitetam planos que revertem o crime para outra pessoa, inocente ou não.
Voltando à tríade diagnosticada por Burke, verifica-se ainda a presença das temáticas
“comida” e “sexo” presentes nas brincadeiras e nas narrativas. É possível afirmar que a
característica marcante do Pastoril Profano é a presença das pastoras, mulheres com roupas
insinuantes que dançam sensualmente e que podem ser leiloadas” pelo Velho. As piadas
picantes e de duplo sentido são traços tanto do Velho, quanto das figuras do Cavalo Marinho. A
Véia do Bambu, por exemplo, é uma figura executada por homem, que representa uma idosa
libidinosa que levanta a saia e se insinua para todos. Trata-se, portanto, de uma figura que ilustra
bem o que Bakhtin (1993) denomina como “a morte prenhe”, ou seja, um ser humano próximo da
107
morte, entretanto com sua vitalidade sexual aflorada, um paradoxo do grotesco. Também a
questão da comida e do sexo são abordadas com constância nos diálogos e atitudes das figuras,
que além das mencionadas piadas de duplo sentido, adotam posições corporais que remetem
imediatamente ao ato sexual, mostram o traseiro, e estão sempre com fome. Por isso matam o boi
para comer, e trapaceiam para conseguir dinheiro para comprar comidas. Esses três elementos são
bastante presentes no imaginário popular, atitudes primárias do corpo, inerente a todo ser
humano.
No Auto da compadecida a questão da incontinência sexual es presente na figura da
Mulher do Padeiro, adúltera contumaz, que trai constantemente o marido, inclusive com seu
empregado Chicó. Essa questão, entretanto, não afeta nem inquieta diretamente o personagem
João Grilo que, bem como nas narrativas de Pedro Malasartes, não é uma temática determinante
para a trajetória do personagem.
3.3.5 - Pontos comuns e diferenças
É possível detectar que o que diferencia primordialmente Tonheta de Pedro Malasartes, de
João Grilo e de outras figuras das brincadeiras populares, é o fato de que Tonheta não passa
fome, privação, e não luta pela sua sobrevincia, pelo menos não claramente. Quero dizer com
isso que nas narrativas do personagem, apesar de ficar claro que não se trata de um homem
abastado, não momentos em que esse conflito se faça presente. Em momento algum dos três
espetáculos que figura Tonheta, ele faz menção às dificuldades da vida, ou da batalha pelo pão.
Percebe-se que os motivos que o impulsionam estão longe de ser o da luta pela sobrevivência.
Enquanto o mote principal, tanto de Pedro quanto de João, é a luta pelo “pão de cada dia”. Pedro
108
Malasartes sai em busca da vingaa de um fazendeiro rico, que havia explorado e ludibriado seu
irmão mais velho, que teria saído em busca de trabalho para levar comida para família. Em um
outro momento da narrativa, Pedro engana um endinheirado ao dizer-lhe que embaixo de seu
chapéu havia o mais raro dos passarinhos. Este dá-lhe uma grande quantia em dinheiro pela ave
e, ao levantar o chapéu percebe que comprou merda. Também todas as tramóias executadas por
João Grilo são para ganhar algum dinheiro, para comer, ou para aplacar a opressão cometida
pelos seus patrões, quando estes são abusivos em seus direitos.
Tonheta não passa fome, não tem questões de patronagem, não é submetido a situações de
exploração, não tem razões para vingança, enfim, não tem que lutar pela sobrevivência.
Quando Tonheta enfrenta seus maiores desafios, luta com monstros mitológicos que
cruzam seu caminho, assemelhando-se de maneira discreta à Dom Quixote, de Cervantes.
Monstros que não podem puni-lo ou prejudica-lo. Sua luta é por uma questão subjetiva, para
reencontrar sua amada. Nesse caso poderíamos afirmar que Tonheta seria um malandro
romantizado. Se Grilo e Malasartes fragilizam focos individuais de poder e riqueza, Tonheta a
ninguém derrota. Sua causa assemelha-se mais a dos cavaleiros medievais, comuns também
nas histórias da literatura de cordel e das histórias dos cancioneiros, como a dos Doze Pares de
França, do que das adversidades sociais que as figuras do imaginário brasileiro m que driblar
para viver.
Os confrontos de Tonheta não são contra os ricaços nem contra a pobreza. Percebe-se,
entretanto, uma tendência crítica à religião e ao fanatismo. um episódio de sua vida
37
, ainda
na sua infância, em que um padre faz rias perguntas a Tonheta. Este o responde de forma
reticente ou tortuosa, de modos a enfurecer o padre, sendo que, a última resposta leva o religioso
ao afogamento em um rio. Ao ser perguntado se o rio era fundo, Tonheta singelamente responde:
37
Cena do espetáculo Brincante (1992).
109
_ Meu pai passa todo dia por ele e só molha as botas. O padre entende então que o rio é raso e se
põe a atravessá-lo, mas quase se afoga e volta para tirar satisfações com o pirralho que diz: _ É
que meu pai passa a cavalo, seu padre!
Em um outro momento, Tonheta tem uma grande discussão na rua com uma fanática
religiosa, D. Deuzdete. Tal discussão é motivada pela posse de um espaço de rua, onde ele
pretende vender suas inveões e produtos mirabolantes, e ela que deseja pregar sua religião.
Esse entrevero chega a ponto de Tonheta apontar-lhe uma arma que revela-se descarregada ao
final da história.
Tonheta é convidado ainda a participar de um talk show televisivo, cena na qual o artista
evidencia sua opinião crítica a respeito desse veículo. A apresentadora, afetada e artificial, não
tem interesse real e sincero no entrevistado, seguindo apenas um protocolo que repete
diariamente.
É possível perceber nesses momentos, uma tendência do artista a criticar situações de
religião e fanatismo (incluindo, nesse caso, a televisão). Essa diferença é determinante para
caracterizar o trabalho do artista Antonio Nóbrega e a figura de Tonheta. Sendo esse personagem
uma face do artista, ou “uma faceta de Toinho”, um homem que nasceu e cresceu em uma família
de classe média, que nunca passou fome ou teve que lutar por sobrevivência. É compreensível,
pois, que essa característica não fa parte da composição desse personagem, que seria a face
mica de brega, é claro que com isso não estou afirmando que é necessário passar por uma
determinada experiência para tratá-la artisticamente mas, ao que me parece, Nóbrega opta por
fazer de Tonheta uma espécie de alterego, onde ambos compartilhariam das mesmas
experiências, entretanto cada qual recebendo-as à sua maneira.
Se João Grilo, criatura de Suassuna, passa necessidades é porque representa o nordestino
médio, incontáveis “amarelos”, de quem o autor está separado pelo distanciamento narrativo, e
110
também por sua origem social. Conclui-se então que Grilo, por sua vez é protegido pela quarta
parede e pelo escudo da fábula. Por outro lado, Tonheta ganha a vida no momento do espetáculo,
graças a seu nítido talento histriônico. Enquanto João Grilo e Pedro Malasartes precisam lutar
pela sobrevivência e pelo dinheiro, Tonheta luta pelo aqui e agora, pelo público que tem que ser
conquistado a cada apresentação, pois não tem fábula ou quarta parede que o proteja.
Também a questão da violência, dado presente na realidade dessas figuras, não encontra
lugar expressivo no universo de Tonheta. O momento em que empunha da arma de fogo e o do
incêndio na casa do padre seriam os mais relevantes desta temática, logo, é possível afirmar que
essa questão costuma ser amenizada em seus espetáculos. Talvez, justamente, pelo fato de
Tonheta não ter que lutar pela sobrevivência, não se ver na situação limite da fome, os momentos
de violência de seus espetáculos se manifestam de forma quase frívola, meramente alegórica, e
sem grande contundência.
Segundo a definição de DaMatta (1997), o malandro seria um personagem sem amarras,
sozinho, alguns deles sem família, e que passa por terríveis provações. Tonheta, de acordo com as
narrativas de sua vida nos espetáculo Brincante e Segundas Histórias, encaixa-se em tais
características. Quando criança foi entregue a um padre, que cuidaria de sua educação em um
seminário, de onde Tonheta fugiria após colocar fogo na casa. É um artista errante, sem emprego
fixo e formal, que vive de vender elixires e poções para males incuráveis, ou por outra, um
estelionatário. Em uma de suas andaas conhece sua amada que, assim como a Julieta de
Shakespeare, se mata ao pensar que Tonheta havia morrido, ao final de Brincante. Em Segundas
Histórias, porém, Tonheta recebe um recado de Deus, que determina que ele terá que passar por
terríveis provas e enfrentar monstros e que, no fim dessa aventura, reencontrará seu amor.
Os outros dois temas da tríade de Burke (1989) – comida e sexo - têm um pouco mais de
espaço no universo de Tonheta, mas não são determinantes para sua trajetória. Faz-se uma
111
menção à fome no momento de seu nascimento, quando realiza um discurso sobre a boca e todo o
sistema digestivo. Na cena em que uma espécie de Eva sensual realiza malabarismos com maçãs,
o apetite de Tonheta se divide entre as frutas (comida) e a mulher (sexo). Entretanto, Tonheta não
utiliza a bexiga, símbolo fálico e utilizado com violência pelas figuras, como vimos. Mesmo
presentes, essas temáticas não são fundamentais nas narrativas do personagem de Antonio
Nóbrega.
Nóbrega, ao contrário de Suassuna, não utiliza o universo e a figura de Tonheta para um
discurso pprio contundente, para uma tomada de posição particular, no sentido do enredo.
Constato, portanto, que a maior contribuição oferecida artisticamente através da criação do
personagem Tonheta é a sua constrão corporal, a recriação e “opinião” que o artista expõe
através do corpo do personagem que, carimbado de registros de movimentos das brincadeiras
populares, se reelabora através de técnicas cênicas e corporais utilizadas conscientemente pelo
artista. Talvez aqui esteja o maior ponto de encontro entre a arte de Antonio Nóbrega e as
brincadeiras populares: a importância do corpo. O poder de expressividade corporal revelado por
Antonio Nóbrega em seus espetáculos é equivalente ao que se nota nos brincantes da cultura
popular de qualquer época e de qualquer lugar, o texto emitido (quando há) é um mero
complemento, mas não é seu principal meio de comunicação. Fato que respalda essa afirmação é
a busca pelos teatros de feira, pela Commedia dell`arte, pelo teatro oriental que se em grande
escala quando da queda do textocentrismo.
112
3.4 – A Composição Corporal
A partir do século XIX ocorre uma redescoberta do corpo no teatro ocidental. A partir de
experiências de Delsarte e Dalcroze, o corpo do ator passa a ser foco primordial dos espetáculos,
desencadeando um processo de derrocada do império do texto, e uma busca incansável de
treinamentos para o corpo do ator.
A opção de utilizar os fundamentos de Eugenio Barba e Klauss Vianna para a análise do
trabalho de Antonio Nóbrega se deu em função da própria ligação do artista com tais cnicas,
como dito no capítulo anterior. Optei ainda por acrescentar os estudos de Meyerhold, uma vez
que percebi a relevância e adequação ao objeto de análise, como será explicitado a seguir.
3.4.1 - Corpo híbrido
O corpo cênico construído pelo artista Antonio Nóbrega para o personagem Tonheta é a
resultante das influências culturais e técnicas que adquiriu em sua trajetória enquanto artista
cênico. Tonheta tem, ao mesmo tempo, o despojamento das figuras do Cavalo Marinho e o rigor
técnico de uma composição corporal de um bailarino. brega, além de possuir o registro
corporal das daas e dos movimentos das brincadeiras populares, é ainda dotado de uma
consciência corporal adquirida através da técnica aprendida com o preparador corporal Klauss
Vianna, com os cursos de mimo corpóreo e de técnicas circenses que realizou. O artista ainda se
identifica com os princípios da Antropologia Teatral, de Eugenio Barba, e com algumas
manifestações do teatro Oriental. Tendo em vista esse amálgama de influências, estilos e técnicas
- mistura comum ao ator contemporâneo - podemos afirmar que Nóbrega apresenta um corpo
113
híbrido, no sentido de absorver e reelaborar informações de modo a expressá-las a sua maneira,
com sua individualidade. Pode-se afirmar que, apesar dessa diversidade de influências, Nóbrega
elegeu um ponto de apoio, conforme indica Barba (1994: 28). O ator oriental se apóia em uma
base com a qual trabalha toda a vida, se especializa em uma determinada técnica artística e dentro
dessa “restrição” encontra sua liberdade criadora. Já o ator ocidental, com a liberdade de escolhas
que tem para desenvolver seu aparato técnico, acaba por se perder e não conseguir definir uma
técnica específica. brega é um especialista na técnica das danças populares, domina com
excelência os movimentos das brincadeiras e manifestações que optou por trabalhar e, a partir
delas, encontrou um terreno fértil para exprimir sua liberdade artística.
O processo de reelaboração utilizado por Nóbrega se adequa ao procedimento “sintetizar,
estilizar, transformar em símbolos” (CAVALIERI, 2002: 04), proposto por Meyerhold a partir
das linguagens que tinha como referência; no caso de Nóbrega, esse processo se a partir do
imensurável xico de expressões culturais do universo popular brasileiro. Meyehold pretendia
que o corpo do “novo” ator, ou seja, aquele que fugia dos padrões psicologizados do naturalismo,
dispusesse de um corpo treinado, virtuoso, capaz de encantar a platéia e de produzir sentimentos
a partir de sua movimentação. Para tal, buscou inspiração nos modelos da Commedia dell` arte,
no teatro oriental, nos teatros populares de feiras, no teatro elisabetano, no circo, sempre em
busca da teatralidade. Submetia seus atores a treinamentos de acrobacia, dança, ginástica,
esgrima, além de outros esportes que exigem habilidade física. Dessa forma o ator estaria em
estado de alerta, pronto para reagir, sem a necessidade de grande tempo para interiorizar a
situação. Essas diferentes linguagens - cênicas ou não, pois apegava-se também a outras
referências, como a sica, as artes plásticas, etc - são as chamadas matrizes, a partir das quais
Meyerhold trabalha seus diferentes códigos e modos de funcionamento próprios sem, no entanto,
reproduzi-los meramente na cena, mas reelaborando-os para um outro fim.
114
Outra característica do trabalho de Meyerhold que nos parece relevante para essa pesquisa
foi sua identificação com a utilização do grotesco, considerando tal procedimento como um
método de criação de teatralidade. Segundo Matteo Bonfitto (BONFITTO, 2002: 42), o grotesco
seria uma espécie de denominador comum, que uniria todas as linguagens que influenciam o seu
teatro. Percebo também o grotesco como um dos pontos de ligação dessa pesquisa, pois conforme
atenta Cavalieri, a cultura popular brasileira é delineada por uma marcante presença de
corporalidade, oriundo principalmente das influências indígenas e africanas, incluindo traços
hiperbólicos, característicos do grotesco, que permeiam o imaginário popular. A autora ressalta o
campo fértil do universo popular brasileiro que se encaixa plenamente no teatro preconizado por
Meyerhold, com seus paradoxos que colocam em um mesmo cenário o trágico e o cômico, e com
o poder de fisicalidade apresentado por tais manifestações. Conclui:
Dessa forma, as idéias e a “práxis” teatral de Meyerhold apresentam em nosso meio
virtualidades cuja potência permanece ainda imprevivel. A revalorização, nos últimos
anos, de aspectos esquecidos da tradição teatral desde os gregos e os autos medievais
das feiras com seus saltimbancos populares até a commedia dell’ arte e o teatro de
títeres com suas trapalhadas rabelaisianas, mostras das afinidades existentes com
nossa essência coletiva e cultural, impressa na tradição da dança, do rito, da mímica e
da pantomima. Distante, portanto, do naturalismo psicológico importado e imposto, que
impede a liberão de todo um imaginário e um histrionismo até certo ponto 'naturais'
dentro do universo cultural brasileiro (CAVALIERI, 2002: 70).
A identificação do trabalho de Nóbrega com os postulados de Meyerhold me parece então
evidente e bastante apropriada, principalmente ao nos apoiarmos nos apontamentos de Cavalieri.
As matrizes de Nóbrega seriam então os elementos oriundos da cultura popular, tanto no que diz
respeito ao corporal, quanto musical e poético. Seu corpo (enquanto Tonheta) manifesta-se com
um perfil de grotesco, como analisado anteriormente, em estado de prontidão e capacitado a
executar movimentos acrobáticos, a dançar, a cantar e a tocar, fugindo dos padrões naturalistas.
Entretanto essas habilidades corporais foram conquistadas através de treinamentos intensos de
115
Capoeira, Frevo, Caboclinhos e Cavalo Marinho, atividades corporais que requerem muita
disponibilidade sica, vigor e virtuosismo corporal. O jogo presente na prática da Capoeira e no
Mergulhão
38
requer ao praticante um estado de atenção e de prontidão extremo, pois o mesmo
deve responder corporalmente aos esmulos provocados pelo companheiro de roda, afim de não
se machucar nem estragar o jogo. Assim como os desafios corporais entre os passistas de Frevo e
os complexos passos do Caboclinhos promovem habilidade motora e bom reflexo corporal do
atuante, sempre sem se descuidar do ritmo frenético imposto pela sica. Quero dizer com isso
que a relação mente/corpo, despertada pela prática dessas atividades me parece muito semelhante
ao que Meyerhold procura através da biomecânica, que objetiva promover no ator um corpo
decidido, pronto para responder no nimo de tempo possível a um estímulo, diminuindo o
tempo de interiorização e exteriorização do mesmo, quer dizer, estreitar a distância entre
pensamento e movimento.
Meyerhold exigia a racionalização de cada movimento dos atores. Queria que os seus
gestos e a posição do corpo assumissem um desenho preciso. Se a forma é justa, dizia, o
conteúdo, as entonações e as emoções também serão, pois que determinados pela
posão do corpo, na condição de que o ator possua reflexos facilmente excitáveis, isto
é, que aos estímulos que lhe são propostos do exterior saiba responder pela sensação, o
movimento e a palavra. O jogo do ator não é outra coisa que a coordenação das
manifestações de sua excitabilidade (ILINSKI, 1969: 157-158).
No que diz respeito ao personagem Tonheta, os movimentos que podemos identificar
mais claramente em sua composição são os da Capoeira, do Frevo, do Caboclinhos e do Cavalo
Marinho.
A aqui analisamos os elementos que compõem a partitura preparatória ou ainda a
subpartitura, de brega, conforme a metodologia de análise proposta por Patrice Pavis (PAVIS,
2003: 89-90). Nos atentamos aos elementos que foram utilizados no processo criativo do artista,
38
Ver nota 35.
116
assim como o que há por detrás da partitura que apresenta em cena, onde ele se apóia, quais
elementos compõem o terreno no qual ele semeia o personagem Tonheta, ou seja, seus recursos
físicos, mentais e culturais. Seguindo a mesma metodologia, passemos então para uma
observação fragmentária de sua partitura terminal, aquela que se apresenta aos olhos dos
espectadores no momento dos espetáculos em questão.
3.4.2 - O corpo brincante de Tonheta
Em pesquisa a respeito do corpo dos brincadores do Cavalo Marinho, Mariana Oliveira
levanta um possível conceito-síntese a esse respeito, o qual ela denomina um corpo-que-brinca
(OLIVEIRA, 2005: 177). Segundo a autora, esse corpo do brincante apresentaria em geral o
seguinte quadro: “[...] a soltura das articulações, as oposições entre segmentos corporais, a
agilidade da movimentação e a imagem do corrupio” (idem). Essa imagem me parece bastante
adequada para a análise da composição corporal de Tonheta. Antes de qualquer observação mais
fragmentada, a impreso geral que se tem é de um personagem que “brinca”.
Algumas daas e movimentações de manifestações culturais brasileiras podem ser
executadas pelos brincantes com o mínimo de esforço, uma vez que a brincadeira normalmente se
estende por longos períodos
39
. Isso transmite ao espectador uma aparência de peso, apesar de
haver momentos de explosões de energia com extremo virtuosismo corporal. Tonheta, ao realizar
essas movimentações, lhes confere uma impressão de leveza, assemelhando-se as características
de um balé clássico feminino, empregando pequenos saltos, embora em momento algum seu
corpo transmita aparência efeminada. Segundo os fatores do esforço do movimento catalogados
39
Uma sambada de Cavalo Marinho pode durar até oito horas.
117
por Laban (1978) - peso, tempo, espaço e fluência - poderíamos afirmar que a base de seu estilo
seria peso leve, tempo acelerado, espaço angular e fluência constante. Segundo a análise de
Oliveira (2005) a respeito das características básicas da dança do Cavalo Marinho, esta apresenta
movimentos firmes e fortes, rápidos, súbitos e curtos, diretos e controlados. Nóbrega, assim como
um passista de Frevo que realiza as mais mirabolantes acrobacias, imprime uma leveza ao
movimento da dança do Cavalo Marinho como se ignorasse o peso da gravidade. Entretanto
aplica um alto grau de energia para a execão dos movimentos, a qual conduz com maestria pelo
seu corpo, orquestrando o olhar do espectador ora para suas mãos, ora para os dedos dos s,
enfim, aumentando a presença de determinas partes do seu corpo, ou do todo, conforme lhe
aprouver.
O andar de Tonheta, assim como sua voz levemente aguda, denuncia uma certa
fragilidade e comicidade do personagem que, de cara desperta o carisma da platéia. Apresenta
os joelhos ligeiramente fletidos, articulações dos membros inferiores soltas, as pernas afastadas e
seus pés não pisam completamente no chão, sua base é frágil, anda sempre com pequenos passos
pisando basicamente a ponta dos s e com o traseiro empinado. Essa configuração corporal
indica um corpo com o equilíbrio alterado, conferindo-lhe uma aparência extracotidiana, de
acordo com a terminologia utilizada por Eugenio Barba (1994), uma vez que o ator/bailarino
desloca seu equilíbrio corporal para fora de seu eixo habitual tende a promover uma maior
presença cênica por aumentar as tensões corporais.
Atenta-se também para seu cuidado em definir as oposições corporais, com os ombros
tencionados para trás em oposição ao peito que se projeta para frente, eventualmente os ombros
alternam direções, um para frente e outro para trás. Aliás, as danças populares dispõem de um
farto arsenal de movimentos em que o corpo realiza torções e sustenta membros em oposição.
118
Como se pode notar nessa descrição da dança do Frevo, feita pelo famoso passista pernambucano
Nascimento do Passo:
O Frevo trabalha com o corpo de forma oposta, e isso não existe ginástica nenhuma no
mundo, mesmo com as máquinas que foram criadas, são movimentos ou frontais, ou
verticais e laterais e o Frevo não, esta com a sabedoria dos movimentos opostos, e
povo ainda não despertou para isso. Com o trabalho dos braços em movimentos
opostos, você fortalece o coração, o pulmão, o fígado, os rins, o baço, o intestino, a
mulher o útero e o ovário, as pernas, sempre trabalhando de formas opostas, sempre que
está trabalhando de um jeito com o pé, o outro está fazendo de outro jeito. E é por isso
que eu digo que o Frevo está contido e contém todas as danças do mundo (PASSO apud
HADDAD, 2002: 210-211).
O trabalho de oposições corporais além de ser um dos princípios que retornam”, para a
criação de um corpo extracotidiano, indicados pela Antropologia Teatral, é também defendido
pela cnica de Klauss Vianna com o intuito de ampliar os espaços corporais através das
alternâncias, é o que ele denomina “contra-intenção muscular”.
O traseiro em foco nos remete ao baixo material, característica determinante do realismo
grotesco apontado por Bakhtin (1993). O traseiro é o avesso da cabeça, quando o coloca em
evidência ocorre uma inversão corporal, o mundo ao contrário, comum ao cômico popular.
Tonheta também é marcado pelos exageros, por tudo aquilo que sai do corpo, como as caretas
com língua para fora e olhos esbugalhados, de forma a indicar um corpo que escapa de si para
fazer parte de um todo maior, de uma coletividade, quer dizer, um corpo que não se individualiza.
A exemplo das figuras das brincadeiras, Tonheta também brinca com a sexualidade de seu corpo
realizando movimentos lvicos para frente e para trás, mais uma vez evidenciando seu baixo
corporal.
Em poucos momentos Tonheta executa uma dança de fato, apesar de seus movimentos se
originarem das danças, claro que estou me referindo a dança no sentido mais tradicional, pois a
seqüência de partituras corporais desempenhadas por Tonheta está na intersecção de teatro e
119
dança, distinção entre linguagens que não se reconhece nas tradições orientais, bem como nas
africanas e tampouco nas brincadeiras pernambucanas. Pontualmente, realiza pequenas cruzadas
de perna que remetem à tesoura do Frevo, dando-lhe um tom de agilidade e leveza, assim como
eventualmente reveza o apoio dos pés na ponta e no calcanhar, movimento característico da
mesma dança. Para momentos que o personagem precisa rolar no chão, seja por uma briga ou por
um motivo de comemoração, Nóbrega recorre a golpes da Capoeira
40
como a “negativa ou a
“queda de rim”, movimentos de esquiva da Capoeira praticados próximo ao solo.
Realiza uma série de movimentos com a base (pés, dedos e pernas), puxando o foco para
terra, entretanto es sempre em desequilíbrio. Mesmo quando o personagem o está em
deslocamento, executa pequenos movimentos nos quais fica transferindo o peso de seu corpo de
um para o outro, Tonheta em raríssimos momentos se encontra completamente parado.
Entretanto, quando em repouso, seu tronco curva-se para frente, a exemplo da postura dos
brincantes de Cavalo Marinho, aliviando a tensão entre ombros e peito.
Nóbrega preocupa-se com a amplidão de movimentos que a linguagem teatral requer, e
concentra essa fuão essencialmente nos braços, que realizam movimentações grandes, com os
cotovelos normalmente esticados, e em assimetria dos membros, o que mais uma vez nos reporta
ao desequilíbrio e as oposições.
Seu corpo é preciso, não realiza movimentos supérfluos de modo a expressar com
exatidão suas emoções. Segundo Klauss Vianna “[...] a beleza de um movimento é a clareza, a
objetividade. Quando o movimento é limpo, consegue expressar aquilo que busca expressar e,
como conseqüência natural de sua verdade, ganha em beleza e emoção. Precisamente reside
seu valor estético” (VIANNA, 1990: 102). A essencialidade dos movimentos justos é o que nos
fala também o princípio da “virtude da omissão”, da Antropologia Teatral (BARBA, 1994).
40
Ver imagens n. 03 e n. 04.
120
Como havia sido mencionado anteriormente, na minha opinião, o que de mais
relevante no personagem Tonheta é sua composição corporal. A forma como brega congrega
os movimentos das brincadeiras com uma consciente técnica corporal deu vida a um personagem
teatral que executa uma partitura corporal riquíssima, quase que coreografada, sem que,
entretanto, os recursos técnicos sobressaiam a humanidade e expressividade do personagem.
Independente do enredo em que Tonheta está inserido e o que ele representa, sua composição
material é digna de uma observação cuidadosa. O processo de concepção artística desse
personagem pode servir de referência para qualquer pessoa que se interesse pela arte do ator.
121
Imagem n. 30: divulgação do espetáculo 9 de Frevereiro, disponível no sítio
virtual www.institutobrincante.org.br, acessado em 08 de setembro de 2008.
Imagem n. 31: Imagem publicada pela revista Ícaro Brasil (out./2004) n. 242.
Fotógrafa: Iara Venanzi.
Imagem publicada pelo jornal O Povo online em 02/02/2008.
Disponível no sítio virtual www.opovo.com.br. Acessado na
mesma data.
Imagens n. 30, n. 31 e n. 32: todas são do espetáculo 9 de Frevereiro, no qual, segundo
Nóbrega, Tonheta está presente em sua atuão corporal, quer dizer, no corpo brincante do
Frevo.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para melhor entender a obra e o processo criador de Antonio Nóbrega, um breve histórico
das transformações das concepções e do fazer teatral torna-se necessária. No início do século XX,
em busca de uma maior especificidade teatral, várias correntes teóricas e técnicas surgiram para
tentar responder a este anseio. Podemos afirmar que o primeiro passo para modificar o modo de
interpretação naturalista é uma alteração da postura corporal do ator; além de uma boa voz,
passou a ser necessário ao ator um domínio e um conhecimento do potencial significante de seu
corpo em cena. Como exemplo desta ruptura, podemos citar o jogo corporal da Commedia dell`
arte, retomado pelo diretor Meyerhold que, em princípio era aprendiz de Stanislavski e seguidor
de sua técnica de composição realista, posteriormente rejeitou tais preceitos em busca de uma
maior teatralidade
41
, criando uma técnica precisa denominada biomecânica, exaltando o
movimento corporal em uma partitura específica.
A partir do aparecimento de movimentos estéticos como o Surrealismo, o Futurismo, o
Dadaísmo e a Bauhaus, observa-se um rompimento geral com o conceito de verossimilhança.
Busca-se exatamente o oposto, e esse fator é decisivo para o surgimento de tendências
dramatúrgicas, como a que ficou conhecida como o Teatro do Absurdo. Toda a estrutura teatral
então tradicional se rompe, incluindo o conceito de personagem. O ator precisa encontrar novos
meios para a corporificação dessa imprecisão. A técnica do ator passa a ser um terreno de
pesquisa cada vez mais amplo.
41
Importante frisar que as pesquisas de Stanislavski e Meyerhold não são diametralmente opostas, e que inclusive
apresentam alguns pontos em comum. A relação entre os dois encenadores foi marcada por momentos de
aproximação e distância. A respeito ver J. Guinsburg, “Stanislavski-Meyerhold: Uma Relação Antitética”,
Stanislavski, Meyerhold & Cia., São Paulo, Perspectiva, 2001.
123
Também podemos considerar como influências decisivas o grande desenvolvimento da
psicanálise, o vertiginoso crescimento de popularidade do cinema e da televisão, obrigando a
linguagem teatral (e mesmo outras linguagens artísticas de características “artesanais”) a exaltar
seus elementos específicos, a ressignificar-se, portanto, para que não fosse engolido pelas obras
de arte de reprodutibilidade técnica.
A respeito do que observamos no trabalho de Antonio Nóbrega nessa pesquisa, é possível
perceber que, apesar de estarmos tratando de um artista que notoriamente levanta a bandeira da
cultura popular, que projeta-se como seu íntegro representante aos olhos do público brasileiro e
estrangeiro, e que prima por levar aos palcos as tradições nordestinas, em seu processo de
reelaboração artística, verifica-se como resultado atorial uma performance que em muitos
aspectos encontra pontos comuns à cenas que permeiam o teatro contemporâneo. Podemos eleger
como ponto de destaque, indubitavelmente, a forma de utilização da corporeidade de maneira
extracoditiana e codificada. Nóbrega assume um tom farsesco de interpretação, mas, entretanto,
não utiliza recursos estereotipados. Utiliza ainda, como observamos, diversas linguagens
artísticas e uma gestualidade que remete a características do teatro oriental. A zona de
conservação de cultura popular que defende, utiliza o seu acervo memorial de modo provocativo,
e não apenas informativo. É possível afirmar que Nóbrega elaborou uma técnica a partir de outras
técnicas, ou por outra, a partir dos “códigos”, “acervos e “variáveis (RABETTI, 2000)
existentes nas tradições e a união destes à técnicas de dança e teatro. Nóbrega as assimilou e as
recriou conforme suas necessidades, anseios e objetivos artísticos, sendo esta uma contribuição
formidável para o ator que se interesse por qualquer linguagem de atuação cênica.
Em uma tentativa de síntese dos procedimentos utilizados por Antonio Nóbrega para
criação de sua cnica artística de recriação das tradições populares brasileiras, poderíamos
roteirizar o seguinte esquema, baseado nos dados levantados por essa pesquisa:
124
- Contato com as fontes: momento em que o artista conheceu as tradições populares e as
estudou profundamente, procurando compreender seus contextos culturais e, principalmente,
vivenciando-as em seu próprio corpo;
- Treinamento exaustivo dos movimentos e danças das manifestações culturais, aulas
“formais” com mestres de Capoeira, Caboclinhos, Frevo e Cavalo Marinho;
- Treinamento constante de conscientização corporal;
- Estudo dos movimentos das tradições com olhar direcionado pelos princípios da
Antropologia Teatral, percepção dos desequilíbrios corporais, das oposições e torções,
observação da energia despendida;
- Execução dos movimentos, agora com ênfase nos princípios pré-expressivos e, quando
necessário, adaptação dos movimentos a estes, de forma a dilatar sua capacidade expressiva.
Exemplo: alterar a base da ginga da Capoeira, ao invés de pés paralelos (que conferem maior
equibrio ao jogador, que não quer ser derrubado pelo oponente), pés em andehor (com os dedos
virados para fora), provocando um novo equilíbrio ao corpo, consequentemente uma nova tensão,
diferente da cotidiana;
- com os movimentos alterados pela inflncia dos princípios pré-expressivos,
promover a desconstrão dos mesmos para a criação do personagem, quer dizer, utilizar partes
dos movimentos das danças, sem necessariamente daar, para a criação do andar, do gestual e
até do ritmo do personagem.
É claro que este esquema o foi ordenado pelo artista sistematicamente, trata-se de um
processo que tem se dado ao longo de sua carreira. Entretanto acredito que a execução dessas
etapas pode ser um encaminhamento interessante para um processo criativo de qualquer outro
artista, que pode inclusive alterar as técnicas ou recombinar as possibilidades, conforme seus
interesses pessoais e sua formação particular. Atribuir alteridade à técnicas universais é o
125
principal ponto onde reside a criatividade do artista e, em uma cena teatral onde o ator é o
elemento de destaque, é fundamental que este ator tome para si toda responsabilidade e que tenha
donio de seu aparato técnico para utilizá-lo com inteligência e inventividade.
Em relação à trajetória e à experiência do Grupo Milongas, foi possível constatar que
através do processo e vivência de sua pesquisa com danças e tradições populares, o grupo
enriqueceu seu repertório técnico e suas possibilidades de treinamento. Ressalte-se que não se
pretende desenvolver com isso uma técnica igual à de Antonio brega, nem utilizá-la como
único parâmetro, mas a partir do exemplo deste, desenvolver todos que sirvam
especificamente ao grupo. Que também parta de elementos da cultura popular, mas que se alie a
outras linguagens cênicas disponíveis e que, entretanto, seja singular, seja a linguagem cênica do
Milongas, construída a cada dia por cada um e pelo conjunto de seus integrantes.
Por fim, acredito que utilizar a cultura popular como base de elaboração de uma
linguagem cênica é de grande riqueza no que diz respeito ao trabalho corporal do ator, em seus
processos de preparação para o jogo, de prontio e de vigor. Vimos tamm que a atmosfera das
festas populares traz consigo o corpo grotesco e subvertido, a morte prenhe e o riso regenerador.
Ainda dentro da temática deste universo agregador, observa-se o ridículo e o belo, a comédia e a
tragédia, contrastes que marcam a realidade da sociedade brasileira em sua amplitude, realidade
inspiradora, que acredito, esteja sempre interligada às questões éticas de quem faz e vive da arte.
126
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Folha de São Paulo (São Paulo – SP, 14/09/1996).
___________________. Carnaval brasileiro ganha ruas de Lyon no fim-de-semana” In Jornal
Folha de São Paulo (São Paulo – SP, 17/09/1996).
SANTOS, Mario Vitor. “Divero e Subversão In Jornal Folha de São Paulo (São Paulo SP,
14/05/1995).
132
SCHEMO, Diana Jean. “A Performer of Many Faces, All Brazilian” In Jornal The New York
Times (Nova Iorque – EUA, 18/04/1999).
STYCER, Daniel. “Astro mambembe” In Revista Isto é (29/06/1994).
TORRES, Antônio. “Brincante, brilhante” In Jornal do Brasil (Rio de Janeiro – RJ, 17/07/1993).
TRINDADE, Mauro. “Um erudito do povo” In Revista Veja (26/06/1994).
133
ANEXO I – ENTREVISTA COM ANTONIO NÓBREGA
Transcrição da entrevista realizada pela autora com Antonio Nóbrega, nas dependências do
Instituto Brincante, situado no bairro Vila Madalena (São Paulo – SP), em julho de 2008.
Autora: Como eu te falei o meu foco é o Tonheta, então eu queria saber um pouco dele,
por onde anda, ele tá meio sumido nos últimos espetáculos, se tem planos para ele.
Nóbrega: Ele esteve formalmente presente nos espetáculos Segundas Histórias e Figural;
teve um pouco também no Marco do Meio-Dia. Quando eu digo “formalmente” eu digo como
personalidade teatral com a qual ele foi criado, o nome Tonheta, com personalidade gestual.
Então esse personagem foi sendo criado ao longo da metade da década de 70 e foi se construindo
até ficar digamos, não digo “pronto” porque um personagem dessa natureza não existe a palavra
estar pronto, vai sempre se decupando, vai sempre melhorando, mas em 1992 com o
espetáculo Brincante ele adquiriu aquele temperamento, o figurino se consolidou, isso foi
gerando até um certo território mítico, , esse território mítico corresponde à presença dos dois
contadores de histórias, o João Sidurino e a Rosalina de Jesus, provavelmente o nome deles não
esteja presente nos espetáculos, isso é uma construção nossa, o João Sidurino e a Rosalina de
Jesus, que são os atores que contam as aventuras, as peripécias, do personagem Tonheta. Bem,
para criar esse personagem, o ponto de partida foi a minha identificação com os personagens
micos das brincadeiras populares, principalmente as figuras dos Mateus e a do Velho do
Pastoril. Velho do Pastoril é uma figura, um tipo, cuja presença é mais marcada, o sei se até
tem a presença deles em outros estados a não ser em Pernambuco, tem um pouco também na
Paraíba e tem mais raro ainda no Rio Grande do Norte; um personagem picaresco como se fosse
134
um Tonheta, um bufão, mas com características de maior licenciosidade, esse Velho do Pastoril.
Ele tem uma figura que desprendeu-se do Pastoril, pela comicidade, o tipo de comportamento
dele, ele começou a criar uma independência a tal ponto dele dar conta como um personagem
com maior substância, por exemplo, o Pastoril também tem a figura do Velho, e tinha um Velho
do Pastoril lá no Recife chamado Faceta, ele fazia muitos trejeitos com o rosto, com a face. As
suas brincadeiras, as suas estripulias. Eu o assistia, e como o meu nome, o meu apelido era
Toinho, então as pessoas começaram a me chamar de Tonheta, porque eu imitava o velho Faceta,
então veio d o nome, e à medida que eu fui criando então a personagem, Tonheta tinha coisas
desse personagem, esse personagem, elementos outros do Mateus e do Boi, minha natureza
pessoal do palhaço, a minha natureza, e o meu encontro com os personagens cômicos da
literatura e do cinema, foram os ingredientes que fizeram com que fosse dando corpo e alma ao
personagem Tonheta, então esses são os vários elementos fundamentais, principais.
Autora: E ele não tem aparecido nos últimos espetáculos...
Nóbrega: Sim, ele não tem. Quando eu crio os meus espetáculos de certa forma eu vencia
um desafio, porque eu tinha uma gana muito grande por ele, era muito obstinado pelo
personagem.
Autora: Você tinha um projeto de filme?
Nóbrega: Ainda tem, está se consolidando agora. Então eu tinha uma necessidade muito
grande de tirá-lo de mim, tirá-lo nesse sentido de apresentá-lo ao público, então depois que eu
cumpri essa tarefa com os três espetáculos, eu me senti desobrigado. Mas como eu tenho uma
natureza Tonhetana, faz parte do meu dia-a-dia... A gente usa muito um conceitozinho quando
está fazendo os espetáculos, que é que nós temos dentro da gente sempre um pouco de rei e de
palho, nosso lado meio sisudo representaria o lado rei e o nosso lado mais galhofeiro e
brincalhão representaria o palhaço, a gente sempre convive com essas duas personalidades, a
135
gente vive sempre perto de uma delas, tem uns que hipertrofiam de alguma maneira uma delas e
são sempre sisudos, e tem outros que ficam de uma maneira palhaços que fica inconveniente, são
os dois extremos desse ato. E tem gente que convive bem com os dois lados. Eu procuro
conviver, mas às vezes o Tonheta passa da conta, e assim sempre nos meus espetáculos ele dá um
pouco o ar da graça. Por exemplo, no 9 de Frevereiro ele aparece, não sei se você se recorda,
num frevo que eu canto chamado “Dedé”. Tem um pouco, no corpo, na voz, no jeitão, no gestual,
na característica gestual dele. E aparece também quando eu chamo uma moça da platéia e
brinco com ela. Então ali ele se avizinha. Se o contexto não pede a presença dele integral, parte
dele vai se apresentando. Bem, quando eu apresentei os espetáculos muitas pessoas se
engraçaram, o com o personagem mas com o espetáculo em seu todo, e algumas delas me
propuseram a fazer um filme, e eu me animei, fui ficando animado e tal, mas foram idéias que
ficaram na prateleira, sem poder andar com elas, uns cineastas que tinham sugerido aquela coisa
se debruçaram, mas fica aquela coisa bem em “banho-Maria”. Até que surgiu Walter Carvalho
analisou o meu trabalho, com o qual eu fiz os dois DVDs, e sim. firmou-se uma parceria e
ao que tudo indica deve se consumar melhor uma obra puramente cinematográfica. Isso
andando, o roteiro, quem vai fazer o roteiro é Bulio Tavares, que é autor de parte dos textos dos
dois espetáculos, e aí eu acho que vai ter uma sobrevida de um pouco mais, vai sair do etéreo.
Autora: A sua formação corporal, além do contato com as brincadeiras, eu sei que você
teve aulas com Klauss Vianna, com a Denise Stocklos, eu acho que você podia falar um
pouquinho sobre isso.
Nóbrega: Posso. Eu tive um encontro. Quando eu saí do Recife eu vim principalmente
com o propósito de me profissionalizar, me dedicar ao tipo de arte que eu faço integralmente, e
também de ampliar os meus conhecimentos. Música cantada, tocada. E na minha busca de uma
técnica que fosse ao encontro do meu, do meu caldeirão, repertório de passos e movimentos, eu
136
me encontrei, sobretudo aqui em São Paulo, com a chamada técnica Klauss Vianna, então essa
técnica mais o meu encontro com a Antropologia Teatral de Eugenio Barba, principalmente,
esses dois universos foi o que talvez sedimentaram a base técnica do meu trabalho, foi o que
conseguiram, me deram condições de aprofundar tudo aquilo que eu tenho aprendido e estudado
pesquisado até da cultura corporal dos brincantes, principalmente o nordestino. Esse é um
processo que ainda continua, a questão da dança brasileira, a dança no sentido mais abrangente.
Aí como falam, a dança-teatro, o teatro dançado, a dança teatral, à semelhança das linguagens da
dança-teatro da Índia, esses componentes do Oriente. Então eles foram me ajudando a, de certa
forma, ir codificando, isso que eu venho falando de uma linguagem de dança, que eu chamo
também de dança brasileira. Esse momento eu estacionei para conceituar o que eu faço, eu acho
que isso se aproxima.
Autora: E a questão da máscara. No Figural você usa bastante, mas o Tonheta o tem
uma máscara.
Nóbrega: Ele não tem uma máscara no sentido material, a scara do personagem. Então
a máscara, a scara tem uma presença muito forte nos espetáculos.
Autora: O uso que você tem vem dessa formação, ou você teve que estudar da Commedia
dell’ arte?
Nóbrega: Então, paralelamente, quando eu comecei a estudar e cheguei a São Paulo, eu
quis ampliar os meus horizontes, o meu conhecimento da arte popular. Eu sabia que ela não
bastava para a cultura, ela não era suficiente para aqueles espetáculos. A assimilação da cultura
popular, e na recriação e transposição dela para o universo do palco, porque principalmente a
cultura corporal dos espetáculos brasileiros muitas vezes elas não tem o fim espetacular, por
exemplo, a Capoeira, quem joga capoeira não interessado em fazer espetáculos. O objetivo é
do adestramento, da aquisição da cultura corporal, principalmente para brigar, para lutar. É
137
sempre uma dicotomia entre função, a função da capoeira, e a maneira como eu lido. Então todas
essas, por exemplo, o universo cômico e gestual dos Orixás, eu acho que provém muito do teatro
brasileiro, teatro brasileiro dançado. Os Orixás são arqtipos afro-brasileiros, como eu tava
dizendo, são tipos do chamado inconsciente coletivo, cuja representação simbólica que a gente
, que é daa brasileira, que é essa que a gente tem. Por exemplo, o guerreiro; a figura do
guerreiro se você pensar, qual o arquétipo para a figura do guerreiro para o Japão? Qual é, o quê
que emblematiza a figura do guerreiro para a cultura japonesa?
Autora: O Samurai?
Nóbrega: Samurai, isso é construído, isso é parte já do inconsciente coletivo. O
cangaceiro é uma para a gente. Então cada cultura oferece muitas vezes um universo, constrói
culturalmente, você corpo, aquela cultura corporifica um arquétipo. Por exemplo, a figura do
Chaplin é a materialização européia das cidades que uma vez o Arlequim, da Commedia dell’
arte, e que eu como Tonheta também procuro dar. Todos nós trabalhamos com o mesmo
arquétipo, o arquétipo do cômico, com todas as caractesticas que essa figura tem. Mas a cultura
imprime uma maneira particular de representar esse arquétipo. Ela é cultural. Então eu falei da
figura, no teatro popular a gente tem isso, quando a gente se utiliza desses elementos que eu usei
no Figural, eu usei muito desses arquétipos. Eu tenho a figura de um guerreiro, ela tem uma
máscara, com movimentos bem masculinos, é uma releitura, se você observar dentro da máscara,
da indumentária, é uma recriação da figura do cangaceiro. Ali tem, sutilmente existe essa figura.
Tem a presença da mulher licenciosa, gaiata. Tem a presença da mulher, um arquétipo da mulher,
mulher tem representações simbólicas bem variadas. Existe a mulher gaiata, existe a mulher
sábia, existe a mulher ardorosa, como existe também, mas no simbólico, nas dramaturgias, as
mulheres têm uma quantidade muito grande de representações simbólicas. Se você observar por
exemplo o teatro de Bali, o teatro balinês, chinês, há várias representações simbólicas da mulher.
138
Tanto é que existem atores na China que se especializam em um tipo de mulher, passa a vida toda
fazendo aquele mesmo tipo, então como eu falei de Figural o figuras que trazem todo esse
aporte simbólico. Então tem a figura da Santa, por exemplo, a figura das Nossas Senhoras é para
a gente uma representação simbólica da mulher. A mulher consoladora, a mulher que atende os
aflitos. Você vê, o panteão das Nossas Senhoras: Nossa Senhora da Misercórdia, Nossa Senhora
dos Aflitos, Nossa Senhora da Conceição, nenhuma guerreira, todas elas de mãos para ajudar. A
gente não tem uma figura feminina no Brasil como o exemplo de Joana D’Arc. É muito diferente,
a Joana D’Arc se parece mais com quem, com Oxum.
Autora: Iansã.
Nóbrega: Ou com Iansã, uma mulher guerreira. Uma representão simbólica da mulher
guerreira acho que na literatura, por exemplo, A Donzela Guerreira, ou de Guimarães Rosa,
Diadorim, de Grande Sertão: Veredas. E é uma figura que vem da história popular, a história da
donzela guerreira. Então esses elementos estão presentes muito na literatura popular, nas
histórias, e estão presentes também no teatro popular. Então eu procurei apresentar um pouco
desses arquétipos, e tive a sorte de ter ao meu lado um grande artista plástico que é Romero de
Andrade Lima, autor dos figurinos e das máscaras. Então sem ele eu não conseguiria fazer. A
visão que ele tinha da scara casava exatamente com a visão que eu tinha da linguagem
corporal. Não é uma visão folclorizante, de folclore, mas tinha alguma ligação com a cultura
popular. Que é o nome que eu prefiro usar, acho que a palavra folclore que sedimentou para
dentro dela conteúdos que não dizem com propriedade o que é a cultura popular.
Autora: para encerrar, eu entendo que a prática das brincadeiras pode servir para uma
base de construção para personagem, mesmo construção de ator, uma questão de prontidão, do
jogo, que eu acho seu trabalho, a sua arte muito peculiar, eu vejo poucas pessoas, não sei se é
possível comprara algumas pessoas que fazem dessa forma, você acha que é possível o ator se
139
formar, se formar como profissional, com essa base: com essa base corporal, com essa base de
jogo, com essa base de voz?
Nóbrega: Essa me parece uma tarefa que eu tenho que enfrentar brevemente, e que eu
estou me preparando para enfrentá-la, para isso eu disponho do Instituto Brincante, que é uma
entidade que me condições, talvez, de ir nessa direção. O Brincante tem feito um pouco isso.
Mas ele não atingiu, por exemplo, esse patamar de seduzir por exemplo atores, dançarinos, para
que se apropriem desse universo como meios materiais de expressão.
Autora: para acrescentar, e usando essa linguagem, esse vocabulário, mas não ficar
preso a esse universo.
Nóbrega: Isso, exatamente, o que eu acho é o seguinte, é que existe. Comigo, o que é que
ocorreu, o encontro do meu universo pessoal, chamado gênio pessoal, gênio não no sentido de
genial, o gênio pessoal com o gênio coletivo do povo brasileiro. Então esse encontro fez com que
eu absorvesse esse e reinterpretasse à minha maneira. Eu acho que nessa reinterpretação fica
marcado uma maneira pessoal de ver esse universo, mas fica tamm marcado uma leitura desse
coletivo. Então eu acho que esse coletivo, eu acho que ele transcende ao meu gênio pessoal, a
minha leitura pessoal. Então eu acho que, eu presumo, que eu faça parte de uma cadeia, de
pessoas que estejam conseguindo captar, potencializar, essa cultura corporal brasileira que está
presente em danças negras, danças indígenas, danças ibéricas, essa síntese, amálgamas dos mais
diversos. O Caboclinhos é uma espécie de um determinado amálgama, o Cavalo Marinho é outro.
Vale a pena dizer que o Cavalo Marinho é apenas o nome dado na Zona da Mata pernambucana a
um espetáculo que em outros lugares chama Bumba-meu-boi, Boi-de-mamão, Boi-de-Calenda.
Em todos, a presença na criação desses espetáculos populares, sejam cortejos como o Maracatu, o
Caboclinhos, sejam espetáculos como, repetindo, Cavalo Marinho, Bumba-meu-boi, sejam
danças como o Coco, a Umbigada, o Batuque, em todos eles a presença ibero, africana e indígena
140
é intensa. Todos eles o frutos de diferentes ligações que foi feito entre essas culturas, isso é
patrimonial, ou seja, foram dialetos africanos que se cruzaram com dialetos indígenas, ibéricos, e
que foram... De tudo isso eu penso muito que existe uma coisa que é comum a todos eles, e eu
procuro potencializar isso. Veja por exemplo a Capoeira, não é à toa que a Capoeira está presente
em todo Brasil, ela tá presente ipsi literis do Ioapoque ao Chuí. Contrastes individuais na pequena
academia e no jogador, mas contrastes coletivos presentes são compartilhados por todos eles,
você vê um capoeirista você vê um que é igual a ele, mas se botar uma lupa tem um joguinho que
é peculiar dele, mas é Capoeira. Então o que eu procurando fazer é procurar encontrar essa
base, riqueza que existe, do comum. Ou seja, do compartilhado por todos. E trazer à tona esse
compartilhado, para que cada pessoa, cada um então consiga individualizar. Mas a gente vai
conseguir individualizar se a gente tiver uma base coletiva que pertença a todo mundo. Se o a
gente, no meu entender, a gente vai ser sempre um povo fragmentado, culturalmente falando.
Essa é a razão que a gente não deu ainda um grande dançarino. Você pode citar um grande
cineasta, um grande literato, mas você não é capaz de citar um dançarino. Tem vários músicos.
Todos eles são frutos do que, de potencializarem o substrato coletivo, e colocar o seu nio
pessoal, o gênio de Chico Buarque se encontrou com o gênio coletivo através dos seus sambas.
Villa-Lobos foi assim, Guimarães Rosa foi assim, Paulinho da Viola foi assim, mas na dança a
gente o consegui ainda. E razões muito difíceis de entender. Então eu acho que a gente tem
aí um patrimônio coletivo que pode ser compartilhado. E dar uma dimensão até peculiar à dança.
Autora: Você busca nos princípios que retornam da Antropologia Teatral essas bases?
Nóbrega: O livro de Barba para mim, ele é muito qualificador. No que diz respeito à
técnica, por exemplo, os conceitos de equilíbrio precário, de jogo de oposições, isso é facilmente,
potencialmente a gente encontra na cultura popular e eu procuro potencializar ao máximo na
141
técnica que eu estou organizando. Seria muito bom se vo tivesse assistido o espetáculo
inteiramente dedicado à dança.
Autora: O Passo?
Nóbrega: O Passo.
Autora: Eu vi um “Pré-Passo” naquele programa do Futura.
Nóbrega: Eu estarei no Rio dia 05 naquele evento do Klauss Vianna. Eu vou levar os meninos e
vou dançar um pouquinho, uma coisa pequena. Interrompi você?
Autora: Não, eu que interrompi.
Nóbrega: Então isso que Barba falou é importante, eu acho que os textos de Barba são
fundamentais para mim, para uma compreensão técnica. Agora o seguinte, a gente culturalmente,
eu tive até uma aula com ele, e acho que ele não chegou, talvez algumas pequenas diferenças. Por
exemplo, quando o ator do Odin Theatret, a gente forma a nossa técnica, que é a técnica da
justaposição de letras, é uma justaposição repertorial de elementos pinçados de várias danças. Os
atores que participam dos cursos de Antropologia vêm com um patrimônio europeu, que pode ser
dança clássica, dança moderna, se encontram com outras linguagens, que vai do Kathakali, e faz
a sua síntese. E procura então melhorar, aprofundar, sempre em movimento. Mas é um
movimento não extensivo, mas vertical. Ou seja, não estou o tempo todo se apropriando de
passos, não para ficar o tempo todo na vida aprendendo passos. Não. Ter um universo
patrimonial, e ele vai alargando mais assim (com as os). Ele não vai assim (faz um gesto
aberto). No caso nosso aqui eu acho que não pode caminhar dessa maneira, porque é o seguinte:
quando eles vão para é porque eles exauriram o universo patrimonial. A dança clássica,
dança moderna, dança contemponea tem uma história. Se eles se debruçarem sobre a cultura
deles eles não vão encontrar a não ser isso. Não tem mais o que encontrar. Porque, o que eu vou
chamar de a cultura popular deles, o que foi, levou para isso. Nós, não. Se a gente for usar o
142
mesmo mecanismo a gente vai deixar de olhar para as coisas mais importante e que tem aqui.
É como a gente, por exemplo, deixar de fabricar remédios no mundo inteiro sem olhar a
biodiversidade da Amazônia. tem uma biodiversidade que vai trazer muita coisa em
medicamentos, tanta coisa. E eu acho que a cultura nossa tem uma espécie de equivalência. Ela é
tão diversa que se a gente olhar melhor para ela a gente vai encontrar elementos, que até a própria
cultura popular do mundo melhore. Porque uma tendência que eu acho na arte moderna,
principalmente na arte do corpo, é uma presença firme do elemento cerebral. Hoje em dia isso
está muito no discurso da arte conceitual. Isso é uma contradição em termos: arte conceitual. Arte
não pode ser conceito. Conceito a gente lê no livro. Conceito atende uma necessidade de
especulação filosófica, coletiva. É claro que a arte também preenche uma certa busca intelectual.
Mas ninguém sai de um espetáculo de dança e vai estudar. Você um programa de dança hoje
em dia. Parece um estudo de filosofia, mal-escrito muitas vezes, é psicanálise. Em detrimento de
apresentar um espetáculo onde o elemento que prevaleça, ou pelo menos fique em uma balança
mais equilibrada, seja o elemento sensível. Essa é minha visão. A arte, principalmente a arte da
dança, se não atender a uma necessidade sensorial e preencher os vazios de espírito da alma, eu
acho que ela perde um pouco da sua vitalidade e da sua fuão. Isso é tão verdade que os
dançarinos e atores europeus tiveram que sair da Europa para ir buscar no Oriente. E se
encantaram com aquelas máscaras, com aquele jogo simlico. Mas agora, nós temos aqui, por
quê que precisa correr lá? E s temos outras peculiaridades, uma coisa mais jovem. Então é
nesse sentido que eu vejo a apropriação desse universo. E é algo que não é meu, tem uma
cadeia de pessoas. Isso a gente lê, tem uma rie de pessoas que contribuíram. bom? falei
demais.
143
ANEXO II – HISTÓRICO GRUPO MILONGAS
O Grupo Milongas nasceu a partir da união de alunos dos cursos de Interpretão e
Direção Teatral da escola de Artes Cênicas da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro), que tinham a intenção da realizar uma pesquisa na área de Cultura Popular. O
Milongas, no entanto, não se limitou ao universo das tradições, pois o objetivo sempre foi a
investigação cênica, em seus diversos âmbitos. Os resultados obtidos até eno permitiram
consolidar o Grupo, que através da convivência e troca de experiências, vêm dando continuidade
a um permanente processo de trabalho, enriquecido por estudos teóricos, experimentações,
laboratórios e oficinas. Atualmente o grupo organizou-se juridicamente enquanto empresa, dispõe
de uma sede localizada no bairro da Tijuca (RJ), mantém um sítio virtual
(www.grupomilongas.com) e, além dos espetáculos, alguns integrantes ainda realizam oficinas e
workshops em escolas e entidades que prestam serviços culturais, tais como o Sesc.
Atualmente é formado por Adriano Pellegrini, Ana Carolina Gomes, Breno Sanches,
Camile dos Anjos, Hugo Souza, Marcéli Torquato, Matheus Calado e Roberto Rodrigues, além
de outros profissionais que constantemente prestam serviços e contribuem para os trabalhos do
grupo: Ana Machado (cenografia), Cássia Monteiro (figurino), Adriana Milhomen (iluminação),
Mirian Leobino (figurino e webmaster), Arlete Rua (iluminação), Fernanda Faria e lio Paredes
(direção musical). Todos os integrantes possuem formação acadêmica na área teatral, incluindo
alguns com pós-graduação. Apesar disso, a pesquisa é essencialmente prática, fundamentando-se
especialmente nas questões corporais.
144
O grupo realiza treinamentos constantes que ocorrem de três a cinco vezes por semana,
dependendo da agenda de apresentações do grupo. São articulados conforme as necessidades dos
integrantes, que decidem a programação em conjunto. São divididos em:
Danças populares - consiste em praticar os passos e criar coreografias dos ritmos
abordados pelo grupo (Maracatu, Frevo, Coco-de-roda, Cavalo Marinho, Cavalhada,
Caboclinhos, Xaxado, Boi, Ciranda e Guerreiro), com objetivos de aprimoramento e aumento da
resistência corporal. Esse treino pode ser coordenado por mim ou por um professor/bailarino
contratado pelo grupo.
Capoeira tem o mesmo formato e objetivos do treinamento de danças populares,
entretanto com a prática de exercícios específicos da Capoeira Angola. É coordenado pelo ator
Roberto Rodrigues.
Físico – trabalha intensamente exercícios físicos que despertam a musculatura corporal de
seu estado cotidiano, assim como também se trabalha técnicas energéticas, circences e
treinamentos aprendidos atras do contato com outros grupos de pesquisa. É coordenado pelo
ator Hugo Souza.
Teórico – é quando são discutidos textos teóricos a respeito de arte e cultura. Também é o
momento no qual entrarmos em contato com autores que porventura estivermos investigando
cenicamente.
Voz e Música exercita-se a prática do canto e de instrumentos, cada um com sua
especialização. Trabalha-se ainda exercícios vocais e a experimentação dos ressonadores
corporais, além de praticar as canções que compõem os espetáculos do repertório do grupo.
Coordenado pelos atores Ana Carolina Gomes e Matheus Calado.
Todos os treinos iniciam-se com aquecimento das articulações e alongamento e muscular,
para evitar possíveis distensões e para despertar o corpo do ator para o trabalho que será realizado
145
posteriormente. Os treinamentos não são rigorosamente compartimentados, acabam por se
mesclarem e as cnicas se complementam, assim as especificidades de cada treino se insere nos
outros, enriquecendo-os e criando uma unidade que sustentação para a linguagem cênica do
grupo. Durante a trajetória artística do Grupo Milongas, e universitária dos seus integrantes,
tivemos importantes contatos e trocas com outros grupos e profissionais do teatro e da dança que
contribuíram para a pesquisa e treinamento do grupo. Apesar de nossa principal base de pesquisa
corporal se fundamentar nas já citadas danças populares, o aprendizado de técnicas corporais para
treinamento de atores, como as aprendidas com integrantes do Grupo Lume (Campinas SP), do
Odin Theatret (Dinamarca) e do Madame Bobage (França), foram determinantes para nosso
processo de criação a partir das daas em função da composição de personagens e da cena
teatral.
O primeiro espetáculo foi o infanto-juvenil Era uma vez, e não era uma vez... (2003) fruto
das experiências e contato com a cultura popular brasileiro. Rne em cena danças como
Maracatu, Frevo, Coco-de-roda, Cavalhada, além de outros elementos picos das tradições
populares, como lendas, emboladas e cancioneiros. Esse espetáculo, que estreou em novembro de
2003, viajou por cidades do interior de São Paulo e Rio de Janeiro, além de se apresentar na
própria capital carioca. Participou ainda de festivais da Baixada Fluminense, o “V Encontrarte”
(2006) em Nova Iguaçu e o de 2° Festival de Teatro de Duque de Caxias” (2004), no qual
recebeu sete indicações - entre elas melhor espetáculo e melhor direção - e ainda foi contemplado
com o prêmio de melhor ator (Roberto Rodrigues). Posteriormente o grupo encenou O Malfeitor
(2005), ainda dentro do universo popular, entretanto investigando dessa vez as sutilezas do
homem do povo. Também esse espetáculo viajou pelos interiores do sudeste. Posteriormente veio
a Casa Verde (2006), fruto de um processo de pesquisa teórico-prática que durou cerca de dez
meses. Com excelente resultado esse espetáculo realizou temporada no Rio de Janeiro, participou
146
do “I Festival Universitário de Patos de Minas” (2006), aonde foi contemplado com o prêmio de
melhor espetáculo. Participou da mostra universitária do festival do Rio de Janeiro
“Riocenacontemporânea” (2006), e ainda do “Teaser mostra de teatro internacional”, que
inaugurou o teatro Tom Jobim no Jardim Botânico (RJ/2008). O mais recente trabalho do grupo
é o La Careta Que Cae (2007), com texto de Federico Garcia Lorca. O espetáculo tem um tom
farsesco e leva à cena um casamento entre as culturas brasileira e espanhola. Espetáculo de
grande aceitação de público, participou de diversos festivais, entre eles: “Riocenacontemporânea”
(RJ/2007); “VI Encontrarte (2007); “II Festival Universitário de Patos de Minas” (MG/2007);
“IV Festival Nacional de Teatro de Duque de Caxias” (RJ/2007); “XI Festival Nacional de Teatro
de Americana” (SP/2007); II Festival Nacional de Teatro de Campos dos Goytacazes”
(RJ/2007); “VII Encontrarte” (RJ/2008); “XXXII Festival de Teatro de Pindamonhangaba”
(SP/2008); IV Festival Nacional de Teatro de Rio das Ostras” (RJ/2008); IV Festival Nacional
de Teatro de Limeira” (SP/2008); “VIII Festival de Teatro de Resende” (RJ/2008), nos quais
obteve ótimos resultados e recebeu pmios e indicações em todas as categorias. Todos os
espetáculos do grupo se mantém ativos, com apresentões esporádicas, conforme a ocasião.
147
Imagens do espetáculo La Careta Que Cae. Fotógrafa: Camile dos Anjos.
Imagens n. 33 e n. 34: Personagens Cocoliche e Currito, interpretados pelos atores Roberto
Rodrigues e Hugo Souza, respectivamente. Note-se a composição corporal elaborada a partir de
movimentos das danças populares. Destaque para os pés, pernas e torção de tronco.
148
Imagens do espetáculo La Careta Que Cae. Fotógrafa: Camile dos Anjos.
Imagens n. 35 e n. 36: Personagens Mosquito e Rosita, interpretados respectivamente pelos
atores Adriano Pellegrini e Ana Carolina Gomes. Note-se a composição de pernas e braços, ele
com uma perna estendida e com o calcanhar apoiado, característica da dança do Frevo; ela com
os braços remetendo a movimentação da dança do Maracatu Nação, entretanto com o tronco
curvado, ambos em desequilíbrio.
149
Imagens do espetáculo La Careta Que Cae. Fotógrafos: Matheus Calado e Camile dos Anjos.
Imagens n. 37 e n. 38: Personagens Pai e Dom Cristovinho, interpretados respectivamente pelos
atores Camile dos Anjos e Daniel Chagas. Observa-se um corpo pesado em ambos, entretanto
apresentam uma composição rica em detalhes, tais como os joelhos fletidos e os pés um na frente
do outro, provocando um desequilíbrio corporal, no caso do “Pai”. Já “Cristovinho realiza
uma movimentação de “pernada” característica do Frevo, da Capoeira e de algumas figuras do
Cavalo Marinho.
150
Imagens do espetáculo La Careta Que Cae. Fotógrafa: Camile dos Anjos.
Imagens n. 39 e n. 40: Personagens Espanta Nuvens e Rapaz, interpretados respectivamente
pelos atores Marcéli Torquato e Matheus Calado. Note-se os braços dela em louvão,
movimento característico da dança do Maracatu Nação, as pernas dele no movimento do “saci
pererê”, passo do Frevo e ainda seu tronco inclinado para o lado, provocando o desequilíbrio.
151
ANEXO III – PUBLICAÇÕES DE IMPRENSA
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