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Fotografia: Demetrios Galvão
A Fabricação de Teresinas
subjetividades e imagens fotográficas
na experiência teresinense do
Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)
Demetrios Gomes Galvão
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UFPI – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CCHL – CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTORIA DO BRASIL
DEMETRIOS GOMES GALVAO
A Fabricação de Teresinas: subjetividades e imagens fotográficas na
experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)
Teresina – PI
2008
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Demetrios Gomes Galvão
A Fabricação de Teresinas: subjetividades e imagens fotográficas na
experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)
Dissertação apresentada como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre
em História do Brasil, ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Federal do Piauí.
Orientador: Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo
Branco.
Teresina – PI
2008
4
Galvão, Demetrios Gomes.
B813
A Fabricação de Teresinas: subjetividades e
imagens fotográficas na experiência teresinense do
Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)./ Demetrios
Gomes Galvão. – Teresina, 2008.
129 f.
Dissertação (Mestrado em Historia do Brasil) -
Universidade Federal do Piauí, 2008.
Orientadora: Prof.Dr. Edwar de Alencar Castelo
Branco
l. História do Brasil. 2. Cultura Brasileira. 3.
Fotografia. 4. Teresina. I. Título.
CDD 981.03
5
Demetrios Gomes Galvão
A Fabricação de Teresinas: subjetividades e imagens fotográficas na
experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)
Dissertação apresentada como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre
em História do Brasil, ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Federal do Piauí.
Aprovada em:_____/ _____/_______
Banca Examinadora
_____________________________________________________
Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco – UFPI
Orientador
_____________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Paulo Rezende - UFPE
_____________________________________________________
Profa. Dra. Shara Jane Holanda Costa Adad - UESPI
6
Prazer intenso de caminhar pela cidade: fluir da manhã à
noite, a pé, de ônibus metrô automóvel, não importa o meio,
mas conhecer ao acaso os caminhos, construí-los de prazer,
delícia, obsessão, dormindo em pequenos hotéis esquecidos
em ruas perdidas no emaranhado, recomeçando no dia
seguinte no centro da nebulosa amnésia, e reinventar o sol e a
lua a queimarem no céu, nos vidros, nas fachadas, nos delírios
urbanos, mapas abertos de cores e chuvas e ventos
labirínticos nunca decifrados, amar a cidade no brilho e no
óleo, intoxicar-se de vertigem.
Afonso Henriques Neto
7
À Emanuelle Mota, parceira de caminhada
que durante esses últimos anos seguiu ao
meu lado nessa aventura fotográfica por
Teresina, e com quem tenho compartilhado
das artes e das manhas do cotidiano.
8
Agradecimentos
Nenhuma caminhada se faz sozinho, mesmo para caminhar pela cidade
estamos acompanhados por alguém, seja fisicamente ou virtualmente - em forma de
indicações de percursos ou de leituras. Uma série de parcerias foram feitas no
decorrer dos percursos desta pesquisa, alguns acordos tácitos e outros burocráticos,
alguns encontros em bando e também solitários, por vezes, alguns desses parceiros
não falavam, dormiam ao lado. Assim, gostaria de agradecer a alguns destes
parceir@s.
Ao Prof. Dr. Edwar de A. Castelo Branco, por ter me acolhido em seu
bando de mal feitores, a fim de orientar os passos desta pesquisa com a gloriosa
experiência de uma puta velha.
Aos Professores do programa de Mestrado em História da UFPI.
Aos servidores do programa de Mestrado em História da UFPI.
Ao CAPES por ter financiado mais que uma pesquisa, mas também alguns
de meus desejos e sonhos de vida.
À Prof. Dra. Shara Jane Adad, amiga-guia em experiências pelo mundo
das subjetividades dissidentes.
À Prof. Maria Cicília Nunes, que com seus olhos de águia, tal como os de
Bavcar, pôde me dar as primeiras lições que encaminharam esta pesquisa.
Aos meus amig@s do grupo de estudo: Maria do Rosário, Marylu Oliveira,
Emília Nery, Luciana Pereira, Warrington Veras, Mairton Celestino e Elson Rabelo,
na qual algumas destas pessoas caminhavam ao meu lado desde a graduação,
formando uma longa parceria.
Às pessoas que através de suas falas me cederam gentilmente suas
experiências pessoais e parte de suas memórias: Aureliano Müller, Dogno Içaiano e
Kleyton Marinho.
Aos funcionários da Casa da Cultura que sempre foram solícitos quando
precisei deles, em especial à coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia: Lia
Barradas, Edilene Santos, Francisvaldo Sousa, Ronaldo Lima e Aléx Fontinele.
A toda família, pai, mãe, irmãos, sogra, sogro, cunhados, ti@s, prim@s.
À Mãe Margarida, pelos sábios conselhos de uma filha de Iemanjá.
9
Aos amig@s-irm@os que formam uma gangue de vadios, vagabundos
iluminados, que juntos conspiramos, bebemos, falamos poesias, cantamos e
caminhamos com garrafas nas mãos por esta e por outras cidades, varando dias e
madrugadas, alimentando a loucura que carregamos na mochila.
À Emanuelle Mota, pelos conselhos, cafés, beijos, discussões e por sua
paciência sem fim, que me ajudou a ter confiança e a acreditar no que estava
fazendo, além de também integrar a gangue de vadios com seus afagos e doses de
mangueira.
À Frida, Pagu, Basquiat e Pretinha, pela companhia de todas as
madrugadas e por seus ronronados.
10
Resumo
O principal foco deste trabalho é a cidade de Teresina. A pesquisa mergulha na
cidade a partir de uma reflexão histórica sobre a fabricação de imagens provenientes
do consumo do visível, consumo este mediado pelas fotografias do Salão Municipal
de Fotografia. A fotografia é o instrumento através do qual se procurou perceber
como as pessoas vivem, fabricam e consomem o visível da cidade, materializando
suas impressões sobre a mesma em superfície fotossensível. A discussão em torno
do Salão perpassa uma rede de conexões que envolvem práticas humanas
remissivas às experimentações da linguagem e a práticas de existência.
Relacionando cidade, fotografia e subjetividade, foi possível observar Teresina como
um emaranhado de signos, o que permitiu perceber que uma cidade não é apenas a
resultante de um plano urbanístico, como sugere os mapas e os códigos de postura.
Antes de tudo, a cidade é movimento, pulsações e desejos, possíveis de serem
conhecidos através de um olhar lançado sobre os usos e consumos do visível.
Palavras–Chave: História. Teresina. Fotografia. Subjetividade.
11
Résumé
Le sujet de ce travail est la ville de Teresina. La recheche se concentre dans la ville
depuis d’une réflexion historique sur la fabrication des images provenantes du
consummation du visible, ce consummation par les photografies du Salaon Municipal
de Photografie. Les photos sont l’instrument a travers duquel on a cherché
comprendre comment les gens vivent, comment ils fabriquent et comment il
consument le visible de la ville, en matérilisant ses impressions sur la surface
« sensible à photo ». La discussion autour du salon passe auprès un réseau de
connexion qui enveloppe les practiques humaines d’existence. En faisant des
relations sur la ville, la photografie et la subjectivité sont allé possible observer
Teresina comme un embroullement de « signos », ce que nous avons conclus que
une ville n’est pas seulement la résultant d’un plan d’urbanité, comme les cartes
géografiques et les codes de posture. Elle est, avant du tout, un mouvement, des
pulsations et des désirs qui peuvent se faire des connaisances a travers d’un regard
en direction sur les usages et les consummation du visible.
Mots-clés : Histoire. Teresina. Photographie. Subjectivité.
12
Sumário
Anotações de Percurso, à guisa de introdução ..................................................... 11
Bifurcação I
Baú de Miudezas: pequeno inventário sobre cidades ............................................ 20
1.1- Alguns elementos da Cidade–Baú .................................................................... 20
1.2- Entre cidades: um campo de flutuação semântica ............................................ 35
Bifurcação II
Uma excursão pela Fotografia: anotações sobre as experiências fotográficas no
Brasil e em Teresina ................................................................................................. 43
2.1- A experiência fotográfica no Brasil ................................................................... 43
2.2- A experiência fotográfica em Teresina e o Salão Municipal de Fotografia ....... 51
Bifurcação III
O Salão Municipal de Fotografia em Foco: subjetividades e o consumo do visível
na fabricação de Teresinas ...................................................................................... 83
3.1- Virada visual, subjetividades e apropriações .................................................... 83
3.2- Um olhar que passeia: Teresinas em circulação .............................................. 89
3.2.1- A cidade-cartão-postal ou a cidade dos não-usos ......................................... 90
3.2.3- A cidade-binária ou a cidade-síntese ..............................................................98
3.2.3- A cidade-híbrida ou contra-usos da cidade ................................................. 106
Desenhando uma Travessia, algumas considerações ........................................ 116
Referências e Fontes ........................................................................................... 121
13
Anotações de Percurso, à guisa de introdução
Uma câmera fotográfica na mão, algumas idéias na cabeça e a caminhada
começa. O percurso é aleatório, seguindo as ruas, procurando na porção visível da
cidade alguma coisa que chame a atenção. Não um ponto fixo, ou uma idéia fixa,
mas os fluxos e a pretensão de capturar, registrar algo que não seja usual. A
caminhada segue por uma rua que tangencia na outra, que corta uma praça, que
desemboca em uma avenida, num ponto de ônibus. Embarca-se no ônibus e o
percurso continua, transitando pelos bairros, pelas favelas, atravessando as pontes,
disputando espaço com carros, ciclistas, pedestres e carroças. No cenário frenético
do trânsito, a cidade se revela em tonalidades dissonantes, por vezes, borradas.
A narrativa desta caminhada coincide com a minha experiência de
caminhante-fotógrafo, ocorrida entre os anos de 2003 e 2004 e mediada pela ligação
com a poesia e pelo interesse em aprender a fotografar. Assim, em agosto de 2003,
tive a idéia de fazer um ensaio fotográfico sobre o centro da cidade de Teresina e, a
partir daí, construir pequenos poemas que dialogassem com as fotografias. Com a
seqüência desse percurso fui fazendo leituras que perpassaram Félix Guattari
(1998), Michel de Certeau (1994) e Ítalo Calvino (2003). Desse ponto, não me
interessava apenas um simples ensaio de fotografias, mas procurar capturar, nessa
relação de mão dupla poesia/fotografia, as subjetividades do centro da cidade. Algo
assim como “uma tentativa de restauração de uma ‘cidade subjetiva’ que engaja
tanto os níveis mais singulares da pessoa quanto os níveis mais coletivos”
(GUATTARI, 1998: 170).
Com essas intenções convidei um amigo, fotógrafo, chamado Dida Matos,
e começamos a r em prática o que pensávamos naquele momento. A caminhada
começava geralmente do Foto Hollywood ou do Clube da Fotografia, casas
comerciais que vendem material fotográfico, onde colocávamos o filme na máquina
e daí em diante saíamos a fotografar. Quando fotografávamos, construíamos nossos
retalhos imagéticos, ao mesmo tempo em que eu ia me constituindo como fotógrafo,
pois esse trabalho precedia o aprendizado das técnicas de fotografia.
Essa experiência, ocorrida, como dito, entre 2003 e 2004, teve como
resultado a participação, com um misto de texto e imagens, através do artigo
14
“Cidades Rabiscadas: a Construção de uma Cartografia Anárquica de Teresina” no
livro Coisas de Cidade (VASCONCELOS & ADAD, 2005), além de ter inspirado a
presente pesquisa. Dessa forma, uma experiência que permeou elementos da
estética e da minha vida pessoal uma articulação entre linguagem e vida se
desdobrou em uma pesquisa de mestrado. Se em outro momento eu ocupava o
lugar de um caminhante-fotógrafo que participou do Salão Municipal de Fotografias
de 2004, hoje tal caminhante-fotógrafo em questão é um sujeito que caminhou pela
cidade com uma câmera inventando imageticamente Teresina.
E quem é o caminhante-fotógrafo? Ele é o sujeito que além de habitar a
cidade, também produz sentidos através da fabricação de imagens fotográficas da
cidade, no caso, de Teresina. Este é um misto do caminhante de Michel de Certeau
e de minhas apropriações do mesmo para compor minha experiência pessoal, como
citado anteriormente. Assim, ele é um caminhante que fotografa a cidade de
Teresina.
Desse modo, seguindo os passos do caminhante-fotógrafo, é possível
imaginar diferentes agenciamentos dos espaços da cidade. O que faz lembrar a
discussão de Gilles Deleuze (1992) sobre o devir, o movimento e as produções de
subjetividade no cotidiano. O qual nos convida à aventura de cartografar
intensidades. Isto porque em uma cartografia o que se faz é acompanhar as linhas
que se traçam, marcar os pontos de ruptura e de enrijecimento, analisar o
cruzamento dessas linhas diversas que funcionam ao construir territórios existenciais
e realidades. A prática de cartografar diz respeito à micropolítica, as estratégias de
subjetivação empreendidas pelo poder e a criação de sentidos. Assim, a cartografia
se faz ao mesmo tempo que o território (ROLNIK, 2006).
Uma cidade, portanto, é mais que um plano urbanístico, um conjunto de
prédios, casas, avenidas, um conceito de morar e escrituras de lei. Ela é, antes de
tudo, movimento, pulsações e desejos. Os usos e consumos da cidade por seus
habitantes, os quais têm como característica suas astúcias, seu esfarelamento em
conformidade com as ocasiões, suas “piratarias”, sua clandestinidade (CERTEAU,
1994), demonstram que as cidades existem de várias maneiras. Exemplos disso são
cidades subjetivas tais como a Veneza de Ítalo Calvino (2003), o Rio de Janeiro de
João do Rio (1987), a Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade (2003) e a
Teresina de Torquato Neto (2004)
.
Estas são cidades virtuais, particulares, que
15
testemunham a existência de cidades também no plano da invisibilidade,
tangenciando a conformidade do olhar usual.
As anotações de percurso, feitas aqui, apontam que esta pesquisa propõe
uma apropriação da fotografia como recurso de prospecção de dados históricos. A
cidade de Teresina, principal foco do trabalho, é observada através do Salão
Municipal de Fotografia, evento anual do calendário de atividades da Secretaria de
Cultura do município Fundação Monsenhor Chaves. O Salão
1
, enquanto evento
cultural promove o encontro da população de Teresina com a produção fotográfica
local, feita por fotógrafos profissionais e amadores, que expõem simultaneamente
suas experiências materializadas em imagens. Constituídas a partir da exploração
de percursos ordinários, de trajetos sentimentais e da geografia informacional da
cidade.
O período que o Salão é explorado corresponde ao tempo que vai de 1995
até 2005, referindo-se aos últimos anos do século XX e início do XXI. O Salão está
sendo apropriado como o mediador de um tempo, apresentando-se como um
espelho produzido por seus participantes, indivíduos anônimos em sua maioria,
caminhantes das ruas, pessoas ordinárias do cotidiano das cidades que, como as
demais, operam construções materiais, simbólicas, visuais e virtuais.
Estes sujeitos fotografam e participam do Salão, registram à sua maneira
o cotidiano da cidade, as formas de ocupação e uso do espaço e, sobretudo, os
modos pelos quais ela é consumida por seus habitantes. Portanto, o conjunto
dessas fotografias corresponde a uma fabricação, uma invenção de Teresinas. A
escolha do termo invenção é um esforço consciente de afastar-se de qualquer tipo
de naturalização dos objetos e sujeitos que participam da história, compreendendo
que a história acontece no meio, nas articulações e arranjos cotidianos
(ALBURQUERQUE Jr., 2007).
Logo, quando me refiro a cidades e não à cidade, no singular, busco a
multiplicidade. Adentro Teresina por suas vias de muitos acessos, por seus palcos
abertos às experiências da vida cotidiana. Isso me instiga a refletir sobre: que
cidades os olhos podem alcançar num passeio por ruas, avenidas, ruelas, seja em
dias de movimento, finais de semana, ou feriados, nos quais tudo parece estar
1
Pretendo esclarecer, que para melhor fluição da construção da narrativa, usarei na maior parte do
texto apenas a palavra Salão, com letra maiúscula, quando estiver me remetendo ao Salão Municipal
de Fotografia.
16
tranqüilo, onde o jogo de dados aparenta ter menos possibilidades em seu
arremesso? Que jogos se armam neste tabuleiro dinâmico ou quantos caminhos
podem ser inventados no decorrer das caminhadas? É difícil definir que cidades
cada indivíduo fabrica em suas andanças. Em cada troca de passos, escolhas, entre
uma rua e outra, uma calçada e outra, caminhos se efetivam e são desativados.
Também, ltiplas são as linguagens que constituem essa geografia de ações e
informações: polifonia ardente do arquipélago parabólico das cidades invisíveis
micro-cidades montadas por meio de colagens e samples.
Desse modo, a discussão em torno do Salão perpassa uma rede de
conexões que envolvem experiências que constituem a cultura fotográfica de
Teresina, e que precisa ser pontuadas. Como explica Ivo Canabarro (2005), a
cultura fotográfica abrange a tecnologia e o aparato técnico utilizado na produção de
imagens, as questões de ordem plástica e estética, a produção fotográfica de um
período, o grupo de fotógrafos produtores das imagens e sua bagagem de
experiências, as práticas fotográficas, as publicações e exposições, os veículos de
divulgação e circulação, o próprio consumo e consumidores das imagens, a relação
entre as imagens e a sociedade.
No cenário complexo dos estudos sobre cidade, o uso de diversas
linguagens pelos historiadores tem feito com que as cidades possam ser captadas
através das sensibilidades artísticas que constituem uma época. Assim, o painel
cenário constituído pelas produções historiográficas em torno da imagem fotográfica
no Brasil apresenta autores com trabalhos bastante consolidados, como são os
casos de Ana Maria Mauad Essus (1990), que trabalha com as representações
construídas pelas famílias economicamente dominante do Rio de Janeiro, na
primeira metade do século XX, utilizando fotos de famílias e revistas ilustradas;
Miriam Moreira Leite (1993), que explora as potencialidades históricas dos álbuns de
família, procurando perceber as práticas sociais ligadas ao universo familiar; Boris
Kossoy (2002), que problematiza a fotografia através de suas realidades,
compreendendo que as fotografias contêm aspectos de realidade e de ficção.
Dentre algumas abordagens que tomam a fotografia como recurso
analítico, percebe-se que existem maneiras diferentes de explorar suas
potencialidades. Em um desses casos, a fotografia é abordada recorrendo ao
conhecimento sobre a imagem e seus signos; em outro, ela é tomada em si mesma,
do ponto de vista de sua construção interna e estrutural; e ainda de outro modo,
17
partindo do fato de que a imagem, à parte a construção interna que a caracteriza,
produz alguma coisa a seu próprio respeito, e, portanto não se pode saber. Quando
não, ela tem caráter puramente ilustrativo, não havendo um empreendimento de
análise (DUBOIS, 2004).
Em direção distinta, nesta pesquisa, a fotografia é o canal para perceber
como as pessoas que vivem, consomem e fotografam o visível
2
da cidade,
materializam suas impressões sobre ela, em superfície fotossensível. Assim,
explorando o caráter relacional das imagens e o seu agrupamento em ries,
acredito que as fotografias não detêm uma realidade fechada, uma verdade única e
uma essência naturalizada. Nesse sentido, as fotografias são compreendidas como
forma de conhecimento, atentando para seu caráter polissêmico e ciente de que
nenhum texto esgota as suas possibilidades e nem que elas encerram em si todos
os seus significados (BARTHES, 1990).
Mas como penetrar nas fotografias, esse reino sem palavras? Era o que
eu indagava quando imaginava o Salão Municipal de Fotografias como uma coleção
de retalhos, de peças de arquiteturas móveis e estáticas, como fragmentos
imagéticos de Teresina, que mostravam Teresinas. Essas fotografias dizem sobre
práticas humanas: experimentações da linguagem e práticas de existência.
Enquanto seres da linguagem, os homens materializam suas experiências
históricas através de inscrições rupestres, relatos orais, de textos escritos, da
fabricação de fotografias ou da produção de filmes. A história, portanto, não poderia
existir em outra instância. Assim, em uma pesquisa histórica é preciso compreender
que “o visível e o invisível fazem parte da história, são inseparáveis, se o historiador
quiser tentar compreender o significado dos labirintos, construídos pelos homens,
não deve fechar os olhos, nem tão pouco o coração” (REZENDE, 1997: 13). Além do
mais,
a história não é como um castelo, com sua torre central, de onde um
sujeito soberano a pode visualizar em seu devir e pode tomar as
decisões que vão mudar o seu rumo. A história é como um labirinto
de corredores e portas contíguas, aparentemente todas
semelhantes, mas que dependendo da porta que o sujeito pretende
2
O visível (com, naturalmente, sua contrapartida, o invisível) representa o domínio do poder e do
controle, o ver/ser visto, dar-se/ não se dar a ver, os objetos de observação obrigatória assim como
os tabus e segredos, as prescrições culturais e sociais e os critérios normativos de ostentação,
ostentação ou discrição – em suma, de visibilidade e invisibilidade. (MENESES, 2005: 36).
18
abrir, pode estar provocando um desvio, deslizamento para um outro
porvir (ALBUQUERQUE JR., 2007: 73).
Acompanhando o que dizem estas citações, na tentativa de encontrar
saídas deste labirinto, a tessitura do trabalho foi composta por diferentes discursos
imagéticos sobre a cidade de Teresina, tomando como principais fontes as
fotografias do Salão Municipal de Fotografia de Teresina, e como fontes de apoio,
que foram observadas e consultadas a fim se ter uma visão ampla sobre a
experiência fotográfica em Teresina, encontram-se: cartões-postais, obras
publicadas livros e revistas com ensaios fotográficos, os regulamentos, matérias
de jornais sobre o evento, bem como entrevistas temáticas com os organizadores e
participantes do Salão, no intuito de enxergar nesse material aquilo que o mesmo
apresenta em termos de acontecimento. Este, entendido como algo intempestivo,
surpreendente e inesperado (FOUCAULT, 1979).
O itinerário desta pesquisa o se fez apenas com leituras e análise de
dados e fontes, essas coisas instituídas da academia. Ele também é composto por
trilhas sonoras e sessões de filmes. A escrita deste trabalho foi feita acompanhada
pelos sons de Miles Davis, John Coltrane, Wilco, Nouvelle Vague, Gotan Project,
dentre tantos, e por alguns filmes que ajudaram a pensar a fotografia enquanto uma
experiência do olhar, uma prática social que produz e multiplica sentidos. Como por
exemplo: Janela da Alma (2001), Depois Daquele Beijo (1966) e A Eternidade e um
Dia (1998), que aborda o tempo de forma a fazer pensar a sua existência em
experiências descontínuas pelo intermédio da memória, como se existissem
temporalidades sobrepostas e paralelas.
Refletindo sobre os sentimentos e sensações que me atravessaram no
decorrer da pesquisa, acho importante pontuar alguns momentos da caminhada. Em
entrevista concedida a Marieta de Moraes Ferreira e Mônica Almeida Kornis em
2004, Fhilippe Dudois faz um alerta aos historiadores que pretendem trabalhar com
imagens:
Um historiador que estuda as imagens, dizendo: “é isso que eu
estava procurando, por que essa imagem se inscreve em tal
contexto, pertence a tal situação”, naturalmente vai encontrar o que
procura, mas não vai encontrar o que não estava procurando. Por
isso, é preciso não procurar nada numa imagem, para ser capaz de
descobrir aquilo em que não estávamos pensando, que não era
imaginável a priori (2004: 17).
19
Esta passagem de Fhilippe Dudois me fez refletir sobre o modo como estava
abordando as fotografias no início da pesquisa, de quando estabeleci contato com o
acervo do Salão e como fui surpreendido. Naquele momento tive a sensação das
coisas terem fugido do controle, olhava as imagens e não via o que queria ver. O
meu corpo de pesquisador se encontrava desterritorializado e alguns contornos do
meu território se desfaziam, se desarrumavam. Estava sendo afetado por uma outra
forma de perceber a pesquisa, via uma outra perspectiva de trabalho. Mas por um
instante me senti tranqüilo, quando encontrei duas fotografias minhas do ano que
participei do Salão (2004). Muitas idéias começaram a fluir e logo comecei a anotar
em um papel as imagens que mais me chamaram a atenção e os temas mais
recorrentes nas fotografias.
De todo modo, para esta pesquisa, Teresina foi uma desculpa para
discutir cidade e o Salão um pretexto pra enxergar Teresinas. Assim, ao cartografar
a cidade, através de suas imagens, percebi que a pesquisa também envolveu uma
cartografia sentimental do pesquisador, na qual as sensações e as experiências que
compõe os encontros no decorrer do caminho, constituem as linhas dessa
cartografia pessoal e da própria tessitura da pesquisa que se fez ao caminhar, às
vezes sem saber ao certo para onde estava apontando.
A construção de cada capítulo é o momento de decidir sobre um percurso
narrativo, da história a ser contada, que ao final constituirá uma obra, como um
jardim ou um labirinto, ou os dois ao mesmo tempo, no caso do conto de Jorge Luis
Borges (2001), o jardim de veredas que se bifurcam
3
”. Penso que cada capítulo é
marcado por uma bifurcação, no que tange à idéia de escolha. Assim, inspirado em
Jorge Luis Borges estou usando a palavra bifurcação ao invés de capítulo, por achar
que está mais próximo de uma linguagem de caminhada, pelas escolhas que são
feitas, como por exemplo: de seguir uma rua ao invés de outra, ou uma calçada,
uma praça, tomar um ônibus ou seguir a pé, etc. Dessa forma, o corpo desta
3
A apropriação do conto de Jorge Luis Borges, advém da condição que O jardim de veredas que se
bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como concebia Ts’ui Pen.
Diferentemente de Newton e de Schopenhauer, seu antepassado não acreditava num tempo
uniforme, absoluto. Acreditava em infinita séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de
tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se
bifurcam, se cortam ou se secularmente se ignoram abrange todas as possibilidades” (BORGES,
2001: 113).
20
dissertação foi desenhado pela composição de três bifurcações, nas quais acredito
ser uma maneira de contemplar as questões a que o trabalho se propõe a discutir.
Na primeira bifurcação, “Baú de Miudezas: pequeno inventário sobre o
cidades”, procurei apresentar um conjunto de olhares sobre a cidade, com intuito de
mostrar como a cidade de Teresina tem sido apropriada nos estudos de seus
historiadores, e também em uma esfera maior, como a cidade tem sido pensada no
âmbito dos estudos culturais, isto é, como os historiadores e outros operadores do
pensamento social enxergam a cidade no momento de tomá-la como objeto de
estudo. Bem como, me aproprio de todos esses olhares para compor o meu, através
da construção de um conceito chamado de “campo de flutuação semântica” e de
melhor desenhar os contorno do caminhante-fotógrafo.
Na segunda bifurcação, “Uma excursão pela Fotografia: anotações sobre
as experiências fotográficas no Brasil e em Teresina”, monto um cenário
da
experiência fotográfica no Brasil, ressaltando as características que a fotografia
assumiu em diversos momentos da história do país e ela em si mesma, como
fabricação de uma nova sensibilidade na sociedade para posteriormente
acompanhar os caminhos traçados pela fotografia em espaços teresinenses, as
suas singularidades e seus sujeitos. Seguindo-se até a emergência do Salão
Municipal de Fotografia como o evento mais relevante do cenário fotográfico local.
Na terceira bifurcação, “O Salão Municipal de Fotografia em Foco:
subjetividades e o consumo do visível na fabricação de Teresinas”, busquei discutir
as fotografias dividindo-as em três séries: a primeira delas apresenta um caráter
panorâmico e cenográfico, ou seja, tem a composição de cartão-postal, expressando
um tipo de subjetividade que apreende a cidade em sua condição de homogênia e
harmônica, atravessada em grande medida pelas sensibilidades da belle époque; a
segunda série apresenta uma postura binária e dual, indicando apenas duas
possibilidades que se contrapõem, ao mesmo tempo que tem um caráter de
denúncia social, um tipo de subjetividade alinhada com a da luta de classes, típica
atitude do mundo moderno e do século XX; por último, uma série que é pura mistura,
polifonia e movimento, essa demonstra uma subjetividade mais contemporânea,
correlata da pós-modernidade e do século XXI.
Dentre os muitos trabalhos que têm a cidade como pretexto para mergulhar
nas entranhas do urbano, esta pesquisa relaciona a linguagem fotográfica e as
práticas de existência na cidade de Teresina. Observando que são as práticas
21
humanas que dão sentido ao universo que lhe rodeia, construindo significados que se
ressignificam constantemente. Desse modo, o percurso traçado não pretende ser
uma história da fotografia em Teresina, mas se utilizar das fotografias do Salão para
discutir a cidade. Tendo como objetivo perceber a maneira como os fotógrafos
fabricam Teresina e quais subjetividades se processam nos registros fotográficos.
Assim, esta dissertação se propõe a descobrir algumas senhas para adentrar nos
labirintos metamórficos e movediços, que são: a história, a cidade e a coleção de
fotografias do Salão.
22
BIFURCAÇÃO I
Baú de Miudezas: pequeno inventário sobre cidades
Fotografia: Maria Nívea da F. Rocha
Perceber a cidade na multiplicação das dobras: rede rizomática tal
rede virtual do ciberespaço, tomografia cerebral a cores, cada
filamento dobrado em reflexões infinitas. (são tantas que até a
nossa imagem escapou dos reflexos, cintilações do vazio.)
Perceber a cidade nos relâmpagos entrecruzados dos espelhos,
máquinas-complexas em redemoinho, razão-em-abismo, o
pensamento.
Afonso Henriques Neto
23
1.1 Alguns elementos da Cidade–B
Muitos são os olhares, imagens e discursos construídos sobre a cidade.
De acordo com o ângulo escolhido
para observá-la, ela pode ser capturada pela
ótica da racionalização, do planejamento urbanístico; pelo consumo ordinário dos
espaços, feito por seus praticantes; pelos costumes e comportamentos dos seus
habitantes ou pela polifonia e comunicação urbana. Hoje, as discussões em torno da
cidade enquanto tema de pesquisas, correspondem a um vasto campo de
abordagens, sendo ela percebida não apenas sob o prisma da economia ou da
política, mas também por seus aspectos materiais e simbólicos, por sua tradição e
modernidade, pelos seus gestos e relatos, por seus aspectos visíveis e invisíveis.
Desse modo, utilizo esta bifurcação para construir um pequeno inventário
de olhares sobre a cidade. No intuito de mostrar como a cidade de Teresina tem sido
apropriada nos estudos de seus historiadores, e também em um âmbito maior, como
a cidade tem sido pensada no âmbito dos estudos culturais, isto é, como os
historiadores e outros operadores do pensamento social enxergam a cidade no
momento de tomá-la como objeto de estudo.
Para construção da narrativa e discussão do conteúdo, me aproprio do
Baú de Miudezas, como metáfora para discutir a cidade com suas inúmeras
produções de sentidos, invenções, surpresas e composições híbridas. Mas o que
seria um Baú de Miudezas? Depósito de muitos eventos ínfimos, lugar de coisas
perdidas, imperceptíveis, onde se acumulam miudezas da lembrança e souvenires
de caminhadas. Em um baú, guarda-se até aquilo que não queria que acontecesse.
Mas também serve para guardar o cheiro e dar cheiro ao passado. E então, qual
seria o cheiro do passado? Qual o gosto de um retrato? Ou a fotografia de um antes
de ontem? Em um baú se guarda de tudo: sentimentos, memórias, cartas,
percursos. A cidade é tal qual um baú de uma avó do século passado, um grande
depósito de subjetividades – lugar fantástico e surpreendente. No entanto, neste Baú
de Miudezas não se acha nada, se inventa, nada está pronto, se fabrica percursos,
se produz sentidos.
É importante ressaltar que nessas construções e invenções em torno da
cidade, bem como nas relações entre os discursos e as práticas que a efetivam, a
imaginação é um elemento primordial. Ao passo que ela é necessária tanto para
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planejar a cidade instituída, física, como para fugir de suas capturas através de
“fugas quebradas” e inventar cidades invisíveis. Pretendo, logo de início, ressaltar
que a imaginação é um elemento fundamental para a criação e para pensar a cidade
enquanto espaço de apropriação para estudos.
Iniciando o percurso proposto, a abordagem de Monsenhor Chaves
(1952)à cidade de Teresina, é de uma percepção do todo, o seu esforço é no
sentido de dar conta da totalidade dos elementos que constituíram a formação da
cidade nas suas primeiras décadas, tais como configurações políticas, eventos
religiosos, atividades do cotidiano, a formação das primeiras escolas, espetáculos
teatrais, etc. Em “Teresina Subsídios para a história do Piauí”, Monsenhor Chaves
observa a pequena província teresinense sendo erguida enquanto capital, com a
montagem da estrutura dos prédios públicos e do aparato burocrático; o crescimento
populacional e as suas limitações enquanto suportes básicos para a vida em uma
cidade, como abastecimento de água, coleta de lixo e iluminação pública.
Em seu Baú de Miudezas, não continha só informações sobre as questões
físicas que envolviam a cidade naquele momento, mas também as movimentações
em torno dos assuntos das classes dirigentes; comércio e política, bem como, dos
acontecimentos populares, das festas das paróquias e das de subúrbio, com os seus
forrós, sambas e danças de São Gonçalo.
Com o passar do tempo e as transformações empreendidas no corpo
urbano da cidade, algumas construções foram se realizando, o desenho da cidade
começava a ganhar contornos mais definidos enquanto cidade. Mas uma outra
instância desse tecido urbano foi se resignificando, no que diz respeito à nomeação
das suas ruas. Segundo Monsenhor Chaves, em alguns momentos, muito bem
definidos da história do Brasil e do Piauí, ocorreram mudanças nos nomes das ruas
da capital piauiense, segundo ele, alguns desses momentos foram a Guerra do
Paraguai e a Proclamação da República.
É importante perceber a construção da cidade a partir dos nomes próprios
que batizaram suas ruas, dando a elas uma significância de grandes sujeitos e feitos
históricos. Portanto, as ruas: Bela, Flores, Gloria, Grande, Boa Vista, foram
rebatizadas, às vezes mais de uma vez, com nomes de políticos, militares e letrados,
assim como com as datas de grandes acontecimentos. Desse modo, as ruas
passaram a ocupar o papel de escrituras com uma semântica associada ao poder
dominante, ao mesmo tempo em que localizava a cidade no conjunto dos
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acontecimentos da história do Brasil. Sobre o assunto é interessante observar o que
Monsenhor Chaves diz a respeito:
Neste centenário da cidade é de se notar a persistência com que
os teresinenses conservam alguns nomes tradicionais de ruas
antigas de sua terra. No decorrer dos anos estas ruas foram
rebatizadas várias vezes. Nem podia ser de outro modo. A vida
prossegue, as gerações se sucedem e os homens precisam de
nomear, de qualquer forma, os seus heróis de um dia, precisam
perpetuar datas históricas. E o recurso fácil é ir gravando estes
nomes e datas nas ruas e praças de sua cidade. Tais nomes
conseguem sobreviver, às vezes, dez, vinte, trinta, raramente porém
mais de cinqüenta anos (CHAVES, 1998: 41).
A fala de Monsenhor Chaves demonstra que a sua atenção está voltada
para as várias instâncias da formação desta cidade, permeando os âmbitos do
material e do simbólico. Ele tece anotações sobre a vida cotidiana e sobre o desejo
por transformações daqueles que viveram as primeiras décadas de existência da
capital. Sobre alguns acontecimentos importantes pontuados por ele, encontram-se
a chegada do primeiro vapor (1959), a inauguração do telégrafo (1884), a
inauguração da Fábrica de Fiação e Tecidos Piauienses (1893) e a abolição da
escravidão (1888). Esses momentos foram envolvidos em sentimentos de euforia e
de progresso. Sobre a chegada do vapor, ele descreve:
Não há como descrever o frenesi que se apoderou de toda a cidade.
Os sinos do amparo batiam a rebate, foguetes estouravam por todos
os lados e uma imensa mole humana corria pressurosa para o rio,
descendo por todas as ruas. Até os aleijados e doentes, carregados
em redes por escravos, demandavam o rio, apressados, para verem
de perto aquilo que mais lhes parecia um sonho. De fato, para
muitos dos espectadores aquele gigante de ferro, daquele tamanho,
boiando nágua, constituía um enigma insolúvel. Era preciso ver para
crer (CHAVES, 1998: 69).
A narrativa de Monsenhor Chaves mostra que também houve outros
acontecimentos que alteraram de forma significativa a configuração da sociedade
teresinense, como a chegada em massa de migrantes cearenses em 1877, fugindo
da seca que assolava o Estado do Ceará; a abolição da escravidão e a proclamação
da República (1889), que de certa forma alterou os contornos a política do Estado.
Sobre esta questão Monsenhor Chaves explica que:
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Nenhum movimento de preparação republicana precedeu, em
Teresina, à proclamação da República. Davi Moreira Caldas, o
profeta, pregou no deserto. Não fez adeptos: se os teve, guardaram
tão ciosamente a idéia que se manifestaram de público quando
viram a tropa na rua, embalada, para garantir a consumação do fato
(CHAVES, 1998: 88).
Como ele menciona, a política local estava muito bem alicerçada em
moldes monárquicos e um pouco distante do debate republicano. O primeiro
interventor republicano do Estado do Piauí, o Dr. Gregório Taumaturgo de Azevedo,
chega em 25 de dezembro de 1889 e, segundo Monsenhor Chaves encontra as
finanças do Estado em péssimas condições e os serviços blicos em estado de
caos.
Desse modo, o livro do Monsenhor Chaves constitui um inventário da
construção e formação de Teresina, contemplando os níveis que vão da
transferência da capital; da primeira concessão para o abastecimento de água; das
primeiras posturas municipais; da vida cultural a os fatos pitorescos. Logo, este
trabalho constitui em si, um Bde Miudezas composto por uma narrativa factual,
que dá conta das primeiras décadas da vida em Teresina.
Numa outra abordagem, trabalhada por Teresinha Queiroz (1994) no
primeiro capítulo do livro “Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e
as tiranias do tempo”, é construída uma discussão sobre a cidade de Teresina
intitulada de “Teresina Civiliza-se”. Seguindo alguns caminhos de abordagem, a
autora escolheu diferentemente de Monsenhor Chaves “focalizar o lazer em
Teresina enquanto lugar de mudança social e como veículo de transformação
cultural” (QUEIROZ, 1994: 28). No qual, o critério de escolha de tais manifestações
como o teatro, o cinema, a música, o circo e o carnaval “passou pelo atributo de
moderno de que elas foram revestidas, em contraposição às diversões populares e
tradicionais, do tipo prendas, bailes e festividades religiosas” (QUEIROZ, 1994: 28).
A autora procura perceber a contribuição destas novas sociabilidades para a
modernização dos costumes nesta cidade entre os últimos anos do culo XIX e
início do século XX.
Segundo Teresinha Queiroz, o teatro, o cinema e a música, dentre outros,
contribuíram fortemente para a alteração de alguns valores, costumes e práticas
sociais em uma cidade de tradição rural, que em sua forma física era bastante
provinciana e acanhada para os padrões de outras capitais. Com todas as
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novidades trazidas por estas artes do divertimento, a sociedade encontrava-se
dividida entre sustos e suspiros. Estas novidades não estrearam de modo que todas
as vozes se fizessem uníssonas, houve quem discordasse e esbravejasse em
defesa da moral e dos bons costumes tradicionalistas e em muitos momentos
deixando claro em suas falas a impossibilidade da mistura entre as classes sociais
que compunham aquela cidade. Dessa maneira,
as representações teatrais e os espetáculos afins eram comuns e
movimentavam a cidade. Se o alto preço das representações e as
exigências de vestuário mais refinados afastavam os mais pobres
dos eventos, mesmo para os freqüentadores, os preços eram
diferenciados e sugeriam diferenças sociais, demarcando-as. Por
outro lado, o povo não se subordinava a essas diferenças e
desrespeitavam tanto quanto possível a rigidez da hierarquia social.
Essa hierarquia era abalada de várias formas, e nesse mister os
papéis se confundiam tanto de cima para baixo quanto de baixo
para cima (QUEIROZ, 1994: 31).
Teresinha Queiroz percebeu nestas novas sociabilidades, mediadas pelo
lazer e o divertimento, a oportunidade de Teresina e de seus habitantes se
“civilizarem”. Para isso ela toma como locutores deste tempo alguns cronistas e
literatos, como por exemplo, Jônatas Batista, Higino Cunha e Clodoaldo Freitas,
para levar adiante este debate. Essas novas sociabilidades emergiram como o
conjunto de uma novíssima maquinaria, composta pelo modernismo cultural das
artes, pelo comportamento e pela moda. Este se apresenta como o momento em
que Teresina se sintoniza com as tendências nacionais e mundiais. A autora e
alguns de seus interlocutores, ressalta que,
mesmo considerando o longo período de 1880 a 1930, os redatores
e os cronistas da cidade mantêm uma observação em comum:
Teresina seria uma cidade sem diversões, uma cidade entediada,
em que, no dizer de Jônatas Batista, faltava assunto para crônica,
embora não faltasse assunto para a matracagem da vida alheia.
Essa categoria de crítica era uma verdadeira praga que se alastrava
cada vez mais, inibindo qualquer inovação social ou qualquer
empreendimento, notadamente no setor das artes (QUEIROZ, 1994:
30).
O que Teresinha Queiroz apresenta em seu texto é um debate sobre as
transformações nos modos de viver na cidade de Teresina, na virada do século XIX
para o culo XX: diferentes modos de existência, novas sensibilidades, novíssimos
28
desejos e subjetividades. Demonstrando que os anseios por mudanças, desta
população, atravessavam as estruturas físicas da cidade e o imaginário social, na
formação de novas representações, no anseio de viver tanto a modernidade
4
da
belle epoque quanto à do cinema. Afigurava-se a vontade de deixar de ser arcaica e
de se tornar moderna. Assim,
no campo das atitudes, o cinema, além de ditador de modas e
toaletes, teria imposto novos modos de sentar (por exemplo, com as
pernas cruzadas), de olhar, de fumar (seguido pelos cavalheiros) e
até de flertar, pois o cinema (e sobretudo o hall do cinema) era tido
como o local mais apropriado para o flerte diversão moderna e de
efeito momentâneo e fugidio como o das projeções cinematográficas
(QUEIROZ, 1994: 37-38).
No entanto, como aponta Teresinha Queiroz, a elegância do teatro, o furor
do cinema e a genialidade intelectual da música, contrastavam com os valores e
hábitos provincianos de uma população mais acostumada aos falatórios da vida
alheia. Além disso, o que se deve tomar como importância maior é o esforço desta
população de se vestir dos bitos que estavam conquistando o mundo e de
compartilhar com as populações das outras capitais desse novo tempo.
Acompanhando o percurso, Francisco Alcides Nascimento (2002),
historiador que na sua escolha por observar a cidade de Teresina, prefere olhá-la
através dos processos de modernização que definiram o seu aspecto formal e a
constituição do seu espaço físico, diferencia-se da perspectiva de Teresinha
Queiroz. Assim, a cidade do autor é a da utopia urbanística, a cidade-conceito
cartesiana, funcionalista, reta e lisa. A cidade instaurada pelo discurso utópico
urbanístico é definida pela possibilidade da produção de um espaço próprio, de um
não-tempo e da criação de um sujeito universal (CERTEAU, 1994). Esse modelo de
cidade tem suas bases na emergência de saberes historicamente localizado no
século XIX. Saberes estes, sanitaristas e urbanistas, que tem uma relação direta
com o conjunto tecnológico da disciplina enquanto poder.
Em dois de seus trabalhos, o livro “A cidade Sob o Fogo: modernização e
violência policial em Teresina (1937-1945)”, de 2002, e o artigo “Cajuína e Cristalina:
as transformações espaciais vistas pelos cronistas que atuaram nos jornais de
4
Segundo Antonio Paulo Rezende, “no discurso dos sujeitos históricos a idéia de modernidade
esteve associada à capacidade crescente do homem de emancipar-se do obscurantismo, do
preconceito e construir o reino da liberdade. A efetivação de uma sociedade mais justa, envolvida
pela fantasia promissora do progresso” (1997: 18).
29
Teresina entre 1950 e 1970”, de 2007, Francisco Alcides Nascimento centra-se no
argumento de que a cidade de Teresina teve a construção de seu espaço urbano
mediante uma postura autoritária e violenta por parte de seus administradores, que
inclusive encontrou nos incêndios das casa de palha do centro da cidade, na década
de 1940, um método singular de ação. O que de certa forma, marcou o processo de
modernização desta cidade e a sua história.
A essa organização, pressupõe uma ação de poderes, que produzem
escrituras de leis, tais como planos gestores e códigos municipais de postura, que
normatizam espaços e corpos, demarcando constrangimentos, repressões e
resistências. O processo de modernização da cidade de Teresina, como a de muitas
outras, assumiu um caráter autoritário e violento, em pontos de tensão que
delinearam a cidade a partir do embate entre forças. De um lado os projetos de
modelagem e embelezamento da cidade, e de outro, a resistência da população
através das moradias de casas de pau-a-pique cobertas de palha de coco babaçu, o
que se estabeleciam como um entrave no projeto dos administradores municipais
(NASCIMENTO, 2002). Francisco Alcides do Nascimento, referindo-se ao código de
posturas de 1939 aponta que
o código de postura deixa transparecer um certo elitismo. Separa
ricos e pobres quando indica onde se pode ou não construir-se
casas populares. A legislação tem a pretensão de afastar os pobres
para longe da zona central da cidade (2002: 225)
Em 1959, vinte anos depois da instituição do código de posturas, devido a
uma nota publicada pela prefeitura municipal de Teresina no jornal Estado do Piauí,
Alcides do Nascimento ressalta:
É, pois, facilmente perceptível que a elite intelectual e política, por
meio de seus representantes e com base em saberes divulgados
por médicos sanitaristas e urbanistas, responsabilizam os pobres
pelas mazelas da capital do Piauí, acusando-os de agirem de forma
incivilizada. O foco daqueles saberes está direcionado aos “setores
perigosos” , uma vez que suas práticas cotidianas não se coadunam
com as práticas burguesas (2007: 199).
Nicolau Sevcenko (2002) em “Pindorama Revisitada: cultura e sociedade
em tempos de virada” destaca que para cada momento político da história do Brasil
um projeto urbanístico para as cidades. Francisco Alcides do Nascimento
30
trabalha com dois períodos distintos da política nacional, sendo o primeiro referente
ao período de Getúlio Vargas e o Estado Novo, e o segundo, ao período em que os
militares estiveram no controle do país. No entanto, o que se observa nos dois
trabalhos citados, é algo diferente do que aconteceu na cidade de São Paulo,
exemplo dado por Nicolau Sevcenko.
O que se percebe aqui é um continuísmo no modo de trabalhar os projetos
sobre a cidade de Teresina, a partir de 1937, apontando sempre em um mesmo
sentido e com uma mesma abordagem, ou seja, o investimento na consolidação de
um corpo urbano moderno, a fim de afastar-se de uma imagem de cidade
provinciana. No entanto, a única mudança clara de projeto é com relação às
reformas e ampliações empreendidas pelo engenheiro Luís Pires Chaves na década
de 1930 vésperas dos 100 anos da capital que correspondia a um
empreendimento do Estado Novo varguista. Segundo Francisco Alcides Nascimento:
Pires Chaves, com a proposta de intervenção, opõe um projeto
desejado, moderno, à cidade construída a partir de 1850. Coloca
claramente a oposição “novo/velho”, forma encontrada pelos
ideólogos do Estado Novo para demonstrar o fortalecimento do novo
projeto político (2002; 137).
Desse modo, Francisco Alcides do Nascimento afirma que o processo de
modernização de Teresina, composto por todo o século XX, teve um caráter
autoritário. Referindo-se a construção da Avenida Miguel Rosa, ocorrida no início da
década de 1970, e a desapropriação das casas que estavam edificadas na região
que seria ocupada pela avenida, ele expõe:
Com a intervenção do tecido urbano, o poder público resolvia dois
problemas: embelezava a cidade e afastava as prostitutas da sua
área mais visível. O discurso médico-sanitarista orientava a limpar a
cidade daqueles lugares perigosos à saúde pública, enquanto
setores mais conservadores da igreja católica festejavam o fim dos
“lugares de perdição”.(NASCIMENTO, 2007: 211).
As discussões iniciadas por Luís Pires Chaves na década de 1930, a
respeito das transformações do espaço urbano de Teresina, são continuadas no
decorrer dos tempos. O continuísmo é notado nos discursos de desenvolvimento e
progresso, se na primeira metade do século XX o esforço era de dar novos
contornos a matriz construída por Conselheiro Saraiva, e sanar as necessidades
31
básicas da população. Na segunda metade do culo, o desejo era de expandir os
domínios urbanos, de embelezar a cidade, de instalar e criar empresas para
movimentar a economia local e de uma forma geral, a Teresina ares de
metrópole.
Um elemento que atravessa todo esse período é a necessidade de limpar
a cidade, das práticas “incivilizadas” e das construções que enfeiam a cidade, e para
isso, um elemento importante entra em cena, o fogo. Tendo em vista, que o fogo,
destrói, desmancha, incinera e deixa em aberto a possibilidade para um novo, para
novas construções. De todo modo, o fogo e o novo, seguem-se juntos como
metáforas da modernização de Teresina. A indagação que fica é: qual o preço do
novo?
A contribuição das discussões realizadas por Alcides Nascimento,
Monsenhor Chaves e Teresinha Queiroz constituem um conjunto de informações
que contemplam a formação da cidade de Teresina e seu desenvolvimento, tais
como, a construção da sua geografia urbana, as práticas sociais dos seus habitantes
e os arranjos de poder que desenharam sua história. Embora esses três autores
alicercem suas pesquisas por caminhos distintos e mirem seus olhares em
elementos diferenciados, a perspectiva da modernidade atravessa seus trabalhos.
De um modo geral, as pesquisas que se apropriam da cidade de Teresina, como
foco de discussão, geralmente investem na sua construção enquanto cidade
moderna. O que não é o caso desta pesquisa.
Neste momento, enquanto campo temático, o roteiro construído para
observar as apropriações feitas sobre a cidade se afasta de Teresina para observar
outras cidades, a fim de apresentar um repertório de olhares. Seguindo-se o
percurso, existem várias portas, janelas e senhas para se acessar a cidade. Desse
modo, a antropóloga Janice Caiafa (2002), em seu livro ”Jornadas Urbanas:
exclusão, trabalho e subjetividade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de
Janeiro” preferiu a janela, mas não qualquer janela, mais precisamente uma que
estivesse em movimento.
Para discutir a cidade do Rio de Janeiro e suas subjetividades, a autora
observa a cidade através de uma de suas melhores formas, pela janela do ônibus
coletivo. Isto, tanto pelo fato de estar em movimento e permitir um olhar circular, que
passeia e está de passagem por vários lugares, como por estar na janela, que a
“janela” configura o lugar onde geralmente se encontra uma testemunha ocular que
32
a tudo observa, muitas vezes, sem ser vista. É precisamente do lugar de quem
pesquisa circulando pela cidade, que ela explica:
O transporte coletivo realiza o que talvez seja a força mais marcante
da cidade: a dispersão. As cidades surgem produzindo um espaço
de circulação. Pra além das casas familiares, a rua abriga desde o
início nas cidades os encontros com estranhos, o contágio de idéias
e doenças, a mistura que vem com o acesso aos lugares e a
ocupação do espaço público (CAIAFA, 2002: 18).
Janice Caiafa ao discuti a cidade através do transporte coletivo, pensa as
relações sociais se construindo em viagens de ônibus, na relação de estranhos que
por intermédio da situação são impelidos a se comunicar, se esfregar uns nos
outros, sentir o cheiro do desconhecido, interagir. Ao passo que o ônibus circula pela
cidade, e as pessoas que estão dentro observam a cidade pela janela um olhar
que circula. O fato do transporte se locomover e ser um meio usado pela maior parte
da população para se deslocar, a autora o toma como um dispositivo de dispersão,
que efetiva, segundo ela, uma das principais funções da cidade: a fuga. No entanto,
essas revoluções e ousadias da cidade (...) se apóiam na
possibilidade de fuga que seu espaço oferece. Questão portanto, em
princípio, de espaço disponível e acessibilização de lugares. Essa
fuga envolve o deslocamento físico, mas não ele, porque sempre
se pode ir de um ponto a outro levando a sua bíblia. Implica ir para
não reconhecer; é a viagem da diferença que realiza a aventura
própria das cidades, ou seja, sua especificidade e sua capacidade
de resistir à disciplina do Estado e do capitalismo (CAIAFA, 2002:
20).
A cidade para Janice Caiafa, não conjura o capital em seu galope,
como também o embate destas forças e seus deslocamentos entre os planos
verticais e horizontais, mobilizam diversas interpelações nos indivíduos, participando
da construção de suas subjetividades. Nesse sentido, O transporte coletivo é o meio
para pensar a cidade e os agenciamentos coletivos empreendidos, os processos de
captura e exclusão na cidade. Onde, “não poder mover-se ou fazê-lo com dificuldade
é estar desprovido em uma cidade, é ser destituído da principal senha para a vida
urbana” (CAIAFA, 2002: 21).
Os agenciamentos ocorridos nas viagens de ônibus fazem parte da
composição das subjetividades dos habitantes da cidade que utilizam os ônibus
coletivos para se moverem, seja ao trabalho, a escola, a casa de amigos, a praia,
33
etc. Desse modo, “a materialidade do ônibus e o meio de interação que nele se cria
vêm marcado de diversas formas e em diferentes graus a vida dos passageiros”
(CAIAFA, 2002: 27). Sobre o conjunto material e imaterial que estão presentes em
uma viagem de ônibus e que permeiam os processos de subjetivação mobilizados
pelo transporte coletivo, a autora esclarece:
Habitamos, de uma forma provisória, também o espaço do ônibus.
São os degraus para alcançar o veículo, os assentos, as estruturas
de apoio quando caminhamos ou vamos de pé, as janelas, as
portas. Numa arquitetura em movimento ou arquitetura itinerante,
como denominamos aqui é também a ventilação, o ruído, a
estabilidade do veículo. A hospitalidade do ônibus é parte de nossa
experiência de viagem e um dos fatores que vão determinar as
condições de circulação numa cidade (CAIAFA, 2002: 107).
O movimento, a dispersão, a fuga, leva a um afastar-se da casa, do
recanto confortável e do reconhecimento cômodo da família. Para Janice Caiafa, a
produção de heterogeneidade na cidade é uma característica importante da
experiência urbana, tendo em vista que movimento é mistura. Assim, “a mistura
caracteristicamente urbana não repercute só quando consegue subverter os códigos
sociais, mas também nesse nível mais molecular e imperceptível, mas não menos
real de uma relação consigo” (CAIAFA, 2002: 177). Desse modo, o movimentar-se
ganha a condição de resistência à captura e disciplina do capital, deslocando-se na
horizontal, espalhando-se para os lados, seguindo o curso da cidade em seu corpo
flácido, cheio de dobras e esconderijos.
Após observar a cidade pelo viés do ônibus coletivo e os possíveis
agenciamentos em uma viagem, uma outra maneira de se capturar a cidade é pela
comunicação urbana. Massimo Cavenecci (1993) é um antropólogo que adentra na
cidade pelo canal da polifonia, na qualidade de que ela é o múltiplo em condição de
atrito, de fusão, de cruzamentos é a profusão de elementos híbridos; nada de
sínteses ou essência, mas muitos fragmentos em órbita, articulando-se entre si e
produzindo informações sem origem definida rede rizomática em ação. A polifonia
de uma cidade diz respeito às suas linguagens, às suas vozes,
significa que a cidade em geral e a comunicação urbana em
particular comparam-se a um coro que canta com uma
multiplicidade de vozes autônomas que se cruzam, relacionam-se,
34
sobrepõem-se umas às outras, isolam-se ou se contrastam (...)
(CANEVACCI, 1993: 17)
Para o autor, a polifonia está no objeto e no método, o seu olhar volta-se
para cidade procurando as texturas da comunicação urbana. Ele trabalha em uma
perspectiva dialógica, explicando que uma comunicação entre um determinado
prédio e os cidadãos que passam em sua porta, uma relação de intersubjetividade.
Sobre essa questão ele diz:
Difícil considerar as formas urbanas de São Paulo unicamente como
textos que devem ser interpretados e sobre os quais o olhar do
observador deve ser dirigido, como se fossem unicamente páginas
inerentes da história da comunicação urbana. Pelo contrário,
frequentemente eu mesmo me sinto observado, como se tivesse
sido arrastado e imobilizado pelos “olhares” que às várias
subjetividades de alguns edifícios lançam sobre mim (CANEVACCI,
1993: 23-24).
Massimo Canevacci mergulha nas entrelinhas da cidade de São Paulo
tirando vantagens da sua condição de estrangeiro e da possibilidade de perder-se
pelas bifurcações do seu labirinto. Assim, ele constrói sua discussão a partir da
análise de algumas imagens fotográficas, nas quais, seu foco é o da comunicação
urbana. Ele analisa os Shoppings Centers, a simbologia dos prédios da Avenida
Paulista, as griffes arquiteturais de alguns prédios, os viadutos, os outdoors de
cuecas masculinas, o arquipélago de letreiros da Avenida Augusta. Ele busca no
tecido visível da cidade os signos que constituem a diversidade da comunicação
urbana de uma metrópole como São Paulo. A perspectiva polifônica trabalhada pelo
autor, pode muito bem ser relacionada com a discussão em torno de Babel
5
,
construída por Jorge Larrosa (2001). Essas duas perspectivas podem facilmente se
fundirem.
Pensando nisso, a cidade é um lugar que inventa linguagens onde, por
sua vez, as linguagens reinventam a cidade. Cidade e linguagem é o perfeito
encontro para fusões e, desse ponto de vista, tanto a linguagem como a cidade está
sob o signo de Babel. Pois, a linguagem singulariza as cidades, produzindo uma
5
Jorge Larrosa explica que em torno de Babel situam-se as questões de unidade e da pluralidade, da dispersão e
da mesclagem, da ruína e da destruição, das fronteiras e da ausência de fronteiras e das transposições de
fronteiras, da territorialização e da desterritorialização, do nômade e do sedentário, do exílio e do
desenraizamento ((2001: 9). Babel diz respeito as discussões em torno da linguagem na perspectiva plural, bem
como de alguns temas políticos e culturais.
35
diversidade, cada cidade única em sua experiência histórica e em seus
agenciamentos coletivos, proporcionando em seu conjunto “um colar de pequenas
cidades ilustradas” (HENRIQUES NETO, 2005: 248), prontas para serem
colecionadas enquanto experiências de caminhadas e exercício do olhar. Tais como,
os olhares que estão sendo capturados neste Baú de Miudezas.
A aventura de Massimo Canevacci por São Paulo é uma experiência do
olhar, é um deleite na geografia informacional da grande metrópole, é uma viagem
que hora estaciona na praça da Sé, no circulo de “marginais” que a utilizam como
palco de suas performances, seja os protestantes bradando aos quatro cantos, seja
o caipira que ocupa o chão da praça para vender ervas medicinais. Nesse caso, há
o encontro de dois curandeiros, de duas medicinas distintas. Ambas milagrosas,
tanto a espiritual como a do conhecimento popular. Enquanto, em outra, são os
grandes outdoors de cuecas Mash, os super-super-signos do erótico e do capital, a
intimidade da casa invadindo a rua em tamanho gigante, ocupando toda a lateral de
um prédio, colocando nas vistas de todos os transeuntes a sensualidade masculina
e o espírito capitalista. Como ele mesmo expõe,
os grandes cartazes de publicitários das ruas os outdoors são
uma fonte tão inexaurível quanto renovável de comunicação urbana.
Neles é possível ler-se não só a mensagem explícita, a que se
destina a venda, mas também o sistema de valores de uma
determinada época, num específico contexto sócio-cultural
(CANEVACCI, 1993: 163).
Massimo Canevacci explora a hipercomunicação no pós-moderno,
constrói um apanhado visual do que uma cidade como São Paulo comunica. Em
instantes, o alvo é uma propaganda muito bem elaborada, com todos os atrativos
para instigar o desejo do consumidor; em outros, é a pura poluição visual da Avenida
Augusta, que em seu conjunto de letreiros constrói um grande texto composto por
colagens; e ainda, em outros, é um ponto do McDonald’s, no qual, ele consegue ver
na arquitetura do estabelecimento semelhanças com um templo protestante.
Imediatamente ele relaciona os signos do capital e da religião, seria então um
hamburgers-Deus o que as pessoas consomem naquele estabelecimento. Ou
mesmo, uma seringueira, que ele diz ser um grande monumento urbano à borracha,
além do que, o encontro com uma dessas árvores em o Paulo é quase um
36
encontro com um fantasma, tendo em vista o fascismo dos paulistanos contra as
árvores.
Assim, a comunicação, a pós-modernidade, a publicidade, a arquitetura, a
experiência urbana do olhar constituem a aventura de Massimo Canevacci, é a
perspectiva do plural e da polifonia da cidade. A diversidade de que ele busca e
demonstra em seu livro “A Cidade Polifônica: ensaio sobre a antropologia da
comunicação urbana” é a cidade se articulando através da linguagem e se
multiplicando por ela, a partir de muitas vozes.
Desse modo, tangenciando aos olhares anteriores, me aproprio das
bifurcações de Jorge Luis Borges, para essa discussão, como pontos nevrálgicos,
momentos de escolha ou fuga, desdobramentos em tempo e espaço, históricos ou
de percurso. A possibilidade em aberto, dizendo de outra forma, escolher um
caminho sabendo da existência de outros, o opacos quanto o escolhido, sob pena
de mais adiante retornar ao ponto de partida. Portanto, são os itinerários construídos
na e pela cidade; possibilidades de bifurcações e atalhos. A esse percurso Ítalo
Calvino acrescenta que,
as cidades também acreditam ser obra da mente ou do acaso, mas
nem um nem outro bastam para sustentar as suas muralhas. De
uma cidade, não aproveitamos suas sete ou setenta e sete
maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas (CALVINO,
2003:46).
Diferentemente dos autores mencionados, Ítalo Calvino prefere exercitar a
sua imaginação e inventar cidades fabricar cidades invisíveis. Recorrendo a
exemplos na literatura, Ítalo Calvino é um autor que elege personagens para
construir as narrativas de suas cidades fantásticas. Um deles é Marco Pólo (2003),
um sujeito de nome próprio, aventureiro dos sete mares e dos cinco continentes,
homem do mundo, contador de grandes histórias e inventor das invisíveis cidades
venezianas. Esse personagem contrasta com outro que tamm tem olhos para
cidades invisíveis, Marcovaldo (1994), caminhante anônimo, inocente e melancólico,
que viaja pela cidade a procura do inusitado, percorrendo suas estações anuais,
caminhando por seus andares, procurando enxergar outros habitantes, também
anônimos: as formigas, os escaravelhos, as minhocas, os fungos, etc. O seu olhar
procura o campo na cidade, os detalhes minúsculos, negligenciando o asfalto, os
arranha-céus e os semáforos.
37
Marco Polo inventa cidades a partir de aventuras, cidades fantásticas que
se sobressaem às “originais”, no caso Veneza. As suas cidades são como as
cidades em que a cada viagem ele aporta seu navio. Uma série de cidades que
constituem relatos de viagem, que são anotadas em seu diário de bordo. Cidades
que estão no enredo de uma epopéia. Mas Marcovaldo, diferente de Marco Pólo, é
ingênuo e está sempre a procura de coisas simples. Ele se aventura pela cidade à
procura de sensações, de gostos e direciona seu consumo para as coisas miúdas
como, por exemplo: nos cogumelos que nascem na parada de ônibus, no
comportamento dos gatos, nos pombos da praça, na brisa da noite. Ele procura e
encontra uma cidade provinciana em plena metrópole.
Esses personagens de Ítalo Calvino, demonstram que existem diversas
cidades em uma mesma, e que estas triunfam sobre os mapas, sobre os cálculos
matemáticos e sobre as escrituras da lei. Onde se demarca um território com
proibições, inventa-se uma travessia, utilizando-se dos passos, dos relatos e dos
olhares. As manifestações de cidades invisíveis apresentadas por Ítalo Calvino,
através de Marco Pólo e Marcovaldo, demonstram que para observar a cidade na
perspectiva de suas subjetividades, torna-se necessário imaginá-la
como um universo dissonante e pluralista, mundo do perspectivo
nietzschiano onde não se trata de múltiplos pontos de vista sobre
a mesma coexistência de cidadãos, mas múltiplas cidades em cada
ponto de vista, unidos por uma distância e ressoando por suas
divergências (PELBART, 2000: 48).
Ressalto que diante de uma grande quantidade de observadores e
interlocutores, existem tantas cidades quanto os sentidos produzidos na e sobre ela.
Colocando questões: qual seria a verdadeira cidade? A cidade do trabalho? A
cidade comandada pelo capital imobiliário? A cidade dos administradores
municipais? A cidade dos caminhantes ordinários? A cidade boêmia dos literatos e
do prazer noturno? Ou a cidade da memória? É impossível afirmar qual cidade
prevalece, tendo em vista que todas coexistem em um mesmo espaço e, em alguns
casos, em tempos diferentes. Assim, é preciso pensar a cidade também em sua
porção de invisibilidade, que casualmente realiza-se em conversas de bares,
registra-se em diários sigilosos, ou mesmo em poemas publicados em fanzines
fotocopiados
38
demonstrando que as cidades, fora do discurso técnico e urbanista,
existem em sua forma invisível, carregadas e constantemente
recompostas aqui, nesta região escondida e funda, maquinaria
desejante a que chamamos subjetividade (CASTELO BRANCO,
2005: 184).
Na impossibilidade de afirmar qual seria a cidade eleita como principal, o
que pode ser dito é que são as diversas linhas e fluxos que ao se atravessarem
constroem o tecido urbano. Muitos são os elementos que compõem este Baú de
Miudezas. Ao imaginar a cidade a partir dos olhares apresentados, vêem-se alguns
detalhes: percursos que perpassam invenções da cultura ordinária e da ciência;
itinerários feitos por coletivos urbanos e por transformações nos costumes; a
comunicação através de vozes dissonantes e relatos fantásticos. Ressaltando, que
um relato de viajem é também um percurso: “histórias de caminhadas e gestos são
marcadas pela ‘citação’ dos lugares que daí resultam ou que as autoriza”
(CERTEAU, 1994: 205).
1.2 – Entre
6
cidades: um campo de flutuação semântica
Após a exposição de algumas abordagens sobre a cidade de Teresina e
algumas formas de apropriação e exploração da cidade como um campo temático
para estudo, esta pesquisa captura a cidade e algumas produções de sentidos no
cotidiano. Consciente de que é pela colagem de fragmentos que encontram-se
dispersos no rastro do devir, que se pode aproximar de uma história que está em
movimento. Como bem lembra Massimo Canevacci, “compreender uma cidade
significa colher fragmentos. E lançar entre eles estranhas pontes, por intermédio das
quais seja possível encontrar uma pluralidade de significados. Ou de encruzilhadas
herméticas” (CANEVACCI, 1993: 35).
6
Nessa discussão a idéia de entre diz mais que um entre dois, aqui ela está sendo apropriada a partir
da discussão de Gilles Deleuze, ao discutir a questão da multiplicidade, que segundo ele “não são
nem os elementos, nem os conjuntos que definem a multiplicidade. O que a define é o E, como
alguma coisa que ocorre entre os elementos ou entre os conjuntos. (...) Por isso é sempre possível
desfazer os dualismos de dentro, traçando a linha de fuga que passa entre os dois termos ou os dois
conjuntos, o estreito riacho que não pertence nem a um nem a outro, mas os leva, a ambos, em uma
evolução não paralela, em um devir heterocromo. Ao menos não é síntese” (1998 :45).
39
Neste Baú de Miudezas, que é a cidade, a fotografia configura-se como
um instrumento por meio do qual, pesquisadores deste campo temático têm
escolhido vê-la. Desse modo, o olhar que está nesse momento por trás da câmera e
preparando-se para disparar o flash, tem na sua constituição a perspectiva de que a
cidade é um empório de estilos e a consciência de que, o que quer que venha a
capturar, constituirá mais um elemento para o inventário deste Baú.
Diante desta perspectiva, me aproprio do caminhante ordinário de Michel
de Certeau (1994) para inventar o meu caminhante-fotógrafo, sujeito que caminha
pela cidade consumindo o seu espaço visível, guiando-se pela mediação de todos
os seus sentidos e fabricando, ao seu modo, uma coleção de fragmentos da cidade
em forma de fotografias, utilizando-se de seu repertório sensível, sentimental e
cultural. Esse caminhante-fotógrafo é o vasculhador do Baú de Miudezas e ao
mesmo tempo o inventor de alguns elementos do Baú. Este caminhante-fotógrafo, a
exemplo do homem ordinário, “traça ali a ultrapassagem da especialidade pela
banalidade, e a recondução do saber a seu pressuposto geral: nada sei de sério.
Sou como todo mundo” (CERTEAU, 1994: 63). O caminhante-fotógrafo é uma
metáfora para pensar os fotógrafos, profissionais e amadores, que participam do
Salão Municipal de Fotografia da cidade de Teresina.
Desse modo, escolhi acessar a cidade a partir da produção fotográfica
feita por este caminhante-fotógrafo, produção esta que se encontra reunida no
acervo do Salão Municipal de Fotografia da Cidade de Teresina e na Casa da
Cultura instituição sob administração da prefeitura municipal abordando o
período que de estende de 1995 a 2005. O Salão é um evento anual do calendário
de atividades da Secretaria de Cultura do município, Fundação Cultural Monsenhor
Chaves, que existe desde 1995. Além da exposição de fotografias de fotógrafos
profissionais e amadores, o evento ainda promove atividades e discussões em torno
das práticas fotográficas.
Neste momento, o meu olhar está voltado para os registros e as relações
que podem ser feitas entre a cidade, o seu consumo e a sua invenção imagética,
com a preocupação de perceber a complexidade dessa rede formada por uma
variação de linhas e fluxos, “pois elas são os elementos constitutivos das coisas e
dos acontecimentos. Pois, cada coisa tem sua geografia, sua cartografia, seu
diagrama” (DELEUZE, 1992: 47). Dessa maneira,
40
se, em um primeiro momento, a fotografia como tecnologia
imagética significou a irrupção de novos modelos de percepção e
novas formas de subjetividade, posteriormente, a sucessão de
estilos e práticas teve o efeito de dar lugar a relações espaciais e
temporais de tal modo diferenciadas que induzem a pensar não
mais na fotografia e sua essência, mas em fotografias, em uma
pluralidade de agenciamentos espaciais, temporais e maquínicos,
em vários estratos ou camadas sobrepostas que apresentam níveis
diferenciados de complexidade (FATORELLI, 2003:17).
A pesquisa mergulha na cidade de Teresina pela fabricação de imagens
provenientes do consumo do visível, mediado pelas fotografias do Salão.
Entendendo que o consumo do visível é o consumo da plasticidade do cotidiano. Um
consumo do capital informacional que constitui a geografia urbana. Ou seja, tudo o
que o olho pode alcançar e decodificar pelo repertório pessoal de cada um
7
.
Este caminhante-fotógrafo que não pertence à história dos nomes próprios
é um mediador desta discussão. Ele é um consumidor sinestésico, uma vez que é
através dos cinco sentidos que se conhece uma cidade e que se constroem as
cidades particulares com gostos, sons, cores, formas e superfícies específicas. Uma
cidade é sentida e conhecida com o corpo inteiro, ao ponto dela habitar os corpos de
seus habitantes, e o fazer de modo diferenciado em cada um, pois os percursos
pessoais na cidade também são diferenciados. Para exemplificar, o piauiense José
Medeiros experiente fotógrafo da Revista “O Cruzeiro” ao falar sobre o seu
trabalho e como observa seu ofício, pontua que “uma reportagem fotográfica é uma
operação conjunta de olhos, coração e inteligência. Fotografamos o que vemos e o
que vemos depende de quem somos” (FUNARTE, 1986: 51). Nessa passagem
percebe-se que o ato de fotografar o é uma ação que depende apenas do aporte
do olho, mas do corpo todo
8
. Além de demonstrar que o olhar é cultura, e o que o
constitui são nossos repertórios sentimentais e culturais (MENESES, 2005). Logo,
dito de outra forma, escolhi captar a cidade de Teresina pela construção cultural e
da forma pela qual os habitantes desta cidade subjetivam-na e a fabricam
imageticamente.
7
O entendimento do que seja o consumo do visível advém da leitura de autores como Ulpiano T.
Bezerra de Meneses (2005); Antonio Fatorelli (2003) e Paulo Knauss (2006).
8
A perspectiva de observar o ato de fotografar, como sendo, um ato que mobiliza o corpo inteiro,
encontra-se no documentário “Janela da Alma” (2001), que dentre algumas abordagens, explora o
trabalho do fotógrafo Esloveno, naturalizado francês Evgen Bavcar, que é deficiente visual.
Demonstrando que a falta do recurso biológico da visão, não o impede de produzir belíssimas
fotografias.
41
Relacionando cidade, fotografia e subjetividade, a cidade é pensada como
um emaranhado de signos, onde se somam informações de temporalidades
diferentes coexistindo simultaneamente no mesmo espaço. Não existindo uma
separação entre passado e presente, apenas o agora, uma geografia imagética,
uma topografia de sensibilidades costurada por significações históricas um tecido
visual que apreende a linguagem verbal e não-verbal (FERRARA, 1988).
O caminhante-fotógrafo é o experimentador da Cidade-Baú-de-Miudezas,
atento ao que lhe atravessa e lhe punge, sensível ao que lhe rodeia e aos elementos
que estão sendo produzidos. Ele processa uma avalanche de informações
fragmentadas enquanto modela sua subjetividade e desenvolve seus modos de
existir. Nesse sentido,
a subjetividade não se situa no campo individual, seu campo é o de
todos os processos de produção social e material. O que se poderia
dizer, usando a linguagem da informática, é que, evidentemente, um
indivíduo sempre existe, mas apenas enquanto terminal; esse
terminal individual se encontra na posição de consumidor de
subjetividade. Ele consome sistemas de representação, de
sensibilidades, etc. sistemas que não têm nada a ver com
categorias naturais universais (GUATTARI & ROLNIK, 1996: 32).
A perspectiva de Félix Guattari me faz pensar que a cidade é um espaço
de experimentação subjetiva, palco de muitos processos sociais, no qual, os sujeitos
anônimos lançam mão de táticas, ou seja, “da engenhosidade do fraco para tirar
proveito do forte” (CERTEAU, 1994: 45), no momento de efetivar travessias e
desenvolver dinâmicas que escapam da organização racionalista e progressista de
uma utopia urbana. Em contrapartida, esta utopia urbana articula-se a partir de
estratégias e “circunscreve um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes
invisíveis do Outro. Gesto da modernidade científica, potica ou militar” (CERTEAU,
1994: 99).
Esta abordagem de captura e escape, que enfatiza a cidade pelas linhas
que se movimentam ao mesmo tempo em que deformam a faceta geométrica da
cidade, encontra ressonância em David Harvey, que ao se apropriar de Jonathan
Raban para discutir a condição das cidades na pós-modernidade esclarece:
Ao suposto domínio do planejamento racional, Raban opôs a
imagem da cidade como uma “enciclopédia” ou “empório de estilos”,
em que todo o sentido de hierarquia e até de homogeneidade de
42
valores estava em vias de dissolução. O morador da cidade não era,
dizia ele, alguém necessariamente dedicado a racionalidade
matemática (ao contrário do que presumia muitos sociólogos); a
cidade parecia mais um teatro, uma série de palcos em que os
indivíduos podiam operar sua própria magia distintiva enquanto
representava uma multiplicidade de papéis (1994:15).
Assim, a apresentação desta série de possibilidades de captura da cidade,
tais como: processos autoritários de modernização; cinema e costumes; polifonia e
comunicação urbana; movimento e circulação de transportes urbanos; imaginação e
fantasia, e mesmo fotografias e caminhadas nesta pesquisasão perspectivas se
processam na construção do que irei chamar de campo de flutuação semântica. Mas
antes de definir o terno pergunto: Mas afinal o que é a cidade?
Sabemos ser a cidade, em última instância, um sistema de
‘pensamento’, um modo de organização do espaço pelo poder
político-econômico-cultural (podemos até pensar cidade na forma de
museu ao ar livre, cuja ‘reserva técnica’ se emboscasse em certo
mercado futuro do capital transnacional). Contudo, que dizer das
incontáveis intervenções particulares de seus habitantes
provocando, sem cessar, modificações em toda a estrutura? É do
choque dessas duas vertentes que se faz possível entrever uma
percepção global da cidade, esse organismo a construir-se/destruir-
se/reconstruir-se/ indefinidamente (...) (HENRIQUES NETO,
2005:143).
Como explica Afonso Henriques Neto, as ações que ocorrem na cidade
promovem intersecções que vão do macro ao microespaço, do poder panóptico aos
micropoderes, envolvendo dois níveis da cidade, o institucional e as práticas
cotidianas, ou seja, a ordem molar que corresponde às estratificações que delimitam
objetos, sujeitos, representações e seus sistemas de referência; e a ordem
molecular, que ao contrário, é a dos fluxos, dos devires, das transições de fases, das
intensidades (GUATTARI & ROLNIK, 1996).
Dessa maneira, a cidade existe em um campo de correlação de forças que
estão constantemente a se atritar. A construção do espaço urbano acontece pela
fricção entre várias forças. O que faz com que os processos na cidade encontrem-se
emaranhados em uma teia complexa, e estes acontecem por meio de misturas, nas
relações entre a cidade e seus habitantes; entre os discursos e os usos dos
espaços; entre os administradores municipais e os caminhantes anônimos; entre
táticas e estratégias e entre linhas molares e linhas moleculares. Essa teia promove
43
constantemente encontros e produções híbridas, processos heterogêneos. O que de
modo algum se faz pensar uma produção de sentidos estável, ou uma passividade
no momento desses encontros.
O campo de flutuação semântica nada tem a ver com essência. Mas,
corresponde com as mais diversas produções de sentidos que acontece nos entres,
nas brechas, nos becos, bem como, nos gabinetes administrativos e dentro de
escritórios que estão no 110° andar de algum prédio no centro da cidade.
Privilegiando as mais diversas combinações e possibilidades, este campo é uma
composição de fluxos e de processos heterogêneos. Este é um campo flutuante
porque em nenhum momento ele é estável, ele se comporta como um câmbio de
finanças, como uma bolsa de valores.
Com isso, se pretende mostrar que sobre a cidade existem diversas
práticas, discursos e produções de sentidos que constroem um campo semântico.
Ao comparar os discursos gestores e tecnocráticos às práticas de caminhada, a fim
de perceber as produções de sentido no cotidiano, observa-se que os primeiros têm
seus processos de subjetivação alicerçados na homogeneização, um investimento
na produção de subjetividade seriada, negando a diferença. no outro caso, as
práticas, o que se tem é a utilização de táticas para articular movimentações e
escolhas, elementos que possibilitam processos de subjetivação heterogêneos e
diferenciados. Sobre isso Gilles Deleuze esclarece que
um processo de subjetivação, isto é, uma produção de modos de
existência, não pode se confundir com um sujeito, a menos que se
destitua este de toda interioridade e mesmo de toda identidade. A
subjetividade sequer tem a ver com a “pessoa”: é uma individuação,
particular ou coletiva, que caracteriza um acontecimento (uma hora
do dia, um rio, um vento, uma vida...). É um modo intensivo e o
um sujeito pessoal. É uma dimensão específica sem a qual não se
poderia ultrapassar o saber nem resistir ao poder (1992: 123).
Tomando essa discussão como provocação, foi fabricada uma imagem, na
qual pudesse se exemplificar uma possibilidade dentre muitas de se observar linhas
molares e linhas moleculares misturando-se na construção do que estou chamando
de campo de flutuação semântica.
44
Figura 1: sobre o mapa: percursos (linhas aleatórias traçadas sobre parte do mapa da cidade de
Teresina, retirado do catálogo telefônico).
A imagem apresentada demonstra que, quando duas linhas são
friccionadas produzem uma outra, que não é mais a primeira (ao fundo), nem a
segunda (a que se sobrepõe) ou a síntese das duas, mas algo que escorrega entre
elas e forma uma outra perspectiva, ou seja, uma imagem híbrida, tal como os
processos na cidade. Do mesmo modo que a fusão de elementos com texturas
temporais diferentes em um mesmo espaço; as subversões minúsculas que
interferem em uma lei municipal; a invasão de calçadas por barracas; o
desaparecimento de casas e prédios antigos, do centro da cidade e dos mapas
sentimentais dos seus habitantes; a invasão do espaço visível da cidade por
outdoors de propaganda; bricolagem de informações produzidas pelo
inflacionamento de letreiros, placas e cartazes colados nos muros. Todas estas
intervenções e interferências são exemplos de que uma cidade é fabricada nos seus
usos e por processos heterogêneos de antropofagia. sempre movimentos de
fuga, de captura, de territorialização, de desterritorialização e de reterritorialização.
De atualização dos mapas físicos, subjetivos e das intensidades que os constituem.
A partir desta imagem é possível repensar e ressignificar as linhas retas e
planejadas da cidade, o formato retilíneo e organizado geometricamente no mapa.
Esse é o correlato das linhas molares corresponde ao trabalho das pessoas que
planejam e organizam o espaço urbano, esse é o papel dos administradores
45
municipais e dos urbanistas. Mas sobre o mapa, existe uma série de traços
aleatórios que não respeitam suas delimitações espaciais. Esses são os percursos
feitos pelos caminhantes, e em especial, pelo caminhante-fotógrafo, os que se
locomove sem um manual, e segue os seus desejos, deformando esses espaços
organizados e que coincidem com as linhas molares, inflexíveis e imóveis.
É preciso ressaltar que os administradores municipais consomem e fazem
usos da cidade, e também se utilizam da imaginação para organizá-la. No entanto
agenciam o seu consumo e a sua imaginação de um modo diferente dos sujeitos
anônimos que estão embrenhados na cidade e delinqüindo códigos de lei em suas
caminhadas. Entre linhas molares e moleculares, muitas coisas acontecem, muitas
possibilidades são processadas, e pensar esses acontecimentos de forma dualista
seria reduzir a multiplicidade a apenas duas escolhas. Nesse momento pontuo as
relações entre administradores municipais e práticas cotidianas, apenas para
exemplificar, no entanto afirmo que da combinação dessas forças se produzem
muitas outras.
A exposição feita nesta bifurcação procurou localizar a pesquisa e definir a
proposta de trabalho, proposta da qual será seguida compartilhando com outros
pesquisadores a experiência de explorar a cidade enquanto campo temático. A
utilização do termo “campo de flutuação semântica” é uma forma de apresentar o
meu olhar e o modo como estou pensando a cidade, bem como a forma de
confirmar a perspectiva que irei trabalhar nas bifurcações seguintes.
46
BIFURCAÇÃO II
Uma excursão pela Fotografia: anotações sobre as experiências
fotográficas no Brasil e em Teresina
Foto: Aureliano Müller
Que diafragma devo usar, qual a velocidade que você usou nessa
fotografia? Tenho sido perguntado muitas vezes, como se a
essência da fotografia estivesse nessa coisa prosaica do diafragma
ou da exposição. Antes se perguntasse com que disposição de
espírito você tirou aquela fotografia?” Seria mais coerente.
José Medeiros
Na medida em que a fotografia é (ou deveria ser) sobre o mundo, o
fotógrafo conta pouco, mas na medida em que é o instrumento de
uma subjetividade questionadora e intrépida, o fotógrafo é tudo.
Susan Sontag
47
2.1 A experiência fotográfica no Brasil
Com a câmera em plano aberto a visão que se tem é ampla e geral. Vê-se
o horizonte alargado e em profundidade, percebendo os vários detalhes que
compõem a paisagem. Neste momento, o que pretendo fazer é produzir uma
cartografia, seguindo os percursos da fotografia em Teresina, capital do Estado do
Piauí. Para isso, utilizo diferentes linguagens tais como fontes escritas, relatos orais
e imagens, a fim de construir uma narrativa que dê conta de práticas culturais
construídas em um tempo e em um espaço histórico.
Diante da segunda bifurcação, segue-se uma abordagem sobre a
experiência fotográfica no Brasil, ressaltando as características que a fotografia
assumiu em diversos momentos da história do país e, também, ela em si mesma,
como fabricação de uma nova sensibilidade na sociedade. Em seguida, acompanho
os caminhos traçados pela fotografia em espaços teresinenses, as suas
singularidades e seus sujeitos. Seguindo até a emergência do Salão Municipal de
Fotografia como o evento mais relevante do cenário fotográfico local.
Neste instante, o foco da câmera aponta para o início do século XX no
Brasil, no intuito de captar a fotografia como uma prática social e constitutiva de uma
nova sensibilidade que emergia na sociedade. Esta tecnologia possibilitava congelar
o instante, reter o fluxo do tempo como se a fotografia pudesse conservar um
fragmento da eternidade
9
, ou um de seus dias, ou, mesmo um instante que se
pudesse acessar por intermédio da lembrança.
À fotografia, durante muito tempo, foi concedido o status de referência
incontestável de verdade, o que contribuiu para criar a ilusão de que ela era capaz
de dar conta dos acontecimentos tal como aconteceram. Isto fez com que, durante
muito tempo, ela tenha sido utilizada como prova irrefutável na investigação de
crimes e mesmo como ferramenta indispensável a médicos e biólogos. Além de ter
alimentado a euforia de muitos homens e mulheres tomados pelas idéias da
modernidade e do progresso tecnológico. Segundo André Rouillé,
9
Aqui, a eternidade é entendida como uma série de atividades descontínuas que compõem um
tempo impalpável. Uma metáfora para se aproximar do poder que imagem fotográfica tem de
atravessar temporalidades, carregando em sua bagagem um conjunto informacional que diz sobre um
acontecimento. Para pensar essa relação entre fotografia e eternidade, foi tomado de inspiração o
filme “A Eternidade e um Dia” de Theo Androupolus, Grécia, 1998.
48
a fotografia, que reduzira consideravelmente o tempo de produção
das imagens, que aumentara a sua velocidade de circulação, que
moldara essas imagens às condições e os valores da indústria e do
mercado, e que como impressão beneficia-se de um grande poder
de atração, é uma imagem eminentemente moderna (1998: 303).
Assim, desde sua descoberta no ano de 1839, na França por Louis Jackes
Mande Daguerre, a fotografia vem sendo praticada e compreendida de diferentes
maneiras. A exploração de suas potencialidades provocou a descoberta de
perspectivas que lhe atribuíam características e funções, agregando sentidos a essa
tecnologia que inaugurava no século XIX uma nova sensibilidade; uma nova
possibilidade de narrativa; uma outra forma das pessoas se perceberem e de se
relacionarem com o tempo e o espaço.
A história da fotografia vem se construindo mediante movimentos que a
problematizaram, explorando suas condições técnicas e plásticas. Como bem
explica Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004), a fotografia teve alguns
momentos marcantes ao longo de sua história, tais como: a fotografia documental do
século XIX, que ao passo que registrava as transformações ocorridas por conta da
modernidade, criticava os rumos que ela tomava; o fotopictorialismo, que
representou uma reação às próprias inovações técnicas da fotografia, ou seja, a sua
reprodutibilidade, desenvolvendo técnicas de intervenções na cópia fotográfica, na
tentativa de dar a ela um estatuto de arte o que provocou um debate caloroso
entre artistas da época; a experiência moderna, que supera a perspectiva da
fotografia oitosentista e investe na plasticidade, questionando e problematizando as
potencialidades e limitações da fotografia enquanto linguagem; e o fotojornalismo e
a fotopublicidade, que, aproveitando-se dos avanços proporcionados pela
experiência moderna dos fotoclubes e pela influência de fotógrafos estrangeiros que
vieram para o país, tornaram-se as mais significativas expressões da fotografia no
Brasil até os dias de hoje.
Ao seguir os caminhos e tendências da fotografia no Brasil, bem como, os
temas e preocupações focados pelas lentes dos fotógrafos, é perceptível uma forte
relação entre esses sujeitos com o espaço em que vivem, mais precisamente com a
cidade, justamente pelas várias possibilidades e abordagens que ela possibilita.
Essa relação entre fotografia e cidade, suscita uma outra, a estabelecida entre a
fotografia e a memória. Tendo em vista que a fotografia, dentre algumas de suas
49
possibilidades, funciona como um dispositivo para se acessar momentos e
acontecimentos através das informações contidas em seu tecido fotossensível. Isso
devido à qualidade da memória de “conservar certas informações, remetendo-se em
primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode
atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como
passadas” (LE GOFF, 2003: 419).
Contudo, na Europa do século XIX uma série de reformas urbanas inseriu
no espaço das cidades um ideal de modernidade, guiado pelos novos saberes
técnicos e científicos que emergiam e ganhavam credibilidade nesse cenário
histórico. Foram as reformas empreendida por Haussmann na França o principal
marco propagador desse ideal, as quais provocaram mudanças não só no campo da
arquitetura, mas também alteraram as formas de viver e de morar na cidade.
Empreendia-se forçosamente uma transformação nas relações entre as pessoas e a
cidade, e vice-versa, e essas populações passaram a testemunhar mudanças
radicais na paisagem urbana e a emergência de um novo modelo de cidade.
Assim, o paradigma urbanístico que se consolidava era o da belle epoque,
com suas alamedas e boulevards, o modelo de cidade planejada, limpa e
higienizada, dentro dos padrões dos saberes sanitaristas e urbanísticos, que
circunscreviam o pensamento moderno sobre o espaço urbano. Tal como foi
apresentado no primeiro capítulo por intermédio de Francisco Alcides do
Nascimento.
O espaço urbano encontrava-se como objeto central de reflexão, discutido
através de práticas de intervenção, na tentativa de ordenar o espaço e disciplinar o
cotidiano. Logo, documentar as mudanças vertiginosas que aconteciam sob os
olhares assustados da maior parte da população das cidades, tornou-se
fundamental. Em 1903, no governo de Pereira Passos, Algusto Malta foi contratado
como fotógrafo oficial da prefeitura do Rio de Janeiro, com a função de registrar as
transformações que estavam sendo engendradas, documentando a cidade que
desaparecia mediante o surgimento de uma nova. Atividade que desempenhou até
1936. Assim,
ao longo do mandato de Pereira Passos, Malta produziu milhares de
imagens. São fotografias das ruas alargadas, das novas avenidas
abertas, das praças e jardins reurbanizados, das inaugurações,
festividades e recepções a visitantes ilustres e, como não poderia
50
deixar de ser, imagens, também, do cotidiano da cidade (OLIVEIRA
JR, 2005: 76).
Outros fotógrafos também desenvolveram o mesmo tipo de trabalho que
Algusto Malta, são exemplo Marc Ferraz, também no Rio de Janeiro e Militão
Augusto e Azevedo de Guilherme Gaensly, em São Paulo. Essa prática de fotografar
as mudanças urbanas propiciou o surgimento de um estilo fotográfico, conhecido
como estética documental, que embora tenha surgido no século XIX, teve maior
representatividade no Brasil no início do culo seguinte. No entanto, é importante
ressaltar que a produção de Algusto Malta e de outros fotógrafos que trabalharam
para Estados e Municípios o era inocente e estava intrinsecamente ligada aos
interesses de certos grupos que, naquele momento, empreendiam as mudanças na
ordem social. Estes fotógrafos construíram coleções e álbuns fotográficos de vistas
urbanas, que segundo Zita Rosane Possamai,
o álbum de vistas urbanas, ao reunir esses fragmentos segundo
uma ordenação lógica concebida por seu autor, funciona, assim
como coleção desses restos da cidade, elaborada para permanecer
como memória de um tempo preciso que lançou sua marca no
espaço ali presente em imagem (2007: 70)
Contudo, os acervos fotográficos que se construíam, nesse momento, não
davam conta apenas das imagens enquanto cores e formas, mas também de um
conjunto de subjetividades que se tornavam inviáveis, mediante os processos de
subjetivação que emergiam nos novos espaços racionais, funcionais e arquitetados
através de cálculos matemáticos. Esses cálculos fazem parte da disciplina enquanto
tecnologia do poder, que organiza os espaços classificando os indivíduos, ao passo
que controla o tempo e exerce um controle de vigilância permanente (FOUCAULT,
1979). Desse modo, estes registros fotográficos constituem um dossiê imagético
riquíssimo, conferindo a fotografia como um recurso fundamental para a
compreensão da história das cidades do Brasil no início do século XX.
Ainda nas primeiras décadas desse século, começou a surgir um outro
momento da fotografia no Brasil, representado pelo aparecimento dos fotoclubes,
associações de fotógrafos amadores compostas por pessoas da classe média e da
burguesia as quais se reuniam para discutir e experimentar as possibilidades
técnicas e artísticas da fotografia. Os primeiros fotoclubes surgiram na década de
51
1920 na cidade do Rio de Janeiro, tendo sido a sua associação mais importante o
Photo Club Brasileiro, cujo encerramento das atividades, em 1953, originou a
formação de outras associações foto amadoras, tais como a Associação Carioca de
Fotografia, o Rio Foto Grupo e a Associação Brasileira de Arte Fotográfica.
Embora o período de maior intensidade desses grupos cariocas tenha
compreendido as décadas de 1920 e 1930, a sua produção se estendeu até a
década de 1950. Alguns nomes foram bastante significativos no cenário fotoclubista
carioca, como Nogueira Barbosa, Jaime Moreira Luna, Chakib Jabour, Francis
Aszmann e Jo Oiticica Filho, que em suas atividades, explorou de forma
sistemática em laboratório a estética abstracionista na fotografia, apesar, da maior
parte da produção carioca ter sido norteada pelo fotopictorialismo (COSTA & SILVA,
2004).
O auge do movimento fotoclubista no Brasil ocorre na cada de 1940,
com o Foto Cine Clube Bandeirante de São Paulo, fundado em 1939, que apesar de
ter nascido com o nome de Foto Clube Bandeirante, em 1945 o nome foi alterado
para Foto Cine Clube Bandeirante, pela incorporação do cinema em suas atividades.
Esse grupo veio a ficar conhecido como a Escola Paulista, pelo rito de ter
revolucionado a fotografia brasileira, até então acadêmica, realizando uma
experiência de ponta no âmbito geral do fotoamadorismo.
A Escola Paulista ditou as práticas fotográficas pelo período
aproximadamente de 3 décadas e consolidou-se como uma tendência fotográfica em
âmbito nacional e teve como principais associados os fotógrafos: Eduardo Salvatore,
Marcel Giro, Roberto Yoshida, Gaspar Gasparian, dentre outros (COSTA & SILVA,
2004). Esse movimento foi importante tanto do ponto de vista técnico e estético,
como pelo conjunto de suas atividades, ao fomentar e colaborar de forma decisiva
para a construção da cultura fotográfica brasileira. Em 1942, o clube promoveu o I
Salão de Arte Fotográfica de São Paulo e, em 1946, foi criada a revista Boletim Foto
Cine, além de diversas exposições individuais e coletivas. Contudo, sua maior
contribuição foi ter desenvolvido e consolidado a fotografia moderna no Brasil.
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva, explicam que
o modernismo na fotografia, em termos gerais, traduziu-se pela
pesquisa de autonomia formal e, consequentemente, pela negação
da importância decisiva do referente. (...) A atuação modernista
estetizou o ambiente social na medida que alterou a percepção do
mundo, propondo o redimensionamento do cotidiano por meio da
52
arte. (...) sobre o fotógrafo recaem os encargos da conformação de
uma nova sensibilidade (2004: 30).
Para os fotoclubistas, a cidade era alvo de suas lentes, não
problematizando intencionalmente a sua historicidade, a exemplo de Algusto Malta e
da perspectiva documental dos fotógrafos do século XIX. Os associados do Foto
Cine Clube Bandeirantes interessavam-se pela plasticidade do cotidiano da cidade,
como por exemplo, pela geometria das construções, o jogo entre luz e sombra, as
pessoas nas ruas, as atividades culturais, etc. As fotografias dessa época mostram
as mudanças na cidade de São Paulo que decorreram de um novo momento do
Brasil, um período de desenvolvimento econômico, pela ascensão de uma burguesia
composta por industriais, comerciantes e profissionais liberais, que transformava as
relações sociais e inseriam outras formas de subjetivação. O que ajudou a
consolidar a modernidade não na cidade de São Paulo, mas nas demais capitais
do país. Visto que, em cada momento da historia há diferentes modos de
subjetivação e de existência, e que cada regime político instaura seus próprios
processos de subjetivação, cabe ressaltar que
a fotografia moderna brasileira foi produto justamente da atividade
dessa classe social, que já havia conquistado o seu lugar no cenário
econômico do país. (...) A sua produção é indicativa de como essa
camada social, que atuou no surto desenvolvimentista do país, via a
si mesma e a sociedade. Nesse sentido é significativo assinalar
como o impacto da expansão de São Paulo marcou profundamente
a fotografia moderna brasileira. A sua temática foi
predominantemente urbana. Estações de trem, peças de máquinas,
automóveis, placas de trânsito, postes, bueiros, calçadas, muros
descascados e transeuntes apressados (COSTA & SILVA
, 2004:
95).
Os fotoclubes passaram a existir em várias partes do país, como Porto
Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Recife
10
, Salvador e Belém, ultrapassando o eixo
Rio de Janeiro e São Paulo. O declínio deste movimento ocorreu na década de
1960 com o fotojornalismo e a fotopublicidade, que no momento redefinia as práticas
fotográficas. O declínio do movimento fotoclubista deveu-se, principalmente, à
mudança do papel social do fotógrafo (COSTA & SILVA, 2004).
10
Sobre a fotografia moderna na Cidade do Recife e o movimento fotoclubista, existe a pesquisa de
Fabiana de F. Bruce Silva: Caminhando numa cidade de luz e sombra: a fotografia moderna no
Recife na década de 1950. (Tese de Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.
53
No percurso transcorrido pela fotografia no Brasil, os anos 50 ficaram
marcados por uma produção intensa, tanto pelo trabalho dos fotoclubes, como pela
nova roupagem que ganhava o fotojornalismo com as revistas ilustradas. Como bem
afirma Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva,
no campo da fotografia brasileira, de um modo geral, os anos 50
foram realmente marcantes. (...) A renovação do fotojornalismo
entre nós não se deu a partir do modernismo da Escola Paulista,
que ficou restrito ao circuito fechado do movimento clubista. Ela se
deu a partir da atuação de fotógrafos estrangeiros que implantaram
aqui o modelo das grandes revistas ilustradas européias e
americanas nas décadas de 40 e 50. a pratica do fotógrafo
modernista e a do fotojornalismo eram totalmente conflitantes: de
um lado a gratuidade da concepção da “arte pela arte” e de outro a
proposta de instrumentalização da fotografias e de
profissionalização do fotógrafo. Hoje, analisando esses dois
movimentos, em seu contexto histórico, vemos que ambos vieram
renovar estruturalmente a linguagem fotográfica, trabalharam pela
afirmação de sua autonomia e estavam totalmente inseridos no
processo geral de modernização da sociedade brasileira
(2004: 106-
107).
Como modalidade que passou a dominar as práticas e o universo
fotográfico, o fotojornalismo teve uma grande expressividade a partir da revista O
Cruzeiro, através de importantes fotógrafos que compuseram a sua equipe, dentre
eles, Luís Carlos Barreto, Flávio Damm, Indalécio Wanderley, Salomão Scliar e o
piauiense José Medeiros, figura expressiva do cenário do fotojornalismo, que tinha
como uma de suas principais características o modo singular como utilizava a luz na
composição de suas fotos. José Medeiros ficou na O Cruzeiro de 1946 até 1962, e
em 1965 começou a fazer cinema, mas sem deixar de lado a câmera fotográfica.
No âmbito do fotojornalismo a fotografia brasileira teve uma grande
contribuição de fotógrafos estrangeiros que se estabeleceram no país no final dos
anos 50 e início dos 60. Colaborando para renovação do fotojornalismo no Brasil e
para a constituição das características de uma linguagem fotográfica própria. Ainda
nos anos 40 chegam ao Brasil os fotógrafos franceses, Pierre Verger, Marcel
Gautherot e Jean Manzon, que redimensionou a figura do fotógrafo e o uso da
fotografia dentro da O Cruzeiro. Nas décadas seguintes são: Maureen Biliat, Cláudia
Andujar, Lew Parrala, George Love e David Zingg, reforçam o conjunto de fotógrafos
estrangeiros que tiveram uma contribuição decisiva na formação e divulgação da
fotografia como linguagem e expressão em território nacional (RUBENS JR., 2003).
54
Até os dias de hoje o fotojornalismo continua sendo o meio mais expressivo da
fotografia no Brasil.
Discutindo sobre as características que a fotografia adquiriu ao longo dos
anos no Brasil, Fernando Rubens Júnior (2003) afirma que, nas cadas de 1940 e
1950, o destaque foi dado à imagem de um Brasil moderno; nas décadas de 1960 e
1970, a preocupação foi com a construção da identidade nacional a partir das
manifestações populares; nas décadas seguintes o fotojornalismo que desde a
década de 60 configurava como a principal expressão dominou o cenário, com
problemáticas próprias do universo jornalístico, com ênfase na ressignificação da
imagem do país e no olhar documental.
A produção imagética destes períodos corresponde ao registro singular
das mudanças no cenário urbano e social do Brasil no século XX, demonstrando que
as cidades brasileiras estão constantemente se redesenhando, tais como, os olhares
lançados sobre elas. Desse modo, os fotógrafos têm se afirmado como sujeitos que
fabricam imageticamente o Brasil, a partir das problemáticas que pertencem a cada
época, entendendo que “o momento da invenção, como irrupção de qualquer evento
histórico, é um momento de dispersão, que ganha contornos definidos no
trabalho de racionalização e ordenamento feito pelo historiador” (ALBUQUERQUE
JR, 2007: 35).
2.2 A experiência fotográfica em Teresina e o Salão Municipal de
Fotografia
Ao aproximar o foco da lente por meio do zoom, o objetivo é captar o
micro, um fragmento da paisagem, um recorte específico: a movimentação
fotográfica na cidade de Teresina, para depois, aprofundar o olhar no Salão
Municipal de Fotografia. A fotografia chega a terras piauienses na segunda metade
do culo XIX, duas cadas depois da fotografia ter sido patenteada por Louis
Jackes Mande Daguerre.
A primeira informação sobre a fotografia em terras piauienses, é de um
anúncio colocado pelo dentista Firmino Beviláqua em O Propagador, em 26 de junho
de 1859, falando da venda de uma máquina fotográfica. No ano seguinte, o fotógrafo
Justino Rocha Pereira anunciou no mesmo jornal, os seus serviços como
55
profissional. Ainda no século XIX, foi registrada a passagem de fotógrafos
estrangeiros pelo Piauí, o dimanarquês John D. Sörensen (1872) e o francês E.
Boubier (1883) (BASTOS, 1994). no âmbito da imprensa, a primeira fotografia a
ser publicada foi o “clichê de Gregório Thaumaturgo Azevedo, impresso no jornal O
Cri-Cri, em 30 de outubro de 1883, a segunda fotografia apareceu após cinco anos,
em 28 de dezembro de 1888, uma foto de Simplício Coelho de Rezende(LEITE,
2003:63).
Os fotógrafos passam a se fixar e a montar estúdios nas cidades de
Teresina e Parnaíba no começo do culo XX, com alguns fotógrafos vindo de
outros estados do norte e nordeste. O primeiro foi Moura Quineau, que abriu em
Teresina uma filial de seu estúdio da cidade de Fortaleza-CE. Em novembro de 1893
é o registro de chegada de José Inácio Fontenele, outro fotógrafo cearense que vem
prestar seus serviços à sociedade piauiense, posteriormente, representando o Piauí
na Exposição Nacional de 1908. Essa foi a primeira ocasião em que se mostrou o
trabalho fotográfico feito no Piauí, fora do estado (BASTOS, 1994).
A prática da fotografia na virada do século XIX para o culo XX, na
cidade de Teresina, encontra-se situada em uma sociedade que tinha sua economia
centrada no comércio e no extrativismo vegetal para a produção da cera de
carnaúba e da borracha da maniçoba. As pessoas envolvidas nessas atividades
econômicas formavam a elite econômica e a burguesia da região (QUEIROZ, 1998).
Essa pequena parcela da população que detinha um maior poderio econômico eram
as pessoas que podiam se iniciar na tecnologia e cultura modernista das câmeras
fotográficas, tendo em vista o alto custo das máquinas e as dificuldades técnicas de
revelação, que nesse momento ainda não existiam as máquinas compactas de
linha comercial, que só viriam a ser desenvolvidas na Alemanha na década de 1920,
chegando ao Brasil tempos depois. Desse modo, ficava a cargo desse grupo social
privilegiado, registrar a sua maneira, por suas lentes e filtros sociais a sociedade
teresinense e as ações sociais em seus espaços. Sobre a construção imagética
desse período Maria Mafalda B. de Araújo, observa que
a difusão da prática cultural da fotografia se fez presente entre os
segmentos da classe média urbana e da pequena burguesia desse
espaço. Por sua vez, esses grupos sociais desejosos de um “status
de modernidade” gostavam de reconhecer-se e de serem
reconhecidos nas fotos publicadas em jornais, nos álbuns de família
56
ou até em cartões-postais, expressando comunicação de
sentimentos com seus pares (2002: 257).
O que foi mencionado não difere dos valores e do cenário de outras
cidades, esses sentimentos atravessavam esse período: a euforia da modernidade,
a ostentação da riqueza, o status social e a auto-retratação de uma camada social
que detinha o poderio econômico. Essa era uma subjetividade de auto-afirmação e
de início da articulação entre a natureza – o corpo, o olho –, a tecnologia e a técnica.
Como explica Antonio Fatorelli, é um momento de subjetivação fisiológica, “um modo
de utilização do equipamento como extensão direta dos órgãos da visão, que supõe
uma relação de exterioridade entre olho e máquina, a máquina como uma extensão
do olho” (2003: 59). O início de uma construção imagética, do registro particular de
um olhar como um pensamento, como cultura e não mais natureza.
Assim, se captura o mundo por filtros pessoais e íntimos. O que implica
dizer que a visão é uma “construção histórica, que não universalidade e
estabilidade na experiência de ver e que uma história da visão depende de muito
mais do que de alterações nas práticas representacionais” (MENESES, 2003: 4). É
por esse motivo, que se deve esclarecer que o olho, como um dos órgãos dos
sentidos humano faz parte da natureza, enquanto o olhar, o perceber e o enxergar,
pertencem ao universo da cultura, do pensamento, das matérias de expressão que
modelam nossas identidades e nossas subjetividades. Que nos constituem como
seres da cultura.
É importante observar que na capital fundada por Conselheiro Saraiva, o
processo de modernização não ocorre no mesmo período que o de outras capitais
brasileiras, como por exemplo, às do sudeste e sul. As configurações do espaço
urbano de Teresina na primeira década do século XX demonstravam ares de
província: um centro comercial pequeno, pouquíssimas ruas calçadas e quatro
unidades escolares. No entanto, datam da cada de 1910 a implantação de
serviços que iriam dar a Teresina os seus primeiros sinais de modernização urbana,
e são eles: o fornecimento de água encanada (1906), telefone (1907), energia
elétrica (1914) e um bonde com motor de explosão (1927) (NASCIMENTO, 2002).
Por mais que a tão desejada modernização do espaço urbano de Teresina
tenha demorado um certo tempo para acontecer, no seu decorrer o aparecimento da
fotografia como uma tecnologia moderna se fazia presente na vida de alguns de
57
seus moradores desde o início da segunda metade do culo XIX. Em 1910 foi
publicado o Álbum Artístico Comercial do Estado do Piauí, provavelmente o primeiro
álbum de vistas urbanas de Teresina, que também tinha fotografias de outras
cidades como Parnaíba, Floriano e Caxias-MA. Nesse álbum, as fotografias têm
características de cartão-postal, apresentando os ares de uma cidade, que embora
provinciana, se aspirava à modernidade vivida na capital de outros estados do país.
O conjunto dessas fotografias mostra os passos da cidade pela apresentação de
seus prédios públicos e particulares, anúncios e propagandas de lojas comerciais,
além de imagens de seus proprietários, que apareciam como as figuras de destaque
dessa sociedade.
Pensando sobre os espaços de Teresina e as imagens feitas pelos
fotógrafos da época, Maria Mafalda B. de Araújo ressalta que
as imagens que a fotografia transmite são de um espaço sem
conflito, portanto homogêneo. Teresina é vista como uma cidade
deserta. A presença de homens comuns provocaria uma visão
decrépita da cidade? Pois são raras as fotografias em que aparecem
populares, figuras de mulheres, homens e crianças; ou se aparecem
é como anexo e não como sentido central da foto (2002: 270).
As informações sobre esse período demonstram que não era prioridade
fotografar uma pessoa desconhecida, ou uma imagem qualquer do cotidiano, até
porque a fotografia era uma tecnologia cara e o próprio equipamento não permitia
fazer fotografias em movimento ou expostas a pouca luz, por isso as fotografias
posadas. Além do que, estes temas não faziam parte do universo da elite da
sociedade e nem do repertório dos fotógrafos oficiais, contratados por Prefeituras e
pelo Estado.
O que se percebe nas fotografias trabalhadas por Maria Mafalda B. de
Araújo que em sua maioria o do Álbum Artístico Comercial do Estado do Piauí
(1910) é o mesmo que pode ser encontrado em fotografias trabalhadas por Zita
Rosane Possamai (2007), ao discutir a cidade de Porto Alegre nas décadas de
1920-1930, através de fotografias do Porto Alegre Álbum, editado em 1931; e em
parte da produção fotográfica de Algusto Malta sobre a cidade do Rio de Janeiro e
de Militão Augusto de Azevedo sobre São Paulo, desse mesmo período.
Uma possível resposta para o porquê das pessoas não serem o centro
das fotografias observadas e as cidades estarem desertas, é que, do final do século
58
XIX a primeira metade do século XX, o foco das objetivas miravam na arquitetura, os
fotógrafos privilegiavam o espaço físico. Uma ação que não era vã, muito menos
inocente, esse momento da história é ocupado por mudanças nas cidades de todo o
mundo e no Brasil não foi diferente, era o momento de modernização das cidades.
Desse modo, alguns álbuns, coleções e arquivos fotográficos foram formados por
fotógrafos contratados por governos municipais e estaduais. Estes o, portanto,
arquivos oficiais, a construção imagética das cidades em sua porção instituída. O
que se observa é que a perspectiva apontada por Maria Mafalda B. de Araújo sobre
Teresina é freqüente na maior parte dos trabalhos históricos que abordam esse
recorte, final do século XIX e início do XX, relacionando cidade e fotografia.
No entanto, a presença de pessoas como motivo principal das fotografias
é encontrada nas revistas ilustradas, na ocasião de eventos sociais, como se
observa em trabalhos da historiadora Ana Maria Mauad (2005), que analisa
fotografias das revistas ilustradas, Carete e O Cruzeiro, publicadas na cidade do Rio
de Janeiro entre os anos de 1900 a 1960.
Além do que, estas são questões que também atravessam a ordem dos
valores vigentes, da tecnologia da época e da própria questão do olhar. Do ponto de
vista estético, esse é um momento marcado na fotografia pela foto posada,
retratando família e cartões-postais. A imprensa teresinense nesse mesmo período,
pouco usava imagens fotográficas em seus jornais. Como expõe Margareth Leite,
do retrato passou-se à imagem, não com muita freqüência, mas às
vezes, podia-se ver nos jornais locais fotografias de praças e
prédios públicos. Pelas dificuldades inerentes à técnica fotográfica
até a década de 1920, as fotografias eram estáticas, posadas, pois a
baixa luminosidade das objetivas e dos filmes fotográficos obrigava
o fotógrafo a usar longas exposições, o que dificultava registrar algo
em movimento. Outro fator negativo era o peso e o tamanho dos
equipamentos fotográficos. A câmera 35mm (formato universal)
como conhecemos hoje, leve, pequena, surgiu nos anos 20 na
Alemanha e chegou a Teresina décadas mais tarde (2003: 63-64).
Na tentativa de seguir os percursos da história da fotografia pela cidade de
Teresina, me aproprio da fala de sujeitos que compõem esta história. Primeiramente,
porque é uma forma de trazer à cena a fala de sujeitos que participam dos
processos históricos, nos quais eles podem organizar suas lembranças para falar de
suas experiências, colocando o seu ponto de vista sobre os acontecimentos dos
quais participaram (FREITAS, 2002). Depois, porque a entrevista é um momento em
59
que o entrevistador faz com que o entrevistado produza sentido a partir de sua fala,
organizando esses sentidos por meio de uma prática discursiva. Demonstrando que
“os sentidos não estão na linguagem como materialidade, mas no discurso que faz
da linguagem a ferramenta para a construção da realidade” (PINHEIRO, 1999: 193).
Desse modo, quando na ocasião de uma entrevista concedida ao
pesquisador Francisco Alcides Nascimento, no ano de 2005, o fotógrafo Antônio
Barbosa de Miranda, conhecido como Totó Barbosa o mais antigo fotógrafo da
cidade ainda vivo (re)constrói alguns caminhos da fotografia em Teresina:
reportando-se a alguns fotógrafos da época, as práticas fotográficas e a seu próprio
percurso por esse universo. O fotografo é proprietário da casa de fotografia mais
antiga da cidade, o Foto to, hoje localizado na Rua Barroso próximo a Praça
Saraiva. As Casas de Fotografia, ou “Os Fotos” são estabelecimentos comerciais
voltados para a fotografia, onde se vende material fotográfico, se tira foto ¾, se
revela filmes e também se contrata fotógrafos. No caso, o fotógrafo dono do Foto.
Totó Barbosa conta que começou a trabalhar com fotografia em 1929,
entre 9 e 10 anos de idade, no Foto Brasil, sendo levado pelo fotógrafo João Ferraz
que trabalhava com João de Deus Mesquita, também fotografo, tendo como função
lavar retrato preto e branco. Depois saiu e foi ser alfaiate. Quando o Foto Osael
chegou a Teresina, Totó Barbosa foi trabalhar com o fotografo Osael, que havia
chegado de Pernambuco. Então, já com 13 anos, passou a imprimir retratos. Aos 16
anos saiu do Foto Osael, adquiriu a sua primeira máquina e começou a trabalhar
fotografando em casa. Ele explica que nesse período existiam poucos fotógrafos: o
Amorim, que era de São Luís do Maranhão; o Belga, do Foto Belga e tinha ainda o
Claudionor, fotógrafo itinerante que estava sempre circulando pelas cidades
(MIRANDA, 2005).
Na fala de Totó Barbosa é possível perceber que a maioria dos fotógrafos
que se estabeleceram em Teresina nesse período era proveniente de outros estados
e vieram para montar Casas de Foto, tirando retrato, revelando e vendendo material
fotográfico. Os fotógrafos na sua maioria trabalhavam como fotógrafos sociais,
registrando eventos sociais e fazendo retratos das famílias, quando contratados.
Muitas vezes, contribuindo com a imprensa local. Ao se referir as práticas
fotográficas em Teresina na década de 1930, observa que
60
as máquinas da época (riso), era chassis com chapa de vidro, não
tinha película, tinha película numa maquinazinha ou outra, eu tive
também, mas não para fotógrafo amador, que hoje tudo não tem
mais chapa de vidro, mas naquela época se revelava e se tirava
retrato em chapa de vidro, retocava, quando precisava retocar
alguma coisa, depois de revelado, vidro, se caísse quebrava, perdia
tudo, então era vidro. Naquela época revelação, fotografia, tanto que
a gente tinha pouca chance de tirar vários retratos, quando um
casamento pensava em levar vários chassis, porque tinha um
chassi com duas chapas, hoje se tira 50 chapas, né? Tudo
pequenininho, hoje tudo é computador, tudo muito diferente, naquela
época chapa de vidro, (...) muito difícil, tudo manual (MIRANDA,
2005).
Essa fala ajuda a pensar sobre o ofício do fotográfico, as técnicas de
registro, revelação e das limitações da tecnologia da época. Através de seu relato
pode-se iluminar parte da história da fotografia na cidade, citando alguns nomes e
estabelecimentos, que embora ainda muito jovem, pôde acompanhar quase um
século de fotografia no Estado. Assim, sua trajetória como sujeito se confunde com a
história da fotografia na Teresina do século XX.
Outro fotógrafo muito importante para esse contexto é Guilherme Müller,
proprietário do Foto Müller, que em entrevista cedida a Geraldo Borges e Paulo
Gutemberg em 1986, fala um pouco de sua trajetória como fotógrafo no Estado do
Piauí. Segundo ele, chegou a Teresina em 18 de fevereiro de 1939, vindo de Belém
para trabalhar na área de clicheria da Imprensa Oficial no governo de Leônidas
Melo. Somente em 1943 veio a montar um estúdio particular, exercendo a atividade
de fotógrafo por 44 anos, de 1939 a 1983. Guilherme Muller foi um dos fotógrafos
que contribuíram para a construção de uma história imagética de Teresina, é autor
da famosa fotografia do Zeppelim sobre a Igreja o Benedito, tirada
aproximadamente em 1945. Ele ainda viajou e fotografou todo o interior do Piauí,
forneceu muitas fotos a jornais, produziu as primeiras fotografias aéreas da cidade, e
embora tenha uma longa produção nunca apresentou seu trabalho em nenhum
salão de fotografia.
61
Fotógrafo Guilherme Müller
Fotografia do acervo particular de Aureliano Müller.
Guilherme Müller foi o primeiro fotografo piauiense a fazer fotografias
aéreas da cidade de Teresina. Se, quando do aparecimento da fotografia, provocou
um estranhamento no olhar, a modalidade da fotografia aérea acrescentou mais um
modo de se observar à cidade, saltando do olhar corriqueiro e horizontal, de quem
está ao nível das ruas e por isso não se pode ter a noção da totalidade. Esta
modalidade fotográfica inseriu uma perspectiva para a apreensão da cidade em sua
porção macroscópica. Sobre as vistas aéreas urbanas, Zita Rosane Possamai,
explica que
são imagens síntese da modernidade por representarem o
dinamismo e o movimento, frutos das alterações urbanas, e por
possibilitarem incorporar diferentes pontos de vista sobre a cidade
de um porto de observação também móvel (2007: 70).
Assim a realização destas fotografias foi possível por conta do avião
símbolo da modernidade que inseriu uma nova condição para o tempo na superação
do espaço. De tal modo que, quando perguntado sobre a melhor fotografia que já fez
Guilherme ller responde: “Ah! É difícil responder por que fotografia é... a melhor
fotografia tem vários aspectos, por uma razão, por outra, num é? Fotografias raras...
por exemplo, essa do Zeppelim foi rara”. No esforço de defender a originalidade da
fotografia, ele explica como ela foi feita: “Eu entrei em contato através da estação
62
telegráfica do campo de aviação que solicitamos que ele passasse por Teresina.
Eles... como era natural todos os aviões... conseguimos que ele passasse”
(MÜLLER, 1986).
Fotografia de Guillerme Müller
Fotografia do acervo digital da Casa da Cultura
Contudo, algumas perguntas poderiam ser feitas sobre a fotografia de
Guilherme Müller: por que o fotógrafo à condição de rara a fotografia do
Zeppelim? Porque existe uma polêmica sobre essa foto, com relação a sua
originalidade?
As primeiras fotografias aéreas e o aparecimento de um Zeppelim em
Teresina são como se fosse um batismo da cidade nessa nova etapa da
modernidade. Principalmente, com relação à fotografia de Guilherme Muller, quando
na fotografia a aeronave está sobre a Igreja São Benedito, fundindo em uma
imagem os símbolos do moderno e do tradicional. O que faz pensar que os
questionamentos sobre a origem desta imagem, tanto podem dizer respeito a uma
reação contrária a modernidade, simbolizada pelo Zeppelim. Ou mesmo pelo
surpreendente que, por vezes, provoca um não acreditar que aquela aeronave
exótica, diferente de um avião convencional, está a sobrevoar Teresina. Ambos
demonstram um comportamento tipicamente provinciano. De todo modo, se a
63
fotografia é montagem ou não, o importante é que existe um esforço em colocar
Teresina na órbita dos novos acontecimentos da nova ordem mundial.
Em meados da década de 40, período de grande produção no campo da
fotografia em todo o Brasil, surge no cenário do fotojornalismo, o fotógrafo piauiense
José Medeiros, radicado no Rio de Janeiro, que viria a ser um dos principais nomes
da fotografia brasileira. Embora sua produção fotográfica tenha se constituída fora
de seu Estado de origem. Como fotógrafo de revista ilustrada, Jo Medeiros
integrou os períodos áureos da O Cruzeiro, onde traçou um novo perfil para a forma
de passar o acontecimento para o veículo impresso. E este comportamento vingou
na imprensa brasileira a partir dos anos cinqüenta. José Medeiros fotografava como
via a vida, se possível usando a luz existente ou usando o flash de maneira que
suas fotos pareciam feitas sob luz ambiente (FUNARTE, 1986). Ao comentar sobre
sua postura dentro do O Cruzeiro e da sua relação com o seu ofício e a política, ele
dizia:
O meu interesse foi sempre pelos setores mais oprimidos da
sociedade. Fui, por toda a minha vida, muito contestador quanto às
coisas que acho injustas. Se nunca me engajei em partido político é
por que acho que artista não tem nada a ver com esse negócio de
“vote em fulano, vote em beltrano”. Mas penso que meu trabalho,
que a fotografia, tem, aliás, como tudo, uma função política. A
fotografia não conta necessariamente o real, pelo contrário, ela pode
mentir pra burro. A pessoa por trás da câmera pode mostrar o que
quiser, como quiser (FUNARTE, 1986: 17).
Fotógrafo José Medeiros.
Fotografia do acervo da Casa da Cultura.
64
Parte de seu trabalho, como fotógrafo jornalístico, foi dedicado a grupos
sociais de pouca atenção na imprensa, como os índios, o candomblé e internos de
hospitais psiquiátricos. Esses temas foram registrados com uma preocupação e
sensibilidade que deram a essas imagens um cunho antropológico e etnográfico.
José Medeiros fez parte de muitas expedições lideradas pelos irmãos Villas-Boas,
chegou à tribo dos Xavantes antes de qualquer outro fotógrafo, em 1949, na
expedição do Brigadeiro Aboim. Em 1957 fotografou e publicou o primeiro livro sobre
o candomblé. Além de repórter fotográfico, José Medeiros também fez cinema, como
diretor de fotografia em A Falecida (1965), Roberto Carlos em Ritmo de Aventura
(1968), Viajem ao Fim do Mundo (1968), O Caçador de Fantasmas (1975), Xica da
Silva (1976), dentre outros, e dirigiu o longa Parceiros da Aventura (1979)
(FUNARTE, 1986).
Compondo o cenário, outro importante fotógrafo é Euclides de Melo
Marinho Neto, conhecido como o “Louro”, que chega a Teresina em 1965 vindo da
cidade de São Luís–MA. O mesmo trabalhou como fotógrafo nos jornais: Do Piauí, A
Hora, O Estado, O Dia. E ainda, como cinegrafista e fotógrafo do Governo do Estado
do Piauí e da TV Clube. Também trabalhou com cinema, fez o primeiro filme
retratando a cidade de Oeiras e foi produtor, cinegrafista e ator do filme O Guru de
Sete Cidades no ano de 1974.
Fotógrafo Euclides de M. Marinho N., o “Louro”, em trajes de pára-quedismo.
Fotografia do acervo particular de Kleiton Marinho.
65
Como fotógrafo, Euclides de M. Marinho N. deu uma grande contribuição
para a fotografia no Piauí no que diz respeito à produção de fotos aéreas. Adepto da
prática do pára-quedismo ele foi um dos pioneiros nesse estilo de fotografia.
Também foi o primeiro a trabalhar com ampliações fotográficas em grandes
tamanhos, fora dos padrões usados na época que eram o da foto 3/4 e da 15/10,
chegando a revelar fotos de até 10m/15 e 20m. Ele fez a sua primeira ampliação no
ano de 1967, uma foto aérea de Teresina de propriedade da Prefeitura Municipal
de Teresina mesmo ano que inaugurou o Foto Estúdio Marinho. O “Louro”, como
era conhecido, morre precocemente em junho de 1976 em um acidente de pára-
quedismo quando se preparava para exibição nas festividades de aniversário da
Polícia Militar do Piauí.
Em entrevista cedida a mim, o fotógrafo e ex-organizador do Salão
Kleyton Marinho, falar sobre a produção fotográfica de Euclides de M. Marinho N.,
esclarecendo um pouco sobre a história de seu pai e sobre sua contribuição para a
fotografia em Teresina. Ressaltando que ele
era muito conhecido por que fazia fotografia diferente das fotografias
mais comuns, fotografia comum era fazer fotos ¾, foto 5/7, fotografia
de casamento e ele fazia fotografia área, fotografia de vaqueiro,
fotografava a cidade e raramente se fotografava a cidade (...)
(MARINHO, 2005).
Diferentemente das outras Casas de Foto, que se localizavam próximo
das praças do centro da cidade, o Foto Marinho se encontrava no Mercado Central.
Nesse período, além das Casas de Foto já citadas, havia o Foto Kit, muito conhecido
na época, além do Foto do Dinavan, que veio pra para trabalhar com o Euclides
de M. Marinho N. e o Foto do Carioca, cujo proprietário, o Carioca, era fotógrafo da
Prefeitura Municipal. Desse modo, a cultura fotográfica na cidade de Teresina até
meados da década de 60 e 70, esteve sempre ligada às Casas de Foto e aos seus
donos os fotógrafos de maior visibilidade na cidade. Ao ser perguntado sobre o
assunto Kleyton Marinho, afirma que
é mais ou menos isso com raras exceções dos fotógrafos oficiais,
que eram ligados a governos ou estadual, ou município, ou ligado à
imprensa, fora esses eram fotógrafos sociais, ligados a laboratórios,
a Casa de Foto, mesmo. bem depois vem surgir o fotógrafo
publicitário, que veio surgir o fotógrafo... porque a fotografia na
66
época não existia era praticamente impossível ter uma fotografia
amadora. porque? porque o custo era muito alto (MARINHO, 2005).
Ainda que o Piauí tivesse adentrado ao universo da fotografia no final
do culo XIX, não participou de alguns movimentos que aconteceram no Brasil
como, por exemplo, o fotoclubismo. Esse movimento teve grande expressão em
domínios brasileiros na primeira metade do século passado e foi de grande
importância para a consolidação da fotografia moderna no Brasil. A formação de
grupos de aficionados por fotografia, aconteceu em muitos estados brasileiros,
porém o Piauí ficou fora desse debate, e não registros escritos, imagéticos ou
orais, que afirmem a existência de tal movimento em terras piauienses. Percebi na
fala de alguns fotógrafos entrevistados que a o advento do Salão Municipal de
Fotografia, normalmente não havia uma preocupação com o caráter artístico da
mesma, o que deu um direcionamento comercial a cultura fotográfica do Estado.
É importante que se diga que dentre as modernas tecnologias do século
XX, a fotografia parece ser a menos sedutora aos pesquisadores desta cidade.
Coloco essa questão, devido à escassez de trabalhos sobre fotografia no estado do
Piauí, no qual se encontram basicamente três artigos publicados
11
, número bastante
reduzido, se observarmos as pesquisas acadêmicas e de mestrado abordando o
rádio e o cinema
12
. Além da pouca, ou quase nada, referência à fotografia em livros
e artigos que discutem a história do Piauí. Diante disso, seria correto pensar que a
fotografia o foi relevante para a formação histórica de Teresina? Ou, que a
fotografia foi à tecnologia moderna que menos interferiu na construção da
modernidade como estilo de vida dos teresinenses?
Inicialmente a fotografia era artigo de luxo e acessível apenas a famílias
das classes médias e a poucos profissionais. Foi com o advento das máquinas
11
Sobre a discussão de fotografia os artigos existentes são: SOUZA, Paulo Gutemberg de Carvalho.
A fotografia como fonte de pesquisa. In: Carta Cepro, vol. 13, n.1, Teresina, janeiro/junho de 1988.;
ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoíno de. Teresina: cultura e linguagem fotográfica. In: Scientia Et Spes,
vol. 1, n. 2, Teresina, ICF, 2002.; LEITE. Margareth. A fotografia em Teresina: análise e história. In:
SANTANA. R. N. Monteiro de. Apontamentos para a história cultural do Piauí. Fundação de Apóio
Cultural do Piauí – FUNDAPI: Teresina - PI, 2003.
12
Trabalhos sobre o rádio: NASCIMENTO, Alcides do; SANTIAGO JR, F. C. Fernandes.
Encruzilhadas da história: rádio e memória. Recife: Bagaço, 2006.; LIMA, Nilsângela Cardoso.
Invisíveis assas das ondas ZYK 3: sociabilidade, cultura e cotidiano em Teresina (1948-1962).
(Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2007.; Trabalhos sobre o
Cinema: CASTELO BRANCO, Edwar de A. Fotogramas mal-ditos, discursos in-fames: superoito e
contestação juvenil no NE do Brasil. (Projeto de Pesquisa, com financiamento do CNPQ).
Universidade Federal do Piauí. Teresina, 2007.; LIMA, Frederico Ozanan Amorim. Curto-circuito na
sociedade disciplinar: super-8 e contestação juvenil em Teresina (1972-1985). (Dissertação de
Mestrado) Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.
67
portáteis e uma oferta mais expressiva dessa tecnologia para comercialização que a
prática de registrar momentos e de “congelar o passado” se tornou uma cultura
imagética mais abrangente, vindo a tornar-se mais tarde acessível aos demais
segmentos da sociedade. Na seqüência, a fala de Kleyton Marinho ajuda a
compreender um pouco sobre a tecnologia da época:
Da década de 70 pra é que os filmes vieram aparecer em uma
caixinha de ferro, antes a maioria dos filmes era enrolado em papel,
a pessoa tinham que ter técnica pra colocar na máquina que era
filmes de 6 por 6, de 6 por 9. É da década de 70 pra que vem
surgir o filme de 35 dentro de uma caixinha de ferro, que ali qualquer
amador podia colocar na máquina, inclusive veio surgir máquina
compacta... num esquema comercial, as primeiras que surgiram
aqui no Piauí eram da Kodak, Stamak uma máquinazinha compacta,
ela vinha numa caixinha de papel, você comprava e ela vinha com
um fleche de quatro lados, duas pilhas e o filme, ali você ganhava,
dava de presente, as vezes um filme de 24 poses, de 12 poses,
botava ali na máquina e e que veio surgir o amador, ficou
mais barato, na época as casa de fotografia raramente recebiam
filmes de fotógrafos para revelar, porque não existia amador, eles
revelavam seus filmes, que eles faziam na rua, ou faziam em
estúdio, raramente eles recebiam filmes, porque praticamente não
existia venda (MARINHO, 2007).
Mesmo não tendo ocorrido em Teresina nenhum movimento nos moldes
de um fotoclube, aconteceram outros e de outra natureza, como por exemplo, o
cinema. Em Teresina, do final da década de 1960 para o início de 1970, houve uma
movimentação intensa entorno da figura de Torquato Neto, por conta de suas
produções poéticas e cinematográficas de Super-8. Nesse cenário, ele era um
agitador cultural e agregava a sua volta um grupo de jovens envolvidos com as
atividades culturais da cidade. Dessa efervescência cultural, começou a surgir
fotógrafos amadores que se envolviam no campo cultural, trabalhando como
fotógrafos dos filmes de Super-8 produzidos por Torquato Neto e seu grupo, além de
registrarem a vida cultural e a própria cidade. Que segundo Kleyton Marinho
quase todo mundo conhecia o Torquato, era praticamente uma
turma só, todo mundo se conhecia. A cidade sempre girou em torno
da Praça Pedro II, onde se fomentava cultura, se fazia cultura 24
horas, tinha o famoso BBC, o Art Bar, tinha a Galeria, o Bar do
Cuspe, se fazia teatro, música, greve, todo mundo ia lá. A cultura
acontecia em torno da Praça Pedro II, inclusive todos os laboratórios
de fotografia ficavam lá, salvo exceção, os que revelavam as
fotografias em casa, como o José da Providência, o Nonatinho, o
68
Açaí. A Universidade Federal também foi um dos grandes
fomentadores, o José da Providência lecionou durante anos
(MARINHO, 2007).
Além de Torquato Neto, uma outra referência para essa geração era o
fotógrafo José Medeiros, que pela qualidade de sua produção inspirava os iniciantes
na arte da fotografia. Desse período podem ser citados como fotógrafos Arnaldo
Albuquerque, Antônio de Noronha, Açaí Campelo e Nonatinho que no início da
década de 1970 fez uma exposição na galeria do Teatro 4 de Setembro com mais
de 4.000 fotografias de diversos temas e tamanhos, o que na época eram muito raro
de acontecer. Esse é o primeiro momento em que a fotografia em Teresina começa
a ser produzida fora dos estúdios das Casas de Totos, das redações de jornais e
dos gabinetes municipais e estaduais. A respeito das pessoas envolvidas nessa
produção fotográfica que vai do final da década 1960 a década de1970, Kleyton
Marinho atenta que
eram pessoas que viviam dentro de um movimento de arte, de uma
liberdade muito grande nessa época, liberdade assim, sei lá, nossa
visão era uma visão “torquatiana”, uma visão bem diferente, tinha
nosso trabalho, mas nossos registros eram outra coisa, se
guardava, se fazia. Eu tenho muita fotografia de teatro e de shows
de música da época. Assim, como o Açaí tinha e ainda hoje tem.
Nonatinho também tem muita coisa. As pessoas fotografavam por
prazer. (...) As fotografias que produzimos eram pessoais. (...) Às
vezes se fazia fotografias para um grupo específico de teatro, para
fazer um trabalho bonito e coisa e tal (MARINHO, 2007).
Seguindo-se, um conjunto de vozes que dão conta de um bom período da
história da fotografia em Teresina e as suas movimentações, é formado pelos
fotógrafos Dogno Içaiano G. Sousa e Aureliano José Nogueira Neto, mas conhecido
por Aureliano Müller, por conta de seu pai, Guilherme Müller. As falas dos dois se
somam à de Kleyton Marinho, tendo em vista que os três são da mesma geração e
iniciaram suas atividades pelo mesmo período, a década de 1970.
Em entrevistas cedidas a mim, ambos falam da fotografia em Teresina.
Assim, seguindo o que Kleyto Marinho vem afirmando, Aureliano Muller (2008)
aponta que “a produção amadora era intensa e qualquer pessoa que tivesse uma
condição razoável tinha uma máquina, por conta do valor acessível das quinas
populares produzidas pela Kodak”. Complementando, Dogno Içaiano G Sousa
(2007) explica que “várias pessoas se envolveram com a fotografia, mas foi uma
69
produção dispersa, as fotografias foram feitas e foram guardadas”, tal como aponta
Kleyton Marinho.
Dando continuidade a essa discussão Margareth Leite acrescenta que é
nesse mesmo período que as pessoas passam a preencher o espaço imagético dos
jornais teresinenses, com
fotos de esporte, cultura, transeuntes ocupando ruas antes desertas,
flagelados da seca, enchentes dos rios Parnaíba e Poti, mulheres
lavando roupa na beira do Parnaíba. No final dessa década, os
repórteres fotográficos foram para as ruas e registraram os conflitos
sociais, foi também nesse período que os jornais abandonaram o
sistema de clicheria e adotaram o offset para a impressão de suas
fotos, e o crédito obrigatório apareceu nas fotografias publicadas,
mas muito esporadicamente (2003: 65).
Com o fim da ditadura militar, o retorno da liberdade de imprensa e o
desenvolvimento tecnológico dos equipamentos, possibilitaram uma ampliação das
atividades desse setor, melhorando a qualidade gráfica da fotografia nos jornais
impressos, período que é publicada a primeira foto colorida em jornais em 1987, no
então Jornal da Manhã. Assim, nas cadas de 80 e 90 o fotojornalismo passa a
dominar o cenário fotográfico da cidade e a imprensa se torna o maior campo de
trabalho para esses profissionais (LEITE, 2003).
Ainda sobre esse momento, Aureliano Muller comenta que foi na década
de 1980 que a publicidade ganhou corpo em Teresina, o que fez com que a
fotografia fosse mais valorizada. Ele explica que “a fotografia publicitária é uma
fotografia comercial de alto valor, e atualmente meu trabalho é voltado para esse
segmento” (NOGUEIRA NETO, 2008). Dogno Içaiano G. Sousa (2007) complementa
dizendo que “foi em 1980 que os fotógrafos passaram a ter mais espaço e que
começou pra valer a venda de fotografias, por conta da instância dos jornais e
também da publicidade”.
Fora das redações dos jornais e das casas de foto, a produção fotográfica
da cidade de Teresina também acontece em outro circuito. A partir das duas últimas
décadas do culo passado, a Fundação Cultural Monsenhor Chaves, passou a
ocupar um papel preponderante na construção imagética da cidade de Teresina. As
atividades em torno de publicações que abordam a cidade através das lentes de
seus fotógrafos vêm propiciando um conjunto de obras fotográficas onde a quase
totalidade desses trabalhos é de iniciativa da Fundação. Essas publicações ocorrem
70
tanto por iniciativa direta da instituição, como pela concorrência do edital da Lei
Municipal A. Tito Filho lei de incentivo a cultura, que financia projetos de livros,
CDs, espetáculos cênicos, etc.
No entanto, esse conjunto de publicações representa ainda um número
bastante pequeno. Tal verificação poderia indicar que a produção fotográfica
teresinense ainda seria muito tímida no conjunto das demais manifestações
culturais, levando em conta que a fotografia se faz presente na cidade a mais de um
século.
Dessa forma, são publicações da Fundação: a edição do Álbum
Artístico Comercial do Estado do Piauí (1987), organizado por Manoel Rodrigues
Folgueira; Teresina Ontem e Hoje (1992) de José Airton Gonçalves Gomes e
Therezina-Teresina (1994) de Edson Gayoso Castelo Branco Barbosa. Pela Lei A.
Tito Filho, são os livros Flores de Teresina (2001) de Kleyton Marinho e Teresina
(2001) de Paulo Gutemberg de Carvalho Souza. Pela iniciativa privada, foi publicado
o livro Teresina (2002), edição comemorativa dos 150 anos de Teresina e pela Lei
Rouaner, Teresina Vista do Céu (2005) de Robert Silva de Meneses.
Além dos livros, existem ensaios fotográficos publicados na revista
Cadernos de Teresina e o Salão Municipal de Fotografias, o principal evento de
fotografia no Estado. Com relação a exposições, com exceção do Salão Municipal
de Fotografia, são poucas as exposições individuais e coletivas de fotografia,
podendo ser citadas a Photoshop, da iniciativa privada, promovida anualmente pelo
Teresina Shopping e outras, como Teresina Verso e Reverso (2006) de iniciativa do
Ministério Público, ExpoTeresina 150 anos (2002) e a Transporte e Fotografia: o que
amo na cidade onde trabalho (2006), essa última, é resultado de um concurso
promovido pela Federação dos Transportes. No entanto, as exposições ainda são
muito tímidas, ocorrendo em pouco número e com pouca freqüência.
Ao longo desse século a tecnologia fotográfica tem mudado bastante. Hoje
em dia, com as máquinas digitais, mais compactas, de cil manipulação e
proporcionando um melhor arquivamento das imagens, tem impulsionado o uso da
fotografia no âmbito amador. O reflexo disso pode ser percebido nas inscrições do
Salão Municipal de Fotografia que nos últimos anos têm mostrado que a categoria
amadora tem superado em número de inscritos a de profissional. As facilidades
proporcionadas pela tecnologia e o maior acesso a esses equipamentos, apontam,
71
que em uma sociedade extremamente imagética a produção de imagens não é
domínio exclusivo de profissionais e nem das classes médias.
Em entrevista, Dogno Içaiano G. Sousa atenta para as possibilidades da
tecnologia digital e para o espaço virtual, como canal de divulgação das imagens e
da possibilidade de se fazer fotografias de forma livre, sem o crivo de um chefe de
redação, editor, ou coisa do tipo. Logo, o que se percebe é a existência de uma
descentralização dos meios de produção e circulação das imagens, tanto pelo
advento da tecnologia digital e do barateamento da mesma, como também pelos
meios virtuais de circulação como sites, blogs, fotologs e etc. Desse modo, o que
Dogno Içaiano G. Sousa chama a atenção é para o fato de que se inicia uma
produção que se posiciona fora do circuito comercial e das redações de jornais.
Se no passado, apenas uma parcela da população dominava a fabricação
imagética, representando o seu universo, ou o universo a partir do seu olhar, agora a
situação se modifica. Os meios para se fabricar imagens estão pulverizados nas
mãos de parte da população, onde qualquer um que tenha uma máquina na mão
pode fazer as imagens que desejar, seja da sua comunidade, seja da cidade, ou
mesmo de encontro entre pessoas. De todo modo, o que está acontecendo é uma
descentralização da produção imagética. Atualmente, boa parte das camadas
sociais produz suas representações imagéticas, e isso é um dos elementos que
constituem a cultura visual das sociedades complexas, possibilitando processos
híbridos no olhar e a partir dele.
Diante do percurso traçado sobre a fotografia no Piauí, objetiva-se, de
agora em diante, explorar o Salão Municipal de Fotografia, evento anual do
calendário de atividades da Secretaria de Cultura do município - Fundação
Monsenhor Chaves, que existe desde 1995, tendo sido instituído na última
administração municipal de Wall Ferraz. Desse modo, o Salão é um evento que
valoriza a experiência imagética de pessoas comuns, que na condição de
caminhantes-fotógrafos se utilizam de uma quina fotográfica e de muitas idéias
para percorrem a cidade e vasculhar em seu tecido visível algo a ser capturado pelo
obturador de uma câmera. Para posteriormente ser revelado em uma superfície
fotossensível e exposto à visitação pública. São pessoas que fotografam de forma
amadora ou profissional e que se inscrevem para participar do Salão.
Os caminhos de produção das imagens fotográficas que participam do
Salão são múltiplos, afigurando-se desde o fotógrafo que ao andar pela rua
72
despretensiosamente registra com sua quina fotográfica um acontecimento
inusitado, ou uma imagem diferente. Ou mesmo, a que é feita a partir de um
conceito prévio, com toda uma composição que vai do tema escolhido, do
enquadramento e das cores. O que perpassa toda uma constituição técnica,
pensando o próprio suporte da fotografia para, em seguida, serem expostas e na
relação com seus observadores criar um circuito de produção de sentidos em torno
da cidade, a partir das interlocuções criadas com as fotografias.
Assim, pelo período de um mês na galeria Lucídio Albuquerque, na Casa
da Cultura, a exposição das fotografias proporcionam ao público o encontro com a
produção fotográfica local. Além da exposição, o Salão ainda oferece atividades e
discussões em torno da fotografia e de suas práticas, como oficinas e cursos de
fotografia. Este é um evento que mobiliza um grande número de pessoas
interessadas pela prática da fotografia, pois seu regulamento possibilita a
participação de fotógrafos profissionais e amadores com premiações distintas em
dinheiro, para cada uma dessas categorias, sendo elas divididas em modalidades,
como: melhor foto colorida, melhor foto publicada, melhor foto preto e branco,
valendo para as duas categorias, e o prêmio José Medeiros, para a melhor foto do
Salão. Essas são as premiações, com algumas mudanças no regulamento no
decorrer dos anos.
As fotografias do Salão vêm quase sempre acompanhadas de um título,
que na maioria das vezes ou tentam decifrar a imagem na tentativa de dar conta
do assunto ou intenção da imagem ou tem a intenção de agregar novas
informações. Desse modo, as fotografias estão sendo observadas juntamente com o
universo que as rodeiam, como o título, a categoria do participante, o ano em que a
foto participou do Salão, material de divulgação, etc.
logo, na seqüência deste texto, as imagens e informações referentes ao
material produzidos em torno do Salão, como os cartazes de divulgação,
regulamento e convites, estão sendo explorados como uma forma de construir o
campo de visibilidade que ver o Salão como evento cultural e como acontecimento
social. O Salão se apresenta e se constitui visualmente explorando os signos do
universo da fotografia, na maioria das vezes utilizando-se de imagens de máquinas
fotográficas e de fotos vencedoras de algumas edições.
73
Capa do regulamento do II Salão – 1996
No transcorrer de sua existência o Salão tem ocupado um papel
importante no cenário fotográfico local, tendo como objetivo “incentivar a arte
fotográfica, descobrir novos valores e ampliar o acervo fotográfico do município de
Teresina”, como expresso no artigo do regulamento do X Salão Municipal de
Fotografia de 2004. Porém, outros eventos que privilegiam a fotografia, assim
como, outras formas de circulação e agenciamentos da produção fotográfica na
cidade. Mas o Salão é o único que acontece anualmente desde sua fundação, sem
interrupções, além de haver, por parte de seus organizadores, a preocupação com a
construção de uma memória fotográfica, como se observa no seu regulamento do X
Salão nos artigos 16 e 17:
Art. 16 As fotografias premiadas passarão a ser propriedade da
Fundação Cultural Monsenhor Chaves, que poderá utilizá-la para os
fins que desejar. A Fundação Monsenhor Chaves reserva para si o
direito de reproduzir essas fotos em seu material institucional,
preservando sempre o crédito do fotógrafo.
Art. 17 A Fundação Cultural Monsenhor Chaves não devolverá as
fotografias não premiadas neste Salão; elas serão utilizadas em
exposições de divulgação do Salão e passarão a fazer parte do
acervo fotográfico desta Fundação Cultural (Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, março, 2004).
A fim de perceber como o Salão foi dado a ver através da imprensa
escrita, a respeito do I Salão Municipal de Fotografia de 1995, o Jornal Meio Norte
trouxe uma matéria com o título “Teresina, sua gente, sua cultura”, apresentando no
corpo de seu texto, informações sobre o evento, sobre os homenageados, o total de
participantes e trabalhos expostos. Sobre as fotografias vencedoras, o artigo diz:
74
A fotografia “Igreja de Nossa Senhora das Dores”, de Lis Andrade,
retrata a igreja e o cruzeiro em ângulo peculiar, equilibrando
sombras e imagens e revelando uma paisagem inusitada no
cotidiano da praça Saraiva.
A outra vencedora, “Lamento, mostra uma mulher pobre, numa
tapera, sentada numa rede, mãos postas, chorando a vida. “Foi no
caminho de José de Freitas. Eu estava fotografando animais e entrei
numa casa para beber água. Vi a mulher e fiz a foto”, conta a
fotógrafa Jaqueline (Meio Norte, 20/04/1995).
Fotografia 1 I Salão de 1995, Fotografia 2 I Salão de 1995,
Fotógrafo:Lis Andrade, Fotógrafa: Jaqueline Lustosa, Título: lamento,
título: Igreja de Nossa Senhora das Dores, Categoria; profissional
Categoria; profissional
Um fato curioso foi o do I Salão ter como vencedoras nas duas categorias
amador e profissional duas mulheres. Tendo em vista que ao percorrer as
práticas fotográficas em Teresina, observou-se que este é um universo dominado
por homens. Pelo tema do Salão e título da matéria do jornal, a perspectiva de
“nossa gente, nossa cultura”, indica uma construção imagética sobre o Piauí e
Teresina, bastante recorrente: na primeira fotografia, a de que o povo é sofrido por
conta das questões naturais e das mazelas sociais; a segunda remete-se a
religiosidade dos teresinenses e provavelmente da fotógrafa, cuja capital tem como
sua primeira construção a Igreja Nossa Senhora do Amparo. Essa é uma
75
perspectiva que limita e muito os vários aspectos da “gente” e da cultura de
Teresina.
No período de acontecimento do Salão são promovidas atividades ligadas
ao ofício e universo fotográfico, como pode ser conferido na programação do III SMF
de 1997: curso básico de fotografia, oficinas de fotografia infanto-juvenil e a 1ª
maratona fotográfica que além das fotografias concorrentes, a Casa da Cultura
recebeu a exposições “América”, do fotografo alemão Jürgen Heinemann, que na
ocasião doou um total de 88 fotos desta exposição. Estas atividades marcam o
Salão, tornando cada edição singular.
Capa do regulamento do III Salão e do projeto Olho D’Arte Fotografia, ambos de 1997.
As maratonas fotográficas movimentaram algumas das edições, como as
do III, V e IX Salão, voltadas para os alunos dos cursos de fotografia, das oficinas e
demais interessados, cujo tema foi sempre o centro da cidade. Esta atividade foi
vista pelos jornais da seguinte forma:
Pois na véspera do Dia das Mães, no sábado, a partir das sete e
trinta da manhã começaram os clics. Tinha gente graúda, gente
miúda. Umas máquinas extremamente sofisticadas ao lado de umas
bem simples, mas todo mundo com aquela vontade de seqüestrar
um pouquinho do centro em um pedaço de papel. E tome ângulos...
e tome clic (DOURADO, O Dia, 16/05/1997).
76
O crescimento do Salão pode ser percebido através do número de
inscritos. A primeira edição do Salão teve um total de 12 fotógrafos inscritos e 35
trabalhos, no terceiro foram 26 participantes e 76 fotografias, no nono somavam-
se 79 fotógrafos e um total de 215 obras. Um fato curioso, é que na edição de
número dez houve uma diminuição no número de participantes, apresentando
apenas 60 fotógrafos e 180 trabalhos, o que gerou certa polêmica, como expressa
no Jornal O Dia:
Kleyton Marinho, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves,
realizadora do Festival, conta que a participação em 2004 será
menor. Ele acredita que houve um desentendimento por parte dos
interessados com relação ao regulamento. “Este ano colocamos
Amador e Profissional para concorrer separadamente em Foto
Publicada e Preto e Branco. O prêmio que era de 800 reais passou
para dois de 500 reais e um de 600 reais. Alguns fotógrafos não
quiseram participar esse ano porque disseram que o prêmio
diminuiu. que eles não entenderam que diminuiu o valor e
aumentou as oportunidades” (Meio Norte, 02/04/2004).
Essa polêmica se deu pelo fato de que nos anos anteriores os amadores e
profissionais concorriam juntos pela mesma premiação. Se a mudança no
regulamento desagradou os fotógrafos profissionais, os amadores agradeceram,
havendo inclusive um aumento nas inscrições dos mesmos neste ano.
São por estas movimentações que o Salão Municipal de Fotografia se
afigura como o mais importante evento de fotografia do Estado. Esse
reconhecimento é expresso por seus organizadores em um dos materiais de
divulgação do IX Salão Municipal de Fotografia:
A fotografia era usada quase que exclusivamente como retrato em
publicações e como fonte de recordações familiares. O desafio da
Fundação Cultural Monsenhor Chaves era introduzir em Teresina
um modo totalmente diferente de pensar o que é a fotografia,
transformar o retrato em obra de arte, utilizando a composição, a
força visual e o sentimento do fotógrafo. (...) Ao longo dos anos, o
Salão Municipal de Fotografia tornou-se o maior e o mais importante
revelador de nova tendências e de novos nomes para a fotografia da
cidade. (Fundação Cultural Monsenhor Chaves, março, 2003)
Ainda sobre a importância do Salão, a fala de Kleyton Marinho é bastante
significativa:
77
Foi no Salão que começaram a surgir às primeiras fotografias
artísticas que começaram a mudar a visão de fazer fotografia, o
olhar do fotografo também mudou, bem como a percepção da
própria realidade. Eu acho que essa mudança teve um crescimento
tão grande, por que, por exemplo, pessoas que trabalhavam em
outro ramo como o Edivaldo Vasconcelos, o João Rufino, passaram
a fazer fotografias e hoje trabalham com fotografias, ou seja,
entraram no Salão como amadores e com o tempo passaram a ser
profissionais, bons profissionais (MARINHO, 2007).
No mesmo sentido, Dogno Içaiano G. de Sousa (2007) afirma que, “a
partir do advento do Salão, não mais pessoas passaram a fotografar como,
principalmente, se fez com que elas passassem a pensar sobre a fotografia”.
Aureliano Muller, ao se referir a importância do Salão, garante que ele é de uma
importância crucial, pelo incentivo aos novos fotógrafos e pela
premiação que funciona como atrativo. O Salão surge como o lugar
que deu visibilidade aos fotógrafos e a produção local. Haja visto
que antes não havia um espaço específico para os fotógrafos
mostrarem suas produções e o seu talento (NOGUEIRA NETO,
2008).
No entanto, ambos afirmam que, com o advento do Salão, os fotógrafos
aprimoraram suas técnicas, o que os levou a ter uma atenção maior com a estética e
com a intenção da fotografia, com a sua mensagem, numa condição diferente da
fotografia jornalística e da foto publicidade. Ao Salão, fica em aberto a possibilidade
da aparição do novo.
Convite do VI Salão – 2000
78
Outro ponto a ser mencionado são as homenagens feitas como forma de
reconhecimento pelo trabalho dos fotógrafos pioneiros, bem como dos mais
expressivos. Ato esse de valorização do trabalho desses profissionais que tem uma
grande importância para a cultura fotográfica do Piauí. Alguns nomes têm sido
lembrados ano a ano, como por exemplo: Euclides de Mello Marinho, o “Louro”,
Guilherme Müller, Ademar Danilo, o “Carioca”, José Medeiros, Antônio Quaresma,
dentre outros. A enumeração desses nomes (re)constroe parte do cenário
fotográfico, nomeando figuras que fazem parte da história da fotografia no Estado.
Diante dessa reflexão, o peodo que o Salão está sendo explorado
corresponde ao tempo que vai de 1995 até 2005. Referindo-se aos últimos anos do
século XX e início do XXI. O Salão é abordado como o mediador de um tempo,
apresentando-se como um espelho produzido por seus participantes, caminhantes-
fotógrafos da cidade, que fotografam e participam do Salão, que registram a sua
maneira o cotidiano da cidade; as formas de ocupação e uso do espaço e sobretudo,
os modos pelos quais ela é consumida. Proporcionando uma invenção de Teresinas
na sua faceta imagética, a partir de ações datadas e localizadas, que inauguram um
momento singular, único. Uma perspectiva que escapa às estruturas, ao progresso e
a idéia de evolução, mas que privilegia o descontínuo, e ressalta que as produções
de sentidos são localizadas e atravessadas por um tempo particular
(ALBUQUERQUE JR., 2007).
Capa do regulamento do X Salão - 2004
79
O acervo de fotografias do Salão Municipal de Fotografia chama a atenção
não por se constituir na experiência de um sujeito universal de identidade fechada,
mas por ser uma produção de sentidos coletiva de sujeitos multiidentitários, o que
implica em uma questão sobre o olhar e o enxergar, já que essas categorias não são
naturais e dizem respeito a construções sociais: o ato de observar e registrar para si,
através da máquina fotográfica, aquilo que lhe punge, fragmentos do visível que os
fotógrafos imprimem as marcas de seus olhares, de suas relações intimas com as
cidades que habitam seus corpos.
Capa do regulamento do XI Salão – 2005
Nesse contexto, existem dois momentos de consumo nesse percurso
entre as caminhadas do caminhante-fotógrafo pela cidade, a produção das imagens,
a exposição das mesmas e os visitantes do Salão. O primeiro, é o próprio ato da
caminhada solitária ao percorre os espaços da cidade, consumindo o seu visível e
que a partir da máquina fotográfica produz recortes, fragmentos desse visível,
transformando-os em imagens, desnaturalizando a paisagem e produzindo sentido
sobre ela. Esse é o momento da materialização da experiência do caminhante-
fotógrafo e de suas fabricações pessoais da cidade. Este momento da produção de
sentido diz respeito a
uma construção social, um empreendimento coletivo, mais
precisamente interativo, por meio do qual as pessoas na dinâmica
80
das relações sociais historicamente datadas e culturalmente
localizadas constroem os termos a partir dos quais compreendem
e lidam com as situações e fenômenos a sua volta (
BENEDITO &
SPINK, 1999: 41)
.
O segundo momento é aquele em que as fotografias são expostas no
Salão e as experiências pessoais socializadas para o público, permitindo que seus
visitantes, a partir de seus repertórios pessoais, possam observar e apropriar-se da
experiência do olhar do outro o outro como o sujeito fabricante de imagens - uma
forma de apreender o mundo e de produzir discursos. O que proporciona aos
visitantes da exposição não diferentes ângulos da cidade de Teresina, mas a
possibilidade de perceber as diferentes Teresinas. Mostrando que a cidade existe na
diferença e ressoa pela diferença. Desse modo
o recurso da máquina fotográfica estabelece um estranhamento
entre o espaço ambiental e seu uso habitual, permitindo, então
explicar, não só a imagem da cidade, mas a seleção dos seus
ângulos claramente relacionados com o cotidiano. Esta seleção
surpreende o próprio usuário quando dela ele se apropria através da
imagem fotográfica revelada, e isto constitui estímulo para a
verbalização do uso como significado da cidade (FERRARA, 1988:
77) .
XII Salão de 2007.
Fotografia produzida para a pesquisa.
Pensando um percurso, as fotografias participam de um processo que vai
desde a sua produção (captura e revelação), circulação (exposição) e consumo
(visitação do público). Pode-se, a partir daí, pensar em uma economia da imagem
81
que explora a fotografia a partir de suas possibilidades, seja por uma abordagem da
fotografia como um artefato cultural, um canal de expressão e de produção de
sentidos. Desse modo, a fotografia esta sendo explorada como um lugar de
acontecimento da história; ela também pode ser compreendida como um registro
“testemunhal” imagético, um dado de memória de algo que foi “congelado” do
passado, uma espécie de depoimento; ou como um objeto de arte que suscita
discussões entorno da cnica, da estética e da sensibilidade da relação entre a
natureza do olho e da cultura do olhar.
A oportunidade de observar as imagens de uma cidade produzidas por
seus habitantes é um rico canal que possibilita um diálogo constituído entre a
cidade, os seus habitantes e como eles a inventam a partir de imagens fotográficas.
Através desse acervo fotográfico percebe-se o quanto é fluido, disperso e múltiplo os
elementos constitutivos da cidade enquanto espaço de uso coletivo. Estes
elementos citadinos interpelam, atravessam e se imprimem nos corpos dos sujeitos
que a habitam, participando dos mais diversos processos. Nesse sentido, Para Marly
Ribeiro Meira (2003: 52) “as imagens mostram a exterioridade de fenômenos
intersubjetivos que se concretizam em gestos, formas, agenciamentos culturais,
através dos quais a sociedade exerce sua criatividade”. Dessa forma, “a linguagem
não é um veículo de passagem-e-salvação. Ela é, em si mesma, criação de mundos.
Veículo que promove a transição para novos mundos; novas formas de história”
(ROLNIK, 2006: 66).
XII Salão de 2007.
Fotografia produzida para a pesquisa.
82
Desse modo, as fotografias do Salão possibilitam um panorama da
produção amadora e profissional local, que expressa boa parte das características
fotográficas discutidas na primeira parte desta bifurcação, que tem como alguns
nomes representativos, como Paulo Barros, Mauricio Sipaúba, Paulo Gutemberg,
Luciano Klaus, Dogno Içaiano, Aureliano Muller e Antonio Quaresma. Na
amostragem das fotografias premiadas é possível observar que no transcorrer das
edições do evento, a recorrência de imagens que retratam a cidade visível, correlata
dos cartões-postais, é superior em número a cidade praticada, que tem como
característica a figura de pessoas comuns usando e explorando as possibilidades da
cidade. No entanto, o transcorrer dos anos vem mostrando uma mudança dessa
postura, e uma inversão dessa ordem. E a respeito da abordagem da cidade de
Teresina nas fotografias do Salão e uma possível relação desta produção com os
temas propostos a cada ano, Kleiton Marinho ressalta que
muitas vezes os temas eram abertos, por exemplo, “Teresina, sua
gente, sua cor”. Mas mesmo com uma temática aberta a maioria das
fotos inscritas foram de prédios. Mas a gente botava, “os sons de
Teresina”, vinha fotografias de prédios. Depois que se acabou
com a temática, comamos a receber fotografias que não tinham
um caráter de cartão-postal. Eu acho que as pessoas associavam o
nome Teresina a prédios (MARINHO, 2007).
Os dirigentes da Fundação Cultural Monsenhor Chaves têm uma
preocupação com a construção de uma coleção de imagens sobre Teresina, o que
fez com que em várias edições o Salão tivesse temas definidos, tais como: Teresina,
sua gente, sua cultura; A Cidade-céu e inferno (as facetas opostas e destruidoras da
cidade); Piauí terra de luz e amor; Teresina 150 anos de prosperidade; Teresina
cartão-postal e Ponto de vista cidade de Teresina. Uma tentativa de fazer com
que os fotógrafos capturassem a cidade com um determinado direcionamento,
atendendo a expectativa da coordenação da Fundação. Esse é um esforço de se
construir imagens da cidade que sejam úteis aos propósitos do município, seguindo
suas intenções na invenção da cidade em sua condição imagética. Isso de tal modo,
que no IV Salão, de 1998, cujo tema foi “Teresina Cartão Postal”, as fotografias
vencedoras foram transformadas em cartões-postais. Cartões estes, que ainda hoje
são encontrados para a venda em bancas de revista e em lojas do Centro de
Artesanato de Teresina.
83
Neste caso, as fotografias do Salão funcionaram para o propósito
desejado pela direção da Fundação por intermédio da Coordenação de Cinema,
Vídeo e Fotografia. Observa-se que os fotógrafos, sem se dar conta estão
trabalhando para a construção imagética de uma cidade instituída. Tais como se
observa no folder abaixo:
Convite do IV Salão - 2002
No conjunto das fotografias do Salão percebe-se que existem alguns
temas recorrentes, como por exemplo, as mudanças nos espaços da cidade (a
verticalização da cidade, as ocupações de terra, o desaparecimento das casas
antigas do centro para dar lugar a estacionamentos); os lugares de identificação
(prédios públicos, igrejas); temática associadas aos rios (barcos, pescadores e
pontes); questões sociais (mendigos do centro da cidade, casebres, pessoas com
semblante de sofrimento) e a natureza (flores, plantas em geral e animais); esses
são basicamente os motivos ou temas, da maior parte dos fotógrafos. O que pela
regularidade das ocorrências, termina criando uma gramática visual da cidade, ou
seja, padrões que se repetem nos registros, perpassando o conjunto, dando-lhe um
84
caráter afirmativo de certos conceitos, como o motivo temático e os signos
representados nessas fotografias.
Capa do Regulamento do XII Salão - 2006
As fotografias do Salão demonstram que existem muitas imagens de uma
mesma cidade, fragmentos microscópicos que, às vezes, não são permitidos aos
olhos no momento que se pratica a cidade. Esses retalhos do visível são
possíveis de serem observados depois de capturados e expostos pelo seu criador:
“o fotógrafo que busca imagens percorre seu campo de trabalho como quem revira
um monte de sucata em busca de uma peça que sirva a um novo fim proposto”
(ENTLER, 2005: 280).
O Salão Municipal de Fotografia de Teresina constitui um lugar de
encontro de pessoas, de cruzamento de linhas, de convergência de fluxos, um lugar
que concentra olhares na produção de sentidos sobre a cidade. Oportunizando
compreender como a cidade de Teresina está sendo percebida, consumida e
fabricada, através da imagem fotográfica. Logo, as fotografias funcionam como
detonadoras de idéias, suscitando diálogos e conexões com as práticas sociais. Elas
deixam vazar sensibilidades através de seus signos, o que desperta a atenção para
a composição de ambientes, de cenários, de cidades. Elas avançam sobre o limite
85
do olho e inventam uma imagem pós-olho, instaurando em seu tecido fotossensível
realidades que nem é a que foi, nem a que é, mas o registro materializado de uma
experiência.
No entanto alerto que há uma incongruência com a preocupação expressa
nos regulamentos de divulgação do evento, que eles mencionam uma
preocupação com a memória fotográfica da cidade, e o que se encontra são
fotografias “arquivadas” em envelopes pardos sem uma organização adequada para
um acervo de imagens. Em alguns casos, faltando informações a respeito dos
fotógrafos; quanto à categoria dos participantes se profissionais ou amadores e
também quanto ao ano do registro fotográfico. Elas ficam juntas umas das outras,
sem um mínimo de cuidado com a preservação do material.
É perceptível que não houve e nem há, um tratamento profissional de
catalogação das imagens e das informações que as cercam, tais como: ficha de
inscrição dos participantes e título das fotografias. O que atesta uma falta de
profissionalismo e a displicência do órgão que gerencia a cultura no município de
Teresina, bem como da Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia. No entanto,
isso traz uma reflexão, a da falta de pessoas especializadas e de investimentos
financeiros para dar um tratamento adequado às produções e acervos culturais
deste tipo. Desse modo, questiono: qual o real interesse da Fundação Cultural
Monsenhor Chaves na preservação deste acervo?
Desse modo, os caminhos desenhados nesta bifurcação, somados aos da
bifurcação anterior circulam entre passos e olhares, entre o consumo do visível, a
produção de sentidos no cotidiano e os modos de subjetivação da cidade de
Teresina. Uma reflexão que captura a cidade de Teresina pelo prisma das imagens
fotográficas, possibilita não só a percepção de sua subjetividade, mas também a das
sensibilidades que atravessam sua história. É desse ponto que se fazem
necessários estudos que compreendam a cidade de Teresina dentro das suas
multiplicidades. Acreditando que a cidade é não o lugar do calculo dos espaços,
mas também, e principalmente, o lugar da imaginação, das pontes invisíveis que se
alçam sobre a ordem gestora criando travessias-táticas. Bem como, o consumo
plástico desse empório de muitos estilos, possibilita a invenção de um caleidoscópio
de imagens. Produções de sentidos realizadas por sujeitos no cotidiano ordinário.
86
BIFURCAÇÃO III
O Salão Municipal de Fotografia em Foco: subjetividades e o
consumo do visível na fabricação de Teresinas
Foto: Irineu Santiago
sujas lâmpadas da cidade. / no limite entre ordem e desordem
ainda não ser equilíbrio. / entre caos e o padrão / como viver a cidade?
ainda imaginar o chão / de sementes pacificadas?
construir em cada prisão um rumor de liberdade afinal / como saber a cidade?
no sonho talvez de todos / - mas por onde começar / realidade?
tecer reter a voz / todas as vozes / verdade?
nem um nem mil nem bem nem mal / nem somos nós toureiros matemáticos
de algébrica solução sideral. / rimamos só o possível / não o fim ao seminal.
(tecemos só o plausível não o sangue ao ideal).
Afonso Henriques Neto
87
3.1 Virada visual, subjetividades e apropriações.
No Baú de Miudezas que é a cidade, a fotografia configura-se como um
instrumento através do qual operadores do pensamento social têm escolhido vê-la.
O olhar que está nesse momento por trás da câmera e preparando-se para disparar
o flash, parte da perspectiva de que a cidade é um empório de estilos, de modo que,
o que quer que venha a capturar, constituirá mais um elemento para o inventário
deste Baú.
Após ter discutido como alguns historiadores desta cidade a abordam e
apresentado algumas perspectivas horizontais para se pensar a cidade como campo
de exploração para estudos, fez-se necessário apresentar algumas linhas que
desenham o bordado das experiências fotográficas no Brasil e a história da
fotografia em Teresina, até o advento do Salão Municipal de Fotografia. Após este
passeio por cidades e por experiências fotográficas, segue-se um outro, o de
observar como a cidade de Teresina está sendo fabricada imageticamente por seus
caminhantes-fotógrafos.
Partindo do pressuposto formulado por Susan Sontag (2004: 136), que
segundo o qual “o realismo fotográfico pode ser definido não como o que ‘realmente
existe’, mas como aquilo que eu ‘realmente” percebo’, o meu olhar sobre as
fotografias não pretende alcançá-las em sua porção de veracidade
13
, de essências,
de realidades interna e externa, e nem nas suas informações ocultas. Minha
intenção é identificar as subjetividades que permeiam os fotógrafos no momento de
inventar imageticamente a cidade de Teresina. Nesse sentido, esta bifurcação
trabalha com as fotografias a partir de agrupamentos temáticos, num esforço de
abarcar os temas mais recorrentes, procurando perceber as construções imagéticas
em caráter relacional, atentando para as continuidades e deslizamentos que
atravessam o conjunto de imagens do acervo do Salão, na relação com as
experiências da construção visual do social.
Nos últimos anos a fotografia tem ocupado um espaço considerável no
campo das produções acadêmicas por todo o Brasil, chamando a atenção por ser
13
O que uma fotografia pode revelar ou esconder, isso depende das questões colocadas a ela e de
como é explorando o leque de potencialidades que lhe pertencem, como pode ser observado no filme
“Depois Daquele Beijo” (1966), que explora a fotografia na tênue fronteira estabelecida entre o real e
o ficcional. Assim, a fotografia não se resume a uma ou a outra relação, mas a muitas delas e,
inclusive, ao mesmo tempo, não se restringindo apenas a uma relação de verdadeiro ou falso.
88
uma linguagem diferente, e até então pouco explorada. Dessa forma, muitos
historiadores têm-se voltado para a fotografia com intensidade, utilizando-a como
recurso investigativo para se explorar o passado e também o presente. Abordando-a
de forma plural, utilizando-se de cartões-postais, de álbuns de família, de acervos de
Foto Clubes, de revistas ilustradas, de fotos jornalísticas, etc.
Os debates em torno de uma cultura visual e da utilização de imagens em
pesquisas no campo da comunicação e das ciências humanas tem se desenvolvido
bastante. Diante disso, alguns estudiosos vêm sinalizando para uma nova “virada”
no cenário das ciências sociais. Depois do caminho aberto pelas discussões da
virada lingüística nos anos 70 e dos estudos culturais, com a virada cultural nos
anos 80, estas movimentações apontam para o campo dos estudos sobre imagem.
O autor W. J. T. Mitchell “propôs nos anos 90 que o que estaria acontecendo seria
uma pictorial turn para tratar a discussão teórica que se desenvolveu sobre a
imagem” (W. J. T. MITCHELL apud KNAUS, Paulo, 2006: 106), algum tempo depois
foi a vez de Martin Jay sugerir “a substituição da categoria de pictorial turn pela de
visual turn ou virada visual. Abandonando a ênfase no pictórico, ou figurado, para
atenuar o visual e a visualização” (MARTIN JAY apud KNAUSS, 2006: 107).
No contexto que é desenhado pela pós-modernidade como condição
histórica das sociedades complexas e da presença do hibrido, como elemento que
atravessa os processos da contemporaneidade, a cultura visual ressoa como
inerente ao cenário que acabou de ser mencionado. Como discussão do universo
acadêmico, os estudos visuais apresentam-se como um desdobramento dos
estudos culturais e do diálogo multidisciplinar que envolve a história da arte; as
teorias da comunicação; as discussões em torno do alargamento do conceito de
cultura, proporcionadas pela antropologia; as questões sobre a espetacularização da
sociedade através das imagens, levantadas pelas ciências sociais e as
problematizações feitas pela história, ao abordar as imagens como canal para se
conhecer o passado. Desse modo, Paulo Knauss esclarece que
os estudos visuais, seguindo a inspiração dos estudos culturais,
defendem que os sentidos não estejam investidos em objetos. Ao
contrário, o conceito de cultura visual sustenta o pressuposto de que
os significados estão investidos nas relações humanas. É nesse
sentido que a cultura é definida como produção social e, por isso, o
olhar pode ser definido como construção cultural. Nesse sentido, as
definições materiais e tipológicas dever ser concebidas como
89
elementos do processo de significação. O objeto individual é
integrado numa ampla rede de associações e de valores que
integram as competências visuais (KNAUS, 2006: 114).
Desse modo, a intensificação do olhar como instrumento guia da viagem
pelas paisagens pós-modernas, em que as imagens têm ocupado um lugar
privilegiado nos debates sobre linguagem, na qual, os estudiosos recentes das
imagens têm reivindicando que se desenvolvam mecanismos de leitura e de análise
que não sejam tomados de empréstimo da lingüística
14
. Segundo W. J. T. Mitchell
a cultura visual pode ser definida não apenas como o estudo da
construção social do visível em que se operam imagens visuais e se
realizam a experiência visual. Pode ser também entendida como o
estudo da construção visual do social, o que permite tomar o
universo visual como terreno para examinar as desigualdades
sociais (MITCHELL apud KNAUS, 2006: 108).
As questões que circundam os estudos visuais pertencem às duas últimas
décadas do século XX. O que aponta para uma nova postura das ciências humanas
para com as imagens, isso porque, na contemporaneidade, elas passaram a ocupar
um espaço preponderante nos processos de subjetivação, inclusive passando a ter
um papel transformador. “A cultura visual serve para pensar diferentes experiências
visuais ao longo da história em diversos tempos e sociedades” (KNAUS, 2006: 110).
Em consonância com o que se propõe sobre a cultura visual, Antonio Fatorelli
explica que em diferentes momentos da história, os processos de subjetivação
mantiveram relação direta com os dispositivos fabricadores de imagens. Deste
modo, ao se apropriar de Jonathan Crary, ele mostra que esses dispositivos tiveram
papéis diferenciados no Renascimento com sua perspectiva pictórica; na época
Clássica com a câmera escura e no período Moderno com a câmara clara
15
.
Indicando que as diferentes experiências imagéticas no transcorrer do tempo
proporcionaram diferentes modos de existir, assim como diferentes processos de
subjetivação. De tal modo, que
o surgimento da fotografia significou uma mudança radical do papel
da visão, uma mudança que dependeu da maturação de
concepções particulares sobre entidades tão abstratas como o
tempo e o espaço e de um reposicionamento do observador. (...)
14
Ver essa discussão de forma mais aprofundada em Meneses, 2005; Knauss, 2006.
15
Ver essa discussão mais ampliada em Fatorelli, 2003.
90
Tratava-se da emergência de novos processos de subjetivação,
socialmente compartilhados, que inscreveram de maneira oblíqua os
saberes técnicos e os dispositivos óticos que mobilizaram,
deslocando-os, reposicionando-os. Tal mudança significou,
sobretudo a substituição do termo referencial pelo relacional, em
que o corpo faz a diferença (FATORELLI, 2003: 37).
Tal como Antonio Fatorelli, Susan Sontag (2004, 115), aponta que a
“necessidade dessa visão fotográfica ter de estar sempre se atualizando, por pena
de se tornar obsoleto ou de se quebrar como um cristal, ou as duas coisas”. Essas
modificações no olhar fotográfico é o que proporcionou ao longo do tempo diferentes
abordagens com relação ao ato fotográfico e a relação humano/máquina. Assim,
Antonio Fatorelli identifica três possíveis momentos que singularizam a prática
fotográfica ao longo de sua existência:
estes três momentos são marcados pela presença de três tipos de
sujeitos, ou três processos de subjetivação que, pelas distâncias
que apresentam entre si, merecem ser singularizados: um sujeito
psicofisiológico, um sujeito da consciência e do inconsciente, e um
sujeito maquínico ou simulado predominância sucessiva do olho,
do aparelho psíquico e das redes neurais ou ainda, considerando-se
a natureza da matéria: do carvão, do carbono e do silício
(FATORELLI, 2003:58)
Este primeiro sujeito de que fala Antonio Fatorelli está localizado na
segunda metade do século XIX e a sua experiência com a tecnologia fotográfica é
de exterioridade, a máquina é uma extensão da visão e, portanto, não uma
integração com o corpo. O segundo sujeito está localizado na década de 1920 e
este, está envolto com os movimentos de vanguarda do modernismo, no qual a
produção imagética está fortemente mergulhada na interioridade do fotógrafo e
voltada para uma produção abstrata, existindo uma relação com o conceito
freudiano de inconsciência.
Um terceiro sujeito, mais contemporâneo, que pelas experiências
acumuladas ao longo do tempo absorveu a quina como parte de seu corpo e
elemento constitutivo para se pensar a criação. Ele também não é mais um sujeito
identitário psicológico ou sociológico, portanto encontra-se completamente
fragmentado e multidentitário
16
. Ao passo que o seu universo é cada vez mais virtual
e a todo instante é bombardeado por imagens e informações descartáveis. Desse
16
A discussão sobre identidade, como abordada aqui, pode ser encontrada em Hall, 1998.
91
modo, a produção deste sujeito está imbricada nos recursos técnicos da máquina,
situando-se no eixo do artifício e na simulação.
Após algumas observações sobre a virada visual e algumas experiências
subjetivas a partir da fotografia, faz-se necessário relacionar esta dissertação em um
contexto de outros trabalhos acadêmicos. Logo, na tese de Zita Rosane Possamai,
“Cidade fotografada: memória e esquecimento nos álbuns fotográficos de Porto
Alegre décadas 1920 e 1930”, de 2005, a fotografia é um meio para se enxergar a
cidade e para isso ela se utiliza de álbuns fotográficos de vistas urbanas. Assim,
observando a constituição dos álbuns percebe-se que uma arranjo nas
fotografias, na qual, elas são montadas a partir da sensibilidade do seu fabricador,
tendo como fio condutor uma intenção de comunicar mediante a disposição das
imagens ao longo das páginas do álbum. Nesse caso, as fotografias encontram-se
organizadas e ordenadas em um compêndio. O conjunto das imagens estão
amarradas umas nas outras pelo interesse do seu construtor. O álbum traz em si a
ilusão de uma unidade, de uma uniformidade, de um percurso acabado.
na tese de Fabiana de F. Bruce Silva, “Caminhando numa cidade de
luz e sombra: a fotografia moderna no Recife na década de 1950”, também de 2005,
a fotografia é o tema e esta sendo apropriada em sua relação com a arte fotográfica
e a sensibilidade estética da fotografia moderna. Aqui o alvo é o Foto Cine Clube do
Recife e seus fotógrafos amadores associados, levando em conta as suas
produções em torno da estética, das questões técnicas do aparelho e da experiência
fotográfica enquanto moderna.
Fabiana F. Bruce Silva elege um sujeito chave para sua pesquisa,
Alexandre Berzin, este a levará a percorrer a arte fotográfica no Recife e seu
exercício de, ao mesmo tempo se integrar a uma movimentação que ocorria em
âmbito nacional e de se singularizar nos fluxos do movimento fotoclubista. As
fotografias trabalhadas são as da Coleção Alexandre Berzin/Foto Cine Clube do
Recife. Desse modo, as fotografias analisadas são de um grupo de fotógrafos que
estavam envoltos de uma perspectiva comum, a da fotografia moderna. Assim o
Foto Cine Clube do Recife era um laboratório uma “escola do ver” como usa Fabiana
F. Bruce Silva.
Esta dissertação se assemelha ao trabalho de Zita Rosane Possamai
enquanto aquilo que se quer ver: a cidade. No entanto, segue um caminho de
trabalho distinto dos dois já citados. No mais, os três acervos em questão tem
92
características bem diferentes: se no primeiro caso, as fotografias estão organizadas
entorno de uma intenção que as integra e as une, na segunda elas se articulam pela
perspectiva do trabalho dos fotógrafos em grupo, no caso do acervo do Salão
Municipal de Fotografia, as imagens encontram-se dispersas e ressoando na
diferença, na qual, a única unidade que se observa são as de séries que se agrupam
entorno de alguns temas recorrentes, o que dá ao acervo uma abertura temática.
O que quero dizer com isso é que o acervo abordado por esta pesquisa, o
do Salão Municipal de Fotografia, possibilita a experiência dos habitantes e da
subjetividade do olhar exercida por eles. Pois em um álbum se coleciona fotografias,
em um Foto Cine Clube as fotografias são produzidas por um grupo que está unido
por uma discussão estética e em um Salão de Fotografias promovido por um
município, o que une as fotografias é o desejo de seus participantes em expor o seu
trabalho.
Desse modo, eu, enquanto pesquisador, tive que criar minhas formas para
ordenar e agrupar as imagens, para criar um efeito de ilusão de unidade. Além do
que, as três pesquisas em questão são bem recentes e contemplam três diferentes
espaços desse país Porto Alegre-RS, Recife-PE, Teresina-PI bem como três
diferentes momentos, apresentando uma diversidade de abordagens e de acervos
pesquisados.
3.2 Um olhar que passeia: Teresinas em circulação
Na condição de última bifurcação, seguem-se algumas séries de
fotografias montadas a partir de temas recorrentes no acervo fotográfico do Salão.
Estas séries foram escolhidas por sua repetição e pertinência quanto às discussões
em torno da história de Teresina. Desse modo, selecionei três séries que apontam
para diferentes aspectos da cidade, formando um mosaico de imagens em uma
narrativa que se desenha na relação entre imagens e texto.
O caminhante-fotógrafo que é o sujeito dessa dissertação permeia a
narrativa com seus passos, seus olhares, seus recortes na geografia urbana e pela
fabricação de suas imagens. A sua experiência é o exemplo de que existem diversas
maneira de consumir e fabricar a cidade imageticamente, agregando novos sentidos
93
a ela. Ao passo que atravessa experiências distintas que se realizaram no decorrer
da história, tais como as apontadas na segunda bifurcação.
Para desenvolver a discussão, construí três séries que atendem a três
diferentes maneiras de subjetivação da cidade de Teresina e que encontram
ressonância em diferentes peodos da história. A primeira delas tem um caráter
panorâmico e cenográfico, ou seja, tem a composição de cartão-postal, expressando
um tipo de subjetividade que apreende a cidade em sua condição de homogênia e
harmônica, atravessada em grande medida pelas sensibilidades da belle époque; a
segunda série mostra uma postura binária e dual, apresentando duas possibilidades,
ao mesmo tempo que tem um caráter de denúncia social, um tipo de subjetividade
alinhada com a da luta de classes, típica atitude do mundo moderno e do século XX;
por último, uma série que é pura mistura, polifonia e movimento, essa demonstra
uma subjetividade mais contemporânea, correlata da pós-modernidade e do século
XXI.
Assim, de agora em diante acompanho os mapas de intensidades
demarcados pelo caminhante-fotógrafo, sigo seus itinerários, observo suas
fabricações fotográficas e suas subjetividades.
3.2.1 - A cidade-cartão-postal ou a cidade dos não-usos.
cartões-postais com sotaque estrangeiro:
esboço de um desejo invisível
congelado na superfície do papel.
(GALVÃO, 2005: 149)
As fotografias escolhidas para compor essa série o exemplares de
fotografias do IV Salão Municipal de Fotografias, as quais, embora sejam todas do
mesmo ano, 1998, expressam perspectivas e temáticas que se repetem
substancialmenteao longo de todas as edições. Essas fotografias tornaram-se
cartões-postais, tendo sido publicadas, distribuídas e comercializadas, marcando um
ponto de permanência na memória dos habitantes diante da cidade de Teresina.
94
Essa série dedica-se a discutir a cidade de Teresina a partir do consumo
que a fabrica como uma cidade-cartão-postal, uma subjetivação permeada pela
condição disciplinar do não-uso, possibilitada apenas pela observação passiva. Uma
invenção que a toma por sua porção de imutabilidade, silenciosa e harmônica.
Assim, a perspectiva de uma cidade-cartão-postal ou cidade-panorâmica apresenta-
se como “um simulacro ‘teórico’ (ou seja, visual), em suma um quadro que tem como
condição de possibilidade um esquecimento e um desconhecimento das práticas
que o constituiram” (CERTEAU, 1994: 171). Ao passo que funciona como um cartão
de visitas, onde se mostra as belezas naturais, a organização da cidade, alguns de
seus marcos históricos e os monumentos.
Dessa forma, o caminhante-fotógrafo ao caminhar pela cidade ocupa o
lugar de alguém que observa à distância, demonstrando um consumo de uma
pessoa que não está imerso na geografia urbana que fotografa, capturando o que
deve ser visto como os elementos principais da cidade, do ponto de vista do que é
instituído. Essa série apresenta um itinerário construído pelo caminhante-fotógrafo,
que inicia pela manhã de um dado ponto da cidade e segue durante todo o dia até o
anoitecer no mesmo ponto de sua partida. Assim, as fotografias estão dispostas em
uma seqüência intencional para dar a idéia de um percurso.
Fotografia 1- IV Salão de 1998, Fotógrafo: José Meireles P Neto,
Título: sítio arqueológico e o Rio Poti, Categoria: amador.
95
A primeira fotografia, início da caminhada, aborda o Rio Poti com os
prédios de apartamentos do lado esquerdo e com a Ponte da Avenida Frei Serafim
ao fundo, é uma fotografia tirada do Sítio Arqueológico da Floresta Fóssil, nos dois
sentidos que essa expressão pode ter para um espaço urbano. São elementos
naturais e urbanos que se fundem nessa fotografia, no entanto não a presença
de canoas ou pescadores, elementos típicos dessas águas.
A cidade-cartão-postal é limpa e insípida, perpassa uma subjetividade
capturada, próxima da de um gestor da cidade. Essa é a cidade em sua porção de
conceito urbano, da utopia urbanística, demonstrando uma sensibilidade típica da
belle époque um projeto de cidade que tem seu momento de emergência no
século XIX. Portanto uma cidade instituída, que
à maneira de um nome próprio, oferece assim a capacidade de
conceber e construir o espaço a partir de um número finito de
propriedades estáveis, isoláveis e articuladas uma sobre a outra.
Nesse lugar organizado por operações “especulativas” e
classificatórias, combina-se gestão e eliminação. (...) Enfim, a
organização funcionalista, privilegiando o progresso (o tempo), faz
esquecer a sua condição de possibilidade, o próprio espaço, que
passa a ser o não-pensado de uma tecnologia científica e política
(CERTEAU, 1994: 173-174).
Fotografia 2 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: Paulo Pinheiro Junqueira,
Título: Igreja do Amparo, Categoria: profissional.
96
Seguindo o percurso, a segunda imagem fabricada pelo caminhante-
fotógrafo é da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, situada no centro da cidade. No
conjunto das imagens que pontuam os principais marcos da cidade, essa fotografia
insinua sobre a importância da Igreja Católica na fundação e construção da história
de Teresina. Percebe-se que no momento específico dessa fotografia o caminhante-
fotógrafo está no chão e constrói sua imagem com a intenção de apresentar a igreja
enquanto poderosa, com uma cruz imensa e as grandes dimensões de sua
construção física, insinuando que os fies que passam a sua porta sentem-se
pequenos diante de seu poder e do poder de Deus. No entanto não fieis na
fotografia, onde eles estão?
A Igreja de Nossa Senhora do Amparo, como marco fundador da cidade
ocupa importante destaque nos capítulos das histórias de Teresina, sendo uma
delas o trabalho de Maria Cecília S. de Almeida Nunes (2005), na qual constrói uma
discussão a partir de sua invenção pela perspectiva lendária, explorando a lenda de
Nossa Senhora do Amparo na relação com a população da Vila do Poti, com a
mudança da capital de Oeiras para Teresina, assim como, também, com a
transferência dos ritos religiosos para o centro urbano que se constituía. Retirando
da Vila do Poti o lugar dos acontecimentos religiosos, a autora expõe que
a lenda de Nossa Senhora do Amparo foi uma estratégia, uma forma
fabulosa de dizer aquilo que era difícil de dizer. Um constrangimento
entre o desejo do povo da Vila do Poti, com o desejo do poder
instituído que a lenda transportou até nós, um movimento que nos
foi dado a conhecer dever dizer o mais comum dos segredos: o
não do povo da Vila do Poti à nova Vila, capital do Piauí, Teresina
(NUNES, 2005: 237)
Desse modo, a invenção de Teresina enquanto capital do Estado é
montada sobre bases planejadas que convergiram na sua construção, a
centralização não dos poderes políticos, econômicos e administrativos, mas
também dos religiosos.
97
Fotografia 3 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: Aureliano Muller,
Título: namorados e anjos, Categoria: profissional.
Dando continuidade ao caminho fotográfico traçado, o dia vai se findando
no por do sol por trás da cidade maranhense de Timom, do outro lado do Rio
Parnaíba. Assim através da necessidade e do desejo dos moradores das duas
cidades, Teresina e Timom, de ligar as suas atividades e de melhor estabelecer
seus trânsitos, a não conclusão de uma das pontes que hoje ligam essas cidades, a
Ponte da Amizade, tornou-se pretexto para que um artista plástico colocasse nas
bases da ponte inconclusa, esculturas que demonstrassem pessoas em provável ato
amoroso, ladeados pela presença da figura de um anjo. No caso da fotografia feita
pelo caminhante fotógrafo, essas figuras de metal que se enchem de vida ao
contemplar o pôr-do-sol, tornando-se quase humanas. Essas esculturas são o que
mais se aproximou da presença de pessoas nessa cidade. Assim, para uma cidade-
cenográfica, habitantes também cenográficos.
98
Fotografia 4 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: José Meireles P Neto,
Título: ponte metálica, Categoria: amador.
O caminhante-fotógrafo ainda registrou o pôr do sol de Teresina sob o Rio
Parnaíba de um outro lugar, agora tendo a Ponte Metálica João Ls Ferreira como
mediadora. Assim, ao longo de algumas fotografias é forte a presença das pontes
enquanto construções que ligam lugares, que atravessam os rios, que proporcionam
a circulação e o movimento. No entanto, elas aparecem apenas como elementos de
arquitetura em uma maquete.
Dessa forma, as subjetividades de uma cidade e de seus habitantes se
constroem no atravessar das linhas molares e moleculares que constituem uma
cidade, nas relações que demarcam lugares e efetivam práticas, sejam elas
instituídas ou não. Nesse campo de flutuação semântica, que é a cidade, os
habitantes constroem suas subjetividades a partir dos agenciamentos que articulam
todas as matérias que se fazem presentes, materiais ou imateriais. Desse modo,
A subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de
diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e
vivida por indivíduos em suas existências particulares. O modo pelo
qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois
extremos: a relação de opressão, na qual o indivíduo se submete à
subjetividade tal como recebe, ou uma relação de expressão e de
criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da
subjetividade, produzindo um processo que eu chamaria de
singularização (GUATTARI, 1996, p.33).
99
Logo, uma perspectiva cenográfica, simulada, arranjada por conceitos que
imobilizam a circulação do movimento e do tempo, estabelece pontos fixos e
engendram processos de subjetivação autoritários, tal como mencionado por Félix
Guattari. As imagens de uma cidade-cartão-postal operam na construção de um
marco na memória, na consolidação da estratificação da cidade como um cenário a
ser apenas observado, e não, usado. Como sugere a fotografia a seguir:
Fotografia 5 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: Antonio Vieira da S Filho,
Título: beira rio luz, Categoria: amador.
Mas a noite chegou. É a hora estranha e ambígua em que se
fecham as cortinas do céu e se iluminam as cidades. Os revérberos
se sobressaem sobre a púrpura do poente. Honestos e desonestos,
sensatos e insensatos, os homens dizem comigo: Enfim, acabou o
dia!” Os plácidos e os de má índole pensam no prazer e todos
acorrem ao lugar de sua preferência para beber a taça do
esquecimento (BAUDELAIRE, 1996: 23).
Nessa cidade vazia e sem lacunas para se inserir, sem corredores, becos
ou mesmo ruas, onde estão esses homens anunciados por Baudeleire, para onde
vão nessa cidade-cartão-postal? Sendo assim, ao final do dia o caminhante-
fotógrafo retorna ao seu ponto de partida, com o seu percurso de passos e
fotografias fabricadas. Ele percorreu alguns dos principais marcos identitários da
100
cidade que suturam os seus habitantes a ela e que constroem as suas identidades,
nesse caso, também como as imagens dessa cidade, fixas e cristalizadas.
Os elementos das fotografias-cartões-postais articulam a construção de
uma identidade cristalizada e naturalizada, que se afirma pelo caráter
unidimensional das experiências sociais, processando-se distante de outros arranjos
em torno da identidade, que articulam-se a partir de agenciamentos intersubjetivos e
pela encenação de diversos papeis sociais, provisórios e móveis (HALL, 1998).
O itinerário fotográfico fabricado pelo caminhante-fotógrafo aponta para
uma cidade-panorama ou cidade-cenário, que apresenta imagens estáticas e frias,
sem tensão, supostamente uma ilusão permeada por uma utopia urbanística. No
entanto, as fotografias insinuam que essa cidade oscila entre a metrópole e a
província religiosa e naturalista de belos pôr-do-sois. Uma cidade dividida entre o
futuro vertical e o correr horizontal das águas, que carregam os dejetos do presente,
suscitando futuras problemáticas entorno da preservação do Rio Poti. Inclusive
como condição de existência e permanência da imagem retratada no cartão-postal.
Desse modo, ao percorrer essa cidade, lembrei que alguns fotógrafos
também fabricaram suas cidades em uma perspectiva de vazio, o que pode ser
percebido na obra do fotógrafo francês Eugène Atget (1995). Mas estas contêm
lacunas para que o observador se sinta convidado a ocupar esse espaço em aberto
com sua imaginação, suas interpretações, especulações e rememorações. No
entanto, as fotografias dessa série não deixam espaço para que sejam penetradas,
nem por seus habitantes nem por qualquer pessoa que a observe, elas são
fechadas como um casulo. Entre rios, pontes, pôr-do-sois, igrejas e prédios de
apartamentos, existe uma cidade sem vida, sem multidão, sem habitantes, e se eles
existem estão muito bem escondidos.
Desse modo, o passeio apresentado pelo caminhante-fotógrafo, que
percorreu o dia até a chegada da noite, aponta para um consumo da cidade próximo
ao dos álbuns de vistas urbanas do final do século XIX e início do XX, como, por
exemplo, o Álbum Artístico Comercial do Estado do Piauí de 1910, uma perspectiva
cenográfica e panorâmica onde também não pessoas, ações ou movimento,
predominando o estático e o imutável.
Como discutido na segunda bifurcação, esses álbuns eram atravessados
por uma perspectiva segundo a qual a cidade era o centro das atenções, das
interferências e dos discursos urbanísticos que davam corpo a novíssimas
101
estratégias de poder que transformaram a cidade em um projeto de disciplinarização
e dominação. Assim, referindo-se às fotografias do início do século XX, Maria
Mafalda Baldoíno de Araújo (2002) se perguntava sobre onde estariam as
pessoas dessa cidade-cartão-postal, fruto das sensibilidades e interesses que
inauguraram o século passado.
Um outro dado pertinente sobre as fotografias do Salão e que entra em
consonância com a perspectiva de cidade apresentada nessa série, é quanto ao
consumo e fabricação da cidade de Teresina que dividem temporariamente as
edições. Percebi que nas edições em que o tema tinha alguma relação com a cidade
de Teresina, havia um predomínio de fotografias de cidade que apontavam para
uma cidade de aspecto físico correlato das identidades cristalizadas e desabitada.
No entanto, quando os organizadores do Salão, a Coordenação de Cinema, Vídeo e
Fotografia, deixaram de adotar temas para o evento, as fotografias em sua maior
parte passaram a incidir sobre uma cidade plural, habitada e apresentando seus
habitantes consumindo a cidade pelos mais variados modos. A essa questão bem
como a da série exposta, poder-se-ia perguntar sobre que concepção, ou idéia de
cidade atravessam os habitantes de Teresina? E mesmo, quais processos de
subjetivação permeiam o cotidiano dessas pessoas, fazendo com que elas
subjetivem Teresina desse modo?
3.2.2 – A cidade-binária ou a cidade-síntese
falos erguidos com janelas obliquas
no ventre do labirinto de Dédalo:
a antena, é a espinha do peixe
que transmite a decadência pelas vísceras condutoras de energia.
(GALVÃO, 2005: 147)
Novamente a seqüência das fotografias foi ordenada de tal modo a
orientar um percurso. O caminhante-fotógrafo marcou suas caminhadas em um lugar
específico da cidade, ou seja, do lugar de onde parou na série anterior. Uma área de
grande especulação imobiliária ocupada por prédios de apartamentos, construções
102
verticais que seguem as margens do Rio Poti, mais especificamente o bairro Ilhotas,
nos quais, seus moradores pertencem à classe média da cidade. Assim, os registros
fotográficos dessa série apontam para uma tensão de classes e para um conflito que
vem se repetindo na história de Teresina, entre as modernas moradias, belas e
planejadas, e os casebres que “teimam” em enfeiar a cidade. Contrariando os que
desejam eliminar a outra face do processo de modernização urbana.
Nessa série, as fotografias apontam que o caminhante-fotógrafo encontra-
se a altura do chão, fabricando suas imagens em profundidade, insinuando que o
que vem ao fundo, no caso, os prédios, suplantará o elemento que está em primeiro
plano, os barracos. As fotografias parecem indicar para duas possíveis situações:
uma de que existem dois universos distintos e compostos por práticas também
distintas, configurando um atrito dessas duas realidades na construção do espaço
urbano teresinense. Como conseqüência, a segunda é a face da desigualdade e
exclusão social provocada por uma possível luta de classes, que ao longo da história
de Teresina vem sofrendo os impactos dos processos de modernização da cidade.
A cidade anunciada é conflituosa, incidindo sobre ela os discursos da
modernidade, do progresso e da exclusão social. Desse modo, retomando a
discussão da primeira bifurcação, sobre a cidade enquanto campo de flutuação
semântica, as fotografias que seguem, exemplificam o atrito entre as linhas molares
e moleculares que constituem a cidade no seu entrelaçar.
Como na fotografia a
seguir:
103
Fotografia 1 - II Salão de 1996, Fotógrafo: Antônio Pires Soares
Título: uma ponte dois mundos, Categoria: amador.
A fabricação desta fotografia captura duas formas distintas de moradia,
tendo entre elas uma ponte, que pela sua posição na imagem não está em condição
de ligação, uma de suas principais funções. Mas numa perspectiva de divisão,
apartando dois mundos. A posição em que a ponte se encontra mais parece um
grande muro. Como expresso em seu título “uma ponte, dois mundos”, o
caminhante-fotógrafo insinua que a ponte está separando o feio do bonito, o atraso
do progresso, provocando uma relação de ambivalência. Dividindo mais que
universos físicos, mas também práticas sociais e valores.
Essa fotografia faz lembrar a cidade de Bersabéia sobre a qual o Marco
Pólo de Ítalo Calvino conta a seguinte história:
em Bersabéia, transmite-se a seguinte crença: que suspensa no céu
existe uma outra Bersabéia, onde gravitam as virtudes e os
sentimentos mais elevados da cidade (...). Fieis a essa crença, os
habitantes de Bersabéia cultuam tudo o que lhes evoca a cidade
celeste: acumulam metais nobres e pedras raras, renunciam ao
efêmero, elaboram formas de composta compostura.
Também crêem, esses habitantes, que existe uma outra Bersabéia
no subterrâneo, receptáculo de tudo o que lhes ocorre de
104
desprezível e indigno, e eles zelam constantemente para eliminar da
Bersabéia emersa qualquer ligação ou semelhança com a gêmea do
subsolo (2003: 107).
A relação que a fotografia suscita, corrobora com a descrição de Ítalo
Calvino. Os prédios ao fundo expressam, imageticamente, a pretensão de alcançar
o céu, enquanto, no primeiro plano, uma moradia triste e antivoluptuosa parece ter
sido construída com os restos daquele outro mundo. Dois mundos que se
completam pela exclusão de um no outro e pela luta de não se reconhecerem.
Seguindo os passos e os olhares do caminhante-fotógrafo, uma outra
imagem é apresentada:
Fotografia 2 - II Salão de 1996, Fotógrafo: Paulo Ricardo Rocha,
Título: estropício, Categoria: profissional.
Se na primeira fotografia uma separação de mundos e cada uma das
habitações encontram-se em lados opostos do Rio Poti, nessa os prédios e o
casebre estão do mesmo lado. A fotografia a impressão de que o prédio, ao
fundo, com sua envergadura, está empurrando o casebre. uma imagem do
abandono, expressiva da luta existente nessa região da cidade. uma batalha que se
pratica com uma grande disparidade entre as duas forças. Uma luta que permeia
105
articulações institucionais e capitalistas, e a resistência na dimensão política do
cotidiano. Assim as linhas molares e moleculares estão entremeadas em seus
movimentos, o nada dividindo esses mundos de habitações distintas. Essa
fotografia indica que as construções modernas ao fundo, estão a suplantar a
construção modesta, a sua frente, e seus moradores, expulsando da região uma
determinada população. Logo, relacionando o conteúdo da fotografia à história do
desenho urbano de Teresina e os discursos e práticas que o organizaram, Alcides
Nascimento acrescenta que “o ordenamento da cidade, realizado de forma
autoritária, é excludente e está relacionado com o afastamento dos pobres da zona
urbana” (2002: 218).
Tal situação, é semelhante à de outros tempos, como os momentos
trabalhados por Alcides do Nascimento ao longo do século XX sobre os processos
autoritários e excludentes de modernização da cidade como exposto na primeira
bifurcação. É como se existisse uma continuidade a discussão das casas de palha e
o embelezamento e planejamento da cidade, bem como aos embates entre poderes
instituídos e habitantes ordinários. O exemplo desta série demonstra uma questão
que permanece na história dessa cidade e que é constantemente reatualizada
através de novas práticas de organização do espaço urbano e de exclusão social.
A discussão construída por Francisco Alcides Nascimento (2002), por
exemplo, sobre os casos de incêndio na cidade de Teresina na década de 1940,
demonstra uma limpeza social na cidade, tal como, a expulsão das populações
carentes de determinadas áreas do perímetro urbano, a fim de que esses espaços
se tornem propícios para a ocupação de moradias salubres e formatadas segundo
leis e saberes modernos. Por esse viés a perspectiva do fogo parece retornar a
história dessa cidade. Se no passado o fogo foi o instrumento de expulsão, hoje
essas práticas são mais sofisticadas e vorazes, tendo ressonância na especulação
imobiliária. No entanto, os discursos do belo, do progresso da “Teresina Cidade
Futuro”, que a tanto tempo permeia os sujeitos que habitam essa cidade estão
intrinsecamente ligados as práticas de exclusão que reatualizam seus mecanismos,
investidos por um outra roupagem.
O tema da fotografia aliada ao seu título, “estrupício”, mostra que nesse
caso, o caminhante-fotógrafo agrega sentido à fotografia apresentando como
negativa a presença do casebre. Assim, ele está a insinuar, que ali não é o lugar
para aquela casa, não é o lugar para uma habitação feia, insinua também que
106
aquela não pertence ao universo do bem morar e do bem estar. O estrupício é o
símbolo do atraso, algo feio, mal feito e fora dos conceitos de habitação salubre.
Alcides do Nascimento ao se portar aos processos de modelização do espaço
urbano empreendidos ao longo da história de Teresina esclarece que
a cidade, ao ter o espaço urbano modernizado e com maior
visibilidade, expulsa os mais pobres para áreas periféricas, sem criar
meios para atender às suas demandas, o que não significa
necessariamente que os pobres não resistam, até mesmo usando
os espaços modernizados (NASCIMENTO, 2007: 211).
Logo, o olhar do caminhante-fotógrafo sobre esta situação, apresenta-se
com uma perspectiva dúbia, oscilando entre uma subjetividade que se processa no
âmbito dos discursos de progresso e modernização da cidade, uma subjetividade
capturada, ou como uma linha de fuga, que escapa ao mesmo tempo que resiste.
Essa discussão é permeada pelos elementos de que fala Michel de Certeau (1994)
ao se referir a Cidade-conceito, como de um espaço organizado racionalmente, de
um tempo controlado e estável, muito bem alinhado e determinado por um sujeito
não diferenciado, e portanto, serializado, anônimo na multidão. Assim,
nessa cidade-conceito, a morfologia o traçado, as edificações, a
infra-estrutura é a categoria que permite elevar um dos aspectos
do fato urbano à condição de totalidade. A conseqüência mais
imediata desta operação é o achatamento da pluralidade de práticas
sociais que interagem no espaço urbano através dos dispositivos
coercitivos e disciplinadores dos planos e planejamentos urbanos.
Os códigos de postura são os instrumentos dessa ação
disciplinadora e que acaba por criar uma massa de excluídos dessa
cidade modelada (CARVALHO; LIMA, 1998: 119).
Novamente a câmera do caminhante-fotógrafo produziu um outro registro
que dá corpo a essa discussão:
107
Fotografia 3 - IX Salão de 2003, Fotógrafo: José Viana de Moura,
Título: sem título, Categoria: amador.
Nessa fotografia, a diferença encontra-se apenas no recorte da paisagem
pelo enquadramento do caminhante-fotógrafo. O que chama a atenção é a lacuna
existente. O espaço vazio convida o observador a preenchê-lo com a sua
imaginação. Ao passo que suscita a possibilidade de ser ocupado por um prédio, tal
como o que se encontra ao fundo na fotografia, indicando que aquela moradia
possivelmente desaparecerá, para dar lugar a uma construção vertical. Ao anunciar
imageticamente que essa construção não deveria estar aí, pois não espaço para
barracos na atual configuração da cidade, como também não existia para as casa de
palha na década de 1940 no centro da cidade.
A essa relação existente entre as linhas molares e moleculares, ou entre a
cidade planejada e os usos e consumos feitos por seus habitantes, Gilberto Velho
(2002) atenta para os projetos de cidade que são colocados em prática pelos
discursos tecnocráticos e empresariais, que articulam saberes científicos e
interesses imobiliários. Projetos estes, que têm suas bases calcadas no modelo de
modernização empreendido nas cidades européias no século XIX, que em sua maior
parte, promoveu políticas de exclusão social e de destruição das “sujeiras” que o
108
passado acumula, produzindo as rugosidades, as nuances, a memória, ou seja, os
sentidos produzidos a partir dos fazeres cotidianos das populações. Desse modo,
o planejamento urbano, apoiado em uma engenharia social que
ignora ou menospreza a dimensão simbólico-cultural, a experiência
e identidades particulares, acaba gerando monstruosidades
autoritárias, ainda por cima, ou por isso mesmo, ineficientes. Por
outro lado, o culto e a reificação do mercado também atropelam, por
sua vez, os interesses e valores de setores e segmentos sociais de
menor poder político e econômico (VELHO, 2002: 41).
No entanto, é enganoso pensar que a vida de uma cidade está somente
sob a claridade proporcionada pela luz da ciência e dos postes de iluminação
pública; pelo planejamento geométrico dos quarteirões, da linearidade das ruas e
avenidas, que de o retas e longas não se o seu fim. um esforço para se
construir uma cidade do bem estar, para que os indivíduos não se estranhem com
os seus espaços e que de tempos em tempos ela é novamente atualizada por uma
nova utopia urbanística, relegando a escombros e a aterros sanitários, toda uma
história microscópica, toda uma produção de sentido e espaços que são referências
identitárias para muitas populações. Dessa forma, o consumo da cidade feito pelo
caminhante-fotógrafo e o seu fabricar imagético, indica que
hoje, seja quais forem os avatares desse conceito, temos de
constatar que se, no discurso, a cidade serve de baliza ou marco
totalizador e quase mítico para as estratégias sócio-econômicas e
políticas, a vida deixa sempre mais remotar àquilo que o projeto
urbanístico dela exclui. A linguagem do poder “se urbaniza”, mas a
cidade se entregue a movimentos contraditórios que se
compensam e se combinam fora do poder panóptico (CERTEAU,
1994: 174).
Os discursos tecnocráticos procuram impor um único modo de subjetivação,
excluindo o que acredita ser destoante de seus projetos urbanísticos, dos seus
modelos de habitação e da ocupação do espaço urbano. Por outro lado, “o que torna
a cidade habitável não é tanto sua transparência utilitária e tecnocrática, mas antes
a opaca ambivalência de suas estranhezas” (CERTEAU, 1996: 191). Mais
precisamente, o as diversas apropriações subjetivas dos espaços que fazem
fervilhar suas possibilidades. Nesse sentido, Félix Guattari explica que
a cidade produz o destino da uma humanidade: suas promoções,
assim como suas segregações, a formação de suas elites, o futuro
109
da inovação social, da criação em todos os domínios. Constata-se
muito frequëntemente um desconhecimento desse aspecto global
das problemáticas urbanas como meio de produção de subjetividade
(1992:173).
Seguindo a aventura do caminhante-fotógrafo e as suas fotografias, é
possível perceber a construção do espaço urbano, tecida pela existência de vetores
que constituem as linhas de força da cidade. Sendo alguns destes, o poder
institucional (gestores da cidade), os representantes do capitalismo (promotores
imobiliários e empresários), os saberes científicos (urbanístico e sanitarista) e os
seres ordinários com suas práticas cotidianas (usos e consumos do espaço). Essas
linhas de força se cruzam, se agrupam, se fundem e também produzem bifurcações,
tangenciam, desalinham. Essa movimentação de interesses e desejos fabrica e
deforma espaços, instaura cenários: fabrica uma geografia urbana.
Assim, observa-se que um continuísmo referente à organização e às
práticas que movimentam as linhas de força no desenhar do espaço urbano de
Teresina no decorrer de sua história. Como na série anterior, a cidade-cartão-postal,
percebe-se que até esse instante sua subjetividade está alinhada ao dos saberes
que instituem a cidade como um espaço dos cálculos matemáticos e dos discursos
disciplinares, que organizam os espaços físicos e os corpos dos seus habitantes.
Seja na cidade homogênia do não uso, ou na cidade da especulação imobiliária e
das práticas de exclusão, o caminhante-fotografo demonstra através dessas
fotografias a existência de subjetividades que permanecem e coexistem, seja a do
discurso utópico urbanístico, seja pela dualidade que permeia todo os movimentos
sociais do século XX entorno das lutas de classe, entre pobres e ricos, patrões e
operários, direita e esquerda.
O consumo adotado pelo caminhante-fotógrafo nessa série demonstra
uma perspectiva comparativa, entre o atraso e o progresso, sobre antigas práticas
de moradia e novíssimos modelos verticais. Uma sensibilidade dualizada que não
aponta outras alternativas, não diferindo das subjetividades presentes nos álbuns
comparativos, publicados sobre Teresina, tais como: Teresina Ontem e Hoje (1992)
e Therezina-Teresina (1994). Ambos apresentam percepções binárias que capturam
a oposição precário e moderno, passado e presente, de tal modo que fazem o
passado tornar-se presente, decorrente da abordagem desse olhar que registra um
embate social entre pobres e ricos.
110
Os dois livros são álbuns comparativos de vista urbana, compêndios de
imagens da cidade de Teresina, ordenados de tal modo que constroem uma
narrativa homogênea levando a um passeio, percorrendo as suas primeiras
construções e prédios públicos até uma arquitetura e organização do espaço
moderno. Existe uma forte relação com a preservação de uma cidade que tende a
desaparecer e com ele os resquícios de um passado. No entanto, essa discussão é
construída pela perspectiva dual, uma relação que também é oposição, entre
passado e presente, o ontem e o hoje, preservação versus destruição. Assim, a
relação entre a série fotográfica apresentada e as duas publicações apanhadas
como exemplos, demonstram que a perspectiva dual é uma das formas de consumir
a cidade compartilhada por parte de seus habitante, ao mesmo tempo em que
compõe sua percepção e sua sensibilidade.
3.2.3 - A cidade-híbrida ou contra-usos da cidade
bifurcações temporárias no predicado das cidades:
bricolagem de arquiteturas móveis
nos ecos polifônicos irradiados pela multidão.
(GALVÃO, 2005: 147)
Ao acompanhar o caminhante-fotógrafo na sua aventura por Teresina, nesse
momento, ele está embrenhado na cidade, se misturando aos acontecimentos e
ações que o rodeiam. Ele está consumindo e fabricando uma cidade que é ocupada
por pessoas, diferentemente das ocasiões anteriores. Essas pessoas estão na
posição de agentes que interferem e participam na construção do espaço físico e
visível da cidade. Essas pessoas comuns e anônimas estão praticando o espaço
urbano, ocupando-os com barracas de camelôs, bancas de verduras e com panos
que expõem artesanatos – é a captura de uma cidade que vibra.
A essas movimentações e possibilidades, Félix Guattari comenta que “as
cidades são imensas máquinas megamáquinas, para retomar uma experiência de
Lewis Mumford produtoras de subjetividade individual e coletiva” (1992:172).
Assim, diferentemente das ries anteriores, que ora apresenta uma cidade fria e
111
estática, e em outro instante, uma cidade dual e limitada em suas alternativas. Essa
é uma cidade híbrida, polifônica e que aponta para contra-usos, nos quais,
diria que as “táticas”, quando associadas à dimensão espacial do
lugar, que as torna vernaculares, se constituem em um contra-uso
capaz não apenas de subverter os usos esperados de um espaço
regulado como de possibilitar que o espaço que resulta das
“estratégias” se cinda, para dar origem a diferentes lugares, a partir
da demarcação socioespacial da diferença e das ressignificações
que esses contra-usos realizam (LEITE, 2004: 215).
O que se a seguir são táticas subversivas que delinqüem as
orientações dos códigos de posturas e os planejamentos urbanísticos, traçados em
gabinetes e escritórios do prédio da prefeitura que dá a ver a Praça Marechal
Deodoro da Fonseca. Desse modo, as lentes do caminhante-fotógrafo capturam os
sujeitos que participam do universo microscópico das práticas cotidianas, insinuando
que os corpos dessas pessoas, enquanto arquiteturas móveis contrastam com
aquelas das séries anteriores móveis e estáticas. A montagem desta série obedeceu
além do tema, o ângulo e enquadramento das fotografias, de tal modo que
proporcionasse a sensação de que a cada novo instante o caminhante-fotógrafo
estivesse aproximando, por meio do zoom, a realidade capturada. Até que se
percebesse as marcas do corpo de um desses sujeitos.
Fotografia 1 - II Salão de 1996 – Fotógrafo: Darci Junior,
Título: sem título, Categoria: profissional.
112
Na primeira fotografia da série, o alvo do caminhante-fotógrafo são as
barracas de camelôs, o seu colorido e sua disposição linear. A sua posição é de
quem está do alto, mas não muito distante, e consegue produzir uma visão
macroscópica em que o ângulo da imagem proporciona a idéia de profundidade e
seqüência das barracas ao longo do Calçadão da Rua Simplício Mendes e de
pessoas que transitam e consomem produtos sem nota fiscal. Uma ação
duplamente subversiva, tendo em vista que estes camelôs ocupam com barracas
um lugar de passagem de pedestres, configurando uma deformação do espaço.
Essa rua, como muitas outras do centro da cidade, que no passado se configuravam
como vias de trânsito de automóveis, hoje estão ocupadas por barracas de camelôs,
contrariando o projeto funcionalista que deu origem a Teresina. O que me fez
lembrar de um poema do Pablo Neruda:
Contarei que na cidade vivi/ em certa rua com nome de capitão,/ e
essa rua tinha multidão/ sapateiros, venda de licores,/ armazém
repletos de rubis./ Não se podia ir ou ouvir,/ havia tanta gente/
comento ou cuspindo ou respirando,/ comprando e vendendo trajes./
Tudo me pareceu brilhante,/ tudo estava acesso/ e tudo era sonoro/
como para cegar ou ensurdecer (1997: 26).
Assim como no poema as práticas neste espaço, efetivadas pelos camelôs
e transeuntes, o transformaram em um lugar, com produções de sentidos e
referências que identificam e territorializam esta rua do centro da cidade, tornando-
se um marco de reconhecimento para a população de Teresina. Um cartão-postal às
avessas, marcada não pelo uso “devido” da cidade, mas por diferentes e variados
contra-usos.
Na mesma fotografia, comporta o letreiro e as vitrines das lojas do
comércio “legal” da cidade, e as dinâmicas das barracas do comércio “ilegal”, que
vendem produtos contrabandeados sem nota fiscal. Essa é uma oportunidade de
observar as linhas e fluxos que compõe a cidade e que a efetivam como tal. Tendo
em vista que uma de suas condições primordiais é a diversidade de usos, de
práticas e de ocupações do espaço. Contrastando com as séries anteriores, nessa
cidade-híbrida ou dos contra-usos, o conflito existente permeia os movimentos de
territorialização e de desterritorialização, de captura e escape. Não se funda na
dualidade de dois opostos, ao passo que aponta para misturas e para polifonia. Para
a condição de um Baú de Miudezas, cheio de situações e movimentos que se
113
combinam, se repelem, que passam ao lado, tecendo uma trama sofisticada de
micro-poderes que desenha a geografia informacional e o visível da cidade, como na
próxima fotografia.
Fotografia 2 – IX Salão de 2003, Fotógrafo: Francisco das Chagas Viana Veloso,
Título: verdureira na calçada, Categoria: Amador
Observando a cidade de Teresina para além da perspectiva geométrica
de um tabuleiro de xadrez
17
, é possível perceber que ela se apresenta como um
labirinto, com passagens secretas, atalhos e vários andares recheados de
significados e ambigüidades. Nesse momento, a cidade está sendo percebida a
partir de Michel de Certeau, ao pontuar que ela se inventa nas práticas de seus
caminhantes, para além da disciplina do olhar panóptico do poder, realizando-se nas
curvas da ordem disciplinar,
mais “embaixo” (down), a partir dos limiares onde cessa a visibilidade,
vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa
experiência, eles são caminhantes, pedestres, cujo corpo obedece aos
cheiros e vazios de um “texto” urbano que escrevem sem poder lê-lo.
Esses praticantes jogam com espaços que não se vêem (CERTEAU,
1988: 171).
17
A discussão entorno do traçado das cidades conhecido como tabuleiro de xadez diz respeito a uma
proposta de planejamento urbano retilíneo e objetivista, que emergiu na história das cidades, no
período da administração de Haussmam na França no século XIX. Essa imagem da cidade de
Teresina pode ser percebida em mapas que datam da década de 1920 (NASCIMENTO, 2002).
114
Desse modo, na segunda fotografia, o caminhante-fotógrafo está ao nível
do chão, olhando diretamente às mulheres que ocupam uma calçada com verduras
e frutas. O olhar do fotógrafo se detêm em um ângulo curto e com pouca
profundidade, diferentemente da anterior. O colorido das frutas e verduras saltam
aos olhos. No uso deste espaço as pessoas o estão fincadas no chão, podem
hoje estar em um lugar, o da fotografia, e amanhã em outro, migram para onde
acreditam ser os melhores lugares para a venda de seus produtos. Efetivam-se
como uma arquitetura móvel, ao mesmo tempo que precária e provisória. Essas
pessoas realizam práticas espaciais que driblam os mecanismos da Cidade-
conceito, reinventam a cidade-cenográfica que se constrói em um entre que escapa
das ciladas da cidade-binária.
Fotografia 3 - IX Salão de 2003, Fotógrafo: Marcelo C. Braz,
Título: arte na praça, Categoria: amador.
A terceira fotografia é um recorte bastante espefico, neste caso o foco
da máquina captura especificamente um sujeito que está trabalhando na Praça Rio
Branco, fazendo suas bijuterias e expondo-as em um mostruário para quem passa,
que esse é um lugar de passagem e onde as pessoas param para sentar nos
115
bancos e descansar. Curioso que atrás do hippie que trabalha de modo
independente e alternativo, não paga impostos e nem tem nenhum direito trabalhista
e vínculo empregatício, existe o letreiro de uma das maiores lojas do comércio de
Teresina. Na mesma fotografia coexistem os elementos do universo do trabalho
“legal” e do que tangencia, fugindo a norma.
Essa fotografia é um amálgama de elementos contraditórios, ambivalentes e
distintos, que se agrupam fugazmente, apenas por alguns instantes e através do
olhar e das lentes do caminhante-fotógrafo. É uma colagem de elementos da
geografia urbana o letreiro da loja, ao fundo, que representa o capital e o hippie,
figura símbolo dos movimentos alternativos de contestação nas décadas de 1960 e
1970 – na construção de uma imagem híbrida.
A opção de colocar as três imagens nesta seqüência é para dar a idéia de
mergulho, descer do alto e se misturar com o que está em baixo, ao ponto de
perceber o artesanato do hippie e suas tatuagens gravadas em seu corpo, que
dizem sobre sua existência singular.
Desse modo, os camelôs, as verdureiras e os hippies, demonstram
práticas dos habitantes desta cidade e formas de ocupação que deformam seus
espaços, dando a eles vida ao invés de um aspecto cenográfico. Assim, onde seria
um passeio público, se tornou um tumultuado corredor de barracas coloridas; onde
seria uma calçada para o trânsito de pedestres, tomou a forma de um mercado a
céu aberto; e onde seria uma praça, lugar usado para o lazer e a contemplação, se
transformou em espaço de trabalho de algumas pessoas.
Segundo Michel de Certeau, essas práticas constituem uma retórica.
Assim, “a arte de “moldar” frases tem como equivalente uma arte de moldar
percursos. Tal como a linguagem ordinária, esta arte implica e combina estilos e
usos” (CERTEAU, 1994: 179). Da mesma forma, também ocorre com as fotografias.
Uma seência ou séries fotográficas indicam percursos e modos de consumos dos
espaços registrados, bem como o lugar ocupado pelo caminhante-fotógrafo no ato
de fotografar, se do chão, do alto ou se de outra circunstância. Assim como, o de
sua subjetividade.
A seqüência dessas fotografias leva a um mergulho nas práticas
cotidianas de pessoas que usam a cidade como suporte para suas práticas de
caminhadas, para se expressar, para consumir, para viver e sobrevivência. logo, as
fotografias dessa série apresentam uma Teresina em que os usos dos seus
116
espaços, ou contra-usos, produzem um amalgama de vozes, formas e práticas
cotidianas. Demonstram também um conflito entre a organização cartesiana e a
apropriação que seus habitantes realizam, tornando-a potente em sua condição
polifônica, através dos sons e do burdurinho das vozes que através dos relatos a
(re)inventam, que a capturam como campo de interlocução e de experiências
sensíveis e sensitivas. Ou seja, em seu caráter babélico, de misturas e de
diversidade, que fissura a rigidez da cidade dos prédios e dos mapas.
E talvez não seja exagerado dizer que Babel expressa também a
ruína de todos os arrogantes projetos modernos e ilustrados, com os
quais o homem ocidental quis construir um mundo ordenado à sua
imagem e semelhança, à medida de seu saber, de seu poder e de
sua vontade, por meio de sua expansão racionalizadora, civilizadora
e colonizadora (LARROSA & SKLIAR, 2001: 8-9).
Essas práticas babélicas inventam passagens e caminhos, constroem
percursos de usos, configuram um conjunto de vozes e sons, tais como os do
musico Hermeto Pascoal. Um experimentalismo que se processa por intermédio do
fazer diário, em que os sujeitos são interpelados pelas subjetividades que permeiam
as maquinarias da cidade. E é necessariamente dessas práticas, que o caminhante-
fotógrafo e os demais habitantes da cidade, constroem seus modos de existência,
mediados pela condição da pluralidade, que “deriva do fato de que o que são
muitos homens, muitas histórias, muitos modos de racionalidade, muitas línguas e,
seguramente, muitos mundos e muitas realidades” (LARROSA & SKLIAR, 2001: 17).
Bem como, cidades.
As fotografias dessa série demonstram que das três cidades apresentadas
esta é a única que mostra Teresina em sua porção de movimento e mistura,
processos híbridos e apropriações, no fervilhar e pulsar da vida. Desses usos,
consumos e ocupações espaciais, a cidade em sua condição polifônica fissura
qualquer cidade do tipo panorâmica ou dual, sobre a qual se pode domesticar e
calcular os passos a serem seguidos ou às práticas a serem realizadas. Em uma
cidade-híbrida a sua realização é criadora, os seus caminhos inventados e as
apropriações dos seus habitantes dão vida ao teatro dos fragmentos.
Desse modo, a cidade-híbrida não é um texto inerte. Ela não é um
panorama totalizante a ser lido unilateralmente, mas antes, e também, ser praticada,
vivida, usada, como demonstra as fotografias um texto móvel, com a potência de
117
suas futuras inscrições. Assim, “a nova grande cidade, com seus incessantes fluxos
comunicativos, modela e reproduz a fragmentação e a justaposição dos cenários
contemporâneos pós-modernos” (CANEVACCI, 1993: 81)
A cidade em seus fragmentos-protozoários, micrologias que são
percebidas da posição de quem se coloca no chão, apresenta um espetáculo em
que muitos pápeis são representados. Nessa cidade pós-moderna, a verticalização
visual e material dos prédios, contrasta com a dissolução das práticas sociais
urbanas que se estendem como um rizoma: uma aparente desordem a reinventar a
decrépita ordem hierarquizada e modelada em escritórios. Lugar de onde não se
enxerga os mapas de intensidade, os passos desconcertantes, os becos, assim
como, a vida e as produções de sentidos que vibram nesses entremeios. Desse
modo, a cidade
existe em função de uma circulação e de circuitos; ela é um
ponto assinalável sobre os circuitos que à criam ou que ela cria. Ela
se define por entradas e saídas. É preciso que alguma coisa aí entre
e daí saia. Ela impõe uma freqüência. Ela opera uma polarização de
matéria, inerte, vivente ou humana; ela faz com que o phylum, os
fluxos passem aqui ou ali, sobre as linhas horizontais (DELEUZE &
GUATTARI, 1997: 122).
Essa cidade caótica do cotidiano, da desordem das calçadas, da
ocupação das praças por hippies, artesões e desempregados apresenta-se distinta
daquelas outras, das paisagens acépticas ou da existência binária. Diferencia-se dos
mapas que indicam lugares fixos, nomes próprios e dimensões geométricas exatas.
A cidade-híbrida ou dos contra-usos, aponta para uma possibilidade de existência
em que a cidade é consumida antropofagicamente, na qual, seus habitantes-
caminhantes deformam sua exatidão, sua higiene, invadindo os espaços intocados,
mudando o curso das calçadas e interrompendo ruas.
Assim, a cidade apresentada como um campo de flutuação semântica se
fabrica nas práticas de seus habitantes, ao produzirem um variado repertório de
sentidos, que não são outra coisa “senão o inesgotável do significado, o disperso,
confuso e infinito do significado, ou dito de outra forma, o movimento vertiginoso do
intercâmbio, do transporte e da pluralidade do significado” (LARROSA & SKLIAR,
2001: 8). São essas produções de sentido no cotidiano que caracterizam a cidade-
híbrida como palco de estilos de vida, de modos de existência e de que as
118
subjetividades existentes nessa cidade diferem das que permeiam as cidades
apresentadas nas séries anteriores.
Relacionando essa série a outras experiências do universo fotográfico
teresinense, o livro Teresina de Paulo Gutemberg de Carvalho Sousa (2004) é um
inventário imagético de Teresina, que mescla fragmentos de sua arquitetura e das
pessoas que ocupam os seus espaços. O autor brinca com as imagens que são
possíveis de serem fabricadas pela cidade, através de recortes que exploram o
amalgama de informações e as misturas proporcionadas pela diversidade da
linguagem urbana. Existe aqui, uma subjetividade que escapa a dos livros Teresina
Ontem e Hoje e Therezina/ Teresina e que é semelhante a da série discutida.
Desse modo, a perspectiva do autor-fotógrafo do livro Teresina, é da
multiplicidade que a cidade oferece aos olhos de seus caminhantes, tais como,
recortes obtusos da paisagem cotidiana. Um consumo diversificado que aponta para
a cidade enquanto potência de informação e de riquezas ao olhar que circula e
passeia por suas nuances, seus reflexos e suas formas.
Logo, as séries apresentadas são itinerários fotográficos capturados por
olhares que passearam e circularam consumindo o tecido visível de Teresina. São
elementos do Baú de Miudezas que dão corpo ao campo de flutuação semântica de
que pertencem às produções de sentidos dos seus habitantes, realizadas nos entres
do cotidiano. O movimento como condição primordial das cidades provoca misturas,
processos heterogêneos através da montagem e colagem das línguas envolvidas no
universo urbano fabricam elementos híbridos e engendra processos de
subjetivação, pondo em circulação Teresinas.
Após percorrer esse percurso de imagens e palavras é possível observar
que o conhecimento sobre o presente, ou seja, suas práticas e subjetividades, não
se da apenas através de experiências diretas e pessoais. As Teresinas discutidas
aqui foram construídas através de informações advindas de caminhadas, fotografias,
leituras e relatos orais de um universo que sutura um universo contemporâneo com
o passado, não constituindo-se o resultado em nenhuma das duas margens do rio,
mas sim na terceira margem como diriam Durval Muniz de Albuquerque Jr (2007)
através de Guimarães Rosa, ou seja, o meio de uma experiência, de uma prática
como explica Michel Foucault ao se referir a história.
O acervo do Salão Municipal de Fotografias e as demais fotografias
consultadas, tais como: publicações de álbuns de vistas urbanas, álbuns
119
comparativos e cartões-postais, apontam para um universo citadino que misturam
experiências da ordem empírica das caminhadas, da visitação de exposições e da
consultas de livros. Instâncias que fabricam as experiências coletivas diante de uma
cidade, que fazem conhecer as possibilidades do vim a ser de suas histórias.
120
Desenhando uma travessia, algumas considerações
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei.
Manoel de Barros
.
As palavras de Manoel de Barros apontam para dois momentos distintos
dessa travessia. Uma deles, a da dificuldade de se escrever sobre uma temática
incomum e inusual entre os historiadores; e a outra, a do silencioso momento da
leitura e da escrita, por vezes atravessado por sicas. Inspirando-se nessa
passagem de Manoel de Barros e nos poemas de outros tantos poetas escolhi a
aventura de percorrer os becos escuros, os territórios promíscuos, as vielas sujas e
às vezes sem saída, às avenidas iluminadas e por onde muitos haviam passado,
reiterando as mesmas posturas, formulas metodológicas e discursos. Ao invés do
sabor corriqueiro oferecido, preferi experimentar um gosto novo, a fim de inventar
mais uma possibilidade. Diferentemente de um método escolhi uma atitude, a de
inventar o meu próprio caminho, seguindo rua após rua ouvindo nos headphones
uma música do Raul Seixas em que ele diz: “não sei onde estou indo mas sei que
estou no meu caminho, enquanto me criticam estou no meu caminho”.
Este é o instante de falar sobre um percurso que foi desenhado, de uma
cidade construída com palavras e fotografias. No entanto, a caminhada continua
pela cidade e rumo a outras. Estas palavras não configuram propriamente um fim,
mas o momento de uma travessia que foi provisoriamente concluída, existindo ainda
tantas outras.
O que fiz ao longo de dois anos foram escolhas que obedeceram ao meu
gosto, ao meu desejo. Portanto, fabriquei, novos elementos para o Baú de
Miudezas, que vêm a se juntarem com os demais, na composição do um campo de
flutuação semântica. Assim, este trabalho é uma possibilidade dentre tantas, é uma
voz que vem a encorpar o corro da polifonia citadina e uma contribuição para os
estudos que abordam a cidade pela perspectiva da subjetividade.
Acredito que o conjunto deste trabalho funcione de tal modo a dar conta
das questões levantadas, de modo que, o formato de cada bifurcação consegue
responder por si a questões distintas: a , a questões da cidade e de suas
121
abordagens; a 2° a experiência fotográfica no Brasil e em Teresina e a 3° a
fabricação imagética de Teresinas. As 3 bifurcações constituem um labirinto,
composições de caminhos: linhas e fluxos que desenham experiências e
subjetividades heterogêneas.
A fotografia é a retenção de um acontecimento, por vezes sem
importância, e que em algumas situações, só tem a duração da insignificância de um
instante. Mas o que seria algo imperceptível torna-se visível e apreensível, por conta
da percepção do olho e do registro feito através da máquina fotográfica, convertendo
o insignificante em conhecimento através dos fragmentos que passam ao lado, sem
serem notados. Assim, o caminhante-fotógrafo é um vasculhador da Cidade-Baú-de-
Miudezas e que agrega a ela mais elementos, muitas vezes, fantásticos. Esse
caminhante-fotógrafo é um inventor, ele fabrica imagens a partir da luz e do seu
oposto, a sombra, não fazendo de sua prática um ato de coletar.
Sendo assim, plasticamente a cidade é um impacto informacional e o lugar
do olhar, por onde ele viaja e circula. É por esse passeio do olhar, mediado pelos
demais sentidos, que o olho se apresenta como um importante instrumento para se
apreender as informações do espaço urbano, decodificando-os pelo contato visual
das formas, as texturas e as cores da cidade. A utilização de fotografias para
explorar o cotidiano de uma cidade é a seqüência dessa viajem do olho, só que, pela
experiência do outro, na medida que este, faz o registro pela mera fotográfica. É
como explica Lucréssia de d’Aléssio Ferrara, ao afirmar que a utilização da máquina
fotográfica “estabelece um estranhamento entre o espaço ambiental e seu uso
habitual, permitindo, então explicar, não a imagem da cidade, mas a seleção dos
seus ângulos claramente relacionados com o cotidiano” (1998:77).
Pensando nisso, ler fotografias tem algo a ver com a aventura de percorrer
labirintos de signos, guiado pelo desejo, não de encontrar a verdade da imagem ou
de decifrar um enigma, mas de descobrir que ela guarda vários possíveis.
Apropriando-se do que Jorge Larrossa explica sobre o que seria um processo de
leitura como tradução, faz-se necessário lembrar que, essa perspectiva pode ser
aplicada a qualquer modalidade de linguagem, inclusive a fotografia. Tendo em
vista que a leitura é uma operação que se dá entre as línguas, e entre línguas, além
do mais, que levam em si, todas e cada uma delas, as marcas babélicas da
pluralidade, da contaminação, da instabilidade e da confusão” (LARROSA, 2004:
69).
122
Assim, com a utilização da fotografia, o que está em jogo são percepções
plurais proporcionadas por ela. Em muitos casos a fotografia é a possibilidade de se
perceber o que o olhar cotidiano não alcança. Nesse caso, a visualidade da
fotografia existe enquanto recorte arbitrário revelado em uma superfície
fotossensível, pois aos olhos dos caminhantes da cidade em seus percursos diários,
essas imagens não existem prontas e dadas no tecido visível da cidade. Até porque,
os objetos que compõem os espaços estão sempre em movimento e se
transformando.
Ao observar as fotografias do Salão, pude perceber aquilo com que os
fotógrafos mais se identificam com a cidade, e o que permeia o seu cotidiano, ou
seja, alguns elementos que estão presentes na construção das identidades dos
teresinenses e alguns modos de subjetivar a cidade.
Ao longo das discussões busquei escapar das dualidades e lançar o olhar
para um repertório de perspectivas que expressassem a multiplicidade que perpassa
a composição de uma cidade. Assim, as bifurcações que delineiam este trabalho
compõem um labirinto, tal como a cidade, um labirinto com todos os Minotauros;
uma engrenagem com uma coreografia sincrônica, porém, se apresentando como
um texto metafórico e metamórfico no contexto do devir; com passagens secretas,
atalhos e vários andares, ou seja, com os significados de sua ambigüidade
(GALVÃO, 2005).
Vasculhando o Baú de Miudezas e observando as fotografias do Salão
procurei perceber o que a cidade de Teresina dispunha de possibilidades,
escapando às armadilhas binárias da linguagem e de alguns vícios do olhar. As
Teresinas apresentadas através das três ries é a demonstração de que para além
de uma cidade com suas faculdades físicas, existem outras, que se efetivam através
de misturas, de um variado repertório de produções de sentidos e também dos usos
e práticas exercidas nos seus espaços. As séries construídas, são fabricações que
apontam para pelo menos três tipos de processos de subjetivação: uma do tipo
cartão-postal, semelhante a uma paisagem fria e próxima da Cidade-conceito; outra
do tipo dinária, permeada por questões do universo da luta de classes e da exclusão
social; por último, a que apresenta como híbrida, a cidade que se realiza pelas
apropriações, misturas e usos indiscriminados.
A utilização da cartografia como instrumento de pesquisa foi de grande
importância para a construção dessa pesquisa. Uma vez que, a cartografia permitiu
123
o uso de diversas matrizes de pensamento, para a construção de algo híbrido. Uma
prática antropofágica, na qual, elementos como o cinema, a literatura, e a fotografia,
puderam ser utilizados de forma direta ou indiretamente, na confecção desta
pesquisa e na tessitura da narrativa. (ROLNIK, 2006)
No decorrer do trabalho em nenhum momento as fotografias foram
submetidas a interrogatórios. Elas foram observadas pelo que as tornam potentes e
que poderia suscitar de combinações. O consumo das fotografias ocorreu mediado
pela busca de boas idéias e como lugar fecundo para enxergar a cidade através das
experiências de seus habitantes. Assim, as fotografias foram desde o início tratadas
como artefatos culturais, como produções de sentido e como produtos de uma
prática social.
Dessa forma, as inquietações que me estimularam a empreender esta
pesquisa começaram em 2003, com caminhadas, fotografias e poesias, e fazem
uma pausa em 2008, após caminhadas, fotografias e uma dissertação. O trabalho
iniciado em 2003 resultou na participação do Salão de 2004, e as implicações da
dissertação na participação do Salão de 2008.
Poderia então dizer que o Salão está dentro e fora da dissertação, uma
dupla relação e tamm, uma dupla produção de sentidos. Tendo em vista, que ele
está presente nas experiências particulares do pesquisador enquanto habitante da
cidade e historiador. Desse modo, a relação investigador e objeto de pesquisa, de
forma apartada, não perpassa este trabalho. Assim, o que se construiu aqui, foi uma
dupla implicação e muitos atravessamentos que desenham ao mesmo tempo o
pesquisador e o evento em discussão.
Logo, este trabalho é a escrita de uma história, de produções de sentidos,
de acontecimentos, de práticas sociais, de caminhadas, de relatos e é também a
narrativa de uma travessia. Gostaria de ressaltar que a pesquisa das fotografias do
acervo do Salão foi possível devido à contribuição dos funcionários da Casa da
Cultura e que esse trabalho é apenas a minha versão sobre o emaranhado de linhas
que ao passo que fui acompanhando também fui traçando, enlaçando, dando nós.
Colando fragmentos estranhos e distintos, alçando pontes e por vezes fugindo por
becos obtusos. Este trabalho é uma arquitetura subjetiva, que diz respeitos sobre a
experiência de inventar imageticamente Teresinas. Uma experiência da diversidade,
que se deu nos entremeios das linguagens, tudo em letra minúscula, tangenciando a
124
história dos próprios mergulho profundo em passos e olhares que percorrem e
consomem a cidade, que a deformam e a inventam.
125
Fontes e Referências
1. Fontes
Acervos fotográficos
Casa da Cultura – Salão Municipal de Fotografia
Acervos particulares – Aureliano Muller e Kleiton Marinho
Material de divulgação do Salão Municipal de Fotografia
Fundação Cultural Monsenhor Chaves. IX Salão Municipal de Fotografia – convite.
Teresina, março, 2003.
Fundação Cultural Monsenhor Chaves. X Salão Municipal de Fotografia
regulamento. Teresina, março, 2004.
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maio de 1997.
Salão inscreve 180 trabalhos. Jornal Meio Norte, 02 de abril de 2004.
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Vídeos
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Depois daquele beijo, Drama. Direção: Michelangelo Antonioni. Inglaterra/ Itália,
1966.
Janela da Alma, Documentário. Direção: João Jardim e Walter Carvalho. Brasil,
2001.
Entrevistas
MARINHO, Kleyton José de Amorim. Depoimento concedido a Demetrios Gomes
Galvão. Teresina, 03 de jul. 2007.
MIRANDA, Antônio Barbosa de. Depoimento concedido a Francisco Alcides do
Nascimento. Teresina, 10 jun. 2005.
126
MÜLLER, Guilherme. Depoimento concedido a Geraldo Borges e a Paulo
Gutemberg de Carvalho Souza. Teresina, 18 abr.1986.
NOGUEIRA NETO. Aureliano José. Depoimento concedido a Demetrios Gomes
Galvão. Teresina, 05 mar. 2008.
SOUSA. Dogno Içaiano Gomes de. Depoimento concedido a Demetrios Gomes
Galvão. Teresina, 14 jul. 2007.
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