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Universidade Católica do Salvador
Superintendência de Pesquisa e Pós-Graduação
Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania
MARIA JOSÉ DE FARIA LINS
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COM A PALAVRA,
OS ALFABETIZADOS NA RUA DA RESISTÊNCIA DO BAIRRO DA
PAZ, EM SALVADOR - BAHIA
Salvador
2008
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ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COM A PALAVRA, OS
ALFABETIZADOS NA RUA DA RESISTÊNCIA DO BAIRRO DA PAZ, EM
SALVADOR – BAHIA
MARIA JOSÉ DE FARIA LINS
2008
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MARIA JOSÉ DE FARIA LINS
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COM A PALAVRA,
OS ALFABETIZADOS NA RUA DA RESISTÊNCIA DO BAIRRO DA
PAZ, EM SALVADOR - BAHIA
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Políticas Sociais e Cidadania da Universidade
Católica do Salvador, como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre.
Orientadora: Profª. Dra. Kátia Siqueira de
Freitas
Salvador
2008
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UCSAL. Sistema de Bibliotecas.
Setor de Cadastramento.
L759 Lins, Maria José de Faria
Alfabetização de jovens e adultos: com a palavra, os alfabetizados na rua da resistência do bairro da Paz
em Salvador - Bahia/ Maria José de Faria Lins.__Salvador: UCSAL/Superintendência de Pesquisa e
s-Graduação, 2008.
128f. il.
Inclui Referências
Orientadora: Profa. Dra. Kátia Siqueira de Freitas
Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania) Superintendência de Pesquisa e Pós-
Graduação, Universidade Católica do Salvador.
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TERMO DE APROVAÇÃO
MARIA JOSÉ DE FARIA LINS
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COM A PALAVRA, OS
ALFABETIZADOS NA RUA DA RESISTÊNCIA DO BAIRRO DA PAZ,
EM SALVADOR - BAHIA
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de
mestre em Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do
Salvador.
Salvador, 31 de julho de 2008
Banca Examinadora
_______________________________________
Profª. Dra. Denise Cristina Vitale Ramos Mendes
_______________________________________
Profª. Dra. Celma Borges
_______________________________________
Profº. Dr. Alírio de Souza
_______________________________________
Profª. Dra. Kátia Siqueira de Freitas
14
INTRODUÇÃO
A escolha do tema Políticas Públicas da Educação de Jovens e Adultos, especificamente, a
alfabetização como objeto de investigação da presente pesquisa, teve sua origem nas minhas
vivências. Ainda criança, acompanhava minha mãe, professora leiga, no processo de
alfabetizar jovens e adultos, no município onde morávamos. Soma-se a essa vivência, a minha
atuação no ensino superior, quando assumi a docência nas disciplinas Educação de Jovens e
Adultos e Estágio Supervisionado, nos cursos de Pedagogia da UNEB, e na Extensão,
coordenando o Programa AJA Bahia /Brasil Alfabetizado, pelo Núcleo de Educação de
Jovens e Adultos (NEJA), na Pró-Reitoria de Extensão da UNEB.
Nesse contexto, assumi o desejo de verificar se há resultados positivos para os que participam
do Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado. Este Programa, cujo objetivo é alfabetizar
jovens e adultos, é resultante de parcerias entre o MEC, a Secretaria de Educação do Estado,
as Secretarias de Educação dos Municípios e cinco Universidades Públicas Estaduais e
contou, também, com a participação de profissionais engajados na luta pela EJA.
Há, nesse processo, todo um investimento no sentido de contribuir para a concepção,
realização e avaliação das políticas públicas de EJA, visando a sua configuração como um
direito e como um dever de Estado.
No cotidiano da realização do Programa, algumas reflexões se impunham, dentre elas: por que
uma campanha de Alfabetização de Jovens e Adultos quando os estudos atuais apontam para
outra direção? Por que continuar a realizar o Programa, quando sua avaliação tem constatado
que os resultados obtidos têm sido ínfimos em relação à meta de alfabetizar todos os jovens,
adultos e idosos que se encontram na condição de analfabetos no país?
O Programa conta com investimentos bastante significativos, dentre eles: um Sistema de
Acompanhamento e Avaliação realizado por um pool de instituições o Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), o Instituto Paulo Montenegro, o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Centro de Alfabetização e Leitura e Escrita /Grupo
de Avaliação e Medidas Educacionais (CEALE/GAME), da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e a Sociedade Científica da Escola Nacional de Ciências Estatística
(SCIENCE); é objeto de estudo na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
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Educação, (ANPEd), nos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, na Comissão Nacional
de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, (CNAEJA / MEC / SECAD). Tudo isso
vem contribuindo para que o Programa sofra modificações, o que pode ser comprovado nas
diversas resoluções do FNDE/MEC que determinam o funcionamento e a utilização de
recursos para o Brasil Alfabetizado. É, nesse contexto, que nasce o problema de pesquisa,
quando questiono: em que medida a alfabetização contribui para a melhoria das condições de
vida dos jovens e adultos egressos do Programa AJA Bahia /Brasil Alfabetizado?
Na intenção de investigar essa problemática, optei pelo dispositivo de análise dos discursos
dos egressos que conseguiram construir a base alfabética, no intuito de compreender a relação
entre alfabetização e melhoria das condições de vida. Para tanto, busquei Orlandi, na sua
Análise de Discurso na ótica de Pêcheux.
Para o entendimento acerca da discursividade existente no campo da alfabetização de Jovens e
Adultos, trouxe os seguintes aportes teóricos: em se tratando do histórico da EJA, os estudos
de Paiva; Tfouni, Soares, Ferreiro, Ribeiro, Street e Freire para abordar os sentidos da
alfabetização e do letramento; Torres, quando se analisa os programas de alfabetização; Pais,
Bosi, Bobbio, Camarano, Arroyo e Souza para entender sobre as juventudes, a adultez e as
velhices na EJA; Amartya Sen, no entendimento do desenvolvimento como liberdade,
especialmente, a educação como uma das liberdades instrumentais que contribui para a
capacidade da pessoa viver, tendo uma vida da qual pode se orgulhar. Além desses autores,
outras contribuições foram trazidas, à medida que o corpus da pesquisa ia sendo constituído.
Os documentos instituidores do Programa AJA Bahia /Brasil Alfabetizado também se
constituíram objeto de estudo, no sentido de entender sua estrutura e funcionamento.
O objeto de estudo foi construído, através de entrevista semi-estruturada, com base nos
discursos de seis egressos do Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado, moradores do Bairro
da Paz, em Salvador, Bahia. A forma como o corpus foi sendo constituído, pautou-se na
Análise do Discurso dos sujeitos da pesquisa, considerando as condições de produção.
Procurei tomar o distanciamento necessário para dar conta do objeto e exercer a vigilância
epistemológica que me era possível, haja vista que o analista interpreta os sentidos postos
pelo sujeito. A interpretação, segundo Orlandi,
Ela não é mero gesto de decodificação, de apreensão do sentido. A
interpretação não é livre de determinações: não é qualquer uma e é
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desigualmente distribuída na formação social. Ela é ‘garantida’ pela memória,
sob dois aspectos: a. a memória institucionalizada (o arquivo), o trabalho
social da interpretação onde se separa quem tem e quem não tem direito a ela;
b. a memória constitutiva (o interdiscurso), o trabalho histórico da constituição
do sentido (o dizível, o interpretável, o saber discursivo). (2003, p. 48)
Esta pesquisa é um estudo de caso, que se insere no âmbito da pesquisa qualitativa e o
detalhamento da metodologia é posto no capítulo que trata do percurso metodológico. A
narrativa é feita com foco principal nas categorias da Análise do Discurso: interdiscurso,
formações discursivas, condições de produção e ideologia. Eu, na condição de sujeito, ocupo
a posição de autora, à medida que efetuei “um movimento de retorno ao enunciado, e” pude,
“assim, olhá-lo de um outro lugar”, o lugar de autor, afirmam Tfouni e Assolini (2006, p. 45).
Nesse sentido, retroagi “sobre o processo de produção de sentidos, procurando ‘amarrar’ a
dispersão que está, sempre, virtualmente se instalando, devido à equivocidade da língua”
(LACAN apud TFOUNI E ASSOLINI, 2006, p. 45). Considerei, concordando com Orlandi,
que “nem a linguagem, nem os sentidos, nem os sujeitos são transparentes: eles têm sua
materialidade e se constituem em processos em que a língua, a história e a ideologia
concorrem conjuntamente” (2003, p.48).
O trabalho foi estruturado em seis capítulos que constituem o Corpus Teórico e o Corpus
Analítico da pesquisa. No primeiro capítulo, explicito os sentidos atribuídos ao objeto de
estudo e as razões de sua escolha, o que se pretendeu estudar e os objetivos. No segundo,
apresento o percurso metodológico e as categorias de análise do discurso. No terceiro,
apresento a trajetória da Educação de Jovens e Adultos, focando a EJA como suplência e
como direito, o Programa AJA Bahia/Brasil Alfabetizado e o papel da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) como parceira. O quarto conduz à compreensão dos diversos
sentidos produzidos e àqueles que vão se instituindo no âmbito da alfabetização. O quinto foi
construído para que se compreendam quem são os jovens, adultos e idosos sujeitos da EJA.
No sexto e último capítulo, analiso os discursos dos jovens e adultos do Bairro da Paz e, por
fim, são apresentadas as considerações finais. A pesquisa aponta para o fato de que as
políticas públicas da EJA, no âmbito dos Programas de Alfabetização, situam-se, ainda, entre
os sentidos da EJA como suplência e como um campo de direito e de responsabilidade
pública. No que se refere à relação entre melhoria de condições de vida e a alfabetização, os
discursos dos sujeitos da pesquisa apontaram para o fato de que estar alfabetizado é estar em
outro lugar, é ocupar outra posição no mundo em diferentes dimensões da vida cotidiana.
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1. AO CONTAR NOSSA HISTÓRIA DAMOS SENTIDO À HISTÓRIA QUE
ESTAMOS A ESCREVER
“Nós encontramos porque procuramos.”
Schopenhauer
Nascer em um lugarejo no interior da Bahia e ter vivenciado, quando criança, muitas
experiências com pessoas que tinham pouco contato com o mundo da escrita me leva a refletir
sobre os significados do ler e escrever, nos diversos contextos da vida social, considerando o
lugar e o tempo (FREIRE, 2003) de que a gente “está sendo” constituído.
Não se tem uma única forma de expressar-se “no mundo”. Para a comunidade onde nasci,
naqueles tempos, talvez o único discurso escrito ao qual eles tinham acesso, durante todo o
ano, fosse a “folhinha”, o calendário do ano que recebiam como presente para ser colocado na
parede, ao lado de São Jorge que sempre estava enfeitado com papel de todas as cores. No
entanto, ricas eram as experiências de vida dessas pessoas, no trabalho na roça, nas casas de
farinha, no trato com o gado, no convívio familiar e com outros moradores do entorno.
Para eles, a leitura do mundo se revelava no saber das horas pela posição do sol, que os
auxiliava quanto à definição do momento de ir e voltar do trabalho, de organizar os afazeres
domésticos e no recolhimento dos animais; a leitura do mundo se revelava, também, ao
perceber, pela direção do vento, que a chuva “era pra gente”, isto é, sinônimo de salvação,
uma vez que a subsistência dependia da regularidade desse fenômeno e, quando não
acontecia, recorriam aos atos de , representados através de procissão a S. José, o Santo das
colheitas, implorando a chuva em abundância; a leitura do mundo se revelava no modo como
as mulheres teciam os ninhos com palhas de banana de modo que ficassem aconchegantes e
bem quentinhos, para que as galinhas pudessem chocar na lua certa e o ovo não gorar”; a
leitura do mundo se revelava na busca, lá no terreiro, da erva para curar os males da
“espinhela caída”, “dor na anca”, a maldita” e tantas outras; a leitura do mundo se revelava
no torrar das sementes da abóbora para dar as crianças que estavam com o ventre grande e
sem vontade de comer.
Expressavam-se por meio da arte de fazer beiju e farinha, impressionante, pois tudo ficava no
“ponto certo” e, a depender do gosto, podia ser fina, mais grossa, menos torrada, mais torrada.
18
Além disso, nunca confundiam aipim com mandioca. Demonstravam, ainda, com a força
muscular aliada à experiência, o conhecimento de como “espremer o tapiti”. Dialogavam
com seus movimentos, quando passavam a rede no rio e, ao mesmo tempo, buscavam os
lugares estratégicos, “fuçando as locas” para que os peixes pudessem sair de seus esconderijos
quando os pequenos caíam na rede, diziam, “prá que comer essa pititinga?”, e devolviam
ao rio. Ao cair da noite, em momento de celebração, todos se reuniam para falar de
amenidades e dos fazeres do dia, o que remete a Freire, "não é no silêncio que os homens se
fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão" (1987, p. 78). Nesse momento, eram
tecidas as linhas do vínculo do viver compartilhado e os dizeres iam sendo construídos na
cotidianeidade.
As crianças sentadas nas esteiras ouviam as histórias dos mais velhos, histórias que diziam
das coisas do cotidiano amor, assombração, desencanto, paixões, e assim, participavam de
todos esses momentos da vida comunitária. Na sucessão de experiências diárias, aprendiam “a
labuta do dia” e iam se “fazendo aos poucos na prática social de que tomavam parte”
(FREIRE, 2003, p.88). Para todos homens, mulheres, jovens e crianças naquele espaço
e tempo, o saber ler e escrever, convencionalmente, ainda não se constituía em uma
necessidade de sobrevivência.
No entanto, à medida que a relação entre a vida rural e urbana se tornava transitável e novas
exigências se impunham, a realidade era modificada, novas habilidades eram exigidas e o
“saber ler escrever se apresenta como uma necessidade real, não apenas para filhos dos
patrões, mas para todos da comunidade. Quando o ler e escrever se tornam presente em uma
sociedade, passa-se a atuar, como nos coloca Tfouni “ao mesmo tempo como causa e como
conseqüência de transformações sociais, culturais e psicológicas” (2006, p. 21). É interessante
considerar o que Paini nos diz sobre essas mudanças nas trajetórias da civilização ocidental:
“a escrita deu voz à oralidade, criou o dio, o telefone e o computador, aprisionou o tempo e
modificou o espaço. Por isso não é mais concebível abrir um livro com as páginas em
branco” (2005, p.223). É nesse sentido, que, para Silva, refletir sobre educação,
é pensar a pessoa, em qualquer etapa da sua vida, é discernir o homem e a
mulher no seu tempo histórico, nas relações que esses estabelecem consigo e
com a natureza; é desvendar a organização social do mundo, o lugar das
pessoas nesse mundo, o porquê do modo de vida de cada um; é pensar as
identidades, as razões para ser o que se é ou para as suposições elaboradas
em torno de si mesmo e do outro; é discutir linguagens; é conhecer as
circunstâncias da vida humana, para mantê-las ou para transformá-las; é ação
19
compromissada com a busca de melhorias na qualidade de vida das pessoas
(2006, p. 206).
No contexto dessas experiências, o presente trabalho se propõe, a partir dos sujeitos da
pesquisa, compreender em que medida o Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado
contribuiu para a melhoria das condições de vida de seus egressos e se existe uma estreita
relação entre as histórias de vida de um grupo, com seus costumes, suas tradições e seus
saberes e seu processo de alfabetização.
Ao pensar na opção metodológica da Análise do Discurso, quando considero o estudo da
língua com a significação que Orlandi remete, “a língua no mundo, com maneiras de
significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas
vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determinada forma de
sociedade” (2003, p. 16), a escolha desse objeto ganha um significado singular.
Ao se formular um problema de pesquisa, é fundamental questionar sobre o significado desse
objeto que se ousa compreender. A pesquisa envolve sentidos de uma dimensão não somente
de cunho científico, teórico e metodológico, mas, sobretudo, de como os investigadores,
“vamo-nos fazendo aos poucos na prática social na qual tomamos parte,” (FREIRE, 2003, p.
88), falando da construção da história pessoal e sobre quem se é. Neste propósito, Colombo
diz que, ao falar da própria experiência na pesquisa, “constitui um modo de distanciar a
dúvida que se tenha sobre a pretensão de falar do outro e de sua realidade” (2003, p.283).
1.1 O Objeto de Pesquisa
A população de jovens e adultos analfabetos absolutos no Brasil, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2005, corresponde a 14,8 milhões de pessoas.
O analfabeto absoluto, segundo Soares, é “aquele que não pode exercer, em toda sua
plenitude, os seus direitos de cidadão, é aquele que a sociedade marginaliza, é aquele que não
tem acesso aos bens culturais de sociedades letradas” (2001, p.20). A esses homens e
mulheres analfabetos absolutos se somam os analfabetos funcionais que ultrapassam a
casa dos 30 milhões. O analfabeto funcional, conforme a UNESCO, caracteriza-se como
aquele que, com menos de quatro anos de escolaridade, não construiu as habilidades
necessárias no uso da leitura e da escrita e das operações matemáticas básicas para a inserção
nos diversos contextos sociais. Vale ressaltar que quatro anos de escolaridade é um tempo
20
insuficiente para a apropriação da competência leitora e escritora. Em relação à necessidade
de alfabetizar-se, diz Tfouni,
A explicação então, não está em o sujeito ser, ou não, alfabetizado enquanto
indivíduo. Está sim, em ser, ou não, letrada a sociedade onde os sujeitos
vivem, ou seja, nas condições materiais onde esses discursos são produzidos,
o que inclui necessariamente o conflito e a contradição. Mas que isso, está na
sofisticação das comunicações, dos modos de produção, das demandas
cognitivas, pelas quais uma sociedade como um todo passa quando se torna
letrada e que inevitavelmente influencia todos os sujeitos que nela vivem,
alfabetizados (2006, p. 26).
As pesquisas brasileiras mais recentes demonstram que os analfabetos jovens e adultos, ao
longo desses anos, sempre tiveram participação restrita e pouco usufruto dos bens culturais
construídos socialmente. Em uma sociedade letrada, os contextos funcionais do trabalho, das
atividades mais cotidianas, do comercial burocrático e de participação social exigem o
domínio da leitura e da escrita sob a perspectiva de letramento. Isso implica em novas práticas
discursivas, a fim de que os sujeitos possam inserir-se nas diversas instâncias comunicativas
da vida. Todavia, no Brasil, chegamos ao século XXI com cerca de 70 milhões de pessoas,
acima de 15 anos, que não alcançaram o Ensino Fundamental, nível mínimo de escolarização
obrigatório pela Constituição Federal.
Este panorama denuncia o caráter de exclusão social que atinge um grande contingente de
brasileiros e de brasileiras destituídos de um dos seus direitos mais fundamentais o acesso
à educação. Nessa perspectiva, Freire, desde 1950, na preparação para o II Congresso
Nacional de Educação de Adultos, afirmava que o grande problema não estava no
analfabetismo, mas nas condições de vida em que se encontrava a população analfabeta, fato
que permanece até os dias de hoje.
Nesse contexto, o acesso à alfabetização deve ser compreendido não mais como um direito
que alguém tem que conceder, porém como algo que pertence a todos os cidadãos que vivem
numa sociedade letrada. Alfabetizar deve possibilitar ao homem “a leitura da palavra (...),
talvez seja o sentido mais exato da alfabetização: aprender a escrever a sua vida, como autor e
como testemunha de sua história, isto é, biografar-se, existencializar-se, historiacizar-se”
(FIORI, 2000, p.10).
Os adultos, em situação de baixo nível de alfabetismo, são sujeitos da aprendizagem e, como
seres humanos dotados de emoção, têm capacidade de dialogar, independentemente de seu
nível de escolaridade. Sabem usar os conhecimentos em qualquer situação de diálogo, visando
21
tomar decisões, assim como desenvolvem novos conhecimentos e criam significados através
das interações. O analfabeto é “um sujeito historicamente construído em uma sociedade de
exclusão, por conseguinte, compartilha valores, crenças e representações sociais conseqüentes
com esse tipo de sociedade” (OTERO, 1991, p. 209).
Sob esta ótica, justifica-se a realização de um trabalho que tenha como objeto de pesquisa os
discursos dos sujeitos da pesquisa, para compreender em que medida o Programa AJA Bahia
/ Brasil Alfabetizado tem contribuído para a melhoria das condições de vida de seus egressos.
Considerando que os jovens e adultos egressos do Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado
“se constituem como sujeitos capazes de produzir conhecimento, capazes de organizar e
sistematizar pensamentos sobre a sociedade, de fazer uma interpretação capaz de contribuir
para a avaliação dos mediadores sobre a mesma sociedade” (VALLA,1998, p.14), busquei,
através da presente pesquisa, fazer emergirem as vozes daqueles que, legitimamente, têm o
direito de nomear o mundo segundo os seus saberes e suas experiências, contribuindo,
sincronicamente, para construção sistemática da Educação de Jovens e Adultos,
compartilhando, através de narrativas singulares, suas leituras de mundo.
1.2 Objetivo Geral e Objetivos Específicos
Objetivo Geral
Compreender, a partir dos discursos dos jovens e adultos alfabetizados, egressos do Programa
AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado, realizado no Bairro da Paz, em Salvador, capital do Estado
da Bahia, em que medida saber ler e saber escrever contribuem para a melhoria de suas
condições de vida.
Objetivos Específicos
- Identificar as condições de produção dos discursos dos sujeitos da pesquisa sujeito e
situação, o contexto histórico e a ideologia.
- Interpretar os sentidos produzidos pelos sujeitos da pesquisa a respeito da relação entre saber
ler e escrever e a melhoria nas condições de vida.
22
2. O PERCURSO METODOLÓGICO: SOBRE COMO COMPREENDER COMO
DIZEM OS SUJEITOS E POR QUE DIZEM O QUE DIZEM
(...) os sentidos são aqueles que a gente consegue
produzir no confronto do poder das diferentes
falas. ORLANDI, 1996.
Ao optar pela Análise do Discurso (AD), pretendi compreender, a partir dos discursos dos
sujeitos da pesquisa, em que medida o Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado tem
contribuído para melhoria das condições de vida de seus egressos. Para tal empreendimento,
considerei que as estratégias metodológicas se constroem sob a ótica das concepções de
dispositivos teóricos, que respaldam e definem com clareza a construção do dispositivo
analítico.
O dispositivo teórico foi constituído com conceitos da AD e o dispositivo analítico foi
estruturado na relação entre esses conceitos e aqueles que permitiram o entendimento do
objeto de investigação em sua especificidade (ORLANDI, 2003). Desse modo, explicitei a
compreensão que se tem de conceitos básicos da AD e das relações possíveis e necessárias
entre eles, compreendendo que o mesmo é provisório, limitado, não dando conta do
entendimento da multiplicidade de relações presentes na parcela da realidade que se constitui
o objeto de estudo.
A Análise do Discurso procura entender o funcionamento da linguagem. Para tanto, são
buscados conhecimentos que se situam na Lingüística, principalmente na Semântica, e no que
se traduz como o sentido na linguagem. Na Psicanálise, com a noção do Inconsciente, de ato
falho, o dito, o o dito, o esquecimento, teorizado por Lacan. No Materialismo Dialético,
posto por Althusser, a Ideologia, o entendimento de que a história é vivida pela luta de classes
“que envolve o princípio da contradição, cujas idéias entram em confronto, numa correlação
de forças” (NAGAMINE, 2002, p. 83).
Esses campos de conhecimento, no entanto, não são compreendidos como lugares em que se
tomam emprestados conceitos de cada um deles para realizar a Análise do Discurso. Falamos
de imbricações, mais precisamente, da relação Língua Situação Sujeito. Ao tomar essa
relação como ponto de partida e de chegada, adentramos três lugares ao mesmo tempo, não se
23
tratando, portanto, de justaposição, mas de uma dinâmica em que os três campos não param
de se entender, para além do que está posto. A esse respeito nos diz Orlandi
se a AD é herdeira das três regiões de conhecimento Psicanálise,
Lingüística, Marxismo – não o é de modo servil e trabalha uma noção – a de
discurso que não se reduz ao objeto da lingüística, nem se deixa absorver
pela teoria marxista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanálise. A
AD interroga a lingüística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona
o materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo
modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como
materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (2003,
p. 20).
A AD surge na França, a partir da década de 60, fundada pelo filósofo francês Michel
Pêcheux, aliando as contribuições de Althusser, no que diz respeito ao conceito de formação
ideológica, e de Foucault em relação à formação discursiva. Esses constructos são
ressignificados de forma a nuclearem a concepção de sujeito que emerge da AD, ou seja, o
é o sujeito individualizado, mas sim o sujeito sócio-histórico, interpelado pela ideologia que
atribui sentidos a partir de uma formação discursiva.
No discurso, buscamos compreender não o que dizem os sujeitos, mas como dizem e por que
dizem desse modo e não de outro. Para que isso seja possível, a Lingüística, um dos campos
de conhecimento da AD, não pode ser vista apenas como produto, como lugar do dito, a
paráfrase. que se ter como objetos de reflexão sobre a linguagem, além da paráfrase, a
polissemia. A polissemia traz os outros sentidos possíveis, é o lugar da criatividade. Como
afirma Orlandi, aqui “todos os sentidos são, de direito, sentidos possíveis” (2003, p. 20). A
busca pela compreensão desses outros sentidos requer, como foi dito, que saibamos sobre
as relações entre a língua, a situação e o sujeito. Para tanto, procuramos a relação do texto
com a exterioridade, as condições de produção; a condição de assujeitamento do sujeito, o
inconsciente, e a produção de novos sentidos que se contrapõem aos já existentes, a história.
O discurso é a língua presente na história, é o homem falando, é a língua em movimento. Para
que haja discurso, que ocorrer interação entre o texto e o sujeito. Nessa interação, temos o
intradiscurso o que se está dizendo naquele momento em condições dadas —, e o
interdiscurso os dizeres ditos, o dizível e o esquecido. Os enunciados, portanto, podem
ser repetidos, mas não a enunciação. O momento em que o discurso é produzido é único. Para
entender o funcionamento do discurso, precisamos identificar as condições de produção, isto
é, o sujeito e a situação. A relação entre sujeito e sentidos é afetada pela língua e pela história.
24
Não se trata apenas de uma simples transformação de informação, mas da constituição dos
sujeitos e da produção de sentidos. O sentido é constituído na exterioridade pelas condições
de produção – sujeito e seu contexto sócio-histórico e na relação do dizer – sujeito e condição
desse dizer.
A AD busca, portanto, “os sentidos que não estão nas palavras, nos textos, mas na relação
com a exterioridade, nas condições em que eles são produzidos e que não dependem das
intenções dos sujeitos” (ORLANDI, 2003, p. 30) . É desse lugar que pretendi compreender
em que medida o Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado tem contribuído para a melhoria
das condições de vida de seus egressos, jovens e adultos alfabetizados no referido Programa,
aceitando, como foi dito, a complexidade e a multiplicidade das relações que fazem parte
dessa parcela da realidade. Nesse contexto, o percurso metodológico está sendo compreendido
como estratégia de pensamento para conhecer o objeto de pesquisa.
2.1 O Corpus: o corpus arquivo e o corpus de análise
Na investigação de um objeto, a definição da teoria e do procedimento metodológico
corresponde à construção do corpus. Na Análise do Discurso, temos os Corpus Arquivo e o
Corpus Analítico. O Corpus Arquivo é “o campo de documentos pertinentes e disponíveis
sobre uma questão” (PÊCHEUX, 1997, p. 56) e o Corpus Analítico é o recorte resultante da
(re) organização do texto e será objeto de uma análise vertical, constituindo-se em um objeto
empírico.
Do Corpus Analítico, sai o recorte originário de uma seleção de conjunto de depoimentos
definidos, a partir do objeto de investigação, e relacionados a enunciados representativos das
diferentes posições acerca dos temas propostos — o corpus discursivo. O corpus discursivo é
formado pelo conjunto de seqüências discursivas estruturadas a partir da relação com as
condições de produção do discurso.
No universo do discurso, o analista precisa ler, relacionar, recortar e, novamente, relacionar,
de modo que seja possível ter os universos passíveis de análise, quando fazemos o primeiro
recorte de arquivo e determinamos o campo discursivo de referência.
25
O estudo do Corpus Arquivo e do Corpus Análise, então, requer leituras sucessivas de modo
que possamos interpretar e compreender como dizem os sujeitos, porque dizem desse modo e
porque dizem o que dizem. Sobre isso, Orlandi diz que “a construção do corpus e a análise
estão intimamente ligadas: decidir o que faz parte do corpus é decidir acerca das
propriedades discursivas” (2003, p.63).
2.2 Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos desta pesquisa foram jovens e adultos egressos do Programa AJA Bahia/Brasil
Alfabetizado. São homens e mulheres, na faixa etária de 15 anos e mais, que fazem parte da
população considerada de baixo grau de alfabetismo e, ainda, oriundos do interior do Estado
da Bahia. Além disso, foram impedidos de freqüentar a escola pela necessidade de trabalhar
para ajudar na subsistência sua e de suas famílias. O universo foi constituído por 71
educandos que freqüentaram os quatro Espaços Educativos
1
, localizados no Bairro da Paz, na
Capital do Estado, no período de 2003 a 2004 e que construíram a base alfabética. Dessa
população, foram ouvidos seis jovens e adultos dois homens e quatro mulheres, moradores
do Bairro, considerados alfabetizados segundo os critérios estabelecidos na Proposta
Pedagógica do Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado. A determinação do quantitativo de
sujeitos a serem ouvidos se deve à natureza da metodologia utilizada.
A fonte da amostra da pesquisa originou-se dos arquivos do NEJA/PROEX/UNEB. A
organização dos dados foi feita a partir do modelo do Ministério da Educação e Cultura
(MEC), que restringe as sete faixas etárias usadas para a distribuição dos egressos.
Entretanto, a definição da amostra se deu de forma aleatória estratificada, isto é, foram
sorteadas uma amostra de cada faixa. Uma vez no campo, houve problemas para realizar
contato com três sujeitos, pois os egressos a serem entrevistados não mais residiam no Bairro
da Paz, o que levou a substituí-los, mantendo o mesmo processo aleatório de escolha.
Ressalto que, em relação à faixa etária de 60 anos e mais, não foi possível a substituição.
1
Nome dado às salas de aula onde o programa acontece.
26
Tabela 1:
Distribuição por Faixa Etária dos Egressos doPrograma AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado
da Associação do Bairro da Paz, em Salvador - 2º Etapa/2005
Sexo
Faixa Etária
Masculino Feminino
15 a 19 anos 3 3
20 a 24 anos 4 2
25 a 29 anos 4 6
30 a 39 anos 7 18
40 a 49 anos 6 12
50 a 59 anos 2 3
60 anos e mais - 1
Total 26 45
Fonte: Relatórios Técnico-Pedagógicos do Programa AJA BAHIA / Brasil Alfabetizado, 2005 NEJA/UNEB/PROEX
O Bairro da Paz já foi denominado Malvinas por ter surgido em 1982, época em que a
Argentina e a Inglaterra lutavam pela posse das Ilhas Malvinas, considerada pela elite uma
“invasão” porque ocupava área nobre entre a orla marítima e a Avenida Paralela. No período
de quatro anos, a força repressora se fez presente destruindo os barracos que eram erguidos
numa demonstração de resistência dos trabalhadores e desempregados que, na sua maioria,
eram oriundos do interior da Bahia. A partir de 1986, uma nova ocupação, e o espaço
recebe o nome de Bairro da Paz, o qual passa a ter a intervenção de ONGs e fundações
nacionais e internacionais e a organização dos moradores do bairro que conseguem melhorias
de infra-estrutura. Hoje, o Bairro da Paz é cercado por espaços de classe média alta, margeado
por dois grandes corredores de tráfego, a Avenida. Otávio Mangabeira, que acompanha a Orla
Atlântica, desde os bairros da Barra até Itapuã, e a Avenida Paralela que faz ligação entre o
Centro Empresarial, na região do Iguatemi, ao Aeroporto de Salvador, em direção a Lauro de
Freitas, município da região metropolitana.
27
Mapa 1 – Mapa de localização do Bairro da Paz – Salvador, Bahia.
Em relação à desigualdade social, o Bairro está classificado como um espaço de pobreza
intensa, com níveis críticos no que se refere à idade e série e a baixa permanência dos
indivíduos de 7 a 14 anos no Ensino Fundamental. O analfabetismo funcional, que tem uma
freqüência inexpressiva por toda a Orla Atlântica em Salvador, entretanto atinge, no Bairro da
Paz, um patamar superior a 30%. (CARVALHO; PEREIRA, 2006, p. 122- 129). O conjunto
desses dados
deixa patente a segmentação e a segregação social existentes em Salvador,
em sua região Metropolitana, onde se justapõem espaços bem equipados,
afluentes e aprazíveis, ao lado do que se poderia classificar como ‘territórios
penalizados e pena-lizadores , situados no mais baixo nível da estrutura
urbana e portadores de um estigma residual poderoso’ (CARVALHO;
PEREIRA, 2006, p. 129)
Assim, considerando a importância do território na reprodução e na cristalização da pobreza e
da vulnerabilidade (CARVALHO, 2006), a escolha desse universo de pesquisa contribui para
compreensão dos sentidos produzidos no discurso pelos jovens e adultos do Programa AJA
Bahia/ Brasil Alfabetizado, quando se trata da relação entre alfabetismo e melhoria de
condições de vida.
2.3 Procedimentos
O percurso metodológico, para conhecer o objeto da pesquisa aqui proposto, não se configura
como uma descrição de procedimentos a serem seguidos, mas como uma estratégia de
pensamento para conhecer o objeto da pesquisa. Nessas condições, a coleta do material que
28
compôs o corpus ocorreu pela escuta dos depoimentos dos jovens e adultos com base em um
roteiro geral. Esse roteiro, respaldado nas questões de pesquisa, foi o mesmo para todos os
depoimentos e teve os contextos do trabalho, da família, da educação, do lazer, da saúde como
norte para que se pudesse investigar sobre os sentidos atribuídos pelos sujeitos da pesquisa, a
relação entre ser alfabetizado e melhoria de condições de vida. Ainda tratando dos
procedimentos, importa considerar que o momento em que o discurso é produzido é único. A
enunciação, portanto, não se repete, só o enunciado.
Os dados da pesquisa de campo foram coletados nas quinze idas ao Bairro da Paz, no período
entre novembro de 2007 a abril de 2008. A entrada no campo da pesquisa ocorreu de forma
natural, uma vez que eu atuo como Coordenadora do Núcleo de Educação de Jovens e
Adultos (NEJA), da Pró-Reitora de Extensão da UNEB, instituição parceira nesse programa
do Ministério da Educação e Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Por ter acesso ao
cadastro das pessoas envolvidas no Programa, houve o encontro com uma alfabetizadora e,
por seu intermédio, foram acionados os contatos com os entrevistados egressos da segunda
etapa do Programa AJA Bahia/Brasil Alfabetizado, concluída no mês de janeiro de 2006. Foi
possível à alfabetizadora manter contato direto com todos os alunos, mesmo aqueles que não
foram seus, porque os espaços educativos funcionaram situados na mesma escola em que
trabalhava, além dela ser moradora antiga do Bairro.
As entrevistas foram semi-estruturadas, realizadas individualmente, em dias diferentes,
sempre marcadas com antecedência. Procedi da mesma forma com todos os entrevistados:
explicação do objetivo da entrevista, solicitação da assinatura do Termo de Livre
Esclarecimento, informando que a entrevista estava sendo gravada.
As perguntas seguiram em direção a caracterizar o Programa estudado, na percepção do
egresso, bem como os significados da alfabetização para eles e o que compreendem como
mudanças constituídas em suas vidas, a partir do processo de alfabetização.
Os depoimentos foram gravados e transcritos integralmente e, após análise de cada um deles,
os enunciados representativos das diferentes percepções acerca dos temas propostos foram
organizados, compondo o corpus de análise. Nesse corpus, foram identificadas as
regularidades nas formações discursivas, na busca por diferentes sentidos. Conforme Orlandi,
29
“o analista do discurso relaciona a linguagem a sua exterioridade, (...), pois leva em conta o
homem na sua história, processos e condições de produção da linguagem” (2003, P. 16).
Buscar os funcionamentos discursivos significou identificar as diferentes questões que
apareceram nos depoimentos, as relações entre as questões em discursos que o sujeito
produziu nas diferentes posições que ocupa e nos diferentes lugares em que atua. A
organização do corpus e sua análise estão, assim, intimamente ligadas. A análise requereu a
busca das possibilidades de polissemia para que os sentidos cristalizados pudessem ser
descartados, à medida que procurava outros sentidos possíveis. Para sair do óbvio, do literal
onde apareceram os sentidos únicos, cristalizados, eu me posicionei, compreendendo que não
há uma interpretação correta, mas que há interpretações.
Ao registrar os dizeres dos sujeitos da pesquisa, no papel de analista do discurso, descrevi o
gesto de interpretação e, desse modo, estive envolvida, pois não descrição sem
interpretação. O exercício de mediar a descrição e a interpretação requer o dispositivo teórico
da Análise do Discurso. Não é o indivíduo que fala, mas um sujeito que ocupa um lugar,
sendo interpelado por uma ideologia. E, concluída a análise, Orlandi lembra que “não é sobre
o texto que falará o analista mais sobre o discurso (...) o produto da análise é a compreensão
dos processos de produção de sentidos e de constituições dos sujeitos em suas posições”
(2003, p. 72).
Em todo dizer algo que se mantém, o dizível, a memória, o dito a paráfrase e,
também, o que poderia ser dito, da ordem da criatividade, da multiplicidade de sentidos a
polissemia — que, para Orlandi
implica na ruptura do processo da linguagem, pelo deslocamento de regras,
fazendo intervir o diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos
e os sentidos na sua relação com a história e com a língua. Irrompem assim
sentidos diferentes (2003, p. 37).
Na escrita e na análise dos depoimentos, cuidei para fugir da análise do conteúdo, pois o que
pretendia eram os funcionamentos discursivos. Esses independem das perguntas,
regularidades que emergem nas falas dos sujeitos que independem dos temas. Procurei
entender, como aponta Orlandi, “como o discurso funciona produzindo (efeitos de) sentidos”
(2003, p. 63). Assim, na análise, foram consideradas as condições imediatas.
30
Os momentos de ouvir os depoimentos, de estruturar o corpus e de analisar os discursos
trouxeram consigo muitas contradições, exigindo que eu tomasse distância, que me
aproximasse cada vez mais da não subjetividade, ocupando o lugar do analista. Sobre isso,
diz Orlandi
O que se espera do dispositivo do analista é que ele lhe permita trabalhar
não numa posição neutra, mas que seja relativizada em face da
interpretação: é preciso que ele atravesse o efeito de transparência da
linguagem, da literalidade do sentido e da onipotência do sujeito. Esse
dispositivo vai assim investir na opacidade da linguagem, no
descentramento do sujeito e no efeito metafórico, isto é, no equívoco, na
falha e na materialidade (2003, p. 61).
2.4 Conceitos da Análise do Discurso
A Análise do Discurso, como já o disse, assenta-se na Lingüística, na Psicanálise e no
Materialismo Dialético, o que nos impõe a compreensão de uma rede de conceitos, dentre
eles, os de ideologia, formação discursiva, interdiscurso e condições de produção. Nesse
estudo, quando busquei compreender a relação entre os dizeres dos sujeitos pesquisados
acerca da alfabetização e a melhoria de suas condições de vida com outros dizeres, foi
necessário identificar, nas formações discursivas, os novos e os velhos sentidos sobre a
posição de sujeito não – alfabetizado e de sujeito alfabetizado, bem como, os sentidos
atribuídos à melhoria nas condições de vida a partir do lugar de alfabetizado. Nesse contexto,
é que discorro sobre os conceitos referidos considerando a Análise do Discurso.
2.4.1 Ideologia
A língua, para M. Pêcheux (apud ORLANDI, 2003, p. 49), “não é transparente nem o mundo
diretamente apreensível quando se trata da significação, pois o vivido dos sujeitos é
informado, constituído pela ideologia”. Portanto, necessidade de ressignificar a noção de
ideologia a partir da consideração da linguagem. que se ter uma definição discursiva de
ideologia. Não sentido sem interpretação, “o sentido é assim uma relação determinada do
sujeito afetado pela ngua com a história”, com os sentidos. (...) “não discurso sem
sujeito. E não sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados”
(ORLANDI, 2003, p.47). Os homens se perguntam: o que isto quer dizer?a evidência dos
sentidos interpreta-se e nega-se a interpretação dos sujeitos de que somos sempre
sujeitos. Pela língua, e considerando os sentidos do sujeito e dos sentidos, para
31
compreendermos a ideologia, refletimos sobre a interpretação. “Para que a língua faça sentido
é preciso que a história intervenha, pelo equívoco, pela opacidade, pela espessura material do
significante” (ORLANDI, 2003, p.47).
Na Análise do Discurso, a ideologia vem na voz de Althusser, quando postula como o
entendimento da história é vivido pela luta de classes “que envolve o princípio da contradição,
cujas idéias entram em confronto, numa correlação de forças” (NAGAMINE, 2002, p. 83). A
ideologia, desse modo, é um conceito de suma importância na AD, pois regula os sentidos
possíveis para o sujeito em um determinado contexto. Para Pêcheux, a ideologia é o modo de
interpelação dos indivíduos em sujeitos, “sujeitos de seu discurso” (1997, p. 163). Segundo
Chauí, a ideologia toma “as idéias como independentes da realidade histórica e social, de
modo a fazer com que tais idéias expliquem aquela realidade, quando na verdade é essa
realidade que torna compreensíveis as idéias elaboradas” (1980, p.5).
Ainda nessa direção, diz a autora que a história tem a ver com a forma “como homens
determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social,
reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural”
(CHAUÍ, 1980, p.8). A emergência de sentidos novos tem a ver com a história e não depende
dos sujeitos. Desta forma, o deslocamento e a transformação de sentidos acontecem no
processo coletivo de interação e de interlocução, que é a história. O deslocamento, isto é, a
ocupação de outras posições pelo sujeito, mesmo que no assujeitamento aos sentidos que
foram postos, à ideologia, apresentam atos falhos, deslizes. Na falha é que o sentido se
encontra. Sobre isso, Orlandi diz que “as palavras mudam de sentido segundo as posições
daqueles que as empregam” (2003, p. 42).
O dizer tem história e os sentidos não se acabam imediatamente. Para Orlandi, o trabalho
ideológico é um trabalho da memória e do esquecimento, “é justamente quando esquecemos
quem disse ‘colonização’, quando, onde e por que, que o sentido de colonização produz seus
efeitos” (2003, p. 49-50). Não há, pois, realidade sem ideologia. É a ideologia que faz com
que haja sujeitos e, portanto, a constituição do sujeito se pelo efeito ideológico. Nessa
perspectiva, a ideologia, afirma Orlandi, “não é vista como conjunto de representações, como
visão de mundo ou como ocultação da realidade” (2003, p.48). Ela aparece como “efeito da
relação necessária do sujeito com a língua e com a história para que haja história, para que
haja sentido” (ORLANDI, 2003, p.48).
32
2.4.2 Formação Discursiva
O conceito de formação discursiva é apresentado inicialmente por Michel Foucault na sua
obra A Arqueologia do Saber, no final dos anos 60 e, posteriormente, reconfigurado por M.
Pêcheux, à luz do marxismo althusseriano. Para Orlandi, a formação discursiva “se define
como aquilo que numa formação ideológica dada ou seja, a partir de uma posição dada em
uma conjuntura sócio-histórica dada determina o que pode e deve ser dito” (2003, p. 43).
Entendemos, assim, que as palavras dão sentidos, não por elas mesmas, mas porque estão
circunscritas numa formação discursiva que “representam no discurso as formações
ideológicas” (idem, p. 43). Portanto, as mesmas palavras podem ter significados diferentes se
elas se inscrevem em formações discursivas diferentes — por exemplo, a palavra lucro para o
capitalismo e para o socialismo. Afirma Nagamine que os “discursos são governados por
formações ideológicas” que, por sua vez, possuem uma ou mais formações discursivas
interligadas que “cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e de
representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou
menos diretamente a posições de classe em conflito umas em relação às outras” (2002, p.38).
2.4.3 Condições de Produção
As condições de produção sujeito e o contexto sócio-histórico - constituem-se material de
trabalho do pesquisador, à medida que a análise do discurso ocorre no instante em que, para o
enunciador, há pontos de deriva, deslizamentos, efeitos metafóricos.
Faz parte das condições de produção, a definição dos sujeitos, o modo de aproximação a eles,
as condições da enunciação, isto é, o sujeito e a situação, e também a memória na forma como
ela aciona. O objeto da análise do discurso é o homem falando. A esse propósito, Orlandi nos
fala que “o discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia,
compreendendo como a língua produz sentidos por / para os sujeitos” (2001, p. 21).
Buscamos entender, como aponta Orlandi, “como o discurso funciona produzindo (efeitos de)
sentidos” (2003, p. 63). Assim, na análise de discurso, ao considerarmos as condições de
produção no sentido amplo, falamos do contexto sócio-histórico e ideológico que se expressa
nas relações que se estabelecem entre as classes sociais, na forma como lidam para manter ou
33
romper com o poder ou tensões provenientes das disputas para posições de mando ou
submissão. Em sentido restrito, referimos ao contexto imediato ao momento em que o sujeito
enuncia a partir da posição que naquele momento foi possível ocupar.
2.4.4 Interdiscurso
O interdiscurso é a memória coletiva do dizer. No interdiscurso, o sujeito acredita estar
dizendo algo que é seu, sobre o qual tem controle, não percebendo que seu discurso foi
proferido antes. É, de fato, o já-dito e que corresponde ao “traço, no próprio discurso, de
discursos anteriores que fornecem como que a ‘matéria-prima’ da formação discursiva, à qual
se cola, para o sujeito, um efeito de evidência.” (PÊCHEUX, 1997, p.39-40). Ele “fornece a
ancoragem lingüística da tomada do interdiscurso” (op.cit. p. 34); é por intermédio do pré-
construído que “um elemento irrompe no enunciado como se tivesse sido pensado antes, em
outro lugar independentemente (PÊCHEUX, 1997, p.156).
Nessa direção, diz Orlandi, o interdiscurso é o “conjunto de formulações feitas e já esquecidas
e que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas
façam sentido...” (2003, p.33). No interdiscurso, ao sermos afetados pela ideologia,
vivenciamos um esquecimento de caráter ideológico, na instância do inconsciente. É o
esquecimento número um, da polissemia. Na ordem da enunciação, aparece o esquecimento
número dois, quando são constituídas as famílias parafrásticas, anunciando que o dizer
poderia ser diferente. É a possibilidade de que outros sentidos possam aparecer; de que a
ordem vigente possa se modificar. O Interdiscurso é, portanto, um conjunto de formulações já
realizadas, esquecidas, que definem o que dizemos.
34
3. DESVELANDO A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
NO BRASIL
(...) encontrar, em cada realidade histórica, os
caminhos de ida e volta entre o desvelamento da
realidade e a prática dirigida no sentido de sua
transformação” FREIRE, 1982.
Os dizeres dos jovens e adultos egressos do Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado, sobre
a relação entre o alfabetismo e a melhoria de suas condições de vida, inscrevem-se na
memória do dizer, ou seja, nos sentidos construídos historicamente. Portanto, o discurso sobre
a Educação de Jovens e Adultos como vem sendo dito e redito nos diversos contextos sócio-
históricos nos oferece um aparato teórico para compreensão dos sentidos postos nas falas dos
sujeitos da pesquisa, considerando a história e a memória.
3.1 Na contramão: a EJA como suplência
Os discursos implícitos na Educação de Jovens e Adultos são destituídos de unidade social e
política. Isso implica em um campo que vem se constituindo “à margem”, sendo vinculado,
sempre, à definição de um projeto que os jovens, os adultos e os idosos populares como
protagonistas da falta, marcados pela indefinição e pela diversidade para a qual não se tem,
ainda, políticas muito definidas.
Historicamente, de acordo com Orlandi, “a entrada no simbólico é irremediável e permanente:
estamos comprometidos com os sentidos e o político” (2003, p. 9). O discurso se instaura no
Brasil a partir dos anos 1930, década em que a EJA começa a ocupar um espaço de
significação na história da educação brasileira, quando o Governo Federal apresentou
orientações para um sistema público de educação elementar, definindo as responsabilidades
dos Estados e Municípios. No entanto, é no final dos anos 1940, que se insere, no cenário das
políticas públicas, ainda que se buscasse, com isso, aumentar o número de eleitores para a
manutenção do governo central. A esse respeito, afirma Piconez
com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o país vivia a efervescência
política da redemocratização. A 2
a
Guerra Mundial recém terminara e a
Organização das Nações Unidas, a ONU, alertava para a urgência de integrar
os povos visando à paz e à democracia. Tudo isso contribuiu para que a
educação dos adultos ganhasse destaque dentro da preocupação geral com a
educação elementar comum. Era urgente a necessidade de aumentar as bases
eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as massas
35
populacionais de imigração recente e também incrementar a produção (2001,
p.1)
Nessa década, foram disseminadas, nas diversas regiões do País, as primeiras políticas
públicas para adultos realizadas na forma de campanhas de alfabetização. Porém, o discurso
norteador das políticas públicas era aquele em que o adulto analfabeto era visto como incapaz,
improdutivo, dentre outros adjetivos, e que era explicitado nas palavras do diretor da
campanha, “que não pode estar a corrente da vida nacional” (PAIVA, 1987, p. 184). Nesta
direção, diz a autora que
O analfabeto padeceria de ‘minoridade econômica, política e jurídica:
produz pouco e mal e é frequentemente explorado em seu trabalho; não pode
votar e ser votado; não pode praticar muitos atos de direito. O analfabeto não
possui, enfim, sequer os elementos rudimentares da cultura de nosso tempo
(1987, p. 184).
Os objetivos da Educação de Jovens e Adultos com as campanhas de alfabetização seriam,
segundo Paiva, “de integração do homem marginal nos problemas da vida cívica e de unificar
a cultura brasileira” (1987, p. 184). A instauração de Campanhas de Educação de Adultos
deu lugar à conformação de um campo teórico-pedagógico orientado para a discussão sobre o
analfabetismo e a educação de adultos no Brasil. Nesse momento, o analfabetismo era
concebido como causa e não efeito da situação econômica, social e cultural do país. Essa
concepção legitimava a visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal, identificado,
psicológica e socialmente, com a criança.
Em 1947, com a Campanha Nacional de Educação de Adultos, a EJA passa a ser considerada,
na política governamental, como elemento fundamental para a elevação dos níveis de
educação de toda a população. Nesse período, a alfabetização de adultos é destacada pela sua
importância para a educação de crianças e a União, via distribuição de fundos públicos, induz
os Estados a oferecerem serviços de educação primária para os jovens e adultos. Nessa
década, começa a ser caracterizada como um campo pedagógico específico, o que se constata
com a criação e implantação do Fundo Nacional de Ensino Primário, do Serviço de Educação
de Adultos, da Campanha de Educação Rural. Seis anos depois, temos a Campanha Nacional
de Erradicação do Analfabetismo. O caráter de suplência nas políticas apresentadas pela
União para a Educação de Jovens e Adultos, dede 1947, se concretiza em todas essas
propostas.
Todas elas ocorrem em meio às pressões dos organismos internacionais, à turbulência das
discussões políticas do pós-guerra e à luta pela redemocratização nacional. O analfabetismo
36
era tido como a causa das mazelas do povo e dos atrasos econômicos do país, e nesse sentido,
se fazia necessário suprir as carências de escolarização. A concepção era, portanto, supletiva,
preventiva e moralizante e, desse modo, não se buscava garantir direitos específicos de um
tempo de vida, os da juventude e da vida adulta e os da vida idosa. Sobre isso, diz Arroyo
“teimar em reduzir direito a favores, à assistência, à suplência, ou ações emergenciais é
ignorar os avanços na construção social dos direitos, entre eles à educação de jovens e
adultos” (2005, p. 28).
Em 1958, foi realizado o II Congresso Nacional de Educação de Adultos e, nesse momento, a
preocupação central em relação à EJA não se situa apenas nas metodologias, mas também nos
aspectos políticos, sociais e econômicos da ão educativa. No período de 1958 a 1964, o
discurso se constituiu com base no pensamento socialista, a conjuntura econômica e política
eram caracterizadas pela crença e pelo desejo de realizar mudanças sociais. No início dos anos
1960, os movimentos de educação e cultura popular, mantidos pela Igreja Católica, buscavam
alfabetizar os jovens e os adultos, orientando-os para a tomada de consciência de seus direitos
e para a necessidade de transformar as estruturas sociais injustas. Nesse contexto, a
alfabetização era tida como essencial para que se pudesse refletir sobre as relações
vivenciadas pelos homens em uma sociedade regida pelo capital e estruturada em classes.
A EJA, na década de 60, traz a concepção de que “os educandos são sujeitos de
aprendizagem, de produção de cultura e de transformação do mundo” (DI PIERRO, JOIA E
RIBEIRO, 2001, p. 3) e o diálogo configura-se como princípio da ação educativa. Os saberes,
a interrogação e os significados que os jovens e adultos construíram em suas trajetórias de
vida são a essência de uma pedagogia que possibilite o diálogo entre os saberes sociais e
escolares. Sobre essa questão, Freire afirma que “se a vocação ontológica do homem é de ser
sujeito e não objeto, poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre as suas
condições espaço temporais, introduzir-se nelas, de forma crítica” (1987, p. 61). Desse
modo, é possível concluir “que a Educação de que o homem precisa é aquela que o leve a uma
‘constante busca dessa vocação de ser sujeito’, de alterar as suas ‘condições espaço-temporal
injustas’” (FREIRE, 1987, p. 61). O discurso era, portanto, de uma Educação de Jovens e
Adultos que fosse crítica e que estivesse direcionada para a transformação social. Sobre isso,
Paini diz que
as condições de produção do analfabetismo e do analfabeto têm suas causas
em fatores sociais e educacionais. São sociais as condições de trabalho que
37
pautados historicamente em um modelo taylorista, não requisitavam de seus
trabalhadores conhecimentos de leitura e escrita, visto que não eram
necessários, bastava a força de trabalho (2005, p. 225).
A instauração de um discurso específico para a EJA instala-se com as experiências de
alfabetização de adultos, propostas por Paulo Freire, quando eram realizados os programas do
Movimento de Educação de Base (MEB), do Movimento de Cultura Popular do Recife e os
Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes. Nesse período, mesmo
diante da violenta repressão advinda da ditadura militar em vigor, na qual vigorava um
discurso hegemônico, as experiências amparadas na concepção de Freire continuavam a ser
desenvolvidas no país. Paulo Freire, exilado, compartilhava suas idéias acerca da EJA com o
mundo.
No Brasil, o paradigma da educação popular impulsionava a todos para que se pudesse
centralizar a busca de “metodologias e conteúdos nas características etárias e de classes dos
educandos” (DI PIERRO, JOIA, RIBEIRO, 2001, p. 3).. Ainda, tratando dessa questão,
Arroyo, ao considerar a especificidade dos jovens, dos adultos e dos idosos a EJA, pontua que
pode ajudar a fornecer pistas para que formas não-lineares, mais complexas
de constituir-nos humanos, venham à luz e instiguem a pedagogia a refletir
sobre elas. Sobretudo quando essas formas fragmentadas, truncadas são
trajetórias de milhões de crianças e adolescentes, de jovens e adultos com
que a escola se defronta cotidianamente (2005, p. 37).
Nesse cenário, a EJA se faz em meio às diretrizes emanadas da Organização da Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e de outras agências internacionais
vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) que defendiam o “combate ao
analfabetismo e a universalização de uma educação elementar como estratégia de
desenvolvimento socioeconômico e manutenção da paz” (DI PIERRO, JOIA, RIBEIRO,
2001, p. 3). No Brasil, dissemina-se a doutrina do ensino supletivo, amparada na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 5692/71, como instrumento de reposição
de estudos não realizados na infância e na juventude. Na história da EJA, diz Arroyo, tem-se,
sempre, o partir dessas formas de existência populares, dos limites de opressão e exclusão em que
são forçados a ter de fazer suas escolhas entre estudar ou sobreviver, articular o tempo rígido de escola
com o tempo imprevisível da sobrevivência(2005, p. 49).
Na década de 70, instala-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), e o
discurso se constitui na contramão dos princípios de alfabetização do período anterior. O
analfabetismo, sendo objeto de políticas públicas no âmbito da alfabetização de jovens e
adultos desde os idos de 1947, teve como principais propostas de alfabetização, até o ano de
38
2002, ações de cunho salvacionista, marcadas pela “seletividade, exclusão social, dominação
e imposição cultural” (PAINI, 2005, p. 224)
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947, Governo Eurico
Gaspar Dutra); Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958,
Governo Juscelino Kubitschek); Movimento de Educação de Base (1961 -
criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB); Programa
Nacional de Alfabetização, valendo-se do método Paulo Freire (1964,
Governo João Goulart); Movimento Brasileiro de Alfabetização Mobral
(1968-1978, Governos da Ditadura Militar), Fundação Nacional de
Educação de Jovens e Adultos - Educar ( 1985, Governo José Sarney); Plano
Nacional de Alfabetização e Cidadania PNAC (1990, Governo Fernando
Collor de Mello); [...] e, finalmente, o Programa de Alfabetização Solidária
(1997, Governo Fernando Henrique Cardoso). Mapa de Analfabetismo no
Brasil (MEC /INEP, 2005, p. 12).
Em 1985, o MOBRAL é extinto sem apresentar os resultados a que se propunha e o MEC, por
intermédio da Fundação Educar, apóia técnica e financeiramente os governos estaduais e
municipais e entidades civis, no sentido de promover a educação básica de jovens e adultos
por meio da educação formal. O Ensino Fundamental na Educação de Jovens e Adultos,
instituído na LDBEN 5692/71, é tratado na legislação educacional no que tange à reposição
de escolaridade, contendo a suplência ao aperfeiçoamento ou atualização e a formação para o
trabalho e a profissionalização, a aprendizagem e a qualificação.
3.2 A EJA como direito: uma configuração possível
A reflexão a respeito da Educação de Jovens e Adultos (EJA), no sentido de compreendê-la
como um campo de direitos e como uma política pública de Estado, requer, dentre outras
questões, que saibamos dos discursos que são vinculados às concepções sobre os jovens, os
adultos e os idosos que estão. A esse respeito, diz Silva, pensar “o homem e a mulher no
seu tempo histórico (...) é pensar o mundo. Um mundo que é desigual, complexo, mutante,
movido pelos fenômenos naturais e pelos fenômenos da ação humana” (2005, p. 203). A
educação está relacionada à existência humana, nos tempos de vida humanos e, em todas as
suas dimensões. Ao continuar a reflexão, afirma, ainda, o autor “a educação é um ato datado
porque se faz em sintonia a conjunturas sociais e históricas” (2005, p. 204).
A EJA, no Brasil, está configurada na LDBEN 9394/96 como uma “modalidade da Educação
Básica nas etapas do ensino fundamental e médio que usufrui de uma especificidade própria
que, como tal, deveria receber um tratamento conseqüente” (BRASIL, 2000, p.2). Seu
discurso tem se constituído ao longo da história, no vocábulo educação e não no ensino. A
39
opção pela denominação educação e não ensino tem como centralidade as trajetórias não-
lineares dos processos de aprendizagem dos jovens e adultos, enfim, a própria educabilidade
humana. As trajetórias dos jovens, dos adultos e dos idosos populares, afirma Arroyo
são trajetórias, que, desde crianças, os interrogam e interrogam a educação
sobre os significados políticos da miséria, da fome, da dor, da morte, da luta
pela terra, pela identidade e pela cultura, pela vida e dignidade. Trajetórias
de idas e voltas, de caídas e recaídas. De escolhas sem horizontes e
luminosidades para escolher: sem alternativas de escolhas (2005, p. 41).
Os tempos da juventude e da vida adulta desses coletivos sociais de jovens e adultos
populares exigem respostas, não no ensino, mas no plano da educação. As interrogações
desses sujeitos “vêm, do campo de valores, do sentido do bem e do mal, das possibilidades e
limites da humanização (...) que marcam suas trajetórias” (2005, p. 38), continua o autor. No
entanto, ainda que a condição humana deva se constituir como o centro das discussões quando
se pensa sobre o currículo necessário a homens e mulheres, em seu tempo de vivência, esse
fato não se configura, ainda, como uma realidade no sistema formal de ensino. Em relação à
EJA, as experiências dessa natureza ganham força no Movimento da Educação Popular,
porém, propostas pedagógicas emancipatórias não vêm apenas dos movimentos sociais, dos
partidos alinhados às demandas populares, mas, essencialmente, como sustenta Arroyo, “das
questões radicais e explosivas a que são submetidos os filhos dos setores populares, dos
pobres, negros, oprimidos desde a infância” (2005, p. 41).
A EJA é um ato político, espaço de emancipação e libertação, à medida que jovens e adultos
podem escolher, planejar suas vidas, compreender e representar o mundo. Ao refletir sobre a
leitura da palavra, Freire fala que: “aprender a ler e escrever se faz, assim, uma oportunidade
para que mulheres e homens percebam o que realmente significa dizer a palavra (...) é o
direito de expressar-se e expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir, de optar” (1979, p.
49). Atualmente, a perspectiva da escolarização traz o discurso de garantir às pessoas o
domínio dos conhecimentos sistematizados pela humanidade, com destaque para o
desenvolvimento de habilidades nos usos da leitura e da escrita de modo a atender às funções
explicitadas no Parecer CEB 11/2000:
(1) ser reparadora de direitos negados; (2) promover a eqüidade, dando
maiores oportunidades aos que necessitam de mais chances para a efetivação
de aprendizagens; (3) ser qualificadora, habilitando pessoas para o mercado
de trabalho, ao exercício da cidadania, a maiores oportunidades de
comunicação e versatilidades para o convívio com as demandas do mundo
contemporâneo (SILVA, 2006, 2005).
40
O Parecer invoca a Declaração de Hamburgo (1997), quando destaca a necessidade de
reparação da dívida para com os jovens e adultos que não tiveram acesso ao domínio da
leitura e da escrita. A educação pode significar para os jovens, os adultos e os idosos
populares a efetividade do “direito a conhecer, a conhecer o que se conhece e o direito a
conhecer o que ainda o se conhece” (FREIRE, 2002, p. 22). Na Declaração Mundial de
Educação para Todos, a alfabetização e a aritmética básica foram consideradas como
instrumentos essenciais de aprendizagem, para que “cada pessoa criança, jovem, adulto
possa se beneficiar das oportunidades de ensino oferecidas para o atendimento de suas
necessidade educacionais básicas” (UNESCO/MEC, 2003, p. 32).
Retomando o parecer CEB 11/2000, em relação à função reparadora, a EJA, além de garantir
o acesso dos jovens e adultos à escola, deve ser concebida a partir das trajetórias desses
jovens e adultos. Assim, conforme Silva, necessita “ser pensada como um modelo pedagógico
próprio, a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de
jovens e adultos” (2006, p. 205).
A função equalizadora, também referida no Parecer, exige que, estando os desfavorecidos na
escola, devem ter a garantia de maiores oportunidades do que outros, visando alcance de
alguma igualdade na sociedade. A busca da igualdade posta no parecer, quando trata da
função equalizadora da EJA, deve ser compreendida no contexto dessa relação de inclusão e
exclusão. A EJA, de fato, deve se constituir como política afirmativa, pois “não se trata de
garantir direitos para todos. Trata-se de direitos negados historicamente” (ARROYO, 2005, p.
30). Ainda no que se refere à função qualificadora, explicitada no parecer, o potencial humano
de se qualificar e requalificar, permanentemente, exige uma educação que considere a
juventude, a vida adulta e a vida idosa como tempos de aprendizagem, compreendendo que se
aprende ao longo da vida. Todos aprendemos por toda a vida. Diz Torres que
“independentemente de quem somos, da onde vivemos, e se vamos ou não a escola (…) é
certo que a linguagem escrita tem um papel fundamental no desenvolvimento e na
transmissão do conhecimento, assim como na aprendizagem ao longo de toda a vida” (2006a,
p. 3-9). Nessa perspectiva, a EJA deve, então, oferecer aos jovens e adultos que estão o
domínio de “ferramentas necessárias à vida, nas sociedades atuais, marcadas pelo uso dos
meios de comunicação pelo avanço das tecnologias” (SANTOS, 2006, p. 20) e regidas pela
lógica do capital.
41
A configuração da EJA como um campo de direitos e dever do Estado, um campo em que a
centralidade educativa é a trajetória de vida dos jovens, dos adultos e dos idosos das classes
populares não resulta das políticas públicas para a educação no Brasil. Historicamente, como
visto anteriormente, o discurso da EJA não era prioridade para os governos e as ações oficiais
não atendiam à especificidade daqueles que não tiveram acesso à escola, nos tempos da
infância e da juventude. O não reconhecimento, pela sociedade e pelo Estado, da EJA como
um direito, um dever e uma responsabilidade pública tem sido denunciado por todos aqueles
que estão nos movimentos sociais, nas cidades e nos campos. Os jovens, como protagonistas
dessa luta, ao reconhecerem-se como sujeitos de direitos específicos, têm se juntado a outros
tantos companheiros na intenção de formar uma opinião pública nacional que resulta em
políticas públicas, em conformidade com uma EJA, não mais supletiva, compensatória e
moralizante. Uma EJA como direito.
Nesse sentido, a década de 90 teve grande importância. Em nível nacional, os movimentos de
educadores preocupados com a EJA e os Fóruns se constituíram como espaços privilegiados
de formação de uma opinião pública em relação ao direito dos jovens, dos adultos e dos
idosos populares à educação. No plano internacional, destaca-se a Conferência Mundial
realizada em Jomtien, na Tailândia, em março de 1990. Esta ocorreu no ano Internacional da
Alfabetização, reunindo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Saúde
(UNESCO), O Programa das Nações Unidas (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF) e o Banco Mundial quando foi aprovada a Declaração Mundial sobre a
Educação para Todos.
Na Conferência Mundial, o problema educacional no mundo foi abordado e a educação básica
teve seu conceito ampliado. A Educação de Jovens e Adultos foi objeto de reflexão, com a
inclusão de metas para a redução do analfabetismo e a indicação da ampliação dos serviços de
educação básica e capacitação aos jovens e adultos, com avaliação sobre seus impactos
sociais. A Conferência, para Torres (2003), foi além da tentativa de garantir educação básica
para a população mundial, ultrapassando esse objetivo à medida que se buscou uma nova
visão e alcance para a Educação Básica.
Torres (2003) enfatiza que as políticas educacionais na década da Educação para Todos,
traduziram um estreitamento do conceito de educação básica, o que pode ser analisado a partir
dos indicadores selecionados para avaliar a década. Em relação à EJA, os acordos bilaterais e
42
multilaterais desestimularam investimentos nesse campo, a avaliação centrou-se na
alfabetização de jovens e adultos e não na educação básica no seu sentido amplo. No que diz
respeito à universalização da educação primária, o foco era a população infantil. A
Conferência Mundial de Educação para Todos tinha, de fato, a educação básica como seu
foco principal. No entanto, a importância da alfabetização foi declarada por intermédio dos
programas não-formais para adultos e na escolarização das crianças.
Os acordos firmados pelo Brasil, na Declaração Mundial de Educação para Todos, são
estabelecidos nos objetivos e metas para Educação de Jovens e Adultos, no Plano Nacional de
Educação – Lei 10172, de 09 de janeiro de 2001 ao definir programas para erradicar o
analfabetismo; a assegurar a oferta do ensino fundamental nas quatro séries iniciais; a
fornecer material didático-pedagógico, em nível de ensino fundamental; a avaliar as
experiências em alfabetização; a assegurar a formação de educadores; a estabelecer parcerias
com a sociedade civil; a mapear a população analfabeta e a programar oferta; a fortalecer as
secretarias estaduais e municipais de educação; a estimular a participação de alunos da
educação superior nos programas; a elaborar parâmetros nacionais de qualidade; a aperfeiçoar
o sistema de certificação de competências; a ofertar a modalidade de educação à distância; a
ofertar cursos básicos de formação profissional; a ampliar os cursos de nível médio; a
implantar programas de nível fundamental e médio e formação profissional em unidade
prisionais; a incentivar as instituições superiores a ofertar cursos de extensão; a estimular as
universidades e organizações não-governamentais a oferecer cursos dirigidos à terceira idade;
a realizar a avaliação dos programas e divulgar os resultados; a realizar censos específicos
para verificar o grau de escolarização da população; a articular as políticas da EJA com as de
proteção de emprego; a incentivar nas empresas públicas e privadas a criação de programas
permanentes; a articular as políticas de EJA com as culturais; a incluir, a partir da aprovação
do Plano Nacional de Educação, a Educação de Jovens e Adultos nas formas de
financiamento da Educação Básica.
O cumprimento dos compromissos formados em Jomtien, pelo Brasil, afirma Di Pierro
(2001), foram prorrogados para este milênio, quando se espera uma investida mais decisiva no
sentido de superar a exclusão educativa e cultural de amplos setores da população,
coordenando ações sistêmicas no campo da educação de crianças, jovens e adultos, na escola
e fora dela. Essa constatação se deve, conforme Haddad e Di Pierro (1999), a situação dos
índices de analfabetismo, geração de novos contingentes de analfabetos funcionais, devido à
43
ação deficiente dos sistemas regulares de ensino, restrição de direitos legais, insuficiência da
cobertura dos serviços regulares de ensino face à demanda, limites do funcionamento e, em
especial, omissão do governo federal na indução e coordenação de iniciativas das outras
esferas de governo.
Em relação à Década de Educação para Todos, em se tratando da EJA, Torres assim se
manifesta
Tudo isso resulta em preocupação, não somente pelo abandono educativo
de jovens e adultos enquanto tais, mas pela visão estreita que negligencia a
própria meta - considerada prioritária - da universalização da educação
fundamental. Deixar de lado a educação de adultos é ignorar, mais uma
vez, o ponto de vista da demanda educativa, a importância da família como
suporte fundamental do bem-estar para a aprendizagem infantil, incluindo,
em último termo, como fator relevante das condições de aprendizagem e do
meio escolar. Educar os adultos que são pais e os adultos da comunidade
torna-se condição para o sucesso da educação básica para todas as crianças,
e educar os adultos professores é condição sine qua non para a expansão e
melhoria das condições de ensino (1999, p.19). (tradução nossa).
Ao tratar-se do papel das conferências internacionais na configuração atual da EJA, destaca-se
a V CONFINTEA, Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada em
Hamburgo em 1997, na Alemanha, que proclama o direito de todos à educação ao longo da
vida. A educação é entendida como fator de desenvolvimento profissional e um direito da
cidadania. No Brasil, os Fóruns de EJA e os Encontros Nacionais de Educação de Jovens e
Adultos (ENEJAs) vêm atuando no intuito de que a sociedade civil possa organizar-se para
intervir nas políticas públicas voltadas para a EJA. Ao considerar-se que se aprende ao longo
da vida e que a educação se constitui em um direito e um dever do Estado, a construção dos
destinos da EJA, nessa década, foi marcada por importantes avanços. Contudo, estigmatizada
por dificuldades no estabelecimento de um diálogo entre educandos, educadores,
especialistas, gestores, funcionários da escola e os estudiosos dessa temática, o que impediu a
construção de Projetos Pedagógicos que tivessem como centralidade a especificidade das
trajetórias dos jovens, dos adultos e dos idosos.
Nos anos 1990, o novo cenário mundial traz consigo, no dizer de Silva, “o avanço da
tecnologia, a fragmentação da União Soviética, o restabelecimento do modo de produção
capitalista em todo o mundo e a existência de um novo desenho cultural, político e econômico
denominado de pós-industrial e pós–moderno” (2006, p. 213). Isso põe em reflexão a
produção teórica na EJA e as práticas na Educação Popular.
44
Em relação à produção teórica, Souza (2006) afirma que, nesse período, autores como
Ferreiro (1991; 1992), Kleiman (1995), Craidy (1998), Ribeiro (1999), Moreira (2003), se
ocupam de questões conceituais sobre alfabetização, letramento, analfabetismo e
analfabetismo funcional. Outros, a exemplo de Teberosky (1993), Baquero (1998) e Moreira
(1999), centram suas pesquisas na defesa da abordagem construtivista para a EJA. Em relação
ao campo específico de EJA, vários autores, dentre eles, McLaren (1999), Apple (2000),
Scocuglia (1997), enfatizam o pensamento de Paulo Freire.
A reforma de ensino, implementada no Brasil a partir da década de 90, foi condicionada pelas
metas de ajuste fiscal, o que resultou na redefinição do papel do Estado em relação ao
financiamento e à oferta dos serviços de ensino. Para atingir esses objetivos, essa reforma
obedeceu aos parâmetros da privatização seletiva de serviços, à focalização dos programas de
populações deficitárias e à desregulamentação, o que resultou na supressão ou flexibilização
de direitos legais e a entrada do setor privado em setores que antes eram de responsabilidade
exclusiva do Estado. Conforme Di Pierro
O objeto explícito da reforma educacional implementada pelo governo
federal brasileiro na segunda metade dos anos 90 foi racionalizar o gasto
público e redistribuí-lo entre os níveis de ensino, de modo a aumentar a
eficiência interna do sistema, ampliando a cobertura, melhorando o fluxo
escolar e elevando os níveis de aprendizagem dos alunos (2001, p. 323).
Do ponto de vista da promoção da EJA, ocorreu um deslocamento da fronteira entre as
responsabilidades públicas e privadas. Quanto ao princípio da descentralização da gestão e do
financiamento, de 1950 a 1980, as Campanhas e os Programas de Alfabetização eram
concebidos do ponto de vista do plano político-pedagógico, pelo Governo Federal, porém,
eram desenvolvidos em regime de co-financiamento com os Estados. A partir de 1990, a
responsabilidade da EJA é transferida para os municípios, haja vista a descentralização dos
tributos e a criação do Fundo de Assistência e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
(FUNDEF). Em 2001, 49,6% da EJA já está sob a responsabilidade dos Municípios.
Em relação à focalização dos programas e população de beneficiários, o discurso, ainda nessa
década, baseado nas orientações de organismos internacionais, é mantido para a educação de
crianças, no que se refere ao Ensino Fundamental, com a justificativa da prevenção do
analfabetismo. Nesse contexto, se constata a existência de ações compensatórias de combate à
pobreza e a inexistência de uma política pública universal para a EJA. Essa problemática é
abordada por Torres, quando a
45
A recomendação de não investir na alfabetização e na educação de adultos
em geral, feita pelo Banco Mundial desde os fins dos anos 80 aos governos
dos "países em desenvolvimento", baseia-se em dois argumentos: (a)
poucos recursos e necessidade de priorização da criança na escola, e (b)
pouca eficácia dos programas de alfabetização de adultos. Não obstante,
nenhum destes argumentos são válidos, porque: (a) a educação das crianças
e a educação de jovens em adultos estão intimamente relacionadas, e não é
uma questão de priorização entre crianças e adultos, e (b) a suposta
ineficiência e o baixo desempenho da alfabetização de adultos não se
baseiam em informações e nem em conhecimentos confiáveis, o que tem
sido reconhecido e retificado pelo Banco Mundial em anos recentes
(2006b, p.1-2). (tradução nossa)
Um outro princípio, no qual se assenta o alcance dos fins dessas políticas públicas, é o da
privatização seletiva dos serviços educativos, que ocorre por intermédio do estabelecimento
de parcerias e da multiplicação dos provedores na promoção da Educação Básica. O Estado
delega as responsabilidades que eram suas no campo da EJA para a sociedade civil. Há, então,
a publicização dos serviços educativos em favor das organizações civis de direito privado sem
fins lucrativos.
Dessa forma, as políticas públicas para a EJA têm como foco o serviço público não-estatal,
quando o Estado delega à sociedade civil a responsabilidade pela garantia do direito à
educação, dentre outros direitos universais. No bojo dessa problemática, são constituídos
espaços públicos não-estatais em que o cidadão é visto como consumidor e as organizações
sociais como prestadoras de serviços públicos. De outro lado, outros espaços, também não-
estatais, vão sendo instaurados, amparando-se no princípio de uma gestão democrática de
políticas sociais, o que possibilita o controle da sociedade civil sobre o aparato administrativo
e burocrático do Estado. A execução das políticas públicas da EJA é concedida às
organizações sociais e a sua formulação e financiamento são de responsabilidade do Estado.
A EJA no Brasil, historicamente, tem sido marcada pela desconcentração do financiamento e
provisão do ensino, ocorrendo a preservação de instrumentos de regulação e controle,
especialmente no que diz respeito às transferências diversas, exigindo dos parceiros a adesão
aos programas e projetos modelados pela União. A partir de 2003, com a mudança de
governo, o discurso que se instala é o de que a EJA se constitui prioridade e, nesse sentido, é
criada no MEC, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)
e se estrutura o Programa Brasil Alfabetizado. No governo do Presidente Luís Inácio Lula da
Silva, avanços significativos em relação à EJA, a exemplo da constituição de uma
comissão nacional de caráter consultivo, com a participação de representantes da sociedade
46
civil, em que se discutem as políticas públicas da EJA, em especial o Programa Brasil
Alfabetizado, na intenção de sua legitimação.
Mesmo diante desses avanços, a EJA, enquanto política pública de direito, coexiste com a
concepção de Ensino Supletivo, com ações pontuais, priorizando a educação de crianças em
detrimento a educação de jovens e adultos, crendo que esta é a maneira de interferir no ciclo
contínuo do analfabetismo entre os jovens e adultos.
Os desafios postos para o momento atual são inúmeros e fazem parte do embate entre o
Governo e a sociedade civil, por intermédio dos FÓRUNS de EJA, no sentido de tornar
efetivo o direito à educação para todos. Isso implica a adesão ao paradigma da educação ao
longo da vida, o que requer uma concepção de alfabetização que assegure o desenvolvimento
de capacidades que favoreçam o uso de conhecimentos nas diferentes práticas sociais. A EJA
tem sido vista de um modo geral como:
uma educação “tapa buracos”, destinada a remediar falhas dos sistemas
social e educativo, encarregada de ensinar àqueles adultos que deveriam
ter aprendido na escola, quando crianças; (...) uma educação de pobres e
para pobres, como um remédio, uma educação compensatória (TORRES,
1995, p. 28)
A transformação da EJA em um campo de direitos e de dever do Estado exige que avancemos
em uma “visão positiva dos jovens e adultos populares, por reconhecê-los como sujeitos de
direitos” (ARROYO, 2005, p.26). Sob esta ótica, pensar a/na reconfiguração suscita a
necessidade de considerar que todos aprendem ao longo da vida; que a alfabetização não tem
idade, se realiza dentro e fora da escola; que causa impactos entre gerações; que é um pilar
fundamental de aprendizagem, essencial para o desenvolvimento humano e para melhorar a
qualidade de vida do sujeito enquanto ser social.
A definição de políticas públicas para EJA, centradas nesse discurso, requer que
consideremos, conforme Di Pierro, Joia e Ribeiro “o direito dos indivíduos traçarem com
autonomia suas próprias biografias formativas, (...) modificar o estilo de planejamento das
agências formadoras” (2001, p. 08). A autora acrescenta que é preciso “reconhecer que não
apenas as escolas mais muitas outras instituições e espaços sociais têm potencial formativo”
(ibidem, 2001, p. 08). Desse modo, reconfigurar a EJA na perspectiva de transformar o
discurso da suplência em direito, requer a busca de respostas que considerem a especificidade
47
da existência humana dos jovens e adultos de classes populares. Nesse sentido, a EJA se
constitui um campo de direito, em uma responsabilidade do Estado.
3.3 As Políticas Públicas na EJA: o Programa AJA Bahia /Brasil Alfabetizado
A Educação de Jovens e Adultos torna-se uma das principais pautas dos países membros das
Nações Unidas. A UNESCO, organismo responsável por essa discussão no âmbito da
educação, conclama a todos a somar esforços para o que viria a ser chamada de Década da
Alfabetização
2
.
A exemplo de outros discursos vinculados pelo mesmo organismo, como a década da
Educação para Todos, iniciativas como essa começam a ser incorporadas às políticas públicas
de educação e em especial as da Educação de Jovens e Adultos.
No Brasil, a alfabetização de jovens e adultos, incorporada às políticas de Educação de Jovens
e Adultos, ainda se constitui um desafio para os governos. Está claro que, ao formularem suas
ações, os governos optam por modelos de programas que nem sempre vem ao encontro do
fortalecimento da alfabetização de adultos, nas políticas de EJA.
Um dos elementos que contribui para esse desvio na articulação dos governos entre
intencionalidade e ação é o significado do analfabetismo, que é incorporado pelos
formuladores das políticas de EJA, entendido como algo fatalístico e elemento que impede o
crescimento econômico e desenvolvimento social dos brasileiros:
O analfabetismo está comprometendo o futuro do Brasil. Em realidade, nos
vários Brasis persistem pessoas que não têm oportunidades adequadas para
alfabetizar-se. Com o analfabetismo freqüentemente enraizado nas
circunstâncias da pobreza, em áreas rurais e urbanas, não se pode esperar
que esse grupo de excluídos caminhe para a morte (...) para que o Brasil não
perca essa oportunidade histórica. E se isso for mais uma vez adiado, poderá
ser tarde demais (MEC/UNESCO, 2003, p.7).
Com efeito, o grande número de programas que apostam em seu caráter mobilizador de
combate ao analfabetismo, alimentam-se em discursos que se afastam da compreensão da
alfabetização associados a outros direitos, que não são exclusivos ao da educação. Alvarenga
2
Para melhor compreensão verificar o documento Alfabetização como liberdade, publicado pela
UNESCO/MEC. 2003.
48
(2007), em estudos recentes, aponta para esse traço dos programas de alfabetização de jovens
e adultos, afirmando:
As políticas governamentais de alfabetização, destinadas aos jovens e
adultos (...) são instruídas como “missões civilizatórias” que, transformadas
em “campanhas”, “cruzadas” ou “movimentos”, tentam promover a
erradicação da diferença entre a barbárie e a civilização; entre a não-
cidadania e a cidadania, conduzindo, pelo estandarte da alfabetização, a
mensagem ideológica que atribui à ausência, à falta de leitura e da escrita a
raiz fundante de tais diferenças (2007, p. 1).
A relação entre alfabetismo e cidadania tem sido um discurso constante na articulação dos
programas de alfabetização de jovens e adultos. Parece contraditório que, ao invocar a
alfabetização como elemento de inclusão dos sujeitos, essas políticas não se traduzem como
forma de superação do quadro de desigualdade produzida pela não-escolarização dos jovens e
adultos, haja vista a baixa continuidade do processo de escolarização dos programas de jovens
e adultos.
De Pierro (2005) enfatiza essa questão, considerando que as políticas de jovens e adultos, na
última década, assumiram um papel marginal nas reformas educativas, ou mesmo
secundárias, uma vez que, na organização da educação básica e suas modalidades, o seu
financiamento ficou definido no então Fundo Nacional de Desenvolvimento do Magistério
(FUNDEF) e, com a criação do Fundo Nacional da Educação Básica (FUNDEB), esta questão
ainda não foi superada, trazendo diferenciações para custo aluno da EJA.
Como conseqüência, as metas postas para a década da educação em 1990, de longe foram
atingidas pelas políticas implementadas para EJA, persistindo ainda com taxas elevadas de
analfabetismo nessa população. Em especial, os Estados da Região Norte e Nordeste com
índices superiores ao conjunto dos Estados brasileiros, como é demonstrado no quadro
abaixo.
49
Figura 1 - Taxa de Analfabetismo por Unidade Federativa.
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.
Gráfico apresentado pelo Secretário do MEC/SECAD-set/2007.
Nesse cenário, é lançado, em 2003, pelo Governo Federal, o Programa Brasil Alfabetizado
com a pretensão de articular a continuidade da escolarização e promoção de acesso à
educação a população de aproximadamente 15 milhões de brasileiros jovens e adultos, com
mais de 15 anos.
Apesar dessa intenção, Di Pierro afirma que no Programa Brasil Alfabetizado
destaca-se o desenho assemelhado às campanhas de alfabetização do
passado, como a curta duração do módulo de ensino e aprendizagem,
ausência de instrumentos de acompanhamento e avaliação, improvisações de
alfabetizadores sem nenhuma ou escassa função pedagógica, falta de
mecanismos que assegurem aos alfabetizandos a continuidade de estudos e
consolidação das aprendizagens (2005, p.1129).
Coordenado pelo Ministério da Educação, através da SECAD, o Programa atua por meio de
convênios com instituições alfabetizadoras órgãos públicos estaduais e municipais,
11,96%
11,67%
6,64%
6,64%
24,49%
15,50%
13,49%
16,77%
12,10%
18,78%
28,39%
30,51%
26,54%
25,43%
29,71%
24,50%
33,39%
25,16%
23,15%
9,53%
6,32%
6,65%
11,19%
12,36%
11,93%
5,68%
12,97%
4,5%
5,0%
5,5%
6,0%
6,5%
7,0%
7,5%
8,0%
8,5%
9,0%
9,5%
10,0%
10,5%
11,0%
11,5%
12,0%
12,5%
13,0%
13,5%
14,0%
14,5%
15,0%
15,5%
16,0%
16,5%
17,0%
17,5%
18,0%
18,5%
19,0%
19,5%
20,0%
20,5%
21,0%
21,5%
22,0%
22,5%
23,0%
23,5%
24,0%
24,5%
25,0%
25,5%
26,0%
26,5%
27,0%
27,5%
28,0%
28,5%
29,0%
29,5%
30,0%
30,5%
31,0%
31,5%
32,0%
32,5%
33,0%
33,5%
34,0%
34,5%
35,0%
Rondônia
Acre
Amazonas
Roraima
Pará
Amapá
Tocantins
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Gos
Distrito Federal
50
instituições de ensino superior, entidades do Sistema “S” (SESI/SENAI/SESC/SENAC e
outros) e organizações sem fins lucrativos.
O Brasil Alfabetizado possui uma estrutura flexível, não padronizada, acolhendo todas as
iniciativas em andamento, permitindo diferentes metodologias que os parceiros possam
apresentar no sentido de considerar as diversidades do público atendido. No entanto, é
estabelecida pelo MEC a condição de assegurar que, no final do período de duração do
Programa, os alunos sejam capazes de ler, escrever, compreender e interpretar textos e
realizar as operações matemáticas básicas (MEC/UNESCO, 2003).
A fim de implementar as ações do Programa, compete ao MEC, por intermédio do Fundo
Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), alocar recursos financeiros para as
organizações parceiras, em caráter suplementar, tendo como referência o número de alunos
cadastrados no sistema. É da incumbência dos parceiros, cadastrar alfabetizadores e
alfabetizandos no Ministério da Educação, ser responsáveis pela cessão das salas de aula,
pelos materiais didáticos, pela formação de professores alfabetizadores e coordenadores, e
pela alfabetização dos jovens e adultos cadastrados.
Com o propósito de perseguir a melhoria dos índices de alfabetismo no País, o Programa vem
passando por mudanças operacionais, contemplando a cada ano novos critérios. No ano de
2004, identificam-se como mudanças significativas: a ampliação do período de alfabetização
de 6 para 8 meses; o aumento de 50% dos recursos para formação dos alfabetizadores; o
estabelecimento de um piso de R$120,00 para a bolsa do alfabetizador, acrescido de R$7,00
por aluno; a ampliação das parcerias com estados e municípios e a implantação de um sistema
integrado de monitoramento e avaliação do Programa.
A partir de 2005, o Programa Brasil Alfabetizado implementou ações no sentido de avaliar a
eficiência, a eficácia e a sua efetividade, não com caráter punitivo, mas para permitir o seu
redesenho. Para tanto, a SECAD fez parceria com o IBOPE Opinião e o Instituto Paulo
Montenegro e com outras instituições de reconhecimento nacional como: o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Centro de Alfabetização e Leitura e Escrita/Grupo de
Avaliação e Medidas Educacionais (CEALE/GAME), da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e a Sociedade Científica da Escola Nacional de Ciências Estatísticas
(SCIENCE).
51
Pretendendo que a avaliação pudesse contemplar todos os atores envolvidos nas ações do
Programa alfabetizandos, alfabetizadores, gestores das entidades parceiras —, criou-se
vários instrumentos de pesquisa, que segundo o titular da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC, 2005), Ricardo Henriques vai permitir:
Avaliar o aprendizado dos estudantes, a gestão do programa por parte dos
parceiros (prefeituras, secretarias estaduais de educação, ONGs e
universidades), o desempenho das diferentes metodologias aplicadas pelos
diversos parceiros em diversos públicos, o índice de evasão, o impacto do
programa nas vidas dos alfabetizandos em relação a questões como situação
socioeconômica, empregabilidade, comportamento e outros (Portal
MEC/SECAD, 20/01/2005).
A fim de avaliar as habilidades de leitura e escrita e matemática as equipes do
CEALE/GAME, assessorada pela ONG Ação Educativa, elaborou a matriz de referência e um
banco de questões com base no Índice Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), para
subsidiar a construção dos instrumentos de avaliação sem perder de vista as especificidades
regionais e a diversidade pedagógica dos cursos.
Os resultados do Programa podem ser analisados à luz da Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílio (PNAD), realizada no período de 2002 a 2005, a qual apontou que a taxa de
analfabetismo absoluto no País ficou em 0,3 ponto percentual, enquanto que, no período de
1992 a 2002, apresentou redução de 0,5 percentual ao ano. percentual ao ano. Esses dados
expressam que é preciso buscar as razões para esse fato, se pensarmos que o País, investiu na
ordem de 755 milhões de reais, de 2003 a meados de 2005, para alfabetizar 7,4 milhões de
jovens e adultos. Tratando sobre esta questão, o representante do IPEA, João Pedro Azevedo,
no III
Seminário Internacional de Avaliação, quando fazia a avaliação do Programa Brasil
Alfabetizado, apontava como possíveis explicações para o comportamento da taxa de
analfabetismo, no período de 2002 a 2005 que: “a subjetividade da condição de analfabeto;
alfabetizando alfabetizado; deficiências no sistema de entrega dos serviços de alfabetização;
baixa efetividade dos serviços de alfabetização para jovens e adultos ; importância da
continuidade”.
A partir de abril de 2007, o Programa Brasil Alfabetizado passa a ser redesenhado no
momento em que é lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE/MEC/FNDE,
2007). Nesse período, o MEC deu primazia às parcerias com as secretarias estaduais e
municipais de educação, acreditando que, por serem responsáveis pela oferta dessa
52
modalidade de ensino, por certo assegurariam a matrícula dos egressos do Programa
garantindo, assim, a continuidade dos seus estudos.
O Programa priorizou a participação dos 1.100 municípios que apresentam taxas de
analfabetismo igual ou superior a 35%, e os jovens e adultos de 15 a 29 anos. No Nordeste,
concentra-se o maior número desses municípios. (Figura 1).
Segundo o documento do MEC/SECAD, (2007), algumas condições são colocadas para que
os estados e municípios possam participar do Programa, entre elas a obrigação de
governadores e prefeitos firmarem o seu compromisso, através da assinatura do Termo de
Adesão, como também de elaborarem e apresentarem ao MEC o seu Plano Plurianual de
Alfabetização. Nesse Plano, devem constar as metas de alfabetização a serem atingidas para o
ano em curso e a oferta de educação de jovens e adultos, além dos aspectos pedagógicos, de
supervisão e de gestão.
Nessa nova reconfiguração, é da responsabilidade da União (MEC/FNDE) destinar recursos,
através de transferência automática, para os municípios e estados tanto para a formação inicial
mínimo de 60 horas/aula como para a formação continuada dos professores-
alfabetizadores e coordenadores de turmas, no período de oito meses de duração do Programa.
Além disso, o MEC/FNDE alocará recursos para aquisição de material didático, transporte
escolar, merenda escolar para os alunos e aquisição de óculos. Competirá também ao MEC
efetuar, diretamente, o pagamento da bolsa do alfabetizador e do coordenador de turma, cuja
movimentação será feita através de cartão magnético.
O Programa Brasil Alfabetizado vem possibilitando discussões a respeito da implementação
de políticas públicas na Educação de Jovens e Adultos, a fim de que se possa distanciar do
espírito de mais uma campanha, dentre tantas outras que já aconteceram no País. Dessa forma,
é necessário que se avalie os caminhos percorridos, verificando os erros e acertos,
propondo, inclusive, intervenções viáveis e necessárias, para que o Brasil, como um dos
países signatários dos pactos assumidos na V
CONFITEA (1977), possa cumprir o seu
compromisso, principalmente no que tange à Educação de Jovens e Adultos como um direito
de todos ao longo da vida:
As políticas e "programas compensatórios" (bônus, bolsas, incentivos,
entrega de materiais as escolas, etc.) destinados a compensar
53
as desvantagens originadas pelas desigualdades sócio-econômicas, não são
pensados a partir da equidade, isto é, do objetivo de igualar as
oportunidades educativas entre pobres e ricos. Não se trata realmente de
políticas equânimes, mas, simplesmente, elas também são paliativos da
pobreza (TORRES, 2005, p.169). (tradução nossa)
O pensamento de Torres (2005) traduz uma percepção sobre programas da natureza do Brasil
Alfabetizado que, nas suas intencionalidades, buscam a compensação de direitos negados a
essa população, evocando no seu discurso o processo de inclusão social de uma “cidadania
perdida”, ou não conquistada.
O Estado, como articulador dessa “cidadania perdida”, tenta colocar em condições de iguais
os desiguais, ofertando para os jovens e adultos em condição de analfabetismo, uma educação
de segunda ordem que, certamente, distancia essas pessoas de um quadro de eqüidade social,
pois os programas em questão cumprem um papel paliativo quanto ao atendimento de uma
educação de qualidade. Sendo assim, “a contradição expressa uma relação de conflito no devir
do real. Essa relação se pelo que ele não é. Assim, cada coisa exige a existência do seu
contrário, como determinação e negação do outro(Cury, 2000, p.30)
3.4 A Universidade do Estado da Bahia no Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado
O Programa AJA Bahia é uma iniciativa do Governo do Estado da Bahia, objetivando superar
o déficit histórico de analfabetismo dos baianos de 15 ou mais anos. Foi concebido e
operacionalizado pela Secretaria Estadual de Educação (SEC), no período de 1996 a 2002
( SEC/BA, 2006).
Em 2003, é estabelecida a parceria com o Programa Brasil Alfabetizado, intensificando a
oferta de alfabetização de jovens e adultos nos 417 municípios baianos, com o objetivo de
alcançar a meta estabelecida no Plano Estadual de Educação de reduzir em 80%, nos
próximos dez anos, o índice de analfabetismo que, segundo (IBGE, 2000), alcança 2 milhões
de baianos.
Para tanto, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) foi convidada pela Secretaria da
Educação do Estado da Bahia, conjuntamente com suas co-irmãs — UESC, UESB e UEFS —
para o grande desafio de alfabetizar esses jovens e adultos. Coube à UNEB, no período de
2004 a 2007, o atendimento a 99.250 alfabetizandos, residentes em municípios situados nas
diferentes regiões do Estado da Bahia.
54
Tabela 2
Abrangência do Programa AJABAHIA/ Brasil Alfabetizado/ UNEB
Etapas /Anos Municípios Alfabetizandos Turmas
Orientadores
Pedagógicos
1
a
2004 86 43.141 1.938 121
2
a
2005 42 22.393 1.030 89
3
a
2006 61 21.960 1.121 83
4
a
2007 40 11.756 657 40
Fonte: Relatórios Técnico-Pedagógico do Programa AJA BAHIA / Brasil Alfabetizado, 2004, 2005, 2006,
2007 NEJA/UNEB/PROEX.
A UNEB, por meio de suas Pró-Reitorias, nos últimos anos, vem desenvolvendo experiências
na Educação de Jovens e Adultos nas dimensões do Ensino, Pesquisa e Extensão. Sendo uma
universidade multicampi, seus departamentos se diferenciam no desenvolvimento e na
produção de conhecimento dessa temática.
Nos Departamentos de Educação, principalmente nos cursos noturnos, há uma tendência
crescente para a implantação da disciplina Educação de Jovens e Adultos, visando atender a
uma demanda do aluno na compreensão de como atuar para resolver os desafios propostos por
essa modalidade de ensino. Na pós-graduação, a UNEB está atuando na formação de
especialistas que, vindos de diferentes áreas de conhecimento, buscam o aprofundamento de
estudos que possam auxiliá-los na atuação nessa área. No mestrado, nas diversas linhas de
estudo, existem projetos de pesquisas que vêm sendo desenvolvidos a fim de compreender
novos significados para a Educação de Jovens e Adultos no Brasil.
Além das atividades de pesquisa desenvolvidas na pós-graduação, recentemente estão sendo
implantados, no interior dos Departamentos, os Núcleos da Educação de Jovens e Adultos
(NEJAs) na tentativa de estimular pesquisas orientadas por professores nas monografias de
final de cursos, bem como nas atividades acadêmicas desenvolvidas pelo alunado.
No entanto, mesmo com esse movimento, a inserção da UNEB ainda não se faz impactar nos
espaços de sua atuação. (Figura 2).
55
Sabemos que a Educação de Jovens e Adultos se constitui, no momento, motivo de grandes
discussões nos Fóruns de EJA, nas Universidades, nos seminários e encontros de professores.
Essas discussões envolvem questões acerca da identidade do jovem e do adulto, na nossa
sociedade de hoje, o significado da educação como direito, a formação inicial e continuada, os
currículos, a adequação da metodologia, a avaliação, os recursos didáticos, dentre outras.
Todavia, tem sido de grande destaque a discussão em torno da formação do educador na EJA
visto que, segundo Di Pierro, “é preciso identificar as especificidades que delineariam o perfil
do educador de jovens e adultos, a partir das quais possam ser definidas as diretrizes de sua
formação, ainda em construção” (2006, p. 281), sem, contudo, deixar de “valer-se de sua
história de construção na fronteira entre os movimentos e as organizações sociais, de um lado,
e os sistemas educativos, de outro, inspirando-se nas experiências emancipatórias, de modo a
revitalizar as estruturas e a dinâmica do espaço escolar” (Ibidem, p. 281).
Fonte: Adaptação do Mapa do Estado da Bahia indicando as taxas de analfabetismo. SECAD/MEC
Barra
Cocos
Sento
Correntina
São Desidério
Jaborandi
Pilão Arcado
Curá
Barreiras
Casa Nova
Juazeiro
Formosa do Rio Preto
Ipirá
Iaçu
Uauá
Remanso
Jequié
Xique-Xique
Cotegipe
Jeremoabo
Coribe
Campo Formoso
Tucano
Buritirama
Seabra
Canudos
Caetité
Mansio
Morro do Chapéu
Itiúba
Mucugê
Ilus
Rodelas
Paratinga
Iuiú
Riachão das Neves
Piatã
Araci
Baianópolis
Anagé
Macaúbas
Santa Rita de Cássia
Una
Prado
Maracás
Wanderley
Abaré
Mucuri
Jaguarari
Iramaia
Ibitiara
Itamaraju
Monte Santo
Jacobina
Malhada
Chorrochó
Itaberaba
Itaguaçu da Bahia
Andaraí
Santana
Brumado
Itambé
Carinhanha
Caravelas
Gentio do Ouro
Macururé
Brejolândia
Glória
Angical
Ibicuí
Belmonte
Guaratinga
Itaeté
Morpará
Itarantim
Ituaçu
Aracatu
Bom Jesus da Lapa
Ibipeba
Tremedal
Mairi
Porto Seguro
Boquira
Mirangaba
Santaluz
Itanhém
Queimadas
Itapicuru
Iguaí
Alcobaça
Itapetinga
Ruy Barbosa
Oliveira dos Brejinhos
Luis Eduardo Magalhães
Jucuruçu
Vitória da Conquista
Lençóis
Encruzilhada
Umburanas
Manoel Vitorino
Tanhaçu
Macarani
Jacaraci
Ibotirama
Serra do Ramalho
Valença
Ipupiara
Itapebi
Conde
Piritiba
Riacho de Santana
Muquém deo Francisco
Urandi
Boa Vista do Tupim
Quijingue
Sítio do Mato
Esplanada
Itabela
Boninal
Palmas de Monte Alto
Guanambi
PoçõEs
Mirante
Ibiquera
Caraíbas
Eupolis
Maraú
Euclides da Cunha
Andorinha
Condeúba
Itagibá
Feira da Mata
Laje
Mundo Novo
Canavieiras
Vereda
Entre Rios
Paulo Afonso
Matina
Ourolândia
Cansanção
Piripá
Sobradinho
Iraquara
Ibicoara
Ubaíra
Pind
Paramirim
Jussara
Utinga
Brotas de Macbas
Nova Viçosa
Itacaré
Igaporã
Miguel Calmon
Potiraguá
Ibititá
Itatim
Campo Alegre de Lourdes
Inhambupe
Lapão
Bonito
Ibirap
Cacu
Serra Dourada
Uibaí
Camamu
Ibipitanga
São Gabriel
Planaltino
Aporá
Catu
Barra da Estiva
Jaguaripe
Várzea Nova
Cândido Sales
Planalto
Caetanos
Ita
Sátiro Dias
Abaíra
Boa Nova
Lagoa Real
Medeiros Neto
Nova Soure
Caatiba
Santa Maria da Viria
Cristópolis
Itagimirim
Cairu
Central
Cafarnaum
Lajedinho
Cm
Jaguaquara
Guajeru
Souto Soares
Salvador
Feira de Santana
Lajedão
Camaçari
Itaju do Colônia
Rio Real
Santa Cruz Cablia
Saúde
Rafael Jambeiro
Rio de Contas
Jandaíra
Macajuba
Rio do Pires
Itagi
Adustina
Botuporã
Olindina
Jo Dourado
Ribeirão do Largo
Palmeiras
Antas
Rio do Antônio
Santa Luzia
Serrinha
Camacan
Araças
Água Fria
Pedro Alexandre
Marcionílio Souza
Tabocas do Brejo Velho
Mortugaba
Canarana
Irecê
Filadélfia
Santa Brígida
Nova Canaã
BrejõEs
Pintadas
Riachão do Jacuípe
Pau Brasil
Ituberá
Itabuna
Castro Alves
Ipi
Tapiramu
Cordeiros
Irajuba
Uba
Igrapiúna
Conceição do Coité
Itanagra
Candeal
Dom Basílio
Wagner
Irará
Itororó
Fátima
Belo Campo
Pindobaçu
Itiruçu
Taper
Coronel João Sá
Gavião
Valente
Serra Preta
Canápolis
Pé de Serra
Jitaúna
Ipecaetá
Senhor do Bonfim
Aramari
Ribeira do Pombal
Santa Teresinha
São Félix do Coribe
Nordestina
Amargosa
Itapitanga
Uruçuca
Itajuípe
Santo Amaro
Cachoeira
Ribeira do Amparo
Mata deo João
Ci
Naza
Maiquinique
Gandu
Quixabeira
Várzea da Roça
Santa Inês
Nova Redeão
Jiquiriçá
Banzaê
Ubaitaba
Capim Grosso
Lafaiete Coutinho
Buerarema
Terra Nova
Bahia - Taxa de Analfabetismo de Pessoas com 15 Anos ou Mais
Fonte: Cesno Demográfico 2000/IBGE
40 - 100
35 - 40
30 - 35
20 - 30
14 - 20
Taxa de analfabetismo jovens e adultos em %
4 - 14
Municípios Bahia
56
Figura 2 Taxa de Analfabetismo de Pessoas com 15 anos ou mais municípios do Estado da
Bahia.
Ainda sobre essa temática, nos falam Souza e Carvalho que “nos últimos 30 anos, as
universidades passaram a constituir parte da rede de formação de professores” ( 2006, p. 237-
238). Em se tratando da Universidade do Estado da Bahia, a Pró-Reitoria de Extensão tem
atuado, via Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA), em diversas parcerias: com o
Ministério da Reforma Agrária, com o PRONERA; com o Ministério de Educação para a
formação e acompanhamento dos alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária; com o
Ministério de Educação e a Secretaria de Educação do Estado da Bahia para formação inicial
e continuada dos professores do Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado.
Contudo, vale ressaltar que essas ações de formação de professores alfabetizadores, nos
diversos programas atendidos no âmbito da extensão da UNEB, ocorrem de forma
independente, sem ainda ter uma “unidade discursiva”, no que tange ao perfil desse professor,
à concepção de alfabetização, à metodologia e à avaliação.
No Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado, esses aspectos foram discutidos entre os atores,
no sentido de garantir a alfabetização dos jovens e adultos cadastrados no Programa em uma
perspectiva de letramento. O Programa estruturou-se em três ações: formação dos
alfabetizadores e orientadores pedagógicos, alfabetização de jovens e adultos,
acompanhamento do Programa nos municípios.
A ação de formação foi estruturada em dois momentos: a formação inicial, que ocorreu antes
do início das aulas e a continuada, que se realizou durante os seis meses de duração do
Programa. A ação de alfabetização de jovens e adultos aconteceu nos espaços educativos,
totalizando 192 horas na primeira etapa, 240 horas de aula, na segunda e terceira etapas e 320
horas na quarta etapa. A ação de Acompanhamento, na primeira etapa, ficou sob a
responsabilidade de 15 Departamentos da UNEB e, nas três etapas seguintes, pelos
coordenadores pedagógicos da equipe do NEJA.
Os atores do Programa foram os alfabetizandos, os alfabetizadores, os orientadores
pedagógicos, os coordenadores pedagógicos, a coordenação colegiada do NEJA, a equipe
técnica do NEJA e da Secretaria de Educação do Estado da Bahia e gestores municipais. Os
recursos didáticos utilizados foram concebidos pela Coordenação da Educação de Jovens e
57
Adultos, CJA, da SEC. São eles: o Lendo e Escrevendo livro do aluno; a Sistemática de
Acompanhamento e Avaliação; os livros do professor Para Ler e Escrever I e II, o Kit
Cartelas e os Instrumentos Metodológicos. Os recursos financeiros foram oriundos de duas
fontes: a primeira, do MEC / FNDE, responsável pela bolsa custeio dos Alfabetizadores, pelos
custos da formação inicial e parte da formação continuada e a segunda, correspondeu à
contrapartida do Governo Estadual, relativa à bolsa custeio do Orientador Pedagógico,
complementação da formação continuada, o material didático e o acompanhamento e
avaliação das ações nos município
As ações de acompanhamento, nos municípios, foram realizadas pelos Coordenadores
Pedagógicos e pelos Orientadores Pedagógicos. Os Coordenadores, profissionais da educação,
vinculados ao NEJA, eram responsáveis por um grupo de municípios, organizados em
núcleos. Já os Orientadores, professores residentes no município eram responsáveis pela
formação continuada dos alfabetizadores, pelo acompanhamento da prática pedagógica nos
Espaços Educativos e pela coordenação das ações nos Espaços Alternativos. Esse
acompanhamento foi estruturado, conforme apresentado no Quadro 1:
Quadro 1 - Acompanhamento das Ações do Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado
nos Municípios
Metas Ações Instrumentos Responsáveis
Recadastramento dos
Alfabetizandos
Análise comparativa entre a
listagem das turmas
cadastradas pela SEC e a
enviada pelo município,
gerando o cadastro atualizado
Cadastro dos
Alfabetizandos e
dos
Alfabetizadores
Coordenação Colegiada do
NEJA e Orientadores
Pedagógicos
Pagamento dos
Alfabetizadores e dos
Orientadores
Pedagógicos
Conferência do Controle de
Freqüência dos
Alfabetizandos e da Síntese
da Freqüência Mensal dos
Alfabetizadores e
Orientadores Pedagógicos;
elaboração das folhas de
pagamento encaminhamento
ao setor
responsável;acompanhamento
e providências necessárias do
pagamento.
Controle de
Freqüência dos
Alfabetizandos;
Síntese da
Freqüência
Mensal dos
Alfabetizadores e
Orientadores
Pedagógicos;
Controle de
Pagamento do
Município e
Relatórios de
Pagamento.
Coordenação Colegiada do
NEJA
Coordenação
Colegiada do NEJA
Relatórios
Formadores
Formação Inicial dos
Alfabetizadores e
Orientadores
Pedagógicos
Formação Inicial
Fichas de
Avaliação
Alfabetizadores e Orientadores
Pedagógicos
Orientadores Pedagógicos
Formação Continuada
dos Alfabetizadores e
Formação Continuada -
Planejamento
Relatórios
Coordenador Pedagógico
58
Coordenação Colegiada do
NEJA
Orientadores Pedagógicos
Coordenador Pedagógico
Formação Continuada -
Espaço Alternativo
Relatórios
Coordenação Colegiada do
NEJA
Orientadores Pedagógicos
Coordenador Pedagógico
Formação Continuada -
Acompanhamento da Prática
Pedagógica
Relatórios
Coordenação Colegiada do
NEJA
Coordenador Pedagógico
Coordenação Colegiada do
NEJA
Orientadores
Pedagógicos
Formação Continuada -
Encontros de Formação
envolvendo Alfabetizadores e
Orientadores
Relatórios
Orientadores Pedagógicos
Orientadores Pedagógicos
Coordenador Pedagógico
Alfabetização dos
Alfabetizandos
inscritos no Programa
Alfabetização dos jovense
adultos cadastrados no
Programa
Relatórios
Coordenação Colegiada do
NEJA
Orientadores Pedagógicos
Coordenador Pedagógico
Continuidade dos
Estudos por todos os
alfabetizandos que
construíram a base
alfabética
Levantamento da quantidade
de jovens e adultos
alfabetizados que foram
encaminhados à Escola de
Vinculação
Mapa de
Resultados Finais
Coordenação Colegiada do
NEJA
Fonte: Relatórios finais e parciais do Programa AJABAHIA/Brasil Alfabetizado-NEJA (2005).
O Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado não contempla, portanto, um Programa de
Monitoramento e Avaliação. Tem, sim, a ação de acompanhamento e avaliação das ações do
Programa nos municípios, visando à realização de intervenções no processo, como também os
Indicadores de Desempenho para avaliar a aquisição da leitura, da escrita e da numeralização,
na trajetória dos alfabetizandos.
Em Salvador, os Orientadores Pedagógicos participaram regularmente de encontros de
acompanhamento e avaliação do Programa com a Coordenação Colegiada do NEJA. O
contato com os municípios também ocorreu através de telefonemas, envio de faxes e
correspondência via sedex, além de e-mails, para aqueles que tinham acesso, visando sempre
à definição e a realização de encaminhamentos que possibilitassem o alcance das metas do
Programa.
A Formação dos Alfabetizadores e dos Orientadores Pedagógicos, uma das metas prioritárias
nesse Programa, foi pautada no tripé ação-reflexão-ação e na alfabetização de adultos em uma
perspectiva de letramento. Essa Formação compreendeu o uso da língua na suas diversas
formas e da matemática na perspectiva da numeralização, ambas entendidas como sistemas de
representação de mundo. Assim, entendeu-se como alfabetizada.
59
uma pessoa que pode desempenhar todas as atividades nas quais a
alfabetização é requerida para o funcionamento efetivo de seu grupo e
comunidade e também para habilitá-la a continuar usando a leitura, a escrita
e cálculo para o seu próprio desenvolvimento e da comunidade
(STROMQUIST, 2001 apud NUNES, 2001, p. 19).
A ação de Formação foi estruturada em diferentes etapas assim distribuídas: Ação I, momento
inicial da Formação, sob a responsabilidade de especialistas, docentes da UNEB e de outras
Instituições; Ação II, momento da Formação durante todo o Programa Formação
Continuada / Planejamento, Acompanhamento da Prática Pedagógica e Espaço Alternativo,
sob a responsabilidade dos Orientadores Pedagógicos.
Em relação à linguagem, adotou-se a concepção sociointeracionista, entendendo-se a leitura e
a produção de textos na perspectiva de que o ensino da ngua leitura e escrita deve
envolver os educandos em situações concretas de produções de significados. Desse modo, a
alfabetização na perspectiva defendida no Programa do letramento propôs-se a
possibilitar aos jovens e adultos a aquisição da leitura e da escrita em situações de uso.
Diferentes gêneros textuais crônica, poesia, conto, notícia, carta, bilhete, relato pessoal,
receita culinária, textos didáticos — fizeram parte da proposta pedagógica da alfabetização de
jovens e adultos no Programa. Nessa perspectiva, tanto a língua falada quanto a língua escrita
foram trabalhadas nas suas variedades lingüísticas. Assim, os alfabetizandos tiveram acesso às
variantes de prestígio de modo que pudessem decidir quando e onde usá-las, de acordo com a
necessidade.
A alfabetização, dessa forma, vai além da decodificação — de simplesmente aprender a ler e a
escrever. que se produzir significados tanto na leitura quanto na produção de textos, ao
mesmo tempo em que se compreendem os princípios do sistema alfabético, como afirma Silva
a alfabetização contempla não apenas a aprendizagem do sistema alfabético,
fazendo com que o aluno domine as regras básicas de interação através da
escrita, lendo e produzindo textos autonomamente, mas também a
apropriação de diferentes gêneros textuais, uma vez que tal domínio
pressupõe a ampliação dos conhecimentos sobre as relações humanas (2004,
p. 20).
Na formação inicial, os conteúdos abordados tiveram como foco os eixos temáticos: a
estrutura e funcionamento do Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado; a Educação de
Jovens e Adultos: histórico, sujeitos envolvidos seus interesses e necessidades; a
alfabetização de jovens e adultos como se aprende e como se ensina; formação de leitores
e escritores: os usos sociais da leitura e da escrita; a construção do conhecimento matemático
na perspectiva da numeralização; o gerenciamento pelo alfabetizador e orientador da própria
60
formação o registro e a avaliação. Essas temáticas constaram nos conteúdos listados pela
SEC no Plano Pedagógico apresentado ao MEC, e não se esgotaram na Formação Inicial.
Todas foram retomadas durante a Formação Continuada, na perspectiva da estreita relação
entre a prática vivenciada pelos Alfabetizadores e a teoria que pudesse clarificá-la,
modificando-a sempre que necessário.
61
4. ALFABETIZAÇÃO: OS SENTIDOS PRODUZIDOS E AQUELES QUE VÃO
SE INSTITUINDO
Nada por nós engendrado, vivido, pensado e
explicitado se de fora do tempo, da Historia.
FREIRE, 2001
Os sentidos atribuídos à alfabetização e ao analfabeto ao longo da nossa história, são
definidos conforme a ideologia presente em cada época em particular. No que se refere à
alfabetização, a principio concebida como codificação e decodificação, atualmente se
configura como um sistema de representação em que os sujeitos fazem uso desse sistema nas
diversas situações comunicativas da vida social. Em uma sociedade grafocêntrica como a
nossa, o saber ler e escrever se constitui como uma necessidade para transitar nas diversas
instâncias da vida. Nessa direção, o sujeito na condição de não alfabetizado sofre de privações
naquelas situações em que a leitura e escrita são requeridas para se ter uma vida digna.
4.1 O não saber ler e escrever como violação da liberdade
O discurso vinculado pelos organismos internacionais e pelos grandes movimentos em defesa
da alfabetização é o de “erradicadores do analfabetismo”. Para Torres (1992, p. 1), “o
analfabetismo é inerradicável”, uma vez que não se constitui em um mal a ser extirpado. No
entanto, quando se usa a expressão erradicar o analfabetismo, o sentido está posto,
evidenciado, sem se ter a consciência de como foi formado (Orlandi, 2003). Isso são as
ideologias discriminatórias que ocultam a verdadeira causa do analfabetismo, perpetuam as
idéias negativas que se tem do analfabeto e a crença de que o ato de escrever, num passe de
mágica, vai assegurar a condição para o sujeito conquistar a sua cidadania. Dessa forma,
negam-se as condições educativas, sócio-econômicas e políticas (TORRES, 1992).
Sabemos que homens e mulheres, independentemente de serem analfabetos ou alfabetizados,
comunicam-se. Elas e eles se “auto expressam” e “expressam o mundo” (FREIRE, 1971, p.
34) através da linguagem oral e de outras formas. Portanto, para Torres (1992), o ato de
escrever não se constitui na única nem na mais importante forma de comunicação. No
entanto, Orlandi considera que
A escrita, numa sociedade de escrita, não é um instrumento, ela é
estruturante. Isso significa que ela é lugar de constituição de relações
sociais, isto é, de relações que dão uma configuração específica à
formação social e aos seus membros. A forma da sociedade está assim
62
diretamente relacionada com a existência ou a ausência da escrita (1999,
p. 8).
Tfouni, (2006), ao falar sobre a escrita, acrescenta que ela pode ser considerada, também,
como uma das mais importantes causas do surgimento das civilizações modernas. Assim, nas
sociedades onde sua expansão foi maior, ela foi impulsionadora do desenvolvimento
psicossocial, científico e tecnológico. Por outro lado, a escrita sempre foi utilizada como
instrumento de poder e dominação, universalizando e legitimando os valores e a visão de
mundo da classe dominante. Tanto no que diz respeito a sua forma, prestigiando o designado
“padrão culto”, quanto desqualificando as variedades populares uma vez que, segundo Cunha,
“a cultura da classe dominante é aceita oficialmente pelo sistema escolar como ‘natural’ e
indiscutível, e a cultura da classe trabalhadora como indecente, primitiva, grosseira” (1975,
p.19).
A expansão da escrita em uma sociedade capitalista procura atender aos interesses do
mercado que hoje exige um trabalhador mais “qualificado”, para operar as novas tecnologias;
mais “dinâmico”, para realizar atividades diversificadas e ao mesmo tempo mais flexível, para
se adequar às constantes transformações do mercado. Além disso, Borges nos lembra “de uma
outra exigência atual do processo de acumulação de capital” que, segundo a autora é a “de
capacitar o maior contingente possível de pessoas a se tornarem consumidores (em potencial)
de novas mercadorias” (2000, p.190).
Diante disso, o meio que o sistema capitalista vem se utilizando, a fim de não ser questionado,
é o uso do discurso ideológico liberal burguês, quando sustenta a idéia da “igualdade de
oportunidade”, na qual o acesso à escola é a possibilidade de garantir a ascensão social. Com
isso, o sistema capitalista responsabiliza o indivíduo pela condução da sua vida. A esse
discurso, somam-se outros relacionados à função social da escola, colocando-a como
redentora ou, simplesmente, como reprodutora do pensamento hegemônico. No entanto, hoje,
diversos estudos mostram que acionar mecanismos a fim de garantir o domínio da leitura e da
escrita aos povos é importante para o seu desenvolvimento, porém não se constitui como
condição suficiente para a ascensão social.
A partir dessa premissa a leitura e a escrita não são condições suficientes para a ascensão
social — é que se procura compreender de que forma o saber ler e escrever podem se
constituir como instrumento de liberdade. Amartya Sen que formula o conceito de
desenvolvimento como liberdade. Segundo Sen (2000 p. 52), o desenvolvimento deve ser
63
concebido “como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”.
Essa definição se diferencia das que defendem o desenvolvimento exclusivamente como
crescimento do “PNB, aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou
modernização social” (SEN, 2000 p.17), desconsiderando outros campos determinantes da
vida. Para Sen (2000), a ampliação das liberdades se constitui simultaneamente no fim o
“papel constitutivo”, e no meio “papel instrumental” do desenvolvimento. Portanto o autor
define o papel constitutivo como relacionado às liberdades substantivas que
incluem capacidades elementares como por exemplo ter condições de
evitar privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a
morte prematura, bem como as liberdades associadas a saber ler, fazer
cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão
( SEN, 2000, p.52).
Ao trazer o conceito de “liberdades substantivas” constituindo-se no elemento chave da
igualdade, Sen se contrapõe às concepções utilitaristas dos welfaristas e a do igualitarismo
rawlsiana. Assim, afirma que para o indivíduo conseguir “escolher uma vida que se tem razão
para valorizar” (2000, p.94), é necessário não considerar apenas os “bens primários”, mas
também a multiplicidade de outros valores que não somente a utilidade. Para Zaoual, “as
realidades humanas o demasiado complexas para serem entendidas e, mais ainda,
monitoradas a partir de um só e único modelo de pensamento e de conduta” (2003, p. 13).
É, nessa direção, que reside precisamente a lógica teórica de Sen, constituindo-se, assim, em
um diferencial relevante, quando coloca uma igualdade de oportunidades a partir da
abordagem das capacidades e dos funcionamentos. Essa visão de propósitos humanos,
segundo Keratenetzky (2000), traz uma dimensão ética, pois não fica retida no espaço do
“ter”, mas compreende o ”fazer” e o “ser”, que corresponde à idéia de “funcionamentos”.
Portanto, para Sen (2000), os funcionamentos representam as variadas coisas que uma pessoa
define como importante fazer ou ter. Essas coisas vão desde as mais simples estar bem
nutrido, livre de doenças evitáveis —, às mais complexas — como ter respeito a si mesmo, ter
condições de participar da vida comunitária, ser feliz, ser amado.
As oportunidades de escolhas, as preferências na autonomia do sujeito referem-se, portanto,
às capacidades que consistem em um tipo sustentadas de liberdade efetiva que a pessoa tem
ao fazer “combinações alternativas de funcionamentos cuja realização é factível para ela”
(SEN, 2000, p. 95). A coisa que o sujeito realiza efetivamente representada em grau ou em
quantidade é compreendida como “vetor de funcionamento”. O “conjunto capacitário”
64
consiste na liberdade substantiva para fazer “combinações alternativas de funcionamento”
(SEN, 2000, p. 96).
A liberdade refletida no “conjunto capacitário” refere-se à possibilidade de escolher ou de
fazer combinações alternativas de funcionamentos quando o sujeito tem a opção para fazer a
escolha. Caso não se tenha essa opção, as pessoas estão sendo destituídas de uma liberdade
substantiva, conseqüentemente, “in” capacitadas de exercer sua autonomia, de ter a “liberdade
de condição de agente.” Podemos tomar como exemplo a situação dos jovens e dos adultos
que não tiveram o direito de escolher entre ser alfabetizado ou não.
Muitos estudos têm mostrado que as razões para o não acesso dos jovens e adultos à escola,
bem como para o alto índice de evasão, freqüência irregular e repetência vinculam-se à
situação de pobreza deles, à medida em que suas condições objetivas de vida se constituem
em impedimentos reais. Segundo estudos de Torres, aqueles que têm um baixo nível de
alfabetismo encontram-se entre “os mais pobres entre os pobres”. Complementa ainda
dizendo que não é de se estranhar também que “o mapa da pobreza coincida com o mapa das
iniqüidades sociais, étnicas e de gênero” (2003, p. 3 - 4).
Ao abordar a questão da pobreza, Sen afirma que pobreza não é tão somente restrição de
renda, mas “privação de capacidades básicas” (2000, p. 122), o que pode levar às várias
deficiências, inclusive a expansão do analfabetismo. Identificar a pobreza não significa,
portanto, ser contrário à redistribuição de renda, mas ser partidário da “qualidade de vida” que
as pessoas devem ter e que passa pela forma de viver, pelas escolhas de outras dimensões da
vida e não somente no dispor de recursos ou rendas.
Pensar na forma de viver dos jovens, adultos e idosos que compõem o coletivo na
alfabetização de jovens e adultos, na perspectiva do direito e da liberdade de escolha, é
considerar as diversidades entre pessoas e grupos, também o tempo e os espaços distintos
onde eles se situam e, mais ainda, considerar toda a heterogeneidade humana e os diferentes
pertencimentos cultural, étnico-racial, religioso – as singularidades.
Segundo Relatório Técnico-Pedagógico do Programa AJA Bahia/ Brasil Alfabetizado, 2
a
Etapa, 2005, NEJA/UNEB/PROEX, as falas dos alfabetizadores e dos alfabetizandos remetem
às precárias condições de vida deles, no que se refere à moradia, ao trabalho, à saúde, ao
65
lazer, dentre outros. Muitos deixam de freqüentar as aulas regularmente quando é preciso ir
trabalhar na plantação — no cultivo do sisal, algodão, café, de sol a sol – em lugares distantes
da moradia e dos espaços das salas de aula, ou então, quando chove e não dispõem de guarda-
chuva e agasalho para enfrentar o frio intenso. O ler e o escrever se tornam impossíveis,
também, quando se tem a “vista cansada”, e sem óculos, “não há como enxergar letras,
palavras e números”. Não é possível ficar até o final da aula, quando se vem direto do
trabalho com fome e cansaço. – “É preciso ter muita coragem, e não ter vergonha para depois
de velha ir para a escola. Tem horas que eu nem acredito que vou mesmo aprender” (Relatório
NEJA, Etapa, 2006). Muitas são as contingências e não se pode culpabilizá-los por tal
situação. Fica evidenciada a pobreza de todos em diferentes aspectos, mas, especialmente, na
impossibilidade de escolhas em relação ao modo de viver.
Assim, pensar em políticas públicas voltadas para os sujeitos da EJA, os quais se encontram
em situação de baixo nível de alfabetismo, exige considerar as liberdades instrumentais:
“liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de
transparência e a segurança protetora” (SEN, 2000, p.55). Essas liberdades se diferenciam,
entretanto estão relacionadas entre si e se complementam de forma que uma pode colaborar
no sentido de fazer avançar as outras. Sen exemplifica dizendo que
O analfabetismo pode ser uma barreira formidável à participação em
atividades econômicas que requeiram produção segundo especificações
ou que exijam rigoroso controle de qualidade (uma exigência sempre
crescente no comércio globalizado). De modo semelhante, a participação
política pode ser tolhida pela incapacidade de ler jornais ou de comunicar-
se por escrito com outros indivíduos envolvidos em atividades políticas
(2000, p. 56).
O Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos EPT- UNESCO (2006)
afirma que a alfabetização confere um vasto conjunto de benefícios a indivíduos, famílias,
comunidades e nações,” principalmente, no que tange aos “benefícios humanos” e aos
“benefícios sociais”. Pesquisadores que centram seu campo de interesse nesta área apontam
que a alfabetização dos pais, em especial das mulheres, “impacta de forma significativa em
vários campos da vida de seus filhos e filhas, tais como: saúde, nutrição, cuidado, proteção,
assistência e permanência na escola” (TORRES, 2003, p.6), bem como concorre para a
redução da “desigualdade entre os sexos na distribuição intrafamiliar e redução das taxas de
fecundidade e mortalidade infantil” (SEN, 2002, p.335).
66
No que diz respeito às famílias campesinas, Schmelkes (1994) diz que, nas mesmas situações
de igualdade, aquelas famílias que têm um melhor nível de educação aproveitam de forma
mais eficiente as oportunidades que surgem no campo econômico, com maior produtividade e
racionalidade no uso dos recursos. No campo político, esses trabalhadores passam a ser mais
atuantes nas frentes que tratam de questões de interesse da comunidade, com um maior nível
de exigência, com um maior poder de reivindicação frente aos seus direitos. Ainda tratando
dessa questão, Soares (2004) nos diz que, quando a escrita é introduzida em uma sociedade,
pode trazer como resultados mudanças de cunho econômico, cultural, político e lingüísticas,
tanto para o grupo social no qual foi introduzida, como também para o sujeito que se
apropriou e passa a utilizá-la.
Percebe-se, com isso, a importância da ampliação de capacidades dos seres humanos, na
geração da mudança social, uma vez que as construções instrumentais podem ir além da
produção econômica, abrangendo o desenvolvimento social e político. No entanto, os jovens e
adultos em situação de baixo nível de alfabetismo vivem privados das liberdades
instrumentais necessárias a uma vida digna. Uma vida digna é aquela da qual o indivíduo
pode se orgulhar (SEN, 2000). Para que se tenha uma vida que se possa valorizar, é preciso
desfrutar de
mais liberdade para fazer as coisas que são justamente valorizadas é (1)
importante por si mesmo para a liberdade global da pessoa e (2)
importante porque favorece a oportunidade de a pessoa ter resultados
valiosos.(...) Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para
cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o
processo de desenvolvimento (SEN, 2000, p. 33).
Para Sen (2000), cabe, portanto, ao Estado e à sociedade dar a sustentação no sentido de
proteger e contribuir para o fortalecimento dessas capacidades humanas, de modo que as
pessoas possam ser ativas e não apenas “beneficiárias passivas” dos programas que são
implementados para a promoção do desenvolvimento. Faz-se imperativo, pois, que sejam
implantados “espaços públicos autônomos” para o “agir comunicativo” (HABERMAS, 1990,
p.110), a fim de que aconteça o expressar dessa pluralidade, dando oportunidades aos
“cidadãos de debater valores na escolha das prioridades e de participar da seleção desses
valores” (SEN, 2000, p. 46).
Sabemos que o ler e o escrever se inserem nas oportunidades sociais para que as pessoas
possam não somente “estar com o mundo”, mas “estar no mundo” (FREIRE, 1997, p.39 ),
fazer-se agente de transformação. Essas oportunidades, porém, não são as únicas, mas a
67
ausência dessas oportunidades pode ser uma violação da liberdade. Ter um tratamento
diferenciado, no que diz respeito aos recursos destinados à educação, especificamente na
educação de jovens e adultos “para compensar déficits de realização decorrentes de privações
‘objetivas’ (recursos) e ‘subjetivas’ (percepções e autopercepções)” (KERSTENETZKY,
2007, p.54), considerando as singularidades dos grupos sociais e de pessoas, pode significar
um princípio de justiça. Kerstenetzky complementa que, concomitantemente a essa
intervenção, faz-se necessário trazer para discussão o “pensar criticamente a cultura pública
normas e crenças compartilhadas na sociedade e que são responsáveis pelas percepções
recíprocas e autopercepções, negativas e positivas” (2007, p.54), como exemplo, ser
analfabeto/a, ser letrado/a, ser negro/a, ser branco/a, ser homem, ser mulher.
4.2 O estigma contra o analfabeto: uma construção social
A construção do estigma se materializa à medida que a linguagem se constitui enquanto
prática. Analisar o discurso seria dar-se conta das relações históricas e das práticas concretas
que estão vivas nesse discurso, procurando explorar ao máximo a materialidade dele, uma vez
que o discurso é uma produção histórica e política. Por isso, deve-se escapar da fácil
interpretação daquilo que estaria por trás de documentos, observando as relações que o
próprio discurso põe em funcionamento, significando e ressignificando.
As produções discursivas que colocam o analfabeto como uma figura estigmatizada foram se
constituindo no decorrer da história, e, para que se possa compreender esse fato, faz-se
necessário que se entenda em quais condições elas foram produzidas e disseminadas.
O social constitui o discurso, anula a individualidade e determina o modelo que interessa para
manter o padrão de poder, desconstruindo e ressignificando os discursos que rompem ou
tentam romper com esse modelo. Para Goffman (1993), os atributos indesejados são
considerados estigmas: a sociedade limita e delimita a capacidade de ação de um sujeito
estigmatizado, marca-o como desacreditado e determina os efeitos maléficos que pode
representar.
O estigma contra o analfabeto teve início no momento que a escrita assumiu o papel de poder
e legitimidade na nossa sociedade. “A palavra escrita está associada, desde as suas origens, na
68
composição dialética dominação/poder; participação/exclusão, dentro de um complexo
movimento ideológico” (ALVARENGA, 2000 p. 04).
No Brasil, na primeira metade do século XIX, quando a oralidade ainda se constituía na forma
dominante de se comunicar, uma vez que os escritos circulavam raramente, o número de
pessoas analfabetas era muito expressivo, porém ser analfabeto não excluía homens e
mulheres de participarem do exercício da vida pública. Não era vetado o direito de votar e ser
votado e a prova de renda era condição de participação no poder. No entanto, à medida que a
sociedade brasileira passou a ter maior acesso à educação escolar, a escrita passou a ter um
valor simbólico, dando notoriedade àqueles que a dominavam.
A Constituição de 1824 não estabelecia o ler e escrever como condição para votar ou ser
eleito. Porém, ao final do império, a Lei Saraiva tornava a eleição direta e determinava a
restrição do voto do analfabeto, embora admitisse que todos os não católicos, os ingênuos,
libertos e naturalizados, poderiam ser eleitos. Segundo Paiva (1987), nesse momento,
somava-se a seleção pela renda à seleção pela instrução, mecanismo encontrado pela classe
dominante a fim de que fossem beneficiados “os setores médios emergentes que
pressionavam participar do poder” e excluir os escravos libertos e trabalhadores que
porventura ultrapassassem o patamar da renda. A partir de 1882, só era possível o alistamento
eleitoral para aqueles que dominassem as técnicas da leitura e da escrita. “Ampliava-se a
consulta, por um lado, mas tratava-se de restringi-la, por outro” (PAIVA, 1987, p. 82).
A Constituição Republicana de 1891, “elimina a seleção pela renda”, porém, permanece “a
seleção pela instrução” (PAIVA, 1987, p. 83). Os trabalhadores e os escravos libertos eram
excluídos do direito de participar do poder e, não sendo instruídos, não podiam usar essa
ferramenta para ascender socialmente. Institui-se o discurso pelo qual o analfabeto passa a ter
a representação social de sujeito incapaz e prejudicial à interação sadia na e com a sociedade.
Fora do parâmetro que a sociedade determina como modelo, o analfabeto deixa de ser um
sujeito que não conhece as letras para se instituir como estigma, em que a sociedade reduz as
oportunidades e impõe a perda da identidade.
Para Goffman, os atributos indesejados são considerados estigmas
Mas somente os que são incongruentes com o estereótipo que criamos
para um determinado tipo de indivíduo. O termo estigma, portanto, será
usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que
é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos.
69
Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de
outrem, portanto ele não é em si mesmo, nem honroso nem desonroso
(1993, p.13).
Essa situação era uma novidade, visto que, até o final do Império, quando da Campanha de
Educação, “o não saber ler não afetava o bom senso, a dignidade, o conhecimento, a
perspicácia, a inteligência do indivíduo; não o impedia de ganhar dinheiro, ser chefe da
família, exercer o pátrio poder, ser tutor” (PAIVA, 1987, p. 83). A esse respeito, Paiva afirma
que a partir do momento em que a “instrução se converte em instrumento de identificação das
classes dominantes” e é usada como mecanismo e seleção “o analfabetismo passa a ser
associado à incompetência” (Op. Cit. p.83).
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) provocou mudanças na forma de conceber as
questões educacionais, quando conferiu à precária condição de expansão do ensino a causa
dos problemas nacionais, colocando em pauta a luta contra o analfabetismo. O discurso se
instaura encobrindo os problemas reais que o país atravessa e a “concepção de educação
panacéia” instala-se. Segundo Paiva, a "idéia do analfabeto como incapaz encontra sua
formulação mais radical” (1987, p.90).
Entre 1915 e início dos anos 1920, o “entusiasmo pela educação” ganhou força entre os
diversos setores da sociedade, “converte-se em luta humanitária de redenção dos analfabetos”
(PAIVA, 1987, p.98). Para tanto, Rocha (1995), procurando compreender os discursos
proferidos pela intelectualidade nesse período, aponta para o de Miguel Couto, membro da
Academia de Medicina do Rio de Janeiro, que em pronunciamento em 1927, coloca o
analfabetismo vinculado à ignorância, comparando não a qualquer uma das doenças, mas a
mais grave de todas o câncer. Ao mesmo tempo, aponta a ignorância como o caminho para
que o País se coloque na condição de subalternidade
A ignorância é uma calamidade pública como a guerra, a peste, os
cataclysmos, e não uma calamidade, como a maior de todas, porque as
outras devastam e passam como tempestades seguidas de céo bonança; mas
a ignorância é qual o câncer, que tem a volúpia da tortura no corroer cellula
a cellula, fibra por fibra, inexoravelmente o organismo; dos cataclysmos,
das pestes e das guerras se erguem os povos para as bênçãos da paz e do
trabalho; na ignorância se afundam cada vez mais para a subalternidade e a
degenerescência (COUTO, 1927, apud ROCHA, 1995, p. 32).
Ligava o analfabetismo à metáfora médica, às metástases que se propagam no “organismo
social” da ociosidade, do cio e o do crime, “representam a exata negação da sociedade do
trabalho e se constroem a partir da afirmação da tendência natural dos pobres à indolência”
(ROCHA, 1995, p. 76), que tem como sanativo a educação
70
O analphabetismo é o cancro que anniquila o nosso organismo, com as suas
múltiplas metastases, aqui a ociosidade, alli o vicio, além o crime. Exilado
dentro de si mesmo como em um mundo deshabitado, quasi repellido para
fóra da especie pela sua inferioridade, o analphabeto é digno de pena, e a
nossa desidia indigna de perdão emquanto lhe não acudirmos com o
remedio do ensino obrigatório (COUTO, 1923, Apud ROCHA, 1995, p.76).
Em 1947, respondendo ao apelo da UNESCO, é lançada a CEAA - Campanha de Educação
de Adolescentes e Adultos, com o objetivo de alfabetizar a mão-de-obra que deveria atuar nas
cidades. Também deveria servir como meio para melhorar a situação do Brasil em relação às
estatísticas mundiais, uma vez que, no censo populacional de 1940, o índice de analfabetismo
foi de 55%, entre a população com mais de 18 anos.
A concepção de analfabeto dessa Campanha, explicitada nas formulações teóricas de seu
diretor, o educador Lourenço Filho, é a daquele que “padece de minoridade econômica,
política e jurídica: produz pouco e mal e é frequentemente explorado em seu trabalho; não
pode votar e ser votado; não pode praticar muitos atos de direito; não possui, enfim, sequer os
elementos rudimentares da cultura do nosso tempo” (PAIVA, 1987, p. 184), permanecendo
até 1963.
Como se não bastasse ao analfabeto ser excluído do direito ao voto, isto é, do “instrumento
simbólico da igualdade política entre os ‘cidadãos’, independentemente da posição social que
ocupam na sociedade” (ALVARENGA, 2000, p. 7), o pronunciamento de Lourenço Filho traz
ainda o significado de combate ao marginalismo. Ao afirmar, na Campanha, que
devemos educar os adultos, antes de tudo, para que esse marginalismo
desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário; devemos educá-
los para que cada homem ou mulher melhor possa ajustar-se à vida social e
às preocupações de bem-estar e progresso social. E devemos educá-los
porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos
melhor saibam defender a saúde, trabalhar mais eficientemente, viver
melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral (PAIVA, 1987, p.179).
A CEAA teve seu período de intenso funcionamento até início da década de 50 e, em 1954,
começa a declinar. No entanto, mesmo diante das idéias defendidas pelos técnicos da
Campanha, de colocar o analfabeto como incapaz, essa visão foi se modificando à medida
que se vivenciava a prática educativa junto aos analfabetos. Em seu percurso, começavam a se
interrogar “se alguém não era incapaz de aprender, poderia ser incapaz para vida?” (PAIVA,
1987, p.186). A visão estigmatizadora contra o analfabeto ia sendo substituída, abrindo-se
passagem para concebê-lo como um ser capaz. Discursos divergentes iam sendo incorporados
e, segundo Paiva (1987), dentre eles, duas orientações de aprendizagem do adulto foram
decisivas naquele momento: as contribuições de Thornidike (Adult Learning), no sentido de
demonstrar “que a capacidade de aprender não está seriamente condicionada pela idade”, e o
71
conhecimento do método Laubach, dirigido para a alfabetização das pessoas que se
encontravam fora da faixa de idade dita normal para freqüentar a escola (p. 186).
Contudo, expressa Paiva, “na base de tudo isto estavam algumas idéias defendidas pelos
‘entusiastas da educação’ sendo o analfabetismo enfocado como causa e não efeito da
situação econômica, social e cultural do país” (1987, p.185). Paralelo à CEAA, cria-se a
Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), amparada na crença de que educação de
base iria promover mudanças nas condições de vida econômica e dos níveis culturais do meio
rural, desconsiderando as condições econômicas dessas comunidades. Os resultados não se
fizeram visíveis durante essa nova Campanha, ocasionando o seu declínio.
No início da década de 60, o Brasil vive um período de efervescência política, quando o
eleitorado manifesta sua vontade de renovação quanto à escolha do presidente da Republica.
Jânio Quadros, o presidente eleito, “sem compromissos com as oligarquias tradicionais”
(PAIVA, 1987 p. 204), corroborou com a ampliação do número de eleitores pela via da
criação de programas de educação de jovens e adultos. No período que vai de 1958 a 1964,
surgem muitos movimentos de educação e cultura popular, que
pretendiam todos a transformação das estruturas sociais, econômicas e
políticas do país, sua recomposição fora dos supostos de ordem vigente;
buscavam criar a oportunidade de construção de uma sociedade mais
justa e mais humana. Além disso, fortemente influenciados pelo
nacionalismo, pretendiam o rompimento dos laços de dependência do
país com o exterior e a valorização da cultura autenticamente nacional, a
cultura do povo (PAIVA, 1983, p. 230).
Esses movimentos emergiram da sociedade civil organizada, e dentre eles, destacam-se os
Centros Populares de Cultura (CPCs), que surgiram pela iniciativa de jovens intelectuais e
artistas e que, mais tarde, foram incorporados à União Nacional dos Estudantes. Tinham
como ação prioritária a produção do teatro de rua, utilizando-se da linguagem popular e em
suas lutas buscavam combater o analfabetismo. Os Movimentos de Cultura Popular (MCPs)
eram formados por artistas, estudantes universitários e intelectuais, dentre eles, Paulo Freire.
Em meio às atividades que desenvolviam, ressaltava-se o trabalho de conscientização das
classes populares através dos programas de alfabetização de adultos e a educação de base. O
Movimento de Educação de Base (MEB) era ligado à Igreja Católica, por intermédio da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que objetivava desenvolver uma ação
mais incisiva na alfabetização, junto às camadas populares, utilizando-se das emissoras de
rádio.
72
O discurso humanista do educador Paulo Freire exerceu forte influência sobre os movimentos
de alfabetização de adultos e de educação popular no início dos anos 60. Freire traz a
dimensão social, política e ética quando trata do analfabetismo, afirmando que este “não é um
problema estritamente lingüístico nem exclusivamente pedagógico, metodológico, mas
político” (FREIRE, 1985, p. 13). Considera ainda que “é impossível negar, exceto
intencionalmente ou por inocência, o aspecto político da educação” (FREIRE, 1979, p. 70),
uma vez que a neutralidade é uma forma de expressar que se está do lado dos “dominantes”.
Para Freire, era necessária uma postura ético-política diante da realidade em que se vive. É
preciso que os educadores se perguntem “para quem e em beneficio de quem estão
trabalhando” (FREIRE, 1985, p. 80). A consciência crítica se constitui em um meio para que
homens e mulheres se coloquem no mundo de forma autônoma. Impõe-se, portanto, no
trabalho com os educandos, a necessidade de uma “tentativa corajosa de desmitologização da
realidade, um esforço através do qual, num permanente tomar de distância da realidade em
que se encontram mais ou menos imersos, os alfabetizandos dela emergem para nela
inserirem-se criticamente” (FREIRE, 1979, p.48).
Sob essas condições, Freire sublinha o compromisso que os educadores populares têm com a
causa da transformação social. É preciso não deixar perpetuar a “cultura do silêncio” uma vez
que o “Aprender a ler e escrever se faz assim uma oportunidade para que mulheres e homens
percebam o que realmente significa dizer a palavra: um comportamento humano que envolve
ação e reflexão” (1979, p. 49). É preciso criar espaços de diálogo para que eles e elas
compreendam que “dizer a palavra, em um sentido verdadeiro, é o direito de expressar-se e
expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir, de optar” (FREIRE, 1979, p.49).
A constituição do discurso pedagógico de Freire traz uma nova configuração ao trabalho
educativo na época. O estigma do analfabeto sofre um esvaziamento de ideologias de
preconceitos, desconstruindo-se diante da sociedade, e o adulto analfabeto passa a ser
compreendido não mais como um ser vazio, que necessita de algo para ser depositado, a fim
de preenchê-lo, mas como um agente produtor de cultura e saber. É preciso “assumir-se como
ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de
sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar” (FREIRE, 1997, p. 75).
73
Freire problematiza a forma como o analfabetismo é concebido e afirma que “nem é uma
‘chaga’ nem uma ‘erva daninha’ a ser erradicada, nem tampouco uma enfermidade, mas uma
das expressões concretas de uma realidade social injusta” (1997, p.13). Desse modo,
modifica todo um conceito que sustentava o discurso sobre o analfabetismo: antes, causa da
pobreza, agora, passando a ser conseqüência da realidade injusta. Traz ainda para discussão, o
fato de que homens e mulheres não podem ser culpabilizados pela condição de estarem
analfabetos e analfabetas, uma vez que “ninguém é analfabeto por eleição, mas como
conseqüência das condições objetivas em que se encontra” (FREIRE, 1997, p. 16). Os
discursos de Paulo Freire ao se constituirem como prática, segundo Lima, “refletem as
circunstâncias especiais de seu tempo, constituindo, também, uma resposta criativa aos
problemas e desafios do seu povo, sua cultura e seu país” (1881, p. 48). Marcam de uma
forma muito contundente uma mudança na forma de conceber o analfabeto e o analfabetismo
no Brasil.
Nos primeiros anos da década de 60, com o clima de mobilização popular nas cidades e no
campo, em que se reivindicavam direitos e se exigia ações efetivas em defesa dos interesses
da coletividade, o grupo dominante, que nunca tivera o poder questionado, agora, sentindo-
se ameaçado, responde, em abril de 1964, com o golpe militar, antecedendo o descontrole do
processo político que, nesse momento, se instaurava. A partir desse momento, dos grandes
movimentos, o MEB sobreviveu, em virtude do vínculo que tinha com a CNBB,
submetendo-se, no entanto, a profundas reformulações. Os programas e ações populares
foram reprimidos, sobrevivendo alguns no interior, assim mesmo, com poucas ações e
grandes revisões nos seus princípios básicos.
A Educação de Jovens e Adultos, nos dois primeiros anos após o golpe, é ignorada pelo
Ministério da Educação. em 1966, pressionado pela UNESCO, para cumprir o que foi
acordado no que tange à redução das taxas de analfabetismo, o País passa a reaver a questão
por intermédio do Ministério da Educação, com o apoio dado a Cruzada da Ação Básica
Cristã Cruzada ABC, em parceria com a USAID. A educação de jovens e adultos, nesse
período, é norteada pelo tecnicismo com orientação norte-americana, dirigindo suas ações
mais para o Nordeste, região onde, anteriormente, os programas implementados tinham
difundido idéias que, nesse momento, precisavam ser esquecidas (PAIVA, 1987). A ideologia
do golpe militar reinstaura o estigma contra o analfabeto.
74
O movimento Cruzada ABC, de origem evangélica, criado para “extinguir o analfabetismo”,
teve sua expansão no momento em que o avanço da industrialização no Nordeste era intenso e
o analfabeto era visto “como ‘parasita econômico’, incapaz de produzir e de ser útil a Nação”
(PAIVA, 1987, p. 270). Pautados pela concepção de desenvolvimento “como industrialismo”,
era imposta a idéia de que era preciso, então, capacitar o analfabeto a fim de ser recuperado e
integrado à sociedade como colaborador do desenvolvimento sócio-econômico do país, atuar
para atender às necessidades do mercado de trabalho (PAIVA, 1987).
Em 1966, o Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, baixa o
Decreto . 59.452, determinando a celebração, em todo o território, do Dia Nacional da
Alfabetização, em 14 de novembro. O então Ministro de Educação e Cultura, Professor
Raymundo Moniz de Aragão, naquele 14 de novembro de 1966, em seu discurso, justifica que
esse ato do governo teve como finalidade “comover a opinião pública, a despertar a
consciência dos brasileiros para o grave, vexatório e doloroso problema do analfabetismo,”
fazendo-se imperiosa a participação de todas as “forças vivas da nação”( 1996, p. 15).
O Ministro discursa em defesa da constituição de uma cruzada para o combate ao
analfabetismo, proferindo com veemência a cooperação de todos: “dos ricos, que reservem e
destinem parte do que lhes sobra ao resgate da dívida com os deserdados” (ARAGÃO, 1966,
p.15); dos homens de empresa, que possam alfabetizar seus operários e pessoas de suas
famílias; das forças armadas, a alfabetização de sua tropa; do clero; de todas as esferas de
governos até dos estrangeiros. Refere-se, ainda, ao analfabetismo, como “uma exigência do
pudor nacional. É um reclamo, é um clamor de justiça. É uma necessidade para o
fortalecimento do nosso poderio”, (ARAGÃO, 1966, p.16) é a possibilidade de apagar a
imagem negativa diante da comunidade mundial e poderem ser ouvidos no Conselho das
Nações Unidas. Discorre que “o saber é indispensável capital para que alguém prospere e se
eleve” cabendo, portanto, à alfabetização a função de torná-lo uma pessoa bem sucedida na
vida, pois “os que erram sem teto, míseros e famintos chegam a tais extremos por falta de
instrução” (ARAGÃO, 1966, p.17).
Em seu discurso, a representação que faz do analfabeto é, também, de pecaminosidade, uma
vez que para obtenção da redenção é preciso “que o clero facilite a salvação das almas,
abrindo às inteligências os caminhos da instrução” (ARAGÃO, 1966, p. 17). Assim, o esforço
empreendido entre 1958 e 1964, em relação a eliminação do preconceito contra o analfabeto e
75
a sua vinculação a uma análise social, nesse momento, passa a ter um novo rumo. As
posições oficiais são orientadas “predominantemente por critérios político-ideológicos, com
vistas à sedimentação do poder político e das estruturas sócio-econômicas” (PAIVA, 1987, p.
263).
Em 15 dezembro de 1967, pela Lei n.
o
5.379, sob a égide do regime militar, cria-se o
Movimento Brasileiro de Alfabetização, Mobral. Suas ações são iniciadas em setembro de
1971, com a promessa de acabar com a “vergonha nacional”, no prazo de dez anos. Para
tanto, conclama a participação da população com o chamamento “Você também é
responsável, então me ensine a escrever, eu tenho a minha mão domável, eu sinto a sede do
saber”. A condição para ser alfabetizador no MOBRAL era saber ler e escrever mesmo que
de forma rudimentar, pois, segundo Corrêa, “o recurso da utilização de pessoas da
comunidade em geral para ensinar aos que sabem menos é válido, legítimo, natural e é a
grande opção para países ou regiões com escassez de recursos humanos qualificados” (1979,
p.38). Esse movimento, a princípio, teve como função prioritária a alfabetização, mas, em
seguida, o seu campo de atuação estende-se para cursos de continuidade dos estudos dos
adolescentes e adultos.
O MOBRAL foi concebido com objetivos políticos e ideológicos claros, pois, naquele
momento, segundo Paiva (1987), um programa desse porte possibilitaria ampliar o número de
eleitores, agora orientados para uma nova configuração da vida política do país. O Governo
Federal estava atento a essa questão a fim de melhorar a sua imagem frente a setores da
sociedade. Sobre isso, Freitag diz que “é a primeira vez que a alfabetização assume caráter tão
evidentemente ideológico e visa de forma tão explícita inculcar no oprimido os valores do
capitalismo autoritário” (1986, p. 92), pois intencionalmente asseguravam que a alfabetização
do povo pudesse estar subjugada ao projeto político-econômico desejado pela classe
dominante.
O MOBRAL concebe o analfabetismo como um problema de foro pessoal, associado ao
esforço individual, sem, contudo, relacioná-lo com as questões sócio-econômicas e políticas.
Para Paiva (1986), esse fato tem a intenção de atenuar os riscos de contestações por parte
daqueles que porventura não conseguissem realizar suas aspirações. Em publicações oficiais,
as idéias “entusiastas” ainda se revelam, quando expressam que “o bastante para o MOBRAL
alfabetizar 8.657.054 brasileiros, que viviam dentro da escuridão social” (Documento Soletre
76
MOBRAL e leia Brasil: sete anos de luta pela alfabetização). As idéias que trazem a metáfora
da doença, da praga também se reinstauram, quando é dito que “se a ignorância, expressa no
analfabetismo (Buda), é o maior de todos os males, o MOBRAL está exterminando a praga e
exportando exemplo” (Idem), portanto, esse mal precisa ser sanado. Em outro texto, o
analfabeto é apresentado como sujeito que passa a adquirir cultura quando se apropria da
escrita, uma vez que, ao concluir o MOBRAL, “encontra-se diante de uma interrogação que
representa um dos mais sérios desafios encontrados pelas autoridades responsáveis pelo
Movimento”. Ao falar do preconceito contra o analfabeto nesse período, diz Alvarenga que
ele se apresenta de forma sutil pois ao ressaltar que só a leitura e a escrita
permitiriam ao sujeito “descobrir suas funções e seu papel, no tempo e no
espaço em que vive”(MOBRAL,1974) pereniza-se a idéia elitista de sua
incapacidade para pensar sobre si e sobre o mundo, cabendo,
exclusivamente, ao processo de alfabetização transformá-lo em uma
“pessoa bem sucedida”, capaz de realizar suas aspirações, de ser feliz, de
ser um cidadão responsável e respeitado, que participa efetivamente da
vida de sua comunidade” ( 2007, p.6).
Com o fim da ditadura militar, o MOBRAL é extinto em 1985, sob suspeita quanto à
veracidade na divulgação dos índices de analfabetismo e na forma como foram aplicados os
seus recursos. Para tanto, foi criada uma CPI Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de
apurar as denúncias. O MOBRAL é substituído, então, pela Fundação EDUCAR, ligada
diretamente ao Ministério da Educação, exercendo o papel de oferecer apoio financeiro e
técnico às propostas de governos, de entidades civis e de empresas que com ela firmassem
convênios.
Em 1988, a nova Constituição Federal assegura ao analfabeto a conquista do direito de votar e
ao mesmo tempo o seu “acesso ao ensino obrigatório e gratuito como um direito subjetivo”.
Somando-se a isso, em 1990, o Brasil torna-se membro signatário da Declaração Mundial de
Educação para Todos. Em 1989, na gestão de Paulo Freire como Secretário Municipal da
Educação de São Paulo, surge o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos — MOVA
que se expande em governos estaduais e municipais com administrações populares, numa
parceria entre o poder público e a sociedade civil. O MOVA tem como princípios a
democratização da cultura e a participação popular no processo de formação, resgatando os
princípios que nortearam a Educação de Jovens e Adultos nos anos que antecederam o golpe
militar, inspirados no pensamento de Paulo Freire.
A década de 90 se caracteriza como um vazio nas políticas da EJA em todas as esferas de
governo. A visão que se tem do analfabeto e do analfabetismo, nas palavras do então recém
77
empossado Ministro da Educação e Cultura, o professor José Goldemberg, pode ser
constatada em entrevista dada ao Jornal do Brasil, em 23/08/91, quando diz que
o grande problema de um país é o analfabetismo das crianças e não o dos
adultos. O adulto analfabeto encontrou o seu lugar na sociedade. Pode
não ser um bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de
prédio, lixeiro ou seguir outras profissões que não exigem alfabetização.
Alfabetizar o adulto não vai mudar muito sua posição dentro da sociedade
e pode até perturbar. Vamos concentrar nossos recursos em alfabetizar a
população jovem. Fazendo isso agora, em dez anos desaparece o
analfabetismo (BEISIEGEL, p. 30).
Falando em nome da elite “culta”, o Ministro legitima o lugar do analfabeto jovem e adulto na
sociedade. Coloca a alfabetização do povo a serviço da gica do “próprio modelo de
desenvolvimento assumido pelo capitalismo que, ao gerar poucos postos de trabalho
qualificados e bem remunerados e muitos mal remunerados e de baixa qualidade, reproduz e
amplia continuamente, estas desigualdades” (BORGES, 2005, p.26). Diante disso, é
necessário investir naqueles que possam consolidar a lógica econômica do mercado. Em
1996, foi criado o Programa de Alfabetização Solidária PAS, que, conforme Rocha (1993),
mantém e retoma com mais força a visão de analfabetismo que se tinha no MOBRAL, “como
algo que se deve erradicar, de alfabetização como condição para o exercício da cidadania,
como um mal que pode e deve ser sanado a partir de campanhas” (p. 8) inclusive, segundo a
autora, agora, com uma presença mais incisiva na mídia.
Assim, é lançada, em 1999, a Campanha “Adote um analfabeto”, que, segundo Alvarenga,
com esse discurso ideológico a “orfandade dos excluídos do direito a alfabetização é
oficialmente declarada” (2000, p.10), submetendo-se o analfabeto ao constrangimento de ficar
a mercê da boa vontade da elite dominante do país na condição de subalterno, fortalecendo a
idéia de incapaz, frágil, improdutivo e inferior. Esse discurso tem o sentido, também, de
isentar os poderes públicos da responsabilidade de promover políticas públicas na Educação
de Jovens e Adultos. É possível perceber, através de alguns fragmentos retirados de
documentos oficiais do PAS, o pressuposto que reforça a idéia de que o analfabeto é o sujeito
que ainda não tem o seu espaço constituído como ser cidadão, uma vez que “é por meio da
Alfabetização Solidária que iniciamos a reintegração dos alunos à sociedade...” (2000, p.5),
como se, numa força mágica, ao aprender a ler e a escrever os alunos passam a enxergar
novos horizontes” (Idem).
Podemos entender que o preconceito contra o analfabeto se apresenta sob diversas formas,
considerando o tempo histórico, social e econômico. Em determinados momentos, o
78
preconceito veste uma roupagem muito sutil. Entretanto, reflete o querer do pensamento
hegemônico das forças dominantes, falando através dos silenciamentos, querendo ocultar o
que, intencionalmente, está sustentando. Mesmo que as produções acadêmicas tragam um
discurso de desvelamento do preconceito contra o analfabeto, ainda hoje ele está muito
presente na sociedade. Ao significar o conceito de analfabeto no sentido de estar analfabeto
não por eleição, mas porque as condições objetivas de sua vida não lhe têm dado outras
escolhas, situamos o analfabetismo como um fenômeno estrutural de responsabilidade pública
e não mais como uma chaga a ser extirpada e de responsabilidade do cidadão. O preconceito
contra o analfabeto e o analfabetismo é, portanto, histórico e produzido socialmente.
4.3 Os significados da alfabetização
Os discursos sobre o significado e a prática da alfabetização vêm se modificando ao longo
das últimas décadas e se revelando sob diversas formas. No Brasil, até o meado da década de
80, o consenso entre os professores e a sociedade em geral sobre a alfabetização, segundo
Soares, era de “processo de ensinar e/ou aprender a ler e a escrever; alfabetizado era aquele
que aprendera a ler e a escrever” (2005, p.87).
Tomando como referência os dados censitários que buscam definir os índices de alfabetização
e analfabetismo no Brasil, verificamos que, até os anos 1940, o critério adotado era a pessoa
assinar ou não o próprio nome. a partir dos anos 1950, muda-se o critério e a pergunta
agora era dirigida no sentido de saber se a pessoa sabia ou não ler e escrever um bilhete
simples. Segundo Soares (2005), essa mudança de critério amplia o conceito de
alfabetização, à medida que ser alfabetizado deixa de ser saber ler e escrever de forma
elementar e passa a ter o sentido de uso da leitura e escrita, mesmo que numa prática social
específica.
Mais recentemente, na década de 90, os dados divulgados pelo IBGE, além de contemplar os
índices de analfabetismo, trazem agora os índices de analfabetismo funcional, que apontam
para um novo conceito do termo, estendendo-se àqueles que não tiveram um tempo
determinado de escolaridade, as quatro séries. A partir daí, segundo Soares, “o conceito de
alfabetização como ´saber ler e escrever` ou ´saber ler e escrever um texto simples`(2001, p.
8), torna-se limitado, fazendo-se necessário emergir “um novo conceito, que incorpora
79
habilidades de uso da leitura e da escrita desenvolvidas durante alguns anos de escolarização”
(2001, p. 8).
No entanto, vale lembrar que, segundo o Documento Alfabetização como Liberdade (2003, p.
34), o termo “funcional” passou a ser utilizado nos anos 1960, década em que a UNESCO e
os governos implementavam programas de alfabetização voltados para o domínio funcional
da leitura e escrita, com o discurso de atender às necessidades do desenvolvimento
econômico, o aumento do nível de produtividade. Um exemplo disso é o Programa
Experimental de Alfabetização Mundial
3
, a maior expressão do atrelamento da alfabetização
ao sistema produtivo, desconsiderando totalmente as necessidades dos alunos nos seus
contextos de vida.
A propósito, Ribeiro (2004) nos chama atenção que agora, com o termo “analfabeto
funcional”, os estigmatizados se estendem não somente aos analfabetos considerados
absolutos, mas também aos analfabetos funcionais que, segundo dados do IBGE, em 2002, o
Brasil apresentava um total de 32,1 milhões, o que significava 26% da população com mais de
15 anos. Por conseguinte, aumenta consideravelmente o número de pessoas que não têm
garantido o seu direito à instrução mínima básica.
De certo que, para Tfouni “a alfabetização está intimamente ligada à instrução formal e às
práticas escolares, e é muito difícil lidar com essas variáveis separadamente” (2006, p. 13), no
entanto, o acesso à escola não significa a garantia da alfabetização. Sabemos que a aquisição e
o desenvolvimento da alfabetização acontecem dentro e fora dos muros da escola, pois, o que
a caracteriza “é a sua incompletude, (...)”, por isso a “descrição de objetivos a serem atingidos
deve-se a uma necessidade de controle mais da escolarização do que da alfabetização”
(ibidem, p. 13).
Soares (2004) afirma que, ao estabelecermos o vínculo entre alfabetização e escolarização,
muitos pontos devem ser ressaltados: o entendimento de que não é a escola que é espaço
social para se alfabetizar, mas também se alfabetiza fora da escola; a função social da escola
vai mais além da alfabetização; transfere-se o modelo escolar de alfabetização destinado a
3
O Programa Experimental de Alfabetização Mundial (EWLP), promovido pela UNESCO e aplicado em 11
países do terceiro mundo, foi planejado como experimento da hipotética correlação entre alfabetização e
desenvolvimento.
80
crianças para outros espaços formais não escolares criando-se, portanto, uma expectativa entre
os alfabetizandos de serem alfabetizados segundo o modelo escolar de alfabetização.
Ao discutir o conceito de analfabetismo funcional no seu livro “Cultura escrita e educação”,
Ferreiro (2001) diz que é muito difícil defini-lo, pois vive-se um momento de mudanças
tecnológicas constantes, o que nos coloca diante de situações que nos levam ao
comportamento de analfabetos funcionais.
O conceito de alfabetismo funcional, com a idéia de quatro anos de escolaridade, foi
disseminado pela UNESCO e usado largamente em planos e políticas nacionais e
internacionais, com “a crença de que as pessoas aprendem a ler e a escrever quando entram na
escola e que este processo termina com o último dia de aula. Esta crença é equivocada, tem
muito de desconhecimento e de prejuízo” (TORRES, 2006b, p. 04).
Não podemos pensar em analfabetismo funcional como um conceito universal, uma vez que
não responde às demandas de leitura e escrita de uma heterogeneidade de contextos, até
mesmo dentro de uma sociedade em particular. No Brasil, e em outros países mais
precarizados, utiliza-se como critério para que se logre o alfabetismo funcional quatro anos de
estudo. No entanto, na Europa e na América do Norte, a média está bem mais acima,
considerando o patamar mínimo de oito ou nove anos. É possível verificar que, mesmo os
países que adotaram como critério um patamar mais alto, estão trabalhando para aumentá-lo,
pois têm como prioridade ajustá-lo às exigências do mercado competitivo no mundo
globalizado, que requer força de trabalho qualificada. Em se tratando dos países da América
Latina, soma-se a esta questão, o fato da própria condição de terceiro mundo, o que ainda
exige uma intervenção para os problemas relacionados ao subdesenvolvimento: baixo nível de
escolarização das camadas populares, concentração de riquezas e níveis elevados de
desigualdade.
Portanto, é preciso que, ao falarmos do papel da alfabetização, seja possível situá-la no tempo
“histórico e no espaço social e político em que ocorre”, uma vez que “o valor e a importância
da língua escrita não são inerentes a ela, mas dependem da função e dos usos que lhes são
atribuídos no contexto social” (SOARES, 1989, p. 3).
81
Nessas últimas décadas, quando o “exercício da competitividade torna-se
exponencial”(SANTOS, 2000), os países têm investido em pesquisas amostrais, a fim de
verificar os níveis de alfabetismo da população, pois a conjuntura mundial passa a exigir uma
melhor qualificação da força de trabalho para ser mais produtiva ao sistema.
No Brasil, para obter informações mais precisas sobre o índice de alfabetismo, foi criado o
Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional INAF
4
, com o objetivo de, segundo Ribeiro,
Vóvio e Moura, gerar informações que ajudem a dimensionar e compreender o problema,
fomentem o debate público sobre ele e orientem a formulação de políticas educacionais e
propostas pedagógicas” (2002, p. 53 ).
Vemos que o conceito de alfabetização, segundo Soares (2005), foi se ampliando no decorrer
do tempo, a fim de atender essas novas demandas sociais e laborais que não se coadunam
mais com apenas o ler e o escrever. Ao tempo em que essa ampliação foi se dando, surgiu o
termo letramento, passando a ser usado, constantemente, em substituição à palavra
alfabetismo que, mesmo sendo uma palavra dicionarizada, não é de uso freqüente.
Assim, para Soares
em todos esses novos termos alfabetização funcional, alfabetizado
funcional, analfabeto funcional, alfabetismo funcional, letramento – está
presente o conceito de que a inserção no mundo da escrita se através de
dois processos: a aprendizagem do sistema de escrita (o sistema alfabético e
o sistema ortográfico) – o que se poderia denominar alfabetização, em
sentido restrito e o desenvolvimento de competências (habilidades,
conhecimentos, atitudes) de uso efetivo desse sistema em práticas sociais
que envolvem a língua escrita a alfabetização (ou alfabetismo) funcional,
o letramento (2005, p.93).
O embate conceitual em torno da alfabetização e letramento, que vem sendo expresso nos
discursos produzidos por vários teóricos na extensa produção bibliográfica em língua
portuguesa, mostra que não existe um consenso, pelo contrário, algumas vezes os conceitos se
apresentam contraditórios.
A exemplo, Ferreiro (2003) vem insistindo na sua compreensão de que alfabetização e
letramento são indissociáveis. Sabemos que a referida autora, no meado da década de 80,
junto com Ana Teberosky, realizou uma pesquisa sobre a Psicogênese da Língua Escrita,
4
O INAF é uma iniciativa do Instituto Paulo Montenegro – Ação Social do IBOPE e da ONG Ação Educativa.
82
embasada nos construtos teóricos piagetianos, provocando uma mudança conceitual na forma
de conceber a alfabetização. As discussões antes eram centradas em torno de qual o melhor
método de ensino, a busca de novos testes de prontidão e materiais didáticos, que segundo
Ferreiro, revelava-se numa “imagem empobrecida da língua escrita” e da “criança que
aprende” (2000, p.40). Agora, no eixo central das discussões sobre alfabetização, é preciso
considerar “a escrita como sistema de representação da linguagem”. Nessa mudança
conceitual, a visão do aluno não é mais de um mero receptor, “de um sujeito que espera que
alguém que possui um conhecimento o transmita a ele, por um ato de benevolência”
(FERREIRO e TEBEROSKY, 1985, p. 26), mas de um “sujeito cognoscente, alguém que
pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu” (FERREIRO e
TEBEROSKY, 2000, p. 41), ou seja, de um sujeito que aprende a ler e escrever incorporando
as práticas de letramento.
Por isso, ao referir-se ao termo letramento, Ferreiro (2003) diz que
algum tempo, descobriram no Brasil que se podia usar a expressão
letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de
decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos
tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego
a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a
perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha
consciência fonológica (n
o
. 162, mai. p. 3).
Contudo, Soares chama a atenção para necessidade de distinguir esses dois conceitos
alfabetização e letramento porque, a partir do momento em que o conceito de letramento
começou a ser utilizado na educação, “tem ameaçado perigosamente a especificidade do
processo de alfabetização” (2004, p. 90). Mas, ao mesmo tempo é preciso separá-lo,
“porque não o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e
reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente
daquele” (idem, p. 90). Assim, para Soares, a alfabetização constitui-se na “ação de ensinar
/aprender a ler e escrever”, enquanto que letramento refere-se ao “estado ou condição de
quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a
escrita” (2001, p. 47).
Tfouni apresenta o confronto entre o conceito de letramento e alfabetização: “Enquanto
que a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de
indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema
escrito por uma sociedade” (2006, p. 20). Daí que ser alfabetizado não significa que o sujeito
é letrado, assim como ser analfabeto não significa ser iletrado. Ainda para Tfouni, “não
83
existe, nas sociedades modernas, o letramento ‘grau zero’, que equivaleria ao ‘iletramento”
(2006, p. 23). Portanto, a autora, nessa linha de argumentação, concebe graus de letramento,
que dependerá da “sofisticação das comunicações, dos modos de produção, das demandas
cognitivas, pelas quais uma sociedade como um todo passa quando se torna letrada, e que
irão inevitavelmente influenciar todos os sujeitos que nela vivem, alfabetizados ou não”
(2006, p. 26).
Para Kleiman (1995), o letramento vai além do que a escola entende como seu papel para
inserir os sujeitos no mundo da escrita, uma vez que ela se ocupa apenas com o domínio de
códigos alfabético e numérico. As práticas escolares são pautadas em atividades dirigidas
para desenvolver alguns tipos de habilidades em detrimento de outras, tais como atividades de
“memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de sílabas desgarradas de um
universo existencial — coisas mortas ou semimortas” em que “(...) reduzem o analfabeto mais
à condição de objeto que à de sujeito de sua alfabetização” (FREIRE, 1987, p. 111).
De fato, o conceito de letramento é polissêmico, sendo variadas as posições teóricas a esse
respeito. Tratando sobre isso, Tfouni diz que alguns consideram que o uso generalizado da
escrita gera mudanças nas formas de comunicação, conseqüentemente “Passariam a existir
usos orais e usos letrados da língua, e estes seriam separados, isolados, caracterizando assim a
grande divisa” (2000, p. 34). Ainda conforme essa linha de pensamento, existiriam
especificidades para as formas orais, pois “teríamos por trás um raciocínio emocional,
contextualizado e ambíguo” e outras especificidades para as formas escritas como “um
raciocínio abstrato, descontextualizado e lógico” (2000, p. 34).
Para Street, essa teoria da grande divisa compreende o que ele chama de “modelo autônomo”
de letramento que
funciona com base na suposição de que em si mesmo o letramento de
forma autônoma terá efeitos sobre outras práticas sociais e cognitivas.
Entretanto, o modelo disfarça as suposições culturais e ideológicas sobre os
quais se baseia, que podem então ser apresentadas como se fossem neutras e
universais” (2003, p. 6).
Portanto, esse modelo utiliza-se do discurso de evidenciar as formas de letramento como fixas
e universais, a fim de disfarçar as suas crenças ideológicas e culturais.
Kleiman (1995), respaldada nas idéias de Street, ao falar sobre o modelo de letramento
autônomo, discorre que essa concepção predominante em nossa sociedade parte do
84
pressuposto que ele em si resultaria em “progresso” e “ascensão social”; privilegia a escrita,
considerando-a independente da fala, das condições de produção que o discurso foi
constituído. Nesse modelo de letramento, a alfabetização se apresenta
simplesmente como o desenvolvimento de habilidades que vise à aquisição
da língua padrão dominante. Esse modo de ver sustenta uma idéia de
ideologia que, sistematicamente, antes rejeita do que torna significativas as
experiências culturais dos grupos lingüísticos subalternos que são de modo
geral, o objeto de suas políticas (FREIRE; MACEDO,1990, p.90).
Portanto, legitima os saberes valorizados pela sociedade, uma visão etnocêntrica que coloca o
aluno no lugar de depositário, desconsiderando suas experiências culturais, e
responsabilizando-o pelo seu fracasso escolar.
Street (2003), ao falar sobre os programas de letramento que ainda conservam suas raízes no
modelo de letramento autônomo, busca, nas palavras de Paulo Freire, a forma de denunciar a
concepção bancária de letramento, pois entende também que “A libertação autêntica, que é a
humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a
mais, oca, mitificante” (FREIRE, 1970, p. 67).
Daí, apontando para um outro caminho, oposto a esse modelo de letramento autônomo, Street
e outros autores trazem um outro modelo, baseados em pesquisas de abordagem etnográfica
que se ocupam “em tentar compreender aquilo que realmente acontece do que em tratar de
provar o sucesso de uma intervenção específica”. Para Street, esse novo modelo de letramento
“é uma prática de cunho social, e não meramente uma habilidade técnica e neutra” (2003, p.
6), denominado de modelo ideológico, de forma a ressaltar a sua dimensão de poder.
Portanto, a partir daí, como escreve Freire
se antes a alfabetização de adultos era tratada e levada a cabo numa forma
autoritária, centrada na compreensão mágica da palavra, uma palavra
concedida pelo educador aos iletrados; se antes os textos geralmente
apresentados aos alunos para lerem escondiam muito mais do que revelavam
sobre a realidade, agora, ao contrário, a alfabetização como acto de
conhecimento, como acto criativo e como acto político, é um esforço de ler o
mundo e a palavra” (1987, p. 35).
A abordagem ideológica do letramento, segundo Street (2003), não pode ser considerada
apenas como um modelo cultural, principalmente quando se faz emergir uma visão reificada
da cultura, em que, nesse processo, certos grupos se agregam a um determinado letramento,
ficando perdida “a contestação sobre o que conta como letramento, e sobre de quem termina sendo o
letramento dominante (2003, p.7).
Tratando sobre essa questão, Kleiman diz que a “dimensão
de poder envolvida no processo de aculturação efetivado na escola: aprender – ou não – a ler e
85
escrever não equivale a aprender uma técnica ou um conjunto de conhecimentos” (2001, p.
271) pois, para a autora,
O que está envolvido para o aluno adulto é a aceitação ou o desafio e a
rejeição dos pressupostos, concepções e práticas de um grupo dominante —
a saber, as práticas de letramento desses grupos entre as quais se incluem a
leitura e a produção de textos em diversas instituições, bem como as formas
legitimadas de se falar desses textos —, e o conseqüente abandono (e
rejeição) das práticas culturais primárias de seu grupo subalterno que, até
esse momento, eram as que lhe permitiam compreender o mundo (2001, p.
271).
As pesquisas realizadas por Kleiman, em 1995, 1998 e 2000, mostram que a apropriação da
escrita por parte dos sujeitos de camadas pobres pode ocasionar uma perda lingüística e ser
sentida por eles como um “processo autoritário” que leva a uma “perda identitária”, à medida
que é preciso abandonar formas para se comunicar que lhes pertenciam, significadas nos seus
contextos de vida por uma outra de prestígio (KLEIMAN, 2003, p.212-213).
Ainda concordando com Kleiman, Tfouni diz que “quando uma simbolização de segunda
ordem (a escrita) predomina sobre a de primeira ordem (oralidade)” isso “(...) não ocorre às
custas do nada” (2006, p. 140). Nas sociedades letradas, industrializadas, os grupos sociais
ágrafos são desconsiderados, uma vez que os seus discursos são tidos como estranhos,
inadequados, permeados de crendices. Todos esses rótulos estigmatizantes são intencionais no
sentido de tirar do povo o seu discurso identitário.
Para Kleiman, somada a “outros fatores de desigualdade social, a escrita ajudou, portanto, a
concentrar o poder e a estabelecer hierarquias sociais que se mantêm até hoje e que, segundo
antropólogos e sociólogos, caracterizam de fato uma situação de apartheid social” (2001, p.
273).
No entanto, acrescenta Tfouni (2006) não podemos deixar de reconhecer o valor da escrita
para a melhoria do bem-estar da sociedade e o papel que ela vem exercendo quanto ao
desenvolvimento do conhecimento.
86
5. JOVENS, ADULTOS E IDOSOS DA EJA VIVENDO UM MESMO TEMPO
EM TEMPOS DISTINTOS.
O mundo dos velhos, de todos os velhos, é
de modo mais ou menos intenso, o mundo
da memória.
Norberto Bobbio
Na presente pesquisa, busquei saber em que medida a alfabetização contribui para a melhoria
das condições de vida de egressos do Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos AJA
Bahia / Brasil Alfabetizado. Ao conhecermos às trajetórias de vida dos sujeitos que permeiam
esse universo, teremos maiores possibilidade de compreensão dos sentidos atribuídos por
esses sujeitos, entre ser, sentir-se e estar alfabetizado atrelado à melhoria de suas condições de
vida. Para isso, procurei compreender sobre os jovens, os adultos e os idosos egressos da EJA,
discutindo as concepções de juventudes, de adultez e do envelhecimento postas na atualidade.
5.1 As juventudes — os jovens.
Juventudes ou juventude? Unidade ou diversidade? Para responder a essas questões, trago os
conceitos de juventude e juventudes considerando as correntes geracional, classista e das
culturas juvenis. Segundo a teoria geracional, a juventude é formada por indivíduos que estão
em certa “fase da vida”; se busca uma geração definida em termos etários e que compõe uma
“cultura juvenil” específica. De outro modo, a juventude é tida “como um conjunto social
cujo principal atributo é o de ser constituído por jovens em diferentes situações sociais”
(PAIS, 2003, p.29), o que defende a corrente classista.
A juventude é tida como uma fase da vida marcada por uma instabilidade, geralmente,
relacionada a problemas sociais. Espera-se que os jovens tenham responsabilidades
decorrentes de um trabalho fixo e remunerado, que assumam encargos com a família e, ainda,
as despesas com habitação e aprovisionamento. Quando essa expectativa não é atendida, a
juventude se transforma em uma questão social, fato que vem ocorrendo atualmente, visto que
a humanidade está submetida ao desemprego, à flexibilização e à precarização nas relações de
trabalho, características fundamentais de uma sociedade regida pela lógica do capitalismo.
87
Para a sociedade, a juventude é, portanto, um conjunto social formado por um grupo de
indivíduos de certa faixa etária e que têm interesses comuns. Nessa direção, os jovens formam
uma cultura juvenil unitária, um conjunto homogêneo em relação a outras gerações. De outra
dimensão, ao focar nos atributos sociais que distinguem os jovens uns dos outros, a juventude
não é homogênea, é uma seqüência de trajetórias biográficas entre a infância e a vida adulta.
Assim, pensar a juventude em sua diversidade resulta em compreender que os acessos à vida
adulta são flutuantes, que não se traduzem, por exemplo, em ter um emprego. Nesse caso, a
juventude pode ser compreendida como um conjunto social heterogêneo em que os jovens
vivem situações sociais diversas. Há, pois, uma falsa unidade ao abordar a juventude como
uma fase de vida e sobre a diversidade, quando falamos dos atributos sociais que distinguem
os jovens entre si.
Em uma outra direção, temos a teoria das culturas juvenis, quando o foco é a compreensão
por meio das trajetórias de vida dos jovens, as continuidades e descontinuidades
intergeracionais. Assim, precisamos ver a sociedade “através do cotidiano dos jovens”
procurando compreender de que forma ela “se traduz na vida dos indivíduos” (PAIS, 2003,
p.71). Ainda tratando dessa questão reflete o autor.
decifrar os enigmas dos paradoxos da juventude, requer saber se os jovens
compartilham os mesmos significados; se no caso de compartilharem os
mesmos significados, o fazem de forma semelhante; a razão porque
compartilham ou não, de forma semelhante ou distinta, determinados
significados (...) torna-se necessário que os jovens sejam estudados a partir
de seus contextos vivencias, quotidianos – porque é quotidianamente, isto é,
no curso de suas interações, que os jovens constroem formas sociais de
compreensão e entendimento que se articulam com formas específicas de
consciência de pensamento, de percepção e ação (PAIS, 2003, p.70-71).
Urge, então, que passemos de juventude para juventudes, de unidade para diversidade. Temos
que considerar a juventude enquanto
um conjunto social cujo principal atributo é o de ser constituído por
indivíduos pertencentes a uma dada fase de vida” e, em paralelo, ver os
jovens “como uma fatia de coetâneos movendo-se através do tempo, cada
um deles com a sua própria experiência de vida, influenciada por
circunstâncias históricas e sociais específicas.” É importante, “analisar as
relações entre tempo pessoal e tempo histórico, tempo de transição e tempo
de sincronização, trajetórias individuais e estruturas sociais” e a “transição
como um processo de negociações complexo (PAIS, 2003, p. 72- 74).
Nesse contexto, a compreensão do significado da juventude pode ocorrer sob duas dimensões.
Aquela em que a juventude é prolongada e vista na ótica pessimista, haja vista “a
instabilidade e a precariedade na sua inserção no mercado de trabalho, instabilidade das
relações afetivas, violência das grandes cidades, taxas crescentes de prevalência e mortalidade
88
por doenças sexualmente transmissíveis” (CAMARANO; MELLO, 2006, p.13). E uma outra,
quando os jovens são tidos como o novo e como o começo das transformações sociais. Nessa
perspectiva, cresceram juntos à microeletrônica, à informatização e à digitalização. De algum
modo, têm os benefícios das novas tecnologias da informação e o acesso a uma escolarização
mais avançada. No entanto, estão também expostos à violência e a marginalização.
A juventude, nas duas dimensões, é vista como uma “experiência comum e homogênea para
todos os grupos sociais, étnicos, sem qualquer especificidade regional ou temporal”
(CAMARANO; MELLO 2006, p.14). É uma etapa da vida em que os indivíduos vão se
definindo em situações conflituosas e em situação vulnerável.
A passagem para a vida adulta, no passado, acontecia de modo linear com a saída da escola, a
entrada no mercado de trabalho, a saída da casa dos pais, a formação de um novo domicílio
pelo casamento e, por fim, o nascimento do primeiro filho. Atualmente, as formas de
passagem para a vida adulta são muito diversas e nada lineares como no passado. Pais, ao
tratar da questão, afirma “o terreno em que as transições têm lugar é de natureza cada vez
mais labiríntica” (2006, p. 8). No labirinto da vida, continua o autor
perante estruturas sociais cada vez mais fluidas os jovens sentem a sua vida
marcada por crescentes inconstâncias, flutuações, descontinuidades,
reversibilidade, movimentos autênticos de vaivém: saem da casa dos pais
para um dia qualquer voltarem; abandonam os estudos para os retomarem
tempos depois; encontram emprego e em qualquer momento se vêm sem ele;
suas paixões são como “vôos de borboletas”, sem pouso certo; casam-se, não
é certo que seja para toda a vida... São esses movimentos oscilatórios e
irreversíveis que o recurso à metáfora do ioiô ajuda a expressar. Como se os
jovens fizessem da sua vida um céu onde exercitassem a sua capacidade de
pássaros migratórios (PAIS, 2006, p. 6).
Assim, o prolongamento da juventude é visto pelo aumento do tempo passado na escola, pela
não inclusão no mercado de trabalho e pelas transformações nos arranjos familiares —
dissocialização entre casamento e sexualidade, entre sexualidade e casamento, entre
casamento e parentalidade (PAIS, 2006). Os jovens formam um grupo extremamente
vulnerabilizado, em risco de desigualdade social sem precedentes. Vivenciam a luta pelo
ingresso no mercado de trabalho, quando lhes é exigida experiência para uma primeira
ocupação; a baixa qualificação; a deserção escolar; ocupam postos de trabalho pouco
remunerados, muitas vezes situados no mercado informal, fato que se constitui em um outro
aspecto de sua vulnerabilidade. A vulnerabilidade de acordo com Vignoli (2001); Figueira
(2001) Apud Abramovay (2002, p.13) compreende
89
o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos
materiais ou simbólicos (capital financeiro, capital humano, experiência de
trabalho, nível educacional, a composição e os recursos familiares, o capital
social, a participação em redes e o capital físico) dos atores sejam eles
indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais,
econômicas, que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse
resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e
mobilidade social dos atores.
O estudo acerca das juventudes, no Brasil, iniciou-se em 2000, quando se verificou a
existência de 47 milhões de jovens, de 15 a 29 anos, correspondendo a 28,3% da população
brasileira e a 58,1% dos desempregados brasileiros. Do total de óbitos causados por
homicídios, 56,6% ocorreram entre a população de 15 a 29 anos; das jovens nessa faixa etária,
14,8% tinham tido filhos e quase a metade das mães moravam na casa dos pais ou parentes,
reafirmam (CAMARANO; MELLO, 2006). Temos mais de 550.000 mil jovens portadores de
HIV/ Aids na América Latina e no Caribe. A imensa maioria, 69%, é composta por rapazes.
A vulnerabilidade dos jovens se manifesta pelas diferenças entre os serviços privados de
saúde e o aparelho público. A gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis
também vulnerabilizam o jovem, comprometendo sua trajetória no Ensino Formal e no
desempenho de atividades produtivas. As mães adolescentes estudam dois anos menos que as
outras jovens da mesma faixa etária (CAMARANO; MELLO, 2006).
A humanidade está submetida à lógica do capitalismo flexível e, desse modo, vive o mal estar
do século. Um mal estar proveniente do desemprego, da precarização e da flexibilização nas
relações de trabalho, quando se vive à incerteza do que poderá vir a ser o futuro. Essa situação
atinge a todos os trabalhadores, em todo o mundo e de forma permanente. “Todas as
categorias de trabalhadores qualificados e não-qualificados, ou seja, obviamente, a totalidade
da força de trabalho da sociedade sofre as conseqüências dessa situação,” conforme afirma
Mészáros (2007, p.143). Trata-se de uma crise estrutural do sistema capitalista. Ainda,
refletindo sobre isso, prossegue o autor, temos uma rede de “inter-relações e indeterminações
pelas quais hoje se torna impossível encontrar remédios e soluções parciais para o problema
do desemprego em áreas restritas, em agudo contraste com a época do pós-guerra”, continua
Mészáros (2007, p.145). Hoje os jovens compõem esse universo, segundo Pais, vivendo
numa condição social em que as setas do tempo linear se cruzam com o
enroscamento do tempo cíclico. Os jovens enfrentam-se com o futuro, até
porque sabem que nesse futuro deixarão de ser jovens. Mas muitos deles não
sabem se esse futuro é próximo ou longínquo, nem tampouco que futuro os
espera. Outros chegados ao futuro, descobrem-se como um tempo de retorno,
de revolvere (como revólver que regressa ao coldre). (...) Os projetos de vida
que os jovens idealizam abrem portas a um vazio temporal de enchimento
adiado. Projetos de vida cujos trajetos nem sempre se alcançam (2003, p.10).
90
Os jovens egressos do Programas de Alfabetização AJA Bahia / Brasil Alfabetizado estão
nesse modo de estar no mundo em situação “permanente de vulnerabilidade nas formas de
viver. Viver significa, para eles, ter o que comer, ter um salário, ter uns trocados. Quando até
essas bases do viver são incertas, a incerteza invade seu viver”, Arroyo (2007, p.4). Todos são
de classes populares e compõem as estatísticas apresentadas. Todos eles repetem histórias
coletivas, “as mesmas de seus pais, avós, de sua raça, gênero, etnia e classe social. Quando se
perde essa identidade coletiva, racial, social, popular dessas trajetórias humanas e escolares,
perde-se a identidade da EJA (...)” (ARROYO, 2005, p. 30). Os jovens que compõem essas
juventudes são jovens — adultos, afirma Arroyo, provenientes de coletivos sociais em que
seu protagonismo não vem apenas das lacunas escolares, das trajetórias
escolares truncadas, mas vem das múltiplas lacunas que a sociedade os
condena. Sua visibilidade vem de sua vulnerabilidade, de sua presença como
sujeitos sociais, culturais, vivenciando tempos de vida sobre os quais incide
de maneira peculiar, o desemprego e a falta de horizontes; como vítimas da
violência e do extermínio a das múltiplas facetas da opressão e exclusão
social (2005, p.24).
Por outro lado, esses jovens são protagonistas no sentido positivo quando a juventude se
revela atuando nos múltiplos espaços da sociedade, nos movimentos sociais e culturais, no
cinema, na mídia, nas artes.
“Como um tempo humano, social, cultural, identitário que se faz presente nos diversos
espaços da sociedade, nos movimentos sociais, na mídia, no cinema, nas artes, na cultura
(ARROYO, 2005, p.21). Ainda falando sobre isso, o autor acrescenta que a juventude é Um
tempo que traz suas marcas de socialização e sociabilidade, de formação e intervenção” (p.
21).
Ao compreender “a convergência num dado momento da existência dos jovens, de diferentes
ordens determinantes — econômicas, sociais, culturais, temporais” e que levam à formação de
“conjunturas biográficas marcadas por certa singularidade que, por sua vez, estão na base de
trajetórias específicas, pessoais e sociais, e de diferentes formas de transição para a vida
adulta” (PAIS, 2003, p.75), é possível pensar sobre quem é o jovem - adulto atendido pelo
Programa de Alfabetização AJA Bahia / Brasil Alfabetizado. Ao saber sobre essas trajetórias
de vida, podemos ver as juventudes como tempo de direitos e, especificamente, do direito a
educação, ao tratarmos da alfabetização de jovens e adultos.
5.2 A adultez — os adultos.
91
Para além do tempo das juventudes, estão no Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado
também os adultos. A compreensão do tempo da adultez nos remete para a etimologia da
palavra adulto. De origem latina adultus, significa aquele que terminou de crescer. O conceito
tradicional de adulto ampara-se na idéia de maturidade alcançada e de realização definitiva.
Tem o sentido de estatuto a atingir, de alcance de estabilidade na vida familiar, financeira e
pessoal. Essa representação do ser adulto é estática, linear e carrega consigo uma carga de
negatividade muito grande, à medida que vem acompanhada de responsabilidades financeiras,
profissionais e familiares e tem como características relevantes: as rotinas, o agir por
obrigação, o fato de não ter prazer, de ter problemas e de ter que adotar posturas e atitudes
sérias e formais.
De outro modo, temos um outro sentido para o ser adulto, o da representação emancipada,
caracterizada pela maturidade, auto-realização e desenvolvimento pessoal. Essa definição
substitui aquela em que se pensa a adultez na perspectiva da passagem para a vida adulta e da
estabilidade. Na representação da adultez como emancipação, temos a idéia de percurso e
aprendizagem, de aquisição de experiências e conhecimentos, da possibilidade de agir de
modo mais ponderado, de poder errar, de dizer não, de desistir. Um tempo em que é possível a
reflexão, a compreensão, a criatividade, além de uma maior capacidade de conciliação,
tolerância e cooperação. Nele, os tempos livres do lazer, do prazer convivem com os tempos
das obrigações. Essa representação, no entanto, não é hegemônica, não inclui os adultos de
classe popular e possui uma dimensão negativa, haja vista o risco, a incerteza e a situação de
desigualdade social vivida pela maior parte da população em diferentes tempos de vida.
A adultez, tida como um tempo de vida de referência para outras fases da vida, é também um
tempo de vida de desestabilização; um lugar caracterizado pela desilusão e pela resignação
com o trabalho, para os que ainda o tem. Um tempo visto pelos jovens com pessimismo; uma
posição que não desejam alcançar. As características desse estatuto conclusão dos estudos,
emprego, manutenção de si mesmo e da família, casamento e filhos não se constitui para
todos.
Nesse contexto, a adultez é um estatuto a atingir, é, segundo Sousa baseando-se Boutinet
“uma idade de inacabamento, autonomia, liberdade, risco e individualização” (2000, p. 59).
Desse modo, ainda a autora, “o adulto inacabado da modernidade avançada coexiste com o
92
adulto padrão da modernidade e estabelece-se um paradoxo particular entre a representação
tradicional e a representação moderna (positivista ou pessimista) do que é ser adulto
(SOUZA, 2000, p. 59). O conceito tradicional de adulto nos remete à idéia de maturidade
alcançada e de realização definitiva. Ao lado dessa representação, ainda Sousa, apoiando-se
em Boutinet ( 2000, p.62), destaca a existência de quatro modelos quando se define o que é
ser adulto: o tradicional - estático, estável, de maturidade adquirida - e os modelos
emergentes de o adulto padrão, adulto em perspectiva e adulto com problema.
Em síntese, segundo Sousa (2000, p. 63) baseando-se em Costa e Silva (2003), duas
lógicas sobre os sentidos atribuídos a ser adulto, uma em que o adulto “é um sujeito
equilibrado, estável, mesmo rotineiro e instalado”, e outra em que se pensa o adulto como
alguém que se desenvolve em uma perspectiva de “experimentação, de progressão, de
formulação de desejos e concretização de projetos”. Essa última dimensão caracteriza o adulto
problema, aquele “que tem de lidar com o imprevisto, o risco, a exclusão e a inexistência de
quadros de referência.” (Ibidem)
Desta forma, Souza compreende que o adulto, em uma representação hegemônica, é visto
como “estático e sujeito a percursos lineares característicos de um modelo tradicional de
transição para a vida adulta” (2000, p.48). Na representação emancipada, ele “evolui de
acordo com percursos complexos de avanços e recuos (Ibidem), enquadrando-se em um
modelo “pós-moderno de transição para a vida adulta que pode ser vivido e representado
segundo um modelo positivo de oportunidades, de possibilidades de escolhas e experiências
ou um modelo negativo de instabilidade, incerteza e marginalização” (Ibidem).
Assim, podemos afirmar, segundo Sousa (2000, p. 49) baseado em Galland (1984), que o
processo de transição da juventude para a vida adulta se situa em torno de dois eixos: o
público – escolar / profissional; e o privado – família/matrimonial, em movimentos de saída e
de entrada. Os de saída da escola e da dependência em relação a sua família e os de inserção
no mercado de trabalho e constituição da própria família.
Os adultos que estão na Educação de Jovens e Adultos, e por extensão, nas classes do
Programa de AJA Bahia / Brasil Alfabetizado, vivenciam a transição para a vida adulta em
meio às lógicas dos modelos tradicional e emergente, em uma sociedade caracterizada pelo
93
capitalismo flexível, em uma época resultante de acontecimentos terríveis vividos no século
XX, como nos diz Bobbio
duas guerras mundiais, a revolução russa, comunismo, fascismo, nazismo, o
surgimento pela primeira vez na história dos regimes totalitários, Auschwitz
e Hiroxima, décadas de predomínio do terror, e então, depois da queda do
império soviético e o fim da guerra fria, uma ininterrupta explosão, em
diversos lugares do mundo, de guerras nacionais, étnicas, tribais,
territorialmente limitadas, mas não menos atrozes (1997, p.51).
O adulto ou o jovem-adulto da EJA, como afirma Arroyo (2007) provém de classes populares
sendo submetidas cotidianamente à desigualdade social, à pobreza no sentido de não ter
esperanças de ter a vida que desejariam ter. Quando focamos os processos de saída da escola e
da dependência em relação à família de origem; quando tratamos dos de saída, a inserção no
mercado de trabalho e a constituição da própria família, esses parâmetros não obedecem ao
modelo linear de passagem dos tempos das juventudes pra a adultez, qual seja os de concluir
os estudos, trabalhar, se manter, constituir domicílio e a sua própria família.
Nos dias atuais, vivemos em uma sociedade, como disse, regida pelo capitalismo flexível,
caracterizada pela incerteza, pela perda dos padrões existentes sem que se tenham outros para
pôr no lugar. No passado, as relações eram de longo prazo, havia uma previsão de como
poderia ser a vida, a aposentadoria, por exemplo, era o horizonte. Hoje vale o curto prazo e,
de uma hora para outra, se passa da condição de empregado para desempregado,
subempregado, sem emprego. Nessa situação, o ser humano, em todos os tempos de vida,
vive sua existência em um cenário de desemprego, de flexibilização e precarização das
relações de trabalho quando, cotidianamente, tem que se adaptar às mudanças para poder
sobreviver. As trajetórias são complexas, múltiplas e não estandartizadas e tendo-se outros
sentidos para o ser adulto. O movimento é o de buscar sobreviver mesmo que sem estudo, em
situação de subemprego, de desemprego, de emprego precário. As mulheres e os homens,
adultos da EJA, vivem, pelo Brasil afora, em tempos e em lugares distintos, se constituindo
como sujeitos de direito, ainda que, na maior parte de suas vidas, vivam como sujeitos da
falta.
5.3 O envelhecimento — as velhices / os idosos.
Os homens e as mulheres de nosso tempo vivem mais do que antes, no entanto, estão todos
submetidos a ritmos biológicos e tecnológicos que os coloca diante de problemas para os
quais não se tem ainda nenhuma solução. Nessa direção, o refletir sobre o significado da
94
velhice, no mundo de hoje, Norberto Bobbio, jurista e filósofo italiano, nascido em 1909, aos
80 anos, em seu livro O tempo da memória: de senectute e outros escritos autobiográficos,
nos diz: “cheguei ao fim não apenas horrorizado, mas incapaz de dar uma resposta sensata a
todas as perguntas que os acontecimentos de que fui testemunha continuamente me propõem
(1997, p.52). A velhice, diz o autor, é o tempo da memória, das considerações sobre o passado
e o presente, “filtradas pela ótica de quem muito viveu e que percebe na falência do corpo e
nos lapsos da mente o preço cobrado pelo tempo vivido” (Ibidem).
A propósito, Silva se reporta a Nunes que ao falar sobre a obra de Ecléa Bosi “Memória e
sociedade, lembrança de velhos”, (1987) destaca a situação a que hoje estão relegados os
velhos
A sociedade industrial em que vivemos rompeu esse liame [de elo entre
gerações], desvalorizou o saber de experiência, corroeu a memória coletiva,
desvalorizou a lembrança; portanto, desapossou a velhice de seu dom à
sociedade e à cultura. Da natural condição de sobrevivente de uma geração
que ele é, (...) o homem idoso, porque improdutivo (...) passa, acobertado
pela etiqueta clínica da “terceira idade”, ao anonimato dos excluídos sem
voz (NUNES, In SILVA, 2003, p. 4).
O cenário descrito por Bobbio é comum a todas as velhices. No entanto, não uma única
forma de ser velho e de se viver esse tempo de vida. Para que possamos compreender o velho,
precisamos admitir que haja velhices e não, velhice, assim, como há várias formas de
juventude e de adultez. Precisamos possibilitar aos homens e as mulheres que estão vivendo
esse tempo de vida que cada um deles se reconheça “em sua bagagem de experiências
vivenciadas individuais ou coletivas em sua história de vida, em suas marcas do corpo”
(1997, p.7) e que essa situação “torna-se muito maior que meramente a demarcação de
temporalidades” (Ibidem).
Na ótica da antropologia, se tornar velho, diz Bruno, “representa um tempo e um espaço do
ser humano, de qualquer ser vivo, cravados numa vida e numa memória; o tempo e o espaço
de um indivíduo vivendo numa sociedade e participando de uma cultura(2003, p. 20). Do
ponto de vista biológico, a velhice pode ser definida como resultado da deterioração de danos
moleculares; do ponto de vista da psicologia, tem a ver as etapas de vida do ser humano
crescimento, estabilidade e declínio, esta última correspondendo ao envelhecimento. É fruto
do movimento constante de adaptação entre o organismo e o meio. Para as teorias
sociológicas
a partir de um critério temporal, ou de gerações: na primeira geração
(teorias elaboradas ente 1949 e 1969), o envelhecimento é considerado
95
como fenômeno não-dependente do contexto e dos fatores sociais; as teorias
da segunda geração (elaboradas entre 1970 e 1985) enfatizam a velhice
como categoria social, ou seja, como resultado da organização da
sociedade; as da terceira geração, mais recentes, concebem uma influência
mútua e ativa entre os idosos (atores sociais) e a estrutura social quanto às
formas de atribuir significados ao processo de envelhecer (BOBBIO, 1997,
p. 8).
A Organização Mundial da Saúde (OMS), ao tratar da velhice, utiliza a denominação de idoso
para todo o indivíduo com 65 anos ou mais, considerando os fatores sociais, psicológicos,
culturais e biológicos. No Brasil, legalmente, idoso é todo ser humano a partir de 60 anos de
idade. Nos dias atuais, a população brasileira, com idade igual ou superior a 60 anos, é da
ordem de 15 milhões de habitantes. Em 2020, corresponderá a 30 milhões de pessoas e o
Brasil será o sexto país do mundo em relação ao número de idosos (TERRA; BOSCHIN,
2004, P.285). Esse cenário desloca as preocupações para os aspectos sociais e políticos do
envelhecimento. O envelhecimento, nesse século, torna-se uma questão central para as
políticas públicas à medida que se transforma em uma questão social. Em síntese, o que
constatamos é que a velhice é um conceito em constante transformação. As mudanças que
acometem o ser humano nesse tempo de vida estão relacionadas com questões presentes na
realidade socioeconômica em que se vive, não estando circunscrita às transformações físicas
do ato de envelhecer, e será sempre objeto de preocupação na história da humanidade. Dessa
forma, podemos afirmar, concordando com FONTE, que:
a) a velhice é construída através da elaboração de um discurso que tende a
modificar-se de acordo com as necessidades econômicas e políticas do
contexto histórico social;
b) este discurso condiciona, orienta e define o comportamento das pessoas
idosas e das oportunidades a elas oferecidas (ou permitidas) de participação
nas diversas estruturas sociais. Estes discursos se caracterizam por associar
o processo biológico a uma imagem –positiva ou negativa da velhice,
atribuindo-lhe um status correspondente;
c) os discursos sobre a velhice freqüentemente correspondem a uma
explicação que legitima sua inserção ou exclusão dentro de um determinado
contexto histórico e social (2002, p.7).
A velhice e a morte, afirma Morin, estão presentes na herança genética da humanidade e são
"coisas normais e naturais, porque uma e outra são universais e não sofrem qualquer exceção
entre os ‘mortais’" (1997, p. 320). É, assim, uma preocupação de todos os humanos. É o
período da vida em que a morte deixa de ser uma possibilidade remota para se transformar em
uma realidade mais imediata. A velhice é a última etapa do envelhecimento do ser humano; é
um processo que caracteriza a condição do indivíduo idoso. As modificações fisiológicas
cabelos brancos, calvície, rugas, diminuição dos reflexos, enrijecimento estão relacionadas
às modificações das funções orgânicas; as bioquímicas têm a ver com as reações químicas que
ocorrem no organismo. Do ponto de vista psicológico, ao envelhecer, o ser humano tem que
96
se adaptar a cada situação diferente em seu dia-a-dia. As transformações sociais acontecem
quando as relações sociais se transformam em decorrência da queda da produtividade e,
fundamentalmente, do poder físico e econômico, sendo essa modificação aquela que aparece
de modo mais presente em nossa sociedade. Para Morin, a origem do processo de
envelhecimento “manifesta-se em três planos: no social; na percepção de que a velhice sadia é
patológica enquanto velhice em si; na própria morte que é patológica e é aproximada pela
velhice” (1997, p. 320). Para Fernandez (1997), ao pensar acerca das velhices, que se
pensar nos direitos do cidadão e da cidadã idosa, considerando-se
o tratamento eqüitativo, através do reconhecimento de direitos pela
contribuição social, econômica e cultural, em sua sociedade, ao longo da
sua vida; direito à igualdade, por meio de processos que combatam todas as
formas de discriminação; direito à autonomia, estimulando a participação
social e familiar, o máximo possível; direito à dignidade, respeitando sua
imagem, assegurando-lhe consideração nos múltiplos aspectos que
garantam satisfação de viver a velhice (Apud Santos, 2003, p. 7-8).
Uma sociedade para todos os tempos de vida tem que considerar que a
velhice é comum aos seres humanos, no entanto, seu caráter é de
pluralidade e de heterogeneidade (Apud Santos, 2003, p. 10 ).
Os idosos e as idosas que estão nas classes de Educação de Jovens e Adultos estão inseridos
no contexto do processo de envelhecer vivido pela humanidade. No entanto, todos pertencem
à classe popular e estão submetidos a um processo de desigualdade social em que suas
necessidades não são atendidas. Estão em desvantagem social em relação a outros homens e
mulheres que envelhecem, mas que têm acesso às condições necessárias a uma vida digna.
A condição de vida dos idosos, dos jovens e dos adultos da EJA é, certamente, do não acesso
e da não expansão das liberdades instrumentais, isto é, das oportunidades sociais, tais como a
educação e a saúde. Nesse contexto, cada um deles, o jovem, o adulto e o idoso velho,
vivencia o fato de não poder escolher a vida que desejaria ter (SEN, 2007).
97
6. COM A PALAVRA OS JOVENS E ADULTOS
“A realidade dos fenômenos ideológicos é a
realidade objetiva dos signos sociais”. “A
palavra é o fenômeno ideológico por
excelência”. (Bakhtin 1997)
A escrita do analista do discurso é um processo de compreender e interpretar os resultados da
análise dos dizeres dos sujeitos da pesquisa. Compreender significa procurar por outros
sentidos existentes no dizer do sujeito. Assim, afirma (ORLANDI, 2006 p.2) “quem analisa
não pode se contentar nem com a inteligibilidade nem com a interpretação.” Sob essa
perspectiva teórica, “na análise de discurso o que procuramos entender é a linguagem
enquanto prática social simbólica” (ORLANDI, 2006 p.4).
Desse modo, para além de tudo que já se disse sobre o objeto de estudo, qual o não-dito? Que
novos sentidos foram produzidos? A Análise dos Discursos dos sujeitos desta pesquisa,
jovens e adultos alfabetizados, egressos do Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado
transcende, portanto, o conhecimento da estrutura lingüística, ou mesmo a abrangência de seu
campo de significados. A partir dos recortes de seus discursos, busquei saber sobre as
condições de produção - o que é do sujeito, o que é do contexto e o que resulta dessa inter-
relação - ao tempo em que procurei interpretar os sentidos produzidos por eles a respeito do
alfabetismo. Nessa perspectiva, na análise dos depoimentos dos seis sujeitos da pesquisa,
busquei também as regularidades e as contradições nas formulações discursivas apresentadas,
trabalhando em torno de dois eixos: aquele relativo à vida do sujeito na posição-alfabetizado
e aquele na posição de não-alfabetizado. É o resultado desta análise que apresentarei a
seguir, com todas as limitações da impossibilidade de compreensão de todos os sentidos
possíveis para aqueles dizeres.
6.1. Os sentidos produzidos pelos sujeitos na posição de analfabeto e na posição de
alfabetizado.
Como falam de si os sujeitos desta pesquisa, porque dizem dessa forma e não de outra? Que
relação tem os seus dizeres com outros dizeres que compõem a discursividade acerca da
Educação de Jovens e Adultos no âmbito da alfabetização? Para trazer esses outros sentidos,
98
procurei compreender os dizeres postos por cada um deles sobre em que medida a
alfabetização influi na melhoria da qualidade de suas vidas. Assim, para compreender o que é
do sujeito observei que, quando indagados sobre a participação em outros programas de
alfabetização e sobre a aprendizagem, eles dizem de si como sujeitos da falta, como
pertencentes a um mesmo coletivo oriundos da zona rural; trabalhadores, pertencentes à
classe popular, em situação de desigualdade social; pobres, não apenas por não terem as
condições materiais necessárias à sobrevivência, mas porque não tinham acesso às liberdades
subjetivas educação, saúde, trabalho, lazer -- o que lhes permitiria terem uma vida melhor
do que aquelas que tinham. Esses sentidos aparecem nos fragmentos
Aí mamãe dizia, ‘olhe meus filhos hoje nós vai lá pra casa da serra, perto da
instância da serra, trabalhar. Vocês podem ir pra escola, mas 10:00 tem que
aqui pra trabalhar’. pronto, a gente ia pra escola em vez de estudar
perguntar pro professor, que horas é esta por que nós tem que ir pra roça pra
trabalhar, aí não entrava nada em nossa mente, por que tinha que ir pra roça
pra trabalhar. Pra sustentar os irmãos. pronto, nós chegava na escola a
preocupação era a roça, não se preocupava com a escola, nós tinha medo de
chegar atrasado e mãe bater na gente, por que naquele tempo era muito
rigoroso e naquele horário tinha que tá pra ir pra roça. pronto, a gente
não se preocupava com a gente, se preocupava com a roça, naquele horário
que tinha que ta . (...) Eu tive 11 filhos, quer dizer, vivos tem 6, uma
morreu depois de nascida e os outros nasciam cedo. Foi muita agonia pra
crias estes filhos. Tinha vez que ficavam 4 na cama de uma vez doente,
não sabia se fazia as coisas ou cuidava dos filhos, eles choravam, era uma
luta, uma agonia, sofri muito pra criar meus filhos (Marta).
Não, eu estudei assim na roça, quer dizer, a gente morava na roça, mas foi
um estudo que não foi à frente, porque o pai da gente botava a gente prá
estudar - vá estudar -, mas se a escola pedia um lápis uma borracha, - ah!
pedindo coisa demais. Então, daí ele tirava a gente. a gente era
criada sempre trabalhando na roça, ai num tive oportunidade de estudar
(Maria).
Os sujeitos falam que não tiveram oportunidade de estudar, pois precisavam trabalhar para
ajudar os pais no sustento da família. Hoje, na condição de e ou de pai, dizem querer que
seus filhos possam freqüentar à escola. O direito à educação, embora instituído para todos os
indivíduos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não se constituía em uma
realidade para eles, visto que suas trajetórias de vida não podiam ser conciliadas com a
trajetória da escola. Não aprenderam a ler e a escrever a palavra por que as condições
objetivas não lhes permitiam. No entanto, como sujeitos de direito, buscam garantir, pelo
esforço próprio, aos filhos e a si mesmos o acesso à educação, como nos parecem dizer Isabel
e Marta.
Eu vim pra cidade trabalhar na casa de família, fazer qualquer coisa, mas
que eu queria estudar. O que foi que aconteceu? (...) Que o futuro tem que
99
ser com estudo, nada vem sem estudo não. Eu me criei tirando sisal no
tarraxo, fazendo farinha. Hoje em dia não existe mais isto. Se você vai
trabalhar em um lugar deste, é tudo mecanizado, você sem saber ler, vai pra
onde? Sabendo ler, você pega o manual e pronto, vai embora. Me deixa
com a maquina ( risos) depois do AJA Bahia, a gente aprende as coisas
assim, lendo ( Isabel).
Mudou, assim, por que hoje Vanderlea já esta na faculdade, já tem estas daí
e outros que não são aquilo que eu fui, isto pra mim é uma alegria né? É
uma alegria que eu tenho na minha vida, por que meus filhos não são
pessoas analfabetas, não são formados, mas também não é umas pessoas
analfabetas. Pra mim, foi uma grande coisa na minha vida. Eu ainda corri
atrás, vendia docinho na frente das escolas, saia pela rua vendo a hora de ser
morta vendendo roupinha, saia na rua, o povo reclamava comigo, olhe você
vai ser morta, vão tomar as roupa de sua mão, eu dizia que não vai tomar
nada de minha mão, e também não vai acontecer nada comigo, porque Deus
vendo que fazendo isto por que preciso botar meus filhos pra estudar.
corri muito atrás, em porta de escola, andando na rua, comprar farda,
borracha, comprar livro. Comprar as coisas pra dar a eles.e sempre dizia, eu
dou as coisas pra vocês, e nunca, nunca, vou deixar coisa diferente na
minha casa. ( Marta).
Na posição de sujeito de direito e não apenas da falta, à medida que consegue resolver
problemas que implicam em sobrevivência, Pedro fala de seu protagonismo positivo, de seu
sucesso “(...) no trabalho mudou lá, porque o seguinte, eu entrei de baixa_ fui sair ___ e entrei no
curso soldador _fui passei fiz a comunicação, apresentação de arte e também foi, mídia, também
passei. fui mimbora caçando pau em tudo”. Ainda dizendo de si mesmos, os sujeitos estão a
dizer de que ao nascer, o ser humano, está fadado a conhecer. Aprende-se, ao longo da vida,
aprende-se por toda a vida. Assim, não uma idade própria para aprender como está posto,
ainda hoje, nos documentos que instituem a Educação de Jovens e Adultos no Brasil. O
discurso de que a EJA deve ser garantida a todos aqueles que não freqüentaram a escola na
idade própria, ainda é um fato. Isabel e Madalena demonstram que os tempos da juventude, da
adultez e do envelhecimento são tempos de aprender.
Aprender por toda vida - Não pensava. E também teve outra coisa, assim,
também assim, que chamou muito a atenção, que eu me interessei também,
a estudar também, foi, é na televisão, uma entrevista que eu assisti de Zélia
Gattai, que ela falava assim: que ela nunca tinha na vida dela, é sentido
assim, o desejo de publicar um livro e, de repente, aos 60 anos dela, que
ela veio publicar um livro ali, escrever, então tudo aquilo, então isso me
despertou muito, eu disse: ela nessa idade, ela vai fazer um livro. E eu?
(...) - Foi. Ela me ajudou, ela me ajudou porque quando eu vi ela dando
entrevista ali, falando de um livro. Meu Deus! Ela com 60 anos, eu digo, eu
me achando velha. Eu disse: eu sou jovem, eu tenho muita vida pela frente
(Isabel).
Aí a gente acha que sabe tudo, mas não é, a gente tira pelo português, porque
o português a gente acha que aprendeu tudo, não aprendeu.
Aí, Minha mãe não sabia ler. Aí, minha mãe, sempre... é, freqüentou a Igreja
Católica e ela ficava assim com inveja quando ela via o pessoal ali na frente
100
com a bíblia. E ela não sabia. minha mãe depois de e bisavó, minha
mãe disse: - eu vou estudar e vou aprender. Meu pai fez: - papagaio veio
não aprende a falar mais. Minha mãe foi. Não é que minha mãe foi pra
quinta série, depois de bisavó! Estudando. eu falei: - minha mãe
estudando! - Vai, eu não vou não, com vergonha, não vou não,
minha mãe: - vai. Todo mundo ta indo eu vou, eu não quis ir depois
( Madalena).
A Educação de Jovens e Adultos, historicamente, tem tido o caráter de suplência o que se
verifica pela realização das campanhas de alfabetização em todo o país como a solução para o
problema do analfabetismo. Os jovens, os adultos e os idosos tidos como analfabetos são
apresentados à sociedade de forma preconceituosa à medida que não aprenderam a ler e a
escrever quando crianças, quando tinham a “idade própria” para isso. Os sentidos que
circulam também dizem de sua defasagem e da dificuldade para aprender na idade adulta e na
velhice. Nessa direção, afirmam Madalena e Marta.
Depois que cresci e que vim morar na cidade, a partir dos 15 anos, eu
pensava assim em estudar, mas eu sempre tinha vergonha, eu ficava com
vergonha de estudar, eu ficava imaginando assim: Ah! Eu ia pra sala de aula
e não sei nada! Ah! Eu já grande. Eu imaginava que só ia ter eu de adulto.
Aí, eu vim aqui pra Salvador, vim morar aqui. Chegou! Chegando aqui, o
pessoal : ‘Ah! Porque você não vai estudar?” . Eu tava com 23 anos. Aí,
eu fiquei com aquilo de novo na mente, eu não, eu não vou, todo mundo
dizia, de noite - é mobral, é mobral, - estudar todo mundo ficava criticando,
esse Mobral!, tudo é mobral. Eu tinha vergonha ficava com vergonha.
Eu acho que fizeram né, mas eu achando que eu muito assim, mas eu
não sei se eu tenho capacidade assim, de passar pra série, eu acho que
devia na 2ª série, eles me botaram na série, mas eu acho que não tenho
condições de aprender a ler e escrever tudo direitinho. Eu acho que não
tenho esta capacidade não.
Ainda que tenham clareza da necessidade de se apropriar da leitura e da escrita, quando se
vive em uma sociedade grafocêntrica, os sujeitos da pesquisa enfrentam o preconceito
daqueles que vêm o analfabeto como um sujeito incapaz de aprender, como um sujeito da
heteronomia e não da autonomia. A heteronomia pressupõe dependência do outro; o
cumprimento das regras está relacionado ao que um outro determina, pois a obediência ocorre
por medo ou por afeição. Como exemplo disso, um dos sujeitos da pesquisa nos diz “a pessoa
que não sabe ler nem escrever, sabe as coisas que os outros ensinar, vai imitar o que os
outros fala Sabendo ler a gente futuca coisa, a gente uma novidade ali, você vai, e sem
saber ler não, vai ser sempre uma parede em sua frente” (Isabel). O acesso à leitura e à escrita
parece significar a possibilidade de alcançar um maior grau de autonomia.
O preconceito contra o analfabeto é uma realidade ainda não superada. Muitos ainda dizem
que ser analfabeto é ser inferior. O analfabetismo é visto como uma doença a ser extirpada,
101
como uma erva daninha a ser erradicada. Os discursos postos nos programas de alfabetização,
nos planos de educação, trazem como metas a erradicação, o combate ao analfabetismo.
Ainda se fala que a alfabetização é porta de entrada para a cidadania, ainda se diz que é
preciso estar alfabetizado para ser cidadão. Convivendo com esses sentidos, falamos da EJA
como um direto e um dever do Estado e do analfabeto como um sujeito que tem direito a ter
direito, como nos diz Hannah Arendt. A condição de cidadão de um ser humano independe de
se estar ou não alfabetizado. A cidadania está relacionada a um status ao qual o indivíduo
pertence e que dele advêm direitos e deveres. A educação é um direito. No entanto, se o
indivíduo é privado desse direito, isso não lhe “rouba” a condição de cidadão.
Falando do preconceito vivido pela condição de analfabeto, nos diz Maria “eu fui ter um filho,
me perguntaram meu aniversário, eu não soube dizer. a enfermeira ficou escaldando, -
ai ó, analfabeta, não sabe ler. Eu me senti um nada, então eu disse: - tem que aprender
alguma coisa. Analfabeto não sabe nem o nome”. Outro sujeito conta “eu não tinha como
escrever, ficava pedindo às pessoas pra escrever pra mim, e eu chorava como que, porque
me considerava uma cega que tinha as duas vistas que não enxergava, foi muita tristeza na
minha vida mais delas duas”. Ainda em se tratando desses sentidos, Maria diz do preconceito
que sofria
É assim, eu fosse poder pegar um livro, a bem pegue isso aqui. Junte isso
aqui, vai ler. Eu tinha vergonha de chegar junto da professora e ela
perguntar, assim uma letra, eu tinha vergonha de falar. Porque pra mim os
meus colegas tudo ia criticar. Porque, de repente, eu não ia saber responder.
Como uma vez, mermo, a professora ficou perguntando assim o H, que letra
é essa? Vinha pra mim falar, mas cadê sair. Eu ficava com vergonha de falar.
E, como é que diz? Tinha muita coisa de posto, eu tinha dificuldade coisa
assim, eu tinha dificuldade (...) Posto de saúde, toda vez era para assinar uma
coisa eu não sabia. Se era para preencher uma coisa, eu não sabia.
Através da fala de Maria, percebemos a necessidade do falante de sentir-se prestigiado e seu
discurso evidencia a diminuição de si e de sua imagem. Na concretude dialógica, diante de um
interlocutor do mundo letrado, atualiza-se sua história e, nesta, a certeza de inacessibilidade a
um mundo que lhes parece superior. Nesse contexto, ser alfabetizado coaduna ao mecanismo
social de defesa que lhes permite resgatar a positividade de aceitação do outro, mesmo que de
forma imaginária. O discurso apresenta um processo identitário caracterizado pelo conflito
entre uma imagem positiva ser alfabetizado e uma imagem negativa ser analfabeto,
desta forma, “Os padrões que ele incorporou da sociedade maior tornam-no intimamente
suscetível ao que os outros vêem como seu defeito,” (GOFFMAN, 1988 p.17). Não podemos
deixar de chamar atenção sobre a incapacidade que os mediadores (profissionais, técnicos,
102
políticos) possuem de relacionarem-se com as dificuldades das chamadas classes subalternas.
De compreenderem que pessoas moradoras de periferia sejam capazes de organizar e
sistematizar pensamento sobre a sociedade. Para estes sujeitos, ‘os alfabetizados.’ “A
incapacidade de escrever o próprio nome é símbolo do mais completo grau de analfabetismo,
com forte conotação negativa” (OLIVEIRA, 1987, p. 22).
Nos limites que distinguem o sujeito alfabetizado do analfabeto, torna-se mais evidente a
estigmatização, enquanto carga depreciativa, que posiciona o outro na condição inferior. Isto
decorre da ambivalência de identidade, constituída nas diversas relações sociais, em que se
mostra necessário a apreensão do conhecimento da escrita, que constitui o analfabeto como
sujeito desta vivência “levando-o inevitavelmente, mesmo que em alguns poucos momentos, a
concordar que, na verdade, ele ficou abaixo do que realmente deveria ser” (GOFFMAN,
1988, p. 17). Fica evidenciado na fala desse sujeito, frente a esta vulnerabilidade, que é
necessário “tentar corrigir diretamente o que considera a base objetiva de seu defeito, tal
como quando uma pessoa fisicamente deformada se submete a uma cirurgia plástica, uma
pessoa cega a um tratamento ocular, um analfabeto corrige sua educação” (GOFFMAN, 1988,
p. 18-19). Neste contexto, a identidade do sujeito, “Porque assume sua posição de autor”
(ORLANDI, 2004 p.68), está vinculada à desconstrução da imagem estigmatizada, que
possibilita representar a presença da escola, que lhe foi socialmente negada, firmando-se
diante do sujeito, integrado socialmente, na condição de alfabetizado.
O conceito de analfabeto vem sofrendo transformações à medida que outros dizeres se
constituem. Desse modo, fala-se do analfabetismo absoluto, do analfabetismo funcional, de
alfabetismo e de letramento. Para resolver problemas em todos os campos de seu viver, os
jovens, os adultos e os idosos usam de estratégias relativas à leitura e à escrita, mesmo sem
construir a hipótese alfabética. Assim, podemos afirmar que, em uma sociedade como a nossa,
não nenhum ser humano que possa ser considerado como analfabeto absoluto. No entanto,
muitas pessoas na condição de analfabetos funcionais, haja vista que grande parte da
população brasileira de 15 anos ou mais não tem quatro anos de escolaridade e não atende às
exigências para cada nível de analfabetismo, conforme o previsto pelo Índice de
Analfabetismo Funcional. Os jovens, os adultos e os idosos atendidos pelos Programas de
Alfabetização de Adultos não conseguem atingir um nível de autonomia em relação à leitura e
à escrita, que lhes permita avançar sem a mediação de um outro. No tempo em que são
realizados os referidos Programas, o educando consegue alcançar um nível de aprendizado da
103
leitura e da escrita que lhe permita continuar a aprender ao longo da vida. A esse respeito nos
dizem Marta e Madalena
Aí eu aprendi a tomar o nome, mas depois esqueci de novo né? Fui
esquecendo letras, eu fiquei sempre trabalhando na roça. Tinha que cuidar
de meus irmãos, cuidar da casa. era muito corrido, fazer farinha pra nós
viver da farinha, pronto não tinha tempo de estudar, pronto fui
esquecendo algumas letras do meu nome, (...) Porque eu aprendi
né?...Aprendi a conhecer as mais as letras, aprendi a ler mais as letra né?...
Aprendi.
Ah! Porque aprendi muitas coisas, muitas coisas mesmo, as letras eu
estava desconhecendo, que eu não conhecia mais né? aí passei a reconhecer,
vendo no livro projeto tudo que tem, lendo, aí aprendi muitas coisa mesmo.
Fui bem, bem mesmo, gostei demais, aprendi muitas coisas que eu não, não
estava em minha cabeça e eu aprendi mais ainda com ele.
Os sentidos que circulam no social e que traduzem o preconceito contra o analfabeto se
manifestam em situações as mais diversas e acabam por ser algo que o próprio analfabeto
internaliza. Em relação à Língua Materna, por exemplo, sabemos que na linguagem oral não
há uma forma certa ou errada de se falar, mas variantes lingüísticas que mudam a depender da
região, da faixa etária, da profissão, enfim, do grupo social no qual se está inserido. Trata-se,
então, da necessidade de adequar a fala à situação a qual se está submetido, em um
determinado momento. No entanto, para uma comunidade de falantes, dizemos que uma
forma certa de falar que é a variante de maior prestígio e as demais são erradas. O sujeito
analfabeto, proveniente de uma comunidade em que não se usa a variante de maior prestígio,
é marginalizado e, desse modo, esses falantes internalizam que seu modo de falar é de fato
incorreto e, portanto, precisam aprender a falar certo, o que aparece nesse dizer
Mudou. Muda porque, muitas vezes, a gente não sabe ler, então a gente fica
falando as coisas erradas, termina ensinando as palavras erradas aos filhos.
Ah! Também sabe tudo errado. Também, quando a gente passa a ler, não,
a gente termina corrigindo a gente, ali, já vão corrigindo a gente e, já passa
a palavra certa para as crianças né?
Porque antes, sem saber ler, passa as palavras todas erradas dentro de casa
pra filho e pro marido, pra todo mundo (Madalena).
As falas dos sujeitos provenientes das camadas populares são estigmatizadas, consideradas
como “erradas” ou até mesmo ignoradas. A escola, enquanto instituição alfabetizadora
comprometida com os valores da classe dominante, impõe padrões culturais, legitimados
como “certos”. Segundo Bagno, ocorre que muitas vezes a “norma lingüística ensinada em
sala de aula é, (...) uma verdadeira ‘língua estrangeira’” (2002, p. 19) como no caso dos
alunos que freqüentam os programas da EJA, “provenientes de ambiente sociais onde a norma
lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não-padrão”(Ibidem).
Ainda Bagno nos diz que o preconceito lingüístico está presente no dia-a-dia da vida dos
104
brasileiros “alimentado diariamente em programas de televisão e de rádio, em colunas de
jornais e manuais que pretendem ensinar o que é ‘certo’ e o que é ‘errado’” (Ibidem, p. 13).
O sentido de estar alfabetizado pode determinar outras formas de estar no mundo, dentre elas,
o fato de que, quando se sabe ler e escrever, aprende-se a falar “certo” e desse modo, se passa
a ocupar um lugar de maior prestígio na comunidade em que se vive. No processo de
enunciação, está o sujeito alfabetizado, com suas emoções desejos, afetos, defesas, saberes e
fazeres, lembranças e procuras, construindo um jogo de palavras e elaborando o discurso que
o identifica, contudo não o desvincula da ideologia que permeia as transformações sucessivas
desse sujeito. Nesse sentido, se manifesta Madalena “Pra mim é maravilhoso, porque, de
repente, a vergonha que eu tinha, eu deixei de lado. E muita coisa que eu não sabia, eu
aprendi, eu aprendi lá”.
Pensar alfabetização sob a ótica da Análise do Discurso possibilita compreender em que lugar
os sujeitos e os sentidos se legitimam no discurso, uma vez que, ao se colocar em posição
como sujeito da escrita, ele se representa como eu no discurso. Ao falarem sobre o que é ser
alfabetizado e o significado da alfabetização, os entrevistados expressaram
Quando você aprende e passa, isto? Eu não sabia fazer nada embolava A
com O.
Ser alfabetizado é saber ler, escrever e conhecer as coisas (Isabel).
Eu acho é porque... como é que diz? Agora sei, né? sei ler um pouco,
escrever um pouco (Madalena).
A construção da paráfrase, - ser alfabetizado é saber ler - “representa assim o retorno aos
mesmos espaços do dizer. (...) A paráfrase está do lado da estabilização” (ORLANDI, 2003 p.
36), legitimando o conceito de alfabetização instituído historicamente e colocando-o enquanto
prática social.
Os discursos dos egressos se produzem diante das perspectivas criadas pelo sujeito do
discurso vendo “como única via de ascensão social e de aquisição de direitos”
(ALVARENGA, 2005 p. 5), ser alfabetizado. O discurso se constrói a partir das significações
oriundas do contexto, das relações sociais e da constituição histórica e, dessa forma, torna-se
legítimo. No entanto, o sujeito, ao produzir o discurso, assume a representatividade na escrita,
“através de minha capacidade e a professora que tinha boas condições e boa qualidade de
ensino, a pró Nildes, neh ?- o eu, o sujeito discursivo “com todas a condições de produção
ali determinadas, procuram materializar a Autoria” (MELO, 2005, p. 3), - adicionando o
polissêmico - e conhecer as coisas - , preenchendo o discurso com o material significante. Na
105
legitimidade do discurso, permeiam dizeres que se movimentam entre a permanência e a
multiplicidade de sentidos. Eu gostei muito, tinha muito livro para ler, tinhas umas coisinhas”,
pronuncia Maria. Um outro sujeito diz: Eu fiz relatório, conheci novos amigos, aprendi muitas
histórias que eu não sabia, aprendi, também, muitas que eu não sabia” (Isabel).
Ao falar sobre a satisfação de ser e estar alfabetizado, articula-se, na linguagem do sujeito, o
que pode e o que deve ser dito diante de uma postura em que se observa “a relação necessária
do dizer com a ideologia” (ORLANDI, 2003, p. 37), ao mesmo tempo em que a tensão
constante entre o mesmo e o diferente constitui as várias instâncias da linguagem. Notamos
que, nas falas de diferentes egressos, é presente o aprendi”, situando-o como condição
necessária para sentir-se alfabetizado. Os argumentos discursivos soam como meras
repetições, no entanto, no interior da análise do discurso, vislumbramos a realização de um
desejo (o aprender a ler e escrever), confirmando no hoje, no aqui, no agora, a desconstrução
de um passado e a configuração do presente.
Charlot (2000) afirma que qualquer relação com o saber comporta também uma dimensão de
identidade. Nas palavras do autor, “aprender faz sentido por referência à história do sujeito, às
suas expectativas, às suas referências, às suas concepções de vida, às suas relações com os
outros, à imagem que tem de si e à que quer dar de si aos outros” (2000, p. 72). Ser
alfabetizado muda, projeta-o para uma idéia de mundo melhor, de conhecimento de mundo.
Ao serem questionados sobre as mudanças em suas vidas, dizem
Mudou em muitas coisa, em muitas coisa pra mim, que meu sonho é
aprender né? (Marta).
Mudou, mudou 100%, em tudo, em tudo mesmo (Pedro).
Muda não, mudou, há muito tempo, se eu tivesse continuado desde que eu
comecei, já era uma universitária (Isabel).
É maravilhoso você saber ler e escrever (Maria).
Considerando este contexto e, sob o olhar da teoria discursiva apresentada, esses o
pronunciamentos, em análise geral, homogêneos, porque se caracterizam como o lugar
comum, representando posições de sujeitos diferentes, todavia com predominâncias
específicas de cada sujeito no discurso. A importância do ato de ler se legitima no discurso,
entretanto, ao mesmo tempo, ilustra o discurso ideológico que rege o pensamento liberal-
burguês, em que “analfabetismo não é fruto das condições históricas produtoras das
desigualdades sociais e econômicas criadas pelo modelo de sociedade capitalista, mas é uma
106
condição própria do indivíduo que, para deixar de ser analfabeto, só dependerá única e
exclusivamente de sua heróica vontade individual” (ALVARENGA, 2000, p. 12). Nesta
perspectiva, ser alfabetizado remete a status que não são acessíveis a todos, transforma o
alfabetizado no sujeito que ocupa espaços de poder de uso da palavra. Essas demarcações
comprovam que o alfabetismo não se propaga no vazio, mas adquire concretude nos desejos
do sujeito, nas diversas formas de relações que as representações de escrita se estruturam e se
sustentam com todas as outras que se lhe associam. Os discursos se constroem em instâncias
diversas.
Quando a gente sabe ler, a gente se mais valor. Eu não sabia pegar um
ônibus, se precisava pegar alguma coisa pra min, tinha que pedir. Agora que
você escreveu, eu vou no lugar certo, tava grávida dela, pintou um trabalho,
me deu o endereço, aqui oh, eu fui lá, pra sair tinha que ir perguntando, aí não,
fui lá, voltei, saí. E por quê? Não tive que ficar pedindo (Madalena).
Ajudou em um bocado de coisa na minha vida, pelo menos hoje eu não me
bato pra pegar um transporte, ajudou em bastante coisa, ajudou a conhecer
assim, às vezes, mesmo que eu não saiba ler um bilhete, mas eu sei ler
algumas letras, algumas letras eu sei, passa na televisão e eu já
conseguindo ler né?, E vou conseguir com em Deus, ainda quero escrever
carta, quero escrever bilhete (Marta).
Ajuda sim, a ler as histórias, saber o que é certo e o que é errado, (risos) viu
que aprender a ler é bom?(risos) (Isabel).
Ajuda, por que se ligam anota o recado, qualquer coisa anota o recado, deixa
na cabeça quando a patroa vir, “quem ligou?”, “Oh, não sei nem quem foi”.
Uma receita, grã-fino adora comida diferente que não conhece. Com a receita
ali, você lê, bem mais fácil fazer (Maria).
O discurso produzido se constitui evidenciando o senso comum, mantendo as características
repetitivas de historicidade. De um modo geral, estes são dizeres que se reproduzem nos
discursos dos jovens e adultos entrevistados e são efeitos das condições a que os sujeitos da
EJA são submetidos. Disso se deduz que uma relação entre o já-dito e o que se está
dizendo (ORLANDI, 1999, p. 32) “ou, em outras palavras, entre a constituição do sentido e
sua formulação.” Porque “O dizer não é propriedade particular. As palavras não são, só,
nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também
significa nas ‘nossas palavras”. De outro modo, ainda tratando da influência da alfabetização
na melhoria das condições de vida dos sujeitos da pesquisa no que se refere ao contexto do
trabalho, constatamos que o discurso posto pela lógica capitalista está presente nas
formulações discursivas, à medida que o educando é tratado como empregável. O que se
busca é o atendimento às exigências do mercado e isso se manifesta nas falas
Ajuda, porque se ligam anota o recado, qualquer coisa anota o recado, deixa
na cabeça quando a patroa vir, “quem ligou?”, Oh, não sei nem quem foi”.
107
Uma receita, grã-fino adora comida diferente que não conhece, com a receita
ali, você lê, bem mais fácil fazer (Maria).
Doméstica, zeladora, num shopping, mas desde 2005 eu desempregada,
por que até pra trabalhar de doméstica precisa ler direitinho, precisa de
computador (Isabel).
Agora, nesse trabalho, porque eu estava fazendo um curso, encarregado,
saí pegando isso, comecei a fazer, fiz o curso, conheci escala metragem e
tudo e muito mais, e muito mais, aí deu pra ter fé (Pedro).
O currículo operacionalizado em seus diversos níveis, no Ministério da Educação, nas
Secretarias de Educação, nas escolas que mantém a Educação de Jovens e Adultos traz
formulações em que a educação precisa atender às demandas do mercado de trabalho.
Estamos todos, em todo o mundo, submetidos ao desemprego, à precarização nas relações de
trabalho, independente da qualificação que temos. Cotidianamente somos impelidos a
desenvolver capacidades que nos permitam atender aos ditames da lógica do capital - a
competição, o individualismo, as relações efêmeras que não se traduzem em laços duradouros
com o outro.
Os sujeitos jovens e adultos desta pesquisa têm esse sentido internalizado e suas falas
traduzem a busca por aprender a ler e a escrever para atender às demandas postas por uma
forma de viver em que se diz ser necessário estudar para ter emprego, mas que, na realidade,
essa não é mais uma verdade absoluta. Ainda assim, o acesso à alfabetização em um mundo
regido pela leitura, pela escrita, pelas novas tecnologias da informação é condição necessária,
mas não suficiente para a construção de estratégias mais adequadas à luta pela efetivação dos
direitos de cada ser humano.
Estar em situação de baixo nível de alfabetismo coloca os sujeitos em situação de maior
desvantagem social em relação a outros grupos, tornado-os mais vulneráveis às situações que
implicam em ter acesso à vida que desejariam ter. Uma vida digna, em que as liberdades
substantivas são uma realidade para todos, haja vista que o não acesso a elas põem o sujeito
em situação de privação de liberdade.
As falas dos sujeitos dizem das necessidades imediatas – das questões referentes à saúde, aos
cuidados de higiene, a possibilidade de independência, ao desejo de se situar num universo
que exige, permanentemente, as relações com a leitura e escrita, “isto é, que visa à
108
identificação desses sujeitos com os valores e crenças dos grupos que usam a escrita para
fazer sentido da situação nas práticas cotidianas” (KLEIMAN, 2002, p. 269-271).
Pra mim foi tudo bem, porque sabendo ler, você sabe as doenças prejudiciais
e as que pode transmitir, e sem ler você não sabe de nada. Se alguém não
explicasse, misturava tudo né? Fui aprendendo depois do AJA Bahia.
Desenvolvi muito também, gostei. Se pudesse voltar pro AJA Bahia, voltava
de novo (risos) (Isabel).
Ah! Na saúde, assim em tudo, quer dizer, em tratamento, às vezes almoçar,
lavar a mão, antes de almoçar lavar a mão, escovar os dentes, pentear o
cabelo, as unhas, esses negócios, aí (Pedro).
Como mostra Orlandi, “o processo de enunciação é uma atualização temporal e espacial do
sujeito em seu discurso. Define a atitude do locutor diante de seu próprio enunciado, do(s)
seu(s) interlocutor(es) e diante da situação” (1989, p.114). Ao tratarmos da análise do
discurso dos sujeitos alfabetizados, devemos “reconhecer que em todo sujeito uma
necessidade de laço social que sempre estará presente” (ORLANDI, 2006, p. 4). Ou seja, todo
discurso introduz outros discursos, visto que o sentido está determinado pela historicidade em
um contínuo ideológico que prescreve o que pode ser dito a partir de uma posição assumida
pelo sujeito em seu processo de construção da imagem, que o leva a ser aceito pela sociedade.
A cada fala dos egressos do Programa AJA Bahia, as construções discursivas demonstram
imbricamentos com a identidade dos sujeitos. A esta identidade, não dissociada das vivências
sociais, adiciona-se o contexto e a historicidade do sujeito. Quanto o fato de ser alfabetizado,
influencia de forma individual, e os discursos se voltam para as questões pessoais.
Quer dizer, em termos de educação melhorou um pouco, quer dizer, um
pouco não, melhorou 60%, em termos de educação, porque eu fiquei mais
sábio né? (Mateus).
Fazer uma história, por exemplo, eu não sabia o que era uma história, o que
era uma série o que era outra, no AJA Bahia fui aprender, o que era o AJA
Bahia, era o inicio das coisas, das pessoas que ainda não tinham sido
alfabetizadas. Uma coisa que eu aprendi, lá também, sabe o que foi? A carta,
a carta social, que eu não sabia o que era. (Isabel).
Que o futuro tem que ser com estudo, nada vem sem estudo não, eu
me criei tirando sisal no tarraxo, fazendo farinha, hoje em dia não
existe mais isto. Se você vai trabalhar em um lugar deste, é tudo
mecanizado, você sem saber ler, vai pra onde? Sabendo ler, você pega
o manual e pronto, vai embora. Me deixa com a maquina (risos)
depois do AJA Bahia, agente aprende as coisas assim, lendo (Isabel).
As diferentes instâncias da vida de sujeito, independentemente da alfabetização, surgem nas
falas dos jovens, adultos e idosos alfabetizados, como produto de imagem que deve ser aceita
pela sociedade, o que é denominado pela AD de Formações Imaginárias. Igualmente, os
discursos, constituídos com base ideológica daquilo que devem ser dito, denotam, no
109
enunciado, a existência de melhoria na vida de cada sujeito, a existência de que, além das
relações sociais, o sujeito individual é polissêmico e se constrói a partir do preenchimento de
suas necessidades. Nesse contexto, a verticalidade dos desejos se projeta para seus anseios,
seus sonhos, suas inquietudes. A família e os filhos passam a ter papel preponderante.
Hoje minha filha está na faculdade, tem estas daí e outros que não o
aquilo que eu fui, isto pra min já é uma alegria NE? é uma alegria que eu
tenho na minha vida, por que meus filhos não são pessoas analfabetas, não
são formados, mas também não é umas pessoas analfabetas (Marta).
Esta daí mesmo eu ponho ABC, coisa pra ela cobrir, a pró outro dia disse, ‘ô
mãe, sua filha é evoluída mãe’, mal sabe ela que eu labuto dentro de casa.
No futuro, ela vai ser uma doutora, professora, diretora isto que quero pra
meus filhos (Maria).
Na experiência concreta, cotejado com o seu não saber e na tentativa de reduzir a imagem
negativa de si, o sujeito busca delinear valores socialmente positivos projetando nos filhos, -
eu que se refaz no tempo – os mecanismos sociais de defesa que lhes permitem, obter, mesmo
que à custa de sacrifícios, o que a eles próprios foi negado. Ao analisar o discurso destes
sujeitos, observamos que “O discurso não é um conjunto de textos, é uma prática. Para se
entender sua regularidade não se analisa seus produtos, mas os processos de sua produção”
(ORLANDI, 2001, p. 55).
Nestes discursos, marcados pelas histórias de vida de cada sujeito e instituídos a partir da
história em que estão inseridos, vêem para seus filhos que a escola é muito importante, se
apresenta como redentora que poderá instrumentalizá-lo e lhe possibilitará conquistar
melhores condições de vida” (SOARES, 2002a, p.71). Essa visão de caráter messiânico foi
muito presente na história da educação do país, e até hoje ainda se faz presente trazendo um
entendimento de que a Educação se constitui como alavanca para o desenvolvimento.
Contrapondo-se a essa visão, Orlandi nos diz que ler e escrever pode se constituir num
veículo de exploração dos sujeitos muito mais do que em “iluminação”, pois para “muitos
desses sujeitos em nome de se tornarem cidadãos são destituídos da sua forma falar, e
instrumentalizados para uma escrita que não tem relação com essa fala, enfim com o contexto
histórico social que ela foi constituída” (1996, p. 207). Para pensarmos numa alfabetização
que seja colocada em um outro lugar, é preciso pensá-la como um ato político, ou seja, ter “a
clareza em torno de a favor de quem e de quê, portanto contra quem e contra o quê, fazemos a
educação e de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê, desenvolvemos
a atividade política” (FREIRE, 1985, p.27).
110
Bakhtin diz que, “na realidade, o ato da fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação,
não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo: não
pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é
de natureza social” (1988, p. 109). Os discursos oriundos da realidade histórica desses
sujeitos concretizam na alfabetização que, “De forma indireta (...) tem impactos sobre uma
variedade de dimensões das condições de vida dos beneficiados” (Ibidem). Em cada realidade
histórica as estórias de cada sujeito caminham imbricadas aos seus desejos e “o processo de
alfabetização não é apenas um fim, ele representa também um meio para melhorar as suas
condições de vida” Henriques (2005 p. 52-53).
Mudou. Muda porque, muitas vezes, a gente não sabe ler, então a gente fica
falando as coisas erradas, termina ensinando as palavras erradas aos filhos.
Ah! Também sabe tudo errado. Também, quando a gente passa a ler, não, a
gente termina corrigindo a gente, ali, vão corrigindo a gente e, passa a
palavra certa para as crianças né? Porque antes, sem saber ler, passa as
palavras todas erradas dentro de casa pra filho e pro marido, pra todo mundo
(Madalena).
“Além de gerar impactos sobre a auto-estima, as atitudes, os valores, a cultura cívica, o capital
social e ainda sobre o interesse e a capacidade de participação dos beneficiários na sociedade
e na comunidade em que vivem” Henriques (2005, p. 44). E buscar encontrar, em cada
realidade histórica, os caminhos de ida e volta entre o desvelamento da realidade e a prática
dirigida no sentido de sua transformação” (FREIRE, 1982, p. 60).
111
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
(...) o futuro tem que ser com estudo, nada
vem sem estudo não, eu me criei tirando sisal
no tarraxo, fazendo farinha, hoje em dia não
existe mais isto se você vai trabalhar em um
lugar deste, é tudo mecanizado, você sem
saber ler, vai pra onde? (Depoimento de
ISABEL)
Em uma sociedade em que o domínio da escrita e da leitura é condição necessária para que o
sujeito tenha uma participação ativa nas diversas instâncias da vida, a superação da condição
de analfabetismo vivenciada por 771 milhões de adultos, passou a ser uma exigência
consensual entre os povos do mundo. Nesse contexto, o Banco Mundial, de forma mais
incisiva, a partir de 1990, vem definindo as políticas publicas na área de educação,
principalmente, na América Latina e Caribe com orientações em nome do combate ao
analfabetismo. Também a UNESCO, lançou o programa intitulado Literacy Initiative for
Empowerment - LIFE isto é, Alfabetização para o empoderamento - cujas metas devem ser
atendidas entre 2005- 2015. É uma estratégia global que visa “erradicar o analfabetismo de
crianças, jovens e adultos, especialmente de famílias pobres e da zona rural de pelo menos 34
países que abrigam cerca de 84% dos analfabetos do mundo” (FREITAS, 2005.p.15).
No Brasil, as políticas de governo, no âmbito da alfabetização de jovens e adultos, têm tido,
ao longo da história, o caráter de campanhas destinadas a erradicar o analfabetismo, se
difundido a idéia de que uma das razões da desigualdade entre os indivíduos deve-se ao
analfabetismo. São campanhas pautadas no paradigma da suplência, com caráter emergencial
e que não têm dado conta do se propõem a erradicação do analfabetismo. Nesse contexto,
em 2001, o Plano Nacional de Educação traz como meta a criação de programas de
alfabetização objetivando alfabetizar 10 milhões de jovens e adultos, isto é, alfabetizar em
cinco anos 2/3 do contingente total de analfabetos, erradicando o analfabetismo até o final
dessa década.
Em 2003, o MEC junto com as Secretarias de Educação dos Estados e dos Municípios, além
de outras instituições, instala, mais uma vez, uma campanha de alfabetização, por meio do
Programa Brasil Alfabetizado, tendo como meta a superação do analfabetismo em quatro
anos.
Desde o seu lançamento, ainda na gestão do Ministro da Educação Cristovam Buarque,
112
até o momento atual, o Programa vem sofrendo muitas modificações, no entanto, não se rompe
com a concepção que a estrutura, aquela de caráter emergencial e de suplência.
Em sua avaliação pelo Sistema de Avaliação e Monitoramento do Brasil Alfabetizado tem sido
constatado que os resultados alcançados têm sido ínfimos em relação ao número de jovens,
adultos e idosos a serem alfabetizados em seu período de vigência. O SBA é coordenado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), envolvendo a Sociedade Científica da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas (Science), o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), o
Instituto Paulo Montenegro (IPM) e a Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em
Economia (Anpec).
Dentre as modificações realizadas no Programa, destacamos a sua duração, inicialmente, de
três meses. Posteriormente, em 2004, o tempo da ação alfabetizadora passou a ser de seis, de
sete ou de oito meses, correspondendo, em termos de carga horária, respectivamente, a 240
(duzentos e quarenta), 280 (duzentos e oitenta) ou 320 (trezentos e vinte) horas. Em estudos
realizados pela UNESCO, em relação a programas de alfabetização de adultos, concluiu-se
que necessidade de dois anos de aprendizagem inicial e mais um ano de aprendizagem continuada
junto com outras oportunidades, para que o sujeito possa utilizar a escrita e a leitura nos contextos
sociais e não incorrer em uma nova situação de analfabetismo.
Além de o tempo pedagógico ser inferior àquele necessário ao processo de alfabetização de
adultos, outra característica muito própria das campanhas é a falta de preparo dos
alfabetizadores para lidar com os coletivos da EJA. O Brasil Alfabetizado recomenda que os
alfabetizadores tenham, no mínimo, a formação correspondente ao Normal Médio e que
façam parte do quadro de professores da rede municipal ou estadual de ensino. No entanto,
essa recomendação, ainda que fosse atendida, não resolveria o problema da qualificação
desses profissionais, pois eles não desenvolveram, em sua maioria, as capacidades relativas ao
processo de alfabetização de jovens e adultos. Muitos alfabetizadores que atuam no Programa
não têm esse nível de escolaridade e quase todos estão tendo contato com essa problemática a
partir da formação inicial realizada no Programa. Desse modo, na prática, prevalece a idéia de
que qualquer pessoa com qualquer qualificação pode alfabetizar.
Somam-se a esses fatos as condições de trabalho oferecidas aos atores do Programa
Alfabetizadores e Coordenadores de Turmas, que vivenciam um trabalho voluntário
113
recebendo uma bolsa custeio de duzentos reais, não fazendo jus aos direitos trabalhistas,
estando submetidos, assim como todos os trabalhadores, à precarização e à flexibilização das
condições de trabalho. A remuneração desses profissionais, diz a pesquisa referida, deveria
ser no mínimo, idêntica àquela devida aos demais profissionais que atuam como docentes
nesse nível de ensino acrescida do valor referente às horas destinadas ao planejamento e aos
estudos possibilitando-lhes ocupar um status mais elevado em sua comunidade.
O contingente de jovens, adultos e idosos inscritos nos Programas de Alfabetização, em
geral, é alto, o que decorre da impossibilidade de conciliar suas trajetórias de vida com as
trajetórias do Programa. Assim, garantir o acesso desses sujeitos à educação é importante,
entretanto, não basta à existência de uma sala de aula e de um alfabetizador ou de uma
alfabetizadora para assegurar a permanência, a construção da base alfabética e a continuidade
dos estudos. Maria, uma das entrevistadas nesta pesquisa, retrata essa situação quando nos
fala
eu aprendi a tomar o nome, mas depois esqueci de novo né, fui
esquecendo algumas letras. Eu fiquei sempre trabalhando na roça, tinha que
cuidar de meus irmãos, cuidar da casa, era muito corrido, fazer farinha
pra nós viver da farinha, aí pronto não tinha tempo de estudar. Aí pronto, fui
esquecendo algumas letras do meu nome, e aí, me casei cedo com 18 anos,
com 19 anos tive minha filha mais velha, todo ano fui tendo um filho,
eu tive muito filho. pronto, fiquei sem oportunidade de fazer nada em
minha vida e pronto (risos), não tive oportunidade de estudar.
Nesse contexto, a transformação das condições objetivas em que vivem as pessoas privadas
de necessidades essenciais para a sobrevivência se impõe como condição necessária à
efetividade de seus direitos, dentre eles, à educação. O caráter de suplência dos Programas de
Alfabetização deve dar lugar a uma EJA como direito de todos, em qualquer tempo humano - da
juventude, da adultez e da velhice - e, também, como um campo de responsabilidade pública.
O caráter de suplência está vinculado à idéia de que os jovens, os adultos e os idosos que ainda se
encontram na posição de analfabetos não tiveram acesso à educação na idade própria e que por
isso deve-se reparar essa situação. Desse modo, o caráter é o de reparação do que lhes foi negado
visto que os sujeitos da EJA são tidos, nessa concepção, como sujeitos da falta e não de direitos.
O sujeito na posição de não – alfabetizado é estigmatizado e não se considera o seu protagonismo
positivo.
O analfabetismo é considerado como uma doença a ser extirpada e da responsabilidade do sujeito
que a tem. A alfabetização é tratada como possibilidade de acesso à cidadania, como se o sujeito
114
nessa condição não tivesse direito aos direitos e aos deveres decorrentes do status de cidadão do
qual faz parte em seu país. A discursividade existente em relação ao analfabetismo, ainda, no
tempo em que estamos, é marcada pela idéia de suprir carências. O discurso do Presidente Luis
Inácio Lula da Silva, em setembro de 2003, no ato de solenidade do lançamento do Programa
Brasil Alfabetizado, traduz esse caráter: “Temos de adotar uma política como uma campanha
de vacinação, onde o vírus que queremos matar é o analfabetismo”. Também o Ministro
Cristovam Buarque, traz a concepção, aqui indicada, quando se referia ao Programa, a
gente vai alfabetizar se fizer o que foi feito com as gotinhas; agora vamos dar letrinhas.”
Quando o analfabetismo ainda tem um caráter de doença que precisa ser erradicada.
Em meio aos discursos relativos à concepção de suplência presente nos Programas de
Alfabetização, constatamos, nas Diretrizes da Educação de Jovens e Adultos, que a ação
supletiva, aquela de compensar a escolaridade perdida, é rechaçada, definindo-se essa
modalidade de ensino em função da restauração do direito à educação, do acesso e da
permanência e da necessidade de aprendizagem contínua.
Nesse contexto, do confronto entre os novos e os velhos sentidos para a EJA, o Estado da
Bahia adere ao Programa Brasil Alfabetizado por meio do Programa AJA Bahia, no período
de 2004 a 2006. Todos os aspectos analisados, anteriormente, estavam presentes na estrutura e
no funcionamento do Programa e, mesmo com as modificações realizadas, desde a sua
implantação, permaneceu o caráter de suplência, não sendo possível o alcance da meta
pretendida, qual seja a de alfabetizar todos os jovens, adultos e idosos atendidos pelo
Programa.
O Sistema de Avaliação e Monitoramento do Programa Brasil Alfabetizado - SBA vem
constatando que os resultados têm sido ínfimos, como dissemos anteriormente, em relação à
sua abrangência, e o AJA Bahia se inseriu nesse processo. que destacar, no entanto, que
“Toda e qualquer avaliação, mesmo a mais sabidamente cientifica e perfeita, é limitada, e
imperfeita, temporária, transitória e não concludente” (FREITAS; CARVALHO; PINHEIRO,
2002, p. 71).
Nessa direção, foi que me questionei sobre o porquê de realizar uma campanha de
alfabetização, em nível nacional, quando a comunidade científica aponta para a necessidade
de configurar a EJA como um direito e como uma política pública? Em meio a essa
115
problemática, é que se inseriu este trabalho, que teve como objetivo compreender, a partir dos
discursos de jovens e adultos egressos do Programa AJA Bahia / Brasil Alfabetizado, em que
medida a alfabetização contribui para a melhoria de suas condições de vida. Assim, enveredei
pela Análise dos Discursos de jovens e adultos, que conseguiram construir a base alfabética
no Programa, buscando responder às questões relativas aos objetivos específicos, quais sejam
os de identificar as condições de produção dos discursos desses sujeitos sujeito e situação,
o contexto histórico, a ideologia e o de interpretar os sentidos produzidos a respeito da
relação entre saber ler e escrever e a melhoria das condições de vida.
Para tanto, me assumi como autora, ocupando, assim, a “posição discursiva do sujeito, que é
diferente da de escritor e da de narrador (...) o autor é uma posição do sujeito a partir da qual
ele consegue estruturar seu discurso (oral ou escrito)” (MAINGUENEAU, 1989, In TFOUNI;
ASSOLINI, 2006, p. 44). Para retomar a posição de autor, foi necessário realizar um
movimento de volta à seqüência discursiva “com o propósito de reinterpretá-la” pelo processo
da retroação. Ao ocupar a “posição – autor, o sujeito do discurso torna-se também, intérprete
do já - dito, do já formulado,” (TFOUNI; ASSOLINI, 2006, p. 45- 48). Esse movimento é da
ordem do interdiscurso e é próprio da enunciação.
Nessa direção, foi construído o corpus analítico da pesquisa quando busquei a discursividade
existente na EJA, no embate entre o novo e o velho, entre a paráfrase e a polissemia. Assim,
fui trazendo o meu viver, como sujeito posição; o percurso metodológico, para conhecer o
objeto, na perspectiva da Análise do Discurso; a discursividade sobre a EJA no Brasil,
especialmente, o debate entre a suplência e o direito; os sentidos postos e que estão sendo
produzidos sobre a alfabetização e letramento; as reflexões sobre as juventudes, sobre a
adultez e sobre o envelhecimento.
Ao me debruçar sobre o objeto empírico, os discursos dos sujeitos da pesquisa, apresentaram
possibilidades de interpretação para responder sobre os sentidos atribuídos por eles à condição
de alfabetizado e sobre o que mudou em suas vidas em decorrência de estar agora nessa
nova posição. As regularidades e marcas presentes nos discursos dos jovens e adultos
alfabetizados apontaram para a possibilidade de explicar sobre os sentidos da alfabetização. O
que foi encontrado nos discursos dos sujeitos? Formulações discursivas que se repetiam
quando os sujeitos da pesquisa diziam sobre os sentidos de estar alfabetizado, em acordo com
o instituído - é saber ler e escrever, diziam todos eles. Essa dimensão restrita da
116
alfabetização, quando se pensa que ler é sinônimo de decodificar e que escrever é copiar, é
da ordem do já – dito, da paráfrase.
No entanto, olhando por trás da análise e da interpretação, no que foi possível, discursos
que anunciavam uma nova ordem. Diziam os sujeitos: - fiz o relatório, leio uma bula - e um
outro sentido da alfabetização era apresentado; aquele dos usos sociais da escrita. Ali foi
possível refletir acerca do confronto entre os discursos acerca de alfabetização e letramento.
Nesse sentido, diz Tfouni e Assolini (2006, p. 37) “não é possível pensar que o letramento se
restringe apenas aos usos sociais da escrita”. No letramento, continuam as autoras,
discordando de outros discursos correntes,
não é mais a Língua, enquanto código, que é considerada como parâmetro,
mas os discursos que servem como suporte às práticas letradas; (...) a
dicotomia língua oral / língua escrita já não serve mais, e passa-se a
considerar que tanto pode haver característica das língua oral na escrita
quanto vice-versa. (...) a questão não é se o sujeito é alfabetizado ou não,
mas, antes, em que medida esse sujeito pode ocupar a posição de autor
(TFOUNI; ASSOLINE, 2006, p.41).
Novas formulações sobre os sentidos da alfabetização vêm sendo instaladas, no entanto, a
mudança ocorre quando essas formulações encontram as condições necessárias para que
possam fazer sentido. A luta entre o mesmo - a paráfrase - e o novo a polissemia - se
concretiza na linguagem, porém, esse novo se coloca, inicialmente, como fragmentos
imperceptíveis. A mudança é lenta e tem como origem a ideologia, o movimento entre o
sujeito e a linguagem, considerando - se, entretanto, que a linguagem que determina, também
sofre as determinações do histórico e do social. Desse modo, a transformação de sentidos e o
deslocamento não estão no sujeito e sim na história. O novo discurso sobre a alfabetização e
letramento é cheio de contradições e, ainda recente para alterar as práticas vigentes. Há
discursos nos quais, na ótica de Tfouni e Assolini, “se confunde letramento com habilidades e
técnicas para ler / escrever, ou com o conhecimento formalizado da Língua” (2006, p. 40).
Prosseguindo no processo de análise, busquei os sentidos colocados pelos sujeitos da pesquisa
em relação à mudança em suas vidas a partir do status de alfabetizado. No exercício de
interpretação para trazer o dito e o não-dito, pude ver que os sujeitos atribuem à posição de
ser alfabetizado a possibilidade de não ser estigmatizado por não saber ler e escrever, e,
desse modo, poder viver uma vida melhor. Uma vida melhor requer do ser humano a
possibilidade de poder escolher em ter ou não ter algo que aspira. Nesse caso saber ler e
escrever ou não.
117
Essa interpretação parece possível para o discurso de uma entrevistada, quando enunciou:
Posto de saúde, toda vez era para assinar uma coisa eu não sabia. Se era para preencher
uma coisa, eu não sabia. Agora não, agora eu sabendo” (Madalena). O estigma contra o
analfabeto, em uma sociedade grafocêntrica, como a nossa, é um sentido sempre presente na
discursividade relativa à Educação de Jovens e Adultos. Ainda, analisando os discursos, indo
além do dito, foi possível ver que os sentidos postos em relação à melhoria na qualidade de
vida, em decorrência da alfabetização, se situam em torno das categorias - trabalho, saúde,
lazer, educação e família. Essas categorias se constituíram como elementos norteadores dos
questionamentos realizados quando da coleta dos depoimentos.
Ao refletir sobre os sentidos postos, constatei que saber ler e escrever pode significar para o
sujeito algo da ordem da autonomia, à medida que pode, por exemplo, pegar um ônibus sem
que precise depender de outrem. No entanto, vale lembrar que “(...) a autonomia desejada e
possível é definida conforme as leis vigentes e a observação do direito de todos os cidadãos
participarem ou de se fazerem representar no processo de tomada de decisões” (FREITAS;
PILLA, 2006, p. 19).
Em todos os aspectos postos, os entrevistados apontaram sentidos que nos fazem dizer que,
de fato, estar alfabetizado é estar em outro lugar, é ocupar uma outra posição no mundo. É
vivenciar mudanças nos campos do trabalho, da saúde, do lazer, da educação, dentre outros,
na busca por uma vida que valha a pena ser vivida. Em se tratando dessa discursividade,
Torres, compartilha esses sentidos quando afirma
saber ler e escrever melhora a qualidade de vida das pessoas de muitas e
profundas maneiras, não necessariamente de natureza econômica. A
alfabetização mantém vínculos estreitos com a dignidade humana, a auto
estima, a liberdade, identidade, a autonomia, o pensamento crítico, o
conhecimento, a criatividade, a participação, o empoderamento, a consciência
e a transformacão social, todos eles importantes satisfações humanas, para
as condições materiais de vida (2006, p.9).
No entanto, em que pesem os sentidos postos pelos sujeitos da pesquisa para a questão que me propus
investigar, volto à problemática em que este objeto emerge - o porquê de realizar uma
campanha de alfabetização, em nível nacional, quando a comunidade científica aponta para a
necessidade de configurar a EJA como um direito e como uma política pública. A reflexão
sobre isso leva-me a afirmar que, embora o discurso da EJA como um direito e como um
campo de responsabilidade pública esteja instituído, ainda convivem com um outro, o da
118
suplência. Esses sentidos do direito, da política pública e da suplência - caracterizam o
conflito entre o instituído e o por instituir. São discursos contraditórios que refletem posições
sujeitos.
Na legislação em vigor, nos acordos internacionais em que o Brasil é signatário, esse novo,
instituído, ainda não se estabeleceu e, não há, ainda, a alteração das práticas vigentes. Os
efeitos da repetição desse novo discurso aparecem em alguns lugares – sujeitos; o novo
discurso começa a se espalhar, mas ainda é cheio de contradições. As agências formadoras,
tais como as Universidades, ainda não se ocupam da EJA como um desafio a ser vencido.
Ainda assim, novos sentidos vão sendo postos a partir do trabalho da linguagem, à medida
que o ponto de vista alheio pode ser visto e compreendido. Guaresch nos diz que “através da
linguagem e da comunicação, que também são produções históricas, são transmitidos
significados, representações e valores existentes em determinados grupos: é a ideologia do
grupo” (2000, p. 17).
Nesse contexto, a discursividade acerca dos Programas de Alfabetização, explicitada nas
resoluções que regem o Programa Brasil Alfabetizado, o anuncia como uma política pública,
mas a sua lógica é aquela das de campanhas de alfabetização, da suplência. Entretanto,
segundo os discursos dos entrevistados nessa pesquisa, os jovens, os adultos e os idosos
atendidos no Programa e que passaram da posição de não - alfabetizados para a de
alfabetizados vivenciam mudanças importantes em relação à melhoria de suas condições de
vida. Mudanças muitas vezes imperceptíveis aos olhos de um outro que não vivenciou a
posição de sujeito analfabeto na condição de jovem, de adulto ou de idoso. “Às vezes, o que
não é dito é muito mais do que é dito para se poder entender a coisa como ela deveria ser
entendida ou compreendida”, nos diz Guaresch (2000, p. 24). Os deslocamentos ou o
silenciamento estão no sujeito, são travados na história e é no jogo das posições, que os novos
sentidos se produzem. Contudo, em que pesem a melhoria nas condições de vida dos sujeitos
entrevistados, destaco que a efetividade do direito à educação para todos, independente dos
tempos humanos, significa avanço em relação à emancipação política, mas ainda estamos
longe da emancipação humana total. Assim, a resolução da problemática da alfabetização
parece exigir a luta por uma sociabilidade para além da lógica do capital. Outros estudos
poderiam investigar essa problemática desse lugar.
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