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Paulo (SP), o Olodum e o Ilê Ayiê, em Salvador(BA), o Memorial da Balaiada e a Sociedade
Negra Quilombola de Caxias, em Caxias (MA).
Para Michael Pollak (1992: 2), “existem lugares da memória, lugares
particularmente ligados a uma lembrança, que pode ser uma lembrança pessoal, mas também
pode não ter apoio no tempo cronológico”. Aqui, esse sociólogo indica uma possibilidade de
existência de uma memória, cuja gênese pode estar no continente africano, tendo sido mantida
e transferida por várias gerações de indivíduos negros. É o que pode ser depreendido, quando
o mesmo diz que “a memória da África, seja dos Camarões ou do Congo, pode fazer parte da
herança de família com tanta força que se transforma praticamente em um sentimento de
pertencimento” (POLLAK, 1992, p. 3).
A operacionalização do conceito de “pertencimento” de Pollak, neste estudo,
pressupôs considerar uma tradição cultural
121
, que atribuiu espontaneamente certas
peculiaridades mais aos negros que aos brancos. São exemplos disso a malemolência, que
desenvolveria no negro uma pré-disposição natural para o samba
122
e suas derivações e a
mandinga
123
, que o vocacionaria ao candomblé e à umbanda
124
.
O negro brasileiro, a se considerar como válida essa tradição cultural que o
relaciona no sentido identitário a estas manifestações culturais, com os riscos de
121 - Dentre os “meios de conservação da memória social”, citados por Peter Burke (1992: 239-241), faço
referência aqui aos relacionados por este autor nos itens 1 (“tradições”) e 4 (“ações).
122 - Os fundamentos historiográficos para uma análise sobre essa “predisposição natural”, podem ser
encontrados nos trabalhos de VIANA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro, Zahar/UFRJ, 1995;
RODRIGUES, Ana. Samba, negro, espoliação branca. São Paulo: Hucitec, 1984; MUNIZ, Vasco. A
contribuição africana para a música brasileira In: Estudos afro-asiáticos. Rio de Janeiro: CEAR, 1988;
MUNIZ, J. José. Do batuque a escola de samba. São Paulo: Ed. Símbolo, 1976; entre outros.
123 - Cf. VARGENS e LOPES (1982, p. 34), citando P. F. Bainier: “(…) os mandingas ou malinke vivem
principalmente nas terras montanhosas (onde o Senegal e a Gâmbia têm suas origens) em toda a
Senegâmbia e ao sul da Gâmbia. São comerciantes e industriais; são o povo civilizador dessa região;
propagador zeloso do islamismo, leva a toda parte, com a religião, suas concepções sobre agricultura e
comércio”.
124 - Para um estudo sobre essa “vocação” negra, ver os trabalhos de CINTRA, Raimundo. Candomblé e
umbanda: o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985; BRAGA, Júlio. Ancestralidade afro-brasileira: o
culto de Baba Egum. 2. ed. Salvador: EDUFBA/ANAMÁ, 1985; LODY, Raul. Candomblé religião e
resistência. São Paulo: Brasiliense, 1987; MAGGIE, Yvone. Religiões medicinais e a cor de seus
participantes. Rio de Janeiro: Centro de estudos afro-asiáticos, 1985; MOURA, C. E. (org.). Candomblé:
desvendando identidades. São Paulo: EMW Editores, 1987; ORTIZ, Renato. A morte branca da feiticeira
negra: umbanda e sociedade brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1991; SANTOS, Orlando J. Candomblé:
ritual e tradição. Rio de Janeiro: Pallos, 1992.