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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
FRANCINALDO DE JESUS MORAIS
ECOS DA ESCRAVIDÃO: Memória e “imagens identitárias”
de indivíduos negros em Caxias-Maranhão (1980-2000)
TERESINA-PI
2007
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FRANCINALDO DE JESUS MORAIS
ECOS DA ESCRAVIDÃO: Memória e “imagens identitárias”
de indivíduos negros em Caxias-Maranhão (1980-2000)
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em História, no Centro de Ciências Humanas e
Letras, da Universidade Federal do Piauí, para
obtenção do grau de Mestre em História do
Brasil.
Orientador: Prof. Dr. João Renôr Ferreira de
Carvalho
TERESINA-PI
2007
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FRANCINALDO DE JESUS MORAIS
ECOS DA ESCRAVIDÃO: Memória e “imagens identitárias”
de indivíduos negros em Caxias-Maranhão (1980-2000)
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em História, no Centro de Ciências Humanas e
Letras, da Universidade Federal do Piauí, para
obtenção do grau de Mestre em História do
Brasil.
BANCA EXAMINADORA
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Aprovada em:
_____/_____/_____
4
A minha mãe Dadá (Rosa Maria Soares),
maior inspiração para tudo neste trabalho.
À Solange Morais, Marxo e Olga Morais,
portos de saídas e de regressos.
5
Um tipo diferente de mudança estrutural
está transformando as sociedades modernas
no final do século XX. Isto está fragmentando
as paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raças e nacionalidade, que,
no passado, nos tinham fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais.
Stuart Hall
Yes, ‘n’ how many years can some people
exist/Before they’re allowed to be free?(Sim, e
quanto tempo um povo pode existir/Até que se
permita sua liberdade?)Blow’ in The wind
Bob Dylan
As memórias de mim mesmo me ajudaram
a entender as tramas das quais fiz parte.
Paulo Freire
6
AGRADECIMENTOS
Não poderia ter chegado às considerações finais deste estudo sem que
intervenções de mãos e mentes brilhantes e generosas contribuíssem de forma fundamental. A
todas essas mãos e mentes sou grato. Faço, porém, o registro das contribuições mais
decisivas. Agradeço especialmente...
Aos professores do Curso de História (1993-1998) e aos servidores da biblioteca
do CESC/UEMA pelas relações acadêmicas e de amizade. Destes últimos, destaco a
contribuição de Ana Maria Viana Gonçalves, a Aninha, como a chamo.
Aos diretores do Colégio São Raimundo e do Sindicato dos Empregados no
Comércio de Caxias pela cessão do espaço de estudo onde funcionam as duas instituições.
Aos servidores da Secretaria Estadual de Educação (MA) e da Secretaria
Municipal de Educação de Caxias (MA) que poderiam ter dificultado meu acesso ao direito
de liberação remunerada, mas optaram por facilitá-lo. Muito obrigado pela tranqüilidade
financeira que gozei durante o período do mestrado (2005-2007).
À professora Maria do Carmo Bezerra Paiva (1946-2006), In Memorian, pela
amizade nem sempre pacífica, mas que em momentos decisivos da minha formação teve a
grandeza de agir com justiça e inteligência. Com justiça, por ocasião do processo seletivo
para professor substituto CESC/UEMA (2005) e, com inteligência, quando resolveu me
aproximar do professor doutor João Renôr Ferreira de Carvalho.
Aos colegas historiadores Filomena Simão, Francisco Ramos, Cícero Veloso,
Marcelino Barbosa, Joseneide Vilanova, José Carlos Aragão, Valdinar Filho, Isabel Bayma,
Jesus Andrade, Mercilene Barbosa, pela disponibilização de fontes e pelas idéias.
Aos colaboradores Elizete Abreu, Jenivaldo Abreu, Cícero Veloso, Kayloneide
Barbosa, Maria Íris Mendes, José Raimundo Rezendes, Jorge Rocha, Maria Rocha, João
7
Santiago, Antonio Henrique, Tomáz Fernandes Santos, Rosa Maria Soares, Joseneide
Vilanova e Armênio Santos de Oliveira pelas preciosas significações sobre eles próprios,
sobre a vida e sobre o mundo.
Ao amigo Carlos Alberto de Jesus Fernandes pelo trabalho de digitação e pelas
orientações técnicas adicionais.
Ao professor e escritor piauiense Herculano de Morais pelo trabalho de correção
ortográfica e pela generosidade militante que dispensou a mim e a todos que o procuram na
Academia Piauiense de Letras (APL).
Aos professores doutores Francisco Alcides do Nascimento, Edwar de Alencar
Castelo Branco, Pedro Vilarinho Castelo Branco, Áurea da Paz Pinheiro, Helder Buenos
Aires de Carvalho, Fabiano de Souza Gontijo e Claudete Maria Miranda Dias por terem
instalado a fé e as bases culturais que me fizeram acreditar na possibilidade deste trabalho.
Ao professor doutor João Renôr Ferreira de Carvalho pela generosidade e pela
orientação competente muito além da minha capacidade de absorvê-la. Peço desculpas se
não estive a altura de sua grandeza cultural.
8
RESUMO
Este texto apresenta um estudo sobre o que defino como circunstâncias contemporâneas de
existir de indivíduos auto-definidos como negros. Para isso, recortei as décadas de 80 e 90 e a
cidade de Caxias-MA como temporalidade e espacialidade, respectivamente, a partir das quais
pude apreender e analisar as significações dos sujeitos escolhidos acerca das possibilidades
culturais “imagens identitárias” e “tornar-se negro”. Os sujeitos que me permitiram perceber e
dizer essas imagens e esse tornar-se pertencem na sua maioria às camadas médias urbanas
intelectualizadas. Há aqui uma opção pela abordagem historiográfica fundamentada no que se
convencionou chamar Historia Cultural, tendo em vista dispensar ao objeto de estudo um
tratamento interdisciplinar com privilégios para a História, a Sociologia, a Psicologia e a
Antropologia. Coerente com esse tratamento interdisciplinar, lancei mão de fontes diversas
entre as quais, livros, jornais, revistas, filmes, músicas e depoimentos orais.
Palavras-chave: Memória, Imagens identitárias, Tornar-se negro, Mentalidade, Circunstância
cultural.
9
ABSTRACT
This text presents a study on what I define as contemporary circumstances of existing of
solemnity-defined individuals as black. For that, I cut out the decades of 80 and 90 and the
city of Caxias-MA as temporalidade and espacialidade, respectively, starting from which I
could apprehend and to analyze the significances of the chosen subjects concerning the
possibilities cultural “images identitárias” and “to become black”. The subjects that allowed
to notice me and to say those images and that to become belong in your majority to the layers
urban medium intellectualized. There is an option here for the approach historiography based
in the one that she stipulated to call it Histories Cultural, tends in view to release to the study
object a treatment interdisciplinary as privilege for the history, the sociology, the Psychology
and the Anthropology. Coherent with that treatment interdisciplinary, I threw hand of several
sources among the ones which, books, newspapers, magazines, films, music and oral
depositions.
Key words: Memory, Images identitaries, to Become black, Mentality, cultural Circumstance.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I
1 – IMAGENS DO NEGRO NA HISTORIOGRAFIA .................................................... 30
a) Mercadoria, animal produtor de riquezas e objeto de desejos........................................... 30
1.1. Conceitos e práticas ........................................................................................................ 30
1.2. O negro na África e o tráfico negreiro ............................................................................ 33
1.3. O tráfico negreiro............................................................................................................ 37
1.4. Fontes e estudos sobre a escravidão no Brasil, Maranhão e Caxias-MA. ...................... 42
1.4.1. A situação no plano nacional ....................................................................................... 42
1.4.2. A situação no Maranhão .............................................................................................. 42
1.4.3. Os dois estudos mais “visíveis” sobre Caxias (MA) ................................................... 43
1.5. As fontes como problema superado................................................................................ 48
1.6. Novas respostas para questões secundarizadas pela historiografia tradicional .............. 50
1.7. A racionalização da percepção do “outro”: o racismo científico ................................... 53
1.8. Preconceito e discriminação: evidências das permanências nas relações negro-branco. 56
1.9. Representações jornalísticas do negro ............................................................................ 60
1.9.1. Representações jornalísticas do negro no JP ............................................................... 63
1.9.2 O texto e a imagem jornalística: seus consumos críticos como postura hermenêutica 66
1.9.3. O negro no jornal ......................................................................................................... 68
1.10. A ressignificação do “branqueamento”: indicativo de alterações nas relações negro-
branco. ................................................................................................................................... 72
11
CAPÍTULO II
2 - MEMÓRIA E HISTÓRIA: Sobre os ecos contemporâneos da escravidão negro-
africana ................................................................................................................................. 76
2.1. Desafios na escrita sobre escravidão e memória ............................................................ 83
2.2. Personagens - memórias identitárias .............................................................................. 91
2.3. Lugares da memória e pertencimento ............................................................................. 96
CAPÍTULO III
3. IMAGENS IDENTITÁRIAS: Sobre as “imagens de si” e do “outro” em
indivíduos negros caxienses ................................................................................................ 102
3.1. Imagens familiares .......................................................................................................... 104
3.2. Imagens do corpo: um nariz afro-brasileiro ................................................................... 107
3.3. Imagens do corpo: pele escura, clara consciência .......................................................... 112
3.4. Imagens do “outro”: percepções contemporâneas do negro no branco .......................... 116
3.5. Ser negro: educação formal como “rito de passagem” ................................................... 120
3.6. O ser negro hoje: outros ritos de passagem .................................................................... 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 124
REFERÊNCIAS E FONTES .............................................................................................. 126
12
INTRODUÇÃO
a) Justificativa da escolha do tema
Desde a decisão de pesquisar a temática Identidade(s) Negra (s), passando pela
elaboração, inscrição e entrevista
1
sobre o projeto inicial até o curso das três disciplinas
2
preliminares, muitas vozes autorizadas influenciaram-me no sentido da alteração da idéia
original.
Pelo menos em dois níveis o projeto sofreu alterações: no nível epistemológico,
na medida em que foi se confirmando a impossibilidade de aprisionamento das múltiplas
significações que o conceito
3
de Identidade abarca. Não existindo uma identidade considerada
essencialista, una e fixa, que se apresente, conforme Kathryn Woodward, em duas versões:
A primeira fundamenta a identidade na ‘verdade’ da tradição e nas raízes da
história, fazendo um apelo à ‘realidade’ de um passado possivelmente
reprimido e obscurecido, no qual a identidade provavelmente no presente é
revelada como um produto da história. A segunda está relacionada a uma
categoria ‘natural’, fixa, na qual a ‘verdade’ está enraizada na biologia. Cada
uma dessas versões envolve uma crença na existência e na busca de uma
identidade verdadeira. O essencialismo pode, assim, ser biológico e natural,
ou histórico e cultural. De qualquer modo, o que eles têm em comum é uma
concepção unificada de identidade (WOODWARD In: SILVA [org], 2000,
p. 37).
A pretensão de uma Identidade Negra fundada seja na “tradição e nas raízes da
história” ou “enraizada na biologia” mostrou-se frágil, limitada, um projeto teórico bastante
1 – Fui entrevistado na fase de ingresso do Mestrado em História do Brasil (CCHL/UFPI), segunda turma
(2005-2007), pelos professores doutores João Renôr Ferreira de Carvalho (indicado como orientador),
Solimar Oliveira Lima e Antonio de Pádua Carvalho. Na oportunidade, tive uma das primeiras percepções
da dificuldade de estudar a temática identidade na contemporaneidade
2 – As disciplinas são: Teoria e Prática da Pesquisa em História; Cidade e Cultura: abordagens e perspectivas;
e História, Sociedade e Cultura, ministradas pelos professores doutores Edwar de Alencar Castelo Branco,
Francisco Alcides do Nascimento e Pedro Vilarinho Castelo Branco, respectivamente.
3 – Encontrei esclarecimento sobre o surgimento da possibilidade de formulação de uma idéia através de uma
palavra (conceito) em Havelock, Eric. A. A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 16, 179 e 236-7.
13
problemático que apresentava dificuldades quanto a sua sustentabilidade acadêmica nos
marcos da contemporaneidade
4
.
No nível metodológico, em decorrência do mal-estar face às dificuldades de
construção de uma dissertação sobre identidade(s) negra (s) fora da perspectiva culturalista,
ou seja, ao largo de uma perspectiva que adota procedimentos e conceitos relacionados ao que
Sandra Jatahy Pesavento (2004) e Francisco Falcon (2002) chamam de História Cultural,
e/ou, ainda à margem de uma “história das subjetividades”, percebidas por mim em Pierre
Nora (1989), Fabiano de Sousa Gontijo (2002, 2004, 2005, 2006) e Edwar de Alencar Castelo
Branco (2005).
O conhecimento dessas possibilidades teóricas influenciou sobremaneira os
processos de reflexão e construção narrativa deste estudo. A partir dos trabalhos de Nora
(1989), Gontijo (2002, 2004, 2005, 2006) e Castelo Branco (2005) pude perceber que narrar a
memória das minhas relações e de outros indivíduos auto-definidos como brancos, com
indivíduos auto-definidos como negros, poderia ser um ponto de partida, isto é, um pretexto
para tratar de “imagens identitárias” (GONTIJO, 2002, 2004, 2005, 2006)
5
como construções
culturais resultantes de interações sociais do negro com o “outro”, com o “diferente” (SILVA,
2000).
Fora dessas possibilidades, senti um incômodo face às “certezas” e “verdades” da
ciência e da razão, em muitos aspectos semelhante ao descrito pelo professor Dr. Edwar de
Alencar Castelo Branco que afirma:
4 – Neste estudo, optei pela percepção de “contemporaneidade” de Marc Augê (1997, p. 33-90).
5 – Cf. Fabiano Gontijo (2004, p. 4): “(...) A partir da segunda metade dos anos 80, reforçando o interesse de
jovens e ‘menos jovens’ pelos cuidados corporais, o que já havia sido iniciado nos anos 70, a nova
‘juventude dourada’, em busca de mbolos de saúde, se entrega às práticas esportivas que moldam os
corpos e à ingestão de alimentos ‘energéticos’, na tentativa de construção de uma corporalidade ‘sadia’, ao
mesmo tempo que as aparências e imagens de si se diversificam e se heterogeneizam em razão da
multiplicidade de referências culturais e de uma espécie de busca desenfreada de construção identitária. É
nesse contexto que emerge com força, nos anos 90, o que chamamos de ‘imagens identitárias’, para dar
conta da fluidez das formulações e reformulações das aparências e das imagens de si identificadoras”.
A noção de “imagens identitárias” aparece em todos os trabalhos de Fabiano Gontijo (2002, 2004, 2005,
2006) que consultei. Mas é nos trabalhos de Gontijo (2002, 2004, 2005) que essa noção é melhor
explicitada.
14
Distante de leituras que apresentavam a história, a universidade e eu próprio,
como algo dado dentro de uma engrenagem que rumava fatalmente para um
destino final pré-conhecido, pude me dar conta do acaso, do indefinido e do
indeterminado como categorias históricas (CASTELO BRANCO, 2005, p.
42-43).
As considerações sobre as categorias como “acaso”, “indefinido” e
“indeterminado”, como sugere o professor Castelo Branco (2005), permitiram-me relativizar
o propósito inicial de questionar a veracidade dos depoimentos dos entrevistados, pois a
preocupação central a esse respeito passou a ser: apreender os sentidos, as significações, dar
visibilidade às suas “imagens identitárias
6
”. A verdade buscada passou a ter um caráter de
verdade de cada um, uma construção resultante da somatória das diversas subjetividades
(pesquisador e pesquisado) envolvidas, ainda que:
Isto não signifique esquecermos nosso compromisso com a produção
metódica de um saber, com o estabelecimento de uma pragmática
institucional, que ofereça regras para a produção deste conhecimento, pois
não devemos abrir mão também da dimensão científica que o nosso ofício
possa ter (ALBUQUERQUE JR, 1995, p. 11).
O contato com o trabalho da professora Antonia Jesuíta de Lima (2003)
influenciou nas escolhas da família e da educação como “vias de acesso à realidade sob
investigação”, exploradas através de entrevistas, privilegiando as trajetórias de vidas
7
dos
entrevistados. No estudo, a utilização dessas “vias de acesso” deu-se por possibilitarem
apreender, em meio às circunstâncias históricas dos anos 80 e 90
8
, como se constituíram esses
profissionais; qual o papel da educação nesse processo constituinte; que lições das relações
familiares guardam e aplicam junto aos filhos (ou sobrinhos) e, principalmente, como tudo
isso se relaciona com a constituição de suas imagens identitárias na cidade de Caxias-MA.
6 – Consultei, ainda as reflexões sobre “imagem” em Bhabha (1998) e “imagem de si”, em Pollak (1989,
1992).
7 – Neste estudo, no tocante ao uso desse procedimento, procurei seguir as orientações de José Carlos Sebe
Bom Meily (2002: 131-144); Paul Thompson (1992: 254-278) e Eclea Bosi (2003: 49-67), principalmente.
8 – Considerei aqui os comentários de Stuart Hall (2000: 9) sobre as identidades nas “sociedades modernas no
final do século XX e a “análise institucional” da modernidade com suas implantações nas “relações
pessoais” e na “identidade pessoal”, de Anthony Gidens (1991, p. 61-82, 117-126).
15
Questões mais específicas foram surgindo quanto à captura dessas “imagens
identitárias” junto aos entrevistados: Como se auto-definem sob o ponto de vista étnico?
Como representam/recepcionam a idéia de raça? O que de comum guardam sobre/das
relações com os pais e irmãos acerca de suas imagens identitárias? Como a sociedade os trata
hoje relativamente ao mesmo período etário dos pais? Como se deu o acesso, permanência e
conclusão da educação formal em face de situações de preconceito e/ou discriminação
9
por
questões étnicas? Como esse processo educativo influiu na definição das auto-imagens e dos
semelhantes? Como a família influenciou na construção dessas auto-imagens? Como e em
que medida essa educação formal contribuiu para/na inserção social e eventual
reconhecimento e respeito pessoal?
Estes questionamentos, voltados a um público específico, os entrevistados deste
estudo, assumem uma dimensão mais abrangente e recorrente, se se considerar a insistente
provocação do prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco no curso de sua disciplina
10
,
citando o enigma de Píndaro
11
: Como chegamos a ser o que somos? Muito provavelmente
diria o mesmo professor que uma narrativa sobre identidade(s) na perspectiva da história das
subjetividades
12
tem que eleger a provocação fundamental de Píndaro como central.
Nesse sentido, constituiu-se uma contribuição indispensável a idéia de Stuart Hall,
para quem: “é somente pelo modo no qual representamos e imaginamos a nós mesmos que
chegamos a saber como nos constituímos e quem somos” (HALL, 2003, p. 346).
9 - Cf. Fabiano Gontijo (2006, p. 206): “preconceito é ideologia, um conjunto de idéias pré-concebidas acerca
de algo, com base em juízos de valor e convenções morais pouco fundadas, logo, naturalizado o mito?
Discriminação, por sua vez, é prática, um conjunto de atos de distinção, diferenciação e separação com
base no preconceito – o rito?”.
10 – Refiro-me à disciplina Teoria e Prática da Pesquisa em História, ministrada no período de abril a agosto de
2005, em meio à qual esse professor, foucaultiano assumido, orientava suas intervenções partindo de uma
postura problematizadora face aos objetos de pesquisa.
11 – Referência ao poeta lírico grego, Píndaro, que nasceu em Cinoscéfalos, perto de Tebas (Beócia), em 518
a.C., morreu em Argos (?) em 438 a.C. A poesia de Píndaro teve o mérito de revelar aos gregos a grandeza
pessoal do homem (Enciclopédia Mirador, vol. 15, p. 8898).
12 – Lembro aqui das explicações/orientações do professor Doutor Edwar de Alencar Castelo Branco , quanto a
perceber que “natureza”, “real” e “sexo”, para citar três exemplos, são distintos de “naturalidade”,
“realidade” e “sexualidade”, respectivamente. Os três principais conceitos referem-se ao mundo físico e, os
seguintes, ao mundo da cultura.
16
Tendo em conta que aquilo que somos tem a ver com o que chamamos
identidade(s), então, importou saber, conforme Manuel Castells, “como, a partir de quê, por
quem, e para que isso acontece” (CASTELLS, 1999, p. 23).
Pelo menos dois aspectos do que propõe Manuel Castells (1999) sobre
identidade(s) importou analisar aqui: o primeiro diz respeito às diferenças entre “papéise
“identidade”. Para esse autor, “é necessário estabelecer a distinção entre identidade e o que
tradicionalmente os sociólogos têm chamado de papéis, e conjunto de papéis” (CASTELLS,
1999, p. 22). Isso considerando que há, intencionalmente ou não, utilização inadequada nos
níveis metodológicos e teóricos, do conceito de identidade, muitas das vezes operacionalizado
como se fosse “papel”. O outro aspecto relevante da/nas reflexões de Castells, resultante desse
primeiro, trata-se da possibilidade de, existindo não uma, mas múltiplas identidades que nos
atravessam, definir aquela que seja a principal, predominante ou “primária”:
Proponho também a idéia de que, para a maioria dos atores sociais na
sociedade em rede, por motivos que esclarecerei mais adiante, o significado
organiza-se em torno de uma identidade primária (uma identidade que
estrutura as demais) auto-sustentável ao longo do tempo e do espaço
(CASTELLS, 1999, p. 23).
É muito claro para Manuel Castells (1999) a distinção entre identidade, que se
relaciona à “significação” e papel, que mantém relação com “função” que um indivíduo
exerce cotidianamente. Mas identidade e papel são, antes de tudo, conceitos, artifícios criados
pelo homem para mediar as relações inter-pessoais e com a natureza. Conceitos que são
preservados na memória e tomam vida na e através da linguagem.
Para Claude Lépine (1979) não basta dizer que o homem é diferente do animal por
que é inteligente, pois muitos animais apresentam os mesmos “mecanismos” da inteligência
verificada no ser humano; não é o bastante, igualmente, buscar sua diferenciação
comparativamente aos animais na sua inclinação à sociabilidade, na medida em que é possível
perceber nas formigas e abelhas, por exemplo, uma grande capacidade de “organização
social”.
17
O atributo que diferencia o homem e o alça à circunstância de “superior” no reino
animal é a linguagem. Assim, “para compreender o homem e situá-lo, importa então inclinar-
se sobre a linguagem, e precisar, no plano da linguagem, o que diferencia o homem do
animal” (LÉPINE, 1979, p. 20).
Assumir esse diferencial fundamental pela linguagem implica o levantamento de
algumas questões: Compreendendo e situando o homem na/pela linguagem, teríamos então
que o homem é linguagem? Que a linguagem institui o homem? Que sem a linguagem o
homem não seria nem se daria a conhecer? Que pela linguagem, enfim, o homem se
representa e se deixa representar?
Anterior ou sem a linguagem havia o real (natureza) que, embora informado e
dinâmico, carecia de autonomização e representação, isto é, tornar-se realidade (cultura).
Esse nomear-se, essa percepção conceitual auto-estabelecida homem pôde
emergir mediante a aquisição de uma capacidade adicional, a “função simbólica”:
A função simbólica inaugura, no homem, uma nova forma de relação com o
ambiente físico e uma nova forma de adaptação [...] o homem vive em um
meio artificial de símbolos; não reage diretamente às coisas, mas às idéias
que ele tem sobre as coisas; não pode perceber ainda senão através da
interposição deste meio simbólico que o afasta da realidade física (LÉPINE,
1979, p. 23).
A identidade é, pois, uma construção mediada por símbolos criados pelo homem,
que mantém relação com a memória.
Para tratar das relações entre imagens identitárias e memória apoiei-me
diretamente no trabalho de Michael Pollak (1992) e indiretamente nas reflexões de Axel
Honneth (2003), quanto às ações de “desrespeito” serem capazes de impulsionar posturas de
“resistência social” e de “luta por reconhecimento”; e de Paul Thompson (2002) sobre os
benefícios que o preparo psicanalítico pode trazer aos “historiadores orais” no seu trabalho de
perscrutar a memória dos seus entrevistados e a sua própria, tendo em vista a compreensão do
“dito” e do “não dito”.
18
No texto-conferência Memória e Identidade Social, Pollak apresenta “os
elementos constituintes da memória” que estão organizados em dois grupos. No primeiro
grupo encontram-se “os acontecimentos vividos pessoalmente”; e, no segundo, “os
acontecimentos vividos por tabela”, em meio aos quais está a “memória herdada” que,
conforme propõe:
São acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou, mas que, no
imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase
impossível que ele consiga saber se participou ou não. Se formos mais longe,
a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar todos os eventos que
não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo. É
perfeitamente possível que por meio da socialização política, ou da
socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação
com determinado passado, tão forte que podemos falar numa memória quase
que herdada (POLLAK,1992, p. 2).
Complementarmente a essa base que se pode chamar de imaterial, ou seja, ao que
em Michael Pollak (1992) está presente “no imaginário”, e que se processa através da
“socialização política” ou da “socialização histórica”, proporcionando um fenômeno de
projeção ou de “identificação com determinado passado”, não se pode desconsiderar alguns
aspectos materiais (fenotípicos) que, embora não podendo mais ser vistos como determinantes
ou critérios válidos para uma classificação etnográfica, reforçam essa “memória quase que
herdada”, de que nos fala Pollak, por meio de um perceber-se (parecer-se) fundamentando o
sentimento de “pertencimento” a um grupo, a uma história e/ou a uma circunstância cultural
que venha a ser denominada, por exemplo, como Identidade Negra.
O conceito de “pertencimento”, caro a Michael Pollak (1992), é uma das
possibilidades teóricas cuja elasticidade permite comportar, inclusive, as motivações pessoais
ligadas a este estudo.
Muitos aspectos constituem a relação do pesquisador com o seu objeto de
pesquisa. Michel de Certeau (1995) considera que as escolhas do autor, sua concepção
filosófica relacionam-se aos objetos de pesquisa que investiga. Para ele “toda pesquisa
19
historiográfica é articulada a partir de um lugar de produção socioeconômica, política e
cultural” (CERTEAU, 1995, p. 18).
O interesse do pesquisador por este ou aquele objeto de pesquisa não é evento que
se dê de forma desinteressada, inocente. Contribuem para essa relação: motivações, interesses
assumidos ou velados. Nesse sentido é importante observar o que pensam Christian Laville e
Jean Dionne:
Consciente de que imprime, em suas pesquisas, seus próprios pontos de vista
e determinação, o pesquisador torna-se mais sensível aos efeitos que isso
pode ter sobre a ciência; interroga-se sobre as influências que sobre ela
pesam, orientam-na, definem-na, determinam sua natureza (LAVILLE &
DIONNE, 1999, p. 38).
Neste caso, a escolha da temática imagens identitárias negras como objeto de
pesquisa traduz a influência/convergência de quatro experiências familiares e pessoais: a) as
histórias contadas por minha avó
13
sobre o seu pai; b) a minha mãe negra Dadá”; c) o
relacionamento amoroso de minha mãe com um senhor negro e d) as amizades que tive e
tenho com indivíduos auto-definidos como negros.
a) Sobre minha avó materna, muito cedo aprendi a ouvir as histórias que contava
sobre meus bisavós. Do seu pai, especificamente, dizia tratar-se de alguém cujos “traços”
eram marcadamente de “preto”. Por causa da minha tenra idade aquilo soava estranho para
mim, pois olhava para minha mãe e percebia sua pele “branca”, os pelos de seus braços e
pernas aloiradas (“fogoió”, como se dizia), seus cabelos lisos (embora pretos) a ponto de
caírem constantemente sobre os olhos (também pretos).
b) Minha mãe negra “Dadá”, não sei ao certo o momento e a circunstância em que
se deu sua aproximação da minha família. Sei que cresci convivendo com uma pessoa
“negra”, a quem desde cedo aprendi a chamar de “Dadá”. Com certeza essa pessoa deve ter-
13 - Maria José do Nascimento Morais (1911-2007), embora tendo perdido a capacidade de locomoção nos
últimos meses da sua vida, conseguia lembrar e narrar histórias conhecidas e eventos vivenciados por ela
na infância.
20
se aproximado de minha mãe biológica
por intermédio de gestos de amizade (na juventude
eram vizinhas e acabaram ficando “comadres” de fogueira). O modelo dessa relação sempre
foi para mim algo muito especial, pois nela, durante mais de dez anos
14
, não vi e/ou senti o
menor gesto, fala ou sentimento que expressasse incômodo numa das duas quanto à percepção
da pele clara (“branca”) em uma e a percepção da pele escura (“preta”), na outra.
Hoje, refletindo sobre a história da relação entre as minhas mães biológica e
adotiva (adotei e fui adotado pela minha segunda mãe sem a apartação da primeira, vivíamos
todos juntos), destaco dois momentos que marcaram decisivamente em mim a certeza do
caráter histórico e cultural das diferenças ainda atribuídas a “brancos” e “pretos”.
O primeiro momento foi aquele em que a minha mãe biológica decidiu dar a mim
e a minha irmã mais velha
15
para minha mãe adotiva, “Dadá”. Esse gesto, embora premido
por “razões” socioeconômicas, expressava a confiança numa pessoa e na sua amizade,
considerando que a prática da época quanto a “doações” recaía mais sobre membros
consangüíneos da família, padrinhos e madrinhas ou pessoas de posse (eu mesmo fui
pretendido por um casal
16
formado por um médico obstetra, Dr. Cleber Ferro e uma assistente
social, Dra. Íris Ferro, pretensão que minhas mães não concretizaram).
O segundo momento foi quando, agonizando em meio a um quadro terminal,
minha mãe biológica disse-me que eu e meus irmãos deveríamos amar e tomar conta da nossa
“Dadá” como se fosse nossa mãe “verdadeira”, pois se ela, mãe biológica, havia engravidado
e parido todos nós, foi ela, a mãe adotiva Dadá, que houvera sentido as dores.
c) Acerca do relacionamento amoroso de minha mãe biológica com um indivíduo
negro
17
, devo dizer inicialmente que embora tenha tido aproximadamente oito (8) filhos, ela
14 – Considerei o tempo vivido de 1974, quanto tinha 10 anos de idade até o falecimento da minha mãe
biológica em 1985.
15 - Francinilde Maria Morais Oliveira, 40 anos, casada, acadêmica do Curso de Pedagogia
(FETMA/FATEBB).
16 - Esse casal viveu em Caxias-MA, durante as décadas de 60 e 70, transferindo-se para Peritoró (MA) e,
depois, para São Luis (MA).
17 - Decidi não citar o nome e/ou informações identificadoras desse senhor, em função de não ter solicitado
autorização do mesmo nesse sentido.
21
não chegou a contrair matrimônio com o meu pai
18
ou com os outros homens com quem
chegou a se relacionar. Dessas relações, lembro-me apenas de duas: com meu pai, que
resultou, conforme meu conhecimento, em sete (7) filhos; e a com esse indivíduo negro que
resultou no meu irmão caçula, Fernando de Morais Costa (1983-). Dessa relação, recordo-me
da forma respeitosa e responsável com que aquele indivíduo tratava minha mãe, eu, meus
irmãos e os outros membros de nossa família.
Lembro-me da sua preocupação com a nossa educação. Mas, lembro-me, também,
do quanto foi duplamente conflituosa em mim a sua presença em nossas vidas: seja pelo fato
de ser casado com outra mulher, seja em decorrência das “cobranças
19
” que sentia dos
vizinhos e amigos adolescentes que o percebiam como negro.
d) Das amizades com indivíduos negros que tive e tenho, mesmo correndo o risco
de cometer injustiça, destaco para o fim a que me proponho neste estudo, as de Elder Pereira
Silva (falecido); Antonio Carlos; JoFilho. Estes, quando minha família chegou à Rua do
Alecrim, no bairro Cangalheiro, no ano de 1970, lá já estavam com suas famílias. Nos
primeiros encontros com estas famílias percebi diferenças entre os membros de cada uma
delas, quanto à cor da pele. O pai de Elder, pele mais clara em relação à mãe e alguns irmãos;
as mães de Antonio Carlos e José Filho, mulheres auto-identificadas como brancas. Elder,
Antonio Carlos e José Filho faziam parte do grupo de amigos mais próximos com os quais
brincava de bola, “pegador”, “mãos ao alto”, “triângulo”, papagaio (pipa), peteca (bola de
gude), etc, na Rua do Alecrim, na década de 70
20
. O Elder, infelizmente, faleceu aos 34 anos,
em 1996, vítima de complicações hepáticas e endócrinas conforme fiquei sabendo.
Destaco, também, as amizades de Domingas Pereira dos Santos, Joaquim de
Sousa Neto, Rosa Nilde da Conceição, Jorge e Antonio Luis Oliveira Rocha, João Almeida
18 - Pedro Silva Pereira, falecido em Caxias-MA, aos 65 anos, em 26 de janeiro de 1995.
19 - Interessante observar sobre essas “cobranças” que: a) existiam quanto ao senhor negro, mas não quanto à
minha mãe negra; b) pergunto-me hoje até que ponto elas não eram resultado do meu próprio preconceito
de adolescente que se percebia branco?
20 - Decidi fazer esse registro de forma mais detalhada tendo em vista reforçar o entendimento do caráter
relacional e histórico-cultural das “imagens identitárias”. Eu e esses três amigos tínhamos, no ano de 1970,
entre 6 e 7 anos. Vivemos felizes as brincadeiras de nossa época de crianças sem que questões étnicas
determinassem essas relações. Nessa faixa etária percebíamos as “diferenças” entre nós, mas elas não eram
significadas como “diferenças negativas”.
22
Cruz Santiago, Armênio José, José Raimundo de Sousa Rezendes, Maria dos Santos Rocha,
Graça Maria Coimbra, Ivan Henri Jansen Corrêa, Raimundo Nonato, Newton Moraes, Yraci e
José Manuel Compasso, Carlos e Sebastiana Pereira da Silva, Francisco Pereira de Sousa,
Jenivaldo Lima de Abreu, Teresinha e Maria da Conceição Firmino da Silva
21
, entre outros.
Destas amizades, não lembro de momento algum em que tenhamos vivido conflito por causa
de diferenças fenotípicas ou pretensões étnicas.
Essas quatro importantes circunstâncias na minha vida marcaram-me
profundamente e orientaram minha percepção sobre o “diferente”, o “outro” (SILVA, 2000) e
traduzem minha relação com o objeto imagens identitárias negras. As significações dessas
relações na minha consciência fazem-me lembrar das “impressões” da infância de Joaquim
Nabuco (1849-1910). Esse escritor e político abolicionista brasileiro do Segundo Reinado,
narra no livro Minha formação (2004), uma experiência vivida por ele com um jovem negro
que o acorreu em desespero, quando morava no engenho Massangana, de propriedade da sua
madrinha Ana Rosa Falcão de Carvalho:
[...] a escravidão para mim cabe toda em um quadro inesquecido da infância,
em uma primeira impresssão, que decidiu, estou certo, do emprego ulterior
da minha vida. Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior
da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido,
de cerca de dezoito anos, o qual se abraça aos meus pés suplicando-me, pelo
amor de Deus, que o fizesse comprar por minha madrinha, para me servir.
Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele,
dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida... Foi esse o traço
inesperado que me descobriu a natureza da instituição, com a qual eu vivera
até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava (NABUCO,
2004, p. 137).
Como em Joaquim Nabuco, muito precocemente impressões definitivas sobre o
negro foram estabelecidas na minha consciência. Os relacionamentos com indivíduos negros
desde tenra idade me fizeram sensível às diferenças que nos constituem e possibilitam as
“imagens identitárias” que cada um de nós constrói de si e do outro.
21 - Maria da Conceição Firmino da Silva, Conceição como eu a chamava, faleceu no dia 19.06.07, às 05h00,
em conseqüência de uma leucemia. Uma possível causa dessa leucemia foi a anemia falciforme não
diagnosticada prematuramente que ela contraiu. A relação entre essa “hemoglobinopatia” e os indivíduos
negros é analisada por Peter Fry (2005, p. 274-300).
23
Mas quem são esses indivíduos negros, escolhidos como colaboradores neste
estudo? Quais os critérios adotados para as suas escolhas? Quantos são e o que se buscou nos
seus depoimentos?
Os indivíduos negros
22
cujas “imagens identitárias” (GONTIJO, 2002, 2004,
2005, 2006) foram apreendidas residem e trabalham na cidade de Caxias-MA. Nessa cidade
seus pais vivem ou viveram; em Caxias receberam a formação fundamental para a vida e para
o convívio social, as primeiras noções de amor, amizade, respeito, mas igualmente de
preconceito, de discriminação, por apresentarem aspectos fenotípicos peculiares. Esses
indivíduos negros estão principalmente no serviço público, com destaque para o magistério
básico e superior.
Não foi dada ênfase àqueles indivíduos negros com nenhuma ou com precária
escolaridade e/ou sem profissão definida (apenas dois indivíduos, um homem de 79 anos e
uma mulher de 82 anos, foram ouvidos). Isto aconteceu em razão de acreditar que “o estudo
da situação do negro, porém, não pode percebê-lo como alguém passivo e/ou coitadinho, o
que muito provavelmente contribui (u) para a afirmação de uma ‘imagem’ negativa deste”
23
(MORAIS, 2004, p. 10).
No tocante a faixa etária dos entrevistados foi adotado como parâmetro geral para
definição, aquelas pessoas que durante as décadas de 80 e 90 tenham vivido em Caxias com
suas famílias, trabalharam e, embora não tenham adquirido formação profissional (superior ou
não) na cidade, nasceram, viveram a infância e adolescência, saíram para estudar fora” e
voltaram para sua terra natal.
O fator quantidade de entrevistados obedeceu à orientação da professora Doutora
Antonia Jesuíta Lima que recomenda:
22 - Durante este estudo, tenho mantido contatos permanentes com o que chamo de núcleo de colaboradores
(seis indivíduos negros e três indivíduos brancos) e contatos pontuais com outros (as) amigos (as) negros
(as) e brancos (as). Os indivíduos negros desse núcleo de colaboradores m escolaridade superior e renda
familiar entre três (3) e vinte (20) salários mínimos. No entanto, foram estudados complementarmente dois
(2) indivíduos negros com idade, escolaridade e renda diferentes dos indivíduos que compõem o núcleo de
colaboradores.
23 - Cf. AZEVEDO, Célia Maria Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites. Século
XX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 175-179.
24
A natureza do conteúdo a captar, de caráter estritamente subjetivo, implicou
a não delimitação prévia de um número definitivo de famílias, que se foi
constituindo à medida que a investigação se processava, tendo como único
parâmetro a qualidade do que se produzia nos discursos em relação aos eixos
temáticos propostos (LIMA, 2003, p. 36).
Esse “caráter estritamente subjetivo” a que se refere a professora Antonia Jesuíta
Lima (2003), orientou esta pesquisa sobre imagens identitárias negras quanto a não dar muita
importância aos aspectos relacionados à cor de pele, textura e cor de cabelos, conformação de
lábios e nariz (fenotipia). Antes, porém, foi considerado fundamentalmente o que Michel
Pollak (1989), citando Emile Durkheim (1858-1917) chama de “pertencimento”:
Na tradição metodológica durkheimiana, que consiste em tratar fatos sociais
como coisas, torna-se possível tomar esses diferentes pontos de referência
como indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado grupo,
uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma
memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o que o
diferencia dos outros, fundamenta e reforça o sentimento de pertencimento e
as fronteiras sócio-culturais [grifo nosso] (POLLAK, 1989, p. 3).
Cursar a disciplina Teoria e Prática da Pesquisa em História, no primeiro semestre
de 2005, oportunizou um diálogo com o professor
24
da disciplina que indicou novos rumos
para a pesquisa. Um dos canais desse diálogo foi o TCC Identidade como objeto de pesquisa:
questões teórico-metodológicas verificadas numa experiência de ingresso no Curso de
Mestrado em História da UFPI (2005.1)(MORAIS, 2005).
Depois de examinar atentamente a narrativa presente no trabalho, o professor fez
considerações sobre o objeto de estudo e os recortes temporal e espacial da pesquisa:
Eu acho que você tem claro um objeto afro-descendentes –, um lugar
Caxias e um tempo os últimos 20 anos do século XX. Tudo isto está
bom, porque lhe permite dizer, convictamente, ‘eu quero fazer um estudo
dos últimos 20 anos da história de Caxias, tomando como pretexto as
condições de existir experimentadas por afro-descendentes’ (CASTELO
BRANCO, 2005).
24 - Informo nas notas 10 e 12.
25
Em que pese ter considerado “bom” o fato de ter claro o objeto e os recortes, o
professor faz em seguida importantes observações sobre o que indica “não está bom” o
método:
1 Quando o trabalho referir “afro-descendentes” será preciso remeter a um
lugar para o qual Caxias não serve. Não é possível ter uma interlocução com
afro-descendentes em Caxias porque isso significaria dialogar com
praticamente toda a cidade.
2 Talvez seja ideal então fazer um recorte. Poderíamos escolher uma ou
mais escolas, um bairro, uma escola de samba, um grupo folclórico, etc. E, a
partir daí, construir questionários que permitissem indagar sobre a identidade
cultural do público-alvo (IDEM).
No tocante ao que o professor Edwar Castelo Branco indica “não está bom”, ou
seja, não é possível ter uma interlocução com afro-descendentes em Caxias, porque isso
significaria dialogar com praticamente toda a cidade, trata-se de situação problemática para a
qual escolhi dois encaminhamentos: 1) quanto à “interlocução com afro-descendentes”, foram
levantados critérios para identificar quem seriam os indivíduos negros que a pesquisa buscou
ouvir.
Esses critérios resultaram de uma postura político-filosófica assumida, que
consiste em procurar escapar de uma postura historiográfica vitimizadora
25
, apassivadora, que
trata o negro como “coitadinho”, incapaz de assenhorar-se do seu próprio destino; 2) quanto
aos diálogos com toda a cidade, busquei o apoio em experiências acadêmicas em que essa
dificuldade foi superada por meio de adoção de amostragem de interlocutores privilegiados
26
.
Dentre estes, foram ouvidos dois (2) indivíduos (um homem e uma mulher) auto-definidos
como brancos, com vista a perceber a construção das imagens identitárias a partir do
“diferente”, da “relação” e do “outro” (SILVA, 2000).
25 - Ver nota 32.
26 - Nos trabalhos de Lima (2003: 36), Cardoso (2003: 37), Nascimento (2002: 22-23) e Castelo Branco (1996,
20-27), exemplos de interlocuções com indivíduos tendo em vista a apreensão de sentidos ou
significações de eventos vivenciados e/ou conhecidos por eles.
26
Encontradas, assim, saídas para as dificuldades metodológicas relacionadas à base
empírica, foi acrescentado mais uma variável: as amizades, igualmente adotada como “via de
acesso à realidade pesquisada” (LIMA, 2003). A escolha destas variáveis relacionou-se à
expectativa de ser, principalmente nos espaços
27
constituídos pelas mesmas, (família,
educação, amizades e o próprio corpo) que se constroem as “práticas discursivas” e “não
discursivas” de que fala Michel Foucault (1984, 1985, 1986) e que buscam produzir as
“subjetividades” e “sujeitações” dos indivíduos.
b) Metodologia da pesquisa e divisão do texto
Além da pesquisa bibliográfica e documental, seguida de análise crítica e
reflexiva, foi empregada a metodologia da História Oral
28
. Duas constatações fundamentais
determinaram o emprego dessa metodologia: tratar-se de um estudo inserido na chamada
“história do tempo presente” (POLLAK, 1992, p. 12) em que os principais sujeitos envolvidos
estão vivos, apresentando faixa etária entre 32 e 82 anos. Busquei com o estudo apreender as
“imagens de si” (POLLAK, 1989, 1992; GONTIJO, 2004) que esses sujeitos constroem,
pretensão que definiu a necessidade de lançar mão de procedimentos capazes de realizar a
apreensão dessas “imagens”, ainda que com as limitações inerentes a uma “interpretação […]
de segunda e terceira mão” (GEERTZ, 1989, p. 25-27). Da história oral, no entanto, foram
utilizados vários dos seus procedimentos. A operacionalização dos procedimentos aconteceu
em etapas: na primeira, foram estabelecidos os primeiros contatos com os entrevistados,
27 - Preferi o uso do termo “espaço” a “grupo”, conforme verificado em Maurice Halbwachs (1990), em razão
de perceber maior possibilidade significativa no primeiro. Mas o fundamental é que são nas relações
estabelecidas nos espaços ou grupos, principalmente a partir de “pontos de contatos” construídos entre os
seus membros, que ocorrem as construções de imagens identitárias, tanto do eu quanto do outro. Entram
ainda na constituição dessas imagens, possibilidades como “continuidade” e “coerência”.
28 - Além das referências indicadas na nota 7, consultei os trabalhos de FREITAS, Sonia Maria de. História
oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP. Imprensa Oficial do Estado,
2002; FERREIRA, Marieta de Morais e AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro:
FGV, 1996; e, SIMPSON, Olga Rodrigues de Morais Von (org.). Os desafios contemporâneos da história
oral. Campinas, SP: CMU/UNICAMP, 1997.
27
momento em que foram formalizados os convites, esclarecidos os fins e procedimentos a
serem adotados, adiantando propostas de espaços para recolhimentos dos depoimentos; em
seguida foram realizadas as entrevistas, com suporte em aparelho rádio “z” repórter e micro
fita k-7, orientadas por um roteiro com questões biográficas (trajetória de vida) e temáticas
(Identidade, Memória, Cidade, Discriminação e Preconceito). Depois foi realizada
complementação com questões escritas que foram entregues aos entrevistados para, sob
acompanhamento
29
, responderem em casa e entregarem posteriormente. A aproximação e o
diálogo permanentes foram mantidos entre pesquisador e pesquisados mediante leituras e
discussões das versões preliminares dos textos produzidos.
Esses pressupostos teóricos e metodológicos permitiriam organizar o presente
estudo sobre imagens identitárias negras, em três capítulos. No primeiro, empreendo leituras
de autores cujas obras foram originalmente produzidas entre as décadas de 30 a 80. Os
ensaístas das décadas de 30 e 40: Gilberto Freyre ([1933] 1998), Sérgio Buarque de Holanda
([1936] 1975) e Caio Prado Júnior ([1942] 1983); os representantes da chamada Escola
Paulista, das décadas de 50, 60 e 70: Florestan Fernandes (1978), Fernando Henrique Cardoso
(1991), Otávio Ianni (1962) e Emilia Viotti da Costa (1987); e estudiosos do pensamento
brasileiro que tratam da presença do negro, das décadas de 60, 70 e 80: Paulo Mercadante
(1965), Tomas Skidmore (1976), Carlos Hasenbalg (1979), Célia Maria de Azevedo Marinho
(1987) e Paula Beiguelman (1976). Objetivei com essas escolhas perceber as “imagens
identificadoras” (GONTIJO, 2002, 2004, 2005, 2006) do negro produzidas por esses
representantes da historiografia brasileira ao longo de seis (6) décadas. Pressuponho que as
imagens historiográficas construídas até a década de 60 contribuíram para organizar uma
“memória histórica” (LE GOFF, 1996) que justificava as diferenças entre negros e brancos no
Brasil. Isto não para afirmar individualidades, mas para fundamentar pretensões de
29 - Cf. Babbie, E. Questionário auto-administrativo. In: Métodos de pesquisa de Survey. Belo Horizonte.
UFMG, 2003. p. 247-258.
28
superioridade de um grupo social sobre o outro. Uma nova percepção do negro passa a ser
construída a partir da cada de 70, em meio a eventos internacionais, com repercussão no
país, como a crise dos paradigmas tradicionais positivista e marxista
30
e o surgimento do
movimento negro
31
, entre outras mudanças culturais
32
.
O segundo tem por base leituras de Ferdinand Saussure (1995), Sigmund Freud
(1900, 1997), Michael Pollak (1989, 1992), Fabiano Gontijo (2002, 2004, 2005, 2006), Stuart
Hall (1996), Henry Bergson (1999), Maurice Halbwachs (1990) e Jacques Le Goff (1996),
entre outros. Analiso depoimentos dos interlocutores Antonio Henrique Passos de Sousa
Santos, 43 anos; Maria Rocha Fernandes, 53 anos; Maria Íris Mendes, 38 anos; Rosa Maria
Soares, 82 anos; Tomás Fernandes dos Santos, 79 anos; Jorge Luis Oliveira Rocha, 34 anos;
João Almeida Cruz Santiago, 35 anos. O objetivo é a apreensão das percepções destes sobre a
presença negra na história do Brasil. É pressuposto neste capítulo que a história da
experiência escravista brasileira, conservada e transmitida através de “suportes da memória”
(POLLAK, 1989, 1992) escritos, iconográficos e/ou orais, produz ecos na
“contemporaneidade” (AUGÊ, 1997). Verifica-se que preconceitos e discriminações a
indivíduos de pele escura auto- definidos e identificados socialmente como negros, são os
mais perceptíveis desses ecos.
O terceiro capítulo faz reflexão sobre as “imagens de si” (GONTIJO, 2004;
POLLAK, 1989, 1992) e do “outro”, do “diferente” (SILVA, 2000), construídos por dois(2)
interlocutores auto-definidos como negros, Antonio Henrique Passos de Sousa Santos, 43
anos; e Elizete Santos Abreu, 38 anos; e dois (2) interlocutores auto-definidos como brancos,
Cícero Veloso de Araújo, 37 anos; e Joseneyde Ferreira Vilanova, 36 anos. O conceito de
“imagem de si” foi melhor operacionalizado a partir da apreensão do conceito de “imagem”
30 - Cf. PESAVENTO (2004)
31 - Ver SILVA (1994), RIBEIRO (1998), NASCIMENTO e NASCIMENTO (1997) e GONÇALVES (1982).
32 - Para a professora da UNICAMP, Silvia Hunold Lara (1995), essa nova percepção do negro na História do
Brasil tem relação com o conhecimento, por historiadores brasileiros, da obra de Eduard Paul Thompson.
29
em Homi K. Bhabha (2003). Deste autor adotei, ainda, os conceitos “colonização” e
“deslocamento”, como possibilidades teóricas que permitiram compreender o processo de
“tornar-se negro”. O corpo, a família, as amizades e circunstâncias educacionais são
percebidas neste capítulo como espaços privilegiados de construção desse “tornar-se negro”.
Nessa reflexão sobre “imagens de si” e do “outro”, do “diferente”, lancei mão de leituras de
Marc Augê (1999), Tomás Tadeu da Silva (org.) (2000), Manuel Castells (1999), Stuart Hall
(2000, 2003) e Erving Goffman (2004), como obras gerais sobre Identidade e de K. Munanga
(1999), Nei Lopes (1992), N. S. Sousa (1983) e Conceição Correia das Chagas (1996), como
obras específicas para o estudo sobre imagens identitárias negras.
30
1 – IMAGENS DO NEGRO NA HISTORIOGRAFIA
a) Mercadoria , animal produtor de riquezas e objeto de desejos
1.1. Conceitos e práticas
A professora de História da África, da Universidade de São Paulo (USP), Marina
de Melo e Sousa (2002) faz importantes considerações sobre os conceitos de escravidão e
escravismo. Conforme a autora, escravidão é uma prática tão antiga quanto o próprio
surgimento das primeiras sociedades humanas e se difere de escravismo. Escravo é
fundamentalmente quem perdeu a capacidade de decidir sobre o seu destino e o próprio corpo,
estando submetido a outra pessoa, inclusive como objeto de compra e venda. Escravismo é a
forma dominante de exploração/apropriação dos recursos naturais de um país ou região, com
base na utilização compulsória da força de trabalho humano (SOUZA, 2002).
De um modo geral, a prática de exploração/apropriação dos recursos naturais das
Américas, adotada pelos europeus durante os séculos XV a XIX, foi o escravismo. A chamada
América Portuguesa (1500-1822) é um exemplo clássico de como o escravismo, como um
sistema de exploração/apropriação de recursos naturais, pôde sobreviver eficazmente durante
tanto tempo, considerando ser o mesmo fundado na violência sistemática.
O historiador Jacob Gorender (1923-) faz instigante análise em A escravidão
reabilitada (1991) sobre o caráter violento do escravismo. Ali o autor reafirma sua convicção
da imanência da coerção ao sistema escravista, posição anteriormente elaborada em O
escravismo colonial (1980) e aponta os trabalhos de Stuart B. Schwartz (1977) e Kátia
Mattoso (1972) como tributários de uma perspectiva historiográfica que vem de Eugene
Genovese (1979) e Gilberto Freyre (1998).
31
Segundo Gorender, essa linha de “justificativa do passado escravista” é percebida
ainda nos trabalhos de João José Reis (1986) e Sílvia Hunold Lara (1988). As conclusões de
Gorender, inscritas na tradição marxista, a respeito desses trabalhos e de outros que considera
relacionados com maior ou menor comprometimento com a perspectiva neo-patriarcalista”,
são corrosivas: “o falatório tumultuoso destes anos recentes sobre a escravidão benemerente,
paternal, legalista, com negociações pacíficas, acordo sistêmico e paz social entre classes
antagônicas, não é ideologia reacionária travestida de historiografia moderníssima do ponto
de vista metodológico” (GORENDER, 1991, p. 43). Um contraponto às análises de Gorender
foi feito por Suely Robbes Reis de Queiroz (1998).
O estudo sobre escravidão e escravismo é central para a compreensão da
sociedade brasileira, principalmente quanto ao esclarecimento de questões fundamentais,
relacionadas à sua constituição, tais como: O que é o Brasil? O que são os brasileiros? Qual
(is) imagem(ns) identitárias(s) atravessa(m) as formas culturais dominantes definidoras do
que é o Brasil, a sociedade brasileira e o brasileiro?
Um Brasil que viesse a emergir a partir da “evolução” societária dos povos
originários encontrados pelos portugueses e isento das deformidades culturais do escravismo
praticado por estes, foi indicado pela literatura romântica do escritor cearense José de
Alencar
33
(1997) e pela literatura, com feição de ensaio antropológico, do mineiro Darcy
Ribeiro (1976). Mas esse Brasil de José de Alencar e Darcy Ribeiro não foi possível. O Brasil
que conhecemos dos três primeiros séculos iniciais (XVI XVIII) é resultado,
principalmente, de um projeto dos lusitanos e o que surgiu a partir dali é ainda indefinido para
os brasileiros.
Do Brasil construído pelos portugueses herdamos a atual estrutura geográfica
continental, a unidade política e um legado cultural, em meio ao qual se destacam a língua e a
33 - As imagens de uma América e de um Brasil idílicos sem os males da escravidão negro-africana
representadas por José de Alencar são analisadas por Renato Janine Ribeiro (1998).
32
religião.
34
Mas os portugueses, com a exploração/apropriação sistemática dos recursos
naturais de sua colônia americana, através do escravismo, nos legaram também marcos
culturais negativos, com destaque para o preconceito e a discriminação ao trabalho braçal e a
grupos sociais, como o indígena e o negro. A análise desses marcos culturais negativos é
importante para a compreensão do como chegamos a ser o que somos, do nosso tornar-se
como brasileiros diferentemente do tornar-se de outras realidades sociais.
Esses marcos culturais para 44,2% dos brasileiros auto-definidos como pardos ou
negros (IBGE/PNAD/1996) fazem parte do dia-a-dia. A cor da pele os vincula culturalmente
ao escravismo, conforme se depreende da análise da professora de História na Universidade
Federal Fluminense (UFF), Hebe Maria Mattos:
Para os liberais radicais da geração da independência, a cor não deveria
importar, mas a dificuldade de se falar dela tornava evidente que a vitória
permanecia limitada, já que não se conseguia dissociar o ‘homem de cor’ da
memória da escravidão de seus antepassados. (…) A discussão atual sobre
políticas de separação e a reivindicação de uma identidade negra recolocou
na ordem do dia a memória da escravidão inscrita na pele de milhões de
brasileiros (MATTOS, 2005, p. 17 e 20).
Embora não sendo instituição que encontrasse apoio em toda a sociedade
européia, a escravidão foi defendida pelos elaboradores da forma dominante de pensamento,
em Portugal dos séculos XV e XVI. Escritores como Luiz Vaz de Camões (2000) aceitaram
essa prática como evento ligado ao “destino” de Portugal e à sua missão de difundir a fé
cristã. Outro argumento para a defesa do escravismo praticado pelos portugueses foi o de que
eles não levaram a escravidão para o continente africano. Quando os lusitanos chegaram às
costas da África muito que essa prática era corrente entre os iorubás e até mesmo entre os
bantus.
34 - Cf. FAORO (1975), GODINHO (1971) e DA MATA (1987) é um fato demonstrado que o nosso
modelo “civilizatório” foi transportado de Portugal.
33
1.2. O negro na África e o tráfico negreiro
O conhecimento da prática escravista entre os povos africanos só foi possível com
o estudo mais aprofundado sobre a História da África e para muitos estudiosos do escravismo
brasileiro, esse conhecimento causou um impacto muito grande. Mas será que a escravidão
era uma prática dominante de exploração dos recursos naturais africanos pelas diversas tribos,
cidades e estados que constituíam a África, quando os portugueses (e outros europeus)
chegaram? O que sabemos hoje é que, sem o conhecimento da História da África, não é
possível chegarmos a responder essa questão, nem entendermos nossa formação sócio-
cultural.
Estudos como o do especialista em História da África, Joseph Miller (2006), nos
permitem saber que dos cerca de 125 milhões de africanos na costa e interior da África, entre
os séculos XV e XIX, aproximadamente 11 milhões desembarcaram nas Américas. Deste
total, cerca de 4 a 5 milhões foram trazidos para o Brasil
35
. O tráfico como uma atividade que
impulsionava o desenvolvimento comercial europeu dos séculos XV e XVI, necessitava de
enormes recursos. Um traficante ou grupo de traficantes não poderia operar sem a
intermediação de financiadores. Por sua vez a presença desses financiadores no negócio
exigiu uma regulamentação através de leis comerciais, civis e políticas. Os escravos,
adquiridos como uma mercadoria qualquer, eram utilizados de forma a gerarem capitais
capazes de cobrir seu próprio financiamento e os lucros dos demais agentes envolvidos com o
tráfico.
Como uma mercadoria vulnerável a perdas durante as fases que iam da captura no
interior da África, à venda nos portos das Américas, uma das estratégias que os agentes
35 - Cf. Darcy Ribeiro(1995,p.161): “As primeiras estimativas relativas a quantidade de negros introduzidos no
Brasil durante os três séculos de tráfico variam muito. Vão desde números exageradamente altos, como
13,5 milhões para Calógeras(1972) ou 15 milhões para Rocha Pombo(1905), até cálculos muito exíguos,
como 4,5 milhões para Taunay(1941) e 3,3 milhões para Simonsen(1937).
34
envolvidos usavam era fugir do prejuízo, através da transferência de titularidade da
mercadoria o quanto antes. Dessa forma, se um proprietário de tumbeiro percebesse perdas
na carga que transportava, destinada a um senhor escravagista no Rio de Janeiro, por
exemplo, o prejuízo seria deste, desde que a propriedade fosse transferida no porto do
embarque, na Costa Africana.
As condições nos tumbeiros, embarcações que transportavam negros para as
Américas, foram analisadas e denunciadas pela historiografia e pelo cinema
36
. Na
historiografia, João Dornas Filho (1939) apresenta dois relatos que, pela força imagética que
sugerem, convêm reproduzi-los integralmente. O primeiro, atribuído a Oliveira Martins
(1845-1894):
(...) um espetáculo asqueroso e lancinante. Amontoados no porão, quando o
navio jogava batido pelo temporal, a massa de corpos negros agitava-se
como formigueiro de homens, para beber avidamente um pouco desse ar
lúgubre que escoava pela escotilha gradada de ferro. Havia no seio do
navio balouçado pelo mar luctas ferozes, uivos de cólera e desespero. Os que
a sorte favorecia nesse ondear de carne viva e negra, aferravam-se à luz e
rolhavam a estreiteza nesga do céo. Na obscuridade do antro, os infelizes,
promiscuamente arrumados a monte, ou cahiam inanes num torpor lethal, ou
mordiam-se desesperados e cheios de fúrias. Estrangulavam-se, esmagavam-
se: a uns sahiam-lhes do ventre as entranhas, a outros quebravam-se-lhes os
membros nos choques dessas obscuras batalhas. E a massa humana, cujo
rumor selvagem sahia pela escotilha aberta, revolvia-se no antro afogada em
lágrimas e imunndície (DORNAS FILHO, 1939, p.57). (Mantida a grafia
original).
O segundo relato, Dornas Filho atribui a autoria ao capelão Hill, no ano de 1843:
Pela 1 hora depois da meia noite começou o céo a cobrir-se de nuvens, e o
horizonte escurecia na direção do vento... Obrigados a obedecer
imediatamennte à voz de ferrar o panno, os marinheiros, embaraçados pelos
negros estendidos no convéz, não puderam manobrar como convinha ‘façam
36 - O filme Amistad, do cineasta norte-americano Steven Spilberg (1997), suscita a reflexão histórica sobre a
contradição inerente à circunstância de escravo: o situar-se no limite ser “coisa” e ser
“pessoa”(GORENDER, 1980). Quando Spilberg representa, de forma imagético-discursiva, a disputa pelo
grupo de escravos entre países ligados ao tráfico negreiro, temos o escravo “coisa”(mercadoria). No
momento em que faz a representação da rebeldia na embarcação(luta pela vida e dignidade) e, ainda, no
outro momento em que está em representação a culpabilidade dos escravos quanto às mortes dos brancos
ocorridas durante essa rebeldia, sobressai o escravo “pessoa” pois uma “coisa”(objeto) é inimputável
penalmente.
35
descer os negros’ gritou o capitão, e assim fez. Mas o tempo estava pesado e
quente, e esses 400 infelizes amontoados em um espaço de 12 toezas de
longo e 7 de largo, com 3 pés de e meio apenas de alto, em breve
começavam a forcejar para voltar ao convéz e respirar o ar livre. Repellidos,
fizeram segunda tentativa. Foi preciso fechar-lhes as escotilhas de ré, e
collocar uma espécie de grade de madeira na de proa. Então os negros
começaram a amontoar-se junto desta escotilha por ser a única abertura que
deixava comunnicar o ar. Sufocados, e ainda estimulados talvez por um
terror pânico, entravam de juntar-se por tal forma, que impediram
completamente a ventilação. Por toda parte onde pensavam encontrar uma
passagem, faziam os maiores esforços para sahir. No dia 13 de abril, quinta
feira santa, acharam-se no porão 50 cadáveres, que foram lançados no mar.
Alguns desses infelizes tinham perecidos de moléstia; porém, muitos dos
cadáveres estavam machucados e cobertos de sangue. Antonio, um espanhol
de bordo, contou-me que foram vistos alguns, já prestes a morrer,
estrangulando-se ou apertando a garganta uns aos outros. Um, por tal modo
foi comprimido, que as entranhas lhe sahíram para fora do corpo. A maior
parte delles tinha sido calcada aos pés, no delírio e sofreguidão com que
buscavam ar que respirassem. Horroroso espetáculo era ver arrojados ao
mar, um após outro, esses corpos torcidos, manchados de sangue e
excremento (DORNAS FILHO, 1939, p.59-60).(Mantida a grafia original).
Difícil não se indignar face ao realismo dos dois relatos e se perguntar como a
humanidade foi capaz de transformar seres humanos em mercadoria, sujeita às mesmas
variações mercadológicas e transporte que outra mercadoria qualquer.
O preço do escravizado era variável conforme sua procedência fosse litorânea ou
interiorana; sua circunstância cultural boçal ou ladino e ainda o lote a que pertencesse. As
circunstâncias de boçal, “negro novo”, ou ladino, “negro veterano”, conforme explicação de
Gilberto Freyre (1998, p.357), dos indivíduos que compunham o contingente social negro de
Salvador (BA), no ano de 1835, pode muito bem se juntar às convicções religiosas que
caracterizaram o movimento analisado por João José Reis (1986), diminuindo seu alcance
político.
Se fosse um lote em que todos os membros proviessem de uma mesma matriz
étnica cultural, seu preço cairia. Os compradores escravagistas, por razões relacionadas à
segurança dos seus negócios, optavam por indivíduos de grupos étnicos culturais diferentes.
Esse procedimento, relacionado ao tráfico de escravos africanos, ajuda explicar a grande
36
diversidade dos grupos vindos para o Brasil. Isto condicionou a que os indivíduos e grupos
capturados e escravizados fossem reconhecidos, não pelas suas comunidades de origem, mas
pelos portos da Costa da África, onde eram comprados (LIBBY e PAIVA, 2000).
Um fato que contribuiu para a pouca resistência africana no tráfico de escravos foi
a existência da escravidão entre povos da África, mas essa prática não chegou a se constituir
em escravismo. Antes da chegada dos europeus, no século XV, estendendo-se até o século
XIX, existia um intenso comércio de escravos, sal, prata e cobre trocados por madeira, carne,
sorge e trigo entre as várias regiões da África (DORNAS FILHO,1939). Isto indica a
complexidade de sua constituição e a precariedade dos conhecimentos que se tinha até a
metade do século XX.
Os anos que vão de 1950 a 1970, no Brasil, foram fundamentais para os estudos
sobre o continente africano. Um conhecimento mais abrangente da África tem sido possível,
face aos vários procedimentos de caráter multidisciplinar (arqueologia, antropologia,
geografia, história, etc.) e a utilização de fontes diversas (orais, escritas, iconográficas). Isso
tem permitido perceber não a complexidade das sociedades africanas, mas escapar de uma
visão simplificadora das funções do escravo na sociedade colonial brasileira e perceber o
africano diferentemente das imagens construídas pelos europeus para justificar o escravismo.
Foram construídas imagens preconceituosas dos africanos que alimentavam o
imaginário europeu durante os séculos XVI a XIX. É célebre a afirmação do filósofo alemão
Friederich Engels (1770-1881) de que a África o tinha história. Os europeus criaram auto-
imagem de civilizados (eurocentrismo) face ao que consideravam barbárie dos povos asiáticos
e africanos, derivando dsua pretensão de civilizadores desses povos. Uma das implicações
geradas por essa postura foi o não reconhecimento de uma história dessas sociedades anterior
à chegada dos europeus naquelas partes do mundo.
37
1.3. O tráfico negreiro
O poeta Luíz Vaz de Camões (1524-1580) sublima, nos dez cantos de Os
Lusíadas ([1527]2000), a grandeza do empreendimento marítimo e comercial dos seus
conterrâneos lusitanos. em Fernando Pessoa (1885-1938) uma proclamação das perdas
humanas do lado português: “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal./Por
te cruzarmos, quantas mães choraram./Quantas filhas em vão rezaram./Quantas noivas
ficaram por casar./Para que fosses nosso, ó mar” (PESSOA,1985,p.259).
À exaltação poética da grandeza e dos percalços portugueses envolvidos no
pioneirismo na África (1413), feita pelas maiores autoridades da literatura dos lusitanos,
convém agregar o registro de terem sido eles os primeiros europeus a tirarem proveito do
tráfico de escravos africanos. Originalmente praticado pelos mouros, informações de que
não havia inicialmente interesse comercial, assumindo esse caráter posteriormente, em
decorrência da incapacidade financeira da sua manutenção (DORNAS FILHO, 1939).
A lembrança do reverso africano da exaltação de Camões (2000) e Pessoa (1985)
é poeticamente elaborada pelo baiano Castro Alves (1842-1871) na obra Os Escravos ([1883]
2005, p. 98): “[…] Era um sonho dantesco… o tombadilho/Que dos luzeiros avermelha o
brilho,/Em sangue a se banhar./ Tinir de ferros… estalar de açoites… / Legiões de negros
como a noite,/Horrendos a dançar…”. Caso o escritor baiano tivesse proposto uma
reconstrução poética do colega Fernando Pessoa (1985), a paródia poderia ter ficado assim:
“Ó mar salgado quanto do teu sal é sangue da África”. Dessa forma às exaltações poéticas de
Camões e Pessoa aos portugueses se somaria o justiçamento de Alves aos africanos.
Sabe-se que Portugal conhecia muito bem a escravidão de mouros e negros, ainda
que relacionada à atividade doméstica (DORNAS FILHO, 1939). As razões da preferência
por estes últimos para a exploração como força de trabalho escrava, na indústria açucareira
38
das Ilhas oceânicas e, mais tarde, na colônia americana
37
, podem estar ligadas à presença dos
portugueses na África, às habilidades dos africanos em setores tão diversos como pecuária,
agricultura, artesanato, metalurgia
38
e à sua diversidade étnica, expressa na fragmentação
política que, ao mesmo tempo em que dificultou sua total submissão, impediu a promoção de
uma ação centralizada contra um invasor poderoso como o Estado Português.
Não obstante essa preferência lusitana pelos negros africanos como força de
trabalho, não é correto afirmar que o escravo indígena tenha sido totalmente preterido. Além
da sua utilização nas “reduções” católicas, permaneceram durante longo período sendo
utilizados na chamada economia complementar ou de subsistência (MONTEIRO, 1994;
SCHWARTZ, 1988; HOLANDA, 1995; MARTINS, 1976).
É certo que, conforme a ressalva de Dornas Filho (1939) quanto ao caráter não
comercial no início do tráfico, de um modo geral os europeus dos séculos XV ao XVIII se
lançaram às Costas da África com o propósito de obter grandes lucros com o comércio de
escravos, que eles conheciam através dos mouros e em conformidade com o que prescrevia
o mercantilismo vigente. Mas não se pode desconsiderar, embora hoje isso pareça
argumentação por demais frágil, que constituía a mentalidade da época acreditar que “a
escravidão do negro trazia a vantagem de civilizá-lo e de evitar que se destruíssem nas suas
gerações” (DORNAS FILHO, 1939, p. 64).
Um compreensível humanitarismo contemporâneo, alicerçado na moral judaico-
cristã ou um anacronismo descuidado que deve ser evitado, impede perceber que outro regime
de trabalho que não fosse o escravismo alimentado pelo aprisionamento sistemático e a
conseqüente coação da força de trabalho autóctone (índio) ou estrangeira (negro),
37 - Os negros africanos foram fornecidos ainda à colônia espanhola na América, conforme o historiador João
Dornas Filho(1979,p.75): “Em 1503 San Domingos[atual Haiti] recebia os primeiros escravos negros
vindos de Sevilha, que os recebia dos portugueses”.
38 - mais de sessenta anos, o historiador Roy Nasch(1939), influenciado pelas conclusões de Franz Boas
(1858-1942) sobre “os característicos da cultura africana, observados em seu nascedouro, i.é., no ‘habitat’
aborígine do negro”(p.62) propugnava pela riqueza e diversidade sócio-cultural do negro na África. Outro
estudioso da temática fortemente influenciado pelas mesmas conclusões de Boas foi Gilberto Freyre
(1900-1987).
39
inviabilizaria os propósitos dos europeus na América. Extrair as riquezas vegetais e minerais
na quantidade e com os lucros capazes de cobrir os custos da empresa mercantil, somente
seria possível através do regime compulsório da força de trabalho.
Homens livres e assalariados inviabilizariam essa empresa, considerando os
pressupostos do mercantilismo praticado à época pelos europeus. Foi isso o que perceberam
os ingleses antes de portugueses e espanhóis, mas somente na fase industrial de sua economia.
Reproduzo aqui, por serem esclarecedores dessa percepção anglo-saxônica, as palavras de
Vicente Licinio Cardoso, retomadas por Dornas Filho (1939, p. 72-73):
Quando a Inglaterra em 1838 libertou os pretos de suas colônias e se bateu
para que os outros países a seguissem, o que ela queria era evitar a
concorrência comercial de países onde a mão de obra fosse mais barata do
que em suas colônias. Quase todas as colônias das nações européias que
haviam fundado a sua economia sobre o braço escravo, desorganizariam
quase por completo por ocasião da abolição. O desastre colonial francês foi
tão grande, que abolida a escravidão com a obra da Revolução, foi ella de
novo instituída em 1862, perdurando até 1848, quando o governo estatuiu a
libertação pagando então 500 francos por cabeça aos proprietários de
escravos. Os ingleses libertaram os negros quando haviam solucionado a
parte mas pesada da mão de obra, substituindo o negro escravizado pela
máquina a vapor em sua economia industrial. Quando o parlamento e o
governo inglês, durante o século XIX, clamavam ao mundo civilizado contra
a escravidão dos negros, pungindo pela libertação, elles escondiam, sob o
verbo emphático e inflamado da época, a verdade nova com que o
utilitarismo de sua raça de índole pratica havia submetido um problema
grave e interessantíssimo…(Mantida a grafia original).
O historiador João Dornas Filho (1939), ao registrar esse depoimento, evidencia o
caráter “utilitarista” da adoção do escravismo pelos europeus. Considero ainda a percepção
negativista do trabalho braçal pela mentalidade da época.
Não havia inicialmente interesse de ocupação para fim de povoamento, como
ocorria no Centro e Norte das colônias inglesas (FURTADO, 1997). Muito menos o interesse
de desenvolver a economia, o que seria fora de propósito, haja vista as bases do chamado
Sistema Colonial (FALCON, 1991; NOVAES, 1993). Fatores como a grande produção
40
agrícola ou extração de um ou poucos produtos coloniais, a meta de custos baixos, o baixo
nível tecnológico empregado, o acesso a contingentes populacionais sujeitos a captura,
aprisionamento e servidão, tanto na América quanto na África, podem ter determinado o
renascimento do escravismo nas Américas após a sua abolição no mundo antigo (MAESTRI,
1986; ANDERSON, 1982). Por tudo isso, o escravismo se apresentava como o regime de
trabalho mais adequado para os europeus naquele período.
A negatividade do trabalho braçal é um traço marcante da forma dominante de
pensamento dos europeus na época em apreço. Esse fato cultural precisa ser levado em
consideração quando se estuda o escravismo americano. O trabalho escravo foi, segundo
Aristóteles (2004), na antiguidade clássica, considerado destinado a homens inferiores e
confirmado como estranho a homens livres por Santo Agostinho (s. d.) e São Tomás de
Aquino (s. d.) no medievo europeu ocidental. Dessa forma sabemos que o trabalho escravo
encontrou sua justificação junto ao maior pensador do período clássico e aos dois principais
formuladores do pensamento católico na fase de mais esplendor do Cristianismo.
Na circunstância de ser a principal formuladora dessa mentalidade, a Igreja
Católica, através dos seus doutores e dirigentes, contribuiu sobremaneira para a prática da
escravidão ao reabilitar argumentos do mundo antigo. A defesa e a prática de utilização de
escravos domésticos pelo clero católico europeu são conhecidas em ampla literatura.
Não obstante a originalidade dos mouros que através do reino de Mandinga,
passando pelo deserto da Líbia, chegando ao porto de Barkah pelo Mediterrâneo, longas
datas levavam escravos negros para vender na Grécia, Ásia Menor, Libra e Itália, somente
através da Bula Romanus Pontifex, de 08 de janeiro de 1445, é que foi institucionalizada a
escravidão africana na Europa Ocidental (DORNAS FILHO, 1939).
Parceira no empreendimento ultramarino, a Igreja Católica legitimou e pôs em
prática os postulados do Sistema Colonial europeu. O historiador João Dornas Filho (1939,
41
p.48/49) faz referência a uma carta do Padre Manoel da Nóbrega (1517-1570) a Simão
Rodrigues, em que a confirmação do uso de escravos africanos e índios pelos clérigos
católicos na colônia portuguesa na América:
Depois que vieram os escravos… da Guiné a esta terra, tomaram os padres
fiados por dous annos três escravos, dando fiadores a isso, e acabou-se o
tempo agora cedo. […] Se El-Rey favorecer este (desejo dos padres da
companhia) e lhe fizer igreja e casas, e mandar os escravos, que digo (me
dizem que mandam mais escravos a esta terra, da Guiné); se assim for, poria
logo ver provisão para mais três ou quatro, além de que a casa tem, e antes
de um ano se sustentariam com meninos e mais.
As informações produzidas por Nóbrega ensejam reflexão sobre alguns aspectos
da presença da Igreja Católica no período colonial no Brasil
39
. A polêmica sobre o caráter
econômico dessa presença foi alimentada por Caio Prado Junior (1997) . A feição de criatório
de escravos das “reduções” católicas foi analisada historiograficamente por Henri Koster
(1942), Thomas Ewbank (1973), Jacob Gorender (1998) e Stuart Schwartz (1988), entre
outros. E, ainda, abordada por representações imagéticas no filme A missão”, do diretor
Joffé Roland (1986).
Este documento da lavra de importante membro do clero católico, além de
testemunha insofismável do compromisso da instituição com a escravidão, confirma o
ingresso precoce da colônia portuguesa na rota do tráfico negreiro.
A aceitarmos como verdadeiras as afirmações de Pandiá Calógeras (1927) e Caio
Prado Júnior (1997) quanto às primeiras entradas de negros africanos na América portuguesa,
sabemos que Martin Afonso de Sousa, com a sua chegada em 1531 e até mesmo outros
exploradores antes dele, promoveram a introdução de escravos africanos. É ainda de
Calógeras (1927) a afirmação de que já no ano de 1535 foram introduzidos em Pernambuco
39 - Outras informações sobre os primeiros anos da presença da igreja católica no Brasil podem ser encontradas
em NÓBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil: 1549 a 1560. BH: Itatiaia, São Paulo: EDUSP, 1988.
42
escravos negros procedentes das Ilhas de São Tomé e Príncipe, para serem utilizados na
indústria do açúcar.
Com base no exame do alvará de 29 de março de 1449, expedido por D. João III,
o historiador João Dornas Filho (1939) informa que as primeiras levas de escravos negros
oficialmente introduzidos pela Coroa portuguesa, em número de 120 indivíduos destinados “a
cada engenho montado e em estado de produzir” (p.49), eram constituídos em sua maioria por
operários especializados na Guiné e na Ilha de São Tomé, na indústria açucareira.
1.4. Fontes e estudos sobre a escravidão no Brasil, Maranhão e Caxias-MA.
1.4.1. A situação no plano nacional
Os historiadores da escravidão no Brasil, de um modo geral, até recentemente
queixavam-se da escassez de fontes para a pesquisa sobre essa temática. Os impactos dessa
queixa sobre os estudos da escravidão no país foram minimizados pelos trabalhos de
pesquisadores brasileiros ligados ao Arquivo Nacional (1986) e de estrangeiros
(“brasilianistas”) como Robert Conrad (1983), entre outros.
1.4.2. A situação no Maranhão
No Estado do Maranhão existem os trabalhos historiográficos
40
de Carlos Lima
(1954), César Augusto Marques (1970), Milson Coutinho (1980), Jerônimo de Viveiros
(1954) e rio Meireles (1994) entre outros. Estes autores, em menor grau Meireles, não
escaparam de perceberem o negro com os preconceitos que eram correntes no tempo em que
40 - Além desses trabalhos historiográficos há outros de caráter literário com destaque para os de Josué
Montello (1976), Coelho Neto (1926) Aluisio Azevedo (s. d., s. d.) e Graça Aranha (1996).
43
produziam seus estudos. Não obstante essa particularidade ideológica relacionada ao
“próprio” ou ao “lugar social”, conforme Michel de Certeau (2000, 1995, respectivamente),
os pesquisadores iniciados com as novas possibilidades de abordagens e escolhas de objetos,
podem encontrar neles importantes subsídios teóricos e indicações de fontes para uma
interpretação mais justa da presença do negro no Maranhão.
Especialmente sobre essa presença no Estado, o trabalho de Mário Meireles
([1983] 1994). Esse estudo sobre o negro é orientado por quatro questões centrais
relacionadas à “origem dos escravos negros africanos no Maranhão”, tendo em vista
“determinar essa origem em função dos países que contemporaneamente desenham o mapa
político da África, tão diferente se mostra hoje” (p. 127).
Trata-se de trabalho historiográfico de análise e compilação, provavelmente o
mais importante com esse caráter, produzido com base apenas em “fonte bibliográfica”.
Apesar disso, o autor se utiliza de algumas das referências fundamentais à disposição no
Estado, no início da década de 80, com possibilidade de oferecer representações sobre o
negro.
1.4.3. Os dois estudos mais “visíveis” sobre Caxias (MA)
Por razões que remeto esforço investigativo para empreendimentos acadêmicos
ulteriores, os dois trabalhos sobre a história do município com maior visibilidade entre
professores e pesquisadores caxienses, de Milson Coutinho ([1981]2005) e padre Cláudio
Melo(1986), não oferecem consideráveis subsídios teóricos e/ou documentais para a pesquisa
sobre a presença do negro em Caxias (MA).
41
No estudo Caxias das Aldeias Altas, o autor Milson Coutinho faz indicações de
vestígios importantes para estudos posteriores sobre Caxias, nos trabalhos de Adalberto
41 - Outros trabalhos com menor “visibilidade” são os de CARDOSO (1992), SILVA (2004), ACONERUQ
(2006), ABREU(1996), BARBOSA(1998) e BARBOSA(2003).
44
Franklin e João Renôr Ferreira de Carvalho (2005) e de Karl Friedrich von Martius e J.B.von
Spix (1981). Todavia, a referência mais significativa sobre o negro que Coutinho oferece é
uma citação (p. 58/59) que transcreve, sem comentar, do trabalho de Franklin e Carvalho
(2005), que integra um documento reproduzido cabalmente
42
.
Face a relevância da citação em apreço, originalmente da lavra de Francisco de
Paula Ribeiro (1819), pelo que ela suscita da presença do negro na “capitania do Maranhão” e
particularmente na “nova vila de Caxias”, segue sua transcrição conforme organização de
Milson Coutinho, em três fragmentos e posterior comentários:
Porque estendendo-se do norte a primeira porção repartida em distritos ou
freguesias centrais até abranger a da nova vila de Caxias, na latitude
meridional de pouco mais de cinco graus, e contendo as maiores e mais
fecundas matas de toda a capitania, tem sua população que não chega a trinta
mil almas livres, vantajosas lavouras de algodão e arroz, em que ocupa mais
de duzentos mil escravos que possui, cujos resultados, fazendo até hoje por
um nunca interrompido tráfico comercial o principal motivo da sua
opulência, torna também seu dependente, o progresso daquela outra segunda
parte, porque para lhe fornece os utensílios preciosos ao seu manuseio
doméstico particular e ao de toda a sua labutação em geral
***
É a vila de Caxias uma continuada feira, onde distante os povos dos sertões
confinantes trazem à venda os seus efeitos, que constam de algodões, solas,
couros de veado e cabra, tabacos de fumo, gados, escravaturas da Bahia,
cavalarias e tropas de machos, a que chamam burradas, levando em troco
toda a qualidade de gêneros da Europa. Assim, por isso, como por ser uma
escala dos viajantes do Maranhão e Pará por terra para quase toda a América
Portuguesa ou ainda Espanhola, é nela considerável a concorrência de muita
gente e de muito comercio em comparação da insignificante importância do
seu local.
***
A vila de Caxias novamente criada, e que antes se denominava Julgado de
São José d’Aldeias Altas, é a mais notável de todo o rio, e ainda mais
comerciável de toda a sua Capitania. Está situada na latitude de ao sul da
linha, e pouco mais de um a leste na longitude do que a cidade do Maranhão.
Será de 800 fogos para cima, e são térreos a maior parte dos seus edifícios,
cobertos uma grande parte de telha e o resto coberto de palha, construídos de
madeira ou taipa: unicamente o que pertence a Bernardo Antonio [da
Silveira] se estende a um primeiro andar. As ruas são mal arrumadas. O
terreno é de areia solta e incapaz de produzir com vantagem. Terá de
comprimento ou frente para o rio, segundo a minha estimativa, até duas mil
braças, inclusive da parte do sul a vivenda do Cangalheiro, e a do norte o
42 - Cf. FRANKLIN e CARVALHO (2005, p.145-181): Descrição do território de Pastos Bons nos sertões do
Maranhão. Propriedade de suas terras, suas produções, caráter de seus habitantes coloniais e estado atual
dos seus estabelecimentos. Pelo major Francisco de Paula Ribeiro [Maranhão, 29 de março de 1819].
45
riacho de São José. O seu clima é bastante cálido. Tem alguns poços
particulares de uma água na maior parte salobra, e é muito boa as que ele
recebe dos montes pelo inverno lhas não tornam péssimas e doentias.
A considerarmos que o “soldado-escritor” indica no primeiro fragmento que “toda
a Capitania [hoje estado do Maranhão], tem sua população que não chega a trinta mil almas
livres (...)” e “mais de duzentos mil escravos”. No segundo fragmento, que estes últimos se
tratavam de “escravaturas da Bahia” [tráfico interprovincial]. E no terceiro fragmento, que “a
vila de Caxias novamente criada, e que antes se denominava julgado de São José d’Aldeias
Altas, é a mais notável de todo o rio [Itapecuru], e ainda mais comerciável de toda a sua
Capitania (...)”, temos que não se justifica pretender interpretar a história de Caxias sem
narrar a presença decisiva do negro, tendo em vista mais essa evidência
43
que, inclusive,
sugere um quadro demográfico semelhante ao indicado por Décio Freitas (1982), relacionado
à colônia espanhola de São Domingos (hoje Haiti) por ocasião da chamada “insurreição
haitiana”.
Comento aqui apenas duas seções do trabalho de Coutinho (2005). Quando
analisa a Balaiada (p. 153-179), o jurista coelhonetense dispensa a Cosme Bento da Silva e
aos demais balaienses da “raia miúda” o mesmo tratamento preconceituoso dispensado, entre
outros, por Francisco Varnhagen (1962), Oliveira Viana (1922) Silvio Romero (1954), Nina
Rodrigues (1976) e Euclides da Cunha (1979) aos índios, negros e mestiços de um modo
geral. Na seção sobre a economia caxiense (p. 291-229) a descrição e a análise são
empreendidas sem a devida contabilidade das rendas sobre o tráfico de escravos e a respectiva
posse de escravaria como bens patrimoniais de destaque no período.
43 - O termo “evidência” aparece neste estudo com as precauções metodológicas sugeridas por Paul Thompson
(1998. p. 145): “Em suma, as estruturas sociais não representam fatos absolutos mais do que notícias de
jornais, cartas privadas ou biografias gravadas, todos eles representam, quer a partir de posições sociais
pessoais ou de agregados, a percepção social dos fatos, além disso, estão todos sujeitos a pressões sociais
do contexto em que são obtidos. Com essas formas de evidências, o que chega até nós é o significado
social e este é o que deve ser avaliado”.
46
É do conhecimento acadêmico que o Estado brasileiro começa a recensear a
sua população no ano de 1872 (IBGE/1872/1991). Se por um lado esse fato coloca as
estimativas demográficas anteriores a 1872 numa situação extra-oficial, por outro, servem
para indicar as “limitações do uso da nacionalidade como critério para a avaliação dos estudos
acadêmicos de história” (SCHWARTZ, 2001, p. 32). Sendo assim, não são desprezíveis as
informações de Francisco de Paula Ribeiro (1819) citados por Milson Coutinho (2005, p. 59)
e por João Renôr Ferreira de Carvalho (1998, p. 136) sobre a presença negra no Maranhão. Da
informação desse oficial militar é possível, após cruzamento de informações, crítica interna e
externa, chegar a um quantum aproximado dessa presença em Caxias, considerando a
importância desta na economia geral do Estado
44
. O que causa espécie são a falta de
profundidade e justa consideração de Coutinho, deixando a impressão de que tanto o tráfico
quanto a exploração da força de trabalho negro-africana não tenham sido práticas correntes
“às margens do Pindaré, Munin e Itapecuru (…)” , conforme Mário Meireles (1994, p. 139).
Não se pode desconsiderar ainda o registro de Gilberto Freyre (1998, p. 359), de
uma referência feita por Brandão Junior, aos maus tratos a uma criança negra praticados por
sua mãe escrava sob orientação do seu senhor: acreditamos ter sido costume seguido numa
ou noutra fazenda, ou engenho de cana, e não prática generalizada, mesmo no Maranhão cujos
fazendeiros e senhores de engenhos criaram fama de extremamente cruéis com os escravos.”
Se prática isolada ou “prática generalizada” somente pesquisas ulteriores podem mostrar.
No caso do estudo do Padre Cláudio Melo (1986) a omissão é maior a esse
respeito, dispensando maiores considerações, não pelo mesmo “silêncio” praticado por
Coutinho (2005), mas pela exigüidade do trabalho materializado em apenas vinte páginas. A
única referência à presença negra em toda a obra é complementar, ou seja, o padre Melo trata,
em primeiro plano, da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e da Igreja dos
44 - Os autores da história do Maranhão citados no pico “A situação no maranhão” (p.42 ) confirmam essa
importância econômica de Caxias.
47
Pretos (p. 14). O padre Melo provavelmente não teve acesso às fontes manuscritas dos
originais paroquiais de Caxias (ou São Luis) que pudessem levá-lo a propor o caráter de
criatório de força de trabalho indígena e africana à Missão de Trezidela, citada por ele (p. 07,
10, 14, 15), como fez Stuart Schwartz (1988) em relação ao Engenho Santana na Bahia
45
.
Os trabalhos do professor João Renôr Ferreira de Carvalho, quanto ao Piauí
colonial (2005), a Amazônia (1998) e os Sertões de Pastos Bons (2005), fazem significativas
referências ao Maranhão e oferecem subsídios para se deduzir esse caráter missionário quanto
aos indígenas, mas não quanto aos africanos. O que este autor de Fortaleza dos Nogueiras faz,
e muito bem, é analisar e indicar fontes preciosas para os pesquisadores perscrutarem essa
presença negra no Estado e em Caxias. Deixo provisoriamente essa questão com as palavras
esclarecedoras de Jacob Gorender (1991, p. 60): “Os estabelecimentos das ordens religiosas
também pertenciam ao escravismo colonial, conquanto a uma variante distinta do tipo
predominante. Exploravam o trabalho escravo, e sua continuidade dependia da continuidade
dos plantéis de cativos”.
Os dois estudos, em que pese tratarem de período histórico do município que vai
do século XVI ao início do século XIX (MELO, 1986) e do princípio do século XVIII,
chegando até o século XXI (COUTINHO, 2005); e a visibilidade alcançada notadamente pelo
segundo, parecem pactuar com a chamada “conspiração do silêncio” (RAMOS, 1979, p.XIX),
que os tornam de restrita utilidade para as pesquisas sobre escravidão negro-africana em
Caxias do Maranhão. Isto considerando a generalidade dessa prática no Brasil nesse período,
oficialmente registrada, de 1531 (Martin Afonso de Sousa) a 1888 (Princesa Isabel). Mas isto
não significa que as fontes sobre essa presença não existiam. Elas existem e estão nos
arquivos particulares das famílias de remanescentes dos escravagistas do município, “nos
45 - Esse caráter de criatório atribuído às Missões Católicas é afirmado entre outros por Henri Koster (1942),
Thomas Ewbank (1973), Jacob Gorender (1998) e Stuart Schwartz (1988).
48
livros paroquiais e (…) velharias dos cartórios, onde muitas preciosidades estão escondidas”
(MELO, 1986, p. 03).
Os historiadores caxienses, comprometidos com essa presença, possuem hoje
maturidade acadêmica para perscrutarem esses “silêncios”, como fizeram os historiadores
Francisco Alcides do Nascimento (2002, p. 9) acerca do processo de modernização da
capital do Piauí tendo como base de sustentação o caráter autoritário dessa modernização”; e
Edwar de Alencar Castelo Branco (2005) sobre os “outros” da tropicália, especialmente o
teresinense Torquarto Neto (1944- 1972).
É função dos historiadores caxienses retirarem esses “cadáveres” dos armários
(BURKE, 1992). Dar-lhes voz!
1.5. As fontes como problema superado
Independentemente da esfera, se nacional, regional ou local, o fato é que quanto
às fontes para a pesquisa sobre a escravidão negro-africana no país, certo consenso em
atribuir ao jurista e escritor baiano Rui Barbosa (1849-1923) a responsabilidade matricial pela
destruição de parte mais significativa do acervo oficial
46
.
Não tenho a pretensão de isentar de suas responsabilidades esse político da
Primeira República brasileira, mas apenas lançar possibilidade explicativa complementar para
o seu gesto. Apresento argumentação no sentido de situar o homem Rui Barbosa, suas idéias e
práticas como produtos do seu tempo
47
. Talvez outro pesquisador possa fazer o mesmo em
relação a Milson Coutinho (2005), que tem à sua disposição considerável número de fontes
sobre a presença do negro no Maranhão, com destaque para os trabalhos de Josué Montello
(1976), o mais visível, Dunshe de Abranches (1992), Nunes Pereira(1979), Nascimento
46 - Cf. LACOMBE, SILVA e BARBOSA (1988) e SLENIS (1983).
47 - Faço isso tendo em mente a reflexão de Lucien Febvre (1989, p. 211), para quem “o indivíduo nunca é
nada além daquilo que lhe permitem ser sua época e seu ambiente social”.
49
Morais(1915), Mundicarmo Ferretti(1993), Mundinha Araújo(2006) e Manoel dos Santos
Neto (2004)
48
. Coutinho sabe do reconhecimento oficial da responsabilidade do Estado
quanto aos remanescentes de escravos africanos e o reconhecimento oficial da existência de
preconceito e discriminação no país a pessoas de cor, desde o governo de Fernando Henrique
Cardoso (DIJACI, et. al. 1998; BORGES, 2005).
Esta argumentação resulta, em parte, das leituras que tenho feito de João Dornas
Filho (1939, p. 65/6), a partir das quais passei a refletir sobre o “inacreditável vandalismo” do
jurista baiano, ao determinar, pela circular n.º 29 de 13 de maio de 1891, a destruição, pelo
fogo, de importantes documentos sobre a escravidão no Brasil, a ponto de praticamente
inviabilizar o seu conhecimento. Penso que a ação de Barbosa pode não ter sido motivada por
razões ligadas ao direito ou à história. Ou seja, talvez não tenha havido a pretensão fria e
calculista de garantir a inimputabilidade penal do Estado brasileiro e/ou da Igreja Católica
pela responsabilidade com a escravidão, face à “ausência” de provas documentais. Tampouco
impedir o acesso de futuras pesquisas historiográficas, de viés quantitativista, tendo em vista
uma fundamentada reparação histórica dos negros em razão da “inexistência” de evidências
materiais
49
.
Imerso na mentalidade de seu tempo, Barbosa tratou, antes, a guarda e
preservação desses documentos como um fato que feria de morte a moral republicana
emergente no país, naquele momento. A essa moral “infamava guardar papéis que tratasse de
um crime contra a humanidade” (DORNAS FILHO, 1939, p. 66).
48 - ainda outras indicações de fontes em Arquivo Nacional. Dep.de Imprensa Nacional. Guia Brasileiro e
Fontes para a História da África, da Escravidão Negra e do Negro na Sociedade Atual. Fontes Argumentos.
Volume 1. Aloges-RS (Maranhão). Brasília,1988, p.229-287.
49 - São convergentes sobre essa questão as posições de Manoel Santos Neto (2004, p. 85): “Pesquisas recentes
apontam que o ministro Ruy Barbosa, ao emitir a ordem para a queima e destruição dos documentos, tanto
queria ‘apagar essa mancha negra da história do Brasil’, como também pretendia ‘cortar pela raiz’ o
movimento pró-indenização dos antigos proprietários de escravos que sentiam prejudicados pela perda de
capitais, resultante da abolição”, e, Júlio José Chiavenato (1999, p. 111-112): “Quando o ministro da
fazenda, Ruy Barbosa, mandou queimar os arquivos da escravidão, para destruir os documentos que
comprovariam a posse de escravos e evitar processos de indenização ele afirmou: ‘se alguém deve ser
indenizado, indenizem o escravos’ ”.
50
Sob a influência das mudanças epistemológicas na historiografia, sentidas e
elaboradas principalmente nas décadas de 80 e 90 do século XX
50
, muitos historiadores do
escravismo brasileiro têm lançado mão de fontes não tradicionais, para/na construção das suas
pesquisas. Dão testemunho nesse sentido os historiadores Stuart Schwartz (2001), Jacob
Gorender (1991), Emilia Viotti (1992), Suely Robles Reis de Queiroz (1998) e Silvia Hunold
Lara (1995).
As existências dos trabalhos citados e comentados por esses historiadores
comprovam que ao contrário do que se costumava dizer, as fontes existem, são muitas e
variadas.
1.6. Novas respostas para questões secundarizadas pela historiografia tradicional
Os estudos recentes sobre o escravismo brasileiro têm permitido conhecer melhor
questões clássicas, mas de pouco interesse pela historiografia tradicional: quantas e a quais
etnias matriciais pertenciam os negros embarcados no litoral da África para o Brasil; os locais
de entrada de escravos africanos; a possibilidade de uma produção autônoma pelos escravos
africanos; e a organização familiar desses escravos.
Sobre a questão étnica, deve-se dizer logo que Nina Rodrigues ([1933] 1976)
tinha razão quanto à insistência de Martius e Spix (1938) sobre a exclusividade bantu não se
sustentar. Confirmam isto as novas pesquisas já citadas. Continuam válidas a esse respeito, no
entanto, em razão da exploração recorrente pelas novas investigações, os trabalhos clássicos
de Nina Rodrigues ([1933], 1976), Rocha Pombo (1948), Francisco Varnhagen (1962) e
Pandiá Calógeras (1927), apesar das suspeições levantadas por João Dornas Filho (1939, p.
68), quanto às pesquisas sobre esses grupos étnicos realizadas até o final da década de 40 do
50 - Cf. BURKE (1992), CARDOSO e VAINFAS (1997), HUNT (1992) e PESAVENTO(2004), entre outros.
51
século XX: “o que se tem sobre a origem do negro que forneceu material para a nossa
constituição étnica, são construções em areia, baseadas em hipóteses que se destroem a cada
passo”.
Acerca dos locais ou pontos de entrada e distribuição de escravos africanos no
Brasil, além do trabalho de Pandiá Calógeras (1927), citado anteriormente, que indica os
portos de Santos, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, os estudos de Robert W. Slenes (1986) e
Maria Luiza Marcílio (1978) não confirmam as pesquisas de Calógeras como apontam
novas evidências para o entendimento desse fluxo de escravos.
No tocante às formas autônomas de produção pelos escravos, abordo inicialmente
o debate articulado pelo historiador Jacob Gorender (1991) acerca da natureza do trabalho
escravo, em razão da centralidade do conceito de violência nesse debate.
Se a violência é imanente à escravidão, como propõe Gorender (1980, 1991),
entendo que o escravismo que pressupõe a predominância do emprego da escravidão em uma
formação social, não pode aplicá-la por tanto tempo, como ocorreu no Brasil, sem que os
escravizados lancem mão de mecanismos físicos e/ou simbólicos de “resistência e
acomodação”, conforme Stuart Schwartz (1979) e perfilhamento por Kátia Mattoso (1990).
O historiador Ciro Flamarion Cardoso (1987) ao propor o termo “brecha
camponesa” como definição para “o sistema dos lotes de terras dados aos escravos com o
tempo para cultivá-los e a possibilidade de dispor livremente dos excedentes produzidos”
(p.95) disponibilizou importante ferramenta conceitual àqueles que não aceitam a tese da
inexorabilidade da coerção do/no sistema escravista, com a conseqüente redução do escravo à
circunstância de “instrumento de produção” e/ou “mercadoria”.
Além das conclusões de Cardoso, evidências de atitudes autônomas de cultivo e
venda de produtos agrícolas por escravos foram encontradas por Antonio Barros de Castro
(1977,1980), João José Reis (1983) e João José Reis e Eduardo Silva (1988).
52
A percepção de Cardoso é confirmada, se não pelas evidências apresentadas por
essas novas pesquisas, que foram analisadas e desconsideradas por Gorender (1991), pela
persistência de quatro possibilidades que se interpenetram, a saber: as orientações da Igreja
Católica quanto ao descanso dominical; a necessidade pelos senhores de dispensarem aos
escravos alguns tipos de concessões capazes de arrefecer os ânimos revoltosos; a necessidade
econômica de não avariar os “instrumentos de produção” ou “mercadoria” com sobrecargas
de utilização; a necessidade de uma produção complementar à predominante nos domínios
senhoriais, tendo em vista o próprio consumo e o consumo do entorno.
O modelo cristão de família nuclear (pai, mãe e filhos), associado às restrições
que o sistema escravista impunha à organização familiar dos escravos (QUEIRÓZ,1998),
podem ajudar a entender a forte defesa de sua quase inexistência dentro do sistema
(FERNANDES, 1969; GORENDER, 1980,1991) ou sua existência ainda que percebida a
partir da casa-grande (FREYRE, 1998).
Não obstante esse quadro, trabalhos recentes sobre famílias escravas, usando
modernos procedimentos de demografia da escravidão, como os de Iraci del Nero da Costa
(1978,1983) e Francisco Vidal Luna (1981,1986), isoladamente, e Iraci del Nero da Costa e
Francisco Vidal Luna (1979,1981,1982,1982), em colaboração, demonstram a “presença de
estruturas familiares persistentes entre os escravos”(SCHWARTZ, 2001, p.34).
As evidências apresentadas nos trabalhos desses e de outros pesquisadores
51
dessa
temática, posicionados numa perspectiva das “famílias dos próprios escravos” (SCHWARTZ,
2001, p. 52), sugerem que a aceitação da possibilidade de organização familiar escrava pode
estar relacionada à percepção da escravidão como evento, cuja violência inexorável imanente
não permitia qualquer forma de agrupamento social, mas igualmente a uma eventual posição
ideológica do pesquisador.
51 - Ver os trabalhos de BRAHAM (1976), SAMARA (1981, 1981a), MARCELINO (1972), SILVA (1980,
1983, 1984), METCALF (1987), FLORENTINO (1987), GUDEMAN e SCHWARTZ ( 1984),
MATTOSO(1988), entre outros.
53
Do que foi apresentado até aqui devo dizer que este estudo confirma as
percepções de “continuidade” cultural desse passado escravista
52
. Essa continuidade se
materializa nas concepções e práticas racistas e nas diversas modalidades de preconceito e
discriminação ao negro na contemporaneidade.
1.7. A racionalização da percepção do “outro”: o racismo científico
Percepções preconceituosas àquele que não pertence originalmente ao grupo,
aparecem com as primeiras formações societárias. Se observarmos atentamente, percepções
beligerantes do “outro” podem ser verificadas igualmente na experiência cotidiana dos
chamados animais irracionais. Uma espécie de “espírito de rebanho” (NIETZSCHE, 1981),
um gregarismo que parece envolver os membros de um grupo social tende a fazer com que o
“outro” seja hostilizado, afastado e até mesmo eliminado.
Em que pese tratar-se de uma obra cinematográfica com imprecisões históricas
importantes
53
, o filme Quest of fire (Guerra do fogo), do diretor Jean Jacques Annaud (1981),
que trata da descoberta do fogo por uma tribo pré-histórica oferece imagens sugestivas sobre
os primeiros grupos hominídeos (coletores, pescadores, caçadores). Buscavam os nossos
ancestrais pré-históricos estabelecer vínculos de solidariedade interna como forma de tornar
mais eficaz o alcance aos alimentos e complementarmente como forma de proteger os
interesses da grei, de eventuais agentes externos àquela formação original. Pode-se dizer que
essa modalidade de preconceito ao “outro” apresentava fundamentos na força física e buscava
a satisfação de necessidades eminentemente biológicas (calor, fome, segurança física).
52 - Essas percepções encontram-se, entre outros, nos trabalhos de MOURA (1984), GUIMARÃES (1999),
HASENBALG (1979), SANTOS E SILVA (2005), BORGES (2005), LOLLEL (1981), SILVA (1989),
SILVA (1980) e SCHWARTZ (2001).
53 - O doutor Fabiano de Sousa Gontijo, antropólogo e etnólogo, professor no Curso de Mestrado em Políticas
Públicas (CCHL/UFPI) considera o filme Ice Age (A era do gelo), do diretor Chris Wedge (2002) mais
apropriado como representação imagético-discursiva desse período da humanidade.
54
Na antiguidade, para os egípcios, os hebreus eram percebidos como o “outro”. Os
gregos constituíam como o seu “outro” todos os que não pertencessem à sua cultura. No início
dos chamados tempos modernos, os europeus com os portugueses à frente elegeram os
originários do “novo mundo”, da Ásia e da África, como o seu “outro (RIBEIRO, 1970;
BOORSTIN, 1989; TODOROV, 1983).
O preconceito contra o “outro” é, assim, tão antigo quanto os seres humanos e seu
aparecimento está ligado às suas primeiras formações sociais, embora as bases que
fundamentam as percepções do diferente sofram modificações com o passar do tempo.
Deixamos em grande medida aquele preconceito exercido predominantemente
com o uso da força física, buscando atender a necessidades fundamentais de sobrevivência,
conforme podemos perceber nas sugestões imagéticas dos primeiros hominídeos criados pelo
cineasta Annaud (1981). Chegamos a formas sofisticadas de preconceito na civilização, que
se afirmam através da força simbólica, tendo em vista o atendimento de interesses subjetivos
ligados a pretensões etnocêntricas. Trata-se da invenção de uma percepção da raça como
atributo biológica e cientificamente mensurável” (SCHNEIDER, 2005).
O racismo aparece na contemporaneidade com os trabalhos de Charles Darwin
(2004). O principal elemento diferenciador em relação às concepções anteriores é o status
científico que recebe, principalmente da Biologia. Esta, como se sabe, afirma-se juntamente
com outras especialidades científicas, na direta proporção do declínio do conhecimento
religioso, que até ali ofereceu os principais fundamentos epistemológicos para as percepções
da diversidade humana (A BÍBLIA SAGRADA/Gn., 9: 18-27, 1969).
Os fundamentos teóricos racialistas interpretados do livro bíblico de Gênesis
podem ter servido como justificativa moral para o comportamento do clero cristão na África e
nas Américas. No caso específico do tratamento dispensado aos negros africanos, esses
fundamentos podem ter sido encontrados ainda nos livros de Jeremias (Jr., 13:23), Cantares
55
de Salomão (Ct, 1:5-6) e Isaias (Is, 18:1-7). É neste sentido que se pode dizer com Alberto
Luiz Scheneider (2005) que filósofos e cientistas apenas ressignificaram a perspectiva
racialista percebida na bíblia
54
.
Na filosofia são conhecidas as concepções racistas de Emanuel Kant (1724-1804)
e Hegel (1770-1831 ). Na ciência, além de Charles Darwin (2004) citado, temos as idéias
eugênicas do inglês Francis Galton (1871) quanto a alterações artificiais das gerações
humanas, tendo em vista garantir nascimentos de “bons” indivíduos e eliminação dos “maus”.
Essas idéias foram assimiladas pelos americanos Madison Grant (1916) e Lethrop Studdart
(1920, 1922).
A Inglaterra e os EUA foram, portanto, dois grandes centros elaboradores e
irradiadores dos princípios eugenistas que alimentaram as pretensões de superioridade racial
ariana dos nazistas do século XX.
Esses princípios racistas entram no Brasil principalmente através das idéias e
práticas de Louis Agassiz (1995) e Arthur Gobineau (1855) e influenciaram os trabalhos de
Silvio Romero (1954) e Nina Rodrigues (1976). Aqui quando se fala em racismo numa
perspectiva acadêmica, ou seja, como conjunto discursivo organizado e fundamentado, que
visa explicar a sociedade brasileira, vem logo à mente os trabalhos desses dois pesquisadores.
Sobre os dois é sabido que concordavam quanto ao conceito de inferioridade
racial do negro, mas divergiam em relação aos resultados da mistura entre raças. No caso
específico da mistura entre brancos e negros, Silvio Romero acreditava que a mesma tenderia
naturalmente a beneficiar o branco. Os núcleos dos discursos racialistas de Romero e
Rodrigues podem ser simplificados, sendo que ambos se relacionavam à implicação
catastrófica para os negros.
54 - Para Maria Luiza Tucci Carneiro (1994, p. 13): “até o fim do século XVIII, persistiu no Brasil um racismo
de fundamentação teológica”.
56
Como princípio geral para Romero, na mestiçagem, o elemento com maior
quantidade tende a predominar gradativamente nas gerações futuras. O que levava Romero a
afirmar esse princípio no caso brasileiro foi o fim do tráfico negreiro e a crescente entrada de
trabalhadores brancos europeus, de um lado, e a constatação de que o tipo racial negro sofria
muitas baixas em função do número elevado de mortes causadas por um sem número de
fatores (ROMERO apud RODRIGUES, 1976; NASCIMENTO, 1978).
O maranhense Nina Rodrigues (1976) discordava do mestre alagoano por
acreditar, como princípio, que o resultado das misturas raciais é o enfraquecimento, com o
tempo, das raças envolvidas. Isto porque o tipo racial resultante da mistura não assume as
características de nenhuma das matrizes, tendendo ao progressivo enfraquecimento a cada
cruzamento ulterior. Com base nessa constatação científica Rodrigues orientava os governos
que reconhecessem oficialmente as diferenças raciais, tendo em vista dispensarem tratamentos
aos indivíduos conforme as circunstâncias de “superiores” ou “inferiores” dos tipos raciais.
1.8. Preconceito e discriminação: evidências das permanências nas relações negro-
branco.
O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer em Verdade e Método (1998) empreende
uma reabilitação do termo “preconceito”, que me parece ferramenta conceitual útil à análise
das significações que indivíduos negros e brancos têm de experiência escravista brasileira.
Neste estudo sobre imagens identitárias negras observei que essas significações estão
conservadas, entre outros “suportes da memória”
55
, em trabalhos literários e historiográficos.
Um exemplo que indico do primeiro caso é a obra O cortiço”, do maranhense
Aluísio Azevedo (s. d.), analisada literariamente por David Brookshaw (1983) e Charles
55 - Tratam da possibilidade de conservação da memória em suportes materiais e imateriais os trabalhos de
Maurice Halbwachs(1990), Michel Pollak(1989), Pierre Nora(1981), Jacques Le Goff(1996) e Ecléa
Bosi(1994).
57
Martim (1988). Nessas duas análises literárias o autor maranhense aparece como um
importante formulador de imagens negativas do negro. No segundo caso temos a obra
“Formação Econômica do Brasil”, de Celso Furtado (1997). Sobre este digo que percepções
mais depreciativas do negro talvez só tenham sido formuladas pelos uspianos Fernando
Henrique Cardoso (1962) e Otávio Ianni (1962). Registro antecipadamente que os extremos
ora apresentados, tanto em relação a literatos e historiadores que escreveram sobre o negro,
quanto às posturas apresentadas a seguir, são matizados por um sem número de possibilidades
consideradas mais adiante.
Para Gadamer,
Preconceito não significa (…) falso juízo, pois está em seu conceito que ele
possa ser valorizado positivamente ou negativamente. É claro que o
parentesco com o projeducium (prejuízo, desvantagem, dano em francês)
latino torna-se operante neste fato, de tal modo que, na palavra, junto a matiz
negativa, pode haver também um matiz positivo (1998, p. 407).
A “positividade” do preconceito está em, inicialmente, tomarmos consciência de
que ao estabelecermos uma relação com um texto ou uma pessoa, partimos de sentidos não
sobre aquele texto ou pessoa, mas sobre outros textos e pessoas que conhecemos antes
(GADAMER, 1997). Algo como não termos nunca “uma percepção pura” dos eventos, mas
sempre uma percepção carregada de outras que a antecedeu (BERGSON, 1999).
A partir daí, a percepção de preconceito em Gadamer ajudou-me a afirmar, com
base ainda nos depoimentos e relações que mantive com interlocutores brancos e negros
durante o trabalho de campo, a percepção do racismo contemporâneo a negros, como
continuidade dos “sentidos” herdados culturalmente da experiência escravista brasileira,
abolida há quase 120 anos.
Assim, ao iniciarem uma relação, tanto os indivíduos negros quanto os indivíduos
brancos arrastam para essa nova relação os sentidos” da experiência escravista que a
58
“memória coletiva” guarda e transmite a todos, principalmente através de processos
educativos
56
.
Nos indivíduos negros esses “sentidos” podem atingir a auto-estima de forma
negativa, condicionando-os a uma postura inferiorizada e vitimizada. Tornam-se com isso
indivíduos apáticos, taciturnos, que apresentam dificuldade de provocarem um
relacionamento. Essa prática é mais percebida em experiências cotidianas entre negros pobres
e não letrados com brancos ricos e/ou letrados. É percebível, ainda, em experiências afetivas
desses indivíduos negros com indivíduos brancos definidos socialmente como belos, face aos
caracteres fenotípicos que apresentam. Diga-se de passagem que as motivações para a busca
desses relacionamentos não são claramente admitidas como atitudes deliberadas de
“branqueamento”. Podem, também, hipertrofiar essa auto-estima, a ponto de aguçar um
espírito revanchista militante ao menor sinal de preconceito e/ou discriminação. Neste caso,
essa postura aflora com maior freqüência na circunstância de se encontrarem, de um lado,
indivíduos negros letrados e/ou abastados economicamente e, de outro, indivíduos brancos
não letrados e/ou sem recursos financeiros. Em meio a essa situação, o negro passa de
oprimido a opressor. Uma forma que encontrei de ilustrar o paradoxo dessa/nessa situação é
lembrar as palavras do educador pernambucano Paulo Freire (1983) quanto às dificuldades
da/na construção do “homem novo”:
O grande problema está em como poderão os oprimidos, que ‘hospedam’ ao
opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da
pedagogia da sua libertação. Somente na medida em que se descubram
‘hospedeiros’ do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua
pedagogia libertadora. (...) algo, porém, a considerar nesta descoberta,
que esdiretamente ligado à pedagogia libertadora. É que, quase sempre,
num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos em lugar de
buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou
sub-opressores. (...) O ‘homem novo’, em tal caso, para os oprimidos, não é
o homem a nascer da superação da contradição, com a transformação da
velha situação concreta opressora, que cede lugar a uma nova, de libertação.
Para eles, o novo homem são eles mesmos, tornando-se opressores de outros
(FREIRE, 1983, p. 32 e 33).
56 - Trato dessa possibilidade no Capítulo 2.
59
Em conformidade com o pensamento de Freire, o negro que, ao longo de sua vida,
experienciou inúmeras situações de preconceito e/ou discriminação introjetou de tal forma
essa opressão subjetiva, que se transforma num opressor em potencial, em face de alguém que
lhe é subalterno. Indivíduos negros podem inclusive desenvolver idéias e atitudes
preconceituosas/discriminatórias entre si. No estudo realizado pela Folha de São Paulo (1995,
p. 75-77) esse fenômeno foi identificado e definido como “autopreconceito”.
Nos indivíduos brancos, os mesmos “sentidos” suscitam muitas vezes sentimento
de dívida legada pela experiência escravista, condicionando-os no geral a uma postura de
igualdade artificializada. Palavras e gestos são mecanicamente escolhidos e
instrumentalizados. uma maior tendência de se perceber essa postura naqueles indivíduos
brancos intelectualizados e/ou politizados capazes de “interditarem” seus discursos e atitudes
em meio a essas relações (FOUCAULT, 1998). Vê-se, ainda, nesses indivíduos brancos um
sentir-se diferente-superior “inato”, que proporciona a percepção de desequilíbrio “natural” na
relação. Essa postura é mais visualizada naqueles indivíduos, cuja grande maioria dos
familiares mais próximos (pais, irmãos, filhos), apresenta as mesmas características
identificadoras de brancos e/ou é abastada economicamente. Em meio ao contexto de cultura
familiar definido pelos seus membros como “de brancos”, os indivíduos são aparelhados”
subjetivamente para agirem dessa forma.
Permeando a rigidez desses extremos, tem crescido uma circunstância relacionada
à idéia de produção de imagens identitárias, que não obedece a critérios raciais e que, na falta
de uma melhor definição, denomino aqui de consumo da diversidade cultural. A produção
dessas imagens ocorre principalmente em espaços cada vez mais especializados.
A contemporaneidade tem ensejado um maior número e diversificação dos
espaços de produção de imagens identitárias. A TV, o cinema, o out door, o jornal, entre
outros, são apresentados aqui, dentro de um primeiro conjunto de modalidades desses
60
espaços. O SPA, a academia de ginástica, as clínicas de cirurgia plástica e os salões de corte e
pintura de cabelos, entre outros, são ora apontados, compondo um segundo conjunto.
Estabeleci essa organização para melhor tratar os próximos tópicos e também por considerar
que embora vivamos um tempo que transforma em mercadoria tanto os bens materiais quanto
os imateriais (BERMAN, 1986), no caso do primeiro conjunto os sujeitos consumidores têm
relativamente menor poder de orientar a configuração final dessas imagens. Em decorrência
disto, faço a seguir considerações sobre o espaço do jornal.
1.9. Representações jornalísticas do negro
Em que pese o caráter de referências metodológicas que alcançaram os trabalhos
sobre a presença do negro na História do Brasil, de Gilberto Freyre (1979), Fernando
Conceição (1996, 1998), Muniz Sodré (1995), Lília Moritz Schwartz (1987), entre outros,
com o uso da fonte jornalística, a aceitação do jornal como documento histórico ainda
encontra muita resistência entre os profissionais da área.
Considero o estudo dessa resistência uma questão relevante para o fazer
historiográfico recente, mas que requer posse e domínio de pressupostos teóricos por parte
dos que buscam uma aproximação eficaz da mesma. Por isso, sem o tempo e o preparo
necessários ao enveredamento por essa seara epistemológica, persigo pretensão bem mais
modesta nesta reflexão.
Trato aqui do “uso ou consumo” (CERTEAU, 2000) dessa modalidade de texto,
menos como fonte historiográfica na perspectiva dos profissionais da história os
historiadores –, e mais como “sentido” ou “significação” (RICOEUR, 1988) na/para a vida do
“homem ordinário”, de que fala Michel de Certeau (2000). Dessa forma, a postura
“hermenêutica” que proponho aqui, quanto ao texto jornalístico, busca paralelismo no uso ou
61
consumo dos textos de Homero e Hesíodo que faziam os “gregos primitivos”
(MAGALHÃES, 2002).
Compreendo que nos dois casos, em que pese as peculiaridades e o
distanciamento das duas temporalidades, está em questão a significação da escrita para a vida
dos respectivos consumidores. Entre os gregos, como se sabe, apenas uma camada composta
por 10% ou 15% da população – os cidadãos –, podia consumir aquela literatura
57
. Na
contemporaneidade, mesmo reconhecendo o alargamento do consumo dos bens culturais
pelos membros da polis, os fins buscados neste estudo delimitam a consideração desse
consumo apenas pelos indivíduos negros intelectualizados
58
das camadas médias urbanas.
Sobre o uso ou consumo dos textos de Homero e Hesíodo, na Grécia primitiva, o
filósofo Rui Magalhães afirma que:
Para os primitivos gregos a questão era relativamente simples, textos eram
os de Homero e Hesíodo e entre estes textos e o mundo da vida existia uma
conexão essencial e imediata. Eles o apenas constituíam um modelo de
vida como eles próprios eram a vida e por isso a vida os podia tomar como
paradigma (MAGALHÃES, 2002, p. 7).
Da afirmação de Rui Magalhães (2002) é possível depreender que a relação entre
natureza (vida) e cultura (texto) era, na Grécia primitiva, bastante estreita, sendo que
conforme este mesmo autor “foi em Alexandria que este estado de coisas se alterou. Os textos
tornaram-se, primeiramente, objetos em si e secundariamente reflexo de pensamentos, de
idéias e de sentimentos” (p. 7-8).
Para uma análise da relação homem-texto, tomei como “indicador empírico”
(POLLAK, 1989, 1992) o uso ou consumo dos textos jornalísticos por indivíduos auto-
definidos como negros e pertencentes às camadas médias urbanas de Caxias (MA). Refiro-me
57 - Sobre o caráter elitista da educação grega, ver Aníbal Ponce (1995).
58 - Chamo aqui de intelectualizados aqueles indivíduos que possuem formação escolar superior e que exercem
atividade profissional com o uso predominante das suas capacidades intelectuais (ex.: professores). Em
Gramsci (2000, p. 52), percebe-se que o trabalho físico está ligado a um “esforço muscular-nervoso”, e o
trabalho cultural a uma “elaboração intelectual-cerebral”. E, ainda, que o trabalho intelectual define-se por
critérios como “função” e “grau”.
62
particularmente às significações que esses indivíduos produzem a partir das representações
escritas e imagéticas do negro presentes no Jornal Pequeno, no período de janeiro de 2005 a
janeiro de 2007.
É ainda com fundamento na análise de Rui Magalhães (2002), sobre o uso ou
consumo do texto entre os gregos primitivos, que problematizo a relação do texto jornalístico
com a vida desses indivíduos negros na contemporaneidade. Pergunto o que esses indivíduos
podem fazer com esse tipo de texto, considerando que ele contribui sobremaneira para a
manutenção/afirmação de percepções negativas do negro que, no Brasil, remonta à segunda
metade do século XIX? (SKIDMORE, 1976).
O que proponho aqui é que esses indivíduos sejam “ordinariamente” hermeneutas
do texto jornalístico. Que assumam uma postura de hermeneutas “ordinários”. Mas como é
possível uma hermenêutica produzida por não hermeneutas profissionais?
Trato das condições de possibilidade de uma postura hermenêutica por não
hermeneutas profissionais, fundamentalmente a partir das análises que empreendo dos
trabalhos de Paul Ricoeur (1988) e Hans-Georg Gadamer (1998), embora lance mão de
conceitos utilizados por Roger Chartier (1990), Michael Foucault (1998), Michel de Certeau
(2000), Michel Pollak (1989, 1992), Durval Muniz de Albuquerque Jr. (2000), Fabiano
Gontijo (2002, 2004, 2005, 2006), entre outros.
Organizo neste estudo o tratamento a essas condições de possibilidades em dois
momentos. No primeiro momento, denominado “Representações jornalísticas do negro”,
ofereço uma síntese da análise que faço das representações do negro em um jornal do Estado
do Maranhão, o Jornal Pequeno (JP/MA/2005-2007). No segundo momento, intitulado O
texto jornalístico: seu consumo crítico como uma possibilidade hermenêutica”, apresento
indícios para uma operacionalização dessa possibilidade hermenêutica como um fenômeno
relacionado ao consumo crítico das significações do/no texto jornalístico.
63
Central neste estudo é o conceito de “representação” da forma que observo em
Roger Chartier (1990, p. 20), ou seja, como “instrumento de um conhecimento mediato que
faz ver um objeto ausente através da sua substituição, por uma ‘imagem’ capaz de o
reconstituir em memória e de o figurar tal como ele é”. É também fundamental aqui, o
conceito de “sentido” ou “significação” presente em Paul Ricoeur (1988), que compreendo ali
como um fenômeno vinculado à intencionalidade do autor: “[...] dou aqui ao termo
‘significação’ uma acepção bastante ampla, recobrindo todos os aspectos e todos os meios de
exteriorização intencional que torna possível, por sua vez, a exteriorização do discurso na
obra e no escritor” (p. 49).
Isso me insta esclarecer que a apreensão das significações ou dos sentidos das/nas
representações jornalísticas do negro, ocorre mais em nível de suas implicações nas/para as
vidas dos indivíduos negros, consumidores dessas representações, que nos meandros
subjetivistas da (s) intencionalidade (s) do (s) autor (es)
59
.
Desta forma, querendo ou não o (s) autor (es), dessas representações jornalísticas,
elas se constituem em significações depreciativas do ser negro na contemporaneidade.
1.9.1. Representações jornalísticas do negro no JP
Analisei as representações jornalísticas do negro durante o período de janeiro de
2005 a janeiro de 2007. Essa análise foi proporcionada pela circunstância de assinante, leitor e
arquivista do Jornal Pequeno (JP/MA/2005-2007)
60
. O JP é um dos três mais importantes
59 - Para Mikhail Baktin (2000, p. 320) linguagem e discurso só fazem sentido se instaurados numa perspectiva
dialógica. Sendo assim “[…] o substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de
estar voltado para o destinatário”.
60 - Em estudo posterior pretendo analisar as representações afirmativas sobre o negro no Jornal Pequeno como
as que observei nas edições do JP n.° 22.018, de 20.09.06, p. 1 e 3(política); 22.070, de 12.11.06, p. 1 e
13(entrevista); 22.125, de 07.01.07, p. 1, 5 e 13(especial/geral); 22.128, de 10.01.07, p. 4(geral); 22.130,
de 12..01.07, p. 1(JP/turismo); 22.133, de 15.01.07, p. 1 e 3(política); 22.226, de 20.04.07, p. 1 e
6(JP/turismo) e 22.232, de 26.04.07, p. 1 e 4 (geral).
64
veículos de comunicação maranhense que produzem as representações analisadas
61
. Segundo
o Sr. Jotônio Viana
62
, 49 anos, representante e articulista do JP, esse jornal circula
diariamente no Estado do Maranhão com tiragens que durante a semana variam de 5 a 8 mil
exemplares/dia e nos finais de semana de 8 a 12 mil exemplares/dia. Na capital do Estado do
Maranhão tem sido imbatível no domingo, mas não tem igual desempenho no interior nesse
mesmo dia.
Em Caxias (MA), o JP circula de segunda a domingo
63
, com uma vendagem diária
de 400 a 500 exemplares, O Estado do Maranhão, 70 exemplares/dia; e O Imparcial, 30
exemplares/dia.
O JP não tem participado do Índice de Variação de Circulação (IVC), mas
considerando um padrão internacional segundo o qual a leitura de um exemplar de jornal pode
variar de 3 a 5 leitores/dia, ele tem sido lido por aproximadamente 1500 pessoas/dia na
cidade. Em casos especiais, dependentes de fatores como local e assunto, um exemplar do JP
tem sido lido por 20 a 30 pessoas em Caxias-MA.
O exame das representações sobre o negro pelo JP no período aludido permitiu-
me algumas conclusões. A primeira e mais abrangente é a de que “há um imaginário
construído para a culpabilidade dos negros/pardos, o que influencia as perseguições dos
policiais e os julgamentos dos juizes” (Relatório do Núcleo de Estudos da Violência/USP
apud OLIVEIRA, 1998, p. 64).
Esse imaginário não é construído apenas pela mídia, mas igualmente pelas idéias e
ações que permeiam as relações corriqueiras entre indivíduos brancos e indivíduos negros.
Um resultado disso é que um negro envolvido numa circunstância qualquer de alteração da
ordem legal ou moral, de uma empresa transnacional ou de um barzinho de esquina, é logo
identificado como infrator potencial “até prova em contrário”.
61 - Os outros dois jornais são O Imparcial e O Estado do Maranhão.
62 - Cf. Filomena Áurea Maranhão Mousinho Simão (2006) e contato por telefone com o senhor Jotônio Viana
no dia 26/04/2007.
63 - Das quartas-feiras aos domingos o senhor Jotônio Viana escreve suas “crônicas políticas” (SIMÃO, 2006),
na coluna “Caxias em off”.
65
A segunda conclusão é que as representações jornalísticas analisadas confirmam
os estudos sobre a violência no Brasil, particularmente no tocante ao negro (MNDH, 1998).
no JP (2005-2007) maior freqüência de imagens de indivíduos negros
envolvidos em ilícitos de toda ordem
64
, se comparada à freqüência das representações
imagéticas de brancos infratores. No geral são jovens de tenra idade (16 a 25 anos), filhos de
pais que exercem profissões com baixa remuneração (atividades braçais, comércio informal).
Os textos não informam, no entanto, as escolaridades desses jovens, mas é possível perceber
que os mesmos perdem as vidas prematuramente (25 a 30 anos) de forma trágica (confrontos
com a polícia, “acertos” entre grupos rivais). As imagens não são coloridas, mas os traços
social e culturalmente definidores do negro são perceptíveis
65
.
Ocorre que no Brasil, em meio a uma situação de exclusão da cidadania de grande
contingente de brasileiros, os indivíduos “não brancos” são os mais afetados (HASENBALG,
1993). Este desequilíbrio social, em detrimento dos indivíduos de pele escura, parece
intensificar uma percepção preconceituosa com “circularidade” (ALBUQUERQUE JR, 2000;
GINSBURG, 1995) em órgãos de segurança, justiça, mídia escrita e eletrônica chegando até
aos indivíduos comuns e que assumiu status de cientificidade no passado (SCHWARTZ,
1993).
Essa percepção, conforme Hédio Silva Júnior (1998) se expressa em “três
máximas”:
1. a existência de criminosos natos; 2. a premissa segundo a qual é possível
identificar criminosos pelas suas características fenotípicas e, 3. a associação
automática dos atributos fenotípicos dos negros de qualquer tonalidade
cromática com atributos típicos de criminoso ou, em outros termos, a
consideração da cor como anúncio de culpa (SILVA JUNIOR apud
OLIVEIRA, 1998, p. 71).
64 - No JP (2005-2007) essas imagens estão principalmente nas primeiras e últimas (“polícia”) páginas.
65 - Ver “(...) fisionomia racial negra”, em Darcy Ribeiro (1995, p.133, 225, 289-9 e 235-6) e “(…) traço de
caracterização étnica”, em Gilberto Freyre (1998, p. 291-3 e 304).
66
No Brasil a percepção do negro como portador de inclinações genéticas para a
criminalidade o é fenômeno do final do século XX. O maranhense Nina Rodrigues (1982,
p. 7), nas últimas décadas do século XIX, dedicou-se a comprovar essas inclinações,
assumindo esse trabalho como um “dever de uma convicção científica sincera” e um
“devotamento respeitável ao futuro da minha pátria”.
Iniciada na segunda metade do século XX, consolida-se no início deste século a
perda do status de cientificidade dessa percepção de inferioridade natural do negro. Não
obstante, em espaços como o jornal, essa percepção encontra ressignificação cultural nas
formas de texto e imagens.
1.9.2 O texto e a imagem jornalística: seus consumos críticos como postura
hermenêutica
Empreendo inicialmente um esforço para delimitar o problema no/do texto
jornalístico em relação ao negro. Considero o jornal como um “espaço escriturístico”
moderno, ou seja, “uma superfície autônoma sob o olhar do sujeito que assim dá a si mesmo o
campo de um fazer próprio” (CERTEAU, 2000, p. 225). Nesse espaço escriturístico um autor
ou grupo de autores constrói representações escritas e imagéticas sobre a realidade social que
vem a ser esse “fazer próprio” de que trata Michel de Certeau.
Uma coisa, porém são as representações do preconceito e/ou discriminação em
nível das falas, gestos e/ou silêncios, que os indivíduos negros percebem nas relações
interpessoais cotidianas. Outra, é a circunstância em que essas representações ocorram nas
modalidades imagéticas e escrita, ampliando seu poder de exercer influência social
66
. No caso
66 - A análise dessa possibilidade pode se encontrada nos trabalhos de Alfredo Vizeu [s.d], Fernando
Conceição (1996; 1998), Muniz Sodré (1995), Lilia Moritz Schwartz (1987), entre outros.
67
da imagem é antigo o adágio popular de que ela vale mais que mil palavras, mas no meio
acadêmico sua aceitação ampliada é fato recente, conforme estudo de Peter Burke (2004)
67
.
O historiador Peter Burke (2004), que a denomina de “evidência histórica”,
apresenta no seu estudo, cujo subtítulo é “história e imagem”, entre outras, as definições de
imagens dos historiadores Jacob Burckhardt (1818-1897): ‘testemunhas de etapas passadas do
desenvolvimento do espírito humano’, objetos ‘através das quais é possível ler as estruturas
de pensamento e representações de uma determinada época’ (p. 13). E do historiador Philippe
Ariés (1914-1982): ‘evidência de sensibilidade e vida’ (p. 15).
Quanto à escrita são conhecidas as pretensões de verdade que esta assume
(FOUCAULT, 1998), assim como suas relações com a “violência” e a différance (DERRIDA,
1976). Sobre as pretensões de verdade encerradas na escrita, convém ainda ter em
consideração o que esclarece o filósofo Hans-Georg Gadamer:
[…] a fixação por escrito contém em si própria um momento de autoridade
de peso determinante. Não é fácil consumar a possibilidade de que o escrito
não seja verdade. O escrito tem a palpabilidade do que é demonstrável, é
como uma peça comprobatória. Torna-se necessário um esforço crítico
especial para que nos liberemos do preconceito cultivado a favor do escrito e
distinguir, tanto aqui, como em qualquer afirmação oral, entre opinião e
verdade (GADAMER, 1998, p. 409/10).
No tocante à presença do negro na realidade social é sabido que essa presença tem
se dado marcada por “práticas discursivas e não discursivas” (ALBUQUERQUE JR, 2000)
preconceituosas e discriminatórias, nem sempre assumidas pelos seus agentes (FRY, 2005;
FSP, 1998; SCHWARTZ e QUEIROZ, 1996).
É que o problema alcança as necessárias “visibilidade e dizibilidade”
(ALBUQUERQUE JR, 2000), isto é, o fazer próprio jornalístico pode, a um só tempo, receber
análise e escrita acadêmicas. Dou a seguinte enunciação ao problema tratado neste estudo: se
a prática escriturística dos que produzem o texto e as imagens jornalísticas contribuem para a
67 - Analisei ainda os trabalhos de Eduardo França Paiva (2002), Miriam L. Moreira Leite e Olga R. de Moraes
von Sinson (1992) e Peter Spink (1999).
68
estereotipia da presença negra na realidade social contemporânea, como e por que isso
acontece, se se sabe que editores especializados procuram “filtrar” aquelas representações
escritas e imagéticas consideradas “politicamente incorretas”?
Penso que esse problema instiga compreensão e por isso reproduzo o adágio
atribuído a F. Schleirmacher por Paul Ricoeur (1988, p. 21): “há hermenêutica, onde houver
não-compreensão”. Mas a atitude de busca de compreensão não ocorre sem que estejam
subjacentes interferências, tanto do desejo de confirmação de “expectativas”, quanto da
projeção de “perspectivas”, conforme observação de Hans-Georg Gadamer:
Quem quer compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo
apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do
todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem o
texto a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido
determinado (GADAMER, 1998, p. 402).
Importa, então, compreender como esse problema se instala e por que isso
acontece. Esclareço que a compreensão hermenêutica a que me refiro é prática empreendida
por indivíduos do povo e não por hermeneutas profissionais e que a percepção de indivíduo
que assumo é tributária da noção neo-kantiana de indivíduo que o “considera, é verdade, em
suas relações sociais, mas fundamentalmente singular” (RICOEUR, 1988, p. 25).
1.9.3. O negro no jornal
O jornal, no exercício da função de informar, produz representações dos eventos
considerados por seus editores como os mais significativos na conjuntura social em que estão
representados. Na pesquisa que realizei sobre representações jornalísticas do negro, tomando
como indicador empírico o Jornal Pequeno (JP/MA/2005-2007), percebi uma maior
freqüência dessas representações na editoria de polícia, sendo que ali o negro é representado
predominantemente como infrator, ou seja, como agente de ilícitos penais, portanto
69
potencialmente paciente das ações dos órgãos da justiça do Estado. Considerei essa maior
freqüência em comparação às representações, na mesma editoria, de outros grupos sociais,
como o branco e o indígena.
O negro está também representado em outras editorias como a de esporte e de
cultura
68
. Mas é ali, na editoria de polícia, que ele é vinculado ao estereótipo de socialmente
delinqüente (RODRIGUES, 1894, 1982), com implicações nas “imagens identitárias” que os
indivíduos negros constroem de si (POLLAK, 1989, 1992; GONTIJO, 2002, 2004, 2005,
2006). Isto porque, embora o (s) autor (es) das representações não seja (m) racista (s) ou não
tenha (m) “intenção” de racializar o discurso jornalístico, este acaba assumindo essa
significação social. Ou, conforme Paul Ricoeur:
[…] a escrita torna o texto autônomo relativamente à intenção do autor. O
que o texto significa, não coincide mais com aquilo que o autor quis dizer.
Significação verbal, vale dizer, textual, e significação mental, ou seja,
psicológica, são doravante destinos diferentes (RICOEUR, 1988, p. 53).
Considerando a possibilidade dessa autonomia, neste estudo importa mais o
consumo social das representações sobre o negro no jornal que as intenções do autor ou
autores destas.
Assim as representações do negro na editoria de polícia contribuem para dar novo
alento às idéias e comportamentos sociais racistas engendradas entre outros pelo médico
maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906)
69
. Para Nina Rodrigues a explicação para
uma suposta predisposição do negro para a delinqüência poderia ser explicada com o conceito
de “sobrevivência criminal”, conforme segue:
68 - Devo dizer que nessas editorias existem jornalistas negros e, principalmente, que não tenho conhecimento
de ligações do JP com concepções e/ou práticas racistas. Exemplos da presença negra no JP são: Manoel
Santos Neto, jornalista, escritor, fundador do CCN, escreve na editoria de política; Antonio Carlos (“Lua”),
jornalista, escreva na coluna Justiça e cidadania”; Hebert de Jesus Santos, jornalista, poeta e membro do
IHGM, escreve na coluna “Sotaque da ilha”; Manoel Rubim da Silva, contabilista, auditor fiscal da RF e
professor do DECCA/UFMA, escreve na coluna “Palavra de especialista”, entre outros.
69 - Podem ainda serem citados como teóricos do racismo brasileiro os autores Oliveira Martins (1845-1894),
Sílvio Romero (1851-1914), Euclides da Cunha (1866-1909), Oliveira Viana (1883-1951), Francisco
Adolfo Varnhagen (1816-1878), entre outros.
70
(…) a sobrevivência criminal é, ao contrário, um caso especial de
criminalidade étnica, aquilo que se poderia chamar de criminalidade étnica,
resultante da coexistência, numa mesma sociedade, de povos e raças em
fases diversas de evolução moral e jurídica, de sorte que aquilo que ainda
não é imoral nem antijurídico para uns réus já deve sê-lo para outros. Desde
1894 que insisto no contingente que prestam à criminalidade brasileira
muitos atos antijurídicos dos representantes das raças inferiores, negro e
vermelha, os quais, contrários à ordem social estabelecida no país pelos
brancos, são, todavia, perfeitamente lícitas, morais e jurídicas, consideradas
do ponto de vista a que pertencem os que praticam (RODRIGUES, 1982, p.
273).
Como se sabe, o médico Raimundo Nina Rodrigues deixou um legado cultural
70
que pode ser percebido nas idéias e práticas de alguns membros dos três poderes da república
brasileira e de intelectuais atuantes em instituições várias (SILVA JR apud OLIVEIRA et. al.
[orgs.], 1998). Uma conseqüência social desse legado é, como indiquei anteriormente, a
identificação social do negro com a criminalidade, até mesmo em situações cotidianas
corriqueiras. Outra conseqüência em nível psicológico refere-se à auto-estima dos indivíduos
negros e pode ser observada sem que se tenha um preparo acadêmico específico. Para isso
deve ser considerado o maior ou menor nível de formação familiar, escolar e socioeconômico
desses indivíduos, pois não se trata de um fenômeno com efeito vinculante.
Os indivíduos pertencentes aos níveis mais elevados, conforme os critérios
indicados antes de organização familiar, maior escolaridade e melhor inserção econômica,
tendem a apresentar maiores possibilidades de consumirem a produção jornalística sem que as
representações ora analisadas afetem, consideravelmente, suas auto-estimas.
Embora o JP seja um órgão informativo com âmbito de circulação estadual (MA),
ele se comporta, quanto a esta e outras temáticas da realidade social, como os grandes jornais
do país. Produzem representações da realidade social e veiculam-nas primeiramente
70 - O antropólogo Artur Ramos (1903-1949) foi um dos cientistas sociais brasileiros que assumiu esse legado
e em defesa do mestre baiano afirmou que “(…) não se poderá acusar hoje a sua escola, como ainda
insistem alguns intelectuais de má fé, de reincidir no prejulgado da tese da inferioridade antropológica do
negro ou da degenerescência da mestiçagem, que fora endossada pelo sábio baiano, preso evidentemente
aos métodos e às ‘hipóteses de trabalho’ da ciência de sua época” (RAMOS, 1979, p.XX).
71
obedecendo a critérios comerciais de vendas crescentes e ampliação da área de circulação e só
secundariamente observando outras implicações.
Há, seguramente, um esforço estético e até um esforço ético no JP e nos outros
jornais, mas estes critérios precisam estar articulados aos critérios comerciais. Embora
considerados, esses aspectos não foram os mais importantes neste estudo e sim o aspecto de
“que se desvende o texto [jornalístico], não mais em direção ao seu autor, mas em direção ao
seu sentido imanente e a este tipo de mundo que ele abre e descobre” (RICOEUR, 1988, p.
29). Dito de outra forma, busquei apreender algo próximo da definição de “sistema” em
Ferdinand de Saussure (1857-1913), ou seja, “a relação entre elementos, e não os próprios
elementos que são responsáveis pelo significado” (JONHSON, 2001, p. 09).
Do texto e imagens jornalísticas, uma postura hermenêutica pelos indivíduos
negros precisa considerar os critérios que movem as suas produções e, fundamentalmente,
buscar apreender as significações positivas para a vida que possam oferecer, considerando que
“[…] uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o
princípio, para a alteridade do texto” (GADAMER, 1998, p. 405).
Os indivíduos negros intelectualizados das camadas médias urbanas de Caxias-
MA, cujas significações do texto e imagens jornalísticas considero neste estudo, consomem
outros jornais além do JP. Eles percebem as representações sobre o negro eventualmente, nas
várias editorias dos jornais, mas não têm dúvida quanto a ser na editoria de polícia que
representações negativas do negro lhes afetam a um tempo, com familiaridade e
estrangeirismo. Aqueles negros ali representados poderiam ser eles, não fossem as diferentes
trajetórias de vida marcadas pelo contexto familiar e/ou pela educação formal.
Sentem pertencerem às mesmas imagens identitárias dos representados, mas
compreendem aquelas representações como construções culturais que não podem orientar
negativamente as suas vidas reais. Uma possibilidade de resolver isso é no ato mesmo do
consumo do texto jornalístico, mas não apenas neste ato, cada indivíduo negro assumir uma
72
atitude
71
orientada pela observação de Paul Ricoeur (1988) quanto à “apropriação” de um
texto:
Aquilo que finalmente me aproprio é uma proposição de mundo. Esta
proposição não se encontra atrás do texto, como uma espécie de intenção
oculta, mas diante dele, como aquilo que a obra desvenda, descobre, revela.
Por conseguinte, compreender é compreender-se diante do texto (RICOEUR,
1988, p. 58).
Penso que a apropriação referida por Paul Ricoeur contribui operacionalmente
para a constituição de uma atitude hermenêutica de indivíduos negros quanto à apreensão dos
sentidos implicados nas representações do negro no texto jornalístico. A partir dessa atitude,
pode-se perceber que nessas representações não está inscrito apenas uma “revelação” de como
o mundo está, mas igualmente como os “grupos hegemônicos” (BERND, 1994) pretendem
que ele permaneça no que diz respeito às relações entre os “grupos étnicos
72
. A compreensão
disso é, antes de tudo, um situar-se criticamente no mundo.
Para os negros intelectualizados, consumidores do texto e das imagens
jornalísticas, é mais fácil desvencilhar-se dos seus efeitos esteriotipizadores, embora no Brasil
a circunstância social de ser negro tenha sido arrastada da instância biológica para a cultural,
mantendo-se vinculada à cor da pele, conforme esclarece a professora de História da UFF,
Hebe Maria Matos:
Para os liberais radicais da geração da Independência, a cor não deveria
importar, mas a dificuldade de se falar dela tornava evidente que a vitória
permanecia limitada, já que não se conseguia dissociar o ‘homem de cor’ da
memória da escravidão de seus antepassados. […] A discussão atual sobre
política de reparação e a reivindicação de uma identidade negra, recolocou
na ordem do dia a memória da escravidão inscrita na pele de milhões de
brasileiros (MATOS, 2005, p. 17 e 20).
Esses indivíduos negros intelectualizados compreendem com maior facilidade que
vinculações estereotipizadoras com base na biologia (cor da pele), como foi possível no
71 - Assumo aqui a noção de “atitude” percebida em Peter Fry (2005) e Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
(1999), ou seja, conduta ou comportamento social ou cultural.
72 - Denominação proposta por Claude Levs Strauss (1808-), conforme Zila Bernd (1994).
73
passado, e/ou na cultura (memória), como se observa na contemporaneidade, ainda que
construídas involuntariamente como parece ser o caso do JP, acabam por atender a interesses
ideológicos não confessados de grupos sociais hegemônicos.
1.10. A ressignificação do “branqueamento”: indicativo de alterações nas relações
negro-branco.
A questão do “branqueamento”, que foi considerada uma alternativa para o
problema do negro no Brasil, tem hoje um peso residual insignificante. A idéia de uma
depuração do sangue do brasileiro, pela mistura com sangue europeu, esteve presente nos
pensamentos de Artur Gobineau (1816-1882), Oliveira Viana(1883-1951), Sílvio
Romero(1851-1914), Joaquim Nabuco(1849-1910), José do Patrocínio(1853-1905), Euclides
da Cunha(1886-1909), entre outros. Para o médico Nina Rodrigues (1982, p. 5) esse problema
seria resolvido muito facilmente: “os negros existentes se diluiriam na população branca e
estará tudo terminado”. Fora do alcance de iniciativas governamentais, como a que ocorreu
nas últimas décadas do século XIX
73
, ou de iniciativas regionais como as do Sul do país
74
, a
idéia do “branqueamento” perdeu sua força originária como um evento, cuja elaboração e
aplicação pudesse ser baseada em princípios de racionalidade científica.
O “consumo” (CERTEAU, 2000) dessa questão na experiência cotidiana da
contemporaneidade parece ser antes a tradução da satisfação de um desejo particular que se
manifesta à revelia da orientação freudiana da sua contenção, como diz Lacan (1998). Um
“consumo” a mais dentro do “leque” de opções oferecidas pelo/no “supermercado cultural
global” (GORDON, 2002) à disposição de indivíduos negros e brancos. Esses indivíduos
73 - Por iniciativa do governo provisório(1889-1891) de Deodoro da Fonseca(1827-1892) foi criado o Decreto
n.° 528 de 28 de junho de 1890 tendo em vista a regularização da entrada no Brasil de imigrantes brancos
europeus e proibição da entrada de negros africanos e amarelos asiáticos.
74 - Sobre a imigração no Sul do Brasil, ver, entre outros, Wilsom Martins(1955), Léo Waibel(1947), Emílio
Willens(1946) e Dante de Laytano(1952).
74
optam por consumir os próprios desejos, sem ter em mente critérios que possam determinar
isso ou aquilo como reservado a negros ou brancos.
Tomo como exemplo desse “consumo” da diversidade cultural a administração da
própria aparência (FRY, 2005; RAÇA BRASIL, 1996). Considero aqui apenas os cabelos
como um detalhe natural (biológico, genético) que essa administração ressignifica
(culturaliza).
Em entrevista à Elizete Santos Abreu (1996, p. 51-52), a fundadora do CCN do
Maranhão, Maria Raimunda Araújo, a Mundinha Araújo, relatou as dificuldades de manter
seus cabelos encrespados (naturais) em um contexto de massificação do alisamento capilar
(culturalizados):
Fui a primeira mulher a usar o cabelo natural aqui em São Luis, isso no
início dos anos 70, quando todas as mulheres alisavam seus cabelos. Era um
presente que as mães negras davam quando você chegava dos 12 a 13 anos
de idade. Eu fui levada aos salões para alisar o cabelo, mas eu não gostava
daquilo. Quando passei a usar o cabelo natural foi uma complicação para
mim. Logo em seguida fui a São Paulo, já estavam começando a usar. No
Rio se percebia com mais freqüência, então eu voltei ao Maranhão e
continuei a usar o cabelo natural. Foi terrível, eu pegava vaia na rua,
olhavam sempre como se eu fosse uma pessoa de outro planeta. Se estava no
cinema, todos se viravam para me olhar; se ia ao comércio, todos se
voltavam para mim. Na Rua Grande, a principal da cidade, era aquela
anarquia, eles gritavam: olha o diabo, que diabo é isso, isso é cabelo. E eu
imaginava sair de casa, era algo perverso. No final da década de 70,
fundamos o CCN, então as pessoas já estavam um pouco mais acostumadas
com o meu tipo de cabelo, o meu tipo de roupa. Havia pessoas que
começavam a usar o cabelo natural, mais uma, duas semanas depois já
mandavam alisar, devido as pressões. Hoje não. Conseguimos conquistar
uma boa parte dos negros maranhenses, você na rua estamparias
diversas, cabelos bonitos na sua originalidade, um contingente de pessoas se
assumiu como negras.
Para Gilberto Freyre (1978) os cabelos se constituem em caractere fenotípico mais
apropriado para definir o “ser negro”, que a pele escura. Por outro lado, isto nos remete às
reflexões de Simone de Beauvoir (1991) quanto a não “se nascer mulher”. Do que se
depreende que não se nasce negro. Ser negro é “tornar-se”.
75
Sendo assim, o que se tem visto são mulheres negras alisando e/ou pintando os
cabelos das cores mais diversas e homens negros pintando e/ou cortando os cabelos bem
rentes ao couro cabeludo de forma a não se perceber o encrespamento natural. Na mesma
direção percebemos indivíduos brancos de ambos os sexos interessados no usufruto da mesma
diversidade cultural, dando tratamento aos próprios cabelos com motivos afros.
Apresento duas, dentre as muitas explicações possíveis, para esse comportamento
que ultrapassa os limites convencionados para as fronteiras raciais. Uma explicação bastante
conhecida é a de Clóvis Moura (1984) para quem, no geral, o brasileiro não se interessa por
uma única identificação étnica. Outra é que a divulgação através da mídia e o consumo, pelo
grande público, das análises sobre classificações raciais dos brasileiros que, por sua vez, têm
levado em consideração as pesquisas recentes no campo da genética, confirmam nossa
“ancestralidade tripla” (SANTOS, 2006) e o complexo processo de miscigenação por que
passamos (HASENBALG, 1997; GUIMARÃES, 1997; DA MATTA, 1997; REIS, 1997;
SANSONE, 1996; FSP, 1995).
Todos esses estudos dão sustentação à conclusão de Clóvis Moura (1984) quanto
a não assumirmos uma única identificação étnica. Mas seria isso a indicação de estarmos mais
próximos da diversidade caleidoscópica que a Pesquisa Nacional por Amostragem de
Domicílios (PNAD/IBGE/1976) demonstrou que do binômio racial
75
“brancos” e “não-
brancos”, proposto por Carlos A. Hasenbalg e Nelson do Vale Silva (1993)?
Enquanto a resposta definitiva sobre o que pensam ser os brasileiros (VEJA,
1996) não chega, devo dizer que neste estudo realizado com indivíduos negros
intelectualizados
76
, das camadas médias urbanas de Caxias-MA, pude perceber que a decisão
75 - Um importante debate nesse sentido está em curso sobre o sistema de cota para negros nas universidades
brasileiras, colocando em posições opostas Ali Kamel (2006), que percebe o racismo no Brasil como uma
questão secundária à situação cio-econômica dos pobres em geral. e Kabengele Munanga (2004), para
quem secundarizar o problema do racismo existente no país atende a interesses ideológicos contrários aos
negros.
, colocando em posições opostas Ali Kamel (2006), que percebe o racismo no Brasil como uma questão
secundária à situação sócio-econômica dos pobres em geral. e Kabengele Munanga (2004), para quem
secundarizar o problema do racismo existente no país atende a interesses ideológicos contrários aos negros.
76
de participar das mesmas imagens identitárias pode estar relacionada a experiências de
iniciação de um “tornar-se” negro, tratado no segundo capítulo deste estudo.
Não obstante todas essas alterações, deve ser considerado que a forma dominante
de pensamento
77
das/nas formações sociais contemporâneas é, em grande medida,
determinada pelos postulados liberal-capitalistas que consagram o indivíduo como bem
universal e a prosperidade econômico-social desse indivíduo como evidência da sua
especialidade e do modelo social democrático e justo vigente.
Nessas formações sociais indivíduos de pele escura têm conseguido progredir
econômica e socialmente, mas esse fato não tem eliminado a possibilidade dos mesmos serem
alvos de preconceito e/ou discriminação, em face da circunstância de suas identificações
sociais como negros. Isso acontece porque a vinculação cultural entre ter a pele escura e ser
negro é mais imediata que a aceitação da ascensão sócio-econômica, pela forma dominante de
pensamento, como sinônimo de equivalência (igualdade real).
Ter dinheiro e/ou ser um negro(a) famoso(a) promove uma igualdade econômica
que se traduz no consumo de bens de toda ordem e na participação/inclusão em ambientes
tradicionalmente restritos a brancos, mas não tem garantido o reconhecimento da
circunstância de indivíduo “diferente igual” (CHAGAS, 1996). Provavelmente isso tem
ocorrido porque no nível da “mentalidade” ou da “cultura popular” as alterações sejam mais
lentas (VOVELLE, 1987).
76 - A decisão da recolha das significações sobre o “tornar-se” e o “ser negro” preferencialmente de indivíduos
negros intelectualizados das camadas médias urbanas fundamenta-se na percepção de que eles alcançaram
um maior grau de coerência, pelas suas práticas e elaborações teóricas, acerca da consciência dessas
significações. Esses indivíduos, intelectualizados e profissionalmente definidos, atingiram o máximo da
consciência cultural do grupo social a que pertencem, podendo se constituir em “interlocutores
privilegiados” dessa consciência cultural. Ademais, suas ascensões cultural e econômica indicam o caráter
ideológico da chamada “inferioridade negra”, elaborada cientificamente no passado e atribuída sub-
repticiamente àqueles indivíduos negros analfabetos e/ou que exercem atividades profissionais “braçais”
de baixa remuneração, no presente.
77 - Em Michel Vovelle (1987) aproxima-se de “mentalidade” e em Antonio Gramsci (1978) de “cultura
popular”.
77
2 MEMÓRIA E HISTÓRIA: Sobre os ecos contemporâneos da escravidão negro-
africana.
O propósito de conhecer as relações entre memória e História
78
pressupôs a
necessidade de estar informado, ainda que minimamente, sobre outras áreas do conhecimento
humano que aparentemente não mantém nexos com a História
79
, como a Lingüística, a
Psicanálise e a Sociologia. Os estudos clássicos de lingüística, de Ferdinand de Saussure
(1995) sobre a vida dos signos em meio à vida social; de psicanálise, de Sigmund Freud
(1900), em que o simbolismo assume maior importância científica e, principalmente, neste
capítulo; de Sociologia, de Michael Pollak (1989, 1992), com sua preocupação com a
identidade social em circunstâncias extremas, serviram como suportes teóricos básicos quanto
à viabilidade do conhecimento dessas relações.
Da lingüística de Ferdinand de Saussure (1995), percebe-se a compreensão da
palavra como símbolo. Da psicanálise
80
, de Sigmund Freud (1900), nota-se que a utilização
do símbolo pode estar relacionada ao ocultamento inconsciente de um evento ou idéia
rejeitada pelo indivíduo, provavelmente algo que deseja esquecer. E, com mais vagar, dos
trabalhos no campo da Sociologia, de Michael Pollak (1989, 1992), apreende-se os conceitos
e procedimentos fundamentais que permitiram fundamentar o estudo sobre as “imagens de si”
(POLLAK, 1989, 1992; GONTIJO, 2004) construídas por indivíduos negros das camadas
78 - Para uma análise dessa relação, foram consultados os trabalhos de: BURKE, Peter. O mundo como teatro:
estudos de antropologia histórica. São Paulo: Difel, 1992; NORA, Pierre. Entre memória e história: a
problemática dos lugares. In: Projeto história número 10. dez./93. PUC/São Paulo: 1981. p. 7-28; DOSSE,
François. História e ciências sociais. Bauru-SP: Edusc, 2004. p.169-191; MATOS, Olgária. Memória e
História In: WALTER, Benjamin. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo
SMC/DPR, 1992. p. 151-15; entre outros.
79 - Acredito ser a demonstração da possibilidade de construção interdisciplinar da história um dos grandes
legados da chamada escola dos Annalles. Sobre esta, consultamos: BURKE, Peter. A Escola dos Annalles
(1929-1989): a revolução francesa na historiografia. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1991.
80 - Reflexões sobre as relações entre Psicanálise e História, tendo como referência os trabalhos de Sigmund
Freud, podem ser encontrados em: CERTEAU, Michael de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense,
2000; e DOSSE, François. História e ciências sociais. Bauru-SP: Edusc, 2004.
78
médias urbanas de Caxias-MA
81
, em meio à “mudança estrutural” (HALL, 2000) verificada
nas últimas décadas do século XX.
O termo lingüístico “escravidão”, para indivíduos negros imersos na
contemporaneidade brasileira, suscita a memória de uma experiência histórica não vivenciada
por eles, mas que em razão do fato de serem reconhecidos e se auto-reconhecerem
82
como
negros, descendentes indiretos dos pioneiros
83
arrancados da África, pode permitir o
compartilhamento cultural (espiritual) daquela experiência.
Esse compartilhamento é, hoje, atitude voluntária, havendo indivíduos negros que
prefiram arrastar para o esquecimento os vestígios dessa memória. O sociólogo e professor
universitário Antonio Henrique Passos de Sousa Santos, 43 anos, a respeito dessa atitude,
disse que:
A escravidão no Brasil foi uma experiência perversa que deixou marcas
profundas, tanto no interior como no exterior do povo negro. Acredito que
existem pessoas que não conseguiram perceber a força que m e negam
qualquer experiência que lembre a escravidão (SANTOS, Antonio, 2006).
A professora de História do Ensino Fundamental, Kayloneide Sousa Barbosa, 28
anos, enfatiza a necessidade da retenção da memória sobre a escravidão negro-africana no
Brasil:
81 - Este estudo buscou apreender, principalmente, as significações identitárias de indivíduos negros com
formação superior e com renda média familiar mensal entre três (3) e vinte (20) salários mínimos. O
Estado do Maranhão possui 6.103.327 habitantes. Desta população, os indivíduos de dez (10) ou mais
anos, economicamente ativos, que percebem entre ½ e um salário mínimo perfazem 45%; um a dois
salários mínimos, 19%; e, entre três a vinte salários mínimos, apenas 5% (IBGE/PNAD: 2004) disponível
em <http://www.ibge.gov.br>, acessado em 23/08/2006.
82 - Penso aqui em duas situações ilustrativas das dificuldades desse reconhecimento e/ou auto-
reconhecimento: 1. Os processos seletivos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul-UEMS e da
Universidade Nacional de Brasília-UNB, analisados por Peter Fry (2005, p. 336-338); e, 2.a análise da
Carta Aberta da escritora Raquel de Queiroz, feita por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (1999: 167-
169).
83 - Com a criação do primeiro Governo Geral (1549-1600) na colônia americana, o rei de Portugal, D. João III
(1549-1600), expediu legislação autorizando a chegada de negros africanos, com vista à utilização dos
mesmos no regime agrícola de trabalho compulsório. Dessa forma, o Estado português reconhecia e
autorizava a escravidão no Brasil, transformando os negros da primeira leva em “pioneiros”, considerando
aqui o registro oficial.
79
Não se pode lutar por direitos iguais para os negros esquecendo o passado,
pois quando se esquece o que aconteceu no passado, quando não se conhece
como viveram os negros nesse passado, como podemos lutar contra o
racismo, o preconceito e a discriminação contra o negro agora no presente?
Não se pode apagar da memória de uma nação um passado tão sujo e injusto;
quem tenta esquecer ou apagar essa memória está se condenando e
condenando os demais afro-descendentes a aceitarem a continuar vivendo
marginalizados e excluídos; está contribuindo para que a ‘história oficial’
contada nos livros pela elite dominadora continue a se perpetuar e pior ainda
está contribuindo para o fortalecimento do racismo no Brasil (BARBOSA,
2006).
Esse esforço pelo esquecimento
84
da experiência escravista brasileira, percebido
em grande número de indivíduos negros, vê-se frustrado na medida em que a presença desse
passado, em forma de representações, é mantida em “lugares da memória” e/ou “suportes da
memória”, no dizer de Michael Pollak (1989, 1992) que se constituem em espaços de sua
conservação e transmissão, presentificando esse passado, ainda que muitos não queiram.
Dentre esses espaços, ganham maior visibilidade na contemporaneidade aqueles relacionados
ao complexo midiático (TV, cinema, rádio, Internet), embora a educação formal e a oralidade
popular, mantenham-se como importantes suportes de conservação e transmissão da
“memória coletiva”, proposta por Maurice Halbwachs (1990).
Não obstante a atitude de indivíduos negros que preferem esquecer o passado
escravista brasileiro, postura anteriormente comentada por Antonio Henrique e Kayloneide
Barbosa, tem crescido o interesse pela reconstrução, em forma de narrativa escrita, desse
passado
85
. Uma parte desse esforço de reconstrução busca condições de viabilidade em
acervos documentais escritos, iconográficos, arquitetônicos. Outra parte empreende seu
esforço reconstrutivo com o uso de representações apreendidas do “inconsciente dos
indivíduos”, ligado a uma “função primeira” ou “no que consiste a memória”, como pensava
84 - Ver LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1996. p. 426: “[…] os
psicanalistas e os psicólogos insistiram, quer a propósito da recordação, quer a propósito do esquecimento
[…] nas manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição, a
censura exerceu sobre a memória individual”.
85 - Ver o artigo de SOUSA, Maria de Mello e. Um novo olhar sobre a África In: Nossa história. Ano I, 8,
junho/2004. p. 80-83. Além de seu trabalho “Reis negros no Brasil escravista: história da coroação do rei
congo”, a professora da USP, indica os trabalhos do Sidnei Chalhoub (1996), Alberto da Costa e Silva
(2003), Robert W. Slenes (1999) e John K. Thorton (2003).
80
Henry Bergson (1999); a partir de uma “memória coletiva”, no dizer de Maurice Halbwachs
(1990) ou, ainda, servindo-se de uma “mentalidade histórica”, como proposta por Jacques Le
Goff (1996). As produções historiográficas inseridas na segunda modalidade, têm feito uso da
metodologia da História oral
86
.
Este estudo sobre memória da experiência escravista negro-africana, que no caso
brasileiro durou aproximadamente trezentos e cinqüenta anos, indo oficialmente de 1549 a
1888
87
, pressupõe que a mesma tenha sido conservada e transmitida culturalmente até os dias
atuais
88
.
Indivíduos negros convidados a analisar as relações entre o passado escravista
brasileiro e a situação do negro no final do século XX
89
, indicaram nos depoimentos
mudanças e continuidades sentidas por eles:
É notório que as diferenças nesses dois períodos históricos são perceptíveis
pelo [fato] de existirem muitos negros ocupando posições antes ocupadas
somente por brancos [...] (ROCHA, Jorge, 2006).
[...] A escravidão concretamente não se dissipou no Brasil. Ela continua de
forma sutil a condicionar comportamentos, pensamentos, olhares, enfim,
práticas que visam realçar uma suposta inferioridade racial ou étnica
(SANTOS, Antonio, 2006).
[...] A conjuntura econômica proporcionou uma estrutura para mantê-lo e
incluí-lo enquanto escravo; mas não lhe deu nenhuma condição estrutural
enquanto homem livre, inviabilizando o exercício pleno de sua cidadania
(MENDES, 2006).
Essa memória tem sido mantida através de estruturas lingüísticas sofisticadas,
como os discursos acadêmicos e jornalísticos que, sob o pretexto de procurarem uma forma
86 - Neste estudo foram consultados: ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisas e documentação contemporânea, 1989; PEREIRA, Marieta de Morais et. al.
Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996; BOSI, Eclea.
Lembranças dos velhos. SP: T. A. Queiroz, 1993; THOMPSON, Paul. A voz do passado: História oral.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992; FREITAS, Sonia. História oral: possibilidades e procedimentos. São
Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, Imprensa Oficial do Estado, 2002; entre outros.
87 - Cheguei a esse recorte temporal tendo em vista o que informei na nota 83 e a data oficial de abolição da
escravidão, ou seja, 13 de maio de 1888.
88 - Considero que os meios de conservação e transmissão da memória dessa experiência foram indicados por
BURKE, Peter. O mundo como teatro: estudos de antropologia histórica. São Paulo: Difel, 1992. p. 239-
241.
89 - Ver nota n.° 81.
81
“politicamente correta” de se referirem ao negro, reforçam sub-repticiamente posturas
preconceituosas e discriminatórias, quando tratam temas como o sistema de cotas para negros
nas universidades, ações reparadoras como as de reapropriação de Terra de Pretos
90
(C.F./ADCT/88, Artigo 68 e Decreto n.º 3.912, de 10/09/2001), medidas legais contra práticas
racistas (Lei 7.716, de 05/01/1989 e Lei 8.081 de 21/09/1990) e de inclusão no currículo
oficial da rede de ensino da temática História e Cultura Afro-Brasileira (Lei n.º 10.639, de
09/01/2003).
Outro procedimento igualmente de conservação e transmissão dessa memória,
porém não tão elaborado como os discursos acadêmicos e jornalísticos, são os ditados e as
piadas populares presentes no cotidiano das pessoas comuns
91
. A Literatura de Cordel é um
importante reservatório desses ditados e piadas populares. Dentre os muitos trabalhos neste
gênero literário, que apresentam estereotipização do negro por razões de cor da pele, tive
acesso às obras de Severino Borges da Silva (1987), José Pacheco (s. d.) e Leandro Gomes de
Barros (s. d.).
A senhora Rosa Maria Soares, 82 anos, aposentada, evocou durante a entrevista
realizada na sua residência, ditados populares sobre negros que ouvia quando era criança:
— Nêgo não tem vez.
— Nêgo é como jumento, só serve para trabalhar e dá coice.
— Lugar de nêgo é na cozinha.
— Lugar de nêgo é no mato, cortando lenha (SOARES, 2006).
90 - Sobre essa temática consultamos: O’DWEIER, Eliane C. (org.) quilombos identidade étnica e
territorialidade. Rio de Janeiro: editora da FGV, 2002; Projeto vida de negro. Terras de preto no Maranhão:
quebrando o mito do isolamento. Coleção Negro Cosme, volume 3. São Luis-MA: SMDH/CCN-MA/PVN,
2002; Projeto Vida de Negro. Frechal: terra de preto-quilombo reconhecido como reserva extrativa. São
Luís-MA. SMDH/CCN-MA/PVN, 1996.
91 - Os estudos de MOURA, Clovis. O preconceito de cor na literatura de cordel. São Paulo. Resenha
universitária, 1976; e, de FERNANDES, F. O negro no mundo dos brancos. SP: Difusão Européia do
Livro, 1972, apresentam muitos desses ditados e piadas apreendidos na chamada “cultura popular”.
82
E, ainda, o senhor Tomás Fernandes dos Santos
92
, 79 anos, aposentado, bisneto de
escravos, que reivindica parentesco com o poeta caxiense Antonio Gonçalves Dias (1823-
1864), narrou outros ditados populares sobre negro, que ouvia da sua avó, Raimunda
Fernandes dos Santos:
Cadê meu nêgo velho, da canela de xexéu.
Foi coisa que eu nunca vi, foi nêgo no céu.
Se o cabôco não fô ao céu, o nêgo também não vai.
O cabôco tá no serviço e o nêgo no burrai.
Nêgo quando não mata, bota feitiço (SANTOS, Tomás, 2006).
Conforme o senhor Tomás Fernandes dos Santos, estes são apenas alguns dos
muitos ditados populares que ouviu seus avós
93
contarem e que têm transmitido aos seus
netos, constituindo-se essa transferência entre gerações de negros, numa espécie de ecos
espontâneos da memória da experiência escravista brasileira.
Esses ecos, que não se limitam aos espaços familiares, podem ser percebidos na
linguagem e práticas sociais cotidianamente vivenciadas noutros espaços que constituem a
cidade contemporânea
94
. As evidências dessa presença de preconceitos na linguagem foi
comentada pela professora de Língua Portuguesa, Maria Íris Mendes, ao afirmar:
A linguagem é o elemento que faz a intermediação entre o homem e sua
realidade, é também o material simbólico da ideologia. Dessa forma, o
preconceito e discriminação exercidos com relação ao negro não
cristalizaram-se no inconsciente coletivo, constituindo a memória coletiva da
comunidade, por meio da linguagem, como também se expressam
concretamente através dela (MENDES, 2006).
92 - O senhor Tomás Fernandes dos Santos é um negro que reside à Rua do Cajueiro, S/N - Bairro João Viana,
na periferia de Caxias-MA. Geralmente, no período de dez (10) a vinte (20) de cada mês, seu Tomás anda
pedindo esmolas pelas ruas e residências do Centro da cidade, com o objetivo de complementar sua
aposentadoria. o sei quando seu Tomás iniciou-se na condição de pedinte, mas foi em meio a essa
situação, na porta da minha residência, que o conheci e ficamos amigos.
93 - “Os avós” são considerados como mediadores da memória de tempos e gerações passadas em
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vertica editora. Revista dos tribunais, 1990. p. 65-70.
94 - No terceiro capítulo deste estudo, seguindo os rastros do método “indiciário” de Carlo Guinsburg (1989, p.
143-179) e da descrição densa de Cliford Geertz (1989, p. 39-41) faço a descrição e análise de três casos
de discriminação e/ou preconceito: minha própria experiência de discriminação e as experiências de dois
professores.
83
Embora identificado o comprometimento da linguagem com a manutenção dessa
memória, uma questão relacionada à “mudança estrutural”, de que fala Stuart Hall (2000, p.
9), emerge na contemporaneidade. Não como visualizar com certeza definitiva o grupo
social ao qual se possa afirmar tratar-se de segmento social “herdeiro” dessa memória, por
causa da complexidade do processo histórico de formação da sociedade brasileira.
O grupo de rock brasileiro “Paralamas do Sucesso” (1996) produziu versão de
uma música, cuja letra representa a complexidade da definição/classificação do negro no
Brasil, no final do século XX:
Lourinha Bom Bril
[...] Essa crioula tem olho azul
Essa lourinha tem cabelo bombril
Aquela índia tem sotaque do sul
Essa mulata é da cor do Brasil [...] (PARALAMAS DO SUCESSO, 1996).
Os versos da música do Paralamas capturam poeticamente os contrastes que
constituem o povo brasileiro: uma crioula de olhos azuis, uma loirinha de cabelos “bombril”,
uma índia com sotaque sulista. E reforçam a polêmica teoria Freyreana da mulata como
síntese da brasilidade
95
: “essa mulata é da cor do Brasil”.
2.1. Desafios na escrita sobre escravidão e memória
A historiografia sobre a escravidão no Brasil chega a ser convincente quanto a
indivíduos que vivenciaram a experiência escravista na temporalidade novecentista
96
.
Recuando mais, é possível aceitar que os “pioneiros” citados anteriormente, tenham gerado
95 - Cf. HAAG, Carlos. Gilberto Freyre: o resgate do mestre de Apipucos. In. Revista Entre Livros. São Paulo:
Editora Duetto, Dez./05, Ano 1, nº 8, p. 28-44.
96 - Ver um quadro/síntese em Parron, Tanir. Escravidão no Brasil: matemática sinistra In: aventuras na
história. Edição 33, maio/2006. São Paulo: Abril Cultural, 2006. p. 10-11. A autora lança mão de pesquisas
de Luis Felipe Alencastro (1997), Mary Karasch (2000), Raul Lovejoy (2002), entre outros.
84
através de processo de caldeamento
97
, que no país foi original, os milhões de descendentes
que constituem hoje o grupo social negro no Brasil. Na definição de “grupo social negro”
incluo as associações formalmente organizadas e os indivíduos que apresentam uma ou mais
características fenotípicas (cabelos crespos, lábios grossos, nariz achatado e principalmente
pele escura) popularmente identificados ou que se auto-identificam como negros e que por
apresentarem uma ou mais destas características sofreram ou sofrem preconceitos e/ou
discriminação social.
A dificuldade fundamental no presente está em reconhecer objetivamente esse
grupo social, pois não é mais possível, ainda que numa perspectiva culturalista, esse
reconhecimento sem que os seus membros se auto-reconheçam como tais
98
. Outra dificuldade
consiste em explorar duas temporalidades tão distantes como a segunda metade do século
XIX e as últimas décadas do século XX. Neste estudo sobre imagens identitárias negras adoto
a perspectiva de coexistência de várias temporalidades constituidoras e caracterizadoras das
realidades sociais. Isto é o mesmo que afirmar que não há uma temporalidade pura, ou seja, na
qual não se perceba permanências de outras temporalidades ultrapassadas em muitos aspectos.
Esta perspectiva reforçou em mim a pretensão de considerar que na contemporaneidade social
brasileira, constituída por indivíduos livres e iguais perante a lei, permanecem atitudes e
idéias sobre o grupo social negro relacionadas a uma “mentalidade histórica” (LE GOFF,
1996) cuja gênese remonta à segunda metade do século XIX (SKIDMORE, 1976). Neste
sentido as realidades sociais resultam sempre do imbricamento de várias temporalidades
(FREUD, 1997).
O esforço investigativo-reflexivo que empreendi em fontes escritas e orais para
produzir resultados aceitáveis, precisou localizar e perseguir nexos de continuidade entre
97 - Esse processo de “caldeamento foi analisado como resultado de “mestiçagem” ou “miscigenação” em
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p. 67-
68; 70; 96; 153; 255-256; 316; 448; 453; e, 21; 229; 236, 369, respectivamente.
98 - Ver a esse respeito em RIBEIRO, Darcy. Op. cit. p. 225-227.
85
esses dois recortes. Proponho que esses nexos sejam percebidos na linguagem e em atitudes
cotidianas, analisadas com mais vagar no terceiro capítulo.
No âmbito da linguagem, o conceito de “trabalho escravo”, que muitos
historiadores aplicam apenas a realidades sociais do século XIX para trás, trabalhos como os
de Ricardo Rezende Figueira (2004), VV.AA (1999), Leonardo Sakamoto (2002), Brinka Le
Breton (2002) e Caderno de Formação (2004) têm promovido ressignificação deste conceito e
feito aplicação do mesmo no entendimento de realidades sociais do século XX.
Quanto às atitudes que possam indicar a continuidade entre essas duas
temporalidades, estudos com base em dados estatísticos, como os de Gevanilda Santos e
Maria Palmira da Silva (2005), Terezinha Cristina N. A. Costa (1974), Peggy Lollel (org.)
(1981), Nelson do Vale Silva (1980) que demonstram práticas e discursos racistas, ou seja,
discriminações e preconceitos a indivíduos negros nas últimas três décadas do século XX.
No plano teórico-conceitual, a perspectiva da “mentalidade histórica” de Jacques
Le Goff (1996) ajuda a perceber a possibilidade teórica de continuidade cultural entre essas
duas temporalidades, através de categorias de pensamento que promovem uma ressignificação
cultural que atualize/contextualize/presentifique o passado. Quanto à dimensão metodológica,
os trabalhos de Mário Dallaveccha (1993), Clóvis Moura (1976) e Florestan Fernandes
(1972), com o uso da oralidade, serviram como “indicadores empíricos” (POLLAK, 1989,
1992) da viabilidade deste estudo sobre imagens identitárias negras.
As representações sobre a experiência da escravidão no Brasil, produzidas por
brasileiros do/no final do século XX, identificam-na como evento histórico superado.
Passados quase dois séculos da sua deslegalização pela princesa Isabel
99
, herdeira do trono
brasileiro, ela se constitui hoje em fardo cujo peso parece não incomodar. Sua presença na
99 - uma ressignificação da imagem da Princesa Isabel e da passagem da Monarquia à República em
DALBERT JUNIOR, Robert. Isabel, a redentora dos escravos: uma História da princesa entre olhares
negros e brancos (1846-1888), Bauru, SP: EDUSC, 2002.
86
“memória coletiva” emerge como memória em indivíduos que lhe são indiferentes, com uma
leveza que, parodiando Milan Kundera (1996), é quase “insustentável”.
Não fosse a considerável produção historiográfica fundamentada em pesquisas a
partir de aportes documentais e algumas, inclusive, em relatos de tradição oral concedidos por
indivíduos descendentes de ex-escravos,
100
seria possível dizer que tal experiência nunca
tenha ocorrido no Brasil. uma produção historiográfica “minimizadora” da escravidão
negro-africana em algumas unidades federativas do país, mas que tem encontrado
questionamentos em diversas pesquisas mais recentes, que se utilizam de fontes antes
desprestigiadas pelos historiadores tradicionais. Um exemplo disso é o trabalho do professor
Doutor Solimar Oliveira Lima (2002). Neste trabalho, o professor Solimar demonstra o
quanto não se sustentam os discursos historiográficos que procuram “minimizar” a escravidão
negro-africana no Estado do Piauí.
Sem as presenças incômodas desses indivíduos, bisnetos e netos de ex-escravos,
se poderia perguntar qual o sentido de falar atualmente em um passado escravista brasileiro?
Para quê explorar um assunto sobre o qual o melhor a fazer talvez seja/fosse arrastar para o
esquecimento?
Ocorre que além das responsabilidades econômica, política e social é premissa
deste estudo considerar outra igualmente importante, que vem a ser responsabilidade
cultural
101
. É no âmbito desta que se situa o pensamento de Peter Burke (1992, p.235), para
100 - Além dos trabalhos citados nas notas 81 e 82, indicação desse procedimento em DELLAVECCHIA,
Agostinho Mario. Os filhos da escravidão: memória de descendentes de escravos da região meridional do
Rio Grande do Sul. Pelotas, RS: Editora Universitária/UFPEL, 1993; MAESTRI FILHO, Mário José. “É
como eu digo: de agora, depois da libertação, ‘tamo’ na glória”. Depoimento de Mariano Pereira dos
Santos (ca. 1868-1882) , ex-escravo, Hospital Erasto Goertner, Curitiba, julho, 1982. História: Questões e
debates, (Curitiba), v.4, 6, 1983, p. 81-98 e GRAF, Márcia Elisa de Campos. “Entrevista com Mariano
Pereira dos Santos, um ex-escravo de 122 anos”. Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica,
v.3, 1986-7, p. 117-124.
101 - A noção de responsabilidade cultural resulta de reflexões que fiz sobre a proposta “atitude” sartriana de
engajement e sobre as noções de “intelectual orgânico” GRAMSCI (2000, p. 15-32) e “intelectual
específico” (FOUCAULT, 1999, p. 8-9). A partir dessas referências passei a supor que intelectuais negros
possam se responsabilizar predominantemente pelo conhecimento, conservação e transmissão da cultura
do seu grupo social, sem que isso signifique perder de vista o caráter relacional das culturas.
87
quem “a função do historiador é ser um lembrador, um guardião dos acontecimentos
públicos”. No caso específico da História da experiência escravista brasileira, uma postura
historiográfica culturalmente responsável precisa ir além daquela assumida por Rui Barbosa
(1849-1923), ministro da Fazenda no governo de Deodoro da Fonseca (1889-1991). A esse
advogado, escritor e político da República Velha (1889-1930), imerso no “espírito de sua
época”, que via na mistura de raças um fator de enfraquecimento da sociedade brasileira
102
, é
atribuída a destruição de parte considerável do acervo documental sobre a escravidão no
Brasil. Para ele, muito provavelmente, o melhor foi apagar os vestígios materiais daquela
experiência, visto que para a ciência do seu tempo a humanidade estava
organizada/distribuída em raças
103
.
No final do século XX as ciências, de um modo geral, não vêem sentido falar na
existência de raças. Para a antropologia, de um modo particular, até mesmo a idéia de uma
etnia negra nacional é algo que não se sustenta, embora para os grupos
104
que estudam
possibilidades culturais como negritude e afro-descendência (muitos desses grupos são
orientados por antropólogos), estes não são apenas conceitos, mas eventos ou signos
lingüísticos com existências reais e se constituem em pedras angulares dos seus discursos e de
suas práticas.
102 - No Brasil a idéia de mistura de raças como problema surge com o trabalho do naturalista alemão Karl F. P.
von Martius, vencedor de um concurso de monografias sobre o Brasil, promovido pelo IHGB em 1839.
Nesse trabalho aparece pela primeira vez que o Brasil é resultado da mistura de três grupos humanos: o
branco, o índio e o negro. A partir daí, a idéia se propaga pelo pensamento brasileiro, manifestando-se
fortemente na literatura.
103 - Para um estudo das significações e ressignificações do conceito de “raça” pelas ciências ditas naturais e
humanas, existem, entre outros, os trabalhos de MUNANGA, Kabengele. Raízes científicas do mito do
negro e do racismo ocidental In: Revista Temas. São Paulo, julho/1984. Ano I; MAIO, Marcos C. e
SANTOS, Ricardo (orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ /FCBB, 1996; e, FRY,
Peter. A persistência da raça: ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África austral. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005. p. 259-270.
104 - disponível uma considerável bibliografia sobre a história do Movimento Negro no Brasil. Exemplos
disso são os trabalhos de SILVA, Marcos Rodrigues da. O que é movimento negro? Florianópolis, 1994;
RIBEIRO, Suzana M. R. Movimento popular no Brasil Movimento Negro. São Leopoldo, RS: CECA,
1998; NASCIMENTO, Abdias e NASCIMENTO, Elisa L. Reflexões sobre o movimento negro no Brasil:
1938/1997. Rio de Janeiro, 1997. GONÇALVES, Lília. O movimento negro na última década. In: Lugar
de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.
88
O fato de haver, de um lado, as ciências naturais (Biologia, Genética) negando a
existência de raças, a antropologia não considerando sequer a existência de etnias no Brasil e,
de outro, o chamado Movimento Negro sustentando discursos em que afirma a existência de
ambas, configura aquilo que Michael Pollak (1989, 1992) denomina de “disputa de memória”.
O caráter multidisciplinar deste estudo sobre imagens identitárias negras pode
parecer que coloca em posições conflitantes algumas áreas do conhecimento científico. Um
exemplo disso é a operacionalização, neste capítulo, das idéias de Michael Pollak (1989,
1992) traduzidas em aproximações e distanciamentos teórico-metodológicos
105
.
Na apresentação do texto Memória e Identidade Social (Pollak, 1992), a tradutora
Monique Augres lembra que o autor empreende, fundamentalmente, uma “reflexão teórica
sobre o problema de identidades sociais em situações limites”, o que se constitui em
distanciamento quanto à perspectiva adotada neste estudo sobre as “imagens de si”, que
indivíduos negros das camadas médias urbanas de Caxias-MA constroem. Nem de longe estes
indivíduos vivenciaram situações de conflitos identitários próximos daqueles que ex-
prisioneiros dos campos de concentração nazista ou ex-colaboradores franceses do “governo”
do Marechal Pétain (Vichy), analisados por Pollak (1989, 1992) experimentaram. As
temáticas deste meu estudo e as dos dois estudos de Pollak são iguais – identidades, mas os
sujeitos, suas experiências de conflitos identitários e as temporalidades são diferentes.
Há um distanciamento quanto aos sujeitos, suas experiências e recortes temporais,
mas logo se percebe uma aproximação metodológica quando o sociólogo francês apresenta o
problema a ser tratado, no seu texto-conferência, como sendo o “da ligação entre memória e
identidade social, mais especificamente no âmbito das histórias de vida ou daquilo que hoje,
como nova área de pesquisa, se chama história oral” (POLLAK, 1992, p. 1).
105 - A escolha de Michael Pollak (1989, 1992) deu-se em função de nesses trabalhos este autor dialogar com os
estudiosos da memória Maurice Halbwachs e Pierre Nora, resultando no oferecimento de conceitos
operacionais para este estudo sobre imagens identitárias negras.
89
É possível apontar mais um distanciamento e uma aproximação, antes de
considerar as questões centrais que o autor apresenta. Michael Pollak (1992, p. 1) cita um
texto de Pierre Nora
106
, com quem concorda. Afirma tratar-se de “uma tentativa de encontrar
uma metodologia para apreender, nos vestígios da memória, aquilo que pode relacioná-los,
principalmente, mas não exclusivamente, com a memória política”. Embora Michael Pollak
relativize o direcionamento empreendido por Pierre Nora, acerca da relação entre memória e
política, neste estudo sobre as “imagens de si”, construídas por indivíduos negros caxienses, a
dimensão política possível de ser verificada nos “vestígios da memória”, foi tratada en
passant.
Ainda sobre a aproximação indicada anteriormente, relacionada à metodologia,
“sobretudo entrevistas de histórias de vida […] o problema é saber como interpretar esse
material” (POLLAK, 1992, p. 1). O autor francês refere-se nesse ponto a uma situação
embaraçosa, que se assemelha à vivenciada por todos os que, como iniciantes, empreendem
estudo com o uso da metodologia da História Oral. Para essa situação embaraçosa, como diz
Sonia Maria de Freitas (2002), somente o fazer (práxis) é capaz de mostrar o (s) caminho (s) a
seguir.
Nesse sentido, uma questão se colocou como central: apreende-se, através de
entrevistas, as memórias individuais, mas estas memórias pertencem aos indivíduos ou, na
verdade, são patrimônio cultural coletivo? A esse respeito, Michael Pollak (1992, p. 2),
acompanhando Maurice Halbwachs, lembra que “a memória deve ser entendida, também, ou
sobretudo, como um fenômeno construído coletivo e social, ou seja, como um fenômeno
construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes”.
Neste estudo sobre imagens identitárias negras, realizado em Caxias-MA, essa
questão foi enfrentada flexibilizando a utilização das entrevistas, associando histórias de vida,
106 - Michael Pollak (1992) faz referência a NORA, Pierre. Les Lieux de memorie (Os lugares de memória)
Paris: Gallimard, 1993.
90
temática e questionário auto-administrado,
107
de maneira que fosse possível apreender os
sentidos individuais e coletivos a um só tempo, considerando o que diz Marilena Chauí (2004,
p. 31), para quem “o modo de lembrar é individual tanto quanto social: o grupo transmite,
retém e reforça as lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las, vai paulatinamente
individualizando a memória comunitária e, no que lembra, faz com que fique o que significa”.
Se é assim mesmo como indica Marilena Chauí, é bom lembrar que Michael
Pollak (1992, p. 2) vai mais além ao se questionar sobre quais seriam “os elementos
constituintes da memória individual e coletiva”. Dentre esses elementos, surge um
denominado por ele de “fenômeno de projeção ou de identificação” que, no tocante às
“imagens de si”, construídas pelos indivíduos negros pesquisados, mostrou-se de eficaz
operacionalização.
A partir da noção de “projeção” ou “identificação” de Michael Pollak (1992) é possível
perceber continuidades culturais entre gerações de indivíduos negros que vivenciaram a
experiência escravista brasileira e as gerações de indivíduos negros que na
contemporaneidade apresentam características fenotípicas semelhantes àquelas
gerações(principalmente a cor escura da pele). No caso das primeiras gerações consideradas, a
cor da pele serviu como critério classificador/definidor de uma pretendida inferioridade negra.
No segundo caso, “(...) as conseqüências de séculos de escravidão ainda relacionam a cor
negra ao desprezo e a negatividade” ( GONTIJO, 2002, p.51).
Um processo de “socialização política” ou “socialização histórica” (POLLAK,
1992) tem permitido às gerações contemporâneas de indivíduos negros um (re)conhecimento
cultural do que representa hoje aquela experiência e é coerente perceber que entre ambas as
gerações uma “memória pôde ser transmitida ao longo dos séculos com bastante grau de
identificação” (Idem).
107 - Ver BABBIE, E. Questionário auto-administrativo. In: Métodos de pesquisa de servey. Belo Horizonte:
UFMG, 2003. p. 247-258.
91
Embora o identificar-se com essa experiência deva partir de uma decisão pessoal,
indivíduos negros envolvidos com a “socialização” de que fala Michael Pollak, defendem
uma postura mais grupal, coletiva, para essa identificação:
[...] Não dar importância a esse fato é renegar a própria história, pois essa
questão não pode ser tratada apenas como um movimento ou um fato
histórico, mas precisa ser levada em consideração para se tentar buscar auto-
estima e, conseqüentemente, auto-afirmação, e nesse sentido buscar forças
para tentar cobrar para si e para seus irmãos de sangue os direitos e
benefícios negados aos seus ancestrais (ROCHA, Jorge, 2006)
O culto e/ou reconhecimento de grandes personagens negras do passado
(“ancestrais”, conforme percepção de Jorge Rocha) e do presente se constitui em
possibilidades de não se “renegar a própria história” e, ainda, “ buscar a auto-estima”.
2.2. Personagens - memórias identitárias
Para Michael Pollak (1992, p. 2), “a memória é constituída por pessoas,
personagens”. Sendo assim, quais representações imagéticas constroem indivíduos negros das
camadas médias urbanas de Caxias-MA, sobre Zumbi dos Palmares, Xica da Silva, Edson
Arantes do Nascimento “Pelé” (1940-) e Glória Maria (1946-), Jornalista da TV Globo?
Neste estudo, são objeto de análise essas quatro personalidades negras conhecidas
nacional e internacionalmente, sendo remetidas as análises de personalidades regional e local,
para estudos que farei ulteriormente. Devo adiantar, no entanto, que no âmbito regional a
memória do negro pode ser fortalecida através do conhecimento mais aprofundado das
trajetórias de vida de “personagens” negros, como o líder da Guerra da Balaiada (1838-1840),
Cosme Bento das Chagas
108
, “tutor das liberdades bem-ti-vis”, o compositor e cantor João
108 - O conhecimento sobre Cosme Bento das Chagas é difícil em razão da carência de fontes que fundamentem
as pesquisas existentes sobre sua vida e participação no movimento balaiense. Percebi essa carência nos
estudos sobre a Balaiada que consultei de Maria de Lourdes Mônaco Janotti (1991, p.43-69), Rodrigo
Otávio (2001, p.59-66), Afonso Carvalho (1976, p.78-80) e Claudete Maria Miranda Dias (2002, p.167),
onde são limitadas as informações sobre esse líder negro.
92
Batista Vale
109
(1933-1996), eleito através de pesquisa popular como “o maranhense do
século XX”, a escritora Maria Firmino dos Reis (1825-1917), autora do romance Úrsula
(1859), “primeiro romance abolicionista e o primeiro escrito por mulher no Brasil”, a cantora
e instrumentista Alcione Nazaré (1947-), a “marrom”, entre outras.
Em nível local, cito alguns exemplos de indivíduos negros que conquistaram, com
talento e honestidade, o respeito e o reconhecimento da comunidade caxiense. Entre os
ausentes, o médico humanitarista João Viana (1944-1981), a sindicalista e educadora Joana
Coutinho (1923-1979), a professora Filomena Machado Teixeira (1910-1985), “tia
Filozinha”, uma das pioneiras do magistério em Caxias-MA, o fotógrafo Sinésio Santos
(1927-1994), que deixou um acervo de mais de quinze mil fotos sobre a história
contemporânea da cidade. Entre os presentes, a enfermeira “prática” Joana dos Santos Silva,
85 anos, conhecida como “mãe Joaninha”, em decorrência dos inúmeros partos que realizou.
A professora Eulina Morais da Silva, 56 anos e o professor universitário aposentado e cronista
Wilson Egídio, 79 anos.
hoje disponível, em diferentes linguagens, trabalhos sobre Zumbi dos
Palmares
110
. Esses trabalhos, de um modo geral, oferecem a imagem de um guerreiro negro,
forte, destemido e temido, que liderou bravamente um aglomerado de comunidades negras,
até tombar em 20 de novembro de 1693
111
.
O chamado Movimento Negro
112
decidiu tornar a data da morte de Zumbi dos
Palmares como Dia Nacional da Consciência Negra, passando essa data a receber mais
significação para as organizações culturais que constituem esse movimento, face à tradição
109 - Ver PASCHOAL, Márcio. Pisa na fulô mas não maltrata o carcará. Vida e obra do compositor João do
Vale, o poeta do povo. Rio de Janeiro: Lumiar, 2000 e MORAIS, Solange S.G. João do Vale: poesia
popular e identidade. Recife: 2002,113p. Dissertação de Mestrado.
110 - Cito aqui duas fontes em linguagens diferentes: a) historiografia: SANTOS, Joel Rufino. Zumbi. São
Paulo: Moderna, 1982; FREITAS, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. 3. ed. Rio de Janeiro: Mercado
Aberto, 1978; MOURA, Clovis. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Brasiliense, 1987;
BRAZ, Julia Emilia. Zumbi: o despertar da felicidade. Rio de Janeiro: Memórias futuras, 1995. (Coleção
orgulho da raça); b) Filmografia: DIEGUES, Carlos. Ganga Zumba: rei dos palmares. 1963; e, DIEGUES,
Carlos. Quilombo, 1983.
111 - Conforme fontes bibliográficas citadas na nota anterior.
112 - Ver nota 31.
93
inventada
113
do 13 de maio, gerando uma “disputa de memória” em torno dessas duas datas. A
decisão de unificar as atividades reflexivas sobre o 20 de novembro, foi tomada por entidades
ligadas ao Movimento Negro, em vários Estados brasileiros, na década de 80. Esta decisão
está relacionada às reflexões que o Movimento Negro vinha fazendo sobre o 13 de maio.
O historiador Jacob Gorender comenta essa ocorrência no Estado de Pernambuco:
No Recife, membros de entidades negras promoveram o enterro simbólico
do Parque 13 de Maio e mudaram seu nome para 20 de Novembro, data da
morte de Zumbi dos Palmares, escolhido pelo MNU como Dia Nacional da
Consciência Negra, a ser comemorado no lugar da Lei Áurea (1991, p. 8).
O 20 de novembro é significado pelos indivíduos negros pesquisados e pelo
Movimento Negro, como data-símbolo de uma identidade afirmativa do negro, por estar
relacionada a um personagem negro, guerreiro, forte, que morreu lutando por liberdade e
contra a opressão do regime escravista branco existente no Brasil, na sua época. O 13 de
maio, para esses indivíduos negros, remete simbolicamente a um ato de “concessão”, de
“benevolência oficial da liberdade do negro por um membro do Estado Monárquico
brasileiro. Esse caráter de dádiva relacionado ao 13 de maio, tem sido reconhecido e rejeitado
como algo que não contribui para a construção positiva das imagens identitárias negras.
Sobre essa “disputa de memória”, há indivíduos negros que defendem
criticamente essas datas como momentos comemorativos:
Fazendo uma reflexão crítica, entendo que devem ser comemoradas sim,
porém destacando-se que para chegar a esses estágios, principalmente com
relação à abolição da escravatura, foram empregados muitos esforços e
ocorreram muitas mortes dos nossos ancestrais. É preciso que se diga às
crianças negras que a abolição aconteceu, não pelo toque mágico da
‘princesa’ Isabel, mas por conta das lutas travadas pelos negros escravizados
que buscavam a qualquer preço a liberdade (ROCHA, Maria, 2006).
E ainda os que não aceitam a idéia de comemoração vinculada à data 13 de
maio:
113 - Faço referência aqui ao trabalho de HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (orgs.) A invenção das
tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
94
Sou defensor da comemoração do 20 de novembro (aniversário da morte de
Zumbi dos Palmares) por entender que o aludido personagem merece o título
de herói, tal designação se justifica devido a participação de Zumbi no
levante que reivindicava melhores condições de vida para os negros e ao
mesmo tempo refutava o regime escravista. A primeira data [13 de maio]
serviu para imortalizar uma personagem oriunda da classe dominante
daquele período histórico e nada de relevante acrescenta na discussão sobre
identidade negra (SANTIAGO, 2006).
Não muito a comentar sobre a personagem Xica da Silva. Os trabalhos
existentes sobre ela são principalmente aqueles que a televisão e o cinema produziram
114
.
Trata-se de trabalhos que afirmam ou reproduzem uma imagem historiográfica clássica da
mulher como objeto sexual.
115
Merece atenção, não obstante, o fato de que, na versão
televisiva, a personagem Xica da Silva é representada em alguns momentos como alguém
com talentos administrativo e político capazes de influir nas decisões do contratador João
Fernandes. Conforme essa imagem historiográfica, no Brasil a mulher “branca [é] para casar,
mulata para F…, negra para trabalhar” (FREYRE, 1998, p. 10).
Os estudos sobre gênero
116
têm apresentado argumentos contrários a essa imagem
limitadora, machista e estereotipada em que mulher é deslocada de um âmbito reduzido,
que é o espaço privado da família, para o âmbito da alcova, ou seja, do quarto do casal. Nesse
sentido, uma nova escrita historiográfica sobre a mulher negra
117
oferece um contraponto à
114 - A extinta TV Manchete veiculou no período de setembro/96 a agosto/97 a novela “Xica da Silva”, tendo a
atriz Tais Araújo como protagonista. No ano de 2005, de 28 de março a 08 de dezembro, o Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT), após negociar com responsáveis pelo acervo daquela emissora de TV,
reapresentou a mesma novela. No cinema existe o premiado filme de DIEGUES, Carlos. Xica da Silva,
Brasil,1976.
115 - Ver a esse respeito os trabalhos de BASTIDE, Roger. Estereótipos de negros através da literatura
brasileira. Estudos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1973; QUEIROZ JR. T. Preconceitos de cor e
a mulata na literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1975.
116 - Para uma visão geral desse campo historiográfico e que forneça as principais referências teóricas, ver o
trabalho de MATOS, Maria Izabel de; e SOLER, Maria Angelina (orgs.) Gênero em debate: trajetórias e
perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997.
117 - Nas décadas de 80 e 90 foram produzidos importantes estudos sobre a mulher negra no Brasil. São
exemplos, os trabalhos realizados com a colaboração de instituições ligadas ao estado e a sociedade civil
de CARNEIRO, Sueli; SANTOS, Tereza. Mulher negra. São Paulo: Nobel/Conselho Estadual da Condição
Feminina, 1985; Mulher Negra: Resistência e sabedoria de uma raça. Agente de Pastoral Negra. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1990. Mulher Negra e Saúde. Cadernos Geledes 1 e 2. Identidade de mulher negra. São Paulo:
1991; OLIVEIRA, Lucia e outros. Repensando o lugar de mulher negra. Rio de Janeiro: DIEESE/IBGE,
1983; SILVA, Senadora Benedita da. Nós, mulheres negras. Brasília, Senado Federal, 1997.
95
imagem que a personagem Xica da Silva, da forma predominante, como as versões televisiva
e cinematográfica, construiu, propagaram.
No tocante a apresentadora da rede Globo, Glória Maria e ao desportista Edson
Arantes do Nascimento (Pelé), trata-se de indivíduos negros famosos, conhecidos nacional e
internacionalmente, principalmente, o Pelé, identificados pela sociedade como pertencentes à
circunstância cultural negra e que fatores como escolaridade, no primeiro caso, e habilidades
físicas, no segundo, proporcionaram-lhes vencer as barreiras sociais, alcançando situação
socioeconômica destacada na realidade brasileira contemporânea
118
. Quanto aos dois serem
recepcionados por outros indivíduos negros, como “modelos” afirmativos das imagens
identitárias negras, a professora Kayloneide Sousa Barbosa, diz que:
São duas personalidades que conseguiram se destacar e serem respeitados,
tanto a nível nacional quanto internacional, não pela sua cor, mas por suas
qualidades intelectuais e profissionais. São exemplos de que o negro pode
prosseguir em qualquer carreira, basta lutar e não se deixar intimidar
(BARBOSA, 2006).
O professor Antonio Henrique Santos confirma essa recepção das imagens das
duas personagens em questão e acrescenta:
Diferentemente de muitos militantes que negam a importância dessas duas
personalidades, eu acredito [que] Pelé e Glória Maria contribuem para uma
afirmação da identidade negra. Estou convencido que somente a aparição de
uma pessoa negra com destaque positivo, faz sobretudo os mais jovens terem
um modelo positivo negro a seguir. Ora, o mundo moderno é o mundo da
imagem, da aparição, do espetáculo, portanto afirmam a identidade por que
você está vendo um negro e uma negra de sucesso em sua televisão. Não
necessita nem de discurso, a imagem é um discurso de superação e poder
neste caso específico (SANTOS, Antonio, 2006).
Há, ainda, sobre essas mesmas personagens, indivíduos negros que lançam sobre
elas o rótulo de ajustados ao status quo nacional, veladamente racista e preconceituoso
119
, por
118 - Uma reflexão sobre as influências de mudanças sócio-econômicas sobre as “imagens de side indivíduos
negros, pode ser feita a partir do trabalho de SOUZA, N. S. Tornar-se negro ou as vicissitudes da
identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
119 - Considerações a esse respeito podem ser percebidas em GUIMARÃES, A. S. Preconceito e discriminação.
São Paulo: FAPESP/ED. 34, 2004; SCHWARTZ, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001;
96
lhes parecer mais vantajoso, não importando algumas iniciativas que pudessem assumir como
negros vitoriosos e famosos quanto à auto-estima positiva de outros negros. São exemplos
disso a professora do Ensino Médio, Maria Íris Mendes, 36 anos, para quem:
Glória Maria e Edson Arantes foram cooptados por uma cultura branca que
nega a identidade negra. São vistos como exceção e o não assumem a
identidade negra, como não promovem e não participam de nenhuma
discussão a esse respeito, o que significa que também negam esta identidade.
Pessoas públicas que são, poderiam dar grande contribuição para o avanço
dos debates e, conseqüentemente, para a conscientização e superação do
preconceito (MENDES, 2006).
O professor do Ensino Fundamental e Médio, João Almeida Cruz Santiago, 36
anos, foi mais criterioso quanto às duas personagens servirem de modelos para a afirmação
das imagens identitárias negras. Para ele,
No primeiro caso acredito que sim, pois não é fácil chegar ao patamar
alcançado pela Glória Maria. A mesma é uma prova viva do potencial que o
negro possui. O caso do Pelé é diferente, pois é mais fácil’ brilhar no
futebol (SANTIAGO, 2006).
2.3. Lugares da memória e pertencimento
Na impossibilidade de ligações físicas (parentesco) entre os membros do grupo
negro no Brasil, outros vínculos poderiam ser estabelecidos
120
. Nesse caso tratar-se-ia de
vínculos culturais (espirituais) assumidos conscientemente por intermédio de idéias e atitudes
que ressignificam a memória da experiência escravista brasileira. Esses vínculos culturais têm
sido conservados em espaços apropriados, são lugares privilegiados de guarda e significação
da memória afro-brasileira. Como exemplos desses espaços, cito o Centro de Cultura Negra e
o Museu do Negro(Cafuá das Mercês), em São Luís (MA), o Museu Afro-brasileiro, em São
VALENTE, Ana Lúcia F. Ser negro no Brasil hoje. São Paulo: Moderna, 1987; SANTOS, Gevanilda e
SILVA, Maria Palmira da. (org.) Racismo no Brasil: percepções da discriminação e do preconceito racial
dos séculos XXI. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.
120 - Nas notas 31, 122, 124, 125 e 134 indico fontes historiográficas capazes de oferecer indicativos de
vínculos culturais e religiosos entre os membros desse grupo social.
97
Paulo (SP), o Olodum e o Ilê Ayiê, em Salvador(BA), o Memorial da Balaiada e a Sociedade
Negra Quilombola de Caxias, em Caxias (MA).
Para Michael Pollak (1992: 2), “existem lugares da memória, lugares
particularmente ligados a uma lembrança, que pode ser uma lembrança pessoal, mas também
pode não ter apoio no tempo cronológico”. Aqui, esse sociólogo indica uma possibilidade de
existência de uma memória, cuja gênese pode estar no continente africano, tendo sido mantida
e transferida por várias gerações de indivíduos negros. É o que pode ser depreendido, quando
o mesmo diz que “a memória da África, seja dos Camarões ou do Congo, pode fazer parte da
herança de família com tanta força que se transforma praticamente em um sentimento de
pertencimento” (POLLAK, 1992, p. 3).
A operacionalização do conceito de “pertencimento” de Pollak, neste estudo,
pressupôs considerar uma tradição cultural
121
, que atribuiu espontaneamente certas
peculiaridades mais aos negros que aos brancos. São exemplos disso a malemolência, que
desenvolveria no negro uma pré-disposição natural para o samba
122
e suas derivações e a
mandinga
123
, que o vocacionaria ao candomblé e à umbanda
124
.
O negro brasileiro, a se considerar como válida essa tradição cultural que o
relaciona no sentido identitário a estas manifestações culturais, com os riscos de
121 - Dentre os “meios de conservação da memória social”, citados por Peter Burke (1992: 239-241), faço
referência aqui aos relacionados por este autor nos itens 1 (“tradições”) e 4 (“ações).
122 - Os fundamentos historiográficos para uma análise sobre essa “predisposição natural”, podem ser
encontrados nos trabalhos de VIANA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro, Zahar/UFRJ, 1995;
RODRIGUES, Ana. Samba, negro, espoliação branca. São Paulo: Hucitec, 1984; MUNIZ, Vasco. A
contribuição africana para a música brasileira In: Estudos afro-asiáticos. Rio de Janeiro: CEAR, 1988;
MUNIZ, J. José. Do batuque a escola de samba. São Paulo: Ed. Símbolo, 1976; entre outros.
123 - Cf. VARGENS e LOPES (1982, p. 34), citando P. F. Bainier: “(…) os mandingas ou malinke vivem
principalmente nas terras montanhosas (onde o Senegal e a mbia têm suas origens) em toda a
Senegâmbia e ao sul da Gâmbia. São comerciantes e industriais; são o povo civilizador dessa região;
propagador zeloso do islamismo, leva a toda parte, com a religião, suas concepções sobre agricultura e
comércio”.
124 - Para um estudo sobre essa “vocação” negra, ver os trabalhos de CINTRA, Raimundo. Candomblé e
umbanda: o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985; BRAGA, Júlio. Ancestralidade afro-brasileira: o
culto de Baba Egum. 2. ed. Salvador: EDUFBA/ANAMÁ, 1985; LODY, Raul. Candomblé religião e
resistência. São Paulo: Brasiliense, 1987; MAGGIE, Yvone. Religiões medicinais e a cor de seus
participantes. Rio de Janeiro: Centro de estudos afro-asiáticos, 1985; MOURA, C. E. (org.). Candomblé:
desvendando identidades. São Paulo: EMW Editores, 1987; ORTIZ, Renato. A morte branca da feiticeira
negra: umbanda e sociedade brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1991; SANTOS, Orlando J. Candomblé:
ritual e tradição. Rio de Janeiro: Pallos, 1992.
98
esteriotipização que ela carrega, se sentiria pertencente à circunstância cultural negra por
perceber em si essas peculiaridades “inatas”, “naturais”.
Sobre essas malemolência e mandinga é mais provável tratar-se de invenções”
culturais construídas historicamente. E o que dizer de “indicadores empíricos” (POLLAK,
1989, 1992), nesse sentido, encontrados no fato de existirem indivíduos negros que não
apresentam a menor afinidade com qualquer tipo de dança e/ou que não assumem esta ou
aquela modalidade de convicção religiosa?
A indiferença de indivíduos negros a esses espaços de tradição cultural afro, para
a professora Kayloneide Sousa Barbosa, tem causa e agente:
Essas duas manifestações culturais fazem parte da rica cultura dos negros. O
fato de alguns negros não se interessarem não significa que eles neguem essa
cultura, mas que foi desenvolvido no seu subconsciente uma aversão a essas
manifestações culturais africanas. E quem muito contribuiu para o
desenvolvimento para essa aversão foi a igreja católica, que através dos seus
ensinamentos, colocou na mente do povo o medo e o pecado em relação à
essas manifestações (BARBOSA, 2006).
A literatura historiográfica utilizada neste estudo, apresenta argumentos
sustentáveis para as relações entre o samba e algumas modalidades de religiões africanas,
praticadas na contemporaneidade nacional e tradições culturais do Brasil escravista. E mais
remotamente, as tradições culturais africanas do século XVI precisam ser indicados como
mecanismos de conservação e transmissão dessa memória. Aqui, mais uma vez, as
observações de Pollak (1992, p. 4) acerca das características da memória, ou seja, “ser
seletiva”, “em parte herdada” e “um fenômeno construído”, ofereceram chaves conceituais
necessárias para a sustentação teórica da conservação e transmissão dessa memória.
Ao afirmar que “nem tudo fica gravado, nem tudo fica registrado” (POLLAK,
1992, p. 4), percebe-se que a utilização do conceito de seletividade sofreu relativização, isto é:
foram levadas em consideração as particularidades deste estudo sobre imagens identitárias
negras em Caxias-MA, que assume, como pressuposto básico, a possibilidade de existência da
99
memória de uma experiência que proporciona um sentimento de pertencimento entre gerações
de indivíduos negros separados/ligados cronologicamente por cerca de cem anos
125
. Falar de
seletividade nesse caso é possível, com fundamento noutra observação de Michael Pollak
(1992, p. 2), isto é, que o “fenômeno de projeção ou identificação com determinado passado”
pode ocorrer mediante “socialização histórica” ou “socialização política”.
Essa “socialização” pode ser entendida como um processo educativo que ocorre
em comunidades sócio-culturais (grupos ou associações de estudo afro), em comunidades
religiosas (grupos de culto afros), através de ensino em universidades, institutos, centros de
pesquisa, na escola básica e de forma autodidata, em uma situação de tomada de consciência
que permite um processo (re) constituinte de uma “imagem de si”, vinculada à idéia de
imagens identitárias negras, como se verifica pelo relato do professor Antonio Henrique
Santos quanto à importância desses grupos e do trabalho que realizam:
São grupos que têm uma importância fundamental na estruturação de uma
identidade negra sólida, isto é, estes estudos possibilitam o conhecimento e o
auto-conhecimento, conhecimento no sentido histórico do ou da diáspora
negra e o auto-conhecimento e o aflorar de uma consciência negra muitas
vezes latente. Os estudos afros no Brasil são fundamentais, inclusive para o
Brasil começar a despertar para sua verdadeira essência formativa.
(SANTOS, Antonio, 2006).
Um processo que se dá no indivíduo a um só tempo de forma “seletiva” e
“constitutiva”, dependente ou independente da sua vontade, pois conforme Pollak (1992, p. 4-
5), “quando falo em constituição em nível individual, quero dizer que os modos de
constituição podem tanto ser conscientes, como inconscientes”.
A análise do pensamento de Pollak (1992), naquilo que toca a “constituição” da
memória, apóia-se em “personagens” vinculando-as aos conceitos de “continuidade” e
125 - É possível perceber que no Brasil, os negros de ontem ligam-se aos negros de hoje, através de uma
“mentalidade histórica” (LE GOFF, 1996). Os indicativos empíricos (POLLAK, 1989, 1992) desse
continuum podem ser verificados na música (RODRIGUES, 1984; VIANA, 1995; MUNIZ, 1976;
MUNIZ, V, 1988), na religião (CINTRA, 1985; BRAGA, 1985; LBOLY, 1987; MAGGIE, 1985;
MOURA, 1987; ORTIZ, 1991; SANTOS, 1992), na iconografia (MOURA, 2000) e em indicadores sócio-
econômicos (BORGES, 2005; SANTOS e SILVA, 2005) que traduzem atitudes públicas e privadas de
racismo, preconceito e discriminação a indivíduos identificados como negros.
100
“coerência”. Para efeito de operacionalização desses conceitos servem os exemplos da
jornalista Glória Maria (TV Globo) e do desportista Edson Arantes do Nascimento (Pelé).
A aplicação dos conceitos de Pollak a essas duas “personagens”, considerando as
imagens que indivíduos das camadas médias urbanas de Caxias-MA constroem sobre as
mesmas, demonstra que embora as duas assumam sem dificuldades “o sentimento de ter
fronteiras físicas” (características fenotípicas), o se percebe “uma continuidade dentro do
tempo, no sentido físico da palavra, mas também no sentido moral e psicológico” que as
façam se sentir dentro das fronteiras de pertencimento ao grupo a que essas “fronteiras
físicas” definem/classificam.
As duas “personagens” analisadas estão mais próximas de escolhas conscientes de
pertencerem ou não a uma circunstância cultural negra ou a uma “continuidade” étnica. Os
seus exemplos ilustram aqueles casos inseridos (ou que se deixaram inserir) na perspectiva de
cultura de Mattew Gordon (2002, p. 15) como “as transformações e identidades disponíveis
no supermercado global”.
Nesses dois casos específicos e provavelmente em outros não analisados, não cabe
a aplicação dos conceitos de “continuidade” e “coerência” presentes em Pollak (1989, 1992).
Para essas duas personagens, a jornalista Glória Maria e o desportista Edson
Arantes do Nascimento, conforme se depreende dos depoimentos dos entrevistados, não é
importante vincular suas imagens a idéias como “afirmação da identidade negra”, “negritude”
e “movimento negro”, em função das implicações políticas que as mesmas apresentam.
Outras possibilidades são mais apropriadas para a aplicação dos conceitos de
“continuidade” e “coerência”. Um primeiro exemplo disso é o caso dos grupos organizados de
cultura afro
126
, que promovem estudos e ações políticas de conscientização da circunstância
126 - Para saber a história do movimento negro no Brasil, tem-se: SANTOS, Joel Rufino dos. O movimento
negro e a crise brasileira. Revista da FESP, edição especial, n.° 2 1985; RIBEIRO, Suzana M. R.
Movimento popular no Brasil: movimento negro. São Leopoldo, RS: CECA, 1988; NASCIMENTO,
Abdias. O negro revoltado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; MOURA, Clovis. Brasil: raízes
do protesto negro. São Paulo: Global, 1983; FERREIRA, Vedo e PEREIRA, Amaury. O movimento negro
101
sócio-cultural negra: o Ifaradá
127
, o CCN
128
, o Olodum
129
e o Ilê Ai
130
. Outro exemplo se
inscreve na categoria ou grupos que se articulam a partir de ações literárias específicas: é o
caso do grupo que criou e mantém a revista Raça Brasil
131
.
Os dois exemplos estão inseridos num contexto histórico mais geral de afirmação
e crescimento dos movimentos sociais ocorridos no Brasil, a partir da década de 60
132
.
Essa outra situação proporcionada pelo chamado movimento de consciência
negra, em contraponto às atitudes de personagens como Glória Maria e Edson Arantes do
Nascimento (Pelé), fornece um quadro que se aproxima das idéias de Michael Pollak (1992, p.
5) quanto a acreditar “que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos
sociais e intergrupos e, particularmente, em conflitos que opõem grupos políticos diversos”.
Esses movimentos disputam, ao mesmo tempo, com setores sociais brancos, por
acreditarem lhes serem hostis e com indivíduos negros “não conscientes da sua história e
condição étnicas”. É aqui que cabe falar com Michael Pollak (1992, p. 6) em “trabalho de
enquadramento da memória”, na medida em que pretendem, esses grupos, a indicação de uma
memória capaz de proporcionar a constituição de “imagens de si” do negro, enquadradas à
proposta que defendem, ou seja: “imagens identitárias” mais próximas possível da
circunstância cultural de ser negro.
e as eleições. Rio de Janeiro, Edição SINBS, 1983; FERNANDES, Florestan. O significado do protesto
negro. São Paulo: Cortez, 1989.
127 - Conforme o informativo CCHL, Universidade Federal do Piauí. Ano XVII, n.° 24, fev.2006, o IFARADÁ
é o Núcleo de Pesquisa em Africanidade e Afro-descendência. Tem como um dos seus objetivos assessorar
as temáticas do negro. Sua sede e reuniões relacionam-se ao CCHL/UFPI e voltou a ser coordenado pelo
seu idealizador professor Solimar Oliveira Lima/DECON.
128 - Um levantamento histórico do CCN encontra-se em SILVA, Carmen Silva Maria da. O centro de cultura
negra do Maranhão-CCN. In: Escola de formação Quilombo dos Palmares. Movimentos sociais e educação
popular no nordeste. Recife: EQUIP, 2004 (série educação popular, 2) p. 241-260.
129 - Sobre o surgimento e as transformações verificadas no grupo, ver DANTAS, Marcelo. Olodum: de bloco
afro a holding nacional. Olodum/Fundação Casa de Jorge Amado, 1994.
130 - Para um conhecimento da importância do grupo como incentivador de uma consciência crítica através da
música ,ver RODRIGUES, João Jorge. A música o Ilê Aiyê e a educação consciente In: Estudo afro-
asiáticos. Rio de Janeiro: CEAA, 1993.
131 - Uma abordagem sobre o processo em que surge essa revista está em FRY, Peter. A persistência da raça:
ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África austral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.
259-270.
132 - Ver GOHN, Maria das Graças. Movimentos e lutas sociais no Brasil do século XX In: História e
movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 2001. p. 103-
170.
102
3. IMAGENS IDENTITÁRIAS: Sobre as “imagens de si” e do “outro” em indivíduos
negros caxienses.
O conhecimento dos estudos de N. S. Souza (1983), Clovis Moura (1987), Ney
Lopes (1982), Conceição Correia das Chagas (1996) e Kabengele Munanga (1999) perpassam
os fios da tessitura dessa narrativa, na maioria das vezes de forma não perceptível
(background)
133
.
Nos trabalhos destes autores sobre imagens identitárias negras indicações de
evidências do quanto no Brasil o negro tem sido representado de forma preconceituosa e
discriminada
134
. Este conhecimento foi determinante para construir a narrativa deste capítulo.
Não obstante considerar as contribuições dessas referências teóricas, naquilo que elas tratam
de uma objetivação das percepções do negro na sociedade brasileira, busco aqui fazer avançar
a compreensão dessas percepções como eventos, cujo lócus privilegiado são as subjetividades
dos indivíduos.
Para o avanço dessa compreensão, o uso do termo “circunstância” pareceu-me
mais apropriado que o termo “condição”, tendo em vista definir, neste estudo, o “ser negro”.
Três influências teóricas animaram a adoção do termo circunstância. Perceber um devir (vir-a-
ser) implícito no Ser, com Martin Heidegger (1998). Um comprometimento semântico do
termo “condição” com a economia, com Jacob Gorender (1980, 1991). E, ainda, um melhor
ajustamento do termo “circunstância” com “imagens identitárias”, com Fabiano Gontijo
(2002, 2004, 2005, 2006).
133 - Para uma análise das apropriações inconscientes que fazemos das idéias dos outros, ver, entre outros,
Maurice Halbwchs (1970) e Eclea Bosi (1993).
134 - Refiro-me aos trabalhos de SOUZA (1983), MOURA (1987), LOPES (1992), CHAGAS (1996) e
MUNANGA (1999).
103
Nesse sentido, a operacionalização do conceito de “imagens de si”, presente em
Michael Pollak (1989, 1992) e Fabiano Gontijo (2002, 2004, 2005, 2006) foi reafirmada pelo
entendimento do conceito de “imagem” em Homi Kharshedji Bhabha (2003, p. 86): “A
imagem é a um só tempo uma substituição metafórica, uma ilusão de presença, e, justamente
por isso, uma metonímia, um signo de sua ausência e perda”. A adoção dessa atitude
epistemológica proporcionou uma interpretação neste estudo sobre imagens identitárias
negras, do que vem a ser “tornar-se negro”, considerando ainda orientação desse autor anglo-
indiano sobre essa temática: O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a
necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de
focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação das diferenças
culturais” (BHABHA, 2003, p. 20).
Aceitando-se como critério a cor da pele e como fato cultural indiscutível a
“crença” na existência de raça
135
, tornar-se negro deriva de circunstância natural definida
geneticamente. Não aceitando, porém, o reducionismo dessa definição/classificação pelo que
ela apresenta de essencialista, unificadora e fixista, tem-se que tornar-se negro resulta de
construção cultural não essencialista, pluralista e dinâmica
136
. Isto equivale dizer que ser
negro ou ser branco resulta de processo cultural construtivista.
Em Homi Bhabha (2003, p. 70), citando Frantz Fanon
137
temos que “o negro não
é”. Dessa afirmação, este estudo depreendeu que tornar-se negro mantém relação com um
processo ao mesmo tempo de “descolonização” e de locamento
138
.
Descolonizar-se significa a postura dialética de desconstrução das “imagens de si”
estrangeiras, criadas externamente pelo “outro” colonizador e de construção de “imagens de
135 - Vide FRY (2005).
136 - Ver SILVA (2000).
137 As idéias de Homi K Bhabha (2003) sobre identidade são influenciadas pelo trabalho de FANON, Frantz.
Black Skin, White Masks (Pele negra, máscaras brancas). London: Pluto, 1986.
138 - Uso livremente a expressão “locamento” sugerindo antonimia ao conceito de “deslocamento” em Bhabha
(2003, p. 70-104)
104
si” autônomas, sem que se perda de vista o caráter relacional nos dois casos. Tanto as
“imagens” negativas do negro criadas externamente pelo branco, quanto as “imagens”
afirmativas auto-construídas, resultam das interações sociais branco-negro.
Locar-se expressa o esforço consciente de construção de um caminho de volta
para si mesmo
139
. Esse caminho de volta para si mesmo implica, inicialmente, no
reconhecimento ativo do processo externo de construção negativa da própria imagem
existente (colonizada), para depois consolidar-se o processo em curso de “respeito” e
“reconhecimento”
140
social à diferença, como característica fundante, que constitui
relacionalmente tanto o “eu” quanto o “outro” (SILVA, 2000).
Considerei neste capítulo a família, as amizades e processos educacionais como
espaços privilegiados de construção/desconstrução/reconstrução das “imagens de si” e elegi o
corpo como o espaço escriturístico em que essas “imagens” são impressas, tanto pelo “outro”
(o branco “colonizador”) quanto pelo “si” (o negro “descolonizado”).
3.1. Imagens familiares
Para Lev Semenovich Vigotsky (1984), todo desenvolvimento humano é resultado
de interação social. E nesse desenvolvimento as relações entre linguagem e pensamento são
fundamentais (VIGOTSKY, 1987).
As primeiras imagens do “outro” que o “eu” constrói aparecem nas interações
sociais ocorridas no ambiente familiar. Sobre o nascimento do “eu” é sabido que dar-se de
forma espontânea e inconsciente, por um processo desencadeado no espaço familiar. No dizer
139 - Nas ginas seguintes, esse caminhar de volta para si mesmo é apresentado como “reterritorialização” que
me pareceu melhor que “negritude” em Kabengele Munanga (1986) face as implicações de movimento
político que este termo assume alí.
140 - Ver HONNETH (2003).
105
de Michel de Certeau(1994, p.190) trata-se de “uma experiência decisiva e originária, a
diferenciação que ocorre quando a criança percebe ser outro corpo que o da mãe”.
Esse evento inaugural do eu advém sem nenhuma relação de causa ou efeito com
tilintar de sinos por entes celestiais, dobrar do bronze da matriz por Quasímodo
contemporâneo ou disparo de espingarda por caboclos nos recantos interioranos de formações
sociais como o Brasil.
Tão somente o “ser-ai” (dasein) se instala como se depreende das formulações
filosóficas de Martin Heidegger (1998). Ou, dito de outra forma, a linguagem instala o “eu”
na chamada “fase do espelho”, conforme enunciação psicanalítica proposta por Jacques Lacan
(1997).
A mãe é seguramente o primeiro “outro” que todo “eu” experiencia. O “outro”
primitivo também vai sendo paulatinamente construído no espaço familiar. Nesse espaço é
que as diferenças que constituem o “eu” se formam e alcançam estatuto de realidades
lingüísticas. Essas diferenças, com o passar do tempo, vão se afirmando através da linguagem
e se “cristalizando” por intermédio de práticas e convenções culturais.
Uma experiência em ambiente familiar favorável ou hostil às diferenças, pode
deixar “impressões” definitivas na trajetória de uma vida
141
, de forma que essas “impressões”
podem influenciar decisivamente na constituição das imagens que o indivíduo constrói de si
mesmo e do outro.
Vivenciei a relação de amizade entre minhas mães biológica (branca)
e adotiva
(negra), de forma a não perceber conflitos por questões inter-étnicas entre as duas ou entre a
segunda e os demais membros da família. Uma análise inspirada no filósofo Paul Ricoeur
(1991, p. 147) provavelmente diria a respeito das atitudes dos sujeitos dessa/nessa relação
tratar-se de “identificações adquiridas, pelas quais o outro entra na composição do mesmo”.
141 - Ver a esse respeito NABUCO (2004, p.134 e 137).
106
Sendo assim, é possível que o eu” de cada um dos membros de uma relação como essa, ao
interagir positivamente com o “outro”, veja-se numa circunstância de diferente-igual e não de
diferente-superior ou diferente-inferior (CHAGAS, 1996).
O fragmento de memória evocado por ocasião da construção do texto final (TCC)
da disciplina História, Sociedade e Cultura, ministrada pelo professor Doutor Pedro Vilarinho
Castelo Branco, fornece mais detalhes sobre essa relação:
Sobre a minha mãe negra “Dadá”, não sei ao certo o momento e as
circunstâncias em que se deram sua aproximação de minha família, sei que
cresci convivendo com uma pessoa negra’, a quem desde cedo aprendi a
chamar de Dadá’. Com certeza essa pessoa deve ter se aproximado de
minha mãe biológica por intermédio de gestos de amizade (ficaram
‘comadres’ de fogueira na juventude). O modelo dessa relação sempre foi
para mim algo muito especial, pois nele durante mais de dez anos não vi e/ou
senti o menor gesto, fala ou sentimento que expressasse incômodo numa das
duas quanto ao fato dessa ter a pele clara (‘branca’) e aquela apresentar a
pele escura (‘preta’) (MORAIS, 2005, p. 5).
A compreensão do que chamo aqui de sentido comunitário inter-étnico nessa
relação, mas que, com base em Ricoueur (1991, p. 147), definiria como “alteridade
assumida”, foi fundamental para a percepção do seu valor imagético e contribuiu
sobremaneira para as formulações de tolerância e respeito às diferenças que na fase adulta
apenas consolidei
142
. A representação imagética dessa relação influenciou, ainda, num sentido
mais amplo, no entendimento precoce das idéias de Gilberto Freyre (1998) e rgio Buarque
de Holanda (1975) sobre miscigenação no Brasil e na imagem que passei a construir de mim
mesmo. Mas o “desrespeito”, no dizer de Axel Honneth (2003), ou a aceitação do “outro”
como um igual ao “eu” é construção dialética que se simultaneamente dentro e fora das
interações sociais familiares.
É ali, junto aos “outros” não familiares
143
, que experiências de discriminação e
preconceitos sociais podem assumir importância capital para toda uma vida.
142 - A leitura de NABUCO, Joaquim. Op. cit. cap. 20, contribuiu para a expressão literária dessa constatação.
143 - Devo esclarecer que as escolhas dos espaços “família, amizades e processos educacionais” não significam
assumir que estes ou outros espaços de experiências humanas possam promover homogeneização
107
3.2. imagens do corpo: um nariz afro-brasileiro
Além de uma feição impessoal, a um texto científico recomenda-se um
distanciamento da perspectiva ficcional. Há, porém, os que advogam ser infrutífera essa
discussão, por acreditarem num interfaciamento, sem perda do caráter de verossimilhança,
tanto para a narrativa histórica, quanto para a narrativa ficcional, embora a primeira não possa
servir-se da mesma liberdade como a segunda (ALBUQUERQUE JR, 1995; WHITE, 1992).
A leitura da obra do maranhense JosMontello
144
, particularmente do trecho em
que o negro Tião encontra-se com a toda poderosa Ana Jansen
145
, constitui-se numa daquelas
criações literárias situadas na fronteira entre a ficção e a realidade. Transcrevo aqui a parte
mais crucial desse encontro imaginado por Montello:
[...]
Damião não via a sala aparatosa em seu redor, cintilante de espelhos e
cristais, com seus móveis pretos, seus imensos tapetes e seus jarrões
orientais via apenas a velha na sua cadeira imperial, e baixou a cabeça, na
mesura de um cumprimento mudo, não podendo sustentar o olhar que viera
ao seu encontro, acompanhado por um risozinho de deboche no lume das
pupilas.
E depois de um silêncio, que fez correr na espinha de Damião uma lâmina
gelada, ela lhe perguntou, deixando que a boca risse também: És tu o
professor? Vem um pouco mais perto de mim. Aí está bem.
Damião estava apenas a três passos da cadeira, na suavidade da derradeira
claridade da tarde, e era com esforço que procurava conter o tremor das
pernas. Teve mesmo a impressão de que seus lábios também tremiam, e
apertou-os com força. [...] Olhou-o assim durante uns cinco minutos, sem
pressa, dos pés à cabeça, a apertar os lábios para conter o frouxo riso. Em
seguida, demorou o olhar meticuloso no rosto de Damião, que se contraia,
com os músculos do pescoço e da face retesados, os dedos crispados na
lombada do livro.
identitária. Em algumas famílias dos sujeitos pesquisados neste estudo pude perceber que aqueles
indivíduos com coloração da pele mais escura vez por outra estão sujeitos a atitudes preconceituosas e/ou
discriminatórias no próprio espaço familiar, discriminados pelos irmãos de pele mais clara, por exemplo.
Nem mesmo o próprio corpo se constitui nesse espaço ideal, pelo contrário, sobre este é que se tem
percebido as mais diversas possibilidades de transformações identificadoras, como analisado no artigo de
Peter Fry (2005, p. 260-271)
144 - Para David Brookshaw (1983: 228) o escritor maranhense Josué Montello (1917-2006), assim como Jorge
Amado (1912-2001) representam a “nova doutrina de branqueamento” iniciada por Gilberto Freyre (1900-
1987).
145 - Sobre Ana Joaquina Jansen Pereira Leite (1787-1869), também conhecida como Ana Jansen, Donana ou
Nhajansa, natural de São Luis-MA., o trabalho de MORAIS, Jomar (org.). Ana Jansen, rainha do
Maranhão. 2ª ed. São Luis (MA): AML/ALUMAR, 1999.
108
Por fim, como enfarada, a velha deixou cair para o colo o braço que
empunhava o lornhom, afrouxando o riso que lhe tufava o peito e as
bochechas, enquanto, com a outra mão papuda, repetia o gesto que mandava
Damião embora: Podes ir. Vai, vai. Eu queria olhar de perto o preto
que sabe latim (MONTELLO, 1976, p. 252-253).
Ainda que se considere que esse encontro nunca tenha ocorrido na vida real,
uma sugestão de verossimilhança nesse produto da imaginação criativa do autor com outras
situações de discriminação e preconceito que, à época, e ainda hoje, muitos indivíduos
identificados socialmente como negros sofrem por parte de autoridades que se consideram
superiores a todos, de um modo geral, e às pessoas de cor, de uma forma particular
146
. Isso
indica que ficção e realidade não são tão diversas; que, se o texto literário, para alguns, não
guarda relação direta com a história das sociedades, para outros, como acredito, pode
apresentar nexo com a história de indivíduos reais, gerando um sentimento de pertencimento
às possibilidades ficcionais construídas pelo literato.
O dramaturgo italiano Luigi Pirandello
147
(2001), na obra Um, nenhum, cem mil,
constrói a história de vida do personagem Vitangelo Moscarda, com ênfase para o impacto
que o conhecimento tardio de uma “deformidade” no seu nariz exerce sobre suas imagens
identitárias e sua circunstância existencial, conforme segue:
[...]
O que você está fazendo? Perguntou minha mulher ao me ver demorar
estranhamente diante do espelho.
Nada. Respondi. estou olhando aqui, dentro do meu nariz, esta
narina. Quando aperto, sinto uma dorzinha.
Minha mulher sorriu e disse:
Pensei que estivesse olhando para que lado ele cai. Virei-me para ela
como um cachorro a quem tivessem pisado o rabo.
— Cai? O meu nariz?
E minha mulher respondeu, placidamente:
146 - Maria dos Santos Rocha, 53 anos, citou na entrevista concedida no dia 31.07.06, na sua residência em
Caxias-MA, a conversa que teve com o delegado de polícia, senhor Milton Bandeira, por ocasião da prisão
de seu filho, Marcos Antonio Rocha Fernandes, conhecido como “Nego Rocha”. Maria havia sido
convidada pela autoridade policial a comparecer ao DP da cidade, onde estava preso seu filho e que por
decisão judicial seria transferido para o presídio local. Ao chegar no gabinete do delegado, ouviu: “— E aí,
Maria Rocha, o que tu vai fazer com o teu filho Nego Rocha, pois tu só tem o cú e a catinga”.
147 - informações sobre a vida de Luigi Pirandelo (1867-1935) na “apresentação” de Alfredo Bosi e no
“apêndice” de Sérgio Buarque de Holanda, incluídos na obra citada. Alfredo Bosi publicou essa mesma
“apresentação” na obra Literatura e Resistência (BOSI, 2002, p. 136-143).
109
— Claro, querido. Repare bem: ele cai para a direita.
Eu tinha 28 anos e sempre, até então, havia considerado meu nariz, se não
propriamente lindo, pelo menos bastante decente, assim como todas as
outras partes da minha pessoa.
Por isso era fácil admitir e sustentar o que normalmente admitem e
sustentam todos os que não tiveram a desgraça de nascer num corpo
disforme: que é uma idiotice se preocupar com as próprias feições. A
descoberta repentina e inesperada daquele defeito me irritou como um
castigo imerecido (PIRANDELLO, 2001, p. 21-22).
O drama de Vitangelo Moscarda, descrito por Luigi Pirandello, parece ser mais
um daqueles problemas cuja solução não interessa à história das sociedades (macro-história),
mas é instigante pela reflexão que suscita sobre as “imagens de si” (GONTIJO, 2002, 2004,
2005, 2006; POLLAK, 1989, 1992) que indivíduos reais constroem nas relações com os
outros (micro-história).
Na minha experiência pessoal, até os 12 ou 13 anos de idade, o fato de apresentar
o nariz “achatado”, ou seja, ter uma pele clara, mas apresentar um “traço de caracterização
étnica” (FREYRE, 1998, p. 304) que pode me vincular a ancestrais negro-africanos não foi
problema
148
. As relações inter-pessoais até ali não me “cobravam” possuir um nariz
“compatível” com a cor da pele que apresento. Nesse período da vida não percebia que
aborígenes brasileiros, povos asiáticos como os japoneses, os chineses, os coreanos e
oceânicos, e/ou os primitivos australianos, possuem narizes igualmente “achatados”, não
guardando qualquer relação imediata com ancestrais africanos ou pigmentação escura da pele.
Por volta dos 14 ou 15 anos, no entanto, comecei a perceber alguns indivíduos
olhando para o meu rosto e em seguida começarem a tocar o próprio nariz, coçando-o e, às
vezes até, pressionando-o com um ou mais dedos como se a indicar que o nariz que viam não
estava “certo”. No início, pensei que era mera impressão de adolescente assustado ou excesso
de preocupação com o que o “outro” poderia estar pensando sobre a minha aparência facial.
“Indicadores empíricos(POLLAK, 1989, 1992) como o número de vezes e contextos sociais
148 - Essa possibilidade encontra base empírica nos resultados das pesquisas recentes no campo da genética,
realizadas por Sérgio D. J. Pena (2002) e Sérgio D. J. Pena e D. R. Silvia-Carvalho (2000).
110
diversos, fizeram-me acreditar que objetivamente um padrão de comportamento no “outro”,
relacionado à aparência do meu rosto, estava se repetindo. Cheguei à conclusão que aquela
reação padronizada relacionava-se à aparência do meu nariz. O nariz com o qual vivi todo
aquele tempo passou a ser um “problema” para mim. Realidade e ficção se interfaciam, se
friccionam aqui. Como ocorreu com Vitangelo Moscardo, o nariz com o qual vivi todo aquele
tempo passou a ser um problema para mim.
Até aquele período a relação com o próprio nariz tinha sido tranqüila, sem
nenhuma reflexão sobre o ser ou estar dele no restante do corpo. A partir dali surgiu em mim
um sentimento de “diferença negativa” (CHAGAS, 1996), de baixa auto-estima. Esse
sentimento pode ser comparado com o de um indivíduo de pele escura que após ter vivido a
infância sem que a cor de sua pele tenha sido “problema”, percebe na adolescência vivida
predominantemente com “outros” não familiares que apresentar a pele escura é uma diferença
ruim. É nesse momento que ocorre o que chamo aqui de desterritorialização identitária, ou
seja, o “eu” tem dificuldade de reconhecer-se e aceitar-se como um diferente-igual, resultando
que as tênues raízes que o prendiam a um grupo social e/ou a uma história se vêem
arrancadas, soltas no ar.
Uma reterritorialização pode acontecer mediante processos educacionais
149
, que se
constituem em verdadeiros “ritos de passagem” (PEIRANO, 2003), sendo que a educação
formal, nos casos dos indivíduos pesquisados, mostrou-se o mais importante desses ritos.
No meu caso, três atitudes foram adotadas em razão daquela “descoberta
fundamental: evitar lugares propícios aos olhares reprovadores; passar longas horas em
ambientes fechados, na maioria das vezes frente a espelhos, onde pudesse massagear o nariz e
“corrigir” a “deformidade”; e, a mais marcante de todas, não manter o olhar fixo no “outro”,
no “diferente” (SILVA, 2000).
149 - Esses processos educacionais podem ocorrer tanto por “socialização histórica” ou “socialização política”
(POLLAK, 1992), por meio de instituições como o IFARADÁ, CCN, Ilê Ayiê e Olodum, e,ainda,
mediante ensino formal por meio de entidades como Escolas de Ensino Básico e de Ensino Superior.
111
Essas “práticas defensivas” (GOFFMAN, 2004) foram mantidas até
aproximadamente os 17 anos de idade, quando comecei o período de trabalho profissional
como enfermeiro em um hospital de Caxias-MA (1981-1982). Interessei-me pelos estudos de
anatomia e fisiologia. Esse interesse levou-me ao conhecimento das idéias revolucionárias de
Charles Darwin (1809-1882), particularmente as relacionadas à transmissão hereditária de
características físicas. Segundo Charles Darwin:
Ninguém sabe explicar porque uma determinada peculiaridade surgida em
diversos indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes seja às vezes
hereditária e outras vezes não; ou porque vai reaparecer em uma criança
algumas características do avô ou da avó ou mesmo de um ancestral bastante
remoto (DARWIN, 2004, p. 76).
É também desse naturalista inglês “a idéia de que […] o uso reforça e desenvolve
algumas partes de seus corpos, enquanto que o desuso as atrofia, e que essas modificações são
hereditárias” (DARWIN, 2004, p. 200). Esta última afirmação do pesquisador inglês deu base
científica para a célebre frase: a função faz o órgão
150
.
As idéias de Darwin (2004) ajudaram a entender que o alargamento da parte mais
distal dos narizes de alguns indivíduos de pele escura, como os africanos ou de pele clara,
como os asiáticos, dando-lhes aparência “achatada”, pode manter relação com o uso maior da
via nasal em detrimento da via oral, no período crucial de formação e desenvolvimento das
vias aéreas superiores (VAS). Isto ocorre por fatores intrínsecos ao próprio indivíduo ou à
região em que vive. Um exemplo desta segunda possibilidade é a maior pilosidade do homem
do Alaska (EUA) e da Sibéria (CEI), particularidade desenvolvida e transmitida
hereditariamente para o fim de proteção contra o frio intenso naquelas regiões
151
.
Com suas postulações formuladas no século XIX, a partir de observações diretas
(empirismo inglês), Darwin forneceu elementos para o surgimento de teorias racistas
150 - Ouvi de alguns entrevistados terem percebido uma espécie de “clareamento” da pele do avô ou da avó
negra, após se aposentarem e deixarem de se expor durante longas horas à radiação solar.
151 - FREYRE, Gilberto. Op. cit. p. 291-292, posicionou-se ceticamente quanto a essa relação.
112
predominantes naquele culo e utilizadas pelo nazismo alemão, de forma sistemática, na
segunda metade do século XX. As idéias de Darwim serviram igualmente como base para as
contestações da genética e da biologia, na segunda metade do mesmo século, acerca da não
existência de raças na espécie humana
152
.
As explicações proporcionadas pela interpretação do pensamento de Darwin
serviram para descartar possibilidades conformistas relacionadas às idéias de destino ou
outras formas de explicações religiosas, mas ainda não satisfizeram totalmente a busca pela
minha ancestralidade negro-africana.
Com o ingresso no curso de História do Centro de Estudos Superiores de Caxias
(CESC/UEMA), as leituras das obras Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre (1998);
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (1975); Formação do Brasil
Contemporâneo, de Caio Prado Junior (1979); e, O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro (1995),
proporcionaram-me um novo estágio de compreensão daquele “problema” corporal: o nariz
achatado. Trata-se de um “traço de caracterização étnica” (FREYRE, 1998, p. 304) que
imediatamente indicava presenças negras na minha família e, mediatamente, um “indicador
empírico” (POLLAK, 1989, 1992) da “miscigenação” propugnada por Freyre e Holanda.
Esse processo educacional que articulou as dimensões informal e formal foi capaz
de transformar uma vida e forjar uma consciência sensível à percepção de si mesmo e do
outro como diferentes-iguais (CHAGAS, 1996).
3.3. imagens do corpo: pele escura, clara consciência
O senhor Antonio Henrique Santos, 43 anos, entende que quando se fala de
discriminação e/ou preconceito ao negro, a referência fundamental é o indivíduo de pele
152 - Essa discussão sobre raça, ciência e história está suficientemente organizada em GODOY (1998);
SCHWARTZ (1993); MAIO e SANTOS (1996), MUNANGA (1984), HASENBALG e VALLE SILVA
(1988), SKIDMORE (1976) e, ainda, nas leis brasileiras 7.716, de 05/01/1989 e 8.081, de 01/09/1990.
113
escura e não aqueles indivíduos que, embora sentindo-se e assumindo-se negros, apresentam
a pele clara. Segundo ele:
[…] esse negócio de um indivíduo ser branco e assumir-se como negro não
se sustenta na prática. Não pode ter espírito de negro sendo branco. Um
indivíduo é negro porque sofreu preconceito devido sua pele escura. […]
Quanto mais a pele escura mais o tratamento é ruim (SANTOS, Antonio,
2006).
Para Antonio Henrique, a melanina
153
, como costuma enfatizar, que determina
biologicamente a coloração escura da pele humana, é definidora também do que ele chama de
Identidade Negra. Sua percepção é a de que, embora a miscigenação brasileira ocorrida ao
longo desses quinhentos anos, tenha alterado as matrizes étnicas que deram origem ao povo
brasileiro (RIBEIRO, 1995), somente os indivíduos de pele escura podem saber o que é ser
negro no Brasil, pois estes são cotidianamente vítimas de preconceito e/ou discriminação, seja
ele pobre ou rico, analfabeto ou doutor.
Com formação superior em Sociologia pela UFPB, Antonio Henrique, 43 anos,
nasceu e viveu quase toda a sua vida na cidade de Caxias-MA. Auto-definido como negro, faz
questão de afirmar que se casou com uma mulher negra, a paraibana Maria de Fátima
Tavares, também formada em Sociologia pela mesma IES, com quem gerou a adolescente
Dandara Tavares, para dar continuidade à raça negra. Para ele, dessa forma têm procedido
indivíduos brancos em várias partes do mundo (os alemães no Sul do Brasil, por exemplo)
sem que outros indivíduos brancos vejam nessa atitude, preconceito e/ou discriminação a
indivíduos negros.
A partir do ano de 2003 passou a trabalhar no Centro de Estudos Superiores de
Caxias (CESC/UEMA) como professor contratado. Com a implantação do Curso de Medicina
153 - Cf. FERREIRA (1986, p. 1114) S.f. 1. Fisiol. E Patol. Pigmento negro encontrado em locais diversos
como pele, pelos, certos tumores, etc e, ainda, KOOGAN/HOUAISS (1995, p. 546) S.f. 1. Pigmento pardo
escuro que cora a pele das raças negras e que caracteriza também certas doenças.
114
nessa IES, conseguiu lograr êxito no processo seletivo para professor da disciplina Sociologia
Geral, da primeira turma de 2005.1.
No primeiro dia de aula, quando se apresentava para a turma, percebeu que
alguma coisa estava “incomodando” os alunos. Estes se entreolhavam como que surpresos em
face de alguma “anormalidade” ali existente. Em meio a essa situação, resolveu conversar
aberta e diretamente com todos aqueles futuros médicos brasileiros:
[...]
— Tem alguma coisa incomodando vocês?
— Não! Não, senhor!
Sabem o que está acontecendo aqui? Vocês não esperavam um professor
negro. Não passou pelas cabeças de vocês que um negro poderia estar aqui
dando aula para a primeira turma do curso de medicina da UEMA[...]
(SANTOS, Antonio, 2006).
A atitude do professor Antonio Henrique pode não ter se justificado para todos os
presentes naquela primeira aula da disciplina Sociologia Geral, mas proporcionou a cada um
daqueles acadêmicos de medicina uma oportunidade qualificada de refletir sobre posturas
preconceituosas que surgem em meio a circunstâncias cotidianas, sem que os agentes sejam
necessariamente racistas ou saudosistas da experiência negro-africana que não viveram. Isto
seria possível através do que Michael Pollak (1989, 1992) denomina de “memória herdada”.
Para o professor Antonio Henrique essa experiência não foi a primeira, nem será a
última na sua vida, encarando-a como evento corriqueiro nas vidas de indivíduos de pele
escura que conseguem galgar posições culturais e/ou sócio-econômicas de destaque
154
na
sociedade brasileira. Compreende que “este fato é bastante usual e acontece sempre nos
ambientes onde predomina a educação formal, nunca se esperando um negro como possuidor
de faculdades complexas” (SANTOS, Antonio, 2006).
A percepção de Identidade Negra, de Antonio Henrique, é objeto de análise de
estudiosos, como Oracy Nogueira ([1954] 1985), Teresinha Cristina N. A. Costa (1974) e
154 - Ver SOUSA (1983)
115
Nelson do Vale Silva (1980), entre outros, mas diverge da percepção que constrói a senhora
Elizete Santos Abreu, 38 anos, quanto ao determinante biológico “melanina”. Para ela, ser
negro (a) está relacionado antes à dimensão subjetiva, quando afirma:
Eu penso que só a cor da pele não é critério para a definição da identidade
negra. Quando eu tive oportunidade de visitar outros espaços de discussão
sobre o negro, pude refletir sobre isso. Senti um estranhamento quando
visitei o CCN, por exemplo e vi pessoas de pele clara lá. Eu me perguntei:
O que esses brancos estão fazendo aqui? Penso que é preciso um
identificar-se, um sentir… o indivíduo ter a pele escura não basta
(ABREU, 2006).
Esta percepção identitária culturalista de Elizete Abreu, embora se distancie da de
Antonio Henrique quanto ao critério classificatório/definidor, aproxima-se da mesma no que
diz respeito ao tratamento pelo “outro” que indivíduos identificados socialmente como negros
recebem. Ela própria oferece seu testemunho desse tratamento, conforme percepção a seguir.
Mulher auto-definida como negra, Elizete Santos Abreu graduou-se em Pedagogia
no CESC/UEMA. Fez especialização em Docência Superior na PUC/MG, dirigiu o
Departamento de Pedagogia do CESSIN/UEMA e atualmente cursa mestrado em Políticas
Públicas na UNISSINOS (RGS). Contraiu matrimônio com Jenivaldo Lima Abreu,
igualmente auto-definido como negro, com quem gerou a criança Anamy.
Das situações de preconceito e/ou discriminação que experienciou na vida,
recorda-se como a mais marcante a ocorrida quando dirigia a U. I. Municipal João Viana, no
bairro caxiense homônimo, no ano de 1998, em substituição a uma professora que se auto-
definia como branca.
A Diretoria e a Secretaria da escola funcionavam na mesma sala, proporcionando
as presenças paralelas e simultâneas da diretora e da secretária. Essa organização do espaço
administrativo ensejou que indivíduos não informados quanto à mudança da direção da escola
adentrassem nessa sala à procura da diretora e se encaminhassem à secretária.
116
Para Elizete Abreu, que viu essa cena se repetir várias vezes, as pessoas chegavam
à escola com a expectativa naturalizada de encontrar uma diretora (ou diretor) branca (o) e
agiam assim condicionados por uma “mentalidade histórica” (LE GOFF, 1996) persistente,
segundo a qual cargos de direção devem ser reservados a indivíduos brancos. Referindo-se
hoje a essa marcante experiência de preconceito, Elizete Abreu lembra que:
Para alguns (mas) havia uma representação de cor, um desafio para a classe.
Para outros (eu) não sustentaria a função, pelas inúmeras razões que
socialmente foram impregnadas na pessoa negra. Este sentimento advinha
também dos pares profissionais na dificuldade de ter uma pessoa que
administrava com essas características: negra, jovem e que não tinha tradição
no sobrenome com cargos (ABREU, 2006).
Um núcleo comum presente nesses fragmentos de trajetórias de vidas é a
discriminação social experimentada pelos três indivíduos: eu, Antonio Henrique e Elizete
Santos. Discriminação por caracteres fenotípicos cujas gêneses e desenvolvimentos não
receberam contribuição consciente dos mesmos, mas que as descobertas como elementos
sociais de diferenciação negativa transformaram as formas de cada um ver a “si mesmo” e ao
“outro”.
3.4. Imagens do “outro”: percepções contemporâneas do negro no branco
Não uma única percepção imagética do negro construída pelo branco ou deste
construída por aquele, mas percepções imagéticas caleidoscópicas bilaterais, conforme
algumas variáveis bastante comuns, que afetem a sensibilidade de ambos em meio a
interações sociais cotidianas. Variáveis como mentalidade da época, como a que justificou a
escravidão no Brasil; experiências de vida, iguais ou parecidas com as de Joaquim Nabuco
(2004) e a minha própria; formação humanística sólida; condição sócio-econômica, podem
influir nas “impressões” (GOFFMAN, 2004), que indivíduos brancos constroem sobre
indivíduos negros e vice-versa.
117
De um modo geral, independentemente da aparência fenotípica perceptível
imediatamente, os começos de uma relação inter-pessoal são carregados de certos cuidados”
em ambos os lados. No caso específico das relações inter-étnicas branco-negro, têm-se a partir
dos depoimentos da senhora Joseneyde Ferreira Vilanova e do senhor Cícero Veloso de
Araújo, evidências de uma complexificação desses “cuidados”, por razões pressupostas aqui,
como herdadas indiretamente pela cultura (POLLAK, 1989, 1992).
A senhora Joseneyde Vilanova, 36 anos, é graduada em História no
CESC/UEMA, concluiu especialização em História do Brasil nessa mesma IES e prepara-se
para o ingresso no mestrado em História do Brasil no CCHL/UFPI. Ela afirma que tem
percebido em indivíduos negros resistências quanto ao relacionamento com indivíduos
brancos e apresenta possíveis razões para essa atitude:
[...] Tenho a pele clara, clarinha, com cabelos claros. Não tenho problemas
de relacionamento com pessoas negras, mas algumas vezes tenho percebido
nos meus relacionamentos com essas pessoas que elas parecem temer essa
aproximação. Lembro de uma experiência com um professor negro na
graduação. Ele aproximava-se dos outros alunos sem dificuldade, mas
parecia temer relacionar-se comigo [...] Penso que o problema do negro é de
reconhecimento. Ele mesmo se discrimina. Quando ele [negro] se reconhecer
como negro será bem melhor para o seu relacionamento com pessoas
brancas (VILANOVA, 2006).
As percepções de Joseneyde Vilanova, quanto aos começos de uma relação
branco-negro, são confirmadas pelas percepções do senhor Cícero Araújo, 37 anos, também
graduado em História do Brasil e especialista em História do Brasil, ambos os cursos
realizados no CESC/UEMA. O senhor Cícero Araújo é identificado socialmente como um
indivíduo branco, em face das características fenotípicas que apresenta: pele, cabelos e olhos
claros. Sobre suas experiências relacionais com indivíduos negros disse que:
[…] Às vezes percebo em pessoas de pele escura um certo cuidado’... Eles
não sabem o que vão encontrar […] Dependendo do tratamento que
receberem, a amizade pode crescer. […] Isso pode estar relacionado ao fato
de que durante toda a vida ouviram a expressão: Tu é negro!, com um
118
sentido minimizador, que acaba aceitando que ser negro é ruim (ARAÚJO,
2006).
A fluidez dessas “percepções” varia conforme as circunstâncias em que as
interações branco-negro ocorrem. Dentre circunstâncias cotidianas em meio às quais podem
emergir “atavicamente” posturas preconceituosas, este estudo capturou, nos depoimentos dos
entrevistados, algumas recorrentes: o (a) namorado (a) negro (a) do (a) irmão (ã) branco (a); o
(a) vizinho (a) negro (a) de sucesso; o (a) artista negro (a) famoso (a) namorado (a) de
manequim/modelo branco/claro; o moleque negro que pede no sinal luminoso; o (a) juiz (a)
negro (a) que despacha sentença contrária à expectativa da família branca; o (a) colega de
infância negro (a) que saiu da cidade e volta famoso e próspero; o (a) professor (a) negro (a)
do curso de medicina, odontologia ou direito; o (a) diretor (a) negro (a) da escola pública.
Essas são situações em que toda a força do passado escravista negro-africano, conservado e
transmitido através de uma linguagem estereotipada, produzida pelo pensamento
155
, aflora em
forma de discursos preconceituosos e/ou atitudes discriminatórias.
Algumas vezes isto acontece sem que os agentes brancos pretendam,
conscientemente, como ocorre freqüentemente através de expressões lingüísticas. Cito dois
exemplos neste sentido: 1) – Que negro (a) bonito (a)! ou Que negro (a) inteligente!. Nestes
dois primeiros casos há como que a sugestão “apesar de negro (a)…”; 2) Você está
“denegrindo” a minha imagem!. Ora, “denegrir” quer dizer, conforme Aurélio B. de H.
Ferreira (1986: 535) V. t. d. 1. Tornar negro; e Abrahão Koogan; Antonio Houaiss (1995:
256) V. t. 1. Fazer negro. Dito desta forma, a expressão “denegrindo” vincula-se à
circunstância negativa que se deve evitar.
Outras vezes, a força desse passado aflora em decorrência da auto-estima negativa
do paciente da ação preconceituosa e/ou discriminatória. No dizer de Conceição Correia das
Chagas (1996), isto acontece “como conseqüência da situação do negro no Brasil, a auto-
155 - Ver as relações entre pensamento e linguagem em VYGOTSKY (1987)
119
estima, base para a construção de uma identidade satisfatória, no grupo negro é construída
através de atributos e categorizações que lhe são conferidas e que […] produzem uma baixa
auto-estima” (CHAGAS, 1996, p. 72).
Não obstante a veracidade dessas percepções, as imagens do negro construídas
pelo branco são hoje bastante influenciadas, pelo menos por três eventos: 1) Mecanismos
jurídicos como a lei 7.716, de 05 de novembro de 1989, que define os crimes resultantes de
preconceito de raça ou de cor; e 8.081, de 01 de setembro de 1990, que acrescenta o artigo 20
à Lei 7.716/89; 2) Conclusões científicas sobre raça, como as analisadas por Norton Godoy
(1998) e as propostas por Sérgio D.J. Pena (2002) e Sérgio D.J. Pena e D.R.Silva-Carvalho
(2000); 3) Por orientações culturais geradas pelas novas expectativas internacionais de
convivência humana pautadas na “tolerância” e no “respeito mútuo” (HONNETH, 2003), com
repercussão no ensino básico nacional (Lei n.° 10.639, de 09 de janeiro de 2003; e Resolução
n.° 01, de 17 de junho de 2004).
Auto-definida e identificada socialmente como uma mulher branca, Joseneyde
Vilanova, 36 anos, com reservas a influência desses eventos sobre as percepções do negro
por indivíduos brancos. Ela afirma a esse respeito que:
Infelizmente as leis de nosso país, no que se refere ao preconceito racial,
ainda são muito ludibriantes para os negros. Leis que não garantem
igualdade social, dando melhores condições de vida ao negro, pelo menos
para dirimir o nosso país das mazelas que foram causadas no passado. […]
As conclusões das ciências são muito importantes e em tempo, mas volto à
questão acima que, embora hoje seja trabalhado com as pessoas uma nova
mentalidade em busca de igualdade social ou étnica, acho ainda muito
remota apenas a tolerância conseguir romper esses laços na prática, embora
percebamos que melhorou um pouco (VILANOVA, 2006).
As afirmações de Joseneyde Vilanova são um exemplo da influência do processo
educacional no que se refere às idéias e posturas públicas de indivíduos brancos quanto às
suas relações e percepções de indivíduos negros. Diferentemente dos seus antepassados
120
escravagistas
156
, os novos membros das famílias caxienses dos Vilanovas, Castelos, Nunes
Almeida, Araújo e Silva, Dias Carneiros, Aragões, Figueiredos, Alvares Costa, entre outras,
percebem e assimilam as transformações culturais que fundamentam o aparecimento, se não
da igualdade plena, pelo menos do respeito e da tolerância nas relações entre indivíduos
brancos e indivíduos negros.
Disso se depreende que esses três eventos citados anteriormente (p. 117) têm
balizado as interações sociais contemporâneas, nos níveis discursivo e comportamental,
sinalizando para uma ressignificação das percepções imagéticas bilaterais branco-negro e
negro-branco (além de outras relações inter-étnicas), embora circunstâncias de hostilizações
aos nordestinos no Sul do Brasil
157
, aos muçulmanos na França
158
e aos latinos nos Estados
Unidos
159
, para ficar nesses exemplos apenas, pareçam ressignificar também a intolerância e a
barbárie.
3.5. Ser negro: educação formal como “rito de passagem”
A educação formal foi apontada neste estudo (cap. 2) como um dos “ritos de
passagem” (PEIRANO, 2003) privilegiados, que têm ensejado a constituição do sentimento
de pertencer à circunstância cultural negro, ou seja, o “sentir-se negro, assumir-se negro”, no
156 - Sobre a escravidão negro-africana no município de Caxias-MA., hoje considerável documentação a
disposição de pesquisadores. Encontrei informações sobre o passado escravagista de muitas famílias
caxienses, cujos remanescentes da terceira geração encontram-se vivos, nas seguintes fontes: Arquivo do
Cartório do Ofício. Livro de Notas 1 (1749-1753). Caxias-MA., Arquivo do Cartório do Ofício.
Livro de Notas 2 (1754-1758). Caxias-MA., Arquivo do Cartório do Ofício. Livro de Notas 32
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Nossa História.Caxias: dois séculos e meio de registro (1747-1929). Caxias. Associação dos Amigos do
Memorial da Balaiada, 2006.
157 - Consultei a esse respeito a reportagem de GLOCK, Clarinha. Os órfãos de Hitler mostram a sua cara. In.
Revista Atenção. Nov. de 1995. Ano 1. Nº 1. p. 6-14.
158 - Ver os artigos de EICHEMBERG, Fernando. O antiiluminismo. In. Revista Primeira Leitura. Edição nº46.
Dez/2005, p. 38-43 e ESTENSORO, Hugo. A fogueira das vaidades. In. Revista Primeira Leitura. Edição
nº 46. Dez/2005, p. 46-49.
159 - Cf. MENINO, Frederico. Ah, se eu fosse americano... do Norte! In. Revista Discutindo Geografia. Ano 1.
nº 6. s.d. p. 24-31.
121
dizer de Elizete Santos (2006). Este “pertencimento”, para Pierre Nora (1993, p. 18) é o
“princípio e segredo da identidade” e para Michael Pollak (1989, 1992) um evento cultural
assumido conscientemente.
Exemplos disso são os de indivíduos de pele clara, como no meu caso, e os de
indivíduos de pele escura, como nos casos de Antonio Henrique e Elizete Santos. Em mim a
percepção da discriminação à aparência do nariz levou à busca de explicações religiosa,
biológica e genética, na adolescência, e, finalmente, histórica, na maturidade. Todas
concomitantemente às experiências relacionais com indivíduos de pele escura, resultando na
consciência do pertencimento à memória do negro. Em Antonio Henrique e Elizete Santos as
percepções de discriminação, por causa da cor escura da pele, levou-os às buscas familiar
(Henrique) e de amizade (Elizete), até a consolidação da consciência de ser negro (a)
reforçada pela educação formal, alterando as formas de ser, viver e ver o mundo.
Destas experiências e das outras analisadas neste estudo, depreende-se que na
contemporaneidade brasileira apresentar a pele escura não basta para “ser negro”
160
. Ser negro
hoje se relaciona mais ao sentir-se e assumir-se como tal. O fim da sustentação científica
para a existência de raças (GODOY,1998;PENA,2002; PENA e SILVA-CARVALHO, 2000)
ainda que ela continue a existir em nível de “crença” (FRY, 2005), sugere a ressignificação da
percepção do traço fenotípico cor da pele como critério seguro para definir culturalmente o
pertencimento a este ou aquele grupo étnico.
Até mesmo aqueles indivíduos de pele escura identificados socialmente como
negros têm defendido a construção, por processos educacionais, dessa circunstância cultural.
Neste estudo sobre imagens identitárias negras, a maioria dos interlocutores confirma essa
tendência contemporânea.
160 - FREYRE, Gilberto. Op. cit. p. 304, no início da década de 30, já apresentava insatisfação quanto ao
estabelecimento da cor como “traço de caracterização étnica profunda”. Para o sociólogo pernambucano, o
“cabelo” seria mais adequado nesse sentido.
122
3.6. O ser negro hoje: outros ritos de passagem
A educação desse “ser negro” tem ocorrido mediante rituais constitutivos de
relações em espaços como o familiar. O pai, por exemplo, na experiência de “passagem” de
Antonio Henrique Santos foi fundamental, conforme declara:
[...] quanto ao senhor Jacinto Santos, meu pai, o que me vem à memória é
sempre a mesma lição: a sabedoria da vida em que realçava o seu forte
caráter, isto é, educou-nos sempre para que soubéssemos que éramos negros
e termos orgulho desse fato. Isto é o fator fundamental para a educação
posterior de uma identidade negra (SANTOS, Antonio, 2006).
Ou, ainda, através de rituais presentes em relações nos espaços de amizades com
indivíduos conscientes de sua circunstância cultural negra, uma espécie de iniciação ao
exercício dessa circunstância cultural, como foi o caso da “passagem” de Elizete Abreu, que
se emociona ao falar dos começos da relação de amizade com a amiga-mestra Isaura Silva, 53
anos, nos idos da década de 80:
Isaura militava no Centro, digo, no Grupo de Estudos Independentes da
Cultura Negra (independente, pois após alguns meses, realizou-se um evento
em Caxias sobre a causa do negro e oportunisticamente surgiram vários
‘criadores’ do grupo, em razão das discussões constituintes, campanha da
fraternidade, etc.). A sua grande preocupação era com os estudos sobre a
questão do negro, compreender para poder sentir-se. Ela queria que
disséssemos: Esse grupo não tem nenhuma atividade externa, estudo!
Como eu era muito recente no grupo, ela me disse: Primeiro temos que
entender a causa do nosso povo! [...] Discutíamos muito no grupo a
necessidade de ter mais conhecimentos, pois precisávamos ‘desconstruir’ o
que muito das vezes a escola, a família e outros haviam nos ensinado como
verdade (ABREU, 2006).
Além da família e amizades, existem, igualmente, outros espaços ritualizados que
oferecem possibilidades para essa “passagem”. Foi possível perceber alguns exemplos desses
espaços: grupos de cultura afro como o IFARADÁ, o Ilê Ayiê, o Olodum, o Museu Afro-
Brasileiro, o CCN, o Museu do Negro, a Sociedade Negra Quilombola de Caxias (SNQC),
grupos de capoeira, samba e candomblé; cursos de Ciências Sociais, História, Sociologia,
123
Pedagogia, Psicologia, Antropologia, entre outros; e, por fim, experiências autodidatas em
instituições ou outras fontes que preservam o conhecimento sobre a presença negra no Brasil.
Qualquer um dos processos que se percorra para construir o “ser negro”,
individual ou coletivamente, convem considerar o que afirma Erving Goffman:
A sociedade está organizada tendo por base o princípio de que qualquer
indivíduo que possua certas características sociais tem o direito moral de
esperar que os outros o valorizem e o tratem de maneira adequada. […] Um
indivíduo que implícita ou explicitamente a entender que possui certas
características sociais deve de fato ser o que pretende que é (GOFFMAN,
1985, p. 21).
As afirmações de Erving Goffman (1985) são pertinentes como “pressupostos”
norteadores de interações sociais na contemporaneidade, implicando, como indicado
anteriormente, vinculação do “ser negro” à moralidade (“direito moral”) no plano coletivo, e à
subjetividade (“ser o que pretender ser”), no plano individual.
Ocorre, porém, que a expressão “características sociais”, em Goffman, oferece
pouca possibilidade conceitual de atender à prática cultural de definição/classificação do
negro brasileiro pelo critério de cor da pele. Este “traço de caracterização étnica”, no dizer de
Gilberto Freyre (1998, p. 304), tem definido a forma hegemônica de “crença” na existência de
raça (FRY, 2005) e singularizado a experiência de discriminação e preconceito ao negro no
Brasil, comparativamente a outras realidades históricas, como a norte-americana
(NOGUEIRA, 1985).
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o período formal de duração do escravismo brasileiro, qual era o poder do
negro de negociar as próprias “imagens identitárias” com o seu “outro”? Espaços como o da
“casa grande” e da “senzala” permitiam atitudes de negociação dessas imagens? E os espaços
do “sobrado” e do “mocambo” eram mais propícios a esse fim?
Os estudos sobre o escravismo brasileiro que nos proporcionam esclarecer estas
questões são ainda bastantes influenciados por dois modelos de interpretação historiográfica.
Um modelo comparativo de análise, que toma como exemplos as experiências dos Estados
Unidos e do Brasil. Esse modelo analítico fez parecer que na primeira experiência a realidade
do negro foi bem mais cruel que na segunda experiência. O outro modelo considerado
“revolucionário quanto ao método, -- antropológico-cultural -- quanto à originalidade da
pesquisa dos fatos e a forma de interpretação dos mesmos” (QUEIROZ, 1998, p. 104) tem
servido de referência para os estudos que concordam e para os que não concordam com suas
premissas e conclusões.
O resultado disso é que, a partir dos dois modelos interpretativos, se depreende
que o escravismo brasileiro permitiu atitudes de autonomização por parte dos negros escravos,
embora essa não seja uma conclusão aceita por todos (GORENDER, 1991).
A análise de fontes importantes sobre a presença do negro no Brasil e a apreensão
das significações dos depoimentos de indivíduos caxienses auto-definidos como negros, me
fizeram chegar ao final desta narrativa com a sensação de retornar as questões iniciais que
orientaram minha decisão de empreender este estudo: o que é ser negro? O que torna um
indivíduo negro?
125
Como resultado das reflexões que realizei durante este estudo, pude confirmar o
que chamo aqui de circunstâncias de possibilidades de ser negro. São duas as principais
circunstancias que verifiquei: Uma possibilidade de ser negro é sê-lo como circunstância de
assimilação das percepções identificadoras que o “outro” do negro constrói. Outra
possibilidade de ser negro e sê-lo como circunstância de assimilação das percepções auto-
identificadoras sobre si mesmo.
Nas duas circunstâncias de possibilidades tratadas aqui, ser negro resulta de maior
ou menor poder de negociação do negro com o seu “outro”. As possibilidades de construção
desse poder são individuais e coletivas, mas em ambos os casos a educação, seja na
modalidade formal ou na modalidade informal, esta envolvida.
Processos educacionais, com destaque para a educação formal, se constituem em
importantes espaços de empoderamento (empowerment) dos indivíduos negros. Movimentos
organizados que defendem possibilidades culturais como “afro-descendência”, “africanidade”,
“negritude” e/ou grupos/associações que conservam/transmitem a cultura afro, como o
IFARADÁ(PI), o Ile Ayê (BA), o Olodum (BA), o CCN (MA), o Museu do Negro (MA), a
Sociedade Negra Quilombola de Caxias (MA) são outros exemplos de espaços informais de
promoção desse empoderamento.
126
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M827e
MORAIS, Francinaldo de Jesus.
ECOS DA ESCRAVIDÃO: Memória e “imagens identitárias”
de indivíduos negros em Caxias-Maranhão (1980-2000)/
Francinaldo de Jesus Morais. Teresina, 2007.
144 f.
Dissertação (Mestrado em História do Brasil)
Universidade Federal do Piauí.
Orientador: Prof. Dr. João Renôr Ferreira de Carvalho.
1. Antropologia histórica. 2. Imagens identitárias.
3. Negros – preconceito. 4 Discriminação racial.
I – Título.
CDD - 981
301.2
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