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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Melisa Cunha Pimenta
Seguro de responsabilidade civil
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Melisa Cunha Pimenta
Seguro de responsabilidade civil
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de MESTRE
em Direito das Relações Sociais Direito
Civil, sob a orientação do Professor Doutor
Giovanni Ettore Nanni.
SÃO PAULO
2009
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Banca Examinadora
…....................................................................................
…....................................................................................
…....................................................................................
Aos meus pais, por serem os alicerces de minha
vida; ao meu marido, Milton Pimenta, exemplo de
caráter e dedicação, por seu amor e incentivo que
tanto me ajudaram na execução desse mister.
AGRADECIMENTO
Ao Escritório Sylvio Fernandes Advogados Associados, por todo o apoio
dispensado e por ter me possibilitado conhecer e desenvolver o meu
conhecimento na área de direito securitário;
Aos colegas de profissão Lauana Barros de Almeida e Milton Gurgel Filho
pelas leituras e sugestões realizadas, bem como pelas experiências trocadas
no quotidiano do direito do seguro;
Aos meus pais, a quem devo a minha eterna gratidão pela minha formação
como ser humano e profissional;
Ao meu marido Milton Pimenta, pela compreensão pelas horas ausentes
para a concretização desse estudo e pelo constante incentivo de crescimento
profissional e pessoal.
“O homem nasce na incerteza. Nesta condição
antológica, descobre Deus e acredita na
providência. Nesta busca temerosa e humilde, se
agrega e se congrega, inventando meios de
autodefesa e comunhão contra a inevitabilidade
da crise, da catástrofe, do sinistro e da morte.
Nascem a previdência, o mutualismo, a
seguridade e o seguro. O seguro, como
instrumento social, objetivo, racional, utilizado
para redução de incertezas.” (Palestra registrada
nos Anais do V Fórum Jurídico do Seguro
Privado, proferida por José Américo Péon de
Foz do Iguaçu – 21 a 24 de setembro de 1995).
Resumo
nos primórdios da civilização, o ser humano percebeu
que, em grupo, era menos penoso suportar as perdas sofridas. O seguro surgiu da
necessidade humana, como forma de minorar os prejuízos individuais.
Com o tempo, houve grande desenvolvimento do instituto,
especializando-se os seguradores em cálculos atuariais, a fim de se saber, com precisão,
a quantidade de sinistros que ocorrerão em um determinado lapso temporal em um grupo
sujeito a um mesmo risco. Apresenta o seguro evidente caráter comunitário, atuando o
segurador como gerenciador de um fundo comum, para o qual cada segurado contribui
com uma parcela pecuniária, para que aquele possa garantir as consequências
econômicas desses riscos.
Na atualidade, tem-se um grande desenvolvimento do
contrato de seguro, em especial dos seguros de responsabilidade civil. Por meio deste,
visa-se proteger o patrimônio do segurado de eventuais dívidas de responsabilidade que
lhe possam ser imputadas e, ao mesmo tempo, garantir a reparação dos danos causados
aos terceiros lesados.
Se antes essa espécie de seguro era tida como ilegal, pois
não se concebia a realização de um contrato para prestar cobertura às consequências
econômicas da responsabilidade atribuída a alguém, hoje, esse contrato surge como o
meio capaz de possibilitar o efetivo ressarcimento dos danos causados às vítimas.
O seguro de responsabilidade civil e o instituto de
responsabilidade civil possuem estreita conexão, um impulsionando o desenvolvimento do
outro, pois aquele é o que possibilita que este atinja a sua finalidade de forma plena.
Palavras-Chave: contrato de seguro seguro de responsabilidade civil instituto de
responsabilidade civil.
Abstract
Since of the beginning of the civilization, the man
perceived that in group was less laborious to support the suffered loss. Insurance was
created by human’s need as a form to reduce individual damages.
Further on, insurance has had a great development.
Insurance Companies have been specializing themselves in mathematical expertise in
order to know, with precision, the amount of accidentes will happen in the futur with a
group exposed to the same risks. Insurance has a communitarian character meaning so
Insurance Companies manage a common fund in which each individual insured
contributes with a pre-determined amount that enable those Companies to garante the
economics consequences from these same risks.
Nowadays, we have a huge development of insurance´s
contracts related to insurance liabilities. The finality of the liability insurance is either to
protect the insured’s patrimony for the eventual debts of responsibility that it can be
imputed and, at the same time, to garante repairing of the damages caused to the victims.
If before these category of contracts was considered as
illegal, due to its refusal to celebrate contract to cover the financial consequences of the
attributed responsibility to somebody, in the present time, this contract appears as the
capable way to provide reparation to make possible the effective compensation of the
damages to the victims.
The civil liability insurance and the institute of civil liability
have narrow connection, one stimulating the development of the other, because that is
what it makes possible for this to reach its real purpose.
Keys-Word: insurrance - liability insurance - institute of civil liability.
SUMÁRIO
Introdução.......................................................................................................................... 01
1. O instituto da responsabilidade civil e o contrato de
seguro.................................................................................................................................04
1.1 - O instituto da responsabilidade civil - Do direito romano à teoria
objetiva.................................................................................................................... 04
1.2 - A evolução da responsabilidade civil e a sua conexão com o contrato de
seguro......................................................................................................................21
2. O contrato de seguro......................................................................................................29
2.1 –A origem...........................................................................................................29
2.2 – Definição.........................................................................................................41
2.3 – Elementos.......................................................................................................43
2.3.1 – Garantia.............................................................................................44
2.3.2 – Interesse segurado............................................................................48
2.3.3 – Risco..................................................................................................54
2.3.4 – Prêmio...............................................................................................65
2.3.5 – Segurador..........................................................................................74
2.4 - Características................................................................................................81
3. O contrato de seguro e o código de defesa do consumidor...........................................94
3.1 – Dos motivos que levaram ao surgimento do Código.......................................94
3.2 – Das definições de fornecedor e consumidor...................................................97
3.3 Da aplicação do código de defesa do consumidor no contrato de
seguro....................................................................................................................103
4. Do seguro de responsabilidade civil.............................................................................110
4.1 - Questionamentos sobre a sua licitude e seu posterior
desenvolvimento....................................................................................................110
4.2 – Conceito........................................................................................................122
4.3 – Função Única ou Dúplice?............................................................................126
5. O seguro de responsabilidade civil e a boa-fé
objetiva..............................................................................................................................129
5.1 – A boa-fé objetiva...........................................................................................129
5.2 – O contrato de seguro – exigência da mais estrita boa-fé..............................132
6. O sinistro no seguro de responsabilidade civil..............................................................146
6.1 – Da definição de sinistro.................................................................................146
6.2 – A caracterização do sinistro no seguro de responsabilidade civil.................148
6.3 – Da importância prática da definição do sinistro............................................152
7. Da ação direta da vítima face ao
Segurador.........................................................................................................................161
7.1 Ação direta no seguro de responsabilidade civil no direito
estrangeiro..............................................................................................................161
7.2 Ação direta no seguro de responsabilidade civil no direito
pátrio.......................................................................................................................165
8. A prescrição no seguro de responsabilidade civil.........................................................182
8.1 – Da prescrição.................................................................................................182
8.2 – A prescrição e o contrato de seguro..............................................................183
8.3 – Do prazo prescricional no seguro de responsabilidade civil..........................188
9. Conclusão.....................................................................................................................195
10. Referências bibliográficas...........................................................................................198
1
INTRODUÇÃO
Analisaremos, neste trabalho, o contrato de seguro de responsabilidade civil,
em suas particularidades e nos seus aspectos mais controvertidos.
Ao tratar dessa espécie de contrato, não como não nos determos,
primeiramente, no exame do instituto de responsabilidade civil, em razão da estreita
conexão existente entre ambos.
A responsabilidade civil foi um instituto que passou por grande evolução ao
longo dos anos. A formulação de uma teoria geral sobre a responsabilidade civil
deu-se com o Código de Napoleão, baseando-se no princípio de que a
responsabilização somente se dava com a demonstração da culpabilidade do
agente, do dano provocado e do nexo de causalidade entre ambos.
Entretanto, diante de algumas situações que sobrevieram, em especial o
crescente número de acidentes causados por máquinas, verificou-se que a
responsabilidade civil, fundada na culpa do agente, não era mais satisfatória, pois,
em muitos casos, não era possível comprovar a conduta culposa do ofensor, ficando
a vítima desamparada. Teve início o movimento para a aplicação, para essas novas
situações, da responsabilidade objetiva, na qual bastava a comprovação do dano e
do nexo de causalidade.
Ocorre que, mesmo não sendo mais necessária a prova da culpa do agente,
ainda existia um outro óbice a ser superado, qual seja, a da efetiva reparação dos
danos, pois, o raras as vezes, mesmo diante da responsabilização do ofensor,
este não possuía meios para ressarcir os danos causados à tima. E é exatamente
nesse contexto que surge o seguro, em especial o seguro de responsabilidade civil.
Essa espécie de seguro possui como objeto a garantia de eventuais dívidas
de responsabilidade que sejam imputadas ao segurado. A finalidade, entretanto, não
é somente de proteção ao patrimônio do segurado, mas também de garantir a
efetiva reparação dos prejuízos causados às vítimas, possuindo este contrato um
2
caráter de relevância social.
Se o progresso da sociedade acaba por gerar maiores riscos àqueles que
nela convivem e se os danos provocados por tais riscos são inevitáveis à evolução,
o seguro é o instituto que permite, neste contexto, a reparação dos danos causados
e que os ofensores não sejam eles próprios transformados em vítimas para que os
terceiros lesados sejam indenizados.
Antes, contudo, de nos aprofundarmos no estudo sobre o seguro de
responsabilidade civil, torna-se imprescindível a análise do contrato de seguro em si,
a fim de que se compreenda com clareza as características que revestem essa
espécie contratual, bem como os seus elementos.
E, assim, realizaremos um exame acerca da origem do contrato de seguro,
passando-se, posteriormente, ao estudo de seus elementos. Em seguida, faremos
uma abordagem quanto à classificação dessa espécie de contrato, finalizando-se
com a análise acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Cumprida esta etapa, seguiremos, finalmente, para o estudo do seguro de
responsabilidade civil, em seus aspectos mais relevantes, que, por ser um
assunto tão emblemático, não seria possível o esgotamento da matéria.
Faremos, em um primeiro momento, uma abordagem histórica do seguro de
responsabilidade civil, em razão dos questionamentos existentes no passado quanto
à impossibilidade de se realizar um seguro para prestar cobertura a atos ilícitos, para
se chegar ao seu desenvolvimento na atualidade, bem como a sua conceituação
pela doutrina.
Em seguida, examinaremos o seguro de responsabilidade civil e o princípio
da boa-fé objetiva, estando este atualmente normatizado no Código Civil, cuja
aplicação é de especial relevância em todas as fases contratuais, em especial no ato
da contratação da avença.
Posteriormente, discutiremos quanto à caracterização do sinistro nessa
3
espécie de contrato, assunto esse tormentoso, que ensejou a formação de várias
correntes doutrinárias, cujas conseqüências práticas de sua fixação são de grande
relevância.
Não menos problemáticos também os embates que se formaram em face da
possibilidade ou não do ajuizamento de ação direta pela vítima em face do
segurador, com o intuito de obter deste diretamente a indenização pelos danos
sofridos, assunto este sobre o qual nos debruçaremos.
Por fim, trataremos a respeito da prescrição no seguro de responsabilidade
civil, analisando o termo a quo e os diferentes prazos a serem observados, tanto do
segurado em face do segurador, como da vítima em face deste.
E, com o exame desses aspectos, pensamos em não esgotar o assunto, mas
sim em trazer a lume alguns de seus aspectos mais controvertidos e importantes.
4
1 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E O CONTRATO DE SEGURO
1.1 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO DIREITO ROMANO À
TEORIA OBJETIVA
O Direito Romano não formulou uma teoria geral sobre a responsabilidade
civil, tal como hoje existente, assim como não o fez com qualquer outro instituto,
tendo aquela sido desenvolvida por meio do julgamento de casos práticos.
Nos primórdios do Direito Romano prevalecia a idéia de vingança privada,
assim como havia nas civilizações anteriores. Tratava-se de uma reação espontânea
da vítima contra aquele que lhe causou o dano.
Os usos e costumes, no que tange à vingança privada, foram convertidos com
o tempo em uma reação regulada pelo Estado (Pena do Talião), por meio da qual
este intervinha para disciplinar a vingança, declarando quando e em que condições
tinha a vítima o direito de retaliação. O Poder Público apenas intervinha para permiti-
la ou para excluí-la, quando a considerava sem justificativa.
Como assevera Agostinho Alvim, no antigo Direito Romano, “a
responsabilidade era objetiva; não dependia da culpa, antes se apresentava como
uma reação da vítima contra a causa aparente do dano”
1
.
Segue-se a esta fase o período da composição voluntária. Ao invés de a
vítima impor ao ofensor um mal tal qual o recebido, ela lhe imputava uma pena, que
poderia ser em dinheiro ou em bens, cujo critério era exclusivo do ofendido.
Os usos concernentes à composição voluntária são sancionados pelo
legislador, passando a ser fixados pelas autoridades, iniciando-se a fase da
composição legal. A Lei das XII Tábuas
2
fixava, para cada caso concreto, o quantum
1
Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 243.
2
“Em 450 a.C., após outras revoltas plebéias, os patrícios convocaram os decênviros, dez juristas
nomeados para redigir um código de leis. O resultado foi a elaboração da lei das Doze Tábuas,
5
a ser pago pelo ofensor à vítima.
A fase seguinte é a da intervenção do Estado nas reparações civis. O Estado
passa a imiscuir-se não somente nas infrações dirigidas contra si, mas também nas
cometidas contra os particulares. Quando se tratava de delito público (ofensas de
maior gravidade), o ofensor era reprimido pela própria autoridade; quando se tratava
de delito privado (ofensas menos graves), o Estado intervinha apenas para fixar a
composição, evitando conflitos.
A fase final foi a de o Estado assumir, com exclusividade, a função de punir,
tomando a responsabilidade civil lugar ao lado da responsabilidade penal, pois,
como pondera Jode Aguiar Dias, passou o Estado a perceber que, indiretamente,
era também atingido por certas lesões irrogadas ao particular, porque perturbavam a
ordem que se empenhava em manter
3
.
No que tange ao Direito Romano, o maior legado deixado foi a Lex Aquilia,
tanto que a expressão aquiliana é utilizada até hoje para designar a
responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. A grande inovação desta
lei foi substituir as multas fixas, previstas na Lei das XII Tábuas, por uma pena
proporcional ao dano causado, como ressalva Alvino Lima:
A Lei Aquília não se limitou a especificar melhor os atos ilícitos, mas
substitui as penas fixas, editadas por certas leis anteriores, pela
reparação pecuniária do dano causado, tendo em vista o valor da
coisa durante os 30 dias anteriores ao delito e atendendo, a princípio,
ao valor venal; mas tarde, estendeu-se o dano ao valor relativo, por
influência da jurisprudência, de sorte que a reparação podia ser
superior ao dano realmente sofrido, se a coisa diminuísse de valor,
no caso prefixado
4
.
Grande controvérsia divide os autores no que diz respeito à existência de
culpa ou não como fundamento da responsabilidade civil na Lei Aquiliana. Alguns,
dentre os quais Marcel Planiol, os irmãos Mazeaud e José de Aguiar Dias
5
,
primeira compilação escrita das leis romanas.” (VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São
Paulo: Scipione, 1997. p. 85)
3
Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 27.
4
Culpa e risco. São Paulo: RT, 1998. p. 22/23.
5
“De qualquer modo, acreditamos, com os Mazeaud, que a noção da culpa sempre foi precária no
Direito Romano, onde jamais chegou a ser estabelecida como princípio geral ou fundamento da
responsabilidade, o que de nenhum modo exclui a convicção de que a evolução se operou
6
sustentam que a idéia de culpa era estranha à Lei Aquilia, bastando a existência do
dano para a aplicação da multa.
Outros, por outro lado, defendem que a culpa estava presente na Lei
Aquilia, repetindo o famoso brocado “in Lege Aquilia et levissima culpa venit”, tal
como o fazem Emilio Betti, Ihering e Caio rio da Silva Pereira. Segundo este
último, para que se configure o damnum iniuria datum, de acordo com a Lei Aquilia,
era necessário: “a) damnum, ou lesão na coisa; b) iniuria ou ato contrário ao direito;
c) culpa, quando o dano resultava de ato positivo do agente, praticado com dolo ou
culpa”
6
.
Em síntese, no que tange ao Direito Romano, valioso foi o legado deixado no
âmbito da responsabilidade civil, sobretudo o trabalho da jurisprudência, com uma
interpretação sempre ampliativa. Além do que, mesmo para os que sustentam que a
Lei Aquília não exigia a configuração do elemento culpa, é inegável, segundo Alvino
Lima
7
, que o Direito Romano evoluiu no sentido de introduzir a culpa para a
configuração da responsabilidade civil, substituindo a noção de pena pela de
reparação, distinguindo-se, por conseqüência, a responsabilidade civil da penal.
No ano de 1804, com a promulgação do Código Napoleônico, a casuística
deixou de ter lugar, passando a responsabilidade civil subjetiva a ter uma teoria
geral, com o princípio consagrado em seu artigo 1.382, segundo o qual “Tout fait
quelconque de l’homme, qui cause à autrui um dommage, oblige celui par la faut
duquel il est arrivé, à le réparer”.
Tal monumento normativo influenciou inúmeras legislações estrangeiras. No
Código Italiano, por exemplo, a responsabilidade civil subjetiva ingressou no ano de
1865, por meio do artigo 1.151, em termos semelhantes ao artigo 1.382 do Código
Francês: “Qualunque fatto dell’uomo che arreca danno ad altrui, obbliga quello per
colpa del quale è avvenuto, a rissarcire il danno.”
definitivamente nesse sentido. A concepção do direito justiano era a da culpa subjetiva:
representava progresso em relação à Lei Aquília; mas seria arriscado identificá-la com a moderna
noção do instituto, não obstante constituir a origem comum de legislações atuais fundadas na culpa.”
(Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 58)
6
Idem, supra.
7
Culpa e risco. São Paulo: RT, 1998. p. 26/27.
7
Quando da promulgação do novo Código Italiano, no ano de 1942, a idéia
inserta no artigo do diploma precedente foi mantida, agora no artigo 2.043:
“Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri um danno ingiusto, obbliga
colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno.”
O Código Civil Alemão, embora preveja em algumas situações a
responsabilidade objetiva, consagra em seu artigo 823 a responsabilidade por culpa.
Do mesmo modo o faz o Código Suíço, em seu artigo 41, tornando imprescindível
para configuração da responsabilidade civil que o agente tenha agido com dolo ou
com culpa.
O Código Napoleônico inspirou-se na teoria construída por Domat e Pothier,
segundo os quais era necessário o elemento culpa para ensejar a reparação do
dano. Não se exigia que o autor do dano tivesse a vontade de causá-lo, bastando
que fosse causado por imprudência ou negligência. Essa é a lição trazida por José
de Aguiar Dias, no que tange à responsabilidade civil subjetiva prevista no Código
Civil Francês:
Os redatores do Código, conforme testificam os mesmos autores,
ocupavam-se do problema da responsabilidade sob o duplo aspecto
da inexecução dos contratos e das obrigações estabelecidas sem
convenção. Em relação à segunda espécie, não houve discrepância,
no estabelecer a necessidade da culpa para criar a responsabilidade
do autor do dano. Aliás, não poderiam pensar de outro modo. Ao
homem de procedimento irrepreensível jamais se poderia, nesse
sistema, impor a reparação do dano que tivesse causado. Apoiando
a asserção, os ilustres autores invocam Tarrible: “le dommage, pour
qu’il soit sujet à réparation, doit être l’effet d’une faute ou d’une
imprudence de la part de quelqu’un; s’il ne peut être attribué à cette
cause, il n’est plus que l’ouvrage de sort, donc chacun doit supporter
les chances; mais s’il y a une faute ou une imprudence, quelque
légère que soit leur influence sur le dommage commis, il en est
réparation.” Queria isso dizer que, se era necessária a culpa para
estabelecer a responsabilidade, qualquer culpa era suficiente. Não
era preciso que o autor do dano tivesse vontade de causar o dano
(culpa delitual); bastava a imprudência ou negligência (culpa quase-
delitual). A orientação se expressa no artigo 1.382 do Código Civil
(Francês)
8
.
De acordo com a teoria clássica da responsabilidade civil,o é qualquer fato
8
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 81.
8
humano que gera o dever ressarcitório, sendo imprescindível a indagação de como
o comportamento humano contribuiu para o dano causado à vítima. Somente o
comportamento culposo, compreendido a culpa stricto sensu e o dolo, é que
acarreta o dever de indenizar.
Conforme observa Agostinho Alvim
9
, a responsabilidade civil, em sua teoria
clássica, pressupõe a existência da culpa, de forma que, em não havendo esse
elemento, não existia a responsabilidade e àquele a quem se atribuía o fato não
podia por ele responder.
Grande polêmica é travada na doutrina acerca do conceito de culpa, não
havendo um entendimento uniforme em relação a sua definição. O italiano Fabrizio
Cafaggi conceitua a culpa como sendo “mancata previsione dell’evento prevedibile
e/o mancata prevenzione dellévento evitable”
10
.
Para Sergio Cavalieri Filho, a culpa tem “por essência o descumprimento de
um dever de cuidado, que o agente podia conhecer e observar, ou, como querem
outros, a omissão de diligência exigível”
11
. Desse conceito de culpa, ele extrai seus
elementos, quais sejam: a conduta voluntária com resultado involuntário;
previsibilidade do evento; falta de cuidado ou de diligência do agente
12
.
A culpa pode ser definida, ainda, conforme propõe René Savatier, como a
“inexecução de dever que o agente deveria conhecer e observar”
13
.
Para Alvino
Lima, a culpa consiste no desvio não intencional da conduta normal, isto é, em erro
de conduta
14
.
também controvérsias no que tange aos elementos constitutivos da culpa.
A concepção tradicional é de que o termo culpa compreende dois elementos: (i) o
9
Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 242.
10
Profili di relazionalità della colpa: contributo ad una teoria della responsabilità extracontratuale.
Padova: CEDAM, 1996. p. 358.
11
Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 52.
12
Ibidem, p. 55.
13
Apud STOCCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. São Paulo: RT, 2007. p. 132.
14
O conceito completo de culpa, trazido por Alvino Lima, é “Culpa é um erro de conduta, moralmente
imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em iguais circunstâncias de
fato.” (Culpa e risco. São Paulo: RT, 1998. p. 69)
9
elemento objetivo, consistente no dever violado; (ii) o elemento subjetivo,
consistente na imputabilidade do agente.
Geneviève Viney e Patrice Jourdain trazem, em sua obra, a definição de
culpa, abordando os elementos acima descritos:
[...] la faute comporte deux éléments: un élément “objectif” qui
consiste dans la violation d’un devoir ou d’une obligation juridique et
se traduit par un écart entre la conduite requise par le respect de ce
devoir et celle que l’auteur du dommage a effectivement observée; un
élément subjectif baptisé “culpabilité” par les uns, “imputabilité” par
les autres et exprimant l’aptitude psychologique de l’agent à
comprendre la portée de ses actes et em assumer le
conséquences
15
.
Alvino Lima
16
, por sua vez, argumenta que não se pode confundir o conceito
de culpa com o fato violador do direito em si mesmo considerado, pois este pode ou
não vir acompanhado de culpa e, somente nesta última hipótese, ensejará a
responsabilidade civil subjetiva, desde que demonstrados o dano e o nexo de
causalidade. Cita como exemplo a legítima defesa, a qual, embora seja uma
violação já que pode ferir a pessoa ou o seu patrimônio, não configura culpa
17
.
Não efetivamente unanimidade quanto à conceituação de culpa, chegando
alguns autores até mesmo se negarem a defini-la.
Contudo, o que não se pode olvidar é que, para a configuração da
responsabilidade civil clássica, exige-se o elemento subjetivo para que, diante da
reprovação da conduta, o agente seja obrigado a reparar o prejuízo causado à
vítima. A teoria da culpa foi sintetizada por Von Ihering na expressão de que “sem
culpa, nenhuma reparação”, o que, à época da promulgação do Código
Napoleônico, satisfazia plenamente a comunidade jurídica.
Ocorre que, com o passar do tempo, se foi apercebendo que a exigência da
comprovação da culpa para que ocorresse a reparação do dano, em muitas
situações, acabava por deixar a vítima sem o devido ressarcimento.
15
Traité de droit civil. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1998. p. 320.
16
Culpa e risco. São Paulo: RT, 1998. p. 53.
17
Idem.
10
Isso se deu principalmente com o desenvolvimento da atividade industrial e
das máquinas (automóveis, aviões, estradas de ferro), época da Revolução
Industrial
18
, pois eram raríssimas as hipóteses em que o empregado, vítima de um
acidente de trabalho (com máquina), lograva êxito em demonstrar a culpa de seu
empregador.
Esse aspecto é retratado por Agostinho Alvim:
A teoria da culpa, durante muito tempo, informou as legislações e
pareceu suficiente para resolver os problemas relativos ao
ressarcimento do dano.
Todavia, o desenvolvimento das indústrias e dos meios de transporte
veio denunciar-lhe a insuficiência para a solução de grande número
de casos
19
.
François Ewald
20
assevera que a discussão sobre a reparação nos casos de
acidente de trabalho foi o movimento propulsor para que fosse reapreciado o
instituto da responsabilidade civil. Tal debate propiciou uma nova forma de pensar
na responsabilidade civil, dissociada da questão da culpa.
18
“A industrialização da segunda metade do século XVIII iniciou-se com a mecanização do setor têxtil,
cuja produção tinha amplos mercados nas colônias, inglesas ou não, da América, África e Ásia. Entre
as principais invenções mecânicas do período, destacam-se a máquina de fiar, de James Hargreaves,
de 1767, capaz de fiar 80 quilos de fios de uma vez sob os cuidados de um operário; o tear
hidráulico, de Richard Arkwright, de 1768, aprimorado por Samuel Crompton, em 1779; e o tear
mecânico, de Edmundo Cartwright, de 1785. [...] A descoberta do vapor como força motriz, além de
impulsionar a produção industrial, atingiu também os transportes. Em 1805, o norte-americano Robert
Fulton revolucionou a navegação marítima criando o barco a vapor e, em 1814, George Stephenson
idealizou a locomotiva a vapor. Na década de 30, século XIX, começaram a circular os primeiros trens
de passageiros e cargas. Além disso, a impressão de jornais, revistas e livros com o uso do vapor
impulsionou as comunicações e a difusão cultural, que permitiram o surgimento de novas técnicas e
invenções. [...] Por volta de 1860, a Revolução Industrial assumiu novas características Segunda
Revolução Industrial –, e uma incontida dinâmica, impulsionada por inovações técnicas, como a
descoberta da eletricidade, a invenção de Henry Bessemer para a transformação do ferro em aço, o
surgimento e o avanço dos meios de transporte (ampliação das ferrovias seguida das invenções do
automóvel e do avião) e mais tarde dos meios de comunicação (invenção do telégrafo, telefone), o
desenvolvimento da indústria química e de outros setores. [...] Na busca de maiores lucros em
relação aos investimentos feitos, levou-se ao extremo a especialização do trabalho. Além disso,
ampliou-se a produção, passando-se a produzir artigos em série, o que barateava o custo por
unidade produzida. Surgiram as linhas de montagem, esteiras rolantes por onde circulavam as partes
do produto a ser montado, de modo a dinamizar a produção. [...] Essa forma de produção em série
propiciou o surgimento de grandes indústrias e a geração de grandes concentrações econômicas,
que culminaram nos holdings, trustes e cartéis.” (VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São
Paulo: Scipione, 1997. p. 286/287)
19
Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 305.
20
L’etat providence. Paris: Grasset, 1986. p. 226.
11
Segundo François Ewald
21
, nos termos do Código Civil Francês, somente
havia duas formas de uma pessoa ser responsabilizada, quais sejam, pelo
descumprimento de um contrato (responsabilidade contratual) ou em razão de ter
causado dano a alguém em virtude de sua culpa (responsabilidade delitual).
Entretanto, nos casos de acidente de trabalho, essas duas possibilidades de
responsabilização não mais satisfaziam, devendo os julgadores não somente aplicar
a lei, mas a interpretar, de acordo com os critérios da justiça e da equidade.
Essa aspiração encontrou respaldo na jurisprudência, por meio de um julgado
proferido pela Corte de Cassação de Paris, no ano de 1841, segundo o qual os
artigos 1.382 e seguintes do Código Civil Francês foram interpretados no sentido de
que “Il est du devoir des chefs d’etablissements industriels de pourvoir complètement
à la sûreté des ouvriers qu’ils emploient”
22
.
Isso significa que:
Le règle selon laquelle jugement le tribunaux se donne avec deux
caractéristiques immédiates. Elle ne pose pas seulement à l’égard du
patron une obligation pour ainsi dire negative de ne pas nuire à
autrui, une obligation de prudence, mais une obligation positive, de
dévouement: Il doit veiller à la securité de ses ouvriers; Il doit prendre
toutes les précautions; Il doit les premunir contre leur imprudence; Il
doit assurer à ses ouvriers secours, protection, securité et garantie
23
.
Esse movimento, de crítica à teoria da culpa, teve como partidário um jurista
criminalista, Karl Binding, que realizou um estudo aprofundado acerca da teoria da
responsabilidade civil subjetiva. Para este, o simples fato de uma pessoa ter
causado o dano, obrigava-a à reparação. Ou seja, a obrigação de reparar o dano era
decorrente de uma relação de causalidade.
Na França, esse mesmo movimento, de crítica à teoria clássica da
responsabilidade civil, teve participantes de relevo, dentre os quais Saleilles e
Josserand.
21
Ibidem, p. 232.
22
Ibidem, p. 233.
23
Ibidem, p. 234.
12
O sistema proposto por Raymond Saleilles consistia em se admitir a
responsabilidade sem culpa com fundamento no próprio Código Civil Francês. Para
ele, deveria ocorrer a substituição do elemento culpa pelo da causalidade, mediante
a interpretação objetiva da palavra “faute” constante no artigo 1.382 do Código Civil
Francês.
Dessa forma, o termo “faute” designaria o próprio fato causador do dano e
não o elemento psíquico do agente. Para ele, ao invés de se perquirir a culpa do
agente, deve-se averiguar a relação de causalidade entre o fato e o dano. Sua teoria
foi amplamente exposta na obra Les accidents de travail et la responsabilité civile.
Posteriormente, Saleilles fez uma análise das interpretações jurisprudenciais
da Corte Superior do Canadá, em seu livro La responsabilité du fait des choses
devant la Cour Supérieure du Canadá. Em tal obra, analisou que, em um primeiro
momento, os juízes canadenses admitiam a aplicação da teoria da responsabilidade
civil fundada na culpa. Contudo, começaram com o tempo a inverter o ônus da prova
e, ao fim, no ano de 1909, passaram a admitir a responsabilidade pelo fato da coisa,
como uma presunção legal absoluta, sem admissão de prova em contrário
24
.
Saleilles não negava a teoria fundada na culpa, mas para ele algumas
situações não mais poderiam ser solucionadas com base em tal fundamento. A
questão não é mais a de aplicar uma pena, mas a de saber quem suportará os
24
Segue ntese feita por José de Aguiar Dias sobre a exposição dos fatos e a fundamentação
utilizada pela Corte Suprema do Canadá: Tratava-se de um empregador de uma fábrica, onde era
encarregado de cuidar de um determinado forno, que explodira, causando-lhe cegueira. A decisão de
primeira instância entendeu que o forno causador do dano estava sob a guarda da companhia e que,
portanto, era esta responsável. O Tribunal de revisão discordou. Encarregado da guarda da coisa era
a vítima, que estava obrigada a dar prova de culpa da companhia e não havia feito. Por sua vez, o
Tribunal de Apelação, quanto ao fato, decidiu que havia culpa da companhia e que, de direito, não
havia a necessidade de prová-la, porque se presume, uma vez demonstrado que o forno estava sob
sua guarda. O Chief Justice, Sir Charles Fitzpatrick, na Corte Suprema, declarou que, em sua opinião,
o forno estava sob a guarda do empregador, que o utilizava em seu proveito e que obtinha lucro do
risco que havia criado. Aquele que percebe as utilidades no uso da coisa da máquina suscetível de
causar dano a terceiros está obrigado a reparar o prejuízo que esta máquina cause. Ubi
emolumentun, ibi onus. [...] Mostra que é impossível conceber a culpa nas coisas inanimadas e que,
assim, tal como empregada no art. 1.054, § 1º, não pode significar exclusivamente um ato ilícito, mas
expressa em verdade jurídica encontrada em todas as legislações:nada do que pertence a alguém
pode impunemente causar dano a outrem’. Assim, a parte que tem sob a sua guarda a coisa não
pode não ter conhecimento do defeito da construção, nem do meio de utilizar-se dele. Não importa: é
sempre responsável pelos danos por ela causados. [...] É categórico: ‘Não se trata de culpa. O fato da
tutela ou da vigilância é o único motivo que estabelece a responsabilidade’.” (Da responsabilidade
civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 74/75)
13
danos causados em uma sociedade cujos riscos são inerentes. E, assim, algumas
atividades criadoras de riscos implicariam para os que as exercem os encargos
destes riscos.
Segue a transcrição, no original, do raciocínio desenvolvido por Saleilles:
On oublie qu’il ne s’agit plus de condamner à une peine mais de faire
supporter un risque. […] La vie moderne, plus que jamais, est une
question de risque. […] La question n’est pas d’infliger une peine,
mais de savoir qui doit supporter le dommage, de celui qui l’a causé
ou de celui qui l’a subi. [...] Ce n’est plus à proprement parler une
question de responsabilité mais une question de risques: qui doit les
supporter? Forcément, en raison et en justice, Il faut que soit celui qui
en agissant a pris à sa charge les conséquences de son fait et de son
activité [...]
25
.
Outro crítico da teoria da responsabilidade civil subjetiva, de grande
expressão, foi Louis Josserand
26
, cujas idéias foram sintetizadas na conferência
publicada sob o tulo Évolutions et actualités. Para Josserand, estamos no século
do automóvel, do avião e da mecanização universal, atividades estas que
ocasionam inúmeros riscos. E, desse modo, se não como afastarmos os riscos,
ao menos que estes sejam cobertos por aqueles que os deram causa.
Propõe que não haja mais uma hermenêutica literal dos dispositivos do
Código Civil Francês, mas sim uma interpretação adequada à evolução em que atua
a responsabilidade civil, em consonância com a ordem social.
Josserand acredita que, com isso, convém abandonar para algumas
situações a idéia da culpa, para admitir que responsabilidade não somente
oriunda de atos culposos, mas por atos que simplesmente causaram um dano
injusto. Portanto, criado o risco e ocasionado um dano injusto a terceiros, aquele que
o criou (o risco) responde.
Por outro lado, o movimento de crítica à teoria subjetiva também teve seus
opositores. Os irmãos Mazeaud
27
foram ferrenhos defensores da permanência da
25
EWALD, François. L’etat providence. Paris: Grasset, 1986. p. 352/353.
26
Apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.
77/82.
27
Apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.
14
responsabilidade fundada na culpa, sustentando ser esta o elemento imprescindível
para a responsabilização de alguém. Para eles, constitui uma injustiça imputar a
quem tenha tido um comportamento irrepreensível as conseqüências da reparação
de um dano.
Assim, embora houvesse uma insatisfação gerada pela aplicação da teoria
subjetiva, também havia uma resistência à aplicação da teoria objetiva, de modo que
houve uma fase intermediária entre uma e outra, consistente na extensão, por parte
da doutrina e da jurisprudência, do conceito de culpa.
No início, havia grande conotação moral no conceito de culpa, muito
influenciado pelo Direito Canônico com a idéia de pecado. Com o tempo, contudo, o
conceito de culpa divorciou-se de sua conotação moral, deixando de levar em
consideração as condições e a capacidade do próprio agente (culpa em concreto),
passando a ser considerado em abstrato
28
.
Para que fosse caracterizada a culpa em concreto, deviam ser consideradas
as características do próprio autor do dano, levando em conta a sua consciência, as
suas condições pessoais, a sua capacidade de compreensão. Havia elevado grau
de subjetivismo em seu conceito.
Gradativamente, diante das dificuldades em se demonstrar as condições
pessoais do agente (o seu estado de ânimo), foi perdendo espaço a culpa analisada
em concreto, e ganhando espaço, por sua vez, a denominada culpa objetiva.
A culpa em abstrato, também denominada de “culpa objetiva” ou “culpa
normativa”, funda-se em uma comparação objetiva com um modelo geral de
comportamento eleito pelo legislador, o parâmetro do bonus pater familias (homem
médio).
85/89.
28
Como ponderam Geneviève Viney e Patrice Jourdain, para apuração da culpa, o juiz “peut hésiter
entre deux méthodes. Soit il choisit de se référer à un type abstrait, à un modèle de conduite
prédéterminé et il évite de tenir compte des particularités affectant la personnalité et la situation de
celui dont il juge la conduite: on dit alors qu’il amploie la méthode d’appréciation in abstracto. Soit, au
contraire, il cherce à prendre en considération toutes les circonstances concrètes, y compris celles qui
touchent au caractère et aux aptitudes de la personne dont il analyse le comportement: c’est ce qu’on
appelle apprécier in concreto.” (Traité de droit civil. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1998. p. 350)
15
Consoante pondera Anderson Schreiber:
Se, por um lado, a concepção objetiva (ou normativa) da culpa
atenua, intensamente, as dificuldades inerentes à sua demonstração,
por outro e, a rigor, exatamente por essa razão implica um
flagrante divórcio entre a culpa e sua tradição moral. O agente não é
mais tido em culpa por ter agido de forma reprovável no sentido
moral, mas simplesmente por ter deixado de empregar a diligência
social média, ainda que sua capacidade se encontre aquém deste
patamar. Em outras palavras, o indivíduo pode ser considerado
culpado ainda que tenha feito o seu melhor para evitar o dano
29
.
Para muitos autores, a adoção da culpa in abstracto pelos Tribunais consiste
em não mais perquirir o elemento psíquico daquele que praticou o ato danoso,
sendo, na verdade, o início da concepção objetivista da responsabilidade civil.
Outro artifício utilizado pela doutrina e jurisprudência, para que a
responsabilidade civil subjetiva continuasse a ser aplicada, mas que, por outro lado,
houvesse a satisfação das vítimas, foi a adoção das “presunções de culpa”.
Pela teoria da “culpa presumida”, o fundamento da responsabilidade civil
continuava a ser a culpa, contudo, não mais se exigia que a vítima fizesse a prova
de que o autor do dano agiu culposamente. Ou seja, na culpa presumida, a
responsabilidade continua a ser subjetiva, entretanto, uma inversão em relação
ao ônus probatório, a fim de facilitar a reparação da vítima.
Esse foi um estágio intermediário entre a responsabilidade subjetiva e a
objetiva, que, “em face da dificuldade de se provar a culpa em algumas situações
e da resistência dos autores subjetivistas em aceitar a responsabilidade objetiva, a
culpa presumida foi o mecanismo encontrado para favorecer a posição da vítima”
30
.
A presunção de culpa foi amplamente aplicada pela jurisprudência francesa
na teoria do fato da coisa, extraída do artigo 1.384, parágrafo 1º, do Código Civil
Francês. Por esta teoria, o homem é responsável pelas coisas que estão sob sua
29
Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 35/36.
30
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p.
60.
16
guarda, cabendo a ele impedir que elas (as coisas) causem danos a terceiros.
Pelo entendimento dado pela doutrina e jurisprudência, não se deve perquirir
a culpabilidade do guardião na hipótese de a coisa lesar terceiros, pouco importando
se agiu com negligência ou imprudência na guarda da coisa. Consoante ressalta
Alvino Lima, “o simples fato da existência de dano causado pela coisa demonstra
que a mesma escapou ao controle de seu guarda, verificando-se, assim, a violação
da obrigação legal de guarda da coisa”
31
.
Célebre foi o julgado francês, datado de 13 de fevereiro de 1930, oriundo da
Corte de Cassação de Paris, o qual, revertendo o entendimento de 1ª Instância,
proclamou a responsabilidade do guardião da coisa, pela ausência de comprovação
da ocorrência de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou de
terceiro. A expressão utilizada em tal aresto era a de “presunção de
responsabilidade”, no sentido de não mais se perquirir o elemento culpa, tratando-
se, em verdade, de uma responsabilidade objetiva, baseada na idéia do risco
32
.
As hipóteses de “presunção de culpa” podem ser classificadas em (i) a
presunção juris tantum: uma presunção que pode ser elidida mediante prova em
contrário; e (ii) presunção juris et de jure: não se admite prova em contrário, o que
leva a crer pela adoção da teoria objetivista.
As presunções absolutas de culpa, a rigor, tratavam-se já de responsabilidade
objetiva, o que os defensores da teoria subjetivista recusavam-se a admitir. Tratava-
se de um mero artifício para não se admitir o critério objetivo. Era, na verdade, uma
“farsa jurídica”, com o intuito de que permanecesse a responsabilidade tendo como
fundamento a culpa
33
.
31
Culpa e risco. São Paulo: RT, 1998. p. 79.
32
Assim proclamava o julgado: “Attendu que la présomption de responsabilité établie par cet article à
l’encontre de celui qui a sous sa garde la chose inanimée qui a cause un dommage à autrui ne peut
être détruite que par la preuve d’un cas fortuit ou de force majeure ou d’une cause étrangère qui ne lui
soit pas imputable; qu’il ne suffit pas de prouver qu’il n’a commis aucune faute ou que la cause du fait
dommageable est demeurée inconnue. [...] La loi pour l’application de la présomption qu’elle édicte ne
distingue pas suivant que la chose qui a causé le dommage était ou non actionnée par la main de
l’homme, et il n’est pas nécessaire que la chose ait un vice inhérent à sa nature et suscetible de
causer le dommage, l’article 1384 rattachant la responsabilité à la garde de la chose, non à la chose
elle-même.”
33
“Ideologicamente, a presunção de culpa representava uma solução intermediária, que impedia as
injustiças perpetradas pela severa exigência da prova da culpa, ao mesmo tempo em que negava
17
Alvino Lima, ao comparar a presunção de culpa juris et de jure com a
responsabilidade objetiva, afirma que ambas levam o agente do fato danoso à
reparação, sem a discussão possível sobre a ausência de culpa. A seu ver, a culpa
presumida, sem permitir a prova em contrário, é, sem dúvida alguma, uma simples
ficção de culpa, que não tem outra função senão a de permitir a manutenção de uma
posição insustentável dos que persistem na aplicação da teoria clássica da
responsabilidade civil para toda e qualquer situação
34
.
Com o tempo, passou-se a firmar o entendimento de que a demonstração da
culpa do ofensor, em algumas hipóteses, somente podia ser considerada como “filtro
da responsabilidade civil” ou “filtro da reparação”, justamente “por funcionarem como
óbices capazes de promover a seleção das demandas de ressarcimento que
deveriam merecer acolhida jurisdicional”
35
.
Surgiu, a partir disso, a necessidade de se buscar uma nova fórmula para se
contrapor à desigualdade entre a vítima e o agente do fato danoso. Não se podia
mais conceber que uma sociedade industrializada, em que se buscava desenvolver
a sua função indenitária, ainda estivesse atrelada a uma responsabilidade somente
fundada na culpa.
Conforme pondera Suzanne Carval:
Age d’or de la responsabilité sanctionnatrice donc, mais qui, selon les
auteurs contemporains, n’avait aucune chance de se prolonger au-
delà de la fin du 19ème siècle, tant l’évolution du droit de la
responsabilité au cours du 20ème devait se montrer contraire à la
persistance de la primauté de la faute. Comment imaginer, énoncent-
ils, qu’une discipline contrainte de s’adapter au nouveau contexte des
sociétés industrielles et donc tênue de développer de façon intensive
sa fonction indemnitaire, eut pu rester atachée aux conceptions
classiques relatives à son fondement alors même que, sous le coups
acolhida à teoria do risco como novo fundamento da responsabilidade. Na prática, todavia, as
presunções de culpa foram passando, por meio da atuação jurisprudencial, de presunções relativas
para presunções absolutas, de tal modo que o juiz, ao final, presumia de forma tão definitiva a
culpa do ofensor que isso equivalia a dispensá-la para fins de responsabilização.” (SCHREIBER,
Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 30)
34
Culpa e risco. São Paulo: RT, 1998. p. 76.
35
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. p.
11.
18
de butoir de la pression sociale, doctrine et jurisprudence faisaient
voler en éclats le traditionnel “pas de responsabilité sans faute”? Des
lors que le perfectionnement indemnitaire de la responsabilité
conduisait à admettre, puis à multiplier, le cas de responsabilité
fondés sur l’idée du risque ou de la garantie, il était inéluctable que
l’on assistat au déclin correlatif de la fonction moralisatrice, celle-ci
étant en quelque sorte sacrifiée sur l’autel de la réparation
36
.
Materializou-se a noção de responsabilidade no sentido de não mais procurar
o elemento subjetivo, passando o foco a ser a reparação do dano causado,
independentemente da prática de uma conduta antijurídica
37
. Conforme sustenta o
argentino Carlos A. Ghersi, “La idea se centra no ya en sancionar o castigar al autor
de la conducta antijurídica, sino en la necesidad de que el daño sea reparado, esto
es, resarcir a la victima del daño sofrido, independientemente de la cuestión de su
ilicitud.”
38
Diversos foram os fatores que ensejaram a objetivação da responsabilidade,
dentre os quais se pode citar o progresso econômico-social decorrente das grandes
indústrias, das invenções modernas, da multiplicação das causas do acidente, do
aumento da população, etc.
Houve uma transformação radical da sociedade no século XIX, com a
Revolução Industrial e a mecanização das atividades humanas, e no século XX, com
o progresso tecnológico, de modo que os danos não mais são imprevisíveis, eles
são estatisticamente conhecidos, como observa Patrice Jourdain:
La révolution industrielle et la mécanisation des activités humaines a
engendré une formidable multiplication en meme temps qu’une
aggravation des dommages. Le phénomène s’est encore amplifié au
XXe siècle avec les progrès technique: aujourd’hui, la machine est
partout et l’homme est de plus en plus fréquemment victime de ses
défaillances. […] La notion de dommage accidental au sens du
dommage essentiellement fortuit qui n’est que la réalisation d’un
36
Responsabilité civile dans sa function de peine privée. Paris: L.G.D.J., 1995. p. 3.
37
Nesse mesmo sentido sustentam Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin
de Moraes: “A propagação da responsabilidade objetiva no século XX, através da adoção da teoria do
risco, comprova a decadência das concepções do individualismo jurídico para regular os problemas
sociais. A multiplicação de acidentes, ditos anônimos, que deixavam a vítima completamente
desassistida, fez com que, progressivamente, passasse a se atribuir responsabilidade não apenas em
razão da manifestação culposa ou dolosa, mas também em decorrência da atividade exercida (e dos
benefícios dela obtidos), através das noções de risco-proveito e risco-criado.” (Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. II, p. 805)
38
Teoría general de la reparación de daños. Buenos Aires: Astrea, 1997. p. 144.
19
risque de l’activité humaine a connu um développement
spectaculaire. Elle est aujourd’hui relayée par des noveaux concepts,
tels que les préjudices sériels ou de masse, qui apparaissent lorsque
ces dommages touchent um nombre élevé des victimes et prennent
parfois par leur ampleur des allures catastrophes. Le droit se trouve
ainsi confronté aux difficultés nées du besoin d’indemnisation de ces
nouveaux dommages
39
.
E, com isso, houve uma reformulação da teoria da responsabilidade civil,
passando a ser consagrada a idéia de que todo risco deve ser garantido. Cada
pessoa deve responder pelos riscos oriundos de sua atividade, seja ela culposa ou
não.
Baseia-se no princípio segundo o qual a pessoa que se aproveitar dos riscos
ocasionados deverá arcar com as suas conseqüências. Não seria justo, nem lógico,
que a vítima, que não contribui para a ocorrência dos danos e nem aufere lucros
com estes, suportasse os prejuízos oriundos destes.
A responsabilidade objetiva funda-se no princípio de equidade, segundo o
qual aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas
desvantagens dela resultantes. Visa-se à reparação do dano, prescindindo do
elemento culpa como fator de atribuição de responsabilidade. A idéia não é
sancionar o autor do dano, mas sim que o prejuízo seja reparado, isto é, ressarcir o
dano sofrido pela vítima, independentemente da questão acerca da licitude da
conduta.
As legislações dos mais diversos países passaram a consagrar, em seus
ordenamentos jurídicos, a responsabilidade objetiva, especialmente em matéria de
automóveis, em razão do aumento dos riscos oriundos de tais máquinas.
A Dinamarca, no ano de 1906, elaborou uma das primeiras leis, aplicando a
responsabilidade objetiva aos danos oriundos de acidentes automotivos.
Disposições semelhantes surgiram na Áustria (1908), Alemanha (1909) e Itália
(1912).
Críticas ferrenhas foram deferidas à responsabilidade objetiva pelos
39
Les principes de la responsabilité civile. 7. ed. Paris: Dalloz, 2007. p. 10.
20
defensores da teoria clássica da responsabilidade civil, fundada na culpa.
Argumentavam que se tratava de uma teoria materialista, desprezando as
pessoas, regulando apenas as relações entre os patrimônios. Na medida em que
despreza o elemento culpabilidade, de nada mais adianta a prudência e a diligência
do homem, que deverá ressarcir os danos causados por sua conduta lícita ou
ilícita. A teoria objetiva retorna aos tempos primitivos, negando toda a evolução da
responsabilidade civil. Sustentavam, ainda, que os conceitos em que se funda a
teoria objetiva são demasiadamente vagos, não existindo uma concepção, com
clareza, do que venha a ser proveito e risco.
Entre nós, um dos maiores defensores da teoria da responsabilidade objetiva
foi o Professor Alvino Lima, tendo apresentado a sua tese Da culpa ao risco, no ano
de 1938, em um concurso da Faculdade de Direito de São Paulo, reeditada
posteriormente, no ano 1960, sob o título Culpa e risco.
Ao sustentar o seu posicionamento, refutando as críticas à teoria objetiva, os
seus argumentos poderiam ser sintetizados da seguinte forma: (i) a teoria objetiva
jamais poderia ser concebida como materialista, já que encontra respaldo nos
princípios de justiça e equidade; (ii) quando se considerava a presunção absoluta da
culpa, ao não se admitir a prova em contrário, nada mais se fazia do que reconhecer
a concepção objetiva da responsabilidade; (iii) a doutrina do risco não afetou o
desenvolvimento econômico das empresas, pois estas passaram a incluir em seus
passivos as conseqüências de tais riscos; (iv) a teoria objetivista é fundada na moral
e equidade, uma vez que atende ao clamor em favor das vítimas de acidentes,
multiplicados em virtude do desenvolvimento das máquinas e das indústrias; (v) ao
se alegar que a teoria do risco não oferece um princípio definido, igual assertiva
pode ser feita em relação à responsabilidade subjetiva, pois alguns autores até
mesmo se recusam a conceituar a culpa em razão de sua imprecisão e vagueza
40
.
Em que pese a incorporação da responsabilidade objetiva, esta o aniquilou
a responsabilidade subjetiva. Muito pelo contrário, pois se verifica na atualidade a
coexistência da responsabilidade fundada na culpa com aquela considerada
40
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 90.
21
objetiva.
Isto porque, a despeito de a responsabilidade fundada sobre o risco ser
plenamente justificável na atualidade, não se pode lhe atribuir função exclusiva,
devendo a responsabilidade civil objetiva conviver harmoniosamente com a
responsabilidade fundada na culpa, sem que uma cause o extermínio da outra.
1.2 A EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E A SUA CONEXÃO COM O
SEGURO
Como sustentado, em algumas situações, impõe-se a aplicação da
responsabilidade civil objetiva, a fim de que se prevaleça a efetiva reparação dos
danos causados à vítima.
A sociedade progrediu, exigindo a evolução conjunta do Direito, pois este visa
regular as relações humanas. A constante modificação, ao longo dos anos, é uma
característica inerente a todos os institutos jurídicos e não exclusividade do instituto
da responsabilidade civil.
Essa mutação é ressaltada por Eroulths Cortiano Junior:
Determinada comunidade, em determinado momento histórico, elege
certos valores que pretende dignos de proteção, que se através
do ordenamento jurídico regente da vida em sociedade.
No âmbito do direito privado deixa-se (rectius: está se deixando)
atrás a velha concepção de patrimonialismo, marcante nas
codificações que praticamente atravessaram este século. O direito
civil deixa de ser marcado pela propriedade, contrato, testamento,
família. Uma contemporânea visão do direito procura tutelar não
apenas estas figuras pelo que elas representam em si mesmas, mas
deve tutelar certos valores tidos como merecedores de proteção: a
última ratio do direito é o homem e os valores que traz encerrados
em si
41
.
41
Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. In: FACHIN, Luiz Edson
(Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. p. 32.
22
O direito contratual na atualidade não é mais examinado da mesma forma que
o era anteriormente. Não pode mais ser apreciado somente sob o manto do pacta
sunt servanda, mas com supedâneo nos novos princípios contratuais, sejam eles o
da boa-fé objetiva, o da função social do contrato e o do equilíbrio contratual.
O mesmo ocorre com o direito de propriedade, que este instituto deixou de
ser encarado apenas sob o ponto de vista de seu titular, devendo atender à função
social da propriedade, isto é, aos interesses da coletividade.
O direito de família também sofreu mutações evidentes, havendo atualmente
o prestígio das relações afetivas, de modo que se presta segurança jurídica a todas
as formas de constituição de família, sejam as monoparentais, a união estável, o
casamento.
E o mesmo se deu com o instituto da responsabilidade civil. Aliás, chega-se a
afirmar que foi o instituto que mais se modificou ao longo dos anos, que mais
controvérsias gerou na doutrina e na jurisprudência e que esse é um caminho sem
volta, na medida em que, cada vez mais, as relações jurídicas tornam-se mais
complexas, exigindo respostas na mesma altura do Direito.
A partir da Revolução Industrial agravaram-se enormemente os riscos aos
quais as pessoas estavam sujeitas, o que teve reflexo imediato no instituto da
responsabilidade civil, em especial com três conseqüências visíveis: (i) expansão
dos danos suscetíveis de reparação; (ii) objetivação da responsabilidade; (iii)
coletivização da reparação
42
.
Com a ampliação dos danos suscetíveis à reparação, busca-se de forma
crescente conceder à vítima a mais ampla e efetiva reparação. Em decorrência da
objetivação da responsabilidade civil, em algumas situações, imputa-se a alguém o
dever de reparação mesmo que não tenha agido com culpa. com a coletivização,
transferem-se para a coletividade de pessoas, que exercem uma mesma atividade,
os riscos gerados por esta, contexto este em que se desenvolve o seguro.
42
NORONHA, Fernando. Desenvolvimentos contemporâneos da responsabilidade civil. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 761, p. 31, 1999.
23
O instituto da responsabilidade civil sofreu uma transformação em seu escopo
fundamental, no sentido de este não visar mais a penalização do ofensor, mas sim a
reparação dos danos causados. Isto se deu, em grande parte, em razão de os riscos
integrarem a própria estrutura da sociedade, de modo que não podem mais ser
evitados, devendo ser, por conseguinte, reparados.
Para J. J. Calmon de Passos, a evolução do instituto de responsabilidade civil
deu-se por “imperativo da nova realidade sociopolítico-econômica que o capitalismo
avançado e os ganhos tecnológicos determinaram”
43
. Em razão disso, os riscos da
sociedade contemporânea estão estritamente relacionados ao desenvolvimento da
ciência, da tecnologia, da medicina, da comunicação social, de forma que, na sua
concepção, “o risco se fez integrante do próprio modo de ser da sociedade
contemporânea”
44
.
François Ewald
45
assevera que, no século XIX, a noção de risco teve uma
acentuada ampliação. Antes, o risco estava associado somente aos acontecimentos
naturais, passando-se posteriormente a relacioná-lo com fatos humanos, pois não
como haver progresso sem perdas a ele associadas (pas de progès sans
dommages associés). Segundo ele, “Dès la fin du XIX
e
siècle, le risque désigner le
mode d’être collectif de l’homme em societé: le risque est social.”
Entretanto, mesmo tendo havido uma ampliação do fundamento da
responsabilidade em prol das vítimas, não sendo mais, em algumas situações,
necessária a prova da culpabilidade do agente, ainda um entrave a ser
solucionado: a questão referente à efetiva ressarcibilidade do dano.
Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel
proclamam esta preocupação:
O declínio da importância da identificação do responsável para a
43
O risco na sociedade moderna e seus reflexos na teoria da responsabilidade civil e na natureza
jurídica do contrato de seguro. Anais do I Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho.
Coordenado pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 11.
44
Ibidem, p. 12.
45
L’etat providence. Paris: Grasset, 1986. p. 425.
24
responsabilidade civil e o crescente desenvolvimento do novo projeto
de pesquisa (o como prover indenização à vítima) levaram a doutrina
e os pretórios a identificar, sob diversos fundamentos, que a função
social da responsabilidade civil compreendia tanto a garantia da
correta apuração da responsabilidade, de interesse daquele a quem
fosse imputada, quanto a garantia da solução indenizatória, de
interesse das vítimas e da sociedade em geral
46
.
Inúmeras são as situações em que, prescindindo-se do elemento
culpabilidade, se chega mais facilmente à responsabilização do ofensor, com base
na teoria objetiva. Contudo, freqüentemente, não se consegue a efetiva reparação
do dano causado em razão da ausência de patrimônio do causador da ofensa para
ressarcir os prejuízos causados à vítima.
Nesse contexto, o instituto do seguro surge como uma solução criada em
razão da necessidade humana; como um mecanismo capaz de garantir a
reparabilidade do prejuízo causado.
Consoante salienta Arnold Wald, “a transferência do risco predeterminado
para o segurador visa a garantir o equilíbrio econômico das atividades humanas,
exonerando o industrial, transportador ou quem sofra um desfalque dos prejuízos
contra os quais fez o seguro”
47
.
O seguro tem um papel fundamental, pois soluciona a problemática quanto à
efetiva reparação do dano. Isto porque, em não raras situações, o prejuízo deixava
de ser ressarcido em virtude de o agente não possuir condições financeiras para
tanto.
Sergio Cavalieri Filho
48
ressalta que o movimento no sentido de socialização
dos riscos em razão do aumento do número de acidentes e da ausência de
patrimônio, por parte do ofensor, para reparar o dano causado deu-se em virtude de
o novo foco central do instituto de responsabilidade civil não ser mais o autor do
dano, e sim a vítima. E, nesse sentido, ele conclui que:
O dano, por esse novo enfoque, deixa de ser apenas contra a vítima
46
O contrato de seguro – Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 133.
47
Direito civil – contratos em espécie. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 3, p. 285.
48
Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 165.
25
para ser contra a própria coletividade, passando a ser um problema
de toda a sociedade. E o seguro é uma das técnicas utilizadas no
sentido de se alcançar a socialização do dano, porquanto consegue-
se, através dele, distribuir os riscos entre todos os segurados
49
.
Antes o seguro e o instituto de responsabilidade civil eram tidos como
antagônicos, pois não se cogitava em transferir a um terceiro as conseqüências
econômicas da responsabilidade, pois o principal enfoque da responsabilidade civil
era penalizar o ofensor.
Além disso, esses institutos, em razão de terem uma origem completamente
distinta, também não se comunicavam. Como salienta Carlo Castronovo
50
, o seguro
nasce de um comportamento respeitoso ao ordenamento jurídico contrato –, ao
passo que a responsabilidade civil pressupõe a antijuridicidade (responsabilidade
subjetiva) ou o dever imposto de reparação do dano de forma objetiva.
Entretanto, atualmente o seguro é visto como a solução para que se garanta o
direito do lesado a ser ressarcido, além de se evitar que o responsável torne-se uma
nova vítima, em razão do desfalque patrimonial que sofreria para a reparação do
prejuízo causado
51
. O custo do dano causado não agrava inteiramente o segurado,
recaindo quase que integralmente sobre o segurador, já que aquele apenas arca
com pequena amonta, referente ao valor do prêmio
52
.
No que tange a esse aspecto desfalque patrimonial do causador do dano –,
Silvio Rodrigues
53
pondera que, muitas vezes, pode o ofensor, embora tenha atuado
com uma culpabilidade mínima, ser obrigado a reparar um dano de grande
extensão, o que ensejaria a sua ruína financeira. E, para ele, a única maneira de “se
corrigir esse inconveniente” é por meio do contrato de seguro.
49
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
165.
50
La nuova responsabilità civile. 2. ed. Milão: Giuffrè, 1997. p. 457.
51
de ser ressaltado que esta afirmação deve levar em consideração que o segurado não sofre
desfalque patrimonial até o limite máximo previsto no contrato de seguro, na medida em que não se
pode exigir mais da seguradora do que aquilo a que ela se obrigou contratualmente.
52
No original, assim disserta Carlo Castronovo: “Dal punto di vista economico, tuttavia, l’esistenza di
un contratto di assicurazione fa che il costo del danno non gravi interamente sul responsabile, mas
quasi completamente sull’assicuratore (dedotti cioè i premi pagati) [...].” (CASTRONOVO, Carlo. La
nuova responsabilità civile. 2. ed. Milão: Giuffrè, 1997. p. 66)
53
Direito civil – responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 4, p. 4.
26
François Ewald
54
ressalta, especificamente em relação ao seguro de
responsabilidade civil, que este é mais do que simplesmente se garantir
individualmente a possibilidade de perda futura, ele se tornou um véritable devoir
social. Para ele, ser responsável na atualidade não é somente agir com prudência e
diligência, é ser consciente de seus limites e saber que falhas podem ser cometidas,
de modo que “être responsable, c’est donc s’assurer”.
Dessa forma, “a operacionalização dos seguros de responsabilidade civil, por
outro lado, acaba impulsionando o conceito da própria responsabilidade civil, e
assim reciprocamente, em uma dialética enriquecedora e complexa”
55
. Existe uma
“co-relação ou reciprocidade entre o desenvolvimento do fenômeno do seguro e as
modificações ocorridas na disciplina jurídica da responsabilidade civil”
56
.
Trata-se de uma dialética constante entre responsabilidade e seguro de
responsabilidade civil, transferindo para uma terceira pessoa (o segurador) o dever
de arcar com as conseqüências econômicas da responsabilidade atribuída a uma
pessoa, como forma de que o instituto de responsabilidade civil atinja a sua
plenitude, garantindo à sociedade que os danos causados sejam efetivamente
reparados.
Essa constatação também é feita por Anne Guégan-Lécuyer, em sua tese de
doutorado Dommages de masse et responsabilité civile, honorée par le prix Capitant
de la Chancellerie e também honorée par le prix de La Fondation A. Varenne:
La responsabilité civile doit en partie au développement de
l’assurance de responsabilité l’importance qu’elle a pu acquérir tout
au long du XX
e
siècle. L’existence d’une assurance, en garantissant
la solvabilité du responsable, a encouragé les victimes à multiplier les
demandes de réparation, autant qu’elle a incite les juges à interpreter
plus librement les conditions de la responsabilité et à pronuncer de
lourdes condamnations. Au fur et à mesure que les liens unissant la
responsabilité civile à l’assurance se renforçaient, s’instaurait entre
ces derniers une relation de dépendence qui devait conduire la
54
L’etat providence. Paris: Grasset, 1986. p. 391.
55
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro. São Paulo: RT, 2003. p. 134.
56
Apud SILVA, Rita Gonçalves Ferreira da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral
seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p.
149/150.
27
première à passes parfois sous la coupe de la seconde
57
.
No mesmo sentido disserta Geneviève Viney:
L’élargissement des causes de responsabilité au delà de la faute a eu
évidemment pour objectif et pour résultat d’englober certaines
sources de dommages que l’on designe volontiers aujourd’hui par
l’expression de ‘risques sociaux’ en particulier les risques d’accidents
corporeles dans le champ de la responsabilité. Or cette intégration
est apparue utile et opportune à partir du moment l’assurance de
responsabilité a été mise au point et proposée sur une grande
échelle. Em effet, grace à cette garantie, la fonction indemnitaire de
la responsabilité a acquis une efficacité sans commune mesure avec
cella de la responsabilité purement individuelle. En outre, elle a perdu
en grande partie son effet pénalisant. Le couple responsabilité civile –
assurance est ainsi devenu un instrument bien adapté à
l’indemnisation des dommages qui ne sont pas nécessairement
fautifs, en particulier de ceux qui résultent d’accidentes
58
.
Com a realização do seguro, não haverá a transferência da responsabilidade
para o segurador, mas somente das conseqüências econômicas dessa imputação.
Assim, aquele que causa um acidente automotivo continuará a ser o responsável
civilmente pelo prejuízo causado ao terceiro, contudo, será transferida para o
segurador a obrigação de ressarcir o dano, com observância, evidentemente, do
quanto pactuado no contrato (riscos cobertos e importância máxima segurada).
Oportuno ressaltar que o fato de existir um contrato de seguro de
responsabilidade civil não deve servir ao juiz para que seja mais “benevolente” com
a vítima do que seria caso a responsabilidade recaísse sobre uma pessoa que não
estivesse amparada por esse instrumento. Isto significa dizer que não pode ser o
julgador mais brando na aferição da culpabilidade ou mais propenso à fixação de
elevada indenização em consideração à existência do seguro.
Em suma, o seguro é o mecanismo por meio do qual se possibilita atingir a
efetiva reparação dos danos causados em uma sociedade cujos riscos são
inerentes, que, embora ensejem estes efeitos maléficos para o indivíduo em si,
são eles conseqüências do desenvolvimento que atinge o atual estágio da
humanidade.
57
Dommage de masse et responsabilité civile. Paris: L.G.D.J., 2006. p. 191.
58
Les métamorphoses de la responsabilité. Paris: Presses Universitaires de France, 1997. p. 329.
28
Como muito bem analisado em dissertação de mestrado específica sobre o
tema
59
, o seguro é um excelente exemplo de solidariedade social que se manifesta
em seu aspecto intrínseco, como também extrínseco. Intrínseco relação do
segurado com o segurador –, pois aquele realiza o contrato, em razão de seu
interesse legítimo de preservação, transferindo ao segurador as conseqüências
econômicas desfavoráveis caso o risco transforme-se em sinistro. Extrínseco no
âmbito da coletividade –, pois inúmeras pessoas submetidas aos mesmos riscos
agrupam-se por mutualismo para se garantirem das mesmas probabilidades de
danos.
O instituto do seguro, como forma de diluição dos riscos, evidencia a
transformação do “Direito da Responsabilidade” para o “Direito da Solidariedade”
60
,
expressão muito utilizada por François Ewald.
59
MOTA, Darcio José da. Cláusulas limitativas e abusivas no contrato de seguro. Dissertação
(Mestrado) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 14.
60
29
2 O CONTRATO DE SEGURO
2.1 A ORIGEM
Desde os primórdios, o ser humano tinha consciência de sua vulnerabilidade
frente ao universo e procurava, de alguma forma, precaver-se de fatalidades,
buscando minimizar os efeitos dos acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis.
A eventualidade de fatos danosos aos interesses da humanidade, conforme
ressalva Pedro Alvim, sempre existiu, que o risco é inerente à luta de integração
dos seres vivos ao meio ambiente. A expectativa de sua ocorrência acabou gerando
a atitude permanente de vigilância que constitui um dos privilégios do espírito
humano
61
.
Na origem da civilização não se tinha conhecimento do seguro, instituição
pela qual, por meio de cálculos atuariais, se poderia calcular as probabilidades de
perda, para que, mediante o pagamento do prêmio, as conseqüências econômicas
do risco fossem garantidas por uma terceira pessoa (segurador).
Contudo, o ser humano havia percebido que individualmente era muito
mais difícil e mais penoso enfrentar os infortúnios da vida, descobrindo que a
solidariedade daqueles que estavam expostos aos mesmos riscos fazia com que as
perdas fossem diluídas e os prejuízos minorados.
O seguro não teve um nascimento preciso, não foi imaginado e criado por
juristas. Ele surgiu da necessidade dos indivíduos, provocada pela instabilidade das
coisas humanas.
Como aponta Marcelo da Fonseca Guerreiro:
É devido à previdência, isto é, um olhar ao futuro, que o homem
61
O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 1.
30
procura, por intermédio do seguro, garantias contra prejuízos
econômicos que possam afetar seu patrimônio, em virtude de perda
ou diminuição de bens, ou, ainda, pelo desaparecimento ocasionado
pela morte
62
.
Antes mesmo de Cristo, o ser humano havia encontrado uma forma de
atenuar as conseqüências danosas de eventos imprevisíveis, tendo criado meios de
repartição dos prejuízos, para a redução de incertezas.
Cita-se, a esse respeito, o exemplo dos cameleiros da Babilônia, treze
séculos antes de Cristo:
[...] um grupo de cem cameleiros saía, indo de uma cidade a outra,
atravessando o inóspito deserto. Numa dessas viagens, que durava
ao menos uma semana, perdiam-se, em média, dez camelos. Ao
chegar ao seu destino, os integrantes do grupo faziam uma “conta
das despesas” e dividiam entre si os prejuízos, comprando novos
animais para os que haviam perdido os seus camelos
63
.
No Direito Romano apareceram as denominadas sodalitia ou collegia, que
eram associações de indivíduos pertencentes a classes mais humildes que se
reuniam com a finalidade de angariar meios para custear a assistência médica dos
enfermos, propiciar condições para o funeral etc. Eram, na verdade, associações de
caridade, que socorriam pessoas expostas aos mesmos riscos.
Essas associações de socorros mútuos também existiram durante a Idade
Média. Eram entidades caritativas que socorriam viúvas e órfãos, ressarcindo os
danos causados aos seus membros, em razão de incêndios, inundações, roubos e
outras calamidades públicas, sendo, dessa forma, o risco pulverizado pelo número
de participantes associados à entidade
64
.
Paralelamente a essas sociedades de caráter mais filantrópico do que
propriamente securitário, a insegurança trazida pelas viagens marítimas fez com que
houvesse a preocupação com os riscos aos quais os barqueiros estavam expostos.
62
Seguros privados. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 8.
63
GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Contratos internacionais de seguros. São Paulo: RT,
2002. p. 15.
64
MARENSI, Voltaire. O contrato de seguro à luz do novo Código Civil. Porto Alegre: Síntese,
2002. p. 11.
31
Assinala Renato Macedo Buranello que “os mercadores foram adquirindo
noção econômica sobre os riscos das viagens, que se repetiam com maior
freqüência. Inerentes à atividade comercial, essas especulações deram origem a um
sistema de cobertura de riscos”
65
.
Ainda no Direito Romano, surgiu o “Contrato de Dinheiro e Risco Marítimo”.
De acordo com este, havia a figura de um financiador que emprestava dinheiro ao
navegador, correspondente ao valor da embarcação e das mercadorias. Na hipótese
de não-ocorrência de nenhum acidente, o dinheiro deveria ser devolvido ao
financiador com o acréscimo de juros. Caso ocorresse algum sinistro, fosse com a
embarcação, fosse com as mercadorias, nada seria cobrado do navegador.
Era o denominado nauticum phoenus romano, que era um contrato
absolutamente aleatório, de extrema relevância para a navegação, na medida em
que financiava os barqueiros, dando-lhes uma garantia contra os infortúnios do mar.
No entanto, a Igreja Católica acabou por caracterizar tal contrato como
destinado à prática de usura, tendo sido proibida a sua celebração pelo decreto
baixado pelo Papa Gregório IX, no ano de 1234. Assim assinala Nelson Borges:
[...] chegando (a Igreja Católica) ao ponto extremo de considerá-lo
como sacrilégio, uma vez que, pelos cânones da doutrina cristã,
apenas a vontade divina poderia minorar os infortúnios e as
desgraças do homem, classificando como corolário desse
raciocínio o chamado seguro marítimo de garantia náutica como
abusivo, conseqüente ao que considerou como prática usurária
66
.
A fim de se esquivar da proibição, foram adotados expedientes para simular a
operação. O contrato de dinheiro e risco marítimo foi transformado em um contrato
de compra e venda, mediante o qual o banqueiro comprava a embarcação e os bens
nela transportados. Sobrevindo algum sinistro, o navegador ficava com o dinheiro e
o banqueiro com o prejuízo. Se nada ocorresse com a carga ou com as
mercadorias, o navegador rescindia o contrato de venda, ficando com o bem, e
65
Do contrato de seguro. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 24/25.
66
Os contratos de seguro e sua função social. A revisão securitária no novo Código Civil. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 826, p. 25, ago. 2004.
32
pagava uma multa ao banqueiro.
Com o passar do tempo, foi-se apercebendo que a garantia contra os riscos
poderia ser contratada separadamente, não havendo a necessidade de ter um
adiantamento em dinheiro, bastando a promessa de pagamento, caso ocorresse o
sinistro
67
. No século XIV apareceram os primeiros documentos referentes ao seguro,
embora as suas operações ainda fossem muito similar as do contrato de compra e
venda
68
.
No ano 1350, foram publicadas as “Ordenanças de Barcelona”, as quais
destinavam inúmeros dispositivos ao contrato de seguro, tendo sido, inclusive,
criado um tribunal especializado para julgamento da matéria. Nessa época ainda
não existia a base técnica para o cálculo das probabilidades, não havendo precisão
entre o quanto era cobrado a título de contraprestação para a garantia do risco e o
quanto era pago em decorrência de sinistros.
As operações de seguro eram feitas com seguradores individuais e não por
sociedades seguradoras, de modo que a capacidade de assumir riscos era bastante
reduzida. Vários seguradores individuais integravam um mesmo contrato, assumindo
cada qual uma parte da responsabilidade, operação esta denominada de co-
seguro
69
.
No século XV também existia a operação de resseguro
70
. Os seguradores
individuais, ao invés de subscreverem uma mesma apólice assumindo cada qual
uma parte da responsabilidade, passaram a adotar o sistema de resseguro. Apenas
um segurador assume o todo perante o segurado, obrigando-se integralmente pela
67
ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 23.
68
Ibidem, p. 27.
69
“Co-seguro – É a operação que consiste na repartição de um mesmo risco, de um mesmo segurado,
entre duas ou mais seguradoras, podendo ser emitidas tantas apólices quanto forem as seguradoras
ou uma única apólice, por uma das seguradoras denominada, neste caso, seguradora líder, não se
verificando, ainda assim, quebra do vínculo do segurado com cada uma das seguradoras que
respondem, isoladamente, perante ele, pela parcela da responsabilidade que assumiram.”
(Dicionário de seguros. Rio de Janeiro: Funenseg, 1996. p. 47)
70
“Resseguro Operação pela qual o segurador, com o fito de diminuir sua responsabilidade na
aceitação de um risco considerado excessivo ou perigoso, cede a outro ressegurador uma parte da
responsabilidade e do prêmio recebido. O resseguro é um tipo de pulverização em que o segurador
transfere a outrem, total ou parcialmente, o risco assumido, sendo, em resumo, um seguro do
seguro.” (Dicionário de seguros. Rio de Janeiro: Funenseg, 1996. p. 119)
33
responsabilidade assumida, e repassa parte de sua responsabilidade a um
ressegurador.
Sob o ponto de vista do segurado, a operação de resseguro oferecia mais
vantagens do que a de co-seguro, pois, na hipótese de eventual litígio, permitia-se
ao segurado acionar apenas um segurador, não havendo a necessidade de acionar
todos os seguradores que subscreviam a apólice, como ocorria no caso de co-
seguro.
As grandes expedições marítimas no século XVI tiveram repercussão no setor
de seguros, havendo uma evolução na técnica operacional, pois tinha relevância o
papel desempenhado pela atividade securitária no que se refere à expansão das
rotas marítimas.
Foi somente na época da Revolução Industrial (século XVII), na Inglaterra,
que houve o surgimento do primeiro contrato de seguro terrestre. Foi nesse período,
mais precisamente no ano de 1666, que um evento ocorrido na cidade de Londres,
um incêndio que provocou a destruição de mais de 13 mil residências e igrejas,
propiciou o surgimento dos contratos de seguro contra incêndio. No ano de 1684
surgiu a primeira companhia de seguros do mundo contra incêndio.
Consoante assevera Pedro Alvim, foi somente esse incêndio que “despertou a
opinião pública para o perigo desse risco nas grandes aglomerações urbanas e
estimulou a criação das primeiras seguradoras para sua exploração”
71
.
Foi também no século XVII que se registrou o surgimento dos primeiros
contratos de seguro de vida, baseados em estudos atuariais, com a elaboração de
tábuas de mortalidade.
Havia grande resistência e preconceito no que tange ao seguro de vida, pois
“entendia-se que era imoral alguém lucrar com a morte de outrem. Admitia-se,
apenas, o seguro de escravos, conforme a estipulação no Código Comercial [...].”
72
71
O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 36.
72
POLIDO, Walter Antonio. O contrato de seguro em face da nova perspectiva social e jurídica.
Dissertação (Mestrado) Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008.
34
No século XVIII, além dos seguros de incêndio e de vida, surgiram outras
modalidades de seguros terrestres, com fundamento em basescnicas (cálculos de
probabilidade), ensejando o progresso da atividade securitária. Para que um risco
pudesse ser objeto de um contrato de seguro, bastaria que um grande número de
pessoas estivesse exposto a esse mesmo risco, a fim de que este fosse submetido a
“Lei dos Grandes Números”, lei de estatística criada por um matemático, Jakob
Bernoulli, no século XVI, segundo a qual o que é imprevisível nos pequenos
números de ocorrências é perfeitamente quantificável nos grandes números.
No século XIX, no ano de 1807, houve a publicação do Código Comercial
Francês, dispensando inúmeros dispositivos ao contrato de seguro marítimo. A
primeira regulamentação acerca do seguro terrestre veio em 1838, no Código
Comercial da Holanda.
No Brasil, a atividade securitária somente teve início com a vinda da família
Real ao país no ano de 1808, ocasião em que houve a abertura dos portos ao
comércio internacional, em virtude da necessidade de proteger as embarcações
marítimas.
O primeiro segurador nacional foi a Companhia de Seguros Boa-Fé, a qual
comercializava única e exclusivamente seguros marítimos. A atividade de seguros
era fiscalizada e regulada pela Casa de Seguros de Lisboa, sendo exercida com
fundamento nas leis portuguesas.
A lei que regulamentou a competência da Casa de Seguros de Lisboa foi
aprovada em 1791 e dispunha acerca das condições para alguém exercer a
atividade de segurador. De acordo com a referida norma, poderiam exercer as
funções de segurador todos os negociantes, nacionais e estrangeiros, de boa fama e
p. 30.
35
crédito, inscritos na Casa de Seguros de Lisboa
73-74
.
Após a proclamação da Independência, no ano de 1822, continuavam em
vigor no país as leis portuguesas, dentre as quais a “Lei da Boa Razão”, segundo a
qual, além da aplicação das normas emanadas da Casa de Seguros de Lisboa,
poderiam ser aplicadas no Brasil as leis dos países com os quais se mantivesse
intercâmbio comercial ou cultural.
Com a promulgação do digo Comercial, em 1850, houve um expressivo
desenvolvimento do seguro no Brasil, com o aparecimento de novos seguradores,
não obstante esta legislação apenas regulamentasse o seguro marítimo. No ano de
1853, surgiu o primeiro segurador que comercializava de seguros terrestres
(interesse público) e, no ano de 1855, o primeiro que celebrava seguro de vida
(tranqüilidade). Predominavam os seguradores do ramo de seguro marítimo, de
incêndio e de vida.
Diante do aumento do número de seguradores no país, iniciou-se uma
preocupação de regulamentação do setor, tendo o governo promulgado decretos
que estabeleciam a obrigatoriedade de estes apresentarem seus balanços e
também de pleitearem autorização para funcionamento. O primeiro segurador
estrangeiro autorizado a funcionar foi a “Garantia da Cidade do Porto Companhia
de Seguros”, no ano de 1862.
No século XX, mais especificamente no ano de 1901, foi criada, por
intermédio do “Regulamento Murtinho”, como ficou conhecido, a Superintendência
Geral de Seguros, vinculada ao Ministério da Fazenda, cuja finalidade era a
fiscalização do setor securitário.
Por esse regulamento, também ficou estabelecido que todo o prêmio
73
A regulamentação estabelecia que “todos os negociantes de boa fama ou crédito instalados em
Lisboa e demais cidades do Reino, nacionais ou estrangeiros, podiam subscrever as apólices, desde
que tivessem seus nomes inscritos na Casa de Seguros de Lisboa e se submetessem ao seu
regulamento.” (ALBERTI, Verena. Entre a solidariedade e o risco: a história do seguro privado no
Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 24)
74
In: MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT,
1984. v. XLV, Título L § 4911, p. 279.
36
arrecadado, seja por parte dos seguradores nacionais, seja por parte dos
estrangeiros, deveria ser aplicado em território nacional. A razão para essa
determinação era a de que a grande maioria dos seguradores que operavam no país
era estrangeira, pois os nacionais não possuíam condições de assumir grandes
riscos e, com isso, era repassado para o exterior parte expressiva dos prêmios
arrecadados no país.
Criou-se um clima hostil entre os seguradores estrangeiros e o governo,
recorrendo aqueles à Justiça alegando a inconstitucionalidade da norma, com
supedâneo em parecer elaborado por Ruy Barbosa
75
. No ano seguinte, o referido
Decreto foi revogado, exigindo-se apenas que 20% (vinte por cento) do prêmio
arrecadado permanecesse no Brasil, extinguindo-se, ainda, a Superintendência
Geral de Seguros, tendo sido criada, em seu lugar, a Inspetoria de Seguros.
A regulamentação completa da atividade securitária somente ocorreu com a
promulgação do Código Civil de 1916, o qual dedicou um capítulo inteiro ao contrato
de seguro. O reflexo disso foi o aumento espantoso do número de seguradores no
país, tendo passado de apenas 18 no início do século para 68 já no ano de 1920
76
.
A grande inovação foi a criação do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) na
década de 1930, pelo Decreto-Lei n. 1.186, de 3 de abril de 1939, órgão responsável
pelo resseguro, que até pouco tempo era o único ressegurador existente no país, em
virtude do monopólio que vigia. Nos primórdios, além de ressegurador, assumia
também funções regulatórias e normativas de todo o setor securitário.
Na concepção de Pedro Alvim:
Esse órgão se tornou a peça fundamental do mercado de seguros do
país, orientando sua política no sentido de fortalecer as seguradoras
75
“O parecer assinado por Ruy Barbosa em 21 de janeiro de 1902 alegava principalmente a
inconstitucionalidade do decreto oriundo do Executivo, em razão de este estabelecendo
contribuições, legislando sobre o direito civil e comercial, criando empregos públicos federais,
assinando-lhes funções e estipulando-lhes vencimentos ter usado de atribuições legislativas que
seriam de competência privativa do Congresso Nacional.” (ALBERTI, Verena. Entre a solidariedade
e o risco: a história do seguro privado no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p.
41)
76
GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Contratos internacionais de seguros. São Paulo: RT,
2002. p. 17.
37
nacionais, mediante o estabelecimento de várias medidas, inclusive o
resseguro automático. A seguradora, ainda que fosse de poder
econômico menor que as outras, podia assumir grandes
responsabilidades perante o segurado, pois o excesso de sua
capacidade se transmitia automaticamente ao ressegurador. Com tal
facilidade podia expandir seus negócios e disputar com as demais,
inclusive as estrangeiras, a preferência do mercado
77
.
O movimento nacionalista, iniciado com a criação do Instituto de Resseguros
do Brasil (IRB), continuou com a promulgação do Decreto-Lei n. 2.063/40, que teve
por escopo restringir as operações dos seguradores estrangeiros, assinalando prazo
para que fossem nacionalizados ou que cessassem as suas negociações em
território nacional.
Com fundamento no quanto previsto na Constituição de 1937, que estabelecia
o “Princípio da Nacionalização do Seguro”, foi promulgado o Decreto n. 5.901 de
1940, criando os seguros obrigatórios para comerciantes, industriais e
concessionárias de serviços públicos, pessoas físicas ou jurídicas, contra os riscos
de incêndios e transportes (ferroviário, rodoviário, aéreo, marítimo, fluvial ou
lacustre).
A época do governo de Vargas foi caracterizada por medidas protecionistas
ao mercado securitário nacional. Entretanto, o Decreto n. 7.036 de 1940 adotou
medidas que desagradaram os seguradores. Por meio desse Decreto, o seguro de
acidentes de trabalho, ramo em que os seguradores tinham um dos maiores
sustentáculos econômicos, passaria a ser de competência exclusiva do Estado.
Fixava esse Decreto um período de transição de dez anos, de modo que o ano de
1953 seria o início do monopólio estatal e, a partir da data de publicação do Decreto,
nenhum segurador receberia mais autorização para comercializar esse ramo de
seguro.
Essa medida de cunho estatizante acabou formando um contexto de maior
coesão entre os seguradores, tendo sido criada, no ano de 1951, a Federação
Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização (Fenaseg). Era a
oportunidade para que o mercado segurador discutisse os interesses e os assuntos
comuns, articulando negócios e propostas, como forma de contornar a crescente
77
O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 56.
38
regulamentação do Estado.
Na década de 1960, com a implementação de metas industriais no período do
governo de Juscelino Kubitschek e com a crescente expansão do setor automotivo,
os seguradores passaram a enxergar outros ramos de seguro que poderiam
substituir aquele cuja competência havia sido passada ao monopólio estatal, tais
como o seguro de automóvel e o de responsabilidade civil.
Verena Alberti aponta tal aspecto:
O próprio crescimento da frota de veículos automotores,
potencializado pela implementação das metas industriais do período
Kubitschek, indicava um campo aberto para a formação de novos
consumidores, uma vez que no início da década de 50 apenas 0,3%
do total dos automóveis em circulação no país era segurado.
Também em torno da frota de automóveis se estabelecia um espaço
de negociações entre o mercado e o Estado. A proposta de tornar
compulsórios os seguros de responsabilidade civil para proprietários
de veículos automotores era vista pelos seguradores como um
elemento importante para o equilíbrio das carteiras, principalmente
diante da iminência da perda dos seguros de acidentes do trabalho
78
.
Na década de 1960 existiam mais de 160 empresas de seguro, cujo ramo
mais comercializado era o de incêndio, correspondente a 31% do prêmio
arrecadado, seguido do ramo de seguro de vida (20,4% do prêmio), ao passo que o
de automóvel contava com apenas 11% do total de prêmio recolhido.
Posteriormente, houve a edição do Decreto-Lei n. 73/66, norma que
regulamenta a atividade securitária no país
79
, vigente até os dias atuais. Foi
instituído, por meio desse Decreto, o Sistema Nacional de Seguros Privados,
constituído pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), com a função de
formular diretrizes e normas da política de seguros privados; pela Superintendência
de Seguros Privados (SUSEP); pelo Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), pelos
seguradores e pelos corretores
80
.
78
ALBERTI, Verena. Entre a solidariedade e o risco: a história do seguro privado no Brasil. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 199.
79
Artigo do Decreto-Lei n. 73/66: “Todas as operações de seguros privados realizados no País
ficarão subordinadas às disposições do presente Decreto-Lei.”
80
Artigo 8º do Decreto-Lei n. 73/66: “Fica instituído o Sistema Nacional de Seguros Privados, regulado
pelo presente Decreto-Lei e constituído: a) do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP; b) da
Superintendência de Seguros Privados SUSEP; c) do Instituto de Resseguros do Brasil IRB; d)
39
A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) foi criada, em substituição
ao Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização, com a
competência para fiscalizar as atividades dos seguradores, bem como das entidades
de capitalização e entidades abertas de previdência privada, autorizar o
funcionamento de novas empresas no setor e determinar o fechamento das
empresas insolventes.
Com a promulgação desse Decreto, iniciou-se uma nova fase do seguro no
país, com uma regulamentação uniforme das condições gerais dos contratos,
havendo um incremento do número de seguradores no mercado.
Foi a partir desse Decreto, em seu artigo 20, que se estabeleceram vários
seguros obrigatórios
81
, com finalidades tipicamente sociais, cujo objetivo foi o de
garantir a reparação dos danos causados às vítimas, dentre os quais os seguros de
responsabilidade civil dos proprietários de veículos automotores e dos
transportadores em geral; responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas
urbanas por danos a pessoas ou a coisas etc.
Regulamentando o citado Decreto-Lei, o Decreto n. 61.867, de 7 de dezembro
de 1967, estabeleceu o seguro obrigatório para veículos automotores (Recovat
Responsabilidade Civil dos Proprietários de Veículos Automotores de Vias
Terrestres), tendo assim previsto em seu artigo 5º que
As pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado,
proprietárias de quaisquer veículos relacionados nos arts. 52 e 63 da
Lei n. 5.108, de 21/09/1966, referente ao Código Nacional de
Trânsito, ficam obrigadas a segurá-los, quanto à responsabilidade
civil decorrente de sua existência ou utilização.
das Sociedades autorizadas a operar em seguros privados; e) dos Corretores habilitados.”
81
“Art. 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de: a) danos
pessoais a passageiros de aeronaves comerciais; b) responsabilidade civil dos proprietários de
veículos automotores de vias terrestres, fluvial, lacustre e marítima, de aeronaves e dos
transportadores em geral; c) responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por
danos a pessoas ou coisas; d) bens dados em garantia de empréstimos ou financiamentos de
instituições financeiras públicas; e) garantia do cumprimento das obrigações do incorporador e
construtor de imóveis; f) garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive
obrigação imobiliária; g) edifícios divididos em unidades autônomas; h) incêndio e transporte de bens
pertencentes a pessoas jurídicas, situados no país ou nele transportados.”
40
Posteriormente, revogando a lei do Recovat, foi editada a Lei n. 6.194, de 19
de dezembro de 1974, a qual criou um Seguro de Danos Pessoais Causados por
Veículos Automotores de Vias Terrestres, denominado de DPVAT, compreendendo
as coberturas de morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica.
Por meio dessa nova legislação, não se faz necessária a perquirição da
culpabilidade do agente, sendo a indenização paga à vítima independente da
apuração de responsabilidade, nos termos do artigo da Lei n. 6.194/74. Trata-se,
na verdade, de um seguro com cobertura para danos decorrentes de acidentes
automotivos e não propriamente um seguro de responsabilidade civil.
Em 1971, foi criada a Fundação Escola Nacional de Seguros (a Funenseg),
com o objetivo de formar pessoas para ocupar cargos técnicos no setor de seguros.
No ano de 1986, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) autorizou
o ingresso do capital estrangeiro no controle acionário de empresas seguradoras,
nas entidades abertas de previdência privada, nas companhias de capitalização e
corretoras de seguro (Resolução n. 3, de 9 de janeiro de 1986). A norma do CNSP
estabeleceu que a participação não deveria ultrapassar 50% do capital total da
empresa e um terço do capital com direito a voto
82
.
A adoção dessa medida foi justificada pela SUSEP como uma forma de
capitalizar as empresas brasileiras, especialmente as do ramo de vida, as quais não
perderiam, contudo, o poder de controle acionário. O setor de seguros, tal como
outros setores financeiros, abria-se, segundo o superintendente da mencionada
autarquia, à participação externa
83
.
A Constituição Federal de 1988 retirou o seguro do campo da seguridade e o
inseriu no sistema financeiro nacional, juntamente com as instituições financeiras,
nos termos do artigo 192
84
.
82
ALBERTI, Verena. Entre a solidariedade e o risco: a história do seguro privado no Brasil. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 254.
83
Idem, ibidem, p. 254.
84
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento
equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que
disporá, inclusive, sobre: I a autorização para o funcionamento das instituições financeiras,
41
Por fim, a medida que causou grande impacto no setor foi a Emenda
Constitucional n. 13, de 21 de agosto de 1996, que colocou fim ao monopólio do
resseguro no país, o qual era exercido pelo IRB, dando nova redação ao artigo 192,
inciso II, da Constituição Federal, suprimindo do texto a expressão “órgão oficial
ressegurador”, tornando o resseguro uma atividade aberta no mercado.
2.2 DEFINIÇÃO
A conceituação do contrato de seguro é extraída do artigo 757
85
do Código
Civil, o qual deu uma nova roupagem a essa espécie de contrato, quando
comparado à definição trazida pelo artigo 1.432
86
do Código Civil de 1916.
Pelo Código Civil revogado, entendia-se que o contrato de seguro era aquele
pelo qual o segurado tinha a obrigação quanto ao pagamento do prêmio, ao passo
que o segurador tinha a obrigação de indenizá-lo dos prejuízos decorrentes de
riscos futuros previstos no contrato.
Pedro Alvim definia o seguro como o “contrato pelo qual o segurador,
mediante o recebimento de um prêmio, assume perante o segurado a obrigação de
pagamento de uma prestação, se ocorrer o risco a que está exposto”
87
.
assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado
financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na
autorização de que trata este inciso; II autorização e funcionamento dos estabelecimentos de
seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial
ressegurador; III autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro,
previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador. IV as condições para a
participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em
vista, especialmente: a) os interesses nacionais; b) os acordos internacionais [...].”
85
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a
garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal
fim legalmente autorizada.”
86
“Art. 1.432. Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a
outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos
no contrato.”
87
O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense. 1986. p. 113.
42
J. M. de Carvalho Santos, no mesmo sentido, conceituava o seguro como “um
contrato, por meio do qual uma pessoa assume para com outra a obrigação de
indenizá-la das perdas e danos resultantes de um acontecimento determinado,
futuro e incerto”
88
.
Orlando Gomes, por sua vez, afirmava que, “pelo contrato de seguro, uma
empresa especializada obriga-se para com uma pessoa, mediante contribuição por
esta prometida, a lhe pagar certa quantia, se ocorrer o risco previsto”
89
.
Pontes de Miranda definia como sendo o “contrato pelo qual o segurador se
vincula, mediante pagamento de prêmio, a ressarcir ao segurado, dentro do limite
que se convencionou, os danos produzidos por sinistro, ou a prestar capital ou renda
quando ocorra determinado fato, concernente à vida humana, ou a patrimônio”
90
.
A doutrina, em razão do quanto dispunha o Código Civil de 1916, entendia
que a obrigação do segurador, em contrapartida ao recebimento do prêmio por parte
do segurado, era o pagamento da indenização, se sobreviesse o sinistro.
Todavia, em face do quanto estatuído no artigo 757 do Código Civil, não mais
é possível definir o contrato de seguro como outrora. Esse dispositivo traz à tona
elementos do contrato de seguro que, embora já existissem, em razão de não serem
colocados em destaque pela legislação anterior, eram renegados pela doutrina,
como se depreende das definições acima trazidas.
A partir da vigência do novo Código Civil, em especial dos elementos
colocados em destaque no artigo 757, passou a doutrina a trazer uma diversa
conceituação dessa espécie de contrato.
Caio Mário da Silva Pereira, em sua obra atualizada, define o contrato de
seguro como sendo o “contrato por via do qual uma das partes (segurador) se obriga
para com a outra (segurado), mediante o recebimento de um prêmio, a garantir
88
Código Civil brasileiro interpretado. 6. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1955. v. XIX, p.
203.
89
Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 410.
90
Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. v. XLV, Título L § 4911, p. 272/273.
43
interesse legítimo desta, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos futuros
predeterminados (Código Civil, art. 757)”
91
.
Ivan de Oliveira Silva conceitua como sendo “a convenção em que um ente
específico, o segurador, se obriga, mediante a paga de prêmio, a garantir legítimo
interesse do segurado, concentrado em pessoa ou coisa, contra riscos advindos de
circunstâncias adversas”
92
.
Orlando Gomes, também em seu livro atualizado, diante do Código Civil de
2002, traz uma nova conceituação dessa espécie de contrato, ao afirmar que, “pelo
contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a
garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou à coisa, contra riscos
predeterminados”
93
.
Dessa forma, pelo teor do artigo 757 do Código Civil, o contrato de seguro
pode ser definido como um contrato no qual, mediante o pagamento do prêmio, o
segurador possui a obrigação de prestar garantia ao interesse legítimo do segurado.
2.3 ELEMENTOS
Existe, aparentemente, uma uniformidade na doutrina quanto à conceituação
do contrato de seguro
94
com fundamento no artigo 757 do Código Civil.
Por outro lado, ainda não unanimidade quanto aos elementos do contrato
de seguro. Fábio Ulhoa Coelho sustenta que são apenas 3 (três), quais sejam,
segurador, prêmio e risco
95
.
91
Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 451.
92
Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 57.
93
Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 504.
94
Há, contudo, parte minoritária da doutrina que, olvidando-se dos elementos destacados no artigo
757 do Código Civil, defina o contrato de seguro da seguinte forma: “seguro é o contrato pelo qual o
segurador, mediante recebimento de um prêmio, se obriga a pagar um valor convencionado, ao
segurado ou a terceiro (beneficiário), caso se verifique o sinistro”. (WALD, Arnold. Direito civil
contratos em espécie. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 285)
95
Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 341.
44
Ivan de Oliveira Silva defende serem os elementos dessa espécie de contrato:
o prêmio, o risco, a indenização, a franquia (elementos objetivos) e o segurador, o
segurado, o estipulante e o beneficiário (elementos subjetivos)
96
.
Yvonne Lambert-Faivre e Laurent Leveneur afirmam que três elementos
que são encontrados em todos os contratos de seguro, quais sejam, “un risque à
garantir, une prime qui est le prix de la securité, une prestation de l’assureur en cas
de sinistre”
97
.
Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel, por sua
vez, alegam serem a garantia, o interesse, o risco, o prêmio e a empresarialidade
98
.
Defendemos, por força do quanto disposto no artigo 757 do Código Civil de
2002 e em razão da natureza do contrato de seguro, que os elementos do contrato
de seguro são: garantia, interesse legítimo, risco, prêmio e segurador.
2.3.1 Garantia
No Código Civil de 1916, o elemento “garantia” não vinha destacado pelo
dispositivo que definia o contrato de seguro (art. 1.432
99
).
De acordo com o artigo 1.432 do Código Civil revogado, entendia grande
parte da doutrina que a contraprestação do segurador, ao pagamento do prêmio por
parte do segurado, era a indenização securitária, na hipótese de sobrevir o prejuízo
ao segurado (sinistro).
Defendia-se, tal como o fazia Pedro Alvim, que a
96
Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 86.
97
Droit des assurances. 12. ed. Paris: Dalloz, 2005. p. 251.
98
O contrato de seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 29.
99
“Art. 1.432. Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a
outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos
no contrato.”
45
[...] indenização constitui a contraprestação do segurador; o
cumprimento de sua obrigação assumida no contrato bilateral de
seguro. [...] O segurador se obriga a indenizar, isto é, a reparar os
danos sofridos pelo segurado em razão dos riscos contemplados no
contrato
100
.
No mesmo sentido sustentava Cesare Vivante, ao conceituar que “É um
contratto di assicurazione quello per cui un’impresa si obbliga di pagare una certa
somma all’accadere di un evento fortuito, mediante un premio calcolato secondo le
probabilità che quell’evento succeda.”
101
Contudo, existiam aqueles, dentre os quais Pontes de Miranda, que
criticavam a redação do artigo 1.432 do Código Civil. Argumentavam, para tanto,
que, ao considerar a obrigação do segurador o pagamento da indenização, o se
incluíam os seguros de pessoa, na medida em que essa espécie de seguro não
possui caráter indenizatório. A noção de dano é incompatível com os seguros de
pessoa, em que o capital é livremente estabelecido pelo contratante, podendo,
inclusive, ser contratado mais de um seguro sobre o mesmo interesse segurado.
Sustentava Pontes de Miranda, ao criticar a conceituação trazida pelo artigo
1.432 do Código Civil, que:
A definição é evidentemente falha e insuficiente, porque se refere
ao seguro indenizatório, a despeito de se tratar, no Código Civil, do
seguro de vida, e deixa de atender, explicitamente, aos diferentes
seguros de responsabilidade
102
.
A crítica tinha a sua razão de ser. Tanto era assim que o Código Civil de
1916, ao tratar dos contratos de seguro de vida, no caput do artigo 1.471
103
, o definia
de forma diversa, asseverando que a prestação do segurador consistia no
“pagamento de certa soma a determinada ou determinadas pessoas”.
100
O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 441 e 437.
101
Instituzioni di diritto commerciale. 4. ed. Milão: Libraio della Real Casa, 1901. p. 192.
102
Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. v. XLV, Título L § 4.911, p. 272.
103
“Art. 1.471. O seguro de vida tem por objeto garantir, mediante o prêmio anual que se ajustar, o
pagamento de certa soma a determinada ou determinadas pessoas, por morte do segurado, podendo
estipular-se igualmente o pagamento dessa soma ao próprio segurado, ou a terceiro, se aquele
sobreviver ao prazo de seu contrato.”
46
Trazia o digo, portanto, dois conceitos de contrato de seguro: um referente
aos seguros de dano (art. 1.432) e outro referente aos seguros de pessoas (art.
1.471).
Também se criticava a classificação dos contratos de seguro como contratos
bilaterais (sinalagmáticos), uma vez que, caso não se verificasse o sinistro,
nenhuma prestação era devida pelo segurador, não havendo a devida
contraprestação por parte deste em contrapartida ao pagamento do prêmio pelo
segurado.
E, por conseguinte, a maioria da doutrina classificava o contrato de seguro
como sendo aleatório
104
, pois o pagamento da indenização por parte do segurador
poderia ou não ocorrer, ao passo que para o segurado sempre existia o dever de
efetuar o pagamento do prêmio.
O Código atual afastou a indenização como elemento essencial do contrato,
inserindo a idéia de garantia. Com isso, o novo Código Civil adotou a unidade do
conceito de contrato de seguro, havendo um conceito único, tanto para os seguros
de dano, quanto para os de pessoa.
A prestação do segurador não consiste no pagamento de uma indenização,
na ocorrência do sinistro. A obrigação do segurador é de garantia, isto é, trata-se de
uma garantia prestada ao interesse legítimo do segurado durante toda a vigência do
contrato. O pagamento da indenização, na hipótese de verificação do sinistro, é
conseqüência da garantia prestada pelo segurador.
Como sustenta Amadeu Carvalhaes Ribeiro, o segurado não contrata um
seguro para obter o pagamento da indenização por parte do segurador. O que o
segurado intenta é uma garantia de que, em caso de ocorrência de sinistro, tal fato
não prejudicará a sua situação econômica e é justamente esta a garantia prestada
104
Afirmava João Marcos Brito Martins que “O contrato de seguro é aleatório, porque se encontra
fundado na ocorrência ou não do risco. Por conseguinte, as obrigações não são equivalentes, em
face da natureza aleatória do contrato. Depende, portanto, de acontecimento futuro e incerto, seja
quanto à sua realização, seja quanto à data de ocorrência.” (Direito do seguro responsabilidade
civil das seguradoras. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 35)
47
pelo segurador
105
.
Com a adoção de tal definição, que nos parece muito acertada, a obrigação
do segurador inicia-se com a celebração do contrato, já que desde tal momento é
devida a garantia ao interesse legítimo do segurado.
A doutrina aplaude a nova conceituação do contrato de seguro ao incluir,
dentre os seus elementos, a “garantia” prestada pelo segurador, como defendem
Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:
[...] trata-se de definição que consolida o conceito unitário de contrato
de seguro, abrangendo, em seu âmbito, tanto os seguros de dano
como os seguros de pessoas, na medida em que se parte da
concepção do interesse segurado isto é, da relação de valor
existente entre o segurado e determinada coisa ou pessoa como
sendo o objeto do contrato
106
.
Walter Antonio Polido também faz essa ressalva quanto à modificação trazida
pelo artigo 757 do Código Civil, acentuando que, com isto, deixa de estar a
obrigação do segurador vinculada à ocorrência de um evento futuro e incerto,
passando a fornecer, com a celebração do contrato, uma garantia imediata ao
segurado
107
.
Pela concepção atual, na qual o elemento “garantia” integra a definição do
contrato de seguro, mesmo na hipótese de não se verificar o sinistro, permanece
devido o pagamento do prêmio por parte do segurado, conforme ressalva o artigo
764 do Código Civil
108
.
A bem da verdade, assim o era na vigência do Código Civil de 1916,
todavia, com a nova conceituação, a contraprestação do segurador tornou-se mais
evidente, inobstante a inocorrência de sinistro durante a vigência da avença. Não
105
Direito de seguros resseguro, seguro direto e distribuição de serviços. São Paulo: Atlas,
2006. p. 63.
106
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. p. 561.
107
O contrato de seguro em face da nova perspectiva social e jurídica. Dissertação (Mestrado)
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade de São Paulo, 2008. p. 85.
108
“Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de não ter verificado o risco, em previsão do qual se fez
o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.”
48
pode, dessa forma, o segurado furtar-se do pagamento do prêmio sob o argumento
de não-ocorrência do sinistro
109
.
2.3.2 Interesse segurado
O Código Civil de 1916 também não trazia a expressão “interesse legítimo do
segurado” na definição de contrato de seguro, tendo sido mais uma inovação do
atual Código Civil, no caput do artigo 757.
Mesmo diante da lacuna legislativa, Fábio Konder Comparato apontava o
interesse segurado como elemento do contrato de seguro, asseverando que este
“não é pois um coisa, mas uma relação, como o indica a própria etimologia (inter
esse); mais precisamente, ele é a relação existente entre o segurado e a coisa ou
pessoa sujeita ao risco”
110
.
Aquele que realiza um contrato de seguro assim o faz por possuir interesse
na preservação de algo, isto é, por ter interesse que, caso os riscos aos quais um
bem ou uma pessoa estão sujeitos se verifiquem, se terá uma garantia contra as
conseqüências econômicas advindas da realização desse risco.
Ao se celebrar, por exemplo, um contrato de seguro do ramo automóvel, há o
interesse na conservação desse bem e que não se realizem os riscos garantidos
pelo contrato aos quais está submetido. Do mesmo modo, ao se contratar um
seguro de responsabilidade civil, o interesse na preservação do seu patrimônio
contra riscos previamente estipulados na avença.
Claudio Bazzano sustenta que:
109
A jurisprudência consolida essa tese: “Os valores pagos a título de prêmio pelo seguro por invalidez
ou morte não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade suportou o risco. E, embora não
tenha ocorrido o sinistro, nem por isso deixaram os associados de usufruir a prestação do serviço na
vigência do contrato, que é, por natureza, oneroso.” (Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 573.671,
3ª Turma, Relator Ministro Castro Filho, julgado em 2 dez. 2003)
110
O seguro de crédito. São Paulo: RT, 1968. p. 26.
49
L’interesse nel contratto di assicurazione è un requisito essenziale e
deve esistere all’inizio e nel corso dell’intera durata contrattuale; [...]
L’interesse, como del resto Il rischio, è un elemento fondamentale nel
contratto di assicurazione. Un soggetto titolare di una determinata
ricchezza ha interesse a salvaguardala contro ogni tipo di evento che
gli procuri una perdita paziale o totale di essa; finché esiste questo
presupposto vi è esistenza dell’interesse
111
.
O interesse segurável é a relação existente entre o seu titular e um bem ou
uma pessoa, na sua preservação contra os riscos que podem lhe afetar. Não é o
bem ou a pessoa em si, mas a relação existente entre estes e o segurado.
Segurável é todo interesse que uma pessoa tem sobre um bem da vida que se
encontra exposto a riscos.
Nos dizeres de Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton
Pimentel, o interesse consiste na posição juridicamente relevante de um sujeito de
direito para com um bem da vida, de tal ordem a fazer com que aquele queira a sua
preservação, não desdenhe o status quo e não queira, nem lhe seja vantajosa, a
realização do risco garantido
112
.
Pode, ainda, ser definido como o “vínculo entre o sujeito e o bem (tanto no
seguro de danos, como no de pessoas) que faz com que o primeiro se encontre
juridicamente interessado em que o segundo não se veja afetado pelo sinistro”
113
.
Assim, o interesse segurável é composto de (i) uma pessoa, que consiste no
titular do interesse; (ii) um bem ou pessoa que recaia o interesse; (iii) a relação
existente entre o titular do interesse e o bem/pessoa.
Quando se fala em titularidade do interesse, não se deve confundir com a
titularidade do bem, pois são coisas distintas. Tanto é assim que, mesmo que um
determinado bem possua um único titular, pode existir mais de uma pessoa que
tenha interesse na sua conservação e isto explica o fato de haver, às vezes, uma
multiplicidade de seguros referentes à mesma coisa, mas protegendo interesse
111
Il contratto di assicurazione. Milano: Pirola, 1991. p. 263.
112
O contrato de seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 25.
113
COMPIANI, Maria Fabiana. O interesse segurável: análise comparativa com o novo Código Civil
brasileiro. Anais do III Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. Coordenado pelo Instituto
Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS. São Paulo: EMTS, 2003. p. 366.
50
econômico diverso
114
. Um exemplo é o seguro de uma mercadoria que está sendo
transportada, podendo existir sobre tal bem um seguro realizado pelo proprietário da
carga e outro pelo transportador.
A mesma ressalva é feita pelo italiano Claudio Bazzano
115
ao sustentar que o
interesse não é restrito àquele que é proprietário da coisa, mas por todo aquele que
pode vir a suportar um dano sobre um bem da vida, isto é, por aquele que objetiva a
conservação da coisa.
Como exemplo, pode-se trazer à baila o contrato de seguro de um imóvel
realizado pelo locatário. Este não é o proprietário do bem, mas possui legítimo
interesse em sua preservação. Do mesmo modo, um caminhão locado por uma
transportadora. Esta, não obstante não detenha a propriedade do bem, possui
interesse na conservação da coisa, sendo, muitas vezes, condição sine qua non
para a locação do veículo.
O que pretende o legislador é que o segurado, ao realizar um contrato de
seguro, possua um interesse legítimo, respaldado pela ordem jurídica, no sentido de
preservação do bem da vida que será garantido pelo segurador. Não pode ele ter o
objetivo de lucrar com o sinistro, não lhe podendo ser vantajosa a sua ocorrência.
Nos seguros de dano, dispositivo expresso (art. 778
116
) que determina que
a garantia prometida pelo segurador não pode ultrapassar o valor do interesse
segurado no momento da conclusão do seguro. A regra procura assegurar o caráter
indenitário presente em tais espécies de seguro, no sentido de que, com o sinistro,
haverá uma reposição da perda sofrida pelo segurado e não um enriquecimento
deste, como disserta Fábio Ulhoa Coelho:
No seguro de danos, a liquidação do contrato em razão da
ocorrência do sinistro nunca pode acarretar o enriquecimento do
segurado. Isso porque a prestação devida pela seguradora tem a
114
BURANELLO, Renato Macedo. Do contrato de seguro o seguro garantia de obrigações
contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 115/116.
115
Il contratto di assicurazione. Milano: Pirola, 1991. p. 263.
116
“Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse
segurado no momento da conclusão do negócio, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da
ação penal que no caso couber.”
51
natureza de uma indenização pela perda patrimonial sofrida com o
sinistro
117
.
Caso o segurado lucrasse com a ocorrência do sinistro, ele teria interesse na
sua verificação e poderia, até mesmo inconscientemente, “incentivar” a sua
ocorrência, de modo que o contrato estaria desnaturado, pois o sinistro seria
decorrente de ato voluntário do segurado, transformando-se em jogo ou aposta
118
.
Essa vedação quanto à obtenção de lucro nos seguros de dano visa a
repressão a possíveis fraudes, como também a redução da possibilidade estatística
de o sinistro ocorrer. Pois, caso o sinistro deixasse de ser algo desvantajoso ao
segurado, haveria especulação ao invés de indenização, o que estimularia uma
conduta desidiosa por parte deste em relação ao bem segurado.
Pondera Pedro Alvim que:
o lucro é estranho ao seguro que visa apenas à previdência e não à
especulação. Qualquer pagamento além dos prejuízos desvirtuaria o
contrato que se tornaria um estímulo à fraude do segurado pouco
escrupuloso, razão porque interessa à ordem pública proibir o seguro
excessivo
119
.
Não se admite, por exemplo, que o proprietário de um imóvel, avaliado em
R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) realize dois contratos de seguro com
seguradores diversos, cuja garantia, em cada um dos contratos, corresponda ao
valor integral do bem. Somente se admitiria dois seguros, caso a soma da garantia
desses correspondesse ao valor total do bem, desde que previamente comunicado o
primeiro segurador da intenção de contratar novo seguro
120
.
A cumulatividade no seguro de danos, diversamente do que ocorre no seguro
117
Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 367.
118
Marcel Fontaine aponta como característica dos seguros de danos a vedação de enriquecimento
ao segurado: “Le principe indemnitaire énonce que le contrat d’assurance ne peut être pour l’assuré
une source d’enrichissement. Ses origines ont été décrites, ainsi que as raison d’être, le souci
d’écarter le risque de sinistres voluntaires. Il impregne les assurances à caractère indemnitaire, qui lui
doivent leur qualifications.” (Droit des assurance. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 237)
119
O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 443.
120
Essa é a disposição contida no artigo 782 do Código Civil: O segurado que, na vigência do
contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro
segurador, deve previamente comunicar a sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por
que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.”
52
de pessoas, é proibida por lei, pois, caso fosse possível a realização de dois
contratos de seguro sobre o mesmo interesse segurado, inexistiria no segundo
contrato o interesse legítimo para a sua celebração, que, caso sobreviesse o
sinistro, o segurado obteria lucro
121
.
Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel, ao
comentarem o artigo 782, que trata acerca da contratação de novo seguro sobre o
mesmo interesse segurado, assim dissertam:
Observando-se a norma em comento, nota-se que esta permite a
contratação de novo seguro, com outro segurador, desde que seja
previamente comunicada ao primeiro segurador da intenção de
contratar.
Devemos lembrar que entre os elementos essenciais do contrato de
seguro está o legítimo interesse, conforme o disposto no art. 757.
Fosse possível a coexistência de dois contratos, antigo e novo,
faltaria a este último o legítimo interesse, posto que o segurado não
poderia perceber mais do que vale o seu interesse sobre o bem, sob
pena de perversão do contrato, pelo excesso, em jogo ou aposta. A
lei poderia, portanto, ter optado por vedar este novo contrato, a
exemplo do Código anterior. A solução, todavia, foi diversa
122
.
Somente pode ser realizado um novo seguro sobre um mesmo bem mediante
o cumprimento de duas exigências. A primeira é que deve haver uma comunicação
prévia e por escrito ao primeiro segurador. A segunda é que, com a concretização
desse novo seguro, a soma de ambos não pode ultrapassar o valor do interesse
segurado
123
.
nos seguros de pessoas, incluindo-se os seguros de vida e os de
121
Não se deve confundir a cumulatividade de seguro com a operação de co-seguro. Nesta, dois ou
mais seguradores prestam garantia a um mesmo interesse segurado, respondendo cada qual pela
sua quota-parte. Ou seja, “a figura do co-seguro ocorre quando uma pluralidade de seguradores
emprega cobertura simultânea ao mesmo risco, como geralmente se verifica nos seguros vultosos,
relativos a indústrias, aeronaves, embarcações e empreendimentos imobiliários. [...] Cada um dos
seguradores assume uma porcentagem do risco, e a ação de cobrança deve ser movida contra todos,
representados pela seguradora-líder, nos respectivos limites de obrigação individual.” (TEPEDINO,
Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado
conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. II, p. 568). O co-seguro
vem previsto no artigo 761 do Código Civil que assim dispõe: “Quando o risco for assumido em co-
seguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para
todos os efeitos.”
122
O contrato de seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 119.
123
Caso a soma dos seguros ultrapasse o valor do bem ou se o segurado omitir a comunicação prévia
ao primeiro segurador, ele perderá o direito ao recebimento da indenização do primeiro segurador,
por força da interpretação conjunta dos artigos 766, 778 e 782 do Código Civil.
53
acidentes pessoais, o legislador deixa a critério de o segurado estabelecer o
montante da garantia. A estipulação é livre, podendo, inclusive, ser contratado mais
de um seguro sobre o mesmo interesse, na medida em que, nessa espécie de
seguro, não se verifica a função indenitária
124
.
Nos seguros de pessoa, conforme pondera Pedro Alvim, “o critério é
diferente, não havendo limite para o valor do seguro. Cada um faz o seu, de acordo
com a sua vontade e segundo suas posses, pois a vida humana não tem preço. Não
existe, pois, o caráter indenitário, como nos seguros de danos”
125
.
Na verdade, a expressão de que os contratos de seguro de pessoas não
possuem função indenizatória é uma “meia verdade”. Isto porque há alguns que
possuem esta função, tais como o seguro de vida para a cobertura de despesas por
incapacidade temporária, conhecido como DIT (Diária por Incapacidade
Temporária). Nessa espécie de seguro de vida, o sinistro ocorre quando se verifica a
incapacidade temporária do segurado para o exercício de sua atividade laborativa e
a indenização deve corresponder à perda da renda do segurado no período em que
permanecer incapacitado para o trabalho.
Do mesmo modo o denominado “seguro prestamista”
126
. Esse é um seguro,
conforme redação do artigo 791 do Código Civil
127
, que presta garantia a uma
obrigação. Esse seguro de vida é comumente celebrado, por exemplo, em
consórcios. O participante de consórcio é obrigado a contratar um seguro de vida,
pois, caso ele faleça durante o prazo do consórcio, por meio desse seguro a
quitação do saldo devedor ao consórcio e, se houver saldo remanescente, o valor é
pago ao beneficiário indicado na apólice. função indenizatória, pois o limite
124
“Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que
pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos
seguradores.”
125
O seguro e o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 5.
126
Nesse sentido, foi esclarecido pelo Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “O
denominado ‘seguro prestamista’ é aquele seguro de vida em grupo, onde os segurados
convencionam pagar prestações ao estipulante para amortizar a dívida contraída ou para atender
compromisso assumido. O primeiro beneficiário é o próprio estipulante pelo valor do saldo da dívida
ou do compromisso. A diferença que ultrapassar o saldo será paga ao segundo beneficiário, indicado
pelo segurado.” (Apelação n. 2006.001.13036, Relator Desembargador Roberto Felinto, julgado em
17 abr. 2006)
127
“Art. 791. Se o segurado não renuncia à faculdade, ou se o seguro não tiver como causa declarada
a garantia de alguma obrigação, é lícita a substituição do beneficiário, por ato entre vivos ou de última
vontade.”
54
máximo da indenização deve corresponder ao valor da dívida.
2.3.3 Risco
O seguro surgiu a partir da necessidade do ser humano para que, face à
inevitabilidade de alguns acontecimentos, os prejuízos ocasionados pudessem de
alguma forma ser reparados. O seguro pode ser considerado como um instrumento
social que objetiva a diluição do prejuízo e a transferência das conseqüências
econômicas do risco.
Nesse exato sentido foi a constatação feita pelo Ministro Ruy Rosado de
Aguiar Junior, em palestra proferida no III Fórum de Seguros do Rio Grande do Sul,
ocorrido em Gramado no ano de 1994, registrado nos Anais do mencionado
Congresso:
A instituição do seguro, antes mesmo de ser um sistema econômico,
constitui-se, em verdade, como instrumento de origem
ontologicamente provinda da condição mais elementar da criatura
humana, qual seja, sua condição efêmera de ser temporal, frágil e
destrutível, do qual se vale para, socialmente, utilizando-se dos mais
benéficos, benfazejos e meritórios meios de comunhão e co-
participação, minorar seu grau de temor, diante da incerteza.
O contrato de seguro é, portanto, a “fórmula jurídica destinada a satisfazer a
necessidade econômico-social de transferência do risco”
128
.
O risco pode ser encarado sob diversos pontos de vista. Ele pode ser
assumido pela própria pessoa; pode ser completamente evitado, de modo que a
pessoa deve se abster da prática da atividade; pode ser prevenido (somente até
certo ponto); pode ser distribuído entre os demais participantes (como ocorria nos
primórdios) ou pode ser transferido.
Por meio da realização do contrato do seguro, na verdade, não haverá a
128
GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Contratos internacionais de seguros. São Paulo: RT,
2002. p. 48.
55
transferência do risco ao segurador. Considerando que o risco consiste na
probabilidade de dano a que fica exposto a pessoa ou bem, não há como transferi-lo
para o segurador, por meio de um contrato. O que se transfere seriam somente as
conseqüências econômicas do risco, como defende Sergio Cavalieri Filho:
O risco, de acordo com as leis naturais, é intransferível. Com seguro
ou sem seguro, quem continua exposto ao risco é a pessoa ou a
coisa; é o operário que trabalha na máquina perigosa ou no
andaime do 10º andar de uma obra; é o carro que circula numa
cidade violenta, e assim por diante. O que o seguro faz é transferir as
conseqüências econômicas do risco caso ele venha a se materializar
em um sinistro. O segurado compra a sua segurança mediante o
pagamento do prêmio do seguro. Que segurança? De natureza
patrimonial, pois sabe que, se ocorrer o sinistro, terá os recursos
econômicos necessários para reparar o prejuízo e recompor o seu
patrimônio
129
.
Vera Helena de Mello Franco
130
afirma que “a seguradora não assume o risco.
Apenas presta segurança, que tem lugar mediante a garantia de que, ocorrendo
determinado evento, suas conseqüências serão compensadas, economicamente,
para o segurado”.
Portanto, tendo em vista que o segurado deixa de ter que suportar os
prejuízos decorrentes de um eventual sinistro, isso lhe causa a impressão de que o
risco é assumido diretamente pelo segurador. Contudo, o que ocorre efetivamente é
que, embora ele próprio continue exposto ao risco, é o segurador quem suporta as
conseqüências econômicas da materialização do risco
131
.
A portuguesa Rita Gonçalves Ferreira da Silva também compartilha desse
entendimento ao afirmar que “a empresa de seguros não assume a obrigação
(através da celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil geral) de ser
a pessoa civilmente responsável (esse é sempre o segurado), mas sim a obrigação
contratual de, por exemplo, ressarcir o terceiro lesado dos danos sofridos”
132
.
129
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
437.
130
Lições de direito securitário – seguros terrestres privados. São Paulo: Maltese, 1993. p. 20.
131
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de seguros resseguro, seguro direto e distribuição de
serviços. São Paulo: Atlas, 2006. p. 58.
132
SILVA, Rita Gonçalves Ferreira da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral – seu
enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 156.
56
Para que possa ocorrer a transferência das conseqüências econômicas de
um risco, deve existir um número mínimo de pessoas sujeitas ao mesmo risco, a fim
de que se torne possível a realização de previsões estatísticas.
É por esta razão que o seguro é fundado no mutualismo, que consiste
justamente nesse agrupamento de pessoas sujeitas ao mesmo risco, para que,
mediante a contribuição de cada um, se forme um fundo comum, para reparar essas
perdas.
Marcel Fontaine ressalta a mutualidade presente nos contratos de seguro:
La technique des assurances repose en premier lieu sur la vieille idée
de mutualité, c’est-à-dire sur le groupement d’un certain nombre de
personnes soumises au même risque, afin de repartir entre elles
toutes la charge des sinistres qui ne frapperont que quelques
membres du group. De cette maniére, les victimes ne sont plus
écrasées par leur infortune. Tous paient pour un, mais la participation
de chacun est reduite
133
.
A homogeneidade do grupo e a reunião significativa de pessoas são fatores
primordiais para que se possa realizar uma análise estatística. Isto porque a
obtenção de uniformidade das estatísticas somente é possível a partir de uma
grande massa, que esses dados são obtidos por meio de cálculos de
probabilidades, a denominada “Lei dos Grandes Números”
134
.
133
FONTAINE, Marcel. Droit des Assurances. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 13.
134
A Lei dos Grandes Números é chamada de “o primeiro teorema fundamental de probabilidade”. Foi
derivado da análise de jogos de azar sorteio de bilhetes de loteria ou arremesso de dados são
regidos por probabilidade. Por exemplo, um dado “limpo” de 6 lados pode aparecer 1, 2, 3, 4, 5 ou 6
pontos numa única jogada e, se esses pontos são contados como números, é possível calcular o
valor “médio” de um lance. Nós sabemos que, em muitos lances, um lance em seis resultará em um
“1”. Do mesmo modo, um lance em seis resultará em “2” e assim vai em todos os 6 lances possíveis.
Contando os resultados numericamente, obtemos 3,5. Obviamente, não existe um lado do dado com
3,5 pontos, logo nenhum lance irá resultar no valor de “3,5”. Mas depois de um grande número de
lances registrados, o resultado médio de todos eles irá se aproximar de 3,5. Ademais, em cada lance
do dado, uma soma de cada vez que um particular resultado ocorra (“1”, “2”, “3”, “4”, “5” ou “6”) irá, de
modo crescente, aproximar-se de 1/6 do número total de lances. A LGN foi derivada por meio de
análise probabilística. Estatísticas evoluem da teoria da probabilidade e, em estatística, LGN significa
que é mais provável que uma amostra grande tenha a característica do todo do que uma amostra
pequena. Jacob Bernoulli descreveu primeiramente a LGN de forma tão simples que até os homens
mais estúpidos instintivamente sabem que é verdade. A despeito disso, ele levou mais de 20 anos
para desenvolver uma prova matemática rigorosa o suficiente, o qual publicou em Ars Conjectandi (A
arte da conjetura) em 1713. Ele o chamou de seu “Teorema Dourado”, mas se tornou geralmente
conhecido como “Teorema de Bernoulli”. Em 1835, S.D. Poisson mais adiante descreveu sob o nome
de La loi de grands nombres (A Lei dos Grandes Números). Depois que Bernoulli e Poisson
publicaram suas tentativas, outros matemáticos também contribuíram para o refinamento da lei,
incluindo Chebyshev, Markov, Borel, Cantelli, Kolmogorov, Vapnik e Chervonenkis. Estes novos
57
De acordo com a “Lei dos Grandes Números”, criada por um matemático
suíco, Jacob Bernoulli, no século XVI, foi instituída uma lei de estatística básica,
segundo a qual o que é imprevisível nos pequenos números de ocorrências é
perfeitamente quantificável nos grandes números.
A estatística
registra experiências quantificáveis passadas como base para
prever, com relativo grau de certeza, o que ocorrerá à frente. O
processo consiste em identificar grupos homogêneos de risco,
dimensionar o seu tamanho e computar a freqüência e a extensão de
sinistros neles ocorridos. Feito isso, torna-se possível calcular a
probabilidade da ocorrência de sinistros do mesmo tipo no futuro
135
.
Assim, por meio de estatísticas é possível prever a quantidade de sinistros
que ocorrerá em determinado espaço de tempo e, por conseguinte, o montante das
indenizações a ser pago. Com base nesses cálculos atuariais, será possível calcular
o valor total do prêmio que deverá ser rateado pelos segurados a fim de garantir a
solvabilidade desses pagamentos.
O contrato de seguro é baseado nesses cálculos atuariais, como ressalta
Georges Ripert, em sua obra traduzida:
Esta divisão dos riscos não se faz ao acaso; o cálculo das
probabilidades permite saber em que proporção os riscos segurados
se realizam e, quando se calcula com números elevados, chega-se a
uma exatidão suficiente. As companhias de seguros usam de
estatísticas precisas e calculam o preço do seguro
136
.
No mesmo sentido pronuncia Anne Guégan-Lécuyer:
L’assureur utilise les statistiques, et sur les donnés en fréquence et
en coût moyen des événements passés, le calcun des probabilités lui
estudos deram vida a 2 proeminentes formas da Lei dos Grandes Números. Uma é chamada de lei
“fraca” e outra de lei “forte”. Estas formas não definem leis diferentes, mas modos diferentes de
representar a convergência da probabilidade medida ou observada, para a probabilidade real.”
(Informações disponíveis em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_dos_grandes_n%C3%Bameros>. Acesso em:)
135
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de seguros resseguro, seguro direto e distribuição de
serviços. São Paulo: Atlas, 2006. p. 72.
136
Regime democrático e o direito civil moderno. São Paulo: Saraiva, 1937. p. 373.
58
donne des instruments d’une prévision rationelle et d’un calcul des
primes pures aussi proche que possible de la masse des sinistres
qu’il devra garantir
137
.
Impossível determinar, em um pequeno grupo, probabilidades eficazes. Do
mesmo modo, impraticável seria a formação de um fundo comum para prestar
garantia a um reduzido número de indivíduos expostos ao mesmo risco.
Cita-se, como exemplo, um pequeno grupo de balões dirigíveis. Devido ao
reduzido número de unidades de exposição ao risco, far-se-ia necessária a cobrança
de um elevado valor de prêmio para formar esse fundo comum. E, assim, “tivesse a
seguradora cobrado o prêmio necessário para satisfazer os prejuízos advindos da
perda, certamente os segurados recusariam a propositura do contrato, pois se
tornaria extremamente caro; vale dizer, não haveria benefício para eles”
138
. Em
contrapartida, caso assim não fosse, cobrando o segurador um valor inferior a título
de prêmio, a perda de apenas um dos balões poderia afetar o fundo comum
administrado por ele, tornando inviável a operação
139
.
Do mesmo modo, grande dificuldade é encontrada para a mensuração de
riscos inéditos ou recentes, tais como os relacionados aos alimentos geneticamente
modificados, riscos associados às novas tecnologias de informação. Isto porque o
segurador é privado de experiências passadas, não dispondo de dados estatísticos
suficientes para prever a ocorrência de fatos futuros de uma maneira objetiva e
segundo um cálculo rigoroso de acordo com a lei de probabilidade, como ressalta
Anne Guégan-Lécuyer
140
.
137
Dommage de masse et responsabilité civile. Paris: L.G.D.J., 2006. p. 192.
138
MARTINS, João Marcos Brito. Direito do seguro responsabilidade civil das seguradoras. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 15.
139
Na verdade, para que se possa segurar os riscos que afetam pequeno número de pessoas, tais
como as plataformas de exploração de petróleo, deve existir um processo de pulverização de riscos,
seja pelo resseguro, co-seguro ou retrocessão. Segundo definição de Ivan de Oliveira Silva, o
resseguro é a operação pela qual o segurador, sem a necessidade de anuência do segurado,
transfere, total ou parcialmente, os riscos por ele assumidos para outro segurador, mediante o
pagamento de prêmio. O co-seguro, para este autor, é uma das modalidades de pulverização dos
riscos, é uma operação securitária pela qual a responsabilidade pelo risco é distribuída
simultaneamente entre duas ou mais empresas seguradoras. A retrocessão, por sua vez, também é
uma das formas de pulverização dos riscos, é a operação pela qual o ressegurador transfere a outra
resseguradora o excedente das responsabilidades aceitas em contratos de resseguro. (Curso de
direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 193/198)
140
Dommage de masse et responsabilité civile. Paris: L.G.D.J., 2006. p. 192.
59
Inobstante isso, os seguradores, ao longo dos anos, têm desenvolvido
técnicas sofisticadas de mensuração do risco, e um exemplo bastante corriqueiro e
significativo advém dos seguros de automóveis.
Em uma pesquisa mundial foi constatado que o índice de acidentes de
trânsito com mulheres é 28,5% inferior ao total registrado quando os veículos são
conduzidos pelos homens. Se não bastasse esse dado, constatou-se ainda que o
sexo feminino causa prejuízos de baixo custo quando se envolve em colisões e que
as mulheres raramente dirigem embriagadas, o que acontece com maior
facilidade entre os homens, de modo que a sua (das mulheres) exposição ao risco é
bem menor
141
.
A conseqüência de tal constatação o risco oferecido pelas mulheres ser
inferior ao dos homens é que o prêmio de um seguro de automóvel para pessoas
do sexo feminino é menos custoso do que para as pessoas do sexo masculino.
Somente por meio de estatísticas foi possível chegar a essa conclusão e valorar
com precisão o risco ofertado.
Feitas essas considerações preliminares, passemos a definir o que se
entende por risco.
Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, risco é “a possibilidade de ocorrer ou
não evento futuro e incerto de conseqüências relevantes aos interesses do
contratante do seguro”
142
.
Marcelo da Fonseca Guerreiro define risco como sendo:
[...] o acontecimento possível, mas futuro e incerto, seja quanto à sua
realização (acidente, furto, incêndio, etc.), seja quanto ao momento
em que se deverá produzir (morte), que não depende exclusivamente
da vontade, nem do segurado nem do segurador, e cuja ocorrência
obriga o segurador a pagar ao segurado a prestação ajustada ou a
indenizá-la dos prejuízos sofridos em conseqüência do mesmo
acontecimento
143
.
141
GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Contratos internacionais de seguros. São Paulo: RT,
2002. p. 46.
142
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 342.
143
GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Seguros privados. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
60
Joaquin Garrigues, por sua vez, afirma que “riesgo es la posibilidad de que
por azar ocurra un hecho que produzca una necesidad patrimonial”
144
.
Seguindo a mesma linha dos entendimentos doutrinários supratranscritos,
entendemos por risco um evento que, além de ser possível, futuro e incerto, não
depende da vontade das partes, acarretando a sua verificação conseqüências
negativas ao segurado.
O risco é a possibilidade de perda para o segurado. Uma vez ocorrida essa
perda, denomina-se de sinistro ou, em outras palavras, o sinistro é o risco
concretamente verificado.
A ocorrência do risco deve ser independente da vontade das partes, pois, se
houvesse a participação do segurado na sua realização, estaria excluída a incerteza,
que é um de seus elementos essenciais. Além disso, a própria ordem pública possui
interesse na proibição de atos dolosos, de modo que o artigo 762 do Código Civil
veda expressamente a realização de seguro contra atos dolosos do segurado,
imputando-lhe a pena de nulidade
145
.
O fato intencional não pode ser segurado, na medida em que não seria
possível fazer previsões estatísticas de sua ocorrência. Portanto, para que o risco
seja segurável, ele deve ser independente da vontade do segurado.
O risco consiste em um evento futuro, que pode ou não se concretizar durante
a vigência do contrato. Caso seja realizado um contrato cujo risco já tenha ocorrido,
o contrato de seguro é tido como nulo, já que é pressuposto para a realização de um
seguro que o risco, cuja garantia seja prestada pelo segurador, seja futuro
146
, como
argumentam Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes e Heloisa Helena
2004. p. 80.
144
Contrato de seguro terrestre. 2. ed. Madrid: [s.n.], 1983. p. 11.
145
“Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do
beneficiário, ou do representante de um ou de outro.”
146
Deve-se aqui fazer a ressalva de que a regra é de que os riscos no contrato de seguro sejam
sempre futuros. Contudo, na realidade, verificamos que há, no mínimo, uma exceção, qual seja, o
seguro de responsabilidade civil na modalidade claims made, cuja cobertura abrange sinistros
ocorridos anteriormente à vigência da apólice, mas reclamados durante a vigência desta.
61
Barboza:
Um dos atributos essenciais do risco é a sua futuridade. Daí que, se
o risco é pretérito, porque implementou ou cessou de existir
anteriormente à contratação do seguro, a hipótese é de invalidade do
contrato por impossibilidade do seu objeto. Haveria, ainda,
enriquecimento indevido por parte do segurador, se recebesse o
prêmio, e o risco não mais existisse. Nesse caso, a lei pune,
também, a desonestidade do segurador, a sua ausência de boa-fé,
obrigando-o a pagar o dobro do prêmio estipulado
147
.
Caso o segurador, no momento de celebração do contrato, saiba que o risco
ocorreu e, mesmo assim, conclua a avença, fica obrigado, nos moldes do artigo
773 do Código Civil
148
, a restituir ao segurado em dobro o prêmio estipulado, como
salienta Ivan de Oliveira Silva:
[...] Com efeito, considerando que o contrato de seguro é regido pelo
princípio da boa-fé, convém destacar que a emissão de apólice com
manifesta ausência do risco ferirá frontalmente o referido princípio.
Como sanção ao segurador que, embora tenha conhecimento da
ausência do risco, seja porque ele cessou ou porque nunca existiu,
será compelido ao pagamento em benefício do segurado do
correspondente ao dobro do valor do prêmio previsto na apólice
149
.
No que tange à incerteza, esta característica pode ser quanto à sua
ocorrência ou o, como também pelo tempo de sua verificação. No caso de um
seguro de vida vitalício, a incerteza reside no momento da morte.
Em relação às conseqüências de verificação do risco, a ocorrência desse
evento futuro e incerto gera conseqüências negativas ao segurado (perdas
patrimoniais). O risco sempre é uma perda ao segurado.
quem sustente que exceções a essa assertiva, tais como o seguro de
vida cujo risco coberto é a sobrevida do segurado. Neste, tendo o segurado atingido
determinada idade, devidamente estipulada no contrato, ele passará a receber o
capital segurado estabelecido, não havendo que se falar nessa hipótese em
147
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. II, p. 582.
148
“Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se
pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.”
149
SILVA, Ivan de Oliveira. Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 109.
62
conseqüências prejudiciais, mas sim em efeitos positivos do adimplemento do
sinistro.
Nesse aspecto, fazemos nossas as palavras de Fábio Konder Comparato, no
sentido de que a assertiva supra é equivocada, pois, “muito embora de caráter
favorável, tais eventos provocam habitualmente ônus econômicos para o segurado
ou o beneficiário, contra os quais estes têm interesse em se premunir”, visto que, “de
outra sorte, o contrato teria fins puramente especulativos, descaracterizando como
operação de seguro”
150
.
Inúmeros são os riscos a que as pessoas e os bens estão expostos, advindos
da própria vida em sociedade. Os riscos são, portanto, quase que inumeráveis.
Contudo, ao haver a transferência das conseqüências econômicas dos riscos
ao segurador, passam esses a ser delimitados. O segurador somente está obrigado
a indenizar os danos sofridos pelo segurado (ou pelo terceiro, no caso de seguro de
responsabilidade civil), pelos riscos contemplados no contrato e até os limites nele
fixados, consoante determinam os artigos 757 e 760 do Código Civil
151
.
Sergio Cavalieri Filho, ao comentar os artigos 757 e 760 do Código Civil,
assim se posiciona:
Dois artigos do Código Civil realçam a importância da mutualidade no
seguro, destacam o necessário equilíbrio econômico que deve existir
entre o risco e o prêmio. O art. 757 enfatiza que o segurador garante
o interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou à coisa, contra
riscos predeterminados. Por que o segurador responde pelos
riscos predeterminados? Porque apenas estes foram incluídos nos
cálculos atuariais, apenas estes foram computados na mutualidade
contratual. Qualquer risco não previsto no contrato desequilibra o
seguro economicamente. Temos, a seguir, o art. 760, que reforça
este mesmo princípio: “apólice ou bilhete de seguro [...] mencionarão
os riscos assumidos [...] o limite da garantia e o prêmio devido [...]”.
Por que a apólice vale dizer, o contrato consignará os riscos
assumidos e o prêmio devido? Porque terá que haver equilíbrio entre
150
O seguro de crédito. São Paulo: RT, 1968. p. 41.
151
“Art. 757. Pelo contrato do seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a
garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.”
“Art. 760. A apólice ou bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e
mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio
devido, e, quando lhe for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.”
63
ambos, porque a mutualidade é a base econômica do seguro. Se o
segurador tiver que responder por riscos não previstos no contrato
terá que pagar por algo que não foi incluído nos cálculos atuariais,
terá que pagar por algo que não recebeu
152
.
Defendemos, por força do quanto disposto na norma, que, pelo contrato de
seguro, o segurador não está obrigado a pagar todos os prejuízos decorrentes do
sinistro ocorrido, mas somente os danos decorrentes dos riscos previamente
previstos no contrato. O seguro não é a garantia de uma reparação integral.
Isto porque os riscos pré-fixados no clausulado estão relacionados
diretamente com a contraprestação paga pelo segurado, consistente no prêmio. A
equivalência entre o prêmio e o risco é fundamental para a manutenção do equilíbrio
contratual, como apontam Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e
Ayrton Pimentel:
O risco é o elemento sine qua non para a formação da taxa a ser
aplicada para o cálculo do prêmio. Essa taxa resulta das contas
atuariais que, como afirmamos, permitem compreender
economicamente as incertezas individuais, convolando-as em risco
no contexto coletivo e nele dissolvendo-as. Essas taxas não são
proporcionais aos valores das importâncias ou capitais garantidos,
mas à garantia em si, que corresponde ao risco incidente sobre o
interesse. Essa vinculação prêmio/risco é posta em destaque pelo
art. 770
153
, ao estabelecer que uma quebra considerável da
proporcionalidade entre esses dois elementos pode levar à revisão
ou mesmo à extinção do contrato
154
.
Na jurisprudência, o reconhecimento da limitação da responsabilidade do
segurador aos riscos garantidos no contrato ainda não é feito de forma unânime. No
entanto, é crescente tal posicionamento, do qual perfilhamos
155
, como ilustra o
julgado abaixo:
152
Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 448.
153
“Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a
redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir
a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.”
154
O contrato de seguro. São Paulo: RT, 2003. p. 38.
155
Segue julgado, nesse sentido, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação
n. 903270-0/6, julgado em 19 dez. 2006, pelo Desembargador Relator Sebastião Flávio, da 25ª
Câmara de Direito Privado): “[...] uma cobertura é precedida de levantamentos estatísticos que
determinam a provável correspondência entre o prêmio e a cobertura. Se aqueles que, pela sua
maior incidência, podem comprometer o equilíbrio entre a massa de recursos auferida com os
prêmios e as coberturas previstas, é lícito ao segurador excluí-los, porque é livre para escolher os
riscos que quer cobrir.”
64
Como sabido, este contrato deve ser interpretado sempre de forma
restritiva, motivo pelo qual o excesso de minudência em sua redação
é mesmo aconselhável, consignando nas cláusulas contratuais,
dentre outras coisas, os riscos assumidos. Desta forma, previne-se a
extrapolação do objeto do contrato, delimitando perfeitamente até
onde chega a responsabilidade da seguradora pelos danos cobertos
pela avença.
[...]
Conforme dito, o contrato de seguro possui um tênue equilíbrio, o
qual é severamente afetado quando o risco coberto pelo pacto é
agravado. Quando isso ocorre, o prêmio pago deixa de ser suficiente
para cobrir a totalidade dos riscos garantidos pela seguradora,
afetando não aquela avença, mas a totalidade das demais,
integrantes de um mesmo fundo
156
.
Impor aos seguradores o pagamento de uma indenização por um risco não
coberto pelo contrato de seguro significa violar a mutualidade em que se funda essa
espécie de avença, atribuindo uma responsabilidade ao segurador para a qual não
houve o devido pagamento do prêmio.
Quanto a tal aspecto, Sergio Cavalieri Filho
157
faz uma ressalva importante, no
sentido de que, para fazer frente a esse risco extra, o segurador passará a incluí-lo
em seu cálculo atuarial e, por conseguinte, no prêmio cobrado do segurado. O
seguro tornar-se-á mais caro para todo o mercado consumidor, passando a ser
inacessível a uma parcela da população. A imputação infundada de
responsabilidade aos seguradores acabará por prejudicar o próprio consumidor a
longo prazo.
A exclusão de determinados riscos por parte dos seguradores dá-se de duas
formas. Em um primeiro momento, o segurador estabelece de forma positiva os
riscos cobertos, constando no contrato a cobertura, por exemplo, da
responsabilidade extracontratual do segurado. E, a contrario sensu, deve-se
entender que, se o objeto do seguro é a cobertura da responsabilidade delitual, se
conclui pela não-cobertura da responsabilidade contratual do segurado.
Em um segundo momento, a fim de confirmar o evento coberto pelo contrato
e para que não restem dúvidas quanto aos não contemplados, o segurador explicita
156
Julgado extraído do site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 2004.010784-
6, oriundo de São Lourenço do Oeste, Relator Desembargador Sérgio Izidoro Heil, julgado em 27
mar. 2007.
157
Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 453.
65
os riscos excluídos que, na verdade, não passam de uma confirmação às avessas
do que efetivamente possui cobertura.
Por fim, de ser salientado que as características do risco, embora também
estejam presente no jogo e na aposta, diferem completamente do risco como
elemento essencial do contrato de seguro.
O risco preexiste ao contrato de seguro, que inúmeros são os riscos a que
estão sujeitos um bem ou uma pessoa. Em contrapartida, no jogo e na aposta, o
risco decorre do próprio fato de se ter jogado ou apostado, consistindo em efeito do
contrato, sendo posterior a este.
Além disso, o jogo e a aposta sempre proporcionarão um lucro, ao passo que
nos contratos de seguro a verificação do risco ocasionará uma perda patrimonial, de
modo que o seguro visa justamente a reparação do prejuízo causado e jamais um
ganho.
Quanto a esse aspecto. J. M. de Carvalho Santos
158
fazia a ressalva de que “o
seguro o deve nunca degenerar em jogo ou aposta”, pois “o seguro é
essencialmente um contrato de indenização, não podendo, por isso mesmo,
transformar-se para o segurado em fonte de lucros”.
Como última distinção, mas não de menor relevância, o seguro é um
instrumento contratual que, em decorrência da transferência das conseqüências
econômicas do risco ao segurador, objetiva amenizar as perdas, possuindo uma
função econômica e também social de grande importância. O jogo e a aposta, ao
revés, utilizam-se do risco para fins meramente individuais, sem qualquer proveito
para a sociedade.
2.3.4 Prêmio
158
Código Civil brasileiro interpretado. 6. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1955. v. XIX, p.
204.
66
O prêmio consiste na contraprestação paga pelo segurado para a contratação
do seguro, transferindo ao segurador as conseqüências econômicas do risco.
O prêmio é a contribuição paga por cada um, para formar o fundo comum, o
qual será gerido e administrado pelo segurador, a fim de prestar garantia aos riscos
que lhe foram transferidos, efetuando o pagamento de indenizações, na hipótese de
ocorrência de sinistro.
Segue abaixo a explicação, dada por J. M. de Carvalho Santos, acerca do
prêmio:
O segurador pede a cada segurado uma cota suficiente para que,
com o total de todas as cotas de um mesmo grupo de segurados,
que se encontram em condições idênticas, possa fazer face ao
pagamento das somas seguradas, de acordo com as previsões dos
sinistros que se podem verificar no período coberto pelo seguro. Esta
cota, que se chama prêmio, é determinada segundo os dados de
experiência e de acordo com as estatísticas que se obtêm,
coordenando as observações relativas aos riscos da mesma
natureza
159
.
Yvonne Lambert-Faivre e Laurent Leveneur, por sua vez, assim definem o
prêmio:
La prime prix d’assurance – représente techniquement le coût de la
garantie du risque; juridiquement, elle est la contrapartie de la
sécurité vendue par l’assureur. [...] Le vocable “prime” est le terme
générique désignant la somme payée à une entreprise d’assurance
pour la garantie d’un risque
160
.
Mesmo diante da não-verificação do sinistro, hipótese em que não haverá o
pagamento da indenização, persiste o dever do segurado quanto ao adimplemento
do prêmio, pois a garantia ao risco prestada pelo segurador representa o
adimplemento de sua prestação.
Importante ressaltar que, dada a sua relevância, caso o prêmio não tenha
159
Código Civil brasileiro interpretado. 6. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1955. v. XIX, p.
325.
160
Droit des assurance. 12. ed. Paris: Dalloz, 2005. p. 328.
67
sido quitado quando da ocorrência do sinistro, por força do quanto disposto no artigo
763 do Código Civil
161
, nenhuma indenização será devida ao segurado. No mesmo
sentido já dispunha o artigo 12 do Decreto-Lei n. 73/66
162
.
Isso significa que, enquanto perdurar a mora do segurado quanto ao
adimplemento do prêmio, a cobertura securitária restará suspensa e, na hipótese de
ocorrência de sinistro nesse período, o segurado não será indenizado. Esse era o
entendimento preconizado por Pontes de Miranda:
Durante o tempo da suspensão da eficácia, os riscos não estão
cobertos: a suspensão da eficácia descobriu-os. A purga da mora
não os cobre ex tunc. Os danos oriundos dos sinistros que ocorreram
durante o tempo em que se suspendeu a eficácia não são
ressarcíveis
163
.
Também compartilha desse posicionamento Orlando Gomes, em sua obra
atualizada:
A principal obrigação do segurado é pagar o prêmio. O prêmio pode
ser único ou periódico. Quando parcelado, de ser pago no
vencimento das prestações, admitindo-se, porém, prazo de
tolerância, ou reativação do contrato.
Sendo o prêmio uma condição de eficácia do contrato, se o evento
ocorre antes de seu pagamento, o segurador não é obrigado a pagar
o seguro
164
.
Por tratar-se de mora e o inadimplemento absoluto
165
, permite-se a sua
purgação, podendo o segurado retomar o pagamento do prêmio, momento em que a
cobertura volta a operar-se normalmente. Entretanto, essa purgação não terá efeitos
retroativos, de modo que sinistros ocorridos no período de inadimplência não terão
161
“Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio,
se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.”
162
“Art. 12. A obrigação de pagamento do prêmio pelo segurado vigerá a partir do dia previsto na
apólice ou bilhete de seguro, ficando suspensa a cobertura do seguro a o pagamento do prêmio e
demais encargos. Parágrafo único. Qualquer indenização decorrente do contrato de seguros
dependerá de prova de pagamento do prêmio devido, antes da ocorrência do sinistro.”
163
Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. Título L. §4919. p. 315.
164
Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 521.
165
Agostinho Alvim traz a clássica distinção entre mora e inadimplemento absoluto: “Segundo a
doutrina corrente dos escritores, a mora distingue-se do inadimplemento absoluto da seguinte
maneira: ‘Há inadimplemento absoluto quando o devedor não mais pode cumprir a obrigação;
mora quando a possibilidade ainda persiste.’ A idéia é esta: a distinção está na possibilidade ou
impossibilidade.” (Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 1972. p. 37)
68
cobertura, por força do disposto no artigo 763 do Código Civil e no artigo 12 do
Decreto-Lei n. 73/66. Durante o período de mora, suspensa está a cobertura,
voltando o contrato a ter vigência normal somente após a sua purgação
166
.
Não obstante a penalidade imposta no dispositivo supracitado, a
jurisprudência é tímida na sua aplicação, tendo sido formado outros
posicionamentos a respeito do tema, mais favoráveis ao segurado
167
.
entendimento no sentido de que, a despeito da inadimplência do segurado, o
pagamento da indenização securitária é devido, cabendo ao segurador a cobrança,
pela via executiva, do prêmio não quitado. Outra corrente defende
168
, em uma
posição mais intermediária, a realização do pagamento da indenização mediante o
desconto do prêmio não adimplido
169
.
Em que pese o entendimento divergente da jurisprudência acerca do tema,
perfilhamos do posicionamento que defende a aplicação do quanto estatuído nos
artigos 763 e 476 do Código Civil
170
, no que se refere à exceção de contrato não
166
Nesse sentido, entende parte da jurisprudência: “O contrato de seguro que vem tendo o seu prêmio
pago mês a mês continua existindo, mas não opera efeitos quando o segurado incide em mora
quanto ao pagamento daquela obrigação. Deveras, se o sinistro ocorre de permeio, vale dizer, dentro
do lapso de tempo em que o segurado deixou de pagar o prêmio, a seguradora, por força das
cláusulas contratuais a que as partes estão sujeitas e da lei que rege o ponto em controvérsia, não
está obrigada a liquidar a indenização.” (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação n.
13.478/03, Relator Desembargador Albano Mattos Corrêa, julgado em 30 set. 2003)
167
Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “O simples atraso no
pagamento de uma das parcelas do prêmio não se equipara ao inadimplemento total da obrigação do
segurado e, assim, não confere à seguradora o direito de descumprir sua obrigação principal, que, no
seguro-saúde, é indenizar pelos gastos despendidos com tratamento de saúde.” (Apelação Cível n.
471.134.4/7-00, Relator Desembargador Beretta da Silveira, julgado em 12 dez. 2006)
168
Defende Eduardo Luiz Bussatta que: “Assim, o art. 763 do Código Civil, que, ao tratar do contrato
de seguro, diz que ‘não tedireito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do
prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação’, deve ser aplicado na hipótese de a mora
verificar-se sobre parte considerável do prêmio. Se houver descumprimento de parte ínfima,
insignificante, será devido o pagamento da indenização, descontado o valor do prêmio em atraso e
demais verbas decorrentes da mora.” (Resolução dos contratos e teoria do adimplemento
substancial. In: LOTUFO, Renan (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2008. p. 121)
169
Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “O inadimplemento
de prestação mensal e a ocorrência do sinistro antes da realização do pagamento não eximem a
seguradora da obrigação de indenizar; porém, deverá ser descontado o valor da parcela não paga.”
(Apelação n. 70000364539, Relator Desembargador Antônio Corrêa P. de Fontoura, julgado em 27
set. 2000)
170
“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação,
pode exigir o implemento da do outro.” Ao comentar esse dispositivo, Eduardo Luiz Bussatta assevera
que a exceptio non adimpleti contractus corresponde a uma defesa dilatória pela qual o contratante,
em um contrato bilateral, instado judicial ou extrajudicialmente a realizar a prestação devida, defende-
se sustentando que a prestação da parte contrária também não foi cumprida, de forma que não
estaria obrigado a realizar a sua enquanto o outro não realizasse a que lhe incumbia. O demandado
recusa-se a cumprir com a sua prestação em razão de que o demandante é inadimplente.”
(Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. In: LOTUFO, Renan (Coord.).
69
cumprido a ser levantada nos contratos bilaterais. E, desse modo, estando em mora
o segurado, perde ele o direito ao recebimento da indenização securitária, na
medida em que, o tendo o segurado cumprido com a sua obrigação, não poderá
exigir do segurador o cumprimento da sua obrigação
171
.
Oportuno esclarecer que, não obstante entendermos pela suspensão da
cobertura, enquanto perdurar a inadimplência do segurado, isso não enseja a
resolução automática do contrato de seguro
172
, devendo existir prévia notificação ao
segurado para tanto
173
, não se olvidando de uma corrente mais ortodoxa que exige a
intervenção judicial para a declaração da resolução contratual
174
.
A possibilidade de resolução do contrato de seguro, em razão do não-
pagamento do prêmio pelo segurado, encontra fundamento no artigo 475 do Código
Civil, pois se trata de um inadimplemento de natureza grave, que retira o equilíbrio
contratual existente entre prêmio, obrigação do segurado, e a prestação da garantia,
obrigação do segurador.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 104)
171
Nesse sentido foi o posicionamento adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “Ocorre
que, consoante prova dos autos, ficou demonstrada ser descabida a suplicada cobertura, como bem
decidiu o i. Juízo monocrático, porquanto comprovada a mora no pagamento do prêmio, se
consumando o sinistro antes de sua purgação, bem como a comunicação do referido atraso e
cancelamento da apólice ao segurado-autor. Assim é que não merece qualquer reparo a r. sentença
hostilizada. Nesta esteira, ficou patente que, consoante asseverado na decisão impugnada, restou
comprovado que o autor contratou o seguro, optou pela forma parcelada, mas não arcou com o
pagamento dos prêmios devidos, o que justifica a recusa ao pagamento de qualquer indenização pelo
sinistro ocorrido.” (Apelação n. 58871/06, 11ª Câmara Cível, Relator Desembargador Benedicto
Abicair, julgado em 2006)
172
“[...] havendo cláusula resolutiva expressa, a resolução se dará de pleno direito, só necessitando de
notificação à parte inadimplente, ou seja, independentemente de ação judicial com tal fim, conforme
dispõe o art. 474 dodigo Civil, ao contrário da resolução legal, que necessita de ação judicial para
tanto.” (BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento
substancial. In: LOTUFO, Renan (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2008. p. 102)
173
“A rescisão do contrato de seguro deve ser necessariamente precedida, pelo menos, de notificação
pessoal do segurado, vez que o simples retardo no pagamento de parcela do prêmio, que é o caso
em comento, não é causa hábil à extinção da relação de seguro, ainda que, prevista contratualmente
essa hipótese.” (Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Apelação Cível n. 25984/2008,
Relator Desembargador Sebastião de Moraes Filho) Ainda: “Como o art. 1.450 do velho Código
mencionava a obrigação de o segurado pagar juros sobre prêmio em atraso, independentemente de
interpelação, devemos entender que a falta de pagamento não autoriza o automático cancelamento
do seguro. Na hipótese, fica apenas suspensa a exigibilidade da indenização, enquanto não purgada
a mora.” (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 2003.012172-2, de Itajaí, Relatora
Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, julgado em 8 ago. 2006)
174
Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Seguro-saúde.
Cancelamento do contrato, por força de inadimplência superior a 60 dias. Impossibilidade. Não basta
a notificação prevista no artigo 13, da Lei 9.656/98, é necessária a intervenção judicial para a
resolução do contrato.” (Apelação n. 471.134-4/7-00, Relator Desembargador Beretta da Silveira,
julgado em 12 dez. 2006)
70
Eduardo Luiz Bussatta, em obra específica sobre o assunto, assim assevera
quanto à resolução do contrato por incumprimento de uma das partes:
A resolução é remédio grave por romper com o vínculo jurídico,
desfazendo o contrato e todos os seus efeitos, buscando a volta ao
status quo. Libera os contratantes, fazendo com que o contrato não
mais os vincule.
Assim, tal remédio somente deve ser usado em situações de
gravidade, não estando de acordo com a boa-fé o seu uso em
situação em que o inadimplemento é de escassa importância. [...]
se pode pensar na resolução do contrato quando o
descumprimento é sério, lesivo aos interesses da parte não
inadimplente. Tal descumprimento deve retirar o sinalagma funcional
do contrato, afastando sua função econômico-social
175
.
Entretanto, não há como negar a forte tendência na doutrina e na
jurisprudência
176
na aplicação da teoria do adimplemento substancial do contrato
177
.
175
Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. In: LOTUFO, Renan (Coord.).
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 99.
176
Nesse sentido sustentou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “No julgamento da
apelação n. 599.763-00/0, pela Câmara desta Corte, o eminente Relator Juiz Gilberto dos Santos,
em brilhante voto, teve a oportunidade de observar que “a cláusula que cuida da suspensão da
cobertura, caso a parcela do prêmio não seja paga na data acordada, precisa receber o devido
temperamento, sob pena de colocar o consumidor em desvantagem exagerada. E assim porque,
enquanto a seguradora deixa de receber somente uma pequena fração do prêmio, o segurado fica
sujeito a, sobrevindo o sinistro, perder a totalidade da indenização a que teria direito. Sobre isso, aliás
continua –, doutrina e jurisprudência mais modernas têm invocado a teoria do adimplemento
substancial oriundo do Direito Comparado (substancial perfomance). Com base na boa-fé objetiva,
que é fonte de deveres e limitações contratuais, entende-se abusiva a conduta do contratante que se
nega a cumprir com o avençado e insiste na suspensão do contrato apenas porque a outra parte
deixou de pagar uma pequena fração do que devia. Ora, a recusa dada pela seguradora, apenas
porque uma única parcela não teria sido paga a tempo, constitui verdadeira situação de
desequilíbrio.” (Apelação n. 927990-0/3, 31ª Câmara Cível, Relator Desembargador Armando Toledo,
julgado em1 abr. 2008)
177
Bastante interessante é o histórico trazido por Eduardo Luiz Bussatta no que tange à origem da
teoria do adimplemento substancial. Informa que a possibilidade de resolver o contrato ante o
descumprimento da prestação por parte de um dos contratantes apareceu com o artigo 1.184 do
Código de Napoleão. Contudo, indagava a doutrina qual seria o descumprimento suficiente a ensejar
tal resolução. No início, passou-se a entender que somente o descumprimento de uma prestação
dependente (condition) dava azo à resolução, de forma que, por outro lado, o descumprimento de um
dever acessório, do qual a avença não fosse dependente (warranty), somente concedia o direito de
reclamar perdas e danos. Entretanto, passou a criticar tal critério, pois se argumentava que não era
considerada a gravidade do descumprimento e, diante disso, independentemente de ser um
descumprimento de uma prestação dependente ou acessória, passou-se a adotar o seguinte critério:
se o descumprimento fosse leve, somente admite-se a reclamação por perdas e danos; se fosse sério
e grave, “capaz de comprometer não o sinalagma contratual, mas toda a economia do contrato,
admite-se a resolução contratual”. Como pondera o autor, “ocorreu, assim, considerável evolução na
medida em que se deixou de considerar a natureza do dever descumprido, passando-se a valorar a
gravidade do dever descumprido e as conseqüências que resultam na economia do contrato. Surge,
então, o critério ou princípio conhecido como substancial failure in performance ou, simplesmente,
substantial performance. (Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. In:
LOTUFO, Renan (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2008. p. 38/42)
71
Conforme esclarece Claudio Luiz Bueno de Godoy
178
, o adimplemento substancial é
a revelação do solidarismo na relação contratual, evitando-se a resolução do
contrato quando uma das partes tenha cumprido substancialmente o contrato,
citando-se, como exemplo, o não-pagamento de uma parcela do prêmio do seguro.
No que tange ao inadimplemento quanto ao pagamento do prêmio,
interessantes são os comandos na Lei de Seguros argentina (Lei n. 17.418/67).
Referida norma estabelece que compete ao segurado o pagamento do prêmio, de
modo que, em se tratando de pagamento do prêmio em uma única parcela ou
quando for a primeira parcela, não sendo esta paga, nada será devido pelo
segurador. Contudo, não se tratando desta hipótese, permite-se ao segurador
compensar o seu crédito quando do pagamento da indenização ao segurado
179
.
Em relação ao valor pago a título de prêmio, esteo é fixado aleatoriamente
ou arbitrariamente. O seu valor é obtido por meio de cálculos atuariais, não sendo,
portanto, igual para cada segurado, pois varia de acordo com a natureza do risco
garantido pelo segurador. Ou seja, o prêmio é fixado em função do risco, levando-se
em consideração a probabilidade de ocorrência do sinistro e, no caso de sua
verificação, a sua extensão.
Tal característica é ressaltada por Caio Mário da Silva Pereira ao afirmar que
“a fixação do prêmio é em função do risco e do valor, e constitui objeto de cálculos
atuariais com base na lei dos grandes números e das probabilidades”
180
.
A título de exemplo, pode-se citar o seguro de um mesmo automóvel (mesma
marca, modelo e ano de fabricação) por duas pessoas distintas. Supomos que um
dos proprietários do veículo circule na cidade de o Paulo, pernoite em via pública
178
In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Manole, 2007. p. 630.
179
“Seccion VIII: Prima
Obligado al pago Art. 27. El tomador es el obligado al pago de la prima. En el seguro por
cuenta ajena, el asegurador tiene el derecho a exigir el pago de la prima al asegurado, si el tomador
ha caído en insolvencia.
Compensación – El asegurador tiene derecho a compensar sus créditos contra el tomador en
razón del contrato, con la indemnización debida al asegurado o la prestación debida al beneficiario.
Mora en el pago de la prima efectos Art. 31. Si el pago de la primera prima o de la prima
única no se efectuara oportunamente, el asegurador no ser responsable por el siniestro ocurrido
antes del pago.”
180
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 457.
72
e não possua garagem no local de trabalho. Supomos, ainda, que o outro veículo
circule na cidade de Araraquara e possua garagem na residência e no local de
trabalho.
Embora o bem segurado seja o mesmo, o risco a que está sujeito cada um é
diverso e tal fato influenciará na taxação do prêmio. O prêmio possui exata
correlação com o risco garantido pelo segurador.
Por outro lado, se os riscos forem absolutamente idênticos, dois corretores
que solicitem um orçamento para esses mesmos riscos em um mesmo segurador
obterão um mesmo valor de prêmio a ser pago pelos segurados. O que pode levar a
uma diferença no valor do prêmio final, também denominado de prêmio comercial, é
em razão do percentual de comissão aplicado pelo corretor de seguros, que é
este quem negocia com o segurador e fixa o seu percentual de comissionamento.
O valor do prêmio, como se nota, pode ser decomposto em duas partes: (i)
prêmio puro, “correspondente ao valor do risco assegurado, que é a contribuição
para o fundo, gerido pela seguradora, que garante o pagamento das prestações na
hipótese de verificação do evento coberto pelo seguro”
181
; (ii) carregamento, “que
remunera especificamente os serviços comunitários, cobrindo as despesas
operacionais e proporcionando lucro”
182
, incluindo-se aqui as despesas referentes à
administração por parte do segurador, os impostos e o comissionamento a ser pago
ao corretor de seguros.
Quanto ao prêmio puro, a sua fixação,
em linhas gerais, faz-se mediante o levantamento estatístico, durante
determinado período de tempo, da incidência de casos ocorridos
para o total de casos observados. Esses dados dão a conhecer a
probabilidade de sinistros. É fixada matematicamente sob a forma de
fração, cujo numerador exprime os fatos ocorridos (chances
favoráveis)
183
.
O prêmio bruto ou comercial é a soma do prêmio puro e do carregamento, o
181
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 342.
182
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 343.
183
ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 271.
73
que significa dizer que é a junção do valor correspondente a fazer frente ao
pagamento das indenizações com o montante necessário para cobrir o custo da
administração, os impostos (imposto sobre operações financeiras IOF), a
comissão a ser paga ao corretor de seguros e o lucro do segurador.
Na França, como explicam Hubert Groutel e Claude J. Berr, a formação do
prêmio comercial ocorre da mesma forma:
La prime pure est établie sur la base de la prévision du côut des
sinistres futurs. Elle est donc d’un niveau très voisin, sinon identique,
quelle soit la compagnie.
Les frais de gestion (variable suivant les compagnies et le mode de
distribuition de l’assurance) constituent une partie du chargemente de
la prime, l’autre partie étant formée des taxes sur le contrat
d’assurance. L’ensemble, ajouté à la prime pure, determine le
montant de la prime nette ou commerciale effectivement due par
l’assuré
184
.
Tendo em vista que o prêmio visa nãoremunerar os serviços do segurador
e do intermediário (corretor de seguros), efetuar o pagamento de tributos que
incidem na operação, mas principalmente formar o fundo comum de onde sairão os
pagamentos das indenizações, não é lícito aos seguradores dispensá-los e sequer
reduzi-los, conforme disposto no artigo 30, do Decreto-Lei n. 73/66
185
.
Para a fixação do “prêmio puro” de forma correta, faz-se necessário que, por
meio da proposta preenchida pelo segurado, o segurador analise os dados nela
constantes com exatidão. Ou seja, necessita o segurador avaliar, por meio dos
cálculos estatísticos, o risco que passará a garantir, a fim de que se chegue com
exatidão ao valor referente à contraprestação a ser paga pelo segurado.
É por esta razão que o segurado, ao preencher a proposta de seguro, deve
prestar as informações atinentes ao risco com a maior exatidão possível. É o
segurado quem fornece elementos ao segurador para a avaliação do risco e, por
conseguinte, para a correta fixação do valor do prêmio
186
. Esse entendimento era
184
Droit des assurances. 11. ed. Paris: Dalloz, 2008. p. 22.
185
“Art. 30. As Sociedades Seguradoras não poderão conceder aos segurados comissões ou
bonificações de qualquer espécie, nem vantagens especiais que importem dispensa ou redução do
prêmio.”
186
O posicionamento adotado pela jurisprudência também é no sentido de que o segurado deve
fornecer todas as informações para a seguradora no que diz respeito ao risco que esta passa a
74
defendido por Cesare Vivante, quando da publicação de sua obra, no ano de 1901:
L’assicuratore che non puó di regola scoprire coi propri occhi tutte le
circonstanze che possono influire sull’apprezzamento del rischio,
deve affidarsi nel maggior numero dei casi alle dichiarazioni
dell’assicurato. Perció questi è obbligato a dichiarare esattamente le
vere condizioni del rischio e cioé a dire esattamente tutto quello
chedice e a dire tutto quello che as. Se viola il primo precetto
commette uma reticenza; ed in entrambi i casi l’assicuratore può
chiedere la nullitá del contratto, quando le circostanze inesatte o
taciute furono di tanta importanza da indurlo a dare un consenso che,
conoscendo il vero, avrebbe negatto
187
.
De tamanha relevância é a boa-fé no contrato de seguro que esse tema será
abordado em tópico específico neste trabalho.
2.3.5 Segurador
Quando a coletividade sente-se ameaçada por um risco, consiste em um
movimento quase instintivo a reunião dessas pessoas para fazer frente a este.
Forma esse grupo, então, um fundo comum com a pequena participação de cada
um desses indivíduos expostos ao mesmo risco, para que, em ocorrendo algum
prejuízo a um desses integrantes, esse fundo formado possa atenuar ou eliminar a
perda sofrida.
Originalmente esse fundo era administrado por indivíduos isolados, que
“assumiam a responsabilidade de efetuar o pagamento de indenizações aos seus
contribuintes se acontecia o risco previsto no contrato. À medida que o seguro foi
perdendo contato com as suas origens, onde se confundia com o jogo, pois o
garantir e para que seja possível a fixação do valor do prêmio corretamente. O julgado proferido pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo espelha esse raciocínio: “Entre as partes, passou a vigorar contrato
de seguro de veículo com base no perfil do principal usuário do bem. [...] O propósito do contrato
celebrado sob a modalidade do perfil do segurado, sem dúvida alguma, é racional e plenamente
justificável. Inegável, portanto, a influência das informações prestadas por ocasião da formação do
contrato, no equilíbrio contratual. Não se pode afirmar, por outro lado, que as informações prestadas
pelo segurado eram de pouca relevância, pois importavam na aferição do risco assumido pela
seguradora. [...] Ao prestar informação inexata à seguradora, o segurado impediu a perfeita aferição
do risco e a adequada valoração do valor do prêmio.” (Apelação n. 952388-0/5, 30ª Câmara, Relator
Desembargador Paulo César Gentile, julgado em 19 out. 2007)
187
Istituzioni di diritto commerciale. 4. ed. Milão: Libraio della Real Casa, 1901. p. 198.
75
dispunha de bases técnicas, desapareceram também os seguradores individuais”
188
.
Entretanto, não é mais permitida a garantia de riscos por seguradores
individuais, mas somente por empresas seguradoras, na medida em que esse
gerenciador do fundo comum formado pelo grupo de pessoas sujeitas ao mesmo
risco (mutualismo) deve se revestir de grande confiabilidade e solvabilidade. O
segurador individual o tinha condições técnicas e econômicas para toda essa
estruturação que se fazia necessária, e a experiência histórica revelou essa
falibilidade.
Quanto à impossibilidade de seguradores individuais, assim adverte Caio
Mário da Silva Pereira:
Não é livre a exploração de seguros privados. Em nosso direito, não
pode um indivíduo ou pessoa física contratar como segurador. O
parágrafo único do art. 757 do Código Civil somente admite ser parte
no contrato como segurador entidade legalmente autorizada para tal
fim. É uma entidade empresária, reservada às sociedades anônimas,
às sociedades mútuas e às cooperativas, estas, porém, habilitadas
tão-somente para seguros agrícolas (Decreto-lei n. 2.063, de 7 de
março de 1940, art. 1º)
189
.
Tendo em vista a relevância da atividade desenvolvida pelos seguradores,
tanto sob o aspecto econômico, como sob o aspecto social, além da solvabilidade
que necessita possuir para prestar garantia aos riscos assumidos, a atividade
securitária é exaustivamente regulada pelo Estado, assim como ocorre com outras
que desempenham função de grande relevância na sociedade, tais como a atividade
bancária.
O segurador é, portanto, a parte integrante do contrato de seguro que
prestará garantia ao risco, devendo ser necessariamente pessoa jurídica, prevendo
expressamente o artigo 757, parágrafo único, do Código Civil, que o segurador deve
ser entidade para tal fim legalmente autorizada. Entidade não há como ser entendida
como algo diverso de pessoa jurídica.
188
ALVIM, Pedro. O seguro e o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 10.
189
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 454.
76
A lei impõe também que as pessoas jurídicas sejam organizadas
obrigatoriamente sob a forma de sociedade anônima (S.A.) ou como cooperativas,
no caso de seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho
190
.
Não basta somente a estruturação dos seguradores na forma de pessoa
jurídica; as companhias seguradoras necessitam de prévia autorização do Poder
Executivo
191
para o exercício da atividade. É necessária que estejam, nos termos do
parágrafo único, do artigo 757, do Código Civil, “legalmente autorizadas”.
Referida autorização será concedida pelo Ministério da Fazenda, por
intermédio da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP)
192
, que é o órgão
responsável pela fiscalização do setor. Além disso, encontram os seguradores a
proibição de exercerem qualquer outro ramo de comércio ou indústria
193
.
Cabe à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) a fiscalização quanto
à constituição, organização e funcionamento dos seguradores, bem como sobre o
teor das condições gerais dos seguros a ser comercializado.
As cláusulas contratuais, inseridas nas Condições Gerais da Apólice, devem
ser previamente fiscalizadas e autorizadas pela Superintendência de Seguros
Privados (SUSEP). A única exceção diz respeito aos contratos de seguro-saúde, os
quais estão sujeitos à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), por força da Lei n. 9.656/98, vigente a partir de setembro de 1998, e da Lei n.
10.185/01.
Antônio Márcio da Cunha ressalta a regulamentação do setor securitário ao
190
“Art. 24. Poderão operar em seguros privados apenas Sociedades Anônimas ou Cooperativas, de-
vidamente autorizadas. Parágrafo único. As Sociedades Cooperativas operarão unicamente em segu-
ros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho.” (Decreto-Lei n. 73/66)
191
“Art. 74. A autorização para funcionamento será concedida através da Portaria do Ministro da
Indústria e do Comércio, mediante requerimento firmado pelos incorporadores, dirigido ao CNSP e
apresentado por intermédio da SUSEP.” (Decreto-Lei n. 73/66)
192
“Art. 36. Compete à SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP, como órgão
fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras:
a) processar os pedidos de autorização, para constituição, organização, funcionamento, fusão, en-
campação, grupamento, transferência de controle acionário e reforma dos Estatutos das Sociedades
Seguradoras, opinar sobre os mesmos e encaminhá-los ao CNSP; [...].” (Decreto-Lei n. 73/66)
193
Prescreve o artigo 73 do Decreto-Lei n. 73/66 que “as sociedades seguradoras não poderão
explorar qualquer outro ramo de comércio ou indústria”.
77
ponderar que essa uniformização ou padronização das condições gerais das
apólices de seguros, apesar de não excluir totalmente a liberdade contratual, deixa
aos contratantes pouca liberdade, o que revela que nenhuma das partes pode fazer
predominar a sua vontade exclusiva, adstritas que estão aos padrões estabelecidos
pela autoridade competente
194
. Os contratos obedecem a uma padronização de seu
clausulado
195
.
Não é diferente em outros países a expressiva regulamentação do setor
securitário. Em Portugal, por exemplo, um órgão de direito público Instituto de
Seguros de Portugal (ISP) responsável pela supervisão da atividade das
seguradoras, resseguradoras, mediação de seguros e de fundos de pensão
196
,
conforme disposto pelos Decretos-Leis n. 251/97 e n. 289/2001.
Na comunidade européia, por força da Diretiva n. 92/49/CEE e da Diretiva n.
92/96/CEE, cada Estado-Membro tem competência para autorizar o funcionamento
dos seguradores, e tal autorização é válida para que tal empresa exerça a sua
atividade dentro de toda a Comunidade Européia
197
.
194
GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Contratos internacionais de seguros. São Paulo: RT,
2002. p. 45.
195
Em recente julgado, oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que se discutia,
nos autos de uma ação civil pública, a validade de cláusulas limitativas do risco do segurador, foi
decidido que tais cláusulas nada tinham de abusivas, na medida em que foram estabelecidas pelo
próprio órgão que regulamenta o setor, a SUSEP. Segue a seguir a ementa e a fundamentação de
referido julgado: “Seguro de vida e de acidentes pessoais. Ação civil pública. 1. Não se vislumbra a
existência de abusividade nas cláusulas que delimitam os riscos nos casos de acidentes pessoais,
ainda mais quando observadas as normas editadas pela SUSEP. 2. A seguradora não pode ser
responsabilizada pelos riscos devidamente excluídos da apólice. Inteligência do art. 1.460 do Código
Civil de 1916. Sentença reformada. Recurso da provido para julgar a ação improcedente,
prejudicado o apelo adesivo da autora. A própria Superintendência de Seguros Privados SUSEP,
autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda e responsável pelo controle e fiscalização dos
mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro, ao dispor sobre a
possibilidade das sociedades seguradoras operarem seguros de acidentes pessoais, editou a circular
n. 29, de 20/12/91, que previa exatamente a exclusão das situações descritas na subcláusula (fls.
132). Assim, as seguradoras estavam autorizadas pela própria SUSEP a não considerarem as
situações referidas na inicial como decorrentes de acidente pessoal. Ademais, deve-se observar a
regra insculpida no artigo 1.460, do Código Civil de 1916, segundo a qual: Quando a apólice limitar ou
particularizar os riscos do seguro, não responderá por outros o segurador. Ora, se os riscos estão
devidamente limitados na apólice, inclusive com a autorização da própria SUSEP, não pode a
apelante ser responsabilizada.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n.
923367-07, Relator Desembargador Felipe Ferreira, julgado em 30 jul. 2007)
196
“Artigo 4 Atribuições/ 1 São atribuições do ISP: a) Regulamentar, fiscalizar e supervisionar a
actividade seguradora, resseguradora, de mediação de seguros e de fundo de pensões, bem como a
actividades conexas ou complementares daquelas.” (Decreto-Lei n. 289/2001)
197
CORDEIRO, Antônio Menezes. Leis dos seguros anotadas. Coimbra: Almedina, 2002. p. 29.
78
Em prol dos interesses dos segurados e a fim de que seja garantida a
solvabilidade dos seguradores, o legislador (art. 84, do Decreto-Lei n. 73/66
198
)
obriga estes a manter uma parcela de seu patrimônio imobilizada, o que se
denomina reserva técnica.
As reservas técnicas, também denominadas de provisões técnicas, consistem
em recursos acumulados destinados à garantia dos riscos pelos seguradores, para
pagamento de futuros sinistros, sendo tal patrimônio imobilizado em títulos da dívida
pública, em imóveis e em outros bens. Esses investimentos compulsórios devem,
obrigatoriamente, seguir critérios que garantam uma remuneração adequada e
segura
199
.
Em razão de o objetivo das provisões técnicas ser o de assegurar o
pagamento das indenizações aos segurados, pois, caso contrário, eles correriam o
risco de inadimplência por parte do segurador, a aplicação de tais provisões deve
priorizar a segurança em detrimento de uma melhor rentabilidade associada a um
possível risco.
Duas são as espécies de reservas técnicas. Uma delas é a reserva técnica
“não comprometida”, que é constituída pelo prêmio puro arrecadado, isto é, o
montante arrecadado para fazer frente ao pagamento de indenizações. Em outras
palavras, corresponde ao montante arrecadado para saldar os compromissos futuros
dos seguros contratados.
A outra espécie é a denominada reserva técnica “comprometida”, que
consiste nos recursos destinados a pagar os compromissos contratuais exigíveis
em virtude de sinistros reclamados. Nessa hipótese, essas reservas passam a ser
constituídas nominalmente aos segurados; o objeto da garantia passa a ser
individualizado no respectivo valor do débito
200
.
198
“Art. 84. Para garantia de todas as suas obrigações, as Sociedades Seguradoras constituirão
reservas técnicas, fundos especiais e provisões, de conformidade com os critérios fixados pelo
CNSP, além das reservas e fundos determinados em leis especiais.”
199
Artigo 29 do Decreto-Lei n. 73/66: “Os investimentos compulsórios das Sociedades Seguradoras
obedecerão a critérios que garantam remuneração adequada, segurança e liquidez. Parágrafo único.
Nos casos de seguros contratados com a cláusula de correção monetária é obrigatório o investimento
das respectivas reservas nas condições estabelecidas neste artigo.”
200
Artigo 86 do Decreto-Lei n. 73/66: “Os Segurados e Beneficiários que sejam credores por
79
Para que seja assegurada a garantia por parte do segurador, as reservas
técnicas não podem ser gravadas ou alienadas, sem prévia autorização da
Superintendência de Seguros Privados (SUSEP)
201
, constituindo crime contra a
economia popular a insuficiência de reservas técnicas
202
. As provisões técnicas são
uma proteção para todo o grupo segurado de que a garantia prestada pelo
segurador será honrada.
A lei portuguesa também dispõe, nos termos do Decreto-Lei n. 94-B/98, de 17
de abril, em seu artigo 69, que “o montante das provisões técnicas deve, em
qualquer momento, ser suficiente para permitir à empresa de seguros cumprir, na
medida do razoavelmente previsível, os compromissos decorrentes do contrato de
seguro”. E o artigo 105
203
, por sua vez, preceitua que o controle das provisões
técnicas é de competência do Instituto de Seguros de Portugal, órgão que
desempenha função semelhante à Superintendência de Seguros Privados no Brasil.
Quando um segurador não constitui as reservas técnicas, muito mais do que
descumprir as normas impostas pela SUSEP, ele não cumpre a sua obrigação de
prestar garantia ao contrato de seguro firmado. Isto porque o segurador não passa
de um gestor do fundo comum, de forma que as indenizações pagas não têm origem
no seu patrimônio, mas provém do fundo do seguro, que é constituído pelo prêmio
pago pelos segurados.
indenização ajustada ou por ajustar têm privilégio especial sobre reservas técnicas, fundos especiais
ou provisões garantidoras das operações de seguro, cabendo ao IRB o mesmo privilégio após o
pagamento aos Segurados e Beneficiários.”
201
Artigo 85 do Decreto-Lei n. 73/66: “Os bens garantidores das reservas técnicas, fundos e previsões
serão registrados na SUSEP e não poderão ser alienados, prometidos alienar ou de qualquer forma
gravado sem sua prévia e expressa autorização, sendo nulas, de pleno direito, as alienações
realizadas ou os gravames constituídos com violação deste artigo. Parágrafo único. Quando a
garantia recair em bem imóvel, se obrigatoriamente inscrita no competente Cartório do Registro
Geral de Imóveis, mediante simples requerimento firmado pela Sociedade Seguradora e pela
SUSEP.”
202
Artigo 110 do Decreto-Lei n. 73/66: Constitui crime contra a economia popular, punível de acordo
com a legislação respectiva, a ação ou omissão, pessoal ou coletiva, de que decorra a insuficiência
das reservas e de sua cobertura, vinculadas à garantia das obrigações das Sociedades
Seguradoras.”
203
“Art. 105. Compete ao Instituto de Seguros de Portugal verificar, em relação às empresas com sede
em Portugal e para o conjunto de suas actividades, a existência, nos termos do presente decreto-lei e
demais legislação e regulamentação aplicáveis, das garantias financeiras exigíveis e dos meios de
que dispõem para fazerem face aos compromissos assumidos.”
80
É por esta razão que “é da obrigação da seguradora, em defesa do interesse
dos segurados e não em sua própria defesa, restringir as indenizações àquela
definição, sob pena de ruptura da medida atuarial realizada e conseqüente falência
do fundo do seguro”
204
.
Não é tão simples a compreensão dessa natureza comunitária da atividade
securitária
205
. Não se trata somente de um contrato no qual figura o segurado de um
lado e de outro o segurador. Na verdade, conforme pondera Sergio Cavalieri Filho,
[...] de um lado, teremos um grupo de pessoas reunidas por um
processo de mutualismo, economizando pequenas quantias e, do
outro, o segurador, administrando esta poupança por sua conta e
risco e utilizando-a quando necessário para cobrir os eventuais
prejuízos do grupo
206
.
Ovídio Araújo Baptista da Silva sustenta o mesmo posicionamento, no que se
refere à natureza comunitária do contrato de seguro:
O monte, seja do seguro de tipo capitalista, seja de previdência
social, é uma entidade coletiva, mas os tribunais, porque estamos
todos envolvidos no mesmo paradigma, não conseguem ver isso.
Concebe-se o contrato de seguro como uma relação jurídica bilateral
formada entre o segurado individual e o segurador. Entretanto, o que
a companhia fará se for obrigada a indenizar além da poupança feita
por esse segurado?
[...]
De uma forma ou de outra, a companhia seguradora vai aumentar o
valor exigido dos demais. Não é possível retirar do monte mais do
que nele coloquei, na proporção que o lculo atuarial houver
estabelecido. Tudo o que for “devolvido” ao segurado além do que
204
Palestra proferida pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, registrada nos Anais do III Fórum de
Seguros ocorrido no Rio Grande do Sul, em Gramado, no ano de 1994.
205
Segue julgado que muito bem analisa a essência do contrato de seguro: “Não se pode ser perdido
de vista que essas exclusões não vêm diretamente no interesse da seguradora, mas da massa de
segurados, porque é com o fundo comum resultante do pagamento do prêmio que serão feitas as
coberturas dos eventos danosos que alguns do grupo foram vítimas. Não é o capital que sai do caixa
da seguradora e que, portanto, o não desembolso será lucro seu. [...] Não pode ser perdido de vista
que a seguradora não é ávida de lucro, como muitas vezes preconceituosamente se pensa, mas
apenas a gestora cautelosa, mediante uma contraprestação, da massa de recursos resultantes da
contribuição de um grupo segurado. Sua experiência a orienta para a necessidade de preservar, de
maneira rigorosa e profissionalmente controlada, o equilíbrio entre o prêmio e o capital a ser
fornecido, de sorte que, o que cada um contribui para socorrer aqueles do grupo que tiveram o
infortúnio de ser vítima do evento coberto, não fiquem ao desamparo.” (Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, Apelação Cível n. 903270-0/6, Relator Desembargador Sebastião Flávio, julgado em
19 dez. 2006)
206
Palestra proferida no V Fórum Jurídico do Seguro Privado por José Américo Péon de Foz do
Iguaçu – 21 a 24 de setembro de 1995 e registrada nos Anais do Congresso, às fls. 43/44.
81
ele poupara, além de constituir enriquecimento ilícito, ainda terá
reflexo sobre a poupança dos demais. O encargo será transferido
aos demais. Esse ônus é inevitável. A natureza comunitária do
contrato de seguro justamente nisto consiste
207
.
É pelo fato de os seguradores serem gestores de um fundo comum que,
conforme asseverado, há grande intervenção estatal na regulamentação dos
contratos de seguro.
2.4 CARACTERÍSTICAS
Definidos os elementos essenciais do contrato de seguro, pode-se classificar
o contrato como sendo: (i) bilateral; (ii) oneroso; (iii) comutativo; (iv) consensual; (v)
de adesão.
O contrato sempre consiste no acordo de vontades entre as partes, de modo
que, considerando o momento de sua formação, ele será um negócio jurídico
bilateral, contrapondo-se às declarações unilaterais de vontade.
Dessa forma, a diferenciação entre contratos bilaterais e unilaterais não diz
respeito quanto à formação da avença, mas sim em função de esse pacto gerar
obrigações para uma ou ambas as partes, isto é, quanto aos seus efeitos, como
esclarece Orlando Gomes:
Todo contrato, com efeito, é por definição negócio bilateral, visto que
supõe declarações coincidentes de vontades. Considerando, pois, no
momento de formação, seria contra-senso falar-se em contratos
unilaterais, mas, levando em conta os efeitos que esse negócio
jurídico bilateral produz, verifica-se que ora cria obrigações para as
duas partes, ora para uma só
208
.
Os contratos bilaterais o aqueles em que ambas as partes assumem
obrigações, ao passo que quando o contrato gera obrigações para apenas um dos
207
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. O seguro como relação jurídica comunitária. Seguros: uma
questão atual. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 48.
208
GOMES, Orlando. Contrato. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 71.
82
contratantes, ele é classificado como unilateral, tal como ocorre com a doação sem
encargo para o donatário.
Nos contratos bilaterais, uma obrigação é causa da obrigação do outro
contratante, existindo uma interdependência entre estas. A distinção é feita por
Sílvio de Salvo Venosa:
Contratos bilaterais, ou com prestações recíprocas, são os que, no
momento de sua feitura, atribuem obrigações a ambas as partes, ou
para todas as partes intervenientes. [...] Cada contratante tem o
direito de exigir o cumprimento do pactuado da outra parte. Sua
característica é o sinalagma, ou seja, a dependência recíproca das
obrigações. Daí por que muitos preferem a denominação contratos
sinalagmáticos
209
.
Assevera Darcy Bessone que não mais sentido na distinção feita pela
doutrina entre contratos bilaterais perfeitos e imperfeitos. Tal distinção consistia em
serem os perfeitos aqueles que criassem obrigações principais e correlativas aos
contratantes. Por outro lado, os imperfeitos seriam aqueles que, sendo originalmente
unilaterais, criassem, eventualmente, per accidens
210
, obrigações para o credor
principal
211
.
Conclui Darcy Bessone pela insubsistência da distinção, na medida em que
[...] a despeito das aparências ou semelhanças, os bilaterais
imperfeitos são, na realidade, unilaterais, porque o que importa é a
essência da convenção, fixada no momento da formação do acordo
de vontades e inalterável por efeito de fatos ulteriores, puramente
acidentais ou eventuais e sem correlação com as obrigações
principais
212
.
Em relação a essa classificação, pode-se concluir que, considerando que o
seguro é o contrato pelo qual uma das partes (segurador) assume a obrigação de
prestar garantia ao interesse legítimo segurado, contra riscos predeterminados,
209
Direito civil teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed.o Paulo: Atlas,
2006. v. II, p. 390.
210
Darcy Bessone cita, como exemplo, o contrato de depósito, no qual “a obrigação principal seria a
de restituição da coisa depositada. Acidentalmente, poderá o depositário fazer despesas com a sua
conservação, tornando-se credor do depositante”. (Do contrato teoria geral. Rio de Janeiro:
Forense, 1987. p. 92)
211
Do contrato – teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 92.
212
Ibidem, p. 93.
83
mediante o recebimento de um prêmio por parte do segurado, verifica-se que
obrigações impostas a ambas as partes, tratando-se, por conseguinte, de um
contrato bilateral.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira
213
, a obrigação gerada para o segurado
consiste no pagamento do prêmio, ao passo que para o segurador consiste em
prestar garantia ao risco. Tanto uma parte quanto outra possuem obrigações,
tratando-se, portanto, de contrato bilateral.
No mesmo sentido é a conclusão de Claudio Luiz Bueno de Godoy
214
, ao
afirmar tratar-se de um contrato bilateral em razão de irradiar obrigações para
ambas as partes (prêmio ao segurado e garantia a ser prestada ao segurador).
No tocante aos contratos gratuitos e onerosos, a diferenciação é feita por
Caio Mário da Silva Pereira
215
no sentido de que, nos onerosos, se impõem encargos
reciprocamente, ao passo que, nos gratuitos, somente um aufere a vantagem e o
outro suporta, sozinho, o encargo.
Darcy Bessone
216
, no mesmo sentido, distingue da seguinte forma: oneroso
seria o contrato que onera as duas partes; em contrapartida, gratuito seria o que
onera apenas uma das partes, sendo, por conseguinte, gratuito para a outra.
Em função dessa distinção, pode-se concluir que o contrato de seguro
consiste em um contrato oneroso, que ambos os contratantes estão sujeitos a
sacrifícios econômicos. Inexistindo o sinistro, mesmo nessa hipótese, haveria
sacrifício econômico para o segurador, consistente na garantia prestada desde a
formação do ajuste.
Ivan de Oliveira Silva
217
, nessa linha, defende ser o seguro um contrato de
natureza onerosa, pois o segurado possui o sacrifício econômico de efetuar o
213
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 453.
214
Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência. In: Ministro Cezar Peluso (Coord.). o
Paulo: Manole, 2007. p. 622/623 e 629.
215
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 65.
216
Do contrato – teoria geral. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 96.
217
Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 81.
84
pagamento do prêmio e a vantagem da transferir ao segurador as conseqüências
econômicas do risco. O segurador, por sua vez, recebe o prêmio e, por outro lado,
efetua dispêndios de ordem administrativa e operacional, além de pagar
indenização, em caso de ocorrência de sinistro.
Quanto à diferenciação entre contratos comutativos e aleatórios, estes podem
ser definidos como aqueles em que “a vantagem e a desvantagem são distribuídas
entre os contratantes aleatoriamente. A álea determina que apenas um dos
contratantes terá vantagem com o cumprimento das obrigações contratadas. As
partes, quando celebram o contrato, querem correr esse risco.”
218
Ao revés, os
contratos comutativos permitem que ambos os contratantes aufiram vantagens com
a regular execução do contrato.
Nos contratos comutativos, existe a certeza quanto às prestações desde a
formação do ajuste, havendo uma relação entre a vantagem e o sacrifício econômico
(equivalência entre a prestação e a contraprestação). Em contrapartida, nos
contratos aleatórios, os contratantes podem ganhar ou perder.
Quanto a essa classificação, assim disserta Sílvio de Salvo Venosa:
É comutativo o contrato no qual os contraentes conhecem, ex radice,
suas respectivas prestações. É aleatório o contrato em que ao
menos o conteúdo da prestação de uma das partes é desconhecido
quando da elaboração da avença. O conhecimento do que deve
conter a prestação ocorrerá no curso do contrato, ou quando do
cumprimento da prestação. Nos contratos comutativos, as partes
têm, de plano, conhecimento do que têm a dar e a receber. [...]
Portanto, o contrato aleatório funda-se na álea, sorte, ao menos para
uma das partes
219
.
Caio Mário da Silva Pereira
220
, mesmo diante da definição trazida pelo artigo
757 do novo Código Civil, ainda sustenta ser o contrato de seguro aleatório sob o
fundamento de que “o segurador assume os riscos sem co-respectividade entre as
prestações recíprocas”. No mesmo sentido argumenta Sílvio de Salvo Venosa
221
.
218
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 46.
219
Direito civil teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed.o Paulo: Atlas,
2006. p. 401/402.
220
Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 453.
221
Direito civil teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed.o Paulo: Atlas,
2006. p. 402.
85
Também assim disserta Arnold Wald, ao afirmar que:
O contrato é aleatório, pois a prestação do segurado é certamente
devida e prefixada na apólice, enquanto a do segurador é incerta
quanto à sua existência e pode ser indeterminada quanto ao seu
valor e quanto ao momento do seu pagamento. A incerteza da
prestação do segurador depende da ocorrência ou não do sinistro,
que é justamente o elemento aleatório do contrato
222
.
Embora não haja unanimidade na doutrina, o entendimento de que o contrato
de seguro é aleatório não mais razão de ser. Esse posicionamento era muito
fulcrado no quanto disposto no artigo 1.432 do Código Civil de 1916, em virtude de
se entender que a obrigação do segurador consistia no pagamento da indenização,
na hipótese de ocorrência do sinistro.
Todavia, com fulcro no artigo 757 do Código Civil, os contratos de seguroo
comutativos porque no momento da celebração da avença as partes estabelecem as
suas obrigações: o segurado obriga-se ao pagamento do prêmio; o segurador toma
por obrigação garantir os interesses legítimos do segurado, como defende Ivan de
Oliveira Silva
223
.
No mesmo sentido sustentam Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B.
Cavalcanti e Ayrton Pimentel:
A comutatividade do contrato tem por base justamente o
reconhecimento de que a prestação do segurador não se restringe
ao pagamento de uma eventual indenização (capital), o que apenas
se verifica no caso de sobrevir lesão ao interesse garantido em
virtude da realização do risco predeterminado. Tal prestação
consiste, antes de tudo, no fornecimento da garantia e é devida
durante toda a vigência material do contrato. A comutação ocorre
entre o prêmio (prestação) e garantia (contraprestação)
224
.
A portuguesa Rita Gonçalves Ferreira da Silva também aponta como
característica dos contratos de seguro a comutatividade, pois “independentemente
da concretização (ou não) do risco previsto no contrato de seguro, a empresa de
222
Direito civil – Contratos em espécie. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 3, p. 286.
223
Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 83.
224
O contrato de seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: IBDS, 2002. p. 22.
86
seguros assume, como contrapartida do recebimento do prêmio, a obrigação de
suportar o risco transferido pelo segurado para a sua esfera jurídica”
225
.
Walter Antonio Polido também compartilha desse entendimento mais recente,
no sentido de que o contrato de seguro apresenta a comutatividade das prestações,
o que se verifica desde a sua conclusão:
Há, portanto, contraprestações recíprocas entre Segurado e
Seguradora traduzida pela comutatividade no contrato de seguro.
O sinalagma se apresenta de pronto: garantia imediata do interesse
(pelo Segurador) e pagamento do prêmio (pelo Segurado)
226
.
Referido estudioso salienta que no atual estágio de desenvolvimento do
seguro o cabe mais a idéia conservadora da aleatoriedade, pois o que se busca
por esse instrumento contratual é justamente a garantia imediata de um interesse
227
.
Em relação à forma de constituição, podem os contratos ser classificados
como consensuais, no quais basta o consenso dos contratantes para a sua
constituição. Em oposição aos consensuais, os contratos reais, que, segundo
Sílvio de Salvo Venosa
228
, somente se aperfeiçoam com a entrega da coisa.
Segundo Maria Helena Diniz, “contratos reais são aqueles que apenas se
ultimam com a entrega da coisa, feita por um contraente a outro. Antes da entrega
efetiva da coisa, ter-se-á mera promessa de contratar e não um contrato perfeito e
acabado.”
229
Considerando a distinção acima, os contratos de seguro devem ser
classificados como consensuais, pois basta o consenso dos contratantes para que o
seguro seja celebrado. Não a necessidade de tradição da coisa para o
aperfeiçoamento do contrato, tal como ocorre no contrato de depósito.
225
Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral seu enquadramento e aspectos
jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 178.
226
O contrato de seguro em face da nova perspectiva social e jurídica. Dissertação (Mestrado)
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 85.
227
O contrato de seguro em face da nova perspectiva social e jurídica. Dissertação (Mestrado)
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 87.
228
Direito civil teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed.o Paulo: Atlas,
2006. p. 411.
229
Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993. v. 1, p. 93/94.
87
Ainda quanto à forma de constituição, os contratos podem ser formais ou não
formais, em que, nestes últimos, a forma de celebração é imposta pelo legislador.
Não sendo observada a solenidade ou a forma prevista pela norma, o contrato é tido
como nulo por inobservância da forma prescrita em lei.
Os contratos formais consistem em exceção e assim o são somente quando
houver disposição expressa do legislador nesse sentido. Isso porque, como aponta
Francesco Messineo
230
, impera no Direito moderno, o princípio da liberdade da forma
contratual, podendo, inclusive, possuir a forma verbal. Contudo, impondo a lei uma
forma específica, adverte ele que esta de ser observada, sob pena de invalidade
do ajuste.
Quanto ao princípio de liberdade de forma, complementa Enzo Roppo:
Questo principio si chiama principio di libertà delle forme e
caratterizza Il diritto moderno nei confronti dei diritti meno evolutti. Nei
sistemi giuridici del passato (nello stesso diritto romano, poi nel diritto
longobardo) valeva generalmnete l’opposta regola del formalismo
negoziale; nessuma dichiarazione di volontà produceva effetti
giuridici se non veniva espressa com una forma particolare.
[...]
Libertà del volere postulava dunque libertà di forme: questa si
afferma com Il codice napoleonico e giunge fino a noi, informando un
sistema nel quale è regola che i contratti possono essere conclusi
senza alcuna formalità
231
.
A Lei de Seguros argentina (Lei n. 17.418/67), por exemplo, é expressa ao
dispor ser o contrato de seguro de natureza consensual
232
.
Pelo Código anterior, em virtude da redação do artigo 1.433, era comum
classificar o contrato de seguro como um contrato formal, na medida em que
obrigava as partes depois de reduzido a escrito, aperfeiçoando-se com a remessa
da apólice ao segurado ou após o segurador fazer o lançamento da operação
233
.
230
Il contratto in genere. Milão: Dott A. Giuffrè, 1973. p. 144.
231
Il Contratto. Milão: Il Milano – Bologna, 1999. p. 87/88.
232
“Artigo 4 El contrato de seguro es consensual; los derechos y obligaciones recíprocos del
asegurador y asegurado, empiezan desde que se ha celebrado la convención, aun antes de emitirse
la póliza.”
233
“Art. 1.433. Este contrato não obriga antes de reduzido a escrito, e considera-se perfeito desde que
o segurador remete a apólice ao segurado, ou faz nos livros o lançamento usual da operação.”
88
Contudo, mesmo diante da redação do artigo 1.433, alguns vinham
sustentando não ser necessário o preenchimento das formalidades descritas
anteriormente para o aperfeiçoamento do contrato, como defendia J. M. de Carvalho
Santos:
Mesmo que não haja a expedição da apólice, se a Companhia
recebeu o pagamento do primeiro prêmio, está a prova de que
houve proposta e aceitação, tendo o segurado tido ciência das
condições das apólices e com elas se conformando, podendo mesmo
dizer-se com Espínola que o mútuo consentimento das partes
manifestou-se em relação às cláusulas usuais da apólice a ser
expedida
234
.
Entretanto, após a vigência do novo Código Civil, o contrato de seguro passou
a ser entendido como uma avença não formal. Para a sua celebração, basta o
acordo de vontades entre os contratantes, inexistindo qualquer solenidade ou
requisito formal para a sua formação.
Tanto é assim que, na hipótese de ausência de apólice, servirá como
presunção da existência do contrato de seguro, nos termos do artigo 758 do Código
Civil
235
, o comprovante do pagamento do prêmio, o que deixa claro ser o seguro um
contrato de natureza consensual.
Esse é o entendimento defendido por Caio Mário da Silva Pereira:
Consensual, porque a forma escrita não é mais exigida para a
substância do contrato pelo novo Código Civil, que seguiu a
tendência de considerá-lo um contrato consensual (Orlando Gomes),
com a sustentação de que o instrumento escrito é elemento de
prova, suscetível de suprimento por outros meios. O elemento
comprobatório da celebração do contrato, quando não a emissão
de apólice ou bilhete de seguro, previsto no art. 758 do Código, é o
pagamento do prêmio
236
.
No mesmo sentido sustenta Ivan de Oliveira Silva:
234
Código Civil Brasileiro interpretado. 6. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1955. v. XIX, . 214.
235
“Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na
falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.”
236
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 453.
89
O prêmio é tão importante que o documento comprobatório de seu
pagamento, mesmo na hipótese de ausência de apólice ou de bilhete
do seguro, valerá como presunção de existência do contrato de
seguro entre segurado e segurador
237
.
Os documentos arrolados no artigo 758 do Código Civil, dentre os quais a
apólice, o bilhete de seguro e o comprovante do pagamento do prêmio, são tidos
apenas como meios de prova, não sendo da substância do ato.
No que tange ao comprovante de pagamento do prêmio, de se ter em
mente que tal presunção é apenas relativa, admitindo prova em contrário. Pode
ocorrer, por exemplo, que o segurado tenha preenchido a proposta de seguro e
enviado-a ao segurador para aceitação ou não do risco e, juntamente com o envio
da proposta, é de praxe no mercado o pagamento da primeira parcela do prêmio.
Não obstante tenha havido o pagamento da primeira parcela do prêmio, caso
haja recusa do segurador no prazo que lhe é concedido de 15 (quinze) dias, nos
termos da Circular n. 47/80 da SUSEP
238
, não haverá a formalização do contrato de
seguro, pois não houve o encontro de vontades para a formação do ajuste.
Entretanto, em que pese a não-aceitação do risco, com a conseqüente não-
formalização do contrato, caso ocorra algum sinistro durante o período em que o
segurador estava analisando a proposta feita pelo segurado, é devido o pagamento
da indenização
239
, em virtude da cobertura provisória conferida pelo segurador neste
237
Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 95.
238
“Art. A contratação de qualquer seguro poderá ser feita mediante proposta assinada pelo
interessado, seu representante legal ou por corretor registrado, exceto quando através de bilhete do
seguro. § A Sociedade Seguradora disporá do prazo de 15 dias para a recusa da proposta,
constados da data de seu recebimento, em caso de seguro novo ou renovação.”
239
Nesse sentido julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação Cível n.
70000079624, da lavra do Desembargador Olavo Stefanello, que no bojo de suas razões de decidir
informa tratar-se de decisão dissonante da jurisprudência daquele mesmo tribunal: “SEGURO DE
AUTOMÓVEL. VIGÊNCIA. PROPOSTA ASSINADA E PAGAMENTO EFETUADO À VISTA PELO
SEGURADO. ACIDENTE OCORRIDO ANTES DA ACEITAÇÃO DA PROPOSTA E EMISSÃO DA
APÓLICE. LEGITIMIDADE DA SEGURADORA. As normas que estipulam a perfectibilização do
contrato de seguro típico contrato de adesão devem hoje ser lidas e interpretadas em harmonia
com os princípios consagrados no CDC (boa-fé e transparência). Assim, estando presente no nosso
sistema jurídico a FIGURA DA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL e se a seguradora atua de
modo a criar a idéia de que a cobertura já existe, consignando no formulário da proposta que a
vigência se desde aquele momento já tendo o contratante, inclusive, pago o prêmio –, não
poderá deixar de indenizar o prejuízo superveniente sob a alegação de que ainda não fora emitida a
apólice. Razoável induzir daí que o segurado ficou com a justa expectativa de estar coberto dos
riscos a partir de então.”
90
período
240
.
Outra questão que se coloca é que, sendo o contrato de seguro consensual,
ele somente pode ser comprovado pelos documentos relacionados no artigo 758 do
Código Civil ou pode também ser demonstrado por meio de outras provas, tal como
a testemunhal, quando o seu valor não supere o décuplo do maior salário mínimo do
país.
Poder-se-ia argumentar que, embora o legislador exija os documentos
escritos arrolados no artigo 758 como meios de prova, isso não significa que se trate
de contrato formal, mas apenas de contrato consensual cuja prova depende de
documento escrito, trazendo tal dispositivo um rol taxativo.
Entretanto, seria contraditório que o legislador classificasse o seguro como
um contrato consensual e, por outro lado, restringisse a sua prova por meio dos
documentos elencados no artigo 758 do Código Civil, muitos dos quais a cargo do
segurador, o que colocaria o segurado em situação desvantajosa face a este.
Seguindo essa linha de raciocínio, Ayrton Pimentel afirma que:
[...] fosse taxativo o rol do art. 758 e estaríamos diante de uma
situação sui generis em que uma das partes no contrato, exatamente
a parte mais débil nessa fase da contratação, o segurado, para
provar esse mesmo contrato, devesse aguardar providências do
segurador
241
.
Alega, ainda, Ayrton Pimentel que, como o rol do artigo 758 é composto por
instrumentos particulares, outros meios de caráter legal poderiam ser utilizados, até
mesmo prova testemunhal, dependendo do valor do contrato, por força do quanto
estatuído pelo artigo 221
242
do Código Civil.
240
Embora o posicionamento majoritário seja nesse sentido, a Circular n. 40/80 da SUSEP dispõe em
sentido contrário: Art. [...] § O eventual recebimento antecipado do prêmio, no todo ou em
parte, não caracterizará a responsabilidade da Sociedade Seguradora que, em caso de recusa,
efetuará a respectiva devolução, juntamente com manifestação a respeito, por escrito. [...] Art. [...]
– § 1º – O início da cobertura do risco constará da apólice e coincidirá com a aceitação da proposta.”
241
A prova da existência e do conteúdo do contrato de seguro. Anais do III Fórum de Direito do
Seguro José Sollero Filho. Coordenado pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro IBDS. São
Paulo: EMTS, 2003. p. 352.
242
“Art. 221. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal.”
91
Por fim, o contrato de seguro é também um contrato por adesão, que uma
das partes (o segurado) adere às cláusulas previamente elaboradas pelo outro
contratante (o segurador), inexistindo qualquer margem para negociação, com
restritas exceções.
Maria Helena Diniz define os contratos por adesão, enquadrando o seguro
nesse tipo contratual:
Os contratos por adesão constituem uma oposição à idéia de
contrato paritário, por inexistir a liberdade de convenção, visto que
excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as
partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as
cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro,
aderindo a uma situação contratual definida em todos os seus
termos. Esses contratos ficam, portanto, ao arbítrio exclusivo de uma
das partes o policitante pois o oblato não pode discutir ou
modificar o teor do contrato ou de suas cláusulas. É o que ocorre
com os contratos de seguro [...]
243
.
Essa característica, no que tange aos contratos de seguro, também é
ressaltada por Caio Mário da Silva Pereira ao afirmar que se trata de um contrato
por adesão, “uma vez que se forma com a aceitação do segurado, às cláusulas
impostas pelo segurador na apólice impressa, não ocorrendo discussão entre as
partes”
244
.
Quando se contrata um seguro, o adquirente não pode discutir a grande
totalidade das cláusulas do contrato, pois as “condições gerais da apólice” consistem
em um contrato padrão comercializado pelos seguradores. Os únicos aspectos que
podem ser discutidos pelo contratante são, por exemplo, o valor da franquia, o limite
máximo de cobertura, a contratação de alguma cobertura adicional.
Por exemplo, ao se contratar um seguro de responsabilidade civil, o segurado
pode optar por colocar uma franquia
245
maior, o que ensejará a fixação do prêmio em
243
Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993. v. 1, p. 92.
244
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 454.
245
Definição de franquia: “Parte fixa ou percentagem a cargo do segurado em qualquer despesa
reembolsável (no seguro de doença); custo do sinistro que é partilhado pelo segurado em primeiro
lugar (nos seguros de incêndio ou de responsabilidade civil ou de danos próprios de automóveis).
Geralmente a franquia tem em consideração uma redução de prêmio.” (SILVA, A. Fonseca.
92
um valor um pouco mais baixo. Pode, também, escolher o valor que será contratado
para o limite ximo de cobertura de responsabilidade civil facultativo contra
terceiros (cobertura de danos pessoais e danos materiais). Pode também optar por
contratar, em um seguro de responsabilidade civil, a cobertura para danos morais e
qual a importância máxima fixada.
Afora essas particularidades, não pode o adquirente modificar as cláusulas do
contrato. A título ilustrativo, não tem como modificar a cláusula que permite o
cancelamento do seguro por infração contratual, a ausência de cobertura para as
situações discriminadas no contrato etc.
O mesmo entendimento possui a portuguesa Rita Gonçalves Ferreira da Silva
sob o fundamento de que o segurado limita-se a rejeitar ou aceitar (aderindo,
portanto) as cláusulas contratuais propostas pelo segurador, sem existir uma prévia
negociação quanto ao conteúdo contratual. A discussão travada entre as partes
ocorre apenas em aspectos muito restritos
246
.
Como ressalta o português José Oliveira Ascensão, em um contrato de
adesão ou o adquirente aceita o clausulado com um todo ou não contrata:
De todo modo, temos sempre cláusulas que são predispostas por
uma das partes, a quem chamamos o predisponente, como
elementos inalteráveis de contratos que venha a celebrar, de modo
que a destinatários indeterminados, a quem chamamos de
aderentes, não resta mais que a alternativa de as acatar tal qual ou
renunciar a contratar
247
.
Na verdade, consiste o seguro um contrato de “dupla adesão”. Isso porque as
cláusulas contratuais integrantes das condições gerais da apólice são previamente
elaboradas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP)
248
, inexistindo
qualquer autonomia para a sua modificação ou inserção de novas cláusulas, seja
por parte dos seguradores, seja por parte dos segurados.
Dicionário de seguros. Lisboa: Dom Quixote, 1994. p. 171)
246
Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral seu enquadramento e aspectos
jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 187.
247
Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa-fé. Revista Forense, Lisboa, v. 352, p. 104.
248
“Art. 36. Compete à SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP, como órgão
fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras:
[...] c) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente
pelo mercado segurador nacional; [...].” (Decreto-Lei n. 73/66)
93
A característica de “dupla adesão” é salientada por Renato Macedo Buranello:
No caso de seguros, em razão de os textos das apólices estarem
sujeitos ao controle da Superintendência de Seguros Privados,
encontramos em sua maioria contratos regulamentados
subordinados a leis especiais, e a leis gerais imperativas e às demais
regulamentações administrativas aplicáveis. Diferente não é o regime
em outros países
249
.
249
BURANELLO, Renato Macedo. Do contrato de seguro o seguro garantia de obrigações
contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 106.
94
3 O CONTRATO DE SEGURO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Bastante divergência gira em torno da questão de ser o Código de Defesa do
Consumidor aplicável em todos os contratos de seguro ou não. Contudo, antes de
adentrarmos nesta seara, faremos uma pequena digressão acerca dos motivos que
levaram ao surgimento desse diploma legal, passando posteriormente a analisar os
conceitos de fornecedor e consumidor trazidos pelo Código, para, finalmente,
analisar a questão quanto à sua aplicabilidade ou não aos contratos de seguro.
3.1 DOS MOTIVOS QUE LEVARAM AO SURGIMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
Na sociedade moderna, as relações travadas entre consumidores e
fornecedores em nada se parecem com aquelas de outrora, pois não mais existe a
característica de pessoalidade entre aqueles.
Vivemos em uma sociedade onde praticamente todas as negociações são em
massa, os produtos são produzidos e comercializados cada vez mais em maior
escala, do mesmo modo que os serviços.
Houve o surgimento das grandes metrópoles, o crescimento do número de
indústrias e fábricas, a expansão das multinacionais, o surgimento dos
hipermercados e shopping centers, o aparecimento dos meios de comunicação em
massa com a produção de uma propaganda maciça, tudo com a finalidade de fazer
com que o consumidor adquira bens e serviços em uma quantidade cada vez maior,
inclusive aqueles cuja necessidade é questionável. Tudo isso desencadeou o
fenômeno conhecido como “sociedade de consumo”.
Assim, com a evolução das relações de consumo, criou-se essa sociedades
grande desigualdade, havendo necessidade do surgimento de uma forma de
proteção ao consumidor, com o objetivo de manter o equilíbrio nas negociações e
95
evitar práticas abusivas, por parte dos fornecedores.
Na verdade, foi o próprio desenvolvimento das relações de consumo que
influenciou em uma tomada de consciência, no sentido de que seria necessária uma
proteção efetiva ao consumidor, que se encontrava em situação de desamparo,
desprotegido em termos educacionais e informativos, necessitando de uma resposta
legal protetiva.
Conforme pondera Gerard Cas, a sociedade industrial engendrou uma nova
concepção de relações contratuais que têm em conta a desigualdade de fato entre
os contratantes, de modo que o legislador procura proteger os mais fracos contra os
mais poderosos, o leigo contra o melhor informado
250
.
Na mesma linha disserta João Batista de Almeida:
A tutela não surgiu assim aleatória e espontaneamente. Trata-se,
como se vê, de uma reação a um quadro social, reconhecidamente
concreto, em que se vislumbrou uma posição de inferioridade do
consumidor em face do poder econômico do fornecedor, bem como a
insuficiência dos esquemas tradicionais do direito substancial e
processual, que não mais tutelavam novos interesses identificados
como coletivos e difusos. A seu turno, o Estado abandonou sua
posição individualista-liberal para assumir um papel social mais
intenso, intervindo na economia para garantir os interesses dos
consumidores. A tutela surge e se justifica, enfim, pela busca do
equilíbrio entre as partes envolvidas
251
.
E, nesse contexto, foi promulgado, no ano de 1990, o Código de Defesa de
Consumidor, estabelecendo nos seus 7 (sete) primeiros dispositivos toda a base em
que se fundamenta essa legislação e todas as normas nela consagradas.
Imediatamente no artigo 1º é estabelecido que “O presente Código estabelece
normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social,
nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48
de suas Disposições Transitórias.”
O Código de Defesa do Consumidor, por determinação expressa do
250
La défense de consommateur. Paris: Presses Universitaires de France, 1980. p. 9.
251
A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 22.
96
legislador, foi qualificado como lei de ordem pública
252
, pois é reconhecidamente
uma lei que preserva interesses relevantes a toda sociedade.
O outro princípio esculpido no digo, o qual possui suma importância, é o
que estabelece, no Capítulo referente à “Política Nacional de Relação de Consumo”,
o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo” (art.
4º, inciso I), isto é, que reconhece o consumidor como a parte mais fraca na relação
de consumo.
Nos dizeres de João Batista de Almeida
253
, o reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor é a “espinha dorsal da proteção ao consumidor,
sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento”, pois notoriamente “o
consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo; apresenta ele sinais de
fragilidade e impotência diante do poder econômico”.
A vulnerabilidade é condição inerente a todo consumidor, justamente porque
este não dispõe dos meios de produção e nem conhecimento sobre estes (o que
produzir, como produzir, de que forma, para quem?), ficando a mercê dos seus
titulares. Para satisfazer as suas necessidades de consumo, devem submeter-se às
condições impostas pelo fornecedor.
Com a aplicação do digo de Defesa do Consumidor, estar-se-á tratando
desigualmente os desiguais, na exata proporção de suas diferenças, pois visa
proteger o consumidor na condição de vulnerável na relação de consumo, ao
mesmo em que busca harmonizar a relação de consumo.
Em outras palavras, o objetivo do Estado, ao legislar sobre a relação de
consumo, não foi o de causar um confronto entre aqueles que produzem e/ou
executam serviços e aqueles que consomem estes bens e serviços. A finalidade foi
a de harmonizar esses dois interesses envolvidos, dando maior transparência e
252
Clóvis Beviláqua ensina que as normas de ordem pública são aquelas “que, em um Estado,
estabelecem princípios, cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social,
segundo os preceitos de direito” (A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do
Consumidor. In: RADLOFF, Stephan Klaus (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 24)
253
A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 16/17.
97
confiança nessas relações, de forma a pacificar e compatibilizar os interesses, além
de conceder uma maior proteção à parte tida como mais fraca.
O artigo do Código de Defesa do Consumidor, no inciso III, estabelece a
“harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo”. Na
verdade, o princípio positivado neste artigo coincide com o próprio objetivo da
promulgação do Código, que este visa a diminuição dos conflitos envolvendo os
participantes da relação de consumo, almejando o equilíbrio entre fornecedores e
consumidores, pois há consenso da desigualdade existente entre eles.
É possível notar, inclusive, grande semelhança entre o surgimento da
proteção ao consumidor e a proteção destinada ao empregado nas relações de
trabalho, pois também se originou após o reconhecimento de uma situação de
fragilidade do empregado face ao empregador, bem como de sua dependência em
relação a este.
Definitivamente, a efetiva tutela do consumidor somente teve início após o
reconhecimento de sua fragilidade e vulnerabilidade no mercado de consumo. Ou
seja, a legislação protetiva somente nasceu após a constatação de uma carência
concreta vislumbrada nas relações travadas no mercado de consumo, a qual
necessitava de uma proteção legal.
3.2 DAS DEFINIÇÕES DE FORNECEDOR E DE CONSUMIDOR
Como anteriormente exposto, a promulgação do Código de Defesa do
Consumidor teve como escopo tratar desigualmente os desiguais consumidores e
fornecedores –, na exata proporção de suas diferenças, a fim de que se assegure
uma isonomia real, nos termos do caput do artigo 5º da Constituição Federal
254
.
Nesse sentido pondera Belinda Pereira da Cunha:
254
“Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”
98
[...] o tratamento desigual aos desiguais na exata medida de sua
desigualdade, a fim de ser atendido o art. da Resolução da
Organização das Nações Unidas sobre os direitos do consumidor,
reiterado pelo subsistema em seu art. 4º, que reconhece o
consumidor como a parte mais fraca da relação de consumo
255
.
Portanto, tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor visa
equilibrar a relação entre dois los manifestamente desiguais, partindo do
reconhecimento da vulnerabilidade de uma das partes, a sua aplicação não é
irrestrita a todas as relações jurídicas, mas somente àquelas que se enquadrem no
conceito de relação consumeirista, travada entre fornecedor e consumidor,
conforme as definições trazidas pelos artigos 2º e 3º do Código em apreço.
No tocante ao conceito de fornecedor, assim prescreve o artigo 3º:
Art. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.
A principal característica do fornecedor é o profissionalismo com que exerce a
sua atividade, de modo a possuir total conhecimento dos meios e mecanismos de
produção ou da execução do serviço. Sendo assim, a pessoa que eventualmente
realiza um negócio, como, por exemplo, o indivíduo que vende o seu automóvel ou o
seu computador pessoal, não pode ser considerado como fornecedor, para os fins
estabelecidos pelo Código.
O conceito de fornecedor exige que a atividade exercida seja habitual e tenha
como objetivo o lucro, podendo ser o fabricante originário, o intermediário ou o
comerciante. Nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno:
Tem-se, por conseguinte, que fornecedor é qualquer pessoa física,
ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de
atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado
produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em
255
Antecipação da tutela no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 62.
99
associação mercantil ou civil e de forma habitual
256
.
Diante da conceituação trazida pelo artigo do Código de Defesa do
Consumidor, o segurador pode ser considerado como fornecedor, haja vista ser um
prestador habitual e profissional de serviços de natureza securitária.
O legislador, a fim de que não restassem vidas quanto à incidência do
referido diploma legal às atividades securitárias, foi expresso nesse sentido ao
estabelecer, no parágrafo do artigo 3º, que “Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de
caráter trabalhista.”
José Geraldo Brito Filomeno confirma o entendimento ao afirmar que:
[...] aliás, o Código fala expressamente em atividade de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, aqui se incluindo
igualmente os planos de previdência privada em geral, além dos
seguros propriamente ditos, de saúde, etc.
257
Entretanto, embora seja o segurador considerado um fornecedor, há
divergência na doutrina acerca da incidência do Código de Defesa do Consumidor
em todas as relações securitárias, o que será abordado adiante, haja vista que parte
da doutrina considera que o contratante de seguro, em algumas situações, não
pode ser considerado como consumidor.
No que tange ao conceito de consumidor, assim é disposto no artigo do
Código de Defesa do Consumidor:
Art. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações
de consumo.
O dispositivo em comento traz bastante controvérsia na doutrina no que diz
256
In: Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 39.
257
Ibidem, p. 45.
100
respeito a sua real extensão, isto é, quem exatamente pode ser considerado como
consumidor. Os embates sobre o tema podem ser sintetizados em duas correntes
majoritárias: a maximalista e a finalista.
Para a corrente maximalista, o Código de Defesa do Consumidor possui o
condão de regular todo o mercado de consumo brasileiro, de modo que deve ser
considerado como destinatário final todo aquele que retira o produto e/ou serviço do
mercado de consumo.
Para estes, a definição trazida pelo artigo da legislação consumeirista deve
ser a mais ampla possível, de forma que aquele que utiliza um insumo (fatores que
entram na produção de um produto/serviço) no processo produtivo, também pode
ser considerado consumidor.
Cláudia Lima Marques assim explica a corrente maximalista:
[...] o CDC seria um Código geral sobre o consumo, um Código para
a sociedade de consumo, que institui normas e princípios para todos
os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de
fornecedores, ora de consumidores.
[...] consideram que a definição do art. é puramente objetiva, não
importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro
quando adquire um produto ou utiliza um serviço.
[...]
Destinatário seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira
do mercado e o utiliza [...]
258
.
A teoria maximalista amplia a aplicação do Código, na medida em que toda
pessoa física ou jurídica, que adquira produtos ou serviços, para uso próprio ou
profissional, desde que o seu repasse não se por revenda, deve ser considerada
como consumidora.
Por outro lado, a doutrina finalista entende que a tutela do Código existe
para aqueles que realmente necessitam da proteção, isto é, para aqueles que são
efetivamente vulneráveis e que a utilização do produto ou serviço se para uma
necessidade pessoal.
258
Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 72.
101
Desse modo, somente pode ser considerado consumidor aquele que adquire
um produto e/ou serviço para as suas necessidades próprias e não para o
desenvolvimento de outra atividade que gere lucro, para revenda e nem mesmo para
utilização como insumo no desempenho de sua atividade lucrativa.
Sergio Cavalieri Filho, da forma a seguir, define a corrente finalista:
A corrente subjetivista, a seu turno, entende ser imprescindível à
conceituação de consumidor que a destinação final seja entendida
como econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a utilização
de um serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente,
pessoa física ou jurídica, e não objetive o desenvolvimento de outra
atividade negocial. Não se admite, destarte, que o consumo se faça
com vistas à incrementação de atividade profissional lucrativa, e isto,
ressalte-se, quer se destine o bem ou serviço à revenda ou à
integração do processo de transformação, beneficiamento ou
montagem de outros bens ou serviços, quer simplesmente passe a
compor o ativo fixo do estabelecimento empresarial
259
.
Klaus Stephan Radloff traz o seguinte exemplo:
Podemos adquirir uma mesa de sinuca para nossa diversão e
colocá-la em nosso barzinho particular. Entretanto, se transformamos
o local em um ambiente de campeonato de sinuca oficiais com
acesso a profissionais do ramo, onde exista franca atividade
lucrativa, descaracterizados estaremos como consumidores nesta
aquisição, que a mesa de sinuca será parte importante na
atividade-fim da empresa criada
260
.
Consideramos mais adequado ao próprio “espírito” do Código o conceito de
consumidor defendido pela corrente finalista, no sentido de que a legislação
consumeirista somente deve ser aplicada àqueles que efetivamente necessitem de
proteção e que sejam o destinatário final do produto ou serviço adquirido
261
. O
Código de Defesa do Consumidor foi promulgado com um escopo, qual seja, dar um
tratamento diferenciado àqueles que se encontrem em situação de vulnerabilidade
face ao fornecedor, pois, caso contrário, não porque invocar o tratamento
259
Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 51.
260
RADLOFF, Stephan Klaus. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor.
Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 36.
261
Nesse sentido foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 541.867, da relatoria
do Ministro Barros Monteiro ao sustentar que “não que se falar em relação de consumo quando a
aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, tem como escopo
incrementar a sua atividade comercial”.
102
diferenciado previsto em tal norma.
Como sustenta José Geraldo Brito Filomeno, “o Código de Defesa do
Consumidor não veio para revogar o Código Civil ou o Código Comercial no que diz
respeito a relações jurídicas entre partes iguais, do ponto de vista econômico”
262
. E,
dessa forma, “uma grande empresa oligopolista não pode valer-se do Código de
Defesa do Consumidor da mesma forma que um microempresário”
263
.
Oportuno ressaltar que consumidor pode se tratar de pessoa física ou jurídica,
pois ambas foram abarcadas pelo conceito trazido pelo Código. As pessoas jurídicas
não deixam de ser consideradas consumidoras pelo fato de, em tese, serem menos
vulneráveis que as pessoas físicas.
Contudo, no que diz respeito às pessoas jurídicas, a legislação consumeirista
somente pode incidir quando existir a necessária vulnerabilidade, isto é, uma efetiva
desigualdade entre a pessoa jurídica (consumidora) e a pessoa jurídica, na
qualidade de fornecedora. Além do que a utilização do bem ou do serviço não pode
se dar como insumo necessário ao desempenho da atividade produtiva, mas
somente quando a aquisição se der na qualidade de destinatária final.
Esse vem sendo o posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça
264
,
como se vê:
A relação jurídica qualificada por ser “de consumo” não se
caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos,
mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado
(consumidor), e de um fornecedor, do outro.
Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da
hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa
jurídica consumidora e fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca
do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para
interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ
também reconhece a necessidade de, em situações específicas,
abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para
admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e
262
In: Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 29/30.
263
In: Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 30.
264
REsp n. 476.428, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 19 abr. 2005.
103
consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de
consumo.
Essa também é a conclusão apresentada por Sergio Cavalieri Filho:
[...] para que uma pessoa jurídica seja considerada consumidora faz-
se necessário, em primeiro lugar, que ostente a mesma característica
que marca o consumidor pessoa física, qual seja, a vulnerabilidade.
Em segundo lugar, é preciso que os bens por ela adquiridos sejam
bens de consumo e que na pessoa jurídica esgotem a sua
destinação econômica. Não se confere à pessoa jurídica a condição
de consumidora quando adquire produtos ou contrata a prestação de
serviços como intermediário do ciclo de produção. Finalmente, tem-
se repudiado a idéia de consumidora quando a pessoa adquire bens
de capital ou tipicamente de produção
265
.
3.3 DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO CONTRATO
DE SEGURO
Embora o segurador seja considerado como fornecedor, por força do quanto
disposto no artigo , parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, a
doutrina e a jurisprudência se dividem quanto à sua aplicação nos contratos de
seguro.
quem defenda, como o faz Cláudia Lima Marques, que a legislação
consumeirista incide em todos os contratos de seguro:
[...] em todos estes contratos de seguro podemos identificar o
fornecedor exigido pelo art. 3º do CDC, e o consumidor. Note-se que
o destinatário do prêmio pode ser o contratante com a empresa
seguradora (estipulante) ou terceira pessoa, que participará como
beneficiária do seguro. Nos dois casos, um destinatário final do
serviço prestado pela empresa seguradora
266
.
De acordo com esse entendimento, tanto a pessoa física, quanto a pessoa
jurídica, na qualidade de contratante do seguro, podem ser consideradas
consumidoras e, diante disso, a incidência das normas protetivas do Código de
265
Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 58.
266
Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 141.
104
Defesa do Consumidor.
Aqueles que assim sustentam alegam que a pessoa jurídica que contrata o
seguro em prol de seus funcionários pode ser enquadrada como consumidora, pois
é destinatária final de serviço. também entendimento nesse sentido por parte da
jurisprudência
267
.
Existe, por outro lado, outra corrente que sustenta que o Código de Defesa do
Consumidor não será aplicável em todas as relações securitárias, pois o contratante
do seguro não poderá ser considerado, em algumas situações, como consumidor,
haja vista não apresentar a necessária vulnerabilidade.
Aqueles que assim sustentam, corrente da qual partilhamos, defendem que o
Código de Defesa do Consumidor foi promulgado com o intuito de dar um tratamento
diferenciado àqueles que carecem dessa proteção legal, de forma que a legislação
consumeirista deve ser aplicada quando o contratante do seguro apresentar essa
vulnerabilidade.
Embora o Código de Defesa do Consumidor também seja aplicável aos
consumidores pessoas jurídicas, na grande parte das vezes, não haverá a incidência
de tal lei quando o contratante do seguro for uma pessoa jurídica.
Tome-se, como exemplo, as contratações de seguros coletivos (ex.: contratos
de seguro de vida e acidentes pessoais, contrato de seguro-saúde), em que uma
empresa contrata o seguro em benefício de seus funcionários.
Não é possível que esta empresa pleiteie a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor em seu benefício, pois a incidência desse regramento somente seria
cabível se a demanda fosse ajuizada pelo funcionário da dita empresa, que figura
como segurado, pois somente este pode ser considerado vulnerável e destinatário
final do serviço.
267
“Seguro Contrato de adesão Empresa destinatária Pessoa jurídica Hipossuficiência
Código do Consumidor Aplicação do ônus da prova Consumidor Empresa destinatária final de
serviço de seguro – Hipossuficiência.” (TJDF, Apelação n. 2001011093586-6, Relator Desembargador
Vera Andrighi, DJU 6 maio 2004. In: SENE, Leone Trida. Seguro de pessoas: negativas de
pagamento das seguradoras. Curitiba: Juruá, 2008. p. 95/96)
105
A realidade desses contratos de seguro coletivos é bastante diversa da
presente nos contratos individuais, já que são firmados entre duas pessoas jurídicas,
que se encontram em um mesmo patamar jurídico, quais sejam: a empregadora,
que figura como estipulante da apólice, e o segurador.
Nesse tipo de contrato não se configura a desigualdade entre as partes
contratantes, tal como ocorre nos contratos de seguro individuais, de modo que não
necessidade de medidas protecionistas à “parte mais fraca”. A formação desse
contrato dá-se com discussões das cláusulas, negociações acerca do valor do
prêmio e dos reajustes a serem aplicados, diversamente do que se verifica nos
contratos firmados com os segurados individualmente.
Walter Antonio Polido
268
, ao tratar sobre o tema em dissertação de mestrado
apresentada sobre o assunto, também ressalta esse aspecto, afirmando que os
empresários podem dispor de assessoria especializada em matéria de seguro, tanto
dentro da própria empresa, como com prestadores tercerizados. Afirma ainda que “o
segurado-empresário tem muito mais condições de negociar com a seguradora, do
que o segurado-consumidor e contrariando, assim, o princípio da hipossuficiência
pressuposta também em relação àquele”.
Esse critério diferenciador também é trazido por Fábio Ulhoa Coelho:
quando a pessoa jurídica adquire o seguro e isso, de alguma
forma, envolve negociação entre dois grandes empresários (a
seguradora de um lado, do outro um comprador desses serviços
muitos expressivos, e que tem até condições de sentar à mesa para
discutir um pouco os elementos que o formar o carregamento), a
contratação não se fez no mesmo mercado a que tem acesso os
consumidores. Neste caso, em princípio, não cabe a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor.
Se a contratação não se verificou no mesmo mercado a que tem
acesso o consumidor, mas a pessoa jurídica é tão ou mais
vulnerável que este, então é cabível invocar-se a proteção do Código
de Defesa do Consumidor. Neste caso, a pessoa jurídica contratante
do seguro não se apresenta exatamente como consumidor e sim
como empresário numa situação de vulnerabilidade análoga à de um
268
O contrato de seguro em face da nova perspectiva social e jurídica. Dissertação (Mestrado)
Faculdade de Direito, Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 164.
106
consumidor
269
.
Além disso, a empresa contratante do seguro não pode ser considerada como
consumidora por não ser o destinatário final dos serviços oriundos do contrato de
seguro celebrado, pois o destinatário final é o seu empregado que efetivamente
usufrui do serviço.
Essa é a posição trazida por José Luiz Pérez-Serrabona González:
Conviene aclarar, sin embargo, que en numerosas ocasiones y no
nos referimos sólo al supuesto del reaseguro el asegurado o
tomador dificilmente ocupa la posición auténtica de consumidor.
No hai que pensar más que en una empresa organizada, de alto
potencial económico, de transportes, por ejemplo, que desea o
necesita celebrar contratos de seguro con una compania. Desde el
punto de vista de la “profesionalidad”, grado de preparación,
posibilidade de discutir el contenido contractual e incluso de fijar-lo, el
tomador del seguro del ejemplo se puede encontrar en una situación
de prevalencia frente al asegurador (a veces éste es, incluso, una
filial o sociedade de su órbita económica). Normalmente, de todos
modos, por consumidor, sólo se entendido a personas físicas,
aunque la Ley española tambiem incluya a las jurídicas, hecho éste
que carece de trascendencia, pues como recoge Alfaro, sólo son
imaginables como personas jurídicas consumidores, aquellas que,
sin finalidad de lucro, transmitam a título gratuito los bienes y
servicios adquiridos. Pero cuando se trata de contratación entre
empresarios, quiebra el princípio de necesidade de protección de una
parte, pues la organización de estos titulares de la actividade
económica les basta para “autoprotegerse” y esos, quizáz, porque los
empresarios no están tan necesitados de protección [...]
270
.
Esse entendimento foi abalizado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao ter
sido afirmado pelo Ministro Relator Massami Uyeda
271
que não se pode conceder à
qualificação de consumidor uma abrangência tão ampla e, em vistas disso, não
incide a aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando o seguro é firmado
por uma pessoa jurídica em prol de seus funcionários.
269
In: SENE, Leone Trida. Seguro de pessoas: negativas de pagamento das seguradoras. Curitiba:
Juruá, 2008. p. 98.
270
El contrato de seguro interpretación de las condiciones generales. Granada: Comares,
1993. p. 209/210.
271
Recurso Especial n. 2006/0208675-8: “se for estabelecida abrangência tão ampla de relações
submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, tudo por ele será regulamentado. Na hipótese dos
autos, não se está tratando de contrato ajustado com o consumidor do plano de saúde, ao contrário,
trata-se de 'planos empresariais' ajustados entre as empresas.”
107
Do mesmo modo, não haveria que se falar na incidência do Código de Defesa
do Consumidor na contratação de um seguro de responsabilidade civil, por exemplo,
por uma empresa de estacionamento para dar garantia a eventuais dívidas de
responsabilidade a esta imputadas em decorrência de roubos/furtos/colisões de
veículos nela estacionados, pois, como afirma Flávio Queiroz:
[...] num sentido primeiro, as pessoas compram seguro para
proteção, que muitas vezes elas adquirem o seguro ou contratam
o seguro integrando sua atividade empresarial, cobrando seus custos
de terceiros, mas ela não passa ao terceiro o contrato de seguro,
passa ao terceiro apenas o custo do contrato – aquilo aproveita a sua
utilidade empresarial, aquilo cobre a sua responsabilidade civil,
aquilo garante o seu desempenho empresarial.
Então, não pode ser considerado, a meu ver, como um contrato de
consumo, quando de tratar de enquadrá-lo dentro de uma atividade-
fim empresarial
272
.
Quando for celebrado um contrato de seguro por uma pessoa jurídica e essa
contratação se der como insumo de sua atividade empresarial, não há como haver a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor
273
.
Essa é a posição defendida por Sergio Cavalieri Filho
274
ao sustentar que,
quando se tratar de contrato firmado entre segurado pessoa física e segurador,
haverá a aplicação da lei consumeirista. Por outro lado, quando o contrato for
celebrado por segurado pessoa jurídica, como insumo de sua atividade econômica,
não haverá a incidência do Código de Defesa do Consumidor.
A jurisprudência vem acatando o raciocínio acima, podendo-se trazer à baila
um julgado
275
em que se entendeu pela o-aplicação do Código de Defesa do
272
A prescrição da ação de seguro no Código de Defesa do Consumidor. In: CARNEIRO, Athos
Gusmão. Seguros: uma questão atual. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 115.
273
Foi proferido recente julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acolhendo essa tese:
“Antes cabe ressaltar que não se aplica à espécie o Código de Defesa do Consumidor. O seguro
empresarial foi contratado para cobrir os riscos dos bens da autora, que atua no ramo de locação de
máquinas. A autora não é consumidora final do produto fornecido pela ré, aplicado ao seu ramo de
comércio, com finalidade lucrativa. A relação jurídica entre as partes é de insumo, não de consumo, o
que afasta a incidência da legislação consumeirista. Consoante o ensinamento de Luiz Antonio
Rizzato Nunes, ‘não se classifica como relação de consumo a situação em que o produto é entregue
com a finalidade específica de servir de bem de produção para outro produto ou serviço e via de regra
não está colocado no mercado de consumo como bem de consumo, mas como de produção.’ (in
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, págs. 87/88, Saraiva, São Paulo, 2000).”
(Apelação n. 230.588-4/0-00, Relator Desembargador Paulo Eduardo Razuk, julgado em 7 out. 2008)
274
Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 203.
275
Tribunal de Alçada Civil do Estado de Minas Gerais, Câmara Cível, Relator Francisco
108
Consumidor em contrato de seguro celebrado por transportadora:
Na contratação de seguradora e transportadora para cobrir riscos
dos transportes vindouros, ausenta-se relação de consumo, pois não
destinatário final de produto ou serviços. Cláusulas que se
submetem à disciplina federal de leis e controles da SUSEP são
legais e adequadas, não portadoras de abusividade, e, por isto
mesmo, devem prevalecer.
As pessoas jurídicas, no mais das vezes, são dotadas de amparo jurídico, de
modo a não justificar o tratamento desigual e protecionista conferido pelo Código de
Defesa do Consumidor. A aplicação se fará necessária quando se verificar a
desigualdade entre os contratantes e desde que o serviço securitário não seja
utilizado em sua atividade lucrativa.
Oportuno ressaltar que, embora não haja a aplicação da legislação
consumeirista, as pessoas jurídicas que não possam ser consideradas vulneráveis
podem se valer das disposições constantes no Código Civil no que diz respeito à
proteção concedida aos adquirentes de contratos de adesão, nos termos dos artigos
423 e 424
276
.
De todo modo, em sendo ou o aplicado o Código de Defesa do
Consumidor, por tratar-se o seguro de um contrato de adesão, o clausulado deve
ser redigido de forma absolutamente clara, legível, inteligível, de maneira a
possibilitar ao segurado um fácil e imediato entendimento, em especial das
cláusulas restritivas de direitos (exclusões e limites contratuais)
277
.
Na hipótese de ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor, deve ser
ressaltado que esta norma permite a inserção de cláusulas limitativas de direito em
contratos de adesão, desde que estas sejam redigidas em termos claros e com
Kupdlowski, Apelação n. 407.036-6, julgado em 23 out. 2003.
276
“Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á
adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”
“Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
277
“Contrato de seguro é tipicamente de adesão, o que implica interpretação favorável ao proponente.
Deve o contrato estabelecer as mesmas condições anunciadas em folheto publicitário, sendo que
qualquer alteração de referido contrato, somente pode ser considerada válida com o consentimento
expresso de ambas as partes dada a natureza bilateral da relação jurídica existente.” (TAMG,
Apelação n. 04004598-9, Relator Juiz Unias Silva, julgado em 18 dez. 2003)
109
caracteres ostensivos e legíveis, como se denota do artigo 54, parágrafos 3º e 4º
278
.
Portanto, em sendo aplicado o Código de Defesa do Consumidor ou
unicamente o Código Civil, permite-se a inserção de cláusulas restritivas de direitos,
tendo em vista que, inobstante uma pessoa ou um bem estejam sujeitos a diversos
riscos, ao segurador é plenamente possível a delimitação das conseqüências
econômicas dos riscos que passará a garantir
279
.
Esse entendimento é defendido por Leone Trida Sene:
Cláusulas limitativas são aquelas que apresentam alguma limitação,
alguma restrição ao direito do consumidor.
Tais cláusulas limitativas, mais do que uma possibilidade prevista em
lei, estão invariavelmente presentes nas relações securitárias.
280
Em outras palavras, o estabelecimento de cláusulas limitativas e de
procedimentos no contrato de seguro resulta da aplicação das disposições contidas
no novo Código Civil, em especial nos artigos 737, 760, 776
281
e do artigo 54,
parágrafos e do Código de Defesa do Consumidor. Esses artigos admitem, de
maneira explícita, a particularização, a limitação da responsabilidade do segurador a
determinados riscos previstos na avença formulada.
278
“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. [...] § Os contratos de
adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a
facilitar sua compreensão pelo consumidor. § As cláusulas que implicarem limitação de direito do
consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”
279
Neste sentido o entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná, Apelação Cível n. 0193418-3,
Relator Arquelau Araújo Ribas, Revisor Marcos de Lucas Fachin, Vara Cível de Curitiba:
“CONTRATO DE SEGURO POSSIBILIDADE DE CLÁUSULA LIMITATIVA INFRINGÊNCIA
DESTA PELA SEGURADA AMPLIAÇÃO DO RISCO PROVIMENTO DO RECURSO. Não é
admissível que a Empresa Transportadora desconheça cláusula limitativa, que vem expressa em
texto de fácil compreensão.”
280
SENE, Leone Trida. Seguro de pessoas: negativas de pagamento das seguradoras. Curitiba:
Juruá, 2008. p. 98
281
“Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a
garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.”
“Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e
mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio
devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.”
“Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco
assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa, não responderá por outros o segurador.”
110
4 DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
4.1 QUESTIONAMENTOS SOBRE A SUA LICITUDE E SEU POSTERIOR
DESENVOLVIMENTO
Muito se discutia, no passado, quanto à licitude de se realizar um seguro de
responsabilidade civil. Indagava a doutrina, como salienta Georges Ripert
282
, se seria
possível a realização de um seguro para garantir as conseqüências do ato ilícito
praticado pelo ofensor.
A realização de um contrato, nestes termos, não seria atentatória à ordem
pública e à moral? Não seria um incentivo à prática de atos ilícitos, que o
responsável pela ofensa não seria obrigado a, pessoalmente, ressarcir o dano?
A fim de ilustrar a discussão que havia sobre o tema, traz-se à baila um
julgado oriundo da jurisprudência francesa
283
, que muito reflete as indagações que
existiam sobre o assunto.
Um indivíduo celebrou um contrato de seguro para prestar garantia aos
veículos públicos que ele explorava nos arredores de Paris com um determinado
segurador. Na apólice constou que, em caso de acidente, haveria o reembolso das
quantias por ele pagas a título de danos à vítima.
Ocorre que, um de seus veículos, em um acidente, causou a morte de uma
pessoa e o segurado foi obrigado a indenizar a viúva, tendo posteriormente
pleiteado o reembolso ao segurador. Este se recusou a indenizá-lo sob o argumento
de que o sinistro não tinha cobertura, em virtude de ter ocorrido de forma contrária
ao quanto previsto na apólice.
Tendo o segurado ajuizado uma demanda judicial em face do segurador, o
282
Regime democrático e o direito civil moderno. São Paulo: Saraiva, 1937. p. 377.
283
CARVAL, Suzanne. La construction de la responsabilité civile. Paris: PUF, 2001. p.
309/310/311.
111
juiz de Instância, sem examinar o argumento da negativa deste e sem que
nenhuma das partes tenha alegado a nulidade do contrato, declarou o contrato
firmado entre as partes como nulo, permitindo ao segurado o recebimento somente
dos valores pagos a título de prêmio, tendo considerado que a obrigação sobre uma
causa ilícita não pode surtir nenhum efeito.
O entendimento do magistrado foi no sentido de que é contrário à ordem
pública e aos bons costumes realizar um seguro de um ilícito cometido por um
segurado ou por alguém que é seu empregado, tratando-se de um incentivo à
negligência e à incúria.
O segurado recorreu da decisão argumentando que não havia ofensa à
ordem pública e aos bons costumes, pois o contrato como objeto a garantia das
conseqüências das reparações civis que ele possa vir a ser obrigado a pagar em
razão de um acidente, além de não existir proibição no ordenamento quanto a tal
estipulação. Ressalte-se que, em tal época, era vigente de forma absoluta o
princípio da autonomia da vontade. Por fim, foi alegado que, diversamente do quanto
sustentado na decisão judicial, a contratação dessa espécie de seguro é útil e
favorável aos interesses públicos.
O tribunal reformou a decisão de Instância, condenando o segurador a
reembolsar o segurado das quantias por ele despendidas, a título de reparação civil.
O fundamento utilizado para a reforma da decisão foi no sentido de que,
diversamente do quanto sustentado pelo julgador a quo, o seguro trata-se de uma
convenção que auxilia na reparação dos males que as pessoas não podem prever e
evitar. Foi asseverado também que a finalidade do seguro é a reparação pecuniária
do ato ilícito em seu aspecto econômico, não sendo um incentivo à prática do ilícito
em si. Por fim, foi argumentado que o seguro não pode ser proibido sob o
fundamento de que, em algumas situações, pode incentivar o segurado a causar o
delito, já que um contrato somente pode ser proibido excepcionalmente.
Via-se, como ressalva Suzanne Carval
284
, o contrato de seguro como uma
284
La construction de la responsabilité civile. Paris: PUF, 2001. p. 317.
112
convenção análoga à convenção de não indenizar (convention de non-
responsabilité), sob o argumento de que ambos os institutos têm por finalidade que o
culpado não responda pelo ato ilícito cometido, de forma que essas estipulações
seriam contrárias ao artigo 1.382 do Código Civil Francês, que obriga aquele que,
causar um dano por sua culpa, a repará-lo:
Ce raisonnement a été adopté par des auteurs tels que de Courcy et
M. Lyon-Caen. Pour ceux-ci, assurer sa faute c’est en réalité estipuler
qu’on n‘en répondra pas. Le résultat atteint par l’assurance est
exactement le même que celui produit par la convention de non-
responsabilité. Les deux conventions ont pour effet, disent-ils, de
décharger de toute responsabilité celui qui a commis une faute; elles
sont l’une et l’autre contraires à l’article 1382 du Code Civil que oblige
celui qui cause un dommage par sa faute à le réparer
285
.
Contudo, o credor, que consentiu ao devedor uma cláusula de exoneração de
responsabilidade, suportará sozinho os danos decorrentes do ato ilícito cometido.
Por outro lado, no contrato de seguro, haverá uma transferência das conseqüências
econômicas do risco, arcando o segurador, em caso de sinistro, com a reparação
dos danos, tendo recebido, como contraprestação, o pagamento do prêmio por parte
do segurado.
Quando se faz uma convenção de “não indenizar”, denominada de “non-
responsabilité” pelos franceses, o que somente é admissível nas hipóteses de
condutas culposas, o devedor (ofensor) se isenta de toda a responsabilidade, pois
as conseqüências dos fatos danosos serão suportadas exclusivamente pela vítima.
Contrariamente, quando se contrata um seguro, uma prevenção por parte
do indivíduo, pagando uma quantia previamente (prêmio), para garantir que, em
havendo um dano, este será ressarcido pelo segurador. A vítima não ficará sem
indenização.
A responsabilidade o é suprimida, muito pelo contrário, as suas
conseqüências (econômicas) são transferidas, permitindo-se que a vítima seja
indenizada.
285
CARVAL, Suzanne. La construction de la responsabilité civile. Paris: PUF, 2001. p. 317.
113
A diferenciação entre a cláusula de o indenizar e o contrato de seguro é
ressaltada por Gaston Stefáni:
Puisque l’assurance ne suprime pas la responsabilité, elle ne peut
être considérée comme une convention portant sur la responsabilité,
elle n’est qu’une convention sur la réparation et c’est pourquoi elle est
socialement et économiquement beaucoup moins dangereuse que la
clause de non-responsabilité. Tandis que l’une laisse le dommage à
la victime, l’autre ajoute une garantie pour la réparation, une
compagnie d’assurances, généralement plus solvable qu’un simple
particulier
286
.
Como sustentado, o seguro de responsabilidade civil não é uma convenção
sobre as conseqüências da responsabilidade, pois aquele que pratica o ato danoso
continuará a ser o responsável pela ofensa causada à vítima, o que haverá é apenas
a transferência das conseqüências patrimoniais (ressarcimento do prejuízo
causado).
Conforme pondera Pedro Alvim, “o risco coberto pelo contrato não é a culpa
do agente, e sim a obrigação de reparar, e esta pode perfeitamente ser objeto de um
acordo”
287
.
Com a prática de um ato ilícito, surge para o ofensor a obrigação de reparar o
dano causado, o que terá reflexos em seu patrimônio. Para evitar essa diminuição
patrimonial, surge o contrato de seguro de responsabilidade civil, cujo objetivo é
permitir que o segurado tenha meios para reparar o prejuízo causado, sem que
tenha ele próprio um decréscimo patrimonial, na medida em que o segurador
assume a responsabilidade de indenizar até o limite máximo previsto no contrato.
Essa espécie de modalidade de seguro é de suma importância para a
cobertura de responsabilidades decorrentes de diversas atividades humanas, em
especial das profissionais e empresariais, sendo, portanto, prudente a sua
celebração, não restando qualquer ofensa à ordem blica, como se entendia nos
primórdios
288
.
286
De l’assurance des fautes. In: CARVAL, Suzanne. La construction de la responsabilité civile.
Paris: PUF, 2001. p. 319/320.
287
ALVIM, Pedro. Responsabilidade civil e seguro obrigatório. São Paulo: RT, 1972. p. 67.
288
MARENSI, Voltaire Giavarina. O seguro de responsabilidade civil. Cadernos de Seguro
coletânea 1981-2001. Rio de Janeiro: Funenseg, 2001. p. 40.
114
A sua celebração é um ato de previdência, uma forma de se precaver dos
infortúnios inevitáveis da vida em sociedade e também do progresso do capitalismo.
Danos serão fatalmente causados, melhor, então, que sejam reparados.
E esta é uma das razões pelas quais o seguro de responsabilidade civil é
socialmente útil, porque se trata de um ato de previdência por aquele que contrata,
resultando em benefício para as timas, que certamente obterão as indenizações,
como pondera o italiano Camilo Viterbo
289
.
Essa espécie de seguro é contratada, como observa Georges Ripert
290
, por
“todos aqueles que temem ver a sua responsabilidade demasiadamente
comprometida pela aplicação das leis modernas”. Acrescenta, ainda, que “é graças
a ele (seguro de responsabilidade civil) que tantas pessoas têm podido suportar
facilmente o peso dos riscos que as sobrecarregaram”. E, arremata o seu raciocínio,
ao afirmar que a tendência “não é impedir o seguro, mas, pelo contrário, torná-lo
obrigatório para que a vítima tenha a certeza de encontrar na sua frente pessoa
solvente respondendo pelo prejuízo”.
Em vista disso, aos poucos, as legislações de diversos países passaram a
prever expressamente a possibilidade de se contratar um seguro de
responsabilidade civil. Isso se deu, no ano de 1908, na Suíça e na Alemanha; no
ano de 1930 na França, prevendo a lei publicada em 13 de junho de 1930 que “les
pertes et les dommages ocasionées par des cas fortuites ou causées par la faute de
l’assurée, sont à la charge de l’assureur, sauf exclusion formelle et limitée, contenue
dans la police”
291
.
No Brasil, aplicavam-se aos contratos de seguro de responsabilidade civil as
normas concernentes aos seguros de dano, previstas no Código Civil de 1916,
que a legislação específica sobre essa espécie de contrato somente veio com a
promulgação do atual Código Civil.
289
El seguro de la responsabilidad civil. Buenos Aires, 1944. p. 9.
290
Regime democrático e o direito civil moderno. São Paulo: Saraiva, 1937. p. 378.
291
FIGUEIRA, J. G. de Andrade. A ação direta da vítima contra a companhia seguradora de
responsabilidade civil. Revista dos Tribunais, ano XXXI, set. 1942, p. 442.
115
A expansão do seguro de responsabilidade civil deu-se em duas áreas
distintas. Uma foi no campo eminentemente privado, com o contrato de seguro de
responsabilidade civil facultativo. A outra ocorreu em prol da coletividade, cujo fim é
exclusivamente social, com o seguro de responsabilidade civil obrigatória.
Nas relações privadas, tendo em vista que qualquer pessoa está sujeita ao
cometimento de atos que podem causar danos, qualquer indivíduo pode celebrar um
contrato de seguro para se precaver de eventuais reparações que seja obrigado a
pagar.
Assim, por exemplo, médicos e dentistas podem realizar contratos de seguro
de responsabilidade civil, na hipótese de agirem com imprudência, negligência e
imperícia, e causarem ferimentos, incapacidade ou até mesmo a morte no
tratamento de seus pacientes. Aliás, com o tempo, pode-se até mesmo imaginar que
será impossível o exercício da atividade médica sem a contratação de um seguro,
haja vista o crescente número de demandas no Judiciário alegando erro médico, o
que pode levar tais profissionais à insolvência em razão de vultosas indenizações
que muitas vezes são concedidas. Em estatística divulgada pelo Superior Tribunal
de Justiça, nos últimos seis anos o número de ações judiciais que pedem
indenizações por erros médicos aumentou 155%, havendo atualmente 444
processos na corte superior sobre a matéria
292
.
Empresas de estacionamentos, escritórios de advocacia, hospitais, indústrias
farmacêuticas, engenheiros, arquitetos, administradores de sociedades e muitos
outros ramos de prestadores de serviços, todos sujeitos à prática de danos no
exercício de sua atividade, podem e devem realizar essa espécie de contrato, como
forma de se precaverem de eventuais infortúnios que sejam obrigados a repará-los.
Trata-se de uma modalidade de seguro de extrema relevância em
determinadas profissões e áreas de prestação de serviços, pois, com a realização
de um seguro de responsabilidade civil, encontram-se os profissionais liberais e as
292
Boletim Informativo n. 1.379 divulgado pela Associação Internacional de Direito do Seguro
(“AIDA”), da data de 19 de novembro de 2008.
116
pessoas jurídicas prestadoras de serviços protegidos contra eventuais danos que
possam causar a terceiros em razão da prática de suas atividades. Nos países
desenvolvidos, está muito difundida, especialmente entre profissionais liberais,
como médicos e advogados, a contratação de apólices de seguros de
responsabilidade civil.
O outro setor de expansão deu-se em prol da coletividade, com a criação,
mediante norma legal, de seguros de responsabilidade civil obrigatório. Nessas
situações prepondera o interesse social de que as vítimas sejam indenizadas,
possuindo como característica fundamental a sua relevância social em razão de se
prestar a atender aos deveres de solidariedade impostos pelas Cartas Magnas.
Grande foi a ingerência do Estado nesse setor, com a edição de leis
estatuindo seguros obrigatórios. O Decreto-Lei n. 73, promulgado em 21 de
novembro de 1966, norma que regulamenta o setor securitário no país, em seu
artigo 20
293
, determinou a realização de diversos seguros obrigatórios.
Regulamentando o citado Decreto-Lei, o Decreto n. 61.867, de 7 de dezembro
de 1967, estabeleceu o seguro obrigatório para veículos automotores (Recovat
Responsabilidade Civil dos Proprietários de Veículos Automotores de Vias
Terrestres), tendo estabelecido em seu artigo 5º que
As pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado,
proprietárias de quaisquer veículos relacionados nos arts. 52 e 63 da
Lei n. 5.108, de 21/09/1966, referente ao Código Nacional de
Trânsito, ficam obrigadas a segurá-los, quanto à responsabilidade
civil decorrente de sua existência ou utilização.
Estava previsto um seguro de responsabilidade civil de contratação
obrigatória, garantindo a cobertura para danos pessoais e materiais causados a
293
“Art. 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de: a) danos
pessoais a passageiros de aeronaves comerciais; b) responsabilidade civil dos proprietários de
veículos automotores de vias terrestres, fluvial, lacustre e marítima, de aeronaves e dos
transportadores em geral; c) responsabilidade civil do construtor de imóveis em em zonas urbanas
por danos a pessoas ou coisas; d) bens dados em garantia de empréstimos ou financiamentos de
instituições financeiras públicas; e) garantia do cumprimento das obrigações do incorporador e
construtor de imóveis; f) garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive
obrigação imobiliária; g) edifícios divididos em unidades autônomas; h) incêndio e transporte de bens
pertencentes a pessoas jurídicas, situados no país ou nele transportados.”
117
terceiros em razão de acidentes automotivos, exigindo-se a prova da culpa do
proprietário do veículo para o recebimento da indenização.
Posteriormente, revogando a lei do Recovat, foi editada a Lei n. 6.194, de 19
de dezembro de 1974, a qual criou um seguro de danos pessoais causados por
veículos automotores de vias terrestres, denominado de DPVAT, compreendendo as
coberturas de morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica.
de ser ressaltado que o DPVAT não é propriamente um seguro de
responsabilidade civil
294
, pois, consoante salientam Ernesto Tzirulnik, Ayrton
Pimentel e Flávio de Queiroz B. Cavalcanti, “para que fosse de responsabilidade
civil, o seguro DPVAT deveria operar quando existisse situação capaz de
engendrar a responsabilização do segurado, o que não é o caso”
295
.
Não se faz necessária a perquirição da culpabilidade do agente ou mesmo da
caracterização de sua responsabilidade objetiva, sendo a indenização paga
diretamente à vítima independente da apuração de responsabilidade, nos termos do
artigo da Lei n. 6.194/74, bastando a prova do acidente e do dano dele
decorrente
296
.
A reparação prevista em tal norma ainda é muito tímida, não sendo realizada
de forma integral, pois os valores das indenizações são tarifados
297
. Tal indenização
está longe de garantir uma reparação integral do dano sofrido pela vítima, contudo,
294
Esse foi o entendimento acerca da questão dado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“O artigo 20 do Decreto-Lei 73/66 mostra que o elenco legal dos seguros obrigatórios distingue com
clareza os seguros de responsabilidade civil dos seguros de danos, certo ainda que o DPVAT se
inclui nessa segunda categoria. Tal distinção é fundamental, pois a incidência do seguro de
responsabilidade civil pressupõe, necessariamente, responsabilidade do segurado, ao passo que a
cobertura pelo seguro de dano não reclama a demonstração nem mesmo a existência de
responsabilidade civil de quem quer que seja.” (Apelação n. 1116103-0/0, Relator Desembargador
Ricardo Pessoa de Mello Belli, julgado em 3 mar. 2008)
295
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O Contrato de
Seguro. São Paulo: EMTS, 2002, p. 160.
296
O teor do artigo da Lei n. 6.194/74 dispõe que “O pagamento da indenização se efetuado
mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de
culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado.”
297
Para morte, a indenização é fixada em R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais); para o caso de
invalidez permanente, a indenização é fixada em até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais); para
despesas de assistência médica e suplementares, desde que comprovadas, a indenização é fixada
em até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais). Esses valores foram estabelecidos pela Lei n.
11.482, editada em 31 de maio de 2007. Anteriormente os valores eram fixados com base no salário
mínimo, o que ensejava muita discussão judicial acerca da vinculação ao salário mínimo.
118
por outro lado, apresenta a vantagem de se permitir um rápido e célere
ressarcimento, não obstando que a vítima pleiteie o complemento da indenização
em face do causador do dano, demonstrando, para tanto, a sua responsabilidade.
O ideal seria a imposição de uma norma que compelisse todos os
proprietários de veículos automotores a contratar um seguro de responsabilidade
civil, garantindo a cobertura de danos causados a terceiros na utilização do bem. Por
meio de tal legislação, não obstante houvesse a transferência ao particular do ônus
da implementação de um sistema coletivo de reparação, seria a forma possível de
se garantir a efetiva e integral reparação de danos causados em decorrência do
crescente número de acidentes automotivos existentes.
aqueles que criticam a adoção de um sistema de seguros obrigatórios sob
o fundamento de que, com isso, poderia haver um desestímulo para a adoção de
condutas cuidadosas e diligentes, pois o ônus da reparação recairia sobre o
segurador, inexistindo qualquer repercussão patrimonial para o ofensor, como
ressalta Constant Eliashberg:
La multiplication excessive des obligations d’assurance comporte un
danger de déresponsabilisation en raison du transfert de la charge de
la réparation vers l’assureur. Cela peut engendrer aussi une
démobilisation en matière de prévention des risques
298
.
A crítica, entretanto, não se sustenta. Como defende Anderson Schreiber, “o
ônus da reparação é apenas aparentemente transferido à seguradora, uma vez que
o custo global das indenizações pagas reflete-se, invariável e continuamente, sobre
o preço dos seguros”
299
.
Ou seja, não obstante o segurado arque apenas com pequena parte
pagamento do prêmio –, caso o sinistro ocorra, ele sofrerá as conseqüências
financeiras de tal fato, em razão de que, quando da renovação da apólice, o seguro
ficará mais custoso.
298
Risques et assurances de responsabilité civile. Paris: L’Argus, 2006. p. 125.
299
Novos paradigmas da responsabilidade civil da erosão dos filtros da reparação à diluição
dos danos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 230.
119
Além disso, mecanismos no seguro que permitem garantir condutas
diligentes do segurado, tais como “bônus e alíquotas diferenciadas conforme o
histórico lesivo de cada segurado, recursos consolidados nos seguros
automobilísticos de fonte voluntária”
300
.
Tais práticas são comumente praticadas no mercado. Se, por exemplo, no
período de vigência do seguro, não se verifica a ocorrência de sinistro, concede-se
um nus ao segurado, o que ensejará uma redução no valor do prêmio. Outra
forma de incentivar comportamentos cuidadosos por parte do segurado é a
imposição de franquias em valores mais elevados, pois, caso ocorra o sinistro, ele
arcará também com parte do prejuízo.
Anne Guégan-Lécuyer também é partidária do entendimento de que a
realização de seguro, ao contrário de impulsionar, acaba por diminuir o risco, ao
incentivar o segurado a adotar medidas preventivas para a sua redução, ao impor
franquias e a fixação do valor do prêmio em consideração aos sinistros pretéritos:
En prévoyant une franchise par sinistre qui laisse à l’assuré la charge
d’une première tranche d’indemnisation pour les sinistres importants,
et en modulant la prime en fonction des sinistres, ils incitent celui-ci à
les éviter
301
.
Especificamente em relação à franquia, Anne Guégan-Lécuyer acentua que:
Etabli par référence à une fraction du sinistre ou à une somme
déterminée, un montant rélativement élevé de cette franchise se voit
reconnaître un effet doublement incitatif. En permettant à l’assuré de
bénéficier, en contrepartie, d’un taux de prime moins eleve, Il l’incite à
accepter la clause de découvert obligatoire. Pour ne pas devoir
supporter ce dernier, l’assuré doit veiller à la qualité et la sécurité des
conditions de son activité
302
.
O mecanismo de adoção de seguros obrigatórios, devido ao elevado número
de acidentes automotivos, ensejou a elaboração de normas estatuindo seguros
obrigatórios de responsabilidade civil, relativo à circulação de veículos automotores,
nos mais diversos países. Isto porque “o tráfego viário constitui uma das mais
300
Ibidem, p. 230.
301
Dommage de masse et responsabilité civile. Paris: L.G.D.J., 2006. p. 285.
302
Dommage de masse et responsabilité civile. Paris: L.G.D.J., 2006. p. 287.
120
recorrentes causas de morte e invalidez em todo o mundo. E invariavelmente a
indenização das timas é dependente da capacidade patrimonial dos
responsáveis.”
303
Essa legislação deve-se ao fato de que a moderna tecnologia e o
aprimoramento das máquinas, se por um lado criaram inegáveis progressos no setor
automotivo, por outro ensejaram um desconcertante aumento dos acidentes com
veículos automotores. Consoante pondera Nelson Hungria, “o automóvel teria se
transformado, nos tempos modernos, num verdadeiro flagelo, a matar mais que a
peste branca ou a peste cética”
304
.
Dados bastante alarmantes foram trazidos recentemente no REsp n. 577.902,
julgado em 13 de junho de 2006, no voto do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Informou o referido Ministro que, de acordo com as estatísticas constantes no site
305
,
no ano de 2002, os acidentes de trânsito rodoviário fizeram mais de 1.200.000 (um
milhão e duzentas mil) vítimas. Por esses números, os acidentes de trânsito matam
o quádruplo do que guerras e conflitos juntos, sendo a maior causa de mortes
violentas por ano.
De acordo com as informações trazidas em outro site
306
, a cada 22 minutos,
morre uma pessoa em acidente de trânsito, a cada 7 minutos acontece um
atropelamento e a cada 57 segundos acontece um acidente de trânsito.
E, com base em tais estatísticas, conclui o Ministro Antônio dedua Ribeiro
que:
Portanto, é incontestável que, com o progresso econômico da
sociedade o que faz com que a cada ano mais carros, cada vez
mais velozes e possantes, entrem em circulação –, os automóveis se
tornaram instrumentos móveis perigosos, com um grande potencial
de causar danos, tanto pessoais como materiais e, por isso mesmo,
quem os põe em circulação e, conseqüentemente, expõem a
303
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro. São Paulo: RT, 2003. p. 135.
304
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942. v. IV, n. 35, p.
166.
305
Disponível em: <www.whi.int/violence_injury_preventio/road_traffic/en>. Acesso em:
306
Disponível em: <www.transitobr.com.br/numeros.htm>. Acesso em:
121
coletividade a tais riscos, até mesmo fatais, deve ser submetido a
uma responsabilidade civil mais rígida.
Na Itália, por exemplo, foi adotado o sistema de contratação obrigatória de
seguros de responsabilidade civil decorrentes da utilização do automóvel, por força
do quanto estatuído pela Lei n. 990/1969
307
. Tal experiência vem se mostrando bem-
sucedida, o que ensejou a adoção do sistema por outros países da comunidade
européia.
Não somente no campo de acidentes automotivos registra-se a expansão do
seguro de responsabilidade civil.
Diante do panorama de ampliação das hipóteses de responsabilidade civil,
especialmente da responsabilidade por risco, o seguro de responsabilidade civil
(facultativo e obrigatório) terá um papel crescente, surgindo como forma de se
garantir a reparação do dano. É o princípio da solidariedade colocado em prática por
meio da atividade securitária.
A portuguesa Rita Gonçalves Ferreira da Silva aponta para essa mesma
conclusão, que este ramo de seguro possibilita, por um lado, a redução, a priori,
das conseqüências econômicas dos riscos a que a população encontra-se sujeita e
inerentes a determinadas atividades essenciais ao ser humano e também
indispensáveis para o desenvolvimento da própria civilização, bem como, por outro
lado, para a obtenção, quase sempre, por parte das vítimas, da reparação dos seus
prejuízos
308
.
307
“Artigo I veicoli a motore senza guida di rotaie, compresi i filoveicoli e rimorchi, non possono
essere posti in circolazione su strade di uso publlico o su aree a queste equiparate se non siano
coperti, secondo le dispozione della presente legge, dall’assicurazione per la responsabilità civile
verso o terzi prevista dall’art. 2054 del codice civile. L’assicurazione stipulata ai sensi del precedente
commo spiega il suo effetto anche nel caso di circolazione avvenuta contro la volontà del proprietario,
usufruttuario o acquirente con patto di riservato dominio del veicoli, salvo, in questo caso, il diritto di
rivalsa dell’assicuratore verso il conducente. L’assicurazione deve comprendere anche la
responsabilità per i danni prodotti alle persone transportate daí veicoli destinati a uso pubblico, dagli
autobus destinati a uso privato e daí veicoli a uso privato da noleggiare com conducente, nonché dai
veicoli destinati al trasporto di cose che siano eccezionalmente autorizzati al trasporto di persone.” O
artigo 2.054 do Código Civil Italiano dispõe que “Il conducente di um veicoli senza guida di rotaie é
obbligato a risarcire il danno prodotto a persone o a cose dalla circolazione del veicolo, se non prova
di aver fatto tutto il possibile per evitare il danno. Nel caso di scontro tra veicoli si presume, fino a
prova contraria, che ciascuno dei conducenti abbia concorso ugualmente a produrre il danno subito
dai singoli veicoli.”
308
Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral seu enquadramento e aspectos
jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 112.
122
O seguro de responsabilidade civil, de fato, permite a satisfação de dois
interesses: o da vítima, que será ressarcida dos prejuízos sofridos; e o do ofensor,
que não será desfalcado em seu patrimônio para indenizar o dano causado:
Desta forma, este ramo de seguro visa, simultaneamente, acautelar
os interesses individuais do segurado, através da protecção do seu
patrimônio (no sentido de evitar aumentar o passivo ou diminuir o
activo patrimonial); e proteger os legítimos interesses do terceiro
lesado (ou terceiros lesados), uma vez que os danos (patrimoniais e
não patrimoniais) por si sofridos serão ressarcidos pela empresa de
seguros – atribuindo um carácter social a este ramo de seguro
309
.
Essa também é a posição defendida por Vincent Callewaert ao afirmar que a
multiplicação das atividades sujeitas a risco, assim como a inclinação de se garantir
a indenização às vítimas, foram fatores que contribuíram preponderantemente para
o desenvolvimento do seguro de responsabilidade civil
310
.
4.2 CONCEITO
No Código Civil de 1916 não havia nenhuma disposição específica acerca do
seguro de responsabilidade civil, de forma que a ele se aplicavam os artigos
destinados aos contratos de seguro de danos.
J. M. de Carvalho Santos, ainda na vigência do referido diploma legal, definia
os seguros de responsabilidade civil como sendo aqueles “que tendem a reparar os
prejuízos patrimoniais decorrentes da responsabilidade legal ou contratual, por
danos a pessoa ou a coisa de terceiros”
311
.
No Código Civil atual, essa espécie de seguro vem expressamente tratada no
artigo 787, o qual dispõe que “No seguro de responsabilidade civil, o segurador
309
Ibidem, p. 105.
310
CALLEWAERT, Vincent. O novo projeto de lei brasileiro sobre o contrato de seguro comentários
sobre os artigos 114 a 119: o seguro de responsabilidade civil. IV Fórum de Direito do Seguro José
Sollero Filho. Coordenado pelo Instituto Brasileiro de Seguros. São Paulo: IBDS, 2006.
311
Código Civil brasileiro interpretado. 6. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1955. v. XIX, p.
205.
123
garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.”
O contrato de seguro de responsabilidade civil, conforme define José de
Aguiar Dias, “é o contrato em virtude do qual, mediante o prêmio ou prêmios
estipulados, o segurador garante ao segurado o pagamento da indenização que
porventura lhe seja imposta com base em fato que acarrete a sua obrigação de
reparar o dano”
312
.
Orlando Gomes, por sua vez, assim conceitua o seguro: “Por esse contrato, o
segurador assume o risco de indenizar o segurado pelo dano que venha a sofrer em
conseqüência de falta praticada a terceiro, ou de obrigação de reparar imposta na
lei.”
313
No mesmo sentido é a definição trazida por Caio rio da Silva Pereira ao
afirmar que o “seguro de responsabilidade civil tem por objeto transferir para o
segurador as conseqüências de danos causados a terceiros, pelos quais possa o
segurado responder civilmente”
314
.
Joaquin Garrigues
315
define como “el seguro de responsabilidad civil es el
seguro contra el riesgo de quedar gravado el patrimonio por una obligación de
indemnizar, derivada de la responsabilidad civil del tomador del seguro”.
Constant Eliashberg disserta que:
Par le contrat, l’assureur garantit les conséquences pécuniaires de la
responsabilité civile pouvant incomber à l’assuré à la suite de
dommages corporels, matériels et immatériels causés aux tiers au
cours: soit de sa vie privée; soit de son activité delle que définie aux
conditions particulières
316
.
de ser ressaltado que não se pode segurar os atos dolosos do segurado,
pois, nesta hipótese, houve a intenção deste em causar um dano a alguém,
312
O seguro de responsabilidade civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 580, p. 27.
313
Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 415.
314
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 470.
315
Contrato de seguro terrestre. 2. ed. Madrid: [s.n.], 1983. p. 361.
316
Risques et assurances de responsabilité civile. Paris: L’Argus, 2006. p. 131/132.
124
diferenciando-se da culpa que consiste na inobservância de um preceito legal ou de
um dever de cautela, isto é, na imprevisão de um resultado previsível.
Na verdade, a inexistência de cobertura de atos dolosos dá-se, até mesmo,
em virtude de uma limitação moral, pois o se pode admitir que o segurado
pretenda se precaver das conseqüências pecuniárias resultantes de atos praticados
com a intenção de prejudicar terceiros. Nessa situação, sim, haveria um atentado à
ordem pública e aos bons costumes.
Nesse sentido é a posição defendida por Vivante:
O segurador pode obrigar-se a ressarcir também os sinistros
ocasionados por culpa do segurado. Mas um limite geral e
absoluto, no qual se detém a liberdade das convenções: o segurado
não pode liberar-se das conseqüências do dolo ou da culpa grave
que lhe são imputadas pessoalmente. Um pacto de
irresponsabilidade estendido ao dolo ou à culpa grave seria nulo,
porque poria em perigo a segurança social e deixaria o segurador à
mercê do segurado
317
.
A vedação quanto à possibilidade de se prestar cobertura aos atos dolosos
repousa também na regra geral de que o sinistro não pode ser causado
intencionalmente pelo segurado, ou seja, o sinistro deve sempre ser oriundo de um
dano causado independentemente da participação do segurado.
O novo Código Civil
318
traz uma disposição expressa, no artigo 762, a qual
veda a estipulação de um contrato de seguro que preste cobertura a atos dolosos,
imputando-lhe a sanção de nulidade
319
.
No mesmo sentido dispõe a lei argentina, em seu artigo 114, ao liberar o
segurador do pagamento da indenização quando o segurado tenha provocado por
dolo o fato que origina a sua responsabilidade
320
.
317
ALVIM, Pedro. Responsabilidade civil e seguro obrigatório. São Paulo: RT, 1972. p. 71.
318
No mesmo sentido dispõe o Código de Seguros Francês: L’assureur ne répond pas des pertes et
des dommages provenant d’une faute intentionnelle ou dolosive de l’assuré.” (art. L. 113-1)
319
“Art. 762. Nulo será o contrato para a garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do
beneficiário, ou de representante de um ou do outro.”
320
HALPERIN, Isaac. Lecciones de seguros. 7. ed. Buenos Aires: Depalma, 1993.
125
Ressalte-se que, no Código Civil de 1916, o dispositivo correspondente fazia
menção a “atos ilícitos do segurado” e não a “atos dolosos”, o que ensejava certa
polêmica. Entretanto, o entendimento era no sentido de que o contrato de seguro
não prestava cobertura exclusivamente aos eventos ocasionados intencionalmente
pelo segurado, sendo, a contrario sensu, perfeitamente possível o seguro para os
atos ilícitos culposos, como esclarecem Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B.
Cavalcanti e Ayrton Pimentel:
Em alteração à dicção do Código de 1916 (art. 1.436) a expressão
ato ilícito foi substituída, com vantagens, pela locução ato doloso. A
vedação, como se interpretava ainda na vigência da norma
anterior, é para atos nos quais exista a vontade de alcançar o
resultado, sendo possível o seguro para atos ilícitos culposos, ou
seja, aqueles nos quais existe um desvio da conduta socialmente
esperada, mas não com a deliberação de lesionar
321
.
Poder-se-ia até cogitar de que tal regra vedação para a cobertura de atos
dolosos encontra uma exceção no caso de seguro de pessoas, em que se permite
a cobertura no seguro de vida de suicídio ocorrido após os dois primeiros anos de
celebração do contrato, conforme dispõe o artigo 798 do Código Civil
322
.
A justificativa que se para essa cobertura é que “para admitir que o sinistro
voluntário possa ser coberto por um ramo de seguro, basta, com efeito, que
ocasione ao segurado um prejuízo maior ou que, de qualquer modo, lhe produza um
prejuízo não ressarcível por ser de natureza diferente do que o segurador
ressarce”
323
.
Também não se permite a contratação de seguro para a cobertura de
responsabilidade penal, o que decorre de razões de ordem blica, pois a
responsabilidade penal é individual e intransmissível
324
.
A legislação espanhola, como assevera Joaquin Garrigues, também não
321
O contrato de seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 63.
322
“Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos dois
primeiros anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado
o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.”
323
ALVIM, Pedro. Responsabilidade civil e seguro obrigatório. São Paulo: RT, 1972. p. 67.
324
Nesse sentido, disserta Constant Eliashberg: “[...] les conséquences pécuniaires de la
responsabilité civile, par opposition à la responsabilité pénale, peuvent faire l’objet d’une assurance.”
(Risques et assurances de responsabilité civile. Paris: L’Argus, 2006. p. 123)
126
permite a cobertura da responsabilidade penal e nem mesmo a de danos causados
em decorrência de ato doloso:
El riesgo consiste en la posible responsabilidad civil en que, por
aplicación de las normas legales, pueda incurrir el asegurado por
acción u omisión, no dolosas, que le obligue a reparar el daño
causado. [...] Ha de tratarse de una responsabilidad civil, sea la
derivada de culpa extracontractual que regula el Código Civil en sus
artículos 1.902 y seguientes, sea la estabelecida en leyes especiales.
En todo caso, se excluye la responsabilid penal y la derivada de
hechos dolosos o de culpa grave. Todo daño intencionadamente
causado por el asegurado queda excluído
325
.
4.3 FUNÇÃO ÚNICA OU DÚPLICE?
No que tange à função do seguro de responsabilidade civil, um entendimento
consiste em se afirmar que essa espécie de seguro visa atender exclusivamente aos
interesses do segurado, para a proteção ao seu patrimônio por eventual dívida de
responsabilidade que possa vir a ter.
O outro posicionamento sustenta que esse seguro possui uma dupla
finalidade. Uma no sentido de se acautelar os interesses do segurado, por meio da
proteção ao seu patrimônio, e a outra na tutela simultânea dos interesses do terceiro
lesado, atribuindo a esse contrato um cunho social.
No passado, o posicionamento dominante era fundado em uma visão
individualista do contrato de seguro de responsabilidade civil, atribuindo-lhe uma
finalidade única de proteção ao patrimônio do segurado, sem qualquer consideração
à vítima.
Sustentava-se, nos seguros de responsabilidade civil, a “teoria do reembolso”.
Com isso, caso se verificasse um sinistro, era necessário que houvesse o dispêndio
por parte do segurado para indenizar a vítima, para que posteriormente ele
(segurado) fosse indenizado. A função de tal espécie de contrato tutelava somente o
325
Contrato de seguro terrestre. 2. ed. Madrid: [s.n.], 1983. p. 368.
127
patrimônio do segurado, por meio do reembolso do quanto por ele despendido.
Contudo, por inúmeras razões de ordem social, parte considerável da doutrina
passou a entender que, com a aplicação da “teoria do reembolso”, em muitas
situações, em que pese a existência de um seguro de responsabilidade civil, não se
obtinha a efetiva ressarcibilidade do dano.
Isso era freqüentemente verificado nas hipóteses de o segurado não possuir
patrimônio suficiente para indenizar a vítima. Quando a pessoa civilmente
responsável não tinha meios econômicos para ressarcir a pessoa ofendida, esta
restava com o prejuízo, embora existisse um seguro de responsabilidade civil
contratado por aquele que causou o dano.
Outra situação que era comumente verificada era a do segurado que, para
indenizar o terceiro e posteriormente ser ressarcido pelo segurador, se tornava ele
próprio, momentaneamente, outra vítima, sob o enfoque econômico.
Severas críticas foram feitas à “teoria do reembolso”, tendo como ferrenho
opositor a tal teoria o jurista argentino Rubén Stiglitz. Segundo ele, essa teoria
revela inconvenientes insuperáveis, tais como o de “determinar o prévio
empobrecimento do segurado (pagamento) ou sua manutenção em estado de dano
(não tem como pagar e subsiste responsável)”
326
. Acrescenta, ainda, que, de acordo
com a “teoria de reembolso”, acabaria por “ameaçar a manutenção do estado de
dano da vítima (o segurado não dispõe de meios para indenizar, no todo ou em
parte) e o enriquecimento injustificado da seguradora (se não houver o pagamento
pelo segurado, não há reembolso)”.
Foi ganhando, com isso, maior importância o direito das vítimas a serem
indenizadas, considerando-se que a sociedade contemporânea está sujeita a todo
tempo a inúmeros riscos advindos da prática da atividade humana. Nesse contexto,
viu-se a necessidade de se adaptar o seguro de responsabilidade civil aos novos
tempos, de uma sociedade industrial e tecnológica, sujeitas a muitos infortúnios.
326
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 142.
128
Essas foram as razões que, com o tempo, propiciaram o nascimento de um
movimento no sentido de que o seguro de responsabilidade civil assumisse uma
função dúplice: evitar que a pessoa responsável torne-se ela própria outra vítima e
efetivamente garantir que o terceiro fosse indenizado.
Perfilhamos do entendimento predominante na atualidade de que o seguro de
responsabilidade civil tutela dois interesses simultaneamente: o do segurado e da
vítima. O do segurado, ao proteger o seu patrimônio. O da vítima, ao garantir a sua
efetiva reparação, nos limites contratados.
A portuguesa Rita Gonçalves Ferreira da Silva também adota essa tese, no
sentido de que o seguro de responsabilidade civil apresenta dois objetivos
essenciais: acautelar o patrimônio de eventual responsável civil e daquele que
assume a denominação do terceiro lesado
327
.
No mesmo sentido sustenta Marcel Fontaine:
L’assurance de responsabilité a d’abord été conçue comme un
moyen pour le responsable de protéger son patrimoine, et de se faire
indemniser par son assureur des dettes de responsabilité qu’il
contracterait envers des tiers.
[...]
Avec l’évolution des idées, le droit de la responsabilité a déplacé son
centre de gravité de la sanction des responsables à l’indemnisation
des victimes, et les assurances de responsabilités se sont
progressivement adaptées. Il s’agit certes toujours de couvrir le
responsable, mais de mécanismes se sont mis en place afin de
favoriser l’accès de la victime à l’indemnité payée par l’assureur
328
.
No contexto atual, não outra conclusão senão a de que o seguro de
responsabilidade civil visa, portanto, satisfazer dois interesses: o do responsável
(segurado) que causou o dano e o do lesado, garantindo a este o recebimento da
indenização.
327
Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral seu enquadramento e aspectos
jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 104.
328
Droits des assurances. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 324.
129
5 O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL E A BOA-FÉ OBJETIVA
5.1 A BOA-FÉ OBJETIVA
No Código Civil revogado não existia norma específica quanto ao dever dos
contratantes de agir com boa-fé, não obstante este decorresse de princípio implícito,
cujo sentido, como salienta Carlos Harten
329
, permanece imutável desde a sua
gênese, coincidindo com o seu significado morfológico que designa um
comportamento humano fiel, reto, honesto e que honra a palavra dada.
O Código Civil de 2002, por sua vez, possui uma cláusula geral
330
de boa-fé,
aplicável a todas as espécies de contrato, normatizada no artigo 422, que dispõe
que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
No que se refere às cláusulas gerais, Judith Costa-Martins pondera que:
[...] dotadas (as cláusulas gerais) que são de grande abertura
semântica, não pretendem as cláusulas gerais dar resposta,
previamente, a todos os problemas da realidade, uma vez que estas
respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência. Na
verdade, por nada regulamentarem de modo completo e exaustivo,
atuam tecnicamente como metanormas, cujo objetivo é o de enviar o
juiz para critérios aplicativos determináveis ou em outros espaços do
sistema ou através de variáveis tipologias sociais, dos usos e
costumes
331
.
O Código Civil atual é permeado de valores éticos. Por meio de suas
329
El deber de declaración del riesgo en el contrato de seguroexposición y crítica del modelo
brasileño y estudio del derecho comparado. Salamanca: Ratio Legis, 2007. p. 25.
330
As cláusulas gerais, como esclarece Nelson Rosenvald, são normas descritivas de valores”. Para
este estudioso, “uma excelente maneira de delinear as cláusulas gerais é exatamente imaginá-las
como técnica de legislar oposta à casuística, sendo cediço configurar-se esta pela regulação típica de
matérias mediante delimitação por fattispecie. Aplica-se a norma mediante o processo conhecido
como subsunção, evitando-se a amplitude das generalizações” (Dignidade humana e a boa-fé no
Código Civil. In: LOTUFO, Renan (Coord.) São Paulo: Saraiva, 2005. p. 160). Nelson Rosenvald,
trazendo as palavras do próprio Miguel Reale, mediante as cláusulas gerais é possível prever o
recurso a critérios ético-jurídicos que permitam chegar-se à concreção jurídica, conferindo-se maior
poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou eqüitativa” (Dignidade humana e a boa-fé
no Código Civil. In: LOTUFO, Renan (Coord.) São Paulo: Saraiva, 2005. p. 162).
331
A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 2000. p. 299.
130
inúmeras cláusulas gerais, o aplicador do Direito é levado a interpretar as normas
em consonância com a eticidade e a boa-fé. A técnica legislativa presente no Código
atual é diversa da existente nos Códigos Oitocentistas, já que nestes prevalecia a
técnica da tipicidade
332
, segundo a qual as situações eram casuisticamente
previstas, não sendo permitido ao juiz interpretar o conteúdo normativo.
A boa-fé é prevista na nova legislação civil, no mais das vezes, em sua
concepção objetiva, diferindo da boa-fé subjetiva, que consiste em “um estado
psicológico, um estado anímico de ignorância da antijuridicidade ou do potencial
ofensivo de determinada situação jurídica”
333
.
A boa-fé objetiva trata-se de um padrão de comportamento exigido das partes
contratantes, uma conduta leal, escorreita, caracterizando um standart jurídico,
como define Miguel Reale:
[...] a boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade,
modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse
arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e
leal
334
.
Como sustentamos em trabalho específico sobre o tema
335
, a boa-fé objetiva
possui tríplice função, quais sejam, interpretativa, limitativa e integrativa. No tocante
à função interpretativa, os contratos devem ser interpretados segundo a boa-fé
objetiva, conforme proclama o artigo 113 do Código Civil
336
, o que significa dizer que
a superação da dificuldade de interpretar a vontade declarada pelas partes deve ser
feita segundo a confiança despertada na outra parte, isto é, em consonância com a
justa expectativa criada no outro contratante.
332
Exceção à tipicidade presente no Código Napoleônico consistia no comando normativo que
dispunha acerca da responsabilidade civil, cuja previsão vinha por meio de uma cláusula geral que
assim dispunha: “Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à altrui un dommage, oblige celui par le
faut duquel il est arrivé à le reparer.” (art. 1382).
333
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 72.
334
História do novo Código Civil. São Paulo: RT, 2005. p. 248/249.
335
A função social do contrato. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da PUC-SP, São Paulo,
v. 1, 2008.
336
“Art. 113 Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração.”
131
Por outro lado, a função limitativa da boa-fé objetiva vem prevista no artigo
187 do Código Civil, o qual considera como ato ilícito, segundo esclarece Renan
Lotufo
337
, as “situações causadas por aquele que manifestamente ultrapassa os
limites da boa-fé, dos bons costumes e das próprias finalidades socioeconômicas do
direito a ser exercido”, havendo, portanto, um controle sobre o exercício do direito,
repelindo-se o abuso, o qual é considerado como ato ilícito.
Há, por fim, a função integrativa ou supletiva, consagrada no artigo 422 do
novo Código Civil, a qual impõe deveres aos contratantes além dos previstos no
contrato, os denominados “deveres acessórios”.
Os deveres principais podem ser definidos como aqueles que dizem respeito
ao núcleo da relação obrigacional e definem o tipo contratual, vindo expressos no
negócio jurídico. De outra banda, os deveres acessórios consistem em fonte
autônoma de obrigações, de modo que as obrigações pactuadas pelas partes não
são as únicas a ser seguidas, devendo também ser observadas as decorrentes da
boa-fé objetiva.
Judith Costa-Martins assim conceitua os deveres acessórios:
[...] deveres de adoção de determinados comportamentos, impostos
pela boa-fé em vista do fim contrato [...] dada a relação de confiança
em que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as
circunstâncias concretas da situação. Ao ensejar a criação desses
deveres, a boa-fé atua como fonte de integração de conteúdo
contratual, determinando a sua otimização, independentemente da
regulação voluntaristicamente estabelecida
338
.
Em outras palavras, os deveres acessórios consistem nos deveres de
cooperação e proteção de interesses recíprocos impostos a todos que integram o
vínculo obrigacional, tais como os deveres de cuidado, de transparência, de prestar
informações, de esclarecimentos, de colaboração, de guardar segredo, mesmo findo
o contrato.
337
Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 499.
338
A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 2000. p. 440.
132
Reiterando o quanto afirmamos em estudo sobre o tema
339
, é exatamente a
concretização desses deveres acessórios que caracteriza a relação obrigacional
como um “processo”, em uma visão dinâmica e não mais estática. O contrato não
mais é visto como uma contraposição de interesses, mas sim como interesses que
se unem para atingir a finalidade almejada pelo pacto celebrado.
5.2 O CONTRATO DE SEGURO – EXIGÊNCIA DA MAIS ESTRITA BOA-FÉ
Embora não existisse no Código Civil de 1916 uma regra expressa impondo o
dever aos contratantes de agir com boa-fé, decorrente esta de um princípio não
positivado, essa exigência era prevista unicamente no tocante ao contrato de
seguro, nos artigos 1.443 e 1.444:
Art. 1.443. O segurado e o segurador são obrigados a guardar no
contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do
objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
Art. 1.444 Se o segurado não fizer declarações verdadeiras e
completas, omitindo circunstâncias que possam influir na aceitação
da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito ao valor do
seguro, e pagará o prêmio vencido.
A previsão constante exclusivamente no contrato de seguro encontrava uma
razão de ser, que nesta espécie contratual a boa-fé das partes assume um papel
de suma relevância.
A origem do seguro auxilia na explicação quanto a esta característica
acentuada da boa-fé nos contratos de seguro.
O seguro teve um desenvolvimento acentuado na época das grandes
navegações e, nesse período, inexistiam dados estatísticos suficientes e confiáveis
que permitiriam ao segurador a correta mensuração do risco. Quem detinha todo o
conhecimento sobre o risco era o próprio segurado, que este estava em contato
direto com aquele. Portanto, todo o exame acerca do risco era fundado nas
339
A função social do contrato. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da PUC-SP, São Paulo,
v. 1, 2008.
133
informações prestadas exclusivamente pelo segurado e, assim, nos primórdios, a
boa-fé recaia quase que unicamente em relação ao segurado.
Obviamente que muito o seguro deixou de funcionar desta forma, pois,
com o seu desenvolvimento, o segurador passou a deter um conhecimento
aprofundado sobre as probabilidades de ocorrência de sinistros, desenvolvendo
técnicas muito sofisticadas nesse sentido.
Contudo, mesmo no contexto contemporâneo, a boa-fé nos contratos de
seguro continua como uma de suas características marcantes, com a diferença de
que se impõe o dever a ambos os contratantes de agir segundo um padrão de
comportamento escorreito, não recaindo somente sobre o segurado como ocorria no
passado.
A boa-fé, portanto, embora deva estar presente em todas as tratativas pré-
negociais e durante a execução de todos os contratos, pode-se dizer que no seguro
a lealdade entre os contratantes assume uma relevância especial.
Isso porque, como defendia Pontes de Miranda
340
,
o contrato de seguro deve
ser considerado como de uberrimae fidei, pois o segurador, para aceitar a garantia
do risco, deve ter a sua exata compreensão, e isso se por meio das declarações
prestadas pelo segurado na proposta de seguro:
Por isso, tem (o segurador) de contar com as declarações exatas do
contraente. Só assim pode ele saber se lhe convém, ou não, o
contrato, com o prêmio de que se trata, ou o próprio contrato. Tem de
fazer indagações que confirmem, neguem, ou completem essas
declarações. De qualquer modo, tem de admitir a boa-fé e contar
com a boa-fé com que o interessado se manifesta. Daí dizer-se que o
contrato de seguro é uberrimae fidei
341
.
A razão para que o legislador exigisse esse “plus”, em relação aos contratos
de seguro, funda-se no fato de que o segurador, para prestar garantia ao risco
suportado pelo segurado, deve ter a exata compreensão deste, a fim de que cobre o
prêmio correspondente, para que possa gerir o fundo comum (agrupamento dos
340
Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. v. XLV, Título L § 4911, p. 323.
341
Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. v. XLV, Título L § 4911, p. 323.
134
riscos homogêneos e cobrança da respectiva contraprestação do segurado, base da
mutualidade no seguro).
E o conhecimento do risco, por parte do segurador, se ainda hoje, em
grande medida, pelas informações prestadas pelo segurado. Este, por estar em
contato direto com o risco, é o que melhor o conhece e, portanto, possui o dever de
informar ao segurador todas as circunstâncias que possam influir na sua aceitação
e, por conseguinte, na taxação do prêmio.
Essa era também a posição defendida por J. M. de Carvalho Santos:
Mais do que qualquer outro contrato, o de seguro é
fundamentalmente bonea fidei, principalmente porque assumindo o
segurador a responsabilidade de riscos, claro que precisa ter
elementos exatos para os cálculos do prêmio a cobrar do segurado,
enquanto que, da parte do segurado, é preciso que ele confie nas
promessas do segurador, contando com a boa-fé com que este
assume os riscos
342
.
E assim continua, especificamente quanto às informações prestadas pelo
segurado quanto ao risco:
A principal das obrigações do segurado é de ser sincero em suas
declarações, no ato de contratar o seguro, devendo agir de boa-fé,
de tal sorte que o valor do seguro não exceda as da coisa segurada,
nem omitindo circunstâncias que pudessem influir na aceitação da
proposta ou taxa do prêmio
343
.
No Código Civil atual, continua o contrato de seguro sendo considerado como
de uberrimae fidei, tanto com fundamento no artigo 422 (cláusula geral da boa-fé
objetiva), como também com fulcro no artigo 765, que preceitua que “O segurado e
o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a
mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias
e declarações a ele concernentes.”
Como vinha sendo afirmado pela doutrina, na vigência da legislação
342
Código Civil brasileiro interpretado. 6. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1955. v. XIX, p.
292.
343
Ibidem, p. 293.
135
anterior, grande relevância tem a aplicação da boa-fé no contrato de seguro
344
, em
especial na fase pré-contratual.
Isto porque é o segurado, quando preenche a proposta de seguro,
respondendo às perguntas feitas no questionário de avaliação do risco, quem
fornece ao segurador os dados para a exata mensuração do risco que este passará
a garantir. E, de posse dessas informações, o segurador avaliará o risco e fixará o
valor do prêmio correspondente.
Consoante salienta Fábio Ulhoa Coelho
345
, a eficiente socialização dos riscos
não depende dos cálculos atuariais feitos pelo segurador, mas principalmente da
veracidade das informações prestadas pelo proponente.
Cita o doutrinador anterior, como exemplo, a contratação do seguro contra
furto e roubo de automóveis. Se o veículo segurado pernoita em garagem coberta, o
risco e o prêmio serão calculados em função dessa circunstância, um fator de
atenuação do risco. Se, na verdade, o veículo segurado passa a noite estacionado
na rua, o risco de furto e roubo é consideravelmente maior, e na fixação do valor do
prêmio não se pode desconsiderar esse incremento
346
.
No seguro de responsabilidade civil, a descrição pré-contratual do risco, pelo
segurado, também é de suma importância. Imaginemos o seguinte exemplo: um
estacionamento que pretende a contratação de um seguro de responsabilidade civil
344
TJSP, Relator Antônio Marcelo Cunzolo Rimola, Apelação c/ revisão n. 315.801.4/2-00, julgado em
27 jun. 2008: “De mais a mais, oportuno trazer à lume que, com o advento da novel legislação civil,
iluminada pelo princípio da 'eticidade', a boa-fé passou a ser a guia de conduta dos contratantes,
obrigando uma conduta arrimada na retidão de proceder, dessumindo-se desta deveres de lealdade e
solidarismo, dentre outras virtudes. Aliás, após o Código, a boa-fé passou a ser analisada
objetivamente, ou seja, não com base nas qualidade dos contratantes, mas num agir ordinário, no
que efetivamente a sociedade espera da conduta do homem médio nos seus negócios habituais.
Especificamente, no que concerne aos Contratos de Seguro, o artigo 765 do Código Civil (repetindo a
regra 1.443 do Código Civil de 1916) traça como azimute à conduta dos contratantes a boa-fé: ‘O
segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade,
assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.’ Sobre este
artigo, Sílvio de Salvo Venosa enfatiza o princípio da boa-fé como dever das partes contratantes:
'Coloquialmente, podemos afirmar que esse princípio se estampa pelo dever das partes de agir de
forma correta antes, durante e depois do contrato. Isso porque, mesmo após o cumprimento de um
contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais.”
345
Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 359.
346
Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III, p. 359.
136
por eventuais roubos/furtos de veículo em suas dependências e também para
eventuais colisões com tais automóveis.
Para a análise desse risco, o segurador leva em consideração informações
que somente podem ser prestadas pelo segurado, tais como a localidade em que
situa o estabelecimento comercial, a capacidade de veículos, os meios de
segurança de que dispõe e, especialmente, a quantidade de sinistros anteriores
sofridos e a extensão desses danos.
Se o segurado declarar que não teve nenhum sinistro nos últimos 24 meses,
quando, na verdade, o estabelecimento segurado havia sofrido inúmeros roubos
nesse período, o segurador procederá a uma análise equivocada do risco, fixando o
prêmio em valor inferior ao quanto efetivamente seria devido.
E, havendo uma avaliação equivocada do risco, será a própria mutualidade
prejudicada, haja vista que haverá uma cobrança a menor de prêmio, colocando em
risco a solvabilidade do fundo comum do qual é subtraído o pagamento das
indenizações.
Precioso ressaltar que o segurador consiste em um gestor de um fundo
comum, que será formado pelos prêmios arrecadados para a garantia de riscos
agrupados de acordo com a sua natureza. Não como se olvidar da natureza
coletiva do contrato de seguro, pois se trata de um agrupamento de pessoas sujeitas
ao mesmo risco (mutualidade).
A informação incorreta do risco, pelo segurado, ocasiona uma série de
conseqüências, como ressalta Carlos Harten:
La omisión o la falsedad en la declaración de una circunstancia del
estado del riesgo puede corresponder a un elemento, que lo llevaría
a la imposibilidad de su aseguramiento o que simplesmente lo
trasladaría a la imposibilidade de sua aseguramiento o que
simplesmente lo trasladaria a la clase dentro de la mutualidade, lo
que causaría perjuicios a los demás asegurados, quienes podrían no
solo soportar um riesgo diverso al de su categoria en caso de que
siniestro ocurriera, sino también un riesgo que no es técnicamente
137
asegurable
347
.
Além das conseqüências já ressaltadas, pode-se afirmar que haverá ainda um
tratamento desigual entre o segurado que presta informações corretas sobre o risco
e aquele que faz declarações errôneas, pagando este um prêmio menor que aquele
injustamente. Fora isso, havendo um desequilíbrio entre o risco garantido e o prêmio
arrecadado, passará o segurador a elevar o valor cobrado a título de prêmio em
futuros contratos, prejudicando, de forma geral, todos os segurados, em especial
aqueles que agiram de boa-fé.
Portanto, possui o segurado o dever de declarar todas as circunstâncias que
influenciam o risco, a ser garantido pelo segurador. Essa imposição recai sobre o
contratante do seguro, por três razões principais, consoante assinala Carlos Harten,
em sua tese de doutorado apresentada junto à Universidade de Salamanca
348
: (i) em
virtude da caracterização do contrato de seguro como de estrita boa-fé, no qual a
confiança entre as partes tem uma acentuada relevância quando comparada a
outros pactos; (ii) por ser o risco o elemento essencial do contrato, sobre o qual se
firmam as prestações das partes (fixação do prêmio e garantia prestada pelo
segurador); (iii) por ser o proponente aquele que está mais próximo do bem a ser
segurado, motivo pelo qual deve descrever os elementos que o rodeiam, para que a
seguradora possa bem avaliar corretamente o risco que passará a assumir.
Orlando Gomes também sustenta que a descrição pré-contratual do risco é
essencial para que possa o segurador avaliá-lo. Por esta razão é imperioso que o
segurado, ao preencher a proposta e responder ao questionário de avaliação do
347
El deber de declaración del riesgo en el contrato de seguro. Salamanca: Ratio Legis, 2007. p. 38.
348
No original: “El deber de declaración del riesgo, que recae sobre el contratante de seguros, consiste
en la exigencia de que éste suministre a la empresa aseguradora toda la información por el conocida
sobre el riesgo objeto del negocio que va a realizarse. Es el deber de declarar el estado de riesgo, es
decir, el complejo de las circunstancias de hecho que puedan influir en la probabilidad de que ocurra
un siniestro. Deber existente por tres razones principales: a) en virtud de la caracterización del
contrato del seguro como de ubérrima bonae fidei, donde la confianza entre las partes tiene una
acentuada importancia en comparación a otros pactos; b) por ser el riesgo elemento esencial del
contrato de seguro, sobre el cual se pactan las prestaciones de ambas partes contratantes, razón por
la que la falsa descripción o alteración de aquel componente podría desequilibrar las obligaciones
asumidas; c) por el hecho de que el asegurado es, en realidad, aún el proponente, quien se encuentra
más próximo a la cosa que se va a asegurar, motivo por el que debe describir las cualidades y
elementos del bien, para que la empresa aseguradora evalúe su interes por cubrirlo, y en caso de que
este sea positivo, en qué condiciones.” (HARTEN, Carlos. El deber de declaración del riesgo en el
contrato de seguro exposición y crítica del modelo brasileño y estudio del derecho
comparado. Salamanca: Ratio Legis, 2007. p. 17)
138
risco, informe todas as circunstâncias que possam influir na aceitação do risco,
prestando declarações exatas e verdadeiras, não podendo estas ser reticentes e
nem omissas
349
.
Esse também é o ensinamento trazido por Claudio Bazzano:
Comme già accennato, le dichiarazioni effettuate dal contraente
assumono un’importanza fondamentale ai fini della validità del
contratto di assicurazione.
La completa ed esatta rappresentazione del rischio è un onere
imposto dalla legge per l’acquisto e la conservazione del diritto ad
ottenere Il rimborso dall’assicuratore qualora si verifichi l’evento
350
.
Oportuno trazer à baila que entendimento, em especial por parte da
jurisprudência, de que o segurador não pode alegar que o segurado omitiu
informações, caso não tenha realizado exame prévio
351
, no caso de seguro-saúde ou
seguro de vida, ou vistoriado o risco, no caso dos demais seguros.
Contudo, não parece ser este o melhor entendimento, pois, se assim fosse,
dar-se-ia o direito ao segurado de agir de forma contrária à boa-fé objetiva, impondo-
se o dever de que as informações por ele prestadas fossem confirmadas. Esse
pensamento não espelha a melhor interpretação do comando que impõe a ambos os
contratantes o dever de agir com boa-fé.
No que tange às declarações quanto ao risco a serem prestadas pelo
segurado, estas o feitas por meio de um questionário de avaliação do risco,
confeccionado pelo segurador. Não imposição legal de que o segurador avalie o
risco por meio de um questionário, todavia, é de praxe a sua utilização no mercado
securitário.
349
Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 521.
350
Il contratto di assicurazione. Milano: Pirola, 1991. p. 191.
351
Esse vem sendo o tratamento dado à questão pelo Superior Tribunal de Justiça: “Omissa a
seguradora tocante à sua obrigação de efetuar o prévio exame de admissão do segurado, cabe-lhe
responder pela integralidade das despesas médico-hospitalares havidas com a internação do
paciente, sendo inoperante a cláusula restritiva inserta no contrato de seguro-saúde.” (REsp n.
234.219, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar). No mesmo sentido “É ilícita a recusa da cobertura
securitária, sob a alegação de doença preexistente à contratação do seguro-saúde, se a Seguradora
não submeteu a segurada a prévio exame de saúde e não comprovou má-fé.” (REsp n. 263.564,
Relator Ministro Humberto Gomes de Barros)
139
Os questionamentos feitos em tal documento devem ser realizados de forma
objetiva e de maneira bastante clara ao segurado, evitando-se perguntas com
interpretação dúbia ou que levem a respostas equivocadas por parte do segurado.
Cada ramo de seguro terá o seu questionário próprio, que as circunstâncias que
influenciam o risco diferem em cada um. Também haverá diferença entre os
questionários apresentados por cada segurador, não havendo um questionário
padrão a ser apresentado por todos eles, pois cada segurador, de acordo com os
seus cálculos estatísticos, é livre para avaliar o que pode ou não influir na avaliação
do risco.
A avaliação do risco, por meio de um questionário, beneficia a ambos os
contratantes (segurador e segurado), sendo uma forma segura de contratação.
Afirma-se isso porque, para o segurador, ele inclui no questionário todos os
questionamentos que entenda ser relevante para a análise do risco, possuindo um
documento no qual constam as respostas dadas pelo segurado, seguida de sua
assinatura. Com a ocorrência do sinistro, ele realizará um confronto entre aquilo que
foi informado e o quanto verificado e, eventual informação equivocada ou omissão,
poderá ensejar o não-pagamento da indenização.
No que tange ao segurado, ele possui também uma garantia do quanto
indagado e do quanto afirmado em tal questionário, um documento capaz de
comprovar as suas declarações.
Aqui se vislumbra, com nitidez, a imposição de deveres decorrentes da boa-fé
objetiva a ambos os contratantes. Se ao segurado cabe responder às perguntas que
lhe são formuladas com base na boa-fé objetiva, ao segurador cabe a obrigação de
perguntar com clareza e à exaustão.
A respeito dos questionamentos feitos, a lei brasileira é silente quanto ao fato
de que, caso não seja o segurado indagado sobre um determinado fato, se ele
possui ou não a obrigação de informar o segurador se este for capaz de influir na
aceitação do risco.
140
Na mesma trilha do que dispõe a legislação espanhola
352
, entendemos que
não pode alegar o segurador que o segurado deveria tê-lo informado, pois, sendo
aquele detentor da técnica do seguro, deveria ele ter questionado no ato da
contratação, caso considerasse que a circunstância fosse relevante. Além do que
feriria a legítima expectativa criada no segurado de que o questionário de avaliação
do risco foi confeccionado para atingir o seu escopo, no sentido de que são com
base nas indagações nele constantes que o segurador procederá à análise do
risco
353
.
Por outro lado, uma vez indagado o segurado, não pode ele se esquivar de
responder, se o questionamento possui alguma plausabilidade, nem mesmo sob a
justificativa de que isso violaria a sua privacidade. Seria o mesmo que um paciente
se recusar a responder às perguntas feitas por um médico e, posteriormente, vir a
alegar erro de diagnóstico, mesmo não tendo permitido a exata avaliação, por parte
do profissional, sobre o seu estado de saúde. Como dito, ao segurador cabe o dever
de questionar; ao segurado, o dever de responder.
Assim, como demonstrado, é muito enfatizada essa postura de boa-fé, por
parte do segurado, na fase pré-contratual. E, caso seja constatado que o segurado
fez declarações inexatas ou tenha omitido circunstâncias que influenciaram no valor
do prêmio, nos moldes do quanto disposto no artigo 766 do Código Civil, ele perderá
o direito à garantia e ficará obrigado ao pagamento do prêmio vencido. Caso se
constate que tal fato não decorreu de má-fé do segurado, o segurador poderá
resolver o contrato ou cobrar a diferença de prêmio mesmo após o sinistro, como
disciplina o parágrafo único do referido dispositivo.
352
A lei espanhola (21/1990) dispõe, em seu artigo 10º, que o segurado está exonerado de declarar as
circunstâncias, mesmo as relevantes, que não sejam indagadas no questionário de avaliação de risco
(HARTEN, Carlos. El deber de declaración del riesgo en el contrato de seguro exposición y
crítica del modelo brasileño y estudio del derecho comparado. Salamanca: Ratio Legis, 2007. p.
87).
353
Nesse sentido foi o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça: “O segurado e o
segurador hão de guardar a mais estrita boa-fé. Caso em que, na origem, entendeu-se que se não
‘falar em má-fé do segurado’, notadamente quando o questionário a que foi submetido no momento
da contratação não lhe inquiriu acerca da presença de moléstias da célula hepática. [...] Nenhuma
indagação na carta-proposta apontava, para que o segurado pudesse responder afirmativamente, se
tinha ‘alcoolismo crônico’ ou ‘alcoolemia’ ou ‘cirrose hepática’ ou ‘deficiência hepática’ ou ‘moléstia de
fígado’, como causa excludente da responsabilidade da seguradora, vindo a proposta contudo a ser
aprovada e recolhidos custos do período até o falecimento do segurado em 04/03/96.” (REsp n.
219.829, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 25 out. 1999)
141
Essa exigência é verificada também na jurisprudência, como se vislumbra do
julgado abaixo, ao deixar assente a necessidade do segurado em informar o risco ao
segurador na contratação:
Sabe-se que a boa-fé, elemento informativo de todos os contratos,
assume, no contrato de seguro, papel fundamental.
As declarações prévias do proponente não são meros atos de
formalidade. Ao contrário, constituem atos necessários para que o
agente segurador tenha conhecimento dos riscos da contratação e,
no limite, da própria conveniência desta.
Daí a necessidade da mais estrita boa-fé, não podendo o
proponente omitir a realidade diante de indagações objetivas, tais
como a presença de doenças objetivas.
[...]
No prontuário médico do segurado consta que ele era
portador de HIV três anos, ou seja, pelo menos desde 2002 (fls.
87).
Contudo, ao contratar o seguro, em 30/08/04, declarou que
não era portador de nenhuma doença crônica ou congênita e que
estava em perfeitas condições de saúde (cartão-proposta de fls. 16),
mesmo sabendo que era portador do vírus HIV pelo menos dois
anos.
[...]
Desta forma, não como deixar de concluir que o segurado
agiu de má-fé, omitindo fato relevante, que influenciaria na aceitação
da proposta pela seguradora e, mormente, por ser farmacêutico, bem
conhecia a gravidade do quadro, sendo inadimissível cogitar que
portador do vírus HIV afirme que não sofre de mal nenhum
354
.
Como dito, o dever de agir com boa-fé na conclusão do contrato não é
imputado somente ao segurado, mas também ao segurador. Além do dever imposto
a este, no que tange aos questionamentos sobre o risco, outro como se verifica
do artigo 773 do Código Civil. O legislador, neste dispositivo, prevê a imposição de
penalidade ao segurador pagamento em dobro do prêmio caso este expeça a
apólice sabendo que o risco, para o qual será prestada a garantia, já se concretizou.
Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel, ao
comentarem o dispositivo supra, assim se posicionam:
O risco, como explicitado, é elemento essencial do contrato de
seguro. O interesse legítimo que não se encontra exposto a risco não
tem como ser garantido. Tendo desaparecido o risco, inviabilizado
resta o contrato. O prêmio, dada a impossibilidade de
354
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n. 1128706-0/3, Relator
Desembargador Dyrceu Cintra, julgado em 25 set. 208.
142
contraprestação, seria pervertido para mero enriquecimento sem
causa do segurador, que nada segura.
Nesse quadro, patente a má-fé do segurador, razão pela qual a
norma lhe atribui a penalidade de pagar em dobro o prêmio. A
sanção não decorre do risco ter passado (dado objetivo) e sim do
conhecimento do segurador desta superação (dado subjetivo), ou
seja, é penalidade visando a coibir o ato reprovável.
Sendo hipótese de má-fé, não se presume. Necessária a prova, ônus
a ser suportado por quem a alega (CPC, art. 333, I)
355
.
A sanção imposta por tal dispositivo visa à proteção da mutualidade e um
controle rígido sobre a atuação do segurador, em razão de este atuar como gestor
do fundo comum formado pelos segurados.
Por outro lado, também durante a execução do contrato, deveres
decorrentes da boa-fé impostos aos contratantes, deveres de cooperação, de
transparência e de lealdade, a fim de que não haja um agravamento do risco,
causando um desequilíbrio entre este e o prêmio fixado.
Pelo artigo 769
356
, um explícito dever de cooperação por parte do
segurado, cabendo-lhe a obrigação de comunicar ao segurador todo incidente que
seja capaz de agravar consideravelmente o risco coberto.
Por meio desse artigo, cabe ao segurado, tão logo tenha conhecimento de
incidente suscetível de agravar o risco, de comunicar ao segurador, a fim de que
este resolva o contrato (faculdade conferida pelo § do dispositivo em comento) ou
majore o prêmio, para que este se torne compatível ao risco.
Na verdade, como ressaltam Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e
Maria Celina Bodin de Moraes
357
, embora não haja permissão expressa no artigo
para a majoração do prêmio, fixando-o em equilíbrio ao risco, essa é a melhor
solução em consideração ao princípio da conservação dos contratos, in verbis:
355
O contrato de seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002, p. 94.
356
“Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente
suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se
provar que silenciou de má-fé. § O segurador, desde que o faça nos 15 (quinze) dias seguintes ao
recebimento do aviso de agravação do risco sem culpa do segurado, pode dar-lhe ciência, por
escrito, de sua decisão de resolver o contrato.”
357
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. p. 578/579.
143
Muito embora o dispositivo não preveja a possibilidade de o
segurador promover o aumento do valor do prêmio como alternativa
à resolução do contrato, esta é a interpretação que melhor se
coaduna com o princípio da conservação dos negócios. Ademais,
também é possível chegar-se a esta conclusão por analogia com a
disposição veiculada no art. 770. Em consonância com os princípios
da boa-fé e da função social, a solução preferencial deverá ser a
revisão do valor do prêmio de maneira a promover-se o reequilíbrio
entre as prestações recíprocas. Apenas quando tal solução se
revelar inviável (por exemplo, na hipótese de o agravamento tornar o
risco insuscetível de cobertura), ou se o segurado não se dispuser ao
pagamento do adicional fixado pelo segurador, se possível a este
resolver o contrato.
Na mesma linha é o artigo 771 do Código Civil
358
, ao atribuir ao segurado a
obrigação de comunicar ao segurador, assim que tome conhecimento, a ocorrência
do sinistro, tomando ainda medidas a fim de minorar os prejuízos. Trata-se de um
evidente dever acessório de cooperação entre as partes, decorrente da boa-fé
objetiva.
Claudio Luiz Bueno de Godoy
359
, ao comentar o dispositivo em voga, afirma
que o dever imposto ao segurado de comunicar o segurador tão logo tenha
conhecimento do sinistro decorre da necessidade de lealdade que deve permear a
relação contratual. Do mesmo modo, o dever de adotar as providências imediatas
para minorar as conseqüências do sinistro é também oriundo da exigência de atuar
com boa-fé objetiva, cooperando o segurado com o segurador na adoção de
medidas que impedem a propagação do dano.
Há, ainda, deveres decorrentes da boa-fé não normatizados, mas que são
oriundos do princípio da boa-fé objetiva, no sentido de que a relação obrigacional
deve ser vista como um “processo”, no qual a colaboração dos contratantes para
que se atinja o fim visado pelo quanto pactuado.
Pode-se citar como exemplo o dever do segurador de ser célere na regulação
do sinistro, como melhor será abordado no tópico seguinte, a fim de que o
358
“Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao
segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.”
359
In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Manole: 2007. p. 639/640.
144
pagamento da indenização seja feito ao segurado ou que este tenha logo
conhecimento da recusa, para que possa adotar as medidas que entender cabíveis.
O retardo do pagamento da indenização pelo segurador ao segurado tem
ensejado o ajuizamento de demandas ressarcitórias, nas quais se pleiteia, além da
indenização securitária, indenização por danos materiais e/ou morais, em razão de
tal demora ocasionar prejuízos reflexos. A análise da demora, se fundada em
motivos plausíveis ou não, deve ser feita de forma casuística. Se injustificada, os
danos indiretos são cabíveis
360
. Por outro lado, se
[...] justificada por questões objetivas, como a complexidade da
regulação do sinistro, ou subjetivas, marcadas pela reticência do
próprio segurado em esclarecer as circunstância do evento ou a
entrega de documentos necessários à conclusão do prejuízo, aplica-
se, tão-somente, o comando do artigo 772
361
do CC
362
.
Além disto, também incidência da boa-fé na fase pós-contratual. Pode-se
citar, a título ilustrativo, um exemplo advindo dos seguros do ramo de automóvel.
Nesses, assim como em todos os seguros de danos, paga a indenização ao
segurado, o segurador sub-roga-se em todos os seus direitos, nos moldes do artigo
786
363
. Para que isso efetivamente se realize, após o pagamento da indenização ao
segurado, faz-se necessário que este entregue ao segurador todos os documentos
do veículo, em especial o “Documento Único do Veículo”, a fim de que seja possível
que, caso o veículo seja localizado no futuro, o segurador regularize a transferência
do bem para o seu nome. Essa obrigação, a ser cumprida pelo segurado, decorre da
cooperação que deve nortear as partes de uma relação contratual.
360
Nesse sentido foi o posicionamento perfilhado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na
Apelação Cível n. 280.247-1/4: “Quando fica evidenciada a má-fé da Seguradora, protelando o
pagamento da indenização, por força da ocorrência de sinistro, deve ela indenizar os prejuízos que
advém do mesmo, por agir com culpa extracontratual. [...] A protelação configura omissão voluntária
de cumprir com o que se obrigara, e com isso violando o direito do segurado, e ficando obrigada a
reparar o dano, consistente no aluguel de um veículo igual pelo período em que permanecesse
impossibilitado de sua utilização, que, como se viu na instrução do processo, dependia ele para
exercício de sua atividade profissional, pelo que se acha obrigada a solver referidos prejuízos [...].”
361
Artigo 772 do Código Civil: “A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização
monetária da indenização devida segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos, sem
prejuízo dos juros moratórios.”
362
MOTA, Darcio José da. Cláusulas limitativas e abusivas no contrato de seguro. Dissertação
(Mestrado) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 111.
363
“Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos
e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.”
145
Portanto, a exigência de boa-fé objetiva permeia toda a relação securitária,
seja na fase pré-contratual, durante a vigência da avença ou na fase pós-contratual.
146
6 O SINISTRO NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
6.1 DA DEFINIÇÃO DE SINISTRO
O risco é definido como um evento futuro e incerto a que está sujeito uma
pessoa ou uma coisa. Com a realização do contrato de seguro, transferem-se para o
segurador as conseqüências econômicas desse risco.
Quando se verifica a concretização do risco da forma como estabelecido no
contrato de seguro, tem-se o que se denomina de “sinistro”. O sinistro é, em outras
palavras, a realização do risco tal como previsto no contrato.
Por esta razão, nem todo risco concretizado pode ser tido como sinistro,
que inúmeros o os riscos a que um bem da vida está sujeito. Somente pode-se
considerar sinistro a realização do risco tal como descrito e garantido no contrato de
seguro.
Nas palavras de Rubén Stiglitz
364
, “el sinistro es la realización del riesgo tal
como ha sido precisado en el acuerdo de voluntades”
365
. Segundo Ernesto Tzirulnik,
“o sinistro é somente aquele evento danoso para o interesse assegurado que
corresponde à realização do risco tal como previsto na relação obrigacional
securitária”
366
.
Nos dizeres de Pontes de Miranda, “sinistro é o evento danoso que se previu
como possível”
367
. Marcel Fontaine afirma que “le sinistre est la alisation du
risque”
368
. Hubert Groutel e Claude-J. Berr afirmam que “le sinistre est la survenance
364
Em obra específica sobre o tema, Rubén Stiglitz assim disserta: “Si el riesgo es definido como la
eventualidad prevista en el contrato, a manera de avance es factible afirmar que siniestro es la
realización del riesgo tal como há sido precisado en el acuerdo de voluntades.” (El siniestro. Buenos
Aires: Astrea, 1980. p. 21).
365
STIGLITZ, Rubén Saúl; STIGLITZ, Gabriel A. Seguro contra la responsabilidad civil. Buenos
Aires: Abeledo-Perrot, 1997. p. 249.
366
Regulação de Sinistro (ensaio jurídico). 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 80.
367
Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. v. XLV, Título L § 4911, p. 335.
368
Droit des assurances. 10. ed. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 104.
147
d’un événement dont l’éventualité avait éprise en considération lors de l’entrée du
risque dans la mutualité”
369
.
Muito enriquecedora é, ainda, a definição clássica trazida por Pedro Alvim:
Sinistro é apenas a realização do acontecimento previsto no contrato,
independentemente de suas conseqüências. Enquanto não ocorre, o
risco é um evento incerto, seja quanto à sua realização, seja quanto
ao tempo de sua ocorrência. Quando deixa de ser uma incerteza
para transformar-se numa realidade fática muda de nome; passa a
denominar-se sinistro
370
.
6.2 A CARACTERIZAÇÃO DO SINISTRO NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE
CIVIL
Nos seguros de responsabilidade civil busca-se tutelar o patrimônio do
segurado, transferindo-se ao segurador as conseqüências econômicas de eventuais
dívidas de responsabilidade civil que possam ser imputadas ao segurado.
Muito se discute, nos seguros de responsabilidade civil, qual seria o momento
de verificação do sinistro, isto é, quando o risco, da forma como estipulado no
contrato, torna-se sinistro. Conforme ressalta o italiano Camilo Viterbo
371
, a
caracterização do sinistro é um dos problemas centrais dessa espécie de contrato.
várias teorias sobre o tema. Uns sustentam ser quando o terceiro reclama
a indenização; outros o momento em que o segurado indeniza o terceiro; outros
quando se a prática do ato danoso, surgindo neste momento a dívida de
responsabilidade do segurado. Há quem alegue, ainda, ser o sinistro um ato
complexo, iniciando-se com a prática do ato danoso e encerrando-se com a
indenização paga ao terceiro.
Analisaremos cada uma das teorias propostas, antes de ofertamos o
369
Droit des assurances. 11. ed. Paris: Dalloz, 2008. p. 85.
370
O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 393/394.
371
El seguro de la responsabilidad civil. Buenos Aires: Depalma, 1944. p. 105.
148
posicionamento por nós defendido.
Uma primeira teoria propõe que o sinistro deve ser considerado como a
reclamação da tima e não o fato delituoso praticado pelo segurado. Assim,
somente haveria o sinistro quando a vítima faz uma reclamação (seja amigável, seja
judicial) face ao segurado ou diretamente face ao segurador.
O italiano Camilo Viterbo assim expõe, em sua obra traduzida para o
espanhol, o quanto sustentado por essa corrente doutrinária:
[...] si se quiere hablar de daño real, es menester reconocer que solo
se produce cuando el asegurado es constreñido a pagar al tercero la
suma debida a título de resarcimiento del perjuicio.
[...]
[...] la deuda surge solamente con el requerimiento extrajudicial, o
immediatamente del requerimiento judicial del tercero
372
.
Os que sustentam esse posicionamento, tal como Isaac Halperin
373
, assim o
fazem com fundamento de que a garantia prestada pelo segurador somente é
devida a partir do momento em que o reclamo da vítima. Mesmo que o ato
danoso tenha sido praticado e o prejuízo tenha sido causado, com a reclamação
da vítima é que tem início a obrigação do segurador em efetuar o pagamento da
indenização. Isto porque, enquanto o terceiro não faz uma reclamação, nada é
devido.
Constant Eliashberg, com fundamento no artigo L. 124-1 do Código de
Seguros Francês
374
, preceitua que:
Pour qu’il y ait sinistre, il ne suffit pas qu’il y ait réalisation du risque,
c’est-à-dire de l’événement dommageable prévu et garantie au
contrat. Il faut en plus une réclamation de la victime
375
.
A crítica mais freqüente que se faz a essa posição é de que, se o seguro de
responsabilidade civil garante eventual dívida que possa ser imputada ao segurado,
372
El seguro de la responsabilidad civil. Buenos Aires: Depalma, 1944. p. 108.
373
Lecciones de seguros. 7. ed. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 85.
374
Article L. 124-1 do Código Civil Francês: “Dans le assurances de responsabilités, l’assureur n’est
tenu que si, à la suite du fait dommageable prévu au contrat, une réclamation amiable ou judiciaire est
faite à l’assuré par le tiers lésé.”
375
Risques et assurances de responsabilité civile. Paris: L’Argus, 2006. p. 168.
149
esse débito tem nascimento com a prática do ato delituoso e não com a reclamação
formulada pelo terceiro.
A responsabilidade civil do segurado decorre do cometimento, por este, de
um ato que importe em um dano a alguém. Se o seguro de responsabilidade civil
visa assegurar as conseqüências econômicas da responsabilidade atribuída ao
segurado, o sinistro se dá com a prática do ato e não com a reclamação do terceiro.
Outra objeção que se faz é que, com o ato danoso, surge para o segurado o
dever de comunicar o segurador acerca do ocorrido, já que sobre ele pesa a ameaça
de uma dívida de responsabilidade. Portanto, a ameaça de diminuição do patrimônio
do segurado, que visa o seguro de responsabilidade prestar cobertura, existe desde
o momento do ato causador de dano e não só com a reclamação.
uma segunda teoria, a qual está em bastante desuso, que prega que o
sinistro dá-se com o pagamento feito pelo segurado ao terceiro lesado.
De acordo com esta corrente, exige-se que o segurado efetue o pagamento
da indenização à vítima e posteriormente volte a sua pretensão de reembolso ao
segurador. Consoante essa posição, verifica-se o sinistro somente com a realização
do pagamento da indenização pelo segurado.
Severas críticas são feitas a esse posicionamento, na medida em que se
exige que o segurado tenha um desfalque patrimonial, configurando-se nesse
momento o sinistro, para que posteriormente possa voltar-se contra o segurador e
exigir o pagamento da indenização.
E, caso o segurado não tenha condições econômicas de realizar o pagamento
ao lesado, este restará com o prejuízo, embora exista um seguro para prestar
cobertura a eventuais dívidas de responsabilidade que lhe possam ser imputadas.
Essa constatação é feita por Camilo Viterbo:
Considerar siniestro sólo el pago efectuado y no el surgir de la
150
deuda, quita al seguro de la responsabilidad civil gran parte de sus
ventajas, colocando al asegurado en condiciones de tener que
procurarse la suma necesaria para abonar su deuda, a fin de poder
actuar después contra el asegurador. Lo que significa que hasta está
expuesto al peligro de la quiebra en cuanto no pueda procurarse
rápidamente esa suma
376
.
E acrescenta, ainda, que:
Todavía es conceptualmente más grave que, con esa teoria, un
asegurado que no estuviesse en situación de procurarse la suma
necesaria y no tuviese bienes suficientes para extinguir
voluntariamente la deuda, o sobre el cual no pudiese satisfacerse
coactivamente el acreedor, se encontraria com que había perdido el
beneficio del seguro. En efecto, según esta teoria si no hay pago, no
hay siniestro ni hay obligación del asegurador. Ello no es admisible.
Los efectos de un contrato no pueden depender de la insolvencia del
acreedor. Las partes no pueden haber querido tal cosa
377
.
No que tange a essa teoria, em que se reconhece o sinistro como sendo o
pagamento do ressarcimento ao segurado, Rubén Stiglitz
378
faz também as
seguintes oposições: (i) um dos efeitos maléficos é que o segurado, após pagar o
terceiro, apresentará o seu pedido de reembolso ao segurador, com quem iniciará
uma discussão sobre se pagou bem ou mal; (ii) o surgimento do débito de
responsabilidade não se com o pagamento, preexistindo a este, pois ocorre com
a infração danosa a um dever jurídico; (iii) o seguro de responsabilidade civil visa
tutelar o patrimônio do segurado, de modo que não se coaduna com a sua finalidade
exigir o desfalque por parte deste para depois este reaver o reembolso; (iv) se o
segurado não possuir patrimônio suficiente para indenizar a vítima, de nada
adiantará a existência do seguro.
Essa teoria, no contexto atual da responsabilidade civil, em que se preza,
acima de tudo, a reparação dos danos sofridos pelas vítimas, não se sustenta. Em
uma sociedade onde os riscos são latentes, não faz sentido exigir que o segurado
torne-se momentaneamente uma vítima, do ponto de vista econômico, para que
somente depois possa ser reembolsado pelo segurador.
376
El seguro de la responsabilidad civil. Buenos Aires: Depalma, 1944. p. 114.
377
Idem.
378
STIGLITZ, Rubén Saúl; STIGLITZ, Gabriel A. Seguro contra la responsabilidad civil. Buenos
Aires: Abeledo-Perrot, 1997.
151
Há, ainda, quem sustente, como o faz Vera Helena de Mello Franco
379
, que o
sinistro no seguro de responsabilidade civil é um fato complexo, que se origina com
a prática do ato danoso, terminando-se com o ressarcimento do prejudicado ou com
o reembolso pleiteado pelo segurado após indenizar o terceiro.
Do mesmo modo, defende Marcel Fontaine, ao asseverar que “le sinistro ne
se produit pás de maniére instantanée, mais il se réalise progressivamente au cours
d’un processus plus ou moins long; il peut en être ainsi notamment dans le
assurances des responsabilité”
380
.
Joaquin Garrigues
381
, ao também argumentar nesse sentido, assevera que o
sinistro somente se verifica quando se produz um efetivo gravame ao patrimônio do
segurado decorrente de uma obrigação de reparação. Portanto, o sinistro está
integrado de várias fases, iniciando-se com a prática do evento danoso e se estende
até o reconhecimento da responsabilidade, seja no âmbito extrajudicial ou judicial.
Diante de todas as teorias existentes, a nosso ver, a que melhor se coaduna
com a finalidade e objeto do seguro de responsabilidade civil é a que sustenta que o
sinistro, nesta espécie de contrato, é a prática do ato delituoso, pois é neste
momento que surge a ameaça de uma dívida de responsabilidade sobre o
patrimônio do segurado.
O risco assegurado no contrato é eventual dívida de responsabilidade que
possa vir a ser atribuída ao segurado. E, com a ocorrência da infração a um dever
jurídico, nasce para o segurado a obrigação de indenizar o terceiro lesado, surgindo,
para este, em contrapartida, o direito de exigir o ressarcimento ao dano que lhe fora
causado.
Essa também é a posição defendida por Rubén Stiglitz, ao argumentar que:
[...] si lo que el seguro cubre son las consecuencias jurídicas del
hecho lesivo con relación al asegurado, que non son otras que su
obligación legal de indemnizar, al nacer esa obligación surge
379
Lições de direito securitário – seguros terrestres privados. São Paulo: Maltese, 1993. p. 93.
380
FONTAINE, Marcel. Droit des assurance. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 104.
381
Contrato de seguro terrestre. 2. ed. Madrid: [s.n.], 1983. p. 373.
152
simultaneámente la del asegurador de liberarlo de ella, haciéndose
cargo del pago de la indemnización correspondiente al tercero o
reembolsando al asegurado lo que hubiera pagado por tal concepto.
No mesmo sentido sustenta Gustavo Raúl Meilij, ao afirmar que o sinistro dá-
se “cuando nace para el asegurado la obligación de reparar el daño que ha causado,
y este hecho generador se halla contemplado dentro de la cobertura del seguro de la
responsabilidad civil”
382
.
Camilo Viterbo também defende posicionamento semelhante:
Siniestro es decir condición para que aparezca la obligación del
asegurador frente ao asegurado, es el surgir de la responsabilidade
del asegurado frente al tercero, como consecuencia imediata y
directa del suceso dañoso que lesiona a este último
383
.
Tem-se, portanto, que o sinistro se dá com a prática do ato danoso e não com
a reclamação formulada pelo terceiro. Aquele preexiste à pretensão ressarcitória do
terceiro, pois este, por possuir um direito potestativo, sequer pode exercitar o seu
direito, contudo, a ameaça ao patrimônio do segurado (dívida de responsabilidade)
existe desde o momento da prática delituosa.
Do mesmo modo, a prática do ato que gera um dano é anterior e pressuposto
para que o segurado efetue o pagamento da indenização ao terceiro e
posteriormente pleiteie o reembolso ao segurador. A dívida de responsabilidade do
segurado surge com a prática do ato e não somente quando este paga a
indenização à vítima.
6.3 DA IMPORTÂNCIA PRÁTICA DA DEFINIÇÃO DO SINISTRO
Não é puramente teórica a importância em se definir o momento em que se
verifica a ocorrência do sinistro no seguro de responsabilidade civil. Isto porque,
quando o risco torna-se sinistro, tal fato ensejo a uma série de obrigações e
382
Manual de seguros. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 109.
383
El seguro de la responsabilidad civil. Buenos Aires: Depalma, 1944. p. 122.
153
também direitos às partes contratantes.
Ocorrido o sinistro, em tese, surge para o segurado o direito ao recebimento
da indenização. Diz-se, em tese, haja vista que o sinistro pode ensejar danos que
não possuem cobertura contratual. Pode ocorrer, por exemplo, de se concretizar o
risco tal como previsto no contrato (ex.: roubo de veículo em estacionamento) e a
vítima pleitear exclusivamente lucros cessantes. Ocorre que, mesmo diante da
ocorrência do sinistro (risco concretizado), não haverá o pagamento da indenização
securitária, diante da exclusão contratual quanto à cobertura de lucros cessantes,
expressamente prevista no contrato.
Pode ocorrer, ainda, que, embora o sinistro possua cobertura contratual, se
verifique a ocorrência de uma questão prejudicial ao pagamento da indenização, tal
como a falta de pagamento do prêmio, agravamento do risco, sinistro ocasionado
por fraude, etc.
Nesse ponto, mostra-se relevante a distinção entre indenização e a garantia
prestada pelo segurador. Esta é prestada pelo segurador desde o início de vigência
do contrato, ao passo que a indenização somente é devida após a ocorrência do
sinistro e desde que não existam questões prejudiciais ao seu pagamento, tais como
a falta de pagamento do prêmio, ausência de cobertura contratual, ocorrência da
prescrição etc.
Além disso, com o recebimento da indenização securitária, tal fato pode ou
não ensejar o desaparecimento da garantia prestada pelo segurador. Subsistirá a
garantia na hipótese de o sinistro não atingir a totalidade do interesse segurado.
Uma primeira obrigação decorrente da verificação do sinistro é o dever do
segurado em comunicar a sua ocorrência ao segurador, nos termos do artigo 771 do
Código Civil
384
; dever este presente em todos os ramos de seguros.
Na situação supra, será de todo relevante precisar o momento exato de
384
“Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao
segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.”
154
verificação do sinistro nos seguros de responsabilidade civil. Se se entender que
este se com o ato danoso, ocorrido, por exemplo, em um acidente num
condomínio, surge para este (o segurado) o dever de comunicar o segurador.
Contudo, se se adotar a tese de que o sinistro apenas ocorre com a reclamação da
vítima, somente quando o condomínio for ajuizado (judicialmente ou
extrajudicialmente) pelo terceiro lesado, será dada ciência ao segurador do acidente
ocorrido.
A lei não impõe uma forma específica para a comunicação a ser feita ao
segurador, bastando que esta seja feita pelo segurado e chegue ao conhecimento
daquele, pois se trata de uma declaração receptícia de vontade.
No Direito alienígena (art. 46, da Lei de Seguros Argentina) também a
imposição ao segurado de comunicar a ocorrência do sinistro, devendo fazer, nos
termos dessa legislação, em três dias contados da sua verificação. Trata-se de um
mero aviso, no qual o segurado informa o segurador das circunstâncias em que se
deu o sinistro
385
.
A legislação francesa impõe esse mesmo dever ao segurado, ao prever que
“l’assuré est obligé.de donner avis à l’assureur, dès qu’il en a eu conaissance et au
plus tard dans le délai fixé par le contrat, de tout sinistre de nature à entraîner la
garantie de l’assureur” (Código de Seguros Francês, art. L. 113-2, 4º).
Especificamente em relação ao seguro de responsabilidade civil, comando
expresso (art. 787, § 1º, do Código Civil) impondo a obrigatoriedade de o segurado
avisar o segurador “das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a
responsabilidade incluída na garantia”.
Esse comando reafirma que o sinistro, nesta espécie de contrato, é o ato
capaz de ensejar a responsabilidade do segurado e não a reclamação do terceiro ou
o pagamento à vítima. Caso assim não fosse, a obrigação de avisar o segurador
somente surgiria quando o terceiro fizesse uma reclamação administrativa ou
ajuizasse uma demanda judicial.
385
MEILIJ, Gustavo Raúl. Seguro de responsabilid civil. Buenos Aires: Depalma, 1992. p. 96.
155
A não-comunicação do sinistro, tão logo o segurado dele tome conhecimento,
enseja a perda da indenização, conforme comando imposto pelo artigo 771 do
Código Civil. Essa disposição visa impedir que o segurado fique inerte diante da
ocorrência do sinistro, agravando o prejuízo do segurador.
Tome-se, como exemplo, os contratos de seguro-fiança, no qual o segurado
(locador) toma conhecimento do inadimplemento do locatário, consistindo esse o
sinistro nessa espécie de contrato, e não avisa o segurador para que este possa
tomar alguma providência quanto à desocupação do imóvel em questão, deixando
com que o locatário permaneça por meses a fio no imóvel sem pagar os encargos
locatícios.
A regra imposta no dispositivo em comento visa justamente impedir que o
segurado, por inércia ou desídia, agrave o prejuízo que deverá ser indenizado pelo
segurador, que, em última análise, o pagamento das indenizações sairá do fundo
comum, gerido e administrado por este.
Os artigos 771 e 787, parágrafo 1º, do Código Civil normatizam a denominada
teoria de “mitigação das perdas” (“duty to mitigate the loss”), segundo a qual os
contratantes devem atuar com boa-fé objetiva, cooperando um com o outro no
sentido de mitigar as perdas sofridas
386
. Em outras palavras, impõe-se ao credor
(segurado) um dever de agir visando mitigar os prejuízos do devedor (segurador),
tirando aquele da inércia ao impor-lhe um dever de cooperação obrigacional.
Neste aspecto, de se fazer uma ressalva, como pontuado por Caio rio
da Silva Pereira, de que o segurador deve comprovar o prejuízo que lhe foi causado
em razão da não-comunicação imediata do sinistro, “sob pena de haver
enriquecimento sem causa, tendo em vista não haver correspectividade pura e
simples entre o dever de informar (descumprido) e o dever de pagar a indenização
caso ocorra o sinistro”
387
.
386
Nesse sentido aplicabilidade da boa-fé objetiva (art. 422 do CC) foi aprovado pelo Conselho da
Justiça Federal, na III Jornada, o Enunciado de n. 169, proposto pela Professora Vera Maria Jacob
Fradera, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cujo teor é: “O princípio da boa-fé objetiva
deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.”
387
Instituições de direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. III, p. 459.
156
Claudio Luiz Bueno de Godoy
388
sustenta que a penalidade imposta pelo
legislador no artigo 771 visa sancionar a conduta de ausência de boa-fé objetiva do
segurado que, ao tomar conhecimento do sinistro, não comunica o segurador acerca
do ocorrido e não adota medidas para evitar a propagação do dano.
Contudo, o mesmo ressalta que, para que em decorrência deste dever o
segurado perca o direito à indenização, deve o segurador demonstrar que, caso
tivesse tomado conhecimento do sinistro, o prejuízo seria minorado, isto é, de que o
comportamento omisso do segurado interferiu no valor da indenização a ser paga.
Por outro lado, no que tange às obrigações impostas ao segurador, tão logo
este seja comunicado sobre a ocorrência do sinistro (receba o “aviso do sinistro”),
pelo segurado, cabe-lhe a obrigação de constituir a reserva técnica.
Como afirmado em tópico anterior, o segurador é obrigado a constituir a
denominada “reserva técnica comprometida”, que consiste em reservas constituídas
nominalmente aos segurados, com objeto da garantia individualizado em razão de
sinistros reclamados, nos termos do artigo 86 do Decreto-Lei n. 73/66
389
. Trata-se de
uma garantia ao segurado de que a sua indenização está, a partir da comunicação
do sinistro, destacada do fundo comum e devidamente individualizada.
Com a comunicação do sinistro ao segurador, deverá este também dar início
a denominada “regulação de sinistro”, que consiste no procedimento adotado a fim
de checar se o fato que lhe foi avisado possui cobertura contratual, mediante a
apuração do que efetivamente ocorreu e as causas do sinistro e, caso esteja
coberto, qual a extensão do dano causado ao segurado.
No procedimento de regulação do sinistro, o segurador passará a averiguar
se o fato comunicado pelo segurado foi o ocorrido, as causas do sinistro, as suas
388
In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Manole, 2007. p. 639/640.
389
Artigo 86 do Decreto-Lei n. 73/66: “Os Segurados e Beneficiários que sejam credores por
indenização ajustada ou por ajustar têm privilégio especial sobre reservas técnicas, fundos especiais
ou provisões garantidoras das operações de seguro, cabendo ao IRB o mesmo privilégio após o
pagamento aos Segurados e Beneficiários.”
157
circunstâncias, o prejuízo ocasionado, a extensão do dano. Todos esses aspectos
serão analisados em cotejo com a garantia contratada pelo segurado, a fim de se
constatar se há ou não cobertura securitária.
Nas palavras de Ernesto Tzirulnik, assim o descritos os procedimentos da
regulação de um sinistro:
O fato avisado será comparado com a realidade. Em seguida é
processado o confronto entre o fato ocorrido e o risco assegurado.
Esse passo contém o cotejo causa e efeito. A comparação entre o
dano e o interesse segurado permitirá conhecer o prejuízo; a deste
com a garantia contratada, revelará o prejuízo indenizável e daí por
diante
390
.
Ainda sobre esse tema, esclarece Ivan de Oliveira Silva:
O procedimento prévio destinado a impulsionar a indenização
decorrente de risco coberto chama-se aviso de sinistro. É por meio
dessa notificação que o segurado, ou qualquer interessado pela sorte
do bem objeto do contrato de seguro, informa ao segurador o evento
danoso teoricamente previsto na cobertura securitária.
Sublinhe-se, nessa ordem, que o aviso de sinistro desencadeará o
procedimento identificado por regulação de sinistro, que nada mais é
do que um conjunto de providências tomadas pelo segurador para,
inicialmente, averiguar se o evento danoso faz parte das coberturas
previamente estipuladas pelas partes contratantes
391
.
A regulação do sinistro deve sempre visar, basicamente, dois objetivos. O
primeiro consiste na preservação do fundo comum administrado pelo segurador,
evitando-se pagamentos indevidos.
Aqui se deve ter em mente a natureza comunitária do contrato de seguro. Não
se trata de um contrato, tal como o de compra e venda, no qual se tem interesses
opostos e completamente individualizados.
O seguro, em uma visão macro, se afasta deste “paradigma” tradicional de
contrato. Ele não se estrutura sob a noção de indivíduos que se relacionam, mas sim
de coletividade. Pessoas sujeitas a um mesmo risco se agrupam, cada qual arcando
390
Regulação de sinistro (ensaio jurídico). 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 83.
391
Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 138.
158
com uma pequena quantia, a fim de que se forme um fundo comum, gerido e
administrado pelo segurador, do qual sairá o pagamento das indenizações, em caso
de sinistro.
Isto significa dizer que a regulação do sinistro deve ser feita com rigor, para
que seja apurado se efetivamente o sinistro possui cobertura securitária, pois deve o
segurador zelar pela preservação do fundo comum em benefício dos segurados
sujeitos aos mesmos riscos, isto é, em prol da mutualidade em que se funda essa
espécie de contrato.
Disto decorre “a imperiosa verificação da ocorrência de fraudes ou demais
atos lesivos aos interesses da coletividade segurada”
392
.
Contudo, não se deve olvidar, por outro lado, que “a preservação dos
interesses de cunho transindividual não pode implicar descuido em relação ao
cumprimento da obrigação de indenizar assumida pela seguradora”
393
. Deve existir,
portanto, um equilíbrio entre a proteção do fundo comum, gerido e administrado pelo
segurador, e o contrato individualmente considerado celebrado com um determinado
segurado.
Uma segunda finalidade é a de que, uma vez constatado que o sinistro
ocorrido possui cobertura contratual, a indenização seja paga de forma célere ao
segurado, honrando o contrato celebrado. Isso se dá em razão de que, não obstante
o seguro tenha esse caráter coletivo, ele também possui e deve visar o interesse
individualizado do segurado.
Ernesto Tzirulnik aponta para essa mesma conclusão:
[...] todos os sinistros devem ser investigados pelo regulador, pois se
por um lado a regulação deve permitir o mais rapidamente possível a
prestação indenizatória (inclusive valendo-se de adiantamentos), por
outro, os interesses transindividuais também hão de ser preservados
contra pagamentos indevidos, como, por exemplo, em casos de
fraude, isto porque os saques indevidos contra o fundo coletivo
392
VITALIS, Aline. O contrato de seguro no novo Código Civil brasileiro. Em Debate: contrato de
seguro, danos, risco e meio ambiente. Rio de Janeiro: Funenseg, 2004. p. 17.
393
Idem, ibidem.
159
violam o princípio indenizatório e levam ao encarecimento dos
prêmios para a coletividade dos consumidores
394
.
Oportuno ressaltar que a regulação de sinistro não pode ultrapassar um lapso
temporal que, em muito, prejudique o segurado, mesmo que a justificativa seja para
a apuração, com segurança, de eventual fraude cometida. O lapso temporal da
regulação do sinistro deve estar em consonância com o princípio da razoabilidade.
Além disto, uma regulação de sinistro feita de forma cuidadosa e adequada
permite que o segurador avalie corretamente a sinistralidade de sua carteira,
aspecto essencial para a correta taxação do risco e cálculo do prêmio, que poderá
ocasionar a redução ou aumento deste, dependendo do que for constatado.
Com isso, evita-se a cobrança de “prêmios puros” inferiores ao efetivo risco, o
que poderia comprometer a solvabilidade da carteira, em prejuízo da coletividade e,
por outro lado, também impede a cobrança de prêmios superiores ao necessário, o
que ensejaria uma menor competitividade entre os seguradores, em detrimento dos
próprios segurados.
Outra conseqüência de se fixar a data do sinistro consiste no fato de que,
quando o terceiro ajuíza a demanda diretamente em face do segurador, assunto que
será tratado no tópico seguinte, este somente pode opôr à vítima as defesas, que
teria em face do segurado, ocorridas antes do sinistro.
Ou seja, pode o segurador recusar-se ao pagamento da indenização
securitária ao terceiro lesado sob o fundamento de que o sinistro foi causado em
razão do agravamento do risco por parte do segurado ou, ainda, que o sinistro
ocorreu durante o período de inadimplência do segurado. Por outro lado, não poderá
o segurador opôr à tima quaisquer defesas que sejam posteriores à ocorrência do
sinistro, do que decorre a importância de se ter a exata compreensão do momento
de sua ocorrência.
Pode ser ressaltado, ainda, que caso o contrato seja realizado e o sinistro
tenha ocorrido, desnaturado estará o seguro, pois este visa justamente prestar
394
Regulação de sinistro (ensaio jurídico). 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 91.
160
garantia a um risco futuro e incerto e não um risco concretizado, o que se
denomina sinistro. Ressalte-se que o artigo 773 do Código Civil impõe uma
penalidade ao segurador que, embora saiba que o sinistro se realizou, mesmo
assim aceite a celebração do contrato de seguro.
Em suma, a fixação do momento exato de verificação do sinistro mostra-se
relevante, não sendo uma discussão restrita ao âmbito teórico, pois, a partir de sua
ocorrência, há uma série de obrigações impostas às partes, como também ressalva
Marcel Fontaine, ao asseverar que “une série de conséquences importantes sont
attachées à la survenance du sinistre, notadamment les obligations de l’assuré
d’atténuer le dommage et d’aviser l’assureur et l’obligation pour ce dernier d’effectuer
sa prestation”
395
.
395
In: FONTAINE, Marcel. Droit des assurances. 10. ed. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 104.
161
7 DA AÇÃO DIRETA DA VÍTIMA FACE AO SEGURADOR
Enseja também polêmica a questão acerca da possibilidade ou não da vítima
acionar diretamente o segurador para ser ressarcida dos danos causados pelo
segurado.
Antes de abordar a questão sobre a viabilidade de a vítima ajuizar
diretamente o segurador no direito pátrio, é de todo salutar trazer a lume como essa
questão vem sendo tratada no direito alienígena.
7.1 DA AÇÃO DIRETA NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO
ESTRANGEIRO
Diversos são os tratamentos dispensados a esse assunto nos ordenamentos
jurídicos. Inúmeras legislações adotaram a possibilidade de a vítima demandar
diretamente o segurador; outras permitem a vítima ajuizar o segurado e o segurador
conjuntamente; outras somente permitem que a vítima acione o segurado e este
traga ao processo o segurador.
O Direito holandês possibilita que a vítima reclame e seja indenizada
diretamente pelo segurador, tendo sido introduzida a ação direta no ano de 1999
396
.
A legislação portuguesa também permite a ação direta como um “instrumento em
benefício do lesado, no sentido de, mais facilmente, reclamar a indemnização, e
uma garantia do lesado e da sociedade de que a prestação devida será
efectivamente paga”
397
.
No mesmo sentido a Lei de Seguros da Espanha de 8 de outubro de 1980
(art. 76)
398
. O Código Civil de Quebéc, em seu artigo 2.501, consagra um direito
396
SILVA, Rita Gonçalves Ferreira da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral – seu
enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 108.
397
Idem, ibidem, p. 110.
398
MARENSI, Voltaire Giavarina. O seguro de responsabilidade civil. Cadernos de Seguro
coletânea 1981-2001, Rio de Janeiro: Funenseg, 2001, p. 49/50.
162
próprio em favor da vítima, assegurando-lhe o direito de acionar, a sua escolha, o
segurado ou o segurador ou a ambos
399
.
Na América Latina, a ação direta está incorporada na legislação colombiana
(Código de Comércio, art. 1.127), na boliviana (Código do Comércio, art. 1.090) e na
peruana (Código Civil, art. 1.987)
400
.
O mesmo ocorre na legislação mexicana, cujo artigo 147 da Lei sobre
contrato de seguro considera o terceiro (a vítima) como beneficiário do seguro desde
o momento do sinistro, atribuindo-lhe o direito à indenização que poderá ser
exercido diretamente perante o segurador
401
.
Na Bélgica, é interessante a evolução do tratamento dispensado à questão.
no ano de 1874, a Lei de 11 de junho previa a possibilidade, em caso de
incêndio, de ação direta em face do segurador e responsabilidade locatícia, em favor
do proprietário. No ano de 1903, o artigo 27, alínea 2, da Lei de 24 de dezembro,
estabeleceu a possibilidade de a vítima acionar diretamente o segurador de sua
empregadora para a reparação dos danos causados em decorrência de acidente de
trabalho. Mais recentemente, a Lei de de julho de 1956 instaurou a possibilidade
da ação direta em favor das vítimas de acidentes automotivos
402
. Contudo, somente
por meio da Lei de 25 de junho de 1992 (arts. 85 e 86) houve a previsão da ação
direta generalizada nos seguros de responsabilidade civil, criando um direito próprio
da vítima face ao segurador, de forma que:
[...] l’action directe permet donc à la personne lésée d’exercer
directement un recours contre l’assureur du responsable (sans la
priver de son action contre le responsable lui-même) et de voir
399
FARIA, Juliana Cordeiro. O Código Civil de 2002 e novo paradigma do contrato de seguro de
responsabilidade civil: a viabilidade do direito de ação da vítima contra a seguradora. In: ALVIM,
Angélica Arruda; CAMBLER, Everaldo Augusto (Coord.). Atualidades de direito civil. Curitiba:
Juruá, 2006. v. 1, p. 137.
400
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 142.
401
Dispõe o artigo 147 da Lei sobre Contrato de Seguro Mexicana que “El seguro contra la
responsabilidad atribuye el derecho a la indemnización directamente al tercero dañado, quien se
considerará como beneficiário del seguro desde el momento del siniestro.” O artigo 145, da referida
norma, prescreve que “En el seguro contra la responsabilidad, la empresa se obliga a pagar la
indemnización que el asegurado deba a un tercero a consecuencia de un hecho que cause un daño
previsto en el contrato de seguro.”
402
FONTAINE, Marcel. Droits des assurances. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 325/326.
163
l’indemnité d’assurance échapper au concours des autres créanciers.
Na França, a Corte de Cassação permitiu a possibilidade de ação direta em
Acórdão de 14 de junho de 1926 sob o fundamento de se consagrar à vítima um
privilégio especial sobre o crédito. Posteriormente, foi editada a Lei de 13 de julho de
1930, a qual, em seu artigo 53, estabeleceu que o segurador não pode pagar a
outrem senão ao lesado pelas conseqüências pecuniárias que o fato danoso
praticado pelo segurado tenha lhe causado
403
. Com base em tal dispositivo, foi
desenvolvida a tese pela possibilidade de propositura da ação direta, como direito
próprio e autônomo da vítima.
No Equador, por outro lado, norma vedando expressamente a
possibilidade de ação direta da vítima perante o segurador, consoante disposição
contida no artigo 23 da Lei de Seguro
404
.
A Itália também não permite a ação direta da vítima, dispondo o artigo 1.917
do Código Civil que
Nell’assicurazione della responsabilità civile l’assicuratore é obbligato
a tenere indenne l’assicurato di quanto questi, in conseguenza del
fatto accaduto durante il tempo dell’assicurazione, deve pagare a un
terzo, in dipendenza della responsabilità dedotta nel contrato.
A Argentina, por sua vez, optou por uma solução intermediária. A Lei
17.418/1967
405
estabelece um particular mecanismo de citação do segurador para
que o danificado obtenha diretamente a indenização deste, que tal citação poderá
ser feita por parte do próprio terceiro que promove a demanda ou pelo segurado.
403
FIGUEIRA, J. G. de Andrade. A ação direta da vítima contra a companhia seguradora de
responsabilidade civil. Revista dos Tribunais, ano XXXI, set. 1942, p. 444.
404
“Art. 23. O seguro de responsabilidade civil não é um seguro a favor de terceiros. O danificado
carece, assim, de ação direta contra o segurador. Este princípio não obsta que o segurador adote as
providências que considere necessárias com o objetivo de evitar que o segurado obtenha do contrato
proveitos ou lucros.” (tradução livre)
405
Privilegio del damnificado: Art. 118. El crédito del damnificado tiene privilegio sobre la suma
asegurada y sus accesorios, con preferencia sobre el asegurado y cualquier acreedor de éste, aun en
caso de quiebra o de concurso civil. Citación del asegurador: El damnificado puede citar en garantía
al asegurador hasta que se reciba la causa a prueba. En tal caso debe interponer la demanda ante el
juez del lugar del hecho o del domicilio del asegurador. Cosa juzgada: La sentencia que se dicte hará
cosa juzgada respecto del asegurador y será ejecutable contra él en la medida del seguro. En este
juicio o en la ejecución de la sentencia el asegurador no podrá oponer las defensas nacidas después
del siniestro. También el asegurado puede citar en garantía al asegurador en el mismo plazo y con
idénticos efectos.” (Ley de Seguros n. 17.418 – Buenos Aires, 30 de agosto de 1967)
164
Tal legislação gera grandes controvérsias quanto à sua natureza jurídica.
Uma corrente sustenta que consiste em um mero mecanismo processual que
permite ao danificado citar o segurador em uma lide na qual reclama danos do
segurado responsável pelos prejuízos a ele causados. Outra corrente defende tratar-
se de uma ação direta, ainda que com características peculiares. Esta última
posição é a majoritária na doutrina, afirmando consistir a “citação em garantia” em
uma ação direta, porém não autônoma
406
.
Gustavo Raúl Meilij sustenta, no mesmo sentido do entendimento majoritário,
tratar-se de ação direta, elencando os seguintes argumentos:
“a) el damnificado ejerce la acción contra el asegurador en forma
directa, sin utilizar la acción subrogatoria, con las ventajas
consiguientes;
b) el asegurador es citado al proceso en forma obligada, con
oportunidade de defensa y sujeción a la sentencia que allí se dicte;
c) para el actor el caso plantea una hipótesis de extensión de la
demanda;
d) el crédito del damnificado tiene privilegio sobre la suma asegurada
y sus accesorios;
e) la obligación de indemnidade hacia el asegurado que contrae el
asegurador conduce a que la prestación consista en pagar al tercero
damnificado. Con lo que la acción directa no hace más que
complementar esta finalidad legal
407
.
Defende, ainda, o mesmo autor que a “citação em garantia” provoca a
formação de um litisconsorte passivo necessário, pois afirma que não se pode
demandar o segurador isoladamente, mas somente juntamente com o segurado
408
.
Integrando o segurador a lide, este poderá opor todas as exceções que tiver
contra o segurado, desde que ocorridas antes do sinistro. Somente não são
admitidas exceções ocorridas posteriormente à ocorrência do sinistro, tais como a
perda do direito à indenização pelo segurado em razão da comunicação tardia do
sinistro
409
.
406
MEILIJ, Gustavo Raúl. Seguro de responsabilid civil. Buenos Aires: Depalma, 1992. p. 153/154.
407
Seguro de responsabilid civil. Buenos Aires: Depalma, 1992. p. 156.
408
Ibidem, p. 158.
409
STIGLITZ, Rubén Saúl. O seguro de responsabilidade civil. Seguros: uma questão atual. São
Paulo: Max Limonad, 2001. p. 72/73.
165
A legislação argentina deixa assente, ainda, a inexistência de solidariedade
entre segurado e segurador, respondendo este nos termos e limites do quanto
previsto no contrato, isto é, sendo executável face ao segurador “en la medida del
seguro”.
Percebe-se que inexiste uma solução universal para a questão, tudo
dependendo da opção legislativa feita por cada ordenamento jurídico, no sentido de
se prestigiar, nessa espécie de seguro, somente os interesses do segurado ou
também o dos terceiros lesados.
7.2 DA AÇÃO DIRETA NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO
PÁTRIO
No Brasil, a controvérsia mostra-se bastante acentuada, em razão de inexistir
dispositivo vedando ou permitindo expressamente a ação direta datima no seguro
de responsabilidade civil.
Nas apólices dos seguros de responsabilidade civil constam que os
seguradores são obrigados a reembolsar os segurados pelas quantias que estes
vierem a despender em razão de sentenças judiciais transitadas em julgado ou de
acordos extrajudicias, devidamente autorizados pelos seguradores, nos quais seja
reconhecida a responsabilidade civil do segurado.
Em que pese a existência da “teoria do reembolso” nas apólices, a prática
revela que, extrajudicialmente, os terceiros lesados são indenizados diretamente
pelos seguradores. O segurado causador do dano comunica o sinistro ao
segurador e este entra em contato direto com a vítima, efetuando-lhe o pagamento
diretamente em nome do segurado
410
.
410
Nesse sentido já afirmava a doutrina no ano de 1983, isto é, antes da vigência do atual Código Civil:
“Não se pode, preleciona Elcir Castello Branco, no direito brasileiro, afirmar a existência de regra
jurídica que permite ao segurador pagar diretamente, ou ao terceiro pedir tal pagamento, como prevê
o Código Civil italiano no artigo supra mencionado. Porém, na prática, este item, em parte, já constitui
letra morta, vale dizer, uma vez que o segurado se declare culpado à seguradora, em processo
administrativo, com a posterior constatação dessa assertiva pela Companhia, caberá a ela efetivar, de
166
Contudo, o grande problema dá-se no âmbito judicial. Isso ocorre por não ter
havido o pagamento administrativo feito direto à vítima em virtude de o segurador
entender que a indenização ao terceiro não é devida, seja porque não restou
demonstrada a responsabilidade civil do segurado ou por considerar que
exceções a argüir, tais como ausência de cobertura, falta de pagamento do prêmio,
sinistro ocorrido após o cancelamento da apólice etc.
Embora no âmbito do Poder Judiciário, os seguradores insistam na aplicação
da teoria do reembolso, a doutrina e a jurisprudência indicam para outra direção.
Tal fato se em razão de que, caso fosse adotada com pureza a “teoria do
reembolso”, no âmbito judicial, teríamos o seguinte panorama em uma ação
promovida pela vítima em face do segurado e em que este denunciasse a lide ao
segurador: se o segurado não efetuasse o pagamento da indenização à vítima, o
segurador não seria obrigado a reembolsar o segurado do quanto por ele
despendido nos limites da apólice, pois a sentença, ao julgar a denunciação, apenas
criou um título executivo para o segurado acionar o segurador após o pagamento
feito à vítima.
E, com isso, em que pese a existência de um seguro de responsabilidade
civil, a vítima acabaria completamente desamparada e haveria, por assim dizer, um
“enriquecimento sem causa” por parte do segurador, pois, mesmo após o
reconhecimento da responsabilidade do segurado, não haveria o pagamento da
indenização.
Tais situações que vão de encontro a princípios constitucionais, em especial o
da solidariedade social e o da justiça, acabaram por impulsionar um novo
entendimento acerca do seguro de responsabilidade civil, atribuindo-lhe, além da
função de garantia ao patrimônio do segurado contra eventuais atos lesivos por ele
praticados, uma finalidade mais ampla, de cunho social, em prol das vítimas.
imediato, a indenização diretamente ao terceiro prejudicado.” (MARENSI, Voltaire Giavarina. O
seguro de responsabilidade civil. Cadernos de Seguro coletânea 1981-2001. Rio de Janeiro:
Funenseg, 2001. p. 44)
167
Nesse contexto, vários posicionamentos doutrinários foram firmados.
Uns passaram a entender pela possibilidade de ajuizamento direto do
segurador, por parte da vítima, sem a necessidade de o segurado integrar o pólo
passivo, tal como defendem Ernesto Tzirulnik e Ayrton Pimentel, que o fazem com
fundamento em uma leitura sistemática do artigo 787 do Código Civil.
Estes sustentam que, nos termos do quanto disposto no caput do artigo 787
411
do Código Civil, a garantia prestada pelo segurador, nos seguros de
responsabilidade civil, é a de eliminação dos efeitos patrimoniais da imputação de
responsabilidade civil ao segurado e, dessa forma, uma vez verificada a dívida, o
segurador fará o pagamento diretamente ao terceiro
412
.
Argumentam, ainda, que o parágrafo 4º, do artigo 787 do digo Civil
413
,
somente pode ser interpretado no sentido de que, até o limite fixado na apólice, a
responsabilidade é originariamente do segurador e, somente será do segurado, na
hipótese de aquele (segurador) ser insolvente.
Afirmam que esse é o único entendimento possível diante da crucial
importância que se adquiriu, ao longo dos anos, os interesses das vítimas, além do
que essa é a melhor garantia que pode ser prestada ao patrimônio do segurado,
que não se necessário qualquer decréscimo patrimonial, até o limite pactuado na
apólice
414
.
Por fim, alegam que o fato de o parágrafo único do artigo 787 prever que
intentada a ação em face do segurado, este dará ciência da lide ao segurador,
somente demonstra que, na hipótese de a ação ser ajuizada exclusivamente em
face do segurado, deverá o segurador integrar a lide, cabendo ao segurado
411
“Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos
devidos pelo segurado a terceiro.”
412
In: TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002. p. 147.
413
“Art. 787. [...] § Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for
insolvente.”
414
In: TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro – novo Código Civil brasileiro. São Paulo: EMTS, 2002, p. 148.
168
promover tal integração.
Aliás, em artigo publicado em setembro de 1942, da autoria de J. G. de
Andrade Figueira, na Revista dos Tribunais, sustentava o referido autor que, em
que pese a inexistência de dispositivo legal permitindo a ação direta, a tese do
reembolso não se sustenta mais, sendo necessário que o legislador disponha
expressamente acerca do assunto, “não deixando de outorgar à vítima a ação direta
contra a seguradora”
415
.
Outros afirmam que o segurado deve ser demandado em conjunto com o
segurador e, uma vez este integrando a lide, pode efetuar o pagamento direto à
vítima nos termos do quanto pactuado no contrato.
Esse é o posicionamento sustentado por Pedro Alvim
416
. Ele defende a
possibilidade de se estabelecer um litisconsórcio passivo entre segurado e
segurador, estando aquele vinculado à vítima em razão de ser o agente do ato ilícito
e este vinculado em virtude de ser o garantidor da indenização, até o limite da
cobertura da apólice.
Afirma o doutrinador citado que esse é o entendimento a ser extraído do
caput do artigo 787 que dispõe que, “no seguro de responsabilidade civil, o
segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a
terceiro”. Além disto, argumenta que, com a possibilidade de acionamento em
conjunto do segurado e do segurador, uma satisfação dos interesses dos
litigantes, atende-se ao princípio da economia processual e na presteza na solução
do conflito pela Justiça, realizando-se por fim também a função social dessa espécie
de seguro, que se reveste de características próprias que o distingue das demais
modalidades
417
.
quem defenda, ainda, que a vítima deve ajuizar a ação em face do
segurado e este denunciar a lide ao segurador e, na fase de execução, o pagamento
415
A ação direta da vítima contra a companhia seguradora de responsabilidade civil. Revista dos
Tribunais, ano XXXI, set. 1942, p. 440.
416
O seguro e o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 144.
417
Ibidem, p. 143/144.
169
poderá ser feito diretamente pelo segurador à vítima.
Resiste, ainda, uma corrente minoritária que defende a aplicação da “teoria do
reembolso”, tal como o fazem Antonio Lindbergh C. Montenegro
418
e Antonio
Penteado Mendonça:
A lei veda ao terceiro, vítima de dano causado por culpa do titular de
uma apólice de seguro, processar diretamente a seguradora, nos
casos de seguros facultativos. De acordo com o artigo 788 do
Código Civil, o pagamento da indenização pode ser feito pela
seguradora diretamente ao terceiro nos casos de seguros de
responsabilidade obrigatórios. [...] A seguradora ingressa no
processo se for denunciada pelo seu segurado ou se pedir para
integrar a lide. [...] Para reforçar a tese, vale ainda lembrar que os
seguros facultativos de responsabilidade civil de veículos são
expressamente seguros de reembolso do segurado. Consta da
apólice, no objeto do seguro, que a seguradora reembolsa o
segurado, nos termos do contrato, das despesas suportadas em
função do pagamento de prejuízos causados a terceiros, decorrentes
de riscos cobertos, por culpa do segurado
419
.
De outra banda, quem proponha que haja uma alteração legislativa, tal
como o faz o Ministro Athos Gusmão Carneiro
420
. Sua proposta é de que seja
inserida uma nova hipótese de chamamento ao processo, incluindo-se no artigo 77,
do Código de Processo Civil, um inciso IV, prevendo o “chamamento ao processo da
seguradora na ação por responsabilidade civil proposta contra o segurado”.
Nesta situação, afirma o aludido Ministro que atima ajuizaria a ação contra
o causador do dano (segurado) e este chamaria ao processo o segurador.
Inicialmente não haveria uma ação direta, passando a ter no momento em que o
segurador integrasse a lide e virasse litisconsorte passivo. Seria uma maneira,
segundo o Ministro, indireta de reconhecer a existência da pretensão da vítima
contra o segurador no plano do direito material
421
.
418
Nesse sentido: “Na verdade, a cobertura do seguro diz respeito ao desfalque patrimonial que venha
a ser suportado pelo segurado, por força da soma que pagou à vítima do dano. Cuida-se, a rigor, de
um seguro de reembolso, para cobrir aquele passivo apresentado no patrimônio.” (MONTENEGRO,
Antonio Lindbergh C. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996. p. 475)
419
MENDONÇA, Antonio Penteado. Considerações práticas sobre o seguro de responsabilidade civil
facultativo de veículos. Revista do Advogado, São Paulo, n. 96, ano XXVIII, p. 9, mar. 2008.
420
Seguros: uma questão atual. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 93.
421
Ibidem, p. 93.
170
A celeuma criada no âmbito jurisprudencial também não é de menor relevo. A
controvérsia atinge não os Tribunais Estaduais, como também o Superior
Tribunal de Justiça.
Verifica-se nos Tribunais Estaduais uma corrente minoritária, a qual não é
compartilhada pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não é possível o
pagamento direto pelo segurador à vítima, nem mesmo em sede de execução de
sentença, sob o fundamento de que “só é possível o pagamento da indenização
diretamente ao terceiro prejudicado nos seguros obrigatórios. [...] Não sendo esta a
hipótese, o segurador apenas garante o pagamento da indenização devida pelo
segurado (art. 787, NCC).”
422
Uma outra corrente jurisprudencial defende a possibilidade da vítima ajuizar
ação em face do segurado e do segurador em conjunto. Nesta hipótese, permitir-se-
ia ao segurado provar, eventualmente, a ausência de sua culpabilidade pelo
ocorrido, sem que lhe fosse cerceado o direito de defesa e obstado a sua
participação no contraditório em uma demanda em que se discute a sua
responsabilidade civil. Por outro lado, possibilitaria alcançar economia e celeridade
processual, pois o segurador arcaria com a indenização diretamente à vítima, até o
limite fixado na apólice, e o segurado arcaria com eventual valor que ultrapassasse a
soma segurada.
Nesse sentido é o entendimento sustentado por alguns Ministros do Superior
Tribunal de Justiça:
Diversamente do DPVAT, o seguro voluntário é contratado em favor
do segurado, não de terceiro, de sorte que sem a sua presença
concomitante no pólo passivo da lide não se afirma possível a
demanda intentada diretamente pela vítima contra a seguradora.
422
Julgado emanado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n. 2007.001.05267,
Relator Desembargador Paulo Mauricio Pereira, julgado em 20 mar. 2007. No mesmo sentido é o
julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: O seguro de responsabilidade civil
não é, efetivamente, estipulação em favor de terceiro, mas em favor do segurado que, por força do
contrato poderá exigir da seguradora a recomposição das perdas decorrentes de eventual obrigação
de indenizar as vítimas, em relação as quais seja reconhecida a sua responsabilidade civil. Obriga-se
a seguradora, por força do contrato, a indenizar o segurado e não a vítima. [...] O contrato de seguro
faz nascer em favor do segurado um direito subjetivo de exigir as obrigações dele decorrentes que só
ele está legitimado a exigir.” (Apelação n. 1110252-0/6, Relator Desembargador Pedro Baccarat,
julgado em 25 out. 2007)
171
A condenação da seguradora somente surgirá se comprovado que o
segurado agiu com culpa ou dolo no acidente, daí a necessidade de
integração do contratante, sob pena, inclusive, de cerceamento de
defesa
423
.
um terceiro posicionamento, do qual alguns Ministros do Superior Tribunal
de Justiça compartilham, que consiste em afirmar que o seguro de responsabilidade
civil facultativo, por tratar-se de uma estipulação em favor de terceiro, permite que a
vítima acione diretamente e exclusivamente o segurador, pois tal instituto estabelece
uma exceção ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais, permitindo que o
contrato atinja quem dele não fez parte originariamente:
As relações oriundas de um contrato de seguro não se encerram
entre as partes contratantes, podendo atingir terceiro beneficiário,
como ocorre com os seguros de vida ou de acidentes pessoais,
exemplos clássicos apontados pela doutrina.
Nas estipulações em favor de terceiro, este pode ser pessoa futura e
indeterminada, bastando que seja determinável, como no caso do
seguro, em que se identifica o beneficiário no momento do sinistro.
O terceiro beneficiário, ainda que não tenha feito parte do contrato,
tem legitimidade para ajuizar ação direta contra a seguradora, para
cobrar a indenização contratual prevista em seu favor
424
.
também outros argumentos utilizados por aqueles que sustentam a
possibilidade da ação direta, embora não compactuem da alegação de que se trata
o seguro de responsabilidade civil de estipulação em favor de terceiro, por
entenderem que o seguro é feito para garantir o patrimônio do segurado e o para
proteger a vítima.
Justificam a possibilidade de ação direta, pois, entender o contrário, seria
propiciar enriquecimento sem causa ao segurador, uma vez configurada a
responsabilidade do segurado, e permitir que os danos ficassem injustamente sem
reparação, caso o segurado seja insolvente
425
.
423
Recurso Especial n. 256.424, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior (para o Acórdão e não o
designado originariamente), julgado em 29 nov. 2005. Ressalte-se que, neste caso, o Relator Ministro
Fernando Gonçalves foi vencido, pois o seu entendimento era no sentido de que pode ser ajuizada a
ação pela vítima exclusivamente em face da seguradora, sem a necessidade do segurado figurar
também no pólo passivo.
424
Recurso Especial n. 401.718, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 3 set.
2002.
425
Recurso Especial n. 228.840, julgado em 4 set. 2000. Segue o voto-vista do Ministro Eduardo
Ribeiro: “A tese de que se trataria de estipulação em favor de terceiro pode-se dizer superada, pois
evidentemente artificiosa. O contrato de seguro não é feito para beneficiar atima, mas para garantir
o patrimônio do próprio segurado, caso tenha ele que responder por dano causado a terceiro. [...] Não
172
Uma outra corrente defende ainda que, nas ações em que o segurador figure
como denunciado à lide, embora na decisão haja a previsão de que ele deverá
reembolsar o segurado do quanto por ele pago ao terceiro, na hipótese de a
execução contra o segurado restar prejudicada, poder-se-á exigir que o segurador
efetue o pagamento diretamente à vítima
426
.
Aliás, esse posicionamento é assumido pelo Superior Tribunal de Justiça de
forma dominante alguns anos, em razão da prevalência do interesse público na
integral reparação dos danos e na efetividade da garantia prestada pelo segurador,
que nada perde com isso, haja vista que, com o reconhecimento da
responsabilidade do segurado, passa a indenização a ser devida
427
. Essa tendência
obstante a ausência de texto legal explícito que permita afirmar a viabilidade da ação direta, ganha
força a corrente que admite exija a vítima, da seguradora, o pagamento da indenização, embora com
ela não haja contratado. forte tendência a não permitir que os danos injustamente sofridos fiquem
sem reparação. E, no caso, cumpre reconhecer, se o causador do dano for insolvente e a seguradora
se recusar a pagar diretamente à vítima, a conseqüência será ficar essa última sem ressarcimento,
enriquecendo-se a seguradora que, a final, haveria realmente de arcar com o pagamento. [...] Cumpre
reconhecer que essa é a melhor solução e que se encontra coerente com os princípios que informam
o ordenamento, embora não se possa apontar específico texto legal que diretamente a ampare. A
jurisprudência, entretanto, tem papel criador, desde que exercido com a necessária prudência.”
426
Segue fundamentação constante no Recurso Especial n. 251.053, da lavra do Ministro Relator Ruy
Rosado de Aguiar, proferido em 20 jun. 2002: A situação jurídica que se estabelece entre o lesado
por ato ilícito, vencedor na ação de reparação de dano promovida contra o responsável, e a
seguradora deste cria, na maioria das vezes, certa perplexidade. A procedência da denunciação da
lide pelo réu à sua seguradora resulta no reconhecimento da obrigação securitária e da obrigação de
a companhia efetuar o ressarcimento do que vier a ser pago pelo réu, no limite do contrato de seguro.
Ocorre que o réu muitas vezes não tem recursos para cumprir com a obrigação imposta na sentença,
embora tenha a proteção de um contrato de seguro, mas essa execução ficaria na dependência de
prévio pagamento, pela segurada, da importância deferida na sentença. [...] No caso dos autos,
porém, a sentença definiu a seguradora como denunciada à lide. Ainda nesta situação, admite-se a
execução direta contra a seguradora, quando demonstrada a impossibilidade de ser satisfeita a
obrigação pela ré-segurada.”
427
Nesse sentido o Recurso Especial n. 97.590, da lavra do Ministro Relator Ruy Rosado de Aguiar,
cujo julgamento deu-se em 15 out. 1996: “A execução dessa sentença, diretamente contra a
seguradora, estaria permitida pela extinção de fato da sociedade comercial que figurou como na
ação de indenização, contratante do seguro com a companhia ora recorrente. Esse fato
superveniente põe em contraste dois interesses: o do lesado, de obter a reparação dos danos
sofridos, se não do autor do dano, pelo menos daquele que assumira a obrigação contratual de dar
cobertura a tal situação; de outro, o da companhia seguradora, de somente pagar depois de cumprida
a sentença contra seu segurado, uma vez que no processo apenas figura como denunciada à lide.
Pondero o interesse público que existe na integral reparação dos danos e na efetividade da garantia
prestada pelo segurador, para dar prevalência ao primeiro dos interesses acima expostos. A
impossibilidade de o credor obter o pagamento da indenização faz com que se transfira ao lesado o
direito de cobrar a indenização diretamente da seguradora. [...] A companhia nada perde com isso,
pois recebeu o prêmio e vai desembolsar o quantum previsto para o caso de sinistro, não parecendo
justo que ela se desonere por um fato superveniente, alheio à vontade das partes, deixando de pagar
a indenização, em prejuízo do credor, que não recebe a reparação por um dano que estava previsto
no contrato de seguro.”
173
também é verificada nos Tribunais Estaduais, ao apreciar a matéria
428
.
Dentre todas as correntes existentes acerca desse tão áspero assunto,
perfilhamos do entendimento no sentido de ser possível o ajuizamento de ação
direta em face do segurador, desde que o segurado também esteja presente no pólo
passivo. Ou seja, adotamos a possibilidade da ação direta “impura”, “imprópria” ou
lato sensu
429
, como comumente denominada pela doutrina.
Esta solução, a nosso sentir, é a que propicia a maior efetividade e celeridade
no escopo de tornar a vítima indene, sem desatender aos princípios constitucionais
sagrados da ampla defesa e do contraditório.
Faz-se necessária a presença do segurado na lide, pois a obrigação do
segurador de efetuar o pagamento da indenização somente terá nascimento a partir
do momento em que se reconhecer a responsabilidade civil do segurado. Sendo
assim, impossibilitar ao segurado que realize a sua defesa, no sentido de não ser
responsável pelo evento ocorrido, afrontaria a Constituição Federal, na medida em
que haveria a subtração de sua ampla defesa e da garantia ao princípio do
contraditório.
Algumas situações são de tamanha complexidade e tecnicidade que tornaria
difícil, para não se dizer impossível, que o segurador conseguisse realizar a defesa
do segurado sem a sua presença na lide. Portanto, a sua intervenção é
imprescindível para a correta elucidação acerca de sua conduta e apuração de sua
eventual responsabilidade.
428
Segue julgado, oriundo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que acompanha esse
posicionamento: “Possibilidade de execução direta contra a seguradora. A sentença que reconhece a
responsabilidade da seguradora litisdenunciada (ainda que apenas ao ressarcimento do denunciante)
possui plenitude eficacial suficiente para permitir a sua persecução direta no processo executivo para
satisfação do crédito indenizatório. A jurisprudência recentemente consolidada nesta Câmara
reconhece, inclusive, a possibilidade de a seguradora ser diretamente condenada na sentença ao
pagamento da indenização reconhecida como devida pelo denunciante. Entendimento em
homenagem à celeridade e efetividade da prestação jurisprudencial. Jurisprudência do STJ. Recurso
provido para reconhecer a legitimidade da seguradora para figurar no pólo passivo da ação executiva
e determinar o prosseguimento do feito.” (Apelação n. 70020635652, Relator Desembargador Dálvio
Leite Dias Teixeira, julgado em 6 dez. /2007)
429
A ação direta “pura” ou própria” ou ainda denominada de stricto sensu seria aquela que confere à
vítima o direito de ajuizar a demanda diretamente em face da seguradora, sem a necessidade de que
o segurado integre o pólo passivo.
174
E, além do aspecto supra, faz-se necessária a presença do segurado na lide,
pois o reconhecimento da responsabilidade do segurado repercutirá no contrato de
seguro firmado por ele, em especial na fixação do valor do prêmio, em eventual
renovação da apólice, em razão da perda de bonificação pela ocorrência de sinistro.
Por outro lado, na hipótese de o segurado não estar presente na lide, estaria
o segurador impedido de suscitar objeções ao pagamento da indenização, tais como
a ausência de pagamento do prêmio, sinistro ocorrido fora de vigência da apólice
etc. E, com a presença do segurado, tanto o segurador pode argüir as causas
impeditivas ao pagamento da indenização, como o segurado pode defender-se de
tais alegações.
Ademais, se o segurado não integrasse a lide, ficaria o segurador prejudicado
em realizar a defesa do segurado no sentido de que não foi o causador do dano, o
que geraria, por sua vez, uma limitação à defesa do segurador, também em afronta
ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
Essa também é a posição defendida por Juliana Cordeiro de Faria
430
,
ressaltando que nos seguros obrigatórios se concedeu à vítima a ação direta em seu
sentido estrito, sem a necessidade de participação do segurado na relação jurídica
processual. Por outro lado, nos seguros de responsabilidade civil admite-se a
possibilidade de acionamento do segurador, juntamente com o segurado no pólo
passivo, sob a seguinte argumentação:
Ora, a seguradora, se demandada direta e
exclusivamente no seguro facultativo, à vista de ser uma
garantia pessoal de dívida futura e incerta, não poderia
ser condenada por uma suposta responsabilidade do
segurado que, ainda, não tivesse sido reconhecida em
juízo. Enquanto não definida a responsabilidade do
segurado, este nada deve. Não prestação a adimplir,
pelo que nada pode ser exigido da seguradora a título de
garantia.
[...]
A sujeição da seguradora e a exigibilidade do pagamento
não podem se dar sem que antes tenha havido a
430
O Código Civil de 2002 e novo paradigma do contrato de seguro de responsabilidade civil: a
viabilidade do direito de ação da vítima contra a seguradora. In: ALVIM, Angélica Arruda; CAMBLER,
Everaldo Augusto (Coord.). Atualidades de direito civil. Curitiba: Juruá, 2006. v. 1, p. 158.
175
definição do an e do quantum debeatur (o que é devido
pelo segurado à vítima) mesmo porque sua
responsabilidade solidária se até o limite da apólice.
Logo, se deseja a vítima obter uma sentença
condenatória em face da seguradora, não poderá exercer
contra ela sua pretensão sem que inclua, no pólo
passivo, também o segurado. Haverá um litisconsorte
necessário, porém não unitário
431
.
De outra banda, em se encontrando segurador e segurado no pólo passivo,
permite-se que em uma mesma demanda se analise a responsabilidade do
segurado pelo fato lesivo, bem como a responsabilidade assumida pelo segurador
no contrato de seguro de responsabilidade pactuado.
E, por conseguinte, julgada procedente a demanda, pagará o segurador
diretamente à vítima a indenização, nos termos e limites fixados na apólice,
respondendo o segurado pelo restante, caso o montante da indenização seja
superior à responsabilidade estabelecida no contrato. Com isso, haverá economia e
celeridade processual, garantindo-se também que haja uma efetiva reparação aos
danos causados.
Donaldo Armelin entende que poderia o legislador, a fim de evitar toda essa
controvérsia, ter estipulado expressamente que o segurador poderia ser demandado
diretamente pela tima juntamente com o segurado. Contudo, embora assim não
tenha procedido, é possível chegar a essa conclusão mediante uma interpretação
construtiva, impondo-se a citação do segurado e da seguradora em litisconsorte
necessário
432
.
E conclui a sua explanação afirmando que:
Se a ação direta é um ideal a ser atingido, não haverá porque não se
tentar alcançá-lo mediante a interpretação dos textos do novo Código
Civil em lugar de se aguardar nova alteração legislativa. A esse
resultado é possível chegar-se intercambiando os dispositivos dos
arts. 787 e 788 desse Código, a teor de se outorgar ao seguro
facultativo maior harmonia com os fins sociais a que se destina
433
.
431
Ibidem, p. 158/159.
432
A ação direta da tima contra a seguradora de responsabilidade civil: fundamentos e regime das
exceções. Anais do III Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. São Paulo: EMTS, 2003. p.
181.
433
Ibidem, p. 186/187.
176
Por outro lado, não se trata, a nosso ver, de estipulação em favor de terceiro
como sustentam alguns, pois entendemos que, não obstante a finalidade do contrato
seja também a reparação de danos causados ao terceiro, possuindo essa espécie
de avença uma finalidade social, não como ignorar que o objeto do contrato é a
proteção do patrimônio do segurado pelo dano que este vier a causar a terceiro.
No seguro de responsabilidade civil, assim como nas demais espécies de
contrato, o segurado contrata para que o segurador preste garantia às
conseqüências econômicas do risco ao qual está sujeito. Neste caso específico, a
contratação se em razão de pretender resguardar-se de conseqüências
patrimoniais que possa vir a sofrer em razão de ter causado dano a alguém.
Contudo, embora não seja uma estipulação em favor de terceiro e inexista
vínculo contratual entre o segurador e a vítima, que o contrato de seguro foi
firmado entre aquele e o segurado, o posicionamento que defendemos, no sentido
de ajuizamento da ação em face do segurado e do segurador simultaneamente,
privilegia a função social dessa espécie de contrato.
Não se olvida que o princípio da relatividade dos efeitos contratuais, no
sentido de que o vínculo contratual não beneficia e nem prejudica terceiros (res inter
alios acta, nec prodest, nec nocet), seja um dos princípios contratuais clássicos,
juntamente com o princípio da força obrigatória dos contratos pacta sunt servanda
– e o da autonomia da vontade.
Quanto a esse princípio, assim esclarece o italiano C. Massimo Bianca:
Il contratto ha forza di legge tra le parti. Esso non produce effetto
rispetto ai terzi che nei casi previsti dalla lege (1372 cc). In questa
regola si esprime el principio della relatività del contratto. [...] Il
principio secondo Il quale il contratto non produce effetto rispetto ai
terzi, salvi i casi previsti dalla legge, risponde appunto all’idea del
contratto como espressione di autonomia privata, e quindi di liberta in
contrappozione all’idea di autorità
434
.
Entretanto, ao direito contratual atual foram agregados outros princípios, quais
434
Diritto civile – il contratto. Milano: Dott A. Giuffrè, 1987. v. III, p. 534/535.
177
sejam, o da função social do contrato, o da boa-fé objetiva e o do equilíbrio
contratual, hoje positivados no Código Civil (arts. 421 e 422).
O princípio da função social dos contratos, como sustentado em Acórdão
oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, “acarreta uma
flexibilização da relatividade dos contratos”, de forma que “um contrato celebrado
entre duas partes pode ensejar que terceiros, que não intervieram no contrato,
possam exigir prestações derivadas daqueles contratos”
435
.
E, com base nessa premissa, seguiu-se a fundamentação de tal acórdão, cujo
entendimento compartilhamos:
Não dúvida de que, quanto à sua estrutura, o contrato de seguro
vincula as partes contratantes. Mas indiretamente o contrato
beneficia também os terceiros prejudicados em um acidente, pois
aumenta a possibilidade de verem seus danos ressarcidos. Numa
economia moderna, em que se buscam reduzir os custos
transacionais, não é mais razoável exigir-se que primeiro o
prejudicado aja contra o direto causador do dano, o qual ressarce os
danos por ele causados (responsabilidade extracontratual) e
então age regressivamente contra a seguradora (responsabilidade
contratual), para cobrar os valores pagos. Se a seguradora não
dispõe de argumentos que afastem sua responsabilidade contratual
em relação aos danos ocorridos, e sendo inconteste que estes
decorreram de culpa do segurado, que assim reconhece, é razoável
a manutenção desta no pólo passivo, permitindo-se que em uma
demanda o problema seja resolvido, condenando-se diretamente a
seguradora a indenizar os danos sofridos, dentro dos limites da
apólice. Trata-se de uma eficácia mínima do princípio da função
social do contrato
436
.
Por meio da aplicação do princípio da função social do contrato, a avença
deve ser interpretada, como sugere Arnold Wald, em atendimento aos interesses
superiores da sociedade
437
.
A idéia de o seguro de responsabilidade civil ser um seguro de reembolso
vem muito abalizada ainda em função do que preceituava o Código Civil de 1916.
435
Apelação n. 71000912709, Relator Desembargador Eugênio Facchini Neto, julgado em 29 ago.
2006.
436
Idem, ibidem.
437
A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil. In: ALVIM, Arruda (Coord.).
Aspectos controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: RT, 2003. p. 72.
178
Isto porque, no aludido diploma legal, não havia nenhum dispositivo expresso
acerca dos seguros de responsabilidade civil, de modo que a ele eram aplicadas as
regras atinentes aos seguros de danos, por ser espécie desse gênero. E tendo os
seguros de danos natureza eminentemente indenizatória, entendia-se que a
obrigação do segurador era efetuar a indenização ao segurado por aquilo que ele
havia pago ao terceiro, o que explica a inserção pelos seguradores da cláusula de
reembolso nos contratos
438
.
Dessa forma, “transportada a concepção para o seguro facultativo de
responsabilidade civil, em que consistiria o dano a ser indenizado pela seguradora?
O dano seria o valor que o segurado desembolsou para reparar os prejuízos
causados à vítima.”
439
Essa visão foi superada com o advento do atual Código Civil, no qual
previsão expressa do seguro de responsabilidade civil.
Contudo, mesmo assim, poder-se-ia argumentar, de forma desfavorável à
possibilidade de demandar segurado e segurador simultaneamente, no sentido de
que a “ação direta” somente foi prevista no caput do artigo 788 do digo Civil
quando a norma versa acerca dos seguros de responsabilidade civil obrigatórios
440
,
optando o legislador a dar um tratamento diferenciado aos seguros obrigatórios
quando comparados aos facultativos.
Entretanto, a interpretação sistemática do Código Civil não leva a essa
conclusão. O que fez o legislador foi tratar o seguro de responsabilidade civil
facultativo e obrigatório em dispositivos separados, normatizando o primeiro no
artigo 787 e o segundo no artigo 788, prevendo, com relação a este último,
expressamente a possibilidade de ação direta e também a possibilidade de opor
438
FARIA, Juliana Cordeiro. O Código Civil de 2002 e novo paradigma do contrato de seguro de
responsabilidade civil: a viabilidade do direito de ação da vítima contra a seguradora. In: ALVIM,
Angélica Arruda; CAMBLER, Everaldo Augusto (Coord.). Atualidades de direito civil. Curitiba:
Juruá, 2006. v. 1, p. 140/141/142.
439
Ibidem, p. 141.
440
“Art. 788. Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro se
paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado. Parágrafo único. Demandado em ação
direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo
segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório.”
179
exceções à vítima desde que o segurado integre a demanda.
Justifica-se o comando expresso no artigo 788 do Código Civil em razão de
que, nos seguros de responsabilidade civil obrigatórios, apenas um interesse a
tutelar, qual seja, o interesse das vítimas, pelo fato de serem maiores e mais
recorrentes os riscos derivados de determinadas atividades, impondo a lei a
contratação obrigatória, em prol da sociedade que pretende ver-se acautelada
desses riscos.
Por outro lado, nos seguros de responsabilidade civil facultativos, dois são os
interesses relevantes: o do segurado e o dos terceiros lesados. Ou seja, ele possui
uma função social além de prestar uma garantia ao patrimônio do segurado.
Pondera, a esse respeito, Donaldo Armelin
441
, que nem sempre o legislador
prima pela pureza sistemática, razão pela qual o fato de não haver menção, no
artigo 787 do Código Civil, acerca da possibilidade de ajuizamento da ação direta
pela vítima em face do segurador não pode servir de óbice a tal possibilidade.
Com supedâneo nesta premissa, argumenta que se deve fazer uma
interpretação sistemática não das normas atinentes ao seguro de
responsabilidade civil, mas também acerca de todo o contrato de seguro. E, desse
contexto, “se infere que este se direciona a beneficiar mais a vítima do que o
segurado porque é ela quem suporta diretamente as conseqüências do sinistro”
442
.
Arremata, ainda, afirmando que “além do mais se deve considerar que o seguro,
como contrato, deve ser interpretado mediante uma ótica que prestigie a sua função
social”
443
.
Por fim, discordamos do entendimento de que se poderia inserir mais uma
hipótese de chamamento ao processo no Código de Processo Civil, permitindo-se
que o segurador fosse chamado à lide pelo segurado. Isso porque, nas situações de
chamamento ao processo, pressupõe-se que aqueles que integram o pólo passivo
441
A ação direta da tima contra a seguradora de responsabilidade civil: fundamentos e regime das
exceções. Anais do III Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. São Paulo: EMTS, 2003. p.
178/179.
442
Ibidem, p.179.
443
Idem, ibidem.
180
tenham uma obrigação solidária, o que não se verifica na hipótese ora tratada.
O segurador responde até o limite da apólice, em razão do vínculo
contratual firmado entre ele e o segurado, ao passo que este, por ser o causador do
ilícito, responde pela totalidade dos danos causados à vítima, em razão de sua
responsabilidade extracontratual pelo ocorrido.
Em suma, entendemos que não deve mais haver uma hermenêutica literal
dos dispositivos do Código Civil, mas sim uma interpretação adequada à evolução
em que atua a responsabilidade civil, em consonância com a ordem social, do
mesmo modo como sustentava Josserand quando propôs a ampliação dos
fundamentos da responsabilidade civil, para englobar também a responsabilidade
dissociada de seu elemento subjetivo.
Grandes foram os avanços obtidos pelo seguro de responsabilidade civil que,
depois de ter ultrapassado obstáculos como os que o consideravam ilícito por
prestar cobertura a atos lesivos praticados pelo segurado, se deve agora ultrapassar
a barreira colocada pela “teoria do reembolso”, em consonância com a atual
concepção do instituto de responsabilidade civil, cujo escopo é a efetiva
ressarcibilidade dos danos.
É evidente que a busca por esse ideal não pode fazer letra morta do quanto
pactuado entre segurado e segurador, razão pela qual o quanto estabelecido no
contrato, em termos de exclusões e limites contratuais, deve ser observado e
respeitado
444
.
Contudo, o pagamento direto do segurador à vítima não descaracteriza o
contrato, muito pelo contrário, melhor atinge não a finalidade de tornar indene a
444
“De acordo com a lei, aquele que causa dano a terceiro é obrigado a repará-lo. E a reparação deve
ser a mais exata possível, sendo por isso ampla e irrestrita. Assim, a responsabilidade do causador
do dano é uma responsabilidade abrangente, devendo contemplar todos os tipos de prejuízos
suportados pela sua vítima. a responsabilidade da seguradora é uma responsabilidade contratual,
portanto, eventualmente mais restrita do que a de seu segurado, na medida em que o contrato pode
limitar a abrangência das coberturas, tanto em relação aos riscos, quanto às verbas seguradas. A
seguradora não responde perante o terceiro pelo dano integral causado a ele pelo seu segurado.”
(Considerações práticas sobre o seguro de responsabilidade civil facultativo de veículos. Revista do
Advogado, São Paulo, n. 96, ano XXVIII, mar. 2008, p. 9)
181
vítima, como também a de prestar garantia ao patrimônio do segurado contra atos
lesivos por ele praticados, pois sequer será necessário haver o desfalque de seu
patrimônio para depois ser reembolsado.
Evidencia-se, portanto, que “sociedade muda e com ela deve mudar o direito,
porque não se pode pretender impor a determinada sociedade um direito lastreado
em valores que nela já não mais existam”
445
.
de ser dito, por fim, que existe o Projeto de Lei n. 3.555/04, que dispõe
sobre o contrato de seguro, revogando as disposições constantes do atual Código
Civil, em trâmite no Congresso Nacional.
Referido projeto trata especificamente do seguro de responsabilidade civil,
dispondo, em seu artigo 110, parágrafo 1º, na mesma linha da legislação francesa,
que “os prejudicados são os únicos credores da indenização devida pela
seguradora”, de modo que as timas poderão exercer o seu direito somente em
face do segurador, facultando-lhe a possibilidade de citar o segurado como
litisconsorte
446
.
Consta, ainda, que deve ser “respeitado o limite garantido pelo contrato”,
devendo o segurado colaborar com a defesa do segurador fornecendo-lhe
documentos e comparecendo a atos processuais para os quais for intimado, sob
pena de responder pelos prejuízos que lhe causar (art. 10, §§ 1º e 4º). previsão
também de que “a seguradora pode opor aos prejudicados todas as defesas
fundadas no contrato que tiver para com o segurado ou o terceiro que fizer uso
legítimo do bem, desde que anteriores ao início do sinistro” (art. 111)
447
.
445
FARIA, Juliana Cordeiro. O Código Civil de 2002 e novo paradigma do contrato de seguro de
responsabilidade civil: a viabilidade do direito de ação da vítima contra a seguradora. In: ALVIM,
Angélica Arruda; CAMBLER, Everaldo Augusto (Coord.). Atualidades de direito civil. Curitiba:
Juruá, 2006. v. 1, p. 147.
446
“Art. 110. São credores da garantia o segurado e os prejudicados. § Os prejudicados são os
únicos credores da indenização devida pela seguradora, salvo o disposto no § deste artigo, e
poderão exercer seu direito de ação contra esta, respeitando o limite garantido pelo contrato, com a
faculdade de citar o responsável como litisconsorte.”
447
“Art. 10. [...] § 4ºO responsável garantido pelo seguro que não colaborar com a seguradora ou
praticar atos em detrimento desta, responderá pelos prejuízos que der causa. Cabe ao obrigado: I)
Informar prontamente a seguradora das comunicações recebidas que possam gerar uma reclamação
futura; II) Fornecer os documentos e outros elementos a que tiver acesso e que lhe forem solicitados
pela seguradora; III) Comparecer aos atos processuais para os quais for intimado; IV) Abster-se de
agir em detrimento dos direitos e pretensões da seguradora.”
182
8 A PRESCRIÇÃO NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
8.1 DA PRESCRIÇÃO
Em existindo um direito e sendo ele violado, surge para o seu titular a
pretensão, que deverá ser exercida em um determinado lapso temporal sob pena de
ser acobertada pelo decurso do prazo prescricional.
Como descreve Humberto Theodoro Júnior
448
:
[...] a violação de um direito subjetivo gera, para o respectivo titular, a
pretensão, que se define como o poder ou a faculdade de exigir de
alguém uma prestação (ação ou omissão). A pretensão sujeita-se a
um prazo legal de exercício, que findo sem que o credor a tenha feito
valer em juízo, provocará a prescrição
449
.
O instituto da prescrição revela justamente a “dinâmica existente entre o
exercício do direito e o transcurso do tempo”
450
, sendo a prescrição a “extinção da
pretensão de ver reparado um direito, pela inércia durante um determinado tempo”
451
.
O instituto da prescrição possui como fundamento a paz social, a segurança
da ordem jurídica, o interesse público no sentido de afastar as incertezas em torno
da existência e eficácia dos direitos. Em outras palavras, busca-se diminuir as
448
Após a conceituação de prescrição, Humberto Theodoro Júnior salienta que: “A prescrição, porém,
não extingue o direito subjetivo material da parte credora. Cria apenas para o devedor uma exceção
que, se for usada no processo de realização da pretensão do credor, acarretará a inibição desta. Se
não exercitada a exceção, o direito do credor será tutelado normalmente em juízo, sem embargo de
consumada a prescrição. E mesmo depois de a exceção ter sido acolhida, se o devedor efetuar o
pagamento da prestação devida, ou renunciar aos efeitos da prescrição operada, tudo se passará
como se o direito do credor jamais tivesse sido afetado pelo efeito prescricional. O efeito da
prescrição, dessa maneira, é uma exceção que, quando exercida, neutraliza a pretensão, sem,
entretanto, extinguir propriamente o direito subjetivo material do credor.” (In: Sálvio de Figueiredo
Teixeira (Coord.). Comentários ao novo digo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. III, p.
161/162)
449
In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. v. III, p. 161.
450
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 348.
451
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Da prescrição e da decadência. In: LOTUFO, Renan; NANNI,
Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral do direito civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 805.
183
dúvidas geradas pela inércia de um credor por um longo lapso temporal, que seria
maléfico para a sociedade a litigiosidade perpétua das relações jurídicas.
Nas palavras de Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina
Bodin de Moraes, “a estabilidade das relações sociais e a segurança jurídica
compõem, portanto, o fundamento da prescrição, uma vez que o instituto visa a
impedir que o exercício de uma pretensão fique pendente de forma indefinida”
452
.
No tocante à finalidade da prescrição, Renan Lotufo
453
afirma que “em nome
da estabilidade e da segurança das relações sociais é que o exercício de um direito
não pode ficar pendente indefinitivamente, devendo ser exercido por seu titular em
certo lapso temporal”.
É em prol dessa segurança social almejada que os prazos prescricionais o
podem ser alterados pelas partes (art. 192 do Código Civil
454
) e nem mesmo pode
haver a renúncia da prescrição antes do prazo consumado (art. 191 do Código
Civil
455
).
8.2 A PRESCRIÇÃO E O CONTRATO DE SEGURO
No âmbito do direito securitário, o escopo da prescrição não poderia ser
diverso do quanto acima exposto, no sentido de extinguir pretensões jurídicas que
não são exercitadas dentro de um determinado período, em razão da inércia do
sujeito ativo.
Há, contudo, uma peculiaridade a mais.
452
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 354.
453
Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 518.
454
“Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.”
455
“Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou cita, e valerá, sendo feita, sem
prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de
fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”
184
Como demonstrado em tópicos anteriores, os seguradores são obrigados, a
partir da comunicação do sinistro, a constituir a reserva técnica, a qual é
denominada de “reserva técnica comprometida”. Tais provisões consistem em
recursos destinados a saldar os compromissos contratuais exigíveis em virtude de
sinistros reclamados, passando a ser constituídas nominalmente aos segurados,
com a individualização do valor da garantia, nos termos do artigo 86 do Decreto-Lei
n. 73/66
456
.
Em outras palavras,
tão-só pela apresentação do aviso do sinistro e mesmo antes da
plena convicção de que o fato traduz-se em um evento regularmente
garantido pelo contrato de seguro, ou sem ter exata ciência da
extensão total de sua obrigação, já se encontra o segurador obrigado
a destacar os recursos necessários para honrar a obrigação,
provisionando-os
457
.
Em razão disso, caso não existisse o efeito liberatório gerado pela prescrição,
ter-se-ia um indevido acúmulo de provisões técnicas decorrentes das obrigações
dos seguradores em efetuar o pagamento das indenizações.
Esse é um dos motivos pelos quais em todos os ordenamentos jurídicos o
prazo prescricional nas relações securitárias é bastante exíguo. Na lei argentina, “la
prescripción para las acciones fundadas en los contratos de seguro se fija en el
plazo de un año, que se computa a partir del momento en que la correspondiente
obligación es exigible (art. 58)”
458
. Na legislação italiana o prazo também é de um
ano “dal giorno in cui si è verificato il fatto sul quale il diritto si fonda”
459
. Na lei
francesa, “les actions dérivant d’un contrat d’assurance se prescrivent par deux ans
à compter de l’événement qui y donne naissance (art. L. 114-1, Code de
Assurances)”
460
.
456
Artigo 86 do Decreto-Lei n. 73/66: “Os Segurados e Beneficiários que sejam credores por
indenização ajustada ou por ajustar têm privilégio especial sobre reservas técnicas, fundos especiais
ou provisões garantidoras das operações de seguro, cabendo ao IRB o mesmo privilégio após o
pagamento aos Segurados e Beneficiários.”
457
PIMENTA. Melisa Cunha; FERNANDES, Marcus Frederico Botelho. A prescrição no direito
securitário. In: CIANCI, Mirna (Coord.). Prescrição no Código Civil – Uma análise
interdisciplinar. São Paulo: Saraiva. No prelo.
458
MEILIJ, Gustavo Raúl. Manual de seguros. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 104.
459
DONATI, Antigono; PUTZOLU, Giovanna Volpe. Manuale di diritto delle assicurazioni. Milão:
Giuffrè, 1995. p. 245.
460
GROUTEL, Hubert; BERR, Calude-J. Droit des assurances. 11. ed. Paris: Dalloz, 2008. p. 108.
185
Alie-se a isso o fato de que um lapso temporal mais extenso traria
dificuldades no que tange a possível perda de provas durante a regulação do
sinistro, gerando dificuldades para se reconstituir o fato ocorrido.
Tornar-se-ia praticamente impossível realizar o cotejo entre o fato ocorrido e a
garantia prestada no contrato, objetivo da regulação do sinistro, a fim de se verificar
se o evento ocorrido possui ou não cobertura securitária.
Como salienta Pedro Alvim, prazos prescricionais longos poderiam permitir o
desaparecimento de vestígios dos sinistros, dando ensejo a fraudes ou dificuldades
para a regulação dos sinistros, bem como poderiam dar azo ao aumento dos custos
do seguro, pois seria necessária a manutenção de reservas técnicas
461
.
Considerando tal aspecto, o doutrinador belga Marcel Fontaine assevera que,
nos termos do artigo 34, parágrafo 1º, da Lei de 25 de junho de 1992, é estabelecido
o prazo de 3 (três) anos, um prazo relativamente breve, “afin d’éviter la disparition
des preuves et des moyens de vérification; d’autre part, pour l’assureur, une bonne
gestion technique s’accomode mal delais prolongés”
462
.
Quanto aos prazos prescricionais nas relações securitárias
463-464
, o Código
461
ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 508.
462
FONTAINE, Marcel. Droit des assurance. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 216.
463
Oportuno ressaltar que é entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência, inclusive no
Superior Tribunal de Justiça, que o prazo prescricional a ser aplicado nas relações oriundas de
contratos de seguro é o prazo ânuo previsto no Código Civil e não o prazo qüinqüenal estabelecido
no Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, muito interessante é a argumentação defendida
por Humberto Theodoro Júnior: “[...] a prescrição qüinqüenária do CDC subsiste para as ações de
responsabilidade civil oriundas de danos causados por fato do produto ou do serviço (CDC, art. 27).
Se se trata de exigir cumprimento de prestação contratual, para o qual o Código Civil tenha
estabelecido prazo específico, a prescrição será a nele prevista, e não a do digo de Defesa do
Consumidor. É o caso, por exemplo, do contrato de seguro, cujo lapso prescricional, tanto para a
pretensão do segurado, como a do segurador, é de um ano (art. 206, § 1º, II). Dessa maneira, o prazo
qüinqüenal, assinalado no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, se aplicará quando o
segurado pretender indenização de danos causados por fato do serviço, e não o simples
adimplemento do contrato. É o que passa, v.g., quando a seguradora se obriga a transportar o veículo
sinistrado para receber os reparos ou quando se dispõe ela mesma a providenciar o conserto, e ao
executar esses serviços, provoca dano ou destruição do bem sob seus cuidados. Para a reparação
desse prejuízo acarretado pelo defeito do serviço, é que se haverá de recorrer ao prazo prescricional
do art. 27 do CDC.” (In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Comentários ao novo Código Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. III, p. 299)
464
Interessante salientar também que o prazo prescricional ânuo é aplicado nas ações que envolvem
segurado e segurador e vice-versa, pois, nas ações regressivas ajuizadas por estes, sub-rogados nos
direitos dos segurados, por força do artigo 786 do Código Civil, em face dos causadores do dano, o
186
Civil de 1916 não trazia dispositivo específico em relação aos seguros de
responsabilidade civil.
No artigo 178, parágrafo 6º, inciso VIII, do referido Codex, fazia o legislador
uma diferença de tratamento em função de o “fato” que ensejava a obrigação do
segurador de indenizar ter ocorrido no país, hipótese em que o prazo prescricional
era de um ano, ou no exterior, situação que acarretava a elevação do prazo para
dois anos.
Em virtude dos avanços tecnológicos e dos meios de comunicação, houve por
bem o legislador de 2002 abolir tal distinção, que não mais havia razão de ser.
Outro critério foi adotado pelo Código Civil de 2002, no tocante aos prazos
prescricionais nas relações securitárias, prevendo o artigo 206, parágrafo 1º, inciso
II, alínea “b” uma regra para os seguros de modo geral e outra específica para os
seguros de responsabilidade civil (art. 206, § 1º, inciso II, alínea “a”).
Traz, ainda, o atual Código Civil um prazo maior, fixado em 3 (três) anos, para
a pretensão a ser exercida pelo beneficiário do seguro em face do segurador e a do
terceiro prejudicado, no caso de responsabilidade civil obrigatório (art. 206, § 3º,
inciso IX).
Em relação à prescrição dos contratos de seguro, com exceção do seguro de
responsabilidade civil, o prazo prescricional de um ano inicia-se da ciência “do fato
gerador da pretensão”, nos termos do artigo 206, parágrafo 1º, inciso II, alínea “b” do
Código Civil.
No que tange ao dies a quo, firmou-se um primeiro entendimento, ainda na
vigência dodigo Civil de 1916, de que a contagem do prazo prescricional iniciaria
entendimento maciço é no sentido de não se aplica o prazo ânuo, mas sim o prazo de 3 (três) anos
de reparação civil. Veja-se, nessa linha, o acórdão emanado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“O prazo prescricional ânuo do art. 206, § 1º, II, do atual Código Civil somente se aplicar nas
demandas travadas entre segurado e seguradora, sujeitando-se a ação regressiva movida pela
seguradora, sub-rogada nos direitos do segurado, em face do terceiro causador do dano, à prescrição
trienal do art. 206, § 2º, V, do mesmo diploma, por se tratar de pretensão de reparação civil.”
(Apelação Cível n. 2008.001.14348, Relator Desembargador Carlos Santos de Oliveira, julgado em 8
abr. 2008)
187
da data do sinistro.
Entretanto, passou-se a argumentar que se fosse considerado o termo a quo
como a data do sinistro, o segurado ficaria ao bel-prazer do segurador, pois, após a
comunicação do sinistro, bastava que este aguardasse o transcurso do prazo
prescricional e então pronunciasse a sua recusa.
Diante disso, houve uma reformulação desse entendimento inicial, passando
a se adotar que o início do decurso do prazo prescricional dava-se com a recusa do
pagamento feito pelo segurador, que somente neste momento é que haveria a
pretensão resistida.
Contudo, esse posicionamento também encontrava um óbice, pois, caso o
segurado não reclamasse o sinistro, não haveria recusa do segurador e, portanto,
ter-se-ia uma obrigação imprescritível.
Em razão dos obstáculos anteriormente levantados, passou a jurisprudência a
firmar um terceiro entendimento, atualmente bastante consolidado, no sentido de
que a contagem do prazo prescricional inicia-se na data do sinistro, suspende-se
com o pedido administrativo feito ao segurador e retoma o seu curso com a recusa
feita por este
465
.
Quanto a essa suspensão do prazo prescricional, afirma Ivan de Oliveira Silva
que:
É bem verdade que o Código Civil silencia quanto ao papel da
regulação do sinistro na contagem do prazo prescricional. Todavia,
não obstante essa falta de abordagem legislativa, o assunto é de
curial importância, haja vista que, enquanto a seguradora não se
manifestar a respeito do pagamento ou negativa da cobertura, em
nosso entendimento, a prescrição ficará suspensa (e o
interrompida). Se não fosse assim, bastava que o segurador, em
detrimento do segurado, aguardasse o transcurso do lapso
prescricional para apresentar a negativa da indenização
466
.
465
“O prazo prescricional, no entanto, tem início da data em que o segurado tem conhecimento
inequívoco da incapacidade (Súmula 278), permanecendo suspenso entre a comunicação do sinistro
e a da recusa do pagamento da indenização (Súmula 229).” (STJ, Ministro Humberto Gomes de
Barros, AgRg n. 590.716, julgado em 26 out. 2006).
466
Curso de direito do seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 174.
188
Esse posicionamento culminou com a elaboração da Súmula 229 do STJ, que
estabelece que “o pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o
prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão”.
Importante ressalvar que outras legislações também adotaram um raciocínio
semelhante. De acordo com a lei belga, por exemplo, a prescrição inicia-se com o
sinistro, contudo, ao invés de suspender, interrompe-se com o pedido administrativo
feito ao segurador, voltando a correr o prazo integral, quando da recusa formulada
por esta
467
.
8.3 DO PRAZO PRESCRICIONAL NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
No que toca aos seguros de responsabilidade civil, o artigo 206, parágrafo 1º,
inciso II, alínea “a”, do atual Código Civil dispõe de forma diversa da dos demais
ramos de seguro, em que o início do decurso do prazo prescricional se com a
ocorrência do sinistro.
Preceitua o referido dispositivo que, nos seguros de responsabilidade civil, o
termo a quo não é a data do sinistro, mas sim a “data em que [o segurado] é citado
para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data
que a este indeniza, com a anuência do segurador”.
Utilizou-se o legislador de um critério diverso, para a origem do decurso da
prescrição, pois não se considera o termo a quo, assim como ocorre nos demais
ramos, como a data do sinistro. Isso se deve, a mais das vezes, em razão da grande
dificuldade encontrada, nessa espécie de seguro, em se definir qual o momento
efetivo em que se verifica a ocorrência do sinistro.
Assim, preferiu o legislador estabelecer uma data inicial que não coincidisse
com o momento em que se o sinistro, podendo esse termo inicial ser contado de
467
FONTAINE, Marcel. Droit des assurance. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 225.
189
duas formas.
Quando o terceiro lesado ajuíza demanda exclusivamente em face do
segurado, da data em que este for citado, tem início a contagem do prazo
prescricional para que este exerça a sua pretensão em face do segurador.
É por esta razão que, uma vez citado, quando o segurado ofertar a sua
contestação nos autos, ele deve denunciar a lide ao segurador, para que este, em
caso de procedência da demanda, efetue o pagamento da indenização securitária.
Por outro lado, caso o segurado administrativamente reconheça a sua culpa,
ele pode indenizar o terceiro prejudicado e, posteriormente, pleitear o reembolso
junto ao segurador. Nesta hipótese, a prescrição tem origem no momento em que o
segurado indeniza a vítima, passando o correr nesta data o prazo prescricional para
que o segurado pleiteie o reembolso do quanto despendido junto ao segurador.
de ressaltar que, nesta situação, é imprescindível que haja a anuência do
segurador na celebração do acordo extrajudicial com o terceiro, consoante
determina o artigo 787, parágrafo 2º, do Código Civil
468
, pois, caso contrário, poderá
o segurador recusar-se ao reembolso, como lhe autoriza tal dispositivo.
Nesse sentido adverte Humberto Theodoro Júnior:
Quando o segurado, sem ter sido demandado em juízo, acerta sua
responsabilidade extrajudicialmente e paga o prejuízo da vítima, com
a anuência da seguradora, a prescrição se conta a partir da data do
pagamento. Se tal pagamento não for autorizado pelo segurador,
será inoponível a este. É que, no seguro de que se trata, a lei proíbe
ao segurado “reconhecer sua responsabilidade, ou confessar a ação,
bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo
diretamente, sem anuência expressa do segurador” (art. 787, § 2º).
Agindo contra a lei, não poderá exercer a pretensão contra o
segurador
469
.
468
“Art. 787. […] § é defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação,
bem como transigir com terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do
segurador.”
469
In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. v. III, p. 316/317.
190
No Código de Seguros Francês disposição semelhante que prevê que
“L’assureur peut stipuler qu’aucune reconaissance de responsabilité, aucune
transation, intervenues en dehors de lui, ne lui sont opposables” (art. L 124-2).
Em outros países, a solução, no que tange à definição do marco inicial para a
contagem da prescrição, nos seguros de responsabilidade civil, é semelhante.
Tendo em vista a grande controvérsia gerada no sentido de se precisar o momento
de ocorrência do sinistro nos seguros de responsabilidade civil, decidiu a lei fixar um
ponto como o termo a quo para o decurso do prazo prescricional.
A lei belga, por uma disposição introduzida em 1961 (art. 34, § 1º, alínea 3),
dispõe que o ponto de partida da prescrição é o ajuizamento de ação pela vítima
470
.
A legislação francesa, na mesma linha, dispõe que “quand l’action de l’assuré contre
l’assureur a pour cause le recours d’un tiers, le délai de la prescription ne court que
du jour ce tiers a exercé une action en justice contre l’assuré ou a été indeminisé
par ce dernier” (art. L 114-1, Code des Assurances).
Importante ressaltar que, mesmo antes da entrada em vigor do atual Código
Civil, embora houvesse entendimentos divergentes
471
, a corrente majoritária defendia
o posicionamento de que o início do prazo prescricional, nos seguros de
responsabilidade civil, dava-se com a citação do segurado na demanda proposta
pelo terceiro, embora inexistisse norma que disciplinasse especificamente a
prescrição nessa espécie de seguro.
470
“Si la personne lésée n’exerce pas son action directe contre l’assureur, mais qu’elle agit contre le
responsable lui-même, celui-ci dispose d’un délai de trois ans à partir de la demande en justice de la
victime pour recourir contre son assureur (art. 34, § 1º, al. 3).” (FONTAINE, Marcel. Droit des
assurance. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 224)
471
julgados do STJ, como o proferido no Recurso Especial n. 135.372-MG (Ministro Relator
Eduardo Ribeiro, julgado em 5 dez. 1997), no sentido de que a prescrição somente tem início do
trânsito em julgado que reconheceu a responsabilidade do segurado: “Sustenta a recorrente que
aquele de ser a data em que se verificou o sinistro, ou seja, quando surgiu, para a segurada, a
obrigação de indenizar. O acórdão entendeu que se haveria de ter em conta o trânsito em julgado da
sentença que reconheceu essa responsabilidade. Considero que melhor o entendimento da decisão
recorrida. Com efeito, admitir que o prazo fluiria do sinistro, importaria ter-se como certo que o
segurado haveria de reconhecer de logo sua culpa e efetuar o pagamento, pleiteando o reembolso da
seguradora, ou demandar que o fizesse diretamente. Ora, isso não é exigível e a própria seguradora
não haveria, em regra, de considerar aceitável tal procedimento. A responsabilidade, mais das vezes,
expõe-se a dúvidas, podendo ser questionada. Evidentemente, nasce no momento em que se verifica
o ato culposo, de que resultou dano, mas isso de ser adequadamente apurado. Não se pode
acolher a tese sustentada pela recorrente. Conheço, em virtude do dissídio, mas nego provimento.”
191
Nesse exato sentido foi o acórdão
472
, datado de 23 de abril de 2000, emanado
do Superior Tribunal de Justiça, o qual, fulcrado no artigo 178, parágrafo 6º, inciso II,
do Código Civil de 1916, entendeu que o “fato” que autorizava o início do prazo
prescricional dava-se com a citação do segurado, pois foi somente neste momento
que “veio a ter conhecimento de que lhe seria cobrada a indenização pela autora”.
Nessa mesma linha, o AgRg no Agravo de Instrumento n. 666.658
473
, também
oriundo do Superior Tribunal de Justiça, no qual se deixou assente que a prescrição
corre a partir da citação do segurado, ressalvando, ainda, que esse entendimento foi
posteriormente consagrado na dicção do artigo 206, parágrafo 1º, inciso II, alínea
“a”, do atual Código Civil:
Sustenta a seguradora que o marco inicial para a contagem da
prescrição seria a data do sinistro, nos termos do art. 178, § 6º,
inciso II, do Código Civil de 1916.
[...]
Nas especificidades de demanda indenizatória proposta contra o
segurado, o marco inicial da prescrição securitária somente começa
a fluir da data em que se toma efetivo conhecimento da existência do
processo, ou seja, desde a citação, de sorte que a denunciação à
lide da seguradora se faz atempadamente. [...]
Ademais, deve-se acrescentar, ainda, que o referido entendimento
jurisprudencial foi posteriormente consagrado com a vigência do
Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002), em seu art. 206, § 1º, II, “a”
[...].
Portanto, como usualmente é verificado, a jurisprudência andou na frente,
firmando um posicionamento que posteriormente foi transformado em norma jurídica
pelo legislador.
Outro ponto que suscita dúvidas, no que tange ao seguro de responsabilidade
civil, é em relação ao prazo prescricional das ações movidas diretamente pela vítima
em face do segurador (ou em face do segurador e do segurado conjuntamente).
A celeuma que se cria é o seguinte: em se tratando de seguro de
responsabilidade civil facultativo, o prazo prescricional seria de 3 (três) anos, com
fundamento no artigo 206, parágrafo 3º, inciso IX do Código Civil (“pretensão do
472
REsp n. 236.052, Ministro Relator Aldir Passarinho Junior.
473
AgRg no Agravo de Instrumento n. 666.658, Ministro Relator Aldir Passarinho Junior, julgado em
26 set. 2005.
192
terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório”) ou
com fundamento no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V (“pretensão de reparação
civil”).
Em outras palavras, em relação à pretensão do terceiro prejudicado em face
do segurador, aplicar-se-ia ao seguro de responsabilidade civil facultativo, por
analogia, o prazo estabelecido para o seguro de responsabilidade civil obrigatório ou
se aplicaria o mesmo prazo que o terceiro possuiria contra o segurado, fundado na
responsabilidade civil extracontratual.
A nosso ver, considerando a interpretação restritiva que deva ser atribuída ao
instituto da prescrição, não como aplicar por analogia ao seguro de
responsabilidade civil facultativo o prazo instituído pela norma aos seguros de
responsabilidade civil obrigatórios.
O mais correto e coerente com o instituto da prescrição seria aplicar à
hipótese em comento o prazo disposto no artigo 206, parágrafo , inciso V do
Código Civil, que o terceiro lesado possui em face do segurador uma pretensão
de reparação civil, da mesma forma que possui em face do segurado, responsável
pelo dano causado. Portanto, haveria uma equiparação do prazo que o terceiro
lesado possui em face do segurado e em face do segurador.
Na legislação argentina, o prazo prescricional do terceiro prejudicado em face
do segurador é o mesmo que ele possui contra o segurado:
La prescripción de los derechos del tercero damnificado que intente
resarcise mediante el seguro del responsable será la común que
provenga de la acción que tenga contra el asegurado, ya que si bien
tal acción lo vincula al asegurado y al asegurador, no existe con este
último una relación autónoma que tenga término propio de
prescripción. Su derecho no proviene del contrato, sino de la ley, que
impone la demanda inexcusable al asegurado como requisito de la
citación en garantía
474
.
A doutrina francesa, no ensinamento trazido por Hubert Groutel e Claude-J.
474
MEILIJ, Gustavo Raúl. Manual de seguros. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 105.
193
Berr, segue o mesmo entendimento
475
:
L’action directe ne trouvant pas son fondement dans le contrat
d’assurance mais dans la loi, ce n’est pas la prescription biennale qui
s’applique, mais la prescription de droit commun applicable à l’action
de la victime contre l’assuré
476
.
O mesmo posicionamento é verificado no Direito belga, ao dispor este que a
vítima possui o prazo de 5 (cinco) anos, a contar do fato causador do dano, de
ajuizar o segurador diretamente. Contudo, tal norma possui uma especificidade, no
sentido de que se o terceiro lesado ignora a existência do contrato de seguro, a
prescrição de sua pretensão em face do segurador somente tem início na data em
que toma conhecimento da existência do seguro
477
.
Oportuno ressaltar, por fim, que, na mesma linha do que defendemos
anteriormente, o DPVAT, não obstante seja um seguro obrigatório por força de lei,
não é um seguro de responsabilidade civil, mas sim um seguro de danos. Por esta
razão, o prazo prescricional aplicável não é o do artigo 206, parágrafo 3º, inciso IX
do Código Civil, mas sim a regra geral do artigo 205
478
do Código Civil, ou seja, 10
(dez) anos.
A jurisprudência, embora não de forma unânime
479
, reconhece a tese supra:
O DPVAT, contudo, é seguro obrigatório, porquanto decorre de
imposição legal, mas não é seguro de responsabilidade civil.
No seguro de responsabilidade civil, a seguradora garante o
475
No mesmo sentido é a jurisprudência francesa, como se do seguinte julgado: “L’action direct de
la victime contre l’assureur de responsabilité, instituée par l’art. L. 124-3 C. assur., trouve son
fondement dans le droit de la victime à reparation de son prejudice et se prescript, dès lors, par le
même délai que l’action de la victime contre le responsable.” (Code des assurrances. 13. ed. Paris:
Dalloz, 2007. p. 110)
476
Droit des assurances. 11. ed. Paris: Dalloz, 2008. p. 119.
477
FONTAINE, Marcel. Droit des assurance. Bruxelles: Larcier, 1996. p. 224.
478
“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”
479
Segue decisão que entende que o prazo para a cobrança pelo DPVAT é de 3 (três) anos, nos
moldes do artigo 206, parágrafo 3º, inciso IX do Código Civil: “Quanto à disciplina prescricional dos
contratos de seguro, a única distinção importante estabelecida no Código Civil de 2002 dá-se em
função da natureza de sua origem: voluntária (vontade das partes) ou obrigatória (imposta pela lei).
Para a primeira (contrato voluntário), aplica-se o prazo anual, previsto no inciso II do § do artigo
206 do referido diploma legal; na segunda (contrato obrigatório), incide o prazo trienal preceituado no
inciso IX do § 3º do Código Civil. Para a lei, é irrelevante o objeto do contrato de seguro, que pode ser
ou não de responsabilidade civil (alínea ‘b’ do inciso II do § 1º do referido artigo legal).” (Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n. 23.765/2008, Relator Desembargador Sergio Cavalieri
Filho, julgado em 16 ago. 2008)
194
pagamento ao segurado pelas perdas e danos que este vier a causar
a terceiro, pelos quais vier a ser responsabilizado civilmente.
É, com efeito, o que dispõe o art. 787 do Código Civil.
Não é o caso do DPVAT, no qual a seguradora, por força de lei, está
obrigada a pagar ao beneficiário do seguro, e não a ressarcir o
segurado, determinado valor também estipulado por lei.
O seguro de responsabilidade civil pode ser obrigatório, mas o
seguro obrigatório nem sempre é de responsabilidade civil.
Tem-se, como conseqüência, que o prazo prescricional, no caso
presente, é o do art. 205 do Código Civil, isto é, dez anos, pelo que
se rejeita a arguição de prescrição, reformando-se, assim, a
sentença
480
.
480
Acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n. 67.831/07, Relator
Desembargador Fabrício Paulo B. Bandeira Filho, julgado em 9 jan. 2008.
195
CONCLUSÃO
Os institutos jurídicos passam por transformações, tanto no que se refere ao
seu conteúdo, como no que tange às interpretações que lhe são conferidas, não
tendo sido diferente com o da responsabilidade civil. Aliás, muitas são as vozes no
sentido de que este foi um dos institutos que mais se modificou ao longo dos anos.
Não é sem razão essa assertiva, na medida em que a teoria clássica da
responsabilidade civil foi assentada no Código Civil Napoleônico, diploma legal que
exigia a necessidade de prova da culpa do agente e da demonstração do dano e do
nexo de causalidade, para que houvesse a reparação dos prejuízos causados à
vítima.
Com o tempo, contudo, foi-se observando que a responsabilidade civil
subjetiva deixava inúmeras situações sem solução, haja vista a dificuldade em se
demonstrar a culpabilidade do agente. Não se podia mais conceber que, em uma
sociedade industrializada, não fosse desenvolvida a função indenitária da
responsabilidade civil. O foco passou a ser a reparação do dano causado,
independentemente da perquirição da culpabilidade do agente, adotando-se a idéia
de que todo risco deve ser reparado.
Embora tivesse sido consagrada, para algumas situações, a responsabilidade
civil objetiva, existia ainda outro entrave a fim de se garantir a efetiva reparação dos
danos causados, pois não raras eram as vezes em que o ofensor não tinha
condições financeiras para ressarcir o lesado. E é nesse contexto que surge como
solução o seguro de responsabilidade civil, como forma de se garantir o pagamento
das indenizações às vítimas.
As conseqüências econômicas decorrentes da imputação de responsabilidade
civil que, no passado, não podiam ser objeto de um contrato de seguro consistem
em riscos perfeitamente seguráveis ou, melhor, uma recomendação aos mais
cautelosos.
196
Por meio da realização do contrato de seguro de responsabilidade civil,
permite-se a satisfação de dois interesses: o da vítima, que será ressarcida dos
prejuízos sofridos; e o do segurado, que não se desfalcado em seu patrimônio
para indenizar o prejuízo causado.
O contrato de seguro não teve uma origem precisa, tendo surgido da
necessidade do ser humano de se precaver de fatos danosos, pois se descobriu que
a solidariedade dos que estavam expostos aos mesmos riscos acabava por reduzir
os prejuízos sofridos individualmente.
No Brasil, a atividade securitária somente teve início com a vinda da Família
Real Portuguesa (1808), com a abertura dos portos ao comércio internacional, e a
regulamentação completa da atividade de seguros apenas ocorreu com a
promulgação do Código Civil de 1916. Por tal diploma legal, entendia-se que o
contrato de seguro era aquele pelo qual o segurado tinha a obrigação quanto ao
pagamento do prêmio, ao passo que o segurador tinha a obrigação de indenizá-lo
dos prejuízos decorrentes de riscos futuros previstos no contrato.
Entretanto, pelo Código Civil atual, define-se o contrato de seguro como
aquele em que, em contrapartida ao pagamento do prêmio pelo segurado, o
segurador possui a obrigação de prestar garantia ao interesse legítimo segurado.
Com a realização do contrato de seguro, não ocorre a transferência do risco
ao segurador, pois continua o segurado exposto ao risco; o que ocorre é a
transferência das conseqüências econômicas do risco para o segurador.
No que se refere ao seguro de responsabilidade civil, tratado no Código Civil
atual, em seu artigo 787, o segurador presta garantia às eventuais dívidas de
responsabilidade que sejam imputadas ao segurado em razão de danos
ocasionados em virtude de sua conduta.
Tendo em vista que, nos seguros de responsabilidade civil, se visa atingir
uma dupla finalidade, tanto de acautelar os interesses do segurado, como na
proteção simultânea dos interesses da vítima, atribuindo a esse contrato um cunho
197
social, permite-se que o terceiro lesado ajuize o segurador juntamente com o
segurado para ver os seus prejuízos ressarcidos.
De grande relevância é a aplicação do princípio da boa-fé objetiva nos
seguros de responsabilidade civil, em especial na conclusão do contrato, pois é com
base nas informações prestadas pelo segurado que o segurador avalia o risco que
passará a garantir e fixa a taxa do prêmio correspondente.
Em relação ao sinistro nos seguros de responsabilidade civil, a doutrina se
divide, devendo-se ser considerado que o melhor entendimento pugna que o sinistro
(verificação do risco) dá-se com a ocorrência do fato danoso, pois é neste momento
que surge para o segurado a obrigação de indenizar o terceiro.
No tocante à prescrição, o legislador civil, no artigo 206, parágrafo 1º, inciso II,
alínea “a”, dispõe de forma diversa da dos demais ramos de seguro, em que o início
do decurso do prazo prescricional se dá com a ocorrência do sinistro.
Quando o terceiro lesado ajuíza demanda exclusivamente em face do
segurado, da data em que este for citado, tem início a contagem do prazo
prescricional para que este exerça a sua pretensão em face do segurador. Na
hipótese de o segurado indenizar o terceiro prejudicado na esfera administrativa, a
prescrição tem origem neste momento, para que o segurado pleiteie o reembolso do
quanto despendido junto ao segurador. No que tange à pretensão do terceiro
prejudicado em face do segurador, aplicar-se-ia ao seguro de responsabilidade civil
facultativo o mesmo prazo que o terceiro possuiria contra o segurado, fundado na
responsabilidade civil extracontratual, havendo uma equiparação do prazo que o
terceiro lesado possui em face do segurado e em face do segurador.
Em suma, pretendemos com este trabalho dar a nossa contribuição para o
aprimoramento do estudo do contrato de seguro, em especial do seguro de
responsabilidade civil, pois consideramos ser essa espécie de avença de suma
importância no atual estágio do instituto da responsabilidade civil, obtendo-se o
efetivo ressarcimento da vítima lesada.
198
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