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MARIA BETÂNIA PARIZZI FONSECA
O DESENVOLVIMENTO DA PERCEPÇÃO DO TEMPO
EM CRIANÇAS DE DOIS A SEIS ANOS:
UM ESTUDO A PARTIR DO CANTO ESPONTÂNEO
Belo Horizonte
Faculdade de Medicina da UFMG
2009
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ii
MARIA BETÂNIA PARIZZI FONSECA
O DESENVOLVIMENTO DA PERCEPÇÃO DO TEMPO
EM CRIANÇAS DE DOIS A SEIS ANOS:
UM ESTUDO A PARTIR DO CANTO ESPONTÂNEO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Saúde Área de
Concentração Saúde da Criança e do
Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG
como requisito parcial à obtenção do grau de
Doutor em Ciências da Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Roberto de Assis Ferreira
Co-orientador: Prof. Dr. Oiliam José Lanna
Belo Horizonte
Faculdade de Medicina da UFMG
2009
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iii
Universidade Federal de Minas Gerais
Reitor: Prof. Ronaldo Tadêu Pena
Vice-Reitora: Profª. Heloisa Maria Murgel Starling
Pró-Reitora de Pós-Graduação: Profª. Elizabeth Ribeiro da Silva
Pró-Reitor de Pesquisa: Prof. Carlos Alberto Pereira Tavares
Faculdade de Medicina
Diretor: Prof. Francisco José Penna
Vice Diretor: Prof. Tarcizo Afonso Nunes
Coordenador do Centro de Pós-Graduação: Prof. Carlos Faria Santos Amaral
Subcoordenador do Centro de Pós-Graduação: João Lúcio dos Santos Jr.
Departamento de Pediatria
Chefe do Departamento de Pediatria: Profª. Maria Aparecida Martins
Departamento de Pós-graduação em Ciências da Saúde
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde Área
de Concentração em Saúde da Criança e do Adolescente: Prof. Joel Alves
Lamounier
Subcoordenadora do Programa de Pós-Graduação em Medicina - Área de
Concentração em Pediatria: Profª. Ana Cristina Simões e Silva
Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Área de
Concentração em Saúde da Criança e do Adolescente:
Profª. Ivani Novato Silva
Prof. Jorge Andrade Pinto
Profª. Lúcia Maria Horta Figueiredo Goulart
Profª. Maria Cândida Ferrarez Bouzada Viana
Prof. Marco Antônio Duarte
Profª. Regina Lunardi Rocha
Gustavo Sena Sousa (Repr. Discente)
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço às crianças cujos cantos espontâneos permitiram a realização desse
trabalho.
Agradeço especialmente ao Roberto, ao Oiliam e ao João Gabriel por sua
valiosa orientação.
Agradeço ao Antônio Carlos, ao lcio, à Gena, à Leonor, ao Moacyr e ao
Toninho por aceitarem participar da minha banca de qualificação e de defesa.
Agradeço à Beatriz, Esther, Campolina, Kater, Oiliam, Patrícia, Rosa Lúcia,
Sílvia, Swanwick, Teca e Viviane por fornecerem dados preciosos para essa
pesquisa.
Agradeço às amigas Aline e Rosa Maria por sua ajuda no processo de
gravação dos cantos espontâneos.
Agradeço aos meus colegas e amigos do Núcleo Villa-Lobos de Educação
Musical e da Escola de Música da UEMG pelo incentivo.
Agradeço ao Marcelo, à Maria Tereza, ao Renato, à Mariana e a meus irmãos
e familiares pelo apoio.
v
Dedico esse trabalho a meus pais, Marcelo e Neyde
vi
LISTA DAS FIGURAS
FIGURA
TÍTULO PÁGINA
1 Modelo Espiral de Swanwick e Tillman (1988)
81
2 Fragmento das Tabelas 1a e 1b 166
vii
LISTA DOS GRÁFICOS
GRÁFICO
TÍTULO PÁGINA
1 Estruturação rítmica 171
2 Direcionamento 173
3 Forma 179
4 Estruturação melódica 180
5 Caráter expressivo 183
6 Contrastes 187
7 Texto 190
8 Características sócioculturais específicas 192
viii
LISTA DAS TABELAS
TABELA
TÍTULO PÁGINA
1a
Síntese da Análise de Conteúdo – crianças de dois,
três e quatro anos
168
1b Síntese da Análise de Conteúdo – crianças de cinco e
seis anos
169
ix
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................ xii
ABSTRACT ............................................................................................ xiii
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 1
1 METODOLOGIA...................................................................................... 8
1.1 Delineamento ........................................................................................ 9
1.2 Problema ............................................................................................... 9
1.3 Objetivos da pesquisa.......................................................................... 10
1.4 Amostra e natureza dos dados .............................................................11
1.5 Faixa etária ...........................................................................................12
1.6 Método...................................................................................................14
1.6.1 Análise de Conteúdo ..........................................................................14
2 O TEMPO E A MÚSICA...........................................................................17
2.1 Tempo – conceito ou enigma? ............................................................ 18
2.2 A percepção do tempo - Tempo vivido & tempo cronológico ................21
2.3 A música e o tempo .............................................................................. 23
2.4 O tempo na música ............................................................................... 28
3 A CRIANÇA DE DOIS A SEIS ANOS: COGNIÇÃO E TEMPORALIDADE....................35
3.1 A psicologia cognitiva .......................................................................... 36
3.2 Os estágios de desenvolvimento e o estágio pré-operacional ............ 40
3.2.1 Principais formas de representação no período pré-operacional ..... 42
3.2.2 O pensamento pré-operacional ....................................................... 52
3.2.3 Percepção do tempo na criança de dois a seis anos ....................... 54
3.2.3.1 Experiências inaugurais com o tempo: a duração, a expectativa
e a memória ................................................................................... 55
3.2.3.2 Experiências temporais no pré-operacional .................................... 62
3.3 Novas tendências da psicologia cognitiva ............................................ 67
x
4 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO-MUSICAL: QUATRO TEORIAS.... 72
4.1 Considerações introdutórias................................................................. 73
4.2 A teoria do desenvolvimento artístico de Howard Gardner ................. 75
4.3 A Teoria Espiral do desenvolvimento musical de
Keith Swanwick e June Tillman .......................................................... 80
4.4 A teoria do desenvolvimento musical de David Hargreaves .............. 86
4.5 Koellreutter e a evolução da consciência como manifestação do
desenvolvimento musical .................................................................... 91
4.6 Convergências e divergências entre as idéias de
Gardner, Swanwick, Hargreaves e Koellreutter ................................. 99
5 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO-MUSICAL DA CRIANÇA: UMA
DESCRIÇÃO EVOLUTIVA A PARTIR DO CANTO ESPONTÂNEO.......104
5.1 Conceituação ....................................................................................105
5.2 Origem e evolução do canto espontâneo .........................................107
5.2.1 O papel dos adultos no desenvolvimento musical e na
capacidade de comunicação da criança ......................................108
5.2.2 Os balbucios musicais e a comunicação pré-verbal dos bebês ....112
5.2.3 O surgimento do canto espontâneo no segundo ano de vida .......118
5.2.4 O canto espontâneo da criança dos dois aos três anos ............... 121
5.2.5 O canto espontâneo da criança de três anos e quatro anos ........ 124
5.2.6 O canto espontâneo da criança de cinco e seis anos .................. 126
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................134
6.1 Considerações iniciais ...................................................................... 135
6.2 Análise de Conteúdo .........................................................................136
6.3 Discussão ......................................................................................... 170
6.3.1 Estruturação Rítmica.......................................................................170
6.3.2 Direcionamento................................................................................173
6.3.3 Forma...............................................................................................177
6.3.4 Estruturação melódica.....................................................................180
xi
6.3.5 Caráter expressivo..........................................................................183
6.3.6 Contrastes.......................................................................................185
6.3.7 Texto...............................................................................................187
6.3.8 Influências sócio-culturais específicas............................................192
6.4 Reflexões finais ................................................................................194
7 CONCLUSÕES .................................................................................... 201
REFERÊNCIAS .......................................................................................207
ANEXOS...................................................................................................216
xii
RESUMO
O desenvolvimento da percepção do tempo em crianças de dois a seis anos:
um estudo a partir do canto espontâneo
INTRODUÇÃO: O canto espontâneo é a música vocal produzida
espontaneamente pela criança partir dos 18 meses, sendo ainda pouco
conhecido da comunidade científica. Estudos recentes mostram que o canto
espontâneo pode ser considerado uma forma de representação da criança, tal
qual o desenho e a linguagem. A premissa de que a música é uma forma de
expressão artística essencialmente temporal tornou possível pensar em
integrar a música, a criança e o tempo, em uma mesma pesquisa.
OBJETIVOS: Delinear conceitos de tempo ao longo da história; identificar as
relações entre o tempo e a sica; estudar as teorias do desenvolvimento
musical e o desenvolvimento cognitivo de crianças de dois a seis anos;
descrever a evolução do canto espontâneo, até os seis anos de idade;
estabelecer categorias musicais visando verificar as relações entre o canto
espontâneo e desenvolvimento da percepção do tempo de crianças de dois a
seis anos. FUNDAMENTAÇÃO: Para os estudos sobre o tempo, foram
adotadas as idéias de Damásio (2009), Whitrow (1993) e Minkowski (1972).
Langer (1953) foi a autora mais estudada para as reflexões acerca das
relações entre o tempo e a música. A psicologia cognitiva piagetiana constituiu-
se na principal fundamentação para o estudo do desenvolvimento cognitivo da
criança. Para os estudos sobre o desenvolvimento musical foram adotadas as
teorias de Howard Gardner (1973), Hans Joachim Koellreutter (1984), Keith
Swanwick (1988) e David Hargreaves (1996). METODOLOGIA: Foi utilizada a
análise de conteúdo. Foram selecionados quarenta cantos espontâneos, os
quais foram analisados musicalmente por doze jurados, de consagrada
experiência musical. Desses dados, foi elaborada a análise de conteúdo da
qual emergiram oito categorias musicais: estruturação rítmica, direcionamento,
forma, estruturação melódica, caráter expressivo, contrastes, texto, influências
sócio-culturais específicas. Finalmente, foram verificadas as relações dessas
categorias com o desenvolvimento da percepção do tempo da criança de dois a
seis anos. RESULTADOS: As características musicais dos cantos espontâneos
sofrem transformações evidentes ao longo da faixa etária estudada. O
tratamento dado ao tempo, manifestado nas oito categorias musicais, foi uma
das mais contundentes transformações apontadas. A progressiva intensificação
da regularidade rítmica, da intensidade dos contrastes e da força das
conclusões foram as transformações mais evidenciadas pelos resultados.
CONCLUSÕES: A música é instrumento metodológico importante para
investigações acerca do desenvolvimento da criança; o canto espontâneo pode
ser considerado um indicador da percepção de tempo e do desenvolvimento
cognitivo em geral da criança; é provável que o canto espontâneo possa ser
usado como recurso propedêutico no acompanhamento do desenvolvimento
infantil. Para isso foi proposto o esboço de um protocolo que deverá ser
desenvolvido em pesquisas futuras.
Palavras-chave: Música, cognição, canto espontâneo, temporalidade,
desenvolvimento musical.
xiii
ABSTRACT
The development of time perception in children from two to six years old: a re
search upon spontaneous singing
INTRODUCTION: Spontaneous singing is the vocal music, spontaneously
produced by children from 18 months old, not yet well unknown by the
academics. Recent studies have shown that spontaneous singing can be
considered a way of representation, such as drawing and language. The
premise that music is a temporal manifestation of Art led to the possibility to
integrate music, children and time, in a same research. OBJECTIVES: To
delineate time concepts along history; to identify the relationships between time
and music; to study the theories of musical development and the cognitive
development of children from two to six years old; to describe spontaneous
singing natural evolution from birth to six years old; to establish musical
categories in order to verify the relationship between spontaneous singing and
time perception in children from two to six years old. FRAMEWORK: Damasio
(2009), Whitrow (1993) and Minkowski (1972) were chosen for time perception;
Langer (1953) for the relationship between time and music; Piaget’s
developmental theory was a reference to investigate children’s cognitive
development. For theoretical framework on musical development, Howard
Gardner (1973), Hans Joachim Koellreutter (1984), Keith Swanwick (1988) and
David Hargreaves’ (1996) theories were elected. METODOLOGY: Product
analysis was used to carry out this investigation. Forty children’s spontaneous
songs were selected and musically analyzed by twelve judges. Eight musical
categories emerged from the analyses: rhythmic structures, direction, form,
melodic structures, expressive character, contrasts, text, and specific cultural
influences. Finally, the relationship between spontaneous singing and time
perception was checked. FINDINGS: The characteristics of spontaneous
singing go through evident transformations along this period. The treatment
given to time, present throughout the eight categories, was one of the main
transformations. The progressive intensification of rhythmic regularity, the
emphasis in the contrasts and the strength of the conclusions were the most
emphasized transformations. CONCLUSIONS: Music is an important
methodological tool to investigate children development; spontaneous singing
may be considered an indicator of both, time perception and general cognitive
development in children. Spontaneous singing is likely to be used as a
propaedeutic tool to follow children’s development. For this reason, an outline of
a protocol, to be developed in further studies, was proposed.
Key-words: Music, cognition, spontaneous singing, temporality, musical
development.
INTRODUÇÃO
2
Introdução
O canto espontâneo, música vocal produzida espontaneamente pela criança,
que surge entre os dezoito e os vinte e quatro meses de idade, representa um
desafio para qualquer pesquisador. Enquanto o desenho infantil tem sido
alvo de intensos estudos há várias décadas (LUCQUET, 1927; KELLOGG,
1969; LOWENFELD e BRITTAIN, 1977), o canto espontâneo é praticamente
desconhecido na comunidade científica.
Uma grande dificuldade envolvendo estudos dessa natureza é a complexidade
de se registrar essa manifestação espontânea da criança. Como o próprio
nome indica, o canto espontâneo ocorre de maneira imprevisível e está
associado ao ato de brincar. Além disso, é provável que as pessoas em geral,
ao escutarem essa forma tão efêmera de expressão, não a interpretem como
sendo música. Todas essas questões certamente contribuem para a escassez
de pesquisas sobre o assunto.
mais de vinte anos, o canto espontâneo tem sido objeto de meu estudo.
Tenho tido a oportunidade de trabalhar diretamente com crianças pequenas no
Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical
1
e na formação de professores de
Música, na Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais. Em
1985, iniciei, sob a orientação do Professor H. J. Koellreutter
2
, um trabalho de
1
Escola particular de música, fundada em 1971, e pioneira em Belo Horizonte no trabalho musical com
crianças menores de cinco anos.
2
H.J. Koellreutter (1915-2005) foi um grande músico, compositor, regente, educador musical e
humanista alemão, radicado no Brasil, desde 1937, que contribuiu decisivamente na formação de músicos
e educadores musicais em nosso país.
3
pesquisa com um grupo de oito crianças entre três e cinco anos, durante o
Curso de Especialização em Educação Musical, promovido pela Escola de
Música da UFMG. O objetivo desse trabalho foi estudar as relações entre o
canto espontâneo produzido por crianças pequenas e as representações
gráficas dessas músicas feitas pelas próprias crianças.
Minha fascinação pelo assunto fez com que esse trabalho, inicialmente um
projeto de pesquisa, evoluísse para se tornar um projeto de vida que perdura,
ininterrupto, até os dias de hoje. Consegui, ao longo desses anos, compreender
algumas questões que, vinte anos atrás, eram, para mim, obscuras. Essa
compreensão decorreu de minha própria experiência associada ao estudo de
outros pedagogos musicais igualmente interessados no assunto.
As primeiras publicações sobre o canto espontâneo datam da década de
setenta. Hans Moog (1976) escreveu um trabalho, nomeando e descrevendo
algumas modalidades de canto espontâneo, típicos de crianças de três e quatro
anos. Howard Gardner (1981) realizou um estudo sobre a aquisição da
habilidade de cantar em crianças pequenas. Jay Dowling (1984) publicou uma
pesquisa sobre a evolução de alguns padrões musicais no canto espontâneo,
tendo como referência o canto produzido por suas duas filhas pequenas. Hanus
e Mechthild Papousék (1996) e Colwying Trevarthen (2004, 2008) têm
investigado a musicalidade presente nos balbucios dos bebês e o papel
fundamental de pais e cuidadores no desenvolvimento do canto e da fala.
Gluschankov (2002) tem estudado o estilo pessoal que se manifesta nas
músicas produzidas por crianças pequenas.
4
Koellreutter (1984) elaborou uma teoria, sobre a evolução da consciência
humana associada às manifestações musicais do homem ocidental nas várias
épocas. Esse autor relaciona a música produzida por crianças pequenas à
forma como elas percebem o mundo. Essa teoria de Koellreutter foi um
importante referencial para esse trabalho. Keith Swanwick (1986, 1988, 1994),
em meados da década de oitenta, iniciou uma pesquisa acerca da produção
musical da criança que culminou na elaboração de sua Teoria Espiral do
Desenvolvimento Musical. Essa teoria permite avaliar o vel de compreensão
musical da criança, através de suas composições, e foi também utilizada como
fundamentação teórica para esse trabalho. Outros autores, como David
Hargreaves (1986, 1992, 1996, 2002, 2004) e John Sloboda (1985) muito têm
contribuído para iluminar o assunto. A teoria do desenvolvimento musical
elaborada por Hargreaves (1996) também serviu de referencial teórico para a
presente investigação. Hargreaves (1996) enfatizou em seus estudos, tal qual
Sloboda (1985), a descrição evolutiva do canto espontâneo da criança.
Em meus estudos sobre o assunto (PARIZZI, 1986, 1987, 2003, 2005a 2005b,
2006, 2007, 2008a, 2008b) constatei que o canto espontâneo de crianças de
três a seis anos pode ser considerado um indicador do seu desenvolvimento
cognitivo-musical, tal qual o desenho e outras formas consagradas de
representação. Esses estudos anteriores permitiram que eu vislumbrasse que o
canto espontâneo poderia ser uma forma não verbal de se “interrogar” a criança
pequena sobre sua percepção do mundo. Surgiu, então, a idéia de se investigar
mais profundamente as relações entre a criança, a música e o tempo. Qual
5
seriam as relações entre o desenvolvimento da percepção do tempo de
crianças de dois a seis anos com seu canto espontâneo?
Meu interesse pelo estudo do tempo foi também desencadeado pelo professor
H. J. Koellreutter, ainda na década de oitenta. Abordagens filosóficas e
históricas sobre o assunto são inúmeras e têm sido alvo de reflexão desde a
Antiguidade (Aristóteles, Agostinho, Newton, Leibniz, entre outros) (MOURA,
2007). Entretanto, estudos que correlacionam a percepção do tempo da criança
com seu desenvolvimento cognitivo-musical são ainda escassos e pontuais. Os
clássicos estudos de Jean Piaget (1946, 1952, 1970, 1982) continuam sendo
uma importante referência, revisitados pelos estudiosos da psicologia cognitiva
que buscaram nas idéias de Vygotsky (1978) a explicação para as influências
sócio-culturais no desenvolvimento da criança. Essas idéias foram adotadas
nesse trabalho.
Como fundamentação teórica sobre questões relacionadas ao tempo, recorri
também à obra O Tempo Vivido (1973) de Eugène Minkowski, onde encontrei
elementos primordiais que auxiliaram na compreensão da experiência temporal
das crianças. Minkowski (1885-1972), inspirado em Henri Bergson (1859-1941)
constatou que, em nossas vidas, transitamos constantemente entre a “vivência
temporal natural e espontânea” e “a experiência racional do tempo medido”.
Esses dois conceitos de tempo foram de grande relevância para essa
pesquisa. Susanne Langer (1953) e George J. Whitrow (1993) permitiram que
eu compreendesse um pouco mais sobre as relações entre a musica, a criança
e o tempo.
6
É importante esclarecer que a expressão “percepção do tempo das crianças de
dois a seis anos”, utilizada nesse trabalho, deverá ser compreendida como a
forma intuitiva através da qual as crianças, nessa faixa etária, vão adquirindo e
refinando suas relações temporais. Não se trata, pois, de uma dimensão
conceitual do tempo.
Pesquisas com o objetivo de se investigar como crianças pequenas percebem
o tempo têm se mostrado difíceis por razões metodológicas. O próprio Piaget
(1946) chegou a essa conclusão em uma de suas obras. Mas a música cria
uma imagem do tempo delineada pelo movimento das “formas sonoras” e torna
o tempo audível, tornando sensíveis suas formas e sua continuidade
(LANGER, 1953). Para muitos autores, a música é o próprio tempo. Assim,
utilização da música como instrumento metodológico nessa pesquisa revelou-
se eficaz. Foram selecionados quarenta cantos espontâneos de crianças de
dois a seis anos (oito por faixa etária). Esses cantos foram analisados
musicalmente por jurados independentes. Destes dados, foi elaborada a
Análise de Conteúdo, da qual oito categorias musicais emergiram
espontaneamente. Finalmente, busquei verificar as relações dessas categorias
musicais com a percepção do tempo da criança de dois a seis anos.
O corpo da tese foi organizado em seis capítulos. Procurei utilizar uma
linguagem passível de ser compreendida por leitores o familiarizados com a
terminologia musical, uma vez que essa pesquisa tem também, como público
alvo, profissionais da saúde. No Capítulo 1, apresento a metodologia utilizada
para a realização do trabalho; no Capitulo 2, uma revisão da literatura
7
acerca das relações entre o tempo e a música. No Capítulo 3, trato do
desenvolvimento cognitivo de crianças de dois a seis anos. O Capítulo 4
descreve e compara quatro teorias do desenvolvimento musical. O Capítulo 5
apresenta uma revisão de literatura sobre o canto espontâneo. No Capítulo 6
são apresentados os resultados e a discussão, e, finalmente, no Capítulo 7,
apresento as conclusões desse trabalho. Os Anexos incluem a autorização do
COEP-UFMG
3
e os Termos de “Consentimento Informado”, que foram
enviados e preenchidos pelos jurados que participaram da investigação.
Acredito que essa pesquisa possa ter desdobramentos extramusicais e servir
de estímulo e recurso para estudos voltados ao desenvolvimento da criança
com implicações na puericultura, na neurologia pediátrica, na psicologia infantil,
na psicopedagogia, na musicoterapia, na educação musical e em outras área
correlatas.
3
COEP-UFMG é a sigla do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG
CAPÍTULO 1
METODOLOGIA
9
1 - METODOLOGIA
1.1 – Delineamento
Este estudo é de natureza exploratória. A pesquisa exploratória tem como prin-
cipais objetivos “proporcionar maior familiaridade com o problema” e assim
“torná-lo mais explícito”, e aprimorar “as idéias e intuições” do pesquisador (GIL,
2002, p.41). O planejamento da pesquisa exploratória caracteriza-se por sua
flexibilidade, podendo envolver desde levantamento bibliográfico e entrevistas
até análises de exemplos representativos do assunto em questão, o que é, jus-
tamente, o caso dessa investigação.
1.2 – Problema
Em dissertação de mestrado, foram investigadas as relações entre o desenvol-
vimento cognitivo da criança de três a seis anos e seu canto espontâneo. En-
tretanto, questões emergentes desse estudo, relacionadas à forma como o fe-
nômeno tempo se manifestou nas músicas criadas pelas crianças, chamaram
especialmente nossa atenção. É provável que a criança manifeste sua forma
de perceber o tempo através de sua produção musical espontânea. Questões
fundamentais surgiram a partir daí: existe uma relação significativa entre a evo-
lução do canto espontâneo e o desenvolvimento da percepção do tempo em
crianças? Poderia o canto espontâneo ser considerado um instrumento capaz
de explicitar a vivência que a criança tem do fenômeno tempo?
10
1.3 – Hipótese
A percepção que a criança de dois a seis anos tem do fenômeno tempo se ma-
nifesta em seu canto espontâneo.
1.4 – Objetivos da pesquisa
OBJETIVO GERAL:
Investigar o desenvolvimento da percepção do tempo em crianças de dois a
seis anos a partir de seu canto espontâneo.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
1) Fazer uma revisão de literatura acerca dos seguintes assuntos:
Os conceitos de tempo ao longo da história.
As relações entre o tempo e a música.
O desenvolvimento cognitivo da criança de dois a seis anos.
As teorias do Desenvolvimento Musical de H. Gardner (1973), H.J. Koell-
reutter (1984), K. Swanwick (1986) e D. Hargreaves (1996).
A origem e a evolução do canto espontâneo, do nascimento aos seis
anos.
2) Analisar quarenta cantos espontâneos de crianças de dois a seis anos, privi-
legiando oito cantos de cada uma dessas idades.
11
3) Estabelecer categorias musicais para análise dos cantos espontâneos de
crianças entre dois e seis anos.
4) Verificar as relações dessas categorias com o desenvolvimento da percep-
ção do tempo em crianças nessa faixa etária.
1.5 – Amostra e natureza dos dados
A amostra deste estudo consiste de cantos espontâneos produzidos por crian-
ças, alunas do Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical. Essa é uma escola
particular de sica, considerada referência em Belo Horizonte, fundada em
1971 e pioneira, nessa cidade, no trabalho musical com crianças menores de
cinco anos de idade.
Os cantos espontâneos, gravados no período de 2001 a 2005 com equipamen-
to digital de alta performance, fazem parte do acervo do Núcleo Villa-Lobos de
Educação Musical. Eles podem ser considerados dados existentes, ou seja,
“dados presentes na situação em estudo e que podem ser utilizados na pes-
quisa sem modificações” (LAVILLE & DIONNE, 1999).
A amostra foi determinada por critérios de tipicidade e oportunidade, o que se
justifica pela natureza do estudo. Portanto, ela foi formada em função das “es-
colhas explícitas do pesquisador, a partir das necessidades de seu estudo”
(LAVILLE & DIONNE, 1999). Uma seleção randômica poderia eliminar justa-
mente os casos mais típicos e representativos da faixa etária selecionada.
12
Assim, foram selecionados quarenta cantos espontâneos considerados exem-
plares, os quais foram distribuídos de forma homogênea, oito cantos para cada
idade (dois a seis anos), de acordo com os seguintes critérios:
músicas criadas espontaneamente durante as aulas de música;
músicas vocais, com ou sem letra;
músicas diversificadas e representativas de cada idade (“esboço de canção,
canção pot-pourri, canção imaginativa e canção transcendente”). Essas
modalidades de canto espontâneo foram identificadas nos trabalhos de Mo-
og (1976), Sloboda (1985), Davies (1992) e Parizzi (2005a, 2006).
Sobre isso, Hargreaves et al (1986) enfatizam que estudos envolvendo formas
de manifestações artísticas devem ser baseados em atividades relacionadas
aos conteúdos trabalhados durante as aulas e não em “testes importados de
laboratórios de psicologia”. Esta investigação foi realizada a partir de cantos
espontâneos criados pelas crianças em seu contexto real de aula, portanto,
sem possibilidades de manipulação ou controle.
Os quarenta cantos selecionados foram gravados em CD, e, posteriormente,
submetidos a doze jurados independentes, conforme será descrito no item 1.6
(Método).
1.6 - Faixa Etária
A fala e o canto parecem se desenvolver de forma indiferenciada até cerca dos
doze meses. Aos poucos, em algum momento após completar um ano de ida-
de, a criança começa a falar e a exercitar seus primeiros cantos espontâneos.
13
Esse canto passa a ser mais nitidamente percebido entre os dezoito e vinte a
quatro meses de idade (SLOBODA 1985, p.202; HARGREAVES 1986, p.67).
Optamos por trabalhar com o canto espontâneo de crianças entre dois e seis
anos porque elas já freqüentam as aulas de música sem a presença dos pais, o
que as deixa mais livres para criar com um mínimo de interferência possível.
Além disso, elas são capazes de estabelecer rapidamente um vínculo afetivo
com o professor de música, condição imprescindível para que o trabalho possa
ser desenvolvido. Essas crianças, alunas do Núcleo Villa-Lobos, freqüentam
uma aula de música semanal, de uma hora de duração. As aulas são coletivas,
organizadas em grupos de três a cinco alunos.
As crianças cujos cantos foram selecionados para essa pesquisa não foram
submetidas a avaliações médicas ou psicológicas específicas para a realização
dessa investigação. Todas elas têm seu desenvolvimento acompanhado por
pediatras e não há registro de anormalidades.
1.7 – Método
1. 7.1 – Análise de Conteúdo
Os quarenta cantos selecionados (oito de cada uma das idades) foram orga-
nizados em dois CDs, com vinte músicas em cada um (quatro de cada uma
das idades). A partir daí, foi iniciado o procedimento empírico dessa investiga-
ção.
14
Doze jurados foram convidados através de carta (ANEXOS 1 e 2) para analisar
musicalmente os cantos espontâneos selecionados. É importante esclarecer
que a opção por essa abordagem metodológica decorreu da necessidade de se
garantir a devida imparcialidade dos resultados da pesquisa. Como a pesqui-
sadora tinha um envolvimento pessoal com as crianças cujos cantos espontâ-
neos foram estudados, caso as análises musicais fossem realizadas por ela
própria, haveria o risco de que os resultados pudessem ser alterados em de-
corrência dessa proximidade.
O júri foi composto por educadores musicais e por compositores de reconheci-
da competência. Os doze jurados foram divididos em dois grupos (Grupo 1 e
Grupo 2) formados por seis membros cada um. Os seis jurados do Grupo 1
foram identificados por A1, B1, C1, D1, E1 e F1; e os do Grupo 2 por A2, B2,
C2, D2, E2 e F2. Cada grupo ficou encarregado da análise de um dos dois
CDs elaborados para a pesquisa, ou seja, de vinte cantos (quatro cantos de
cada uma das idades).
Esse número de jurados (doze) se justifica pelo fato de que a elaboração de
uma análise musical é algo complexo e trabalhoso. Seria praticamente inviável
conseguir a colaboração de profissionais consagrados no meio musical caso o
número de análises excedesse os vinte cantos estabelecidos para cada jurado.
Assim, cada um dos jurados recebeu um CD contendo vinte faixas anônimas,
com quatro faixas correspondentes a cada idade (quatro cantos de dois anos,
quatro cantos de três anos, etc.). Como havia dois grupos com o mesmo núme-
15
ro de jurados, cada uma das idades (dois, três, quatro, cinco, e seis anos) foi
representada com oito faixas no total. Os jurados analisaram as músicas se-
gundo seus próprios critérios.
A partir daí, foi utilizada a técnica da Análise de Conteúdo. Esse tipo de análise
de natureza qualitativa tem como objetivo explorar a estrutura e os elementos
do conteúdo (neste caso, os dados fornecidos pelos jurados), visando esclare-
cer suas diferentes características e extrair sua “significação” (LAVILLE e DI-
ONNE, 1999). Esse procedimento metodológico implica em um “estudo minu-
cioso do conteúdo, das palavras e frases, procurando encontrar-lhes o sentido,
captar-lhes as intenções, comparar, avaliar, descartar o acessório, reconhecer
o essencial e selecioná-lo” (ibid). O pesquisador agrupa as unidades de “signi-
ficação aproximada” para obter um grupo inicial de “categorias rudimentares”
as quais, ao longo do processo, serão refinadas em direção às “categorias fi-
nais”. Esse tipo de Análise de Conteúdo é denominado “modelo aberto”, uma
vez que as categorias “emergirão no curso da própria análise” (LAVILLLE e
DIONNE, 1999).
Os dados fornecidos pelos doze jurados foram, então, submetidos à Análise de
Conteúdo. A partir dessa análise, observamos que alguns fenômenos se mani-
festaram de modo mais evidente nas sicas produzidas pelas crianças. Es-
ses padrões musicais recorrentes nos cantos espontâneos foram então agru-
pados por afinidade e oito categorias emergiram: estruturação tmica, dire-
cionamento, forma, estruturação melódica, caráter expressivo, contrastes, texto
16
e influências culturais específicas. Essas oito categorias estão amplamente
detalhadas no Capitulo 6 dessa pesquisa (Resultados e Discussão).
É importante ressaltar que os padrões musicais que conduziram às categorias
foram apontados pelos jurados dos dois grupos (doze jurados ao todo) de ma-
neira praticamente unânime. Houve uma eventual omissão de algumas catego-
rias por parte de alguns jurados em algumas análises. Mas o foi detectada
nenhuma idéia oposta ou conflitante entre os membros do ri dos dois grupos.
Esse fato pode ser explicado por dois fatores: pela formação musical dos
membros do júri, calcada na música ocidental e por alguns pilares presentes na
linguagem musical de todas as culturas, como as repetições e as “novidades”;
o tratamento rítmico regular ou irregular; os contrastes enfatizados ou não, en-
tre outros. Esses pilares “derrubam” as fronteiras entre as músicas das diver-
sas culturas, pois estão presentes de forma subliminar na linguagem musical
de maneira geral
1
(FRITZ et al, 2009).
A partir daí, verificamos as relações das categorias musicais com o desenvol-
vimento da percepção do tempo na criança de dois a seis anos, fundamenta-
dos no referencial teórico estudado, o qual será apresentado a seguir.
1
1
Como esse assunto não se refere diretamente à pesquisa, não nos ateremos a ele.
CAPÍTULO 2
O TEMPO E A MÚSICA
18
2 - O TEMPO E A MÚSICA
2.1 Tempo – conceito ou enigma?
“O tempo é um dos enigmas centrais da realidade humana” (WHITROW, 1993).
Na tentativa de entendê-lo e de conceituá-lo, filósofos, psicólogos, físicos e ma-
temáticos têm apresentado, ao longo dos séculos, diferentes visões que reve-
lam as várias linhas de pensamento, ora contraditórias, ora congruentes, que
se estabeleceram sobre o assunto. Fundamentalmente, essas linhas de pen-
samento convergem para dois pontos de vista: o primeiro concebe o tempo
como uma realidade em si, externa ao homem, absoluto e imóvel, passível de
ser contemplado e descrito objetivamente; o segundo concebe o tempo como
um artifício de percepção humana, uma propriedade da mente, uma “criação”
humana, um fenômeno subjetivo, associado à necessidade de entender e rela-
cionar experiências existenciais (MOURA, 2007).
Platão, no século V a.C. talvez motivado pelo movimento circular “eterno e imu-
tável” dos céus, defendeu a idéia do tempo como uma realidade externa, imu-
tável, incorruptível e eterna. Na concepção platônica, tempo e o mundo” estão
irremediável e eternamente ligados (MOURA, 2007).
Santo Agostinho, no século IV, também admitia o tempo como algo estabeleci-
do a priori; em sua concepção, Deus criara simultaneamente o mundo e o tem-
po e, antes da Criação, havia uma “eternidade atemporal”. Porém, ao contrário
de Platão, seu enfoque enfatiza a maneira como a mente apreende o tempo.
Agostinho pensou o tempo em termos introspectivos sugerindo que passado e
19
futuro são intuições da mente, pois apenas o presente, indivisível, existe. Na
visão agostiniana, o passado e o futuro são experienciados subjetivamente
como “momentos do presente na mente”, por meio da memória e da expectati-
va (VANCE, 1982, p. 20).
O que é o tempo? Se ninguém, me perguntar, eu sei, se qui-
ser explicar, não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem re-
ceio de contestação, que se nada sobreviesse não haveria
tempo futuro e se nada houvesse não haveria tempo presente
(...). Os tempos são três: presente das coisas passadas, pre-
sente das presentes, presente das futuras (SANTO AGOSTI-
NHO)
Séculos depois, Isaac Newton (1643-1727), numa releitura platônica do tempo,
define matematicamente o tempo como uma realidade externa, independente
de eventos e ontologicamente anterior a qualquer evento (portanto, existente
mesmo antes da criação do mundo). Essa foi uma das bases da idéia newtoni-
ana do tempo absoluto: "verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua pró-
pria natureza, fluindo uniformemente sem relação alguma com o exterior"
(FRASER, 1990, p. 29). Essa concepção é um dos pilares matemáticos da físi-
ca clássica.
A idéia newtoniana de tempo absoluto foi refutada por seu contemporâneo
Leibniz (1646-1716) sob a argumentação lógica que os instantes, considerados
sem as coisas, não teriam sentido. Esse questionamento, parte da célebre con-
trovérsia vivida por esses dois ilustres contemporâneos, estimulou intensamen-
te a pesquisa e a reflexão filosófica acerca do tempo. A maior parte dos filóso-
fos posteriores (principalmente Kant e Hegel) tendeu a considerar o tempo co-
mo representação intelectual e não como uma realidade em si (MOURA, 2007).
20
Pelo caminho da física, Einstein, no início do século XX, refutou de modo cate-
górico a concepção newtoniana de tempo absoluto quando formulou a teoria
especial da relatividade segundo a qual, para se falar de tempo, o observador
não pode ser desconsiderado. Numa perspectiva filosófica, Einstein propôs que
“tempo e espaço são modos pelos quais pensamos, e não condições nas quais
vivemos” (ROWELL, 1990, p. 354).
Essa linha de reflexão marcou a filosofia do século XX (Bergson, Husserl, Hei-
degger, etc.) e enfatizou o conceito de que o tempo é, de alguma maneira, um
artifício da percepção humana. Koellreutter (1984) afirma que “se não houves-
se eventos não haveria o tempo”. Conseqüentemente, como coloca Clifton,
“são os eventos, vivenciados pelas pessoas, que definem o tempo” (apud
KRAMER, p. 5). Kramer reforça essa idéia quando afirma que “eventos, não o
tempo, estão em fluxo”.
O tempo é uma relação entre as pessoas e os eventos que e-
las percebem, ou uma abstração, uma dedução inferida pelo
homem (como um observador), depois de testemunhar e expe-
rimentar eventos organizados em determinados modos
(KRA-
MER, 1988, p. 5).
A definição de tempo proposta por Kramer deriva da sensação de repetitividade
e alternância provida pela recorrência contínua e alternada, em intervalos regu-
lares, de eventos similares e claramente identificáveis. Se os eventos fossem
eternamente diferentes e inidentificáveis, o tempo não existiria para o homem,
e o mundo muito possivelmente seria caótico (DÜRR, 1968, p. 182).
21
2.2 A percepção do tempo - Tempo vivido & tempo cronológico
Na vida cotidiana, quando pessoas falam sobre o tempo, instintivamente se
reportam ao relógio, ou ao calendário e atribuem a cada acontecimento um
ponto fixo que pode ser expresso em termo de anos, meses, horas da “distân-
cia” que o separa daquele dado momento (MINKOWSKI, 1973, p.17). Trata-se
do tempo “mensurável”, ou, citando Bergson (apud MINKOWSKI, 1973, p. 17),
do tempo “assimilado ao espaço”. O fato de serem utilizados termos como
“medida”, “distância”, ”intervalo” para ambos, tempo e espaço, reforça as pala-
vras desse autor.
Para Minkowski (1973, p. 17) os atributos espaciais aplicados ao fenômeno
tempo são estreitos e simplistas, e dele constituem apenas uma parte racional
e abstrata. O tempo assimilado ao espaço peca pelo excesso de estatismo
(MINKOWSKY, 1973, p. 19). Se ele for decomposto em pontos justapostos e
se fizermos desfilar mentalmente esses pontos a uma velocidade grande, cons-
truímos um quadro fiel do fluir da vida ao longo do tempo (MINKOVSKY, 1973,
p. 21). O tempo vivido em nada se assemelha à cronologia. Esse “tempo vivi-
do” é um “oceano misterioso em movimento contínuo”, é muito mais rico e am-
plo e não pode ser percebido pelo pensamento discursivo, pois inclui as expe-
riências de duração, expectativa, recordação, desejo e esperança. São essas
“figuras temporais” que criam e recriam o tempo diante de nossos olhos
(BERGSON, apud MINKOWSKI, 1973).
22
Minkowski propõe que, em nossas vidas, transitamos constantemente entre a
“vivência temporal natural e espontânea” “tempo vivido” e “a experiência ra-
cional do tempo medido” ou tempo cronológico e, em função disso, experimen-
tamos o tempo de duas formas radicalmente diversas: como um “fenômeno
não racional, refratário a toda forma de conceituação”, ou como algo racional
quando “tentamos representá-lo sob a forma de uma linha reta”.
O tempo vivido e o tempo cronológico são denominados em conjunto por Da-
másio (2009) como “tempo mental”, que ele define num tom poético:
Apesar do tique-taque constante do relógio, a passagem das
horas pode parecer rápida ou lenta, curta ou longa. E essa vari-
abilidade ocorre em diferentes escalas de décadas, estações,
semanas, dias ou minutos, até minúsculos intervalos musicais –
como a duração de uma nota ou o momento de silêncio entre
dois acordes.
Damásio (2009) refere-se ainda a uma outra forma de tempo, o “tempo corpo-
ral” ou “relógio biológico”, resultado do desenvolvimento da percepção do eter-
no ciclo natural do amanhecer e do anoitecer, no decorrer da evolução huma-
na.
Ainda não é claro se o “tempo mental” se relaciona com o relógio biológico do
tempo corporal ou se depende de algum mecanismo de registro temporal ainda
desconhecido. Damásio (2009) e Whitrow (1993) sugerem que o tempo mental
deva ser determinado pela atenção que o homem dispensa às suas experiên-
cias e às emoções que sente durante esses eventos. Se o que está sendo rea-
lizado interessa à pessoa e lhe traz prazer, o tempo parece curto. Quanto mais
atenção é dedicada ao próprio tempo, isto é, à sua duração, mais longo ele
parece. Entretanto, o sentido de duração é afetado não apenas pelo estado
23
emocional e grau de atenção no que se está fazendo, mas também pelo estado
físico de um modo geral, podendo ser distorcido por drogas, ou por situações
de grande impacto emocional, como confinamentos prolongados em ambientes
desagradáveis. O sentido de duração parece também ser influenciado pelo
modo como as experiências são processadas pela memória. Estudos recentes
sugerem que o “processamento do tempo e certos tipos de memória provavel-
mente compartilham alguns caminhos neurológicos comuns” (DAMASIO, 2009,
p. 42).
Em última análise, não evidências de que o ser humano nasça com qual-
quer consciência temporal (WHITROW, 1993); as idéias de tempo não o ina-
tas nem aprendidas automaticamente. As idéias temporais são construções
intelectuais que resultam da experiência e da ação (PIAGET, 1970).
As relações do tempo com a música têm gerado profundas reflexões que não
poderiam deixar de estar presentes nesse trabalho.
2.3 A música e o tempo
O ser humano vive imerso em linguagens
1
. A palavra (falada e escrita) é de tal
forma predominante na comunicação cotidiana, que costumamos não perceber
que ela é “apenas” uma dentre as cinco linguagens mais utilizadas na comuni-
cação do dia-a-dia: a mímica facial, a gestualidade, a palavra, a matemática e a
música. (LEHMANN, 1993)
1
Utilizamos aqui o termo linguagem no sentido que lhe atribui Maturana (1990): um conjunto organizado de signos que
permite a coordenação consensual de condutas entre seres humanos.
24
A sica faz parte das linguagens artísticas; as artes (assim como a gestuali-
dade e a mímica facial) se constituem como um conjunto de linguagens que
existem para expressar tudo aquilo que é inefável, ou seja, tudo o que não
possa ser nomeado ou descrito por palavras. As artes (inclusive as artes da
palavra, como a poesia) expressam o indescritível, o indizível: as emoções e as
sensações.
A música é, por excelência, a linguagem que expressa a experiência humana
da temporalidade.
A música, por sua natureza, é essencialmente incapaz de des-
crever diretamente o que quer que seja. A finalidade essencial
do fenômeno musical é estabelecer uma ordem nas coisas,
principalmente na relação entre o homem e o tempo. (STRA-
VINSKY, 1977).
A música transcorre no tempo e seu caráter é estritamente temporal (THAUT,
2006). A base física da música é fundamentada nos padrões das vibrações
sonoras de onde emergem duas dimensões da temporalidade: uma simbolizá-
vel pela verticalidade simultaneidade das vibrações (sons) e a outra pela ho-
rizontalidade sucessão das vibrações. A natureza particular da música permi-
te que ambas dimensões se expressem ao mesmo tempo. Essas duas dimen-
sões organizam os sons sequencialmente e simultaneamente sob a forma de
padrões e estruturas que geram a linguagem musical. Entretanto, de forma dis-
tinta da fala (da palavra), a música não é uma linguagem associativa e sim uma
linguagem perceptual cuja estrutura intrínseca transmite, transporta e veicula
significados inefáveis. Com a música, o cérebro humano cria e experimenta um
processo integrado de percepção e ão, único e altamente complexo em ter-
mos de organização temporal.
25
O tempo, compreendido como um artifício da percepção humana para criar
uma
relação entre as pessoas e os eventos
,
é análogo à musica. A música e o tem-
po podem ser compreendidos como “conceitos correlatos ou duais duas ex-
pressões do mesmo fenômeno”, pois ambos compartilham características co-
muns:
A música e o tempo são percebidos como sequências de eventos;
A música e o tempo implicam em algum tipo de recorrência para terem sen-
tido (MOURA, 2007).
Alguns autores são radicais quando se referem à relação música-tempo: Kra-
mer (1988) considera a música como o próprio tempo ou uma forma dele: “O
tempo transforma-se em música”; e “[...] a música cria o tempo”. Koechlin (apud
LANGER, 1953, p. 116), considera que existem quatro categorias filosóficas de
tempo: (1) tempo da “pura intuição” (o desenrolar da vida); (2) tempo psicológi-
co (dependente das impressões individuais); (2) tempo cronológico (medido por
meios matemáticos); e (4) tempo musical ou tempo audiente.
Langer (1953) faz uma reflexão contundente sobre o tempo musical. Do mes-
mo modo que Bergson (apud SILVA, 2006) e Minkowski (1973), essa filósofa
desdobra o conceito que considera o tempo um artifício da percepção humana
em duas categorias:
o tempo do relógio, “o tempo como pura seqüência”, uma abstração es-
pecial da experiência temporal mediada pelos relógios. Essa forma de
percepção temporal nos remete ao tempo “mensurável”, o tempo “assi-
milado ao espaço”, ou tempo cronológico, “simbolizada por uma classe
26
de eventos ideais, indiferentes entre si mesmos, mas estendidos numa
‘densa’ e infinita série pela relação única da sucessão” (LANGER, 1953,
p. 111). Esse tempo do relógio é o único sistema adequado que conhe-
cemos para sincronizar assuntos práticos, para datar eventos passados
e para construir alguma perspectiva de eventos futuros. Ele pode, além
disso, ser elaborado a fim de ir ao encontro de exigências de um pen-
samento muito mais preciso do que o bom senso. O tempo científico
moderno é um refinamento sistemático do “tempo do relógio”.
o tempo vital, que não pode ser percebido como um período de tempo
medido em minutos ou horas, ou alguma fração de dia, pois é radical-
mente diferente desse tempo medido no qual transcorre nossa vida pú-
blica e prática. Esse tempo vital é completamente incomensurável se
comparado à seqüência dos eventos da vida prática. E essa é, segundo
essa autora, a categoria da duração musical. “Esse tempo vital é a ilu-
são primária da música”. Dessa forma, a música é uma imagem do tem-
po vital “a passagem da vida que sentimos à medida que as experiên-
cias se tornam agora e agora”. Tal passagem é mensurável apenas em
termos de sensibilidades, tensões e emoções; e não tem apenas uma
medida diferente, mas uma estrutura completamente diferente do tempo
prático (LANGER, 1953).
Toda música cria uma ordem de tempo virtual no qual as formas sonoras se
“movem” umas em relação às outras. O tempo virtual está o separado da se-
qüência de acontecimentos reais quanto o espaço virtual o está do espaço real.
27
Esse tempo virtual é perceptível exclusivamente através da utilização de um
único sentido – a audição.
Os elementos da música não são tons dessa ou daquela altu-
ra, duração ou intensidade, nem acordes e batidas medidas;
eles são como todos os elementos artísticos, algo virtual, cria-
do apenas para a percepção humana (LANGER, 1953, p.114).
Toda música, que se vincula ao curso normal do tempo cronó-
gico (ou que se desvincula dele), estabelece uma relação par-
ticular, uma espécie de contraponto entre o transcorrer do
tempo, sua duração própria e os meios materiais e técnicos a-
través dos quais a música se manifesta (STRAVINSKY, 1977).
A música cria uma imagem do tempo delineada pelo movimento das “formas
sonoras”. “A música torna o tempo audível, tornando sensíveis suas formas e
sua continuidade”. A sica é um conjunto de “formas sonoras moventes”.
(HANSLICK apud LANGER, 1953, p. 114). Sobre as relações da música com o
tempo e com a memória, escreveu Stravinsky (1977, p.32)
A música se estabelece na sucessão do tempo e por isso re-
quer uma memória vigilante. A música é, pois, uma arte da cro-
nologia enquanto a pintura é uma arte espacial (STRAVINSKY,
1977, p. 32).
O tempo existe para nós porque experimentamos tensões (físicas, emocionais
ou intelectuais) e relaxamentos (soluções das tensões). O modo peculiar como
acumulamos essas tensões e suas resoluções formam uma grande variedade
de formas temporais. Se a vida fosse uma sucessão de tensões orgânicas ho-
mogêneas e sucessivas, talvez o tempo subjetivo fosse unidimensional como o
tempo marcado pelo relógio. Mas a vida é sempre um tecido denso de tensões
concorrentes e, cada uma delas é uma experiência temporal uma “medida”
peculiar de tempo. Isso faz com que nossa experiência temporal “se desmante-
le em elementos não mensuráveis, que não podem ser percebidos em conjunto
28
como formas nítidas” (LANGER, 1953). Se uma dessas medidas for tomada
como parâmetro, as outras se tornam “irracionais”, fora de foco em termos lógi-
cos. Essa sucessão de tensões e relaxamentos é responsável por impingir
mais qualidade do que quantidade à passagem do tempo.
Assim é o modelo de tempo virtual criado pela música: uma imagem da experi-
ência temporal individual tensões musicais representando tensões existenci-
ais, “qualidades” musicais representando o conteúdo qualitativo do viver. A
música é a imagem sonora do transcorrer da vida, abstraída da realidade para
tornar-se livre e plástica e...inteiramente perceptível.
2.4 O tempo na música
Esculturas e pinturas são estruturas espaciais; elas “estão” no espaço; músicas
são estruturas temporais; elas “estão” no tempo. Esculturas e pinturas ocupam
o espaço; músicas ocupam o tempo duram... “A escultura forma ao silên-
cio do espaço; a música torna o tempo audível” (LANGER, 1953).
O viver é um fluxo contínuo de tensões e relaxamentos. Percebemos a duração
da vida porque percebemos o aumento e a diminuição de nossas tensões e-
mocionais, físicas e intelectuais. Assim como a vida, obras musicais o su-
cessões de tensões e relaxamentos; a disposição dessas tensões e relaxamen-
tos numa obra musical o discurso musical determina o caráter expressivo
dessa obra.
29
Os procedimentos musicais que permitem a construção, no tempo, do discurso
musical são, fundamentalmente, três:
A Estruturação Rítmica
O Direcionamento
A Forma musical
Esses conceitos serão devidamente comentados por meio de uma linguagem
adequada à compreensão de pessoas que não tenham familiaridade com a
terminologia musical.
A Estruturação Rítmica é o principal e o mais evidente indicador de fluxo tem-
poral e de periodização da duração na obra musical. O conceito de rítmica mu-
sical engloba três conceitos correlatos: pulso, compasso (métrica) e ritmo.
O Pulso é a unidade fundamental de medida da velocidade do decurso
musical. Quando batemos palmas ou batemos o pé no chão ao ouvirmos
uma obra musical, estamos marcando o pulso dessa obra.
O fluxo musical é dividido em unidades regulares (ou, menos frequente-
mente, irregulares) os Compassos que compreendem um número
definido de pulsos musicais. Os compassos são unidades de tempo mu-
sical, assim como o metro ou o centímetro são unidades de medidas do
espaço.
30
As três modalidades mais frequentes de compassos são o binário (cons-
tituído por dois pulsos), o ternário (constituído por três pulsos) e o qua-
ternário (constituído por quatro pulsos). O procedimento musical que nos
permite perceber o número de pulsos contido num compasso chama-se
acentuação métrica ou apenas Métrica. A acentuação trica define o
primeiro pulso de um compasso – por exemplo, num compasso ternário:
1-2-3 | 1-2-3 |,
a acentuação métrica salientaria o pulso 1 que, numa metáfora gráfica,
se tornaria:
1-2-3 | 1-2-3 |.
Na maior parte das obras musicais, a métrica é explícita e, em geral, e-
videnciada por um som que se destaca por ser mais forte, mais grave,
ou produzido por um instrumento cuja sonoridade é diferente dos de-
mais; instrumentos de percussão são muito utilizados na música popular
para explicitar a métrica. Uma das canções mais conhecidas de nossa
cultura – “Parabéns para você” é ternária. Quando a cantamos, batemos
uma palma para cada pulso e acentuamos algumas sílabas:
para|béns pra vo|cê ... nesta | da ta que |
ri da muitas | fe li ci | da des muitos | a nos de | vi da.
Essas sílabas acentuadas (em negrito e grifadas) são as sílabas pro-
nunciadas com maior intensidade e representam a acentuação métrica
31
que damos, por tradição, à essa canção; todos aprendemos a cantar
“Parabéns” por “tradição oral”.
Sobre a métrica, escreveu Stravinsky:
A métrica nos ensina em quantas partes iguais se divide a uni-
dade musical (compasso). Ela nos oferece elementos de sime-
tria. A função do ritmo consiste em ordenar os movimentos ao
dividir as quantidades proporcionais nos compassos.
(STRA-
VINSKY, 1977, p. 33)
O Ritmo é a sucessão das durações dos sons; o ritmo é um dos princi-
pais elementos que tornam singular uma obra ou um trecho de uma obra
musical. Se cantarmos o Hino Nacional Brasileiro variando os valores
das durações dos sons que correspondem às sílabas da letra da música,
ele será certamente descaracterizado havendo, inclusive, a possibilida-
de, se a modificação no ritmo for muito acentuada, de que ele não seja
reconhecível como o Hino Nacional.
O Direcionamento, importante indicador de fluxo temporal de uma obra musi-
cal, é gerado pelas modificações na velocidade do fluxo (pulso) musical, na
intensidade, altura e no timbre dos sons, na disposição sequencial e articulação
dos eventos sonoros (por repetição, variação ou transformação) e na disposi-
ção hierárquica dos sons (a “tonalidade” musical). Esses procedimentos geram
uma sucessão de semelhanças e contrastes perceptivos, responsáveis diretos
pelas sensações de tensão e relaxamento, expectativa e certeza, movimento e
repouso, surpresas e lembranças que experimentamos quando ouvimos músi-
ca e que “conduzem e orientam” a nossa audição.
32
O sistema tonal, próprio da música ocidental desde o século XVII, é fundamen-
tado nesses direcionamentos. uma hierarquia entre os sons e a tendência
que prevalece é a convergência para a tônica (primeiro nota da escala) ao final
da obra, o que gera a sensação de conclusão. As escalas (sucessão escalar de
sete sons, que obedecem a uma ordem pré-estabelecida), os arpejos (sequên-
cias de algumas notas da escala a primeira, a terceira, a quinta e a oitava) e
os acordes (simultaneidade de alguns sons do arpejo) o procedimentos bási-
cos utilizados na música tonal. A tonalidade refere-se à escala sobre a qual a
obra musical foi construída (Dó Maior, menor, entre outras). Sobre a sensa-
ção de direcionamento gerada pela tonalidade, escreveu Stravinsky:
A tonalidade não é senão um meio de orientar a música a cer-
tos pólos de atração. A função tonal está sempre subordinada
ao poder de atração de pólos sonoros. Toda a música não é
mais que uma série de impulsos que convergem até um ponto
definido de repouso. A polaridade da tonalidade constitui em
certo modo o eixo essencial da música. A forma musical se tor-
naria inimaginável se faltassem esses elementos atrativos que
formam as partes de cada organismo musical e estão estreita-
mente ligados à sua psicologia. As articulações do discurso
musical descobrem uma correlação oculta entre o tempo e o
jogo tonal. Não sendo a música mais que uma sequência de
impulsos e repousos é fácil conceber que a aproximação e o
afastamento dos pólos de atração determinam de certo modo a
‘respiração’ da música (STRAVINSKY, 1977, p.39).
A Forma musical é a maneira como os eventos sonoro-musicais se organizam
no tempo. Essa organização acontece através da alternância entre a repetição
de “idéias” musicais e a introdução de novas “idéias”. Grandes compositores
escreveram sobre o assunto e definiram a forma musical à sua maneira. Edgar
Varèse (1883-1965), compositor francês, faz uma bela analogia entre o fenô-
meno da cristalização e a forma musical, para evidenciar a riqueza das possibi-
lidades formais em música.
33
Há a idéia. É a origem da estrutura interna. Essa última aumen-
ta, se agrupa de diversas maneiras e está constantemente a
mudar de direção, de velocidade, impulsionando ou repousan-
do devido a forças diversas. A forma é um produto dessa inte-
ração. As formas musicais são assim inumeráveis como as for-
mas de um cristal.
Considero a forma musical como um resultante, o resultado de
um processo. Sinto uma estreita analogia da forma musical
com o fenômeno da cristalização. O cristal se caracteriza por
uma forma externa e uma estrutura interna, ambas bem defini-
das. A estrutura interna depende da molécula, do mais minús-
culo arranjo de átomos, o mais ínfimo dos átomos com o mes-
mo fim e a mesma composição dos átomos cristalizados. O
aumento desta molécula gera todo o cristal. Mas, apesar da di-
versidade pouco considerável das estruturas internas, o me-
ro de combinações é, por assim dizer, infinito.
Varése reforça, poeticamente, que as “idéias”, que geram a forma musical, e-
mergem da imaginação e do inconsciente, no processo da criação artística:
A arte o nasce da razão. Ela é o tesouro mergulhado no in-
consciente, esse inconsciente que tem mais compreensão que
a nossa lucidez. Na arte, um excesso de razão é mortal. A be-
leza não provém de uma fórmula... é a imaginação que
forma aos sonhos (VARÈSE apud VIVIER, 1973, p.70).
Anton Webern (1883-1945), compositor austríaco, diz que a forma é “a maneira
como as idéias musicais se apresentam”. O autor diz que a forma introduz o
conceito temporal de ordem na música. Esse compositor enfatiza o processo
da repetição como um procedimento formal indispensável à inteligibilidade de
uma obra musical, pois, através desse procedimento, as idéias musicais são
reconhecidas.
Como o princípio da apreensibilidade (compreensibilidade) se
expressa nessa obra? Através da repetição. É ela que esna
base de toda a construção musical; todas as formas musicais
repousam sobre esse princípio, musicas de todas as épocas.
(WEBERN, 1984, p. 64).
34
A repetição de “motivos”, padrões rítmico-melódicos que constituem “a menor
parte auto-suficiente de uma idéia musical”, é muito utilizada em sicas de
todas as épocas (WEBERN, 1984, p. 63-64).
Essa sucessão de experiências perceptivas, que experimentamos quando ou-
vimos sica, evocam a experiência existencial da temporalidade, do fluxo da
vida. À semelhança da vida, as idéias musicais desfilam no tempo.
CAPÍTULO 3
A CRIANÇA DE DOIS A SEIS ANOS: COGNIÇÃO E
TEMPORALIDADE
36
3 -
A CRIANÇA DE DOIS A SEIS ANOS: COGNIÇÃO E TEMPORALIDADE
3.1 – A psicologia cognitiva
No mundo ocidental, Piaget foi um dos primeiros estudiosos a explicar o
conhecimento como uma construção efetiva e contínua, resultante de trocas
dialéticas efetuadas entre o indivíduo e o meio, ou seja, tudo que se dispõe
para um indivíduo enquanto desafio à sua inteligência (COUTINHO; MOREIRA,
2004, p.83). A teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo tornou-se uma
referência incontestável para os estudiosos do desenvolvimento e, a partir da
década de oitenta, passou também a servir de fundamentação teórica para o
estudo do desenvolvimento musical (HARGREAVES, 1986, p.31;
ZIMMERMAN, 1984, p.33).
As investigações sobre o desenvolvimento musical, que até então privilegiavam
a mensuração de habilidades auditivas, abriram espaço para a psicologia
cognitiva, principalmente após duas importantes publicações dos autores John
Davies (1978) e Diana Deutsch (1983), ambas denominadas The Psychology of
Music (HARGREAVES, 2004, p.3). Esse interesse decorreu da possibilidade de
se estudar o desenvolvimento musical através de recursos investigativos
semelhantes aos utilizados pelos cognitivistas, ou seja, observando-se o
comportamento da criança (HARGREAVES, 1986, p.15).
Os estudos piagetianos revelaram que o pensamento da criança se manifesta
em suas ações observáveis, portanto, em seu comportamento (ZIMMERMAN,
37
1984, p.31). Os mecanismos utilizados pela criança para pensar são derivados
das suas ações sobre os objetos no mundo exterior, a partir de uma estrutura
biológica definida geneticamente (GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005, p.346).
Assim, o pensamento, pode ser concebido como uma forma internalizada de
ação (HARGREAVES,1986, p.33). Por esta razão, Santrock afirma que as
crianças podem ser consideradas agentes ativos na construção de seu mundo
cognitivo (2004, p.308). Zimmerman acredita que “o pensamento é um reflexo
direto da ação que um indivíduo é capaz de realizar de forma explícita no
estágio sensório-motor, ou sutil, no estágio das operações formais” (1984,
p.31). Vale ressaltar que a neurociência contemporânea vem confirmar essas
idéias, partindo de modelos neuro-biológicos, que enfatizam a íntima relação
entre o cérebro e o comportamento:
O cérebro e o comportamento são muito diferentes, mas estão
ligados. O cérebro é um objeto físico, um tecido vivo, um órgão
do corpo. O comportamento é uma ação momentaneamente
observável, porém passageira. Ainda assim, um é responsável
pelo outro, que é responsável pelo outro, e assim por diante
(KOLB e WHISHAW, 2001, p.3).
Hargreaves e Zimmerman (1992) afirmam que a psicologia cognitiva procura
investigar como as pessoas “constroem modelos mentais de seus diversos
mundos (inclusive do mundo musical), os quais lhes possibilitam desenvolver,
planejar e expandir seu conhecimento e compreensão sobre as coisas” (apud
FRANÇA e SILVA, 1998, p.84).
De forma análoga, Sloboda (1985, p.5) atribui à psicologia cognitiva da música
a possibilidade de investigar “como a música é internamente representada,
como o conhecimento musical é organizado e armazenado e como as pessoas
se comportam musicalmente em conseqüência desta representação”. A
38
existência dessa representação é inferida, uma vez que não é possível
observá-la fisicamente. Ela se manifesta na forma como as pessoas ouvem,
tocam, criam e reagem à música (SLOBODA, 1985, p.3). Assim, “as principais
modalidades do comportamento musical se constituem em ‘janelas’ através das
quais os construtos mentais se manifestam e, portanto, podem ser
investigados” (FRANÇA e SILVA, 1998, p.84).
O desenvolvimento cognitivo é visto por Piaget como resultado da
diferenciação crescente e dinâmica dos esquemas cognitivos (HARGREAVES,
1986, p.33), definidos como um conjunto de registros dentro do sistema
nervoso (WADSWORTH, 1993 p.2). Os esquemas podem ser criados,
ampliados, modificados ao longo da vida. Seu grau de refinamento reflete o
nível de compreensão que a pessoa tem do mundo (WADSWORTH, 1993 p.2).
Segundo Wadsworth, (1993, p.5), eles constituem “estruturas internas das
quais brota o comportamento”. É através dos esquemas que os indivíduos se
adaptam ao meio. Quando a criança nasce, seus esquemas são, basicamente,
sensório-motores, como o ato de sugar, por exemplo. À medida que ela se
desenvolve, eles se tornam mais refinados, mais diferenciados, formando uma
rede cada vez mais complexa.
Os dois processos responsáveis pela transformação e desenvolvimento dos
esquemas ao longo da vida são a assimilação e a acomodação, considerados
por Piaget aspectos indissociáveis de qualquer aquisição motora ou cognitiva
(WADSWORTH, 1993, p.4). Esses processos funcionam contínua e
39
simultaneamente em nível biológico e intelectual, tornando possível todo
desenvolvimento físico e cognitivo (PULASKI, 1980).
O processo de assimilação permite que um novo dado, perceptual, motor ou
conceitual, seja integrado imediatamente aos esquemas existentes. Ela
resulta, pois, no crescimento ou na ampliação desses esquemas
(WADSWORTH, 1993, p.5). A palavra assimilar origina-se etimologicamente da
palavra adsimillo, derivada do latim: “fazer semelhante, parecido, igual”
(HOUAISS, 2001, p.362). O objeto externo é, pois, incorporado aos esquemas,
dos quais a pessoa dispõe. Wadsworth (1993, p.5) diz que os esquemas
podem ser comparados a balões, correspondendo a assimilação ao ato de
encher esses balões de ar. O balão aumenta de tamanho, mas não muda sua
forma inicial. De forma análoga, a assimilação amplia os esquemas existentes
sem transformá-los.
O processo de acomodação ocorre quando um estímulo não pode ser
prontamente assimilado (WADSWORTH, 1993, p.6). Neste caso, o indivíduo
tem que criar um novo esquema ou transformar um esquema prévio para
acomodar este novo estímulo. Etimologicamente esta palavra acomodação,
derivada do latim accommodo, significa “adaptar, ajustar” (HOUAISS, 2001,
p.62). Neste caso, é a pessoa que tem que se ajustar aos objetos ou modelos
externos (HARGREAVES, 1986, p.33). Assim, enquanto a acomodação
permite ao indivíduo perceber as diferenças e tende, por isso, a ser mais
qualitativa e analítica, a assimilação enfatiza as semelhanças, o que a torna
mais quantitativa e intuitiva (FRANÇA e SILVA, 1998, p.88). É importante
40
enfatizar que a acomodação torna possível, através da modificação dos
esquemas mentais, a assimilação de novos estímulos. Portanto, a assimilação
é sempre o produto final, quer a acomodação seja necessária ou não
(WADSWORTH, 1993, p.7).
Os conceitos de esquema, assimilação e acomodação são amplamente
utilizados pela psicologia cognitiva nos estudos sobre o desenvolvimento
musical. Estímulos musicais são percebidos pela criança através de seus
esquemas disponíveis. Estes esquemas correspondem às “representações
internas e abstratas do conhecimento a respeito das estruturas musicais”
(HARGREAVES, apud FRANÇA e SILVA, 1998, p.89).
Todas as experiências musicais significativas são
armazenadas na mente da criança. Os novos dados vão
sendo comparados aos existentes e, posteriormente, a eles
incorporados, num processo contínuo de assimilação e
acomodação (FRANÇA e SILVA, 1998, p.89).
Esse assunto, devido a sua relevância, será retomado em outros momentos
desse trabalho.
3.2 – Os estágios de desenvolvimento e o estágio pré-operacional
Piaget definiu o desenvolvimento como um processo contínuo, pois as
aquisições cognitivas ocorrem de forma gradual, através da constante criação e
da modificação dos esquemas (WADSWORTH, 1993, p.17). Entretanto, para
tornar possível uma melhor compreensão do desenvolvimento, desde o
nascimento à fase adulta, Piaget dividiu este período em quatro estágios (ibid).
41
Este assunto, exaustivamente abordado pela literatura científica, será
contemplado neste trabalho de forma sucinta.
Para identificar o estágio cognitivo específico de cada criança, Piaget elaborou
varias atividades-teste com o objetivo de avaliar sua capacidade de
conservação, seriação e classificação, dentre outras. Porém, vários fatores,
como o estado emocional da criança, seus antecedentes sócioculturais,
familiares e educacionais, bem como suas experiências anteriores com esses
tipos de teste podem exercer influências sobre os resultados. Por esta razão,
Flavell (1988, p. 448-449) afirma que esses estágios devem ser considerados
como “abstrações que auxiliam na compreensão do desenvolvimento e não
como entidades concretas e imutáveis”. É importante ressaltar que a
neurociência hoje vem confirmar os estágios piagetianos através da relação do
que ela define como “surtos de crescimento do rebro” com o
desenvolvimento cognitivo (KOLB e WHISHAW, 2001, p.258). “Os quatro
primeiros surtos de crescimento do cérebro coincidem perfeitamente com os
quatro estágios do desenvolvimento descritos por Piaget” (KOLB e WHISHAW,
2001, p.258).
O estágio inicial recebe de Piaget o nome de sensório-motor. A criança de
zero a dois anos desenvolve-se de um nível neo-natal, reflexo de sua
indiferenciação entre o eu e o mundo, para uma organização relativamente
coerente de ações sensório-motoras diante do ambiente imediato. Este estágio
compreende a evolução das capacidades necessárias para construir e
42
reconstruir objetos, principalmente através de imagens mentais e não através
da linguagem (ELKIND, 1982, p.38).
O estágio seguinte, denominado pré-operacional, estende-se aproximadamente
dos dois aos sete anos e caracteriza-se pelas primeiras tentativas da criança
em enfrentar um mundo novo dos símbolos (GARDNER, 1997, p.146-7).
Durante o próximo estágio - o das operações concretas - a criança (de sete a
onze anos) desenvolve referências conceituais estáveis e consegue aplicá-
las ao seu cotidiano (SANTROCK, 2004, p.220). Desenvolve-se
progressivamente nesta fase o pensamento reversível, assunto que será
tratado ainda nesse capítulo. A seguir, durante o estágio das operações
formais (onze a quinze anos), o adolescente é capaz de lidar de forma eficiente
não com a realidade que o cerca, mas também com o mundo das
possibilidades e das abstrações, desenvolvendo a habilidade de pensar sobre
seus próprios pensamentos” (ibid, p.221).
Como o foco dessa investigação é o canto espontâneo de crianças entre dois a
seis anos, o estágio pré-operacional, no qual se insere esta faixa etária,
receberá uma atenção especial.
3.2.1 – Principais formas de representação no período pré-operacional
O pensamento da criança pré-operacional não se prende mais aos eventos
perceptivos e motores, como no estágio anterior, tornando-se essencialmente
simbólico (WADSWORTH, 1993, p.51). A representação, “capacidade de
43
evocar por meio de um signo ou de uma imagem simbólica o objeto ausente ou
a ação ainda não realizada” (BATTRO, 1978, p. 211), constitui-se, pois, numa
das conquistas mais importantes nesse estágio. As formas mais relevantes de
representação, por ordem de seu aparecimento, são a imitação diferida, o jogo
simbólico, o desenho, e a linguagem falada (WADSWORTH, 1993, p.51).
Imitação diferida e jogo imaginativo
A imitação diferida é a capacidade da criança de “imitar objetos e eventos
distantes no tempo”, ou seja, fora do momento presente. Isto implica no fato de
que ela já é capaz de representar mentalmente o comportamento imitado
(WADSWORTH, 1993, p.52). Meltzoff (apud SANTROCK, 2004, p.167) afirma
que a imitação diferida pode começar a ocorrer em torno dos nove meses,
portanto muito antes do que imaginava Piaget. O conceito de imitação diferida
é bastante relevante nesse trabalho, pois muitas características musicais dos
cantos espontâneos das crianças podem ter sido imitadas de canções
conhecidas e armazenadas na memória.
O jogo simbólico, jogo imaginativo ou jogo de faz-de-conta – contém a essência
do estágio pré-operacional. Piaget afirma que a criança assimila a realidade de
acordo com suas próprias necessidades. Através do jogo ela pratica e amplia
sua capacidade de utilizar símbolos (BERK, 1994, p.232). Para Piaget, o jogo
representaria o prazer da criança em praticar seus esquemas internalizados
(WADSWORTH, 1993, p. 52-53). “No jogo imaginativo, criamos um mundo
44
para o qual estabelecemos as regras” (SWANWICK apud FRANÇA e SILVA,
1998, p. 97).
A visão piagetiana dos jogos imaginativos como mera prática de esquemas
simbólicos, tem sido considerada muito limitada (BERK, 1994, p.233-34).
Estudos têm demonstrado que os jogos imaginativos contribuem o apenas
para o desenvolvimento de habilidades cognitivas como também sociais
(SINGER e SINGER apud BERK, 1994, p.234). Vygotsky antecipara esta
idéia afirmando que “o jogo, sob uma lente de aumento, contêm todas as
possibilidades de desenvolvimento de uma forma condensada, constituindo-se
ele próprio numa grande fonte de desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1978, p.
103). Smith (apud HARGREAVES, 1986, p. 35) e Vygotsky (apud SANTROCK,
2004, p.35) enfatizam que o aprendizado através do jogo é mais significativo
quando este acontece através de interações sociais.
Convém lembrar que o brincar também pode ser considerado um aspecto
importante do fazer musical da criança. Isso é válido também para os adultos,
compositores e improvisadores, que enfatizam a importância do jogo em sua
atividade criativa musical (HARGREAVES, 1986; SWANWICK, 1983; FRANÇA
e SILVA, 1998; KOELLREUTTER, apud BRITTO, 2001).
Piaget afirma que, ainda no estágio sensório-motor, a criança se envolve em
atividades lúdico-motoras com o objetivo de controlar o meio ambiente através
de suas ações, o que lhes confere a sensação de “virtuosidade ou poder”
(SWANWICK, 1988, p.55). O balbucio, típico dos bebês a partir dos quatro
meses de idade, está relacionado ao fascínio da criança pelo som e ao prazer
45
de dominá-lo e de controlá-lo (MOOG apud SWANWICK, 1988, p.59).
Swanwick atribui o nome de mestria ou domínio a este prazer relacionado à
virtuosidade (1988, p. 42-4). Mais tarde, no final do estágio pré-operacional,
o jogo simbólico abre caminho para os jogos com regra, característicos dos
estágios posteriores de desenvolvimento.
A dialética, jogo imaginativo e imitação, pode ser explicada em termos de
equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. No jogo imaginativo predomina
a assimilação, no sentido de que brinquedos, pessoas, situações são
incorporados aos esquemas existentes. A imitação, por outro lado, é
caracterizada pela predominância da acomodação, pois “o pensamento da
criança é subordinado a modelos fornecidos pelo mundo exterior”
(HARGREAVES, 1986, p.35).
Qualquer experiência artística “envolve processos psicológicos essenciais do
jogo imaginativo, da mestria e da imitação, os quais se relacionam, no caso da
música, com a composição, performance e com a apreciação musical”,
respectivamente (SWANWICK, 1988). Como no jogo imaginativo, uma pessoa
ao compor, organiza os sons de acordo com as regras que ela própria
estabelece, priorizando, portanto, o processo de assimilação (FRANÇA e
SILVA, 1998, p.97). A mestria, enfatizada na performance, relaciona-se ao
prazer gerado pela virtuosidade de se controlar habilidades motoras e musicais
(ibid). A apreciação musical relaciona-se à imitação, uma vez que “o ouvinte
tem que se acomodar às características da música que escuta, ou seja, às
características de um objeto externo” (FRANÇA e SIVA, 1998, p.97).
46
A imitação em arte não é uma mera cópia, mas inclui simpatia,
empatia, identificação, preocupação. Corresponde ao ato de
sermos capazes de enxergarmos a nós mesmos através de
outra pessoa ou de outra coisa. É a atividade através da qual
nós aumentamos nosso repertório de ação e nosso
pensamento (SWANWICK, 1988, p.45).
O desenho e a representação gráfico-musical
O desenho infantil é alvo de grande interesse para a psicologia cognitiva, pois,
segundo Piaget, promove um acesso direto à visão de mundo da criança
através de suas tentativas de reproduzi-lo (HARGREAVES, 1986, p.36). O
estudo desta manifestação artística da criança possui uma longa trajetória.
Muitos dados foram obtidos por pesquisadores como Lucquet (1927),
Kellogg (1969), Lowenfeld e Brittain (1977). Mais recentemente, os estudos
sobre o assunto passaram a privilegiar a tendência que enfatiza o processo de
elaboração do desenho e não o desenho em si, ou seja, o produto
(HARGREAVES, 1986, p.36). Essa abordagem tem implicações diretas no
estudo do desenvolvimento das formas de representação gráfico-musical da
criança, como veremos ainda nesse capítulo (ibid, p.36-38).
Os estudos realizados levantaram várias considerações sobre o
desenvolvimento do desenho espontâneo da criança. Uma conclusão
importante a que chegaram foi que, mesmo apresentando detalhes diferentes,
os desenhos apresentam também muitas semelhanças (WADSWORTH, 1993,
p.53). No estágio sensório-motor, parece não existir por parte da criança uma
intenção em representar objetos através das garatujas. Porém, ao longo do
estágio pré-operacional, cresce significativamente nas crianças o empenho da
representação (WADSWORTH, 1993, p.3). Suas garatujas ficam mais
47
articuladas e controladas em torno dos três ou quatro anos. A criança é
capaz de relacionar o “movimento do lápis ao seu meio ambiente, transferindo-
se do mundo cinestésico para o mundo imaginativo” (LOWENFELD, 1977,
p.123). Ela atribui nomes às suas garatujas, mas, na maioria das vezes, o
adulto não consegue reconhecer no desenho o que a criança quer representar.
As garatujas controladas abrem caminho para os desenhos pré-esquemáticos
típicos dos primeiros anos escolares (HARGREAVES, 1986, p.36), chamados
por Lucquet (1927) de “realismo intelectual”: a criança desenha o que sabe,
não o que . Sobre este assunto, existe uma questão relevante a ser
considerada: durante a fase das garatujas controladas, as crianças pequenas
realmente desenham o que sabem ou o que vêem? Os estudos que
consideram apenas o produto final, ou seja, o desenho em si, colhem dados
gerais sobre as características encontradas nos desenhos produzidos pelas
crianças e avaliam qualquer desenho apresentado a partir da comparação com
dados obtidos. Harris (apud HARGREAVES, 1986, p.36-37) avaliou
desenhos de homens e mulheres feitos por crianças, levando em consideração
73 quesitos relacionados ao realismo das figuras desenhadas. O nível de
maturidade intelectual da criança foi avaliado comparando-se o score
alcançado ao considerado padrão para sua idade cronológica
1
.
Por outro lado, a abordagem do estudo do desenho infantil que enfatiza o
processo tenta explicar os mecanismos mentais que levaram a criança a
1
O conceito de maturidade intelectual usado aqui é similar ao da inteligência geral, com muitas
correlações com os padrões utilizados nos testes de QI.
48
produzir um determinado desenho. O desenho universal do boneco girino é
normalmente produzido por crianças de dois e três anos de idade. Ele
representa um esquema imaturo e primário do ser humano que rapidamente
desaparece quando a criança vai crescendo (HARGREAVES, 1986, 37-38).
Será que isso significa que a criança realmente pensa que o corpo não é
diferenciado da cabeça ou que as pernas e braços crescem a partir da cabeça
humana? muitos problemas envolvendo esta questão, como apontam
estudiosos como Freeman (apud HARGREAVES, p.38). Talvez o mais
fundamental seja a grande simplificação em se fazer inferências diretas sobre
as competências cognitivas a partir da competência mostrada pela criança ao
desenhar. Além de considerar o conhecimento conceitual que as crianças têm
a respeito da classe dos objetos que são desenhados, a qual presumidamente
representa sua maturidade intelectual, é preciso considerar seu modelo mental
interno desses objetos, os planos e as estratégias ou programas que elas
formulam ao organizar seus desenhos, bem como suas habilidades motoras e
as convenções artísticas empregadas (HARGREAVES, 1986, p.39). O que
chamaríamos de erros poderia ter sua origem em qualquer um desses
aspectos ou na interação entre eles e seria prematuro assumir que eles
necessariamente se originam de questões conceituais (FREEMAN apud
HARGREAVES, 1986, p.38).
As formas de representação gráfica da música também têm sido amplamente
estudadas. O que se tem observado é que, até os três ou quatro anos, parece
não existir uma preocupação da criança em criar uma correspondência entre
sua representação gráfica e a música que pretende representar (PARIZZI,
49
2005b). Qualquer forma gráfica feita pela criança pode servir para representar
qualquer música.
Por volta dos quatro anos, a criança, ao ser solicitada para representar
graficamente uma sequência rítmica, tende a desenhar o que Bamberger
chama de “garatuja ritmica” (1990, p.105), também descrita por pesquisadores
como Gardner (1979) e Goodnow (1977). O resultado gráfico dessas garatujas
rítmicas é semelhante ao produzido por crianças mais novas. Porém,
Bamberger explica que estas crianças, em sua tentativa de representar a
seqüência rítmica ouvida, “reproduzem no papel os movimentos contínuos das
mãos e dos braços que produzem as palmas” (BAMBERGER, 1990, p.104).
Em outras palavras, elas não distinguem a ação contínua de se bater palmas
das batidas em si. As crianças desenham os sons como se elas os estivessem
“tocando” no papel (BAMBERGER, 1990, p.106).
A partir dos cinco ou seis anos, a criança passa a produzir dois outros tipos de
notação, definidas por Bamberger como “figural” e “métrica” (BAMBERGER,
1990, p.104). A primeira ainda é uma notação relacionada à ação. Se uma
seqüência rítmica é composta por duas partes, as crianças tenderiam a
representá-la por duas figuras, claramente articuladas, como uma referência
aos dois impulsos gestuais necessários à produção das palmas. As crianças
passam seu lápis no papel de acordo com a duração de cada som, isto é,
movimentos mais lentos para sons mais longos e mais rápidos para sons mais
curtos. Ao final da primeira parte da seqüência, elas interrompem seu desenho,
50
tiram o lápis do papel e recomeçam outro desenho, assim que a segunda parte
se inicia (BAMBERGER, 1990, p.106).
O tipo “métrico” de representação revela uma preocupação com o número de
palmas contidas na seqüência. “Essa ênfase nas batidas tem como
conseqüência uma notação linear de coisas idênticas, não agrupadas e
indiferenciadas quanto ao seu tamanho e forma” (BAMBERGER, 1990, p. 106).
Assim cada batida é equivalente às demais, exceto quanto a sua posição na
série. A notação “métrica” poderia ser considerada mais precisa em termos
numéricos, enquanto a “figural” seria mais expressiva em termos musicais
(HARGREAVES, 1996, p.159).
Bamberger (1990) tem aprofundado e aperfeiçoado seus estudos, mas a
distinção entre o pensamento “figural” e o “métrico” continua sendo o ponto
central de seu trabalho. Uma questão fundamental sobre suas conclusões mais
recentes é que essas duas formas de representação não são mutuamente
exclusivas (HARGREAVES, 1996, p.161). Elas representam duas formas
distintas de se compreender uma obra musical. Assim, uma mesma pessoa
pode apresentar escutas diferentes em relação a uma mesma obra,
privilegiando ora a escuta “métrica”, ora a “figural” (ibid).
A linguagem falada
O desenvolvimento da linguagem falada abre para a criança possibilidades
inovadoras. Ela começa a usar as palavras faladas como símbolos, ou seja,
uma palavra passa a representar um objeto (WADSWORTH, 1993, p.54). A
51
internalização do comportamento, proporcionada pela linguagem, “acelera o
ritmo com o qual as experiências podem ocorrer” (WADSWORTH, 1993, p.55).
Durante o estágio sensório-motor a criança “tem que agir para pensar” (ibid).
No estágio pré-operacional, com o desenvolvimento das representações, o
pensamento “pode ocorrer mais em função das representações do que das
ações” (ibid). Segundo Piaget, crianças no primeiro ano de vida podem utilizar
palavras como “mama” ou “nana”. Porém essas palavras não são utilizadas
para representar objetos e não constituem, pois, linguagem no sentido
representacional (WADSWORTH, 1993, p.54). Piaget atribui à linguagem
falada três conseqüências essenciais ao desenvolvimento mental:
(1) a possibilidade de intercâmbio verbal com outras pessoas, que
anuncia o início da socialização da ação;
(2) a internalização da palavra, isto é, o aparecimento do
pensamento propriamente dito, corroborado pela linguagem interna e
por um sistema de signos;
(3) por último e mais importante, a internalização da ação, a qual, de
agora em diante, mais do que ser puramente perceptiva e motora,
será uma representação intuitiva por meio de imagens e
‘experimentos mentais’ (PIAGET, 1970).
É importante enfatizar que a linguagem falada tem um papel fundamental na
construção do conhecimento social, pois é capaz de proporcionar um meio
eficiente de comunicação entre a criança e as outras pessoas (WADSWORTH,
1993, p. 59). Piaget classificou as falas das crianças no estágio pré-operacional
em fala egocêntrica, típica das crianças dos dois aos quatro ou cinco anos, e
fala socializada, característica das crianças a partir dos seis anos de idade
(ibid, p.55). Para Piaget, a ênfase da fala egocêntrica não é a comunicação.
Muitas vezes, as crianças nesta faixa etária falam na presença de outras
pessoas, mas sem a intenção aparente de serem ouvidas. A possível
52
explicação é que elas “pensam suas ações em voz alta”, através de uma
“conversa consigo mesmas”, na presença de terceiros, o que poderia ser
definido como um “monólogo coletivo” (ibid, p.56). Com a fala socializada, a
linguagem torna-se inter-comunicativa. As conversas infantis passam a
envolver uma nítida “troca de idéias”. A criança fala com a intenção de ser
ouvida pelas outras pessoas (ibid). Em síntese, o desenvolvimento da
linguagem no estágio pré-operacional é visto por Piaget como “uma transição
gradual da fala egocêntrica, caracterizada pelo monólogo coletivo, à fala
socializada inter-comunicativa” (ibid).
3.2.2 – O pensamento pré-operacional
Conservação, Reversibilidade e Centração
A capacidade de conservação refere-se ao conceito de que “a quantidade de
uma matéria permanece a mesma independentemente de quaisquer mudanças
em outras dimensões”, como alterações no comprimento, tamanho ou forma
(WADSWORTH, 1993, p.66). Para que a criança adquira essa capacidade, ela
deve estar apta a compreender que os objetos podem ser ordenados de acordo
com uma dimensão estipulada (como o tamanho), mas que, entretanto, esses
mesmos objetos podem ser classificados e agrupados de maneiras diferentes.
A habilidade de contar, por exemplo, não demonstra necessariamente a
evidência da capacidade de conservação numérica. A criança pode saber de
cor o nome dos números e simplesmente dizê-los quando solicitada
(HARGREAVES, 1986, p.40). Um exemplo típico deste fato acontece quando
são mostradas a uma criança pequena (até cinco ou seis anos) duas fileiras,
cada uma delas com o mesmo número de moedas. Esta criança perceberá
53
que o número de moedas nas duas fileiras é o mesmo se houver uma
correspondência visual nos comprimentos das fileiras. Caso contrário, ela dirá
que a fileira mais longa tem um número maior de moedas, mesmo tendo visto
inicialmente as duas com o mesmo comprimento. Ao responder desta maneira,
ela estadando uma resposta perceptiva e não cognitiva (GOULART, 1984,
p.64), ou seja, ela focalizou sua atenção no comprimento das fileiras,
desconsiderando o aspecto numérico (WADSWORTH, 1993, p.67).
A ausência de reversibilidade e a centração, conceitos estreitamente
relacionados à capacidade de conservação, são também características
importantes do pensamento da criança no estágio pré-operacional. Neste
estágio e no anterior (sensório-motor), a criança constrói “os conceitos e o
conhecimento sobre as coisas a partir de suas ações sobre o meio ambiente”
(WADSWORTH, 1993, p.64). Ao atuar diretamente sobre as coisas, as ações
da criança são eminentemente motoras, o que não permite a reversibilidade do
pensamento. Considerada fundamental na compreensão de problemas
relacionados à conservação, a reversibilidade do pensamento permite que a
criança consiga “seguir a linha de raciocínio de volta ao ponto de partida” (ibid).
A tendência da criança mais nova (até em torno dos seis anos) é centrar ou
focalizar apenas um aspecto do evento perceptivo, ignorando os demais. Este
fenômeno é descrito por Piaget como centração
2
(HARGREAVES, 1986, p.40),
o qual pode ser assim definido:
A criança, diante de um estímulo visual tende a centrar ou fixar
sua atenção sobre um número limitado de aspectos
2
Koellreutter (1984) também se referiu ao fenômeno da centração como “pensar pontilhista”
que, segundo ele, constitui uma importante característica do “nível mágico de consciência”.
Este assunto será abordado com mais detalhes no próximo capítulo.
54
perceptuais do estímulo, parecendo incapaz de descentrar a
observação visual e, portanto, assimilando apenas alguns
aspectos do evento (WADSWORTH, 1993, p.64).
Marilyn Pflederer Zimmerman, pesquisadora da Universidade de Illinois, foi
pioneira no estudo da conservação em música na década de sessenta.
(HARGREAVES, 1986, p.43). Seu objetivo foi investigar, a partir de atividades-
teste (como o fez Piaget), os aspectos do material sonoro que as crianças eram
capazes de conservar e em que faixa etária essa capacidade de conservação
se manifestava. Uma das primeiras questões estudadas foi se as crianças
conservavam ou reconheciam uma melodia, quando suas durações eram
alteradas” (HARGREAVES, 1986, p.43). Embora esses estudos tenham
perdurado até recentemente, trazendo importantes contribuições para esta
área de conhecimento, eles foram contestados por autores, como Gardner
(1973, apud HARGREAVES, 1986, p.460). Segundo esse autor, uma melodia
que tem suas durações alteradas transforma-se em outra melodia e não pode
ser considerada igual à melodia original. Assim, as analogias com as déias de
Piaget sobre reversibilidade de pensamento e conservação em música
poderiam ser consideradas “forçadas” (GARDNER, 1997).
3.2.3 Percepção do tempo na criança de dois a seis anos
Torna-se imprescindível, nesse momento, uma reflexão sobre as formas como
a criança no estágio pré-operacional constrói a sua percepção do tempo, uma
vez que essa é uma das questões centrais da pesquisa. As idéias aqui
apresentadas são do próprio Piaget e de autores considerados piagetianos e
neo-piagetianos.
55
3.2.3.1 Experiências inaugurais com o tempo: a duração, a expectativa e a
memória
Duração
Quando a criança nasce, ela e o mundo são indiferenciados (PIAGET, 1970).
Sua percepção é oceânica, como afirma Koellreutter (1984). Entretanto, suas
experiências com o tempo se manifestam imediatamente.
Imaginemos uma criança recém-nascida sendo despertada pela fome. É
provável que, ao chorar de fome, o bebê esteja tendo sua primeira experiência
temporal: a sensação da duração de um desconforto. Essa sensação de
duração talvez seja a experiência mais originária de tempo (PULASKI, 1980, p.
167).
Entretanto, parece existir algo que move, que impulsiona essa sensação. É “o
transcorrer da vida em uma direção”, fenômeno definido por Minkowisky (1973)
como “impulso vital”, o motor da vida desde sua origem. Esse impulso ou élan
vital, “talvez seja a força que une os órgãos aos órgãos, os indivíduos aos
indivíduos, as espécies às espécies, e que faz de toda a série dos seres vivos
uma única onda que corre através da matéria” (BEGSON apud SILVA, 2006). A
força do élan vital busca “ultrapassar as diversidades e as formas em direção
ao porvir, o movimento de diferenciação do ser, o esforço do fazer” (SILVA,
2006).
56
De modo análogo, Winnicott diz que os bebês possuem uma “centelha vital e
seu ímpeto para a vida, para o crescimento e o desenvolvimento é uma
parcela do próprio bebê, algo que é inato na criança e que é impelido para
frente de um modo que não temos de compreender” (WINNICOTT, 2005).
Esse impulso vital é nitidamente percebido nas formas de interação do bebê
com outros seres humanos. Essa pré-disposição para a comunicação se
manifesta nas vocalizações e na alta sofisticação de movimentos de cabeça,
rosto e de membros dos bebês durante seus momentos de interação com os
adultos (SHIFRES, 2007, p.15). As vocalizações e os balbucios serão
estudados com detalhes nos próximos capítulos.
Paralelamente à sensação de duração, o bebê manifesta uma organização
temporal rítmica em seu comportamento motor. Uma série enorme de
movimentos rítmicos de cabeça, braços, peito e pernas surgem nos primeiros
meses de vida do bebê e vão se consolidando como estereótipos rítmico-
motores, que periodizam as experiências com a duração. Parodiando Thelen
(1981), é como se o impulso vital dissesse ao bebê: ”Se você for se mover,
mova-se ritmicamente”. Essa produção volitiva do ritmo (rítmico-motora) parece
ser essencial para o desenvolvimento da capacidade cerebral de organizar a
temporalidade (POUTHAS, 1996).
O desenvolvimento dessa habilidade de estruturar suas próprias ações motoras
dentro de um certo período de tempo, é essencial ao desenvolvimento das
habilidades motoras, perceptivas e cognitivas das crianças. A capacidade de
57
regulação temporal adquirida na infância inicial pode se constituir na base para
aprendizados futuros mais complexos, relacionados ao tempo, inclusive o
aprendizado da música (POUTHAS, 1996).
A sucção é também uma atividade motora de natureza rítmica que periodiza a
experiência da duração. Pesquisas realizadas por DeCasper e Sigafoos (1983)
e Provasi (apud POUTHAS, 1996) mostraram que bebês de poucos dias de
vida são capazes de modificar seus movimentos de sucção não nutricional
na dependência dos estímulos que recebem o que sugere a capacidade
precoce de modificar a organização temporal de uma atividade rítmica
determinada biologicamente.
A sensação de duração, fracionada em intervalos regulares pelo
comportamento rítmico-motor do bebê, parece ser a forma através da qual a
criança consolida suas experiências iniciais com o tempo.
A duração, associada à sensação de expectativa e à construção da memória
delineiam-se como essenciais para o desenvolvimento da percepção do tempo
nas crianças.
Expectativa
Quando o bebê chupa seu polegar após “ter se esforçado para colocá-lo na
boca”, é provável que tenha a impressão de que uma certa ação foi levada ao
cabo, sem que saiba exatamente como. A causa e o efeito, até o terceiro mês
de vida, são percebidos como “condensados em um bloco”. A sensação de
58
duração puramente psicológica que interliga movimentos sucessivos de forma
inconsciente de seu desenrolar, não permite que os eventos sejam percebidos
individualmente. O bebê vai, aos poucos, “aprendendo” que os acontecimentos
ocorrem em sequência: surge a “mãe” e, logo após, acontece a saciedade.
Assim a criança aprende” a esperar por uma série de eventos em sequência e
passa a ser capaz de antever alguns fenômenos. Delineia-se assim, aos
poucos e cada vez com maior nitidez, a experiência temporal da expectativa
(PULASKI, 1980, p. 168). Segundo Piaget (1970, p. 212), “este complexo de
esforços, tensões, expectativas e desejos está carregado de eficácia”, e será o
motor das ações dos bebês até cerca dos quatro meses.
O tempo relativamente longo que o bebê leva para começar a andar tem
também grande importância sobre o desenvolvimento de seu sentido de tempo,
em decorrência da experiência de duração que acompanha a expectativa de
agarrar o que não é capaz de alcançar, desta vez associada à sensação de um
espaço que não pode ser transposto (WHITROW, 1993). Mesmo quando a
criança começa a andar, o alcançar continua exigindo uma espera, o que
alimenta a sensação de expectativa.
A possibilidade de antecipar eventos configura-se também como uma
importante manifestação da sensação da expectativa. Desde muito cedo,
bebês aparentam antecipar eventos, passíveis de previsão temporal. Alguns
estudos revelam que recém nascidos são capazes de se adaptar à
regularidade temporal de eventos (estímulos sonoros ou visuais) e podem
59
reagir à interrupção dessa regularidade, através da alteração de sua freqüência
cardíaca (DONOHUE e BERG, 1991).
É provável, pois, que essa possibilidade de antecipação, gerada pela sensação
de expectativa, possa ser interpretada como uma “insinuação” da percepção de
futuro e esteja também na raiz da noção do transcorrer temporal e da
causalidade.
Memória
A experiência com a duração e a sensação de expectativa parecem ser as
formas com as quais o bebê inaugura sua experiência temporal. Os autores
estudados (GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005; WHITROW, 1993; PIAGET,
1970) afirmam que o sentido de expectativa se desenvolve antes da construção
da memória. A infância inicial é dos poucos fenômenos na psicologia que todos
experimentam, mas ninguém é capaz de se lembrar (GAZZANIGA e
HEATHERTON, 2005, p. 344). Contudo, a construção das memórias é
determinante e imprescindível para que a criança desenvolva, ao longo de seu
crescimento, seus conceitos temporais.
O sentido da memória na criança envolve não apenas eventos de sua própria
experiência, mas, no devido tempo, outros da memória de seus pais e, por fim,
da história de seu grupo social. Mesmo quando a criança começa a relacionar
o tempo com movimentos externos às suas próprias ações, ela não tem
verdadeira consciência do tempo até que comece a se dar conta de que as
60
coisas têm relação não somente com ela própria, mas também entre si; isso
se torna possível com o desenvolvimento da memória (WHITROW, 1993).
A noção de tempo, segundo Piaget (1970), é um processo em construção,
“num constante ir e vir de relações internas e externas, em que ação e
pensamento vão constituindo juntos o real e a consciência”. Esse movimento
coloca o homem numa perspectiva de passado e futuro, além do seu próprio
tempo presente. E a memória surge, então, como algo imprescindível na
“rememoração e reconstrução do passado”, contribuindo, para projetar ações
futuras, como possibilidade, tanto do ponto de vista afetivo quanto intelectual
(ZASLAVISLY, 2003, p. 42).
Tempo é movimento. Tempo é memória. A criança constrói o tempo
“comparando, ordenando a sucessão de acontecimentos, avaliando suas
durações, classificando as lembranças, apoiando-se nos dados da memória”
(ZASLAVISKY, 2003, p. 42).
Até os dezoito meses, as crianças tendem a viver no presente. Por volta dessa
idade o significado do agora parece ser adquirido (WHITROW, 1993). Sua
capacidade de reter fatos e de formar imagens facilita a recordação de eventos
vivenciados por ela. Já se pode dizer que há uma evocação da memória
visando a organização ordenada de acontecimentos relacionados com suas
ações próximas no tempo: ela se recorda do deslocamento sucessivo de
objetos, recorda do local de um objeto deixado por ela, poucos minutos antes.
61
Segundo Piaget (1970, p.322), a elaboração de sequências temporais é
fundamental para que “a criança consiga superar o presente, em proveito do
passado e do futuro imediatos”. “É uma tentativa para libertar o espírito da
percepção direta, em nome de uma atividade intelectual capaz de situar os
dados dessa percepção num universo estável e coerente”. Mais ainda, a
construção da percepção temporal exige o desenvolvimento das
representações mentais.
Toda e qualquer tentativa de reconstituição do passado ou de dedução do
futuro engendra a representação mental. A representação, como a evocação
pela imagem ou por um sistema de sinais de objetos ausentes, costuma
aparecer a partir dos dezoito meses de idade, com a progressiva imersão no
mundo dos símbolos e o com desenvolvimento da linguagem (PIAGET, 1970).
Sem a possibilidade das representações, o tempo ficaria reduzido ao presente,
ou à recordação direta das ações. Assim, “a capacidade de representação
coloca a criança em um mundo que cresce em extensão, pois não mais se
restringe ao presente (ou ao passado imediato), inclui também o passado e o
futuro”, e se caracteriza pela capacidade de evocar objetos e eventos que não
estão sendo vividos ou presenciados naquele instante (ZASLAVISKY, 2003, p.
54).
A capacidade da representação, essencial para o desenvolvimento da criança,
começa a se insinuar durante o segundo ano de vida e passa a ser uma das
principais conquistas do estágio pré-operacional.
62
3.2.3.2 Experiências temporais no pré-operacional
Piaget percebeu que crianças no pré-operacional percebem o tempo,
associado ao movimento e à velocidade. Esses três conceitos, tempo,
movimento e velocidade, são literalmente constructos, pois não estão
presentes apriorísticamente na mente infantil e requerem uma “construção
ontogênica lenta e gradual” (FLAVELL, 1988, p.321). Wessermann e Gorman
(apud WHITROW, 1993) também afirmam que, a consciência de fenômenos
temporais envolve uma estrutura conceitual abstrata que gradualmente
aprendemos a construir, embora essa consciência possa parecer inerente à
experiência pessoal humana,
Quando Piaget estudou a percepção de tempo em crianças, verificou que
necessidade de uma considerável maturidade para que uma criança seja capaz
de separar “a percepção de fluxo de tempo das percepções de velocidade e
distância” (SZAMOZI, 1988, p.100).
Em tenra idade, todos os julgamentos temporais são [...]
realmente julgamentos espaciais disfarçados. A ordem
[temporal] dos acontecimentos é confundida com a ordem
espacial dos pontos dos caminhos, a duração confundida com
o espaço percorrido e assim por diante (PIAGET, apud
SCAMOZI, 1988, p.100).
O conceito de tempo atrelado ao de espaço foi também pensado por Bergson
(apud MINKOWSKI, 1973, p. 17). Como vimos no segundo capitulo, esse autor
refere-se ao “tempo assimilado ao espaço”, quando esse fenômeno é
63
percebido como algo passível de ser medido em termos de horas, dias, meses,
etc.
Assim, para Piaget, o transcorrer do tempo é percebido pela criança até os seis
ou sete anos, de forma não abstrata, e sim concretamente através do
movimento dos corpos (FLAVELL, 1988, p.321). Uma criança nessa faixa etária
observa duas pessoas se deslocando: a primeira pessoa percorre lentamente
vinte metros em quinze segundos; a outra percorre, correndo, duzentos metros
em um minuto. Para a criança pequena, o tempo gasto pela pessoa mais veloz
(um minuto) foi menor do que o que foi gasto pela pessoa mais lenta (quinze
segundos). Ao corpo que se movimenta mais rapidamente corresponde, na
visão da criança, um lapso de tempo menor. A criança age como se cada
movimento tivesse seu próprio tempo. Piaget atribui a este fenômeno o nome
de “tempo local” (FLAVELL, 1988, p.322). Desta maneira, os tempos de
diferentes movimentos não podem ser coordenados. O que vai sendo aos
poucos construído à medida que a criança cresce é o conceito de tempo
homogêneo, com a finalidade de coordenar movimentos de velocidades
diferentes (ibid).
A criança no estágio pré-operacional, de acordo com a teoria piagetiana,
apresenta, pois, imaturidade em suas tentativas para lidar com problemas
relativos a tempo, espaço, movimento, velocidade. Em geral, ao longo do
estágio seguinte, com a aquisição gradual do pensamento reversível, ela passa
a ter domínio gradual desses constructos. Um conceito racional de velocidade,
considerando as relações entre tempo e distância percorrida, não começa a se
64
desenvolver antes dos oito anos de idade, no mínimo (WADSWORTH, 1993,
p.97).
Um outro fator considerado essencial para o desenvolvimento da compreensão
do tempo em crianças de dois a seis anos é a aquisição gradual da linguagem,
conseqüência direta da sua capacidade de representação. Essa habilidade não
aumenta as potencialidades da criança para compreender o mundo e de se
comunicar, como também lhe permite apreender suas relações com o tempo e
ampliar sua capacidade de conceituação temporal.
Até completar dois anos e meio, a maioria das palavras relacionadas ao tempo
que as crianças utilizam envolvem principalmente o presente; a partir d
elas começam a adquirir algumas palavras relacionadas com o futuro, como
”, mas poucas relacionadas ao passado. O uso da palavra amanhã
precede o de ontem”, embora de início provavelmente ambas as palavras
signifiquem “não hoje” (WHITROW, 1993).
À medida que a criança fica mais velha, a proporção relativa de enunciados
orientados para o presente tende a diminuir, mas ainda predomina; os
enunciados orientados para o futuro aumentam mais rapidamente que aqueles
orientados para o passado. De modo geral, crianças pequenas m dificuldade
em adquirir uma concepção unificada do tempo, pois, mesmo quando
começam a reconhecer seqüências temporais, o tempo parece dependente de
suas próprias ações.
65
Sobre isso, Minkowski (1973, p. 18) relata uma experiência acontecida com ele
e seu filho que acabara de completar seis anos, cuja rotina antes de ir para a
escola incluía tomar o café da manhã e esperar que o pai fumasse um cigarro,
para que, só então, saíssem de casa. Um dia, após terem levantado mais tarde
que o de costume, ele apressou o filho, o qual imediatamente retrucou, dizendo
que não havia necessidade para a pressa, pois o pai ainda não havia fumado o
seu cigarro. Sem dúvida, a criança dispunha de noções de ordem temporal e
havia registrado a sucessão regular de certos acontecimentos, mas não tinha
uma idéia completamente desenvolvida de um tempo abstrato que corre
independentemente dos acontecimentos ao seu redor.
Segundo Piaget (1970), a construção da idéia de que o tempo pode ser medido
é um processo de aprendizagem real e novo. Para que uma criança
desenvolva sua compreensão de tempo, ela deve construir noções de ordem e
duração (dois conceitos fundamentais em música!!!). A falta de dados sobre
esse assunto, envolvendo crianças entre um ano e meio e seis anos, origina-se
de dificuldades metodológicas. Ciente desse fato, Piaget, em 1946, escreveu:
“Deveríamos distinguir um período entre um ano e meio a quatro anos quando
todas as formas de questionamentos ou interrogatórios são impossíveis.” É
também por questões teóricas e metodológicas que estudos psicológicos
relativos à percepção de durações trabalham, em sua maioria, com crianças a
partir dos seis anos. É importante colocar que o próprio Piaget não
desenvolveu muitas pesquisas sobre o tempo nessa faixa etária, como afirma
em sua obra “A noção de tempo na criança”, por razões metodológicas
66
(ZASLAVISKY, 2003, p. 42). Quem sabe a música não seria uma forma não
verbal de se “interrogar” a criança sobre o tempo?...
Finalmente, não podemos deixar de mencionar a relação entre percepção
temporal e contagem, pois a idéia que temos do tempo está estreitamente
relacionada ao fato de que nosso processo de pensamento consiste numa
seqüência linear de atos discretos de atenção. Consequentemente, o tempo é
associado por s à contagem, o mais simples de todos os ritmos. Não é por
acaso que as palavras aritmética e ritmo vêm ambas de termos gregos
derivados de uma raiz comum que significa “fluir” (POUTHAS, 1996).
Contar para medir o tempo implica em conceber o tempo como uma dimensão
mensurável. Embora seja uma dimensão contínua, ela pode ser medida em
unidades distintas: os números. Sobre essa questão, Levin e Wilkening (1989),
em seus estudos, argumentam que Piaget concluiu que crianças com menos
de dez anos não concebem o tempo como uma quantidade mensurável
simplesmente porque as crianças não contam de forma sistemática para medir
o tempo. Entretanto, o fato de que elas espontaneamente não contem durante
as tarefas propostas não implica que elas não percebam ou compreendam que
o tempo possa ser medido por números. Quando as crianças são colocadas
numa situação mais natural, elas certamente utilizam contagens, como na
brincadeira do “pique-esconde”. Mesmo assim, Pouthas (1996) afirma que a
criança somente passa a ser capaz de utilizar sistematicamente a contagem de
natureza cronométrica (um número por segundo) a partir de onze anos de
idade.
67
3.3 – Novas tendências da psicologia cognitiva
Como vimos no início desse capítulo, nos últimos trinta anos tem sido
crescente o interesse sobre as bases psicológicas do desenvolvimento musical
(HARGREAVES, 2004, p.3). Entretanto, o que se percebe é que as
investigações sobre o assunto ultrapassaram as fronteiras dos paradigmas da
psicologia cognitiva. Atualmente, a psicologia da música tem encontrado
confluências não apenas com a ciência cognitiva, mas também com a
sociologia, antropologia, educação e ciências da saúde (HARGREAVES, 2004,
p.3). Algumas dessas novas tendências são decorrentes, principalmente, das
críticas e reavaliações feitas à teoria piagetiana.
A maior parte dessas críticas refere-se ao fato de Piaget não ter atribuído a
devida importância aos fatores sócioculturais e artísticos associados à
cognição (SANTROCK, 2004, p.230). O modelo dos estágios de
desenvolvimento proposto por Piaget associa o desenvolvimento à aquisição
do pensamento lógico, atribuindo, desta forma, às habilidades consideradas
científicas, um status superior em relação às atividades artísticas
(HARGREAVES, 1986, p.49). Os processos de pensamento utilizados por
artistas, músicos, escritores, poetas, atletas foram pouco considerados por
Piaget, bem como a intuição, a criatividade ou pensamentos inovadores
(GARDNER,1979, p.76). Howard Gardner (1997, p.65-66) afirma que não
existe necessariamente uma relação entre os estágios de desenvolvimento e a
capacidade em uma área específica de desempenho ou domínio, pois, para
este autor, cada domínio ou área tem seu sistema simbólico próprio,
68
pressupostos da linha neo-piagetiana do desenvolvimento cognitivo. As idéias
de Gardner acerca do desenvolvimento musical serão amplamente discutidas
no próximo capítulo.
Os neo-piagetianos, ao revisitarem a obra de Jean Piaget, atribuíram uma
maior importância à forma como as crianças processam as informações
através da atenção, da memória e do uso de estratégias, sempre considerando
as interações sociais (CASE, apud SANTROCK, 2004, p.229). Eles afirmam
que “as competências que se desenvolvem ao longo da vida dependerão tanto
da maturidade biológica quanto das experiências específicas nos vários
domínios”, destacando a importância do contexto no processo cognitivo (BERK,
apud FRANÇA e SILVA, 1998, p.103). Confirmando essas idéias,
pesquisadores hoje investigam as relações interativas entre o cérebro e o
comportamento, bem como as influências da experiência e do aprendizado no
comportamento e nas estruturas cerebrais (KOLB e WHISHAW, 2001, p.253-
4).
A constatação da importância das interações sociais na aquisição das
habilidades cognitivas levou estudiosos da psicologia a revisitarem a obra do
psicólogo russo Lev Vygotsky (FRANÇA, 1998, p.197). Vygotsky (1896-1934)
aproxima-se de Piaget quando sustenta a relação de interação entre sujeito e
objeto na construção do conhecimento, mas se distancia, quando diz que essa
relação não é uma relação direta, e sim, mediada pelo outro através da
linguagem e da cultura (GOMES, 2002, p. 43).
69
Para Vygotsky, os indivíduos compartilham de duas características: a relação
do homem com a espécie humana e com sua cultura. O ser humano não
existe, pois, dissociado da sua cultura (BRANDE, 2006, p.48). É clara a
posição do autor quando afirma que o desenvolvimento é favorecido pelas
interações da criança com as pessoas do seu ambiente e pelos aspectos sócio-
culturais existentes nestas interações. O manancial de conhecimento da
criança se revela a partir das variadas situações concretas em que ela tem
oportunidade de vivenciar, e também, na organização lógica que estas
interações assumem em seu pensamento (BRANDE, 2006, p.48).
Vygotsky acreditava que crianças, quando auxiliadas por adultos ou por outras
crianças em tarefas complexas, poderiam atingir níveis de desenvolvimento
superiores ao que conseguiriam agindo isoladamente Ele denominou essa
extensão de possibilidades cognitivas de zona de desenvolvimento proximal,
cujo limite inferior corresponderia às habilidades ainda em processo de
maturação, desenvolvidas pela criança individualmente, as quais poderiam
ainda atingir um maior desenvolvimento com a ajuda de pessoas mais
experientes (KOZULIN apud SANTROCK, 2004, p.230). Assim Vygotsky
definiu a zona de desenvolvimento proximal:
É a distância entre o nível de desenvolvimento atual
determinado pela solução independente de um problema e o
nível de desenvolvimento potencial determinado pela solução
do problema através da orientação de um adulto ou da
colaboração de outras crianças mais experientes (1978, p.86).
70
Confirmando o pensamento de Vygotsky, Perret-Clermont (1980) observou que
quando seus alunos trabalham em pequenos grupos, uma evolução
significativa em relação ao trabalho individual
3
. Hargreaves (2004, p.7) também
compartilha dessa idéia e afirma que o ensino de música, hoje, deve procurar
enfatizar as interações entre professor e aluno e dos alunos entre si, ao invés
de pensar na criança como um aprendiz individual, como se fazia
anteriormente. Os alunos devem ser considerados participantes ativos das
regras e práticas sócio-culturais: “o desenvolvimento individual é fundamentado
no desenvolvimento e na acumulação de uma série de empreendimentos
compartilhados socialmente” (ibid).
As teorias do desenvolvimento cognitivo de Piaget e Vygotsky, na verdade, têm
pontos comuns, uma vez que ambas consideram a interação da criança com o
meio o elemento propulsor do desenvolvimento (SINCOFF e STENBERG apud
FRANÇA e SILVA, 1998, p.107). As teorias de ambos os autores explicam o
conhecimento mediante a interação entre o sujeito e o objeto de conhecimento,
o que resulta não só na organização do real, como também, na construção das
estruturas do sujeito (COUTINHO, MOREIRA, 2004, p.81).
Entretanto, enquanto Piaget enfatiza esforço individual da criança para
compreender o mundo, Vygotsky considera as interações com outros seres
humanos e com a cultura os fatores mais significativos para impulsionar o
desenvolvimento cognitivo (BRANDE, 2006, p.48). Assim, cada vez mais, a
tendência da psicologia da música tem sido integrar a abordagem sócio-cultural
3
Site www.editora moderna.com.br, abril 1999.
71
à vertente cognitiva, em seu processo investigativo. Como afirma França e
Silva (1998, p.117), “a literatura mais atual sobre este assunto demonstra
que a interação das idéias de Piaget e de Vygostky é capaz de explicar de
forma convincente o processo de desenvolvimento humano”.
Dessa maneira, os estudiosos concordam que o desenvolvimento cognitivo do
ser humano depende em igual escala da maturação cerebral e dos estímulos
provocados pelo meio e pelo convívio com outros seres humanos. Existe uma
relação de “mão dupla” entre mudanças neurais e desenvolvimento cognitivo.
O cérebro parece adotar a política do “use ou perca”. Quando novas conexões
neurais se estabelecem e são estimuladas pelo uso, através das interações da
criança consigo mesma, com outros seres humanos e com sua cultura, elas
tendem a se tornarem permanentes. As conexões em desuso são eliminadas,
num fenômeno denominado “poda sináptica” (GAZZANIGA e HEARTHERTON,
2005).
Embora essas tendências tenham se manifestado mais intensamente a partir
da década de noventa, foi possível identificá-las nas teorias do
desenvolvimento musical de Howard Gardner (1973)
4
, H.J. Koellreutter (1984),
Keith Swanwick (1988) e David Hargreaves (1996), assunto do próximo
capítulo.
4
A teoria de H. Gardner é de 1973. Porém, a obra consultada neste trabalho foi editada em 1997.
CAPÍTULO 4
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO-MUSICAL: QUATRO
TEORIAS
73
4 -
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO-MUSICAL: QUATRO TEORIAS
4.1 – Considerações introdutórias
Como foi visto no capítulo anterior, através da observação do comportamento
musical da criança podemos inferir sobre o seu nível de compreensão e
envolvimento com a música (FRANÇA e SILVA, 1998, p.85). As modalidades
mais significativas do comportamento musical (composição, apreciação e
performance) nos possibilitam investigar como a criança “pensa a música”,
antes mesmo que ela seja capaz de explicitar sua compreensão musical
através da palavra (DAVIES, 1992 p.47). Portanto, é importante esclarecer que
esta concepção de desenvolvimento integra não as modificações ocorridas
espontaneamente, “sem nenhum esforço consciente ou direcionamento”, como
também “aquele desenvolvimento que é resultado de um treinamento
específico” (HARGREAVES e ZIMMERMAN, 1992, p.377). Segundo Runfola e
Swanwick (2002) e Hargreaves e Zimmerman (1992), alguns critérios devem
ser definidos para se avaliar a abrangência das teorias de desenvolvimento
musical:
1. Qualquer teoria deverá refletir a natureza do
comportamento musical.
2. As teorias devem avaliar as três modalidades de atividades
musical: criação (inclusive a improvisação), a performance
e a apreciação musical.
3. As evidências devem ser sistemáticas e obtidas através de
meios confiáveis para dar suporte ou para contestar as
afirmações teóricas.
4. As teorias de desenvolvimento devem considerar tanto o
desenvolvimento natural e espontâneo da pessoa quanto o
ambiente cultural no qual este desenvolvimento acontece.
74
Assim, o estudo das idéias de alguns importantes autores sobre este assunto
tornou-se importante nesta investigação. Elegemos, então, como
fundamentação teórica as teorias do desenvolvimento musical elaboradas por
Howard Gardner (1973)
1
, Keith Swanwick (1988) e David Hargreaves (1996)
devido à sua repercussão no panorama da educação musical da atualidade e
por serem calcadas nos quatro critérios estabelecidos acima. Para proporcionar
uma perspectiva mais ampla e humanista, incluímos aqui as idéias de Hans
Joachim Koellreutter (1984)
2
sobre a evolução da consciência humana. Esse
autor associou a evolução da consciência não somente à história da nossa
civilização como também à trajetória do homem enquanto indivíduo
(KOELLREUTTER, apud BRITO, 2001, p.47). Koellreutter, contudo, não
pretendeu elaborar uma teoria do desenvolvimento musical, embora existam
indícios de que ela possa assim ser considerada, como veremos ao longo
desse capítulo.
As teorias de desenvolvimento musical de Gardner, Swanwick, Hargreaves
Koellreutter serão apresentadas a seguir. Faremos, ao final, um estudo
comparativo entre elas.
1
A Teoria de Gardner é de 1973. Para esse trabalho, a edição de 1997 foi a consultada.
2
A data de 1984 foi utilizada nas referências sobre as idéias de Koellreutter sobre os níveis de
consciência, pois foi neste ano que a maior parte das anotações dos cursos ministrados pelo autor foi
realizada. Estas anotações foram feitas por João Gabriel Marques Fonseca, Maria Betânia Parizzi, Patrícia
Furst Santiago e Rosa Lúcia dos Mares Guia.
75
4.2 – A teoria do desenvolvimento artístico de Howard Gardner
Gardner, pesquisador atuante da Universidade de Harvard, desenvolveu sua
teoria do desenvolvimento artístico a partir de indagações que muito o
fascinavam:
Qual é a maneira mais significativa de se falar sobre a
natureza e o curso do desenvolvimento humano? Que fatores
possibilitaram aos indivíduos criar e apreciar trabalhos nas
várias formas de arte? (GARDNER, 1997, p.XIII)
Gardner acredita que uma importante função das correntes psicológicas que
estudam o desenvolvimento humano é identificar a natureza das competências
dos indivíduos nos diferentes sistemas simbólicos, estudar as modificações
evolutivas responsáveis por essas competências e explicar as relações dessas
mudanças com o desenvolvimento cognitivo como um todo (GARDNER, 1979,
apud HARGREAVES, 1986, p.50-1). Ele argumenta que a visão do “cientista
competente”, como sendo a corporificação do ápice da cognição é bastante
reducionista. Gardner, apesar de francamente piagetiano, fazia algumas
contestações a Piaget, afirmando que uma forma de cognição significativa e
madura vai muito além do raciocínio lógico-matemático (ibid, p.51). Em sua
opinião, Piaget não considerou outras formas de cognição que não as ligadas à
lógico-científica. Os processos de pensamento utilizados por artistas, músicos,
escritores, poetas, atletas foram pouco considerados, bem como a intuição, a
criatividade ou pensamentos inovadores (ibid). Gardner sugere que o
comportamento artístico combina aspectos objetivos e subjetivos da vida;
objetos estéticos são a corporificação objetiva de experiências subjetivas, que
conduzem a uma compreensão pessoal única, diferente de pessoa para
pessoa. As artes também transcendem a distinção entre afeto e cognição: o
76
objeto estético é capaz de produzir, simultaneamente, padrões de pensamento
e de sentimento no observador (ibid, p.51).
Para Gardner, a aquisição e a utilização de símbolos representam o cerne de
todo o desenvolvimento humano (HARGREAVES, 1986, p.50). Os símbolos
podem ser organizados em sistemas denotativos, os quais constituem uma
referência direta a um objeto ou elemento do mundo, e em sistemas
conotativos, que se referem às idéias e características expressivas do que está
sendo representado (GARDNER, 1997, p.127). Alguns sistemas de símbolos
podem apresentar características denotativas, conotativas ou englobar em si
ambas propriedades, como é o caso da linguagem, da dança, do teatro, do
desenho, da pintura e escultura e da música. No curso evolutivo do ser
humano, a capacidade de representação simbólica emerge ao final do estágio
sensório-motor, isto é, por volta dos dois anos de idade.
Gardner considera as palavras, os desenhos, os jogos de faz-de-conta (ou
jogos imaginativos) e outros símbolos como “o maior indício de
desenvolvimento nos primeiros anos da infância, decisivo para a evolução do
processo artístico” (GARDNER, 1997, p.129). Para o autor, aos sete anos de
idade, a maioria das crianças atingiu as condições necessárias para atuarem
como participantes ativos do processo artístico (GARDNER, 1997, p.129). Os
estágios piagetianos das operações concretas e das operações formais,
segundo Gardner, não são necessários para tal participação. “Os
agrupamentos e operações descritas por Piaget não parecem essenciais para
maestria e compreensão da linguagem, da música ou das artes plásticas”. Ele
77
acredita que o desenvolvimento artístico pode ser explicado exclusivamente no
âmbito dos sistemas simbólicos, isto é, sem nenhuma necessidade de
habilidades lógico-científicas (GARDNER, 1997, p. 45).
Gardner estudou o desenvolvimento artístico em relação à literatura, ao
desenho e pintura e à música, o que, de uma certa forma, diferencia sua
abordagem das teorias propostas por Swanwick (1988) e Hargreaves (1996),
as quais trataram exclusivamente da música. A teoria de desenvolvimento de
Howard Gardner propõe a existência de dois amplos estágios, o período “pré-
simbólico” (ou sensório-motor) e o “período do uso dos símbolos”, embora o
autor argumente que a generalização do processo artístico seja algo
“ambicioso e arriscado” (GARDNER, 1997, p.238).
O período “pré-simbólico” compreende os dois primeiros anos de vida da
criança. O autor analisou o comportamento dos bebês, a partir de suas ações,
percepções e sensações. Segundo Gardner, os aspectos da vida dos bebês
que poderiam ser relacionados às artes são pontuais. O que pode ser
observado é a capacidade da criança de, ocasionalmente, manter uma
pulsação regular ou produzir desenhos primitivos, os quais ainda não seriam
formas de representação. O bebê também manifesta a compreensão de
estados de humor de outras pessoas, através de expressões faciais, de sua
voz ou através de gestos. Em termos perceptuais, algumas crianças são
capazes de reconhecer quadros e canções antes de seu primeiro aniversário.
Entretanto, estes comportamentos não ainda podem ser considerados
análogos ao comportamento estético (GARDNER, 1997, p.77-110). Essa
78
mudança comportamental deverá ocorrer a partir do segundo estágio de
desenvolvimento, denominado “período dos símbolos”, o qual compreende
crianças de dois a sete anos de idade. Durante esta fase, os elementos
arbitrários dos sistemas simbólicos passam a se relacionar com atividades
artísticas específicas, isto é, com os ‘códigos’ da cultura vigente. Estas
atividades são exploradas e ampliadas e o uso dos símbolos torna-se cada vez
mais adequado aos padrões convencionais.
Finalmente, um senso de competência, equilíbrio e integração
passa a caracterizar a interação da criança com o meio
simbólico e torna-se plausível pensar na criança como um
participante do processo artístico. ... [Neste período], ocorre a
imersão nos meios simbólicos; elementos arbitrários tornam-se
símbolos na medida em que são vinculados a conteúdo,
normas culturais e códigos estéticos, para formar sistemas
simbólicos (GARDNER, 1997, p.239).
Em relação à música, a criança incorpora esquemas de sua cultura, adquire
habilidades tmicas e melódicas, habilidade em relação aos instrumentos
musicais, flexibilidade ao cantar suas próprias canções e em repetir as que
aprende. Na literatura, ela passa a contar histórias, a brincar com as palavras,
a dominar a sintaxe e é capaz de assimilar formas poéticas sicas. Ela
utiliza o desenho como uma forma de representação, explora esquemas
formais e se esforça para representar o mundo através de sua pintura e de seu
desenho. Ao final desse segundo estágio de desenvolvimento, “a criança
revela sensibilidade aos aspectos formais da arte, tanto em suas próprias
produções estéticas quanto em sua capacidade de perceber aspectos do
trabalho dos outros” (GARDNER, 1997, p.240). O desenvolvimento que ocorre
a partir dos oito anos envolve progressos em relação à aquisição de
habilidades, “sofisticação cognitiva, sagacidade crítica, bem como algumas
regressões, como a perda de interesse, perda da capacidade de criar, de
79
perceber e de sentir” (GARDNER, 1997, p.240-41). Segundo Gardner, as
conquistas, após os sete anos de idade, não podem ser consideradas mais
avançadas qualitativamente do que as que foram atingidas no “período dos
símbolos” (ibid).
Pearce, de uma certa maneira, reforça essas idéias de Gardner quando afirma
que:
A natureza programa a criança para fazer duas coisas do
primeiro ao sétimo ano de vida: por um lado estruturar um
conhecimento do mundo tal como ele é e de brincar com este
mundo do modo que ele não é... A criança é programada para
interagir com o mundo real: um lugar de pedras, árvores,
insetos, sol, lua, vento, nuvens, chuva, neve e milhões de
coisas...Nossos padrões para organização sensorial e ações
corporais só se formam no cérebro da criança quando ela
interage com o mundo por meio do corpo (PEARCE, 1982,
apud BEYER, 2005, p.355).
A neurociência, hoje, também vem ao encontro das idéias de Gardner acerca
da supremacia atribuída por este autor ao desenvolvimento da criança aos
sete anos de idade. Lent (2004, p.135) afirma que o desenvolvimento do
sistema nervoso durante a vida fetal caracteriza-se por uma enorme
plasticidade, pois é nesta fase da vida que tudo se constrói, “tudo se molda de
acordo com as informações do genoma e as influências do meio ambiente”. A
plasticidade do sistema nervoso
3
reduz-se após o nascimento e vai diminuindo
progressivamente ao longo da infância. A aquisição de certas habilidades pode
implicar, inclusive, na perda de neurônios, perda essa necessária para a
especialização de algumas funções (IZQUIERDO, 2004, p.84). Estas idéias são
recentes e têm sido alvo de profundas investigações.
3
Capacidade do sistema nervoso de se organizar, materializada pela forma como os neurônios
se intercomunicam através de seus prolongamentos
80
4.3 – A Teoria Espiral do desenvolvimento musical de Keith Swanwick e
June Tillman
Keith Swanwick e June Tillman elaboraram uma teoria do desenvolvimento
musical a partir da análise de composições de crianças. Essa teoria contempla
os elementos comuns a toda experiência musical significativa: material sonoro,
caráter expressivo, forma e a possibilidade de se conceber a música como um
sistema simbólico (SWANWICK e TILLMAN,1986, p.305-39). Esses aspectos,
que correspondem às dimensões cumulativas do discurso musical, se
revelaram nas composições das crianças, seguindo uma seqüência de
desenvolvimento (FRANÇA e SILVA, 1998, p.111).
Em sua pesquisa, Swanwick e Tillman analisaram 745 composições
instrumentais e vocais de crianças de três a onze anos (privilegiando as
instrumentais), gravadas em sala de aula. Foi realizado “um estudo transversal
das músicas criadas por crianças de diferentes idades e um estudo longitudinal
das composições de algumas crianças durante um certo período de tempo”
(SWANWICK, 1994, p.84). Segundo Swanwick (1994, p.84), o resultado que
emergiu acerca do desenvolvimento musical não foi “previsto, mas sim
descoberto”. Os dados foram submetidos a uma extensa análise qualitativa a
que padrões começaram a se delinear, “possibilitando o agrupamento das
composições segundo sua semelhança” (FRANÇA e SILVA, 1998, p.113).
“Esses grupos revelaram uma seqüência de mudanças qualitativas da
compreensão musical, ou seja, mostraram que o desenvolvimento musical
acontece a partir de níveis ordenados e cumulativos” (ibid). O que se observou
foi a progressiva consciência das “camadas” constitutivas do discurso musical:
81
material sonoro, expressividade, forma e valor simbólico, a qual, em condições
apropriadas, deverá se manifestar na performance, na composição e na
apreciação” (SWANWICK, 1994, p.84-6). “Em cada volta da espiral, foi
identificada uma tensão dialética entre tendências mais idiossincráticas e
tendências mais convencionais” (FRANÇA e SILVA, 1998, p.114). As quatro
camadas foram divididas em dois níveis, seguindo tendências ora assimilativas
e intuitivas, ora acomodativas e analíticas, o que resultou nos oito níveis de
desenvolvimento. Devido a essa relação dialética existente em cada camada,
os oito níveis foram organizados numa espiral e não numa seqüência linear. A
forma espiral também indica que as camadas superiores integram as inferiores
(ibid, p.114-5).
Figura 1 – Modelo Espiral de Swanwick e Tillman
“Os níveis do Modelo Espiral são, portanto, cumulativos: não é possível atingir
os níveis mais altos sem percorrer os inferiores” (ibid, p.115). Swanwick
82
acredita que o desenvolvimento da compreensão musical está relacionado à
interação entre as tendências assimilativas e acomodativas (SWANWICK, apud
FRANÇA e SILVA, 1998, p.115).
O crescimento de toda forma de compreensão depende de
dois processos interativos e complementares: da capacidade
de relacionar novas informações aos nossos sistemas internos
de significados (processo de assimilação aos nossos
esquemas), e da capacidade de modificar estes sistemas
quando eles não são mais adequados para interpretar novas
experiências (acomodação).
Swanwick enfatiza a inter-relação entre os processos de assimilação e
acomodação nos oito níveis de desenvolvimento (FRANÇA e SILVA, 1998,
p.116).
Em todas as camadas uma relação dialética entre os
processo de assimilação e acomodação, uma espécie de
alternância entre intuição e análise, com a intuição
direcionando o percurso (SWANWICK, 1994, p.88-9).
Assim, “este processo possibilita a mudança do puro prazer sensorial, intuitivo
relacionado ao som em si, para a compreensão analítica e semântica de seu
significado” (FRANÇA e SILVA, 1998, p.115).
Portanto, o Modelo Espiral possibilitou o delineamento de critérios bem
fundamentados, originalmente estabelecidos em relação ao quesito
composição, para se avaliar a produção musical. Os oito níveis,
correspondentes aos materiais, expressão, forma e valor, foram assim
descritos (SWANWICK, 1988; FRANÇA e SILVA, 1998):
Materiais
(
zero a quatro anos)
Sensorial: Refere-se ao prazer inicial e intuitivo de brincar com os sons, de
explorar e reagir às descobertas. As composições são mais curtas,
83
erráticas, sem forma aparente. A pulsação é instável e a criança utiliza
principalmente sons muito intensos ou muito suaves.
Manipulativo: Nesta dimensão analítica, a criança controla os sons, imita,
acomoda. Começa a ser capaz de manter um pulso regular, partindo
da intuição para a análise, da assimilação para a acomodação. As
composições são mais longas e repetitivas, pois a criança sente grande
prazer em dominar a habilidade de produzir os sons.
Expressão (quatro a nove anos)
Pessoal: Com os sons sob controle, a expressão torna-se possível. A sica é
intuitiva e espontânea. A criança acelera, ralenta, altera a dinâmica.
sinais de pequenas frases e gestos musicais. A criança cria
atmosferas e climas, às vezes, fazendo referências a uma idéia
“programática”.
Vernacular: A composição apresenta uma expressividade convencional e
previsível. A criança tende a imitar o que ouve, repetindo padrões
melódicos e rítmicos. Apresenta estereótipos métricos, repete temas,
ostinatos, acomoda-se às exigências locais. Utiliza clichês da música
vigente (arpejos, escalas, acordes, quadratura, etc.) e lugares comuns.
Forma (dez a quinze anos)
Especulativo: A composição transcende a repetições de padrões. A criança
especula, quebra a ordem com idéias imprevisíveis, novos temas cria
surpresas, muitas vezes não integradas à forma. Demonstra grande
desejo de experimentar possibilidades estruturais de criar finais
inusitados.
Idiomático: As composições já apresentam sessões mais longas e as surpresas
são integradas a estilos conhecidos, com maior ênfase à música
popular. A utilização de perguntas e respostas e a elaboração de
sessões contrastantes é uma prática comum neste momento.
Valor (a partir de quinze anos)
Simbólico: Refere-se à manifestação de um comprometimento pessoal com a
música. Toda a habilidade cnica tem como objetivo a expressividade
musical. Grande ênfase e atenção o atribuídas às relações formais e
ao caráter expressivo da composição
Sistemático: O universo do discurso musical é expandido, sendo objeto de
reflexão e de celebração. As obras neste nível tendem a ser
84
construídas a partir de estudos e pesquisas sobre novos materiais e
técnicas de composição.
Observa-se que, à medida que as crianças se desenvolvem musicalmente, elas
passam a utilizar um número maior de camadas, as quais começam a fazer
parte de seus esquemas musicais. Elas se movem em direção a outros níveis
de compreensão, através de um esforço analítico e acomodativo, e começam a
perceber características de outras camadas, aumentando assim sua
consciência musical (FRANÇA e SILVA, 1998, p.117). Swanwick diz que o lado
esquerdo do Modelo Espiral tende a ir ao encontro das questões intuitivas do
fenômeno musical, enquanto o direito, às questões relacionadas ao
aprendizado formal da música. A tensão provocada por esse fluxo é “fértil e
inevitável” em todo aprendizado (SWANWICK, 1988, p.135).
França e Silva (1998, p.117-8) constatou “a relação do lado esquerdo do
Modelo Espiral com a teoria piagetiana de desenvolvimento cognitivo, e o lado
direito com as idéias de Vygotsky”. Piaget enfatiza o esforço da própria criança
para compreender o mundo, enquanto Vygotsky atribui ao meio social o
principal papel no processo de desenvolvimento humano (FRANÇA e SILVA,
1998, p.107). Portanto, “os insights de Piaget e Vigotsky se amalgamaram ao
Modelo Espiral, conferindo-lhe significância teórica e empírica” (ibid, p.118). O
impulso em direção ao desenvolvimento musical, inicialmente auto-gerado, é
logo complementado e aperfeiçoado pelas trocas com o meio ambiente (ibid,
p.118).
Ao lado esquerdo está a dimensão lúdica da motivação
interna; começando pela quase completa exploração intuitiva
das qualidades sensoriais do som, as quais se transformam de
acordo com a expressividade de cada indivíduo, evoluindo
85
então para especulações estruturais, e, finalmente, atingindo o
compromisso pessoal com a significância simbólica da música.
Essa compreensão intuitiva é expandida e alimentada pelo
lado direito da espiral, com tendências imitativas e analíticas: a
partir do domínio de habilidades, segue-se a incorporação das
convenções e, a seguir, dos estilos, chegando à expansão
sistemática das possibilidades musicais (SWANWICK, 1994, p.
87).
É importante enfatizar que a compreensão musical proveniente das interações
sociais é transmitida pelas sicas ouvidas por aquela sociedade e pelo
aprendizado formal de música (FRANÇA e SILVA, 1998, p.118).
A compreensão musical da criança e suas habilidades se
desenvolverão dentro de um contexto social e cultural, o qual
determina o tipo de música a ser criada e as técnicas
utilizadas para este fim (FRANÇA e SILVA, 1998, p.119).
O Modelo Espiral de desenvolvimento se originou das análises de composições
de crianças que tinham aulas regulares de sica em suas escolas e seus
autores reconhecem que um ambiente musicalmente rico e estimulante pode
acelerar o desenvolvimento, permitindo que a criança atinja mais rapidamente
níveis mais altos do Modelo Espiral (FRANÇA e SILVA,1998, p.122). Porém, o
mesmo não acontece num ambiente com poucos estímulos musicais. França e
Silva (ibid, p.123) argumenta que a educação musical é capaz de instigar a
competência cognitiva da criança, levando-a a atuar em níveis mais altos de
desenvolvimento. Sobre este assunto, escreve Swanwick:
Nós não podemos deixar a educação musical à mercê do
acaso, da sociedade ou da mídia. Embora ninguém possa
evitar o contato com a música e o conhecimento intuitivo seja
aberto a todos, a música como parte do currículo oferece a
possibilidade dos níveis analíticos, os quais deverão
aperfeiçoar e aprofundar a intuição (SWANWICK1994, p.118).
86
4.4 – A teoria do desenvolvimento musical de David Hargreaves
Hargreaves define competência musical como a habilidade de se fazer
compreender, socialmente ou individualmente, através dos sons reconhecidos
como sica por uma cultura (HARGREAVES, 1996, p. 145-153). Esse autor
afirma que, como as concepções de música variam de uma sociedade para
outra, um estudo psicológico do desenvolvimento musical deve
necessariamente considerar os contextos social e cultural da criança, bem
como suas tradições educacionais (ibid, p.146).
Segundo Hargreaves (1996, p.152), é possível delinear mudanças regulares ao
longo do desenvolvimento musical da criança. Seu modelo de desenvolvimento
privilegia o canto, a representação gráfica, a percepção melódica e a
composição (ibid, p.145), sendo fundamentado basicamente na teoria
piagetiana do desenvolvimento cognitivo. Hargreaves também adota como
referencial teórico o Modelo Espiral de Swanwick e Tillman (1988) em relação à
evolução do processo composicional da criança, bem como os estudos de
Jeanne Bamberger (1990) sobre o desenvolvimento da notação musical. As
cinco fases propostas por Hargreaves (1996) o estreitamente relacionadas à
faixa etária da criança e definidas como: “sensório-motora” (zero a dois anos),
“figurativa” (dois a cinco anos), “esquemática” (cinco a oito anos), “fase das
regras” (oito a quinze anos) e “profissional” (a partir de quinze anos).
A fase “sensório-motora” recebeu de Hargreaves (1996) essa denominação
porque a maior parte das conquistas da criança até completar dois anos de
idade está relacionada à aquisição de habilidades motoras e de suas
87
coordenações. É nesse período que se estabelecem as bases para as formas
de representações musicais que ocorrerão mais tarde na infância. Os pais têm
um papel fundamental neste processo, fato que será amplamente estudado no
próximo capítulo.
Crianças nessa idade normalmente produzem garatujas que “combinam”,
segundo pesquisa realizada por Goodnow (apud HARGREAVES, 1996, p.157),
com a pulsação da música que estão ouvindo, apesar de o resultado gráfico
não apresentar analogia direta com a obra. Pouthas (1996, p.116) refere-se a
este comportamento como sendo de natureza “rítmico-motora”.
Hargreaves apóia-se em Swanwick (1988) para reiterar que as composições
instrumentais tendem a ser manipulativas e centradas no movimento. A criança
sente um enorme prazer em começar a manipular e a controlar a produção dos
sons (SWANWICK, apud HARGREAVES, 1996, p.157). A relação da
movimentação corporal é também evidente nos balbucios e na relação dos
bebês com a música. Como veremos no próximo capítulo, a partir dos seis
meses a criança tende a mover o corpo ritmicamente em resposta à musica
ouvida. A sincronia desses movimentos com a pulsação da música tende a
aumentar gradualmente com o passar do tempo.
Quanto à percepção melódica, Hargreaves enfatiza que os bebês são
capazes de reconhecer contornos melódicos por volta dos cinco meses de
idade (1996, p.158). Estudos realizados por Chang e Trehub (1977e1984, apud
HARGREAVES, 1996, p.158-9) mostraram evidencias de que bebês parecem
88
utilizar um “processamento estratégico global” através do qual extraem as
características mais evidentes do contorno das melodias em detrimento dos
detalhes. Segundo os mesmos autores, os bebês demonstram também ter a
capacidade de reconhecer semelhanças entre seqüências rítmicas.
A fase “figurativa” é inaugurada em torno dos dois anos e está relacionada
diretamente à capacidade de utilizar símbolos, característica fundamental da
criança a partir desta idade. Essa capacidade específica de simbolização
passa a se manifestar em diferentes áreas do comportamento infantil e, para
Hargreaves, as formas de representação gráfica da sica tornam-se
significativas neste momento. Apoiado principalmente Bamberger (1990), esse
autor afirma que entre dois e cinco anos, a criança tende a representar os sons
de forma “figural”, isto é, sua representação está mais relacionada à ação do
que a aspectos quantitativos, próprios da notação trica. As crianças
desenham os sons como se elas os estivessem “tocando” no papel
(BAMBERGER, 1990, p.106), processo descrito no Capítulo III desse trabalho.
Os balbucios, próprios da fase “sensório motora”, se transformam em esboços
de canções”, aos quais as crianças, progressivamente, incorporam fragmentos
de canções conhecidas (HARGREAVES, 1996, p.160-1). Dessa forma, esse
tipo de canto espontâneo geralmente evolui e vai se transformando em outras
duas modalidades de canção: a “pot-pourri” e a “imaginativa” ou “narrativa”
(MOOG, 1976), as quais serão mais amplamente estudadas no próximo
Capítulo. Porém, somente após completar cinco anos de idade, portanto ao
final da fase “figurativa”, é que a criança será capaz de reproduzir os contornos
89
melódicos de canções conhecidas de uma forma mais precisa e de manter uma
tonalidade estável ao cantar.
A partir dos cinco anos de idade, na fase “esquemática”, as crianças
começam a lidar com as convenções utilizadas pela cultura musical e passam
também a criar suas próprias convenções. Este processo estimula a criança a
produzir o que Hargreaves chama de “trabalho artístico esquemático”, no qual
as convenções dos adultos, embora estejam presentes, não estão
completamente desenvolvidas. O que se observa é que “as convenções
artísticas começam a se desenvolver, mas ainda o estão integradas num
sentido coerente de estilo” (HARGREAVES, 1996, p.162). Em suas
composições, as crianças utilizam ‘convenções vernaculares’, tais como
ostinatos rítmicos e melódicos e se empenham por conseguir uma obra
coerente musicalmente (SWANWICK e TILLMAN, apud HARGREAVES, 1996,
p.162). Em se tratando de composições vocais, as crianças a partir dos cinco
anos tendem a criar canções mais longas e detalhadas em relação às da fase
anterior, utilizando muitas vezes, canções conhecidas como modelos para suas
próprias canções.
As formas de representação musical variam imensamente dos cinco aos oito
anos, oscilando entre as formas “figurais e tricas de representação”
(HARGREAVES, 1996, p.163). Crianças de cinco anos tendem a representar
apenas uma única dimensão do que ouvem, com maior freqüência, o padrão
rítmico, confirmando-se aqui o fenômeno da centração, descrito no terceiro
Capítulo. Se a criança optar por grafar o número de notas musicais de uma
90
seqüência, as relações melódicas e temporais entre elas provavelmente não
serão representadas. Por volta dos sete anos, as crianças acrescentam uma
segunda dimensão à sua grafia: além do número de notas, eles tendem a
representar as direções melódicas (HARGREAVES, 1996, p.163-4).
Na fase “das regras”, período compreendido entre oito e quinze anos de idade,
a utilização mais precisa das convenções artísticas se estabelece. “Trabalhos
artísticos são produzidos em adesão às convenções adultas sobre estilo,
idiomas, formas de grafia e outros domínios” (HARGREAVES, 1996, p.164).
Confirmando o Modelo Espiral, as composições das crianças passam do nível
‘especulativo’, o qual envolve a experimentação de diferentes formas de
convenção, para o ‘idiomático’, o qual revela uma apropriação das
convenções musicais (SWANWICK e TILLMAN, apud HARGREAVES, 1996,
p.164). Crianças tendem, cada vez mais, a reconhecer de forma analítica
intervalos e escalas e a cantar dentro do sistema tonal de forma
completamente estável. Hargreaves afirma que, nesta fase, elas têm
condições de compreender a escrita tradicional de música (HARGREAVES,
1996, p.156). Vale ressaltar que essas aquisições são observadas em
contextos formais de ensino de música.
A fase “profissional” é alcançada apenas por artistas, capazes de transcender
as convenções estabelecidas e corresponde à dimensão do Valor, portanto, ao
nível mais alto de desenvolvimento musical, proposto por Swanwick e Tillman
(1988). Os artistas que chegam a esse nível reconhecem que “não padrões
absolutos em arte na verdade, as regras existem para serem quebradas”
91
(HARGREAVES, 1996, p.165). Músicos, interpretes e compositores que
conseguem atingir a fase “profissional” são capazes de se expressar em
diferentes correntes estilísticas e estéticas. O envolvimento emocional com as
obras executadas ou criadas e a capacidade de transmitir a outras pessoas
essa emoção é a grande prioridade (ibid, p.165-6).
4.5 Koellreutter e a evolução da consciência como manifestação do
desenvolvimento musical
A música é, em primeiro lugar, uma contribuição para o
alargamento da consciência e para a modificação do homem e
da sociedade. Entendo aqui como consciência a capacidade
do homem de apreender os sistemas de relações que atuam
sobre ele, que o influenciam e o determinam: as relações entre
um dado objeto ou processo e o homem, o meio ambiente e o
eu que o apreende (KOELLREUTTER, 1997, p.72).
A partir desta concepção de música e de consciência, Hans Joachim
Koellreutter faz uma analogia entre a evolução da consciência humana e as
transformações da música ao longo da história.
Em cada fase da nossa cultura, a arte, portanto também a
música, contribui para construir a consciência do homem. Ela
influência o comportamento do consumidor no caso da
música, o ouvinte com relação a um determinado tipo de
manifestação social e cultural e, conseqüentemente, com
relação a seu comportamento nas condições sociais existentes
(1997, p.72).
Koellreutter enfatiza que não se refere à consciência como conhecimento, mas
sim como forma de percepção. “A conscientização implica em desenvolver
simultaneamente a vivência e o processo intelectual” (KOELLREUTTER, apud
BRITO, 2001, p.47). Para esclarecer essa idéia, ele recorre à maneira como o
fenômeno espaço é percebido pela criança:
92
Na idade média, não existia a consciência do espaço; apenas
o conhecimento de duas de suas dimensões. O mesmo ocorre
com as crianças até em torno de seis anos de idade. Elas
também não têm consciência do espaço, apenas o
conhecimento adquirido através da vivência. O processo de
conscientização implica em um inter-relacionamento
constante, um ato criativo de integração. O ato de encontrar
um caminho para essa integração é um ato criador
(KOELLREUTTER, 1984).
Isso significa que a música produzida por uma sociedade reflete seu
pensamento e comportamento, ao mesmo tempo em que também contribui
para construir o nível de consciência deste povo.
A arte não exprime o pensamento de uma época, de uma
sociedade ou de uma classe social, mas, também os
sentimentos e pensamentos que se traduzem em forma
artística, através de sons, gestos e outros meios
(KOELLREUTTER, 1997, p.80-81).
Da mesma forma que a evolução da consciência acompanha as
transformações da música, Koellreutter (1984) acredita que o homem, como
indivíduo, percorre, ao longo de sua vida, as fases de desenvolvimento da
consciência da civilização humana. Ele afirma que:
Todas as fases de desenvolvimento representam uma cultura
com valores próprios, modo de pensar legítimos, vitalmente
importantes, que devem ser incentivados, respeitados e nunca
corrigidos. É fundamental termos em mente que esses valores
se transformam, de acordo com a imagem do mundo
(consciência), característica de cada fase (KOELLREUTTER,
1984).
Assim, para Koellreutter, o homem, desde o seu nascimento, percorre como
indivíduo, toda a trajetória da humanidade enquanto espécie.
(KOELLREUTTER, 1984). O padrão de consciência de cada uma dessas fases
está profundamente fundamentado na percepção de tempo e espaço. “Enfatizo
os conceitos de espaço e tempo como fundamentais de nossa consciência,
93
porque em torno deles giram, em última análise, todas as culturas e
civilizações” (KOELLREUTTER, apud BRITO, 2001, p. 48).
São quatro as fases ou níveis de consciência, estabelecidos por H.J.
Koellreutter (1984): “mágica, pré-racionalista (ou mítica), racionalista e
arracionalista”. É importante a observação de que as quatro fases de
consciência coexistem na civilização humana e que a fase racionalista é
especialmente enfatizada na cultura ocidental (KOELLREUTTER, 1984)
A fase “mágica” significa a tomada de consciência da natureza
(KOELLREUTTER, 1984). Em relação ao desenvolvimento individual do
homem, essa fase remete à infância, e, em termos de evolução histórica, a
povos primitivos. Koellreutter (1984) faz questão de enfatizar que a palavra
primitivo, neste caso, não tem conotação pejorativa. Primitivo aqui quer dizer
“primeiro, inicial”. São estas as características da fase “mágica de consciência”
(KOELLREUTTER, 1984):
Viver centrado no ‘atual’ nfase no presente imediato, e não
no passado ou futuro). O ponto mono-dimensional é o símbolo
da consciência mágica.
Predominância da intuição.
Viver não dualista (sem preocupação com a distinção entre
real e irreal, natural e sobrenatural, etc.)
Viver não categorizador, não analítico e não quantificador (o
número é pouco importante - a medição é genérica - muitos e
poucos).
Ausência da percepção quantificadora de tempo e espaço; au-
sência do senso de mensuração. A vida é uma sucessão sem
dimensionamento. Parece não existir princípio meio e fim
definidos.
Conceito mágico de tempo.
Pouca ênfase em abstrações; vivência do concreto.
Senso de causalidade do tipo ‘mágico fenomenista’ (qualquer
coisa pode ser produzida por qualquer coisa). Não existe o par
causa/efeito.
94
Não há preocupação com o ‘encadeamento lógico’, e com
contradições. Duas coisas podem ser ao mesmo tempo
idênticas e distintas.
Ênfase no sensório-motor. O ego é o próprio corpo. Não existe
a consciência de si.
Espontaneidade. Padrões de comportamento determinados
pelas exigências naturais e de sobrevivência do grupo.
Ausência de códigos de comportamento ou de leis artificiais.
Vivência social coletivista, sem individualismo. Existe a família,
no caso da criança e a tribo, no caso do homem primitivo.
Não ênfase em competições. Ausência de especialização:
a criança repete uma atividade quando esta lhe provoca
prazer e não com a intenção de aprimorar seu desempenho.
Vivência ‘circular’.
Ausência do dualismo homem/divindade; natural/sobrenatural.
Concepção anímica do mundo (tudo que se move é vivo e
auto-determinado: água, vento, fogo, etc.).
Koellreutter (1984) esclarece que, quanto mais nova é a criança, maior é a
ênfase nos padrões “mágicos de consciência”. Por volta dos sete anos, a
criança ocidental começa a viver uma fase transitória até atingir a
adolescência, quando passa a predominar a fase pré-racionalista da
consciência. Essa fase transitória parece ser a mesma a que Gardner se
refere, a partir dos oito a nos de idade.
A música produzida pela criança durante a “fase mágica” é muito diferente da
que é criada nas fases posteriores (KOELLREUTTER, 1984) e tem pontos
comuns com a música de povos primitivos. Este fato reforça a idéia de que
cada uma das fases possui uma cultura própria, fundamentada no padrão de
consciência vigente (KOELLRERUTTER, 1984). Na fase “mágica”, o mundo
sonoro da criança tende a um continuum”. Seu grito, sua fala e seu canto se
confundem. “Sua música vocal parece emanar de um movimento fundamental
e expressa suas emoções, vivências e sensações” (KOELLREUTTER, 1984). É
95
a unicidade da criança se manifestando através de seu canto espontâneo. “A
melodia tende a ser linear, errática e não temperada”. Muitas vezes a criança
interrompe o fluxo melódico apenas para respirar ou para dizer alguma coisa.
Parece não existir nenhuma intenção articulatória.
Ritmicamente, a música da criança nesta faixa etária muitas vezes apresenta o
que Koellreutter chama de “pulsar mágico vital” o qual poderia ser definido
como uma sucessão de sons contínuos, regulares, porém, sem a presença de
métrica (KOELLREUTTER, 1984). O pulso também pode tornar-se instável,
irregular. A partir dos cinco anos ou seis anos, a criança tende a buscar um
centro tonal de forma mais explícita e os sons utilizados às vezes chegam a
apresentar altura definida. A criança muitas vezes utiliza esboços de cadências
para finalizar suas músicas. A regularidade rítmica passa a ser a ênfase e a
métrica começa a se delinear (KOELLREUTTER, 1984).
Koellreutter justifica as características da sica produzida pela criança até os
cinco ou seis anos principalmente pela forma como elas tendem a não
quantificar o tempo e o espaço. Daí a tendência a uma sica sem métrica.
Para ele, como a criança pequena ainda não dividiu racionalmente o tempo
(passado, presente e futuro), ela não é capaz de “separar” os sons
racionalmente a ponto de obter uma afinação temperada (KOELLREUTTER,
1984). A hierarquia característica da música tonal passa a ser utilizada pela
criança, a partir do momento em que ela começa a integrar o conceito de
causa/efeito ao seu cotidiano. Isso começa a ser enfatizado por volta dos cinco
96
anos ou seis anos de idade, quando a criança inicia o processo transitório entre
a fase mágica e a pré-racionalista (ibid)
A fase “pré-racionalista de consciência” (ou mítica) refere-se ao pensar
característico da idade média em termos de evolução histórica da civilização
ocidental e, em relação ao desenvolvimento individual do homem, corresponde
à adolescência, iniciando-se, portanto, a partir dos onze ou doze anos de
idade. Suas principais características são (KOELLREUTTER, 1984):
Vivência imaginativa; pouca ênfase à análise, à categorização
e à quantificação. O círculo bidimensional, alargamento do
ponto, é o símbolo desta fase.
Mensuração não sistemática. Conceito de tempo psíquico-
intuitivo.
‘Realidade’ percebida e interpretada de modo antropomórfico,
com atribuição de formas e atributos humanos à natureza e às
ocorrências naturais e sociais.
Tempo e espaço ‘vivenciais’, não absolutos. A ‘medição’ do
tempo e espaço se prende muito mais a elementos
emocionais e vivenciais do que a medidas objetivas.
Comportamento social coletivista; relação ‘mítica’ com a au-
toridade. O adolescente tende a transformar seus heróis em
mitos.
Não individualismo nítido. Para o adolescente, o grupo
tende a ser mais importante que a família. Para o homem
medieval, a igreja é o centro da vida.
Tendência ao ‘geral’, ao ‘amplo’, sem especialização.
O ‘Divino’ é interpretado antropomorficamente, com qualida-
des de perfeição: austeridade, justeza, plenitude, onipotência,
sabedoria.
O autor justifica as características da música medieval através do padrão “pré-
racionalista de consciência”, próprio da época. É fundamental a observação de
que a maior parte das características do nível “mítico de consciência”,
elaboradas por Koellreutter, são particulares do homem medieval. Apenas
algumas delas referem-se mais especificamente ao adolescente. Esse autor
97
não enfatizava as características específicas da sica produzida por
adolescentes. Entretanto, ele apontava similaridades entre o adolescente e o
homem medieval, em relação à idolatria: ambos tendem a mitificar símbolos e
ídolos. Para o adolescente, o interprete muitas vezes é mais importante do que
a música que está sendo interpretada (KOELLREUTTER, 1984).
O terceiro padrão de consciência, o “racionalista”, corresponde ao pensar típico
do Renascimento até os dias atuais. Em termos individuais, refere-se à vida
adulta do homem ocidental. Segundo Koellreutter (1984), estas são suas
principais características:
‘Mundo’ interpretado de forma analítica, categorizadora,
dualista (natural X sobrenatural; real X irreal), classificadora e
quantificadora. O triângulo é o símbolo desta fase.
Mensuração sistemática. Conceito cronométrico de tempo.
Ênfase na explicação científica do mundo (tudo o que
acontece tem uma causa definida e um efeito definido). Vida
guiada pela lógica linear. A forma musical é discursiva.
Dependência da tecnologia.
Tempo e espaço interpretados como absolutos e
objetivamente mensuráveis. Tempo linear que flui do passado
para o presente e para o futuro.
‘Mundo’ interpretado como realidade objetiva. Consciência
racionalista enfatiza a objetividade.
Individualismo intenso.
Tendência à especialização e ao exclusivismo: ‘um ou outro’.
As características do Racionalismo foram se intensificando a partir da
Renascença. Koellreutter acrescenta que:
O Racionalismo surge na Grécia antiga, diminui sua
importância na Idade dia, devido ao Cristianismo, ressurge
no Século XV, aproximadamente, e culmina com o
pensamento de Karl Marx, para quem a vida material
condiciona a vida social, política e cultural (KOELLREUTTER,
1985, p.19).
98
O tratamento dado ao tempo, principalmente entre os séculos XVII ao XIX, com
tendências à regularidade e à métrica, é típico da música ocidental
(KOELLREUTTER, 1984). A música tonal pode ser considerada uma das mais
significativas formas de manifestação do padrão racionalista da consciência.
Suas características, segundo Koellreutter, “corporificam” este padrão de
consciência (ibid).
A última fase de consciência estabelecida por Koellreutter, a “arracionalista”,
refere-se à superação ou à transcendência do racionalismo e não à sua
negação. Para o autor, “o alto grau de racionalização limita a liberdade e a
percepção do indivíduo. É justamente essa dificuldade que nos leva à tentativa
de transcender a ênfase na racionalização” (KOELLREUTTER, 1984). Este
nível de consciência seria atingido por pessoas dotadas de um alto grau de
capacidade reflexiva, capazes de transcender o racionalismo. Em termos
históricos, ela começa a se manifestar na contemporaneidade, principalmente
como conseqüência da aproximação dos valores ocidentais e orientais.
Koellreutter (1984) atribui à fase “arracionalista” as seguintes características:
Pensamento integrador, multidirecional, que transcende o
dualismo. Tendência à complementaridade. O ‘um ou outro’ do
racionalismo, está cedendo lugar ao ‘tanto um quanto outro’.
Realidade percebida e interpretada como um sistema
complexo de inter-relações.
O símbolo desta fase é a esfera.
Espaço e tempo percebidos como não absolutos, admitidos
como ‘instrumentos’ da percepção humana.
Conceito de tempo acronométrico ou acrônico.
Valorização da integralidade do ser humano - unidade do
intelecto, sentimentos, sensações, corpo e intuições.
Descentramento do ‘eu’; valorização do convívio cooperador;
reintegração com a natureza.
Revalorização do elemento perceptivo; integração de
linguagens; revalorização da arte.
99
Na sica própria da fase “arracionalista” de consciência, conceitos
considerados opostos na fase anterior, como, por exemplo, consonância e
dissonância, melodia e acorde, tempo forte e tempo fraco, passam
paradoxalmente a ser utilizados como complementares. Muitas das
manifestações musicais produzidas principalmente a partir da segunda metade
do século XX transcendem as medidas racionais do tempo, e se manifestam
como sendo “amétricas, tendendo à imprecisão” (KOELLREUTTER, apud
BRITO, 2001, p.48).
4.6 – Convergências e divergências entre as idéias de Gardner, Swanwick,
Hargreaves e Koellreutter
As idéias desses autores em relação ao desenvolvimento musical apresentam
convergências significativas. Um dos pontos mais relevantes é a utilização da
teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget como importante
referencial teórico. Com isso, Gardner (1974), Swanwick (1988), Hargreaves
(1996) criam uma relação entre os desenvolvimentos musical e cognitivo da
criança. Entretanto, vale ressaltar que embora esses autores sejam
francamente piagetianos, suas teorias priorizaram diferentes aspectos da obra
de Piaget, o que acentuou a sua complementaridade.
Gardner, mesmo com algumas restrições à teoria piagetiana, considera o
período entre dois e sete anos de idade, denominado pré-operacional por
Piaget, o mais significativo em todo o processo de desenvolvimento artístico,
pois é justamente nessa fase que a criança passa a utilizar símbolos.
100
Swanwick (1988) e Hargreaves (1996) atribuem uma grande importância à
assimilação e acomodação, à imitação e ao jogo imaginativo, descritos no
Capítulo III desse trabalho, no processo do desenvolvimento musical da
criança.
Questões relacionadas à psicologia não foram muito enfatizadas por
Koellreutter. No entanto, esse autor mencionava e considerava a importância
das idéias de Piaget acerca da percepção do fenômeno tempo, nos estudos
sobre a sica produzida pela criança (KOELLREUTTER,1984). O conceito
piagetiano de centração, característico do pensamento da criança na fase pré-
operacional, era relacionado por Koellreutter ao “viver centrado no presente
imediato”, próprio do “nível gico de consciência” (ibid). O termo “mágico
fenomenista”, utilizado por Koellreutter (1984) para descrever o senso de
causalidade típico das crianças pequenas, é um termo piagetiano, utilizado
com a mesma finalidade (PIAGET e INHELDER, 1982)
Outra unanimidade entre os autores aqui estudados é a importância atribuída
às interações sócio-culturais no desenvolvimento musical. Gardner, como
citado nesse capítulo, afirma que a capacidade de operar com símbolos
possibilita que a criança se relacione com as normas culturais de seu meio,
incorporando esquemas vigentes. Hargreaves acrescenta que a sica é
concebida como tal quando inserida em um contexto social.
A música é um fenômeno social hereditário: as regularidades e
os padrões próprios dos sons físicos somente adquirem
significado musical quando são interpretados como tal por um
grupo de pessoas. Esta visão não se consiste em algo radical
ou surpreendente: muitos autores apontaram que a música e
outros estímulos artísticos não existem no âmbito de um
‘vácuo social’ (HARGREAVES et al, 2004, p.604).
101
Portanto, é razoável pensar que o desenvolvimento musical seja
inevitavelmente influenciado pela música da cultura vigente (HARGREAVES et
al, 2004, p. 604). Da mesma forma, o modelo de Swanwick e Tillman propõe
que o desenvolvimento musical seja “um sistema estrutural coerente, sujeito a
transformações que buscam um equilíbrio entre assimilação e acomodação,
entre a motivação interna da pessoa e as convenções culturais”
(HARGREAVES et al, 2002, p.88). Para Koellreutter, a música contribui para
construir a consciência do homem, exercendo assim influência em seu
comportamento, no âmbito de seu contexto cio-cultural, através da
experiência estética.
Música popular, a chamada música clássica, música para
entretenimento, todas as categorias de música preenchem, no
campo da cultura de um país, suas funções previamente
delineadas, que, naturalmente com a ajuda de diferentes
critérios para cada uma delas precisam ser julgadas por nós.
Cada uma dessas categorias tem seu próprio papel, sua
própria função social e seus próprios critérios de valor para
satisfazer. Ao fazê-lo, da sua forma específica, enriquecem ou
modificam a consciência através da experiência estética
(KOELLREUTTER, 1997, p.72).
É possível constatar que as quatro teorias de desenvolvimento musical aqui
estudadas vão ao encontro das tendências mais recentes da psicologia da
música, as quais procuram enfatizar e integrar a vertente sócio-cultural à
vertente cognitiva do desenvolvimento musical (HARGREAVES, 2004, p.7).
Não propriamente divergências entre as idéias de Gardner, Swanwick,
Hargreaves e Koellreutter. Contudo, existem alguns pontos que são
enfatizados por cada um dos autores, conferindo-lhes uma maior relevância e
especificidade.
102
Gardner estabeleceu uma teoria do desenvolvimento artístico, buscando as
características da música, da literatura e na pintura em cada uma das fases de
desenvolvimento estabelecidas por ele. Entretanto, como psicólogo aficionado
nas artes, seu principal objetivo foi “descobrir as inter-relações entre esses dois
campos” que pudessem ser compreendidas tanto por músicos quanto por
psicólogos (1997, p. XIII). Possivelmente tenha sido esta a razão pela qual ele
não tenha entrado em detalhes com relação às características do
comportamento musical da criança nas diferentes fases.
Como foi dito anteriormente, Koellreutter não sistematizou uma teoria do
desenvolvimento musical como os demais autores. Este autor, como grande
humanista que foi, nos possibilita uma visão mais abrangente sobre o assunto,
procurando integrar aspectos históricos, sociológicos, psicológicos, científicos,
fenomenológicos e estéticos à sua abordagem. “A Fenomenologia, a Gestalt,
os estudos sobre a física moderna, a teoria da relatividade e a física quântica
foram bases teóricas importantes para seus estudos e reflexões” (BRITO,
2001, p.27).
Outra diferença fundamental entre as idéias de Koellreutter e a dos outros
autores é a ênfase atribuída por ele às relações entre a produção musical do
homem e os diferentes níveis de consciência. Em outras palavras, Koellreutter
prioriza a criação e a improvisação. Assim, as idéias do autor sobre o
desenvolvimento musical não se enquadram totalmente nos critérios
estabelecidos por Runfola e Swanwick (2002) e Hargreaves e Zimmerman
(1992) para avaliar a eficácia das teorias do desenvolvimento musical.
103
Entretanto, como mencionamos anteriormente, esse autor não teve a
intenção de criar uma teoria de desenvolvimento musical, e sim uma relação
entre a música e a evolução da consciência do homem. A performance, como
uma das modalidades investigadas para se avaliar o desenvolvimento musical,
realmente não foi privilegiada por Koellreutter. Já a apreciação musical foi
também valorizada pelo autor. A própria maneira como ele define a palavra
consciência como “forma de percepção”, apoiado principalmente na
Fenomenologia e na teoria da Gestalt, explicita sua preocupação com a
singularidade através da qual cada pessoa ouve e aprecia o fenômeno musical,
nos vários períodos da civilização humana, e ao longo da vida, enquanto
indivíduo (KOELLREUTTER, 1984).
As teorias de Swanwick (1988) e Hargreaves (1996) criaram realmente uma
sistematização do desenvolvimento musical, procurando privilegiar a
composição, a performance e a apreciação musical. Contudo Hargreaves
introduziu em sua abordagem o estudo sobre o processo evolutivo das formas
de representação gráfica da música, fundamentando-se basicamente nas
pesquisas de Bamberger (1990), sobre o assunto. Este autor também elegeu o
Modelo Espiral do Desenvolvimento Musical de Swanwick e Tillman (1988)
como referência para o processo evolutivo das composições das crianças. Na
verdade, o modelo proposto por Hargreaves o traz novidades em relação
aos anteriores. Porém, talvez o seu ineditismo consista no nível profundo de
detalhamento oferecido por esse autor sobre a música produzida pela criança
até os sete anos de idade. Este fato, certamente, contribui para conferir à sua
teoria de desenvolvimento musical a devida relevância.
CAPÍTULO 5
O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO-MUSICAL DA CRIANÇA:
UMA DESCRIÇÃO EVOLUTIVA A PARTIR DO CANTO
ESPONTÂNEO
105
5 -
O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO-MUSICAL DA CRIANÇA: UMA
DESCRIÇÃO EVOLUTIVA A PARTIR DO CANTO ESPONTÂNEO
5.1Conceituação
O canto espontâneo, dimensão significativa da musicalidade espontânea da
criança (YOUNG, 2006, p. 270), é uma forma importante de expressão, tão
relevante quanto o desenho, a gestualidade e o comportamento infantil
(PARIZZI, 2005 a, 2005 b, 2006).
No entanto, ao contrário do que acontece com o desenho e com os modos
infantis, essa forma de manifestação ainda não conseguiu assumir um papel de
igual relevância na comunidade científico-acadêmica.
...enquanto os jogos sócio-dramáticos infantis e outras formas
de brincar das crianças têm sido objeto de extensas
pesquisas, o jogo musical, entretanto, continua sendo
negligenciado neste sentido. O estudo da música da criança
como um gênero próprio distinto do mundo adulto ainda é raro
(GLUSCHANKOV, 2002, p.39).
O fato de ser a música uma manifestação artística exclusivamente temporal
contribui de forma decisiva para que a produção musical da criança seja pouco
conhecida. Associada muitas vezes ao ato de brincar (PARIZZI, 1987, p.448),
essa música flui rapidamente, sendo complexo registrá-la ou mesmo observá-
la, como afirma Dowling:
A música da criança é fugaz na medida em que ela ocorre
muitas vezes de maneira imprevisível podendo ser
interrompida pela criança sob qualquer pretexto, o que dificulta
o seu registro (DOWLING, 1984, p.148).
106
Um aspecto fundamental que caracteriza as composições de crianças até seis
anos é que elas são profundamente diferentes da música produzida por
crianças mais velhas e da produção musical dos adultos (PARIZZI, 1987, p.
449). Essas diferenças e o estranhamento que causam justificam porque
muitos não as consideram como música. Gluschankov (2002, p.38) acredita
que isso acontece porque os adultos tendem a ouvir a música da criança
pequena através dos mesmos padrões perceptivos com os quais se relacionam
à produção musical de pessoas adultas (MOORHEAD & POND, 1942, apud
GLUSCHANKOV, 2002, p.38).
Etnomusicólogos como Blacking (1987), Campbell (1998), Nettl (1983) e Glover
consideram de suma importância que a música produzida por crianças
pequenas seja considerada um gênero musical distinto, pois ela tem
características próprias e não deve ser, portanto, considerada uma imitação
incompetente e frágil da música produzida pelos adultos.
O canto espontâneo ocorre naturalmente com todas as crianças e tem um
curso evolutivo previsível (SLOBODA, 1985; DAVIES, 1992; PARIZZI,
2005a, 2006). Autores estudados, como Papousek (1996), Sutton-Smith e
Kelley (1987) confirmam que um ambiente musical rico e diversificado e o
aprendizado musical precoce podem antecipar as etapas e refinar o conteúdo
musical dos cantos espontâneos, mas o curso evolutivo é semelhante e
previsível, como veremos a seguir.
107
5.2 – A origem do canto espontâneo
Durante o seu primeiro ano de vida, o bebê produz “balbucios musicais”
(MOOG, 1976; SLOBODA, 1985) muito semelhantes aos sons utilizados por
ele em sua comunicação pré-verbal. Vários autores afirmam que existem
relações profundas entre a fala e os sons musicais produzidos pelos bebês, o
que torna difícil a distinção entre estes dois modos vocais (PAPOUSEK H.,
1996, p.42; DOWLING, 1984, p.145).
Da mesma forma, é difícil afirmar qual dessas duas categorias emerge primeiro
na evolução humana. O que se tem observado é que a criança ao nascer
dispõe de um trato vocal que lhe permite, a partir de uma motivação
intrínseca
1
, explorar e brincar com os sons, bem antes de ser capaz de falar
(PAPOUSEK M., 1996, p.88).
Os sons musicais podem ser alterados de muitas formas para finalidades
musicais ou de comunicação, principalmente através de mudanças de timbre,
altura, intensidade e duração. O bebê brinca com sua voz provavelmente com
o objetivo de explorar todas essas possibilidades (DOWLING, 1984, p.145). A
fala humana acrescenta qualidades fonéticas que possibilitam a produção de
consoantes e sílabas, as quais são concatenadas de acordo com regras
gramaticais, próprias da cultura vigente (PAPOUSEK H., 1996, p.42).
1
Essa “motivação intrínseca” à qual Papousek (1996) se refere pode ser interpretada como sendo o
“impulso vital” de Bergson (apud SILVA, 2006).
108
Analogias entre a fala e a música vocal constituem importantes referências
para estudos sobre ambos os assuntos e podem fornecer indícios significativos
a respeito de suas origens evolucionárias. Uma ligação óbvia entre a
linguagem e a musica vocal é o trato vocal humano, que funciona como órgão
da fala e como um instrumento musical. Segundo Sloboda (1985, p.18), o meio
natural para a fala e a música é o “auditivo-vocal”. Ambas são percebidas como
seqüências de sons e produzidas através de movimentos vocais. Estudos têm
priorizado a compreensão da maneira como são processados e produzidos os
sons melódicos que acontecem nos primeiros meses de vida da criança e a
influência fundamental de pais e cuidadores neste processo (PAPOUSEK H.,
1996, p.37), assunto tratado a seguir.
5.2.1 O papel dos adultos no desenvolvimento da capacidade de
comunicação da criança
Hanus Papousek (1996, p.38) enfatiza que estudos realizados no contexto
sócio-cultural das crianças têm elucidado a importante atuação dos pais e
cuidadores (caregivers) como “professores competentes” da língua materna e
como mediadores das influências culturais. Esse comportamento é
denominado por alguns estudiosos como ‘parentalidade intuitiva’ e pode ser
definido como “uma habilidade dos adultos para proteger, alimentar, estimular
e ensinar as características de uma dada cultura a seus bebês (SHIFRES,
2007, p.15). Essa atuação, imprescindível para o desenvolvimento da
capacidade de comunicação da criança, ocorre de forma inconsciente, através
de intervenções intuitivas.
109
...os meios de adaptação evolucionária de uma espécie são
fundamentados em uma co-evolução de predisposições
universais existente entre pais e familiares, as quais emergem
durante a ontogenia e são controladas por sistemas
inconscientes de regulação de comportamento (PAPOUSEK
H., 1996, p.38).
A maneira como pais e cuidadores alteram sua forma de falar quando se
dirigem aos bebês é um exemplo típico desta pré-disposição inconsciente. As
interações entre adultos exibem uma rie de características que, em princípio,
evocam modos de produção, organização, recepção e comunicação musical”,
Por essa razão, têm sido vistas como manifestações “protomusicais”
(SHIFRES, 2007, p.15).
Desde cedo, pais e bebês compartilham de um “alfabeto pré-linguístico”
utilizando alterações de timbres, altura e contornos melódicos; mudanças de
intensidade e de acentuações; padrões temporais e rítmicos específicos. Esses
recursos, tão próprios da música, são utilizados tanto na fala dirigida aos bebês
quanto nos sons vocais produzidos por essas crianças (PAPOUSEK M., 1996,
p.90).
Pais e cuidadores demonstram propensão intuitiva para falar
ao recém nascido e para lhe propiciar o primeiro contato com a
educação musical. Eles ajustam os estímulos vocais, visuais,
gestuais e táteis de forma a ir ao encontro das capacidades
perceptuais e cognitivas do bebê, enquanto respeitam as
preferências e limitações da criança. Essa atuação facilita e
colabora para o desenvolvimento das primeiras competências
musicais da criança (PAPOUSEK M., 1996, p.90).
A “parentalidade intuitiva” se expressa na fala dirigida ao bebê através de um
conjunto de características claramente musicais que podem ser analisadas em
termos formais, rítmicos, melódicos, timbrísticos, contrapontísticos, etc
(SHIFRES, 2007, p. 15). Segundo Shifres,
110
essa análise musical não é simplesmente o resultado de uma
descrição metafórica das condutas verbais dos adultos. Ao
contrário, obedece a uma caracterização metódica das
condutas de altura, timbre e duração do discurso musical.
(SHIFRES, 2007, p.15).
As características musicais da fala dirigida aos bebês estariam estreitamente
vinculadas a funções específicas da fase inicial da vida do bebê tais como: a
regulação da excitação e da atenção, o suporte didático para os aprendizados
sociais, os modelos para o aprendizado vocal e fonológico e para a aquisição
dos componentes prosódicos da linguagem (PAPOUSEK, M, 1996, p. 91).
Além da importância lingüística das características musicais da fala dirigida aos
bebês através da parentalidade intuitiva, essas características parecem
também exercer influencias na capacidade de comunicação não lingüística da
criança, assim como na experiência de si mesmo e do mundo, através de uma
pré-disposição por compartilhar impulsos, interesses, ações e significados com
o adulto. Essa pré-disposição se manifesta na alta sofisticação de movimentos
de cabeça, rosto e de membros dos bebês durante seus momentos de
interação com os adultos (SHIFRES, 2007, p.15). Essas condutas são uma
manifestação da atividade de um sistema neurológico que funciona desde o
nascimento - a Formação Motora Intrínseca e suporte à atuação regulada
do tempo de acordo com um pulso (padrão de regularidade) denominado Pulso
Motor. Esse fenômeno torna-se evidente em grande parte dos comportamentos
dos bebês (movimentos, orientações de atenção, respostas expressivas, etc),
assunto já abordado no Capitulo III desse trabalho.
111
Esse sofisticado controle temporal dos movimentos explícitos tem levado
Colwyn Trevarthen a falar de uma “musicalidade de condutas”. Para esse
autor, o longo período neonatal dos seres humanos faz pensar que os
movimentos dos bebês ocorrem, com muito maior ênfase, em função da
comunicação e da imitação (como capacidade inatas), do que pela locomoção
e manipulação (habilidades que emergem mais tardiamente nos bebês
humanos) (TREVARTHEN, 2000, apud SHIFRES, 2007).
A partir desse contexto, Stephen Malloch (2000) definiu o fenômeno da
“musicalidade comunicativa”: “uma habilidade inata e universal que se ativa ao
nascimento, vital para a comunicação entre as pessoas, e caracterizada pela
capacidade de se combinar o ritmo com o gesto, seja ele motor ou sonoro
(MALLOCH, 2000, apud SHIFRES, 2007, p. 15). Com isso o autor cria limites
importantes entre a musicalidade comunicativa, uma característica da espécie,
e a música em si, como uma característica da cultura.
A musicalidade comunicativa, deflagrada e incentivada pela parentalidade
intuitiva, é a base da comunicação humana e como tal se torna evidente nas
condutas comunicativas dos primeiros meses de vida do bebê. Muitos dos
aspectos identificados nessas condutas são altamente explorados na sica,
como pulso, melodia, timbre e narrativa (SHIFRES, 2007, p. 16).
Estudos realizados pelo casal Papousek revelam que existe universalidade nas
formas e nas funções dos elementos musicais utilizados por pais e bebês em
sua comunicação pré-verbal (PAPOUSEK M., 1996, p.90). Pais e cuidadores
utilizam sua voz num registro bem mais agudo (até duas oitavas acima do seu
112
registro normal), falam mais devagar e criam pausas entre as frases, as quais
são usualmente mais curtas e ritmadas (FERNAND e SIMON, 1984;
PAPOUSEK M., 1996).
Assim, pais e cuidadores das mais diversas culturas apresentam aos bebês
modelos de sons vocais, estimulam a imitação desses sons, recompensam os
bebês por sua atuação e, didaticamente, ajustam essa intervenção às
possibilidades de vocalização da criança naquele momento. Essa
universalidade aponta para uma pré-disposição biológica comportamental de
pais e bebês (PAPOUSEK e PAPOUSEK, 1996, p.92), incentivada pelas
relações sócio-culturais.
5.2.2 – Os balbucios musicais e a comunicação pré-verbal dos bebês
Primeiro mês de vida
O choro é o primeiro ato vocal da criança. Ele constitui o substrato para todas
as subsequentes vocalizações, incluindo-se o canto: elementos da prosódia
como variações de intensidade e altura, “padrões” rítmicos, fraseado estão
presentes no choro muito antes que as crianças iniciem suas “brincadeiras”
vocais ou balbucios (WELCH, 2006, p. 242).
Nesse período, o sorriso e o choro do bebê são involuntários, provavelmente
controlados pelo tronco cerebral (GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005, p. 350) e suas
vocalizações o dependentes de seu padrão respiratório (PARIZZI, 2005a, p.
76).
113
Segundo e terceiro meses de vida
A partir daí, minimizam-se as ações reflexas e correlações importantes entre
maturação cerebral e comportamento passam a ser notadas (KAGAN, 1991, apud
GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005, p.350). Ocorre o desenvolvimento de neurônios
no córtex cerebral, que passa a ter um papel importante no controle das ações
motoras do bebê. A memória de reconhecimento do bebê começa a se refinar.
Ele torna-se capaz de reconhecer rostos e a controlar o choro e o sorriso.
Três níveis de expertise vocal emergem, gradativamente, durante o
desenvolvimento pré-verbal dos bebês, como conseqüência da pré-disposição
inconsciente de pais e cuidadores “parentalidade intuitiva” (PAPOUSEK H.,
1996, p.44). O primeiro nível, observado nessa idade, ou seja, em torno dos
dois meses, ocorre quando a vocalização inicial do bebê, dependente de seu
padrão respiratório, evolui para sons eufônicos prolongados. A criança torna-se
capaz de produzir e de modular, através de vogais, seus primeiros sons
melódicos vocais. A fala dos pais direciona, de forma intuitiva, a vocalização
dos bebês neste sentido.
Papousek e Papousek (1996, p.44) afirmam que esses sons são, muitas vezes,
interpretados como “meras expressões de mudanças de humor da criança”
mas que, entretanto, eles representam um indício importante do seu
desenvolvimento cognitivo. Essa nova forma de vocalização através de
modulações melódicas constitui-se num importante recurso para as
brincadeiras vocais, típicas dos bebês, e, um pouco mais tarde, para a
aquisição da fala (ibid). Essas
modulações melódicas permanecem no
114
repertório vocal das crianças, incentivadas intuitivamente por pais e
cuidadores, mesmo após a aquisição da fala. Segundo Dowling (1984, p.54),
elas permitem que as crianças, durante seu segundo ano de vida, sejam
capazes de esboçar vocalizações distintas da fala e reconhecidas nitidamente
como canções.
Quatro a seis meses de idade
A segunda fase de expertise, que emerge nessa época, é caracterizada por um
“jogo exploratório” através do qual o bebê expande seu repertório vocal
(PAPOUSEK M., 1996, p.104). A maturação da cavidade oral permite que as
vocalizações se tornem mais refinadas. Uma maior variedade de sons é
possível quando o esqueleto da face do bebê se desenvolve, projetando-se
para cima e para baixo, e aumentando assim a cavidade oral. Os receptores
proprioceptivos do trato vocal (como a ponta da língua e a faringe) também
apresentam maior grau de maturação (WELCH, 2006). Assim, o bebê passa a
ser capaz de produzir consoantes (utilizando o trato vocal superior) e de brincar
com a voz, utilizando alturas, intensidades e timbres diferentes (PAPOUSEK
M., 1996, p.104). Esta fase é particularmente relevante em relação às
competências musicais iniciais da criança, pois envolve sua capacidade criativa
intrínseca.
Segundo Moog (1976), o “balbucio musical”, típico desta fase, está relacionado
ao fascínio da criança pelo som e ao prazer de dominá-lo e de controlá-lo.
Neste período, os bebês parecem usar sua voz como seu brinquedo favorito e
passam a ser capazes de repetir sons descobertos por acaso e de repetir ou
115
modificar, com alegria, sua própria produção vocal (PAPOUSEK M., 1996,
p.105). Os balbucios dos bebês nesta fase são caracterizados por ”glissandos
microtonais”, que percorrem suavemente uma extensão melódica (SLOBODA,
1985, p.200), e pelo fato de não guardarem relação de altura ou de ritmo com
o repertório musical tocado em casa” (MOOG, 1976, p.62).
Pais e cuidadores também participam intuitivamente deste jogo vocal. Eles
tendem a imitar os sons emitidos pelos bebês e a fornecer modelos vocais,
repletos de alterações de andamento, de intensidade, altura, de timbre, os
quais serão rapidamente absorvidos pela criança (PAPOUSEK M., 1996,
p.105). O jogo vocal atinge seu ponto culminante por volta do sexto ou sétimo
mês de vida, mas continua durante as fases subsequentes do desenvolvimento
vocal do bebê, constituindo-se também num pré-requisito importante para a
aquisição da fala e da capacidade de cantar.
Segundo Trevarthen (2004, p.22), os relacionamentos iniciais entre pais e
bebês se desenvolvem de forma semelhante a uma “narrativa”, cujos
significados são intersubjetivos e construídos e têm importante função na
construção das memórias e da identidade do indivíduo. O comportamento
musical do bebê com a intenção de chamar a atenção das pessoas pode ser
considerado uma forma inicial de manifestação de sua identidade social como
membro de um grupo “um grupo cujos hábitos, experiências e habilidades
são valorizados pelos laços que eles representam e reforçam” (TREVARTHEN,
2004, p.22). A exploração da musicalidade intrínseca é uma forma de
demonstração da aceitação de um amigo ou de um grupo.
116
Quando um bebê de seis ou sete meses de idade reconhece uma
canção e se movimenta com ela é como se ele estivesse sendo
identificado por seu nome, como se ele estivesse mostrando seu ‘eu
social’ no âmbito afetivo de sua convivência familiar (TREVARTHEN,
2004, p.22).
Sete a onze meses
Kagan (apud GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005, p.350) afirma que, nessa idade,
devido ao processo de maturação cerebral, ocorrem mudanças importantes no
cérebro, responsáveis por eventos comportamentais inéditos como a
locomoção auto iniciada, a manifestação de respostas emocionais, o medo
diante de pessoas estranhas e a coordenação da audição, visão e preensão.
Essa maturação se reflete também no interesse crescente do bebê por sons
variados, pelo reconhecimento de sons diferentes e pela exploração de objetos
sonoros através da adaptação de condutas motoras conhecidas
(CARNEIRO, 2006, p.73).
A comunicação pré-verbal dos bebês evolui para o terceiro nível de expertise,
caracterizado pela capacidade da criança de reproduzir o que Hanus e
Mechthild Papousek (1996, p.44-45; p.102-106) denominam “balbucios
canônicos”, os quais se caracterizam pela repetição de sílabas como,
“mamama ou dadada”. Essas sílabas canônicas são comuns a todas as línguas
do mundo e representam as “unidades mínimas tmicas e universais” de todas
as línguas faladas (OLLER e EILERS, 1992, p.174-91).
Essa fase, considerada um marco importante para o desenvolvimento da fala,
inicia-se por volta dos sete meses, prolongando-se até em torno dos onze
meses de idade. Para deflagrar esse processo, pais e cuidadores tendem a
117
substituir a estratégia utilizada na fase anterior pela repetição de sílabas
ritmicamente regulares, que são apresentadas aos bebês em forma de
melodias e não através da fala.
Esta nova estratégia vem normalmente acompanhada de atividades motoras
envolvendo movimentos rítmicos regulares, assunto já abordado no Capítulo III
(THELEN, 1981, p.237-57). Moog (1976) constatou que bebês a partir de sete
ou oito meses de idade, ao serem estimulados pela audição de obras vocais e
instrumentais, costumam reagir a este estímulo sonoro balançando o corpo de
um lado para o outro, quando assentados, e movimentando-se para cima e
para baixo, se estiverem de pé.
Observa-se que nesse nível de expertise, pais e cuidadores passam a atribuir
um significado denotativo ao que é dito (PARIZZI, 2005a, 2006, 2008), pois
eles, intuitivamente, através do exercício da parentalidade intuitiva, atribuem
significados às sílabas articuladas pelos bebês, nomeando pessoas, objetos e
eventos próprios do ambiente da criança. Estes sons produzidos pelos bebês,
portanto, vão se transformando em palavras.
Quando o bebê consegue falar as primeiras palavras distintas,
os pais passam a interpretá-las, utilizando explicações
racionais; a influência cultural e o pensamento racionalista
tornam-se cada vez mais evidentes na atuação dos pais, que
têm como objetivo o desenvolvimento da competência de seus
filhos para falar (PAPOUSEK H., 1996, p.45).
Após completar um ano de idade, as vocalizações dos bebês começam a trilhar
dois caminhos distintos, visando ora a fala, ora o canto (PARIZZI 2005a, 2006,
2008a, 2008b).
118
5.2.3 – O surgimento do canto espontâneo no segundo ano de vida
Os sons emitidos pelos bebês para falar e para cantar vão se diferenciando
progressivamente durante seu segundo ano de vida (DOWLING, 1984, p.145).
No inicio de seu segundo ano, bebês começam a delinear pequenos impulsos
rítmico-melódicos, algumas vezes como tentativa de imitar algo que está sendo
cantado por seus pais ou cuidadores (PAPOUSEK, M, 1996 p.106). São
“impulsos sonoros”, de curta duração, privilegiando a sonoridade das vogais e
que poderiam ser comparados às primeiras palavras articuladas pelas crianças
nessa mesma época, como “papato, nenén, dandá, au-au”, etc (PAPOUSEK.
M., 1996; PARIZZI, 2008a)
Segundo Sloboda (1985, p.202), a grande mudança que realmente delimita os
territórios do falar e do cantar pode ser nitidamente observada próximo a um
ano e meio de idade. A fala passa a ser utilizada pela criança com a finalidade
de comunicação e as vocalizações passam a ser claramente percebidas como
cantos espontâneos.
Por volta dos dezoito meses, os bebês passam a juntar palavras e seu
vocabulário cresce rapidamente. Surgem sentenças rudimentares de duas ou
mais palavras. Essas mini sentenças em que faltam palavras e marcadores
gramaticais têm uma lógica ou sintaxe: “Jogô bóia. Abô”. Traduzindo: “Eu
joguei a bola e ela sumiu”. É a “fase telegráfica”, descrita por Roger Brown
(1973).
119
É interessante observar que os cantos espontâneos iniciais têm características
semelhantes às da “fala telegráfica”. apenas o mínimo essencial para que
se possa perceber que a criança está cantando e não falando. Essa forma de
manifestação da criança se diferencia da fala pela reprodução de intervalos
melódicos distintos, porém imprecisos; pela utilização de vogais cantadas com
afinação instável e pela utilização de pulsos tendendo à regularidade, no
âmbito de cada impulso sonoro (DOWLING, 1984; PARIZZI, 2005a, 2006,
2008a). Não existe a ênfase em direcionamentos rítmico-melódicos, como
pontos culminantes, cadências, fraseado, quadratura ou outras formas de
organização.
Segundo Gardner (1981), a reprodução de intervalos melódicos distintos
somente acontece a partir dos dezoito meses de idade. Os intervalos mais
freqüentes nesta faixa etária são os de segunda e terça, maiores e menores. A
afinação errática, não temperada, que caracteriza os cantos dessas crianças,
tende a soar como “desafinada”, aos ouvidos dos adultos (DOWLING, 1984,
p.145). Segundo Koellreutter (1984), esta afinação não temperada está
relacionada ao fato de que a criança pequena ainda não divide racionalmente o
tempo (passado, presente e futuro) e o espaço. Assim, ela não é capaz de
separar os sons a ponto de obter uma afinação temperada.
É também importante enfatizar que os pulsos com alguma tendência á
regularidade observados por Dowling (1984) acontecem normalmente em
forma de impulsos rítmicos, como também aponta Koellreuter (1984). Este
autor refere-se a esta manifestação como “pulso mágico vital”. Sloboda (1985,
p.203) recorre à palavra “primitiva” para se referir a esta mesma forma de
120
manifestação rítmica. Segundo o autor, a criança, com frequência, utiliza em
seus cantos a repetição sucessiva de sons com tendência à uma mesma
duração. As interrupções do fluxo melódico, muito comuns nesta faixa etária,
parecem estar relacionadas à respiração da criança, e não a uma necessidade
de se criar diferenciações rítmicas. Segundo Dowling (1984, p.146), a repetição
de sílabas durante os impulsos rítmicos seria, neste momento, uma importante
característica no sentido de diferenciar o canto espontâneo da fala.
Outro fato importante é que, apesar de a criança após completar um ano de
vida ter começado a falar, raramente utiliza palavras em seu canto
espontâneo inicial (SLOBODA, 1985, p.202). Moog (1976) observou que uma
única palavra ou partes de palavras podem ocorrer “espalhadas em um fluxo
de sílabas sem sentido”, ou no início de um canto espontâneo, o qual
normalmente se desenvolve apenas com a repetição de uma única sílaba desta
palavra.
Moog (1976) identificou outra mudança importante que pode ocorrer após a
criança completar um ano e meio. Ela passa a adequar seus movimentos
corporais ao pulso da música que estiver ouvindo. Swanwick (1988, p.59)
argumenta que, apesar de nem todas as crianças reagirem desta maneira, este
fato pode ser considerado “um primeiro presságio de resposta ao caráter
expressivo da sica”. Segundo este autor, é observada uma imitação física
de gestos sonoros e de caráter que, embora tendam a diminuir ao longo da
infância, sua presença neste estágio pode ser considerada uma manifestação
das primeiras respostas imitativas da criança (SWANWICK, 1988, p.59).
121
Nesse momento, ao empenho dos pais para que o bebê desenvolva sua
capacidade para falar, associa-se um outro objetivo: o de ensinar seus filhos a
reproduzir canções de sua cultura (YOUNG, 2006, p.270). A criança passa,
então, a tentar imitar trechos de canções que escuta. Porém, a imitação da
melodia e dos ritmos de canções conhecidas somente deverá ocorrer por volta
dos dois anos, como veremos adiante.
É possível identificar variações em torno de um mesmo canto espontâneo
produzido por uma criança durante alguns dias ou semanas. Porém, após este
período, os padrões utilizados tendem a desaparecer e são substituídos por
outros (DOWLING, 1984, p.145). Dowling relata nunca ter observado padrões
recorrentes que durassem mais do que seis semanas em cantos espontâneos
de crianças antes de dois anos de idade (ibid). Este autor observou também
que esses cantos ainda não guardam semelhança com o repertório básico
conhecido pelas crianças. Dowling chegou a essas conclusões a partir de um
importante estudo longitudinal do canto espontâneo de suas duas filhas,
realizado no período em que elas tinham entre um e três anos e meio de idade.
5.2.4 – O canto espontâneo da criança dos dois aos três anos
O canto espontâneo da criança sofre profundas modificações durante seu
terceiro ano de vida. Ele pode torna-se mais longo e começa a mostrar uma
certa organização interna (SLOBODA, 1985, p.203). Repetições melódicas e
rítmicas, aparentemente intencionais, começam a ser notadas:
Em torno dos dois anos e meio, a criança parece ter
compreendido que a música é construída em torno de
intervalos pré-estabelecidos e que a repetição de padrões
rítmicos e melódicos é a pedra fundamental do fenômeno
musical (SLOBODA, 1985, p.204).
122
Porém, as relações hierárquicas, capazes de criar uma direção para esses
padrões rítmicos e melódicos, não foram ainda absorvidas pela criança. Seus
cantos, nesta idade, tendem a ser “errantes”, sem uma previsibilidade clara
quanto ao seu final, pois podem continuar durante um longo tempo. Possuem
apenas princípio e fim e a decisão quanto ao momento de finalizá-los é
arbitrária (SLOBODA, 1985, p.204). Esta imprevisibilidade é enfatizada por
Swanwick (1988) como uma importante característica da música produzida no
nível sensorial do Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical.
Em suas melodias, a criança pode utilizar, além dos intervalos de segunda e
terça, intervalos de quarta e quinta, porém, ainda com afinação aproximada
(SLOBODA, 1985, p.202). É importante observar que, embora não exista ainda
um centro tonal estável, às vezes certa coerência tonal no âmbito de cada frase
pode ser observada.
Segundo Hargreaves, os cantos espontâneos criados por crianças em torno de
dois ou três anos de idade tendem a soar como “esboços” de canções (1986, p.
69-70). O que se percebe é que elas já possuem alguma idéia do que seja uma
canção, mas não se atêm a detalhes como a precisão das relações de alturas e
de duração. Estas canções seriam análogas às primeiras tentativas da criança
em desenhar seres humanos, representados normalmente por um círculo de
onde emergem quatro traços que seriam os braços e as pernas
(HARGREAVES,1986, p.69).
De forma análoga, entre dois e três anos de idade, a criança, com a linguagem
em franca evolução, tende a criar “esboços” de histórias, constituídas apenas
123
de inicio e finais imprevisíveis e arbitrários (DAVIES, 1992, p.23; SLOBODA,
1985, p.204).
Outra conquista apontada por Moog (1976), Gardner (1981) e Sloboda (1985) é
que a criança a partir de dois anos passa a fazer tentativas de imitar canções
que escuta em seu meio ambiente. O primeiro aspecto a ser imitado são as
partes mais evidentes de algumas palavras repetidas ao longo da canção. O
que se percebe é que essas palavras, ou seus fragmentos, ao serem repetidos
indefinidamente, vão sendo progressivamente incorporados ao canto
espontâneo da criança (SLOBODA, 1985, p.204). Outro aspecto imitado nesta
fase são alguns padrões rítmicos e melódicos de canções próprias da cultura
da criança, ainda mantendo a tendência em imitar contornos melódicos e não
as alturas exatas (SLOBODA, 1985, p.204-5).
É importante enfatizar que neste processo imitativo, as crianças vão, aos
poucos, se tornando capazes de transcender os modelos musicais que lhes
são oferecidos (DOWLING, 1984, p. 157). Em um processo análogo ao da
aquisição da linguagem, a criança não copia os modelos simplesmente, mas
desenvolve formas de representação mental, cada vez mais sofisticadas, em
resposta à música de sua cultura (DOWLING, 1984, p.157). Davies (1992,
p.23) e Donaldson (apud DAVIES, 1992, p.23) enfatizam a importância desta
habilidade da criança de abstrair idéias rítmicas e melódicas e usá-las
apropriadamente em outros contextos. Sobre esta questão, McKernon (1979,
p.57) afirma que “a criatividade musical tem pelo menos uma de suas raízes
nas experimentações utilizadas pelas crianças em seus cantos espontâneos”.
124
Entretanto, autores afirmam que a ênfase excessiva na performance de
canções, normalmente incentivada por um adulto, diminui o interesse da
criança em criar suas próprias canções (YOUNG, 2006, p.270).
5.2.5 – O canto espontâneo da criança de três anos e quatro anos
A partir dos três anos de idade, a criança adquire a capacidade de reproduzir
ou de imitar inteiramente canções de sua cultura. O ritmo e o contorno
melódico são apreendidos mais rapidamente. Porém, a afinação precisa dos
intervalos e a permanência numa mesma tonalidade somente devem ocorrer
um pouco mais tarde (SLOBODA, 1985, p.205).
O reflexo imediato da aquisição desta capacidade de imitação na produção
musical da criança é que seus cantos espontâneos tornam-se mais longos.
Esta característica é amplamente confirmada por Swanwick (1988) quando
este autor afirma que, no nível manipulativo do Modelo Espiral de
Desenvolvimento Musical, as crianças demonstram um grande prazer em
repetir procedimentos musicais dominados tecnicamente por ela, o que
acaba por favorecer produções musicais mais longas. Segundo Swanwick
(1988), o nível manipulativo, como os demais níveis localizados ao lado direito
de seu Modelo Espiral, caracterizam-se por serem acomodativos. Portanto,
eles se referem ao que a criança apreende do mundo exterior, através da
subordinação de seu pensamento a modelos externos, ou seja, à música de
sua cultura. Reforçando Swanwick, Moog (1976) acrescenta que, embora nesta
idade os cantos espontâneos possam durar vários minutos, eles ocorrem com
125
menor freqüência, pois a criança está muito mais interessada em cantar as
canções que aprende por imitação do que em criar as suas próprias.
Por volta dos três anos de idade, da mesma forma que as crianças começam a
delinear um final previsível para suas histórias, seus cantos passam a
apresentar um direcionamento rítmico-melódico cada vez mais evidente
(PARIZZI, 2005b). Uma inovação significativa que ocorre nessa idade é a
modalidade de canto espontâneo, denominada por Moog “pot pourri”, criada a
partir de fragmentos de canções conhecidas (1976, p.115). Em outras palavras,
a criança cria sua música “colocando numa mesma canção partes de canções
conhecidas” elaborando sua própria versão dessas canções. Palavras, linhas
melódicas e células rítmicas são “misturadas, alternadas, separadas e unidas
novamente de uma nova maneira, constituindo-se assim uma idéia original”
(MOOG, 1976).
Também nessa época, surge outra forma de canto espontâneo, a canção
“imaginativa ou narrativa”, através da qual a criança conta suas próprias
histórias (MOOG, 1976, p.115). Qualquer palavra ou trecho de canções
conhecidas pode ser incorporado às canções imaginativas, desde que se
encaixem na história. Moog relaciona os “pot pourris” e as “canções
imaginativas” à forma como as crianças brincam neste período de suas vidas.
Os brinquedos e demais objetos podem ser arranjados e
rearranjados de várias maneiras, de acordo com as
possibilidades criadas pelo jogo. Assim, na música, a criança
analogamente arranja e rearranja eventos no tempo. (MOOG,
1976, p.115).
Essas duas modalidades de canto espontâneo foram interpretadas por
Swanwick e Tillman como “indícios do jogo imaginativo, os quais emergem das
126
novas relações estruturais formadas a partir de fragmentos de canções já
absorvidas previamente pela criança” (SWANWICK e TILLMAN, 1986, p.310).
Em outras palavras, no jogo imaginativo, as crianças estabelecem “as regras
para seu mundo” (SWANWICK, 1986), utilizando os esquemas
internalizados, portanto já assimilados por ela (WADSWORTH, 1993, p. 52-53).
Portanto, nessa fase, ao mesmo tempo em que a criança é capaz de imitar
inteiramente as canções que escuta em seu meio ambiente, demonstrando
grande interesse em fazê-lo, ela adquire a habilidade de reorganizar todas
essas idéias musicais, criando assim sua própria música, num processo
contínuo de “assimilação e acomodação” (SWANWICK,1988, p.97),
O período de maior produção de “pot pourris” e canções “imaginativas”
acontece durante os três e quatro anos de idade, apresentando depois um
declínio progressivo (MOOG, 1976; DAVIES, 1992), como será visto a seguir.
5.2.6 – O canto espontâneo da criança de cinco e seis anos
A partir dos cinco anos, a freqüência do canto espontâneo diminui ainda mais,
exceto quando as crianças são incentivadas neste sentido (SLOBODA, 1985,
p.206). A criança tem o domínio da linguagem verbal, mas o seu
desenvolvimento musical, entretanto, não evolui com a mesma intensidade
(SWANWICK,1988, p.60).
... o processo musical da criança por volta dos quatro ou cinco
anos de idade está longe de atingir o mesmo nível de
desenvolvimento de sua linguagem, provavelmente por que a
criança recebe estímulos dos adultos para falar e não para
fazer música (SWANWICK,1988, p.60).
127
A criança domina a maior parte das regras gramaticais de sua língua e seu
vocabulário é extenso (PINKER, 1994). As histórias que ela inventa passam
também a ser mais ricas em detalhes, apresentando, agora, princípio, meio e
fim. Sloboda (1985) considera de extrema riqueza a analogia dos cantos
espontâneos com as histórias criadas pela criança. A estrutura de uma história,
composta de um início declarativo, seguido de período de turbulência que
conduz a uma resolução é análoga à estrutura formal de muitos cantos
espontâneos produzidos por crianças a partir dos cinco anos.
Sloboda (1985, p.206) afirma que nessa idade “a criança tem uma maior
consciência de si e está preocupada em evitar erros e em ser precisa nas suas
imitações”. Moog (1976) lembra que crianças nessa faixa etária gostam de
ouvir as mesmas canções e histórias durante muitas semanas e costumam
também repetir os mesmos desenhos e cantar as mesmas músicas durante um
longo período.
Crianças nessa idade passam a ser detalhistas e tendem a abandonar a fase
anterior, caracterizada ainda pela imprecisão (GARDNER et al, 1981;
SLOBODA, 1985). Quando a criança é mais nova, ela opera principalmente
com relações aproximadas de tamanho e forma. Em seu desenho, por
exemplo, ela não se preocupa em ilustrar o número correto de dedos da mão.
Mais tarde, neste estágio caracterizado pela precisão, as crianças passam a
se preocupar com a quantificação e com a classificação. A criança começa a
detalhar o que antes ela apenas esboçava. Os detalhes anatômicos de uma
128
pessoa correndo, por exemplo, tornam-se mais importantes do que a idéia de
movimento em si.
A preocupação da criança, após completar cinco anos, com a precisão e com a
repetição tem como importante conseqüência a incorporação de questões
musicais fundamentais como a aquisição da tonalidade e do tempo métrico
(SLOBODA, 1985, p.206), conforme um estudo realizado por Donaldson e
McKernon (1981). Esses autores ensinaram algumas canções folclóricas a
crianças de quatro e de cinco anos de idade e constataram diferenças
significativas na forma como elas aprendiam a cantar através da imitação. As
crianças de cinco anos eram capazes de manter uma única tonalidade,
começando e retornando à mesma tônica, mesmo que as notas da melodia não
fossem lembradas individualmente. Entretanto, Hargreaves acrescenta que
parece ser mais fácil a permanência em uma mesma tônica quando a criança
canta as canções que aprende (1986, p.77). Na pesquisa de Donald e
McKernon, as crianças de cinco anos conseguiam também manter um pulso
regular durante toda a execução. Por outro lado, as crianças de quatro anos
tendiam a cantar com uma tônica “flutuante” e não mantinham um pulso estável
durante sua performance (DONALD e McKERNON, apud SLOBODA, 1985, p.
206). Estes procedimentos são confirmados por Swanwick (1988, p.78)
Segundo o autor, crianças, a partir de cinco anos de idade, começam a utilizar
em suas músicas convenções musicais típicas de sua cultura, o que vem
caracterizar o nível vernacular de seu Modelo Espiral de Desenvolvimento
Musical.
129
Coral Davies (1992, p.19-48) também realizou importante estudo de cantos
espontâneos produzidos por trinta e duas crianças de cinco a sete anos, ao
longo de um ano e meio. Dentre suas constatações, ela verificou a ocorrência
de um grande número de canções “imaginativas ou narrativas”, descritas por
Moog (1976) e por Parizzi (2005a, 2006). Algumas delas não narravam
propriamente histórias, mas eventos relacionados às “novidades” recentes na
vida da criança, embora houvesse algumas narrativas com um
desenvolvimento bem definido.
A autora observou que as crianças demonstravam se preocupar mais com o
texto do que com música, pois pareciam pensar ”verbalmente e não
musicalmente” (DAVIES, 1992, p.25). As melodias eram, algumas vezes,
menos elaboradas, apresentando uma pequena extensão melódica e afinação
imprecisa, o que sugeriu uma certa regressão a estágios anteriores. Davies
imagina que talvez seja complexo para algumas crianças nesta idade inventar
um texto e uma música ao mesmo tempo (1992, p.25).
O senso de conclusão torna-se cada vez mais evidente também em suas
composições vocais, conforme afirmam Davies (1992) e Parizzi (2005a, 2006,
2008a), o que sugere que a criança também absorveu algumas “regras” da
música de sua cultura, neste caso, da música tonal ocidental.
Embora eu reconheça que a estrutura organizada com
princípio, meio e fim não seja universal em música, ela
prevaleceu nos cantos espontâneos dessas crianças, a ponto
de afirmamos que o senso de conclusão seja para elas um
aspecto fundamental para a unicidade de sua música (DAVIES,
1992, p.25).
130
As crianças raramente utilizavam cadências para finalizarem seus cantos. Elas
recorriam a outras estratégias, como: frases específicas - “isso é o que temos
por hoje”, repetição de palavras, movimentos melódicos descendentes
(DAVIES, 1992, p.26).
Davies observou também a grande incidência de cantos estruturados em
quatro frases, à semelhança das canções infantis mais conhecidas das
crianças. A autora considerou intrigante a aparente correspondência entre a
estrutura musical e o texto de alguns dos cantos estudados. Normalmente o
momento de maior expressividade musical, correspondente ao momento de
maior tensão no texto, acontecia na terceira das quatro frases (DAVIES, 1992,
p.26).
Davies refere-se também a canções, mais comumente sem letra, nas quais as
crianças parecem experimentar ritmos irregulares e novos timbres, criando
desta maneira contrastes e “elementos surpresa” (ibid, p.46). Parizzi (2005a)
nomeou essa modalidade de canto espontâneo de “canção transcendente”,
pois a criança, mesmo sendo capaz de lidar com características da música de
sua cultura, demonstra habilidade em transcendê-las. Davies (1992) e Parizzi
(2005a, 2006) mencionam também as canções com “lá,lá,lá’,” como sendo
outra modalidade comum entre crianças cinco e seis anos.
Davies concluiu que crianças nesta faixa etária recorrem a processos
cognitivos, identificados por Serafine (1988, apud DAVIES, 1992), para
criarem suas músicas. A forma como indivíduos “pensam musicalmente ou
organizam asica no tempo”, segundo Serafine, é um processo cognitivo. Os
131
eventos musicais podem ser agrupados em frases, repetidos, alternados,
variados, transformados, gerando, como conseqüência, a sensação de
coerência e unidade da obra musical. Todo este processo é estruturado
hierarquicamente e, com isso, alguns eventos passam a ser percebidos como
mais importantes que outros (SERAFINE,1988, apud DAVIES, 1992, p. 20).
Assim para Davies (1992, p.19), o estudo isolado dos processos através dos
quais as crianças identificam alturas, intensidades, duração e timbre não é
suficiente para compreendermos como elas “pensam a sica”. É, pois,
imprescindível que se considere a maneira como a criança organiza e relaciona
os eventos musicais no tempo. A música poderá ser compreendida como um
ato cognitivo somente se considerarmos o fenômeno tempo: “Nossa
experiência com o tempo coincide com a própria consciência de estarmos
vivos” (ibid). A música, “representação simbólica da vida emocional dos seres
humanos” (LANGER, 1953), nos possibilita a sensação de sermos capazes de
controlar o tempo, impondo-lhe ordem e coerência. Podemos criar conclusões
e vivenciar a completude de uma obra musical; podemos voltar ao começo e
“passar pela experiência novamente” (DAVIES, 1992, p.19).
Os cantos espontâneos estudados por Davies revelaram que crianças nesta
idade são capazes de ter idéias musicais iniciais, de incorporar outras idéias a
suas músicas e de organizar todos esses eventos no tempo. Elas tendem a
agrupar os sons em unidades ou frases, normalmente estruturadas em dois ou
quatro compassos, procedimento encontrado na maioria das canções que a
criança escuta. Segundo Davies (1992) e Swanwick (1988), padrões de
alternâncias e repetições, como ostinatos rítmicos e melódicos, também
132
ocorrem com muita freqüência. Essa repetição pode ser imediata ou as idéias
podem ser abstraídas de seu contexto original e aparecerem em outros
momentos da canção (DAVIES, 1992, p.46). Desta forma, relações são
estabelecidas entre eventos musicais semelhantes, agora separados no tempo.
A criança em torno de seis anos também é capaz de transformar idéias
musicais ao criar seus cantos espontâneos. Davies (1992) e Dowling (1984)
acreditam que, para realizar essas transformações, a criança “toma
emprestado” materiais utilizados em canções conhecidas, porém, “sem
simplesmente imitá-los”. As crianças abstraem deste material não apenas suas
características superficiais, mas também sua estrutura subjacente. indícios
de que elas possuam um senso de hierarquia: às vezes o material sonoro
pode variar, enquanto as frases de quatro compassos são mantidas, como se
constituíssem instâncias superiores” (DAVIES, 1992, p.46). Este procedimento
levou a autora a crer que as crianças buscam uma estrutura formal para suas
músicas, mesmo quando ainda não têm domínio completo da tonalidade, da
fluência melódica e de um vocabulário musical específico.
Para Davies, elaborações complexas, como as citadas acima, são possíveis
através de um “conhecimento intuitivo” da criança (1992, p.47). A criança ainda
não é capaz de explicitar através da palavra sua compreensão sobre o
fenômeno musical, mas em seu canto espontâneo ela organiza eventos
sonoros no tempo (ibid). Isso nos sugere que as crianças parecem
compreender “o sentido, a significância e a estrutura da música como uma
imagem do tempo” (DAVIES, 1992, p.47).
133
Aos cinco ou seis anos, o canto espontâneo praticamente deixa de existir. A
prática da criação espontânea vai sendo, aos poucos, substituída pela
performance de canções conhecidas. Assim, essa forma de pensar projetada à
frente no tempo “como uma antecipação do que vem depois, baseada no que
acabou de ser criado” (STERN, 2004) – vai se perdendo...no tempo.
CAPÍTULO 6
RESULTADOS E DISCUSSÃO
135
6 - RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 – Considerações iniciais
Como descrito no primeiro capítulo (Metodologia), a Análise de Conteúdo foi
a abordagem metodológica utilizada nessa pesquisa. Trabalhou-se com doze
jurados, divididos em dois grupos de seis jurados. Cada um desses grupos
analisou musicalmente vinte cantos espontâneos. Foram, portanto, analisados
quarenta cantos produzidos por crianças de dois a seis anos (oito músicas cor-
respondentes a cada uma das idades).
Fizeram parte do júri, educadores musicais e compositores, todos de consa-
grada experiência. Os seis jurados do primeiro grupo foram identificados como
A1, B1, C1, D1, E1, F1, e os seis jurados do segundo grupo como A2, B2, C2,
D2, E2, F2.
Por meio da Análise de Conteúdo foi possível constatar que havia padrões mu-
sicais recorrentes nas músicas feitas pelas crianças e que esses padrões podi-
am ser agrupados por afinidade. Dessa maneira, as falas mais significativas
dos doze jurados sobre as características musicais dos 40 cantos analisados
foram, aos poucos, delineando padrões musicais dos quais emergiram catego-
rias finais.
É importante citar que, embora os doze jurados o convivam entre si e muitos
nem se conheçam, houve grande unanimidade em relação aos assuntos abor-
136
dados em suas análises. Não houve dados contraditórios. As possíveis razões
para justificar esse fenômeno estão explicitadas no primeiro capitulo dessa
pesquisa (Metodologia). Os dados fornecidos foram extremamente complemen-
tares e proporcionaram informações relevantes para a pesquisa.
Outra questão significativa que deve ser mencionada é que o universo cultural,
no qual esse trabalho está inserido, é a cultura ocidental contemporânea. Essa
premissa deve ser considerada nos resultados e nas conclusões apresentadas.
6.2 – Análise de Conteúdo
Na Análise de conteúdo serão apresentadas somente as falas dos jurados con-
sideradas mais representativas sobre os padrões musicais que conduziram às
categorias finais: estruturação rítmica, direcionamento, forma, estruturação me-
lódica, caráter expressivo, contrastes, texto, influências sócio-culturais específi-
cas.
Categoria Estruturação Rítmica: delineada pelos padrões “regularidade, ir-
regularidade, interrupções e compasso”.
A presença de eventos sonoros que se sucedem regular ou irregularmente no
tempo foi unanimemente mencionada pelos membros do júri.
O tempo é não-métrico, tempo que flui com a fala, exagerando
expressivamente o contar da história que, desse modo, se tor-
na canção. (JURADO E1, canto 10)
137
O material rítmico é mais enfático que o melódico, com mo-
mentos que tendem ora à regularidade, com a repetição de
motivos rítmicos, ora à irregularidade, o que contribui para o
caráter de indefinição dessa canção. (JURADO A2, canto 14)
A realização aponta para uma regularidade rítmica que trans-
parece em uma intenção ternária em que cada frase conta
quatro ‘compassos ternários’. A última frase, quando o ‘foguete
cai, derruba também a regularidade estabilizada até então.
(JURADO E1, canto 20)
A criança tenta manter um pulso regular, mas talvez pela
grande expressividade do canto, essa regularidade seja que-
brada. (JURADO F2, canto 21)
O ritmo e, por um momento livre e em outros com uma métrica
irregular. Escutam-se pequenas frases irregulares, onde o que
mais ressalta é a alternância que entre os campos rítmicos
contínuos e descontínuos. (JURADO B2, canto 22)
um ‘campo tmico’ ou um pulso contínuo, mas a métrica é
irregular (JURADO B2, canto 23)
Não métrica regular definida impossível enquadrá-lo em
uma fórmula de compasso quaternário ou ternário, simples ou
composto. Da mesma forma não pulsação fixa nem refe-
rência temporal regular. (JURADO A1, canto 28)
Percebemos que a criança procura controlar o pulso, mas nem
sempre consegue um ajuste desse pulso com as palavras que
soe regular. Ela varia entre os dois pólos pulso regular/pulso
irregular. O início é irregular, e a regularidade é alcançada no
final do primeiro verso, se mantendo até o final do segundo
(JURADO A1, canto 29)
Alguns dos momentos de irregularidade foram gerados por indecisão rítmica,
por interrupções, como afirmam os jurados:
A canção começa com aparente ‘dificuldade’ (...) A criança he-
sita, ‘procura’ por onde iniciar a musica. (JURADO C1, canto
4)
Nessa melodia o campo rítmico é continuo e se interrompe pa-
ra ‘tomar ar’. Esse motivo se repete com variações. Nas inter-
rupções a criança respira, em outros momentos inclui palavras
e, em outros, onomatopéias. (JURADO B2, canto 13)
Após a interrupção do padrão rítmico (quando o canto se torna
mais livre, talvez indeciso), consegue finalmente retomar o
mesmo padrão anterior. (JURADO D1, canto 12)
138
O tempo flui não metricamente, tempo vivencial, acompanhan-
do as inflexões da fala, que ela exagera, acelerando ou estan-
cando em uma ou outra palavra (a bruuuxa, por ex). (JURADO
E1, canto 28)
Um pulso que ordena regularmente os eventos sonoros no tempo e que pulsa
mais forte a cada dois, três ou quatro pulsos (procedimentos mais usuais)
constitui o que se chama, em música, de métrica ou compasso. A presença de
uma métrica (compasso) foi citada pelos jurados em vários cantos.
Nos dois últimos versos uma organização métrica é perceptí-
vel, com o estabelecimento de um compasso binário simples
(JURADO A, canto 4)
O pulso e a métrica são mantidos em todo o canto. (JURADO
F1, canto 9)
Uma organização métrica acontece ao redor de um compasso
quaternário simples, com pequenos desvios e ajustes. (JURA-
DO A, canto 11).
O que é interessante observar é a regularidade com que repe-
te seu canto, mantendo a estrutura tmica em compasso qua-
ternário, com dois compassos formados por colcheias, um
compasso formado por duas mínimas e um compasso (final)
formado por uma semibreve (ainda que não mantenha o som
durante os quatro tempos, quando aproveita para respirar “pro-
fundamente”). (JURADO E1, canto 13)
A realização aponta para uma regularidade rítmica que trans-
parece em uma intenção ternária em que cada frase conta
quatro ‘compassos ternários’. (JURADO E1, canto 20)
uma clara ideia musical, manifestada em um ritmo métrico
binário. (JURADO B2, canto 31)
As repetições sempre triplas, 3 primeiros tempos de “trechos”
de compasso quaternário, seja do “Sapo” seja do “Uobow”
constroem isomorficamente a imagem do animal pulando. Ju-
rado (JURADO C2, canto 39)
A métrica ternária com ritmo anacrústico é mantida até o terço
final. (JURADO D2, canto 40)
139
Categoria Direcionamento: delineada pelos padrões movimento sonoro,
centro tonal e conclusão”.
A sensação de direcionamento, gerada através de algumas “estratégias” utili-
zadas pelas crianças, foi identificada pelos jurados. Eles mencionaram linhas
melódicas que de “moviam” do grave para o agudo em movimento ascendente
(algumas vezes constituindo pontos culminantes), e outras que tomavam dire-
ção oposta, em movimentos descendentes.
É importante observar também que esse perfil ascendente-
descendente é utilizado como elemento cadencial que fecha
as duas partes: ‘pela cidade’. (JURADO A1, canto 1)
Tendência muito clara de conduzir as frases para o agudo, o
que gera uma valorização de certos trechos da canção, como
se fossem pequenas culminâncias (JURADO B1, canto 1)
A conclusão é gerada pelo movimento melódico ascendente
em andamento acelerado. (JURADO E2 canto 22)
Quanta direção, especialmente para os agudos. Muito expres-
sivo, cheio de direcionalidade. (JURADO B1, canto 34)
Breve suspensão e a composição se encerra com um cres-
cendo ascendente ao final (talvez o maior de todos). (JURADO
C2, canto 22)
O canto apresenta o mesmo movimento melódico ascendente
e descendente, (...) com clara percepção do centro tonal. (JU-
RADO D1, canto 25)
Sobre esse assunto, é interessante citar a fala de três jurados sobre o canto
18.
Tem uma estruturação conseqüente, em divisão de 3 partes,
sendo a primeira em 4 breves segmentos, a segunda na “allu-
re” de uma mudança para a Subdominante que se termina em
movimento descendente e na última uma subida de caráter
apoteótico. (JURADO C1, canto 18)
140
A nota longa inicial já aponta para a mudança que iria valorizar
um movimento descendente marcado, ainda, pela presença de
sons mais curtos (JURADO E1, canto 18)
Música cheia de direção, principalmente pela melódica, pois a
criança vai para agudos que criam surpresa e direção melódi-
ca muito intensa. (JURADO B1, canto 18)
A busca de um centro tonal com utilização de função harmônicas básicas (tôni-
ca e dominante) foi percebida pelos membros do júri.
O canto gira em torno de um centro tonal, com finalização na
tônica. (JURADO
E1, canto 1)
Termina com um salto ascendente (tipo Dominante / Tonica),
quase arquétipo tonal. (JURADO C1, canto 19)
A criança criou uma convergência para um centro tonal, ainda
não completamente definido. (JURADO B2, canto 21)
O canto desenvolve-se dentro de um centro tonal bem estabe-
lecido. Os finais de cada frase são bem demarcados, acentu-
ando cada cadência. (JURADO F1, canto 27)
Nessa frase, um esboço de relação tonal aparece com um in-
tervalo de quarta justa ascendente ( A >>>> Rosa) que polari-
za a nota sobre a sílaba Ro. A observar que a polarização a-
contece em conjunção com a métrica o primeiro tempo coin-
cide com a nota superior da quarta justa (Dominante > Tônica)
procedimento típico da escrita tonal tradicional. (JURADO
A1, canto 20)
As frases são claras, com a intenção de buscar um centro to-
nal que na realidade vai variando. Ou seja, parece que existe a
noção de tonalidade, mas não consegue mover-se dentro de
uma Tonica fixa. (JURADO B2, canto 31)
O senso de conclusão presente nos cantos também foi muito mencionado pe-
los membros do júri em suas análises.
As palavras “pela cidade” são cantadas, como uma pequena
cadência. (JURADO D1, canto 1)
Chama-me fortemente a atenção a delimitação de frases, rei-
teração de inflexões e em dois momentos em especial, sobre-
tudo no seu encerramento, finalização conclusiva no estilo
Dominante / Tonica. (JURADO C2, canto 13)
Senso claro de conclusão, mas o percurso foi menos definido.
(JURADO D2, canto 14.)
141
Na última parte da produção, o campo rítmico é descontinuo,
vai aumentando a densidade cronométrica, a velocidade (ace-
lerando) e a intensidade, dando a sensação de final. (JURADO
B2, canto 22)
Achei interessantes as contínuas reiterações das seções, que
conduzem a um rallentando seguido, de surpresa, pela seção
conclusiva, enérgica. (JURADO D2, canto 22)
A conclusão é gerada pelo movimento melódico ascendente
em andamento acelerado. (JURADO E2, canto 22)
uma ‘força inegável da conclusão’ nesse canto. (JURADO
C2, canto 23)
No último verso a fórmula de compasso é abandonada em fa-
vor de uma aceleração que ganha força de conclusão. (JU-
RADO A1, canto 35)
Breve suspensão e a composição encerra-se com um cres-
cendo ascendente ao final (talvez o maior de todos). (JURADO
C2, canto 22)
Acredito que a criança teve a intenção de terminar o canto.
(JURADO B1, canto 28)
Voltando ao cantar silábico, ela realiza três diferentes inter-
venções, sendo que a primeira parece estar buscando contor-
nos, transitando por territórios mais abertos, fechando-se no
“lalalalalá descendente, que desemboca na frase formada por
“tans”, com força e energia rítmica que assumem ares conclu-
sivos, de finalização em grande estilo, com ritmo e perfil meló-
dico mais precisos. (JURADO E1, canto 28)
No último verso a fórmula de compasso é abandonada em fa-
vor de uma aceleração que ganha força de conclusão. A ex-
pressão ‘Ponto final’ funciona como um arremate, reforçando o
caráter conclusivo evidente na letra do último verso. (JU-
RADO A1, canto 31)
Mas acho que ele elabora um fim muito claro porque tenho a
sensação de que o fim é proposital, uma intenção muito
clara de terminar. (JURADO B1, canto 33)
E o “Ponto final” impõe-se como uma afirmação de que a “mis-
são” encerrou-se. (JURADO C1, canto 35)
A reiteração de “fim” ao final corrobora o que afirmamos em re-
lação a música tonal, quando após longo desenvolvimento e
modulações ao termino da cadencia reafirma-se a Tonica
(“fim” começa também por um sopro!) (JURADO C2, canto 38)
Achei simples e ótimo. O “pula na água" é realmente uma con-
clusão texto/música. (JURADO D2, canto 39)
142
Categoria Forma: delineada pelos padrões “seções, repetição e quadratura”.
A maneira como as crianças organizaram os eventos sonoros no tempo foi am-
plamente mencionada pelos jurados. Essa organização se manifestou através
de várias estratégias. Uma delas foi a nitidez com a qual as crianças “dividiram”
suas músicas em partes ou seções.
A organização é claramente articulada em 2 partes com 2 ver-
sos1 cada uma:
1ª parte: Caminhão roda, roda . . .
2ª parte: Passa (e ele)
O que diferencia as 2 partes é o predomínio da palavra ‘roda’
na primeira (JURADO A1, sobre canto 1)
Apresenta duas partes bem definidas, separadas por pausa
(silêncio como articulação do tempo). (JURADO D1, canto 1)
Podemos dividir esse canto em 2 fases distintas. A primeira vai
do início até o final do segundo verso (‘príncipe’). A segunda
vai do terceiro verso até o final do canto. (JURADO A1, canto
3).
A canção claramente se divide em duas grandes partes: a pri-
meira é invenção livre da criança, a segunda uma reprodução
da canção “Pela estrada fora”. um final claro para a peça,
já que é a reprodução desta canção. Articulação da forma mui-
to clara e associada ao texto e ao ritmo. (JURADO B1, canto
3)
Três seções são claramente perceptíveis: (1) até “gosta de
comer”; (2) até “mas ele mora com o jacaré”; (3) até “boche-
chinha”. Nesta última seção, a forma fica mais livre, o caráter
de improvisação. Nas primeiras duas seções, tudo se encaixa
para criar um efeito de quadratura. Na terceira seção, uma
quebra desta quadratura, acompanhada de maior liberdade
rítmica e melódica (JURADO B1, canto 11).
A canção se apresenta mais clara em sua certitude quando
nas duas primeiras linhas (..) evoca elementos textuais conhe-
cidos e apropriados pela criança. Nas linhas seguintes,
constatamos hesitações fortes que geram inclusive ruptura
com o movimento anterior, instaurando uma nova parte, um
“B”; e aqui, vemos a criança percorrendo o desconhecido, in-
ventando vocabulário, experimentando momentos livres de pa-
lavra (inicio da 4ª linha). (JURADO C1, canto 12)
143
Três seções claras. No final, o que parece ser uma pequena
coda. Que clareza de fraseado, coisa incrível. Estruturas cla-
ras. Quadratura de fraseado, com uma variação no final da
canção, onde a criança canta sons mais agudos. (JURADO
B1, canto 10).
Interessante sua organização em 3 partes, com entidades de
aparência simples (embora internamente complexas e assimé-
tricas). (JURADO C2, canto 21)
Sentido de forma, com repetição assimétrica das duas seções
iniciais (repetição de motivos rítmicos com variações melódi-
cas e elisão do terceiro motivo), antes da coda. (JURADO D2,
canto 21)
Aqui identificamos 2 grandes gestos bem direcionados, como
duas grande sondas com caráter cumulativo. O primeiro gesto
mantem o tempo praticamente fixo e ascende à região aguda
em um glissando entre 10/12 segundos. Uma risada serve de
elemento articulador que marca o final. (JURADO A1, canto
36)
Algumas dessas seções têm, principalmente, as funções de introdução, desen-
volvimento ou de coda
1
nas canções.
A primeira frase parece uma introdução, com terminação sus-
pensiva (“bonitinha”). (JURADO D1, canto 9)
O final, espécie de coda, é marcado por durações mais longas,
que preparam a finalização. (JURADO E1, canto 17)
Percebe-se um começo, um desenvolvimento e um final. Esse
último apresenta sons marcados, através da troca de articula-
ção (agora stacatto e antes ligado) (JURADO B2, canto 21)
Os ‘lalalas’ de introdução e de finalização (reforçados pelos
‘tantantan’) emolduram o texto que simplesmente desaparece,
se “dissolve”, se deixa encobrir à partir da segunda tentativa
de encontro frustrada na busca da bruxinha. (JURADO C1,
canto 28)
Na última estrofe introduz uma nova idéia musical, como uma
coda. (JURADO F1, canto 28)
Muito interessante é a presença de um quase desenvolvimen-
to e uma reexposição, seguida de uma coda, definida por um
dos jurados com uma “cadência conclusiva” (JURADO D2,
canto 30)
1
Seção conclusiva de uma obra musical, que tem a função de “arrematar” a peça.
144
Começa com uma introdução (ciranda, cirandinha), com repe-
tição da letra e do ritmo. Na introdução a primeira frase meló-
dica parece pergunta e a segunda resposta. Segue com uma
seção A, com pergunta-resposta, estrutura muito clara, articu-
lações muito claras, dadas pelo elemento de repetição, a con-
tagem dos números. Finalmente, ele entra numa seção B - A-
gora estou barrigudo...”, terminando com uma reminiscência
da seção A, a contagem de números. (JURADO B1, canto 33)
Nítida a presença de uma introdução, uma parte central e de
um final (em vocalize). (JURADO C2, canto 29)
A repetição de elementos rítmicos e melódicos, como uma das estratégias de
organização, esteve muito presente nos cantos espontâneos, como afirmam os
jurados.
Quando inicia a terceira frase (e o filhote vai embora), a crian-
ça sugere a intenção de repetir o desenho melódico que aca-
bara de cantar. (JURADO E1, canto 4)
Repetições com núcleo central (“ela é”) com inflexões melódi-
cas ao final de cada enunciação de cor. (JURADO C1, canto
9)
Na frase um padrão rítmico-melódico repetido três ve-
zes, sendo que na 3ª vez o ritmo se desenvolve num fluxo, en-
caixando as palavras no tempo da quadratura. (JURADO D1,
canto 11)
Início cantado com intervalos de âmbito longo, apresentando
três vezes o mesmo padrão rítmico-melódico, com ligeiras al-
terações dos intervalos. Após o terceiro padrão há uma acele-
ração do ritmo, encaixando as palavras no tempo da quadratu-
ra. A frase apresenta tidamente oito pulsações (...), finali-
zando com terminação suspensiva. (JURADO D1, canto 9)
Achei a composição melodicamente rica, com organização e-
laborada de fraseado (repetições, variações, introdução de
material com ritmo de valores pontuados). (JURADO D2, canto
15).
Material repetitivo, composto de dois incisos bem diferencia-
dos. (JURADO D2, canto 23)
A criança canta uma frase estruturada de forma convencional,
com pergunta e resposta, repetindo-a na segunda vez. Na re-
petição, parece estar preocupada em repetir com precisão o
que havia cantado na primeira vez. (JURADO F1, canto 26)
145
Uma vez construído o padrão ele é repetido até o final do can-
to, sempre colocando a acentuação sobre o primeiro tempo do
compasso onde aparecem as notas da Tônica e da Sensível
sobre uma nota longa que fecha o verso. (JURADO A1, canto
27).
É interessante observar o fato de que a criança, ao cantar uma
canção em que se vale de dois recursos (a repetição de síla-
bas e a apresentação de um pequeno texto), comportando-se
de maneira distinta em cada um deles, criou dois territórios,
que se fundem no todo da canção. Quando canta sílabas, seja
na introdução, seja na parte que se segue ao texto, ela parece
cuidar mais da questão “musical” em si mesma, atentando pa-
ra a realização de contornos melódicos mais definidos, mais
próximos do sistema harmônico-tonal. Ela começa apresen-
tando as notas da tríade maior no lalululalá”, finalizando com
o quarto grau em lalalalu (3/1/3/4). Quando começa o texto (A
bruxa....), a criança parece se permitir vôos mais amplos, liber-
tando-se, de certo modo, de estruturas reconhecidas. Os “lala-
las” de introdução e de finalização (reforçados pelos “tantan-
tan”) emolduram o texto que simplesmente desaparece, se
“dissolve”, se deixa encobrir à partir da segunda tentativa de
encontro frustrada na busca da bruxinha. (JURADO C1, canto
28)
Forma ABA claríssima e muito mais elaborada do que as for-
mas das outras canções porque a criança elabora uma frase
inicial e, ao invés de terminá-la, ela continua a variar e variar.
(JURADO B1, canto 36)
A criança brinca com a canção “Amor, I love you”, iniciando de
um modo mais próximo do “original” e passando a inserir
transformações. (JURADO E1, canto 36)
Uma introdução e logo um motivo ascendente que se repete
sete vezes com leves variações. Logo, a oitava vez se faz em
direção descendente, no fechamento, gerando a sensação de
conclusão da estrutura. (JURADO B2, canto 37)
Nos oito glissandi, os dois primeiros destacam-se como uma
seção de abertura (gliss. ascend. + gliss. com "resolução" des-
cendente). O que se segue é repetitivo, com cinco gliss. as-
cend. + "resolução". Atraiu-me o jogo de tensões prolongadas
pelas repetições que não progridem, e a resolução que lembra
a abertura. (JURADO D2, canto 37)
A presença da quadratura (estrutura de frase organizada em múltiplos de 4 pu-
lsos) foi também identificada em vários cantos.
146
Demonstra um domínio do tempo, em razão dos ajustes de
ritmo e da preocupação em manter a quadratura. (JURADO
C1, canto 11)
Nas primeiras duas seções, tudo se encaixa para criar um e-
feito de quadratura. Na terceira seção, uma quebra desta
quadratura, acompanhada de maior liberdade tmica, melódi-
ca. (JURADO B1, canto 11)
Organização de material rítmico-melódico com base, sobretu-
do, em pulsos, embora com alguma tentativa de regularidade
em quadratura (mas as simetrias são interrompidas). (JURA-
DO D2, canto 13)
Estruturas claras. Quadratura de fraseado, com uma variação
no final da canção, onde a criança canta sons mais agudos.
(JURADO B1, canto 17)
A criança tentou manter as frases dentro da quadratura,
mesmo com a oscilação do andamento. (JURADO F2, canto
16)
O canto revela a percepção da quadratura (tempo medido) que
aparece com exatidão nas três últimas frases. (JURADO D1,
canto 19)
A quadratura perfeita desse canto, mantida mesmo no tempo
mais acelerado, muito me impressiona. (JURADO E2, canto 9)
Categoria Estruturação Melódica: delineada pelos padrões “fala cantada,
afinação, âmbito melódico, procedimentos melódicos da música tonal”.
Os jurados fizeram menção ao “tratamento” dado pelas crianças às suas me-
lodias. Algumas crianças apresentaram uma forma de cantar semelhante à fa-
la.
Movimento sonoro discreto no início, como uma fala cantada.
(JURADO D1, canto 1)
Misto de melódica com fala. A melódica tende para o agudo.
Nas notas longas, surge um esboço de melodia (“pela cidaaa-
aaade”). É como se fosse um recitativo, como momentos de
fala e momentos de canto. (JURADO B1, canto 1)
Parece uma improvisação livre, a princípio, com pouca melódi-
ca e muita fala. No “ela vai embora”, reconhecemos uma
147
busca pela melódica da canção conhecida. (JURADO B1, can-
to 3)
Início sem muita definição melódica, seguindo o ritmo das pa-
lavras, como na fala. A frase apresenta uma melodia que
resulta na frase numa perfeita seqüência melódica descen-
dente, com clara idéia de final. (JURADO D1, canto 4)
A criança canta como se estivesse falando, sem definir os
contornos melódicos. (JURADO E2, canto 6)
Em um momento, a melodia que se insinua passa a ter carac-
terísticas de fala. (JURADO E2, canto 5)
O âmbito melódico utilizado pelas crianças (pouco amplo em alguns cantos e
mais amplo em outros, com exploração de sons mais graves e mais agudos)
também foi percebido pelos membros do júri.
Tentou criar uma melodia, mas, talvez pela preocupação com
texto, sua extensão tenha ficado restrita à uma terça menor.
(JURADO F2, canto 6)
Interessante é a exploração de âmbito de alturas da criança -
sua voz explora agudos, médios e graves todo o tempo. (JU-
RADO B1, canto 10)
O canto recomeça (2ª parte?) com movimento descendente
seguido de grande variação da direção melódica, evidenciando
pela naturalidade do uso da voz, uma extensão vocal bas-
tante ampliada. A palavra “devorando” é cantada no grave,
com mais expressividade. (JURADO D1, canto 10).
Na canção do ovinho que queria voar, a criança transitou por
um âmbito pequeno de alturas. (JURADO E1, canto 20)
Contorno melódico contido, no âmbito do intervalo de com
uma única exceção “Aí lá” na frase, com intervalo de 5ª.
(JURADO D1, canto 27)
Quanto às altura, o canto, começa na zona de registro médio,
partindo para um salto de quarta (mi-lá), depois de terça e de
segunda. A melodia se move em um âmbito entre mi e a-
gudo (intervalo de sexta), chegando, no final, ao som mais a-
gudo (ré) para terminar indo para o grave (dó lá). (JURADO
B2, canto 21)
Todos esses materiais passeiam no âmbito da voz (limites so-
bretudo da região aguda), como se fossem iscas na ponta de
148
um anzol lançado ao ar, à procura de um espaço de encontro
e conforto; na realidade, uma criança particular em busca nes-
se mundo de seu próprio lugar. (JURADO C1, canto 36)
Procedimentos melódicos, típicos da música tonal, como escalas, arpejos e
progressões (ou sequências), foram utilizados amplamente pelas crianças, con-
forme informaram os jurados.
A frase apresenta uma melodia que resulta na frase nu-
ma perfeita seqüência melódica descendente, com clara idéia
de final. (JURADO D1, canto 4)
A criança trabalha com os graus da escala, de um modo que
aponta para um discurso tonal. (JURADO E1, canto 11)
O padrão contém uma seqüência descendente com diferença
de um tom: “que beleza, o solzinho”. (JURADO D1, canto 12)
O canto se inicia com uma pequena melodia com três graus
conjuntos (1,2,3,1,2)”Gagagagogô”, num ritmo saltitante. A
melodia se amplia (pentacorde) e termina com um som longo,
em busca do centro tonal. (JURADO D1, canto 11)
Ela parece estar “desenhando” com as alturas na construção
linear da melodia, que vai se desenvolvendo livremente, com
um tempo/métrica bastante flexível. (JURADO F1, canto 19)
Realização de um “vocalize” em timbre vocal “personalizado”,
sobre os 5 primeiros graus da escala diatônica (I-V-I). Embora
de expressão ligeiramente livre e de um jeito brincalhão, sua
referência de base é de fato a escala de Maior. (JURADO
C1, canto 25)
A brincadeira vocal transita pelo âmbito de um pentacorde
maior, com uma afinação equilibrada, ainda que imprecisa.
(JURADO E1, canto 25)
“Mãmãmãmã” (ou “Nã”), como o vocalize da faixa anterior, ex-
pressa um cantarolar que parece uma brincadeira musical, a-
qui com repetições de figuração melódico-ritmica simples, si-
tuadas a cada vez num grau da escala diatônica (I, depois III e
apos V). (JURADO C1, canto 26)
O padrão melódico também é repetido três vezes, formando
seqüências ascendentes com distâncias de 3ª. O padrão me-
lódico se apóia nas notas do acorde maior (1,3,5). (JURADO
D1, canto 26)
149
O mesmo motivo se repete três vezes, em alturas diferentes
(em uma tríade maior). (JURADO E1, canto 26)
A espontaneidade inicial é quebrada no final, onde aparecem
resquícios de uma memória melódica que destoa do restante
do canto: um fragmento de 5 notas de uma escala maior des-
cendente (do quinto ao primeiro grau) aparece nos dois últi-
mos versos. (JURADO A1, canto 28)
O canto começa com as notas do acorde (1,3,5) e se desen-
volve livremente no plano agudo (2ª frase). Na 3ª frase o canto
se aproxima da “fala cantada”. A parte final apresenta um pen-
tacorde descendente, lento, nota por nota, seguido de um in-
tervalo de ascendente, com ritmo enérgico.Termina repetin-
do o pentacorde descendente, mais rápido (variação) e che-
gando ao centro tonal. (JURADO D1, canto 28)
A criança utiliza as notas da escala de maior para construir
sua canção. (JURADO B2, canto 30)
Talvez a intenção tenha sido cantar a escala de Dó maior, mas
a criança acabou indo em direção à escala de tons inteiros.
(JURADO E2, canto 29)
A afinação das crianças, ora instável, ora estável mereceu a atenção do júri.
A brincadeira vocal transita pelo âmbito de um pentacorde
maior, com uma afinação equilibrada, ainda que imprecisa.
(JURADO E1, canto 25)
A afinação é bastante controlada pela criança. (JURADO E2,
canto 31)
Inflexões melódicas muito claras, a afinação não é muito rigo-
rosa, talvez por isto haja uma certa indefinição no contorno
melódico. Mas a mim parece que a criança queria cantar me-
lodia, especialmente por causa do direcionamento tão claro
das frases para o agudo. (JURADO B1, canto 34)
A criança demonstra ter um domínio da afinação quando
canta a sua canção. (JURADO F2, canto 39)
A melodia se fixa no pentacorde maior, que é logo apresenta-
do no início da canção. (JURADO F2, canto 39)
Categoria Caráter Expressivo: delineada pelos padrões “alegria, improviso,
dramaticidade, brincadeira, candura, poesia”, entre outros.
150
Os cantos das crianças, segundo os jurados, eram expressivos e geravam
sempre “climas sonoros”, como os citados acima.
Canto de candura e poesia surpreendentes! (JURADO C1,
canto 1).
A canção, apontando para uma forma circular, sugere a brin-
cadeira da criança com o caminhão que roda pela cidade, su-
bindo e descendo ladeiras. (JURADO E1, canto 1)
A criança hesita, “procura” por onde iniciar a musica. (JURA-
DO C1, canto 4)
Interessante, simples, alegre e bem estruturada. Inaugura-se,
expõe-se e encerra-se. (JURADO C2, canto 5)
Muito solta, sem lógica ou referência aparente, antes de uma
improvisação reflete mais uma construção em tempo real, por
uma criança mergulhada na sensação das aventuras do tempo
presente. (JURADO C1, canto 6)
Do inicio ao final deste (texto) tem-se a impressão de que o
ponto de partida tragicamente enunciado foi sendo modificado
pelo desejo puro e positivo da criança (processado pelo en-
cantamento de seu próprio canto) em projetar na realidade o
seu mundo feliz... (JURADO C1, canto 11)
Antes da interrupção um aumento da intensidade (sensa-
ção de alegria) em ‘o papai vai surgindo’. (JURADO D1, canto
12)
Espelha uma expressão mais livre e espontânea, com “garatu-
jas” sonoro-musicais. (JURADO C2, canto 13)
Uma criança se diverte muito em seu jogo de improvisação
vocal, consciente de seu fazer, que procura tornar engraçado
e divertido. Pensando nas razões do riso da criança, eu ques-
tiono: estaria rindo apenas porque estava criando uma canção,
de imediato, misturando “ga ga gás” com “sapo” e outras coi-
sas, ou ria da possibilidade mesma de inventar algo engraça-
do, que transgredia, de certa forma, os limites ou territórios da
canção (em seu formato habitual)? (JURADO E1, canto 19)
Canto, aliás, simples, mas pleno de candura, meiguice, de
uma criança que vivamente brinca com as figuras imaginárias
em seu discurso. De maneira geral, “canto-quase-falado”, es-
pécie de narração com intenção comunicativa, num fluxo que
se constrói no tempo a cada instante. (JURADO C1, canto 9)
151
Categoria Contrastes: delineada pelos padrões “timbre, altura, intensidade e
andamento”.
Contrastes de timbre (através da criação de diferentes sonoridades vocais), de
intensidade (sons mais fortes ou mais suaves), de altura (sons mais graves ou
mais agudos) e de andamento (mais rápido ou mais lento, accelerando ou ri-
tardando) foram também observados pelos jurados.
Nesses dois momentos, a melodia pela força expressiva as-
sume brilho e flexão particulares, estabelecendo assim (e em
associação a um jogo de intensidade). (JURADO C1, canto 1)
Somente no final uma quebra desta repetição, devido à li-
berdade do texto com novos timbres. (JURADO B1, canto 12)
Ela começa seu cantar e logo diminui a intensidade, cantando
suavemente. Aumenta o volume ao anunciar que “o papai vai
surgindo”, para voltar a diminuir na seqüência. (JURADO E1,
canto 12)
Sons muito intensos criam a sensação de um clima ‘selva-
gem’. (JURADO A2, canto 13)
A finalização surpreendeu pela resolução do impasse: ela é
longa, conduzida pelo rallentando do ritmo pontuado. (JURA-
DO D2, canto 15).
Após o terceiro padrão uma aceleração do ritmo. (JURADO
D1, canto 17)
O salto inicial de sexta projeta o movimento do peixe, que é
valorizado, ainda, pela ênfase no acento. Da primeira para a
segunda vez, existe uma mudança de altura (a sexta se trans-
forma em uma quinta, sempre aproximadamente, é claro) e
percebe-se também uma diminuição na intensidade.
(JURADO E1, canto 17)
A criança vai para agudos que criam surpresa (...) uma di-
reção na melódica que me parece vir da intensidade, especi-
almente nos agudos onde os sons ficam mais fortes. (JURA-
DO B1, canto 18)
A criança improvisa melodicamente em cima das sílabas, brin-
cando com as alturas, explorando contrastes e desvios no dis-
curso em alguns momentos, principalmente pelos saltos meló-
152
dicos que criam movimentos melódicos inesperados (inespe-
rados tomando como referência construções melódicas verna-
culares). (JURADO F1, canto 18)
Na última parte da produção, o campo rítmico é descontinuo,
vai aumentando a densidade cronométrica, a velocidade (ace-
lerando) e a intensidade, dando a sensação de final. (JURA-
DO B2, canto 22)
Breve suspensão e a composição encerra-se com um cres-
cendo ascendente ao final (JURADO C2, canto 22)
Achei interessantes as contínuas reiterações que conduzem a
um rallentando seguido, de surpresa, pela seção conclusiva,
enérgica. (JURADO D2, canto 22)
Material repetitivo, composto de dois incisos bem diferencia-
dos pela escolha dos materiais sonoros. (JURADO D2, canto
23).
Em algum momento aumenta a velocidade, a intensidade e a
altura, voltando ao mesmo tipo de produção inicial (com alte-
ração de fonemas). Integram-se à composição sons relaciona-
dos com as funções fisiológicas (respiração, risos). Em deter-
minado momento, inclui também a palavra. (JURADO B2, can-
to 24)
Muito interessante, uma mudança timbristica proposital
quando a criança canta “a bruxa”, como se estivesse imitando
uma voz operística. (JURADO B1, canto 28)
Nesse canto, extensões extremas são usadas. (JURADO B2,
canto 29)
A repetição de sílabas e a apresentação de um pequeno texto,
comportando-se de maneira distinta em cada um deles, crian-
do dois territórios, que se fundem no todo da canção. (JURA-
DO E1, canto 28)
Pode-se perceber ao longo da proposta uma estruturação
marcada pela repetição variada de elementos, ao nível de en-
tidades de porte intermediário. Estas se estabelecem em razão
do contraste definido pelo timbre ou tipo de vocalize utilizado.
(JURADO C2, canto 30)
Estruturação melódica bem definida, compreendendo presen-
ça de contrastes, reiteração de unidades menores (motivos),
silêncios / respirações separando entidades (...) (JURADO C2,
canto 31)
A criança mistura trechos de brinquedos musicais, jogos de
escolha, brinquedos de mão, integrando-os à sua improvisa-
ção, para voltar no final com uma parlenda com números.
(JURADO E1, canto 33)
153
O início, com o piano, parece anunciar que aconteceria al-
guma improvisação livre no instrumento. No entanto, a entrada
da voz, com um cantar forte e determinado (...) (JURADO E1,
canto 35)
(...) melismas, glissandos, trejeitos vocais… Todos esses ma-
teriais passeiam no ambitus da voz (limites, sobretudo da regi-
ão aguda) (...). (JURADO C1, canto 36)
O canto parece uma brincadeira vocal sobre a canção Amor I
love you (interpretada por Marisa Monte), que uma base
para os improvisos que exploram amplamente as alturas, prin-
cipalmente pelo uso de glissandi. (JURADO F1, canto 36)
Um glissando involuntário atinge o cume final, bem na região
aguda. (JURADO D2, canto 37)
Riqueza de timbres: Inclui voz falada e cantada, sons inventa-
dos e sopros. (JURADO B2, canto 38)
A alegria aflora aqui também, onde “Uobow” ecoa e ressoa um
“Oôôba!”. Opõe fonemas, fundamentalmente Sss...” - predo-
minância consoante e “Uou...” - predominância vogal. (JURA-
DO C2, canto 39)
Improviso, fluxo espontâneo de fonemas, com exploração da
linearidade em fragmentos melódicos, até metade da peca
praticamente sem respiração (resultado de sua curiosidade e
envolvimento interpretativos) (JURADO C2, canto 40)
É interessante que vários jurados mencionaram a percepção de um acceleran-
do no canto 26. Eles escreveram:
O pulso não é absolutamente fixo - no início há um claro acele-
rando. O tempo cai no final do canto. (JURADO A1, canto 26)
Ele inicia lentamente, na apresentação do motivo, acelerando
um pouco na seqüência. (JURADO E1, canto 26)
O percurso do inicio ao final do canto mostra-se também um
percurso que caminha em direção à redução da ansiedade (já
na primeira enunciação da frase ela demonstra internamente
aceleração). (JURADO C1, canto 26)
Categoria Texto: delineada pelos padrões “canções com letra, prosódia, com-
promisso texto/música, conjunções aditivas e fonemas”.
154
O texto utilizado em alguns dos cantos também mereceu atenção dos membros
do ri. O compromisso texto/música foi citado em diversos cantos. Esse com-
promisso se revela de várias maneiras. Algumas vezes é o texto que “move” e
organiza o canto, como nos exemplos abaixo:
A forma do canto é articulada pela letra. Parece ser a letra a
motivação para a criação do canto. (JURADO B1, canto 1)
O que diferencia as 2 partes é o predomínio da palavra ‘roda’
na primeira parte, e da conjunção ‘sobe e desce’ na segunda
parte. A insistência sobre esses dois elementos caracteriza e
diferencia as duas partes. (JURADO A1, canto1)
O texto e o contorno melódicos parecem ser construídos em
conjunto, configurando uma improvisação a partir do tema es-
colhido pela criança, explorando variações no texto, contrastes
de alturas e acentos rítmicos das palavras. (JURADO F1, can-
to 1)
O que nos parece sustentar a organização desse canto é a le-
tra, que evolui em uma espécie de encadeamento: (JURADO
A1, canto 2)
Muito interessante esta letra, como uma dualidade tão óbvia: a
batata vai embora, ou ela ficou? Parece haver um duela entre
estas duas possibilidades para a batata. No final, interessan-
temente, a batata ficou, o que coincide com um desfecho me-
lódico, pela direção melódico-vocal descendente. (JURADO
B1, canto 2)
A seguir o canto é estruturado pelas palavras “Ela é”, com o
mesmo ritmo e o mesmo desenho melódico (célula estrutural)
(JURADO D1, canto 9)
O canto parece ser estruturado pelo texto, que vai se desen-
volvendo junto com o contorno melódico, que é explorado pela
criança em todo o canto. (JURADO F1, canto 10)
Interessante observar que a palavra ‘pato’ acontece 4 vezes e
nelas a sílaba ‘pa’ sempre é entoada sobre a nota lá. (Jurado
A1, canto 11)
A criança parece estruturar o canto pelo ritmo, com métrica
bem definida, em conjunção com o texto. (JURADO F1, canto
11)
155
Desta vez, a narrativa assume importância maior e a canção
se move organicamente, com um tempo que flui e organiza o
ritmo em função do texto. Percebe-se uma intenção cercada
de atenção e respostas rápidas aos acontecimentos sonoros
que emergem do contar/cantar. (JURADO E1, canto 17)
Improvisativo, a letra comanda a melódica fica subserviente ao
texto. Muito coerente, tem um enredo claro, o peixinho na fes-
ta. Muito bem encaixada na melódica e no ritmo em certos
momentos. Em outros, o texto parece ser a prioridade. Assim,
parece ser o enredo a grande motivação para a elaboração
deste canto. (JURADO B1, canto 17)
Forma bem clara, devido às frases determinadas pelo texto,
pelo ritmo e pela rima. Fraseado: Quatro frases nítidas, nova-
mente por causa do texto, ritmo e rima. Letra: Muito coerente,
uma narrativa muito clara, com rimas no final. (JURADO B1,
canto 20)
As palavras “I love you” são sempre cantadas e a palavra “a-
mor” é recitada, formando um padrão melódico. (JURADO D1,
canto 36)
Algumas vezes, o compromisso texto/música se manifestou da seguinte manei-
ra: quando a criança canta a palavra “sobe”, a linha melódica “sobe” para o a-
gudo e, quando a palavra é “desce”, a melodia também desce” em direção ao
grave (cantos um e dez). O canto de número vinte e nove também apresenta
um exemplo dessa mesma questão.
Das quatro vezes que a palavra “sobe” aparece, três estão as-
sociadas a um som mais agudo. A letra apresenta coerência:
roda (substantivo), roda (verbo), caminhão, sobe, desce, cida-
de; palavras que formam um contexto. (JURADO D1, canto 1)
A canção, ao se referir a um caminhão que passa pela cidade,
faz uso de recursos de repetição (Sobe e desce, sobe e des-
ce...). É interessante constatar o fato de que a criança realiza
movimentos melódicos ascendentes quando canta sobe”,
descendendo no “desce”, movimento sonoro eleito, inclusive
quando canta “pela cidade”. (JURADO E1, canto 1)
Esboço de melodia aparece claramente no momento em que a
criança canto “subiu de novo”, indo para o agudo. (JURADO
B1, canto 10)
156
Existe aqui o compromisso entre o texto e música, um dina-
mismo, no momento em que a criança canta ‘vai pra escola,
veste a roupa’, com uma cadência em chapéu. (JURADO D2,
canto 29).
A prosódia também foi mencionada em alguns cantos, bem como a utilização
de conjunções de continuidade, como “e” e “aí”.
Uma clara demonstração desse controle está no alongamento
da sílaba ‘ver’ da palavra ‘verdinha’. A sílaba é alongada para
o ajuste da prosódia. (JURADO A1, canto 9).
O “E” cumpre papel agenciador de novas situações enuncia-
das, numa expressão livre e extemporânea. Embora tenha si-
do primeiramente utilizada no inicio da segunda linha, esta
conjunção parece passar a adquirir para a criança a função
associativa pica apenas no começo da linha 3 (momento em
que ela descobre e aprende sobre seu uso e função), e desde
então a musica e a expressão fluem melhor, e... musicalmen-
te. (JURADO C1, canto 4).
Canção que aponta para o comportamento que as crianças
tendem a assumir quando improvisam uma canção na qual pa-
rece importar, em primeiro plano, a história que se conta, que
se inventa. O uso reiterado de “aí” confirma minha afirmação
anterior: a criança está cantando/contando uma história que
emerge no ato do contar (...) (JURADO C1, canto 27)
A prosódia é ajustada fora de um compasso fixo, mas sempre
de acordo com o pulso. (JURADO A1, canto 33)
A criação de fonemas foi identificada em vários cantos pelos jurados, como nos
exemplos a seguir:
Que coisa fascinante, a criança escolheu realizar sons guturais
e quem sabe, por isto, conseguiu elaborar uma estrutura musi-
cal tão coerente e expressiva. Parece-me que, como a criança
não precisou ‘pensar’ na letra, ela ficou mais livre para explo-
rar questões musicais. (JURADO B1, canto 18)
Inicio com fonema semelhante a “Nã”, que evolui para “Mé”,
portanto partindo de emissão nasal em procedimento lúdico e
afirmativo de abertura, reflexo exterior do processo interno de
desinibirão progressiva da interprete. (JURADO C2, canto 15)
Tenho a impressão que, de início, o caminho apontado é numa
direção diversa da seguida. A interrupção parece ter desenca-
deado uma longa exploração de fonemas. (JURADO D2, canto
24)
157
Percebe-se um jogo prazeroso ao explorar os sons com lábios
e ngua. Esse jogo sensorial cria uma sequência de sons uni-
formes, numa altura media sem grandes mudanças (dó cen-
tral), salvo em algum momento em que aumenta a velocidade,
a intensidade e a altura, voltando ao mesmo tipo de produção
inicial (com troca de fonemas). Integram-se à composição
sons relacionados com as funções fisiológicas (respiração, ri-
sos). Em determinado momento, inclui também a palavra.
(JURADO B2, canto 24)
É interessante observar o fato de que a criança, ao cantar uma
canção em que se vale de dois recursos (a repetição de síla-
bas e a apresentação de um pequeno texto), comportando-se
de maneira distinta em cada um deles, criando dois territórios,
que se fundem no todo da canção. Quando canta sílabas, seja
na introdução, seja na parte que se segue ao texto, ela parece
cuidar mais da questão “musical” em si mesma, atentando pa-
ra a realização de contornos melódicos mais definidos, mais
próximos do sistema harmônico-tonal. Ela começa apresen-
tando as notas da tríade maior no lalululalá”, finalizando com
o quarto grau em lalalalu (3/1/3/4). Quando começa o texto (A
bruxa....), a criança parece se permitir vôos mais amplos, liber-
tando-se, de certo modo, de estruturas reconhecidas. Seu can-
to flui, guiado por sensações, com uma carga expressiva mais
forte, carregada, inclusive, de senso de humor (ao que pare-
ce!). O tempo flui não-métricamente, tempo vivencial, acom-
panhando as inflexões da fala, que ela exagera, acelerando ou
estancando em uma ou outra palavra (a bruuuxa, por ex).
(JURADO E1, canto 28)
Improviso, fluxo espontâneo de fonemas, com exploração da
linearidade em fragmentos melódicos, até metade da peca
praticamente sem respiração (resultado de sua curiosidade e
envolvimento interpretativos) A partir da metade, aproximada-
mente, as respirações se impõem e os silêncios estruturam
sentidos melódicos mais definidos, com reiteração de figuras
em variação (tendência descendente). Ao final restrição dos
materiais fonéticos a “Du la du”, quase como marca de esgo-
tamento no uso poético dos recursos mediante breve silencio e
bloco de encerramento, que para mostrar-se inequívoco é pon-
tuado verbalmente: “Fim !”. (JURADO C2, canto 40)
A língua inventada progride com o fraseado, modificando-se
gradualmente. (JURADO D2, canto 40)
Categoria Influências Sócioculturais Específicas
:
delineada pelos padrões
“trechos de canções conhecidas, letras que falam do cotidiano ou do imaginário
158
das crianças, nomes de notas musicais, lá-lá-lá ou nã-nã-nã, vocalizes
2
e glis-
sadi”
3
.
Alguns dos cantos guardavam semelhança com canções conhecidas das cri-
anças, modalidade conhecida “canção pot-pourri”, decrita por Moog (1976) e
Parizzi, (2005a, 2006), ou apresentavam, como temática, questões do cotidiano
ou do imaginário das crianças canções imaginativas (PARIZZI, 2005a, 2006;
MOOG, 1976). Algumas crianças utilizaram glissandi, vocalizes, repetições de
sílabas como lá, lá, ou nã, nã, na” e o nome das notas musicais e suas can-
ções, procedimentos utilizados em canções da cultura ocidental (DAVIES,
1992; PARIZZI, 2005a, 2006). Alguma semelhança com a canção “Atirei o pau
no gato” foi identificada no canto dois (JURADO B1).
No ‘ela ficooooou’, uma direção vocal para o grave, que
muito me lembrou o “miau” final do “Atirei o pau no gato”. (JU-
RADO B1, canto 2)
Os jurados fizeram referência à citação da canção “Chapeuzinho Vermelho”, no
canto de número três.
A segunda fase (a partir do terceiro verso) é uma clara refe-
rência a uma canção infantil conhecida, associada ao conto
Chapeuzinho Vermelho (Pela estrada afora eu vou bem con-
tente . . . .). (JURADO A1, canto 3)
Da frase “Ela vai embora” em diante, a melodia é a mesma
da canção ‘Pela estrada afora’ (chapeuzinho vermelho), com
variações da letra. O canto conta uma história longa (tempo
ampliado) com começo, meio e fim, unindo fantasia (invenção)
e memória de algo conhecido, sem interrupção do tempo. A
frase ‘Mais à tardinha, ao sol ponente’ e a palavra da frase
seguinte “Junto” são exatamente as mesmas da canção me-
morizada. (JURADO D1, canto 3)
2
Melodia vocal que não utiliza palavras, realizada apenas com vogais.
3
Plural da palavra italiana glissando, que, em música, significa percorrer, com a voz ou com um instru-
mento musical, uma extensão melódica, passando por todos os tons (notas musicais) intermediários.
159
Não é possível afirmar com certeza se a criança aliou seu can-
tar inicial aos movimentos melódicos que emergiram ao acaso,
remetendo-a para “um outro lugar”, lugar da canção da Cha-
peuzinho Vermelho, ou se ela intencionalmente decidiu mistu-
rar as canções, migrando por escolha para este novo lugar,
que reinventou. Sou tentada a considerar que a escuta, como
elemento transformador e dinâmico, conduziu o jogo da inven-
ção da criança, que misturou elementos, o velho e o novo, no
seu exercício expressivo de inventar, criar e recriar. Para mim,
então, uma escuta transformadora conduziu o percurso do
cantar, algo que vai muito de encontro ao modo das crianças
dessa faixa etária (e próximas a ela) procederem: assim como
o “caminhante traça o seu caminho ao caminhar”, a canção
das crianças se constrói no ato mesmo do cantar, fundando
espaços/tempos sonoros. (JURADO E1, canto 3)
.A criança parece recorrer ao seu repertório de temas melódi-
cos, que são utilizados na construção melódica da música co-
mo um todo. O canto lembra algumas músicas do cancioneiro
infantil, como Marcha Soldado (quando ‘canta’ pro castelo do
príncipe), tema do Chapeuzinho Vermelho (‘pela estrada afora,
eu vou bem sozinha...’, quando canta ‘ela vai embora e (o) do
castelo e a rainha aqui por perto’, até o final). (JURADO F1,
canto 3)
O canto de número doze evocou a canção “Peixe vivo” (JURADOS A1 e B1) e
obras de Chico Buarque de Hollanda e Robert Schumann (1810-1856) (JURA-
DO A1). O recurso de cantar utilizando as sílabas “ah, ah, ah” e “nah, nah, nah”
foi também observado pelos membros do júri (Jurados A1 e E1) nesse mesmo
canto.
O sujeito musical referente desta frase melódica parece deri-
var do tema “Peixe Vivo”, no trecho inicial de sua melodia
(“como pode um peixe vivo”). (JURADO A1, canto 12)
A rítmica lembra um pouco o “Peixe Vivo”. (JURADO B1, canto
12)
A organização desse canto nos remete muito fortemente à or-
ganização de diversas canções populares que também se va-
lem de uma célula padrão ‘O que será que será’, de C.B.de
Hollanda, por exemplo, ou também peças da tradição clássico-
romântica européia como o lied Op.48-V de Schumann. No fi-
nal do canto a letra é abandonada, mas não a célula com seu
perfil rítmico-melódico. O fato de criar, no final do canto, uma
diferenciação na letra ou na melodia (Ah, ah, aah. . . . no últi-
mo verso), sem se distanciar em demasia do padrão, é tam-
bém típico nos exemplo de acima citados. (JURADO A1, canto
12)
160
O recurso do cantar silábico (ah ah aah, nah nah narah), fato
que valoriza a canção em si e aponta, ao mesmo tempo, para
um conhecimento apreendido acerca de recursos sonoro-
musicais presentes em algumas canções. Ela transcende,
dessa feita, o aspecto mais funcional, se podemos dizer assim,
da canção infantil que conta algo, como ocorre um muitos jo-
gos inventivos das crianças pequenas, agregando recursos e
valores próprios à música, em geral, e à canção, em particular.
(JURADO E1, canto 12)
Muito interessante foi a observação que o jurado C1 fez sobre a evocação de
uma canção francesa Quand les poules vont aux champs’ no canto dezessete.
Vale mencionar que a criança responsável por esse canto, com quatro anos na
época da gravação, é francesa e estava no Brasil quase três anos nessa
ocasião. Sobre esse mesmo canto, o jurado E1 mencionou ter percebido as-
pectos do cotidiano e a familiaridade da criança com a música.
Aliás, nas e linhas a melodia me evoca a segunda parte
da tradicional canção francesa
‘Quand les poules vont aux
champs’
, sobre a qual Mozart fez uma série de variações.
(JURADO C1, canto 17)
Enfim, esta narrativa para o peixinho mistura aspectos concer-
nentes à vida dos peixes na água com outras próprias aos
humanos, e mais especificamente do interesse das crianças,
ou ainda, do mundo hedônico, do prazer (a festa, o bolo, o bri-
gadeiro, a dançarina, o dançar...).É um canto fluente do qual
emergem imagens e situações, bem como, possibilidades de
realização musical. O cantar traz consigo marcas de uma inti-
midade, de uma familiaridade grande com questões musicais,
reveladas no tratamento dado às alturas e durações e à forma
mesmo da canção, que acaba contando com quatro partes e
uma passagem. (JURADO E1, canto 17)
As canções “Fui à fonte do Tororó” e “Pirulito que bate-bate” foram evocadas
nos cantos de número dezoito e dezenove, respectivamente, segundo os Jura-
dos A1 e B1. O jurado E1 observou a utilização de sons onomatopaicos no
canto dezenove.
161
Aqui podemos perceber melodia - o canto se baseia no final da
canção ‘Fui na fonte do Tororó’, cantado com sons guturais.
(JURADO A1, canto 18)
Aqui parece haver uma reminiscência de alguma canção co-
nhecida, parece o Pirulito que bate-bate. Mas logo a forma se
liberta desta tendência e se torna mais livre, uma brincadeira
vocal, com risos. (JURADO B1, canto 19)
De qualquer modo, fica evidente o conhecimento musical que
ela tem acerca do modelo canção e de seus recursos de repe-
tição, de mistura de possibilidades (letra e onomatopéias).
(JURADO E1, canto 19)
O canto vinte também evoca canções que fazem parte da cultura da criança,
segundo os jurados A2 e F2. O jurado B2 reconhece influências culturais no
canto vinte e dois.
Esse canto se manifesta de forma livremente expressiva” to-
mando como base fragmentos de canções conhecidas. (JU-
RADO A2, canto 21),
Nesse canto é possível identificar as canções “Nesta rua tem
um bosque” e “Cai-cai balão”. (JURADO F2, canto 21)
.A primeira sensação que temos é que a criança está brincan-
do com os sons vocais próprios de sua língua materna, ou se-
ja, fica evidente que esta criança já manifesta influências cultu-
rais de seu meio. (JURADO B2, canto 22).
A utilização das sílabas “lá-lá-lá” foi citada pelos jurados F2 e C2, no canto vin-
te e três, e B2 no canto vinte e nove. Nesse último canto, a criança também
menciona questões de seu cotidiano e o nome das notas musicais.
As sílabas ‘lá-lá-lá’ foram utilizadas pela criança. (JURADOS
F2 e E2 , canto 23)
De aparência espontânea, fluente, “descomprometida”, ela e-
videncia porém organização e, mesmo na simplicidade, joga
com oposições cujos contrastes geram forma e sentido parti-
cular. ‘Lalala’ versus ‘Bluf’. (JURADO C2, canto 23)
A criança fala da escola, do brinquedo, da mãe e canta melo-
dia com lá-lá-lá e com os nomes das notas musicais. (JURA-
DO B2, canto 29)
162
Muito solta, sem lógica ou referência aparente, antes de uma
improvisação reflete mais uma construção em tempo real, por
uma criança mergulhada na sensação das aventuras do tempo
presente. E aqui, de mãos dadas ao porto seguro, que repre-
senta a figura paterna (elemento protetor, mas também de
transitoriedade), ela realiza pela música um percurso de am-
pliação, caminhando do “interno-conhecido-contido” ao “exter-
no-inusitado-criativo”. (JURADO C1, canto 10).
O jurado C1 fala sobre a possibilidade de a experiência musical em instituições
formais de ensino de música estar se manifestando nos cantos de número vinte
e cinco e vinte e seis
A idéia que transmite é a de fazer música brincando, interagin-
do ludicamente com materiais musicais (o que para a música
tonal é absolutamente verdadeiro para as escalas ou seus
fragmentos e acordes). Mas ao mesmo tempo isto provavel-
mente revela uma visão que construiu à partir de sua experi-
ência dentro de espaços formais de ensino. (JURADO C1,
canto 25)
Lembrança de uma melodia conhecida, cantata anteriormente,
ou de um vocalize de fato trabalhado em sala de aula? (JU-
RADO C1, canto 26)
Situações do cotidiano e do imaginário da criança foram identificadas em vários
cantos, como nos de mero cinco (JURADO B1), seis (JURADOS B1 e C1),
vinte e sete (JURADOS C1 e E1) e trinta e um (JURADO C2)
A criança parece explorar as possibilidades de seu vocabulário
(cores); ela busca definir a bolinha a partir dos nomes de cores
conhecidos, não importando uma coerência do texto. Não sa-
bemos se a bolinha é de uma cor ou de outra. O que parece
interessar para a criança não é uma definição coerente da cor
da bolinha; parece antes estar explorando seu vocabulário de
cores. Parece que a principal motivação desta criança é esta
exploração. (JURADO B1, canto 9)
Muito interessante esta letra, com dois personagens - a aranha
e o pai - que interagem de uma forma curiosa. Fica claro que o
pai representa uma autoridade que define as condições de vi-
da desta aranha. Quem será esta aranha, eu me pergunto?
Será que é uma aranha mesmo, ou que no imaginário desta
criança ela representa outra coisa? Também interessante a si-
tuação da aranha no final. Será que esta criança estava convi-
vendo com uma gravidez da própria mãe ou de outra pessoa?
163
Esta letra sugere a possibilidade de identificarmos muitos ele-
mentos simbólicos, associados à vida desta criança. (JURADO
B1, canto 10)
Muito solta, sem lógica ou referência aparente, antes de uma
improvisação reflete mais uma construção em tempo real, por
uma criança mergulhada na sensação das aventuras do tempo
presente. E aqui, de mãos dadas ao porto seguro, que repre-
senta a figura paterna (elemento protetor, mas, também de
transitoriedade), ela realiza pela música um percurso de am-
pliação, caminhando do “interno-conhecido-contido” ao “exter-
no-inusitado-criativo”. (JURADO C1, canto 10).
A segunda, por sua vez (3 linhas seguintes), recorre à um mo-
delo de canção ja conhecido pela criança que a empresta aqui
para dar suporte ao desenho imaginário que, em associações
improvisadas, veicula através do texto. (JURADO C1, canto
27)
A criança está cantando/contando uma história que emerge no
ato do contar, quando mistura situações cotidianas (a carne no
prato), seus conhecimentos (como a alusão à floresta amazô-
nica), situações inventadas (o porquinho chocando ovos), re-
metendo-se, finalmente, para um dado de realidade, ao se re-
ferir à Betânia. (JURADO E1, canto 27)
No ato do contar, quando mistura situações cotidianas (a car-
ne no prato), seus conhecimentos (como a alusão à floresta
amazônica), situações inventadas (o porquinho chocando o-
vos), remetendo-se, finalmente, para um dado de realidade, ao
se referir à Betânia. Por outro lado, o cantar, em si mesmo, pa-
rece apontar para canções conhecidas, que ela organiza
seu discurso ajustando-o a uma estrutura melódico-rítmica
muito próxima de algumas canções da cultura infantil brasileira
(como uma das versões para “o sapo não lava o pé”, como
exemplo). (JURADO E1, canto 27)
A letra revela fantasia, imaginação e presença de espírito com
o final. (JURADO D1, canto 27)
Sobre o “diálogo entre universo cultural e expressão individual”, essa bela
citação do jurado C1 sobre o canto trinta e seis. A idéia de “reinvenção” que
essa criança foi capaz de fazer a partir de uma canção conhecida é reforçada
pelo jurado E1.
E’ intenso/forte a percepção do diálogo entre universo cultural
e expressão individual. A criança brinca com a imagem sonora
desta canção que conhece e introjetou. Ela joga com as pala-
164
vras marco e os fragmentos melódicos que imagino a caracte-
rizam (ou o seu refrão). São elementos deste “jogo no espe-
lho” (imagem internalizada do sonoro de origem externa) me-
lismas, glissandi, trejeitos vocais… Todos esses materiais
passeiam no âmbito da voz (limites, sobretudo, da região agu-
da), como se fossem iscas na ponta de um anzol lançado ao
ar, à procura de um espaço de encontro e conforto; na realida-
de, uma criança particular em busca nesse mundo de seu pró-
prio lugar. (JURADO C1, canto 36)
A criança brinca com a canção Amor, I love you’, iniciando de
um modo mais próximo do “original” e passando a inserir
transformações (um longo glissando no “you” final das frases,
variando a intensidade do cantar, modulando as frases e cri-
ando um final especial). A canção conhecida torna-se material
para um jogo de improvisação e reinvenção, valendo-se dela
para seu exercício musical expressivo, como território passível
de agregar suas experiências, conhecimentos e idéias de mú-
sica e canção. (JURADO E1, canto 36)
Como mencionado anteriormente, todos os padrões musicais identificados pe-
los jurados e expostos acima foram agrupados por afinidade e, a partir daí, oito
categorias emergiram espontaneamente. É importante citar que as caracte-
rísticas das oito categorias explicitadas, a seguir, foram definidas a partir
dos dados fornecidos pelos doze jurados.
E
STRUTURAÇÃO RÍTMICA
: determina a maneira como os eventos sono-
ros acontecem ao longo do tempo, ou seja, através de sucessões re-
gulares (pulsos), de uma métrica (ou compasso), de sucessões irregu-
lares, com ou sem interrupções.
D
IRECIONAMENTO
: refere-se aos procedimentos utilizados pelas crian-
ças para criar dar uma direção ao discurso musical, como a presença
de movimentos sonoros ascendentes ou descendentes, a busca de um
centro tonal, a utilização de cadências; e o senso de conclusão.
165
FORMA
: relaciona-se à organização dos eventos sonoro-musicais no
tempo, como por meio da repetições de motivos ou frases organizados
em seções (introdução, desenvolvimento, coda), enquadradas ou não
em uma quadratura.
E
STRUTURA MELÓDICA
:
refere-se à maneira como as alturas ou tons fo-
ram utilizados pelas crianças (fala cantada, afinação, âmbito melódico)
e à utilização de procedimentos melódicos inerentes à música tonal
(escalas, arpejos, progressões rítmico-melódicas).
C
ARÁTER EXPRESSIVO
:
integra os diferentes climas expressivos criados
pelas crianças em suas sicas: alegria, brincadeira, suavidade, ex-
pectativa, surpresa, espontaneidade, improviso, tensão, conversa, in-
definição, jogo, fluência, entre outros.
CONTRASTES
: referem-se às alterações de timbre (através dos vários
materiais sonoro-vocais utilizados pelas crianças), de altura, intensida-
de e de andamento (accelerandos, ritardandos), observadas nos can-
tos.
T
EXTO
: refere-se à maneira como as crianças utilizaram as palavras em seus
cantos (compromisso texto/música, prosódia, conjunções aditivas e” eaí) e
à forma como fonemas e outros tipos de sons foram criados.
I
NFLUÊNCIAS SÓCIOCULTURAIS ESPECÍFICAS
: referem-se especificamente à
evocação de canções conhecidas, aos textos que remetem ao cotidiano ou
ao imaginário da criança, e à utilização de certos procedimentos próprios da
166
prática vocal ocidental, como cantar os nomes das notas musicais, utilizar sí-
labas como lá, lá ,lá” ou nã, nã, nã, onomatopéias e vocalizes.
Para permitir a visualização simultânea dos dados mais significativos da análi-
se de conteúdo, foram elaboradas as Tabelas 1a e 1b, apresentadas nas gi-
nas 168 e 169, respectivamente. A Tabela 1a apresenta os dados das crianças
de dois, três e quatro anos e a Tabela 1b apresenta os dados das criaas de cinco
e seis anos. A Figura 2, abaixo, ilustra um fragmento dessas tabelas: primeira coluna, à
esquerda, aponta as categorias finais encontradas. A segunda coluna apresenta os
padrões musicais que delinearam as categorias finais. As colunas seguintes numera-
das (1,2,3, etc) referem-se a numeração de cada um dos cantos espontâneos analisa-
dos (quarenta cantos), e , acima, na horizontal, as idades das crianças são mostradas.
Idade
2 anos
CATEGORIAS
Numeração dos cantos
1 2 3
Estrutura Rítmica
Regularidade
Irregularidade
2 3 1
Interrupções
1
Compasso
1
Figura 2 – Fragmento das Tabelas 1a e 1b
Os cantos de um a oito são os das crianças de dois anos; os de nove a dezesseis
das crianças de três anos; os de dezessete a vinte e quatro das crianças de quatro
anos, os de vinte e cinco a trinta e dois das crianças de cinco anos, e os de trinta e
três a quarenta das crianças de seis anos. Os números nos pequenos quadrados das
Tabelas 1a e 1b referem-se à soma do número de vezes que essa característica foi
mencionada pelos jurados. Exemplo: no fragmento ilustrado pela Figura 2, o número
dois, contíguo à palavra Irregularidade, significa que dois jurados referiram-se a essa
167
característica no canto de número um; o número três, no quadrado ao lado, significa
que três jurados detectaram irregularidade rítmica no canto de número dois.
É importante enfatizar que, por se tratar de pesquisa de natureza qualitativa, os números
apresentados nas Tabelas 1a e 1b, bem como nos gráficos que serão apresentados na
Discussão, refletem apenas a frequência que aquela ocorrência foi citada pelos jurados.
Não se pretendeu dar nenhum tratamento estatístico a esses dados.
Assim, ao se percorrer verticalmente cada uma das colunas (de 1 a 40), é possível se
obter uma síntese da Alise de Conteúdo de cada um dos cantos espontâneos. E-
xemplo: canto 9 (coluna 9)
Quatro jurados fizeram meão à regularidade do tempo
Dois jurados mencionaram presença de compasso
Um jurado mencionou direção do movimento sonoro
Dois apontaram para a presença de um centro tonal
Quatro jurados referiram-se à presença alguma forma de conclusão
Dois jurados referiram-se à presença de seções
Quatro jurados mencionaram repetições
Dois jurados mencionaram que o canto era uma fala cantada
Um jurado referiu-se ao âmbito melódico pequeno
Um jurado mencionou a utilização de procedimentos melódicos da música tonal
Um jurado referiu-se à alegria gerada pelo canto
Quatros jurados referiram-se ao clima de brincadeira gerado pelo canto
Seis jurados mencionaram a presença de letra nesse canto
Um jurado mencionou a prosódia
Quatro jurados referiram-se ao compromisso texto-música
Três jurados identificaram situações do cotidiano ou do imagirio da criança
168
169
170
6.3 – Discussão
Será apresentada uma discussão individual de cada uma das categorias.
6.3.1
E
STRUTURAÇÃO
R
ÍTMICA
Questões relacionadas à estruturação rítmica dos cantos espontâneos foram
mencionadas unanimemente pelos jurados e revelaram a maneira como as
crianças “dispõem” as sucessões sonoras ao longo do tempo. Foi observado
que o tratamento dado às questões rítmicas pelas crianças nas diferentes ida-
des parece ser diferente. Segundo o júri, o fluxo rítmico dos cantos das crian-
ças de dois anos tende a ser irregular, ou seja, as crianças não mantêm um
pulso regular enquanto cantam. Aos três e quatro anos parece haver uma osci-
lação entre momentos de regularidade e de irregularidade. Algumas vezes, o
fluxo é interrompido por falas, risos, e por outros procedimentos. A ênfase na
regularidade parece ocorrer aos cinco anos e tende a se manter aos seis anos,
quando um ligeiro declínio. Essa alternância de momentos regulares e irre-
gulares foi significativamente enfatizada nos cantos espontâneos produzidos
pelas crianças de três e quatro anos. O tempo regular organizado em compas-
sos perceptíveis (métrica), típico da música ocidental, principalmente do culo
XVII ao XIX (KOELLREUTTER, 1984) passou a ocorrer com maior frequência a
partir dos quatro anos e foi aumentando a sua frequência ao longo das faixas
etárias. Essas constatações estão sintetizadas no Gráfico 1.
É importante esclarecer que, nesse e nos outros gráficos apresentados na Dis-
cussão, o eixo horizontal refere-se às idades das crianças (dois, três, quatro,
cinco e seis anos) e o eixo vertical à soma total das ocorrências citadas pelos
171
jurados em cada uma das faixas etárias. Como cada um dos oito cantos de
cada idade foi analisado por seis jurados, o número ximo de ocorrências
possível no eixo vertical é quarenta e oito. Como exemplo, no Gráfico 1 abai-
xo, a irregularidade presente nos cantos das crianças de dois anos (ilustrada
com a curva cor de rosa) foi mencionada vinte e cinco vezes pelos jurados.
Estruturação Rítmica
0
5
10
15
20
25
30
2 3 4 5 6
Idades
Ocorrências
Regularidade
Irregularidade
Compasso
Gráfico 1 – Estruturação Rítmica
Esses achados podem ser confirmados pela fundamentação teórica estudada.
Piaget (1970) e Pouthas (1996) enfatizaram em seus estudos a forma peculiar
como crianças pequenas percebem o tempo e como a capacidade para “medir
o tempo” surge mais tarde na infância. Mesmo criando sucessões regulares,
a criança até em torno dos três anos, na maioria das vezes, não impinge uma
métrica (ou compasso) à sua seqüência, caracterizando o que Koellreutter (a-
pud PARIZZI,1986) chama de “pulso mágico vital”, como ocorreu no canto es-
pontâneo de número treze. Dowling (1984) e Sloboda (1985) também observa-
ram este procedimento na música produzida por crianças pequenas. Segundo
172
Koellreutter (apud PARIZZI, 1986), o tempo trico, aquisição típica da consci-
ência racionalista, manifesta-se com maior ênfase a partir dos quatro ou cinco
anos de idade, quando a percepção linear do tempo começa a se insinuar
(Gráfico 1). A criança ainda não quantifica racionalmente o tempo e o espaço.
A vida tende a ser uma sucessão sem dimensionamento (KOELLREUTTER,
apud PARIZZI, 1986). Esse tempo não dimensionado é o “tempo vivido”, de
Bergson e Minkowsky (1973)
Outros autores também chamam a atenção sobre o tratamento peculiar que
crianças até em torno dos três anos dão ao tempo em suas música espontâ-
neas e como isso se modifica rapidamente a partir dessa idade. Hargreaves
(1986, p. 69-70) afirma que nos “esboços” de canções, crianças entre dois e
três anos dão pouca ênfase aos detalhes, sendo a principal conseqüência des-
te procedimento a imprecisão das relações de durações e alturas. A partir dos
cinco anos, autores como Gardner (1997) e Sloboda (1985, p.206) argumentam
que a criança passa a ter maior consciência de si e espreocupada em evitar
erros e em ser detalhista e precisa nas suas imitações. Donaldson e McKernon
(1981, apud SLOBODA, 1985) acreditam que a preocupação da criança nesta
faixa etária com a precisão tem como uma possível conseqüência a incorpora-
ção de questões musicais fundamentais como a aquisição do tempo métrico.
173
6.3.2
D
IRECIONAMENTO
Outra categoria que emergiu e que pode ser confirmada pela fundamentação
teórica refere-se ao direcionamento. Segundo os membros do júri, uma das
estratégias utilizadas pelas crianças para direcionar o fluxo musical no tempo
foram os movimentos sonoros, por meio dos quais linhas melódicas “moviam-
se”, “subindo ao agudo” ou “descendo ao grave”. Muitas vezes, esse movimen-
to enfatizava a expressividade do canto (cantos um, nove e vinte, por exemplo).
Outras vezes, ele tinha a função de finalizá-lo (cantos trinta e trinta e sete). A
presença desses movimentos sonoros foi citada praticamente em todos os can-
tos (exceto nos de número seis e vinte e quatro). Entretanto, observou-se que à
medida que a criança fica mais velha, esse procedimento tende a ser cada vez
mais utilizado (Gráfico 2).
Direcionamento
0
5
10
15
20
25
30
35
2 3 4 5 6
Idades
Ocorrências
Direção mov. Sonoro
Centro tonal
Conclusão
Gráfico 2 - Direcionamento
174
Os jurados perceberam também que a busca por um cento tonal, procedimento
que caracteriza a música ocidental, foi sendo cada vez mais enfatizada, con-
forme o aumento das idades das crianças (Gráfico 2). O centro tonal ou a tona-
lidade é um meio de direcionar a música a certos pólos que convergem até um
ponto definido de repouso, como afirmou Stravinsky (1977).
A busca por uma tônica caracterizou, principalmente, os cantos produzidos por
crianças de cinco e seis anos (apenas três deles não foram mencionados), con-
firmando, assim, os trabalhos de Donald e McKernon (apud SLOBODA, 1985,
p.206; PARIZZI 2005a, 2005b, 2006). Essa tendência se desenvolve como uma
possível conseqüência da preocupação das crianças, nessa idade, com a pre-
cisão e com os detalhes (SLOBODA, 1985, p.206). Dessa maneira, elas de-
monstram ter assimilado características importantes da música de sua cultu-
ra, como é a tonalidade. Entretanto, apesar de estarem buscando um centro
tonal, algumas crianças não conseguiram manter uma mesma tônica. É prová-
vel que seja mais fácil para a criança manter a tônica quando canta canções
que aprende em seu meio ambiente, como revelou um estudo realizado por
Donaldson e McKernon (1981, apud SLOBODA, 1985). Ao executar seus pró-
prios cantos espontâneos, a permanência em uma mesma tônica tende a acon-
tecer apenas no âmbito de uma mesma frase (HARGREAVES,1986, p. 77).
Koellreutter (1984) também confirma que esta hierarquia da música tonal passa
a ser enfatizada pela criança a partir dos cinco anos de idade, quando ela co-
meça a compreender e a utilizar a relação causa/efeito em seu cotidiano.
Foi interessante observar um decréscimo da busca pelo cento tonal nos cantos
das crianças de seis anos em relação aos das de cinco anos. Davies (1992,
175
p.46) e Parizzi (2005a, 2006) justificam essa questão afirmando que crianças
em torno dos seis anos parecem gostar de experimentar estratégias diferentes
em suas canções, por meio de contrastes e elementos-surpresa. Elas trans-
cendem as regras da música de sua cultura e criam a modalidade de canto de-
nominado “canção transcendente” (PARIZZI 2005a, 2006).
Uma questão, ainda relacionada ao direcionamento e que praticamente consti-
tuiu uma unanimidade nesse trabalho, foi o senso de conclusão demonstrado
pelas crianças. Em trinta e sete dos cantos (exceto nos de número seis e oito
crianças de dois anos, e vinte e quatro – criança de quatro anos), havia indícios
de uma “intenção” por parte da criança em concluir sua música. Este dado foi
mencionado, portanto, em todas as faixas etárias. Foi possível observar que,
aos dois anos, as conclusões não o enfáticas, não são “anunciadas”. Mas,
dos três anos em diante, as conclusões vão se tornando cada vez mais “con-
tundentes”. Assim, constatamos que o senso de conclusão aumenta progressi-
vamente à medida que a criança vai ficando mais velha, como mostra o Gráfico
2, apresentado na página 173.
As crianças recorreram aos mais diversos procedimentos com a finalidade de
concluírem suas músicas. Algumas utilizaram notas mais longas como uma
forma de finalização, como nos cantos de numero um, dois e nove. Outras ten-
taram criar cadências, como nos cantos número quatro, doze, treze, vinte e um,
vinte e sete e trinta. Outras utilizaram movimentos melódicos descendentes
(canto número dois, vinte e seis, vinte e oito, trinta e sete), ascendentes (cantos
de número quinze, trinta e quarenta) ou a repetição de uma mesma nota (canto
número vinte e seis e trinta e nove).
176
Duas crianças, numa tentativa de encontrar uma solução para finalizarem suas
músicas, recorreram à palavra “fim”, que foi repetida várias vezes no canto nú-
mero trinta e oito e utilizada uma única vez no canto número quarenta, após um
movimento melódico ascendente. A expressão “ponto final” foi utilizada para
finalizar o canto de número trinta e cinco e uma acentuação na última sílaba
para finalizar o canto número trinta e seis.
Em três canções criadas por crianças de dois anos (número cinco, seis, oito),
os jurados não identificaram nenhum tipo de estratégia de finalização. A afina-
ção dessas crianças também foi percebida como instável e a irregularidade
rítmica foi outra uma característica observada nesses cantos. Todas essas
características permitem classificar esses três cantos como “esboço de canção”.
errantes, imprecisos quanto às alturas e durações (HARGREAVES, 1986, p.69-
70) e imprevisíveis quanto ao final (SLOBODA, 1985, p.204).
Apesar de cinco das oito crianças de dois anos terem, de alguma maneira, fina-
lizado suas músicas, o que foi observado é que essa finalização, mesmo pre-
sente, foi um tanto imprevisível e menos enfática que as demais. Uma condu-
ção rítmico-melódica direcionando para um final, como que anunciando anteci-
padamente o fim das músicas, não foi enfatizada nas canções das crianças de
dois anos, como ocorreu a partir dos três anos. O Gráfico 2 (página 173) mos-
tra claramente essa evolução. É provável que as relações hierárquicas da mú-
sica tonal, capazes de criar direcionar, com maior ênfase, o fluxo rítmico-
melódico para um final, comecem a se estabelecer em torno dos três anos de
idade.
177
Apesar de Davies (1992) ter investigado a música vocal de crianças a partir de
cinco anos, ela também confirma essa idéia, pois em sua pesquisa foi também
evidente o senso de conclusão em todos os cantos estudados. Ela acredita que
este aspecto seja fundamental para que a criança conceba sua canção como
sendo uma música. Esta autora também faz menção às estratégias mais utili-
zadas pelas crianças para finalizarem suas canções. rias delas foram men-
cionadas pelos doze jurados nessa investigação: repetição de palavras, movi-
mentos melódicos descendentes e cadências (DAVIES, 1992).
.
6.3.3
F
ORMA
A maneira como as crianças organizaram os eventos sonoros no tempo foi
mencionada unanimemente pelos jurados nos quarenta cantos espontâneos
estudados. Portanto, a “forma musical” se evidencia como uma categoria bas-
tante significativa, pois, de alguma maneira ela está intrinsecamente ligada às
demais categorias. A estruturação tmica, o caráter expressivo, a estruturação
melódica, o direcionamento, e os contrastes estão intimamente ligados à forma
musical, pois são determinantes na organização interna de uma obra. Varèse
(apud VIVIER, 1973, p.48) iluminou essa questão quando fez uma analogia
entre a forma musical e a forma dos cristais. Todas essas categorias podem
ser comparadas às “moléculas de um cristal” que “se agrupam de diversas ma-
neiras e estão constantemente a mudar de direção, de velocidade, impulsio-
nando ou repousando devido a forças diversas”. A forma é o produto, o resul-
tado dessa interação. Daí a sua relevância.
178
A fundamentação teórica aponta para a confirmação dos dados encontrados.
Segundo Sloboda (1985, p.203-5), os cantos espontâneos, a partir de dois a-
nos e meio, começam a mostrar uma certa organização interna, construída,
principalmente, através das repetições de alguns padrões rítmicos e melódicos
provavelmente provenientes de modelos da música própria da cultura da crian-
ça. Parece que, em torno desta idade, a criança, de alguma maneira, tem a
compreensão da importância da repetição na criação de uma música (SLOBO-
DA, 1985, p.204). É importante lembrar que não a sica, mas também o
tempo implicam em algum tipo de recorrência para ter sentido (MOURA, 2007).
Sem a recorrência de eventos, o tempo tenderia ao caos e sem a repetição de
eventos sonoros a música não teria sentido e também resultaria no caos. Com-
positores como Stravinsky (1977), Koellreutter (1984) e Webern (1984) afirmam
a importância das repetições para garantir a unidade de uma obra musical.
O procedimento da repetição foi citado pelos jurados em todos os quarenta
cantos (Gráfico 3). Conforme Dowling (1984, p.157), a criança, através da repe-
tição, vai aos poucos se tornando capaz de transcender os modelos musicais
que lhe são oferecidos, num processo análogo ao da aquisição da linguagem.
As seções dos cantos, à medida que a criança fica mais velha, vão adquirindo
uma hierarquia formal. Aos poucos, os cantos das crianças bem como suas
histórias passam a apresentar princípio (introdução, exposição), meio (desen-
volvimento) e fim (reexposição, coda) (GARDNER e WOLF apud SLOBODA,
1985, p.206). A estrutura de uma história, composta de um início declarativo,
seguido de um período de turbulência que conduz a uma resolução (DAVIES,
1992, p.24) é análoga à estrutura formal identificada nos cantos de número vin-
179
te e nove, trinta, trinta e nove e quarenta, produzidos por crianças de cinco e
seis anos. Foram criadas narrativas complexas, com princípio, meio e fim, ora
com texto, ora sem texto (Gráfico 3).
Forma
0
5
10
15
20
25
30
35
2 3 4 5 6
Idades
Ocorrências
Seções
Repetições
Quadratura
Gráfico 3 – Forma
Para Serafine (1988, apud DAVIES, 1992), as crianças recorrem a processos
cognitivos quando “organizam o tempo” em suas sicas. Nessa investigação,
os jurados constataram a presença de motivos que eram repetidos, variados,
transformados, agrupados em frases, muitas delas de dois ou quatro compas-
sos (quadratura). indícios, portanto, de que as crianças possuam um
senso de hierarquia citado por Davies (1992, p.46), e, conseqüentemente, bus-
quem uma estrutura formal para suas músicas, antes de terem o domínio com-
pleto de outras questões musicais como tonalidade, afinação e métrica. Mesmo
variando o material sonoro, elas tendem a manter algumas estruturas funda-
mentais ou “instâncias superiores”, segundo Davies (1992, p.46), como pa-
drões rítmico-melódicos e quadratura.
180
Os processos através dos quais a criança organiza e relaciona os eventos mu-
sicais no tempo se confirmam, pois, como algo fundamental para compreen-
dermos como uma criança “pensa a música” (Davies, 1992, p.19).
6.3.4
E
STRUTURAÇÃO MELÓDICA
Esta categoria foi a menos citada pelos jurados. Entretanto, ela forneceu dados
relevantes. Todas as crianças de dois anos, alguns com maior e outros com
menor ênfase, cantaram como se estivessem falando; apresentaram uma “fala
cantada”, como apontaram os jurados. A ocorrência desse procedimento caiu
abruptamente a partir dos três anos (Gráfico 4).
Estruturação Melódica
0
5
10
15
20
25
30
2 3 4 5 6
Idades
Ocorrências
Fala cantada
Afinação instável
Âmbito melódico médio/amplo
Procedimentos tonais
Gráfico 4 – Estruturação Melódica
Segundo Koellreutter (1986), o “falar cantado” é compatível com o nível “mági-
co de consciência”, quando o mundo sonoro da criança tende a um continuum.
181
Sua fala e seu canto se confundem, gerando a “indiferenciação entre o falado e
o cantado” (JURADO F2).
É importante lembrar que o canto e a fala começam a se diferenciar a ponto de
serem percebidos como tal em torno dos dezoito meses (SLOBODA, 1985,
p.202). Os cantos espontâneos iniciais têm características semelhantes às da
“fala telegráfica”. apenas o mínimo essencial para que se possa perceber
que a criança está cantando e não falando. (DOWLING, 1984; PARIZZI, 2005a,
2008a). Essa forma de manifestação da criança se diferencia da fala pela re-
produção de intervalos melódicos distintos, porém imprecisos; pelos direciona-
mentos rítmico-melódicos pouco enfáticos; pela utilização de vogais cantadas
com afinação instável e pela “tentativa” de manter um pulso regular no âmbito
de cada frase. Entretanto a irregularidade predomina e é essa irregularidade
que também está presente na fala. O ritmo da fala é nitidamente coincidente
com a respiração, e não é medido por pulsos regulares, da mesma maneira
que as “falas cantadas” das crianças de dois anos.
A afinação instável, identificada com maior ênfase aos dois anos, caracteriza
os cantos dessas crianças, que tendem a soar como “desafinados”, aos ouvi-
dos dos adultos (DOWLING, 1984, p.145). Segundo Koellreutter, esta afinação
não temperada
4
está relacionada ao fato de que a criança pequena ainda não
divide racionalmente o tempo (passado, presente e futuro) e o espaço. Assim,
ela não é capaz de separar os sons a ponto de obter uma afinação temperada
(apud PARIZZI, 1987, 2005 a, 2006).
4
Essa afinação foi criada durante o período barroco e estabeleceu um mesmo padrão de afinação para os
vários instrumentos da época. Com isso, tornou-se possível a formação de grupos instrumentais mais
numerosos que culminaram nas orquestras sinfônicas do classicismo e do romantismo.
182
A extensão do âmbito melódico também foi mencionada pelos jurados. O que
foi observado é que quanto mais velha é a criança, mais ela utiliza sonoridades
que transitam entre sons mais graves e sons mais agudos (Gráfico 4). Em ou-
tras palavras, à medida que a criança cresce, ela vai se tornando capaz de
modular sua voz com mais flexibilidade, percorrendo desde sons muito agudos
até sons muito graves. Esse fenômeno é plenamente justificável pela matura-
ção progressiva da cavidade oral da criança, que se torna cada vez mais am-
pla, ao longo de seu crescimento (WELCH, 2006). Por outro lado, a relação da
criança com as pessoas de seu meio e com obras musicais da sua cultura,
também impulsionam a utilização de um espectro mais amplo de sons, bem
como de outros procedimentos das músicas que a criança ouve, como os que
serão tratados no próximo parágrafo.
Um outro dado que chamou a nossa atenção foi o progressivo aumento da uti-
lização de procedimentos melódicos da música tonal, como escalas, arpejos e
progressões rítmico-melódicas ao longo da faixa etária estudada (Gráfico 4).
Essa prática pode sugerir que a criança esteja inserida em instituições de ensi-
no de música, como afirmou o Jurado C1, referindo-se aos cantos vinte e cinco
e vinte e seis.
O índice de incorporação de elementos melódicos da musica tonal identificado
cresceu até os cinco anos e apresentou um decréscimo aos seis anos. Esse
dado reforça o fato (já discutido no item Direcionamento) de que, aos seis a-
nos, um decréscimo na busca por um direcionamento a um centro tonal. A
justificativa é a mesma apresentada anteriormente. Crianças em torno dos
seis anos parecem gostar de transcender a regras da música de sua cultura
183
(DAVIES,1992; PARIZZI, 2005a, 2006) e, para isso, experimentam novas es-
tratégias em seus cantos espontâneos, denominados, por essa razão, “can-
ções transcendentes” (PARIZZI, 2005a, 2006).
6.3.5
C
ARÁTER
EXPRESSIVO
Os jurados não deixaram de mencionar o caráter expressivo dos cantos espon-
tâneos. As crianças criaram em suas sicas diferentes climas expressivos,
gerando sensações de alegria, hesitação, brincadeira, expectativa, surpresa,
improviso, tensão, dramaticidade, entre outros. As canções apresentaram algo
único e peculiar, algo capaz de manifestar a individualidade de cada criança. O
Gráfico 6 mostra, em apenas uma curva, a soma das ocorrências dos caracte-
res expressivos em cada uma das idades.
Caráter expressivo
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
2 3 4 5 6
Idades
Ocorrências
Caráter expressivo
Gráfico 5 – Caráter expressivo
184
Esta idéia é plenamente confirmada por Koellreutter (apud PARIZZI, 1986).
Este autor define o canto espontâneo como algo que surge de um “movimento
fundamental” ou de “um impulso vital”, através do qual a criança expressa suas
emoções, vivências e sensações. Minkowsky (1973) diz que o impulso vital é “o
transcorrer da vida em uma direção, é o motor da vida desde sua origem”. Esse
impulso ou élan vital, “talvez seja a força que une os órgãos aos órgãos, os
indivíduos aos indivíduos, às espécies, e que faz de toda a série dos seres vi-
vos uma única onda que corre através da matéria” (BERGSON apud SILVA,
2006). A força do élan vital “busca ultrapassar as diversidades e as formas em
direção ao porvir, o movimento de diferenciação do ser, o esforço do fazer”. O
canto espontâneo seria, pois, uma maneira através da qual a criança mostra ao
mundo que está plena de vida e que sua vida é singular. O canto espontâneo
corporifica a unicidade da criança. (PARIZZI, 2005a, 2006).
Por outro lado, Gardner (1997, p.240) acredita que crianças até os sete anos
demonstram ter plenas condições de se expressarem através de uma manifes-
tação artística. Seus cantos espontâneos expressaram suas emoções, vivên-
cias e sensações. Elas atuaram como participantes ativos no processo artístico.
Segundo o autor, este engajamento com o objeto estético, capaz de gerar na
pessoa pensamentos e sentimentos (GARDNER apud HARGREAVES, 1986,
p.50), envolve uma compreensão pessoal única, diferente de pessoa para pes-
soa (GARDNER, 1997, p.129).
Da mesma forma, Trevarthen (2004, p.21) acredita que a criança seja capaz de
perceber o fenômeno musical desde o seu nascimento e de se comportar dian-
te dele e que essa é uma característica exclusiva do ser humano. Essa musica-
185
lidade inicial que contribui para a construção das memórias e da identidade do
indivíduo foi definida por Malloch (apud SHIFRES, 2007) como “uma habilidade
inata e universal que se ativa ao nascimento, vital para a comunicação entre as
pessoas, e caracterizada pela capacidade de se combinar o ritmo com o gesto,
seja ele motor ou sonoro”.
Podemos, pois, inferir, fundamentados em todos os autores citados acima, que
a criança, ao criar suas músicas, está expressando sua própria identidade, por-
tanto, sua singularidade. Completamos, então, a poética citação de Pearce
(1982): “a criança imita o mundo como ele é, da forma como ele não é ... da
maneira única e singular como ela o sente.
6.3.6
C
ONTRASTES
Os contrastes mais mencionados pelos jurados foram os de timbre, altura, in-
tensidade e andamento. As alterações de timbre mereceram uma atenção es-
pecial dos membros do júri, pois foram identificadas praticamente em todas as
canções a partir dos três anos. As crianças foram capazes de criar vários tim-
bres com a voz, utilizando não apenas sons de altura definida, como também
palavras inventadas, fonemas, gritos, sussurros, vocalizes, risos, onomatopéias
e sons de respiração. Os contrastes de intensidade, altura e andamento muitas
vezes reforçavam os novos timbres criados pelas crianças, como nos cantos
treze, quinze vinte e dois.
Papousek (1996), Dowling (1984), Davies (1992), Swanwick e Tilmann (1988),
Shifres (2007) também confirmam estes dados. Os bebês, desde seu nasci-
186
mento, brincam com os sons vocais, incentivados pelos pais e cuidadores (PA-
POUSEK, 1996, p.38), os quais lhes fornecem modelos repletos de alterações
de timbre, de andamento, de intensidade, que são rapidamente absorvidos pela
criança (PAPOUSEK, M,1996, p.105). Todas essas possibilidades tendem a
permanecer no repertório vocal das crianças, permitindo que elas, durante seu
segundo ano de vida, sejam capazes de criar vocalizações distintas para falar e
para cantar (DOWLING,1984, p.154). Acreditamos que essa capacidade per-
maneça até em torno dos seis anos de idade, pois, segundo Davies (1992,
p.46), crianças nesta faixa etária parecem gostar de experimentar sons diferen-
tes em suas “canções transcendentes” criando, desta maneira, contrastes e
elementos-surpresa.
Chamou nossa atenção o fato de que os contrastes praticamente não foram
citados nos cantos das crianças de dois anos e estiveram cada vez mais pre-
sentes à medida que as crianças foram ficando mais velhas (Gráfico 5). Por
outro lado, foi aos dois anos que a fala cantada” mais se manifestou. Torna-se
oportuno citar novamente Koellreutter (apud PARIZZI, 1986), quando esse au-
tor afirma que o mundo sonoro da criança muito pequena tende a um conti-
nuum, sua fala e seu canto se confundem, gerando “indiferenciação entre o
falado e o cantado” (JURADO F2). É provável que o baixo índice de contrastes
contribua para que os cantos das crianças mais novas soem como “falas can-
tadas”.
187
Contrastes
0
5
10
15
20
25
30
2 3 4 5 6
Idade
Ocorrências
Contrastes
Gráfico 6 – Contrastes
Por outro lado, os cantos das crianças de cinco e seis anos apresentaram um
índice maior de contrastes. As canções transcendentes, como os cantos de
numero trinta e seis, o trinta e oito e o quarenta, mostraram contrastes que,
muitas vezes, surgiam como verdadeiras “surpresas”. É provável que as crian-
ças, ao ficarem um pouco mais velhas, intuitivamente percebam a importância
dos contrastes na estruturação de uma obra musical, como afirmaram Stra-
vinsky (1977) e Koellreutter (1984). Para esses artistas, o processo de criação
de uma obra musical “procede por semelhanças (repetições) e por contrastes”
(informações).
6.3.7
T
EXTO
Essa categoria foi delineada a partir de alguns padrões que se referiram à ma-
neira como as crianças utilizaram palavras e fonemas em suas canções. Não
foi possível detectar uma grande ênfase específica por faixa etária em alguns
188
quesitos, como a prosódia. O que se pode observar que é esse procedimento
foi apontado com maior frequência entre as crianças de três anos e de seis a-
nos.
É provável que isso aconteça pelo fato de a criança, a partir dos três anos, ter
adquirido a capacidade de reproduzir ou de imitar inteiramente canções de sua
cultura, devido ao desenvolvimento crescente da linguagem. O ritmo e o con-
torno melódico são apreendidos mais rapidamente a partir dos três anos (SLO-
BODA, 1985, p.205) e, com isso, é possível que o procedimento da prosódia
possa também ser mais rapidamente assimilado pela criança.
Uma inovação significativa que ocorre nessa idade e que pode contribuir para o
aumento da utilização da prosódia são as modalidades de canto espontâneo,
denominadas por Moog (1976) como canção “pot pourri” e “canção imaginati-
va”. A primeira é criada a partir de fragmentos de canções conhecidas, ou seja,
a criança cria sua música “colocando numa mesma canção partes de canções
conhecidas” elaborando sua própria versão dessas canções. Palavras, linhas
melódicas e células rítmicas são “misturadas, alternadas, separadas e unidas
novamente de uma nova maneira, constituindo-se assim uma idéia original”.
Através da outra modalidade que também aparece nessa mesma época, as
“canções imaginativas”, a criança conta suas próprias histórias (MOOG, 1976)
Qualquer palavra ou trecho de canções conhecidas pode ser incorporado às
canções imaginativas, desde que se encaixem na história. Moog relaciona as
“canções pot pourris” e as “canções imaginativas” à forma como as crianças
brincam neste período de suas vidas.
189
Conjunções aditivas como “e” e “aí” foram observadas em dois cantos de crian-
ças de dois anos, em um canto de uma criança de quatro e de outra de cinco
anos. Do ponto de vista do texto, o “e” e o “aícumprem “um papel agenciador
de novas situações enunciadas”, pois possibilita a introdução de uma nova i-
déia sem que a fluência da canção seja quebrada (JURADO C1). O tempo mu-
sical deve, pois, fluir. A música, definida por Hanslick como um conjunto de
“formas sonoras moventes”, é um meio eficaz para tornar o tempo audível, pois
permite que suas formas e sua continuidade sejam audíveis (HANSLICK, apud
LANGE, 1953). Talvez seja essa continuidade que as crianças busquem em
seus cantos espontâneos.
A questão que foi mais enfatizada pelos jurados em relação à categoria Texto
foi que as crianças utilizaram em seus cantos: letras, mistura de fonemas e tex-
to, apenas fonemas ou outros tipos de sons (sons guturais, estalos de língua,
sons onomatopaicos, entre outros). Os jurados apontaram a utilização de letras
em todos os cantos de crianças de dois anos. Essa utilização decaiu nos can-
tos das crianças de três anos e quatro anos e, a partir daí, parece ter se estabi-
lizado. a utilização de fonemas ou outros sons foi praticamente ausente aos
dois anos e foi aumentando progressivamente até se estabilizar aos cinco e
seis anos. É interessante observar que, aos quatro anos, o número de ocorrên-
cias de fonemas ou outros sons ficou em equilíbrio com o número de ocorrên-
cia das letras. As curvas do Gráfico 7 ilustram essa questão.
190
Texto
0
5
10
15
20
25
30
35
40
2 3 4 5 6
Idades
Ocorrências
Presença de texto
Fonemas
Gráfico 7 – Texto
É importante lembrar que, aos dois anos, período no qual a maior parte dos
cantos apresenta letra, predominam também as “falas cantadas”. É provável
que as crianças, recém chegadas ao mundo dos símbolos (GARDNER, 1997;
PIAGET, 1970), estejam “deslumbradas” pela possibilidade da linguagem. Essa
possibilidade inédita e avassaladora vai permitindo que a criança, ao longo de
seu terceiro ano de vida, passe a fazer tentativas, cada vez mais frequentes e
competentes, de imitar canções de sua cultura (MOOG,1976; GARDNER,
1981; SLOBODA, 1985; PARIZZI, 2005a, 2006, 2008a), incentivada de forma
intensa pelos pais e cuidadores (YOUNG, 2006, p.270). Possivelmente, o mo-
delo das canções aprendidas (que sempre apresentam letra) e a capacidade,
recém conquistada e cada vez mais desenvolvida, da linguagem exerçam uma
forte influência nos cantos espontâneas das crianças de dois anos, no sentido
que eles sejam quase sempre acompanhados de letra.
191
Uma vez conquistada a capacidade de falar, as crianças, aos três anos pare-
cem manifestar suas primeiras tentativas de usar procedimentos que substitu-
em a letra em alguns momentos de seus cantos, por meio da repetição de fo-
nemas, como “nã-nã-nã”, pela utilização de vocalizes, entre outros. Mas as
canções com letra ainda predominam aos três anos. Aos quatro, um equilí-
brio entre a utilização de letras nos cantos e a ocorrência de fonemas ou outros
tipos de som, mas a criança utiliza sonoridades inusitadas, como nos cantos
vinte e dois, vinte e três e vinte e quatro, nos quais apenas esse tipo de sonori-
dade apareceu.
Aos cinco e seis anos, percebe-se o predomínio dos sons inusitados, bem co-
mo a sua utilização simultânea desse tipo de som e de uma letra. A impressão
que muitos jurados tiveram é que quando a criança se sentia “livre” e não se
preocupava em criar uma letra para seus cantos, sua espontaneidade para cri-
ar era maior e seu canto fluía com mais facilidade.
Que coisa fascinante, a criança escolheu realizar sons guturais
e quem sabe, por isto, conseguiu elaborar uma estrutura musi-
cal tão coerente e expressiva. Parece-me que, como a criança
não precisou ‘pensar’ na letra, ela ficou mais livre para explo-
rar questões musicais. (JURADO B1)
Sobre isso, Davies (1992, p.25) afirma que é comum crianças entre cinco e
seis anos demonstrarem preocupar-se mais com o texto do que com a sica
em si. Nesse caso, a autora diz que essas crianças parecem pensar ”verbal-
mente e não musicalmente”, o que pode sugerir uma certa regressão a está-
gios anteriores. Essas sonoridades inusitadas, associadas aos novos timbres e
ritmos irregulares, e que provocam um maior índice de contrastes são utiliza-
das nas “canções transcendentes” (DAVIES, 1992; PARIZZI, 2005a, 2006,
2008a), próprias de crianças nessa faixa etária, citadas nesse trabalho. Nes-
192
se caso, além de transcenderem as regras da música de sua cultura, elas
transcendem também as regras de sua língua materna, numa maneira ingenu-
amente irreverente de mostrar ao mundo sua própria identidade.
6.3.8
I
NFLUÊNCIAS
S
ÓCIO
-C
ULTURAIS
E
SPECÍFICAS
Chamamos de influências sócio-culturais específicas alguns procedimentos
utilizados na prática vocal ocidental, como cantar com “lá-lá-lá, “nã-nã-nã”,
cantar utilizando vocalizes ou os nomes de notas musicais; criar letras que se
referem ao cotidiano das crianças, com melodias ou textos que evocam can-
ções conhecidas, próprias da cultura. Devido ao inter-relacionamento dos da-
dos, o Gráfico 8 apresenta apenas uma única curva para ilustrar o número de
ocorrências de todos os procedimentos relacionados a esses assuntos, identifi-
cados em cada uma das idades.
Influências sócio-culturais específicas
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
2 3 4 5 6
Idades
Ocorrências
Inflncias culturais
Gráfico 8 – Influências sócio-culturais específicas
193
Esses procedimentos foram justificados pela fundamentação teórica. Moog
(1976), Gardner (1981), Sloboda (1985), Davies (1992), Parizzi (2005a, 2008a)
afirmam que a criança, a partir de dois anos de idade, passa a fazer tentati-
vas em imitar canções que escuta em seu meio e, aos poucos, vai incorporan-
do características dessas canções a seu canto espontâneo. A partir dos três
anos, essa prática se intensifica, pois a criança adquire a capacidade de imitar
inteiramente canções conhecidas, sendo que o ritmo e o contorno melódico são
apreendidos mais rapidamente (SLOBODA, 1985, p.205). Davies (1992, p.46)
refere-se também às canções com “lá-lá-lá”, como sendo um procedimento
comum nesta faixa etária.
Entretanto, acreditamos que as influências sócio-culturais exercem uma grande
influência em todas as oito categorias apontadas pelos jurados. Nossos dados
e nossa fundamentação teórica apontam para a importância da influência só-
cio-cultural no desenvolvimento musical. Vygotsky considera as interações so-
ciais os fatores mais significativos para nutrir o desenvolvimento cognitivo
(STEINER et al apud FRANÇA e SILVA, 1998, p.107). Para esse autor, o ho-
mem não existe dissociado da sua cultura (BRANDE, 2006, p.48). O desenvol-
vimento, segundo Vygotsky, é favorecido pelas interações da criança com as
pessoas do seu ambiente e com aspectos sócio-culturais existentes nestas in-
terações (BRANDE, 2006, p.48).
Possivelmente, todas as categorias encontradas têm uma influência significati-
va da música que as crianças escutam em seu meio sócio-cultural. Através dos
processos de assimilação e acomodação, considerados por Piaget aspectos
194
indissociáveis de qualquer aquisição motora ou cognitiva (WADSWORTH, 1993,
p.4), e da relação da criança com seu grupo social e com sua cultura (VY-
GOTSKY, apud BRANDE, 2006), a criança passa ora a imitar as canções que
escuta, ora a criar novas canções, provavelmente influenciada pelas primeiras.
Esses processos funcionam contínua e simultaneamente, tornando possível
seu desenvolvimento cognitivo-musical.
Gardner (1973), Koellreutter (1984), Swanwick e Tillman (1988) e Hargreaves
(1996) são também unânimes em relação a esta questão. Para Gardner, a ca-
pacidade de operar com símbolos possibilita que a criança incorpore as regras
musicais vigentes em sua cultura. Hargreaves acredita que a música existe
quando inserida em um contexto social. Da mesma forma, o modelo de Swan-
wick e Tillman propõe que os estudos acerca do desenvolvimento musical con-
siderem o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, a motivação interna
da pessoa e as convenções culturais (HARGREAVES et al, 2002, p. 388). Para
Koellreutter (KOELLREUTTER, 1984, 1997, p.72), a música exerce influência
no comportamento do homem através da experiência estética, no âmbito de
seu contexto sócio-cultural.
Esses dados justificam plenamente a tendência atual da psicologia da música
em transcender o domínio de sua vertente cognitiva e integrar outras aborda-
gens de cunho sóciocultural às investigações acerca do desenvolvimento musi-
cal da criança.
195
6.4 Reflexões finais
Durante esses últimos anos, tive o privilégio de priorizar o “meu tempo” para
estudar e refletir sobre as relações entre a criança, a sica e o tempo. Posso
dizer que, cada vez mais, percebo que esse é um assunto complexo, porém
enigmático e fascinante.
Estudiosos afirmam que o bebê, ao nascer, está muito mais pronto para a-
prender sobre o mundo e sobre as coisas do que se costumava pensar. se
sabe, ainda com algum espanto, que crianças pequenas também inventam su-
as músicas, da mesma maneira que criam seus desenhos. “Música de criança”
não é mais apenas a música feita pelo adulto para a criança. Existe uma sono-
ridade expressiva que brota espontaneamente do bebê e se transforma em fala
e em canto, em algum momento, durante o segundo ano de vida. Essa trans-
formação, como tantas outras na infância, é movida pelo impulso vital, tão cita-
do por Bergson e Minkowski (1973), ao qual Winnicot se refere como “centelha
vital, ímpeto para a vida, algo que é inato na criança e que é impelido para fren-
te de um modo que não temos de compreender” (WINNICOTT, 2005). O impul-
so vital impulsiona o transcorrer da vida no tempo. E esse tempo veio se juntar
à criança e à musica, nesse trabalho.
A experiência da criança com o tempo é...desde sempre. Ao nascer, suas vo-
calizações estão vinculadas ao “tempo” de seu padrão respiratório. Aos pou-
cos, com a possibilidade fisiológica da emissão de vogais e, um pouco mais
tarde, das consoantes, a criança “desenha”, no tempo, garatujas vocais. Inici-
am-se os balbucios. São impulsos sonoros, às vezes entremeados pelo choro
196
ou por outros sons, capazes de revelar que o tempo, para o bebê, é o próprio
transcorrer, é um continuum, indivisível. Não existem alturas definidas, nem
padrões rítmicos delineados, pois isso representaria uma “divisão”, uma “que-
bra” do continuum sonoro. O tempo se confunde com a própria vida. É o tempo
vivido através das sensações de duração e expectativa, alimentado, a cada dia,
pela memória. A duração remete ao presente, ao instante. A expectativa possi-
bilita um esboço do que será o futuro e a memória evoca rostos, sensações e
sonoridades.
A maturação orgânica da criança e seu convívio com outras pessoas e com a
música de sua cultura promovem mudanças graduais e contínuas em suas
manifestações vocais, que, durante o seu segundo ano de vida, começam a
trilhar dois caminhos distintos: a fala e o canto. O tempo ainda é enfatizado pe-
lo presente, mas a memória, com a imersão progressiva da criança no mundo
dos símbolos, e com a linguagem em franca evolução, possibilita que a cri-
ança, a partir dos dezoito meses comece a tentar imitar canções de sua cultura
e a criar seus cantos espontâneos. O “tempo presente” em termos musicais
pode ser representado pela repetição sucessiva de sons com a mesma dura-
ção e com tendência à regularidade: “pulso mágico vital” (KOELLREUTTER,
1984). Uma única palavra ou partes de palavras podem ocorrer “espalhadas
em um fluxo de sílabas sem sentido” (DOWLING, 1984), ou no início de um
canto, o qual normalmente se desenvolve apenas com a repetição de uma úni-
ca sílaba desta palavra. Não conexões ou relações causais entre palavras
ou sílabas nos cantos espontâneos iniciais. O tempo ainda é apenas vivido,
não é cronológico, não hierarquias. Os sons são semelhantes entre si e a
197
música pode acabar a qualquer momento. As finalizações são arbitrárias. O
tempo apenas flui como a música.
Os resultados desse trabalho mostraram que, a partir do momento em que a
criança completa dois anos, mudanças significativas no seu canto espontâ-
neo, que se tornam cada vez mais evidentes, à medida que a criança vai cres-
cendo. O tempo, no terceiro ano de vida, ainda tende ao presente, ao tempo
vivido. As repetições persistem e as sucessões rítmicas ainda buscam uma
regularidade, mas há novidades contundentes. Já há um texto coerente, frases
completas vão se organizando rapidamente. Não são mais sílabas iguais que
se repetem. O tempo que parece reger os cantos aos dois anos é o tempo da
fala. Os jurados referiam-se ao “falar cantado”.
A tendência à regularidade dos impulsos rítmicos, própria dos cantos espontâ-
neos iniciais, é quebrada pela impossibilidade de se falar seguindo um pulso
regular. A criança parece tentar manter um pulso, mas isso não acontece com
frequência, predomina a irregularidade.
uma outra importante modificação. Os cantos, que antes dos dois anos ter-
minavam de maneira arbitrária, agora esboçam uma finalização. Os jurados
identificaram conclusões em seis dos oito cantos analisados. O tempo não é
mais tão fluente assim. Tudo que se inicia parece ter que chegar a um final,
mesmo que ainda incipiente. É um esboço de uma hierarquia que anteriormen-
te não existia. Embora haja uma evidente preponderância do “tempo vivido” na
faixa etária estudada, o senso de conclusão, mesmo pouco enfatizado aos dois
198
anos, talvez possa ser considerado o esboço inicial da percepção do tempo
cronológico.
Aos três anos, a irregularidade das sucessões sonoras passa a dar lugar a uma
progressiva regularidade temporal. A criança tem um domínio mais compe-
tente da linguagem e passa a introduzir em seus cantos outros sons, alguns
deles utilizados em procedimentos da musica ocidental (como cantar com “nã-
nã-nã, lá-lá-lá”) e os contrastes de timbre, praticamente insistentes aos dois
anos, começam a surgir.
O que se torna evidente, a partir dos três anos, o as conduções rítmico-
melódicas criadas para direcionar o fluxo ao encerramento do canto. Agora,
hierarquia temporais (passado, presente e futuro) começam a se insinuar com
mais clareza. Tudo que se inicia tem um período de evolução e deve chegar à
uma conclusão. Os contrastes de altura também começam a se insinuar como
conseqüência da maturação orgânica da criança. Essa “prontidão” fisiológica
abre possibilidades para que ela amplie a sua extensão vocal e possa percorrer
com a voz uma gama cada vez maior de alturas.
O tempo métrico musical se configura como algo plenamente possível no
quarto ano de vida. O pulso regular que ordena as sucessões sonoras passa a
manifestar a presença periódica de um pulso mais forte, que acontece mais
comumente a cada quatro pulsos. É o compasso quaternário se insinuando. É
o tempo musical medido sendo, progressivamente, assimilado pela criança.
Aos cinco anos, essa métrica já está plenamente estabelecida.
199
Em torno dessa idade e aos seis anos, raramente existe um canto que o a-
presente uma conclusão muito evidente. O ouvinte é conduzido a um final pre-
viamente anunciado e a criança dispõe de inúmeros recursos para por em pra-
tica esse procedimento, inclusive os que ela própria é capaz de criar. Os con-
trastes de andamento (accelerandos e ritardandos) presentes nessa faixa etá-
ria e, provavelmente, uma das grandes “novidades”, dão força a esse direcio-
namento. É o tempo se “flexibilizando” a bel prazer da criança. Esses contras-
tes, por evidenciarem as diferenças, tornam cada vez mais explícitos os mo-
mentos de regularidade e de irregularidade. A utilização cada vez mais fre-
quente desse artifício perceptivo revela a conquista gradual do tempo cronoló-
gico, pois provoca uma “separação”, uma divisão do tempo musical.
As letras continuam presentes nos cantos das crianças de cinco e seis anos,
embora, cada vez com maior frequência, a criança passe a utilizar fonemas,
muitas vezes criados por ela, e outros sons para substituir os textos. É interes-
sante comentar que, algumas vezes, esses sons guardam semelhança com
uma “língua inventada”. Com isso, os contrastes de timbre, de intensidade e,
agora, de andamento tornam-se cada vez mais evidentes. A criança tem o
domínio da métrica e de outras regras da música de sua cultura e de sua língua
materna, mas, de alguma maneira, sente a necessidade de transcendê-las, em
suas canções transcendentes.
A maneira como as crianças organizam os eventos sonoros no tempo, através
das repetições e das “novidades” (por meio de contrastes), vai se tornando
mais refinada. A criação de seções no discurso musical, como introduções, de-
senvolvimento e coda, “dividem” o tempo e prenunciam a percepção do tem-
200
po cronológico. A criança é capaz de iniciar um canto com uma “ideia”, introdu-
zir uma “idéia nova” e, depois, retomar a “ideia” inicial. É a sica “trazendo de
volta ao presente” algo que habitava o passado. É a evocação da memória
musical se manifestando, é o fenômeno musical se corporificando como “for-
mas moventes no tempo” ...a música se confunde com o próprio tempo.
Finalmente, é importante pensar que o fato de as crianças serem capazes
de criar contrastes, de concluírem suas música, de organizá-las em seções e
de utilizar o tempo métrico, não significa que elas compreendam o conceito
do tempo medido. Mas esse comportamento musical intuitivo aponta para
essa possibilidade que certamente acontecerá um pouco mais tarde, ao longo
de seu desenvolvimento.
CAPÍTULO 7
CONCLUSÕES
202
7 - CONCLUSÕES
Com base na hipótese de que crianças de dois a seis anos manifestam a sua
percepção de tempo em seus cantos espontâneos, este estudo se propôs a:
1) Fazer uma revisão de literatura sobre os seguintes assuntos:
Os conceitos de tempo ao longo da história.
As relações entre o tempo e a música.
O desenvolvimento cognitivo da criança de dois a seis anos.
As teorias do Desenvolvimento Musical de H. Gardner (1973), H.J.
Koellreutter (1984), K. Swanwick (1986) e D. Hargreaves (1996).
A evolução do canto espontâneo, do nascimento aos seis anos de idade.
2) Analisar musicalmente quarenta cantos espontâneos de crianças de dois a
seis anos.
3) Estabelecer categorias musicais a partir da analise anterior.
4) Verificar as relações dessas categorias com o desenvolvimento da
percepção do tempo de crianças de dois a seis anos.
Não perdendo de vista que as crianças, cujos cantos foram analisados,
estão inseridas na cultura ocidental contemporânea, a análise dos dados
obtidos nos permitiu chegar às seguintes conclusões, válidas para a
amostra estudada:
203
A música é instrumento metodológico importante para investigações acerca
do desenvolvimento da criança.
O canto espontâneo da criança confirmou ter um curso evolutivo previsível,
análogo ao desenvolvimento cognitivo. É, portanto, uma forma de cognição.
A partir dos dados obtidos e revisando os conceitos de tempo através da
história, o desenvolvimento cognitivo-musical de crianças de dois a seis
anos, as relações do tempo e da sica e as principais teorias do
desenvolvimento musical, é possível inferir que o canto espontâneo revela
não apenas como a criança pequena “pensa” a música, mas também como
ela percebe o tempo. O canto espontâneo configura-se, pois, como um
indicador da percepção de tempo da criança de dois a seis anos, uma vez
que as características temporais da música se manifestam nessa forma de
expressão da criança.
É provável que as relações hierárquicas da música tonal, capazes de
direcionar com maior ênfase o fluxo rítmico-melódico para um final,
comecem a se estabelecer em torno dos três anos de idade.
O canto espontâneo corporifica a singularidade da criança, pois em cada
canto algo que é único e peculiar, algo capaz de explicitar a
personalidade “inédita” de cada criança.
204
Embora haja uma evidente preponderância do “tempo vivido” na faixa etária
estudada, o senso de conclusão, mesmo menos evidente aos dois anos,
talvez seja o esboço inicial da percepção do tempo cronológico.
A utilização, cada vez mais frequente, de contrastes e do tempo métrico e a
criação de seções no discurso musical evidenciam a conquista gradual do
tempo cronológico.
O fato de as crianças serem capazes de criar contrastes, de concluírem
suas música, de organizá-las em seções e de utilizar o tempo métrico não
significa que elas compreendam o conceito do tempo medido. Mas esse
comportamento musical intuitivo aponta para essa possibilidade que
certamente acontece um pouco mais tarde, ao longo de seu
desenvolvimento.
O canto espontâneo revelou-se uma forma não verbal de se “interrogar” a
criança sobre o tempo e, por essa razão, ultrapassa as fronteiras do
fenômeno musical.
elementos para considerar o canto espontâneo um indicador do
desenvolvimento cognitivo em geral da criança e, por essa razão, é
provável que ele possa vir a ser usado como um recurso propedêutico no
acompanhamento do desenvolvimento infantil.
Houve cinco características que se manifestaram com muita evidência nos
cantos espontâneos e que sofreram grandes transformações ao longo da
205
faixa etária estudada: a regularidade, as conclusões, os contrastes, a
presença de letras e a presença de fonemas. Com o objetivo de utilizar o
canto espontâneo como recurso propedêutico no acompanhamento do
desenvolvimento infantil, proponho a elaboração de um protocolo,
considerando os cinco parâmetros: índice de regularidade, índice de
conclusão, índice de contrastes, presença de letra, presença de
fonemas. No primeiro parâmetro, o avaliador consideraria o índice de
regularidade presente no canto (pouca: tendência à irregularidade do pulso;
média: pulso regular, métrica pouco evidente; alta: pulso regular e métrica
evidente). No segundo parâmetro, seria avaliada a força da conclusão do
canto espontâneo (esboços de conclusão; conclusões com evidencia média
de direcionamento; conclusão com direcionamento muito evidente). No
terceiro parâmetro, seria avaliada a ênfase dos contrastes de timbre, altura,
intensidade e de andamento, utilizados nos cantos (pouca ênfase nos
contrastes, possivelmente de altura e intensidade; ênfase média nos
contrastes, possivelmente de altura, intensidade e timbre; grande ênfase
nos contrastes, possivelmente de altura, intensidade, timbre e andamento).
No quarto parâmetro, seria avaliada a frequência da presença de letras nos
cantos (apenas letra; letra e fonemas; ausência de letra, apenas fonemas).
No quinto parâmetro, seria observada a frequência da presença de fonemas
(apenas fonemas; fonemas e letra; ausência de fonemas, apenas letra).
Esse protocolo deverá que ser criado e refinado em pesquisas futuras, a
ponto de poder ser utilizado por qualquer profissional da área de saúde,
com ou sem conhecimento musical.
206
O canto espontâneo ultrapassa, pois, as fronteiras da musica:
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31-34.
ANEXOS
217
ANEXO I
CARTA CONVITE
Prezado(a) jurado(a),
O canto espontâneo, manifestação vocal típica da criança entre dois e seis anos de idade,
tem sido objeto de meu estudo há muitos anos. Em 2007, ingressei no programa de s-
graduação da Faculdade de Medicina da UFMG e estou desenvolvendo a pesquisa “O
DESENVOLVIMENTO DA PERCEPÇÃO DO TEMPO EM CRIANÇAS DE DOIS A SEIS ANOS
:
UM
ESTUDO A PARTIR DO CANTO ESPONTÂNEO
”,
cujo objetivo é investigar como a percepção
do tempo se materializa nesta forma de expressão da criança. O projeto dessa pesquisa
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (COEP).
Para a efetivação deste estudo, gostaria de contar com sua valiosa colaboração. Foi ela-
borado um CD contendo vinte cantos espontâneos, privilegiando quatro canções de cada
uma das faixas etárias estudadas (dois, três, quatro, cinco e seis anos). Os jurados deve-
rão fazer uma análise musical destes cantos de acordo com seus próprios critérios.
A partir dos dados obtidos, será feita uma análise qualitativa de conteúdo que conduzirá
aos padrões musicais presentes nos cantos investigados. Será, então, traçada uma ponte
entre a evolução do canto espontâneo e o desenvolvimento da percepção do tempo na
criança, fundamentada no referencial teórico estudado.
Comprometemos-nos, caso esta seja a sua vontade, a manter sua total privacidade. Nes-
te caso, seus dados pessoais serão mantidos em sigilo e não serão revelados em nenhu-
ma publicação resultante deste trabalho.
Sua participação nesta pesquisa é voluntária e não remunerada e poderá ser interrompi-
da a qualquer momento, caso seja esta a sua vontade.
Caso concorde com sua participação, favor preencher o termo de consentimento a se-
guir.
Maria Betânia Parizzi Fonseca
218
ANEXO II
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Concordo em participar da pesquisa “O
DESENVOLVIMENTO DA PERCEPÇÃO DO TEMPO
EM CRIANÇAS DE DOIS A SEIS ANOS
:
UM ESTUDO A PARTIR DO CANTO ESPONTÂNEO
. Estou
ciente dos objetivos e procedimentos utilizados nesta investigação e concordo com a
divulgação, com finalidades científicas, dos dados encontrados. Estou informado que os
pesquisadores responsáveis se comprometem a manter a minha identidade em total sigi-
lo, caso isso seja a minha vontade, e a respeitar os demais aspectos éticos, de acordo
com a Resolução 196 de 10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde.
Nome completo do Jurado: _______________________________________
Assinatura do Jurado: ___________________________________________
Prefiro manter minha identidade sob anonimato: ( ) sim
( ) não
Pesquisador responsável:
Maria Betânia Parizzi Fonseca
(31)3221-6772
Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG
Av. Antônio Carlos, 6627 - Unidade Administrativa II - 2º andar - Campus
Pampulha - Belo Horizonte, MG – Brasil - 31270-901
(31)3499-4592
219
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