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Universidade de Brasília
Programa de Pós-graduação em Biologia Animal.
Morfologia e comportamento reprodutivo de
Acanthoscurria atrox Vellard 1924 (Araneae:
Theraphosidae).
Aluna: Janaína Crisóstomo de Arruda Rodrigues.
Orientador: Prof. Dr. Paulo César Motta.
Brasília, 2009.
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Universidade de Brasília
Programa de Pós-graduação em Biologia Animal.
Morfologia e comportamento reprodutivo de Acanthoscurria atrox Vellard 1924 (Araneae:
Theraphosidae).
Janaína Crisóstomo de Arruda Rodrigues.
Orientador: Prof. Dr. Paulo César Motta.
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Biologia
Animal da Universidade de Brasília como
requisito para a obtenção do grau de
Mestre em Biologia Animal.
Brasília DF, 2009.
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4
A VIDA É 10% DO QUE VOCÊ FAZ E 90% DO QUE VOCÊ RECEBE.
AUTOR: DESCONHECIDO.
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SUMÁRIO
Índice de Figuras.....................................................................................................................................7
Índice de Tabelas.....................................................................................................................................8
Agradecimentos.......................................................................................................................................9
Resumo...................................................................................................................................................11
Abstract..................................................................................................................................................12
Introdução..............................................................................................................................................13
Justificativa............................................................................................................................................17
Objetivos gerais.....................................................................................................................................18
Objetivos específicos e hipóteses..........................................................................................................18
Material e métodos
Morfometria.................................................................................................................................20
Comportamento reprodutivo.......................................................................................................23
Reconhecimento dos sacos de ovos.............................................................................................24
Resultados
Morfometria.................................................................................................................................26
Comportamento de corte e cópula de Acanthoscurria atrox.......................................................29
Reconhecimento da seda da fêmea pelo macho de Acanthoscurria atrox
Arena virgem...................................................................................................................29
Arena com seda da fêmea de Acanthocurria atrox.........................................................29
Encontro do macho com a fêmea de Acanthoscurria atrox
Encontros sem cópula......................................................................................................30
Comportamento de cópula...............................................................................................32
6
Confecção dos sacos de ovos......................................................................................................34
Reconhecimento dos sacos de ovos
Só algodão...................................................................................................................................40
Algodão e sacos de ovos..............................................................................................................41
Dois ou mais sacos de ovos.........................................................................................................42
Discussão
Morfometria.................................................................................................................................44
Reconhecimento da seda da fêmea..............................................................................................45
Encontro do macho com a fêmea................................................................................................46
Confecção dos sacos de ovos......................................................................................................47
Reconhecimento dos sacos de ovos.............................................................................................50
Conclusões..............................................................................................................................................52
Bibliografia............................................................................................................................................53
7
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Fêmea (esquerda) e macho (direita) de Acanthoscurria atrox...............................................14
Figura 2. Espermateca da aranha Acanthoscurria atrox com as cinco medidas realizadas indicadas
para o estudo morfológico. Ilustração: Pedro Podestá.....................................................................21
Figura 3. Comprimento e largura mensurados do bulbo reprodutor direito da aranha Acanthoscurria
atrox. A: visão retrolateral; B: visão pro-lateral. Ilustração: Pedro Podestá....................................22
Figura 4. Macho 4589 (E) e mea 5088 (D) de Acanthoscurria atrox em processo de
cópula...............................................................................................................................................33
Figura 5. Sacos de ovos confeccionados pelas aranhas 4823 (I), 5077-1 (II), 5077-2 (III) e 5025 (IV).
Escala: 1 cm.................................................................................................................................... 35
Figura 6. Filhotes de Acanthoscurria atrox 4823..................................................................................36
Figura 7. Saco de ovos da aranha 5077-1 apresentando massa fúngica sob os ovos no canto inferior
direito. No canto superior esquerdo observam-se ninfas de aranhas vivas. Escala: 1 cm..............37
Figura 8. Aranha 5088 segurando seu saco de ovos..............................................................................39
Figura 9. Aranha 307 segurando um chumaço de algodão....................................................................40
Figura 10. Aranha 5077-2 segurando seu saco de ovos frente) e um chumaço de algodão
(embaixo)........................................................................................................................................ 41
Figura 11. Aranha 307 com sua ooteca (esquerda) e com a ooteca da aranha 4718 (direita)................42
8
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1. Valores estatísticos do teste “t” (apenas a Lcarapaça apresentou P>0,05), análise
discriminante (P<0.05), média e desvio padrão encontrados para as estruturas de fêmeas e machos
de Acanthoscurria atrox...................................................................................................................26
Tabela 2. Valores estatísticos encontrados no estudo dos órgãos relacionados à reprodução em machos
e fêmeas e o comprimento da carapaça, a qual foi utilizada como co-variável. O teste utilizado foi
“Correlação de Pearson”. P<0,05 para fêmeas e P=0,82 P=0,17 para comprimento e largura do
bulbo.................................................................................................................................................28
Tabela 3. Relação das fêmeas, incluindo o grupo de alimentação, e machos de A. atrox onde não
ocorreu cópula. Os comportamentos observados foram: 1 fêmea atacou o macho; 2 mea
andou na direção oposta; 3 comportamento de corte após o contato com a fêmea; 4 macho e
fêmea permaneceram imóveis; 5 fêmea canibalizou o macho; * comportamento presente sem
quantificação....................................................................................................................................31
Tabela 4. Relação entre machos e fêmeas que realizaram cópulas........................................................32
Tabela 5. Dados sobre a confecção dos sacos de ovos por Acanthoscurria atrox. ND, não
determinado......................................................................................................................................38
Tabela 6. Fêmeas e ootecas utilizadas no experimento de reconhecimento de sacos de ovos...............43
Tabela 7. Relação de espécies de aranhas e o número de ovos produzidos, com suas respectivas
referências........................................................................................................................................48
9
AGRADECIMENTOS
À Deus por me proporcionar o dom da vida.
À minha família... nem sei por onde começar! Minha mãe Maria, meu pai Wilson, minha irmã
Juliana (Ju) e meu irmão Jônatan (Jow). Esse projeto começou em casa enquanto morávamos todos
juntos, eu sempre levando quase todas as caranguejeiras que eu encontrava para casa. O meu mestrado
começou longe de vocês, com lágrimas de alegria nos olhos do meu pai e da minha mãe e muito apoio
dos meus irmãos. Agradeço por todo apoio e carinho! Amo vocês!
À toda a minha família que está em Campo Grande-MS e Valinhos-SP.
À minha grande amiga Joanna de Paoli pela amizade, carinho, apoio, conversas e risadas
durante anos de convivência. Você torna a minha vida mais doce e alegre todos os dias. Te amo!
Ao meu moreno, Pierre de Paula, ao qual não tenho palavras para expressar a grande alegria
que sinto por estar ao meu lado. Você me proporciona momentos de muito carinho e risadas que eu
adoro, além de um jeito todo especial de cuidar de mim!
À Rosi pela amizade e por me ouvir horas e horas sobre aranhas. Adoro você.
Ao Tri, por ter me agüentado durante minha graduação e todo esse tempo que estive no
laboratório aprendendo um pouco mais sobre o mundo das aranhas! Agradeço por ter sido meu
professor e amigo. Agradeço por ter me ensinado tanto. Agradeço por me aceitar como eu sou!
Ao pessoal do Laboratório de Aracnídeos, especialmente Alessandra, Aline, Wellington, Preto,
Gera, Ivan, Rommel e Rodrigo.
Ao professor Guarino Coli e seus alunos do Laboratório de Herpetologia pelo incentivo ao
projeto e uso dos baldes localizados no IBGE e no Jardim Botânico. Ao grande amigo Roger
(Rogelino Boy) por ter me ajudado com a coleta das aranhas nos baldes e por ter me dado força
durante toda a execução desse projeto.
10
Ao Rafael Maia por me ajudar com as análises estatísticas.
À Adriana (Blue), André (Kid), Rafael Melani e demais pessoas do Laboratório de
Toxinologia, Joanna de Paoli e toda a sua família por me auxiliarem na coleta dos espécimes.
À todas as pessoas que levaram caranguejeiras ao Laboratório de Aracnídeos.
À todas as pessoas que, direta ou indiretamente, auxiliaram na execução deste projeto.
Às minhas queridas caranguejeiras por terem andado pelas linhas de baldes e todos os lugares
por onde puderam ser coletadas, e por copularem no laboratório. Tenho certeza que “coloquei”
algumas arainhas no mundo por todas vocês.
À Universidade de Brasília pelo apoio logístico.
11
RESUMO
A biologia reprodutiva e a biometria de aranhas caranguejeiras ainda é pouco explorada nos
estudos aracnológicos brasileiros. A aranha Acanthoscurria atrox é uma aranha migalomorfa
encontrada em quase todo o Brasil central, sendo relativamente abundante e de fácil identificação. As
fêmeas apresentam maiores comprimentos de carapaças que os machos, assim como pedipalpos
maiores. os machos apresentam maiores comprimentos de pernas, o que facilita na procura de
fêmeas e no escape de movimentos agressivos da mesma. O comportamento reprodutivo dessa espécie
segue um mesmo padrão conhecido para outras caranguejeiras. Os machos são passíveis de
estímulos comportamentais somente pelo contato com a teia da fêmea e, quando os dois se encontram,
o macho apresenta vibrações corporais e tamborilamento palpal. A fêmea também apresenta vibração
corporal, batendo suas pernas dianteiras contra o substrato. O tempo compreendido entre a cópula e a
postura da ooteca varia entre 164 e 205 dias, sendo o tempo compreendido entre a postura e a saída dos
filhotes variável entre 94 a 105 dias. O número de ovos ou filhotes é variável e não é possível saber se
essa variação acontece devido aos recursos alimentares ou o tamanho da fêmea. As fêmeas de A. atrox
não são capazes de reconhecer seus sacos de ovos e nem de distingui-los de chumaços de algodão.
12
ABSTRACT
The reproductive biology and biometry of tarantula spiders are still little explored in Brazilians
arachnological studies. Acanthoscurria atrox is a mygalomorph spider found in almost all of Central
Brazil and is relatively abundant and easily identified. Females have longer carapace and pedipalp than
males. But the males have longer leg, which facilitates the search for females and the escape from
females aggressive movements. The reproductive behavior of this species follows the same pattern
already known for other tarantulas. Males exhibit behavioral moviments only after contact with the
female's web, and when they meet males present body vibrations and palpal boxing. The female also
exhibits body vibration, drumming their front legs against the substrate. The period between mating
and the laying of ooteca ranged between 164 and 203 days. The period between the laying of eggsacs
and spiderlings emergence ranged from 94 to 105 days. The number of eggs or spiderlings is variable
and it is unknown whether this variation is due to food resources or the size of the female. Females of
A. atrox are unable to recognize their eggsacs and they do not distinguish them from wads of cotton.
13
INTRODUÇÃO
A família Theraphosidae compreende 112 gêneros e 906 espécies de aranhas (Platnick 2009),
distribuídas por toda região tropical e muitas áreas subtropicais em todos os continentes, e inclui
muitas das maiores espécies de aranhas do mundo (Costa & Pérez-Miles 2002). A subfamília
Theraphosinae é um grupo do Novo Mundo de grande diversidade na região sul da América do Norte,
América Central e América do Sul (Pérez-Miles et al. 1997). Acredita-se que no Brasil existam,
aproximadamente, 170 espécies de Theraphosidae, sendo que cerca de 30 são encontradas no Cerrado
brasileiro (Motta & Bertani no prelo). Dentre várias espécies pode-se citar a Acanthoscurria atrox
Vellard 1924 (Fig. 1), aranha grande, preta, de fácil identificação e abundante em várias
fitofisionomias do cerrado de Brasília e entorno, sobretudo dentro de cupinzeiros construídos por
Armitermes euamignathus (Lourenço 1974). As aranhas pertencentes a esse gênero possuem cerdas
estridulatórias na face retrolateral do trocânter do pedipalpo. Os machos possuem bulbos com suas
duas quilhas pró-laterais bem desenvolvidas e enroladas (Bertani 2001). As fêmeas dessa espécie
possuem espermateca característica com os lobos bastante esclerotizada, conforme observação de
laboratório. Os machos errantes de A. atrox maturam sexualmente entre janeiro e abril (Motta &
Bertani, no prelo), sendo que eles podem sobreviver até dezembro do mesmo ano em que foram
capturados.
O dimorfismo sexual é comum em animais, e evidências sugerem que isso reflete a adaptação
de machos e fêmeas aos seus diferentes papéis reprodutivos (Fairbairn 1997). O grupo das aranhas
(Araneae) é um grupo particular de vida livre terrestre onde o dimorfismo sexual de tamanho é
acentuado (Foellmer & Fairbairn 2005). Sendo as fêmeas geralmente maiores que os machos, e nas
aranhas de teia orbicular uma fêmea pode ser até 100 vezes maior que o macho (Foellmer & Fairbairn
2005).
14
Em aranhas, fêmeas maiores possuem mais espaço no abdômen para armazenar óvulos e são
mais eficazes na obtenção, defesa, estocagem e alocação de recursos alimentares (Brown et al. 2003).
Com relação à Ctenidae, fêmeas de Phoneutria reidyi e P. fera possuem cefalotórax maiores do que os
machos, enquanto que os machos de Ctenus amphora, C. crulsi, C. manauarae e C. minor apresentam
maiores comprimentos do cefalotórax do que as fêmeas, o que é considerado raro em aranhas. Os
machos de Ctenidae apresentam maiores comprimentos de pernas, sendo que a seleção para alta
mobilidade pode ser a razão para machos com pernas mais longas (Gasnier et al. 2002). Em
migalomorfas, machos podem ser do tamanho das fêmeas ou um pouco menores, entretanto
apresentam pernas mais longas do que das fêmeas (Main 1990).
Figura 1. Fêmea (esquerda) e macho (direita) de Acanthoscurria atrox.
A corte em aranhas pode ser definida, segundo Foelix (1996), como comportamentos
ritualizados que são preparatórios para o acasalamento, sendo este um meio que os machos de aranhas
possuem para evitar que se tornem presas. O autor ainda define os níveis de comportamento de corte.
O “nível 1” apresenta somente uma corte simples”. Depois de um contato corporal direto, o macho e
a fêmea se tocam rapidamente com as pernas frontais e os palpos antes da cópula, que consiste no
15
macho puxar o abdômen da fêmea para perto e inserir o órgão palpal na abertura genital feminina. A
corte no “nível 2 é um pouco mais complexa, e alguns feromônios podem estar envolvidos. Os
machos podem utilizar vários sinais vibratórios para despertar a atenção das fêmeas, como puxar ou
tamborilar nas teias femininas, as quais são reconhecidas através de quimioreceptores e, inclusive,
através da olfação. Cada espécie possui seu próprio código, e os sinais masculinos geralmente são
respondidos pelas fêmeas através de vibrações específicas. Na corte do “nível 3” os sinais visuais são
muito importantes para a corte, mas os estímulos táteis e químicos também estão envolvidos. Acredita-
se que este tipo de corte tenha evoluído a partir dos níveis anteriores descritos.
De acordo com Foelix (1996) as caranguejeiras podem ser colocadas no “nível 1” da corte
descrita acima, ou seja, o macho se aproxima da fêmea pela frente, a fêmea ergue seu prossoma e o
macho insere um ou ambos os bulbos na abertura genital feminina. Estudos sobre o comportamento
sexual de aranhas migalomorfas, em geral, e de terafosídeos, em particular, mostram uma grande
variedade no uso de sinais químicos, vibratórios e táteis na comunicação sexual (Pérez-Miles et al.
2007). Os sinais vibratórios podem ser de três tipos (Elias et. al. 2003, e referências nele citadas).
Percussão ou tamborilamento é produzido por batidas de partes do corpo contra o substrato e foi
descrito para uma variedade de aranhas. Estridulação ocorre pela fricção de duas estruturas rígidas do
corpo uma contra a outra e parece ocorrer comumente em aranhas. Tremulação ocorre pela oscilação
de partes do corpo no substrato, sem uma freqüência definida, usualmente por pêlos adesivos nas
pontas de uma ou mais pernas.
Muitos machos de aranhas caranguejeiras apresentam comportamento de corte composto de
sinais vibratórios, como percussão e estridulação assim que entram em contato com teias das fêmeas.
Geralmente a corte inclui: vibração corporal causada pelos movimentos das pernas III, percussão dos
palpos, ou tamborilamento palpal, e toque nas fêmeas com as pernas anteriores estendidas (Costa &
Pérez-Miles 2002). Esses comportamentos são observados em machos de Brachypelma klaasi , sendo
16
que na cópula eles tamborilam o seu pedipalpo no esterno da fêmea (Yánez et al. 1999). Os machos de
Pachistopelma rufonigrum (Aviculariinae) apresenta tamborilamento palpal no substrato e no
abdômen feminino (Dias & Brescovit 2003). Na corte das aranhas Eupalaestrus weijenberghi e
Acanthoscurria suina, os machos apresentam vibração corporal e tamborilamento dos palpos depois do
contato com a teia feminina coespecífica e as fêmeas receptivas respondem batendo as pernas no
substrato (percussão) (Quirici & Costa 2005). Algum tempo após a cópula as fêmeas produzem uma
ooteca, uma estrutura feita de seda que contém os ovos. O número de ovos que as caranguejeiras
colocam por ooteca ainda é pouco conhecido para a maioria das espécies, mas sabe-se que tende a
aumentar de acordo com o aumento do comprimento da carapaça das fêmeas, e com a largura e peso
das ootecas (Paz 1993).
Além da construção de uma ooteca, as aranhas podem apresentar uma variedade de cuidados
parentais (Kim & Roland 2000). A eclosão dos ovos pode revelar filhotes com desenvolvimento
incompleto e com pouca mobilidade e incapacidade de capturar presas. Desse modo alguns recém-
eclodidos devem permanecer no saco durante certo período de tempo (Ibarra 1985) sob proteção da
mãe. A mãe pode oferecer alimentos aos jovens como fluidos ou estruturas derivadas do ovário, o que
é bastante raro em aranhas, além do regurgito, hemolinfa, oferecimento do próprio corpo (matrifagia),
ovos não fecundados depois de uma série de interações entre mãe e filhotes envolvendo
comportamentos específicos (Kim & Roland 2000), ou presas capturadas e banhadas com suco
digestivo (Trabalon et al. 1998). Desta forma, acredita-se que aranhas com presença de cuidados
parentais devem possuir um sistema de reconhecimento para evitar a exploração de recursos por
filhotes que não são os seus como, por exemplo, a aranha-marrom Loxosceles gaucho, em que as
fêmeas discriminam os seus sacos de ovos de outros da mesma espécie (Japyassú et al. 2003).
17
JUSTIFICATIVA
Apesar de serem aranhas abundantes no Cerrado brasileiro, a espécie de aranha caranguejeira
Acanthoscurria atrox é pouco conhecida quanto aos seus aspectos biológicos, tanto comportamentais
quanto ecológicos. O estudo da biometria e comportamento reprodutivo para essa espécie será
importante para posteriores estudos de conservação, filogenéticos e comparativos. Estas aranhas
podem ser alvos de biopirataria devido ao seu grande porte, fácil manuseio e manutenção, além de
serem encontradas em um bioma que vem sendo degradado ao longo de vários anos. E, finalmente, a
peçonha desta aranha tem sido caracterizada quanto aos seus aspectos bioquímicos, sendo, portanto,
uma aranha que poderá apresentar interesse médico para desenvolvimento de novos fármacos.
18
OBJETIVOS GERAIS
1. Caracterizar a morfologia geral e o dimorfismo sexual em relação ao tamanho em A. atrox;
2. Caracterizar a biologia reprodutiva e comportamental de A. atrox.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS E HIPÓTESES
Objetivo 1: Quantificar as diferenças morfológicas entre machos e fêmeas de Acanthoscurria
atrox através da biometria da carapaça, pernas, pedipalpos e órgãos sexuais.
Hipótese: O padrão de dimorfismo sexual da espécie é semelhante ao de outras aranhas da
subfamília e espera-se, portanto, que:
a) Machos apresentem carapaça menor que a carapaça de fêmeas e;
b) Machos possuam pernas e pedipalpos com maiores comprimentos.
Objetivo 2: descrever e quantificar o comportamento reprodutivo dos machos de A. atrox
quando colocados em contato com:
a) Terrários com substrato virgem;
b) Teias dos terrários ocupados anteriormente por fêmeas de sua espécie;
c) Teias dos terrários na presença da fêmea.
Hipótese: fêmeas induzem comportamento sexual em machos através das teias deixadas no
substrato. Desta forma prevê-se que machos apresentem display sexual ao entrarem em contato com
teias de fêmeas da mesma espécie, semelhante ao comportamento que apresentem na presença das
próprias fêmeas.
19
Objetivo 3: avaliar como a disponibilidade de recursos alimentares afeta:
a) O comportamento agonístico da fêmea em relação ao macho;
b) O tempo compreendido entre os eventos de cópula e postura da ooteca;
c) O número de filhotes que saem da ooteca.
Hipótese: a disponibilidade de recursos alimentares das fêmeas tem influência sobre seus
comportamentos sexuais e reprodutivos. As expectativas são de que fêmeas com maior acesso a
recursos alimentares:
a) Não apresentem comportamento agonístico direcionado ao macho durante a corte e após a
cópula;
b) Tenham um menor período de tempo entre os eventos de cópula e postura do saco de ovos;
c) Tenham maior sucesso reprodutivo (maior número de filhotes).
Objetivo 4: observar se existe o reconhecimento do próprio saco de ovos pelas fêmeas.
Hipótese: existe uma associação entre a existência de cuidado maternal e capacidade de
reconhecimento dos próprios ovos. Portanto, caso comprove-se a ocorrência de investimento em
cuidados com a prole, existirá também a capacidade de identificação das próprias ootecas.
20
MATERIAL E MÉTODOS
MORFOMETRIA
Para o estudo morfométrico foram utilizadas aranhas A. atrox tombadas na coleção de
Aracnídeos da Universidade de Brasília (DZUB), sendo 60 machos e 38 fêmeas em álcool 80%. Foram
medidas as seguintes estruturas: largura (na altura da fóvea), que chamaremos ao longo do texto de
“LCarapaça”, e comprimento da carapaça, que chamaremos ao longo do texto de “CCarapaça”,
comprimento total das pernas e pedipalpos esquerdos (face ventral incluindo a coxa), cinco medidas
das espermatecas (Fig. 2) e comprimento e largura do bulbo (Fig. 3). Para a retirada das espermatecas
foi seccionado cerca de 1 cm² da região abdominal, o qual foi colocado em uma placa de “Petri” com
isopor e álcool 80%. Com o auxílio da lupa, pinças e agulhas, todo o material visceral e gorduroso ao
redor da espermateca foi retirado e, em seguida, a espermateca foi fixada e medida. Os bulbos dos
machos foram retirados, colocados em álcool 80% e medidos. As medidas foram feitas com um
paquímetro digital calibrado em milímetros, cada estrutura foi medida três vezes e a média foi
calculada.
A normalidade foi testada segundo Shapiro-Wilk. Foi utilizada uma análise multivariada
(MANOVA) e identificou-se as probabilidades referentes às variáveis dependentes (comprimento e
largura da carapaça, pernas e pedipalpo) em relação ao sexo (variável independente) dos indivíduos.
Após a verificação das diferenças com a MANOVA, utilizou-se a análise de discriminantes para
estabelecer quais os coeficientes que mais explicam as diferenças entre os sexos. Correlações de
“Pearson” foram realizadas entre o comprimento da carapaça das aranhas e seus respectivos órgãos
sexuais com a finalidade de se verificar se o tamanho das aranhas está relacionado com o tamanho dos
órgãos sexuais. A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa R! (http://cran.r-project.org)
21
versão 2.7 para Windows, utilizando-se um nível de significância de 5% para se rejeitar hipóteses
nulas.
Figura 2. Espermateca da aranha Acanthoscurria atrox com as cinco medidas realizadas indicadas para
o estudo morfológico. Ilustração: Pedro Podestá.
22
Figura 3. Comprimento e largura mensurados do bulbo reprodutor direito da aranha Acanthoscurria
atrox. A: visão retrolateral; B: visão pro-lateral. Ilustração: Pedro Podestá.
23
COMPORTAMENTO REPRODUTIVO
Devido à disponibilidade de animais o comportamento reprodutivo foi estudado com
Acanthoscurria atrox. Os animais tombados utilizados no estudo biométrico e comportamental foram
coletados em Brasília e imediações. Algumas fêmeas utilizadas no estudo estão no laboratório mais
de cinco anos, e os machos foram coletados no início de cada ano. As aranhas são mantidas em
recipientes plásticos com dimensões de 33 cm de comprimento, 21 cm de largura e 12 cm de altura e
tampas perfuradas para passagem de ar. Essas caixas possuem substrato de terra e são umedecidas
semanalmente. A alimentação das fêmeas vem sendo controlada desde janeiro de 2005, as quais
recebem neonato de camundongo (Mus musculus) de acordo com o grupo alimentar. Para o grupo 1 é
oferecido alimento a cada sete dias, para o grupo 2 a cada 30 dias, para o grupo 3 a cada 60 dias e para
o grupo 4 a cada 120 dias. Para este trabalho será considerado que fêmeas do grupo 1 são aquelas que
possuem maior quantidade de recursos alimentares, e que aquelas do grupo 4 são aquelas que possuem
menor acesso aos recursos alimentares. Os machos são alimentados uma vez por mês com um neonato.
Alguns machos foram utilizados mais de uma vez devido ao pequeno mero de espécimens
coletados no período reprodutivo. O substrato do terrário de todas as fêmeas utilizadas foi trocado a
cada experimento. Em todos os casos houve uma espera de pelo menos uma semana de aclimatação da
fêmea ao novo terrário, tempo suficiente para deposição de seda.
Para verificação do reconhecimento da teia das fêmeas pelos machos, esses foram colocados
em três situações diferentes:
a) Terrário com substrato virgem, isto é, que não foi utilizado por outra aranha (controle);
b) Terrários vazios mas ocupados anteriormente por fêmeas por mais de uma semana;
c) Terrários ocupados por fêmeas de sua espécie.
24
Os comportamentos dos machos, colocados nas situações acima, foram observados e
quantificados durante 30 minutos. Os comportamentos apresentados foram filmados com câmera
digital “Cyber-shot” da Sony e com uma câmera de filmagem semi-profissional Panasonic VJ66. Na
situação “c”, caso tenha ocorrido a cópula, esta foi filmada até o momento da separação das duas
aranhas, os comportamentos apresentados foram registrados e quantificados e o tempo decorrente foi
anotado. Possíveis comportamentos agonísticos por parte da fêmea também foram observados,
evitando-se a consumação destes.
RECONHECIMENTO DOS SACOS DE OVOS
Foi observado o tempo decorrido entre a cópula e a postura dos sacos de ovos em A. atrox.
Após duas semanas da oviposição, a ooteca foi retirada da fêmea para pesagem em uma balança
analítica “Tecnal 210A”, de precisão 0,1 mg. As medições foram feitas com um paquímetro digital
com precisão 0,01 mm. Em todo o processo foram utilizados materiais esterilizados e luvas de
borracha. Para o estudo do reconhecimento dos sacos de ovos pelas fêmeas foram utilizadas somente
aquelas aranhas que confeccionarem ootecas. O experimento foi realizado da seguinte forma:
a) As aranhas receberam um chumaço de algodão estéril com tamanho similar ou maior que a
ooteca confeccionada.
b) As aranhas receberam sua ootecas e um chumaço de algodão estéril.
c) As aranhas receberam sua ooteca e mais uma de outra fêmea ou duas confeccionadas por
outras fêmeas.
As ootecas e os algodões foram colocados distantes entre si cinco centímetros e a 10 cm da
fêmea e, independente do resultado, ao final do experimento, as fêmeas permaneceram somente com o
seu próprio saco de ovos.
25
Para a contagem dos filhotes foi utilizada uma pinça entomológica e uma pequena caixa de
plástico, em cuja borda foi aplicado óleo de oliva para evitar o escape dos filhotes. Os filhotes foram
retirados do terrário da mãe e contados.
26
RESULTADOS
MORFOMETRIA
A MANOVA estabeleceu um valor de Wilk’s Lambda= 0,112, P <0,0001 e GL 1,94. A Tabela
1 mostra os valores estatísticos encontrados na Análise de Discriminante realizada após a MANOVA.
O alto valor do coeficiente indica que a variável é importante na discriminação dos sexos, sendo que o
sinal negativo indica que a fêmea possui o maior coeficiente, enquanto que o sinal positivo significa
que o macho possui o maior coeficiente. A equação gerada pela análise discriminante foi capaz de
classificar os indivíduos corretamente por sexo com margem de acerto de 97,41%.
Tabela 1. Valores estatísticos do teste t (apenas a Lcarapaça apresentou P>0,05), análise
discriminante (P<0,05), média e desvio padrão encontrados para as estruturas de fêmeas e
machos de Acanthoscurria atrox.
Estruturas
Coeficiente
Machos
(N = 60)
Fêmeas
(N = 38)
Média
Desv.Pad.
Média
Desv.Pad.
Ccarapaça
0,7120
23,21
±
0,91
25,13
±
2,93
Lcarapaça
+0,1766
20,73
±
1,05
21,11
±
2,51
Pedipalpo
0,3098
45,05
±
2,57
50,52
±
5,99
Perna I
+0,2714
82,08
±
3,15
74,02
±
7,6
Perna II
+0,0352
74,33
±
3,14
66,77
±
7,08
Perna III
+0,0202
71,91
±
2,44
64,40
±
6,96
Perna IV
+0,0682
83,93
±
3,09
74,73
±
7,08
Como se observa na Tabela 1, a estrutura que mais diferencia machos de fêmeas é o
comprimento da carapaça, sendo que as fêmeas possuem maiores comprimentos que machos. O
27
pedipalpo das fêmeas também é maior do que o pedipalpo dos machos. As pernas dos machos são
maiores que as pernas das fêmeas, sendo a perna I a que responde pela maior diferença entre os sexos.
Na Tabela 2 estão os valores encontrados para a média e desvio padrão para os órgãos sexuais
das aranhas estudadas, além dos valores encontrados na Correlação de Pearson. Os resultados
encontrados para fêmeas foram significativos, enquanto que os resultados encontrados para machos
não foram significativos. De acordo com a Tabela 2, a medida “M2” e “M4” é aquelas que mais
crescem de acordo com o crescimento do comprimento da carapaça. o bulbo não apresenta
crescimento relacionado com o comprimento da carapaça, ou seja, independente do tamanho do
macho, todos tendem a possuir tamanhos similares de bulbos. No caso das fêmeas, quanto maior o
comprimento da carapaça, maior é o tamanho da espermateca.
28
Tabela 2. Valores estatísticos encontrados no estudo dos órgãos relacionados à reprodução em machos
e fêmeas e o comprimento da carapaça, a qual foi utilizada como co-variável. O teste
utilizado foi “Correlação de Pearson”. P<0,05 para fêmeas e P=0,82 P=0,17 para
comprimento e largura do bulbo.
Estruturas
R
Média
Desv.Pad.
Fêmeas (n= 38)
M1
0,625
4,75
±
1,22
M2
0,705
3,37
±
0,81
M3
0,619
2,49
±
0,74
M4
0,683
3,00
±
0,94
M5
0,539
1,43
±
0,48
Machos (n= 60)
Cbulbo
0,029
7,97
±
0,37
Lbulbo
0,179
3,46
±
0,19
29
RECONHECIMENTO DA SEDA DA FÊMEA PELO MACHO DE ACANTHOSCURRIA ATROX.
ARENA VIRGEM
O tempo de observação dos machos de A. atrox (n= 5) em substrato virgem soma 150 minutos.
Neste período nenhum deles apresentou drumming palpal. Apenas dois machos (4513 e 4627)
apresentaram 4 e 9 vibrações corporais, respectivamente, com média de vibração corporal de 2,6 por
30 minutos. Os outros machos exploraram o ambiente andando e, em um caso, houve uma parada para
limpeza dos pedipalpos.
ARENA COM SEDA DA FÊMEA DE ACANTHOSCURRIA ATROX
Nos terrários previamente ocupados pelas fêmeas sempre foram observadas a presença de teia
deixada pela ocupante. Quando os machos de A. atrox foram colocados em contato com essas teias, em
terrários não ocupados por fêmeas naquele momento, foram percebidos comportamentos
característicos da corte de machos de caranguejeiras. Esses comportamentos incluiram “drumming” ou
percussão palpal, onde os machos “batiam” seguidamente os pedipalpos contra o substrato; vibrações
corporais devido a contrações das pernas III; e movimentos de sobe-e-desce corporal em alguns
poucos casos. Depois da execução desses movimentos, os machos ficavam parados, andavam e
realizavam novamente os movimentos descritos. Os machos (n= 6) foram observados durante 180
minutos. A média de batidas dos pedipalpos foi de 28,3 vezes por 30 minutos, enquanto que a média
de vibrações corporais foi de 99 por 30 minutos. O macho 4513 foi o que mais apresentou vibrações,
207 em 30 minutos, enquanto que o macho 4537 foi o que apresentou a maior freqüência de batida de
pedipalpos, com 68 batidas em 30 minutos.
30
ENCONTRO DO MACHO COM A FÊMEA DE ACANTHOSCURRIA ATROX.
ENCONTROS SEM CÓPULA
Dezoito experimentos de encontro entre machos e fêmeas de Acanthoscurria atrox, totalizando
368 minutos, não apresentaram resultado positivo, ou seja, os machos apresentaram comportamento de
corte, mas as fêmeas não (Tabela 3). Apenas o macho 4921, quando na presença da fêmea 4823, não
apresentou movimento de corte. Os comportamentos de corte observados foram vibrações corporais
causadas pela contração das pernas III e percussão palpal, sempre intercalados com momentos de
ausência de movimentos. Em nenhum caso a fêmea respondeu ao macho batendo suas pernas
dianteiras no substrato.
31
Tabela 3. Relação das fêmeas incluindo o grupo de alimentação e machos de A. atrox onde não
ocorreu cópula. Os comportamentos observados foram: 1 fêmea atacou o macho; 2
mea andou na direção oposta; 3 comportamento de corte após o contato com a fêmea; 4
macho e fêmea permaneceram imóveis; 5 fêmea canibalizou o macho; *
comportamento presente sem quantificação.
Fêmeas
Grupo
Machos
Data
Resultado
Tamborilamento
palpal
Vibrações
corporais
Tempo (min)
144
1
4589
09/04/2007
1
*
*
1
2798
2
4921
21/02/2008
1
0
2
2
3646
3
4589
09/04/2007
1
*
*
1
3868
1
4627
09/04/2007
1
*
*
1
3868
1
4627
16/04/2007
1
*
*
30
4480
4
4865
13/01/2008
1
4
17
15
4480
4
4893
21/02/2008
1
11
2
15
144
1
4513
30/03/2007
2
*
*
30
307
1
4893
24/04/2008
2
28
96
30
1174
3
4921
22/04/2008
2
0
9
30
3646
3
4537
30/03/2007
2
*
*
30
3646
3
4537
16/04/2007
2
*
*
30
4089
4
4537
09/04/2007
2
0
2
23
S/n
2
4893
29/02/2008
2
50
26
30
4027
1
4970
24/04/2008
3
172
248
30
4791
2
4970
28/04/2008
3
26
60
30
4823
4
4921
07/03/2008
4
0
0
30
5088
2
4893
28/04/2008
5
0
9
10
32
COMPORTAMENTO DE CÓPULA
Dos encontros de machos e fêmeas de Acanthoscurria atrox ocorreram cinco cópulas,
totalizando 157 minutos de observação (Tabela 4). O macho 4921 copulou duas vezes com a fêmea
4823. O menor tempo de corte e cópula foi de 14 minutos, enquanto que o maior foi de 65 minutos.
Tabela 4. Relação entre machos e fêmeas que realizaram cópulas.
Fêmeas
Grupo
Machos
Data
Tamborilamento
palpal
Vibrações
corporais
Tempo (min)
307
1
4589
30/03/2007
65
3307
1
4893
20/02/2008
40
40
14
4823
4
4921
28/02/2008
333
133
28
4823
4
4921
08/03/2008
280
250
30
5088
2
4589
01/05/2007
20
Os machos foram colocados nos terrários das fêmeas em cima de teias deixadas pela ocupante.
Eles permaneceram parados por alguns minutos (de 2 a 10 minutos) e, em seguida, começaram seus
movimentos de corte, os quais incluíram vibrações corporais causadas pelas pernas III e percussão
palpal. Durante a execução desses comportamentos as fêmeas responderam várias vezes aos machos
batendo suas pernas dianteiras no substrato. Por exemplo, nas cópulas das aranhas 4823 e 4921, a
fêmea respondeu 9 e 12 vezes, respectivamente. Nos cinco casos, os machos se aproximaram das
fêmeas logo após estas realizarem as primeiras batidas de pernas no substrato, as quais pareceram
guiar o macho na direção da fêmea. Os machos não seguiam diretamente na direção delas, ao longo do
percurso eles realizaram seus movimentos de tamborilamento palpal e vibração corporal. Esses
movimentos eram intercalados com as respostas da fêmea no substrato, sendo que os machos
33
realizavam os movimentos de corte mais rapidamente em resposta à fêmea. Os machos se
aproximaram das fêmeas e tocaram as pernas dianteiras das fêmeas com suas pernas I e II várias vezes,
em um movimento repetido tentando, em seguida, levantar as pernas dianteiras da fêmea. Geralmente
os machos levantavam as fêmeas, se distanciavam delas e voltavam a fazer, imediatamente, os
movimentos de corte, principalmente batendo os pedipalpos no substrato. As fêmeas respondiam aos
machos novamente batendo suas pernas dianteiras no substrato. Imediatamente os machos voltavam a
tocar as patas dianteiras das fêmeas, levantando o corpo delas novamente (Fig. 4).
Figura 4. Macho 4589 (E) e fêmea 5088 (D) de Acanthoscurria atrox em processo de cópula.
Depois de levantar as fêmeas, os machos encaixavam suas apófises tibiais ao lado das
quelíceras, impedindo que as fêmeas conseguissem atacá-los. Os machos, então, realizaram um
movimento rápido dos pedipalpos, de forma circular orientada na direção do maior eixo do corpo, na
região ventral da fêmea, sem tocá-la. Esse movimento é denominado boxing, no qual os machos
34
intercalaram com momentos de ausência de movimentos. Na cópula entre as aranhas 3307 e 4893, o
macho realizou esse movimento por 2 minutos e 49 segundos, inserindo o bulbo esquerdo na abertura
genital da fêmea logo após. O tempo de inserção não pode ser observado, e o bulbo direito não foi
inserido. Na primeira cópula das aranhas 4823 e 4921 o macho realizou o movimento de boxing
durante 1 minuto e 55 segundos, inserindo o bulbo esquerdo durante 9 segundos na abertura genital
feminina. Na segunda cópula dessas aranhas o tempo de boxing foi de 2 minutos e 13 segundos,
inserindo o bulbo direito durante 9 segundos na abertura genital feminina. Após o término das cópulas
os machos se separaram das fêmeas, sendo que as fêmeas 3307 e 4823 (segunda cópula) tentaram
canibalizar os machos, o que foi impedido. Em nenhum caso houve uma segunda tentativa de cópula
ou dupla inserção do bulbo palpal.
CONFECÇÃO DOS SACOS DE OVOS
As aranhas 307 (grupo 1, coletada em 20/12/1997, última muda antes da postura em
19/2/2007), 4823 (grupo 4, coletada em 23/8/2007, não mudou desde a última postura) e 5088 (grupo
2, coletada em 01/2/2005, última muda em 10/2/2007) copularam no laboratório e confeccionaram
suas ootecas (Fig. 5). As aranhas 307 e 5088 confeccionaram seus sacos de ovos depois de 164 dias
após a cópula. A aranha 4823 copulou duas vezes, confeccionando sua ooteca 213 dias após a primeira
e 206 dias após a segunda cópula, os filhotes saíram do saco de ovos 97 dias após a postura. As
aranhas 4657, 4718, 5077-1, 5077-2 e 5025 foram capturadas, fecundadas no campo e
confeccionaram suas ootecas no laboratório (Tabela 5).
35
Figura 5. Sacos de ovos confeccionados pelas aranhas 4823 (I), 5077-1 (II), 5077-2 (III) e 5025 (IV).
Escala: 1 cm.
36
Figura 6. Filhotes de Acanthoscurria atrox 4823.
A Tabela 5 mostra que o número de ovos e filhotes (Fig. 6) foi variável dentre as aranhas. Por
exemplo, da ooteca da aranha 5025 saíram 1350 filhotes vivos. Da ooteca da aranha 5088 foram
contabilizados 1600 ovos e 20 ninfas e da ooteca da aranha 5102 foram contados 220 ovos e 213
ninfas. A saída dos filhotes de A. atrox aconteceu através de um pequeno orifício aberto na ooteca,
aparentemente feito pelos filhotes. Esses produziram uma teia ao redor da ooteca onde realizaram sua
primeira muda.
Em 24/10/07, a fêmea 4791 foi coletada e levada ao Laboratório com seu saco de ovos, o qual
ela começou a comer em 08/01/2008. Em 13/08/2008, após 10 meses no Laboratório de Aracnídeos,
essa mesma fêmea confeccionou uma nova ooteca, a qual foi retirada da fêmea para evitar o
comportamento observado em 2007. Desse saco de ovos foram contados 1480 filhotes.
No caso da aranha 4791 a ooteca foi aberta antes para constatação da viabilidade dos filhotes.
A ooteca permaneceu aberta dentro de um recipiente esterilizado. O tempo de “incubação” dos filhotes
37
dessa aranha foi calculado de acordo com a data da postura da ooteca e a data da primeira muda dos
filhotes.
Figura 7. Saco de ovos da aranha 5077-1 apresentando massa fúngica sob os ovos no canto inferior
direito. No canto superior esquerdo observam-se ninfas de aranhas vivas. Escala: 1 cm.
Essa ooteca e outras duas, as das fêmeas 4823 e 5025, não foram atacadas por fungos. Em
todos os outros casos os sacos de ovos foram inutilizados devido á presença de fungos (Fig. 7). A
constatação da presença de fungo era evidenciada quando a fêmea abandonava a ooteca ou quando o
saco se apresentava endurecido no momento de manipulação. Nesses sacos de ovos foi produzido um
pequeno orifício para se observar o estado dos ovos. Em todos os casos onde esse procedimento foi
adotado havia a presença de organismos fúngicos. A ooteca confeccionada pela aranha 4718 não pode
ter o número de ovos contados devido ao adiantado estado de decomposição causada por fungo sobre
os ovos.
38
Tabela 5. Dados sobre a confecção dos sacos de ovos por Acanthoscurria atrox. ND, não determinado.
Aranha
Data postura
Peso ooteca
(g)
Tamanho da
ooteca (mm³)
Ovos
Filhotes
Total
307
10/09/2007
11,176
57,859
1,012
400
1,412
4657
25/09/2007
4,776
17,18
500
100
600
4718
17/08/2007
5,995
26,856
ND
ND
ND
4791
ND
8,417
40,868
980
980
4791
13/08/2008
12,449
55,55
1,480
1,480
4823
29/09/2008
6,269
30,472
757
757
5025
27/08/2008
9,615
39,558
1,350
1,350
5088
12/10/2007
11,213
47,734
1,600
20
1,620
5102
ND
8,404
38,56
220
213
433
5077-1
14/09/2008
8,404
40,332
510
370
880
5077-2
03/10/2008
2,125
19,914
300
332
632
Como pode ser observado na Tabela 5, as fêmeas 307 e 4791 colocaram grandes sacos de ovos
quando comparado com fêmeas capturadas no campo. O maior saco de ovos em relação ao peso foi o
segundo colocado pela fêmea 4791, a qual pertence ao grupo 2 de alimentação. O saco de ovos de
maior tamanho foi o colocado pela 307. A aranha 4823, pertencente ao grupo 4 de alimentação,
confeccionou sua ooteca com pouco mais da metade do peso das maiores ootecas confeccionadas pelas
fêmeas em estudo. As fêmeas que foram capturadas e colocaram sacos de ovos no laboratório
confeccionaram sacos de ovos de tamanhos e pesos variados.
39
Figura 8. Aranha 5088 segurando seu saco de ovos.
As aranhas permaneceram com seus sacos de ovos durante todo o tempo, mantendo-os com
suas quelíceras e pedipalpos perto de suas bocas (Fig. 8) e largando-os voluntariamente somente no
momento da alimentação ou presença de fungo. A retirada das ootecas para o estudo do peso e
medidas foi dificultado devido a grande força que as aranhas empregaram para agarrar seus sacos de
ovos, sendo que em nenhum deles foi evidenciado orifícios produzidos pelas quelíceras das fêmeas. A
cada tentativa de retirada das ootecas as fêmeas soltaram grande quantidade de los urticantes e
tentaram atacar as pinças utilizadas no processo. Assim que as ootecas foram retiradas elas
permaneceram agitadas em seus terrários, andando de um canto ao outro sem parar.
40
RECONHECIMENTO DOS SACOS DE OVOS
SÓ ALDOGÃO
Todas as fêmeas (Tabela 6) com sacos de ovos foram testadas. As ootecas foram retiradas da
fêmea e, em seguida, foi oferecido um chumaço de algodão de igual tamanho ou pouco maior que o
saco de ovos original. Todas as fêmeas agarraram os chumaços de algodão imediatamente,
permanecendo com eles debaixo de suas quelíceras e oferecendo a mesma resistência encontrada
quando se tentava tirar uma ooteca (Fig. 9). Nenhuma fêmea soltou o chumaço de algodão mesmo
depois de 72 horas. Quando foi constatado que o saco de ovos da fêmea 5088 estava fungado, esse foi
retirado de sua presença. A fêmea permaneceu agitada em seu terrário e começou a caminhar ao longo
de toda sua extensão. Nesse terrário havia um pedaço de graveto de 5 cm de comprimento e 2 cm de
diâmetro. A fêmea agarrou o tronco como se fosse seu saco de ovos e não o soltou durante 3 dias.
Figura 9. Aranha 307 segurando um chumaço de algodão.
41
ALGODÃO E SACOS DE OVOS
Depois disso o algodão das fêmeas foi retirado. Após 10 minutos foi oferecido à fêmea o seu
saco de ovos e um chumaço de algodão estéril maior que o respectivo saco de ovos. Quando as fêmeas
começavam a andar, elas chegavam ao algodão e ao saco de ovos ao mesmo tempo, tocando os dois.
Com exceção da aranha 307, a qual ficou apenas com o seu saco de ovos debaixo do seu corpo, todas
as outras fêmeas mantiveram a ooteca e o chumaço de algodão. A Figura 10 ilustra um caso assim,
onde a fêmea 5077-2 agarrou o algodão e a sua ooteca.
Figura 10. Aranha 5077-2 segurando seu saco de ovos (à frente) e um chumaço de algodão (embaixo).
42
DOIS OU MAIS SACOS DE OVOS
As ootecas foram retiradas e oferecidas, aos pares ou trios, para todas as fêmeas que
confeccionaram ootecas. A Tabela 7 mostra os sacos oferecidos para cada aranha utilizada e os
resultados encontrados. Nenhuma aranha reconheceu o seu próprio saco de ovos. Por exemplo, as
aranhas 4823 e 5077-2 escolheram somente os seus sacos de ovos em um dos experimentos, no entanto
em outros testes realizados elas pegaram os seus sacos de ovos e os sacos de outras fêmeas também.
Dos 15 testes, apenas quatro fêmeas escolheram apenas um saco de ovos (4823, 5077-2, 5025 e 4718).
Todas as outras pegaram dois (Fig. 11) ou, quando oferecido, três sacos de ovos. Essas fêmeas
mantinham os sacos debaixo do seu corpo e, no caso de se tentar retirar algum dos sacos, elas os
agarravam com força e resistiam muito antes de soltá-los. Após 30 minutos de observação as fêmeas
sempre permaneciam com os sacos de ovos escolhidos.
Figura 11. Aranha 307 com sua ooteca (esquerda) e com a ooteca da aranha 4718 (direita).
43
Tabela 6. Fêmeas e ootecas utilizadas no experimento de reconhecimento de sacos de ovos.
Fêmea
Ootecas oferecidas
Ootecas aceitas
307
307, 4718
2
307
307, 4657, 4718
3
4657
307, 4657, 4718
3
4718
307, 4657, 4718
3
4718
307, 4718
1(307)
5088
307, 5088
2
4823
4823, 5025
1(4823)
4823
4823, 5077-2
2
4823
5025, 5077-2
2
5077-2
5077-2, 5025
1(5077 - 2)
5077-2
5077-2, 4823
2
5077-2
4823, 5025
2
5025
5025, 4823
1(4823)
5025
5025, 5077-2
2
5025
4823, 5077-2
1(4823)
Como mostram os resultados da Tabela 6 e da Fig. 11, as fêmeas de Acanthoscurria atrox não
são capazes de reconhecer seus sacos de ovos e nem de distingui-los de chumaços de algodões brancos
de tamanhos similares ou maiores que as ootecas confeccionadas. Na Fig. 9, a aranha 307 está
agarrada a um chumaço de algodão e, mesmo depois de 2 dias, ela não o soltou em nenhum momento,
guardando-o como se fosse sua própria ooteca. A aranha 5077-2 (Fig. 10) guardou a sua ooteca e um
chumaço de algodão em baixo de seu corpo como se houvesse apenas uma ooteca.
44
DISCUSSÃO
MORFOMETRIA
A morfometria de aranhas caranguejeiras é muito pouco estudada, principalmente no que se
refere aos órgãos sexuais. Na literatura, hoje, embora existam ilustrações do bulbo de A. atrox (Bertani
2001), o mesmo não ocorre com a espermateca da espécie em questão. Nossos resultados mostram que
fêmeas apresentam maiores valores de comprimento de carapaça do que os respectivos valores
encontrados para os machos. As fêmeas também possuem valores de comprimentos de pedipalpos
maiores. A perna IV é a maior nos animais, seguido pelas pernas I, II e III. As fêmeas possuem pernas
significativamente menores que as pernas dos machos, sendo que a diferença entre as pernas I é
estatisticamente maior. Os machos utilizam essas pernas para levantar o prossoma da fêmea no
momento da cópula, sendo que nessa perna são encontrados esporões tibiais que são presos às
quelíceras femininas na cópula numa tentativa de impedir que a mesma ataque o macho quando esse
estiver embaixo de seu corpo.
O comprimento do bulbo tende a manter-se estável nos machos, não acompanhando o
crescimento do comprimento da carapaça. No entanto, aranhas com tamanhos maiores terão bulbos
mais largos do que compridos. Em fêmeas o tamanho da espermateca também apresentou variação,
principalmente no comprimento da base, sua abertura. A espermateca de A. atrox apresentou-se
bastante esclerotizada na base e nos lóbulos livres, aparentemente seguindo um padrão dentro do
gênero. As estruturas medidas no órgão sexual feminino também apresentam relação como a variação
no comprimento da carapaça. Segundo os dados, o comprimento total dos lóbulos da espermateca, a
medida M2, é o que mais sofre variação com o aumento da carapaça. No entanto, o órgão reprodutivo
como um todo sofre modificações em relação ao tamanho da aranha, sendo que fêmeas maiores
possuem espermatecas maiores.
45
RECONHECIMENTO DA SADA DA FÊMEA
Quando colocados em arenas virgens, os machos apresentaram pouco ou nenhum movimento
relacionado ao comportamento reprodutivo de caranguejeiras. Em apenas um caso houve
tamborilamento palpal. Tal resultado indica que os machos não realizam movimentos de
comportamento reprodutivo em situações onde não sejam estimulados. Um desses estímulos é a
presença da teia da fêmea deixada no substrato. Após o contato com essas teias, os machos de
Acanthoscurria atrox apresentaram seus comportamentos de corte como vibrações corporais causadas
pela contração das pernas III e tamborilamento palpal eventual. Machos de aranhas migalomorfas
(Costa & Pérez-Miles 1998, 2002; Yánez et al 1999; Quirici & Costa 2005; Pérez-Miles et al. 2007) e
não migalomorfas (Elias et al. 2006) também apresentam comportamentos de corte após o contato com
as teias femininas. Segundo Costa & Pérez-Miles (1992) machos de diversas espécies de terafosídeos
também apresentaram comportamentos de corte quando em contato com teias de fêmeas coespecíficas.
O fato de apresentarem tais comportamentos sugere que esses machos possam utilizar recursos
táteis ou químicos encontrados na seda para reconhecimento intra-específico, sendo que esse tipo de
comunicação é considerado antigo em aranhas (Costa & Pérez-Miles 1998). O reconhecimento de
substâncias químicas na teia fica claro quando machos de A. atrox submetidos ao contato com teias de
fêmeas da mesma espécie no entanto sem a presença da fêmea apresentam os mesmos
comportamentos de corte observados na presença da fêmea.
A vibração através do substrato (como vibrações corporais ou tamborilamento palpal) pode
representar um canal de comunicação entre machos e fêmeas durante a pula quando nenhum som é
produzido (Hill 2001). A ocorrência de mecanismos diferentes de produção de sinais sísmicos que
envolvem diferentes estruturas anatômicas e motoras sugere a possibilidade de que cada sinal pode
revelar várias informações diferentes sobre a condição e qualidade de um macho (Elias et al. 2003).
46
ENCONTRO DO MACHO COM A FÊMEA
A vibração corporal é um comportamento bastante difundido em Theraphosidae, possivelmente
devido às pressões da seleção, visto que a visão nestes organismos é limitada (Costa & Pérez-Miles
2002; Quirici & Costa 2005; Pérez-Miles et al. 2007), sendo estes sinais independentes de fatores
ambientais (Quirici & Costa 2005). O tamborilamento palpal não é muito freqüente e geralmente é
realizado pelo macho localizado perto da fêmea, ou seja, esse é um mecanismo de comunicação a curta
distância (Pérez-Miles et al. 2007). Esses movimentos representam um canal de comunicação antes do
toque direto entre algumas aranhas, as quais utilizam vias acústicas e vibratórias como forma de
reconhecimento intra-específico, forma de alertar a fêmea da presença do macho, chamar sua atenção e
evitar possíveis movimentos agressivos da fêmea (Costa Pérez-Miles 1992, 1998 e 2002; Yánez et al.
1999; & Quirici & Costa 2005).
No entanto, não são apenas os machos que apresentam movimentos sísmicos. Nos casos onde
houve cópula, as fêmeas de A. atrox apresentam respostas sísmicas aos machos batendo vigorosamente
seus pares de pernas dianteiras no substrato, orientando os machos em sua direção em todos os casos e,
possivelmente, indicando receptividade (Quirici & Costa 2005). Comportamentos similares foram
descritos para Acanthoscurria suina e Eupalaestrus weijenberghi por Costa & Pérez-Miles (2002).
Após os movimentos sísmicos da fêmea ocorreu o primeiro contato físico, onde o macho tocou
a fêmea com suas pernas dianteiras estendidas e levantou o prossoma feminino. A fêmea abriu suas
quelíceras e então o macho as prendeu utilizando os espinhos encontrados em suas apófises tibiais. Em
seguida, foram observados movimentos alternados dos pedipalpos do macho na região ventral do
corpo da fêmea, o “boxing”, assim como descritos no comportamento reprodutivo de outras
caranguejeiras (Yánez et al. 1999; Costa & Pérez-Miles 2002). Durante esses movimentos de corte do
macho, a fêmea de A. atrox inclinou seu abdômen na direção dele e deixou a região de sua abertura
47
genital exposta. Em nenhum caso foi observada a inserção dos dois bulbos palpais. Nas cópulas das
aranhas E. weijenberghi, nenhum macho inseriu os dois bulbos na fêmea (Pérez-Miles et al. 2007).
Segundo esses autores, o uso de um palpo por cópula poderia permitir ao macho inseminar duas
fêmeas consecutivas sem precisar de uma nova recarga de espermatozóides através da indução. Isso
pode ser constatado nas cópulas que ocorreram entre a fêmea 4823 e o macho 4921. Na primeira
cópula realizada, o macho inseriu apenas o bulbo esquerdo na abertura genital feminina, enquanto que
na segunda cópula houve a inserção do bulbo direito apenas.
CONFECÇÃO DOS SACOS DE OVOS
A confecção dos sacos de ovos ocorreu 164 e 213 dias após a cópula. Várias aranhas que não
copularam em laboratório também confeccionaram ootecas. O número total de ovos + filhotes variou
de 433 a 1,620. A aranha 4791 comeu parte do primeiro saco de ovos, do qual nenhum filhote foi
encontrado vivo, e a segunda ooteca produzida foi retirada experimentalmente da fêmea. Trabalhos
relatam o comportamento de oofagia por aranhas, como fêmeas de Acanthoscurria suina que comeram
seus sacos de ovos alguns dias após sua confecção em laboratório, assim como E. weijenberghi (Costa
& Pérez-Miles 2002). Segundo esses autores, sacos de ovos de terafosídeos confeccionados em
laboratório geralmente são comidos ou abandonados. Aranhas das espécies Florinda coccinea
(Linyphiidae), Ixeuticus martius e I. robustus (Desidae) e uma espécie migalomorfa Thelechoris
striatipes (Dipluridae) também realizaram oofagia, comportamento associado, possivelmente, à
condições anormais do cativeiro (Willey & Coyle 1992). Fêmeas de Crossopriza (Pholcidae) também
se alimentaram de seus sacos de ovos (Downes 1987).
48
Tabela 7. Relação de espécies de aranhas e o número de ovos produzidos, com suas respectivas
referências.
Espécie
Número de ovos
Referências
Eupalaestrus weijenberghi
167 a 334
Pérez-Miles et al 2007
Acanthoscurria sternalis
1,050 a 1350
Paz 1993
Avicularia avicularia
70 a 112
Paz 1993
Ischnothele siemensis
80 a 50
Paz 1993
Brachypelma klaasi
400 a 800
nez & Floater 2004
Plesiopelma longisternale
103 a 111
Costa & Pérez-Miles 2002
A postura das ootecas se concentra, principalmente, nos meses de agosto a outubro. As aranhas
307, 4791 e 5088 colocaram as ootecas com maiores pesos, sendo que essas duas aranhas foram
regularmente alimentadas em laboratório e poderiam ter alguma vantagem alimentar em relação
àquelas aranhas que provieram do campo, onde qualidade e a quantidade de alimentos disponíveis não
pode ser conhecida ou calculada. Interessantemente a maior ooteca confeccionada foi a segunda da
aranha 4791 em relação ao peso. Essa aranha foi inseminada no campo, coletada em 24/10/2007 com
sua ooteca confeccionada. Após 10 meses de permanência no laboratório, possuindo alimentação
regular de 30 em 30 dias (grupo 2) essa aranha confeccionou outra ooteca com pouco mais de 12
gramas. Não é possível inferir que a alimentação influenciou o tamanho da segunda ooteca produzida
por essa aranha. No entanto o número de filhotes da segunda ooteca da aranha 4791 apresentou quase
400 filhotes a mais que a primeira.
As três aranhas confeccionam ootecas maiores, mais pesadas e com maior prole (1,412 1,620)
do que aquela que comeu um neonato a cada quatro meses (757 descendentes). Embora esta
amostragem seja pequena, alguns estudos mostram que a alimentação influencia na produção de ovos.
49
Segundo Craig (1987), o número de ovos por sacos produzidos por grandes aranhas deve variar
dependendo da disposição de alimentos e da quantidade de tempo gasto com alimentação depois que a
maturidade sexual é alcançada. Já para aranhas de teia (Araneidae), quando foram oferecidas presas
adicionais às Mecynogea lemniscata e Metepeira labyrinthea, Wise (2004) percebeu que as fêmeas das
duas espécies responderam ao aumento de recurso aumentando significativamente o número de ovos,
indicando que a alimentação era um recurso limitante para essas espécies.
50
RECONHECIMENTO DOS SACOS DE OVOS
O cuidado maternal das A. atrox limita-se à construção de uma ooteca para os ovos e a sua
guarda embaixo do seu corpo, preso às suas quelíceras sem, contudo, perfurar a ooteca. Fêmeas de E.
weijenberghi também apresentam esse comportamento de guarda (Costa & Pérez-Miles 2002).
Estímulos sensoriais de uma ou várias fontes únicas à ovoposição ou construção de sacos de ovos
podem causar mudanças persistentes mas reversíveis na fisiologia de aranhas fêmeas, ou seja, elas
apresentam alterações comportamentais em resposta aos sacos de ovos (Opell 2001) como, por
exemplo, sua defesa contra agentes que realizem movimentos com o intuito de retirar a ooteca de sua
proteção.
Mesmo com movimentos agonísticos contra as pinças utilizadas para se retirar os sacos de ovos
as fêmeas de A. atrox não são capazes de reconhecer seus próprios saco de ovos, ao contrário da
aranha-marrom Loxosceles gaucho (Sicariidae) (Japyassú et al. 2003) e Miagrammopes animotus
(Uloboridae) (Opell 2001). Se as características da teia, como proteínas intra-específicas, por exemplo,
são constantes para cada espécie, os sacos de ovos devem ser similares em sua constituição (Japyassú
et al. 2003), e isto pode explicar, em parte, o fato de A. atrox escolher outro saco de ovos que não o
seu ou guardar mais de um saco de ovos. Fêmeas de L. gaucho também podem adotar sacos de ovos de
coespecíficos (Japyassú et al. 2003), assim como fêmeas de M. animotus (Opell 2001). Segundo Opell
(2001), uma vez que uma resposta positiva ao saco de ovos esteja estabelecida, ela parece ser geral e
não permite que a fêmea identifique seu saco de ovos entre sacos de coespecíficas. Além disso, as
aranhas em estudo não vivem em grupos dentro de cupinzeiros, não necessitando distinguir seu saco de
ovos de uma aranha coespecífica, ou seja, não haveria possibilidade de troca de ooteca e,
consequentemente, reconhecimento de seu saco de ovos. De acordo com esses resultados as aranhas A.
51
atrox provavelmente não produzem ou sintetizam nenhum tipo de molécula que permita o
reconhecimento do seu saco de ovos.
As fêmeas de caranguejeiras vivem de modo solitário dentro de cupinzeiros e, de acordo com
observações em laboratório, elas não soltam suas ootecas espontaneamente. No caso da alimentação,
elas permaneciam com, no mínimo, uma perna tocando sua ooteca. Com esse comportamento poderia
não haver necessidade da distinção da sua ooteca de outra, que a fêmea não se separa dela e nem
divisão de cuidados de ootecas com outras fêmeas. Entretanto a não diferenciação de sua ooteca de um
chumaço de algodão o representa um comportamento adaptativo. Se de algum modo a mea for
separada de sua ooteca e, numa possível procura encontrar um objeto de tamanho similar, que não seja
seu saco de ovos, o desenvolvimento dos filhotes pode estar comprometido, que os mesmos não
terão o cuidado maternal oferecido enquanto ovos e ninfas.
52
CONCLUSÕES
Com esse trabalho é possível concluir que:
1 Machos possuem comprimento e largura de carapaça significativamente menores do que as
fêmeas;
2 Machos possuem comprimentos significativamente maiores de pernas do que as fêmeas;
3 Machos possuem comprimentos significativamente menores de pedipalpos que fêmeas;
4 Existe relação entre o comprimento da carapaça e os órgãos sexuais masculinos e
femininos, sendo que o crescimento dos órgãos femininos é maior em relação à carapaça feminina do
que o crescimento do bulbo em relação à carapaça masculina;
5 Machos apresentam comportamento de corte quando entram em contato com as teias de
fêmeas coespecíficas;
6 Quando na presença das fêmeas, os machos apresentam tremulações corporais e batem seus
pedipalpos no substrato para chamar a atenção da fêmea. Em seguida a fêmea pode responder ao
macho tremulando vigorosamente seus primeiros pares de pernas no substrato. O macho, então, se
aproxima dela, levanta seu corpo e começa o movimento de “boxing” palpal, após o qual o macho
insere parte do seu bulbo no epígeno da fêmea, lhe passando as células reprodutoras.
7 O comportamento de corte e cópula de A. atrox é similar àquelas descrições realizadas para
outras caranguejeiras, sugerindo que o comportamento reprodutivo seja conservado ao longo da
evolução;
8 Não foi possível concluir se a alimentação influencia na produção de ovos, embora fêmeas
que se alimentaram mais em laboratório produziram maiores ootecas;
9 Fêmeas não são capazes de reconhecer sua ooteca nem diferenciá-las de chumaços de
algodões.
53
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