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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Centro de Filosofia e Ciências Sociais – CFCS
Departamento de História
Programa de Pós-graduação em História Comparada
Consórcio PRÓ-DEFESA
Rudibert Kilian Júnior
Cenarização: A ferramenta essencial para uma
estratégia efetiva
Rio de Janeiro
2009
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RUDIBERT KILIAN JÚNIOR
Cenarização: A ferramenta essencial para
uma estratégia efetiva
Dissertação de Mestrado
apresentada à Banca
Examinadora do
Consórcio Pró-Defesa, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre no Programa de Pós-Graduação
em História Comparada do nstituto de
Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal
do Rio de
Janeiro.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira
da Silva
Rio de Janeiro
2009
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K48c
Kilian, Rudibert Júnior
Cenarização: a ferramenta essencial para uma
estratégia efetiva / Rudibert Kilian Júnior. - 2009.
331 p. ; il.
Dissertação (Mestrado em História Comparada) -
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009.
Orientação: Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da
Silva, Programa de Pós-Graduação em História
Comparada.
1. Construto Teórico Maior. 2. Cenários. 3. Pressupostos e Marco
Teórico. 4. Principais Métodos de cenários. 5. Análise Comparativa
NSS 2002 e NIC cenários 2020 dos EUA.
I. Título.
CDD-303
RUDIBERT KILIAN JÚNIOR
Cenarização: a ferramenta essencial para uma estratégia efetiva
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora do Consórcio Pró-Defesa, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre no Programa de Pós-Graduação em
História Comparada do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro
.
Aprovada em ___ de ___________ de _____.
COMISSÃO DE AVALIAÇÃO
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva - PPGHC - Orientador
_____________________________________________________________
Prof(a). Dr(a). Sabrina Evangelista Medeiros - PPGHC/UFRJ – EGN /MB
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Renato Petrocchi - PUC/RJ - EGN/MB
Aos meus pais
Rudibert Kilian (in memoriam) e
Marlene Muniz Kilian
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva, meus agradecimentos pela orientação
segura e o incentivo constante na realização deste trabalho.
À Profa. Dra. Sabrina Evangelista Medeiros, minha gratidão pelo apoio e motivação
que me conferiu ao longo do tempo dedicado ao trabalho.
Ao Almirante-de-Esquadra (Fuzileiro Naval) Álvaro Augusto Dias Monteiro, por
haver me incentivado no momento certo, na busca do título de Mestre, para continuar
servindo à Marinha de outra forma.
Ao Almirante Reis, prezado chefe e amigo, por ter sido o tutor e orientador nas horas
mais incertas. Meus sinceros agradecimentos por tudo e espero poder continuar a merecer sua
amizade e atenção.
Aos meus pais, pela educação, dedicação e amor.
Aos meus filhos Camila e Thiago, pela confiança e eterno amor.
À minha esposa Neusa, porto seguro da minha vida, minha gratidão pelo amor,
carinho, convivência, compreensão e apoio integral em tudo que fiz e realizei até hoje.
À Escola de Guerra Naval, por ter me acolhido e acreditado no meu valor.
Aos amigos, pelo apoio e constante incentivo.
A Deus, pela concessão da vida e do livre arbítrio.
Muito obrigado por tudo.
RESUMO
KILIAN, Rudibert Júnior. Cenarização: a ferramenta essencial para uma estratégia
efetiva. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O presente trabalho evidencia a instrumentalidade da ferramenta de construção de
cenários na geração de uma estratégia efetiva, isto é, que na interrelação meios-fins seja eficaz
e eficiente. O planejamento estratégico tradicional trabalha com uma imagem de futuro
estática no tempo, pois trabalha com um só cenário: o padrão, podendo ser um que apenas
extrapola as tendências ou aquele que envolve o futuro desejado pela organização, sem
considerar os aspectos do futuro e as incertezas nele consideradas. Logo, na dialética das
inteligências, a qual permeia qualquer estratégia, a resultante é totalmente reativa e a
diferença entre a estratégia deliberada e a estratégia realizada constitui um grande hiato. O
planejamento estratégico baseado em cenários surge para diminuir essa lacuna, pois lida bem
com problemas não estruturados onde a incerteza, a decorrente complexidade e as mudanças
são fatores constantes e, cada vez mais, intensos e acelerados. Os cenários nada mais são do
que futuros alternativos possíveis derivados de combinações de hipóteses plausíveis e
consistentes baseadas nas configurações que podem ser apresentadas pelas incertezas críticas
no tempo do porvir. Sua construção requer o compartilhando simultâneo da razão e a intuição,
tal qual o funcionamento dos dois hemisférios do cérebro. Para tanto, é necessário a utilização
do pensamento sistêmico, embasado na interdependência e no interrelacionamento das partes
do sistema; e do pensamento divergente, o qual não se conforma com uma única explicação
acerca do estado das coisas. Assim, a complexidade é reduzida e a incerteza é estruturada,
concorrendo para a construção do conhecimento por meio de “insights” proporcionados pelo
processo de construção dos cenários. Em verdade, os cenários funcionam como um simulador,
que permite a subversão do “tempo cronológico”, desencadeando realidades virtuais que vão
possibilitar experiências no “tempo vivido”. O repertório de experiências, gerados a partir dos
cenários, aumenta o aporte de conhecimentos e, portanto, auxilia na melhor tomada de
decisão. Os cenários, além disto, permitem o alargamento dos modelos mentais dos decisores
e concorrem para a aprendizagem organizacional. Esta linha de raciocínio constituiu o
“mainstream” que norteou e permitiu a edificação do presente trabalho. Além disso, realizou-
se uma análise comparativa entre a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, de 2002; e o
documento que apresenta os cenários globais no ano de 2020, formulados pelo Conselho de
Inteligência dos EUA. O primeiro documento formula uma estratégia sem o auxílio da
ferramenta de cenários e o resultado é uma estratégia falha. O segundo documento evidencia
percepções que dilatam a latitude mental, incrementando o conhecimento. Com a análise
realizada, pretendeu-se comprovar, em uma situação prática, a essencialidade da ferramenta.
Palavras-chave: Estratégia; Planejamento Estratégico, Futuro; Incerteza; Mudanças;
Cenários; Métodos de Construção de Cenários; Estratégia de Segurança Nacional dos EUA de
2002; Cenários Globais para 2020 do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA.
ABSTRACT
KILIAN, Rudibert Júnior. Cenarização: a ferramenta essencial para uma estratégia
efetiva. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
The present study highlights the instrumentality of scenario building tool to generate
an effective strategy, that is, the means-ends link is effective and efficient. The traditional
strategic planning work with a static image of the future in time, it works with only one
scenario: the standard, which can be one that extrapolates trends or other that involves the
future desired by the organization, without considering the aspects of the future and its
uncertainties. Hence, in the intelligence´s dialectics, which permeates any strategy, the result
is totally reactive and the difference between a deliberate strategy and the strategy undertaken
is a major gap. Strategic planning based on scenarios appears to reduce this gap, as well
dealing with unstructured problems where uncertainty, complexity and the resulting changes
are constant factors and, increasingly, intense and accelerated. The scenarios are nothing more
than possible future alternative hypotheses derived from plausible and consistent
combinations based on the settings of critical uncertainties that can exist in the future time and
space. Its construction requires the sharing of both reason and intuition, as the operation of the
brain´s two hemispheres. Therefore, it is necessary the use of systemic thinking, based on
interdependence and interrelation of parts of the system, and the divergent thinking, which
does not conform with a single explanation about the state of things. Thus, the complexity is
reduced and the uncertainty is structured, contributing to the construction of knowledge
through "insight" provided by the process of scenario building. In fact, the scenarios serve as
a simulator, which allows the subversion of the "chronological time", causing virtual reality
experiences that will enable the "lived time". The repertoire of experiences, generated from
the scenarios, increases the contribution of knowledge and thus improves decision making
process. Moreover, the scenarios allow the extension of mental models of decision makers
and contribute to organizational learning. This line of reasoning was the "mainstream" that
guided and allowed the construction of this work. Furthermore, it is made a comparative
analysis between the National Security Strategy of the USA, 2002, and the document that
presents the Global Scenarios in the year 2020, formulated by the U.S. Intelligence Council.
The first document sets a strategy without the aid of the tool of scenarios and the result is a
failed strategy. The second document shows that perceptions dilate mental latitude, increasing
real knowledge. With the analysis, we set out to demonstrate in a practical situation, the
essence of the tool.
Keywords: Strategy; Planning; Strategic Planning; Future; Uncertainty; Changes; Scenarios;
Scenario-Building Methods; USA National Security Strategy 2002; Mapping the Global
Future 2020, National Security Council.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1:
Os vários conceitos de estratégia
Figura 2:
Perspectivas genéricas sobre estratégia
Figura 3:
Simbiose dos 5 P´s e as dez escolas de mintzberg
Figura 4:
Matriz SWOT
Figura 5:
Fatores que constituem os futuros possíveis
Figura 6:
A pirâmide da percepção
Figura 7:
Matriz de Análise Estrutural – variável x variável
Figura 8:
Diagrama Motricidade x Dependência
Figura 9:
Matriz Ator X Variável
Figura 10 :
Matriz Ator X Ator
Figura 11:
Diagrama Impacto X Incerteza
Figura 12:
Matriz Impacto X Incerteza
Figura 13:
Matriz Intensidade / Impacto / Incerteza
Figura 14 :
Matriz de Investigação Morfológica
Figura 15:
Rede de Investigação Morfológica
Figura 16:
Matriz de Investigação Morfológica
Figura 17:
Matriz de Sustentação Política
Figura 18 :
Cenário Extrapolativo Livre de Restrições
Figura 19: Cenário Extrapolativo com Variações Canônicas
Figura 20: Cenários Alternativos
Figura 21: Cenários Normativos
Figura 22: Método Godet
Figura 23:
Matriz De Análise Estrutural “X”
Figura 24:
Gráfico Espontâneo
Figura 25: Gráfico Hierárquico
Figura 26 :
Gráfico Influência X Dependência
Figura 27:
Espaço Morfológico (4 X 3 X 5 X 2 X 5 = 600 Combinações Possíveis)
Figura 28:
Espaço Morfológico (4 X 3 X 5 X 2 X 5 = 600 Combinações Possíveis)
Figura 29:
Matriz de Investigação Morfológica
Figura 30:
Exemplo
Figura 31 :
Questionário
Figura 32:
Método Grumbach
Figura 33:
Mapa de Opinião Por Perito – 1ª Consulta
Figura 34 :
Tabela de Probabilidades de Ocorrência de Eventos
Figura 35:
Tabela de Auto-Avaliação dos Peritos
Figura 36:
Mapa de Opinião Por Perito – 2ª Consulta
Figura 37:
Mapa de Impactos Cruzados (3ª Consulta – Tipo de Cálculo
“Impactos” – “Correção Quadrática”)
Figura 38 :
Tabela Para Preenchimento Do Mapa De Impactos Cruzados (3ª
Consulta – Tipo de Cálculo “Impactos” – “Correção Quadrática”)
Figura 39:
Mapa De Opinião (1ª Consulta – Tipo de Cálculo “Probabilidades”-
“Odds”)
Figura 40:
Mapa De Opinião (2ª Consulta – Convergência de Opiniões - Tipo de
Cálculo de “Probabilidades”- “Odds”)
Figura 41:
Cenários para Dois Eventos
Figura 42:
Matriz de Impactos Cruzados - Tipo de Cálculo “Impactos” –
“Correção Quadrática”
Figura 43:
Matriz de Impactos Cruzados - Tipo de Cálculo “Probabilidades” –
“Odds”
Figura 44:
Interpretação de Cenários
Figura 45:
Igualdade / Desigualdade dos Acontecimentos em Cada Cenário
Figura 46:
Explicitação do Método
Figura 47:
Valor do Foco Estratégico
Figura 48:
Identificando as Forças Motrizes
Figura 49:
Incertezas Críticas
Figura 50:
Matrizes
Figura 51:
O Processo Estratégico
Figura 52:
Modelo de Cenários em Eixos Contrastados
Figura 53:
Diagrama Causal Megatendência Globalização
Figura 54:
Incertezas Críticas
Figura 55:
As Cinco Incertezas Críticas e Os Eixos Contrastantes
Figura 56:
Um Exemplo de Matriz de Cenários Contrastando Duas Forças
Motrizes
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Comparação entre o planejamento tradicional e o baseado em cenários
Tabela 2 - Espaço de trabalho decisional
Tabela 3 - Diferença entre tendência pesada e tendência emergente
Tabela 4 - Conceitos diversos de cenários
Tabela 5 – Diferenças entre cenários, previsões e visões
Tabela 6 - Configurações ou Hipóteses
Tabela 7 - Atributos dos Peritos
LISTA DE SIGLAS
ADM Armas de Destruição em Massa
AIDS Síndrome da Imuno-deficiência Adquirida
ANZUS The Australia, New Zealand, United States Security Treaty
CENTCOM United States Central Command (Comando Central dos EUA)
ESN Estratégia de Segurança Nacional
EUA Estados Unidos da América
FPF Fatos Portadores de Futuro
GBN Global Business Network
MACTOR Matrix of Alliances and Conflicts: Tactics, Objectives and
Recommendations (Matriz de Alianças e Conflitos: Táticas,
Objetivos e Recomendações)
MICMAC Matrice d'Impacts Croisés - Multiplication Appliquée à un
Classement (Matriz de Impacto Cruzado – Multiplicação
Aplicada à Classificação)
NIC National Inteligence Council
NSS National Security Strategy
ONG Organizações Não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PIB Produto Interno Bruto
RI Relações Internacionais
SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos
SMIC System and Matrix of Cross Impact (Sistema e Matriz de
Impactos Cruzados)
SRI Stanford Research Institute
SWOT Strenghtes, Weaknesses, Opportunities, Threats
TIC Tecnologia da Informação e das Comunicações
UE União Européia
WASP White, anglo-saxon and protestant / Branco, anglo-saxão e
protestante.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 18
1 ESTRUTURAÇÃO DO CONSTRUTO TEÓRICO MAIOR ..................................... 28
1.1 POLÍTICA ...................................................................................................................... 28
1.2 ESTRATÉGIA ............................................................................................................... 31
1.2.1 Etmologia e evolução do termo ................................................................................ 31
1.2.2 A essência da estratégia: dialética das inteligências ............................................... 33
1.2.3 A estratégia militar .................................................................................................... 34
1.2.4 A estratégia nas organizações ................................................................................... 38
1.2.5 Concepções de estratégia - Whittington .................................................................. 43
1.2.6 A Estratégia para Mintzberg .................................................................................... 44
1.2.7 Síntese ......................................................................................................................... 52
1.3 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO ............................................................................ 55
1.3.1 Planejamento .............................................................................................................. 55
1.3.2 Planejamento Estratégico ......................................................................................... 58
1.3.3 Inconsistência do Planejamento Estratégico tradicional........................................ 62
1.3.4 Planejamento Estratégico baseado em cenários ..................................................... 64
2 CENÁRIOS ..................................................................................................................... 66
2.1 O FUTURO .................................................................................................................... 68
2.2 INCERTEZA .................................................................................................................. 71
2.2.1 Fontes de incerteza .................................................................................................... 72
2.2.2 Tipologia da incerteza ............................................................................................... 73
2.2.2.1 De acordo com Knight............................................................................................... 73
2.2.2.2 De acordo com Afuah................................................................................................ 74
2.2.2.3 De acordo com Heijden............................................................................................. 75
2.2.2.4 De acordo com Porter................................................................................................ 76
2.2.2.5 De acordo com Matus................................................................................................ 76
2.2.2.6 Síntese da incerteza ................................................................................................... 77
2.3 MUDANÇA ................................................................................................................... 78
2.3.1 Tipologia das mudanças ............................................................................................ 79
2.3.1.1 Certezas estruturais.................................................................................................... 79
2.3.1.2 Tendência pesada....................................................................................................... 80
2.3.1.3 Tendência emergente ................................................................................................ 80
2.3.1.4 Fato portador de Futuro (FPF) .................................................................................. 81
2.3.1.5 Rupturas .................................................................................................................... 82
2.3.1.6 Crises ........................................................................................................................ 82
2.4 ENFOQUES BÁSICOS SOBRE O FUTURO ............................................................... 83
2.4.1 A predição .................................................................................................................. 83
2.4.2 A projeção, o risco, o prognóstico e a prospecção .................................................. 84
2.4.3 A ambiguidade e a complexidade.............................................................................. 85
2.5 A ORIGEM DO TERMO E AS DEFINIÇÕES ............................................................. 87
2.6 HISTÓRICO DO PLANEJAMENTO BASEADO EM CENÁRIOS ............................ 90
2.7 A INSTRUMENTALIDADE DOS CENÁRIOS ........................................................... 93
2.7.1 O rompimento com a concepção tradicional de tempo .......................................... 95
2.7.2 A escolha racional e a racionalidade limitada ........................................................ 97
2.7.3 Heurísticas e modelos mentais .................................................................................. 98
2.7.4 Memórias do futuro ................................................................................................... 101
2.7.5 Conhecimento codificado e conhecimento tácito .................................................... 102
2.7.6 A ótica de Fahey e Randall ....................................................................................... 105
2.7.7 O ponto de vista de Heijden ...................................................................................... 106
2.7.8 A visão de Godet ....................................................................................................... 108
2.7.9 Outras idéias importantes ......................................................................................... 109
2.7.10 Uma síntese ............................................................................................................... 111
3 PRESSUPOSTOS E MARCO TEÓRICO .................................................................. 113
3.1 CENÁRIOS UTILIZAM O PENSAMENTO SISTÊMICO .......................................... 113
3.2 CENÁRIOS UTILIZAM O PENSAMENTO DIVERGENTE....................................... 115
3.3 PRESSUPOSTOS ........................................................................................................... 115
3.4 MARCO TEÓRICO ....................................................................................................... 118
3.4.1 A essência ................................................................................................................... 118
3.4.2 O segredo .................................................................................................................... 119
3.4.3 O ponto central .......................................................................................................... 119
3.4.4 O poder ....................................................................................................................... 119
3.4.5 A força do modelo teórico sistematizado ................................................................. 119
3.4.5.1 Delimitação do sistema e do ambiente ..................................................................... 120
3.4.5.2 Compreensão do sistema-objeto ou definição de variáveis e atores ......................... 121
3.4.5.3 Identificação de condicionantes do futuro ................................................................ 125
3.4.5.4 Classificação dos condicionantes e seleção das incertezas críticas........................... 126
3.4.5.5 Definição de hipóteses plausíveis.............................................................................. 128
3.4.5.6 Combinação das hipóteses e análise de consistência................................................. 130
3.4.5.7 Análise dos atores sociais ......................................................................................... 133
3.4.5.8 Desenvolvendo os cenários ...................................................................................... 135
3.4.5.9 Cenários inesperados ou cenários-surpresa (“wild card scenarios”)......................... 136
3.5 PRINCIPAL TIPOLOGIA DOS CENÁRIOS ............................................................... 138
3.5.1 Outras classificações .................................................................................................. 141
3.6 TIPOLOGIA DAS METODOLOGIAS DE CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS ........... 142
3.7 CONTEÚDO DE UM CENÁRIO .................................................................................. 143
3.8 DIRETRIZES METODOLÓGICAS PARA A CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS ....... 145
3.9 CARACTERÍSTICAS DOS CENÁRIOS ...................................................................... 146
3.10 CRITÉRIOS QUE OS CENÁRIOS DEVEM ATENDER .......................................... 147
3.11 TÉCNICAS EMPREGADAS EM MÉTODOS DE ELABORAÇÃO DE
CENÁRIOS .......................................................................................................................... 149
4 MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS ............. ....................................... 150
4.1 MÉTODO DE GODET .................................................................................................. 151
4.1.1 Etapa de construção da base .................................................................................... 152
4.1.1.1 Variáveis.................................................................................................................... 153
4.1.1.2 Análise dos atores...................................................................................................... 159
4.1.2 Etapa de construção do cenário ................................................................................ 161
4.1.2.1 Explorando futuros possíveis: análise morfológica................................................... 162
4.1.2.2 Problemas e limitações da análise morfológica......................................................... 163
4.1.2.3 O espaço morfológico útil ......................................................................................... 164
4.2 MÉTODO DE GRUMBACH ......................................................................................... 169
4.2.1 A Técnica Delphi ........................................................................................................ 177
4.2.2 Técnica dos Impactos Cruzados ............................................................................... 181
4.2.3 Geração de cenários .................................................................................................. 186
4.2.4 Interpretação de cenários ......................................................................................... 188
4.2.5 Redação dos cenários ................................................................................................ 190
4.3 MÉTODO GLOBAL BUSINESS NETWORK OU DE PETER SCHWARTZ ............ 195
4.3.1 Etapa um: identificar a questão ou decisão principal ............................................ 195
4.3.2 Etapa dois: principais forças no ambiente local ..................................................... 199
4.3.3 Etapa três: identificação das forças motrizes .......................................................... 200
4.3.4 Etapa quatro: classificar as forças motrizes por ordem de importância e
incerteza ............................................................................................................................... 201
4.3.5 Etapa cinco: selecionar a lógica dos cenários .......................................................... 203
4.3.6 Etapa seis: detalhando os cenários ........................................................................... 206
4.3.7 Etapa sete: implicações e ações ................................................................................ 206
4.3.8 Etapa oito: seleção de indicadores e sinalizadores principais
(monitoramento) ................................................................................................................. 207
4.4 COMPARAÇÃO ENTRE OS MÉTODOS .................................................................... 208
4.5 COMUNICANDO CENÁRIOS ..................................................................................... 212
4.6 DESENVOLVENDO OS ENREDOS ............................................................................ 213
4.7 IDENTIFICANDO O SISTEMA SUBJACENTE ......................................................... 214
4.8 CORRELAÇÃO CENÁRIOS E ESTRATÉGIA DAS INSTITUIÇÕES E
ORGANIZAÇÕES ............................................................................................................... 216
5 ANÁLISE COMPARATIVA ............. ........................................................................... 219
5.1 NATIONAL SECURITY STRATEGY ......................................................................... 219
5.1.1 Síntese ......................................................................................................................... 221
5.1.2 Análise da ESN dos EUA de 2002 ............................................................................ 224
5.2 NIC 2020: “MAPEANDO O FUTURO GLOBAL EM 2020” ...................................... 230
5.2.1 Análise do documento ............................................................................................... 232
5.2.2 Novos Jogadores Globais .......................................................................................... 234
5.2.3 Globalização ............................................................................................................... 237
5.2.4 Governabilidade ........................................................................................................ 240
5.2.5 Segurança Mundial ................................................................................................... 243
5.2.6 O Terrorismo Internacional ..................................................................................... 245
5.2.7 Principais incertezas e forças motrizes .................................................................... 251
5.2.8 Mensagens dos cenários a serem considerados pela estratégia ............................. 254
6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES ................................................................................... 258
Referências bibliográficas .................................................................................................. 266
Glossário .............................................................................................................................. 276
APÊNDICE A ..................................................................................................................... 281
ANEXO A ........................................................................................................................... 308
ANEXO B ............................................................................................................................ 322
18
INTRODUÇÃO
“O futuro é construído pelas nossas decisões diárias, inconstantes e
mutáveis, e cada evento influencia todos os outros” (Alvin Toffler).
O mundo mudou e as distâncias físicas, antes óbices a uma maior interatividade por
parte das várias sociedades, foram superadas. Hoje, o mundo está conectado em rede onde os
fluxos, além de físicos, se tornaram virtuais. O novo paradigma tecnológico que se organiza
em torno da tecnologia de informação e comunicações (TIC) veio a ampliar e acelerar os
fluxos de informações e a geração de conhecimentos (CASTELLS, 1999).
Fruto dessa revolução acelerou-se a inovação e, por conseguinte, a substância e o
ritmo das mudanças se tornaram mais intensos e constantes. As seqüências de eventos não
ocorrem mais em relativo isolamento ou em grandes intervalos de tempo. Cada mudança não
afeta mais grupos discretos de pessoas somente; ao contrário, há maior simultaneidade de
ocorrência, interpenetração mais acelerada e realimentação incrementada de uma série de
mudanças sobre a outra
1
(Op. cit.).
A realidade atual é permeada por mudanças e o futuro repleto de incertezas, cujo ônus
da perplexidade recai absolutamente sob os ombros daqueles responsáveis pelas grandes
decisões, as decisões estratégicas. O que fazer diante deste quadro, como decidir em um
mundo cambiante, incerto e turbulento? Esta é a questão que assola grande parte dos decisores
de nações, instituições, organizações e empresas.
1
No livro de Alvin Toffler, “Terceira Onda”, tal fato também é articulado: “[...] muitas das mudanças da
atualidade não são independentes umas das outras. Por exemplo, o colapso da família nuclear, a crise global de
energia, o advento do tempo flexível e o novo pacote de vantagens adicionais e muitos outros eventos parecem
eventos isolados. A verdade , entretanto, é o inverso. Estes e muitos outros eventos ou tendências aparentemente
desconexas estão interrelacionadas” . O autor acrescenta: “Enquanto as considerarmos mudanças isoladas e nos
escapar esta significação maior, não poderemos idear uma resposta coerente e eficaz para elas. [...} Carecendo de
uma estrutura sistemática para compreender o choque de forças no mundo atual, somos como a tripulação de um
navio preso numa tempestade e tentando navegar sem bússola por entre perigosos recifes” (TOFFLER, 1995,
p.16).
19
Há uma passagem no conto de Lewis Carrol
2
, onde Alice, vagando no país das
maravilhas e diante de um entroncamento de estradas, aborda e questiona o personagem do
Gato sobre o caminho a ser tomado, sendo indagada por ele acerca do seu destino. Alice
respondeu que não sabia onde queria ir e o gato replicou, laconicamente, se ela não sabia onde
queria chegar, qualquer caminho serviria. Para não repetir o erro, qualquer decisor deve
estabelecer ou conhecer primeiramente suas metas, objetivos ou fins.
Mas não basta apenas isso, é necessário que o conjunto de decisões importantes esteja
imbricado com a estratégia e o planejamento, dentro de um processo denominado
planejamento estratégico, o qual deve considerar possíveis estados do futuro, baseados em
estimativas razoáveis.
O planejamento é um processo de decisão que envolve “o que fazer” e “como fazer”
antes da ação ser implementada. “O planejamento é necessário quando o estado futuro que se
deseja envolve uma série de decisões interdependentes” (ACKOFF, 1970, p. 2).
Matus afirma que o planejamento “não é outra coisa que tentar submeter à vontade
(do sujeito ou ator considerado) o curso encadeado dos acontecimentos cotidianos”
(MATUS, 1996, p. 191-193). Negar o planejamento é negar a possibilidade de escolher o
futuro, é aceitá-lo seja ele qual for.
A estratégia está conectada ao futuro, pois é naquele recorte temporal que se
encontram os fins. Ela pode ser entendida como o processo de relacionar meios e fins, em
uma moldura onde predomina a dialética das inteligências (o conflito está pressuposto), por
meio de um conjunto de decisões para alcançar os fins, as metas, as aspirações maiores de um
grupo, sociedade, organização ou nação. Ela é um caminho, uma direção geral a ser seguida.
Para decidir, é necessário analisar a situação, pois o homem precisa de uma apreciação
de conjunto da realidade em que está imerso. A situação é uma apreciação do conjunto feita
2
“Alice no país das maravilhas”.
20
pelo ator em relação às ações que projeta produzir, visando preservar ou alterar a realidade em
que vive (MATUS, 1996). A decisão ou o conjunto delas é que vai balizar a alocação e a
apropriação de recursos e suas respectivas prioridades.
Porém, o conceito de situação não pode estar limitado a uma apreciação do passado e
do presente, mas deve ser uma categoria para conceber o futuro (GRAMSCI, 1970).
Portanto, para a tomada de decisão é necessário conhecer a situação passada e
presente, as perspectivas futuras, saber aonde se quer chegar e identificar os demais
atores(competidores) e suas possibilidades.
Esta série de decisões pode ser dividida em etapas e fases que são executadas tanto por
esforços seqüenciais, por uma mesma equipe de planejamento, ou simultâneos, por diferentes
equipes; algumas decisões tomadas em um estágio precedente devem ser consideradas na
tomada de decisões posteriores ou revisadas. Essas duas características sistêmicas tornam
clara a razão de o planejamento ser um processo e não um ato, pois um processo não tem uma
conclusão natural ou fim (MATUS, 1996, p. 3).
O planejamento é considerado estratégico quanto mais extenso no tempo for seu efeito
e mais difícil de ser revertido
3
. Logo, o planejamento estratégico está ligado com decisões que
possuem efeitos mais duradouros e difíceis de reverter. Ele é de longo prazo e é
complementado pelo planejamento tático, de curto prazo. Ambos são necessários e não
podem ser separados. O planejamento estratégico tende a afetar as atividades da organização
como um todo (ACKOFF, 1970, p. 5).
Chiavenato (2004) ainda acrescenta que o planejamento estratégico envolve a empresa
(ou instituição) como uma totalidade, abrangendo todos os recursos e áreas de atividade;
preocupa-se em atingir objetivos no nível organizacional; é definido pela cúpula da
3
O termo estratégico está intimamente ligado à incerteza. Quanto maior a incerteza, maior o conteúdo
estratégico. Este é um conceito que mais adiante no trabalho fica explícito.
21
organização (no nível institucional); e corresponde ao plano maior, ao qual todos os demais
estão subordinados.
Ogilvy assinala que o planejamento estratégico tradicional “consiste principalmente
em “prever” o futuro, modelar uma visão
4
e, então, identificar os passos para cumprir a visão
no contexto do futuro como previsto” (OGILVY, 2002, p. 12). Pode-se inferir que nele há
uma única interpretação do futuro, admitindo-se que os organismos e os atores sociais
comportam-se de maneira previsível, em uma visão estática do tempo e de mundo.
Heijden, ao comentar sobre o planejamento tradicional, assinala:
A abordagem tradicional tenta eliminar a incerteza da equação estratégica
baseada na hipótese da existência de pessoas cultas que têm conhecimento
privilegiado sobre o futuro mais provável e que podem estimar as
probabilidades de resultados específicos
5
(HEIJDEN, 2005, p. 16) (tradução
nossa).
Hodgson (2004) sugere que sem explorar vários futuros para lidar com as possíveis
incertezas, o planejamento estratégico cria um cenário padrão (default): “um futuro que valida
o plano e esta visão de futuro domina.... o processo decisório”. Isto é satisfatório até que as
descontinuidades e os eventos inesperados no ambiente externo solapam completamente o
plano.
Drucker (1995) assinala que o planejamento tradicional faz a seguinte indagação em
relação ao futuro: “O que é mais provável que aconteça?”. Já o planejamento para a incerteza
pergunta: “O que já aconteceu que irá criar o futuro?”. São posturas completamente distintas.
O tradicional caracteriza o pensamento linear; o segundo, foge a este padrão.
4
Cf. Ogilvyinternal wishes, wants, and aspirations of an institution” (as vontades, desejos e aspirações de
uma instituição ou organização) (tradução nossa).
5
Texto original em inglês: “The traditional approach tries to eliminate uncertainty from the strategic equation,
by the assumption of the existence of knowledgeable people who have privileged knowledge about the most
likely future, and who can assess the probabilities of specific outcomes”. Esta mesma linha de raciocínio é
endossada na obra de Mintzberg, “A ascensão e queda do planejamento estratégico”, talvez um pouco exagerada
para chamar a atenção da falha visualizada no planejamento estratégico tradicional.
22
No livro “O ano 2000”, escrito em 1967, Herman Khan afirmava que em um ambiente
volátil, qualquer empreendimento humano na obtenção de seus interesses, aspirações,
desejos, metas e objetivos requer que se planeje de uma maneira que acomode um amplo
espectro de eventos. As opções devem ser visualizadas não somente para as escolhas de longo
prazo mais prováveis de ocorrer, mas também para as menos prováveis de modo a abranger as
oportunidades e perigos mais significativos
6
(KAHN; WIENER, 1967).
O planejamento baseado em cenários ou “cenarização”
7
tende a alargar o
conhecimento da situação, pois trabalha com vários futuros alternativos, onde a incerteza é a
regra. Dessa forma, a instituição evita a armadilha da estratégia rígida e o processo decisório
“reativo”, que só atua em reação ao acontecido.
Schwartz (2006) adverte que os cenários constituem uma ferramenta para ajudar a
adotar-se uma visão de longo prazo em um mundo de grande incerteza; e complementa que o
planejamento por cenários diz respeito a fazer escolhas hoje com uma compreensão sobre o
que pode acontecer com elas no futuro. Por fim, sentencia que os cenários representam uma
ferramenta para ordenar as percepções sobre ambientes futuros alternativos nos quais as
conseqüências da decisão vão acontecer.
O futuro, para muitos, pode ser considerado obra do destino e do acaso, sobre o qual
os homens não possuem qualquer controle; para esses, as escolhas pessoais orientam-se pelo
instinto ou intuição. Para outros, apesar da presença da incerteza, o futuro não é determinado
e pode ser antecipado e construído.
6
Texto original: [...] Na pesquisa política não se está somente preocupado com a antecipação de eventos futuros
e a tentativa de tornar o desejável mais provável e o indesejado menos provável. Está se tentando colocar os
políticos em uma posição de modo a lidar com qualquer futuro que emirja, de estar apto a mitigar o que é ruim e
explorar o que é bom. Para isso, ninguém pode se satisfazer com projeções lineares ou simples: uma amplitude
de futuros deve ser considerada. Deve-se tentar afetar a probabilidade dos vários futuros pelas decisões tomadas
hoje, como também preparar planos para lidar com as possibilidades que são menos prováveis, mas que
significam problemas, perigos e oportunidades caso se materializem (KAHN; WIENER, 1967, p. 3) (tradução
nossa).
7
O termo “cenarização” utilizado não existe na língua portuguesa. Entretanto sua utilização no trabalho refere-se
ao uso da construção de cenários como ferramenta essencial do planejamento estratégico ou “planejamento
baseado em cenários”, “planejamento por cenários” ou “prospectiva’.
23
Como Godet (1993) muito bem assevera:
O processo de planejamento não teria nenhum sentido, se a natureza e a
sociedade tivessem histórias futuras predefinidas, retirando qualquer espaço
de liberdade para definir o próprio futuro (GODET, 1993).
O planejamento envolve o futuro; no planejamento baseado em cenários, o planejador
se prepara para os possíveis futuros e até pode intervir, atuando ativamente na materialização
do futuro que se quer.
A “cenarização” envolve as diversas alternativas de futuro e comportamento dos
atores que podem se opor e afetar esse futuro ao longo da trajetória do tempo. Este exercício
de imaginar as diversas alterações que poderão ocorrer no ambiente e as reações dos atores
envolvidos vai agregar maior capacidade ao planejamento e ao processo decisório. E, por
conseqüência, em um conhecimento antecipado para enfrentar as mudanças de ambiente.
A “cenarização” responde à pergunta “O que pode acontecer no futuro?”. A estratégia
deve oferecer respostas as seguintes indagações: “Que posso fazer?”, “Que vou fazer?”,
“Como vou fazê-lo?”.
Seguindo o preconizado por Popper (1978), o qual afirmou que “o conhecimento não
começa com percepções e observação ou com a recompilação de dados ou fatos, mas sim com
problemas”, o presente trabalho busca responder ao seguinte problema:
“Qual ferramenta deve ser utilizada e sistematizada em um processo de planejamento
estratégico, no âmbito de uma instituição, diante de uma era de mudanças aceleradas
caracterizada por incertezas, de modo a melhor apoiar o processo decisório?”.
A pesquisa bibliográfica, qualitativa e analítica utilizará o método hipotético-dedutivo
e o da análise comparativa.
Conforme Marconi (2005):
Para Karl R. Popper, o método científico parte de um problema (P1), ao qual
se oferece uma espécie de solução provisória, uma teoria-tentativa (TT),
24
passando-se depois a criticar a solução, com vista à eliminação do erro (EE)
e, tal como no caso da dialética, esse processo se renovaria a si mesmo,
dando surgimento a novos problemas (P2).
A hipótese que direcionará a exploração do tema é a seguinte:
“Se a “cenarização” aumenta a consciência (situacional) de uma instituição sobre o
seu meio envolvente (ambiente) em relação ao futuro, propiciando um melhor aporte ao
processo decisório, logo, pode ser considerada um elemento instrumental para o
desenvolvimento de planos estratégicos e, por conseguinte, de uma estratégia efetiva”
8
.
A elaboração e a avaliação de cenários são bases de que dispõe o planejador para
traçar sua estratégia e atingir os objetivos de longo prazo fixados por qualquer instituição.
Em tempos de incerteza e mudanças constantes, “ver” antes permite maior
competitividade e favorece um comportamento “pró-ativo” do ente considerado pela
capacidade de antecipação dos eventos futuros. Além disso, oferece a possibilidade de moldá-
los a seu favor.
Sem a sistematização da construção de cenários como ferramenta de apoio à decisão
no planejamento estratégico, a formulação de estratégia é mera peça ficcional, pois é baseada
somente em um futuro, o futuro desejado, sem considerar as demais trajetórias possíveis,
dotando-a de uma rigidez e condicionando a organização a ter um comportamento apenas
“reativo”, de reação ao que ocorreu.
8
Eficiência é uma relação técnica entre entradas e saídas, [...] é uma relação entre custos e benefícios, ou seja,
uma relação entre os recursos aplicados e o resultado final obtido: é a razão entre o esforço e o resultado, entre a
despesa e a receita, entre o custo e o benefício resultante. A eficácia de uma empresa refere-se à sua capacidade
de satisfazer necessidades da sociedade por meio do suprimento de seus produtos (bens ou serviços)
(CHIAVENATO, 2004, p.
177).
A eficácia significa gerar o efeito, o resultado desejado. A eficiência, por sua vez, implica em uma melhor
alocação de recursos na geração do resultados. A eficácia é binária (0 ou 1), a eficiência admite gradações e
comparações (mais eficiente). Se é eficaz sem ter sido eficiente, quando o resultado foi alcançado, mas houve
desperdício de recursos. Ser efetivo é ser eficaz com eficiência, isto é, gerar o efeito desejado com a melhor
alocação de recursos.
25
A ferramenta de “cenários” pode iluminar as escolhas e instrumentalizar a construção
de estratégias flexíveis, adaptativas e robustas, no âmbito das instituições, o que justifica a
pertinência e relevância do tema.
A “cenarização” transforma a organização porque impõe a aprendizagem em todo o
seu âmbito, alarga os modelos mentais dos decisores e melhora o seu desempenho,
contribuindo para o aperfeiçoamento do processo decisório.
O objetivo principal do trabalho é validar a “cenarização” como ferramenta essencial
do planejamento estratégico. Os objetivos complementares do trabalho são os seguintes:
- Apresentar o marco teórico da “cenarização”;
- Descrever
a lógica da construção de cenários; e
- Enumerar os vários métodos de “cenarização”.
Além da comprovação eminentemente teórica e exploratória, recorrer-se-á à forma
empírica, por meio de análise comparativa, para verificar o comportamento da hipótese.
Para tanto, a “Estratégia de Segurança Nacional de 2002” (NSS 2002) (USA, 2006)
dos Estados Unidos da América (EUA) será criticada e a ferramenta de cenários norte-
americana, descrita no trabalho “Mapping the Global Future” (USA, 2004), de autoria do
National Inteligence Council (NIC), será analisada, evidenciando que os cenários construídos
dilatam a percepção mental dos decisores e podem concorrer para uma estratégia robusta e
flexível.
Para atingir aos objetivos supramencionados, o presente trabalho foi estruturado da
seguinte forma:
No Capítulo 1, será balizado o construto teórico maior, onde são estabelecidos os
principais conceitos adotados que circunscrevem e delimitam o objeto de estudo. As
categorias política, estratégia, planejamento e planejamento estratégico são conceitualmente
explorados e clarificados, bem como as suas decorrentes conexões e imbricações. Este
26
embasamento é condição prevalente para o entendimento do capítulo seguinte e permite o
apropriado conhecimento teórico para a abordagem do tema.
A tessitura conceitual resultante intenta esclarecer como a política e a estratégia se
relacionam, definindo se há uma hierarquia entre tais categorias. Buscar-se-á, também, definir
o real significado do termo “estratégia”, conceito muito articulado, mas pouco compreendido;
definir o conceito de planejamento estratégico e diferenciar o método tradicional de
planejamento do planejamento baseado em cenários.
O Capítulo 2 busca evidenciar o construto teórico que verifica a plausibilidade da
hipótese de trabalho. As categorias “futuro”, “incerteza” e “mudanças” são abordadas e
conceituadas. Uma breve incursão sobre a tomada de decisão se faz impositiva, tratando
principalmente das decisões sob o escopo da racionalidade limitada em situações de incerteza
e turbulência. A intenção é demonstrar que uma decisão sob incerteza tende a se amparar em
regras heurísticas, que nada mais são que simplificações da realidade. Tal inconsistência é
superada com a aplicação de cenários, os quais subvertem o tempo, permitindo testar futuros
no momento presente. Assim os modelos mentais dos tomadores de decisão são alargados,
acontece a aprendizagem e expande-se a base de conhecimentos. Neste processo, agrega-se o
verdadeiro conhecimento, a sabedoria, a qual, por sua vez, fundamenta e instrumentaliza as
melhores decisões.
Por sua vez, o Capítulo 3 estabelece os pressupostos e o marco teórico da construção
de cenários, fundamental para o entendimento do capítulo anterior. Nele se intenta evidenciar
que para construção de um bom conhecimento sobre o futuro deve-se aliar a razão e a
intuição, esta última valorizada pela criatividade. O presente capítulo e o anterior constituem a
essência do trabalho.
O Capítulo 4 descreverá e oferecerá uma comparação dos principais métodos: o
método Godet, o método Grumbach e o método Global Business Network (GBN).
27
O Capítulo 5 constitui uma análise comparativa, a qual correlacionará a ferramenta de
construção de cenários (ferramenta) e a estratégia (produto), ambas aplicadas à situação dos
EUA. A escolha fundamentou-se pelo fato de existir farta documentação disponível, os
documentos primários atinentes aos tópicos de interesse serem de acesso público, bem como
tratar-se de uma referência para possíveis explanações, generalizações e emulações. O
objetivo é evidenciar que a sistematização da ferramenta constituída pela construção de
cenários instrui e é essencial ao planejamento estratégico por orientar a formulação da
estratégia.
Enfim, na conclusão, serão enfatizadas as idéias principais do trabalho, as quais
concorrem para corroborar a hipótese apresentada; enumeradas as conclusões propriamente
ditas; e apresentadas sugestões para serem examinadas, principalmente nas instituições e
organizações no âmbito do Estado brasileiro.
28
1 ESTRUTURAÇÃO DO CONSTRUTO TEÓRICO MAIOR
Neste capítulo se estabeleceu a organização da estrutura informacional sobre o assunto
de modo a construir o arcabouço dos conceitos adotados no presente trabalho. Tais conceitos
circunscrevem o construto teórico necessário para a “cenarização”.
As categorias, por significarem recortes singulares de conteúdo selecionados para
balizar o conhecimento do objeto da pesquisa, constituem os pressupostos teóricos básicos.
1.1 POLÍTICA
O termo é derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que
se refere à cidade e, conseqüentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e
social (BOBBIO, 1998).
O conceito de Política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana, está
estreitamente ligado ao de poder. Este tem sido tradicionalmente definido como "consistente
nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem" (Hobbes) ou, analogamente, como
"conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados" (Russell). Sendo um destes
meios, além do domínio da natureza, o domínio sobre os outros homens, o poder é definido
por vezes como uma relação entre dois sujeitos, dos quais um impõe ao outro a própria
vontade e determina-lhe, malgrado seu, o comportamento (Op. cit.).
Logo, pode-se dizer que o poder é instrumento da política para alcançar um fim, pois
poder para adquirir mais poder ou poder pelo poder é mais uma deturpação e destituiria a
política de sua instrumentalidade.
Os fins que se pretendem alcançar pela ação dos políticos são aqueles que, em cada
situação, são considerados prioritários para o(s) grupo(s) (ou para a classe nele dominante): em
29
épocas de lutas sociais e civis, por exemplo, será a unidade do Estado, a concórdia, a paz, a
ordem pública; em tempos de paz interna e externa, será o bem-estar, a prosperidade; em
tempos de opressão por parte de um Governo despótico, se a conquista dos direitos civis e
políticos; em tempos de dependência de uma potência estrangeira, a independência nacional.
Isto quer dizer que a Política não tem fins perpetuamente estabelecidos e, muito menos, um
fim que englobe a todos e que possa ser considerado como o seu verdadeiro fim: os fins da
Política são tantos quantos forem as metas que um grupo organizado se propuser, de acordo
com os tempos e circunstâncias. O fim na Política tende a ser o bem comum. (Op. cit.).
O conceito teórico de política, que orienta o presente trabalho, ajusta-se ao conceito de
um sistema no qual todos os grupos ativos e legítimos da população podem se fazer ouvir em
algum estágio crucial do processo de tomada de decisões como explicitado por Robert Dahl
ao conceituar “poliarquia”.
De acordo com Dahl (1988), são oito as garantias institucionais necessárias à
poliarquia: liberdade de formar e aderir a organizações; liberdade de expressão; direito de
voto; elegibilidade para cargos públicos; direito de líderes políticos disputarem apoio, fontes
alternativas de informação; eleições livres e idôneas; instituições para fazer com que as
políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência.
Mediante a existência das mesmas, pode-se dizer como Dahl que:
[...] as poliarquias podem ser pensadas então como regimes relativamente
(mas incompletamente) democratizados, ou em outros termos, as poliarquias
são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto
é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública.
(DAHL, 1988)
Baseado no conceito de poliarquia e na premissa de que o “bem comum” é o resultado
quando se atribui algum grau de racionalidade no exercício da política, pode-se afirmar que o
grupo de pessoas incumbido de tomar decisões e que representa o Estado ou suas instituições
deve estar capacitado a receber as aspirações dos vários estratos da sociedade. Estas
30
aspirações, interesses e desejos se institucionalizam de formas distintas e diversas, cabendo à
política administrar e buscar atender tais expectativas de forma majoritária.
No presente trabalho, foi adotada a premissa que cabe à política estabelecer ou a
reajustar os “fins” da estratégia. Neste comportamento está implícito que a política deve agir
como procuradora de todos os grupos que integram a sociedade. Assim, aquela zela pela
igualdade e liberdade desta, assegurando condições plenas para o bom convívio social.
De acordo com William Jenkins, uma diretriz política (policy) é:
[...] uma série de decisões interconectadas tomadas por um ator político ou
grupo de atores sobre a seleção de objetivos e meios para alcançá-los, dentro
de uma situação específica, onde essas decisões devem, a princípio, estar
dentro do poder de alcance desses atores (JENKINS, 1978, p. 15).
Consoante à definição acima, a estratégia pode ser considerada uma diretriz política,
cuja característica principal é acatar as escolhas políticas expressadas pelos objetivos
selecionados.
A formulação de uma estratégia institucional demanda o reconhecimento e
sistematização das aspirações da ordem coletiva para se chegar a um ou mais resultados (fim e
objetivo político) determinado pela política.
A esse respeito, Collin e Porras afirmam que:
As organizações que usufruem do sucesso duradouro possuem valores e
propósitos centrais que permanecem fixos, enquanto suas estratégias e
práticas se adaptam indefinidamente ao mundo cambiante (COLLIN;
PORRAS, 1996, p.65).
Geralmente, no âmbito institucional ou organizacional, os objetivos da política são
formalmente explicitados em sua missão e são expressos em termos amplos. A estratégia ao
vincular-se à política adquire lógica e coerência e obtém legitimidade. Apartada dos fins
selecionados pela política, a estratégia não existe.
31
1.2 ESTRATÉGIA
1.2.1 Etimologia e evolução do termo
A etimologia do termo estratégia tem sua origem na palavra grega stratos, cujo
significado é “o exército que acampa”. Stratos associado a agein, cuja acepção é “conduzir
adiante, avançar” sugere que estratégia é a arte de movimentar os exércitos, o que permite
inferir que a estratégia não é estática, mas dinâmica, ligada ao movimento (COUTAU-
BÉGARIE, 2006, p. 43).
Stratos associado a ago (comandar)gera strategos que significa o general, aquele que
comanda o exército que acampa ou, em uma interpretação mais holística, aquele que inspira
(Op. cit.).
O “estratego” é aquele que age: conduz o exército, o empurra adiante. O “estrategista”
é aquele que pensa. Este se vale do raciocínio e tem todo o tempo a seu dispor; aquele é
obrigado a agir imediatamente, a partir de informações insuficientes e incertas (Op. cit., p.
24).
É em Atenas que aparece, no século V a.C., a função do estratego. As tribos elegem
dez estrategos. Eles formam um colegiado dentro do qual um chefe pode impor-se aos seus
colegas. Porém, todos têm vocação para conduzir o exército ou parte dele: o estratego dos
hoplitas comanda o exército em campanha, o estratego do território é o encarregado da defesa
da Ática, os dois estrategos do Pireu asseguram a defesa costeira, outro estratego cuida do
armamento da esquadra e aos demais são atribuídas missões “ad hoc” (sic) (Op. cit., p. 44).
As idéias acima permitem inferir que a estratégia pode significar manobra
(movimentar tropas), englobar a reflexão e a ação e relacionar-se ao conflito.
Na obra “A Arte da Guerra” de Sun Tzu (2004) é explicitado que as manobras
estratégicas significam escolher os caminhos mais vantajosos.
32
Desde os tempos de Maquiavel até o século XVIII, os escritos utilizaram o termo
relacionado à "estratagema", que significa um ardil para conseguir uma vantagem através da
surpresa (OWENS apud COUTAU-BÉGARIE, 2006).
Foram os grandes intérpretes da arte da guerra napoleônica, o Barão Antoine Henri
Jomini e Carl von Clausewitz, que estabeleceram as bases para os estudos da estratégia ao
dividir a arte da guerra na teoria do "uso dos engajamentos
9
para o fim da guerra" (estratégia)
e do "uso das forças armadas no engajamento" (tática)
10
.
Estratégia é o uso dos engajamentos para o propósito da guerra. O estrategista,
portanto, deve definir um fim (objetivo) para toda a parte operacional da guerra que estará em
sintonia com seu propósito. Em outras palavras, o estrategista elaborará o plano da guerra, e o
fim determinará a série de ações dirigidas a consegui-lo
11
.
Enquanto Clausewitz, Jomini e seus sucessores limitaram o uso do termo "estratégia"
à aplicação das forças militares para cumprir os fins da política, o vocábulo começou a ser
utilizado cada vez mais num sentido mais amplo a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918).
Na Primeira Guerra Mundial as esperanças de que seria uma guerra breve foram
frustradas por operações militares que se eternizaram. A mobilização econômica tornou-se
uma das preocupações primordiais dos beligerantes, assim como a propaganda, as quais foram
organizadas de maneira sistemática. Esta evolução favoreceu o reconhecimento das
dimensões não-militares da estratégia no período entre as duas guerras (COUTAU-
BÉGARIE, 2006, p. 51-52).
9
O engajamento é uma subdivisão do combate e consiste em um único ato isolado, completo em si mesmo,
podendo ser entendido como equivalente a uma batalha.
10
CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. Tradução: Michael Howard e Peter Paret. Princeton: Princeton
University Press, 1976, p. 128.
11
Ibid, p. 177.
33
Depois da Segunda Guerra Mundial, assiste-se a uma última evolução que vai fazer
com que a estratégia saia da esfera estatal e bélica, passando a ser aplicada a qualquer
atividade social (Op. cit., p. 52).
Desde então, a estratégia nada mais é que um “conjunto de ações coordenadas de
operações engenhosas e de manobras tendo em vista alcançar um propósito determinado”
(Op. cit.).
1.2.2 A essência da estratégia: dialética das inteligências
Na busca da essência da atividade estratégica, Coutau-Bégarie, utilizando-se da
definição de estratégia de Beaufre, em sua obra Introdução à Estratégia (1963), apregoa que
“Estratégia é a dialética das inteligências, em um meio conflituoso, baseada na utilização ou
na ameaça da força para fins políticos” (BEAUFRE apud COTAU_BÉRGARIE, 2006, p. 54).
Reis (2007) concorda com a assertiva e reforça o argumento ao afirmar “[...] a estratégia está
ligada à dinâmica do mundo real e, portanto, pressupõe a ação da inteligência”
12
.
Na defesa de tal conceito, Bégarie apresenta as seguintes justificativas:
- a dialética das inteligências - para destacar que a estratégia constitui o nível
superior, em que o discernimento, a astúcia e a velocidade de reação levam vantagem sobre a
força pura, a qual se manifesta muito mais na condução do combate;
- o inimigo como constituinte da relação estratégica - a estratégia é uma relação de
troca, de um tipo certamente particular, mas que só pode ser feita a dois. Ela é bem filha da
política, visto que supõe, de início, a designação do seu adversário. Ela é, fundamentalmente,
um fenômeno de ação / reação;
12
REIS, Reginaldo G. G. Tratado de Estratégia. VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos (ENEE).
Brasília. 2007, p. 3.
34
- em um meio conflituoso - o conflito comandado pela estratégia tem um fim que é a
vitória. A estratégia pura é um jogo de soma zero; na prática, porém, as coisas não se passam
sempre assim;
- fundamentada na força (estratégia da ação) ou na ameaça (estratégia da dissuasão)
dela - a força é transformada em poder pela estratégia. O poder é a força em ação; e
- sobre fins políticos - o meio é militar, mas o fim é político e não se pode conceber o
meio independente do fim. A estratégia integra as duas dimensões, ela é dual.
Em suma, o autor quis ressaltar que o conceito purista de estratégia remete à dialética
das inteligências, a qual, em última instância, fundamenta-se na força, evidenciando que o
antagonismo político é o mais forte de todos. Se a estratégia contemporânea quer ir além dos
limites da moldura da guerra, ela deve sempre se inscrever dentro da categoria do conflito, da
competição, confrontando as inteligências
13
.
1.2.3 A estratégia militar
A política cria e dirige a guerra. A atividade que se esforça diretamente para atingir as
metas políticas, seja na paz ou na guerra, é a estratégia (LIDDEL HART, 1967).
No mais alto nível, o domínio da estratégia nacional envolve a aplicação e a
coordenação de todos os integrantes do Poder Nacional - econômico, diplomático,
psicológico, tecnológico e militar. A estratégia militar é a aplicação ou a ameaça do uso da
13
O entendimento implícito é o de inteligência como expressão do conhecimento tanto das suas forças como das
do inimigo, no caso do conflito. No ambiente das organizações e empresas, isto se denomina Inteligência
Competitiva (IC). A IC, conforme a Associação Brasileira de profissionais de Inteligência Competitiva
(ABRAIC), é um processo sistemático que visa descobrir as forças que regem os negócios, reduzir o risco e
conduzir o tomador de decisão a agir antecipadamente, bem como proteger o conhecimento gerado. Esse
processo informacional é composto pelas etapas de coleta e busca ética de dados, informes e informações
formais e informais (tanto do macroambiente como do ambiente competitivo e interno da empresa), análise de
forma filtrada e integrada e respectiva disseminação. O processo de IC tem sua origem nos métodos utilizados
pelos órgãos de Inteligência governamentais, que visavam basicamente identificar e avaliar informações ligadas
à Defesa Nacional.
35
força militar para impor o que a política prescreve. A estratégia militar deve ser subordinada
à estratégia nacional e coordenada com o uso dos demais elementos do Poder Nacional (USA,
1997).
A estratégia militar é a arte e a ciência de empregar as forças armadas de uma nação
para conquistar os objetivos da política nacional pelo uso ou ameaça da força (USA, 2001).
Esta definição se coaduna com o que prescreveu Clausewitz: “A estratégia é a utilização dos
engajamentos e batalhas para atingir o propósito da guerra”(CLAUSEWITZ, 1993, p.207).
Ambas as definições permitem inferir que a estratégia militar pressupõe uma ambiência de
conflito entre duas forças vivas que se opõem.
Primeiramente, a estratégia traduz os propósitos políticos em termos militares pelo
estabelecimento de metas ou objetivos militares-estratégicos. Em segundo lugar, a estratégia
provê os recursos, tanto tangíveis, como material e pessoal, quanto intangíveis como apoio
político e popular para as operações militares. Por último a estratégia sendo influenciada
pelas preocupações políticas e sociais, estabelece condições para a conduta nas operações
militares (USA, 1997, p. 10-12).
A estratégia é tanto produto como processo. A estratégia envolve a criação de planos –
estratégias específicas para lidar com problemas específicos – e o processo de implementá-los
em um ambiente dinâmico e de mudanças (Op. cit., p. 5).
Os meios na estratégia militar ganham representação no combate real ou virtual que se
trava e pelas operações militares visualizadas e executadas.
Existem dois fins fundamentais por trás do uso da força militar. O primeiro é
sobrepujar fisicamente a capacidade militar do inimigo, deixando-o incapaz de resistir à
vontade do oponente. A outra é infligir tantos danos que os custos associados geram uma boa
vontade de negociar o fim das hostilidades nos termos desejados pelo oponente (USA, 1997,
p. 54-55)
36
Os níveis de condução
14
da guerra formam uma hierarquia. Os engajamentos táticos
são componentes de uma batalha e as batalhas são elementos de uma campanha. A campanha,
por sua vez, pode ser uma fase de um desenho estratégico para alcançar os objetivos ditados
pela política. Em que pese a hierarquia, não há limites nítidos entre os níveis; eles estão
entrelaçados e formam um contínuo (USA, 1997, p. 13).
Quando se recorre ao uso da força, o nível político elege o objetivo político,
geralmente retórico e abstrato e não operativo do ponto de vista militar. O objetivo político é
o motivo original justificador do ato de força, sendo, portanto, o farol, o fim da ação militar e
do esforço a ser empreendido. Os objetivos militares traduzem os objetivos políticos
(normalmente ambíguos e retóricos) em objetivos que permitam o desenho de operações
militares eficazes. Logo, o objetivo militar orienta o comandante do teatro na sua seleção dos
objetivos operacionais ou de campanha, os quais tendem a ser muito mais substantivos. Cada
objetivo operacional implicará em vários objetivos táticos atinentes aos comandantes de
forças componentes presentes no teatro de operações.
Os planos são formulados em cada nível em resposta à percepção da ameaça aos
objetivos em função de cenários baseados na interação entre possíveis ações das forças que se
confrontam; assim, as capacidades militares podem ser obtidas a partir de atividades
interconectadas.
A lógica funciona também de baixo para cima, só que agora provendo uma visão
integrativa: os objetivos táticos irão concorrer para a consecução dos Planos/Ordens de
Operação, os objetivos operacionais concorrem para a consecução do Plano de Campanha, os
objetivos militares para o Plano de Guerra. Segundo esse fluxo de baixo para cima, os fins
14
Não há verdadeiramente uma partição da guerra. Apenas, devido ao aumento e a complexidade do espaço de
batalha e todas as dificuldades daí decorrentes, particularmente as logísticas, resolveu-se adotar instâncias
decisórias e de planejamento específicas de modo a realizar uma melhor gestão do combate. Os níveis de
condução da guerra são: o político (fora do âmbito estritamente militar), o estratégico, o operacional e o tático.
37
(efeitos desejados mais amplos) a serem atingidos em cada nível de planejamento, provêem
um claro significado das estratégias e táticas formuladas (KILIAN, 2005).
O nível operacional da guerra consiste em conceber, efetuar e explorar uma variedade
de operações para realizar uma meta estratégica. Na sua essência, o nível operacional envolve
decidir quando, onde, o propósito e sob que condições oferecer ou negar o combate tendo
como referência o esquema ou plano estratégico. O nível operacional governa o
desdobramento de forças, seu compromisso ou retirada do combate e a seqüência das ações
táticas para alcançar os objetivos ou propósitos estratégicos.
A tática preocupa-se em derrotar uma força inimiga num local e tempo específico
(aqui e agora). O nível tático da guerra é o mundo do combatente. Os meios da tática são os
vários componentes do poder de combate à disposição. Suas formas são os conceitos que
expressam a aplicação do poder de combate contra o adversário. Seu fim é a vitória: derrotar
as forças oponentes. A esse respeito, pode-se ver a tática como a disciplina de vencer cada
batalha e engajamento.
De tudo que foi exposto, podem-se depreender alguns pontos interessantes e que
ajudam no entendimento do conceito de “estratégia”:
- está subordinada à política, a esta cabe estabelecer o(s) fins (resultados ou efeitos
desejados mais amplos), agregando-lhe coerência e legitimidade;
- representa um fluxo contínuo onde preponderam as ações de pensar, fazer planos que
se conectam em vários níveis e executar operações militares integradas e ações táticas,
defasadas no tempo e espaço, considerando os futuros possíveis da confrontação e de forma a
gerar, com sincronia, os efeitos (futuros) desejados pretendidos;
- os responsáveis por ela são os “comandantes e seus estados-maiores” em todos os
níveis, pois as atividades em cada nível são integradas e interligadas ao nível superior
propiciando coerência ao todo;
38
- tanto é arte como ciência, comportando duas vertentes. Uma intuitiva e criativa;
outra racional e científica;
- está conectada com o futuro e íntima imbricação com a crença de que o futuro pode
ser construído pelas decisões e ações do presente;
- é uma forma de expressar a dialética de inteligências, onde cada partido tenta impor
sua vontade ao outro com a busca do conhecimento do oponente e do ambiente,
caracterizando o conflito como uma condição, sem a qual não faz sentido falar em estratégia;
- compõe-se de um conjunto de ações, emveis distintos, sincronizadas com os meios
de ação (recursos) e ordenadas no tempo e no espaço na busca de objetivos estratégicos dentro
do sistema ou ambiente do qual faz parte;
- pode servir como um estratagema quando explicitamente declarada, tendo uma
função de dissuadir os possíveis adversários;
- funciona como uma ferramenta da liderança para mobilizar recursos e agregar (dar
coesão) o ente (a instituição) considerado em sua trajetória;
- é resultado do pensamento em ação, da visão holística de onde se está e para aonde
se quer ir;
- fundamenta-se em uma postura “pró-ativa” diante do mundo, gerando sinergia; e
- deve ser ambidestra, tendo capacidade de adaptar-se às oportunidades e manter-se
alinhada com seus objetivos.
1.2.4 A estratégia nas organizações
Diferentemente da vitória apregoada como fim na estratégia militar, a estratégia
empresarial tem como objetivo/fim o lucro, a sobrevivência ou uma parte do mercado. O
O conceito de estratégia não possui, na literatura gerencial e empresarial, nenhuma
definição universalmente aceita. Logo, o termo pode ser considerado polissêmico. O quadro
abaixo evidencia a diversidade do conceito de estratégia.
No entanto, as empresas se apropriaram de vários termos militares, fruto da
configuração altamente competitiva em uma parcela do ambiente empresarial – “aliar-se”,
“causar danos”, “ocupar espaços” e “conquistar posições inimigas” (MOTTA, 1997).
conflito no ambiente empresarial traduz-se em competição ou concorrência sem a
manifestação da força ou violência.
39
40
Autores Definição Componentes Processo
racional/analítico
Processo
negociado
Processo
aprendizagem
Responsabilidade da
decisão
CHANDLER (1962) Estratégia é a determinação dos objetivos básicos de longo prazo
de uma empresa e a adoção das ações adequadas e alocação de
recursos para atingir esses objetivos
- objetivos
- meios
- alocação
de recursos
No mais alto nível da
gestão
LEARNED, CHRISTENSEN,
ANDREWS, GUTH
(1965)
ANDREWS
(1971)
Estratégia é o padrão de objetivos, fins ou metas e principais
políticas e planos para atingir esses objetivos, estabelecidos de
forma a definir qual o negócio em que a empresa está e o tipo de
empresa que é ou vai ser.
- objetivos
- meios
X
Nem sempre existe
formalização do
processo.
A estratégia emerge da
liderança formal da
empresa.
ANSOFF (1965) Estratégia é um conjunto de regras de tomada de decisão em
condições de desconhecimento parcial. As decisões estratégicas
dizem respeito à relação entre a empresa e o seu ecossistema
- meios
- produtos / mercado
- vetor
crescimento
- vantagem
competitiva
- sinergia
X Conselho de
Administração
KATZ
(1970)
Estratégia refere-se à relação entre a empresa e o seu meio
envolvente: relação atual (situação estratégica) e relação futura
(plano estratégico) que é um conjunto de objetivos e ações a tomar
para atingir esses objetivos
- Definição do negócio
- Características
da performance
- Alocação de recursos
- Sinergia
STEINER; MEINER
(1977)
Estratégia é o forjar de missões da empresa, estabelecimento de
objetivos à luz das forças internas e externas, formulação de
políticas específicas e estratégias para atingir objetivos e assegurar
a adequada implantação de forma a que os fins e objetivos sejam
atingidos
- Objetivos
- Meios
X Ponto de vista do
dirigente máximo
HOLFER&SCHANDEL
(1978)
Estratégia é o estabelecimento dos meios fundamentais para atingir
os objetivos, sujeito a um conjunto de restrições do meio
envolvente. Supõe: a descrição dos padrões mais importantes da
alocação de recursos e a descrição das interações mais importantes
com o meio envolvente.
- Meios X
Algumas
organizações não tem
estratégias explícitas
(PORTER, 1980) Estratégia competitiva são ações ofensivas ou defensivas para criar
uma posição defensável em uma indústria, para enfrentar com
sucesso as forças competitivas e, assim, obter um retorno maior
sobre o investimento.
- Vantagem competitiva
- Alocação e otimização
de recursos
X Administração
(JAUCH E GLUECK, 1980) Estratégia é um plano unificado, global e integrado relacionando as
vantagens estratégicas com os desafios do meio envolvente. É
elaborado para assegurar que os objetivos básicos da empresa
sejam atingidos.
X Administração
(QUINN, 1980) Estratégia é um modelo ou plano que integra os objetivos, as
políticas e a seqüência de ações num todo coerente.
- Objetivos
-Meios
X
41
THIETART
(1984)
Estratégia é o conjunto de decisões para ações relativas às escolhas
dos meios e à articulação de recursos com vista a atingir um
objetivo.
- Meios
-Alocação de recursos
Processo racional
técnico-econômico
Processo político
de identificação
dos atores
internos e
externos em
presença e
avaliação do seu
poder de
influência
de modo a
encontrar uma
base de
negociação.
MARTINET
(1984)
Estratégia designa o conjunto de critérios de decisão escolhido pelo
núcleo estratégico para orientar de forma determinante e durável as
atividades e a configuração da empresa.
X Processo político
de negociação
Grupo estratégico ligado
ao poder
RAMANANTSOA
(1984)
Estratégia é o problema da alocação de recursos envolvendo de
forma durável o futuro da empresa
- Alocação de recursos X
MINTZBERG
(1988a)
Estratégia é uma força mediadora entre a organização e o seu meio
envolvente: um padrão no processo de tomada de decisões
organizacionais para fazer face ao meio envolvente.
- X
HAX E MAJLUF
(1988)
Estratégia é o conjunto de decisões coerentes, unificadoras e
integradoras que determina e revela a vontade da organização em
termos de objetivos de longo prazo, programa de ações e prioridade
na alocação de recursos
- Objetivos
-Meios
-Alocação de recursos
Fig 1: Os vários conceitos de Estratégia
Fonte: NICOLAU, Isabel. O Conceito de Estratégia. ISCTE. Lisboa, 2001
42
Entre as convergências podem ser assinaladas as seguintes:
- Todas as definições relacionam a organização ao meio envolvente (ambiente),
evidenciando que este representa um condicionante para as atividades daquela. Esta relação
entre a organização e o seu meio ambiente é que dá sentido ao conceito de estratégia. Neste
ponto fica ressaltada a dialética das inteligências, pois aquele que conhecer mais a si mesmo e
o seu entorno, terá maior probabilidade de ter sucesso;
- A importância das decisões estratégicas para o futuro das organizações e o
decorrente papel exercido pelos responsáveis na concepção e elaboração destas decisões; e
- As estratégias podem ser estabelecidas na estrutura da organização ou no campo das
atividades específicas desenvolvidas dentro dela ( NICOLAU, 2001).
Quanto às divergências, ficam explícitas algumas diferenças no âmbito do conteúdo
do conceito. Uma vertente exclui a escolha dos fins pertencente ao domínio político, no mais
alto nível, e dos planos detalhados para atingi-los. A outra vertente considera os objetivos
inseparáveis da definição de políticas e das ações organizadas com o propósito de alcançá-los.
Também fica nítida a diversidade de aspectos enfatizados pelos autores (Op. cit.).
Três aspectos importantes são ressaltados. Primeiro, a ambiência da estratégia
pressupõe a dialética das inteligências. A busca do conhecimento de si e do ambiente é
fundamental para estabelecer os caminhos e formas mais efetivas para priorizar e apropriar os
meios na busca dos fins. Segundo, a estratégia diz respeito ao tempo futuro e, portanto, tem
que lidar com incertezas. Por último, a estratégia é um conjunto de processos integrados e
coerentes que tratam da definição dos objetivos, dos meios e das formas de atingi-los.
43
1.2.5 Concepções de estratégia - Whittington
Whittington (2006) apresenta quatro concepções básicas de estratégia: clássica,
evolucionista, processual e sistêmica, as quais podem ser diferenciadas em função dos eixos
“resultados” e “processos”, como mostrado na figura abaixo.
Fig 2: Perspectivas genéricas sobre Estratégia
Fonte: WHITTINGTON, Richard. O que é Estratégia? São Paulo: Thomson Pioneira, 2006.
Na abordagem clássica, estratégia é o processo racional de cálculos e análises
deliberadas, com o objetivo de maximizar a vantagem em longo prazo. Para os clássicos,
dominar os ambientes interno e externo exige um bom planejamento.
A abordagem evolucionista coloca os gestores na espera de que os mercados garantam
a maximização do lucro, numa ênfase aos processos competitivos da seleção natural. Nesta
visão as organizações maximizam suas chances de sobrevivência buscando um ajuste, no
curto prazo, ao ambiente em que se inserem.
Na perspectiva processual, a estratégia pode emergir retrospectivamente, depois que a
ação aconteceu e ela não está relacionada unicamente à escolha de mercados e ao controle de
desempenho, mas também ao desenvolvimento de competências internas. Nesta concepção
ficam diminuídas a importância da análise racional e a maximização do lucro.
44
A perspectiva sistêmica propõe que os objetivos e as práticas da estratégia dependem
do sistema social onde ela está inserida. As normas que direcionam a estratégia derivam das
regras culturais da sociedade local e são influenciadas pelos valores e crenças.
1.2.6 A Estratégia para Mintzberg
Para Mintzberg (2000), a estratégia tem cinco definições e dez escolas
15
.
A estratégia pode ser entendida como: plano, padrão, posição, perspectiva ou manobra
(os 5 Ps)
16
.
Como plano, a estratégia é entendida como sendo uma direção, guia ou curso de ação
para o futuro, algo intencional e planejado, por meio do qual se buscam objetivos pré-
determinados (olhar para frente).
Como padrão, a estratégia é um modelo que apresenta consistência no comportamento
ao longo do tempo. Quando um determinado curso de ação traz resultados positivos, a
tendência natural é incorporá-lo ao comportamento (olhar para o comportamento passado).
Se como plano as estratégias são propositais ou deliberadas, como padrão as
estratégias são emergentes, surgindo sem intenção.
Na estratégia como posição, a organização busca na indústria ou negócio que atua um
posicionamento que lhe permita sustentar-se e defender sua posição dentro deste setor. Reflete
como a organização ou empresa é percebida externamente, pelo ambiente.
A estratégia como perspectiva refere-se ao modo como a organização se percebe
frente ao mercado. Têm relação com a cultura, a ideologia e percepção interna da
organização.
15
A classificação em escolas prioriza o processo de formulação estratégica.
16
Os 5P´s: Plan (Plano), Pattern (Padrão), Position (Posição), Perspective (Perspectiva), Ploy (Trama ou
manobra).
45
A estratégia como manobra pode ser aplicada com a finalidade de confundir, iludir ou
comunicar uma mensagem falsa ou não, aos concorrentes.
Se as definições refletem os possíveis significados da estratégia, as escolas expressam
os diferentes pontos de vista da prática gerencial, do processo de formular estratégia. Cada
escola reflete uma perspectiva limitada, mas possui uma vantagem, pois aguça os demais
sentidos para as sutilezas que podem escapar àqueles que enxergam com clareza o todo. As
escolas, juntamente com o adjetivo que melhor parece captar a visão que cada uma tem do
processo de estratégia, estão relacionadas abaixo.
A
escola do desenho (design) representa a visão mais influente do processo de
formação da estratégia. Ela propõe um modelo de formulação de estratégia que busca atingir
uma adequação entre as capacidades internas e as possibilidades externas. A primeira,
revelando forças e fraquezas e a segunda, as ameaças e oportunidades no ambiente (matriz
SWOT).
As premissas da escola do design são as seguintes:
- A formação da estratégia deve ser um processo deliberado de pensamento
consciente;
- Apenas existe um estrategista e este é o executivo que se senta no cume da pirâmide
organizacional
17
;
- O modelo de formação da estratégia deve ser mantido simples e informal;
- As estratégias devem ser únicas: as melhores resultam de um processo de design
individual;
- O processo de design está completo quando as estratégias parecem plenamente
formuladas como perspectiva;
- Essas estratégias devem ser explícitas; assim, precisam ser mantidas simples; e
17
Geralmente o “Chief Executive Officer (CEO) (Diretor executivo ou Diretor-Geral)” é a pessoa com a mais
alta responsabilidade ou autoridade numa organização.
46
- Finalmente, somente depois que essas estratégias únicas, desenvolvidas, explícitas e
simples são totalmente formuladas é que elas podem ser implementadas.
A escola do planejamento também é prescritiva e parte de uma elaborada seqüência
de etapas – produza cada um dos componentes conforme o especificado, monte-os de acordo
com os desenhos e o produto final (estratégia) estará pronto. Em outras palavras, a análise
forneceria a síntese. A ênfase na decomposição e na formalização significa que as atividades
mais operacionais recebem atenção, especialmente a programação e o orçamento.
Suas premissas são:
- As estratégias devem resultar de um processo controlado e consciente de
planejamento formal, decomposto em etapas distintas, cada uma delineada por listas de
verificação (checklists) e apoiada por técnicos;
- A responsabilidade por todo o processo está, em princípio, com o executivo
principal: na prática, a responsabilidade pela execução está com os planejadores; e
- As estratégias surgem prontas deste processo, devendo ser explicitadas para que
possam ser implementadas através da atenção detalhada a objetivos, orçamentos, programas e
planos operacionais de vários tipos.
Uma hierarquia de procedimentos baseia-se na hipótese de que se cada componente
for produzido como especificado e montado na ordem prescrita, um produto integrado será
gerado no final da linha. É o modelo meios – fins, segundo a noção racional de que um
problema pode ser solucionado pela partição racional do seu conjunto em termos de meios e
fins segundo uma hierarquia. Mas isto não é totalmente verdadeiro; estratégias não podem ser
criadas pela mesma lógica que orienta a montagem de automóveis. Além disso, o planejador,
principalmente aquele que se coloca em níveis elevados, deve estar consciente de que as
informações são muito agregadas, tais como informações estatísticas, sob a premissa de que
nada é perdido no processo de agregação.
47
Ao se reduzir a teoria a ações mecânicas sistematicamente desencadeadas, acaba-se
por transformar uma atividade cognitiva em um mero processo mecânico. Desta forma, as
soluções encontradas são apenas extrapolações diferenciadas ou diversificadas de padrões já
existentes que procuram adequar elementos internos (forças e fraquezas) aos arranjos
possíveis com fatores externos do ambiente (ameaças e oportunidades).
A
escola do posicionamento, tal qual as duas escolas que a precederam, vê a
formação de estratégia como um processo controlado e consciente (prescritivo), que produzia
estratégias deliberadas completamente desenvolvidas, a serem explicitadas antes da sua
execução formal. Mas na escola do posicionamento, o processo se concentra mais nos
cálculos, na seleção de posições estratégicas genéricas. O maior expoente da escola do
posicionamento é Michael Porter.
Porter (1980) destaca a vantagem competitiva, que visa a estabelecer uma posição de
lucratividade sustentável em uma determinada indústria, que vem a ser a arena competitiva
onde as forças distintas atuam. A idéia principal é que uma empresa que obtém retornos
superiores dentro de sua indústria, tem vantagem competitiva sobre os concorrentes.
A vantagem competitiva deve ser entendida observando-se o todo da empresa e suas
partes. Logo, deve-se entender a empresa como um conjunto de atividades funcionais;
identificar as atividades de relevância estratégica e avaliar a contribuição de cada atividade ou
conjunto de atividades da empresa para determinar a posição relativa de custos e para criar a
base para diferenciação. A estratégia competitiva é uma combinação dos fins (metas) que a
empresa busca e dos meios pelos quais está buscando chegar lá.
Porter adota regras e leis com pretensões universais (axiomas) para a tomada de
decisão e a conduta das instituições e organizações. Para ele, o posicionamento no mercado é
a meta; logo, sob seu ponto de vista, as estratégias se reduzem à liderança de custo,
diferenciação e enfoque. Internamente, Porter propõe o conceito de cadeia de valor. Este
48
conceito preconiza a identificação clara de todas as atividades da empresa e a garantia que
somente as atividades de valor persistam.
A abordagem do posicionamento é estreita, pois é orientada para o econômico, o
quantificável, em oposição ao social e político. Ao mesmo tempo, o posicionamento se inclina
no sentido das condições externas, em especial da indústria e da concorrência, em detrimento
das capacidades internas.
Porter é adepto da escola prescritiva e de estratégias deliberadas, genéricas e
duradouras. Sua visão, baseada na lógica do posicionamento, é de que a estratégia existe
porque ela é baseada e vinculada ao espectro da tomada de decisão. Em seu conteúdo
implícito, fica a mensagem de que há uma melhor forma de dirigir as empresas, sem levar em
consideração as incertezas do futuro e a instabilidade do ambiente, em uma visão muito
determinística.
A
escola do empreendedorismo focaliza o processo de formação de estratégia
exclusivamente no líder único e enfatiza o mais inato dos estados e processos – intuição,
julgamento, sabedoria, experiência, critério. Isto promove uma noção de estratégia como
perspectiva, associada com imagem e senso de direção, isto é, visão. Esta visão serve como
inspiração e também como um senso daquilo que precisa ser feito. A visão tende, com
freqüência, a ser mais uma espécie de imagem do que um plano plenamente articulado. Isto a
deixa flexível, de forma que o líder pode adaptá-la às suas experiências. Isto sugere que a
estratégia empreendedora é, ao mesmo tempo, deliberada e emergente: deliberada em suas
linhas amplas e seu senso de direção, emergente em seus detalhes para que estes possam ser
adaptados durante o curso da ação.
Na
escola cognitiva, a formação de estratégia é um processo cognitivo que tem lugar
na mente do estrategista. Assim, as estratégias emergem como perspectivas – na forma de
conceitos, mapas, esquemas e molduras – que dão forma à maneira pela qual as pessoas lidam
49
com informações vindas do ambiente. A informação vinda do exterior passa através de filtros,
antes de ser codificada pelos mapas cognitivos, de onde vão nascer as interpretações do
mundo exterior, que irá existir apenas nesta mente. Em outras palavras, o mundo pode ser
modelado e construído de várias formas, dependendo apenas da maneira como é interpretado.
Um rico repertório de molduras, visões alternativas do seu mundo (cenários), impede os
decisores de serem aprisionados por uma delas.
A escola do aprendizado sustenta que os estrategistas aprendem ao longo do tempo.
Também alega que as estratégias emergem quando as pessoas, algumas vezes atuando
individualmente, mas na maioria dos casos coletivamente, aprendem a respeito de uma
situação tanto quanto a capacidade de sua organização de lidar com ela. A formulação de
estratégias é vinculada ao incrementalismo lógico
18
, como explicado abaixo:
[...] a verdadeira estratégia tende a evoluir à medida que decisões internas e
eventos externos fluem em conjunto para criar um novo e amplo consenso
para ações entre os membros chave da equipe gerencial. Nas organizações
bem dirigidas, os gerentes guiam “pró-ativamente” essas correntes de ações
e eventos, de forma incremental, na direção de estratégias conscientes [...]
(QUINN, 1980, p. 15).
A
escola de poder caracteriza a formação de estratégia como um processo aberto de
influência, enfatizando o uso de poder e política
19
para negociar estratégias favoráveis a
determinados interesses dentro da organização. As estratégias que resultam desse processo
tendem a ser emergentes e assumem mais a forma de posições e meios de iludir do que de
perspectivas. O poder micro (no interior das organizações) vê a formação de estratégias como
a interação, por meio de persuasão, barganha e, às vezes, confronto direto, na forma de jogos
políticos, entre interesses estreitos e coalizões inconstantes, em que nenhum predomina por
18
O incrementalismo lógico pressupõe a geração de estratégias por meio de um processo incremental, porém
integrado, contínuo e dinâmico. Quando a estratégia começa a cristalizar-se, partes suas já estão sendo
implementadas
19
A política torna-se sinônimo de exploração do poder de maneira que não seja puramente econômica. Isto
inclui, obviamente, movimentos clandestinos para subverter a concorrência (como estabelecer um cartel), mas
também pode incluir arranjos cooperativos concebidos para o mesmo fim (como certas alianças) (MINTZBERG,
2000, p. 174).
50
um período significativo. O poder macro vê a organização como promovendo seu próprio
bem-estar por controle ou cooperação com outras organizações, pelo uso de manobras
estratégicas, bem como de estratégias coletivas em várias espécies de redes e alianças.
Na escola cultural a formação de estratégia é um processo de interação social,
baseado nas crenças e nas interpretações comuns aos membros de uma organização. A
estratégia assume a forma de uma perspectiva, acima de tudo, enraizada em intenções
coletivas (não necessariamente explicadas) e refletida nos padrões pelos quais os recursos ou
capacidades da organização são protegidos e usados para sua vantagem competitiva.
Enquanto as outras escolas vêem o ambiente como fator, a
escola ambiental o vê
como ator. O ambiente apresentando-se à organização como um conjunto de forças gerais, é o
agente central no processo de geração de estratégia. A organização assume um caráter passivo
frente às demandas e imposições do ambiente, o que reduz a formação de estratégias a um
processo de espelhamento, reativo ao que ocorre “lá fora”. A escola ambiental provém da
“teoria da contingência”, a qual descrevia as relações entre determinadas dimensões do
ambiente e atributos específicos da organização. Assim, por exemplo, em ambientes mais
estáveis, mais formalizadas as estruturas internas. Um grupo de teóricos da organização, que
se autodenominou “ecologistas de população”, postulou que as condições externas forçavam
as organizações para determinados nichos: a organização fazia o que seu ambiente mandava
ou era eliminada. Outros teóricos afirmavam que as pressões políticas e ideológicas exercidas
pelo ambiente reduziam a opção estratégica, mas não a eliminavam.
A
escola da configuração vê a organização como configuração - agrupamentos de
características e comportamentos - e integra as reivindicações das outras escolas - cada
configuração, de fato, no seu lugar próprio. A fim de transformar uma organização, ela teria
de saltar de uma configuração para outra, sendo que nesse instante ocorreria uma mudança
estratégia. Ademais, cada uma das configurações descritas por esta escola suportaria um
51
modo diferente de estratégia a ser seguida, portanto o entendimento de sua configuração
organizacional seria o ponto de partida para a formulação da estratégia corporativa
. A escola
da configuração baseia-se nas seguintes premissas:
- Na maior parte das vezes, uma organização pode ser descrita em termos de algum
tipo de configuração estável de suas características: para um período distinguível de tempo,
ela adota uma determinada forma de estrutura adequada a um determinado tipo de contexto, o
que faz com que ela se engaje em determinados comportamentos que dão origem a um
determinado conjunto de estratégias.
- Esses períodos de estabilidade são ocasionalmente interrompidos por algum processo
de transformação – um salto quântico para outra configuração.
- Esses estados sucessivos de configuração e períodos de transformação podem se
ordenar ao longo do tempo em seqüências padronizadas, por exemplo, descrevendo ciclos de
vida de organizações.
- Portanto, a chave para a administração estratégica é sustentar a estabilidade ou, no
mínimo, mudanças estratégicas adaptáveis a maior parte do tempo, mas reconhecer
periodicamente, a necessidade de transformação e ser capaz de gerenciar esses processos de
ruptura sem destruir a organização.
- Assim sendo, o processo de geração de estratégia pode ser de concepção conceitual /
planejamento formal, análise sistemática / visão estratégica, aprendizado cooperativo,
focalizando cognição individual, socialização coletiva ou a simples resposta às forças do
ambiente; mas cada um deve ser encontrado em seu próprio tempo e contexto. Em outras
palavras, as próprias escolas de pensamento sobre formação de estratégia representam
configurações particulares.
52
1.2.7 Síntese
A estratégia, por tratar de um conjunto de decisões no presente sobre um futuro que é
desejado, tende a ser um processo que inclui tanto escolha como adaptação ambiental. Logo,
ela tende a ser uma junção da tomada de decisões e dos comportamentos que emergem da
competição em um ambiente de algumas certezas e muitas incertezas; é esta fusão que vai
levar ao melhor resultado possível.
Os objetivos de longo prazo tendem a ser perenes, pois são eleitos pela política. A
forma de interpretar esses objetivos e formular alternativas, caminhos para alcançá-los é o
verdadeiro escopo da estratégia. No entanto, esses caminhos deliberados devem ser
reavaliados à luz das mudanças que o ambiente apresenta em forma de oportunidades e
ameaças em face das incertezas e devidamente reajustadas por novas vias adequadas ao novo
contexto situacional.
O processo estratégico é contínuo ao longo da vida da organização, pois ela é como
um organismo vivo que busca a sobrevivência e o crescimento e, em sua trajetória, aprende ao
evoluir.
A estratégia pode ser compreendida como a forma, caminho ou maneira de apropriar
os meios para obter os fins, em um contexto espaço-temporal futuro permeado pela dialética
das inteligências.
A estratégia é animada pelo processo denominado de planejamento estratégico, o qual
possui três fases ou momentos distintos. Em uma primeira fase, exploratória, identificada
como “pensamento” ou “reflexão estratégica”, deve prevalecer o pensamento divergente, a
intuição e a criatividade de modo a permitir uma perspectiva integrada e maior amplitude de
opções ao processo decisório.
O produto desta fase é o verdadeiro conteúdo da estratégia decorrente do contexto da
descoberta como um resultado de um sub-processo que reúne a heurística e a “axiologia”,
53
somando descoberta com valores. Além do estudo do presente e do passado, é nesta fase que a
ferramenta de cenários se enquadra, agregando valor pela ampliação do leque de opções em
relação aos futuros alternativos plausíveis e facilitando a emergência de uma visão aderente à
realidade, sem que se enverede pela utopia.
Nesta fase também acontece a apreensão e a aprendizagem, seja pelo nascedouro e
debate de idéias e pela expansão da base de conhecimentos. Nela tende a emergir o conteúdo
da estratégia.
Em uma segunda fase, intitulada de “formulação estratégica”, desenvolve-se o
processo decisório e o conjunto de decisões estratégicas decorrente é operacionalizado sob a
forma de planos, programas e ações. Os planos nada mais representam que o ponto
culminante do processo decisório, a operacionalização das decisões, servindo como um
referencial para a ação. Os programas e ações envolvem o detalhamento da apropriação e
priorização dos recursos na busca dos objetivos.
Nesta segunda fase, as idéias e conhecimentos que surgiram na primeira fase devem
ser compilados, ordenados e checados por listas de verificação de modo a sistematizar o
conhecimento adquirido. O conteúdo é processado e são articuladas as ações derivadas da
tomada de decisão.
Na terceira fase, denominada de “controle estratégico”, trabalha-se com o controle da
ação planejada, de modo a se adaptar às condições cambiantes do meio ambiente, por meio de
indicadores de futuro ou “signposts”. Aqui a emergência de novas ações estratégicas pode
acontecer decorrente da mudança de situação. Só há mudança de estratégia se as
descontinuidades caracterizarem uma ruptura, uma quebra de paradigmas.
É importante ressaltar que as fases aqui apresentadas são produto de um recorte
analítico que visa tão somente a facilitar a compreensão. Em verdade, não existe uma
separação tão nítida entre as fases, elas são partes de um mesmo “continuum”.
54
A terceira fase se conecta a primeira e segunda, pois em sua tarefa de monitorar o
ambiente, ela verifica as mudanças e as necessidades de adaptação da organização àquelas por
meio da inclusão de novas ações estratégicas, que nada mais são do que o reprocessamento da
segunda fase, bem como revendo as idéias e validando os cenários da primeira.
A figura abaixo representa a simbiose do construto teórico das três fases inter-
relacionado com os cinco P´s e as dez escolas de Mintzberg.
FASES CONTEÚDO 5 P
(MINTZBERG)
ESCOLA
(MINTZBERG)
CATEGORIA
DA ESCOLA
PENSAMENTO
ESTRATÉGICO
ANÁLISE
APRENDIZADO
PREVISIBILIDADE
CRIAÇÃO
PROMOÇÃO
PLANEJAMENTO
TRANSFORMAÇÃO
POSIÇÃO
MANOBRA
PERSPECTIVA
POSICIONAMENTO
EMPREENDEDORISMO
COGNITIVA
APRENDIZAGEM
PODER
CULTURAL
AMBIENTAL
CONFIGURAÇÃO
DESCRITIVA
FORMULAÇÃO
ESTRATÉGICA
PLANO PLANO
PADRÃO
DESENHO
PLANEJAMENTO
CONFIGURAÇÃO
PRESCRITIVA
CONTROLE
ESTRATÉGICO
ADAPTAÇÃO PERSPECTIVA CONFIGURAÇÃO DESCRITIVA
Fig 3: Simbiose dos 5 P´s e as dez escolas de Mintzberg
Fonte: Produção própria
Em síntese, a estratégia é um processo de escolha sobre o futuro que agrega uma parte
deliberada e outra emergente. A deliberação significa a tentativa da inteligência de se superar
diante da incerteza, tentando imprimir algum controle e onde a adaptação às condições e
circunstâncias em constante modificação implica em aprendizagem.
Utilizando-se de uma metáfora, pode ser dito que a estratégia é como uma bússola que
aponta uma direção geral para ser seguida, sendo que o caminho deve ser balizado pelo mapa
(plano) e trilhado pelas placas sinalizadoras (sinais de futuro) ao longo da trajetória. A direção
55
é oriunda do pensamento estratégico, o mapa balizador representa o processo decisório, e os
planos e as placas sinalizadoras são os sinais que devem ser monitorados e percebidos no
ambiente pelo controle.
1.3 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
1.3.1 Planejamento
A sabedoria é a habilidade de ver as conseqüências de longo prazo das ações
presentes, a disposição de sacrificar ganhos imediatos por benefícios de longo prazo, e
controlar o que for passível de tal ação. Logo, a essência da sabedoria é a preocupação com o
futuro; o homem sábio tenta controlá-lo. O planejamento, instrumento utilizado pelos sábios,
é a concepção de um futuro desejado e as formas para torná-lo real (ACKOFF, 1970).
A idéia exposta acima permite inferir que o planejamento deve ser baseado na crença
de que intervindo nos eventos do presente, pode-se criar um futuro melhor.
O futuro desejado representa uma situação pretendida a ser alcançada pela organização
na trajetória temporal e no contexto que a cerca. Este futuro serve como marco direcional na
concepção de uma estratégia (MATUS, 1996, p. 243).
No âmbito organizacional, este futuro pode ser interpretado como sendo a “visão” da
organização, um rumo ou um destino que articule suas aspirações. A visão representa o que a
empresa quer ser (OLIVEIRA, 2007, p. 65).
Sabendo-se aonde se quer chegar, há necessidade de se traçar o caminho. O caminho é
representado pelo conjunto de “decisões estratégicas”, aquelas que estabelecem a direção
geral de uma organização, à luz das mudanças previsíveis ou imprevisíveis, no âmbito de seus
interesses e competência (QUINN, 1980, p. 7). As decisões são tomadas no presente, mas o
resultado desejado está contido no futuro.
56
O destino e o caminho da organização só podem ser traçados depois que se conhece o
ambiente ou o contexto no qual ela está inserida e sua posição neste sistema. Portanto, há
necessidade de reflexão e análise retrospectiva, atual e sobre o futuro.
O planejamento, sob a perspectiva acima, pode ser entendido como um processo de
tomada de decisões antecipado, pois o futuro desejado para ser alcançado depende de uma
série de decisões interdependentes, isto é, um sistema de decisões (ACKOFF, 1970).
Este sistema de decisões possui duas características importantes: as decisões são muito
amplas para serem resolvidas de uma só vez; e as decisões necessárias não podem ser
subdivididas em grupos menores independentes (Op. cit.).
A primeira característica impõe que o planejamento seja dividido em fases ou estágios
que são realizados de forma seqüencial por um grupo decisor ou simultaneamente por grupos
distintos ou uma combinação de ambos (Op. cit.).
A segunda característica implica na revisão das decisões tomadas mais cedo em
função das decisões subseqüentes. Esta razão justifica que o planejamento seja realizado antes
da ação (Op. cit.).
As duas razões associadas tornam claro que o planejamento não é um ato único e
isolado, mas um processo contínuo e regenerativo devido às mudanças no ambiente e à
interdependência das decisões (Op. cit.).
È interessante notar que no âmbito militar, o planejamento é visto também como um
processo, o qual é descrito como sendo flexível, cíclico e contínuo. Flexível porque o
processo pode ser utilizado na solução de problemas de qualquer natureza ou magnitude.
Cíclico porque é possível retornar as fases ou etapas anteriores para desenvolver melhor
certos aspectos. Contínuo porque nenhuma das partes componentes pode ser considerada
como definitiva, sem que o problema seja solucionado (BRASIL, 2006, p. 3-2).
57
O planejamento representa um processo de aprendizagem. Uma preparação mental que
aumenta a compreensão de uma situação. De maneira simplista, o planejamento é a reflexão
antes da ação. Mesmo que o plano não seja executado precisamente como foi concebido, o
processo deve resultar em uma consciência situacional
20
mais profunda, a qual melhora e
aperfeiçoa o processo decisório. O planejamento deve ser encarado como uma verdadeira
atividade de aprendizagem que facilita o exercício do julgamento.
Um plano, por sua vez, é o produto do processo de planejamento. Um plano é uma
configuração estruturada de ações no tempo e no espaço visualizadas para o futuro. Um plano
é a base para a ação, cooperação e adaptação. Um plano em um nível é a base para o
planejamento dos níveis inferiores.
Existem várias razões que justificam a essencialidade do planejamento (EUA, 1997, p.
5-8). Primeiro, o planejamento é essencial para se manter a iniciativa, de modo a antecipar os
eventos e agir de forma propositada e efetiva quando necessário ou vantajoso e não
simplesmente reagir aos desdobramentos. Segundo, o planejamento é essencial para reduzir o
desperdício de tempo entre a decisão e a ação. Em muitas situações, ações imediatas requerem
pensamento e preparação prévia.
Terceiro, o planejamento é essencial quando a situação atinge certo grau de
complexidade. Se a situação é suficientemente simples, pode-se vislumbrar uma solução
imediatamente. Quando a situação é mais complexa, consistindo de numerosas decisões e
atividades inter-relacionadas, fica mais difícil controlar as várias possibilidades sem o
trabalho sistemático ao longo do problema. Uma das razões básicas do planejamento é lidar
com a complexidade; quanto mais complexa a situação, mais importante é o esforço do
planejamento.
20
A consciência que temos do contexto imediato e das coisas que são importantes, em um determinado momento
ou situação. A percepção precisa dos fatores e condições que afetam a execução da tarefa durante um período
determinado de tempo, permitindo ou proporcionando ao seu decisor, estar ciente do que se passa ao seu redor e
assim ter condições de focar o pensamento à frente do objetivo. É a perfeita sintonia entre a situação percebida e
a situação real. (BRASIL, MD35-G-01: Glossário das Forças Armadas. 4. ed. Brasília, 2007. 274 p.)
58
Finalmente, o planejamento é essencial em situações novas onde não se tem
experiência prévia. Parte do valor fundamental do planejamento é que ele pode servir, pelo
menos em parte, como um substituto para a experiência. Quando se tem experiência em uma
situação, pode-se saber intuitivamente o que esperar, que objetivos são viáveis e que ações
tomar. Em situações novas, deve se usar o planejamento como forma sistemática de pensar
sobre o problema e conceber uma solução efetiva.
1.3.2 Planejamento Estratégico
O planejamento é considerado estratégico quanto mais extenso no tempo for seu efeito
e mais difícil de ser revertido. Ele é de longo prazo e tende a afetar as atividades da
organização como um todo (ACKOFF, 1970, p. 5). Há uma concordância dos demais autores
em relação a variável tempo ser importante na definição do que é estratégico. Entretanto,
como já citado anteriormente, a variável definidora é a incerteza existente que acarreta
dificuldades para o processo decisório. Quanto maior a incerteza, mais estratégico tende a ser
o planejamento. É óbvio que quanto maior a moldura temporal, maior será o grau de incerteza
e, portanto, como regra, o planejamento de longo prazo tende a ser mais estratégico do que
um de curto prazo. Mas isto não implica em dogmas.
Chiavenato (2004, p. 171) ainda acrescenta que o planejamento estratégico envolve a
empresa como um todo, abrangendo todos os recursos e áreas de atividade, preocupa-se em
atingir objetivos no nível organizacional, é definido pela cúpula da organização e corresponde
ao plano maior, ao qual todos os demais estão subordinados.
Oliveira assim define planejamento estratégico:
Planejamento estratégico é o processo administrativo que proporciona
sustentação metodológica para estabelecer-se a melhor direção a ser seguida
pela empresa, visando ao otimizado grau de interação com os fatores
externos – não controláveis – e atuando de forma inovadora e diferenciada
(OLIVEIRA, 2007, p. 17).
59
Acrescenta ainda que o propósito do planejamento pode ser definido como:
[...] o desenvolvimento de processos, técnicas e atitudes administrativas, as
quais proporcionam uma situação viável de avaliar as implicações futuras de
decisões presentes em função dos objetivos empresariais, que facilitarão a
tomada de decisão no futuro, de modo mais rápido, coerente, eficiente e
eficaz. Dentro deste raciocínio, pode-se afirmar que o exercício sistemático
do planejamento tende a reduzir a incerteza envolvida no processo decisório
e, consequentemente, provocar o aumento da probabilidade de alcance dos
objetivos, desafios e metas estabelecidos para a empresa.
As definições acima permitem estabelecer aspectos fundamentais para a correta
compreensão do seu real significado. O primeiro aspecto é a identificação do planejamento
estratégico como um processo. Este atributo se correlaciona ao fato do planejamento ser
complexo em função da sua própria natureza e de lidar com o futuro.
Sobre esse aspecto é interessante observar o que afirma Williamson sobre a
complexidade:
Na presença da incerteza e de rápidas mudanças, as companhias devem
rearranjar seus processos estratégicos para criar um portfólio de opções para
o futuro e que integre o planejamento com a oportunidade (WILLIAMSON,
1999, p. 117).
O segundo aspecto é a sua interdependência com o meio-ambiente, onde as mudanças
se acentuam cada vez mais, as quais condicionam as decisões estratégicas. No que tange a
isto, assinala-se a afirmativa abaixo:
As companhias que usufruem do sucesso duradouro, possuem valores e
propósitos centrais, os quais permanecem fixos, enquanto suas estratégias e
práticas se adaptam indefinidamente ao mundo cambiante (COLLINS,
PORRAS; 1996, p. 65).
O terceiro aspecto é a necessidade de avaliar-se as implicações das decisões presentes
no futuro e facilitar as decisões futuras.
60
Todos os aspectos enumerados estão imbricados com a incerteza. Quanto maior for a
moldura temporal do planejamento maior será a incerteza. Logo, o planejamento estratégico
situa-se em uma ambiência de incerteza.
A intenção do planejamento estratégico é indicar o melhor rumo para o destino que a
organização selecionou. Para isso, é necessário reduzir a incerteza acerca do ambiente futuro
para tomar as possíveis melhores decisões no presente e permitir que as decisões no futuro
sejam tomadas de modo rápido e detenham efetividade (eficientes e eficazes). O planejamento
estratégico tenta reduzir o hiato entre a estratégia deliberada e emergente.
Hitt expôs a condição acima como desafio:
Os gerentes agora enfrentam a tarefa de criar um equilíbrio entre a
estabilidade necessária para permitir o desenvolvimento do planejamento
estratégico e processos decisórios e a instabilidade que permite a mudança
contínua e a adaptação ao meio-ambiente dinâmico (HITT et al, 1998, p. 24).
Como resposta, Hitt propõe o conceito de “capacidade de resposta estratégica”, uma
capacidade que reúne a responsividade e a robustez. A “responsividade” é a habilidade de
rapidamente monitorar a mudança no meio-ambiente, formalizar um conceito de resposta à
mudança, e reconfigurar recursos para executar a resposta. A responsividade busca a
adaptabilidade.
A robustez equivale à capacidade, ou potencial de sucesso, sob diferentes cenários ou
circunstâncias futuras variáveis. Pode-se dizer que é a capacidade de durar na ação sob a
pressão de condições diversas e até adversas. A robustez indica a capacidade de sobrevivência
da organização.
Logo, o aspecto essencial do planejamento estratégico que baliza o presente trabalho
é que ele lida com a tomada de decisões estratégicas no presente, com foco voltado para o
futuro, em um ambiente de mudanças e incertezas.
61
Existem vários modelos do processo de planejamento estratégico, isto é, várias formas
de particionar as etapas que compõem o processo. Entretanto, os modelos possuem cinco
etapas bem definidas, as quais são denominadas de: concepção estratégica; análise do
ambiente ou gestão do conhecimento estratégico; formulação estratégica; “implementação”
estratégica; e controle estratégico (ACKOFF, 1983; CERTO, S. S; PETER, J. P., 1993;
CHIAVENATO, I; SAPIRO, A., 2004).
Na concepção define-se a intenção estratégica por meio da declaração da missão e da
visão, que nada mais é do que a idéia da organização sobre o futuro desejado, o destino, aonde
se quer chegar.
Na análise do ambiente são diagnosticados os ambientes interno e externo. Para o
ambiente interno busca-se conhecer a situação da organização diante das dinâmicas
ambientais, relacionando as suas forças e fraquezas de modo a permitir o melhor ajustamento
da organização ao ambiente. No caso do ambiente externo, procura-se identificar as
oportunidades e as ameaças para a concretização da intenção estratégica da organização. Do
conhecimento adquirido nesta etapa, o qual permite a remoção dos obstáculos e o
aproveitamento dos atalhos, pode-se ter uma noção das melhores alternativas de trajetória.
A formulação da estratégia é uma etapa dependente da anterior, na qual são utilizados
os conhecimentos da análise do ambiente para levantamento e estudo das questões críticas
atinentes à organização: a situação global; os objetivos e propósitos; o direcionamento atual;
e os fatores ambientais enfrentados para alcançar os objetivos de forma mais efetiva no futuro.
Assim, as estratégias podem ser formuladas para atender à análise ambiental. Pode-se dizer
que nesta etapa são configurados os caminhos para o futuro pretendido (destino).
Na implementação estratégica, as estratégias formuladas são analisadas e avaliadas,
seguindo-se a tomada de decisão, os planos decorrentes e, por último, a implementação do
62
conjunto de decisões estratégicas. Nesta etapa, o caminho é selecionado, os recursos são
priorizados e alocados em meios e inicia-se a trajetória rumo ao futuro pretendido.
Por último, no controle estratégico, são feitas as medições quantitativas e qualitativas
do desempenho organizacional, a constatação do que está acontecendo nas organizações; a
comparação dos resultados atuais com os objetivos e a tomada de novas decisões e ajuste de
estratégia ou não, conforme o caso.
1.3.3 Inconsistência do Planejamento Estratégico tradicional
O planejamento estratégico tradicional utilizou a ferramenta de extrapolação do
passado e, mais recentemente, tem utilizado, na maioria dos métodos, a matriz SWOT
21
para a
análise do ambiente. Esta matriz é uma técnica de análise do ambiente baseada na situação
corrente e em projeções de futuro, onde as capacidades e recursos críticos da empresa (fatores
críticos de sucesso) são identificados, por meio de suas forças e fraquezas, no ambiente
interno, e as ameaças e oportunidades relativas ao ambiente externo.
Fig 4: Matriz SWOT
Fonte: CHIAVENATO, 2004.
No planejamento estratégico tradicional, anteriormente descrito, as decisões, embora
focadas no futuro, são tomadas na análise do passado e do presente. Como não há fatos
21
O acróstico da língua inglesa: Strenght (Força) – Weakness (Fraqueza) – Opportunity (Oportunidade)
Threat (Ameaça).
63
futuros – somente fatos podem ser reduzidos a dados – a autoridade do passado é dominante.
Idéias sobre o futuro derivadas do passado e presente não levam em consideração o que pode
acontecer, mas somente o que aconteceu e o que está acontecendo, o que caracteriza a
extrapolação linear do passado e presente.
As organizações de hoje enfrentam um ambiente onde a mudança é mais rápida e de
crescente complexidade. Os métodos tradicionais de interpretação e compreensão dos
ambientes, que circundam as organizações, funcionam de modo satisfatório quando o mundo
é relativamente estável, desde que os futuros possam ser extrapolados com relativa certeza.
Os dados utilizados no planejamento tradicional tendem a ser preponderantemente
quantitativos, sugerindo uma hipótese de que, seguindo-se à análise, uma única interpretação
do futuro é possível. O resultado é um cenário padrão que não incorporou qualquer coleta
sistemática de informações qualitativas. O plano construído em torno deste cenário padrão é o
resultado dos processos.
Bethlem (2004) identifica a estrutura das informações obtidas do meio-ambiente como
uma inconsistência do planejamento estratégico tradicional, pois ela não leva em consideração
as mudanças e as incertezas. Ele observa que na análise do ambiente, o principal problema
que o analista ou avaliador de qualquer coisa enfrenta, no âmbito das atividades humanas, é o
fluxo de tempo. Com o passar do tempo, o objeto da análise se modifica, muda; da mesma
forma, o sujeito que observa também sofre mudanças. Logo, se as informações consideradas
no planejamento forem consideradas imutáveis e precisas, por conseguinte os resultados e
valores obtidos do processamento têm grande probabilidade de não serem válidos
(BETHLEM, 2004, p. 145-146).
A estratégia resultante dos processos tradicionais mostra-se vulnerável às mudanças
rápidas e imprevisíveis do meio-ambiente, com as organizações simplesmente despreparadas
para lidar com a mudança.
64
Quando o cenário padrão falha, a organização tende a entrar em crise e torna-se
alcançada. Pensar de forma mais sistemática sobre o futuro e planejar para lidar com as
possíveis mudanças no ambiente significa que uma organização já terá considerado e chegado
a um acordo sobre estratégias alternativas e, portanto, estará mais bem preparada para
adaptar-se às mudanças à medida que elas ocorram.
1.3.4 Planejamento Estratégico baseado em cenários
Como foi visto anteriormente, a intenção estratégica representa a imagem do futuro
desejado pela organização. Esta imagem é que vai orientar as decisões e ações estratégicas
decorrentes. Também foi visto que o planejamento tradicional trabalha apenas com um
cenário, o qual foi denominado de cenário padrão, advindo da simples extrapolação dos
eventos passados e presentes e/ou da aplicação da matriz SWOT. Esta característica foi
apontada como uma inconsistência porque gera comportamentos organizacionais em que os
decisores são tomados de surpresa pelos acontecimentos
O dilema dos dirigentes está na condição de que todas as suas decisões são baseadas
nas informações de ontem, mas são implementadas amanhã, em situações que, no contexto de
mudança em que se vive, terão alta probabilidade de serem diferentes. Logo, saber o que vai
acontecer antes que aconteça é mais do que uma ambição, é uma necessidade (BETHLEM,
2004).
A forma mais usual de prever o amanhã é a de projetar parte do futuro com as mesmas
características do passado. As decisões são tomadas como se o mundo fosse totalmente
previsível. Tal premissa é falsa e pode gerar decisões estratégicas sem muita fundamentação.
O mundo real é repleto de mudanças e incertezas.
65
Uma das soluções, para contornar tal inconsisncia, é imaginar alternativas para as
condições futuras em que a decisão irá se materializar. Enfim, é conveniente prever e discutir
futuros alternativos, porque assim o decisor aumenta sua capacidade de enfrentar as
alternativas diferentes que surjam, uma vez que já pensou nelas e nos efeitos, desvios ou
disfunções passíveis de ocorrerem (Op. cit., p. 165).
Os futuros alternativos não são projeções do presente nem futuros desejados. Eles são
respostas bem elaboradas para as questões: “O que possivelmente pode acontecer?” “O que
aconteceria se...?”. Os futuros alternativos permitem antever os riscos, diferentemente da
previsão e da visão, as quais os escondem (LINDGREN; BANDHOLD, 2003).
O planejamento estratégico baseado em cenários é o planejamento estratégico que
utiliza a técnica de construção de cenários como ferramenta para o planejamento de médio e
longo prazo, onde o ambiente opera sob condições de incerteza. A “cenarização” ajuda a
aguçar o pensamento estratégico, a desenhar planos para lidar com o inesperado e a manter
uma visão maior dos problemas mais importantes e na direção adequada. A tabela abaixo
ilustra a diferença entre o planejamento tradicional e o planejamento baseado em cenários
(Op. cit.).
Planejamento tradicional Plj baseado em cenários
Perspectiva Parcial, “tudo o mais é
considerado igual”
Total, “Nada é considerado
como constante”
Variáveis Quantitativas, objetivas e
conhecidas
Qualitativas, subjetivas,
conhecidas ou ocultas
Relações Estatísticas, estruturas
estáveis
Dinâmicas, estruturas
emergentes
Lógica O passado explica o presente O futuro é a “razão de estado”
do presente
Imagem do
futuro
Simples e certo Múltiplo e incerto
Método Determinístico e modelos
quantitativos (econômicos e
matemáticos)
Análise de intenção, modelos
qualitativos e estocásticos (impacto
cruzado e análise de sistemas)
Atitude em
relação ao futuro
Passiva (o futuro será ) Ativa e criativa (o futuro é
criado)
Tabela 1 - Comparação entre o planejamento tradicional e o baseado em cenários
Fonte: LINDGREN, Mats, BANDHOLD, Hans. Scenario Planning: the link between future and
strategy. New York: Palgrave Macmillan, 2003.
66
2. CENÁRIOS
Dois acontecimentos mudaram a possibilidade do homem perante o futuro:
- o comentário de Leibnitz ao cientista e matemático suíço Jacob Bernouilli de que a
natureza estabeleceu padrões que se originam da repetição de eventos em sua trajetória
temporal; e
- a teoria das probabilidades de Pascal e Fermat.
Ambas as idéias conjugadas transformaram, o que era considerado uma aposta no
acaso, em um poderoso instrumento de organização, interpretação e aplicação de informações.
Assim, emergiram as técnicas quantitativas de gerenciamento de risco (BERNSTEIN, 1997).
O domínio do risco foi uma idéia revolucionária que permitiu aos homens pensar de
forma diferente sobre o futuro. Até os homens descobrirem este marco divisório, o futuro era
um espelho do passado, ou o domínio obscuro dos oráculos e adivinhos que detinham o
monopólio sobre o conhecimento dos eventos a ocorrer. A partir de então, os homens deixam
de ter uma postura passiva em relação ao futuro (Op. cit., p. 1).
Esta mudança de comportamento, advinda da menor sujeição da humanidade aos
caprichos da natureza, fez com que a expectativa em relação ao futuro tenha assumido um
papel importante como referência para as decisões e escolhas das organizações e nações. Por
conta disso, o futuro se constituiu na própria essência do planejamento e das escolhas
coletivas da sociedade ou das organizações, perscrutando as alternativas para definir e calibrar
suas ações, introduzindo um componente de racionalidade e análise técnica para tratar as
incertezas (BUARQUE, 2003).
Godet reforça a assertiva acima ao afirmar que, em relação ao futuro, os homens e as
organizações podem escolher entre quatro atitudes: o “passivo”, que sofre a mudança (o
avestruz); o “que reage”, que aguarda os acontecimentos para tomar alguma ação (o
67
bombeiro); o “pré-ativo”, que se prepara para as mudanças previsíveis porque sabe que a
reparação é mais cara que a prevenção (o segurador); e, enfim, o “pró-ativo”, que atua no
sentido de provocar as mudanças desejadas (o conspirador) (GODET, 1993). Ao utilizar-se os
cenários, as duas últimas posturas são privilegiadas.
À medida que a realidade evolui, as mudanças se aceleram e as incertezas em relação
ao futuro aumentam, cresce a necessidade de antecipação do futuro, o que levou ao uso do
recurso de construção de cenários.
Cenários e planejamento estratégico lidam com incertezas, pois o primeiro ilumina as
oportunidades e desafios e o segundo trata de explorar as oportunidades dentro de um
contexto de incerteza sobre o futuro, procurando mitigar as ameaças. Sem incerteza, todos
estariam em uma mesma posição e não haveria sucesso ou falha. Pensar estrategicamente só
faz sentido em condições de incerteza (HEIJDEN, 2005).
A falta de entendimento da complexidade do ambiente é a principal fonte de incerteza.
Pela análise da situação e sua história prévia pode-se, gradualmente, aprender a perceber o
que está acontecendo e tornar-se mais apto a antecipar aspectos do futuro. A idéia de
formulação de estratégia implica no entendimento de que a incerteza e a previsibilidade
coexistem de forma interdependente no ambiente da organização. Se tudo fosse previsível,
não haveria necessidade de formulação de estratégia, assim como se nada fosse previsível não
faria sentido formular estratégia. Alguma coisa deve ser previsível, ser pré-determinada, bem
como terá que ser definido como lidar com a incerteza irredutível remanescente. Caberá ao
processo decisório definir, considerada tal ambiência, no que vale a pena despender os
recursos escassos da organização.
Na construção de cenários são analisadas as incertezas decorrentes das mudanças a
fim de criar hipóteses por suas combinações que constituam alternativas de futuro possíveis.
Da exploração das incertezas nascem as oportunidades.
68
2.1 O FUTURO
O futuro como bússola humana suscita uma diversidade de ações e reações no
imaginário social como medo, pessimismo, esperança, otimismo, responsabilidade,
prevenção, indiferença ou a pretensão de conhecê-lo. A única certeza sobre o futuro é que ele
é desconhecido. O tempo do porvir pode ser imaginado, mas não conhecido com certeza
(VALDÉS apud ÓRTEGON, 2006).
No entanto, o futuro emerge do presente e do passado e há informações fragmentadas
e ruídos de informação que permitem uma dedicada investigação para estreitar o cone de
incertezas (SPIES; RATCLIFFE apud VAN DER LAAN, 2008, p. 22).
Os fundamentos para indicar os futuros vêm dos rastros do passado e dos dados
oriundos do comportamento do presente, assim como da consulta das imagens mentais ou
representações dos atores sociais acerca do que pode acontecer. O futuro surge do movimento
permanente, da interação de continuidades (tendências e fatos portadores de futuro) e
descontinuidades (fatores de ruptura e crises) na História (ÓRTEGON, 2006, p. 152).
Fig. 5: Fatores que constituem os futuros possíveis
Fonte: ÓRTEGON, 2006.
69
Decoufle (apud ÓRTEGON, 2006) propõe três alternativas básicas de representação
do futuro na história: o futuro como destino; o futuro como algo por suceder; e o futuro como
processo histórico encadeado.
O futuro como destino já está escrito, decretado, é algo inevitável e, algumas
situações, podem ser reveladas a uns poucos eleitos, os profetas e os adivinhos. O futuro se
encontra determinado por forças que não são controláveis controlar e das quais não se pode
escapar.
O futuro, como algo por suceder, se converte em objeto da descrição imaginativa tal
como relatado na utopia e na ficção científica. Seu lado positivo decorre da função
emancipadora do pensamento e da projeção do desejo. O conceito de “visão de futuro”
incorporou esta parte e expressa uma opção que media entre o mundo da imaginação e a
realidade material, mas é realizável, estruturada e transformadora.
O futuro entendido como processo histórico encadeado (passado + presente + futuro) é
considerado uma construção social. Logo, é válida a crença de que é factível conhecer futuros
alternativos para selecionar o melhor e construí-lo estrategicamente.
Assim, retira-se o futuro do domínio do acaso, inserindo-o no leque de escolhas do ser
humano. Logo, uma nova atitude emerge em função do pressuposto da sobrevivência diante
de um mundo cada vez mais cambiante e incerto. A adoção de uma perspectiva futura, na qual
a organização deve estar preparada para vários futuros alternativos, e estará contemplada nas
decisões presentes, intervindo favoravelmente no delineamento da trajetória que absorva a
dinâmica das mudanças.
É nesta última versão que se enquadra o planejamento estratégico, mais
especificamente, a fase do pensamento estratégico. Além de representar uma forma de a
sociedade, organização e empresa exercer o poder sobre seu futuro (INGELSTAM, 1987), o
planejamento provê o foco para onde devem ser dirigidos os esforços:
70
Quando nos perguntamos se estamos caminhando para onde queremos, se
fazemos o necessário para atingir nossos objetivos, estamos começando a
debater o problema do planejamento. A grande questão consiste em saber se
somos arrastados pelo ritmo dos acontecimentos do dia-a-dia, como a força
da correnteza de um rio, ou se sabemos aonde chegar e concentramos nossas
forças em uma direção definida. O planejamento, visto estrategicamente, não
é outra coisa senão a ciência e a arte de construir maior governabilidade aos
nossos destinos, enquanto pessoas, organizações ou países (MATUS apud
DE TONI, 2004).
Buarque concorda com a assertiva acima e assinala que:
[...] com a descoberta do risco e com a menor sujeição da humanidade aos
caprichos da natureza, a expectativa em relação ao futuro assume um papel
importante como referência para as decisões e escolhas, pois toda ação é
dirigida a um objetivo, que consiste naquilo ainda não alcançado; trata-se do
futuro, sem o qual não há presente. Por conta disso, foi inevitável que o
futuro se constituísse na própria essência do planejamento e das escolhas das
organizações, perscrutando as alternativas para definir e calibrar suas ações,
introduzindo um componente de racionalidade e análise técnica para tratar a
incerteza (BUARQUE, 2003, p. 8).
A adoção de uma perspectiva futura proverá um melhor preparo para enfrentamento
de uma variedade de futuros alternativos e uma maior capacidade de adaptação às mudanças
rápidas e imprevisíveis no ambiente.
Uma perspectiva futura se baseia em cinco princípios (BRODZINSKY, 1979, p. 20-
21):
- o futuro é determinado por uma combinação de fatores dos quais não menos
importantes se inclui a escolha humana. O que se decide hoje terá um efeito significativo no
amanhã;
- existem futuros alternativos. Há sempre uma amplitude para a decisão e escolhas de
planejamento. Deve-se procurar e determinar essas escolhas e intentar selecionar a melhor
alternativa possível;
- as ações operam dentro de um sistema inter-relacionado e interdependente. Qualquer
decisão, desdobramento ou força que afete uma parte do sistema, provavelmente afetará todo
71
o sistema. Deve-se estar atento não apenas nas mudanças de um setor, mas também em outras
áreas dentro do sistema;
- os problemas de amanhã estão germinando hoje. Pequenos problemas, ignorados
hoje, podem ter conseqüências catastróficas daqui a cinco anos. Mudanças graduais ou
tendências e desdobramentos distintos não podem ser ignorados. Não se pode ficar limitado às
preocupações imediatas. O futuro deve ser parte integral do processo decisório corrente; e
- deve-se, regularmente, preparar possíveis respostas às mudanças potenciais. As
tendências e os desdobramentos devem ser monitorados. Não se deve permitir que a hesitação
impeça o uso da criatividade coletiva e julgamento das assessorias para desenvolver
previsões, projeções e predições.
Em suma, o futuro é função das incertezas que se manifestam por meio das mudanças.
2.2 INCERTEZA
A incerteza é um estado de dúvida. Ela descreve uma relação indeterminada entre o
ente considerado e o seu entorno. Existe incerteza quando não existe uma idéia definida da
linha de ação a ser adotada em uma situação que parece obscura, não familiar, conflitante ou
confusa. A mera existência da incerteza pressupõe a necessidade de formular julgamentos e
um processo decisório para solucionar este estado (CHOI, Y. B., 1993)
22
.
A incerteza não só decorre da falta de conhecimento de todos os possíveis estados do
mundo ou aos resultados das ações empreendidas, como também da dificuldade de formular
previsões acerca de tais estados futuros, tendo como base os dados e informações disponíveis.
As informações são geralmente incompletas e imprecisas e a carga informativa que teria que
ser elaborada para formular previsões sensatas é demasiada elevada para a capacidade de
22
CHOI, Young B. Paradigms and Conventions: uncertainty, decision making and entrepreneurship.
Michigan: Michigan University Press, 1993.
72
processamento do indivíduo. Logo, quando se fala de decisões estratégicas, refere-se a um
contexto da decisão dominado pela incerteza e ambigüidade (ÓRTEGON, 2006).
A teoria da decisão racional supõe que para analisar situações é necessário simplificar
a realidade, isto é, visualizá-la e representá-la por meio de um modelo. Entretanto, um
problema real possui muitas variáveis, restrições, atores e os comportamentos dessas
variáveis, atores ou restrições são imprevisíveis, muitas vezes impossíveis de modelar ou
medir. Sem dúvida, as conseqüências futuras de uma decisão são raramente determinísticas,
isto é, previsíveis com total certeza (VELEZ apud ÓRTEGON, 2006).
Nas condições dinâmicas, influenciar o futuro não é tomar decisões mais rápidas. O
que se busca é a habilidade de reduzir a incerteza e minimizar os impactos sobre o futuro
(CHOI, Y. B., 1993).
A seguir serão apresentados diversos constructos teóricos sobre o problema da
incerteza.
2.2.1 Fontes de incerteza
De acordo com Choi, são quatro as fontes de incerteza (Op. cit.):
- a complexidade relativa do cálculo – até as situações que, a princípio, são mais
conhecidas, podem ser percebidas com certo grau de incerteza por um decisor, cujas
habilidades para calcular e raciocinar não estão à altura da tarefa. É difícil estar ciente de
todos os possíveis desdobramentos ou resultados em um momento, ao lidar com uma
situação;
- a imprevisibilidade do futuro – a determinação dos eventos futuros não depende
somente das ações, como também de fatores que estão além do conhecimento e controle de
73
quem decide. Não há garantia que regularidades observadas no passado irão ser preservadas
no futuro;
- a interdependência das ações humanas – a maioria da produção social é levada a
efeito por um esforço conjunto e o seu valor é difícil de verificar; e
- a mesma natureza dos processos mentais - o ser humano tenta retirar a névoa do
conhecimento por meio da inferência. O método de inferência mais freqüente é a causalidade,
imposta pela mente humana no sensoriamento dos dados da situação. Devido a isto, a
incerteza está sempre presente.
2.2.2 Tipologia da incerteza
2.2.2.1 De acordo com Knight
A incerteza pode ser classificada de acordo com a sua mensurabilidade. A incerteza
mensurável é denominada de risco; a incerteza não mensurável é simplesmente chamada de
“incerteza”. Em relação ao risco, pode-se efetuar um cálculo objetivo, atribuindo-lhe uma
probabilidade objetiva, porque há estatística anterior que permite isso; já em relação à
incerteza, o que se pode fazer é formular um julgamento e emitir uma opinião, expressa em
termos de uma probabilidade subjetiva
23
, sobre o curso dos futuros eventos (KNIGHT, 1921).
O autor acrescenta que há quatro maneiras de reduzir a incerteza: analisando-se
grupos de possíveis eventos ao invés de eventos isolados; juntando-se um número maior de
avaliadores, selecionando-os entre especialistas; tentando controlar o futuro e aumentando o
poder de previsão (Op. cit.).
23
Cfm Winkler, a probabilidade subjetiva é interpretada como uma medida de grau de convicção do ponto de
vista de um indivíduo sobre uma situação em particular. Como muitas situações de incerteza em problemas de
interesse de inferência estatística e decisão são únicas, não são repetíveis, a interpretação subjetiva é útil. A
interpretação subjetiva é tanto operacional como conceitual.
WINKLER, Robert L. An Introduction to Bayesian Inference and Decision. 2. ed. New York: Probabilistic
Publishing, 2003. 384 p.
74
2.2.2.2 De acordo com Afuah
Existe um espectro sobre o “estado de conhecimento” que compreende os conceitos de
certeza, risco, incerteza e ambigüidade (AFUAH apud ÓRTEGON, 2006).
Há certeza se todas as variáveis e as relações entre elas são conhecidas. O risco existe
se todas as variáveis são conhecidas, mas somente se podem estimar as relações entre elas –
as probabilidades. A incerteza paira quando todas as variáveis são conhecidas, mas não se
podem medir algumas e desconhecem-se as relações entre outras. A ambigüidade se
estabelece quando nem se pode determinar todas as variáveis pertinentes, ou seja, a incerteza
é quase total.
Logo, certeza, risco, incerteza e ambigüidade
24
se situam em um contínuo entre o
determinismo e a indeterminação, entre a alta e baixa complexidade, de modo que cada nível
implica um tipo diferente de eventos e suposições. Este contínuo estabelece o espaço de
trabalho do decisor (ÓRTEGON, 2006).
+
ESPAÇO DE TRABALHO
C
O
M
P
L
E
X
I
D
A
D
E
-
- INDETERMINA
Ç
ÃO +
Tabela 2 - Espaço de trabalho decisional
Fonte: ÓRTEGON, 2006.
24
Cfm. Ferrando apud ÓRTEGON, a incerteza e a ambigüidade são categorias conceituais necessárias para
interpretar o comportamento organizacional em contextos diferentes daqueles transparentes, unívocos, simples e
ordenados que supõe a teoria tradicional da organização.
FERRANDO, Píer M. L´incertezza e l´ambiguita. In Manuale di Organizzazione Aziendale, A cura di
Giovanni Costa e Raoul Nacamulli. Torino: Etas Libri, 1977.
75
Em um entorno global e complexo, as decisões estratégicas se traçam em um contexto
“decisional’ dominado pela incerteza e ambigüidade, no qual o decisor não está em condições
de calcular a exatidão das conseqüências das ações a empreender. Neste contexto, o decisor
deve gerenciar informações incompletas e ambíguas, assim como formular juízos sobre
resultados relativos às possíveis linhas de ação; deve, enfim, enfrentar e gerir a incerteza
(ÓRTEGON, 2006).
2.2.2.3 De acordo com Heijden
Heijden visualiza três categorias de incerteza:
- Riscos são incertezas susceptíveis de predição, em que há suficientes precedentes
históricos, sob a forma de acontecimentos similares, que tornam possível estimar as
probabilidades dos vários resultados possíveis;
- Incertezas Estruturais são situações em que se admite a possibilidade de um
acontecimento, mas este, pelo seu caráter único, não nos fornece uma probabilidade da sua
realização; a possibilidade do acontecimento existir é, por sua vez, resultante de uma
seqüência de raciocínio do tipo “causa-efeito” (e daí a referência a uma estrutura), mas não
podemos saber com antecedência qual a sua configuração; e
- Eventos imponderáveis – onde não se pode imaginar nem o evento. Ao se olhar o
passado histórico é possível saber que muitos desses eventos surpresas têm acontecido e deve-
se assumir que isso acontecerá também no futuro. Mas não se possui qualquer evidência de
que tipo de eventos possa acontecer (HEIJDEN, 2005, p. 93).
76
2.2.2.4 De acordo com Porter
Porter (1985) classifica a incerteza em três graus diferentes: elementos constantes,
mudanças predeterminadas e mudanças incertas.
Os elementos constantes continuarão, no futuro, a ter a mesma forma e o mesmo
conteúdo identificados no presente. As mudanças predeterminadas indicam um
comportamento diferente daquele do presente que já pode ser antecipado. As mudanças
incertas são os elementos que no futuro devem apresentar comportamento diferente daquele
do presente, cujo caminho não pode ser antecipado (PORTER, 1985).
2.2.2.5 De acordo com Matus
Matus (1996) distingue entre a incerteza quantitativa e a qualitativa.
A incerteza quantitativa implica em situações em que os futuros alternativos possíveis
são conhecidos, mas a distribuição de suas probabilidades é desconhecida. Ao passo que a
incerteza qualitativa conduz a situações onde a mesma composição de possibilidades futuras é
desconhecida e implica na tomada de decisões sobre apostas difusas. A incerteza qualitativa,
do ponto de vista da dinâmica do fenômeno, se classifica em incerteza suave e incerteza dura
(rígida).
A incerteza suave se apresenta quando a dinâmica do fenômeno segue alguma forma
ordenada, ainda que complexa, como as cadeias estocásticas ou as oscilações de longo prazo.
Ela se origina na deficiência dos métodos ou em uma inadequada compreensão do processo e
não na estrutura mesma do fenômeno.
A incerteza dura é inerente à estrutura interna da dinâmica do fenômeno, o qual se
comporta, ao menos parcialmente, de um modo caótico, indeterminado e causal sob a
77
perspectiva atual do pensamento humano. Isto impõe um limite absoluto aos métodos e a
capacidade de predição.
A incerteza dura inclui as denominadas situações explosivas, as tendências declinantes
e as situações propensas às surpresas.
2.2.2.6 Síntese da incerteza
De todas as classificações sobre a incerteza pode-se inferir um padrão em todos os
recortes analíticos acima descritos. Um tipo de incerteza leve, a qual está associada um risco,
mas que pode ser superada estimando-se uma probabilidade objetiva. Um segundo tipo,
incerteza estrutural, onde é permitido inferir seja pela causalidade ou pelo uso de
probabilidades subjetivas.
Finalmente, a incerteza imponderável, onde é permitido o livre pensar, a criatividade,
a causalidade, a intuição de modo a buscar as razões e se precaver, determinando-se os sinais
de alerta que são indícios de que os estados futuros decorrentes podem se constituir em uma
realidade.
Os cenários lidam com todos os tipos de incerteza. As incertezas leves e estruturais
críticas são consideradas em todos os cenários de acordo com seus valores qualitativos e
quantitativos, passíveis de ocorrência. As incertezas imponderáveis, aquelas de baixa
probabilidade e alto impacto, são consideradas nos cenários-surpresas. Os elementos
constantes, certos ou pré-determinados fazem parte de todos os cenários. As demais incertezas
constituem sub-tramas no conteúdo dos cenários. A incerteza se manifesta pelas mudanças
que ocorrem no ambiente, pois os acontecimentos, os eventos do dia a dia, nada mais são do
que manifestações do que está variando no ambiente.
78
2.3 MUDANÇA
Em uma escala global, parece haver um acordo compartilhado por todos que a
sociedade está experimentando um período de mudanças sem precedentes. Tanto a substância
e o ritmo da mudança são fundamentalmente diferentes do que ocorreu nas décadas e séculos
passados. As seqüências de eventos não ocorrem mais em relativo isolamento ou em amplos
espaços de tempo. Cada mudança não afeta somente mais grupos discretos de pessoas. Ao
contrário, há maior simultaneidade de ocorrências, interpenetração mais acelerada e
realimentação incrementada de uma série de mudanças sobre as outras (MCHALE, 1974, p.
13).
A mudança pode ser caracterizada como algo que:
- altera alguma coisa ao longo do tempo;
- tem uma direção, ritmo de alteração e trajetória;
- é causada por alguma coisa;
- pode gerar deslocamentos e resultar no desenvolvimento de algo novo;
- pode ter impactos positivos e negativos no curto prazo;
- possui conseqüências no longo prazo;
- apresenta problemas, ameaças e oportunidades;
- é frequentemente progressiva;
- a quantidade de mudanças acelera à medida quea base de conhecimento da sociedade
avança; e
- possui um caminho voltado para o futuro e pode ser identificada e pesquisada
(JOSEPH, 1994, p.1).
O escopo conceitual referente à mudança é de difícil apreensão. Ao passo que as
características parecem definir o que a mudança é e o que ela pode afetar, a realidade é que a
79
mudança que faceia a sociedade, nos dias atuais, está além do repertório de capacidades que a
maioria das pessoas aprendeu a usar. A velocidade da mudança, antes lenta e esporádica,
nunca foi tão constante e dominante (BRODZINSKY, 1979).
O comportamento “reativo” pode não ser mais suficiente; a antecipação das mudanças
tornou-se crítica à sobrevivência humana. Isto não é verdade apenas para os indivíduos, mas
também para as instituições. Tradições, procedimentos operacionais padronizados, metas e
objetivos de toda e qualquer instituição estão sujeitas a uma grande tensão como resultado da
aceleração e da incerteza das mudanças. Os modernos decisores e gerentes devem preparar
suas organizações para o trauma da mudança sem precedentes (Op. cit.).
2.3.1 Tipologia das mudanças
O futuro é observado como produto da constante interação entre os fatores de inércia
que tendem a reproduzir o passado e os fatores de mudança que produzem a variabilidade no
desempenho das tendências (movimentos sociais, descobertas, inovações, conflitos, novas
políticas, decisões, eventos). As forças motrizes ou impulsoras e as forças restritivas ou forças
retardadoras podem contribuir para a continuidade e descontinuidade das tendências
(ÓRTEGON, 2006).
2.3.1.1 Certezas estruturais
São características inerentes a uma ordem, na qual se tem um alto grau de confiança. É
um fato supostamente imutável ou estável, que depende geralmente de condições naturais
(clima, geografia, etc.), da natureza biológica e psicológica do homem, da evolução histórica
de um sistema supostamente inamovível, como por exemplo, algumas características de uma
80
economia capitalista. Não obstante isso, frente a este tipo de mudança deve-se assumir uma
atitude de desconfiança, pois um elemento que se supõe invariável pode chegar a ter variações
brutais.
2.3.1.2 Tendência pesada
A tendência pesada designa um processo de mudança cumulativa que se julga o
suficientemente estável para aceitar o risco de se extrapolar a médio e longo prazo. Chama-se
tendência pesada ou forte pelas suas enormes conseqüências se houver modificações em suas
causas ou seus comportamentos geradores. É de média ou grande duração e concentra em si
mesma uma importante corrente de mudança, que marca a trajetória coletiva de uma
sociedade.
A principal característica da tendência pesada é que contém forças muito poderosas
que não podem se modificar por uma só pessoa ou organização. O exemplo mais evidente são
as correntes demográficas. Uma tendência pesada na Europa é o envelhecimento da população
que comporta a inversão da pirâmide populacional, onde a população jovem é superada pela
população idosa e de meia idade. Esta tendência tem amplos impactos na seguridade social,
força de trabalho e na infra-estrutura da sociedade.
2.3.1.3 Tendência emergente
A principal característica da tendência emergente é que ela representa uma corrente de
mudança em processo de formação que, todavia, é suscetível de ser transformada, pois ainda
há uma luta de forças econômicas, sociais ou tecnológicas e interesses políticos que atuam
81
umas sobre as outras. As tendências emergentes não têm um padrão definido como no caso
das tendências pesadas.
As tendências emergentes podem ser reconhecidas de forma quantitativa e qualitativa.
Para identificar uma tendência emergente é necessário avaliar no passado mais recente, ou no
presente, que tipo de mudança está reportando uma variável frente à tendência histórica ou
pesada. Estas mudanças podem aprofundar a tendência pesada, estancar seu comportamento
ou torná-la mais complexa ao introduzir uma mudança de direção que comporta uma
influência fraca, mediana ou intensa. Isto é, comportam o surgimento de subtendências que
ramificam a tendência pesada em várias direções.
DIFERENÇA ENTRE TENDÊNCIA PESADA E TENDÊNCIA EMERGENTE
Tendências
Pesadas
Ondas de
Choque ou Tsunamis
Tendências ou movimentos irreversíveis que são suficientemente poderosas
como para reestruturar as realidades básicas de um setor ou uma região,
afetando o jogo de recursos, opções, oportunidades e ameaças.
1. Se originam em um acontecimento ou mudança desencadeante, a qual
, a princípio, pode emergir de forma subterrânea e depois fazer-se
visível através da formação de uma onda.
2. Perante elas pouco se pode fazer, salvo utilizar o tempo para refugiar-
se em lugares seguros
3. Exemplos de ondas de choque são o milagre econômico da Ásia do
Pacífico; o colapso do comunismo; a ascensão da economia de
serviços; e o “baby boom” dos anos de 1950.
Tendências emergentes
Ondas de
superfície
São movimentos mais suaves, mas igualmente insistentes que podem assim
mesmo reestruturar, ainda que com menor intensidade, as opções abertas que o
ambiente provê às organizações.
Ondas de superfície seriam, por exemplo, a atual dinâmica de migração no nível
internacional; a fragmentação dos mercados de massa; a reestruturação das
mega-corporações tradicionais; a relocalização das indústrias de trabalho
intensivo; e a rapidez e globalidade com a qual se dão as transações comerciais.
Tabela 3 - Diferença entre tendência pesada e tendência emergente
Fonte: ÓRTEGON, 2006.
2.3.1.4 Fato portador de Futuro (FPF)
É um fenômeno em estado nascente, que não conta, todavia, com um peso estatístico
confiável, mas do qual um observador perspicaz pode descobrir uma tendência nova ou uma
tendência declinante. Surge de situações que estão ocorrendo no presente que podem alterar o
82
curso de uma variável de forma positiva ou negativa de maneira contundente. Os fatos
portadores de futuro são acontecimentos que anunciam novas tendências que vão começar a
tomar força. Implicam em uma mirada do presente, mas com uma visão de futuro, para que se
possa visualizar o que se sucederá a uma variável no futuro imediato.
2.3.1.5 Rupturas
São fatos transcendentes ou de grande impacto que provocam a mudança ou a
descontinuidade das tendências existentes, modificam a ordem atual das coisas e geram novos
paradigmas. Constituem surpresas, as quais surgem sem aviso prévio e não podem ser
deduzidas das evoluções anteriores. Isto significa que não se pode deduzir um evento “y” do
evento “x”. Em conseqüência, não podem ser objeto do prognóstico científico tradicional. As
rupturas são consideradas fatos reestruturadores e reorganizadores do presente, que dividem a
história de uma variável ou situação, impactando as tendências que vinham ocorrendo. Os
fatos de ruptura introduzem uma grande incerteza porque não é possível conhecer todas as
suas conseqüências e, por fim, podem conduzir a crises profundas ou permanentes do sistema
social.
2.3.1.6 Crises
Uma crise se define como uma suspensão dos determinismos, das estabilidades e das
restrições internas no interior de um sistema que lhe imprimem desordem, desestabilidade e
acaso. Implicam em uma regressão da previsibilidade do sistema e freiam as tendências
precedentes (STAFFORD; SARRASIN, 2000).
83
Sua característica fundamental reside no elevado grau de incerteza e as tensões que
originam este estado de ambigüidade. A lógica e a racionalidade perdem grande parte de seu
caráter explicativo.
2.4 ENFOQUES BÁSICOS SOBRE O FUTURO
Prever o futuro é impossível, mas isso não significa que não haja necessidade de
perscrutá-lo de modo a tomar-se as melhores decisões no presente. O importante é considerar
as possíveis condicionantes do futuro e utilizar a ciência, na medida do possível, para tabular
as prováveis hipóteses de como o futuro pode se desdobrar.
Todos os enfoques sobre o futuro situam-se, dentro do espectro do conhecimento,
variando entre a certeza, dúvida, opinião e ignorância (ÓRTEGON, 2006).
2.4.1 A predição
Uma predição, no sentido exato do termo, significa uma declaração não probabilística,
com um nível de confiança absoluto acerca do futuro. Por “não probabilístico” se entende que
é um enunciado que tem pretensão de ser único, exato e não sujeito à controvérsia; em suma,
uma predição aspira a efetuar afirmações determinísticas.
As teorias determinísticas são regidas pelas leis de causa e efeito, nas quais às mesmas
causas sempre se sucedem os mesmos efeitos. A predição se baseia em teorias determinísticas
e representa afirmações muito fortes. Porém, nas ciências da administração e nas ciências
sociais, os investigadores profissionais do futuro evitam falar de predição no sentido estrito do
conceito (MASINI, 2000).
84
2.4.2 A projeção, o risco, o prognóstico e a prospecção
A característica básica de uma projeção é que assume a continuidade de um padrão
histórico ou estatístico, isto é, sob certas condições “A” se supõe que conduzirão a um estado
futuro “B”, que reproduzem a causalidade do passado. As projeções analisam tendências e
ciclos que vêm desde o passado, ocorrem no presente e espera-se que se estendam até o futuro
de modo linear e crescente.
No que concerne às situações não determinísticas, existem graus de incerteza e, à
medida que esta diminui, pode-se lidar com as situações de forma analítica em função da
informação coletada. A incerteza se produz pela variabilidade dos eventos futuros e pelo seu
desconhecimento.
Uma situação de risco é aquela na qual além de prever resultados futuros associados a
uma alternativa, é possível designar probabilidades a cada um deles. O risco é aquela situação
sobre a qual se têm informações não somente dos eventos possíveis, como também de suas
probabilidades
25
. A incerteza se apresenta quando se podem determinar os eventos possíveis,
mas não é factível atribuir-lhes probabilidades objetivas.
O prognóstico ou “forecasting” (em inglês) busca identificar a probabilidade de
ocorrência de eventos futuros, com um nível de confiança relativamente alto. Ao se atribuir
probabilidades de ocorrência de um dado evento, matiza-se a pretensão à exatidão total e a
certeza absoluta que é característica da predição. Em matéria de ciências sociais e estudos de
futuro é mais adequado falar de prognósticos do que de predições.
O prognóstico é diferente da predição em sua formulação. O prognóstico funciona
dentro de uma rede de relações causais definidas entre eventos, isto é, sempre relações de
variáveis que estão interagindo e que dão como resultado um estado particular de futuro. O
25
Os riscos somente mudam, para o bem ou para o mal, quando alguns eventos significativos alteram a natureza
e a distribuição da incerteza relacionada, quando eventos que têm uma baixa probabilidade de ocorrência,
acontecem intempestivamente (MAZZIOTA, 1991).
85
prognóstico se refere a um enunciado condicionado, onde há premissas que fundamentam
juízos razoáveis sobre algum estado particular no futuro. Ao prognóstico subjaz um raciocínio
do tipo “se..., então...”, que busca orientar um programa de ação. Os prognósticos têm valor
em função das premissas que o fundamentam; se as suposições são débeis, as conclusões
serão fracas.
A prospectiva
26
ou “foresight” em inglês é uma forma de ampliação e sistematização
de um conjunto de prognósticos atribuídos por pessoas para lidar com a incerteza. Fazer
prospectiva implica em explorar a incerteza, elaborar hipóteses racionais, sustentáveis, com
rigor no método, processo e conteúdo, utilizando o pensamento sistêmico, divergente e
criativo.
2.4.3 A ambigüidade e a complexidade
Para Ferrando (1997), quando o entorno se torna complexo e o contexto se modifica
constantemente pelo efeito das ações dos atores internos e externos, ele se torna opaco e
menos decifrável e, portanto, ambíguo. A ambigüidade afeta a capacidade de operar da
organização, a qual depende dos vínculos de coesão, unidade e causalidade. Existem quatro
tipos principais de manifestação da ambigüidade:
- das intenções, quando preferências, critérios de escolha e objetivos das decisões não são pré-
definidas e exógenas ao processo decisório;
26
A palavra prospectiva é derivada do verbo em latim “prospicere” ou “prospectare”, que significa ver melhor
e mais longe aquilo que está por vir. Prospectare deriva do latim pro, à frente, adiante e spectare, ver. Logo,
prospectar é ver adiante no tempo, representar o futuro de forma ideal ou criá-lo na imaginação, construir
imagens do futuro. Esta é a essência do conceito de antecipação (CONCHEIRO apud ÓRTEGON, 2006).
Também pode ser entendida como uma “indisciplina intelectual”, um cruzamento de disciplinas como a História,
a Sociologia, a Política, a Economia, a Geografia, a Antropologia e a Psicologia. Seu propósito é gerar visões
transformadoras embasadas na História, que percebam o conjunto social, de maneira global e sistêmica. Em
essência, se busca perceber a realidade de outra maneira, isto é, produzir uma visão séria e diversificada à
inovação, à criação de alternativas de futuro (MASSÉ apud ÓRTEGON, 2006).
86
- da compreensão, quando as conexões entre as ações organizativas e suas conseqüências são
pouco claras;
- da história, quando os processos de aprendizagem são obstaculizados pela escassa
interpretação do passado; e
- da organização, quando o grau de atenção das pessoas que estão comprometidas na decisão
em relação aos problemas varia de modo causal.
A complexidade tem a ver com duas dimensões do problema estratégico: a variedade
dos eventos inerentes ao problema sob análise e sua própria variabilidade, ou seja, sua
imprevisibilidade sobre a maneira em que se desenvolverá no futuro. Em um ambiente
complexo não se processam os requisitos de cálculo mediante os quais usualmente se
antecipa a interação de uma organização com o seu entorno.
Hebert Simon (apud ÓRTEGON, 2006) considera complexo um sistema composto por
um grande número de partes que interagem de modo não simples. Para Simon, a
multiplicidade é certamente um atributo que caracteriza a complexidade. Niklas Luhman
(apud ÓRTEGON, 2006) complementa que a multiplicidade de fatores em jogo se associa à
irredutibilidade dos fatos e das regras com as quais o observador as descreve, devido à
emergência de qualquer forma de autonomia naquilo que se está observando (ÓRTEGON,
2006).
A autonomia é a propriedade que caracteriza aqueles fenômenos que se governam
segundo as leis que dependem só de si mesmos, que são auto referenciáveis, no sentido de se
definem por si mesmos, seus próprios comportamentos possíveis. Em suma, a complexidade
se refere a uma propriedade qualitativa dos fenômenos que correlaciona uma combinação de
multiplicidade e de autonomia com a irredutibilidade a cada explicação analítica que se exiba.
Hoje em dia o “Caos” é uma disciplina científica dedicada à compreensão da
complexidade do mundo e seus processos criativos e inovadores. Estes processos escapam do
87
determinismo e apresentam contingências não lineares, que podem arrastar um sistema a
estados totalmente imprevisíveis.
2.5 A ORIGEM DO TERMO E AS DEFINIÇÕES
O termo cenário foi atribuído às estórias escritas por pessoas supostamente vivendo no
futuro, visando a técnica de “pensamento do futuro”
27
desenvolvida por Hermann Kahn,
funcionário da RAND Corporation
28
, produzidas por meio de detalhada análise e imaginação.
Coube ao escritor Leo Rosten dar o nome de “cenário” a essas estórias, baseado na
terminologia de Hollywood, tendo em vista que, à época, o termo já estava em desuso, sendo
substituído por “roteiro”. Hermann Kahn adotou o termo porque ele gostou da ênfase dada à
criação de uma estória ou mito e não tanto na previsão de fatos.
29
Hermann Khan, assevera o seguinte sobre cenários:
[...] Cenários são seqüências hipotéticas de eventos construídas com o
propósito de focar a atenção nos processos causais e nos pontos de decisão.
Eles respondem a dois tipos de questão: (1) Precisamente como uma situação
hipotética pode evoluir passo a passo? e (2) Que alternativas existem, para
cada ator, a cada passo, para prevenir, desviar ou facilitar o processo. Os
cenários, com seus futuros alternativos, servem para o estabelecimento e
discussão de um critério para a comparação sistemática das várias
alternativas políticas ou para a análise e exame de problemas correntes. Eles
também são de interesse ao revelar hipóteses e contextos explícitos em
qualquer análise de direções e destinos. Com uma série de futuros
alternativos e cenários, fica fácil visualizar o que pode ser facilitado ou deve
ser evitado, e também para se ter uma perspectiva útil nas decisões a serem
tomadas [...] (KHAN, 1967, p. 6).
Do conceito do referido autor, pode-se depreender que a construção de várias
trajetórias futuras consistentes propicia uma melhor compreensão dos fatores envolvidos e
27
Do inglês “future-now” thinking.
28
Primeira instituição norte-americana criada no pós-guerra para realizar pesquisas objetivas e de alta qualidade
sobre segurança nacional decorrente do desejo inicial dos líderes da recém-criada Força Aérea Norte-Americana
de elaborar programas e objetivos para o seu novo serviço militar. A fim de assegurar que a instituição de
pesquisa a ser criada não fosse apenas um reflexo do pensamento burocrático, ela foi estabelecida o mais longe
possível de Washington. Para maiores detalhes, ver <
www.rand.org>.
29
RINGLAND, Gill. Scenario Planning. London: John Wiley&Sons, 2006, 2
a
edição, p. 13-14.
88
suas correlações, bem como uma visão antecipada das conseqüências que poderiam ser
ignoradas em análises ou discussões mais genéricas ou abstratas. É importante ressaltar neste
ponto a importância do pensamento divergente, abrindo um maior espaço de possibilidades na
investigação dos futuros. Logo, o processo decisório decorrente tenderá a estar mais apto na
tomada de decisão. Em suma, a ferramenta contribui para o processo reforçando-o e
agregando-lhe conteúdo.
Como afirma Buarque (2003), existe um grande consenso em torno dos conceitos e
das metodologias para a elaboração de cenários, o que pode ser constatado na tabela abaixo.
CENÁRIOS
Autores Conceito
incerteza
hipóteses
processo
decisório
futuro
GODET apud
BUARQUE, 2003
Configurações de imagens futuras condicionadas e fundamentadas em
jogos coerentes de hipóteses sobre os prováveis comportamentos das
variáveis determinantes do objeto de planejamento.
x
x
x
PORTER, 1989 Uma visão internamente consistente da realidade futura, baseada em
um conjunto de suposições plausíveis sobre as incertezas importantes
que podem influenciar o objeto.
x x x
SCHWARTZ,
1991
Uma ferramenta para ordenamento das percepções de uma pessoa,
organização ou instituição acerca dos futuros alternativos nos quais se
devem tomar as decisões certas.
x x
SCHOEMAKER,
1995
Um método disciplinado para imaginar futuros possíveis, nos quais
decisões organizacionais devem ser tomadas
x x
RINGLAND,
1998
Aquela parte do planejamento estratégico que se relaciona com as
ferramentas e técnicas de gerenciamento das incertezas do futuro.
x x
HEIJDEN, 1996 Constituem um conjunto de futuros razoavelmente plausíveis, mas
estruturalmente diferentes, concebidos por meio de um processo de
reflexão mais causal do que probabilístico, usado como meio para a
reflexão e a formulação de estratégias para atuar nos modelos de
futuros.
x x
Tabela 4 - Conceitos diversos de cenários
Fonte: Própria
Os cenários tratam, portanto, da descrição, na forma de narrativas ou estórias
30
, de
vários futuros alternativos. Estes futuros são estruturados por meio de hipóteses plausíveis, as
30
Ao longo do trabalho, foi utilizado indistintamente o termo estória ou história, visando preservar a tradução
literal do original em inglês.
89
quais representam combinações das incertezas. O conjunto de narrativas, em tese, serve para
orientar as decisões mais importantes (aquelas que tratam das incertezas críticas) por ampliar
a latitude mental do decisor ou do grupo de decisão.
Fica claro, a partir dessas definições, que cenário não é uma previsão, no senso de uma
descrição de uma projeção do presente relativamente sem surpresas. Também não é uma
visão, isto é, um futuro desejado. Um cenário é uma resposta bem trabalhada para a questão:
“O que pode possivelmente acontecer?” ou “O que aconteceria se...?”. Logo ele difere tanto
da previsão como da visão, pois ambos tendem a esconder os riscos. O cenário, em contraste,
torna a gestão de riscos possível.
Diferenças entre cenários, previsões e visões
CENÁRIOS PREVISÕES VISÕES
Futuros possíveis,
plausíveis
Baseados na incerteza
Ilustram os riscos
Qualitativo ou
quantitativo
Necessários para saber
o que vai ser decidido
(instrumentais para a decisão)
Fortes quando o
ambiente é incerto e em uma
perspectiva de médio e longo
prazo
Futuros prováveis
Baseadas em relações
certas
Escondem os riscos
Quantitativas
Necessários para
impelir a decisão
Usadas no dia a dia
Fortes a curto prazo e
em um baixo grau de incerteza
Futuros desejados
Baseado em valores
Escondem os riscos
Freqüentemente qualitativas
Energizantes
Relativamente usadas
Funcionam como
acionadores para a mudança
voluntária
Tabela 5 – Diferenças entre cenários, previsões e visões
Fonte: BANDHOLD; LINDGREN, 2003.
Também fica explícito que cenários lidam com a incerteza e a complexidade, sendo
formas de estruturar a primeira e reduzir a segunda, agregando consistência e plausibilidade
aos futuros alternativos, os quais serão considerados na tomada de decisão em relação às
opções estratégicas.
90
Cenário é um veículo para um salto imaginativo no futuro Portanto, cenários desafiam
os modelos mentais vigentes e incentivam a criatividade. Os cenários são uma ferramenta
para nos ajudar a adotar uma visão de longo prazo em um mundo de grande incerteza e nada
mais são do que narrativas sobre a forma que o mundo pode assumir amanhã, histórias que
ajudam a reconhecer as mudanças do ambiente e a adaptação a elas. Eles ajudam no
ordenamento das percepções sobre futuros alternativos nos quais as conseqüências das
decisões tomadas vão acontecer (SCHWARTZ, 2006).
Os cenários, por encorajarem a diversidade de perspectivas, alargam os mapas mentais
e ajudam as pessoas da organização a aprender.
2.6 HISTÓRICO DO PLANEJAMENTO BASEADO EM CENÁRIOS
A maioria dos autores atribui a tradição de cenários à Hermann Kahn e a RAND
Corporation nos anos 50. Kahn desenvolveu uma técnica, a qual ele denominou de “pensar no
futuro agora” (future-now thinking), a qual encorajava as pessoas a escreverem estórias que
viessem de suas imaginações, bem como sua análise detalhada como se elas estivessem
vivendo em algum ponto no futuro. Tal técnica ajudava as pessoas a quebrarem seus modelos
mentais e a considerarem o impensável. Ele adotou o termo “cenário” tendo em vista que o
termo anteriormente utilizado “cenário” (scenario) pelos estúdios em Hollywood foi
substituído por “roteiro” (screenplay). Os cenários por ele desenvolvidos eram parte de uma
pesquisa de estratégia militar conduzida pela RAND para o governo norte-americano. Mais
tarde o escopo dos cenários foi ampliado a outras áreas, após a fundação do Instituto Hudson,
por Kahn, na metade dos anos 60. Em uma série de estudos e livros ele ativamente promoveu
a idéia força de “pensar o impensável”.
91
Nos anos 1970 o planejamento baseado em cenários espalhou-se para o âmbito externo
da RAND e do Instituto Hudson. Companhias como a Royal Dutch/Shell e consultorias como
a “Stanford Research Institute (SRI) International”
31
e a “Batelle”
32
adotaram cenários como
parte de seus repertórios estratégicos e, assim, o planejamento baseado em cenários tornou-se
estreitamente relacionado à estratégia.
À Shell é atribuído o credito de ter sido a primeira companhia a utilizar largamente
cenários como uma ferramenta estratégica no ambiente corporativo
33
. Pierre Wack, Arie de
Gues e Kees van der Heijden são alguns dos mais notáveis “cenaristas” daquela época. Ainda
antes de 1967, Pierre Wack e Ted Newland sugeriram que pensar seis anos à frente não era
suficiente e começaram a planejar para o ano de 2000. Quando a Guerra do Yom Kippur foi
deflagrada, a Shell já estava preparada para o choque do petróleo. A habilidade de antecipar e
visualizar os futuros possíveis e agir de forma rápida foi a razão principal por trás do sucesso
da companhia durante os anos recentes.
Cenários se difundiram no mundo dos negócios à medida que o Instituto de Pesquisa
de Stanford passou a oferecer às companhias cursos de planejamento de longo prazo, e o
31
Ver site: <<www.sri.com>>.
32
Ver site << www.batelle.org>>.
33
No começo da década de 1970, o mundo enfrentava uma situação anômala na indústria petrolífera devido aos
baixos preços resultantes de um excesso de oferta e da descoberta de grandes campos no Oriente Médio. Devido
a isto, os planejadores da Shell começaram a olhar o mundo pelo ponto de vista dos produtores de petróleo,
cujos países pequenos e esparsamente povoados não tinham os meios de absorver todo o fluxo de bem-estar
oriundo de seu único recurso valioso. Aquela crescente oferta de dinheiro teria que ser reinvestida, mas aonde?
Nenhuma aplicação financeira ou imobiliária poderia valorizar tão rápido como o petróleo que jorrava em terra,
especialmente se menos petróleo fosse produzido, a fim de manter os preços altos. Assim, a equipe da Shell foi
capaz de prever a emergência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a alta do petróleo
como elementos pré-determinados para a década de 1970, forças motrizes que iriam dirigir o sistema global.
Repercussões desses elementos poderiam envolver ondas de choque às economias dos países dependentes do
petróleo importado do Oriente Médio. As incertezas derivadas desta situação envolviam as prováveis tentativas
de solução dos países, tais como o congelamento de preços ou simples inação, as quais resultariam em uma crise
energética. Logo, os planejadores da Shell apresentaram, em 1972, ao mais alto escalão da empresa, uma série de
cenários construídos a partir dos elementos pré-determinados e das principais incertezas. Os cenários variaram
de forma contrastante e opunham-se a visão de mundo até então prevalente na Shell, o que ajudou a alargar os
modelos mentais dos decisores e a melhorar o processo de tomada de decisões, o que propiciou à empresa estar
em melhor posição para enfrentar o embargo de petróleo, as altas dos preços e o poder do cartel da OPEP.
Estudo de caso. Millenium Project. “Examples of Futures Research used for Decision-making”. Disponível em
www.millennium-project.org/millennium/applic-ch1.html. Acesso em 10 de dezembro de 2008.
92
Instituto Hudson começou a buscar patrocinadores corporativos para bancar seus projetos. O
sucesso da Shell com o planejamento baseado em cenários também encorajou a maioria das
grandes empresas apontadas pela revista “Fortune” a adotar a “cenarização” como ferramenta
de planejamento de longo prazo durante os anos de 1970.
Durante a década de 1970, vários órgãos nacionais foram criados para estudar o
futuro. Muitos deles adotaram os cenários como uma ferramenta central de exploração do
futuro, entre eles o Secretariado Sueco de Estudos Futuros (Swedish Secretariat for Future
Studies).
A era dos cenários durante os anos 1970 teve vida curta. A recessão que se seguiu às
crises do petróleo, no meio e fim dos anos 1970, forçou as corporações a cortar gastos com o
pessoal de assessoramento. Cenários super-simplificados surgiram e sofreram críticas, muitas
justificadas. Este fato, aliado aos hábitos mais simples e fáceis do planejamento tradicional e a
falha em distinguir cenários de previsões, fez com que as companhias voltassem às formas
mais tradicionais de planejamento.
As crises de planejamento dos anos 1980, entretanto, levaram a um interesse renovado
na questão de como acontece e processa-se o planejamento, o que levou muitas futuras firmas
de consultoria a desenvolver os métodos de planejamento baseado em cenários. A turbulência
dos anos 1990 e o renovado interesse em gerenciar a incerteza por meio do pensamento e
planejamento de cenários, fez com que todas as consultorias de gestão desenvolvessem seus
próprios métodos de “cenarização”.
Hoje, os cenários ainda representam um papel de destaque na Shell e, embora ela seja
freqüentemente considerada a campeã dos cenários no mundo corporativo, o planejamento de
cenários tornou-se uma ferramenta padrão na maioria das companhias e firmas de consultoria
ao longo da última década do século XX.
93
2.7 A INSTRUMENTALIDADE DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO BASEADO NA
CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS
O espírito pode apresentar diversos estados frente à verdade
34
; esta pode ser-lhe
desconhecida, como se não existisse: estado de ignorância; pode ser-lhe possível: estado de
dúvida; ser-lhe provável: estado da opinião; ou pode ser-lhe evidente: estado de certeza. A
Ignorância é um estado puramente negativo, que representa a ausência de todo o
conhecimento relativo a qualquer objeto (JOLIVET, 2001, p. 62).
A dúvida é um estado de equilíbrio entre a afirmação e a negação. Pode ser espontânea
quando consiste na abstenção do espírito por falta de exame do pró e do contra. É refletida
quando a dúvida resulta dos exames das razões do pró e do contra. È metódica quando
consiste na suspensão fictícia ou real, mas sempre provisória, do assentimento a uma
asserção, a fim de controlar o seu valor (Op. Cit.)..
A opinião é o estado de espírito que afirma com temor de estar enganada. Ao contrário
da dúvida que é a suspensão do juízo. O valor da opinião depende da maior ou menor
probabilidade das razões que fundamentam a afirmação (Op. Cit.)..
A certeza é o estado de espírito que consiste na adesão firme a uma verdade
conhecida, sem temer enganar-se. A certeza se funda na evidência, a qual se pode definir
como "a clareza" plena pela qual o verdadeiro se impõe sobre o falso (Op. Cit.).
De acordo com Platão
35
, a opinião é uma faculdade própria que nos torna capazes de
julgar sobre a aparência. Como conhecimento das aparências, a opinião é o modo natural de
acesso ao mundo do porvir. A concepção platônica da opinião permanece, pois, estreitamente
vinculada à admissão da existência e do primado do mundo inteligível.
34
Verdade enquanto juízo á respeito da realidade.
35
Na obra “República” (v, 477A – 480A).
94
Na opinião não há propriamente um saber, tampouco uma ignorância, mas uma
proposição de um juízo
36
ou elaboração de um raciocínio
37
, que se encontra tanto mais
próxima do saber, quanto mais prováveis são as razões nas quais se apóia; uma possibilidade
absoluta dessas razões faria a opinião coincidir com o verdadeiro conhecimento
(FERRATER, 2001, p. 2158)
38
.
Se o futuro é imprevisível, logo a incerteza é a sua variável crítica. O ser humano
diante de tal estado de coisas busca conjecturar, opinar a fim de antecipar possíveis realidades
para decidir e agir, construindo um futuro melhor para si (futuro desejado).
Para perscrutar os possíveis futuros, é necessário ampliar e estruturar o conhecimento
de modo a reduzir a incerteza e ter julgamentos bem embasados. Os julgamentos, formas de
pensamento onde se tenta reduzir a incerteza, são mais bem expressos quando combinados,
hipotetizados e encadeados no formato de eventos futuros.
Esses eventos são, de forma lógica, consistente e plausível, explicitados na forma de
estória. Cada narrativa em forma de estória espaço-temporal expressa uma lógica dominante,
um enredo que a conduz. Cada estória representa um cenário.
Os cenários representam um ferramental à disposição dos decisores que permite a
expansão da base de conhecimentos e que lida com a incerteza, instrumentalizando, da melhor
forma, o estado de opinião
39
(decorrente do conhecimento) sobre o futuro (hipóteses e
combinações plausíveis e consistentes).
36
Julgar é afirmar ou negar uma relação entre duas idéias (JOLIVET, 2001, p. 31).
37
O raciocínio, em geral, é a operação pela qual o espírito, de duas ou mais relações conhecidas, concluí uma
outra relação que desta decorre logicamente.
Como, por outro lado, as relações são expressas pelos juízos, o
raciocínio pode também definir-se como a operação que consiste em tirar de dois ou mais juízos um outro juízo
contido logicamente nos primeiros. O raciocínio é então uma passagem do conhecido para o desconhecido
(JOLIVET, 2001, p. 45).
38
FERRATER, José Moura. Dicionário de Filosofia. Tomo III, 2001, p. 2158.
39
O valor da opinião depende da maior ou menor probabilidade das razões que fundamentam a afirmação
(JOLIVET, 2001, p. 63).
95
A heurística cognitiva e a teoria das probabilidades contribuem para aperfeiçoar o
julgamento, fortalecendo a razão
40
.
2.7.1 O rompimento com a concepção tradicional de tempo
Os sinais do mundo exterior são filtrados pelo sistema cognitivo. Os mais elementares
filtros são os sentidos, os quais permitem as pessoas perceberem somente uma pequena parte
da realidade. Mais ainda, os sinais são cognitivamente filtrados por meio da atenção e senso
de relevância. Somente eventos que chamem à atenção e sejam considerados relevantes irão
entrar no raio de vigilância da consciência
41
e tornar-se-ão a matéria bruta da qual são
construídos os modelos mentais e que constituem a base para a decisão e ação (HEIJDEN,
2003).
Os filtros de relevância possuem várias dimensões
42
, sendo um deles o fator tempo. A
ameaça de um impacto imediato ou mais próximo tende a chamar mais a atenção do que uma
ameaça situada mais distante no tempo. Este é um problema que aflige todo decisor e analista,
qual seja, como discernir entre os sinais relevantes e os ruídos em uma situação, como separar
o relevante do irrelevante (Op. cit.).
A dimensão tradicional de tempo é percebida e medida pela sociedade de acordo com
os ciclos da natureza, onde o fator temporal é vinculado aos fenômenos naturais que sempre
se repetem, conduzindo a um conceito incompleto de futuro, entendido, no senso comum,
40
THIELE, Leslie P. Making Intuition Matter in SCHRAM, Sanford; CATERINO, Brian. Making Political
Science Matter: Debating Knowledge, Research, and Method. New York: NYU Press, 2006.
41
Neurocientistas afirmam que os nossos olhos absorvem e passam para o cérebro mais de dez milhões de sinais
a cada segundo. Os outros quatro sentidos também contribuem extensivamente. Mas a nossa mente consciente
pode processar tão somente quarenta peças de informação a cada segundo.. isto é uma pequena parte do que se
torna disponível para nós. Realmente, é estimado que para cada um milhão de “bites” percebido pelos sentidos,
somente um “bite” de informação entra no espectro da atenção consciente. (Ibidem, p. 190).
42
Van der Heijden (2003) enumera ainda outros dois filtros de relevância. Um primeiro sendo a proximidade aos
limites do sistema. Ele afirma que nós tendemos a nos interessar mais pelos acontecimentos cujos impactos são
importantes para o nosso bem-estar do que pelos eventos distantes que parecem não nos dizer respeito. Enfim,
um sentido mais imediatista. O segundo filtro de relevância enumerado é a intensidade do sinal. Sinais fortes são
retidos, sinais fracos tendem a ser facilmente descartados, desconsiderados.
96
como uma seqüência natural do passado e do presente. É o mito do eterno retorno ao presente
contínuo, onde o passado e futuro são prolongamentos de um mesmo presente e onde as
mesmas causas produzem os mesmos efeitos, onde nada muda e os sistemas sociais se
constituem sempre com “mais do mesmo” (ÓRTEGON, 2006 ).
O conceito de tempo cronológico (Kronos)
43
medido em dias, horas e segundos –
entendido como algo linear, mensurável, irreversível e predizível – e o conceito tradicional de
espaço – entendido como contigüidade e continuidade – vêem-se transformados pelas
tecnologias que facilitam a comunicação em tempo real. Desta forma, o marco espaço-
temporal da humanidade se transformou na globalização através da mudança tecnológica (Op.
cit.)
Assume vigência o tempo vivido (Kairós)
44
. Graças à tecnologia, a humanidade pode
fazer mais coisas na mesma unidade de tempo, fenômeno conhecido como aceleração do
mundo contemporâneo. O progresso tecnológico rompe com a visão tradicional do tempo e
traz a perspectiva de evolução e mudança para as sociedades que implica em uma ruptura com
a idéia anterior de futuro como mera continuação do passado. Assume-se, assim, um ambiente
turbulento, em mutação constante, no qual o estudo do futuro é cada vez mais necessário.
Ao invés de tratar o futuro como um fato constante do desdobramento da vida e
projetá-lo como uma simples extrapolação das tendências do passado, o planejamento
baseado em cenários experimenta o tempo de várias formas. Logo, explora a incerteza
(originada do tempo em evolução e mudança), elabora hipóteses inteligentes, fortemente
sustentadas, com rigor no método, processo e conteúdo.
43
O tempo Kronos é o tempo do relógio, um tempo-coisa com delimitações estanques e escalas numéricas. É o
tempo medido, contado, estabelecido por regras estanques.
44
Essa palavra grega refere-se ao personagem mitológico que simboliza o movimento circular, espiralado, não-
linear. Kairós é um tempo não-consensual, vivido e oportuno. Esse tempo pertence ao ser que se encontra na
ação, no movimento de passagem, na mudança, no fluxo.
97
A essência da antecipação é a elaboração de hipóteses e futuros plausíveis. O
fundamento não é buscar o critério da verdade na correspondência entre o futuro e a realidade,
mas estimular a capacidade de responder oportuna e efetivamente a circunstâncias
cambiantes. Trata-se de prover boas respostas com antecipação para quando os problemas se
apresentarem.
2.7.2 A escolha racional e a racionalidade limitada
O conhecimento é a informação estruturada que tem valor para a organização
(CHIAVENATO, 2000). A informação baseia-se na lapidação de dados interpretados e
contextualizados que passam a ter significado e relevância. Assim, pode-se dizer que quanto
maior o conhecimento, maior a capacidade de decisão ou, por antítese, quanto menor a
incerteza, melhor o aporte para a decisão.
Como corolário, dentro de um raciocínio lógico, é possível afirmar que somente
aquele que tem conhecimento deve tomar decisões. Neste caso, podem-se admitir as seguintes
variantes: o tomador de decisões possui o conhecimento ou a decisão deve migrar para
aquele(s) que têm conhecimento. Uma terceira possibilidade é aquela em que todos na
organização compartilham o conhecimento e aprendem.
Na teoria da decisão baseada na escolha racional, supõe-se que o decisor age
intencionalmente na busca de seus objetivos, é capaz de eleger e ordenar todas as alternativas
possíveis, possui informações perfeitas sobre o ambiente externo e os resultados de cada
alternativa e realiza a escolha (decisão) baseado no critério da máxima utilidade esperada e
custos mínimos (SIMON, 1965, p. 99-104). Em suma, tem-se o “homo economicus” (homem
econômico), ser perfeitamente racional das ciências da escolha (SIMON, CROWTHER-
98
HEYCK; 2005). Ele atende à dialética de meios-fins de forma intencional, racional e
econômica, maximizando sua satisfação.
No entanto, o mundo real é distinto do modelo da racionalidade perfeita
(determinístico) apregoado pela escolha racional. No modelo de racionalidade limitada de
Simon (1965), o “homem econômico” da teoria clássica acima mencionada é substituído pelo
“homem administrativo”, o qual é limitado no conhecimento de todas as alternativas e incapaz
de estabelecer critérios para otimizar suas decisões; por isso, procura tomar decisões que
atendem aos padrões mínimos de satisfação e nunca de otimização.
Logo, a organização trabalha com os limites da racionalidade que afetam o decisor.
Para isso, a organização deve estabelecer os pressupostos que influenciem as decisões de seus
integrantes em benefício de seus objetivos (SIMON, 1965). Um dos limites que afeta a
decisão é a extensão, a amplitude dos conhecimentos que o(s) decisor(es) possui (em). O
processo de tomada de decisão do mundo real é sempre limitado em sua racionalidade.
2.7.3 Heurísticas e modelos mentais
A racionalidade limitada se aplica bem ao lidar com problemas estruturados e
decisões sob certeza, isto é, aqueles que podem ser perfeitamente definidos, pois todos os
dados relevantes estão disponíveis, e a necessidade de julgamento e avaliação é pequena. Nas
decisões sob risco e incerteza, os seres humanos, dentro do modelo de racionalidade limitada,
tendem a recorrer ao uso de regras empíricas
45
ou de modelos mentais.
De acordo com Senge, modelos mentais são pressupostos profundamente arraigados,
generalizações ou mesmo imagens que influenciam nossa forma de ver o mundo e agir
(SENGE, 2005, p. 42). Quando grandes grupos utilizam modelos mentais vastamente
45
Denominadas de heurísticas de decisão.
99
compartilhados para definir sua realidade, eles se denominam paradigmas (SCHOEMAKER;
RUSSO, 2002, p. 66).
Os modelos mentais
46
são filtros de percepção que simplificam e guiam a
compreensão de uma realidade complexa (Op. cit., p. 46). Desta forma, eles tendem a impedir
que as novas descobertas (insights) sejam colocadas em prática porque conflitam com as
imagens internas profundamente arraigadas (SENGE, 2005, p. 201).
Uma vez que os modelos mentais utilizados são simplistas e limitados, normalmente
os decisores identificam alternativas óbvias e com as quais estão familiarizados e, ao invés de
buscar a uma decisão ideal, eles se satisfazem com a primeira decisão satisfatória que
descobrem. Essas decisões são tomadas com uma base de conhecimentos limitada e em cima
de percepções distorcidas.
Em suma, os modelos mentais utilizam princípios heurísticos para simplificar a
tomada de decisão. Estas heurísticas podem até fazer com que a tomada de decisão seja mais
rápida, mas elas podem incorrer em erros crassos.
Os principais grupos genéricos de heurísticas são o da disponibilidade, o da
representatividade, e o da ancoragem e ajuste (BAZERMAN, 1994).
A heurística da disponibilidade é aquela que diz que com freqüência são avaliadas as
chances de ocorrência de um evento pela facilidade com que se consegue lembrar de
ocorrências desse evento. Nela, a tendência é basear o julgamento em evidências que vêm à
mente com mais facilidade, que estejam disponíveis ou destacadas, como também pelas mais
recentes. Entretanto, não se deve considerar esta heurística infalível, em virtude de ser a
46
Modelos mentais são pressupostos profundamente arraigados, generalizações ou mesmo imagens que
influenciam nossa forma de ver o mundo (SENGE, 2005, p. 42). A essência do raciocínio estaria na habilidade
de testar as hipóteses a partir desses modelos. Logo, ao alargar os modelos, os raciocínios seriam mais bem
elaborados e, portanto, ter-se-iam melhores decisões.
100
disponibilidade da informação também afetada por outros fatores não relacionados com a
freqüência real do evento em julgamento.
A heurística da representatividade é o julgamento por estereótipo, onde as bases do
julgamento são modelos mentais de referência. Os decisores avaliam a probabilidade de
ocorrência de um evento por meio de sua similaridade aos estereótipos de acontecimentos
semelhantes. Em alguns casos, quando sobre controle, o uso desta heurística é uma boa
aproximação preliminar. Porém, em outros, pode levar a comportamentos irracionais.
A heurística da ancoragem é aquela em que se avalia a chance de um evento pela
colocação de uma base (âncora) e se faz um ajuste. Quando as pessoas realizam estimativas,
elas tendem a ajustar a sua resposta com base em algum valor inicial disponível, que servirá
de âncora. Em situações de incerteza ou ambíguas, um fator trivial pode exercer um profundo
efeito sobre a decisão. Independentemente da base do valor inicial, os ajustamentos efetuados
sobre o mesmo tendem a ser insuficientes.
As heurísticas ou regras simplificadoras constituem ferramentas cognitivas usadas
para simplificar a tomada de decisão. Elas não são mutuamente excludentes, ou seja, pode-se
ter mais de uma heurística em operação nos processos de tomada de decisão em qualquer
dado momento.
As heurísticas ratificam as limitações cognitivas dos seres humanos (racionalidade
limitada). Em um mundo cada vez mais acelerado são necessárias decisões ágeis e as
heurísticas podem responder a essas demandas. No entanto, podem implicar em decisões
frágeis.
101
2.7.4 Memórias do Futuro
Estudos de neurobiologia desenvolvidos pelos doutores Calvin e Ingvar
47
revelaram
que o cérebro humano está, a todo o momento, tentando retirar um significado do futuro.
Assim, os seres humanos possuem a habilidade de mentalmente explorar todos os
desdobramentos possíveis do futuro, uma habilidade inata para ensaiar futuros possíveis. A
isso se pode denominar de pré-planejamento, isto é, ensaiar várias vezes, mentalmente, as
seqüências de eventos e ações, a fim de realizar a atividade.
Essa capacidade relatada faz com que as imagens de futuro (virtuais) fiquem
armazenadas no cérebro na forma de planos e ações seqüenciais (memórias
48
do futuro): se
isso acontecer, faça isso; caso contrário faça aquilo outro. Caso uma das imagens visualizadas
aconteça realmente, será mais fácil ter a percepção de seus sinais, reconhecer a situação e agir
de acordo com o que foi então imaginado. (SCHWARTZ, 2006).
A capacidade acima descrita revela uma forma de alargamento dos modelos mentais
em voga e significa uma aprendizagem. Em tese, quanto mais imagens de futuro forem
desenvolvidas, mais abertos e receptivos aos sinais do mundo exterior estarão as pessoas e as
organizações, ampliando o conhecimento e incrementando a qualidade da decisão.
47
Cfm. De Geus (1999), o neurobiologista sueco David Ingvar, em artigo de 1985 intitulado “The Memory of
the Future” descreveu o trabalho que o cérebro realiza ao lidar com um meio-ambiente complexo para garantir
um melhor preparo individual para os acontecimentos futuros. De acordo com ele, uma parte do cérebro humano
está constantemente ocupada em fazer planos e programas voltados para o futuro, prevendo trilhas temporais
alternativas ou possíveis contingências para enfrentamento. Esta memória do futuro nos ajuda a estabelecer a
correspondência entre a informação recebida e um dos caminhos alternativos temporais armazenados,
percebendo o seu significado e impacto. Ela também permite filtrar qualquer informação irrelevante que não
tenha significado para quaisquer das opções de futuro resultantes. (DE GEUS, Arie. Strategy and Learning.
Reflections, Volume 1, Number 1, 1999, p.77). Fica implícito que uma pessoa ou organização não consegue
perceber e discernir os sinais relevantes e ruídos no ambiente se não há registro daquela experiência em sua
memória.
48
Memória é a faculdade de conservar e de evocar os estados de consciência anteriormente experimentados. Esta
definição se aplica propriamente ao que se chama memória sensível, ou memória propriamente dita (JOLIVET,
2001, p. 113).
102
Os mecanismos de memórias (histórias) do futuro disponíveis para a organização são
os cenários. Os cenários agregam coerência aos eventos futuros da mesma forma que os casos
históricos tornam coerente o passado.
Memórias do futuro são, de certa forma, casos históricos vistos sob a ótica de uma
perspectiva futura. Elas explicam como o mundo se desdobra em direção a uma situação
futura imaginada, por uma trilha causal de eventos, ligando esta imagem de futuro ao presente
conhecido. Ao se colocar no futuro, as sombras do presente se iluminam; as narrativas futuras,
em forma de histórias, criam ordem no caos (HEIJDEN, 2005, p. 134).
Os cenários podem ser considerados memórias do futuro institucionalizadas e
representam o instrumento (de percepção coletiva) por meio do qual as organizações e
instituições aprendem a vislumbrar os futuros possíveis introduzindo os fatos novos
(surpresas), a construir memória deles e a preparar-se para enfrentá-los.
Os cenários refletem a incerteza intrínseca ao futuro; agregam coerência que é criada
por meio do conhecimento interdisciplinar de forma nova e singular; apresentam descobertas
aderentes ao contexto real, ilustrando a teoria e usam um modelo causal de pensamento que é,
intuitivamente, confortável (Op. cit. , p. 139).
2.7.5 Conhecimento codificado e conhecimento tácito
O conhecimento pode ser dividido em duas categorias: o codificado e o tácito. O
conhecimento codificado pode ser usado diretamente no processo decisório. Seus elementos
são bem conectados, integrados e compreendidos no contexto: eles possuem significado.
Entretanto, também existe o conhecimento tácito, o qual não se consegue articular
bem. Esses elementos consistem de observações e experiências isoladas que não foram
devidamente integradas e conectadas com o conhecimento codificado. Elas parecem
103
intuitivamente importantes, mas são como um quebra-cabeça: não se consegue ainda entender
claramente seu significado.
Geralmente, é difícil para as pessoas tornar explícito seus construtos pobremente
conectados. A fim de aprender, uma pessoa deve relacionar novas experiências a suas
estruturas cognitivas existentes. Para articular o conhecimento tácito, é necessário um agente
externo para confrontar os sinais, ainda não conectados do conhecimento empírico, com a
estrutura de conhecimento existente no grupo mais amplo ou na sociedade. Sobre isto, o
psicólogo russo L. S. Vygotsky
49
introduziu o termo “zona próxima de desenvolvimento”, o
qual descreve o domínio onde os construtos mentais, embora ricos empiricamente, mas
desorganizados, interagem com a lógica da razão expressa na linguagem do seu grupo social.
Como um resultado desta interação, os pontos fracos da razão espontânea são apoiados pela
força da lógica do grupo.
Este processo foi denominado de “scaffolding” (estruturação), o qual consiste de
construir conexões entre descobertas (insights) isoladas intuitivas e o amplo contexto da
compreensão de uma pessoa, isto é, seu conhecimento codificado. Desta forma, o
conhecimento tácito pode se tornar parte da estrutura de conhecimento de um indivíduo ou de
uma organização: ele passa a ter significado, torna-se apreensível e enriquece o modelo
mental usado para considerar o futuro.
O conhecimento tácito lida com os sinais fracos do ambiente, aqueles eventos
observáveis que atingem a consciência porque é possível intuir que eles possuem alguma
relevância para a situação enfrentada. A fraqueza dos sinais neste contexto refere-se à
inabilidade de dar significado a eles, em contraste com os sinais fortes, cujas implicações
potenciais são entendidas de forma clara. As pessoas se sentem diante de um quebra-cabeça
ao lidarem com esses sinais fracos no horizonte; elas sentem que eles podem se tornar
49
Ver VYGOTSKY, Lev. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991. A atuação em um
mundo imaginário (cenários) cria uma zona de desenvolvimento próxima. Os cenários funcionam como
simuladores para o desenvolvimento da cognição e a decorrente intuição.
104
importantes, mas não têm pistas de “como” e “porque”. Os sinais fracos são típicos do
material da “zona de desenvolvimento próximo” que integra o incrementalismo lógico ou
blocos construtores dos cenários. Quanto mais os cenários integrarem este tipo de
conhecimento de forma consistente e plausível, maior a capacidade de entendimento holístico
da situação (HEIJDEN, 1997).
O desenvolvimento de cenários é um processo social: as pessoas trabalham juntas para
combinar e estruturar as descobertas espontâneas do seu conhecimento tácito em estruturas
coerentes. Elas dão significado aos construtos isolados e, assim, os incorporam na estrutura do
conhecimento para considerar o futuro.
O processo é conversacional: ele força as pessoas a considerar o conhecimento
espontâneo e integrá-lo as suas estruturas cognitivas. Este processo possui várias
metodologias como entrevistas, questionários, sessões de “brainstorm” e peritagem. De certa
forma, o processo guarda uma similitude com a maiêutica
50
de Sócrates.
O passo seguinte consiste na máxima e possível integração de todo material coletado
na representação cognitiva do cliente acerca do ambiente, do seu entorno. O instrumento
usado para isso é o enredo (story line). O enredo é um meio poderoso para agregar um
conjunto complexo de eventos e relações em algo cognitivamente gerenciável e memorizável,
permitindo uma melhor percepção e julgamento do que está acontecendo e facilitando a
apreensão de conceitos estruturados.
No planejamento por cenários, cada enredo constitui uma trama flexível, permitindo e
possibilitando agregar novos conhecimentos e novas descobertas feitas durante o processo.
Isto pode acontecer seja pela justaposição de duas idéias que podem gerar uma terceira, seja
pela necessidade de criar um enredo internamente coerente que obriga a gerar um novo
construto ou nova descoberta para completá-lo.
50
Consiste em levar o interlocutor à descoberta da verdade mediante uma série de perguntas e mediante a
exposição das perplexidades a que as respostas vão dando origem.
105
O processo estratégico é essencialmente criativo. Ele precisa ir além do conhecimento
codificado e deve envolver as ligações das descobertas (insights) desconexas que até então
permaneceram tácitas. A construção de cenários pode ser vista como um processo sistemático
de estruturação de descobertas e expansão do conhecimento (tácito) sobre o ambiente, o seu
entorno. De forma sintética, pode-se afirmar que a ferramenta de cenários expande a memória
de trabalho porque permite encadeamento das idéias, dos sentimentos e das imagens.
Com a articulação da visão, considerada como uma ferramenta de articulação e
conhecimento da própria organização
51
, bem como dotado do conjunto dos vários cenários
sobre o futuro ambiente, o estrategista pode cumprir sua tarefa e responder à questão
estratégica: “A organização está preparada e equipada para enfrentar os vários futuros
alternativos imagináveis?”.
2.7.6 A ótica de Fahey e Randall
O processo de planejamento por cenários pode ajudar uma organização ou instituição
a entender como formar a base para ter sucesso no futuro enquanto enfrentando a competição
no presente. Os cenários são narrativas descritivas de imagens alternativas plausíveis de uma
parte específica do futuro. Baseados em uma combinação de eventos revelados que são
bastante previsíveis e aqueles que não são – o que se sabe que irá acontecer e o que não se
sabe – pode-se projetar uma variedade de futuros. As imagens de futuro são limitadas somente
pelas informações que se tem ou podem ser coletadas, pela compreensão dessas informações e
pela imaginação.
O planejamento baseado em cenários permite organizar o que se sabe e o que se
imagina em histórias lógicas e úteis sobre o futuro, assim como a discernir e considerar as
51
Também pode ser compreendida como a representação estrutural explícita da organização.
106
implicações dessas histórias de futuro para a tomada de decisão. A abordagem por cenários
permite explorar as linhas de pensamento que representam novidades e que estão além dos
limites normais das operações de uma organização
52
, bem como formular hipóteses sobre o
futuro de forma estruturada e criativa, colocando as incertezas em uma perspectiva
organizada.
As razões que levam à adoção do planejamento baseado em cenários são as seguintes:
- o contexto muda. As circunstâncias e condições futuras serão diferentes das
existentes no presente;
- mudar os modelos mentais dos integrantes e a cultura organizacional
53
; e
- aprender, pois o processo alarga a latitude mental de quem com ele trabalha.
O planejamento baseado em cenários pode ser utilizado para:
- identificar possíveis oportunidades no ambiente;
- testar a estratégia corrente;
- refinar a estratégia baseada na compreensão do que é necessário para ter sucesso em
uma variedade de futuros possíveis;
- monitorar os resultados da execução de uma estratégia; e
- monitorar as mudanças no ambiente para determinar onde à frente será necessário
uma mudança ou adaptação (FAHEY; RANDALL, 1998).
2.7.7 O ponto de vista de Heijden
O autor estabelece como premissa que o propósito último do planejamento por
cenários é “criar uma organização mais adaptável, a qual, primeiramente, deve reconhecer a
52
“Out of the box”, fora da caixa. Isto é que fogem aos padrões, aos modelos.
53
Que nada mais são do que os filtros de percepção coletivos.
107
mudança e a incerteza para, em seguida, utilizar a criatividade a seu favor” (HEIJDEN, 1997,
p.1).
Heijden afirma que o planejamento baseado em cenários atende às necessidades
intuitivas dos típicos tomadores de decisão na sua busca por uma compreensão mais ampliada
das estruturas que estão em mutação na sociedade. Em seguida, ele enumera cinco razões ou
vantagens do planejamento baseado em cenários:
- geração de projetos e decisões que são mais robustas sob a variedade de diversos
futuros alternativos (processo decisório mais robusto) – os cenários funcionam como um
simulador para as decisões a serem tomadas, e os possíveis resultados decorrentes ou de teste
são utilizados para avaliação da estratégia corrente;
- melhor qualidade do pensamento sobre o futuro (alongamento dos modelos mentais
levando a descobertas) – os cenários, em contrate com as clássicas previsões que produzem
respostas, obrigam os tomadores de decisão a fazer as perguntas cruciais
54
. Além disso,
impõem a necessidade de considerar as forças motrizes de mudança com profundidade e a
analisar as relações causais das variáveis do sistema sob estudo;
- aumento da percepção corporativa ou organizacional – os cenários forçam as pessoas
da organização ou corporação a serem mais perceptivas, a analisar os eventos como parte do
padrão reconhecido e, assim, apreciar as implicações. Em suma, os dados do ambiente são
tratados e filtrados sob as lentes dos observadores que interpretam os sinais e ruídos e os
transformam em informações (dados com conhecimento agregado), as quais são utilizadas
para se chegar a decisões estratégicas mais apuradas;
- influenciar e energizar a gestão nas organizações – os cenários estabelecem o
contexto a partir do qual as decisões nos níveis hierárquicos da média e baixa administração
são tomadas; e
54
O importante é a formulação de boas perguntas, para se ter boas respostas. Fica aqui caracterizada a similitude
com a maiêutica.
108
- uma ferramenta para provimento de liderança na organização – o interesse dos
escalões hierárquicos mais altos no processo de cenários tende a ser reforçado, pois os
cenários tornam-se uma ferramenta contextual para influenciar o desenvolvimento de projetos
ao longo de todos os escalões da estrutura organizacional. Em uma verdadeira cultura de
planejamento baseado em cenários, as pessoas terão maior compreensão das estruturas e
incertezas do seu entorno estratégico (Op. cit., p. 3-10).
2.7.8 A visão de Godet
O planejamento estratégico baseado em cenários é entendido como prospectiva
estratégica para Godet. A origem da palavra “prospectiva” é atribuída à Gaston Berger, o
qual, no fim dos anos de 1950, enfatizou a importância de uma atitude orientada para o futuro.
Para Berger, uma atitude prospectiva significa “ver longe, com amplitude, com profundidade,
assumindo riscos, pensando na humanidade”, o que pode ser compreendido como tendo uma
preocupação de longo prazo, cuidando das interações, descobrindo os fatores e tendências que
são importantes, mudando os planos e observando as conseqüências para os homens
(GODET, 1996)
55
.
Para Godet, a prospectiva estratégica é um processo que tem sua origem na
antecipação e vai até a ação, por meio da apropriação. Com a ajuda de uma metáfora, onde
utiliza o triângulo grego, ele define os três componentes da prospectiva estratégica como
“Logos”(pensamento, racionalidade, discurso), “Epithumia” (desejo em seus aspectos nobres
e não nobres) e “Erga” (ação e realização). O casamento da paixão e razão e de corações e
mentes, é a chave para a ação com sucesso. O pensamento racional e a visão intuitiva são
necessários. Razão e intuição se complementam.
55
GODET, Michel; ROUBELAT, Fabrice. Creating the Future: The use and misuse of scenarios. Long Range
Planning. vol. 29, n
o
2, p.164-171, 1996.
109
Para ele, a prospectiva e a estratégia embora intimamente ligadas, são entidades
distintas. Há o tempo da antecipação, onde são prospectadas as mudanças possíveis e
desejáveis e o tempo da preparação da ação, onde são elaboradas e avaliadas as opções
estratégicas possíveis para a organização se preparar para as mudanças esperadas (“pré-
atividade”) e provocar as mudanças desejáveis (“pró-atividade”).
Godet afirma que a meta da prospectiva é iluminar as escolhas do presente à luz dos
possíveis futuros. As incertezas do futuro são reduzidas e as decisões são tomadas tendo os
cenários como referência. Por fim, ele conclui que a abordagem prospectiva contribui para:
- a estimulação do pensamento estratégico e comunicação dentro das organizações;
- a melhoria da flexibilidade interna de resposta ante às incertezas ambientais e
provendo uma melhor preparação para possíveis rupturas do sistema; e
- a reorientação das opções políticas de acordo com o futuro contexto (Op. cit., p. 164-
171).
2.7.9 Outras idéias importantes
No planejamento estratégico, especificamente no pensamento estratégico, o processo
de construção de cenários é mais importante que o produto (a descrição literária dos futuros
alternativos). Além de contribuir decisivamente para a aprendizagem social e organizacional,
cria organizações e sociedades mais adaptativas, ou seja, que reconhecem as mudanças e
incertezas, lêem e interpretam sinais e identificam padrões. Por fim, os cenários permitem a
compreensão das forças que podem decidir sobre o futuro, como grandes balizamentos para a
ação (WACK apud BUARQUE, 2003).
110
Os cenários não objetivam prever o futuro para uma organização, mas a abrir a
discussão
56
estratégica que conduz ao processo decisório sobre quais estratégias futuras serão
buscadas. Os cenários enriquecem a discussão e desafiam hipóteses longamente assumidas e
ultrapassadas sobre o futuro da organização, levando à identificação das potenciais opções
que previamente não estavam visíveis (CONWAY, 2002).
Para tomar decisões, deve-se reduzir a incerteza o máximo possível, para gerenciá-la.
Gerenciar a incerteza não significa aceitar projeções vagas, fazer recomendações indefinidas,
nem abandonar o planejamento. O seu significado está em mitigar a inflexibilidade. Em um
ambiente incerto, a inflexibilidade não se encontra em previsões exatas de pontos isolados,
mas na definição exata de estimativas de incerteza. E não se consegue isso selecionando a
visão correta do futuro, mas sim por um rigoroso processo que permita antecipar e preparar-se
para múltiplos futuros (SCHOEMAKER; RUSSO, 2002, p. 143).
Cenários podem ser usados para (1) identificar sinais de aviso prévio de mudanças no
ambiente, (2) estimar a robustez das competências centrais da organização, (3) gerar melhores
opções estratégicas, e (4) avaliar o perfil de risco / retorno de cada opção à luz das incertezas.
Também podem ajudar a comunicar mensagens dentro da organização, como a necessidade de
mudança, a importância do pensamento global e o desenvolvimento de alianças estratégicas
(SCHOEMAKER, 1995).
Ao contrário do que se poderia imaginar, o objetivo principal da pesquisa de futuros
não é acertar em cheio a previsão de futuro e sim permitir que decisões mais inteligentes
sejam tomadas hoje, no sentido de influenciar o amanhã na direção desejada. Casada com o
planejamento estratégico, a pesquisa de futuros pode ser usada para fundamentar o processo
decisório das organizações (NÓBREGA, 2001).
56
Supõe-se que tenha o mesmo dignificado que conversação estratégica (“strategic conversation”) (HEIJDEN,
2005).
111
O resultado final da elaboração de cenários é um excelente insumo para a área de
inteligência competitiva, pois indica que atores e variáveis devem ser monitorados, que sinais
fracos precisam ser acompanhados e que fatores podem levar a uma ruptura de tendência. Os
cenários prospectivos são também considerados excelentes instrumentos não só para orientar
o processo de monitoramento como também para embasar a fase de análise, fornecendo ao
tomador de decisões diversas visões de futuro. A utilização deste instrumento capacita melhor
o administrador a tomar decisões e a agir proativamente (GRUMBACH; MARCIAL, 2006, p.
56).
2.7.10 Uma síntese
Qualquer processo estratégico, seja qual for sua denominação, necessita antecipar o(s)
futuro(s) para tomar as decisões bem baseadas, isto é, geradas a partir de razões práticas, que
lidam com a indeterminação do futuro e que se baseiam na busca apropriada de dados
empíricos relevantes.
A organização deve pensar e estudar o futuro por três razões:
- Primeiramente, por uma razão tautológica, pois seus objetivos e metas são futuros;
- Em segundo lugar, pelo rompimento entre passado (conhecido) e futuro (porvir)
causado pela aceleração das mudanças estruturais (políticas, econômicas, sociais e
tecnológicas); e
- Por último, pela necessidade de ver antes para aproveitar e induzir as oportunidades e
ocasiões, o que, via de regra, melhora a eficácia da decisão (MARQUES, 2007).
Buarque parece assentir com a proposição acima ao afirmar:
[...] ao anteciparem as condições futuras no contexto externo ou no ambiente
de negócios das organizações e empresas, os cenários permitem que as ações
sejam organizadas na perspectiva de otimizar os resultados e favorecer a
construção do futuro desejado (BUARQUE, 2003, p. 21).
112
O autor acrescenta que:
[...] para apresentar descrições pertinentes e plausíveis de alternativas
futuras, os estudos de cenários têm de analisar todos os elementos e eventos
que levam a esse acontecimento futuro e as implicações dele sobre o
conjunto das variáveis centrais que determinam a realidade (Op. Cit).
O uso de cenários fornece o contexto para poder pensar com clareza a respeito da
complexa gama de fatores que afetam qualquer decisão. Fornece uma linguagem comum para
conversar sobre esses fatores, iniciando uma série de histórias do tipo “e se isso acontecer...”,
com um nome diferente. Então, encorajam-se os participantes a pensar sobre cada uma delas
como se já tivesse acontecido (SCHWARTZ, 2006, p. 12).
Pensar nessas histórias e falar em profundidade sobre suas implicações traz à tona os
pressupostos implícitos em cada pessoa a respeito do futuro que irá se desenrolar. Cenários
são o veículo mais poderoso para desafiar os modelos mentais das pessoas sobre o mundo e
erguer as cortinas que limitam a criatividade (Op. cit. , p. 13).
A construção de cenários possui um enorme potencial como ferramenta de ajuda ao
longo de todo o processo estratégico. A “cenarização” pode ser entendida como um sistema
de inteligência de apoio à decisão em situações onde predominam as mudanças e incertezas,
porque amplia a base de dados, dilata as percepções, alarga os modelos mentais e obriga toda
organização a aprender.
113
3. PRESSUPOSTOS E MARCO TEÓRICO
Antes da abordagem dos métodos de construção de cenários propriamente dito há
necessidade de serem explicitados os pressupostos e o marco teórico da construção de
cenários.
3.1 CENÁRIOS UTILIZAM O PENSAMENTO SISTÊMICO
A perspectiva sistêmica
57
induz a uma nova forma de perceber o mundo – em vez de
ver a organização separada do mundo passa-se a ver a organização conectada com o mundo;
no lugar de considerar os problemas como causados por algo ou alguém lá fora, enxerga-se
como as próprias ações criam os problemas (SENGE, 2005, p. 46).
Considerando as organizações e instituições como sistemas, isto é, um grupo de
componentes interligados, inter-relacionados ou interdependentes que formam um todo
complexo e unificado (ANDERSON; JOHNSON, 1997), o pensamento sistêmico explica o
comportamento dos sistemas por meio de suas estruturas.
A perspectiva sistêmica mostra que existem diversos níveis de explicações em
qualquer situação complexa. Em certo sentido, todas são igualmente verdadeiras. As
explicações baseadas em eventos – “quem fez o que com quem” – condenam as pessoas a
uma conduta “reativa”. As explicações baseadas no padrão de comportamento focalizam a
identificação das tendências e a avaliação de suas implicações. A explicação “estrutural”, é a
menos comum. Concentra-se em responder à seguinte pergunta: “O que causa os padrões de
comportamento?” (SENGE, 2005, p. 85-86).
57
A essência do raciocínio sistêmico está na mudança da mentalidade que significa ver interrelações ao invés de
cadeias lineares de causa-efeito e ver processos de mudanças ao invés de instantâneos. A perspectiva holística
substitui a perspectiva parcial.
114
O que vem acontecendo?
Quais são as tendências?
Que mudanças ocorreram?
O que influenciou o padrão?
Quais são os relacionamentos entre as partes?
O que aconteceu ?
Fig. 6: A pirâmide da percepção
Fonte: HEIJDEN, 2006.
Os eventos constituem a parte nítida do problema, o sintoma, como os rápidos
acontecimentos do cotidiano. A habilidade de perceber e entender eventos é parecida com
tirar fotografias das ocorrências, congelando-se os momentos assim que acontecem. Os
padrões são as tendências de mudanças dos eventos no transcorrer do tempo.
As estruturas são as explicações em termos dos interrelacionamentos do sistema. As
explicações estruturais são muito importantes porque somente elas abordam as causas
subjacentes do comportamento em um nível, no qual os padrões de comportamento podem ser
modificados. Ao entender as estruturas, pode-se modificar o comportamento, adotando-se
políticas que funcionam no sistema como um todo (Op. cit.).
O pensamento sistêmico permite ver através da complexidade, enxergando as
estruturas subjacentes que geram a mudança. Utilizando-se a perspectiva sistêmica, consegue-
se identificar as principais variáveis e o padrão de inter-relacionamentos sistêmicos que
constituem o problema. Cada cenário explicita uma estrutura integrada que pode ser apreciada
mais como um todo do que partes separadas, onde as forças motrizes tendem a ser
identificadas.
115
3.2 CENÁRIOS UTILIZAM O PENSAMENTO DIVERGENTE
O pensamento convergente visa diretamente a uma única possibilidade correta de
solução para determinado problema. Baseado no saber disponível, procura ordenar as
informações, submetê-las a uma concatenação lógica e chegar, dessa maneira, ao resultado
correto. É um pensamento dominado pela lógica e objetividade.
O pensamento divergente é caracterizado por uma exploração mental de soluções
várias, diferentes e originais para um mesmo problema. Esta capacidade de encontrar
respostas inusitadas, às quais se chega por associações muito amplas nada mais é do que a
criatividade
(GUILFORD apud KNELLER, 1973, p. 53). Com a utilização do pensamento
divergente, superam-se os esquemas mentais já arraigados e trilham-se novos caminhos. Os
cenários utilizam preponderantemente o pensamento divergente.
3.3 PRESSUPOSTOS
Duas evidências são importantes no planejamento baseado em cenários: a primeira é
que os cenários estão ligados à exploração da cognição e novos “insights”, o que, em tese,
expande a base de conhecimentos dos decisores sobre a realidade, entendida esta última
como uma construção social; a segunda é que os cenários servem como referencial para lidar
com a incerteza.
O significado das coisas é encontrado nas relações existentes no mundo real; o
entendimento das coisas se ganha explorando o mundo real. Os cenários ajudam a perscrutar o
significado e a entender o mundo real, interpretando-o. Se o entendimento do mundo
aumenta, logo o conhecimento aumenta.
116
Os seguintes pressupostos podem ser enumerados (NICOL, 2005)
58
:
- cenários abordam o futuro;
- cenários são descritivos, redigidos na forma de texto para comunicar idéias;
- cenários apresentam prospectivas (foresight) alternativas (futuros múltiplos);
- um processo estruturado e sistemático é necessário para desenvolver os cenários;
- para que o aprendizado e a adaptação da organização ocorram é essencial que haja
comunicação efetiva;
- a narrativa é a forma mais efetiva de comunicação dos resultados do processo de
desenvolvimento de cenários;
- muitos eventos futuros são imprevisíveis, portanto, até um grau considerável, o
futuro é imprevisível;
- os eventos que parecem mais incertos são aqueles que estão além da influência da
organização;
- as circunstâncias e os eventos futuros dependem das tendências e forças motrizes do
presente;
- por meio da expansão do conhecimento do passado e do presente e pelo
compartilhamento de perspectivas é possível melhorar a antecipação e redução da incerteza
acerca do futuro;
- uma organização existe dentro do ambiente externo e sofre suas influências;
- organizações são estruturas sociais, edificada por pessoas, cuja interação cria cultura
e comportamento organizacional;
- tanto a organização quanto o ambiente estão sob constante mudança, cuja trajetória
parece ser incerta, mas alguma coisa é previsível;
58
NICOL, Paul W. Scenario planning as an organization change agent. Tese disponível em:
<adt.curtin.edu.au/theses/available/adt-WCU20060327.164011>. Acesso em: 22 de novembro de 2008.
117
- o conhecimento humano é limitado pelo estreitamento das perspectivas; afetado pela
experiência, hábitos e cultura e pelas deficiências cognitivas. Portanto, não existem duas
cognições iguais e as pessoas dentro da organização possuem distintas percepções seja do
ambiente cambiante como da própria organização;
- o aprendizado envolve a interpretação do que é percebido, que depende da
experiência passada e da razão. Em termos reais, o conhecimento é transiente e pronto para
ser transformado;
- o ponto de vista organizacional é um fenômeno coletivo que não é igual ao
conhecimento de cada indivíduo e nem corresponde a soma do conhecimento de todos as
pessoas da organização;
- a mudança organizacional é mais difícil do que a mudança individual, pois o
processo de adaptação envolve a experiência ou cultura organizacional coletiva bem como de
cada um dos seus integrantes; e
- uma efetiva motivação para a mudança deve ser adaptada e agregar a experiência dos
participantes e comunicar a necessidade de mudanças e seus efeitos.
É interessante registrar o que observa Buarque (2003) ao comentar que a construção
de cenários lida, normalmente, com sistemas altamente complexos- sistemas não-lineares – e
dinâmicos, que convivem com contínuas mudanças estruturais e com elevado grau de
incerteza sobre os caminhos dessas mudanças. Normalmente esses cenários devem lidar com
realidades nas quais os resultados de uma mudança original não são proporcionais às causas,
também múltiplas e diversificadas.
Em qualquer sistema complexo e não-linear existiriam dois mecanismos de regulação
diferenciados: a realimentação positiva, a qual cria uma dinâmica de auto-reforço dos
processos de desorganização provocando reação em cadeia; e a realimentação negativa, que,
por sua vez, se compõe de mecanismos de equilíbrio, os quais se contrapõem ao processo de
118
desorganização. Nos momentos de maior instabilidade podem acontecer rupturas ou crises;
nesses casos em que o modo de regulação não dá mais conta das mudanças, são necessários
novos mecanismos e novas regras de organização, uma nova ordem (BUARQUE, 2003, p.
18-19).
Os cenários não podem e não pretendem eliminar a incerteza ou predizer o que vai
acontecer. Ao contrário, eles convivem com a incerteza e procuram analisar e sistematizar as
diversas probabilidades dos eventos e processos por meio da exploração dos pontos de
mudança e das grandes tendências, de modo que as alternativas mais prováveis sejam
antecipadas (Op. cit., p. 21). Logo, a elaboração de cenários é, antes de tudo, uma arte que
demanda criatividade e abertura intelectual.
3.4 MARCO TEÓRICO
O propósito da construção de cenários é “ampliar a compreensão sobre o sistema,
identificar os elementos predeterminados e descobrir as conexões entre as várias forças e
eventos que conduziam esse sistema” (WACK, 1985), o que levaria, conseqüentemente, à
melhor tomada de decisão.
3.4.1 A essência
Como os cenários são descrições do futuro com base em jogos coerentes de hipóteses
sobre comportamentos plausíveis e prováveis das incertezas, a essência da metodologia reside
na delimitação e no tratamento dos processos e dos eventos incertos (BUARQUE, 2003).
119
3.4.2 O segredo
O segredo da metodologia de cenários consiste no reconhecimento e na classificação
dos eventos em graus diferentes de incerteza (HEIJDEN, 1996).
3.4.3 O ponto central
Seja qual for a abordagem ou o caminho escolhido para a elaboração de cenários, a
organização e o tratamento das incertezas são pontos centrais de todas as metodologias
(BUARQUE, 2003).
3.4.4 O poder
O poder da metodologia de cenários decorre da habilidade e da capacidade para a
organização lógica (causal) de um grande volume de informações e de dados relevantes e
diferenciados (HEIJDEN, 1996).
3.4.5 A força do modelo teórico sistematizado
O modelo teórico aqui apresentado representa a forma elementar sistematizada e
compartilhada pelos idealizadores da ferramenta
59
, os quais podem ser caracterizados mais
como pragmáticos do que teóricos. A sistematização do processo é o fator de força no
conteúdo de cientificidade da ferramenta de cenários, apesar das limitações da teoria para a
interpretação dos movimentos futuros alternativos dos sistemas complexos.
59
Particularmente Michel Godet, Peter Schwartz, Kees Van Der Heijden e Michael Porter.
120
É importante ressaltar o que assinala Buarque:
A construção de cenários não é uma atividade científica. Entretanto, sua
aplicação para a interpretação dos movimentos do presente e do desempenho
futuro permite, assim como a ciência, uma explicação do passado. Na
verdade, o método de cenários é uma tecnologia – com vários instrumentos e
técnicas de organização e sistematização – que se utiliza do conhecimento
científico para lidar com eventos e processos e para construir tendências
lógicas e consistentes (BUARQUE, 2003, p. 22).
No entanto, Kuhn ressalta “que um bom problema de pesquisa, assim como um bom
quebra-cabeça não é aquele cujo resultado é intrinsecamente importante, mas aquele dotado
de uma solução possível” (KUHN, 2007, p. 59), e acrescenta, “para ser classificado como
quebra-cabeça, não basta a um problema possuir uma solução assegurada, deve obedecer a
regras que limitam tanto a natureza das soluções aceitáveis como os passos necessários para
obtê-las” (Op. cit., p. 61). Os cenários se enquadram perfeitamente nesta conformação e,
portanto, podem ser considerados uma atividade científica..
A premissa adotada é que os cenários devem ser elaborados não para acertar as
previsões do futuro, mas ampliar e melhorar a base de informações e a compreensão sobre
decisões que precisam ser tomadas no presente para assegurar objetivos no futuro.
A sistematização segue os seguintes passos:
3.4.5.1 Delimitação do sistema e do ambiente
O sistema é delimitado pelo objeto do estudo, seu horizonte temporal e área
geográfica. Já o ambiente é o contexto mais amplo onde está inserido o sistema; um e outro se
influenciam mutuamente.
A delimitação do sistema e do ambiente serve para especificar a abrangência do
estudo. No momento em que são definidos o objeto do estudo, o horizonte temporal e a área
geográfica, fica estabelecido o foco do estudo. Geralmente para definir o sistema, parte-se de
121
uma preocupação da organização, ou seja, um problema interno que envolva grandes
incertezas e que possam impactar em seus resultados.
3. 4.5.2 Compreensão do sistema-objeto ou definição de variáveis e atores
A compreensão do sistema-objeto consiste na interpretação das variáveis chaves e as
interações entre elas como uma redução da complexidade da realidade.
A descrição do sistema é realizada pela listagem das variáveis mais relevantes e pela
identificação da estrutura do sistema, isto é, pela representação formal das relações entre as
variáveis.
O horizonte temporal ditará a profundidade da análise do sistema que será realizada.
A descrição do sistema depende basicamente de informações coletadas ou buscadas no
âmbito da organização e no ambiente (pesquisa) sob a forma de fatos e eventos que são
portadores de futuros. As fontes de informações devem ser as mais variadas possíveis de
forma a manter uma ampla latitude mental, pois os sinais de futuro se desenvolvem nas
“bordas
60
”, na “periferia” (SCHWARTZ, 2006) e não no centro.
Na interpretação do sistema há uma grande interação entre as visões de mundo e os
modelos mentais das pessoas envolvidas no trabalho, articulando diferentes disciplinas de
conhecimento. O processo se torna mais complexo à medida que se deve interpretar o
movimento e a interdependência de diversas dimensões com as distintas lógicas e dinâmicas
internas.
Para contornar esta complexidade e evitar um grande esforço teórico, deve-se utilizar
uma abordagem sistêmica, em que se representa a totalidade complexa por um conjunto de
60
Observação feita sobre os cenários, pelo Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva, da UFRJ,
orientador da presente dissertação, realizada, quase que regularmente, nos vários encontros e interações
realizadas ao longo de dois anos. A idéia prevalente é de que o novo surge pela borda, onde a tensão é mais
frágil. Os dados da ruptura estão aí no mundo, mas são interpretados como ruído, principalmente devido aos
modelos mentais que espelham as crenças vigentes e os paradigmas atuantes.
122
variáveis centrais e procura-se compreender a lógica da interação entre elas e a lógica de
determinação do sistema.
A técnica a ser utilizada denomina-se “análise estrutural” (grifo nosso). Esta técnica
é um recurso de análise utilizado para que se compreenda e delimite-se, com precisão, o
sistema-objeto por meio da hierarquização das variáveis e por uma análise das suas
interações e dos sistemas de causalidade.
Partindo de uma abordagem sistêmica, a análise estrutural procura identificar as
variáveis (subsistemas) que expressam sinteticamente a realidade e, em seguida, analisa as
relações de causalidade (causa e efeito) entre elas. Por meio da utilização de uma matriz
quadrada (variável/variável) – cruzamento de todas as variáveis entre si –, é possível dar
pesos de influenciação de cada uma sobre todas as outras, expressando, aproximadamente, a
intensidade diferenciada de influência delas e as relações de causalidade. Mediante a soma
das linhas – adição de todas as influências individualizadas de cada variável –, chega-se a um
resultado final que representa o poder de influência delas sobre o sistema.
Por outro lado, a
soma das colunas apresenta uma hierarquia representativa do grau de dependência das
variáveis em relação ao sistema.
Fig. 7: Matriz de análise estrutural – variável x variável
Fonte: Godet, 1995.
123
O produto desta técnica é uma lista das variáveis de maior poder de determinação do
futuro do sistema-objeto, definindo as bases causais que devem ser destacadas na
identificação das incertezas críticas.
Também é possível e interessante, para visualizar melhor o papel das variáveis no
sistema, fazer uma classificação da posição mediante a combinação do grau de influenciação
e do grau de dependência. Cada variável da matriz tem dois valores – soma da linha, que
indica a influência, e soma da coluna, que indica dependência –, o que permite distribuí-las
em um sistema de coordenadas dividido em quatro blocos (quadrantes do diagrama): variáveis
explicativas (alta influência e baixa dependência), variáveis de ligação (alta influência e alta
dependência), variáveis autônomas (baixa influência e baixa dependência) e variáveis de
resultado (baixa influência e alta dependência).
Fig. 8: Diagrama motricidade x dependência
Fonte: Godet, 1985.
Os macrossistemas podem, por outro lado, ser agrupados em grandes dimensões
(“clusters”) com um corte aproximado de disciplinas de conhecimento, tais como as
dimensões econômica, política, sociocultural, tecnológica, ambiental, militar, para que se
compreenda os sistema-objeto e o seu contexto (entorno).
A análise estrutural pode ser também utilizada para uma hierarquização dos atores
sociais em que é interpretado o peso diferenciado que eles têm tanto na influência do sistema-
124
objeto (variáveis) quanto no terreno estritamente político, expressando uma representação da
estrutura de poder na sociedade. No primeiro caso, utiliza-se uma matriz que cruza os atores
identificados com as variáveis da matriz anterior (matriz variável/variável) e analisa-se a
capacidade que cada um deles tem de influenciar o desempenho delas. Como, por outro lado,
as variáveis têm distintas posições na hierarquia de influenciação do sistema-objeto (gerada
na matriz variável/variável), a influência dos atores resultará da sua capacidade de interferir
nas variáveis de maior influenciação na realidade. Para estimar essa influência e para montar
uma hierarquia dos atores, multiplica-se o peso deles pela densidade da variável e obtém-se a
síntese da capacidade deles de determinar a realidade.
Fig. 9: Matriz Ator x Variável
Autor: Godet, 1985
Outra forma de analisar a posição dos atores é política e manifesta-se na estrutura de
poder a partir de uma interação entre os atores sociais. Para tanto, utiliza-se uma matriz
quadrada (matriz ator/ator), em que são listados os atores nas linhas e nas colunas – que cruza
todos os atores entre si – e definidos pesos representativos da capacidade de cada um deles
influenciar os outros (ver figura 7). Com a soma das linhas (peso da influência do ator sobre
cada um dos outros), chega-se a uma coluna final que expressa a hierarquia da capacidade dos
atores de influenciar a rede política formada pelo conjunto dos grupos sociais organizados na
sociedade. Com a soma das colunas (peso da influência que o ator recebe de cada um dos
125
outros), chega-se a uma linha final que expressa a hierarquia da dependência dos atores do
conjunto do sistema de forças políticas. A hierarquia formada representa a visão do grupo
sobre a estrutura de poder na região em que se destacam os atores que têm mais capacidade de
determinação do futuro regional.
Fig. 10: Matriz Ator x Ator
Autor: Macroplan, 1996
3.4.5.3 Identificação de condicionantes do futuro
O instrumento central na determinação dos condicionantes do futuro consiste na
análise histórica e no diagnóstico para conhecer o movimento da realidade estudada e levantar
as tendências e processos (estruturas ou forças motrizes) em curso que permitem antecipar os
futuros.
Busca-se identificar as tendências que começam a desenhar-se na atualidade e
sinalizam os caminhos futuros. Para isso, é importante realizar uma reflexão sobre o passado
recente (estudo retrospectivo), recolhendo da História as indicações dos fatores que estão
amadurecendo. Este estudo pode ser complementado e enriquecido tecnicamente com
entrevistas a especialistas e com “brainstorming” com técnicos conhecedores da realidade, de
126
modo que sejam captadas as percepções e as sensibilidades em relação aos processos em
curso nem sempre perceptíveis pela equipe de trabalho.
3.4.5.4 Classificação dos condicionantes e seleção das incertezas críticas
Os condicionantes do futuro costumam ser amplos como também incluir processos
com diferentes relevâncias na determinação do futuro e, principalmente, com diversos graus
de incerteza. Por isso, busca-se delimitar os condicionantes procurando classificá-los e
selecioná-los de acordo com o grau de relevância e incerteza.
Para o trato da relevância pode-se recorrer diretamente à hierarquização definida para
as variáveis (análise estrutural) ou podem ser utilizadas entrevistas com especialistas e/ou
“brainstorming” com conhecedores da realidade. Como recurso técnico, podem ser utilizadas
também diversas formas de matriz de análise dos condicionantes (matriz impacto/incerteza).
Os condicionantes que combinam alto impacto e alta incerteza podem ser considerados como
incertezas críticas, e atuam nos futuros alternativos para a formação dos cenários.
INCERTEZAS
CRÍTICAS
Fig. 11: Diagrama Impacto x Incerteza
Fonte: Godet, 1986.
127
Também é possível trabalhar com a matriz por meio da utilização de pesos numéricos
para expressar a escala do impacto (1,3 e 5 para baixo, médio e alto) e o grau de incerteza dos
condicionantes, distribuindo-os também nas células correspondentes, como apresentado na
figura abaixo.
Condicionante Impacto Incerteza
A 3 1
B 1 3
C 5 5
D 5 3
E 3 3
Fig. 12: Matriz Impacto x Incerteza
Fonte: Macroplan, 1996.
O tratamento do grau de incerteza e da força do impacto tem, contudo, uma limitação
por não captar a diferença de intensidade manifestada por cada condicionante na realidade
atual. É possível que um evento influencie uma variável de alta relevância (tendo, portanto,
alto impacto) e, no entanto, não apresente uma intensidade na realidade atual. Nesse caso,
seria um processo ainda muito tênue, não tendo, portanto, densidade e nem intensidade para a
mudança. Da mesma forma, é possível que haja um condicionante de muita intensidade que
não altere o desempenho das variáveis que, por sua vez, decidem de fato o destino do objeto
de estudo. Por conta disso, para identificar os condicionantes que deverão decidir os futuros
alternativos, parece pertinente considerar também na análise a intensidade com que o
fenômeno se apresenta, de modo a ser possível trabalhar com uma matriz que combine os
pesos representativos da densidade geral do evento em termos de relevância (grande poder de
influência causal do sistema), de incerteza (indefinição sobre desempenho futuro) e de
intensidade (evidência e visibilidade do evento).
A matriz intensidade/impacto/incerteza é formada por uma primeira coluna que lista
nas linhas os diversos condicionantes; por três outras colunas que identificam a intensidade, o
128
impacto e a incerteza de cada um dos condicionantes; e por uma última coluna que expressa o
resultado combinado das três características, definido pelo produto dos pesos, expressando a
densidade do condicionante para o futuro. Da análise dessa última coluna pode-se selecionar
os condicionantes fundamentais para a definição do futuro, de preferência aqueles que
tenham, pelo menos, dois dos critérios com peso médio.
Condicionante Intensidade Impacto Incerteza Densidade
A 1 3 1 3
B 3 1 3 9
C 3 5 5 75
D 5 5 3 75
E 1 3 3 9
Fig. 13: Matriz Intensidade/Impacto/ Incerteza
Fonte: Buarque, 2003.
3. 4.5.5 Definição de hipóteses plausíveis
A definição de hipóteses sobre o comportamento futuro das incertezas críticas é o
momento central da construção de cenários, à medida que delas dependem as diversas
alternativas futuras. Por isso, a formulação das hipóteses demanda um rigoroso e cuidadoso
tratamento técnico para assegurar sua pertinência com o objeto e, principalmente, sua
plausibilidade, ou seja, que seu comportamento futuro previsível possas efetivamente ocorrer.
A formulação das hipóteses deve contar, sempre que possível, com o apoio de especialistas
que, com sua sensibilidade para o desempenho dos eventos, possam ter segurança de imaginar
comportamentos convincentes e plausíveis. Para essas tarefa podem ser utilizados três
recursos técnicos com diferentes graus de sofisticação e de tratamento analítico: entrevistas
estruturadas com especialistas, “brainstorming” com técnicos conhecedores da realidade e o
método Delphi.
129
A entrevista estruturada é uma forma simples de levantamento e de identificação da
visão dos técnicos e dos especialistas. Por meio deles se organiza um conjunto de percepções
e interpretações sobre as possibilidades dos eventos. Ao empregar roteiros abertos ou
questionários mais estruturados, a entrevista permite captar múltiplas percepções, apoiando
com isso a equipe de cenários na delimitação precisa da plausibilidade e da variabilidade das
hipóteses de cada incerteza crítica.
O “brainstorming” (chuva de idéias) é uma técnica de estruturação do livre pensar de
um determinado grupo que visa construir conjuntamente as percepções dos especialistas sobre
as tendências das incertezas críticas por meio da troca de impressões e do confronto do
pensamento. Entrevistas e “brainstorming” podem ser utilizadas de forma complementar ou
alternativa. Ambos têm vantagens e desvantagens que dependem do objeto e das incertezas
que serão analisadas. O mérito maior do “brainstorming” reside no fato de os especialistas
poderem manifestar livremente sua percepção e, ao mesmo tempo, dialogarem e construírem
diretamente as convergências.
A técnica Delfos é um mecanismo de consulta a especialistas por meio do qual se
estrutura uma reflexão sobre as hipóteses plausíveis para o futuro das incertezas, procurando
captar e confrontar a percepção diferenciada sobre a probabilidade de determinados eventos.
Consiste em uma consulta individualizada a especialistas e compreende diferentes rodadas de
reflexão acerca de relatórios que expressam a visão convergente (ou divergente) dos técnicos.
Nela o grupo consultado não se encontra e não discute diretamente, mas acompanha a visão
dominante entre os participantes e posiciona-se diante dela, promovendo, para tanto, revisões
e redefinições nas diferentes rodadas. A consulta inicia-se com uma pergunta-chave a ser
respondida individual e isoladamente por todos os especialistas envolvidos. Com base nesse
material é feita uma análise de convergência e de divergência. É produzido um relatório que
deve ser devolvido ao grupo para nova reflexão. Assim, quando a pergunta puder ter resposta
130
quantificada, a visão dominante no grupo pode ser depreendida da média das respostas. O
processo continua em várias rodadas até que o grupo chegue a um nível razoável de
convergência sobre as hipóteses plausíveis e consistentes acerca do futuro das incertezas.
3. 4.5.6 Combinação das hipóteses e análise de consistência
Definidas as incertezas críticas e as hipóteses de seu desempenho futuro, o trabalho
será concentrado na montagem das combinações possíveis destas para gerar as diversas
alternativas de comportamento do objeto.
Para estruturar essas combinações de modo que facilite o processo de análise da
consistência delas, pode-se recorrer às técnicas de investigação morfológica, a qual procura
cruzar todas as possibilidades de articulação das incertezas críticas com suas hipóteses.
Essa técnica consiste, basicamente, em um modo de organização das combinações sob
a forma de matriz ou de rede, o que permite visualizar o conjunto articulado para a análise da
consistência. Apenas as combinações consideradas consistentes, cujas hipóteses combinadas
constituem uma realidade teoricamente robusta, poderiam ser chamadas de cenários
(eliminando aquelas que parecem inconsistentes).
Existem pelo menos três formas diferentes de tratamento da investigação morfológica:
duas baseadas em matrizes e uma que forma uma rede de combinação das hipóteses.
A primeira cria uma coluna para cada conjunto de combinação de hipóteses,
formando, assim, o bloco articulado de todas as possibilidades de agrupamento: se forem
definidas três incertezas (a, b e c) e duas hipóteses para cada uma (a1 e a2, b1e b2, c1 e c2),
chegar-se-á a oito possibilidades de agrupamento que geram, portanto, oito colunas que
representam as combinações das incertezas com as suas hipóteses (ver figura 11).
131
O esforço analítico se concentra na observação de cada uma das combinações
(colunas) para testar se algumas das hipóteses têm conflitos teóricos com outra do mesmo
agrupamento, fato este que invalidaria toda a combinação.
Combinações
das incertezas
I II III IV V VI VII VIII
A A1
A1 A1 A1 A2 A2 A2 A2
B B1 B1 B2 B2 B1 B1 B2 B2
C C1 C2 C1 C2 C1 C2 C1 C2
Fig. 14: Matriz de Investigação Morfológica
Fonte: BUARQUE, Sérgio C. Metodologia e Técnicas de Construção de Cenários Globais e regionais.
2003.
Essa matriz pode ser apresentada sob a forma de rede (no estilo da árvore de
descoberta), na qual cada uma das linhas representa um agrupamento de estados (hipóteses
das incertezas), estimulando a reflexão sobre a consistência ao longo do caminho. Com o
mesmo número de incertezas e de hipóteses, seriam formados oito caminhos procurando
analisar a sua consistência; qualquer elo que se mostre inconsistente inviabiliza a linha inteira.
Fig. 15: Rede de Investigação Morfológica
Fonte: Godet, 1985
132
Quando se trabalha com um número muito grande de incertezas, o instrumento (matriz
ou rede) perde operacionalidade, e a análise de consistência demanda um esforço muito
grande. Além disso, ao fim do processamento podem surgir ainda muitas combinações
consistentes, o que dificulta a delimitação dos cenários.
Para contornar essa limitação da técnica, pode-se utilizar uma matriz de investigação
morfológica simplificada que combina as incertezas com as suas hipóteses. Na primeira
coluna, são listadas (nas linhas) as diversas incertezas críticas consideradas e são criadas
colunas para apresentar as hipóteses, a fim de que o número de colunas seja definido pela
incerteza que contenha mais hipóteses (no máximo quatro). O mais provável, portanto, será a
formação de uma matriz com várias linhas (tantas quantos forem as incertezas críticas) e com
quatro a cinco colunas, a primeira das quais se destina à distribuição das incertezas.
Entretanto, em vez de formar combinações de hipóteses nas colunas, elas vão se distribuir nas
células da matriz, acompanhando as linhas correspondentes às incertezas.
Assim, a partir de
uma leitura de cada linha, correspondente a uma incerteza, escrevem-se nas células as
hipóteses plausíveis da referida incerteza, procurando preencher toda a matriz.
Fig. 16: Matriz de Investigação Morfológica
Fonte: Macroplan, 1996
Concluída a montagem da matriz, a análise processa-se com uma leitura de cima para
baixo, tentando formar as combinações mais consistentes das hipóteses distribuídas nas
células. A partir de cada hipótese de uma incerteza (A1, por exemplo), procuram-se as
133
conexões de maior consistência nas linhas abaixo, compondo alguns conjuntos que
constituem as bases dos cenários (idéias-força). Em vez de analisar todas as combinações
possíveis e de excluir as que não são consistentes, procura-se compor diretamente apenas as
combinações de mais alta consistência.
3.4.5.7 Análise dos atores sociais
Os cenários dependem, normalmente, da ação de atores sociais responsáveis pela
implementação de políticas ou decisões – governamentais ou empresariais – que influenciam
o desempenho futuro da realidade estudada. Por isso, torna-se necessário analisar a
sustentabilidade política dos cenários a partir de uma interpretação das posições dos atores
sociais e de seu engajamento e seu apoio a diferentes alternativas. Na análise dos atores
sociais diante dos cenários, também podem ser estudadas as posturas diferenciadas adotadas
por eles diante de diversos futuros alternativos.
Existem diferentes técnicas para análise dos atores sociais que procuram cruzar suas
posições e seus interesses, suas convergências e divergências e a formação de diferentes
alianças que configuram bases políticas diferenciadas para a construção de diversos futuros. A
matriz de sustentação política dos cenários é uma das técnicas que consiste, em linhas gerais,
em um cruzamento dos atores sociais envolvidos e interessados no objeto de análise com as
alternativas de futuro obtidas mediante a investigação morfológica (bases consistentes dos
cenários), decorrente, portanto, de uma reflexão puramente técnica. Os atores sociais seriam
listados na primeira coluna e formariam as diversas linhas da matriz. Já as alternativas seriam
distribuídas nas colunas; antes dessas colunas das alternativas seria incluída uma primeira
coluna com a potência que expressa numericamente o poder dos atores na estrutura política da
região.
134
Procura-se interpretar a posição que cada um dos atores assumiria diante das idéias-
força dos cenários preliminarmente definidas por meio da identificação de cinco posturas
distintas: patrocínio, apoio, neutralidade, oposição e rejeição. Se forem definidos valores
numéricos (positivos e negativos) para expressar essa postura (+2, +1, 0, -1 e -2) ao longo das
linhas, o trabalho consiste em distribuir esses valores de acordo com a percepção do grupo em
relação à postura dos atores diante das alternativas futuras da realidade. Para enriquecer a
análise, expressando o ambiente político e a estrutura de poder, é importante diferenciar os
pesos relativos dos atores sociais criando um multiplicador dos valores que expressam sua
posição a partir do resultado obtido na análise estrutural ator-ator.
Concluída a análise de todas as linhas que representam atores, pode-se ter ao final o
somatório das colunas que indicam o resultado síntese dos apoios ou das oposições dos atores
aos cenários preliminares. Dessa forma, chega-se a uma hierarquia dos cenários em termos de
apoio relativo, o que permite identificar aqueles com maior base política e aqueles que,
eventualmente, não têm sustentabilidade.
Alternativas
Ator
Social
Potência
dos
Atores
I II III IV
A
B
C
D
E
F
Σ Suporte
político
Fig. 17: Matriz de Sustentação política
Fonte: Godet, 1985
135
3.4.5.8 Desenvolvendo os cenários
O ponto principal é desenvolver um enredo que amarre todos os elementos do sistema.
As estórias são em forma de narrativas porque elas representam a forma primária de dar
significado a experiência humana (POLKINGHORNE, 1988). As estórias precisam ser
provocativas, memorizáveis, atrativas e ricas em imagens. Uma estória precisa ter um
começo, meio e fim. De modo a estabelecer plausibilidade, cada cenário deve ser claramente
ancorado no passado, com o futuro emergindo do passado e do presente, de maneira contínua.
Cada cenário deve expressar uma totalidade. A lógica básica de cada cenário deve ser
capaz de ser expressa em um simples diagrama de linha de enredo
61
. As diferenças
fundamentais entre os cenários devem ser igualmente transparentes.
A consistência interna implica que cada estória seja baseada em um sistema estrutural
subjacente. Esta articulação é grandemente facilitada pelo uso de diagramas de influência,
como uma explicação da sucessão causal de eventos em cada cenário. Um diagrama de
influência claro do sistema subjacente envolvido pode ser útil no desenvolvimento de uma
linha de enredo com um resultado internamente consistente.
Os elementos predeterminados acordados necessitam estar refletidos em todos os
cenários. As principais incertezas críticas vão compor as forças motrizes que estarão
conduzindo a lógica dos cenários (são elas que irão moldar o contexto de muitas das decisões
no futuro). As demais variáveis incertas comporão os sub-enredos da trama do enredo
principal, sendo ser consistentes com este (HEIJDEN, 2005).
61
Linha mestra da história.
136
3.4.5.9 Cenários inesperados ou cenários-surpresa (“wild card scenarios”)
Os cenários inesperados são cenários plausíveis com base em hipóteses que combinam
incertezas ou eventos de rara probabilidade de ocorrência e grande impacto (eventos
descontínuos, catalíticos). Podem ser compreendidas como rupturas, descontinuidades ou
incidentes únicos e repentinos que constituem pontos de inflexão na evolução de uma
tendência
62
.
Geralmente, os decisores e gerentes não consideram ou subestimam a probabilidade de
mudanças radicais ou descontínuas que poderiam ser improváveis, mas que alteram
significativamente o sistema (PORTER, 1989). Quanto mais extraordinário ou atípico for o
evento
63
, mais ele se qualifica como um cenário-surpresa porque ele perturba as expectativas.
Este caráter de inconformidade é bem ilustrado pelo escritor libanês radicado nos EUA,
Nassim Taleb, por sua analogia ao “cisne negro”, em livro do mesmo nome
64
. Baseado na
clássica percepção de que “todos os cisnes são brancos”, Taleb sugere que as pessoas ficam
obstruídas em sua visão periférica pelos “cisnes negros”, precisamente porque tal evento vai
contra a norma e seus modelos mentais
65
. De certa forma, pode-se afirmar que os cenários-
surpresas são semelhantes aos “cisnes negros”.
Os cenários inesperados acontecem de forma rápida, podendo ou não ser anunciados
previamente por sinais fracos ou ruídos, constituindo dados incompletos e fragmentados, dos
quais informações relevantes sobre o futuro podem ser inferidas. Geralmente, o ponto de
convergência de uma série de pequenos ruídos (descontinuidades) é um cenário-surpresa.
62
Uma tendência é válida até que surja uma descontinuidade e ela se rompa.
63
Como foi o caso da queda do muro de Berlim ou o ataque terrorista às Torres Gêmeas nos EUA.
64
TALEB, Nassim N. The black swan: the impact of highly improbable. New York: Random House
Publishing Group, 2007.
65
O que aflige é a incerteza incalculável. Em verdade, não há uma ordem eterna, embora seja lícito aceitar
algumas regularidades da natureza e reconhecer que o mundo é cheio de surpresas. Para aprofundar a temática,
ver artigo intitulado “Índice do medo”, de autoria de Eliana Cardoso, no jornal “Valor Econômico”, publicado
em 30 de outubro de 2008.
137
O que torna importante um cenário-surpresa é o fato do futuro por ele descrito
produzir efeitos desproporcionais. A combinação de uma baixa probabilidade e conseqüências
imprevisíveis leva a riscos que validam a preocupação e o decorrente planejamento para tal
possibilidade.
O propósito específico desses cenários é ajudar os planejadores estratégicos a
desenvolver sinais de aviso (ou alerta), indicadores de que uma hipótese está sendo violada de
modo a gerar ações que evitem ou limitem o cenário inesperado e a planejar ações para
preparar a organização no caso dele se concretizar.
Logo, é necessário trabalhar com o conceito de cenários-surpresa imaginando-os por
meio do pensamento livre e da desconstrução da percepção da realidade, empurrando e
ampliando os limites do envelope cognitivo. Isto força a mente a abandonar todas as
racionalidades pré-empacotadas e expandir o processo de modo a envolver todas as
oportunidades e ameaças (BOON; PHUA, 2008)
66
.
O ponto mais importante é que a organização deve criar cenários-surpresas para
orientar seu monitoramento do ambiente de forma a perceber os sinais fracos, os ruídos do
ambiente que estão em mutação constante e acelerada. Portanto, é aconselhável ter-se na
organização um setor de inteligência estratégica
67
que permita a organização interagir
continuamente com o macroambiente e acompanhar as principais questões relacionadas às
suas atividades, de forma a perceber os sinais de alerta que podem se constituir em futuras
descontinuidades.
As descontinuidades podem ser detectadas pela inquisição sistemática do que poderia
acontecer a uma tendência se uma ou mais das forças motrizes mudarem rapidamente
(HEIJDEN, 2005, p. 230).
66
BOON, Hoo Tiang; PHUA, Joanna. A Brief Look at the “Wild” Side. COGNITIO, Centre of Excellence for
National Security. Singapura, 2008. Disponível em www.rsis.edu.sg/cens/publications/COG/COG0108.pdf.
Acessado em 14 de janeiro de 2008.
67
No ambiente empresarial, conhecido como Inteligência Competitiva.
138
3.5 PRINCIPAL TIPOLOGIA DOS CENÁRIOS
De acordo com Buarque (2003) os cenários podem ser diferenciados em dois grandes
conjuntos de acordo com a isenção ou presença do desejo dos formuladores do futuro:
cenários exploratórios e cenário desejado ou normativo.
Os cenários exploratórios têm um conteúdo eminentemente técnico, decorrem de um
tratamento racional das probabilidades e procuram intencionalmente excluir as vontades e os
desejos dos formuladores no desenho e na descrição dos futuros. Trata-se da apreensão da
provável evolução da realidade estudada para assessoramento ao processo decisório.
Os cenários exploratórios podem ter várias formas de acordo com o grau de
importância que for conferido às tendências e aos fatores de mudança que amadurecem na
realidade, indicando maior ou menor abertura para as inflexões e descontinuidades futuras.
Assim, podem ser diferenciados dois grandes tipos diferentes de cenários exploratórios:
extrapolativos e alternativos.
Os cenários exploratórios extrapolativos reproduzem no futuro os comportamentos
dominantes no passado. Por sua vez, subdividem-se em futuro livre de surpresas e cenários
com variações canônicas. O futuro livre de surpresas é definido como um único futuro
decorrente da projeção direta do passado.
Fig. 18: Cenário extrapolativo livre de restrições
Fonte: BUARQUE, 2003
139
Cenários com variações canônicas são aqueles que introduzem pequenas mudanças
paramétricas (quantitativas) em torno do futuro livre de surpresas, como uma espécie de teste
de sensibilidade na direção geral.
Fig. 18: Cenário extrapolativo com variações canônicas
Fonte: BUARQUE, 2003
Rigorosamente, os cenários extrapolativos não devem ser considerados cenários, à
medida que trabalham com uma única hipótese de comportamento futuro.
Os cenários alternativos são aqueles que apresentam as seguintes características:
- ampliam as possibilidades de futuro e as incertezas das hipóteses e correspondem à
velocidade e à profundidade das mudanças;
- ao considerarem as descontinuidades e inflexões de tendências, contemplam a
possibilidade e a probabilidade de o futuro ser completamente diferente do passado recente.
- embora tenham o passado como uma referência, a base deles reside nos processos em
maturação e nas perspectivas efetivas de descontinuidades no desenho do futuro; e
- procuram investigar os fatos portadores de futuro (germens de mudança) que estão
sendo sinalizados no presente como indicação de futuro.
140
Fig. 20: Cenários alternativos
Fonte: BUARQUE, 2003
O cenário normativo ou desejado, por sua vez, deve aproximar-se das aspirações do
decisor em relação ao futuro, refletindo a melhor previsão possível. Embora, trate de ajustar o
futuro aos desejos, para ser um cenário, a descrição deve ser plausível e viável e não apenas a
representação de uma vontade ou de uma esperança. Desse ponto de vista, pode-se afirmar
que o cenário normativo ou desejado é uma utopia plausível, capaz de ser efetivamente
construída e, portanto, demonstrada – técnica e logicamente – como viável.
Fig. 21: Cenário normativo
Fonte: BUARQUE, 2003
141
Buarque (2003) enfatiza o papel do cenário normativo na cena política e o caracteriza
como um processo de intervenção no futuro
68
, quando afirma:
Normalmente o cenário normativo é utilizado para o planejamento
governamental, pois ele possui uma conotação política e deve ser, ao mesmo
tempo, tecnicamente plausível e politicamente sustentável. Tal cenário
procura administrar o destino com base no desejo, ajustando-o às
probabilidades e às circunstâncias. Dessa forma, pode exercer um papel
importante na orientação da ação dos atores para intervir e transformar o
futuro provável no desejado, expressando o espaço de construção da
liberdade dentro das circunstâncias (BUARQUE, 2003, p. 23).
3.5.1 Outras classificações
De acordo com o tema de estudo, o cenário pode ser classificado como cenário
setorial; de área; e institucional tendo respectivamente como foco um problema (o futuro da
televisão), uma área geográfica como um país, região ou cidade (o futuro do Brasil) ou as
esferas de interesse de uma organização ou grupo de organizações (o futuro da Marinha)
(VAN NOTTEN et al, 2003)
69
. Em relação à escala temporal, os cenários podem ser de
longo prazo e de curto prazo. Como regra geral, um cenário de longo prazo varia de 10 a 25
anos ao passo que o de curto prazo entre 3 a 10 anos (Op. cit.)
70
. No que tange à escala
espacial, os cenários podem variar da escala global a supranacional, nacional, regional ou
local (Op. cit.).
Quanto à natureza da base de dados, os cenários podem ser quantitativos,
qualitativos ou uma combinação. Os qualitativos são apropriados na análise de situações
complexas com alto grau de incerteza e quando informações relevantes não podem ser
totalmente quantificadas. Os cenários quantitativos são aqueles em que as informações podem
68
Para maiores detalhes sobre o assunto ver CHERMACK, Tomas; WALTON, John S. Scenario Planning as a
developmente and change intervention. Int. J. Agile Systems and Management, Vol. 1, N
o
1, 2006.
69
VAN NOTTEN, Philip W. F. et al. An updated scenario tipology. ICIS. 2003
70
Há uma idéia prevalente de que o curto prazo se estende até 5 anos; o médio prazo, entre 5 e 10 anos; e longo
prazo, de 10 a 25 anos. Acima deste patamar os cenários classificam-se como posficcionais e inserem-se na
qualidade de utopias.
142
ser quantificadas e modelos computacionais utilizados. A combinação de elementos
quantitativos e qualitativos pode tornar um cenário mais consistente e robusto. Um cenário
quantitativo pode ser enriquecido e sua comunicabilidade aumentada com o auxílio de
informações qualitativas; um cenário qualitativo pode ter sua plausibilidade e consistência
testadas por meio da quantificação de informações naquilo que for possível (Op. cit.).
3.6 TIPOLOGIA DAS METODOLOGIAS DE CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS
As metodologias de construção de cenários podem ser diferenciadas em dois grandes
conjuntos distintos segundo o tratamento analítico: processo indutivo e processo dedutivo
(MARQUES, 2003).
No método indutivo os cenários são formados a partir da reunião e combinação de
hipóteses sobre o comportamento dos principais eventos e constituem um jogo coerente de
acontecimentos singulares. Dessa forma, os cenários emergem das partes para o geral e
estruturam-se pelo agrupamento de hipóteses, formando blocos consistentes que expressam
determinados futuros diferenciados do objeto (Op. cit., p. 31). Este método explora a
diversidade ao máximo e enriquece os cenários provendo escopo para incorporação de
distintas visões, bem como estimula o trabalho em equipe, o engajamento, o diálogo e
construção de consenso (HEIJDEN, 2006, p.253-254). O método Godet é considerado
indutivo, de dentro para fora, isto é, a partir de uma análise de suas características internas,
busca identificar os elementos exógenos que podem influenciar os processos e eventos.
O método dedutivo, pelo contrário, consiste em descobrir estruturas de futuro a partir
dos dados e das informações apresentados pelos eventos e constitui um marco geral a partir do
qual são formulados os cenários. Dessa maneira, tenta-se deduzir o quadro de referências do
conjunto dos eventos saindo do geral e indo para o particular por meio de uma descrição do
143
estado futuro que traduza a natureza básica da realidade. Em seguida, procura-se distribuir os
eventos de forma consistente com a descrição geral, organizando os processos como eventos
singulares (BUARQUE, 2003, p. 31). Este método é considerado o mais analítico, o melhor
para explorar novas áreas onde o pensamento ainda não penetrou e possui uma ênfase maior
de fora para dentro (HEIJDEN, 2006, p. 253). O método da Global Business Network (GBN)
é considerado dedutivo. O método Grumbach é uma mistura de ambos.
3.7 CONTEÚDO DE UM CENÁRIO
De acordo com Van Notten (2003), um cenário descreve a natureza das variáveis e a
sua dinâmica, mostrando como elas se interconectam. As variáveis podem ser atores, fatores
ou setores. Atores são indivíduos, organizações ou grupos de organizações como instituições
do governo, empresas, Organizações Não-Governamentais (ONG). Fatores são temas sociais
como a equidade, emprego, comportamento de consumo e degradação ambiental. Setores são
arenas na sociedade sobre os quais fatores e atores interagem, tais como água, energia,
transporte e consumo, tecnologia das informações e comunicações. As dinâmicas dos cenários
são os eventos e processos que tornam a estória em um cenário.
Grumbach e Marcial ampliam a idéia acima e consideram que, no que tange ao
conteúdo do cenário, “primeiramente deve-se considerar o sistema em que a organização atua.
Esse sistema é composto pelo objetivo de “cenarização”, seu horizonte temporal e lugar”
(GRUMBACH; MARCIAL, 2006, p. 45).
Os autores acrescentam que “o sistema é visto como uma totalidade organizada em
elementos e fenômenos interligados e interdependentes, que podem formar sistemas menores
ou subsistemas daquele que está sendo considerado” (Op. cit.).
144
O horizonte de tempo do cenário é o período coberto pelo estudo de “cenarização”.
Pode variar em função da dinâmica e da evolução do sistema estudado. Em média, situa-se no
intervalo entre 10 e 25 anos. Sistemas mundiais e multinacionais tendem a prazos mais
amplos como é o caso dos “Cenários Globais 1995-2020” da Shell (1995) e os “Cenários
exploratórios do Brasil: 1998-2020” da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) (1997).
Nos sistemas estaduais, municipais ou setoriais o prazo tende a ser menos amplo. O objetivo
do cenário fornece o ponto focal ou objeto do estudo. O lugar refere-se à escala espacial.
Um cenário completo em geral contém seis componentes principais: um título, uma
filosofia, variáveis, atores, cenas e trajetória (GRUMBACH; MARCIAL, 2006, p. 46-51).
O título serve como referência e condensa a essência da estória escrita, delineada em
poucas palavras. Além de explicitarem a lógica dos cenários, devem ser vívidos e de fácil
memorização. A filosofia sintetiza o movimento ou a direção fundamental do sistema
considerado. Ela constitui a idéia-força do cenário.
As variáveis representam aspectos ou elementos relevantes do sistema ou do contexto
considerado, tendo em vista o objetivo do cenário.
Os atores são indivíduos, grupos, decisores, organizações ou associações de classe que
influenciam ou recebem influência significativa do sistema e/ou contexto considerado no
cenário. O ator desempenha papel importante no sistema, influenciando o comportamento das
variáveis, com o objetivo de viabilizar seus projetos.
A cena é uma visão da situação considerada em um determinado instante do tempo, a
qual descreve como estão organizados ou vinculados entre si os atores e variáveis naquele
instante.
Trajetória é o percurso ou caminho seguido pelo sistema no horizonte de tempo
considerado. Descreve o momento ou a dinâmica desse sistema desde a cena inicial até a cena
final.
145
3.8 DIRETRIZES METODOLÓGICAS PARA A CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS
São ressaltados os seguintes princípios e diretrizes de orientação da metodologia e da
prática de construção de cenários (BUARQUE, 2003):
- evitar o impressionismo e o imediatismo
Não se deixar dominar e impressionar pelos problemas do cotidiano e pelas questões
emergenciais que tendem a dramatizar a análise da realidade, questões estas que não
constituem orientações para o futuro de realidades marcadas por grandes mudanças. Assim, é
necessário não se deixar levar pela instabilidade nem pelas inércias estruturais de curto prazo.
- recusar consensos
Duvidar e desconfiar do senso comum e das idéias dominantes, tentando pensar
diferentemente das visões consensuais e, aparentemente, indiscutíveis. A moda e as verdades
consolidadas são os piores adversários de um bom trabalho de construção de cenários porque
reduzem a capacidade de percepção dos fatores de mudança e das alternativas diferentes no
futuro.
- ampliar e confrontar as informações
Não se deixar levar e influenciar pelas informações e afirmações da mídia, as quais
são quase sempre dominadas pelos fatores de curto prazo, dramatizando e
superdimensionando os problemas e os fatores inerciais. Por isso, é necessário ampliar as
fontes de informação e conhecimento, recorrendo à produção científica, a dados e a
informações estruturais.
- explorar a intuição
Procurar dar espaços para que a intuição e a sensibilidade das equipes possam fluir
livremente na busca da identificação das tendências e da definição das hipóteses de
comportamento futuro. Como pensar o futuro não é um exercício estritamente técnico, é
146
necessário estimular a manifestação dos sentimentos e das percepções, passando depois pelo
tratamento técnico e pela análise de plausibilidade.
- aceitar o impensável
Recusar as posturas e atitudes inibidoras da criatividade e do pensamento não
convencional, isto é, aquelas que descartam a priori hipóteses inovadoras. O importante
consiste em interrogar e questionar, com abertura intelectual, sobre a lógica, as causas
prováveis dos eventos e a plausibilidade das afirmações.
- reforçar a diversidade de visões
Evitar grupos de trabalho com grande uniformidade de visão de mundo e com
tendência à convergência ou ao consenso fácil em relação à realidade e às hipóteses sobre o
futuro e procurar então criar um ambiente de criatividade e de confronto de percepções.
Embora não possa haver um antagonismo tão grande de visões de mundo que impeça um
trabalho em equipe, os grupos devem apresentar, intencionalmente, um leque razoável de
diversidade e de capacidades técnicas e intelectuais.
- ressaltar a análise qualitativa
Antes de qualquer quantificação na descrição do futuro, é necessária a compreensão da
natureza e da qualidade dessa realidade futura, baseada em um processo lógico e tecnicamente
fundamentado no comportamento das variáveis e das incertezas. As quantificações com os
modelos matemáticos possíveis e disponíveis servem apenas para dar a ordem de grandeza
das trajetórias gerais e para a realização de teste de consistência.
3.9 CARACTERÍSTICAS DOS CENÁRIOS
Os cenários são poderosos instrumentos que podem ser sintetizados nas características
abaixo (LINDGREN; BANDHOLD, 2003, p. 28-29):
147
- formato compatível com a mente humana.
O pensamento baseado em cenários combina com as funções cerebrais. O formato dos
cenários sob a forma de narrativa (imagens e estórias) os torna facilmente memorizáveis. O
que pode ser visualizado se torna crível.
- sistema aberto ao pensamento divergente.
Uma série de cenários pode representar qualitativamente futuros diferentes. Ao se
forçar a mente para pensar qualitativamente em diferentes direções, treina-se a capacidade de
se pensar no impensável e, portanto, aumentar a habilidade de se antever eventos não usuais.
O formato aberto, sem “certo” ou “errado”, também ajuda na exploração compartilhada do
futuro.
- formato redutor de complexidades.
Por meio de cenários, características complexas e genéricas podem ser reduzidas a
uma quantidade gerenciável de incertezas. Cenários facilitam a redução da complexidade sem
a super-simplificação.
- formato comunicativo. Cenários são fáceis de comunicar e discutir. Uma série
compartilhada de cenários dentro de uma organização provê uma linguagem comum e uma
visão de mundo que simplifica o processo decisório.
3.10 CRITÉRIOS QUE OS CENÁRIOS DEVEM ATENDER
Existem sete critérios que uma boa série de cenários deve atender para servir aos
propósitos da estratégia (LINDGREN; BANDHOLD, 2003, p. 31).
- Poder decisório
Cada cenário da série e a série como um todo deve prover inspiração para as questões
que forem consideradas.
148
- Plausibilidade
Os cenários gerados devem estar dentro dos limites dos futuros eventos que sejam
realisticamente possíveis.
- Alternativas
Cada cenário deve ser, em alguma extensão, pelo menos provável, embora não seja
necessário definir, explicitamente, a probabilidade. O ideal é que os cenários sejam mais ou
menos eqüitativamente prováveis, de modo que um amplo alcance de incerteza seja coberto
pela série de cenários. Se somente um em uma série de quatro cenários é provável, se tem, em
realidade, um único cenário.
- Consistência
Cada cenário deve ser internamente consistente. Sem consistência interna os cenários
não serão críveis. A lógica do cenário é crítica.
- Diferenciação
Os cenários devem ser qualitativa e estruturalmente diferentes. Logo, não é suficiente
que sejam diferentes em termos de magnitude e, portanto, somente variações de um cenário
base.
- Memorização
Os cenários devem ser fáceis de recordar e diferenciar, mesmo após uma apresentação.
Assim, é aconselhável reduzir o número de cenários entre três e cinco, embora, na teoria, seja
possível relembrar e diferenciar até sete ou oito cenários. Denominar cada cenário por um
nome vívido ajuda bastante.
- Desafio
O critério final é que os cenários realmente desafiem a sabedoria da organização ou
instituição no que diz respeito ao futuro.
149
3.11 TÉCNICAS EMPREGADAS EM MÉTODOS DE ELABORAÇÃO DE CENÁRIOS
A reunião de informações requer intuição e a habilidade para ver de forma ampla,
poderes de observação e um senso de detalhe. A análise de informações requer, sobretudo,
lógica e pensamento sistemático, como também a habilidade para ver padrões e usar a
intuição. A modelagem de futuros requer a habilidade de pensar e elaborar conclusões,
criatividade e visualização.
As técnicas mais usuais para as atividades acima enumeradas estão contidas no Anexo
A.
150
4. PRINCIPAIS MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS
Na prática, não há um único método de cenário, mas uma variedade de métodos de
construção, sendo alguns simples e outros sofisticados. O uso da palavra “método” pressupõe
a utilização de uma abordagem que inclua um número de passos específicos. Os métodos
tendem a variar em torno de quatro princípios gerais de previsão: a previsão causal, a previsão
análoga, a previsão probabilística e a previsão intuitiva.
As previsões causal, análoga, probabilística e a intuitiva não são absolutamente
conflitantes. Na realidade, será comum buscar-se, em um determinado problema, o auxílio das
três para chegar a conclusões finais.
A previsão causal ou “causativa” dá prioridade, ao tirar conclusões sobre o futuro, às
causas subjacentes da ação que está sob estudo. Ela não se baseia em séries constantes de
acontecimentos ilustradas por curvas, mas em uma verdadeira compreensão de muitos fatores.
Ela inclui um interesse em indicadores que possam servir de alerta de ação iminente (PLATT,
1974, p. 262- 266)
71
.
A previsão análoga baseia-se no princípio da analogia, no qual as principais
impressões quanto às prováveis ações a se esperarem não surgem de tendências ou causas,
mas de um estudo do que tem acontecido em situações mais familiares ocorridas em passado
recente. O perigo deste princípio está em ser quase sempre atraente e convincente, mas nem
sempre digno de confiança. Situações superficialmente similares podem ser muito diferentes
nos pontos cruciais. Assim, a previsão por analogia é muito útil para uma abordagem inicial
(Op. cit.).
A previsão probabilística contribui para a compreensão da distribuição de
acontecimentos no mundo em que se vive, permitindo aferir o risco, atribuir probabilidades
71
PLATT,Washington. A produção de informações estratégicas. Tradução de Álvaro Galvão Pereira e Heitor
Aquino Ferreira. Rio de Janeiro: BIBLIEX, Livraria Agir Editora, 1974.
151
subjetivas, gerar distribuições probabilísticas e muitas outras aplicações úteis nos métodos de
cenários (Op. cit.).
A intuição foi definida como um modo não seqüencial (holístico) de processamento de
informações, o qual envolve tanto elementos cognitivos como sentimentos (“feelings”) e
resulta em um conhecimento direto, sem qualquer uso de um método racional consciente
(SINCLAIR, 2005). Geralmente, a intuição é usual diante de fatos conflitantes ou
informações inadequadas e utiliza, em seu processamento, imagens e metáforas. A previsão
intuitiva vale-se das técnicas de criatividade para ser estimulada e emergir.
4.1 MÉTODO DE GODET (GODET, 1991; MARQUES, 2007)
O método Godet é baseado no princípio da causalidade para inferir as variáveis do
sistema; pela seleção e priorização das incertezas críticas e atores como entradas de seu
modelo. Nesta etapa, o método utiliza a ferramenta de análise estrutural, aperfeiçoada e
denominada de MICMAC para enunciar as variáveis e a ferramenta MACTOR para a análise
dos atores. Os “inputs” desta etapa são processados com o auxílio das ferramentas Delphi e
análise morfológica, e apresentando como resultado os cenários prospectivos. A síntese
apresentada permite vislumbrar o compartilhamento da arte e da ciência na busca da
elucidação sobre o futuro. É, sem dúvida, um método rigoroso e que requer tempo para ser
desenvolvido.
Os objetivos do método Godet são:
- detectar os problemas prioritários (variáveis-chaves) para o estudo, pela identificação
das relações entre as variáveis do sistema específico sob estudo por meio de análise estrutural;
- determinar, especialmente na relação entre as variáveis-chaves, os principais atores e
suas estratégias, e os meios à sua disposição para tornar seus projetos uma realidade; e
152
- descrever, na forma de cenários, o desenvolvimento do sistema sob estudo, levando
em consideração o caminho evolucionário mais provável das variáveis-chaves e utilizando
uma série de hipóteses sobre o comportamento dos vários atores.
Fig. 22: Método GODET
Fonte: GODET M. From anticipation to action. UNESCO Publishing, 1994
4.1.1 Etapa de construção da base
A primeira etapa tenta construir a “base”, uma imagem do estado presente do sistema,
a qual servirá como um ponto de partida para o estudo do futuro. Esta imagem deve ser:
- detalhada e compreensiva, tanto quantitativa como qualitativamente;
- ampla em escala (política, econômica, social, tecnológica, ambiental, militar, etc.);
153
- dinâmica, claramente identificando as tendências passadas e os indicadores ou fatos
portadores de futuro (FPF)
- explanatória dos mecanismos de mudanças e dos atores ( os “mobilizadores” do
sistema)
A “base” é construída em três fases:
- a delimitação do sistema estudado e do ambiente (sistema envolvente).
- a identificação das variáveis-chaves.
- uma retrospectiva e a estratégia dos atores.
4.1.1.1 Variáveis
Na delimitação do sistema, deve ser identificada uma lista completa, tanto quanto
possível, das variáveis a serem consideradas, quantificáveis ou não, provendo uma visão geral
do sistema sob estudo e o seu meio-ambiente (envolvente). De forma a atingir este resultado,
um sem número de ferramentas auxiliares são usadas: entrevistas, seminários com
especialistas, “brainstorming”, etc.
Logo após o estabelecimento inicial da lista de variáveis que, aparentemente,
caracterizam o sistema, as variáveis são divididas em dois grupos:
- as variáveis internas, as quais caracterizam o fenômeno sob estudo;
- as variáveis externas, aquelas que caracterizam as explicações gerais do ambiente do
fenômeno em seu contexto demográfico, econômico, industrial, tecnológico e social.
O estudo das variáveis permite uma melhor compreensão da estrutura do sistema. Este
estudo consiste de uma análise do passado e do presente. A retrospectiva evita a ênfase
exagerada da situação presente. O objetivo é identificar os mecanismos e os atores que mais
tiveram influência sobre a evolução do sistema no passado e realçar os fatores invariantes e as
154
maiores tendências. A análise do presente ajuda a identificar os fatos portadores de futuro e as
estratégias dos atores.
A busca pelos determinantes principais do sistema e seus parâmetros é executado por
uma análise dos efeitos diretos e indiretos das variáveis ambientais genéricas (variáveis
externas) ou as que caracterizam o fenômeno em estudo (variáveis internas). A técnica
utilizada na presente investigação é a análise estrutural
72
. Seu objetivo fundamental é ajudar a
descortinar “a estrutura das relações entre as variáveis qualitativas [...] que caracterizam o
sistema” (GODET, 1993). A análise estrutural possibilita a hierarquização das variáveis,
tendo em vista a indicação do grau de motricidade (influência
73
) e de dependência de cada
variável. Para tanto é utilizado a técnica MICMAC
74
.
Após a seleção do conjunto de variáveis que influenciam o sistema, é preenchida uma
matriz quadrada que descreve as relações diretas entre as variáveis. Esta matriz, designada
matriz de análise estrutural, tem tantas linhas e colunas quantas forem as variáveis
identificadas, sendo o elemento genérico Aij ocupado por um 1, caso a variável i influencie
diretamente a variável j, e por um 0, caso contrário, como mostrado a seguir:
Influência de i
(linha) sobre j
(coluna)
A B C D E Motricidade
A
0 1 1 1 0 3
B
0 0 0 1 0 1
C
0 1 0 0 1 2
D
0 0 1 0 0 1
E
0 0 0 1 0 1
Dependência
0 2 2 3 1
Fig. 23: Matriz de Análise Estrutural “X”
Fonte: Criada pelo autor
72
A análise estrutural possui dois objetivos complementares: primeiro, durante a fase inicial obter, tanto quanto
possível, uma representação completa do sistema sob estudo; segundo, reduzir a complexidade do sistema as
suas principais variáveis (GODET, 198: 84).
73
No sentido de influência dinâmica, da mudança.
74
MICMAC - Matrice d'Impacts Croisés - Multiplication Appliquée à un Classement (Matriz de Impacto
Cruzado – Multiplicação Apilicada à Classificação). Este método foi desenvolvido no Comissariat à l´Énérgie
Atomique (CEA) entre 1972 e 1974 por J. C. Duperrinand e Michel Godet (1973).
155
A motricidade direta de uma variável (no caso de uma matriz de análise estrutural 0-1)
é uma medida da influência dessa variável sobre o conjunto do sistema dada pelo número de
variáveis que essa variável influencia (soma em linha da matriz X).
A dependência direta de uma variável é dada pelo número de variáveis que a influenciam
(soma em coluna da matriz X).
A motricidade (influência) direta das variáveis (por ordem decrescente) seria: 3 (A), 2
(C), 1 (B), 1 (D), 1(E).
A dependência direta seria: 3 (D), 2 (B), 2 (C), 1 (E), 0 (A).
A representação do gráfico espontâneo equivalente é a seguinte:
A
E B
D C
Fig. 24: Gráfico espontâneo
Fonte: Criado pelo autor
A representação do gráfico hierárquico é a seguinte:
Fig.25: Gráfico hierárquico
Fonte: Criada pelo autor
A
c
B
DE
INFLUÊNCIA
DEPENDÊNCIA
156
No entanto, em adição às relações diretas, existem, também, as relações indiretas entre
as variáveis por meio de cadeias de influência e ciclos de reação (efeito da realimentação).
Isto envolve a rede de inter-relações que caracterizam o sistema estudado.
De fato, uma variável pouco motriz (ou pouco dependente) do ponto de vista das
relações diretas pode ser muito motriz (ou dependente) do ponto de vista das relações
indiretas - a sua influência real no sistema (ou a sua dependência) pode ser muito superior à
revelada pela análise das relações diretas.
Para a solução do problema acima basta elevar a matriz de análise estrutural a
sucessivas potências (2, 3..., n), pois o elemento situado na intersecção entre a linha “i” e a
coluna “j” na matriz X elevada ao expoente “n” é igual ao número de caminhos de
comprimento “n” ligando essas duas variáveis. Ao final do processo se obtém uma nova
matriz da qual cada elemento corresponde ao número de caminhos de propagação (cujo
comprimento é menor do que, ou igual a “n”) e, por conseguinte, a influência direta e indireta
da variável “i” sobre a variável “j”.
Geralmente, a hierarquização de variáveis de acordo com os indicadores de influência
e dependência se torna estável quando os caminhos de comprimento 4 a 5 são considerados.
Esta é a razão porque a multiplicação feita no MICMAC não vai além da potência de
expoente 9. As variáveis que caracterizam o sistema sob estudo e o ambiente podem, então,
ser projetadas em um gráfico tendo como eixos a influência e a dependência.
A construção deste plano permite verificar a instabilidade ou estabilidade do sistema,
classificar as variáveis, e identificar as mais importantes para o estudo. A cada uma das
variáveis são associados um indicador de motricidade e um indicador de dependência sobre
todo o sistema. Desse modo, todo o conjunto de variáveis pode ser representado no plano.
157
A repartição das variáveis neste plano permite determinar quatro categorias. Estas
categorias diferem umas das outras, dependendo do seu papel específico na dinâmica do
sistema:
I
n
VARIÁVEIS VARIÁVEIS
Fig. 26: Gráfico Influência X Dependência
Fonte: GODET M From anticipation to action. UNESCO Publishing, 1994
- variáveis determinantes ou influentes, explicativas ou motrizes. Elas são ao mesmo
tempo muito influentes e pouco dependentes. Logo, a maioria dos sistemas depende dessas
variáveis. Elas podem agir no sistema dependendo do grau de controle que se tenha sobre
elas, pois são um fator chave tanto da inércia quanto do movimento. Elas também são
consideradas variáveis de entrada do sistema. Entre elas, a maioria pertence à classe de
variáveis do ambiente, as quais condicionam fortemente o sistema, mas não podem ser
controladas por ele. Elas irão agir fortemente como fator de inércia, porque uma pequena
variação delas implica em grande variação das variáveis mais dependentes.
d
DETERMINANTE
DE LIGAÇÃO
i
c
a
d
o
r
d
e
VARIÁVEIS
DE REGULAÇÃO
i
n
f
l
VARIÁVEIS VARIÁVEIS
u
EXCLUÍDAS DEPENDENTES
ê
n
c
i
a
Indicador de de
p
endência
158
- variáveis de ligação, retransmissão, ou intermediárias. Elas são ao mesmo tempo
muito influentes e muito dependentes. Por natureza, são fatores de instabilidade, pois qualquer
ação sobre elas tem conseqüências nas demais variáveis no caso de certas condições nas
outras variáveis serem alcançadas. Mas essas conseqüências podem ter um efeito
bumerangue, podendo tanto ampliar como atenuar o impulso inicial. Além disso, é
aconselhável distinguir dentro desta categoria os seguintes grupos:
- as variáveis de risco, mais precisamente localizadas próximas a diagonal, que terão
grandes chances de provocar a excitação da maioria dos atores, em função de suas
características de instabilidade, sendo potenciais pontos de descontinuidade e de mudanças do
sistema;
- as variáveis alvos, situadas sobre a diagonal, sendo mais dependentes do que
influentes. Elas podem ser consideradas, até certa extensão, como resultantes da evolução do
sistema. Entretanto, uma ação voluntariosa pode ser conduzida nela de modo a fazê-la evoluir
de uma forma desejada. Assim, elas representam possíveis objetivos para o sistema em sua
totalidade em vez de conseqüências pré-determinadas;
- variáveis dependentes ou de resultado. Estas variáveis são ao mesmo tempo pouco
influentes e muito dependentes. Logo, elas são especialmente sensitivas à evolução das
variáveis influentes e/ou as variáveis de ligação. Elas são variáveis de saída do sistema; e
- variáveis autônomas ou excluídas. As quais são pouco influentes e pouco
dependentes. Elas parecem estar fora de linha com o sistema, pois nem param uma evolução
maior sofrida pelo sistema, nem tiram partido dela. Elas podem ser subdivididas em variáveis
desconexas e variáveis de segundo nível. As variáveis desconexas situam-se perto da origem
dos eixos e sua evolução parece estar excluída da dinâmica global do sistema. As varáveis de
segundo nível, embora com certa autonomia, são mais influentes do que dependentes. Elas
159
situam-se acima da diagonal e são usadas como variáveis de ação secundária ou pontos de
aplicação para possíveis medidas de acompanhamento.
- variáveis de regulação. Estão situadas no centro de gravidade do sistema. Elas
podem agir sucessivamente como variáveis de segundo nível, como objetivos fracos ou como
riscos secundários.
As variáveis-chaves do sistema são as variáveis determinantes, aquelas muito
influentes e pouco dependentes. São nelas que as atenções devem se concentrar. São
consideradas as “incertezas críticas” em relação ao sistema e irão compor, depois da análise
das estratégias dos atores, os enredos dos cenários a serem desenvolvidos.
4.1.1.2 Análise dos atores
A compreensão das estratégias dos atores pelo método MACTOR
75
é essencial.
Primeiramente realiza-se um estudo retrospectivo em profundidade, o que significa considerar
todas as variáveis-chaves e questões identificadas anteriormente e construir uma base de
dados (qualitativos e quantitativos) que deve ser a mais ampla. Todas as fontes de
informações estatísticas devem ser levantadas de modo a identificar as maiores tendências em
evolução, analisar as descontinuidades passadas e as condições sob as quais elas emergiram, e
o papel desempenhado pelos principais atores nesta evolução.
Os atores no sistema sob exame possuem vários graus de liberdade, mediante os quais
eles estão aptos a exercer, por meio de ação estratégica, as ações para alcançar seus objetivos
e, assim, cumprir o seu projeto. Logo, analisar os movimentos dos atores, confrontando seus
planos e o equilíbrio de poder entre eles (em termos de limitações e meios de ação) é essencial
75
MACTOR - Matrix of Alliances and Conflicts: Tactics, Objectives and Recommendations ( Matriz de
Alianças e Conflitos: Táticas, Objetivos e Recomendações).
160
de modo a clarificar os problemas estratégicos e as questões capitais do futuro (resultados e
conseqüências dos conflitos previsíveis).
A análise dos atores é realizada pelo método MACTOR em seis estágios:
- Redigir os planos, as motivações, as limitações e os meios de ação de cada ator
(tabela estratégia dos atores);
- Identificar os desafios estratégicos e os objetivos associados a estes pontos de
conflito;
- Posicionar cada ator em cada ponto de conflito (relacionados aos objetivos) e
verificar as convergências e as divergências;
- Ordenar os objetivos para cada ator e estimar as táticas possíveis (interação de
possíveis convergências e divergências);
- Avaliar as relações de poder e formular recomendações estratégicas para cada ator
consoante com as prioridades de objetivos de cada ator e recursos disponíveis;
- Levantar questões chaves sobre o futuro – isto é, formular hipóteses acerca das
tendências, eventos e descontinuidades que caracterizarão a evolução do equilíbrio de poder
entre atores. É em torno dessas questões, hipóteses e respostas que os cenários serão
construídos.
A análise dos atores é regida pelo método MACTOR, o qual está explicado em
detalhes no Apêndice A.
A análise retrospectiva das principais variáveis e dos atores em relação a elas objetiva
identificar os mecanismos e os atores mais importantes que influenciaram a evolução do
sistema no passado, bem como iluminar os fatores invariantes (pré-determinados) do sistema
e as maiores tendências.
A análise da situação atual identifica as sementes de mudança (fatos portadores de
futuro) dentro dos movimentos das variáveis-chaves, como também as estratégias dos atores
161
por detrás desses movimentos. Para esse fim, a análise considera tanto os dados quantitativos
como os qualitativos, mas também os parâmetros qualitativos: econômico, sociológico,
político, tecnológico, ambiental.
4.1.2 Etapa da construção de cenários
Da mesma maneira que o passado pode ser resumido por uma série de eventos
significativos, os futuros possíveis podem ser identificados por uma lista de hipóteses as
quais, por exemplo, demonstram a persistência de uma tendência, sua quebra, ou a
emergência de uma nova tendência.
Em termos concretos, estas hipóteses se relacionam com as variáveis chaves e com o
equilíbrio de poder entre os atores como analisado quando a base foi construída. A exploração
de futuros possíveis é realizada por meio de análise morfológica. A implementação das
hipóteses dentro de uma moldura temporal é expressa por um grau de incerteza que pode ser
reduzida com a ajuda das probabilidades subjetivas providas pelos peritos (Técnica Delphi).
De fato, quando se olha para o futuro, o julgamento pessoal é, freqüentemente, a única
forma de tornar razoável os eventos que podem ocorrer (não há estatísticas do futuro). O
método de análise de peritos é vantajoso para reduzir a incerteza e, também, para comparar
visões de um grupo em relação a outros (indicador de futuras tendências
76
). Ao mesmo tempo,
serve para propiciar um alerta do alcance e a extensão das opiniões coletadas.
O método Delphi, desenvolvido na década de 1950, é o melhor método de análise de
peritos conhecido. No entanto, ele apresenta algumas desvantagens, sendo a principal sua
falha em levar em consideração a interdependência das indagações formuladas. Um novo
método surgiu ao fim da década de 1960 nos EUA e no início dos anos 1970 na Europa: a
76
Em inglês, “bell-weather function”.
162
matriz de impacto cruzado. Este método juntamente com o anterior são aplicados e ajudam a
melhorar o desempenho. Godet, desenvolveu a partir desses dois métodos, um novo o qual
denominou de SMIC
77
, em 1974.
4.1.2.1 Explorando futuros possíveis: análise morfológica
O princípio subjacente do método é extremamente simples. O sistema ou função sob
estudo pode ser dividido em subsistemas ou partes componentes. Estes componentes devem
ser tão independentes quanto possível e ainda representar a totalidade do sistema sob estudo.
Uma aeronave é composta de estruturas das asas, unidades de caudas, motores,etc., e cada
um desses componentes pode ser montado em diferentes configurações, por exemplo, uma,
duas, três ou mais asas. Uma aeronave será, então, caracterizada por uma específica
configuração decorrente da escolha dos componentes. Há, portanto, várias soluções técnicas
possíveis de acordo com as possíveis combinações das configurações.
Um sistema com quatro componentes, cada um tendo quatro configurações possíveis,
representa não mais do que 4 x 4 x 4 x 4 = 256 possibilidades de combinação. Este campo de
combinações possíveis é denominado de espaço morfológico.
Considere-se um sistema global dividido em componentes: fator demográfico,
econômico, social e organizacional, com um certo número de possíveis estados (hipóteses ou
configurações) para cada um destes componentes.
Componentes
Fatores Demográficos D1 D2 D3 D4 D5
Fatores Econômicos E1 E2 E3 E4 E5
Fatores Sociais S1 S2 S3 S4 ---
Fatores Organizacionais O1 O2 O3 --- ---
Tabela 6 - Configurações ou Hipóteses
Fonte: Criado pelo autor
77
SMIC – System and Matrix of Cross Impact (Sistema e Matriz de Impactos Cruzados).
163
Os valores, comportamentos, hipóteses ou estados que as incertezas críticas podem
assumir são formulados com a utilização de três técnicas de criatividade: entrevistas
estruturadas com especialistas, “brainstorming” e o método Delphi.
Em essência, um cenário não é mais do que um caminho combinando uma dada
configuração para cada componente (D1E1S1O1, D1E2S3O3, etc.). O espaço morfológico
define a amplitude dos possíveis cenários de forma muito precisa porque circunscreve todas
as possibilidades.
4.1.2.2 Problemas e limitações da análise morfológica
Especificamente, a utilização da análise morfológica apresenta vários problemas
relacionados à questão da compreensão e as limitações e ilusões inerentes ao número de
combinações.
Primeiramente, a escolha dos componentes é particularmente crítica e requer
considerável reflexão. Pela multiplicação do número de componentes e das configurações, o
sistema se expande tanto que a análise se torna praticamente impossível; por outro lado, com
poucos componentes o sistema fica empobrecido. Portanto, tem que haver uma solução de
compromisso. Deve-se ter cuidado para certificar-se que os componentes (dimensões,
variáveis, etc.) sejam independentes e que não sejam confundidos com as configurações
(hipóteses ou atributos).
Segundo, explorando todas as soluções possíveis e imagináveis pode gerar a ilusão de
que todas as possibilidades combinatórias foram exploradas, ao passo que, em realidade, o
campo não tem limitações definitivas, mas está simplesmente evoluindo com o tempo. Se
deixar de fora um componente ou uma configuração que seja essencial para o futuro, corre-se
o risco de perder toda uma faceta do campo de possibilidades.
164
Por último, o usuário pode submergir diante do número de combinações e a
articulação das soluções possíveis simplesmente se torna fisicamente impossível, uma vez que
elas excedem várias centenas de possibilidades
78
. Em tais condições, como se pode identificar
o subespaço morfológico útil?
4.1.2.3 O espaço morfológico útil
A redução do espaço morfológico útil é necessária porque é quase impossível para a
mente humana cobrir, passo a passo, todo o campo das soluções possíveis geradas pelas
combinações. Também é desejável a adoção de um critério de seleção, já que não faz sentido
a identificação de soluções que sejam rejeitadas mais tarde. As escolhas são imperativas na
identificação de componentes chaves e secundários que se relacionam com os critérios
adotados. Sugerem-se os seguintes procedimentos:
- Em primeiro lugar identificar o critério de seleção (econômico, técnico e estratégico)
que pode ser utilizado após a análise morfológica e selecionar e avaliar as melhores soluções
entre o número total de soluções possíveis (o espaço morfológico);
- Identificar aqueles componentes que são considerados cruciais de acordo com o
critério adotado e classificar estes componentes em termos de critério ponderado diferenciado
de acordo com as decisões políticas adotadas;
- Inicialmente, restringir a exploração do espaço morfológico aos componentes chaves
identificados no item anterior; e
- Finalmente, introduzir as limitações de exclusão ou preferências. De fato, muitas
soluções técnicas são irrelevantes ou não possuem consistência, tanto por causa da sua
78
No caso 5 x 5 x 4 x 3 = 300 combinações possíveis.
165
incompatibilidade intrínseca (associação combinatória impossível) ou pelo critério adotado e
levado em consideração.
Por exemplo, considere-se a matriz abaixo onde estão listadas como parâmetros as
incertezas críticas de um sistema sob estudo e os possíveis valores, comportamentos ou
“estados” que cada qual pode assumir.
Fig. 27: Espaço Morfológico (4 x 3 x 5 x 2 x 5 = 600 combinações possíveis)
Fonte: Adaptado de “Futures Studies using Morphological Analysis”. Disponível em <
www.swemorph.com>. Acesso: 15/09/2008.
A redução do espaço morfológico para um espaço solução, que nada mais é do que um
subconjunto de configurações que satisfaça o critério de consistência. No critério de
consistência todos os valores, comportamentos ou atributos de cada parâmetro (incerteza) são
comparados aos demais, aos pares, na forma de uma matriz de impactos cruzados.
166
Fig. 28: Espaço Morfológico (4 x 3 x 5 x 2 x 5 = 600 combinações possíveis)
Fonte: Adaptado de “Futures Studies using Morphological Analysis”. Disponível em <
www.swemorph.com> . Acesso: 15/09/2008.
A cada par de condições examinadas, um julgamento é formulado – “se” e “em que
extensão” – o par pode coexistir, isto é, se ele representa uma relação consistente. Existem
dois tipos principais de inconsistências: contradições puramente lógicas (aquelas baseadas na
natureza dos conceitos envolvidos) e limitações empíricas (relações consideradas altamente
improváveis ou sem plausibilidade). Caso o par seja inconsistente, fica inviabilizada qualquer
combinação que as considere. Ao final, ficam apenas as combinações que se mostrarem
coerentes e que representarão os possíveis cenários.
Combinações
das incertezas
I II
A A1 A2
B B1 B2
C C1 C2
167
INCERTEZAS
CRÍTICAS
HIPÓTESES
INCERTEZA “A
A1
A2
INCERTEZA “B
B1
B2
INCERTEZA “C
C1
C2
Trama do
Cenário 1
Trama do
Cenário 2
Trama do
Cenário 3
Trama do
Cenário 4
Fig. 29: Matriz de investigação morfológica
Fonte: Macroplan, 1996.
SMIC-Probe -Expert
79
– PROBABILIZAÇÃO DAS COMBINAÇÔES
O método de impacto cruzado consiste em realizar perguntas sobre a probabilidade
simples e condicionada de um número limitado de hipóteses a um grupo de pessoas (em torno
de trinta) com notório saber sobre o assunto sob estudo.
A primeira consulta aos peritos diz respeito à probabilidade simples correspondente as
principais componentes e suas possíveis configurações (possíveis estados futuros) de cada
componente (principais questões/ incertezas críticas e comportamento dos atores). As
componentes com maior probabilidade média serão hierarquizadas e a configuração com
maior probabilidade média correspondente a cada componente constituirá o acontecimento ou
situação a ser considerada.
79
Corresponde a utilização da técnica de Impactos Cruzados, Peritagem e Probabilização dos cenários
resultantes.
168
No exemplo abaixo, foi considerada a incerteza crítica “Demografia e sociedade”. A
maior média atribuída pelos peritos ou especialistas foi para a hipótese “rigidez e dualidade
ampliada”. Logo, ela foi retida como a principal referente ao componente considerado.
Componente
Configurações
Demografia
e sociedade
Rigidez e
dualidade
ampliada
Desregulamentação
do trabalho
Mudanças no
trabalho
Outros
Fig. 30: Exemplo
Fonte: Criado pelo autor
O universo de componentes será dividido em dois grupos: um grupo de hipóteses
centrais correspondente as cinco ou seis principais componentes ou questões principais
80
e
um outro grupo, das demais questões, referentes às hipóteses secundárias. As combinações
binárias (evento ou configuração ocorre/ não ocorre) entre as diversas hipóteses centrais
constituirão as tramas dos cenários; as combinações das hipóteses secundárias constituirão as
possíveis sub-tramas dos cenários.
A seguir, selecionam-se as principais hipóteses das demais cinco incertezas críticas da
mesma forma. Elas, adicionadas à primeira, compõem um conjunto de seis hipóteses
principais. Em seguida, as hipóteses principais são submetidas aos peritos que indicarão as
probabilidades simples e probabilidades condicionadas de cada hipótese por meio de um
questionário como especificado
.
80
Tendo em vista que 2 elevado a sexta potência é igual a 64, um número de cenários passível de ser gerido.
169
Questionário
Probabilidade Simples
Questão: Qual a probabilidade de que a hipótese H3. Crescimento Contínuo irá ocorrer desde
o presente até o ano de 20xx?
Opções:
1- evento bastante improvável
2- evento improvável
3- evento de probabilidade moderada
4- evento provável
5- evento bastante provável
Probabilidades Condicionais
Questão: Sabendo que a hipótese H3 ocorreu, o que o Sr. pensa sobre a probabilidade de
ocorrência das demais hipóteses?
H1
H2
H4
H5
Fig. 31: Questionário
Fonte: Adaptado de “Creating Futures” (GODET, 2001)
O processamento das informações acima possibilita a ordenação dos cenários por
ordem decrescente de probabilidades, utilizando-se o programa SMIC-Probe- Expert. Tem-se
até aqui a ossatura dos cenários, bastando apenas acrescentar as sub-tramas ou estórias
secundárias às tramas e estórias principais.
4.2 MÉTODO GRUMBACH
O método recebe este nome porque foi desenvolvido por um oficial da Marinha do
Brasil, cujo nome é Raul José dos Santos Grumbach, que teve a oportunidade de realizar o
170
curso de Estado-Maior na Espanha, nos anos de 1989 e 1990, onde havia a aplicação da
ferramenta prospectiva. Atualmente, ele é diretor da empresa “Brainstorming
81
” de assessoria
de planejamento e informática.
O método nasceu originalmente, em 1996, com o propósito de construção de cenários,
tendo evoluído para o atual modelo de gestão estratégica, o qual envolve tanto a
“cenarização”, como a formulação e gestão da(s) estratégia(s), utilizando para tal duas
ferramentas de processamento: o Puma e o Lince.
O método Grumbach ao invés de usar a causalidade como Godet, utiliza a matriz
SWOT no mapeamento das variáveis do sistema e do ambiente, bem como dos fatos
portadores de futuro (FPF). A partir dos FPF, o método segue a lógica intuitiva para criação
de eventos futuros. A combinação da ocorrência ou não dos eventos gera os cenários. Os
cenários, por sua vez, são ordenados por distribuição de probabilidades com o auxílio da
simulação de Monte Carlo
82
. Pode-se dizer que o método Grumbach possibilita um maior uso
da intuição e cognição, sem deixar de lado a ciência.
81
Para maiores detalhes, ver <<www.brainstorming.com.br>>.
82
A simulação Monte Carlo utiliza números aleatórios para simular os valores das variáveis independentes. A
técnica, desenvolvida na Segunda Guerra Mundial para o projeto Manhattan, e largamente empregada em
problemas de difícil caracterização por meio de equações matemáticas (MAKRIDAKIS et al., 1983).
171
Fig. 32: Método Grumbach
Fonte: Grumbach, 2006.
O método se divide em quatro fases: definição do problema, pesquisa, processamento
e sugestões, bem como engloba as técnicas de “brainstorming”, Método Delphi e Método dos
Impactos Cruzados.
A primeira fase é atinente à definição do problema e pode ser definida como
eminentemente conceitual. Nesta fase, uma determinada autoridade, denominada de “Decisor
Estratégico
83
”, fixa os propósitos do estudo prospectivo que será realizado e determina a
amplitude do sistema a ser analisado e estabelece um horizonte temporal sobre o qual se deve
trabalhar. Também são determinados, junto com sua assessoria, quais serão os componentes
do “Grupo de Controle (Analistas)
84
” e das “Equipes de Peritos
85
” (convidados a participar
dos trabalhos).
Os peritos seriam pessoas, em sua maioria, de fora da organização, especializadas em
determinadas áreas, porém detentores de uma visão geral do sistema para o qual irão opinar.
Dos peritos espera-se que possuam os seguintes atributos:
83
Geralmente é o “nº 1” da organização pública ou empresa privada (Titular, Diretor, Presidente, “CEO”, Chefe,
Comandante), ou quem suas vezes fizer, que determina a realização do estudo.
84
Pessoal orgânico da organização pública ou empresa privada, representando todos os seus setores, com a
responsabilidade de condução de todo o processo. Em torno de 12 a 17 integrantes.
85
Pessoas de notório saber, normalmente externas à organização pública ou empresa privada, que, convidadas
pelo Decisor Estratégico, respondem a sucessivas consultas formuladas pelo Grupo de Controle. Formada por
um mínimo de quinze membros.
172
Atributos Observações
Honestidade de propósitos
Quando não há diferença entre sua crença íntima e a que torna
pública.
Não-Polarização
Independência de foro íntimo, em relação às idéias exógenas.
Precisão
A estimativa se confunde com a realidade.
Realismo
A avaliação é contextual. Fatos são observados em conjunto.
Definição
Opiniões aproximadamente idênticas em face de igualdade de
condições.
Certeza
Ligada ao grau de conhecimento, ou familiaridade, que alguém
possa ter em relação a determinado assunto.
Tabela 7 - Atributos dos Peritos
Fonte: Adaptado de “Prospectiva: A chave para o planejamento estratégico” (GRUMBACH, 1997).
Ainda nesta fase é elaborado um cronograma de trabalho, que deverá servir de
orientação ao Grupo de Controle sobre os prazos a serem cumpridos. Ao estabelecer os
prazos, o decisor também indicará o nível de profundidade que deseja para a pesquisa de
dados.
O decisor poderá transmitir, também, ao Grupo de Controle, seus principais juízos de
valor a respeito do tema que será estudado. Suas principais preocupações e expectativas
servirão ao grupo como parâmetros de uma escala de prioridades, particularmente na fase da
Análise de Cenários, quando auxiliará na identificação dos aspectos mais importantes (bons
ou ruins) relacionados aos possíveis acontecimentos futuros, bem como na fase de definição
de uma hierarquização dos eventos futuros.
Em uma segunda fase, que pode ser denominada de “Pesquisa” ou “Análise da
Situação” ou “Diagnóstico Estratégico”, caracterizada por ser de responsabilidade quase
exclusiva do “Grupo de Controle”, serão levantadas as variáveis externas e internas do
sistema sob estudo
86
.
A pesquisa levantará e selecionará os fatos ocorridos, ou em curso, da realidade que é
conhecida pela leitura de jornais, revistas e livros, pelas notícias e entrevistas transmitidas
86
Esta análise quando realizada na área militar recebe o nome de “Avaliação Estratégica da Conjuntura” (AEC).
173
pelo rádio e televisão, por entrevistas e conversas pessoais e por busca em outras fontes de
leitura e que tenham alguma relação com o tema em estudo.
Este estudo deve ser dividido pelos membros do grupo (divisão por tarefas), de tal
maneira que a visão global do problema, uma das principais características da prospectiva,
seja alcançada. Enfatiza-se que deve ser combatida a tendência do grupo de preocupar-se
apenas com as partes mais específicas da organização; por exemplo, se a organização é uma
instituição financeira, a tendência é pesquisar somente os aspectos econômicos, esquecendo-
se dos demais. Todos os aspectos devem ser levantados e pesquisados.
O estudo deve abordar tanto o sistema (organização, instituição ou empresa) como o
ambiente (envolvente), ou seja, fatores internos ou externos. O mapeamento interno busca
ressaltar os pontos fortes e pontos fracos do sistema. O externo, as oportunidades e as
ameaças do ambiente. Deste mapeamento irão surgir os fatos portadores de futuro,
considerados os germens da mudança, os indícios tênues de mudança hoje que podem ter
desdobramentos e conseqüências consideráveis no amanhã.
No âmbito do sistema, na busca e coleta de dados, enumeram-se as seguintes tarefas:
- realizar um estudo retrospectivo da organização abordando o seu comportamento ao
longo do tempo e sua consistência. Para tanto, devem ser estudados os objetivos, políticas,
estratégias e metas passados e comparados com os atuais, de modo a permitir a identificação
de padrões de comportamento;
- identificar o negócio da organização, isto é, a área de atuação á qual a organização se
dedica. Ex: o negócio da IBM é informação; o negócio das Forças Armadas é defesa;
- reconhecer a missão da organização - o que a organização pública ou empresa
privada faz hoje, para quem o faz, e o que ela deseja alcançar no futuro. É uma declaração
explícita das razões de sua existência. Na declaração de missão, o propósito é estabelecido,
174
normalmente, em termos do papel social desempenhado pela organização pública ou empresa
privada;
- identificar a visão da organização - o que a organização pública ou empresa privada
quer ser no futuro;
- identificar os valores da organização - os conjuntos de padrões éticos que norteiam a
sua vida cotidiana e a dos seus integrantes; e
- identificar e enumerar os fatores críticos de sucesso – as pré-condições internas, de
diferentes naturezas, relacionadas tanto aos seus ativos tangíveis quanto aos intangíveis, e
essenciais para que a organização pública ou empresa privada atinja seus objetivos.
Em relação ao ambiente, são levantados todos os fatos que são pertinentes ao sistema e
que podem lhe causar, de alguma forma, algum impacto no futuro. Esses fatos são agrupados
por setores. Usualmente tais setores são: político, econômico, social, tecnológico, ambiental e
militar. Esta classificação pode variar dependendo do sistema sob estudo.
Após a reunião de todas as variáveis internas e externas (dados) obtidas durante a
pesquisa, são identificados os Pontos Fortes
87
e Fracos
88
da Organização pública ou empresa
privada, e as Oportunidades
89
e Ameaças do Ambiente
90
, que comporão, na fase do
processamento, os Fatos Portadores de Futuro (FPF).
A terceira fase do método é denominada de processamento. Ela é eminentemente
analítica, consistindo na construção ou identificação das várias alternativas de futuro. Esta
fase é dividida em três módulos: de compreensão, de concepção e de avaliação.
87
São características vantajosas, controláveis pela organização, e relacionadas a aspectos da estrutura, dos
processos e dos recursos, que a favorecem perante as oportunidades e ameaças do ambiente.
88
São características desvantajosas, controláveis pela organização, e relacionadas a aspectos da estrutura, dos
processos e dos recursos, que a desfavorecem perante as oportunidades e ameaças do ambiente.
89
São forças ambientais incontroláveis pela organização, que podem favorecer sua ação estratégica, desde que
reconhecidas e aproveitadas satisfatoriamente enquanto perduram.
90
São forças ambientais incontroláveis pela organização pública ou empresa privada, que criam obstáculos à sua
ação estratégica, mas que, em sua maioria, podem ser evitadas ou gerenciadas, desde que reconhecidas em tempo
hábil.
175
O módulo da compreensão prevê a descrição, individualmente, da pesquisa realizada.
Cada analista descreve, sucintamente, para os demais, o resultado do que conseguiu obter.
Durante cada descrição da pesquisa, realizada pelos analistas, uma pessoa deverá ser
designada para ir listando, se possível em um quadro que seja visível por todos, os principais
elementos levantados, os possíveis “Fatos Portadores de Futuro”. À medida que os fatos
concretos são reportados ou ao final das apresentações, o grupo delibera e opina sobre a
identificação da lista de “fatos portadores de futuro”. Em suma, a compreensão envolve a
descrição da pesquisa e a elaboração dos fatos portadores de futuro.
No módulo da concepção, são analisados todos os fatos portadores de futuro e a partir
de uma lista final dos principais FPF, são identificadas as rupturas de tendências e
confeccionada uma lista inicial de eventos
91
.
Os eventos, também denominados de questões estratégicas, são uma ocorrência futura,
interna ou externa à organização, que tenda a exercer um impacto significativo sobre a
capacidade desta de atingir seus objetivos.
As projeções do passado são mais fáceis de surgir e não devem ser relegadas. No
entanto, são as rupturas de tendências os principais alvos a atingir. Também o rompimento do
status quo” – onde e como aparece – é que deve ser buscado.
A técnica de auxílio à criatividade “brainstorming” é utilizada para tal finalidade. Os
eventos devem ter real possibilidade de ocorrer durante toda a moldura temporal estipulada e
representar algo de importante para a organização para a qual se está trabalhando.
A lista inicial de eventos futuros não deve sofrer nenhum tipo de censura, pois ela
sofrerá uma depuração natural, quando os eventos forem criteriosamente discutidos pelo
grupo de controle, a fim de não se permitir que o estudo passe para o campo da adivinhação.
O ideal é manter até quinze eventos na lista inicial (2
15
=32768 cenários).
91
Descrição de uma hipótese coerente e plausível para um possível acontecimento futuro. Esta hipótese se infere
de um ou mais fato portador de futuro.
176
Os eventos que não estejam amparados em fatos concretos já listados, mas que
estejam amparados em alguma informação que surgiu após a etapa anterior, também devem
ser considerados. Os eventos devem ser formulados de modo a não permitir interpretações
gradativas. Os peritos devem responder às questões de maneira objetiva, indicando
probabilidades numéricas. Para tanto, eventos do tipo “aumento” ou “diminuição” de alguma
coisa devem ser mais bem especificados, utilizando-se de percentuais.
Também é importante, durante a depuração dos eventos, que se procure agrupar
aqueles que tratam dos mesmos aspectos do problema, bem como que sejam formulados de
modo a não permitirem interpretações gradativas.
A combinação da ocorrência ou não dos eventos selecionados dá, portanto, a
quantidade de cenários que serão gerados. O número dessas combinações será igual a 2
n
,
sendo n o número de eventos. Logo, recomenda-se que a lista final de eventos deva conter no
máximo dez eventos, haja vista que um número superior a esse dificultará a análise da
probabilidade condicionada de cada evento em face da ocorrência de cada um dos demais.
Ainda assim, com dez eventos serão gerados 1024 cenários (2
10
), o que requer o uso de apoio
computacional.
No módulo de avaliação são utilizadas as técnicas “Delphi” e de “Impactos Cruzados”
com o apoio do Grupo de Peritos. Os quinze eventos constantes da Lista Inicial serão
submetidos às opiniões dos peritos, os quais estimarão a probabilidade subjetiva de ocorrência
isolada de cada um. Em rodadas sucessivas, buscar-se-á a convergência de opiniões entre
peritos em relação à probabilidade média. Ao final, o Grupo de Analistas selecionará os
eventos que comporão a lista final de eventos.
177
4.2.1 A Técnica Delphi
92
O Grupo de Controle deve elaborar uma carta-padrão
93
e endereçá-la aos Peritos, a fim
de orientá-los sobre a postura que se espera deles durante o trabalho que terão de efetuar para
responder aos questionários. As cartas devem ser assinadas, preferencialmente, pelo Decisor
Estratégico, e organizadas da seguinte maneira:
- um corpo principal, em que se dá ciência ao Perito, resumidamente, do Estudo que a
organização pública ou empresa privada está realizando; formaliza-se o convite à participação
no trabalho (que deve ter sido feito antes, verbalmente, por telefone ou pessoalmente); e
explicam-se os procedimentos a serem adotados;
- um primeiro Anexo, com instruções detalhadas para o preenchimento dos sucessivos
Mapas que lhe serão encaminhados;
- um segundo Anexo, com a Lista Preliminar de Eventos; e
- um terceiro Anexo, que é o próprio Mapa a ser preenchido.
A Lista tem que descrever detalhadamente cada Evento e expor o exato significado de
todos eles, incluindo, se necessário, os Fatos Portadores de Futuro em que se apóiam. Essa
descrição é necessária porque, nos Mapas que os Peritos terão que preencher, os Eventos
serão representados apenas por seus títulos — sínteses de idéias bastante amplas, como
mostrado na figura a seguir.
92
Para detalhes sobre o método ver <<www.iea.usp.br/iea/tematicas/futuro/projeto/delphi.pdf>>.
93
“O anonimato e o fato de não haver uma reunião física reduzem a influência de fatores psicológicos como, por
exemplo, os efeitos da capacidade de persuasão, a relutância em abandonar posições assumidas e a dominância
de grupos majoritários” (WRIGHT; GIOVINAZZO, 2000, p. 55).
178
Fig. 33: Mapa de Opinião por Perito – 1ª Consulta
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
Para registrarem suas opiniões sobre as probabilidades de ocorrência dos eventos,
numa escala de 0% a 100%, os Peritos deverão utilizar a tabela abaixo, que lhes deverá ser
encaminhada na carta-padrão já mencionada.
Fig. 34: Tabela de Probabilidades de Ocorrência de Eventos
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
No que diz respeito à pertinência, o perito poderá optar por um número em uma escala
que varia de um a nove. “Pertinente” significa importante, relevante, válido. O perito,
portanto, deverá opinar sobre a importância (pertinência) da ocorrência ou não daquele evento
para o futuro da organização pública ou empresa privada para a qual se está realizando o
estudo. É importante ter em mente que a pertinência independe da probabilidade de
ocorrência do evento.
179
Por fim, para a auto-avaliação, cada Perito tem a oportunidade de atribuir um grau a si
mesmo, relativo ao nível de conhecimento que detém sobre cada Evento, considerado
isoladamente, conforme a tabela abaixo:
Fig. 35: Tabela de Auto-avaliação dos Peritos
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
Os Mapas devem ser preenchidos pelos Peritos isoladamente, ou seja, em seus
próprios locais de trabalho ou residências. Estima-se um prazo de pelo menos duas semanas
para que as questões sejam respondidas e devolvidas ao Grupo de Controle. Recebidas as
respostas, os integrantes do Grupo de Controle cadastram-nas com o uso de um software,
obtendo um relatório com as probabilidades médias e pertinências médias informadas por
todos os peritos consultados.
Uma nova carta-padrão é enviada aos peritos, explicando-lhes que terão a
oportunidade de rever suas opiniões, após terem conhecimento das médias obtidas das
informações de todos os demais. Tal procedimento visa obter uma convergência de opiniões
entre os peritos
94
.
94
A evolução em direção a um consenso obtida no processo representa uma consolidação do julgamento
intuitivo de um grupo de peritos sobre tendências e eventos futuros.
180
Fig. 36: Mapa de Opinião por Perito – 2ª Consulta
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
Uma vez obtidas essas novas respostas, o Grupo de Controle repete a tarefa de
introduzir os novos dados no computador a fim de obter outras médias. Da mesma forma,
essas novas informações são repassadas aos peritos e o processo é reiniciado. A experiência
demonstra que os analistas podem tentar que haja uma convergência de opiniões, até um
máximo de três vezes
95
.
Durante o processo de estabelecimento da convergência, um perito pode insistir em
manter-se completamente fora da curva normal de distribuição de opiniões. Essa insistência
será analisada pelo Grupo de Analistas, uma vez que pode significar um determinado
conhecimento específico que não seja de domínio público. Caso a confiabilidade da
informação permita, os demais peritos devem ser notificados, aproveitando-se uma consulta
posterior, para que possam levar em consideração aquele novo dado, na próxima rodada de
opiniões
96
.
De posse das opiniões finais dos peritos sobre os eventos preliminares, os integrantes
do Grupo de Controle realizam uma reunião formal, para decidir os eventos que serão
95
O método original prevê a possibilidade de até seis consultas; no entanto as estatísticas revelam que após três
rodadas os peritos não modificam suas opiniões.
96
Caso a informação prestada pelo perito detentor daquele conhecimento específico seja sigilosa e não possa ser
divulgada, o Método prevê que o peso atribuído a ela seja maior do que o das demais, apenas com relação àquele
evento citado.
181
mantidos. Sua capacidade de síntese é que determinará a possibilidade de sucesso deste
importante passo.
Inicialmente, relacionam-se os eventos preliminares (geralmente 15) em ordem
decrescente dos valores médios das pertinências atribuídas pelos peritos. Naturalmente, esse
será o critério básico para que se reduzam os eventos para 10, que serão denominados
definitivos. Todavia, recorda-se que os integrantes do Grupo de Controle, em princípio, estão
em melhores condições do que os peritos para realizar essa tarefa, uma vez que conhecem
mais o sistema, ou seja, aquilo que é fundamental para determinar que eventos serão
mantidos, enquanto aqueles, de uma maneira geral, têm mais conhecimento do ambiente. O
conhecimento do Grupo de Controle sobre as prioridades do decisor estratégico, amplamente
comentadas na exposição da primeira fase do método, será de extrema utilidade nessa
depuração. Como tais prioridades talvez não sejam do conhecimento dos peritos convidados,
podem não estar expressas na atribuição da pertinência dos eventos.
4.2.2 Técnica dos Impactos Cruzados
Os resultados obtidos com o emprego do Método Delphi devem ser complementados
aplicando-se o Método dos Impactos Cruzados, haja vista que o método Delphi é deficiente
por não levar em consideração a interação entre os fatores ou eventos.
A análise de impactos cruzados considera que a ocorrência de uma determinada
variável ou evento dependerá, em maior ou menor probabilidade, da ocorrência de outras
variáveis ou eventos, permitindo assim analisar as relações causais diretas entre eventos.
Após a seleção dos eventos definitivos, o software Puma fornecerá aos usuários do
Grupo de Controle um 3º Mapa
97
. Este mapa é encaminhado aos peritos, na forma de
97
Denominado Mapa de Impactos Cruzados.
182
formulário, para que registrem os graus de influência (aumento ou redução) que, em suas
opiniões, as hipotéticas ocorrências individuais de cada um dos eventos exerceriam sobre as
probabilidades de ocorrência dos demais eventos (probabilidades condicionadas / Teorema de
Bayes).
Os componentes do Grupo de Controle elaboram, então, nova carta-padrão, com a
finalidade de orientar o preenchimento da referida matriz de impactos cruzados. A figura
abaixo apresenta um exemplo de Mapa de Impactos Cruzados.
Fig. 37:
Mapa de Impactos Cruzados (3ª Consulta – Tipo de Cálculo “Impactos” – “Correção
Quadrática”)
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
183
Para o preenchimento deste Mapa, os peritos deverão usar a tabela da figura abaixo.
IMPACTO PESO
QUASE CERTO QUE OCORRE + 5
AUMENTA FORTEMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER
+ 4
AUMENTA CONSIDERAVELMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER + 3
AUMENTA MODERADAMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER + 2
AUMENTA FRACAMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER + 1
NÃO ALTERA A PROBABILIDADE (SÃO EVENTOS INDEPENDENTES) 0
DIMINUI FRACAMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER - 1
DIMINUI MODERADAMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER - 2
DIMINUI CONSIDERAVELMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER - 3
DIMINUI FORTEMENTE A PROBABILIDADE DE OCORRER - 4
QUASE CERTO QUE NÃO OCORRE - 5
Fig. 38: Tabela para preenchimento do Mapa de Impactos Cruzados (3ª Consulta – Tipo de Cálculo
“Impactos” – “Correção Quadrática”)
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
Em seguida, são realizadas duas consultas do tipo de cálculo de probabilidades. Cada
Perito receberá um conjunto de Mapas, de tantas páginas quantos forem os Eventos futuros.
Cada página de um conjunto de Mapas destinado a um mesmo Perito contém duas matrizes:
- a Matriz Superior se refere a apenas um Evento (o primeiro na página 1, o segundo
na página 2, e assim por diante) e contém quatro colunas: na primeira, consta o título desse
Evento; as três seguintes, em branco, deverão ser preenchidas pelo Perito, como descrito a
seguir;
- O Perito registrará, em cada uma das três últimas colunas mencionadas, suas
opiniões, com relação àquele Evento, respectivamente quanto: às probabilidades de
sua ocorrência; às pertinências (grau de importância de cada Evento para o Estudo em
pauta); e à sua auto-avaliação (o quanto o Perito julga conhecer sobre o assunto
daquele Evento);
- Para as probabilidades, deve ser utilizada uma escala de 0 a 100%; para as
pertinências e auto-avaliações, valores de 1 a 9 (tabelas já apresentadas).
184
- a Matriz Inferior tem tantas linhas quantos são os eventos futuros menos um (o da
Matriz Superior); e tem duas colunas: na primeira, constam os títulos desses eventos; a
seguinte, denominada probabilidades condicionadas, estará em branco e deverá ser preenchida
pelo perito, utilizando uma escala de 1% a 99% (não mais de 0% - Evento não ocorre - a
100% - Evento ocorre, configurando, respectivamente, a possibilidade de Eventos excludentes
ou totalmente dependentes um do outro), para registrar suas opiniões quanto às novas
probabilidades (condicionadas) do evento da Matriz Superior, supondo-se que ocorresse, um
de cada vez, e independentemente uns dos outros, os demais eventos.
Cabe esclarecer que as probabilidades condicionadas 0% e 100% foram excluídas da
escala da Matriz Inferior porque a utilização desses valores fará com que as ocorrências de
alguns cenários se tornem impossíveis.
A seguir, o Perito repetirá esse procedimento, na página 2, para o segundo Evento, e
assim por diante, até preencher todas as páginas de seu conjunto de Mapas.
A Figura abaixo apresenta um Modelo de Mapa de Opinião (1ª Consulta – Tipo de
Cálculo “Probabilidades”- “Odds”).
Fig. 39: Mapa de Opinião (1ª Consulta – Tipo de Cálculo “Probabilidades”- “Odds”)
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
185
Uma vez computados os primeiros dados coletados, o software gerará um segundo
conjunto de Mapas, que conterão, para cada Perito, tanto nas matrizes superiores quanto nas
inferiores: os valores por ele indicado na 1ª consulta; os valores médios; e lacunas para que o
Perito, se assim o desejar, altere suas opiniões.
Esse procedimento visa a obter uma convergência de opiniões dos Peritos, aos quais
esses novos conjuntos de Mapas serão encaminhados, para que os preencham e restituam, de
forma a que suas novas respostas (se houver) sejam processadas com o auxílio do software.
Observe-se que, agora, não haverá necessidade de preencher todo o Mapa, mas apenas as
lacunas correspondentes a valores que os peritos decidam alterar.
Fig. 40: Mapa de Opinião (2ª Consulta – Convergência de Opiniões - Tipo de Cálculo de
“Probabilidades”- “Odds”)
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
186
4.2.3 Geração de cenários
De posse dos valores atribuídos por todos os Peritos cadastrados, os integrantes do
Grupo de Controle devem introduzi-los no software Puma, que, integrando os valores dos
impactos, gerará uma Matriz de Impactos Cruzados.
Essa Matriz será diferente para cada um dos tipos de Cálculo - “Impactos” (“Correção
Quadrática”) ou “Probabilidades” (“Odds”) -, uma vez que as perguntas formuladas aos
Peritos são diferentes, e assim serão suas percepções e respostas: no primeiro, solicitam-se,
efetivamente, valores de “Impactos”; no segundo, pedem-se Probabilidades Condicionadas.
O software gerará um Mapa de Cenários Prospectivos, ordenando-os por
probabilidade. Um Cenário é constituído de uma combinação de ocorrências ou não-
ocorrências de Eventos.
Por exemplo: para 2 Eventos, teríamos 2
2
= 4 Cenários:
Evento A Evento B
01 Ocorre Ocorre
02 Ocorre Não ocorre
03 Não ocorre Ocorre
Cenário
04 Não ocorre Não ocorre
Fig. 41: Cenários para dois eventos
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
A Matriz de Impactos Cruzados permite também que se calculem os graus de
motricidade e dependência de cada um dos Eventos. Isso é feito pela soma modular dos
valores dos impactos constantes da matriz.
A soma “vertical” define a motricidade, e a “horizontal”, a dependência de cada
Evento. Esses dois conceitos dizem respeito às capacidades de cada Evento estar associado
aos demais. Em outras palavras, quanto maior for o grau de motricidade de um Evento, mais
187
ele influenciará as probabilidades de ocorrência ou não dos demais; e quanto maior o seu grau
de dependência, mais a sua probabilidade de ocorrência será influenciada pelos demais.
Fig. 42: Matriz de Impactos Cruzados - Tipo de Cálculo “Impactos” –“Correção Quadrática”
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
Fig. 43: Matriz de Impactos Cruzados - Tipo de Cálculo “Probabilidades” – “Odds”
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
188
Observa-se que, no Tipo de Cálculo “Impactos”, a Matriz mostra, efetivamente, os
valores de impactos, enquanto que, no Tipo de Cálculo “Probabilidades”, são apresentadas as
Probabilidades Condicionadas; todavia, neste segundo tipo, o software calcula, efetivamente,
os impactos associados a essas Probabilidades, e apresenta-os nos campos relativos à
Motricidade e Dependência, à semelhança do que ocorre no Tipo de Cálculo “Impactos”.
4.2.4 Interpretação de cenários
Esta é a parte mais interessante do método. Trata-se do momento em que os analistas
do Grupo de Controle podem deixar aflorar toda a sua capacidade de análise. Dispondo de um
Mapa de Cenários Prospectivos listados em ordem de probabilidade de ocorrência (segundo a
opinião dos Peritos), os analistas do Grupo de Controle podem interpretá-los de várias
maneiras.
Diferentemente dos Eventos, em que as probabilidades de ocorrência (p. ex. – 70%)
têm por complementos as “probabilidades de não-ocorrência” (neste exemplo, 30%), os
Cenários constituem uma partição do espaço amostral (Hayter - 1995): os Cenários
Prospectivos formam um conjunto mutuamente exclusivo, e a soma das probabilidades de
ocorrência é igual a “1”, ou seja, o próprio espaço amostral.
A caracterização dos Cenários Prospectivos com partição garante que a ocorrência de
um determinado Cenário impede a ocorrência de qualquer outro, e que a não ocorrência de
um Cenário implica a ocorrência de um outro. Um Cenário com 10 Eventos e com
probabilidade de ocorrência de 50% é altamente provável, pois os 50% restantes deverão ser
distribuídos por todos os outros do conjunto, e estes não poderão ocorrer ao mesmo tempo.
Uma primeira sugestão é que os analistas separem três Cenários: o Mais Provável, o
de Tendência e o Ideal. Vale lembrar que o número de três Cenários deve ser visto apenas
189
como uma sugestão. Convém interpretar quaisquer outros Cenários que descrevam conjuntos
de acontecimentos (a ocorrência ou não de determinado Evento) extremamente importantes
do ponto de vista do Decisor Estratégico, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis
98
.
Cenário Mais Provável
Trata-se da descrição da evolução da cena que compõe a conjuntura atual até a
conformação de uma outra cena, hipotética, ao final do horizonte temporal definido para o
trabalho, a qual, segundo os Peritos ("experts") convidados, é, de acordo com as condições
atuais, a de maior probabilidade de ocorrência naquele horizonte temporal.
Não se trata de uma "previsão", mas, sim, do "futuro mais provável", num conjunto de
vários "futuros possíveis". Cabe ressaltar que, na dependência das ações adotadas hoje pelos
atores envolvidos, essa probabilidade poderá ser alterada, em benefício ou não da organização
pública ou empresa privada.
O Cenário Mais Provável é aquele que o software coloca no topo da relação de
cenários possíveis. Vislumbrando a ocorrência e a não-ocorrência dos Eventos que o
compõem, os analistas do Grupo de Controle fazem uma descrição que se inicia com a
situação atual de todos os Fatos Portadores de Futuro que deram origem aos Eventos
definitivos selecionados, e termina no horizonte de tempo previsto para o estudo, com a
conformação do Cenário mais provável.
A capacidade criativa do Grupo de Controle, citada por Gaston Berger, é que
determinará a qualidade da descrição da evolução dos acontecimentos. Os analistas efetuam
um encadeamento lógico de acontecimentos, sempre com base nos estudos e pesquisas que
realizaram, para dar forma a uma “estória” ou “caminho” que chegará, no final do horizonte
temporal estabelecido, ao Cenário com maior probabilidade de ocorrer.
98
A Escola de Guerra Naval, por se dedicar ao estudo da defesa considera a pior hipótese (worst-case scenario),
o qual pode ser denominado de cenário pessimista, contendo apenas os acontecimentos desfavoráveis à
organização.
190
Cenário Ideal
É aquele em que ocorrem os Eventos favoráveis e não ocorrem os desfavoráveis.
Trata-se da descrição da evolução da cena que compõe a conjuntura atual até a conformação
de uma outra cena, hipotética, ao final do horizonte temporal definido para o trabalho, a qual,
segundo o titular da organização (Decisor Estratégico), é a que melhor convém à sua missão.
É definido pelo Decisor Estratégico.
Cenário de Tendência
É o que provavelmente ocorrerá se não forem observadas rupturas de tendência, isto é,
se o curso dos acontecimentos se mantiver como no momento presente. Trata-se da descrição
da evolução da cena que compõe a conjuntura atual até a conformação de uma outra cena,
hipotética, ao final do horizonte temporal definido para o estudo. A descrição feita pelo Grupo
de Controle, é, de acordo com as condições atuais, aquela que representa uma projeção, para
aquele momento, da maneira como os acontecimentos em estudo vinham evoluindo, até a data
de realização do trabalho, admitindo-se que continuem a evoluir de maneira assemelhada.
Pode ser considerado como o cenário que a previsão clássica busca “predizer”. É definido
pelo Grupo de Controle.
4.2.5 Redação dos Cenários
Os três Cenários mencionados devem ser descritos pelos analistas do Grupo de
Controle. Para a descrição, o redator pode se posicionar no futuro (Horizonte Temporal) e
enumerar encadeadamente os Eventos que compõem o Cenário, como se efetivamente
houvessem ocorrido (ou não, conforme o caso), a partir do ano atual. É interessante iniciar a
redação com a frase “Estamos em dd/mm/aaaa...” (limite do Horizonte Temporal definido
para o trabalho).
191
Separar os Acontecimentos
Acontecimento é a ocorrência ou não de um Evento, como indicado em cada cenário
gerado pelo software Puma. São separados em desfavoráveis (Ameaças) e favoráveis
(Oportunidades), podendo ambas as categorias estar fora e dentro da competência da
organização pública ou empresa privada.
Organizar os Acontecimentos em um Roteiro (seqüência) de análise
Uma parte dessa organização é realizada automaticamente pelo software, e outra pelo
Grupo de Controle. O software Puma comparará os três Cenários, observando os critérios
descritos a seguir e lançando os resultados numa tela denominada Interpretação de Cenários.
1. Igualdade / desigualdade dos Acontecimentos em cada um dos três Cenários, determinando se são
Favoráveis ou Desfavoráveis (para cada um deles) e a sua distribuição por Grupos: I -
Ameaças Fortes; II – Ameaças Moderadas; III –Oportunidades Moderadas; e IV – Oportunidades
Fortes.
2. Pertinência dos Eventos;
3. Grau de motricidade de cada Evento; e
4. Probabilidade Impactada.
Fig. 44: Interpretação de cenários
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
Caberá ao Grupo de Controle preencher as colunas da citada tela relativas aos
Cenários Ideal e de Tendência, à capacidade da organização pública ou empresa privada em
atuar sobre o Acontecimento (“Fora” ou “Dentro” da esfera de competência da mesma), e, ao
final, o Roteiro (seqüência) de análise.
192
É importante ter em mente que essa avaliação é sempre subjetiva, não devendo pautar-
se apenas por critérios matemáticos, mas por uma análise ponderada, realizada em conjunto
por todos os integrantes do Grupo de Controle, e submetida à apreciação do Decisor
Estratégico.
1. Igualdade / desigualdade dos acontecimentos em cada um dos três Cenários.
Na tela mencionada, o software Puma utilizará as abreviaturas “O” e “N”, para
indicar, respectivamente, se os Eventos “Ocorrem” ou “Não Ocorrem” em cada um dos
Cenários.
Observe-se que as combinações “Ocorre / Não Ocorre” entre os Cenários podem ser
subdivididas em quatro Grupos:
Fig. 45: Igualdade / Desigualdade dos Acontecimentos em cada Cenário
Fonte: (GRUMBACH, 1997).
Grupo I (Ameaça forte): o Acontecimento indicado pelo Cenário Mais Provável é
diferente do apontado no Ideal e iguala-se ao visualizado no de Tendência. Se o Cenário Ideal
indica os Acontecimentos desejáveis, ou seja, favoráveis à organização pública ou empresa
privada, aqueles que, no Mais Provável, apontarem na direção oposta, deverão ser
considerados como desfavoráveis. E esse grau desfavorável será ainda maior quando a
indicação do Cenário de Tendência igualar-se à do Mais Provável.
193
Grupo II (Ameaça moderada): o Acontecimento indicado pelo Cenário Mais Provável
é diferente do apontado no Ideal e também do visualizado no de Tendência. Aqui persiste o
aspecto desfavorável, embora um pouco atenuada pelo fato de o Grupo de Controle ter
visualizado uma tendência "boa", para que o Acontecimento se iguale ao Ideal, embora sem
desconsiderar a possibilidade de que venham a ocorrer rupturas de tendência "más".
Grupo III (Oportunidade moderada): o Acontecimento indicado pelo Cenário Mais
Provável é igual ao apontado no Ideal, mas diferente do visualizado no de Tendência.
Empregando raciocínio inverso ao descrito no Grupo I, há que se considerar esses
Acontecimentos como favoráveis, mantendo-se em mente, entretanto, que o Grupo de
Controle identificou uma tendência "má", no sentido oposto - embora também possam ocorrer
rupturas de tendência, que, neste caso, seriam "boas".
Grupo IV (Oportunidade forte): o Acontecimento indicado pelo Cenário Mais
Provável é igual aos apontados no Ideal e no de Tendência.
Em todos os quatro casos, o Grupo de Controle ficará atento às possibilidades abaixo
indicadas, que podem provocar distorções na interpretação dos Cenários:
- Peritos ou Grupo de Controle escolhidos de maneira inadequada, com tendência à
polarização;
- Quesitos mal formulados pelo Grupo de Controle;
- Peritos disporem de informações privilegiadas, que influenciem suas opiniões
finais, mas não sejam reveladas;
- Estudo do Grupo de Controle ter sido insuficiente ou mal orientado, influenciando a
construção do Cenário de Tendência;
- Visão irrealista do Decisor, ao formular o Cenário Ideal; e
- Erros de digitação.
Pertinências dos Eventos
194
Já abordamos o conceito de Pertinência - importância relativa de cada Evento para a
missão atribuída pelo Decisor Estratégico - e de que forma ela pode influenciar a seleção dos
Eventos definitivos. O software integra as opiniões dos Peritos e calcula a pertinência média
de cada Evento, dado essencial ao passo de “Seleção dos Eventos”. Esses valores voltam a ser
apresentados na tela de Interpretação de Cenários, introduzidos automaticamente pelo
software.
Grau de motricidade de cada Evento.
A Matriz Mediana, ou de Impactos Cruzados, como mencionado antes, permite que se
calculem os graus de motricidade e dependência de cada um dos eventos. O software inserirá
automaticamente, na tela de Interpretação dos Cenários, os valores correspondentes aos graus
de motricidade de cada Evento.
Capacidade da organização pública ou empresa privada em atuar sobre o
Acontecimento (“Fora” ou “Dentro” da esfera de competência da mesma).
Competirá ao Grupo de Controle analisar, para cada Acontecimento, a capacidade da
organização pública ou empresa privada em atuar sobre ele, e registrar sua conclusão na tela
Interpretação de Cenários, na coluna “Fora / Dentro”, digitando as letras F ou D, conforme a
organização seja, respectivamente, incapaz ou capaz de fazê-lo.
Probabilidade Impactada.
A expressão Probabilidade Impactada traduz a “probabilidade total” de ocorrência de
um Evento, obtida pela técnica de Simulação Monte Carlo, que leva em conta sua
Probabilidade isolada e os impactos, sobre ele, das ocorrências dos demais Eventos. Em
outras palavras, é a probabilidade de ocorrência do Evento considerado, independentemente
do Cenário focado, ou seja, é a soma das probabilidades de ocorrência de todos os Cenários
em que aquele Evento ocorre.
195
Roteiro (seqüência) de análise dos Acontecimentos
Os cinco parâmetros alinhados anteriormente - Igualdade / desigualdade dos
Acontecimentos em cada um dos três Cenários; Pertinências dos Eventos; Grau de
motricidade de cada Evento; Capacidade da organização pública ou empresa privada em atuar
sobre o Acontecimento (“Fora” ou “Dentro” da esfera de competência da mesma); e a
Probabilidade Impactada, todos exibidos na tela Interpretação de Cenários, constituirão um
ponto de partida para que o Grupo de Controle preencha a coluna Roteiro (seqüência
cronológica de 1 a 10) de análise dos Acontecimentos, para, a seguir, identificar suas
Conseqüências, levantar Medidas e Avaliar estas últimas.
4.3 MÉTODO GLOBAL BUSINESS NETWORK OU DE PETER SCHWARTZ
Fig. 46: Explicitação do método
Fonte: adaptado da GBN
4.3.1 Etapa um: identificar a questão ou decisão principal
A primeira e boa idéia é começar de dentro para fora (do sistema para o ambiente),
isto é, começar com uma questão específica para depois expandi-la para o ambiente. Logo, é
196
necessário mapear as decisões importantes da organização sob estudo que precisam ser
tomadas. Para se identificar o Foco Estratégico recorre-se à investigação ou à realização de
entrevistas com os clientes, pessoas da organização e pessoas fora da organização.
Por meio de entrevistas, é possível aprofundar os conhecimentos sobre o negócio
principal
99
do cliente, o seu mapa mental e as questões chave que o preocupam. Começa-se,
assim, a compreender e a definir a natureza do problema, bem como as conseqüências no
longo prazo.
Após a realização das entrevistas, procede-se à identificação do foco estratégico. Para
decidir qual o foco estratégico, a equipe de “cenaristas” reúne-se para rever e discutir as
várias entrevistas que foram realizadas.
Fig. 47: Valor do foco estratégico
Fonte: GBN
Tomando como exemplo a Marinha do Brasil, torna-se necessário realizar algumas
reflexões. O negócio de qualquer Marinha no mundo é contribuir para a defesa nacional,
atuando prioritariamente no mar e nas calhas dos principais rios.
No caso da Marinha do Brasil, sua missão é: “Preparar e empregar o Poder Naval, a
fim de contribuir para a defesa da Pátria. Estar pronta para atuar na garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem; atuar em ações sob a
égide de organismos internacionais e em apoio à política externa do país; e cumprir as
99
“Core Business”, em inglês.
197
atribuições subsidiárias previstas em lei, com ênfase naquelas relacionadas à Autoridade
Marítima, a fim de contribuir para a salvaguarda dos interesses nacionais” (BRASIL, 2007).
No exercício das conjecturas, atendo-se somente à defesa externa, pode-se assumir que
a defesa marítima estará correlacionada ao dimensionamento e distribuição de suas forças
(navais, aeronavais e de fuzileiros navais) ao largo do litoral, nas principais calhas fluviais e
bases em ilhas oceânicas, capazes de serem articuladas em torno de capacidades de defesa e
proteção dos objetivos navais de defesa, dentro do seu espaço de atuação estratégica.
Os cenários a serem criados devem responder a incertezas atinentes aos possíveis
conflitos e ameaças do futuro. Logo, listam-se as seguintes perguntas oriundas do
“brainstorming”:
o Como evoluirá o panorama político global, regional e local?
o Quais os tipos de ameaças que podem emergir e que interesses estarão em jogo?
o Que recursos podem se tornar escassos e serem objetos de controvérsias?
o Que tecnologias atualmente em pesquisa e desenvolvimento terão aplicação militar
nos sistemas de armas, de comando e controle e de observação, reconhecimento e
vigilância nas próximas duas décadas?
o Qual papel o Brasil terá no sistema internacional até 2030? Será um ator global,
um ator regional e/ou um comerciante global?
o A América do Sul será mais homogênea ou heterogênea?
o O Mercosul constituirá um bloco sólido e em condições de competir com os
demais blocos mundiais?
o Que interesses nacionais estão em jogo no mar?
o Petróleo, gás, minerais, camarão, lagostas serão realmente apropriados pelo país
em benefício do povo brasileiro?
198
o A água tenderá a ser um recurso escasso e poderá motivar ambições de outros
países? As ilhas oceânicas brasileiras podem ser apropriadas por outros países?
o Caso o Brasil venha a se tornar um grande produtor de petróleo que pressões pode
sofrer caso não possua respaldo de um poder naval forte?
o Qual (is) o(s) atributo(s) que definem um poder naval forte: quantidade, qualidade
ou ambos?
o Quantas esquadras o Brasil necessita?
o Onde estariam baseadas?
o Os recursos nacionais permitem investimentos contínuos em defesa nos próximos
vinte anos?
o Que força merecerá mais recursos?
o Qual o papel da tecnologia na transformação das forças navais no futuro?
o Quais Marinhas estão realizando investimentos em novas capacidades e em que
áreas eles se concentram?
o A utilidade relativa das forças navais irá aumentar em função do aumento da
importância do mar na economia dos Estados?
o Como evoluirá a economia nacional nos próximos vinte anos?
Todas essas perguntas levam à identificação de uma possível grande questão ou
decisão principal: Que Marinha devem ter os brasileiros no ano de 2030 para garantir a
soberania e integridade territorial do país e defender seus interesses? Esta pergunta tende a ser
a principal nos planejamentos estratégicos militares dos países desenvolvidos e diz respeito ao
planejamento de forças para o futuro
100
.
Para ter boas decisões é necessário que se façam boas perguntas. Logo, a primeira
etapa do processo de cenário é torná-las conscientes.
100
Diz respeito à configuração, o dimensionamento e a distribuição das forças no futuro, cujas decisões devem
ser tomadas no presente em função dos elementos de mudança visualizados. “Force Planning” em inglês.
199
Todos têm um pouco do lado otimista, do lado pessimista e um pouco da mentalidade
do “status quo” (o amanhã será mais ou menos como hoje). Ao tomar decisões, há
necessidade de questionamento constante de modo que as principais questões aflorem e sejam
articuladas as armadilhas, as rupturas e as mudanças no ambiente. Uma organização deve
estar atenta para todas as perspectivas; todos dentro dela podem e devem expressar seus
modelos mentais, pois como decorrência surgirão as perguntas certas.
É importante frisar que o ser humano reage não ao mundo, mas a sua imagem de
mundo. Esse padrão mental inclui atitudes com relação à qualquer situação na vida. Em
muitos casos, a mentalidade foi formada, lentamente desde a infância e não tem muito a ver
com a realidade. Padrões mentais são tão poderosos que podem realmente influenciar as
pessoas a ignorar a realidade. O ambiente de abertura intelectual permite o questionamento
sério e profissional e alarga os modelos mentais das pessoas da organização e transforma a
cultura organizacional.
Para assegura o sucesso do esforço é necessário entender claramente a relação entre os
interesses da organização e o amplo mundo ao seu redor. Para conseguir isso, ajuda muito ter
à mão informações ricas, diversificadas e deflagradoras de reflexão.
4.3.2 Etapa dois: principais forças no ambiente local
Se a identificação da questão principal é a primeira etapa, então a listagem dos
principais fatores que influenciam o sucesso ou o fracasso daquela decisão é a segunda etapa.
O que os tomadores de decisão vão querer saber quando tiverem que escolher? O que será
visto como um sucesso ou fracasso? Quais são as considerações que irão configurar aqueles
resultados (SCHWARTZ, 1991, p. 212).
200
É interessante perceber que esta etapa está ligada ao micro-enquadramento, pois o
autor se refere aos fatores internos intrínsecos à organização e ao ambiente mais próximo.
No ambiente das indústrias, os fatores tendem a ser as cinco forças competitivas
relacionadas por Porter
101
. Pode-se inferir que os fatores são todos aqueles ligados
diretamente à questão principal e que a afetam em uma relação causa-efeito de primeira
ordem. Esses fatores podem ser agrupados na forma de “cluster” (setor onde a organização
está inserida).
Dando continuidade ao exemplo já citado, a Marinha do Brasil, os fatores seriam
aqueles que dizem respeito aos seguintes tópicos: material, pessoal, organização, recursos
financeiros, processos e protocolos operacionais. A conclusão deve ser pautada em termos de
fatores de força e fraqueza, como recomendado pela matriz SWOT para o ambiente interno.
A técnica utilizada para enumeração dos fatores principais é o “brainstorming”.
4.3.3 Etapa três: Identificação das forças motrizes
Após os fatores principais serem listados, a terceira etapa é a listagem das tendências
motrizes no ambiente macro, que influenciam os fatores principais identificados
anteriormente, procurando estabelecer um mapa de inter-relações entre elas.
De modo a sistematizar a presente etapa, sugere-se a adoção das seguintes medidas:
- Proceder a um exame de forças políticas, econômicas, sociais, tecnológicas,
ambientais e militares (PESTAM), procurando identificar quais dessas forças do macro-
enquadramento ”escondem-se” por detrás dos “Fatores Principais” do micro-enquadramento;
- Separar nessas forças do macro-enquadramento, as que maior relação têm com o
objeto de análise. Aquelas que, pelas suas características e pelo horizonte temporal escolhido,
101
Modelo das “Cinco Forças Competitivas”: Concorrentes na Indústria, Competidores Potenciais, Potenciais
Substitutos, Fornecedores, Compradores.
201
são consideradas como “pré-determinadas”, diferentemente das que são “altamente incertas”
na sua evolução;
- Procurar listar, assim, as principais tendências e as potenciais rupturas de tendência
identificando as “Incertezas Críticas” do macro-enquadramento, relevantes para o objeto de
análise, que constituirão as “Forças Motrizes” da “cenarização”;
- Elaborar, a estrutura de articulações e implicações mútuas entre estas Forças
Motrizes, e entre elas e os fatores principais.
Esta etapa é caracterizada por ampla e intensa pesquisa.
Fig. 48: Identificando as forças motrizes
Fonte: GBN
4.3.4 Etapa quatro: Classificar as forças motrizes por ordem de importância e incerteza
Proceder à hierarquização, das “Forças Motrizes” na base de dois critérios:
- em primeiro lugar o grau de importância para o êxito da decisão ou o
esclarecimento da questão principal definida na etapa um; e
- em segundo lugar o grau de incerteza associado a elas.
202
Hierarquizar, de acordo com esses critérios as “Forças Motrizes” uma vez que os
Elementos Pré-determinados não permitem diferenciar Cenários (pois são os mesmos em
todos eles);
Fig. 49: Incertezas Críticas
Fonte: Construir cenários (MENDES, 2003)
Determinar as duas ou três Incertezas
102
mais importantes e relativamente
independentes que passarão a constituir os Eixos de Contraste em torno das quais se vão
elaborar os Cenários, que, assim, baseiam-se sobre questões determinantes para a solução
satisfatória à tomada de decisão, estratégia ou questão principal identificados na primeira
etapa.
102
A idéia é focar as principais forças motrizes incertas que vão influenciar as demais. Com isso, reduz-se a
complexidade e estrutura-se a incerteza. Além disso, a representação gráfica só admite até três eixos. Dessa
forma, a forma geométrica implica na circunscrição de todo espaço amostral, ao considerar os extremos de cada
incerteza considerada.
203
Fig. 50: Matrizes
Fonte: Construir cenários (MENDES, 2003)
4.3.5 Etapa cinco: selecionar a lógica dos cenários
Os resultados do exercício de hierarquização são, com efeito, os eixos ao longo dos
quais os cenários irão diferir. Determinar esses eixos é uma das etapas mais importantes em
todo o processo de criação de cenários. A meta é terminar apenas com alguns cenários, cujas
diferenças sejam significativas para os tomadores de decisões.
204
Uma vez definidos os Eixos de Contraste estes determinam ou um espectro (em torno
de um só eixo) ou uma matriz (em torno de dois eixos ) ou um volume (em torno de três
eixos), nos quais vários cenários podem ser identificados e posteriormente detalhados.
As diferenças fundamentais em torno das quais se estruturam os eixos de contraste
sãor em número reduzido para evitar a proliferação de cenários em torno de cada Incerteza
Crítica identificada na etapa anterior.
A “Trama de base” de um Cenário é caracterizada a partir do seu posicionamento em
face dos Eixos de Contraste, que constituem os “Motores do Cenário” mais significativos. O
Cenário pode ser melhorado, para além da sua “Trama de base”, entrando em consideração
com outras Incertezas essenciais, que a enriqueçam.
A Lógica de um Cenário é o fio condutor que permite dar a coerência e dinâmica à
trama de base (podendo em alguns casos, ser até mais importante que essa trama). De acordo
com Schwartz (2003), as lógicas dos cenários são as seguintes:
-
vencedores e perdedores – inicia-se com a percepção que o mundo é essencialmente
limitado, os recursos são escassos e se um ganha o outro perde (jogo de soma zero). Como
enredo, aparece mais em política. Em uma lógica de vencedores e perdedores, o conflito é
inevitável e com freqüência as partes acabam por optar por uma lógica de “equilíbrio de
poder”, que pode levar gradualmente ao acúmulo de tensões; este tipo de lógica favorece um
contexto de alianças entre atores;
-
desafio e resposta – esta lógica supõe a permanência de desequilíbrios entre atores,
desencadeando sucessivos desafios e respostas, que podem levar o sistema à beira do abismo,
mas não acabando por destruí-lo. Ela admite maior elasticidade quanto a limites, uma vez que
do desafio e da resposta pode resultar uma expansão permanente da “fronteira”; em vez de
escolhas dicotômicas, como no caso anterior, esta Lógica tende a gerar uma ultrapassagem de
dicotomias iniciais e, eventualmente, a gerar outras;
205
- dinâmica da evolução - esta lógica, muito comum, pressupõe mudanças graduais
numa direção única ou declínio ou expansão; esta dinâmica de gradualismo, tornando difícil
a percepção do fenômeno, dificulta uma dinâmica de “desafio e resposta”; a evolução
tecnológica e o domínio sobre tecnologias chave pode ser um dos exemplos de acumulação
gradual de potencial econômico em um ator e de perda em outros, no contexto da expansão
permanente da “fronteira tecnológica “do sistema”;
-
ruptura ou revolução - esta lógica é marcada, ao contrário da anterior, por mudanças
rápidas e dramáticas, geralmente difíceis de prever, desde uma revolução política, à formação
de um cartel como a OPEP ou à desintegração da URSS. Peter Drucker chama a essas
mudanças de descontinuidades e dá como exemplos um terremoto, a queda de um presidente;
-
comportamento cíclico esta lógica é marcada por alternâncias de declínio e
expansão, de renovação e decadência (podendo estar ou não tal alternância colocada numa
direção ascendente); os ciclos oscilam, por vezes, independentemente dos esforços para os
controlar.;
-
Possibilidades “Infinitas” esta lógica aponta para uma dinâmica de expansão
continuada e longa, com possibilidades de melhoramentos infinitos; segundo esta lógica,
muitos acontecimentos que, em outros casos dificilmente seriam apresentados como podendo
ocorrer, aqui ganham uma presença explícita; em certo sentido é o oposto da lógica de
“Ganhadores e Perdedores”;
-
cavaleiro solitário - esta lógica é impulsionada pelo confronto indivíduo versus um
sistema, no qual os princípios ordenadores da política, comércio e tecnologia não conseguem
atingir a individualidade básica nas almas das pessoas. Solitário, o Zorro entra sozinho na
cidade para enfrentar um sistema corrupto; e
-
minha geração – se ordena pela lógica da influência da cultura nos valores das
pessoas.
206
As três primeiras dinâmicas são as principais e mais freqüentes. As demais são menos
freqüentes. O desafio está em identificar o enredo que melhor captura a dinâmica da situação
e comunicar a questão de forma mais eficiente.
4.3.6 Etapa seis: detalhando os cenários
Embora as forças mais importantes definam a lógica que distingue os cenários, o
detalhamento dos esboços de cenários pode ser realizado voltando-se à lista de fatores e
tendências principais das etapas dois e três.
Cada fator e tendência principal deve receber atenção em cada cenário, encaixando-as
como sub-tramas do enredo principal, valendo-se do teste de coerência e plausibilidade. Se
dois cenários diferenciam-se em políticas protecionistas e não-protecionistas, faz mais sentido
colocar uma taxa de inflação mais alta em um cenário protecionista. Estas ligações e
implicações mútuas é que os cenários devem revelar, associando as incertezas em um mesmo
envelope.
4.3.7 Etapa sete: implicações e ações
Após a construção dos cenários, volta-se à questão ou decisão principal identificada na
etapa um para ensaiar o futuro.
É muito importante procurar compreender as implicações. As
implicações são avaliações intelectuais – não são ações – sobre o que o cenário pode
significar para uma organização.
Para se analisar as implicações realiza-se um “brainstorming” sobre implicações para
cada um dos cenários. Tendo nas mãos um conjunto de cenários alternativos, os quais são as
respostas estratégicas possíveis.
207
Neste processo de desenvolvimento de opções, deve-se olhar para as suas implicações
e questionar: O que é que se pode fazer? O que é que se deve fazer? Faz-se novamente um
“brainstorming” sobre as opções/ações – a nível estratégico – para cada um dos cenários.
4.3.8 Etapa oito: seleção de indicadores e sinalizadores principais (monitoramento)
De modo a tomar as melhores decisões à medida que a conjuntura evolui ou muda, é
necessário estabelecer indicadores para os cenários. Uma vez que os cenários estejam
detalhados e suas implicações para a questão principal determinadas, é necessário identificar
alguns indicadores para monitorar o ambiente de forma contínua. A rápida detecção dos
indicadores permite visualizar qual dos cenários está se desdobrando no curso da história e a
adotar as ações estratégicas decorrentes que permitirão á organização, o estabelecimento de
uma vantagem competitiva sobre os demais competidores.
Para identificar os indicadores deve-se ter atenção às tendências e aos pequenos sinais
de grandes transformações. Assim, devem ser consideradas hipóteses, lógicas, grandes
transformações, mudanças, ou momentos de alteração de rumo em cada um dos cenários. Os
indicadores irão surgir a partir do conjunto das implicações formuladas na etapa sete.
Em relação às decisões que apenas fazem sentido em um ou dois cenários, deve-se ter
a maior atenção, pois os ruídos e sinais ali percebidos são aqueles que, apesar da baixa
probabilidade, podem ter um impacto grande e significar descontinuidades e rupturas no
futuro. Para o contexto dessas decisões, procuram-se os sinalizadores (“Early Warning
Signals”) que nos indicam que esses cenários estão começando a tornar reais. Por vezes, os
indicadores líderes podem ser óbvios, mas na maior parte das vezes são sutis. Pode ser uma
transformação social gradual ou um colapso técnico. Logo, é importante monitorar estes
sinais críticos com atenção. Estes sinais podem ser apreendidos meio de formas diversas. O
208
mais importante é ter-se uma equipe de inteligência monitorando continuamente o ambiente e,
em condições de, prover um alerta oportuno.
Esta etapa é denominada de inteligência competitiva ou corporativa, sendo vital dentro
de todo o processo e, usualmente, desprezada ou descartada na prática pelo desconhecimento
de sua importância.
4.4 COMPARAÇÃO ENTRE OS MÉTODOS
O ponto comum e singular pertencente a todos os métodos é a propriedade de
agregarem às informações, as diferentes visões de mundo (futuros alternativos), o que as
transforma em inteligência (sabedoria). A percepção de futuros distintos em função do quadro
temporal é o fator que diferencia o planejamento baseado na construção de cenários do
planejamento tradicional. O planejamento por cenários é sempre de longo prazo e traz o
futuro e a incerteza nele contida para o tempo presente, contribuindo para a expansão e a
qualidade da base de conhecimentos. O planejamento tradicional tende a ser linear, pois
extrapola as tendências do presente para o futuro.
Os métodos, embora distintos, possuem outro ponto comum: lidam com a incerteza
manifestada no ambiente na forma de mudanças e tentam explicar e esclarecer a situação.
Nesta busca, o mais importante é que todos concorrem para detectar as continuidades e
descontinuidades do ambiente e, assim, permitir unificar as visões quanto ao futuro e uma
melhor tomada de decisão. A antecipação é fundamental para a ação, como assinalado abaixo:
A atitude prospectiva significa olhar longe, preocupar-se com o longo
prazo; olhar amplamente, tomando cuidado com as interações; olhar a fundo
até encontrar os fatores e tendências que são realmente importantes;
arriscar, porque as visões de horizontes distantes podem fazer mudar nossos
planos de longo prazo; e levar em conta o gênero humano, grande agente
capaz de modificar o futuro (BERGER apud GODET, 1996).
209
Finalmente, pode ser dito que os métodos apresentados possuem as seguintes
características comuns:
- lidam com o futuro e a incerteza de forma organizada a partir de múltiplas
ferramentas;
- estruturam e interrelacionam os diferentes elementos relevantes na análise;
- apresentam consistência, quando buscam e justificam a coerência de combinações
entre os distintos elementos;
- não confundem criatividade e imaginação com fantasia; e
- respondem as necessidades específicas da tomada de decisão.
De modo a permitir uma comparação mais simples entre os métodos apresentados,
recorreu-se à forma iconográfica, pois uma imagem tem o poder de síntese e não é limitada
pela lingüística.
Fig. 51: Método GODET por diagrama de barras
Fonte: Construção do autor.
210
Fig. 52: Método GRUMBACH por diagrama de barras
Fonte: Construção do autor.
Fig. 53: Método GBN por diagrama de barras
Fonte: Construção do autor.
Das imagens dos distintos métodos é possível inferir as seguintes semelhanças entre
eles:
- Usam as ferramentas disponíveis da causalidade, analogia, criatividade e a
probabilidade;
211
- Associam a intuição e a razão nos seus conteúdos finais. Arte e ciência se juntam
para instrumentalizar a tomada de decisão;
- Lidam com o espectro da incerteza dentro do paradigma “galilaico-newtoniano”
ainda vigente na atual conjuntura. A possível contribuição da teoria do “caos” precisa ser mais
explorada para contribuir de modo mais efetivo na construção de cenários. A única forma de
expressar um pouco do “caos” é por meio da utilização de “cenários-surpresa”, mas é uma
forma incipiente.
Entre as diferenças, enumeram-se as seguintes:
- A ordem e a intensidade dos princípios e ferramentas da apropriação da inteligência
variam nos distintos métodos;
- O método GODET é o mais científico porque possui uma característica modular e
permite uma melhor estruturação da reflexão coletiva (maiêutica e causalidade). Porém,
necessita de maior tempo de trabalho em sua utilização, requer considerável uso de recursos
humanos e ferramenta de informática para processamento;
- O método GRUMBACH associa, em partes iguais, a intuição e a razão. Também
exige tempo de trabalho considerável, mas em menor intensidade do que o método GODET.
O método é completamente informatizado e, por isso, tem sido utilizado em várias
instituições e empresas de âmbito nacional. Como possui uma vertente criativa forte, os
resultados vão depender, em grande parte, do que for gerado na entrada do processo pelo
grupo de “cenaristas”;
- O método GBN pode ser considerado o mais criativo. Mas também requer grande
amplitude e variabilidade de pensamento, exigindo muito trabalho e alocação de recursos
humanos para um bom resultado. Porém, para resultados medianos, é o método que pode ser
utilizado de forma mais rápida, porque independe de ferramentas de computação para
processamento, sendo a criatividade o seu “leitmotiv”.
212
4.5 COMUNICANDO CENÁRIOS
Quando tomadores de decisões começam a olhar o futuro, a negação age como uma
válvula de fechamento automático. As estórias podem ser uma maneira poderosa de evitar a
atuação do mecanismo de defesa da negação.
103
Na televisão, a suspensão voluntária da descrença é o que a novela provoca no
público. A audiência sabe que está vendo os atores em uma peça de ficção, porém reage como
se estivesse vendo o mundo real. De maneira semelhante, um bom cenário pede às pessoas
para suspenderem sua descrença na estória que é narrada, durante o tempo suficiente para
avaliarem seu impacto. Cenários lidam com dois mundos.
O mundo dos fatos e o mundo das percepções. Eles exploram os fatos, mas
almejam a percepção nas cabeças dos tomadores de decisões. Sua finalidade
é coletar e transformar informações de significância estratégica em
percepções novas. Esse processo de transformação não é trivial – muito
frequentemente ele não acontece. Quando ele funciona, é uma experiência
criativa, que provoca um Aha! Vindo do coração dos executivos e conduz a
insights estratégicos além do alcance anterior da mente. (WACK, 1985, p.
140)
Questões importantes sobre o futuro são geralmente por demais complexas ou
imprecisas para as linguagens convencionais dos negócios e da ciência. Em vez disso, usa-se
a linguagem de estórias e mitos. Estórias têm um impacto psicológico que os gráficos e
equações não têm. Estórias lidam com significado; ajudam a explicar porque as coisas
poderiam acontecer de certa maneira. Elas dão ordem e significado aos eventos – um aspecto
crucial na compreensão de possibilidades futuras. (SCHWARTZ, 1995, p.47-51)
Cenários não tratam da adivinhação do futuro, mas sim da percepção de futuros no
tempo presente. Cenários nada mais são do que estórias que buscam dar significado a
103
O mecanismo da negação se refere à necessidade de negar partes ameaçadoras ou desagradáveis da realidade
externa e interna.
213
acontecimentos ou eventos que intentam expressar as principais incertezas do futuro e como
descobrir formas de torná-las oportunidades ou de mitigar as ameaças.
4.6 DESENVOLVENDO OS ENREDOS
As estórias precisam ser provocativas, memorizáveis, atrativas e ricas em imagens. A
tarefa diante da equipe de cenários é encontrar uma maneira de desenvolver as mais
interessantes e iluminadoras estórias. Os planejadores de cenários devem se sentir à vontade
para engajar seus próprios talentos criativos na tarefa à medida que se sintam aptos. Interesse
e memorização derivam da originalidade, a qual deve ter livre reinado.
Alguns pontos devem ser considerados ao longo desta tarefa:
- o cenário é uma estória, uma narrativa que liga eventos históricos e presentes com
eventos hipotéticos que irão acontecer no futuro. Uma estória precisa ter um começo, meio e
fim. De modo a estabelecer plausibilidade, cada cenário deve ser claramente ancorado no
passado, com o futuro emergindo do passado e do presente, de maneira contínua;
- cada cenário deve representar uma totalidade, uma estrutura integrada que pode ser
apreciada mais como um todo integrado do que como partes desconectadas. A lógica básica
de cada cenário deve ser capaz de ser expressa em um simples diagrama de linha de enredo
104
.
As diferenças fundamentais entre os cenários devem ser igualmente transparentes;
- a consistência interna implica que cada estória seja baseada em um sistema estrutural
subjacente. Esta articulação é grandemente facilitada pelo uso de diagramas de influência,
como uma explicação da sucessão causal de eventos em cada cenário. Um diagrama de
influência claro do sistema subjacente envolvido pode ser útil na corporificação de uma linha
de enredo em um resultado internamente consistente;
104
Linha mestra da estória.
214
- elementos pré-determinados (invariantes) acordados necessitam ser refletidos em
todos os cenários; e
- as variáveis-chaves precisam ser quantificadas e os indicadores de futuro
enumerados.
A importância de contar uma estória não deve ser subestimada. As idas e vindas de um
enredo escrito é que permitem a uma pessoa observar o funcionamento e as inter-relações
estruturais das forças motrizes, bem como onde o entendimento é falho e onde uma maior
análise pode ser produtiva, levando a uma agenda de pesquisa relevante.
É aconselhável sumarizar os cenários em matrizes, nas quais os principais eventos são
mostrados contra uma linha do tempo do presente ao ano do fim do horizonte temporal
considerado. Os eventos podem ser conectados indicando como um evento leva a outro
(HEIJDEN, 2005, p. 257-258).
4.7 IDENTIFICANDO O SISTEMA SUBJACENTE
Cenários ganham muito em força se o sistema motriz subjacente for articulado.
Dispondo disso em suas mãos, a equipe de cenários terá condições de responder às questões
do tipo “por que isso acontece?”. Para cada cenário haverá um sistema motriz diferente. A
consistência interna dependerá em primeiro lugar de um sentimento intuitivo acerca do
sistema subjacente dirigente da estória. É aconselhável articulá-lo, de modo a tornar a
consistência tangível ao cenarista e à audiência.
O processo de articulação pode ser realizado em vários estágios. O nível mais simples
envolve a identificação das forças motrizes pela construção de diagrama de influência,
evidenciando como as forças exercem influencia sobre as demais. Como um segundo estágio
este diagrama pode ser traduzido em um diagrama de sistema conceitual, apresentando a
215
natureza dinâmica de cada variável. O outro passo é a quantificação. O propósito da
quantificação não pode ser simular a realidade, a qual é quase impossível nos sistemas sociais;
entretanto, a quantificação pode ajudar em uma melhor compreensão da essência do sistema,
ilustrando para uma audiência como o cenário acontece e pode ser considerado plausível.
Abaixo está listada uma série de passos que ajudam na consecução desta tarefa:
- Identificar a trama (fio da meada) de cada cenário;
- Enumerar sete variáveis mais importantes relacionadas à trama;
- Construir gráficos mostrando o comportamento dessas sete variáveis ao longo do
tempo. O eixo X é representado pelo “tempo” que se desdobra desde o passado histórico e se
estende até o horizonte considerado no cenário. O eixo “Y” representa o valor da variável
chave. Apenas indique qualitativamente se a variável irá subir e quando ela irá descer;
- Elaborar um diagrama de influência que explique o comportamento representado nos
gráficos. Correlacione as sete variáveis e acrescente outras, caso necessário. Por exemplo, um
aumento em uma variável em um dado momento pode ser explicado por um decréscimo de
outra algum tempo antes. Isto indica uma relação causal que é representada no diagrama por
uma seta;
- Se desejado, transforme o diagrama de influências em um modelo de sistema
dinâmico usando um software que torna este trabalho mais prático. Tente quantificar os
parâmetros. Não há maneira de fazer isso cientificamente, logo use a intuição. Em seguida,
simule o comportamento do cenário. Compare com os gráficos elaborados. Perceba as
diferenças. Explique o que se vê. Clarifique seu pensamento; e
- Narre de novo a estória do cenário com base no resultado, usando o modelo como
um referencial diretor. Encaixe os outros elementos na estória, consistente com o referencial.
Atualize o mapa da estória (eventos ligados por causalidade), documente o que foi feito.
216
Tanto o mapa da estória (gráfico esquemático mostrando como o evento ocorre ao
longo do tempo) e os diagramas de influências (variáveis influenciando umas as outras) são
representações completas do mundo do cenário, mas vistas sob diferentes pontos de vista
(tempo e estado). Contudo, o diagrama de influência representa o tipo de compreensão que o
cliente mais espera ganhar da situação por meio do projeto de cenário. É este tipo de
compreensão que o cliente do cenário considera como entrada para realizar uma análise de
implicações que leva a idéias sobre as ações futuras (HEIJDEN, 2005, P. 259-260).
4.8 CORRELAÇÃO CENÁRIOS E ESTRATÉGIA NAS INSTITUIÇÕES E
ORGANIZAÇÕES
Considerando a estratégia como um processo contínuo de três fases como exposto em
2.7.7, podem-se representar as duas primeiras fases como na figura abaixo:
Acontecimentos, eventos, fatos
O que parece estar ocorrendo?
O que realmente está
acontecendo?
O que poderia acontecer?
O que precisa ser feito?
O que será feito?
Fig. 51: O Processo Estratégico
Fonte: Criado pelo autor
217
O planejamento por cenários, ao utilizar o pensamento sistêmico e o pensamento
divergente, expande o conhecimento e alarga os modelos mentais, fazendo a instituição se
transformar, por meio da aprendizagem.
Na construção de cenários, a complexidade é reduzida e a incerteza é reduzida e
estruturada, permitindo o estabelecimento de vários futuros alternativos por meio de
trajetórias e lógicas distintas em função do estudo das relações causais entre as variáveis do
sistema e das probabilidades subjetivas dos peritos em um construto teórico lógico e
consistente.
A sistematização dos cenários, embora variável, é seu ponto forte, pois agrega
cientificidade ao processo, estimulando a imaginação, reduzindo inconsistências, criando uma
linguagem comum, estruturando o pensamento e permitindo a apropriação do conhecimento
pelos tomadores de decisão.
O processo de planejamento por cenários tem sua raiz no passado e no presente, mas
sua ação reside no futuro, ou melhor, na construção do futuro que se quer e, por isso, ele pode
ser entendido como um processo de intervenção no futuro, uma ferramenta útil à disposição
das instituições e organizações. No âmbito das instituições e organizações, os cenários
incrementam o aporte de informações relevantes, ampliam as perspectivas de futuro e a
capacidade de percepção do ambiente.
Algumas considerações necessitam ser feitas para o pleno entendimento da
instrumentalidade dos cenários para a estratégia. Primeiro, é necessário que a formulação do
futuro desejado, que servirá de referencial para o cenário normativo, seja definido por meio de
consulta à sociedade diretamente interessada no assunto, a partir da qual se procurará gerar
uma visão coletiva e convergente dos interesses dos atores sociais. Além de gerar uma visão
compartilhada, tal processo tende a gerar um efeito mobilizador às aspirações futuras em um
horizonte temporal de longo prazo.
218
Heijden reforça o argumento acima quando afirma que “a falta de uma ligação dos
cenários com preocupações e ansiedades correntes e dominantes no pensamento dos decisores
os deixa sem efetividade” (HEIJDEN, 1996). Logo, a construção de cenários tem de ser feita
com a sociedade e com as organizações e não para elas, o que torna a ferramenta adaptada às
condições e às percepções da sociedade
Segundo, a estratégia a ser definida dependerá do grupo decisor, dos recursos da
organização e de sua posição inicial. Pode-se apostar todas as cartas em um único cenário e
incorrer em um risco muito alto. Escolher uma estratégia que produza resultados em todos os
cenários ou naqueles com maior probabilidade de ocorrência (robustez), escolher uma
estratégia que preserve a flexibilidade até tornar-se mais aparente o cenário que de fato irá
ocorrer e procurar influenciar para gerar o cenário desejado (PORTER, 1989).
De acordo com Grumbach, nos cenários são procurados os acontecimentos favoráveis;
os desfavoráveis à organização, dentro de sua esfera de competência e os desfavoráveis à
organização, fora de sua esfera de competência.
Em relação aos acontecimentos favoráveis, procura-se verificar se a organização es
preparada para usufruir daqueles bons acontecimentos e estabelecer ações que tirem o melhor
proveito deles. No que tange aos desfavoráveis, dentro da sua esfera de competência, a
organização deve se questionar sobre que ações podem ser realizadas no presente para alterar
a probabilidade que os peritos atribuíram a cada um desses eventos.
Quanto àqueles desfavoráveis à organização e fora da sua competência, busca-se
preparar a organização para melhor enfrentar tais adversidades (GRUMBACH; MARCIAL,
2006).
219
5 ANÁLISE COMPARATIVA
Neste capítulo, é nossa intenção sintetizar a Estratégia de Segurança Nacional dos
EUA de 2002 e identificar as suas principais falhas, com a benesse do fato histórico que já
aconteceu. Posteriormente, com o auxílio da construção de cenários emitidos pelo Conselho
Nacional de Inteligência dos EUA, em 2004, consubstanciado no documento intitulado
“Mapping the Global Future”, será realizada uma apreciação e análise do referido documento
no que tange a teoria dos cenários. O propósito é evidenciar os fundamentos que atestam que
o uso de cenários serve para testar, monitorar e refinar uma estratégia vigente, identificar
possíveis oportunidades; e orientar onde será necessário efetuar as mudanças.
5.1 NATIONAL SECURITY STRATEGY 2002
A Estratégia de Segurança Nacional (ESN) é um documento preparado e emitido
periodicamente, pelo Poder Executivo, para o Congresso dos EUA que delineia as grandes
preocupações atinentes à Segurança Nacional e como o Governo planeja lidar com elas.
O seu fundamento legal é determinado pelo Ato de Segurança Nacional de 1947,
emendado pelo Ato “Goldwater- Nichols”
105
de Reorganização do Departamento de Defesa,
de 1986, o qual requer que o presidente entregue ao Congresso anualmente, um compreensivo
“relatório da Estratégia de Segurança Nacional”. De acordo com esta legislação norte-
americana em vigor, o relatório deve abordar cinco pontos:
- os interesses, metas e objetivos dos EUA ao redor do mundo que são vitais à
segurança nacional;
105
O Ato Goldwater-Nichols, de 1986, determinou, por lei, que o Executivo comunicasse a seus cidadãos e ao
mundo a respeito de sua Estratégia de Segurança Nacional.
220
- a política externa, os compromissos assumidos no mundo e as capacidades nacionais
necessárias a deter (dissuadir) a agressão e executar a ESN dos EUA;
- as possibilidades visualizadas de uso das expressões política, econômica, militar e
outras do poder nacional, a curto e longo prazo, para proteger e promover os interesses e
alcançar os objetivos e metas propostas na ESN;
- a adequabilidade das atuais capacidades dos EUA para cumprir o prescrito na ESN; e
- outras informações que sejam necessárias para ajudar a informar o Congresso em
assuntos relacionados à ESN.
Em seu conteúdo, a NSS 2002 descreve o contexto estratégico global, fixa os
objetivos amplos “liberdade política e econômica, relações pacíficas com outros estados, e
respeito à dignidade humana”. Enumera oito áreas de esforço designadas para alcançá-las.
Para cada área, a Estratégia lista um subconjunto de iniciativas, mas não descreve como os
efeitos desejados serão atingidos e também não define quais agências do governo são
responsáveis pelos esforços em cada área. Por fim, não prioriza nem as áreas enunciadas nem
os subconjuntos de iniciativas.
As áreas de esforço são as seguintes:
- defender as aspirações pela dignidade humana;
- fortalecer alianças para derrotar o terrorismo global e trabalhar para impedir ataques
contra o país e contra países amigos;
- trabalhar conjuntamente com outros Estados para dar fim aos conflitos regionais;
- evitar que os inimigos ameacem os EUA, bem como seus aliados e amigos com
Armas de Destruição em Massa (ADM);
- desencadear uma nova era de crescimento econômico global por meio da liberdade
de mercado e do livre-comércio;
221
- expandir o círculo de desenvolvimento por meio da abertura das sociedades e da
construção da infra-estrutura da democracia;
- desenvolver agendas para a ação conjunta com outros grandes centros do poder
global; e
- transformar as instituições norte-americanas de Segurança Nacional para atender aos
desafios e às oportunidades do século XXI.
5.1.1 Síntese
A Estratégia de Segurança Nacional 2002 norte-americana elegeu como foco duas
principais ameaças:
- o terrorismo internacional; e
- os países classificados como “estados párias”
106
e grupos internacionais que tentam
desenvolver as armas de destruição em massa.
Na guerra contra o terrorismo, afirma o documento, não haverá distinção entre os
terroristas e aqueles que os apóiam ou abrigam.
Dois axiomas básicos nortearam o documento:
- os EUA não admitem que nenhum país ameace-os em sua hegemonia militar; e
- os EUA atacarão primeiro, de forma “preemptiva
107
”, os potenciais inimigos,
podendo agir de forma unilateral e no exercício da autodefesa, e de seus aliados e amigos.
106
Em inglês, “rogue states”. Estados renegados, delinqüentes ou estados párias são descrições de Estados com
forte orientação antiamericanista e com envolvimento em atividades ilícitas de proliferação, isto é, que violavam
o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e outros acordos internacionais sob o mesmo assunto e que, por
isso, constituíam uma ameaça fundamental aos EUA e a segurança internacional.
KLARE, Michael. Rogue States and Nuclear Outlaws: America's Search for a New Foreign Policy. New
York: Hill and Wang, 1995, p. 24.
107
Não há palavra em português para o sentido usado. O termo “preemptive” em inglês pressupõe um ataque
“antecipado” baseado em percepções de intenções a respeito do antagonista. A tradução para o português tem
utilizado o termo “preventivo”. Porém, o documento norte-americano fez questão de utilizar o termo
“preemptive”, propositalmente, por ter um álibi no direito internacional costumeiro consubstanciado pelo
222
No campo econômico, a estratégia fixa a promoção do crescimento econômico
mundial, vinculando-o a algumas práticas mandatórias por parte dos beneficiados, entre as
quais se ressalta a democracia liberal ocidental, o livre comércio, os direitos humanos e o
combate à corrupção.
O livre comércio foi enfatizado, antes de tudo, como sendo um princípio moral. Aos
países que se adequarem e introduzirem esses paradigmas em sua vida institucional, os EUA
prometem recompensas por meio dos organismos financeiros internacionais, onde possuem
papel-chave. São relevantes algumas citações do documento:
- “A ALCA é uma meta concreta e almeja-se a sua conclusão em 2005”;
- “Os EUA e os países desenvolvidos estabeleceram o objetivo de dobrar o tamanho
das economias mais pobres do mundo num prazo de uma década”; e
- “Somente serão apoiados (financeiramente) aqueles que cumprirem requisitos
estabelecidos. As concessões futuras serão baseadas em resultados apresentados”.
No campo das Relações Internacionais (RI), os EUA afirmam que buscarão suas
estratégias por meio de coalizões. Os aliados da Europa e o Canadá foram eleitos como
parceiros de primeira grandeza nesse esforço. A Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN) tenderá a ampliar-se em número de participantes e a ter seu papel expandido na
defesa comum das nações integrantes e de seus interesses.
Os países integrantes do Acordo de ANZUS
108
, bem como Japão e Coréia do Sul
integram o segundo escalão de parcerias importantes. Com os parceiros acima citados, ou
seja, aqueles que possuem um escalão de força para impor sanções em nome da coletividade
que representam, trabalharão em prol de mecanismos de defesa coletiva.
“Incidente Caroline” que se configura como um preceito da permissibilidade do uso preemptivo da força como
forma de auto-defesa. Mais adiante, o texto fornece uma explicação tentando dar significado ao termo.
108
The Australia, New Zealand, United States Security Treaty (ANZUS). Sigla pela qual ficou conhecido o
tratado celebrado por Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos formando uma aliança militar defensiva no
Pacífico Sul, em 1951.
223
A Rússia, Índia e China foram classificados como países em transição, com os quais
são buscados novos relacionamentos na promoção da paz e da segurança internacional.
O Brasil - assim como o México, Chile e Colômbia - foi eleito como integrante de
uma coalizão “hemisférica” dentro de um ambiente de segurança cooperativa, na busca do
combate às ameaças e riscos comuns presentes no hemisfério.
No campo militar, fica explícita a afirmação de que suas forças militares precisam
sofrer transformações para adequarem-se ao cenário mundial contemporâneo. Elas
desenvolverão novas capacidades e habilidades de modo a dissuadir potenciais adversários.
Nesse rol, foram incluídos:
- sensoriamento remoto avançado;
- ataques de precisão a longa distância;
- forças expedicionárias ( fuzileiros navais, paráquedistas e forças de operações
especiais);
- manobras “joint” (integradas inter-forças), sincronizadas e executadas de forma
rápida, versátil e flexível;
- condução de operações de inteligência;
- acesso a teatros distantes; e
- proteção da infra-estrutura crítica dos EUA e recursos no exterior.
A diplomacia dos EUA funcionará em estreita coordenação com as forças armadas e terá
um papel preventivo, modelador ou indutor do comportamento de outros estados na
preservação e manutenção dos interesses americanos.
224
5.1.2 Análise da ESN dos EUA de 2002
A NSS 2002 foi divulgada em 17 de setembro de 2002, ainda sob a forte influência do
ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 e na iminência da invasão do Iraque de 2003. Até
2002, os documentos que esboçavam os presságios de futuros possíveis eram,
respectivamente, o “Global Trends 2010” e o “Global Trends 2015”, confeccionados nos anos
de 1997 e 2000. Como expressa a tradução, ambos documentos refletiam as tendências
globais de opiniões colhidas de vários peritos dentro dos EUA, sem qualquer sistemática
ligada à construção de cenários. É interessante frisar que nenhum dos documentos apontava o
fundamentalismo islâmico como uma tendência e nem sequer um alerta sobre possíveis ações
terroristas contra o território nacional norte-americano.
É curioso a ausência de tal pressuposto nos referidos documentos, pois os fatos
portadores de futuro foram incontestáveis: atentado contra o World Trade Center, Nova
Iorque, em 1993, por um carro bomba; o atentado com carro-bomba contra militares e civis da
Guarda Nacional, em Riad, Arábia Saudita, em 1995; atentado com um caminhão bomba
contra uma instalação da Força Aérea norte-americana, as Torres Khobar, localizada em
Dhahran, Arábia Saudita, em 1996; o ataque contra as embaixadas dos EUA em Nairóbi e
Dar-es- Salaam, na África, em 1998; e o ataque ao contra-torpedeiro USS Cole, no porto de
Aden, no Iêmen, no ano de 2000.
Baseado nas evidências acima expostas, pode-se afirmar que a ferramenta de cenários
não era utilizada na área de segurança nacional nos EUA. O caráter pragmático, característica
do mundo anglo-saxônico, não via a ferramenta de cenários além da perspectiva tecnológica
(“technological foresight”), onde os sonhadores podiam divagar. O mundo real dos
“WASP
109
” não se coadunava com estudos do futuro.
109
WASP – White, Anglo-saxon and Protestant / Branco, anglo-saxão e protestante.
225
Mas o grande e principal indício de que não havia cenarização foi, sem dúvida, a
securitização do terrorismo. Limitados pelo modelo mental vigente na sociedade norte-
americana, fruto de sua cultura, os responsáveis pela segurança nacional não conseguiram ir
além do visível, sem conseguir visualizar o padrão e a estrutura subjacente no “iceberg”
representado pelos eventos terroristas citados anteriormente.
A visão de mundo expressa na Estratégia é estreita e polariza o mundo em duas
vertentes: aqueles que praticam e apóiam o terrorismo e, portanto, representam o mal e
aqueles que apóiam os EUA e, por conseguinte, simbolizam o bem. Entre esses dois grupos
bem distintos há uma guerra. Desse modo, os EUA securitizaram o terror
110
.
Pode-se conjecturar que os decisores foram dominados pelo pensamento linear e que,
possivelmente, basearam tal decisão na “heurística da ancoragem”; no caso, nos estereótipos
da “cruzada
111
” e do “destino manifesto
112
”, de forma reativa, tal qual um bombeiro tentando
apagar o fogo.. O evento do “ataque terrorista de 11 de setembro” foi um divisor de águas e,
por certo, contribuiu muito para a tomada de decisão da cúpula do executivo norte-
americano. Era necessário dar uma resposta rápida, uma contra-partida
113
ao povo americano.
110
Isto é, o Estado norte-americano (agente securitizador) reconhece o terrorismo como ameaça à sociedade dos
EUA (objeto referente ou cliente da segurança). Isto pode significar um alargamento do conceito de segurança,
além das ameaças tradicionais (militares em sua essência), englobando o que se denomina hoje de “novas
ameaças” ou retórica do Estado. BUZAN, Barry; WAEVER, Ole; WILDE, Jaap de. Security: a new
framework for analysis. Boulder: Lynne Rienner, 1998.
Mas será o terror a verdadeira ameaça? Era necessário realmente securitizar o terror ou será que interessava
naquele momento tal atitude pelo Estado norte-americano por outros motivos?
111
No âmbito da academia e das Forças Armadas norte-americanas há um pensamento compartilhado que os
EUA só sabem fazer a guerra quando ela é vista como uma cruzada contra o mal, onde os valores da sociedade
norte-americana são ameaçados. Esta forma de fazer a guerra leva sempre a guerras de objetivos ilimitados e
tende a transformar-se em uma guerra total, onde somente a rendição incondicional ou destruição do inimigo é
vista como fator de sucesso. Nas guerras ilimitadas o objetivo militar tende a se confundir com o objetivo
estratégico; logo, a vitória militar garante a vitória política (Nota do autor com base em experiência pessoal). Ver
WEIGLEY, Russel F. The American Way of War: A History of U.S. Military Strategy and Policy. Indiana:
Indiana University Press, 1973.
112
O Destino Manifesto (Manifest Destiny) é o pensamento que expressa a crença de que os Estados Unidos
foram eleitos por Deus para comandar o mundo. O recém eleito presidente dos EUA, Barack Obama, referiu-se
ao “destino manifesto” como sendo um fardo para a sociedade norte-americana.
113
Resgate da auto-estima do povo norte-americano.
226
Também é lícito inferir que a NSS 2002 trabalha com um conceito muito estreito de
segurança, hipertrofiada na perspectiva realista e centrada no campo político. Esta pode ser a
razão para o comportamento supramencionado.
Um outro indício desta linha de raciocínio situa-se na posterior invasão do Iraque em
2003. Sem o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e com a mobilização popular
criada em cima das premissas de que o Iraque detinha armas de destruição em massa e
supostas ligações do líder iraquiano Saddam Hussein com grupos terroristas islâmicos (apoio
financeiro a rede terrorista da Al-Qaeda), embasadas pela inteligência norte-americana e de
outros países
114
, os EUA embarcaram em uma empreitada sem conhecer todos os possíveis
desdobramentos.
Um último indício está amparado na mudança de missão. Ao se constatar que não
havia ADM no Iraque, foi adotado, por parte das autoridades dos EUA, o discurso de
libertação do jugo ditatorial e promoção da democracia e da paz como justificativa para o
conflito, gerando uma permanência obrigatória das tropas no Iraque mesmo após a vitória
militar consolidada na tomada de Bagdá.
Os indícios acima evidenciam e sugerem que havia um único cenário projetado:
aproveitar a ocasião para aumentar a esfera de influência norte-americana no Oriente Médio.
Entre muitas das razões que podem ser enumeradas estão: garantir o acesso ao petróleo farto
da região (matriz energética do mundo ocidental) para controlar os preços e reconfigurar
estrategicamente a região
115
. Além disso, há um registro formal do General Franks
116
(Comandante do CentCom), no qual este oficial situa o início do planejamento militar em
dezembro de 2001, quando foi a Crawford, no Texas, convidado pelo presidente para expor os
114
A leitura da Inteligência foi errada ou ela estava sob a tutela do governo. Este ponto levanta uma questão
interessante: “quem vigia os vigilantes?”. O artigo intitulado “Bush distorce a inteligência” tece comentários
relevantes sobre o assunto. Ver JIM, Lobe. Estados Unidos: Bush distorce a inteligência. Em
<http://www.mwglobal.org/ipsbrasil.net/nota.php?idnews=148>. Acesso em 05 de janeiro de 2009.
115
Ver SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Como os EUA decidiram atacar o Iraque. Em <http://wwww.
tempopresente.org>. Acesso em 15 de dezembro de 2008.
116
Ver KEEGAN, John. A Guerra do Iraque. Rio de Janeiro: Bibliex, 2005. A entrevista do citado oficial é
registrada no Apêndice 2 da referência, p. 279.
227
planos existentes no Teatro de Operações do Comando Central para uma operação contra o
regime de Saddam Hussein, reforçando a idéia apresentada.
É interessante grafar que Buzan (1991) afirma que a segurança não pode ser alcançada
pelos estados agindo tão somente em seu exclusivo interesse, sugerindo a busca de políticas
integradas de segurança, cujas abordagens devem ser multidimensionais e abertas.
Isto requer políticas que sejam sensíveis às vulnerabilidades dos demais atores do
sistema e de suas percepções legítimas em relação às ameaças visualizadas pelos EUA.
Enfim, a ESN 2002 enxerga o terrorismo como a ameaça mais importantecontra a
segurança nacional norte-americana. A fim de derrotar tal ameaça, o documento relaciona
duas ações estratégicas maiores. A primeira ação estratégica centra-se na promoção dos
valores dos EUA no estrangeiro, os quais são definidos como liberdade, democracia liberal
ocidental e o livre comércio. A NSS argumenta que ao aceitar os valores norte-americanos, os
demais países irão formar ao lado dos EUA na guerra contra o terror.
O documento também advoga que a disseminação dos valores norte-americanos irá
coincidir com a propagação da prosperidade global. A promoção desses valores é uma causa
moral independente.
A regra do “excepcionalismo norte-americano
117
” foi utilizada por vários presidentes
norte-americanos para justificar suas políticas externas. No entanto, em tempos onde impera
um grande sentimento contra os EUA, uma política externa baseada no “excepcionalismo
americano” pode exacerbar mais do que atenuar o problema.
A segunda ação estratégica - combater o terrorismo e quem os apóia com todas as
ferramentas disponíveis nos EUA – recebeu uma grande ênfase na NSS 2002.
A NSS expressa, nitidamente, a priorização da ferramenta militar para combater o
terrorismo – o poder militar, além disso, prescreve melhor defesa interna; imposição da lei; o
117
Em inglês, “American exceptionalism” é uma idéia que expressa a noção de que os valores dos EUA
constituem um exemplo a ser emulado pelas demais nações do mundo.
228
incremento da inteligência; e esforços vigorosos para cortar as linhas financeiras de
financiamento do terrorismo.
A NSS advoga uma melhoria dessas ferramentas por meio de um crescente
investimento na instrução militar e na tecnologia. Finalmente, a NSS clama pela execução da
principal ferramenta – a militar - por meio de uma política “preemptiva” – atacando inimigos
potenciais antes de que eles tomem qualquer ação agressiva contra os EUA. Isto é, ataque
unilateral baseado na percepção de uma suposta intenção de ação futura do também suposto
agressor ou contendor
118
.
Ikenberry (2002) afirma o seguinte a respeito do unilateralismo contido na “ação
preemptiva”:
[...] E ao extremo, essas noções formam uma visão neo-imperial na qual os
EUA advogam para si o papel global de estabelecer padrões, determinando
as ameaças, usando a força e buscando a justiça. É uma visão na qual a
soberania norte-americana se torna mais absoluta mesmo que se torne mais
condicional para os países que desafiarem os padrões de Washington de
comportamento interno e externo (IKENBERRY, 2002, p. 44).
Embora a Estratégia de Segurança Nacional não diga explicitamente qual ação
estratégica irá prevalecer quando houver um conflito entre elas, a administração parece não
ter deixado nenhuma margem para dúvidas.
Ganhar a guerra contra o terrorismo pela utilização de instrumentos militares constitui
a primeira prioridade dos Estados Unidos, mesmo que isso signifique subverter o objetivo de
propagar os valores dos EUA. Se os Estados Unidos perceberem uma ameaça terrorista, ele
118
Tanto a preempção como a retaliação são proibidas pelo Direito Internacional e contrariam o artigo 51 da
Carta da ONU. São dois os critérios dentro dos quais se permitiria o ataque antecipado: primeiro, a necessidade
do contra-ataque deveria ser demonstrada iminente e comprovada; segundo, o uso da força deveria ser
proporcional a ameaça. Desde então os princípios de necessidade e proporcionalidade são a base para a
permissibilidade de ações de defesa (AREND, 2003). A validação do uso da força baseado em suposições e de
forma unilateral, sem nenhuma dependência de um julgamento internacional coletivo pelos governos
responsáveis e, sem nenhuma demonstração de necessidade prática, pode ser considerada uma usurpação ao
papel da ONU nos assuntos internacionais e globais. Caracteriza uma doutrina sem limites, o que gera maior
insegurança internacional. Além disso, evidencia a preferência pelo unilateralismo e a desvalorização dos
organismos internacionais e mecanismos de cooperação.
229
fará o que for necessário para eliminar essa ameaça, ainda que isto signifique prestar apoio
aos governos que sufocam a democracia e os direitos humanos.
A visão de mundo expressa pela NSS 2002 estabelece uma série de premissas sobre o
mundo. Assume-se:
- que o terrorismo é uma ameaça que pode ser derrotada por meio de diversas formas
do uso da força; unilateralmente, se necessário;
- que os valores dos EUA, definidos na NSS, são superiores a todos os outros das
demais nações, e que o incentivo à adesão a esses valores é do interesse dos Estados Unidos e
de seus aliados; e
- implicitamente, que o objetivo de derrotar o terrorismo deve ser buscado sem
considerar o custo. A guerra das idéias foi substituída pela guerra da força física.
A NSS 2002 começa com a declaração que “as grandes lutas do século XX entre a
liberdade e o totalitarismo terminou com uma decisiva vitória das forças da liberdade”,
deixando antever e reforçando que a guerra das idéias está finda.
Os terroristas que ameaçam os EUA são caracterizados como “uns poucos amargos”,
cujo conteúdo implícito estipula que os terroristas são um pequeno grupo de pessoas
ressentidas com os EUA, ao invés de motivados por alguma ideologia substantiva.
Baseado nos dois argumentos acima expostos, a NSS 2002 limita e estreita as
possíveis soluções da guerra contra o terrorismo ao uso do “poder duro
119
”, baseado quase que
exclusivamente no uso da força militar. A NSS afirma claramente que a prioridade é inquietar
e destruir as organizações terroristas.
O combate ao terrorismo como idéia força da NSS 2002 gera perplexidade.
Terrorismo não é um inimigo físico, tangível. Proclamar que o terrorismo pode ser derrotado
por meio da força é assumir que há um número estático de terroristas. Mesmo que seja
119
“Hard power” - a modalidade de poder entendida como o exercício da força bruta imposta contra outrem no
sentido de obter os efeitos desejados em benefício de determinado interesse. Ver NYE, Joseph S. Jr. Soft Power:
The Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs, 2004.
230
possível capturar ou eliminar todos os terroristas que atualmente ameaçam os EUA, nada
garante que outros terroristas não surjam (LAQUEUR, 1999).
O terrorismo é uma ação. Não se faz guerra contra um método, mas contra um
inimigo. Atacar o efeito não faz cessar a causa. Logo, é necessário identificar as causas do
terrorismo e suas fontes de recrutamento. O terrorismo necessita de uma resposta
cuidadosamente calibrada e multidisciplinar, onde o uso das ferramentas militar, diplomática,
econômica e legal devem ser igualmente consideradas para confrontar o problema.
A questão subjacente ao terrorismo é identificar qual a motivação que faz as pessoas
recorrerem à atividade terrorista. Sem este entendimento, os EUA correm o risco de falhar em
seus esforços de resposta aos ataques e exarcebar ainda mais as causas.
A doutrina da “ação preemptiva” introduz uma dissonância no que tange à segurança e
aumenta a entropia do sistema internacional. Se os EUA podem atacar de forma
“preemptiva”, logo os demais países terão a possibilidade de agir, sem limitações. Com este
simples raciocínio é possível antever o aumento da entropia no sistema internacional como
conseqüência. Assim, percebe-se que a NSS 2002 trouxe insegurança para o sistema
internacional.
A NSS, analisada holisticamente, é considerada um impeditivo para a cooperação
necessária para resolver os problemas internacionais e constitui um óbice para o
Departamento de Estado dos EUA no trato e nas relações com seus congêneres no mundo.
5.2 NIC 2020: “MAPEANDO O FUTURO GLOBAL EM 2020”
O documento intitulado“Mapping the Global Future”
120
consiste de um relatório
formulado pelo “National Intelligence Council (NIC)”
121
dos EUA, em dezembro de 2004,
120
Acessível pela Internet, no site: <<http://www.dni.gov/nic/NIC_2020_project.html>>.
231
que versa sobre a visão de futuro de longo prazo, sintetizada em quatro grandes cenários. O
objetivo principal do projeto é propiciar aos políticos norte-americanos uma visão de como os
desdobramentos no mundo podem evoluir, identificando oportunidades e ameaças que
requeiram ação política
122
.
Acima fica evidenciada, de forma clara e precisa, a instrumentalidade dos cenários:
identificar oportunidades e ameaças no ambiente, de modo que possam ser capitalizadas as
primeiras e evitadas as segundas pela ação da política, cumprindo o prescrito por Godet, “da
antecipação à ação”.
Em suma, pode-se afirmar que quem antecipa o futuro pode, no presente, tomar as
melhores decisões e agir de forma a construir o futuro que se quer.
O documento “Mapping the Global Future” foi precedido por dois documentos, o
“Global Trends 2010” e o “Global Trends 2015”. Ambos apresentam as tendências globais
para, respectivamente, os anos de 2010 e 2015
123
.
O primeiro documento, “Global Trends 2010”, foi produzido em 1997, derivado de
uma série de conferências realizadas em Washington, D.C., nas quais interagiram acadêmicos,
homens de negócios e peritos da comunidade de inteligência. Este documento foi peça central
de várias apresentações aos políticos.
O segundo documento, “Global Trends 2015”, produzido em dezembro de 2000,
baseou-se em discussões entre os integrantes do Conselho Nacional de Inteligência com um
amplo leque de especialistas de agências não-governamentais e identificou sete grandes forças
motrizes: demografia, ambiente e recursos naturais, ciência e tecnologia, economia global e
globalização, governança nacional e internacional, conflito futuro e o papel dos EUA.
121
O Conselho Nacional de Inteligência norte-americano é integrado por peritos na área de Inteligência, cuja
tarefa é produzir estimativas de Inteligência em questões futuras de segurança nacional e que se reportam
diretamente ao Diretor da Central Intelligence Agency (CIA). Em suma, o Conselho é o núcleo de
desenvolvimento do pensamento estratégico norte-americano de médio e longo prazo.
122
Dados extraídos da página oficial do NIC no site acima referenciado.
123
Os documentos estão disponíveis nos sites: <<www.dni.gov/nic/special_globaltrends2010.html>> e
<<
www.dni.gov/nic/special_globaltrends2015.html>>
232
Enfatiza-se que esse documento foi rotulado pelos postulantes como um “trabalho em
progresso”, uma abordagem flexível de pensar o futuro que necessitava de atualização e
revisão, à medida que as condições evoluíssem.
Esses aspectos revelam que há necessidade de constante monitoramento do ambiente
e, nas entrelinhas, deixam explícito de que a estratégia deva ser um processo contínuo
(dinâmico), no qual novas condições emergentes determinam novas ações estratégicas.
O documento “Mapping the Global Future” foi divulgado em dezembro de 2004 e é
uma continuação do anteriormente mencionado. Difere dele quanto aos seguintes aspectos:
- foram consultados peritos em todo o mundo em uma série de conferências regionais
de modo a se ter uma verdadeira perspectiva global
124
;
- foi mais baseado em cenários na tentativa de capturar como as tendências poderiam
se desdobrar no futuro; e
- foi desenvolvido um site interativo na Web para facilitar o diálogo contínuo e global.
O processo, do início ao fim, teve duração de um ano e envolveu mais de mil
personalidades em todo o mundo.
5.2.1 Análise do documento
Os cenários construídos e apresentados no relatório NIC 2020 classificam-se como
cenários exploratórios alternativos globais, onde foi utilizado o método Global Business
Network (GBN), o qual, como já apresentado e explicitado no capítulo 4, página 140,
contrasta em um, dois ou até três eixos as principais forças motrizes identificadas, sob o ponto
de vista dos analistas.
124
Foram organizadas conferências nos cinco continentes contando com a visão de “experts” sobre as
prospectivas de suas respectivas regiões nos próximos quinze anos (até 2018).
233
No caso do presente relatório, as duas principais forças motrizes contrastadas
identificadas foram: o extremismo religioso islâmico e a globalização. Os dois eixos, ao se
cruzarem, formam quatro quadrantes distintos, cada um correspondendo a um cenário,
identificando uma realidade singular caracterizada pelos extremos combinados das forças
contrastadas. Os quatro cenários criados, ao unirem os extremos, definem o espaço de
possibilidades. Logo, induzido pela geometria, pode se inferir que a realidade futura situar-se-
á em algum ponto deste espaço.
Fig. 52: Modelo de cenários em eixos contrastados
Fonte: Criação do autor
Permeando os cenários, fica latente como ponto capital na diferenciação dos cenários
o papel dos EUA no sistema internacional. Os cenários prospectivos apresentados foram
intitulados: “O Mundo de Davos”, “Pax Americana”, “Novo Califado” e “Ciclo do Medo”, os
quais estão listados no Anexo B.
O “Mundo de Davos” provê uma ilustração de como o crescimento econômico,
liderado pela China e Índia
125
, nos próximos 15 anos, pode reformatar o processo de
125
A crise do sub-prime reforça tal cenário.
234
globalização, dando a ele uma face menos ocidentalizada, bem como gerando transformações
no campo político.
A “Pax Americana” apresenta uma visão de como a proeminência norte-americana
pode sobreviver em um ambiente permeado de mudanças radicais
126
no contexto político
global e serve para modelar uma ordem mundial nova e inclusiva.
O “Novo Califado” provê um exemplo de como um movimento global alimentado
pelo fundamentalismo religioso pode constituir um desafio às normas, aos valores do mundo
ocidental e às bases do sistema global.
O “Ciclo do Medo” é um exemplo de como preocupações a respeito da proliferação
nuclear pode aumentar ao ponto de ser necessário a adoção, em larga escala, de medidas de
segurança intrusivas para prevenir a deflagração de ataques mortíferos, possivelmente
introduzindo um mundo “orwelliano”.
5.2.2 Novos Jogadores Globais
O relatório inicia abordando o tópico “Novos jogadores globais”, no qual identifica
como um evento futuro a provável emergência da China e da Índia e da União Européia (UE),
bem como de outros países (Brasil e Indonésia), como novos e importantes jogadores
globais
127
. Compara tal situação ao advento da Alemanha unida, no século XIX, e da
emergência dos EUA no início do século XX, e afirma que isto transformará o contexto
geopolítico.
O relatório sustenta o evento futuro por meio dos seguintes fatos portadores de futuro:
126
A eleição de Obama pode trazer mudanças radicais.
127
Em inglês, “global players”.
235
- Por volta de 2020, o PIB da China irá exceder o dos poderes econômicos ocidentais,
exceto o dos EUA. O PIB da Índia terá ultrapassado ou estará próximo ao das principais
economias européias;
- A economia dos demais países emergentes, como o Brasil, pode exceder os grandes
países da Europa em torno de 2020; a economia da Indonésia pode também alcançar as
economias dos países europeus em torno de 2020; e
- Pela maioria das medidas – tamanho do mercado, moeda única, força de trabalho
altamente qualificada, governos estáveis democráticos e bloco comercial unificado – uma
Europa ampliada estará apta a aumentar o seu peso na cena internacional. A força da Europa
pode estar em prover um modelo de governabilidade global e regional para os poderes
ascendentes. No entanto, o envelhecimento de suas populações e a diminuição da força de
trabalho na maior parte dos países terá um importante impacto na região.
Um outro evento que pode ser deduzido, ainda sob o mesmo escopo, refere-se ao
declínio de Rússia e Japão no sistema internacional, transformando-se em peças-chave para o
desdobramento das futuras alianças. Os fatos portadores de futuro(FPF) apresentados
indicadores dos eventos são os seguintes:
- O Japão também enfrenta uma crise de envelhecimento similar à européia, que
poderá obstruir sua recuperação econômica a longo prazo. O país terá que encarar o desafio
de reavaliar seu “status” regional. Talvez Tóquio tenha que escolher entre manter o equilíbrio
com a China ou se unir a ela; e
- A Rússia tem o potencial de incrementar seu papel internacional com os outros
devido à sua posição de maior exportador de gás e petróleo. Entretanto, a Rússia encara uma
severa crise demográfica resultante das baixas taxas de natalidade, assistência de saúde
precária e uma situação explosiva da AIDS. Para o sul, ela margeia uma região instável no
Cáucaso e na Ásia central, cujos efeitos – extremismo islâmico, terrorismo e conflito
236
endêmico – podem se alastrar e contaminar toda a Rússia. Enquanto esses fatores políticos e
sociais limitam a amplitude da Rússia de ser um jogador global, Moscou provavelmente será
um importante parceiro tanto para os poderes estabelecidos, Europa e os EUA, como para os
poderes ascendentes, China e Índia.
A lógica dos fatos e dos eventos futuros acima expostos evidencia como tendência o
relativo declínio do poder norte-americano. Como conseqüência, pode-se antever uma
mudança de polaridade
128
no sistema internacional, com o mundo tendendo a ser mais
multipolar.
Gradualmente, será possível observar uma perda de relevância do poder dos EUA, o
qual tenderá a deixar de ser o único arquiteto da ordem internacional
129
, apesar de manter-se
como um grande modelador dela. Visualiza-se como tendência um novo equilíbrio multipolar
(1 + 4) com uma superpotência, os EUA, e mais quatro grandes potências ou centros de poder
autônomos: UE, China, Índia e um quarto que pode ser o Japão, Brasil, Rússia ou África do
Sul.
Se isto significará a decadência norte-americana ou não, ainda é cedo para afirmar
qualquer coisa; no entanto, os EUA terão que conviver com outros centros de decisão
autônomos. Também se pode inferir que suas pretensões a império serão limitadas
130
.
Neste ponto, o relatório parece deixar um alerta. Quaisquer tentativas norte-
americanas para impor sua hegemonia estarão fadadas a falhar e os interesses dos EUA serão
mais bem servidos por políticas de equilíbrio e de reconciliação dos interesses conflitantes
com os demais grandes poderes e movendo-se para uma economia inteligente.
128
Definida como o número de grandes poderes presentes no sistema internacional.
129
Conforme o Professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, a idéia de uma potência única representa um
elemento de desequilíbrio da História. Idéia exposta no 2º Seminário do Centro de Estudos Político-Estratégicos
(CEPE) da Escola de Guerra Naval, em22 de setembro de 2008, sobre o tema “O Labirinto Político-Estratégico
Mundial: os novos rumos brasileiros”, nas apresentações do Embaixador Rubens Antonio Barbosa e do Professor
Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva
130
IIbidem.,
237
O ponto principal aqui parece ser uma recomendação no sentido dos EUA pautar suas
ações balizadas mais pelo poder brando
131
do que pelo poder duro como modalidade de poder.
Ao invés de usar a sanção (“stick”) é melhor utilizar a premiação (“carrot”) como base para
uma política de credibilidade. Credibilidade é um recurso crucial e fonte de poder capital.
(KEOHANE; NYE, 1998).
Reforçando a referida recomendação, é importante considerar que noções simplistas
de segurança devem ser substituídas por apreciações mais complexas de como o
comportamento e estruturas dos estados interagem. Isto requer políticas que sejam sensíveis
às vulnerabilidades dos demais atores do sistema e das suas estimativas legítimas das ameaças
e como elas se situam para os estados que a geram (BUZAN, 1991).
5.2.3 Globalização
Um outro ponto do relatório relevante é a indicação da globalização como uma
megatendência, uma força tão ubíqua que, em 2020, dará forma a todas as outras tendências
mundiais. Também assinala que o futuro da globalização não é estático e cita que alguns
aspectos da globalização são irreversíveis. Fornece como exemplo, a crescente interconexão
global resultante da revolução da Tecnologia de Informações e Comunicações (TIC).
O processo de globalização somente diminuirá seu ritmo ou reverterá em função de
guerras catastróficas e depressão global. Caso nenhum percalço ocorra, a economia mundial
tende a continuar crescendo fortemente e, por volta de 2020, o prognóstico é que deverá ser
80% maior do que era em 2000, e a renda per capita média será cerca de 50% maior. No
131
“Soft power” – poder brando, o oposto do poder duro. Conceito introduzido na década de 1980, pelo analista
internacional Joseph Nye Jr, o qual propõe o exercício do poder no sentido de buscar o consenso por meio da
atração e persuasão. Em suma, a habilidade de obter o que se quer através da atração, ao invés da coerção ou da
punição. Quando as políticas são legítimas aos olhos dos outros, o poder brando se intensifica. Ver NYE, Joseph
S. Jr. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs, 2004.
238
entanto, nesse período haverá altos e baixos. A globalização poderá ter uma face mais
asiática, desde que o crescimento econômico da região continue nos atuais patamares.
Os benefícios da globalização não serão estendidos a todo o mundo. Índia e China e
outras potências emergentes (Brasil) irão assegurar seu “status” no cenário mundial em
função da oportunidade oferecida pelos mercados globais. Por essa mesma razão, mais
empresas se tornarão multinacionais. Os EUA terão sua posição no mundo relativamente
desgastada.
Os grandes benefícios recairão sobre países e grupos que têm acesso a novas
tecnologias. O desenvolvimento tecnológico será definido em termos dos investimentos que
as nações fizerem para integrar e aplicar novas tecnologias globalmente disponíveis seja por
meio de pesquisas dentro do próprio país (ou através de líderes tecnológicos). Se os países
pobres não estabelecerem políticas que apóiem a aplicação de novas tecnologias, tais como
governabilidade, educação universal e reformas de mercado, aumentará o hiato entre ricos e
pobres.
A China e a Índia estão bem posicionados para serem líderes tecnológicos e até
mesmo os países mais pobres terão condições de acessar tecnologias profícuas e baratas para
impulsionar seu próprio desenvolvimento.
A economia mundial em expansão aumentará a demanda por muitas matérias-primas,
como petróleo. O consumo total de energia deverá aumentar em torno de 50% nas próximas
décadas – quando comparado ao aumento de 34% entre 1980 e 2000 -, sendo o petróleo o
grande responsável pela maior parte deste percentual. Grande parte dos especialistas avalia
que, com grandes investimentos em novas capacidades, o abastecimento energético, em
termos globais, será suficiente para satisfazer à demanda mundial. Mas do lado da oferta,
muitas das áreas - Mar Cáspio, Venezuela e África Ocidental – que são essenciais para
239
aumentar a oferta envolvem riscos políticos ou econômicos. Fornecedores tradicionais
localizados no Oriente Médio também serão cada vez mais instáveis.
Desta forma, a acentuada competição por recursos, talvez acompanhado por crises de
abastecimento de petróleo, está entre as principais incertezas dos próximos 14 anos. Esta
incerteza crítica pode evoluir e tornar-se uma força motriz que poderá ser contrastada para a
formulação de cenários, até mais forte do que o rumo que a globalização tomará. Este evento
futuro é moldado pelos fatos portadores anteriormente mencionados.
Para visualizar melhor a teia de relações das variáveis envolvidas, construiu-se o
diagrama exposto na figura a seguir:
Fig. 53: Diagrama causal megatendência Globalização
Fonte: Criação do autor
A política norte-americana sofreu uma mudança em sua orientação desde o fim da
Guerra Fria em seus parâmetros de poder e influência. Ao passo que no passado o poder
nacional residia na posse de um poderoso arsenal bélico e na manutenção do amplo sistema de
alianças, ele agora está associado com o dinamismo econômico e a inovação tecnológica.
Para exercitar a liderança na época atual, os estados devem possuir uma vigorosa economia
240
doméstica e superar outros estados no desenvolvimento e exportação de bens de alto valor
agregado. Embora o poder militar seja ainda considerado essencial à segurança nacional, ele
deve ser equilibrado por uma economia forte e vibrante.
A adoção de uma política de segurança baseada na economia, beneficiada pelo
aparente desaparecimento dos conflitos ideológicos, quase sempre leva a uma crescente
ênfase a proteção dos recursos considerados vitais e essenciais. Além disso, há que se
considerar o aumento da procura mundial por commodities de todos os tipos, a provável
emergência da escassez de recursos e disputas sobre a propriedade de fontes de recursos
críticos (KLARE, 2001, p. 7-10).
Pode-se inferir que com o fim da Guerra Fria e do conflito ideológico daquela época,
as estratégias dos Estados passam a ter um eixo geoeconômico preponderante, embora as
preocupações geopolíticas continuem presentes.
O espaço político foi complementado pelas potencialidades do espaço econômico nas
considerações estratégicas. Nessa esfera, sobressaem-se os recursos energéticos e hídricos
como as principais “commodities” do século XXI. Não será possível explicar a dinâmica da
segurança global sem o reconhecimento da importância central da competição por recursos. A
partir dessa inferência, parece plausível afirmar que o lócus das crises e conflitos futuros pode
orbitar em torno da luta por recursos escassos (KLARE, 2001).
5.2.4 Governabilidade
Um outro campo citado refere-se à governabilidade, sobre a qual é previsto que
recaiam novos desafios. Aqui fica clara a explicitação de mais uma incerteza crítica. Esta
incerteza crítica é derivada dos seguintes fatos portadores de futuro: a emergência de
241
movimentos globais; o Islã político transcendendo fronteiras; a reversão da democracia em
países da ex-URSS e do sudeste asiático; e o solapamento de instituições internacionais
encarregadas da administração dos problemas globais.
O relatório afirma que o Estado-nação continuará a ser a unidade dominante da ordem
global, mas a globalização econômica e a disseminação de tecnologias, especialmente das
TIC, irão colocar enorme pressão sobre os governos. Em suma, a crescente conectividade
será acompanhada da proliferação de comunidades virtuais de interesse comum (redes
sociais), complicando a capacidade dos Estados de governar. A Internet, em especial, irá
impulsionar ainda mais a criação de movimentos globais, que podem emergir como uma força
robusta nas relações internacionais.
Parte da pressão sobre a governabilidade virá a partir de novas formas de identidade
política centradas em convicções religiosas. Em um mundo rapidamente globalizado
experimentando mudanças populacionais, as identidades religiosas fornecerão aos seguidores
uma comunidade já pronta que servirá como uma "rede de segurança social" em tempos de
necessidade, particularmente importante para os migrantes. Em particular, o Islã político terá
um impacto global significativo que conduza a 2020, reagrupando grupos étnicos e nacionais
dispersos e talvez até mesmo criando uma entidade e autoridade que transcenda as fronteiras
nacionais. Uma combinação de fatores – partes da juventude em muitos estados árabes,
perspectivas econômicas pobres, influência da educação religiosa, e a islamização de
instituições, tais como sindicatos, organizações não-governamentais (ONG) e partidos
políticos - irão garantir que o Islã político continue a ser uma força importante.
Regimes que foram hábeis em gerenciar os desafios dos anos de 1990 podem ser
dominados pelos de 2020. Forças contraditórias estarão em movimento: regimes autoritários
enfrentarão novas pressões para implantar a democracia, mas as novas e frágeis democracias
podem carecer da capacidade adaptativa para sobreviver e desenvolver.
242
A alcunhada “terceira onda” da democratização pode ser parcialmente revertida em
torno de 2020 – particularmente entre os estados da ex-URSS e no sudeste da Ásia, alguns
dos quais realmente nunca abraçou a democracia. Mas a democratização e um maior
pluralismo podem ganhar terreno nos países localizados na região chave do Oriente Médio, os
quais foram excluídos do processo por regimes repressivos.
Com a migração em alta em vários lugares no mundo – desde a África do Norte e o
Oriente Médio para a Europa; da América do Sul e Central para os EUA e, cada vez mais, do
sudeste da Ásia para as regiões mais ao norte – mais países serão multi-étnicos e irão
enfrentar o desafio de integrar os imigrantes em suas sociedades, respeitando suas identidades
étnicas e religiosas.
Os líderes chineses irão enfrentar um dilema para acomodar as pressões pluralísticas e
relaxar os controles políticos ou arriscar uma reação popular, caso não aconteça. Pequim pode
perseguir uma “forma de democracia asiática”, a qual pode envolver eleições no nível local e
um mecanismo consultivo no nível nacional, talvez com o Partido Comunista retendo o
controle sobre o governo central.
Com o sistema internacional submetido a uma intensa mudança, algumas das
instituições que são responsáveis pelo gerenciamento dos problemas globais podem ser
solapadas. As instituições baseadas regionalmente serão particularmente desafiadas a
encontrar ameaças transnacionais complexas colocadas pelo terrorismo, crime organizado e
proliferação de Armas de Destruição em Massa (ADM). Instituições criadas no pós-II Guerra
Mundial, como as Nações Unidas e as instituições financeiras internacionais correm o risco de
ficarem obsoletas, a menos que elas se ajustem às mudanças profundas que estão acontecendo
no sistema global, incluindo a emergência de novas potências.
243
5.2.5 Segurança Mundial
Outro aspecto classificado como uma incerteza crítica é a questão da segurança
mundial, onde a tendência é de que por volta de 2020 o mundo sofra de um sentimento de
insegurança mais agudo. Os fatos portadores de futuro incluem a globalização, a maior
incidência de conflitos internos em certas regiões do globo e a proliferação do armamento
nuclear.
À medida que o mundo fica mais rico, a globalização afetará profundamente o “status
quo” – gerando enormes convulsões econômicas, culturais e, consequentemente, políticas.
Com a gradual integração da China, Índia e outros países emergentes na economia global,
centenas de milhões de adultos economicamente ativos estarão disponíveis para o emprego no
que parece estar evoluindo para um mercado de trabalho mundial mais integrado. Como
corolário desta possibilidade é plausível antever alguns desdobramentos:
- Esta enorme força de trabalho – uma porção crescente da qual será bem educada –
será um atrativo, fonte competitiva de trabalho de baixo-custo; ao mesmo tempo, a inovação
tecnológica expandirá o alcance das ocupações móveis globais; e
- A transição não será indolor e irá atingir a classe média dos países desenvolvidos em
particular, trazendo maior rotatividade de empregos e requerendo uma requalificação
profissional. A terceirização em larga escala pode fortalecer o movimento anti-globalização.
As conseqüências que essas pressões irão gerar, dependem das respostas dos líderes,
da flexibilidade futura dos mercados de trabalho e do crescimento econômico global ser
suficientemente robusto para absorver um maior número de trabalhadores deslocados.
Governos fracos, economias menos desenvolvidas, o extremismo religioso, e
movimentos juvenis irão se alinhar para criar condições de tempestade perfeita produzindo
conflitos internos em determinadas regiões.
244
Alguns conflitos internos, particularmente aqueles que envolvem os grupos étnicos
dos dois lados das fronteiras nacionais, correm o risco de escalar para conflitos regionais. Na
sua maior extensão, os conflitos internos podem resultar em falha ou fracasso dos Estados,
com expansões do território e das populações desprovidas de efetivo controle governamental.
Esses territórios podem se tornar refúgios para terroristas transnacionais (como a Al-Qaeda no
Afeganistão) ou para os criminosos e os cartéis da droga (como na Colômbia e México).
A tendência de um conflito, em grande escala, tornar-se uma guerra mundial nos
próximos 14 anos é menor do que em qualquer momento do século passado, ao contrário do
que aconteceu nos séculos anteriores, quando os conflitos locais provocaram guerras
mundiais.
A rigidez dos sistemas de aliança antes da I Guerra Mundial e durante o período entre
guerras, bem como o confronto entre os dois blocos durante a Guerra Fria, virtualmente
asseguravam a quase certeza de que os pequenos conflitos poderiam ser rapidamente
generalizados. A crescente dependência de redes comerciais e financeiras globais irá ajudar a
dissuadir conflitos interestatais, mas não eliminando tal possibilidade.
Caso ocorram conflitos que envolvam uma ou mais das grandes potências, as
conseqüências seriam significativas. A ausência de mecanismos de resolução de conflitos
eficazes em algumas regiões, o aumento do nacionalismo em alguns estados, as emoções e
tensões em ambos os lados em algumas questões - por exemplo, o Estreito de Taiwan ou entre
a Índia e Paquistão - poderia levar a cálculos errados. Além disso, os avanços da moderna
fabricação de armas – alcances maiores, a precisão dos sistemas de armas, e munições
convencionais mais destrutivas criam circunstâncias incentivadoras do uso da “ação
preemptiva” pela força militar.
Os atuais Estados nuclearizados irão continuar a melhorar a capacidade de
sobrevivência de suas forças de dissuasão e, quase certamente, irão melhorar a confiabilidade,
245
precisão e letalidade de seus sistemas de armas, bem como desenvolverão capacidades de
penetrar nas defesas antimísseis.
A demonstração aberta das capacidades nucleares por qualquer Estado desacreditaria
mais ainda o atual regime de não proliferação, causaria uma possível mudança no equilíbrio
de poder, e aumentaria o risco dos conflitos escalarem para conflitos nucleares.
Países sem armamento nuclear - especialmente no Oriente Médio e nordeste na Ásia –
podem decidir procurá-los à medida que se torne claro e evidente que os seus vizinhos e rivais
regionais assim o estão fazendo. Além disso, o apoio de “proliferadores” irá reduzir o tempo
necessário para outros países desenvolverem armas nucleares.
5.2.6 O Terrorismo Internacional
Por último, o relatório conjectura sobre a incerteza em relação à transformação do
terrorismo internacional, expressando a idéia-força de que os principais fatores que criaram o
terrorismo internacional não evidenciam sinais de desaparecer nos próximos 14 anos. Os fatos
portadores de futuro são as comunicações globais cada vez melhores, o fortalecimento da
identidade muçulmana e a alienação entre os jovens desempregados.
Facilitada pelas comunicações globais, o ressurgimento da identidade muçulmana
permitirá um quadro para a disseminação da ideologia islâmica radical dentro e fora do
Oriente Médio, incluindo o sudeste da Ásia, Ásia Central e Europa Ocidental, onde a
identidade religiosa não tem sido tradicionalmente tão forte. Este ressurgimento tem sido
acompanhado por uma profunda solidariedade entre os muçulmanos, criada nas lutas
nacionais ou separatistas regionais, como a Palestina, Chechênia, Iraque, Caxemira,
Mindanao, e no sul da Tailândia. Tiveram como fonte a resposta à repressão governamental,
corrupção e ineficácia.
246
Redes informais de fundações beneficentes, “madrassas
132
”, “hawalas
133
”, e outros
mecanismos vão continuar a proliferar e a ser explorada por elementos radicais. A alienação
entre jovens desempregados vai inchar as fileiras dos grupos terroristas.
O relatório realça ser esperado, em 2020, que a Al-Qaeda seja substituída por grupos
extremistas similares inspirados no islamismo, existindo um risco substancial de que amplos
movimentos islâmicos próximas da Al-Qaeda mesclem-se com movimentos separatistas
locais. A TIC, permitindo a conectividade instantânea, a comunicação e a aprendizagem, pode
tornar a ameaça terrorista cada vez mais descentralizada, podendo evoluir para uma eclética
variedade de grupos, células e indivíduos que não precisam de uma rede estática para planejar
e efetuar operações. Materiais de treinamento, sistemas de guiagem de alvos, know-how de
armas e captação de recursos serão virtuais (ou seja, on-line).
Ataques terroristas continuarão a empregar principalmente as armas convencionais,
incorporando novas táticas e em constante adaptação aos esforços contra-terroristas. Os
terroristas provavelmente serão mais originais não nas tecnologias ou armas que eles usam,
mas sim em seus conceitos operacionais - ou seja, o alcance, desenho, ou acordos de apoio
aos ataques.
O forte interesse terrorista em adquirir armas químicas, biológicas, radiológicas e
nucleares aumenta o risco de um grande ataque terrorista envolvendo ADM. A maior
preocupação reside na possibilidade de que os terroristas possam adquirir agentes biológicos
ou, menos provável, um engenho nuclear, ambos podendo gerar baixas em massa.
O bioterrorismo parece particularmente adequado para os grupos menores e mais bem
informados. Espera-se, também, que os terroristas tentem ataques cibernéticos para perturbar
e interromper as redes críticas de informação e, ainda mais provável, para causar danos físicos
aos sistemas de informação.
132
Escolas religiosas islâmicas que ensinam uma versão radical do Islã para crianças de diferentes idades.
133
Redes de financiamento internacional não regulamentadas, dispersas em todo o mundo. É uma forma rápida e
conveniente de transferência de fundos.
247
Sobre duas forças motrizes específicas, o Islã político e o terrorismo, há necessidade
de uma análise à parte, para que se possa ter o entendimento do significado dessas forças e
uma visão real dos possíveis desdobramentos futuros.
Há evidências fortes sobre a correlação entre o fundamentalismo islâmico e o
terrorismo contra os EUA espalhado no mundo. Os especialistas sobre o Islã focam o
problema na competição sobre o “status” do grupo, mais especificamente em um aspecto
particular do orgulho islâmico ferido, o qual os psicólogos denominam “inconsistência de
status”. Os islâmicos acreditam que eles são herdeiros de uma grande e avançada civilização,
a qual gerou progressos na ciência e literatura, enquanto a Europa estava afundada no
obscurantismo durante a idade média, e que esta civilização manteve a superioridade sobre o
mundo ocidental por mil anos. Embora nos últimos séculos tenham perdido a superioridade,
persiste a crença da situação anterior no imaginário popular alimentado pela religião.
O resultado é uma mistura de ódio e ressentimento voltada contra o Ocidente e,
particularmente, contra os EUA, o líder do mundo ocidental; logo, o pensamento prevalente é:
se não se pode superar o Ocidente e os EUA , destrua-os.
Um segundo choque cultural fundamental envolve os hábitos sociais, especialmente
aqueles relacionados à sexualidade e ao papel da mulher. O Ocidente representa atitudes
liberais no que tange à sexualidade e igualdade de sexos, valores fortemente estampados nos
produtos culturais exportados tais como filmes e televisão. Os fundamentalistas religiosos
vêem esses produtos como uma espécie de poluição espiritual.
O que é enfático é a importância fundamental deste desafio para o islamita
134
tradicional: a ameaça ao seu domínio em seu próprio lar, de mulheres emancipadas e crianças
rebeldes. Em outras palavras, as fontes fundamentais de auto-estima de muitos islâmicos, não
134
Islamita – Acepções: adjetivo e substantivo de dois gêneros seguidor do islamismo; maometano, muçulmano;
Etimologia: islame + -ita; cp. fr. islamite (1759), mesmo sentido; Sinônimos: ver sinonímia de maometano.
Disponível em: <
http://www.uol.com.br/houaiss>. Acesso em: 12 de dezembro de 2008.
248
somente do seu orgulho como grupo, mas também de sua honra como indivíduo, são
ameaçadas pelos valores da liberação sexual corporificada nos produtos culturais ocidentais.
Um terceiro ponto é que a ideologia extremista islâmica possui, além da plausibilidade
e apelo aos islamitas ou muçulmanos, uma poderosa base institucional no regime saudita, o
qual tem assiduamente promovido e exportado esta ideologia por décadas. Não deve haver
qualquer erro sobre o que a ideologia propaga; uma publicação patrocinada pelo regime
saudita coloca desta forma: “Os descrentes, idólatras e outros iguais devem ser odiados e
desprezados... O Alcorão [proíbe] considerar judeus e cristãos como amigos, e isto se aplica a
todo judeu e todo cristão”
135
. A consideração importante aqui é que a ideologia extremista que
alimenta o terrorismo anti-ocidental é amplamente difundida não somente porque é popular,
mas porque ela é patrocinada e bancada pelos poderosos.
Os três pontos abordados resumem as fontes dos mitos que justificam a hostilidade
contra o Ocidente. No mundo islâmico há uma ideologia extremista que rejeita os hábitos
mentais que tornam a ciência e a tecnologia ocidental possível e entrincheirando o atraso
tecnológico árabe e islâmico, enquanto simultaneamente atribuindo este atraso aos infiéis
ocidentais, que também são retratados como os “satânicos destruidores” da cultura islâmica.
Esta ideologia sugere como condição básica para melhorar o “status” do mundo islâmico, o
ataque ao Ocidente de uma forma ou de outra (LEWIS, 1990 e RUTHVEN, 2002)
136
.
O Islã possui uma corrente moderada, instruída e com uma visão avançada
convivendo com uma corrente violenta, intolerante e fanática (o wahabismo). A grande
135
Ver artigo intitulado “Saudis Spread Hate Speech in U.S” em
<http://www.freerepublic.com/focus/news/751604/posts>.
136
LEWIS, Bernard. The roots of Muslim Rage. The Atlantic vol. 266, no. 3, Setembro, 1990, pp. 47-60 e
RUTHVEN, Malise. A fury for God: The Islamist Attack on America. London: Granta, 2002.
249
maioria dos muçulmanos no mundo é gente pacífica que optaria pela instalação da democracia
ocidental nos seus países ao wahabismo
137
.
É importante frisar que os terroristas não se vêem como tal
138
e se autodenominam de
combatentes e guerreiros relutantes. Dirigidos pelo desespero passam a usar a violência contra
um estado repressivo, um grupo étnico ou religioso rival ou contra uma ordem internacional
insensível ou indiferente. Esta característica de auto-negação também distingue o terrorista de
outros tipos de extremistas políticos bem como de pessoas comuns envolvidas em ações
ilegais e violentas (HOFFMAM, 2007, p. 31).
No que tange ao terrorismo, é necessário trazer à tona o argumento de que, no futuro,
para muitos povos e nações no mundo a guerra pode deixar de ser meio para ser um fim. Em
suma, haverá preponderância das guerras sem motivos políticos e por sobrevivência, travadas
por fanáticos e motivadas por razões ideológicas, combatidas por terroristas, guerrilheiros e
bandidos em uma reinterpretação contrastante ao construto clausewitziano sobre o conflito
armado e os atores em disputa (VAN CREVELD, 1991
139
).
Tal argumento pode ser derivado de uma linha de raciocínio que se baseia nas
seguintes premissas:
- um grande número de pessoas neste planeta, para os quais o conforto e a estabilidade
de um estilo de vida da classe média é desconhecido, acha a guerra e uma existência em uma
barraca um passo á frente na sua trajetória humana;
- a guerra dá sentido a existência de alguns grupos étnicos, religiosos e povos;
- a noção de que os homens não gostam de lutar, de guerrear é falsa;
137
O Wahabismo é a forma mais extremista do fundamentalismo islâmico e os seus seguidores são chamados de
wahhabis. Ver artigo intitulado “A Zona de Impacto e as Ligações Sauditas” de Stephen Schwartz, disponível
em em http://www.somosportugueses.com/mch/modules/icontent/index.php?page=1378.
138
O Sheik Muhammad Hussein Fadlallah, líder spiritual do Hezbbolah, expôs a seguinte visão: “We don´t see
ourselves as terrorists, because we don´t believe in terrorism. We didn´t see resisting the occupier as a terrorist
action. We see ourselves as mujihadeen (holy warriors) who fight a Holy War for the people”. “Nós não nos
vemos como terroristas porque nós não acreditamos no terrorismo. Nós não vemos a resistência à ocupação
como um ato terrorista. Nós nos vemos como guerreiros santos que combatem uma guerra sagrada pelo povo”
(tradução nossa). (FADLALLAH apud HOFFMAN, 2007, p. 31).
139
VAN CREVELD, Martin. The Transformation of War. New York: Free Press, 1991.
250
- em lugares em que o iluminismo não penetrou e onde predomina a extrema pobreza,
as pessoas encontram a liberação na violência;
- a agressão física é parte da humanidade. Somente quando as pessoas atingem um
certo padrão econômico, educacional e cultural é que elas abrandam essa característica;
- a falha dos estados em proverem segurança, educação e saúde torna as pessoas mais
descrentes da política, fazendo com que elas tendam a creditar confiança em grupos não
estatais, podendo ser máfias, guerrilhas, tribos, etnias e grupos religiosos, concorrendo mais
ainda para a anomia do Estado;
- a volta do mundo a um período pré-westphaliano, onde estarão mais presentes
conflitos de baixa intensidade, causados pelo colapso estatal em países do mundo em
desenvolvimento e subdesenvolvido e com a prevalência de grupos étnicos, religiosos, máfias,
guerrilhas, narcotraficantes e outras organizações políticas não estatais em conflitos
intergrupais, contra o estado, contra outros estados, contra outras ideologias, contra outras
religiões, etc;
- o mundo tenderá a ser um aglomerado de sociedades guerreiras buscando sobreviver
dentro de um cenário de escassez e superpopulação; e
- no momento em que o monopólio da violência for retirado das mãos do Estado, as
distinções entre guerra e crime não mais existirão como já é o caso em.... Serra Leoa, Shri-
lanka, Afeganistão e Colômbia.
Se a guerra e o crime não tiverem distinção, então a defesa nacional poderá ser visto,
no futuro, como um conceito local. As guerras futuras tenderão a ser aquelas ligadas à
sobrevivência comunal, agravadas ou, em muitos casos, causadas pela degradação e escassez
ambiental.
Essas guerras serão subnacionais, significando que será difícil para os estados e
governos locais proteger seus cidadãos fisicamente. Esta poderá ser a razão da morte de
251
muitos estados. À medida que os estados tendem a perder poder – e com ele a habilidade de
ajudar a grupos mais fracos dentro da sociedade, para não mencionar outros estados – povos e
culturas ao redor do mundo estarão colocados sob suas próprias forças e fraquezas, com
menos mecanismos para promover a equidade entre eles. Isto ocorrendo, o futuro distante,
provavelmente verá a emergência de um homem racialmente híbrido e globalizado. As
próximas décadas verão os homens mais atentos às suas diferenças do que às similaridades.
Para o homem médio, os valores políticos tenderão a ter menos significado do que a
segurança pessoal.
5.2.7 Principais incertezas e forças motrizes
A partir de uma visão real sobre os cenários futuros no que tange às duas forças
motrizes subjacentes, fica óbvio que não será por meio do “hard power” (poder duro) que
haverá uma solução nem para o fundamentalismo islâmico nem para o terrorismo, mas sim
por meio da mudança cultural decorrente de uma engenhosa estratégia que faça mais uso do
“soft power”(poder moderado) por parte dos EUA. Esta é a principal mensagem embutida nos
cenários previstos.
O relatório oferece como visão da paisagem global em 2020, um quadro onde são
apresentadas as certezas relativas e as principais incertezas.
252
CERTEZAS RELATIVAS
1. Globalização em grande parte irreversível, que
provavelmente se tornará menos ocidentalizada
2. Economia global substancialmente maior
3. Número crescente de empresas globais
facilitará a disseminação das novas tecnologias
4. Ascensão da Ásia e o advento de possíveis
pesos-médios econômicos.
5. Envelhecimento da população nas potências
estabelecidas.
6. Aprovisionamento energético "no terreno"
suficiente para satisfazer a procura global
7. Crescente poder dos atores não estatais
(ONG).
8. Islã político continua a ser uma força
podreosa.
9. A melhoria das capacidades de alguns estados
em Armas de Destruição em Massa (ADM).
10. Arco de instabilidade abrangendo Oriente
Médio, Ásia e África
11. Conflito de grandes poderes degenerar em
guerra total é improvável
12. Problemas ambientais e éticos cada vez mais
importantes
13. EUA permanecerá sendo o ator mais
poderoso econômico, tecnológico e
militarmente
INCERTEZAS CRÍTICAS
1. Se a globalização vai puxar a economias menos desenvolvidas e o
grau em que os países asiáticos definirão as novas "regras do jogo
2. Grau de disparidades entre "os que dispõem" e "que não têm";
recuos em democracias frágeis; gestão ou contenção das crises
financeiras
3. Medida em que a conectividade desafia os governos
4. Se a ascensão da China / Índia ocorre sem problemas
5. Capacidade da UE e do Japão para adaptar força de trabalho,
sistemas de seguridade social e integrar as populações migrantes; se
a UE se tornará ou não uma superpotência.
6. A instabilidade política nos países produtores; perturbações no
abastecimento.
7. Vontade e capacidade dos estados e das instituições internacionais,
para acomodar os atores não-estatais.
8. Impacto da religiosidade na unidade dos estados e do potencial de
conflito; crescimento da ideologia jihadista.
9. Mais ou menos potências nucleares; capacidade dos terroristas para a
aquisição de armas biológicas, químicas, radiológicas, ou nucleares
10. Eventos de ruptura levando a derrubada de regimes
11. Capacidade para gerir a competição por recursos e focos
12. Grau ou Medida em que as novas tecnologias criam ou resolvem
dilemas éticos
13. Se outros países irão mais abertamente desafiar os EUA; se os EUA
vão perder a ponta ou vanguarda tecnológica em C&T
Fig. 54: Incertezas críticas
Fonte: Mapping the Global Future, 2004.
De tudo que foi exposto e baseado no método GBN de “cenarização” em sua etapa 3,
ficam identificadas as seguintes forças motrizes:
- a globalização;
- o papel a ser exercido pelos EUA no sistema internacional;
- o grau percebido em relação à segurança mundial
- o terrorismo; e
- o fundamentalismo islâmico.
Na etapa 4, as forças motrizes devem ser classificadas por ordem de importância e
incerteza e escolhidas as principais dentre elas para que haja o cruzamento de eixos e
253
definição dos quadrantes e decorrentes cenários. Embora esta etapa seja um processo
subjetivo, parece lícito ordenar da seguinte forma: a globalização, o fundamentalismo
islâmico, o terrorismo, o grau de segurança percebido e o papel a ser exercido pelos EUA.
Nesta etapa é que há uma mudança em relação ao método GBN. O grupo responsável
pelo relatório parece ter considerado as cinco incertezas críticas e realizado os contrastes para
cada força motriz. A seguir, houve a escolha dos quatro cenários considerados mais prováveis
pelo grupo, provavelmente pelo método Delphi com o auxílio de peritos. A figura abaixo
busca representar esta etapa.
Fig. 55: As cinco incertezas críticas e os eixos contrastantes
Fonte: Criação do autor
Caso o método GBN fosse seguido, duas forças motrizes seriam escolhidas e
contrastadas, como exposto na figura abaixo.
254
Fig. 56: Um exemplo de matriz de cenários contrastando duas forças motrizes
Fonte: Criação do autor
Conforme a etapa 5, a lógica dos quatro cenários preservados apresentados no
relatório segue a lógica “vencedores e perdedores”, em um jogo de soma zero (onde o ganho
total de um se relaciona a perda total de outro), correspondendo a uma forte conotação
política
140
.
Na etapa 6 os cenários são descritos e envolvem suas tramas e sub-tramas. As
narrativas compõem o Anexo B.
5.2.8 Mensagens dos cenários a serem considerados pela estratégia
O relatório expõe possíveis desdobramentos futuros, fruto da análise e da
criatividade
141
, indicando as principais mudanças e gerando demandas, as quais, em tese, a
estratégia a ser formulada buscará se adaptar. As mensagens serão enumeradas e comentadas.
Os principais pontos com implicações para a formulação da estratégia são comentados
a seguir:
140
Talvez influenciados pela pressão popular de uma pronta resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro
em território americano.
141
Semelhante ao funcionamento do cérebro que trabalha com os dois hemisférios.
255
- “Um crescimento econômico robusto provavelmente ajudaria a superar divisões e
incluiria mais regiões e países na nova ordem mundial. Logo, a globalização deve ser
administrada de modo a não sair dos trilhos”
142
.
Para tanto, há necessidade de maior cooperação internacional e do estabelecimento de
instituições internacionais mais inclusivas, que tenham maior representatividade e expressem
a realidade do sistema internacional. No contexto atual, não há espaço para a imposição
unilateral de valores, mas de uma visão compartilhada deles e do futuro global, liderado por
uma coalizão de países que representem as várias regiões do mundo. Uma perspectiva mais
construtivista e menos neo-realista é mais relevante no ordenamento do sistema internacional
na atual conjuntura;
- “A estrutura da política internacional desenvolvida em todos os cenários sugere que
outros atores que não sejam países continuarão a assumir um papel mais proeminente, apesar
do fato que eles não ocuparão o lugar das nações. Esses atores vão de terroristas [...] a ONGS
e empresas multinacionais...”
143
.
Fica explícito que o Estado não é o único ator no sistema e os atores não-estatais são
entidades importantes nas relações internacionais, não podendo ser ignorados. A imagem que
se tem é da teia de aranha, onde todos os elementos estão interligados e um ponto afetará os
demais ao redor;
- “O sucesso da campanha global contra o terrorismo, liderada pelos EUA, depende da
capacidade de os países combaterem o terrorismo em seu próprio território. Os esforços de
Washington no sentido de aumentar as forças de segurança de outras nações e de trabalhar
com elas em suas prioridades deve aumentar a cooperação”
144
.
142
____. Relatório da CIA: como será o mundo em 2020. Tradução de Cláudio Blanc e Marly Netto Peres.
São Paulo: Ediouro, 2006. p. 215.
143
Ibidem.
144
Ibidem, p. 217.
256
Novamente fica evidenciada a cooperação como fator fundamental para o combate ao
terrorismo. Logo, no atual contexto é mais necessário persuadir e convencer para lidar com as
questões transnacionais.
- “O desenvolvimento de sistemas políticos mais abertos, maiores oportunidades
econômicas e aumento da influência dos reformadores muçulmanos seriam vistos de forma
positiva pelas comunidades islâmicas que não apóiam os objetivos radicais dos extremistas
muçulmanos”
145
.
O desafio posto aqui não é combater somente as ações do terrorismo, mas
principalmente as causas do terrorismo. Ao mesmo tempo, fica implícito o uso dos demais
instrumentos do poder, não se restringindo somente ao uso da força e do poder militar.
- “A tendência generalizada de formar identidades religiosas e culturais sugere que
várias identidades que extrapolam o conceito de Estado soberano deverão ser acomodadas em
um mundo globalizado”
146
.
Se há uma identidade comum é porque houve convergência de valores e a formação de
valores comuns pode servir de base para a cooperação dentro do sistema internacional.
- “A interdependência resultante da globalização enfatiza a importância não só da
manutenção da estabilidade nas regiões que impulsionam a economia global, mas também de
ajudar os países pobres em diferentes regiões do mundo, os quais ainda têm de se modernizar
e participar da comunidade globalizada”
147
.
Os EUA têm um papel relevante como protagonista na ordem do sistema internacional
seja como provedor da segurança ou estabilizador de finanças. Mas, nas condições atuais, ele
não deve atuar sozinho e pode e deve repartir tais preocupações com outros Estados
148
, de
forma articulada e cooperativa, aliviando suas responsabilidades. Também é necessário
145
Ibidem, p.218
146
Ibidem, p. 225.
147
Ibidem.
148
China, Índia, Rússia, União Européia, Brasil, África do Sul, etc.
257
reformar as instituições internacionais e regionais para que elas também assumam maiores
responsabilidades.
De forma sintética, os cenários apresentados no documento”Mapping the Global
Future” apontam a tendência para um mundo multipolar e mais construtivista para sobrepujar
os grandes desafios globais como a segurança e a sobrevivência da espécie humana. Adaptar a
ordem mundial é impositivo e requer o tratamento de temas cada vez mais amplos e
complexos como o meio-ambiente, pesquisa genética e biotecnologia e que independem, em
sua maioria, do uso da força para solução.
Na consideração dos cenários elaborados pela análise acima exposta, verifica-se a
expansão do conhecimento, a possibilidade de alargamento dos modelos mentais e a re-
percepção do mundo, além da identificação de oportunidades e ameaças no ambiente.
Esta pletora de idéias constitui a massa bruta de onde são elaborados os cenários, os
quais narrados sob forma de estórias funcionam como uma espécie de túnel de provas para a
estratégia corrente, servindo para ratificá-la ou refiná-la.
No caso em lide, parece ser necessário um grande refinamento da NSS 2002, pois seu
teor contrasta enormemente com o conteúdo elucidativo composto pelos cenários em relação
às principais premissas, evidenciando a principal razão dos cenários: servir como ferramenta
de apoio à decisão, fundamentando uma estratégia que se quer efetiva.
258
6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES
O presente trabalho pautou-se na hipótese de que se a “cenarização” expande a base
de conhecimentos sobre o ambiente, incrementando o aporte para a tomada de decisões
estratégicas, logo a ferramenta utilizada pode ser considerada essencial para formação de
estratégias efetivas.
Para tanto, foi necessário, no Capítulo 1, uma abordagem do construto teórico maior,
aquele que circunscreve o contexto dos cenários. Nesta incursão teórica foi possível
depreender as conexões e imbricações das categorias e conceitos de “política”, “estratégia”,
“planejamento “ e, por fim, “planejamento estratégico” com o objeto do estudo, a
“cenarização”.
Logo, chegou-se a uma tessitura conceitual maior, a qual ajuda a expandir e clarificar
o conhecimento sobre o assunto, cujos principais pontos são:
- à “política” cabe estabelecer os fins, metas ou objetivos, ouvidos os vários grupos da
sociedade, dentro do construto teórico de poliarquia de Dahl, revestindo de legitimidade o
processo. Portanto, na formação da visão de uma organização ou instituição, a sociedade deve
ser ouvida para que haja um cenário normativo que corresponda às suas principais aspirações,
capaz de gerar a coesão nacional necessária a sustentar um projeto nacional de longo prazo;
- a “estratégia” foi resumida como um processo contínuo onde se interconectam a
reflexão ou pensamento estratégico, a formulação estratégica e o controle estratégico. Este
processo resume a dialética das inteligências, por estar imerso em uma ambiência de
incertezas e aponta o caminho, a direção para interrelacionar os meios com os fins de forma a
garantir a sobrevivência e a continuidade da organização no ambiente em que se insere;
- o pensamento agrega o verdadeiro conteúdo da “estratégia”, no sentido de apreensão
da inteligência (sabedoria); o planejamento fornece o processo para a tomada de decisões e as
259
decorrentes ações estratégicas, o controle assegura a realimentação e as decorrentes
adaptações na busca do equilíbrio do sistema;
- o “planejamento estratégico” representa a espinha dorsal da estratégia, podendo ser
entendido como a expressão de todo o processo estratégico. Atualmente já há um
questionamento sobre uma possível nova denominação de mais amplo significado: “gestão
estratégica”. O importante é ressaltar que o processo aqui descrito e independente da
denominação deve englobar tudo que esteja contido desde a preparação até a ação estratégica.
Acima de tudo, o processo requer insight, criatividade e síntese e envolve aprendizado por
parte de toda organização. Além disso, o planejamento estratégico visa reduzir o hiato entre a
estratégia deliberada e a estratégia emergente
149
; e
- o planejamento estratégico quando baseado em um único futuro induz a estratégias
deficientes porque agrega uma visão de futuro que extrapola as tendências do passado,
tendendo a linearidade. O planejamento estratégico baseado em cenários, ou seja, por meio da
construção de vários futuros alternativos, saneia a inconsistência anteriormente realçada,
permitindo uma maior apreensão dos conhecimentos (favoráveis ou não), em uma plena
inserção espaço-temporal da realidade como segmento do passado, presente e futuro.
No Capítulo 2 buscou-se evidenciar o construto teórico que verifica a plausibilidade
da hipótese. Em uma abordagem inicial procurou-se evidenciar alguns postulados básicos,
onde ficaram evidenciados os seguintes pontos:
- o futuro é uma construção social e está por ser feito pela vontade e ação humana;
- pensar estrategicamente é pensar no futuro, que é permeado por várias incertezas que
se manifestam no ambiente pelas mudanças e tendências;
- os cenários lidam com as incertezas e mudanças;
149
Ver Capítulo 1.
260
- incerteza não só decorre da falta de conhecimento de todos os possíveis estados do
mundo ou aos resultados das ações empreendidas, como também da dificuldade de formular
previsões acerca de tais estados futuros, tendo como base os dados e informações disponíveis;
- as decisões estratégicas referem-se a um contexto da decisão dominado pela
incerteza e ambigüidade;
- as incertezas e as mudanças podem ser classificadas e estruturadas. O futuro é
função das incertezas mais críticas que se manifestam na forma de tendências, fatos
portadores de futuro (FPF) e rupturas, expressões das mudanças;
- a construção de várias trajetórias futuras consistentes propicia uma melhor
compreensão dos fatores envolvidos e suas correlações, bem como uma visão antecipada das
conseqüências, as quais poderiam ser ignoradas em análises ou discussões mais genéricas ou
abstratas;
- para perscrutar os possíveis futuros, é necessário ampliar e estruturar o conhecimento
de modo a reduzir a incerteza e ter julgamentos bem embasados. Os julgamentos, formas de
pensamento onde se tenta reduzir a incerteza, são mais bem expressos quando combinados,
hipotetizados e encadeados no formato de eventos futuros;
- o processo de tomada de decisão do mundo real é sempre limitado em sua
racionalidade;
- a racionalidade limitada se aplica bem ao lidar com problemas simples onde a
necessidade de julgamento e avaliação é pequena. Nas decisões sob risco e incerteza, os seres
humanos, dentro do modelo de racionalidade limitada, tendem a recorrer ao uso de regras
empíricas ou de modelos mentais;
- os modelos mentais utilizam princípios heurísticos para simplificar a tomada de
decisão e podem ser alargados pela criação de “memórias do futuro”;
261
- os mecanismos de memórias (estórias) do futuro disponíveis para a organização são
os cenários. Os cenários agregam coerência aos eventos futuros da mesma forma que os casos
históricos tornam coerente o passado;
- os cenários subvertem o tempo cronológico, permitindo antecipar e testar realidades
futuras (tempo vivido) virtuais distintas do tempo presente, agindo como um simulador. Ao
mesmo tempo, auxiliam na formação de trilhas memorizáveis no córtex cerebral, que
representam as “memórias do futuro”;
- a fim de aprender, uma pessoa deve relacionar novas experiências a suas estruturas
cognitivas existentes. Para articular o conhecimento tácito, é necessário um agente externo
para confrontar os sinais, ainda não conectados do conhecimento empírico, com a estrutura de
conhecimento existente no grupo mais amplo ou na sociedade; e
- os cenários representam um ferramental, à disposição dos responsáveis pela tomada
de decisão, que permite a expansão da base de conhecimentos, instrumentalizando, da melhor
forma, o estado de opinião (decorrente do conhecimento) sobre o futuro (hipóteses e
combinações plausíveis e consistentes). A heurística cognitiva e a teoria das probabilidades
contribuem para aperfeiçoar o julgamento, fortalecendo a razão;
O conjunto de cenários criados, que nada mais são do que imagens de futuros
possíveis, apresentadas na forma de narrativas, de fácil apreensão, ajudam na ampliação do
conhecimento ao incorporar o conhecimento tácito oriundo das experiências vividas de forma
virtual pelas diversas visões de mundo que os cenários proporcionam. Dessa maneira, há
aprendizagem e expansão do conhecimento, o que permite uma melhor reflexão ou
pensamento estratégico. O melhor pensamento permite melhores decisões presentes com a
adequada visão do futuro que se quer construir e, por conseguinte, uma estratégia efetiva.
Sem o concurso da ferramenta de cenários, o máximo que se consegue é uma visão
que se apóia somente no passado e no presente e, portanto, estática e cronológica, em sua
262
inserção espaço-temporal. A estratégia deliberada resultante se distanciará da estratégia a ser
realizada, pois a adaptação será constante e a reatividade uma tônica, conseqüência da falta de
antecipação.
No Capítulo 3, foram estabelecidos os pressupostos e o marco teórico da construção
de cenários, cuja síntese pode ser descrita como a plena apreensão do conhecimento pela
razão e intuição, por meio de técnicas de causalidade, analogia, probabilidade e criatividade,
de modo a explicar e esclarecer o que está ocorrendo no ambiente, explicitando oportunidades
e ameaças, a fim de instrumentalizar a melhor tomada de decisão.
No Capítulo 4, foram explicitados e comparados os principais métodos de
“cenarização”. Os métodos são formas distintas de estruturação do pensamento de modo a
melhor perceber e esclarecer a realidade do ambiente em que se está imerso. A comparação
permite visualizar as similaridades e os contrastes entre os métodos, facilitando a escolha de
um deles em função de suas características. Este parte do trabalho possui um escopo e
propósito mais técnico.
No Capítulo 5, foi realizada uma análise comparativa entre a NSS 2002 e os cenários
constantes do “Mapping the Global Future”. A intenção foi demonstrar que a estratégia
consubstanciada no primeiro documento, não baseada em cenários futuros e, possivelmente,
estruturada em estereótipos mentais decorrentes de regras heurísticas de decisão à luz da
situação vivida naquele momento, espelha uma série de falhas. Em contraste, o segundo
documento ajuda a ampliar o conhecimento, ao considerar os cenários futuros e possibilitando
uma nova percepção de mundo, alargando os modelos mentais do grupo decisor norte-
americano. Desta maneira, intentou-se demonstrar, por meio de um caso prático, que a
construção de cenários é essencial para geração de uma estratégia efetiva, corroborando com
o construto teórico da hipótese considerada.
263
Em suma, a linha mestra do trabalho evidenciou que a “cenarização” ou construção de
cenários é uma ferramenta que alavanca a estruturação e ampliação do conhecimento dentro
da racionalidade prática (limitada) vivida pelos decisores. Ao expandir a base de
conhecimentos, melhor será a tomada de decisão e implicará, portanto, em uma decorrente
estratégia efetiva.
Cabe agora estabelecer conclusões sintéticas e sugestões elaboradas a partir do
presente trabalho. Entre as principais conclusões, enumeram-se as seguintes:
- a “cenarização” ajuda a aguçar o pensamento estratégico, a desenhar planos para
lidar com o inesperado e a manter uma visão maior nos problemas mais importantes e na
direção certa. Pode-se afirmar que o planejamento baseado em cenários produz um melhor
aporte para a tomada de decisão, pois ao facilitar a cognição, amplia a base de dados do
sistema, alarga os modelos mentais dos decisores e dilata as percepções da organização;
- a construção de cenários pode ser considerada uma arte que agrega a dose de
cientificidade possível para conjecturar, opinar com ampla base sobre realidades virtuais
contidas em diferentes futuros, construídos a partir dos conhecimentos passados e presentes.
Esses futuros são alcunhados de cenários, estórias que servem para simular eventos, no intuito
de esclarecer e ajudar a mente humana e a organização a tomar decisões importantes no
presente, diante de uma ambiência de incerteza. Também ajuda no estabelecimento de um
plano de ação visando melhorar seu estado futuro em relação ao ambiente;
- o processo de cenários trabalha com o pensamento criativo, sistêmico e divergente
para descrever uma lógica na sucessão de eventos a se desdobrarem no futuro. Para tanto, se
auxilia da causalidade e das probabilidades subjetivas e condicionadas, para determinação de
possíveis mudanças de tendências e eventos possíveis. Estes, por sua vez, são submetidos, por
meio da maiêutica, a peritos que expressam suas opiniões, auxiliando na busca da verdade. As
264
respostas vão compor hipóteses plausíveis de trajetórias de futuro que são narradas sob a
forma de estórias; e
- ao identificar oportunidades e ameaças, o processo contribui tanto para a formulação
como para o refinamento da estratégia, bem como para determinar onde à frente será
necessária uma mudança ou adaptação.
Em relação às sugestões, poder-se-ia apresentar uma síntese recomendando a adoção
do planejamento estratégico baseado em cenários em todos os escalões e instituições que
compõem o Estado brasileiro porque as estratégias decorrentes seriam melhores. No entanto,
de forma a destacar a sinergia que a construção de cenários proporciona, resolveu-se
enumerar as possibilidades abaixo:
- pelo seu potencial, a ferramenta de cenários é uma ótima ferramenta de apoio à
decisão em todas as instâncias decisórias do Estado brasileiro;
- a adoção e sistematização da ferramenta de cenários, no âmbito das instituições do
Estado brasileiro, serviria para alinhar os planejamentos estratégicos das instituições e
organizações, contribuindo para a existência de um verdadeiro “projeto nacional” integrado,
criterioso, coerente, sinérgico e legítimo, hoje inexistente;
- geração de um comportamento de antecipação às transformações em curso no mundo
e no país, diferentemente da reatividade predominante nos dias atuais;
- geração de uma vultosa economia de recursos na apropriação dos meios para gerar os
objetivos e metas de cada instância decisória, além de significar uma total redefinição das
instituições e processos, atualmente em vigência;
- maior facilidade no desenvolvimento de uma rede de monitoramento do ambiente e
várias redes de especialistas interagindo entre si gerando um grande fluxo de informações e
conhecimentos compartilhados; e
265
- geração de novas percepções e novas descobertas com a decorrente expansão de
conhecimentos e melhores decisões em todas as instâncias, permitindo a aprendizagem
organizacional e uma melhor adaptação da organização ao seu entorno.
Outros Estados já sistematizaram a ferramenta de cenários na formulação de
estratégias, assim como várias empresas privadas como a Shell, a Petrobrás, o BNDES, a Vale
do Rio Doce e estão tendo sucesso ao lidar com o ambiente turbulento, complexo e incerto
que caracteriza o mundo contemporâneo. O que as instituições e organizações no âmbito do
Estado brasileiro estão esperando para sistematizar o planejamento por cenários?
266
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Glossário
Adaptação – resposta a uma mudança que reduz de fato ou potencialmente a eficiência do
comportamento de um sistema; uma resposta que evita que essa redução ocorra.
Ambiente – é o conjunto de todos os fatores que, dentro de um limite específico, se possa
conceber como tendo alguma influência sobre a operação do sistema, o qual corresponde ao
foco do estudo; conjunto de fatores ou elementos que não pertencem ao sistema.
Ameaça – é a força ambiental incontrolável pela organização, que cria obstáculo a sua ação
estratégica, mas que poderá ou não ser evitada, desde que conhecida em tempo hábil.
Análise interna – identificação dos pontos fortes e pontos fracos da organização com as
melhores maneiras de utilizar ou eliminar.
Análise externa – identificação das ameaças e oportunidades da organização com as
melhores maneiras de usufruir ou evitar.
Analogia - A previsão é feita através da identificação de um caso atual com caso já ocorrido.
Supõe-se que o resultado do caso atual será o mesmo do caso ocorrido
Atores - aqueles que têm um papel importante no sistema por meio das variáveis que
caracterizam seus planos e sobre as quais possuem controle; indivíduos, grupos, decisores,
organizações ou associações de classe que influenciam ou recebem influência significativa do
sistema e ou contexto considerado. Ex: os países consumidores, os países produtores, as
multinacionais, etc., são atores no sistema energético.
Brainstorming – é uma técnica de estruturação do livre pensar de um determinado grupo que
visa a construir conjuntamente as percepções de especialistas sobre as tendências das
incertezas críticas por meio da troca de impressões e do confronto do pensamento.
Causalidade - O raciocínio é desenvolvido procurando-se uma causa, que persistirá.
Analisam-se os efeitos gerados por essa causa e propõe-se um desenvolvimento para esses
efeitos na forma de previsão.
Cena – é uma visão da situação considerada em um determinado instante do tempo, a qual
descreve como estão organizados ou vinculados entre si os atores e as variáveis.
Cenário(s) – uma situação que possa apresentar-se como resultado de uma ação ou por uma
dinâmica evolutiva no tempo; ferramentas que têm por objetivo melhorar o processo
decisório, com base no estudo de possíveis ambientes futuros; é um conjunto formado pela
descrição de uma situação futura e uma trajetória consistente que conecta o presente a
situação final.
277
Cenário baseado em tendências ou de tendência – cenário provável ou não, corresponde a
extrapolação de tendências do presente onde as escolhas futuras são realizadas.
Cenário contrastado - é um cenário que corresponde a uma abordagem imaginativa e
antecipatória onde as imagens de futuro criadas (situações extremas) contrastam com as do
presente. Em seguida é imaginado e examinado o curso e a evolução dos eventos que levam a
este estado de futuro criado (técnica de “backcasting”). O cenário criado com eventos curinga
corresponde a um cenário contrastado.
Cenário de referência – usualmente corresponde ao cenário mais provável.
Cenários desejáveis – encontram-se em qualquer parte do possível, mas nem todos são,
necessariamente, realizáveis.
Cenários exploratórios – caracterizam-se por futuros possíveis ou prováveis do sistema
considerado e/ou de seu contexto, mediante a simulação e o desenvolvimento de certas
condições iniciais.
Cenário livre de surpresas - o cenário que assume a continuação das tendências atuais,
sendo meramente extrapolativo.
Cenários normativos – são aqueles que configuram futuros desejados, exprimindo sempre o
compromisso de um ou mais atores com a consecução de determinados objetivos e projetos
ou com a superação de desafios empresariais ou tecnológicos.
Cenários possíveis – todos os que a mente humana puder imaginar.
Cenários realizáveis – todos os passíveis de ocorrer e que levam em conta os condicionantes
do futuro
Conflito - pode resultar do confronto entre estratégias antagônicas dos atores e pode tomar a
forma da deflagração de uma tensão entre duas tendências (superpopulação e falta de
espaço). O resultado desses conflitos determina a evolução do equilíbrio de poder entre atores
ou fortalece o peso de uma tendência ou da outra.
Desafio - é uma realização que deve ser continuamente perseguida, perfeitamente
quantificável e com prazo estabelecido, que exige esforço extra e representa a modificação de
uma situação, bem como contribui para ser alcançada uma situação desejável identificada
pelos objetivos.
Elemento pré-determinado ou invariante - um fenômeno que é permanente no horizonte
estudado ou considerado. Ex: fenômeno climático
Entrevista estruturada – é uma forma simples de levantamento e de identificação da visão
dos técnicos e dos especialistas. Por meio dela se organiza um conjunto de percepções e
interpretações sobre as probabilidades dos eventos.
278
Especulação – é um discurso sobre futuro, no qual seu autor admite incerteza e/ou falta de
apoio lógico-racional, substituído por opiniões vagas e imaginação fértil.
Estratégia - uma série de decisões condicionais determinantes dos atos dos atores atinentes
aos seus planos sob qualquer possível contingência.
Evento - É a descrição de uma hipótese coerente e plausível para um acontecimento futuro.
Esta hipótese se infere de um fato portador de futuro. Os impactos no futuro dos fatos
portadores de futuro serão causados pela ocorrência de eventos plausíveis; uma entidade
abstrata cuja única característica é acontecer ou não acontecer. Um evento pode ser
considerado como uma variável que pode ter um de dois valores, em geral “1” caso aconteça e
“0” caso não aconteça; tal evento será chamado de evento isolado; também chamados de
questões estratégicas, são uma ocorrência futura, interna ou externa à organização, que tenda
a exercer um impacto significativo sobre a capacidade desta de atingir seus objetivos. Podem
ser favoráveis ou desfavoráveis; um evento é uma entidade cuja característica singular é
acontecer ou não acontecer.
Eventos curinga ou surpresa– são eventos de rara probabilidade de ocorrência que possuem
um grande impacto caso ocorram. Os eventos curinga (“wild cards”) geram descontinuidades
ou podem significar rupturas na ordem vigente. Cenários podem ser gerados a partir de
eventos curinga, mas são gerados e tratados a parte.
Extrapolação - é o prolongamento da tendência. Trata-se de um processo em que se imagina
que as variáveis que vinham evoluindo de uma determinada maneira do passado até o
presente continuarão evoluindo igualmente do presente até o futuro.
Fato portador de futuro (FPF) - um fator de mudança (potencial) raramente perceptível no
presente, mas que produzirá uma tendência pesada no futuro. De fato, ele é leve em termos
das dimensões presentes, mas enorme em termos de suas conseqüências virtuais.
Fatores-chave – as principais forças do ambiente; as principais forças existentes no ambiente
próximo que estejam estreitamente relacionadas com o ramo de negócio da empresa e com a
questão principal.
Filosofia – o movimento ou a direção fundamental do sistema considerado.
Forças motrizes - são forças relativamente mais remotas e menos óbvias de se identificar,
mas que podem influenciar ou impactar fortemente a evolução da questão principal e os
fatores-chave.
Incertezas críticas – compõem-se das variáveis incertas, que são de grande importância para
a questão principal, ou que, sua ocorrência parece certa, não importando o cenário; variáveis
279
que constituem aspectos da estrutura futura que dependem de incertezas não solucionáveis, as
quais determinam os cenários.
Indicadores – são características quantitativas ou qualitativas de uma variável que refletem
sua situação, suas mudanças ou tendências de mudança, quer isoladamente, quer em função
do sistema ao qual pertencem.
Inteligência Competitiva (IC) – abrange um conjunto de métodos e ferramentas
disponibilizados pela tecnologia da informação que facilitam o monitoramento e o
sensoriamento do ambiente; constitui um processo informacional proativo, que melhora a
tomada de decisão, seja ela estratégica ou negocial.
Incertezas estruturais - situações em que se admite a possibilidade de um acontecimento,
mas em que este, pelo seu caráter único, não nos fornece uma probabilidade da sua realização.
A possibilidade do acontecimento se realizar é, por sua vez, resultante de uma seqüência de
raciocínio do tipo “causa-efeito” (e daí a referência a uma estrutura), mas não podemos saber
com antecedência qual a sua configuração.
Meta - corresponde aos passos ou etapas, perfeitamente quantificados e com prazos para
alcançar os desafios e objetivos.
Missão - é a determinação do motivo central da existência da organização, ou seja, a
determinação de quem a organização atende. Corresponde a um horizonte dentro do qual a
organização atua ou poderá atuar. A missão representa a razão de ser da organização.
Objetivo – é o alvo ou situação que se pretende alcançar.
Oportunidade – é a força ambiental incontrolável pela organização, que pode favorecer sua
ação estratégica, desde que conhecida e aproveitada, satisfatoriamente, enquanto perdura.
Presságios – são as correlações constatadas entre determinados acontecimentos, mesmo que
não se possa descobrir a razão.
Pontos de decisão - um evento de onde se originam caminhos e resultados diferentes,
dependendo da escolha selecionada.
Ponto forte – é uma variável interna à organização que lhe proporciona uma vantagem no
ambiente.
Ponto fraco - é uma variável interna à organização que lhe proporciona uma desvantagem no
ambiente.
Prognóstico - usualmente entendido como a previsão de algo que vai acontecer.
Prospectiva - este termo é usado por Michel Godet para designar uma multiplicidade de
futuros possíveis. Assim como outros autores, Godet é crítico em relação à possibilidade de
fazer previsões e estimativas de futuro. A análise prospectiva gera cenários baseados em uma
280
série de suposições sobre o caminho certo a ser escolhido; uma visualização do futuro, quando
este não pode ser visto como uma simples extrapolação do passado, mas um conjunto de
futuros possíveis cada um em um cenário
diferente.
Questão principal - aquela questão estratégica que motivou a construção de cenários.
Randomicidade, probabilidades subjetivas - Um fenômeno é dito randômico ou aleatório
quando a ele pode ser atribuído certo número de valores, estando a cada qual associado uma
probabilidade subjetiva. Pode-se considerar o cálculo de probabilidade de um evento isolado
como um julgamento subjetivo (juízo de valor). Uma probabilidade subjetiva é uma medida
da "confiança", um grau de crédito de um especialista sobre a ocorrência de um dado evento;
é uma aposta que está quase sempre listada ao se considerar que a probabilidade de um
evento está situada entre sua ocorrência (probabilidade 1) e não ocorrência (probabilidade 0),
mas a qual deve ser considerada como ganha se, entre todos os eventos aos quais foi atribuída
X chances em 100 de ocorrência, há atualmente X chances em 100 de ocorrência em um dado
tempo.
Sistema – um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam
um todo unitário com determinado objetivo e efetuando uma função.
Tendência – uma direção geral para a qual uma coisa se move; uma linha geral para onde se
dirige um movimento, uma mudança; é algo que representa uma mudança profunda e não uma
moda passageira. Em uma analogia com a meteorologia, tendências poderiam ser as
mudanças climáticas mais do que as variações de tempo; são baseadas nas mudanças
observadas no tempo presente; uma tendência é uma declaração da direção da mudança. É
normalmente uma mudança gradual e de longo prazo nas forças que moldam o futuro de uma
organização, região, nação, setor ou sociedade.
Tendência de peso ou pesada - um movimento afetando um fenômeno de tal maneira que o
seu desenvolvimento futuro pode ser previsto. Ex: a urbanização.
Valores – representam o conjunto dos princípios, crenças e questões éticas fundamentais de
uma organização, bem como fornecem sustentação a todas as decisões.
Variáveis – representam aspectos ou elementos relevantes do sistema ou do contexto
considerado, tendo em vista o objetivo do cenário.
Visão – representa o que a organização quer ser em um futuro próximo ou distante;
articulação das aspirações de uma organização a respeito de seu futuro; idealização de um
futuro desejado para a empresa.
281
APÊNDICE A
MÉTODO MACTOR
A escolha dos atores é realizada a partir das variáveis chaves reveladas a partir da
análise estrutural. Os atores podem ser tanto internos como externos ao sistema em estudo,
desde que tenham forte impacto em sua evolução. É possível agregar ou decompor um
determinado ator. O ator “Estado” pode ser decomposto em vários ministérios se isso for
pertinente, haja vista o campo de atuação dos diversos ministérios terem diferentes
implicações nos objetivos e estratégias a empreender. Por outro lado, várias empresas podem
ser incluídas em só ator
150
.
Após a escolha dos atores, traça-se um quadro onde se relacionam os atores com as
variáveis-chaves, o qual constituirá a base para as futuras entrevistas com os atores.
Atores
Variáveis-
chaves
Ator 1
Ator 2
Ator 3
Ator 4
a.
b.
c.
d.
e.
Fig. A1: Matriz Atores X Variáveis-chaves
Fonte: Criada pelo autor
Detectadas as relações variáveis-chaves/atores, realizam-se entrevistas não diretas aos
atores, nas quais se colocam questões abertas, tendo por base um modelo de entrevista que se
estrutura em torno das variáveis-chaves do sistema. Nestas entrevistas deve-se tentar que os
atores identifiquem os seus objetivos estratégicos, que os hierarquizem e que se posicionem
relativamente a outros atores, de forma a fazer ressaltar as possíveis alianças e conflitos.
A partir da leitura das entrevistas, organizam-se sinopses que permitem uma melhor
organização da informação, a qual é dividida por variáveis-chaves, por uma hierarquização
dos objetivos, meios de atuação, parceiros, obstáculos à consecução dos seus objetivos, níveis
de competência e subordinação dos diversos atores. É a partir da análise de conteúdo das
sinopses que se constrói um quadro síntese da estratégia dos atores.
150
Por exemplo, pequenos e médios comerciantes, representados por uma associação comercial.
282
Quadro de Estratégia dos Atores
O Quadro de Estratégia de Atores tem como finalidade clarificar:
- os “desafios estratégicos” e os objetivos a eles associados;
- os meios de ação e os obstáculos à concretização dos objetivos dos diversos
atores.
O preenchimento do quadro de estratégia de atores resulta de informação existente,
tanto estatística como documental, de estudos prévios, da análise estrutural, das sinopses das
entrevistas realizadas e de uma reflexão do grupo de trabalho quanto à atuação dos diversos
atores em jogo. Esta etapa de preenchimento do quadro é crucial para todo o estudo, visto que
um mau preenchimento condicionará, obviamente, os resultados.
Um ator influente é um ator que dispõe de meios de ação importantes para influenciar
um número elevado de atores. Pelo contrário, um ator sobre o qual muitos atores possuem
muitos meios de ação, é dependente. O quadro de estratégia de atores ajuda a avaliar as
influências diretas entre os atores.
Nas células da diagonal principal do quadro, temos uma identificação o mais completa
possível do ator em causa: as suas finalidades, objetivos, projetos em desenvolvimento e em
maturação, as suas motivações, restrições e os seus meios de ação. Nas outras células, temos
os meios de ação que cada ator dispõe para influenciar outros atores de forma favorável à
consecução dos seus objetivos, assim como as expectativas de cada ator relativamente a cada
um dos outros. É freqüente a diagonal principal estar totalmente preenchida, enquanto que as
outras células, isto é, as atuações de uns atores sobre os outros, estão praticamente vazias.
Registra-se que os meios de ação detidos por um ator podem, por vezes, se tornar perigosos
para ele próprio: podem provocar ações de retorno (por retroação) tendo um efeito superior ao
inicialmente desencadeado.
283
Ator 1 Ator 2 Ator 3
Ator 1 Objetivos
.
.Meios
.
Obstáculos.
- Meios de ação que
dispõe para alcançar
o seu objetivo
- O que espera do
outro
- Meios de ação que
dispõe para alcançar
o seu objetivo
- O que espera do
outro
Ator 2 - Meios de ação que
dispõe para alcançar
o seu objetivo
- O que espera do
outro
Objetivos
.
.Meios
.
Obstáculos.
- Meios de ação que
dispõe para alcançar
o seu objetivo
- O que espera do
outro
Ator 3 - Meios de ação que
dispõe para alcançar
o seu objetivo
- O que espera do
outro
- Meios de ação que
dispõe para alcançar
o seu objetivo
- O que espera do
outro
Objetivos
.
.Meios
.
Obstáculos.
Fig. A2: Matriz Estratégia dos Atores
Fonte: GODET, M. Structural Analysys with the MICMAC Method and Actor´s Strategy.
AC/UNU Millenium Project. Paris: Econômica, 2006.
Identificação dos desafios estratégicos e objetivos associados
O quadro de estratégia de atores ajuda a identificar uma série de desafios estratégicos,
pelos quais os atores podem se defrontar; a cada desafio estratégico estão associados um ou
vários objetivos, com os quais os atores estão ou não de acordo.
Desafios (campos de batalha)
Objetivos
D1
O1
O2
O3
D2
O1
O2
O3
D3
O1
O2
O3
Fig. A3: Matriz Desafios e Objetivos
Fonte: GODET, M. Structural Analysys with the MICMAC Method and Actor´s Strategy.
AC/UNU Millenium Project. Paris: Econômica, 2006.
É importante frisar que a maior parte dos objetivos estratégicos está de alguma forma
relacionada com as variáveis fundamentais do sistema, ou subsistemas. É tendo por base esses
objetivos que se vão construir as diferentes matrizes atores × objetivos, de forma a determinar
quais os objetivos mais mobilizáveis e mais conflituais, ou seja, os que são alvo de maiores
conflitos.
Estudo das relações de forças entre os atores
A Matriz de Influência Direta (MID) é uma tabela Atores X Atores, na qual a
influência potencial de um ator sobre outro é registrada em uma escala de 0 a 4 (nenhuma,
284
fraca, média, forte, muito forte). Esta primeira tabela já revela as aparentes relações de poder;
a simples leitura dos totais para cada linha e cada coluna revela, respectivamente, o ator que
mais influencia e aquele que é mais suscetível de ser influenciado.
A tabela é preenchida pela equipe responsável pelo estudo, tendo por base informação
documental existente, as sinopses das entrevistas realizadas e o quadro de estratégia dos
atores. Como visto, a matriz exprime as relações diretas entre pares de atores.
ATORES
ATORES
A1 A2 A3 A4
Influência
Direta
A1 _____ 1 2 0
3
A2 1 _______ 0 0
1
A3 3 2 _______ 0
5
A4 1 2 0 ______
3
Dependência Direta 5 5 2 0
Fig A4: Matriz de Influência Direta
Fonte: GODET, M. Structural Analysys with the MICMAC Method and Actor´s Strategy.
AC/UNU Millenium Project. Paris: Econômica, 2006.
A soma em linha e em coluna dos valores desta matriz pode ser interpretada,
respectivamente, como um indicador de influência direta e o grau de dependência direta dos
atores. No caso acima, verifica-se que o Ator 3 é o mais influente, sendo os atores 1 e 2 os
que estão mais sujeitos à influência.
Os meios de ação diretos não traduzem todo o jogo de influências, no entanto a partir
da MID é possível obter uma Matriz das Influências Diretas e Indiretas (MIDI) que exprime
as influências diretas e indiretas de 2ª ordem entre atores, ou seja as influências transmitidas a
um terceiro por via de atores de ligação.
A MIDI é calculada da seguinte maneira:
(MIDI)
ij
= (MID)
ij
+
k
Min[(MID)]
ik
, (MID)
kj
]
Para se obter dois elementos da MIDI - (MIDI)
31
e (MIDI)
11
:
285
(MIDI)
31
: 3 + (0+1+0)= 4
O ator 1, sendo muito influente também é muito dependente, o que implica a presença
de um efeito de retroação muito elevado em suas ações. Como tal, estrategicamente, o ator 1
poderá não utilizar todos os meios de atuação que dispõe sobre o ator 3 e optar por agir sobre
os atores 2 e 4 menos reativos.
(MIDI)
11
: 0 + (0+1+0)= 4
Da aplicação deste procedimento à MID que serviu de exemplo, resulta a seguinte
Matriz Padrão de Influências Diretas e Indiretas:
286
Tabela A1: MIDI
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Três indicadores são calculados a partir da MIDI:
- o grau de influência líquida direta e indireta de cada ator
(I
j
=
kj
(MIDI)
kj
)
é a soma em linha, descontado o efeito da retroação.
- o grau de dependência líquida direta e indireta de cada ator
(D
j
=
kj
(MIDI)
ik
)
é a soma em coluna, descontado o efeito da retroação.
- o efeito da retroação, representado pela diagonal principal da matriz (MIDI)
ii
,
corresponde à influência indireta de um determinado ator sobre ele mesmo, tendo em conta
um ator de ligação.
É interessante comparar a ordenação dos atores levando em conta a sua influência
direta e a influência direta e indireta:
Grau de influência direta Grau de influência direta e indireta
ATOR 3
ATOR 1; ATOR 4
ATOR2
ATOR 3
ATOR 4
ATOR 1
ATOR 2
Fig. A5: Graus de Influência
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Na ordenação dos atores segundo sua influência direta e, direta e indireta, destaque
para os atores 3 e 4, que se mantêm como os atores mais influentes nas duas classificações. Já
os outros atores são pouco influentes, descendo o ator 1 na classificação conjunta.
287
A soma em coluna das referidas matrizes é um indicador do grau de dependência dos
atores. Da análise da dependência direta e, direta e indireta resulta:
Grau de dependência direta Grau de dependência direta e indireta
ATOR 1; ATOR 2
ATOR 3
ATOR 4
ATOR 2
ATOR 1
ATOR 3
ATOR 4
Fig. A6: Graus de dependência
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Na ordenação dos atores segundo a sua dependência direta e, direta e indireta,
destaque para os atores 1 e 2, como os atores mais dependentes, descendo apenas o ator 1 na
classificação conjunta.
A partir da consideração conjunta da influência e dependência diretas e indiretas dos
atores, pode-se construir um gráfico – Plano de Influência / Dependência Direta e Indireta dos
Atores, que permite destacar os atores que:
- comandam o jogo de atores desempenhando um papel chave no sistema;
- são muito influentes e muito dependentes;
- são pouco influentes, mas muito dependentes; e
- são medianamente influentes e dependentes.
Fig. A7: Plano de Influência / Dependência
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
288
Relação de forças e posição relativa dos atores
A partir da Matriz Padrão de Influências Diretas e Indiretas é possível calcular um
indicador de relação de forças que permite diferenciar os atores de acordo com a sua maior ou
menor capacidade para condicionar as atuações dos atores restantes e a sua maior ou menor
dependência relativamente a eles.
No entanto, “a relação de forças de um ator será tanto mais elevada consoante a sua
influência é elevada, a sua dependência fraca e a sua retroação fraca” (GODET, 1995, p. 14).
Assim, ao medir a relação de forças de um ator tem de se ter em conta não apenas a sua
influência, mas também a sua dependência e o efeito de retroação.
No cálculo dos coeficientes de relações de força r
i
, entra em consideração a influência
líquida direta e indireta, a dependência líquida direta e indireta e o efeito de retroação. Assim,
há que:
- considerar a influência líquida direta e indireta de um ator e retirar-lhe a retroação (o
efeito de retorno), ou seja o que o ator recebe dos outros atores indiretamente: Ii – (MIDI)ii.
O que significa “ter em conta a margem de manobra do ator em causa” (Op. cit.);
- relativizar a “margem de manobra do ator” pelo total de influências líquidas diretas e
indiretas (S =
i Σ Ii = j Σ Dj): (Ii – (MIDI)ii) / S ;
- ponderar a “margem de manobra relativa” pela relação entre a influência do ator e a
soma da sua influência e dependência, pois entre dois atores que tenham a mesma influência
relativa, é mais influente o que tiver menor dependência. Assim, tem de se ponderar o
coeficiente anterior por Ii / (Ii+Di).
Coeficiente r
i
= (Ii – (MIDI)ii) / S × [Ii / (Ii + Di)]
O MACTOR normaliza os coeficientes de relação de forças, para facilitar os cálculos:
Tendo em conta a Matriz Padrão de Influências Diretas e Indiretas (MIDI), obtém-se
os seguintes coeficientes de relação de força de cada ator:
r
1
=
(5-3) / 20 x 5/ (5+7) = 0,0416(6)
r
2
= (2-1) / 20 x 2 / (2+9) = 0,009
r
*
1
= 0,0416(6)/0,13= 0,33
r
*
2
= 0,07
289
r
3
= (7-2) / 20 x 7 / (7+4) = 0,1591
r
4
= (6-0) / 20 x 6 / (6+0) = 0,3
r
*
3
= 1,25
r
*
4
= 2,35
Sempre que o coeficiente de relação de forças é superior à média (r
i
> 0,13). Significa
que o coeficiente de relação de forças normalizado é superior a 1 (r
*
1
> 1).
Fig. A8: Relação de Forças
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Na relação de forças destacam-se os atores 3 e 4 que aparecem com uma posição
elevada neste jogo, em conseqüência da fraca ou nenhuma dependência que apresentam
relativamente aos outros atores. Os atores 3 e 4 são atores chaves ou principais.
Pode-se identificar a estabilidade das relações entre atores através do posicionamento
dos atores no gráfico de Influência / Dependência.
O jogo de atores é estável quando se tem atores muito influentes e pouco dependentes
(dirigentes) e por outro lado, atores muito dependentes e pouco influentes (subordinados).
O jogo de atores é instável quando são todos simultaneamente dirigentes e
subordinados.
O indicador de estabilidade H varia entre 0 e 100% e calcula-se a partir dos Ii e Dj da
Matriz Padrão de Influências Diretas e Indiretas (MIDI). Assim:
- H 0% Î situação instável, pois os atores são simultaneamente muito influentes e
muito dependentes; e
290
- H 100% Î situação estável. Os atores ou são muito influentes ou muito
dependentes.
O indicador de estabilidade é dado pela fórmula abaixo:
H =
i
Ii – Di / 2S X 100
No exemplo, o indicador de estabilidade é:
H= (5-7+ 2-9+ 7-4+ 6-0)/ (2 X 20) . 100
H= 18/40 x 100 = 45%
Um indicador de estabilidade de 45%, significa que estamos perante um jogo de atores
medianamente estável, tendo por um lado atores muito influentes, caso do ator 4 que só
influencia e não depende de qualquer outro ator; e o caso do ator 2 que depende mais do que
influencia.
O balanço líquido das influências (BL) do ator “i” relativamente ao ator “j” é a
diferença entre a influência direta e indireta de “i” sobre “j”. Pode-se analisar se um ator, em
termos líquidos, influencia mais do que é influenciado.
(BL)
ij = (MIDI) ij - (MIDI) ji
Sendo o diferencial total das influências diretas e indiretas (
i ):
i =
kj
(BL) ik
Fig. A9: Matriz do Balanço Líquido das Influências Diretas e Indiretas para cada par de Atores
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Por exemplo, o valor 2 em (BL) 12 obtém-se: (MIDI) 12 – (MIDI) 21 = 3-1= 2 (3
representa a influência de A1 sobre A2 e 1 a influência de A2 sobre A1). No caso de (BL)
21 tem-se: (MIDI) 21 – (MIDI) 12 = 1-3= - 2.
O balanço líquido das influências diretas e indiretas mais elevado é de A4 sobre A2.
Globalmente os atores A3 e A4 têm um balanço líquido total positivo (com
respectivamente 3 e 6), o que significa que esses atores exercem uma influência superior à
291
que recebem. Já os atores A1 e A2 têm um balanço líquido total negativo (-2 e -7), o que
significa que dependem mais do que influenciam.
Por meio do MACTOR pode-se ainda calcular a matriz dos máximos de influência
direta e indireta (MA), que permite identificar o nível máximo de influência que um ator pode
exercer sobre outro, seja de uma forma direta, seja através de um ator de ligação (indireta).
Na Matriz Padrão de Influências Diretas e Indiretas (MIDI) perdeu-se o significado da
escala de valores adotada na codificação das influências diretas. A vantagem da matriz dos
máximos de influência direta e indireta é o fato de conservar essa escala. Sendo:
(MA)
ij
= Max { ( MID )
ij
, Max
k
(Min { ( MID)
ik
, (MID)
kj
}} para qualquer valor ij /
ij
Fig. A10: Matriz dos Máximos de Influência Direta e Indireta (MA)
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Exemplificando o cálculo de (MA)
12
, o ator 1 influencia o ator 2 diretamente e por via
de atores de ligação. Estas influências podem ser representadas através do gráfico com as
setas (i, k) e (k, j), e acrescenta-se uma seta que representa a influência direta, com capacidade
(MID)
ij
(neste exemplo (MID)
12
= 1).
292
Considerando que a intensidade de influência indireta do ator 1 sobre o ator 2, através
do ator “k”, é dada pelo min {(1, k), (k,2)} temos:
min {1,0}= 0 para k=2
min {2,3}= 2 para k=3
min {0,2}= 0 para k=4
Considerando ainda que a influência indireta do ator 1 sobre o ator 2 é dada pelo
máximo das influências indiretas, temos que:
max
k
{0,2,0} = 2
Considerando ainda que a influência direta e indireta é dada pelo máximo entre a
influência direta e indireta, temos que:
max
{1,2} = 2, e portanto (MA)
12
= 2
O ator com o grau mais forte de meios de ação diretos e indiretos é o ator 3 (
1
= 5),
e é, portanto, um ator-chave neste jogo.
A partir da matriz dos máximos de influência direta e indireta (MA), podem-se
calcular dois indicadores:
-
i
– o grau de máxima influência direta e indireta de cada ator (soma em linha); e
-
j
– o grau de máxima dependência direta e indireta de cada ator (soma em coluna).
À semelhança do cálculo dos coeficientes de relações de força r
*
i
, calculam-se os
coeficientes associados à matriz dos máximos de influências diretas e indiretas, ρ
i
. estes
coeficientes indicam o grau de máxima influência e de dependência diretas e indiretas de cada
ator.
Os coeficientes de relações de força entram com as influências diretas e indiretas
globais assim como com as dependências diretas e indiretas globais. Assim, tem-se que:
293
ρ
i
= (
i
/
i
i
) X (
i
/
i
+
j
)
Normalizar os ρ
i
pela sua média, de forma a facilitar os cálculos, sendo:
Tendo em conta a matriz dos Máximos de Influências Diretas e Indiretas (MA),
obtém-se os seguintes coeficientes de relação de força de cada ator (ρ
i
*
):
ρ
1
= 4/15 x 4/ (4+5) = 0,12
ρ
2
= 2/15 x 2/ (2+6) = 0, 03
ρ
3
= 5/15 x 5/ (5+4) = 0,19
ρ
4
= 4/15 x 4/ (4+0) = 0,27
Neste caso não há diferenças a assinalar entre a ordenação dos coeficientes de relações
de forças entre arores, quando se tem em conta o conjunto das influências e dependências
diretas e indiretas (r
*
i
) ou apenas as máximas influências. Os atores 3 e 4 mantêm-se com
uma posição elevada neste jogo.
Estudo do Grau de Implicação dos Atores em relação aos Objetivos estratégicos
Após a identificação dos desafios estratégicos e os objetivos relacionados, pode-se
identificar a posição dos atores em relação aos objetivos e construir-se três tipos de matrizes:
- 1 MAO – Matriz Atores x Objetivos – Posições Simples;
- 2 MAO – Matriz Atores x Objetivos – Posições Valorizadas; e
- 3 MAO – Matriz Atores x Objetivos – Posições valorizadas e ponderadas.
294
As relações entre atores em cada desafio ou campo de batalha pode ser representado
na forma de um diagrama de possíveis convergências e divergências. É lógico que para
entender a situação estratégica como um todo, é necessário construir todos os diagramas de
possíveis convergências e divergências associados a cada objetivo, bem como os diagramas
dos recursos correspondentes.
Para um dado ator, a questão fundamental é identificar e avaliar as possíveis opções
estratégicas e uma seleção coerente de objetivos e alianças. A comparação visual dos
diagramas de convergências e divergências não é fácil; contudo, uma representação matricial
(MAO Matriz Atores x Objetivos – Posições Simples) permite que todos esses diagramas
sejam sintetizados em uma única tabela.
O preenchimento da matriz das posições simples atores x objetivos só entra em
consideração com o acordo/favorável (+1), desacordo/oposição (-1) e neutralidade (0) dos
atores relativamente aos objetivos.
Fig. A11: 1 MAO Matriz Atores/ Objetivos (Posições Simples)
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
A simples leitura da soma dos elementos positivos ( +) e da soma do módulo dos
elementos negativos ( -), em linha e em coluna, da matriz 1 MAO, fornece uma imagem da
convergência (concordância) e da divergência (discordância) dos diversos atores
relativamente aos objetivos, assim como do grau de implicação dos atores relativamente aos
objetivos em jogo e do respectivo grau de mobilização dos atores:
295
- o somatório em coluna dos módulos dos elementos da matriz, exprime o grau de
mobilização dos objetivos, isto é, o número de atores que têm uma posição ativa, de acordo ou
desacordo, relativamente a cada objetivo;
- o somatório em linha, exprime o grau de implicação de cada um dos atores nos
objetivos em jogo, isto é, o número de objetivos relativamente aos quais cada ator tem uma
posição ativa, concordante ou discordante.
Na referida matriz, o ator mais implicado neste jogo é ator 1. Quanto ao grau de
mobilização dos objetivos, o objetivo mais mobilizador é o objetivo 4, sendo que o objetivo 3
é o mais consensual, uma vez que 3 atores lhe são favoráveis e nenhum se lhe opõe.
Os objetivos não têm o mesmo grau de importância para os diversos atores. Um ator
pode se posicionar relativamente a um objetivo com um maior ou menor empenho. Para ter
em consideração o peso dos objetivos, constrói-se uma Matriz de Atores x Objetivos
valorizados.
Tabela A2: 2 MAO Matriz Atores/ Objetivos (Posições Valorizadas)
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
A fim de considerar a hierarquia de objetivos de cada ator específico, é suficiente
registrar a posição dos atores em relação aos objetivos em uma escala de -3 a +3, conforme o
nível de oposição ou de concordância de acordo com o seguinte critério: -3 (se opõe
radicalmente), -2 (se opõe), -1 (se opõe parcialmente), 0 (objetivo neutro), +3 (indispensável),
+2 (o objetivo é muito importante) e +1 (objetivo é importante). Quanto maior o nível de
preocupação de um ator em relação a um objetivo que ele considere importante, maior o valor
absoluto registrado.
296
Por meio da matriz pode-se quantificar o grau de envolvimento de um ator (grau de
implicação). Quanto maior o envolvimento do ator relativamente aos objetivos, maior será o
valor. O grau de implicação é a soma dos valores absolutos (em módulo), tendo em conta a
ponderação dos objetivos (soma em linha da 2 MAO). Do mesmo modo é também possível
quantificar o grau de mobilização dos objetivos.
Ao ter em consideração o peso dos objetivos, além do ator 1, que continua a ser dos
mais implicados neste jogo, inclui-se o ator 2, visto que os objetivos para os quais está
mobilizado têm um grau de importância elevado, sendo a soma das intensidades (em módulo)
do seu posicionamento relativamente aos diversos objetivos igual a 11.
Quanto ao grau de mobilização dos objetivos, além do objetivo 4, também os
objetivos 1 e 2 passam a ser os que implicam com maior intensidade o conjunto dos atores no
jogo (soma igual a 8). No entanto, só para o objetivo 2 é que o nível global de oposições é
superior à somadas posições favoráveis ( - = -5 versus + = 3). O objetivo 3 continua a
ser o mais consensual.
O jogo de alianças e conflitos possíveis entre os diferentes atores não depende apenas
do peso dos diferentes objetivos, mas da capacidade de uma ator impor as suas prioridades
aos outros – depende das relações de força existentes entre os diversos atores.
Ao considerar a relação de forças entre os atores, se um ator pesa duas vezes mais do
que outro na relação de forças global, significa dar um peso duplo à influência do ator em
causa nos objetivos. Assim, a nova Matriz Atores x Objetivos – 3 MAO – valorizada
simultaneamente pelo peso dos objetivos e pelas relações de força resulta de:
(3 MAO)
ij
= (2MAO)
ij
x r
*
i
297
Tabela A3: 3 MAO – Matriz Atores x Objetivos – Posições valorizadas em função do peso dos
objetivos e do “poder” dos atores
151
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Pela análise da 3 MAO, verifica-se uma forte oposição do ator 3 ao objetivo 2.
Ao comparar esta matriz com a 2 MAO, constata-se uma total inversão no grau de
implicação dos atores. Os atores 3 e 4, que “a priori” estavam pouco implicados para este
conjunto de objetivos, aumentam o seu grau de implicação relativamente aos outros atores,
apenas porque têm uma posição muito elevada no jogo de relações de forças ( a relação de
forças desses atores é superior à média, r
*
3
= 1,25 e r
*
4
= 2,35).
Assim, em termos globais os atores 1 e 2, em conseqüência da sua fraca relação de
força (r
*
1
=0,33 e r
*
2
=0,07), passam de primeiros atores mais implicados para último e
penúltimo.
Quanto aos objetivos, passa a ser o objetivo 3 o mais mobilizador, pelo fato de
mobilizar dois dos atores com maior peso na relação de forças (3 e 4), ficando o objetivo 4 em
segundo lugar no grau de mobilização.
Estudo do grau de Mobilização e de Conflito dos Objetivos
Os objetivos podem ser caracterizados segundo dois critérios:
- grau de conflito – existem objetivos consensuais e objetivos em torno dos quais se
travam conflitos mais ou menos intensos;
- grau de mobilização – existem objetivos que mobilizam vontades de um pequeno
número de atores, com mais ou menos intensidade, e objetivos em torno dos quais se verifica
uma mobilização de grande número de atores.
151
Por exemplo: (3 MAO)
14
= (2 MAO)
14
x r
*
1
=+2 x 0,33 = 0,66 = 0,7
298
Os graus de conflito e mobilização podem ser medidos de diversas formas:
- tendo em conta apenas as posições simples, isto é, o acordo, o desacordo ou a
indiferença (1 MAO);
- tendo em conta as posições e o respectivo grau de intensidade (2 MAO);
- considerando as posições com grau de intensidade, ponderadas pelas relações de
força (3 MAO).
O grau de conflito pode ser medido tendo em conta o nível de acordo (convergência) e
desacordo (divergência) dos diversos atores em relação aos objetivos. Resulta da comparação
entre a soma em coluna dos valores positivos ( +) e dos módulos dos valores negativos ( -
), de qualquer uma das matrizes 1 MAO, 2 MAO e 3 MAO. Se o grau de conflito for definido
como:
Grau de Conflito = 0,5 - ( +) / {( +) + ( -)}
Quanto mais próximo for de zero, maior o grau de conflito do objetivo.
De acordo com este critério, as ordenações dos objetivos são as seguintes:
+
1 MAO
OBJETIVO 1; OBJETIVO 2; OBJETIVO 5
2 MAO
OBJETIVO 1; OBJETIVO 2
3 MAO
OBJETIVO 5
OBJETIVO 5 OBJETIVO 1, OBJETIVO 2
OBJETIVO 4
OBJETIVO 4
OBJETIVO 4
OBJETIVO 3 OBJETIVO 3
OBJETIVO 3
Dos cinco objetivos considerados, quatro deles têm um grau de conflito alto. Há
algumas oscilações entre as três classificações, enquanto nas posições simples os objetivos 1,
2 e 5 possuem o maior grau de conflito, o objetivo 5 oscila entre a segunda posição e a
primeira, quando se têm em consideração a ordenação dos objetivos e a relação de forças. Isto
porque, por um lado é um objetivo pouco importante para o ator 4, mas por outro, como é um
ator com um peso elevado na relação de forças, aumenta o grau de conflito deste objetivo.
O grau de mobilização dos objetivos pode ser medido pelo somatório em coluna do
módulo dos elementos de qualquer uma das matrizes: 1 MAO, 2 MAO e 3 MAO. Quanto
299
maior for esse valor maior é o grau de mobilização. Assim, tendo em conta os três critérios de
classificação, a ordenação dos objetivos quanto ao grau de mobilização é a seguinte:
+
1 MAO
OBJETIVO 4;
2 MAO
OBJETIVO 1; OBJ 2 E OBJ 4
3 MAO
OBJETIVO 3
OBJETIVO 1., OBJ 2; OBJ 3 E OBJ 5 OBJETIVO 5 OBJETIVO 4,
OBJETIVO 3
OBJETIVO 1; OBJETIVO 2
OBJETIVO 5
Tendo em conta o grau de mobilização, podem-se considerar dois níveis de objetivos:
- objetivos muito mobilizáveis: os que implicam um número importante de atores ou
atores muito relevantes na relação de forças;
- objetivos pouco mobilizáveis: os que implicam um número reduzido de atores ou
atores pouco relevantes na relação de forças.
Quanto ao grau de mobilização, os que mobilizam mais atores ou com um peso
elevado na relação de forças são os objetivos 3 e 4. Frisa-se que os objetivos restantes, nas
duas primeiras classificações (simples e valorizadas) são objetivos muito mobilizáveis, no
entanto os atores que estão mais implicados com estes objetivos são atores com pouco peso na
relação de forças, o que implica que estes objetivos desçam no grau de mobilização da
classificação da 3 MAO.
A consideração simultânea do grau de conflito e de mobilização permite classifica-los
em quatro grupos:
- principais conflitos: objetivos que implicam fortemente grande número de atores em
sentidos muito contraditórios;
- conflitos secundários: objetivos com alto grau de conflito que implicam um número
reduzido de atores ou atores pouco relevantes na relação de forças;
- consensos mobilizáveis: objetivos pouco ou nada conflituosos que implicam um
número importante de atores ou atores muito relevantes na relação de forças;
- consensos pouco mobilizáveis: objetivos pouco ou nada conflituosos que implicam
um número reduzido de atores ou atores pouco relevantes na relação de forças.
300
Grau de
Conflito
Grau
de Mobilização
Muito conflituoso
Pouco conflituoso
Muito mobilizável
- Objetivo 4
“PRINCIPAIS CONFLITOS”
- Objetivo 3
“CONSENSOS
MOBILIZÁVEIS”
Pouco mobilizável
- Objetivo 5
- Objetivo 1
- Objetivo 2
“CONFLITOS
SECUNDÁRIOS”
“CONSENSOS POUCO
MOBILIZÁVEIS”
Tabela A4 : Grau de conflito e mobilização
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Da leitura conjunta do grau de mobilização e do grau de conflito, o objetivo 4 é o foco
de conflito, não existindo objetivos consensuais e pouco mobilizáveis.
Grupos de Atores: posicionamento dos atores, alianças e conflitos
Um dos objetivos da análise da estratégia dos atores é a identificação das alianças e
conflitos em presença. Desta forma, a partir das matrizes de convergências e divergências de
atores, determinam-se grupos estratégicos de atores e caracterizam-se em termos do grau de
dispersão, força relativa e conteúdo.
A partir da 2 MAO, o MACTOR calcula a matriz de divergências (2 DAA). Esta
matriz resulta da semi-amplitude das divergências entre os diferentes atores para os vários
objetivos, considerando que existe conflito entre o ator “i” e o ator “j” relativamente ao
objetivo “k” quando:
(2 MAO)
ik
x (2 MAO)
jk
< 0
Este conflito pode ser medido pela semi-amplitude:
½ x ( (2 MAO)
ik
+ (2 MAO)
jk
A divergência entre um par de atores relativamente a todos os objetivos pode então ser
medida pela soma das medidas de conflito. Por exemplo, o grau de divergência entre os atores
1 e 2 resulta de:
(2 DAA)
12
= (2 DAA)
21
=
(3 + -3) / 2 + (-3+ 3) / 2 + 0 + (2 + -2) / 2 + (-
2+ 3 ) / 2 = 10,5
301
Tabela A5: Matriz de Divergência entre atores
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Calculada a matriz de divergências é estabelecido um limiar de divergência, isto é o
grau de divergência a partir do qual se considera que há “incompatibilidade” entre os atores.
Os atores não necessitam de estar de acordo relativamente a todos os objetivos, no entanto a
partir de determinado nível de divergência dificilmente poderão fazer parte do mesmo grupo
estratégico. Se considerarmos, por exemplo, que o limiar de divergência se situa no 7,5, isso
significa que atores cujo grau de divergência seja superior ou igual a 7,5 não podem fazer
parte do mesmo grupo.
Pela análise das divergências nota-se que as maiores “incompatibilidades” são entre os
atores 1 e 2, pois estes atores têm posições antagônicas relativamente a objetivos importantes
para ambos – opõem-se relativamente a todos os objetivos, com exceção do objetivo 3 –, para
o ator 1 a sua realização é pouco importante e para o ator 2 é indiferente.
Ressaltam-se ainda as divergências existentes entre os atores 2 e 3, em menor grau do
que os anteriores, cujas divergências também são de assinalar – opõem-se relativamente a 3
dos 5 objetivos (O1, O2 e O3).
Constrói-se então uma nova Matriz de Divergências Transformada (2DAAT),
booleana, que tem em conta o limiar de divergências, em que um elemento é 0 quando se
considera uma divergência pouco importante (inferior ao limiar considerado) e 1 quando não
há convergência possível entre os atores, obtendo-se:
302
Tabela A6: Matriz de divergências transformada
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
À semelhança da 2 DAA, também a matriz de convergências (2 CAA), é uma matriz
simétrica, que o MACTOR calcula a partir da 2 MAO e resulta da média das convergências
entre os diferentes atores para os vários objetivos.
Considerando que existe acordo entre o ator i e o ator j relativamente ao objectivo k
quando:
(2 MAO)i k × (2 MAO)j k > 0
O acordo pode ser medido por:
½ x ( (2 MAO)
ik
+ (2 MAO)
jk
A convergência entre um par de atores relativamente a todos os objetivos pode ser
medido pela soma das medidas de acordo. Por exemplo, o grau de convergência entre os
atores 1 e 3 resulta de
(2 CAA)
13
= (2 CAA)
31
=
(3 + 2) / 2 + (-3+-2) / 2 + (1+2) / 2 + (2 + 3) / 2 =
2,5+ 2,5 + 1,5 + 2,5= 9
A partir da Matriz de Convergências (2 CAA) e da Matriz de Divergências
Transformada (2 DAAT), constrói-se uma nova matriz de convergências que tem em conta o
limiar de divergência:
303
Tabela A7: Nova matriz de convergências
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Nesta matriz (2 CAAT) quando há uma divergência muito elevada entre os atores, ou
seja quando a Matriz de Divergências Transformada tem o valor 1, o elemento respectivo
assume o valor 0 e quando a divergência não é muito relevante, assume o valor da
convergência.
Designando por M o nível máximo de convergência entre atores na matriz 2 CAAT, é
possível obter uma medida de dessemelhança entre atores susceptível de ser utilizada no
“clustering”, dada por:
D
ij
= M – (2 CAAT)
ij
No exemplo apresentado, o nível máximo de convergência entre atores é 9, para atores
cuja convergência seja máxima, a sua dessemelhança é nula e para atores cuja convergência é
nula, a sua dessemelhança é máxima, 9. A dessemelhança entre os atores 1 e 4 resulta de:
(2 MDA)
14 =(2 MDA)41 = 9 - 3 = 6
No caso do exemplo as dessemelhanças obtidas são as seguintes:
304
Tabela A8: Matriz de dessemelhanças
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Para classificar os atores em “clusters” (setores) foi utilizado o método de
hierarquização abaixo:
- Seja Pn, a partição do conjunto de atores em N grupos (N, número de atores) com
apenas um ator, a partição corrente;
- Agregar os dois grupos de partição corrente cuja dessemelhança entre atores (um em
cada grupo) é a mínima de todos os pares de grupos;
- Se todos os atores pertencerem ao mesmo grupo PARE. Caso contrário voltar ao
item anterior.
Se este procedimento for aplicado ao caso que tem servido de exemplo, partindo de
uma situação inicial em que cada ator constitui um grupo (Grupo1: ator 1; Grupo 2: ator 2;
Grupo3: ator 3; Grupo 4: ator 4) tem-se:
- 1ª interação
Dessemelhança máxima entre atores pertencentes a diferentes grupos.
Grupo 1 / Grupo 2: d
12
= 9
Grupo 1 / Grupo 3: d
13
= 0
Grupo 1 / Grupo 4: d
14
= 6
Grupo 2 / Grupo 3: d
23
= 9
Grupo 2 / Grupo 4: d
24
= 7
Grupo 3 / Grupo 4: d
34
= 5
Como a dessemelhança máxima é mínima no caso do par Grupo 1 / Grupo 3, estes
dois grupos são agregados.
A partição corrente passa a ser
305
Grupo 1: ator 1 e ator 3;
Grupo 2: ator 2
Grupo 3: ator 4
Uma vez que os atores não pertencem todos ao mesmo grupo, efetua-se uma nova
interação.
- 2ª interação
Dessemelhança máxima entre atores pertencentes a diferentes grupos.
Grupo 1 / Grupo 2: d
12
= 9; d
23
= 9
(dessemelhança máxima: 9)
Grupo 1 / Grupo 3: d
14
= 6; d
34
= 5
(dessemelhança máxima: 6)
Grupo 2 / Grupo 3: d
23
= 9
(dessemelhança máxima: 9)
A dessemelhança máxima é mínima no caso do par Grupo 1 / Grupo 3, estes dois
grupos são agregados, passando a partição corrente a ser:
Grupo 1: ator 1, ator 3 e ator 4;
Grupo 2: ator 2
Uma vez que todos os atores não pertencem todos ao mesmo grupo haveria lugar para
uma nova interação que conduziria necessariamente à conclusão do procedimento com todos
os atores no mesmo grupo.
A aplicação deste método de classificação aos dados do referido exemplo conduz,
portanto, a duas possibilidades alternativas de constituição de grupos de atores:
- 1ª possibilidade
Grupo 1: ator 1 e ator 3;
Grupo 2: ator 2
Grupo 3: ator 4
- 2ª prioridade
Grupo 1: ator 1, ator 3 e ator 4;
Grupo 2: ator 2
Os grupos estratégicos de atores podem ser caracterizados em função do grau de
dispersão, a força relativa e o conteúdo.
O grau de dispersão exprime a distância máxima entre atores incluídos no mesmo
grupo (quanto menor o seu valor maior a coesão do grupo). A força relativa do grupo é dada
306
pela soma das forças relativas de cada um dos atores incluídos no grupo. Quanto maior a força
relativa e menor o grau de dispersão maior a força do grupo.
Como se pode ver pela reordenação das linhas da matriz 2 MAO, se retiver a 1ª
possibilidade de agrupamento, cada um dos grupos pode ser caracterizado pelos consensos
internos que o une e que, simultaneamente, o diferencia dos outros grupos. No entanto, apesar
dos consensos serem dominantes, no interior de cada grupo subsistem divergências. Na
caracterização que seguidamente se apresenta ignoraram-se os objetivos consensuais, que
evidentemente não permitem diferenciar grupos, e considerando-se que divergências muito
minoritárias relativamente a um objetivo não invalidam o consenso.
ATOR 1
ATOR 3
ATOR 2 ATOR 4
GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3
Tabela A9: 2 MAO – MATRIZ ATORES X OBJETIVOS (Posições valorizadas)
Fonte: Actor´s Strategy with MACTOR method. Futures Research Methodology
Grupo 1: atores 1 e 3
Grau de dispersão – 0
Força Relativa – 1,58
Acordos: Estão de acordo com todos os objetivos estratégicos, sendo o ator 3 neutro
relativamente ao objetivo 5.
Este grupo caracteriza-se por uma completa convergência. Por um lado, um forte
empenho relativamente aos objetivos 1, 3 e 4 e, por outro, uma forte oposição relativamente
ao objetivo 2.
307
Grupo 2: ator 2
Grau de dispersão – 0
Força Relativa – 0,07
Este grupo opõe-se radicalmente ao grupo 1 relativamente à maioria dos objetivos,
sendo neutro relativamente ao objetivo 3 (muito consensual). Assim, opõe-se com muito
empenho relativamente aos objetivos 1 e 4, e para a sua estratégia lhe é imprescindível a
realização do objetivo 2.
Grupo 3: ator 4
Grau de dispersão – 0
Força Relativa – 2,35
Este grupo distingue-se dos restantes por estar, não só menos mobilizado para estes
objetivos (só está mobilizado para 3 objetivos) como o fato do ator que o compõe estar pouco
empenhado neste jogo. No entanto é o ator com a maior força relativa (o mais influente e nada
dependente), o que lhe confere algum protagonismo.
É interessante analisar o papel-chave que o ator 4 poderá desempenhar num jogo com
estas características. Por um lado é o ator com maior poder na relação de forças, em nada
depende deste jogo, e, por outro lado, é o que menos está implicado com os objetivos em
presença, sendo neutro relativamente ao objetivo de maior conflito, objetivo 2.
Da análise do seu posicionamento relativamente aos objetivos 3, 4 e 5 dir-se-ia que
este ator seria um potencial aliado do grupo 1, visto terem a mesma posição relativamente aos
objetivos 3 e 4, divergindo apenas quanto ao objetivo 5. No entanto, também poderia ser um
aliado do grupo 2 (ator 2), visto ambos serem favoráveis à concretização do objetivo 5,
divergindo apenas no objetivo 4. Desta forma, pode-se considerar que o ator 4, não só pelo
poder que detém num jogo com estas características, como pela sua postura, de alguma
maleabilidade e exterioridade poderia desempenhar um papel de moderador entre os grupos
em conflito: atores 1 e 3 versus ator 2.
308
ANEXO A
Técnicas empregadas em métodos na elaboração de cenários
MÉTODOS BASEADOS EM MÍDIA
Monitoramento da mídia
Monitoramento da mídia é um método simples e popular para o exercício do
monitoramento contínuo ou para uma ocasional inspiração como parte do processo de
planejamento. Um simples monitoramento da mídia pode, usualmente, ser um bom
complemento para uma sessão de “brainstorming” em torno das variáveis principais que tem
impacto sobre o ponto focal do problema.
É simples criar um sistema para monitoramento de mídia. O recorte de artigos dos
jornais que parecem relevantes para as áreas de estudo é uma prática eficaz. Se uma notícia
ouvida e/ou vista na televisão chamar a atenção, é importante fazer uma pequena anotação em
um pedaço de papel. Se for encontrado algo de interessante na Internet é fácil copiar para o
computador e depois imprimir. Existem vários sítios de resenhas de periódicos disponíveis na
rede.
Todo esse conjunto de dados pode ser acumulado e regularmente classificado sob
registros ou temas de interesse. Em intervalos regulares pode-se ir aos arquivos e sumarizar as
observações.
Quando se monitora um grande número de jornais é importante fazê-lo de forma
rápida, apenas alguns minutos por jornal. Também é importante ter um par de hipóteses em
mente e buscar material para confirmá-las ou refutá-las. Também é importante vigiar outros
fenômenos que parecem mostrar algo de novo. Novos eventos podem ser os embriões de
grandes assuntos no futuro.
Grupos monitores de tendências
Uma boa maneira de engajar as pessoas no processo de acompanhamento é por meio
da organização de grupos pequenos de monitoramento de tendências dentro da companhia ou
departamento. Os membros do grupo podem monitorar tanto assuntos iguais ou distintos.
Eleja um coordenador cuja tarefa principal será coletar e classificar o material. O grupo se
reúne com certa periodicidade para analisar partes do material coletado. O grupo deve ter
prévio acesso as informações coletadas.
309
Resenhas de informações da mídia
Existem muitas organizações que oferecem diferentes tipos de resenhas,
particularmente de periódicos e da Internet, como também de revistas, rádio e televisão.
Geralmente os resultados são distribuídos em portais da intranet. Frequentemente a resenha
aborda tópicos de interesse da organização ou empresa que devem ser coletados nos vários
tipos de mídia já citados.
Análise da palavra-chave
Nos sítios de busca é possível coletar dados por meio de busca direcionada a uma
palavra-chave e verificar hipóteses sobre qualquer assunto. É aconselhável a busca em sítios
de credibilidade como o Google e Altavista e com o uso das palavras-chave em inglês ou no
idioma da origem da palavra.
Análise de conteúdo
É uma técnica reconhecida e que foi muito usada durante a II Guerra Mundial. Mais
tarde, a técnica se tornou comum por meio do trabalho do futurista John Naisbitt. A análise de
conteúdo é baseada nos seguintes pressupostos:
- o material que é divulgado para um propósito geralmente possui outras mensagens
implícitas (o que está por trás de cada conteúdo manifesto). Essas mensagens geralmente são
mais autênticas do que aquelas que são diretamente comunicadas;
- a informação implícita pode ser identificada, codificada, analisada e interpretada.
Existem padrões na informação que descrevem o estado presente das coisas e revela
tendências e atitudes; e
- a análise de conteúdo pode corrigir, espelhar e testar informações de outras fontes.
A análise de conteúdo permite a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens.
MÉTODOS GENERATIVOS ou CRIATIVOS
Brainstorming
Trata-se de uma técnica de trabalho em grupo na qual a intenção é produzir o máximo
de soluções possíveis para um determinado problema. Serve para estimular a imaginação e
fazer surgir idéias, o que seria mais difícil se as pessoas trabalhassem isoladamente.
As idéias surgidas durante um brainstorming podem servir de ponto de partida de um
processo ou plano formal ou para se sair de uma situação de impasse em um trabalho formal.
A maneira de conduzir um brainstorming varia, dependendo da experi~encia do
orientador. Para minimizar essa dependência, convém adotar os seguintes procedimentos:
310
- ambientar os participantes, explicar-lhes o método e as regras e motiva-los;
- deixar claro que não sofrerão qualquer tipo de censura ou crítica durante a fase do
surgimento de idéias;
- alertar todos os participantes para o fato de que, do mesmo modo que não sofrerão
críticas, também não devem fazer “cara feia” para o autor de qualquer idéia;
- designar alguém para ir anotando em um quadro as idéias que forem surgindo, a fim
de que todos possam visualiza-las;
- incutir nos participantes a noção da importância de suas contribuições e esclarecer
que elas serão depuradas por eles mesmos após o brainstorming; e
- combinar sinais como, por exemplo, mão levantada, para informar que se tem uma
idéia enquanto outra está sendo escrita no quadro, ou mão levantada com lápis, para
apresentar idéia relacionada com a que está sendo escrita, a fim de obter prioridade.
Como regra geral, cada sessão de brainstorming não deve ultrapassar 40 minutos. São
também fundamentais as condições do ambiente.
Construção intuitiva da linha do tempo
A construção intuitiva da linha do tempo é uma técnica que busca considerar uma
intuição acerca de um desdobramento futuro em um pensamento consciencioso. Para tanto é
necessário:
- desenhar em uma folha de papel um eixo com o valor tempo (t) e outro com uma
variável (y). Defina o tipo de desdobramento e o horizonte de tempo em que ele ocorrerá;
- desenhe uma linha baseada no seu sentimento ou intuição para o desdobramento que
se quer descrever; e
- tente descrever para si mesmo o porquê da linha ter aquele formato, suas
irregularidades, os saltos, as forças motrizes, os atores. Adicione os comentários que explicam
quais eventos afetam a linha do tempo.
Imaginando
Coloque o foco no futuro, em um sonho desejado e deixe sua imaginação criar como
por exemplo: se você tivesse uma oportunidade de viajar no futuro cinco anos e visitar sua
organização, o que você gostaria de ver? Ao fazer viagens imaginárias pode-se ter uma noção
dos seus valores. Os sonhos de uma pessoa provavelmente vão diferir um pouco das demais.
O sonho de uma boa sociedade e uma boa vida são frequentemente pontos em comum. É na
forma de decidir como chegar lá é que existem as diferenças. A imaginação pode ser uma
forma eficiente de visualizar cenários alternativos.
311
Uma outra técnica bem semelhante é a narrativa de uma estória do futuro. Ela é
utilizada para ter acesso a concepções intuitivas e é uma maneira efetiva de dar vida a
cenários e visões. Ao contar uma estória se provê a si mesmo e aos outros com as “memórias
do futuro”; em outras palavras, se criam trilhas memorizáveis no córtex cerebral.
Para se habilitar a escrever uma estória futura, isto é, um cenário retrospectivo, é
necessário se partir de um estado futuro e voltar no tempo. Isto é feito da seguinte maneira:
- decida sobre uma área ou assunto sobre o qual se pretende descrever;
- ligue um gravador, pegue um lápis e papel ou sente-se em frente a um computador.
Deixe a criatividade fluir. Algumas sentenças incompletas darão início a um fluxo de
criatividade;
- uma maneira alternativa é entrevistar a si mesmo em um tempo futuro 95 a 10 anos à
frente) e realizar uma série de perguntas inteligentes. Responda-as; e
- analise sua estória futura. Qual foi o curso dos eventos, das inflexões, os atores?
Existem outras idéias úteis que podem ser utilizadas no trabalho estratégico? Outras lições?
Questionários e entrevistas
São formas de gerar idéias, opiniões ou informações de uma determinada população-
alvo que auxiliam a criatividade na solução de problemas. Os questionários podem ser
utilizados em conjunto com o método Delphi e o método dos impactos cruzados.
TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO
Método Delphi
O método consiste em interrogar individualmente, por meio de sucessivos
questionários, um determinado grupo de peritos ou especialistas. Depois de cada aplicação do
questionário aos peritos, as questões são analisadas e apresentadas a eles outra vez para que
tenham a oportunidade de rever suas opiniões. O questionário só pode ser apresentado, no
máximo, seis vezes. Trata-se de uma metodologia de trabalho em grupo que busca a
convergência de opiniões e procura minimizar os problemas típicos dos grupos, quais sejam:
- a pressão social para que os membros concordem com a maioria;
- atribuição, por vezes, de mais importância ao volume de comentários pró e contra
uma opinião do que sua validade;
- influência exagerada exercida pela personalidade dominante sobre a opinião do
grupo;
- influência de interesses particulares de um indivíduo, ou de parte do grupo, na
decisão; e
312
- polarização do grupo, ou de parte dele, para uma cultura, classe ou tecnologia.
O método tenta superar os problemas psicológicos do comportamento em grupo já
citados recorrendo a três procedimentos: anonimato, disposição estatística dos dados e
realimentação do raciocínio elaborado.
O importante é que os peritos não conheçam as opiniões uns dos outros isoladamente,
somente a opinião integrada do conjunto.
Assim, o método Delphi tem dois grupos: o de peritos, que é consultado a distancia e o
de analistas, que analisa e interpreta as respostas.
O grupo de peritos tem por tarefa, mediante um processo de raciocínio lógico, a
elaboração de estimativas que serão comparadas, corrigidas e completadas em fases
seqüenciais de estimulação, com base nas respostas dadas a sucessivos questionários.
Devem integrar o grupo de peritos, pessoas que tenham profundo conhecimento de
alguma parte da estrutura do sistema em estudo e, também, algum nível de conhecimento das
demais partes que não são sua especialidade. Os próprios peritos têm a oportunidade de
dimensionar seus níveis de conhecimento referentes a cada parte da estrutura que lhes foi
perguntada.
São os analistas do grupo de controle que, com base na opinião dos peritos, realizam o
estudo analítico, sintetizam as conclusões obtidas e fazem a redação do trabalho final.
A execução do método Delphi é de natureza interativa. A realimentação controlada
consiste em uma sucessão de etapas, nas quais os resultados da precedente é comunicado aos
peritos. Assim, cada um deles pode revê-los, na tentativa de diminuir uma possível dispersão
na distribuição das respostas, ajustadas em uma curva logarítmico-normal. A finalidade é se
chegar a um consenso em que as respostas se aproximem do valor da mediana, obtendo-se, ao
final do processo, uma convergência.
Método dos Impactos Cruzados
A técnica Matrizes de Impactos Cruzados consiste em fazer uma exploração do futuro
com base em uma série de eventos que podem ou não ocorrer num horizonte temporal
considerado. É considerada como evento uma hipótese que pode ou não ser certa, conforme
tal evento ocorra ou não no marco temporal analisado. Nessa técnica, não basta identificar um
conjunto de eventos cujas probabilidades de ocorrência especifiquem os cenários futuros, mas
é necessário estabelecer as inter-relações das ocorrências entre uns e outros, isto é, o impacto
cruzado nas ocorrências deles.
313
A influência da ocorrência de um evento sobre a probabilidade de outros ocorrerem é
o que se define como impactos. Os impactos são tratados como probabilidades condicionais.
Em verdade, este método engloba uma família de técnicas que visam avaliar a
influência que a ocorrência de determinado evento teria sobre as probabilidades de ocorrência
de outros eventos. O método leva em conta a interdependência de várias das questões
formuladas, possibilitando que o estudo que se está realizando adquira um enfoque mais
global, mais sistêmico e, portanto, mais de acordo com uma visão prospectiva. O método visa
hierarquizar os cenários mais prováveis.
Na utilização dessa técnica, conta-se hoje com softwares que facilitam
extraordinariamente a sua utilização.
Modelagens e Simulações
Modelagens e simulações representam tentativas de identificar certas variáveis e criar
modelos computacionais, jogos ou sistemas nos quais se pode visualizar a interação entre as
variáveis ao longo do tempo. Computadores ou pessoas ou ambos podem ser envolvidos.
Com os computadores, pode-se fazer o jogo do "e se...", onde ao se fazer determinadas
escolhas pode-se ver as conseqüências que se seguem.
MÉTODOS BASEADOS EM ENTREVISTAS
Pesquisas
Pesquisa é o método mais comum de solicitar informações de grupos de especialistas
quando encontros pessoais são difíceis. O método é popular porque é relativamente rápido,
razoavelmente fácil e barato. A pesquisa tem alguns pressupostos básicos: a avaliação do
grupo tem maior probabilidade de ser correta do que as opiniões individuais. Pressupõe-se
que a informação grupal vai cancelar a informação incorreta. Essa técnica também assume
que as perguntas devem ser formuladas de forma clara, concisa, sem ambigüidades e em um
vocabulário conhecido e amigável para os que vão responder. Geralmente, pelo menos
algumas perguntas devem ser abertas, permitindo que quem responda use suas próprias
palavras.
Pesquisa de opinião
Uma opinião é a percepção que um grupo têm a respeito de uma certa questão: por
exemplo, a visão do público em geral sobre a energia nuclear ou a percepção de um cliente
sobre um serviço prestado por uma empresa. As pesquisas de opinião podem ser usadas para
dois propósitos: para obter um quadro quantitativo do estado da arte no momento ou para
monitorar mudanças ao longo do tempo.
314
Painel de especialistas
O painel de especialistas constitui uma forma interessante de obter percepções de
especialistas e vêm sendo crescentemente utilizados na prospecção de caráter global, regional
e nacional. Os painéis têm a vantagem de permitir uma grande interação entre os participantes
e de garantir uma representatividade mais equilibrada de todos os segmentos interessado. Os
painéis devem investigar e estudar os temas determinados e dar suas conclusões e
recomendações. Devem ter a mesma integridade e conduta de outros estudos científicos e
técnicos e devem buscar o consenso, mas não a ponto de eliminar todas as discordâncias.
MÉTODOS SISTÊMICOS
Análise de sistemas
A análise de sistemas se tornou ultimamente uma ferramenta popular para descrever e
analisar sistemas complexos. A teoria de sistemas é frequentemente usada dentro da
engenharia de controle automático, que lida com a regulação de sistemas simples ou mais
complexos por meio de diferentes formas de ciclos de realimentação. Mas a teoria de sistemas
também é a base para a moderna terapia familiar.
A análise de sistemas é baseada em duas hipóteses básicas. A primeira é que as partes
de um sistema só podem ser entendidas em contexto, pela consideração do todo. A segunda e
que a fim de entender a totalidade, é necessário identificar as partes e suas inter-relações.
Os fatores de força da teoria de sistemas são: primeiro, ela torna possível lidar com
sistemas amplos, complexos e reais e, segundo, possibilita criar modelos de trabalho que
simulam a realidade.
Há basicamente dois tipos diferentes de sistemas: aqueles com realimentação positiva
e aqueles com realimentação negativa. Os primeiros são do tipo que se auto-reforça. Um
aumento em uma parte do sistema fortalece outras partes e vice-versa. Exemplos de sistemas
tipo bola de neve são encontrados no mundo real: dinheiro, poder, sucesso, conhecimento e
população seguem essas regras. Quando se fala de círculos virtuosos ou viciosos nas
organizações está se falando de sistemas de realimentação positivo.
Sistemas de realimentação negativa são ativos e auto-regulantes. Eles tendem ao
equilíbrio. Um aumento em uma parte do sistema leva ao decréscimo em outra parte. Um
exemplo de realimentação negativa é a oferta e demanda.
Outra excentricidade nos sistemas é o atraso. Há um certo tempo de retardo até que o
sistema se adapte à nova situação. Como conseqüência, os sistemas tendem a oscilar. Todo
mundo que tentou regular a água quente em um chuveiro com duas torneiras sabe tudo sobre
315
oscilação. Primeiramente a água é muito fria porque os canos são extensos; logo, abre-se a
torneira quente ao máximo e de repente a água ferve. Rapidamente fecha-se a torneira quente
e abre-se a fria e assim sucessivamente até se achar a temperatura desejada.
A característica de um sistema auto-regulado é que ele oscila até encontrar o ponto de
equilíbrio. Um sistema sem suficiente amortecimento, pode se acelerar levando-o a oscilações
cada vez maiores e finalmente a quebra do sistema.
Mapeamento causal / diagramas de ciclo causal
Usando a razão é possível descrever o sistema como uma série de ciclos de
realimentação. Esses setores de sub-sistemas ligados aos ciclos de realimentação são
usualmente denominados de diagramas de ciclo causal. Descrever um sistema por meio de um
diagrama de ciclo causal é uma forma efetiva de alcançar clareza no inter-relacionamento
sistêmico e na dinâmica do sistema. Ao desenhar um diagrama de ciclo é possível entender a
fraqueza de um sistema, identificar fatores importantes, cenários alternativos.
Suponha que queira representar o relacionamento entre "nascimentos" e "população".
Um primeiro esboço de um diagrama causal mostrado na figura 1 abaixo, expressa que a taxa
de nascimentos influencia o tamanho da população e que a população influencia a taxa de
nascimento:
Figura 1 - Esboço do diagrama causal
Este diagrama acima esquematiza um relacionamento entre"nascimentos" e
"população", mas não está mostrando de que forma cada uma das variáveis está influenciando
a outra.
O diagrama causal da figura 2 abaixo mostra através da seta que vai de "nascimentos"
para "população" com o sinal "+" que quanto maior a taxa de "nascimentos", maior será a
"população"(ou quanto menor a taxa de "nascimentos", menor será também a "população").
Este sinal "+" na seta indica que as duas variáveis envolvidas têm o mesmo
comportamento, melhor dizendo, a mudança das duas variáveis ocorre sempre na mesma
direção.
316
Também existe uma seta com sinal "+" de "população" para "nascimentos", indicando
que quando ocorre uma mudança no comportamento da "população", também ocorrerá uma
alteração em "nascimentos" no mesmo sentido.
Este tipo de diagrama está caracterizado como um enlace de reforço.
Figura 2 - Diagrama causal
Os diagramas de ciclo causal (ou diagramas causais) representam os elementos de um
sistema e a relação entre eles. Utilizam a linguagem de elos fechados que permitem expressar,
com poucas palavras e setas o seu entendimento do problema, ou seja, seu modelo mental.
Mostram o caráter da relação entre cada par de conceitos e buscam a resolução de problemas.
Existem algumas regras para se ter em mente quando se trabalha com diagramas de
ciclo causal:
- tentar dar descrições quantitativas para todas as variáveis (número de empregos,
custo, tempo);
- identificar todas as variáveis ( não é necessário, mas facilita o pensamento);
- se as ligações entre as variáveis necessitam de uma explicação, faça isso; e
- feche todos os ciclos.
TÉCNICAS DE ANÁLISE MULTICRITÉRIO
Método dos Examénes
É um método de seleção no qual os vários aspectos do problema, ou critérios, são
considerados do mesmo modo que as diversas provas de um concurso. Há, portanto,
necessidade de enquadrar os vários dados disponíveis dentro de cada critério, para, em
seguida, ponderar sua importância de acordo com o peso atribuído a cada critério. Calcula-se
a média ponderada final de cada aspecto, ou dado considerado, classificando-se sua
importância em relação à média final obtida. É como se, em um concurso, atribuíssemos
pesos diferentes às diversas provas que o constituem.
317
Método Pattern
O método Pattern (Planning Assistance Through Technical Evaluation of Relevance
Numbers) surgiu em 1963, quando a Honeywell Corporation o utilizou no programa de
pesquisa especial e military norte-americano. É uma das mais conhecidas aplicações da
“árvore de relevância”ou “árvore de pertinência”, que tem por objetivo hierarquizar os
caminhos decisórios, segundo a importância de sua contribuição para a consecução do
objetivo inicial. O método ajuda a selecionar ações que satisfaçam objetivos globais.
Segundo Godet, trata-se de relacionar diferentes níveis hierarquizados de um
problema, do geral (nível superior) para o particular (nível inferior). O método é composto de
duas etapas: a construção da árvore e sua notação.
Constroem-se as árvores colocando-se no topo os objetivos a serem alcançados e, nos
níveis intermediários, as metas e submetas necessárias para se alcançar tais objetivos. No
nível mais baixo são identificadas as tecnologias necessárias para chegar ao topo da árvore.
Após essa construção deve-se medir a contribuição de cada ação para a consecução dos
objetivos do sistema. Para tanto, atribui-se uma nota (denominada pertinência) a cada aresta
da árvore. A nota atribuída a uma ação traduz a sua contribuição para a realização das ações
do nível imediatamente superior. Isso permite a hierarquização dos caminhos decisórios,
segundo a importância de sua contribuiçãi para a realização do objetivo inicial.
Método Electre
A modelagem de preferências é utilizada em aproximadamente 20 métodos da Escola
Francesa de Apoio Multicritério à Decisão. Os métodos mais difundidos dessa escola
pertencem à famólia Electre (Elimination Choix Traduisant la Realité) e foram desenvolvidos
por Bernard Roy durante a década de 1970.
A grande importância do Método Electre advém do fato de permitir modelar as
opiniões dos decisores estratégicos e também conjugar características materiais com os da
subjetividade humana, a fim de obter resultados de apoio ao processo decisório.
A modelagem de preferências baseia-se na comparação de algumas ações, segundo
critérios preestabelecidos, realizadas duas a duas, da seguinte maneira: a) preferência por uma
das ações; b) indiferença para com as ações; e c) impossibilidade de comparação. Essa
modelagem possibilita agrupar os vários aspectos de um problema em conjuntos.
Método AHP (Analytic Hierarchy Process)
O método AHP foi desenvolvido na década de 1990 por Thomas L. Saaty e mais tarde
aperfeiçoado pelo próprio Saaty, auxiliado por Vargas e Wendwll, com a introdução do AHP
Referenciado. É um método de apoio multicritério à decisão segundo o qual o problema é
318
decomposto em níveis hierárquicos, a fim de facilitar sua estruturação e conseqüente
avaliação. O método determina claramente, por meio da síntese dos valores atribuídos pelos
peritos, uma medida global para cada alternativa, classificando-as no final.
Após a construção da hierarquia, cada perito compara, para a par, os elementos de um
dado nível hierárquico, criando uma matriz quadrada de decisão, na qual representa, a partir
de uma escala predefinida, sua opinião sobre os elementos (comparados entre si), sob a ótica
de um elemento do nível imediatamente superior..
Assim, a chamada Escala Fundamental de Saaty estabelece prioridades entre duas
atividades, numa escala de 1 a 9, onde 1 significa que ambas ciontribuem igualmente para o
objetivo e 9 evidencia o favorecimento de uma atividade em relação á outra, no mais alto grau
de certeza. Por meio de uma série de regras matemáticas, o método permite que se chegue a
uma ordenação global de valor.
Método Macbeth
O método Macbeth (Measuring Attractiveness by a Categorical Based Evaluation
TecHnique), apresentado em 1994 pelo professor Costa em uma conferência internacional na
Universidade de Coimbra, Portugal, é uma das mais modernas metodologias de apoio
multicritério à decisão e, segundo seus idealizadores, procura mostrar os inconvenientes de
outros métodos com propósitos similares, como o Electre e o AHP, recorrendo a uma
abordagem interativa que facilita a construção de escalas cardinais para a quantificação de
valores de julgamento.
Na fase da estruturação, o método baseia-se em critérios de avaliação (pontos de vista)
e em níveis de impacto e, na fase da avaliação, na quantificação de cada nível de impacto, a
partir dos vários pontos de vista. O método se vale da programação linear para identificar os
níveis da escala numérica cardinal que melhor conciliem os juízos expressos.
OUTRAS TÉCNICAS
Análise de Impacto
Inclui os métodos que consideram o fato de que em uma sociedade complexa como a
nossa, tendências, eventos e decisões muitas vezes têm conseqüências que não são desejadas
nem percebidas com antecipação. Essa técnica combina o uso do pensamento emocional e
racional para projetar impactos secundários, terciários dessas ocorrências. Os resultados são
qualitativos e a técnica é usada, principalmente, para analisar conseqüências potenciais dos
319
avanços tecnológicos projetados ou determinar áreas para as quais os esforços de prospecção
deveriam ser direcionados.
Árvore de relevância
Utilizada para determinar e avaliar de forma sistemática os caminhos alternativos
pelos quais determinados objectivos podem ser alcançados As árvores de relevância são
usadas para analisar situações em que se podem identificar diferentes níveis de complexidade
ou hierarquia Cada nível inferior, sucessivamente, envolve uma distinção ou subdivisões mais
elaboradas Podem ser usados para identificar problemas, soluções, deduzir necessidades de
desempenho de tecnologias específicas, determinar a importância relativa dos esforços para se
aumentar o desempenho tecnológico A utilização da desse método pode envolver o uso de
outras técnicas prospectivas como a Delphi e a extrapolação de tendências.
A análise de tendências
A análise de tendências é a forma mais simples de prospecção. Este método é baseado
na hipótese de que os padrões do passado serão mantidos no futuro. A análise de tendências,
em geral, utiliza técnicas matemáticas e estatísticas para extrapolar séries temporais para o
futuro. Coleta-se informação sobre uma variável ao longo do tempo e, em seguida, essa
informação é extrapolada para um ponto no futuro.
Análise Morfológica
Trata-se do desenvolvimento e da aplicação prática de métodos básicos que permitam
descobrir e analisar as inter-relações estruturais ou morfológicas entre objetos, fenômenos ou
conceitos e explorar os resultados obtidos na constituição de realidades plausíveis.
O procedimento original da análise morfológica consiste em 5 passos: (1) o problema
deve ser explicitamente formulado e definido; (2) todos os parâmetros que podem influenciar
na solução devem ser identificados e caracterizados; (3) uma matriz quadrada com todos os
parâmetros do passo 2 é construída de modo a conter todas as possíveis soluções
(combinações); (4) todas as soluções são examinadas quanto a factibilidade técnica e
avaliadas em relação aos propósitos a serem atingidos; (5) a melhor solução identificada no
passo 4 é analisada quanto à sua implementação, levando em conta os fatores não-técnicos
(econômicos, sociais, ambientais etc).
Funciona através da criação de listas de todas as combinações possíveis das
características ou formatos de um determinado objeto para determinar as diferentes categorias
de aplicação ou efeito. Representa um método para descobrir novos produtos e novas
320
possibilidades dos processos. Os usuários determinam em primeiro lugar as funções
essenciais do produto ou processo. Em seguida, listam os diferentes meios pelos quais cada
uma dessas funções poderia ser satisfeita. Finalmente, usam a matriz para identificar novas e
razoáveis combinações que poderiam resultar em novos produtos ou processos. Essa técnica
pode ser usada para identificar novas oportunidades não óbvias para a empresa, bem como
para produtos e processos que o concorrente pode estar desenvolvendo.
Segundo Godet, o objetivo da análise morfológica é explorar de forma sistemática os
futuros possíveis a partir do estudo de todas as combinações resultantes da decomposição de
um sistema.
Data Mining
Segundo o Gartner Group, “data mining” é o processo de descobrir novas correlações,
padrões e tendências significativas garimpando em grandes quantidades de dados
armazenados em repositórios, usando tecnologias de reconhecimento de padrões, assim como
técnicas estatísticas e matemáticas.
Pode ser definido, também, como uma atividade de extração da informação cujo
objetivo é descobrir fatos ocultos contidos em bases de dados. Usando uma combinação de
tecnologia da informação, análise estatística, técnicas de modelagem e tecnologia de bases de
dados, o “data mining” identifica padrões e relações sutis entre os dados e infere regras que
permitem predizer resultados futuros. Aplicações típicas incluem segmentação de mercado,
perfil do consumidor, detecção de fraudes, avaliação de promoções, análise de risco de
crédito, prospecção tecnológica.
O processo de “data mining” consiste em três estágios básicos: exploração, construção
do modelo ou definição do padrão e validação/verificação. Idealmente, se a natureza dos
dados disponíveis permite, é repetido iterativamente até que um modelo "robusto" seja
identificado.
O conceito de “data mining” está ficando crescentemente popular como uma
ferramenta de gestão da informação de negócios onde se espera que revele estruturas do
conhecimento que podem orientar decisões em condições de certeza limitada. Têm atraído
grande interesse devido à possibilidade de resolver parte do problema de "excesso de
informação", localizando o conhecimento útil a partir de grandes quantidades de dados.
A maturidade dos algoritmos e o desenvolvimento de ferramentas comerciais
possibilitaram a infra-estrutura necessária para a aplicação desta tecnologia. Por outro lado,
321
está claro que o “data mining” feito aleatoriamente pode ser uma prática perigosa, portanto é
necessário desenvolver metodologias para descobrir o conhecimento útil. Ferramentas de
“data mining” podem ser instrumentos poderosos na tomada de decisão, gestão das relações
com os clientes, database marketing, controle de qualidade e muitas outras aplicações
relacionadas à informação. Estas ferramentas são capazes de "aprender com bases de dados",
descobrindo o conhecimento útil e estrategicamente interessante, que está "escondido" em
grandes quantidades de dados.
Alguns exemplos de descobertas que podem ser feitas com data mining:
- Regras sobre o comportamento dos clientes: Quem compra que produtos? Que
produtos constituem vendas casadas?
- Que situações podem causar atrasos ou problemas de qualidade?
- Qual o estágio de uma determinada tecnologia? Quais as instituições líderes em
determinado campo do conhecimento? Que inovações estão surgindo?
Análise SWOT ou FOFA
A matriz SWOT (Strenghten/Fortalezas – Weakness/Fraquezas –
Opportunities/Oportunidades – Threats/Ameaças) é utilizada no diagnóstico estratégico como
ferramenta para se elucidar a situação no ambiente e no sistema considerado. Do ambiente se
extraem as ameaças e oportunidades. As ameaças são forças externas, incontroláveis à
organização, que criam obstáculos às ações estratégicas da organização; já as oportunidades
são forças externas, que podem favorecer as diretrizes ou estratégias da organização.
Dentro do sistema, identificam-se as fortalezas e as fraquezas. As fortalezas ou pontos
fortes são vantagens estruturais que o sistema considerado possui e que o favorece em relação
ao ambiente em que está inserido. As fraquezas ou pontos fracos são desvantagens estruturais
que desfavorecem o sistema em relação ao ambiente.
LINDGREN, Mats; BANDHOLD, Hans. Scenario Planning.: the link between future and
strategy. New Yorh: Palgrave Macmillan, 2003.
GRUMBACH, Raul J. S.; MARCIAL, Elaine C. Cenários Prospectivos: como construir
um mundo melhor. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
322
ANEXO B
CENÁRIOS
1. MUNDO DE DAVOS
“12 de janeiro de 2020
Caro Membro do Conselho,
Conforme o senhor bem sabe, os últimos anos foram difíceis. Consegui, finalmente,
persuadir os asiáticos a suspender seu boicote, e este ano estamos nos reunindo na China, não
em Davos. Doravante, será um ano na Suíça e outro na Ásia. Eu havia imaginado que poderia
fazer os asiáticos mudarem de idéia, mas eles são unidos. Até os japoneses não queriam
concordar. Não estou convencido de que isso seja um complô da China, conforme dizem
alguns. Não estou sequer seguro de que os chineses tenham estado completamente a favor
disso. Na sua atual posição, eles tinham de mostrar liderança e apoiar as exigências asiáticas,
mas creio que se a reunião continuasse a ocorrer anualmente em Davos, eles não se
importariam. A obrigação de serem os anfitriões das reuniões coloca, de fato, mais pressão
sobre os chineses no sentido de terem de fazer concessões e lidar com as reclamações sobre a
forma como fazem negócios.
Isso me lembra de um tema um tema em particular que tenho desenvolvido à medida
que reflito sobre a evolução da globalização. Na virada do século, víamos a globalização e a
americanização como sinônimos. Os EUA eram o modelo. Hoje a globalização tem um rosto
mais asiático, e para ser franco, os EUA não são mais o motor que costumavam ser. Em vez
disso, os mercados são orientados pela Ásia.
Isso não quer dizer que o sistema funciona por si só. Foi só depois de aprendermos
algumas lições difíceis que vimos quanto gerenciamento foi necessário oi quão facilmente a
globalização poderia sair dos eixos. Nós, líderes comerciais, tivemos de aprender a entrar no
jogo mais agressivamente.
A tragédia de 11 de setembro de 2001 foi como um despertador. O terrorismo ainda é
um desafio físico e estratégico. Para nos protegermos, tivemos de erguer barricadas, mas
também havia o perigo de que, se fizéssemos muitas restrições, minaríamos as bases da
globalização - o livre fluxo de capital, bens, pessoas etc. Tentamos, portanto, atacar o delicado
equilíbrio entre segurança e abertura. Houve muitas críticas sobre as restrições a vistos de
entrada por parte dos EUA, que diminuiu o número de estudantes estrangeiros no país, e os
cientistas norte-americanos se preocuparam com o fato de a liderança do país nos campos da
ciência e da tecnologia perder terreno para a Ásia.
Isso me leva ao meu segundo ponto. Dez ou quinze anos atrás, nós não percebemos a
extensão do potencial dos gigantes asiáticos de tomarem a liderança. Em um primeiro
momento, os chineses e indianos se manifestaram atrás no processo de globalização.
Começou como uma dinâmica entre a China e os EUA, mas hoje o mercado asiático é auto-
sustentável e não tão dependente das relações comerciais com os EUA. Além disso, a
competição entre China e Índia quanto a reservas de energia e de mercados incentivou as
inovações.
323
Mas nós tivemos algumas noites de insônias nestes anos todos, particularmente
quando a China teve problemas financeiros. O fato de a recuperação ter sido rápida foi
crucial. Creio que Pequim teria tido problemas para lidar com uma crise política em grande
escala. Esse problema poderia ter atrasado sua ascensão econômica por uma década ou mais.
Felizmente, isso não aconteceu. Embora os EUA tenham ajudado, um fato realmente
interessante foi que a China resolveu suas dificuldades sozinha, sem a ajuda internacional ou
dos EUA – ajuda que achamos que ela precisaria. Uma vez mais, subestimado a extensão do
mercado doméstico chinês, o qual pôde alavancar imediatamente a economia do país.
Infelizmente, a crise inflamou o nacionalismo latente, aumentando mais uma vez as
tensões sobre Taiwan. A China estava “contando suas fichas”, e o risco de errar o cálculo
ainda está crescendo. Fico cada vez mais preocupado, pois ninguém – governo ou setor
privado – está assumindo a liderança de uma questão que pode se tornar uma grande crise
comercial e de segurança internacional.
A tensão entre China, Índia e outros países emergentes também cresce. O sucesso dos
gigantes asiáticos dificultou o crescimento de países menores. A grande demanda de mão de
obra na China não foi sentida apenas no Ocidente. Hoje, vemos o aumento do salário dos
trabalhadores chineses fazer com que, mais uma vez, a mão de obra especializada seja
exportada para economias nas quais os salários são menores. Em parte, isso pode ser atribuído
à demografia a China é um país que, repentinamente envelheceu; sua política de apenas um
filho está agora assombrando o país.
Antes, os protestos mo Ocidente sobre a terceirização e migração poderiam ter
emperrado a globalização, mas o que podemos fazer de fato? Deter a “maré” de progresso?
Detectei, logo abaixo da superfície, uma forte tentação em Washington e nas capitais
européias no sentido de manipular as nações emergentes contra a China e a Índia, dando
preferência a produtos não chineses.
Como um aspecto positivo, pode-se afirmar que foram os avanços tecnológicos que
colocaram alguns países na trilha do desenvolvimento econômico sustentável. O aumento da
produção de alimentos através de inovações biotecnológicas e de água potável, graças a,
melhores sistemas de filtração, foram impulsos que ajudaram a diminuir a pobreza e a
impulsionar o setor agrícola. A China e os EUA finalmente se uniram à Europa na questão
dos (OGMs) Organismos Geneticamente Modificados.
O preço mais elevado dos commodities foi uma benção – muito mais que qualquer
perdão às dívidas dos países devedores. Alguns consórcios de energia asiáticos praticamente
impulsionaram o desenvolvimento de duas ou três nações menores. Os consórcios são
populares por suprir com seguro de saúde completo não apenas seus trabalhadores, mas todas
as comunidades vizinhas. Malária e tuberculose – para não mencionar a AIDS – estão sendo
erradicadas. Lembro-me de que comércio – se pensarmos no controle total que a Companhia
das Índias orientais exercia sobre o subcontinente indiano no século XVIII – estava na frente
quando o processo de globalização começou. Fizemos o ciclo completo, com o comércio
assumindo o lugar do governo?
Assistimos a algum processo no Oriente Médio, com alguns países realmente
empreendendo reformas de liberação de mercado, mas outros ainda estão estagnados. A
palestina precisa demais de uma figura como George Soros, capaz de injetar capital na região
e desenvolver um escoadouro de exportação, mas não vejo ninguém que queira arcar com tal
investimento.
324
Em outros lugares, a receita gerada pelos altos preços do petróleo permitiu aos
sauditas a outros povos desenvolver um padrão de vida elevado para a maioria da população.
Davos fez muito, creio eu, ao abrir o velho clube exclusivamente ocidental. Admito
que não percebi logo de início o fato de a China e a Índia, com suas classes médias cada vez
maiores, criarem mercados tão grandes. Nos últimos anos, todo o equilíbrio – eu agora vejo –
tem mudado. Os consumidores asiáticos estão ditando as tendências, e os negócios do
Ocidente, se quiserem crescer, têm de responder a elas. Há 14 anos, poucos entre nós sabiam
qualquer coisa sobre as empresas asiáticas. Hoje temos o Wumart. A China também chamou a
atenção de Washington quando começou a diversificar suas reservas de moeda estrangeira.
A Europa, se estivesse por conta própria, provavelmente teria se sentido ameaçada
pelo rápido crescimento da Ásia, mas –engraçado-a Ásia emergente foi vista como um
contrapeso para os EUA dominante. O crescimento asiático também ajudou a Europa a
reverter seu declínio. A EU acredita que ela e a China têm muito em comum: reverência por
instituições regionais. A China, por exemplo, tem a sua Organização de Cooperação de
Xangai. Mas não estou certo.
A propósito, ouvi dizer que sua neta está passando um semestre na China para
aprender o idioma. O senhor sabia que um dos meus netos também está já? Talvez possamos
apresenta-los na reunião da Davos na China.”
2. PAX AMERICANA
“Diário particular do Secretário-Geral das Nações Unidas
11 de setembro de 2020
Há exatamente 20 anos, a paisagem mudou com a destruição das Torres Gêmeas. Foi
marcante o momento em que o presidente dos EUA declarou pelo telefone que mais do que
simplesmente o cenário foi alterado. Não só foi construída uma nova estrutura, parcialmente
obscurecendo a memória da devastação, como os EUA também se ergueram como uma fênix
das suas próprias cinzas para novamente serem a pedra fundamental da ordem mundial.
Eu diria que isso começou quando os EUA e a Europa se uniram novamente. Parece
que, vez ou outra, Vênus e Marte cruzam suas órbitas. Os atentados terroristas de 2010 na
Europa tiveram muito a ver com isso. Eles mudaram atitudes, e, de repente, os europeus
tiveram uma melhor compreensão do que é o terrorismo catastrófico – algo bem diferente do
que eles tinham até então. A opinião pública mudou radicalmente, em especial porque os
atentados não tinham qualquer justificativa. A seriedade da catástrofe foi tão grande que a
Europa e os EUA passaram das convenções às ações, e, de fato, os europeus começaram a
exigir que, de novo, os EUA endurecessem contra o terrorismo.
Uma coisa que ficou clara é que a Europa estava mais unida do que nossos amigos
norte-americanos imaginavam. A Nova Europa, organizada em torno da UE, não se revelou
muito diferente da Velha Europa. A OTAN passou por maus bocados, mas agora está
funcionando melhor com a UE. Atualmente, os dois lados aceitam que a OTAN tem as
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ferramentas militares necessárias, enquanto a UE pode trazer ao tabuleiro uma capacidade de
“construir nações”.
Do lado europeu, muito teve a ver com a ascensão da Turquia como membro da UE,
algo que eu não esperava ver. Com a perspectiva da participação da Turquia, os europeus
perceberam que suas fronteiras estavam praticamente no Oriente Médio – o que significava
que eles tinham de se preparar melhor para lidar com os problemas do terrorismo,
fundamentalismo, revoltas juvenis etc.
Unindo-se da maneira como fizeram, os europeus persuadiram os EUA de que alguma
coisa tinha de ser feita para cessar a espiral de violência na Palestina. Para os europeus, essa
sempre foi a raiz do problema, mas as discordâncias e a falta de vontade política sempre
impediram qualquer ação concentrada.
Mudanças climáticas e energéticas também estão assumindo um papel cada vez mais
importante na dinâmica entre os EUA e a Europa, mas não da maneira que se esperava.
Durante um certo tempo, os europeus pareciam estar tentando isolar os EUA e insistiam que
Washington jogasse de acordo com as regras da UE. Mas isso nunca iria acontecer, e os
líderes europeus não consideraram o crescente ressentimento dos seus eleitores com relação
ao desrespeito ao meio ambiente por parte da China e de outros países em desenvolvimento.
De repente, Kyoto não tinha mais a ver, e uma nova estrutura teve de ser elaborada – dessa
vez em conjunto com os norte-americanos.
O papel dos EUA mudou ainda mais dramaticamente na Ásia. A China emergia cada
vez mais como potência e, embora não estivesse desafiando os EUA diretamente, estava
certamente ofuscando sua influência na região, particularmente em termos econômicos. A
preocupação norte-americana com o terrorismo e com o Iraque parecia diminuir ainda mais o
peso dos EUA na área. O Japão apoiou os norte-americanos com relação ao Iraque, mas não
sem conflito, por conta da sua dependência econômica da China. Na Coréia do Sul, a geração
mais jovem culpa os EUA pela divisão do país e pelos problemas com o norte. Parecia apenas
uma questão de tempo para os EUA serem colocados de lado.
Então ocorreu uma série de eventos que mudaram a dinâmica. Temerosos pelo
contínuo impasse na Coréia do Norte, vazaram rumores de que os japoneses pensaram em
desenvolver sua própria bomba. Nessa época, a China também sofreu um revés econômico, o
qual exacerbou o confronto com Taiwan e também aumentou a tensão no Japão e no Sudeste
Asiático. Inicialmente, os EUA buscaram fortalecer sua posição, mas descobriram que havia
grande preocupação com um conflito entre os EUA e a China. Washington acabou
diminuindo sua presença militar na Coréia e no Japão. Muitos não queriam que os EUA se
retirassem, nem mesmo a China. Creio que os chineses percebem secretamente algum bem em
ter os norte-americanos por perto, uma vez que a presença dos EUA garante uma maior
aceitação da crescente influência política e econômica de Pequim.
Dificilmente pode-se considerar que este seja um casamento dos sonhos, e tanto os
EUA como a China têm de dar duro para que sua relação não saia dos trilhos. Vejo ainda mais
nuvens de tempestade sobre Taiwan. Parece que o nacionalismo aflige a todos. A expansão da
classe média chinesa revelou que eles têm menos interesse na democracia que no
nacionalismo.
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As preocupações quanto a reservas de energia também foram resolvidas em favor dos
EUA. Um Oriente Médio estável é tão atraente para a China, em termos de energia, como o é
para a Europa. Os EUA também estão cada vez mais atuando como mediador entre os sunitas
e os xiitas. Washington não estava preparado quando um Iraque livre e dominado pelos xiitas
começou a mudar o equilíbrio e a aumentar a tensão na região de onde provém a maior parte
do petróleo do mundo. Não é, de fato, uma posição invejável, esta que os americanos
assumiram.
Às vezes, acho que muitos americanos estão ficando cansados de bancar os policiais
do mundo. O peso da segurança ainda está nos seus ombros; essa é a fonte das frustrações
norte-americanas com os europeus, os quais só pensam em se ater à EU. Os EUA acharam
que tinham um acordo – Washington arcaria com o pesado apoio a Israel, mas os europeus
estariam preparados para enviar dinheiro e tropas para a força de paz do Oriente Médio. Isso,
porém, parece não estar funcionando.
Até quando a Pax Americana irá durar? Não sei responder. Ela não pressupôs a
fundação de novas instituições. É claro que a UE funciona um pouco melhor porque há mais
cooperação entre seus membros, mas fizemos pouco em termos de reformas. A Índia está
ficando cada vez mais frustrada. Os africanos, latino-americanos e asiáticos pobres ainda se
sentem subvalorizados e alguns países demonstram até mesmo um certo ressentimento pela
ascensão da China e da Índia, uma vez que isso tolheu suas oportunidades. A Comissão de
Direitos Humanos, que há alguns anos se expandiu na Comissão de Direitos e Ética, está
levando a fórum debates sobre clonagem humana, organismos geneticamente modificados, e
se o consumo de energia deve ser regulado globalmente. Apesar de toda a cooperação prática
que tem havido entre os países com o objetivo de deter o terrorismo, ainda não concordamos
sobre uma estratégia conjunta de contra-terrorismo. Para finalizar, estou no meio de uma
terrível briga em duas frentes para permanecer aqui em Nova Iorque: contra os grupos que se
opõem à “supremacia norte-americana” e contra grandes números de europeus e de asiáticos
que acreditam que as Nações Unidas estão por demais sob o controle de Washigton.
Sempre me pergunto quanto progresso real nós tivemos de fato. Vou falar com o
presidente dos EUA da próxima vez que nos encontrarmos...”
3. O NOVO CALIFADO
“Carta particular de Sa’id Mohamed bin Laden a um parente
3 de Junho de 2020
Nosso avô estaria frustrado. A proclamação do califado ainda se tornou nossa
salvação. Como você bem sabe caro irmão, nosso avô acreditava no retorno do período dos
Califas Guiados por Deus, quando os líderes do islã reinavam sobre o império como
verdadeiros Defensores da Fé. Ele via o califado governando novamente o mundo
muçulmano, reconquistando terras perdidas na Palestina e na Ásia, e acabando com as
influências infiéis ocidentais, ou “globalização”, conforme o eufemismo usado pelos
cruzados. Os mundos, espiritual e temporal, obedeceriam novamente a vontade de Alá,
recusando a divisão ocidental entre Igreja e Estado. No final das contas, como vimos, a
proclamação ainda não superou essas divisões, mesmo com o temor por Alá, que a
emergência do califado despertou nos poderes cruzados (nosso avô ficaria satisfeito com
327
isso). A ocidentalização certamente perdeu sua força entre muitos muçulmanos, e o califado
separou, de fato, vários países que eram apenas invenções da imaginação do colonizador.
Quando penso nisso, não sei como pudemos deixar de ver a ascensão do jovem
Califa – ficamos todos surpresos, tanto os crentes como os infiéis. De repente, o jovem
pregador tinha um mundo de seguidores. Até mesmo antes de ser proclamado Califa, sucessor
do profeta – que a paz esteja com ele –, ele foi reverenciado em todos os lugares pelos fiéis.
Talvez porque não fosse membro da Al Qaeda e não tivesse liderado nenhum movimento
político, como fez nosso avô. Sua espiritualidade era aparente. Ele não havia se maculado
com o sangue de inocentes, o que impediu, quer nosso avô admitisse ou não, que muitos
apoiassem a Al Qaeda. Ele recebeu promessas da aliança e doações de dinheiro de todo o
mundo muçulmano – das Filipinas, Indonésia, Malásia, Usbesquistão, Afeganistão e
Paquistão. Alguns membros das elites governantes também o apoiaram, buscando fortalecer
suas posições. Na Europa e na América, muçulmanos não-praticantes despertaram para sua
verdadeira identidade e fé e, em alguns casos, deixaram seus pais e parentes já
ocidentalizados para retornar à terra natal. Até mesmo alguns infiéis se impressionaram com a
sua espiritualidade – o Papa, por exemplo, tentou iniciar um diálogo inter-religioso com essas
pessoas. Ocidentais a favor da antiglobalização o idolatraram. Em um curto período de tempo,
ficou claro que não havia alternativa a não ser proclamar aquilo pelo qual muitos haviam
esperado: o Novo Califado.
Quanta confusão semeamos entre os cruzados! Um mundo praticamente
esquecido penetrou no Ocidente, e as histórias dos primeiros califas, de repente, se tornaram
best-sellers na Amazon.com. Eles tinham absoluta certeza de que trilharíamos o mesmo
caminho rumo ao secularismo e talvez até mesmo esperassem nossa conversão ao sistema de
valores judaico-cristão. Você consegue imaginar a expressão nos seus rostos quando atletas
muçulmanos recusaram suas nacionalidades durante os jogos Olímpicos e proclamaram sua
aliança ao califado? Tudo veio abaixo: as estruturas que o Ocidente tentou usar para nos
aprisionar na sua ordem mundial – democracia, Estados nacionais e uma sistema internacional
administrado por eles – pareciam estar em frangalhos.
O petróleo também os preocupava, e nós os tínhamos na palma da mão por
causa disso. Conforme as incertezas invadiram o mercado, correram boatos de que os EUA e
os países da OTAN tomariam os campos petrolíferos para garantir que o califado não o
fizesse. Soubemos depois que os EUA não conseguiram convencer seus aliados da
necessidade de intervenção militar, e que Washington temia provocar uma revolta muçulmana
no mundo todo.
A essa altura irrompeu a violência com os xiitas – algo que, de certa forma, já
suspeitávamos. O Califa acreditava que o Irã estava por trás do problema. O Irã sentiu-se
desconfortável com a proclamação do califado. A Província Oriental Saudita, com sua grande
população xiita e onde estão localizados os campos petrolíferos, tornou-se particularmente
vulnerável. Os governantes dos países do Golfo também influenciaram.
Então, suspeitamos que o distúrbios estavam sendo fomentados pelo Iraque,
dominado pelos xiitas, e, por trás do Iraque, pelos EUA e a CIA. Mas se os infiéis norte-
americanos estavam realmente por trás das perturbações – o que, creio, era o caso – ,eles
sofreram as conseqüências. A tênue paz que os EUA construíram com tanto esforço no Iraque
veio abaixo quando a insurgência sunita recomeçou repentinamente. Os rebeldes proclamaram
o verdadeiro califado e combateram tanto os xiitas quanto os norte-americanos.
328
Foi um desafio difícil para o Califa. O califado representa união e nós corríamos o
risco de ver o califado desaparecer se a velha rivalidade entre xiitas e sunitas não fosse
superada. Como um árabe sunita, eu não deveria demonstrar qualquer compaixão por uma
divisão que os partidários de Ali causaram ao Dar al-Islam há muitos séculos, mas tanto agora
como em tempos atrás, não superar essa barreira foi um erro. Alguns dos seus novos
pensadores estão se unindo aos reformadores sunitas que compartilham idéias semelhantes e
estão conquistando o respeito e o apoio aos infiéis. O restabelecimento das relações de
cooperação entre os persas e os norte-americanos – mesmo longe de serem calorosas – seria
perigoso para nós.
Nosso povo também está muito seduzido pelo materialismo ocidental. Ah, a internet –
salvação e, ao mesmo tempo, armadilha armada pelo demônio. É ela que está levando o Califa
a conseguir poder quase total, espalhando seu carisma por todos os lugares. Mas também é
uma arma amplamente usada pelos nossos inimigos. Cada vez mais fiéis descobrem como os
ocidentais vivem e passam a querer as mesmas coisas, sem entender a podridão que elas
trazem consigo.
Esse desejo de ter as mesmas coisas que os ocidentais têm e a violência xiita são os
problemas que assolam a classe média, que começa a tentar sair das nossas terras sagradas.
Ironicamente, a emigração causou perturbações na Europa e nos EUA. Ambos na se importam
com as crises do califado, mas aceitar 1 milhão ou mais de refugiados – muitos dos quais
acostumados a um alto padrão de vida – é outra coisa. A Europa e os EUA estão nas mãos de
um grande dilema: mais muçulmanos nos seus países poderia insuflar ressentimentos, porém
não aceita-los poderia, uma vez mais, ressaltar sua hipocrisia.
Há confusão em toda parte. Quando o califado foi proclamado, a expectativa
era a de que os países de maioria muçulmana aderissem completamente. Mas isso ainda não
aconteceu. Em vez disso, há bolsões de seguidores enfraquecendo politicamente muitos
países, mas sem conseguir derrubar seus governos. Estamos muito perto disso na Ásia Central
e em certas regiões do Paquistão e do Afeganistão, dos países que estão enfrentando guerras
civis. A Rússia está atolada nas lutas contra as insurgências internas e contra as autocracias da
Ásia Central. A aliança entre os EUA e a Rússia é uma mudança paradoxal: em vez de os
EUA fornecerem dinheiro e armas aos mujahidin para combater os soviéticos, eles estão
ajudando a Rússia a lutar contra os mujahidin. Em dois países, duas autoridades distintas
governam, nenhuma das quais com controle total. O Pashtunistão foi declarado, mas ainda
não consolidou seu poder. E tudo isso começou para impedir que os cruzados explorassem
nossos recursos. Nenhum oleoduto foi construído e muitos outros foram destruídos. A Ásia
emergente se ressentiu por causa da interrupção da construção de novos oleodutos. A China
evitou qualquer ajuda dos EUA, mas suas preocupações com sua irredutível burguesia
islâmica aumentaram consideravelmente.
O sudeste da Ásia e algumas partes da África Oriental e Ocidental estão tomando
praticamente o mesmo rumo. A proclamação do califado deu poder aos insurgentes, mas seu
efeito até agora foi dividir os países e criar bolsões nos quais governam tanto o califado como
a lei sharia. Os asiáticos também são difíceis. Acham que descobriram um modo próprio de
islamismo.
A luta também continua na Palestina, apesar da criação de um Estado palestino. Os
sionistas ainda ocupam terras muçulmanas e compartilham o controle de Jerusalém. Os
europeus pensaram que poderiam evitar um choque de civilizações, mas uma grande
329
quantidade de muçulmanos em seus territórios está se voltando para o Califa. Os EUA
também têm seguidores infiéis do Califa, inclusive a filha de um senador. Os norte-
americanos ficaram presos no meio do turbilhão, tentando comprar a facção que apóia o
Califa a fim de pacificar os sunitas iraquianos, mas sem alienar Israel. A Europa está fazendo
pressão sobre os sionistas pela primeira vez, falando até em fazer sanções contra Israel.
Tanta confusão e perturbação, mas mesmo assim isso é bom para nós. Quando
o califado foi proclamado, perdemos membros e a Al Qaeda deixou de atuar. No entanto,
muitas novas lutas começaram. Podemos lutar para recuperar as terras do Islã, mesmo com o
Califa virando as costas para algumas causas e correndo o risco de se tornar muito brando.
Fizemos acordos com os líderes militares locais, usufruindo sua hospitalidade ou pagando
tributos. De qualquer forma, temos liberdade de operar conforme julgamos adequados. Estou
esperançoso...
4. O CICLO DO MEDO
Dois traficantes de armas tramam alguma atividade ilegal não especificada...
-“Vc. ´tá aí?”
-“Marco já me contatou. Vai ser difícil”
-“Como? Pra conseguir o troço?”
-“Não. Pra transportar. Muita gente filmando.”
... e descobrem que está cada vez mais difícil realizar negócios.
-“Vc. ‘tá brincando. Vc. ‘tá num dos países mais pobres.”
-“Nem diga. Dubai era civilizado. Agora é impossível operar lá.”
-Esses terroristas estão acabando com o nosso negócio. Aquela série de atentados
aterrorizou todo mundo – não só os americanos.”
-“E vc. Tem certeza de que não foi vc. Quem colaborou com os caras?”
-“Nem tenho, mas acho que este meu último cliente é diferente.”
O traficante A (telefone branco) acha que está trabalhando para um país. O
material que esse cliente estaria interessado poderia ser tecnologia nuclear. No entanto,
o traficante sabe que terroristas também estão interessados em fazer negócio com ele.
-“To sabendo. Vc. tá comprometido com a sua causa. Eu já to nessa pela grana. Não
me interessa quem paga desde que pague.”
-“Quero que meu país e minha fé sejam respeitados. A bomba é importante.
-“E voltar às cruzadas?”
-“Isso também. Mas os ianques estão nos fazendo um favor. Sua ameaça militar
chamou a atenção do meu cliente. Ele mal pode esperar para ter as armas que quer. Quanto
mais falarem de ação militar, melhor. E tenho outros compradores interessados, que querem
as mais sinistras.”
O negociante de armas B (telefone preto) avisa que a opinião pública
internacional está mudando a favor da contenção da proliferação, por causa dos
atentados terroristas.
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-“Não tenha tanta certeza. Os americanos têm muito apoio internacional para combater
os terroristas. As pessoas estão com muito medo.”
-“É, eles botaram a superpotência pra correr. Mesmo quando não são armas de
destruição em massa. Eles acham que são. É difícil saber a diferença de cara.”
-“Mas o negócio saiu de controle. No mundo inteiro, muita gente ta preocupada, até entre os
muçulmanos. Esse Ato Patriota foi muito mais fundo do que qualquer outra coisa depois do
11 de setembro.”
Os traficantes estão preocupados com novos equipamentos que possam rastreá-
los.
-“Tô encanado com o chip.”
-“Puseram um em vc.?”
-“Acho que não, mas tb. Não acredito no que dizem sobre política de privacidade.
Muita coisa rolou, lei marcial, medidas especiais e tudo o mais. Aquelas operações no ano
passado detonaram uma grande rede.”
-“Não se pode confiar nos americanos e eles têm amigos no mundo todo dispostos a
ajudar.”
-“Nem tantos assim.”
O traficante A vê o lado positivo. Com o mundo entrando em recessão por causa
dos atentados terroristas e da severa vigilância das autoridades, ele acredita que pode
realizar bons negócios.
-“É, mas isso não é ruim para os negócios.”
-“Que negócio? Tenho inúmeras possibilidades.”
-“Vc. ta certo. Muita gente caindo. O que aconteceu com a globalização? (rsrsrsrs)”
O traficante A volta a explicar por que os atentados terroristas aumentaram o
interesse do governo em programas de armas de destruição em massa.
-“Um monte de países quer um política de segurança.”
-“Contra o Grande Irmão.”
-“O Grande Irmão e alguns dos irmãozinhos menores.”
-“O que vc. quer dizer?”
-“Meu cliente tá se borrando todo de medo dos terroristas.”
-“É, alguns viraram minipaíses.”
-“...ou os governam.”
A comunicação é interrompida.
Um mês depois, o traficante de armas A (telefone cinza) conversa de novo com o
traficante B (telefone listrado). Marco. O intermediário, mencionado no contato
anterior, mudou de código a agora é chamado de As’id, que pode ou não ser seu nome
verdadeiro. A menção “sem qualquer relação” é obviamente uma piada entre eles.
O primeiro traficante volta a falar que o declínio da economia global estimulou
incrivelmente seus negócios. As empresas que operam legalmente estão fazendo vista
grossa para quem está vendendo, sem saber ao certo quem é o cliente final. Os
traficantes também trocaram de aparelhos telefônicos.
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-“Sa’id contatou vc.?”
-“ Sim, sem qualquer relação ao Marco.”
-“Essa recessão está ajudando.”
-“Como assim?”
-“Torna o mundo corporativo um alvo fácil.”
- “E ele sabe disso ou não?”
- “Acho que até sabe.”
- “Conseguiu passar a coisa?”
O traficante A está deliberadamente tentando despistar uma possível
interceptação. A “coisa” a que ele se refere deve está relacionada à tecnologia nuclear ou
a outros materiais ilícitos.
- “Um pouco de enrolação com os certificados. Os caras da empresa me disseram que
foram questionados. Mas ele tava frio. Os federais não suspeitaram.”
- “Por que os federais? O negócio não estava nos EUA?”
Isso indicaria que as autoridades de alguns países ainda estariam cooperando
com os traficantes, apesar de também ajudarem os EUA.
- “Sim, mas eles rastrearam da filial. Tiveram ajuda em outro país. Temos de ser muito
cuidadosos hoje em dia. Eles se confundiram com os nossos nomes. Não conseguem
acompanhar Marco, As id, Muhamed.”
Um mês depois.
A – “Vc tá aí?”
Não fica claro se a mensagem de texto chegou ao seu destino, se o traficante B
está escondido ou se foi preso. Pode-se esperar que o traficante A comece a ficar
preocupado.
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