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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Suzane Carvalho Domingos
DISSERTAÇÃO
Rio Grande, março de 2009.
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
AMBIENTES DE LAZER NO BAIRRO CASTELO BRANCO II- RIO GRANDE/RS:
O QUE DIZEM AS CRIANÇAS.
Dissertação: requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação
Ambiental.
Orientador: Dr. Carlos RS Machado
Co-orientador: Dr.ª Ana Cristina Coll
Delgado
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3
Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central - FURG
D671a Domingos, Suzane Carvalho
Ambientes de lazer no bairro Castelo Branco II- Rio
Grande-RS : o que dizem as crianças./ Suzane Carvalho
Domingos ; orientador: Prof. Dr. Carlos Machado.
157f. : il.
Dissertação ( Mestrado em Educação Ambiental ) –
Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental .
Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2009.
1. Educação ambiental. 2.Lazer urbano.3.Sociologia da
Infância. 4.Bairro Castelo Branco II. I.Título. II.Machado,
Carlos.
CDU 504:379.8
4
Resumo
As inquietações a respeito da temática se deu a partir de investigações anteriores, na
condição de bolsista de Iniciação Científica, através da oportunidade de sistematizar o
estudo no Programa de Educação Ambiental – PPGEA/FURG, desenvolvendo esta
dissertação. Mas, também, em virtude das escassas opções de equipamentos públicos
para lazer num bairro popular e de quais atividades de lazer as crianças desenvolviam
frente a esse condicionamento existente na comunidade. Portanto, estudamos o “lazer e
infância” a partir do ponto de vista de um grupo de crianças do bairro Castelo Branco II
- Rio Grande/RS, situado na periferia da cidade. O problema de pesquisa era então,
saber o que elas faziam, o que era lazer para elas e verificar possiveis contribuições
sobre a participação infantil. A Sociologia da Infância, ao valorizar a fala e as ações das
crianças, ao fazer um enfrentamento teórico as concepções adultocêntricas
hegemônicas, me possibilitaram o referenial de fundo ao estudo. Mas, também orientou
minhas atividades de coleta de dados ao “deixar falar as crianças”, “ouvi-las”, bem
como na análise, sistematização e interpretação dos dados. Ao optar por uma
metodologia que tomasse a criança, não por suas incompletudes, mas como um grupo
geracional diferente dos adultos, com uma cultura própria da infância, necessitava de
instrumentos adequados as peculiaridades e características deste grupo de crianças. Os
instrumentos para desenvolver a pesquisa foram as observações participantes, escrita de
diários de campo, conversas informais e instrumentos que apelavam para oralidade
como entrevistas que se utilizavam de recursos lúdicos. Por fim, diria que, mesmo sem
equipamentos para o lazer, as crianças realizam atividades de lazer, criando estratégias
para a diversão e prazer. E que lazer é brincar, fazer o que gosta, se divertir. Dentre as
atividades descritas pelas crianças, nesta pesquisa, um ponto comum entre todas foram
as brincadeiras desenvolvidas no ambiente doméstico, espaço no qual a maior parte das
atividades de lazer são realizadas. Mas, as crianças também sonham, melhor, afirmaram
suas utopias de lazer. Mostraram que elas têm muito a dizer sobre o lugar onde habitam,
de como tornar o bairro mais acolhedor. Espero que o trabalho leve o leitor a repensar a
forma como as crianças tem sido tratadas em nossa sociedade, reconhecendo ao final
que elas são “seres sociais atuais”que podem contribuir com a elaboração de políticas
públicas para a infância nas cidades.
Palavras-chave: Lazer, Protagonismo Infantil e Sociologia da Infância.
5
Abstract:
The perturbations about the thematic has come from the previous investigations
when I was a holder of an Iniciação Científica scholarship, through the opportunity to
systemize the study in the Programa de Educação Ambiental PPGE/FURG,
developing this dissertation. Another reason to develop this dissertation is the low
number of options of public equipments for leisure in a popular neighborhood and the
search of what leisure activities the children develop facing this condition in the
community. Therefore, we have studied “leisure and childhood” since the point of
view of a group of children from Castelo Branco II Rio Grande/RS, located in the
neighborhood of Rio Grande. The problem of the research was: to know what they did,
what was leisure for them and verify possible contributions about the infantile
participation. When doing a theoretical contrast of the hegemonic adult-centric
concepts, the Sociology of Childhood valorizes the children’s speech and the actions
and gave me the reference to the study. Besides that, it also oriented my data collection
activities when “letting the children speak”, “listening them”, and the data analysis,
systematization and interpretation. The option for a methodology that analyses children
not for their lacks, but as a generating group different from adults, with a childhood
culture, needed suitable instruments to the peculiarities and characteristics of this group
of children. The instruments to develop the research were the participative observations,
confection of a field diary, informal talks and instruments that appeal to the oral
activities like interviews using joking resources. Finally, we could conclude that, even
without leisure equipments, children do leisure activities, creating strategies for leisure
and pleasure. We could conclude that leisure is to play, do what we like and enjoy. A
common point, among the activities described by the children, in this research, were the
jokes developed in the domestic environment, where the majority of the activities are
accomplished. But children also dream and they affirm their leisure utopias. They
showed that they have a lot to say about the place they live and how to change the
neighborhood into a better place. The objective of this work is to make the reader think
about the way children have been treated in our society, recognizing that they are “real
social beings” which can contribute to the elaboration of public policies to childhood in
the cities.
Key-words: Leisure, Infantile Protagonism, Childhood Sociology
6
Agradecimentos
Primeiramente agradeço a Ti, meu Deus por teres me ajudado em todas as coisas, e te
louvo porque em momento algum deixaste de honrar a fé que tenho no teu poder.
Aos meu Orientadores
Agradeço ao Professor Doutor Carlos Machado pelo auxílio e pela dedicação com os
quais me apoiou na fase de elaboração da dissertação.
Em especial agradeço à Professora Doutora Ana Cristina Coll Delgado por ter me
ensinado muitas coisas sobre a infância e principalmente sobre a vida durante esses
anos.
À Capes pelo apoio financeiro e incentivo à pesquisa nas questões referentes à infância
na cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul.
Agradeço ainda a Sinome Santos que me aceitou no seu grupo de pesquisa,
incentivando-me neste estudo e também agradeço a Sabina Silveira que realizou a
pesquisa comigo, auxiliando-me em todas as horas.
Quero agradecer às crianças investigadas do Castelo Branco II e a seus familiares, que
me cederam seu tempo e sua atenção, tornando real esse trabalho.
Aos funcionários da Secretaria do Mestrado, que me auxiliaram em todas as dúvidas
estando sempre dispostos a ajudar.
Aos amigos que me desejaram sucesso e fizeram suas preces por mim.
Por fim, agradeço aos meus familiares que compreenderam o tempo que deixei de
passar com eles em razão deste empreendimento intelectual
Agradeço-lhes pelo apoio emocional, afetivo e pelo respeito em relação às minhas
escolhas.
7
Dedico esta dissertação a meus pais Jaci Carvalho Domingos e Carlos Alberto
Domingos (in memoria), que sempre me instruíram em amor, mostrando-me a
importância do estudo e da educação; sacrificando-se, muitas vezes, para que eu tivesse
sucesso e concluísse o Mestrado.
8
SUMÁRIO
Capítulo 1 – Introdução ------------------------------------------------------------- 01
Capítulo 2 – Infância e Lazer ------------------------------------------------------ 10
2.1 – Lazer e crianças: desvendando uma realidade ------------------------------ 10
2.1.1 – Lazer não é o tempo sem trabalho------------------------------------------ 12
2.1.2 – O lazer como momento da totalidade social ------------------------------ 13
2.1.3 – O capitalismo e o lazer como mercadoria --------------------------------- 15
2.1.4 – Indicadores de um lazer não adultocêntrico ------------------------------ 16
2.1.5 – O lazer como não trabalho e o trabalho das crianças -------------------- 20
2.2 – O protagonismo da infância cidadã pela participação --------------------- 21
2.3 – As contribuições dos estudos da Infância:
Mudando conceitos e paradigmas.-------------------------------------------- 25
3. Metodologia de Pesquisa: conversando com um grupo de crianças. --- 30
3.1- Caminhos metodológicos: crianças como atores sociais.------------------- 30
3.2 -Entrada em campo --------------------------------------------------------------- 33
3.3- Instrumentos de coleta de dados------------------------------------------------ 34
3.4 - Crianças do Bairro Castelo Branco II:
Perfis e recurso metodológico-------------------------------------------------- 38
3.4.1 – Lucas e Vagner---------------------------------------------------------------- 38
3.4.2 – Nicole e Wesley--------------------------------------------------------------- 39
3.4.3 – Pablo, Marielem e Lucielem ------------------------------------------------ 40
3.4.4– Lucielem, Jenifer, Tainá e Juninho.----------------------------------------- 42
3.4.5 – Déryck, Júlia e Emile.-------------------------------------------------------- 43
3.5 - Perspectivas metodológicas e algumas considerações --------------------- 44
4- Os ambientes de lazer das crianças do Bairro Castelo Branco II. ------ 45
4.1 - Conhecendo a realidade do Castelo Branco II ------------------------------ 45
4.2 – Aproximando-se das estratégias de lazer dos grupos infantis ------------ 48
4.2.1 – Lucas e Vágner---------------------------------------------------------------- 49
9
4.2.1.1 - Televisão como lazer: assistindo DVD’s,
TV Globinho e Bom dia e Cia. -------------------------------------------- 50
4.2.1.2 - Lazer e religiosidade-------------------------------------------------------- 52
4.2.2 - Pablo, Marielem e Lucielem ------------------------------------------------- 55
4.2.2.1 - Festa de Carnaval.----------------------------------------------------------- 56
4.2.2.2 - Visitar os parentes – “
Eu gosto de ficar na minha vó.” --------------- 58
4.2.3 - Nicole e Wesley --------------------------------------------------------------- 61
4.2.3.1 - Televisão – a vilã ou mocinha? ------------------------------------------- 62
4.2.4 - Jenifer, Lucielem, Tainá e Juninho ----------------------------------------- 68
4.2.4.1 - Banho de arroio-------------------------------------------------------------- 69
4.3- Brincar é lazer? ------------------------------------------------------------------- 71
5 – As contribuições do debate sobre o lazer nos direitos
de participação e na cidadania das crianças:
propondo melhorias na qualidade de vida.--------------------------------- 77
5.1- Participação política e respeito à cidadania das crianças.------------------- 78
5.2 - O que é lazer para as crianças? ------------------------------------------------ 79
5.2.1 - Lazer e trabalho infantil ------------------------------------------------------ 82
5.3 - Condições dos Equipamentos de lazer no bairro. --------------------------- 83
5.4 - Tipos de lazer e condições do bairro. ---------------------------------------- 84
5.5 - Utopias/sugestões das crianças para melhorar o bairro -------------------- 86
5.5.1 - Criação/manutenção das praças --------------------------------------------- 87
5.5.2 - Festas populares --------------------------------------------------------------- 88
5.5.3 - Passear fora do bairro e Estádio de futebol -------------------------------- 89
5.6 - Ações/intervenção no lazer----------------------------------------------------- 89
Considerações finais------------------------------------------------------------------ 92
Referências bibliográficas ---------------------------------------------------------- 96
Anexos----------------------------------------------------------------------------------- 101
Anexo 1 – entrevista com Lucas e Vágner parte I--------------------------------- 102
Anexo 1.1 – Entrevista com Lucas e Vagner parte II----------------------------- 109
Anexo 2 – Entrevista com Pablo, Marielem, Lucielem.-------------------------- 121
10
Anexo 3 – Entrevista Nicole---------------------------------------------------------- 134
Anexo 3.1 – Entrevista Nicole e Wesley ------------------------------------------- 140
Anexo 4 – Entrevista com Luciellem, Jenifer, tainá e Juninho------------------ 147
Anexo 5 – Fotos do Bairro------------------------------------------------------------ 157
1 - INTRODUÇÃO
Esta dissertação trata da problemática do lazer e a infância em bairros de
classes populares. O tema - lazer e infância surgiu como oportunidade de ser
desenvolvido no mestrado advindo da participação como bolsista de iniciação científica
numa pesquisa desenvolvida pelo NEPE Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
de Zero a Seis Anos da FURG – Fundação Universidade Federal do Rio Grande.
1
Durante o trabalho em campo no bairro Castelo Branco Rio Grande/RS,
constatei que existiam poucos espaços públicos de lazer para as crianças pequenas e
para outros grupos geracionais. Estava no discurso de alguns profissionais do PSF
2
a
idéia de que as pessoas viviam e se divertiam como podiam e que as crianças brincavam
nos “valetões”. Isto despertou minha curiosidade a respeito de como a crianças tinham
acesso ao lazer e me fez questionar, inicialmente, se a ausência de equipamentos
impedia as crianças de terem momentos de efetivo lazer.
A oportunidade de fazer uma investigação sobre o assunto deu-se pelo
ingresso no Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental (PPGEA), na linha de
pesquisa de Educação Ambiental Não Formal (EANF) que explicita as questões sócio-
ecológico-ambientais.
Partindo das inquietações a respeito de como viviam as crianças, o projeto
de pesquisa desenvolvido propôs investigar os ambientes que ofereciam lazer a elas. O
objetivo do estudo foi focalizar o ponto de vista das crianças pequenas sobre formas de
lazer em relação ao ambiente em que viviam e entender quais as contribuições que o
debate sobre lazer traria aos direitos de participação e de cidadania das crianças
pequenas, bem como buscar formas de melhoria da qualidade de vida no Bairro Castelo
Branco II.
Em busca de respostas a essas questões de pesquisa realizei estudos a
respeito do lazer, fazendo um levantamento de investigações desenvolvidas na área
dentro do Programa de Educação Ambiental. Observei que no programa não havia
referências sobre lazer e infância, bem como eram escassas as obras brasileiras
abordando o lazer do ponto de vista das crianças.
1
Significados de Cuidado e Educação das Crianças pequenas em relação aos familiares. NEPE/DECC-
FURG, 2006.
2
Programa de Saúde da Família
2
Foi a partir desse levantamento que comecei a sistematizar o tema e construir
uma concepção/definição sobre lazer, infância; e pensei em dissertar sobre as formas de
lazer das crianças nas camadas populares. Para isso, utilizei uma metodologia de cunho
etnográfico a fim de investigar um grupo específico.
Os capítulos desta dissertação abordam seqüencialmente: a fundamentação
teórica do próprio capítulo, a metodologia adotada, as descrições das atividades de lazer
das crianças e a contribuição que o debate sobre o lazer pode fornecer à promoção da
cidadania dos grupos infantis.
No capítulo 2, apresento minhas concepções de lazer construídas a partir de
autores que investigam a temática (Zingoni, 2002; Marcellino, 2002; Padilha, 2002;
Bramante, 1992; Muller, 2002). Eles alegam que lazer é tempo livre de todas as
obrigações. Concordando com esse conceito, também compreendo o lazer como uma
manifestação humana necessária. É o momento de recriação de si mesmo e das relações
sociais, da criatividade, da imaginação e, principalmente, do prazer.
Apesar de o lazer ser uma necessidade a ser suprida em qualquer idade,
classe ou gênero, os valores da sociedade contemporânea têm se fundamentado nas
lógicas do mercado capitalista e nas artimanhas deste; assim o lazer está profundamente
enredado nas lógicas de consumo, transformado em mercadoria e em instrumento que
legitima muitas desigualdades sociais.
Nas lógicas do consumo, as crianças sofrem tanto com as barreiras
intraclasses como com as barreiras interclasses (Marcellino, 2006). Em sua mesma
classe (intraclasse), elas recebem condicionamentos advindos da postura dos adultos
frente ao tempo e às escolhas das atividades de lazer. Em se tratando das barreiras entre
uma classe e outra (interclasse) as crianças sofrem pelas condições de miséria e pobreza,
não tendo acesso a muitos equipamentos de lazer.
Pensar em eliminar as desigualdades é propor uma mudança do
comportamento dos seres humanos e, conforme o discurso da educação ambiental “a
sustentabilidade propõe-se a superar a lógica da exclusão, implica a eliminação das
desigualdades entre classes sociais, os povos e as nações no sentido de abolir a pobreza
e de garantir um desenvolvimento para todos (TRISTÃO, 2005 p. 179).”
A superação das desigualdades deve começar pelo respeito a todos os seres
humanos e pelo reconhecimento de todos como cidadãos de deveres e direitos. Essa
valorização vale para as crianças, que tradicionalmente foram vistas somente pela sua
incompletude.
3
A mudança de visão a respeito da infância tem sua posição fundamentada na
Nova Sociologia da Infância (TOMÁS E SOARES, 2004; MONTANDOM, 2001;
SARMENTO, 2007; CHRISTENSEN E JAMES, 1999; JAMES E PROUT, 1990) que
traz ao debate os seguintes conceitos:
Infância é uma construção social;
Crianças são atores sociais;
São protagonistas do processo de socialização;
Elas têm capacidade de participação social e política.
A dissertação vem corroborar esses conceitos na medida em que mostra as
capacidade de participação das crianças, resgatando-as da sombra das vozes dos adultos.
As crianças e os problemas ambientais devem ser estudados dentro de um
contexto histórico, no qual os atores sociais (crianças) são peças fundamentais nas ações
para se reverter o quadro de degradação do meio físico, social, bem como do ser
humano. A Educação Ambiental é uma prática transformadora, que respeita as mais
diversas formas de vida.
A infância, enquanto grupo geracional, ainda não conquistou direito de voz e
de ação, há emergência em consolidar o espaço das crianças como cidadãs. Compartilho
do entendimento de que ser cidadão “significa estar presente, reivindicar protagonismo
nos processos sociais e políticos da comunidade” (TOMÁS E SOARES, 2004 p. 354), e
que, para considerar a criança como sujeito de direitos, sua participação é fundamental.
Por ter clareza desta visão de infância, optei por uma metodologia que
considerasse as crianças como atores sociais. Para isso, foi necessário organizar
instrumentos metodológicos que contribuíssem para a compreensão dos modos distintos
de vida das crianças, bem como a sua relação com o ambiente externo, do ponto de vista
delas próprias.
No Capítulo 3 abordo a proposta inicial de realizar uma pesquisa qualitativa
de cunho etnográfico, auxiliada pelos seguintes instrumentos: observação participante,
diários de campo, conversa informal, e entrevistas. Após a entrada em campo, percebi
que para realizar a entrevista baseada na ferramenta que apela para a oralidade, seria
necessário o auxílio de recursos que promovessem minha interação com as crianças e,
principalmente, favorecessem a aceitação pelos grupos infantis.
As formas tradicionais de fazer entrevista podem não ser adequadas para os
grupos infantis, visto que a infância é marcada pelo lúdico. Em razão disto, escolhi
4
recursos como brinquedos, fotografias, desenhos e atividades com massa de modelar
para obter o máximo de interesse e atenção das crianças.
Uma forma de minimizar as contradições entre adultos e crianças foi colocá-
las na posição de informantes qualificadas na resolução de seus próprios interesses.
Digo informantes qualificadas, no sentido de que quando os adultos conversarem com
crianças usarão uma linguagem compreensível a elas. Isto não significa infantilizar a
fala, mas buscar entender o que as crianças sabem sobre o assunto a ser discutido, numa
linguagem do contexto infantil.
As informações poderão ser obtidas através de pesquisas com crianças (e até
realizadas por elas) ou num contexto mais local, como em Assembléias nas próprias
comunidades. As pesquisas
com/feita por crianças são importantes na medida em que
lhes dão a oportunidade de exercer seus direitos de cidadãs participativas, fazendo-as
sair, aos poucos, do papel passivo de receptor de políticas elaboradas somente por
adultos.
Para traçar os perfis escritos no Capítulo 4, a observação participante, aliada
às conversas informais, permitiu que eu conhecesse o contexto em que cada grupo de
criança vivia. É importante frisar que a aceitação dos adultos foi primordial para que eu
conseguisse a aceitação das crianças, visto que ganhar a confiança dos responsáveis,
deu-me acesso a casa de cada criança. Desenvolver a aceitação foi um trabalho que
levou muito tempo, o que com certeza não teria sido alcançado dentro do prazo
acadêmico, por isso optei por continuar investigando as crianças das mesmas famílias
vinculadas à pesquisa anterior.
“Escutar atentamente” às crianças não é um processo fácil, pois a
interpretação do pesquisador a respeito das falas das crianças é uma interpretação
adulta, o que demanda muita sensibilidade para ouvir aquilo que muitas vezes não é dito
pelas crianças e identificar quando os atores sociais dizem aquilo que o pesquisador
quer ouvir. Mas, dar “voz às crianças”, ou seja, ouvi-las, não se restringiu ao conteúdo
das entrevistas. Com a convivência no cotidiano e a conversas informais pude descobrir
muito a respeito das concepções infantis e entender o ponto de vista do grupo de
crianças em relação aos ambientes de lazer que serão apresentados.
Foram selecionados quatro grupos de crianças: 1) Lucas e Vágner 2) Pablo,
Marielem e Lucielem 3) Nicole e Wesley e 4) Jenifer, Tainá, Lucielem e Juninho. As
descrições de suas atividades na dissertação seguirão esta seqüência no referido
capítulo. Busquei deixar as falas das crianças, quando citadas, na forma original,
5
preservando-lhes o caráter coloquial das conversas. Os nomes também permaneceram
os originais, visto que foi conversado com adultos e crianças a respeito dos nomes e foi
decidido por eles que poderiam ser usados os nomes verdadeiros.
Lucas (seis anos) e Vágner (quatro anos) moravam perto dos seus parentes,
eram vizinhos de lado e de fundos, isto permitiu que o cuidado fosse compartilhado com
os familiares, fazendo com que essas crianças permanecessem mais tempo na casa dos
tios. Esta permanência com os tios permitia-lhes brincar com outras crianças e com seus
primos. Os pais trabalhavam fora e não permitiam que as crianças brincassem nas ruas.
As atividades de lazer descritas por elas enfatizaram as brincadeiras no pátio,
onde havia brinquedos improvisados e muitas sucatas que serviam como brinquedos,
mas a atividade à qual pude dar ênfase foi assistir a desenhos. Os Dvds foram
adquiridos por um preço muito acessível, o que possibilitou o catálogo de uma
variedade de desenhos. Outra atividade identificada como sendo lazer foram as que
envolviam a religião da família. Segundo Lucas, a igreja diverte, e a gente vai
aprendendo umas coisas ainda.... Apesar de acreditar que atividades religiosas estão
mais incluídas no campo das atividades obrigatórias de um indivíduo e que a religião
não tem finalidades de lazer, a religiosidade para camadas populares possui muitas
vezes um caráter informal e contempla momentos de lazer.
Pablo (10 anos), Marielem (sete anos), e Lucielem (cinco anos), irmãos,
moravam todos na mesma casa. Todas as crianças freqüentavam a escola, eram cuidadas
pelo irmão mais velho e pelo pai, pois a mãe trabalhava fora de casa. As crianças
respeitavam muito o irmão mais velho Paulo Henrique (15 anos), e todos tinham
participação no cuidado da casa, (serviços domésticos) e da família, de uma forma geral.
As crianças me relataram diversos momentos de lazer, pois a família
costumava passear bastante e estava sempre buscando novas formas de diversão, mesmo
quando ficava apenas dentro de casa. Para este grupo de crianças fiz uma breve
exposição a respeito do Carnaval - que mesmo ocorrendo uma única vez ao ano, é uma
festa está muito presente no cotidiano das crianças, seja por músicas, ensaios ou pelas
escolhas relativas aos próximos desfiles. Destaco também a prática de visitar os
parentes, pois sempre que podiam as crianças iam nos finais de semana para a casa de
tios, avós e padrinhos.
O envolvimento com o carnaval é estabelecido por um vínculo muito forte,
podendo ser encarado como um estilo de vida. O pai das crianças era Mestre de bateria,
o que as levou a ter um contato maior com a Escola de Samba. Apesar de não ter
6
encontrado estudos sobre as relações das crianças com o carnaval, notei uma percepção
crítica das crianças a respeito das dificuldades de manter a escola funcionando, bem
como percepções do vínculo com a comunidade propiciada pelo carnaval.
Os parentes desse grupo de crianças moravam afastados do bairro, mais nas
proximidades do centro da cidade, o que fazia da visitação um momento de diversão e
lazer. Para essas crianças, visitar os familiares era muito significativo, algo mais do que
um momento de lazer, era um momento de estreitamento dos laços de afetividade em
que os valores dos avós/tios são reproduzidos às crianças. Também era comum a
visitação de crianças aos parentes que moravam no mesmo bairro, sendo feitas, muitas
vezes, para auxíliar no cuidados de outras crianças e oferecer a assistência dos adultos
em tarefa domésticas.
Wesley (nove anos) e Nicole (cinco anos) tinham características marcantes.
Seus pais procuravam oferecer momentos de lazer dentro de casa, visto que não havia
um sentimento de pertença à comunidade. Muitas vezes eles ressaltaram o medo da
violência e dos perigos da rua. Em razão disso, dessa proteção, as atividades de lazer
foram desenvolvidas dentro de casa e, basicamente todas, envolviam a televisão. O jogo
de videogame era a principal diversão de Wesley, Nicole não participava dele, mas
assitia a novelas.
Percebi que os jogos eletrônicos, sejam em computadores ou videogames,
atualmente fazem parte da vida das crianças em todas as camadas sociais, até mesmo as
mais pobres. Quando essas crianças não possuem o aparelho, elas têm acesso a essas
tecnologias por meio da lan house, que geralmente cobra barato por uma hora de jogo
Constatei também que as novelas de televisão caem no gosto das crianças na
medida em que possuem significados e que, de alguma forma, há uma identificação com
os personagens da história, mesmo não sendo produzidas para o público infantil. Nem
tudo que se refere à televisão deve ser visto de forma negativa, até mesmo porque as
crianças não são receptoras passivas de informações, elas dão significados e
ressignificam muitas informações recebidas.
No último grupo senti muita dificuldade em me relacionar com as crianças e
familiares. Em muitos momentos de visitação não havia ninguém em casa. O
estabelecimento do diálogo com as crianças foi penoso, visto que elas eram muito
tímidas e só respondiam por gestos e poucas palavras.
Jenifer (cinco anos), Tainá (quatro anos), Juninho (dois anos) e Lucielem
(seis anos) inicialmente relataram que não havia lazer, mas em outras oportunidades de
7
conversa informal, questionei a respeito das atividades que tinha visto o grupo realizar.
As crianças, então, fizeram breves relatos a respeito da visitação aos parentes, das
brincadeiras no pátio e na rua, salientaram que assistiam a novelas e que, no verão,
tomavam banho de arroio.
Os banhos de arroio na realidade eram banhos em lagos ou charcos, que em
tempos de chuva transbordavam, se transformando em verdadeiras “piscinas”; ali era
possível se refrescar e realizar brincadeiras. Apesar de não ser um lugar próprio para o
banho, era a única possibilidade, pois a área de balneabilidade se encontrava muito
afastada e obrigaria a tomada de transporte público.
As brincadeiras enquanto ponto de ligação entre todas as atividades de lazer
das crianças do bairro são analisadas no encerramento do capítulo IV. Na fala de todas
as crianças investigadas havia descrições de suas brincadeiras enquanto atividades que
divertiam e davam prazer. Por isso, inclui como um interesse específico, ou como uma
categoria do lazer humano, as brincadeiras infantis, sendo elas quais forem e
independentemente do lugar em que são realizadas, pois para brincar é preciso estar
com tempo disponível e livre de obrigações.
No Capítulo 5, enfatizo as contribuições do debate sobre o lazer nos direitos
de participação e na cidadania das crianças pequenas, buscando a partir da fala das
crianças propor melhorias na qualidade de vida. Essa busca do protagonismo infantil
vem combater o desapego e a falta de vínculo com o lugar em que as crianças vivem,
pois muitas vezes o sentimento de “não-pertença” faz com que os atores não
reivindiquem junto aos gestores públicos as melhorias necessárias ao ambiente.
Aos adultos, como responsáveis legais pelas crianças, cabe interceder pelas
crianças quando necessário. Entretanto, poderão ocorrer contradições entre a real
necessidade da criança frente o pensamento dos adultos. Uma forma de ter acesso à
opinião das crianças é reconhecê-las como sujeitos de direitos que têm voz, “aceitar que
elas podem “falar” em seu próprio direito e relatar visões e experiências válidas”
(ALDERSON, 2005 p. 423).
Por fim, para construir uma visão geral da concepção das crianças, partimos
de suas falas, das anotações nos cadernos de campo, da observação e do relatado nos
capítulos desta dissertação. Para concluir, eu diria que, para essas crianças, o lazer é
brincar, o lazer é diversão. Assim, se expressa Pablo Lazer é o que a gente gosta de
fazer...”. E fazer o que gostam para essas crianças é assistir Dvd, pular carnaval, brincar
de “pirata”, brincar de “sapatos”, ir à igreja, participar das festas da igreja,das festas da
8
associação de moradores, jogar futebol no campinho, jogar play 2, ver novelas, visitar
parentes e até mesmo tomar banho de arroio como já foi mencionado.
Uma concepção desconstruída foi a de que as crianças não tinham lazer.
Mesmo sem equipamentos específicos para o lazer, as crianças criaram estratégias de
diversão e prazer. Será mostrado também que as crianças não estão insentas das
obrigações, elas possuem uma rotina que envolve tarefas domésticas, trabalho escolar, e
em um caso, o trabalho como ajuda, desmistificando a idéia de que o tempo das crianças
é um tempo livre de qualquer obrigação. O período da infância é marcado pelo “não-
trabalho- assalariado” o que não quer dizer uma vida livre de outras formas de trabalho.
E ainda, mediante as percepções das crianças a respeito dos equipamentos de
lazer que estão mal conservados (caso da praça), ou criados de improviso para e pela
população (campinho de futebol), pude constatar que as crianças evidenciam uma
consciência de sua situação frente aos outros bairros. Tal perspectiva está expressa na
fala das crianças. Vi que os equipamentos de lazer estão disponíveis somente em outros
bairros, o que ressalta a situação de marginalidade dessas crianças e do lugar em que
elas vivem. A carência de equipamentos promove o confinamento das crianças dentro
de suas próprias casas, uma vez que não há espaços coletivos de lazer.
Outra razão para o confinamento dentro das casas é a violência nas vilas,
alvo de preocupação de muitos responsáveis que tentam resguardar seus filhos dentro
das casas para que não se envolvam com a marginalidade e não se exponham à
violência.
Para finalizar o mencionado capítulo, apresento as utopias em relação aos
equipamentos que as crianças gostariam de ter em seu bairro, como o
parquinho meio
praça
dito por Lucas, a praça com dois balanços, um escorregador e umas árvores
para botar uma rede” descrita por Marielem. Além disso, elas mencionam as festas
comunitárias, o estádio de futebol, e viagens turísticas para todas as crianças. Mostrarei
nesta dissertação que as crianças têm muito a dizer sobre o lugar onde habitam. As
sugestões para que o bairro seja mais acolhedor para elas e para as demais crianças que
nele residem, partirão delas mesmas.
Na conclusão do referido capítulo, destaco a capacidade de contribuição das
crianças. Acredito que elas, assim como qualquer outro cidadão, merecem espaço para
opinar sobre a organização pública das cidades, dos bairros, e de qualquer instituição
que colabora com a educação/formação das crianças. Ao mesmo tempo, espero que os
leitores reflitam sobre suas posturas frente às crianças, bem como repensem a
9
importância do lazer na vida das crianças das comunidades pobres, levantando
questionamentos a respeito da participação das crianças e do seu papel nos espaços onde
elas habitam e nos quais nem sempre são vistas ou ouvidas.
10
2 – INFÂNCIA E LAZER
Toda criança nasce com o direito de ser. É erro muito grave,
que ofende o direito de ser, conceber a criança como apenas
um projeto de pessoa, como alguma coisa que no futuro
poderá adquirir a dignidade de um ser humano.
DALLARI, 1986.
Neste capítulo discuto o lazer, a infância e o protagonismo infantil, pois são
conceitos fundamentais desta dissertação. Inicialmente problematizo a oportunidade de
acesso aos equipamentos de lazer pelos grupos das camadas populares, fundamentada
em estudos feitos por Marcelino (2002). Exponho que os valores da sociedade
contemporânea têm se fundamentado nas lógicas do mercado capitalista em cujas
artimanhas encontramos o lazer profundamente enredado nas lógicas de consumo,
sendo transformado em mercadoria e instrumento que legitima as desigualdades sociais.
Em seguida explicito o conceito de infância e participação social,
defendendo que, na atualidade, as crianças devem ser entendidas como atores sociais,
pois produzem, consomem, trabalham e, portanto, são cidadãs. E como tal têm o direito
à participação política e social, bem como de serem ouvidas e consideradas em suas
opiniões e posicionamentos. Por fim, apresentando um breve histórico do campo teórico
que fundamenta este trabalho, abordo as contribuições da Sociologia da Infância,
identificando algumas mudanças de paradigmas em relação aos estudos da infância.
2.1 – Lazer e crianças: desvendando uma realidade
Ao buscar estudos referentes ao lazer, constatei que são poucos os autores
que se dedicam a investigá-lo, principalmente no tocante ao lazer infantil. Embora tenha
encontrado várias publicações relacionadas ao lúdico, à recreação e à arte (WURDIG,
2007; KISHIMOTO,1996; ROSAMILLA, 1979; BROUGÈRE, 2000; WAJSKOP,
2001), poucas fazem referência ao lazer das crianças em bairros populares, tema central
desta dissertação. Questiono como posso falar do lazer das crianças ou estudá-lo se ele
não é algo que ocupe uma posição importante na vida de muitas pessoas, especialmente
entre os grupos populares.
11
Marcellino (2002, p. 04), um grande e conceituado estudioso do lazer, nos
diz, em sua pesquisa histórica sobre o lazer brasileiro, que os primeiros estudos
surgiram no final da década de 50, com o estudo de Ferreira (1959)
3
- obra precursora
no Brasil sobre a problemática em questão. Para ele, o interesse pelo lazer foi surgindo
devido à urbanização das cidades brasileiras. Vale lembrar que nesta época o Brasil
tinha um relativo atraso em relação aos estudos feitos na Europa.
Os primeiros trabalhos sobre a questão do lazer produzido no Brasil são marcados, na sua
maioria, pela falta de “autenticidade”, principalmente se for levada em conta a legitimidade
da ligação com a realidade social e concreta. O que se verifica, em grande número, é a
simples “filiação” a esta ou aquela corrente de pensamento dos seus autores, pertencentes a
sociedades altamente desenvolvidas tecnologicamente, ou portadoras de sólida tradição
cultural. (MARCELLINO, 2002, p.5)
A academia brasileira preocupou-se com os estudos sobre lazer a partir dos
anos 70 e a produção nesta área tem se legitimado, propiciando uma discussão que
clama por uma visão interdisciplinar dos problemas da sociedade contemporânea. No
entanto, é preciso clarear alguns pontos sobre o lazer que ainda estão nebulosos e
prejudicam o entendimento e a discussão com qualidade. Isto porque, o entendimento
do que é o lazer e seu significado é controverso, tanto para a comunidade acadêmica
quanto para a população geral, pois, como afirma Bramante (1992 p. 164), “aquilo que
não se compreende, não se valoriza, aquilo que não se valoriza terá cada vez menos
defensores, e aquilo que não se defende perde-se”. Poderia ser reescrita esta frase da
seguinte forma: “o lazer que não se defende, perde-se”.
Talvez, em decorrência disso, em muitos momentos a população brasileira
tem perdido o seu espaço para o lazer diante da falta de força para defender tempos e
espaços de lazer a serem desfrutados. A sociedade contemporânea desenvolveu uma
cultura na qual as pessoas cada vez mais se ocupam com o trabalho e outros
compromissos, não tendo tempo livre, ou seja, um tempo para o ócio. Essa cultura
desenvolvida é um pouco mais complexa e exige esclarecimentos.
3
Ferreira, José Acácio. Lazer Operário – Um estudo de organização Social das Cidades. 1959.
12
2.1.1 – Lazer não é o tempo sem trabalho
O modelo econômico que temos visa, prioritariamente, o lucro financeiro
beneficiando apenas algumas pessoas, em contrapartida a maior parte da população
brasileira recebe baixos salários, o que faz com que os trabalhadores aumentem suas
horas de trabalho com biscates, ou bicos, e atividade informal. O trabalho da população
com baixa renda muitas vezes se torna alienado e não permite uma reflexão crítica dos
sujeitos em relação a seu status quo. A maior parte destes trabalhadores não questiona
os modelos que condicionam suas vidas, em razão disto, os cidadãos não refletem sobre
suas realidades e a respeito do que poderia ser feito para modificá-las.
Muitas vezes a população acredita que estes condicionamentos impostos
pela sociedade e o lugar que cada um ocupa nela é algo dado e natural; um
sentimento geral de que não possibilidade de mudança. É tão cruel este modelo
social, que o tempo livre tem um significado diferente para cada camada econômica da
sociedade. Zingoni (2002. p. 17) nos esclarece claramente o que estou afirmando
quando diz:
Em uma sociedade, como a nossa, predominantemente urbana e industrializada, aos moldes
capitalistas, na qual se convive com diferenciadas condições econômicas, cada vez mais as
pessoas são discriminadas e hierarquizadas também no lazer. Ainda prevalece nos dias
atuais, o tradicional conceito de que tempo livre é coisa de rico. Uma das grandes vantagens
de ser rico é ter tempo livre, é dispor do tempo para si, é possuir meios para consumir uma
gama de alternativas e produtos vendidos pela indústria do lazer. Para o pobre, o tempo
livre é sinônimo de temo liberado do emprego, e não do trabalho; não quer dizer tempo
disponível para o lazer. Para o desempregado, tempo livre é sinônimo de desmoralização.
(ZINGONI, 2002, p. 17)
Algumas discussões indicam que o cidadão honesto não tem medo de
trabalhar e este trabalhador que se esforça e até duplica sua jornada de trabalho, perde
seu tempo de lazer visando o aumento de sua renda salarial. Entendo a necessidade do
reconhecimento do lazer como uma parte importante na vida dos sujeitos, como um
momento de recriação de si mesmo e das relações sociais, um momento de criatividade,
imaginação e principalmente de prazer.
Não quero de forma alguma reduzir o lazer ao momento de “não-trabalho”,
como se pudéssemos ver esta relação somente de forma binária. O lazer é um dos
momentos que deve permear o cotidiano de todos os cidadãos, incluindo as crianças. As
relações econômicas desiguais afetam não somente os adultos, mas também as crianças,
13
pois os pais trabalham cada vez mais acreditando que poderão oportunizar uma vida
melhor para seus filhos.
2.1.2 – O lazer como momento da totalidade social
Os pais que passam menos tempo com seus filhos, organizam estratégias
para que as crianças ocupem seu tempo livre matriculando-as em diversos tipos de
escola ou proporcionando-lhes uma variada série de “cursos” desde a mais tenra
infância para que elas possam melhor competir no mercado de trabalho, isso ocorre
principalmente entre as crianças das camadas média e alta da população brasileira.
Enfim, as famílias fazem uma hierarquização de suas necessidades e, em vista disso, o
lazer ocupa a última instância na vida destas pessoas.
Nas camadas pobres, onde o desemprego é predominante e a infra-estrutura
da comunidade é precária, falar de lazer pode parecer utopia. Venho afirmar que a falta
de estrutura para viver, problemas de moradia e saneamento básico são também
problemas que comprometem a dignidade dos cidadãos. Neste sentido, quando
planos de melhorias de vidas para estes sujeitos, o momento de lazer deve merecer a
devida importância, pois o povo não precisa de trabalho e moradia e como enfatiza a
letra da música:
A gente não quer comida, a gente quer comida, diversão e arte
(Titãs).
As crianças das camadas populares são agredidas pelo padrão de acúmulo
de bens por parte das minorias dominantes e, a meu ver, são esquecidas pelas políticas
públicas voltadas para a sociedade. Tomás, Sarmento e Soares, declaram que as crianças
são atingidas pelas desigualdades sociais quando afirmam que:
A degradação global das condições de vida das crianças, que se exprime, entre outros
aspectos, no facto das crianças serem o grupo geracional, à escala mundial, mais afectado
pela pobreza, pela doença, pela guerra e pelas calamidades naturais. (2004 p. 07)
Compreendo que estudar a infância pelos seus próprios méritos continua
sendo um desafio nos estudos produzidos no Brasil, mas relacionar lazer e infância é um
desafio ainda maior, pois o termo lazer permanece carregado de preconceitos e
estigmas.
Para muitas pessoas discutir lazer pode parecer algo impossível, porque elas
precisam suprir outras necessidades básicas de sobrevivência. Portanto, quando
14
tratamos das crianças das camadas pobres, somos levados a pensar que tais crianças
poderiam ser incluídas nas discussões sobre lazer após todas as outras necessidades
serem saciadas. No entanto, tal hierarquia das prioridades em relação às necessidades
das crianças e de outros grupos geracionais, fragmenta a vida, a realidade e a sociedade.
É ingênuo acreditar que a saúde não afeta a condição educacional, bem como crer que a
alimentação e a moradia não afetam a saúde das pessoas. Assim acontece também com
relação ao lazer e à qualidade de vida dos grupos geracionais. As pessoas devem ser
entendidas como um todo e suas necessidades devem ser atendidas em busca do bem-
estar social.
Vivenciar momentos de lazer contribui significativamente para o
desenvolvimento das crianças, pois ele propicia experiências novas e diferenciadas. E
conforme afirma Marcellino (2001), o lazer deve abranger conteúdos de interesses
artísticos, manuais e físicos, além de outros. Até porque estes auxiliam na construção da
imaginação e da criatividade das crianças, pois “quanto mais rica a experiência humana,
tanto maior será o material colocado à disposição da imaginação” (JAPIASSU, 2001,
p.2).
Assim, a ampliação da experiência cultural das crianças potencializa a
capacidade criadora das mesmas. E, na medida em que não são possibilitadas as
condições e as experiências necessárias às crianças das classes populares, elas ao terem
pouco contato com produções artísticas, estarão em desvantagem em relação a outras
que vivem experiências com essas produções. Porém, isto não quer dizer que tais
crianças não terão a capacidade criadora, pois
Se considerarmos que a criação consiste em seu verdadeiro sentido psicológico, em fazer
algo novo, é fácil chegar à conclusão de que todos podemos criar em maior ou menor grau
e que a criação é acompanhante normal e permanente do desenvolvimento infantil.
(VYGOTSKY, 1982, p. 46)
Os interesses artísticos são grandes aliados na formação dos sujeitos e na
busca da qualidade de vida das crianças, Japiassu diz que “a criatividade permite
exercitar seus desejos e formar hábitos, dominar o funcionamento da representação
simbólica na linguagem, formular e transmitir suas idéias, auxiliando-a no
desenvolvimento da modalidade categorial de pensamento” (2001. p. 12).
15
2.1.3 – O capitalismo e o lazer como mercadoria
Cada vez mais podemos perceber que os efeitos do atual modelo econômico
têm afetado todos os aspectos da vida social dos homens e das mulheres, introduzindo
novos valores que ressignificam seus conceitos, suas formas de perceber o mundo e
suas relações com seus próximos. Para uma minoria dominante, certos valores que
perpassam as relações sociais são de grande valia, pois promovem a competição e
incentivam o esforço individual, em detrimento do esforço e do auxílio coletivo.
Essas atitudes contribuem para que se acentuem as diferenças sociais e, ao
contrário do que muitos possam alegar, o modelo capitalista não oportuniza a mudança
de
status quo através do trabalho individual, pois ele legitima a situação vigente de cada
indivíduo e o coloca numa situação extrema, ou seja, quem detém as riquezas, irá, cada
vez mais, acumulá-las, e quem está em situação de pobreza, tende a possuir cada vez
menos.
Tal modelo tem fortes repercussões nas relações existentes entre os países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento. O fenômeno da globalização que, a
priori, tem o objetivo de diminuir as diferenças tanto econômicas quanto culturais entre
países pobres e ricos, se tornou um grande elemento de fortalecimento de quem detém o
poder.
Santos (2001) salienta que a globalização é um fenômeno multifacetado
com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas
interligadas de modo complexo, com conseqüências diversas em diferentes países e
regiões do mundo. A globalização
interage de modo muito diversificado com outras transformações no sistema mundial que
lhe são concomitantes, tais como o aumento dramático das desigualdades entre países
ricos e pobres e, no interior de cada país, entre ricos e pobres, a sobrepopulação, a
catástrofe ambiental, os conflitos étnicos, a migração internacional massiva, a emergência
de novos Estados e a falência ou implosão de outros, a proliferação de guerras civis, o
crime globalmente organizado, a democracia formal como condição política para a
assistência internacional, etc. (SANTOS, 2001 p. 32)
As relações e/ou impacto do fenômeno de globalização ultrapassam as
esferas econômicas e comerciais, e incidem na vida dos cidadãos, elas os influenciam
produzindo conseqüências na cultura, na estrutura familiar, na educação e no tempo
disponível para o lazer (bem como na própria concepção e tipo de lazer).
16
Quando se discute a respeito da globalização uma tendência em reduzi-la
somente aos aspectos econômicos, contudo é necessário dar importância às dimensões
social, cultural e política. Em se tratando dos impactos econômicos que o fenômeno
acarreta nos direitos civis e na cidadania, Santos diz que “a economia é assim,
dessocializa, o conceito de consumidor substitui o de cidadão e o critério de inclusão
deixa de ser o direito para ser a solvência” (2001 p. 40).
4
Isso leva a pensar que só pode
“ser mais” quem “tem mais” e, assim, os valores pessoais giram em torno da lógica do
mercado, e as pessoas são valorizadas por aquilo que possuem e não por aquilo que são.
Nas artimanhas do mercado capitalista, e da globalização como sua face atual,
encontramos o lazer profundamente enredado e influenciado pelas lógicas de consumo,
sendo transformado em uma mercadoria.
Padilha (2002, p. 113), afirma “se o consumo é um dos pilares de
sustentação do capitalismo, não a atividades de lazer tornam-se mercadorias como o
próprio tempo de lazer torna-se tempo para consumir mercadorias”. Uma vez
percebendo que o lazer caiu nas lógicas do mercado capitalista, compreende-se que o
modo como ele é oferecido está em conformidade com as lógicas de exclusão. Neste
sentido, só poderá desfrutar de algumas áreas de interesse do lazer quem pode consumi-
lo.
O lazer tornou-se um instrumento que reforça e legitima as desigualdades
sociais, na medida em que somente tem acesso ao lazer-mercadoria quem pode
consumi-lo. Nas cidades, as estruturas e equipamentos específicos de lazer oferecidos à
população são, em sua maior parte, pagos e, de alguma forma, localizados nas regiões
centrais. Isso cria barreiras para que a população pobre tenha acesso a alguns
equipamentos de lazer.
2.1.4 – Indicadores de um lazer não adultocêntrico
Em recente tese de doutorado, Rogério Wurdig (2007) analisou como se
expressa a cultura lúdica do ponto de vista das crianças no contexto do recreio e no
contexto casa-rua, em um bairro popular de Pelotas/RS. Foi constatado que as crianças
brincam mais no contexto casa-rua, sendo que o equipamento de lazer como as praças
são precárias e mal conservadas. Entretanto, estas ainda representam um espaço lúdico
4
Nesta crítica, Boaventura diz que os pobres são considerados os insolventes, isto inclui também os
consumidores que ultrapassam os limites do sobreendividamento.
17
importante para um determinado grupo de crianças (WURDIG, 2007. p.127). Nos
centros urbanos que concentram diversas formas de lazer, seus usuários são
selecionados por sua condição financeira, que moram em bairros com infra-estrutura
privada ou publica; além de que, os equipamentos específicos de lazer com qualidade,
tendem a satisfazer uma parcela pequena da população. Neste sentido, aqueles que
usufruem destes espaços como consumidores podem ser considerados uma minoria
privilegiada.
Segundo Marcellino (2002. p. 18), existem seis áreas fundamentais que
abrangem o conteúdo do lazer e estas áreas atendem a diversos interesses. De forma
sintetizada, apresento as áreas analisadas pelo autor, que elas foram úteis na análise
dos espaços de lazer no bairro popular no qual foi desenvolvida minha pesquisa. Tais
interesses seriam aqueles relacionados aos
-
Interesses artísticos: estes atuam no imaginário, nas emoções e sentimentos;
-
Interesses intelectuais: lazer em forma de leitura e cursos que estimulem o
pensamento;
-Interesses físicos: realização de práticas esportivas, passeios, pescas, ginástica, entre
outros movimentos corporais;
-Interesses manuais: abrange a manipulação e transformações de materiais e
artesanato;
-Interesses turísticos: passeios e viagens, atividades que quebrem a rotina;
-Interesses sociais: propiciam relacionamento interpessoal e convívio social, como
clubes, festas bares e cafés.
O que se percebe é uma gama de oportunidades de lazer, contudo a
população não costuma usufruir de todas as áreas, geralmente predomínio de uma
sobre a outra. O ideal seria que cada sujeito pudesse escolher, conforme seu gosto,
dentre uma das formas de lazer e, ao longo do tempo, conhecesse e experimentasse
outras formas. Todavia, a realidade está longe de ser esta. O lazer está condicionado à
situação financeira de quem o desfruta,como já afirmei antes.
No entanto, percebe-se que o lazer infantil está extremamente relacionado
ao tipo de atividade que os familiares e outros adultos vinculados às crianças realizam.
Ou seja, em todos os níveis sociais as crianças são sufocadas por decisões
adultocêntricas,
5
que decidem o que elas devem, ou não, fazer. São os adultos que
5
O olhar adultocêntrico sobre a infância registra especialmente a ausência, a incompletude das crianças.
A criança é considerada como não-adulto (SARMENTO, 2007, p. 33).
18
decidem o que elas devem gostar ou não, sempre julgam o que é melhor para elas sem
perguntar sua opinião. Neste sentido, a relações das crianças com as oportunidades de
lazer seguem a lógica de exclusão, pois elas estão em desvantagem, em desigualdade
porque têm seus direitos de voz e de ação negados, assim como suas formas de lazer
estão sujeitas ao tempo dos adultos e a seus níveis sociais.
Sendo assim, as lógicas de exclusão nos permitem analisar a situação das
crianças por duas vertentes: (1) uma delas é a da criança que tem acesso ao lazer como
mercadoria; e (2), a outra é a criança que é excluída de muitas formas de lazer. As
crianças das classes populares estão duplamente excluídas: não têm acesso ao lazer
como mercadoria e são excluídas de muitas outras formas de lazer em decorrência da
falta de espaços e equipamentos públicos de lazer nos bairros e vilas em que vivem.
Os bairros, favelas e vilas se formam sem a menor fiscalização ou
interferência por parte do planejamento urbano, tornando-se lugares que não respeitam a
cidadania dos indivíduos. casos em que a prefeitura loteia grandes áreas e deixa aos
próprios moradores o encargo de construir e batalhar por um local ideal de moradia que
se aproxime de um bairro. Em tais casos, é comum que somente após o assentamento de
grande número de famílias, ocorra uma intervenção efetiva por parte do Estado.
Por outro lado, depois do “acontecido” as políticas municipais não vêm
dando conta da grande demanda gerada pelo crescimento urbano desordenado.
Comunidades estão surgindo em meio a locais com condições insalubres de moradia,
como aterros sanitários, zonas interditados pela Defesa Civil, beira de lagoas e rios,
entre outros. A população está crescendo e as cidades não têm se organizado para
acomodar tantas pessoas, carecendo de infra-estrutura para atender a população.
Essas são situações comuns no cotidiano, embora haja poucos avanços,
passam-se os anos percebo que a realidade ainda é a mesma nos bairros e vilas de nossa
cidade. nos bairros ditos de classe média e alta, toda uma preocupação com a
iluminação, abastecimento de água e tratamento de esgoto, coleta de lixo, segurança,
comércio e serviços em geral.
Em bairros periféricos, vilas e comunidades pobres grande carência de
equipamentos de lazer, o espaço urbano destas comunidades vem negando-lhes a
oportunidade de desfrutar o lazer. O que mais se vejo quando ando por tais bairros são
campinhos de futebol improvisados em terrenos baldios e pequenas praças, com
somente um ou dois tipos de brinquedos. As praças muitas vezes não são freqüentadas
por crianças devido à falta de segurança e à violência urbana. nos bairros centrais,
19
onde os habitantes têm um maior poder aquisitivo e maior influencia junto aos poderes
públicos, uma centralização dos equipamentos específicos de qualidade (como
parques, cinemas, teatros e clubes).
Entretanto, a barreira geográfica não é o único fator que exclui os pobres
dos ambientes de lazer. Mesmo quando a população está próxima a espaços
privilegiados, muitas vezes, ela não faz uso deles. Existe uma série de desníveis sociais
que faz com que as camadas pobres não tenham oportunidade de desfrutar do lazer.
Conforme afirma Marcelino (2002. p. 23), barreiras interclasses e intraclasses, que
dizem respeito aos processos de exclusão entre uma classe e outra, como são os fatores
sócio-políticos e econômicos que geram as acentuadas diferenças entre os indivíduos.
Mas, também, barreiras e diferenças produzidas culturalmente por
indivíduos de uma mesma classe ou de uma mesma categoria social. Os homens e as
mulheres não têm as mesmas oportunidades de lazer, assim também ocorre entre os
jovens e crianças; adultos e idosos.
Ora o lazer não é um oásis a que todos tenham acesso. Pelo contrário, conforme tivemos
ocasião e comentar em inúmeras oportunidades, existem barreiras interclasses e intraclasses
sociais formando um todo inibidor que dificulta o acesso ao lazer, não
quantitativamente, mas, sobretudo qualitativamente. (MARCELLINO, 2001, p. 09
)
As relações de gênero são fatores que colaboram para que os homens e as
mulheres não tenham a mesma qualidade e quantidade de tempo disponível para o
desempenho das obrigações profissionais, familiares e sociais.
A mulher, mesmo com todas as mudanças ocorridas nos papéis sociais, tem
ainda a grande responsabilidade pelos cuidados domésticos e pelos cuidados dos filhos.
A entrada da mulher no mercado de trabalho não retirou de seu papel as diversas
funções culturalmente estabelecidas ao sexo feminino. Desta forma, está imposta à
mulher trabalhadora uma sobrecarga: ela acumula uma dupla jornada de trabalho, sobra-
lhe bem menos tempo para o lazer.
Em relação aos idosos, percebe-se que eles são vistos como cidadãos
“inúteis“, pois saíram do mercado de trabalho. “[...] a aposentadoria pode ser vista
assim, transforma-se de sonho em duro pesadelo de pessoas “sem função”, quando se
vêem sem o seu “papel produtivo”. (MARCELLINO, 2006 p. 44). Pensar em lazer
remete, logo, à concepção de “não trabalho”. Além disso, para o senso comum, a
concepção de lazer parece ser tida como direito de quem trabalha. Como o idoso não
é mais ativo no mercado, ele é desconsiderado nos momentos em que são oferecidas as
20
oportunidades de lazer às camadas populares. Isso fica evidente pelo predomínio de
ofertas de atividades físicas, sobretudo de esportes de competição algo geralmente
destinado a um público mais jovem. Obviamente, a maior oferta de atividades físicas
não pressupõe por si mesma uma exclusão do idoso; o que torna a desconsideração
manifesta é a escolha de atividades de impacto mais acentuado, que exigem maior vigor
físico.
2.1.5 – O lazer como não trabalho e o trabalho das crianças
As atividades de lazer percebidas como um direito somente de quem
trabalha, afeta sobremaneira a infância na medida em que as crianças podem ser
excluídas das políticas de lazer por se conceber esta fase da vida do ser humano como
um período em que o sujeito não é responsável e está livre de quaisquer obrigações.
Vale lembrar que muitos autores (MARCELLINO, 2002; PADILHA, 2002;
BRAMANTE, 1992; MULLER, 2002) afirmam que o lazer é o tempo livre de todas as
obrigações seria um paradoxo pensar o tempo das crianças. Elas estariam em constante
lazer? E as crianças que ajudam nas tarefas domésticas, que estudam e que realizam
uma série de atividades que exigem delas um compromisso?
Qvortrup (2001. p.130-150) afirma que as crianças sempre trabalharam,
porém a natureza do trabalho obrigatório mudou de acordo com os modos de produção
predominantes. As atividades escolares do ponto de vista deste autor podem ser
consideradas trabalho, como ele mesmo define “trabalho escolar”. Este trabalho escolar
num contexto social é visto como uma atividade oposta ao trabalho infantil. O tempo e
as atividades das crianças foram adaptados às necessidades da nova ordem social. Ele
afirma também que as crianças, durante a modernidade, foram alvos do modelo
econômico e dos interesses das classes dominantes.
As escolas se tornaram o novo local de trabalho das crianças, tornaram-se lugar onde as
crianças foram obrigadas a passar maior parte de seu tempo durante a infância e foi cada
vez mais assim à medida que o século avançou. As escolas tornaram-se o novo ambiente
para as crianças desempenharem seu trabalho imanente ao sistema. (QVORTRUP, 2001. p.
139)
Os estudiosos e profissionais que atuam com a infância, muitas vezes,
desvalorizam e não reconhecem a importância das atividades escolares como um
trabalho que exige esforço, seriedade e compromisso das crianças. Borba diz que:
21
Por um lado, é preciso de fato reconhecer a existência de formas de trabalho invisível, como
o trabalho na escola, no processo de constituição social da infância e da sociedade. Por outro
lado, é também uma realidade a existência de formas mais explícitas de trabalho. (...) essas
diferentes formas de trabalho presente na vida das crianças devem ser analisadas nas
múltiplas dimensões, esclarecendo-se as suas raízes sociais, o valor econômico que
assumem, as políticas que as confrontam e, sobretudo, seus efeitos e significados na
constituição da criança como sujeito e cidadã. (2005 p. 44)
Acredito que as relações de lazer e sociedade, principalmente sua discussão
com as crianças, precisam receber destaque pelos intelectuais que estudam as infâncias.
Penso que o modelo que temos hoje como padrão de lazer para as crianças e de
qualidade de vida precisa ser questionado e revisto. Ele ainda necessita ser
problematizado de forma crítica, incluindo as influências que o sistema econômico
produz nas relações sociais. No entanto, acredito que tais mudanças poderão
acontecer se o lazer for pensado com adultos e crianças e não somente para as crianças,
pois há grande urgência de participação social na formulação de projetos e políticas para
a população. Os esforços de profissionais e pesquisadores devem estar voltados para a
melhoria da qualidade de vida da população, procurando amenizar os efeitos nocivos da
acentuação das diferenças geradas pelas conseqüências do capitalismo.
2.2 – O protagonismo da infância cidadã pela participação
Dentro das questões ambientais discutimos a relação do ser humano com o
seu meio. Neste meio ambiente estão incluídas questões sócio-políticas e tais questões
são referentes a homens e mulheres que possuem inteligência e raciocínio para
modificar o meio em que vivem. Neste sentido, não podemos excluir as crianças das
discussões e decisões, pois meninos e meninas são atores sociais e fazem parte da
sociedade em que vivem. E, portanto, estão inseridos no meio e relacionam-se com o
ambiente. E, obviamente, a discussão não deve ser apenas efetuada por adultos, uma vez
que as crianças, assim como os jovens e os idosos, vivem e atuam no meio ambiente.
Qvortrup (1993 apud BORBA, 2005) explicita que a infância, em princípio,
está exposta às mesmas forças sociais que atingem os adultos. Nesse sentido, as ações
políticas, econômicas e sociais atingem os adultos e também o modo de vida das
crianças. E na medida em que a Educação Ambiental tem como um de seus princípios a
prática transformadora, e se compromete com a formação de cidadãos críticos e “co-
22
responsáveis por um desenvolvimento que respeite as mais diferentes formas de vida”
(TRISTÃO, 2004 p. 169), as crianças não podem ficar de fora e deixar de ser ouvidas.
Neste sentido, os problemas ambientais devem ser percebidos dentro de um
contexto histórico, no qual os atores sociais (adultos, idosos, jovens e crianças, homens
e mulheres) são peças fundamentais nas ações para se reverter o quadro de degradação
da natureza, bem como o do ser humano de diferentes idades.
O sujeito co-responsável é considerado cidadão crítico porque tem
competência para atuar politicamente, ou seja, tem oportunidade de participação social.
A participação social é um conceito que permeia a obra de muitos autores que tratam a
respeito da educação (REIGOTA, 1997; LOUREIRO, 2004; CARVALHO, 2004 E
FREIRE; 1987), porém entendo, como a maioria deles, que este conceito tem de sair do
campo das idéias e começar a efetivar-se na sociedade.
muitas implicações com relação à participação dos sujeitos, pois ainda
somos educados de forma bancária (FREIRE, 1991). Isto implica que uma crença de
que a cultura e os saberes possam ser depositados em indivíduos considerados como
tábulas rasas.
Dessa forma, muitos são privados de exercer sua cidadania, pois não
conseguem elaborar um pensamento crítico a respeito de si e do mundo que os cerca,
tampouco participam dos espaços de decisão dos assuntos públicos. Em vista disto,
alguns não acreditam que são aptos a opinar em questões políticas, outros acreditam que
possam colaborar e têm boa vontade, mas não sabem onde e como fazê-lo, acabam
deixando nas mãos de poucos a função de elaborar projetos sociais, políticas e diretrizes
para grande parte dos cidadãos. Esses sujeitos não desenvolveram uma competência
para atuarem, o que é lastimável porque algo elaborado por poucos, muitas vezes, não
serve para todos, pois muitos não foram ouvidos nem consultados em seus anseios e
necessidades.
As relações humanas são muito complexas, para pensá-las e compreender os
problemas contemporâneos, acredito ser importante explorar a potencialidade das várias
áreas do conhecimento humano. Creio que, de forma interdisciplinar e conjunta, podem
ser concebidas diretrizes mais eficazes para a promoção da participação social.
A infância nos últimos anos vem recebendo reconhecimento e destaque em
diversas áreas do conhecimento, entretanto os estudos e pesquisas
23
costumavam medir os efeitos das intervenções de saúde ou educação sobre suas vidas, ou
suas necessidades, tais como avaliadas por adultos, ou ainda investigavam seu
desenvolvimento e sua socialização graduais rumo às competências dos adultos.
(ALDERSON, 2005 p. 421)
As crianças não têm sido uma categoria atuante e com participação social na
formulação das políticas públicas para a população (ALDERSOM, 2005 e SARMENTO
2007). Muitas são as explicações que, de certa forma, poderiam justificar esta não
participação das crianças nas decisões políticas de nossa sociedade. Ainda persiste uma
visão adultocêntrica de que elas não têm capacidade de decidir, sendo preciso que o
adulto tome todas as decisões referentes ao que julga necessário para elas, tanto em
contexto escolar, quanto nos demais segmentos da sociedade.
Tomás e Soares afirmam que “na maioria das vezes este espaço é construído
pelos adultos sem (quase) nunca se ter em conta a opinião e mesmo a participação das
crianças” (2004, p. 349). Apesar de existirem avanços nos estudos da infância, o
universo infantil enquanto realidade social está fortemente marcado pelo que ainda não
é, acentuando-se as faltas e as incompletudes.
As representações sócio-históricas da infância, dominantes nos últimos 250 anos, caractriza
este grupo a partir da sua negatividade, como os “ainda não” (Casas, 2002) e, “não a partir
de um conjunto de características que o autonomizam pela diferença das suas formas de
compreensão e de ação no mundo”. (SARMENTO, 2004
apud TOMÁS E SOARES, 2004
p.
350).
A infância ainda é compreendida dentro de um estatuto minoritário, período
em que as crianças precisam ser reguladas e protegidas pelos adultos, porque sabem
menos e estão em desvantagem em relação a eles. Isto implica que nossa sociedade
paternalista continua caracterizada pela ausência de voz e ação da parte das crianças.
Esta realidade implica que dentro das pesquisas sobre a infância, as crianças
ainda são pouco escutadas. É fundamental escutarmos o que as crianças têm a dizer para
respeitá-las e valorizá-las como seres humanos. Muitos pesquisadores, através da
observação e da entrevista que reduz a fala das crianças, vão decidir o que é melhor
para elas e quais medidas devem ser tomadas dentro da problemática abordada e, em
vez da participação da criança, os adultos participam por ela. Os estudos da infância
vêm reconhecendo e legitimando a idéia de que as crianças possuem modos de vida
distintos dos adultos, constituindo-se como um grupo social. Desta forma se entende o
espaço social da infância como um espaço socialmente construído em diversos aspectos,
fortalecendo o conceito de infância como construção social.
24
No que diz respeito à relação entre sociedade infantil e adulta, Qvortrup
aponta o seguinte paradoxo os adultos afirmam que as crianças deveriam estar em
primeiro lugar, mas cada vez mais são tomadas decisões de nível econômico e político
sem que as mesmas sejam levadas em conta” (1993 p. 03). Existe uma ambivalência
nas atitudes sociais do adulto frente às crianças no que diz respeito ao que preconizamos
para elas, o que realmente é feito por elas e no que decidimos com elas.
É fundamental os adultos cuidarem e protegerem as crianças, pois elas não
poderiam sobreviver sozinhas, mas
A preocupação com a proteção da criança não deve servir de pretexto para a anulação de sua
criatividade, assim como a indiferença pela criança não pode ser confundida com o respeito
por sua liberdade. É preciso que se conjuguem ambos, a proteção e o respeito, para que a
criança exerça em toda a plenitude seu direito de viver. (DALLARI, 1986 p. 53)
As crianças ainda não consolidaram seu espaço enquanto grupo social. Uma
forma de se concretizar este espaço seria, fundamentalmente, valorizar as ações, as
culturas das crianças e suas visões de mundo, como forma de respeito. Portanto, há uma
emergência de se perceber a criança como cidadã, pois a participação social tem sido
negligenciada a este grupo geracional. E como compartilho do entendimento de que ser
cidadão “significa estar presente, reivindicar protagonismo nos processos sociais e
políticos da comunidade” (TOMÁS E SOARES, 2004 p. 354), e que, para considerar a
criança como sujeito de direitos, sua participação é fundamental.
Conquistar o direito de cidadania é um processo muito complexo e exige
algumas mudanças culturais e ações políticas. Para alcançar este direito é preciso
desenvolver e difundir a idéia de protagonismo infantil, como um
processo social mediante o qual se pretende que crianças e adolescentes desempenhem um
papel principal no seu desenvolvimento e no da sua comunidade para alcançar a realização
plena dos seus direitos atendendo ao seu interesse superior. (GAITÁN, 1998, p. 86 apud
TOMÁS E SOARES, 2004 p. 357)
As crianças atuam em um contexto sócio-histórico, elas fazem parte do
ambiente em que vivemos. Seria imprescindível para a construção de uma consciência
ambiental e formação de “sujeitos ecológicos” (CARVALHO, 2004 p. 18) a preparação
das crianças para o pleno exercício da cidadania enquanto crianças e não somente
quando atingirem a maioridade, pois a infância deve ser entendida para além de uma
fase de preparação para a vida adulta.
25
Para o exercício da cidadania, as instituições sociais, bem como os espaços
onde as crianças vivem, devem propiciar o exercício de seus direitos e deveres. Neste
sentido, buscar verificar o lazer a partir do “olhar” das crianças – deixar “elas dizerem a
sua palavra”, como busquei nesta dissertação (e pesquisa) é, de certa forma, uma passo
que dei como contribuição nesta caminhada de cidadania da infância como protagonista
cidadã.
2.3 – As contribuições dos estudos da Infância – mudando conceitos e paradigmas.
A presente pesquisa sobre ambientes de lazer sob o ponto de vista das
crianças está fundamentada em conceitos e idéias advindas do campo da Sociologia da
Infância que surgiu recentemente com a intenção de estudar a infância em sua
totalidade levando em consideração a realidade social. Sarmento afirma que:
Ao incorporar na sua agenda teórica a interpretação das condições actuais das crianças, a
Sociologia da Infância insere-se decisivamente na costrução da reflexividade contemporânea
sobre a realidade social. É por isso que, na verdade, ao estudar a infância, não é apenas com
as crianças que a disciplina se ocupa: é com efeito, a totalidade da realidade social o que
ocupa a Sociologia da Infância. Que as crianças constituem uma porta de entrada
fundamental para a compreensão dessa realidade é o que é, porventura, novo e inesperado
no desenvolvimento recente da disciplina. (Sarmento – texto digitado Sociologia da Infância
– Correntes e confluências – p. 02)
Tendo como base a Sociologia da Infância neste estudo, farei um breve
histórico do surgimento desse novo campo, destacando algumas mudanças de
paradigmas em relação à infância, a fim de situar o leitor no campo teórico que inspira
esse trabalho.
Num levantamento sobre o surgimento da sociologia da infância Borba
(2005) comenta que Sirota (2001) apresenta uma contribuição científica para o
reconhecimento desta área como um campo necessário de estudo:
Para Sirota (2001), apesar de não ser tão nova, a questão da construção de uma sociologia da
infância foi ignorada ou silenciada no discurso científico, até recentemente. Segundo a
autora, o objeto de estudo infância foi qualificado pelos sociólogos como fantasma
onipresente, terra incógnita, mudo, na literatura de língua francesa, e como marginalizado,
excluído, minoritário, invisível, na literatura de língua inglesa. (BORBA, 2005 p. 24)
Borba afirma que os primeiros elementos que apontam para o nascimento da
sociologia da infância como campo de estudo surgem face à oposição à concepção de
criança como ser em devir. O processo de socialização, a partir da perspectiva
26
durkheimiana, encarava a criança como um objeto pacífico de uma socialização, regido
por dispositivos institucionais como a escola, a família e a justiça. Isso levou à
marginalização da infância, uma vez que as crianças não eram vistas como
protagonistas de suas ações (2005 p. 25).
Plaisance (2004) se refere à socialização proposta por Durkhein, como um
modelo vertical de imposição, que reduz a socialização a uma interiorização de normas
e valores como efeitos de uma coerção social. A crítica ao modelo de socialização
vertical é uma grande contribuição desse novo campo da sociologia para uma nova
perspectiva na visão e nos estudos sobre crianças.
Sarmento explicita a contribuição deste campo científico quando afirma que
a sociologia da infância:
propõe-se a constituir a infância como objecto sociológico, resgatando-as das perspectivas
biologistas, que a reduzem a um estado intermédio de maturação e desenvolvimento
humano, e psicologizantes, que tendem a interpretar as crianças como indivíduos que se
desenvolvem independentemente da construção social das suas condições de existência e
das representações e imagens historicamente construídas sobre e para elas. Porém, mais do
que isso, a sociologia da infância propõe-se a interrogar a sociedade a partir de um ponto de
vista que toma as crianças com objecto de investigação sociológica por direito próprio,
fazendo acrescer o conhecimento, não apenas sobre infância, mas sobre o conjunto da
sociedade globalmente considerada. (SARMENTO, 2005 p. 363)
As concepções a respeito da infância e das crianças que os estudiosos dessa
área desenvolveram e vem desenvolvendo entendem as crianças como objetos legítimos
de conhecimento, merecedores de destaque e importância. Os estudos sobre a infância
por parte da Sociologia da Infância são recentes, esta categoria sempre ficou à margem
dos estudos na Sociologia, quando se abordava as crianças, isso se dava de modo
complementar aos estudos sobre família ou escola.
A partir da década de 80, os estudos sociológicos sobre a infância
aumentaram e diversificaram, e segundo Montandom (2001 p. 36): “nos múltiplos
trabalhos que os sociólogos realizaram nesses últimos anos sobre as crianças, é
surpreendente constatar, de um lado, a predominância do empírico e de outro a grande
diversidade de questões exploradas”.
As questões exploradas foram inovadoras, pois trataram da relação entre
gerações, das relações entre crianças, abordaram as crianças como um grupo de idade e
analisaram as diferentes instituições dirigidas às crianças (FRONES, 1994 apud
MONTANDOM, 2001).
27
Com relação aos estudos sobre a infância no Brasil, Borba aponta algumas
contribuições teóricas de autores como Quinteiro, 2002; Fernandes 1979; Martins,
1998; Freitas, 1997; Rizzini, 1997 e Kramer, 1996. Ele afirma que este é um campo
recente e que pouco sabemos sobre as crianças brasileiras, sobre seus modos de ver o
mundo, seus saberes e fazeres, suas formas de se relacionarem com outras crianças e
com os adultos e suas possibilidades de reproduzir a realidade (2005 p. 33).
Os estudos no Brasil são marcados por uma diversidade de perspectivas
teóricas e metodológicas e apontam para uma compreensão da criança como um sujeito
de história, superando a visão tradicional de criança como objeto.
Aconteceram grandes mudanças de concepção a respeito da infância, até
chegarmos ao ponto de entendermos as crianças como um grupo que apresenta
contribuições para a sociedade. Houve uma ruptura com as abordagens clássicas que
percebem as crianças como objetos passivos frente aos adultos e, do ponto de vista
acadêmico, elas são percebidas como atores sociais, como sujeitos do processo de
socialização. Isto não significa que as crianças não sofrem limitações e
constrangimentos decorrentes do adultocentrismo e das desigualdades e processos de
exclusão.
Uma importante contribuição da Sociologia da Infância é a análise da
infância como um objeto de estudo que merece ser estudado pelos seus próprios
méritos. Isto implica em uma mudança de paradigma em relação à concepção de
infância e em uma superação da imagem de criança pré-sociológica.
Sarmento discute a respeito das imagens de infância propostas por James,
Jenks e Prout (1998 p. 3-34) que distinguem dois períodos fundamentais: o das imagens
da infância pré-sociológica e o das imagens da infância sociológica.
A primeira imagem considera o sujeito infantil como “entidade singular
abstracta”, analisada não apenas sem recurso à idéia da infância como categoria social
de pertença, mas com exclusão do próprio contexto. A segunda imagem da criança
sociológica “são produções contemporânea e resultam de um juízo interpretativo das
crianças a partir das propostas teóricas das ciências sociais” (SARMENTO, 2007, p.
29).
É interessante notar que estas imagens não correspondem a etapas e estágios
históricos ultrapassados ou em trânsito, elas coexistem e sobrepõem-se, muitas vezes
moldando ações cotidianas e práticas (SARMENTO, 2007 p. 29).
28
Sarmento alega que essas imagens não são compartimentos simbólicos
estanques, mas dispositivos de interpretação que se revelam finalmente no plano da
justificação dos adultos com as crianças. Ele aponta um paradoxo com expressivo
significado social: as distintas representações da infância se caracterizam especialmente
pelos traços de negatividade, a criança é considerada como o “não adulto,“ e este olhar
adultocêntrico sobre a infância registra especialmente a sua incompletude ou a negação
das características de um ser humano completo (2007, p. 33).
As críticas às imagens pré-sociológicas da infância desvelam um importante
conceito de crianças enquanto atores sociais. Falar das crianças enquanto atores sociais
segundo Borba (2005 p. 17) “é revelar a criança na sua positividade, como ser ativo,
situado no tempo e no espaço, nem cópia nem o oposto do adulto, mas sujeito
participante, ator e autor na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o
mundo”.
Christensen e James (1999, p. xv) também destacam a mudança
paradigmática nos estudos da infância, mostrando que as crianças têm um papel ativo na
sociedade nas instituições e nas relações sociais.
Em outras palavras, as crianças como sujeitos ativos na sua socialização não
podem ser mais compreendidos como recipientes vazios que precisam ser preenchidos
pelos adultos, pois elas são produtoras de culturas e, ao mesmo tempo, são produzidas
pelas culturas dos adultos, de mídia e do consumo.
As crianças são parte da sociedade, bem como ressignificam e interferem nas
relações sociais. É importante afirmar que para esta perspectiva as crianças são tratadas
como grupo social, portanto, “não é preciso estudar as crianças como seres futuros, mas
simplesmente como seres atuais” (JAMES e PROUT, 1990 apud MONTANDOM, 2001
p. 47).
Em conformidade com os conceitos acima explorados, também entendo as
crianças como atores sociais, penso nelas como pessoas que têm capacidade de
participação nas discussões a respeito das políticas públicas para o lazer, mas para isto
elas precisam ser ouvidas. Acredito que para ouvir as crianças é necessário conviver
com elas, pois a linguagem não se restringe somente à oralidade. As ações, gestos e
atitudes revelam muito sobre os sujeitos.
O capítulo a seguir expõe a metodologia utilizada para efetivar o processo de
escuta sensível às crianças, dando a elas a oportunidade de participarem com suas vozes
29
neste estudo que trata sobre o lazer de um grupo de crianças num bairro popular em Rio
Grande/RS.
30
3. Metodologia de Pesquisa: Conversando com um grupo de crianças.
Não há qualquer justificativa para obrigar a criança a agir
contra seus sentimentos, querendo que ela se sinta melhor
fazendo aquilo que os adultos preferem que ela faça. O
respeito ao direito de sentir das crianças permitirá que elas
cresçam de acordo com suas características e que consigam o
pleno desenvolvimento de sua personalidade.
DALLARI, 1986.
A citação de Dallari sobre o respeito às crianças e seus modos de sentir e
estar no mundo serve para iniciar minha apresentação da metodologia, ou melhor, do
sentido que orientou a minha pesquisa ao focalizar as vozes e as ações de um grupo de
11 crianças, entre três e dez anos, do bairro Castelo Branco II, na Cidade do Rio
Grande/RS. O capítulo abrange as negociações para a entrada em campo, os
instrumentos de coleta de dados e, principalmente, explicita as ferramentas
metodológicas que apelam para a oralidade e para os recursos auxiliares nas entrevistas
com cada grupo de crianças.
3.1- Caminhos metodológicos: crianças como atores sociais.
Reconhecer a criança como ator social, ou seja, um ser ativo no seu
processo de socialização, que tem “consciência dos seus sentimentos, idéias, desejos e
expectativas e que são capazes de efetivamente expressá-los” (MARCHI, 2007) é
compreender que diferenças entre os modos de se viver a infância devido a sua
agência nas interações sociais. As diversas regiões do Brasil e suas diversidades
culturais possibilitam que cada grupo infantil viva a infância de modo diferente.
Segundo Sarmento,
as crianças são também seres sociais e, como tais, distribuem-se pelos diversos modos de
estratificação social: a classe social, a etnia a que pertencem, a raça, o gênero, a região do
globo onde vivem. Os diferentes espaços estruturais diferenciam profundamente as crianças.
(2005 p. 370)
Ter clareza desta nova visão de infância implica perceber as crianças como
seres sociais; em decorrência disso, entendo que foi necessário organizar instrumentos
metodológicos que contribuíssem para a compreensão dos modos de vida das crianças,
31
bem como a sua relação com o ambiente externo, do ponto de vista delas próprias.
As ações, falas e comportamentos das crianças correspondem a uma ação
subjetiva. Segundo Mollon (2003 p. 120), que analisa a subjetividade em Vygotsky, “na
dimensão da subjetividade encontra-se a consciência, a vontade, a intenção, a
afetividade, o pensamento”. Essas ações são permeadas por emoções e sentimentos que
cada indivíduo carrega de suas experiências nos grupos sociais em que vive, pois a
“subjetividade significa uma permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento
do outro e do eu”.
Em virtude da complexidade das infâncias, a pesquisa adotou como
metodologia a pesquisa qualitativa e os instrumentos foram: observação participante,
escrita de diários de campo e entrevistas com grupo de crianças. Para abranger esta
subjetividade da ação infantil, acredito como Santos que:
A ciência social será sempre uma ciência subcjetiva e não obcjetiva como as ciências
naturais, tem de compreender os fenômenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido
que os agentes conferem às suas acções, para o que é necessário utilizar métodos de
investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências
naturais, métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista a obtenção de um
conhecimento intersubjectivo, descrito e compreensivo em vez de um conhecimento
objectivo, explicativo e nomotético. (1999 p. 22)
Partindo do pressuposto de Boaventura dos Santos, noto a urgência de que
as pesquisas com crianças desencadeiem debates e fomentem metodologias criativas
para atenderem a complexidade e a diversidade com as quais nos deparamos ao
desenvolver estudos que partam do princípio de que o ser humano está interligado a
tudo. Conforme exposto, compreendo que as crianças são atores sociais e que elas se
constituem a partir das suas relações com o outro e com o mundo, numa ação dialógica,
na qual elas se reconstroem e também participam da construção do mundo.
Para a coleta de dados, busquei inspiração na etnografia enquanto
metodologia de pesquisa originada na Antropologia. Esta pôde contribuir muito neste
estudo sobre as infâncias - visto que seus instrumentos de coleta propiciaram uma
captação minuciosa da realidade do grupo de crianças estudado -, colocando-me num
patamar onde pude ouvir o que esse grupo social tinha a dizer a respeito da sociedade e
entender suas lógicas de ação frente ao mundo.
Neste sentido o método etnográfico nos convida a enfrentar as supostas
certezas
32
O método etnográfico não foi cunhado para acrescentar mais um tijolo no edifício das
certezas acadêmicas, mas antes para explorar dúvidas, desconstruir bloqueios e assim tornar
inteligíveis comportamentos que sob outro enfoques, pareceriam caóticos ou irracionais.
(FONSECA, 1999, p. 14)
Esta metodologia, dentro de suas possibilidades, permitiu compreender a
visão das crianças, adentrar no seu mundo e compreender seus pontos de vista. Segundo
Qvortrup, “adotar o ponto de vista das crianças significa que os pesquisadores
descrevem, explicam, e interpretam aspectos do universo das crianças recorrendo a
mecanismos de pesquisa que desenvolveram exatamente com essa finalidade.” (1995 p.
5).
Ao pesquisar as crianças, comecei a romper com o meu olhar etnocêntrico e
iniciei um processo de percepção das qualidades do grupo infantil sem o uso de
comparações que inferiorizavam as ações das crianças, reconheci nelas especificidades
que são obviamente diferentes das encontradas nos adultos. É interessante ressaltar que
o meu papel não era ver o mundo como se eu fosse criança, (...) pela simples razão que
os adultos não são crianças” (Qvortrup, 1995 p. 5). Isto não impediu que eu pudesse ser
aceita por elas nos seus grupos, sendo vista como alguém de confiança, que valorizava
suas opiniões e atitudes.
É importante enfatizar que o reconhecimento como alguém de confiança
não se deu de forma infantilizada, muito menos de forma romantizada como pode
parecer quando falamos de crianças. A aceitação exigiu negociações com as crianças,
rejeições iniciais, e uma convivência anterior de dois semestres de visitações para fins
de outra pesquisa.
6
A aceitação no mundo das crianças é particularmente desafiadora, devido às
diferenças óbvias entre adultos e crianças em termos de maturidade comunicativa e
cognitiva, de poder (tanto real como percebido) e de tamanho físico (CORSARO, 2005
p. 444). Foi fundamental não fechar os olhos para as diferenças entre a pesquisadora e
as crianças, pois isso permitiu construir estratégias que respeitassem as diversidades de
nossas experiências de vidas.
6
Pesquisa desenvolvida pela Doutoranda Simone Santos de Albuquerque pelo programa de Doutorado
em Educação URFGS, vinculado ao DECC/NEPE-FURG ano 2006-2008. Colaboração de Suzane
Carvalho e Sabina Afonso.
33
3.2 -Entrada em campo
A participação na pesquisa “Significados de cuidado/educação das crianças
pequenas em relação aos familiares” me sensibilizou para as questões referentes à
infância nos meio populares, bem como me inspirou a fazer esta investigação sobre
infância e lazer. No estudo das culturas, estratégias e significados em relação ao
cuidado/educação das crianças, estabeleci contato com diferentes famílias do bairro
Castelo Branco II.
Os primeiros contatos com os familiares das crianças do bairro
possibilitaram a seleção das cinco famílias para a minha pesquisa. Os critérios de
seleção dos participantes foram: a diversidade da configuração familiar e a
disponibilidade para o acompanhamento do cotidiano das práticas educativas. As visitas
às casas das famílias das crianças envolveram observações das rotinas das casas,
conversa informal a fim de conhecer a organização familiar e as lógicas de práticas dos
sujeitos. Igualmente, observei diversos momentos do cotidiano, como atividades
religiosas, estudantis e de lazer.
Penso que as crianças selecionadas refletem um pouco das características
dos moradores do bairro, elas apresentam peculiaridades quanto ao modo de viver,
quanto às práticas sociais, aos valores e à cultura.
A aproximação permitida pelas visitações semanais, realizadas em 2007 nos
grupos familiares das crianças, estabeleceu um vínculo de confiança. Sabendo que não
haveria muito tempo para construir a mesma relação de confiança com outras crianças
no Bairro Castelo Branco II, acreditei ser importante permanecer nesses mesmos
grupos.
Nos últimos dias de visitação e entrevistas com os familiares das crianças,
questionei-os sobre a possibilidade de realizar uma nova pesquisa, explicando que o
foco seria o ponto de vista das crianças e não o dos adultos. As famílias concordaram
em continuar recebendo minhas visitas; a partir desse momento, conversei com cada
uma das crianças para saber se elas gostariam de participar e de ser entrevistadas.
Mesmo não entendendo muito a respeito da pesquisa, as crianças concordaram e se
mostraram entusiasmadas com sua participação numa nova pesquisa.
Foi interessante a pergunta de Wesley quando lhe fiz o convite e expliquei
os procedimentos que seriam feito com eles. Eu quero participar, mas não sei o que é
34
entrevista!” Então Sabina
7
disse a ele: Será parecido com os jogadores do “Inter”
quando conversam com o repórter na televisão, que sem filmar.
Wesley se deu por
satisfeito e concordou em participar.
Os combinados com os familiares e as crianças foram acertados em
dezembro de 2007. Em março de 2008, retornei ao bairro e reforcei o convite às
crianças. Tendo a resposta positiva de todos os grupos, combinei com os adultos e as
crianças que faria as visitações como anteriormente, ou seja, eu as visitaria em horários
variados e passaria algumas horas com a família, em especial conversando com as
crianças.
Para oficializar a pesquisa, os responsáveis assinaram um termo de
consentimento informando que autorizavam a participação das crianças na pesquisa,
bem como a utilização das falas e das fotografias tiradas das/pelas crianças.
3.3- Instrumentos de coleta de dados
A inspiração advinda da concepção teórica desta pesquisa (da sociologia da
infância, capítulo 1) e dos instrumentos de coleta de dados da etnografia evitou aos
poucos que as falas e as atitudes das crianças fossem sufocadas por minhas imagens
adultocêntricas. Mas, também me exigiu uma participação ativa em diversos momentos
do cotidiano, fazendo-me vivenciar as rotinas da casa dos sujeitos pesquisados.
A observação participante proporcionou-me momentos de contato direto
com as crianças pesquisadas, além do conhecimento da cultura desse grupo infantil das
camadas populares e, principalmente, deu-me a possibilidade de adentrar em suas
lógicas e práticas sociais. Além do contato inicial do ano anterior
8
, em minha pesquisa
visitei as crianças no período de março de 2008 até a primeira semana de junho de 2008.
Realizei 23 visitas, em média com quatro horas de duração cada uma, totalizando 92
horas, incluindo os dias de entrevista e participação em momentos de lazer. Foram feitas
sete entrevistas com os quatro grupos de crianças.
Somente as entrevistas foram em dias combinados com as crianças e seus
responsáveis; as visitas foram realizadas em dias alternados, muitas vezes dependendo
das condições do clima e da disponibilidade do grupo observado.
7
Sabina Silveira é Pedagoga (Habilitação Anos Iniciais), participou das visitações e colaborou
diretamente nesta pesquisa.
8
Foram realizadas visitas com este mesmo grupo durante março de 2007 até dezembro de 2007, em
média de uma visita por semana com duração de 4 horas.
35
A visitação consistia em acompanhar as atividades das crianças nos horários
em que elas não estivessem na escola e em conversar informalmente com elas, com seus
pais, parentes e vizinhos. Nos primeiros contatos no ano de 2007 havia um desconforto
causado pelo desconhecimento das famílias e, em especial, das crianças. Foi necessário
ganhar a confiança dos adultos para que eu pudesse me aproximar das crianças.
O desafio consistiu em ser percebida pelas crianças como alguém de
confiança, uma amiga, e não somente como “as gurias da Furg”, como inicialmente
fomos chamadas. Aos poucos fomos sendo tratadas pelos nossos próprios nomes.
Entretanto, o aprofundamento dessas relações levou tempo e poderia não ter ocorrido se
as visitas fossem realizadas apenas em três meses.
Ao final de cada visita, as informações foram registradas em notas de campo
- recurso através do qual as vivências e as experiências foram descritas e
problematizadas. Foi uma forma particular de explicitar meus conceitos e
entendimentos a respeito do grupo estudado. Ali pude expor anseios, dúvidas, contar as
situações vivenciadas e os diálogos, descrever lugares, pessoas, enfim, registrar tudo o
que me pareceu relevante para auxiliar na compreensão do ponto de vista das crianças
do bairro a respeito do lazer.
Outro recurso importante para captar a fala das crianças na sua linguagem
foi a entrevista. Minha prioridade foi entender a problemática da pesquisa focalizando
as vozes das crianças. Nessa perspectiva, para entender o ponto de vista das crianças a
respeito dos ambientes de lazer, acredito que os métodos tradicionais e extremamente
formais de entrevista não funcionam bem, pois as crianças têm linguagens e culturas
próprias que as diferenciam dos adultos. Sarmento destaca que “as entrevistas com
crianças suscitam cuidados particulares, pois elas podem considerar as perguntas
difíceis ou raramente responderem às perguntas proposicionais” (2003, apud
DELGADO & MULLER, 2005 p. 12).
As ferramentas metodológicas para o recolhimento de dados nas
investigações com as crianças devem apelar para a criatividade devido à diversidade que
caracteriza esse grupo. Concordando com Soares, entendo que as ferramentas
deverão ser passíveis de serem utilizadas em qualquer contexto de investigação e que
deverão ser utilizadas de uma forma associada, de forma a rentabilizar as diferentes
competências das crianças, para que a construção de conhecimento acerca da infância seja
um conhecimento válido e sustentado cientificamente. (2004 p. 13)
36
Soares (2004 p. 14) apresenta quatro ferramentas na investigação
participativa. São elas ferramentas metodológicas que apelam: para a oralidade; para a
criatividade em termos de registro gráfico; para a utilização de recursos multimídia e
para a expressão dramática. Nesta pesquisa com as crianças utilizei a primeira
ferramenta, a que apela para a oralidade, para tanto, fiz uso de entrevistas individuais,
de grupos de discussão ou de debates em grande grupo.
Essa técnica permitiu que as crianças expusessem na sua linguagem as
representações do mundo que as cerca, seus sentimentos e valores, algo que com
métodos tradicionais poderia não ter sido minuciosamente captado.
Nesta perspectiva de conceber as crianças como cidadãs e sujeitos de
direitos que constituem uma sociedade, ainda existe um desafio, o de reconhecer a
infância como um objeto válido de estudo no campo científico, principalmente quando a
criança é a informante principal. A obtenção de dados com técnicas adequadas a cada
grupo de informantes permite a valorização da fala deste grupo - que muitas vezes não
tem vez e voz na sociedade adulta.
Reafirmo que, de um modo geral, as crianças vivem as infâncias de formas
diferentes, influenciadas pelos contextos cultural, econômico e social. Isto vale para o
contexto do bairro Castelo Branco II, pois, ao mesmo tempo em que as crianças
apresentam pontos em comum, elas também têm suas especificidades e interesses
diferenciados.
Pensando nessa diversidade, utilizei alguns recursos (desenhos,
brincadeiras, massa de modelar e outros) durante as entrevistas para facilitar minha
interação com as crianças. A observação foi fundamental para conhecer os gostos e
preferências de cada grupo de crianças.
As crianças selecionadas a partir do contato com as famílias da pesquisa
anterior, elas foram dispostas em cinco grupos, os quais constam no quadro abaixo:
Nome/idade Parentesco
Grupo I Lucas (08) e Vagner (04) Irmãos
Grupo II Nicole (06) Weslei (08) Irmãos
Grupo III Pablo (10) Marielem (07) Lucielem
(05)
Irmãos
Grupo IV Lucielem (07) Jenifer (05) Tainá
(04) Junior (02)
Irmãos
Grupo V Dérick (05) Júlia (03) Emile (09) Dérick é primo de Julia e Emile.
37
Inicialmente a proposta era dividir a entrevista em três blocos de quatro
perguntas para cada dia. Entretanto algumas crianças reagiram bem aos recursos e
quiseram continuar respondendo. Decidi deixar mais a critério das crianças a quantidade
de perguntas por entrevista, pois a intenção era que houvesse uma participação
voluntária que respeitasse o tempo e o interesse de cada criança.
É importante frisar que o espaço doméstico propicia mais confiança às
crianças entrevistadas, contudo, trata-se de um ambiente em que, dificilmente, podemos
controlar as interferências. Os pais e adultos da casa inicialmente requerem nossa
atenção; somente quando os adultos expuseram suas novidades, “fofocas” e assuntos
pessoais, eu percebia que era o momento de buscar a atenção exclusiva das crianças.
O trânsito de pessoas dentro das casas desses grupos populares também
representa um fator de interferência, pois sempre visita de parentes, vizinhos,
amigos, além de crianças da vizinhança brincando dentro da casa. Isso prejudicou, em
muitos momentos, a minha interação com as crianças e impediu a realização de algumas
entrevistas já agendadas.
Outra dificuldade foi encontrar os responsáveis das crianças em casa. Os
adultos que cuidavam as crianças costumavam sair muito, pois assim como eles
recebiam visitas, também realizavam visitas, ora era na casa da sogra, de uma avó, de
uma tia ou de primos, dentre outros membros da família. Muitas vezes, em dias
combinados para entrevistas e observações com as crianças e seus responsáveis, não
encontrávamos ninguém em casa.
Para observar o lazer das crianças do bairro, a proposta foi acompanhar um
dos momentos de lazer que elas realizam, geralmente, nos fins de semana. Ao término
da entrevista com um grupo, fiz uma breve leitura do conteúdo da conversa para em
seguida propor a observação do momento que a criança descreveu e ao qual ela deu
maior ênfase.
Acompanhar as crianças não significou que eu estivesse somente com as
crianças. Seus pais e parentes geralmente estavam incluídos nesses momentos, por isso
muitas vezes, eu conversava com os pais fazendo uso do bom senso para saber se estava
sendo bem aceita no momento de lazer. O ambiente doméstico requer sensibilidade por
parte do pesquisador para que ele não se torne invasivo e inconveniente.
Durante a coleta de dados registrei os momentos com fotografias e recolhi
algumas produções das crianças, todavia estes dados não foram analisados. Essas
informações e produções auxiliaram a escrita dos diários de campo e as descrições do
38
bairro. Os objetos que constituíram as análises foram as entrevistas (a fala das crianças)
e os próprios diários de campo.
Em se tratando dos instrumentos auxiliares para as entrevistas, eles - como
dito -, atenderam à diversidade e aos interesses das crianças. Os instrumentos foram
meios para que eu pudesse interagir com a criança de uma forma mais lúdica, adequada
a cada grupo e contextualizada. Basicamente usei-os para descontrair e obter a atenção
das crianças. Alguns instrumentos foram escolhidos em razão das sugestões das
próprias crianças, outros foram selecionados por mim.
3.4 - Crianças do Bairro Castelo Branco II – perfis e recurso metodológico
A seguir farei uma breve identificação dos grupos de crianças que
participaram da pesquisa e abordarei os recursos metodológicos que auxiliaram as
entrevistas explicitando um pouco o contexto da coleta de dados.
3.4.1 – Lucas e Vagner
9
Com Lucas e Vagner utilizei desenhos para a primeira etapa e massa de
modelar para a segunda etapa da entrevista. Não é minha intenção fazer uma análise dos
desenhos das crianças, tratou-se de uma estratégia lúdica de aproximação. As crianças
gostavam muito de desenhar, em especial Lucas. Eles mantinham em casa vários
desenhos expostos no quarto e possuíam cadernos pautados separados por sua mãe
especialmente para que eles pudessem desenhar. A atenção das crianças para minhas
perguntas foi exclusiva. Mesmo passando desenho animado na televisão, eles preferiram
ficar desenhando.
O local escolhido para a realização das entrevistas foi indicado pela mãe das
crianças. Ficamos na cozinha, pois era o único local onde havia uma mesa para
fazermos os desenhos. A casa era pequena, a sala e a cozinha no mesmo cômodo,
embora os móveis estivessem em disposição separada para indicar cada ambiente. As
crianças possuíam um quarto e os pais dormiam em outro. O quarto era improvisado,
era uma subdivisão da sala com algumas madeiras. Esse espaço, apesar de pequeno, era
um local onde as crianças brincavam em dias de chuva. O espaço do pátio era grande e
9
Os nomes são verdadeiros, pois foi negociado com as crianças e com os responsáveis a utilização real
de seus nomes. Relembro que as crianças optaram pelos nomes reais.
39
nele as crianças brincavam com muita freqüência.
No segundo momento utilizei as massas de modelar, as crianças gostaram,
entretanto Vavá gostou mais, pois ele não freqüenta educação infantil, então foi uma
novidade. Lucas ao final perguntou: Quando é que nós vamos desenhar?” Guardamos
nossas massas e distribui as folhas. Lucas desenhou, mas Vavá preferiu continuar
fazendo os ovinhos de galinha com as massas de modelar.
Para efetuar o acompanhamento da atividade de lazer, Lucas me sugeriu que
fosse a igreja dele, pois ele disse é divertido, a gente costuma brincar”. Fiz três
tentativas de encontrá-los na igreja, porém somente na quarta tentativa Lucas foi
realmente a igreja. Todas as vezes que fui, a mãe de Lucas deixava os filhos em casa e
não me avisava. No momento da igreja pude perceber que as atividades religiosas
também se constituem momento de lazer para as crianças do bairro Castelo Branco II.
3.4.2 – Nicole e Wesley
Este foi o grupo para o qual foi mais difícil escolher os instrumentos. Eles
possuíam uma situação financeira um pouco melhor que as outras crianças do bairro, o
lhes possibilitava brincar com vídeos games, diversas bonecas, jogos comprados etc.
Eles não brincavam na rua. Sua mãe selecionava as amizades e procurava deixá-los
mais “protegidos” dentro de casa. Ela sempre enfatizava que as crianças podiam
aprender mau comportamento na rua “eu não deixo mais o Wesley jogar bola na rua,
ele andava muito brigão!”
Além de não se interessarem por atividades que se aproximassem com
atividades de escola, (Wesley faz questão de dizer
eu não gosto de ir pra escola!”)
Nicole possui humor peculiar. Quando ela queria fazer algo eu não precisava insistir
muito, mas quando ela se aborrecia por uma mínima coisa, não podíamos nem
conversar com ela, pois ela não respondia.
“Senti que as crianças ficaram distantes. Wesley ficou um pouco na sala, mas quando sua
mãe chegou, ele perguntou:
“Posso ir jogar”. Sua mãe ficou muito duvidosa com relação ao
que responder, pois ele queria ir jogar no vizinho. Por fim deixou. Logo em seguida ele
volta perguntando qual eram os códigos de acesso ao portão jogo (Residente Evil de Play
II), pediu também o controle e saiu. Nicole ficou brincando no quarto. Não apareceu muito
também. Insisti para que ela ficasse conosco na sala, mas ela não queria muita conversa.
Gissele comentou que ela estava de mau humor naquele dia
“nem adianta tentar conversar
com ela”
disse. Então pedi: Bate umas fotos pra mim? Nicole respondeu: “Não quero!” Sua
mãe insistiu mais uma vez:
“Bate filha!” Ela se levantou do sofá e disse: “Que nojo!” E foi
embora.” (Fragmento do diário de campo - 15 de abril de 2008)
40
A minha primeira tentativa com Nicole foi de utilizar a máquina fotográfica,
pois sabia de suas preferências por fotos. Entretanto, no período do final do ano, a
família adquiriu um celular com câmera e isto deixou de ter interesse para a menina.
Wesley gostava muito de futebol. Sua paixão era o time Internacional/ RS.
Quando o assunto envolvia futebol ele nos dava atenção. Revendo as preferências deles
e percebendo que eles gostavam de novidade, utilizei um jogo de futebol de botão. A
interação foi muito boa, pois mesmo com todos os brinquedos, eles preferiram ficar
jogando comigo.
Para iniciar a entrevista, tentei massa de modelar, mas Wesley não se
interessou, nem ficou para responder. Nicole se interessou um pouco, mas preferiu
trocar para o jogo. Nesse dia, percebi que as crianças não estavam interessadas em ser
entrevistadas, ficaram brincando e até os adultos da casa se envolveram com o jogo de
botão.
Na entrevista seguinte efetuei alguns combinados com a mãe das crianças,
pois por indicação dela, eu não conseguiria fazer entrevista se o jogo do Play 2 estivesse
ao alcance das crianças. A tia das crianças fez algumas mediações e organizou a
entrevista na mesa da cozinha. A casa era ampla, o que tornava muito fácil perder as
crianças de vista. Os cômodos eram bem divididos.
A sala era logo na entrada, após uma varanda. Isto induzia aos visitantes a
permanecerem ali até que fossem convidados a ir para outros cômodos. Isso dificultou
muito meu acesso às crianças, pois cada um tinha seu quarto. Depois que cada um ia
para o seu brincar, era difícil estabelecer um contato. O tamanho da casa de Nicole e
Wesley era o grande diferencial das outras residências. As outras casas por serem
pequenas, permitiam que todos ficassem muito perto um dos outros; adultos e crianças
compartilhavam os mesmos ambientes e os mesmos assuntos.
Na última entrevista propus desenhos. É importante ressaltar que não foram
os desenhos que fizeram as crianças me dar atenção, o que as incentivou a conversar
comigo, foi ter abordado o que eles gostavam de fazer. Neste caso a conversa informal
aliada à intervenção da tia das crianças foi a melhor estratégia.
3.4.3 – Pablo, Marielem e Lucielem
Inicialmente fui para marcar a entrevista com as crianças e seus
responsáveis. Nesse dia as crianças estavam assistindo ao último capítulo de uma
41
novela. Como ninguém nos deu atenção, ficamos assistindo juntos até que elas
quisessem conversar conosco.
Havia somente uma televisão na casa localizada no quarto dos pais das
crianças. Todos costumavam assistir juntos, deitados na cama dos pais. Tínhamos a
liberdade de entrar e ficar sentadas com as crianças. A casa era pequena, a sala era junto
com a cozinha e da cozinha já se podia entrar no cômodo onde ficava o quarto dos pais.
No mesmo quarto ficava também o aparelho de som e o DVD, não havia muita
privacidade com relação ao quarto do casal.
Quando acabou a novela, as crianças perguntaram se eu tinha vindo fazer a
entrevista. Disse que não, que somente gostaria de marcar outro dia para conversar com
elas, todavia, percebendo a disposição das crianças para a entrevista, decidi fazer.
“Cumprimentei-os e perguntei pelos que não estava. Marielem estava na escola e a mãe das
crianças no trabalho. Pensei em entrevistar Pablo e Lucielem inicialmente, quando sugeri,
eles começaram a rir. Questionei a razão dos risos. Então Pablo falou:
“Nós estamos vendo
novela!”
continuaram a rir. Falei: “ah que pena, então vamos assistir juntos a novela.”
Houve um consenso de assistirmos a novela sem compromissos de entrevista. (...) Quase ao
fim da novela Marielem chegou, veio com ela um amigo que mora na mesma rua, o Leleco.
Ao encerrar a novela eu falei que ia embora, então Lucielem e Pablo disseram:
“Faz
agora!”
Fiquei pensativa e muito duvidosa com relação ao recurso que utilizaria com eles,
pois os materiais eram direcionados a Wesley e Nicole. Lucilem foi logo me mostrando o
banco que eu deveria sentar para iniciar a entrevista dizendo:
“Senta aqui.” Logo todas as
crianças foram se acomodando em bancos e sofá formando um círculo. Mostrei a elas o
gravador e iniciei a entrevista sem os recursos somente com conversa. Achei muito
interessante as crianças policiarem suas vozes para poderem ser captadas pelo gravador (...)
As crianças estavam bastante dispostas a conversarem que não precisei concluir as
perguntas em outro dia. Elas se envolveram com o questionamento. Quando falei do
carnaval, Pablo pegou os instrumentos de percussão que estavam guardados no armário e
começamos a tocar pagode. Minha experiência como baterista ajudou muito nesta hora. Ao
final registrei o momento com fotografias. Cada uma delas pode tirar fotos. Para encerrar as
crianças pediram para escutar o que elas disseram. Deixei o Mp3 com elas e todos foram
revezando na hora de se escutarem. Quando se ouviam davam gargalhadas e repetiam suas
falas (...)”. (Fragmento do diário de campo – 31 de março de 2008.)
Não levei nenhum recurso, pois a situação foi inusitada. As próprias
crianças da casa e mais um vizinho chamado Leleco sentaram para serem entrevistadas.
Durante a entrevista, eles mesmos foram trazendo elementos que incentivavam a
conversa. Até a máquina digital se tornou um recurso naquele momento, pois as
próprias crianças propuseram que fossem fotografadas sendo entrevistadas.
O acompanhamento foi feito num sábado em que a família ficou em casa
reunida. Às vezes eles iam às atividades da igreja católica ou da Umbanda, raramente
iam à pracinha do bairro Cohab IV, mas freqüentemente visitavam os avós das crianças.
Gostaria muito de ter ido à casa dos avós das crianças, mas percebi que este é um
42
momento muito individual da família. Além de não ter sido convidada, em nenhum
momento eles demonstraram interesse em me convidar para esse momento de lazer.
3.4.4– Lucielem, Jenifer, Tainá e Juninho.
A dificuldade de encontrar Michele e seus filhos em casa foi freqüente
durante a pesquisa. A família era muito pobre, geralmente a mãe saía com as crianças
para fazer alguns “bicos” ou catar sucatas. O pai das crianças não tinha “carteira
assinada”, passava a maior parte do tempo fora de casa em busca de “bicos” ou
realizando alguma atividade temporária. Michele sempre dizia que estava na casa de sua
avó, que era na mesma rua. Em diversos momentos, ela falava que poderíamos chamá-
la, entretanto sempre que passávamos lá, ela não estava, nem as crianças.
Foi muito difícil acertar momentos de observação e entrevista. Por várias
vezes, questionei o interesse de Michelle e das crianças em participar da pesquisa. As
crianças estavam muito tímidas e utilizavam um vocabulário muito reduzido para
conversar comigo. Elas faziam gestos com a cabeça, apontavam para dar algumas
respostas e, muitas vezes, somente riam.
Comecei, a cada visita, estabelecer um diálogo mais direto com as crianças,
tentando não usar a mãe como mediadora. Aos poucos as crianças me deram respostas
mais diretas como “sim”, “não”, “podes”. Elas não possuíam muitos brinquedos, suas
brincadeiras eram mais de correr na rua ou então brincar com areia nos fundos do pátio.
Estavam sempre em movimento.
Inicialmente, eu pretendia levar alguns brinquedos, entretanto, estabelecer
um diálogo para entrevista durante uma brincadeira seria muito difícil com eles.
Pareceu-me, baseada na experiência do brinquedo do jogo de futebol de botão com
Wesley e Nicole, que Lucielem, Jenifer, Tainá e Juninho se distrairiam muito depressa.
A casa de Michele era bem pequena. A cozinha era junto com a sala, e no
cômodo havia somente um sofá, um fogão, uma geladeira e uma pia. Não havia lugar
para realizarmos atividades. Pela dificuldade, decidi fazer alguns desenhos com eles,
pois as crianças que não freqüentam educação infantil gostam dos materiais para
desenhar e as duas que estavam no pré-escolar tinham domínio e auxiliavam os
outros. Não havia mesa, então, tive de levar um grande papel a metro sobre o qual
sentamos todos, dispostos em roda, com nossas folhas e para podermos conversar.
Foi bem difícil estabelecer um diálogo, ocorriam muitas interferências, mas
43
a entrevista foi realizada com sucesso. A mãe das crianças deu-lhes leite durante a
conversa e havia muitos cachorros na volta. Michele em si, não interferiu, mas o espaço
não favorecia a concentração e a atenção. Acredito que a vivência foi muito válida, pois
pude perceber que realmente diversidade nos modos de vida das crianças dentro de
um mesmo bairro.
Esse grupo de crianças constituiu um grande desafio, posto que a situação
de extrema pobreza fez com que, diversas vezes, eu questionasse meu estudo, a real
importância da necessidade de lazer para a vida das crianças do bairro e o retorno que
meu trabalho daria a elas. A experiência foi importante também para relatar um pouco
da realidade dos grupos populares do local e a visão das crianças pobres sobre o lazer.
Lucielem, Jenifer, Tainá e Juninho são fiéis representantes dessas crianças.
3.4.5 – Déryck, Júlia e Emile.
Com esse grupo tive grande dificuldade de comunicação. A configuração
familiar mudou no decorrer da pesquisa. Inicialmente a avó das crianças fazia a
mediação entre mim e elas. Entretanto, após o primeiro mês de observação, a mãe de
Júlia e Emile ficou desempregada; em vista disto as crianças não passavam mais o dia
sob os cuidados da avó. Tentei uma aproximação com a mãe das crianças, contudo, não
tive acesso a casa deles.
Poderia ter continuado com Dérick, porém este também começou a
passar mais tempo na casa dessa tia. Esse não foi o único fator a provocar dificuldades,
pois a avó das crianças, que havia autorizado as visitas em sua casa, voltou a trabalhar
no período da tarde.
Restou somente um dia da semana para que eu encontrasse todas as crianças
juntas na casa da avó, pois Emile, que tem Síndrome de Down, iniciou aulas
particulares com uma psicopedagoga quatro dias da semana, pela manhã, e freqüentava
o ensino fundamental no período da tarde.
Aos finais de semana cada criança ficava com seus pais e, geralmente, as
famílias saiam para passear fora da cidade. Tais dificuldades fizeram com que eu
excluísse o grupo da investigação. Havia boa vontade em participar por parte das
crianças e dos familiares, contudo a falta de oportunidade para as observações e
entrevistas foi determinante.
44
3.5 - Perspectivas metodológicas e algumas considerações
É crucial que as crianças sejam tratadas como sujeitos de direitos e deveres.
Isso efetiva sua participação em sociedade, uma vez que a educação ambiental almeja a
inclusão de todos os indivíduos nas discussões a respeito de uma sociedade mais
igualitária e mais justa, na qual todos possam ter coletivamente o direito de ação, a fim
de alcançarmos um mundo mais solidário e sustentável. Por isso é interessante citar
Soares
nesta modernidade, pensar nas crianças, pensar na infância, é pensar também num grupo
social, com um conjunto de direitos reconhecidos no campo dos princípios, apesar da sua
escassa aplicabilidade nos quotidianos de muitas crianças, para as quais o desenvolvimento
de esforços, que assegurem a sua participação é essencial, uma vez que a participação
infantil é uma ferramenta indiscutível para fugir ou lutar contra ciclos de exclusão”. (2004 p.
02)
Os princípios e paradigmas em relação à infância vêm mudando
gradualmente, contudo ainda muito pelo qual lutar e perseverar para que nossos
objetivos sejam alcançados e assim todos possam desfrutar de forma mais igualitária
seus direitos de cidadania.
Meu objetivo era focalizar o ponto de vista das crianças sobre as formas de
lazer no ambiente em que elas vivam, buscando entender o que o grupo infantil tinha a
dizer sobre o mundo e o lugar que o cercava, uma vez que as crianças são cidadãs e têm
capacidade de participar e criticar a sociedade.
Esses foram os desafios e caminhos que apresentei como possibilidades de
entender as formas de lazer do ponto de vista das crianças. A metodologia utilizada
pretendia realizar o processo de escuta das crianças e, conseqüentemente, enfatizar suas
vozes e ações.
O capítulo a seguir analisa o lazer das crianças do bairro Castelo Branco II
enfatizando o ponto de vista dos grupos infantis entrevistados sobre seus ambientes de
lazer.
45
4- OS AMBIENTES DE LAZER DAS CRIANÇAS DO BAIRRO CASTELO
BRANCO II.
Inicialmente, neste capítulo, apresento o contexto em que se deu a pesquisa.
A partir de uma descrição de cunho etnográfico da comunidade investigada, foco a
carência de equipamentos de lazer no bairro, constatando que o lugar não foi estruturado
para propiciar diversos interesses do lazer. Na falta de equipamentos públicos de lazer
para a infância, os grupos de crianças pesquisadas organizaram modos de realizar
atividades de lazer. Para tanto descrevo cada grupo de crianças, suas diferenças e seus
pontos em comum. Depois, conto um pouco da história dos atores sociais e analiso a
atividade de lazer descrita por cada grupo, discutindo o brincar como o ponto em
comum a todas as crianças, numa abordagem voltada para o estudo das infâncias - que
entende a brincadeira como um artefato pertencente à cultura das infâncias. E mostro as
contribuições e a validade das crianças como informantes sérios, com credibilidade em
pesquisas acadêmicas.
4.1 - Conhecendo a realidade do Castelo Branco II
No ano de 1995, um grupo de moradores ocupou uma área denominada
Assis Brasil localizada no Município de Rio Grande/RS, entretanto, foi despejado. Esta
foi a informação inicial da entrevista concedida pelo presidente atual, André Martins, da
Associação dos Moradores do Castelo Branco II, bairro popular da cidade do Rio
Grande, Rio Grande do Sul, região na qual se desenvolveu nossa pesquisa. Diz ele que
a polícia veio, desmanchou os barracos e nós viemos e se instalaram aqui com outras
famílias que estavam instaladas. Fomos convidados pra fazer parte da organização,
até então a gente não participava, tinha uma organização de âmbito municipal como os
movimentos, ai a gente entrou e se inseriu com os companheiros que estavam aqui, em
março de 1995 e no dia de maio que é o dia oficial do trabalhador, foi denominada a
ocupação da Castelo II, com cerca de 260 famílias.”
Desta conversa com o presidente foram obtidos os primeiros dados a respeito
da formação do bairro. Escutei um pouco o relato a respeito da luta dos moradores para
a fixação da residência nesse espaço, sobre a conquista do direito à moradia e à
cidadania, que ele havia participado de todos os movimentos, passeatas e
reivindicações junto aos órgãos municipais para que os cidadãos pudessem ter seus
direitos respeitados.
46
A Associação de Moradores foi criada um ano após esta invasão. Quando
mais 180 moradores vindos da Aliança da Bahia, outra região da cidade, uniram-se aos
primeiros ocupantes e se instalaram na CB II, eles sentiram a necessidade de
organização. Feita uma assembléia, foi formada a Associação de bairro. O nome advém
da semelhança de infra-estrutura com o existente bairro Castelo Branco, de
localização vizinha. Este está estruturado da seguinte forma:
as ruas principais com 20
metros, as normais com 10, oito ruas no bairro, cada lote medindo oito de fronte e vinte
e cinco de fundo”
afirmou-me André Martins.
O bairro ainda é considerado uma vila devido à condição de pobreza dos
habitantes locais e às irregularidades dos terrenos. No ano de 2007, através da
mobilização dos moradores, via associação, foi conquistado o direito de as famílias
regularizarem os lotes ocupados. Atualmente, cada família paga em média R$ 15,00
(quinze reais) para a prefeitura a fim de receber a escritura do lote. Muitos moradores
não trabalham de carteira assinada; sobrevivem de bicos, de empregos informais, dos
benefícios do governo (como bolsa família, bolsa escola, vale gás) e, em casos de
grande precariedade, vivem de caridade e de doações.
Foi também em decorrência das lutas que os moradores conquistaram uma
Instituição Municipal de Educação Infantil, bem como Escolas de Ensino Fundamental
e um Posto de Saúde. E também uma variedade de templos religiosos ligados ao
catolicismo, ao candomblé, à igreja evangélica e à protestante. Além dessas instituições,
existem diversos projetos sociais em desenvolvimento no bairro. Os projetos decorrem
de parcerias com a FURG, CAIC, Petrobrás e outros entes de iniciativas privadas,
filantrópicas e religiosas que prestam assistência ao bairro.
O bairro conta com transporte coletivo que propicia ligação com o centro e
com outros bairros periféricos da cidade. As ruas não são pavimentadas, o que dificulta
o acesso e o deslocamento em dias de chuvas, pois ocorrem alagamentos. O saneamento
básico e a iluminação pública são precários, contudo há fornecimento de água e luz para
os lotes. Alguns lotes têm essas duas necessidades básicas atendidas de forma irregular.
O bairro é conhecido por ser violento e possuir diversos pontos de
distribuição de drogas. Freqüentemente são relatados, no noticiário local, casos de
prisões e apreensões efetuadas nesse local. Em um dia de visitação feita ao bairro, nosso
grupo de pesquisa presenciou um tiroteio devido à perseguição policial de suspeitos de
serem traficantes.
47
Conversando com as pessoas da comunidade percebi que esta triste realidade
é uma das grandes preocupações dos moradores. Muitos deles alegam que não se
sentem protegidos e temem pelo futuro dos filhos frente aos riscos da marginalidade e
das drogas.
Entretanto, percebi que certa cumplicidade entre moradores e bandidos,
como se existisse um trato implícito de proteção das famílias em troca do silêncio.
inúmeros casos de violência contados por moradores, como me relatou a
moradora Vera que sofreu uma tentativa de assalto dentro do bairro. Seu marido foi
reclamar a um traficante com o seguinte comentário: que é? agora deu pra assaltar os
seus, deu pra roubar a família? ”. Ele contou que o “dono da boca” era seu parente, isso
dava a essa família certa segurança. Ouvi outro relato de Michele. Ela teve a casa
assaltada, e eu, ingenuamente, a aconselhei a chamar a polícia. Então ela disse-me:
Não nada! A mulher aqui da frente teve a casa roubada, chamou a polícia, o
homem não foi pego, ai botaram fogo na casa dela porque chamou a brigada!”
Diversas vezes fui alertada por seu José
10
, um dos primeiros moradores do
bairro, para não andar sozinha no bairro, nem ficar até tarde para não correr riscos de
assalto. Muitas vezes ele disse: “não atravessa o campo sozinha, guria! Valdete
11
foi
assaltada ali era quatro da tarde!”. Era comum e freqüente encontrar grupos de
homens e adolescentes parados pelas esquinas. Em relação a eles, seu José sempre
alertava para redobrarmos nossos cuidados.
A maioria das casas é construída de materiais improvisados, são feitas de
telhas, madeiras velhas; algumas são de alvenaria. As cercas entre as casas e muros
seguem esse mesmo padrão. Existem muitos animais soltos pelas ruas. Cachorros,
gatos, cavalos, galinhas transitam em meio às pessoas e não existe um cuidado em
mantê-los presos. Este excesso de animais atrai muitos insetos e bichos que provocam
doenças, causando epidemias de pulgas, carrapatos e moscas. também muitos casos
de ataques e mordidas de cachorros em transeuntes.
No último levantamento feito pela Associação de Bairro da Castelo Branco
II, o bairro possuía 1.040 lotes, 1.114 famílias, totalizando aproximadamente 6 mil
pessoas. Destas, segundo o cadastro da Associação, aproximadamente 2.800 são
crianças até 10 anos de idade. Potencialmente, essas seriam o público “alvo”
relacionado aos espaços de lazer e atividades, conforme minha pesquisa. Mas, apesar da
10
Nome fictício. José era morador do bairro e não estava envolvido com esta pesquisa.
11
Idem ao 1.
48
existência das instituições referidas, ressalto que os equipamentos públicos para o
lazer são precários e escassos. O que se encontra pelo bairro são campinhos
improvisados para jogos de futebol e uma praça em péssimas condições de conservação
e com poucos brinquedos.
Por ter origem em uma invasão, o bairro não foi estruturado para acomodar
espaços de lazer, e a prioridade dos moradores foi, inicialmente, somente a moradia.
Naquele momento, não foram consideradas outras necessidades como saúde, segurança,
escola e lazer. Foi depois, como dissemos acima, que esses serviços foram sendo
reivindicados e, alguns deles, conquistados.
A realidade do bairro indica que reivindicar lazer fica, freqüentemente, em
último plano. Entretanto, sabe-se que o espaço para o lazer no cotidiano é fundamental,
principalmente para as crianças, pois elas necessitam ampliar o repertório das atividades
lúdicas, artísticas, esportivas e, preferencialmente, atender aos conteúdos de lazer
segundo o que escreveu Marcelino (2002, p. 18), quais sejam: interesses artísticos,
intelectuais, físicos, manuais, turísticos e interesses sociais.
Na falta de equipamentos capazes de englobar todos os conteúdos de
interesses do lazer, as crianças deste bairro organizaram estratégias para diversão e
prazer. Explicitarei a seguir o ponto de vista das crianças sobre as formas de lazer em
relação ao ambiente em que elas vivem. Contarei um pouco sobre a história de cada
grupo investigado, descreverei a atividade de lazer realizada e os benefícios que tal
atividade traz para a vida dessas crianças.
É importante ressaltar que o brincar apareceu em todos os grupos
investigados, portanto ao final será destacada a importância da brincadeira na vida das
crianças, incorporada como uma categoria de lazer infantil e uma atividade típica das
culturas infantis.
4.2 – Aproximando-se das estratégias de lazer dos grupos infantis
Para obter informações acerca do que os grupos infantis entendem por
atividades de lazer, escolhi a ferramenta metodológica que apela para a oralidade
(SOARES 2004 p. 14) como expus no capítulo anterior e procurei adequar a
entrevista, bem como os instrumentos que auxiliaram esta investigação, à linguagem e
às culturas das crianças. Sendo assim, a participação das crianças foi muito válida; suas
49
falas estão carregadas do entendimento que elas têm de si mesmas e dos
condicionamentos sociais a que estão submetidas.
Os dados obtidos através das entrevistas realizadas ao longo da pesquisa
mostram que as crianças têm capacidade de participação política quando esta é
direcionada para as suas culturas. Existem diferenças entre adultos e crianças, não só no
tocante à maturidade biológica, mas por comporem categorias geracionais diferentes
que se relacionam de muitas formas. A respeito do conceito sobre diferenças
geracionais entre adultos e crianças, compartilho do entendimento de Sarmento quando
afirma que:
A diferença geracional é, assim, historicamente construída, com efeitos na evolução do
estatuto social e das representações sociais sobre as crianças. Ao dizermos isto, recusamos
uma concepção ontogénica das culturas infantis e afastamo-nos de uma perspectiva que
“naturaliza” os modos de percepção, representação e significação do mundo pelas crianças,
gerado a partir de características desenvolvimentais específicas e realizadas no vazio social.
Ao invés, as culturas da infância, sendo socialmente produzidas, constituem-se
historicamente e são alteradas pelo processo histórico de recomposição das condições
sociais em que vivem as crianças e que regem as possibilidades das interacções das
crianças, entre si e com os outros membros da sociedade. As culturas da infância
transportam as marcas dos tempos, exprimem a sociedade nas suas contradições, nos seus
estratos e na sua complexidade. (SARMENTO, 2003)
Esta citação confirma o que venho afirmando sobre infância: as crianças são seres
sociais ativos e construtores de culturas em suas relação com seus pares e adultos.
4.2.1 – Lucas e Vagner
Lucas (seis anos de idade) e Vagner, também chamado de Vavá (três anos de
idade), são irmãos e viviam com seus pais. Lucas freqüentava o ensino fundamental, e
Vagner, segundo sua mãe, iria para a educação infantil quando fizesse quatro anos.
Deise, mãe de Lucas e Vavá, durante todo período de pesquisa não trabalhava fora, mas
nos últimos meses, devido a dificuldades financeiras, decidiu trabalhar fora. Isso
dificultou nosso contato com as crianças, elas passaram a ser cuidadas pela tia que
morava na rua de trás. As casas tinham os fundos interligados, todavia, Deise optou por
retirar o portão que dava acesso às duas casas por questão de privacidade, o que
delimitou o pátio da casa de Vavá (Vagner) e Lucas e, conseqüentemente, o espaço das
brincadeiras em cada pátio.
Ao lado esquerdo da casa das crianças morava a avó e outros tios. Mais ao
fundo da casa desses tios morava a avó de Deise. As crianças conviviam com os
parentes diariamente, os cuidados e a vigilância foram compartilhados com alguns deles
porque Deise e Omar, os pais das crianças, trabalhavam durante todo o dia.
Apesar de a família não gostar que as crianças ficassem na rua, eram raros os
momentos em que Lucas e Vavá podiam brincar nesse espaço,
50
“L: (...) se houver algum perigo na rua, a gente sai e entra pra dentro de casa. Ela deixa
brincar um pouquinho na rua e já chama a gente depois.
S: Que tipo de perigo é?
L: É quando vai passar um carro, ou vem um bando de ladrão, a gente entra, fecha a porta
e a janela, mas nunca passa ladrão aqui. Um dia assaltaram uma casa, lá na nossa rua.
V : Um bandido!
L : Foi de noite...”
12
Isto não impedia que as crianças se socializassem e brincassem com seus
pares, pois na casa de seus tios havia várias outras crianças das quais elas eram primas.
Havia também vizinhos que não eram parentes e brincavam no pátio com Vavá e Lucas.
A permanência de outras crianças na casa dos vizinhos era sempre permitida sob a
vigilância e o consentimento de um adulto.
“L: A gente ficava lá na nossa tia Maninha.
S: Ai vocês brincam lá na tia os fundos?
L: É, tem um monte de crianças, meus primos, ai a gente brinca com eles.
V: tem o Gabriel que brinca comigo.”
O contexto em que viviam Vavá e Lucas me fez questionar se realmente as
famílias pobres deixam seus filhos sem vigilância por não terem tempo, em razão do
trabalho, de cuidar deles.
A seguir explicitarei, mas profundamente, duas atividades descritas e
enfatizadas por Lucas e Vavá: os desenhos animados, as atividades religiosas e suas
contribuições para a socialização dessas crianças.
4.2.1.1 - Televisão como lazer: assistindo DVDs, TV Globinho e Bom dia e Cia.
Lucas e Vágner possuíam uma rotina estruturada pela mãe. Ao final de suas
obrigações de ajudar nas tarefas domésticas, da refeição, do banho e da realização dos
temas da escola, eles podiam assistir à televisão. Esta é uma atividade que eu sempre
presenciava aos finais de tarde, ela estava muito presente no cotidiano das crianças,
apesar da preferência pelas brincadeiras no pátio.
“S: Vocês assistem muitos desenhos?
L: É, nos dias de chuva a gente olha e tentamos copiar, e a gente se enrola num lençol (...)
S: Vocês assistem bastante dvd’s em casa? Mais nos dias de chuva?
L: Isso.
S: Que desenhos vocês mais gostam de assistir?
L: O do Super-Homem, Bom Dia e Cia e TV Globinho”.
12
Nas entrevistas aparecerão somente as iniciais dos nomes das crianças e o da entrevistadora “S” ou
“Su”. As falas foram mantidas na linguagem informal, preservando o caráter coloquial da conversa oral.
51
As crianças possuíam alguns desenhos em dvds que foram adquiridos na
feira por um preço muito acessível; podia-se comprar um filme ou desenho animado por
valores entre R$ 3,00 a R$5,00 cada.
“S- Ah, vocês não alugam, vocês compram filme.
V- E a minha mãe me botou lá na locadora...
L- Comprar é melhor do que alugar, que daí vai ficar pra sempre contigo.
S- Ah é... e sai mais barato?
L- Sai mais barato. Antes era dez reais, dois filmes, agora é dez reais, três filmes, mais
barato que antes.
S- Só isso?
L- Só isso!”
Lucas e Vavá tinham acesso à mídia não pela programação da televisão
aberta, mas através do consumo dos filmes e desenhos aos quais, provavelmente, não
teriam acesso se não fosse pela comercialização informal. Assim ocorria com as roupas
e com os brinquedos que imitam os produtos originais.
“L: Olha aqui o que ele (Vavá) ganhou da mãe hoje”!
S: que bonito! Olha o Hulk, esse aqui é o homem aranha, esse aqui eu não sei quem é...
D – É o robô.
S: bonita essa camiseta! (...)” (primeira entrevista)
--------------------------------
“L- O Wágner não desgruda, quando dá o pica-pau parece que não tem ninguém em casa.
S- Ah, é o desenho que ele gosta mais?
L- É.
V- Eu sou o pica-pau olha, heheheheheheheheh........
L- Parece que ninguém tá em casa, assim... Fica mais quieto.
S- Só mesmo o pica-pau pra deixar o Wágner quieto então?
L- É só o pica-pau, não tem outro vídeo, só o pica-pau.” (segunda entrevista).
Em um estudo feito por Sarmento, ele destaca que esses produtos sofrem
uma apropriação da cultura infantil pelo significado que as crianças atribuem a eles:
os produtos da indústria cultural para as crianças devem a sua eficácia à empatia que
conseguem estabelecer com os seus “consumidores”: dos filmes Disney às cartas Pokemon e
da boneca Barbie às consolas da Mattel verifica-se o estabelecimento de uma conformidade
com o imaginário infantil que explica a universalização desses produtos. (SARMENTO,
2003 p. 08)
As atividades que envolvem televisão, muitas vezes, são vistas de forma
negativa por educadores quando elas são a única forma de lazer; contudo nesse contexto
ela era só mais uma opção além do brincar e das atividades religiosas. Assistir a
desenhos é divertido para estas crianças, porém questiono a validade dessa atividade
quando as crianças ficam expostas por mais de cinco horas ou, possivelmente, o dia
inteiro assistindo televisão por ausência de alternativas. A passividade frente ao
consumo dessas produções me leva a refletir: até que ponto ela pode introduzir as
52
crianças desde muito cedo a um processo de alienação? Marcelino expõe brevemente
algumas pistas sobre estes questionamentos quando afirma que:
...nunca é demais lembrar que, com relação às atividades de lazer, tanto a prática como o
consumo ou fruição ( o assistir) poderão ser ativos ou passivos, dependendo do nível destas
atividades que as pessoas assumam que pode ser, como vimos, conformista, crítico, ou
criativo. Dessa forma, a questão teria que enfocar não a TV como um todo, mas a
necessidade e a capacidade de seleção da programação veiculada. (2006 p. 76)
A programação oferecida pela televisão às crianças também merece ser alvo
de análise crítica, visto que também contribuem para a formação de valores e para a
reprodução cultural. É importante esclarecer que as crianças não aceitam passivamente
os processos de inserção na cultura (CORSARO, 2007), entretanto é fato que a mídia
exerce influência no comportamento da população.
No caso de Lucas e Vagner, eles não têm total liberdade de escolha em
relação ao que querem assistir; a família procura selecionar todos os programas. Seus
pais afirmam que o conteúdo dos filmes e desenhos é previamente selecionado, pois
tudo o que eles acreditam ser nocivo para a educação das crianças não pode ser
assistido. A mãe dos meninos, muitas vezes, afirmou que não gosta que seus filhos
assistam a filmes violentos ou de terror, esta opção está diretamente ligada a valores
religiosos preservados pela família.
4.2.1.2 - Lazer e religiosidade
Na fala das crianças pude perceber que a religiosidade exercia grande
influência no comportamento e na atitude delas. Vavá e Lucas davam grande
importância à religiosidade. Durante as observações, ele salientou que a família possuía
uma rotina de atividades que incluía as crianças: eles freqüentavam uma reunião de
estudos doutrinários na residência de um membro da igreja e iam, aos sábados, de
manhã e de noite para o templo situado num bairro vizinho. Lucas e Vágner realizavam
atividades diferenciadas das dos adultos, sendo que a doutrina era ensinada de forma
lúdica e adequada para suas idades. Lucas decidiu se tornar membro desse grupo
religioso manifestando esta escolha através do batismo.
“L: A gente chega da igreja e vai”... A gente almoça e vai brincar.
S: Mas e a igreja, tem alguma coisa lá de diversão?
L: Tem.
S: E o que tem lá na igreja?
L: Quando acaba a gente vai na rua brincar, tem escolinha, tem desenho, desenhar a
natureza...
53
V: Olha, eu já fiz o meu!
S: Que legal!
S: E tu achas que lá é um lugar de lazer, que diverte vocês?
L: Diverte, e a gente vai aprendendo umas coisas ainda... E eu vou me batizar no sábado.”
Apesar de acreditar que atividades religiosas estão mais incluídas nas
atividades obrigatórias de um indivíduo, percebi que para esta comunidade - que não
têm acesso a equipamentos específicos de lazer -, a religiosidade possui muitas vezes
um caráter informal, proporcionando momentos de lazer. As igrejas situadas nesse
bairro costumam promover confraternizações e campanhas que se tornam festas para a
comunidade.
Nesta fala de Lucas, Diverte, e a gente vai aprendendo umas coisas
ainda...”
percebo que a igreja, em muitos momentos, se tornou um local de diversão,
conciliando a obrigação com prazer. No dia do batismo, todas as igrejas instituídas nos
bairros periféricos de Rio Grande se reúnem na igreja central. Um ônibus alugado pela
igreja circula pelos bairros levando seus adeptos até a sede, na qual todos se reúnem,
fazem breves exposições dos trabalhos realizados nos bairros, notificam novas
conversões e em seguida realizam o batismo de seus novos adeptos. Dentre esses novos
adeptos estava Lucas. Na religião em questão, podem ser batizados aqueles que têm
consciência de seus atos, trata-se de uma escolha pessoal, por isso não são realizados
batismos de bebês. A igreja em si permite que as crianças escolham o dia de seu
batismo por considerá-las capazes de professar a mesma que os adultos, de forma
racional.
Se isso se dá da forma como é idealizado, vejo que existe ambiente e
instituições que consideram a opinião das crianças, merecendo ser alvo de investigação
por parte de estudiosos que investigam a infância e consideram as crianças como seres
capazes de participação política.
As atividades religiosas desenvolvidas em residências são denominadas
“pequenos grupos”, nos quais a doutrina é transmitida através de músicas, leituras e
filmes religiosos. Ao término da reunião pode haver uma confraternização ou não, o que
caracteriza mais ainda a informalidade e a diversão. O objetivo principal desses núcleos
não é a diversão e sim a educação doutrinária. Estas atividades religiosas constituem-se
na vida de Lucas e Vagner a principal atividade de lazer realizada em companhia dos
adultos. um diferencial na visão das crianças, pois mesmo estando com adultos, elas
não os consideram participantes de suas atividades.
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S- (...) Que atividades de lazer vocês fazem com os adultos da casa, os adultos que eu falo
podem ser os pais de vocês, seus tios... Que tipo de atividade vocês fazem com os adultos?
L- Nada, a gente brinca sozinhos.
S- Vocês não brincam com os adultos?
L- Não, só com meu pai”.
Estar no mesmo ambiente que as crianças não significa que os adultos
participem das atividades e sejam aceitos nos grupos infantis a ponto de serem
integrantes de uma brincadeira ou atividade.
Afirmei, num capítulo anterior, que as atividades de lazer das crianças são
duplamente influenciadas: pelos condicionamentos sociais e pela posição adultocêntrica
que os responsáveis ocupam na escolha e nas opções das crianças. Entretanto, mesmo
que a atividade possa ser uma imposição do adulto aceita pela criança, a forma como ela
é desenvolvida revela traços das culturas infantis e de reivindicação pelo seu espaço. O
controle e o poder dos adultos sobre as crianças são reconhecidos e legitimados
historicamente, mas as crianças criam formas de fugir dele, não aceitando passivamente
todas as imposições dos adultos.
No cotidiano as crianças realizam poucas atividades com os adultos.
Sintetizo com as seguintes falas:
“S- E quando vocês saem com os pais de vocês, vocês vão na casa da vó, na igreja...
L- No pequeno grupo!
S- No pequeno grupo, e tem algum outro lugar. (...)
L- Não”.
As crianças desde cedo reconhecem seu status social e possuem uma
percepção de si mesmas e da sociedade na qual estão inseridas. Essas crianças convivem
diariamente com a necessidade financeira, sabem que o lazer muitas vezes requer um
dinheiro que eles não possuem.
“V: Dois reais assim olha... Que nem eu assim hein Lucas... Assim dois reais hein ele me
deu...
L: Não, mas tu tens quatro...
S: Dois reais hein, quanto dinheiro!
L: Pior que dois reais pra comprar um monte... A gente ficou super feliz ganhando
aquela caixona de coisas, a gente tinha três ovos, a gente ganhou mais um e ficamos com
quatro...
S: Tudo isso!
V: E a tia Maninha me deu só uma moeda...
L: Claro né, por que... Tia deu uma moeda porque era a única coisa que ela tinha...
Coitada da tia Maninha, ela disse que era a casa da fartura, falta um monte de coisa,
mas pelo menos eles têm comida na mesa.
S: Ah, fartura porque “farta” muito?
L: Falta tudo”.
55
A repetição da fala adulta caracteriza a forma irônica como são encaradas as
dificuldades e as necessidades. A conclusão de Lucas pelo menos eles têm comida na
mesademonstra um alívio em saber que na casa de sua tia as necessidades básicas são
supridas. A pobreza é uma realidade nos bairros populares em Rio Grande, como em
muitos lugares do país.
Poderíamos dizer disso que, para muitas pessoas, reivindicar tempo e espaço
para o lazer realmente parece ser algo secundário frente às lutas pela sobrevivência. Mas
continuo afirmando que o lazer é uma necessidade humana que permanece mesmo na
ausência de meios efetivos para a sua concretização. As crianças, de acordo com o que
lhes é possível, criam elaboram estratégias e escolhem lugares para ela possa ser
saciada.
4.2.2 - Pablo, Marielem e Lucielem
Lucielem, Pablo e Marielem elaboravam estratégias para driblar a pobreza e
desfrutar de momentos de lazer. Apesar de as crianças terem atividades em comum,
como as brincadeiras, as atividades referidas pelo grupo de crianças variavam nos
gostos e preferências.
A família dessas crianças era composta pelo pai, seu Audir, a mãe, Marilene
e os filhos Paulo Henrique (15), Pablo (10 anos), Marielem, (07) e Lucielem (05 anos).
Pablo estudava de manhã numa escola pública próxima a sua casa, cursava a quarta
série do ensino fundamental, gostava muito de brincar e de construir os próprios
brinquedos. Raras vezes ajudava o pai e o irmão no serviço da oficina, mas era ajudante
fixo na construção da oficina no pátio da casa deles.
Marilene e seu Audir sempre afirmaram que criavam os filhos para ajudar
nos cuidados com a casa. Paulo Henrique, em especial, foi educado para cuidar dos
irmãos mais novos, e desde cedo foi instruído no trabalho com os carros. Quando
aparecia um trabalho fora de casa para os pais, era ele quem ficava responsável pela
casa e pelos irmãos.
Marielem estudava de tarde na mesma escola de Pablo, no próprio bairro;
Lucielem cursava educação infantil e ia com seu irmão Pablo de manhã para a escola.
As crianças costumavam brincar juntas, compartilhavam brinquedos e sempre levavam
um amigo pra brincar dentro de casa porque seu pai alegava não gostar que as crianças
ficassem na rua por causa da violência e dos perigos da faixa de trânsito próxima à
56
residência. Esta alegação tornou-se quase fala unânime de todos os responsáveis pelas
crianças, podendo ser alvo de uma investigação posterior o sentimento de pertença ao
lugar, bem como a construção das identidades dos indivíduos em situação de risco.
As crianças, durante a entrevista, relataram uma série de atividades que
realizavam ao longo de todo o ano, dentre as quais destaco as brincadeiras, a festa de
carnaval, o jogo de futebol, a programação televisiva, a visita aos parentes, a pesca e as
festas religiosas. É válido lembrar que algumas destas atividades são realizadas somente
durante um período do ano, caso de algumas festas e do arrasto de camarão.
Para esse grupo de crianças, resolvi fazer uma breve exposição a respeito do
Carnaval que mesmo durando uma semana ao ano, é uma festa muito presente no
cotidiano das crianças, seja através das músicas, dos ensaios ou pelas escolhas
referentes aos próximos desfiles. Destacarei também a prática de visitar os parentes,
pois sempre que podem as crianças vão nos finais de semana para a casa de tios, avós e
padrinhos.
4.2.2.1 - Festa de Carnaval.
Durante todo o perídodo de observação, notei que os sambas, pagodes e
forrós são muito escutados pelas crianças, além de muito bem aceito por elas. Umas
das brincadeiras relatadas por Pablo foi o “pagode”.
“P: De noite quase todos os dias nós brincamos de esconder ou fizemos um pagode aqui
dentro...
Su: Como é que é o pagode?
P: Ah, nós começamos a bagunçar ali dentro.
Su: E quem participa do pagode?
L: Ele pega isso daqui oh... (tamborim)
P: Eu, o Paulo Henrique, o Patrick, o Dener e o Felipe, da ponta ali...
L: Ele pega isso daqui oh pra batucar, tem esse lado daqui e esse...”
Os instrumentos que as crianças tinham em casa para brincar eram velhos e
sem utilidade para os ensaios da Bateria da Escola de Samba, mas propiciava grandes
“bagunças” como ele mesmo afirmava. Quase toda família desfilava, com exceção de
Lucielem que não gostava muito e preferia não sair em nenhuma ala. Foi então que
Marielem resolveu ficar com a irmã. Elas disseram:
“L: A mãe falou se nós queríamos sair...
Su: E vocês não foram, por que, vocês não quiseram?
M: A mãe ia sair né, aí ela falou, se quiserem ficar lá na vó de vocês, aí depois vocês vão lá
ver, aí nós: “Não!”, aí ficamos com a Karina ali do lado.”
57
No carnaval de 2008 desfilaram Pablo, Paulo Henrique e seu Audir na
bateria e Dona Marilene na ala das “árvores”.As duas meninas neste ano preferiram
ficar em casa. Eles mostraram com orgulho as fantasias dos anos anteriores, suas
fotografias e contaram com euforia os momentos da escola. A família não desfilava
mais pela escola do bairro, pois a escola havia sofrido uma desestruturação e parou com
os ensaios: A escola está depredada, o terreno está preste a ser invadido, as madeiras
que cercam o terreno foram roubadas ( conversa com Seu Audir Diário de campo
31 de maio de 2008), por isso foram para a escola de um bairro vizinho.
“Su: E assim, vocês também me contaram uma vez que vocês fazem coisas no carnaval,
como é , onde é ?
L: Eu não faço...
P: É lá na P1.
Su: Aonde(...) E o Pablo?
P: Eu fui.
Su: Você foi lá no carnaval e você saiu em que parte da escola de samba?
M/P: Na bateria.
Su: E você vai aos ensaios?
P: Tenho que ir né, porque meu pai vai todos os dias...
Su: Ah, vai junto com seu pai porque ele é o mestre...
M: O mestre da bateria!
Sa: E tem todos os dias? Agora está tendo ensaio ou é só pertinho do carnaval?
P: É só perto do carnaval.”
Encontrei dificuldade em achar estudos sobre o carnaval, festas de rua e seu
significado para as crianças. Marcellino confirma esta contatação quando diz:
apesar de sua importância na cultura brasileira são poucos os estudos realizados sobre o
Carnaval. As discussões no senso comum, essas sim, são numerosas, envolvem o seu
significado, a comercialização e industrialização que estariam se processando de forma
crescente com a festa, acabando com as diferenças regionais e provocando saudades de
carnaval antigos, o esbanjamento de quem não tem, o reinado da imoralidade etc. (2006 p.
69)
Embora pareça saudosismo do autor, não podemos negar que tal festa
popular tem mudado seu caráter ao longo das décadas, sendo influenciada também pelos
processos econômicos do país, pelo fenômeno da globalização (diminuição do caráter
regional) e pela erotização dos corpos como atrativo ao público.
Apesar de não poder ter presenciado o desfile, reconheço que a escola está
em processo de construção ainda, preservando o caráter regional e privilegiando a
participação de muitas pessoas das comunidades da periferia. Para facilitar a
participação em desfiles, Paulo Henrique contou que eram organizadas diversas festas,
bingos e sorteios promovidos pela escola na quadra cujo objetivo era angariar fundos
para a preparação das alas, o que diminuiu os custos daqueles que desfilavam.
58
“A gente ganha (fantasia na P1). Aqui na Castelo não! A gente paga. Uma vez eu paguei
quinze pila e veio uma fantasia de TNT que custa cinqüenta centavos! Ai eu não desfilei
mais lá!” (Fala Paulo Henrique – Diário de campo 19 de março de 2008)
Em uma nota no Jornal Agora
13
, consta que o prefeito determinou novas
ações para incentivar as entidades que participam hoje do Carnaval, além de resgatar
aquelas que atualmente se encontram afastadas”. Estas ações serão realizadas em
parceria com a Associação Rio-grandina das entidades Carnavalescas (Argec) e
contarão com o apoio da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer (SMTEL) e
da secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) para a promoção do carnaval na
cidade, uma festa popular que não vinha recebendo o devido destaque e respeito.
O carnaval tem sido acolhido pelas vilas e pelas comunidades da periferia de
Rio Grande, muitos bairros e associações formaram seus blocos e promovem algumas
festas neste sentido. Talvez essa aceitação e identificação se explique pela alegria, pelo
prazer e pela fuga da realidade, mesmo que por pouco tempo.
A experiência de viver carnavais, a evasão do mundo real para fantasia, pode significar
simplesmente uma válvula de escape, que ajuda na convivência com esse real cotidiano, na
maioria das vezes sem sentido, ou até mesmo a sua contestação. (MARCELLINO, 2006 p.
69)
Essa explicação pode parecer muito “psicologizante” e simplista em se
tratando de crianças, mas não deixa de ser uma realidade para os adultos. E por que não
também para as crianças? Para as crianças o momento de vestir uma fantasia é algo
lúdico e significativo, que estimula a imaginação e o prazer. Tocar um instrumento
requer concentração e muitas habilidades, desta forma, o carnaval também contribui
para a instrução musical ampliando o repertório cultural na infância.
Ressalto que não pretendo fazer uma análise minuciosa do Carnaval e suas
contribuições, a breve exposição pretendia destacar sua importância cultural, social e
também como opção de lazer. na vida do grupo de crianças investigado
4.2.2.2 - Visitar os parentes – “Eu gosto de ficar na minha vó.”
Visitar os familiares é costume das crianças. Apesar de seus parentes não
morarem no bairro, elas mantêm relações estreitas e amigáveis com boa parte da
família. A estadia das crianças na casa dos avós paternos é uma atividade freqüente e o
13
Jornal Agora. Rio Grande, 15 de janeiro de 2009 – Quinta – página 04 – Ano 34 – N.° 9.230
59
grupo demonstrou gostar muito de passar algum tempo com seus avós. Esta atividade
foi a primeira a ser descrita como uma atividade de lazer durante a entrevista; talvez
isso se pelo fato de envolver afetividade e momentos de brincadeiras
simultaneamente.
“L: Eu gosto de ficar na minha vó.
Su: Ah é, você gosta de curtir lá com a sua vó? vocês vão muito lá na vó de vocês?
M: As vezes e as vezes não...
Su: Porque as vezes não?
P: Quase todos os domingos nós vamos, mas não é todos os domingos...
Sa: Dia de semana, dia que tem colégio vocês não vão então, só no final de semana.
Su: E quem leva vocês lá?
M: Meu pai, minha mãe.
L: Que, a mãe que leva a gente pro colégio!
M: É na vó guria!”
Não são apenas as crianças que iam visitar os parentes, a família também
recebia muitas visitas de primos, de tios e dos próprios avós. Em vários dias de
observação presenciei a visita de alguns parentes, e cheguei a passar uma tarde com os
avós das crianças.
A avó, em particular, teceu comentários sobre a pesquisa depois de entender
nosso objetivo. Além disso, em tom de aconselhamento, nos disse para não deixarmos
os estudos. Também nos contou sobre sua vida e sua relação afetiva com os netos e a
nora. Falou sobre sua infância e sobre a importância que atribuía à união na família,
que havia crescido em um orfanato.
Percebi, então, que visitar os familiares é muito significativo, trata-se de algo
mais amplo do que um momento de lazer para as crianças; são momentos em que os
laços de afetividade são estreitados e em que os valores dos avós são reproduzidos para
os netos. Os avós se dispõem a cuidar das crianças o tempo que for necessário, os netos
chegam a passar o final de semana inteiro ou até mais de uma semana, quando não
aulas.
“Su: Me conta, vocês passaram o verão lá no Cassino? Passaram quanto tempo lá?
P: Eu fiquei uns 10 dias.
L: Seis dias.
Su: Na casa de quem vocês ficaram?
P: Da vó.
Su: Tua vó tem casa lá, e casa no centro...
P: Não, no centro não.
M: É lá no Cassino.
Sa: No bairro Hidráulica.
L: É, ela tem duas casas.
Su: Aí, a família toda de vocês foram pra lá, ou foram só os pequenos?
P: Não, foram só os pequenos.
Su: Teu pai ficou aqui.
M: Mas o Paulo Henrique também foi.
60
P: No dia que o Paulo Henrique foi, no outro dia a minha vó ia voltar.
Su: E quem cuida vocês quando tão na praia?
P: Meu vô.
M: Minha vó, ou meu vô, meu vô as vezes tá com sono e dorme.
P: Se ele leva a cadeira sempre dorme.
L: Ele deixou nós tomando banho e ele ficou roncando...”
Portanto, passar o dia na avó em um momento de lazer, e existe toda uma
preparação. A família se organizava no dia anterior, planejava como seria o transporte,
selecionavam roupas, arrumavam os cabelos e preparavam o que iriam levar nas
sacolas. As crianças ficavam ansiosas e sabiam que realizariam uma série de
atividades, sempre havia uma festa, um pagode ou outra atividade proposta pelos avós.
Em um final de semana fui observar as crianças e presenciei a organização da família e
da casa para que pudessem passar o domingo do dia das mães na casa dos pais de seu
Audir Henrique. As crianças tinham esses dois avós, pois os pais de Marilene
haviam falecido sem que as crianças tivessem tido muito contato com eles.
“Todos estavam se organizando para passar o dia de domingo do dia das mãe na casa da
avó das crianças, os pais de Seu Henrique. Sabina que mora perto da casa da avó das
crianças perguntou a Marilene: Vocês vão amanhã para lá? Marilene responde: Sim nós
vamos. Sabina continuou: Tu achas que vai rolar um pagode? Marilene disse com ar de
ansiosa: Acho que sim! Tomara né! As crianças estavam empolgadas para sair, Marielem
veio do quarto com a roupa que iria sair no outro dia dizendo: Olha a roupa que eu vou
amanhã! As crianças também iriam participar de um aniversário de um prima que
aconteceria mais tarde, então Luciellem disse: Eu não gosto dela! (se referindo a prima).
Marilene na mesma hora disse: O que é isso minha filha! Tu não vais chegar no aniversário
dizendo que não gosta da guria! tem coisa que tu não podes falar, fala só pra mãe.
Marielem interferiu dizendo: "Eu gosto dela". (Fragmento do diário de campo - 10 de maio
de 2008).
A visita aos parentes pode parecer algo comum a todas as famílias do bairro,
mas não o é. A atividade, neste grupo específico de crianças, tem características
peculiares que fogem à regra de muitas outras famílias do local, pois a maior parte delas
tem seu núcleo familiar estendido nos domínios da própria casa, ou seja, várias gerações
convivem num mesmo quintal ou pátio. também, muitos casos de parentes que são
vizinhos de fundos ou habitam ao lado. Isto faz com que a convivência com os
familiares seja diária.Muitas vezes eles compartilham os cuidados domésticos, o
cuidado das crianças e se auxiliam em momentos de dificuldades financeiras.
Para Pablo, Marielem e Lucielem esses momentos não eram tão freqüentes
devido ao fato de seus parentes morarem longe. Tais visitas aconteciam quando a
família tinha tempo livro, ou seja, estava liberada de todas as obrigações,
principalmente das obrigações escolares.
O diferencial de Pablo, Marielem e Lucielem, em relação aos outros grupos
61
de crianças que participaram da pesquisa, é que grande parte das suas atividades
envolviam os adultos da casa;as crianças compartilhavam os mesmos ambientes e
estavam com os adultos nas atividades, aceitando-os em seus momentos de diversão. Os
adultos não eram uma presença limitadora ou supervisora, eles estavam com e não para,
pois todos se divertiam juntos.
Mesmo atividades de lazer diárias, como jogo de cartas, assistir a filmes e
escutar músicas, as crianças realizavam com os adultos da casa. As confraternizações na
igreja de São Carlos e as festas na associação de moradores do bairro, a família
costumava desfrutar unida. A mãe das crianças disse-me em uma conversa que eles
sempre procuravam fazer atividades de lazer para que todos pudessem participar.
Percebo nisso uma intencionalidade na participação dos adultos e crianças, não sendo
uma característica dada e natural dos sujeitos.
Identificar os pontos comuns e diferentes na vida das crianças em bairros
pobres da periferia mostra que uma política pública de lazer deve levar em conta as
diversidades e, principalmente, ouvir aqueles que serão alvos das ações - as crianças.
4.2.3 - Nicole e Wesley
Nicole e Wesley, irmãos, viviam com seus pais e sua tia numa casa grande e
bem dividida. Uma característica que notei durante todo o processo de pesquisa foi que
os pais das crianças não se sentiam à vontade com seus vizinhos e que não existia um
sentimento de pertença ao bairro. Ambos os responsáveis completaram o ensino
fundamental e almejavam uma graduação universitária. Em vários momentos de
observações e conversas eles alegavam que quando tivessem oportunidade mudariam de
bairro, de preferência se mudariam mais para o centro.
Nicole tinha cinco anos de idade, estava freqüentando a educação Infantil da
Escola Estadual no seu bairro, que ficava a umas cinco quadras de distância. Gostava
muito da escola, mas quando sua professora acidentou-se e permaneceu dois meses em
licença, Nicole não quis mais ir à escola. Sua mãe não insistia muito e deixou que ela
faltasse muitos dias. A menina gostava muito de assistir televisão, especialmente as
novelas; ela pedia a sua mãe que a chamasse no horário em que ia começar um novo
capítulo, parando rapidamente o que estava fazendo.
Nicole brincava bastante com sua vizinha, ambas tinham aproximadamente a
mesma idade. As brincadeiras aconteciam no pátio da casa de Nicole, dentro de casa e,
62
algumas vezes, em uma peça dos fundos da casa da vizinha. Sempre com a supervisão
da mãe da criança. Mas, nas ultimas visitas, Nicole afirmou ter brigado com a amiga,
por isso encerrou o contato e as brincadeiras com ela.
Su- Por que que tu não brincas mais com ela? Brigaram?
N- Huhum.
Su- Ah brigaram, que pena e tu ficou sem amiguinha pra brincar. E não vão fazer as pazes?
N- Fizemos, mas a minha mãe...às vezes eu não posso brincar.
Su- Então não estão totalmente brigadas...
N- Não.
Wesley tinha nove anos, cursava a 2ª série do Ensino Fundamental, no
mesmo colégio que Nicole, ambos no turno da manhã. Ele tirava boas notas, seu pai
cobrava bastante a responsabilidade nos estudos. Quando perguntava a Wesley como
havia sido a escola, ele enfatizava sempre aspectos do recreio e falava sobre o jogo de
futebol:
W- Por mim o que eu mais gosto no colégio, é bagunçar e a educação física.(...) Eu
não gosto é de escrever, escrever...”.
Wesley costumava jogar futebol, gostava muito de assistir aos jogos pela
televisão e tinha orgulho de dizer que torcia para o Internacional/RS. O menino
participava das brincadeiras com Nicole, mas acabava brincando, na maioria das vezes,
com bola de gude (bolita) , com bola de futebol e com videogame.
A falta de identificação com o bairro dos pais e a idéia sobre proteção e
educação das crianças, fez com que quase todas as atividades deste grupo fossem
realizadas nos domínios da casa. A partir da entrevista e das falas obtidas nas
observações, destaquei algumas atividades muito presentes no cotidiano das crianças,
são elas: brincar, assistir ao futebol, jogar videogame e assistir a novelas. Percebendo
que grande parte das atividades envolvia assistir à programação da TV, a análise focou a
presença da televisão na vida das crianças, a sua influência, de uma forma geral, na
brincadeira e no prazer como formas de lazer.
4.2.3.1 - Televisão – a vilã ou mocinha?
Este subtítulo visa provocar uma reflexão a respeito do papel da televisão na
atualidade em relação à cultura infantil, bem como sobre seus efeitos no comportamento
desse grupo geracional, principalmente porque não posso negar que ela tem se tornado
quase um “equipamento” de lazer de fácil acesso a todas as camadas sociais e idades
(MARCELINO, 2002).
63
Para mim, parece difícil fazer uma análise desse instrumento somente pelas
programações oferecidas pela televisão aberta e ignorar as outras funções permitidas por
ela. A televisão, além de ter atrações específicas para o entretenimento, como
programas de esportes, infantis, desenhos, filmes, novelas, séries e shows, serve
também para que se assista a discos de DVD e funciona como tela para os videogames
conectados a ela.
Na casa deste grupo havia televisão. Aliás, é muito difícil hoje em dia
encontrar-se uma residência sem tal aparelho. Contudo, o jogo Play 2, Wesley havia
recebido no natal de 2007. A partir daí, o jogo passou a complementar as atividades de
lazer do grupo. Freqüentemente, quando visitávamos Nicole e Wesley no horário da
tarde, ela estava no quarto assistindo a “novela das duas”
14
e ele jogava futebol na frente
de casa, ou no pátio. Depois de ganharem o jogo, Wesley começou a passar mais tempo
brincando com o Play 2.
Su- (...) que brincadeira vocês fazem dentro de casa?
W- Eu só jogo vídeo game.
Su- Ah...Tu só joga vídeo game.
N- E eu vejo o Wesley jogar.
Su- Ah você só assiste, mas não tá jogando vídeo game?
W- Hoje de manhã a Nicole tava jogando!
Su- Ah você começou a jogar hoje?
N- Eu não sabia...
Sa- E fora o videogame, tem outra coisa que tu gostas?
W- Quando minha mãe não me deixa jogar vídeo game, eu brinco de outra coisa.”
Quando se fala de televisão, é muito comum os educadores elaborarem um
juízo de valor negativo em relação a ela. Este julgamento se torna ainda mais negativo
quando se trata do videogame em si. Costuma-se criticar os jogos violentos que não
“educam”, que são o grande “mal do século”, como se as crianças fossem dominadas
passivamente pelo jogo. Vale lembrar algo que pode parecer óbvio, mas que é realidade:
é só mais um simples jogo, um brinquedo, e como em toda brincadeira de criança, se ela
pudesse, passaria o tempo todo brincando. E quem não gosta de brincar? O videogame,
apesar de ser um jogo eletrônico, perpetua as características do brincar e influencia na
sua especificidade a cultura lúdica das crianças.
Em um estudo sobre brincadeiras, brinquedos e televisão Brougère (2000 p.
50) afirma que “a televisão transformou a vida e a cultura das crianças, as referências de
que ela dispõe. Ela influenciou, particularmente, sua cultura lúdica.” Nesta afirmação
percebemos que as crianças, ao terem contato com essas tecnologias, incorporam em
14
Programa da Rede Globo “Vale a pena ver de Novo” exibido no horário das 14h30minh.
64
sua cultura os traços de um tempo mais moderno; por isso, muitas vezes, pode parecer
que as crianças “não brincam mais como antigamente”. Elas brincam e ampliaram seu
repertório, pois “a brincadeira da criança está, em parte, ligada aos objetos lúdicos de
que ela dispõe” (p. 57).
Nos estudos sobre brincadeiras e ludicidade infantil percebi que poucas
linhas referentes aos jogos eletrônicos, talvez isto aconteça porque muitos estudiosos
não tiveram contato ou não se agradam deste tipo de brincadeira, por isso em alguns
estudos vêem-se algumas notas, um pouco tímidas sobre os jogos atuais de videogame.
No estudo de Brougère ele se refere a tal objeto sem o objetivo de ampliar a análise;
entretanto, ele considera os jogos eletrônicos como integrantes de uma cultura lúdica
infantil.
É certo que, atualmente, nossa cultura lúdica está muito orientada para a manipulação de
objetos: sem dúvida, isso é uma dimensão essencial. Como conseqüência, ela evolui, em
parte, sob o impulso de novos brinquedos. Novas manipulações (inclusive jogos eletrônicos
e de vídeo game), novas estruturas de brincadeiras, ou desenvolvimento de algumas em
detrimento de outras, novas representações; o brinquedo contribui para o desenvolvimento
da cultura lúdica. (BROUGÈRE 2000 p. 51)
Como atividade lúdica, percebi que no jogo Play 2 de Wesley e Nicole,
uma diferenciação de gênero nos CD de jogos, sendo alguns voltados mais para o sexo
masculino e outros para o sexo feminino. Não fiz um levantamento específico de quais
são os jogos existentes, mas na fala da tia das crianças aparece essa questão de gênero:
“Su- Tu não jogas videogame porque tu não sabes jogar?
N- Huhum, porque eu não sei, nem futebol.
Mi- Eu disse pra Gissele comprar um jogo feminino pra ela.
Su- É Play 2?
N- Huhum.”
Os discos de jogos possuem uma variedade que, previamente, posso dizer,
parecem atender a uma classificação por idade e por gênero. Existem jogos de lutas,
esportes, aventuras, simulação de vida; eles envolvem fantasias, fábulas, contam
histórias e são repletos de elementos mágicos. A maior parte dos jogos se vence por
etapas, as chamadas “fases”. Caso o jogador perca, ele tem a oportunidade de acumular
vidas e reiniciar de onde parou.
Nos esportes de equipe, para vencer um campeonato é preciso negociar com
“dinheiro” os jogadores desejados e melhorar o time. reflexão, estratégia e
negociação ao lado do aspecto puramente lúdico.
Contudo, como é sabido, há jogos de videogame que são realmente violentos
65
e que, além disso, fazem apologia da agressividade, da desonestidade, além de
promoverem disputas excessivas. Tais jogos tendem a ser vistos com reservas pelos
adultos responsáveis pelas crianças. De toda maneira, quaisquer outros jogos,
brincadeiras ou leituras, podem conter aspectos considerados danosos às crianças. A
supervisão das atividades infantis é tarefa dos adultos por elas responsáveis.
O reiniciar dos jogos, bem como o poder começar “tudo de novo” é uma
característica comum das brincadeiras na infância. Sendo assim, os jogos eletrônicos
perpetuam características da ludicidade e contribuem da mesma forma para a cultura
infantil neste aspecto. O que deve ser objeto de críticas e cuidados é o jogo de
videogame como única oportunidade de lazer para as crianças. Devem ser oferecidas às
crianças outras opções de entretenimento e prazer.
O jogo não faz parte da cultura das crianças, a família inteira se envolve
com a atividade, pois existe a oportunidade de mais de um jogador brincar e guardar o
jogo em uma fase para continuar em outro momento. Sarmento afirma que o brincar não
é exclusivo das crianças, é próprio do homem e uma das atividades mais significativas,
por isso vemos que o aparelho de videogame atrai tanto crianças quanto adultos.
“W- Falando em videogame meu pai tá lá jogando...
Sa- Ele gosta também... E ele joga com vocês? O que vocês jogam?
N- Futebol.
W- Meu pai joga me passou no Residente.
Sa- vocês jogam juntos?
W- Ahan.
Sa- E a tua mãe joga ou não?
W- Minha mãe? A minha mãe joga escondido de mim quando eu paro o jogo. As vezes eu to
numa fase aí quando eu vou ver já to em outra...”
Na casa de Nicole e Wesley esse tipo de lazer ora é feito com os adultos, ora
é feito por crianças, não existe uma regra, varia de um tipo de jogo
15
para o outro. É
interessante lembrar que as crianças das vilas têm tido acesso aos jogos eletrônicos, aos
computadores e à internet através das “lan house” instaladas em vários bairros
periféricos.
“Su- Aqui no bairro não tem um lugar pra jogar videogame não?.
Sa- Uma locadora que alugue videogame, tu vai lá paga e usa um tempo.
N- Tem, tem uma. Tem um monte aqui na vila.
Sa- Tem?
N- Paga e faz uma hora.
Sa- E tu vai jogar nesse lugar?
15
Para Brougère a palavra jogo, definindo o objeto, lúdico pode ser destinada tanto à criança quanto ao
adulto não sendo restrito a uma faixa etária (2000 p. 13).
66
W- Não, eu jogo só em casa.
Su- Nem antes de você ter o play em casa, você jogava lá?
W- Aham.
Su- Antes jogava. Quem te levava pra jogar lá?
N- O Thiago meu tio.
Su- Ah.
W- O Thiago, um dia o Diego.
Sa- E é pertinho da tua casa esse lugar?
W- Não. Tem em tudo que é lado...
Su- É? Lan house né?”
Jogos eletrônicos, sejam em computadores ou videogames, fazem parte da
vida das crianças em todas as camadas sociais, até mesmo as mais pobres têm acesso a
essas tecnologias por meio da chamada
lan house que, geralmente, cobra R$ 1,50 por
uma hora de jogo ou por aquisição de cds de jogos pirateados, vendidos ilegalmente nas
feiras da cidade.
Leni Dornelles afirmava, no seu estudo sobre o brincar, a respeito da
presença dos jogos eletrônicos:
Estão sendo incorporados ao jogos infantis os brinquedos eletrônicos como os videogame,
carros com controle remoto, minigame... eles fazem parte das novas tecnologias do brincar.
Precisamos, enquanto educadores/ras nos debruçar sobre eles, para que possamos
compreender como as crianças constituem-se crianças através desses novos brinquedos.
(DORNELLES, 2001 p. 103)
Além de brincar com jogos eletrônicos, Wesley e Nicole têm suas
preferências pelas programações das redes de televisão. Nicole gosta de assistir
novelas:
“Sa- É, faz quase um ano... Tu não vê mais agora.
N- Não.
Su- Por que a novela tá chata? A que tá dando agora é Cabocla né?
Sa- Ahan.
Su- E a novela da noite? Do Juvenal Antena?
N- Vejo.”
As novelas de televisão caem no gosto das crianças na medida em que
possuem significados e, de alguma forma, haja uma identificação com os personagens
da história, mesmo não sendo produzidas para o público infantil. As tramas envolvendo
mocinhas, mocinhos, vilões, personagens estereotipados e caricaturas, chamam a
atenção das crianças que chegam acompanhar uma novela do início até o último
capítulo.
Além de Nicole, pude observar a presença de novelas em outros dois grupos
de crianças, Pablo, Marielem e Lucielem acompanhavam novelas, bem como Lucielem,
Jenifer e Tainá. Televisão é algo tão presente e rotineiro como atividade de lazer que
muitas vezes poderia passar despercebido. Quando chegávamos às casas para realizar a
67
observação, a televisão estava sempre ligada, mas as crianças separavam um tempo para
assistir aos programas que mais lhe atraíam. Wesley não falava sobre novelas,
mencionava sempre a respeito dos jogos de seu time. A família se reunia quando o
Internacional jogava e essa reunião se tornava um momento de lazer que também
acontecia dentro de casa.
“Como ontem foi dia de final de campeonato de futebol, o Internacional venceu, assim que
o tio das crianças, Gabriel, chega, nos cumprimenta (...) Enquanto os cunhado ficou o
assunto girou em torno de futebol, ele reclamou pois Patrick não tinha ido assistir o jogo no
telão com os amigos. Patrick ficou em casa e assistiu o jogo com a família. Wesley é
apaixonado por futebol e também torce para o Internacional, ele gosta muito de assistir aos
jogos que dão sempre as quartas-feiras, mas sua mãe uma vez disse: Eu as vezes não gosto
de deixá-lo ver o jogo, pois acaba muito tarde, mas ele é apaixonado por futebol.(...)
Patrick chega e faz uma saudação para os colorados. Patrick chega orgulhoso de seu time e
pergunta a Gissele: Alguém apareceu? (esta pergunta se referia aos vizinhos que são
gremistas e ficam zombando no portão da casa deles quando o time do inter está perdendo).
Então Gissele disse: Anderson veio aqui, mexer com o Wesley. Patrick faz cara de
indignado: Por que!!!! Gissele fala: Ele disse que o inter é ruim e teve que comprar o jogo!
(se referia a vitória de 8 x 1 sobre o Juventude) Então patrick entrou e foi falar com as
crianças. A rivalidade entre os vizinhos a respeito de torcida é muito forte. Percebi também
que toda a família se reúne para assistir aos jogos”.(fragmento de diário de campo 05 de
maio de 2008)
Wesley manifestou a vontade de, não assistir ao jogo pela televisão, mas
de ir ao Beira Rio assistir a seu time jogar quando perguntei se haveria algum lugar no
qual ele queria ir e não podia.
“Su- E tem algum lugar que vocês ainda não foram e gostariam de ir? Pra se divertir?
W- Eu?
Su- É.
W- Vários lugares.
Su- Vários, então me conta um deles.
W- Vou contar dois, Rio de Janeiro e São Luiz, São Paulo.
Su- Ah, você gostaria de viajar de conhecer lá?
W- Uhum.
Sa- Ah, eu também deve ser super bonito. Mas assim, algum lugar aqui na nossa cidade,
mais perto, mais fácil de ir.
N- Eu queria ir no futebol que tem no centro.
Su- Ah tá, a Nicole falou, aquele futebol do centro. Tu nunca foi lá? no campo do São
Paulo?
N- É!
W- Não! No campo de Porto Alegre, no Beira Rio.
Su- Ah tá, gostaria de ir lá no Beira Rio.
Sa- Ah, ver o Inter...
Su- E porque você nunca foi lá no Beira Rio?
W- Porque meu pai nunca arrumou... nunca pegou ingresso, muito longe.”
Nesse caso de distância, a televisão permite o acesso aos jogos e a
entretenimentos que acontecem em outras cidades e Estados, substituindo a presença
física nestes lugares por uma presença virtual. Segundo Brougère “o grande valor da
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televisão para a infância é oferecer às crianças, que pertencem a ambientes diferentes,
uma linguagem comum, referências únicas.” (2000 p. 54) Isto se refere a uma
democratização da informação e até mesmo de acesso a cultura do país. Portanto, nem
tudo que se refere à televisão deve ser visto de forma negativa, até mesmo porque as
crianças não são receptoras passivas de informações, elas dão significados e
ressignificam muitas das informações recebidas. Não existem vítimas e vilões nesta
história, mas sim atores que estão construindo suas histórias.
4.2.4 - Jenifer, Lucielem, Tainá e Juninho
Lucielem, a irmã mais velha tinha seis anos de idade, falava pouco e era
muito envergonhada. Na escola ela não se comunicava muito, mas estava apresentando
progresso no desenvolvimento da linguagem e da comunicação.
Jenifer tinha cinco anos, era chamada carinhosamente pela família de Lili e
se comunicava mais. Lili geralmente conduzia as brincadeiras com suas irmãs. E no ano
de 2008 passou a freqüentar a Educação Infantil. Tainá tinha quatro anos, era também
muito tímida. Quando eu falava com ela, ela se escondia atrás de sua mãe. Júnior tinha
dois anos de idade, era o único menino da casa, pois o que nasceu antes dele havia
falecido. As crianças possuíam poucos brinquedos, brincavam nos fundos da casa onde
havia um pátio grande com areia.
A mãe destas crianças chamava-se Michele, era muito jovem, tinha apenas
20 anos. Muito tímida, falava pouco, dava respostas curtas, costumava rir quando não
sabia o que responder. Ela era casada com Jeferson, de 31 anos. Quando desempregado,
Jéferson fazia biscates para sustentar sua família.
A família sobrevivia de modo precário, a casa possuía apenas três peças, o
banheiro havia sido construído alguns meses. Não havia muitos móveis na casa,
somente o indispensável. Michelle estudou somente até a quarta série do Ensino
Fundamental e não tinha planos de voltar a estudar. Seu filho mais novo ocupava muito
do seu tempo, tinha problemas respiratórios; portanto, havia muito controle em relação
a medicamentos e consultas no posto. A família ficava pouco tempo em casa, Michelle
dizia que passava a maior parte do tempo na casa da avó, na de outros parentes que
moravam no mesmo bairro e na casa de sua mãe no bairro vizinho.
“Hoje fui com o intuito de procurar Michele e as crianças. Consegui encontrar todos em
casa, as crianças estavam brincando na rua em frente a casa, junto com outras crianças da
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vizinhança. Fiquei ali e conversei com Michele enquanto ela vigiava os filhos brincarem.
Perguntei a ela: Onde tu estavas que não te acho mais de manhã? Ela respondeu: Quando
eu não estou aqui, eu estou ali na minha avó, me grita lá”. Disse que eu passei uma vez,
mas não vi ninguém, então ela continuou: É que o portão está sempre fechado, mas é
gritar que eu venho".” (diário de campo 26 de maio de 2008)
Essa permanência na casa de parentes não eram necessariamente uma
atividade de lazer como apresentei no grupo anterior; esse costume proporcionava o
cuidado compartilhado das crianças e o auxílio mútuo em determinadas tarefas
domésticas, constituindo-se como estratégia de sobrevivência.
Ao conversar com as crianças, pude identificar em suas falas que as
brincadeiras eram a maior atividade de lazer.Elas me descreveram onde elas ocorriam e
falaram do que mais gostavam de fazer. As crianças, durante as observações, se
referiram também às novelas:
“Gorda falou um pouco sobre as novelas da Rede Globo, disse: "eu vejo Malhação todos os
dias”. Então para conferir pedi para ela me contar o que estava acontecendo com
Angelina, então ela me contou os fatos tal como tem acontecido na novela.
Depois perguntei pelo “Ferraço”, e ela falou: “as vezes eu vejo, as vezes eu não vejo
porque eu durmo”. Ela não sabia sobre o último capítulo e fez certo ar de lamento. (Diário
de campo 03 de junho de 2008)
Falaram que no verão tomavam banho no arroio próximo ao campus
Carreiros da FURG. Apresentarei agora os banhos de arroio como atividades de lazer
deste grupo de crianças para, em seguida, explicitar as falas das crianças a respeito da
brincadeira como lazer, retomando as falas e as atividades dos grupos analisados, a
fim de realizar algumas reflexões acerca da brincadeira como uma categoria de Lazer na
infância.
4.2.4.1 - Banho de arroio
Quando passei pelas ruas da Castelo Branco II durante o verão, era comum
ver crianças brincarem nas valetas, os chamados canaletes que recebem o esgoto do
bairro. Havia um canalete situado em toda extensão da rua A e em alguns pontos pode-
se ver pneus improvisando balanços para brincadeiras. Lucielem e seus irmãos também
participam destas atividades durante o verão:
“S – aqui no bairro tem lugar de brincar? Campinho?
Luci – Campo?
S –é.
Luci – tem aqui atrás no CAIC, as vezes a gente vai no arroio.
S – ah. No arroio, quando está calor? Só quando está calor?
Luci – é.”
70
Paralelo à rua A, em direção ao CAIC, no Campus Carreiro da FURG, existe
um vasto campo arborizado, nele são jogados alguns entulhos, pois se tornou um terreno
baldio. Quem adentra o campo, encontra alguns lagos ou charcos que, em tempos de
chuva, transbordam e se transformam em verdadeiras “piscinas”. Era nesse lugar que
havia o que as crianças chamavam “arroio”. Nele é possível se refrescar e realizar
brincadeiras.
Apesar de não ser um lugar próprio para o banho, é a única possibilidade
local, pois a área de balneabilidade se encontra muito afastada e exige o uso de
transporte público para que se chegue até ela. Os banhos de crianças em lugares
impróprios é uma realidade muito grave em Rio Grande, pois ocorrem muitos casos de
afogamento, geralmente fatais. Os agentes de saúde, no bairro Castelo Branco,
procuram informar a população de que muito perigo nesses lugares, além dos
afogamentos existe o risco de picadas de bichos e insetos que vivem ao redor da água.
Agente PSF 3 é que não existe (lugar para lazer). Tanto é, que eles vão tomar banho no
valão aqui. Eu até atendi um rapaz que veio com queixa de que tinha sido picado dentro
desse valão, a gente não sabia se era cobra, se era aranha o que era, mas com uma dor
intensa, num local do pé, mas tinha duas perfurações. Imagina só! E ele não viu o animal.
Na realidade, a gravidade disto!” (entrevista aos Agentes do PSF)
A convivência com as crianças me fez entender que esta é uma prática muito
comum durante os dias de calor, é um substituto da Praia do Cassino, uma vez que eles
não possuem condições financeiras para ir à praia quando querem.
“S- Mas tem algum lugar que vocês gostariam de ir junto com o pai de vocês e vocês não
podem?
L- Pro Cassino.
S- E porque vocês não podem ir ao Cassino.
L- Porque a gente não tem dinheiro.
S- Se tivesse vocês iriam?
L- É.” (entrevista com Lucas)
Os banhos nas valetas, apesar de serem perigosos, se tornam lugares de
diversão para uma parte dessa população, principalmente para as crianças que
ressignificam esses lugares, tornando-os cenários de muitas brincadeiras.
“L: Mas a gente não vai pras beiras, sabe aqui está a valeta, a gente fica aqui, a gente
pega uma taquara gigante, amarra uma cordinha na ponta, a gente afunda e vai tocando
os peixes. Mas ela (a mãe) não deixa...”(entrevista com Lucas e Vagner)
Nesta fala de Lucas, notei que nem todas as crianças brincavam nas valetas.
No caso de Jenifer e de seus irmãos, a prática acontecia com o consentimento dos pais e
71
talvez com a participação deles nesses banhos, visto que seus filhos são menores de seis
anos e Michele não permitia que as crianças saíssem sozinhas.
Quando observo situações como a deste grupo de crianças, acredito ser
necessária uma intervenção para que as atividades de lazer sejam seguras e saudáveis às
crianças no Bairro Castelo Branco II. Poderiam ser criados locais próprios para o banho
nas proximidades do bairro e, principalmente, poderiam ser dadas condições dignas para
que as famílias tivessem condições financeiras de desfrutar os momentos de lazer nos
lugares desejados.
4.3- Brincar é lazer?
A fronteira entre a brincadeira e o lazer na infância parece muito estreita ou,
muitas vezes, parece não existir, as duas categorias parecem, por vezes, uma só. No
âmbito da análise teórica, contudo, elas apresentam diferenças estruturais, pois lazer não
é brincadeira, inclui outras categorias de atividades citadas no capítulo anterior.
Entretanto as crianças definiram lazer e diversão como brincadeiras.
Su: Eu queria saber o que vocês fazem de lazer, de momento de diversão de vocês? Você
Lucas...
L: Faço... Brincar de avião, de pirata, de barraquinha de colchão.”(entrevista com Lucas e
Vagner)
Na fala de todas as crianças investigadas surgiram descrições de suas
brincadeiras enquanto atividades que divertem e dão prazer. Por isso, incluo como um
interesse específico, ou como uma categoria do lazer humano, as brincadeiras infantis,
sejam elas quais forem e independentemente do lugar em que sejam realizadas, pois
para brincar é preciso estar com tempo disponível, estar livre de obrigações. Wajskop se
refere à brincadeira como:
uma forma de comportamento social, que se destaca da atividade do trabalho e do ritmo
cotidiano, reconstruindo-os para compreendê-los segundo uma lógica própria, circunscrito e
organizado no tempo e no espaço. (2001, p.29)
Inicialmente não era minha intenção analisar brincadeiras, nem este é um
estudo específico sobre a origem e o desenvolvimento da brincadeira na infância, pois
para discorrer sobre brincadeiras seria necessário apresentar um levantamento histórico
e considerar os posicionamento filosóficos e idelológicos a respeito do desenvolvimento
e da aprendizagem infantil através do brincar. Por hora esclareço que abordarei a
72
brincadeira como fenômeno social, com marcas específicas de uma cultura infantil,
dotada de significados e ressignificações pelas crianças e seus pares.
é preciso romper com o mito da brincadeira natural. A criança está inserida, desde o seu
nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa
imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um
processo de relações interindividuais, portanto de cultura. (BROUGÈRE, 2000 p. 97)
Não pretendo entrar na discussão filosófica ou polemizar as controversas
posições que acreditam que a brincadeira é algo natural, inato na criança, ou até mesmo
a posição da Psicologia clássica ou da Pedagogia que retratam a brincadeira no âmbito
das aprendizagens e da socialização para justificar o estudo. Além de fugir ao objetivo
da escuta sensível das crianças, acredito que o brincar para ter prazer, alegria e
satisfação não precisa ser justificado.
Ouvindo as vozes das crianças e escutando-as, não posso recusar suas falas.
Como o intuito é poder transmitir o que elas têm a dizer sobre o lazer a partir de suas
óticas, esclareço que elas mesmas incorporaram e mostraram que brincar também é uma
atividade de lazer.
“Su: (...) eu começo perguntando pro Wesley, que tipo de atividade divertida, de lazer, você
gosta de fazer?
W- Brincar.
Su- Brincar?
W- Eu brinco de que as outras crianças brincam, eu brinco de qualquer uma.
Su- Brinca de qualquer uma? Então tu pode me dizer, onde você brinca?
W- Onde?
Su- É, onde você brinca?
W- Aqui em casa.
Su- E na rua você brinca?
W- Só no pátio, só as vezes na frente.
Su- Ah e com quem você brinca?
W- Com a minha irmã né, é a única chata que tem...(risos)”(entrevista com Nicole e
Wesley)
Numa perspectiva sociológica, desvelarei pistas que apontam traços de uma
cultura que pertence à infância, apresentando as brincadeiras, brinquedos e lugares em
que são realizadas as atividades dos grupos infantis entrevistados.
Lucas e Vágner relataram brincadeiras de faz de conta. Eles utilizavam
vários elementos do pátio, que não são brinquedos, para realizar suas brincadeiras,
fantasiando que um tanque, por exemplo, era uma cabine de avião e as tábuas velhas de
madeira, eram as asas da aeronave:
“S: E o de avião?
73
L: A gente entra dentro do tanque e bota umas asinhas...”
Os objetos da casa (copos, fios, tanque e colchão) à disposição das crianças
são recursos que incrementam a brincadeira, dando ao objeto concreto uma
interpretação fantasiosa do real, ou seja, uma transposição de significado.
“S: De pirata? E como é a brincadeira de pirata?
L: Assim tipo, esconder a mão numa camisa de manga, botar um copinho, botar um
furinho, botar um fiozinho assim...
S: Tipo capitão gancho.
L: É. E botar um tapa olho.”
Sarmento (2002 p. 10) declara que “o pensamento fantasista, se reporta a
situações, pessoas ou acontecimentos, também exprime na apropriação de objetos pela
criança estes não são nunca apenas o que valem e para que servem”. Este processo de
transposição pode ser encontrado nas brincadeiras de Wesley e Nicole, o que aparentou
não ser bem compreendido pela sua mãe, apesar da “transposição imaginária
16
ser
comum em todas as gerações.
Gi- Ele falou que não tem brinquedo né? Ham! Pergunta pra eles, a Nicole tem um monte
de boneca, e prefere brincar com sapato.(risos)
Sa- Como é que é essa brincadeira com sapato?
Gi- Eu não sei guria como é que é, sei que eles fazem uma fila assim, e eu disse pomba
Nicolinha vai brincar de boneca...
Sa- Pegam todos os sapatos da casa...
Gi- O Wesley, a gente deu pra ele um carrinho de controle remoto e ele estragou...
W- Não, não estraguei! Não estraguei mãe!
Gi- Claro ele não estragou, ele nem usa, se estragou sozinho.
Su- De não usar...
Gi- É de não usar!
W- Mãe olha aqui! Tá sem pilha.
Gi- Mas nós botamos pilha, é que eles não gostam dessas coisas, não gostam de brincar, de
carrinho, de bonequinha, isso aí não sei...
Su- Então vocês preferem inventar as brincadeiras de vocês?
N- Aham.
Su- É mais divertido?
W- Aham.”
A fala de Gissele apresentou uma ponta de frustração frente à escolha dos
filhos. Para o adulto parece não ter muita lógica a criança optar por brincar com objetos
que não são os brinquedos caros que ganharam de presente, comprados muitas vezes
com muito esforço, causando, talvez, endividamento. Brougère (2000 p. 13) afirma que
16
Sarmento (2003 p. 03) esclarece esse conceito quando diz “uma revisão recente dos conceitos psicanalíticos e
construtivistas sobre o jogo simbólico, postula que, ao contrário da idéia de uma diferença radical entre o jogo da
criança e o jogo do adulto, por imaturidade infantil, o que existe é um princípio de transposição imaginária do real,
que é comum a todas as gerações e se exprime, por exemplo, na experiência emocional das narrativas literárias ou
cinematográficas tanto quanto nas brincadeiras das crianças, constituindo assim uma “capacidade estritamente
humana” (Harris, 2002), mas que é radicalizada pelas crianças. É, portanto, da ordem da diferença e não do
déficit
que falamos, quando falamos do imaginário infantil, por relação com o dos adultos.”
74
“o que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos, em especial,
desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança”.
As brincadeiras de Pablo não fogem a essa constatação, pois ele utiliza
diversos materiais da oficina para realizar brincadeiras de faz de conta.
“Su: E Pablo, do que você brinca?
P: Eu invento...
M: A gente brinca de carroça, de ônibus com aquilo ali...
Su: O Paulo me disse que tu inventa as coisas, que tipo de coisas?
P: É, eu pego os bancos do meu pai, os bancos velhos da brasília, eu pego e faço banco de
carro.
L: Faz carro, faz carroça...”
Sabendo que as crianças têm muita criatividade, e que não é necessariamente
o brinquedo que promove a brincadeira, a atitude delas se torna compreensível. O
brinquedo, sem dúvidas, compõe a brincadeira, sendo a sua imagem carregada de
significados e representações ideológicas.
o brinquedo é dotado de um forte valor cultural, se definimos a cultura como o conjunto de
significações produzidas pelo homem. Percebemos que ele é rico de significados que
permitem compreender determinada sociedade e cultura. (BROUGÈRE, 2000 p. 08)
Os brinquedos industrializados apresentados pelos grupos investigados, não
são apenas “inocentes brinquedos”, eles mostram indícios de que participam da
construção da concepção de gênero, bem como da reprodução de certos valores e
atitudes na formação das crianças.
Nas questões referentes ao gênero, os brinquedos se diferenciam entre os
sexos feminino e masculino, e no próprio modo de brincar, as crianças interpretam e
reproduzem alguns papéis da geração adulta. Vou tomar como exemplo as bonecas:
“Su- E as tuas bonecas... que bonecas você tem?
N- Tenho baby e duas barbies.
Mi- As barbies são duas Suzis, e o baby é daqueles que fazem xixi...
Su- E como é que tu brincas com as bonecas? Você faz o que? Faz casinha, leva elas pro
pátio? Como é que é tua brincadeira de boneca?
N- é de casinha.”(entrevista com Nicole)
A boneca “baby” sendo uma reprodução da realidade, possui uma imagem
cultural que evoca alguns valores e práticas que são peculiares da geração adulta, em
especial a maternagem. O cuidado referente às crianças pequenas e muitas tarefas
domésticas têm sido delegados quase que exclusivamente ao sexo feminino, em vista
disso, a projeção desses papéis tem se refletido no brincar das meninas. De forma
alguma afirmo que esse papel da mulher tem se perpetuado só pelo consumo de
75
brinquedos ditos “de menina ou de menino”, o que afirmo é que os brinquedos carregam
traços culturais de uma geração e tempo, e mesmo antes de existirem bonecas
industrializadas que imitam bebês, os papéis femininos já se definiam por esses moldes.
“Su: E de que vocês brincam mais?
M - L: De boneca! (falam juntas)
P: Eu não!
L: Ele brinca de carrinho!” (Entrevista com Marielem, Lucielem e Pablo)
A fala de Pablo ao declarar que ele não brincava de boneca, mostra uma
consciência da segregação de gênero, logo em seguida sua irmã informou que ele tinha
um brinquedo “apropriado para meninos”.
Sem intenções de julgar a diferenciação de brinquedos (certo ou errado),
entendo que a ludicidade infantil é marcada pelo contexto social. Deve-se levar em
conta a preferência das meninas e dos meninos pelos tipos de brinquedos e como
gostam de desenvolver suas brincadeiras, pois a socialização das crianças não se no
plano vertical, ou seja, as crianças não se constroem a partir da imposição de uma
cultura adulta sob a infantil. Elas também se socializam e se apropriam da cultura
através de seus pares.
“S – do que você prefere brincar?
L – hã... brincar de boneca.
S- Você prefere brincar de boneca. É legal brincar de boneca né?
L – é”. (Entrevista com Lucielem, Jenifer, Juninho e Tainá)
Com relação à apropriação da cultura pelo universo infantil, Corsaro
elaborou o conceito de “reprodução interpretativa” como uma alternativa ao termo
“socialização”, numa tentativa de salientar a ação das crianças na produção e
participação nas suas próprias culturas de pares. Ele afirma:
Estas culturas de pares resultam da apropriação criativa que as crianças efectuam da
informação do mundo adulto para endereçarem os seus proprios interesses enquanto grupo
de pares. Por outro lado, de acordo coma noção de reprodução eu argumento que as crianças
não apenas internalizam a sociedade e a cultura, mas estão também a contribuir activamente
para a reprodução e mudança cultural. (CORSARO, 2004 p. 01)
A partir desse conceito elaborado por Corsaro, entendo que a construção de
significados e repertório de brincadeiras é aprendida nos grupos de pares; a partir daí,
podemos entender porque algumas brincadeiras ainda são desfrutadas pelas crianças,
mesmo sendo consideradas antigas. Sempre existiram crianças, e elas “partilham
conhecimentos, rituais e jogos que vão sendo transmitidos de uma geração de crianças
para a seguinte” (SARMENTO, 2002 p. 09).
76
“Su- Eu já vi vocês brincando de pular-boneco... amarelinha.
W- É nós brincava bem antes...
Su- Bem antes?
W- É. (...)
Su- E tu Nicole? Tu brincas no colégio também?
N- Brinco.
Su- De quê?
N- De pega-pega.”(Entrevista com Nicole e Wesley)
Afirmar que as crianças não brincam mais como antigamente, é uma forma
saudosista de entender as brincadeiras infantis na atualidade. As crianças além de
possuírem novas formas de brincar, fornecidas pelas tecnologias, também perpetuam
algumas brincadeiras que não surgiram em sua época, podendo dar a elas novas regras
ou variar sua estrutura.
Sa – Qual é a brincadeira?
J – Chicotinho queimado.(entrevista com Lucielem, Jenifer, Tainá e Juninho)
Apesar de todas as adversidades a que as crianças estão submetidas e que são
provocadas pela pobreza, pela violência e pela falta de infra-estrutura nesse bairro
popular de Rio Grande/RS, elas, através da brincadeira, permanecem resistindo ao
limitado espaço para vivenciar a troca de experiências. Os espaços públicos para as
brincadeiras, como as praças e os equipamentos específicos para recreação,
independentemente de sua ausência, não se constituem empecilhos a ponto de fazer uma
criança deixar de brincar.
O bairro que não foi estruturado para atender a demanda do lazer infantil
induziu esse grupo de crianças investigados a criar suas próprias estratégias de lazer e
diversão, ressignificando um contexto de carências. Tais equipamentos públicos para a
brincadeira e o lazer deveriam ajudar a consolidar o sentimento de pertença ao bairro,
bem como a ampliar repertório do conhecimento infantil através da socialização.
Ouvir as crianças foi muito importante para delinear a realidade vivida por
elas e, assim, conhecer os ambientes que oferecem lazer às crianças desse bairro.
Entender o ponto de vista das crianças sobre as formas de lazer em relação ao ambiente
em que vivem, contribui significativamente para evitar ações equivocadas numa
possível e futura política pública de lazer.
77
5 AS CONTRIBUIÇÕES DO DEBATE SOBRE O LAZER NOS DIREITOS DE
PARTICIPAÇÃO E NA CIDADANIA DAS CRIANÇAS: PROPONDO MELHORIAS
NA QUALIDADE DE VIDA.
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito
e à dignidade como pessoas humanas em processo de
desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas leis.
ECA. Art. 15.
Com o crescimento desordenado de bairros na periferia urbana, muitos
locais permanecem carentes da infra-estrutura necessária à promoção de uma vida digna
e de qualidade. Isto pode ocasionar no cidadão/cidadã residente destas áreas um
desapego e um sentimento de “não-pertença” ao local. Este sentimento muitas vezes se
reflete na vontade de morar em um lugar melhor, desconsiderando qualquer
possibilidade de reivindicar uma mudança social no local.
A falta de vínculo com o meio ambiente físico e social parece influenciar a
população, conduzindo-a a não se tornar protagonista de ações para o crescimento
organizado do bairro. A falta de equipamentos, de sua conservação (quando existem), a
não preservação da infra-estrutura em geral (ou sua inexistência), pode demonstrar a
pouca valorização atribuída ao lugar onde moram.
Perder a oportunidade de participar da elaboração e efetivação de políticas
públicas locais é exonerar-se dos direitos de cidadania. E assim acontecendo, os
próprios poderes públicos, descomprometidos, não sofrem a necessária pressão para que
executem/efetivem suas obrigações enquanto gestores dos serviços públicos, nas quais
se incluem a criação de espaços propícios às atividades de lazer, como parte das
políticas e ações na cidade.
Neste texto, ao defender os direitos de participação das crianças nas ações
políticas de forma a promover a sua cidadania, e nesta pesquisa, a partir de como se
relacionam com o lazer, acredito estar contribuindo nesse rumo. Mas, para tanto é
necessário mudar a visão de que elas não possuem maturidade suficiente para entender
o seu meio e assim opinar sobre sua própria vida. Outra forma de promover a cidadania
seria construir o sentimento de enraizamento em relação ao seu próprio bairro. O
sentimento os estimularia a cuidar do seu meio e a buscar melhorias na qualidade de
vida através do lazer.
78
5.1- Participação política e respeito à cidadania das crianças.
É uma realidade histórica a luta do ser humano pela busca da dignidade
cívica, pela participação nas decisões da comunidade e pela aceitação das diferenças,
sejam lutas travadas por grupos étnicos, por gênero ou por idade. Os avanços vêm sendo
alcançados, pois o processo de democratização tem sofrido uma revisão crítica por
pesquisadores e estudiosos, que questionam sua real ideologia, significado e efetivação
na vida do povo brasileiro.
As crianças na atualidade têm sido alvo de proteção e cuidados regidos por
Leis que declaram sua cidadania e suas qualificações como ser humano, garantindo-lhes
o estatuto de sujeito de direitos civis”. Entretanto é questionável o alcance de certas
leis na vida das crianças da comunidade Castelo Branco II, visto que vivem em
condições de marginalização e miséria impeditivas do exercício pleno dos direitos da
cidadania que lhes são apregoados.
Ao abordar as crianças a respeito de seus direitos, observei que elas não têm
conhecimentos amplos do que a legislação lhes confere. O mais relevante, contudo, foi a
verificação do descaso, ou do desconhecimento de tais direitos, demonstrado pelas
instituições educativas. Estas possuem informações mínimas, quando não inexistentes.
Na convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças, o artigo 42, decreta:
“Os Estados partes se comprometem a dar aos adultos e às crianças amplo
conhecimento dos princípios e disposições da Convenção, mediante a utilização de
meios apropriados e eficazes.”
Questiono-me a respeito do que tem sido feito com a declaração dos
Direitos das Crianças, bem como com a Constituição Brasileira e com o Estatuto da
criança e do Adolescente nas comunidades onde as crianças vivem. Com o grupo
pesquisado senti dificuldade em conversar com as crianças a respeito dos seus
“direitos”; havia uma distância entre essa palavra e o cotidiano delas. Serão necessários
estudos que esclareçam a compreensão das crianças sobre as leis, bem como os
processos que buscam informar as crianças sobre a existência e o conteúdo de tais leis.
Nas disposições preliminares da ECA, está decretado o direito das crianças
ao lazer, o que em meu entender, está afirmado como elemento necessário à
constituição da qualidade de vida.
79
Art. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA)
A reivindicação para desfrutar o lazer se torna legítima uma vez que a
“sociedade em geral” e o “poder público” não vêm assegurando às crianças do Castelo
Branco II a manutenção e a construção de espaços/equipamentos necessários aos
momentos de lazer.
Nossa sociedade ainda não reconhece a voz da criança como ativa na
reivindicação dos seus direitos, faz-se necessário que um adulto responsável interceda
por ela para haver validade legal. Nesta intercessão pode ocorrer uma dupla
contradição! 1) como o adulto (responsável legal) sabe o que é necessário para as
crianças se não as ouve? 2) Como as crianças reivindicam seus direitos se elas não têm
conhecimento deles? A pesquisadora Priscilla Alderson nos algumas diretrizes
ideológicas sobre como proceder frente a essa situação. Ela nos diz que “reconhecer as
crianças como sujeitos em vez de objetos de pesquisa acarreta aceitar que elas podem
“falar” em seu próprio direito e relatar visões e experiências válidas” (ALDERSON,
2005 p. 423).
Incentivar a informação qualificada das crianças e o conhecimento de seus
direitos são desafios a serem vencidos no dia-a-dia. Consultar os grupos infantis sobre
suas necessidades é o passo inicial para a efetivação de sua cidadania, bem como tornar
emergente uma ação interventiva elaborada com elas.
No texto a seguir, serão expostas algumas concepções das crianças a
respeito do que é lazer, para isso, retomo as falas das crianças, as notas e as observações
em campo para construir um conceito de lazer infantil. Será destacado que as crianças
não vivem em constante tempo livre; indico que elas têm obrigações quando teço um
breve comentário sobre o trabalho infantil. Em seguida apresento a perspectiva das
crianças em relação às condições de uso dos equipamentos de lazer no bairro e
arredores, constatando que a maior parte das atividades de lazer é realizada dentro de
casa. Por fim analiso as sugestões das crianças para melhorar sua vida, no bairro Castelo
Branco II. Elas sonham com uma cidade que seja mais “amiga das crianças”.
5.2 - O que é lazer para as crianças?
A sistematização que fizemos para construir uma visão geral da concepção
80
das crianças a partir de suas falas, das anotações nos cadernos de campo e da
observação, leva-me a dizer que para essas crianças o lazer é brincar, o lazer é diversão.
Assim, se expressa Pablo “Lazer é o que a gente gosta de fazer...”. E fazer o que gostam
para essas crianças é assistir DVD, pular carnaval, brincar de “pirata”, brincar de
“sapatos”, ir à igreja, participar das festas da igreja, das festas da associação de
moradores, jogar futebol no campinho, jogar play 2, ver novelas, visitar parentes e até
mesmo tomar banho de arroio, como já descrito no capítulo anterior.
Mesmo não havendo equipamentos específicos de lazer que atendam a
demanda do bairro, as crianças não deixaram de usufruir momentos de lazer. Mas a vida
não é lazer! As crianças afirmam que não é a todo momento que se pode brincar, é
preciso cumprir com as obrigações. Na vida delas o tempo para o lazer é o tempo livre
das obrigações, não sendo necessariamente o tempo “oposto” ao trabalho. Isso mostra
que as crianças não vivem em constante lazer ou tempo livre. Lucas possuía uma série
de tarefas vinculadas aos cuidados domésticos (alimentar as galinhas, lavar a louça e
arrumar a cama), só depois de tudo isso estar concluido, ele poderia brincar.
Lucielem por ser a irmã mais velha, ajudava a alimentar os irmãos mais
novos, alegava também que só brincava depois que chegava do colégio. Wesley e
Nicole não auxiliavam nos cuidados domésticos, mas sabiam que teriam a obrigação de
arrumar tudo o que bagunçassem depois das brincadeira: “obrigação, só quando eu faço
bagunça, e tenho que arrumar (Wesley)”. Eles também têm a obrigação de ir à escola,
mesmo que não queiram.
Wesley e Nicole demonstraram repúdio pelas atividades escolares; sempre
que podiam, afirmavam que preferiam ficar em casa a ir para a escola. Veja a
constatação de Wesley sobre a obrigação de ir ao colégio:
“Su- É mas quem sabe um dia vocês acabem gostando do colégio, né?
W- Iiiiiihhhh!!!!!!!
Sa- E por que que tu vais ao colégio?
W- Eu vou porque a minha mãe manda, né! Senão eu não iria de maneira nenhuma.
Su- Então ir pro colégio é uma obrigação, não dá pra escapar disso.
N- Não.
W- Obrigação de todos os dias, todas as semanas, todos os anos...”
Wesley chegou a afirmar que a escola impedia que as crianças do bairro se
divertissem devido ao tempo que se passava nela.
“Su- E o que você acha que dificulta as crianças se divertirem aqui no bairro?
W- O colégio.
(risos)
81
Sa- O colégio atrapalha?
W- Atrapalha bastante. (...)
Sa- Então o que dificulta é só o colégio tu acha?
W- Aham, o colégio é muito ruim.
Su- Mas e as outras crianças que não podem usufruir, não podem ir na pracinha, não
podem ir no caso como você falou ir no Beira Rio...
W- É o colégio, culpa do colégio!
(risos)
Su- A culpa é do colégio?
W- Se não tivesse colégio, teria mais diversão.”
O repúdio às atividades escolares vindo das crianças é preocupante e aponta
pistas de que a escola, sendo um ambiente destinado a elas, pode não estar sabendo o
que elas precisam conhecer, ou seja, ignora os saberes que as crianças têm curiosidade
em pesquisar e as formas de construí-los.
Marielem, Pablo e Lucielem também podiam brincar depois de
realizarem os serviços domésticos. Eles afirmaram que têm definidas as tarefas para que
a casa esteja sempre organizada. Após algum tempo de observação, entendi que essa
organização havia sido idealizada pelos pais e instituída depois de negociações e acordo
entre todos.
“Su: Então vocês não podem assistir filme, nem brincar, nos horários de serviço?
P: Huhun (concordando)
Su: E que horário é o horário do serviço?
M: Mais é de manhã, de tarde.
L: Todo dia.
Su: Toda hora?
P: Bah!E quando a minha mãe inventa que eu tenho que arrumar a porta, eu fico quase
toda tarde arrumando a porta.
L: Bah, é ruim hein...
Su: E o que a Mariellen faz dentro de casa, do serviço?
L: Ah, arruma também.
M: Ah, eu seco a louça, ontem eu lavei a louça...
L: Claro, ontem nós saímos.
M: Varrer eu gosto mais, limpar o quarto e arrumar a mesa.
Su: E a Luciellen faz o quê?
L: Arrumar o quarto e a sala.
M: Não faz nada, nem uma coisa.
Su: Mas aquele dia eu vi a Luciellen lavando a louça.
M: Ah aquele dia...
P: Na foto, a minha mãe fez uma foto assim oh...
Su: Há, só na foto...
M: Só na foto que ela foi lavar a louça.
Sa: Teve um dia que a gente viu ao vivo, que a gente chegou e ela estava lavando a louça.
P: E o Pablo faz o que?
L: Fica incomodando...
(risos)
Su: Ah, tu incomoda... E o serviço da casa tu faz o quê? Tu não participa?
P: Eu faço... Eu arrumo o banheiro...
M: Seca o banheiro...
L: Lava o banheiro, ajuda o pai...
Su: E isso é todo dia?
P: Não”
82
Pablo auxilia o pai na oficina de carros quando tem muito serviço, ajuda
a lixar e também colabora na construção da oficina no pátio de casa. A situação de
trabalho infantil é comum em comunidades pobres, pois tais atividades complementam
a renda da família, não sendo um trabalho exploratório que agrida os direitos das
crianças. Este tema é muito importante, e o retomaremos na parte seguinte, ampliando a
discussão da questão.
5.2.1 - Lazer e trabalho infantil
Tradicionalmente quando se fala em trabalho infanto-juvenil, costuma-se
associar o fato à exploração, à pobreza e à miséria, bem como a discursos de
erradicação do trabalho; entretanto é preciso diferenciar o que é “exploração do trabalho
infantil”, e “trabalho infantil”, pois segundo Silva (2007): “quando se fala simplesmente
em trabalho infantil”, podemos confundi-lo com qualquer tipo de “trabalho de
crianças”, como por exemplo, o “trabalho como princípio educativo”.
A exploração é uma realidade presente em muitos lugares do país, e,
obviamente, necessitamos de políticas que identifiquem tais situações, combatam a
violência e assegurem a proteção das crianças vitimas destes abusos.
Existem muitas famílias com baixa renda que percebem na criança e no
adolescente uma oportunidade de complementar a renda familiar, para isso, submetem
os filhos a situações abusivas de trabalho (SCHWARTZMAN, 2002). Não estou
negando que existe no país e no mundo a situação de exploração da criança, contudo
não devemos omitir a existência das culturas familiares e das ideologias que tratam o
trabalho na infância como um processo de participação e socialização. O trabalho
realizado pelas crianças no âmbito familiar nem sempre apresenta incompatibilidade
com o horário escolar, ou seja, a carga horária não é exaustiva, como é o caso de tarefas
domésticas, da ajuda nos serviços de familiares que trabalham em casa, do trabalho na
agricultura e no comércio.
Sarti num estudo sobre famílias pobres diz que “o trabalho infantil nas
famílias pobres corresponde, então a um padrão cultural no qual são socializadas as
crianças, não se opondo necessariamente à escola, mas devendo complementá-la”
(1999, p. 106). Esta representação do trabalho enquanto socialização se faz presente nos
grupos de crianças investigadas, pois existe uma preocupação dos pais com relação ao
83
tempo livre, tempo da brincadeira e dos estudos. No caso de Pablo, o tempo era
conciliado para que o trabalho não lhe fosse prejudicial.
5.3 - Condições dos Equipamentos de lazer no bairro.
Resgatando o que foi apresentado sobre os ambientes de lazer das crianças
no capítulo anterior, com relação ao ambiente público de lazer, não se pode negar a
urgência da criação de equipamentos específicos de lazer e centros de recreação nos
quais as crianças possam ocupar seu tempo livre e se desenvolver. Quando perguntei
sobre o que havia no bairro para o lazer, Lucas disse:
Não tem pracinha aqui, está
estragada (...) Está tudo estragado, antes tinha gangorra, balanço bom, agora está tudo
estragado. Pablo tinha uma percepção parecida, veja a fala: “Su: E assim, aqui no
bairro de vocês, tem algum lugar aonde vocês vão pra brincar? Aonde vocês vão para
se divertirem? P: Aqui não tem, só na Cohab lá...”.
Ele afirmou que a praça do outro bairro estava em melhores condições,
alegando que na praça da Castelo II, havia dois brinquedos. Nicole também
reclamava da praça do seu bairro dizendo: “Tem (praça), mas eu não gosto!”. É visível
a perspectiva crítica das crianças quando estabelecem comparações entre os
equipamentos do seu bairro com o outro, elas enfatizaram a situação de
conservação e a conseqüente inutilidade dos brinquedos.
Sobre as comunidades muito pobres, a pesquisadora afirma que os bairros:
São espaços cujo parque habitacional se encontra freqüentemente degredado, onde existe
uma enorme escassez de equipamentos e de serviços sociais e culturais e onde se assiste a
uma vasta concentração de populações com baixo recursos econômicos e sociais. São
territórios segregados e estigmatizado em situação de ruptura com o restante espaço urbano.
(
RUA, 2007 p. 206)
A consciência de sua situação frente aos outros bairros está expressa na fala
das crianças. Os equipamentos de lazer disponíveis somente em outros bairros, destaca a
situação de marginalização dessas crianças e do lugar em que elas vivem. a carência
de equipamentos promove o confinamento das crianças dentro de suas próprias casas,
um vez que não há espaços coletivos de lazer, salvo aqueles improvisados, como os que
Paulo Herrique e Pablo frequentavam¨para, por exemplo, jogar bola.
“P: Nós jogamos aqui na rua e ali no campinho que tem ali na faixa.
Su: E onde é que fica esse campinho?
P: Ali, nessa rua aqui, só que do lado de lá.
84
Su: E como é que é o campinho, ele tem trave, ele é armado ou o pessoal do bairro é que
fez o campinho?
P: É o pessoal do bairro mesmo, eles pegam umas travezinha de madeira pequena.
Sa: Do outro lado da faixa já não é mais castelo, que bairro é ali?
P: Ali é Nossa Senhora de Fátima
Su: Sei ali do outro lado da faixa né, e vocês vão pra lá sempre ou só...
P: Quando nós vamos pro campo é sempre lá, porque não tem nenhum campo perto daqui,
só aquele de lá.
M: Um dia o Pablo nos fez uma pipa e nós fomos eu, ele, ela, ele...
Su: E aí foram soltar lá no campinho?
Sa: Alguém levou vocês ou foi só vocês?
M: O pai, e o meu irmão também né...
Sa: E vocês não podem ir sozinhos?
L: Não porque tem que atravessar a faixa.”
Percebemos atos que refletem autonomia e protagonismo quando os
moradores tomam a iniciativa de construir as traves do campinho para a comunidade ter
momentos de lazer. Podemos constatar a capacidade criadora dos grupos infantis,
quando Marielem diz que “Pablo fez uma pipa”. O improviso e a criação também
estavam presentes no pátio de Lucas e Vágner, que possuíam balanços de pneus velhos
construídos com a ajuda do pai e brinquedos de sucatas elaborado pelas crianças.
Certa vez Pablo e seu irmão mais velho, Paulo Henrique (14 anos),
construíram um carrinho de rolimã na oficina com sobras de materiais que tinham em
casa. Isto vem confirmar que a “criação é acompanhante normal e permanente no
desenvolvimento infantil” (VYGOTSKY, 1982. p. 46), e também que, em situação
adversa, o potencial criativo e autônomo não são extingüidos, mas sofrem limitações
frente a realidade do contexto social.
5.4 - Tipos de lazer e condições do bairro.
Neste caso, outro impedimento da saída das crianças de casa é a violência
ou o perigo da rua para elas afirmação feita por parte dos pais e/ou familiares.
Podemos perceber isso quando Lucas afirma: “Pra lazer, nada! A mãe não deixa sair
pra brincar”. A proibição, oriunda da preocupação dos pais/responsáveis com a
violência nas ruas, é mais uma barreira para o lazer das crianças. Lembramos que nos
capítulos anteriores os moradores já tinham me alertado para cuidar quando passasse no
“campinho” e pelos suspeitos de envolvimento com o tráfico.
A vida dos grupos das crianças investigadas mostra que mesmo sem
equipamentos institucionalizados para compartilhar a educação e a instrução de
crianças, elas não permanecem na rua. Realmente existiam riscos a essas crianças em
85
razão da violência, por isso, os responsáveis tentavam resguardar seus filhos para que
eles não se envolvessem com a marginalidade e se expusessem à violência.
O que vinha acontecendo era que as crianças tinham sido empurradas para
dentro de casa, posto que o bairro não oferecia muitas oportunidades de lazer, segurança
e uma instituição educativa que compartilhasse o cuidado com os pais. O mesmo foi
constatado por Rua (2007, p. 207) em seu estudo sobre crianças em Portugal.
A carência equipamentos sociais nos bairros sociais, associados às debilidade econômicas
das famílias, torna comum que as crianças ocupem os seus tempos livres de forma
autônoma, na rua, na interação com o seu grupo de pares. Estas crianças constróem a sua
infância de forma menos institucionalizada, fora do controlo dos adultos.
Devemos considerar que a realidade da pobreza em Portugal é diferente da
pobreza no Brasil, em particular, no Bairro Castelo Branco II. Na verdade, uma
diversidade de pobrezas que faz com que haja uma necessidade de estudos mais
específicos sobre as famílias pobres, pois a influência e os condicionamentos da pobreza
na vida das crianças são manifestos.
No entanto, o problema da falta, ou de como é tratado o lazer das crianças
de bairros populares parece se assemelhar. Nesta vila, a Castelo Branco II, na cidade do
Rio Grande, as crianças não vivem “atiradas pelas ruas”. E, como constatei e percebi
nos depoimentos de moradores do bairro, um controle muitas vezes rígido para que
as crianças não permaneçam na rua, mesmo que seja para brincar. Na fala de Lucas
podemos identificar a consciência que ele tinha da limitação das brincadeiras na rua.
“L: A gente gostaria, se a gente pudesse, ir, é sair brincando com nossos amigos ai da rua.
S: Na rua, vocês só brincam aqui na frente de casa?
L: É, a gente fica na frente de casa. Às vezes a mãe R$0,20 e a gente vai ali na casa do
lado, e a gente compra uns dois sacolés, e passa o tempo.”
Esta realidade mostrou que as condições para realizar atividades de lazer no
bairro são os domínios da casa e não os da rua. Isso corrobora os estudos realizados
por Marcelino (2006 p. 29) ao afirmar que:
Todas as pesquisas dão conta de que a grande maioria da população, notadamente nos
grandes centros urbanos, desenvolve suas atividades de lazer, prioritariamente, no ambiente
doméstico. O lar é o principal equipamento não-específico de lazer, ou seja, um espaço não
construído de modo particular para essa função, mas que eventualmente pode cumpri-la.
86
Esta afirmação é válida para esses grupos de crianças, pois quase todas as
atividades envolviam o ambiente doméstico. Em ocasião de entrevista da pesquisa
anterior Gissele e Patrick falaram:
“P Eu nem a pau queria vir pra cá, mas era... vamos casar, vamos casar. Eu nunca na
minha cabeça pensei em comprar um terreno aqui.
G- Eu na minha cabeça, quando eu quis comprar o terreno aqui eu pensava: de algum lugar
a gente tem que começar.” (entrevista)
Este sentimento dos pais das crianças faz com que eles restrinjam muito o
contato dos seus filhos com os vizinhos, principalmente com qualquer brincadeira que
envolva a rua. A preocupação fundamental é a violência, tanto da marginalidade como
do tipo de atitude agressiva conseqüente de um jogo ou brincadeira. A preocupação da
mãe que passa a maior parte do tempo com os filhos é que eles absorvam as atitudes
agressivas e negativas, veja a fala:
“G (...) eles (responsáveis das crianças da vizinhança) ensinam a jogar tijolo, então eu
tenho medo de levar um tijolasso no meio da cabeça porque (Wesley) brigou com
fulaninho.
(...) é fato, a pessoa que passou muito trabalho na vida é muito rude, ela fica intolerante,
pode não valer pra todos os casos, mas é como eu te falei, as vezes tu vais na escola e
briga por causa de um besteira.” (entrevista)
Gissele e Patrick acreditavam que esta era a melhor forma de educar os
filhos, e tentavam oportunizar momentos de diversão e lazer sem que fosse necessário ir
para a rua ou se afastar muito dos domínios da casa.
A preocupação com a violência indica que não é necessário criar
equipamentos de lazer, mas que é preciso cuidar da segurança pública para que as
crianças tenham liberdade de circular nas ruas sem riscos a sua integridade.
5.5 - Utopias/sugestões das crianças para melhorar o bairro
Mesmo existindo a dificuldade para desfrutar o lazer por causa da pobreza, as
crianças manifestaram o desejo de realizar outras atividades de lazer além das que
foram descritas. Veja a fala de Lucas:
“S- Mas tem algum lugar que vocês gostariam de ir junto com o pai de vocês e vocês não
podem?
L- Pro Cassino.
S- E porque vocês não podem ir ao Cassino.
L- Porque a gente não tem dinheiro.
S- Se tivesse vocês iriam?
87
L- É.
S- Quem sabe você podia surfar lá né.
L- Eu ia querer.”
A dificuldade financeira tolhe a liberdade de escolha, tanto a dos adultos
quanto a das crianças. As barreiras interclasses impedem e influenciam na escolha das
atividades de lazer de moradores de regiões pobres. Além da vontade de ir à praia do
Cassino, Lucas disse que gostaria que ocorressem mais festas de aniversário no bairro e
deu uma sugestão/solução interessante com relação às praças, vejamos a seguir.
5.5.1 - Criação/manutenção das praças
Lucas gostaria que houvesse um parque em seu bairro, sua fala mostra a
distância que entre as crianças e esse equipamento. Ele nos deu detalhes de como
deveria ser construído o equipamento.
“S- Mas assim olha, se você pudesse criar aqui no bairro um lugar divertido pra você, pro
Vavá e pras outras crianças, que lugar você acha que construiria aqui, no bairro, fora da
sua casa, lá na rua, ou em algum lugar do bairro?
L- Um parquinho!
S- E como seria esse parquinho?
L- Seria bonitinho, com tudo que as crianças gostariam de ter...
S- É, e o que as crianças gostam de ter? E o que tu ias botar nesse parque?
L- Tipo... Tudo que um parque tem, só que porém meio pracinha, meio parque de diversão,
assim... com tudo que tem no parque de diversão...
S- Ah...”
O sonho “com tudo o que as crianças gostariam de ter” revela o que as
crianças da CB II não têm. A solução que Lucas ofereceu para as distânciasé que o
parque seria meio pracinha”, ou seja, eu entendo que esse parque teria brinquedos
diversificados, seria bonitinho”(ressaltando a estética), principalmente seria gratuito e
permanente em seu bairro. Essa foi uma sugestão que supera as praças tradicionais,
trazendo novos elementos lúdicos para a diversão das crianças.
Pablo, Marielem e Lucielem também defenderam a criação de pracinhas
“Com dois balanços e um escorregador. Umas árvores para botar rede. Pra mim me
deitar assim! Barraca pra gente fazer uma casinha...”. Nicole disse que se pudesse
criar um lugar para as crianças brincarem faria praças com balanços”, pois era o
brinquedo que ela gostava mais.
É alarmante o estado de conservação da atual praça para crianças na Castelo
Branco II, bem como a escassa variedade de brinquedos para atender a demanda de um
bairro inteiro. As praças nas comunidades periféricas devem receber uma atenção
88
especial para que não se tornem alvo de depredação, nem local que oferece perigo à
população durante a noite.
5.5.2 - Festas populares
Em momentos de observação vi a relação das crianças com a associação de
moradores e com a Igreja de São Carlos, que promovem cursos, atividades recreativas e
festas para a comunidade. Algumas delas são direcionadas para as crianças, mas ao que
tudo indica são insuficientes para satisfazerem o seu gosto.
“Su: Então, o que as crianças daqui da Castelo deveriam ter pra brincar? me disseram
que deveriam arrumar a pracinha. Alguma outra coisa deveria ter aqui? Alguma coisa que
vocês gostariam de ter?
(risos)
M: Gostaria de ter... Deixa eu pensar...
P: Tinha que ter mais festas. Aqui não tem nada.
Su: Mais festas?
M: Festa... Festa Junina.”
O espaço público para o lazer e para as festas populares tem perdido seu
espaço para as iniciativas privadas, o que transforma em mercadoria o que deveria ser
direito de todo cidadão. As crianças dessa comunidade estão muito distante geográfica e
economicamente dos equipamentos privados comercializados por grandes empresas. Os
dois tipos de distância contrariam o que diz o Artigo 31 dos Direitos das Crianças. Mais
uma vez uma decisão fica só no papel:
Os Estados Partes respeitarão e promoverão o direito da criança de participar plenamente da
vida cultural e artística e encorajarão a criação de oportunidades adequadas, em condições
de igualdade, para que participem da vida cultural, artística, recreativa e de lazer. (item 2)
As festas comunitárias poderão ser elementos que contribuem para a
participação artística e cultural, incentivando a afirmação do sujeito como um morador
pertencente ao bairro, que se relaciona com o meio físico, social e com a cultural local.
Estabelecer um vínculo com a comunidade é importante na medida em que os atores
sociais se sentirão mais motivados e mobilizados em prol da valorização/preservação do
ambiente em que vivem.
89
5.5.3 - Passear fora do bairro e Estádio de futebol
É fato que muitos equipamentos de lazer são instalados em regiões centrais
da cidade, mas estar distante do lazer pago, não significa deixar de ter vontade de
usufruí-lo. Wesley disse que gostaria de conhecer os Estados de São Paulo e Rio de
Janeiro, revelando um desejo pelo turismo. Quando perguntei o que poderia haver para
as crianças do bairro fazerem, Wesley disse “sair, bastante (...) para outro Estado!”
Nicole afirma que gostaria de poder assistir aos jogos de futebol no Estádio
localizado no centro da cidade. Eles também apresentam sugestões de melhorias no
bairro:
“Su- E se você pudesse criar um lugar aqui você criaria o que?
W- Um estádio!
Su- O Wesley ia construir um estádio grandão, igual ao do Beira Rio?
W- O do Grêmio ia ser bem feio!”
O estádio, para Wesley, não se restringiria à utilização dos moradores, ele
gostaria de assistir a jogos oficiais em sua comunidade.
O esporte não deve ser a única opção de lazer implementado na comunidade
em questão. Conforme as constatações de pesquisadores do Núcleo da Rede
Cedes/FURG, com parceria com o Núcleo de Análises Urbanas/FURG
17
, o
investimento em esporte (via de regra esporte de rendimento) torna-se “política de
lazer” e põe-se um ponto final no assunto.
O jogo de futebol e alguns tipos de esportes são outras atividades realizadas
em meio ao improviso. Muitas crianças do Castelo se utilizam de terrenos baldios, que
são repletos de lixos, entulhos e valetas. Além de esportes, é preciso investir em arte,
turismo, cultura e valorizar as festas populares da própria comunidade.
5.6 - Ações/intervenção no lazer
A fala das crianças vem desmistificar a idéia de imaturidade e incompletude
que tem permeado os discursos sobre a infância contemporânea. Este discurso retira
17
Síntese de pesquisa / Políticas de Lazer em rio grande. Autores Tatiana Teixeira Silveira (Mestre em Educação)
Manoel Luís Martins da Cruz (Mestre em Educação e Cultura) Ana Bárbara Braga (Acadêmica da Educação
Física) Mateus França (Acadêmico da Educação Física) Leonardo Cunha (Acadêmico da Educação Física)
Edna Pastorino (Geógrafa, Colégio Técnico Industrial/FURG, Rede Cedes/Ministério do Esporte).
90
delas o estatuto de cidadãs, concebendo-as como seres
pré-sociais
18
, ou seja,
caracterizadas pelo que elas ainda não são. Ninguém melhor do que as próprias
crianças para decidirem o que elas precisam e os tipos de lazer que gostariam de ter em
seu bairro. Deixá-las falar não implica deixar a cargo das crianças toda a
responsabilidade pela mudança da realidade no bairro.
O artigo Art. 59. do ECA decreta que “os municípios, com apoio dos
estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para
programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”,
mas a garantia dos direitos do lazer muitas vezes esbarra na indisponibilidade de verbas
do governo para a criação e manutenção de equipamentos de lazer para a infância.
É preciso criar estratégias junto com as crianças para que os espaços
existentes em comunidades pobres como escolas, associações comunitárias, igrejas e
entidades sejam incorporados a projetos que prevêem a oportunidade e o incentivo do
lazer. Uma utopia neste rumo poderia ser a de criarmos/produzirmos cidades amigas das
crianças, nas quais os bairros seriam organizados para acolher as crianças, com espaços
para sua manifestação nas decisões públicas, conforme pregam Redin e Didonet (2007).
Para tanto, ou seja, para que a realidade atual se transforme e as cidades se tornem mais
“amigas das crianças”, elas devem “fazer parte das iniciativas inovadoras, que apontam
para o futuro. E que fazem um presente melhor. Nelas as crianças crescem como
cidadãs” (REDIN e DIDONET, 2007 p. 23).
Mostramos nesta parte da pesquisa que as crianças têm muito a dizer sobre o
lugar onde habitam. Elas apresentaram sugestões para que o bairro fosse-lhes mais
acolhedor. Tendo conhecimento da capacidade de contribuição das crianças, acredito
que elas, assim como qualquer outro cidadão, merecem espaço para opinar na
organização pública das cidades, dos bairros e de qualquer instituição que colabore com
a educação/formação das crianças.
Para Redin e Didonet, (2007), uma “cidade amiga da criança” possibilitaria
reais condições das crianças “influírem nas decisões sobre sua cidade e expressarem
opiniões e desejos sobre a cidade que elas querem”. Um bairro não terá uma infra-
estrutura de lazer que atenda a demanda infantil se os adultos responsáveis pela
efetivação das políticas públicas não levarem em consideração a voz e a presença da
criança. Penso que é possível um governo “mais amigo das crianças” incorporar em seu
18
Este termo foi utilizado por Sarmento
91
programa de habitação municipal as utopias concebidas pelas crianças do bairro e,
assim, tornar efetiva uma parceria inteligente entre os governantes e a população
infantil.
Finalizo levando o leitor a refletir se as crianças na nossa cidade têm seus
direitos respeitados e se sua voz é considerada na organização da família, da escola, do
bairro, dos espaços de lazer, dos hospitais, enfim, no ambiente onde elas habitam, mas
onde muitas vezes podem não estar sendo vistas, nem ouvidas.
92
6- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos e a investigação que desenvolvi no período de produção desta
dissertação sobre os quais abordei no corpo do trabalho, tiveram como intuito:
conhecer os ambientes que oferecem lazer às crianças do bairro Castelo Branco II;
ressaltar o ponto de vista das crianças sobre suas formas de lazer; 3º estabelecer relações
e/ou links com propostas de cidadania e melhoria da qualidade de vida na comunidade,
a partir do ponto de vista das crianças.
Em se tratando dos ambientes de lazer na comunidade, vimos que os
equipamentos públicos são escassos e que outras atividades de lazer são desenvolvidas
em meio ao improviso, como campinhos em terrenos baldios, banhos em arroio e
atividades no ambiente doméstico. Isto leva-nos a constatar que a oportunidade para
desfrutar o lazer não é igual em todas as comunidades, além de haver uma centralização
dos equipamentos de lazer no centro da cidade, as comunidades pobres e periféricas
sobrevivem lutando pelo sustento diário em condições desfavoráveis.
Portanto, a partir das falas das crianças e de nossas observações e estudo
sobre o lazer entre elas, pode-se dizer que a ausência de equipamentos públicos para o
lazer é uma realidade que não pode ser ignorada. Sendo assim, nesse item, no caso desse
bairro, a cidade não está sendo amiga das crianças e suas demandas poderiam compor
um programa positivo/ativo neste sentido.
No entanto, avançando na relação dessas questões com o referencial teórico
apresentado (principalmente as reflexões do capítulo 2), no tocante aos estudos sobre o
lazer (PADILHA, 2002; BRAMANTE, 1992; MULLER, 2002), principalmente em
Marcellino (2006), verifica-se que o acesso das camadas populares aos equipamentos de
lazer são restritos e precários no caso concreto. Por outro lado, destaca-se a nuança das
implicações de um lazer carregado de lógicas de consumo, perceptível na maioria das
atividades citadas e/ou desenvolvidas pelas crianças estudadas.
Quanto à sociologia da Infância, outro pilar sustentador das concepções
orientadoras desta dissertação, diríamos que ele possibilitou o entendimento das
crianças enquanto sujeitos de direitos, considerando-as protagonistas de seu processo de
socialização e participação social (TOMÁS E SOARES, 2004; MONTANDOM, 2001;
SARMENTO, 2007; CHRISTENSEN E JAMES, 1999; JAMES E PROUT, 1990). Isso
foi fundamental para podermos “ouvir” as crianças e, como dissemos em capítulos
93
anteriores (capítulo 5, principalmente) “deixar as crianças falarem”, dizerem suas
proposições.
Disso, concluo que as crianças apresentam modos distintos de viver a
infância, e o que me faz pensar que existem muitas infâncias, é que a metodologia
inspirada na etnografia foi a forma mais adequada ao entendimento das lógicas de vida
das crianças. As observações, as conversas informais, a escrita de diários de campo e as
entrevistas com ferramentas que apelam para oralidade, foram elementos fundamentais
para conhecer a vida desse grupo de crianças das camadas pobres de Rio Grande/RS.
Outra particularidade foram as entrevistas realizadas com o auxílio de
recursos como desenhos, massa de modelar, fotografias e brinquedos, cujo intuito era
conseguir a atenção das crianças e “adentrar” em suas vivências, concepções, visões e
de como viam aquilo que eu queria saber delas. Além disso, as interações de forma mais
lúdica adequada a cada grupo infantil foi outra estratégia utilizada para motivar o
interesse das crianças em participar da entrevista, embora as estratégias não tenham sido
objeto de análise.
A história do bairro revela uma luta pela moradia e pelos direitos de
cidadania, a sua formação se deu frente à dura realidade de posse do terreno desabitado.
E os moradores ainda precisam lutar pela melhoria de seu espaço. Com este histórico e
diante da realidade, percebemos que, de fato, ainda muito a fazer para melhorar a
infra-estrutura da comunidade e para construir um sentimento de pertencimento local
dos sujeitos. Mas, podemos perceber, pela pesquisa realizada que as próprias crianças
apresentam sugestões e/ou evidenciam aspectos que ajudam ou poderiam ajudar neste
sentido, como melhorias a serem reivindicadas e/ou efetivadas. Por exemplo, na fala das
crianças, há consciência em relação à ausência de equipamentos de lazer, aqui não tem
praça, só na Cohab”, “pra lazer, nada!”.
Entretanto a minha concepção inicial de que as crianças não realizavam
atividades de lazer pela falta de equipamento no bairro foi desconstruída, pois mesmo
que não exista um lugar específico, ou tempo para o lazer, as crianças ressignificaram a
realidade. Além disso, as crianças criaram estratégias no seu cotidiano para desfrutar os
momentos de lazer, sejam eles dentro de casa vendo TV, jogando videogame, tomando
banho no arroio, participando de ritos religiosos, visitando parentes, festejando o
carnaval e principalmente brincando com o que estava disponível.
O brincar surgiu como o elemento principal das atividades de lazer. Presente
em todos os grupos investigados, ressalto que a cultura infantil, bem como o lazer
94
infantil está marcada pelo lúdico, e esse caso, corrobora as conclusões de Rogério
Würdig (2007 p. 187) de que a “valorização da cultura lúdica das crianças é uma das
possibilidades para a construção da cidadania e participação ativa das crianças”.
O relato sobre as brincadeiras teve uma abordagem sociológica; nele defendi
que o brincar faz parte da cultura das infâncias, destacando-se o faz de conta enquanto
elemento lúdico. Critiquei também a idéia de passividade frente aos valores dos
brinquedos industrializados, esclarecendo que as crianças são responsáveis pela
transmissão de muitas brincadeiras aos seus pares.
Em se tratando de participação infantil, o último capítulo veio reafirmar, de
uma forma específica, a defesa do discurso a respeito do protagonismo infantil, nele
enfatizei as contribuições das crianças com relação à percepção da realidade na
comunidade.
Ainda em nossa sociedade uma “surdez” para com a voz infantil. Uma
sociedade nunca dará oportunidades iguais de cidadania se excluir as crianças dos
processos de escuta da população. Mesmo assegurada por leis e decretos, a participação
das crianças na vida cultural, artística, recreativa e de lazer é vista como algo de menor
importância; na prática, há inferiorização destas atividades infantis, como se o lúdico, o
brincar, o lazer para as crianças não fossem dignos de respeito por lhes faltarem
importância social no mundo adulto.
Em muitos casos, quando incentivo às políticas e às atividades de lazer,
como espetáculos artísticos e esportes, as massas não têm acesso a esses bens culturais.
Dentro do capitalismo, algumas formas de lazer ainda são mercadorias a serem
adquiridas por quem pode pagar, com isso fica a cargo de empresas privadas a
promoção do lazer. Isso gera a desvalorização dos espaços públicos de lazer, que
acabam sendo alvo de vandalismo e de violência. E nos vem confirmar que o conceito
de cidadão é substituído pelo de consumidor (SANTOS, 2001).
Para as crianças, lazer é brincar, é fazer o que gosta”, o que indicou que
em muitos momentos as crianças precisavam cumprir com suas obrigações antes de
vivenciar o lazer. As crianças me mostraram que mesmo a infância sendo marcado pelo
período do “não-trabalho-assalariado”, as tarefas domésticas, escolares e o trabalho
como ajuda, ou aprendizagem, se constitui como “trabalho infantil”, mas não são vistos
como “exploração do trabalho infantil” e sim como parte integrante da socialização da
criança.
95
A inexistência, bem como as precárias condições dos equipamentos de lazer
(como as praças), aliado à violência nas ruas, constituíram fatores relevantes para que a
maior parte das atividades de lazer fossem realizadas no ambiente doméstico,
desmistificando um discurso muito comum entre os profissionais envolvidos com o
bairro, em ocasião de pesquisas anteriores, de que as crianças ficavam atiradas pelas
ruas sem vigilância dos pais.
O medo da violência e da depredação de equipamentos de lazer, mostrou que
é necessária uma ação que intervenha não em construção/manutenção de
equipamentos, mas também na segurança pública, para que as crianças e todos os
cidadão tenham liberdade e segurança ao transitarem no bairro em que vivem.
A idealização de equipamentos de lazer pelas crianças demonstra que elas
têm consciência do que almejam para seu bairro, podendo ser tais utopias aproveitadas
em políticas públicas do governo municipal, tornando realidade o discurso preconizado
em leis de que a criança é cidadã, tem, portanto, deveres e direitos.
Ainda muito por conhecer a respeito dos espaços formais e informais
onde vive a criança e investigar os espaços que colaboram com a sua formação
enquanto cidadã, pois ela é um ser humano e todo o meio que a cerca afeta suas
experiências e vivências, de alguma forma.
Estudar o lazer me fez perceber que uma investigação sobre “habitação e
crianças” poderia trazer novas contribuições, e assim, um melhor entendimento de como
elas constroem suas culturas e, principalmente descobrir qual é o verdadeiro lugar da
criança nas cidades brasileiras.
Esta dissertação sobre infância qualificou-as como atores sociais que
possuem uma cultura própria. Nesta cultura própria das crianças, foi destacada a cultura
do lazer, que é especialmente diferente da dos adultos. Estudar a infância por si mesma,
em diversas instâncias traz à tona a necessidade de respeito às crianças nas suas
diferenças. Oportunizar a elas o conhecimento dos seus direitos, criando condições
adequadas à participação política é tornar realidade o sonho de sua cidadania.
96
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101
Anexos
102
Anexo 1 – entrevista com Lucas e Vágner parte I
S: Ok, eu vou dar uma folha para cada um, e a gente vai fazer alguns desenhos, tem canetinha
aqui, lápis de cor...
L: Qualquer coisa?
S: Qualquer coisa. Pode começar a desenhar o que vocês mais gostam de fazer, pode ser
qualquer outra coisa...
L: Eu gosto de desenhar...
S: Tem gizão de cera aqui. Não sei se vocês gostam de desenhar? Vocês vão desenhando e eu
vou fazendo pra vocês umas perguntinhas, porque vocês sabem que eu estou fazendo uma
pesquisa? Eu fiz a pesquisa aqui com a Simone, com a mãe de vocês e agora eu vou fazer
umas perguntas, porque a pesquisa agora é com vocês. Vocês querem participar? Querem
responder?
L: Aham... (concordando)
S: Eu trouxe um montão de folhas, o que sobrar aqui, a gente pode ficar desenhando o tempo
que quiser... Porque, o que eu queria saber é o que vocês fazem pra se divertirem, o que vocês
fazem que traz alegria para vocês, pra brincar, coisas assim que vocês fazem nos momentos em
que vocês não tem obrigações. Vocês têm algumas obrigações? O que é obrigação? São coisas
que você tem que fazer e não pode deixar de fazer, tipo ir à escola, é uma obrigação. Que outras
coisas vocês fazem...
L: Eu gosto de ir pra escola de tarde...
S: Ah gosta, que bom, então não é chato.
L: Dá pra olhar os desenhos de manhã...
S: E só passa desenho de manhã, não passa de tarde?
L: Dá, mais pouquinho.
S: Passa mais é novela... O que eu queria perguntar pra vocês, é assim... Essas atividades que
trazem alegria e divertem a gente, são atividades de lazer. O que é lazer? Lazer são coisas que a
gente faz no momento em que não tem obrigação nenhuma pra cumprir, é um momento de
diversão. Por exemplo, agora, isso aqui é momento de diversão pra vocês? Vocês têm que
responder sim ou não... Senão não vou escutar... Eu queria saber o que vocês fazem de lazer, de
momento de diversão de vocês? Você Lucas...
L: Faço... Brincar de avião, de pirata, de barraquinha de colchão.
S: De pirata? E como é a brincadeira de pirata?
L: Assim tipo, esconder a mão numa camisa de manga, botar um copinho, botar um furinho,
botar um fiozinho assim...
S: Tipo capitão gancho.
L: É. E botar um tapa olho.
S: E o de avião?
L: A gente entra dentro do tanque e bota umas asinhas...
S: Dentro do tanque, de asinha! Que legal... E vocês brincam aonde mais? Mais dentro de casa
ou no pátio?
L: Quando chove a gente brinca mais dentro de casa e quando está dia ensolarado a gente brinca
todo o dia fora de casa.
S: E em que horário do dia vocês brincam mais? Vocês têm horário pra brincar?
L: É todo dia, a gente para um pouquinho pra almoçar...
S: E, é de manhã. Porque você vai pra escola, tinhas falado. E o Vavá? Em que horário o
Vavá brinca?
L: O Wagner passa toda tarde brincando, e quando eu fico de folga sem ir pra escola, a gente
passa toda tarde brincando...
S: E no final de semana quando não tem aula, nem sábado, nem domingo.
L: A gente chega da igreja e vai... A gente almoça e vai brincar.
S: Mas e a igreja, tem alguma coisa lá de diversão?
L: Tem.
S: E o que tem lá na igreja?
103
L: Quando acaba a gente vai na rua brincar, tem escolinha, tem desenho, desenhar a natureza...
V: Olha, eu já fiz o meu!
S: Que legal!
S: E tu achas que lá é um lugar de lazer, que diverte vocês?
L: Diverte, e a gente vai aprendendo umas coisas ainda... E eu vou me batizar no sábado.
S: Tua mãe me contou que tu vai te batizar no sábado, eu achei muito legal, ela até me chamou
pra ir e eu acho que vou lá ver. E você já viu algum batismo?
L: Já um monte.
V: Olha a criança tem dois narizes.
S: Olha que legal, eu não comecei a desenhar. Deixa eu ver... Vou fazer uma igreja...
L: Igreja é coisa mais fácil de fazer.
S: Por quê?
L: Porque é fazer assim, assim...Botar uma cruz em cada pontinha e deu, e fazer uma
portinha...
S: Mas a minha igreja não tem cruz em cima.
L: Mas tem umas que têm.
S: Tem umas que têm, mas a minha lá não tem, vou desenhar como é que é...
L: A minha não é assim com triângulo, ela já é assim que nem uma casa.
S: A minha também parece uma casa, ela tem um negócio assim... Uma porta bem grandona, aí
tem um prédio assim com um monte de janelão, e aqui tem uma escada, é igual a uma casa,
que tem uma porta grandona.
L: Já vou usar a última parte... Verde, verde...
S: E aqui no teu bairro tu brincas mais dentro de casa?
L: É.
S: E na rua, tu não brincas?
L: Não, em dia de chuva, eu brinco todinho dentro de casa e quando pára de chover, quando
seca toda chuva, a gente vai brincar na rua.
S: Na rua que tu dizes é aqui no teu pátio. E na rua, lá aonde tem a rua?
L: Ah, a mãe deixa às vezes, a gente vai jogar bola, que agora a bola sumiu, a gente está
procurando.
S: E o Vavá, joga bola contigo?
L: Joga.
S: Ali na rua, mas a mãe fica cuidando vocês?
L: É ela dorme de tarde e se houver algum perigo na rua, a gente sai e entra pra dentro de casa.
Ela deixa a gente brincar um pouquinho na rua, e já chama a gente depois.
S: E o perigo que você diz que tipo de perigo é?
L: É quando vai passar um carro, ou vem um bando de ladrão, a gente entra, fecha a porta e a
janela, mas nunca passa ladrão aqui. Um dia assaltaram uma casa lá, na nossa rua...
V: Um bandido!
L: Foi de noite...
V: Tu tens medo de bandido, né Lucas?
S: Você tem medo de bandidos?
L: É, porque a gente vê na televisão, que tem bandido assassino...
V: Eu não tenho medo de bandido, eu mato ele...
L: Ah mata...
V: Eu compro uma arma, e eu mato ele...
S: Você vai comprar uma arma? Que violência...
L: Só quando tu crescer, porque assim pequenininho não pode.
S: E na rua, vocês só brincam aqui na frente de casa?
L: É a gente fica na frente de casa. Às vezes a mãe dá 0,20 centavos e a gente vai ali na casa do
lado, e a gente compra uns dois sacolés, e passa o tempo.
S: E campinho aqui tem algum? Vocês jogam futebol, mas vocês jogam ali na frente?
L: É, só na frente, não tem campinho, a gente faz aquele portão grandão ali de goleira.
S: E quem é que brinca com vocês de futebol?
104
L: Às vezes (_____), às vezes eu e o Wagner, às vezes eu e o pai, e às vezes a mãe senta
lá na frente pra cuidar a gente.
Pausa do apontador, canetinha...
S: E algum lugar aqui no teu bairro, tem algum lugar que vocês vão, que vocês passeiam?
L: Não tem pracinha aqui, está estragada, aí quando a mãe sai, e quando a tia Juliana não estava
morando aqui, aí a gente ficava lá na nossa tia dos fundos, a tia Maninha.
S: Aí vocês brincam lá na tia dos fundos?
L: É, tem um monte de crianças, meus primos, aí a gente brinca com eles.
V: Tem até o Gabriel que brinca comigo...
L: O Gabriel é o ideal pro Wagner, ele adora brincar com ele...
S: Quem é o Gabriel, é o teu primo?
V/L: É.
S: Quantos anos ele tem?
L: Quatro, ele é mais velho do que o Wagner, é que agora o Wagner tem quatro e está da
mesma idade dele, mas ele é mais velho ainda...
S: Então a pracinha está estragada... E tem muito tempo que ela está estragada?
L: Um monte, desde quando a gente se mudou pra cá, que era antes de 2007. Está tudo
estragado, antes tinha gangorra, balanço bom, agora está tudo estragado.
V: Lucas! Olha só que grande bem grandona...
L: A única coisa que eu sei desenhar melhor.
S: Tu gostas de planetas? Isso é um planeta? Que planeta é esse?
L: Marte, é dois planetinhas iguais a esse, tem um igualzinho a esse, que está com um
(________) quebrado...
S: E tem algum outro lugar no teu bairro, que eu ando por aqui, mas não conheço muito, algum
lugar que vocês gostariam de ir, mas não pode?
L: A gente gostaria, se a gente pudesse, ir... É sair brincando com nossos amigos da rua, os
gurizinhos. Só que ele se mudou agora, está morando lá na São João, onde eu morava. Toda vez
que nós vamos pra lá, ele está lá, então eu notei que ele está morando lá.
S: Mas aí tu vai arrumar mais coleguinhas?
L: Esse aqui é o “Kenico” que eu te disse.
S: É o que?
L: É o Kenico quebrado, eu tenho um filme que mostra a galáxia do começo, o Super-Homem...
S: Tu gostas de ver esses filmes?
L: Qual?
S: Esse filme que tem desenho.
L: Não é desenho, é o Super-Homem...
S: Sei, é de verdade, não é desenho, o filme da Liga da Justiça.
L: O começo mostra como é que ele...
V: Eu tenho a camiseta do Super-Homem
S: Vocês assistem muito desenho?
L: É nos dias de chuva a gente olha e tentamos copiar, e a gente se enrola num lençol, mas não
adianta nada...
S: E vocês assistem bastante então DVD’s em casa? Mais nos dias de chuva?
L: Isso.
S: Mas agora tu não vês mais a Liga da justiça, porque tu vais pro colégio e não tempo de
ver...
L: É eu gostava. Agora vou ter que esperar o Homem-Aranha que vai dar um dia, não sei
quando. Olha aqui, o que ele ganhou da mãe hoje!
S: Que bonito! Olha o “Ruki”, esse aqui é o homem-Aranha, e esse eu não sei quem é...
D: É o robô...
S: Bem bonita essa camiseta. Que chique, todo mundo chique nessa casa hoje hein...
D: Pelo menos nesse sábado vai estar todo mundo bem arrumadinho.
S: Então eu vou também.
105
Deise mostra as roupas novas que comprou.
S: Então agora de manhã vocês assistem desenhos... E que desenhos vocês mais gostam de
assistir?
L: O do Super-Homem e o Bom Dia e companhia, TV Globinho...
S: O Bom Dia e Companhia é aquele que tem o coelhinho Ruan?
L: É.
Comentário sobre os desenhos (os que estavam fazendo).
S: E me conta como é que foi a Páscoa?
L: Foi boa, a gente ganhou isso daqui...
S: Nossa que caixa grande!
L: O Wagner ganhou da madrinha dele uma caixa de bombom, aí ela me deu um saquinho com
um monte de chocolate, a madrinha do Wagner.
S: Que legal! E você recebeu o que eu trouxe pra você? E você gostou?
L: Eu adorei!
V: E eu comi todas as minhas balas...
L: Ele comeu tudo só num dia.
S: O coelhinho mandou pra vocês, ele passou lá em casa e deixou.
L: Eu sei por que o coelhinho da páscoa...
S: O Vavá disse que viu o Coelhinho, ele me contou...
L: Pior que ele viu...
V: O Coelhinho estava ali na porta.
L: O coelhinho passou ali, botou as coisinhas e deu pros meus pais.
V: Lucas, Lucas, né que o Coelhinho estava ali na porta...
L: Pior, eu segui as pegadas.
V: Né que o coelhinho veio aqui dentro de casa?
L: Pior, e todas as pegadas iam até a cama do meu irmão e até a minha.
S: Vocês levantaram cedo pra ver se viam o coelhinho?
L: A gente acordou tri cedo e o coelhinho acordou mais ainda.
S: Mas o Vavá conseguiu ver né?
L: Ele conseguiu por que ele dorme com meus pais.
V: Porque eu consegui ver naquele portão ali, e eu vi naquela janela ali...
Comentário sobre os desenhos.
L: A gente viu na escola a baleia azul e a gente aprendeu a cuidar do meio ambiente, e
fizemos uma faxina geral no pátio, todo mundo...
S: Tu aprendeste a cuidar do meio ambiente na escola...
Comentários dos desenhos.
L: A minha mãe nasceu tri antiga, de 1900 e vai lambada, mas faz muitos anos que a minha mãe
nasceu hein...
S: Quantos anos tua mãe tem?
L: Não sei.
S: Não sabe! E quantos anos o teu pai tem?
L: 44.
S: 44, mas tudo isso?
L: Não, não, não... Só sei que ele está meio velho.
S: Ah ta... Meio velho...
L: É meio...
S: Está meio, não está totalmente então. E tu achas que eu sou velha ou nova?
106
L: Acho que tu és meio nova.
S: Meio!
L: É, ou nova mesmo, quase nova...
Comentários sobre desenhos de planetas e filmes de carros, etc.
L: Vou tirar curso de desenho quando eu crescer, tomara! Minha mãe disse que ia me inscrever
num curso de desenho.
S: Tu gostas de desenhar! Tu vais pro colégio que horas da tarde Lucas?
L: Uma hora da tarde eu pego...
S: Tu sais daqui mais cedo? Como tu vais pra escola? Tua mãe te leva de bicicleta ou tu vais
andando?
L: Agora que eu tenho corrente, ela me leva de bicicleta.
Comentário sobre os desenhos.
L: A atividade que eu gosto mais de fazer é desenho, é a coisa que eu mais gosto.
S: Em casa e na escola?
L: É, na casa e na escola, só que a professora depois dos nossos trabalhos...
S: Ela não deixa desenhar?
L: Ela não dá folha, só quando é trabalhinho mesmo.
Comentário dos desenhos.
S: E quais são tuas obrigações dentro de casa?
L: De manhã, arrumar minha cama.
S: Acordou tem que arrumar a cama?
L: É acordei tenho que arrumar a cama...
S: E o Vavá ele arruma também?
L: Arruma.
S: Então a tua primeira obrigação de manhã é arrumar a cama? E tem alguma outra?
L: Arruma a cama, eu gosto de olhar desenho...
S: Não mais assim, as coisas que a tua mãe te manda fazer...
L: Só arrumar a cama de manhã.
S: Aí tu não tens nenhuma outra coisa pra fazer depois, ajudar ela á arrumar a casa...
L: É às vezes ela me manda arrumar o quarto, e outras não.
S: Mas não é sempre que ta bagunçado.
L: Às vezes ela arruma, às vezes eu arrumo cada um faz a sua parte.
S: E qual é o teu trabalho em casa? Tu tens algum trabalho pra fazer?
L: É limpar o pátio, minha mãe me manda lavar a louça...
S: Mas tu já lavas a louça?
L: Lavo, deixo brilhando!
S: Olha só!
Comentário dos desenhos.
S: Quando vocês saem, com seus pais, com seus tios, com os adultos da casa, para onde vocês
vão?
L: A gente brinca, quando a gente sai com os nosso pais a gente sai de noite para ir nos
pequenos grupos, no meu primo Luan, só nesses lugares...
S: E esse teu primo Luan é aonde?
L: É quase perto do centro.
Comentário dos desenhos.
107
L: Eu tenho um livro tri antigo da Inglaterra...
S: Pó, da Inglaterra! Como é que você conseguiu esse livro?
L: Meu tio tem, ele me deu o livro da Inglaterra, tri, tri, tri antigo...
V: Meu tio tem livro do coelhinho...
S: E o coelhinho, quem te deu o livro do coelhinho?
V: Minha mãe.
L: O coelhinho do pernalonga de pintar.
S: Ah o livro é de pintar.
Comentário dos desenhos. ( Suzane pedindo se podia ficar com os desenhos para ela, pediu
para Lucas colocar seu nome).
V: Olha o barco aqui carregando o motor!
S: Vocês já andaram de barco?
L: Eu já andei dez vezes, ele ainda não.
S: Dez vezes?
L: Não, dez vezes não... Um dia eu andei num barco tri grande igual ao Titanic, eu andei de
lancha cinco vezes e ele só uma.
V: Lucas o barco está carregando o motor dele...
L: Claro né... Tem que carregar o barco.
V: O motor do meu barco não caiu, olha aqui ele.
L: Não cai... E eu sei escrever aquela letrinha, sei escrever meu nome.
V: Eu brinco de barco lá na praia, vi meu pai.
L: Meu pai não trabalha mais em praia, ele trabalhava na Petrobrás, sabes a Petrobrás?
S: Aonde?
L: Trabalham com petróleo... É lá que meu pai trabalhava, não trabalha mais...
V: Tem água lá.
S: Sei, e aí está fazendo o quê agora?
L: Não sei onde é que ele está trabalhando agora, isso daí é o trabalho do meu pai.
V: Olha, a água está subindo, está subindo...
L: Eu sei desenhar um monte de vezes esses barquinhos, antes eu botava água por aqui e fazia o
motor embaixo...
S: Esse aí é o que parece com o Titanic?
L: Não, esse daqui eu estava passando aqui com um barquinho e a gente tinha visto uma
lancha...
V: Uma lancha de motor...
L: A gente estava andando numa lancha e passou pelo barco, que foi indo pra e a gente
segui andando...
V: E aqui entra os peixes mortos...
L: Aqui está a porta, o cais é tri alto...
S: Sei como é que é...
V: O cais aí é o motor do meu pai?
L: Não adianta, o pai trabalhava...
V: O pai trabalhava em um barco?
L: È ele trabalhava num barco, ele trabalhava naquelas máquinas que puxavam o petróleo.
S: Sei qual é.
V: Eu também, eu trabalho com o meu pai...
L: Ele controlava as máquinas.
V: Eu também trabalho com o meu pai Lucas!
L: Não trabalha nada!
V: Um dia...
L: Eu já fui no trabalho do pai... Só pra enganar ele...
S: Já foram no trabalho do pai de vocês?
L: Não, nunca!
S: Nunca foram?
108
L: Não, o Wagner, porque o pai passou no trabalho dele, e o Wagner limpando o pátio
do trabalho do pai ganhou dois reais.
V: Mas e tu não!
L: Porque eu não fui, se eu tivesse ido também tinha ganhado...
V: Dois reais assim olha... Que nem eu assim hein Lucas... Assim dois reais hein ele me deu...
L: Não, mas tu tens quatro...
S: Dois reais hein, quanto dinheiro!
L: Pior que dois reais pra comprar um monte... A gente ficou super feliz ganhando aquela
caixona de coisas, a gente tinha três ovos, a gente ganhou mais um e ficamos com quatro...
S: Tudo isso!
V: E a tia Maninha me deu só uma moeda...
L: Claro né, por que... Ti deu só uma moeda porque era a única coisa que ela tinha... Coitada da
tia Maninha, ela disse que lá era a casa da fartura, falta um monte de coisa, mas pelo menos eles
têm comida na mesa.
S: Ah, fartura porque “farta” muito?
L: Falta tudo.
Comentário sobre os desenhos, navios, lanchas, etc.
L: Tu já andaste numa dessas? Tri bom andar de lancha né?
S: Eu já entrei num navio de Marinha.
L: Quando eu crescer eu quero ir pra Marinha!
V: Quando eu crescer e for grande eu vou ir pro barco.
S: Vai ficar os dois trabalhando em navio e em barco?
L: Não ele quer ter um barco pra ele passear e eu quero ir pra Marinha.
S: Meu pai era de Marinha, ele viajou o mundo todo dentro de um navio.
L: Nunca viajei num navio! Mas já passei pro Norte de navio, de barco.
S: Você passeou, viajar o mundo todo... Viagem, você pode fazer ainda.
L: É então, deve ser bom, ele tirou foto das coisas?
S: Tirou, tirou foto...
V: Olha os peixes beijando!
S: Ah que peixe bonitinho. Ele tirou foto dentro do navio, dentro da cozinha, em cima, na polpa,
tirou nos lugares aonde ele chegou, quando saiu do Brasil e foi pra outros lugares, ele chegava e
tirava fotos nos lugares e trazia tudo pra minha mãe ver, que era parte do trabalho dele né, ficar
lá cuidando o navio...
L: Aí o navio se soltou e ele saiu viajando?
S: Isto, ele entrou no navio, ligaram os motores e foram, e aí atravessam continente inteiro.
L: O navio não afundou no Oceano Atlântico?
S: Não graças a Deus, não afundou...
L: E quantos anos ele tem?
S: Ih já está velhinho...
L: Velho? E quando ele viajou pelo mundo ele já estava novo?
S: Ele era novo, bem gurizão... Assim... Ele devia ser uns sete anos mais velho que você. Daqui
a uns sete anos você vai ter idade de andar de navio da Marinha, sabia? E vai passar bem
rapidinho...
L: Pó rapidinho? Demora de um ano pro outro...
Comentário dos desenhos.
Parte 2:
L: Se eu tivesse um peixinho todos os dias eu dava comida...
S: Tem que alimentar todos os dias o peixinho, e de tempo em tempo tem que trocar a água dele
senão ele morre, tem que cuidar todos os dias bem dele.
L: Eu sei. Eu já tive uns peixinhos, os peixinhos da valeta, eu tocava...
109
S: E você consegue pegar?
L: Minha mãe não deixa, mas eu estava pegando.
S: E porque ela não deixa pegar?
L: Porque ela acha que eu vou cair na valeta.
S: Mas tu podes cair né?
L: Mas a gente não vai pras beiras, sabe aqui está a valeta, a gente fica aqui, a gente pega
uma taquara gigante, amarra uma cordinha na ponta, a gente afunda e vai tocando os peixes.
Mas ela não deixa...
S: Mas eu já vi gente lá na valeta catando peixinho...
V: Pega uma taquara grande assim...
Anexo 1.1 – Entrevista com Lucas e Vagner parte II
S- Eu trouxe uma coisa diferente hoje, trouxe massinha de modelar, vocês gostam?
L- Eu gosto...
S- Ah! Olha só...
L- Eu gosto de brincar!
S- Mas eu trouxe desenhos também, se der tempo a gente faz as duas coisas, eu tenho varias
coisas aqui.
L- EBA!
S- Tem varias cores aqui e vai ser da mesma forma que a gente fez... A gente vai conversando e
eu vou perguntando, vocês vão respondendo e a gente vai fazendo aqui algumas coisas...
L- Vou fazer um copo-de-leite!
S- Pode escolher Vava, o que você quer fazer...
L- Vou fazer um copo-de-leite!
V- Vou fazer uma vaca!
L- Mano não é copo de leite mesmo, né...
V- Vou fazer uma vaca...
S- Ah! Uma vaca?
V- Pra ela botar leite.
L- Copo de leite, ta bem...
S- E vocês lembram do que a gente estaa falando semana passada?
L- Lembro.
V- A perna da vaca...
S- E do que era?
L- É assim... Tu estava dizendo de que ativida a gente gostava de brincar e eu te disse até de
aviãozinho...
S- Ah! Isso mesmo, são as atividdes de lazer, diversão...
L- É.
S- você me mostrou o aviãozinho ali no tanque, mas aquele dia estava cheio de água, hoje
ainda esta com água?
L- Não, hoje não.
S- Hoje não?
L- Hoje eu não vi.
S- Ah é!
L- Meu copo de leite fica tri bonito...
S- Ah é?
L- Meu copo de leite...
S- Eu vou tentar fazer ... Que tu estás fazendo?
V- Vou fazer uma vaca!
S- eu vou fazer um gato então...
L- Gato é todo fácil.
S- Eu vou perguntar pra vocês assim, essas atividades divertidas que vocês fazem, na hora em
que vocês não estão estudando, nem na hora em que vocês estão fazendo os temas de casa e
110
nem na hora em que estão fazendo a arumação da casa... Então...
L- Hoje de manhã eu arrumei as duas camas...
S- Ah é?
L- As duas camas, a minha e a do Vavá.
S- Você está ajudando a sua mãe?
L- Estou!
S- Q bom! E você ensina pro Vavá como se arruma?
L- Não, ele ainda não está na idade.
S- Ah tá! Eu quero fazer assim... Que atividades de lazer vocês fazem com os adultos da casa,
os adultos que eu falo podem ser, os pais de vocês, seus tios... Que tipo de atividade vocês
fazem com os adultos?
L- Nada, a gente brinca sozinhos.
S- Vocês não brincam com os adultos?
L- Não só com meu pai.
(Pausa)
L- tarantantan...
S- Hó! Ah é umcopo de leite, mas acho q não vai ficar em pé, está se desmanchando.
L- Espera ai que eu vou afirmar... Assim ja está bem firmezinho.
V- Tu está fazendo uma bola?
S- Eu estou fazendo um gato, vou tentar botar uma orelha aqui, mas está muito grande pra
orelha...
L- Porra... Vai ficar que nem um burrinho.
V- Parecia um cavalo...
S- E o que tem assim de lugar pra lazer no bairro de vocês?
L- Pra lazer, nada!
S- Não tem nada?
L- Huhun (negando). A mãe não deixa sair pra brincar.
S- Ah tá. Então você não conhece.
V- Vou fazer uma bola, porque tu pegou isso?
L- O Vágner é pra todo mundo! Eu vou fazer um... qual é o nome mesmo...
S- E se você pudesse criar um lugar pra diversão de vocês aqui no bairro...
L- Eu já criei uma vez aqui no quarto, eu apoiei na escrivaninha e fiz uma coisinha de surfar,
peguei um pedaço daquela cadeira branca ali, perto daquela coisinha ali...
S- Sei.
L- Eu tirei e fiz uma coisinha, um parquinho de diversão assim de surfar...
S- Mas assim...
L- É o meu esporte favorito!
S- Ah é, e você já surfou alguma vez?
L- Não, é favorito pra mim porque eu treino em casa, sabe, assim eu acho divertido.
S- Ah ta.
V- Olha o scubidoo! Vai assim oh: "Ô cara quer picar uma bola?"
S- Mas asssim olha, se você pudesse criar aqui no bairro um lugar divertido pra você, pro Vavá
e pras outras crianças, que lugar você acha que construiria aqui, no bairro, fora da sua casa, lá na
rua, ou em algum lugar do bairro?
L- Um parquinho!
S- E como seria esse parquinho?
L- Seria bonitinho, com tudo que as crianças gostariam de ter...
S- É, e o que que as crianças gostam de ter? E o que que tu ías botar nesse parque?
L- Tipo... Tudo que um parque tem, que porém meio pracinha, meio parque de diversão,
assim... com tudo que tem no parque de diversão...
S- Ah...
V- Lucas vou fazer um...
L- Olha mãe um copo de leite!
V- Eu fiz uma bola pro escubidoo vender...
L- Vágner me empresta aí uma massinha?
111
V- Hãhan (negando)
L- Ah mas...
S- A gente vai fotografar depois os nossos bichinhos que a gente fez.
L- O Vágner me empresta o marrom... Olhudo, olhudo!
S- Ah, mas tu vai ter que dividir!
L- É! Não Vágner me empreata o vermelho.
V- Tá, eu estou dividindo...
S- A gente divide, bota um pouco de massa pra cada um.
L- É, ele acha que tudo é pra ele.
D- Faz um bonequinho, faz aqueles bonequinhos que a mãe te ensinou a fazer.
L- Ó mãe, olha aqui, um copo de leite.
V- Então tá bom. Eu vou fazer um bonequinho.
D- Isso faz um bonequinho, ou faz um bichinho.
S- Deixa eu botar meu gato virado pra lá.
(pausa: Deise pede pra Vavá trocar de cadeira para tirar uma foto, Deise bate. Suzane também
bateu fotos das esculturas de massinha.)
(silêncio)
L- Meu barco olha!
S- Ah que bonito ficou!
V- Olha meu bonequinho!
S- Ah que bonito! Deixa eu ver o que eu vou fazer agora...
L- Eu fiz uma moto, um copo de leite...
V- Mãe olha o meu bonequinho.
S- Deixa eu botar aqui meu gatinho.
L- Mãe já fiz um barquinho!
V- Eu também sei fazer na loja, a loja do Seu ........., que vende chiclete, que tira o gostinho
assim...
L- Cadê as outras massinhas de modelar?
V- Estão aqui no meu bonequinho.
S- É, ih vamos ver, tem só mais um só, só que a gente vai ter que dividir agora senão não dá.
V- É, mas o outro amigo do bonequinho tá aqui...
L- Cada um tira um pausinho aqui, eu já tenho três.
S- Olha só, nós temos seis e nós somos três, cada um vai dividir, um bastãozinho desse aqui pra
cada um, eu vou escolher o branco e o vermelho.
L- Eu vou escolher o azul e o marrom.
S- Tá, e o Vavá?
V- Eu tenho!
L- Só mais um e deu, sobrou um...
S- É só mais um e eu guardo aqui.
L- Deixa eu ver o que eu faço com meu marrom.
S- E assim Lucas, Lucas e Vavá, vocês acham que as crianças deveriam ter direito a espaços de
lazer e a espaços de brincadeiras?
L- Sim, mas não tem.
S- No bairro, assim elas deveriam ter algum lugar pra brincar?
L- Sim, eles se animam com tudo, eles inventam assim cada coisa, eles já inventaram, uma vez,
o meu primo ali, ele inventou um parquinho, mas aí aquele não deu certo...
S- E como é que era o parque que ele inventou?
L- Eu e ele né, eu dei a idéia de fazer , aí ele ajudou, o parquinho tava bem aqui né, mas veio
aquela chuva, aquele temporal e demoliu tudo. a roda gigante caiu como se fosse assim,
como se viesse um terremoto, assim sabe?
S- Sei. E o que que as crianças aqui do bairro né, que você acha deveriam ter direito à
brincadeira, assim... sem ser o parquinho, o que que você acha que as outras crianças e vocês,
seus primos, seus colegas, deveriam ter aqui na Castelo Branco?
L- Isso aí não sei.
S- Não sabe?
112
V- Meu colégio é lá no .......................
L- Que?
V- Lá no ..........................
L- Vou ter bastante massinha de modelagem.
V- Eu to fazendo uma panela.
S- Ah é, eu estou fazendo uma vasilha, pro meu gato beber leite.
L- Empresta um giz de cera?
S- Tá, qualquer cor?
L- Qualquer cor, não é para desenhar mesmo. Ah ficou ruim, espera aí, vou pegar esse
pedacinho aqui...
S- E você brinca com o seu pai, com o pai de vocês dois, e quando vocês saem, vocês saem
pra que lugar?
L- Que lugar?
S- É, quando vocês saem com os pais de vocês?
L- A gente sai pra qualquer lugar, a gente sai pra casa da minha vó...
S- Onde é que é a casa da tua vó?
L- São João.
S- Ah tá a vó essa que você diz é a mãe do teu pai.
L- É a mãe do meu pai, a mãe da minha mãe mora aqui do nosso lado.
S- Ah tá sei...
L- Desde quando a gente se mudou pra cá, a gente ía visitar a vó.
S- E é difícil chegar lá na casa da tua vó?
L- Não é tri fácil.
S- E vocês vão como? Vocês vão andando?
L- Não, de bicicleta.
S- Ah tá.
L- Eu ía na bicicleta do meu pai e o Vavá ía na bicicleta da mãe e eles nos levavam até lá.
S- Ele pegou uma galinha agora.
L- E eu vou fazer um bicho, vou fazer um bonequinho...
V- Aquela que sobrou é que cor?
S- Verde.
L- Dá pra assim... Dividir assim... Tira um pedaço...
S- Em três? Dois? Em três né?
L- É, nós três.
S- Os três do mesmo tamanho, esse é do Vavá, esse é do Lucas e esse é meu.
L- Eu vou deixar guardadinho, dentro daqui, vou fazer a roupinha... e a cabeça dele de
marrom...
V- Esse daqui secou oh....
S- Ah não, mas esse é giz de cera, esse não é massinha. Aqui oh esse aqui que é massa.
L- Ele pegou o giz de cera (risos).
S- E quando vocês saem assim com os pais de vocês, vocês vão na casa da vó, na igreja...
L- No pequeno grupo!
S- No pequeno grupo, e tem algum outro lugar.
L- Empresta o vermelho pra fazer a boquinha.
S- Tá bom esse pedaço aqui? Tem algum outro lugar?
L- Não.
S- Mas tem algum lugar que vocês gostariam de ir junto com o pai de vocês e vocês não
podem?
L- Pro Cassino.
S- E porque vocês não podem ir ao Cassino.
L- Porque a gente não tem dinheiro.
S- Se tivesse vocês iriam?
L- É.
S- Quem sabe tu podia surfar lá né.
L- Eu ía querer. Tem um desenho do Ratatui sabe?
113
S- Ah, eu já vi.
L- Tem um cara doidão sabe? Que nem meu tio Leandro, idêntico...
S- Qual cara doidão?
L- Aquele que não sabe cozinhar.
S- O Linguini?
L- É.
S- Onde é que você viu o Ratatui?
L- Aqui em casa, a minha mãe compra.
S- Ah, vocês não alugam, vocês compram filme.
V- E a minha mãe me botou lá na locadora...
L- Comprar é melhor do que alugar, que daí vai ficar pra sempre contigo.
S- Ah é e sai mais barato?
L- Sai mais barato. Antes era dez reais, dois filmes, agora é dez reais, três filmes, mais barato
que antes.
S- Só isso?
L- Só isso!
V- To fazendo um dragão.
L- Olha eu já estou com quatro.
V- Lucas, eu to fazendo um dragão!
L- Visse eu tenho cada idéia.
S- Eu não estou conseguindo fazer a minha galinha.
L- É tri fácil fazer uma galinha, tu quer ver óh, faz uma bolinha...
S- A galinha não quer ficar em pé...
V- Tem só um sapato...
L- A galinha não tem sapato. Vou fazer minha galinha de asa aberta. E a galinha vai ter
pintinho, e a galinha tri gorda.
S- A minha não, magrinha ainda, comeu pouco milho ainda. Quem é que comida pras
galinhas aqui?
L- Eu.
V- E eu também, a mãe pede pra nós botar comida pras galinhas...
S- Ah vocês tem essa tarefa de botar comida pras galinhas? E elas comem assim bem pertinho
de vocês, ou elas esperam vocês saírem pra ir lá comer?
L- Não, a gente bota dentro do galinheiro mas elas tavam muito grande pra gente comprar ração,
e elas já comem no pátio...
S- Ah é, elas ja são maiores né?
L- A única q ta botando ovo agora é a branquinha...
V- A branca.
L- O nome dela é branca, mas ela é branquinha.
S- E o que que vocês fazem com os ovinhos?
L- A gente guarda, quer ver como a gente tem? Olha aqui, a gente tinha até mais, é que a mãe dá
só alguns... A gente tinha seis, vermelhinho esse...
S- Eu vou fazer um olhinho azul, galinha de olho azul, não existe né, mas vai existir agora.
L- Pior.
V- E eu tenho um pintinho, vou fazer um ovinho pra ela também.
L- Vou fazer uma cesta de ovos, ja fiz um avestruz.
S- Já?! Mas tá muito grande pra caber...
L- Ovo de avestruz, sabes quantos ovos valem, omelete?
S- Quanto vale?
L- Vale dez, dez omeletes.
S- Tudo isso!?
L- Tudo, claro né. Também, é um ovão!
S- Imagina o tamanho do ovo que é.
L- Mas é gande!
V- Eu tenho uma galinha. Vou fazer mais um bonequinho...
L- Meu avestruz ta com uma perna maior que a outra.
114
S- Tá, acho que agora ta com cara de galinha né.
L- Haham! Sabe fazer ela voando?
S- Ah! Mas ela ta de asa fechada...
L- De asa fechada tota galinha fica, faz assim... Minha galinha branca quando fica com o pinto,
bota o pinto embaixo dos pelinhos. eu vou fazer... Desmachei a minha galinha e vou fazer uma
melhor.
S- Vai fazer uma melhor?
L - Melhor!
V- E eu to fazendo uma moto!
L - Eu fazer uma cesta de ovo.
S- Ah, eu disse que ia fazer o galinheiro né... Como é que eu vou fazer um galinheiro...
L- Posso pegar um pedacinho?
S- De qual cor?
L- Do branquinho.
S- Para fazer o ovo? Ah é eu fazer o ovo também...
L- Só um ovo eu vou fazer, agora o ninho, vou tirar um pedacinho da vaca.
S- Vou fazer um ninho aqui.
V- Eu to fazendo uma moto!
S- Quem é que recolhe lá os ovinhos?
L- Eu.
S- Que hora do dia tu vai lá recolher ovo?
L- De tarde, ou na hora que a galinha botar o ovo.
S- E como é que tu sabe qual hora que botou o ovo?
L- Porque ela grita.
V- E ela bota o ovo!
L- Por isso que se a gente ficar alí, a gente já pega na hora, assim...
S- Hummm.
L- E quando a galinha está sentada é porque ela vai botar ovo. Um dia ela gritou tanto, a gente
foi lá ver três ovos.
S- Bahhh.
L- Tanto, tanto, tanto, que eu não conseguia nem dormir.
V- Aí meu pintinho gritou assim: "Po,po,po,po,pó"
L- Tu nem tem!
V- Tenho só meu pintinho!
L- Meu, me deu todas as galinhas, só o pintinho que é teu. Meu pai me deu todas as galinha.
V- Mas todas essas?
L- A única que eu quero é só a branquinha!
S- Aquela que tava aqui dentro?
L- É aquela que tava aqui.
S- E o gato não avança nessas galinhas?
L- Não... Já tá acostumado, o gato agora só gosta de galinha!
S- E o cachorro lá de fora?
L- É dele.
V- Ele come comida agora.
S- A galinha não quer parar de em pé, vou ter que botar ela no ninho.
L- E o ninho? Só tem um ovo no ninho, que pena.
S- Eu te dou mais um pouquinho de branco, que daí tu vai ter mais ovo.
L- A galinha parece que ela botou um pilhão de ovo. Grita tanto que não pára mais... Vou tirar
da mto bastante.
S- Esse ovo tá muito grande. E a escola nova como é que tá?
L- Boa, boa, boa...
V- A goiaba tá "bouinha".
L- Pede pra mãe se tu pode pegar goiaba que aí eu já pego pra mim também.
V- Mas não tá boa ainda... Não pode pegar.
L- Pô, não tá boa, se tá mais madura. Já tá mais do que madura.
115
S- É goiaba lá da frente?
L- Pô é um goiabão, eu peguei um goiabão tri grandão...
V- O pai não acreditou...
L- eu menti pro meu pai, eu disse que eu tinha encostado os dentes, ele disse, então tu
não passou direito, eu disse velho ................., ele acreditou, bobinho... Depois eu vou fazer a
galinha em cima dos ovos.
S- Agora eu vou fazer um rato do Ratatui...
L- Qual?
S- O... Qual é mesmo o nome daquele que cozinha... Deixa eu me lembrar aquele rato que era o
chefe.
L- Já até sei M.
S- Como é que é?
L- M.
S- Vou fazer o M
L- Aquele rato... do Linguini. o Wagner brincando, eu vou brincar quando tiver um
brinquedo eficiente.
V- Mas eu já tenho brinquedo, uma massinha "podelosamente".
L- Jurei que tu ía dizer uma massinha poderosa. Quando é que nós vamos desenhar de novo? Eu
aprendi um novo desenho, eu aprendi a fazer outros desenhos.
S- Aprendeu?
L- Aprendi.
S- E o que você aprendeu?
L- Um monte, moto, carro e um monte de coisas... Que eu não lembro mais... De tanta coisa que
eu nem lembro mais.
S- E aquelas folhas que eu te dei, vocês já fizeram desenho?
L- Fizemos, só que agora de tão bem que a gente guardou, a gente nem lembra mais onde tá.
S- Tá tão bem guardado que você não lembra mais onde tá...
V- (barulho de carro)
L- O pica-pau!
V- Mãe olha!
S- O rato tá meio branco.
V- A perna olha...
L- Mas é branco!
S- O Linguini? O Linguini é cinza.
L- Tibiri, tibiri, tharan!
S- Que bonito!
V- hehehehe, hehehehe, hehehehehehehe (risada do pica-pau)
L- O Wágner não desgruda, quando dá o pica-pau parece que não tem ninguém em casa.
S- Ah, é o desenho que ele gosta mais?
L- É.
V- Eu sou o pica-pau olha, heheheheheheheheh........
L- Parece que ninguém tá em casa, assim... Fica mais quieto.
S- Só mesmo o pica-pau pra deixar o Wágner quieto então?
L- É só o pica-pau, não tem outro vídeo, só o pica-pau.
V- Olha a perna do cara tá assim olha, que enem mulher... (risos) Tu tás vivo? Tarã, tu tás vivo,
to perguntando se tu tá vivo...
L- Pronto, meu dinossauro, meu Pterodátilo.
V- Tá vivo olha! Esse cara aí...
L- Meu Pterodátilo vai voar pro ninho dele.
V- lalalalalã.
L- Pterodátilo!
V- Esse cara tá vivo!
L- Vou fazer a árvore do Pterodátilo.
S- Deixa eu tentar aprender..
V- (barulho de moto)
116
L- Aqui árvore do pterodátilo onde fica o ninho...
V- (continua fazendo ronco de moto)
S- ... da galinha.
V- Tá morto.
S- Oh o meu rato.
L- Tá deitado?
S- Tá.
L- Que lado tá mais pesado agora?
S- Acho que é o lado de lá.
L- Agora que eu vou fazer uma coisinha aqui pra botar no ninho do pterodátilo. Então...
S- Mas o ninho já tá cheio de ovo. Eu quero bater uma foto...
L- Pterodátilo!
S- Vou bater de lá pra cá que tem sol, deixa eu bater do teu...
L- Toda turma dos meus coisinhas, tu tira. Já gastei toda minha massinha de modelar, vou ter
que parar...
S- Acho que bateu.
L- Deixa eu ver... Pterodátilo! Pterodátilo no ninho, pterodátilo aqui na foto saiu tri real né.
S- Huhun.
V- (barulho de moto)
L- Bah não tenho mais massinha!
S- a gente desmancha, a gente brinca com essa... tem aqui oh... eu vou dar uma pra você e
outra pro Wágner.
L- A gente vai ficar com os bonequinhos?
S- Vão.
L- Isso daqui eu vou fazer, já os filhotinhos do pterodátilo.
S- Já tá nascendo os filhotinhos?
L- Já.
V- Popopopoó...
S- Bom eu acho que as perguntas que eu queria fazer eu já fiz...
L- Quando é que nós vamos desenhar?
S- Que horas tu tem que ir pro colégio?
L- Ô mãe, que horas...
S- Hoje tem aula?
L- Tem, tem.
S- Porque já tá quase na hora do colégio e você tem que se arrumar..
V- Esse é o teu cachorro?
S- Esse aqui é meu gato, esse aqui é meu rato, e essa aqui é a minha galinha.
L- Olha , eu vou apresentar meus bonequinhos.
V- Rato come galinha?
L- Não... Eu vou fazer os passageiros do návio.
S- Eu não sei, eu acho que o rato come os ovos da galinha.
L- Come, o rato come o ninho da galinha, do seu Nascimento ali do lado, comeu tudinho,
comeu tudinho e não sobrou nadica de nada. Vou fazer os passageiros a bordo do návio.... O
passageiro do meu navio, o único passageiro que tranquilo de entrar no navio, o único que
teve coragem de entrar no navio, olha quem, olha aqui o cara, o único que teve coragem de
entrar no navio, olha, o único que teve coragem!
S- Ah é. Tu já viu aquele filme do Náufrago, que o cara fica perdido numa ilha?
L- Como assim?
S- O cara fica perdido numa ilha, aí ele...
L- Não, eu já vi da família que faz uma casa e fica na ilha, ô casão...
S- Ah.
L- Eles ficavam morando pra sempre nesta casa. Tinha de tudo na ilha, tudo, tudinho, porque
eles tiraram tudo do barco.
V- Nem tá pronto o meu balão, olha só quanta coisa eu já fiz!
S- Eu já fiz um monte de coisa, agora é só brincar.
117
L- Eu não sei o que eu faço com essa massinha aqui que sobrou.
S- Deixa eu guardar o giz de cera.
L- E quando é que nós vamos desenhar?
S- A gente vai começar a desenhar... a gente guarda aqui as massinhas, bota aqui no canto e faz
um desenho.
L- Olha o vigia.
V- Olha o meu balão!
L- Vou juntar as massinhas de volta, vermelho com vermelho...
V- Olha o meu balão!
S- Ah é, o teu, tá bem legal.
V- Olha o balão!
L- O balão... tá. Primeiro eu vou juntar as minhas massinhas...
V- Parece uma cocota!
L- Vou fazer um monte de bolinhas, marrom com marrom... Esse verdinho aqui... Devolve esse
pedacinho de marrom, devolve.
S- Eu já sei o que eu vou fazer com esse que sobra, vou fazer um livro de receitas do rato.
L- Livro?
S- É.
L- Olha aqui... Bah, faz aberto. Preciso de mais branco, olha o branquinho que eu tenho só...
Vou pegar esse branco ninguém quer, tá no meio da mesa ninguém quer.
V- Não tem mais massinha de modelar?
S- Não, porque agora a gente vai desenhar, o Lucas quer desenhar, você quer desenhar também?
L- Vágner depois a gente faz massinha de modelar.
V- Mas eu já to fazendo... agora eu já to fazendo...
S- Se ele quer fazer deixa ele fazer.
L- É, se ele vai fazer, a gente pode desenhar.
V- Minha mãe me ensinou pra fazer um bonequinho.
L- Pronto já guardei tudo em bola pra brincar.
S- Pra mais tarde.
L- Isso daqui será que fica duro?
S- Não, mas tem aqui a caixa, se você fizer de novo os bastões e guardar na caixa, eu acho que
não endurece, fazer assim oh... umas minhoquinhas, e guardar dentro.
L- Tá vou ficar com a caixa.
V- Olha aqui que bonequinho, é a galinha que bota ovo.
S- Ah é...
L- É fácil fazer os bastões.
S- É rapidinho né...
L- Deu, já tá pegando o jeito dos bastões.
V- Mas e a massinha de modelar?
S- Ih agora acabou.
V- Vou pegar da mesa ali então...
L- Um bastão...
S- Meu gato tá se desmanchando.
Sa- Bah te desse! Eu não tenho essas habilidades, até essas coisinhas simples eu não sei.
L- Eu tenho! Tenho muita habilidade!
V- Ah meu ovo ficou bem grande.
L- Eu gosto um monte de ir à aniversário...
S- Ah tu gosta?
L- Gosto tu sabe porque?
S- Hãn...
L- Porque eu ganho bastante brinquedinho...
S- Ah é?
L- Quando os aniversários tem balão surpresa, sabe?
S- E tem muito aniversário por aqui?
L- Tem.
118
S- Ah é?
L- Oh tem, tem época que é um aniversário atrás do outro.
V- O tia olha o ovinho!
S- Ah que sorte hein!
L- Um aniversário atrás do outro, só que não pode ir, porque não foi aqui...
S- E quem é que leva vocês nos aniversários?
L- Minha mãe né, quando a gente é convidado né, nem sempre a gente é convidado... To
fazendo os bastãozinhos de volta.
S- Aí tu guarda aí dentro que não vai endurecer.
L- E se manter fora da caixinha?
S- Olha eu nunca deixei fora da caixinha, mas eu acho que não vai estragar não, mas acho que
não vai conservar melhor... Quando o Vavá quiser guardar o dele, ele guarda aqui nessa
caixinha.
L- É pode ser. Tu não vai sentir falta da caixinha?
S- Não.
L- Então tá, já tens.
S- Ai meu Deus, essa galinha aqui, ela não pica a gente não, né?
V- Ela não pica, ela só dá carinho.
S- É.
L- Galo!
S- E o galo?
L- O galo é brabo.
S- Ai meu Deus!
L- Não deixa as galinhas nem dormir.
S- E o galo bica vocês?
L- Ah não, não.
S- Não?
L- Tem medo!
S- E se eu chegar ali perto dele, ele vai me bicar?
L- Não.
V- Eu chego perto dele...
L- Ele é anão!
S- Ele é anão?
L- É, ele acha que consegue galar as galinhas.
V- Eu acho que ele dá-lhe.
L- Um dia ele deixou tudo choco, todas sa galinhas choca, fiquei com uma raiva.
V- Eu fico com uma raiva, porque aquele galo ali não deixa eu dormir.
S- Ah não?
L- Não deixa! Ele dorme antes de todo mundo...
V- Eu tapo os ouvidos com uma...
S- Mas que barulho ele faz que não deixa você dormir?
L- Cococococó, toda hora.
S- Lá vem o galo de novo...
L- Também já to irritado, vou te jogar uma chinelada, vai te embora.
V- Olha aqui o branquinho...
L- O bixo não desiste! Vou fechar a minha caixinha... não vai ter epaço, vou fazer uns
bastãozinhos menores.
S- Senão não vai fechar né?
L- Huhun.
S- Eu acho que eu vou deixar os meus aqui, não vou levar para minha casa não, aí eu vou fazer
assim: vou deixar o ninho e a galinha com um, o rato... ih caiu a pata. (risos) o rato e o gato com
o outro... Qual que você quer Vavá?
V- Eu quero o azul?
S- Então você fica com o gato... Qual que você quer Lucas?
L- Hum, o rato.
119
S- Toma o rato.
L- Ratatui.
S- E agora sobrou a vasilha do gato eo livro do rato.
L- Eu que fico com o livro do rato.
S- E a vasilha do gato?
L- O rato vai ler o livro, vou botar umas páginas.
S- Vai botar?
L- Vou.
S- Vai ficar legal.
L- Olha já tá passando a página.
V- A galinha tá botando um monte de ovo!
S- Só lendo as receitas né. Ih essa pata tá caindo.
L- Agora vou guardar ali e vou botar o rato direitinho em cima da minha escrivaninha.
V- Oh, ficou branco...
L- Vou guardar ali.
S- Huhun.
L- esses dois aqui, arrumado, o branquinho, esse aqui tá. Ih eu acho que eu vou ter
que fazer mais fininho.
V- Vás fazer o meu ovo cair!
L- Que ovo? Eu vou fazer um monte de coisa pro rato, fazer a cozinha, tudinho!
S- Vai fazer a cozinha inteira do Linguini?
L- É, mas não é do Linguini não, o outro pequeninho com quatro patas também é dono,
começa com R.
S- Rato.
L- Tem gente que fala ratu, mas tem O: rato se escreve com O.
S- Eu sei, vou escrever pra você.
L- Não precisa, já sei. Muito obrigado mas não precisa porque eu já sei.
S- Você sabe escrever Linguini?
V- Eu sei escrever Linguini...
L- Como é que é?
V- Lin - gui - ni.
S- Falou certinho Linguini.
L- E agora o que é que eu vou fazer?
S- Não quer fechar? Deixa eu tentar fechar, aqui gordinho demais, vamos ver, aqui... Ih mas
algum vai ter que ficar do lado de fora.
L- E eu vou fazer as outras coisas pro ratinho.
S- Aí faz com esse aí que a gente fecha.
L- Vou ver o que que eu posso fazer pro ratinho daqui.
S- Eu acho que agora fecha.
L- Fogão!
S- É, como é que ele vai cozinhar sem fogão.
L- É, tem que botar no chão e fazer uma fogueirinha. Eu sei fazer fogo com pedra.
S- Sabe?
L- É só bater uma pedra na outra, aquelas britas sabe?
S- Sei.
V- Olha aqui minha galinha botou um monte de ovo.
S- Botou? Barabaridade tchê!
L- Já fiz o fogão.
S- Onde é que eu vou guardar minha galinha?
L- Já sei.
S- Que aí guarda ela com os ovinhos dela.
L- Aqui oh no galinheiro, bota o ninho nesse buraquinho aqui.
S- Ih caiu um ovo...
L- Ainda bem que não é de verdade. Espera aí...
S- E a galinha?
120
L- A galinha fica assim em cima do ovo, ou assim do ladinho assim.
S- É.
L- Pronto. A galinha tá botando ovo.
V- Pô.
L- Ah é te dou um real... ãn... então...
S- Os desenhos...
L- Hoje eu aprendi... Tem que desocupar a mesa... Não, eu aprendi... Vou fazer um super herói.
S- Eu faço super herói.
L- Sabe desenhar o Homem Aranha?
S- Acho que não.
L- Eu começo pela aranha do peito, tri fácil oh, primeiro faz assim... oh assim...
(pausa)
L- Agora vermelho, onde é que tá o vermelho?
S- Eu vou fazendo a luva dele. Vou prgar aqui...
L- Obrigado.
V- O gato tomando leite!
L- Faz o ................ pra mim?
S- Faço, mas tu não sabes fazer?
L- Não.
V- Esta aí o gato, caiu todos os pedaços do gato.
L- Agora eu consigo fazer...
V- Ah, aiiii o gato! Desmontou o gato, o gato tá se desmontando todinho!
S- O gato tá se desmanchando...
L- Desmanchou todo.
S- Aí tu faz outro depois.
V- Ah vou fazer outro, esse daqui o velho ficou um lixo...
L- To fazendo as teias da cara dele. Como é que ficou o teu? O meu ficou assim oh.
S- O meu eu tenho que fazer as teias da cara dele. Azul... ele é todo cheio de teia no corpo né?
L- Ahan.
V- Comida, comida...
L- O azul, lá?
Lápis de cor? Ah que bom!
V- Eu desmanchei todo meu gato.
L- Obrigado.
V- Pára gato, pára de desmontar.
L- Meu gatinho! Tem que tá cheio de teia...
S- No corpo todo?
L- É... Aqui oh os braços são azuis e o corpo dele já é vermelho, assim os braços azuis até aqui,
e o resto aqui é todo vermelho.
S- Então vou pintar de azulzão de giz de cera...
L- O resto é vermelho. Tu tens canetinha vermelha?
S- Tá aqui, ih a ponta já entrou...
V- To fazendo o batman... (cantando) "...mexendo a pata..."
S- A bota é preta né?
L- Não é vermelha.
S- Pois é, eu ía te perguntar à que horas eles tem que ir pra aula.
D- 13h e 20min.
S- Não, a gente terminou aqui, a gente desenhando, quando tu quiseres... Bah é isso
tudo... Deixa eu me agilizar então.
V- (cantando) "...eu tenho tudo..."
L- Azulzinho, agora o final do braço eu já terminei.
V- E eu já fiz as coisas, a galinha que bota ovo...
L- Minha aranha tá toda azul.
S- Mas e não é azul?
L- Não é vermelha.
121
S- Vermelha?
L- Vermelha. (risos)
Anexo 2 – Entrevista com Pablo, Marielem, Lucielem.
Su: A minha pesquisa é pra descobrir o que as crianças fazem no tempo de lazer, o que eu
disse, eu disse que viria fazer umas perguntas pra vocês, cada um pode responder assim, um
de cada vez, porque, eu não sei se vocês sabem o que é lazer, tempo de lazer, o Pablo...
P: Lazer é o que a gente gosta de fazer...
M: Lasanha.(risos)
Su: É, é o que o Pablo falou, é o lugar onde vocês gostam de ficar, é o tempo de diversão, o
tempo que a gente passa brincando...
L: Eu gosto de ficar na minha vó.
Su: Ah é, você gosta de curtir lá com a sua vó, vocês vão muito lá na vó de vocês?
M: As vezes e as vezes não...
Su: Ah, mas vocês vão ter que falar alto, se não o gravador não vai gravar vocês ...
M: As vezes e as vezes não.
Su: Porque as vezes não?
P: Quase todos os domingos nós vamos, mas não é todos os domingos...
Sa: Dia de semana,dia que tem colégio vocês não vão então, só no final de semana.
Su: E quem leva vocês lá?
M: Meu pai, minha mãe.
L: Que, a mãe que leva a gente pro colégio!
M: É na vó guria!
Su: Eu quero que cada um de vocês me falem um lugar onde vocês fazem atividade de lazer,
vocês já me falaram que tem a vó de vocês, o Pablo estava me contando ali que vocês foram pra
Cascatinha, então eu quero assim, a Mariellen o que você gosta de fazer pra se divertir?
M: Eu gosto de brincar...
L: De brincar com ele!
Su: Com ele?
L: É.
Su: Esse é o Leleco?
L: É
Su: Ah, eu vi as fotos...
Le: Meu apelido é Leleco, e o meu nome é Wesley.
Su: Wesley, ah que nome bonito!
Sa: Tu gosta de brincar com o Leleco aonde?
M: Ele não vai ouvir...
Su: Vai ouvir sim, só fala um pouquinho mais alto que dá pra ouvir.
Sa: Tu gosta de brincar com o Leleco aonde?
L: Ah, as vezes aqui no pátio, as vezes eu nem sei, as vezes quando ele fica aqui em casa, as
vezes a gente anda de bicicleta...
Su: E o que mais vocês fazem?
L: Brinca com a Paola...
Su: E de que vocês brincam mais?
M, L: De boneca!
P: Eu não!
L: Ele brinca de carrinho!
Su: E Pablo, do que você brinca?
P: Eu invento...
M: A gente brica de carroça, de ônibus com aquilo ali...
Su: O Paulo me disse que tu inventa as coisas, que tipo de coisas?
P: É eu pego os bancos do meu pai, os bancos velhos da brasília, eu pego e faço banco de carro.
L: Faz carro, faz carroça...
122
Sa: Tu gosta de brincar mais de inventar então?
Su: E tu brinca com quem na hora que você está inventando?
P: Eu gosto de brincar sozinho quando eu to inventando...
L: E depois ele nos convida pra brincar e a gente brinca.
Su: E em que horário vocês brincam mais?
M: Eu brinco mais de manhã, porque depois eu vou pro colégio...
P: Mais de tarde agora quando a Mariellen chega do colégio, porque de manhã a gente está no
colégio.
Su: E assim, vocês também me contaram uma vez que vocês fazem coisas no carnaval, como é
que é, onde é que é?
L: Eu não faço...
P: É lá na P1.
Su: Aonde?
L: A mãe falou se nós queríamos sair...
Su: E vocês não foram, por que, vocês não quiseram?
M: A mãe ia sair né, aí ela falou, se quiserem ficar lá na vó de vocês, aí depois vocês vão lá ver,
aí nós: “Não!”, aí ficamos com a Karina ali do lado.
Su: Enquanto ele foram lá desfilar... E o Pablo?
P: Eu fui.
Su: Você foi lá no carnaval e você saiu em que parte da escola de samba?
M/P: Na bateria.
Su: E você vai aos ensaios?
P: Tenho que ir né, porque meu pai vai todos os dias...
Su: Ah, vai junto com seu pai porque ele é o mestre...
M: O mestre da bateria!
Sa: E tem todos os dias? Agora está tendo ensaio ou é só pertinho do carnaval?
P: É só perto do carnaval.
M: Tem um que é lá no meu colégio.
Su: E assim, aqui no bairro de vocês, tem algum lugar que vocês vão pra brincar? Que vocês
vão para se divertirem?
P: Aqui não tem, só na Cohab lá...
Su: E o que tem na Cohab?
P/L: Pracinha!
Su: Mas aqui na Castelo II não...
P: Aqui tem só uma ali com dois brinquedos, ali naquele campo.
L: Ali pertinho do colégio.
Sa: Que é na Castelo I já né?
Su: É na rua do João de Oliveira né?
L: E do meu outro colégio, que eu estudava.
M: Da creche.
Su: Tem a pracinha ali, mas vocês vão ali na pracinha?
P: As vezes.
M: Quando a minha mãe pode nos levar na pracinha.
Su: Então vocês só vão na pracinha dia de domingo, e que horas, assim, do dia de domingo?
P/L: De tarde.
L: Porque de manhã a mãe fica dentro de casa.
Su: E é só a mãe que leva vocês? E tu Leleco vai na pracinha também? Quem te leva?
Le: Minha irmã, a Camila, eu e a Cauãne minha prima.
Su: E vocês foram juntos para praça algum dia? Nunca foram com o Leleco? Só vai vocês os
três?
L: As vezes o Leleco vai com nós.
Su: Hum, e campinho assim de futebol, porque o Pablo e o Paulo Henrique vocês gostam de
jogar bola né, e vocês jogam aonde?
P: Nós jogamos aqui na rua e ali no campinho que tem ali na faixa.
M: Mas aí depois ele vem chorando...
123
P: O Paulo Henrique vai todos os dias pra lá...
Su: Mas ele vem chorando por que?
M: Porque o Paulo Henrique....
P: Porque eu não quero mais jogar e ele me dá-lhe pau.
Su: E aí acaba o jogo?
P: E sempre acaba o jogo, porque o Paulo Henrique vem embora, eu venho embora
também...
Su: E onde é que fica esse campinho?
P: Ali, nessa rua aqui, só que do lado de lá.
Su: E como é que é o campinho, ele tem trave, ele é armado ou o pessoal do bairro é que fez o
campinho?
P: É o pessoal do bairro memso, eles pegam umas travezinha de madeira pequena.
Sa: Do outro lado da faixa já não é mais castelo, que bairro é ali?
P: Ali é Nossa Senhora de Fátima
Su: Sei ali do outro lado da faixa né, e vocês vão pra lá sempre ou só...
P: Quando nós vamos pro campoé sempre lá, porque não tem nenhum campo perto daqui,
aquele de lá.
M: Um dia o Pablo nos fez uma pipa e nós fomos eu, ele, ela, ele...
Su: E aí foram soltar lá no campinho?
Sa: Alguém levou vocês ou foi só vocês?
M: O pai, e o meu irmão também né...
Sa: E vocês não podem ir sozinhos?
L: Não porque tem que atravessar a faixa.
Su: Ah tá, mas tu e o Paulo Henrique, vocês vão sozinhos?
L: Eu já atravessei a faixa com o Pablo.
Su: E o pai deixa sair assim?
P: Deixa.
Su: E tem algum outro lugar no bairro que vocês tem assim diversão, alguma coisa que vocês
fazem no bairro sem ser a pracinha e o campinho, hein, aonde?
M: Ihh!
Su: Assim oh, eu me lembro que vocês gostavam muito assistir filmes, vocês ainda assistem
filmes?
P: Uhum, os da tarde a gente vê todos os dias...
Su: Ah, então vocês assistem televisão?
L: Ela assiste, acaba a novela e ela chega em casa, e aí vê o filme com nós.
Su: Então assim, se vocês fossem me dizer o lugar onde vocês se divertem mais, vocês me
diriam que é aonde?
Sa: Um de cada vez.
L: Eu gosto é aqui em casa, fazer tudo aqui, também um bolinho.
Su: Ah é, que massa?
L: Bolinho de areia.
Su: Aonde?
L: Ah, as vezes dentro do pátio, as vezes lá no cantinho.
Su: Tá e o Pablo, se vocês tiver um lugar aonde você se diverte mais a onde é que é?
P: Mais é aqui na rua, porque a maioria das vezes que eu pego pra brincar é aqui na rua, jogar
bola..
Su: Ah tá...
L: Jogar bola, as vezes ele pega, pega... Ele pega isso daqui oh...
P: De noite quase todos os dias nós brincamos de esconder ou fizemos um pagode aqui dentro...
Su: Como é que é o pagode?
P: Ah, nós começamos a bagunçar ali dentro.
Su: E quem participa do pagode?
L: Ele pega isso daqui oh...
P: Eu, o Paulo Henrique, o Patrick, o Dener e o Felipe, da ponta ali...
L: Ele pega isso daqui oh pra batucar, tem esse lado daqui e esse...
124
Su: Isso é de verdade?
P/L: É.
Su: Deixa eu dá uma olhada, como é que toca isso daqui.
L: Toca com um pau.
Su: Tem que ter a baqueta? Sabia que eu toco bateria? Sou baterista, sei tocar...
L: Então quero ver tu batucar pra nós!
P: Ele vai ouvir também...
M: E vai dar pra ouvir o que tu estas falando?
M: Nós também?
Su: Vai, e como é que é o nome disso aqui Pablo, é o tom ou é outro?
P: Isso aí é o repilique.
Sa: Nós vamos ouvir depois.
M: Eba!
Su: Quero ver o Pablo tocar primeiro, e depois eu toco, que vou ver como ele toca pra depois
eu fazer igual, entendeu?
M: Não pode, tem dois, tem que fazer...
P: A baqueta eu não achei outra....
Su: É um tarol esse daqui, tem um maior que é a caixa, que tem que afinar, esse daqui está
desafinado.
P: É.
Su: Cadê o botão de afinação, isso daqui, esses parafusinhos são os parafusinhos da afinação, a
pele de vez em quando a gente troca pra poder dar uma afinação melhor, quando troca de pele
aqui, aí a gente tem que apertar e afinar, que isso aqui é uma chave de afinação.
L: Pele?
Su: É, isso aqui se chama pele, essa parte aqui de plástico, á de baixo também, só que a de baixo
é resposta e a pele de cima é a que toca. Aí tem...
Sa: E como é que sabe, qual é a de baixo e qual é a de cima?
Su: Geralmente a de baixo é transparente e a de cima tem uma porosidade.
P: Assim oh, aqui é ruim de tocar, aqui é melhor, aí nós tocamos mais é aqui.
L: Claro, é que vocês apertaram mais...
P: Aqui nó apertamos mais, aqui está frouxo.
Su: que essa aqui não, essa daqui passa pra cima, essa aqui de baixo não... Tem que estar
encostada.
L: É porque tem aquele espraizinho ali.
Su: A é, os instrumentos ficam com vocês?
P: É.
Su: Isso aqui é do carnaval?
P: Não, eu ganhei do Duda, o guri do serviço da minha mãe.
Su: Ah tá, que a bateria é bem maior, daí a gente toca sentados, aí na bateria tem o bumbo, o
surdo, os dois tons, três e os pratos.
L: Agora toca tu, pára Pablo pra ela tocar.
Su: O que vocês querem que eu toque?
L: Ah, uma música que tu conhece. (Suzane tocando)
Su: que a bateria a gente toca com os dois pés e os dois braços, tem que tocar aqui no
surdo e no bumbo, aí tem que tocar aqui no chimbal que é o prato que faz assim: “ Tchec, tchec,
tchec”, aí com as duas mãos a gente toca na caixa, no chimbal e toca nos outros tons, no surdo e
os pratos...
Sa: Bah, tá louco, é muita coisa.
Su: Tem que tocar em tudo ao mesmo tempo, o bumbo geralmente no pagode a gente faz
assim óh. (Suzane tocando)
Su: Isso é no pé, só com o pé.
P: Bah, mas isso aí é tri didícil...
(Suzane tocando)
Su: E no outro pé a gente faz o contra-tempo que é o: ( Suzane tocando)
Su: Aqui nesse pé.
125
P: Aí da-lhe:
( Suzane tocando)
Su: Pra fazer o “tum” entendeu?
P: Bah, tá louco.
Su: É, é difícil mas sai bem legal o samba, o pagode, tudo, eu aprendi a tocar...
P: Às vezes eu subo ali em cima dos carros, e boto ali na janela, e começo a tocar.
S: Aí vocês dois tocam os instrumentos?
P: É, nós pegamos uns baldes.
M: E o que vocês gostam mais de fazer?
Su: O que eu gosto de fazer...
L: Tocar bateria né...
Su: Eu gostava de tocar bateria, mas aí eu parei um pouco de tocar, tentei tocar cavaquinho, não
me saí muito bem.
L: Por que?
Su: Porque eu não acertava as notas é muito pequenininho, achei difícil, eu desisti, mas eu
gosto de tocar, eu gosto de fazer assim... o quê... eu gosto de passear, gosto de sair na rua.
M: Eu também.
Su: Gosto de visitar a minha mãe...
L: Mas vocês não moram junto?
Su: Não, que ela não mora aqui. Mas eu só visito ela uma vez por ano.
P: Pô!
Su: É, uma vez no ano, que daí eu viajo, de férias, passo um mês, dois, na casa dela e volto pra
cá.
P: Ah bom. Pensei que fosse lá um dia e já voltava.
Su: Ah não, eu passo mais tempo né, imagina, eu passo o dia inteiro viajando, vou ficar lá só um
dia... Então vocês gostam de brincar e brincam mais dentro de casa? E assim...
L: e ver filmes.
Su: Vocês estavam assistindo televisão? Ah e ver filmes...
L: As vezes a gente vê do Sherek, da Barbie...
Su: Vocês assistem do DVD?
Sa: É que tem o Sherek, do Stuart, do ratinho, da Barbie...
Su: E aí vocês conseguem esses DVD's aonde?
P: A mãe nos compra na feira.
Su: E que feira é essa?
P: É ali na... tem a rua do mercadinho verde...
Su: É no final de semana que tem a feira?
P: É.
Su; E que horas vocês costumam assistir esses filmes assim?
P: De tarde, mais é de tarde quando o meu pai sai pra buscar a minha mãe, e nós ficamos
sozinhos aqui.
M: É a gente tem uma música que é desse aqui: “eu vou te dar um banho Dolores... você vai
cheirar a flores Dolores...”
Su: E qual desses aqui vocês preferem? Tem o do Pateta, tem...
L: Eu gosto desse aqui.
M: Eu gosto desse aqui também, e desse, e desse... aquele ali também.
P: Então tu gosta de todos!
Su: A Mariellen gosta de todos. Esse aqui como é o nome desse?
P: Esse daqui é...
Su: É o Stik?
P: É.
M: Ele é doido da cabeça...
Su: E qual é o que tu gosta Luciellen?
L: Desse...
Su: Ah do Stik.
L: E desse...
126
Su: Das meninas super poderosas?
L: Não, eu gosto desse e desse.
Su: Ah tá, do Pateta e do Stuart. Então é DVD de desenho que vocês gostam de assistir?
L: Tem mais lá!
M: Isso aí dá pra botar música?
Su: Qual, o gravador? Dá mas só dá pra escutar aqui no fone, porque não tem a caixa de som, aí
só dá pra escutar, tem que gravar, mas sai bem baixinho. E vocês podem ver DVD toda hora, ou
a mãe de vocês regula o horário de assistir?
P: Tem, tem dias que ela não deixa, se ela está escutando música, e sempre que ela está em casa,
ela está escutando , e quando ela está escutando música ela não deixa...
Sa: E vocês escutam música no DVD?
M: Não, não é pra colocar...
L: Eu sei!
M: Luciellen!
Sa: O rádio com CD não funciona?
P: Não.
Su: Mas é sempre que vocês podem brincar, ou tem assim, quando o pai de vocês e a mãe estão
aí, tem um horário específico pra brincar?
P: Não.
Su: Vocês podem brincar sempre?
P: É, quando nós não estamos arrumando as coisas.
Su: Ah tá, então vocês tem as coisas pra fazer. Na hora que estão arrumando as coisas da casa
você diz?
Le: Ah, é aquele filme!
Su: Ah esse aqui é do Sherek, Sherek II, é esse aqui...
M: O da vaca é meu!
Su: Ah o segredo dos animais.
M: É.
L: e eu tenho...
P: Está todo falhado.
L: ... o do Pinguim, o do Pablo é o da girafa.
Le: E eu tenho o do Bob Esponja e das Meninas Poderosas.
Su: Então vocês não podem assistir filme, nem brincar, nos horários de serviço?
P: Huhun (concordando)
Su: E que horário é o horário do serviço?
M: Mais é de manhã, de tarde.
L: Todo dia.
Su: Toda hora?
P: Bah e quando a minha mãe inventa que eu tenho que arrumar a porta, eu fico quase toda tarde
arrumando a porta.
L: Bah, é ruim hein...
Su: E o que a Mariellen faz dentro de casa, do serviço?
L: Ah, arruma também.
M: Ah, eu seco a louça, ontem eu lavei a louça...
L: Claro, ontem nós saímos.
M: Varrer eu gosto mais, limpar o quarto e arrumar a mesa.
Su: E a Luciellen faz o quê?
L: Arrumar o quarto e a sala.
M: Não faz nada, nem uma coisa.
Su: Mas aquele dia eu vi a Luciellen lavando a louça.
M: Ah aquele dia...
P: Na foto, a minha mãe fez uma foto assim oh...
Su: Há, só na foto...
M: Só na foto que ela foi lavar a louça.
Sa: Teve um dia que a gente viu ao vivo, que a gente chegou e ela estava lavando a louça.
127
Su: Que você estava com o braço enfaixado?
M: Enfaixado?
Su: Você estava com gesso.
P: E o Pablo faz o que?
L: Fica incomodando...
(risos)
Su: Ah, tu incomoda... E o serviço da casa tu faz o quê? Tu não participa?
P: Eu faço... Eu arrumo o banheiro...
M: Seca o banheiro...
L: Lava o banheiro, ajuda o pai...
Su: E isso é todo dia?
P: Não
Le: Lá em casa eu arrumo minha cama, lavo a louça, seco a louça...
Su: Tu também ajuda na tua casa?
L: Mas a casa dele não é aqui!
Su: Eu sei que ele não mora aqui, ele mora lá na frente, né.
L: Ele só está aqui porque a irmã dele foi pro colégio.
Su: E vocês fazem só quando a mãe de vocês manda, ou quando ela está aqui, ou vocês quando
o pai está aí vocês tem que fazer?
P: Quando o meu pai está aqui.
L: Quando o meu pai está aqui.
Su: Aí então vocês fazem...
M: Meu pai já sabia que vocês estão aqui?
Su: Sabia, a gente chegou e passou por ali por trás.
M: A nega está ali...
Su: Oi?
M: A nega está ali...
Sa: É mas o Paulo Henrique segurou ela...
Su: Ela não pulou em mim não...
M: Mas ela é amiga.
L: Ela já conhece a nega, essa aqui, e ela não conhece...
(comentário sobre os cachorros)
Su: E assim, vocês além de fazer o serviço da casa, vocês trabalham em alguma outra coisa? Ou
só o Paulo Henrique que trabalha? Com o pai ali?
Le: Eu trabalho no colégio.
P: Só o Paulo Henrique que trabalha ali.
Su: Hum, e as coisas de dentro de casa o Paulo Henrique faz?
L: As vezes o Paulo Henrique trabalha ali e as vezes aqui.
M: Aquele dia o meu pai saiu, ele botou filme, fez comida pra nós, e nós sentamos aqui e ele
contou histórinha pra dormir...
Su: Há, mas porque o pai não pode fazer?
L: Claro, foram pro baile.
Su: E o Pablo, tu ajudas o teu pai ali na oficina?
P: As vezes quando tem que lixar alguma coisa.
Sa: O Paulo Henrique foi pro baile com teu pai e com tua mãe?
L: Não, foi só o pai e a mãe e o Paulo Henrique ficou com nós.
Su: Então tu trabalha quando precisa fazer alguma coisa ali, lixar, arrumar, tu não trabalhas
sempre?
P: Não.
Su: E quando tu trabalha ali tu tem que fazer o serviço da casa também, tu faz as duas coisas
junto? Faz um pouquinho depois da louça, ali...
P: De tarde eu lavo a louça, quando eu estou vendo, meu pai me chama: “Pablo vem cá, me
ajuda aqui!”, eu aperto umas coisas lá, chego aqui o intervalo, meu pai me chama
de novo.
M: Igualzinho aquele dia na Querência quando eu me machuquei o braço, que o vô falou que ía
128
chamar ele toda hora, né Pablo?
P: Bah, quando eu fui lá pra Querência, o meu vô começava... Ele fazia uma coisa assim...
L: Pablo!
P: Mexia no telhado, “O Pablo vem cá!”, eu ía, “O Pablo vem cá”, eu vou, depois
arrumando o piso lá do banheiro: “O Pablo vem cá!”, tá eu vou, aí depois “O Pablo vem cá!”, eu
não vou nada, aí começou a me xingar, tá louco me chamou um monte de vez.
M: Aí eu quebrei o braço e vim pra casa.
P: Se eu for em tudo que é vez vou ficar louco.
Su: É o avô pai do teu pai?
L: É.
Su: É o que a gente viu aquele dia aqui?
L: Eu fui na médica com a minha vó, que ela se machucou, caiu assim de cara e se raspou toda...
Su: Então vou perguntar assim, vocês... Atividades de diversão, de lazer, quais são as atividades
que vocês fazem com os adultos da casa? No caso o pai e a mãe de vocês, tem algum outro
adulto que freqüenta a casa de vocês?
M: A mãe, as vezes, ela brinca com a gente...
P: As vezes né, ela em cima da cama vendo televisão né, eu começo né... eu vou pra
frente da televisão e ela começa a me xingar.
L: Aí ele pede pra gente ir na hora que ela disser “Pára Pablo!”
Su: Calma um de cada vez!
M: Aí já fizemos a festa nela!
(risos)
L: Quando nós vamos dormir eu peço pra mãe contar uma historinha pra nós.
Su: Ah ela conta historinha pra vocês?
M: Huhum, as vezes, antes dela entra para o colégio né Pablo, agora ele não está trazendo mais ,
ele não estuda mais lá no Caic.
L: O Pablo disse que quer sair do João, por causa que a professora dele é ruim, mas a minha
também é.
Le: O joão, queria sair do João? É, do João?
L: Eu queria sair do João!
Le: Eu não...
M: O João tem um baita daqueles pátios, tem três pátios lá...
P: Pior.
M: Três pátios tem!
L: Três?
L: O que nós fomos com a Sheila, tem aquele patiozão na frente, lá atrás e ...
Le: O Pablo não vai pro pátio, só nós.
L: A Meri ficou com a minha professora, não, eu fiquei com a professora da Meri, e a Mari
ficou com a Fabiana, ela é ...
M: Eu era da Fabiana, agora eu sou da Fabiana de novo.
L: E eu também sou da Fabiana.
Su: Ele estuda com uma de vocês?
P: Com a Luciellen.
Su: Então vocês estudam juntos, na mesma aula?
L: Eu sou de manhã.
Le: Ela é de tarde!
M: Aí eu não preciso me acordar mais cedo, mas é ruim também de tarde ...
Su: Então a mãe que brinca com vocês um pouco, e o pai ele faz o que, assim, de
brincadeiras?
L: Eu queria ser de tarde pra mim não lavar a louça.
Su: Ah queria estudar de tarde pra não lavar a louça.(risos)
M: Ah, aí seria todos os dias eu.
Su: E vocês não gostam de lavar a louça.
M: Eu gosto!
M: As vezes.
129
Le: Eu não gosto nenhum pouco de lavar a louça!
L: Eu gosto de molhar a minha mão, não gosto de lavar, eu gosto é de molhar!
Su: E quando está frio?
M: Eu mando os guris pegarem a tinta e botarem...
Su: Não, não é, é tinta? Tinta de quê? De canetinha?
M: Não, aiê! Não é, é coisa...
L: Tempera!
P: Aí eu passo tempera no portão, e a pessoa que vai ali abre.
Le: As vezes o meu pai não deixa eu brincar por culpa...
Su: Ah é, e porque ele não deixa brincar?
L: Porque, ele não presta atenção na aula, as gurias dão aula pra ele e ele não presta atenção e aí
ele não pode brincar!
Su: Não poder brincar é castigo?
P: Quando ele não sabe fazer uma letra a mãe dele começa a chingar ele, amanhã não tem
brinquedo pra ti.
Le: Quando o meu pai não está dentro de casa e me dão aula, a minha mãe chega e deixa eu
brincar.
M: Aquele dia, o pai dele e a mãe dele brigaram. Aí o pai dele foi embora, mas voltou.
L: Aí o Leleco começou a chorar, só que o pai dele voltou de novo.
M: “A minha mãe está brigando com o meu pai”
P: O que que tem haver? Ela perguntou isso?
M: Não, mas eu estou falando...
P: Tas falando isso aí a horas.
Su: E vocês tem castigo?
L: Eu tenho castigo quando nós estamos arrumando a casa, porque quando a casa está
arrumada, a gente brinca.
Su: O Pablo, tem castigo?
P: Tenho.
Su: Qual é?
P: Quando eu não presto atenção na aula, meu pai fala que eu não vou mais brincar agora,
porque eu nunca presto atenção na aula.
L: Tu e o Leleco nunca prestam atenção.
M: E no dia que a mãe chegou...
L: De noite.
M: Aí eu queria ir pra minha tia e meu pai não deixou, aí eu botei pra chorar.
Sa: Qual tia?
P: Na Lúcia.
Sa: Tu brinca com o Bruno né?
P: É.
M: tem outro dia que jantamo, o pai ficou chamando ele, o Pablo olha... assim...
chorando lá... Aí o pai pegou o chinelo e deu nele.
L: O Bruno ele é legal, eu odeio é a Mariângela...
Le: Eu também...
L: Porque a Mariângela é...
L: Tu nem conhece Leleco!
Su: É, quem é a Mariângela?
Sa: É a prima dela.
M: Eu gosto mais da minha prima Mamá...
L: Ah, eu também e da Raíssa e da Cauane.
Sa: Quem são essas?
L: Ah, a Cauane...
Sa: é por parte de mãe, essas primas?
M: Por parte de mãe? É de prima!
Su: E assim, em algum lugar vocês já foram, tipo passear, lá no parque, algum lugar assim...
L: Eu nunca fui no parque.
130
Sa: Que vocês gostaram assim de ir?
M: Ontem nós saímos mais a gente foi lá...
P: A única coisa que nós gostamos que nós saímos pra ficar mesmo foi no coisa, e eles saíram
mas eu não estava aqui...
Su: Aonde?
L: Eu prefiro dormir lá na Cauãne...
P: Eles foram lá no campo do São Paulo, mas eu não fui.
M: Lá na vó tava tri bom!
P: Eu tava lá no Cassino...
M: Tava tri bom, um monte de árvore e nós se pendurando.
Su: E assim, vocês foram alguma vez na Festa do Mar, em algum lugar assim fora do bairro
de vocês?
Sa: Fearg?
L: Na festa da santinha!
P: Eu fui na fearg com a minha vó!
Su: Ah tua vó te levou...
Sa: Festa da santinha que tu diz, é da Iemanjá ou da Nossa Senhora dos Navegantes?
L: Não sei.
P: É Nossa Senhora dos Navegantes.
L: Nós comemos pipoca.
M: Nós tínhamos que atirar uma moeda quando o barco passar...
Sa: É uma procissão que passa de barco no Honório Bicalho, é um clube que tem, que tem um
monte de árvore? vai um monte de gente pra ver a procissão passar, as pessoas atiram as
coisas...
Su: Ah tá.
P: Perto do porto lá...
Su: E aqui no bairro de vocês, tem alguma festa de rua, da igreja, das crianças...
P: Festa tem uma ali... Na associação.
L: Tem uma que nós fizemos a volta...
P: É lá no Juvenal Antena.
Su: Aonde, no Juvenal Antena, há o presidente da associação é o Juvenal.
P: É.
Su: Tá deixa eu me organizar então, tem festa, uma é da associação, e é de que?
L: Uma é da igreja, e as outras são das outras igrejas...
P: Da igreja ali.
Su: Da igreja ali de São Carlos?
P: É.
Su: Tem sempre festa na igreja ali? E vocês participam da festa da igreja?
P: Quando tem festa nós vamos, porque quase todo dia a minha mãe vai, nós vamos
também.
Su: Ah porque a mãe leva então...
M: Quando teve festa do Papai Noel, tinha que levantar o dedo para quem cantasse a música do
Papai Noel, eu levantei, e aí o homem veio: “Vem!” e eu “Não!”.
Su: Ficou com vergonha?
M: Ahan (concordando)
L: Ah eu queria!
Su: Ficou com vergonha também?
M: O homem veio dizer que ía dar um bombom pra nós... Aquele guri falou “Coelhinho da
Páscoa...”
Su: Eu vou perguntar assim, vocês imaginem, se tivesse algum lugar no bairro para vocês irem,
que lugar vocês gostariam de criar no bairro de vocês? Pra vocês se divertirem?
P: Uma pracinha, porque aqui tem uma pracinha com dois brinquedos.
L: Com dois balanços e um escorregador.
Sa: E a Mariellen, o que tu falou? Umas árvores para botar rede.
M: Pra mim me deitar assim!
131
Sa: Boa idéia, e o que mais podia ter?
M: Barraca pra gente fazer uma casinha...
L: E com essa barraca inventar um trailer... Inventar barraca...
P: De camarão, trailer de camarão.
M: A gente brinca de camarão também...
L: E de fritar peixe e de pescar camarão de verdade.
M: As vezes eu e a Lu brincamos de médico.
P: Tinha uma praia aqui também.
M: Lá, lá, oh bem lá...
L: Lá no Cassino também tem praia.
Su: Aonde é essa praia?
Sa: Na Lagoa dos Patos eu acho...
Su: Ah, na beira da lagoa lá, e vocês vão pra lá também?
M: Aí quando minha mãe tá em casa, ou meu pai, a gente pede pra eles levarem a gente lá...
P: Pra praia tomar banho.
L: As vezes tá bem calminho.
Sa: Dá de tomar banho então?
L: Dá, mas embaixo, olha tu vai lá...
P: Mas na entrada quase todas as praias tem barro...
L: Parece que tu vai lá pra baixo, que tu vai lá pro fundão...
M: Os teus pés vão lá embaixo e parece que vai vir um caranguejo assim gigante...
P: É barro.
L: Tem um monte de barro lá embaixo!
P: Quando eu fui a água tava até aqui...
Su: E quem é que vai com vocês até lá?
L/M: Meu pai.
P: Eu fui arrastar camarão!
M: Aquele dia com minha vó, com a minha mãe.
L: Levaram casaco de lã, um monte de coisa.
P: É pra arrastar camarão...
Su: Tem que ser de noite, passar a noite arrastando?
P: Pô, mas é muito escuro e quando nós vamos tem um monte de mosquito, e quando nós
voltamos tem bem mais, parece que vem mais um monte maior...
Su: Ah, é o horário que eles aparecem...
L: De manhã também tem mosquito.
P: Quando a lua tá assim... Ah tá loco, aí que tem mosquito, tu olha pra lua assim, parece que tá
cheia.
M: Tem que fazer assim no filme do coisa, tem que pegar um bichinho e botar assim, aí o coisa
fala “hora da comida”, aí os peixes vão tudo pulando...
L: E no filme do pateta, o amigo dele levanta as pernas, faz assim...
Sa: E vocês gostam também de arrastar camarão?
P: Fui eu, meu pai, o amigo dele. Ele pegou um camarão desse tamanho.
Su: E com que frequencia vocês vão lá na prainha?
P: É mais quando vamos pescar...
Su: Mas as gurias não vão, só vão os guris?
P: As gurias foram só uma vez, mas eu fui um monte já.
L: Eu nunca vou pescar? Eu nunca vou pescar...
Su: Ah, nunca foi pescar...
L: Não.
Su: Então foi só os guris.
M: Teve uma vez que nós fomos com a mãe, com a minha vó.
P: As gurias vão mas...
Sa: E dessa vez que foram as gurias e a tua vó, aí elas não pescaram, só vocês que pescaram?
P: Não, ninguém pescou!
Sa: Aí foram de dia então...
132
Su: E quais seriam as formas de lazer que as crianças aqui do bairro de vocês deveriam ter
direito de ir e que elas não vão? O que vocês acham que as crianças aqui do bairro da Castelo
Branco deveriam ter que vocês não tem?
L: Tá ninguém vai responder?
(risos)
Sa: Tá muito difícil essa pergunta?
Su: É assim, o que as crianças da Castelo Branco deveriam ter de brincar e de se divertir, que
não tem? Vocês falaram que a pracinha tem dois brinquedos, que pra modificar,
melhorar...
L: Mas na cohab tem gangorra, um monte de brinquedos, tem balanço...
Su: E é muito longe daqui?
P/L: É.
Su: Mas não é no bairro de vocês...
P: Não, é bem pra lá, lá na cohab.
Su: Então o que as crianças daqui da Castelo deveriam ter pra brincar? me disseram que
deveriam arrumar a pracinha, e alguma outra coisa deveria ter aqui, alguma coisa que vocês
gostariam de ter?
(risos)
M: Gostaria de ter... Deixa eu pensar...
P: Tinha que ter mais festas. Aqui não tem nada.
Su: Mais festas?
M: Festa... Festa Junina.
L: Lá no colégio, lá no outro, eu não fui com meu vestido aquele verde, eu fui com o da Meri...
M: O meu verde dá pra rodar.
Su: E assim, as festas de 20 de setembro tem alguma aqui no bairro?
Sa: Dia do Gaúcho.
P: As vezes tem...
Su: As vezes, não é sempre...
P: Não.
L: No dia dos gauchos... tem o dia do Judas.
P: Pior, tem o dia do judas.
Su: Como é o dia do judas? Me explica.
L: Nós pegamos um monte de capim, arrumamos uma roupa velha e enchemos com capim
dentro.
M: Aí faz a cabeça, faz os braços...
P: Nós fizemos um do Kiko, da mulher do Kiko, que é bem pequeninha...
Sa: Quem é o Kiko?
L: Dali, ela tem uma perna alta e uma perna baixa.
P: nós fizemos né, amarramos uma perna e deixamos a outra normal e botamos o pé... Ela
ficou caminhando assim, aí seguramo ela e parecia a mulher caminhando assim.
(risos)
Sa: E porque vocês fizeram dessas pessoas, vocês não gostam muito delas?
P: Não, nós fizemos...
Sa: Podia escolher qualquer pessoa...
(comentários sobre os bonecos de judas)
Su: Assim então, vamos resumir de uma forma geral, vamos recapitular, vocês dizem que vão
na de vocês, não vão no carnaval sempre porque é no período do carnaval, vão as vezes
aos domingos na pracinha, brincam na rua, brincam ali na praia, ali no outro lado, no outro
bairro de vez em quando vão lá na cohab, brincam mais dentro de casa, e no pátio de vocês com
areia.
Sa: De vez em quando vão no campo.
Su: É vão no campo também, mas é mais os guris pra jogar bola né, as gurias não vão muito, as
gurias brincam de futebol?
L: Não.
M: As vezes eu brinco de jogar bola de noite.
133
Le: Se a Luciellen pega a bola...
L: É cachorrinho...
Su: E quando vocês saem lá pra vó de vocês, vocês vão como? Vão andando pra lá?
Todos: Não, não dá!
(risos)
Su: E vão todos de ônibus? E todos pagam passagem?
L: Eu não.
P: Eu e o Paulo Henrique.
L: Aquela roleta que tem que passar... Eu tinha medo de passar ali...
P: A Meri tem medo de passar na roleta.
Su: Porque?
M: Eu tenho medo de me trancar ali...
(risos)
Su: Não.. Mas não vai te trancar ali, ela roda e não para de rodar.
Sa: Mas quem não paga ônibus passa por baixo.
Su: Mas tu não vai ficar presa ali, como é que tu vai ficar presa se tu é magrinha.
Sa: E lá na vó de vocês, de que vocês brincam?
L: Com a Duda.
Sa: Com a vizinha de lá, sei... E tu, quando vai pra lá?
P: Eu não brinco com ninguém, nem conheço ninguém.
M: Conhece sim, a vovó, a Mariângela.
Su: Ele está dizendo alguém da rua, um coleguinha. E assim, vocês já passearam lá no centro da
cidade?
P: Aham.
Su: E fizeram o que lá?
P: Nós ficávamos brincando lá no leão.
M: E vimos um monte de macaco.
Sa: O leão é lá da praça.
Su: Da praça Tamandaré...
Le: A gente foi na praça Tamandaré com o colégio.
L: Eu tava tentando subir lá naquele leão, naquela estátua de leão...
Sa: Quem levou vocês lá na praça?
M: A professora.
P: Uma vez foi a mãe, outra vez foi a professora.
Su: Foi passeio do colégio entaõ...
L: E a santinha foi minha mãe...
M: A gente foi na festa da santinha, tinha até uma música...
Su: Me conta, vocês passaram lá no Cassino o verão? Passaram quanto tempo lá?
P: Eu fiquei uns 10 dias.
L: Seis dias.
Su: Na casa de quem vocês ficaram?
P: Da vó.
Su: Tua vó tem casa lá, e casa no centro...
P: Não, no centro não.
M: É lá no Cassino.
Sa: NO bairro Hidráulica.
L: É, ela tem duas casas.
Su: Aí, a família toda de vocês foram pra lá, ou foram só os pequenos?
P: Não, foram só os pequenos.
Su: Teu pai ficou aqui.
M: Mas o Paulo Henrique também foi.
P: No dia que o Paulo Henrique foi, no outro dia a minha vó ia voltar.
L: A minha vó disse pra mim me esconder da polícia.
Su: Ah é ...
L: E eu me abaixei.
134
P: Nós tava indo né, com um monte de coisas, quando ela vai, ela leva um monte de coisas, e
nós sem o cinto de segurança, indo pro Cassino, tinha um monte de polícia, e a polícia nos
parou, aí o homem disse assim: “Pode passar” e todo mundo apavorado...
M: Aí a vó beijou a santinha.
(risos)
Su: Aí vocês passaram 10 dias lá no Cassino e o que vocês fizeram?
P: Não, eu passei 10 dias.
M: Fomos pra praia...
Sa: As gurias não foram no mesmo dia que tu?
P: No primeiro dia que eu fui elas foram, aí depois nós viemos e eu fui de novo.
M: Aí eu quebrei o braço...
L: Eu fui mais uma vez...
Su: E o que vocês fizeram lá no Cassino, a Mariellen andou de bicicleta e quebrou o braço...
P: Fomos a praia, aí sabes o dia da chuva que deu lá no Cassino?
Su: Não sei, eu não tava aqui.
P: Deu temporal lá no Cassino, e o barro lá daquela praia que vem de lá, veio tudo pra cá...
Sa: Ah sei, a praia ficou cheia de barro.
P: Nós tomamos banho, só tava eu e o Bruno tomando banho.
Su: Tomaram banho com barro e tudo...
P: Nós pegamos assim, eu e a Mariângela, um bolão de barro, e começamos a se passar e a
assustar minha vó “Vó...Nós somos os vampiros!” ficamos todo preto, todo marrom...
Su: E quem cuida vocês quando tão na praia?
P: Meu vô.
M: Minha vó, ou meu vô, meu vô as vezes tá com sono e dorme.
P: Se ele leva a cadeira sempre dorme.
L: Ele deixou nós tomando banho e ele ficou roncando...
Su: e a mãe de vocês não foi?
(interrupção do Aldir)
Su: Bom guris eu acho que era isso, vamos ouvir agora.
Anexo 3 – Entrevista Nicole
Su- Queria um rosa pra mim, mas eu não achei ainda...
N- (risos).
Su- Hum, deixa eu ver aqui... Ué, acho que ruim... Tá, a gente pode começar com massinha
de modelar, que você acha?
N- Huhum.
Su- Tem várias cores aqui, tu usas isso daqui no colégio?
N- Usava.
Su- Ah usava, porque agora não tem mais?
N- Tem é que a professora não dá mais pra nós.
Su- Ah, não dá mais... Tá você escolhe uma cor aí, que eu também escolho...
N- Escolhi vermelho.
Su- eu vou fazendo uma pergunta e se você quiser ir respondendo, você vai respondendo.
Deixa eu ver que cor eu vou escolher... amarelinho... Não, vou fazer o verde, que eu vou fazer
uma flor. Pode pegar mais de um viu!
Sa- Vão fazer massinha?
Su- É, massinha de modelar. Eu vou fazer uma flor, tentar fazer uma flor primeiro, né!
Mi- Eu não sabia que vocês íam vir hoje... senão...
Sa- É...
Mi- A gente acabou de almoçar... minha irmã chegou agora...
N- E a "Dô"(apelido da irmã de Gissele) Mi?
Mi- A Dô foi lá na tua avó.
N- E a Bélinha?
135
Mi- A Bélinha também, ficou a Gabriele comigo.
Su- Aí o que que eu estou pesquisando? Eu estou vendo o que que são os ambientes de lazer das
crianças daqui do bairro Castelo Branco. eu ía fazer umas perguntas pra vocês, porque eu
quero saber das próprias crianças quais são os ambientes, os lugares que elas se divertem, tu
tens algum lugar assim, de lazer que você gosta Nicole, um lugar que você se diverte. Aonde é?
N- No pátio.
Su- No pátio da tua casa aqui atrás?
N- HUhum.
Su- E o que você faz ali?
N- Eu brinco, no pátio e dentro de casa.
Sa- Do que que tu brinca mais?
N- Mais é de boneca.
Su- No pátio também?
N- Huhum.
Su- E não suja a boneca, não?
N- Hahã. (não)
Sa- Aí tu brinca com o Wesley ou com outro pessoal... com quem é?
N- As vezes as minhas tias vem pra cá e eu brinco com elas.
Sa- Hum.
Su- E tem outro lugar assim que você realiza suas atividades de lazer? E dentro de casa assim,
como é que é? Quando você brinca dentro de casa?
Acho que a pétala tá muito grande...
Com quem você brinca dentro de casa?
N- As vezes com o Wesley, as vezes com a minha tia.
Su- A Miriane?
Mi- risos, não...
N- Não com minhas outras.
Mi- Com as tias dela caçulas.
Su- Ah as irmãs menores...
Mi- Isso com as menores.
Ah menina tu tem uma cara de debochada Gabriele...
Su- Essa era tua irmã que a Gissele tava falando ontem: "Se vocês virem as filhas dela, vocês
vão ficar loucas pra ter filho..." Ah, mas são lindas né!
Minha irmã que fica dizendo: "Que saudade do meu filho quando ele era pequeninho, agora ele
corre e anda por tudo e eu não consigo controlar ele...
Mi- Passa rápido né?
Su- Passa.
Mi- As vezes eu lembro de quando a Nicole e o Wesley eram bebês ainda.
Sa- É, as vezes dá saudade mesmo... Eu tenho saudade de quando minha afilhada era bebê.
Su- E assim, que hora do dia você brinca no pátio Nicole, que hora do dia você gosta de brincar
no pátio? Quando que você brinca no pátio?
N- Todos os dias.
Su- Todo dia? E tu vai pra escola?
N- Vou.
Su- Ah tá. Vou tentar fazer um gramado aqui... O que que é isso?
Sa- Era para ser uma flor, depois eu faria as pétalas...
Su- Eu imaginei uma colher.
Sa- Ah, isso mesmo...
N- Uma pá!
Sa- É uma pá.
Su- E o que que você mais gosta de brincar lá no pátio? Tem brinquedos ali no pátio?
N- Ali onde fica os brinquedos?
Su- É ali no pátio que você brinca, como é que é ali?
N- Ali não tem brinquedo.
Su- Não?
136
Sa- Aí tu leva os brinquedos pra lá?
N- Huhum.
Sa- Que brinquedo que tu leva?
N- As vezes eu pego umas folhas e levo pra brincar comigo.
Su- Tem mais massa de modelar aqui, essa daí é tão pouquinha né?
N- É.
Sa- E fora o Wesley e a tua tia tu não tens uma amiguinha aqui do lado que tu brincava?
N- Tenho a "........................" mas eu não brinco.
Sa- Não brinca mais?
Su- Porque que tu não brinca mais com ela? Brigaram?
N- Huhum.
Su- Ah brigaram, que pena e tu ficou sem amiguinha pra brincar. E não vão fazer as pazes?
N- Fizemos, mas a minha mãe... as vezes eu não possso brincar.
Su- Então não estão totalmente brigadas...
N- Não.
Su- Tão mais ou menos... e tem algum lugar assim no teu bairro aqui que você goste de brincar?
N- Hum... não... Tem!
Su- Aonde que é?
N- As vezes eu brinco na área, na área e nos quartos ali, no meu e no do Wesley, mas o que eu
mais brinco é no quarto do Wesley.
Su- Porque?
Sa- Qual é o quarto dele esse daqui ou aquele ali?
N- Não aqui é a área e ali é o meu quarto, meu pai tem que terminar...
Sa- E o do Wesley é o último?
N- O do Wesley é aquele ali.
Su- Mas aqui dentro assim, eu digo lá aqui fora, na rua, no bairro, ali do lado de fora, tem algum
lugar que você brinca ali na rua? Na rua do lado de fora?
N- Na rua eu não brinco... na rua eu não brinco.
Su- Porque não pode brincar na rua?
N- Não é que a minha mãe não deixa, e a minha mãe bota a gente pra dentro.
Su- Tem alguma pracinha aqui?
N- Só tem uma perto da Coahb. E ali perto da onde a minha avó mora.
Su- A tua avó mora aonde? É a que mora lá na São João?
Sa- Eu não lembro, onde é que mora a vó deles, tua mãe?
Mi- Ali na C, a pracinha que ela fala, é lá na I, antes de chegar no Guido.
Sa- Ah tá, que já é Castelo I né?
Mi- Isso.
N- Aí depois tem outra lá na cohab.
Sa- Ah, aí é mais longe né.
Su- Qual que é mais legal?
N- A da Cohab.
(risos)
Su- Porque? Porque que lá é mais legal?
N- Na verdade...
Su- Hein, que que você ía dizer?
Sa- Na verdade é mais legal porque?
N- Porque tem... Tem umas coisas ali que não tem as coisas que eu gosto, e lá tem.
Sa- E o que que tu mais gosta na pracinha?
N- É balanço, mas um dia quando eu fui junto com a Mi tinha dois balanços que tavam
arrebentados. Mas deu de nós andar nos outros.
Sa- E tu vai de vez em quando na pracinha?
N- Muitos dias não.
Su- Tem tempo que você não vai lá?
N- Tem.
Su- E quem é que te leva?
137
N- A Mi!
(risos)
Sa- E na tua escola tem pracinha?
N- Não!
Sa- Não?
N- Só tem pátio.
Su- Tu mudou de escola né?
N- Huhum.
Sa- Porque a outra tinha né...
Su- Ela tá aonde? No João agora?
Mi- É, ela tá no João.
Su- E quando tu vai na pracinha, tu vai com quem? Assim... a tua tia Mi leva e vai tu e quem
mais de criança?
N- O Wesley, mas o Wesley não chega a ir lá na pracinha...
Sa- Porque, o que ele gosta?
N- Ele só gosta de ficar em casa brincando.
Su- Agora com o vídeo-game então, ele não deve querer sair de dentro de casa...
N- Ah é... Ainda mais porque tem futebol.
Su- Acho que eu vou fazer um passarinho agora, vamos tentar. E aqui no teu bairro, tem algum
lugar assim que você queria que tivesse ou não tem, que não tem e você gostaria que tivesse?
N- Não.
Su- Vou fazer um passarinho. O que que você fez? Um sol, eu achei que fosse uma estrela...
Mi- Quer que eu chame ele?
Su- Não...
Mi- É que por ele, ele não faz nada nem come, fica só no vídeo game... Mas se vocês quiserem
eu chamo ele.
Su- Não, pode deixar um pouquinho ele lá, depois a gente vai ali na sala, não precisa ser agora,
conversa um pouquinho com ele, ele com o primo dele ali né... Não vamos atrapalhar o
jogo...
Sa- É, (risos).
Su- Eu trouxe um jogo, o Wesley! I, foi... Eu trouxe futebol de botão, não sei se ele gosta, eu
nem sei jogar muito bem.
Sa- Um é do Grêmio e o outro é do Inter. Quem vai ser o Grêmio, porque os dois são
colorados... Vai ter que ser eu...
Su- Eu nem sei jogar muito bem, quer dizer nunca joguei. Você jogou Nicole? Futebol de
botão?
N- Não.
Su- Ih então ninguém sabe... (risos). E tem algum lugar no teu bairro, assim, onde tu moras que
você gostaria de ir mas você não pode ir por algum motivo?
N- Não.
Su- Tu gosta mesmo é de ficar no pátio?
N- Huhum.
Mi- Aqui só tem é pracinha..
Sa- E é longe daqui né...
Mi- É, a pracinha melhorzinha que tem aqui é a lá da Cohab.
Su- Daí não é mais aqui no bairro né, é outro. Isso aqui não com cara de passarinho,
vamos melhorar esse passarinho...
(pausa)
Sa- Eu lembro que tu gostava de ver a novela das duas com a tua mãe, não lembro qual novela
que era. Que a Gissele dizia que tu gostava de ver, que tu chamava ela para olhar a novela.
Su- Ih mas tem tanto tempo...
Sa- É, fraz quase um ano... Tu não vê mais agora.
N- Não.
Su- Porque a novela tá chata? Aqui tá dando agora é Cabocla né?
Sa- Ahan.
138
Su- E a novela da noite? Do Juvenal Antena?
N- Vejo.
Su- Tá vou deixar assim o passarinho que senão ele vai ficar pior que antes. Ai ficou muito feio,
vou fazer de novo. Não to me dando pra fazer. E as tuas bonecas, que bonecas você têm?
N- Tenho baby e duas barbies.
Sa- E tu botas nomes nas bonecas ou não?
N- Não. (risos).
Su- E as barbies que tu tens, "é festa", qual o nome delas, "é fada", tem várias barbies né.
Mi- As barbies são duas Suzis, e o baby é daqueles que fazem xixi...
Su- E como é que tu brincas com as bonecas? Você faz o que? Faz casinha, leva elas pro pátio?
Como é que é tua brincadeira de boneca?
N- é de casinha.
Su- E como é que fica a casa da tua boneca? Ela faz faxina, ela... ela limpa a casa?
N- Ela não faz nada, só dorme. (risos)
Su- Ah tu bota ela pra dormir o dia inteiro... Ih então ela é preguiçosa. Até hoje eu tenho umas
bonecas lá em casa, eu não consegui dar...
Sa- Eu não, eu dei. Não tenho mais nenhuma.
Su- Eu não, eu guardei uma, duas, algumas coisas... Eu tenho também um ursinho que eu ganhei
quando eu tinha seis meses de idade, tá comigo até hoje. A gente guarda algumas coisas né...
mas o resto acaba estragando.
Sa- É.
Su- A cabeça da boneca então da barbie solta né, depois de um tempo aí não cola mais.
(pausa)
Su- E as suas tias elas vem aqui sempre? Quando que as suas tias vem aqui para brincar? Elas
vem sempre?
N- Quase todos os dias.
Su- Ela mora ali na C?
N- É.
Su- Ah tá.
Sa- E tu vai lá também?
N- É de vez em quando, quando...
Su- Mais eles que vem aqui então?
N- Huhum.
Su- E qual a brincadeira que vocês fazem ali no pátio?
N- Ali nós brincamos de coleginho...
Sa- E quem é a professora?
N- A Franciele.
(pausa: comentário sobre o frio e sobre a obra)
Mi- E o Wesley continua jogando...
Su- Pra mim não tem problema, não é nada obrigado, é assim, quando as crianças querem
fazer...
Sa- To pensando o quê que eu faço com essa cor aqui...
Su- Não lembro se na outra caixa tinha marrom... Pois é, eu achava que tinha outra cor...
Sa- Eu acho que era laranja.
Su- Feia essa cor né?
Sa- Huhum.
Su- Tu não jogas ídeo-game porque tu não sabe jogar?
N- Huhum, porque eu não sei, nem futebol.
Mi- Eu disse pra Gissele comprar um jogo feminino pra ela.
Su- É Play 2?
N- Huhum.
Su- Sabe que tem um jogo, que é o "Crash", que é uma raposinha que vai passando de fase, bem
facinho assim, bem divertido de jogar, que conforme vai passando de fase tem uma, uma,
139
raposa e tem uma guriazinha também que anda com um tigresinho. Nunca viu o Crash? Bem
legalzinho.
Sa- Eu me lembro de um crash mas não era assim... Não tem Crash que é uma pessoa que joga?
Su- Não é uma raposa que joga, que anda pela floresta, que anda por um lugar que é de água, aí
depois ele passa pelo espaço... é bem legalzinho. Eu vou ver se eu trago, porque esses joguinhos
são bem divertidos pra guria, que as vezes é difícil tu comprar um joguinho e conhecer né, e
as vezes tu traz o joguinho pra casa e é chato, e assim é bom tu pegar primeiro o jogo
emprestado, ir se trocando e ver qual são os melhores né. As vezes tu compra uma coisa nada a
ver né, muito chata.
Sa- Eu também, até hoje eu não sei jogar esse troço aí...
Su- Mas eu também não jogava, os guris em casa quando íam jogar, ficavam jogando
futebol, luta, residente, aquele star uol também, e essas coisas eu nunca...
(comentários sobre os jogos)
Su- Pode abrir! Tu sabe como se joga isso?
N- Não.
Su- Eu sei mais ou menos, peguei umas explicações hoje. Aula de futebol de botão... Eu sei que
é assim ó, isso aqui são os jogadores, e isso aqui a gente faz assim e coloca um botão, assim, aí
tem que ir empurrando até o gol, a gente faz dois times, arma o meio de campo, aí bota
aqui os atacantes, os zagueiros que são perto do gol né, dois, e o goleiro, aí a geten vai ter que ir
levando até o outro time, que isso daqui é a bola. o meu cunhado tava me explicando que
cada um tem direito a três toques então tu toca três e tem que passar pro outro jogar...
Mi- HUm...
Su- Esse botão é a bola, aqui são os jogadores, aí tu joga até...
(mais explicações sobre o jogo)
Sa- Tu quer jogar isso Nicole a gente junta as massinhas e chama o Wesley pra jogar? Será
que ele vem?
Su- Bom a gente bota a massinha aí e vai jogando, ele tá no vídeo game acho que não vai querer
sair, aí será que dá pra botar?
(guardando as massinhas)
(preparando o jogo)
Su- E tu tens alguma obrigação dentro de casa assim, de arrumação ou alguma outra coisa que
você tem que fazer de serviço?
N- Não.
(continua o posicionamento das peças para o jogo)
Chegou o Wesley e perguntou que times são, e nós dissemos que eram o inter, o grêmio e o
flamengo, ele demonstrou interesse pelo jogo, por ver que se tratava de futebol, e gritou para o
seu primo que estava na sala: "Pode ficar jogando aí".
(Mais explicação sobre o jogo)
Ninguém quis ser Grêmio, ficou decidido que seriam duas duplas, Sabina e Suzane Flamengo e
Nicole e Wesley Internacional.
Iniciou o jogo!!!
140
Anexo 3.1 – Entrevista Nicole e Wesley
Su- eu trouxe para perguntar pra vocês sobre as atividades de lazer, que aquele dia eu
perguntei pra Nicole, aí o Wesley não tava aqui, tava brincando... Mas o que que é atividades de
lazer, não sei se vocês sabem o que que é, não sabem? Atividades de lazer, são atividades que
vocês fazem, no período em que vocês não tem obrigação nenhuma, e o que que seriam as
obrigações, tipo, ajudar a arrumar a casa, ir para escola, e no momento em que vocês não tem
uma obrigação pra fazer, vocês fazem geralmente algo que diverte vocês, algo que é divertido,
que é legal, e vocês fazem isso, podem fazer no final de semana, fazem durante a semana.
Porque vocês assim, realizam várias atividades, e o que eu queria saber de vocês assim é o
seguinte, quais são essas atividades que vocês realizam que é divertido pra vocês? Isso a gente
chama de atividades de lazer. Tem algumas? Aí eu queria saber assim, vocês me responderem e
até desenharem algumas delas pra mim, eu começo perguntando pro Wesley, que tipo de
atividade divertida, de lazer, você gosta de fazer?
W- Brincar.
Su- Brincar?
W- Eu brinco de que as outras crianças brincam, eu brinco de qualquer uma.
Su- Brinca de qualquer uma? Então tu pode me dizer, onde você brinca?
W- Onde?
Su- É, onde você brinca?
W- Aqui em casa.
Su- E na rua você brinca?
W- Só no pátio, só as vezes na frente.
Su- Ah e com quem você brinca?
W- Com a minha irmã né, é a única chata que tem...
(risos)
Su- É a única que tem... e tu? Brinca com ele também?
N- Brinco.
Su- E quem mais tu brinca? Tem a vizinha? a tua amiga ali do lado?
N- Eu não brinco mais com ela.
Su- Ah é, tu tinha dito que não tava mais brincando com ela.
N- Brinco com minhas tias...
W- Esses dias nós tava lá com nosso primo, e ele chamou ela de bicho cabeludo.
(risos)
Su- Oh bicho cabeludo!
W- E eu disse: "Mãe posso ir no bicho cabeludo"?
Su- Tem aqui oh pra fazer, a Sabina também, eu quero saber, com que frequência vocês
brincam, vocês podem brincar todos os dias ou tem dia pra brincar?
W- Ah, podemos brincar todos os dias, depois que a gente chega do colégio.
Su- Ah, assim que chegar do colégio pode brincar?
W- Ahan.
Su- E você já tem dever de casa?
W- Não.
Su- Não? Não precisa fazer dever de casa?
W- Eu tenho que fazer dever de casa pai?
P- Que?
W- Eu tenho que fazer dever de casa?
Sa- É o tema, tema tu não tens?
W- Tenho.
Su- As vezes tem tema? Aí não pode brincar durante...
W- Eu brinco depois eu faço, daí eu brinco...
N- Tudo ele esqueçe, aí ele faz de noite.
141
Su- Ah ele esquece, aí lembra de noite quase na hora de dormir, senão no dia seguinte...
W- Não, eu faço umas sete horas, seis, sete, oito...
Su- E tu já esqueceu de fazer o tema e foi pra aula?
N- Já!
Su- E aí o que que aconteceu?
W- Nada, a professora corrige depois, e quando tá no quadro...
Su- Hum, ela nem chegou a ver... Peguem lápis aqui oh para desenharem. E que brincadeira
vocês fazem dentro de casa?
W- Eu só jogo vídeo game.
Su- Ah tu só joga vídeo game.
N- E eu vejo o Wesley jogar.
Su- Ah tu só assiste, mas não tá jogando vídeo game?
W- Hoje de manhã a Nicole tava jogando!
Su- Ah tu começou a jogar hoje?
N- Eu não sabia...
Sa- E fora o vídeo game, tem outra coisa que tu gosta?
W- Quando minha mãe não me deixa jogar vídeo game, eu brinco de outra coisa.
Su- E quais são as outras coisas que vocês brincam quando não podem jogar vídeo game?
Gi- Posso falar?
Sa- Pode.
Gi- Posso entregar?
W- Nananana.
Gi- Assim oh, eles gostam de brincar de sapato...
(risos)
Gi- Adoram, ele gosta de brincar com as ferramentas do pai dele.
Sa- Ah então, isso é legal...
Su- De mecânico?
Gi- Levou uma bronca ainda agora por causa disso...
Su- Vocês não vão querer desenhar? Eu vou desenhar um vídeo game então.
W- Falando em vídeo game meu pai tá lá jogando...
Sa- Ele gosta também... E ele joga com vocês? O que vocês jogam?
N- Futebol.
W- Meu pai joga me passou no residente.
Sa- vocês jogam juntos?
W- Ahan.
Sa- E a tua mãe joga ou não?
W- Minha mãe? A minha mãe joga escondido de mim quando eu paro o jogo. As vezes eu to
numa fase aí quando eu vou ver já to em outra...
Su- Ah é e se morrer já era, tudo de novo. E ele tem memória card pra poder guardar o jogo?
W- Não, mas .................................................
N- Pega um aí Wesley.
Su- E quando vocês brincam no pátio?
W- Nós brincamos...
Su- De que vocês brincam?
Sa- Fala, nós brincamos...
W- Nós não temos nem brinquedo, nós brincamos assim no pátio...
Sa- De quê? Vocês inventam os brinquedos?
Su- Vocês inventam os brinquedos na rua?
W- É nem sei o nome...
Su- Eu já vi vocês brincando de pula-boneco, amarelinha.
W- É nós brincava bem antes...
Su- Bem antes?
W- É.
Gi- Ele falou que não tem brinquedo né? Ham! Pergunta pra eles, a Nicole tem um monte de
boneca, e prefere brincar com sapato.
142
(risos)
Sa- Como é que é essa brincadeira com sapato?
Gi- Eu não sei guria como é que é, sei que eles fazem uma fila assim, e eu disse pomba
Nicolinha vai brincar de boneca...
Sa- Pegam todos os sapatos da casa...
Gi- O Wesley, a gente deu pra ele um carrinho de controle remoto e ele estragou...
W- Não, não estraguei! Não estraguei mãe!
Gi- Claro ele não estragou, ele nem usa, se estragou sozinho.
Su- De não usar...
Gi- É de não usar.
W- Mãe olha aqui! Tá sem pilha.
Gi- Mas nós botamos pilha, é que eles não gostam dessas coisas, não gostam de brincar, de
carrinho, de bonequinha, isso aí não sei...
Su- Então vocês preferem inventar as brincadeiras de vocês?
N- Aham.
Su- É mais divertido?
W- Aham.
Su- E essa brincadeira do sapato aí?
(risos)
N- Ah, eu vou virar de novo, olha como ficou.
W- Não eu quero o amarelo...
Su- Então agora vocês só ficam mais no vídeo game?
W- Correto.
N- O Wesley fica.
Su- E você fica assistindo o Wesley?
N- Aham.
Su- E no bairro de vocês, tem algum lugar que vocês frequentam que é divertido?
W- Não, no colégio eu brinco na maioria das vezes é no meu colégio...
N- Ou no pátio...
Sa- No colégio tu brinca de quê?
W- Mais é de futebol, eu gosto de futebol...
Su- Com quem? Tu estuda ali no Joãozinho?
Sa- Com quem que tu joga no colégio com os colegas?
W- Não, o recreio é pra todo mundo junto...
Sa- HUm, aí tu joga com os de outra turma também.
Su- E tu Nicole? Tu brinca no colégio também?
N- Brinco.
Su- De quê?
N- De pega-pega.
W- O brinquedo dela é ...................
Su- Brinquedo que você diz é a pracinha?
W- Não tem pracinha é futebol, basquete...
Su- Ah tá, é o ginásio né, a quadra.
W- Não tem ginásio também....
Su- Não tem pracinha na escola?
N- Não.
Su- E vocês vão à pracinha?
N- Não.
W- Vamos as vezes no centro.
Su- Aqui não tem pracinha?
N- Tem mas eu não gosto. Tem passando ......................... e quando acaba tem outra.
Su- E aqui na Castelinho não tem?
N- Tem.
Su- E vocês vão na pracinha aqui da Castelinho.
N/W- Não.
143
Su- Porque que não vão aqui na pracinha?
W- A gente ía...
Sa- E porque que agora tu não vai mais?
W- Porque eu fico em casa.
N- Por causa do play, agora é só play pra ele.
Su- Só play pra ele, então a pracinha já não tem muita graça né?
W- Não.
Sa- Vocês disseram que vão na pracinha do centro? Quando vão na pracinha do centro, quando
vão ao centro?
N- Era na da Cohab. Ía... Era a Mi que nos levava.
Su- Ía só tu, ou o Wesley ía junto?
N- Ía junto.
W- Nunca nós vamos no centro.
Su- E se vocês pudessem modificar alguma coisa no bairro de vocês, o que vocês modificariam?
W- O que eu mudaria?
Su- É.
W- Ter play 5, ter residente 5, só residente 5.
Su- Aqui no bairro não tem um lugar pra jogar vídeo game não? Tipo fliperama?
W- Não, esses negócios aqui não tem.
Sa- Uma locadora que alugue vídeo game, tu vai lá paga e usa um tempo.
N- Tem, tem uma. Tem um monte aqui na vila.
Sa- Tem?
N- Paga e faz uma hora.
Sa- E tu vai jogar nesse lugar?
W- Não, eu jogo só em casa.
Su- Nem antes de você ter o play em casa, você jogava lá?
W- Aham.
Su- Antes jogava, quem te levava pra jogar lá?
N- O Thiago meu tio.
Su- Ah.
W- O Thiago, um dia o Diego.
Sa- E é pertinho da tua casa esse lugar?
W- Não, tem em tudo que é lado...
Sa- Eu nunca vi.
Su- É lan house né?
W- Que?
Su- É lan house o nome que tem computador pra jogar...
W- Tem uma aqui perto.
Sa- Tem umas que não são de computador, são só de vídeo game.
Su- Vou desenhar um campinho.
(pausa - Sabina e Gissele conversando sobre empregos e currículos)
Su- E tem algum lugar que vocês ainda não foram e gostariam de ir? Pra se divertir?
W- Eu?
Su- É.
W- Vários lugares.
Su- Vários, então me conta um deles.
W- Vou contar dois, Rio de Janeiro e São Luiz, São Paulo.
Su- Ah, você gostaria de viajar de conhecer lá?
W- Uhum.
Sa- Ah, eu também deve ser super bonito. Mas assim, algum lugar aqui na nossa cidade, mais
perto, mais fácil de ir.
N- Eu queria ir no futebol que tem no centro.
Su- Ah tá, a Nicole falou, aquele futebol do centro. Tu nunca foi lá? Lá no campo do São Paulo?
144
N- É!
W- Não! No campo de Porto Alegre, no Beira Rio.
Su- Ah tá, gostaria de ir lá no Beira Rio.
Sa- Ah, ver o Inter...
Su- Eu já fui lá, quer dizer, não entrei, passei em frente. Eu entrei só no Gigantinho.
Sa- O do Grêmio?
Su- Ah não sei.
Sa- Não, não, o do Grêmio é o Olímpico, o Gigantinho não sei o que que é.
Su- É um estádio também né.
Sa- Tá, e tem algum lugar aqui na nossa cidade, que seja mais perto, mais fácil de ir, que tu
gostaria de ir? Nenhum? E tu Nicole não tem nenhum aqui, qualquer coisa...
N- Não.
W- Só pracinha a Nicole gosta.
Sa- Qualquer pracinha tu gosta de ir?
W- De vez em quando a gente tá no centro ela fala, ô mãe me leva na pracinha!
N- O Wesley também.
Su- E porque você nunca foi lá no Beira Rio?
W- Porque meu pai nunca arrumou... nunca pegou ingresso, muito longe.
Su- Ah tá. E tu tem alguma obrigação assim...
W- Em casa.
Su- É.
W- Não, obrigação só quando eu faço bagunça, e tenho que arrumar.
Su- Aí é obrigação tua né, fez a bagunça tem que limpar.
Sa- Tu escutou o que ela perguntou?
N- Uhum, se eu tenho que arrumar a casa? Só o que eu bagunço.
Su- Ah tá, que nem o Wesley.
Sa- E a cama de vocês quem é que arruma?
W- As vezes é meu pai, as vezes é minha mãe.
Su- Não tem uma pessoa específica né...
N- Só a Mi, quando a Miriane ficava aqui.
Su- E com os adultos assim da casa, tem algum lugar em que vocês se divertem juntos?
W- Eu e o pai a gente joga vídeo game.
Su- Ah é tu joga com o pai.
Sa- E tu gosta de jogar com ele?
W- Eu gosto.
Sa- E tu ganha dele ou perde?
N- Ele perde e fica chorando.
(risos)
Su- Tu chora quando perde?
W- É só fiasco.
Su- Ah é só fiasco, mas eu também não gosto de perder. Eu faço de tudo pra ganhar. E a mãe de
vocês, ela faz alguma coisa com vocês?
N- Muito não.
Su- Quando ela tem tempo?
Sa- Aí o que por exemplo que ela faz?
W- É, ela brinca muito pouco.
Sa- Ela te ajudava a estudar né?
W- Ajudava.
Su- Tu não tá gostando da escola esse ano? Tá gostando?
Não? Porque?
W- Porque eu nunca gostei, nunca vou gostar.
Su- Da escola? A escola é chata?
W- Uhum.
Su- E porque que é chata. Porque tem que levantar cedo?
W- É de manhã.
145
Su- E se vocês estudassem de tarde, vocês íam gostar de ir pra escola?
W- Não eu odeio ir pra escola.
Su- Em qualquer horário. E quem é que tá te dando aula esse ano Nicole?Qual o nome dela?
N- .......................
Su- A do ano passado, não é mais a Kisy?
N- Não.
Su- E quando era a Kisy você gostava de ir pra escola?
N- Uhum.
Su- Agora então não gosta mais de ir pra escola?
N- Não.
Su- E você tá em que série, Wesley?
W- .....................
Sa- E assim, na escola dentro da sala de aula, não na hora do recreio, não tem nenhum momento
divertido, que vocês gostem.
W- No meu colégio?
Su- É, dentro da sala de aula.
W- Só quando fazem bagunça.
Su- Só na hora de fazer bagunça que é legal, aí ...
W- Senão eu não ía a aula mesmo...
Su- Senão tu não ía...
N- Ele e os outros ficam bagunçando.
Su- Quantos anos tu tem Wesley?
W- Tenho nove, to um ano adiantado.
Su- Ah, é. E com os coleguinhas da rua, Wesley tu brincas com alguém, alguém vem aqui jogar
play contigo?
W- As vezes, mas nós não conseguimos botar fim no residente.
Su- E a tua amiguinha, vizinha tu não brinca mais, Nicole?
N- Não.
Su- E tu vai brincando com quem agora?
N- Com o Wesley e com minhas tias... Ele também brincava antes.
W- Eu não brincava com o bicho cabeludo.
Su- Nunca mais vão ficar de bem?
W- Nunca! Se o bicho cabeludo tocar em mim...
Sa- E tem algum lugar aqui no bairro divertido, algum lugar que tu não vá, mas que tu sabe que
tem algum lugar legal...
N- Não.
Su- Nenhum, então aqui não tem diversão.
N- Só quando eu vou na Zo, na minha tia.
Sa- É irmã da tua mãe, é a mãe da Belinha. E tu Wesley também gosta de visitar a Zo?
W- Adoro, tem o Daniel...
N- Tem a Sofia...
Su- É aquele teu primo que tava jogando contigo aquele dia né... E assim, pras crianças que
vivem aqui na Castelo Branco, aonde é que as crianças brincam mais? Vocês sabem?
W- Elas brincam na frente da casa delas.
Su- Vocês ouviram dizer que as crianças, elas têm direito a algumas coisas né? ouviram
falar que elas tem direito à saúde, alimentação, direito a estudar, a escola, tem direito a um
monte de coisa...
N- Essa gorda, ela come bastante, por isso que ela ficou gorda, ficou bicho cabeludo...
(risos)
Su- Aí vocês sabem que as crianças tem direito a várias coisas?
N- Uhum.
Su- A saúde, alimentação, e vocês acham que as crianças assim...
W- Creeeeedo, cruz creeeeedo, meu!!!
Su- A que formas de lazer de diversão, vocês acham que as crianças dos bairros deveriam ter
direito?
146
W- Só de brincar, sem direito a nada.
Su- Brincar aonde?
W- Na casa delas ué.
N- Ou na frente.
Su- Mas isso elas já fazem, não fazem?
Sa- A pergunta é o que que as crianças não fazem e que poderia existir pra elas fazerem?
W- Sair bastante.
Su- Sair pra onde?
W- Sair... pra outro estado...
Sa- O negócio é viajar.
Su- E se você pudesse criar um lugar aqui você criaria o que?
W- Um estádio!
Su- E tu Nicole, se você pudesse criar alguma coisa no seu bairro o que você criaria?
W- Ela ía criar só pracinha...
(risos)
Su- Ué pode ser pracinha, pracinha é bem divertido.
Sa- E o que que tu ía botar na pracinha?
N- Balanço.
W- Ah, a Nicole anda só de balanço.
Sa- O que tu mais gosta é o balanço?
N- É.
Su- O Wesley ía construir um estádio grandão, igual ao do Beira Rio?
W- O do Grêmio ía ser bem feio.
Su- E se do grêmio fizessem um estádio grandão, igual ao do beira Rio?
W- Eu fazia um maior.
Sa- Agora o Grêmio tá na frente...
W- Mas ainda tem muito campeonato.
Su- E o que você acha que dificulta as crianças se divertirem aqui no bairro?
W- O colégio.
(risos)
Sa- O colégio atrapalha?
W- Atrapalha bastante.
Su- Porque? Você acha que passa muito tempo na escola?
W- Eu passo duas horas na minha sala, duas ou três.
Sa- Não, são quatro horas.
Su- Tu não entra as oito da manhã?
W- Aham.
Su- E sai que horas?
W- Meio dia.
Su- Então, oito, nove, dez, onze, meio dia.
W- Tem recreio, tem merenda.
N- E eu também.
Su- Mas aí é rapidinho.
W- O recreio é dez minutos.
N- E na merenda não pode falar.
Su- Não?
W- Mas os meus colegas falam...
N- E eu também.
Su- E se vocês falam quem é que briga com vocês?
W- A nossa professora.
Su- E a merendeira lá? A tia da merenda?
W- Fala um pouquinho, mas nós continuamos.
Su- Imagina, pobre do colégio.
Sa- Então o que dificulta é só o colégio tu acha?
W- Aham, o colégio é muito ruim.
147
Su- Mas assim, outras crianças que não podem usufruir, não podem ir na pracinha, não podem ir
no caso como você falou ir no Beira Rio...
W- É o colégio, culpa do colégio!
(risos)
Su- A culpa é do colégio?
W- Se não tivesse colégio, teria mais diversão.
Sa- E as que não podem ir na lan house, nem jogar vídeo game...
W- É o colégio, tudo é o colégio.
Sa- E tu Nicole o que que tu acha?
W- Né que é o colégio Nicole?
N- É.
Su- É mas quem sabe um dia vocês acabem gostando do colégio né.
W- Iiiiiihhhh!!!!!!!
Sa- E porque que tu vai ao colégio?
W- Eu vou porque a minha mãe manda né, senão eu não iria de maneira nenhuma.
Su- Então ir pro colégio é uma obrigação, não dá pra escapar disso.
N- Não.
W- Obrigação de todos os dias, todas as semanas, todos os anos...
Su- E dia de chuva vocês vão?
N- Uhhum.
Su- então vocês gostam de dia de chuva né?
Sa- Eu gostava também de dia de chuva.
W- Tu gostava de ir a aula?
Su- Olha, deixa eu me lembrar. É que faz tanto tempo que eu ía, mas assim ó, eu ainda vou pra
aula hoje, e eu não gosto muito de ir a aula, eu vou por obrigação.
Sa- Mas quando eu era pequena assim da idade deles, eu gostava assim, eu não lembro de não
gostar, mas na faculdade eu me lembro que quando eu acordava e escutava o barulhinho de
chuva, eu ah que bom não vou ir hoje.
(risos)
W- Eu torço ainda pra chover.
Su- Então quando tá chovendo de noite vocês ficam faceiros?
W- De manhã tem que tá chovendo das sete até as nove.
(Sabina estava falando sobre a irmã dela não gostar de faltar a aula)
W- No primeiro trimestre, eu faltei sete dias a aula.
Su- Faltou uma semana seguida?
Sa- Mas porque tu tava doente?
W- Não, eu não tava doente, mas eu não faltei, assim, seguido.
Su- Ah, ele faltou um dia, faltou um outro e foi faltando.
Sabina e Suzane falando sobre os turnos em que estudaram no colégio
Miriane chegou.
W- Por mim o que eu mais gosto no colégio, é bagunçar e a educação física.
Su- Eu também gostava.
Sa- Ah, eu não gostava muito.
W- Eu não gosto é de escrever, escrever...
Anexo 4 – Entrevista com Luciellem, Jenifer, tainá e Juninho
A entrevista inicia com uma conversa com a mãe das crianças, explicando novamente
um dos objetivos da pesquisa.
148
Suzane (...) as vezes a gente diz que as crianças são o futuro. Como elas fazem parte
da sociedade eu vou escutar as vozes das crianças. Por isso as minhas perguntas são
pras crianças e não para os adultos como a gente fez da outra vez. Enquanto eu vou
perguntando eu vou dando um desenho pra ela, vou dando uma massa de modelar, eu
vou fazendo várias coisas pra poder escutar um pouco das respostas delas. Por isso que
eu preciso que a gorda fale, porque se ela não flar eu não tenho como anotar depois. Eu
quero escutar a fala das crianças. Pode ser? A gente vai fazer um desenho, o juninho
também vai ganhar um desenho! Taná senta aqui pra desenhar também. O meu estudo é
pra que a sociedade de importancia as crianças também, porque elas não vão se tornar
cidadãs só quando fizerem 18 anos, elas têm que aprender agora a participarem e
falarem. A minha pesquisa é um pouco nesta linha e eu etou estudando o lazer das
crianças do bairro Castelo Branco II, o que as crianças fazem.
Michele – Tigresa! Tigresa! (a cadela entra e passa pela sala e passa no meio de todos)
S o que vocês querem desenhar? Aqui tem canetão, gizão! A gente bota tudo aqui no
meio e depois escolhe? Vamos colocar aqui no meio! O juninho deve gostar de gizão.
Luciellem (L) – Pega, pega um giz!
S – tu estás fazendo desenho na escola também Gorda (Lucielem)?
L – tô.
S – está! Está aprendendo a ler e fazer desenhos também?
L – Tô.
S - O que mais você faz mais lá na escola?
L – brincamos.
S Você brinca lá! E será que o ano que vem vai ser assim quando começar a fazer as
continhas? Que tu achas Michele?
M – ela está na primeira fraca. Ai ano que vem já é a primeira mais puxada.
S- Hii... então ano que vem acaba a brincadeira! Mas é bom ir pra escola pra brincar né!
L – é.
S – e assim gorda, tu sabes o que é atividade de lazer?
L – (faz sinal negativo com a cabeça )
S atividades de lazer nada mais é que as atividades legais que divertem a gente,
quando a gente não está estudando, não está trabalhando. São atividades que divertem a
gente. Você faz alguma atividade que diverte você?
L – (acena negativamente com a cabeça)
S – não. Mas tu tens que falar senão eu não vou escutar.
L – Não.
S – Não. Não tem nenhuma atividade divertida que tu faças?
L – (faz silêncio)
S – não? E as brincadeiras dentro de casa? E as brincadeiras no pátio?
L – Brincadeira no pátio?
S – é.
L – de mamãe e filhinha. De papai.
S ah é! Viu como tem coisa! E aquele dia que eu te vi andando de bicicleta. É chato
andar de bicicleta? Não né! E tu tainá, escolhe um lápis pra desenhar.
T – eu vou desenhar com o roxo.
S – ainda tem a bicicleta? Ela tem a bicicleta Michele?
M – Tem!
L – A lili também tem.
S – a Lili também tem? Ah! É das duas? Não é só tua?
M – Não! Cada uma tem uma.
S – Ah! Cada uma tem a sua!
149
M – Ahã!
S Que chique heim! Essas atividades, essas brincadeiras de mamãe, de filhinha é no
pátio?
L – é no pátio e é na garagem.
S – ah, na garagem.
L – Na garagem.
S – andar de bicicleta aonde é?
L – Na rua.
S – não dá de andar no pátio. Com quem que tu brincas destas coisas?
L – Com a minha amiguinha Daniele, ali da rua.
S – aquela que estava aqui aquele dia.
L – É. Eu quero um lápis.
S – então eu conheço quem é.
Jenifer (Lili) acorda e vem para sala.
L – quer fazer?
S – tem uma folha aqui.
L senta ai mana, eu te ensino a fazer as coisinhas que tu quer. Pega uma caneta ai,
pega.
S – do que tu prefere brincar?
L – hã... brincar de boneca.
S- Você prefere brincar de boneca. É legal brincar de boneca né.
L – é.
S – quando vocês podem brincar?
L – quando a gente vem do colégio a gente brinca.
S – que horas você chega do colégio? Muito tarde?
M – Cino e quinze.
L – heim lili, escreve!
S – vou fazer uma cestinha pra minha bicicleta.
L – quer que eu escreve? Queres que eu faça ?
S – agora vou fazer uma árvore porque a minha bicicleta está na rua. Que outras
atividades é divertida pra vocês?
Silêncio das crianças
L- está faltando o telhado da casa!
S – E tu Lili (Jenifer), gosta de brincar de que?
Jenifer (J) – Lá fora é brincar de bicicleta.
S – eu também gostava de andar de bicicleta, teve um dia que eu caí. Vocês já caíram de
bicicleta?
As crianças permanecem em silêncio desenhando
S – nunca caíram?
L – eu já caí.
S – ah tá. Achei que só eu tivesse caído de bicicleta.
T – Mãe! (mostrou o desenho)
M- Desenha ai ném!
S – tem algum lugar no bairro de vocês que vocês gostam de ir, que é divertido?
150
L – pra cá na Castelo?
S – é! Tem algum lugar que vocês gostam de ir?
L – Eu gosto de ir na minha madrinha.
S – onde fica a tua madrinha?
L – Na São Miguel.
S – hiii, mas é longe!
L – Não.
S – não é?
L – eu vou pegar o amarelo.
S – vocês vão caminhando pra lá?
L – As vezes eu e a Lili nós vamos de bicicleta.
S – é mais rápido assim.
L – é.
S – e lá na tua vó? Você vai lá sempre?
L – vou.
S – vocês brincam lá também?
L – brinquemo!
S – com quem?
L – Com a minha tia pequena.
S – tua tia pequena. Tu tens tia grande também?
L – Tenho.
S – e na vó aqui d rua, tem alguém pra brincar?
L – as vezes a lili brinca com a guriazinha do lado.
S – uma amiguina?
L – é.
S – aqui no bairro tem lugar de brincar? Campinho?
L – Campo?
S –é.
L – tem aqui atrás no caic, as vezes a gent vai no arroio.
S – ah. No arroio, quando está calor? Que legal. Só quando está calor?
L – é.
S – e no frio, vocês fazem o que?
L – brincamos tapadas!
S – aonde?
L – Na cama.
S – Quando está muito frio né!
L – é. Ah que bonito mano!
S – está bem bonito o da Tainá também! (11:56)
S tem alum lugar aqui na Castelo que vocês gostariam de modificar? Que fosse
diferente? Que vocês gostariam de criar pras crianças da Castelo Branco? O que vocês
gostariam de fazer?
As crianças estão concentradas no seus próprios desenhos e não dão atenção à pergunta.
J – A minha ponta caiu.
S – se vocês pudessem criar um lugar pra brincar, o que você faria Lili?
M – Passa nego!! (outro cachorro passa pelo meio de sala)
L – Passa nego! Ah que nojo! (o cachorro sujou as folhas com as patas)
151
J , L , T - (...) eu sou maria, eu sou joão (...) /as crianças cantam uma música de
comercial.
L – Olha que amor! (apontando para o desenho de um de seus irmãos) Não apaga mano!
S – tem algum outro lugar que tu vais, que tu lembres que é divertido?
As crianças não respondem
S – olha o meu desenho. Essas aqui são vocês, brincando de bicicleta ali na rua.
RISOS
L – Eu vou ensinar o juninho. Vou fazer uma árvore pra ele.
J – Aqui!
L – Péra! Que eu to fazendo uma árvore.
S – tem algum lugar que vocês gostariam de passear?
T, L, J – Pega o desenho!!
As crianças conversam entre si.
S – não lembram? Não tem nenum lugar que vocês gostariam de passear?
L – Na nossa tia. (15:55)
S – ah é! Vocês gostam de ir lá? É aonde, aqui na Castelo ou na Cidade de Águeda?
L – Perto da obra. Na tia aninha.
S – Vocês não vão muito nessa tia?
L As vezes.
S – Tem cara de que é longe.
L – Não.
S – então é aqui perto. Vocês vão de bicicleta também?
L – Vamos.
S – Quando vocês vão lá na madrinha, na tia, na tua avó, vocês vão com quem?
L – As vezes com o pai, as vezes com a mãe.
S – São sempre eles que levam vocês pra passear?
L – É.
As crianças conversam entre si sobre seus desenhos.
Neste momento registramos a entrevista com fotos.
S – É a Sabina. Entra. Ah, o Cachorro.
M- Está na garagem.
J – Está na garagem, entra!
S – vou desenhar vocês
Risos das crianças.
S – Deixa eu ver... a Lili tem franginha!
J – (Risos)
M – Não juninho!
J – tá tudo feio! Acho que foi o Juninho.
S- na escola tu brincas?
152
J – (acena positivamente com a cabeça)
S – Em que lugar da escola vc brinca?
J – Com os meus amiguinhos.
Sabrina – Qual é a brincadeira?
J – Chicotinho queimado.
S – Quando você vai na sua avó, você brinca de que lá?
J – De boneca. Lá tem uma boneca grande.
S – grande? De que tamanho? Assim?
J – um pouquinho mais grande!
S – do tamanho da Lili?
L – Um pouquinho mais grande.
S – meu Deus! Deve ser muito bonita?
J – Olha aqui, o nome dela é Alicia.
S – que bonita deve ser esta boneca. Você queria ter uma boneca assim?
L – Eu tinha, mas roubaram da minha.
S – Roubaram? Que barbaridade!
L – O nome dela era Luna.
S – que legal devia ser essa boneca.
S – em casa você tem alguma tarefa? Você ajuda a mãe?
L – A fazer comida.
S – ah é? Que menina sabida! E tu Lili. Ajuda a mãe também?
J – Não. Eu não sei fazer.
L – Só passa o dia andando de bicicleta.
S Então é tu que ajuda! Tem alguma coisa que dificulta vocês irem passear na tua
tia? Há alguma coisa que impede de vocês irempra lá?
L – Não.
S – Vocês podem ir sempre. (27:30)
um dos objetivos da pesquisa.
Suzane (...) as vezes a gente diz que as crianças são o futuro. Como elas fazem parte
da sociedade eu vou escutar as vozes das crianças. Por isso as minhas perguntas são
pras crianças e não para os adultos como a gente fez da outra vez. Enquanto eu vou
perguntando eu vou dando um desenho pra ela, vou dando uma massa de modelar, eu
vou fazendo várias coisas pra poder escutar um pouco das respostas delas. Por isso que
eu preciso que a gorda fale, porque se ela não flar eu não tenho como anotar depois. Eu
quero escutar a fala das crianças. Pode ser? A gente vai fazer um desenho, o juninho
também vai ganhar um desenho! Taná senta aqui pra desenhar também. O meu estudo é
pra que a sociedade de importancia as crianças também, porque elas não vão se tornar
cidadãs só quando fizerem 18 anos, elas têm que aprender agora a participarem e
falarem. A minha pesquisa é um pouco nesta linha e eu etou estudando o lazer das
crianças do bairro Castelo Branco II, o que as crianças fazem.
Michele – Tigresa! Tigresa! (a cadela entra e passa pela sala e passa no meio de todos)
S o que vocês querem desenhar? Aqui tem canetão, gizão! A gente bota tudo aqui no
meio e depois escolhe? Vamos colocar aqui no meio! O juninho deve gostar de gizão.
Luciellem (L) – Pega, pega um giz!
S – tu estás fazendo desenho na escola também Gorda (Lucielem)?
L – tô.
S – está! Está aprendendo a ler e fazer desenhos também?
L – Tô.
S - O que mais você faz mais lá na escola?
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L – brincamos.
S Você brinca lá! E será que o ano que vem vai ser assim quando começar a fazer as
continhas? Que tu achas Michele?
M – ela está na primeira fraca. Ai ano que vem já é a primeira mais puxada.
S- Hii... então ano que vem acaba a brincadeira! Mas é bom ir pra escola pra brincar né!
L – é.
S – e assim gorda, tu sabes o que é atividade de lazer?
L – (faz sinal negativo com a cabeça )
S atividades de lazer nada mais é que as atividades legais que divertem a gente,
quando a gente não está estudando, não está trabalhando. São atividades que divertem a
gente. Você faz alguma atividade que diverte você?
L – (acena negativamente com a cabeça)
S – não. Mas tu tens que falar senão eu não vou escutar.
L – Não.
S – Não. Não tem nenhuma atividade divertida que tu faças?
L – (faz silêncio)
S – não? E as brincadeiras dentro de casa? E as brincadeiras no pátio?
L – Brincadeira no pátio?
S – é.
L – de mamãe e filhinha. De papai.
S ah é! Viu como tem coisa! E aquele dia que eu te vi andando de bicicleta. É chato
andar de bicicleta? Não né! E tu tainá, escolhe um lápis pra desenhar.
T – eu vou desenhar com o roxo.
S – ainda tem a bicicleta? Ela tem a bicicleta Michele?
M – Tem!
L – A lili também tem.
S – a Lili também tem? Ah! É das duas? Não é só tua?
M – Não! Cada uma tem uma.
S – Ah! Cada uma tem a sua!
M – Ahã!
S Que chique heim! Essas atividades, essas brincadeiras de mamãe, de filhinha é no
pátio?
L – é no pátio e é na garagem.
S – ah, na garagem.
L – Na garagem.
S – andar de bicicleta aonde é?
L – Na rua.
S – não dá de andar no pátio. Com quem que tu brincas destas coisas?
L – Com a minha amiguinha Daniele, ali da rua.
S – aquela que estava aqui aquele dia.
L – É. Eu quero um lápis.
S – então eu conheço quem é.
Jenifer (Lili) acorda e vem para sala.
L – quer fazer?
S – tem uma folha aqui.
L senta ai mana, eu te ensino a fazer as coisinhas que tu quer. Pega uma caneta ai,
pega.
S – do que tu prefere brincar?
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L – hã... brincar de boneca.
S- Você prefere brincar de boneca. É legal brincar de boneca né.
L – é.
S – quando vocês podem brincar?
L – quando a gente vem do colégio a gente brinca.
S – que horas você chega do colégio? Muito tarde?
M – Cino e quinze.
L – heim lili, escreve!
S – vou fazer uma cestinha pra minha bicicleta.
L – quer que eu escreve? Queres que eu faça ?
S – agora vou fazer uma árvore porque a minha bicicleta está na rua. Que outras
atividades é divertida pra vocês?
Silêncio das crianças
L- está faltando o telhado da casa!
S – E tu Lili (Jenifer), gosta de brincar de que?
Jenifer (J) – Lá fora é brincar de bicicleta.
S – eu também gostava de andar de bicicleta, teve um dia que eu caí. Vocês já caíram de
bicicleta?
As crianças permanecem em silêncio desenhando
S – nunca caíram?
L – eu já caí.
S – ah tá. Achei que só eu tivesse caído de bicicleta.
T – Mãe! (mostrou o desenho)
M- Desenha ai ném!
S – tem algum lugar no bairro de vocês que vocês gostam de ir, que é divertido?
L – pra cá na Castelo?
S – é! Tem algum lugar que vocês gostam de ir?
L – Eu gosto de ir na minha madrinha.
S – onde fica a tua madrinha?
L – Na São Miguel.
S – hiii, mas é longe!
L – Não.
S – não é?
L – eu vou pegar o amarelo.
S – vocês vão caminhando pra lá?
L – As vezes eu e a Lili nós vamos de bicicleta.
S – é mais rápido assim.
L – é.
S – e lá na tua vó? Você vai lá sempre?
L – vou.
S – vocês brincam lá também?
L – brinquemo!
S – com quem?
L – Com a minha tia pequena.
S – tua tia pequena. Tu tens tia grande também?
L – Tenho.
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S – e na vó aqui d rua, tem alguém pra brincar?
L – as vezes a lili brinca com a guriazinha do lado.
S – uma amiguina?
L – é.
S – aqui no bairro tem lugar de brincar? Campinho?
L – Campo?
S –é.
L – tem aqui atrás no caic, as vezes a gent vai no arroio.
S – ah. No arroio, quando está calor? Que legal. Só quando está calor?
L – é.
S – e no frio, vocês fazem o que?
L – brincamos tapadas!
S – aonde?
L – Na cama.
S – Quando está muito frio né!
L – é. Ah que bonito mano!
S – está bem bonito o da Tainá também! (11:56)
S tem alum lugar aqui na Castelo que vocês gostariam de modificar? Que fosse
diferente? Que vocês gostariam de criar pras crianças da Castelo Branco? O que vocês
gostariam de fazer?
As crianças estão concentradas no seus próprios desenhos e não dão atenção à pergunta.
J – A minha ponta caiu.
S – se vocês pudessem criar um lugar pra brincar, o que você faria Lili?
M – Passa nego!! (outro cachorro passa pelo meio de sala)
L – Passa nego! Ah que nojo! (o cachorro sujou as folhas com as patas)
J , L , T - (...) eu sou maria, eu sou joão (...) /as crianças cantam uma música de
comercial.
L – Olha que amor! (apontando para o desenho de um de seus irmãos) Não apaga mano!
S – tem algum outro lugar que tu vais, que tu lembres que é divertido?
As crianças não respondem
S – olha o meu desenho. Essas aqui são vocês, brincando de bicicleta ali na rua.
RISOS
L – Eu vou ensinar o juninho. Vou fazer uma árvore pra ele.
J – Aqui!
L – Péra! Que eu to fazendo uma árvore.
S – tem algum lugar que vocês gostariam de passear?
T, L, J – Pega o desenho!!
As crianças conversam entre si.
S – não lembram? Não tem nenum lugar que vocês gostariam de passear?
L – Na nossa tia. (15:55)
S – ah é! Vocês gostam de ir lá? É aonde, aqui na Castelo ou na Cidade de Águeda?
L – Perto da obra. Na tia aninha.
S – Vocês não vão muito nessa tia?
L As vezes.
S – Tem cara de que é longe.
L – Não.
S – então é aqui perto. Vocês vão de bicicleta também?
L – Vamos.
S – Quando vocês vão lá na madrinha, na tia, na tua avó, vocês vão com quem?
L – As vezes com o pai, as vezes com a mãe.
156
S – São sempre eles que levam vocês pra passear?
L – É.
As crianças conversam entre si sobre seus desenhos.
Neste momento registramos a entrevista com fotos.
S – É a Sabina. Entra. Ah, o Cachorro.
M- Está na garagem.
J – Está na garagem, entra!
S – vou desenhar vocês
Risos das crianças.
S – Deixa eu ver... a Lili tem franginha!
J – (Risos)
M – Não juninho!
J – tá tudo feio! Acho que foi o Juninho.
S- na escola tu brincas?
J – (acena positivamente com a cabeça)
S – Em que lugar da escola vc brinca?
J – Com os meus amiguinhos.
Sabrina – Qual é a brincadeira?
J – Chicotinho queimado.
S – Quando você vai na sua avó, você brinca de que lá?
J – De boneca. Lá tem uma boneca grande.
S – grande? De que tamanho? Assim?
J – um pouquinho mais grande!
S – do tamanho da Lili?
L – Um pouquinho mais grande.
S – meu Deus! Deve ser muito bonita?
J – Olha aqui, o nome dela é Alicia.
S – que bonita deve ser esta boneca. Você queria ter uma boneca assim?
L – Eu tinha, mas roubaram da minha.
S – Roubaram? Que barbaridade!
L – O nome dela era Luna.
S – que legal devia ser essa boneca.
S – em casa você tem alguma tarefa? Você ajuda a mãe?
L – A fazer comida.
S – ah é? Que menina sabida! E tu Lili. Ajuda a mãe também?
J – Não. Eu não sei fazer.
L – Só passa o dia andando de bicicleta.
S Então é tu que ajuda! Tem alguma coisa que dificulta vocês irem passear na tua
tia? Há alguma coisa que impede de vocês irempra lá?
L – Não.
S – Vocês podem ir sempre. (27:30)
157
Anexo 5 – Fotos do Bairro
Crianças brincando na rua.
Praça da Castelo Branco
balanços
Praça
brinquedos depredados
Campinho do futebol
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