Download PDF
ads:
Bruno Gonçalves Alvaro
A CONSTRUÇÃO DAS MASCULINIDADES EM CASTELA
NO SÉCULO XIII: UM ESTUDO COMPARATIVO DO
POEMA DE MIO CID E DA VIDA DE SANTO DOMINGO DE
SILOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Comparada, Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Mestre em História Comparada.
Orientadora: Profª. Drª. Andréia Cristina Lopes Frazão da
Silva
Rio de Janeiro
Dezembro/2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
FICHA CATALOGRÁFICA
ALVARO, Bruno Gonçalves.
A Construção das Masculinidades em Castela no Século XIII: Um Estudo
Comparativo do Poema de Mio Cid e da Vida de Santo Domingo de Silos/ Bruno
Gonçalves Alvaro. – 2008.
vii, 174 p.
Dissertação (mestrado) UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em
História Comparada, 2008.
Orientadora: Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Referências Bibliográficas: f. 178.
1. Masculinidades. 2. Estudos de Gênero 3. História Comparada. 4. Castela. 5.
Idade Média Central. I. Poema de Mio Cid. II. Vida de Santo Domingo de Silos.
III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, IFCS, Programa de Pós-Graduação
em História Comparada. IV. A Construção das Masculinidades em Castela no
Século XIII: Um Estudo Comparativo do Poema de Mio Cid e da Vida de Santo
Domingo de Silos.
ads:
Bruno Gonçalves Alvaro
A CONSTRUÇÃO DAS MASCULINIDADES EM CASTELA NO
SÉCULO XIII: UM ESTUDO COMPARATIVO DO POEMA DE MIO CID
E DA VIDA DE SANTO DOMINGO DE SILOS
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
Graduação em História Comparada, Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em História Comparada.
Aprovada por:
____________________________________________________
Profª. Drª. Andréia C. L. Frazão da Silva – Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________
Profª. Drª. Leila Rodrigues da Silva – Universidade do Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________
Profª. Drª. Marcus Silva da Cruz – Universidade Federal do Mato Grosso
Rio de Janeiro
Dezembro/2008
DEDICATÓRIA
Dedico todo esse trabalho a duas pessoas sem as quais minha vida acadêmica não
tomaria rumo. Profissionais cuja transparência nas críticas e no modo de lidar comigo,
mostraram-me um novo modo de pensar e fazer História Medieval.
Professor Marcus Silva da Cruz, pelos anos que me orientou na graduação,
depositando em mim a esperança que eu não tinha e por ter se convertido num grande amigo,
presente em momentos cruciais da minha carreira e de minha vida pessoal. Obrigado por tua
presença tão honrosa em minha qualificação e em minha defesa. No mais, sem você eu não
teria tido a chance de trabalhar com a pessoa que me orgulho em chamar de orientadora:
Professora Andréia Lopes Frazão da Silva.
Poderia eu tentar infinitamente lapidar as mais doces palavras para agradecer a
receptividade inacreditável quando te procurei ainda perdido e com uma idéia na cabeça.
Entretanto, realmente o posso. Pois temo que a pieguice ultrapasse demais os motivos dessa
dedicatória.
O talento com que me conduziu até aqui, o tempo que dispensou e a correção com que
me orientou, me deixam sem palavras plausíveis ou adjetivações à sua altura e capacidade
como historiadora.
Seus conselhos e sua sinceridade me fizeram enxergar coisas que até então eram
apenas pontos luminosos sem forma nem cor no principio desse longo túnel.
Acredito que nossa parceria teve um resultado de sucesso e é reflexo direto do bom
trabalho que fez ao me orientar. Sem muito mais a dizer, creio que encerar com nosso poeta
preferido, justificará essas muitas linhas de dedicatória.
Para você, pego de empréstimo os versos de Berceo e afirmo: Movamos adelante, en
esto non tardemos,/ la materia es luenga, mucho non demoremos,/ ca de las sus bondades,
maguer mucho andemos,/ la milésima parte decir no la podremos.
AGRADECIMENTOS
É chegado, então, o momento no qual posso despir-me da escrita acadêmica e
preocupar-me um pouco menos com a estética do meu texto.
Durante todo o desenvolvimento e redação desta pesquisa, o pronome nós esteve
enfaticamente presente, não só por questões estilísticas, necessariamente empregadas na
elaboração de um texto acadêmico. Porém, bem mais, pelo reconhecimento de que o trabalho
do historiador nunca é feito completamente na solidão de seu quarto repleto de textos, livros e
um computador. Talvez, tenha sido este o aprendizado mais importante, dos muitos, que
recebi de minha orientadora e que carregarei para o resto da minha vida profissional.
Abandono, então, o nós” tão empregado nos capítulos subseqüentes e passo a citar
desenfreadamente as diversas mãos que me ajudaram direta ou indiretamente, ora a desatar,
ora a apertar, os muitos nós que amarraram minha vida até o fim desse ciclo e,
inevitavelmente, inicio de um outro.
Ao Deus que tudo vê, pois tem, sem dúvidas, olhado por mim. Assim, as muitas
letras” não me deixaram louco.
Agradeço, infinitamente, meu pai, Apparecido Alvaro Filho, e minha mãe, Isabel
Cristina Gonçalves Alvaro, por todo o amor, carinho, dedicação e investimento. Vocês são
pessoas sem as quais esse momento, sem dúvidas, o teria chegado. Obrigado pelo orgulho
que me proporcionam diariamente. O amor que tenho por vocês extravasa minha alma.
Durante muitas vezes, essa pesquisa foi escrita sob o olhar preocupado dos dois, o que
suscitou brigas amorosamente familiares, principalmente, no que diz respeito à ausência de
uma boa noite de sono e uma alimentação adequada ao esforço empregado. Em meio a tudo,
acho que o resultado final os agradará tanto quanto me agradou. E perceberão, assim como
agora eu percebo, que valeu a pena.
Aos meus muitos tios e tias, em especial, Sindía Gonçalves Alvaro e Expedito Alvaro,
por todo o carinho. Ao meu querido primo-irmão (mais irmão do que primo) Gustavo
Gonçalves Alvaro, pelos muitos saraus de música e poesia e pela promessa, nunca cumprida,
de uma leitura atenta dos manuscritos de cada capítulo, pois no final das contas, só lerás o que
concluí.
À minha querida Ana Lúcia, por ter entrado em minha vida com tanta alegria,
confiança e amor. Muito obrigado por compartilhar comigo esse caminho tão árduo, com
tanto respeito, compreensão, sinceridade e afeto. Não tenho palavras para expressar a paz que
você trouxe ao meu coração tão turbulento. E confesso o ter a certeza de que eu teria a
mesma postura que você teve durante estes quase dois anos de trabalho intenso. Não sei se
minha natureza tão inconstante suportaria tão bem tua ausência como você suportou a minha,
tampouco os rompantes de desespero, que tanto ocorreram no caminho dessa dissertação. Por
estes motivos, o meu amor e o meu respeito por você crescem cada vez mais.
Aos meus sogros (Raimundo e Glória) e cunhadas (Cecília e Patrícia), meu terno
agradecimento, por respeitarem meu jeito muito esquisito de ser e minha ausência nos
momentos “família”.
Aos meus familiares (todos, todos e todos) e em especial: minha prima Keila
Coutinho.
À família Lourenço, na figura tão correta do Pr. César e de sua esposa, por tantos anos
que me acompanharam enquanto fui membro da Primeira Igreja Batista em Presidente
Juscelino Kubitschek e ao seu filho e grande amigo Pr. Elber Costa Lourenço, pelas aulas de
música e as boas conversas bíblicas que varam madrugadas até hoje. À sua esposa Ângela e
seus filhos Guilherme e Henrique, por todo amor. Muito obrigado por tudo e que Deus
continue os abençoando infinitamente.
Ao companheiro de longa viagem, de brincadeiras indevidas na hora da EBD, nas
Colônias de Férias e nos muitos encontros de adolescentes batistas: Bruno de Medeiros
Ribeiro. E como o tempo passa e não somos mais crianças, meu obrigado se estende a sua
noiva Aline, pelas muitas tardes divertidas de churrasco!
Ao querido irmão e amigo, Celso Vicente Jr. e toda sua família, pelas orações e a
amizade de tantos anos.
À minha querida professora e amiga Gláucia, por anos e anos de estudos bíblicos e por
ter feito minha adolescência ter tido muito mais graça e seriedade!
Ao meu grande amigo, Thiago de Azevedo Porto e toda sua família, por terem se
integrado de tal forma à minha vida que não consigo, muito, visualizar meu caminhar sem
suas presenças. Meu irmão, obrigado pelo teu carinho, por tua amizade fiel, tuas críticas e
conselhos, muito obrigado mesmo!
Meus queridos professores de francês que com paciência e sucesso me ensinaram os
atalhos desse idioma tão melódico: Cristina Deta (Cris) e Antonio Augusto (Guto).
Ao grande amigo Fernando Gralha de Souza, que um dia me mostrou que era possível
chegar onde estou chegando. Parabéns para nós, meu chapa! Parabéns para nós! E ainda
fomos contemporâneos de defesa!
À professora e amiga Maria das Graças, por entender minhas molecagens no período
de graduação! E, creio eu, por pura esperança no meu futuro e intervenção do prof. Marcus
Cruz, nunca deixou que eu me atrapalhasse muito nas poucas matérias que eu tinha tempo de
cursar! São os micro-poderes que nos envolvem! Grande beijo!
Aos amigos que compartilharam comigo um período tão cheio de descobertas, como é
a universidade: Angélica (Dinda), Valéria, Thiago Klen, Raquel e Aline. Muito obrigado.
Aos amigos da época do francês: Kátia Teonia e Renatinha (por me ensinarem o
sentido do amor), Rodrigo Otávio, filhão”, muito obrigado pelos conselhos! Você é, sem
dúvidas, uma das representações de intelectualidade na qual mais me espelho.
Meu carinhoso agradecimento à professora Leila por sua presença honrosa na minha
qualificação e na minha defesa e por estar sempre nos observando sem a gente observar.
Chego à conclusão que você está sempre presente nos momentos em que sou avaliado! Que
coisa, não?
Ao professor Fábio Lessa, pela ajuda bibliográfica na época em que cursei sua
disciplina no mestrado e, ainda, por seus pertinentes comentários, vindos em boa hora, bem
próximos ao momento de defesa desta pesquisa! Muito obrigado!
À Márcia e Leniza, pelo trabalho fantástico e indispensável como secretárias do
PPGHC! Muito, muito obrigado mesmo por tudo!
Ao povão do Programa de Estudos Medievais, por terem me recebido tão bem quando
ali cheguei. Em especial: Guilherme Antunes Jr.; Priscila Falci; Tatiane Reis e sua mãe, pelo
maracujá tão gostoso!; Fernanda Vilhena; Fabrícia; Flávia; Andrea Costa; Paulo Parq; Luiz
Felipe; Ana; Rodrigo Rainha; Rita, Jacqueline; Jefferson; Valdiza e todo mundo mesmo! É
muita gente, por isso, paro por aqui!
À querida amiga Carolina Fortes, pelas agradáveis e intermináveis conversas sobre as
coisas sérias da vida! Muito obrigado!
Ao grandioso e talentoso amigo, Leandro Rust, pela boa prosa (que ia desde nosso
ofício até lembranças dos Trapalhões!) e pela ajuda fundamental em momentos de crise!
Como foram e são importantes tuas investidas, meu caro, como o são! Teu incentivo nunca
poderá ser recompensado por mim, meu chapa! Muitíssimo obrigado!
Ao amigo Marcelo Lima, por acompanhar de perto minha trajetória e por ter sempre
uma ótima piada em tempos nublados! Tuas cticas sempre foram recebidas por mim com
orgulho e respeito. Muito grato mesmo!
Ao simpático e fantástico, Marcelo Fernandes, sempre tão solícito e dedicado. Você
merecia linhas e linhas de meus agradecimentos, mas isso suscitaria ciúmes nos amigos mais
antigos, sabe como é, não é meu caro “cavaleiro levita”? Que Deus continue derramando Suas
ricas bênçãos sobre ti e tua família!
À amiga Daniele Sandes (Galubé!) pelas conversas super agradáveis, recheadas de
piadas infames! Acho que já posso devolver teu Bernard Reilly!
Ao grande amigo e companheiro nas disciplinas cursadas no primeiro ano, o grande
MESTRE: Pauli (Paulo Duarte)!
E o indescritível e inconfundível Kimon Speciale, que fazia as aulas serem muito mais
divertidas do que realmente poderiam ser. Tua amizade e companheirismo foram
fundamentais no início do curso e mesmo com a distância que a vida nos vai proporcionando
ainda estamos na luta! Obrigado.
Daniele Kaeser (Dani Caju) a mineira mais carioca que conheço. E, claro, o grande
cidadão do mundo: Fabrício, por ter nos acolhido tão bem em Porto Alegre.
Aos amigos do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, pelos tempos de estudo:
Rodrigo Marttie, Leonardo Bertolossi, Rafael Albuquerque, Stella Garrido, Luiz Fernando
Folly, Valmir Farias, Dom Mauro, etc. E, por fim, Dom José, pela generosa contribuição no
período de pesquisa. Muito obrigado!
Aos amigos de ofício que travam comigo a árdua tarefa de ensinar em especial:
Rodrigo Carvalho e meu super irmão de barba Vinicius Constant.
À amiga flauta transversa e o terapeuta violão, sem os quais eu surtaria de vez!
Quem mais? Não sei... Muita gente. Fica aqui um espaço em branco para nomes que
não me lembrarei mesmo ou que não me vêm à cabeça agora.
Creio que uma folha é mais que suficiente...
“Quiero que compongamos ío e tú una prosa.”
(Gonzalo de Berceo)
“O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu
em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário
as palavras que poderiam se juntar em versos.”
(João Cabral de Mello Neto, em Os três mal-amados)
“Sou homem! Vencedor das mortes,
bem-nascido além dos dias,
transfigurado além das profecias!”
(Mário de Andrade, em Meditações sobre o Tietê)
À memória de minha tia Ivone Margarete Gonçalves,
que nos deixou enquanto trilhávamos este caminho.
Fica a certa esperança de nos vermos num novo amanhã,
distante ou próximo, Ele é quem sabe...
Universidade Federal do Rio de Janeiro
BRUNO GONÇALVES ALVARO
A CONSTRUÇÃO DAS MASCULINIDADES EM CASTELA NO
SÉCULO XIII: UM ESTUDO COMPARATIVO DO POEMA DE MIO CID
E DA VIDA DE SANTO DOMINGO DE SILOS
Rio de Janeiro
2008
RESUMO
ALVARO, Bruno Gonçalves. A Construção das Masculinidades em Castela no culo
XIII: Um Estudo Comparativo do Poema de Mio Cid e da Vida de Santo Domingo de
Silos. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado em História Comparada) Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Em nossa dissertação, preocupamo-nos em analisar, à luz dos Estudos de Gênero e
através do Método Comparativo em História, como foram construídas as masculinidades no
medievo ibérico. Não objetivamos estudar as masculinidades na Península Ibérica como um
todo, mas sim, casos específicos de Castela no século XIII, a partir da análise dos discursos de
duas obras selecionadas, o Poema de Mio Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos. Tratam-se
de textos contemporâneos, escritos no século XIII pelos clérigos poetas Per Abbat e Gonzalo
de Berceo, respectivamente.
A partir da análise comparativa dos protagonistas, Cid e Domingo, e de demais
personagens selecionados nos dois documentos, defendemos que, ao caracterizarem seus
protagonistas, as obras apresentam um mesmo ideal de masculinidade, comum a leigos e
religiosos, construído mediante qualificações positivas como coragem, bondade, fidelidade,
compromisso com a fé cristã, etc., e em seu relacionamento com outros homens e mulheres.
Ao mesmo tempo, observamos, nas narrativas, diversos graus de masculinidade,
representados por demais personagens das obras, cujas construções se aproximam ou se
afastam da masculinidade dita ideal. Estas gradações ligadas à masculinidade relacionam-se
às idéias, que circulavam no medievo, de que as diferenças sexuais eram de grau e o de
natureza. Partindo do ideal, o homem próximo a Deus, em graus descentes, chegava-se às
mulheres pecadoras.
Palavras-chave: Castela Idade Média Estudos de nero História Comparada
Masculinidades – Poema de Mio Cid – Vida de Santo Domingo de Silos
Rio de Janeiro
Dezembro/2008
RÉSUMÉ
ALVARO, Bruno Gonçalves. La Construction des Masculinités en Castela au XIIIe
siècle: Une Etude Comparative du Poème de Mio Cid et de la Vie de Saint Domingo de
Silos. Rio de Janeiro, 2008. Dissertation (Master en Histoire Comparée) Institut de
Philosophie et Sciences Sociales, Université Federale de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Dans notre dissertation, on s´est occupée en analyser, selon les Etudes de Genre et par
moyen de la Méthode Comparative en Histoire, comment se sont construites les masculinités
dans le Moyen-Âge ibérique. On ne veut pas étudier les masculinités dans la Peninsule
Ibérique comme un tout, mais des cas spécifiques de Castela, dans le XIIIe siècle, à partir de
l´analyse du discours de deux oeuvres sélectionnées, le Poème de Mio Cid et la Vie de Saint
Domingo de Silos. Il s´agit de textes modernes, écrits au XIIIe siècle par les clériques poètes
Per Abbat et Gonzalo de Berceo, respectivement.
À partir de l´analyse comparative des protagonistes, Cid et Domingo, et des autres
personnages sélectionnés dans les deux documents, on pense que, au moment on
caractérise les protagonistes, les oeuvres présentent le même idéal de masculinité, commun à
des laïques et à des réligieux, construit selon des qualifications positives comme le courage, la
bonté la fidélité, le compromis avec la foi chrétienne, etc. et dans son rapport avec d´autres
hommes et femmes.
En même temps, on a observé, dans les récits, plusieurs dégrés de masculinité,
representes par d´autres personnages des oeuvres, dont les constructions s´approchent ou
s´éloignent de la masculinité dite idéale. Ces gradations liées à la masculinité se rapportent
aux idées qui étaient présents dans le Moyen Age, dont les différences sexuelles étaient de
dégré et non de nature. En partant de l´idéal, l´homme proche de Dieu, en dégrés descendants,
s´approchait des femmes pêcheuses.
Mots-Clés: Castela Moyen Âge Etudes de Genre Histoire Comparée Masculinités
Poème de Mio Cid – Vie de Saint Domingo de Silos
Rio de Janeiro
Décembre/2008
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. Dados históricos sobre os protagonistas das obras em análise: O Poema de Mio Cid e a
Vida de Santo Domingo de Silos .......................................................................................... 14
1.1. Rodrigo Díaz de Vivar, o El Cid Campeador ......................................................... 15
1.2. Domingo de Silos, o santo libertador de cativos .................................................... 17
2. Os fundamentos teóricos e metodológicos .......................................................................... 18
2.1. História das mulheres, Gênero e Masculinidade ..................................................... 19
2.2. O Método Comparativo em História: A proposta de Jürgen Kocka para a
comparação em História e sua aplicabilidade em nossa pesquisa
................................................................................................................................ 23
3. Objetivos e hipóteses da pesquisa ....................................................................................... 25
4. Dados sobre a organização da redação da dissertação ........................................................ 26
CAPÍTULO 1 – O Poema de Mio Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos: Tendências de
pesquisas
1.1. Estudos acerca do Poema de Mio Cid .............................................................................. 27
1.1.1. Edições críticas do Poema de Mio Cid ................................................................. 27
1.1.2. Estudos sobre Cavalaria no Poema de Mio Cid .................................................... 29
1.1.3. Estudos sobre a crítica externa do Poema de Mio Cid .......................................... 30
1.1.4. Estudos sobre política no Poema de Mio Cid ...................................................... 31
1.1.5. Estudos sobre a presença feminina no Poema de Mio Cid ....................................32
1.2. Tendências dos estudos sobre a Vida de Santo Domingo de Silos ................................... 33
1.2.1. Edições críticas elaboradas da Vida de Santo Domingo de Silos .......................... 33
1.2.2. Estudos das fontes da Vida de Santo Domingo de Silos ....................................... 34
1.2.3. Estudos sobre a santidade na Vida de Santo Domingo de Silos ............................ 35
1.2.4. Estudos sobre a Vida de Santo Domingo de Silos e sua relação com os textos
juglares .................................................................................................................. 37
1.3. Considerações finais do capítulo ...................................................................................... 39
CAPÍTULO 2 – O Contexto sócio-político de composição do Poema de Mio Cid e da Vida
de Santo Domingo de Silos e a produção cultural em Castela no século XIII
2.1. Os reinados de Afonso VIII, o Nobre e Fernando III, o Santo: aspectos sócio-culturais
gerais para a base de produção do Poema de Mio Cid e da Vida de Santo Domingo de
Silos ................................................................................................................................... 41
2.2. O corpus documental: O Poema de Mio Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos ......... 46
2.2.1. O Poema de Mio Cid: Os combates e debates sobre a obra ................................. 47
2.2.2. A Vida de Santo Domingo de Silos: Um texto religioso escrito para todos ......... 51
2.3. O Poema de Mio Cid: Literatura cortês escrita por um clérigo ........................................52
2.3.1. Per Abbat: o autor do Poema de Mio Cid ............................................................ 57
2.4. O clérigo-poeta Gonzalo de Berceo e a Vida de Santo Domingo de Silos: Hagiografia ou
poema-hagiográfico? ........................................................................................................ 64
2.4.1. Hagiografia .......................................................................................................... 68
2.5. Considerações finais do capítulo ..................................................................................... 70
CAPÍTULO 3 A nue distância entre clérigos e cavaleiros em Castela no século XIII
através do estudo de suas masculinidades no Poema de Mio Cid
3.1. Os personagens selecionados para análise no Poema de Mio Cid ................................... 72
3.2. Don Jheronimo, Don Sancho e El Cid: Clérigos e cavaleiros lado a lado na luta contra os
mouros ............................................................................................................................... 74
3.3. As masculinidades desviantes no Poema de Mio Cid: Os infantes de Carrión e seu bando
............................................................................................................................................ 81
3.4. El Cid e a Afronta de Corpes: Um ideal de masculinidade para os homens castelhanos do
século XIII ......................................................................................................................... 88
3.4.1. O caminho para a restituição da honra do Cid ..................................................... 89
3.4.2. As Cortes de Toledo: Duelos entre masculinidades ............................................. 91
3.5. Considerações finais do capítulo ...................................................................................... 96
CAPÍTULO 4 – Não só uma hagiografia, não só um poema: A Vida de Santo Domingo de
Silos e o modelo ideal de eclesiástico em Castela no século XIII
4.1. A masculinidade religiosa na Vida de Santo Domingo de Silos: Uma conformidade com a
Igreja ............................................................................................................................... 101
4.1.1. As masculinidades leigas: Fernando I, García de Nájera e o embate com
Domingo de Silos .............................................................................................. 106
4.1.2. O abade emilianense da Vida de Santo Domingo de Silos: Uma crítica berceana?
........................................................................................................................... 113
4.1.3. Os “outros” e os cavaleiros: A representação das masculinidades moura e
cavaleiresca na Vida de Santo Domingo de Silos ............................................ 116
4.1.4. A presença feminina na Vida de Santo Domingo de Silos ................................ 121
4.2. Considerações finais do capítulo ................................................................................... 126
CAPÍTULO 5 – As masculinidades em Castela no século XIII
5.1. O Poema de Mio Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos: Similitudes e diferenças nas
masculinidades................................................................................................................. 129
5.1.1. As similitudes e diferenças entre as masculinidades leiga e religiosa no Poema de
Mio Cid e na Vida de Santo Domingo de Silos: O caso dos protagonistas ......... 130
5.1.2. O caráter modelar das obras: uma masculinidade ideal ..................................... 133
5.2. A construção das masculinidades leiga no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo
Domingo de Silos: similitudes e diferenças .................................................................... 134
5.2.1. A construção das masculinidades religiosa no Poema de Mio Cid e na Vida de
Santo Domingo de Silos: similitudes e diferenças .............................................. 140
5.3. A presença moura no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo Domingo de Silos e sua
influência na construção das masculinidades .................................................................. 142
5.4. A atuação feminina no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo Domingo de Silos ........ 143
5.4.1.A presença feminina no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo Domingo de Silos e
sua relação com a construção das masculinidades .............................................. 144
5.5. Considerações finais do capítulo .................................................................................... 145
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 147
BIBLIOGRAFIA
1. Documentações medievais ............................................................................................... 154
2. Obras de caráter teórico-metodológico ............................................................................. 155
3. Instrumentos de estudo ..................................................................................................... 159
4. Obras específicas .............................................................................................................. 159
5. Obras gerais ...................................................................................................................... 168
6. Sítios consultados .............................................................................................................. 174
14
INTRODUÇÃO
Nossa pesquisa, valendo-se do arcabouço teórico desenvolvido pelos Estudos de
Gênero, principalmente a partir dos postulados de Joan Scott, visa dedicar um olhar analítico
ao campo dos estudos a respeito das masculinidades. Para tal, utilizaremos o Método
Comparativo em História, seguindo a perspectiva apresentada por Jürgen Kocka.
Dessa forma, na presente introdução, serão apresentadas, mais profundamente, as
informações concernentes aos documentos por nós utilizados e seus protagonistas, o método
empregado para manuseá-las e o arcabouço teórico que nos possibilitará analisá-los.
Apresentaremos, também, os objetivos do trabalho, seus questionamentos e hipóteses,
procurando, com isso, definir todo o sustentáculo da nossa pesquisa.
Ao final dessa introdução, definiremos, ainda, as normas por nós utilizadas, bem
como, o modelo que elaboramos para citar textualmente nossas fontes.
1 Dados históricos sobre os protagonistas das obras em análise: O Poema de Mio Cid e a
Vida de Santo Domingo de Silos
Nosso intuito, ao apresentar as breves informações biográficas que se seguem, não é
fixar nossa análise à reconstituição de um El Cid e um Domingo de Silos históricos, que
nosso objeto de estudo é a construção das masculinidades no século XIII, momento de
redação do Poema de Mio Cid e da Vida de Santo Domingo de Silos,
1
obras nas quais os dois
figuram como personagens principais. Consideramos, diferentemente de alguns autores,
2
que
os textos em questão podem ser utilizados como testemunhos históricos por nos
possibilitarem uma idéia, não do período em que viveram os personagens, mas,
principalmente, a representação dada pelos autores a eles.
3
Sendo assim, o momento em que
elas foram produzidas e transmitidas não deve ser ignorado.
Dessa maneira, nosso corte cronológico parte dos últimos anos do reinado de Afonso
VIII, o Nobre (1158-1214) até o de Fernando III, o Santo (1217-1252).
4
Dentro desse período,
1
No decorrer da nossa redação utilizaremos as siglas PMC e VSD quando nos referirmos as obras em questão.
2
Tais como: Ramón Menéndez Pidal e Richard Fletcher. O primeiro defendeu até sua morte que o Poema de Mio
Cid era um testemunho fiel de como foi El Cid histórico, o segundo assinala em seu livro que tal obra, por ter
caráter literário, não deveria ser lida como um testemunho histórico.
3
Cf. Sobre o conceito de representação por nós utilizado ver: CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre
Práticas e Representações. 2 ed. Lisboa: Difel, 2002.
4
Sem ignorar, ainda, o início do governo de Afonso X, o Sábio.
15
acreditamos, as duas obras em questão foram compostas e alcançaram uma certa transmissão
na cultura e sociedade castelhana.
O contexto selecionado foi marcado por uma variedade de transformações que
possibilitaram à coroa castelhana-leonesa o domínio sobre diversos territórios ao sul da
Península Ibérica, aentão sob o domínio dos mouros. Graças às incursões militares contra
os muçulmanos, pouco a pouco foi se estabelecendo o controle do território peninsular.
Dentro dessa atmosfera guerreira, na qual a fórmula bélica cristãos versus mouros
conotava aos reis um caráter singular de “defensores do cristianismo”, é possível observarmos
como seu poderio se chocava com o da Igreja.
Foi, ainda, nesse momento, que o castelhano paulatinamente se estabeleceu como
“língua oficial” e a as obras com as quais trabalhamos foram produzidas e difundidas. Dessa
forma, nosso pressuposto é de que as mesmas trazem em suas elaborações traços específicos
dessa região e período.
Assim, questionamo-nos de que maneira o contexto político, militar e cultural do
Reino Castelhano-leonês, no período por nós destacado, interferiu na construção cultural das
masculinidades presentes nos dois textos selecionados. Quais as similitudes e diferenças
apresentadas pelos protagonistas e demais personagens do PMC e da VSD? As
masculinidades presentes nessas obras possuem caráter modelar? Elas relacionam-se às
concepções de masculino presentes na sociedade castelhana-leonesa no século XIII?
Passamos agora a apresentar os protagonistas em questão.
1.1 – Rodrigo Díaz de Vivar, o El Cid Campeador
Rodrigo Díaz de Vivar ou El Cid, como é mais conhecido e como chamaremos no
decorrer da dissertação, nasceu, provavelmente, na terceira ou quarta década do século XI na
aldeia de Vivar, a poucos quilômetros ao norte de Burgos, na época, território pertencente a
coroa de Castela e Leão, sob o governo de Fernando I (1035-1065). De uma família de
infanzones,
5
El Cid foi mandado ainda jovem para viver na casa do filho mais velho de
Fernando I, Sancho, que herdaria mais tarde o trono de Castela como Sancho II, o Forte
(1065-1072). Sobre a educação intelectual recebida por Rodrigo Díaz, Richard Fletcher
5
Cf. DEYERMOND, Alan David. Cid, el (Rodrigo Díaz). In: LOYN, Henry R. (Org.). Dicionário da Idade
Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 88 e FLETCHER, Richard. Em Busca de El Cid. São
Paulo: Unesp, 2002. p. 150.
16
ressalta: “Ele era alfabetizado chegou até nós, de fato, um exemplar de sua letra e é
razoável que ele houvesse aprendido a ler e escrever ainda bem criança.”
6
No que diz respeito ao seu treinamento cavaleiresco, ou seja, o lidar com as armas,
provavelmente, iniciou-se ainda na sua infância. Este foi complementado com sua inserção na
mesnada do jovem príncipe Sancho que, possivelmente, lhe armou cavaleiro, dando assim por
completa sua formação militar.
7
Quando Fernando I morreu, os domínios da coroa de Castela e Leão foram divididos
entre seus filhos e filhas. Castela ficou nas mãos de seu primogênito Sancho; Leão coube a
Afonso; Galiza, a Garcia e às suas duas filhas o usufruto dos mosteiros e das rendas
territoriais. Sem contar, ainda, que cada um dos filhos varões recebia os parias
8
pagos pelos
muçulmanos fronteiriços de seus reinos: o primogênito de Castela cobrava parias de
Saragoça; Afonso de Leão, os de Toledo, e Garcia, os de Badajoz e Sevilha.
El Cid passou a servir ao novo rei de Castela com o cargo de armiger.
9
Tal cargo o
mantinha ocupado recolhendo o tributo anual de Saragoça, muitas vezes mediante o uso de
força. Ao lado do monarca, o cavaleiro lutou, também, na chamada guerra dos três Sanchos.
10
Com a morte da rainha Sancha, (a imperatriz-mãe, viúva de Fernando I), em 7 de
novembro de 1067, a aparente tranqüilidade entre os reinos cessou, irrompendo mais tarde
numa batalha travada em Llantada onde Afonso foi derrotado por Sancho, refugiando-se em
Toledo. A paz foi restabelecida, contudo, tal estabilidade durou pouco tempo, pois os
incidentes territoriais entre os irmãos Sancho II e Afonso VI de Leão (1065-1109)
continuaram.
6
FLETCHER, op. cit., p. 151.
7
de se destacar que para alguns autores, como Colin Smith, El Cid foi armado cavaleiro por Fernando I.
Sobre as etapas de treinamento dos cavaleiros medievais Cf. DUBY, Georges. Guilherme Marechal ou o
Melhor Cavaleiro do Mundo. Rio de Janeiro: Graal, 1995; _____. O Domingo de Bouvines: 27 de Julho de
1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993; FLORI, Jean. Cavalaria. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-
Claude (Org.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do
Estado, 2002. 2 v. V. 1. p. 185-199; _____. La Caballería. Madrid: Alianza, 2001. Richard Fletcher também
dedica uma parte de seu livro especificamente a possível educação militar recebida por El Cid. Cf. FLETCHER,
op. cit., p. 152-155.
8
Tributos anuais cobrados pelas coroas ibéricas aos reinos de taifas muçulmanos em situação de dependência em
troca de proteção militar, tanto contra ataques cristãos quanto mouros. Cf. FLETCHER, op. cit., p. 95.
9
Fletcher assinala: “Originalmente, o armiger do rei era apenas aquilo que a palavra latina significa literalmente,
o portador de armas do rei. A partir do século XI, nas ocasiões cerimoniais, o armiger continuou a ser o serviçal
do rei cujo dever e privilégio era carregar a espada, a lança e o escudo reais. Mas, ao tempo de Sancho II, as
responsabilidades desse oficial ultrapassavam em muito as meramente domésticas ou cerimoniais. Ao armiger
cabia supervisionar a milícia da casa real, o corpo de tropas que formava a guarda do rei, constituindo o núcleo
do exército real.” FLETCHER, op. cit., p. 157. Ver também: MATEU IBARS, Josefina. La Confirmatio del
Signifer, Armiger y Alférez Según Documentación Astur-leonesa y Castelhana. En la España Medieval, v.1, p.
263-316, 1980.
10
Conflito travado entre Sancho II de Castela contra as forças de seus primos Sancho IV de Navarra e Sancho
Ramírez de Aragão. Cf. FLETCHER, op. cit., p. 159.
17
Em 1072, durante o cerco a uma cidade, Sancho II foi morto sob circunstâncias até
hoje desconhecidas,
11
abrindo caminho para que Afonso VI unificasse os territórios de Leão e
Castela sem nenhum empecilho familiar à sua frente, que seu irmão Garcia fora preso
quando tentava retornar à Galiza.
12
Tal evento parece ter afetado a relação entre El Cid e o então Afonso VI de Leão e
Castela (1065/1072-1109), problema que aumentou ainda mais com o evento conhecido como
“jura de Santa Gadea”,
13
no qual conta-se que o cavaleiro burgalês teria feito o monarca
castelhano-leonês jurar não ter tido participação alguma na morte de seu irmão. As
dificuldades políticas, somadas ao possível posicionamento de El Cid contra Afonso VI após
a morte de Sancho II, ou, ainda, problemas com outros súditos reais, puseram em xeque a
situação do cavaleiro na Corte, o que, provavelmente, o levou ao exílio acompanhado de um
pequeno grupo de guerreiros fiéis ao falecido monarca.
14
Durante seu período de desterro, El
Cid desencadeou diversas empreitadas militares extorquindo parias das taifas do leste da
península
15
e lutando como mercenário a serviço dos muçulmanos. Seu mais famoso sucesso
foi a tomada de Valência, que governou, aproximadamente, por cinco anos, de 1094 até sua
morte em 1099.
Todos esses feitos parecem ter favorecido a fusão entre realidade e mito, o que pode
ser constatado pelos vários El Cid que podem ser encontrados numa larga tradição literária: o
poema Carmem Campi Doctoris, a biografia Historia Roderici, a Primeira Crónica General e
o PMC, isso sem contar os escritos muçulmanos nos quais ele também se faz presente.
1.2 – Domingo de Silos, o santo libertador de cativos
11
Não se sabe ao certo se Afonso VI teve alguma ligação com a morte do irmão.
12
Entretanto, tal “unidade territorial” entrou em crise novamente com a morte de Afonso VI. A hegemonia de
Castela na Península só volta a tomar forma novamente em meados de 1230, quando as coroas de Leão e Castela
se uniram definitivamente. Cf. RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa,
1995.
13
Segundo Adeline Rucquoi, “os Castelhanos ficaram convencidos da responsabilidade do rei de Leão no
assassínio de Sancho e exigiram que prestasse juramento de inocência”. RUCQUOI, op. cit., p. 160. Ver,
também, LABARTA DE CHAVES, Teresa. Introducción Biográfica y Crítica. In: GONZALO DE BERCEO.
Vida de Santo Domingo de Silos. 3 ed. Edición, introducción y notas de Teresa Labarta de Chaves. Madrid:
Editorial Castalia, 2005. p. 9-55. p. 13.
14
Não um consenso acerca dos motivos do exílio de El Cid e sua cronologia. Alguns autores defendem que
ocorreu graças a problemas relacionados à possível participação de Afonso VI na morte de seu irmão. Outros,
por sua vez, assinalam que o vassalo foi exilado por tomar parte em um ataque a Toledo, àquela altura aliada de
Leão e Castela. Cf. REILLY, Bernard. Cristãos e Muçulmanos: A Luta pela Península Ibérica. Lisboa:
Teorema, 1992. p. 153; RUCQUOI, op. cit., p. 160; FLETCHER, op. cit., p. 162 e 163.
15
Taifas eram pequenos reinos muçulmanos próximos aos territórios cristãos, na grande maioria dos casos, estes
reinos pagavam tributos anuais (parias) as coroas ibéricas em troca de proteção militar. Cf. REILLY, op. cit., p.
154.
18
Domingo de Silos se insere no mesmo contexto político que El Cid. Segundo a
documentação sobre o santo, sabe-se que nasceu no ano 1000, em Cañas, povoado de La
Rioja, sob o reinado de Sancho, o Grande (1000-1035). Foi ordenado clérigo ainda jovem,
passou um ano e meio como eremita e por volta de 1030 foi aceito como monge no Mosteiro
de San Millán de la Cogolla, onde passou dez anos, quatro dos quais como prior em Santa
Maria de Canãs, comunidade ligada ao mosteiro emilianense. Pelo que consta na
documentação e, também, em sua vita, em 1040, após conflitos com o rei de Navarra, Garcia
de Nájera (1035-1054), acabou se auto-exilando em Castela e pelas mãos do rei Fernando I,
de Castela e Leão, foi nomeado abade do monastério de San Sebastián de Silos, tornando-se o
responsável direto por sua restauração graças às doações não desse monarca como,
posteriormente, de seus filhos Sancho II de Castela e Afonso VI de Leão. Isso nos leva a crer
que era bem quisto por grande parte dos monarcas do período, à exceção de seu, possível
desafeto, García de, rei de Navarra, que figura em sua hagiografia, ao lado do abade de San
Millán de la Cogolla, como responsável por sua saída do monastério.
Segundo Teresa Labarta de Chaves, Domingo de Silos foi uma figura de expressão na
Corte Castelhana de sua época, participando, inclusive, com outros abades, do translado dos
restos mortais dos Santos rtires de Ávila e, ainda, da transladação das relíquias de Isidoro
de Sevilha e San Alvito. Em suas viagens, muitas delas à Corte Castelhana em Burgos, ainda
segundo a autora, ele firmou em 1069 um documento com “un vecino y amigo suyo Ruy Díaz
de Vivar”
16
e em decorrência da morte de Sancho II, em 1072, é provável que tenha assistido
a já referida e controversa “jura de Santa Gadea”.
Domingo de Silos morreu em 20 de dezembro de 1073 e três anos depois o bispo de
Burgos ordenou a transladação de seu corpo para um altar da igreja, o que, na época, era
equiparado a uma canonização oficial. Após sua morte ganhou fama como santo libertador de
cristãos cativos entre os mouros. Sua trajetória é narrada em duas obras hagiográficas
medievais: Vita Beati Dominici Silensis, escrita em prosa e em latim pelo monge Grimaldo no
final do século XI, e a VSD, escrita no século XIII em versos e em castelhano medieval pelo
clérigo-poeta Gonzalo de Berceo.
17
2 – Os fundamentos teóricos e metodológicos
16
LABARTA DE CHAVES, op. cit., p. 13.
17
Ainda há uma hagiografia escrita no século XIII por Pedro Marin, mas relatando os milagres post mortem desse
santo.
19
Nossa pesquisa está fundamentada metodologicamente na comparação de dois textos
medievais e o instrumento teórico por nós escolhido para perceber as nuanças de tal
comparação foi o conceito de masculinidades, elaborado à luz das relações de gênero.
Os estudos de gênero têm se dedicado, quase que exclusivamente, ao feminino,
acabando por deixar à margem o masculino como categoria de análise. Por esse motivo, é
latente a ausência de trabalhos, assim como o nosso, dedicados ao estudo da masculinidade no
medievo.
18
Ao nos posicionarmos especificamente frente a esses dois campos, acreditamos ser
válida a apresentação de seus históricos e múltiplos aspectos.
2.1 – História das mulheres, Gênero e Masculinidade
Segundo Hayden White, quando procuramos explicar tópicos problemáticos, nunca
alcançamos com precisão o que queremos dizer, tampouco expressamos o sentido exato do
que dizemos.
19
É assim que nos sentimos ao expor a teoria por nós escolhida para o auxílio de
nossa análise documental. Tal dificuldade pode ser explicada pelos três motivos que abaixo
descrevemos.
Primeiro, pelos Estudos de Gênero se tratarem de um campo cujas abordagens são tão
múltiplas quanto as do Método Comparativo em História.
20
Podemos defini-la, ainda, como
18
Vale ressaltar que tal ausência também é marcante no que se refere à Antigüidade e, um pouco menos, à
Contemporaneidade. Cf. FILHO, Silvio de Almeida Carvalho; LESSA, Fábio de Souza. Masculinidade? Uma
Reflexão Comparativa. In: LESSA, Fábio de Souza. (Org.). Poder e Trabalho: Experiências em História
Comparada. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 11-34.
19
Cf. WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a Crítica da Cultura. 2 ed. o Paulo: Edusp,
2001.
20
Cf. BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha; THEML, Neyde. História Comparada: Olhares Plurais. Revista
de História Comparada, v. 1, n. 1, jun. 2007. Disponível em:
<http://www.hcomparada.ifcs.ufrj.br/revistahc/vol1-n1-jun2007/olharesplurais.pdf>. Último acesso em:
07/10/2007. Nesse trabalho, as autoras traçam um amplo parâmetro sobre as perspectivas de aplicação do
Método Comparativo em História. Apesar de serem várias as vertentes comparativas do método em História,
optamos por apresentar em nossa dissertação apenas a linha do historiador Jürgen Kocka, conforme seu artigo
Comparison and Beyond. Cf. KOCKA, Jürgen. Comparison and Beyond. History and Theory, n. 42, p. 39-44,
fev. 2003. As transcrições desse artigo foram feitas a partir da tradução elaborada por Maria Elisa Bustamante.
Porém, destacamos os seguintes trabalhos, que refletem, também, acerca da multiplicidade do método e, ainda,
traçam suas próprias perspectivas: BLOCH, Marc. Pour Une Histoire Comparée des Sociétés Européennes. In:
Marc Bloch: L’Histoire, la Guerre, la Résistance. Édition étable par Annette Becker et Étienne Bloch. Paris:
Gallimard, 2006. p. 347-380; _____. Projet d’un Enseignement d’Histoire Comparée des Sociétés Européennes
(Candidature au Collège de France). In: Marc Bloch: L’Histoire, la Guerre, la Résistance. Édition étable par
Annette Becker et Étienne Bloch. Paris: Gallimard, 2006. p. 443-450; _____. Os Reis Taumaturgos: O
Caráter Sobrenatural do Poder Régio. França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1993;
BARROS, José D'Assunção. História Comparada: Um novo modo de ver e fazer História. Revista de História
Comparada, v. 1, n. 1, jun. 2007. Disponível em: <http://www.hcomparada.ifcs.ufrj.br/revistahc/vol1-n1-
jun2007/mododever.pdf>. Último acesso: 06/10/2007; CARDOSO, Ciro Flamarion S.; PÉREZ BRIGNOLI,
Hector. Os Métodos da História. Uma Introdução aos Problemas, Métodos e Técnicas da História
Demográfica, Econômica e Social. 6 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002; DETIENNE, Marcel. Comparer
l'Incomparable. Paris: Seuil, 2000; FEBVRE, Lucien. Une Esquisse d’Histoire Comparée. Revue de Synthèse
20
uma área das Ciências Humanas que exige cuidado ao ser adentrada, pois, um nimo passo
em falso pode desmoronar as bases analíticas de uma pesquisa como, por exemplo, confundir
um fundamento aparentemente simples: discernir entre uma História feita à luz das Relações
de Gênero ou uma enquadrada na perspectiva de História das mulheres.
Em segundo lugar, por terem os Estudos de Gênero debutado, historicamente, junto ao
movimento feminista dos anos 60 que, entre outras coisas, lutou pela inserção das mulheres
no campo de trabalho predominantemente masculino e, ainda, como protagonistas no campo
analítico da História, este também marcadamente misógino, segundo as mesmas, e não mais
como meras coadjuvantes.
21
Esse contexto poderia, então, nos gerar um certo desconforto, por sermos do sexo
masculino e termos, ainda, escolhido apenas a categoria homens como objeto de análise. Seria
nosso trabalho um paradoxo dentro dos Estudos de nero? Absolutamente não. É o que nos
remete ao terceiro e último motivo: os diversos conceitos sobre masculinidade. O que nos
impõe à opção teórica de rechaçar um conceito de masculinidade hegemônica. Por este
motivo, trabalharemos em nossa pesquisa com o enunciado masculinidades, no plural, pois
demonstra a multiplicidade de atuação deste campo conceitual.
22
Passamos agora a
demonstrar seus múltiplos aspectos nas Ciências Humanas.
A masculinidade(s) é um campo de análise relativamente novo dentro dos Estudos de
Gênero
23
e sua emergência surgiu justamente graças às reflexões teóricas das historiadoras no
decorrer das mudanças de perspectiva dentro do seio da História das mulheres, que emergiu,
primeiramente, com o objetivo de “integrar as mulheres à História”.
24
Diante da dificuldade encontrada pelos historiadores das mulheres em inseri-las na
análise histórica, observou-se a necessidade de elaborar um modo de pensar para teorizar toda
essa problemática. “Gênero” foi o termo escolhido e extraído, segundo Scott, tanto da
Gramática quanto dos estudos sociológicos sobre os papéis masculinos e femininos
designados nas sociedades, e passou a ser usado, então, para teorizar, inicialmente, a questão
da diferença social em contraste com as conotações físicas. Nesse contexto, também
enfatizaram o aspecto relacional do gênero, a partir do seguinte esquema:
Historique, n. 37, p. 151-152, 1924; PIRENNE, Henri. De la Méthode Comparative en Histoire. In: MARES, G.
des, GANSHOF, F. L. (Eds.). Ve. Congrès International des Sciences Historiques. Bruxelles: Weissenbruch,
1923. p. 19-28.
21
Cf. SCOTT, Joan Wallach. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: Novas
Perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 63-96.
22
Sobre este postulado discutiremos mais a seguir.
23
Cf. MINELLO MARTINI, Nelson. Masculinidades: Es un Concepto en Construcción. Nueva Antropología.
Revista de Ciencias Sociales, n. 61, p. 11-30, 2002.
24
SCOTT, op. cit., p. 85.
21
Não se pode conceber mulheres, exceto se elas forem definidas em relação
aos homens, nem homens, exceto quando eles forem diferenciados das
mulheres. Além disso, uma vez que o gênero foi definido como relativo aos
contextos social e cultural, foi possível pensar em termos de diferentes
sistemas de nero e nas relações daqueles com outras categorias como raça,
classe ou etnia, assim como levar em conta a mudança.
25
No entanto, com o passar do tempo, tal categoria, antes destinada a analisar as
diferenças entre os sexos, passou a se preocupar com as diferenças dentro da diferença. A
aproximação dos pensadores e pensadoras de gênero com o pós-estruturalismo possibilitou
inferir que a “masculinidade e a feminilidade são encaradas como posições de sujeito, não
necessariamente restritas a machos ou fêmeas biológicos”.
26
Dentro dessas múltiplas facetas teóricas que os Estudos de Gênero alcançaram,
decidimos adotar os pressupostos assinalados por Scott, uma das mais proeminentes
pesquisadoras no assunto, em seu artigo Gender: A Useful Category of Historical Analysis.
27
Neste artigo, ela ressalta que a utilização da categoria gênero dentro das Ciências
Sociais pode ter várias conotações que, no entanto, variam das mais simples definições às
mais complexas. Para Scott, em resumo, os Estudos de Gênero atendem à necessidade de
analisarmos os processos de relações de poder entre homens e mulheres na sociedade. Ainda
segundo ela, para entendermos a natureza dessas relações e escrevermos sua história,
devemos reconhecer que “man and woman are at once empty and overflowing categories”.
28
Scott considera que tais categorias são “vazias” porque não têm nenhum significado
definitivo, transcendente, e “transbordante”, pois mesmo quando parecem fixas, contêm
dentro de si definições alternativas que podem ser negadas ou reprimidas.
Podemos enxergar, dessa maneira, gênero como relacional, não só relativo a homens e
mulheres, como inerente, também, à relação desses atores com o social, cultural, etc. Sendo
assim, é possível desenvolver um estudo à luz da categoria gênero analisando apenas
homens.
29
O que nos remete às masculinidades leigas e religiosas de Castela do século XIII,
foco principal de nossa pesquisa.
25
Ibidem. p. 87.
26
Ibidem. p. 89. Ver também: BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da
Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
27
SCOTT, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. In: _____. Gender and Politics of
History. New York: Columbia University Press, 1999. p. 28-50.
28
Ibidem. p. 49.
29
Gênero como uma categoria relacional ampla, ver: FLAX, Jane. Pós-modernismo e Relações de Gênero na
Teoria Feminista. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque (Org.). Feminismo e Política. Rio de Janeiro: Rocco,
1991. p. 217-250.
22
Este campo de análise, como já ressaltado, é relativamente novo, sendo assim, toda e
qualquer definição sobre o que é ou pode ser definido como masculinidade(s) se torna
complexa. Nelson Minello Martini demonstra tal problema, ao rastrear pelo menos seis
enfoques para o seu estudo e ressalta, ainda, que cada um deles apresenta uma
conceitualização específica.
30
Utilizar a conceitualização de Andrew Tolson foi nossa saída para tal problema. Este
pesquisador define a masculinidade como “uma identidade de género culturalmente
determinada e socialmente funcional”.
31
Essa idéia de masculinidade possibilita-nos manejar
com mais segurança um conceito tão complexo. No mais, permite-nos afirmar que as
masculinidades por nós analisadas estão inseridas diretamente no contexto de produção do
PMC e da VSD.
Em resumo, as masculinidades o culturalmente específicas, pois, como veremos,
estão inseridas no cotidiano militar/religioso do reino castelhano e, por sua vez, funcionais,
pois são elementos constitutivos das relações de poder que leigos e religiosos estabeleciam
entre si e com outros, como no caso da Península Ibérica, com muçulmanos e judeus.
Essas relações de poder, quando vistas à luz dos Estudos de Gênero, nos possibilitam
compreender a diversidade de características que compõem os graus de masculinidades
representados através dos protagonistas das obras e a tentativa dos autores em construir
identidades leigas e religiosas masculinas calcadas em elementos que denominaremos de
adjetivações e substantivações.
Tais elementos são utilizados justamente para diferenciar os diversos graus de
masculinidades por eles construídas nos textos e por nós identificadas.
32
Essa pluralidade de
masculinidades é funcional à medida que lança ou não o individuo na marginalidade daquela
sociedade.
Os autores partilham de uma masculinidade genérica, ligada à sua cultura, mas, ao
comporem seus textos, caracterizando e adjetivando os personagens, tornam-se testemunhos
sobre a funcionalidade social e a multiplicidade do enunciado masculinidade.
Os homens, leigos ou religiosos, que no discurso textual não possuem as
características masculinas construídas pelos poetas para os protagonistas El Cid e Domingo de
Silos (honra, coragem, sobriedade, etc), entram no clivo da diferenciação. Ou seja, acabam,
por assim dizer, representando uma masculinidade que não deve ser seguida e, que, por isso, é
30
Cf. MINELLO MARTINI, op. cit., p. 15 e 16.
31
TOLSON, Andrew. Os Limites da Masculinidade. Lisboa: Assírio e Alvim, 1983. p. 14.
32
LAQUEUR, Thomas. Inventando o Sexo: Corpo e Gênero dos Gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2001.
23
marginalizada pelos autores, sendo alocada em graus distantes das masculinidades dos
personagens principais das duas obras analisadas. Os homens que se enquadram em tal
situação são retratados tentando de toda maneira retomar a masculinidade perdida ou
manchada por suas ações. Como veremos, alguns deles alcançam tal objetivo, entretanto,
outros não.
Desta forma, defendemos que os autores do PCM e da VSD apresentam em suas obras
uma masculinidade, tanto para leigos como para religiosos, caracterizada por adjetivações e
substantivações positivas e que pode ser considerada como aquela almejada por Per Abbat e
Gonzalo de Berceo para os homens castelhanos. Seguindo o que propomos em nossa análise,
encontramos também nas obras graus de masculinidades que se aproximam ou se distanciam
desta masculinidade representada através dos personagens El Cid e Domingo de Silos e à
medida que isso se dá, elas são aceitas ou não socialmente.
33
2.2 O Método Comparativo em História: A proposta de Jürgen Kocka para a comparação
em História e sua aplicabilidade em nossa pesquisa
Como ressaltado, optamos por utilizar o método comparativo em História seguindo os
pressupostos estabelecidos Jürgen Kocka em seu artigo Comparison and Beyond. Este autor
enfatiza em tal trabalho que: “comparar em História significa discutir dois ou mais fenômenos
históricos sistematicamente a respeito de suas singularidades e diferenças de modo a se
alcançar determinados objetos intelectuais”.
34
Ele ainda ressalta que, não necessariamente,
tais fenômenos devam ser de sociedades diferentes ou sincrônicas, ou seja, dentro de uma
mesma sociedade e em um mesmo marco de tempo, pois, para ele, é possível, através da
comparação histórica observar possíveis similitudes e/ou diferenças especificas.
Para Kocka a abordagem comparativa é fundamental para se levantar e responder
questões de causa. Ele ressalta que, analiticamente, o método comparativo em História
é sem dúvida (...) indispensável para historiadores que gostam de fazer
indagações causais e fornecer respostas causais. Seguindo o mesmo
raciocínio, deveria ser enfatizado que a crítica necessária das explicações
dadas, incluindo a refutação de “pseudo-explicações” tanto do tipo local
como do generalizante, precisa da comparação da mesma forma.
35
Kocka ainda alerta sobre mais dois propósitos da História Comparada, além dos
heurísticos e analíticos: os descritivos e paradigmáticos. Para ele, descritivamente a
33
Ibidem.
34
KOCKA, op. cit., p. 39.
35
Ibidem. p. 40 e 41.
24
comparação histórica possibilita estudar e “esclarecer os perfis de casos singulares,
freqüentemente de apenas um único caso, ao contrastá-lo com outros”.
36
Por exemplo, aqueles
fenômenos históricos caracterizados como primeiros ou tardios. No caso de sua função
paradigmática, o método comparativo em História, possibilita que o pesquisador se distancie
de objetos de estudo de caráter mais nacionalista. Dessa forma, a comparação possibilita uma
desprovincialização, “abrindo perspectivas, com conseqüências para a atmosfera e estilo da
profissão”.
37
Nossa pesquisa se co-relaciona com a perspectiva de Kocka por este motivo, que
comparamos dois documentos distintos uma vida de santo e um poema épico buscando
suas possíveis singularidades e diferenças.
No caso em questão, as duas obras histórico-literárias mesmo não estando longe uma
da outra geográfica e cronologicamente, por terem sido direcionadas a parcelas da sociedade
diferentes nos possibilitam entender os múltiplos aspectos do reino castelhano, no que diz
respeito às masculinidades leigas e religiosas.
Desta maneira, a partir do modelo de comparação de Kocka, foi possível demonstrar
como os autores do PMC e da VSD dotaram os protagonistas e os demais personagens com
características de uma masculinidade castelhana. Assim, heuristicamente, a abordagem
comparativa permite identificar questões e problemas que se poderiam de outro modo perder,
negligenciar ou apenas não inventariar”.
38
Ou seja, comparando estes dois poemas medievais
poderemos contrapor a forma como cada autor constrói as masculinidades em sua obra e
realizar as possíveis analogias analíticas.
Ao lado da aplicação dessa forma de comparação, utilizamos a análise semântica e a
análise da narrativa como técnicas para a análise do PMC e da VSD. Para tal, seguiremos as
orientações apresentadas no artigo Reflexões Metodológicas sobre a Análise do Discurso em
Perspectiva Histórica: Paternidade, Maternidade, Santidade e Gênero, escrito pela
pesquisadora Andréia C. L. Frazão da Silva, que em seu artigo destaca que a análise
semântica:
Atém-se ao estudo do sentido das palavras empregadas pelo autor como
indícios de seu discurso. Neste caso também são selecionadas unidades de
análise, que, porém, não são termos, mas categorias, como, por exemplo, os
adjetivos associados a um personagem em uma certa narrativa.
39
36
Ibidem. p. 41.
37
Ibidem. p. 41.
38
Ibidem. p. 40.
39
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Reflexões Metodológicas sobre a Análise do Discurso em
Perspectiva Histórica: Paternidade, Maternidade, Santidade e Gênero. Cronos: Revista de História, n. 6, p. 194-
223, 2002. p. 198.
25
Ela ressalta que essa técnica pode ser aplicada em qualquer tipo de documento, além
de possibilitar abordagens qualitativas e quantitativas. Preocupamos-nos, ao aplicar essa
técnica, na identificação das ações e adjetivos empregados pelos autores na caracterização dos
personagens em suas obras.
A partir destes dados, foi possível verificar que comportamentos foram associados ou
se opunham aos homens, permitindo traçar considerações sobre as masculinidades.
Quanto à análise da narrativa, a historiadora assinala que é indicada para textos
narrativos e/ou descritivos. Com esta técnica busca-se, então:
Identificar e analisar os diversos elementos que configuram a narrativa e que
a tornam um todo de sentido, tais como o gênero literário (épico, drama,
lírico) e a forma literária (romance, novela, conto, crônica) em que foi
composta, o enredo, as personagens e sua caracterização, a presença ou
ausência de um narrador e a sua forma de inserção a narração, se
indicações temporais e/ou espaciais, etc.
40
Estas duas técnicas apresentadas pela autora nos possibilitaram uma maior segurança
ao compararmos e analisarmos a fundo nosso corpus documental.
A pesquisadora ressalta as múltiplas possibilidades da aplicação da análise do discurso
em uma perspectiva histórica e traça algumas reflexões sobre tal conceito, em especial aos
discursos de nero, objeto de suas investigações. Sem a pretensão de ser um manual ou
modelo a ser seguido, o artigo expõe os diversos caminhos possíveis de serem traçados
através da perspectiva teórica adotada pelo pesquisador que utilizará tal técnica de análise.
3 – Objetivos e hipóteses da pesquisa
Frente ao que foi apresentado teórica e metodologicamente, nossa pesquisa partiu dos
seguintes objetivos, que passamos a listar:
Analisar o PMC e a VSD em perspectiva histórica, incorporando as contribuições
provenientes de outras áreas do conhecimento, como a Literatura e a Filologia.
Comparar as duas obras, identificando os elementos (ações e adjetivações) que
aproximavam e/ ou distanciavam seus protagonistas El Cid e Domingo de Silos e os
demais personagens presentes nos textos, dando ênfase à construção das masculinidades nos
textos.
Discutir como os dois documentos apresentaram graus de masculinidades, verificando
se havia, nessas obras, formas de masculinidades específicas para religiosos e leigos.
40
Ibidem. p. 199.
26
Relacionar as masculinidades presentes no PMC e na VSD com a organização social
castelhana no século XIII.
A metodologia e a teoria por nós selecionadas buscaram demonstrar as seguintes
hipóteses, a partir da análise dos textos selecionados:
Ainda que o PMC apresente um protagonista leigo, El Cid, e VSD um religioso,
Domingo de Silos, a construção das masculinidades desses personagens não se difere. que
essas obras apresentam masculinidades idealizadas comuns a leigos e religiosos, que são
personificados nos protagonistas supracitados.
Os documentos por nós analisados possuem atributos modelares, a partir da visão de
seus autores, para que fossem seguidos pelos homens castelhanos no século XIII. Por sua vez,
inferimos que tais modelações estavam em possível consonância com os interesses da nobreza
e da Igreja Romana e Castelhana.
A partir da análise dos demais personagens masculinos, representados nos dois
documentos, e de suas relações com os mouros e as mulheres, é possível verificar a presença
de diversos níveis de masculinidades que, ora se aproximam, ora se distanciam, das
masculinidades ideais personificadas em El Cid e Domingo de Silos.
4 – Dados sobre a organização da redação da dissertação
Nossa dissertação manteve as redações originais dos documentos, procurando não
traduzir o nome dos personagens em nossas transcrições das fontes.
A presente pesquisa está organizada em cinco capítulos, todos divididos por itens e
subitens temáticos, de maneira que tanto o PMC como a VSD sejam analisadas como
unidades. Ou seja, antes de contrapô-los em comparação, os estudamos isoladamente nos
capítulos três e quatro, para que no capítulo cinco realizássemos a comparação das
masculinidades.
Utilizaremos as siglas PMC e VSD quando nos referirmos às obras estudadas, a saber,
o Poema de Mio Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos, respectivamente.
Por fim, destacamos que para a redação, citações em rodapé e referências
bibliográficas, seguimos a normalização documentária conforme apresentada na ABNT-NBR
10520:2002.
41
41
SOARES, S.B.C. (org.). STRAUD 2002: Tutorais de Acesso às Bases de Dados On-line, Referências e
Outros Recursos Informacionais. São Paulo: Coordenadoria Geral de Bibliotecas , UNESP, 2002. 1 CD-ROM.
Apresentações em Power Point. Transcrito para Microsoft Word Por Bruno G. Alvaro. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Programa de Estudos Medievais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. (mimeografia)
27
CAPÍTULO 1
O POEMA DE MIO CID E A VIDA DE SANTO DOMINGO DE SILOS: TENDÊNCIAS DE
PESQUISAS
Em nossa pesquisa bibliográfica, inventariamos diversos trabalhos sobre o PMC e a
VSD.
Tais obras possuem objetivos e perspectivas muito diversas, contudo, é possível
agrupá-las em algumas tendências, que passamos a apresentar.
1
1.1 – Estudos acerca do Poema de Mio Cid
Sobre o PMC, como a variedade de estudos temáticos é grande, optamos por agrupá-
los nas seguintes tendências: edições críticas, estudos sobre Cavalaria,
2
crítica externa,
3
geografia, política e a presença feminina. Nosso intuito não é passar em revista quase um
século de estudos cidianos, pois extrapolaria a nossa proposta, nem simplesmente listar os
trabalhos sobre este documento, que se inserem e/ou enfocam os eixos por nós destacados,
mas, sim, expor em debate as linhas temáticas em voga nas pesquisas sobre este texto
medieval.
1.1.1 – Edições críticas do Poema de Mio Cid
O único manuscrito que se tem notícia do PMC foi descoberto, em Vivar, no ano de
1596, mas só veio a ser impresso pela primeira vez na edição elaborada por Sánchez em 1779,
no volume 1 de sua Colección de Poesías Castellanas Anteriores al Siglo XV.
4
No ano de
1858, Hinard publicou em Paris o poema em uma edição bilíngüe (francês e espanhol) e
1
Devemos levar em conta que nenhuma revisão, seja por tendências ou não, atenderá toda a demanda de
trabalhos acerca do objeto pesquisado. Cabe ao historiador, inventariar, selecionar e analisar aquilo que lhe for
mais pertinente.
2
Nessa tendência, identificamos os temas: violência, guerra, honra, etc. Ou seja, trabalhos que dentro da
preocupação de analisar a instituição Cavalaria analisaram a forma como a guerra, a violência, a honra e outros
aspectos relacionados ao que autores como Jean Flori, por exemplo, chamaram de “ideal cavaleiresco” estão
presentes no Poema de Mio Cid. Sobre “ideal cavaleiresco” ver: DUBY, Georges. A Sociedade Cavaleiresca.
São Paulo: Martins Fontes, 1989; FLORI, Jean. La Caballería. Madrid: Alianza, 2001.
3
Consideramos que esta tendência de estudo incorpora eixos temáticos como: estilo literário, métrica, estudos
sobre a língua, etc.
4
SÁNCHEZ, Thomas Antonio. Colección de Poesías Castellanas Anteriores al Siglo XV. Madrid: Antonio de
Sancha, 1779.
28
alguns anos depois, em 1864, Janer republicou a obra Poetas Castellanos Anteriores al Siglo
XV, com alguns fragmentos do poema.
5
Aproximadamente duas décadas depois, Vollmüller, em 1879, e Bello, em 1881,
também publicaram suas edições do PMC.
6
Os ingleses também se interessaram pela obra e, em 1897, Archer Huntington
publicou Poem Of The Cid em três volumes: o primeiro contendo o texto em espanhol, o
segundo, sua tradução inglesa e, no terceiro, notas críticas. Este livro teve algumas reedições,
sendo a última datada do ano de 1907.
7
Em 1911, Ramón Menéndez Pidal publicou a mais conhecida e difundida edição
crítica do poema, reeditada e reimpressa diversas vezes. O caráter paradigmático desta edição
pode ser demonstrado pelo fato que a partir desse ano, a maioria dos autores que publicaram
ou traduziram o PMC,
8
entre as décadas de 1970 e 1980, utilizaram como base essa obra
elaborada em três volumes, principalmente, por conter em anexo, o poema em edição
paleográfica.
9
Nos anos 70, foram elaboradas algumas edições, com destaque para a preparada por
Ian Michael, publicada em 1976, com reedição em 1978. Alguns anos depois, o francês Jules
Horrent publicou mais uma edição bilíngüe francês/espanhol.
10
Por fim, temos as edições de Colin Smith e Alberto Montaner Frutos. A elaborada pelo
primeiro data de 1972 e totaliza, até o momento, vinte e duas edições. Foi traduzida para o
espanhol por Abel Martínez-Loza e publicada pela editora Catedra.
11
A edição de Montaner
Frutos foi publicada pela primeira vez em 1993 e sua reedição mais recente data de março de
2003.
12
Em nossa pesquisa, optamos por utilizar a edição de Smith como base, cotejando-a
com a edição de Montaner Frutos. Nossa preferência pelo uso da edição de Smith baseou-se
5
HINARD, D. Poème du Cid: Texte Espagnol Accompagné d'Une Traduction Française. Paris: s.n., 1858;
JANER, F. Poetas Castellanos Anteriores al Siglo XV. Madrid: Biblioteca de Autores Españoles, 1864. p. 1-
38.
6
VOLLMÜLLER, K. Poema de Mio Cid. Halle: s. n., 1879; BELLO, Andrés. Poema de Mio Cid. Santiago del
Chile: Consejo de Instrucción Pública, 1881.
7
HUNTINGTON, Archer M. Poem Of The Cid: Text Reprinted From de Unique Manuscript at Madrid.
New York: The Hispanic Society of America, 1907.
8
O sucesso do trabalho de Menéndez Pidal deve ser associado, também, ao período que este pesquisador
resgatou e difundiu a figura heróica do Cid. Cf. FLETCHER, Richard. Em Busca de El Cid. São Paulo: Unesp,
2002.
9
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. Cantar de Mio Cid: Texto, Gramática y Vocabulario. Madrid: Espasa-Calpe,
1946. 3 v.
10
MICHAEL, Ian. Poema de Mio Cid. 2 ed. Madrid: s. n., 1978; HORRENT, Jules. Cantar de Mio Cid/
Chanson de Mon Cid. Paris: Gante, 1982.
11
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Edición de Colin Smith. 22 ed. Madrid: Catedra, 2001.
12
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Edición de Alberto Montaner Frutos. Madrid: Critica, 2003.
29
no texto escrito pela professora de Literatura Espanhola da Universidade de São Paulo, María
de la Concepción Piñero Valverde: O Poema de Mio Cid: Subsídios para uma Tradução
Brasileira.
13
Neste ensaio, em que a pesquisadora expõe os primeiros apontamentos sobre seu
projeto de traduzir para o português, em versos, o PMC,
14
ela ressalta a qualidade da edição
elaborada por Smith. Ao compararmos com outras, inclusive a de Ramón Menéndez Pidal,
observamos que as diferenças textuais são mínimas e, quando o há, no caso da de Smith, é
ressaltado em notas informativas. As maiores discrepâncias entre as edições críticas do PMC
não estão no texto desta obra, mas nos posicionamentos dos estudiosos quanto à datação e
autoria da obra.
1.1.2 – Estudos sobre Cavalaria no Poema de Mio Cid
Os estudos sobre a Cavalaria que partem do PMC expõem análises que vão desde a
maneira como se praticava a guerra na Península Ibérica no medievo à como guerreiros como
El Cid lidavam com a violência e a honra. Exemplos disso são os artigos de Spurgeon
Baldwin e Luis Beltrán: Deception and ambush: The Cid’s Tactics at Castejón and Alcocer e
Conflictos Interiores y Batallas Campales en el Poema de Mio Cid, respectivamente.
15
Nestes dois artigos é possível identificar a preocupação dos autores em entender como
se dão, no PMC, as relações entre guerra, emboscada e traição e, ainda, as batalhas “mentais”
enfrentadas pelos cavaleiros presentes no poema, principalmente seu protagonista, El Cid.
Cada um desenvolve sua análise a partir de um ponto específico do poema. Baldwin estuda a
trapaça e a emboscada no PMC como tática de guerra e ainda desenvolve uma discussão
historiográfica ao criticar a tese de Colin Smith sobre as batalhas de Castejón e Alcocer. No
caso de Beltrán, seu trabalho se direciona mais à dramaticidade presente nas aparições do anjo
Gabriel para El Cid. Tal autor dá ênfase às “pressões psicológicas” que o herói se vê obrigado
a enfrentar: o desterro, a separação de sua família que, por ocasião do seu desterro, fica no
Monastério de San Pedro de Cardeña, etc.
13
PIÑERO VALVERDE, María de la Concepción. O Poema de Mio Cid: Subsídios para uma Tradução
Brasileira. Disponível em: < http://www.hottopos.com/notand3/miocid.htm>. Último acesso: 10/02/2006.
14
A única tradução desta obra em português encontra-se em prosa e corresponde a prosificação realizada em
espanhol por Alfonso Reyes e Ramón Menéndez Pidal, em 1948. Cf. ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Tradução
de Maria Socorro Almeida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988; ANÓNIMO. Poema de Mio Cid. Texto
antiguo preparado por Ramón Menéndez Pidal, seguido de prosificación moderna por Alfonso Reyes. Madrid:
Espasa-Calpe, 1948; ANÓNIMO. Poema de Mio Cid. Buenos Aires: Centro Editor de Cultura, 2006.
15
BALDWIN, Spurgeon. Deception and Ambush: The Cid’s Tactics at Castejón and Alcocer. Modern
Language Notes, v. 99, n. 2, p. 381-385, 1984; BELTRÁN, Luis. Conflictos Interiores y Batallas Campales en
el Poema de Mio Cid. Hispania, v. 61, n. 2, p. 235-244, 1978. Ver ainda: PIÑERO VALVERDE, María de la
Concepción. Violencia y Benevolencia: Dos Poblaciones Moras Conquistadas en el Poema de Mio Cid.
Polifonia: Periódico do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal
do Mato Grosso, v. 8, n. 11, p. 1-16, 2005-2006.
30
Seguindo o caminho da análise das lutas internas do personagem, há o sub-eixo
temático que analisa a honra de forma mais específica no PMC, tais como os artigos de John
R. Burt e Gustavo Correa.
16
Esses autores foram claramente influenciados pela História das
Mentalidades,
17
e, também, analisaram a honra no campo da cultura cavaleiresca e/ou como
afirmação social e política do personagem.
1.1.3 – Estudos sobre a crítica externa do Poema de Mio Cid
Como ressaltamos anteriormente, a tendência de estudos que denominamos como
crítica externa é subdividida por diversas temáticas, sendo as principais: historicidade dos
personagens e dos fatos narrados no texto, autoria e datação da obra,
18
recursos lingüísticos
utilizados na composição do poema, etc. De uma forma geral, tal tendência pode ser
classificada dentro dos campos literários e filológicos desenvolvidos sobre o PMC.
Apresentaremos apenas os trabalhos que inventariamos acerca de características lingüísticas
do poema.
A respeito dos trabalhos que se preocupam em analisar recursos lingüísticos utilizados
na composição do poema, podemos citar o artigo de maso Alonso, Estilo y Creación en el
Poema del Cid,
19
que se preocupa em estudar as características estruturais da ngua utilizada
na criação do texto e o estilo empregado pelo autor da obra.
o trabalho de Charles V. Aubrun, La Métrique du Mio Cid est Réguliere,
20
discute
as características métricas do poema, defendendo, por sua vez que a métrica do PMC é
regular. Em contrapartida, podemos citar o artigo de Kenneth Adams: The Metrical
Irregularity of the Cantar de Mio Cid: A Restatement Based on the Evidence of Names,
Epithets and Some Other Aspects of Formulaic Diction.
21
Tal pesquisador defende tese
oposta a de Aubrun, ou seja, que os versos do poema são de métrica irregular.
de se ressaltar, principalmente nos dois primeiros artigos de Damaso Alonso e
Charles V. Aubrun escritos na década de 40, que estes foram impulsionados pela onda de
estudos pidalinos. Desde então o interesse filológico e lingüístico pelo PMC aumentou e
16
BURT, John R. Honor and the Cid’s Beard. La Corónica, v. 9, n. 2, p. 132-137, 1981; CORREA, Gustavo. El
Tema de la Honra en el Poema del Cid. Hispanic Review, v. 20, p. 185-199, 1952.
17
Cf. LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
18
Estamos considerando como crítica externa análises provenientes de outros campos como a Filologia,
Lingüística, Literatura, etc.
19
ALONSO, Dámaso. Estilo y Creación en el Poema del Cid. Escorial, n. 8, p. 333-372, 1941.
20
AUBRUN, Charles V. La Métrique du Mio Cid est Réguliere. Bulletin Hispanique, n. 49, p. 332-372, 1947.
21
ADAMS, Kenneth. The Metrical Irregularity of the Cantar de Mio Cid: A Restatement Based on the Evidence
of Names, Epithets and Some Other Aspects of Formulaic Diction. Bulletin of Hispanic Studies, n. 49, p. 109-
119, 1972.
31
diversificou a temática de tais pesquisas. Tais trabalhos são fortemente marcados por um
sentimento de defesa do documento e da figura do Cid, buscando sempre exaltar as
características singulares da fonte, sua beleza estética”, etc. Na grande maioria dos casos, o
senso crítico é quase nulo e o documento é, praticamente, erigido como um marco da “cultura
espanhola”.
Por fim, ressaltamos o artigo De Cómo Mio Cid y su Poema Viajaron a Alemania y
Retornaron a España: La Recepción de una Recepción, escrito em 2000 por Enrique Banús e
Luis Galván.
22
Neste estudo, os autores trabalham a recepção do PMC em terras germânicas e
analisam a influência do texto em tal cultura. Juan Carlos Bayo, também dentro das
preocupações literárias que vão desde a apreensão de um texto por outra cultura até a
representação, estuda o modelo de discurso poético no PMC, em Poetic Discourse Patterning
in the Cantar de Mío Cid.
23
1.1.4 – Estudos sobre política no Poema de Mio Cid
Assim como nos estudos sobre estilo no PMC, as pesquisas encabeçadas pelo tema
político são extensas e variam entre si em suas abordagens. De uma forma geral, temos os
artigos de Michael Harney: Class Conflict and Primitive Rebellion in the Poema de Mio Cid e
Social Stratification and Class Ideology in the Poema de Mio Cid and the Chanson de
Roland, nos quais o autor segue uma linha de abordagem marxista, pontuando as lutas de
classe e realizando, no segundo artigo, uma comparação entre a Canção de Rolando e o PMC,
analisando as diferenças entre a ideologia presente no primeiro e no segundo.
24
Já Thomas R.
Hart centra sua pesquisa na mobilidade social e em como as relações de parentesco
influenciaram a política representada no poema.
25
ainda trabalhos cuja preocupação temática é mais ampla, como os artigos El Mio
Cid, Nueva Lectura de su Intencionalidad Política e Good or Bad Fortune on Entering
Burgos? A Note on Bird-Omens in the Cantar de Mio Cid, escritos por Diego Catalán e
22
BÁNUS, Enrique; GÁLVAN, Luis. De Cómo Mio Cid y su Poema Viajaron a Alemania y Retornaron a
España: La Recepción de una Recepción. La Corónica, v. 23, n. 2, p. 21–80, 2000.
23
BAYO, Luis Carlos. Poetic Discourse Patterning in the Cantar de Mío Cid. The Modern Language Review,
v. 96, n. 1, p. 82–91, 2001.
24
HARNEY, Michael. Class Conflict and Primitive Rebellion in the Poema de Mio Cid. Olifant, n. 12, p. 171-
219, 1987 e _____. Social Stratification and Class Ideology in the Poema de Mio Cid and the Chanson de
Roland. In: KAGAY, Donald J.; SNOW, Joseph T. (Eds.). Medieval Iberia: Essays on the History and
Literature of Medieval Spain. New York: Peter Lang, 1997. p. 77–102. Ressaltamos, ainda, seu livro: _____.
Kinship and Polity in the Poema de Mio Cid. Indiana: Purdue University Press, 1993.
25
HART, Thomas R. Movilidad Social, Rebelión Primitiva y la Emergencia del Estado en el Poema de Mio Cid.
In: RAMON RESINA, Joan. Mythopoesis: Literatura, Totalidad, e Ideología. Barcelona: Anthropos, 1992. p.
65–101.
32
Adrián García Montoro, respectivamente.
26
E, ainda, os que fixam os olhares em passagens
especificas do PMC para analisar as relações políticas no período ibérico medieval, como é o
caso de La Ira Regia en León y Castilla de Hilda Grassotti, no qual, a partir do desterro de El
Cid por ordem de Afonso VI, a autora traça um panorama de como a ira régia era aplicada no
reino de Leão e Castela.
27
Dian Fox, por sua vez, analisa o que poderíamos resumir como “a
política do exilado” aplicada por El Cid enquanto esteve desterrado pelo monarca castelhano-
leonês.
28
1.1.5 – Estudos sobre a presença feminina no Poema de Mio Cid
Esta última tendência abarca os trabalhos que se preocupam em analisar a presença
feminina no PMC. A primeira ressalva que fazemos é alertar o leitor que tais artigos se
enquadram numa perspectiva da História das mulheres, não se preocupando em problematizar
tal presença a partir das relações de gênero, sendo assim, justificamos nossa afirmativa de
pesquisa a respeito da ausência de trabalhos que se preocupem em estudar o PMC dentro da
perspectiva teórico-metodológica encabeçada pelos pesquisadores desse campo da História.
Como será possível observar, a quantidade de trabalhos sobre o tema mulheres no
PMC é praticamente nulo, mesmo se tratando de um campo vasto como a História das
mulheres.
Os primeiros estudos que merecem destaque, apesar de remontarem às décadas de 60 e
70, são os de Louis Chalon, À Propos des Filles du Cid, e Dorothy Clotell Clarke, The Cid
and His Daughters.
29
Nestes trabalhos é possível perceber um primeiro fôlego na tentativa de
estudar mais a fundo a presença e funções femininas no PMC, principalmente por centrarem
as análises nas filhas do protagonista.
No artigo La Sexualidad en la Épica Medieval Española, escrito em 1988 por
Deyermond, a sexualidade é estudada, de uma maneira geral, partindo dos textos épicos
medievais ibéricos, analisando uma vasta documentação.
30
26
CATALÁN, Diego. El Mio Cid, Nueva Lectura de su Intencionalidad Política. Symbolae Ludovico
Mitxelenae Septuagenario Oblatae, v. II, p. 807-819, 1985; GARCÍA MONTORO, Adrián. Good or Bad
Fortune on Entering Burgos? A Note on Bird-Omens in the Cantar de Mio Cid. Modern Language Notes, v. 89,
n. 2, p. 131-145, 1974.
27
GRASSOTTI, Hilda. La Ira Regia en León y Castilla. Cuadernos de Historia de España, n. 41 e 42, p. 5-135,
1965.
28
FOX, Dian. Pero Vermúez and the Politics of the Cid’s Exile.The Modern Language Review, n. 78, p. 319-
327, 1983.
29
CHALON, Louis. À Propos des Filles du Cid. Le Moyen Âge, n. 73, p. 217-237, 1967; CLARKE, Dorothy
Clotell. The Cid and His Daughters. La Corónica, v. 5, n. 1, p. 16-21, 1976-1977.
30
DEYERMOND, Alan David. La Sexualidad en la Épica Medieval Española. Nueva Revista de Filología
Hispánica, n. 36, p. 768-786, 1988.
33
Deyermond abriu caminhos para trabalhos bem mais recentes, como El Erotismo en el
Cantar de Mío Cid, de Alfonso Boix Jovaní, e Huellas de la Violencia Mimética y su
Resolución Fálico-política en el Poema de Mío Cid, escrito por Graf.
31
Em resumo, estas foram as principais tendências que identificamos no decorrer do
nosso levantamento bibliográfico sobre os trabalhos que analisam o PMC.
1.2 – Tendências dos estudos sobre a Vida de Santo Domingo de Silos
A mesma variedade de tendências de estudos que encontramos sobre o PMC também
constatamos acerca da VSD. No entanto, ao mesmo tempo em que os estudos sobre as duas
obras mantém várias similitudes,
32
as análises sobre este documento são marcadas por
algumas singularidades que devem ser levadas em consideração, principalmente no que diz
respeito à forma como organizamos nossa revisão a seu respeito.
Por se tratar de uma hagiografia ou poema-hagiográfico, como preferimos classificá-
la, de se considerar seu intuito religioso-edificador, seu caráter propagandístico, além de
não podermos ignorar o teor artístico dos versos de Gonzalo de Berceo, autor do qual, aliás,
diferentemente de muitos de seu período, possuímos informações, mesmo que escassas.
Nossa justificativa para a maneira como organizamos esta revisão insere-se no fato dos
estudos sobre a VSD serem de acesso mais fácil, sobretudo, devido ao portal eletrônico
dedicado ao seu autor.
33
Organizamos nossa revisão sobre a VSD focando os seguintes temas de estudo:
edições críticas; estudos das fontes; estudos sobre a santidade e estudos sobre a Vida de
Santo Domingo em relação aos textos juglares.
1.2.1 – Edições críticas elaboradas da Vida de Santo Domingo de Silos
O interesse pelo estudo da VSD iniciou-se ainda no século XVIII, com a elaboração da
primeira edição que se tem notícia,
34
preparada em 1736 pelo Fr. Sebastián de Vergara sob o
título Vida y Milagros de El Thaumaturgo Español, Moyses Segundo, Redemptor de Cautivos,
31
BOIX JOVANÍ, Alfonso. El Erotismo en el Cantar de Mío Cid. Revista de Literatura Medieval, v. 14, n. 1,
p. 47-52, 2002; GRAF, E. C. Huellas de la Violencia Mimética y su Resolución Fálico-política en el Poema de
Mío Cid. La Corónica, v. 28, n. 2, p. 101–128, 2000. Este último, aparentemente, mais preocupado em tentar
analisar as relações homem e mulher numa perspectiva genderificada, ou seja, tratando a construção sexual pelo
viés das relações de poder.
32
Cf. MONTANER FRUTOS, Alberto. Un Posible Eco del Cantar del Mio Cid en Gonzalo de Berceo. In:
LÚCIA MEGÍAS, José Manuel (Coord.). VI Congreso Internacional de la Asociación Hispánica de Literatura
Medieval, Alcalá de Henares, 12-16 de Septiembre de 1995, Actas... España: Universidad de Alcalá de Henares,
1997. p. 1057-1069.
33
< http://www.vallenajerilla.com/berceo/>.
34
Na verdade, uma cópia do manuscrito preservado no monastério de Silos.
34
Abogado de los Felices Partos, Sto. Domingo Manso, Abad Benedictino, Reparador de el
Real Monasterio de Silos.
35
Acreditamos que o início deste interesse relaciona-se a questões religiosas, como, por
exemplo, através do estudo de sua hagiografia, resgatar as origens de sua história e culto.
Contudo, o poema-hagiográfico passou a despertar a curiosidade de hispanistas como John D.
Fitz-Gerald, que, com intuito comparativista, analisou o escrito berceano à luz de sua fonte
principal, a Vita Beati Dominici Silensis, escrita em prosa e latim pelo monge Grimaldo.
36
O
estudo de Fitz-Gerald contribuiu para abrir as portas sobre análises acerca da originalidade de
Berceo ante sua fonte.
Em 1958, foi lançada a edição crítica-paleográfica, a partir do códice do século XIII,
pelo Fr. Alfonso Andrés e, na década seguinte, em 1968, Germán Orduna publicou o poema-
hagiográfico com um estudo introdutório e notas.
Teresa Labarta de Chaves, contribuindo para o desenvolvimento dos estudos sobre o
documento, publicou, integrando a coleção Clásicos Castalia, em 1972,
37
sua edição da VSD
que assim como a de Orduna, contêm um estudo introdutório-biográfico e notas explicativas
elaboradas a partir do cotejo com outras edições e com os manuscritos preservados do poema-
hagiográfico.
38
Há ainda outras edições críticas da VSD, elaborados na década de 70 e 80, por
pesquisadores como o inglês Brian Dutton, o italiano Aldo Ruffinato e o espanhol Segundo
Arce, etc, o que corrobora com a afirmação de que o interesse por tal autor e obra foram
crescendo gradativamente.
1.2.2 – Estudos das fontes da Vida de Santo Domingo de Silos
Este item é fruto de uma proporção considerável de trabalhos que se utilizam a
perspectiva comparativista ao analisar a VSD, seja em um enfoque historiográfico ou literário.
Nosso interesse por tal tendência e sua presença na revisão justifica-se no fato de
também nos dedicarmos a um estudo cuja comparação é o método principal para alcançarmos
o intuito da presente pesquisa. No decorrer do levantamento, como assinalado, não
35
Cf. <http://www.vallenajerilla.com/berceo/Domingo.pdf>. Último acesso: 28/02/2008.
36
GONZALO DE BERCEO. La Vida de Santo Domingo de Silos. Édition critique publiée par John D. Fitz-
Gerald. Paris: Bibliothèque de l'École des Hautes Études, 1904.
37
LABARTA DE CHAVES, Teresa. Introducción Biográfica y Crítica. In: GONZALO DE BERCEO. Vida de
Santo Domingo de Silos. 3 ed. Edición, introducción y notas de Teresa Labarta de Chaves. Madrid: Editorial
Castalia, 2005.
38
Utilizamos em nossa pesquisa a terceira edição preparada por Labarta de Chaves.
35
encontramos estudos que comparassem diretamente a VSD com o PMC, contudo, observamos
trabalhos que se preocuparam em analisar traços de outros textos nessa obra berceana.
De uma maneira geral, as primeiras preocupações sobre possíveis influências de outros
escritos no poema-hagiográfico que se tem notícia, iniciaram-se com a análise da VSD de
Gonzalo de Berceo à luz de sua “fonte inspiradora”: a Vita Beati Dominici Silensis, escrita por
Grimaldo. Como já ressaltamos, o primeiro a utilizar tal perspectiva foi John D. Fitz-Gerald.
Esses trabalhos, preocupados em rastrear a VSD a partir do texto de Grimaldo, se
centraram, de início, em afirmar que Gonzalo de Berceo havia traduzido para língua vernácula
o texto latino. Contudo, no decorrer dos anos, este enfoque mudou, principalmente graças às
edições críticas assinadas por Labarta de Chaves e Aldo Ruffinatto, entre outros.
39
Tais especialistas passaram a enfatizar as diferenças entre as duas “versões” da vita. À
primeira vista, as principais diferenças encontram-se no fato da primeira ser escrita em latim e
a segunda em língua romance e a prosa ter sido substituída pelo verso no escrito berceano. No
entanto, como demonstra María Jesús Lacarra Ducay,
40
as diferenças são bem mais
complexas. E em seu artigo a autora destaca tais complexidades, que elevam o clérigo-poeta
de um simples “tradutor” a um escritor cuja sensibilidade merece ser observada.
Com o decorrer dos anos e um maior interesse pelo método comparativo, outros
estudos foram surgindo, como, por exemplo, A Moralização do Clero Castelhano no Século
XIII e A Bíblia na Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo.
41
Nos dois artigos, escritos por Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva, observa-se o
intuito de comparar a VSD com outros tipos de obras, no caso em questão, com os cânones
presentes no IV Concílio de Latrão e a blia, respectivamente. Ela observa de que maneira
estes escritos estão inseridos e influenciam no texto elaborado por Gonzalo de Berceo.
1.2.3 – Estudos sobre a santidade na Vida de Santo Domingo de Silos
Esta tendência de estudos comporta, possivelmente, o maior número de trabalhos aos
quais tivemos contato em nosso levantamento, entretanto, citaremos apenas alguns. de se
39
GONZALO DE BERCEO. La Vida de Santo Domingo de Silos. Estúdio y edición crítica de Aldo Ruffinatto.
Logroño: Instituto de Estudios Riojanos, 1978; _____. Vida de Santo Domingo de Silos. 3ª Ed. Edición,
introducción y notas de Teresa Labarta de Chaves. Madrid: Editorial Castalia, 2005.
40
LACARRA DUCAY, María Jesús. La Maestría de Gonzalo de Berceo en la Vida de Santo Domingo de Silos.
Dicenda: Cuadernos de Filología Hispánica, n. 6, p. 165-176, 1987.
41
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. A Moralização do Clero Castelhano no Século XIII. Veritas:
Revista da Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, v. 40, n. 159, p. 559-576, 1995 e _____.
A Bíblia na Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo. In: WESTPHALEN, C. M. (Ed.). Reunião
da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, 15, Rio de Janeiro, 23 a 26 de julho de 1995. Anais... Rio de
Janeiro: Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, 1996. p. 85-88.
36
ressaltar, ainda, que essa diversidade também se estende às áreas acadêmicas nos quais os
mesmos se inserem. Dessa maneira, nos deparamos com vários enfoques analíticos acerca do
fenômeno da santidade
42
na VSD.
Podemos destacar como estudo que se preocupa com tal fenômeno, o artigo escrito por
Francisco Javier Grande Quejigo, Estructura Hagiográfica en la Vida de Santo Domingo de
Silos de Gonzalo de Berceo.
43
Nesse trabalho, a preocupação em analisar a santidade a
partir da estruturação do poema-hagiográfico escrito por Gonzalo de Berceo.
O autor estuda passo a passo o sistema narrativo utilizado por Berceo ao elaborar sua
hagiografia e conseqüentemente a virtude principal de seu protagonista a santidade. Ele
demonstra, ainda, que o clérigo poeta riojano constrói a ascensão de Domingo de Silos desde
sua infância. Para Grande Quejigo, a exemplaridade da vida eclesiástica do protagonista do
poema-hagiográfico juntamente com os seus dons de visão e profecia ajudaram a confirmar
textualmente sua santidade.
Ele também analisa a estrutura narrativa dos milagres atribuídos ao personagem como
elementos essenciais na construção de sua santidade e como forma de instituírem o que ele
denomina como “la memoria de santidad”.
44
É destacado, também, que a organização da
hagiografia, em três livros articulados, desenvolve o que ele chama de processo devocional
em prol de um culto ao santo.
Grande Quejigo conclui que o texto berceano desenrola um processo hagiográfico que
cria uma fama de santidade mediante a realização de milagres e culmina no culto devoto de
suas relíquias. Segundo ele: “Este culto origina y justifica la realización de la hagiografia en
el siglo XIII, porque Berceo no limita su originalidad a novelizar o dramatizar con mayor o
menor acierto el relato.”
45
O segundo artigo, Santo Domingo de Silos, El Santo de la Frontera: La Imagen de la
Santidade a Partir de las Fuentes Hagiográficas Castellano-lenonesas del Siglo XIII,
46
de
autoria de Ángeles García de la Borbolla, especialista em estudos hagiográficos relacionados
a Gonzalo de Berceo, analisa, de uma forma geral, como é construída a imagem de santo da
42
Cf. BOESCH GAJANO, Sophia. Santidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.).
Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2 v.
V. 2. p. 449-464.
43
GRANDE QUEJIGO, Francisco Javier. Estructura Hagiográfica en la Vida de Santo Domingo de Silos de
Gonzalo de Berceo. Disponível em: <http://www.vallenajerilla.com/notabene/indice_grande.htm>. Último
acesso: 17/07/2006.
44
Ibidem.
45
Ibidem.
46
GARCÍA DE LA BORBOLLA, Ángeles. Santo Domingo de Silos, El Santo de la Frontera: La Imagen de la
Santidade a Partir de las Fuentes Hagiográficas Castellano-lenonesas del Siglo XIII. Anuario de Estudios
Medievales, v. 31, n. 1, p. 127-146, 2001.
37
fronteira” atribuída a Domingo de Silos, graças a sua fama de santo libertador de cativos. Para
tal empreitada, García de la Borbolla utiliza-se de duas fontes hagiográficas, o poema-
hagiográfico escrito por Berceo e Miraculos Romançados de como Saco Santo Domingo los
Cautivos de la Cautividad, de autoria do monge Pedro Marín.
Neste trabalho, García de la Borbolla demonstra a tradição hagiográfica sobre
Domingo de Silos ressaltando como, pouco a pouco, a imagem de “santo que salva” a
fronteira foi sendo construída. Ele atribui este fato como diretamente ligado à construção
hagiográfica do santo como libertador de cativos, já que grande parte de seus milagres
relacionam-se a isto. Ele conclui que esta construção hagiográfica acaba por atender uma
nova realidade espacial: “la Hispania reconquistada.”
47
Numa perspectiva histórica sobre o fenômeno da santidade na VSD, podemos citar
mais um artigo escrito por Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva, A Santidade como
Construção Histórica: O Caso de Santo Domingo de Silos.
48
Nesse estudo, a autora parte de
uma análise da contextualização histórica do fenômeno, desenvolvendo sua abordagem
pautada na idéia de que a santidade é uma construção cultural, diferenciando-se em espaços e
períodos históricos particulares.
Por fim, citamos o artigo, Berceo: La Norma Hagiográfica de la Vida de Santo
Domingo de Silos,
49
de Joaquín Gimeno Casalduero. Seu texto se aproxima da análise de
Francisco Javier Grande Quejigo e se distancia das idéias de Frazão da Silva, ao demonstrar
como o texto escrito por Berceo exalta as virtudes do protagonista Domingo de Silos como um
exemplo transcendental aos leitores, pois pode ser aplicada a qualquer momento ou lugar.
Gimeno Casalduero ressalta que no poema-hagiográfico toda uma “escalada” em
direção à santidade e defende que, para isso, a VSD se constitui em três eixos temáticos: a
virtude, o enriquecimento e o ideal de bom pastor. Sendo assim a norma hagiogfica
utilizada por Berceo, no poema-hagiográfico, ajuda a enfatizar a santidade de Domingo de
Silos.
1.2.4 – Estudos sobre a Vida de Santo Domingo de Silos e sua relação com os textos juglares
Neste grupo também não pretendemos listar todos os estudos que se preocuparam em
abordar a VSD e os diversos textos classificados como juglares na literatura medieval
47
Ibidem. p. 144.
48
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. A Santidade como Construção Histórica: O Caso de Santo
Domingo de Silos. Encontro Internacional de Estudos Medievais da ABREM. IV, Belo Horizonte, 6 a 8 de julho
de 2001. Anais... Belo Horizonte: PUC-Minas, 2003. p. 640-648.
49
GIMENO CASALDUERO, Joaquín. Berceo: La Norma Hagiográfica de la Vida de Santo Domingo de Silos.
In: LOPEZ, François et al. (Coord.). V Congreso Internacional de Hispanistas, Actas..., n. 2, p. 441-448, 1977.
38
castelhana, mas enfocar aqueles que acreditamos ser de maior pertinência às discussões
desenvolvidas em nossa pesquisa.
50
Manuel Alvar em seu artigo Gonzalo de Berceo Como Hagiógrafo, demonstra a
preocupação em analisar a atividade hagiográfica do clérigo-poeta riojano e para isso se
utiliza, dentre outras obras, da VSD. O autor se dedica a discutir e defender o caráter culto da
“literatura” berceana, afirmando que devem ser reconhecidas as originalidades do clérigo-
poeta, considerando-o como “multifacetário”, ou seja, sua reconhecível característica como
hagiógrafo através das vitas que escreveu e ainda a de “narrador de milagros marianos”.
51
Alvar também traz à tona a discussão sobre a dicotomia: literatura culta e vulgar no
medievo,
52
ao assinalar que “el hagiógrafo [Gonzalo de Berceo] pertenece a un mundo culto
y en él se instaura. Aunque lo que haga sea un cierto tipo de literatura «popular», se conduce
como el erudito que con fragmentos inconexos reconstruye el cuerpo de una vasija”.
53
Em Gonzalo de Berceo y los Cantares de Gesta,
54
Brian Dutton, um dos maiores
especialistas berceanos, analisa um outro poema-hagiográfico de Berceo, Vida de San Millán
de la Cogolla, junto com a VSD à luz do estilo encontrado nos poemas classificados como
cantares de gesta ou mester de juglaría.
Dutton destaca que o fato de Berceo, ao escrever em castelhano obras baseadas em
material latino como Victae Sactorum, revela que possuía uma certa familiaridade não só com
a língua romance, mas, ainda, com o estilo dos textos épicos, elaborados em latim na
Antigüidade e cujos modelos de heróis e descrição de fatos narrados, influenciaram, o que
chamamos hoje de mester de juglaría ou cantares de gesta. Ele conclui que as reminiscências
de linguagem e as fórmulas épicas em tais obras de Berceo são variadas nos escritos do
clérigo-poeta
55
e que são provenientes do épico juglaresco. Dessa maneira, Dutton demonstra
que a barreira entre o escrito dos clérigos cultos (mester de clerecía) e a produção dos juglares
(mester de juglaría) não pode ser dicotomisada, por ser a distância entre eles tênue.
50
Fora os estudos que comentaremos, destacamos: NIETO PÉREZ, María de los Reyes. Redimir al Cautivo:
Fundamento de la Estructura del Relato en la Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo. In:
ACINAS LOPE, Blanca (Ed.). Silos. Un Milenio: Congreso Internacional sobre la Abadía de Santo Domingo de
Silos. Actas... v. 3, p. 525-538, 2003; VIVANCOS GÓMEZ, Miguel Carlos. Domingo de Silos: Historia y
Leyenda de un Santo. In: FERNÁNDEZ FLÓREZ, José Antonio (Ed.). Silos. Un Milenio: Congreso
Internacional sobre la Abadía de Santo Domingo de Silos. Actas... v. 2, p. 223-264, 2003; WEBER DE
KURLAT, Frida. La Visión de Santo Domingo de Silos: Berceo, Vida de Santo Domingo de Silos, Cuartetas
224-251. Estudios Ofrecidos a Emilio Alarcos Llorach, v. 3, p. 489-508, 1978.
51
ALVAR, Manuel. Gonzalo de Berceo Como Hagiógrafo. In: GONZALO DE BERCEO. Obra Completa.
Coordinado por Isabel Uría. Madrid: Espasa-Calpe, 1992. p. 29-60.
52
Abordaremos a essa questão no capítulo 2 desta dissertação.
53
ALVAR, op. cit., p. 29.
54
DUTTON, Brian. Gonzalo de Berceo y los Cantares de Gesta. Berceo, n. 77, p. 407-416, 1965.
55
Inclusive temáticas.
39
1.3 – Considerações finais do capítulo
No decorrer de todo o processo de pesquisa foi identificada uma proeminente lacuna
historiográfica, não só no que diz respeito aos trabalhos produzidos em âmbito nacional como,
também, fora do país, principalmente em Espanha,
56
que analisassem o PMC e a VSD em
perspectiva comparada
57
e dentro dos pressupostos teóricos dos estudos sobre
masculinidade.
58
Entretanto, cabe salientar que durante este trabalho intelectual de inventariar obras,
artigos e estudos que de alguma forma trabalhassem os documentos por nós utilizados em
nossa pesquisa, pudemos refletir sobre os possíveis caminhos que poderíamos trilhar sobre a
análise comparativa do PMC e da VSD.
Tal variedade temática de trabalhos, mesmo não analisando sistematicamente nossas
fontes em conjunto, possibilitaram, também, nosso desenvolvimento reflexivo sobre temas
como autoria e datação do corpus documental em questão, o que passamos a demonstrar no
capítulo seguinte.
Assim, ainda muito a ser discutido a partir do estudo do PMC e da VSD, sobretudo
no que se refere aos Estudos de Gênero e a aplicação das várias modalidades de História
Comparada.
56
País no qual se produziu o maior número de trabalhos sobre o PMC e a VSD.
57
Em todo nosso levantamento inventariamos apenas um trabalho que de forma sucinta se aproxima de nossa
pesquisa, a saber: MONTANER FRUTOS, op. cit. Nesse caso, em específico, o artigo de Alberto Montaner
Frutos trabalha uma possível influência do Poema de Mio Cid na escrita berceana como um todo.
58
À exceção de tal afirmativa, podemos citar as pesquisas desenvolvidas pela historiadora Andréia Cristina
Lopes Frazão da Silva que, apesar de não se dedicar especificamente em seus estudos ao campo da
masculinidade, têm se preocupado em problematizar as obras de Gonzalo de Berceo à luz dos estudos de gênero.
Ver, por exemplo: FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Reflexões Metodológicas sobre a Análise do
Discurso em Perspectiva Histórica: Paternidade, Maternidade, Santidade e Gênero. Cronos: Revista de
História, n. 6, p. 194-223, 2002.
40
CAPÍTULO 2
O CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO DE COMPOSIÇÃO DO POEMA DE MIO CID E DA VIDA
DE SANTO DOMINGO DE SILOS E A PRODUÇÃO CULTURAL EM CASTELA NO
SÉCULO XIII
Os capítulos da história da Península Ibérica no medievo são marcados por uma
diversidade de páginas que merecem destaque, contudo, o historiador é necessariamente um
selecionador.
1
Ou seja, queremos dizer com isso que o contexto histórico que apresentaremos não
tem o objetivo de sintetizar toda a história ibérica. Além disso, os documentos por nós analisados
foram produzidos dentro de um espaço e tempo determinados e,
2
por nos posicionarmos e
defendermos que os mesmos o conotados de signos específicos desse período de produção,
3
o
contexto passa a ter uma significação essencial para nossa pesquisa. Por estes motivos, voltando à
função de selecionador, decidimos iniciar nossa jornada contextual relativa à produção das obras
por nós analisadas pelo reinado de Afonso VIII (1158-1214), contudo, nos fixando mais no
reinado de Fernando III (1217-1252).
Nossa escolha por esse recorte justifica-se pela datação das obras por nós analisadas. O
PMC, por exemplo, está envolto a uma série de discussões acerca de sua autoria e período em que
foi composto, que, como veremos neste capítulo, para alguns outros pesquisadores, com os quais
concordamos, se situa no momento de governo de Afonso VIII. no caso da VSD, tal
documento tem seu contexto de produção fixado no reinado de Fernando III.
A partir desses dois marcos específicos, analisaremos, neste capítulo, como o contexto
sócio-político do período influenciou na produção cultural castelhana, mais exatamente, nas duas
obras que compõem nosso corpus documental.
Situarmo-nos no século XIII não quer dizer que ignoraremos as graduais e marcantes
mudanças que foram ocorrendo nessa região específica da península a partir dos séculos XI e XII,
aos quais faremos também referência quando considerarmos necessário. de assinalar, ainda,
que nossa análise contextual não visa abordar todos os aspectos desses dois reinados, nem,
quando preciso, daqueles que os antecederam ou sucederam, mas dentro deles destacar, assim
1
Cf. CARR, Edward Hallet. Que é História? 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
2
Castela no século XIII.
3
Cf. CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. 2 ed. Lisboa: Difel, 2002.
41
como no decorrer dos demais capítulos desta dissertação, uma possível especificidade em
Castela: as diferenças e similitudes na construção das masculinidades leigas e religiosas no PMC
e na VSD. Interessa-nos discutir como os autores de tais obras, cada um a sua maneira, tentaram
ou não propor uma forma de masculinidade aos homens castelhanos.
2.1 Os reinados de Afonso VIII, o Nobre e Fernando III, o Santo: aspectos sócio-culturais
gerais para a base de produção do Poema de Mio Cid e da Vida de Santo Domingo de Silos
O processo de formação da coroa castelhana-leonesa
4
passou por diversas etapas nos
séculos XI e XII
5
até se solidificar de maneira mais coesa nos reinados de Fernando III e,
conseqüentemente, de seu filho Afonso X, o Sábio (1252-1284), que o sucedeu.
Os governos de Afonso VIII e Fernando III, principalmente, foram marcados por algumas
expressivas similitudes no que diz respeito à atividade cultural no período e que vinham se
desenvolvendo desde meados dos referidos séculos. Tais similitudes nos possibilitam olhá-los de
uma maneira mais homogênea.
Dentre os muitos fatores que devem ser associados à essa produção cultural em Castela
nos reinados desses monarcas, podemos citar, já no final do reinado de Afonso VIII, a importante
vitória contra o poderio almôada na batalha de Navas de Tolosa (1212) e, ainda, a fundação da
primeira universidade da Hispania pelas mãos desse monarca.
Contudo, Afonso VIII não viveu muito após tais eventos, tampouco, seu filho Henrique I
(1214-1217) que logo faleceu. A coroa castelhana ficou, então, nas mãos de sua filha mais velha,
Beringuela.
6
Ela, entretanto, renunciou em nome de seu filho Fernando, que foi aclamado rei de
Castela em Valhadolid, em 1217. Com a morte de Afonso IX de Leão, que havia sido casado com
Beringuela, mas que por questão de consangüinidade foi-lhes imposta a separação, Fernando III,
após negociações com suas irmãs, tornou-se também rei de Leão, unificando assim,
definitivamente, os dois territórios sob seu poderio.
4
A partir deste ponto utilizaremos apenas Castela quando nos referirmos ao período que corresponde ao governo de
Fernando III.
5
Cf. RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa, 1995; VALDEÓN, Julio;
ZABALO JAVIER, Salrach, José Mª. Javier. Feudalismo y Consolidación de los Pueblos Hispánicos (Siglos XI-
XV). 3 ed. Barcelona: Labor, 1989. Historia de España, 4; GONZÁLEZ GONZÁLEZ, Julio. Fijación de la Frontera
Castelhano-leonesa en el Siglo XII. En la España Medieval, n. 2, p. 411-424, 1982.
6
Cunhada de Luís VIII, rei da França, e de D. Afonso II, de Portugal. Cf. RUCQUOI, op. cit.
42
Dentro de todo esse emaranhado de acontecimentos, fixar-nos-emos nas relações entre a
Igreja e o poder temporal e, em segundo lugar, no sucesso das nguas romances sobre o latim,
alcançando, inclusive, os escritos produzidos pelas chancelarias reais.
O papel que a Igreja desempenhava na sociedade medieval, como um todo, é indiscutível,
desde o âmbito político ao cultural e isso não foi diferente no território castelhano do século
XIII. O contato com o cristianismo exercido nas regiões de além Pirineus via Compostela
permitiu a penetração da Reforma Gregoriana em solos castelhanos,
7
o que possibilitou uma
ligação mais “sólida de sua igreja com Roma. Sem dúvidas, em meados do culo XI, um dos
acontecimentos fundamentais na vida da igreja castelhana-leonesa foi tal penetração, isso sem
excluir nos dois séculos seguintes a chegada de novas ordens religiosas, desde Cister aos
novíssimos mendicantes.
No período em que estiveram separadas ou unidas, as coroas de Castela e Leão sempre se
mostraram abertas às correntes reformistas da cristandade, o que o significa que não houve
resistências iniciais. O processo de submissão da igreja castelhana à Roma não foi tão simples
assim. Temos como exemplo, já no século XIII, os obstáculos impostos por ela na aplicação das
decisões tomadas no IV concílio de Latrão, presidido por Inocêncio III em 1215.
8
Talvez, no
âmbito moral tais disposições papais tenham tido algum êxito, mas não se pode ignorar que o
concubinato, por exemplo, era o assunto presente na ordem do dia na igreja de Castela.
9
Submissão não quer dizer controle. Não é possível afirmar que Roma tinha um efetivo
domínio sobre esta igreja. Aliás, podemos observar, no século XIII, uma certa “intromissão” ou
uma presença cada vez mais constante do poder régio nos assuntos religiosos. Em 1247, por
exemplo, o papa Inocêncio IV concedeu a Fernando III as tercias reales, que correspondia a dois
nonos do valor total do dízimo eclesiástico. Segundo o historiador espanhol Julio Valdeón:
Por más que se tratara de una concesión temporal, prorrogada en años
posteriores hasta su conversión en beneficio perpetuo, esa participación de la
corona en las rentas de la Iglesia tenía un valor decisivo. Por eso se ha afirmado,
7
Sobre a questão da Reforma, ver: PÉREZ-EMBID WAMBA, Francisco Javier et. al. La Reforma Gregoriana y su
Proyección en la Cristiandad Occidental. Siglos XI-XII. Navarra: Departamento de Cultura y Turismo/ Institución
Príncipe de Viana, 2006. p. 113-152.
8
GARCÍA Y GARCÍA, Antonio. Historia del Concilio IV Lateranense de 1215. Salamanca: Centro de Estudios
Orientales y Ecuménicos Juan XXIII, 2005.
9
Sobre a moralização do clero castelhano via IV concílio de Latrão ver: FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina
Lopes. A Moralização do Clero Castelhano no Século XIII. Veritas: Revista da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, v. 40, n. 159, p. 559-576, 1995. E sobre as relações entre igreja e monarquia castelhanas com
Roma, conferir: GARCÍA DE CORTÁZAR, José Angel. La Época Medieval. Madrid: Alianza, 1988. Historia de
España, 2.
43
no si fundamento, que desde mediados del siglo XIII, los obispos del reino
castelhano-leonés dependían más del monarca que del pontífice.
10
Grande parte disso pode ser associado ao fato do movimento de Reconquista ter tomado
ares cruzadísticos ainda no século XI.
11
Mas ao contrário das Cruzadas lideradas pelos cristãos no
Oriente, a Reconquista era uma constante, graças ao inegável e estreito contato entre cristãos,
muçulmanos e judeus vivendo num mesmo território. Mais uma vez, podemos nos remeter ao IV
concílio de Latrão e observar sua dificuldade de incursão na península em geral.
12
A historiadora
francesa Adeline Rucquoi ressalta, sobre a convivência entre esses povos, que:
A coexistência permanente dos cristãos com os judeus e os muçulmanos na
maioria das cidades hispânicas relativizou, (...), o conteúdo da doutrina. (...) Os
reis de Castela e Portugal recusaram-se a impor aos judeus o porte da rodela que
tinha sido preescrita no Concílio de Latrão IV em 1215 e haviam proibido a
Inquisição nos seus reinos.
13
Era praticamente impossível a Igreja exercer um posto intocável numa sociedade assim,
na qual um permanente “sentimento cruzado” fazia com que os homens de guerra, sem o auxílio
dessa instituição, sentissem-se naturalmente salvos por exercerem, quase que naturalmente, uma
atividade, para eles, santa.
14
Aliás, uma das marcas do governo de Fernando III foi justamente a
continuidade das operações militares dos que os antecederam, possibilitando à coroa castelhana o
domínio de grande parte dos territórios muçulmanos ao sul da península. Ainda segundo
Rucquoi, sobre as relações entre a Igreja e o poder temporal:
De facto, os textos legais do século XIII lembram-no, o rei é o representante de
Deus no seu reino e é o responsável perante Ele tanto pelos seus clérigos como
pelos seus laicos. A transmissão do poder, de origem divina, fez-se só em
proveito do monarca, o qual, no seu reino, dispunha do temporal e do espiritual,
só reconhecendo a autoridade do papa no domínio do dogma. Na medida em que
os bispos administravam circunscrições territoriais, como faziam certos grandes
abades e os mestres das ordens militares, foram integrados no governo do reino
sob autoridade régia, e a sua nomeação, bem como a cobrança das rendas dos
bispados em caso de vacatura, foi reclamada pelas coroas que, além disso,
10
VALDEÓN; ZABALO JAVIER, op. cit., p. 84 e 85. Ver, ainda: GARCÍA DE CORTÁZAR, op. cit.
11
O papa Pascoal II assim confirmou-a em 1102. Cf. RUCQUOI, op. cit.
12
Cf. GARCÍA Y GARCÍA, op. cit.
13
RUCQUOI, op. cit., p. 290 e 291.
14
Seria interessante, por exemplo, comparar o pensamento cruzadístico dos europeus que lutavam em Jerusalém com
os cristãos peninsulares da Reconquista. Ver, por exemplo, o artigo de: GONZÁLEZ CASANOVAS, Roberto J.
Fernando III como Rey Cruzado en la “Estoria de Espannade Alfonso X: La Historiografía como Mitografía en
torno a la Reconquista Castelhana. In: WARD, Aengus (Coord.). XII Congreso de la Asociación Internacional de
Hispanistas, 21-26 de agosto de 1995. Actas... Reino Unido: University of Birmingham, 1998. p. 193-204.
44
conseguiram desviar para seu proveito uma parte das contribuições
eclesiásticas.
15
Não podemos ignorar ou desassociar desenvolvimento cultural e intelectual das relações
Igreja/ monarquia.
16
Em finais do século XII o direito romano, como era estudado em Bolonha,
foi introduzido na península, o que possibilitou meios aos soberanos para afirmarem seu poderio
de forma que o reino fosse organizado por e em função da coroa”.
17
O nascimento de
universidades como a de Palência, fundada por Afonso VIII, em 1210, contribuíram para esse
feito.
E as universidades castelhanas o eram tão diferentes das existentes nas demais regiões
cristãs: a língua utilizada em todas era o latim e o método, a escolástica. Os textos eram
comentados levando-se em conta o respeito às chamadas autoridades, excluindo-se, assim, a
chamada “prática de la mera abstracción especulativa”.
18
Porém, podemos destacar algumas
características novas, como, por exemplo, o início da autonomia de disciplinas como o Direito,
Medicina, Artes (Gramática), etc, contudo, a Teologia continuava sendo uma constante e as
universidades mantinham-se fundamentalmente ligadas à Igreja, dependendo da aprovação papal
para seu funcionamento.
19
Para o historiador Julio Valdeón, tais centros de saber, por estarem fundamentalmente
ligados ao corpo eclesiástico, o correspondiam a ambientes apropriados para serem pioneiros
em novas idéias.
20
Discordamos de sua afirmação, pois se deve levar em consideração, que, por
exemplo, na Universidade de Palência vê-se nascer diversos textos, que, inclusive, em muito se
assemelham aos escritos berceanos, seguindo um certo tipo de técnica ligada aos escritos
classificados como mester de clerecía, entre os quais podem ser incluídos o Libro de Alexandre,
15
RUCQUOI, op. cit. p. 290.
16
Ressaltamos que estamos definindo “cultura” como a produção de textos literários por parte dos autores medievais
por nós estudados. Para uma discussão mais abrangente sobre o termo e posicionamentos variados, ver, por exemplo:
EAGLETON, Terry. A Idéia de Cultura. o Paulo: Unesp, 2000; ROQUE DE BARROS, Laraia. Cultura Um
Conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004; WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios
Sobre a Crítica da Cultura. São Paulo: Edusp, 2001.
17
RUCQUOI, op. cit., p. 179.
18
VALDEÓN; ZABALO JAVIER, op. cit., p. 89.
19
CHARLES, Christofe; VERGER, Jacques. História das Universidades. São Paulo: Unesp, 1996; LE GOFF,
Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003; VERGER, Jacques. Les Universités
au Moyen Âge. Paris: PUF, 1999.
20
Cf. VALDEÓN; ZABALO JAVIER, op. cit.
45
o Libro de Apolonio e o Poema de Fernán González. Isabel Uría, por exemplo, defende que no
seio de tal centro de saber esta técnica foi desenvolvida por um grupo de poetas.
21
Paralelamente, temos o segundo motivo por nós destacado para entender um pouco mais
da relação entre os reinados de Afonso VIII e Fernando III à produção das obras por nós
escolhidas para análise: a substituição, gradual, no século XIII, do latim pelo uso das línguas
romances, no caso, o castelhano. Essa mudança paulatina correspondeu a um dos acontecimentos
de maior expressão na perspectiva da História das Línguas.
Valdeón assinala que o sucesso das línguas romances sobre o latim pode ser percebido
desde o século XI, principalmente, se analisado à luz da utilização do romance nas cidades,
graças ao crescente papel dos laicos no comércio, o auge das monarquias na Península Ibérica e
seu desejo de mostrar-se independente dos grandes poderes “universais”, o pontífice e o
imperador, que fez com que os monarcas apoiassem-se nas línguas próprias de seus reinos. Dessa
maneira, a língua passou a ser um “instrumento” ao serviço político dos reis peninsulares.
22
No território castelhano-leonês falava-se o galego, o castelhano, o leonês e, ainda, o
basco, este último de uma filiação distinta do latim. Desde o reinado de Fernando I, o Grande
(1035-1065), por pertencer ao núcleo político dominante, o castelhano foi se impondo pouco a
pouco. Apesar do basco e do galego terem continuado a ser utilizados como línguas faladas e
escritas, não cabem dúvidas que a “língua de Castela” tornou-se hegemônica no reinado de
Fernando III.
Prova disso foi a substituição do latim nos documentos oficiais emitidos pelas
chancelarias reais. Fernando III, por exemplo, mandou traduzir para o castelhano o antigo código
de leis visigóticas, o Fuero Juzgo.
23
Como assinalamos, os centros intelectuais, a saber, as recém fundadas universidades,
eram fundamentalmente vinculadas à Igreja, o que nos leva a inferir que as obras produzidas,
21
ÚRIA MAQUA, Isabel. Sobre la Unidad del Mester de Clerecía del Siglo XIII. Hacia un Replanteamiento de la
Cuestión. In: GARCIA TURZA, C. (Ed.). Jornadas de Estudios Berceanos, Logroño, 3 a 5 de dezembro de 1979.
Actas ... Logroño, Instituto de Estudios Riojanos, 1981. p.179-188. Ver, ainda: RUCQUOI, Adeline. La Double Vie
de l'Université de Palencia (c.1180-c.1250), Studia Gratiana, n. 29, p. 723-748, 1998.
22
Cf. VALDEÓN; ZABALO JAVIER, op. cit., p. 87.
23
Contudo, não resta dúvidas que foi seu filho Afonso X que consagrou o castelhano como língua “oficial” da coroa.
O idioma é utilizado em quase toda a obra do monarca, que não a aproveitava para produção como, ainda, para a
realização de traduções do próprio latim, do grego e de diversas obras escritas em árabe. O “rei sábio”, como assim
foi eternizado na História de Hispania, não se limitou somente ao castelhano, utilizando, também, outra língua
romance presente em seu reino: o galego, que foi usado para a composição de suas Cantigas de Santa María. Afonso
X, em contraste com a produção “historiográfica” anterior, toda produzida em latim, fez uso do castelhano para
compor sua Primeira Crónica General de España.
46
ou pelo menos aquelas ligadas a autores cuja formação tenha se dado em algum desses centros,
representem as idéias lá difundidas, sejam essas obras e idéias de cunho estritamente religioso ou
não. de se ressaltar, ainda, que a estreita ligação da igreja castelhana com a monarquia,
possibilita-nos deduzir que pelo menos alguns destes textos atenderam, também, aos interesses
laicos, como demonstraremos através da análise do PMC.
Segundo diversos autores, os chamados juglares também começaram a utilizar a língua
usada no dia a dia em suas obras.
24
Surge assim o mester de juglaría, que tem no PMC seu maior
representante.
Tais textos tinham essencialmente uma temática épica. Seguindo esta mesma linha, os
clérigos passaram, também, a utilizar o castelhano para escrever suas obras, nascendo, então, as
chamadas obras de mester de clerecía, que, segundo alguns estudiosos, apresentam maior
perfeição formal
25
face às do mester de juglaría.
26
O clérigo-poeta Gonzalo de Berceo é o
principal representante do assim chamado mester de clerecía.
Contudo, essa dicotomia não é aceita pela maioria dos estudiosos e controvérsias
sobre esta classificação baseada em “perfeição formal”. Como mostraremos, o PMC é
comumente classificado como um texto de mester de juglaría, por sua forma e caráter épico.
Porém, defenderemos que, assim como a VSD,
27
ele foi escrito por um clérigo, o que demonstra
que essa diferenciação entre os mesteres não é tão simples quanto aparenta.
28
Nos reinados de Afonso VIII, o Nobre e Fernando III, o Santo, as transformações políticas
e sociais caminharam juntas às transformações culturais. Assim, é impossível discernir até que
ponto a Igreja ou a monarquia influenciaram essas transformações. Podemos, sim, analisá-las em
conjunto, como fizemos.
2.2 – O corpus documental: O Poema de Mio Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos
24
O citado román paladino” a que se refere Gonzalo de Berceo no primeiro verso da segunda estrofe de sua Vida de
Santo Domingo de Silos. Cf. GONZALO DE BERCEO. Vida de Santo Domingo de Silos. 3 ed. Edición,
introducción y notas de Teresa Labarta de Chaves. Madrid: Editorial Castalia, 2005. p. 59.
25
Métrica, rima, etc, mais elaboradas.
26
Cf. VALDEÓN; ZABALO JAVIER, op. cit. p. 88.
27
Classificada, por alguns, como mester de clerecía.
28
Cf. CASO GONZÁLEZ, José. Mester de Clerecía/ Mester de Juglaría: ¿Dos Mesteres o dos Formas de Hacer
Literatura? Disponível em: <http://www.vallenajerilla.com/berceo/casogonzalez/juglariaclerecia.htm>. Último
acesso: 29/02/2008. Ressaltamos, por exemplo, que no mester de clerecía também são encontrados épicos como o
Poema de Fernán Gonzáles, o Libro de Apolonio e o Libro de Alexandre.
47
Dado o contexto em que as obras por nós analisadas foram produzidas, cabe agora,
algumas informações gerais sobre elas.
Como ressaltamos no início deste capítulo, ele comporta não o objetivo de expor o
contexto geral de Castela na primeira metade do século XIII, como, também, discutir outros
pontos que julgamos pertinentes para nossa pesquisa, como, por exemplo, datação e autoria do
PMC e da VSD, assim como a possível formação de seus autores. São esses elementos que
passaremos agora a pôr em revista.
2.2.1 – O Poema de Mio Cid: Os combates e debates sobre a obra
O PMC trata-se de um texto cuja autoria é classificada pela maioria dos especialistas
como desconhecida, no entanto, algumas pesquisas acerca dos possíveis autores do poema,
que discutiremos a seguir.
Alguns pesquisadores também divergem acerca de sua data de composição, porém, consta
ao final do único manuscrito preservado: “mes de mayo en era de mill e .cc xlv. años”,
29
ou seja,
mês de maio na Era de 1245. Segundo Richard Fletcher e Colin Smith, a era espanhola de 1245
equivale ao ano de 1207 d.C.
30
aqueles que acreditam que ela corresponda ao dia em que a
cópia foi concluída. Alguns outros, como por exemplo Ramón Menéndez Pidal, defendem como
data da cópia do único manuscrito preservado até hoje, o ano 1307 e não 1207.
Estes debates são um capítulo à parte a respeito da história do manuscrito e um dos
autores mais conhecidos, graças aos seus estudos gerais acerca deste documento e sua
historicidade temática,
31
é, justamente, Ramón Menéndez Pidal. Sua história de vida se confunde
com todo o processo de crescimento no interesse acadêmico relativo ao poema e seu principal
personagem. Não dúvidas que Menéndez Pidal teve importância fundamental nas teses e
opiniões relativas à historicidade dos relatos presentes no PMC e ainda hoje influencia
pesquisadores por todo mundo.
29
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. 22 ed. Edición de Colin Smith. Madrid: Catedra, 2001. Versos 3732-3733. p.
276.
30
Cf. FLETCHER, Richard. Em Busca de El Cid. o Paulo: Unesp, 2002; SMITH, Colin. Introducción. In:
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Edición de Colin Smith. 22ª Ed. Madrid: Catedra, 2001. p. 17-139.
31
Ou seja, que os fatos descritos no Poema de Mio Cid realmente aconteceram.
48
Em sua principal obra, La España del Cid,
32
Pidal defendeu que o PMC deveria ser lido
como um testemunho histórico do que era exatamente a Península Ibérica no século XI,
argumentando arduamente que seu protagonista fora um verdadeiro “herói nacional”. O filólogo e
historiador pareceu ignorar, ingênua ou propositalmente, as nuances do documento que tinha em
mãos. Contudo, com retórica e metodologia, que no momento de redação da tese eram
consideradas impecáveis e indiscutíveis,
33
ele solidificou idéias que ainda hoje parecem
irrefutáveis, apesar da série de trabalhos historiográficos que vão de encontro às suas teses.
Talvez seu nome tenha se firmado como historiador graças aos seus trabalhos como filólogo,
considerados excelentes, por este motivo, suas idéias, ainda hoje, mesmo refutadas, mantém-se
através de seus seguidores.
Menéndez Pidal e sua La España del Cid desencadearam uma série de discussões sobre o
Cid histórico e literário. Dentre estas, podemos destacar o livro de Richard Fletcher, Em Busca de
El Cid,
34
os trabalhos de Colin Smith, como sua Introducción à edição crítica do PMC, e uma
variedade de artigos de outros autores
35
que tentaram, cada um a sua maneira, separar, sem
sucesso, o “El Cid histórico do literário.
36
Conseqüentemente, devido todo furor causado pelo livro de Menéndez Pidal e seus
muitos objetivos, as discussões acerca da datação e autoria do PMC foram aumentando cada vez
32
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. La España del Cid. 4 ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1947. 2 v. Cabe ressaltar que tal
tratado foi escrito como resposta a tese lançada em 1849 por Reinhardt Dozy, num artigo intitulado Le Cid d'Après
de Nouveaux Documents, em que foi defendido que El Cid havia sido um mercenário” que lutou por riquezas na
península até mesmo se associando a muçulmanos. Menéndez Pidal, anos mais tarde, ao ler tal trabalho, refutou
Dozy em seu livro, afirmando que o cavaleiro havia sido um cristão exemplar e mbolo espanhol. Cf. DOZY,
Reinhardt. Le Cid d'Après de Nouveaux Documents. In:___. Recherches sur l’Histoire et la Littérature de
l’Espagne Pendant le Moyen Âge. 2 ed. Leyde: E. J. Brill, 1860. 2 v. V. 2. p. 1-6.
33
Menéndez Pidal lançou mão do Positivismo em seu livro, tão em voga em seu período de redação. E parece tê-lo
mantido mesmo em suas reedições revisadas, ignorando, assim, a reviravolta teórico-metodológica que a História
passou no início dos anos trinta, pelo menos na França, com o surgimento da revista Annales d'Histoire Économique
et Sociale. Cf. BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Historiografia. São
Paulo: Unesp, 1997; DOSSE, François. A História em Migalhas: Dos Annales à Nova História. São Paulo/
Campinas, SP: Ensaio/ Editora Unicamp, 1994.
34
FLETCHER, op. cit.
35
Dentro de tal variedade podemos citar: ARMISTEAD, Samuel G. Dos Tradiciones Épicas Sobre el Nacimiento del
Cid. Nueva Revista de Filología Hispánica, n. 46, p. 219-248, 1988; WEBBER, Ruth House. Historicidad y
Tradicionalidad en el Cantar de Mio Cid. In: BELLINI, Giuseppe (Ed.). VII Congreso de la Asociación International
de Hispanistas, Venecia, 1980. Actas... Roma: Bulzoni, 1982, p. 581-590. V. II; SEVILLA-QUIÑONES DE LEÓN,
Margarita C. Torre. El Linaje del Cid. In: BARRIO BARRIO, Juan Antonio (Coord.). Anales de la Universidad de
Alicante (Historia Medieval), n. 13, p. 6-49, 2001-2002.
36
Sobre El Cid literário e suas transformações no decorrer dos séculos, ver o artigo: MARTÍNEZ RICO, Eduardo. El
Cid: El Heróe Literario a Través de los Siglos. Dicienda: Cuadernos de Filología Hispánica, v. 24, p. 337-245,
2006. Neste estudo, Martinéz Rico, seguindo a escola pidalina, vai além dos preceitos estabelecidos por Menéndez
Pidal em firmar El Cid como um “herói nacional” e o apresenta como ummodelo universal”, graças ao modelo de
herói perfeito presente no poema e a variedade de releituras do PMC da literatura ao cinema.
49
mais, criando, assim, o que poderíamos denominar como diversos ramos da “historiografia
cidiana”.
De maneira geral, durante muitos anos, as teses que mais se sobressaíram a respeito da
datação do PMC foram as defendidas por Menéndez Pidal e por Colin Smith.
O primeiro dizia que o poema fora composto em meados de 1140 e a cópia que chegou
até nós dataria de 1307. Em 1961, esse mesmo estudioso ainda defenderia a tese de que o PMC
teria sido escrito por dois autores, que a parte “mais verídica” dos acontecimentos históricos teria
sido redigida em princípios do século XII, na região de San Esteban de Gormaz, e todo o caráter
novelesco, as inexatidões do poema, etc, em 1140, em Medinaceli.
37
Tal tese foi refutada por Antonio Ubieto Arteta, ao defender que o autor do poema “fue un
possible guerrero aragonés que colaboró en la reconquista de la Tierra de Campos para Alfonso
VIII en 1196-1197”.
38
Por sua vez, Colin Smith defendeu em seu livro, The Making of The Poema de Mio Cid,
39
que a autoria do poema foi de Per Abbat, em 1207. Ele foi seguido e também refutado por alguns
autores.
40
Smith acabou abandonando tal teoria e atualmente é consenso entre a grande maioria
dos especialistas em PMC que Per Abbat foi o copista.
41
Porém, ainda discordâncias quanto à
datação da obra. Richard Fletcher, tentando solucionar tal impasse, prefere adicionar o postulado
“por volta de 1207...”,
42
ano que também é muito debatido. Fletcher afirma:
Pouquíssimos, hoje em dia, concordariam com Menéndez Pidal, quanto ao que o
poema existisse por volta de 1140. No decorrer dos últimos trinta e poucos
anos, linhas de pesquisa distintas, mas convergentes, sobre tópicos como a
linguagem do poema, suas referências a procedimentos jurídicos e burocráticos e
sobre o fato de ele parecer dever muito ao épico do francês antigo do século XII
tendem a sugerir que é pouco provável que a obra tenha sido escrita antes de
1175.
43
37
Menéndez Pidal defendeu essa tese num artigo intitulado Dos Poetas en el Cantar de Mío Cid, ao qual,
infelizmente, não tivemos acesso, contudo, o comentário sobre esse trabalho pode ser encontrado em: GUTIÉRREZ
AJA, María del Carmen; RIAÑO RODRÍGUEZ, Timoteo. El Cantar de Mío Cid. 2: Fecha y Autor del Cantar de
Mío Cid. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2006. Disponível para download em:
<http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=17997>. Último acesso em 03/02/2008.
38
UBIETO ARTETA, Antonio. El Sentimiento Antileonés en el Cantar de Mio Cid. En la España Medieval, n. 1,
p. 557-574, 1980. p. 574.
39
SMITH, Colin. The Making of The Poema de Mio Cid. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.
40
Cf. DEYERMOND, Alan David. A Monument for Per Abad: Colin Smith on The Making of The Poema de Mio
Cid. Bulletin of Hispanic Studies, n. 52, p. 120-126, 1985; MONTANER FRUTOS, Alberto. Mythopoeia and
Myopia: Colin Smith’s The Making of The Poema de Mio Cid. Journal of Hispanic Philology, n. 8, p. 7-16, 1983.
41
Como demonstraremos no capítulo 3, não seguimos o grupo que defende tal perspectiva.
42
FLETCHER, op. cit., p. 254.
43
Ibidem.
50
Porém, Smith defende, em sua Introducción crítica ao PMC, que “creo con muchos ahora
que [1207] marca el momento en que Per Abbat copió (o bien teminó de copiar) su versión, de
una obra compuesta unos meses o unos pocos años antes”.
44
E continua: “Aceptar la fecha de
1207 (o alguños antes) como fecha de la composición del poema puede parecer sencillo y hasta
ingenuo, pero (hoy de acuerdo con muchos) lo creo perfectamente correcto”.
45
Em resumo, existem ainda pesquisadores, entre os quais nos incluímos, que trabalham
com a linha investigativa de que 1207 foi a data de composição do poema e que Per Abbat foi seu
autor e não o copista.
46
O manuscrito do PMC, em seu estado atual, é composto por 74 folios num total de 3.733
versos e se encontra atualmente na Biblioteca Nacional de Madri, na Espanha. Sabemos que falta
uma folha no início do manuscrito e mais duas no interior, desta maneira podemos supor que o
poema em seu estado original tinha, aproximadamente, 4.000 versos ou um pouco menos. O texto
está dividido em três núcleos narrativos que comumente são denominados pelos estudiosos em:
Cantar del destierro (Cantar I), Cantar de las bodas (Cantar II) e Cantar de la afrenta de Corpes
(Cantar III).
O primeiro cantar começa com o Cid partindo para o exílio, juntamente com o seu
séquito, por ordem de Afonso VI. O cavaleiro deixa sua mulher e filhas sob os cuidados do abade
de Cardeña, dando início, assim, às suas empreitadas militares. O segundo retrata suas campanhas
na região do Levante e a conquista de Valência e se encerra com as bodas de suas filhas com os
infantes de Carrión, pelas mãos do rei Afonso VI. O terceiro cantar trata da restituição moral e
financeira do Cid, que suas filhas foram ultrajadas pelos infantes em Corpes, por motivo de
vingança. O poema se encerra com o cavaleiro atingindo todos os seus objetivos. Os três cantares
demonstram a gradual ascensão heróica do personagem.
Em nossa pesquisa trabalhamos com a edição crítica elaborada por Colin Smith,
47
que em
seu estudo utilizou a edição fotográfica do manuscrito original publicada em Madri em 1967 e a
edição paleográfica de Menéndez Pidal, editada pela primeira vez em 1911.
48
44
SMITH, Colin. Introducción.... p. 40.
45
Ibidem. p. 43.
46
Sobre o tema há alguns artigos como: RATCLIFFE, Marjorie. Diego, Hijo del Cid, y la Fecha de Composición del
Cantar de Mio Cid. Dicienda: Cuadernos de Filología Hispánica, v.9, p. 163-170, 1990 e UBIETO ARTETA,
Antonio. Otro Dato Sobre la Cronología del Cantar de Mio Cid. En la España Medieval, n. 3, p. 673-679, 1982.
47
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid... op. cit.
51
2.2.2 – A Vida de Santo Domingo de Silos: Um texto religioso escrito para todos
No que diz respeito a VSD, apenas três manuscritos são conhecidos até o momento: S, H e
E. Todos são cópias do texto original berceano. O manuscrito S é datado no culo XIII e os
outros dois são cópias realizadas no século XIV. S encontra-se no mosteiro de Silos e acredita-se
que seja uma cópia feita em San Millán de La Cogolla por um monge de Silos. Este manuscrito
foi descrito e, posteriormente, publicado em 1958 pelo frei Alfonso Andrés.
49
H trata-se de uma
cópia do primeiro, provavelmente feita para o mosteiro de San Martin de Madrid, comunidade
religiosa filiada a de Silos. Alguns autores o denominam como “Códice de Monserrat”, por ter
sido conservado no mosteiro de Nossa Senhora de Monserrat, em Madrid. Este manuscrito
encontra-se atualmente na Academia de la Historia. Por fim, o manuscrito E, uma possível cópia
do original de Berceo, feita em San Millán de La Cogolla, entre 1300 e 1325. Tal manuscrito,
atualmente, pertence a Real Academia Española de la Lengua. Labarta de Chaves reconstrói o
texto original da VSD baseando-se nos manuscritos S e E.
50
Acerca das discussões a respeito da datação da VSD, que sua autoria é irrefutável,
podemos destacar os estudos realizados pelo já citado Frei Andrés Alfonso e pelos hispanistas
José Cortés e Enzo Franchini
51
De uma maneira geral, estes trabalhos foram acompanhados de
perto por outros estudos, como, por exemplo, os de Frida Weber de Kurlat e Brian Dutton.
Desses dois autores acima citados, podemos destacar os seguintes artigos: Notas Para la
Cronología y Composición Literaria de las Vidas de Santos de Berceo,
52
escrito por Weber
Kurlat, e A Chronology of the Works of Gonzalo de Berceo,
53
de autoria de Dutton.
Os dois artigos traçam uma possível cronologia para as composições de Gonzalo de
Berceo, ressaltando que a VSD, juntamente com a Vida de Santa Oria e a Vida de San Millán de
48
A edição Fac-similar pidalina para o PMC e a edição fotográfica do manuscrito assinado por Per Abbat encontram-
se disponibilizadas no sítio da Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes: <http://www.cervantesvirtual.com>. Último
acesso em: 15/10/2007.
49
GONZALO DE BERCEO. Vida de Santo Domingo de Silos. Edición Crítico-paleográfica del Códice del Siglo
XIII por Fray Alfonso Andrés. Madrid: O.S.B, 1958.
50
Esta é a edição por s utilizada na presente pesquisa. GONZALO DE BERCEO. Vida de Santo Domingo de
Silos. 3 ed. Edición, introducción y notas de Teresa Labarta de Chaves...
51
ANDRÉS, Alfonso. Notable Manuscrito de los Tres Primeros Hagiógrafos de Santo Domingo de Silos (Siglos
XIII-XIV). Boletín de la Real Academia Española, n. 4, p. 172-194, 1917; CORTÉS, José. El Mundo Poético de
Gonzalo de Berceo en la Vida de Santo Domingo de Silos. 1972. Tese de Doutorado. Florida State University,
Flórida, 1972 e FRANCHINI, Enzo. Gonzalo de Berceo y el Otro Latino: Sobre la Copla 2 de la Vida de Santo
Domingo de Silos. La Corónica, v. 28, n. 1, p. 25-34, 1999.
52
WEBER DE KURLAT, Frida. Notas Para la Cronología y Composición Literaria de las Vidas de Santos de
Berceo. Nueva Revista de Filología Hispánica, n° 15, p. 113-130, 1961.
53
DUTTON, Brian. A Chronology of the Works of Gonzalo de Berceo. In: DEYERMOND, Alan David. Medieval
Hispanic Studies Presented to Rita Hamilton. Londres: Tamesis, 1976. p. 67-76.
52
la Cogolla, formam a “tríade” inicial dos escritos berceanos, provavelmente, iniciados na terceira
ou quarta década do século XIII. Dutton, em seu estudo, destaca: “There is a possible connexion
between the year of the rebewak if the Carta de hermandad between Silos and San Millán, 1236
(originally signed in 1190), and the composition of Berceo’s Vida de Santo Domingo de Silos.”
54
Seguindo com seu estudo, ele defende a seguinte seqüência para a composição das obras:
primeiro, Berceo teria escrito a Vida de San Millán de la Cogolla, seguida pela VSD e, então,
teria composto a Vida de Santa Oria.
Tanto Frida Weber de Kurlat como Brian Dutton, para chegarem a essas conclusões, ou
seja, datar a VSD como um texto composto por Berceo, aproximadamente, em 1236-40, e situá-lo
entre a Vida de San Millán de la Cogolla e a Vida de Santa Oria, realizaram análises textuais
através de uma comparação literária.
Essas são, basicamente, as informações gerais sobre nosso corpus documental.
Passaremos agora a discutir algumas características mais específicas a respeito de cada uma das
nossas fontes. Como por exemplo, nossa atribuição a Per Abbat como autor do PMC, a
comparação de sua possível formação com a de Gonzalo de Berceo, autor inegável da VSD e,
também, como nos posicionamos ante as classificações literárias atribuídas aos dois textos.
2.3 – O Poema de Mio Cid: Literatura Cortês escrita por um clérigo
Ao dialogarmos com a “historiografia cidianaque se preocupa em estudar a autoria do
PMC, esse, por sua vez, um dos temas mais controversos e recorrentes nas tendências de estudo
sobre o documento, nos deparamos com algumas teses a respeito do possível autor do poema.
Elas tentam, cada uma à sua maneira, discutir a possível origem, formação, etc, da pessoa que
escreveu esse que, para muitos hispanistas, corresponde ao primeiro grande monumento literário
escrito em castelhano.
55
Diferentemente das discussões travadas sobre Gonzalo de Berceo, autor
inegável da versão versificada da VSD, as controvérsias sobre a autoria do PMC vão de análises
feitas à luz de um regionalismo exacerbado até preocupações filológicas e lingüísticas.
Frente a esses embates, decidimos elaborar uma visão própria, fruto das leituras que
realizamos sobre o assunto. Os dois itens do nosso capítulo que se seguem darão conta inicial,
54
Ibidem. p. 68.
55
Cf. DOZY, op. cit.
53
justamente da hipótese que defendemos, acompanhados de alguns hispanistas,
56
sobre a formação
do autor do PMC.
Basicamente, observamos quatro linhas investigativas proeminentes sobre a autoria do
documento, a mais antiga e, atualmente, pouco utilizada, mas ainda muito enraizada nos estudos
sobre o PMC, é a de Ramón Menéndez Pidal; seguida de perto pelas investigações do historiador
e filólogo aragonês Antonio Ubieto Arteta. Temos, ainda, aquelas lideradas pelo inglês Colin
Smith, que, também, são muito difundidas, e, por fim, as teses dos hispanistas Timoteo Riaño
Rodríguez e María del Carmem Gutiérrez Aja.
De maneira geral, Ubieto Arteta defende a possibilidade do autor do PMC ter sido um
guerreiro aragonês que antes de escrever o poema participou das incursões militares de Afonso
VIII, primeiro na reconquista da Terra de Campos em 1196-1197, e sucessivamente na expedição
guerreira do monarca pelo reino de Leão, atuando na ocupação das terras de Carrión,
57
por esse
motivo, o historiador defende que o texto foi escrito no início do século XIII em aragonês, sendo
posteriormente traduzido para o castelhano por um poeta de Teruel.
Ubieto Arteta, dessa forma, “combate” a tese pidalina de que o PMC tenha sido escrito
em 1140 e copiado em 1307, como por muitos anos defendeu o ilustre hispanista. Não resta
dúvidas que as investigações de Antonio Ubieto Arteta tenham seu devido valor, assim como as
pidalinas, no entanto, de suas afirmações, concordamos apenas com seu posicionamento sobre a
datação do documento, possivelmente nos limiares do século XIII, mas especificamente, de 1207
em diante.
Colin Smith vai um pouco menos longe que o historiador aragonês, mas também
apresenta algumas teses pertinentes no nosso ponto de vista. O hispanista inglês defendeu durante
muito tempo, não sem fundamentos, como veremos a seguir, que o autor do poema havia sido Per
Abbat, nome que aparece ao final do único manuscrito conservado do PMC. Contudo, com o
passar do tempo e com o desenvolvimento de novas linhas investigativas dentro dos estudos
cidianos, acabou abandonando tal perspectiva, apresentada originalmente em seu livro The
Making of The Poema de Mio Cid.
58
Sua justificativa para tal abandono, parece estar mais
relacionada à tentativa de dar cabo dos embates acadêmicos sobre o assunto, do que,
56
Cf. GUTIÉRREZ AJA; RIAÑO RODRÍGUEZ, op. cit.
57
UBIETO ARTETA, Antonio. El Sentimiento Antileonés en el Cantar de Mio Cid... op. cit.
58
SMITH, Colin. The Making of The Poema de Mio Cid... op. cit.
54
propriamente, uma argumentação concisa acerca do tema.
59
Smith relata ainda se sentir “atraído”
pela identificação, pelo menos da trajetória, de “seu”
60
Per Abbat, que passou a considerar como
copista e nada mais.
61
Em seus trabalhos mais recentes, Smith defende que Per Abbat era um homem laico,
possivelmente notário, que, junto aos seus filhos Pedro e Juan, apresentou-se ante ao rei Fernando
III, o Santo e seus juízes, nas Cortes montadas em Carrión no ano de 1223 para advogar em
defesa dos interesses do pequeno mosteiro de Santa Eugênia sobre um território em Cordobilla
(localizado a nordeste de Palência).
62
Ainda segundo o hispanista:
Los jueces rechazaron por falsos los diplomas presentados por Pedro Abad, entre
los cuales figuraba seguramente el documento fundacional del monasterio con
mención de la fecha 1075 y de su primer abad Lecenio, supuesto consanguineus
del Cid. Entre los confirmantes laicos, dieciocho, figuran diez asociados en la
historia o en la leyenda y poesía con Rodrigo Díaz. Creo que Pedro Abad que
actuó de abogado en 1223 fue autor del diploma falsificado <de 1075>, o bien el
que lo rehízo imaginativamente, y que se le había asignado este cometido (así
como la misión de comparecer ante los jueces) debido a su conocida pericia en
asuntos cidianos, o sea, como copista de nuestro poema en 1207. Según esto,
Abad es apellido y no título eclesiástico, y el abogado u hombre de leyes que se
presenta en el tribunal de 1223 ayudado por sus hijos adultos, pues habría
nacido hacia 1170, siendo de edad bastante madura en 1207 para copiar el
poema.
63
Como se pode observar, o pesquisador defende a laicidade de Per Abbat. Mas, passando
em revista a temática, o historiador em sua edição crítica ressalta o trabalho escrito por Francisco
Javier Hernández,
64
em que o autor apresenta notícias sobre um “outro” Per Abbat, este, por sua
vez, um cônego de Toledo, documentado na cidade entre 1204 e 1211, justamente no período em
que se situam as Cortes reunidas por Afonso VIII, cidade e situação que coincidem com as cortes
fictícias convocadas por Afonso VI no PMC para restituir a honra de seu vassalo.
Sobre a origem do autor anônimo, Smith afirma que o mesmo era castelhano, mais
especificamente, burgalês. Seu argumento toma como base o fato do poema exaltar o “hijo [El
59
Cf. SMITH, Colin. Introducción. In: ANÔNIMO. Poema de Mio Cid... p. 38-48.
60
São documentados diversos Pedros Abades na história espanhola medieval, por este motivo, Smith se refere em seu
texto introdutório e crítico ao PMC como “seu” Per Abbat.
61
Cf. SMITH, op. cit.
62
Cf. Ibidem. p. 40.
63
Idem. Ibidem.
64
HERNÁNDEZ, Francisco Javier. Las Cortes de Toledo de 1207. In: Las Cortes de Castilla y León en la Edad
Media: Primera Etapa del Congreso Científico sobre la Historia de las Cortes de Castilla y León, Burgos 30 de
septiembre a 3 de octubre de 1986. Actas... España: Cortes de Castilla y León, 1988. p. 219-266. Vol. 1.
55
Cid] predilecto de la ciudad, y a ensalzar las virtudes castelhanas”.
65
Quanto à sua formação, o
historiador afirma que possivelmente ele tenha estudado inicialmente em Castela, onde aprendeu
matérias básicas, como o latim. Mas para uma formação completa como homem de leis (Direito)
ou mesmo em literatura, ele só poderia ter estudado em alguma universidade localizada nas atuais
França ou Itália. Esta sua afirmativa baseia-se no forte cunho jurídico do poema que acompanha,
inclusive, as bases do Direito Romano ensinado inicialmente em Bolonha. Para este hispanista, o
poeta como um “estudante francês” poderia ter tido contato com as chansons de geste, parte em
audições ou em leituras privadas de manuscritos.
Seguindo as referências presentes no poema, Smith assinala que o autor poderia ainda ter
conhecido em Burgos a Disciplina clericalis e em Cardeña ter lido a Bíblia (mesmo que
incompleta), a Historia scholastica de Petrus Comestor e também a Historia Roderici.
Tendo nascido possivelmente em meados do século XII, de alguma maneira, o poeta teve
uma formação. Colin Smith afirma que na Península Ibérica desse período não existiam ainda
universidades, mas “centros culturais”, como, por exemplo, Compostela, Toledo, etc, ou alguma
“escola” localizada em catedral ou mosteiro.
66
E continua: “en ninguno de estos núcleos nos
consta que hubiese tradición, ni siquiera asomos, de poesía seria en lengua vernácula”.
67
Antes de
nos posicionarmos sobre os argumentos de Smith, apresentaremos as teses de Timoteo Riaño
Rodríguez e María del Carmem Gutiérrez Aja.
O estudo que utilizamos, elaborado por esses hispanistas, intitulado El Cantar de Mío Cid.
2: Fecha y Autor del Cantar de Mío Cid, foi publicado em 2006 e se centra exatamente na
discussão sobre a autoria e datação do PMC.
68
Neste trabalho, os autores apresentam as teses, comentadas por nós, de Ubieto Arteta e
Menéndez Pidal para depois exporem as suas próprias, que podem ser resumidas da seguinte
maneira: através de uma extensa contextualização e de um minucioso estudo toponímico de
diversas características presentes no PMC, defendem que ele foi escrito em 1207 e não copiado,
como afirmam Smith e Ubieto Arteta em seus estudos.
69
65
SMITH, op. cit., p. 41.
66
Ao que parece, para o autor, essas escolas catedralícias ou monasteriais não eram suficientes para possibilitar a
formação do Per Abbat estudado por ele. Esse seu posicionamento está de acordo com sua tese de que o poeta teria
cursado universidade na França.
67
SMITH, op. cit., p. 48.
68
GUTIÉRREZ AJA; RIAÑO RODRÍGUEZ, op. cit.
69
Como ressaltado por nós anteriormente, Smith e Ubieto Arteta defendem que o PMC foi copiado em 1207, a partir
de um outro manuscrito.
56
Em nossa opinião, a originalidade da tese de Gutiérrez Aja e Riaño Rodríguez está em,
justamente, apresentar um argumento conciso, mesmo que não seja consenso entre os
especialistas, de que o PMC foi composto em 1207 pelo clérigo-poeta Per Abbat e copiado em
1235 por um desconhecido. Está hipótese é fundamentada, como assinalamos, a partir de um
minucioso estudo toponímico, filológico, lingüístico, histórico, etc, de vários termos que
compõem o documento.
Tais pesquisadores se baseiam em trabalhos diversificados e realizam, inclusive,
comparações com o estilo berceano, daí a hipótese sobre a cópia do poema ter sido realizada em
1235 demonstrar coerência, pois os mesmos alegam que o copista do PMC, muito
provavelmente, possuía uma formação próxima a de Gonzalo de Berceo, clérigo-poeta ligado ao
mester de clerecía.
70
Outro argumento dos autores que julgamos pertinente é quanto à formação do autor do
PMC. Para os dois, ele foi um clérigo secular ligado a diocese de Osma que “firma como testigo
en nombre del cabildo en una transación en Fresno de Caracena en 1220”.
71
Este argumento é
bem próximo ao apresentado por Francisco Javier Hernández,
72
porém, ignorado por Colin
Smith.
73
Segundo o que apresentam Gutiérrez Aja e Riaño Rodríguez em sua contextualização
histórica, esse clérigo secular foi impulsionado a escrever o PMC graças a situação política de
Castela no período em que foi governada por Afonso VIII, ou seja, o clérigo-poeta apresenta um
arquétipo de nobreza e lealdade ao rei ante a “postura innoble de don Pedro Fernández de Castro,
descendiente de los Castro-Ansúrez-Beni Gómez que tantos inconvenientes levantaba contra
Alfonso VIII”.
74
Sendo assim, podemos observar que o PMC é fruto de um período específico da
história castelhana, o que justifica nossa preocupação em levar em consideração alguns anos que
antecedem os marcos por nós selecionados.
Em resumo, é impossível afirmarmos que haja uma única linha investigativa ou certeza
sobre a autoria do poema e, como afirma Smith, “para redondear el retrato del poeta, partimos de
la única base que tenemos, el texto mismo, y formulamos más conjeturas”.
75
70
Cf. GUTIÉRREZ AJA; RIAÑO RODRÍGUEZ, op. cit., p. 62.
71
Ibidem. p. 58.
72
Já citado.
73
Cf. HERNÁNDEZ, op. cit.; SMITH, op. cit., p. 40 e 41.
74
GUTIÉRREZ AJA; RIAÑO RODRÍGUEZ. op. cit., p., 58.
75
SMITH, op. cit., p. 44.
57
Por fim, como o título deste item mesmo afirma, o PMC é inegavelmente um texto
direcionado aos membros das cortes, sendo classificado por Carlos Alvar e Manuel Alvar como
um dos quatro cantares de gesta espanhóis conservados, mesmo que nenhum esteja de todo
completo.
76
E como observamos, pela análise de Timoteo Riaño Rodríguez e María del Carmem
Gutiérrez Aja, este texto tinha, provavelmente, intuitos de passar uma mensagem direcionada aos
cavaleiros ligados à monarquia castelhana. Outro fator apresentando refere-se à formação do
autor do poema. Para os dois hispanistas, ele foi escrito por um clérigo secular, tese que também
será por nós defendida, enquanto que para o aragonês Antonio Ubieto Arteta o poeta foi,
provavelmente, um cavaleiro da coroa de Aragão que lutou lado a lado de Afonso VIII em
algumas incursões militares.
Colin Smith defende que o autor do PMC foi um homem ligado às leis e que teve
contato direto com mosteiros castelhanos, possivelmente representando-os. O hispanista ainda
afirma que o poeta, provavelmente, tenha estudado em alguma universidade francesa após sua
educação inicial em alguma “escola” castelhana.
Expostas as múltiplas diretrizes sobre a autoria e datação do PMC, posicionaremo-nos
agora expondo nosso olhar sobre este assunto no subitem a seguir.
2.3.1 – Per Abbat: o autor do Poema de Mio Cid
Concordamos com as teses defendidas por Timoteo Riaño Rodríguez e María del Carmem
Gutiérrez Aja. Defendemos, assim, em nossa pesquisa, que o autor do PMC foi um clérigo como
Gonzalo de Berceo. E ao contrário do que afirma Colin Smith, acreditamos que o fato do poeta
deter conhecimentos jurídicos não significa que ele tenha tido uma educação formal
direcionada a isso. Além disso, a formação intelectual no medievo era de caráter geral, e o
especializado. Como demonstramos em nossa contextualização, as universidades castelhanas não
eram tão diferentes das de outras regiões, sem contar, ainda, que eram fundamentalmente ligadas
à Igreja. Mesmo que o nosso clérigo poeta, autor do PMC, tenha estudado fora da Península
Ibérica, como defende Smith, ele poderia ter adquirido os mesmos instrumentos intelectuais em
Castela, justamente por ser um clérigo. Como ressaltado por nós e bem lembrado por Brian
Dutton, sobre a história da Universidade de Palência:
76
Os outros três cantares seriam: o Roncesvalles, o Poema de Fernán González e as Mocedades de Rodrigo. Cf.
ALVAR, Carlos; ALVAR, Manuel. Épica Medieval Española. Madrid: Cátedra, 1991. p. 63.
58
Existía ya en Palencia una escuela catedralicia, presidida por un magister
scholarum, donde había cursado artes y teología Santo Domingo Guzmán hacia
1185. Hacia el año 1210 Alfonso VIII invitó a varios maestros de otras
universidades (París y Boloña, se supone) a enseñar en el Estudio General de
Palencia, siendo el primer rey en fundar una universidad y en dotar cátedras.
(...). Vinieron maestros de teología, derecho canónico, lógica y gramática. En
1220 Fernando el Santo obtuvo licencia del papa Honorio III para emplear la
cuarta parte de la renta eclesiástica dedicada a mantener los edificios sagrados de
la diócesis para pagar a los maestros del Estudio General. El sínodo de
Valladolid concedió en 1228 un privilegio de ausencia a los estudiantes y
maestros de teología.
77
A afirmativa de Smith, apresentada, de que não haveria uma tradição, nos centros
urbanos castelhanos de uma produção séria de poemas em língua vernácula, é ignorar, por
exemplo, textos como os de mester de clerecía. Contudo, defender que o poeta que escreveu o
PMC era um clérigo nos coloca na contramão das análises sobre a literatura medieval em
castelhano vista à luz de uma dicotomia mester de clerecía X mester de juglaría, como a
assinalada por nós no capítulo 1 desta dissertação.
Como ressaltamos, não dúvidas de que o PMC é um poema épico, uma canção de
gesta, sendo assim, um tipo de literatura direcionada às Cortes, melhor chamá-la, então, de
literatura cortês para simplificar os enunciados. Como literatura cortês, ela naturalmente se
enquadraria na classificação de mester de juglaría, se olhada dicotomicamente. E sobre isso
assinala José Caso González:
Cuando se habla de poesía de los siglos XII al XIV todos los críticos
establecemos una diferencia entre el mester de juglaría y el mester de clerecía.
Son dos tipos distintos de poesía. El mester de juglaría es obra de cantores
populares, poetas laicos, que componen poesía narrativa o lírica para ser cantada
ante el pueblo. Si es narrativa se utilizará el verso anisosilábico, y la estrofa
fundamental será la serie irregular; si lírica, pueden ser diversos los metros y las
estrofas. El mester de clerecía es obra de poetas cultos; la estrofa, la cuaderna
vía; el metro, el alejandrino, que si resulta irregular se deberá a defectos de la
transmisión; los temas proceden de fuentes escritas. El juglar compone para
cantar ante un público, aristocrático o popular; el clérigo escribe para que su
poema sea leído.
78
Assim, uma clara dicotomia elaborada pelos críticos para os dois grupos de textos:
“juglaría-clerecía, poesía popular-poesía culta, inspiración intuitiva-inspiración a través de
77
DUTTON, Brian. Gonzalo de Berceo: Unos Datos Biográficos. In: JONES, Cyril A.; PIERCE, Frank (Coord.).
Primer Congreso Internacional de Hispanistas (Celebrado en Oxford del 6 al 11 de Septiembre de 1962). Actas...
España: The Dolphin Book, 1964. p. 249-254. p. 250 e 251.
78
CASO GONZÁLEZ, op. cit.
59
fuentes escritas, metro irregular-metro regular, poesía para ser cantada, poesía para ser leída”.
79
Mas como questiona o autor em seu artigo: “¿Es esto cierto? ¿Funcionaba así realmente la
literatura de esos tres siglos? ¿Se oponía realmente el mester de juglaría al mester de clerecía por
lo que hemos dicho?”.
80
Acreditamos, assim como ele, que não.
81
Por isso, ao defendermos que o autor do PMC
foi um clérigo não inserimos nosso argumento em paradoxos inexoráveis, pois o conduzimos
nossa pesquisa fundamentados num olhar dicotômico sobre literatura medieval castelhana. Pelo
contrário, defendemos que a distância entre os textos classificados como mester de clerecía e
mester de juglaría era, praticamente, inexistente, principalmente, se olhados pela perspectiva que
a grande maioria dos autores que foram enquadrados em tais classificações eram clérigos.
Nos inserimos nas fileiras dos que defendem que o autor do PMC, assim como Berceo,
era um homem culto e com uma clara consciência artística.
82
E ainda nos remontamos ao
posicionamento de que a separação popular/ culto na Idade Média era mais nue do que
acreditamos.
Para nós, o autor do PMC era um clérigo por dois motivos principais: primeiro, pela
presença constante do espaço religioso no poema, representado pelo monastério San Pedro de
Cardeña e, em segundo, pela forte ligação histórica do protagonista da obra estabelecida com os
monges desse monastério,
83
sendo inclusive cultuado por eles em meados do século XIII.
84
O clérigo poeta, então, por ser castelhano, quis, entre outras coisas, exaltar a ligação do
herói com um mosteiro bastante conhecido de Castela, ou seja, como veremos no decorrer da
nossa exposição, as temáticas apresentadas pelo autor do PMC podem ser vistas como inspiração
artístico-política do contexto em que ele estava inserido.
79
Ibidem.
80
Ibidem.
81
O autor no decorrer de seu artigo demonstra que esta dicotomia juglaría-clerecía é: “sólo y nada más una mera
dicotomía de formas, no de actitudes literarias, ni de diferencias esenciales; que lo que estamos llamando poesía
juglaresca ni era poesía para el pueblo indocto, ni la escribieron los auténticos juglares (...). La forma popular o
juglaresca, en lo que conocemos (desde las jarchas hasta el Poema de Mio Cid) puede ser tan de clerecía, es decir,
culta, elaborada por un poeta consciente y letrado, como los poemas compuestos a sílabas contadas o las refinadas
canciones de los trovadores.” CASO GONZÁLEZ, op. cit. Ver, também: BATANY, Jean. Escrito/oral. In: LE
GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo:
Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2 v. V. 1. p. 283-395.
82
Cabe ressaltar que na Idade Média, assim como hoje, existiam diferentes níveis de cultura.
83
Cf. PÉREZ-EMBID WAMBA, Javier. Hagíologia y Sociedad en la España Medieval: Castilla y León (Siglos
XI-XIII). Huelva: Universidad de Huelva, 2002. Ver principalmente as ginas 119 à 122, nos quais o autor analisa
a relação do monastério com o cavaleiro e o nascimento de um culto post mortem à sua figura.
84
Cf. FLETCHER, op. cit., p. 257 à 262.
60
O fato do texto ser classificado como literatura cortês e sua produção ser atribuída a um
clérigo não é algo incomum. Como demonstram Gutiérrez Aja e Riaño Rodríguez, não devemos
buscar algum tipo de apologia religiosa ou clerical especial no PMC, pelo contrário, se algum
significado específico no PMC, ele deve ser relacionado à nobreza, através das masculinidades
nele representadas. Para os autores, na sociedade em que estava inserido o clérigo poeta autor do
PMC,
tanto los cristianos en geral como los clérigos sentían que la guerra conta los
moros, además de posibilitar las conquistias de unas tierras, era una lucha contra
el infiel, una verdadera cruzada, en la que los obispos eran los primeros en
participar.
Son muchos los ejemplos que podíamos recordar de ese “tipo de obispos y
abades” que manejaban las armas contra los moros y hasta dejaban las vidas en
las batallas.
85
Há de se assinalar, também, que essa distância entre clérigos e cavaleiros, que hoje grande
parte da historiografia como bem delimitada,
86
foi nue em toda a Idade dia e não na
Península Ibérica.
87
O modelo ideológico de três ordens, de três funções específicas, construído
por clérigos como Adalberão de Laon e por Gerardo de Cambrai nos anos vinte do culo XI,
onde hoje corresponde o norte da França, no qual cada um possuía seu espaço. Por um lado os
clérigos, destinados à oração; por outro os cavaleiros, responsáveis por defender os mais fracos,
aqueles que não contavam, para sua defesa e segurança, com o manejo das armas, ou seja, em
tese, a própria Igreja e os camponeses, e estes, por último, responsáveis em manter o provento
das duas primeiras ordens. Ou seja, trata-se de um discurso idealizado sobre a sociedade que não
deve ser em hipótese alguma generalizado.
Acreditamos que enxergar a sociedade medieval como fechada, bem delimitada nas
funções atribuídas a cada ator social, é um tanto exagerado. Como alertamos, não se pode
85
GUTIÉRREZ AJA; RIAÑO RODRÍGUEZ, op. cit., p. 307.
86
Talvez por uma leitura ou apropriação errônea da análise dubyniana sobre o imaginário feudal cujas raízes estão
firmadas no século XI. Cf. DUBY, Georges. As Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo. Lisboa: Estampa,
1982.
87
Ver por exemplo o incansável projeto de Bernardo de Claraval de absorver a Cavalaria, não para o serviço dos
interesses da Igreja, mas como parte inseparável da instituição eclesiástica. Fruto disso o as famosas Ordens
Monástico-Militares, exaltadas por ele em seu famoso texto De la excelencia de la nueva milicia dirigido aos
Cavaleiros Templários de Jerusalém. Cf. BERNARDO DE CLARAVAL. De la Excelencia de la Nueva Milicia.
In:_____. Obras Completas de San Bernardo. Edición Española preparada por el P. Gergorio Diez Ramos, O.S.B.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1955. p. 853-880. V. II. Sobre as relações Igreja e Cavalaria ver, ainda:
CARDINI, Franco. O Guerreiro e o Cavaleiro. In: LE GOFF, Jacques (Dir.). O Homem Medieval. Lisboa:
Presença, 1989. p. 57-78.
61
generalizar a ponto de afirmar com toda convicção que clérigos não pegavam em armas ou que
essa divisão funcional deu-se realmente.
A própria literatura cortês, assim chamada por ter sido elaborada para as Cortes, não é
fruto exclusivamente laico ou religioso, mas sim, como ressalta Bernard Guenée, conseqüência
de uma série de transformações no seio da sociedade medieval, na qual observa-se uma mudança
no cotidiano e nos costumes daqueles que freqüentavam tal ambiente. Guenée, assinala que:
Para a edificação dos senhores e das damas da corte, sábios clérigos escreveram
em latim a vida de santos, obras históricas, Espelhos. (...). Mais que as vidas de
santos, aquele público preferia ouvir as proezas de Rolando ou de Artur. Assim,
clerical e cavaleiresca, a literatura da corte era escrita e oral, latina e vernácula, e
os gêneros e temas tratados seguiam os gostos e modas de seu público.
88
Por fim, como afirmam Gutiérrez Aja e Riaño Rodríguez, a história castelhana medieval,
principalmente no período em que o PMC foi composto, para nós sob o reinado de Afonso VIII e
propagado nos reinados de Fernando III, o Santo e Afonso X, o Sábio, está repleta de casos
documentados de bispos de Toledo, Palência, Osma, Ávila, Segóvia, Sigënza, etc, à serviço das
armas e “no solamente acompañando al Rey en empresas militares sino emprendiendo y
sufragando particularmente ellos la guerra con sus mesnadas”.
89
Sobre a autoria do documento ser atribuída a Per Abbat, fundamento em tal
argumentação e ela baseia-se no duplo significado que pode ser dado ao verso 3732 do PMC:
“Per Abbat le escrevio...”.
90
Em seu livro de 1983,
91
Colin Smith defendeu a interpretação de que
o verbo escrivir significava “compor”, contudo, como ressaltado por ele em sua edição crítica do
PMC, utilizada por nós na presente pesquisa, essa tese foi abandonada.
92
Para ele, baseando-se em diversos trabalhos,
93
nos “colofão” dos manuscritos de diversos
textos medievais e em outras referências da época, escrivir na grande maioria dos casos – não em
absolutamente todos significava “copiar” e não “compor como autor”.
94
Porém, pesquisadores
como José Caso González, tem seus próprios argumentos sobre o assunto, defendendo que:
Escribir no es sólo, como se ha venido insistiendo, “copiar, trasladar de un
88
GUENÉE, Bernard. Corte. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário Temático do
Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2 v. V. 1. p. 269-281. p. 274.
89
GUTIÉRREZ AJA; RIAÑO RODRÍGUEZ, op. cit., p. 308.
90
PMC, 152:3732.
91
SMITH, Colin. The Making of The Poema de Mio Cid...
92
Idem. Introducción. In: ANÔNIMO. Poema de Mio Cid... p. 17-139.
93
Ver, por exemplo: MICHAEL, op. cit.; SCHAFFER, Martha E. Poema or Cantar de Mio Cid: More on the Explicit.
Romance Philology, n. 63, p. 113-153, 1989.
94
Cf. SMITH, op. cit., p. 39.
62
original”, sino también “componer algo nuevo a la vista de obras anteriores”.
Ese Pedro Abad no tuvo que ser necesariamente un copista, sino que pudo ser
quien refundiera el poema a la vista de textos anteriores. Y entre la docena larga
de Pedros Abades que conocemos ninguno es un juglar, todos son clérigos, y
alguno monje.
95
Nessa mesma linha, Gutiérrez Aja e Riaño Rodríguez rastreiam em seu livro diversos
“Pedro Abbat” documentados e estabelecem cinco circunstâncias que deveriam estar
primordialmente presentes na trajetória do mesmo para, assim, selecionar aquele que foi o mais
provável autor do PMC entre esses vários “Pedros” que constam nas documentações preservadas:
1-) tinha que ser um clérigo; 2-) não um clérigo, segundo eles, de “misa y olla”,
96
mas um clérigo
culto, com uma sólida formação intelectual; 3-) que o PMC foi escrito em 1207, ele viveu em
finais do século XII e início do século XIII; 4-) conhecia com autoridade as regiões em torno de
San Estebán e de Fresno de Caracena, sobre a qual faz minuciosa descrição no cantar relativo a
Afrenta de Corpes, por isso, deveria ter vivido, então, próximo a essas regiões e, por fim, 5-) foi
um clérigo ligado a diocese de Osma.
O Per Abbat que se enquadra dentro das circunstâncias desses pesquisadores teve sua
formação superior na Universidade de Palência e, segundo um documento de 1219, era um
fidalgo e por isso teve condições para custear seus estudos. Ainda segundo Gutiérrez Aja e Riaño
Rodríguez, o Per Abbat que está em similitude com todos esses aspectos, foi contemporâneo a
Domingo de Guzmán com quem, em Palência, foi ordenado por volta de 1194 ou 1196. Nessa
ocasião teriam os dois aproximadamente 25 anos, o que explica sua presença documentada no
séquito do bispo de Osma, Don Martín.
Traçando um paralelo comparativo com a trajetória de Domingo de Guzmán, os autores
fundamentaram suas hipóteses sobre Per Abbat como autor do PMC e, resumindo, concluem que
o conhecimento jurídico, civil e eclesiástico presente no poema é fruto dessa formação culta do
autor, em parte, adquirida numa possível viagem que ele e Domingo de Guzmán fizeram
acompanhando o bispo Diego de Acebes até a França, para “pactar enlaces matrimoniales
acariciados por el rey Alfonso VIII y seguir después hasta Roma para tratar asuntos de su
diócesis”.
97
Isso explicaria, assim, a influência das chansons de geste francesas no PMC.
95
CASO GONZÁLEZ, op. cit.
96
GUTIÉRREZ AJA; RIAÑO RODRÍGUEZ, op. cit., p. 367.
97
Ibidem. p. 372.
63
Em Castela, Afonso VIII preparava sua revanche da derrota contra os mouros em Alarcos,
que se concretizaria em Navas de Tolosa em 1212. No entanto, a igreja e a monarquia castelhanas
enfrentavam alguns problemas causados por Don Pedro Fernández de Castro, nobre castelhano
descendente dos Ansúrez-Beni Gómez, que, após ser derrotado e desterrado por Afonso VIII,
passou a tramar alianças com mouros e cristãos de reinos vizinhos contra seu mortal inimigo”,
como consta na documentação de época. Unindo-se ao rei de Leão Afonso IX, ele invadiu várias
vezes o território castelhano, saqueando igrejas e mosteiros. Acabando, por fim, sendo
excomungado pela mesma.
Como ressaltado, é nesse ambiente que Per Abbat, com aproximadamente 37 anos de
idade,
98
conclui em maio de 1207 o PMC.
Sua obra pode ser definida como ancorada em duas linhas estruturais: a do protótipo ideal
de nobreza cavaleiresca, baseada, apesar das adversidades, na lealdade ao rei
99
e no contraponto
representado pelo comportamento indigno e traidor dos nobres infiéis ao rei castelhano.
100
Dessa
maneira, através de seu poema, este clérigo, provavelmente, realizou uma crítica a Don Pedro
Fernández de Castro, resgatando um personagem histórico, El Cid, e o recriando de maneira que
dialogasse com o seu momento como uma representação totalmente oposta do desafeto do
monarca Afonso VIII. Mesmo desterrado injustamente, El Cid continua fiel a Afonso VI e um
árduo defensor da cristandade. O mesmo não se podia dizer de Fernández de Castro.
Isso ao texto um caráter modelador, que através da masculinidade ideal do seu
protagonista, El Cid, Per Abbat, tenta impor à sociedade de seu tempo um padrão a ser seguido
pelos nobres castelhanos. Acreditamos que o impacto deste enredo nas Cortes foi imediato e
chamativo, por dois motivos: primeiro, por resgatar a memória de um personagem conhecido do
reino castelhano e, em segundo, pela identificação histórica com o momento que o reino vinha
passando.
Podemos concluir a partir da argumentação por nós apresentada, que além de clérigo, o
autor do PMC, que defendemos ter sido Per Abbat, foi um homem culto com formação
98
A partir da comparação de sua trajetória com Domingo de Guzmán.
99
Cf.
PALACIOS MARTÍN, Bonifacio. La Recepción de los Valores Caballerescos por la Monarquía Castellano-
Leonesa. In: Codex Aqvilarensis: Cuadernos de Investigación del Monasterio de Santa María la Real, p. 79-
119, 1998.
100
Como demonstraremos no subseqüente capítulo, este protótipo ideal está representado através do El Cid e os
nobres indignos e infiéis como os Infantes de Carrión. Dessa maneira, temos uma representação de uma
masculinidade ideal a ser seguida pelos homens nobres de Castela e diferentes graus de masculinidades que variam
em grau em função da maior ou menor proximidade a masculinidade ideal.
64
intelectual bem fundamentada, assim como Gonzalo de Berceo, o autor da VSD. Sendo assim,
como desenvolveremos mais adiante, temos motivos suficientes para defender que as
masculinidades presentes nos dois textos têm suas origens num discurso comum: o clerical.
Contudo, direcionam-se a públicos distintos e tinham, objetivos distintos.
No entanto, para reforçar ainda mais nossa hipótese sobre a formação de caráter clerical
do poeta Per Abbat, traçaremos um paralelo com um outro clérigo poeta, Gonzalo de Berceo,
indiscutivelmente o autor da VSD.
2.4 O clérigo-poeta Gonzalo de Berceo e a Vida de Santo Domingo de Silos: Hagiografia ou
poema-hagiográfico?
Nossos objetivos principais nesse item o discutir a formação intelectual do autor da
VSD para contrapô-la com o outro autor por nós estudado, Per Abbat; apresentar uma síntese
sobre o que entendemos como Hagiografia e, por fim, por qual motivo conceitualizamos este
documento não só como um escrito hagiográfico, porém, ainda, como um poema.
101
Mesmo sendo escassas e contraditórias, as informações sobre Gonzalo de Berceo são bem
maiores do que sobre Per Abbat.
Graças a análises de documentos notoriais de Castela medieval, especialistas como Brian
Dutton, por exemplo, estabeleceram que Gonzalo de Berceo teria nascido entre 1195/ 1196 ou
um pouco antes destes anos.
102
Criado no Mosteiro de San Millán de la Cogolla, provavelmente
recebeu ali, na escola do mosteiro, sua primeira formação.
103
Apesar de ter sido educado em um
cenóbio, Gonzalo de Berceo não se tornou monge, mas optou por seguir a carreira eclesiástica,
primeiramente como diácono e depois como preste.
104
Face às informações que temos atualmente, devido às pesquisas conduzidas pelos nomes
citados e alguns outros estudiosos, não cabem dúvidas quanto à caracterização de Gonzalo de
Berceo como um homem culto. O que derruba uma antiga leitura historiogfica sobre o autor
como um clérigo ingênuo e com escasso conhecimento do latim, interpretação baseada, como
101
Por este motivo, utilizamos o enunciado poema-hagiográfico.
102
Cf. DUTTON, Brian. Gonzalo de Berceo: Unos Datos Biográficos...; _____. La Fecha del Nacimiento de Gonzalo
de Berceo. Berceo, n. 94-95, p. 265-268, 1978.
103
Cf. FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. La Trayectoria Intelectual de Gonzalo de Berceo. Disponível
em: <http://www.vallenajerilla.com/berceo/indice_andreia.htm>. Último acesso: 10/04/2006.
104
Ibidem.
65
ressaltado por Manuel Alvar,
105
em uma passagem da VSD em que Berceo se autodescreve: “ca
non son tan letrado por fer otro latino”.
106
Como assinalado anteriormente, hipóteses sobre seus primeiros estudos, entretanto, no
que diz respeito à sua possível formação mais completa, os debates ainda hoje se arrastam e se
multiplicam. Passaremos em revista alguns dos posicionamentos e nos colocaremos ante os
debates.
Esta nossa opção leva em consideração a pertinência de sua formação para entendermos
melhor o ambiente e o público à que sua obra se destinou e ressaltamos, ainda, que ao traçarmos
sua trajetória intelectual, poderemos estabelecer um paralelo com a formação de Per Abbat, o
outro clérigo poeta presente em nossa pesquisa.
Como sabemos, Gonzalo de Berceo passou sua vida ligado aos monastérios de San Millán
de la Cogolla e Santo Domingo de Silos. O livre trânsito entre esses mosteiros, segundo Juan
Antonio Ruiz Dominguez, se justifica devido a pactos de alianças ou cartas de irmandade
firmados entre os dois em 1190 e 1236, supondo-se, inclusive, que o último ano marca, por parte
do cenóbio emillianense, o oferecimento dos serviços de Berceo como poeta: “quien ya se había
puesto en evidencia trasladando al ‘román paladino’ la vida latina del patrón cogollano, y
contrybuyendo así a la divulgación de su imagen en el mundo”.
107
Podemos inferir que a “fama” de Berceo como um clérigo que escrevia poesias e atuando,
de certo modo, como um clérigo jogral, transpondo para a linguagem popular” vitas de santos
escritas em latim, já transcorria entre os mosteiros.
Entretanto, questionamo-nos, qual o caminho mais provável foi percorrido por esse
clérigo para dar à sua “poesia religiosa” as características que hoje conhecemos?
Para responder esse questionamento, é necessário levar em consideração algumas
informações indubitáveis e já cristalizadas entre os especialistas berceanos, para que, dessa
maneira, possamos nos situar junto à hipótese que mais se harmonize com nossas perspectivas
acerca do tema.
Primeiro, como ressaltado, não dúvidas de que Gonzalo de Berceo era um homem
culto, isso, principalmente, pelo seu conhecimento do latim, o que se comprova pelo fato das
105
Cf. ALVAR, Manuel. Gonzalo de Berceo como Hagiógrafo. In: GONZALO DE BERCEO. Obra Completa.
Coordinado por Isabel Uría Maqua. Madrid: Espasa-Calpe, 1992. p. 29-60.
106
GONZALO DE BERCEO. Vida de Santo Domingo de Silos... p. 59.
107
RUIZ DOMÍNGUEZ, Juan Antonio. El Mundo Espiritual de Gonzalo de Berceo. Logroño: Gobierno de La
Rioja/ Instituto de Estudios Riojanos, 1999. p. 22.
66
“fontes” dos seus escritos terem sido escritas em sua grande maioria nesta língua. Segundo,
Berceo demonstra conhecimentos retóricos e, ainda, segundo Ruiz Dominguez: “La retórica
proporcionaba a los autores medievales un gran número de recursos para recrear con éxito una
obra”.
108
Terceiro, o “estilo poético” de Berceo, o que pode ser interpretado como a disposição
métrica de seus versos, está bem próxima ao conjunto de textos produzidos na, citada,
Universidade de Palência.
109
O debate sobre a formação de Berceo ter ocorrido em Palência é encabeçado por Brian
Dutton em seu artigo Gonzalo de Berceo: Unos Datos Biográficos. Para esse autor, o fato de
existir em Palência, desde o século XII, uma escola catedraleca e tendo sido impulsionada pelo
monarca castelhano Afonso VIII a ponto de ter recebido mestres da França e Lombardia, redutos
de saber que naquele período correspondiam ao panteão intelectual universitário em sua aurora,
possibilita-nos, ao analisar os textos produzidos por Berceo, defender que o clérigo poeta
complementou seus estudos nesse centro. Ele se apóia às menções que o clérigo-poeta faz na
Vida de San Millán de la Cogolla a Don Tello Téllez Meneses, bispo de Palência, ao
conhecimento seu conhecimento da região, etc.
110
A opinião de Dutton é apoiada por Úria Maqua que, por sua vez, defende que foi na
Universidade de Palência que surgiram os escritos denominados de mester de clerecía que, como
já afirmamos, têm em sua elaboração proximidades com os escritos berceanos.
111
Sobre este centro não nos aprofundaremos, pois nossa pesquisa não se destina diretamente
aos locais de produção dos documentos por nós analisados, entretanto, frente as informações
acima citadas, defenderemos que Gonzalo de Berceo, assim como Per Abbat, recebeu formação
intelectual em Palência, isso explica a arquitetura de seus textos, ao mesmo tempo conotados de
elementos religiosos, elaborados em proximidade com os exempla, a utilização da retórica, a
métrica similar aos escritos de mester de clerecía, etc.
Como temos assinalado sobre Abbat e Berceo, para nós, os dois, além de clérigos, podem,
ainda, ser denominados poetas. Nossa postura, contudo, não se perfaz como algum tipo de
transgressão aos “escritores” religiosos do medievo. Pois como já expomos anteriormente, a
dualidade entre dos modos de fazer literatura na Idade Média, representados na Península Ibérica
108
Ibidem.
109
Libro de Alexandre, o Libro de Apolonio e o Poema de Fernán González. Cf. ÚRIA MAQUA, op. cit.;
RUCQUOI, Adeline. La Double Vie de l'Université de Palencia (c.1180-c.1250)...
110
DUTTON, Brian. Gonzalo de Berceo: Unos Datos Biográficos...
111
ÚRIA MAQUA, op. cit.
67
pelo mester de juglaría e o mester de clerecía, não deve ser levado à cabo, que diversos
clérigos do período, conhecidos ou não, escreviam em versos e em língua romance.
112
Porém, não podemos confundir a função desses homens de letras. O jogral e o clérigo
eram produtores de textos que, no entanto, muitas vezes exerciam atividades diversas na
sociedade. E devemos ressaltar que, apesar de encararmos a classificação separatista entre mester
de juglaría e mester de clerecía extrema demais, não podemos ignorar que jograis e clérigos
tinham intuitos diferentes na produção de seus textos.
Não resta dúvida, para nós, que a postura de religiosos como Abbat e Berceo, ao
elaborarem seus textos aproximando-os ao cotidiano das pessoas de seu tempo, fizeram que seus
escritos fossem dotados de elementos retóricos, doutrinais, propagandísticos, etc e mesmo assim
de fácil compreensão. Essa trajetória nos permite classificá-los, além de clérigos, como poetas,
diferenciado-os dos jograis, no que diz respeito à sua formação religiosa como eclesiásticos.
113
Assim, em nossa pesquisa, analisamos os textos de dois clérigos cuja formação intelectual
possibilitou-os transitar pelos dois tipos de mester. Para nós, Per Abbat e Gonzalo de Berceo
tiveram uma formação aproximada, no que diz respeito tanto à religiosidade, como suas
formações intelectuais. Os dois escrevem para públicos específicos, apesar do baixo número de
manuscritos preservados, sendo o PMC mais direcionado às Cortes e a VSD, por seu caráter mais
religioso, ter, provavelmente, sido lido e ouvido por religiosos.
Os documentos que doravante passaremos a analisar são poemas que, cada um a seu
modo, transmitem informações sobre como seus autores viam a sociedade em que estavam
inseridos e de alguma forma tentaram, através de seus discursos, impor certos ideais, como, por
exemplo, o de masculinidade. Ressaltamos, ainda, que não foi nosso objetivo realizar uma
reflexão sistemática sobre o “saber na Idade dia”, mas, sim, grosso modo, sintetizar o
cotidiano intelectual dos dois autores.
Passamos agora aos itens finais do presente capítulo, nos quais discutiremos as definições
para Hagiografia e Poema-hagiográfico.
112
Cabe ressaltar que consideramos “autor” na Idade Média, produtores de obras, sejam crônicas, poemas, etc.
113
Os poemas de Per Abbat e Gonzalo de Berceo, são, para nós, exemplos do que Bernard Guenée analisou como o
processo de inserção dos clérigos nas Cortes medievais, em idos dos séculos XI e XII e concretizada no século
XIII. Segundo Guenée, “as escolas formavam os clérigos, as cortes formavam os cavaleiros”. Entretanto, quem
escrevia os textos consumidos por esses cavaleiros satis litteratus ou quasi litteratus, eram, justamente, os clérigos.
Por esse motivo, a poesia de Abbat e de Berceo, associadas ao cotidiano, não dos cavaleiros ou nobres, mas do
público em geral, e o fato de serem escritas em língua romance, de forma simples, porém, sem abandonar
construções elaboradas de personagens, possibilitou o sucesso de seus projetos. que o público, através de suas
obras, não deixavam de receber um certo tipo de “doutrinamento”. Cf. GUENÉE, op. cit. p. 274.
68
2.4.1 – Hagiografia
Os dois documentos por nós selecionados para análise, apesar de escritos por homens cuja
formação se aproxima, se diferem nos seus intuitos, se olhados para os prováveis tipos de
públicos a que foram direcionados e, principalmente, nas suas classificações histórico-
literárias.
114
Em resumo, a VSD foi composta por volta de 1236/ 1240 e é formada por três
livros. Cada um desses livros corresponde a um momento da trajetória de santo Domingo de
Silos: o primeiro começa com seu nascimento e a apresentação das virtudes que caracterizaram
sua vida, enfoca ainda seu auto-exílio, resultado direto do fato do personagem não se dobrar aos
caprichos do rei Garcia de Nájera, que é retratado no poema como uma pessoa sem valores
morais; o segundo livro se encerra com a sua morte edificante e sua entrada no paraíso, em
grande parte graças a essa vida cheia de atitudes virtuosas, e, por fim, o terceiro livro, engrandece
ainda mais seu triunfo, pois Domingo de Silos é estabelecido como a ponte” que liga Deus aos
homens, transformando-o, assim, em um tipo de intercessor.
Podemos observar, então, toda uma gradual ascensão por parte do personagem construído
por Gonzalo de Berceo, o que comprova a coerência entre os três livros.
Quanto aos aspectos formais da composição do poema-hagiográfico, encontramos “versos
de quatorze silabas, divididos em dois hemistíquios simétricos, com acento rítmico na sexta
silaba, e rima consoante. Cada grupo de quatro versos forma uma estrofe, denominada cuaderna
via ou tetrásforo alexandrino”.115
Como por nós ressaltado, o PMC é um texto épico, sendo também classificado como uma
canção de gesta, sendo assim, a VSD, por ser um texto religioso, uma vita, é classificado como
uma hagiografia. Porém, como definir um escrito hagiográfico permeado por elementos
poéticos?
Antes de adentrarmos nessa discussão, cabe conceitualizar o que, em geral, os
pesquisadores interpretam como hagiografias:
116
114
Classificações essas contemporâneas. Pois, apesar de defendermos que era produzida literatura na Idade Média,
não podemos afirmar que os autores medievais tinham consciência plena acerca de “gêneros literários”. Sobre este
assunto, numa abordagem geral, ver: SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria Literária. 14 ed. Petrópolis: Vozes,
2001.
115
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Literatura e História: Reflexões a partir de um Estudo de Caso.
Redes, n. 3, p. 14-26, set./dez. 1997. p. 17.
116
Essa definição é utilizada entre os pesquisadores do projeto de pesquisa coletiva Hagiografia e História: um
estudo comparativo da santidade, coordenado pela Profa. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva, registrado junto
69
O termo hagiografia possui raízes gregas (hagios = santo; grafia = escrita) e é
utilizado, desde o século XVIII, para designar tanto o estudo crítico dos
diferentes aspectos ligados ao culto aos santos, bem como os textos que têm
como temáticas centrais os santos e seu culto, como vidas, tratados de milagres,
relatos de trasladações, viagens espirituais, martiriológios, etc.
117
Hagiografia, então, pode ser, ao mesmo tempo, o estudo crítico como o escrito religioso
em si. No caso da VSD e, até mesmo de alguns outros escritos berceanos, não estamos lidando,
simplesmente, com um texto que transmite um discurso religioso. Este documento é elaborado
em versos, diferentemente, de inúmeras hagiografias, inclusive a Vita Beati Dominici Silensis,
fonte de Berceo, escrita por Grimaldo.
A análise deste texto berceano, até mesmo para um leitor mais atento, pode enveredar
mais para o lado artístico da obra do que para sua projeção como uma representação sócio-
cultural. Pois numa primeira leitura, as rimas, a métrica e o próprio enredo sobressaem às
possibilidades analíticas que a VSD pode permitir. Contudo, ao mesmo tempo que não
pretendemos realizar uma crítica literária sobre o documento e suas características poéticas, não
podemos ignorá-las, que consideramos que a forma como ela está escrita interage com um
momento específico da história castelhana, as relações de poder, os centros de saber, etc.
Por esse motivo, decidimos não ignorar a evidente característica artístico-poética do
escrito berceano, tampouco fechar os olhos ao fato de que Gonzalo de Berceo possuía uma
consciência artística, não por sua formação intelectual, mas, ainda, por ser clérigo e utilizar
seus escritos para propagar novos ideais propostos pela Igreja Romana, via alguns cânones do IV
Concilio de Latrão, considerado o maior concílio geral da Idade Média Ocidental.
118
Dessa forma, nossa definição para o que entendemos acerca deste enunciado é a mais
simples possível. Poema-hagiográfico, nada mais é do que um escrito religioso, cuja temática
central seja o santo e/ou seu culto, desde que escrito em versos, sem considerar a perfeição
métrica e a presença de rimas. Assim, classificar a VSD dessa maneira nos permite manusear
nosso corpus documental utilizando não só a perspectiva historiográfica, mas, ainda, as possíveis
contribuições advindas da Literatura, Filologia, etc.
ao Sigma-UFRJ (5013) e no diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e, ainda, como uma das linhas de pesquisa do
Programa de Estudos Medievais da UFRJ.
117
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Introdução. In: _____. (Org.). Hagiografia e História: Reflexões
Sobre a Igreja e o Fenômeno da Santidade na Idade Média Central. Rio de Janeiro: HP Comunicação Editora,
2008. p. 7-14. p. 7.
118
Alertamos para o fato de que este documento, assim como, por exemplo, De la excelencia de la nueva milícia, de
Bernardo de Claraval, será utilizado direcionado a contrapontos que julgamos pertinentes a nossa análise.
70
2.5 – Considerações finais do capítulo
Neste capítulo, expusemos o contexto histórico-cultural em que viveram os clérigos
poetas Per Abbat e Gonzalo de Berceo e, conseqüentemente, o ambiente no qual suas obras foram
compostas. Defendemos, ainda, que, para nós, a autoria do PMC, sem ignorarmos os diversos
posicionamentos existentes, é de Per Abbat, nome que aparece no final do único manuscrito
preservado que se tem notícia e que o mesmo foi um clérigo.
Concluímos que Gonzalo de Berceo recebeu formação intelectual, o que se comprova,
principalmente, por sua habilidade em transpor do latim para o castelhano as fontes por ele
utilizada, no caso de sua VSD: a Vita Beati Dominici Silensis.
Foi possível, também, demonstrar que a classificação de textos como mester de juglaría e
mester de clerecía encontra-se defasada justamente pela atuação de clérigos como Per Abbat e
Gonzalo de Berceo na produção de textos escritos em romance, ou seja, transferindo para os, até
então, escritos produzidos por jograis, diversas técnicas literárias. A presença de religiosos na
produção de textos próximos aos juglares ainda demonstra uma possível preocupação pedagógica
dos autores, principalmente Berceo.
119
de se destacar, também, que a classificação, por exemplo, de mester de juglaría para o
PMC é por nós refutada, na medida que defendemos que seu autor é um clérigo letrado.
Por fim, concluímos que não resta dúvidas que os textos doravante analisados nos
próximos capítulos são frutos do contexto social que viveram seus autores e representam,
principalmente, a forma como eles enxergavam, cada um a sua maneira, a sociedade e seu tempo.
Podendo, dessa maneira, serem utilizados para analisarmos como se deu em Castela, no século
XIII, a construção das masculinidades leiga e religiosa.
119
Cf. RUIZ DOMÍNGUEZ, op. cit.
71
CAPÍTULO 3
A TÊNUE DISTÂNCIA ENTRE CLÉRIGOS E CAVALEIROS EM CASTELA NO SÉCULO
XIII ATRAVÉS DO ESTUDO DE SUAS MASCULINIDADES NO POEMA DE MIO CID
Neste capítulo, demonstraremos como religiosos e leigos
1
estavam bem mais próximos do
que se podia esperar.
2
Para tal, analisaremos a construção das masculinidades de alguns
personagens por nós selecionados no PMC à luz dos estudos de gênero.
Cabe salientar que, de uma forma direta, nossa pesquisa busca especificidades dentro do
reino castelhano na primeira metade do século XIII e nossas conclusões neste capítulo baseiam-se
na comparação de personagens literários criados por um autor, no caso, Per Abbat, inserido nesse
reino e período por nós destacados. Além disso, defendemos a premissa de que a construção
tipológica de seus personagens estava em consonância com sua vivência cotidiana e como que ele
defendia ser certo ou errado naquele momento.
Per Abbat, em seu discurso, resgata um personagem histórico do reino castelhano, que
como vimos, no período de governo de Afonso VIII, o Nobre (1158-1214), passava por alguns
problemas.
3
Esse resgate se deu por via literária: o autor reconstrói o Cid que viveu no século XI,
utilizando-se de adjetivações e substantivações que, como veremos em nossa análise, oferecia a
sociedade do momento um padrão ideal de masculinidade a ser seguida. Um súdito que mesmo
com todas as adversidades vividas manteve-se fiel à Igreja e ao governo vigente.
1
Há diferenciações entre os termos. Clérigos são aqueles homens ordenados e que, exercem, de certa forma,
atividades eclesiásticas como, por exemplo, rezar a missa, batizar, etc. Religiosos são os que vivem sob uma regra
e/ou fizeram algum tipo de voto. Porém, como ressalta, Jean-Claude Schmitt, “os conversos dependem de um
mosteiro, são submetidos a uma regra que os torna monges de segunda classe, mas trabalham, usam barba e o são
mais instruídos que os leigos. Quanto aos eremitas, às vezes são monges ou clérigos que partiram para o ‘deserto’,
mas também leigos que fizeram voto de solidão. Entretanto, segundo o direito canônico, ambos devem obter uma
autorização do bispo local para que sua dependência à instituição eclesiástica seja reconhecida.” Cf. SCHMITT,
Jean-Claude. Clérigos e Leigos. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário Temático do
Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2 v. V. 1. p. 237-251. p. 237.
2
Um olhar mais profundo sobre o cotidiano medieval nos permite perceber algumas nuances, que do nosso ponto de
vista, durante muito tempo, foram ignoradas e/ou manipuladas de maneira a que o público em geral, concluísse que
as diversas categorias humanas desse período exercessem atividades específicas no sentido amarrado do termo.
Exemplo prático disso, seria a pretensão de que clérigos e cavaleiros convivessem cada um num espaço que ia além
do ideológico, fracionando assim a sociedade medieval em várias partes. Ou seja, uma concepção errônea de que a
convivência entre esses dois grupos se restringiria às suas atividades como oratores e bellatores.
3
Cf. Capítulo 2 da nossa dissertação.
72
3.1 – Os personagens selecionados para análise no Poema de Mio Cid
O PMC, por ser um texto com características épicas,
4
possui uma variedade tamanha de
personagens – fictícios ou não –, alusões a lugares histórico-geogficos da Península Ibérica, etc,
enfim, situações textuais elaboradas de tal maneira que o erigiram para a posteridade, nas
palavras de Reinhardt Dozy, como le plus ancien monument de la poésie castillane”.
5
Ou seja,
um monumento literário que chegou a influenciar outras áreas de saber, além da História e a
Literatura, como o Cinema, por exemplo.
6
No entanto, para nós, seria impossível atender a todos os âmbitos temáticos do documento
ou suas possibilidades de abordagem e, inclusive, trabalhar em tempo hábil todos os personagens
presentes na obra. Dessa maneira, escolhemos os principais personagens que se associam ou se
afastam do protagonista do poema que, para nós, melhor representa o objetivo de Per Abbat na
construção de uma masculinidade idealizada.
Passamos, assim, a enumerar e caracterizar os personagens por nós selecionados para
análise da construção das masculinidades leigas e religiosas no PMC.
O primeiro personagem que fazemos referência é El Cid. Por se tratar do protagonista da
obra, ele é o centro das atenções do autor, sem, contudo, o poeta esquecer-se dos demais
personagens da trama. Porém, é no cavaleiro burgalês que se constrói o enredo que conta,
basicamente, sua história de ascensão heróica em terras cujas relações nem sempre amistosas
entre cristãos, mouros e judeus é constante.
El Cid é retratado por Per Abbat com incontáveis adjetivações e substantivações desde
o início do poema, como, por exemplo, “buen vassalo” (PMC, 3:20); “buen Campeador” (PMC,
19:407); el que en buen ora nasco” (PMC, 23:437) como aquele que “en buen ora çinxiestes
espada” (PMC, 23:439), etc. Tais adjetivos/substantivos
7
são constantes no texto de Per Abbat. É
possível constatar, ainda, que estes termos são utilizados para demonstrar a ausência de defeitos
no seu protagonista.
4
ALVAR, Carlos; ALVAR, Manuel. Épica Medieval Española. Madrid: Cátedra, 1991.
5
DOZY, Reinhardt. Le Cid d'Après de Nouveaux Documents. In:___. Recherches sur l’Histoire et la Littérature
de l’Espagne Pendant le Moyen Âge. 2 ed. Leyde: E. J. Brill, 1860. 2 v. V. 2. p. 1-6. p 1.
6
Sobre a dramaticidade artística no Poema de Mio Cid e sua utilização por outras linguagens além da literária, ver
MARTÍNEZ RICO, Eduardo. El Cid: El Heróe Literario A Través de los Siglos. Dicienda: Cuadernos de Filoligía
Hispánica, v. 24, p. 237-245, 2006; FLETCHER, Richard. Em Busca de El Cid. São Paulo: Unesp, 2002. Como
não citar, por exemplo, a filmografia do poema, auxiliada pelo hispanista Ramón Menéndez Pidal, El Cid, do diretor
Anthony Mann em 1961.
7
Dependendo do contexto no qual são inseridos tais termos são adjetivações ou substantivações.
73
O segundo personagem que será destacado é o bispo Don Jheronimo.
8
Per Abbat
apresenta o “seu” Don Jheronimo como bispo de Valência pouco depois da tomada dessa cidade
por El Cid. Analisaremos, ainda, a caracterização do abade do monastério de San Pedro de
Cardeña, Don Sacho, que aparece algumas vezes no texto.
9
Da mesnada de El Cid, optamos por não analisar todos seus membros, mas apenas Álvar
Fáñez (ou Albar Ffañez, como algumas vezes aparece no poema),
10
Martín Antolínez,
11
Pero
Bermúdez (ou Pero Vermuez)
12
e Muño Gustioz.
13
Nossa justificativa para tal é a recorrência de
suas aparições e, de maneira geral, os mesmos terem suas construções narrativas aproximadas
àquelas dadas por Per Abbat ao Cid. Buscaremos na análise da masculinidade desses personagens
possíveis similitudes e diferenças inerentes ao padrão estabelecido pelo poeta a seu personagem
principal, dotado de virtudes diversas, e se elas, de alguma forma, transmitem um ideal de
masculinidade do poema para a sociedade castelhana de seu tempo.
Outros personagens escolhidos para análise neste capítulo são os infantes de Carrión, os
irmãos Diego e Fernando González (Ferran ou Feran Gonçalez), os genros de El Cid. Estes
homens são retratados como o oposto de todos os outros membros da mesnada do cavaleiro,
inclusive do clérigo mata-mouros Don Jheronimo, e são descritos pelo poeta como vilões na
8
Quanto às informações históricas sobre este personagem, Colin Smith alerta para o fato de que ele não aparece
documentado em nenhum texto histórico ou literário de Hispania, com exceção do Poema de Mio Cid. No entanto, o
especialista ressalta que o nome era comum entre clérigos franceses do período cidiano. O único Jheronimo, do qual
notícias é o cluniacense conhecido como Jerônimo de Périgord, que, assim como o religioso do poema, veio da
França para os reinos ibéricos com outros muitos companheiros da Ordem para ajudar na reforma da igreja
peninsular sob a direção de Bernardo, arcebispo de Toledo, desde sua reconquista em 1085.
9
No que diz respeito à sua historicidade, parece estar em concordância com a história cidiana, com exceção de seu
nome, pois o abade que esteve à frente do Monastério de Cardeña entre 1056 até 1086, período em que El Cid viveu,
se chamava Sisebuto. Alguns especialistas explicam esse “erro” do autor por questões de métrica. Contudo, parece
que essa “liberdade poética” por parte de Per Abbat o afligiu os monges de Cardeña, pois o fictício Don Sancho
acabou sendo inserido posteriormente na história do mosteiro. Sobre a utilização do poema pelos monges de Cardeña
e a inserção do personagem Sancho na história do monastério no século XIII, ver: RUSSELL, Peter E. Temas de La
Celestina y Otros Estudios: Del Cid al Quijote. Barcelona: Ariel, 1978.
10
Segundo Bernard Reilly, não é um personagem fictício, está constantemente presente em documentos medievais
entre 1074 e 1114. Cf. REILLY, Bernard F. The Kingdom of Leon-Castilla under King Alfonso VI, 1065-1109.
Princeton: Princeton University Press, 1988.
11
Personagem provavelmente fictício, não se encontra historicamente documentado, segundo os especialistas, em
nenhuma fonte dita “oficial” do período cidiano.
12
No poema é apresentado como sobrinho do Cid, no entanto, não consenso entre os estudiosos acerca de sua
historicidade.
13
É constantemente citado em documentos do período cidiano, o que induz os especialistas a afirmarem que
realmente existiu e conviveu com o cavaleiro burgalês, fazendo parte de sua mesnada no século XI. Menéndez Pidal,
ainda ressalta que o mesmo, junto a sua esposa, aparece em vários documentos servindo como testemunha na venda
de algumas propriedades de Jimena. Cf. MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. La España del Cid. 4 ed. Madrid: Espasa-
Calpe, 1947. 2 v.
74
história por ele narrada. Provavelmente, este é o motivo dos mesmos serem os contrapontos das
demais masculinidades apresentadas no texto.
14
Em contrapartida, não ignoraremos de todo os demais personagens que também fazem
parte do emaranhado construído pelo clérigo poeta castelhano, como, por exemplo, o monarca
Afonso VI, os condes presentes nos duelos que restituem a honra do Cid após a Afronta de Corpes
e dois membros do “bando” dos infantes: os cavaleiros Gómez Peláyez e Asur González.
Neste capítulo, analisaremos, ainda, mas de forma sucinta, os personagens mouros
15
do
poema e de que forma suas participações interferem ou não na construção das masculinidades dos
homens cristãos por nós selecionados. Também passaremos em revista a presea feminina no
PMC, na figura da esposa do Cid, Jimena (ou Ximena), e de suas filhas Elvira e Sol e suas
“funcionalidades” na trama.
3.2 Don Jheronimo, Don Sancho e El Cid: Clérigos e cavaleiros lado a lado na luta contra os
mouros
O contexto social da Península Ibérica em meados do século XIII mesclava, ao que
parece, a necessidade constante de equilíbrio entre a palavra e a espada. Nesse sentido, ao
inferirmos que religiosos empunhavam o estandarte guerreiro de luta contra o infiel”, no caso,
os mouros, não é nenhuma novidade ou absurdo. Entretanto, de se ressaltar que a igreja
peninsular muito vinha passando por transformações em seu seio. Desde o século XI, alguns
aspectos da Reforma Gregoriana vinham sendo inseridos em solos ibéricos e, dentre estes, no
reino de Castela.
16
14
Segundo estudos realizados por Ramón Menéndez Pidal, registros históricos de suas existências, inclusive tal
especialista traça uma genealogia completa desses personagens e demonstra que eram filhos do conde Gonzalo
Ansúrez, como assinala o poema nos versos 2268 e 2441. No entanto, Colin Smith alerta que o conde de Carrión nos
tempos do Cid não era o pai dos infantes, como destacado no poema, mas sim seu irmão, Pedro Ansúrez. Sobre os
motivos que levaram Per Abbat a escolher estes personagens históricos para representar a masculinidade ruim, ou
seja, como contrapontos de El Cid e os membros de sua mesnada, não colhemos informações contextuais suficientes,
para tal tema, ver: LACARRA, María Eugenia. El Poema de Mio Cid: Realidad Histórica e Ideología. Madrid:
Porrúa, 1980. Os estudos de Menéndez Pidal a respeito da existência histórica dos personagens Diego e Fernando
González encontram-se em: MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. Cantar de Mio Cid: Texto, Gramática y Vocabulario.
Madrid: Espasa-Calpe, 1946. 3 V.; _____. La España del Cid...
15
Apesar do Poema de Mio Cid também conter a presença judia no enredo, optamos por não analisá-la, nossa
justificativa se baseia no fato de que a participação de Rachel e Vidas, os únicos personagens judeus do poema, ser
mínima e que, no nosso ponto de vista, não chega a interferir diretamente na construção das masculinidades
encontradas no documento.
16
Sobre este assunto ver: SILVA, Andréia Cristina Lopes da Frazão. A Moralização do Clero Castelhano no Século
XIII. Veritas, v. 40, n. 159, p. 559-576, 1995.
75
Porém, o processo de aceitação das novas normas eclesiásticas romanas por parte da
igreja castelhana não foi algo automático, tampouco simples. Alguns anos após a conclusão da
redação do PMC, sabe-se que houve resistência em várias dioceses castelhanas frente a
introdução das decisões tomadas no IV Concílio de Latrão, considerado o mais importante
concílio ecumênico medieval. Como destaca García y García, os clérigos ibéricos, mesmo depois
desta assembléia, o “muestran especial entusiásmo en tal sentido, pese a recebir algumas
admonestaciones pontificias en tal sentido para aplicar las reformas lateranenses”.
17
Esta
resistência em acatar as diretrizes de Roma pode ser parcialmente explicada pela presença do
poder régio nos assuntos religiosos.
18
Não temos dúvidas de que Per Abbat, como clérigo e poeta, estava inserido nesse
contexto e, para nós, Don Jheronimo é a simplificação da complexa atuação eclesiástica por parte
desses religiosos que não se “enquadravam” nas diretrizes romanas expostas no texto conciliar.
O cânone 18 do IV Concílio de Latrão é explicito quando proíbe “todo clérigo dictar o
ejecutar sentencias de muerte; les está prohibido llevar a cabo los castigos que supongan
derramamiento de sangre y asistir a la ejecución de los mismos.”
19
Segundo Jean-Claude
Schmitt,
o fato dos clérigos serem proibidos de derramar sangue está relacionado com a
obrigação de castidade. (...) trata-se de preservar o clérigo da impureza corporal
e principalmente o padre que, pelo contrário, tem como função consagrar o
sangue de Cristo. Os clérigos não podem ser cirurgiões, não devem caçar nem
guerrear, e os tribunais eclesiásticos abstêm-se de condenações capitais (eles
confiam as condenações à morte ao “braço secular”).
20
Don Jheronimo representa uma forma de clérigo, ao que parece, a despeito da tentativa da
Igreja medieval em conter tais atitudes, sedento por sangue e atuante no oficio das armas,
diferentemente, por exemplo, de Bernardo de Claraval, que ao escrever aos Cavaleiros do
Templo, foi bem claro em explicitar sua limitação de não poder pegar em armas, a par de seu
desejo de violência contra os “inimigos” da cristandade: “como no me era permitido servirme de
17
GARCÍA Y GARCÍA, Antonio. Historia del Concilio IV Lateranense de 1215. Salamanca: Centro de Estudios
Orientales y Ecuménicos Juan XXIII, 2005. p., 89.
18
Como por nós destacado no capítulo 3. Cf. VALDEÓN, Julio; ZABALO JAVIER, Salrach, José Mª. Javier.
Feudalismo y Consolidación de los Pueblos Hispánicos (Siglos XI-XV). 3 ed. Barcelona: Labor, 1989. Historia de
España, 4.
19
Cânone 18. FOREVILLE, Raimunda. (Ed.). LATARENSE IV. Vitória: Editorial ESET, 1972. História de los
Concilios Ecumenicos (6/2). p. 173. Grifo nosso.
20
SCHMITT, op. cit. p. 242.
76
la lanza contra los insultos de los enemigos, deseaste que, a lo menos, emplease mi lengua y mi
ingenio contra ellos”.
21
O personagem cidiano é inserido por Per Abbat na trama a partir dos versos 1287 e 1288,
como uma forma de “alento” aos cristãos partidários do Cid em Valência: “En estas nuevas todos
se(a) alegrando/ de part de orient vino un coronado” (PMC 78:1287-1288). Como ressaltado
anteriormente, não há outras evidências documentais sobre Don Jheronimo, ou seja, não podemos
afirmar se estamos ante a um personagem histórico ou unicamente de uma construção literária,
entretanto, isso não anula nossa afirmação de que ele está inserido no cotidiano social do autor do
PMC, ou seja, dentro do quadro especifico de sua vivência ou imaginação.
22
O PMC não deixa dúvidas quanto à categoria social de Don Jheronimo: ele é um
“coronado” (PMC 78:1287), ou seja, um sacerdote, um clérigo. Ele é descrito como “bien
entendido es de letras e mucho acordado” (PMC 78:1290), isto é, como um clérigo letrado e
“muito sensato”. Tais adjetivos não fogem ao tipo de clérigo almejado pela Igreja no período,
conforme é possível verificar através do cânone 27 do IV Concílio de Latrão, que exorta os
bispos “que formen con verdadero esmero a quienes deben ser promovidos al sacerdócio, que los
instruyan personalmente o por medio de otras personas capacitadas, en la forma de celebrar los
oficios divinos y los sacramentos de la Iglesia, según está mandado”.
23
A descrição do poema prossegue e Per Abbat afirma a respeito do personagem que “de pie
e de cavallo mucho era areziado” (PMC 78:1291). Ou seja, o “bispo”,
24
portanto, não era apenas
um clérigo letrado e “muito sensato”, ele era “areziado”, ou seja, forte, tanto a pé como a cavalo.
Per Abbat atribui, dessa maneira, uma adjetivação a este personagem que o desvia do modelo de
clérigo tão pontuado pela historiografia por nós conhecida, pois ele é forte não na ou no
manejo da palavra, mas, como veremos a seguir, “forte” como um guerreiro.
O contato entre o protagonista El Cid e o religioso é sempre marcado por duas práticas
distintas mas, que, no entanto, no poema aparecem em consonância: a pregação e o combate
militar.
21
BERNARDO DE CLARAVAL. De la Excelencia de la Nueva Milicia. In:_____. Obras Completas de San
Bernardo. Edición Española preparada por el P. Gergorio Diez Ramos, O.S.B. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1955. 2 v. V. 2. p. 853-880. p., 853.
22
CHARTIER, Roger. História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel, 2002.
23
Cânone 27. FOREVILLE, op. cit., p. 178.
24
Don Jheronimo carrega esse título no PMC.
77
O clérigo cidiano, diferentemente, como observamos, do abade de Claraval, não se utiliza
apenas da língua para travar batalhas contra os inimigos da cristandade, e não é a lança e a
palavra que Don Jheronimo maneja, mas todo o equipamento cavaleiresco. E, nesse ponto, Per
Abbat o aproxima muito de El Cid e dos demais cavaleiros encontrados no poema. O autor narra
da seguinte maneira a chegada do “bispo mata-mouros”:
en estas nuevas todos se(a) alegrando/ de partede orient vino un coronado: / el
obispo don Jeronimo su nombre es lamado, / bien entendido es de letras e mucho
acordado, / de pie e de cavallo mucho areziado./Las provezas de mio Çid andava
las demandando,/ sospirando (el obispo) quês viesse con moros en el campo, /
que si fartas lidiando e firiendo con sus manos/ a los dias del sieglo non le
lorassen christianos (PMC, 78:1287-95).
Como podemos ver, o bispo não se difere muito da representação militar dos demais
homens guerreiros presentes no poema. Mesmo se tratando de um clérigo, que, como relata o
autor, tem o domínio das letras, ele ainda tem o trato no lidar com as armas e sua chegada,
segundo o texto, provoca euforia entre o séquito do Campeador.
Como dito anteriormente, esta condição militarizada do bispo não era, certamente, algo
tão fora de contexto à realidade castelhana do século XIII, principalmente pelo fato da Reforma
Gregoriana o ter sido homogênea na península. Ainda, através do poema, podemos observar a
situação tênue entre leigos e religiosos, principalmente, se levarmos em consideração o diálogo
entre El Cid e seu braço direito”, Álvar Fáñez, sobre o desejo do Campeador em instituir um
bispado em Valência e outorgá-lo aos cuidados de Don Jheronimo (PMC, 79).
No entanto, o bispo não quer apenas estar à frente da missa, mas participar dos combates
contra os mouros, oportunidade que logo lhe é dada com a chegada das tropas do rei marroquino
Yuçef. Após rezar a missa e encomendar El Cid e os cavaleiros, “el obispo don Jheronimo soltura
nos dara,/ dezir nos ha la missa, e penssad de cavalgar” (PMC, 93:1688-89), parte ele mesmo
para a lida e, como era de se esperar, os cristãos vencem e Don Jheronimo, segundo o autor do
poema: “quando es farto de lidiar con amas las sus manos/ non tiene en cuenta los moros que ha
matados” (PMC, 95:1794-95).
Per Abbat ainda descreve mais uma vez o ethos guerreiro do bispo mata-mouros na
ocasião em que novamente as forças marroquinas, agora lideradas pelo rei Búcar, investem
contra a cidade de Valência (PMC, 116:2368-91). Nessa passagem, em especial, podemos
observar como as masculinidades leiga e religiosa, idealizadas, são construídas no PMC seguindo
os mesmos fundamentos: coragem, honra, defesa da cristandade, etc.
78
Ao contrário do que se pode pensar, leigos e religiosos, pelo menos nos textos analisados,
eram muito mais próximos em seus cotidianos do que parece.
Ressaltamos, assim, que a honra e a coragem são substantivos de extrema importância na
construção de tal masculinidade, pois são os fatores que são cabais na diferenciação entre as
diversas masculinidades, seja de leigos ou religiosos.
25
Pois, a nosso ver, a única diferença
expressiva entre os personagens El Cid e Don Jheronimo não se fixa na sexualidade,
26
como
poderia se esperar em uma análise calcada nos estudos relacionais de gênero, mas, sim, na
atividade religiosa do segundo, que o clérigo, como nos mostra a análise do texto, o
exercia como podia exercer a mesma atividade que El Cid. Contudo, o cavaleiro não tinha o
mesmo privilégio que os religiosos, como rezar a missa e realizar sacramentos.
O contrário de Don Jheronimo é o abade de Cardeña, Don Sancho, cuja participação no
poema se restringe à responsabilidade de cuidar da integridade de Dona Jimena, Dona Elvira e
Dona Sol, esposa e filhas do cavaleiro burgalês, que assim que foi desterrado por Afonso VI, as
enviou para o Monastério de San Pedro de Cardeña, prática corrente no medievo. Quando os
homens partiam para guerras muito longas ou mesmo o desterro, como no caso do Cid.
Pelo que consta na história cidiana, Dona Jimena, após a morte do esposo, “governou”
durante um pequeno período o território valenciano,
27
até que as investidas muçulmanas se
tornaram mais constantes e a região teve que ser evacuada com auxílio de tropas lideradas por
Afonso VI.
28
Este é um dado que aponta que a atuação feminina na Península não se restringia
apenas à pedidos aos santos por proteção a seus esposos nos combates, como evidente, no PMC,
no qual Jimena e suas filhas são descritas como indefesas e sempre rezando pelo bem do
protagonista.
29
25
Nossa pesquisa leva em consideração que o devemos homogeneizar as duas categorias. Sendo assim, nossa
perspectiva é de que, na verdade, trabalhamos com o seguinte modelo comparativo: leigos/leigos, o que realça tal
diversidade; religiosos/religiosos e, por fim, leigos/ religiosos. Ou seja, não comparamos apenas categorias diferentes
como, também, pares do mesmo tipo.
26
El Cid, apesar de leigo e casado, tem uma relação assexuada com sua esposa. Em nenhum momento do poema Per
Abbat descreve relações afetuosas que poderiam ser atribuídas a um casal. Na verdade, a relação El Cid e Jimena se
mantém no âmbito da amizade, quase um amor cortês, sem apelo carnal.
27
Aproximadamente dois anos. Cf. MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. La España del Cid...; TERESA LEÓN, María.
Doña Jimena Díaz de Vivar: Gran Señora de Todos los Deberes. Madrid: Editorial Castalia, 2004.
28
Cf. FLETCHER. op. cit; MENÉNDEZ PIDAL. op. cit.; TERESA LEÓN. op. cit.
29
A postura do autor do Poema de Mio Cid, não se desvia muito das muitas representações femininas em textos
medievais, pelo menos àqueles produzidos para ou por membros da Igreja. Quando elas não são representadas como
o receptáculo do pecado, m suas imagens ligadas à oração e à submissão masculina. Cf. BLOCH, R. Howard.
Misoginia Medieval e a Invenção do Amor Romântico Ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
79
Don Sancho é o religioso que atua na proteção das mulheres presentes na vida de El Cid e
seus momentos no poema mostram a estreita relação entre o cavaleiro e o monastério de San
Pedro de Cardeña (PMC, 15:242-47).
30
Este personagem é representado como muito íntimo do protagonista e sua esposa, e,
também, atuando nas funções eclesiásticas recorrentes: “El abbat don Sancho christiano del
Criador/ rezava los matines abuelta de los albores” (PMC, 14:237-38).
31
Prova da diferença da construção de sua masculinidade para as dos demais personagens e,
principalmente, no que se refere à de seu par na categoria religiosos, Don Jheronimo, é seu
contato maior com a escassa presença feminina no PMC. Quando retratado rezando as matinas,
ele não está sozinho; ao seu lado está Dona Jimena intercedendo por seu esposo: “i estava doña
Ximena con çinco dueñas de pro/ rogando a San Pero e al Criador:/ ‘¡Tu que a todos guias val a
mio Çid el Campeador!’” (PMC, 14:239-41). Como veremos mais a seguir, além da presença
feminina, como antes dito, ser escassa, quando a voz é dada às mulheres, as mesmas são
representadas como frágeis, indefesas e sempre rogando a Deus em orões. Para nós, esse
posicionamento misógino de Per Abbat frente às mulheres não corresponde a nenhuma forma de
desvio ou “imaginação” literária para o período,
32
talvez, a “transgressão” mais visível, se à
História de Dona Jimena e, ainda outras mulheres no Medievo que, como demonstramos,
governou as possessões de seu esposo por um certo tempo após sua morte, o que desmistifica a
imagem de mulher frágil e dependente do marido.
de se destacar que, ao que parece, o autor do PMC atribui à figura do monge Don
Sancho, sobretudo por ele ser um clérigo regular, ou seja, um monge, a responsabilidade que a
igreja assumia socialmente de “cuidar” das mulheres ante as diversidades da Península. Outro
fato por nós observado na fonte, ainda no contexto da relação que El Cid mantinha com o
mosteiro, diz respeito ao econômico. Como consta no documento, o “cuidar” das mulheres
temporariamente, enquanto seus esposos estavam ausentes, era uma atividade lucrativa para os
30
Relacionamos isso aos frutos econômicos que geraram a associação da história de El Cid com esse monastério. Cf.
RUSSEL, Peter. E. San Pedro de Cardeña na the Heroic History of The Cid. MAe, n.28, p.57-79, 1958; PEÑA
PÉREZ, Francisco Javier. Los Monjes de San Pedro de Cardeña y el Mito del Cid. In: IGLESIA DUARTE, José
Ignacio de la; MATÍN RODRÍGUEZ, José Luis (Coord.). Memoria, Mito y Realidad en la Historia Medieval.
Semana de Estudios Medievales, 13, 29 de julio al 2 de agosto de 2002. Actas... Nájera: Instituto de Estudios
Riojanos, 2003. p. 331-344.
31
Grifo nosso.
32
Cf. BLOCH. op. cit.
80
mosteiros, já que os maridos (ou pais) doavam altas quantias ao monges para manter
confortavelmente suas esposas e filhas (PMC, 15).
Ao deixar Dona Jimena e as meninas aos cuidados de Don Sancho, afirmou El Cid,
segundo o poema: “Non quiero fazer en el monesterio un dinero de dano;/ evades aqui pora doña
Ximena dovos .c. marchos, a ella e a sus fijas e a sus dueñas sirvades las est año” (PMC, 15:252-
54). No entanto, toda “generosidade” tem seu preço. O mesmo generoso El Cid que chega a
prometer a Don Sancho caso o mosteiro tivesse que, de suas próprias despensas, abastecer sua
esposa e filhas, caso algo faltasse: “por un marcho que despendales al monesterio dare yo quatro
(PMC, 15:260), alerta ao abade sobre o “contrato de honra que os dois estão firmando: “Dues
fijas dexo niñas e predent las en los braços,/ aquellas vos acomiendo a vos, abbat don Sancho;/
dellas e de mi murgier fagades todo recabdo” (PMC, 15:255-57).
33
Como podemos concluir, analisando a descrição dos personagens em questão, temos,
nesse primeiro momento, a construção de duas masculinidades calcadas por relações de gênero.
A primeira, através da comparação entre El Cid e Don Jheronimo, demonstra que o fator
que os diferencia em suas masculinidades não é a presença do direito de se casar e manter
relações sexuais com mulheres, como no caso de El Cid, mas sim, o fato do clérigo mata-mouros
exercer atividades sacramentais exclusivas como rezar a missa, a despeito de seu ethos guerreiro
idêntico ao do Cid.
O segundo tipo de masculinidade diz respeito à comparação de Don Jheronimo e Don
Sancho, estes dois pertencentes a mesma categoria, sendo diferenciados no fato do primeiro ser
um clérigo secular e o segundo regular.
Suas caracterizações masculinas se diferenciam também via suas relações com o
feminino: o abade Don Sancho assume a responsabilidade de cuidar da esposa e filhas do Cid.
Ele ainda é representado como um religioso ligado a um mosteiro, atuando nas práticas comuns à
época como, por exemplo, rezar as horas, hospedar e proteger mulheres.
34
Sendo assim, observa-
se que os dois clérigos se diferenciam em suas masculinidades através da presença bélica em suas
construções.
33
Grifos nossos.
34
Entretanto, de se ressaltar que a prática de hospedar mulheres o era bem vista pela Igreja Medieval. Ver:
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Os Concílios Lateranenses e a Vida Religiosa Feminina: Reflexões
Sobre as Normativas Papais Direcionadas às Monjas nos Séculos XII e XIII. In: XIII Encontro de História Anpuh -
Rio, 2008, Seropédica. Anais Eletrônicos. Seropédica: UFRRJ, 2008. v. 1. p. 1-9. Disponível em:
<http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1212952596_ARQUIVO_Anpuhregional_2008_An
dreiaCLFrazaodaSilva_FINAL.pdf>.
81
Passaremos agora a analisar, o que, à primeira vista, parecem ser masculinidades
desviantes se comparadas ao que Per Abbat descreveu através da representação da masculinidade
do protagonista El Cid.
3.3 – As masculinidades desviantes no Poema de Mio Cid: Os infantes de Carrión e seu bando
Os infantes de Carrión são inseridos no poema a partir do verso 1835, quase na metade
final do Cantar II. O poeta os associa ao conde Don García Ordóñez, inimigo direto de El Cid e,
que, supõe-se, foi quem artificiou o desterro do protagonista. O clérigo poeta ainda ressalta que
os infantes de Carrión eram de uma família nobre do reino de Castela.
Devido à fama crescente de El Cid e sua ascensão vitoriosa frente aos mouros, Afonso VI,
para reatar as relações com seu vassalo desterrado, propõe, não sem interesse dos infantes, o
casamento de dona Elvira e Sol com Diego e Fernando. A mensagem do monarca é levada pelos
cavaleiros de El Cid, Albar Fañez e Pero Vermuez que haviam sido mandados pelo Campaeador
para presentear Afonso VI com os despojos da vitória contra o rei marroquino Yucéf. A notícia é
recebida com alegria, mas não sem receio, pelo protagonista da obra, que, ao que parece, sabia da
relação dos infantes com seu inimigo, o citado, García Ordóñez. A presença dos infantes de
Carrión se torna mais constante a partir do Cantar III, núcleo narrativo que agora passamos a
analisar,
Este cantar se inicia com o autor descrevendo El Cid descansando em Valência com seus
vassalos e seus genros, quando então seu leão se solta, provocando pânico na corte. Todos
ficaram com grande medo, enquanto El Cid continuava dormindo tranqüilamente, contudo, o
temor que os vassalos sentem não é suficiente para afastá-los da obrigação de proteger seu senhor
e ficam em volta de seu escaño
35
(PMC, 112:2285). Mas os infantes de Carrión, Diego e
Fernando González são retratados tentando escapar da situação que os coloca em perigo.
Segundo o poema, Fernando procura alguma saída, mas não encontra portas abertas, nem
lugar alto para se proteger e acaba se abrigando, tomado de pavor, debaixo do escaño do Cid.
Quanto ao seu irmão Diego, sua descrição é mais detalhada por Per Abbat: “Diego Gonçalez por
la puerta salio/ Diziendo de la boca: ‘¡Non vere Carrion!’/ Tras una viga largar metios con grant
pavor,/ el manto y el brial todo suzio lo saco” (PMC, 112:2288-91).
35
Tipo de trono.
82
Como podemos observar, Diego, tomado pelo medo, não consegue se controlar e acaba
“sujando” toda sua túnica e seu manto.
Enquanto os infantes são descritos pelo poeta como covardes, El Cid, mais uma vez, é
retratado inversamente, tanto que rapidamente doma o leão e o põe novamente na jaula. Quando
o protagonista, enfim, encontra seus genros, eles estão pálidos de medo. O poeta encerra o relato
dizendo que os infantes se sentiram envergonhados por tal incidente: “Muchos tovieron por
enbaidos los infantes de Carrion” (PMC, 112:2309).
Após esse acontecimento, segundo a trama narrativa do poema, o rei mouro Búcar monta
cerco contra Valência com todas as forças de Marrocos, segundo Per Abbat, cerca de cinqüenta
mil tendas. El Cid e seus cavaleiros são descritos como felizes por verem tão grande quantidade
de inimigos ao redor da sua cidade. A justificativa está nos espólios de guerra que eles esperavam
conseguir. Já os infantes de Carrión entram em desespero e passam a avaliar se seus matrimônios
com as filhas do Cid foram bons negócios, pois agora teriam que entrar em um combate contra
suas vontades, dando quase como certa suas mortes, temiam não ver mais sua cidade natal.
uma lacuna no poema por conta da falta de uma folha, que, segundo Colin Smith,
deveria conter uns cinqüenta versos que, provavelmente, tratam de um diálogo entre Fernando e
El Cid sobre a batalha. O verso de número 2238 se encerra com Fernando González agradecendo
Pero Vermuez por tê-lo ajudado no combate e salvo sua honra.
36
A batalha segue e por fim El Cid
mata Búcar e ganha deste a espada Tizon, que, segundo o poema, valia mil marcos de ouro.
Com o fim do combate as conquistas financeiras são muitas e El Cid divide os espólios
com seus cavaleiros e fala aos seus genros:
‘¿Venides, mios yernos? ¡Mios fijos sodes amos!/ Se que de lidiar bien sodes
pagados;/ a Carrion de vos iran buenos mandados/ commo al rey Bucar avemos
arrancado./ ¡Commo yo fio por Dios y en todos los santos/ desta arrrancada nos
iremos pagados!’/ (...)/ Dixo Mio Çid: ‘Yo desto so pagado;/ quando agora son
Buenos adelant seran preçiados./ Por bien lo dixo el Çid mas ellos lo tovieron a
mal (PMC, 119:2443-48 e 2461-64).
36
Alguns pesquisadores, como Menéndez Pidal, costumam enxertá-la com passagens correspondentes às Crônicas
escritas por Afonso X. Pela continuidade temática deste núcleo narrativo do PMC, esta folha perdida, que, como
ressaltado, trata do diálogo entre Fernando Gonçalez com El Cid pedindo a este último o direito aos primeiros golpes
em campo. No entanto, conforme podemos observar na parte final do Cantar III, quando Afonso VI convoca uma
Corte em Toledo para tratar da restituição da honra do Cid, Pero Vermuez acusa Fernando de ter fugido ao enfrentar
um dos paladinos mouros e ele, para salvar a honra de todo o séqüito do Cid, inclusive a do próprio infante, mata o
mouro e a rédea do cavalo do inimigo a Fernando, para que esse finja que matou o mouro em combate (PMC,
135:3306-3328).
83
Segundo o poeta, os infantes interpretam tais palavras do Cid como um insulto e a partir
disso passam a tramar uma forma para se vingarem dele e aumentarem suas posses. A saída
encontrada para vingarem-se do incidente com o leão foi maltratando as filhas do Cid. Para isso,
pediram permissão ao sogro para partirem com suas esposas e as riquezas dadas por ele para as
terras de Carrión. Ele lhes deu sua permissão, não sem antes presenteá-los com suas espadas,
Colada e Tizon. A impressão que nos é passada pelo poeta é que El Cid está muito feliz com o
matrimônio de suas filhas com os infantes de Carrión, pois, como dito anteriormente, eram de
uma linhagem nobre de Castela. Este fato está em conformidade com a organização social
castelhana dos séculos XI, XII e XIII, pois o protagonista do poema era membro da nobreza
comumente chamada de infanzones. Sendo assim, um casamento com membros da alta nobreza
era uma boa articulação política, tanto que no poema, como observado, foi o próprio Afonso VI
que arranjou o matrimônio das filhas do seu vassalo.
37
Segundo Adeline Rucquoi, a nobreza
ibérica, de uma forma geral,
reagrupava os poderosos ou magnates, os ricos hombres, exercendo um cargo
público uma honor –, e os nobres em geral ou infanzones, possuía domínios
sobre os quais exercia direitos senhoriais e para quem trabalhavam os
dependentes. No entanto, grande parte dos seus recursos provinha da coroa, isto
nos séculos XII e XIII.
38
Após saírem de Valência com suas esposas, acompanhados por uma quantidade
expressiva de pessoas,
39
os infantes montaram acampamento em Molina, área de posse do mouro
Alvengalvon, que os recebeu em nome da amizade com o Campeador (PMC, 126:2649-58).
Diego e Fernando acabam tramando o assassinato do mouro para ficarem com suas riquezas, mas
o plano acaba interceptado e eles só não foram mortos em consideração ao Cid.
40
Quando Fernando e Diego entraram no bosque de Corpes, montaram tendas e deram
ordens para que os que lhes acompanhavam seguissem em frente, pois queriam ficar a sós com
suas mulheres. É quando, então, colocam em prática o plano que restituiria a honra perdida em
37
Há de se assinalar, ainda, que o casamento também foi proveitoso para os infantes, já que El Cid estava ascendendo
financeiramente através de suas conquistas no exílio.
38
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa, 1995. p. 218.
39
Inclusive o sobrinho do Cid, Felez Muñoz, que recebe ordem de ir até o mouro Avengalvon para dar-lhe instruções
para receber bem os genros, suas filhas e todas as gentes cidianas.
40
Essa passagem é interessante se olhada da ótica das trocas culturais realizadas na Península. Os infantes tramam o
assassinato de Alvengalvon bem próximo a um soldado seu, julgando que ele não compreendia sua língua. Contudo,
o mouro entendeu tudo que era tramado por Diego e Fernando e alertou seu senhor. Segundo o poema: “Quando esta
falssedad dizien los de Carrion/ um moro latinado bien gelo entendio” (PMC, 126:2666:67). Quanto a atuação de
Alvengalvon no poema nos aprofundaremos mais a seguir.
84
Valência, o que, diretamente, se relaciona com suas masculinidades, e em contrapartida,
afrontaria El Cid, a desonra de suas esposas Elvira e Sol:
‘Bien lo creades don Elvira e doña Sol:/ aqui seredes escarnidas en estos fieros
montes;/ oy nos partiremos e dexadas seredes de nos,/ non abredes part en tierras
de Carrion./ Hiran aquestos mandados al Çid Campeador;/ ¡nos vengaremos
aquesta por la del leon!’ (PMC, 128:2714-19).
A violência física e os insultos contra elas são variados. O poeta relata que em
determinado momento, por estarem cansados de golpeá-las, os infantes passam a disputar quem
o melhor golpe. Por fim, elas perdem a consciência e eles as dão por mortas e seguem viagem
para Carrión deixando-as em Corpes: “‘De nuestros casamientos agora somos vengados;/ non las
deviemos tomar por varraganas/
41
si non fuessemos rogados,/ pues nuestras parejas non eran
pora braços./ ¡La desondra del leon assis ira vengando!’” (PMC, 130:27758-62).
A comparação entre El Cid e os infantes de Carrión nos ajuda, além de identificar
diversos graus de masculinidades, a entender, em parte, as relações entre homens e mulheres na
sociedade castelhana do século XIII. A pesquisadora Maria Lacarra, em seu artigo La Mujer
Ejemplar en Tres Textos Epicos Castellanos, segue uma proposta parecida com a nossa, mesmo
não tendo um enfoque historiográfico. Seu artigo analisa as representações femininas em textos
literários castelhanos, dentre eles o PMC.
42
Ela articula a forma como a funcionalidade da mulher
é representada nos textos à sua atuação sociocultural na Idade Média Ibérica: a de gerar e dar
continuidade às dinastias e principalmente servir como “moeda de troca” para estabelecer/ firmar
relações entre as coroas ibéricas através do matrimonio.
No caso do Cid e os infantes de Carrión, suas atitudes acabam se justificando frente à
sociedade em que viviam. Se, por um lado, para El Cid, o matrimônio de suas filhas era mais uma
possibilidade de ascensão social e, por tal matrimônio ter sido proposto pelo rei Afonso VI, uma
forma de atar os laços de amizade entre o monarca e seu vassalo, para os infantes era, também,
uma forma de agradar a vontade monárquica e as de seus próprios interesses, já que o dote das
filhas do cavaleiro burgalês era economicamente vantajoso.
41
Grifo nosso. Podemos observar que o status social da mulher influenciava na forma como os homens às tratavam.
No caso dos infantes de Carrión e as filhas do Cid, é possível perceber que, para eles, elas estavam abaixo à
condição de varraganas – o mesmo que concubinas.
42
LACARRA, María Eugenia. La Mujer Ejemplar en Tres Textos Epicos Castelhanos. Cuadernos de Investigación
Filológica, v. XIV, p. 5-20,1988.
85
A posição dos infantes, envergonhados pelo caso do leão, em se vingarem em suas
esposas também estava dentro de um contexto histórico, como demonstra Lacarra: “en la
disposiciones de los Fueros vemos cómo la mujer contribuye al incremento de la honra del
marido y a la economia familiar con la aportación de sus bienes y relaciones familiares al
matrimonio”.
43
O que cabe salientar, e o que expressa bem as relações de gênero em tal período, é o fato
de que quando Diego e Fernando afrontam suas esposas, na verdade, o fazem para desonrar seu
sogro, que, por sua vez, na perspectiva dos genros, os envergonhou em vários momentos
enquanto estiveram com ele em Valência. As filhas do Cid têm toda uma importância dentro da
relação de restituição da honra dos infantes. Pois é somente através delas que esse elemento
fundamental da masculinidade pôde ser reconquistado.
Mesmo se tratando de coadjuvantes no poema e tratadas como objeto por seus esposos, as
mulheres, Dona Elvira e Dona Sol, m funções marcantes na construção da masculinidade dos
infantes de Carrión, além de possibilitarem a demonstração, por parte da narrativa do clérigo
poeta, que tal masculinidade não estava em concordância com as demais presentes no poema,
principalmente à do protagonista El Cid.
Desta forma, no que concerne à sua construção nesta passagem do documento,
observamos que por uma lógica de elaboração textual, os infantes são sempre um contraponto ao
Cid, que é o protagonista da obra. No entanto, ressaltamos que com uma análise comparativa
mais profunda, é possível observar que tal construção tem suas nuances: Per Abbat, ao descrever
seus personagens, sempre dá ênfase ao quesito honra, elemento este que permeia não só o Cantar
III, mas todo o poema. Contudo, mesmo após a afronta às filhas do Cid em Corpes e, de certa
forma, tendo sua honra restituída frente aos padrões de relações homens/ mulheres na sociedade
em que viviam, pois ao maltratar Dona Elvira e Dona Sol, eles, na verdade, queriam atingir El
Cid, os infantes representam uma masculinidade destoante, se comparadas a de El Cid. Pois são
covardes, gananciosos, sem palavra de honra, etc.
Mesmo as atitudes de Diego e Fernando González sendo justificadas através dos Fueros
44
e estando dentro das conformidades sociais do período do clérigo poeta, eles são vistos como
tendo masculinidades fora do padrão apresentado pelo texto, que na construção da
43
Ibidem. p. 7.
44
Ibidem.
86
masculinidade ideal, representada através do Cid, não é, por exemplo, a violência contra as
mulheres que afirma ou reafirma a masculinidade, mas, sim, elementos como fidelidade,
coragem, integridade, etc.
Ao que parece, o autor, em sua narrativa, tenta representar o que seria um homem nobre e
ideal para a sociedade. A despeito de sua atuação como leigo ou religioso e, independentemente,
de sua estirpe social, esse homem, na visão de Per Abbat, deveria carregar certos elementos que,
no caso, não estavam presentes nos infantes, apesar de serem condes. Vê-se também que a
relação entre os homens segue um certo tipo de conduta honrosa que perpassa por toda uma
sociedade, grosso modo, organizada religiosamente e militarmente.
45
Podemos observar, ainda, que a participação moura nessa parte da narrativa é fundamental
na construção das masculinidades presentes no referido núcleo do poema. Pois são eles que
servem como instrumentos de afirmação nas mãos do autor para as masculinidades cunhadas por
ele como aceitáveis. Há de se levar em consideração que suas atuações são imprescindíveis para a
compreensão do que era para aquela sociedade, na ótica de Per Abbat, uma “boa” ou uma “má”
masculinidade. Vejamos, por exemplo, o caso do mouro Alvengalvon, que tem um papel de
destaque no PMC.
Diferentemente dos outros personagens muçulmanos do poema, Búcar, Yuçef e Tamin e
seus generais Ffariz e Galve, que são inimigos dos cristãos e travam combates sangrentos contra
El Cid e seus cavaleiros e, sendo assim, são utilizados na trama para engrandecer os atributos
militares e honrosos dos personagens ou, como no caso dos infantes, demonstrar que eram
homens desviantes, Alvengalvon é aliado do protagonista (PMC, 126:2635-40) e a ele presta
serviços.
46
A funcionalidade deste personagem na narrativa demonstra quão distante estavam os
infantes de Carrión do que era uma masculinidade ideal para Per Abbat no PMC.
Como dito anteriormente, a diferenciação dada pelo clérigo poeta a este personagem
mouro não nos parece mero acaso poético, mas sim, uma maneira de definir, bem
especificamente, como Diego e Fernando estão distantes de uma representação ideal de
masculinidade, como a do protagonista El Cid, por exemplo.
45
Cf. RUCQUOI. op. cit., p. 216. Ver por exemplo a relação entre El Cid e o abade Don Sancho.
46
Tais relações amistosas não o desviantes se olhadas à luz das relações de poder entre cristãos e muçulmanos na
Península Ibérica durante a Idade Média. Cf. FLETCHER. op. cit.; RUCQUOI. op. cit.
87
Alvengalvon, assim que é informado por seu servo que os infantes de Carrión tramavam
sua morte para se apoderarem de suas riquezas, mesmo o mouro tendo os tratado bem em nome
do “amor” que tinha por El Cid, cavalga junto a mais duzentos soldados e uma das mais
curiosas lições de moral presentes no poema. Aqui vale ressaltar porque a julgamos “curiosa”: o
clérigo poeta, a nosso ver, poderia ter utilizado um outro personagem cristão para admoestar os
infantes, no entanto, ele voz ao outro”, um “infiel”, ou seja, Alvengalvon. Isso para nós,
enfatiza a lacuna que Per Abbat quer ressaltar entre a masculinidade ideal e a não ideal. Ou seja,
defendemos que o fato de Alvengalvon ser o instrumento de repreensão de Diego e Fernando,
não significa qualquer tipo de sensibilidade em prol dos mouros por parte do clérigo poeta eles
continuam claramente sendo os “outros” na sua visão. O que o autor promove, na verdade, é uma
demonstração, para nós, clara, de que os infantes de Carrión são tudo aquilo que um homem não
poderia ser, pois, como veremos no documento, Per Abbat os coloca num vel abaixo daqueles
que para a sociedade castelhana correspondiam aos “rivais”, os “invasores”, ou seja, os mouros.
Não é um cristão que repreende os infantes, mas sim, um mouro, que a despeito da amizade com
El Cid, continua sendo um “infiel”.
A narrativa construída pelo autor nesse núcleo do poema, contém algumas singularidades
que, acreditamos, merecem destaque, o por nos ceder elementos para análise dessa
masculinidade desviante, como, ainda, pelo discurso como um todo:
El moro Avengalvon mucho era buen barragan,/ con dozientos que tiene iva
cavalgar./ Armas iva teniendo, paros ante los infantes;/ de lo que el moro dixo a
los infantes non plaze:/ ‘Dezid me: ¿que vos fiz infantes de Carrion?/ ¡Hyo
sirviendo vos sin art e vos conssejastes pora mi muert!/ Si no lo dexas por mio
Çid el de Bivar/ tal cosa vos faria que por el mundo sonas/ e luego levaria sus
fijas al Campeador leal;/ ¡vos nunqua en Carrion entrariedes jamas!/ Aquim
parto de vos commo de malos e de traidores./ Hire con vuestra graçia don
Elvira e doña Sol;/ ¡poco preçio las nuevas de los de Carrion!/ Dios lo quiera e
lo mande, que de tod el mundo es señor,/ d’aqueste casamiento que[s] grade el
Campeador.’/ Esto les ha dicho y el moro se torno; teniendo ivan armas al troçir
de Salon,/ cuemmo de buen seso a Molina se torno. (PMC, 127:2671-80 e
128:2681-88).
47
Como é possível observar, a presença dos adjetivos “malos” e “traidores” na fala atribuída
ao mouro demonstra a representação construída por Per Abbat para os infantes de Carrión, sem
ignorarmos, ainda, que, segundo o clérigo poeta, Alvengalvon agiu de bom senso. O mouro
47
Grifos nossos.
88
também é retratado entristecido por El Cid, pois, na sua concepção, o casamento das filhas do
cavaleiro com Diego e Fernando não está à altura do amigo castelhano.
Inferimos, assim, que Per Abbat ao dar voz a um “infiel” denota ao público castelhano do
século XIII os exemplos que não deveriam ser seguidos pelos homens daquela sociedade.
Acreditamos, então, que haja no documento um intuito de idealizar uma masculinidade a ser
seguida pelos homens castelhanos, religiosos ou leigos, do século XIII. Dessa maneira, passamos
a analisar no próximo item de que forma esse “ideal de masculinidade” foi representado para
esses homens no respectivo período.
3.4 El Cid e a Afronta de Corpes: Um ideal de masculinidade para os homens castelhanos do
século XIII
Como pôde ser visto no item anterior, identificamos tipos diferentes de masculinidades,
tanto leigas como religiosas. Em nossa análise do PMC, pudemos, ainda, verificar que a honra, a
coragem, a fidelidade, etc, são elementos imprescindíveis para uma efetiva masculinidade, dita,
boa ou ideal, de tal maneira que tais elementos encontram-se associados às demais atitudes
tomadas pelos homens presentes no poema. Como foi o caso, por exemplo, da Afronta de Corpes,
no qual os infantes de Carrión, ao ultrajarem suas esposas, por sua vez, filhas do Cid, perseguiam
a restituição de suas honras e, conseqüentemente, de suas masculinidades, o que, também, em
contra partida, para eles, atingiria a honra do Cid, ou seja, sua masculinidade. No entanto, para
Per Abbat, Diego e Fernando González continuaram à margem de uma masculinidade ideal.
Outro assunto abordado foi a presença feminina, que, como pudemos verificar, têm
funções quase que “decorativas” no poema, servindo quase sempre de moeda de troca nas
relações homens/ homens ou para demonstrar como eram frágeis, enquanto os homens eram
fortes (corajosos) e honrados.
Neste último item, discutiremos se o discurso de Per Abbat, reproduzido através dos seus
personagens, tem algum efeito modelador de um tipo ideal de masculinidade a ser seguido pelos
homens castelhanos do século XIII. Para isso, utilizaremos, mais uma vez, o último núcleo
narrativo do PMC, analisando, mais especificamente, as Cortes de Toledo, montadas por Afonso
VI a pedido de El Cid no intuito de restituir sua honra, que foi ferida na ocasião que os infantes de
Carrión ultrajaram suas filhas em Corpes.
89
Ao analisarmos a atuação dos personagens Álvar Fáñez, Martín Antolínez, Pero
Bermúdez e Muño Gustioz nas Cortes de Toledo, convocando para duelos os infantes de
Carrión (Diego e Fernando González), e os dois membros do seu bando: Gómez Peláyez e Asur
González, demonstraremos como estão presentes no PMC, diversos graus de masculinidades e,
ainda, uma masculinidade ideal, que se encontrava numa posição mais elevada nas construção
discursiva do autor do poema.
3.4.1 – O caminho para a restituição da honra do Cid
A notícia da afronta se espalhou pelo reino e chegou até Afonso VI, que, segundo, o PMC,
sentiu-se entristecido com o fato. El Cid, após ficar sabendo o que havia acontecido com suas
filhas e sua conseqüente desonra, louva a Deus pelo ocorrido:
¡Grado a Christus que del mundo es señor/ quando tal ondra me an dada los
infantes de Carrion!/ ¡Par aquesta barba que nadi non messo/ non la lograran los
infantes de Carrion,/ que a mis fijas bien las casare yo! (PMC, 131:2830-34).
El Cid foi retratado mais preocupado com um bom casamento futuro para suas filhas do
que propriamente com a agressão de Diego e Fernando Gonzáles no carvalhal de Corpes. Isso
nos faz supor que, na visão do protagonista, a rejeição dos infantes prejudicaria futuras
articulações matrimonias e, acima de tudo, seu nome ficaria sujo ante a sociedade.
A trama continua e El Cid envia os cavaleiros Álvar Fáñez, Martín Antolínez e Pero
Bermúdez para buscar suas filhas em San Estevan de Gormaz, onde aguardavam junto com Félez
Muñoz, que lhes havia resgatado abandonadas e quase mortas em Corpes.
Ao chegar à cidade, Álvar Fáñez agradece em nome de seu senhor aos homens de San
Estevan por terem cuidado das filhas do Campeador. Ao se encontrarem, as filhas do Cid e Álvar
Fáñez choram incessantemente e Pero Bermúdez ressalta: Don Elvira e doña Sol: cuidado non
ayades/ quando vos sodes sanas e bivas e sin outro mal./ Buen casamiento perdistes, mejor
podredes ganar./ ¡Aun veamos el dia que vos podamos vengar!” (PMC, 132:2865-68). Esta é a
primeira manifestação de vingança contra os infantes. Mas uma vez, é possível observar que a
grande preocupação dos cavaleiros não se encontra na condição de violentadas das damas, porém,
na condição de rejeitadas pelos maridos. Conforme a fala de Pero Bermúdez, elas não deveriam
se preocupar mais, pois estavam vivas e s, e se haviam perdido um bom casamento, no sentido
de ingresso na nobreza, outro melhor poderiam conseguir.
90
Regressando à Valência, as damas encontram-se com seu pai e abraçam-se, El Cid
comenta o “insucesso” que havia sido o casamento e se exime da culpa, já que o mesmo foi uma
ordem de Afonso VI, porém, mais uma vez, Elvira e Sol são tranqüilizadas, frente a afirmativa de
que ainda teriam um bom casamento. O protagonista, então, perpetua o desejo de vingança:
“¡(...) de mis yernos de Carrion Dios me faga vengar!” (PMC, 132:2894).
São dados assim os primeiro passos para a restituição da honra de El Cid. O cavaleiro
Muño Gustioz é enviado para comunicar oficialmente ao rei Afonso VI a desonra do Campeador.
O protagonista envia seu vassalo com alguns conselhos que doravante passamos a transcrever por
sua pertinência para análise sobre a importância da honra para construção de uma masculinidade
dita ideal:
Lieves el mandado a Castiella al rey Alfonsso;/ por mi besa le la mano d’alma e
de coraçon/ - cuemo yo so su vassallo y el mio señor -/ desta desondra que me
an fecha los infantes de Carrion/ quel pese al buen rey d’alma e de coraçon./ El
caso mis fijas, ca non gelas di yo;/ quando las han dexadas a grant desonor/ si
desondra i cabe alguna contra nos/ la poca la grant toda es de mio señor./ Mios
averes se me an levado que sobejanos son,/ esso me puede pesar con la otra
desonor./ Aduga melos a vistas o a juntas o a cortes/ commo aya derecho de
infantes de Carrion,/ ca tan grant es la rencura dentro en mi coraçon (PMC,
133:2903-16).
48
Ou seja, segundo El Cid, o fato de Afonso VI ter feito as negociações para o casamento de
suas filhas fazia dele também um desonrado pelos infantes de Carrión, talvez, até mais que o
próprio protagonista. Os bens que eles levaram como dote eram mais um fator a ser associado ao
direito que o cavaleiro tinha de reaver sua honra moral e financeira. Cabe ressaltar que sua
mensagem é um tanto “reticente” quanto à honra de suas filhas,
49
pois ele afirma, conforme
passagem por nós transcrita acima, “agora que estão desonradas, se é que nisto cabe desonra
contra nós, pouca ou muita toda é do meu senhor”.
50
Muño Gustioz, quando encontrou o monarca castelhano em San Fagunt, seguiu à risca o
ordenado por seu senhor e ressaltou a responsabilidade do rei no casamento e conseqüente
desonra do Campeador, de suas filhas e a sua própria: “Tienes por desondrado, mas la vuestra es
mayor” (PMC, 133:2950).
51
Vale destacar que mesmo a todo o momento El Cid se eximindo da
48
Grifos nossos.
49
Primeiro momento, aliás, que a palavra “desonra” é associada às damas na voz de um personagem masculino.
50
Realizamos uma tradução aproximada.
51
Nessa mesma passagem, alguns versos anteriores, Muño Gustioz ressalta a desonra da filhas do Cid, utilizando a
palavra diretamente referida a elas.
91
culpa e a transferindo para Afonso VI, em nenhuma passagem o monarca é descrito por Per Abbat
de maneira nociva. O rei castelhano é sempre citado como “al buen rey”; “de largos reinos”; “rey
ondrado”, etc, tendo assim sua masculinidade em conformidade com aquela construída pelo
clérigo poeta, tendo como base El Cid.
Passamos agora para a parte final deste capítulo, no qual discutiremos os embates
militares nas Cortes de Toledo invocadas por Afonso VI para fazer valer o direito do cavaleiro
burgalês na restituição de sua honra.
3.4.2 – As Cortes de Toledo: Duelos entre masculinidades
O rei castelhano aceitou as prerrogativas do Cid e convocou as cortes em Toledo. Mandou
chamar condes e infanzones e estabeleceu um prazo de sete semanas para que todos
comparecessem alertando, ainda, que os que não fossem ao seu encontro que não se dessem mais
por seus vassalos e que se retirassem de seu reino.
A partir de então, o clérigo poeta passa, mais uma vez, a descrever Diego e Fernando
González como covardes, tentando se esquivar das cortes convocadas pelo rei. Segundo o autor, o
grande temor dos infantes era a presença de El Cid em Toledo. Eles tentam, em vão, que Afonso
VI os isente das cortes ou então que o cavaleiro burgalês não as assista, entretanto, o monarca
responde: “(...) ¡No lo fere, sin salve Dios!/ Ca i verna mio Cid el Campeador,/ dar le [e]des
derecho ca rencura ha de vos” (PMC, 135:2990:91).
Diego e Fernando González passam a buscar aliados e mandam cartas aos seus parentes.
Um dos que saíram ao seu socorro foi o conde García Ordóñez que, segundo Per Abbat, era
“enemigo de mio Cid que mal siemprel busco” (PMC, 135:2998). O clérigo poeta ainda relata
que todos os nobres de Castela se dirigiram a Toledo para as cortes. Álvar Fáñez, considerado
pelo Cid seu melhor braço, foi mandado na frente para que anunciasse ao rei castelhano a
chegada do cavaleiro à noite.
El Cid, então, acompanhado por seus cavaleiros, foi o último a chegar às cortes, no quinto
dia para o término do prazo estipulado por Afonso VI. Com ele estavam o bispo Don Jheronimo,
o clérigo mata-mouros; Martín Antolínez; Pero Bermúdez; Muño Gustioz, entre outros de sua
mesnada. Afonso VI cavalgou ao encontro do Campeador e o recebeu com honras, contudo, El
Cid não entrou em Toledo com o rei, passou a noite em vigília em San Servan orando, num altar
92
que ele mandou iluminar, segundo o poeta, com sabor a de velar en essa santidad” (PMC,
136:3055).
Na manhã seguinte, após participar da missa, El Cid se preparou para entrar em Toledo
para iniciar a restituição de seus bens e sua honra. O poeta é extremamente detalhista ao
descrever a vestimenta do cavaleiro, seu cuidado com a barba comprida e presa por cordões, suas
armas polidas e brilhantes, assim como suas “lorigas tan blancas commo el sol” (PMC,
137:3074).
Todos os aliados do protagonista que estavam presentes nas cortes o honraram de tal
maneira que Afonso VI ofereceu seu próprio escãno para assento do cavaleiro que, segundo ele:
“¡(...) mejor sode que nos!” (PMC, 137:3116). Entretanto, o vassalo recusou afirmando que essa
honra só convinha ao seu rei e senhor. Iniciaram-se, então, os discursos na Corte.
O primeiro a falar foi Afonso VI, afirmando que, até então, havia convocado duas
cortes, uma em Burgos e outra em Carrión, e que aquela em Toledo havia sido convocada por
amor ao Cid. O monarca nomeou como juízes os condes Don Anrrich e Don Remond, sob a
justificativa de que eles não pertenciam a nenhum dos grupos ali presentes, fosse do Cid ou dos
infantes.
Após jurar por São Isidoro que se alguém fizesse alguma celeuma durante as cortes seria
banido do reino, Afonso VI deu a palavra a El Cid que discursou:
Mucho vos lo gradesco commo a rey e a señor/ por quanto esta cort fiziestes por
mi amor./ Esto lês demando a infantes de Carrion:/ por mis fijas quem dexaron
yo non he desonor,/ ca vos las casastes, rey, sabredes que fer oy;/ mas quando
sacaron mis fijas de Valençia la mayor/ diles espadas a Colada e a Tizon/ - estas
yo las gane a guisa de varon -/ ques ondrassen con ellas e sirviessen a vos./
Quando dexaron mis fijas en el robredo de Corpes/ comigo non quisieron aver
nada e perdieron mim amor;/ ¡den me mis espadas quando mios yernos non son!
(PMC, 137:3146-58).
52
Como podemos verificar, para El Cid a desonra da afronta dos infantes de Carrión às suas
filhas recaiu toda sobre o rei, que foi ele quem “casou” suas filhas com Diego e Fernando. A
afronta maior ao cavaleiro, porém, foi o fato dos seus genros terem levado suas espadas que,
segundo ele, foram conquistadas em lutas honradas, “como um homem”.
Os infantes concordaram em devolvê-las e os juízes deram a causa ganha para El Cid,
entretanto, os do bando dos González, representados por Don García, inimigo do cavaleiro
52
Grifos nossos.
93
burgalês, prepararam uma resposta na tentativa de encerrar as cortes. Os infantes de Carrión,
então, devolveram as espadas ao rei que as passou para as mãos do Cid.
Per Abbat então relata que o Campeador presenteou seu sobrinho Pero Bermúdez com
Tizon e Martín Antolínez com Colada. Mas as restituições não se encerraram, para desespero dos
infantes.
Após receber de volta suas espadas que, segundo o protagonista, foram ganhas como um
verdadeiro homem, El Cid pede de volta a quantia em dinheiro que havia dado aos seus genros,
segundo o poema, três mil marcos em ouro e prata, dinheiro que os infantes não possuíam mais.
Desses três mil marcos, duzentos haviam sido dados ao rei Afonso VI por serem Diego e
Fernando Gonzáles seus afilhados, contudo, o rei, devido à “falência” dos infantes, devolveu-
lhes a quantia.
Eles acabaram ficando em situação, pois os juízes sentenciaram que a restituição
financeira do Cid se desse então por espécie. Não tendo outra escolha, os infantes de Carrión
entregaram ao Campeador mulas e cavalos e, ainda, foram obrigados a pegar dinheiro
emprestado para completarem a quantia que deviam ao sogro.
Devolvidas as espadas e restituída a sua honra moral e financeira, o protagonista parte
para seu último direito na Corte, àquele que restabelecerá plenamente sua honra masculina. O
cavaleiro roga ao rei Afonso VI o direito de desafiar em duelo os infantes de Carrión.
Essa parte final do documento encerra, toda e qualquer dúvida que, para nós, possa existir
acerca de, primeiro, masculinidades diversas e, segundo, uma masculinidade dita ideal, baseada
em El Cid.
A narrativa continua e El Cid, então, inicia um discurso no qual interrogou os infantes por
qual motivo eles agiram como traidores. Don García, então, se pôs de pé, e pediu ao rei que
encerrasse a contenda, afirmando que o cavaleiro havia restituído o que tinha direito e, ainda,
afirmou que:
Vezos mio Çid a llas cortes pregonadas;/ dexola creçer e luenga trae la barba,/
los unos lê han miedo e los otros espanta./ Los de Carrion son de natura tal/ non
gelas devien querer sus fijas por varraganas/ ¡o quien gelas diera por parejas o
por veladas!/ Derecho fizieron por que las han dexadas./ ¡Quanto el dize non
gelo preçiamos nada! (PMC, 140:3272-79).
O protagonista rebate as ofensas de seu inimigo e exalta sua própria masculinidade
afirmando, sobre sua barba, que:
94
Ca de quando nasço a delicio fue criada,/ ca non me priso a ella fijo de mugier
nada,/ nimbla messo fijo de moro nin de christiana/ ¡commo yo a vos, conde, en
el castiello de Cabra!/ Quando pris a Cabra e a vos por la barba/ non i ovo rapaz
que non messo su pulgada;/ ¡la que yo messe aun non es eguada! (PMC,
140:3284-90).
Fernando González também se pôs de pé e tentou acabar com a discussão, não sem ainda
confirmar o discurso de García, de que ele e seu irmão fizeram bem ao abandonar as filhas do
Cid. Porque, segundo o infante, por serem eles filhos de condes, deveriam se casar com filhas de
reis e imperadores e não filhas de infanzones.
O Campeador então instigou seu sobrinho, Pero Bermúdez, que ele chama de “Pedro, o
mudo” a responder as afrontas de Fernando González, afirmando que se fosse ele que
respondesse, Pero Bermúdez o pegaria em armas, desta forma, pode-se inferir que o cavaleiro
induziu, de certa forma, que seu sobrinho provasse sua masculinidade através do combate.
Pero Bermúdez iniciou então seu discurso relembrando todos os momentos vergonhosos
dos irmãos González:
¿Miembrat quando lidiamos çerca de Valençia la grand?/ Pedist las feridas
primeras al Campeador leal,/ vist un moro, fustel ensayar,/ antes fuxiste que a’l
te alegasses./ Si yo non uvias el moro te jugara mal;/ passe por ti, con el moro
me off ajuntar,/ de los primeros colpes of le de arrancar./ Did el cavallo, toveldo
en poridad, fasta este dia no lo descubri a nadi;/ delant mio Çid e delante todos
oviste te de alabar/ que mataras el moro e que fizieras barnax;/ crovieron telo
todos, mas non saben la verdad./ ¡Y eres fermoso, mas mal varragan! (PMC,
143:3316-27)
O cavaleiro continuou com sua fala rememorando o acontecimento do leão e como
Fernando havia se escondido atrás do escaño do Cid. Repetiu várias vezes que eles eram
traidores. Sobre a violência contra suas primas, ressaltou: ¡Por quanto las dexastes menos valedes
vos!/ Ellas son mugieres e vos sodes varones;/ en todas guisas mas valen que vos” (PMC,
144:3346-48). Ou seja, é possível perceber que, se antes, o clérigo poeta havia os alocado abaixo
dos mouros, agora, no discurso de Pero Bermúdez, os infantes de Carrión são transpostos à
condição de “piores que as mulheres”, já que as filhas do Cid “valem mais que eles”.
Diego González tentou defender o irmão afirmando novamente que, na verdade, honrados
eram eles por terem deixado Dona Elvira e Dona Sol. Martín Antolínez entrou na contenda e
relembrou, também, o caso do leão e quando Diego, tomado de pavor, sujou toda sua túnica.
95
A cada verso os ânimos mais se temperavam e o irmão mais velho dos infantes, Asur
González, entrou no conflito e foi repreendido pelo cavaleiro Muño Gustioz.
Afonso VI encerrou as discussões, pois entraram nas Cortes dois cavaleiros, Ojarra e
Yeñego Simenez (ou Ximenez), trazendo mensagens dos reis de Navarra e Aragão, afirmando que
os infantes destes dois reinos pediram a mão das filhas do Cid em casamento. O que foi
prontamente aceito pelo protagonista e pelo monarca. Todos na Corte se alegraram, menos os
infantes de Carrión.
Em meio a todo o ocorrido, levantou-se Álvar Fáñez e pediu a palavra, agradeceu a Deus
pelo novo casamento das filhas do Cid e retomou, mais uma vez, os insultos contra os infantes,
afirmando que eram maus e traidores, desafiando-lhes, também, para duelo dizendo que: “¡hyo so
Albar Fañez pora tod el mejor!” (PMC, 149:3456). Gómez Peláyez, membro do bando dos
Carrión, interpolou Álvar Fáñez retrucando que naquelas Cortes havia tantos outros, tão
melhores quanto ele. Álvar Fáñez, então o desafiou, entretanto, o rei Afonso VI não permitiu mais
nenhum combate, dando como encerrada a etapa de desafios, estabelecendo o número de três
duelos para restituir por completo a honra do Cid.
Afonso VI estabeleceu os seguintes pares para os duelos: Pero Bermúdez contra Fernando
Gonzáles; Martín Antolínez contra Diego González e, por fim, Muño Gustioz contra Asur
González.
A narrativa segue e os vencedores, como era de se esperar, foram os cavaleiros do Cid,
exaltando, mais uma vez, a coragem e a honra como elementos cruciais dos cavaleiros ligados ao
protagonista do poema e fazendo, dessa forma, que suas masculinidades se aproximassem a ideal.
A descrição de todos os duelos é repleta de detalhes, contudo, nos furtaremos a apenas
transcrever as passagens que demonstram a covardia dos adversários dos cavaleiros cidianos.
O primeiro combate foi entre Pero Bermúdez e Fernando Gonzáles, segundo o clérigo
poeta, Fernando, após ter perdido a espada e a lança e ter caído com o cavalo sobre si, ao ver
Pero Bermúdez erguendo a espada para feri-lo de morte, reconheceu que era Tizona, gritou antes
de receber o golpe: “(...)¡Vençudo so!” (PMC, 150:3644). Os juízes deram por terminado o
combate dando a vitória a Pero Bermúdez.
O segundo duelo, apresenta características mais desviantes na masculinidade do outro
infante, Diego González. Ao lutar com Martín Antolínez, ele é várias vezes ferido, tendo seu elmo
quebrado, sua lança partida, etc. Quando caiu no campo de combate, percebeu que Martín
96
Antolínez o havia ferido com a espada Colada e, segundo o poeta, “vio Diego Gonçalez que no
escaparie con el alma” (PMC, 151:3658). Per Abbat continua a narrativa: Dia Gonçalez espada
tiene en mano mas no la ensayava;/ esora al ifante tan grandes vozes dava:/ ¡Valme, Dios
glorioso, señor, e curiam deste espada!” (PMC, 151:3665).
53
Ele então puxou seu cavalo pelas
rédeas e saiu dos marcos que sinalizavam o campo. Afonso VI deu, assim, o combate por
encerrado e a vitória a Martín Antolínez.
Por fim, o combate entre Muño Gustioz e Asur González encerra as descrições sobre
combates no poema. Per Abbat descreve o primogênito dos González como forte e de valor,
entretanto, assim como seus irmãos, ele é vencido no duelo, sendo gravemente ferido. Muño
Gustioz o o matou, pois, seu pai, Gonzalo Ansúrez, gritou pedindo pela vida do filho:
“(...)¡Nol firgades, por Dios!/ !Vençudo es el campo quando esto se acabo!” (PMC, 152:3690-
91).
Afonso VI terminou os duelos e os cavaleiros de El Cid retornaram à Valência com suas
honras intactas e, ainda, tendo vingado seu senhor e suas filhas.
O poema se encerra com El Cid exaltando o casamento de Elvira e Sol com os reis de
Navarra e de Aragão e afirmando que suas filhas foram vingadas. Per Abbat, então, termina o
texto, afirmando que a honra do Campeador se estendeu por ter se tornado parente de reis de
Hispania e dando o dia da morte do herói: “Passado es deste sieglo el dia de çinquaesma:/ ¡de
Christus haya perdon!/ !Assi ffagamos nos todos, justos e peccadores!” (PMC, 152:3726-28).
3.5 – Considerações finais do capítulo
Concluímos, dessa forma, que o PMC apresenta não uma, mas diversas masculinidades.
Não só no que diz respeito a diferenciação, praticamente, mínima, entre leigos e religiosos, como,
também, na diferença entre as masculinidades de uma mesma categoria.
54
No primeiro caso, podemos inferir que Don Jheronimo é retratado da mesma maneira que
o protagonista da obra e seus cavaleiros. Suas masculinidades o cunhadas o na sexualidade,
na presença ou não do casamento e da castidade, mas na forma como suas atividades são
exercidas, com honra, coragem, fidelidade, bondade, etc. Tais elementos, aliás, são de extrema
importância para o desenrolar a construção das masculinidades no PMC.
53
Grifos nossos.
54
No caso a comparação entre leigos e leigos e religiosos e religiosos.
97
A relação entre leigos e leigos é marcada pela presença ou ausência desses elementos e
como pudemos observar no desenvolver deste capítulo. Os infantes de Carrión são o exemplo de
masculinidades desviantes no poema. Neles completa ausência de tais elementos, necessários
para uma masculinidade ideal, como a do Cid.
Quando lançamos nosso olhar a categoria religiosos, pudemos concluir que Don
Jheronimo e Don Sancho possuem similitudes e diferenças que, no entanto, o são díspares,
pois, para Per Abbat, os dois exercem funções primordiais para aquela sociedade, como a
dedicação à pregação, a proteção das mulheres, a oração, o combate contra os infiéis, etc. No
mais, temos dois exemplos de clérigos, um secular e outro regular. Todos os dois foram
representados distantes das prerrogativas canônicas que, alguns anos depois, estabelecidas pelo
IV Concílio de Latrão, para o que era ou não permitido aos religiosos.
No que diz respeito à presença feminina, foi possível constatar que as mesmas não têm
voz para o clérigo poeta. São representadas no PMC como frágeis, extremamente religiosas e
também como moeda de troca nas relações entre os homens. Quando narrada a separação entre El
Cid, sua esposa e suas filhas, as mesmas, com suas atitudes, reforçam tais afirmativas.
Quando violentadas pelos infantes, Dona Elvira e Dona Sol rogam para terem as cabeças
cortadas, assim seriam consideradas mártires,
55
o que ressalta sua religiosidade.
A presença moura e judia é, praticamente, nula, sendo que os primeiros têm uma função
cabal na construção das masculinidades, pois é contra eles que é provada a coragem e destreza
militar dos cavaleiros do poema.
Por fim, nossa afirmativa de que Per Abbat tem o intuito de representar um ideal de
masculinidade é válida quando olhada as nuances presentes na documentação analisada. El Cid é
isento de defeitos, é um cristão que luta contra os mouros. Mesmo desterrado, continua fiel ao seu
senhor, é representado como um bom pai e esposo, que se sempre preocupado com um bom
matrimonio para suas filhas.
Enfim, para nós, Per Abbat, como clérigo e poeta castelhano, tenta, via sua obra, dar à
sociedade de seu tempo uma masculinidade ser seguida, com valores e padrões, para ele,
essenciais à nobreza daquela época: honra, coragem, lealdade, bondade, integridade, fidelidade à
palavra dada, preocupação em defender a cristandade contra os mouros, etc.
55
“!Por Dios vos rogamos don Diego e don Ferando!/ Dos espadas tenedes fuertes e tajadores/ - al una dizen
Colada e al otra Tizon -/ ¡cortandos las cabeças, martires seremos nos!”. PMC, 128:2725-28.
98
Destacamos, ainda, que nossas conclusões baseiam-se na análise de apenas um
documento e se restringem ao seu autor e sua obra. No capítulo seguinte, calcados no Método
Comparativo em História proposto por Jügen Kocka
56
, seguiremos o mesmo molde aqui
apresentado, para, então, no capítulo conclusivo da presente pesquisa efetuar uma análise
comparativa mais abrangente, ou seja, entre os dois documentos, a saber o já citado Poema de
Mio Cid (PMC) e a Vida de Santo Domingo de Silos (VSD).
56
Cf. KOCKA, Jügen. Comparison and beyond. History and Theory, n. 42, p. 39-44, fev. 2003.
99
CAPÍTULO 4
NÃO SÓ UMA HAGIOGRAFIA, NÃO SÓ UM POEMA: A VIDA DE SANTO DOMINGO DE
SILOS E O MODELO IDEAL DE ECLESIÁSTICO EM CASTELA NO SÉCULO XIII
Como ressaltado por nós no capítulo 2, a VSD deve ser lida e analisada não como uma
hagiografia, ou seja, uma narrativa acerca da vida e dos feitos de um santo, no caso Domingo de
Silos, porém, também, como um poema. E como poema, de entendermos-na como uma obra
artística elaborada com características necessárias para tal: métrica, rima, enredo, personagens,
etc.
Tal predileção é salientada, pois, para nós, Gonzalo de Berceo foi um clérigo que através
de sua poesia-hagiográfica transmitiu um discurso que, como veremos neste capítulo, estava em
consonância com o da Igreja Romana.
1
Sendo assim, o protagonista e os demais personagens de
sua obra têm em suas descrições traços marcantes daqueles defendidos e reafirmados pela cúria
romana no IV Concílio de Latrão, realizado em 1215 e, ainda, representam de alguma forma a
visão de mundo do autor da VSD.
2
Temos como objetivos, para esta parte da dissertação, analisar como a masculinidade de
Domingo de Silos foi construída por Gonzalo de Berceo em concordância com esses preceitos
conciliares; analisar as masculinidades leigas e religiosas, utilizando como objeto central o
personagem García de Nájera e alguns outros por nós selecionados, que não receberam o mesmo
destaque por parte do clérigo poeta; a representação moura na hagiografia e, por fim, defender
que a VSD transmitiu um modelo ideal de eclesiástico em Castela no século XIII em consonância
com o Concílio já citado.
Cabe destacar que, em grande parte, nossa análise comparativa se fixano protagonista
do poema-hagiográfico, pois, diferentemente, do PMC, este documento não nos informações
1
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. A Moralização do Clero Castelhano no Século XIII. Veritas:
Revista da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, v. 40, n. 159, p. 559-576, 1995.
2
Salientamos que este documento, utilizado em capítulos anteriores, o possui supremacia em nosso corpus
documental, assim como, por exemplo, o texto de Bernardo de Claraval – De la Excelencia de la Nueva Milícia – ele
se insere em nossa pesquisa como contraponto para nossas afirmações. O IV Concílio de Latrão é considerado por
muitos como o maior e mais importante concílio ecumênico da Idade Média Central. Convocado pelo papa Inocêncio
III em 1213 e tendo a reunião sido celebrada em 1215, esse concílio marca a preocupação da Igreja de Roma em
ocupar-se não só da reforma moral, como, ainda, de decretos que esclareceram a doutrina e abordaram a supressão da
heresia. Cf. FOREVILLE, Raimunda (Ed.). LATARENSE IV. Vitória: Editorial ESET, 1972. História de los
Concilios Ecumenicos (6/2); LOYN, Henry R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
100
detalhadas sobre os demais personagens nele presente. Por este motivo, não listaremos
sistematicamente as pessoas escolhidas, entretanto, à medida que forem sendo incorporados à
analise, serão identificadas.
Ressaltamos que por diversas vezes o discurso textual de Berceo, que não deixa de ser
rico em sua descrição, não é claro a respeito das características atribuídas aos seus personagens e
acaba construindo-os utilizando-se mais de situações e imagens narrativas, do que outorgando-
lhes falas, como acontece no PMC, por exemplo. Porém, o classificamos tais ausências como
algum tipo de problema do documento Ao contrário, defendemos que esses fatos são
justificáveis, pois a VSD gira toda em torno do santo confessor”. Sendo assim, é de se esperar
que os personagens secundários assumam a posição de sustentáculos das virtudes atribuídas a
Domingo de Silos por Berceo.
Devemos, ainda, levar em consideração as pretensões berceanas, como, por exemplo, o
caráter propagandístico que ele ao seu texto, a forma como ele constrói seu personagem
principal, as relações igreja e monarquia, etc.
3
Assim, o fato de todo o poema-hagiográfico ter como objeto narrativo principal Domingo
de Silos e, praticamente, colocar os demais personagens como coadjuvantes, não é algo fora do
esperado. Além do mais, isto não diferencia tanto a obra berceana do PMC,
que o texto de Per
Abbat segue este mesmo modelo, mantendo algumas diferenciações acerca dos personagens
secundários.
4
No caso da VSD, eles não possuem proeminência nas vozes e quando são ouvidos, seus
discursos são elaborados pelo autor de maneira que enalteçam as virtudes santas de Domingo de
Silos, os coadjuvantes analisados por nós no PMC, dependendo de suas posições na trama,
5
têm em seus discursos características próprias que nem sempre são descritas pelo clérigo poeta
como instrumento para exaltação de El Cid.
Passamos agora a analisar os motivos que nos levam a inferir que a masculinidade de
Domingo de Silos nesse poema-hagiográfico mantém estreita ligação com os ideais reformistas
da Igreja apresentados no IV Concílio de Latrão.
3
Cf. ALVAR, Manuel. Gonzalo de Berceo Como Hagiógrafo. In: GONZALO DE BERCEO. Obra Completa.
Coordinado por Isabel Uría. Madrid: Espasa-Calpe, 1992. p. 29-60.
4
Cf. MONTANER FRUTOS, Alberto. Un Posible Eco del Cantar del Mio Cid en Gonzalo de Berceo. In: LÚCIA
MEGÍAS, José Manuel (Coord.). VI Congreso Internacional de la Asociación Hispánica de Literatura Medieval,
Alcalá de Henares, 12-16 de Septiembre de 1995, Actas... España, Universidad de Alcalá de Henares, 1997. p. 1057-
1069.
5
Se aliados ou inimigos do protagonista El Cid.
101
4.1 A masculinidade religiosa na Vida de Santo Domingo de Silos: Uma conformidade com a
Igreja
Como já demarcado, defendemos que as masculinidades religiosas apresentadas na obra
em questão, através da representação do personagem Domingo de Silos, estavam em
conformidade com as diretrizes da Igreja Romana e ainda transmitiam, como veremos no
decorrer do capítulo, um “ideal de clérigo em Castela no século XIII” através desse protagonista.
Contudo, como trabalhamos com a perspectiva de diversas masculinidades entre pares de um
mesmo grupo, ou seja, religiosos/ religiosos; leigos/ leigos e, ainda, de grupos diferentes,
religiosos/ leigos, não deixaremos de analisar aqueles que, conforme a descrição do autor da
VSD, estavam distantes da masculinidade representada através de Domingo de Silos.
Devemos levar em consideração, ainda, que Gonzalo de Berceo, como poeta e clérigo
atuante, estava em contato com as normas religiosas de seu período. Sem ignorarmos o fato de
que o meio social da Península Ibérica, ainda em ebulição graças a chamada Reconquista, é um
celeiro para uma multiplicidade de tipos de religiosos.
6
Contudo, o projeto elaborado pela cúria papal e registrado no IV Concílio de Latrão não
foi de pronto seguido na Península e a isso atribuímos justamente a este contexto social cuja
presença de guerras e conflitos acaba sendo marcante.
7
Berceo o deixa de estar inserido nesse contexto, porém, como eram muitas as vias
possíveis a um religioso na Península Ibérica pregar, guerrear, produzir textos, etc ele acaba
por dedicar-se ao sacerdócio tendo tido estreita ligação com o mosteiro de San Millán de Suso.
8
À época em que a VSD foi composta, o IV Concílio de Latrão, de alguma maneira,
provavelmente, já havia, o sem resistências, sido inserido na Península Ibérica. Segundo o
historiador Antonio García y García, devemos levar em consideração o contexto social da
6
O clérigo mata-mouros Don Jheronimo do PMC, por exemplo.
7
Cf. FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes da. A Cúria Papal e a Diocese de Calahorra: As Transferências
Normativas do Poder Eclesiástico Central ao Local no culo XIII. In: LESSA, Fábio de Souza (Org.). Poder e
Trabalho: Experiências em História Comparada. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 59-84; RUCQUOI, Adeline.
História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa, 1995; VALDEÓN, Julio; ZABALO JAVIER, Salrach,
José Mª. Javier. Feudalismo y Consolidación de los Pueblos Hispánicos (Siglos XI-XV). 3 ed. Barcelona: Labor,
1989. Historia de España, 4; GONZÁLEZ GONZÁLEZ, Julio. Fijación de la Frontera Castelhano-leonesa en el
Siglo XII. En la España Medieval, n. 2, p. 411-424, 1982.
8
Cf. LABARTA DE CHAVES, Teresa. Introducción Biográfica y Crítica. In: GONZALO DE BERCEO. Vida de
Santo Domingo de Silos. Edición de Teresa Labarta de Chaves. Madrid: Castalia, 2005. p. 9-54. p. 10; DUTTON,
Brian. Gonzalo de Berceo: Unos Datos Biográficos. In: JONES, Cyril A.; PIERCE, Frank (Coord.). Congreso
Internacional de Hispanistas, 1, Oxford, 6 a 11 de Setembro de 1962. Actas... Londres: The Dolphin Book, 1964. p.
249-254; _____. La Fecha del Nacimiento de Gonzalo de Berceo. Berceo, n. 94-95, p. 265-268, 1978.
102
península desde os primórdios do século XIII, pois ele é fundamental para entendermos o
pensamento do período.
9
Este contexto, marcado por constantes incursões militares por motivos territoriais e
religiosos, o que gerou uma relação entre as monarquias e a igreja ibérica baseada em preceitos
morais e econômicos, permiti-nos afirmar que tal inserção conciliar não foi homogênea.
Durante muito tempo, os reis ibéricos buscaram na igreja a sustentabilidade necessária
para dar prosseguimento às suas empreitadas visando a recuperação das terras em mãos dos
mouros. Essa ligação entre estes dois poderes foi um fator irrefutável para a dificuldade de
introdução das prerrogativas conciliares presentes no Lateranense IV. Assinala García y García:
La participación, incluso personal, de muchos obispos en las incursiones
guerreras hacia el sur configura su mente de algún modo, y enciende en ellos la
esperanza de compartir el botín arrebatado a los infieles. En cambio a la hora de
los “repartimientos”, los monarcas padecían con frecuencia una especie de
amnesia que les impedía recordar las contribuciones que cada uno había
aportado la victoria, cuando ésta se producía.
10
Sem dúvidas o podemos ignorar a posição de vários clérigos guerreiros” peninsulares
ante o decreto que assinalava que ficava proibido aos mesmos o derramamento de sangue.
11
Era
de se esperar, dessa forma, que poucos seriam os religiosos ibéricos que atenderiam ao chamado
de Inocêncio III, em 1213, para o futuro concílio. De maneira geral, foi isso o que aconteceu.
12
Contudo, ao buscarmos especificidades dentro desse “todo” é possível destacar, por exemplo,
Gonzalo de Berceo e suas vidas de santos como representantes desse ideal “reformador”
eclesiástico vindo de Roma.
13
Assim, passamos a analisar, inicialmente, a masculinidade religiosa na VSD a partir da
figura de Domingo de Silos e demonstraremos como sua construção é influenciada pelo modelo
de clérigo a que Gonzalo de Berceo teve contato. A seguir, no subitem “O abade emilianense da
Vida de Santo Domingo de Silos: Uma Crítica Berceana?”, estudaremos o que podemos
denominar como uma masculinidade religiosa marginalizada, que, na visão do clérigo poeta
9
GARCÍA Y GARCÍA, Antonio. Historia del Concilio IV Lateranense de 1215. Salamanca: Centro de Estudios
Orientales y Ecuménicos Juan XXIII, 2005.
10
Ibidem. p. 87-88.
11
Cf. FOREVILLE, op. cit., p. 173.
12
GARCÍA Y GARCÍA, op. cit.
13
Cf. DUTTON, Brian. A Chronology of the Works of Gonzalo de Berceo. In: DEYERMOND, Alan David.
Medieval Hispanic Studies Presented to Rita Hamilton. Londres: Tamesis, 1976. p. 67-76; WEBER DE
KURLAT, Frida. Notas Para la Cronología y Composición Literaria de las Vidas de Santos de Berceo. Nueva
Revista de Filología Hispánica, n° 15, p. 113-130, 1961.
103
riojano, não estava em concordância com aquela representada através do protagonista de sua
obra.
Similarmente à construção discursiva dada por Per Abbat aos personagens masculinos no
PMC, o clérigo poeta da VSD dota Domingo de Silos com adjetivações e substantivações que
possibilitam o personagem locomover-se entre as demais figuras da hagiografia com
proeminência, marcando suas características principais que, por vezes, se contrapõem aos seus
companheiros: bondoso, corajoso, honrado, fiel à palavra, etc. Contudo, a fórmula utilizada por
Berceo, assim como a de Per Abbat, não distancia Domingo de Silos daqueles que almejam imitá-
lo.
14
Ao contrário, o transformam, como produto histórico-literário, num modelo a ser seguido.
Sua masculinidade é pontuada pelas qualificações acima citadas e, segundo Berceo, no
inicio de sua narrativa, Domingo de Silos é um religioso que “salva la frontera” (VSD, 3d). Este
termo não deve ser apenas analisado à luz estilística do poeta. Esta, aparentemente, simples
informação, está conotada de um significado que, além de permear toda a hagiografia, também se
relaciona ao contexto social vivido por Gonzalo de Berceo, como assinalado anteriormente: a
chamada Reconquista.
O protagonista berceano é aquele, assim como El Cid, que por meio de suas virtudes
religiosas e santas, protege e salva, através da palavra e de seus milagres, os habitantes
fronteiriços da península, homens e mulheres que conviviam, diariamente, com as tensões entre
cristãos e mouros.
Seguindo sua narrativa descritiva, o clérigo poeta modela um histórico do seu personagem
demonstrando que desde sua infância a retidão foi uma de suas principais características (VSD,
5). Berceo ainda ressalta aos seus ouvintes e possíveis leitores que Domingo de Silos teve pais
cuidadosos “que siguién los ensiemplos de los padres antigos” (VSD, 6b), ou seja, o poeta passa a
mensagem acerca da necessidade de seguir os exemplos do “pais da Igreja”.
15
Dentre as muitas qualidades atribuídas ao personagem no decorrer de sua infância,
podemos destacar:
La cepa era buena, engendró buen Sarmiento,/ non fue caña liviana, la que
torna el viento,/ ca luego assí priso como de buen cimiento;/ de oír vanidades
no li prendié taliento.//
14
Aqui nos referimos ao público alvo de Gonzalo de Berceo e ao caráter propagandístico de seu texto.
15
Acreditamos que, possivelmente, Gonzalo de Berceo se refira à Agostinho e outros nomes proeminentes da história
cristã.
104
Sirvié a los parientes de toda volundade;/ mostrava contra ellos toda
humilidad;/ trayé, maguer niñuelo, tan grand simplicidad/ que se maravilhava
toda la vecinidad (VSD, 9-10).
16
Como é possível observar, o protagonista é dotado de diversas características que
sobressaltavam os olhos daqueles que o cercavam. Era um menino que, antes mesmo de escolher
o caminho religioso, seguia uma conduta exemplar aos olhos da sociedade em que vivia. Não era
dado à jogos e não se agradava daqueles que exerciam tais práticas, no entanto, segundo Berceo,
graças às suas virtudes era amado por adultos e crianças (VSD, 11). De sua boca não saiam
palavras rudes, sem sentido. Domingo de Silos “era moço complido de mañas convinientes” (VSD
13d).
De maneira geral, como ressaltado anteriormente, por ser Domingo de Silos o enfoque
principal do poema-hagiográfico berceano, são muitas as atribuições positivas dadas a ele.
Acreditamos que não se faz necessário listá-las em nossa redação, já que nosso objetivo é
demonstrar como as mesmas são partes essenciais na construção de sua masculinidade e como
estão em conformidade com o que era exigido dos clérigos pela Igreja Romana.
Em suma, Domingo de Silos era obediente, humilde, tinha sede para aprender coisas
edificantes e, segundo o autor, era guiado pelo “Rey de Majestad” (VSD, 14b), ou seja, pelo
próprio Deus. Essa justificativa, quase sobrenatural, do poeta, está em sintonia com o tipo de obra
que ele estava compondo, uma vida de santo.
17
Entendendo masculinidade como “uma identidade de gênero culturalmente determinada e
socialmente funcional”,
18
postulado que temos utilizado no decorrer da pesquisa, concluímos que
a construção efetivada por Berceo para seu protagonista esem harmonia com este conceito, na
medida que se encontra em Domingo de Silos uma identidade masculina/ religiosa, que, de certa
forma, é culturalmente específica.
16
Grifos nossos.
17
Cf. LACARRA DUCAY, María Jesús. La Maestría de Gonzalo de Berceo en la Vida de Santo Domingo de Silos.
Dicenda: Cuadernos de Filología Hispánica, n. 6, p. 165-176, 1987; GRANDE QUEJIGO, Francisco Javier.
Estructura Hagiográfica en la Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo. Disponível em:
<http://www.vallenajerilla.com/notabene/indice_grande.htm>. Último acesso: 17/07/2006; GIMENO
CASALDUERO, Joaquín. Berceo: La Norma Hagiográfica de la Vida de Santo Domingo de Silos. In: LOPEZ,
François et al. (Coord.). V Congreso Internacional de Hispanistas, Actas..., n. 2, p. 441-448, 1977; RUIZ
DOMÍNGUEZ, Juan Antonio. El Mundo Espiritual de Gonzalo de Berceo. Logroño: Gobierno de La Rioja/
Instituto de Estudios Riojanos, 1999; NIETO PÉREZ, María de los Reyes. Redimir al Cautivo: Fundamento de la
Estructura del Relato en la Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo. In: ACINAS LOPE, Blanca
(Ed.). Silos. Un Milenio: Congreso Internacional sobre la Abadía de Santo Domingo de Silos. Actas... v. 3, p. 525-
538, 2003.
18
TOLSON, Andrew. Os Limites da Masculinidade. Lisboa: Assírio e Alvim, 1983. p. 14.
105
Ainda que tenhamos partido da perspectiva de que o discurso berceano não pode
representar toda sociedade castelhana,
19
defendemos que a masculinidade ideal de Domingo de
Silos assume uma funcionalidade para a sociedade em que estava inserido o autor da VSD, de
maneira que sua elaboração serve como espelho para os clérigos contemporâneos a Gonzalo de
Berceo e, ainda, para os leigos em geral.
Ainda passando em revista o documento, é possível encontrarmos outras características
que marcam a masculinidade do religioso: a prática da oração, que, diferentemente do PMC, não
tem um caráter contemplativo, mas, sim, um caráter de ação. Ou seja, a oração era a arma de
Domingo de Silos, não contra seus problemas pessoais, porém, ainda, em favor do bem-estar
de sua comunidade e, principalmente, contra os cativos em terras mouras. Essa característica,
aliás, de um santo temido por mouros e salvador de cristãos presos em suas mãos, o assemelha ao
Cid de Per Abbat: outro cristão que despertava o temor dos inimigos” da cristandade ibérica e
defendia à lança e espada os cristãos indefesos, conforme imagem que acabou cristalizando-se na
historiografia.
20
Como anteriormente ressaltado, várias são as adjetivações positivas atribuídas ao
personagem Domingo de Silos e todas elas, além de compactuarem com as idéias romanas de
bom clérigo, fiel, manso, dado à palavra, humilde, etc ainda possibilitam-nos inferir que o
protagonista figura no quadro de uma masculinidade religiosa dita “ideal”, que é isento de
defeitos na visão de Berceo.
Enfim, podemos citar, ainda, entre as qualidades atribuídas ao santo, a castidade (VSD,
224), o desejo de servir a Deus (VSD, 253), a compaixão (VSD, 363) e a disposição para ajudar
qualquer necessitado (VSD, 13). Sendo assim, o documento em questão, não economiza
adjetivações sobre sua figura.
Entretanto, poderíamos esperar que essas qualificações, quase heróicas,
21
acerca do
personagem poderiam transformá-lo num ser inimitável, com uma masculinidade inatingível por
aqueles que entrariam em contato com sua história e, para nós, não foi esse, entre tantos outros, o
objetivo de Gonzalo de Berceo ao escrever seu poema-hagiográfico. Sendo assim, na VSD um
19
Isso se comprova através da exposição apresentada no capítulo que discutimos a construção das masculinidades no
PMC.
20
Cf. MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. La España del Cid. 4 ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1947. 2 v.
21
Sobre a relação entre santos e heróis, ver, por exemplo: SOUZA, Néri de Almeida. Hipóteses Sobre a Natureza da
Santidade: O Santo, o Herói e a Morte. Signum: Revista da ABREM (Associação Brasileira de Estudos
Medievais), v. 4, p. 11-47, 2002.
106
personagem que exerce um contraponto significativo. Um antagonista que favorece os dotes
virtuosos de Domingo de Silos e, por ser um leigo, é utilizado como exemplo expressivo dentro
da trama construída pelo clérigo poeta, de como não deveria se portar um nobre: García de
Nájera.
No item a seguir analisaremos o personagem acima citado, de que maneira sua
masculinidade é construída e a forma como ela se relaciona com a de Domingo de Silos.
4.1.1 As masculinidades leigas: Fernando I, García de Nájera e o embate com Domingo de
Silos
Antes de iniciarmos nossa análise sobre este personagem, cabe expormos alguns dados
históricos sobre ele.
García IV de Nájera (1035-1054) era o filho primogênito do rei de Navarra, Sancho, o
Grande (1000-1035) e irmão dos reis de Castela e Aragão, respectivamente, Fernando I, o Grande
(1035-1065) e Ramiro I (1035-1069).
Com a morte do pai e os territórios já divididos entre os filhos, coube a ele a coroa de
Navarra. Travou combates contra seu irmão Ramiro que tentou desapossá-lo, saiu vencedor e
reconquistou Calahorra. Por causas pouco definidas pela historiografia hispânica, lutou contra seu
outro irmão, Fernando, sendo derrotado e morto na batalha de Atapuerca, assim o território de
Nájera passou a integrar as possessões de Castela.
Pelo que consta na história, García de Nájera foi piedoso e generoso com a igreja ibérica,
especialmente com o mosteiro de San Millán, o que vai de encontro, como veremos, à sua
caracterização por Gonzalo de Berceo na VSD.
22
Para nós, a descrição dada a este personagem relaciona-se ao contexto vivido pela igreja
ibérica no século XIII que, como ressaltado anteriormente, devido ao processo de “Reconquista”,
levava muitos monarcas a buscarem no clero sustentabilidade financeira. Esta caracterização
negativa, para nós, corresponde como uma crítica berceana às relações tensas entre igreja e
monarquia. Demonstraremos agora a forma como o personagem García de Nájera é apresentado
por Gonzalo de Berceo na trama.
22
Cf. RUCQUOI, op. cit.; REILLY, Bernard. Cristãos e Muçulmanos: A Luta pela Península Ibérica. Lisboa:
Teorema, 1992.
107
O autor inicia o núcleo narrativo que insere o personagem no poema-hagiográfico
ressaltando o pesar em seu coração,
23
devido a contenda do monarca com Domingo de Silos, que
provocará seu auto-exílio em terras sob o domínio de Fernando I, irmão de García de Nájera, o
enredo prossegue, com detalhes acerca do rei de Navarra:
El reÿ don García, de Nágera señor,/ fijo del rey don Sancho, el que dicen
Mayor,/ un firme cavallero, noble campeador,/ mas pora Samillán podrié
seer mejor.//
Era de bonas mañas, avié cuerpo fermoso,/ sobra bien raçonado, en lides
venturoso, fiço a mucha mora bibda de su esposo,/ mas avié una tacha: que era
cobdicioso (VSD, 127-128).
24
Nas estrofes citadas, Berceo destaca várias qualidades físicas do rei, principalmente como
líder e cavaleiro, no entanto, faz dois significativos alertas a respeito do monarca. Primeiro, ele
não era bom para com o mosteiro de San Millán e, segundo, tinha um defeito moral grave: era
cobiçoso.
No trecho seguinte (VSD, 129), o clérigo poeta relata em seus versos a conquista de
Calahorra
25
e o fato de García de Nájera ter tomado a igreja deste território para Virgem Maria,
segundo Berceo, tendo servido a Deus nesse dia (VSD, 129).
Devemos assinalar que tal personagem leigo tem qualificações positivas (firme cavaleiro,
nobre campeador,
26
bonito, etc.) que o diretamente relacionadas à construção da
masculinidade, porém, um fator exerce primordial influência para que García de Nájera seja
excluído do rol dos homens ideais de Castela, na visão do autor por nós analisado era dado à
cobiça, fato que está diretamente ligado às suas pretensões em se apropriar dos bens do
monastério.
Sua discussão com Domingo de Silos nos oferece, ainda, algumas outras informações, não
a respeito das masculinidades em Castela no século XIII, como, também, sobre as relações,
por vezes, conflituosas entre a monarquia e a igreja.
23
Nesse ponto ressaltamos a semelhança entre a forma de narrativa de Gonzalo de Berceo e Per Abbat: os dois se
inserem em seus textos.
24
Grifos nossos.
25
Que como vimos no inicio deste subitem foi perdida para seu irmão na batalha de Atapuerca.
26
O termo campeador, forma romance para os termos latinos campi doctor ou campi doctus, teria sua tradução literal,
segundo o historiador inglês Richard Fletcher, como: “professor de campo (militar) e, nos exércitos romanos de
épocas mais tardias, parece ter designado apenas isso: o instrutor de exercícios do regimento”. Ainda segundo o
autor: “É curioso ver esse termo reaparecer na Espanha do século XI” e no caso do Poema de Mio Cid e da Vida de
Santo Domingo de Silos, no século XIII. Cf. FLETCHER, Richard. Em Busca de El Cid. São Paulo: Unesp, 2002.
p. 158.
108
Segundo a hagiografia, o motivo que levou o rei de Navarra ao monastério de San Millán,
onde o protagonista era prior, foi sua necessidade em tomar parte dos tesouros do mosteiro:
“Quiero de los tesoros que me dedes pitança” (VSD, 133d). Segundo o discurso de García de
Nájera as doações haviam sido feitas pelos seus avós (VSD, 134a) e por esse motivo, na
concepção do monarca, ele possuía direitos sobre os bens (VSD, 134c).
A atitude do rei de Navarra no texto não estava, historicamente, fora do contexto da
Península Ibérica. Como ressaltado anteriormente, diversas vezes, graças ao processo de
“Reconquista cristã”, as coroas apoiavam-se financeiramente nos mosteiros localizados em suas
possessões.
27
Conforme afirma García y García, “en cada reino, la corona presiona a los obispos y
abades para obtener los fondos necesarios, recurriendo también a Roma con idéntico
propósito”.
28
Possivelmente, e quanto a isso não dispomos de documentações diretas, Gonzalo de
Berceo, entendendo que tal fardo era deveras pesado para a igreja em seu tempo, efetuou um
certo tipo de “crítica” a essas atitudes por parte da coroa, no seu caso, de Castela.
29
Dando continuidade à analise, podemos observar que mais uma vez a postura de Domingo
de Silos como religioso a ser seguido sobressai. Ao alargarmos nosso campo de estudo e
incluirmos em nosso exame comparativo acerca das masculinidades presentes na VSD os demais
monges presentes nesse núcleo narrativo do poema-hagiográfico, será possível observar que suas
atitudes destoam das do protagonista.
30
A característica destacada de uma masculinidade ideal para o autor do documento e, para
nós, para a sociedade castelhana do século XIII, foi a coragem. Diferentemente dos companheiros
de comunidade, Domingo de Silos o se retraiu frente a figura do monarca e com ele debateu,
sem, no entanto, desrespeitar sua autoridade, mas entendendo que o poder de Deus, no caso
representado pela igreja, era maior que o do rei:
27
Cf. RUCQUOI, op. cit.; VALDEÓN, Julio; ZABALO JAVIER, Salrach, José Mª. Javier. Feudalismo y
Consolidación de los Pueblos Hispánicos (Siglos XI-XV). 3 ed. Historia de España, 4. Dirigida por Manuel Tuñón
de Lara. Barcelona: Labor, 1989.
28
GARCÍA Y GARCÍA, op. cit., p. 87.
29
Ver: FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Hagiografia e Poder nas Sociedades Ibéricas Medievais.
Revista de Ciências Humanas. Curitiba, v. 10, p.135 - 172, 2001; _____. Hagiografia, História e Poder: As Vidas
de Santos de Gonzalo de Berceo. (No prelo).
30
Analisaremos tais posturas mais profundamente no item 4.1.2 O abade emilianense da Vida de Santo Domingo
de Silos: Uma Crítica Berceana?
109
Tus avuelos ficieron este santo ostal;/ eres padrón dende e neñor natural,/ si
esto te negássemos fariemos muy grand mal./ Pecariemos en ello pecado
criminal.//
Los que lo levantaron, a la orden lo dieron,/ metieron heredades, tesoros
ofrecieron,/ non tornaron por ello desque lo y metieron.//
Lo que una vegada a Dios es ofrecido,/ nunqua en otros usos deve seer metido,/
qui ende lo camiasse serié loco tollido,/ en día del judicio seriéle retraído (VSD,
137-38 e 39).
Como dito, Domingo de Silos reconheceu a autoridade de García de Nájera, seu direito
como “senhor natural”, etc, porém, alertou o monarca que uma vez que seus antepassados doaram
as riquezas ao mosteiro, dedicaram as ofertas a Deus e utilização dos bens dedicados a Ele para
outro fim seria um sacrilégio. O religioso o aconselhou: Reÿ guarda tu alma, non fagas tal
pecado,/ ca serié sacrilegio, um crimen muy vedado” (VSD, 140cd).
O diálogo continuou e Domingo de Silos mais uma vez o exortou: “Señor, bien te consejo,
que nada non end prendas,/ vive de tus tributos, de tus derechas rendas,/ por aver que non drura la
tu alma non vendas,/ gárdate ne ad lapidem pedem tuum ofendas” (VSD, 141).
García de Nájera passou então a ameaçar e ofender o religioso (VSD, 142-143).
Entretanto, Berceo destaca que Domingo de Silos manteve-se firme, pois sabia que o rei estava
pecando (VSD, 144a e 147c).
O protagonista continuou o debate aconselhando o monarca para que mudasse de idéia
quanto a tomada dos tesouros e as intimidações contra o religioso, contudo, García de Nájera foi
relutante e prosseguiu com suas ameaças, inclusive, a de prender Domingo de Silos (VSD, 148-
150).
Mas uma vez, a narrativa berceana destaca adjetivações positivas em seu texto que
contribuem para a construção de um protótipo ideal de religioso a ser seguindo e, ao mesmo
tempo, destaca a qualificações negativas do personagem leigo García de Nájera.
Chegando ao seu final, o discurso admoestador elaborado pelo clérigo poeta riojano como
voz de Domingo de Silos, se encerra de uma forma singular:
Puedes matar el cuerpo, la carne maltraer;/ mas non as en la alma, reÿ, ningún
poder./ Dizlo el evangelio, que es bien de creer/ el que las almas judga, esse es
de temer.//
Rey, bien te consejo, como atal señor,/ non quieras toller nada al santo
confessor./ De lo que ofrecist non seas robador,/ si non veer non puedes la faz
del Crïador.//
Pero si tú quisieres los tesoros llevar,/ nos non te los daremos, vételos tú tomar,/
si non los amparare el padrón del logar,/ nos non podremos, rey, contigo barajar
(VSD, 153-54 e 55).
110
O embate é concluído com o rei de Navarra se retirando do mosteiro irado e sem levar as
riquezas que julgava suas. a atitude do religioso, segundo Gonzalo de Berceo, foi rezar a São
Emiliano pedindo proteção contra “este león bravo” (VSD, 160c). Contudo, conforme o poema-
hagiográfico, movido pelo diabo, García de Nájera buscou vingança e para isso recorreu ao
abade do mosteiro, que, segundo o poema, sentia inveja de Domingo de Silos (VSD, 164-167).
Tal discussão gerou a saída do protagonista de San Millán, buscando exílio em possessões
do monarca castelhano Fernando I, a quem passamos agora a analisar.
Cabe ressaltar que, diferentemente de seu irmão García de Nájera, a Fernando I não é
dedicado o mesmo espaço que ao primeiro. Por este motivo, nossa análise se limitará a expor sua
descrição e contrapô-la àquela dada por Berceo ao soberano de Nájera.
O monarca castelhano é citado, pela primeira vez no poema-hagiográfico na estrofe 130
(versos ab), como quem mandava em Leão, Burgos, Castela, Castro e Carrión. É identificado por
Berceo como irmão de García, o que é atestado por diversos outros documentos.
Após um certo hiato, Fernando I ressurge no verso c da estrofe 182, já mais
especificamente retratado por Berceo como um “bom rei”.
Devido ao já descrito conflito entre Domingo de Silos e García de Nájera, o primeiro
retirou-se das terras do rei de Navarra e buscou abrigo na Corte castelhana, tendo sido recebido
pelo próprio monarca: “Prior dixo el rey bien seades venido,/ de volundad me place que vos
he coñocido,/ con vuestra coñociencia tégome por guarido” (VSD, 183a-c). Segundo Gonzalo de
Berceo, o religioso foi bem acolhido por todos na Corte.
O clérigo poeta passa, então, a narrar a história do mosteiro de Silos, que após anos de
proficuidade, encontrava-se em decadência. Nesse pequeno interstício narrativo em que conta
uma pequena história sobre o referido monastério e como seus monges pediam a Deus um abade,
Gonzalo de Berceo volta aos diálogos entre Domingo de Silos e Fernando I.
A hagiografia relata que as orações dos monges foram atendidas e que o monarca
castelhano decidiu entregar a abadia de Silos nas mãos de Domingo.
Voltando nosso olhar às adjetivações dadas por Berceo a Fernando I, podemos enumerar
as seguintes: “princep de bona vida” (VSD, 199c); “buen tiento” (VSD, 200a); de Dios amado
(VSD, 213a); “¡Bendicho sea rey que tales bondades!” (VSD, 214d), etc.
111
Entretanto, uma das características que mais nos saltam os olhos a respeito de Fernando I
e que o difere extremamente de seu irmão García de Nájera, é sua humildade. Esta característica
pode ser inferida no poema através de seu discurso, quando se auto-reconhece pecador e discursar
para os nobres de sua Corte a respeito do mosteiro de Silos: “Todo esto abiene por los nuestros
pecados,/ que somos pecadores e no nos emendamos,/ solamientre en ella cabeça non tornamos,/
sepades que en esto duramientre erramos” (VSD, 203).
Ou seja, diferentemente de García de Nájera, o monarca castelhano reconhece ser uma
pessoa cheia de erros, principalmente por ter deixado tanto tempo o mosteiro abandonado sem
um abade. Ele reconhece ainda a função importante do monastério para a propagação da e,
ainda, demonstra-se, através da narrativa de Berceo, respeitador às normas da igreja ao sugerir
em vez de ordenar por conta própria Domingo como abade (VSD, 209-211).
31
Sendo assim, em comparação com seu irmão García de Nájera, Fernando I apresenta
todos os atributos de uma masculinidade a ser seguida, cunhada pelo clérigo poeta riojano através
de adjetivações positivas e demonstrando, de certa forma, um posicionamento diferente do
monarca castelhano frente ao poder da igreja, enquanto o mesmo não aconteceu nas relações
entre a instituição e seu irmão.
Podemos concluir que ao analisarmos comparativamente os três personagens, é possível
perceber dois tipos diferentes de masculinidade, a despeito da classificação dos indivíduos como
religioso e leigos.
Primeiro, temos no religioso diversas qualificações positivas em suas ões e, ainda, em
sua descrição. Como, por exemplo, elementos como coragem, honra, solicitude, oração,
abnegação, etc.
Ao mesmo tempo, podemos afirmar que Fernando I, diferentemente de seu irmão García
de Nájera, é representado como bondoso, humilde, respeitoso e leal à igreja, enquanto o rei de
Navarra não é visto assim por Berceo. Temos, assim, dois tipos de masculinidades inseridas na
categoria leigos: a que se aproxima da ideal, que deveria, dessa maneira, ser seguida pelos
homens e a desviante, marginalizada na sociedade e vista com maus olhos por Berceo.
31
Neste ponto, observa-se a diferença entre a narrativa de Berceo e Per Abbat,que no poema escrito pelo segundo,
El Cid, sem ater-se ao poder da igreja, nomeia Don Jheronimo como bispo de Valência. de se assinalar, que
quando o PMC foi escrito, o IV Concílio de Latrão ainda não havia sido realizado, desta maneira, podemos inferir
que a prerrogativa de nomear bispos ainda era feita também por leigos.
112
O critério berceano para definir tal divisão se alicerça nas intervenções em questões
eclesiásticas. Fernando I interfere de forma positiva, enquanto García de Nájera, de maneira
negativa. Isso diferencia os dois e conseqüentemente suas masculinidades.
Em segundo lugar, ao observamos mais profundamente as adjetivações e caracterização
do monarca navarrense, foi possível concluir que sua masculinidade acabava destoando do
esperando de um nobre, apesar dele possuir, também, descrições positivas, como, por exemplo:
bom cavaleiro, campeador, bonito, etc. Como demonstramos, estes elementos não foram
suficientes para que sua masculinidade se aproximasse do grau almejado pelo autor do poema-
hagiográfico. Nesse caso, diferentemente do seu irmão, ele estava distante da masculinidade
representada por Domingo de Silos.
Desta maneira, uma vez que sua masculinidade encontrava-se à margem do esperado, pois
mesmo com toda sua autoridade e acompanhado por um séquito militar, ele não atingiu seu
objetivo, o rei de Navarra recorre à vingança contra Domingo de Silos.
Como veremos a seguir, para isso, recorreu à ajuda do abade do próprio mosteiro que ele
tentou usurpar as riquezas. Por sua vez, a narrativa berceana, através da descrição desse religioso
conivente com o objetivo vingativo de García de Nájera, demonstrará uma masculinidade
religiosa à margem da ideal.
Por fim, de se assinalar mais uma consideração. Para nós, esse núcleo narrativo do
texto transmite uma crítica defendendo o posicionamento correto que deveria tomar o poder
temporal, representado pelo personagem leigo García de Nájera: viver de seus tributos e rendas
direitas, que para Berceo não eram os tesouros doados pelos avós do monarca (VSD, 141a). E,
ainda, procura admoestar acerca do limite deste mesmo poder: os reis poderiam prender,
maltratar o corpo, a carne, etc, mas a alma pertencia a Deus (VSD, 153).
No subitem a seguir, analisaremos a representação negativa dada por Gonzalo de Berceo
ao abade emilianense, que, também, por vingança, ajuda o rei García de Nájera a acusar
Domingo de Silos, o que o obriga, como já assinalado, a auto-exilar-se em Castela sob os
cuidados de Fernando I, o “bom” rei do poema-hagiográfico. Trabalharemos com a hipótese de
que a descrição desse personagem, de forma pejorativa, é mais uma crítica berceana à conduta
irregular de alguns religiosos de seu tempo, ou seja, que não seguiam corretamente as normas
estabelecidas pelo Lateranense IV.
113
Por sua vez, demonstraremos de quem sua masculinidade é o oposto daquela construída
pelo clérigo poeta para o protagonista da VSD.
4.1.2 – O abade emilianense da Vida de Santo Domingo de Silos: Uma crítica berceana?
Outro personagem que recorremos para analisar as masculinidades presentes na VSD foi o
abade do mosteiro de San Millán, monastério no qual o protagonista foi prior até o conflito com o
rei de Navarra García de Nájera, que resultou no seu auto-exílio.
Não possuímos, tampouco nos foi possível levantarmos informações históricas que vão
além de sua caracterização por Gonzalo de Berceo na hagiografia. Entretanto, acreditamos que
sua descrição pejorativa se trate de mais um exemplo do intuito berceano de marcar a
virtuosidade de seu biografado e, assim, defendemos, efetuar um certo tipo de “crítica” aos
religiosos que não se enquadravam aos padrões morais do IV Concílio de Latrão.
Por sua vez, como assinalado, devemos destacar que a grande maioria dos personagens
da VSD, quando não o antagonistas de Domingo de Silos, são “instrumentos” para valorizarem
sua santidade, sendo assim, é praticamente impossível não desenvolvermos a análise dos demais
personagens sem associá-los ao protagonista da obra.
São dois os momentos que fixaremos nosso olhar analítico acerca da masculinidade do
personagem que batizamos de abade emilianense, Don Gomez:
32
a chegada do rei García de
Nájera em San Millán e sua ajuda na vingança do monarca contra Domingo de Silos.
A hagiografia relata que ao chegar no mosteiro, o monarca navarrense foi falar com o
abade e os demais monges a respeito dos tesouros do monastério: “Abad – dixo – el Rey – quiero
que me oyades,/ vos e vuestro conviento, los que aquí morades” (VSD, 132ab).
A atitude de García de Nájera foi a de se direcionar primeiramente a autoridade do
convento. Ou seja, o abade emilianense era o responsável geral pelos demais monges, o que lhe
atribuía um prestígio maior que os demais. Entretanto, há muito que Domingo de Silos crescia em
fama e frente ao seu abade (VSD, 115-116), o que, segundo o poema, suscitou sentimentos de
inveja de sua parte.
32
Apesar de o ser nomeado por Gonzalo de Berceo na Vida de Santo Domingo de Silos, este personagem aparece
em outra obra do clérigo poeta, dessa vez, nomeado como Don Gomez. Cf. GONZALO DE BERCEO. Poema de
Santa Oria. In: _____. Obra Completa. Coordinado por Isabel Uría Maqua. Madrid: Espasa-Calpe, 1992. p. 491-
551. Estrofe 62. Ver também: DUTTON, Brian. Berceo's Bad Bishop in the Vida de Santa Oria. In: _____;
WOODROW HASSELL, J.; ESTEN KELLER, John. (Eds.). Medieval Studies in Honor of Robert White Linker.
Valencia: Castalia, 1973. p. 95-102.
114
Segundo a narrativa de Berceo, o abade e, ainda, os demais monges, deixaram a desejar
por não terem defendido os interesses do mosteiro de San Millán frente a investida de García de
Nájera: “El abad e sus fraires fueron mal espentados,/ nol recudié ninguno ¡tant eran desarrados!/
El prior entendiólo que eran embargados,/ recudióle e díxol unos dichos pesados” (VSD, 135).
Ou seja, Domingo de Silos foi o único que enfrentou o rei e buscou convencê-lo a
abandonar a idéia de levar embora os tesouros do mosteiro. Porém, como veremos, o santo estava
sozinho em tal missão, pois o possuía o apoio do seu abade que a essa altura invejava suas
atitudes anteriores pela melhoria no convento (VSD, 119125). Isso é salientado por Berceo na
passagem em que afirma: “Como él lo asmava todo assí abino,/ semejó en la cosa certero
adevino:/ que avie a comer pan de otro molino,/ e non serié a luengas en San Millán vecino”
(VSD, 162).
Como ressaltamos no item que discutimos a masculinidade do rei García de Nájera, de
alguma forma a ofensa de ter sido enfrentado por um monge deveria ser revidada. Segundo
Berceo, movido pelo Diabo: Él dïablo en esto de balle no s’estido,/ ovo un mal consejo aína
bastecido: demonstróle al rey un sendenro podrido/ por vengar el despecho que avié concebido”
(VSD, 164).
García de Nájera retornou ao mosteiro e procurou novamente o abade emilianense. Sua
perseguição a Domingo de Silos tinha total conivência do abade, que, como demonstra a
hagiografia, através do diálogo entre ele e o monarca, dava total apoio ao sentimento de vingança
cultivado pelo rei de Navarra:
Fabló con el abat el reÿ don García:/ Abad diz so mal trecho en vuestra
abadía,/ por juego nin por vero nunqua lo cuidaría/ que yo en esta casa repoyado
seyría.//
Afirmes vos lo digo, quiero que lo sepades,/ si del prior parlero derecho no me
dades,/ llevaré los tesoros aún las heredades,/ que cuantos aquí sodes por las
puertas vayades (VSD, 165-166).
Então, diferentemente de Domingo de Silos, frente a mesma ameaça do monarca a
respeito dos tesouros, o abade, segundo Berceo, não foi firme e acatou seu pedido: “El abad non
fue firme, fue aína cambiado,/ era, como creemos, de embidia tocado,/ otorgóle al rey qye lo farie
de grado,/ nin ficarié en casa, ni en el prïorado. Diz el reÿ: ‘Con esto seré vuestro pagado’” (VSD,
167).
Ao que parece, para Gonzalo de Berceo, o abade emilianense deveria ter mantido a
mesma posição do santo quando ameaçado pelo monarca. Para o clérigo poeta, o abade estava
115
movido de inveja e aproveitando-se da vingança de García de Nájera efetuou sua própria lhe
retirando o priorado e, inicialmente, castigando Domingo de Silos enviando-lhe para um mosteiro
pobre (VSD, 168-171).
O rei, com o auxílio do abade, acusa Domingo de Silos de roubo: “Monge dixo el rey
non sodes de creer,/ sabemos que tenedes alçado grand aver./ Cuando la abadia teniedes en
poder,/ bien me lo dicen todos qué soliedes facer” (VSD, 176).
Percebendo que não poderia se defender das acusações do monarca, por conta da ausência
de apóio de sua comunidade, Domingo de Silos se retira do território de Navarra e, como
assinalado, busca o exílio em Castela.
Nossa análise comparativa a respeito da masculinidade do abade emilianense face a de
Domingo nos possibilita inferir que Gonzalo de Berceo efetivou uma crítica aos “maus
religiosos” de seu tempo, através de sua descrição desse religioso e dos monges em geral. Tal
afirmação não se fundamenta pelo fato do abade ser o oposto de Domingo de Silos, mas,
principalmente, pelo discurso berceano a respeito do seu posicionamento congruente às atitudes
de García de Nájera e sua ausência de preocupação em defender os interesses dos mosteiros na
figura de seus tesouros.
Aos listarmos as características negativas no discurso de Berceo na representação deste
personagem encontramos ausência de coragem, inveja, falsidade, pouca fé, etc. Ou seja, o abade
emilianense é o inverso do protagonista da VSD.
Desta maneira, é possível perceber, então, que assim como no caso dos leigos Fernando I
e García de Nájera, a comparação entre as masculinidades religiosas sugerem, também, dois
tipos de masculinidades: um, dito, ideal, e outro aquém do esperado pela sociedade.
Temos, desta forma, como no PMC, similitudes e diferenças entre as masculinidades
leigas e religiosas na VSD. Ou seja, a masculinidade dita ideal, aquela que mantém um padrão
positivo nas adjetivações e nas ações e que possibilita defendermos que a obra em questão tem
caráter modelador, é representada da mesma maneira tanto no caso do personagem leigo
Fernando I – como no caso religioso – Domingo de Silos.
O mesmo podemos afirmar a respeito do segundo tipo de masculinidade, aquele que não
deve ser seguido pelos possíveis ouvintes e leitores da obra em questão.
Devido ao contexto em que se insere a VSD optamos por, também, analisar a maneira
como os mouros e os cavaleiros são representados no documento em questão e se de alguma
116
forma uma representatividade de sua masculinidade ou masculinidades na referida
hagiografia.
4.1.3 Os “outros” e os cavaleiros: A representação das masculinidades moura e cavaleiresca na
Vida de Santo Domingo de Silos
Para iniciarmos nossa exposição a respeito da presença moura na VSD e a forma como sua
masculinidade é representada, optamos por partir da construção de Domingo de Silos como o
santo que salva a fronteira”, definição essa dada por Gonzalo de Berceo logo no inicio do poema-
hagiográfico e que marca, ainda, a primeira descrição positiva do personagem.
Nossa justificativa apóia-se no fato de que para Domingo de Silos ter sido representado
dessa maneira era necessária a contraposição do “outro”.
33
Sendo assim, partiremos da premissa que a presença moura no documento marca duas
questões substanciais: a valorização da identidade cristã ibérica e a construção da representação
de um personagem cuja masculinidade marca a “inferioridade” moura ante seus milagres e feitos
protetores.
Como dito, o verso d da terceira estrofe da VSD é bem claro ao definir Domingo de Silos
como aquele que salva la frontera” (VSD, 3d). A partir de então, como exposto neste capítulo,
são descritas sucessões de qualificações, virtuosismos e, praticamente, do segundo livro até o
terceiro, diversos milagres realizados pelo religioso em vida e post mortem.
34
33
Aqui cabem algumas considerações acerca da nossa perspectiva sobre o que denominamos como outros”.
Defendemos que as relações entre mouros (os “outros” para os cristãos ibéricos) e os cristãos (conseqüentemente os
“outros” para os muçulmanos) nos textos medievais, ao menos os castelhanos, é marcado por um forte teor de
construção de uma identidade cristã (e em outros casos muçulmana), graças ao fato da Península Ibérica ser um
território marcado pela presença de três culturas, de certa forma, distintas: a moura, a judia e a cristã. É evidente que
na maioria dos casos essa relação nem sempre foi amistosa. Mesmo não trabalhando teoricamente com termos como
“identidade”, “alteridade”, e nem ser esta nossa intenção, entendemos que no documento analisado a presença moura
e a caracterização de Domingo de Silos como o santo que salvava os cristãos cativos em terras muçulmanas, denota,
justamente, tal característica pela busca de um certo tipo de “homogeneidade cristã ibérica” através do sentimento,
ora de Reconquista, ora de adoração a um santo relacionando a esse “movimento”. Sobre essa questão teórica e suas
múltiplas facetas em diversos tempos, ver, por exemplo: Cf. WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: Uma
Introdução Teórica e Conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e Diferença: A Perspectiva dos
Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. pp., 7-72; HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade.
Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006; BAUMAN, Zygmunt. Identidade Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de
Janeiro: Zahar, 2005; OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Caminhos da Identidade: Ensaios sobre Etnicidade e
Multiculturalismo. São Paulo: Unesp, 2006.
34
Ressaltamos que são diversos milagres os narrados por Gonzalo de Berceo, curas de enfermidades e libertação de
cativos são alguns exemplos. Fixamo-nos apenas no último grupo. Sobre a construção de Domingo de Silos como um
santo libertador de cativos, ver: GARCÍA DE LA BORBOLLA, Ángeles. Santo Domingo de Silos en el Siglo XIII:
un Santo, una Abadía, un Rey. In: Silos: Un Milenio. Congreso Internacional Sobre la Abadía de Santo Domingo de
Silos, 2001. Actas... España: Universidad de Burgos, 2003. V. 1. p. 449-464.
117
É de se esperar que num texto escrito por um cristão, mais especificamente, um clérigo
medieval cujas raízes encontram-se no ideal cruzadístico, a caracterização moura marcada por
inúmeros termos depreciativos como, por exemplo: pagãos, coisas más, gente renegada, etc
(VSD, 76c e 353c).
Gonzalo de Berceo destaca em sua narrativa que os muçulmanos estavam constantemente
presentes nas preces de Domingo de Silos:
Orava el bon omne de toda voluntad,/ a Dios que defendiesse toda la
cristiandad,/ diesse entre los pueblos: pan e paz e verdad,/ temporales temprados,
amor e caridad.//
Orava a enfermos que diesse sanidad;/ a los encaptivados que diesse enguedad;/
e a la yent pagana tolliesse podestad/ de fer a los cristianos premia e celdad.//
Orava muy afirmes al su Señor divino,/ a los ereges falsos que semnan mal
venino,/ que los refiriesse, cerrásseles el camino,/ que la fe non botasse la fez del
su mal vino (VSD, 75-76).
Em tais orações são eminentes duas características: a da cura e proteção e a do castigo
contra os pagãos e pecadores.
É possível observar, então, que ele coloca num mesmo patamar de marginalidade os
mouros e os considerados hereges. Tal fato corrobora, assim, com a idéia, já apresentada no
capítulo anterior, de que os muçulmanos serviam como exemplo prático e negativo para a
sociedade castelhana no século XIII.
A partir da estrofe 351 da hagiografia, o clérigo poeta passa a descrever o milagre que,
segundo ele, explica a gênese de como Domingo de Silos “ganó l agracia que saca los cativos”
(VSD, 352c). O autor ainda assinala que são muitos os relatos conhecidos – uns escutados, outros
lidos por ele –, porém, somente alguns serão narrados (VSD, 351).
Berceo conta que no tempo do protagonista os muçulmanos viviam muito próximos e os
cristãos tinham muito medo de andar pelas estradas, pois havia o risco de serem capturados e
levados presos para as terras mouras (VSD, 353). Segundo a narrativa, um jovem de nome
Domingo, que cavalgava pela região de Soto de San Esteban de Gormaz,
35
foi capturado pelos
muçulmanos, chamados pelo autor de gent renegada” (VSD, 354b) e levado cativo. A descrição
do autor para o tratamento dado ao cristão capturado é bem detalhada: “Metiéronlo en fierros e en
dura cadena,/ de lazrar e de famne dávanle fiera pena,/ dánvale yantar mala e non buena cena,/
combrié si gelo diessen de grado pan d’avena” (VSD, 355).
35
Província de Soria.
118
Como pôde ser lido, Gonzalo de Berceo os descreveu como homens maus, sem valores
morais e que tratavam de maneira reprovável o prisioneiro cristão.
A narrativa continua e os parentes do jovem cativo encontravam-se muito tristes,
principalmente por conta do preço estabelecido pelos mouros para o resgate do rapaz – segundo o
autor, setecentos soldos. Como a quantia era alta e não havia forma de consegui-la, os fiéis
recorreram ao abade silense, pois conheciam sua fama como “milagreiro” e religioso sábio,
esperando dele, assim, algum tipo de conselho ou solução:
36
Cuales que foron dellos o primos o ermanos,/ fueron al padre santo por besar las
sus manos,/ dixieron: ‘¡Aÿ!, padre de enfermos e sanos,/ udi nuetra rencura,
algún consejo danos.//
Es un nuestro pariente de moros cativado,/ enna presón yaciendo es fieramiente
lazrado,/ avemos con los moros el precio destajado,/ mas non cumple lo nuestro
nin lo que nos an dado.//
Señor, alguna ayuda te viniemos pedir,/ ya por nuestra ventura non sabemos
ir,/ sabes en qué caye cativos redimir, Dios cómo lo gradece al que lo pued
complir’ (VSD, 360-362).
37
Domingo de Silos se mostrou solicito, mas ressaltou que o possuía bens no mosteiro
(nem ouro, nem prata), assinalou, também, a importância em salvar os cativos e como ficaria feliz
com isso, entretanto, o único bem que o convento possuía era um cavalo, que ele acabou doando
para que os parentes vendessem e obtivessem a quantia para o resgate.
Contudo, o religioso o se limitou a apenas ceder o animal para a venda, ele entrou na
igreja e passou a rogar a Deus pelo cativo. E por esse motivo o milagre se perpetuou:
La noche escorrida, luego a los alvores,/ canto la santa Missa elli con los
señores,/ tovieron por el preso oración e clamores,/ que Dios lo delibrasse de
tales guardadores.//
La oración del padre de la grand santidad,/ llevóla a los cielos la santa caridad,/
plegó a las orejas del Rey de Majestad,/ escapó el captivo de la captividad.//
Abriéndose los fierros en que yazié travado;/ el corral nol retovó, que era bien
cerrado;/ tornó a sus parientes de los fierros cargado,/ faciése el[li] mismo dello
maravillado//
Lo que les prometiera el padre verdadero/ tardar non gelo quiso poral día
tercero,/ desembargó al moro que era carcelero,/ de guisa que non ovo delli un
mal dinero (VSD, 367-370).
36
Porém, até aquele momento, somente como alguém que curava doenças, endemoniados, etc.
37
Grifo nosso. Nessa parte, os parentes do rapaz aprisionado ressaltam a importância de redimir os cativos.
119
Como pudemos observar, neste primeiro milagre os mouros são descritos como perversos,
como aqueles que privam a liberdade dos cristãos, etc. Porém, sua presença é fundamental na
construção de uma representação do “santo que remia os cristãos aprisionados por mouros”.
O segundo milagre que analisaremos neste subitem também têm relação com a libertação
de cativos aprisionados, entretanto, ele acontece após a morte de Domingo de Silos, em tempos
do rei castelhano Afonso VI e está, como veremos, estritamente ligado ao contexto de
“Reconquista”.
A hagiografia conta que um cavaleiro muito corajoso, porém pecador, da região de
Llantada,
38
cujo nome era Peidro, partiu com seu senhor para guerrear contra os mouros em
Alarcos, contudo, segundo Berceo, não foram guiados corretamente na batalha, pois seus intuitos
eram gananciosos e queriam fazer presos para futuros resgates (VSD, 701-702). Ao que parece, o
clérigo poeta efetua uma crítica acerca da atuação da cavalaria ibérica e, principalmente, do
objetivo de seus combates, ou seja, o estandarte que deveria ser defendido, primeiramente, no
conflito contra os “infiéis” era o do cristianismo, e não seus próprios interesses.
39
Graças às falhas cometidas pelos cavaleiros cristãos, os mouros acabaram aprisionando
Peidro: “Peidro, el de Llantada, fo a Murcia llevado,/ sabiélo su señor tener bien recabdado,/ no
lo tenié en cárcel, mas era bien guardado,/ yacié en fondo silo, de fierros bien cargado” (VSD,
704).
Sabendo da situação do cavaleiro, seus parentes passaram a rogar a Domingo de Silos que
perdoasse “al preso pecador” (VSD, 705c) e o libertasse das mãos do “moro traïdor” (VSD, 705d).
Cabe salientar que o discurso berceano passa a idéia que, em grande parte, a posição de cativo de
Peidro se dava graças a sua condição de pecador que, inclusive, também se via assim (VSD, 706).
O cavaleiro também passou a rezar ao santo de firme coração pedindo que fosse liberto,
pois corria o grande risco de ser cego, morto ou mesmo espancado pelos mouros como castigo.
38
Segundo nota de Teresa Labarta de Chaves em sua edição crítica da Vida de Santo Domingo de Silos, alguns
autores traduzem como Chantada, povoado da Galícia, outros, consideram se tratar de um território extinto da
província de Palência. Cf. LABARTA DE CHAVES, Teresa. Nota 700a. In: GONZALO DE BERCEO. Vida de
Santo Domingo de Silos. 3 ed. Edición, introducción y notas de Teresa Labarta de Chaves. Madrid: Editorial
Castalia, 2005. p. 196.
39
Sobre as relações entre Igreja e Cavalaria, ver, por exemplo, os trabalhos de DUBY, Georges. A Três Ordens ou o
Imaginário do Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982; _____. Guilherme Marechal ou o Melhor Cavaleiro do
Mundo. Rio de Janeiro: Graal, 1995; _____. O Domingo de Bouvines: 27 de Julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1993; FLORI, Jean. Cavalaria. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário Temático
do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2 v. V. 1. p. 185-199; _____.
La Caballería. Madrid: Alianza, 2001.
120
Gonzalo de Berceo narra, então, a aparição do santo dentro da cadeia e conta que Peidro
foi tomado de pavor (VSD, 708).
O santo travou um diálogo com o cavaleiro que, de início foi descrente da visão que
estava tendo. Porém, Domingo de Silos se apresentou e definiu sua função para a cristandade:
“Dios grand merced me fizo por la su pïadat,/ que me puso en guarda sobre la Cristiandat,/ que
saque los cativos de la cativitat,/ los que a Él se claman de toda la voluntat” (VSD, 717).
Domingo de Silos, então, elaborou uma “estratégia” de fuga para o cavaleiro e explicou
em pormenores a maneira como ele escaparia do cativeiro.
Chegado o momento, Peidro fez exatamente como o santo ordenou e conseguiu escapar
da prisão (VSD, 719-727). Segundo a narrativa berceana, ele vagou sozinho pela terra vazia,
sendo apenas guiado por Deus, até que chegou a Toledo e contou a todos como havia conseguido
sair da prisão dos “pagãos”.
Não contente, o cavaleiro levou as boas novas a respeito do santo por vários lugares e,
segundo a hagiografia: “Sono por la Castiella su virtud sin mensura;/ por toda allend Sierra e por
Estremadura/ rendién al buen confessor gracias a grand presura,/ teniése la frontera toda más
segura” (VSD, 730).
O último milagre relacionado aos mouros, a situação de cativo e à Cavalaria, segue,
basicamente, o mesmo padrão do que acabamos de analisar, porém, suas informações a respeito
das relações cavaleirescas com a VSD possuem algumas singularidades que merecem nossa
atenção.
Gonzalo de Berceo, aproveitando o fim da narração que se referia à libertação do
cavaleiro Peidro, ressalta que passará a falar de um outro fato similar: um outro cavaleiro
também salvo por Domingo de Silos (VSD, 732).
O clérigo poeta conta que Fita era um castelo forte e poderoso sob o domínio do rei
Afonso VI, que é descrito por ele, rapidamente, como um bom rei. Gonzalo relata que esse castelo
era muito próximo ao povoado de Guadalfajara, que pertencia aos mouros. No entanto, eram
submissos ao rei castelhano. A paz com os mouros era estabelecida por conta da ameaça de
Afonso VI de “meter en ferropeas,/ si revolver quisiessen con cristianos peleas” (VSD, 734cd) e os
muçulmanos eram, de certa forma, seus servos.
40
40
Gonzalo de Berceo, destaca que eles eram lavradores (VSD, 738c).
121
Porém, segundo o discurso berceano, os cavaleiros do castelo de Fita, com
consciência, sem temer o rei e dar-lhe satisfação, resolveram atacar a vila, matando e
aprisionando muitos mouros (VSD, 738c). Afonso VI ficou irado e jurou com as mãos na cruz
castigar os cavaleiros. Após a reunião do Conselho de Fita, todos foram presos (VSD, 744-746).
Um dos cavaleiros, cujo nome era Johan[es], segundo Berceo, era um homem reto e de
boa família, tendo cometido apenas esse erro. Então ele e seus parentes passaram a rogar a santo
Domingo de Silos para que o libertasse da prisão e recebesse o perdão do monarca castelhano.
Gonzalo, ressalta que o cavaleiro: “la lengua non folgava, maguer preso yazié,/ a Dios e al
Confessor rogava e dizié/ que si lo dend librasse, nunqua malo ferié” (VSD, 750cd). Como era de
se esperar, o pedido do cavaleiro foi atendido e o mesmo foi liberto por Domingo de Silos,
entretanto, os outros cavaleiros continuaram encarcerados (VSD, 753c).
Podemos concluir, dessa maneira, que, primeiro, a presença moura na VSD tem
substancial significação e suas masculinidades são construídas de forma negativa e em prol da
virtuosidade do protagonista da obra.
No que diz respeito a presença cavaleiresca no poema-hagiográfico, podemos ressaltar
que, os dois últimos casos estão estreitamente ligados ao contexto histórico político-militar da
Península Ibérica, exemplificado pela “Reconquista Cristã” e, ainda, transmitem um expressivo
exemplo comportamental acerca das relações entre Igreja e Cavalaria.
Quanto às masculinidades, podemos observar que seguem um padrão muito próximo ao
do outro leigo analisado na VSD, no caso, Fernando I. Ou seja, são cunhadas a partir de
adjetivações e qualificações como: coragem, fidelidade, proteção à Igreja, etc. Àqueles que, em
algum momento, não se enquadraram nessa tipologia, eram encarcerados pelos mouros ou
mesmo por outro cristão. Quando, intercediam ao santo retomavam o caminho dessa
masculinidade ideal, então, perdida.
4.1.4 – A presença feminina na Vida de Santo Domingo de Silos
Passamos, assim, a analisar a presença feminina na VSD e de que maneira ela influência
ou não na construção da masculinidade do protagonista Domingo de Silos.
Observamos que as mulheres inseridas por Gonzalo de Berceo na obra, assumem,
basicamente, o mesmo papel que os personagens masculinos, ou seja, protagonizarem situações
122
que possibilitam a representação de um religioso perfeito, com virtudes santas, poderes
miraculosos, etc.
Alguns personagens femininos são descritos com mais detalhes pelo clérigo poeta, outros
assumem, simplesmente, a função que assinalamos. Contudo, de maneira geral, à exceção de
santa Oria,
41
que, como veremos a seguir, é descrita por Berceo com várias adjetivações
positivas, as mulheres na VSD são apenas pecadoras que necessitam de remissão, cura de suas
enfermidades e instrumentos para demonstração das ações do Diabo.
42
O primeiro personagem feminino que é inserido no texto de Berceo é a mãe de Domingo
de Silos, diferentemente, de seu pai, cujo nome é citado. Ela é, praticamente, anônima, sendo
inclusive, descrita sem nenhuma adjetivação que exalte qualidades. Pelo contrário, Berceo,
destaca que sua alma foi recomendada a Deus e Maria: “El nombre de la madre dezir non lo
sabría/ como non fue escrito, no lo devinaría,/ mas ayan la su anima Dios e Sanra María
(VSD, 8abc).
43
Os motivos pelos quais o autor a representa de tal maneira ou mesmo os porquês de sua
caracterização o ser enfatizada da mesma forma como a do pai do santo, não sabemos.
44
Entretanto, acreditamos que se trata de mais um exemplo misógino característico dos diversos
textos medievais.
45
Não objetivamos nesse item traçar um estudo sistemático sobre a relação de Gonzalo de
Berceo com as mulheres, mas sim, a maneira como elas interagiram com o protagonista da obra,
por esse motivo, selecionamos as passagens nas quais isso se evidência.
Logo no início do Segundo Livro da VSD, o clérigo poeta narra o caso de María, segundo
o poema, moradora do povoado de Casto Cisneros.
46
Segundo a narrativa, María vestió sus
buenos paños” (VSD, 290c), juntou seu dinheiro e alegre e foi a o mercado com seus
amigos. No entanto, no caminho adoeceu de tal maneira que seu corpo ficou rijo, conforme o
texto, como uma madeira (VSD, 291).
41
Cf. GONZALO DE BERCEO. Poema de Santa Oria...
42
Motivadas, justamente, por seus pecados ou ação demoníaca.
43
Grifo nosso.
44
Sobre a comparação entre o pai e a mãe de Domingo de Silos, algumas considerações de pesquisa são feitas no
artigo: FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Reflexões Metodológicas sobre a Análise do Discurso em
Perspectiva Histórica: Paternidade, Maternidade, Santidade e Gênero. Cronos: Revista de História, n. 6, p. 194-
223, 2002.
45
Cf. BLOCH, R. Howard. Misoginia Medieval e a Invenção do Amor Romântico Ocidental. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995.
46
Povoado da província de Burgos.
1
23
Gonzalo de Berceo, descreve, então, com detalhes, os problemas sicos que atingiram a
mulher, como, por exemplo, a boca torta, os olhos feios, paralisia nas mãos, etc. rias pessoas
tentaram curá-la com remédios e “emplastos calientes” (VSD, 295c),
47
mas condição em que se
encontrava María levou seus parentes a crerem que estava morta. Resolveram, assim, levá-la até
o “santo confessor” (VSD, 296a), para que quando ele a visse se compadecesse e a curasse.
O poema ressalta que Domingo de Silos os recebeu com alegria e rapidamente mandou
que entrassem. Vendo a situação de María, o santo entrou na igreja e começou a rogar por sua
cura: (...) ¡Aÿ!, Señor,/ que de cielo e tierra eres emperador,/ que a Adam caseste con Eva, su
uxor,/ a esta buena femma quítala dest dolor” (VSD, 301). Passado um certo tempo, a mulher foi
curada das enfermidades e caiu aos pés de Domingo de Silos, agradecendo-o:
Señor dixo e padre, en buen punto fust nado,/ entiendo bien que eres del
Criador amado,/ ca de los tus servicios mucho Él pagado.// Entiendo e coñosco
que por ti so guarida,/ por ti cobre los miembros, el seso e la vida,/ esta mercet
de Dios, te se agradecida,/ ca que por tu gracia so del lecho exida (VSD,
309bcd-310).
Porém, Domingo de Silos a admoestou:
Amiga diz nonfablas como deviés fablar,/ a Dios señero deves bendezir e
laudar,/ porque de tan gran cueta te deñó delibrar.// La su virtud preciosa que te
deñó guarir,/ a essa sola deves laudar e bendecir,/ nin quiero que la digas, nin la
quiero odir.// Fija, benedicta, torna a tu logar,/ exist pora mercado, tiempo as
de tornar,/ mas en cuanto pudieres guárdate de pecar,/ deve est manjamiento por
siempre te membrar (VSD, 311bcd, 312 e 313).
A mulher foi embora e Domingo de Silos permaneceu no mosteiro.
É possível observar duas características. A primeira diz respeito ao fato de que a condição
enferma da mulher foi motivada por algum tipo de pecado cometido por ela. A segunda e que,
para nós, configura-se naquela que se relaciona diretamente com a masculinidade do santo, são os
conselhos que ele a deu. Domingo de Silos, disse a María que ele não deveria ser exaltado pela
graça alcançada por ela, mas, sim, Deus. Essa atitude de humildade do protagonista enfatiza seu
caráter santo. Outra consideração que deve ser feita diz respeito ao conselho de que ela deveria se
manter longe do pecado, mandamento este, que, para ele, María era obrigada não se esquecer.
Dessa maneira, podemos ver que mais um traço da masculinidade ideal é salientado no
protagonista, no caso, a humildade.
47
Em tradução aproximada: Panos quentes.
124
O segundo milagre que demonstra a interação entre o protagonista e figuras femininas na
VSD, é acerca de Oria. Este personagem feminino é apresentado com algumas singularidades que
a diferencia das demais mulheres presentes na VSD. Oria é descrita por Gonzalo de Berceo,
como, desde criança, ligada ao serviço de Deus. Segundo ele, “(...) de Dios enamorada” (VSD,
317a) e, que “(...) querrié seer ciega que veerse casada”. (VSD, 317d). Podemos observar, deste
modo, que o clérigo poeta enfatiza a ligação da personagem com Deus e seu intuito casto. Ela,
com o intuito de tornar-se religiosa, procura Domingo de Silos para que ele a ajude a alcançar seu
objetivo.
O poema-hagiográfico ressalta que o protagonista foi um tanto resistente à opção da
moça, afirmando que “si bien no lo cumplieres, mucha mpas te valiera,/ vivir em atal ley com tu
madre toviera” (VSD, 323cd). Porém, Oria persistiu, o que acabou convencendo Domingo que a
ajudou e a colocou num monastério beneditino para mulheres.
Entretanto, a narrativa continua e ressalta que o Diabo passou a atormentar Oria da
mesma maneira que tentou Eva e a fez comer com Adão o fruto proibido (VSD, 330). Ela, então,
quase não mais suportando as tentações do demônio, foi ajudada por Domingo de Silos que ao
saber do que estava acontecendo foi até o mosteiro onde Oria se encontrava para aconselhá-la.
Segundo o texto: “Cuando plegó a ella, fíçola confessar,/ del agua beneíta echó por el casar,/
cantó él mismo missa mandóla comulgar,/ fuxo el vezín malo a todo su pesar” (VSD, 332).
Domingo de Silos, retornou à sua igreja e deixou em paz a monja. E, ainda segundo a narrativa,
nunca mais o Diabo a tentou (VSD, 333).
Como podemos observar, Oria, assim como a personagem María, mesmo tendo desde
muito nova a vontade de servir a Deus em castidade como uma religiosa, é representada como
mais suscetível ao pecado. Se as olharmos, então, à luz dos estudos de gênero, será possível
concluir que o discurso de Berceo tem a finalidade de enfatizar em sua construção a natureza
pecadora das mulheres, demasiadamente descrita no medievo.
No que diz respeito à relação de Domingo de Silos com essa mulher, podemos observar
que, primeiramente, mesmo ante ao claro interesse de Oria se enclausurar, ele tem uma certa
resistência em aceitá-la como religiosa. Em segundo, acerca de sua masculinidade, mas uma vez
é possível notar que o santo é quem tem o poder e força para combater o maior inimigo da
cristandade, o Diabo.
125
Por fim, analisaremos os últimos três relatos de milagres que se relacionam com a
presença feminina. Estes, por sua vez, segundo a hagiografia, ocorreram após a morte de
Domingo de Silos.
O primeiro deles conta a história de uma mulher que Berceo não diz o nome, mas que,
segundo o poema, era natural de Palência (VSD, 557a), que segundo o texto, “cayó por sus
pecados en fiera pestilencia” (VSD, 557c).
Conforme a narrativa, num sábado à tarde, às vésperas das festas santas,
48
todos se
banharam e se arrumaram para acompanhar o cortejo. Entretanto, essa mulher não quis ir a igreja,
preferindo ficar em casa cozinhando (VSD, 559).
Por este motivo, foi castigada por Deus ficando demasiadamente enferma. Seus criados,
amigos e parentes se condoíam por ela, porém, de nenhuma parte vinha ajuda. Resolveram,
assim, levá-la até o sepulcro de santo Domingo de Silos e ficaram rogando a Deus e ao santo para
que a curassem. Passado, então, um curto tempo a mulher foi curada e ofereceu ao sepulcro do
santo “(...) su ofrenda onrada” (VSD, 569c) e nunca mais faltou a missa.
O segundo milagre narra a história de uma cega pobre, que vivia no povoado de
Cornejana, em Astúrias, chamada Sancha. Conforme a hagiografia ela estava cega havia trinta
meses. Um dia ela resolveu ir até o sepulcro de Domingo de Silos e ante ele fez uma oração
exaltando as virtudes do santo. Sua oração foi ouvida e sua visão restituída.
Berceo fala de mais uma cega, que, porém, morava em Agosín, povoado de Burgos, assim
como a personagem asturiana, depois de três dias que havia feito sua oração ao santo, sua visão,
também foi restituída.
Por fim, a hagiografia narra a história de uma paralítica chamada María que também
através da oração obteve as graças do santo.
Há ainda, mais dois milagres, de Orfresa e Xemena de Tordómar, entretanto, assim, como
os dois milagres destacados por nós anteriormente, seguem o mesmo padrão, através da oração
do perdão de seus pecados suas saúdes foram restituídas.
Concluímos, através da análise dessas passagens, que a presença feminina demarca uma
situação que pode ser problematizada a partir dos estudos de gênero.
48
O texto não se refere que tipo de festejo religioso ou que dia de santo era comemorado.
126
O discurso berceano representa as mulheres em comparação com o protagonista da obra,
como “receptáculos” do pecado, frágeis, suscetíveis às ações do Diabo, etc. Suas doenças são
sempre relacionadas à cegueira ou paralisia.
No que diz respeito às suas relações com a masculinidade de Domingo de Silos,
percebemos que suas descrições e ações estão em congruência com os personagens masculinos da
obra, pois elas são sustentáculos para que as características virtuosas do protagonista da VSD
sejam enfatizadas por Berceo.
4.2 – Considerações finais do capítulo
Como assinalado no inicio desse capítulo, defendemos que a VSD, a partir da construção
de seus personagens, apresenta uma similitude com o que foi proposto no IV Concílio de Latrão,
a respeito do comportamento e atitudes dos clérigos.
Sendo assim, defendemos e concluímos que a VSD apresenta um ideal de religioso
segundo Roma, a ser seguido no século XIII, e que, seu autor, Gonzalo de Berceo, apresenta um
discurso harmônico com alguns cânones do Concílio supracitado.
Ao compararmos as categorias religioso e leigo, foi possível observar que tal construção
se por meio de adjetivações, ora positivas, ora negativas. Todos aqueles, leigos ou religiosos,
que não estivessem em consonância com a tipologia ideal arquitetada por Berceo na figura de
Domingo de Silos, encontrar-se-iam fora desse “padrão” estabelecido pela representação do
clérigo poeta. Os casos de mesma categoria (Domingo de Silos e o Abade emilianense; Fernando
I e García de Nájera) são exemplos disso.
Outro fator por nós levantado e comprovado é o caráter propagandístico que tem a obra
em questão, que a mesma transmite um discurso modelador, com tipos de homens, religiosos
ou leigos, que possibilitavam aos prováveis ouvintes e leitores, exemplos de boas e más condutas
masculinas. A presença cavaleiresca na hagiografia e da postura do abade emilianense são
exemplos cabais.
No que diz respeito à presença moura no poema-hagiográfico, era de se esperar que
fossem tratados de maneira pejorativa, servindo como um padrão a o ser seguido por nenhum
cristão. Eles, também, são fundamentais para percebemos, através da narrativa berceana, as
relações culturais mantidas na Península Ibérica na Idade Média Central.
127
Por fim, concluímos que o discurso berceano não se difere dos demais autores medievais
no que diz respeito às mulheres. Para ele, elas eram frágeis, pecadoras e mais acessíveis às ações
do Diabo.
No capítulo a seguir, efetuaremos a comparação entre as masculinidades por nós
analisadas nos dois documentos utilizados em nossa pesquisa, o PMC e a VSD. Dessa forma,
demonstraremos o caráter variado de tipos de masculinidades leigas e religiosas em Castela no
século XIII, reafirmando, assim, nossas hipóteses embasadas em nosso posicionamento teórico.
128
CAPÍTULO 5
AS MASCULINIDADES EM CASTELA NO SÉCULO XIII
No decorrer de toda nossa pesquisa, utilizamos a comparação como instrumento
metodológico principal para respondermos as questões que permearam nosso trabalho e
comprovar as hipóteses por nós apresentadas.
Seguindo a perspectiva de Jürgen Kocka para o método aplicado à nossa disciplina, no
qual o mesmo define que comparar em história significa discutir dois ou mais fenômenos
históricos sistematicamente a respeito de suas similaridades e diferenças de modo a se alcançar
objetivos intelectuais”,
1
organizamos os dados analisados de maneira que nos possibilitassem
realizar uma comparação, primeiramente, das masculinidades do PMC e, posteriormente, da
VSD, de maneira isolada.
2
Esta forma de trabalho, por blocos, possibilitou-nos um domínio
maior das informações levantadas e analisadas, para que, doravante, nessa parte conclusiva da
nossa pesquisa, apresentássemos nossos resultados do cruzamento dos dois documentos com
mais objetividade.
Para Kocka, “a abordagem comparativa pressupõe que as unidades de comparação
possam ser separadas uma das outras.”
3
E o seria a continuidade entre tais fenômenos,
tampouco, suas influências mútuas que constituiriam os casos de comparação. Ainda segundo o
historiador, “eles seriam vistos como casos independentes, que são reunidos analiticamente
através de perguntas sobre as similitudes e diferenças entre eles.”
4
Essa quebra de continuidades como a realizada por nós em nossa pesquisa, proporcionada
pelo método comparativo e destacado por Kocka como uma das três características que inserem
“uma certa tensão entre a abordagem comparativa e a tradição clássica da História como uma
disciplina”,
5
não se prefiguram como um real problema, pois como o próprio autor afirma: “a
1
KOCKA, Jürgen. Comparison and beyond. History and Theory, n. 42, p. 39-44, fev. 2003. p. 39. As transcrições
desse artigo foram feitas a partir da tradução elaborada por Maria Elisa Bustamante.
2
Ou seja, algumas vezes, sem contrapor os dois documentos.
3
KOCKA, op. cit., p. 41.
4
Ibidem.
5
Ibidem. Resumidamente, as três características seriam: primeiro, uma forte dependência à literatura secundária,
devido ao numeroso volume de documentos utilizados para comparação e a dificuldade na aproximação das fontes
ao lê-las em suas línguas originais; em segundo lugar, a quebra de continuidade na narrativa histórica e, por último, a
negação em poder-se comparar totalidades, no sentido de individualidades plenamente desenvolvidas. Contudo, o
129
reconstrução das continuidades, a ênfase na interdependência, assim como nas formas de
apresentação narrativas, o elementos [também] elementos clássicos da História como
disciplina.”
6
Sendo assim, o presente capítulo tem o intuito de expor a comparação entre as similitudes
e diferenças das masculinidades estudadas em cada uma das fontes por nós manuseadas. O que
será apresentado nessa parte final do trabalho indica os resultados da sincronia entre o PMC e a
VSD.
Cabe relembrar que trabalhamos com os seguintes passos na aplicação do todo:
primeiro, comparamos homens pertencentes a uma mesma categoria, a saber, leigos e leigos/
religiosos e religiosos e, em seguida, diferenciamos a comparação entre leigos e religiosos, e por
fim, ainda que com menor ênfase, os analisamos em relação às mulheres. Dessa forma,
estudamos os homens de maneira abrangente em consonância com nosso posicionamento teórico
de diversas masculinidades.
5.1 O Poema de Mio Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos: Similitudes e diferenças nas
masculinidades
Ao compararmos as masculinidades leiga e religiosa no PMC e na VSD, foi possível
observar que a construção dos autores, partindo da caracterização dos protagonistas como
masculinidades ideais, possuem similitudes latentes em alguns pontos. Primeiramente,
passaremos a destacar a preponderância em tais igualdades na elaboração das masculinidades
“ideais”, aquelas, que, na visão de Per Abbat e Gonzalo de Berceo, deveriam ser seguidas pelos
homens de sua sociedade, dessa forma, deixaremos claro que há, em cada obra, uma
masculinidade ideal. Logo após nos preocuparemos em destacar as possíveis diferenciações.
Observaremos, ainda, que as demais masculinidades encontradas nos documentos tentam
a todo custo se aproximarem daquelas que são idealizadas pelos autores e elaboradas a partir dos
valores por nós destacados no desenvolvimento da pesquisa, a saber: lealdade, probidade,
correção, coragem, bravura, sobriedade, perseverança, ser bom cristão, defender os mais fracos
(no caso a Igreja e as mulheres), lutar contra os mouros, etc. Esses são elementos cruciais na
construção das masculinidades idealizadas nas figuras de El Cid e Domingo de Silos, homens que
autor demonstra que tais receios estão mais ligados a um “classicismo historiográfico” do que aos problemas
propriamente ditos.
6
Ibidem.
130
a partir das ações que lhes são atribuídas pelos autores, servem como modelos aos demais
personagens das duas obras.
Assim, em relação a este ideal, encontramos níveis
7
de masculinidades,
8
que, quanto mais
longe das masculinidades perfeitas, mais marginalizadas se tornavam e, ao mesmo tempo, quanto
mais próximas dessa idealização, mais aceitáveis eram para os grupos em que estavam inseridos
os personagens leigos e religiosos das obras analisadas.
Passaremos agora a analisar comparativamente os dois protagonistas das obras, já que são
eles que representam tais masculinidades ideais, para, então, analisarmos posteriormente, caso a
caso, os demais tipos encontrados nos textos, sempre sincronizando os personagens do PMC com
a VSD.
5.1.1 – As similitudes e diferenças entre as masculinidades leiga e religiosa no Poema de Mio Cid
e na Vida de Santo Domingo de Silos: O caso dos protagonistas
Como foi possível observar, a representação de um ideal de masculinidades leiga e
religiosa em cada uma das obras se através de seus protagonistas. É a partir das adjetivações
dadas a eles na construção discursiva de seus autores que iniciamos a análise de nossa pesquisa a
respeito de uma tentativa, por parte deles, de apresentar uma masculinidade ideal modelar, e
portanto, para a sociedade castelhana do século XIII.
Entretanto, como assinalamos, ao mesmo tempo em que identificamos, nestas obras,
um projeto de caráter modelar de introdução de uma masculinidade ideal, observamos que Per
Abbat e Gonzalo de Berceo, através de seus discursos, apresentam variedades de graus de
masculinidades, além das que julgam “ideais”. Temos, por parte deles, uma tentativa de
caracterizar um “tipo de homem” a ser seguido e ao mesmo tempo a representação de leigos e
religiosos que estavam fora do arcabouço ideal almejado por eles. Sem contar, ainda, que, em
alguns pontos, seus discursos se afastam, possibilitando-nos, então, observar que os próprios
autores divergiam quanto o que seria a masculinidade ideal e acabaram concebendo a
masculinidade castelhana em sua pluralidade e não unilateralmente.
A despeito da extrema diferença entre os dois autores, mesmo ambos sendo clérigos cuja
formação e visões a respeito da atuação dos membros da igreja o evidentemente diferentes,
7
Ou graus.
8
Cf. LAQUEUR, Thomas. Inventando o Sexo: Corpo e Gênero dos Gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2001.
131
suas obras e seus protagonistas seguem um mesmo padrão em suas adjetivações sobre as
masculinidades.
El Cid e Domingo de Silos são representados como tementes a Deus, defensores da
cristandade, virtuosos, corajosos, talentosos em suas atividades, líderes, honrados, fieis, etc. Suas
trajetórias como homens peninsulares, inseridos num contexto de enfrentamentos constantes com
os muçulmanos, se confundem à medida que o erigidos como protetores e salvadores da
fronteira. São figuras temidas por mouros e invejadas por aqueles que não estavam em sintonia
com os elementos acima citados.
A partir dos estudos de gênero é possível concluir que são assexuados,
independentemente do fato do Cid ser leigo e casado. Este, por sua vez, tem no relacionamento
com sua mulher e suas filhas uma postura fraternal, protetora e desprendida de sinais sexuais,
assim como Domingo de Silos e Oria na VSD
A masculinidade ideal, representada através da figura do Cid, o se constrói no fato de
ser sexuado/casado, mas, justamente, na sua representação como um bom cristão, defensor dos
mais fracos, leal, bondoso, enfim, um personagem isento de defeitos morais. Isso o transforma
numa figura modelar, podendo ser utilizado como exemplo aos homens castelhanos do século
XIII.
Domingo de Silos também apresenta tais aspectos construtivos. Gonzalo de Berceo
elabora um personagem dotado de características que além de o erigirem como um homem
religioso ideal, exemplar, também o denota como santo.
Entretanto, as similitudes param nesse ponto. O caráter modelar da construção realizada
pelos autores do PMC e da VSD para os personagens supracitados, apesar de terem valores
morais abrangentes, parece ser direcionada a parcelas específicas da sociedade de Castela.
O PMC é um texto que, como já ressaltado, tem um claro teor épico. As relações
humanas, políticas e culturais nele destacadas demonstram a sintonia de Per Abbat com o
cotidiano das Cortes e o fato do mesmo ser um clérigo o suscita paradoxos em tal afirmação.
9
Enquanto a VSD apresenta características propagandísticas, didáticas e por se tratar de uma vida
9
Como assinalado por Bernard Guenée, os clérigos tinham, o sem relutância da Igreja, uma atuação constante nas
Cortes na Idade dia, contribuindo, inclusive, para a reeducação” dos cavaleiros através de textos como o Poema
de Mio Cid, por exemplo. Cf. GUENÉE, Bernard. Corte. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.).
Dicionário Tetico do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2 v. V. 1.
p. 269-281.
132
de santo, é carregada dos chamados exempla com intuito de edificação dos fiéis que ouviriam ou
leriam tal hagiografia.
Por esses motivos, consideramos que as obras em questão, provavelmente, foram
consumidas por públicos específicos. É claro que sobre isso apenas podemos inferir, que não
há possibilidades concretas e seguras para essa nossa afirmação.
A similitude na construção do Cid e de Domingo de Silos se relaciona, em nossa
perspectiva, à condição semelhante dos dois autores. Sendo os dois clérigos, tiveram os mesmos
modelos literários como base para suas narrativas. O contato com a retórica aristotélica, a Bíblia e
textos épicos, certamente, influenciaram na elaboração de seus poemas. Contudo, para nós, Per
Abbat e Gonzalo de Berceo tinham visões diferentes a respeito de suas atuações como clérigos, o
que é possível observar a partir da representação que os dois fazem de seus pares, por exemplo,
Don Jheronimo e o próprio protagonistas da VSD, Domingo de Silos.
Inferimos, então, que o autor do PMC direcionou seu modelo aos homens, mesmo
clérigos, inseridos nas cortes. Já Gonzalo de Berceo, ao construir a masculinidade de Domingo de
Silos, teve a preocupação de representar, à sociedade em que estava inserido, um religioso com
padrões exemplares a ser seguido por outros religiosos, além disso, ainda se preocupou, através
de tal representação, em elaborar uma crítica aos que compreendia como “maus” religiosos e,
também, dar um caráter propagandístico à sua obra, levando em conta os ideais reformadores do
IV Concílio de Latrão.
Em suma, tanto El Cid como Domingo de Silos têm suas masculinidades construídas da
mesma maneira, calcadas nos mesmos elementos adjetivos, porém, com direcionamentos
diferentes, à despeito de seus autores terem sido clérigos em Castela na primeira metade do
século XIII.
Além do mais, a comparação das masculinidades dos dois protagonistas nos permitem
concluir que um modelo de masculinidade ideal em cada uma das obras. Estes modelos, por
sua vez, são construídos similarmente, utilizando os mesmos padrões de valores. Contudo,
inferimos que o intuito dos autores se direcionou a parcelas diferentes da sociedade castelhana de
seu tempo, o que, o significa, desta maneira, que defendamos que o pôde ter havido a
possibilidade de religiosos terem possuído acesso ao PMC e os leigos das cortes o terem tido
contato com a VSD.
133
Passamos agora a discutir, mais profundamente, o caráter modelar das obras e os motivos
pelos quais defendemos que há em cada uma delas uma masculinidade ideal.
5.1.2 – O caráter modelar das obras: uma masculinidade ideal
A partir das comparações realizadas entre El Cid e Domingo de Silos concluímos que as
obras que analisamos em nossa pesquisa de mestrado possuem teor modelar, na medida que
tentam de alguma maneira passar a sociedade castelhana do século XIII formas idealizadas de
masculinidades leiga e religiosa.
Contudo, essa tentativa não é similar nos autores analisados, se observamos a fundo a
maneira com a qual eles constroem o que entendem como uma masculinidade ideal.
Como veremos a seguir, Per Abbat representa um tipo de clérigo castelhano defensor da
atuação dos eclesiásticos no conflito contra os mouros através o do combate com a palavra,
mas, também, com todo o armamento militar. Gonzalo de Berceo, deixa claro que a atuação
dos religiosos diz respeito à evangelização, à oração, ao trabalho reservado à Igreja.
Os dois são consonantes na tentativa de representar através de seus personagens histórico-
literários modelos a serem seguidos de uma masculinidade ideal. Entretanto, essa similitude,
muito evidente nos autores, acaba por demonstrar a diversidade de representações do masculino
em suas obras ao nos atermos nas ações que expressam tais valores.
Por fim, a despeito das possíveis objetivações de suas construções, concluímos que suas
visões de masculinidade ideal, no que diz respeito aos seus protagonistas, seguem um mesmo
padrão normativo, no caso adjetivações, calcadas em elementos como honra, coragem, fidelidade,
exemplaridade cristã, etc.
Podemos conceitualizar, então, masculinidade ideal, a luz dos discursos de Per Abbat e
Gonzalo de Berceo, como a tentativa de representação de personagens masculinos histórico-
literários ausentes de defeitos, pois os mesmos não possuem em nenhum momento adjetivações
negativas, e são carregados de características possíveis de serem imitadas pelos atores sociais do
reino de Castela na primeira metade do século XIII, no espaço e tempo em que estavam inseridos
os clérigos poetas por nós analisados.
Sublinhamos, também, que as elaborações sobre a masculinidade ideal desses autores
foram específicas e isoladas, não representando a visão de toda sociedade castelhana, mas,
demonstrando a diversidade social deste reino ibérico, o só através de diferentes
134
masculinidades, mas da ora semelhança, ora diferença entre os discursos desses dois clérigos que
através de suas obras tentaram construir um modelo de masculinidade ideal, seguindo, os dois,
um mesmo padrão, mas, como ressaltamos, com objetivos diferentes.
O PMC e a VSD não o reflexos do social, mas tentativas discursivas de seus autores de
criticar, modelar ou mesmo doutrinar a sociedade em que viviam, possivelmente, direcionando
suas opiniões para parcelas especificas, como a nobreza e o clero, sem, com isso, excluir os
demais atores da sociedade castelhana do século XIII, como as mulheres, por exemplo.
O estudo das masculinidades ideais, presentes nestes dois documentos, comprova que o
olhar do pesquisador para o período medieval pode suscitar questionamentos que o permitam
entender as diversas relações sociais, culturais e políticas entre os vários membros da sociedade.
Demonstram, ainda, que não podemos enxergar tal período como um todo, acreditando que nele
perduraram apenas permanências e poucas mudanças, ignorando, assim, especificidades cruciais
para entendermos melhor a diversidade medieval.
A utilização do método comparativo, a despeito das críticas ou dificuldades que ele pode
suscitar, demonstra-se pertinente e aplicável, à medida que nos possibilita analisar os dados
levantados em concordância com nosso quadro teórico e com as hipóteses que ele nos ajudou a
comprovar.
A seguir, analisaremos comparativamente a construção das masculinidades leigas dos
demais personagens, tanto no PMC e na VSD, procurando estabelecer suas similitudes e
diferenças e relacioná-los com as masculinidades ideais representadas através do Cid e de
Domingo de Silos.
5.2 A construção das masculinidades leiga no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo Domingo
de Silos: similitudes e diferenças
Como foi possível observar, trabalhamos com uma multiplicidade de personagens, que
classificamos em duas categorias: leigos e religiosos. Passamos agora a demonstrar as conclusões
que chegamos a respeito da comparação entre as masculinidades leiga presentes no PMC e na
VSD.
Nossa análise parte do modelo estabelecido através das adjetivações positivas atribuídas
aos protagonistas das duas obras e a ausência marcada de defeitos humanos. São eles os
135
detentores das masculinidades perfeitas, elaboradas à medida que devam servir como exemplos
aos demais homens da sociedade castelhana, sendo eles leigos ou religiosos.
Nesse subitem, iremos expor nossa comparação dos tipos de masculinidade leiga nas duas
obras em análise. Teriam elas similitudes? Diferenças?
Partindo do primeiro documento analisado, o PMC, foi-nos possível perceber que através
da comparação dentro de uma mesma categoria de homens, da qual denominamos leigos, foram
representados por Per Abbat dois graus de masculinidade: uma mais próxima da masculinidade
do Cid, dita ideal e uma mais distante, marginalizada, assim, pela sociedade.
Inevitavelmente, como ressaltado, a masculinidade que mais aceita, é calcada à luz do
protagonista El Cid e em sua construção o autor segue o mesmo padrão de adjetivações positivas
dadas a ele, por esse motivo, se pensarmos em níveis, ela encontra-se mais similar à
masculinidade ideal. Vejamos os personagens leigos selecionados por nós no PMC.
Todos os cavaleiros participantes do séquito cidiano o representados com os mesmos
adjetivos de seu líder. Também aparecem assexuados e suas únicas preocupações com o feminino
se remetem à proteção da honra das damas, elemento, por sua vez, estreitamente ligado à
masculinidade ideal, como veremos a seguir.
Os cavaleiros Martín Antolínez, Pero Bermúdez e Muño Gustioz são representados como
honrados, bons militares, preocupados com donas Elvira e Sol, defensores do cristianismo, fiéis a
El Cid e ao rei Afonso VI, etc. Ou seja, suas atitudes são espelhadas no Cid, entretanto, eles não
chegam a ter todos os atributos do protagonista, por isso, não podemos afirmar que possuíam uma
masculinidade ideal.
Porém, o nível no qual se encontravam as masculinidades de tais personagens, por sua
proximidade com El Cid, possibilitava-os a condição de um lugar de destaque no discurso de Per
Abbat, o que, por sua vez, não os marginaliza para a sociedade. Contudo, como ressaltamos, as
similitudes em suas representações não eram suficientes para que tais cavaleiros fossem
considerados pelo autor como “homens ideais”.
Pero Bermúdez é o caso mais expressivo, no nosso ponto de vista, pois ele é instigado
por El Cid a lutar contra um dos infantes, dando ênfase que se fosse ele quem pegasse em armas
o cavaleiro Bermúdez não teria chance de mostrar seu valor como guerreiro. Isto demonstra que
Pero, apesar das similitudes com El Cid, não chega a ser idêntico a ele, entretanto, sua
136
masculinidade estava num nível aceitável, por sua proximidade com o modelo ideal proposto por
Per Abbat.
Álvar Fáñez, outro cavaleiro da mesnada do Cid, estaria, mesmo sem combater, mais
próximo ao modelo ideal. Pois, por sua própria vontade, ele desafiou Gómez Peláyez, membro do
bando dos Infantes de Carrión. Contudo, Afonso VI já havia dado por encerrado o período de
contendas.
No caso de Fáñez, quando o mesmo ouviu El Cid sendo acusado por Gómez Peláyez,
correu para defender a honra de seu líder militar, tendo uma postura de fidelidade perante tal
situação, sem precisar, como no caso de Pero Bermúdez, ser instigado pelo protagonista. A
masculinidade de Álvar Fáñez, nesse caso, está ainda mais próxima aos preceitos que
caracterizam a chamada masculinidade ideal.
Ao compararmos essas masculinidades que se encontram mais próximas da ideal com
aquelas que enquadram-se em graus mais distantes, perceberemos algumas nuances.
Os infantes de Carrión são os personagens que representam o exemplo mais palpável a
respeito do que chamamos de “graus” ou “níveis” de masculinidades. Eles são representados
como opostos ao protagonista. Todas as adjetivações a eles atribuídas são negativas: são
covardes, falsos, tratam as mulheres de forma violenta, procurando dessa forma restabelecer suas
honras, são gananciosos, etc.
As relações entre eles e o feminino merece um olhar mais cuidadoso. Quando
consideraram-se desonrados por El Cid, decidiram descontar sua ira e restituir a honra perdida
violentando suas esposas. Após o fato, sentiram-se vingados. Entretanto, no discurso do autor do
PMC, eles não se aproximaram da masculinidade ideal, mesmo tal atitude estando em
consonância com os Fueros. Ao contrário, os infantes de Carrión se afastaram ainda mais da
masculinidade ideal, chegando, inclusive, a serem exortados pelo mouro Alvengalvon. Podemos
observar, então, que a violência contra as mulheres era mal vista, mesmo elas sendo
representadas como objetos de relações de poder.
Nossas análises se estendem aos leigos que são apresentados na VSD. Assim como no
PMC, os personagens por nós selecionados para análise revelam dois tipos de masculinidades que
seguem o mesmo parâmetro que apresentamos acerca do primeiro documento.
Todos os homens leigos analisados nas duas fontes têm, na honra, fator primordial para a
definição em que posição ficaria relativa à proximidade ou não com as masculinidades ideais.
137
Tomemos dois exemplos comparativos do que tais autores medievais entendiam a respeito
de uma masculinidade marginalizada: Os Infantes de Carrión e García de Nájera.
Os infantes de Carrión, como assinalado, têm durante todo o PMC suas masculinidades
construídas calcadas na ausência de valores proeminentes no protagonista do poema, sendo
destacadas, principalmente, a honra e a coragem; neles é enfatizada a traição, desonra e covardia.
Os infantes o homens cuja falta de tais elementos construtivos positivos podem ser
exemplos de que como possuir esses valores era um fator importante, senão primordial, para que
a masculinidade se aproximasse do modelo ideal.
García de Nájera, o rei que poderia ter sido melhor com o mosteiro de Sán Millán, nas
palavras de Berceo, também tem em sua construção adjetivações que o situam no mesmo patamar
dos infantes, além do que, esses três personagens eram nobres e, no caso do monarca navarrense,
sua postura, considerada aos olhos do crigo poeta riojano, pesa ainda mais para sua
classificação como um homem cuja masculinidade é marginalizada.
Como vimos no capítulo anterior, mesmo tendo caracterizações positivas como bom líder,
guerreiro, bonito, etc, sua masculinidade não se aproxima, por exemplo, da de Fernando I,
tampouco da de Domingo de Silos, pois suas características o distanciam mais que o aproximam
do modelo ideal.
Dessa maneira, assim como os infantes no PMC, García de Nájera, devido aos fatos
narrados, se sente afrontado por Domingo de Silos e, conseqüentemente, isso atinge sua
masculinidade.
Os personagens se cruzam justamente num certo tipo de consciência de que necessitam,
de alguma maneira, reconquistar a honra perdida, elemento este fundamental para a proximidade
com a masculinidade ideal. Contudo, os caminhos escolhidos apenas os afastam mais, aos olhos
dos autores, da situação de serem considerados homens cuja masculinidade é um perfeito
exemplo a ser seguido.
Os infantes de Carrión tentam retomar suas masculinidades através da violência contra
suas mulheres, as filhas do Cid e, conseqüentemente, ferem a honra do protagonista. Porém, no
fim das contas, é comprovado que são homens desleais, desonrados e covardes. Pois descontaram
o que consideraram como uma afronta contra suas masculinidades em mulheres, consideradas no
poema como frágeis e indefesas. Por fim, isso se comprova nas suas derrotas nos duelos
138
realizados nas Cortes lideradas pelo rei Afonso VI, pois suas representações acabam
feminilizadas, principalmente, quando clamam piedade na derrota.
O caso de García de Nájera tem uma proporção um pouco diferente, pois o monarca se
choca, de certa forma, assim como os infantes de Carrión, com o protagonista da VSD. E
devemos considerar seu status de rei como uma informação que não deve ser ignorada.
Gonzalo de Berceo inicia a descrição desse personagem destacando diversos adjetivos
positivos: ele era formoso, bom cavaleiro, um líder, porém, não foi bom com o mosteiro onde
morava Domingo de Silos.
O rei de Navarra possui duas características que, na visão da VSD, marginalizam sua
masculinidade: é ganancioso e não defende os interesses da cristandade. Isso, apesar das
adjetivações positivas, o afastam da masculinidade ideal.
Sua tentativa de levar para si os tesouros de San Millán, independente dos seus motivos,
não correspondem, para Berceo, como uma atitude digna de um nobre, principalmente, de um rei.
Porém, o é em tal atitude que podemos sustentar nossa conclusão de que García de Nájera
foi representado com uma masculinidade aquém da ideal. Este personagem também recorre à
vingança para a restituição de sua honra perdida, pois o fato de não ter conseguido levar os
tesouros do mosteiro por intervenção de Domingo de Silos, esse um religioso, foi um fator que
marcou sua busca incansável para anular tal ocorrido.
Entretanto a sede de vingança do monarca é saciada de maneira, diríamos, discordante,
pois, na tentativa de restaurar a masculinidade ferida, García de Nájera recorre ao abade
emilianense arquitetando a saída do protagonista do mosteiro, através de intrigas, que não são
bem vistas pelo autor. Tal construção narrativa apenas reafirma a característica construtiva
negativizada que Gonzalo de Berceo para esse personagem leigo. Ou seja, García de Nájera,
mesmo atingindo seu objetivo, o de se vingar de Domingo de Silos, conseguindo que ele saísse do
mosteiro e, conseqüentemente, de suas terras, continua como um personagem marginalizado
dentro da obra.
O projeto de vingança encabeçado pelo monarca najarense, se comparada a do Cid, não é
aceita por Berceo, pois não estava em consonância, ou seja, o tinha objetivos nobres. El Cid,
queria se vingar dos infantes de Carrión pois eles maltrataram suas filhas, levaram suas espadas e
bens, o que, conseqüentemente, desonrou sua masculinidade. Sua vingança é justificável aos
olhos de Per Abbat. García de Nájera sentiu-se ofendido por Domingo de Silos, afrontado por
139
não ter conseguido levar os tesouros do monastério, entretanto, para Gonzalo de Berceo, sua
vingança era sem fundamentos.
O outro monarca ibérico da VSD, Fernando I, é o contraponto do monarca navarrense e
tem na sua descrição apenas adjetivações positivas e que seguem o modelo por nós exposto: é um
bom rei, um bom cristão, defensor dos combalidos e injustiçados. No caso especifico de Domingo
de Silos, acolhe o santo exilado em seu reino e lhe entrega a direção do monastério de Silos.
Podemos concluir, comparativamente, a respeito das masculinidades que se distanciam do
modelo ideal que, no caso da VSD, havia uma possibilidade maior de ascensão. Ou seja, para
Gonzalo de Berceo, as masculinidades marginalizadas têm a chance de se aproximarem da ideal,
desde que, para isso, alguns caminhos sejam seguidos. Esta possibilidade relaciona-se ao fato de
tratar-se de uma hagiografia, na qual temos como a salvação pela intermediação de um santo é o
elemento central e estruturador da narração.
Revejamos, por exemplo, a relação dos milagres do santo protagonista e sua relação com
os personagens masculinos da trama. de se observar que quando os cavaleiros cativos
recorriam ao santo, eram perdoados e libertados e suas caracterizações eram modificadas por
Gonzalo de Berceo. Na verdade, podemos afirmar que o reconhecimento do erro, da falha, do
pecado, etc, são características que interagem diretamente com a humildade, elemento, também,
essencial para a construção de uma masculinidade idealizada. Estes personagens, então, apesar de
não chegarem ao ponto de terem suas masculinidades como ideais, acabam se aproximando do
modelo ideal estabelecido através da construção discursiva de Gonzalo de Berceo.
Observamos que as duas obras recorrem à fórmula bíblica paulina de vasos para honra e
vasos para desonra. As criações histórico-literárias dos autores apresentam graus de
masculinidades, necessários para dar aos documentos, por nós estudos, o que denominamos de
“caráter modelar”.
Temos assim uma masculinidade diversa, daí o termo masculinidades. Pois dentro da
categoria “leigos” pudemos observar níveis de masculinidade que ora se aproximavam ou
distanciavam do modelo ideal a partir de caracterizações similares e diferentes.
Em suma, é possível concluir, a partir das comparações, que a visão dos autores se
assemelha e diverge em alguns pontos. No discurso de Per Abbat, não foi possível identificar a
possibilidade de um homem cuja masculinidade se encontrava num grau marginalizado, migrar
para o bloco ideal e modelar. Já no caso do discurso berceano, concluímos que se o personagem,
140
cujas atitudes o caracterizam como um homem fora do padrão ideal do autor, tivesse humildade,
coragem, enfim, atributos morais de uma masculinidade ideal, para reconhecer seus erros e
pecados. Ele seria perdoado pelo santo, por sua vez, protagonista do poema-hagiográfico, e,
assim, se aproximar de homens do modelo ideal que servia de exemplo para a sociedade.
5.2.1 A construção das masculinidades religiosa no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo
Domingo de Silos: similitudes e diferenças
Demonstraremos agora a comparação dos personagens religiosos nos dois documentos.
Os personagens classificados nessa categoria, no PMC e na VSD, respectivamente, são:
Don Jheronimo e Don Sancho, e Domingo de Silos, o abade emilianense e os monges de San
Millán de la Cogolla. Tais comparações nos possibilitam identificar diversas similitudes e
diferenças. Descreveremos, primeiramente, as similitudes, para, então, enumerarmos as
diferenças nas construções de suas masculinidades.
Em nossa pesquisa, o eclesiástico que mais nos chamou atenção, primeiro pela riqueza de
detalhes e, em segundo, por se tratar de um clérigo secular, foi o personagem Don Jherónimo, o
bispo mata-mouros do PMC.
O bispo é descrito como exímio guerreiro, sendo retratado nos mesmos moldes que o
leigo El Cid. Com ele, Don Jheronimo guerreia lado a lado contra os mouros, trazendo em sua
construção elementos de uma região marcada pelos confrontos em prol de um ideal de
reconquista cristã.
Sua masculinidade, diferentemente dos demais homens religiosos presentes no PMC e na
VSD, é construída através de um ethos guerreiro calcado na coragem, na honra, nas virtudes
militares de um verdadeiro cavaleiro. Ao mesmo tempo, apresenta características típicas de um
bom clérigo, na visão posterior do Lateranense IV: reza a missa, encomenda os cavaleiros para o
combate, é letrado, etc.
Per Abbat não poupa adjetivações e substantivações que aproximam Don Jheronimo aos
demais homens leigos do poema. Para o autor, a masculinidade ideal religiosa não se difere da
leiga em nenhum ponto, ao contrário, o homem religioso, além de ser habilidoso com a palavra
de Deus, deve ser ágil na lança e na espada, manejando com perícia as armas da cavalaria.
141
Concluímos que essa perspectiva de Per Abbat está estreitamente ligada ao seu cotidiano
como clérigo castelhano e está em conformidade, possivelmente, com a realidade do período em
que o autor do PMC viveu.
Outro religioso encontrado no documento que narra os feitos heróicos do Cid, foi o abade
do mosteiro de San Pedro de Cardeña, Don Sancho.
Diferentemente do seu contemporâneo no PMC, Don Sancho é retratado como protetor de
Dona Jimena e das filhas do Cid, Elvira e Sol. Sua atuação no poema é restrita às orações e ao
acompanhamento dessas mulheres. Sua masculinidade não mantém traços similares com a de
Don Jheronimo, uma vez que ele o manuseia nenhum tipo de armamento, é um religioso,
inclusive, para nós, feminizado por Per Abbat, na medida que é passivo à realidade militarizada
do contexto narrativo da obra.
Contudo, tal feminilização o o renega à marginalidade, como Per Abbat faz com os
demais personagens que não estão em consonância com o padrão estabelecido por ele como ideal.
Entretanto, é evidente que o abade não tem a mesma projeção que o religioso ideal, na visão do
autor, Don Jheronimo, pois este, segundo a descrição de Per Abbat, atendia mais às necessidades
do território castelhano que o primeiro.
Por sua vez, se compararmos esses religiosos com os presentes na VSD, chegaremos a
conclusões sobre suas diferenças de forma expressiva.
Gonzalo de Berceo, por estar em acordo com os preceitos lateranenses, que em um de
seus cânones proíbe o manejo de armas pelos religiosos, representa tais personagens seguindo
estreitamente as normas canônicas estabelecidas pelo Latrão IV.
Seu protagonista, Domingo de Silos, é o exemplo ideal a ser seguido pelos religiosos do
período berceano. Isento de defeitos, ele, inclusive, pode servir como exemplo positivo até
mesmo para homens e mulheres leigas, pois suas virtudes, mesmo sendo, em alguns pontos,
sobrenaturais, não são impossíveis de serem seguidas.
O clérigo poeta riojano um número maior de exemplos de tipos de religiosos. Ao
representar o abade emilianense com adjetivações negativas, exemplifica aos seus pares, como
não deveria se portar um religioso. Pois, o personagem é invejoso e se alia ao monarca García de
Nájera para prejudicar Domingo de Silos.
Ao compararmos os discursos construtivos dos dois autores sobre a masculinidade
religiosa, observaremos diferenças latentes. Para Per Abbat, a masculinidade religiosa o se
142
diferencia da leiga, pois é construída com base em alicerces militares, sendo assim, o ethos
cristão-guerreiro predomina em seu discurso. No caso de Gonzalo de Berceo, há um claro
distanciamento entre leigos e religiosos em termos funcionais.
No discurso berceano, encontramos a separação entre a função dos religiosos e leigos na
sociedade. Não queremos afirmar com isso que Berceo tente de alguma maneira engessar, ou
hierarquizar, a sociedade castelhana do século XIII, mas, de alguma maneira, delimitar a atuação
de leigos e religiosos.
Em Per Abbat, essa delimitação representada nos atos guerreiros de seu Don Jheronimo é
deveras tênue.
Assim temos duas masculinidades diferentes em preponderância na comparação dos
religiosos dos dois documentos, ressaltando, ainda, o modelo similar seguido pelos dois autores,
representando nos personagens religiosos níveis ou graus de masculinidades que, assim, como no
estudo comparativo das masculinidades leigas, ora se aproximam, ora se distanciam do modelo
ideal de masculinidade, neste caso, religiosa.
5.3 A presença moura no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo Domingo de Silos e sua
influência na construção das masculinidades
A presença moura nos dois documentos é constante à medida que demarcam diretamente
os dois tipos de masculinidade latentes e predominantes no PMC e na VSD. De maneira geral,
aquelas que se aproximam ou se distanciam da masculinidade ideal proposta pelos autores.
Os mouros, nas duas fontes, são caracterizados de maneira pejorativa e servem sempre
como contrapontos dos protagonistas dos poemas.
No caso do PMC, sua presença tem um significado mais direto com a construção das
masculinidades ideais e marginalizadas, pois, demonstram, por exemplo, o heroísmo dos
cavaleiros, a coragem, a honra, a perícia militar, etc e, no caso das masculinidades
marginalizadas, servem para representar quanto elas estavam distantes do modelo ideal de
masculinidade.
10
10
Os infantes de Carrión, por exemplo, estavam bem distantes do modelo de masculinidade ideal, isso fica latente na
passagem em que o mouro aliado ao Cid discursa exortando-os.
143
Gonzalo de Berceo parecer ser muito menos compassivo com os muçulmanos. Quando o
autor se refere a eles em seu discurso sempre os descreve como maus, pessoas ruins, sem caráter,
infiéis, etc.
Na narrativa berceana, assim como na de Per Abbat, os “outros” são utilizados para
contrapor e dar ênfase às virtudes do protagonista da VSD. Sua alcunha de santo libertador da
fronteira se constrói à medida que cristãos são aprisionados em terras muçulmanas e são salvos
pelo santo.
No que diz respeito às suas masculinidades, pouco temos a dizer, já que eles não são
objetos que representam a preocupação dos autores. Porém, concluímos a partir da nossa análise
que quando comparados ou colocados no mesmo patamar que os mouros, certos homens cristãos
atingem o grau que mais os distancia da masculinidade ideal. Este foi o caso, por exemplo, dos
infantes de Carrión, que foram representados sendo advertidos pelo mouro Alvengalvon que por
este motivo, recebe papel de destaque no PMC.
Este muçulmano é caracterizado como fiel ao Cid, como alguém que presta bons serviços
ao protagonista, contudo, ele não se assemelha aos cristãos. Continua sendo representado como o
“outro”, o “infiel”. Por esse motivo, suas palavras direcionadas aos infantes, acusados por ele, de
traidores, falsos e indignos do casamento com as filhas do protagonista do poema, tem um peso
peculiar, já que sua posição moura distancia as masculinidades de Diego e Fernando González do
modelo ideal, representado em El Cid.
5.4 – A atuação feminina no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo Domingo de Silos
As mulheres presentes nas duas obras assumem, comparativamente, posições diferentes
no, aparente intuito dos autores.
No PMC, temos dona Jimena, e suas filhas Elvira e Sol. As três são representadas
seguindo o mesmo modelo. Dessa maneira, elas são submissas aos maridos e ao pai, são
extremamente frágeis e, ainda, muito religiosas. Jimena é descrita sempre em oração, rogando a
Deus por seu marido, pedindo proteção para ele e vitórias contra os mouros.
Suas filhas, Elvira e Sol, quando violentadas pelos infantes de Carrión, sabendo da
desonra eminente, pedem para serem mortas com as cabeças cortadas como mártires. A
submissão ao pai é evidente quando são comunicadas a respeito dos casamentos com Diego e
Fernando González.
144
Se comparadas às mulheres presentes na VSD, elas mantêm similitudes e diferenças. As
similitudes devem ser relacionadas apenas à personagem berceana Oria, que assim como as
mulheres do PMC, é tão religiosa a ponto de se enclausurar num mosteiro feminino, não pelos
mesmos motivos que Jimena, e suas filhas Elvira e Sol. Mas, sim, pelo desejo de manter-se casta
e fiel a Deus.
As demais mulheres no poema-hagiográfico de Gonzalo de Berceo são diferentes de
Jimena, Elvira e Sol e, também, de Oria, pois são representadas como pecadoras e, no caso, suas
fragilidades se evidenciam no fato de serem mais suscetíveis às artimanhas do demônio.
Entretanto, de uma maneira geral, as mulheres presentes nos dois documentos são
caracterizadas como frágeis (seja pelo fato de não resistiram às investidas do Diabo ou por
temerem as guerras e conflitos entre cristãos e mouros), submissas, religiosas, etc.
Analisaremos a seguir a maneira como a presença feminina no PMC e na VSD influencia
ou não na construção das masculinidades ideais e nas demais masculinidades presentes nos
documentos estudados.
5.4.1 A presença feminina no Poema de Mio Cid e na Vida de Santo Domingo de Silos e sua
relação com a construção das masculinidades
A presença feminina nos dois documentos, apesar de suas representações marcadas por
um pequeno grau de misoginia, demonstram que os autores, de alguma forma, preocuparam-se
em pensar o feminino em seus poemas. Contudo, questionamo-nos de que maneira tal presença
interage com as masculinidades por eles construídas. Primeiramente, analisaremos acerca de tal
relação no PMC, seguindo pelo estudo da VSD, para, por fim, refletirmos em conclusão como o
feminino se relaciona nas duas obras com a masculinidade ideal e os outros níveis de
masculinidades.
No PMC, a presença feminina assume dois aspectos que envolvem não a
masculinidade ideal, como também os outros graus de masculinidade.
Acerca da masculinidade ideal, é possível observar que as mulheres, em suas relações
com El Cid, demonstram como o personagem era assexuado. Seu lidar com sua esposa tem um
caráter fraternal, como com suas filhas, por exemplo, que sexual, como poderíamos esperar entre
marido e mulher.
145
Nesse ponto, podemos, assim, afirmar, mais uma vez, que Per Abbat denota seu modelo
de masculinidade ideal calcado na representação de um homem que se relaciona com as mulheres
sem pretensões sexuais/ carnais.
No que diz respeito à relação do feminino com os níveis de masculinidade encontrados no
PMC, podemos observar, por exemplo, que é variado.
Aquelas masculinidades de graus distantes da masculinidade ideal são sempre
representadas como violentas com as mulheres,
11
e, por sua vez, acabam feminizados. Pois sua
conduta de agressão às mulheres, na visão do autor do PMC, demonstra a falta de condição
masculina de enfrentar outro homem em combate.
As relações entre o masculino e o feminino na VSD também seguem o mesmo modelo se
comparado à interação entre a masculinidade ideal e as mulheres do PMC. Domingo de Silos é
casto e interage com as damas sempre dentro de um mesmo padrão: livrá-las do pecado e das
investidas do Diabo.
O protagonista da VSD promove curas miraculosas para as moças que sempre se
encontram em estado debilitado por conta de sua fragilidade ante o pecado. Tal atitude do santo
demonstra que o discurso berceano acerca da possibilidade de redenção o se restringia apenas
aos homens, mas se estendia, também, às mulheres.
Assim como no PMC, a presença feminina favorece a representação da masculinidade
ideal, nesse caso, religiosa, pois o contato direto entre o protagonista Domingo de Silos e as
mulheres da VSD apenas reafirmam seu caráter puro, santo, casto, humilde, dedicado, etc.
5.6 – Considerações finais do capítulo
Concluímos, assim, que, a partir da comparação entre o PMC e a VSD encontramos um
tipo similar de masculinidade ideal. Tais masculinidades, representadas por El Cid e Domingo de
Silos, possuem uma construção que segue o mesmo modelo de adjetivações positivas e a ausência
evidente de defeitos. Estes dois personagens são perfeitos na visão de Per Abbat e Gonzalo de
Berceo.
Neste sentido, temos uma masculinidade ideal leiga e uma religiosa, na figura dos
personagens citados. Ao mesmo tempo, nas duas obras analisadas, é possível observar diversos
níveis de masculinidades que à medida que se aproximam ou se distanciam dos modelos ideais
11
O caso especifico dos infantes de Carrión.
146
são mais aceitas ou marginalizadas pelos autores e, para nós, conseqüentemente, pela sociedade
na qual os dois estavam inseridos.
A presença moura ratifica a aproximação ou o distanciamento entre os níveis de
masculinidade. Conforme os personagens interagem com eles, ou conseguem ascender graus
masculinos ou descender para mais longe do modelo ideal.
Por fim, no que diz respeito às mulheres e suas relações com os protagonistas e os demais
homens presentes no PMC e na VSD, elas reafirmam a perfeição das masculinidades ideais e,
também, possibilitam, a partir das atitudes dos outros personagens masculinos, que eles se
aproximem ou se distanciem do modelo ideal.
147
CONCLUSÃO
Nossa pesquisa de mestrado foi organizada de maneira que os questionamentos e
hipóteses apresentados fossem discutidos e respondidos no decorrer da apresentação dos dados de
cada capítulo. Desta maneira, optamos por analisar nossas documentações separadamente,
dedicando a cada uma delas um capítulo específico de estudo, para, assim, na parte final
efetivássemos, uma comparação sincrônica sistemática das informações levantadas. Tal escolha
se justificou pela adoção do modelo de aplicação do Método Comparativo em História proposto
por Jürgen Kocka.
1
Como sustentáculo teórico, escolhemos os pressupostos apresentados pela historiadora
Joan Scott, que, em seus estudos acerca das relações de poder entre homens e mulheres, afirma
que devemos analisar tais categorias como “vazias”, por não terem nenhum significado definitivo
e transbordantes”, pois mesmo quando parecem fixas, contêm dentro de si definições
alternativas que podem ser negadas ou reprimidas.
2
Para conceitualizar o enunciado masculinidade, nos apropriamos da proposição exposta
pelo sociólogo Andrew Tolson, que define o termo como uma identidade de gênero,
culturalmente especifica e socialmente funcional.
3
A partir dessa “base” teórico-metodológica, defendemos que os autores dos documentos
analisados construíram uma masculinidade ideal através de adjetivações e substantivações
cruciais como, por exemplo, coragem, bondade, fidelidade, honra, etc. Estas virtudes, emanadas
nos protagonistas das obras, El Cid e Domingo de Silos, erigiam-nos como homens perfeitos, que,
por sua vez, eram modelos a serem seguidos pela sociedade em que estavam inseridos Per Abbat
e Gonzalo de Berceo, autores do PMC e da VSD, respectivamente. Assim, nossa afirmativa de
que as obras possuem caráter modelar foi sustentada por nossa argumentação.
Por sua vez, foi possível, observar, também, que as construções das masculinidades
ideais, efetuada pelos autores nos poemas, não se diferem, pois os mesmos utilizaram
adjetivações similares para descreverem os protagonistas de suas obras. E, mesmo El Cid e
1
KOCKA, Jügen. Comparison and beyond. History and Theory, n. 42, p. 39-44, fev. 2003. p. 39. As transcrições
desse artigo foram feitas a partir da tradução elaborada por Maria Elisa Bustamante.
2
Cf. SCOTT, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. In: _____. Gender and Politics of
History. New York: Columbia University Press, 1999. p. 28-50.
3
Cf. TOLSON, Andrew. Os Limites da Masculinidade. Lisboa: Assírio e Alvim, 1983.
148
Domingo de Silos, pertencerem a categorias diferentes, leigos e religiosos, suas representações
discursivas não são díspares.
Além das já referidas masculinidades ideais similares, estão presentes nos poemas
diversos veis ou graus de masculinidades que, tentam, por meio de caminhos variados,
aproximarem-se das masculinidades ideais representadas em El Cid e Domingo de Silos. Quanto
mais distantes da masculinidade ideal, mais marginalizadas se tornam e, quanto mais próximas,
menos adjetivações negativas possuem.
Nosso objetivo, nesta parte final do trabalho, será passar em revista os principais pontos
da pesquisa por nós conduzida. E, para isso, organizaremos nossa redação seguindo a ordem
apresentada em nossa dissertação.
Os documentos por nós analisados apresentam uma diversidade tamanha de abordagens
que vão desde o estudo crítico de suas fontes e manuscritos,
4
até trabalhos que se preocuparam
em analisar características mais especificas como, por exemplo, a construção da santidade, em
perspectiva histórica e teológica; as relações sociais; culturais, etc.
Os campos de saber também são consideráveis. Lidamos com trabalhos lingüísticos,
filológicos, teológicos, etc, sendo assim, nossa visão como pesquisador foi além da
historiográfica, graças às muitas contribuições propiciadas por essas áreas.
Em nosso primeiro capítulo procuramos, demonstrar tal multiplicidade, pontuando sempre
os chamados artigos clássicos com estudos mais recentes. Defendemos que este diálogo deve ser
travado à medida que traz à tona contribuições passadas, muitas vezes esquecidas ou ofuscadas
por posicionamentos renovados e, ao mesmo tempo, contrapô-las às novas tendências de
pesquisa, a partir de contribuições e debates entre as disciplinas supracitadas.
Dessa maneira, o nos limitamos em apenas listar os artigos e textos que julgamos
pertinentes à nossa pesquisa, mas, também, buscamos relacioná-los à nossa perspectiva histórica,
ora nos apoiando, ora refutando-os. Sendo assim, em nosso capítulo, intitulado “O Poema de Mio
Cid e a Vida de Santo Domingo de Silos: Tendências de Pesquisas”, não foi apenas um mínimo
“inventário bibliogfico”, mas, uma tentativa de contribuir, de alguma forma, com a organização
dos numerosos trabalhos dedicados às duas obras por nós escolhidas para analisar as
masculinidades em Castela no século XIII.
4
No caso da Vida de Santo Domingo de Silos, já que há apenas um manuscrito preservado do Poema de Mio Cid. No
que diz respeito aos estudos acerca de possíveis documentos que influenciaram ou ajudaram o autor deste poema a
produzi-lo e concluí-lo, a quantidade é mínima.
149
Temos a clareza de que fizemos referência apenas àqueles textos que mais interessavam a
nossa pesquisa, contudo, acreditamos que nosso fôlego específico também pode suscitar futuros
caminhos para outros pesquisadores que se dedicam ou se dedicarão ao mesmo corpus
documental que o nosso.
Como demonstrado nos capítulos analíticos,
5
o domínio do contexto de produção das
obras teve relevância essencial para fundamentarmos e comprovarmos através das nossas
argumentações nossas hipóteses.
Por este motivo, dedicamos o segundo capítulo da nossa dissertação para que traçássemos
o contexto sócio-político e cultural do território de Castela no período por nós selecionado.
Assim, demonstramos de que maneira o cotidiano castelhano, envolto ao surgimento das
universidades na Península Ibérica, a paulatina inserção do Lateranense IV, os ideais de
reconquista, etc, influenciaram na produção do PMC e da VSD.
Ainda nesse capítulo, adotando uma perspectiva um tanto “marginalizada”, defendemos
que a autoria do PMC foi de Per Abbat, que, também, para nós, era um clérigo assim como
Gonzalo de Berceo.
Denominamos como marginalizada tal perspectiva, pois é recorrente o número de
trabalhos que atribuem a Per Abbat a função de copista da obra e não de seu autor. Entre tais
nomes encontram-se especialistas renomados como Ramón Menéndez Pidal, Colin Smith e
Richard Fletcher.
6
Tais hispanistas levantaram algumas teses sobre a autoria e datação do poema, mas, no
qual, acabaram por sustentar que o PMC foi composto por um desconhecido.
7
Amparando-nos no minucioso estudo realizado por Timoteo Riaño Rodríguez e María del
Carmem Gutiérrez Aja,
8
posicionamo-nos contra essa respeitável frente de estudos cidianos, ao
5
Terceiro, quarto e quinto capítulos.
6
FLETCHER, Richard. Em Busca de El Cid. o Paulo: Unesp, 2002; MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. La España
del Cid. 4 ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1947. 2 v; SMITH, Colin. Introducción. In: ANÔNIMO. Poema de Mio Cid.
Edición de Colin Smith. 22ª Ed. Madrid: Catedra, 2001. p. 17-139.
7
Como destacamos no capítulo 2, Colin Smith foi um dos muitos que defendeu em seu livro The Making of The
Poema de Mio Cid que Per Abbat havia sido o autor do Poema de Mio Cid. Entretanto, hispanista abandonou esta
tese devido às discussões a respeito da parte final do poema onde está escrito “Per Abbat le escrivio...” (PMC,
152:3732). Conforme os debates travados alguns especialistas, tal verbo tinha significado duplo na Idade Média:
compor como autor ou copiar. Smith, acabou optando pela segunda vertente de estudos, passando a defender que Per
Abbat foi seu copista e nada mais. Sobre a antiga defesa do hispanista, ver: SMITH, Colin. The Making of The
Poema de Mio Cid. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. Sobre seu novo posicionamento: SMITH, Colin.
Introducción. In: ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Edición de Colin Smith. 22ª Ed. Madrid: Catedra, 2001. p. 17-
139.
150
afirmarmos que Per Abbat foi o autor do PMC no ano de 1207, sendo assim, no início do século
XIII, sob o governo de Afonso VIII, o Nobre.
Em contrapartida, tendo informações mais concisas, apesar de escassas, defendemos que
Gonzalo de Berceo, o indiscutível autor da VSD, teve uma formação intelectual, possivelmente,
complementada na Universidade de Palência, local onde teria tido contato com um grupo de
poetas que escreviam nos mesmos moldes que podemos encontrar em suas obras.
Seus textos possuem similitudes, como demonstram especialistas como Brian Dutton,
Frida Weber de Kurlat, etc, com obras denominadas Mester de Clerecía.
9
A hagiografia berceana, por nós estudada, não deve ser vista apenas como um escrito
sobre a vida de um santo, mas, ainda, como um poema sobre um santo, por manter um caráter
artístico através dos seus versos, métrica, rima, estrofes, etc.
Através da comparação da trajetória dos dois autores, também foi possível inferir que a
dicotomia Mester de Clerecía e Mester de Juglaría deve ser vista com cautela. Pois a distância
entre tais escritos, como pudemos observar, era tênue.
10
No que diz respeito aos capítulos dos quais podemos denominar como “analíticos”, por
tratarem mais diretamente com a teoria e método adotados, apesar de defendermos que em toda
nossa dissertação tal preocupação se faz constantemente presente, podemos concluir que todas as
hipóteses foram respondidas.
No capítulo de número três, no qual nos dedicamos a analisar isoladamente as
masculinidades no PMC, foi possível observar que o discurso do clérigo poeta Per Abbat
transmitiu, de alguma maneira, uma masculinidade idealizada com intuito modelar.
Tal masculinidade, cunhada sempre a partir de adjetivações e substantivações positivas,
como coragem, honra, humildade, perseverança, fidelidade, defesa dos mais fracos, etc, erigiram
apenas um personagem ao patamar da masculinidade ideal: El Cid.
A partir de tal perspectiva pudemos identificar, então, variedades de masculinidades, que
acabaram se enquadrando em níveis ou graus que se afastavam ou não do modelo idealizado pelo
autor do poema.
8
GUTIÉRREZ AJA, María del Carmen; RIAÑO RODRÍGUEZ, Timoteo. El Cantar de Mío Cid. 2: Fecha y Autor
del Cantar de Mío Cid. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2006. Disponível para download em:
<http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=17997>. Último acesso em 03/02/2008.
9
DUTTON, Brian. Gonzalo de Berceo y los Cantares de Gesta. Berceo, n. 77, p. 407-416, 1965.
10
Cf. CASO GONZÁLEZ, José. Mester de Clerecía/ Mester de Juglaría: ¿Dos Mesteres o dos Formas de Hacer
Literatura? Disponível em: <http://www.vallenajerilla.com/berceo/casogonzalez/juglariaclerecia.htm>. Último
acesso: 29/02/2008.
151
Quanto mais próximos das características positivas do protagonista do PMC, mais
aceitáveis eram tais masculinidades para o autor. Ao mesmo passo que se as mesmas estivessem
em graus mais distantes eram marginalizadas e representadas de forma pejorativa. Ou seja, os
personagens era representados por Per Abbat com elementos opostos ao do protagonista, sendo
assim, eram covardes, gananciosos, traidores, falsos, etc.
Outra característica marcante no PMC foi a possibilidade de identificarmos dois tipos
diferentes de masculinidades eclesiásticas: a do clérigo secular Don Jheronimo e a do abade do
monastério de San Pedro de Cardeña, Don Sancho. O primeiro citado foi representado
similarmente, pelo autor, a Cid e aos demais cavaleiros. Ou seja, ele tinha características
militarizadas.
Sendo assim, defendemos no capítulo que sua masculinidade foi construída a partir de um
ethos guerreiro, o que o propiciou ter sua masculinidade mais próxima da ideal.
No caso de Don Sancho, apesar o ter sido representado de forma negativo por Per
Abbat, não se encontrava tão próximo à masculinidade ideal formulada em Don Jheronimo, o
bispo mata mouros, que pelo contexto em que estava inserido o autor, representava um dos
diversos tipos de clérigos que atuavam na região do Levante.
A presença moura e feminina no PMC são utilizadas por Per Abbat para reafirmar as
características positivas e perfeitas do Cid, herói cristão, assexuado, bondoso, fiel, etc, e, também,
para demarcar a distância ou proximidade dos níveis de masculinidades apresentados pelo autor.
Assim, o PMC apresentou um modelo de masculinidade ideal a leigos e, também, de certa
forma, a religiosos, se considerarmos que a representação de Don Jheronimo como um clérigo
guerreiro demonstrava a visão do autor a respeito de como deveriam agir os religiosos
castelhanos.
No capítulo em que analisamos as masculinidades na VSD, chegamos às mesmas
conclusões.
Gonzalo de Berceo também possuiu um discurso modelador e a construção do seu
protagonista, Domingo de Silos, trouxe à tona a representação de uma masculinidade religiosa
ideal, fundamentada nos mesmos elementos que encontramos na construção da masculinidade
leiga ideal configurada em El Cid no PMC.
A VSD apresentou, também, diversos níveis de masculinidades, tanto religiosas como
leigas. Entretanto, quando as comparamos aos níveis de masculinidades presentes no PMC, foi
152
possível concluir que o discurso berceano possibilitava chances maiores para que os homens
cujas masculinidades encontravam-se marginalizadas, se aproximassem mais do modelo ideal
representado por Domingo de Silos.
As relações com os mouros e as mulheres também reafirmam a conduta exemplar do
santo do poema-hagiográfico escrito por Gonzalo de Berceo.
Por fim, como exposto no capítulo cinco, ao compararmos as masculinidades presentes no
PMC e na VSD, chegamos às conclusões listadas abaixo.
As duas obras analisadas apresentam formas similares de masculinidades leigas e
religiosas ideais, pois seus autores utilizaram o mesmo modelo discursivo ao representarem seus
protagonistas, elementos positivos como honra, fidelidade, coragem, bondade, humildade, forte
religiosidade, etc.
Por sua vez, também são encontradas nas obras graus diversos de masculinidades que, à
medida que se encontravam mais próximas dos modelos ideais, eram representadas com maior
número de adjetivações positivas, enquanto as masculinidades cujos níveis se encontravam
distantes das representações dos protagonistas acabavam marginalizadas.
Acreditamos, ainda, apesar de não termos informações documentais suficientes para tal,
que as obras em questão foram direcionadas a parcelas específicas da sociedade castelhana do
século XIII.
O autor Per Abbat buscou em seu discurso apresentar um modelo de masculinidade leiga
ideal aos homens nobres de Castela, enquanto Gonzalo de Berceo, além de realizar uma crítica ao
poder temporal dos reis e aos maus religiosos, propôs um modelo de masculinidade religiosa
ideal a ser seguida, construída em conformidade com os preceitos do IV Concílio de Latrão.
Contudo, esta nossa idéia não quer afirmar em nenhum momento que o PMC e a VSD não
tiveram uma circulação diversificada por essa sociedade, ou seja, entre leigos e religiosos, fossem
eles ouvintes ou leitores. Destacamos o que seria o público alvo ou idealizado das obras.
Por fim, demonstramos em nosso estudo como o contexto em que viveram os autores foi
marcante na produção de seus textos, auxiliando-os, de alguma maneira, através do cotidiano e
relações de poder marcadas pela intensa disputa territorial entre cristãos e muçulmanos no
território castelhanos.
Nossas últimas considerações são a respeito da maneira como as mulheres são
representadas no PMC e na VSD. Foi possível constatar, através da nossa análise, que o
153
tratamento discursivo dispensado por Per Abbat e Gonzalo de Berceo ao feminino demonstra a
similitude entre seus discursos, pois, como observamos, as mulheres, nas duas obras, são
representadas como frágeis, extremamente religiosas, mais suscetíveis ao pecado que os homens.
São, ainda, vistas nos dois textos como objetos de troca e tratadas à margem da sociedade, tanto,
que, quando as masculinidades estavam num grau distante da masculinidade ideal os homens
acabavam sendo adjetivados e comparados com as mulheres.
Encerramos com o sentimento de que os questionamentos apresentados foram
respondidos e as hipóteses comprovadas. No mais, fica evidente, através da pesquisa exposta, que
apesar dos Estudos de Gênero terem se desenvolvido inicialmente para atender questões
contemporâneas e o mesmo podemos afirmar a respeito do conceito de masculinidade por nós
apropriado de Andrew Tolson, a partir do trabalho empírico por nós realizado, comprova-se que a
teoria de gênero, pode, também, atender outros períodos históricos, como a Idade Média.
Sobre o Método Comparativo em História, cujo modelo por nós utilizado foi proposto por
Jürgen Kocka, podemos reafirmar sua principal consideração acerca da aplicabilidade deste
método: “comparar em História significa discutir dois ou mais fenômenos históricos
sistematicamente a respeito de suas similaridades e diferenças de modo a se alcançar
determinados objetivos intelectuais.”
11
Os nossos foram alcançados.
11
KOCKA, op. cit., p. 39.
154
BIBLIOGRAFIA
1 – Documentações Medievais
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Buenos Aires: Centro Editor de Cultura, 2006. Versão em
prosa.
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Edición de Alberto Montaner Frutos. Madrid: Critica, 2003.
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Edición de Colin Smith. 22 ed. Madrid: Catedra, 2001.
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Tradução de Maria Socorro Almeida. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1988. Versão em prosa.
ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Texto antiguo preparado por Ramón Menéndez Pidal, seguido
de prosificación moderna por Alfonso Reyes. Madrid: Espasa-Calpe, 1948.
BELLO, Andrés. Poema de Mio Cid. Santiago del Chile: Consejo de Instrucción Pública, 1881.
BERNARDO DE CLARAVAL. De la Excelencia de la Nueva Milicia. In:_____. Obras
Completas de San Bernardo. Edición Española preparada por el P. Gergorio Diez Ramos,
O.S.B. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1955. p. 853-880. V. II.
GONZALO DE BERCEO. Vida de Santo Domingo de Silos. Ed. Edición, introducción y
notas de Teresa Labarta de Chaves. Madrid: Editorial Castalia, 2005.
GONZALO DE BERCEO. La Vida de Santo Domingo de Silos. Estúdio y edición crítica de
Aldo Ruffinatto. Logroño: Instituto de Estudios Riojanos, 1978.
GONZALO DE BERCEO. Vida de Santo Domingo de Silos. Edición Crítico-paleográfica del
Códice del Siglo XIII por Fray Alfonso Andrés. Madrid: O.S.B, 1958.
GONZALO DE BERCEO. La Vida de Santo Domingo de Silos. Édition critique publiée par
John D. Fitz-Gerald. Paris: Bibliothèque de l'École des Hautes Études, 1904.
GONZALO DE BERCEO. Poema de Santa Oria. In: _____. Obra Completa. Coordinado por
Isabel Uría Maqua. Madrid: Espasa-Calpe, 1992. p. 491-551.
HINARD, D. Poème du Cid: Texte Espagnol Accompagné d'Une Traduction Française.
Paris: s.n., 1858.
HORRENT, Jules. Cantar de Mio Cid/ Chanson de Mon Cid. Paris: Gante, 1982.
HUNTINGTON, Archer M. Poem Of The Cid: Text Reprinted From de Unique Manuscript
at Madrid. New York: The Hispanic Society of America, 1907.
155
FOREVILLE, Raimunda. (Ed.). LATARENSE IV. Vitória: Editorial ESET, 1972. História de los
Concilios Ecumenicos (6/2).
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. Cantar de Mio Cid: Texto, Gramática y Vocabulario. Madrid:
Espasa-Calpe, 1946. 3 v.
MICHAEL, Ian. Poema de Mio Cid. 2 ed. Madrid: s. n., 1978.
SÁNCHEZ, Thomas Antonio. Colección de Poesías Castellanas Anteriores al Siglo XV.
Madrid: Antonio de Sancha, 1779.
VOLLMÜLLER, K. Poema de Mio Cid. Halle: s. n., 1879.
2 – Obras de Caráter Teórico-metodológico
ATSMA, Hartmut; BURGUÈRE, André. Marc Bloch Aujourd'hui. Histoire Comparée et
Sciences Sociales. Paris: Editions l'EHESS, 1990.
BARROS, José D'Assunção. História Comparada: Um novo modo de ver e fazer História.
Revista de História Comparada, v. 1, n. 1, jun. 2007. Disponível em:
<http://www.hcomparada.ifcs.ufrj.br/revistahc/vol1-n1-jun2007/mododever.pdf>. Último acesso:
06/10/2007.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar,
2005.
BLOCH, Marc. Projet d’un Enseignement d’Histoire Comparée des Sociétés Européennes
(Candidature au Collège de France). In: Marc Bloch: L’Histoire, la Guerre, la sistance.
Édition étable par Annette Becker et Étienne Bloch. Paris: Gallimard, 2006. p. 443-450.
_____. Pour Une Histoire Comparée des Sociétés Européennes. In: Marc Bloch: L’Histoire, la
Guerre, la Résistance. Édition étable par Annette Becker et Étienne Bloch. Paris: Gallimard,
2006. p. 347-380.
_____. Os Reis Taumaturgos: O Caráter Sobrenatural do Poder Régio. França e Inglaterra.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Historiografia.
São Paulo: Unesp, 1997.
_____. Abertura: A Nova História, Seu Passado e Seu Futuro. In: _____ (Org.). A Escrita da
História: Novas Perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 7-38.
156
BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha; THEML, Neyde. História Comparada: Olhares
Plurais. Revista de História Comparada, v. 1, n. 1, jun. 2007. Disponível em:
<http://www.hcomparada.ifcs.ufrj.br/revistahc/vol1-n1-jun2007/olharesplurais.pdf>. Último
acesso em: 07/10/2007.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
BOURDIEU, Pierre. Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
CARDOSO, Ciro Flamarion S.; PÉREZ BRIGNOLI, Hector. Os Métodos da História. Uma
Introdução aos Problemas, Métodos e Técnicas da História Demográfica, Econômica e
Social. 6 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
CARR, Edward Hallet. Que é História? 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
CECCHETTO, Fátima Regina. O Debate Contemporâneo sobre a Masculinidade. In: _____.
Violência e Estilos de Masculinidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 51-72.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. 2 ed. Lisboa:
Difel, 2002.
_____. Diferenças Entre os Sexos e Dominação Simbólica (nota crítica). Cadernos Pagu, n. 4, p.
37-47, 1995.
CONNELL, R. W. Políticas da Masculinidade. Educação e Realidade, 20 (2), 185-206, 1995.
COULBORN, Rushton. A Paradigm for Comparative History? Current Anthropology, v. 10, n.
2/3, p. 175-178, abr./ jun.1969.
DAMATTA, Roberto. Tem Pente ? Reflexões Sobre a Identidade Masculina. In: CALDAS,
Dario (Org.). Homens: Comportamento, Sexualidade, Mudança, Identidade, Crise, Vaidade.
São Paulo: Editora SENAC, 1997. p. 31-49.
DERRIDA, Jacques. Papel-Máquina. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
DETIENNE, Marcel. Comparer l'Incomparable. Paris: Seuil, 2000.
DOSSE, François. A História à Prova do Tempo: Da História em Migalhas ao Resgate do
Sentido. São Paulo: Unesp, 1999.
_____. A História em Migalhas: Dos Annales à Nova História. São Paulo/ Campinas, SP:
Ensaio/ Editora Unicamp, 1994.
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
EAGLETON, Terry. A Idéia de Cultura. São Paulo: Unesp, 2000.
157
ELIAS, Nobert. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1994.
FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 3ª Ed. Lisboa: Presença, 1989.
_____. Une Esquisse d’Histoire Comparée. Revue de Synthèse Historique, n. 37, p. 151-152,
1924.
FIALHO, Fabrício Mendes. Uma Crítica ao Conceito de Masculinidade Hegemônica. Working
Papers. 2006. Disponível em:
<http://www.ics.ul.pt/publicacoes/workingpapers/wp2006/wp2006_9.pdf>. Último acesso:
01/11/2008.
FILHO, Silvio de Almeida Carvalho; LESSA, bio de Souza. Masculinidade? Uma Reflexão
Comparativa. In: LESSA, Fábio de Souza. (Org.). Poder e Trabalho: Experiências em História
Comparada. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 11-34.
FLAX, Jane. Pós-modernismo e Relações de Gênero na Teoria Feminista. In: HOLLANDA,
Heloísa Buarque (Org.). Feminismo e Política. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 217-250.
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. Reflexões Metodológicas sobre a Análise do
Discurso em Perspectiva Histórica: Paternidade, Maternidade, Santidade e Gênero. Cronos:
Revista de História, n. 6, p. 194-223, 2002.
_____. Literatura e História: Reflexões a partir de um Estudo de Caso. Redes, n. 3, p. 14-26,
set./dez. 1997.
HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora,
2006.
KOCKA, Jürgen. Comparison and Beyond. History and Theory, n. 42, p. 39-44, fev. 2003.
_____. Asymmetrical Historical Comparison: The Case of the German Sonderweg. History and
Theory, v. 38, n. 1, p. 40-50, 1999.
LAQUEUR, Thomas. Inventando o Sexo: Corpo e Gênero dos Gregos a Freud. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2001.
LYOTARD, Jean-François. Lê Différend. Paris: Les Éditions de Minuit, 1983.
MAIER, Charles S. La História Comparada. Studia Historica. Historia Contemporánea, v. 10-
11, p. 11-32, 1992-93.
MINELLO MARTINI, Nelson. Masculinidad/es: Es un Concepto en Construcción. Nueva
Antropología. Revista de Ciencias Sociales, n. 61, p. 11-30, 2002.
158
OLABÁRRI GORTÁZAR, Ignacio. Qué Historia Comparada. Studia Historica. Historia
Contemporánea, v. 10-11, 33-75, 1992-93.
OLIVEIRA, Pedro Paulo. A Construção Social da Masculinidade. Belo Horizonte/ Rio de
Janeiro: Editora UFMG/ IUPERJ, 2004.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Caminhos da Identidade: Ensaios sobre Etnicidade e
Multiculturalismo. São Paulo: Unesp, 2006.
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o Debate: O Uso da Categoria Gênero na Pesquisa Histórica.
História, v.24, n. 1, p. 77-98, 2005.
PÉROTIN-DUMON, Anne. Masculinidad. El Género en Historia, Institute of Latin American
Studies, University of London. Disponível em:
<http://americas.sas.ac.uk/publications/docs/genero_primera_cap4.pdf>. Último acesso em:
22/02/2008.
PIRENNE, Henri. De la thode Comparative en Histoire. In: MARES, G. des, GANSHOF, F.
L. (Eds.). Ve. Congrès International des Sciences Historiques. Bruxelles: Weissenbruch, 1923.
p. 19-28.
ROQUE DE BARROS, Laraia. Cultura Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.
SCOTT, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. In: _____. Gender
and Politics of History. New York: Columbia University Press, 1999. p. 28-50.
_____. Prefácio a Gender and Politcs of History. Cadernos Pagu, n.3, p. 11-27 1994.
_____. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: Novas
Perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 63-96.
SEWELL JR., William H. Marc Bloch and the Logic of Comparative History. History and
Theory, v. 6, n. 2, p. 208-218, 1967.
SOARES, S.B.C. (Org.). STRAUD 2002: Tutorais de Acesso às Bases de Dados On-line,
Referências e Outros Recursos Informacionais. São Paulo: Coordenadoria Geral de
Bibliotecas , UNESP, 2002. 1 CD-ROM. Apresentações em Power Point. Transcrito para
Microsoft Word Por Bruno G. Alvaro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Programa de Estudos
Medievais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. (mimeografado)
TOLSON, Andrew. Os Limites da Masculinidade. Lisboa: Assírio e Alvim, 1983.
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977.
159
WELZER-LANG, Daniel. Os Homens e o Masculino numa Perspectiva de Relações Sociais de
Sexo. In: SCHPUN, Mônica Raisa (Org.). Masculinidades. São Paulo/ Santa Cruz do Sul, RS:
Boitempo/ Edunisc, 2004. p. 107-128.
WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a Crítica da Cultura. 2 ed. São Paulo:
Edusp, 2001.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: Uma Introdução Teórica e Conceitual. In:
SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e Diferença: A Perspectiva dos Estudos Culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000. pp., 7-72
3 – Instrumentos de Estudo
ALVAR, Carlos; ALVAR, Manuel. Épica Medieval Española. Madrid: Cátedra, 1991.
GARCÍA DE CORTÁZAR, José Angel. La Época Medieval. Madrid: Alianza, 1988. Historia
de España, 2.
GARCÍA Y GARCÍA, Antonio. Historia del Concilio IV Lateranense de 1215. Salamanca:
Centro de Estudios Orientales y Ecuménicos Juan XXIII, 2005.
LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. (Org.). Dicionário Temático do Ocidente
Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2 v.
_____. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
LOYN, Henry R. (Org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
PEDRAZA, M. Alonso. Diccionario Medieval Español. Madrid: Salamanca, 1986. 2 v.
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa, 1995.
SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria Literária. 14 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
VALDEÓN, Julio; ZABALO JAVIER, Salrach, José Mª. Javier. Feudalismo y Consolidación
de los Pueblos Hispánicos (Siglos XI-XV). 3 ed. Barcelona: Labor, 1989. Historia de España, 4.
4 – Obras Específicas
ADAMS, Kenneth. The Metrical Irregularity of the Cantar de Mio Cid: A Restatement Based on
the Evidence of Names, Epithets and Some Other Aspects of Formulaic Diction. Bulletin of
Hispanic Studies, n. 49, p. 109-119, 1972.
ALONSO, Dámaso. Estilo y Creación en el Poema del Cid. Escorial, n. 8, p. 333-372, 1941.
160
ALVAR, Manuel. Gonzalo de Berceo Como Hagiógrafo. In: GONZALO DE BERCEO. Obra
Completa. Coordinado por Isabel Uría. Madrid: Espasa-Calpe, 1992. p. 29-60.
ARMISTEAD, Samuel G. Dos Tradiciones Épicas Sobre el Nacimiento del Cid. Nueva Revista
de Filología Hispánica, n. 46, p. 219-248, 1988.
AUBRUN, Charles V. La Métrique du Mio Cid est Réguliere. Bulletin Hispanique, n. 49, p.
332-372, 1947.
AUFRAY, Janine. Santiago Matamoros y el Cid Campeador. In: Congreso Internacional de
Asociaciones Jacobeas, 4, Palencia, 19-22 de Septiembre de 1996. Actas... España: Consejería de
Educación y Cultura, 1997. p. 275-288.
BALDWIN, Spurgeon. Deception and Ambush: The Cid’s Tactics at Castejón and Alcocer.
Modern Language Notes, v. 99, n. 2, p. 381-385, 1984.
BAÑOS VALLEJO, Fernando Juan. Lo Sobrenatural en la Vida de Santo Domingo. Disponível
em: <http://www.vallenajerilla.com/berceo/banosvallejo/sobrenaturalenVSD.htm>. Último
acesso: 29/02/2008.
BÁNUS, Enrique; LVAN, Luis. De Cómo Mio Cid y su Poema Viajaron a Alemania y
Retornaron a España: La Recepción de una Recepción. La Corónica, v. 23, n. 2, p. 21–80, 2000.
BAYO, Luis Carlos. Poetic Discourse Patterning in the Cantar de Mío Cid. The Modern
Language Review, v. 96, n. 1, p. 82–91, 2001.
BELTRÁN, Luis. Conflictos Interiores y Batallas Campales en el Poema de Mio Cid. Hispania,
v. 61, n. 2, p. 235-244, 1978.
BIAGGINI, Olivier. Le Témoin Impossible: Gonzalo de Berceo et la Construction de l'Auteur.
In: Congrès de la Société Hispanistes Français, 30. Actes... Brest: Université de Bretagne
Occidentale, 2002. p. 131-146.
BOIX JOVANÍ, Alfonso. El Erotismo en el Cantar de Mío Cid. Revista de Literatura
Medieval, v. 14, n. 1, p. 47-52, 2002.
BOYER, Agustín. Geography as a Lonking-Device in the Poema de Mio Cid. Romanic Review,
v. 89, n. 4, p. 463–74, 1993
BURT, John R. Honor and the Cid’s Beard. La Corónica, v. 9, n. 2, p. 132-137, 1981.
CANO AGUILAR, Rafael. La Sintaxis del Diálogo en Berceo. In: ARNOUX, Elvira N. de;
TULLIO, Angela di (Coord.). Homenaje a Ofelia Kovacci. Madrid: Eudeba, 2001. p. 113-130.
161
_____. La Construcción del Discurso en Siglo XIII: Diálogo y Narración en Berceo y el
Alexandre. Moenia: Revista Lucense de Lingüistica e Literatura, n. 5, p. 257-269, 1999.
CASTRO, Américo. Pensamiento y Sensibilidad Religiosa: Gonzalo de Berceo. Disponível em:
<http://www.vallenajerilla.com/berceo/americo.htm>. Último acesso: 01/01/2008.
CATALÁN, Diego. El Mio Cid, Nueva Lectura de su Intencionalidad Política. Symbolae
Ludovico Mitxelenae Septuagenario Oblatae, v. II, p. 807-819, 1985.
CIROT, Georges. L’épisode des Infants de Carrion (La Rouvraie de Corpes et le Retour a
Valence) dans le Mio Cid et la Chronique Générale. Bulletin Hispanique, n. 48, p. 64-74, 1946.
_____. L’épisode des Infants de Carrion (L’affaire du Lion et la Scène des Adieux) dans le Mio
Cid et la Chronique Générale. Bulletin Hispanique, n. 47, p. 124-133, 1945.
CHALON, Louis. À Propos des Filles du Cid. Le Moyen Âge, n. 73, p. 217-237, 1967.
CHASCA, Edmund de. Problemas en Torno a la Composición del Poema del Cid. In: MAGIS,
Carlos H. (Ed.). Congreso de la Asociación Internacional de Hispanistas, 3, México, 1968.
Actas... México: El Colegio de México, 1970. p. 233-240.
CLARKE, Dorothy Clotell. The Cid and His Daughters. La Corónica, v. 5, n. 1, p. 16-21, 1976-
1977.
CLAVERO, Dolores. El Motivo de la Bastardía en el Material Cidiano. Dicienda: Cuadernos de
Filología Hispánica, v. 9, p. 49-58, 1990.
CONTI, Marina. La Afrenta de Corpes a la Luz de Algunos Motivos Literario-folklóricos
Clásicos y Medievales. Revista de Filología Española, v. 63, n. 1-2, p. 73-90, 1983.
CORRAL LAFUENTE, José Luis; MARTÍNEZ GARCÍA, Francisco. Geografía e Historia en el
Poema de Mio Cid: La Localización de Alcocer. Revista de Historia Jerónimo Zurita, n. 55, p.
43-64, 1987.
CORREA, Gustavo. El Tema de la Honra en el Poema del Cid. Hispanic Review, v. 20, p. 185-
199, 1952.
CORTÉS, José. El Mundo Poético de Gonzalo de Berceo en la Vida de Santo Domingo de
Silos. 1972. Tese de Doutorado. Florida State University, Flórida, 1972.
CRIADO DE VAL, Manuel. Geografía, Toponimia e Itinerarios del Cantar de Mio Cid.
Zeitschrift für Romanische Philologie, n. 86, p. 83-107, 1970.
D’AVELLA, Paola; SCARNECCHIA, Antonella; XODO, Cinzia. Análisis de las Figuras
Femeninas del Poema de Mio Cid. Departamento de Lingua e Letteratura Spagnola de la
162
Università Cattolica del Sacro Cuore. Disponível em:
<http://cepadlab.unicatt.it/formazione/LinguaLettSpagnola_Liano/literaturaME/la%20mujer%20
en%20el%20poema%20de%20mio%20cid.htm>. Último acesso em: 10/01/2008.
DEYERMOND, Alan David. A Monument for Per Abad: Colin Smith on The Making of The
Poema de Mio Cid. Bulletin of Hispanic Studies, n. 52, p. 120-126, 1985.
_____. Berceo y la Poesía del Siglo XIII. Disponível em:
<http://www.vallenajerilla.com/berceo/deyermond.htm>. Último acesso: 03/02/2008.
DIKANDA MADELEINE, Komé Koloto de. La Ira Regia en el Poema de Mio Cid. Analecta
Malacitana, n. 16, 2004.
DOZY, Reinhardt. Le Cid d'Après de Nouveaux Documents. In:___. Recherches sur l’Histoire
et la Littérature de l’Espagne Pendant le Moyen Âge. 2 ed. Leyde: E. J. Brill, 1860. 2 v. V. 2.
p. 1-6.
DUBOIS, Gene W. Sobre Fuentes y Orígenes del Poema de Mío Cid: El Caso de la Afrenta de
Corpes. Nueva Revista del Pacífico, n. 4, p. 163–172, 1995.
DUTTON, Brian. La Fecha del Nacimiento de Gonzalo de Berceo. Berceo, n. 94-95, p. 265-268,
1978.
_____. A Chronology of the Works of Gonzalo de Berceo. In: DEYERMOND, Alan David.
Medieval Hispanic Studies Presented to Rita Hamilton. Londres: Tamesis, 1976. p. 67-76.
_____. La Profesión de Gonzalo de Berceo y el Manuscrito del Libro de Alexandre. Berceo, n.
80, p. 285-294, 1968.
_____. Gonzalo de Berceo y los Cantares de Gesta. Berceo, n. 77, p. 407-416, 1965.
_____. Gonzalo de Berceo y la Crónica de Fernán González de Arredondo. Berceo, n. 73, p. 407-
418, 1964.
_____. Gonzalo de Berceo: Unos Datos Biográficos. In: JONES, Cyril A.; PIERCE, Frank
(Coord.). Primer Congreso Internacional de Hispanistas (Celebrado en Oxford del 6 al 11 de
Septiembre de 1962). Actas... España: The Dolphin Book, 1964. p. 249-254.
_____. ¿Ha estado Gonzalo de Berceo en Silos? Berceo, n. 58, p. 111-114, 1961.
FERNÁNDEZ JIMÉNEZ, Juan. La Cobardía en dos Poemas Épicos: La Chançun de Willame y
el Poema de mío Cid. Anuario de Letras, v. 22, p. 261-272, 1984.
163
FERNÁNDEZ PÉREZ, Juan Carlos. El estilo de Berceo y sus fuentes latinas: La vida de Santo
Domingo de Silos, los Milagros de Nuestra Señora y los Himnos: Análisis Comparativo.
Santiago de Compostela: Universidad de Santiago de Compostela, 2005.
FLETCHER, Richard. Em Busca de El Cid. São Paulo: Unesp, 2002.
FOX, Dian. Pero Vermúez and the Politics of the Cid’s Exile.The Modern Language Review,
n. 78, p. 319-327, 1983.
FRANCHINI, Enzo. Gonzalo de Berceo y el Otro Latino: Sobre la Copla 2 de la Vida de Santo
Domingo de Silos. La Corónica, v. 28, n. 1, p. 25-34, 1999.
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. A Santidade como Construção Histórica: O Caso
de Santo Domingo de Silos. Encontro Internacional de Estudos Medievais da ABREM. IV, Belo
Horizonte, 6 a 8 de julho de 2001. Anais... Belo Horizonte: PUC-Minas, 2003. p. 640-648.
_____. A Bíblia na Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo. In: WESTPHALEN,
C. M. (Ed.). Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, 15, Rio de Janeiro, 23 a 26
de julho de 1995. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, 1996. p.
85-88.
_____. A Moralização do Clero Castelhano no Século XIII. Veritas: Revista da Pontificia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, v. 40, n. 159, p. 559-576, 1995.
_____. La Trayectoria Intelectual de Gonzalo de Berceo. Disponível em:
<http://www.vallenajerilla.com/berceo/indice_andreia.htm>. Último acesso: 10/04/2006.
_____. Hagiografia, História e Poder: As Vidas de Santos de Gonzalo de Berceo. (No prelo).
GARCÍA DE LA BORBOLLA, Ángeles. Santo Domingo de Silos en el Siglo XIII: un Santo, una
Abadía, un Rey. In: Silos: Un Milenio. Congreso Internacional Sobre la Abadía de Santo
Domingo de Silos, 2001. Actas... España: Universidad de Burgos, 2003. V. 1. p. 449-464.
_____. Santo Domingo de Silos, El Santo de la Frontera: La Imagen de la Santidade a Partir de
las Fuentes Hagiográficas Castellano-lenonesas del Siglo XIII. Anuario de Estudios
Medievales, v. 31, n. 1, p. 127-146, 2001.
GARCÍA DÍEZ, Marcos. El Cid y Cardeña Historia y Poema. In: FERNÁNDEZ ALONSO,
César (Coord.). El Cid, Poema e Historia: Congreso Internacional, 12-16 de julio, 1999. Actas...
Burgos: Ayuntamiento de Burgos, 2000. p. 265-269.
GARCÍA MONTORO, Adrián. Good or Bad Fortune on Entering Burgos? A Note on Bird-
Omens in the Cantar de Mio Cid. Modern Language Notes, v. 89, n. 2, p. 131-145, 1974.
164
GIMENO CASALDUERO, Joaquín. Joaquín. El Misterio de la Redención y la Cultura
Medieval: el Poema de Mío Cid y los Loores de Berceo. Murcia: Academia Alfonso X el
Sabio, 1988.
_____. Berceo: La Norma Hagiográfica de la Vida de Santo Domingo de Silos. In: LOPEZ,
François et al. (Coord.). V Congreso Internacional de Hispanistas, Actas..., n. 2, p. 441-448,
1977.
GIMÉNEZ RESANO, Gaudioso. Cómo Vulgariza Berceo sus Fuentes Latinas. Berceo, n. 94-95,
p. 17-28, 1978.
GIRÓN ALCONCHEL, José Luis. La Cohesión en el Poema de Mio Cid y el Problema de su
Comienzo. In: WARD, Aengus (Coord.). Congreso de la Asociación Internacional de
Hispanistas, 12, 21-26 de agosto de 1995. Actas... Birmingham: University of Birmingham,
1998. V. 1. p. 183-192.
GÓMEZ REDONDO, Fernando. El Poema del Cid Ante la Crítica. Dicienda: Cuadernos de
Filología Hispánica, n. 5, p. 239-248, 1986.
GONZÁLEZ JIMÉNEZ, Manuel. El Cid, Personaje Histórico, Personaje Literario. In:
FERNÁNDEZ ALONSO, César (Coord.). El Cid, Poema e Historia: Congreso Internacional, 12-
16 de julio, 1999. Actas... Burgos: Ayuntamiento de Burgos, 2000. p. 319-321.
GRAF, E. C. Huellas de la Violencia Mimética y su Resolución Fálico-política en el Poema de
Mío Cid. La Corónica, v. 28, n. 2, p. 101–128, 2000.
GRANDE QUEJIGO, Francisco Javier. “Quiero leer un libro”: Oralidad y Escritura en el Mester
de Clerecía. In: CÁTEDRA GARCÍA, Pedro Manuel; LÓPEZ-VIDRIERO ABELLO, María
Luisa; PÁIZ HERNÁNDEZ, María Isabel (Coord.). La Memoria de los Libros: Estudios Sobre
la Historia del Escrito y de la Lectura en Europa y América. España: Instituto de Historia del
Libro y de la Lectura, 2004. V. 2. p. 101-112.
_____.Formulismos en Berceo: Materia Épica y Métrica Clerical. Anuario de Estudios
Filológicos, n. 23, p. 205-228, 2000.
_____. Orígenes del Castellano Literario: Testimonios Formulares de la Composición y Difusión
en Gonzalo de Berceo. In: GARCÍA TURZA, Caludio; GONZÁLEZ BACHILLER, Fabián;
MANGADO MARTÍNEZ, José Javier (Coord.). Congreso Internacional de Historia de la Lengua
Española, 4, La Rioja, 1-5 de abril de 1997. Actas... Logroño: Universidad de la Rioja, 1998. V.
2. p. 485-496.
165
_____. Estructura Hagiográfica en la Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo.
Disponível em: <http://www.vallenajerilla.com/notabene/indice_grande.htm>. Último acesso:
17/07/2006.
GUTIÉRREZ AJA, María del Carmen; RIAÑO RODRÍGUEZ, Timoteo. El Cantar de Mío Cid.
2: Fecha y Autor del Cantar de Mío Cid. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes,
2006. Disponível para download em:
<http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=17997>. Último acesso em 03/02/2008.
HARNEY, Michael. Social Stratification and Class Ideology in the Poema de Mio Cid and the
Chanson de Roland. In: KAGAY, Donald J.; SNOW, Joseph T. (Eds.). Medieval Iberia: Essays
on the History and Literature of Medieval Spain. New York: Peter Lang, 1997. p. 77–102.
_____. Kinship and Polity in the Poema de Mio Cid. Indiana: Purdue University Press, 1993.
_____. Class Conflict and Primitive Rebellion in the Poema de Mio Cid. Olifant, n. 12, p. 171-
219, 1987.
HART, Thomas R. Movilidad Social, Rebelión Primitiva y la Emergencia del Estado en el
Poema de Mio Cid. In: RAMON RESINA, Joan. Mythopoesis: Literatura, Totalidad, e
Ideología. Barcelona: Anthropos, 1992. p. 65–101.
HIGASHI, Alejandro. La Tradición Manuscrita en el Poema de mio Cid a la Luz de una
Intepolación (vv. 404-412). Nueva Revista de Filología Hispánica, v. 42, n. 2, p. 459-488,
1994.
LABARTA DE CHAVES, Teresa. Introducción Biográfica y Crítica. In: GONZALO DE
BERCEO. Vida de Santo Domingo de Silos. 3 ed. Edición, introducción y notas de Teresa
Labarta de Chaves. Madrid: Editorial Castalia, 1987. p. 9-55.
LACARRA DUCAY, María Jesús. La Maestría de Gonzalo de Berceo en la Vida de Santo
Domingo de Silos. Dicenda: Cuadernos de Filología Hispánica, n. 6, p. 165-176, 1987.
LACARRA, María Eugenia. El Poema de Mio Cid: Realidad Histórica e Ideología. Madrid:
Porrúa, 1980.
MALLORQUÍ RUSCALLEDA, Enric. La Configuración del Protagonista en el Cantar de Mío
Cid. Disponível em: <http://hottopos.com/mirand12/enmall.htm>. Último acesso: 02/02/2008.
MARTÍNEZ FERNÁNDEZ, Celso. Temática Connotativa en el Cantar de Corpes (Poema de
Mio Cid. vv. 2543-2900). Archivum: Revista de la Facultad de Filología, v. 54-55, p. 273-313,
2004-2005.
166
MARTÍNEZ RICO, Eduardo. El Cid: El Heróe Literario a Través de los Siglos. Dicienda:
Cuadernos de Filología Hispánica, v. 24, p. 337-245, 2006.
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. La España del Cid. 4 ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1947. 2 v.
MICHAEL, Ian. Per Abbat ¿Autor o Copista? Enfoque de la Cuestión. Homenaje a Alonso
Zamora Vicente, v. 3, t. 1, p. 179-205, 1991.
MIGUEL REBOLES, María Teresa de. Fuenes Para Algunos Símbolos en la Vida de Santo
Domingo de Silos. In: FERNÁNDEZ FREZ, José Antonio (Ed.). Silos: Un milenio. Congreso
Internacional Sobre la Abadía de Santo Domingo de Silos. Actas... Burgos: Universidad de
Burgos, 2003. V 2. p. 513-520.
MONTANER FRUTOS, Alberto. Un Posible Eco del Cantar del Mio Cid en Gonzalo de Berceo.
In: LÚCIA MEGÍAS, José Manuel (Coord.). VI Congreso Internacional de la Asociación
Hispánica de Literatura Medieval, Alcalá de Henares, 12-16 de Septiembre de 1995, Actas...
España: Universidad de Alcalá de Henares, 1997. p. 1057-1069.
_____. Mythopoeia and Myopia: Colin Smith’s The Making of The Poema de Mio Cid. Journal
of Hispanic Philology, n. 8, p. 7-16, 1983.
MORENO MARTÍNEZ, José Luis. Santo Domingo de Silos: Sacerdote en Cañas y Ermitaño en
Laguna de Cameros. Berceo, n. 144, p. 17-36, 2003.
MORETA VELAYOS, Salustiano. Entre la Historia y la Literatura: El Cid. La Creación de un
Personaje Histórico. In: IGLESIA DUARTE, José Ignacio de la; MATÍN RODRÍGUEZ, José
Luis (Coord.). Memoria, Mito y Realidad en la Historia Medieval: Semana de Estudios
Medievales, 13, 29 de julio al 2 de agosto de 2002. Actas... Nájera: Instituto de Estudios
Riojanos, 2003. p. 363-380.
NIETO PÉREZ, María de los Reyes. Redimir al Cautivo: Fundamento de la Estructura del Relato
en la Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo. In: ACINAS LOPE, Blanca (Ed.).
Silos. Un Milenio: Congreso Internacional sobre la Abadía de Santo Domingo de Silos. Actas...
v. 3, p. 525-538, 2003.
PEÑA PÉREZ, Francisco Javier. Los Monjes de San Pedro de Cardeña y el Mito del Cid. In:
IGLESIA DUARTE, José Ignacio de la; MATÍN RODRÍGUEZ, José Luis (Coord.). Memoria,
Mito y Realidad en la Historia Medieval. Semana de Estudios Medievales, 13, 29 de julio al 2 de
agosto de 2002. Actas... Nájera: Instituto de Estudios Riojanos, 2003. p. 331-344.
PÉREZ ESCOHOTADO, Javier. Berceo como Traductor: Fidelidad y Contexto en la Vida de
167
Santo Domingo de Silos. Livius: Revista de estudios de Traducción, n. 3, p. 217-228, 1993.
PIÑERO VALVERDE, María de la Concepción. Violencia y Benevolencia: Dos Poblaciones
Moras Conquistadas en el Poema de Mio Cid. Polifonia: Periódico do Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal do Mato Grosso, v. 8, n. 11,
p. 1-16, 2005-2006.
_____. O Poema de Mio Cid: Subsídios para uma Tradução Brasileira. Disponível em:
<http://www.hottopos.com/notand3/miocid.htm>. Último acesso: 10/02/2006.
FOX, Dian. Pero Vermúez and the Politics of the Cid’s Exile.The Modern Language Review,
n. 78, p. 319-327, 1983.
RATCLIFFE, Marjorie. Diego, Hijo del Cid, y la Fecha de Composición del Cantar de Mio Cid.
Dicienda: Cuadernos de Filología Hispánica, v.9, p. 163-170, 1990.
RUBIO GARCÍA, Luis. El Monasterio de Cardeña y El Cid. In: ALONSO GARCÍA, Manuel
José; DAÑOBEITIA FERNÁNDEZ, María Luisa; RUBIO FLORES, Anotonio Rafael (Coord.).
Literatura y Cristiandad: Homenaje al Profesor Jesús Montoya Martínez. Estudios Sobre
Hagiografía, Mariología, Épica, y Retórica. Granada: Universidad de Granada, 2001. p. 463-
482.
RUIZ DOMÍNGUEZ, Juan Antonio. El Mundo Espiritual de Gonzalo de Berceo. Logroño:
Gobierno de La Rioja/ Instituto de Estudios Riojanos, 1999.
RUSSEL, Peter. E. San Pedro de Cardeña na the Heroic History of The Cid. MAe, n.28, p.57-79,
1958.
SCHAFFER, Martha E. Poema or Cantar de Mio Cid: More on the Explicit. Romance Philology,
n. 63, p. 113-153, 1989.
SEVILLA-QUIÑONES DE LEÓN, Margarita C. Torre. El Linaje del Cid. In: BARRIO
BARRIO, Juan Antonio (Coord.). Anales de la Universidad de Alicante (Historia Medieval),
n. 13, p. 6-49, 2001-2002.
SMITH, Colin. Introducción. In: ANÔNIMO. Poema de Mio Cid. Edición de Colin Smith. 22ª
Ed. Madrid: Catedra, 2001. p. 17-139.
_____. ¿Se Escribió en Cardeña el Poema de Mio Cid?. In: Homenaje a Alvaro Galmés de
Fuentes. Madrid: Gredos, 1985. V. 2. p. 463-474.
_____. The Making of The Poema de Mio Cid. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.
168
UBIETO ARTETA, Antonio. Otro Dato Sobre la Cronología del Cantar de Mio Cid. En la
España Medieval, n. 3, p. 673-679, 1982.
_____. El Sentimiento Antileonés en el Cantar de Mio Cid. En la España Medieval, n. 1, p.
557-574, 1980.
URIATE REBAUDI, Lia Noemi. Gonzalo de Berceo, Juglar Religioso. In: CRIADO DE VAL,
Manuel. (Dir.). La Juglaresca: Actas del I Congreso Internacional Sobre la Juglaresca.
Madrid: Edi – 6, 1986. p. 283-291.
VIVANCOS GÓMEZ, Miguel Carlos. Domingo de Silos: Historia y Leyenda de un Santo. In:
FERNÁNDEZ FLÓREZ, José Antonio (Ed.). Silos. Un Milenio: Congreso Internacional sobre la
Abadía de Santo Domingo de Silos. Actas... v. 2, p. 223-264, 2003.
WALKER, Roger M. The Infantes de Carrión and the Final Duels in the Poema de Mio Cid. La
Corónica, v. 6, n. 1, p. 22-25, 1977.
WEBER DE KURLAT, Frida. La Visión de Santo Domingo de Silos: Berceo, Vida de Santo
Domingo de Silos, Cuartetas 224-251. Estudios Ofrecidos a Emilio Alarcos Llorach, v. 3, p.
489-508, 1978.
_____. Notas Para la Cronología y Composición Literaria de las Vidas de Santos de Berceo.
Nueva Revista de Filología Hispánica, n° 15, p. 113-130, 1961.
WEBBER, Ruth House. Historicidad y Tradicionalidad en el Cantar de Mio Cid. In: BELLINI,
Giuseppe (Ed.). VII Congreso de la Asociación International de Hispanistas, Venecia, 1980.
Actas... Roma: Bulzoni, 1982, p. 581-590. V. II.
ZADERENKO, Irene. Problemas de Autoría, de Estructura y de Fuentes en el Poema de Mio
Cid. Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá, 1998.
5 – Obras Gerais
ASCHERL, Rosemery. The Technology of Chivalry in Reality and Romance. In:
CHICKERING, Howell; SEILER, Thomas H. The Study of Chivalry: Resources and
Approaches. Michigan: Western Michigan University, Medieval Institute, 1988. p. 173-211.
BAÑOS VALLEJO, Fernando Juan. El Conocimiento de la Hagiografía Medieval Castelhana:
Estado de la Cuestión. In: VITSE, Marc (Coord.). Homenaje a Henri Guerreiro: La
Hagiografía entre Historia y Literatura en la España de la Edad Media y del Siglo de Oro.
Madrid: Iberoamericana, 2006. p. 65-96.
169
______. La Hagiografía como Género Literario en la Edad Media: Tipología de Doce Vidas
Individuales Castellanas. Oviedo: Departamento de Filología Española, 1989.
BALESTRINI, María Cristina. La Hagiografía de Clerecía como Discurso de la Verdad: Una
Revisión del Problema. Letras: Revista de la Facultad del Filosofía y Letras de la Pontificia
Universidad Católica Argentina Santa María de los Buenos Aires, n. 52-53, p. 138-145,
2005-2006.
BATANY, Jean. Escrito/oral. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2
v. V. 1. p. 283-395.
BLOCH, R. Howard. Misoginia Medieval e a Invenção do Amor Romântico Ocidental. Rio
de Janeiro: Editora 34, 1995.
BOESCH GAJANO, Sophia. Santidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.).
Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do
Estado, 2002. 2 v. V. 2. p. 449-464.
CARDINI, Franco. O Guerreiro e o Cavaleiro. In: LE GOFF, Jacques (Dir.). O Homem
Medieval. Lisboa: Presença, 1989. p. 57-78.
CASO GONZÁLEZ, José. Mester de Clerecía/ Mester de Juglaría: ¿Dos Mesteres o dos Formas
de Hacer Literatura? Disponível em:
<http://www.vallenajerilla.com/berceo/casogonzalez/juglariaclerecia.htm>. Último acesso:
29/02/2008.
CHARLES, Christofe; VERGER, Jacques. História das Universidades. São Paulo: Unesp,
1996.
DEYERMOND, Alan David. La Sexualidad en la Épica Medieval Española. Nueva Revista de
Filología Hispánica, n. 36, p. 768-786, 1988.
DÍAZ IBÁNEZ, J. La Organización Institucional de la Iglesia en la Edad Media. Madrid:
Arco, 1998.
DUBY, Georges. Guilherme Marechal ou o Melhor Cavaleiro do Mundo. Rio de Janeiro:
Graal, 1995.
_____. O Domingo de Bouvines: 27 de Julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
_____. A Sociedade Cavaleiresca. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
_____. A Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982.
170
DUTTON, Brian. Berceo's Bad Bishop in the Vida de Santa Oria. In: _____; WOODROW
HASSELL, J.; ESTEN KELLER, John. (Eds.). Medieval Studies in Honor of Robert White
Linker. Valencia: Castalia, 1973. p. 95-102.
FLORI, Jean. Cavalaria. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2
v. V. 1. p. 185-199.
_____. La Guerre Sainte: La Formation de l’Idée de Croisade dans l’Occident Chrétien.
Paris: Aubier, 2001.
_____. La Caballería. Madrid: Alianza, 2001.
FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. A Cúria Papal e a Diocese de Calahorra: As
Transferências Normativas do Poder Eclesiástico Central ao Local no culo XIII. In: LESSA,
Fábio de Souza. (org.). Poder e Trabalho: Experiências em História Comparada. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2008. p. 59-84.
_____. Introdução. In: FRAZÃO DA SILVA, Andréia Cristina Lopes. (Org.). Hagiografia e
História: Reflexões Sobre a Igreja e o Fenômeno da Santidade na Idade Média Central. Rio
de Janeiro: HP Comunicação Editora, 2008. p. 7-14.
_____. Os Concílios Lateranenses e a Vida Religiosa Feminina: Reflexões Sobre as Normativas
Papais Direcionadas às Monjas nos Séculos XII e XIII. In: XIII Encontro de História Anpuh -
Rio, 2008, Seropédica. Anais Eletrônicos. Seropédica: UFRRJ, 2008. v. 1. p. 1-9. Disponível
em:
<http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1212952596_ARQUIVO_Anpu
hregional_2008_AndreiaCLFrazaodaSilva_FINAL.pdf>.
_____. Hagiografia e Poder nas Sociedades Ibéricas Medievais. Revista de Ciências Humanas.
Curitiba, v. 10, p.135 - 172, 2001.
GARCÍA DE LA BORBOLLA, Ángeles; AURELL, Martin (Coord.). La Imagen del Obispo
Hispano en la Edad Media. Universidad de Navarra: EUNSA, 2004.
_____. El Papel de los Monasterios en las Peregrinaciones Hispanas Medievales: Cultos Locales
y Tráfico de Reliquias. In: AGUIRRE, Ruiz; GARCÍA DE CORTAZAR, José Angel; TEJA
CASUSO, Ramón (Coord.). Monasterios y Peregrinaciones en la España Medieval. Madrid:
Fundación Santa María la Real, 2004. p. 50-71.
171
______. La Leyenda Hagiográfica Medieval: ¿Una Especial Biografía?. Memoria y
Civilización: Anuario de Historia de la Universidad de Navarra, n. 5, p. 77-99, 2002.
______. La Praesentia y la Virtus: La Imagen y la Función del Santo a partir de la
Hagiografía Castellano-leonesa del Siglo XIII. Santo Domingo de Silos: Abadía de Santo
Domingo de Silos, 2002.
_____. La Materialidad Externa de los Santos: Sepulcros, Reliquias y Peregrinaciones en la
Hagiografía Castellano-leonesa (Siglo XIII). Medievalismo: Boletín de la Sociedad Española
de Estudios Medievales, v. 11, n. 11, p. 9-32, 2001.
______. La Hagiografía Medieval, Una Particular Historiografía: Un Balance del Caso Hispano.
Hispania sacra, v. 51, n. 104, p. 687-702, 1999.
GARCÍA TURZA, Claudio. Problemas Textuales en el Mester de Clerecía. Bol. de la
Asociación Europea de Profesores de Español, 34-35, p. 81-89, 1986.
GONZÁLEZ CASANOVAS, Roberto J. Fernando III como Rey Cruzado en la “Estoria de
Espanna” de Alfonso X: La Historiografía como Mitografía en torno a la Reconquista
Castelhana. In: WARD, Aengus (Coord.). XII Congreso de la Asociación Internacional de
Hispanistas, 21-26 de agosto de 1995. Actas... Reino Unido: University of Birmingham, 1998. p.
193-204.
GONZÁLEZ GONZÁLEZ, Julio. Fijación de la Frontera Castelhano-leonesa en el Siglo XII. En
la España Medieval, n. 2, p. 411-424, 1982.
GRASSOTTI, Hilda. La Ira Regia en León y Castilla. Cuadernos de Historia de España, n. 41
e 42, p. 5-135, 1965.
GUENÉE, Bernard. Corte. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial do Estado, 2002. 2
v. V. 1. p. 269-281.
GYBBON-MONNYPENNY, G. B. The Spanish Mester de Clerecía and its Intended Public:
Concerning the Validity as Evidence of Passages of Direct Address to Audience. Medieval
Miscellany, p. 230-244, 1965.
HERNÁNDEZ, Francisco Javier. Las Cortes de Toledo de 1207. In: Las Cortes de Castilla y
León en la Edad Media: Primera Etapa del Congreso Científico sobre la Historia de las Cortes de
Castilla y León, Burgos 30 de septiembre a 3 de octubre de 1986. Actas... España: Cortes de
Castilla y León, 1988. p. 219-266. Vol. 1.
172
JANER, F. Poetas Castellanos Anteriores al Siglo XV. Madrid: Biblioteca de Autores
Españoles, 1864. p. 1-38.
LACARRA, María Eugenia. La Mujer Ejemplar en Tres Textos Epicos Castelhanos. Cuadernos
de Investigación Filológica, v. XIV, p. 5-20,1988.
LADERO QUESADA, Miguel Angel; NIETO SORIA, José Manuel. Iglesia y Sociedad en los
Siglos XIII al XV (ámbito castelhano-leonés): Estado de la Investigación. En la España
Medieval, n. 11, p. 125-152, 1988.
LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
LINEHAN, P. La Iglesia Española y El Papado en el Siglo XIII. Salamanca: Universidad
Pontificia de Salamanca, 1975.
LOMAX, Derek W. The Lateran Reforms and Spanish Literature. Iberoromania, 1, p.299-313,
1969.
LÓPEZ-RÍOS, Santiago. El Concepto de Salvaje” en la Edad Media Española: Algumas
Consideraciones. Dicienda: Cuadernos de Filología Hispánica, n. 12, p. 145-155, 1994.
LORING GARCÍA, María Isabel. La Restauración de Santa María del Puerto y el Rey García de
Nájera: Un Caso de Encomendación Monástica. En la España Medieval, v. 4, p. 537-564, 1984.
2. MARTÍN VISO, Iñaki. Monasterios y Poder Aristocrático en Castilla en el Siglo XI.
Brocar: Cuadernos de Investigación Histórica, n. 20, p. 91-134, 1996.
MARTINEZ DIEZ, G. Fernando III (1217-1252). Palencia: La Olmeda, 1993.
MATEU IBARS, Josefina. La Confirmatio del Signifer, Armiger y Alférez Según
Documentación Astur-leonesa y Castelhana. En la España Medieval, v.1, p. 263-316, 1980.
MENENDEZ Y PELAYO, M. El Mester de Clerecía. In: _____. Antologia de Poetas Líricos
Castellanos desde la Formación del Idioma Hasta Nuestros Dias. Madrid: Ed. Nacional,
1944.T. 1. p.151-211.
PALACIOS MARTÍN, Bonifacio. La Recepción de los Valores Caballerescos por la Monarquía
Castellano-Leonesa. In: Codex Aqvilarensis: Cuadernos de Investigación del Monasterio de
Santa María la Real, p. 79-119, 1998.
PÉREZ-EMBID WAMBA, Francisco Javier et. al. La Reforma Gregoriana y su Proyección en
la Cristiandad Occidental. Siglos XI-XII. Navarra: Departamento de Cultura y Turismo/
Institución Príncipe de Viana, 2006.
173
_____. Hagíologia y Sociedad en la España Medieval: Castilla y León (Siglos XI-XIII).
Huelva: Universidad de Huelva, 2002.
REILLY, Bernard F. Cristãos e Muçulmanos: A Luta pela Pensula Ibérica. Lisboa:
Teorema, 1992.
_____. The Kingdom of Leon-Castilla under King Alfonso VI, 1065-1109. Princeton:
Princeton University Press, 1988.
REPRESA RODRÍGUEZ, Amando. Palencia: Breve Análisis de su Formación Urbana Durante
los Siglos XI-XIII. En la España medieval, n. 1, p. 385-398, 1980.
RUCQUOI, Adeline. La Double Vie de l'Université de Palencia (c.1180-c.1250), Studia
Gratiana, n. 29, p. 723-748, 1998.
RUSSELL, Peter E. Temas de La Celestina y Otros Estudios: Del Cid al Quijote. Barcelona:
Ariel, 1978.
SALVADOR MIGUEL, Nicasi. Mester de clerecía, marbete caracterizador de un género literario.
Revista de Literatura, v. 42, n.º 82, p. 5-30, 1979.
SCHMITT, Jean-Claude. Clérigos e Leigos. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude
(Org.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru/ São Paulo: Edusc/ Imprensa Oficial
do Estado, 2002. 2 v. V. 1. p. 237-251.
SMITH, Colin. Los Orígenes de la Poesía Vernácula en España. In: GORDON, Alan M.; RUGG,
Evelyn (Coord.). Congreso Internacional de Hispanistas, 6. Actas... Toronto: University of
Toronto, 1980. p. 26-35.
SOUZA, Néri de Almeida. Hipóteses Sobre a Natureza da Santidade: O Santo, o Herói e a Morte.
Signum: Revista da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais), v. 4, p. 11-47,
2002.
TERESA LEÓN, María. Doña Jimena Díaz de Vivar: Gran Señora de Todos los Deberes.
Madrid: Editorial Castalia, 2004.
TUDELA Y VELASCO. María Isabel Pérez. Acerca de la Condición de la Mujer Castelhano-
Leonesa Durante la Bajo Edade Media. En la España Medieval, v. 5, p. 767-796, 1984.
ÚRIA MAQUA, Isabel. Sobre la Unidad del Mester de Clerecía del Siglo XIII. Hacia un
Replanteamiento de la Cuestión. In: GARCIA TURZA, C. (Ed.). Jornadas de Estudios
Berceanos, Logroño, 3 a 5 de dezembro de 1979. Actas ... Logroño, Instituto de Estudios
Riojanos, 1981. p.179-188.
174
VERGER, Jacques. Les Universités au Moyen Âge. Paris: PUF, 1999.
6 – Sítios Consultados
Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes: <http://www.cervantesvirtual.com>. Último acesso
em: 15/10/2007.
Biblioteca Gonzalo de Berceo: <http://www.vallenajerilla.com/berceo/>. Último acesso:
03/03/2008.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo