Assim como o Cristo Encarnado - o Deus que se fez homem - somos chamados a viver a fé
em meio ao mundo criado e amado por Deus. Jesus sentava-se a mesa com amigos e
inimigos, participava das festas e tradições do seu povo e nos chama a vivermos uma
espiritualidade não alienada, mas participativa no mundo . Em sua tese de doutorado
Sanctorium Communio - Um Estudo Teológico da Sociologia da Igreja, ele expressou isso
da seguinte forma: “precisamente no contexto diário da vida que a igreja é crida e
experimentada”. Na conformação com o Cristo Crucificado, ele nos diz que a marca e o
sucesso da Igreja neste mundo chama-se cruz, e não a glória e o sucesso visíveis. Nos
últimos anos tem crescido em nossa terra a 'teologia da prosperidade', que afirma que todo
o sofrimento é conseqüência de pecado e falta de fé. Não rejeitando a possibilidade de uma
vida terrena próspera, nosso teólogo escreveu em uma das suas cartas da prisão “que a
benção inclui a cruz, e que a cruz inclui a benção”. E em Sanctorium Communio ele diz: “a
realidade da igreja não é experimentada em momentos de exaltação espiritual, mas com as
rotinas e sofrimentos da vida diária, no contexto do serviço ordinário”. E na conformação
com o Cristo Ressuscitado e Transfigurado, ele nos fala da realidade da nova criação em
Cristo, que já manifesta os sinais do seu reino no tempo presente. A partir então dessa
conformação com a encarnação, cruz e ressurreição, vem então a sua definição
eclesiológica: “a Igreja é Cristo existindo em forma de comunidade”.
“Na Igreja temos um único altar, o altar do Altíssimo, diante do qual todas as
criaturas devem dobrar os joelhos” (sermão de fevereiro de 1933, logo após a ascensão de
Hitler ao poder). É diante do altar do Deus que se fez homem, morreu e ressuscitou que a
igreja tem de servir e deixar que o amor do seu Senhor se reflita ao mundo. Uma igreja que
crê e vive nessa comunhão do Cristo total, não se deixa intimidar diante dos poderes
contrários à vontade de Deus, sejam eles de ordem secular ou religiosa, nem se torna
subserviente de uma estrutura política corrupta e criminosa. O Brasil atravessa um
momento bastante difícil: índice de analfabetismo e criminalidade alarmantes, contraste
social marcante, onde há uma concentração maior de riquezas por uns poucos, e um
número cada vez maior de pobres vivendo em condições sub-humanas. Uma crise política
preocupante, onde candidatos de caráter duvidoso, barganham favores em troca de votos
dos cristãos. Portanto de acordo com a encarnação, devemos buscar o reino de justiça e paz
dentro do nosso contexto. Devemos também ter a coragem de se preciso for, sofrer por
causa da nossa fé e pela causa da justiça em conformidade com a cruz. Mas tudo isso na
comunhão do Ressuscitado que prometeu fortalecer e estar com a sua Igreja até a
consumação dos séculos.
Finalmente tudo isso ganha um valor especial pela forma com que Bonhoeffer
refletiu em sua vida essas realidades. Amou a igreja do seu tempo, sofreu com ela e por
ela, mas também participou ativamente do destino da sua pátria, e quando viu que a sua
igreja silenciou diante de tanta injustiça, que os cristãos não levantaram suas vozes em
favor “dos irmãos mais fracos e indefesos de Jesus Cristo-(os judeus e os 200.000
considerados indignos de viver, entre eles os deficientes físicos e mentais, todos estes
condenados a eutanásia, mais os milhares de ciganos, homossexuais e testemunhas de
Jeová levados para os campos de extermínio)” não calou e nem desistiu mesmo sabendo o
risco que iria correr se fosse adiante pela causa. Consciente que o discípulo não está acima
do seu mestre e nem o servo acima do seu senhor , não se conformou em ser um cúmplice
dos crimes praticados pelo seu próprio povo, pagando assim um alto preço, o martírio aos
39 anos de idade. Sua vida é um testemunho vivo de suas palavras que merecem e devem
ser conhecidas e estudadas por nossa Igreja no Brasil.