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O primeiro deles, publicado na edição de 26/05/1973, sob o título de Poesia sem
data, é sobre o
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SONETO XXXVII de Mário Quintana . Depois de exaltar a qualidade dos
versos de Quintana, Guilhermino faz uma pausa para a reflexão. Vale a pena reproduzi-la:
A verdade é que os teoristas de todas as latitudes perdem o seu tempo, e nos fazem
perder o nosso, quando buscam definir a poesia. É a velha questão de sempre:
pretenderem encontrar por meio da psicanálise
os pontos e os nós onde eles não
existem – no inconsútil. Se ao químico é lícito dizer: numa gota d’água tenho o
resumo da fonte, o poeta não pode afirmar que esteja num só verso; o poeta deixa
isso para o mundo físico, lá onde as coisas se autolimitam, pois só no mundo físico
são as definições e as fórmulas de – ácido mais base é igual a sal mais água. No
reino da poesia, que é o do menino impossível, conforme se viu em Jorge de Lima, o
fluxo verbal é um enigma que se contenta com o fato de o ser. Cada verso nasce de
sua própria emissão, isto é, da conjunção de palavras, sem nenhuma regra fixa.
(CESAR, 1973, p. 146)
.
Isso posto, Guilhermino avança para defender seu ponto de vista, o de que o
poema de Quintana é um dos que “acontecem”, não um do tipo “fabricado” com pausas
prescritas pela velha lei poética. No soneto citado, “o ritmo de cada verso criou sua própria
realidade sonora”. Ou seja, trata-se de um poeta defendendo outro poeta que mesmo ao
utilizar uma forma clássica como o soneto mantém-se em alta conta literária, guardando
feição própria a partir do controle hábil de um ritmo a que chama de “vicário” e de um outro,
“indefinível, que é um segredo do grande poeta seu autor”. Dois ritmos, portanto. Sendo que o
“outro” conducente ao “mistério do existencial”, marca do poeta de Alegrete segundo o seu
resenhista.
Ora, ao revelar, assim, o que pensa sobre boa poesia, Guilhermino Cesar não nos
estará dando a chave para entendê-lo como poeta para quem o ritmo e o mistério da palavra
funcionam como centelha, combustível para o motor da poesia?
No outro artigo, consagrado a um livro de Heitor Saldanha, intitulado Viver
Poesia, Guilhermino Cesar começa, ao citar alguns versos do livro, pela afirmação da busca
pela poesia como o “ofício mais importante que existe” (CESAR, 1973, p.205), como se
escrever e viver fossem faces da mesma moeda, sinônimos de criar. Para ele, o caráter
inventivo da poesia de Heitor Saldanha haure na fonte de Valéry, poeta da “resistência ao
fácil”, da “poesia entendida como festim do intelecto”; para ele, Heitor é poeta de preencher o
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“Este quarto de enfermo, tão deserto/de tudo, pois nem livros eu já leio/e a própria vida eu a deixei no
meio/como um romance que ficasse aberto...//que me importa este quarto, em que desperto/como se despertasse
em quarto alheio?/Eu olho é o céu! imensamente perto,/o céu que me descansa como um seio.//Pois só o céu é
que está perto sim, tão perto e tão amigo que parece/um grande altar azul pousado em mim.//A morte deveria
sem assim:/um céu que pouco a pouco anoitecesse/e a gente nem soubesse que era fim”.